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MOÏSEI GINZBURG

ESTILO E ÉPOCA - Problemas de arquitetura.


Gosizdat, 1924
(tradução feita a partir do inglês "Style and Epoch". MIT Press, 1989)

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MOÏSEI GINZBURG - ESTILO E ÉPOCA

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Prefácio

Estilo Arquitetônico e modernidade? A modernidade de tempestades purificantes, quando seus


edifícios construídos mal contam um punhado?

Então, de quê estilo estamos falando?

Certamente essa é a atitude de pessoas que estão livres das dúvidas e desilusões que acometem
aqueles que buscam novas direções, caminhos para novas buscas. É a atitude daqueles que
pacientemente aguardam o resultado final com o martelo na mão e o veredicto em seus lábios.
Mas seu tempo ainda não chegou; sua vez ainda vai chegar.

As páginas do presente livro são devotadas não ao que já se realizou, mas somente a meditações
sobre o que está sendo realizado, meditações sobre a fase que agora sucede o passado já morto
rumo a modernidade emergente, ao pleno desenvolvimento de um novo estilo ditado pela nova
vida, um estilo cujo aspecto ainda não está claro mas, não obstante é desejado, crescendo e se
fortalecendo em meio àqueles que olham para o futuro com confiança.

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1. Estilo

Elementos do estilo arquitetônico


Continuidade e independência na mudança dos estilos

"Um movimento começa simultaneamente em vários lugares. O velho se regenera, levando tudo
consigo, até que, finalmente, nada resiste à corrente: o novo estilo se torna um fato.
Por quê tudo isso tem que acontecer?"

Heinrich Wölfflin. Renascimento e Barroco

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Por quase dois séculos, a criatividade da arquitetura na Europa viveu de forma parasitária do passado. Em uma época na qual as
outras artes se esforçavam para ir adiante, transformando sistematicamente seus inovadores revolucionários em "clássicos", a
arquitetura persistiu - com uma teimosia sem paralelo - em recusar em tirar seus olhos do mundo antigo ou da época do
Renascimento Italiano. As academias de arte se preocupavam com nada mais do que, parece, em cooptar o entusiasmo dos jovens
pelo novo com o nivelamento de suas aptidões para trabalhos criativos sem, no entanto, ensiná-los a ver nas criações do passado o
sistema de desenvolvimento legítimo que sempre flui inevitavelmente da estrutura vital da época, assim derivando seu verdadeiro
sentido somente no contexto. Consequentemente, esse treinamento "acadêmico" levava a dois resultados: o pupilo perdia seu
contato com a modernidade e, ao mesmo tempo, permanecia alienado do verdadeiro espírito das grandes criações do passado. Isso
também explica porque os artistas que buscam expressar uma compreensão puramente moderna da forma na sua arte
frequentemente ignoram deliberadamente todas as realizações estéticas de épocas passadas.

Todavia, um exame consciencioso da arte do passado e da atmosfera criativa na qual ela se desenvolveu conduz a diferentes
conclusões. É, precisamente, a experiência - consolidada em esforços criativos de séculos - que mostram claramente ao artista
moderno seu caminho: a procura ousada, a perseguição obstinada do novo e a alegria das descobertas criativas - todo o caminho
espinhoso que termina em triunfo somente quando o movimento é genuíno e as aspiração vívida, uma onda verdadeiramente
moderna.

Tal era a arte de todos os melhores períodos da existência humana e, também, o mesmo vale para hoje.

Se lembramos o entorno harmonioso no qual o Parthenon foi criado, como as corporações dos produtores de lã e seda competiam
entre si durante a época do Renascimento Italiano em prol da realização de um ideal estético superior, ou como as mulheres
mascateando legumes e pequenas porcelanas [wares] respondiam aos novos detalhes de uma catedral em construção, podemos
então entender claramente que tudo advinha do fato de que tanto o arquiteto da catedral quanto a velha mulher mascando legumes
respiravam o mesmo ar e eram contemporâneos.

Na verdade, todos estão conscientes dos exemplos históricos de como os profetas autênticos das novas formas permanecem
incompreendidos por seus contemporâneos, mas isso é meramente indicativo do fato de que esses artistas intuitivamente
anteciparam e ultrapassaram uma modernidade que, após um significativo período de tempo, lhes alcançava.

Se os ritmos modernos verdadeiros começam a reverberar numa forma moderna em uníssono com os ritmos do trabalho e os
prazeres dos dias atuais, então sua extensão também será ouvida por aqueles cuja vida e suor criou seu ritmo. Pode-se dizer que o
ofício do artista e qualquer outro ofício se dirigiram a uma meta simples e virá um tempo no qual, finalmente, todas essas linhas se
cruzarão - isto é, quando descobrimos nosso grande estilo, nos quais o ato da criação e da contemplação se fundirem; quando o
arquiteto dispuser do seus signos no mesmo estilo com que um alfaiate faz suas roupas; quando um canto coral - em um ritmo -
unir facilmente ritmos estranhos e diversos; quando o drama épico e o humor da rua se abraçarem, malgrado toda sua diversidade
de forma, por características comuns de uma única e mesma linguagem. Tais são precisamente os sintomas de um estilo autêntico e
saudável, no qual a causa e interdependência de todos esses fenômenos podem ser encontrados a partir da análise séria para
extrair os fatores básicos da época.

Assim, chegamos ao aspecto mais grave do conceito de estilo, tão frequentemente aplicado em diferentes contextos e que nós
tentamos decifrar.

De fato, em um primeiro olhar, esse mundo está cheio de ambiguidades. Usamos estilo em conexão com uma nova produção teatral,
e usamos estilo em relação a moda do chapéu de uma mulher. Frequentemente subsumimos na palavra estilo características
peculiares às nuances mais sutis da arte (dizemos, por exemplo, o "estilo dos anos quarenta ou o estilo de Michele Sanmichele”) e
frequentemente atribuímos-lhe o significado de épocas inteiras ou de um agrupamento de séculos (como, por exemplo, o “Estilo
egípcio” ou o “estilo do Renascimento”).

Em todos esses casos temos em mente uma certa unidade natural discernível nos fenômenos sob consideração.

Algumas características do estilo na arte podem ser discernidas se comparamos sua evolução com aquela de outros campos da
atividade humana, como a ciência, por exemplo. De fato, a gênese do pensamento científico pressupõe uma cadeia contínua de
proposições, nas quais cada nova proposição procede de uma antiga e dali se desenvolve a última. Aqui há uma evidência direta do
desenvolvimento definitivo, de um aumento no valor objetivo do pensamento. È como a química surgiu a partir da alquimia e
tornou-a obsoleta, e é como os métodos de pesquisa mais recentes se tornaram mais precisos e científicos do que os antigos. Ao
dominar a física moderna, o indivíduo vai para além de Newton ou Galileu. Em outras palavras, estamos lidando aqui com o caso de
um organismo único, integral e em perpétua evolução.

O caso é um pouco diferente em uma criação artística, que antes e acima de tudo satisfaz a si mesmo e ao entorno que a gerou,
assim como para uma criação que realmente preenche seus objetivos e – como tal – não pode ser superada. Assim, é extremamente
difícil aplicar a palavra progresso à arte. [Tal] palavra é apropriada somente no contexto das potencialidades técnicas da arte. Há
certas coisas que são diferentes e novas na arte – as formas e suas combinações – que as vezes não podem ser antecipadas. E, como
uma criação artística representa algum valor, ela assim permanece insuperável nesse valor particular. De fato, pode-se dizer que os
artistas do Renascimento superaram os gregos, ou que o templo de Karnak é inferior ao Panteão? Claro que não. Só é possível dizer
que, do mesmo modo que o templo de Karnak é o resultado de um ambiente particular que o gerou e não pode ser compreendido
fora desse contexto – sua cultura material e espiritual –, o Panteão é o resultado de fatores similares, que são virtualmente
independentes dos méritos do templo de Karnak.

É bem sabido que as características do afresco planar do Egito – desdobrando sua narrativa em faixas horizontais postas uma
acima da outra – não são sintomas de imperfeição da arte egípcia, mas simplesmente um reflexo do entendimento da forma

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característico do Egito, para o qual tal método provou-se não apenas o melhor, mas também o único a oferecer satisfação completa.
Fosse uma pintura moderna mostrada a um egípcio, sem dúvida ela seria sujeita a crítica mais severa. O egípcio acharia-a tanto
inexpressiva quanto desagradável ao olho. Ele seria compelido a dizer que aquele era um quadro ruim. E nós, respectivamente, ao
avaliarmos os méritos estéticos da perspectiva egípcia, após termos recebido uma concepção da forma em perspectiva do
Renascimento italiano completamente diferente daquela, precisamos não apenas compreender toda a arte egípcia como um todo,
mas também fazer de certo modo uma espécie de reencarnação: precisamos nos esforçar para penetrar o modo dos egípcios
perceberem o mundo que os cercava. Afinal, para alguém investigando as artes, qual seria a inter-relação entre um afresco egípcio
e renascentista? Naturalmente, o sentido comumente aceito da palavra progresso não se aplica aqui, assim como certamente não se
pode discutir objetivamente que o afresco egípcio é “pior” que o renascentista, ou que o sistema de perspectiva do Renascimento
apagou o sistema de afresco egípcio e destitui-o de seu apelo. Ao contrário, sabemos que, simultâneo àquele desenvolvido no
Renascimento, existiam diferentes tipos de sistemas perspectiva – por exemplo, o dos japoneses – que faziam seu curso próprio.
Daí hoje sermos capazes de ter prazer com a pintura mural egípcia e, por fim, que os artistas modernos às vezes distorçam
intencionalmente o sistema da perspectiva italiana em seus próprios trabalhos. Ao mesmo tempo, uma pessoa que tire proveito das
conquistas da eletricidade não pode, sob nenhuma circunstância, ser forçada para voltar para a energia à vapor, reconhecendo-se
objetivamente que ela foi superada e é incapaz de instilar em nós seja um sentimento de admiração, seja um desejo de imitá-la. É
bem aparente que estamos lidando com diferentes tipos de fenômenos.

Esta diferença entre dois tipos de atividade humana – a artística e a científica – não nos impede de aproveitar essa oportunidade
para afirmar que a arte do Renascimento Italiano contribuiu com sua parte para um método universal de trabalho criativo e que o
enriqueceu com um novo sistema de perspectiva desconhecido até então.

Assim, estamos lidando em último caso com um crescimento criativo, expansão e enriquecimento da arte, que é bem real e
objetivamente discernível, mas que não abole em seu processo os métodos de trabalho criativo previamente existentes. Do mesmo
modo, é possível falar de um certo sentido de evolução da arte, do progresso da arte, totalmente aparte de seu aspecto técnico.

Apenas esse progresso ou evolução podem culminar na capacidade de desenvolver novos valores e novos sistemas criativos,
enriquecendo, portanto a humanidade como um todo.

No entanto, esse enriquecimento, essa emergência da nova arte não pode ser levada a frente pelo acaso, pela invenção fortuita de
novas formas e novos métodos criativos.

Já dissemos que o afresco egípcio, tal como a pintura italiana do século XV, pode ser entendida e, por extensão receber o benefício
de uma avaliação objetiva, somente após toda a arte que lhe é contemporânea ser compreendida como um todo. Frequentemente,
no entanto, mesmo isso não é o bastante. É necessário tornar-se familiar com todos os âmbitos da criatividade humana que são
contemporâneos a uma dada pintura, com a estrutura social e econômica da época e com características nacionais e climáticas, de
modo a compreendê-la plenamente. Uma pessoa parece ser de um modo e não de outro não por conta do nascimento “fortuito”,
mas como o resultado de influências altamente complexas que ela experimentou, do ambiente social que a cercou e dos efeitos das
condições naturais e econômicas. Apenas a soma total de todos esses fatores pode gerar uma disposição espiritual particular numa
pessoa e causar nela uma visão de mundo particular e um sistema de pensamento artístico que guie o gênio humano em uma
direção ou outra.

Por maior que seja o gênio individual ou coletivo do criador, por mais original ou resiliente seja o processo criativo, existe uma
interdependência causal entre os fatores práticos e da vida real e o sistema de pensamento artístico de uma pessoa e - por sua vez -
entre o último e o trabalho formal criativo de um artista. E é precisamente a existência dessa interdependência que explica tanto o
caráter da evolução da arte sobre a qual falamos e a necessidade de um a transformação que vise a avaliação histórica objetiva da
obra de arte. No entanto, essa interdependência não pode ser entendida de uma maneira tão elementar. As mesmas causas básicas
são às vezes capazes de elidir resultados diferentes: infortúnio pode às vezes [sap] nossas forças e em outras [build it up] inúmeras
vezes, dependendo da natureza do gênio peculiar tanto de um indivíduo quanto de um povo, detectando um resultado em alguns
casos e, reciprocamente, os resultados opostos em outro. Nos dois casos, todavia, não é possível desconsiderar a presença da
interdependência causal que fornece o único fundamento a partir do qual a obra de arte pode ser avaliada, não na base de um
julgamento pessoal em termos de "gosto" ou "não gosto", mas como um fenômeno histórico objetivo. Comparações formais só
podem ser feitas entre obras pertencentes a uma mesma época ou um mesmo estilo. Apenas dentro desses limites é possível
estabelecer atributos formais para obras de arte. As melhores dentre elas, aquelas que respondem de modo mais expressivo ao
sistema de pensamento artístico que as gerou, são usualmente aquelas que adquiriram a melhor linguagem formal. Não é possível,
de um ponto de vista qualitativo, comparar um afresco egípcio e uma pintura italiana. Fazer isso produz apenas um resultado:
apontar para dois sistemas de criação artística distintos, cada um tendo suas próprias fontes em diferentes ambientes.

É por essa razão que é impossível para um artista moderno criar um afresco egípcio. É por essa razão que o ecletismo, por mais
brilhante que sejam seus representantes, é geneticamente inviável [barren] em vários casos. Ele não cria nada "novo", não
enriquece a arte e, consequentemente, o curso evolutivo da arte, não permite nem um mais nem um menos, nem uma expansão, mas
uma combinação de compromisso de aspectos frequentemente incompatíveis.

Um exame dos mais variados produtos da atividade humana em qualquer época, particularmente qualquer forma de
comportamento estético, revela que - apesar da diversidade trazida pelas causas orgânicas e individuais - todas elas têm algo em
comum, alguma indicação de que, em suas origens sociais coletivas, dão origem ao conceito de estilo. As mesmas condições sociais
e culturais, os métodos e meios de produção, clima, a mesma visão da psicologia... - tudo leva para um marco comum em meio as
mais diversas formações.
Consequentemente, não surpreende que o arqueólogo - o qual mil anos passados, ao descobrir um jarro, uma estátua ou um
fragmento de vestimenta será capaz, baseado nas características comuns, de atribuir esses objetos a uma ou outra época. Wölfflin,
em seu exame do Renascimento e do Barroco, mostrou a gama de atividades humanas nas quais é possível traçar as características
do estilo: ele afirma que a maneira de ficar de pé ou andar, de portar um casaco de um modo ou de outro, de usar um sapato curto

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ou longo, em cada um dos vários detalhes - tudo isso server como indicações de um estilo. Assim, a palavra estilo significa certos
tipos de fenômenos naturais que impõem traços definitivos em todas as manifestações de atividades humanas, grandes ou
pequenas, não levando em conta até que ponto ou não seus contemporâneos podiam aspirar a ele ou mesmo estar ciente. Não
obstante, as leis que eliminam o "acaso" da criação de qualquer produto humano assumem sua expressividade concreta própria
para cada faceta da atividade criativa. Assim, a obra musical é organizada de um tal modo e a obra literária, de outro. Todavia,
nessas leis um tanto diferentes, geradas por diferenças no método e linguagem formal de cada arte, podem ser discernidas certas
premissas comuns, unificadas, algo que cristaliza o todo e o liga - em outras palavras, a unidade do estilo no sentido amplo da
palavra.

Assim, a determinação do estilo de um fenômeno artístico pode ser vista como definitiva, quando inclui não somente uma
iluminação das leis organizacionais desse fenômeno, mas também o estabelecimento de um elo definitivo entre essas leis e uma
dada época histórica, e uma verificação delas através de uma comparação com outras formas do trabalho criativo e da atividade
humana contemporânea àquela época. Certamente não é muito difícil verificar esta relação para qualquer um dos estilos históricos.
A conexão indivisível entre os monumentos da Acrópole, as estátuas de Fídias ou Policleto, as tragédias de Ésquilo e Eurípedes, a
economia e a cultura da Grécia, sua ordem social e política, suas vestimentas e utensílios, céus e terrenos, são tão indestrutíveis - a
nosso ver - quanto aqueles fenômenos análogos em qualquer outros estilo..

Tal método de análise do fenômeno artístico - por conta de sua relativa objetividade - supre o investigador com ferramentas
poderosas para lidar também com mais questões controversas.

Assim, partindo de um tal ponto de vista para os desenvolvimentos em nossa própria vida artística durante as últimas décadas, é
possível reconhecer, sem nenhuma dificuldade em particular, que tais tendências como "Moderne" e "Decadence", assim como
todos os nossos "neoclassicismos"e "Neo-Renascimentos" não podem de modo algum se sustentar frente ao teste de modernidade.
Tendo se originado na mente de alguns poucos arquitetos altamente cultivados e refinados e, sendo o resultado de um considerável
talento, frequentemente fornecendo imagens consumadas em seu próprio mérito, essa crosta estética superficial - tal como outras
possíveis manifestações ecléticas - representa uma invenção preguiçosa que apela por um tempo para o gosto de um círculo
restrito de connoisseurs, mas não reflete nada além da decadência e impotência de um mundo obsoleto.

Desse modo, discernimos uma certa auto-suficência do estilo, o caráter único das leis que o governam e o relativo isolamento de
suas manifestações formais em relação aos produtos de outros estilos. Descartamos a avaliação puramente individualista de uma
obra de arte e consideramos o ideal do belo - aquele ideal eternamente mutável e transitório - como algo que preenche
perfeitamente os requisitos e conceitos de um dado lugar e época.

Naturalmente surgem questões: Qual a relação entre as manifestações individuais da arte em épocas diferentes? Estariam Spengler
e Danielvsky errados em suas teorias, apesar de estarem isoladas e separadas uma da outra por uma lacuna nas culturas?

Apesar de termos estabelecido a exclusividade das leis de qualquer estilo, naturalmente estamos muito longe de procedermos a
noção de renúncia do princípio de interdependência e influência nas mudanças e desenvolvimento desses estilos. Ao contrário, os
limites precisos entre um estilo e outro são embaçados, na verdade. não é possível fixar o momento quando um estilo termina e
outro começa; o estilo, uma vez nascido, vive sua juventude, maturidade e velhice. Mas a velhice não é ainda o apagamento
completo, a atrofia ainda não se completou quando um novo estilo emerge e assume uma carreira similar. Daí, na realidade, haver
não apenas um elo entre estilos consecutivos, mas é ainda mais difícil estabelecer uma fronteira precisa entre eles, assim como no
caso da evolução de todas as formas de vida sem exceção. Quando falamos da significância autossuficiente do estilo, naturalmente
temos em mente uma concepção sintética dele, a quintessência de sua verdadeira natureza, a qual se reflete primariamente no
ápice de seu florescimento e nas melhores obras dessa fase. Assim, ao falar do estilo grego, temos em mente o século V a.C., o século
de Fídias, Ictionos, Calícrates e sua era, ao invés da empalidecida arte helenística, que já continha várias características
emancipatórias do estilo romano. De todo modo, as rodas dos dois estilos consecutivos se juntaram, e as circunstâncias dessa
junção são bastante interessantes de seguir.

Limitar-nos-emos, no presente exemplo, a considerar essa questão no contexto da arquitetura, o tema de nosso interesse maior.

Para fazer isso, no entanto, é necessário, a princípio, elucidar os conceitos que entram na definição formal de um estilo
arquitetônico. Estamos perfeitamente cientes do que distingue um estilo pictórico: falamos de desenho, cor, composição e todos
esses aspectos são naturalmente sujeitados a análise do investigador. Igualmente, não é difícil nos convencermos do fato de que os
primeiros desses - desenho e cor - são os elementos básicos cuja organização em uma superfície constitui a arte de compor uma
obra de pintura. Assim, na arquitetura também é essencial notar o amplo número de conceitos sem cuja elucidação a análise formal
de seus produtos é inconcebível.

A necessidade de criar um abrigo para a chuva e o frio induziu o homem a criar uma morada. E essa necessidade determinou até
hoje o verdadeiro caráter da arquitetura, que paira sobre a margem entre a obra criativa vitalmente utilitária e a arte
"desinteressada". Esse aspecto se refletiu primeiro na necessidade de isolar, de encerrar uma certa porção do espaço com algumas
formas materiais substantivas. Isolar o espaço, encerrá-lo dentro de certos limites específicos constitui o primeiro problema a ser
confrontado pelo arquiteto. A organização do espaço isolado, da forma cristalina que envelopa o que é essencialmente espaço
amorfo é a característica que distingue a arquitetura das outras artes. Aquilo que estabelece o caráter particular de experiência
espacial, por assim dizer, as sensações advindas do interior das obras arquitetônicas, da parte interna dos edifícios, de seus limites
espaciais e do sistema de iluminação do espaço - tudo isso constitui a indicação primária, a característica diferencial primária da
arquitetura, a qual não recorre na percepção de nenhuma outra arte.

Mas o isolamento do espaço, o método de sua organização é consumado pelo uso de formas materiais: madeira, pedra, tijolo. Ao
isolar esse prisma espacial, o arquiteto o reveste de uma forma material. Assim, percebemos indubitavelmente o prisma não
apenas a partir de seu interior, em termos espaciais, mas também de fora [wihtout], em termos puramente volumétricos, análogo

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ao modo como percebemos a escultura. No entanto, aqui também há uma distinção de importância vital entre a arquitetura e as
outras artes. As formas materiais usadas para resolver os problemas espaciais básicos do arquiteto não são totalmente arbitrárias
na sua composição. É essencial que o arquiteto compreenda as leis da estática e da mecânica de modo a realizar seus objetivos
empiricamente, seja de uma maneira intuitiva ou estritamente científica. Fazer isso representa o fato de que a sensibilidade
construtiva fundamental que precisa - sem erro - ser básica ao arquiteto e que [ela] estabeleça o método definitivo em sua obra. A
solução de um problema espacial também envolverá inevitavelmente esse método organizacional em particular, implicando uma
solução com o dispêndio mínimo de energia.

Assim sendo, o que distingue essencialmente o arquiteto do escultor não é apenas a organização do espaço, mas também a
construção de seu ambiente isolado. A partir daí desenvolve-se o método organizacional básico do arquiteto, para quem o mundo
das formas representa não uma 'serie de possibilidades ilimitadas e infinitas, mas meramente uma tentativa habilidosa de
encontrar um equilíbrio entre o que é desejável e o que é possível implementar. É perfeitamente natural que, na análise final, o que
é possível influencia no desenvolvimento do verdadeiro caráter do que é desejável. Do mesmo modo, o arquiteto nunca constrói
mesmo "castelos no ar", que não podem ser desenvolvidos sem a estrutura desse método organizacional; mesmo a fantasia
arquitetônica, aparentemente despida de considerações construtivas, satisfaz as leis da estática e da mecânica, e isso já aponta para
a característica que é inquestionavelmente fundamental e a mais essencial para se entender a arte da arquitetura. Isto também
explica o espectro relativamente limitado de formas na arquitetura, quando comparado a pintura, assim como a abordagem básica
de conceber das formas arquiteturais, como as funções daquilo que suporta e é suportado, daquilo que suspende do que está
propenso ao repouso [lying prone], do que está em tensão e do que está em repouso, das extensões verticais e horizontais das
formas, e em todos os outros aspectos que operam como funções dessas tendências básicas. Esse método organizacional também
condiciona aqueles aspectos rítmicos pelos quais a arquitetura se distingue. Finalmente, ele já determina - em certa medida - o
caráter de cada molécula formal individual, que é sempre distinta dos elementos da escultura ou da pintura.

Assim, sendo, o sistema do estilo arquitetônico é composto de uma 'serie de aspectos, espaciais e volumétricos, que representam a
solução de um único e mesmo problema tanto interno quanto externo, materializado por elementos formais. Esses elementos são
organizados de acordo com os vários conjuntos de características composicionais, dando origem ao problema dinâmico do ritmo.

Apenas uma compreensão do estilo arquitetônico em todos esses aspectos complexos pode explicar não somente um dado estilo,
mas também a relação de um fenômeno estilístico individual com outro. Assim, ao analisar a mudança do estilo grego para o
romano, do Românico para o Gótico e daí em diante, frequentemente discernimos aspectos contraditórios. Por exemplo: o estilo
romano é visto pelos pesquisadores, por um lado como uma evolução do legado das formas puras do [estilo] helênico; todavia, por
outro lado, é impossível não dar atenção ao fato dos métodos composicionais e da organização do espaço dos edifícios romanos ser
a antítese daquela estabelecida pelos gregos.

Precisamente do mesmo modo, a arte do início do Renascimento na Itália (o Quattrocento) ainda era preenchida com aspectos
isolados do estilo gótico moribundo, enquanto os métodos da composição renascentista já pareciam tão novos e tão inesperados
quando comparados ao gótico, suas experiências espaciais tão completamente diferentes, que eles arrancaram de um
contemporâneo - o arquiteto Filarete - a famosa declaração relativa ao gótico: "Maldito seja aquele que inventou esse nonsense.
Penso que só um povo bárbaro poderia ter levado-o consigo para a Itália".

[Observado] de um ponto de vista privilegiado, em adição a avaliação de uma obra de arte ou de um estilo inteiro historicamente
(isto é, com respeito ao ambiente que o criou) surge todavia outro método de avaliação objetivo - o genético - isto é, o método
determinante do valor de um fenômeno percebido do ponto de vista de sua relação com o crescimento posterior do estilo, com a
evolução de um processo geral. E, em visto do fato de que um estilo artístico, assim como qualquer fenômeno vital, não se
regenerar de uma vez só num todo, nem em todas as suas manifestações, mas permanece mais ou menos preso ao passado, é
possível distinguir quais estilos são mais ou menos válidos em um sentido genético, na medida em que eles possuem as qualidades
mais ou menos convenientes de regeneração, o potencial para criar algo novo. Claramente esta evolução não é sempre feita
respeitando a qualidade dos elementos formais de uma obra de arte. Frequentemente aquilo que é formalmente fraco - isto é, uma
obra imperfeita ou incompleta - pode ser de maior valor geneticamente, isto é, em virtude de seu potencial para criar algo novo, do
que um monumento impecável, mas que empregue, no entanto, materiais altamente obsoletos do passado e é incapaz de um
posterior desenvolvimento criativo.

O quê temos, então, aqui? Seria a continuidade ou princípios novos e completamente independente que fundamentam a mudança
de um estilo para o outro?

São ambos, claro. Em uma época em que alguns dos elementos constituintes geradores do estilo ainda mantêm continuidade,
outros elementos que são mais sensíveis e que refletem mais rapidamente as mudanças na vida humana e na psicologia já estão
tomando forma conforme princípios totalmente diferentes, frequentemente contrários e inteiramente novos na história da
evolução dos estilos. E somente após um certo tempo transcorrido, quando a incisividade do novo método compositivo alcançou a
plenitude de seu desenvolvimento, ele é então passado adiante também aos elementos remanescentes do estilo, a uma forma
individual, sujeitando-o as mesmas leis do desenvolvimento e mesmo se modificando de acordo com a nova estética do estilo. Por
outro lado, é frequente o caso em que várias leis do novo estilo são refletidas acima de tudo em elementos formais inteiramente
diferentes, inicialmente mantendo uma continuidade com os métodos composicionais do passado e apenas gradualmente
modificando-se na fase seguinte. Todavia, independentemente de qual dessas vias a arte pode seguir, a aparência de um estilo novo
e consumado é possível somente como resultado desses dois princípios: continuidade e independência. O complexo fenômeno do
estilo arquitetônico não pode mudar de uma só vez em todos os seus sentidos. A lei da continuidade economiza a inventividade
criativa do artista e a engenhosidade do artista, consolidando sua experiência e habilidade, enquanto a lei da independência
constitui aquela força motriz que dá a criatividade sua saúde, seiva jovial e satura-a com aquele aspecto pungente de modernidade
sem o qual a arte simplesmente deixa de ser arte. O florescimento de um estilo, condensado em um breve período de tempo,
usualmente refletirá essas leis novas e independentes do trabalho criativo, enquanto os aspectos arcaicos e decadentes da época, seja
em elementos formais isolados ou em métodos composicionais, estarão ligados a períodos estilísticos tanto precedentes quanto

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seguintes. É assim que essa aparente contradição é reconciliada e encontra sua explicação não apenas na emergência de um novo
estilo, mas igualmente em qualquer época histórica.

Não fosse por uma certa continuidade, a evolução de cada cultura permaneceria para sempre em um estágio infantil, talvez nunca
alcançando o cume daquele florescimento atingido apenas como resultado da consolidação da experiência artística de culturas
precedentes.

Todavia, ao mesmo tempo, não fosse por essa independência, as culturas fracassariam em um estado de perpétua antiguidade e
indefesa atrofia que duraria para sempre, dado ser impossível mastigar perpetuamente a mesma velha comida. O que é necessário
a todo custo é o sangue ousado dos bárbaros, que não sabem o que estão criando, ou povos que tem um incansável pendor para o
trabalho criativo e uma consicência da legitimidade de seu "self" emergente e independente, de modo que a arte se renove uma vez
mais e entre de novo em seu período de florescimento. Isso permite compreender psicologicamente não apenas os bárbaros
destrutivos - cujo sangue pulsa com segura legitimidade acerca de sua potencial força, mesmo em relação as culturas refinadas,
porém decrépitas - mas também a toda gama de "vandalismos" que tão frequentemente são encontrados na história das épocas
mais civilizadas, quando o novo destrói o velho, mesmo o belo e sublime, meramente por força da legitimidade conferida a ousadia
juvenil.

Relembremos o que disse Alberti, o representante de uma cultura que possuiu tantos elementos de continuidade, mas que em sua
essência serve como um exemplo do estabelecimento de um novo estilo: "Eu tenho muito mais fé naqueles que construíram as
Termas e o Panteão e outros edifícios... e com uma razão muito maior do que qualquer outra pessoa".

A mesma confiança crescente na correção de sua própria postura criativa frequentemente levou Bramante, ao realizar seus
projetos grandiosos, a demolir quarteirões inteiros, valendo-lhe o apelido "Ruinante" dentre seus detratores. Mas o mesmo apelido
poderia igualmente ser aplicado a qualquer um dos principais arquitetos do Cinquecento e do Seicento. Palladio, após o incêndio de
1577 no Palácio do Doge em Veneza, repetidamente aconselhou o senado a reconstruir o palácio gótico no espírito de sua própria
visão renascentista do mundo - em formas romanas. Em 1661, Bernini, defrontado a tarefa de construir a colunata em frente a
Basílica de São Pedro, demoliu o Pallazzo dell'Aquila de Rafael sem nenhuma dúvida ou hesitação em particular. Vários desses
exemplos ocorreram na França, claro, na período da Revolução. Em 1797, por exemplo, a velha igreja de Saint Hilaire, em Orleans,
foi transformada em um mercado moderno.

No entanto, mesmo se desconsiderarmos essa manifestação extrema de uma fé firme na legitimidade das ideias criativas da
modernidade, qualquer olhar que lancemos sobre o passado nos convenceria da existência nos períodos mais elevados da cultura
humana de um notável senso bem definido de legitimidade de um entendimento moderno da forma. Somente as épocas decadentes
se distinguem apenas por um desejo de subordinar as formas modernas ao complexo estilístico dos séculos passados. A simples
ideia de sujeitar o tratamento das novas partes de uma cidade não aos seus organismos mais recentes - que residem para além do
campo de quaisquer especificidades formais do estilo - mas ao estilo velho, às partes existentes (mesmo aquelas mais formalmente
desenvolvidas; uma ideia que se enraizou firmemente na cabeça de nossos melhores arquitetos nas décadas precedentes e
frequentemente força-lhes a submeter seu tratamento de bairros inteiros e partes da cidade aos aspectos formais de algum grupo
de monumentos em estilos do passado), é um excelente indicativo da impotência criativa da modernidade. Nos melhores períodos,
os arquitetos dominavam previamente as formas estilísticas criadas com a força de poder e acuidade do gênio moderno, ao mesmo
tempo em que corretamente antecipavam o desenvolvimento orgânico da cidade como um todo.

Mais ainda: o artista, senhor até o âmago de suas próprias ideias criativas e prenhe da realidade que o envolve, não pode trabalhar
de outro modo. Ele trabalha apenas com coisas que estão na sua mente, ele só pode criar formas modernas e, acima de tudo, ele se
preocupa com o que os outros, mesmo seus predecessores mais brilhantes, fariam no seu lugar.

Nesse sentido, o templo grego, imbuído de uma certa tradição, foi por inúmeros séculos ofereceu o melhor exemplo para o caso em
discussão. Construído em um extenso período de tempo, o templo às vezes fornecia uma vívida cronologia de sua construção
através de suas colunas.

Está perfeitamente claro que o arquiteto grego não estava preocupado com nenhum senso de continuidade do passado nem em
sujeitar seu desenho a nenhum sentido de harmonia em particular. Ele estava imbuído de um arrebatamento e de um desejo
persistente de alcançar em cada ponto no tempo o que era para ele a forma moderna. Conquanto a visão criativa da Grécia
permaneça unificada como um todo, a continuidade e a harmonia emergiram em seu pleno direito.

Precisamente do mesmo modo, aquelas catedrais que começaram na época do estilo Românico e foram concluídas um ou dois
séculos depois assumem inequivocamente o caráter do estilo gótico contemporâneo, assim como os arquitetos do Renascimento,
sem um instante de hesitação, completaram as catedrais iniciadas na época e nas formas do estilo gótico com as mais puras formas
do Renascimento, que eram totalmente estranhas àquelas catedrais. Naturalmente, esses arquitetos não poderiam se comportar de
nenhuma outra maneira, pois a verdadeira criatividade não pode ser outra coisa senão sincera e, como resultado, moderna. Todas
essas considerações parecem insignificantes em comparação com o desejo sentido permanentemente de manifestar nosso próprio
caráter criativo. Uma flor cresce no campo porque ela não pode fazer nada, senão crescer.. Daí ela não poder contemplar até que
ponto ela é apropriada ao campo que existe antes dela. Ao contrário, por sua própria aparência, a flor transforma a imagem geral
do campo.

Um fenômeno interessante desse ponto de vista é a filosofia do futurismo italiano em seu início, que corria no outro extremo.
Freado e envolvido por uma incontável coleção de monumentos perfeitos do passado, os artistas italianos acreditavam que eram
exatamente esses monumentos que, por sua perfeição, pesavam excessivamente na psiquê do artista e, por conta disso não lhe
permitia criar uma arte moderna. Daí a decisão tática de se livrar de toda essa herança. Podemos saquear todos os museus e
destruir todos os monumentos de modo a estarmos aptos a criar algo novo! Certamente esse gesto desesperado é psicologicamente
compreensível porque ele demonstra o anseio consciente do artista pela criatividade genuína. Mas, infelizmente, isso também

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represente igualmente a impotência criativa dessa arte, assim como a essência eclética dos passadistas.

Nem a preocupação com a continuidade, nem a destruição da arte do passado ajudam de modo algum. Isso são sintomas indicado
que chegamos plenamente a uma nova era. Somente uma centelha de energia criativa nascida da modernidade e que produza
artistas capazes de trabalhar não com seja lá que estilo quiserem, mas apenas com a linguagem inata da modernidade, refletindo nos
métodos de sua arte a verdadeira essência dos dias atuais, seu ritmo, seu esforço diário e preocupações e seus elevados ideais - somente
uma tal centelha poderá gerar um novo florescimento, uma nova fase na evolução das formas, um estilo moderno novo e genuíno. E
talvez a hora já esteja próxima de quando entraremos nesse reino abençoado.

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