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COMOMODELO
Yve-Alain Bois
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w/71/}nartinsfontes
SAOFKUL0 2009
Esta obra i pttbycnaacriei lnimente em inglês cota o títitio
iqiNTiNG AS MOTEL
\. por .l\,4ff Press
Copyright-Q 1990 1ClassachilsetfsInsfífHle a#Zechrology
Flgiiras ]-z] e 8âtwzdüí 2990 Sliccesslon H. Matasse/HRSNY.
licenciado por AUTVIS, Brasi1,2009
Fijguras 12-]4, 17, 19-21, 23-24 e 26 copW8h1 1990 Sz4ccessfon
Pab/o Pícasso,
' /íce?zcfadopor ÁUTVIS, Brasa/, 2009 Para Jean Ctay, Dominique jajfrennou e Rosalind Krauss,
Figuras 29-30, 34 e 63-64 copyri8}tt 2009 Mondrialt/Holtzl iate
Trizsf c/o HCR lllterllatfona/ Warrelítolz, ya US,4
meus primeiros leitores
Figuras 66-81 coplyri8ht Anttalee Newltlatl
Todosos direitos reseloados. Este!luto ttão pode ser reproduzido }lo todo Ol{ent pal'te
F)r nL'nhllnl nlffa elflMnfco Oll nlecânfca (ínç/zíinaoli)tocaria, 8raiiaçõo on estocada
m sistetttas eletrõlticos rectepnáoeis)sentia!!torização por escrito do editor.
Coptyri8ht© 2009.Editora WMF Marfins FotttesLida
São Palito, para a presettte edição
1?edição 2009
Tradução
FERRANDOSANTOS
Revisão da tradução
!e#erson Luiz Camarão
Revisão técnica
Zab Ribeiro
Acompanhamento editorial
Márcfa Leilze
Revisões gráficas
Alta À4arfa Á/Dares
M.aria Lltiza Faoret
Produção gráfica
Gera/do.A/ues
Paginação
Moacir Katstt ni Matsttsaki
Bois.Yve-Alain
A pintura como modelo / Yve-Alain Bois ; tradução Fer-
nando Santos ; revisão da tradução Jefferson Luiz Camargo
revisão técnica Tais Ribeiro. -- São Paulo : Editora WMF Mar
uns Fontes, 2009.- (Coleçãomundo da arte)
09-01181 CDD-750.1
B2A PINTURA
COMO MODELO
mercantilismo. Por esse motivo, mantenho-me calado."8 Esse
amava e vendia, um crítico apaixonado cuja abrangência mal escrúpulo admirável explica por que Kahnweiler não se dedicou
a escrever até a deflagração da Primeira Guerra Mundial. E es
clarecetambém por que sua obra teórica foi(hvidida em três par-
tes: os textos de 1915-20; a monografia sobre Gris, escrita du
unte a SegundaGuerra Mundial; e a grande quantidade de
artigos publicados após a guena, quando oficialmente ele já dei-
xara de ser marchíz7zd dos artistas que defendia. Esse escrúpulo
ajuda a explicar a pouco extensa evolução de sua teoria e a con-
sequente cegueira diante dos novos avanços; é impossível ficar
sem escreverpor mais de vinte anos sem adquirir uma certa ri
gidez de raciocínio. O comportamento escrupuloso de Kahn-
weiler, contudo, revelou-se sua verdadeira sorte, bem como a
nossa.Por ter esperado até o emüiode 1915-20 para escrever,ele
pede apresentar o primeiro balanço teórico do cubismo de algum
interesse,um balanço que, sob vários aspectos,permanece ini
gualado até hoje. Kahnweiler fez uma análise tão perspicaz exa
tamente por não ter tido pressa.
Trágicopara ele, seu emüioproporcionou-lhe a oportunidade
de progredir como crítico, em espetae historiador da artes.Em
Berna, ele tomou conhecimento das diversas correntes da filoso-
fia neokantísta (a sociologia de Georg Simmel, por exemplo, da
qual Kahnweiler extraiu o artigo extraordinário sobre a questão
do tempo histórico)to. Sua descoberta simultânea de toda a tra-
dição estética alemã posterior a Kant e dos novos progressos da
história e da crítica da arte introduzidos por essatradição teve
uma importância decisiva. Ele entrou em contato com os artigos
do crítico formalista Konrad Fiedler, tão próximo dele em tantos
aspectos,bem como com os de Adolf von Hildebrand, amigo de
Fiedler,a quem Kahnweiler atacoula.Através de Wilhelm Wor-
ringer ele familiarizou-se com a obra de Alols Riegl e Heinrich
Wõlfnin, que Ihe apresentaram conceitos que o habilitaram a teo-
rizar sobre a historicidade de toda produção artística. Tendo como
mediadora a obra de Carl Einstein, ele pede analisar seu interes-
se pela arte "negra" e, dessa forma, elaborar uma teoria geral da
escultura.Resumindo, ele familiarizou-se com ferramentas críti-
cas desconhecidas na França, e estas o ajudaram a cristalizar o
.1
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COMO MODELO
iil::lilHlli Ullllil g:'à::i::;!.'i : =!H,n::"; teoria, diferentemente de seus colegas franceses, e que ele pagou
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86 A PINTURA
COMO MODELO
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foto do museu
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90 A piNTURACOMO MODELO
lllX E :{ t
lista de uma arte sem códigos e sem opacidade semântica;um
de Michelangelo.
.
16. Antonio Canova, 7ümu/o de /\4a/ü Ch/fst/na. 1798-1905. Mármore
]
574 cm de altura (225% pol.) Augustinerkirche. Viena. Foto de Eric '
Berberson.As imagens esculpidastêm o tamanho natural. como deixa
claro a presençade.um espectador.A grade provavelmente não é original
(os vários bozzettf de Canovapara este e outros monumentos semell;ntes
não trazem nenhuma indicação dela). O fato de se ter considerado
necessáriopõr a grade é apenasmais um sinal da confusão hetedoroxa de
Canova entre espaço público e espaço da arte
res de pedras;'
toria[ismo escu]tura]em seu apogeuyo. De muitos pontos de vista,
essaposição ainda se ma ntém, levando a maioria dos críticos a um
equívoco fundamental em relação às estruturas cubistas de Pi-
casso41.
Essaproposição, enunciada de maneira extremamente
convincente por Greenberg e desde então adorada --, afirma
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96 A PINTURA
COMO MODELO
da superfície da pintura."
17. Natureza-moda com carte/rade pa/hhha, primavera de 191 2. Colagem de óleo, oleado e
papel sobre tela. cercados por corda, 27 x 35 cm (1 0% x 1 3% pol.). Museu Picasso, Paris. Foto
Réunion des Musées Natíonaux
»:: J
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COMO MODELO
Pequenaconcha branca que. no passado, foi usada como moeda na Ária e na África. (N. do T.)
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104 A PINTURACOMO MODELO
23. PabloPicasso.A/máscara
e
caZ)faças,
1907. Lápis,22 x 16,3 cm
(8% x 6% pol.). Outrora da coleção
JacquelinePicasso,Mougins
ente eles.'mó2
Com as responsabilidades que tinha no núcleo da apriorísticos que recebem em cada língua específicauma vesti-
menta formal diferente, ele a qualifica de "fantasiosa"'s. Esseân
União da Juventudede Petrogrado,Markov não estavaapenas
guio de abordagem levou Saussure a separar completamente o
problema da referencialldade (do qual ele não tratou) do proble
ma da significação, entendida como a instituição, naquilo que ele
denominou de parolo, de um elo arbitrário, porém necessário,
tencial da poesia abstrata; estavatambém em contato direto com entre o significante acústico e o significado "conceitual"
os futuros teóricos da Opoyaz':,Viktor Shklovsky e Osip Brik, e,
Este diagrama, por exemplo:
talvez, até com o linguista Baudoin de Courtenay,que as vezes
participava dos encontros da União e cujas pesquisas precede-
ram as de Saussureós. O importante, aqui, não é o encontro hi-
potético entre Markov e um linguista específico,saussurianoou
objetos
;ll-«
$
mesmo momento da elaboraçãoteórica de Saussure
era falso para Saussure,que acrescentou: "Para além de todo co
nhecimento de uma relação efetiva como x-a, baseada num ob
feto, a verdadeira significação é a-b-c. Se qualquer objeto pudes-
se ser o termo sobre o qual o signo estivesse fixado, a linguística
deixariaimediatamente de ser o que é, de cima a baixo, e o
mesmoaconteceria com a mente humana"", isto é, com a própria
É claro que não cabe,aqui, entrar na discussãotécnica do con-
ceito saussurianode arbitrariedade do signo, uma vez que esse possibilidade da existência da linguagem. A linguagem, para
conceito pem\eia todo o Curso e deu origem a inúmeras discus- Saussure,é uma forma cujas unidades são distintas (sejam elas
unidades acústicas [significantes], unidades "conceituais" [signi-
sões entre os linguistas, discussões que, além do mais, não estão
ficados] ou signos, isto é, conjunções de significantes e significa-
Acrõnimo. em russo. da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética. (N. do T.)
dos) -- ou, na conhecida passagem do Curso:
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COMO MODELO
Na língua só existem diferenças. Mais importante ainda: uma di- simultaneidade ou do paradigma, que define o léxico (um con-
junto de palavras que poderiam ocupar o mesmo espaço na sen
vença). Essevalor se diferencia de maneira absoluta, como o valor
de uma nota de cem francosem relaçãoa uma de mil francos,
é menos importante que os outros signos que o rodeiam." mas ele confere "algo positivo" ao signo
Para explicar esseconceito de valor (e para diferencia-lo da
Entretanto, nas numerosas referências feitas a essaslinhas, em significação ou da relação entre o significante e o significado, que
geral se omite a inflexão contida no parágrafo seguinte: "Mas a oscila à medida que se concretiza na paro/e [falal), Saussure re
afirmação de que tudo na linguagem é negativo só é verdadeha se correu à metáfora do jogo de xadrez, igualmente utilizada por
o s gniücado e o signiâcante forem considerados separadamente; Matisse na mesma época, por motivos bastante semelhantes72
ando consideramos o signo em sua totalidade, temos algo que Se,durante uma partida, uma peça é perdida - por exemplo, se
'i' -.. .. Embora o .signi6cante
' ' l categoria.""
épositivoemsuapropn ...-.:--- acús- uma criança leva o cavalo para um canto qualquer -, não impor-
tico e o signihcado "conceptual" se diferenciem de maneira nega- ta que outra peça irá substituí-lo provisoriamente; podemos es-
tiva (derem-se por aquilo que não são), o resultado de sua com- colher de forma arbitrária (qualquer objeto serve,e, dependendo
binação é um fato positivo, "o único tipo de fato que a linguagem da capacidade de memória do jogador, até a falta de objeto). Pois
contém", a saber,o signo. Por que ele é positivo, quando em todas é a função da peça dentro do sistema que Ihe confere seu valor (e
as outras passagens Saussure insiste na natureza oposítorízdo sinto-me tentado a dizer que é a posição da peça em cada mo-
signo? Seráque ele estavaintroduzindo aqui uma qualidade subs- mento do jogo que dá a ela sua significação). "Se acrescentarmos
tantiva quando toda a sua linguística se fundamenta na desco- um signo à linguagem", dizia Saussure,"diminuímos, na mesma
berta de que "a linguagem é forma e não substância"?ó9 proporção, o [valor] dos outros. Reciprocamente, se só tivermos
Tudo gira em torno do conceito de odor, um dos mais com escolhido dois signos (. . .) todas as significações [concretas] te
plexos e controvertidos conceitos de Saussure.O signo é positivo riam de ser divididas entre essesdois signos. Um designaria uma
metade dos objetos, o outro, a outra metade."73Para Saussure,
porque seu valor é "determinado (1). por um elemento desseme-
Ihante que pode ser trocado, o qual também podemos represen valor é um conceito económico; permite a troca de signos (na co-
municação social ou na tradução), mas também impede a per-
tar por I', e'(2) por elementos similares que sejam comparave's:
mutabilidade total. (Saussuretem um exemplo famoso, o dos va
ç- +- I' Q -+ -) lotes diferentes de s/jeep,em inglês, e de moufon,em francês, pois
em inglês sheepse contrapõe a muffolz. "Ao falar de um pedaço
Ambos os elementos são necessários para o valor"70.Em outras de carne pronto para ser levado à mesa, o inglês utiliza mutfon e
não sheep.A diferença de valor entre sbeepe mouf07z deve-se ao
palavras,de acordo com a fórmula de RenéAmacker, "(a) t.Á-
valor é definido em relação ao sistema do qual é extraído, porém fato de que sheeptem, ao seu lado, um segundo termo, o que não
ocorre com a palavra francesa."z4)
(b) todo valor é determinado necessariamente,também, pelo uso
Esseconceito de valor, por fim, está paradoxalmente ligado à
que dele fazemos,por aquilo que podemos trocar pol-.ele,ou seja,
'.iuv -''-' ''' - externaaele, que tem aquelevalor"7t. O noção que Saussurechamou de "motivação relativa do signo lin
pelacategoriadecoisas . .. . . .J-;-
[;i;lfã, ;]ü,«. .i".«. d- p';:ç;' q:«. .i; .'-p' ";,d'i; :i""; guistico", tantas vezes mal interpretada. "Estou convencido de
que tudo que se relaciona com a linguagem enquanto sistema
da linguagem: o eixo da sucessão,do sintagma, que é determi-
deve serabordado do seguinte ponto de vista, que quase não tem
nado pela gramática (numa sentença, por exemplo), e o eixo da
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l ll
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Constaque Leonardoda Vincifoi o primeiroa chamaros olhosde "janelasda alma". (N.do R.da T.)
intuída pela primeira vez por Kahnweiler.
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112 A PINTURA
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fura não precisavamais ter medo de ser engolida pelo espaço real
dos objetos; ela podia empregar formalmente o espaço,transfor-
mar o vazionuma marca e combinar essamarca com todos os
tipos de signos. O yzo/ãode Picasso é, até certo ponto, uma res
posta a Hildebrands7. Isso é confirmado na experiência seguinte
84 de Picasso,na qual ele montou uma imagem em pízpíerco//éque
lidos'
surgia de seu suporte vertical, segurava um violão de verdade no
espaço e estendia as pernas de papel debaixo de uma mesa de
No entanto, é possível perceber, por e.sta última citação: que verdade,na qual estavadisposta uma natureza-morta com uma
o "sistema de valores" que guiava a arte de Picasso,embora não garrafa de verdade, um cachimbo e, o mais importante, um jor
nal (um jornal de verdade, isto é, o objeto que forneceu a maré
ria-prima pastosa da imagem; fíg. 24). A mistura de espaçoreal e
espaçoartístico, semelhante ao que Hildebrand abominava na
'pintura panorâmica", nas paredesde cera e no túmulo de Ca
nova, encontra-se no núcleo do cubismo, da oyefalídade que ele
desejaconfere à obra de arte e que a leitura de Greenbergtende
a minimizar, quando não a apagar.Mais do que recorrer à con
e do outono de 1912, no momento em que se imagina que Pi- cepção trivial da "volta à realidade" que as colagens deveriam ter
casso descobriu a máscara grebo e elaborou o Violão. conquistado (e cujo vazio Greenberg demonstrou com tanta
Finalmente, e creio que esseé o motivo fundamental pam a maestria), devemos considerar, da perspectiva da semiologla
cubista, como a "realidade" dessas obras (o acréscimo de objetos
reais,a escultura do espaçoreal) poderia ter sido incorporada
assim que tivesse sido apanhada em uma rede de diferenças e
em um sistema de valores -- uma vez que se tivesse transformado
em signo. Outra experiência igualmente significativa é a da única
como um termo positivo. esculturade papel feita por craque, da qual restam algunsvestí-
gios (fig. 25). Presa no canto de uma sala, a estrutura incorpora o
espaçoarquitetânico ao seu contexto real, por meio daquilo que se
pode chamarde contiguidade indicial. O campo da imagem não
estáseparado do campo do suporte; o canto arquitetânico real é,
simultaneamente, suporte e parte da imagem. Ela antecipa, com
precisão, os conhízrre/mos de canto deVladimir Tatlin88
A combinação infinita de signos arbitrários e imateriais no nú-
cleo de um sistema de valores finito é esse o modelo rízíso/z/za
vém unicamente da imaginaçãocriativa do espectador."
bie revelado pela arte africana, em relação ao qual, de certo modo,
a reduçãoiconográfica da obra de Picasso(acentuada,ademais,
Como Kahnweiler diz claramente,a compreensãodo caráter
entre 1912 e 1914) funcionou como uma preparação89.Quando,
imaterial do signo levou Picassoàs estruturas "abertas" .A escul-
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114 A PINTURACOMO MODELO
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120 A PINTURACOMO MODELO
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I'e fato, uma ilusão semelhante ao olhar.Versostraço máglcol e não
se negará ao cüculo que a rima eternamente fecha e abre uma se-
melhança com os volteios da fada ou do mágico em meio à relva.t03