Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
[...] O que Jesus ensina é uma [...] Os professores não são [...] A partir do instante em
autorreflexão revolucionária: co- “confessores”, mas chefes de trei- que a filosofia não é capaz de vi-
meçar consigo mesmo e, então, namento em cursos de aquisição ver o que ela diz senão de modo
caso os outros devam ser efetiva- de um saber distante da vida. hipócrita, é preciso insolência pa-
mente “esclarecidos”, avançar ra dizer o que se vive. Numa cul-
com um exemplo próprio em sua Tão logo as determinações par- tura em que os idealismos empe-
direção. tidárias se coagulam e se transfor- dernidos fazem da mentira a for-
mam em identidades, de tal modo ma de vida, o processo da verda-
[...] O Estado dotado de poder que indivíduos não tomam sim- de depende da existência de pes-
pressupõe sujeitos cegos; ele faz plesmente partido, mas se tornam soas suficientemente agressivas e
tudo o que pode para impedir da partidos [...] livres (“descaradas”) para dizer a
maneira mais efetiva possível que verdade.
forças reflexivas sejam colocadas [...] A compulsão burguesa à
à disposição. seriedade estragou as possibilida- Trechos extraídos do livro
des satíricas, poéticas e irônicas do “Crítica da razão cínica” de
[...] Sob toda racionalidade e irracionalismo. Peter Sloterdijk
toda consciência se estende um
2 FUXICO Nº 36 Setembro a Dezembro de 2016
expediente
Comissão Editorial
sumário
Grazielle Miranda Silva
Juliana de Matos Figueirêdo
Miguel Almir L. de Araújo (Coord.)
Editorial
Romildo Carneiro Alves
Roquenei F. Lima (Cid Fiuza) Informes
Colaboradores Flica 2016 - p. 3
André Costa (UEFS) Ocupação da UEFS - p. 3
André Nunes (Queimadas)
Andrea N. M. Silva (UNEB) Artigos
Andrea Macedo Borges(FSA)
Carlos Silva (Mutuipe) A tirania dos processos de midiotização - Miguel Almir L. de Araújo - p. 4
Cristiano Silva (Sapeaçu) Análise da metaficção em Bufo & Spallanzani de Rubem Fonseca - Raul
Danilo Cerqueira (FSA) Henrique Ortellado - p. 5
Edite Maria da S. de Faria (UNEB) Meditações sociológicas: Sentidos e lutas no contexto do Fórum Vale
Edivania S. de Carvalho (SSA) Educar - João José de Santana Borges - p. 7
Evelly de M. S. Soares (UEFS) Que o teu afeto me afetou é fato: a importância da afetividade no
Fabrício de Souza (SSA) contexto escolar - Romário Sena Oliveira e Rebeca Cerqueira da Silva - p. 11
Humberto Miranda (UNICAMP) Literarte: Sarau poético - musical como instrumento potencializador de
Ivanildo Cajazeira (SSA) leitura - Lisiane Ferreira de Lima e Twyne Soares Ramos - p.12
João José de S. Borges (UNEB)
João Irineu (UEPB) Crônicas
João Paulino (UFR) Olhos de mar - Dênis Moura de Quadros - p. 14
José Alves (UFRB)
Luciano Ferreira (C. de Maria) Poemas
Maria José Firmino (Tucano)
Marcelo Vinicius (UEFS) (Sem título) - Bia Barros - p. 14
Mirian Carvalho Miranda (Araci) A moda é massa - Franklin Ramos - Sobreviventes -
Mynuska de Lima (Camaçari) Lia Sena - Abolição do preconceito - Roberta Nazário - p. 15
Pedro Juarez (Araci) A Estátua - Cecília de Souza - Num Canto Da Tarde / Miopia - Fabrício
Renailda Ferreira (UESB) Brandão - p. 16
Renato Tavares Santana (UESB)
Suzeni N. Belas Silva (UEFS)
Valéria Nancí (SSA)
Weslley M. Almeida - Revisor (FSA)
Conselho Editorial
editorial
Dr. Eduardo Oliveira (UFBA)
Dr. Miguel Almir L. de Araújo(UEFS)
Dr. João José de S. Borges (UNEB) Na sua 36ª edição o Fuxico devemos lutar coletivamente por
Dr. João F. Regis de Morais (UNICAMP) aborda temas diversos que dialogam mais que os desdobramentos destas
Drª. Mirela Figueredo Santos (UEFS) com sua policromia e que transcor- ações sejam imprevisíveis em tempos
Drª. Sandra S. Morais Pacheco (UNEB) rem pela diversidade de saberes, de dissolvência.
Dr. Roberval Alves Pereira (UEFS) abordando sobre as diferentes cultu- No texto “Que teu afeto me
Dr. João Irineu de F. Neto (UEPB) ras e vivências. afetou é fato: A importância da afeti-
Drª Andrea do N. M. Silva (UNEB) No texto “A tirania dos proces- vidade no contexto escolar”, o autor
sos de midiotização” o autor aborda trata acerca da afetividade e como o
Editoração Eletrônica
e critica o contexto de nossa socie- afeto é considerado aspecto impor-
e Web designer dade que tem sua cidadania amea- tante para o processo de desenvolvi-
Grazielle Miranda çada por processos em que grandes mento humano, seja ele em qualquer
Roquenei F. Lima (Cid Fiuza) poderes controlam os artifícios midi- idade, desde o ensino de crianças até
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE áticos que, de modo predominante, os de adultos.
FEIRA DE SANTANA manipulam e cegam as pessoas. No textro "Literarte: Sarau Poé-
No escrito “Análise Da Metafic- tico-Musical como instrumento poten-
Reitor
ção Em Bufo & Spallanzani De Ru- cializador de leitura”, as autoras rela-
Evandro do Nascimento Silva
bem Fonseca” o autor escreve uma tam a importância da leitura realçan-
Diretora do Departamento de resenha crítica literária da obra Bufo do que esta deve ser estimulada de
Educação & Spallanzani, na qual é demonstra- maneira prazerosa. O texto mostra a
Ana Maria Fontes dos Santos da a complexidade da arte do ato de experiência do projeto Sarau Literarte
Coordenador do NIT escrever e os impactos causados que promoveu a socialização da leitu-
Miguel Almir L. de Araújo nos leitores. ra e de outras artes.
Em “Meditações sociológicas: No Jornal também encontramos
Sentidos e lutas no contexto do Fó- poesias, crônicas, cordéis, imagens
Site do NIT rum Vale Educar”, o autor expõe o que nos fazem pensar e sentir sobre
www.uefs.br/nit período de insurgências que está as tranças da vida e refletir as nossas
ocorrendo em nosso país e como passagens.
Setembro a Dezembro de 2016 FUXICO Nº 36 3
informes
Flica 2016
Ocupação da UEFS
artigos
A tirania dos processos de midiotização
Miguel Almir
Professor da UEFS
Todos sabemos que o papel, a lência simbólica. Esta se proces- mo fetiches por estes meios. Es-
função primal de quaisquer mei- sa de forma difusa e dissimula- sas estratégias mobilizam inten-
os de comunicação (social) afir- da penetrando, com muita efi- samente os instintos e as emo-
madores dos princípios democrá- cácia, nos inconscientes e no ções fomentando nestas pessoas
ticos deve ser registrar e divulgar imaginário de grande parte da apenas suas dimensões pri-
os fatos, as notícias de forma população de modo bastante márias/elementares, sua condi-
responsável informando e escla- disfarçado, vilipendiando-a e ção zoológica. Dessa forma, es-
recendo a população acerca des- levando-a ao estado de aliena- tas são ludibriadas e até impedi-
tes e apresentando-os de modo ção em que passa até a se tor- das de desenvolver suas capaci-
transparente. Sabemos também nar defensora de seus próprios dades cognitivas, sua condição
que os canais de televisão são algozes. Desse modo, esses de seres pensantes, seu espírito
concessões do estado e que, por- conglomerados midiáticos têm crítico. Assim, podem ser reduzi-
tanto, estes têm a obrigação de exercido um poder monstruoso das à condição de meros seres
zelar pelo respeito vegetativos que ape-
para com a cidada- nas obedecem aos di-
nia. tames impostos, aos
Porém, no entra- processos de domesti-
mado das mídias cação de rebanhos;
brasileiras, sobre- que apenas consomem
tudo das grandes o que é forjado como
redes, salvo as ra- necessário e indispen-
ras exceções – se é sável para sua sobre-
que elas existem... vivência vegetativa.
–, a predominância Destarte, essas postu-
das posturas que ras se traduzem, efeti-
desqualificam esses vamente, em proces-
princípios é fla- sos de midiotização
grante e até estar- em que pessoas são
recedora. O que anestesiadas emocio-
tem ocorrido fre- nalmente pelas arma-
quentemente é dilhas das propagan-
quase que o estu- das, das informações
pro da cidadania. uniformizadas e dis-
Os grandes grupos Marcelo Sena torcidas que embotam
econômicos que de- seus sensos percepti-
têm e controlam as mega redes de desqualificação e de violação vos e as impedem de analisar e
dos meios de comunicação, com dos direitos humanos e sociais e discernir criticamente, de formar
a maior facilidade, num toque de da condição de cidadania da po- opiniões minimamente consisten-
mágica e de forma acintosa e cí- pulação. tes que as possibilitam se tornar
nica, convertem as verdades em Através dos mais diversos e cidadãos e cidadãs construtores
mentiras e as mentiras em ver- sofisticados mecanismos de per- e defensores de seus próprios
dades de acordo com os interes- suasão e de sedução as estraté- destinos, de seus direitos funda-
ses mercantis e ideológicos/ gias articuladas pelos veículos mentais, de suas liberdades.
partidários de seus proprietários. de comunicação, sobretudo a Nas tramas capciosas desses
A força bruta desse poderio eco- televisão, penetram, de modo processos de midiotização, as
nômico subordina grande parte muito sutil e invasivo, nos ima- pessoas, ao serem despotenciali-
dos poderes políticos e estes ginários, nos inconscientes de zadas de suas capacidades de
passam a se tornar serviçais da- muitas pessoas anestesiando-as pensar e de discernir criticamen-
quele. para que, negando sua condição te, tendem a ser bestializadas
Esses impérios midiáticos u- de sujeitos, se tornem meros mediante os imperativos da uni-
sam e abusam da forma de vio- objetos consumidores dos pro- formização homogeneizadora e
lência que lhes é peculiar: a vio- dutos e símbolos projetados co- docilizadora. Portanto, como
Setembro a Dezembro de 2016 FUXICO Nº 36 5
“idiotas sociais”, de modo confor- idiotizar e emburrecer. à esfera das ideologias, dos prag-
mista, passam a aceitar o que é Essas viseiras, viabilizadas matismos imediatos, o que pode
exposto e imposto de forma dis- através dos processos de com- descambar em processos perigo-
torcida e patrulhado ideologica- pulsão instintiva e emocional, sos de despolitização das pesso-
mente como verdades únicas e turvam e cegam os olhares que as. Portanto, confunde-se muito
inquestionáveis tornando-se pre- passam a se sectarizar ficando, ideias com ideologias.
sa fácil dos impérios da mídia e assim, impedidos de articular A tirania desses mecanismos
das corporações como coisa con- ideias vastas e fundas, de elabo- de midiotização estabelecida pelo
sumável, como objeto de consu- rar análises críticas e discernido- poderio dos grandes grupos eco-
mo fácil de produtos e de ideolo- ras sobre a complexidade dos nômicos mancomunados com a
gias. Nesses processos de midioti- fatos. Os jargões, rótulos e cli- política partidária configura o rei-
zação propaga-se e vende-se chês propagados fragmentam e nado do regime de uma razão cí-
muito gato por lebre. enviesam os fatos, as informa- nica que tende a redundar em
Essas lógicas uniformizadoras ções que são projetados de for- práticas fascistas contaminadas
que bestializam as pessoas atra- ma rasa e uniforme desprovidas de um ódio corrosivo que preten-
vés de suas viseiras sofisticadas e de conteúdos razoáveis e sóli- de excluir, silenciar, subjugar e,
sedutoras mediatizam seus pro- dos. se possível, eliminar as pessoas e
cessos de formatação por meio Nos meandros desse emara- grupos que são diferentes, que
dos artifícios sagazes de suas fôr- nhado confunde-se Política como indagam, que incomodam, que
mas domesticadoras, de seus ca- campo de ideias, de ações coleti- exigem respeito aos direitos hu-
brestos invisíveis que são incre- vas fundada na ética, com mero manos e sociais.
mentados perversamente para partidarismo que se circunscreve
Norbert Elias (1897-1990) foi aparentemente pontuais, mas macrossocial em que o movimento
um sociólogo de obra singular e que na verdade confluem em um místico ecológico se via imbricado,
fascinante, reconhecido por reali- processo ou em uma cadeia de de onde extraía seus motores e
zar o mérito de lidar com grandes processos de longa duração. Elias lições: ali revisitei algumas teorias
processos sócio-históricos atentan- coloca em algum momento a sobre a globalização, os atores he-
do também para os hábitos e cos- questão do sentido. Qual é o sen- gemônicos e contra-hegemônicos
tumes, para aqueles gestos apa- tido da humanidade? Se há algum envolvidos, bem como as redefini-
rentemente insignificantes, mas sentido pelo qual esperar, apre- ções do papel do Estado e as ven-
que revelam sobremaneira a cone- endemos com Elias, que tal senti- turas e desventuras da democraci-
xão entre as dimensões macro e do não está posto, não advém de a. Demonstrei uma poderosa teia
micro da vida social e das histórias uma essência pré-social, mas é macroestrutural, seguindo as pis-
humanas. Ao menos, duas grandes construído historicamente, cons- tas de autores como Wallerstein e
lições podemos apreender da obra truído pelos homens e mulheres outros, cujo protagonismo hege-
de Elias. A primeira, salientada por em processos de longa duração, mônico era encabeçado por em-
Renato Janine Ribeiro em seu pre- sempre, e ainda, em curso. presas “transnacionais” – evidenci-
fácio ao Processo civilizador Podemos observar, como hipó- ando seu papel na condução de
(1993), consiste em manter a es- tese, que tanto em sua causalida- políticas econômicas dos Estados,
perança ou a fé na humanidade, de, como em suas consequências, bem como seus arranjos institucio-
mesmo ao se deparar com situa- há um sentido se desvelando. Ou nais com agências regulatórias do
ções tão adversas como a vivida pelo menos várias direções se es- capital transnacional – como o
por Elias em plena guerra mundi tabilizando enquanto horizonte de FMI, por exemplo. Seguindo essa
(e como a que estamos vivendo expectativas. A razão sociológica linha de raciocínio, o desmonte do
a t u a l m e n t e ) . apontaria para aquilo que eu a- Estado, representado de forma de-
A outra grande lição consiste em nunciei no primeiro capítulo de finitiva pela PEC 241/55 e seus e-
perceber a conexão de eventos Àrvores e Budas (2015), quando feitos, não passa de um ajuste
aparentemente isolados, de ações busquei analisar a conjuntura conduzido transnacionalmente.
8 FUXICO Nº 36 Setembro a Dezembro de 2016
Trata-se de uma violenta investida rarmos por exemplo: 1. O impea- mos, atuamos através de nossos
da hegemonia neoliberal que se chment, encabeçado por aqueles corpos, atravessados por nossas
cristalizou em um pensamento ul- que queriam concretizar o Estado emoções. E nossa academia pro-
tra conservador e pré-fascista, in- mínimo agora em curso, usur- duziu em nós corpos emocionais
crustado no governo atual, em su- pando riquezas nacionais, patri- adoecidos, que pouco ou nada se
as lideranças no Congresso, no mônio natural e humano, a dis- conhecem de si mesmos, cheios
STF, no Ministério Público e na Po- por das grandes empresas de medos e recalques, ira contida,
lícia Federal, sem falar, obviamen- “transnacionais” e o papel insinu- mágoa e complexos de inferiori-
ante do governo ade/ superioridade, choro abafa-
norte-americano do, tristeza mal reconhecida.
neste processo. 2. Os tempos de ferro, que nos
A destruição de em- assombram em pesadelos e proje-
presas nacionais, ções as mais terríveis, demandam
sob pretexto de uma ação consistente de cuidado
corrupção, para as- e fortalecimento de nossos corpos
sim, permitir o in- e emoções. Talvez aí resida o sen-
fluxo do capital tido novo para a ação política, o
transnacional, em sentido oculto por nossas perspec-
um processo já o- tivas acadêmico-político-
corrido em vários científicas: o sentido do corpo em
países periféricos militância. Quantas repressões
ao sistema capita- trazemos em nossa história? So-
lista global. mos bombas relógios prestes a
Mas este não é o explodir, de tanto sofrimento mal
único sentido que cuidado e mal sentido? Os últimos
podemos fazer in- acontecimentos apontam triste-
flamar nossas sen- mente para isso. As mortes que
sibilidades para vamos acumulando, o sentimento
com esse tempo. de insegurança e de desamparo
Há uma insurgência nos clamam por um olhar mais
se manifestando, se atento a nossa humanidade para
renovando, e se que “lutemos feito meninas”, com
apossando, um tan- essa coragem inusitada, com es-
to táctil e febril- ses corpos tão aparentemente frá-
mente da agência geis, mas que ecoam poderosa-
contra-hegemônica mente em uma ação insurgente:
já ocupada por sin- esta sim, a grande novidade-
dicatos e partidos síntese desses tempos de dissol-
políticos de esquer- vência.
da, mas também Voltando a Elias, não sabemos
por guerrilheiros qual o sentido que será desentra-
apaixonados pela nhado da tragédia do Estado Míni-
causa da democra- mo em curso, e que novos senti-
cia e da justiça so- dos de solidariedade serão exigi-
Regina Costa
cial. Quem assistiu dos de nós. Mas escutemos nossos
te, na grande mídia. Mais do que ao documentário “Lute como uma corpos: talvez o corpo aponte ca-
nunca, esta tem protagonizado menina”, poderá sentir na pele minhos novos, inusitados, solu-
uma ação demolidora dos princí- ao que estou a me referir. E ções improváveis, de um destino
pios modernos do jornalismo, u- quando escrevo “sentir na pele”, coletivo que tem sua tragédia,
sando mecanismos de péssimo insinuo um importante ingredien- mas que é também nutrido por
gosto, como difamações, deturpa- te dessa ação insurgente: a sen- uma Vida que não desistirá de e-
ções, perseguições, mutilações sibilidade, a razão sensível, é xistir, apesar de Temer, Moro, Gil-
grosseiras (os antigos recortes e constitutiva da ação política. Não mar, Bolsonaro, e tantos outros
enquadramentos) do real em suas enxergar isso é incorrer em uma que cobrem nosso céu de densas
notícias viciadas, em suas análises espécie de alienação de si que nuvens de chumbo e dor. É preci-
desrespeitosas à inteligência míni- cobrará um alto preço. Sendo a- so, sobretudo e mais do que nun-
ma dos seus espectadores. inda mais contundente, o apelo ca, meditar o sentido de toda essa
Sim, este é um quadro desolador, ao cuidado com as emoções, lon- efervescência que nos religa mais
aqui apenas pincelado em algumas ge de ser uma perda de tempo uma vez na história (e finalmen-
de suas matizes mais evidentes. para o militante empedernido, ou te!) em uma luta coletiva cujos
Os vínculos entre os fatos e forças um luxo para tempos de calmari- desdobramentos são ainda impre-
“transnacionais” são bastante con- a, é um instrumento poderoso de visíveis, mas sobretudo, irreversí-
catenados; sobretudo se conside- luta. Isso porque lutamos, sofre- veis em suas consequências
Setembro a Dezembro de 2016 FUXICO Nº 36 9
Na sociedade contem-
porânea as relações so-
ciais estão mais frias, os
indivíduos são cada vez
mais introspectivos, as
atitudes individualistas
expressam-se, gradati-
vamente, notadas. Ou
seja, as demonstrações
de afeto, fraqueza, in-
certezas ou emoções no
geral, não são aspectos
apreciados, benquistos e
bem vistos. Essa carac-
terística de desvaloriza-
ção dos laços afetivos
também se reflete no
contexto da educação,
em todos os níveis, do
Ensino Básico à Educa-
ção de Jovens e Adultos.
Portanto, é preciso con-
tornar essa condição a-
tual e tornar o processo
de ensino/aprendizagem
mais humano. É preciso,
ainda, perceber a impor- Regina Costa
tância do vínculo afetivo
para uma aprendizagem de quali- acontecer da mesma forma. E vens e adultos, até o ensino supe-
dade, uma aprendizagem bem- isso em qualquer esfera da socie- rior, que muitas vezes pregam um
sucedida e significativa. dade, desde o vendedor da esqui- convívio educacional tecnicista.
O humano é um ser intenso e na, até pessoas com cargos pro- Mas, afinal, o que é afetivida-
sentimental. A sua necessidade de fissionais mais elevados. de? Dantas (1990, p.10) conceitua
viver em grupo é estudada há mui- Quando se fala em educação, é afetividade da seguinte maneira:
to tempo e é, também, muito im- necessário saber como alcançar “afetividade designa [...] os pro-
portante para a compreensão do de forma afetiva os indivíduos, cessos psíquicos que acompanham
processo de afetividade, seja ela pois para obter resultados positi- as manifestações orgânicas da e-
em qual âmbito for. Marina (1996, vos naquilo que se intenciona moção. A afetividade pode bem ser
p. 83) diz que: chegar no contexto educacional, a conceituada como uma das formas
“Os sentimentos modificam o pen- afetividade em qualquer área da de amor”. Com base nos estudos
samento, a ação e o entorno; a vida é fundamental. Compreender da autora, a afetividade é compre-
ação modifica o pensamento, os que tratar bem e de forma afetu- endida como um estado psicológi-
sentimentos e o entorno; o entor- osa um aluno traz benefícios para co, no qual um indivíduo pode ou
no influi nos pensamentos, nos o processo educacional, e isso não ser modificado a partir das si-
sentimentos e na ação; os pensa- proporciona de forma positiva, tuações vividas.
mentos influem no sentimento, na resultados e um retorno positivo Segundo Piaget (1983), tal esta-
ação e no entorno”. para a comunidade escolar, possi- do psicológico é de grande influên-
A mente humana carece de afe- bilitando um trabalho de vias du- cia no comportamento e no apren-
tividade. Saber como tocar as pes- plas. Posto que, em qualquer es- dizado das pessoas, juntamente
soas sentimentalmente é significa- fera da sociedade, a afetividade com o desenvolvimento cognitivo.
tivo. A afetividade em qualquer traduz aquilo que a alma expres- Tendo em vista isso, o afeto é con-
área da vida é fundamental. Saber sa, acontecendo nos mais diver- siderado como aspecto importante
como tratar bem, de forma afetuo- sos contextos sociais e educacio- do funcionamento intelectual, des-
sa e amigável uma pessoa é ne- nais, desde a educação básica, de o ensino de crianças até o de
cessário para que o retorno possa perpassando pelo ensino de jo- adultos.
10 FUXICO Nº 36 Setembro a Dezembro de 2016
mo os segundos
pais, não dife-
rentemente do
que pode ocor-
rer em salas de
aula da Educa-
ção de Jovens e
A d u l t o s
(doravante EJA),
uma vez que
esses sujeitos
são inseguros
com o retorno à
sala de aula. Em
casos como es-
te, é necessário
que o professor
possa ser o mais
caloroso possível
com o aluno,
para que o mes-
mo se sinta aco-
lhido e possa ter
a aprendizagem
M. A. desenvolvida
expressiva e
Lev S. Vygotsky (2001) segue demonstra bom humor é um prazerosa.
a linha cognitivista que destaca a bom motivador, o aluno que é Os alunos da EJA são, no ge-
importância da afetividade no incentivado a questionar e acre- ral, pessoas de meia idade ou i-
processo de aprendizagem da cri- ditar nos seus próprios potenci- dosas, as quais provavelmente
ança. Processo esse que, de acor- ais se torna mais interessado e em sua juventude não tiveram a
do com ele, é resultado da inter- produz resultados significativos, oportunidade de estudar, seja por
relação entre fatores biológicos e os quais levam para toda vida. falta de recursos financeiros, ne-
sociais. Para Vygotsky (2001), a Todos têm vontade de apren- cessidade de trabalhar para aju-
construção do conhecimento o- der, mas quando o aluno se sen- dar a família, ou a falta de esco-
corre a partir da vivência em soci- te bem com o professor e com a las na sua comunidade, entre ou-
edade e o professor exerce papel forma que ele apresenta os con- tras coisas. É importante tocar no
fundamental como guia do aluno teúdos, tem muito mais facilida- rompante de que a afetividade
para que este descubra o mundo. de para entender a matéria, e nesse contexto, pois esse alunado
O professor deve criar condições esse o levará à vontade de cres- necessita de muita atenção e cari-
para que a aprendizagem ocorra cer e adquirir cada vez mais co- nho, pois esta relação afetuosa
da maneira mais eficaz. Para Vy- nhecimento. No fim do processo serve como incentivo para não
gotsky (2001) a linguagem, que de aprendizagem o aluno poderá desistirem de voltar à escola,
tem como componente principal a elaborar seus próprios questio- conservando sua autoestima ele-
palavra, é o instrumento funda- namentos e maior habilidade pa- vada e percebendo o quanto são
mental para a socialização dos ra pensar por si só, além de a- capazes, independente da dife-
indivíduos. presentar maior autoconfiança rença de idade que há entre o
A palavra é a manifestação físi- para a vida. professor e ele, ou até mesmo
ca do produto da relação entre o Dantas (1992) revela, em al- entre ele e seus colegas de clas-
pensamento e a linguagem, daí a guns de seus estudos, sobre a se.
notoriedade da sua importância, possibilidade de haver etapas de Independentemente dos moti-
uma vez que ela é a capacidade desenvolvimento da afetividade, vos que levaram ao afastamento
que possuímos de expressar nos- pois expressa uma evolução da desses indivíduos do ambiente
sos pensamentos, ideias, opiniões afetividade que se inicia nos pri- escolar, essa modalidade de ensi-
e, principalmente, nossos senti- meiros dias de vida e se prolon- no tem como objetivo proporcio-
mentos. Portanto, o uso correto ga no processo de desenvolvi- nar a tais sujeitos o usufruto de
dela, proporcionará bons resulta- mento, mostrando de maneira seus direitos, a oportunidade de
do no processo de ensino feito distinta a influência do meio so- superar as barreiras colocadas
pelo professor ao aluno. A manei- cial. Quando a criança é inserida durante suas vidas pelas injusti-
ra como o professor expõe o con- no ambiente escolar precisa ser ças sociais, de reconquistarem
teúdo leva a uma resposta positi- confortada pelos professores suas identidades culturais e, aci-
va do aluno. Um professor que que, muitas vezes, são tidos co- ma de tudo, a tornarem-se cida-
Setembro a Dezembro de 2016 FUXICO Nº 36 11
Valéria Nancí
ção entre a literatura e diferentes
te, visou ser realizado em outros
artes, contribuindo para desen-
locais, promovendo a socialização
volvimento da leitura e funcio- Referências
da literatura e de outras artes.
nando como um espaço no qual
Desta maneira, as ações propostas
a comunidade pode acercar-se da BAPTISTA, Anna Maria Haddad.
pelo projeto permitem que a co-
arte e, inclusive, socializar traba- Literatura e Ensino: duas propos-
munidade possa tanto ampliar,
lhos autorais. tas para reflexão. Disponível em:
quanto socializar suas referências
Assim, além de estimular a lei- http://www.uninove.br/PDFs/
culturais e artísticas.
tura no âmbito acadêmico, o Sa- Mestrados/Educa%C3%A7%C3%
O Sarau Literarte está vinculado
rau Literarte possui também uma A 3 o / I I I E N C O N T R O /
ao projeto 'Socializando a leitu-
abrangência social e artística, u- AnaHaddad.pdf. Acesso em 02 de
ra' (ILA/FURG), que tem como ob-
ma vez que promove um encon- jan. de 2016.
jetivo geral promover a prática da
tro entre artistas e admiradores BRAGA, Regina; SILVESTRE, Maria
leitura e o estímulo à formação de
da arte da universidade e da co- de Fátima. Construindo o leitor
consciências críticas advindas des-
munidade em geral. O projeto competente: atividades de leitura
sa prática. Além disso, o atual pro-
possibilita, além da visibilidade a interativa para a sala de aula. São
jeto dialoga com a 'Oficina de con-
autores consagrados pela crítica Paulo: Peirópolis, 2002.
tação: a formação de leito-
literária, a difusão de textos auto- COELHO, N.N. Literatura: arte, co-
res' (ILA/FURG) e com o projeto
rais de seus participantes. Além nhecimento e vida. São Paulo: Pei-
'Troca de livros' (ILA/FURG), cujas
disso, destaca-se o fato de que o rópolis, 2000.
presenças vêm se ampliando no
“Literarte” permanece aberto a EAGLETON, Terry. Teoria da
Município de Rio Grande/RS. As-
participações durante sua realiza- Literatura: uma introdução.
sim, as ações desenvolvidas no
ção, caso seus espectadores de- Tradução de Waltensir Dutra. São
Sarau Literarte buscam proporcio-
sejem participar de variadas for- Paulo: Martins Fontes, 2003
nar a ampliação do trabalho de
mas. FREIRE, Paulo. Pedagogia da auto-
mediadores de leitura, tanto para
Nesse sentido, o Sarau age co- nomia: saberes necessários à prá-
profissionais já envolvidos em ati-
mo um instrumento estimulador tica educativa. São Paulo, Paz e
vidades docentes, como para me-
de práticas literárias e artísticas, Terra, 1996.
diadores em formação.
buscando a propagação da leitura ______. A importância do ato de
Além disso, o sarau enseja a
e da arte no ambiente acadêmico, ler: em três artigos que se comple-
possibilidade de incentivar a leitura
uma vez que a ampliação de co- tam. 50.ed. São Paulo: Cortez,
através da troca de livros, propor-
nhecimentos e a reflexão sobre os 2009.
cionando, assim, a oportunidade
caminhos da literatura e da pro- GEE, J. P. Situated language and
de o leitor adquirir mais conheci-
dução escrita como processo são learning: a critique of traditional
mento, sem custos com novos li-
pertinentes para a atuação de schooling. London: Routledge,
vros. Dessa forma, o projeto auxi-
mediadores de leitura na contem- 2004.
lia na formação de leitores de dife-
poraneidade, bem como para a
rentes condições socioeconômicas,
formação de cidadãos críticos.
intensificando o desejo de intera-
14 FUXICO Nº 36 Setembro a Dezembro de 2016
crônicas
Olhos de mar
Dênis Moura de Quadros
Dom Pedrito - RS
Era alguém comum. Acordava esse amor impossível devia estar -Sou seu Anjo querido...
sempre às 7h em um rigoroso coti- morto, mas estava latente e vivo Mas eu não posso pensar, eu
diano que não havia a necessidade e a cada minuto voltava doendo o não quero lembrar que... Mas a
de despertadores ou de outros me- peito no espaço onde diziam ha- moça estava ali, parada, risonha e
canismos eletrônicos. ver o coração. Parece que é ver- doce, olhando pra ele com aqueles
Todos os dias às 7h, acordava e dadeira a luta entre a razão e a olhos que lhe lembravam o mar, a
de um salto saía da cama, vestia a emoção. serenidade do mar.
camisa de linho branco, presente A imagem já nítida estava ao Tentando escapar desse amor,
de sua esposa, ou ex-esposa, es- seu lado direito, nas costas: a dessa dolorosa paixão que o per-
sa, outra história de amor mal re- moça doce e sensível que vivia seguia, não havia outra alternati-
solvido. Calçava seus tênis e ia to- um conto de fadas com seu prín- va. Junto à moça de seus pensa-
mar o café. Um dia comum de al- cipe encantado, que não era ele. mentos faz uma despedida; na-
guém comum que, parece, adora- Nesse momento, contudo, sua quele momento sem cartas, nem
va a chata e monótona vida. imagem se materializava trazida adeuses, fez-se poesia afogado
Naquele dia comum, tentando por um perfume, gostos, absor- naqueles olhos de mar.
esconder o interior de seu ser foi vente de ipê roxo florescendo na
surpreendido, em sua mesa de tra- primavera.
balho, por um perfume adocicado
com notas florais. Era como se o
pequeno espaço que compreendia
sua mesa e a estante de livros fos-
se preenchido completamente pelo
êxtase daquele perfume que, va-
garosamente, tomava conta de
seus pensamentos.
Em seu íntimo sabia que não
deveria afastar-se de sua linda e
bela vida construída pelo suor e
obstinado sonho de uma vida co-
mum e, ao que parece, próspera.
O perfume o foi levando ao sonho,
aquelas adocicadas notas pintavam
uma imagem brilhosa e ao mesmo
tempo: conhecida e estranha.
Já absorto nos pensamentos que
não deveria nutrir, nem tê-los, a
imagem tornava-se mais nítida.
Mas não devia ser, não podia ser, Regina Costa
poemas
Alguma dor chegou Que mais parece cachorro quando A matar-me lenta e impiedosa-
Misteriosa e calma geme de fome mente
E eu, náufraga de rasa água, Bicho que ao crepúsculo é terrível E que nesses dias rebeldes e ardis
Com uma agonia mansa gigante Dorme em alguma secretíssima
caverna.
Bia Barros
São Paulo - SP
Setembro a Dezembro de 2016 FUXICO Nº 36 15
Franklin Ramos
Marcelo Sena
Porto Seguro - BA
Abolição do preconceito
miopia
se me contento a tudo
ofereces-me ventos errantes
desses que envergam edifícios
sem aviso aparente
Linda Côrtes
Linda Côrtes
Cecília de Souza
Rio Grande - RS
Marcelo Sena