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Apresentação
Releitura Levi-Strauss-Bricalage
Fernanda Amalfi
O céu da História:
sobre alguns motivos judaico-henjaminianos
Olgária Chaim Féres Matos
O jogo de ajuntar coisas
e a arte da descontinuidade
Sérgio Lima
Le lien social
Leslie Kaplan
A oralidade: a escrita da memória
Elizabeth Ceita Vera Cruz
Percursos da Etnografia:
loucura e imaginário dogon
Denise Dias Barros
Considerações sobre justiça e violência:
o camponês paraibano como bricoleur
Marcelo Gomes Justo
Religiões transnacionais.
A Igreja católica romana no Brasil
e a Igreja ortodoxa na Rússia
Ralph Delia Cava
A espada e a lagoa: duas versões do fim do mundo
Carlos Alberto Steil
La Virgen de Luján:
el milagro de una identidad nacional católica
Eloísa Martin
La nueva era en Posadas,
Viejos escenarios, nuevas miradas
Maria dei Rosário Contepomi
Uma tentativa de percorrer caminhos,..
Fernanda Amalfi
Resenhas
Imaginário
Percepção/B ricolage
número 6
São Paulo-2000
ISSN 1413-666X
Revista Publicação do Núcleo Interdisciplinar do Imagi-
Anual
1. Antropologia
2. Arte
3. Geografia
Credibel 4.
5.
Psicologia
Sociologia
sumario
Apresentação 9
Releitura Levi-Strauss-Bricolage 12
Fernanda Amalfi
Lelien social 46
Leslie Kaplan
Resenhas 187
9 apresentação. Imaginário - usp, n= 6, pág. 9-10, 2000
O senhor sabe o mais que é, de se navegar sertão num rumo sem termo,
amanhecendo cada manhã num pouso diferente,
sem juizo de raiz?
Não se tem onde acostumar os olhos, toda firmeza se dissolve.
Isto é assim. Desde o raiar da aurora, o sertão tonteia. Os tamanhos.
Guimarães Rosa
•
matos, olgária chaim féres. Imaginário - USP, n'^ 6, pág. 14-25, 2000 14
I ceu d a historia: s o u r e
alguns motivos j Maico-
projetada sobre Paris e a Baudelaire, mas também outros temas). Esses trabalhos cons-
tituem, por assim dizer, sua Bíblia, uma vez que a "introdução ao Trauerspiel só pode-
rá ser compreendida por alguém que conheça a Cabala".
O Drama Barroco Alemão do século XVII — e o "drama barroco francês
do XIX — o Passagem Werk (Livro das Passagens) — conjugam-se em uma
"teologia renovada": aquela que reúne a tradição mística judaica e a marxista.
Não por acaso, ao criticá-lo por não aderir "genuinamente" ao materiahsmo
histórico. Adorno lhe diz que seus escritos sobre Paris e Baudelaire, isto é, sua
concepção de História, mesclam "misticismo e positivismo". Marxista para te-
ólogos como Scholem, e teólogo para marxistas como Brecht, Benjamin não
contrapõe teologia e revolução ^ No Trauerspiel e na "capital do século XIX"
— Paris, a "capital do Capital" —, uma personagem é constante — o Anjo: a
Melancolia I no Drama Barroco, Satã, em Baudelaire. Em seu ensaio sobre
Karl Kraus, Benjamin refere-se à imagem talmúdica das hostes incontáveis de
anjos recriados a todo instante para cantar a glória de Deus para logo retomarem
ao nada. Esse "angelus novus" — que Benjamin reencontra na aquarela de Klee
—, possui, a um só tempo, os traços da redenção messiânica como também da
destruição: "há um quadro de Klee que se entitula Angelus Novus. Representa
um anjo que parece querer afastar-se de algo sobre o qual fixa seu olhar. Seus
olhos estão estarrecidos, sua boca aberta, suas asas desdobradas. Deve ser este o
aspecto do anjo da história (...). Onde para nós se apresenta uma só cadeia de
acontecimentos, ele vê uma única e mesma catástrofe que não cessa de acumu-
lar ruínas sobre ruínas e as joga a seus pés (...). Ele gostaria de deter-se ainda um
instante, despertar os mortos e reunir os vencidos. Mas do paraíso sopra uma
tempestade que se entranha em suas asas tão fortemente que ele não pode mais
fechá-las. Esta tempestade o empurra irresistivelmente para o futuro ao qual ele
dá as costas, enquanto até o céu, diante dele, acumulam-se as ruínas. Esta tem-
pestade é o que chamamos progresso" (tese n. 9). Aqui, o anjo melancólico se
encontra na contramão da história, contemplando catástrofes e desolação; sua
visão expressa alegoricamente a história do sofrimento do mundol
Benjamin preconiza a "organização do pessimismo" e de seu próprio pessi-
mismo, uma estratégia do desespero: "um relato da cabala", escreve Benjamin,
"conta que a cada segundo Deus cria uma infinidade de anjos; antes de desapare-
cerem no nada, todos comparecem um instante diante de seu trono para cantar
seus louvores. O meu interrompeu seu ofício: seus traços não ofereciam nada de
humano. Fez-me pagar caro tê-lo incomodado, pois aproveitou da circunstância
que me fez nascer sob o signo de Saturno — planeta das revoluções mais lentas,
astro da hesitação e dos atrasos". Messianismo e niilismo não encontram mais
uma "boa nova", os anjos não são aqui mensageiros do bem.
Encontram-se melancolia e anjo no Drama Barroco e na obra de Baudelaire.
Na tradição religiosa até a Renascença, a melancolia é obra do demônio: "na
matos, olgária chaim féres. Imaginário - USP, n'^ 6, pág. 14-25, 2000 18
da que não poderia ser curada: meu neto, que como todos viu essas imagens, já
não será capaz de ver a lua como eu a vi: com os olhos de um grego. A palavra
Selene tomou-se uma referência meramente erudita: a Lua, tal como hoje surge
no céu, já não responde a esse nome". Se nos reportamos, agora, à premissa
gnoseológica do Drama Barroco Alemão, poderemos compreender a importân-
cia do pensamento grego, em particular o de Platão: o transitório — os fenôme-
nos —, são "salvos", perenizados na eternidade do céu dos astros perfeitos e
luminosos: as Idéias. É dessa natureza o Belo e a beleza: "a beleza em geral",
escreve Benjamin, "permanecerá fulgurante e palpável enquanto admitir fran-
camente ser uma simples fulguração. Seu brilho, que seduz, desde que não queira
ser mais que bilho, provoca a inteligência que a persegue (...). O mesmo vale
para o amor humano: o homem é belo para o amante e não em si mesmo, porque
seu corpo se inscreve numa ordem mais alta do que a do belo (...). Amante e não
perseguidor, Eros segue (a beleza) em sua fuga que não terá fim, porque a bele-
za, para manter sua fulguração, foge da inteligência por terror e por medo do
amante. (Para Platão) o Ser da beleza não se manifesta no desvendamento e sim
num processo que pode ser caracterizado metaforicamente como um incêndio,
no qual o invólucro do objeto se consome em chamas, uma destruição pelo fogo
durante a qual a sua forma atinge o ponto mais alto de sua intensidade lumino-
sa" {Drama Barroco Alemão). No Banquete, com efeito, Platão diz que a chama
da paixão nos queima como com pontadas, porque as figuras geométricas são
pontiagudas e, em movimento, nos ferem assim, como sentem os que queimam
de amor. E a geometria é alma, alma abstrata e espiritual, experiência que trans-
cende o sensível e revela a espiritualidade presente na matéria, o que é imutável
e eterno; é deles que depende ultrapassar-se o efêmero e salvá-lo na verdade
essencial. A geometria platônica é co-partícipe do deus, traz consigo vestígios
do invisível. A palavra grega idèin (ver) e eidenai (saber) procedem de eidos
(idéia) — forma inteligível, aspecto visível. O conhecimento é expresso e inter-
pretado pelos olhos. Em Platão, a idéia esplende no mundo inteligível, é espetá-
culo e especulação — cuja raiz comum ensina que ambos se vinculam à idéia do
conhecimento como operação do olhar e da linguagem. Mas não só. Ver e viver são,
também, o mesmo pois "para se estar vivo, é preciso ver a luz do Sol e, ao mesmo
tempo, ser-se visível aos olhos de todos. Morrer significa perder a visão e a visibili-
dade" (Vemant, op. cit.). A visão é possível pois entre o que é visto e aquele que vê
há uma plena reciprocidade ou, pelo menos, expressa senão uma identidade absolu-
ta, uma estreita afinidade. O Sol que ilumina todas as coisas é, também, no céu, um
olho que tudo vê, e se nossos olhos vêem, é porque irradiam uma luz comparável
àquela do sol: "o raio luminoso que emana do objeto e o toma visível é da mesma
natureza do raio óptico que sai de nossos olhos e lhes dá visão (...). A luz é visão e a
visão é luminosa" (Vemant, op. cit.). Que se pense também na "alegoria da caverna"
da República, onde o Sol que ilumina o mundo fenomênico é o análogo do Bem no
matos, olgária chaim féres. Imaginário - USP, n'^ 6, pág. 14-25, 2000 19
No Livro das Passagens, anotações que reúnem escritos entre 1929-1940, en-
contram-se entrecruzados mais de um paradigma de análise onde a presença cons-
tante é a teologial Contra a continuidade temporal que é a repetição do tempo do
infemo, a teologia oferece a experiência de um tempo disruptivo, da interrupção das
catástrofes da História e da repetição dos massacres. O tempo redimido é o tempo
messiânico, pois "todos aqueles que até agora conquistaram a vitória participam
desse cortejo triunfal em que os dominadores de hoje só chegaram a essa posição
porque marcham por sobre os corpos daqueles prostrados no chão" (tese n. 7, "So-
bre o Conceito de História", in Illuninationen). O "tempo homogêneo e vazio" é o
do devir abstrato onde vencedores e vencidos, os que estão no poder e os que lutam
pela vitória histórica encontram-se no mesmo registro da violência. Aqueles que
desejam poder assemelham-se, mimeticamente, por uma secreta identificação, àque-
les que o ocupam. O vencedor é sempre e apenas o vencedor do momento e todo
vencido é sempre vítima. No continuam do tempo, linha reta ou espiral, Benjamin
reconhece a ideologia do moderno em sua identificação com a noção do progresso.
Este quer se fazer passar como espaço de tempo no qual o que vem depois é neces-
sariamente melhor do que o que veio antes. Mas não só. Nele "coincidem" desen-
volvimentos técnicos e científicos com os da humanidade enquanto tal, o que resul-
ta na sonegação da barbárie que o progresso preservou. Existe a superstição do
progresso, mas também suas vítimas. Recaídas periódicas na barbárie são conside-
radas como "acidente de percurso" rumo a futuros gloriosos. Fala-se em progresso
obliterando-se suas vítimas. O progresso silencia a dor da natureza circundante e a
do homem na história. Com respeito ao que Benjamin escreveu, inspirado na obra
do cabalista Molitor: "Por ser muda, a natureza decaída é triste. Mas a inversão
dessa frase vai maisftindona essência da alegoria: é a sua tristeza que a toma muda"
(DBA). A incapacidade de falar uma bngua comunicativa, vale dizer, adamítica,
nomeadora é o luto da natureza e da história. A obra da Criação só se completa, para
Benjamin, quando as coisas recebem um nome, e isso em um sentido preciso — a
hnguagem é potência de nominação: "nada liga melhor o homem à linguagem que
seu nome" ("Afinidades Eletivas", in Illuminationen); e é nele que a essência espiri-
tual do homen) se comunica com Deus". A "queda" da linguagem é sua redução ao
estado de instrumentalização comunicativa. No ensaio "Problemas da sociologia da
linguagem", de 1935, Benjamin inclui a sociolingüística em uma antropologia his-
tórica do corpo, do gesto e do Sujeito. Mostra a que ponto seus diferentes domínios
supõem uns os outros, requisitando uma teoria que abranja o conjunto das realiza-
ções humanas: sociedade, linguagem, história.
Circunstância por excelência da modernidade, a Torre de Babel. Não por
acaso, Benjamin comenta a obra de Kafka'^. Ambos se encontram na questão da
escritura, da língua. Sua conclusão resulta nas línguas instrumentais, aquelas
que não têm "nenhum eco", ignoram uma experiência originária. Todo diálogo
comunicativo do homem com a natureza e com o outro está rompido.
matos, olgária chaim féres. Imaginário - USP, n'^ 6, pág. 14-25, 2000 23
notas
i artíc da âescostlBiai/cada
Sérgio lima*
* Artista Plástico.
38lima, sérgio. Imaginário - usp, n= 6, pág. 26-45, 2000
aplicada à ação. Vontade que é o desejo "tomado perfeitamente consciente", nos diz
Legrand e, comentando Nietzsche, prossegue: "É a prova concreta da Liberdade".
Poesia e arte nos mostram o que não vemos, e o que não (se) vê até que seja
mostrado. (...) O homem moderno parece ser um ser do olhar, do Ver. Porém,
olha tudo sem ver, ou, vemos tudo sem olhar? O primado visual transforma
tudo em espetáculo digno de ser visto...
Já foi colocado por Gaston Bachelard, há longa data, diga-se (1939), que o
poeta destrói a simples linearidade do tempo encadeado, da continuidade do
tempo, "para construir um tempo complexo, para unir sobre este instante as
numerosas simultaneidades de um tempo que chamaremos de vertical — dis-
tinguindo-o assim do tempo comum que foge horizontalmente com a água de
rio, com o vento que passa".
Adiantamos mais, ainda a partir de Bachelard, que o instante da verticalidade
poética onde "o ato criador se inscreve bruscamente", essa descontinuidade do
instante em sua radicalização de absoluto, abre para uma nova realidade.
Sabemos que a arte transporta e nos fala desta nova realidade. Mas não o jogo.
Absoluto aqui que se articula propriamente com o esgar de Eros, com o erótico
e toda a de-formação, o dar forma que jorra da sua real transgressão. Poder-se-ia
avançar, de certo modo e quase sem hipóteses de erro, a afirmação de uma arte
fundada no erótico. Uma arte que dá passagem ao erótico (e a seu contexto sacral)
caracteriza praticamente toda a expressão desmedida do transgredir e do à margem
de parâmetros convencionais. Transbordo do excessivo que, categórico, configurou
38lima, sérgio. Imaginário - usp, n= 6, pág. 26-45, 2000
As formas da arte não são gratuitas ou vazias, mas sim prenhes de signifi-
cado. E mais, são formafivas e embasam a organização da experiência humana,
nos lembra Emst Cassirer:
O próprio Schiller define a beleza como "forma viva". Para ele, a consciência
das formas vivas é o passo inicial e indispensável que leva à experiência da
liberdade. A contemplação, a reflexão estética, segundo Schiller, é a primeira
atitude de liberdade do homem em relação ao Universo. Precisamente esta
atitude de liberdade consciente e reflexiva falta ao jogo das crianças, assina-
lando a fronteira entre o jogo e a arte (Cassirer, 1982).
O jogo, por sua singularidade de tempo fechado e regras fixas, mesmo quando
inclui o erradio e o aleatório, não preenche as necessidades de uma interpretação da
realidade como a arte o faz, por meio das formas sensoriais ou das intuições.
Mais tarde, por volta da n Grande Guerra, Claude Lévi-Strauss ligou o senso
de bricolage à noção de um "pensamento selvagem", fundando uma nova pers-
pectiva do conhecimento e da análise científica que fez fortuna: o Estruturalismo.
nem um todo perfeito e acabado. O próprio Emst já lembrava que "não é a cola
que faz a colagem". André Breton, quando apresentou a primeira exposição de
Emst em Paris (maio de 1920), também sublinhou que as colagens cubistas eram
outra coisa: "os papéis colados dos cubistas respondiam a uma necessidade esté-
tica e resultavam, assim, numa solução estética, ao passo que as collages surrealistas
nasceram de uma outra necessidade, a de se rebelar contra a exterior distribuição
(somente utilitária) dos objetos".
As duas ressalvas acima fizeram época e estão citadas em extenso no
livro de Ernst, Beyond Painting (1948). Dentre muitas outras ocasiões em
que já foram citadas, destacamos que também estão presentes no The Imagery
of Surrealism, de J. H. Matthews (1977), o qual acrescenta outra pertinente
colocação, já citada por nós em Collage (Lima, 1984) e que reiteramos:
Desejamos frisar que o que se chamou mais tarde de objeto já se fazia presen-
te em diversas instâncias, das artes ou outras, sobretudo aquelas não delimitadas
por função ou pelos utilitários. Por exemplo, o "sofá vermelho" pintado por
Rousseau no meio da floresta, com o título Le Rêve. Inclusive enquanto presença
insóhta, o objeto apresentava-se, pois não mais dimensionável (até os anos 10) em
38lima, sérgio. Imaginário - usp, n= 6, pág. 26-45, 2000
Vale insistir que toda a reflexão de André Breton sobre a questão do objeto,
alinhavada em passagens de Nadja e dos Vases Communicants, alimentava-se e
se apoiava de forma incisiva nas questões abertas pela collage e sua radical
intervenção na linguagem plástica convencional nitidamente.
brícolage articula-se inicialmente com o conhecimento via magia, ou seja, via "Ia
pensée sauvage". A irrupção desbragada do objeto já fora convocada por alguns
nomes dos mais significativos das artes e da poesia, como dentre os simbolistas um
Baudelaire ou um Gauguin. Só posteriormente é que o Estruturalismo, enquanto
Ciência social, propiciou-lhe estatus de modelo e método científico.
Vemos assim que a questão do objeto nas artes plásticas surge em estreita
sintonia com a questão da justaposição e da acumulação de materiais, da colagem
e dos papiers collés, do início do séc. XX. E, mais tarde, a partir dos anos 20, com
a collage iniciada por Max Emst (1919). Destacamos que a acumulação aleatória
de material usado por parte dos doentes mentais, uma das fontes do dito "objeto",
terá maior difusão junto ao público só na segunda metade da década de 20, a partir
dos eventos de "arte dos alienados", mais divulgados e discutidos fora do âmbito
clínico. Também posterior, de 1945 em diante, ocorrerá a denominação de "arte
bruta" para as acumulações primitivas ou aquelas dos alienados.
Rupturas essas que acabamos de citar, já famosas e bem conhecidas, que
decorrem de uma perversão do uso da máscara (explorada por Brancusi, Picasso
entre outros), objeto de ocultação que sempre foi e permanece sendo instrumen-
to de transformação, isto é, um elemento altamente significativo (e bem mais
que utilitário) da operação mágica. Elemento do processo de transformação das
coisas, de seus sentidos, seus usos e fins em outros contextos, em simultaneida-
des e escolhas distintas de uma função usual. Elemento plural como seu ímpeto,
seu impulso primeiro estando direcionado para "outras dádivas".
Não é suficiente a simples destruição de um objeto, para que ele se torne poé-
tico, pois a verdadeira dissolução do objeto assemelha-se a uma operação
alquímica ... podemos dizer de todo 'resto' que seu estado é vil ou que está
'morto' apenas na aparência; trata-se portanto de fazer, a partir disso, dessa
matéria 'usada', com que apareça, surja uma nova visão marcada pelo selo da
poesia (Bounoure et al., 1976).
Salvar o objeto de seu estatuto atual, do seu status, ou seja, restituir-lhe seu
sentido, seu significado essencial, consiste em o re-situar, para começar, em
seu verdadeiro lugar: sobre a linha da fronteira permeável e mutável, na fron-
teira móvel e 'cambiante' onde se avizinham subjefividade e objeUvidade (...)
Os atuais sistemas de comunicação só poderiam ser manfidos como váHdos,
caso consentíssemos em negligenciar o jogo cruzado, de modo constantemen-
te variável, das funções do consciente e dos poderes do inconsciente.
notas
exposições nas quais os espectadores são convidados a formularem, por si própios, as rela-
ções e aproximações ali presentes."
Seria oportuno lembrar que nas culturas primitivas os objetos de uso não se apresen-
tam divorciados do sacral, impregnados que estão de suas cargas de rituais e acrésci-
mos simbólicos, ou seja de convergências mágicas palpáveis e explícitas. Basta citar a
proposta do Surrealismo, por uma "arte mágica", que permite e dá passagem a toda
uma concepção do fazer plástico, apoiada alquimicamente na operação sobre uma
matéria para situar de vez a questão.
^ Ver capítulo inteiro dedicada ao famoso ensaio de 1954, publicado por Francês A.
Yates, Art of Memory.
referências bibliográficas
leslie kaplan*
J'ai pensé qu'il serait intéressant de s'arrêter sur ce titre, le lien social. Je
veux dire: ne pas gommer le paradoxe. II peut en eífet sembler paradoxal qu'à des
écrivains on demande d'intervenir dans ce sens. Je ne parle pas bien súr des préjugés,
ou de Ia vision romantique, Técnvain comme individualiste, etc. Ni de Toeuvre
même, qui a évidemment sa place dans Ia société et le monde, comme lien, comme
rupture de lien, et création de nouvellles formes de liens. Mais le travail d'écriture
est un travail solitaire, alors en quoi ce travail peut-il être sollicité par rapport à Ia
question du lien social? Comment penser Texpérience de Técnvain en ce qu'elle
aurait quelque chose à voir avec le lien social? Partager, transmettre quoi? D'autre
part, s'il s'agit de tisser ou de renouer des liens au sein de Ia population, qu'est-ce
à dire sinon que Ton constate à quel point ce tissu est défait, détruit.
Hannah Arendt, dans Les origines du totalitarisme: "Ce qui, dans le
monde non totalitaire, prépare les hommes à Ia domination totalitaire,
c'est le fait que Ia désolation qui jadis constituait une expérience limite,
subie dans certaines conditions sociales marginales, telles que Ia
vieillesse, est devenue rexpérience quotidienne de masses toujours
croissante de notre siècle".
La désolation, d'après Arendt, le terme anglais est lonelinesss, c'est
risolement. Ia solitude non pas choisie mais subie. II me semble qu'on
peut développer: c'est Taccablement devant Ia lourdeur du monde,
rimpression d'être dépassé par le monde, d'être complètement incapable
de lui faire face. C e s t le malheur, le sentiment d'avoir été abandonné,
petit et abandonné, sentiment tellement fort qu'il peut engendrer Ia perte
des repères. Ia perte de Tidentité, et finalement Taliénation totale, avec Ia
capture par des idéologies de ressentiment. Pour Arendt c'est ce qu'elle
analyse comme Ia société industrielle de masse qui produit Ia désolation,
personnellement je suis d'accord avec elle. Mais ici n'est pas le lieu de Ia
recherche des causes, mais du constat, et de se demander: et alors, quoi, et
quoi de Técrivain par rapport à cette situation.
Les situations sont les plus variées, tous les lieux du monde actuel, ville,
hôpital, prison, maison de retraite, écoles ...
Or, ce qu'il faut remarquer: chaque fois que le lien social est attaqué, c'est
le lien avec le langage qui est aussi attaqué. Dans Ia désolation, ce qui est atteint,
c'est aussi le langage, le lien fondamental humain du langage. Ia confiance dans
les mots, dans Ia parole de Tautre. La parole de Tautre, de n'importe quel autre,
est mise en cause, mise en doute, on n'y croit plus, quel intérêt, c'est pas Ia
peine, à quoi servent les mots, c'est du baratin, du bla bla bla. On laisse tomber,
comme on a été laissé tombé.
D'oíi une violence en miroir à Ia violence qui a été faite, d'oú Tadhésion à
n'importe quoi, religion, superstition, délire politique, drogue...
Je pense donc que pour que le tissu social soit reconstruit, il faut aussi prendre
en considération Ia question du langage.
Ce qui ne veut évidemment pas dire que c'est Ia seule dimension impliquée.
Le réel excéde toujours les mots.
II suffit de penser un instant par exemple à une maison d'arrêt, oú les détenus
sont huit dans une cellule, cellule oú il y a par ailleurs les sanitaires,
ou à un collége de banlieue oú les élèves sont parqués, trop nombreux,
presque réduits à Tanonymat, des enfants presque anonymes, ou à une maison
de retraite qui à quatre de Taprès-midi sent déjà, ou encore, le poisson...
Désolation soft, désolation quand même.
Le réel excède les mots, mais c'est dialectique, s'il n'y a pas confiance dans
les mots, rien ne peut se faire de durable, aucun changement important, qui tienne.
Un lien social, humain, passe par un rapport au langage oú le langage
vit, peut vivre, dans ses deux dimensions fondamentales: comme parole
48 kaplan, leslie. Imaginário - USP, n= 6, pág. 46-49, 2000
Abstract: In this paper the author analyses how a writer work can
be tied to social problems. She emphasizes the role oflanguage to be
freedfrom human solitude.
â. escrita da nerória
elisabeth ceita vera cruz*
1. enquadramento geral
2.1 provérbios
No que diz respeito aos provérbios, são estes "veículos de uma experiência e de
um saber colectivos, onde se plasmam as representações simbólicas, as verdades
socioculturais e as normas de conduta que alicerçam a vida da comunidade. Anônimos
por definição, os provérbios diferenciam-se, assim, dos aforismos, apotegmas e má-
ximas, textos que possuem sempre um Etemo Retomo" (Lopes, 1992: 269-280).
A par dos provérbios, é possível encontrar-se a interpretação dos mesmos,
a partir da seguinte amostra retirada da obra do padre Estermann (1983: 276):
a) Não se pode nadar com eles, pois abandonam-te na lagoa. — Não se pode
conversar com eles, pois espalham tudo quanto ouviram pela terra fora.
b) Que avezinha és tu que não arranjas asas? — Que rapazelho és tu que não
tomas juízo?
c) Viemos para pisar (moendo grão), não viemos apenas fazer barulho nos
almofarizes. — Viemos para ser mulheres, não viemos para correr com as que
já encontramos em casa.
53 cruz, elisabeth ceita vera. Imaginário - usp, n= 6, pág. 50-56, 2000
2.2 adivinhas
R. — U m ovo.
P. — Não pode acabar de contar-se?
R. — As estrelas.
Adivinhas compostas:
R — Uma figueira brava, dum lado está com frutos, e do outro está com folhas
a rebentar?
R. — Os homens, uns estão a morrer e outros a nascer.
P. — Queres cortar capim alto, passa primeiro pelo rasteiro?
R. — Queres murmurar de um estranho, começa por um teu parente.
3. (breve) conclusão
notas
^ Segundo o padre Estermann, existem adivinhas simples e compostas onde, nesta última "a
resposta não consiste numa simples palavra, mas uma frase mais ou menos tão desenvolvida
como a pergunta".
referências bibliográficas
p e r c u r s o s d a e t n o g r a f i a ;
l o u c u r a e l a a g i r a r i o d o g o n
trilhar
Pela estrada que corta o planalto e une Bandiagara a Mopti, formas capri-
chosas dos paredões rochosos erguem-se aqui e lá como se tivessem desistido
de continuar sua marcha. Entre formas insinuantes de árvores enormes mergu-
lhadas em horizonte aberto, surgem sorrisos em rostos negros. Chegar era, en-
tão, poder participar de uma história milenar onde nada reivindica virgindade
ou inocência mas experiência e força.
No final das águas de 1994, iniciamos nossas atividades a partir da vila
de Bandiagara, período da colheita de uma estação relativamente boa onde
as chuvas não haviam decepcionado.
barros, denise dias. Imaginário - usp, n= 6, pág. 57-83, 2000 60
permaneceu uma importante limitação deste estudo. Optamos, então, por integrar
entrevistas abertas como estratégia complementar que permitiria maior rigor ao
registrar algumas conversações, transcrevê-las e traduzi-las. As entrevistas registradas
foram transcritas inicialmente em dogon (na expressão lingüística do entrevistado),
seguia-se a tradução literal de cada palavra para o francês e uma terceira tradução
que obedecia a estrutura defraseexigida pela línguafrancesa.O mesmo procedimento
foi utilizado para a transcrição dos contos.
O registro das informações foi negociado com cada uma das pessoas que
reagiam diversamente à proposição; todas estas entrevistas, porém, só aconte-
ceram após um período onde nos observávamos mutuamente. Algumas pessoas
demoraram vários encontros até sua permissão para gravar conversações, foto-
grafar ou filmar. A qualidade do vínculo que se estabelecia foi um dos critérios
de definição das áreas de estudo para a segunda fase da pesquisa.
Durante a pesquisa a necessidade de uma reflexão sobre o que deveria ser
registrado e a melhor maneira de fazê-lo foi mostrando a complexidade do pro-
jeto e suas múltiplas implicações. Intenções conscientes e não conscientes com-
binam-se nisto que alia percepção pessoal e necessidade de rigor, transitando
entre ciência e experiência do belo e da emo-
ção na busca de compreensão.
A variedade nas formas de coleta não
garante a apreensão complexa do fenômeno
que se quer compreender. A convivência mais
prolongada insiste em denunciar as
ignorâncias da pesquisadora e insinua a
complexidade do que se quer tocar, ilumina
e constrói sombras e nos transforma.
Os dois anos as atividades foram
permitindo criar espaços de convivência. Os
objetivos traçados quando do projeto de
pesquisa nortearam os primeiros passos mas
foram sendo redesenhados enquanto se
descortinavam os espaços de vida em meio
dogon. No primeiro ano, o eixo fundamental
girou em tomo à compreensão dos sentidos da
loucura e dos destinos individuahzados de quem
entra por estes (des)caminhos. Desta forma
procedimentos diferenciados foram utilizados:
1. Estudo bibliográfico e das pesquisas rea-
lizadas pelo Centro Regional de Medicina Tra-
dicional de Bandiagara.
2. Estudo sobre a terminologia utilizada para
barros, denise dias. Imaginário - usp, n= 6, pág. 57-83, 2000 62
dida em que nossa presença se fazia constante, permitindo uma aproximação maior
com algumas pessoas de cada localidade que visitamos. Pudemos verificar que a
prática de reunir-se e contar estórias mantém-se de forma desigual no planalto
dogon. Em alguns lugares, dedicar-se às narrativas perdeu sua dimensão de ativi-
dade cotidiana, sendo considerada como algo que se fazia em tempos idos. Por
outro lado, tivemos a oportunidade de conhecer lugares onde se mantém viva
como atividade de lazer, momento de vivência coletiva, entre mulheres, reunião
dos camaradas de um mesmo grupo de idade, entre membros de uma família.
Na magia e sugestão de uma reunião noturna os contadores criam e ao
mesmo tempo recriam contos aprendidos desde a infância, contos que percor-
rem temáticas diferenciadas da existência.
Propomos que nos dessem contos onde houvesse personagens considerados
loucos, wede-wede ginc e, também, sobre o início do transe do binu (manifesta-
ção de ancestral clânico) pois trata-se de um momento onde toma-se necessário
fazer a diferença entre o transe provocado pelo binu e manifestações e considera-
das, por eles, como sinais ou sintoma de doença. Selecionamos 90 (noventa) nar-
rativas. Procedemos de duas maneiras, através de roda de contos onde a palavra é
livre e distribuída pelos próprios participantes, e individualmente.
Com base neste extenso material e na bibliografia, procuramos sintetizar a
seguir os elementos mais relevantes que integram, ao nosso ver, os itinerários da
loucura na vida cotidiana e no imaginário dogon.
a rejeição e o abandono da pessoa que adoece pois quando uma crise individual
emerge, ela evoca a presença de conflitos nas relações entre os mais próximos.
Os recursos que são postos em ação pela família, amigos, adivinhos, marabus e
terapeutas tomam possível reconduzir a pessoa a si mesma e à sua coletividade.
Se uma pessoa é rejeitada pelo grupo doméstico, ela pode ser acolhida por mem-
bros da família extensa, por amigos ou pelo próprio terapeuta. Em nossa passa-
gem pelas terras dogon, encontramos, também, pessoas deixadas entregues à
errância e à miséria.
Os adivinhos afirmam que devem sugerir um especialista - um jonjoT]-ne-
quando identificam um problema que escapa ao seu conhecimento como nos
casos de loucura (wede-wede). O terapeuta dogon é um especialista por possuir
um saber reconhecido que permite o tratamento de determinadas doenças ou
episódios. Ele conhece a farmacopéia pertinente, as palavras que dinamizam
sua ação terapêutica, ibi so, recorre a sua sensibilidade e pode manejar de algu-
ma técnica de adivinhação ou de comunicação com os seres não visíveis (atra-
vés de sonhos ou vidência). Desta maneira deverá definir os contornos do mal,
atribuindo (ou confirmando) um nome e desvendando sua origem e caminhos
para o tratamento a ser seguido.
Em casos em que a doença (ou mal) seja considerada associada à transgres-
são de proibições {taa\ um primeiro nível de ajuda terapêutica forma-se através
do concurso de parentes. Trata-se, neste momento, de buscar apoio nos conheci-
mentos do patriarca responsável pelos receptáculos de forças vitais famihares.
Muitas vezes, entretanto, faz-se necessário buscar ajuda fora do mundo famihar.
terapeutas
terapias
ção baseada num conflito que deve ser superado mas cujo caminho a soci-
edade atual não conhece. O que tem sido posto em causa são, sobretudo,
as alianças matrimoniais e o papel dos homens jovens na estrutura de po-
der e de decisão dos destinos pessoais.
Outros fatores ou processos podem redefinir os limites e o sentido do
bem-estar e da saúde. O medo {né) repentino pode levar a pessoa a perder-
se a si mesma (seu kinde hindu escapa) ou poderá tomar-se impura (conta-
to com a morte), deixando o caminho aberto para que a doença entre. É
possível, neste caso, que a pessoa consiga fazer de sua experiência um
fator positivo ao interpretar esse encontro ou episódio dentro de contornos
sociais pertinentes. As transgressões e a quebra dos códigos de conduta
configuram-se, também, como desordem. Trata-se, principalmente, do des-
respeito aos códigos de conduta interpessoais, da violação de um pacto
ancestral, da violação das regras de conduta dos homens nas suas relações
com a natureza visível e, também, com os seres não visíveis com os quais
deve-se compartilhar o espaço terrestre.
A noção de saúde confunde-se com o processo permanente de formação e
sociaUzação da pessoa.
.77 barros, denise dias. Imaginário - usp, n« 6, pág. 57-83, 2000
notas
' Nome pelo qual ficou conhecido o complexo cultural negro-africano que ocupa a re-
gião noroeste da República do Mali, oeste da África.
^ Aquele que, entre os muçulmanos, dedica-se à prática e ao ensino da vida religiosa e à
leitura do Alcorão.
^ A etmologia proposta por Calame-Griaule é que almaga derivaria de álu manga, lite-
ralmente ''petri l'indecision'\ ou seja, acabar com a indecisão (1965: 430(3)). Outra
explicação nos foi dada: alu significaria aliança e manga, guardar nas mãos, ou seja,
dar forma, criar.
Aliança de troça.
^ Caso de doenças de OmbOlO após romper com proibições ou negligência para com os
ancestrais, wagun. O ferreiro ou os parentes do doente devem pegar um pouco de
sorgo e algodão e depositar tudo na mata (AnkonjO KEnE).
^ A diferenciação entre feitiçaria e bruxaria proposta por Evans Pritchard não é evidente
em meio dogon, o feiticeiro pode ele mesmo atuar negativa ou positivamente.
^ Além dos yEbEn, outros seres não visíveis podem agir, isto é, assustar, bater. Trata-se
dos ginajijinu, andumbunlun entre outros, sobre os quais apresentamos, neste relató-
rio, uma discussão no item ''ogulun bElEm lulO".
^ Ver a respeito da classificação das doenças em geral Roberto Lionetti, Barbara Fiore e,
especificamente sobre o campo psiquiátrico, ver obras de Piero Coppo nas referências
bibliográficas.
referências bibliográficas
You have to use fantasy in order to show dijferent sides ofreality, just
how it can blend.
J. Hendrix
Não me era possível captar e compreender o significado daquilo com mais per-
guntas. Seria preciso mergulhar mais naquele universo cultural; mas, até então,
trabalhara a complexidade do conflito agrário, o problema das relações com a lei
e com o Poder Judiciário e a questão da justiça social sem especialmente atentar
para episódios do "mágico" que se manifestaram. Agora procuro resgatar as rela-
ções entre o pensamento mágico, a Igreja, a violência e a Justiça e, assim, tentar
interpretar o sentido dessas manifestações do pensamento mágico naquela comu-
nidade. O pressuposto neste artigo é que no universo religioso se encontra um
sentido para as mortes que ocorreram no conflito.
O "pensamento mágico" é tomado aqui no sentido que Lévi-Strauss lhe atribui.
Em primeiro lugar é preciso dizer que este autor problematiza a contraposição entre
pensamento "mítico ou mágico" e "conhecimento científico", diferenciando os dois
mas não os colocando como estágios desiguais de desenvolvimento do espírito hu-
mano. As duas formas de pensamento respondem à necessidade de ordenação do
pensamento humano e, nesse sentido, o autor descarta a tese de o pensamento mítico
ser uma forma inicial de ciência e o coloca como uma expressão metafórica da
ciência. Ou melhor, existem dois modos diferentes de pensamento científico não
hierarquizados, como "dois mVeis estratégicos em que a natureza se deixa abordar
pelo conhecimento científico — um aproximadamente ajustado ao da percepção e
ao da imaginação, e outro deslocado (...), dois caminhos diferentes: um muito pró-
ximo da intuição sensível e outro mais distanciado" (Lévi-Strauss, 1989:30). Neste
sentido, o paralelo entre os dois modos de pensamento promove uma quebra na
convencional relação sincronia e diacronia: enquanto o "pensamento mítico elabora
estruturas organizando os fatos ou resíduos de fato", a ciência, com um começo
datado, "marcha" criando meios e resultados de fato através de estruturas baseadas
em hipóteses e teorias. Isto reafirma o argumento de que seria enganoso tratar as
duas estruturas como fases da evolução do saber (Lévi-Strauss, 1989: 37). O pensa-
mento "selvagem" ou "científico" responde à necessidade humana de conhecer,
classificar e criar significações, diria Lévi-Strauss.
Para o antropólogo belga, o mítico aparece como uma forma intelectual de
bricolage, no sentido de que "é peculiar ao pensamento mítico, assim como ao
bricolage no plano prático, a elaboração de conjuntos estruturados não diretamente
com outros conjuntos estruturados mas utilizando resíduos e fragmentos de fatos
(...) testemunhos fósseis da história de um indivíduo ou de uma sociedade" (Lévi-
Strauss, 1989:36-7). Assim, o bricoleur trabalha, com um número finito de utensíli-
os e materiais, de modo que na composição do conjunto não há uma relação com
um projeto particular ou do momento, mas há apenas um resultado contingente. Os
meios para o bricoleur não se definem por um projeto, mas pelo seu caráter instru-
mental, são elementos recolhidos porque podem "sempre servir".
O ponto principal ao utilizar o trabalho de Lévi-Strauss é que o grupo de
camponeses estudado, em suas lutas, se aproxima de um bricoleur da justiça;
86 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
versões ou fatos
O conflito pela terra em Conde tem como fatos concretos duas mortes: a de
Zé de Leia e a de D. Bila, ocorridas entre 1988 e 1989. Sobre os fatos, abre-se
um leque de representações elaboradas por aqueles envolvidos no conflito, as-
sim como manifesto nos autos dos processos penais. Conforme demonstrado
por Geertz (1983), a lei é representação e saber local; então, procura-se aqui
trazer à tona as representações que os camponeses de Conde criaram sobre jus-
tiça e aplicação da lei. Vale lembrar que essas duas mortes só podem ser enten-
didas quando inseridas no contexto do conflito pela terra. Isoladas deste contex-
to não há explicação para as mesmas (Cf. Justo, 2000).
Os moradores da fazenda declaram estar no local há cinco gerações e o
conflito aberto com o proprietário teve início por volta de 1980. Na década de
40, a propriedade do imóvel foi registrada oficialmente. Com isso, os sitiantes
passaram a ser moradores de condição (eles tinham que trabalhar um dia por
semana para o proprietário). Essa situação perdurou até final da década de 70,
quando ocorreu uma divisão da fazenda entre os dois herdeiros do proprietário.
No início dos anos 80, o novo dono, absenteísta, ameaçou de expulsão os mora-
dores, com a desculpa de ali criar gado. Porém, ele finha negócios imobiliários
e houve um crescimento urbano do município como pólo turístico. Como en-
controu resistência por parte dos antigos moradores, o proprietário registrou
queixas na delegacia de polícia e promoveu ameaças por meio de capangas.
87 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
Essa situação tensa perdurou até o cume do conflito, no final daquela década.
Entre 1987 e 1989, os camponeses envolvidos na luta pela desapropria-
ção da fazenda organizaram-se numa associação de moradores e em sindica-
to. Em contrapartida, outro grupo de lavradores, que apoiava o principal ca-
panga e cuja presença na fazenda era mais recente, também formou uma asso-
ciação e um outro sindicato.
Em 22 de abril de 1988, os antigos moradores ocuparam a sede da superin-
tendência regional do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e de Reforma
Agrária) em João Pessoa, para pressionar as desapropriações das fazendas em
litígio no município. Ficaram acampados aguardando a desapropriação. No dia
2 de maio de 1988, saiu publicado o decreto de desapropriação da fazenda para
fins de reforma agrária. Porém, o mandado de posse só foi emitido após dois
anos e duas mortes, em 15 de junho de 1990. Com a posse legalizada, a área
ficou definida: 593 hectares. Em novembro de 1990 estava feita a transcrição
imobiliária do imóvel, registrado-o em nome do INCRA.
Na noite de 29 de dezembro de 1988, o agricultor José Francisco Avelino,
conhecido localmente por Zé de Leia, foi assassinado na porta de sua casa
quando conversava com sua mulher. Ele foi um participante ativo da Comuni-
dade Eclesial de Base (CEB) local e da luta pela desapropriação da fazenda.
No local do homicídio foi erguida uma cruz. Nesta cruz há uma placa em
homenagem a Zé de Leia com o seguinte trecho de um hino religioso: "O
dono da terra é Jesus/ Jesus é o meu protetor/ nós somos habitantes da terra de
Jesus que eu sou morador".
Os acusados do homicídio foram Zinho e Florisvaldo, que trabalhavam como
administrador e capanga do proprietário, e eram vizinhos da vítima. Ambos foram
indiciados em inquérito policial e tiveram a prisão preventiva decretada em 12 de
janeiro de 1989. Florisvaldo foi preso em 1990 e o Tribunal do Júri o absolveu em
1993. Zinho ficou foragido por quase dez anos e em dezembro de 1997 voltou para
sua casa com "habeas corpus". Foi condenado à reclusão em junho de 1999, mas
aguarda recurso em liberdade"^.
Ao chegar ao município quando ocorreu o homicídio. Frei Ambrósio teria per-
guntado quem seria o autor da morte e responderam-lhe que não sabiam. No entan-
to, para o frei, só poderia ter sido Zinho, devido à seqüência de fatos que vinham
acontecendo havia tempo. Relatou que Zinho tinha feito pista de corrida dentro da
fazenda, colocando em risco a vida de adultos e crianças e, em razão disto, obrigan-
do a comunidade a colocar lombadas de troncos de coqueiros na referida estrada.
Zinho teria ameaçado os antigos moradores da fazenda e afirmado que iria "morrer
gente". Outra acusação feita contra Zinho foi a de ter invadido com o carro uma
partida de futebol da comunidade, no mesmo ano do homicídio de Zé de Leia. Na
polícia (30 de dezembro de 1988), Frei Ambrósio declarou que Zinho era bastante
temido por todos, tendo criado em tomo de sua pessoa uma situação de intimidação
87 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
Passada essa luta de vida e morte ainda há questões candentes para os mora-
dores da fazenda em Conde. Uma delas diz respeito ao assentamento. Apesar de a
fazenda ter sido desapropriada em 1988, os moradores ainda aguardam por parte
do INCRA a demarcação das parcelas familiares, para que cada um tenha seu
título de propriedade. Esse problema da demarcação de parcelas está ligado à não
aceitação pelos antigos moradores em dividir a propriedade com os irmãos de
Zinho. Até 1999, a superintendência do INCRA não tinha chegado a uma posição
em comum com os moradores sobre assentar os irmãos de Zinho ou indenizá-los.
Outra questão é que, em 1997, se reiniciou a luta por justiça devido à presen-
ça do acusado do homicídio de Zé de Leia. Zinho voltou a morar no local com a
revogação de sua prisão preventiva em dezembro de 1997. Os antigos moradores
não aceitaram a presença dele no local e exigiram sua prisão.
Desde a morte de Zé de Leia, em 29 de dezembro 1988, uma missa é reza-
da todo ano, nessa mesma data, no cruzeiro erguido no local do assassinato. A
89 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 8 4 - 9 7 , 2000
Como visto, uma das injustiças reclamada pela comunidade foi o assassinato de
seus entes. A violência necessita de uma explicação e, para tal, Girard (1990) argu-
menta que é preciso diferenciá-la. Para o autor, a morte em si já é violência e, portanto,
a vida em qualquer sociedade se assenta na busca de explicação para este dado da
natureza. Há uma violência fundadora que permite a vida em sociedade porque estan-
ca o transbordamento de uma violência sem fim. Ao encontrar no rito sacrificial a
violência que impede a vingança desenfreada, o antropólogo francês mostra que vio-
lência e sagrado são inseparáveis e, por isso, não há sociedade sem religião.
Por meio de análises de conteúdo de textos literários e de mitos e num diálogo
aberto com a obra de Lévi-Strauss, Girard (1990) defende a tese de que o sacrifício
protege a comunidade inteira de sua própria violência, porque a vítima expiatória é
o fundamento de qualquer ordem cultural. A eficácia sacrificial elimina a violência
intestina (desavenças, rivalidades, ciúmes, disputas entre próximos). Assim, o sa-
crifício tem por função impedir a explosão do conflito ou de um de ciclo infindável
de vinganças. A explicação então para a escolha da vítima sacrificial é de que ela
não despertará a vingança. Assim, o autor coloca a relação entre violência e sagrado
como central para o estabelecimento de qualquer ordem social.
Girard aponta um nó do pensamento moderno: entender o mecanismo da
vítima expiatória e, para desatá-lo, o autor opõe sacrifício e Poder Judiciário. A
necessidade de vingar a morte seria ainda uma questão em aberto. Na socieda-
de moderna, o Poder Judiciário põe fim a um ciclo vingativo, afasta a ameaça
da vingança ininterrupta. A vingança passa a ser taxada, pelo Poder Judiciário,
de "vingança pessoal". Logo, deduz o autor, se há vingança pessoal, o Judiciá-
rio é a vingança pública, nunca explicitada mas que não difere do "princípio de
vingança" (Girard, 1990: 29). Com o Judiciário, tem-se a passagem do preven-
tivo para o curativo, pois, este poder representa uma racionalização da vingan-
ça, uma técnica eficaz de cura. A hipótese confirmada pelo autor é que, nas
sociedades sem o Judiciário, o sacrifício é essencial, mas não o substitui.
O mundo moderno, segundo o antropólogo, tem como essência ter-se instala-
do numa crise sacrificial, sem cair num ciclo de vinganças. A crise sacrificial é a
perda da diferença entre a violência impura (ou "má") e a violência purificadora (ou
"boa"). Mas, a violência continua a nos ameaçar como uma questão a ser decifrada
tanto na prática quanto intelectualmente. Por isso, Girard acredita que a chave desta
questão está nos mecanismos da vítima sacrificial.
No caso aqui estudado, que não se insere no contexto de uma sociedade
com ritos sacrificiais, constata-se que há uma convivência entre o moderno e o
costumeiro no âmbito do legal, de modo que não há predomínio da lei em Có-
digo nem de uma lei tradicional oral (Cf. Justo, 2000)^. Poder-se-ia até dizer
que a luta estaria encerrada porque o Judiciário pôs um fim a um possível ciclo
92 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
códigos da sociedade nacional. Para Almeida, os atos punitivos tratados não têm
regularidade, não constituem um código e os camponeses em foco não possuem
um sistema de direito privado elaborado a partir de costumes; suas práticas de
justiça são contingências (Almeida, 1997: 125).
O fato de ser contingente reforça que a justiça camponesa é bricolage. Essa
noção de justiça camponesa abre uma trilha interpretativa para atos dos morado-
res de Conde. Os camponeses que lutaram pela desapropriação, organizados numa
associação de moradores, rivalizaram com o grupo vizinho formado por alguns
capangas. Nessa contenda, ambos os lados cometeram ações contra o inimigo que
julgaram legítimas. Tais ações descritas a seguir podem ser classificadas em dois
grupos — derrubada de edificações e destruição de roçados — e têm uma lógica
de revide, isto é, os dois lados em disputa cometem:
Zé de Leia teve sua casa derrubada quando estava em construção e ele a
reergueu. A esposa de Zé de Leia disse que acredita ter sido Zinho quem destruíra
sua casa. Não há menção de quando isso ocorreu.
Florisvaldo contou que no dia da morte de Zé de Leia, ele e os familiares de
sua esposa foram em sua caminhonete, de manhã, para a fazenda vizinha. Os
familiares de sua mulher derrubaram as colunas do pavilhão de reunião da Asso-
ciação de Moradores, quebraram e atearam fogo nos bancos. O depoimento de
sua mulher acrescenta mais ao fato: disse que costumava visitar as terras vizinhas,
onde morava sua tia e colher frutas das árvores. Quando foi criada a Associação
de Moradores, ela e seus familiares teriam sido impedidos pelos membros desta
entidade de tirar frutos das árvores. Devido a isso, a informante e seus familiares
começaram a construir uma casa que teria sido derrubada por membros da Asso-
ciação de Moradores. Depois de derrubada tal casa, os membros da associação
iniciaram a construção daquele pavilhão que foi destruído.
Treze dias depois da morte de D. Bila, membros da Associação de Morado-
res derrubaram a casa, quebraram os tijolos, destruíram os móveis e objetos e
ameaçaram a mulher de Zinho. Ela registrou queixa na delegacia de Conde.
Zinho tinha uma namorada que era prima de Aurélio e morava perto deste; a
comunidade dos antigos moradores, alguns dias após a morte de Zé de Leia,
destruiu a casa dela e a expulsou dali.
Parte dos antigos moradores estava tomando conta de um roçado quan-
do houve a morte de Zé de Leia. Esse roçado era resultado de um mutirão
realizado em resposta à destruição do mesmo feita por Zinho com dezenas
de homens armados no dia 26 de dezembro de 1988, quando os antigos mo-
radores tinham plantado pés de inhame. Nesta mesma área. Zinho tinha pre-
parado a terra para plantar, segundo sua declaração.
Em 7 de março de 1989, o presidente da Associação Comunitária dos Tra-
balhadores Rurais — grupo de Zinho - encaminhou um ofício ao Juiz com uma
lista de vinte e duas pessoas de sua associação (inclusive a mãe e o irmão de
94 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
Mas, lutar, para eles, também é um jeito de "vingar" as mortes, pois continuam
a cobrar a atuação do Poder Judiciário e a realizar missas e festas, quando tam-
bém clamam por justiça.
Mesmo buscando interpretar o sentido daquela "oração forte" não é possí-
vel esgotar todo seu mistério. Resta a magia que permitiu a aquele camponês
sobreviver para contar sua luta por justiça.
notas
' Para preservar a privacidade da comunidade, o nome da fazenda foi omitido e todos os nomes de
pessoas são fictícios, inclusive o batismo religioso do pároco da comunidade. As exceções são os
nomes de Zé de Leia e de Bila em respeito a suas memórias.
^ Tomo de empréstimo a expressão "justiça camponesa" do texto de Almeida (1997), que a
trabalhou de um modo circunscrito a um episódio, para lhe dar mais um sentido.
^ Frei Ambrósio atua em Conde desde a década de 70 e hoje em dia é conhecido na Paraíba pela
sua contribuição à causa camponesa, tendo chegado a ser preso e processado por colaborar na
organização de ocupações de terra. Foi eleito deputado estadual em 1998.
^ Há novo julgamento de Zinho marcado para dezembro de 2000.
96 justo, marcelo gomes. Imaginário - usp, n® 6, pág. 84-97, 2000
A versão dessa reza na missa da morte de Zé de Leia é a seguinte: "Pai nosso/ que estais no
Céu/ santifícado seja Vosso nome/ venha a nós o Vosso reino/ seja feito os Vossos proje-
tos/ assim na Terra/ antecipando o que será viver no Céu./ O pão nosso de cada dia dai a
nós e ao nosso irmão/ Como fruto de quem trabalha e constrói/ essa nação/ e perdoai
nosso egoísmo/ e prometemos perdoar também a quem nos ofender/ pra não sermos
instrumento de egoísmo e opressão/ libertai nosso coração./ Pois teu é o poder/ livrai-nos
do mal/ Teu pai também trabalha/ livrai-nos do mal./ E nós trabalharemos pra fazer o
mundo mais irmão/ livrai-nos do mal".
"Creio em Deus Pai todo poderoso/ criador do Céu e da Terra e em Jesus Cristo, seu único
filho, Nosso Senhor/ Nasceu da Virgem Maria, padeceu sobre Pôncio Pilatos/ Foi crucifi-
cado, morto e sepultado/ Subiu aos céus, ressuscitou no terceiro dia/ Está sentado à direita
de Deus Pai, todo poderoso/ D'onde há de vir julgar os vivos e os mortos/ Creio no Espírito
Santo, na Santa Igreja Católica, na ressurreição da carne, na união dos santos, na rendição
dos pecados, na vida eterna/Amém".
Para uma análise da relação dialética entre o moderno e o costumeiro no âmbito legal
entre ações de camponeses, ver Moura (1988).
Temos um quadro de concentração fundiária em que, pelo menos desde 1940, menos
de 2% do número de estabelecimentos agrícolas do país ocupam uma área que osci-
la na faixa de 50% da área total de propriedades. Em conseqüência, há um número
imenso de estabelecimentos com menos de 5 0 hectares. Esses números têm pouca
variação até os dias de hoje.
D e acordo com dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) houve, entre
1987 e 1989, 177 casos de conflitos agrários em todo o Brasil que resultaram em homi-
cídios de pessoas envolvidas na luta camponesa. Desse total de 177 casos para o perí-
odo de três anos, 16 tiveram uma sentença final pelo Poder Judiciário, o que representa
9% do total (Justo, 2000: 13).
referências bibliográficas
Este ensaio focaliza problemas atuais enfrentados pela Igreja Católica Ro-
mana no Brasil e pela Igreja Ortodoxa Russa na república pós-soviética e multi-
étnica hoje denominada "Federação Russa". Na medida do possível tratarei com-
parativamente tanto dos problemas quanto das instituições, ainda que de forma
seletiva, em virtude do meu interesse especifico pelas reügiões transnacionais con-
temporâneas, assunto ao qual tenho me dedicado desde meados dos anos 80.
Como prólogo, basta dizer que apesar das diferenças, ambas as igrejas
são organizações rehgiosas dominantes em seus respectivos países, reivindi-
A versão original em inglês encontra-se na revista Sociology ofReligion, vol. 62, n°. 3 (2001).
Este texto sobre Religião e Sociedade no Brasil e Rússia foi originalmente proferido
na Universidade de San Diego (CA) em 30 de novembro de 1999, com uma versão
bastante semelhante a esta aqui apresentada. Sou grato ao Dr. Kenneth Serbin, Profes-
sor de História e Diretor do Transborder Institute na Universidade de San Diego, pelo
convite para a realização da conferência.
A maior parte deste texto é baseada em minhas pesquisas anteriores realizadas no Brasil nas
últimas três décadas, e na Rússia nos últimos cinco anos. Minhas próprias publicações de
apoio a este texto estão especificadas aqui, principalmente como um guia aos leitores que
possam não estar familiarizados, tanto com o caso brasileiro quanto com o caso russo, e/ou
assim possam estar interessados nos caminhos que levaram a esta discussão.
(continuação página 99)
102 cava, ralph delia. Imaginário - usp, n= 6, pág. 98-117, 20.00
Para evitar repetições desnecessárias, tais composições Uterárias não estarão segui-
das pelo meu nome.
Quanto às notas de rodapé adicionadas a seguir, elas não são, de forma alguma, planejadas
como uma completa revisão da literatura em ambos os campos, mas, pelo contrário, como
uma referência a trabalhos de outros autores cujos argumentos parecem pertinentes a mim.
Sou muitíssimo grato à Sophia Darmanyan, Irina e Aleksandr Panov, Franco Sebasti e Marco
e Courtney delia Cava pela sua generosa hospitalidade durante todo o preparo destas observa-
ções, e também ao público da Universidade de San Diego por suas perguntas, o que me
possibilitou refinar este texto e levantar algumas propostas.
**Professor Emérito de História - Queens College, City University of New York e Pesqui-
sador Sênior Associado do Institute of Latin American Studies, Columbia University in
the City of New York.
102 cava, ralph delia. Imaginário - usp, n= 6, pág. 98-117, 20.00
Este ensaio focaliza problemas atuais enfrentados pela Igreja Católica Ro-
mana no Brasil e pela Igreja Ortodoxa Russa na república pós-soviética e multi-
étnica hoje denominada "Federação Russa". Na medida do possível tratarei com-
parativamente tanto dos problemas quanto das instituições, ainda que de forma
seletiva, em virtude do meu interesse especifico pelas religiões transnacionais con-
temporâneas, assunto ao qual tenho me dedicado desde meados dos anos 80.
Como prólogo, basta dizer que apesar das diferenças, ambas as igrejas
são organizações religiosas dominantes em seus respectivos países, reivindi-
A versão original em inglês encontra-se na revista Sociology ofReligion, vol. 62, n°. 3 (2001).
Este texto sobre Religião e Sociedade no Brasil e Rússia foi originalmente proferido
na Universidade de San Diego (CA) em 30 de novembro de 1999, com uma versão
bastante semelhante a esta aqui apresentada. Sou grato ao Dr. Kenneth Serbin, Profes-
sor de História e Diretor do Transborder Institute na Universidade de San Diego, pelo
convite para a realização da conferência.
A maior parte deste texto é baseada em minhas pesquisas anteriores realizadas no Brasil nas
últimas três décadas, e na Rússia nos últimos cinco anos. Minhas próprias publicações de
apoio a este texto estão especificadas aqui, principalmente como um guia aos leitores que
possam não estar familiarizados, tanto com o caso brasileiro quanto com o caso russo, e/ou
assim possam estar interessados nos caminhos que levaram a esta discussão.
(continuação página 99)
102 cava, ralph delia. Imaginário - usp, n= 6, pág. 98-117, 20.00
Para evitar repetições desnecessárias, tais composições literárias não estarão segui-
das pelo meu nome.
Quanto às notas de rodapé adicionadas a seguir, elas não são, de forma alguma, planejadas
como uma completa revisão da literatura em ambos os campos, mas, pelo contrário, como
uma referência a trabalhos de outros autores cujos argumentos parecem pertinentes a mim.
Sou muitíssimo grato à Sophia Darmanyan, Irina e Aleksandr Panov, Franco Sebasti e Marco
e Courtney delia Cava pela sua generosa hospitalidade durante todo o preparo destas observa-
ções, e também ao público da Universidade de San Diego por suas perguntas, o que me
possibilitou refinar este texto e levantar algumas propostas.
**Professor Emérito de História - Queens College, City University of New York e Pesqui-
sador Sênior Associado do Institute of Latin American Studies, Columbia University in
the City of New York.
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Mesmo que a Igreja russa faça parte da Ortodoxia mundial, esta em seu
sentido mais estrito não pode ser caracterizada como "transnacional". Por um
lado, a confissão Ortodoxa consiste em quinze Igrejas nacionais (ou regionais)
verdadeiramente independentes. Cada uma delas é liderada por seu próprio Pa-
triarca e possui autonomia completa em todos os assuntos pastorais e adminis-
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trativos. Por outro, existe um Patriarca Ecumênico (de Constantinopla) que, por
razão de precedência histórica, preside todo o mundo ortodoxo"^. Entre os fiéis é
considerado como "patriarca dos patriarcas", mas gozando somente de uma
"primazia de respeito": ao contrario do Patriarca Ocidental (outro título do Papa,
além de Bispo de Roma), ele não é considerado nem infalível nem o principal
chefe executivo de uma comunidade mundial de fé. Na verdade, em assuntos de
fé e de moral, ele é impotente para emitir sua própria opinião. Ele se submete e
atua como o portador das decisões de bispos do mundo Ortodoxo tomadas nos
concílios também chamados "ecumênicos", ainda que raramente estes tenham
se reunido^
Finalmente, o Patriarca Ecumênico não pode contar de forma significa-
tiva com a generosidade das Igrejas irmãs nas áreas centrais, exceto talvez
quando se trata dos fiéis Ortodoxos de comunidades basicamente de emigra-
dos — tais como as gregas, espalhadas pelos Estados ricos do centro. De fato,
as Igrejas Ortodoxas mais numerosas e com maior número de íiéis encon-
tram-se hoje no antigo "bloco comunista" e são, em sua grande maioria, po-
bres e carentes de recursos.
Não é que a Igreja Ortodoxa russa não tem ligações transnacionais, mas
elas têm sido pouco numerosas e, num sentido político mais fino, eu diria que
elas têm sido "contraproducentes" ou "inadequadas".
Entre as ligações "contraproducentes" eu destacaria as que foram estabelecidas
com o Conselho Mundial das Igrejas (CMI). Naturalmente, muitas Igrejas Ortodò-
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Agora vamos tratar das outras ligações transnacionais da Igreja Russa Ortodo-
xa que considero "inadequadas". As comunidades Ortodoxas russas da Europa Oci-
dental e dos Estados Unidos, poucas em número e pequenos em tamanho, simples-
mente não podiam levantar recursos de vulto, necessários para reconstruir a Ortodo-
xia na Rússia. Além disso, estavam diametralmente opostas a muitas das atuais
poKticas da Igreja russa. Primeiro, os três maiores seminários ortodoxos fora da
Rússia—em Crestwood nas cercam'as da cidade de Nova Iorque, Paris e Oxford—
são teologicamente liberais, ideologicamente ecumênicos e culturalmente
assimilacionistas e pluralistas. As obras de seus mais respeitados teólogos e pensa-
dores não somente ainda não estão disponíveis na maior parte dos seminários na
Rússia, mas também são, por alguns, vistos como heréticas. Em 1998 vários livros
foram queimados publicamente, sob as ordens do Bispo de Ekaterinemburgo, de-
mitido um ano depois por razões não inteiramente ligadas ao incidente.
Sob muitos aspectos estas comunidades "além fronteiras" (zarubezhnie) têm
muito mais em comum com o baixo clero e seus paroquianos liberais e ecumenistas
de Moscou e São Petersburgo da Igreja russa. Constituindo uma minoria tanto em
número como em posições dentro da Igreja russa, muitos deles eram ateus que
foram convertidos à Ortodoxia nas décadas de forte crescimento religioso de 1970
e 1980, quando a fé era uma marca de oposição política. Mas o Patriarcado reagiu
de modo desconfiado tanto do financiamento estrangeiro desta facção (vindo
parficularmente dos Católicos Romanos bem como dos Protestantes liberais eu-
ropeus), quanto de suas idéias e simpatias "ocidentais". Passou então a disciplinar
sistematicamente alguns desses padres, suspendeu outros das santas ordens e iso-
lou de forma efetiva muitos de seus intelectuais proeminentes.
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religião. Além disso, os mesmo críticos apontam para recentes escândalos fi-
nanceiros envolvendo líderes-chave da Igreja, abafados por esta e não processa-
dos pelas autoridades, para reforçar seus argumentos de que a Igreja, mais uma
vez, tornou-se o defensor cego e subserviente do Estado — não da fé^l
Consideremos agora o Brasil em relação às questões que envolvem financi-
amentos, juntamente com as outras variáveis que acabamos de rever sobre a
recente história da Igreja Ortodoxa na Rússia.
A experiência da Igreja Católica no Brasil sugere que os fundos
transnacionais podem até ser substanciais, mas eles não asseguram maior inde-
pendência do que se as instituições locais estivessem apoiadas em um único
Estado ou no rico setor privado. Dos meados dos anos 70 até a queda do Muro
de Berlim em 1989, a Igreja brasileira foi, provavelmente, o maior beneficiário
da filantropia mundial Católica.
O tamanho do país justifica só em parte este quinhão maior. As dinâmicas
do Catohcismo brasileiro na época também exerciciam uma forte atração sobre
os Catóhcos, especialmente na Europa Ocidental. "Comunidades eclesiais de
base" tentavam reorganizar a Igreja a partir da base. A Teologia da Libertação
colocou a fé como um instrumento para libertar os homens da pobreza e da
injustiça, bem como do pecado. Bispos enfrentaram generais, denunciaram tor-
tura, apoiaram direitos humanos, defenderam pluralismo e tomaram a dianteira
na reorganização e proteção da sociedade civil. Esta "revolução" tanto na ima-
gem quanto na realidade da Igreja brasileira, e, por extensão, de toda a América
Latina, ajudou a manter o fluxo de recursos ano após ano'^
Isto é, até os anos 90. Quando caiu o Muro de Berlim (1989), a Europa
Central inteira, com populações católicas significativas, rapidamente se libera
e tornando-se totalmente acessível. A resposta das Igrejas irmãs da Europa
Ocidental foi imediata. A Alemanha, a nação católica mais rica da região e de
maior força histórica, é o melhor exemplo. Décadas antes seus bispos haviam
criado o Misereor, uma das sete poderosas agências de caridade, sob controle
episcopal que financiava projetos católicos de desenvolvimento através do
mundo e, especialmente, na América Latina. Mas, em abril de 1993, os acor-
dos de ajuda para a Europa Central, até então frágeis, foram formalizados em
uma oitava agência, a Renovabis. Nos últimos seis anos fundos católicos ale-
mães — e também holandeses, suíços, austríacos, italianos e franceses, ainda
que em menor vulto — ajudaram na construção de igrejas, estabelecimento de
seminários, postos de saúde, orfanatos, lares para idosos e centros de ajuda a
refugiados, de Pilsen a Vladivostok^^^
Alguns fundos para a América Latina permaneceram estáveis, enquanto
outros começaram a declinar^^ O financiamento das comunidades de base no
Brasil, especialmente para as assembléias inter-eclesiais periódicas (que venham
correndo desde 1975, sendo que a úldma realizou-se em julho de 2000), parece
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ter sido mantido. No entanto observa-se uma redução dos projetos significati-
vos da Teologia da Libertação^^. Somente o Movimento Sem Terra, em prol da
reforma agrária, que goza do apoio das hierarquias católicas e luteranas, conti-
nua a receber auxílios. Exatamente que conseqüências essa transferência de
fundos mundiais que antes foram destinadas aos projetos no "Sul", e que agora
foram para os da Europa Central e Oriental podem ter para o trabalho de massa
da Igreja no Brasil, é ainda uma questão a ser vista^l Mas, tais reviravoltas, que
correspondem a mudanças geopolíticas maiores, ilustram o risco da inconstância
política do apoio transnacional.
notas
Veja a edição especial de The Nation em "The Global Media", 29 nov. 1999.
Veja Immanuel Wallerstein, O Sistema Mundial Moderno, vol. 1 (Lisboa: Ed.
Afrontamento, 1990).
Meus pensamentos sobre religiões transnacionais estão explicitados em vários lugares.
U m ponto de partida bem adequado se encontra em "Thinking about Current Vatican
Policy in Central and East Europe and the Utility of the 'Brazilian Paradigm'", Journal
of Latin American Studies, n. 25, p. 2 5 7 - 2 8 1 , 1 9 8 3 ; e "Financing the Faith: the Case of
Roman Catholicism", Journal of Church and State, v 35, n.l, p. 37-59, 1993.
U m enfoque teórico de interesse que recentemente me chamou a atenção é "Religious
Regimes and State Formation: Toward a Research Perspective", Religious Regime and
State Formation: Perspectives from European Ethnology, de Mart Bax, editado por
Eric R. Wolf (Albany, NY: State University of New York, 1991), p. 7-27.
A sede do Patriarca Ecumênico se chama o "Phanar" e está localizada num enclave
numa das vizinhanças urbanas da atual Istambul.
Naturalmente, partidários do Patriarca Ecumênico — geralmente comunidades orto-
doxas de origem grega, sujeitas a um status minoritário — freqüentemente "adornam"
seu poder. Eis como a Igreja Ortodoxa Independente da Albânia os descreve na oca-
sião da visita de Sua Santidade, Bartholomeus, à Albânia, de 1 a 9 de novembro de
1999: "Sua Santidade é o primeiro entre os iguais dentre os Arcebispos Ortodoxos, que
preside sobre todos os encontros das 14 igrejas ortodoxas independentes... Ele coorde-
na também o diálogo com outras Igrejas Cristãs e com várias crenças religiosas (sic)",
Orthodox Christian N e w s Service Inc., v. 1, n. 15, 1 nov. 1999.
Para uma visão geral da Igreja Ortodoxa Russa Contemporânea, veja "Reviving
Orthodoxy in Rússia: an overview of the factions in the Russian Orthodox Church in
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the spring of 1996", Cahiers du Monde Russe, v. 38, n. 3, p. 387-413, julVset. 1997.
Uma descrição proveitosa sobre os últimos anos é de Nathaniel Davis A Long Walk
to Church: a Contemporary History of Rússian Ortodoxy (Boulder CO & Oxford:
Westview, 1995).
^ As igrejas greco-católicas são também chamadas de "Uniates" por serem 'unidas' ao
papado romano.
^ Veja "The Roman Catholic Church in Rússia, 1991-1996 - The Latin Rite", The Harriman
Review, v 9, n.4, p. 46-57, 1996.
^ Em 1999, um protocolo entre a Federação Vaticana e Russa foi assinado, favorecendo
duas outras jurisdições, uma em Saratov, e outra em Irkutsk, respectivamente para as
partes Européia e Siberiana da Rússia, ambas administradas por Bispos.
Citado na melhor e mais completa narrativa a respeito da Igreja Ortodoxa Russa no
século vinte, The Rússian Church Under the Soviet Regime, 1917-1982 (Crestwood
NY: St. Vladimir's Seminary, 1984), 2 volumes; vol. II, p. 317-318, de Dimitry
Pospielovsky.
" Para a posição dos Ortodoxos favorecendo estreitos laços ecumênicos e a continuidade
da participação ortodoxa no W C C (Conselho Mundial Eclesial), veja a entrevista com
o Metropolitano da Suíça escrita por Edmund Doogue, "Orthodox Leader Urges
Churches to O v e r c o m e Obstacles to D i a l o g u e " , [on-line], E c u m e n i c a l N e w s
International (Geneva), 5 de novembro de 1999. Para a proposta da Igreja Russa de
uma estrutura alterada do W C C e maior representação das Igrejas Ortodoxas partici-
pantes, veja o artigo escrito pelo Metropolitano Kirill de Smolensk e Kaliningrad,
Diretor do Departamento de Relações Eclesiais Exteriores da ROC (Rússian Orthodox
Church — Igreja Ortodoxa Russa), "On a possible structure of the World Council of
Churches — Proposals for Discussion", Ecumenical Review (out. 1999); transmitido
on-line pelo 'Holy Trinity Orthodox N e w s Service' de San Francisco, CA.
Além do propósito deste artigo, encontra-se também toda a discussão das recentes
tensões entre Roma e Moscou a respeito do "expansionismo" do catolicismo na an-
tiga União Soviética desde 1990. É de fundamental importância a defesa do Vaticano
sobre a confissão greco-católica na Ucrânia, Bielo-rússia e em qualquer outro lugar
da Europa Central.
Os 'Uniates', assim chamados pejorativamente pelos Ortodoxos, ou 'Rito Ocidental'
ou 'Católicos de Rito Bizantino', professam obediência ao Papado, ao mesmo tempo
que preservam sua liturgia ortodoxa. Esse assunto foi discutido em "Shall the Twain
ever meet? — On the cancellation of the June 1997 meeting of the Patriarch of Moscow
and the Pope", Religion in Eastern Europe, vol. XVIII, n. 1, p. 15-27, f e v 1998. Sobre
o surgimento e expansão de comunidades semelhantes dentro da Rússia, apesar da
oposição ortodoxa e da censura oficial do Vaticano, veja o artigo do Autor sobre o
Catolicismo russo (citado na nota n. 6) e o esclarecedor artigo "Cathohc and Anti-
Catholic Traditions in Rússia", Religion, State and Society, v.*28, n. 1, p. 63-84, mar.
2000, de Sergei Filatov e Lyudmila Vorontsova.
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A Rússia, com população Ortodoxa nominalmente formada por 145 milhões e Católi-
ca estimada em entre 150 e 500 mil, recebeu por volta de 3,6 milhões de dólares,
igualmente divididos entre as duas denominações.
A Croácia, República Checa, Hungria, Romênia e Eslováquia receberam cada uma
mais de 1 milhão de dólares.
Anteriormente à queda do Muro de Berlim, os oito países acima citados receberam
quantias bem menores em termos relativos e absolutos. Em 1999, eles foram responsá-
veis por quase 29% dos 58 milhões de dólares de contribuições distribuídas da ACN.
(Fonte: "Aid to the Church in Need", Mirror, newsletter, p. 3, 4 jun. 2000).
^^ Uma descrição da Assembléia e seus Documentos Finais foi fornecida em 17 de julho
de 2000, num boletim oficial on-line por um de seus organizadores, Fr. José Oscar
Beozzo: "X Encontro Intereclesial das CEBs — Ilhéus, 11-15 de julho — Documentos
Finais". Mais de vinte mil pessoas de todas as regiões e formações participaram.
" U m dos líderes intelectuais católicos leigos do Brasil, Luiz Alberto Gomes de Souza,
recentemente afirmou que nem a escassez de fundos ou a crítica externa das comuni-
dades de base diminuiu a sua sobrevivência, importância ou significado. Tal impressão
errônea, argumenta, deveria ser atribuída ao eclipse que estão causando na mídia e à
prontidão dos doutores em repetir — sem fundamento — tais relatos; veja "As CEBs
vão bem, obrigado", documento não publicado, p. 13, 12 nov. 1999, de Luiz Alberto
Gomes de Souza.
A União Européia está atualmente negociando o ingresso de Chipre, Estônia, Hungria,
Polônia e Eslovênia; em outubro de 1999, foi anunciado que no ano 2000 se iniciariam
negociações com a Bulgária, Latvia, Lituânia, Malta e Romênia; conforme U S A Today
(13out. 1999).
Veja "Vatican Policy, 1978-1990: an updated overview", Social Research. Nova York,
V 59, n . l , p . 169-199, 1992.
^^ O caso mais celebre foi o de 1984, em que a Sacra Congregação pela Doutrina da Fé,
do Vaticano, calou o ex-padre franciscano Leonardo Boff; veja "A ofensiva Vaticana",
Religião e Sociedade, v. 12, n.3, p. 34-53, dez. 1985 e "A Teologia em Julgamento",
Comunicações do ISER, v 14, n.4, p. 62-66, maio 1985.
^^ Sobre os Carismáticos Católicos, veja "The Ten Year Crusade Toward the Third Çhristian
Millenium: afi Account of Evangelization 2000 and Lumen 2000", The Right and
Democracy in Latin America, editado por Douglas Chalmers et al. (Westport, CT, Nova
York e Londres: Prager, 1992), p. 202-222.
Conforme o artigo "Festa Católica bate recorde", O Globo on-line [www.oglobo.com.br],
15 out. 1999, mais de 160.000 fiéis, 40% além da capacidade máxima, lotaram o Está-
dio do Maracanã, no Rio de Janeiro, numa celebração da Festa de Nossa Senhora
Aparecida, Padroeira do Brasil, apoiada pela Renovação Carismática Católica. Esta
manifestação é especialmente pronunciada já que, em 1997, um ministro pentecostal
gerou um escândalo nacional ao chutar, em rede nacional, uma estátua de Nossa Se-
nhora Aparecida, profanando-a.
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^^ Em nenhum lugar o reconhecimento do atual status minoritário católico tem sido mais
autoritariamente expresso que nas intervenções dos participantes do Sínodo Europeu
dos Bispos Católicos Romanos, que aconteceu em Roma de 1 a 23 de outubro de 1999.
O serviço on-line do Vaticano, ZENIT, em 13 de outubro de 1999, relatou estas incisi-
vas observações: "Os Padres têm ouvido muito a respeito da 'Apostasia do Silêncio' da
Europa, como descreve o Cardeal Pierre Eyt de Bordeaux sobre a situação atual. Mui-
tos Bispos têm falado sobre os Católicos na Europa Ocidental serem vítimas da domi-
nante cultura materialista, espelhada na falta de interesse na Igreja, na Paróquia, e no
confessionário".
Jesus Carrascosa, membro do [novo movimento]. Comunhão e Libertação, "lamentou
a crescente brecha entre fé e vida: muitos europeus separam a fé da sua vida diária,
levantando uma parede entre a fé e a razão, e reduzindo Cristo a um simples profeta
social ou pregador de moralidade".
Mais notáveis são os comentários do Cardeal Adrianus Simonis de Utrecht, que "ex-
pressou uma amarga verdade: hoje a Igreja é uma minoria. Somente alguns sabem
quem é Cristo e como encontrá-lo. Até mesmo a Igreja é influenciada por essa menta-
lidade dominante, com o risco de reduzir o Evangelho a uma repetição de palavras ou
um apelo moral".
^^ Este argumento é incisivamente feito por José Casanova em "Globalizing Catholicism
and the Return to a 'Universal' Church", Transnational Religion & Fading States, edi-
tado por Suzanne Hoeber Rudolph e James Piscatori (Boulder CO and Oxford: Westview
Press, 1997), p. 121-143.
^^ D e Marco Politi, "La Chiesa alia ricerca di un papa nuovo", La Repubblica (Roma), 14
nov. 1999, p. 14. O propósito de Politi neste texto é afirmar que "em vinte anos, Karol
Wojtyla obteve o milagre de transformar o Pontífice Romano da cabeça do Catolicis-
mo em um líder mundial capaz de falar de valores universais al.ém das fronteiras religi-
osas e nacionais. Esta é uma carta que o Catolicismo não pode se permitir perder...".
^^ D e Kenneth P. Serbin, "The Catholic Church, Religious Pluralism, and Democracy
in Brazil", Working Paper. Kellogg Institute, University of Notre Dame, n. 263, p.
30, fev. 1998.
^^ A edição de 19 de novembro de 1999 de Commonweal (CXXVI: 20) é devotada a uma
discussão sobre "The crisis of Liberal Catholicism" (A crise do Catolicismo Liberal);
o artigo "Reinventing Liberal Catholicism", p. 30-39, de Peter Steinfels, é especial-
mente pertinente a minha discussão.
^^ U m enfoque sintetizado sobre Ortodoxia pode ser encontrado num pequeno volume
escrito pelo teólogo ortodoxo francês Oliver Clement, U É g l i s e Orthodoxe (Paris:
Presse Universitaire de France, 1961), 5® edição corrigida, 1995; Coleção "Que sais-
je", n. 949.
^^ Forças para atualizar a liturgia, doutrina e ensinamentos sociais ortodoxos podem ser en-
contradas em igrejas internacionais, sendo muitas delas comunidades surgidas a partir da
imigração de seus povos, especialmente nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra.
102 cava, ralph delia. Imaginário - usp, n= 6, pág. 98-117, 20.00
Entretanto, os recentes conflitos dentro da igreja ortodoxa grega da América geraram co-
nhecimento das dificuldades em enfrentar esses colaboradores da modernização; isso só se
deu por resolvido no outono de 1999, quando o Patriarca Ecumênico cedeu às exigências
dos greco-americanos em nomear um Arcebispo mais 'americanizado' para comandar a
denominação.
^^ Para a mais recente revisão deste conflito, veja "Historie Church Synod: Eastern
Orthodox leaders tussle as Rússian power ebbs", The Christian Science Monitor (7
jan. 2000), de Ilene R. Prusher.
Veja The Rússian church under the Soviet Regime, 1917-1982, de Dimitry Pospielovsky
(Crestwood, NY: St. Vladimir's Seminary, 1984), 2 volumes; para mais detalhes sobre
este artigo, veja v 1, p. 25-41, p. 193-248 e v 2, p. 301 ss.
^^ Sobre o adiamento, veja Sergei B y c h l o v e m "The Synod against conciliarity",
Moskovskiy Komsomolets, 22 jul. 1999.
^^ Para exibição autorizada das incumbências e metas da comissão especial, agora cha-
mada de grupo de trabalho sinodal de preparação de um documento, veja "Standard of
Faith as Norm of Life: the problem of the relationship between the traditional and
liberal values in individual and social choice", Nezavisimais Gazeta (Moscou), 16-17
fev. 2000, do Metropolitano Kirill (divulgado em uma tradução on-line pela 'Holy
Trinity Orthodox News Service' de San Francisco, CA).
^^ U m breve esboço biográfico do Metropolitano Kirill está incluído em um artigo ainda
não publicado de maio de 1997, entitulado "The IV World Council of the Rússian
People", p. 30. Disponível sob solicitação.
^^ Em reportagens noticiárias anteriores, o documento produzido seria relatadamente "uma
versão ortodoxa ... [da] 'doutrina social da Igreja' no ocidente..., 'elaborada sobre a
base de experiência com o passar de alguns anos...'". Veja "Rússian Orthodox Church
in search of Identity: Patríarch [sic] Kirill at Bose Ecumenical Congress", ZENIT (ser-
viço on-line do Vaticano), 17 set. 1999, via Holy Trinity Orthodox News Service. N o
dia 22 de junho de 2000, o Departamento de Relações Eclesiais exteriores do Patriar-
cado de Moscou divulgou um lançamento entitulado "Symposium on Church and
Society — 2000"; o departamento esboçou os quinze tópicos que serão expostos no
documento final. São eles: provisões teológicas básicas; Igreja e nações; Igreja e Esta-
do; ética cristã e lei secular; Igreja e Política; trabalho e seus frutos; posse; guerra e
paz; crime, punição, reforma; moralidade pessoal, familiar e social; problemas de
bioética; Igreja e problemas ecológicos; ciência secular, cultura, educação; relações
internacionais; problemas de globalização e secularismo. Veja também "Church view
of State", Segodnia (Moscou), 22 jul. 2000.
"Competing Visions: despair or hope", National Catholic Repórter, p. 3-4 , 15 out.
1999, de John L. Allen.
118 steil, Carlos alberto. Imaginário - usp, n » 6, pág. 1 1 8 - 1 3 5 , 2000
espada e a la^jca
duas weTBÔes do fJs^
do munão
Carlos alberto steil*
introdução
formam o espaço num lugar, instituindo "a ordem segundo a qual se distribuem
os elementos nas relações de coexistência" (1994: 201). Esta função de autoriza-
ção e de fundação, no entanto, não é jurídica, isto é, relativa a leis e juízos, no
entanto, pertence à ordem da instituição, enquanto estabelece uma base mística
para o culto e um campo de referência para as ações dos romeiros.
Partindo do material que recolhi em campo, pretendo trabalhar uma série de
estórias que apontam para uma configuração particular que os romeiros de Bom
Jesus da Lapa fazem do destino escatológico da humanidade, a partir do qual
situam seu lugar no mundo. Um olhar voltado para o futuro que organiza o pre-
sente e interpreta o passado. Mas, como podemos observar pelas próprias estóri-
as, longe de revelar a certeza ou determinismo, as visões do Juízo Final são múl-
tiplas e plurais. Em meio a esta pluralidade vamos destacar duas concepções que
se justapõem: a apocalíptica milenarista e o universo regenerado como paraísol
A versão milenarista aparece entre os romeiros associada à espada de São
Sebastião, cravada na pedra, na entrada da gruta do Bom Jesus e à figura da ser-
pente alada que habita o interior da gruta. Já a versão regeneradora e paradisíaca,
que descreve como seriam os "novos céus" e a "nova terra", é narrada numa estó-
ria fascinante de uma lagoa localizada no centro da rocha e habitada por peixes
dourados e circundada por todas as espécies de plantas e bichos.
Ele escreve em uma carta datada de 1500: "Fui eu que Deus escolheu para seu
mensageiro, mostrando-me de que lado se encontravam o novo céu e a terra
nova de que o Senhor falara pela boca de São João em seu ApocaHpse e a de
que Isaías fizera menção anteriormente" (Delumeau, 1989: 213).
e para maior abundância dos bens da graça" (Cantei, 1960: 101). Em outro texto,
Vieira admira o desígnio divino que escolheu Lisboa como capital deste reino de
paz e harmonia que deveria durar um milênio.
O céu, a terra e o mar concorrem, nesse admirável sítio, para a grandeza univer-
sal do império e para a harmonia, também universal dos súditos. Lisboa é o sítio
mais proporcionado e mais apto à destinação que lhe escolheu o Supremo Arqui-
teto: a construção desse edifício (o império do mundo) (Cantei, 1960: 146).
No centro da montanha existe uma gruta muito bela, que tem dentro dela uma
lagoa, onde vive uma serpente de asas. Cada ano ela perde uma de suas penas,
e quando ela perder a última então será aberta a entrada da gruta e ela sairá e
vai espalhar morte e destruição para toda a humanidade
imaginado com os elementos que serviram para descrever o tempo primordial. Aqui,
a imaginação dos romeiros, mais uma vez, chama em seu auxílio a memória bíblica.
As duas versões que serão transcritas em seguida foram narradas por
Matilde e por Verônica, respectivamente.
No centro da pedra, em cima da gruta do Bom Jesus, tem uma lagoa, e o Bom
Jesus está lá. Nessa lagoa têm peixes dourados, eles são encantados. Tinha
uma escada que levava até esta lagoa. Eu mesma, no tempo em que era "mo-
derna", subi a escada, e vi esta lagoa com uma água muito bonita e todas as
espécies de plantas e animais. Mas depois os padres tiraram a escada porque o
povo subia para caçoar dos peixes.
Depois saíram e tornaram a voltar à gruta, mas quando chegaram no lugar do
Bom Jesus, ele tinha sumido. Disseram que ele estava numa lagoa, dentro do
morro e que esta lagoa está cheia de água, com muita flor, onde tem toda
espécie de bicho e de peixe... A finada Martinha, que é tia de minha mãe, disse
que só quem foi lá, nesta lagoa, foi o padre, o bispo, o arcebispo, os capuchinhos.
Agora, ela morreu há muitos anos. Mas isso aí, ninguém prova. Uma mulher
falou para mim, lá na igreja e acredito que o Bom Jesus faz milagres, mas para
experimentar uma coisa assim, eu não tenho coragem.
Esta visão que imaginava o fim do mundo como algo iminente, que seria
seguido por um universo regenerado como uma espécie de paraíso, era comum
também entre os reformadores. Segundo Delumeau, o próprio Lutero associava
o Juízo Final ao paraíso que devia se seguir ao tempo do julgamento
A terra não será nua, árida e desolada após o Juízo Final, pois São Pedro disse
que esperamos uma nova terra e novos céus, ali colocará cãozinhos cuja pele
será de ouro e cujos pêlos serão de pedras preciosas. Não haverá mais animais
127 steil, Carlos alberto. Imaginário - usp, n» 6, pág. 1 1 8 - 1 3 5 , 2000
Esta crença no Juízo Final era parte de uma cultura onde predominava a
narrativa bíblica, que lhe oferecia o paradigma a parrir do qual os homens
pensavam o mundo. Dentro deste paradigma, a despeito dos pequenos desa-
cordos, ninguém imaginava uma cronologia de longa existência para o mun-
do, como a que se vai elaborar com o advento da modernidade, especial-
mente com as idéias de progresso e evolução que se tornam dominantes a
partir do século XIX.
Notas
^ A literatura aqui apresentada sobre Vieira conduz a conclusões opostas às que che-
gou o historiador Eduardo Hoonaert sobre o seu papel na implantação do catolicis-
mo brasileiro. Hoonaert afirma que "Vieira e o clero da época com ele, viveu um
tempo em que as convicções eram sólidas, as verdades incontestes, as boas intenções
acima de qualquer suspeita. Havia então uma visão de conjunto que explicava tudo,
que dava sentido à vida humana mesmo nas condições mais deprimentes como fo-
ram as condições humanas no Brasil português. Mas esta visão de conjunto não
possibilitava nenhum diálogo com a religião vivida pelo povo e com as aspirações
populares de libertação: eis a grande tragédia da Igreja no Brasil dos séculos XVI e
XVII, como aliás continua sendo até hoje" (1978: 36). Leituras lineares como esta e
de corte ideológico erradicam as oposições constitutivas do catolicismo que estão
presentes desde sua origem e o perpassam em todo o seu desenvolvimento histórico.
Se Vieira estivesse de fato colado às "convicções sólidas" a que se refere Hoornaert,
não teria tido problemas com o Santo Ofício, que via nas suas pregações otimistas
sobre o Juízo Final suspeitas de heresia.
A mesma estória, com uma grande coincidência de detalhes, foi transcrita no Guia dos
Romeiros e Turistas de Bom Jesus da Lapa (1969). Esta estória é narrada aí como um
exemplo das "crendices" populares dos romeiros. O autor, no entanto, procura encon-
trar uma explicação racional e um possível fundamento "científico" para esta crença,
escrevendo que "a origem dessa lenda é indígena. A ciência, de fato, mostra que a tal
gruta pode e deve ter existido, uma vez que a montanha está em parte submersa pela
erosão em leito de rio de basalto" (Kocik, 1991: 47, v. 3). Tem-se a impressão, às
vezes, que as explicações racionalizadoras do clero são ião fantásticas quanto as estó-
rias dos romeiros.
^^ Satã aparece nesse texto do Apocalipse identificado com o dragão e com a serpente, o
que possivelmente está na origem da estória de José. Esta associação com o dragão
também permite que, em algumas versões, a espada cravada sobre a gruta do Bom
Jesus seja atribuída a São Jorge.
Os estudos sobre Canudos são uma fonte importante para se perceber o espírito e os
valores que estão no centro da cultura sertaneja, da qual as romarias para Bom Jesus da
Lapa fazem parte. E, nesse sentido, além dos trabalhos produzidos no campo das ciên-
cias sociais, crèio que dois romances são fundamentais, na medida em que buscam
introduzir o leitor no clima que se vivia na época: Os Sertões, de Euclides da Cunha e
Guerra do Fim do Mundo, de Mario Vargas Llosa. Quanto aos trabalhos acadêmicos,
há uma literatura bastante vasta que cobre os campos da história, da sociologia e mes-
mo da teologia. Entre as obras históricas pode-se citar: Queiroz (1965); Carone (1977)
e Nogueira (1978). Dentro da literatura sociológica: Galvão (1977); Monteiro (1977) e
Facó (1978). Mais recentemente, Alexandre Otten escreveu uma tese de doutorado em
teologia, na Gregoriana (Roma), que foi publicada no Brasil (1990).
^^ Há dois relatos da criação no início do livro do Gênesis, o primeiro que é atribuído
à fonte sacerdotal, mais abstrata e mais teológica e o outro pertencente a fonte
132 steil, Carlos a l b e r t o . Imaginário - usp, n» 6, pág. 1 1 8 - 1 3 5 , 2000
javista. São duas narrativas combinadas que utilizam tradições diversas: uma nar-
rativa da criação do homem distinta da criação do mundo e que não é completa
senão pela criação da mulher e pela aparição do primeiro casal humano (Gn 2,4b-
8,18-24) e uma narrativa sobre o paraíso perdido, a queda e o castigo, que começa
em 2,9-17 e continua por 3,1-14.
Segundo Delumeau, "o nascimento da Reforma protestante será mal compreendido se
não o situarmos na atmosfera de fim do mundo que reinava então na Europa. Se Lutero
e seus discípulos houvessem acreditado na sobrevivência da Igreja romana, se não se
tivessem sentido acossados pela iminência do desfecho fmal, sem dúvida teriam sido
menos intransigentes em relação ao papado; mas para eles nenhuma dúvida era possí-
vel: os papas da época eram encarnações do Anticristo" (Delumeau, 1989: 222).
^^ Assumo, aqui, a perspectiva de autores como Goody & Watt (1968); Ong (1986); Kelber
(1983) para os quais a consciência humana é estruturada no pensamento pelas formas de
comunicação e que o pensamento é devedor do meio através do qual o conhecimento é
adquirido, de forma que se pode falar de culturas orais e escritas, ou não-letradas e letradas.
^^ Chartier, ao discutir a relação da oralidade e da escrita na cultura francesa, afirma que
a oposição entre o oral e a escrita não consegue explicar a situação em que estes meios
de comunicação se sobrepõem (1992: 232).
^^ Embora use a oposição entre cultura oral e escrita para demarcar dois campos distin-
tos de práticas e sentidos que são produzidos e veiculados pelos atores religiosos na
romaria de Bom Jesus da Lapa, é preciso ressaltar que, especialmente em relação à
cultura oral, não se trata de uma cultura oral primária, no sentido de culturas que
nunca tiveram conhecimento da escrita.
referências bibliográficas
CALVINO, ítalo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1988.
CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A nova histó-
ria cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 211-238.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 29. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves/MEC,
1979.
GOODY, Jack & WATT, lan. The consequences of literacy. In: GOODY, J. (org).
Literacy in traditional societies. Cambridge: Cambridge University Press, 1968.
KELBER, Wemer H. The oral and the written gospel. Philadelphia: Fortess
Press, 1983.
KOCIK, Lucas. Santuário do Bom Jesus da Lapa. Bom Jesus da Lapa: Gráfica
Bom Jesus, 1988.
134 steil, Carlos alberto. Imaginário - usp, n» 6, pág. 118-135, 2000
MILBANK, John. Theology and Social Theory. Beyond secular reason. Oxford/
Cambridge: Basil Blackwell, 1990.
ONG, Walter J. The presence ofthe word. Some prolegomena for cultural and
religious History. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1986.
SEGURA, Turíbio V. Bom Jesus da Lapa. Resenha histórica. São Paulo: Gráfi-
ca "Ave Maria", 1937.
Ia virgen de l u j á n i El
uai 1 agro de urna identidad
*
eloísa martín**
introducción
identidad nacional
mayor o menor nivel de conflicto o armonía, debido a que ambas compiten por
ocupar espacios en Ia sociedad civil. La existencia de un catolicismo integral,
con pretensiones universalistas choca irremediablemente con los gobiernos de-
mocráticos y con Ia democracia de partidos. Por el contrario, sus relaciones con
Ias dictaduras militares son inmejorables, pues en tanto le sirvan a éstos como
base de legitimación, ganará mayor injerencia en Ia sociedad civil.
Podemos entender los motivos por los que Ia Virgen de Luján es jurada
Patrona en Ia palabras de Monsenor Miguel De Andréa durante dicho acto:
Durante esta etapa se lleva a cabo Ia catolización dei Estado desde adentro,
pues numerosos funcionários dei gobierno que llega al poder con el golpe de
junio dei '43 son sacerdotes y laicos católicos.
Mallimaci (1992:327) afirma que con el Justicialismo "el monopolio de Io cristiano
y en especial de Io católico, deja de estar en manos de los 'profesionales de Ia fe', de
los 'notables católicos' y se expande por todo el cuerpo de Ia sociedad argentina".
Según algunos a u t o r e s e l elemento principal por el cual Ia Iglesia apoyó
efusivamente al peronismo en un primer momento, fue Ia coincidência entre
éste y Ia Doctrina Social de Ia Iglesia, así como el reconocimiento de ciertas
demandas históricas de ésta^^ Sin embargo, Ia tendencia dei peronismo de
identificarse totalmente con Ia doctrina social de Ia Iglesia provocó roces, espe-
cialmente al momento de determinar cuál - gobierno o Iglesia - monopolizaba
el "verdadero" mensaje cristiano. Si bien el peronismo se definia a sí mismo,
junto al catolicismo, como intrínseco al "ser nacional", hacia mediados de 1952,
cuando el régimen peronista entra en crisis y se vuelve contra Ia Iglesia, declara
'doctrina nacional' por ley dei Congreso a Ia doctrina peronista y ordena su
predicación (Rock, 1993: 184 y ss.; Plotkin, 1994: 46-48). La intención dei
gobierno era convertida en una religión política, en remplazo de la católica,
como verdadera portadora dei mensaje cristiano. Esto nos permitiria entender,
de alguna manera, que Ias fricciones entre ambos que culminaron con el
derrocamiento de Perón en 1955 se deberían, en parte, a un retraimiento de esta
política de concesiones desde el gobierno, y en parte a una competencia entre el
Estado peronista y la Iglesia por espacios dentro de la sociedad civil. La relación
entre la Iglesia católica y el peronismo es demasiado compleja para ser aborda-
da en este trabajo, y seguramente con Io expuesto en estas líneas hesido
groseramente reduccionista. Lo que me interesa aclarar, dentro de Io propuesto
en estas páginas, es que la relación entre Iglesia y Justicialismo tuvo diversas
aristas, y que el continuum que va desde un apoyo (a mi entender, indirecto) con
143Im a r t í n , eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
Ia Carta Pastoral previa a Ias elecciones de 1946, pasando por una "luna de
miei", con Ia respuesta a Ias demandas eclesiales, especialmente Ias referidas a
Ia ensenanza religiosa en Ias escuelas públicas, hasta llegar una fuerte
competencia por el espacio público, cuando desde el gobiemo comenzaron a
recortársele atribuciones a Ia Iglesia^^ al tiempo que se le extendían permisos a
otras religiones, sumados a sucesos como Ia procesión de Corpus Christi el 11
de junio dei '55 (acto político religioso antigubememental) y Ia expulsión pos-
terior de sacerdotes, que culminaron en una favorable acogida por parte de Ia
Iglesia a Ia Revolución Libertadora, no es ni simple ni lineal.
Acorde con el nuevo papel de Ia Iglesia dentro de Ia sociedad nacional. Ia
Virgen de Luján ocupo nuevos lugares y fue jurada Patrona de nuevas
instituciones. Asimismo, en 1945 comenzaron Ias 'Embajadas de Ia Virgen', de
Ia mano de Monsenor Serafini. Las 'Embajadas' consistían en travesías que
realizaba un grupo de sacerdotes, encabezados por el obispo, llevando una imagen
de Ia Lujanera hacia distintos puntos dei país. Su objetivo consistia en difundir
el culto a esta Virgen en todo el territorio nacional. Generalmente se realizaban
en tren, deteniéndose, durante el recorrido, en numerosas estaciones, donde
quedaba entronizada una imagen de Ia Virgen. También se efectuaron Embajadas
en automóvil y a bordo de Patrulleras de Prefectura Naval Argentina.
Vamos a observar, en estos anos, que Ia tendencia que sigue Ia expansión
de los honores y nuevas funciones asignados a Ia Virgen de Luján, así como Ia
que siguen las imágenes distribuidas por el espacio público, es correlativa al
movimiento que realiza Ia Iglesia católica en relación con los gobiernos
peronistas. Si bien esto Io podemos verificar en Ia etapa anterior y en Ia
subsiguiente, es durante el régimen de Perón que se vuelve más evidente. Así,
veremos que aproximadamente entre 1944 y 1950 - con un punto de máxima en
1948 - Ia imagen de Ia Virgen de Luján fue ganando cada vez más espacios y
recibió numerosos honores, consolidando su función de imagen legítima dei
catolicismo oficial y nacional. Luego asistiremos a una retracción de dicha
expansión, derivada de las restricciones que le efectuó el gobierno a Ia Iglesia y
dei avance dei peronismo sobre el espacio simbóhco público.
Las tres celebraciones patriótico-religiosas que se realizaron durante este
período y que tuvieron a Ia Lujanera como Patrona, fueron el 4° Congreso
Eucarístico Nacional (1944), el 1° Congreso Mariano Nacional (1947) y el Con-
ciUo Plenário de Obispos (1953). En los tres se rescata a Ia Virgen de Luján como
símbolo dei catolicismo oficial, pero sólo nos detendremos en el Congreso Mariano,
dada Ia importancia que le dan los distintos historiadores a tal evento.
La importancia para nuestro trabajo dei Primer Congreso Mariano Naci-
onal radica en su carácter "patriótico-religioso", que queda explicitado ya en
Ia Carta Pastoral dei Episcopado en que fundamenta Ia elección de Luján
como sede dei Congreso,
144 I martín, eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
donde reina Ia Patrona de Ia Patria (pues) ...dejando de lado Ias pequenas ventajas
de Ias ciudades grandes, elegimos Luján para sede dei Primer Congreso Mariano
Nacional, seguros de que el inmenso corazón de Ia augusta Patrona de nuestro
Pueblo es el mejor lugar para aprender a amaria, reafirmar nuestra devoción
para serviria... (Palacios, 1983: 25)
Ella [Maria de Luján] quiso quedarse allí y el alma nacional argentina comprendió
que allí tenía su centro natural. Y al entrar en aquella Basílica, ...nos pareció que
habíamos llegado al fondo dei alma dei gran pueblo argentino.
Durante estos anos fueron jurados los Patronazgos de cuatro de los ele-
mentos más significaüvos dei aparato estatal: Ias Rutas Nacionales, Ia Policia
Federal (PFA), los Ferrocarriles y el Consejo Nacional de Educación (CNE).
El significado que tendría el imprimir el sello católico en los caminos y
FF.CC. pareceria obvio: lazos de integración geográfica nacional, ambos
confluyen en un único centro. El kilómetro cero de todas Ias rutas y caminos,
el punto de origen, el centro simbólico dei pais está indisolublemente ligado
a Ia Virgen de Luján. El Decreto 12.665/ 44'^ que Ia declara Patrona se
basa para hacerlo en que una "...tradición irrefutable afirma que los
caminantes... y los ejércitos libertadores, en Ia gesta de Ia Independencia,
invocaron siempre Ia protección de Ia Santisima Virgen". Y que dicha
tradición Ia habria consagrado "de hecho Patrona de Ias Rutas Nacionales..."
Algo parecido pasa con los FF.CC.: el tendido de lineas férreas fue disenado
bajo el imperativo de otro proyecto, el liberal positivista de Ia Generación dei '80,
para confluir en Buenos Aires, el centro político, econômico y social dei país.
Significaba progreso, civilización, modemidad, racionalidad. Y estaba ligado a
los valores e intereses de Gran Bretana. La nacionalización simbólica de los FF.CC.
comienza al rebautizar Ias lineas, durante un acto realizado en Ia Estación Retiro
el r de marzo de 1948, con nombres de "grandes héroes de Ia historia Argentina"
145Imartín, eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
Vemos así que el único progreso posible, aquel que "engrandece Ia Patria",
sólo será factible si está ligado al catolicismo. La nacionalización de los FF.CC.
no fue solamente un movimiento de expropiación-reapropiación desde el Esta-
do, sino que para completarse necesitó de Ia bendición - simbólica y material -
de Ia Iglesia Católica. Los FF.CC. nacionalizados significan algo más que Ia
recuperación econômica de los mismos. Y esto se comprueba en el texto dei
bronce cuando alude a Ia "perenne oración por el engrandètimiento de Ia Patria",
como si uno y otro fueran indisociables. Este plus de significado nos remite a Ia
146 I martín, eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
Por este mismo motivo son ahora también más necesarias nuevas
entronizaciones de Ia Lujanera en Ias estaciones de FF.CC. pues "su sola
presencia hará recordar constantemente al viajero... su dignidad de argenti-
no y su honestidad de cristiano"^^ así como una mayor presencia de "Ia
imagen de Ia Madre de Dios para prevenirlos y protegerlos contra el espíritu
dei mal que azota al mundo: el comunismo ateo" Durante esta etapa
también encontramos Ia mayor cantidad de entronizaciones en Ia zona dei
litoral y provincia de Buenos Aires: sólo durante 1956 se erigieron 26
imágenes en estaciones dei FF.CC. Sarmiento34.
Durante estos anos, se realizaron nuevas giras. En enero de 1957 se llevó a
cabo el "Cmcero Mariano" por Tigre, llevando imágenes hasta Uruguay. En
agosto dei mismo ano, por el Noreste (desde Ia ciudad de Paraná hasta Puerto
Aguirre, Cataratas dei Iguazú) y el Noroeste, hasta Tucumán.
Como vemos. Ia devoción por Ia Lujanera responderia a un esfuerzo
para su difusión en un contexto donde se percibe a Ia descristianización
como una amenaza no sólo para Ia catolicidad, sino para Ia Nación misma.
En 1962 se inicia el Concilio Vaticano n cuyas resoluciones tuvieron en Ar-
gentina tres posturas diferentes: Ia tradicional-conservadora e integrista, renuente
a aplicar sus ensenanzas; Ia socialcristiana o moderada, tendiente a una renovación
pastoral de matriz europea; Ia progresista o radical-progresista, donde confluían
socialismo y valores cristianos. (Cfr. Soneira: 1996,178; Bresci 1987:76; Moyano:
1992,371). Durante el gobiemo de Illia (1963-1966) nacionalistas catóHcos seguían
ocupando posiciones importantes en Ias FF. AA. y en Ias Universidades (Cfr. Rock,
1993:193). Imágenes de Ia Virgen de Luján continuarán siendo entronizadas en el
espacio público aún después de 1965 y hasta Ia actualidad. En 1969, durante el
gobiemo dei General Onganía, Argentina es consagrada a Ia Virgen de Luján, en
un intento de reforzar el Patronazgo jurado en 1930 y de buscar, nuevamente,
protección en los valores nacional-católicos simboHzados en Ia Virgen de Luján.
consideraciones finales
notas
^ Hemos utilizando Ia totalidad de los ejemplares aparecidos en los anos: 1930, '32, '33,
'34; 1948, '49; 1950, '53, '55, '56, '57, '58; 1961, '62, '63, '64.
^ Llamamos imaginarios sociales a aquellas representaciones totalizantes que son domi-
nantes en una sociedad y que funcionan como un esquema colectivo de referencia dei
que participan símbolos, valores, emblemas, ideas-imágenes, mitos, para reproducir
un poder ya establecido.
^ Mallimaci, en sus articulos, define como catolicismo integral a un catolicismo que plantea
una fuerte unidad entre Iglesia y Estado. Orientado al militarismo, condena Ia democra-
cia de partidos como Ia causante de Ia rupturas en Ia sociedad, y considera que Ia
participación de los católicos es necesaria para catolizar Ia vida pública. Es antimoderno,
anticomunista y antiliberal. Nace en sectores de Ias clases médias y altas, y se propone
como pilar de Ia argentinidad y de Ia patria, y fundamento de Ia identidad nacional.
^ La transcripción completa dei discurso Ia tomamos de PP, n. Almanaque para 1931,
Octubre de 1930. p. 219-221. También hay referencias y citas dei mismo en Presas
1993a: 268 y 1993b: 79.
153Im a r t í n , eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
referências bibliográficas
PLOTKIN, Mariano. Manana es San Perón. Buenos Aires: Ariel Historia Ar-
gentina, 1994.
157Im a r t í n , eloísa. Imaginário - usp, n= 6, pág. 136-158, 2000
ZANATTA, Loris. Del Estado liberal a Ia Nación Católica. Iglesia y Ejército en los
orígenes dei peronismo. 1930-1943. Bemal:Universidad Nacional de Quilmes, 1996.
fuentes consultadas
libros
PRESAS, Juan Antonio. LUJÁN. La ciudad mariana dei país. Buenos Aires: Edito-
rial Claretiana, 1982.
revistas
L
' Antropóloga Social, Universidad Nacional de Misiones - Argentina.
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2 0 0 0 160
ei color local
A partir de 1988 toda América dei Sur es el puntal de lanza para una
transformación de Ia conciencia planetaria. Trigueirinho, gracias a Ia transmisión
de un ser contacto, tuvo el conocimiento dei cambio energético que se produce
exactamente a partir dei 8/8/88 cuando comienza Ia purificación dei planeta.
espiritual o terapêutica a Ia que suscribel Aunque los sujetos destacan uno o vários
de los elementos, cabe senalar que Ia mayoría refiere al conjunto de ellos y reconocen
que Ia sumatoria de partes genera una síntesis que Ias supera.
De este modo, se sostiene que hay "mensajes que nos invaden y nos atacan
por todos los costados" como Ia abundancia mineral, vegetal, animal, de líquidos,
esto es, de aguas, de piedras, de plantas, tal como ilustran los siguientes testimonios:
Es muy fuerte el color de Ia tierra. Tanta tierra!, una tierra muy fuerte, muy
colorada con el verde tan intenso junto con tanta agua, son emociones muy
fuertes que nos impulsan a acercamos a Io espiritual.
En Misiones hay mucha agua, mucho movimiento de agua. Acá los sentimientos
están muy a flor de piei, muy exaltados. Son como una explosión volcánica,
cosa que no podés tener en un desierto o en una ciudad rodeada de cemento.
Además, una practicante de Reiki aseguraba que esta provincia cuenta con
otro elemento que Ia vivifica y proyecta al mundo, esto es. Ia variedad de grupos
humanos que Ia habitan^, y cuya presencia en esta tierra no seria azarosa:
Este es un lugar que ha sido convocado para alguna tarea, es un ejemplo para
el mundo, fundamentalmente de convivência. Aqui ha venido gente de todo el
mundo y está conviviendo en una armonía que no se puede encontrar en otros
lugares. Eso es Io más notable! Aqui se acepta cualquier forma de pensamiento
en libertad. Se puede establecer en esta tierra todo tipo de cultura, idioma,
religión, y siempre prosperar. Por eso estamos aqui y también por eso vinieron
los jesuitas. Es una tierra promisoria absolutamente, pero esa idea recién está
despertando; no nos damos cuenta muy bien de Ias posibilidades que tiene.
cosas trabajando y disputándose. Acá, así como está esa elevación, está Ia otra
que tira para abajo, entonces hay que sumar para un lado. Misiones tiene un
papel importantísimo en Io que es el nuevo pensamiento que el mundo está
necesitando desesperadamente. Lo necesitamos como el aire.
Acá todo es muy terráqueo, muy terrenal. Ia gente está muy pegada a Ia tierra.
En el caso de Misiones, por Ias condiciones geográficas y de terreno. Ia persona
va más hacia Ia tierra y tiene que trabajar más el espíritu para despegarse un
poco. Es todo muy denso. Y, justamente, donde va a comenzar un movimiento
importante hacia lo espiritual sino en un lugar muy apegado a Ia tierra?
I. el escenario natural
a simple vista unido a Ia belleza por presencia o ausência, remite a otros valores
cuando reconocemos Ias peculiares maneras humanas de relacionarse con el
entorno. Desde el caso que nos ocupa, surge una geografia extraordinariamente
compleja que convierte en portentoso Io que para algunos es trivial o evoca
emociones estéticas. Azules, verdes y rojos, aguas, plantas y tierra, cobran
dimensiones "milagrosas" y se convierten en protagonistas de acontecimientos
místicos y espirituales cuando el hombre encuentra en ellos sentidos nuevos.
Así, ellos pueden hablar dei bien moral, de Ia vida, de Ia muerte, de Ia
perennidad, de Ia esperanza, dei remedio, de Ia bondad divina, dei ansia por
desentranar el mistério y de empenos por otorgar sentido existencial al huma-
no vivir. Asimismo, Ia matéria - que cobra estatura y despierta una multiplicidad
de sentimientos - se convierte en una confirmación práctica de Ias convicciones
y en una expresión simbólica que permite elaborar lenguajes expresivos y
construir narrativas potentes.
En este plano de Ia realidad, se reconocen elementos caros a Ias filosofias,
"suenos e imaginaciones" (Bachelard) de Ia humanidad: el agua. Ia tierra, el
aire y el fuego son realidades cotidianas que transportan al hombre fuera de
Io coridiano a través de vivências y sentimientos. Y desde Ia cosmovisión de
carácter sagrado que guia Ia mirada de los new agers, el paisaje y sus ele-
mentos consritutivos son reconocidos como partes de una totalidad divina.
La sacralidad de Ia vida en todas sus dimensiones - visible e invisible, mate-
rial o inasible - se traduce en creencias e ideas que guían Ias experiencias.
Apoyada en esas convicciones, una Instructora de Rebirthing expresaba:
Hay una verdad absoluta, llamala Dios, llamala geometria sagrada, llamala
naturaleza. Pero hay un patrón que se repite y que hace que Ia vida sea un
mistério y que podamos contemplar Ias estrellas y damos cuenta que algo nos
pasa adentro. Que si te quedás embelezado mirando una flor, algo pasa que va
más allá de tus huesos, que te toca en alguna esencia; algo tuyo muy profundo
que es ese vínculo con Ia vida: Io sagrado. Porque Io sagrado está en Io profa-
no. Generalmente se divide, pero el hombre está relacionado con Io sagrado en
el fuego, en Ia piedra, en Ias plantas.... Prometeo divinizó el ser humano. El
fuego te da el alimento, el calor, Ia protección que son vitales; y el fuego está
relacionado con Io sagrado. Por eso Io sagrado está en Io profano.
fuera un animal, a cada animal como si fuera un ser humano y a cada ser
humano como si fuera un Angel.
Por otra parte, no solamente ei hombre participa de Ia esencia divina sino que
también está informado por ia misma matéria que ei cosmos al que pertenece: los
cuatro elementos están en su propia constitución física y los cuatro reinos también;
como cualquier manifestación natural está adentro dei hombre, "no hay separación
entre adentro y afuera". En consecuencia, todo es uno y cada uno es el todo; el
hombre es uno con el universo y como éste es creación divina, debe ponerse "en
sintoma" con Ia naturaleza y aprender a nutriria y ser nutrido por ella.
Ias aguas
En Misiones hay mucha agua, mucho movimiento de agua. Acá los sentimientos
están muy a flor de piei, muy exaltados. Son como una explosión volcánica,
cosa que no podés tener en un desierto o en una ciudad rodeada de cemento.
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Las cataratas son el gran Corazón que está absorbiendo ese liquido que viene fer-
tilizando el planeta, le da un nuevo impulso y lo vuelve a enviar para que vuelva a
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2000 167
feitilizarlo. Lo que hacen Ias cataratas dei Iguazú con Ias aguas es Io mismo que
hace nuestro corazón con Ia sangre.
Cualquier persona dei mundo entero que haya pasado por Iguazú puede corro-
borar que su vida es un antes y un después, marca un hito en Ia vida, hay cosas
que se transforman, se renuevan, y es propio de esa energia que está circulando
en ese lugar. Es una energia natural que es al mismo tiempo espiritual. Esa
fuerza, ese magnetismo que absorve y expulsa no puede pasar desapercibida
por nuestrqs sistemas individuales, por nuestra mente.
Así, Iguazú tiene un destino, una misión que cumplir, convicción que es
avalada por el Maestro indio Parvathi Kumar, quien ha visitado Misiones en
diversas oportunidades y coordinado Ias "convivências"'^ desarrolladas en cata-
ratas. Es él quien legitima y ratifica Ias experiencias de sus seguidores conforme
a Ias propias, que Ias senalan como un lugar único, un centro magnético y espi-
ritual planetario que recibe, atrae, expulsa y "abre" a los sujetos de acuerdo al
estado de consciência que posee para poder captar, percibir, decodificar, asimilar
y obrar en consecuencia. Una de Ias asistentes a dichos encuentros sostenía:
Todo ser o fenômeno tiene un trayecto que caminar, un camino que recor-
rer, y ese camino está inserto dentro dei camino mayor, universal. En el plano
cósmico, de Ia interacción de Ia luz en el espacio -donde Ia luz es dada por los
astros y el espacio por Ia ubicación que en Ia que éstos se encuentran -, surge Ia
dirección que el universo entero debe recorrer:
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2000 169
Con ese mismo principio nosotros no podemos escapar dei trayecto que está
haciendo nuestro planeta y nuestro sistema solar, porque estamos ingresando
en Ia Era de Acuario y con todo Io que eso significa: Acuario, Ias aguas de
Acuario, aguas de abundancia como Iguazú!, que sintetizan y purifican!
Debemos dirigir nuestras personas pero dejar que Ia energia fluya, ser canales.
El sol pasa a través dei vidrio de Ia ventana, pero no es el vidrio el que da Ia
luz; viene dei sol y él toma a su vez de un centro superior y éste de otro centro
superior y así llegamos al padre, el espíritu universal. La creación es el gran
instrumento a través dei cual se transmite esa luz.
El ser humano debe interpretar donde está, de dónde viene, hacia donde va
y cuál es su función dentro dei juego universal. Para ello necesita conocer cuáles
son Ias senales de Ia naturaleza y luego "ponerse en sintonia" porque dentro de
un espacio y tiempo determinados se conjugan todos los tiempos y todos los
espacios.
L
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2 0 0 0 172
comunicación, a través de los Espejos, con los diferentes planetas que forman el
Consejo Interplanetário que está trabajando en Ia Tierra. Así, Iberá es un Espejo
compuesto por seres extraterrestres provenientes de otras galaxias y por una
civilización intraterrena que contribuye a Ia gran misión de transformación de
Ia raza de superfície de Ia Tierra. A diferencia de ésta, Ia intraterrena no solo
puede viajar a los distintos planos habitados dei universo, sino que también está
integrada a Ia Naturaleza, Ia respeta y convive con ella en perfecta armonía.
Debido a Ia calidad de energia circulante en el área dei Espejo, los seres dei
reino animal y vegetal adquieren mayores proporciones físicas y pasan a asumir
el papel de guardianes. En sus planos sutiles, se encuentran algunos seres
guardianes, semejantes a indígenas pero de color claro, que conforman un reino
paralelo al humano. Son seres cuya misión consiste en purificar el planeta y
preservarlo de Ia depredación humana, según testimonio de una adepta:
En ei Iberá hay seres guardianes. En cada lugar hay cuentos, leyendas, pero no
son cuentos. Son entidades que están cuidando y preservando los lugares, al
reino vegetal y animal. Por eso Io de Ia desaparición de personas y objetos y el
movimiento de Ias islãs. Quedan interrogantes; quizás hay una información que
todavia no está siendo develada porque no es tiempo de saber toda Ia información.
La energia conducirá los tiempos en que se podrá saber.
1984: 175) merodeando entre los abras'^ y embalsados dado que "cuando ei
embalsado se inunda salen los negritos" (Vida! de Battini, 1984: 394).
Las "historias que se cuentan no son un cuento" aseveraba una seguidora
de Trigueirinho cuando aludia a las narraciones que desde antano son conocidas
y transmitidas en el litoral argentino. Las leyendas y creencias populares son
asumidas por ésta como una confirmación de sus propias convicciones:
"coinciden en esencia y realidad con las leyendas y mitologias de los indios
transmitidas a través de las generaciones". No obstante, detiene su atención
en las diferencias que los términos explicativos en uno y otro caso expresan:
destaca San Ignacio Mini por el estado de conservación que permite imaginarlo en su
plenitud originaria. Así, el pasado jesuítico - glorioso u ominoso de acuerdo a cada
quien - no es olvidado, al menos, por Ia presencia insoslayable de sus construcciones.
Este pasado ha estimulado Ia creación de historias y relatos que se reproducen y recrean
a través dei tiempo. Mitos y leyendas^^^ nacieron y conservan en Ia zona, fundamental-
mente arraigados en Ias poblaciones asentadas en cercanias de Ias Ruinas.
De acuerdo a Io esperado por sus habitantes, estas localidades crecieron
demográfica y economicamente a un ritmo inferior en comparación con otras
de Ia provincia. Una de Ias razones dei "atraso" sostenida por los lugarenos,
hace referencia a su pasado jesuítico: "los pueblos que tienen origen jesuítico
no adelantan nunca, se quedan", manifiestan con certidumbre. Más precisamente,
es Ia "maldición jesuídca" el origen de los males, Ia responsable de una realidad
indeseada. De modo jocoso o no, algunos intendentes o miembros de los Concejos
Deliberantes aluden a ella cuando su gestión encuentra trabas o se frustran los
proyectos. Su referencia como promotora de disgustos y contratíempos, permea
el discurso de los funcionários y representantes vecinales, según testimonia una
ex responsable dei Programa de restauración de los monumentos.
Empero, esa vieja creencia aparece en un nuevo contexto cuando esta fun-
cionaria dei gobiemo y participante de eventos new agers revisa Ia historia de
los sucesivos intentos de restauración. El espectro se asoma y transita en su
relato cuando senala Ias dificultades que se han suscitado y aún se interponen en
el quehacer cotidiano: desde 1940 - cuando se ponen en marcha los primeros
trabajos - hasta Ia fecha, una sucesión de acontecimientos infaustos serían Ia
prueba de ese influjo. No arriesga su adhesión a Ia explicación popular, no alude
directamente a Ia maldición jesuítica. Aunque el "como si" es Ia via discursiva
de escape en su largo relato, se afirma y se convence de que algo hay:
Hay manejos vibracionales que pueden estar ligados a una suerte de ceio de
los custodios de los lugares, que se meten con Ias personas que pueden llegar a
intervenir en el médio. La explicación es el manejo mágico, espiritual dei guarani
que es poderoso. Los chamanes tienen sus principios mágicos muy fuertes,
ellos manejan Io mágico, manejan Ias vibraciones de la naturaleza. Yo creo que
eso que eso ha quedado impregnado. Ellos tienen secretos que no los cuentan
y eso tiene que ver con la magia, tiene que ver con los chamanes. No tiene que
ver más eso que la historia de los jesuitas en sí? Para mí es la maldición
guarani, yo no creo que los jesuitas hayan desarrollado una maldición. Si puede
haber una postura desde la raza guarani, proteger su territorio...
Está la historia oficial de los conflictos, que es una realidad: el manejo econômico,
politico. Pero por otro lado, qué pasa ahí dentro? Pasa que hay una gran magia y
una gran energia, pasa que si uno está ahí tenés como un encantamiento, una
ensonación, que tiene que ver con Ias vibraciones que están impregnadas en Ias
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2 0 0 0 176
Misiones tiene algo particular porque Ia mentalidad ya estaba. Los jesuitas vinieron
con el pensamiento de hacer el nuevo milênio, querían hacer un paraíso en Ia
Tierra donde Ia pureza, santidad y armonía sean los principios; una comunidad
donde uno se ayude al otro. Vinieron con idea de futuro de armonía y de paz y
por eso no querían que los indios se mezclaran, que no se contaminaran los
pensamientos puros que ellos tenían. Querían edificar el nuevo mundo de armonía
y paz donde nosotros ahora mentalmente estamos entrando en el nuevo milênio.
reflexiones finales
una mirada guiada por Ia convicción de que estamos atravesando una Nueva Era.
Desde cada lugar, desde cada perspectiva, el sujeto encuentra particularidades, bus-
ca fuentes efectoras, atribuye relaciones, lee mensajes, encuentra senales y
explicaciones. Las explicáciones encontradas le permiten Ia comprensión dei mun-
do, Ia confirmación de sus creencias y el fundamento de sus experiencias.
Como sostiene Eliade (1998: 114), "para el hombre religioso el cosmos no
es opaco, inerte, mudo, transmite mensajes, es portador de claves". Y Misiones
está llena de mensajes y de claves según puede constatarse. Partiendo de estos
nuevos universos ideológicos y espirituales, el sujeto descubre que su "casa" le
ofrece posibilidades únicas de conectarse con Io sagrado y que, además, es
promisoria y rica en elementos propios, atributos que Ia hacen única y singular.
Un conjunto de características han sido recuperadas e interrelacionadas hasta
convertirla en un escenario que permite distinguirla de otros y que, al mismo
tiempo. Ia ubican en una posición privilegiada.
Asimismo, otro aspecto hasta ahora no develado se hace presente: de su
"roja" matriz se derivaria el fenômeno que despierta gratitudes, esto es,
Misiones como locus que propicia el desarrollo individual de Ia conciencia
y de corrientes espirituales renovadoras, consecuente con Ia Era que se tran-
sita. Se entiende que Misiones tiene un destino senalado y una misión que
cumplir; fue llamada ab initio a converrirse en un lugar de búsqueda y
encuentro, de renovación y elevación espiritual. Hay un mandato que exce-
de las voluntades individuales y que es reconocible sumándose al despertar
de Ia conciencia, creciendo espiritualmente, desprendiéndose de las viejas
estructuras mentales que opacan o impiden Ia llegada a Ia Luz.
Por ello, no deberíamos preguntarnos si nos encontramos asistiendo a Ia
creación de un nuevo "Centro"? Afirma Eliade (1998: 47) que "el Centro dei
mundo es un espacio existencial y sagrado que presenta una estructura radical-
mente distinta, que es susceptible de una iníinidad de rupturas [en Ia homogeneidad
dei espacio] y, por tanto, de comunicaciones con Io trascendente". Desde las cla-
ves de desciframiento dei universo sustentadas por los adherentes, Misiones es un
lugar excepcional conforme al valor de sus atributos. La Tierra sin Mal de los
guaraníes, el centro cardíaco dei planeta, el lugar elegido por los jesuitas, son
manifestaciones destinadas a interpelar espiritualmente al hombre y transportarlo
a planos superiores. Así, no podremos reconocer Ia institución de un nuevo
omphalos, de un espacio que no se priva de significación espiritual sólo visible
para aquellos que participan de esa forma diferente de mirar? Quizás, estos hombres
expresan una vez más Ia "necesidad de vivir siempre en el centro" dado que,
como sostiene Eliade (1998: 126), "el hombre [religioso] ansía situarse en un
centro, allí donde exista Ia posibilidad de entrar en comunicación con los dioses".
Estos individuos, aunados por Ia búsqueda de Io trascendente, atribuyen
sentidos y crean espacios y tiempos no cotidianos en un escenario cotidiano. Un
contepomi, maría dei rosário. Imaginário - usp, n® 6, pág. 159-184, 2000 181
notas
referencias bibliográficas
tentativa ãe percorrer
c a M i i i l i o s ?
O macaco
É mais que abençoado
Ele é mágico passado
Na selva
É atalho
Da minha imagem
Margem passada
Na selva
Fernanda Amalfi
L
Antes que o sol se ocultasse totalmente, agora corre entre os altos
bambus, como um animal perseguido pela sombra ? consegui reduzir o
amalfi, fernanda . Imaginário - usp, n= 6, p á g .1 8 6 - 1 8 6 ,2 0 0 0 185
bosque a um catálogo.
Uma página de emaranhada caligrafia vegetal. Matagal de signos: como
lê-lo, como abrir caminho por essa espessura?
Caligrafia e vegetação, arvoredo e escritura, leitura e caminho.
Caminhar, ler um trecho do terreno, decifrar um pedaço de mundo. A
leitura considerada como um caminho para ?
O caminho como uma leitura: uma interpretação do mundo natural?"
Octavio Paz,
O Mono Gramático
(p, 46-49)
Fernanda Amalfi
Pierre Albert-Birot
resenhas. Imaginário - usp, n= 6, pág. 187-197, 2000 187
resenhas
Livro: Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto
Autor: Luciana Hidalgo
Edição: Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Por Maria Luisa Sandoval Schmidt*
D. W. Winnicott
nota
' LAPOUJADE, David. Bispo ou o estandarte do mundo. Folha de S.Paulo. 2 juL 2000.
Mais!
1,190 resenhas. Imaginário - usp, n= 6, pág. 187-197, 2000
= Pesquisadora do NIME-USP
resenhas. Imaginário - usp, n= 6, pág. 187-197, 2000 191
nota
' Deborah Lima-Ayres faz uma bela discussão sobre esse assunto em sua tese de
doutoramento The social category caboclo. History, social organization, identity and
outsider's social classification of the rural population of an amazonian region (the
Middle Solimões). Cambridge, Department of Social Anthopology. University of
Cambridge, 1992.
194 resenhas. Imaginário - usp, 6, pág. 187-197, 2000
palavras de Winnicott, "o brincar demonstra que essa criança está apta, dadas as
circunstâncias razoavelmente boas e estáveis, a criar um modo de vida particular,
tomando-se, possivelmente, como se espera, um ser humano inteiro e bem acolhido
pelo mundo... sugiro que devamos ter o brincar como algo evidente tanto na análise
de adultos quanto em nosso trabalho com crianças. Isso evidencia-se, por exemplo,
na escolha das palavras, na inflexão da voz, e é claro, no senso de humor..(p. 57).
Agressão é o próximo item, em que a autora propõe que "o brincar implica
a constituição de sentimentos agressivos em relação ao ambiente - um ambien-
te que deve ser tolerante... e pode ser seguida da... autodescoberta do mundo
externo, que é a elaboração do eu e do não-eu" (p. 58-59).
No item a Ansiedade, embora haja uma citação onde Winnicott afirma que
"a ansiedade é sempre um fator constitutivo do brincar infantil, muitas vezes
um dos mais i m p o r t a n t e s . . a autora conclui que "a relação do brincar com a
ansiedade não é de fato elaborada dentro da obra de Winnicott, quem sabe por
causa da ênfase dada sobre o saudável e criativo processo de brincar" (p. 59).
O item sobre a experiência do selfc a amizade amplia muito a singularidade do
enfoque winnicottiano do homem no mundo humano. Como profunda conhecedora
do assunto, Jan Abram afirma que a criatividade, o estar vivo e o sentir-se real são os
selos de garantia da sanidade do indivíduo, e faz uma citação de Winnicott que ilumi-
na, novamente, a cultura como propiciadora do processo de amadurecimento huma-
no: "É através do brincar onde as outras crianças são colocadas em papéis
preestabelecidos, que a criança começa a admitir que esses outros possuem uma exis-
tência independente. Assim como alguns adultos com bastante facilidade fazem al-
guns amigos e inimigos no trabalho, outros ficam em uma pensão por anos e não
fazem outra coisa a não ser espantar-se com o fato de que ninguém gosta deles, tam-
bém as crianças fazem amigos e inimigos durante o brincar, o .que não acontece facil-
mente fora dele. O brincar proporciona uma organização para que as relações emoci-
onais tenham imcio, e assim facilita o desenvolvimento de contatos sociais" (p. 60).
No item o brincar e o inconsciente, novamente, a autora com uma curta
citação de Winnicott nos alerta para "o inconsciente winnicottiano": "O incons-
ciente reprimido deve permanecer encoberto, mas o restante do inconsciente é
algo sobre o qual todo indivíduo deseja saber: o brincar, assim como os sonhos,
tem a função de uma auto-revelação" (p. 60).
Entre as quatro observações acrescentadas em 1968 por Winnicott ao seu
texto de 1942, que Jan Abram arrola, a última salienta o brincar no espaço po-
tencial, mas agora enfatizando a experiência de separação sem que ocorra sepa-
ração devido à confiança da criança na figura materna.
Com isto, outra vez, nos alerta para a originalidade do recorte do ser huma-
no-no-mundo-com-os-outros, característico de Winnicott.
O penúltimo item, o brincar em relação a uma seqüência do desenvolvimento,
traz todo o processo de amadurecimento, desde o bebê indiferenciado da mãe ao
resenhas. Imaginário - usp, n= 6, pág. 187-197, 2000 197
indivíduo inteiro no mundo, através do brincar. Primeiro é a mãe que brinca com o
bebê, permitindo-lhe a ilusão da criação do objeto, da magia, da qual fala Winnicott
no texto: . .o que gira em tomo do brincar é sempre a precariedade do inteijogo
entre a realidade psíquica pessoal e a experiência do controle dos objetos reais. Esta
é a precariedade da própria magia, magia essa que resulta da intimidade de uma
relação que é descoberta com confiável..." (p. 62). O bebê, então, se tudo correr
bem, passa a brincar só na presença de alguém, que tem a função de testemunha,
para finalmente, duas pessoas poderem brincar em conjunto, o que abre o último e
conclusivo item: o brincar e a psicoterapia.
Aqui temos, como em um teorema bem demonstrado, a conclusão a que as
premissas bem formuladas nos conduzem, através da leitura de Winnicott feita,
com muita propriedade, por Abram: 'Assim Winnicott coloca um nova ênfase
na relação terapêutica na psicanálise, que radicalmente, embora silenciosa-
mente, altera a proposta freudiana. Enquanto a interpretação freudiana enfatiza
o saber do analista sobre algo do inconsciente do paciente, Winnicott considera
o brincar e a capacidade de brincar como mais importantes. Para ele, de fato, a
psicanáhse é uma "forma altamente especializada de brincar":
Em apenas um tema, Jan Abram nos apresenta, com maestria, uma visão
panorâmica das principais contribuições teórico-clínicas de Winnicott. Mas, ela
trata de vinte e dois temas!
Com essa inspiração, concluo com a possibilidade defilósofos,artista e "profissio-
nais psi religiosos" - aqueles que têm como objeto sagrado, de fé e de dogma, a Natu-
reza Humana, como proposta por Wmnicott - recriarem o brincar do século XXI.
notas
^ Winnicott and mother's face. In Winnicott Studies, The Journal of the Squiggle
Foundation, number 6, 1991, p. 60
^ Os negritos são grifos meus.
F u n m a r v
Presentation 9
Rereading Levi-Strauss-Bricolage 12
Fernanda Amalfi
Transnational religions. The Roman Catholic Church in Brazil and the Orthodoxy Church
in Rússia 98
Ralph Delia Cava
The sword and the lagoon: two versions of the end of the world 118
Carlos Alberto Steil
Reviews 187
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lioaginario n- b
Diferença
Paisagem e Cultura
Maria de Lourdes B. de Alcântara e Regina T. Sader
Le Lien Social
Leslie Kaplan
Espaço Simbólico
Jane Bittencourt
Huxley Sobe o Morro e Desce ao Inferno. A Umbanda no Discurso Católico dos Anos 50
Artur César Isaia
Catarina Come-Gente
Sandra Jatahy P e s a v e n t o
Natureza e Naturalistas
Míriam Lifchitz Moreira Leite
Ecologia Polissêmica
Marilia Coutinho
O Sonho Indiano: uma Metáfora Iniciática na Literatura de Viagem dos Séculos XV e XVI
Adone Agnolin
Memória