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Dossiê
História(s) do ensino de artes
visuais na América Latina:
do desenho à leitura de imagens
(organizadores)
Goiânia
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Coleção Desenrêdos, volume 15, 2021
Apresentação
07 Sidiney Peterson
Renato Torres
Afonso Medeiros
quando minha família foi atingida pela tragédia. Agora ao procurar o texto
para completa-lo encontrei 183 textos meus nos quais menciono a Escolinha
de Arte do Brasil e não encontrei o último que estava escrevendo. Vou reco-
cias que faço a EAB nas minhas pesquisas comprovam a grande importância
ISBN: 978-85-495-0398-5
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A Escolinha de Arte do Brasil foi criada no bojo da reconstrução social e
cação Nova entre as duas guerras mundiais (90 minutos, França) com imagens
líderes da Escola Nova que mais admiro são Armanda Álvaro Alberto, Cecília
dernista das Artes no Brasil se deve a Escolinha de Arte do Brasil, que co-
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meçou em 1961 com o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE)2 e que
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
aposentar da EAB, episódio de luta de classes que devia ser mais transpa-
Guilherme Nakashato nos fez notar que em 1982 se iniciou o Curso de Es-
3. Contamos o fato, Laís Aderne, Zaíra Milne e eu mas não analisamos as consequências históricas que
foram muito negativas. Apesar dos esforços legítimos de Celeste, nunca mais o CIAE teve a relevância
curricular que teve no tempo de D. Noemia (1961-1981). Louvo os esforços da equipe que hoje traba-
lha na EAB mas se colocarem, como sempre faz a sociedade a decisiva importância da colaboração das
mulheres trabalhadoras da EAB debaixo do tapete, não terão sucesso. (BARBOSA, 1998, p. 169-193).
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Educação na ECA-USP, ano que vem , 2022 completa 40 anos Seria algo a
Minha formação não foi filiada a EAB, mas diretamente a Noemia Va-
rela na Escolinha de Arte do Recife (EAR) que ela criou com o beneplácito
de Augusto Rodrigues em 1953, mas a EAB era a matriz de todas nós que
Para mim, criança órfã desde os seis anos de idade que vivia a procura de pai,
mãe e irmãos, essa foi a deixa que avidamente aceitei. Ela um dia até nos dis-
se que achava bom não termos ciúmes uma da outra (Laís e eu).
nal, embora nem sempre concordasse conosco, como nem sempre concordava
Nunca discuti com ela como discuti com Augusto e Noemia Varela algumas das
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e acertos (SP: Max Limonad, 1984) no prédio emprestado pela UERJ para o
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
citado Congresso Fui salva por Sol Garson, artista e coordenadora da Licen-
çar o livro na Galeria de Arte da UERJ pois era fora dos domínios reservados
para Zoé. Minhas orientandas da USP e amigas lideradas por Heloisa Ferraz
editor ficou muito feliz pois vendeu tudo que levou, o resultado econômico
me impedem.
Augusto era, como diz Jader de Britto, um intuitivo, mas em suas ca-
colecionar caricaturas que fazem de mim e de minhas amigas. Sei que gostar
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mais jovens e das suas discípulas. Tratava igualitariamente mulheres e ho-
tas, que infelizmente são muitas até hoje. Marília Rodrigues, uma das grandes
bismo acadêmico da época, mas D. Noemia não era uma extensão de Augusto.
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de uma apostila que a EAB distribuía de técnicas de Desenho e Pintura. Falta
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
apresentação do objeto. Outro pioneirismo foi o fato de, a UNB, ter feito o
A outra que criei foi a Escolinha de Arte de São Paulo (EASP), um paraí-
estava presente pessoalmente para a criação das duas. Lembro que para a
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gusto que ficou em minha casa, dormindo sem conforto nenhum, num sofá no
e a dela intelectual, aceitando de suas alunas ideias diferentes das ideias dela,
arte/educadoras da EAB como Laís Aderne, Lea Elliot, Cecilia Conde, Vania
Granja, Maria Teresa, Lúcia Freire e a famosa cozinheira que nos reunia ao
redor da mesa e nos brindava com muito prazer. Para meu pecado não lem-
quase irmã como já disse, Laís Aderne, sobre quem já escrevi (com Vitoria
Amaral) no livro Mulheres não devem ficar em silencio (SP: Editora Cortez,
de Arte e Cultura (FLAAC, 1987). A outra foi amiga menos próxima, mas por
6. Meu marido João Alexandre Barbosa era sobrinho de Irene Barbosa casada com o irmão de Augus-
to, Abelardo Rodrigues e muito ligado ao tio, pois era o único da família a entender a escolha de meu
marido por uma profissão literária.
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Quando D. Noemia deixou o Recife, para morar no Rio de Janeiro, par-
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
Belas Artes que eram feitos na EAR. Eu tinha uns 22 anos, era estudante de
em um estágio com a própria D. Noemia. Ela foi a pessoa que mais confiou
em mim e me deu reforço de ego cultural, o qual foi precioso para enfrentar
mais tarde a minha adaptação em São Paulo, uma cidade muito preconceitu-
de D. Noemia quando surgiu a ideia da ida dela ao Recife para dar um curso.
importante, de fora do Recife e anos depois ela me disse que aquela tinha
sido a primeira vez que foi convidada a dar um curso fora do Rio de Janeiro.
nha ainda sofás que estavam sendo feitos por um marceneiro sofisticado
isso furou todos os prazos de entrega. Mas no Nordeste as cadeiras nas va-
randas sempre nos salvam das salas de estar convencionais. Cecília me pe-
diu para levar uma senhora amiga da família dela que morava no Recife de
quem não lembro o nome, mas era muito culta e simpática. Cecília era linda
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e aquela senhora a tratava como a uma porcelana. Ela sabia que era a primei-
muito sobre o curso que foi um sucesso. A noite correu muito bem e inicia-
mos uma amizade que durou toda a vida. A experiência de convidar pessoas
durante toda minha vida de administradora das Artes, graças ao fato de que
a primeira, induzida por Noemia Varela com Cecilia, ter sido um sucesso.
Figura 1 Figura 2
Cecilia Conde entregando o diploma do primeiro cur- Ana Mae Barbosa recebendo do representante do
so que ministrou fora do Rio de Janeiro, na Escolinha Secretário de Educação de Pernambuco diploma do
de Arte do Recife, para uma professora/aluna. Curso ministrado por Cecília Conde na EAR.
Fonte: Arquivo da EAR, pesquisado por Fonte: Arquivo da EAR, pesquisado por Ever-
Everson M. Araújo e equipe da EAR. son M. Araújo e equipe da EAR.
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ela recebeu Sidiney Peterson magnificamente, para uma entrevista. Ele estava
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
curso que foi uma universidade na EAB (até 1981 com D. Noemia).
Figura 3 Figura 4
Cecília Conde com as /professoras/alunas do curso na Professoras/alunas do Curso dado
EAR, início da década de 60. Fonte: Arquivo EAR, pes- por Cecília Conde na EAR. Ana Mae
quisado por Everson M. Araújo e equipe da EAR. Barbosa é a última a direita.
Fonte: Arquivo da EAR pesquisado por Everson Fonte: Arquivo da EAR, pesquisado por Everson
Melquiades e sua equipe. M. Araújo e equipe da EAR.
tológica e válida até hoje. Era um tapa na cara epistemológico ver aquelas
escola cantando “o meu chapéu tem seis pontas”. O que faziam na Escola de
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Samba era anos luz mais avançado do que faziam na Escola Pública. Nos en-
ambas éramos gordas, nos Congressos, as pessoas nos confundiam. Ela de-
Conto no livro (que organizei com Vitória Amaral), Mulheres não devem
Santa Catarina nos anos 80. A audiência ficou revoltada, me chamou até de
traidora. Como era possível falar em leitura de obra de Arte com crianças e
tavam na plateia. Depois disto cada convidado que falava eles/as pergunta-
vam o que achava de mostrar obra de Arte para criança. Fayga Ostrower que
criança ouvir música, que a mãe dela a levava quando era criança a concer-
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tos, mas que não recomendava como um processo sistemático. Defendi minha
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
ideia dizendo: - Mas, você Cecília é de elite, imagine uma criança ou adoles-
cente que não tem livros nem revistas em casa, onde ele vai ver Arte? Cecília
sou Acabou a mesa e fomos, ela, D. Noemia e eu almoçarmos juntas. Foi uma
fofoca enorme nos bastidores comentando o que pensaram ser uma briga.
Aprendi muito sobre ensino de Música com Cecília Conde. Sempre tive
uma relação “freudiana” com a Música. Minha mãe era pianista formada no Rio
de Janeiro, em que Conservatório nunca cheguei a saber nem com quais pro-
fessores particulares. Dava muitos concertos no Recife dos quais nunca parti-
cipei pois quando ela morreu aos trinta e três anos eu tinha apenas seis. Lembro
bem que ela planejava duas coisas para mim, me ensinar a tocar piano depois
dos sete anos e me mandar fazer faculdade nos Estados Unidos onde meu pai,
que já havia morrido, estudara porque, dizia ela, lá valorizam as mulheres. Fui
criada pelos meus avós maternos que não podiam sequer ouvir tocar no rádio
músicas eruditas que minha mãe tocava. Deram o piano e todos os discos. Mi-
nha avó nunca se recuperou da morte de minha mãe e eu cresci sem música.
Cecília não me perdoava eu não ter dado educação musical a Ana Amália e eu
nunca antes havia percebido esta falha. Consertei meu erro com minha neta
que foi criada em minha casa e hoje aos 20 anos toca percussão. Por outro
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lado, Cecília além de uma profissional inventiva , arrojada, dedicada à Música
Eu a admirava muito também como pessoa, pela sua fidelidade a amizade. Ela
de D. Noemia, pois sua oponente era uma mulher rica e poderosa politica-
de classes que envenena as Artes Visuais mais que as outras artes. As Artes
do que infelizmente fechou. A última vez que falei lá a convite de Cecília foi
nos passeávamos juntas, da última vez passamos a noite na Lapa. Aliás faltou
Rio de Janeiro inundado de exposições de gravura quando seu irmão era Pre-
feito. A mulher dele, Rizza Conde, era gravadora e promoveu um evento que
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não só fui com ela a abertura do evento no palácio, mas também visitei as ex-
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
posições que foi possível ver. O mais difícil da velhice é ver que a cada amigo
Figura 5
Foto no Conservatório de Música: Reginaldo Gomes (Roraima). Noemia Varela,
Ana Mae Barbosa, Teresa Wunderheim (?), aluno não identificado, 1982.
devo a criação de um círculo afetivo e intelectual que recheou minha vida as-
nhas de Arte em todo o pais são muito ricos, mas os da EAB são os mais ricos,
pois guardam informações de todo o país não apenas de ações locais. Viva
Orlando Miranda que preservou com o zelo que merece o arquivo da EAB
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para alimentar futuras pesquisas, além de republicar o jornal/revista da EAB
sil. Não havia o habito de escrever sobre Arte/Educação no Brasil tanto que o
ambos sobre psicologia. Aliás, esses dois foram os articulistas mais frequentes
Esta lei torna obrigatório o ensino da Arte, mas trata de torna-lo inó-
cuo pois passa a formar em dois anos um professor de Arte para ensinar Ar-
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Em 1971, era Ministro Jarbas Passarinho e, sua filha, aliás muito discre-
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
ta, fez o CIAE. Por isso no Número 1 página 8 há uma carta de sugestões ao
tigos sem assinatura em cada número mas a maioria era assinada pelos pro-
cendo assinaturas do Jornal .Era bem sucedida em vender até que a periodi-
Koudela (Teatro USP), artigos de Joana Lopes (EAR), de Anna Teresa Fabris
(Artes Plásticas USP), de Telê Porto Ancona Lopes (IEB-USP)e meus. Essas
homem sem preconceito contra mulheres, com quem tive a imensa sorte de
Aliás esse número está magnificamente rico em imagens São boas fo-
tos de Aloisio Magalhães, Fayga, Olga Blinder, Roaldo Roda, Noemia Varela,
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Augusto além de na página 5 de Iara Rodrigues, Mahylda Bessa, Lea Elliot,
os livros são do ano anterior exceto o único escrito por brasileiro, o de Fer-
nando de Azevedo, sobre Cultura Brasileira. Uma coisa curiosa, havia poucos
artigos que traziam bibliografia. Os textos eram mais parecidos com ensaios
do que com artigos acadêmicos, o que hoje me encanta e tão avida por leitura
eu era, que nem notava que faltava bibliografia. Os últimos número 23/24 fo-
seis anos, o que era uma façanha para uma revista de estudos específicos na
com amigos da qual tiramos apenas 12 números. Não havia incentivo econô-
mico para periódicos pelas agências de pesquisa, nem internet para se eco-
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Referências
Escolinha de Arte do Brasil (EAB): memórias | Ana Mae Barbosa
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. BH: Editora Com Arte, 1978.
BARBOSA, Ana Mae: AMARAL, Vitoria. Mulheres não devem ficar em silencio:
arte, design , educação. SP: Editora Cortez , 2019
DUARTE, Maria de Souza. Educação pela Arte numa cidade nova: o caso de Bra-
sília. DF/UNB. Dissertação de mestrado, 1982.
LIMA, Sidiney Peterson F. de. Escolinha de Arte de São Paulo: instantes de uma his-
tória. IA-UNESP, Dissertação de Mestrado. 2014. Orientação Rejane Coutinho.
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Contato: anamaebarbosa@gmail.com
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