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O DEMÓNIO
DAS IMAGENS
SOBRE ABY WARBURG
LÍNGUA MORTA
IM SISMÓGRAFO DA CULTURA
uma
neou viagem a America, a que renunciou por imposi-
cão do seu médico o psiquiatra suiço, amigo e correspon-
são
dente de Freud, Ludwig Binswanger. Desse projecto, deixou
estemunho num texto dactilografado, em cinco folhas,
que se encontra nos seus arquivos pessoais. Ai, numa pas-
77
irmao;
irmão; mas, acabadas as
mas,
ao
c a s a m e n t o
de uum
de m
por alguns
meses em cerimnia
missão
da
cidade
de
Scapou-se
t r o p o l o g o
dor das fronteiras da sua an
p o u c or e s p e i t a d o r
estadia
numa
ribo de
tribo de índios
índios do Novo Méxic ciencia,
fez
uma
escobriu foi
descobriu que eles se enconte
foi que
E o que
logos"2, travam
evelando no
Pueblo.
e o
os entre a magia
Os
caminho
a meio mento
c o m p o r t a m e n t o eadamente, através
nsamento
e no
sincro. do mágico-religi com o lo
danças) a
das suas
simbólico,o,onde
deum espaço
criação
gico-racional. A esta de imagen
de produção de imagens, po-
estera atemporal
inscreve a
se
capacidade mitopoiética. Com Ossímbolos
demos chamar
eram 0 instrumento
a serpente, que
especial destaque para se orientar, para Con
dispor para
os Pueblo tinham a0seu
caoS, para superar- num 're-
trolar o perigo mortal do
desconhecidas através de uma
causas
flexo fóbico"=as a
Completamente ambivalente, serpente
imagem conhecida.
do símbolo: nela exprime-se
é um exemplo da polaridade
instintiva das emoções
ao mesmo tempo
a força irracional e
distância entre o Eu eo
talidade e do renascimento, que cria
mundo exterior, o que na Introdução ao Atlas Mnemosyne
idehinido como "o acto fundador da civilização humana"
Oconceito de polarização, como iremos ver, é central
em
teoria da imagem.
Nesta viagem aos índios Pueblo, só num primeiro mo
mentg e que Warburg surge investido no papel de antro
Pglogo. Aquilo que o
interessava, de facto, era estaberc
uma relação entre
as forças
expressivas primitivas (ue
quais
o
paganismo
constitui um aspecte particular) e as fi-
guraçoes míticas que, na cultura, têm a função de controlar
forcas, vendo nas imagens o ponto de sutura entre os
imitivas
prim
e a tentativa de dominá-las racionalmente. Tal
como as entende, elas são dotadas de uma espessura his-
róorico-cultural, transportam uma memória colectiva que
79
à Modernidade. A questão de Warburg, na
Keuzlingen, é pois aquela que o tinha
os seus primeiros estudos sobre a
arted acompanhad« de
desde
tava na base do programa de
investigação enasci mento eeees
que tinha
topara
Kulturwissenschaftliche.
a sua
Bibliothek propos
(KBW): deveria servir para
ela Warbur
investigar a Nachlebe
não se pode traduzir que
apenas por "sobrevivênci: tratase
de uma vida póstuma
reactivada) da Antiguidade
que razão certas tormas pag, por
antigas ficaram impressas
mória colectiva, de tal modo que renascem em na me
épocas. E devia fazê-lo tendo em conta a determindas
logos, o contlito entre o pólo polaridade magial
pólo racional do ethos que mágico-instintivo
eo
do pathos
tinha observado
Pueblo. Daí que, num discurso de nos índios
1929, ao Kuratorium, em
Hamburg, tenha definido desta maneira a
tual em que se colocava "situaço espiri-
a KBW no mundo da
Ela investigação:
representa um capítulo que poderia ser intitulado: Da
orientação do homem em relação a si mesmo e ao cosmo0s
guiada pelo mito e
pelo medo, à orientação quetem como
Bula o
pensamento científico e matemático">. Tanto
um instituto
quanto
de investigação, a KBW
ritz Saxl
servia, com0 escrevc
(que assumiu as funções de director da lio
teca
quando Warburg esteve Biboi
internado), para elaborar uum
problema. E esse problema era o
da "Nachleben aE Anti
Re, O da
transmissão e recepcão de fórmulas ngtd
I d a s da
Antiguidade e que fazem uma migração histor
Beografhca como fantasmas (uma "história de fandsmas
para adultos": foi assim seu
que Warbure definiu o
pro
inacabado de um Atlas de imagens, o Bilderatlas
Que deveria ser uma exposição da filosofia warburguiana
da programa da Biblioteca,
memória). O nos termos usa-
que preside
co, irredutível ao processo dialéctico-teleológico
desenvolvimento da cultura, tanto na Geistesgeschichte
ao
assedia o presente de
sua convicção é a de que "a eternidade
o nome da deusa da memória,
todos os lados", Mnemosyne,
entrada da sua
Warburg tinha fixado à
éapalavra grega que
81
"ymism
Biblioteca, que
cle deiniu como
caracteriza,
atraves ndência selectiva,
de uma tendência
a
forma
io da memória de uma tal massa hereditária nas divers
se
aos seus
mógrafo para
se referir
instrumentos de
investigação.
Percebemos todo o alcance que Warburg quer dar ae
metáfora eomodo como ela deine uma constelacänd pen
chamados Burckhardt.f.
samento, quando lemos os
as reflexoes que Warburg
dedicou às posições de BiureLi<hardt
Nietzsche relativamente ao fundamento mítico da culue
tura.
e
em I927-28 orientou na ln
à margem dos seminários que
Como se iniciam essas reflexöes
versidade de Hamburgo. Eis
"Devemos reconhecer Burckhardt e Nietzsche como aguele
a onda mnemica, e ver como ambos fo-
que apreenderam
consciencia
ram tocados de modo basttante diterente pela
dois sismógr-
universal de cada um deles (..). Trata-se de
fundamen-
fos de grande sensibilidade que vacilam
nos seus
82
o p
primeiro
rimei como aguem que se salva das
ve o
Warburg
he.
he, remas,
CNremas,
e e ppor isso permaneceu sempre como um
ibracoes
que o segundo.entrou em ruína por se
minista, enqu quanto
aos alos
abalos mais tremendos. Warburg,
solitariamente
nr
eporsoli
Do mesmo
como se
tinha dado a migração dos antigos deu-
cimento,
particular
relevo para as nintas e as deusas, cujas
(com
ses
diáfanas regressam na pintura, exprimindo
vestes
levese di
leves e
vestes
Pathosformeln, em fórmulas
movimento" em
"yida em
sobreviviam fontes arcaicas que dão às
e como
de pathos) histórico-cultural, Warburg mostra
uma espessura
imagens
serpente a origem
ne-
o ritual da
conferëncia sobre
na sua conheci-
de todo o
cessariamente
mítica e antropomórfica
conflito perene en-
se dá a ver no
mento natural, algo que
matemática e o pólo
racional da contemplação
tre o pólo formular é a de que a
ideia ele irá
mágico-religioso. A que
Mas
esquizofrénica.
humanidade é sempre,
em cada época,
utilita- tantásticae
enquanto que a
coexistência de magia
esquizóide,
tem para o
índio nada de
ismo racional não de uma
libertadora
a experiência
Pelo contrário, "significa
entre ohomeme o
limitada possibilidade de correlação
homem europeu esse con
envolve" para o
o tragico
doque cultura. Um
fundo trágico da
sua
O designa um
haver uma
vitoria
não pode
nem solução porque
a conquista
do
nunca
83
do Denkraun
paco do
pensamento- a de m
em cada moment.
vez por todas:
"E prcciso salva
Alexandria""',
escreve Warburg na tenas
conclusão de umes
de
rudo de 1920, sobre As divindades antigas pag s em text
de pensamento.
O Denkraum, reforca oc
um espaço po-
los opostos do comportamento psiquico0: a tendência para
contemplação
retlexiva (a Besonnenheit, Dalau..
a serena
Sophrosyne) ou para o furor
alemã para traduzir grega
a
Denkraum, em Warburg,
signihca
da terra-m ae grega"l4,
O
necessaria
de uma harmonia
uma medida,
a introdução de da
está na origem
o elemento dionisíaco que
para corrigir "Melancolna l
pensativa na
capacidade expressiva. A pose u
Warburg a entendeu, é o quepermitey
de Dürer, tal como UXOCS
homem e as Suas pa
distância entre o
Se estabeleça uma
constantes-
trans-históricas
Entre as tipologias
84
fura,
dualismo apolineoldionisiaco tem uma
importância
danmental no diagnóstico da civilização que Warburg re
imaginado-se como uma espécie de psico-historiador,
ado por um reflexo autobiográhco. E ele próprio que o
dir
numa nota datada de 3 de Abril: "Por vezes, vejo-me
omo se fosse um psIco-historiador que procura ler, num re-
fexo autobiográfico, a esquizofrenia do Ocidente a partir de
um lado imagético: a ninta extática (maníaca) de um lado, e
o triste deus fluvial (depressivo), do outro"13
A conferencia sobre o ritual da serpente termina
preci-
samente com um diagnóstico de onde emerge uma noção
85
mas de uma
historia c o m o
e1emosyne, em que se dáda sem
mnemosvn
património
se
deum de sem
pre
imagens
a
reminiscência
previamente
experielaenciasas e de
impressas (neste sentido, e
do mito).Tal corm
nun
completamente
emancipa nos devemosse
suas palavras qualquer rol.
abster de ver nas
cão com
discurso, de que
ele foi contemporâneo, sobre o
um
"dechii
do Ocidente",
à maneira de Spengler. Warbur
tudo preocupado
com a esterilização da sobre
cultura, derivada
da incapacidade de criar imagens e símbolos e ada
com
truição da distäncia operada pelo triunfo do inst
a
des.
Não nos esqueçamos da frase inicial da sua
instantâneo.
Atlas Mnemosyne: "Introduz1r conscientemente uma d.
ntrodução;ao
tancia entre o Eu e o mundo exterior é aquilo
que podemos
sem dúvida designar como o acto fundador da civilizacän
humana"
da energia
contida na imagem.
mutação saber
é que isto signihca? Antes de mais, convém
Oque
Warburg tinha ido buscar a Richard Semon as categori-
ane
q u
A cria-
e "engramma" ou "dinamograma".
as de "mneme
de
cão do símbolo
corresponderia então a uma espécie carga
um acontecimento
intenso e repetido
energética derivada de
memória co-
inscrever-se de forma indelével na
de modo a
forma de engrama. Warburg pensa aqui num
lectiva sob a
forte que se torna traumático,
acontecimento de tal modo
a experièncias originári-
um acontecimento que diz respeito
ou uma cicatriz material
as de pathos que deixam um traço
arcaicos da consciência. Tais experiências
sobre os estratos
mas expressivas da
máxima exaltação interior exprimível
tal intensidade que estes engra-
com uma
linguagem gestual,
sobrevivem como patrimonio
mas da experiencia emotiva
que
memória"l6. o elemento patético-
Ora,
hereditário da
irrepresentavel,
sen o enquanto
ao chega à representação e dai o tacto
se subtrai ao sentido;
Isto é, na medida em que
semantismo
escapar a
todo o
iconologia warburguiana
de a intro-
Warburg
uma noçäo que
e o que é expresso por a
sobre Durer:
vez n u m texto
de l905,
duziu pela primeira
87
nocão de Pathostormel, de tórmula de pathoe "t
se de
eis de estados psiquicos ou
expressoces patéticos que as
imagens fossilizam, uma vez
quesào dotadas da
de se recordarcm das
suasorigens de exibircm a
e faculdade
memóri
histórica que nelas está inscrita. E é precisamente por ea
causa
dessa relação com a memoria que se da a sobrevivênei Cia, a
Nachleben, das fórmulas de pathos. Analisando uma
de Dürer, "A Morte de Orteu",
gravu
ra Warburg mostra como a
linguagem patética que a Grécia tinha elaborado para a
cena trágica vai incidir nela determinando-lhe directamente
o estilo. Não são os motivos temáticos que interessam na
análise de Warburg: é a expressão intensihcada dos gestos,
acentuação retórica dos corpos em movimento. As imagens
carregam então a memória da estratihcação que o passado
depositou nelas. Não se trata, porém, de um passado "cro-
notogico-Tantiga Grécia, por exemplo- mas de um
passado acronológico", mais antigo que a própria Anti-
guidade. O que signiica dizer: a vida, com tudo aquilo que
ela comporta: sofrimento, dor, morte. Em oposição à "no-
bre simplicidade e plácida beleza" que Winckelmann tinha
exaltado na arte grega, Warburg, profundamente insatis-
feito com a interpretação tradicional do Renascimento, em
chave apolínea, mostrou sempre grande interesse em desco-
brir nele a dimensão "demónica" e dionisíaca, onde ganha
relevo o pathos do movimento e dos gestos violentos. Dai a
88
tivid. primordial contra a barreira do
espiritualismo cris-
0E, ao escrever sObre o grupo escultórico do Laocoonte
Warburg sublinha, contra Winckelmann a sublimidade trá-
,
escultura da Antiguidade
tes, tornam-se nesta famosíssima
sofrimento humano" l".
a propria encarnação do supremo
Renascimento (glorifica-
Contra uma visão unilateral do
Warburg descobre nele a alternân-
da por Winckelamann),
entre o pólo apolineo
e
luz uma oscilação
Cia de e trevas,
manei-
nietzschiana revela-se de
dionisiaco. A inspiração
determina
sua teoria da polaridade que
ra explícita nesta totalidade cultural.
Com
na
da imagem
também a função
89
a imagem tem uma
efeito, para
Warburg relaç? de
com a
totalidade
Gesamtkultur, a
inter
das questoes que envolvem as cultural: ela
dependencia
90
mento da Antiguidade que merece".
Procurando na profundidade antropológica e religiosa a
rico condensado.
39
A