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Poéticas I

Poéticas I

Poé
Encontro Internacional
em Poéticas Contemporâneas

em Poéticas Contemporâneas
Realização Encontro Internacional

ORGANIZAÇÃO

Realização
| DEX | IdA | VIS | PPG-A | TCHA | CET
Profa. dra. Iracema Barbosa
Profa. dra. Karina Dias
| DEX | Id
Poé
éticas I
2 Poéticas I    3
Poéticas I
Encontro Internacional
em Poéticas Contemporâneas
Poétiques I : Rencontre Internationale
de Poétiques Contemporaines

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
UNIVERSITÉ DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE ARTES
INSTITUT DES ARTS
ORGANIZAÇÃO
ORGANISATION
Identidade visual Cecilia Mori, Christophe Viart, Christus Menezes da Nóbrega,
Identité visuelle
Reitoria Direção interina Coordenação Gabriel Menezes Gabriel Brochado de Menezes, Gê Orthof, Gilles Tiberghien,
Rectorat
Márcia Abrahão Moura
Directeur intérimaire
Márcia Duarte Pinho
Coordination
Karina Dias (UnB)
Projeto gráfico e diagramação Gisele Lima Rocha, Iracema Barbosa, Jaline Pereira da Silva,
Projet graphique et mise en page
Vice-reitoria Chefia do Departamento
Iracema Barbosa (UnB) Gabriel Menezes Júlia Milward, Karina Dias, Luciana Paiva, Ludmilla Alves, Luiz
Luã Leão
Vice-rectorat
Enrique Huelva
de Artes Visuais
Chef du Département d’Arts
Comissão organizadora
Comité d’organisation
Olivieri, Maria Beatriz de Medeiros, Nina Orthof, Patricia Corrêa,
Fonte tipográfica
Decanato de Ensino
Visuels Bruna Neiva Caractères typographiques Pedro de Andrade Alvim, Regina Célia de Paula, Sara Cândido
Marcelo Mari Gabriel Menezes Brasilica
de Graduação
Coordination d’Enseignement Vice-Chefia  Chef adjoint Gisele Lima Nascimento dos Santos, Tatiana Terra.
de Graduation Iris Helena Impressão
Gregório Soares Impression
Sérgio de Freitas Jaline Pereira
Programa de Pós-Graduação Júlia Milward Athalaia Gráfica e Editora
Decanato de Extensão em Arte
Luciana Paiva
Coordination d’Extension Programme d’études Doctorales
en Art Ludmilla Alves
Olgamir Amancia
Luiz Olivieri
Ferreira Coordenação Nina Orthof
Decanato de Pesquisa Coordination Tatiana Terra
e Pós-graduação Belidson Dias
Coordination de Recherche Comissão técnico-científica
et d’Études Doctorales Curso de Teoria, Crítica Comité technique et scientifique
e História da Arte Iracema Barbosa (UnB)
Helena Eri Shimizu Cours de Théorie, Critique
Patricia Corrêa (UFRJ)
et Histoire de l’Art
Regina de Paula (UERJ)
Coordenação
Coordination
Gustavo Lopes

ORGANIZAÇÃO
P743 Poéticas I: Encontro Internacional em Poéticas Contemporâneas/
Poétiques I: Rencontre Internationale de Poétiques Contemporaines
Profa. dra. Iracema Barbosa
Profa. dra. Karina Dias
Organização: Iracema Barbosa e Karina Dias.
Brasília : Mira Stella Produção e Arte, 2018. – 378 p.

ISBN 978-85-54915-02-5

1. Arte  2. Artes Visuais  3. Poéticas Contemporâneas 


I. Título  II. Barbosa, Iracema e Dias, Karina Programa de Pós-Graduação em Arte
CDD 730 Universidade de Brasília
CDU 7.0
Mira Stella Produção e Arte
2018

4 Poéticas I   
10 Présentation 98 PEDRO DE ANDRADE ALVIM
Apresentação En cheminant entre écrits et dits: Giacometti et Iberê
Caminhando entre escritos e
ditos: Giacometti e Iberê
ESCRITOS E DITOS

POÉTICAS DA PAISAGEM
14 CHRISTOPHE VIART
Paroles d’artistes : essais et fictions
Palavras de artistas:ensaios e ficções 132 GILLES TIBERGHIEN
Smithson : une pratiquespéculative de l’art
Smithson: uma prática especulativa da arte
40 IRACEMA BARBOSA
Écrits & Dits : À propos du début de cette recherche
Escritos & ditos: sobre o início desta pesquisa 158 KARINA DIAS
Notes sur la montagne
Notas sobre a montanha
52 PATRICIA CORRÊA
Robert Morris et les Andes: des
pierres, des lignes, des mots 174 REGINA CÉLIA DE PAULA
Robert Morris e os Andes: Devant les yeux
pedras, linhas, palavras Diante dos olhos

70 MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS 186 CHRISTUS MENEZES DA NÓBREGA


La «Parole» «de» l’«artiste», ou mieux Expédition Automne: la chasse aux
encore, la horde hurlante plantes géantes d’Amazonie
“Fala” “do” “artista”, ou melhor, a cambada urra Expedição Outono: caçada as plantas
gigantes da Amazônia
86 CECILIA MORI
Petit Bestiaire d’Allégories Imaginées: 208 GÊ ORTHOF
annotations sur les écrits d'une artiste ‘many-splendoured thing’ // l’expérience Thompson
Pequeno Bestiário de Alegorias Imaginadas: ‘many-splendoured thing’ // a experiência Thompson
anotações sobre escritos de uma artista

  
GRUPOS DE PESQUISA 294 LUCIANA PAIVA
Un mot seul:une pensée en île
Escritos & Ditos Uma palavra sozinha:pensamento em ilha

230 GISELE LIMA ROCHA 304 LUIZ OLIVIERI & JÚLIA MILWARD
La place de l’artiste professeur, Karina Dias De l’île vers le Farol
O lugar do trabalho da artista Da ilha ao Farol
professora, Karina Dias
320 LUDMILLA ALVES
238 JALINE PEREIRA DA SILVA 34 indices sur Morel
Notions de travail pour Elder 34 indícios sobre Morel
Rocha: expérience en série
Noções de trabalho para Elder
Rocha: experiência em série 330 NINA ORTHOF
Quêter, observer, heurter
Buscar, observar, colidir
246 SARA CÂNDIDO NASCIMENTO DOS SANTOS
Notions de travail dans l’oeuvre de Pedro
Alvim : sur le plaisir au travail 344 TATIANA TERRA
Noções de trabalho na obra de Pedro L’île – à (d) écrire l’horizon
Alvim: sobre o prazer no trabalho Ilha: a (d)escrita do horizonte

Vaga-mundo: poéticas nômades


352 GABRIEL BROCHADO DE MENEZES
Observations quotidiennes de la dérive continentale
258 KARINA DIAS Observações diárias da deriva continental
Observations de l’île
Observações da ilha
PARTICIPANTES

280 JÚLIA MILWARD


Étude pour précipitations 372 À propos des auteurs
Estudo para precipitações Sobre os autores

  
Présentation Apresentação

Poéticas I réunit les textes des interventions présentées à l’occasion O livro Poéticas I contém textos que foram apresentados no encontro
de la rencontre Poéticas I : encontro internacional em poéticas contem- Poéticas I: encontro internacional em poéticas contemporâneas, realizado
porâneas, qui a eu lieu à l’ Universidade de Brasilia, en juin 2016. na Universidade de Brasilia, em junho de 2016.
Réalisé par les groupes de recherche escritos e ditos (CNPq) et O evento internacional na área de artes visuais, propôs uma
vaga-mundo: poéticas nômades (CNPq), Poéticas I repose sur deux reflexão sobre o fazer artístico, articulando-o a outros domínios de
axes thématiques : les dits et les écrits d’artistes et les pratiques conhecimento, procurando, deste modo, ampliar o debate sobre o
artistiques liées au paysage qui sont en rapport avec leurs sujets pensamento do artista e o lugar de sua obra.
de recherche. Organizado pelos grupos escritos e ditos (CNPq) e vaga-mundo:
Nous avons eu le plaîsir d’acueillir dans cette rencontre les pro- poéticas nômades (CNPq) o encontro teve dois eixos temáticos de
fesseurs Gilles Tiberghien et Christophe Viart – Université Paris discussão: o artista e suas falas e as poéticas da paisagem, relativos
1 Panthéon Sorbonne ; Patricia Corrêa – Universidade Federal do aos temas de pesquisa dos respectivos grupos.
Rio de Janeiro ; Regina de Paula – Universidade Estadual do Rio de Tivemos o prazer de receber para este primeiro encontro os pro-
Janeiro ; Bia Medeiros, Cecilia Mori, Christus da Nóbrega, Emer- fessores Gilles Tiberghien e Christophe Viart, da Université Paris 1
son Dionísio, Gê Orthof, Pedro Alvim – Universidade de Brasilia et Panthéon-Sorbonne; Patricia Corrêa da UFRJ; Regina de Paula da
Yana Tamayo de la UERJ, e os nossos colegas professores da Universidade de Brasilia:
Nous remercions la FAP-DF pour le financement accordé, et le Bia Medeiros, Cecilia Mori, Christus Nóbrega, Emerson Dionísio,
Decanato de Extensão – DEX, Instituto de Artes, do Departamento Gê Orthof, Pedro Alvim, além da artista Yana Tamayo.
de Artes Visuais, do Programa de Pós Graduação em Arte, do Curso Agradecemos o apoio financeiro da FAP-DF, o apoio institucional
de Teoria Crítica e História da Arte e do Centro de Excelência em do Decanato de Extensão, Instituto de Artes, do Departamento de
Turismo da Universidade de Brasília pour leur soutien. Nous saluons Artes Visuais, do Programa de Pós Graduação em Arte, do Curso
aussi le travail de tous les etudiants Bruna Neiva, Gabriel Menezes, de Teoria Crítica e História da Arte e do Centro de Excelência em
Gisele Lima, Jaline Pereira, Luis Olivieri et professeur Ana Rosa. Turismo da Universidade de Brasília. Agradecemos também o tra-
Merci enfin aux deux cent cinquante participants qui ont fait balho de todos os alunos e professores envolvidos na produção deste
de cette rencontre un lieu de dialogue et de réflexion sur différents evento, em especial Bruna Neiva, Gabriel Menezes, Gisele Rocha,
modes de production propres à l’art contemporain. Jaline Pereira, Luis Olivieri e a professora Ana Rosa.
Agradecemos especialmente aos mais de duzentos e cinquenta par-
Karina Dias e Iracema Barbosa ticipantes que fizeram deste encontro um espaço de diálogo e de pensa-
mento sobre os diferentes modos de produção na arte contemporânea.

Karina Dias e Iracema Barbosa

10 Poéticas I   11
ESCRITOS E DITOS

12 Poéticas I  13
CHRISTOPHE VIART

Paroles d’artistes : Palavras de artistas:


essais et fictions ensaios e ficções
CHRISTOPHE VIART CHRISTOPHE VIART

Quelle place donner aux mots C’est dans son livre Peinture et Que lugar dar às palavras dos artistas? Que status lhes reconhecer
des artistes ? Quel statut leur Réalité1 qu’Étienne Gilson se plai- em comparação aos estudos críticos ou históricos? Que crédito
reconnaître en comparaison sait à expliquer « pourquoi les lhes conceder de acordo com os discursos estéticos? Que papel lhes
des études critiques ou histo- philosophes amusent parfois les outorgar no que diz respeito às práticas às quais eles se atribuem?
riques ? Quel crédit leur accor- artistes2 » en relatant que pour Longe de obedecer um modelo único, as palavras dos artistas tes-
der vis-à-vis des discours esthé- certains esthéticiens, les œuvres temunham da especificidade da reflexão artística inseparável da
tiques ? Quel rôle leur attribuer d’art se voient délestées de leur atenção dada à criação da obra. Perto do pensamento moderno que
au regard des pratiques aux- poids matériel. Dépourvues de atribui maior importância ao processo do que ao objeto acabado, eles
quelles ils s’accordent ? Loin substrat organique, faute d’avoir opõem à crítica que mantém discursos fora do fazer, uma fala que
d’obéir à un modèle unique, les été manipulées, ou tout simple- não se dissocia da experiência que suas obras oferecem para viver.
mots des artistes témoignent ment vues, elles n’existent pour Em seu livro Pintura e Realidade1 Étienne Gilson gostava de ex-
d’une spécificité de la réflexion eux qu’à la manière d’idées. plicar “Por que os filósofos às vezes divertem os artistas2” relatando
artistique inséparable de l’at- Étienne Gilson invitait alors à que, para alguns estéticos, as obras de arte estão se liberando de seu
tention portée à l’instauration distinguer le mode d’existence peso material. Desprovidas de substrato orgânico, por falta de terem
de l’œuvre. Proches en cela de la artistique et le mode d’existence sido manipuladas ou simplesmente vistas, elas existem para eles
pensée moderne qui accorde plus esthétique des œuvres d’art. somente como idéias. Gilson convidava então a distinguir o modo de
d’importance au processus qu’à Mais c’est un autre malen- existência artística e o modo de existência estética das obras de arte.
l’objet fini, ils opposent à la cri- tendu qu’il perçoit dans « l’hé- Mas é um outro equívoco que ele percebe na “heterogeneidade
tique qui tient des discours hors térogénéité foncière3 » de l’art fundiária3” da arte e da linguagem, e então na pretensão dos artistas
du faire, une parole qui ne se et du langage et, partant, dans de querer ao mesmo tempo criar, escrever e falar. São naturalmente
dissocie pas de l’expérience que la prétention des artistes à vou- apontadas as pinturas, apesar da grande vantagem que ele foi capaz
leurs œuvres donnent à vivre. loir tout à la fois créer, écrire de tirar da escrita de um Delacroix ou de um Mondrian. Sua crítica se

1  GILSON, Étienne. (1972). Peinture et réalité. Paris: Vrin; Problemas & Controver- 1 GILSON, Étienne. (1972). Pintura e realidade. Paris: Vrin; Problemas & Controversias,
sias, 1998. 1998.
2  Ibid., p. 25. 2  Ibid., p. 25.
3  Ibid., p. 289. 3  Ibid., p. 289.

14 Poéticas I Christophe Viart 15


et parler. Sont naturellement discours dans le même pas que uniu prontamente à sentença que Lautréamont disse em um trecho
pointés du doigt les peintres, en ses tableaux. Pour Gilson, les de Canções de Maldoror segundo a qual “para fazer um trabalho sério,
dépit du large profit qu’il a pu conséquences sont de deux ordres não se deve fazer duas coisas ao mesmo tempo4.” Ela tem o mérito
tirer des écrits d’un Delacroix ou en s’appliquant à l’impossibilité das máximas opondo o bom senso das realidades às contradições
d’un Mondrian. Sa critique se ral- d’un côté « de peindre à l’aide idiossincráticas. No caso oposto, fazer duas coisas ao mesmo tempo
lierait volontiers à la phrase que de mots » et corollairement, de contesta o fato de produzir algo adequadamente. A regra de conduta
Lautréamont fait dire dans un l’autre côté, « de parler au moyen a ser seguida é distinguir e separar as coisas de acordo com a ação
passage des Chants de Maldoror de peintures5 ». que elas comandam. Fazer duas coisas ao mesmo tempo não é uma
suivant laquelle « pour faire un La première conséquence maneira de desenvolver suas forças ou colocar as chances de seu
travail sérieux, il ne faut pas faire concerne à ce titre la propension lado, mas uma fonte de confusão, complicação, embaraço, engano.
deux choses à la fois4. » Elle a le des œuvres à se substituer aux Não observar este preceito educativo significa perder a segurança
mérite des maximes opposant le mots au profit d’images plates et em benefício de um trabalho que faltaria seriedade. Se nada impe-
bon sens des réalités aux contra- bavardes. Elle tient de l’idée reçue de que o pintor seja incidentemente um escritor, ele não saberia
dictions idiosyncrasiques. Dans le opposant l’art et le langage sur la escrever e produzir discursos no mesmo ritmo que suas pinturas.
cas opposé, faire deux choses en base de l’irréductibilité du visible Para Gilson, as consequências são de duas ordens aplicando-se de
même temps conteste le fait de et du dicible. La deuxième consé- um lado a impossibilidade de “pintar com ajuda das palavras” e,
produire convenablement quelque quence s’accorde avec le geste du consequentemente, do outro lado “falar através das pinturas5”.
chose. La règle de conduite à tenir silence de ceux qui, suivant le mot A primeira consequência a este efeito diz respeito à propen-
est de distinguer et de séparer les de Nicolas Poussin, font « profes- são das obras em se substituírem em palavras à favor de imagens
choses suivant l’action qu’elles sion des choses muettes6 ». C’est, planas e falantes. Ela mantém a ideia recebida que opõe a arte e
commandent. Faire deux choses dans la terminologie des histo- a linguagem baseada na intratabilidade do visível e do dizível. A
à la fois n’est pas un moyen de riens, le signum harpocraticum, segunda consequência cobre o gesto de silêncio daqueles que, nas
déployer ses forces ou de mettre le geste d’Harpocrate, le dieu du palavras de Nicolas Poussin, fazem “profissão das coisas mudas6”. É
les chances de son côté, mais une silence, qui intime qu’on se taise na terminologia dos Historiadores signum harpocraticum, o gesto
source de confusion, de complica- d’un doigt posé sur la bouche. Sa de Harpocrates, o deus de silêncio, o qual intima que nos calemos
tion, d’embarras, de méprise. Ne portée peut tantôt être interpré- com um dedo na boca. O seu âmbito às vezes pode ser interpretado
pas observer ce précepte d’édu- tée dans un sens passif et tan- em um sentido passivo e às vezes em um sentido ativo, impondo a
cation reviendrait à perdre son tôt dans un sens actif en s’impo- si mesmo segurar a própria língua ou pedindo aos outros para se
assurance au profit d’un travail sant soi-même de tenir sa langue calarem. Assim, não é raro ver artistas adotarem a postura da muta,
qui manquerait alors de sérieux. ou en demandant aux autres de da eloquência muda, para opor a vaidade da palavra à realidade do
Si rien n’interdit au peintre d’être se taire. Il n’est ainsi pas rare de fazer, em outros termos, para se opor à futilidade do verbo à ver-
incidemment un écrivain, il ne voir les artistes adopter la pos- dade da arte que despreza as palavras. Exemplos não faltam para
saurait écrire et produire des ture de la muta, de l’éloquence invocar o primado do visível sobre a palavra superlativa. Eles não se

4  LAUTRÉAMONT, Conmte de. (Isidore Ducasse). (1869). Os Cantos de Maldoror. 4  LAUTRÉAMONT, Conmte de. (Isidore Ducasse). (1869). Os Cantos de Maldoror. Canto
Canto primeiro. Paris: Gallimard, 1973. p. 47. primeiro. Paris: Gallimard, 1973. p. 47.
5  GILSON, Étienne. (1972). Pintura e realidade. Paris: Vrin; Problemas & Controver- 5 GILSON, Étienne. (1972). Pintura e realidade. Paris: Vrin; Problemas & Controversias,
sias, 1998. p. 290. 1998. p. 290.
6  POUSSIN, Nicolas. Carta para M. de Noyers. Roma, 20 de fevereiro de 1639. In: 6  POUSSIN, Nicolas. Carta para M. de Noyers. Roma, 20 de fevereiro de 1639. In: Cartas
Cartas e discursos sobre a arte. Paris: Hermann; Savoir, 1989. p. 42. e discursos sobre a arte. Paris: Hermann; Savoir, 1989. p. 42.

16 Poéticas I Christophe Viart 17


muette, pour opposer la vanité de Vélasquez, Michel Foucault écrit destacam muito das fórmulas repetidas ao excesso por um Picasso
la parole à la réalité du faire, soit que « le rapport du langage à la orgulhoso: “Eu me expresso através das minhas pinturas e eu não
en d’autres termes pour opposer peinture est un rapport infini8 ». posso me expressar via palavras7.”
la futilité du verbe à la vérité de Ce n’est pas tant que le langage
l’art qui se passe des mots. Les soit inadéquat au visible mais I. As palavras e as coisas
exemples ne manquent pas pour on ne peut pas les réduire l’un à Uma obra é indissociável da linguagem? O relacionamento com a
invoquer le primat du visible sur l’autre. Foucault reconnaît : « on obra pode acontecer sem verbalização? E qual o lugar que esta verba-
la parole superlative. Ils ne se a beau dire ce qu’on voit, ce qu’on lização ocupa na criação assim como na recepção da obra?As palavras
démarquent guère des formules voit ne loge jamais dans ce qu’on dos artistas não são fonte de equívocos em relação às suas obras?
répétées à l’excès par un Picasso dit9 ». Il n’est pas indifférent que
se rengorgeant : « Je m’exprime à le premier chapitre de son livre 1. O dizer e o ver
travers ma peinture et je ne peux Les Mots et les Choses concerne le Parece que existe entre as palavras e as coisas, como entre a palavra
pas m’exprimer par les mots7. » célèbre tableau de Vélasquez dont e o visível, uma separação intangível. No texto dedicado à pintura
le dispositif est à la fois l’objet du de Velásquez, As Meninas, o filósofo Michel Foucault escreve que “a
I. Les mots et les choses regard et le sujet de la pensée. En relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita8”. Não
Une œuvre est-elle indissociable comparaison avec ce fascinant que a linguagem seja inadequada, mas não podemos reduzir um ao
du langage ? La relation à l’œuvre programme que représente cette outro. Foucault escreve: “podemos dizer o que vemos, no entanto o
peut-elle avoir cours sans verba- scène d’atelier, qui est une mise que vemos não reside nunca no que dizemos9”. É significativo que
lisation ? Et quelle place occupe en scène du travail artistique, on em seu livro As Palavras e as Coisas (1966) Foucault comece pela
cette verbalisation dans la créa- ne dispose en revanche d’aucun descrição da pintura de Vélasquez, As Meninas, cujo dispositivo seja
tion comme dans la réception de texte de Vélasquez, à l’exception de ao mesmo tempo o objeto do olhar e objeto de pensamento (o texto
l’œuvre ? Les mots des artistes ne deux lettres protocolaires retrou- chama-se “As Seguidoras”).
sont-ils pas source de contresens vées au xxe siècle. Contrairement Comparando com este fascinante programa que representa a cena
au regard de leurs œuvres ? à celles de Poussin ou de Rubens, de atelier das Meninas - que é uma encenação do trabalho artístico
la correspondance de Vélasquez, – não dispomos de nenhum texto de Vélasquez, exceto duas cartas
1. Le dire et le voir qui devait être abondante au vu de protocolares encontradas no século XX. Diferentemente daquelas de
On dirait qu’il existe entre les sa fonction de peintre de la cour Poussin e Rubens, a correspondência de Vélasquez que deveria ser
mots et les choses, comme entre chargé des collections royales, n’a abundante por causa de sua função como pintor da corte responsável
la parole et le visible, une sépa- pas été retrouvée. pelas coleções reais, não foi encontrada.
ration intangible. Dans le texte La caricature que l’histo- A caricatura que o historiador de arte Ernst Gombrich reproduziu
qu’il consacre aux Ménines de rien d’art Ernst Gombrich a no livro A Ecologia das imagens10 ilustra divertidamente a controvérsia

7  PICASSO, Pablo. Discussões sobre a arte. Edição de M.-L. Bernadac e A. Michael. 7  PICASSO, Pablo. Discussões sobre a arte. Edição de M.-L. Bernadac e A. Michael. Paris:
Paris: Gallimard; Arte e artistas, 1998. p. 7. Gallimard; Arte e artistas, 1998. p. 7.
8  FOUCAULT, Michel. (1966). As palavras e as coisas. Paris: Gallimard, 1989. p. 25. 8  FOUCAULT, Michel. (1966). As palavras e as coisas. Paris: Gallimard, 1989. p. 25.
9  Foucault poursuit en ces termes : « […] et on a beau faire voir, par des images, des 9  Foucault segue assim : “[…] você pode mostrar, através de imagens, de metáforas, de
métaphores, des comparaisons, ce qu’on est en train de dire, le lieu où elles resplen- comparações, o que está sendo dito, o lugar onde elas brilham não é aquele que os olhos
dissent n’est pas celui que déploient les yeux, mais celui que définissent les suc- enxerguem, mas aquele que é definido pelas sucessões da sintaxe.” (FOUCAULT, Michel.
cessions de la syntaxe. » (FOUCAULT, Michel. (1966). As palavras e as coisas. Paris: (1966). As palavras e as coisas. Paris: Gallimard, 1989).
Gallimard, 1989). 10  Ver o desenho de Cem em data de 1961, publicado no The New Yorker em: GOMBRICH,

18 Poéticas I Christophe Viart 19


reproduite dans son livre L’Écolo- cette chose. C’est Bob Dylan qui associada com uma crença amplamente compartilhada segundo a qual
gie des images10 illustre plaisam- chante : « So easy to look at, so as emoções que criaram uma obra são sentidas pelo espectador. Ela
ment la controverse associée à hard to define12 ». Pour Straw- constitui uma crítica da concepção ingênua da expressão dos sentimen-
une croyance largement parta- son : « La maîtrise d’une pra- tos. Está longe da imagem de uma for, que ela acredita ingenuamente
gée suivant laquelle les émo- tique n’implique pas la maîtrise comunicar ao seu público, que a pequena bailarina se expõe a uma
tions, qui ont donné naissance explicite de la théorie de cette multiplicidade de interpretações todas igualmente tão malucas umas
à une œuvre, sont ressenties par pratique13. » quanto as outras, mas talvez também provavelmente todas parecidas.
le spectateur. Elle constitue une Le discours constitue-t-il une
critique de la conception naïve intellectualisation du faire ? L’une 2. O dizer e o fazer
de l’expression des sentiments. des caractéristiques des textes de Como declara o filósofo Peter Frederick Strawson em seu livro sua
C’est loin de l’image d’une fleur, Gerhard Richter est leur hétéro- Análise e metafísica [1992], “a capacidade de fazer algo é muito diferente
qu’elle croit naïvement commu- généité. Dans ses textes (notes da capacidade de dizer como se faz tal coisa11”. É também claro que a
niquer à son public, que la petite d’atelier, déclarations, entretiens, capacidade de produzir algo não envolve certamente a capacidade de
ballerine s’expose à une multipli- notamment ceux avec le critique dizer como nós produzimos essa coisa. Bob Dylan canta: “tão fácil
cité d’interprétations toutes aussi d’art Benjamin H. D Buchloh), de se ver, tão difícil de definir12”. Para Strawson: “O domínio de uma
farfelues les unes que les autres, on le voit défendre des positions prática não envolve o domínio explícito da teoria dessa prática13.”
mais peut-être également toutes divergentes en assumant plei- O discurso se constitui em uma intelectualização do fazer? Uma
aussi vraisemblables. nement le droit à la contradic- das particularidades dos textos de Gerhard Richter é a sua hetero-
tion. Or la première contradic- geneidade. Nestes textos (notas de atelier, declarações, entrevistas
2. Le dire et le faire tion s’applique au fait de parler incluindo as do crítico Benjamin H.D Buchloh), podemos vê-lo de-
Comme le déclare le philosophe de peinture : fender posições diferentes assumindo total direito de contradição.
américain Peter Frederick Straw- Dans une note datée des A primeira contradição fundamental no fato de falar de pintura: Em
son dans son livre Analyse et années 1964 — 1965, Richter sou- nota datada dos anos 1964 — 1965, Richter afirma que: :
Métaphysique, « la capacité de tient que :
faire quelque chose […] est bien “Falar de pintura não tem nenhum sentido. Ao expressar algo através
différente de la capacité de dire « Parler de peinture n’a aucun da linguagem, a transformamos. Construimos propriedades que podem
comment on fait cette chose11 ». sens. En exprimant une chose par ser designadas; no entanto, suprimimos aquelas que não podem ser
Il est aussi clair que la capacité le langage, on la transforme. On expressadas em palavras e que são as mais importantes14.”
de produire une chose n’im- construit des propriétés qui peu-
plique pas assurément la capa- vent être désignées ; en revanche, Filmar o artista em seu estúdio, no trabalho, tem encenação, mes-
cité de dire comment on produit on supprime celles qui ne peuvent mo quando a intensão é capturar a ação ao vivo. O filme de Corinna

Ernst. (1972). A imagem visual. A ecologia das imagens. Paris: Flammarion, ideias e pes-
10  Voir le dessin de Cem daté de 1961 et publié dans The New Yorker dans: GOM- quisas, 1983. p. 346.
BRICH, Ernst. (1972). A imagem visual. A ecologia das imagens. Paris: Flammarion, 11  STRAWSON, Peter Frederick. (1992). Análise e Metafísica. Paris: Libraria Filosofia
ideias e pesquisas, 1983. p. 346. Vrin; Problemas e controversias, 1985. p. 12.
11  STRAWSON, Peter Frederick. (1992). Análise e Metafísica. Paris: Libraria Filosofia 12  DYLAN, Bob. Sara. In: DYLAN, Bob. Desire. 1976.
Vrin; Problemas e controversias, 1985. p. 12. 13  STRAWSON, op. cit.
12  DYLAN, Bob. Sara. In: DYLAN, Bob. Desire. 1976. 14  RICHTER, Gerhard. (1993). Textes. Notes 1964 — 1965. Traduit de l’allemand par C.
13  STRAWSON, op. cit. Métais Bürhendt sous la direction de X. Douroux. Dijon: Les presses du réel, 1999. p. 32.

20 Poéticas I Christophe Viart 21


être exprimées par la parole et qui trouve entre travailler dans l’ate- Belz, Gerhard Richter Painting (2011) insiste várias vezes sobre tempos
sont les plus importantes14. » lier, à l’abris des regards, comme poéticos durante quais a obra a ser feita opõe uma resistência aos
dans le secret, et s’exposer aux costumes de um artista em plena possessão dos seus meios. Richter
Filmer l’artiste dans son ate- yeux de tous. Il se sent observé explica esta dificuldade por duas razões: Primeiro, ele encontra um
lier, au travail, tient de la mise comme on ausculte un malade. problema prático ligado ao fazer, especificamente relacionado com
en scène, même quant il s’agit de Ne faudrait-il pas montrer l’ar- a escolha das cores e seu espalhamento sobre a tela (espalhamento
saisir l’action en direct. Le film tiste en train de marcher dans submetido ao azar controlado); Segundo, este primeiro problema
de Corinna Belz, Gerhard Rich- la ville plutôt que dans son ate- artístico se torna ainda mais importante aos olhos da câmera: o fato
ter Painting (2011) s’attarde à lier ? Occupé à ses activités quo- de ser filmado o deixa desconfortável, o perturba. O impede de tra-
plusieurs reprises sur des temps tidiennes au lieu de trahir son balhar. Richter repete “isso não funciona.” Ele está desamparado. A
poïétiques durant lesquels l’œuvre anxiété sous l’œil de la caméra ? situação que ele vive é comparável ao constrangimento que o artista
à faire oppose une résistance aux On peut établir un parallèle encontra quando desafiado a explicar o que faz. Richter fala sobre
habitudes d’un artiste en pleine entre le sentiment constant de a contradição na qual ele se encontra entre trabalhar no atelier em
possession de ses moyens. Rich- l’échec que prétend éprouver segredo - ao abrigo dos olhares – e se expôr ao olhar de todos. Ele
ter explique ses difficultés pour Alberto Giacometti dans son se sente observado como observamos um paciente. Não deveríamos
deux raisons différentes et com- travail et la difficulté de trou- mostrar o artista andando na cidade, em vez de mostrá-lo em seu
plémentaires. Premièrement, il ver les mots dans ses différents estúdio? Ocupado com as suas atividades cotidianas ao invés de trair
rencontre un problème pratique, écrits, qu’il s’agisse de ses notes a sua ansiedade sob o olhar da câmera ?
lié au faire, précisément lié au d’ateliers, de ses discussions ou Pode-se traçar um paralelo entre a constante sensação de fra-
choix des couleurs et à leur éta- de textes sur d’autres artistes. casso que pretende experimentar Giacometti em seu trabalho e a
lement sur la toile (étalement Dans un article qu’il rédige sur dificuldade de encontrar palavras em seus vários escritos, seja suas
soumis au hasard tout en étant le sculpteur Henri Laurens, il ne notas de atelier, seus debates ou de textos sobre outros artistas. Em
contrôlé). Deuxièmement, ce pro- cache pas le désarroi dans lequel um texto que ele escreveu sobre o escultor Henri Laurens, ele não
blème matériel prend encore plus le plonge l’usage du langage : esconde a confusão que o uso da linguagem o faz mergulhar :
d’importance sous le regard de la
caméra : le fait de filmer le met « Une fois de plus aujourd’hui […], “Mais uma vez hoje [...] eu tento escrever este texto que me ocupa quase
mal à l’aise, le contrarie, pire, j’essaie d’écrire ce texte qui m’oc- exclusivamente há uma semana, mas cada vez a dificuldade de encontrar
l’empêche de travailler. Richter cupe presqu’exclusivement depuis palavras, construir frases, de alcançar um todo se torna maior. Ontem
répète que « ça ne marche pas ». une semaine, mais chaque fois la eu chorei interiormente de raiva diante da deficiência total dos meus
Il est désemparé. La situation qu’il difficulté de trouver les mots, de meios de expressão diante destas frases sem peso, que não dizem nada
vit est comparable à l’embarras construire des phrases, d’arriver à do que eu quero15.”
que l’artiste rencontre lorsqu’il un ensemble devient plus grande.
est mis en demeure d’expliquer Hier je sanglotais intérieurement A sequência em que Giacometti fala com Jean-Marie Drot é um
ce qu’il fait. Richter parle de la de rage devant la déficience totale documento valioso do artista no trabalho ao mesmo tempo próximo de
contradiction dans laquelle il se de mes moyens d’expression, devant um certo cômico. Está extraída do filme “Giacometti, um homem entre
os homens” que Jean-Marie Drot filmou pelo programa da televisão
14  RICHTER, Gerhard. (1993). Textes. Notes 1964 — 1965. Traduit de l’allemand par
C. Métais Bürhendt sous la direction de X. Douroux. Dijon: Les presses du réel, 1999. 15  GIACOMETTI, Alberto. (1945). Henri Laurens. Écrits. Paris: Herman; Savoir: sur
p. 32. l’art, 1997. p. 20.

22 Poéticas I Christophe Viart 23


ces phrases sans poids, sommaires faire. Une contradiction sous- francesa As horas quentes de Montparnasse no início dos anos 1960.
et ne disant pas du tout ce que je tend sa dialectique : il y a bien O artista que se presta voluntariamente a esta encenação divertida
veux15. » une volonté d’arriver à quelque felizmente não está enganado. Longe de esconder como dá a entender
chose mais dans le seul but d’en o diretor, a encenação oferece uma oportunidade ao mesmo tempo
La séquence durant laquelle finir. Le résultat se voit toujours de retomar um trabalho, deixado interrompido, e de discorrer sobre a
Giacometti répond aux questions différé et s’apparente plutôt à un impossibilidade de representar e de concluir uma obra. Seus inúmeros
de Jean-Marie Drot est un pré- essai dont la réussite est toujours textos foram escritos da mesma forma, como ele próprio realiza suas
cieux document sur l’artiste au incertaine. Pour Giacometti, il esculturas, triturando incansavelmente a argila que as compõem. Ele
travail tout en frisant un certain s’agit d’« essais ratés ». Tout se fala de “a mania do trabalho.” Seu discurso é baseado em um pensamento
comique. Elle est tirée du film passe comme si les mots de son enfraquecido da criação, onde o resultado é continuamente adiado em
« Giacometti, un homme parmi discours justifiaient sa conduite favor do trabalho que está sendo feito. Uma contradição subjaz a sua
les hommes » que Jean-Marie artistique lorsqu’il prétend qu’il dialética: há de fato uma vontade de chegar a alguma coisa, mas com o
Drot tourna pour l’émission de fait de la sculpture pour s’en único objetivo de acabar. O resultado é visto sempre diferido e é mais
la télévision française Les Heures débarrasser, pour faire autre como um teste cujo sucesso ainda é incerto. Para Giacometti, se trata
chaudes de Montparnasse au début chose. de “tentativas fracassadas”. Tudo se passa como se as palavras de seu
des années 1960. L’artiste qui se discurso justificassem sua conduta artística quando ele pretende que
prête de bon gré à cette mise II. Théorie et pratique fazer escultura para se livrar, para fazer outra coisa.
en scène drolatique n’est heu-
reusement pas dupe. Loin de se 1. La défiance de la critique II. Teoria e prática
cacher, comme le laisse entendre La défiance de la critique vis-à-vis
le réalisateur, la mise en scène lui des discours des artistes n’est pas 1. A desconfiança da crítica
donne l’occasion tout à la fois de nouvelle. Il est vrai qu’à l’exception A desconfiança da crítica em relação ao discurso de artistas não é
reprendre un travail abandonné, de certains auteurs, théoriciens, nova. É verdade que, exceto alguns autores, teóricos, historiadores
et de discourir sur l’impossibi- historiens ou philosophes, cette ou filósofos, essa desconfiança se junta às contradições em que os
lité de représenter et d’achever défiance rejoint les contradic- artistas às vezes se colocam com eles mesmos.
une œuvre. De la même manière, tions dans lesquelles les artistes se Por exemplo, o escultor Anish Kapoor afirma regularmente em
les nombreux textes de Giaco- mettent parfois avec eux-mêmes. entrevistas não ter nada a dizer. Uma coleção de suas entrevistas foi
metti ont été rédigés comme lui- Par exemple, le sculpteur Anish publicada na França em 2011 com o título “Não tenho nada a dizer”
même réalise ses sculptures en Kapoor prétend régulièrement (traduzido em inglês: I have nothing to say). Imagine que eu comece
triturant inlassablement l’ar- dans ses entretiens n’avoir rien a minha comunicação dizendo: “não tenho nada a dizer.” Eu cito
gile qui les compose. Il parle de à dire. Un recueil de ses propos a Kapoor, durante uma palestra na galeria Barbara Gladstone, em
« la manie du travail ». Son dis- été édité en France en 2011 avec le Nova York durante a instalação de sua exposição em 1998 :
cours repose sur une pensée affai- titre Je n’ai rien à dire (traduit éga-
blie de la création où le résultat lement en anglais : I have nothing “Eu começarei citando algumas coisas que são importantes para mim.
est continuellement reporté au to say). Comment imaginer que je Eu quero primeiro dizer que não tenho nada a dizer enquanto artista.
profit du travail en train de se commence ce texte en arguant que Este é um ponto essencial da minha abordagem: a expressão não faz
parte das minhas preocupações.16.”
15  GIACOMETTI, Alberto. (1945). Henri Laurens. Écrits. Paris: Herman; Savoir: sur
l’art, 1997. p. 20. 16  KAPOOR, Anish. (1998). Sonho na Barbara Gladstone Gallery. In: Não tenho nada a

24 Poéticas I Christophe Viart 25


je n’ai rien à dire ? Je cite Kapoor, m’intéresse pas tellement à ce que Kapoor também acredita que não é em última análise, o único
lors d’une conférence donnée à j’ai à dire […]. Peu importe ce que envolvido: “Eu não penso que, diz ele, os artistas tenham algo a di-
la Barbara Gladstone Gallery de j’ai envie d’exprimer ! Les autres ne zer17.” Finalmente, para sublinhar o quanto esta ideia lhe é querida,
New York durant le montage de le sauront jamais18. » ainda posso citar Kapoor quando ele repetiu ao diretor Heinz Peter
son exposition en 1998 : Schwerfel que fez um filme sobre ele, aceitando obviamente falar :
Dans d’autres cas, les artistes
« Je commencerai par évoquer cer- n’ont pas fait silence de leur “Costumo dizer que não tenho nada a dizer como um artista. Eu não
taines choses qui me sont impor- propre méfiance à l’égard des dis- me interessa tanto no que eu tenho a dizer [...]. Pouco importa o que eu
tantes. Je veux tout d’abord déclarer cours de leurs commentateurs. Les quero expressar! Os outros nunca irão saber18.”
que je n’ai rien à dire en tant qu’ar- « griefs » que publie Donald Judd
tiste. C’est un point essentiel de ma n’épargnent guère de professions Em outros casos, os artistas não fizeram silêncio de sua própria
démarche : l’expression ne fait pas pour s’en prendre autant aux cri- desconfiança a respeito dos discursos de seus comentaristas. As
partie de mes préoccupations16. » tiques d’art qu’aux conservateurs, “queixas” que publica Donald Judd não poupa profissionais incluindo
en passant par les enseignants, les os críticos de arte, os curadores, passando pelos professores, trans-
Kapoor estime en outre qu’il transporteurs d’œuvres ou les gar- portadores de obras ou guardas de museus. Em um artigo sobre arte
n’est finalement pas le seul diens de musées. Dans un article e arquitetura, ele insiste em “enfatizar a propósito, que enquanto
concerné et qu’à l’opposé d’un sur l’art et l’architecture, il insiste artista [ele] se beneficia de uma ligeira vantagem em relação ao
cas singulier il n’échappe pas à pour « souligner à-propos, qu’en processo de análise da criação artística.”. E segue assim :
un phénomène qui touche, à ses tant qu’artiste [il] bénéficie d’un
yeux, tous les artistes17. Enfin pour léger avantage en ce qui concerne “Um praticante sempre deixa um filósofo nervoso. Mas algumas gene-
souligner combien cette idée lui l’analyse du processus de création ralizações imprecisas transformam um filósofo em praticante, e esta
tient à cœur, on l’entendra Kapoor artistique. » Et de poursuivre : ligeira vantagem desaparece19.”
s’obstiner devant le réalisateur
Heinz Peter Schwerfel qui réalise « Un praticien rend toujours ner- Como Robert Smithson e Robert Morris, Donald Judd foi colaborador
un documentaire à son sujet, tout veux un philosophe. Mais quelques na revista Artforum. Ele fez de seus estudos em história da arte e filosofa
en acceptant bien sûr de lui parler : vagues généralisations transfor- (no Art Students League e University of Colombia). Como ele já atribuiu
ment un philosophe en praticien, grande atenção à conservação de seu trabalho criando a Fundação Chi-
« Je répète souvent que je n’ai rien et ce léger avantage disparaît19. » nati em Marfa, no Texas, ele foi também o editor da integralidade de
à dire en tant qu’artiste. Je ne seus escritos (1959 — 1986) publicados em dois volumes em 1975 e 1986.

16  KAPOOR, Anish. (1998). Rêverie à la Barbara Gladstone Gallery. In: Je n’ai rien à
dire. Entretiens. Traduit de l’anglais par C. Abramowitz-Moreau et al. Paris: Réunion dizer. Entrevistas. Traduzido do inglês por C. Abramowitz-Moreau et al. Paris: Reunião
des musées nationaux-Grand Palais, 2011. p. 60. dos museus nacionais-Grand Palais, 2011. p. 60.
17  C’est notamment dans un entretien avec William Furlong enregistré à Venise en 17  Anish Kapoor diz, numa entrevista com William Furlong gravada em Veneza em junho
juin 1990 qu’Anish Kapoor reprend : « Je ne pense pas que les artistes aient quoi que de 1990 : “Eu não acredito que os artistas tenham alguma coisa para dizer.” (Experiência.
ce soit à dire. ». (Expérience. In: Je n’ai rien à dire. Entretiens. Traduit de l’anglais par C. In: Não tenho nada a dizer. Entrevistas. Traduzido do inglês por C. Abramowitz-Moreau et
Abramowitz-Moreau et al. Paris: Réunion des musées nationaux-Grand Palais, 2011. al. Paris: Reunião dos museus nacionais-Grand Palais, 2011. p. 26).
p. 26). 18  KAPOOR, Anish. O mundo segundo Anish Kapoor. Entrevista realizada por Heinz Peter
18  KAPOOR, Anish. Le Monde selon Anish Kapoor. Entretien avec Heinz Peter Schwer- Schwerfel. Arte Éditions, 2011. DVD.
fel. Arte Éditions, 2011. DVD. 19  JUDD, Donald. (1983). De l’art et de l’architecture. Écrits 1963 — 1990. Traduit de
19  JUDD, Donald. (1983). De l’art et de l’architecture. Écrits 1963 — 1990. Traduit l’anglais par A. Perez. Paris: Daniel Lelong, 1991. p. 87.

26 Poéticas I Christophe Viart 27


Comme Robert Smithson et « le monde de l’art comme sys- Na história deste antigo debate entre os praticantes e seus co-
Robert Morris, Donald Judd a lui- tème » (« Network : the Artwork mentaristas, uma lendária história merece ser contada. Foi devido
même été contributeur dans le described as a System ») publié a Pline, o Velho, que foca na História Natural de amizade entre o
magazine Artforum. Il a fait des dans Artforum en septembre 1972 pintor Apelle e seu mecenas Alexandre, o Grande. Assim, quando,
études d’histoire de l’art et de phi- qu’il donne sont point de vue no atelier, o príncipe fazia longas dissertações sem saber nada sobre
losophie à l’Art Students League sur les déclarations des artistes. arte, Apelle gentilmente aconselhava-o a se calar, dizendo que ele
et à l’University of Colombia. C’est Alloway observe que c’est autant à fazia rir os meninos que trituravam as cores.
avec un soin aussi jaloux que celui leur propos qu’à leurs œuvres que Agora farei uso dos argumentos do crítico Lawrence Alloway para
qu’il a prêté à la conservation de les artistes doivent leur notoriété considerar as razões que permitem aos críticos de arte manterem
son œuvre en créant la fondation publique. Il prend l’exemple des sob suspeita as palavras dos artistas. Em um artigo sobre “o mundo
Chinati à Marfa, dans le Texas, artistes de l’École de New York ; da arte como um sistema”, “Rede: a Obra Descrita como um Sistema”
qu’il a veillé à l’édition de l’inté- mais s’il reconnaît la validité de (Artforum, set. 1972), ele dá sua opinião sobre as declarações dos
gralité de ses écrits – produits leurs déclarations, il désapprouve artistas. Alloway observou que é tanto sobre suas afirmações quanto
entre 1959 et 1986 –, publiés en leur pertinence au niveau de la suas obras que os artistas devem sua reputação e reconhecimento
deux volumes en 1975 et 1986. critique. Il ne peut pas s’oppo- social. Ele toma o exemplo dos artistas da Escola de Nova Iorque
Dans l’histoire de ce vieux ser aux propos des artistes dans (os expressionistas abstratos). Apesar de reconhecer a validade das
débat entre les praticiens et leurs la mesure où ils fournissent des afirmações dos artistas, ele desaprova a sua relevância em termos de
commentateurs, une anecdote témoignages de première main crítica. Ele não pode se opor às declarações dos artistas, na medida
légendaire mérite d’être racon- subordonnés à la genèse des em que elas fornecem depoimentos em primeira mão subordinados
tée. On l’a doit à Pline l’Ancien œuvres elles-mêmes. Mais il les à gênese das próprias obras. Mas ele as condena porque elas neutra-
qui s’attarde dans son Histoire condamne parce qu’ils contre- lizam o crítica, questionando a sua função. Elas reduzem, segundo
naturelle sur l’amitié qui unis- carrent la critique en mettant en ele, a interpretação das práticas a clichês que os artistas repetem em
sait le peintre Apelle et son cause sa fonction. Ils réduisent, primeira pessoa, por preguiça e vaidade, como as famosas fórmulas
mécène Alexandre le Grand. selon lui, l’interprétation des pra- de Jackson Pollock, confiante de que ele não tem consciência do que
Ainsi, lorsque, dans l’atelier, le tiques à des clichés que les artistes ele faz quando ele esta dentro de seu quadro, ou de Andy Warhol
prince faisait de longues disser- se contentent de répéter à la pre- comparando-se a uma máquina.
tations sans rien connaître à l’art, mière personne, par paresse et
Apelle lui conseillait gentiment vantardise, comme les fameuses 2. Educação pelas palavras
de se taire, en disant qu’il prêtait formules de Jackson Pollock Paralelamente à atenção dada à figura social e midiática do artista
à rire aux garçons qui broyaient confiant qu’il n’est pas conscient (Warhol, Dubuffet, Beuys...) no século 20, em conexão com o boom da
les couleurs. de ce qu’il fait lorsqu’il est dans mídia após a segunda Guerra mundial, outras razões podem explicar
Je me servirai des arguments son tableau ou d’Andy Warhol se a importância dos escritos dos artistas em relação à suas práticas e
du critique Lawrence Alloway comparant à une machine. ideias sobre a arte. Podemos analisar o impulso desses escritos com
pour considérer les raisons qui o historiador e crítico de arte Harold Rosenberg em que ele denuncia
permettent aux critiques d’art de 2. L’éducation par les mots ser o caráter educativo da arte moderna.
tenir en suspicion les paroles des Parallèlement au succès du rôle A reação de Rosenberg diz respeito ao fato de que a arte se torne
artistes. C’est dans un article sur social et médiatique de l’artiste educativa e que os artistas endossem sua mediação com o público.
A mudança indicada por Rosenberg força, por conseguinte, a crí-
de l’anglais par A. Perez. Paris: Daniel Lelong, 1991. p. 87. tica a repensar sua função. Um capítulo de seu livro importante A

28 Poéticas I Christophe Viart 29


qu’ont pu incarner au xxe siècle des « Comme [le peintre américain] De-definição da arte [The Definition of Art, 1972] fala a respeito da
figures aussi différentes que celles Adolph Gottlieb l’a fait observer, formação dos artistas contemporâneos. Para Rosenberg, a formação
d’Andy Warhol, Jean Dubuffet, dès lors qu’un artiste possède une na universidade para os artistas influencia suas atitudes em relação
Joseph Beuys ou aujourd’hui Jeff idée, il découvrira le moyen de à arte, ideias e o modo de fazer (como, por exemplo, a utilização dos
Koons, d’autres motifs peuvent l’exécuter20. » materiais). Ao contrário do atelier, em uma sala de aula, a verbali-
expliquer l’importance des dis- zação se faz às custas da fabricação: trata-se de “conscientemente
cours des artistes au regard de Dans un autre texte intitulé formular o que fazemos e sermos capazes de explicá-lo aos outros.”.
leurs pratiques et de leurs œuvres. « L’art et les mots » de son livre,
On peut analyser l’impulsion de Harold Rosenberg voit dans les “Como [o pintor americano] Adolph Gottlieb observou, uma vez que um
ces discours avec l’historien et cri- œuvres d’art d’aujourd’hui une artista tem uma idéia, ele encontra uma maneira de executá-la20.”
tique d’art Harold Rosenberg dans sorte de centaure qui serait fait
ce qu’il dénonce être le caractère pour une moitié de matériaux et Em outro texto, intitulado “A arte e as palavras” de seu livro, Ha-
pédagogique de l’art moderne. pour une autre moitié de mots. rold Rosenberg vê a arte de hoje como uma espécie de centauro que
La réaction de Rosenberg porte Ces derniers auraient un pouvoir seria feito metade de materiais e metade de palavras. Estes últimos
sur le fait que l’art devienne édu- performatif de transformer n’im- teriam o poder performativo de transformar qualquer material em
catif et que les artistes assument porte quel matériau en objet d’art. objeto de arte. Na medida em que qualquer coisa pode se tornar uma
sa médiation auprès du public. Dans la mesure où n’importe quoi obra de arte, a linguagem substitui o olho agora incapaz de distin-
Le changement qu’il signale peut devenir une œuvre, le lan- guir entre objetos que são arte e aqueles que não são. “Na arte, ele
contraint par conséquent la cri- gage se substitue à l’œil incapable disse em conclusão, as idéias são materializadas, e os materiais são
tique à repenser sa fonction. Un aujourd’hui de faire la différence tratados como se fossem significados21.”
chapitre de son livre, La Dé-défini- entre des objets qui sont de l’art Nos exemplos que ele dá como a Land Art, sublinha a importância
tion de l’art, porte sur la formation et ceux qui ne le sont pas. « En da documentação para permitir que as obras encontrem legitimi-
des artistes contemporains. Pour art, dit-il en conclusion, les idées dade aos olhos de público. Enquanto Rosenberg critica esta forma
Rosenberg, une formation donnée sont matérialisées, et les maté- de produzir “uma coexistência entre uma imagem e linguagem” é
à l’université pour les artistes ne riaux sont manipulés comme s’ils interessante notar que ele reconhece que este é “um desenvolvimento
peut qu’influer sur leur attitude à étaient des significations21. » ao extremo da idéia da Action painting” onde a pintura é vista como
l’égard de l’art, de leurs idées et de Dans les exemples qu’il donne, um gravação do processo criativo do artista. As imagens que Hans
leur manière de faire, comme, par comme celui du Land Art, il sou- Namuth realizou fotografando Jackson Pollock desempenha um
exemple, leur usage des matériaux. ligne l’importance que prend la papel análogo à função documental que cumprem as palavras diante
Contrairement à l’atelier, dans une documentation pour permettre da arte ou do desempenho da arte conceitual. Este é o objetivo que,
salle de classe, la verbalisation se aux œuvres de trouver une légi- defende paradoxalmente os textos de Allan Kaprow reunidos em
fait aux dépens de la fabrication : il timité aux yeux du public. Alors seu livro Arte e Vida confundidas [Essays on The Blurring of Art and
s’agit « de formuler consciemment que Rosenberg critique cette Life]. Para passar um outro exemplo, a natureza experimental que
ce que l’on fait et d’être capable de façon de produire « une coexis- desenvolve Helio Oiticica através de seus escritos, eventualmente,
l’expliquer à autrui ». tence entre image et langage », il acaba confundindo-se com seus objetos e ações. No caso de como

20  ROSENBERG, Harold. (1972). La Dé-définition de l’art. Traduit de l’anglais par C. 20  ROSENBERG, Harold. (1972). A De-definição da arte. Traduzido do inglês por C. Bounay
Bounay Nîmes, Jacqueline Chambon. Rayon Art, 1992. p. 49. Nîmes, Jacqueline Chambon. Rayon Art, 1992. p. 49.
21 Ibid., p. 70. 21  Ibid., p. 70.

30 Poéticas I Christophe Viart 31


n’est pas anodin de relever qu’il travail. Je peux tout leur expliquer um artista conceitual Douglas Huebler, “a consciência da obra é
signale qu’il s’agit d’« un déve- moi-même22. » dependente de um sistema de documentação.”
loppement à l’extrême de l’idée
de l’Action painting » où la pein- III. Le langage de l’art “O que eu digo faz parte do meu trabalho artístico. Eu não preciso pedir
ture se donne à voir comme un À côté de certains esthéticiens, os críticos para dizerem esta ou aquela coisa sobre o meu trabalho. Eu
enregistrement du processus Gilles Deleuze est l’un des rares posso explicar tudo sozinho.22.”
créatif de l’artiste. Les images philosophes a avoir prêté une
que Hans Namuth a réalisées en fonction théorique aux paroles III. A linguagem da arte
montrant Jackson Pollock en train des artistes. Comment ne pas son- Ao lado de alguns estéticos, Gilles Deleuze é um dos poucos filósofos
de laisser couler sa peinture sur ger au titre emblématique qu’il que prestou atenção teórica nas falas dos artistas. Eu o cito em um
des toiles étendues au sol jouent donne à un texte de 1981, « La texto de título emblemático que ele escreveu em 1981: “A pintura
un rôle analogue à la fonction peinture enflamme l’écriture » ? infama a escrita” ?
documentaire que remplissent
les mots vis-à-vis de l’art de la « En général, quand les artistes “Em geral, quando os artistas falam sobre o que eles fazem, eles têm uma
performance ou de l’art concep- parlent de ce qu’ils font, ils ont modéstia extraordinária, um rigor sobre si mesmo, e uma grande força.
tuel. C’est l’objectif que défendent une modestie extraordinaire, une Eles são os primeiros a sugerir muito forte a natureza dos conceitos que
paradoxalement les écrits d’Al- sévérité sur eux-mêmes, et une emergem de seu trabalho. Os textos de um pintor agem de uma maneira
lan Kaprow réunis dans son livre grande force. Ils sont les premiers diferente do que seus quadros23.”
L’Art et la Vie confondus. Pour don- à suggérer très fort la nature des
ner un autre exemple, le caractère concepts qui se dégagent de leur Isto é particularmente evidente no trabalho que ele escreveu
expérimental que développe Helio œuvre. Les textes d’un peintre agis- em 1981 sobre o pintor Francis Bacon com seu livro Francis Bacon.
Oiticica au fil de ses écrits finit sent donc d’une autre manière que Lógica da Sensação. Eu não posso aqui me prender a ele, mas é um
par se confondre avec ses objets ses tableaux23. » exemplo interessante porque Bacon encontrou vários interlocutores
et avec ses actions. Dans le cas que souberam escutá-lo e produzir com suas declarações um pensa-
d’un artiste conceptuel comme Cela est particulièrement mento teórico muito além da anedota. O mais conhecido dos seus
Douglas Huebler, « la conscience visible dans le livre qu’il a écrit en interlocutores é David Sylvester com o qual ele retorna regularmente
de l’œuvre est tributaire d’un sys- 1981 sur le peintre Francis Bacon, sobre o tema obsessivo da impossibilidade de fazer pintura tanto
tème de documentation. » Francis Bacon. Logique de la sensa- quanto falar. “É por isso que é fascinante24”, a seus ver.
tion. Le cas de Bacon est intéres- Para Gilles Deleuze, a fala dos artistas não é secundária com
« Ce que je dis fait partie de mon sant parce que, faute d’avoir écrit à relação a suas produções. Melhor, ao falar tornam-se, segundo ele,
travail artistique. Je n’ai pas besoin la première personne, cet artiste a filósofos ou teóricos. Em seu livro sobre cinema, A Imagem-tempo,
de demander aux critiques de dire trouvé plusieurs interlocuteurs qui Deleuze escreve:
telle ou telle autre chose sur mon ont su l’écouter et produire avec ses
22  HUEBLER, Douglas. (1969). Thinkworks. Dans Douglas Huebler. “Variable”, etc. Traduit
de l’anglais par G. Minelli. Catalogue d’exposition. Limoges: FRAC Limousin, 1993. p. 169.
22  HUEBLER, Douglas. (1969). Thinkworks. Dans Douglas Huebler. “Variable”, etc. 23  DELEUZE, Gilles. (1981). A pintura inflama a escrita. Dois regimes de malucos. Paris:
Traduit de l’anglais par G. Minelli. Catalogue d’exposition. Limoges: FRAC Limousin, Minuit; Paradoxe, 2003. p. 170.
1993. p. 169. 24  BACON, Francis apud VANEL, Hervé. Prefácio. In: Entrevistas. Paris: Carré; Arts @
23  DELEUZE, Gilles. (1981). La peinture enflamme l’écriture. Deux régimes de fous. estétique, 1996. p. 12. Ver também: SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon.
Paris: Minuit; Paradoxe, 2003. p. 170. Traduzido do inglês por M. Leiris et al. Paris: Skira, 1996. p. 106.

32 Poéticas I Christophe Viart 33


déclarations une pensée discursive la Renaissance, Albrecht Dürer “Os grandes autores de cinema são como os grandes pintores ou grandes
qui dépasse largement l’anecdote. était presqu’aussi célèbre comme músicos: são eles que falam melhor sobre o que eles fazem. Mas, falando,
Le plus connu de ces interlocuteurs écrivain que comme peintre. Et, eles se tornam outra coisa, eles se tornam filósofos ou teóricos, até mes-
est David Sylvester avec lequel il de manière dogmatique, l’histo- mo [Howard] Hawks que não queria teoria, mesmo [Jean-Luc] Godard
revient régulièrement sur le thème rien d’art Erwin Panofsky estime quando ele finge desprezá-los25.”
obsessionnel de l’impossibilité de que Léonard de Vinci est plus phi-
faire de la peinture autant que d’en losophe qu’artiste26. À l’inverse, A ideia de dar ao artista o título de teórico ou filósofo não é, con-
parler. « C’est pourquoi c’est fasci- c’est en revendiquant la possi- tudo, nova na história da arte. No Renascimento, Albrecht Dürer foi
nant24 », à ses yeux. bilité d’endosser plusieurs rôles tão famoso como escritor quanto como pintor. E de maneira dogmá-
Pour Gilles Deleuze, la parole qu’au tournant postmoderne des tica, o historiador de arte Erwin Panofsky estima que Leonardo da
des artistes n’est pas secondaire années 1970 des artistes aspirent Vinci é mais filósofo do que artista26. A contrário, ao reivindicar a
par rapport à leurs produc- à échapper à ces catégories disci- possibilidade de assumir vários papéis que na virada post-moderna
tions. Mieux, en s’exprimant ils plinaires. Pour présenter le projet nos anos 1970, artistas tentam escapar essas categorias disciplina-
deviennent, selon lui, des philo- de Jeff Wall, on pourrait évoquer res. Para apresentar a abordagem de Jeff Wall, pode-se mencionar
sophes ou des théoriciens Dans le portrait qu’il fait d’un autre o retrato que ele fez de outro artista, Dan Graham, em um texto
son livre consacré au cinéma, artiste, Dan Graham, dans un revelador de suas próprias preocupações. O título do texto: “Uma
L’Image-temps, Deleuze écrit : texte révélateur de ses propres escrita em espelho parcialmente reflexiva” (“Partially Reflexive Mirror
préoccupations. Le titre de son Writting”) é significativo ao ler as primeiras linhas que enumeram
« Les grands auteurs de cinéma texte « Partially Reflexive Mir- as diferentes atividades do seu alter ego :
sont comme les grands peintres ror Writting » est significatif au
ou les grands musiciens : c’est eux regard des premières lignes qui “Dan Graham é, ou foi um escultor e fotógrafo, um ensaísta e um homem
qui parlent le mieux de ce qu’ils énumèrent les différentes acti- de performance, um arquiteto, um curador, um proprietário de galeria,
font. Mais, en parlant, ils devien- vités de son alter ego : um professor e um arquivista. No início dos anos sessenta, ele veio para
nent autre chose, ils deviennent « Dan Graham est ou a été un as artes visuais a partir de um interesse pela escrita, e como sabemos
philosophes ou théoriciens, même sculpteur et un photographe, un perfeitamente, ele encontrou um grupo de jovens artistas que também
[Howard] Hawks qui ne voulait pas essayiste et un homme de perfor- estavam envolvidos na fabricação de novas relações entre a palavra e a
de théorie, même [Jean-Luc] Godard mance, un architecte, un commis- coisa : Sol LeWitt, Lawrence Weiner, Robert Smithson, entre outros27.”
quand il feint de les mépriser25. » saire d’exposition, un galeriste, un
enseignant et un archiviste. Au De forma análoga, a abordagem de Jeff Wall é baseada na coexis-
L’idée de conférer à l’artiste début des années soixante, il en tência das imagens e da linguagem que conduzem a sua atividade
le titre de théoricien ou de phi- venu aux arts visuels à partir d’un artística paralelamente às funções de ensino universitário e das
losophe n’est cependant pas intérêt pour l’écriture, et comme on preocupações teóricas e críticas. Jeff Wall é o primeiro comentarista
neuve dans l’histoire de l’art. À le sait parfaitement, il a rencontré de seu trabalho. As afirmações de Jeff Wall sobre a sua metodologia

24  BACON, Francis cité par VANEL, Hervé. Préface. In: Entretiens. Paris: Carré; Arts @ 25  DELEUZE, Gilles. A Imagem-tempo. Paris: Minuit, 1985. p. 366.
estétique, 1996. p. 12; Voir également SYLVESTER, David. Entretiens avec Francis Bacon. 26  PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Traduzido do inglês sob a
Traduit de l’anglais par M. Leiris et al. Paris: Skira, 1996. p. 106. direção de G. Ballangé. Paris: Minuit. p. 203.
25  DELEUZE, Gilles. L’Image-temps. Paris: Minuit, 1985. p. 366. 27  WALL, Jeff. Uma escrita em espelho parcialmente reflexiva. In: Ensaios e Entrevistas,
26  PANOFSKY, Erwin. La Perspective comme forme symbolique. Traduit de l’anglais sous 1984 — 2001. Traduzido do inglês por T. Dubois et al. Paris: École nationale supérieure
la direction de G. Ballangé. Paris: Minuit. p. 203. des beaux-arts; Escritos de artistas, 2001. p. 329.

34 Poéticas I Christophe Viart 35


un groupe de jeunes artistes qui se On peut étendre le principe seguem o conceito de dialogismo formulada pelo teórico russo Mi-
trouvaient également impliqués dialogique, que Bakhtine applique khail Bakhtin do século XX que inspirou nos anos 1960 os trabalhos
dans la fabrication de nouvelles au roman, aux œuvres plastiques sobre a intertextualidade. Para a semióloga Julia Kristeva, que retoma
relations entre le mot et l’image, le comme à toute création. Nul mot a ideia de dialogismo Bakhtin :
mot et la chose : Sol LeWitt, Law- n’appartient par conséquent en
rence Weiner, Robert Smithson, propre à un auteur, mais prend au “Todo o texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção
entre autres27. » contraire sa signification en fonc- e transformação de outro texto.28.”
C’est de manière analogue que tion des usages multiples qu’on en
la démarche de Jeff Wall repose fait. Aucun mot n’est à proprement Pode-se estender o princípio dialógico, que Bakhtin aplica ao ro-
sur la coexistence des images et parler inédit ; il a déjà été utilisé mance, às obras plásticas como em qualquer criação. Para Bakhtin, a
du langage en menant son acti- par d’autres avant qu’on en fasse palavra não pertence exclusivamente a um autor, mas sim adquire seu
vité artistique parallèlement à des un nouvel usage. Comme la parole, significado com base em múltiplas utilizações feitas da mesma. Ne-
fonctions d’enseignement uni- chez Montaigne, qui « est moitié à nhuma palavra propriamente dita é inédita, ela já foi usada por outros
versitaire et des préoccupations celui qui parle, moitié à celui qui antes de fazermos um novo uso. Tal como a palavra em Montaigne, que
théoriques et critiques. Tels qu’ils l’écoute29 », toute création traduit é “metade a quem fala, metade a quem escuta29”, toda criação reflete
se rapportent à l’œuvre d’autres un sujet interrelationnel. Elle est um assunto inter-relacional. Ela é plural, se situa na junção de outras
artistes ou à sa propre démarche, plurielle, elle se situe à la jonction obras, como citação e comentário. Neste sentido ela é dialógica.
ses propos exemplifient le concept d’autres œuvres, à la fois comme
de dialogisme formulé par le théo- citation et comme commentaire. O ensaio como experiência
ricien russe Mikhaïl Bakhtine qui Elle est en ce sens dialogique. Ao escrever ensaios, Montaigne se propunha ao mesmo tempo em
a inspiré les travaux sur l’inter- experimentar e compartilhar uma experiência. Não somente ele
textualité. Pour la sémioticienne L’essai comme expérience se colocava em cena como se dirigia ao outro como se lhe falasse
Julia Kristeva, qui reprend l’idée En écrivant des essais, Montaigne diretamente. O papel do ensaísta é de ensaiar para conhecer e para
de dialogisme de Bakhtine : se propose à la fois d’expérimenter melhor se conhecer a si próprio. Como para os artistas, ao recorrer
et de partager une expérience. Non às palavras da linguagem que nós juntos compartilhamos, trata-se
« Tout texte se construit comme seulement il se met en scène, mais de fazer uma outra coisa. Além de Montaigne, vários outros autores
mosaïque de citations, tout texte il s’adresse à son lecteur comme se interessaram à forma do ensaio. O escritor Robert Musil, autor
est absorption et transformation s’il lui parlait directement. La de O Homem sem qualidade (um livro inacabado que ocupou toda
d’un autre texte28. » tâche de l’essayiste est d’essayer sua vida), se pergunta se o ensaio é qualquer coisa que supõe o re-
pour connaître et pour mieux se laxamento de um domínio onde o trabalho exato é possível, ou, se,
ao contrário, o ensaio não é o máximo de um rigor num domínio
onde não podemos justamente trabalhar com exatidão30. No texto “o
27  « Une écriture en miroir partiellement réflexive » (WALL, Jeff. Uma escrita em espelho
parcialmente reflexiva. In: Essais et Entretiens, 1984 — 2001. Traduit de l’anglais par T. Du-
bois et al. Paris: École nationale supérieure des beaux-arts, Écrits d’artistes, 2001. p. 329). 28  KRISTEVA, Julia. (1969). A palavra, o diálogo, o romance. In: Sémiotikè. Pesquisas para
28  KRISTEVA, Julia. (1969). Le mot, le dialogue, le roman. In: Sémiotikè. Recherches uma semanálise. Paris: Seuil; Points, 1978. p. 85. O texto de Kristeva foi escrito, como
pour une sémanalyse. Paris: Seuil; Points, 1978. p. 85. Le texte de Kristeva a été écrit, ela indica numa nota de cabeçalho, a partir dos livros de Mikhail Bakhtine: A Poética de
comme elle l’indique en note en bas de page, à partir des livres de Mikhail Bakhtine, La Dostoïevski (1963) e A Obra de François Rabelais (1965).
Poétique de Dostoïevski [1963] et L’Œuvre de François Rabelais (1965). 29  MONTAIGNE, M. E. Ensaios. Paris: Gallimard; Folio, 1989. Terceiro livro, cap. xiii
29  MONTAIGNE, M. E. Essais. Paris: Gallimard; Folio, 1989. Livre troisième, chapitre (Da experiência). p. 381.
xiii (De l’expérience). p. 381. 30  Ver MUSIL, Robert. Do ensaio. In: Os Ensaios. Traduzido do alemão por P. Jaccottet.

36 Poéticas I Christophe Viart 37


connaître. Comme pour les artistes, « méthodiquement non métho- ensaio como forma, o filósofo Theodor Adorno propõe de conceber o
en recourant aux mots du langage dique ». De façon semblable à l’ap- ensaio como uma forma aberta. Para ele, o ensaio se opõe “às regras
que nous partageons ensemble, il prentissage d’une langue sur place, ortodoxas do pensamento31”. O ensaio rejeita as regras do método
s’agit de faire autre chose. il s’expose à tout moment à l’erreur. cartesiano. Ele se desafia dos hábitos da lógica discursiva. Ele se
Outre Montaigne, plusieurs Le prix de son affinité avec l’expé- apresenta como incompleto, fragmentado, longe do fantasma da
auteurs se sont intéressés à la rience intellectuelle ouverte, c’est totalidade e do controle de qualquer coisa. Como as palavras para
forme de l’essai. L’écrivain Robert l’absence de certitude os artistas, o método do ensaio se opõe às regras convencionais do
Musil, l’auteur de L’Homme sans Un artiste ne dit peut-être método. Para Adorno, o ensaio é “ metodicamente não metódico”.
qualité (un livre inachevé qui l’a pas des choses nouvelles, mais il Como o aprendizado de uma língua no seu local, o ensaio como
occupé pendant toute sa vie), dit autrement les choses pour les forma, se expõe ao erro. O preço de sua afinidade com a experiência
s’est par exemple demandé si l’es- faire voir différemment. Il s’agit intelectual aberta, é a ausência da certeza.
sai peut s’accommoder d’un cer- pour lui d’opérer en imbriquant Um artista não diz talvez de coisas novas, inéditas, mas ele diz de
tain détachement vis-à-vis du des concepts comme une œuvre outro modo para se fazer ver as coisas de maneira diferente. Trata-se
souci constant de l’exactitude ou est faite d’éléments imbriqués les para ele operar imbricando conceitos como uma obra está feita de
si, au contraire, l’essai n’exige pas uns dans les autres, à l’instar d’une elementos imbricados uns nos outros, como numa ficção feita não
la plus grande rigueur vis-à-vis fiction faite non pas de mensonges de mentiras mas construída a partir de fatos reais. É um trabalho
d’un manque préoccupant d’exac- mais construite à partir de faits. de montagem, onde se trata tanto de montar como desmontar. O
titude30. Dans le texte qu’il a écrit C’est un travail d’assemblage où ensaio é para o artista uma teoria feita de prática, tanto quanto
sur « l’essai comme forme », le phi- il s’agit autant de monter que de sua prática é feita em toda liberdade de teoria. Para o artista como
losophe Theodor Adorno propose démonter. L’essai est pour l’ar- para seu leitor ou seu auditor, a experiência de onde as palavras sa-
de concevoir l’essai comme une tiste une théorie faite de pratique, íram constitua uma nova experiência. A linguagem do artista é tão
forme ouverte. Pour lui, l’essai s’op- autant que sa pratique est faite en plástica quantos os materiais que ele se utiliza para fazer a obra. O
pose « aux règles orthodoxes de la toute liberté de théorie. Pour lui, saber que ele mobiliza não está somente investido nas teorias, ele
pensée31 ». L’essai rejette les règles comme pour son lecteur ou son está nas práticas bem como ele fabrique ficções, divida histórias ou
de la méthode cartésienne. Il se auditeur, l’expérience dont les mots alimente discussões.
défie des habitudes de la logique sont issus constitue une nouvelle
discursive. Il se présente comme expérience. Son langage n’est pas
incomplet, fragmentaire, à l’en- moins plastique que les matériaux
contre du phantasme de la totalité dont il use pour faire œuvre. Le
et de la maîtrise de toute chose. savoir qu’il mobilise n’est pas seu-
Comme pour les mots des artistes, lement investi dans des théories,
la méthode de l’essai se heurte il l’est dans les pratiques de même
aux règles conventionnelles de la qu’il fabrique des fictions, partage
méthode. Pour Adorno, l’essai est des idées et invite au dialogue.

30  Voir MUSIL, Robert.  De l’essai. In: Les Essais. Traduit de l’allemand par P. Jaccottet.
Paris: Seuil, 1984. p. 334. Paris: Seuil, 1984. p. 334
31  ADORNO, Theodor. L’essai comme forme (1954 — 1958). In: Notes sur la littérature. 31  ADORNO, Theodor. O ensaio como forma (1954 — 1958). In: Notas sobre a literatura.
Traduit de l’allemand par S. Muller. Paris: Flammarion; Champs essais, 1999. p. 29. Traduzido do alemão por S. Muller. Paris: Flammarion; Champs essais, 1999. p. 29.

38 Poéticas I Christophe Viart 39


IRACEMA BARB OSA

Écrits & Dits : Escritos & ditos:


À propos du début de cette recherche sobre o início desta pesquisa
IRACEMA BARBOSA IRACEMA BARBOSA

Selon toutes les apparences, l’artiste agit à la façon d’un être De acordo com todas as aparências, o artista age como um ser
médiumnique qui, du labyrinthe par-delà le temps et l’espace, cherche mediúnico que, num labirinto além do espaço e do tempo, procura seu
son chemin vers une clairière.1 caminho na direção de uma clareira.1

Je voudrais commencer en propo- descriptifs, de remise en ques- Gostaria de começar propondo quatro perguntas que me interessam
sant quatre questions qui m’in- tion, ou apparemment absurdes particularmente: qual seria, na condição de artistas, nosso objetivo
téressent particulièrement : en et que pour diverses raisons sont ao falar do próprio trabalho? Como podemos falar dos diferentes
tant qu’artistes, quel serait notre souvent « inconfortables », tant aspectos que construíram nosso trabalho sem cair numa explicação
objectif lorsque que nous par- pour l’artiste lui-même, à parler ingênua daquilo que fizemos? De que modo um texto escrito pelo
lons de notre propre travail ? d’une expérience dans laquelle artista se vincula ao seu processo criativo ? Ou seria tal texto uma
Comment pouvons-nous par- il se voit plongé, mais qui ne contribuição de outra ordem, totalmente distinta da experiência
ler des différents aspects qui contrôle pas, tant pour ceux qui do ateliê?
ont construit notre travail sans les lisent, par la différence avec O texto do artista articula diferentes níveis de discurso, que de
tomber sur une explication naïve d’autres écrits déjà tellement fato surgem depois que o trabalho já foi realizado. Textos talvez
de ce que nous avons fait ? De établis. descritivos, questionadores, ou aparentemente absurdos, que por
quelle manière un texte écrit par Enraciné dans la pratique, tel várias razões são muitas vezes “desconfortáveis”, tanto para o próprio
l’artiste est lié à son processus discours peut être plus descrip- artista, ao falar sobre uma experiência na qual se vê mergulhado,
créatif ? Ou un tel texte serait- tif, reliant les matériaux et res- mas que não controla, quanto para quem os lê, pela diferença com
t-il une contribution d’un autre sources utilisés à des notions et outros escritos já tão estabelecidos.
ordre, tout à fait distincte de l’ex- sentiments qui ont conduit l’ar- Enraizado na prática, tal discurso pode ser mais descritivo, vin-
périence d’atelier ? tiste à donner une forme visuelle culando os materiais e recursos utilizados às noções e sensações
Le texte de l’artiste articule déterminée, en fonction de sa que moveram o artista a dar uma determinada forma visual, de
différents niveaux de discours, perception spécifique. Quand il acordo com sua percepção específica. Tratando-se de um trabalho
que en fait surgissent après la s’agit d’un travail réalisé sans realizado sem finalidade funcional, que, como numa aventura, segue
réalisation du travail. Textes finalité fonctionnelle, qui, comme percursos desconhecidos, o discurso que dele se origina pode parecer

1  DUCHAMP, Marcel. Duchamp du signe suivi de Notes. Paris: Flammarion, 2008. p. 179. 1  DUCHAMP, Marcel. Duchamp du signe suivi de Notes. Paris: Flammarion, 2008. p. 179.

40 Poéticas I Iracema Barbosa 41


dans une aventure, suit des par- moment de mettre l’œuvre dans desconexo ao associar noções pertencentes a diferentes domínios
cours inconnus, le discours à son le monde - c’est que nous avons de conhecimento, que aprendemos a separar desde cedo na escola.
origine peut sembler sans lien commencé cette recherche de Como o texto é fundamentado na obra - algo que já está terminado e
en associant des notions appar- laboratoire du groupe Écrits & que tem sua fala própria - ao expor relações estabelecidas com outras
tenant à différents domaines Dits2. técnicas, com outras poéticas, inevitavelmente propõe articulações
de la connaissance, dont nous En revanche, les questions que teórico-conceituais mais amplas e, à primeira vista, confusas em
apprenons à séparer depuis tôt à le groupe propose aborder à pré- relação aos discursos da história e teoria da arte. Além disso, fre-
l’école. Comme le texte est fondé sent ont surgit de la recherche quentemente o artista se interroga sobre o lugar de sua produção no
sur l’œuvre - quelque chose déjà menée sur les poétiques de la répé- mundo fora do ateliê, assunto que ainda hoje pertence ao domínio
accomplie et que possède son tition, pendant l’élaboration de dos curadores e do mercado de arte.
propre discours - en exposant des la thèse de doctorat3, lorsque le Motivados por esta interessante estranheza do discurso do artis-
relations établies avec d’autres besoin d’une réflexion sur la place ta, que trata dos diferentes momentos de sua experiência durante
techniques, avec d’autres poé- de la parole de l’artiste en rap- a realização de seu trabalho – desde a concepção até o momento de
tiques, proposent inévitablement port avec sa propre pratique se colocar a obra no mundo – foi que começamos esta pesquisa labo-
des articulations théoriques et faisait sentir. ratorial do grupo Escritos & Ditos2.
conceptuelles plus larges et, au Pendant la rédaction de la Porém, de fato, as questões que o grupo se propõe a abordar hoje
premier abord, confuses par thèse, cette articulation entre surgiram na pesquisa realizada sobre poéticas da repetição, durante
rapport aux discours d’histoire la pratique d’atelier et le texte a a redação da tese de doutorado3, quando surgiu a necessidade de
et théorie de l’art. Or cela, l’ar- pris une place importante dans uma reflexão sobre o lugar da fala do artista em relação a sua pró-
tiste s’interroge fréquemment de longues conversations avec pria prática.
sur le lieu de sa production dans Christophe Viart, qui était mon Durante a escrita da tese, esta articulação entre a prática de
le monde en dehors de l’atelier, directeur de thèse, et travaille ateliê e o texto tomou um lugar relevante nas longas conversas com
un sujet qui appartient encore avec des écrits d’artistes depuis Christophe Viart, que foi meu orientador de tese, e que trabalha com
aujourd’hui domaine des com- quelques années, à la tête du escritos de artistas já há alguns anos, no grupo que dirige, Dits et
missaires et du marché de l’art. groupe , Dits et Écrits d’artistes: écrits d’ artistes: théories et fictions, na Université Paris 1 Sorbonne.
Motivés par cette d’intéres- Théories et fictions, à l’Université A pesquisa da minha tese concentrou-se na noção de repetição.
sante étrangeté du discours de Paris 1 Sorbonne. Repetição de gestos, entendendo gestos como procedimentos di-
l’artiste, qui traite de différents La recherche de ma thèse met- versos que o artista recorre para realizar seu trabalho; repetição de
moments de son expérience au tait l’accent sur la notion de répé- elementos, tratando das repetições mais formais, composicionais,
cours de la réalisation de son tra- tition. Répétition de gestes, par la como encontramos nas tendências mais construtivas, ou repetições
vail - dès la conception jusqu’au compréhension des gestes comme de elementos, como encontramos nas tendências minimalistas; e

2  Le groupe Écrits & Dits a commencé ses activités en Avril 2015. Inscrit au Cours 2  O grupo Escritos&Ditos iniciou seu trabalho em abril de 2015, está inscrito no Curso
Théorie Critique et l’Histoire de l’Art, du Département d’Arts Visuels à l’Université de de Teoria Crítica e História da Arte, do Departamento de Artes Visuais, da Universidade
Brasilia, coordonné par Iracema Barbosa, regroupe dans sa première année les travaux de Brasília, coordenado por Iracema Barbosa, contando em seu primeiro ano com o tra-
des élèves PIBIC Jaline Pereira, Tito Galvão, Guilherme Moreira, Sara naissance et balho dos alunos PIBIC Jaline Pereira, Tito Galvão, Guilherme Moreira, Sara Nascimento
Gisele Rocha. e Gisele Rocha.
3  Thèse réalisée à l’Université de Rennes 2, sous la direction de Christophe Viart 3  Tese realizada na Université Rennes 2, sob orientação de Christophe Viart, intitulada
appelé Poétiques de la Répétition, Disponible sur: <http : // www.iracemabarbosa.com/ Poétiques de la Répétition. Disponível em: <http://www.iracemabarbosa.com/portugues/
portugues/textos/>. (consulté le 5/10/2017). textos/>. Acesso em: 5 out. 2017.

42 Poéticas I Iracema Barbosa 43


étant des procédures diverses poétique, y compris le plaisir que também repetição de noções, isto é, o resgate de narrativas da história
dont l’artiste fait appel afin de l’artiste bénéficie dans la réali- da arte, frequentemente realizado pelos artistas.
réaliser son travail ; répétition sation, malgré l’exécution d’une Visando escapar dos clichês da história da arte, e de nossos
d’éléments, traitant des répéti- séquence d’actions aussi banales próprios pré-conceitos sobre o que é repetir, escolhi quatro artistas
tions plus formelles, composi- que celles de nombreux autres contemporâneos, mas com poéticas radicalmente distintas sob os
tionnelles, telles que nous trou- professionnels dans leur travaux aspectos citados (gesto, forma e relação com a história da arte), em
vons dans les tendances plus quotidiens respectifs. cujo trabalho a noção de repetição tem ou teve um papel relevante:
constructives, ou répétitions D’autre part, depuis que je Mira Schendel, Richard Long, Eva Hesse e Nelson Félix.
d’éléments, telles que nous trou- commencé à étudier l’art à l’École Tal estudo possibilitou uma visão aberta da noção de repetição,
vons dans les tendances mini- d’Arts visuels du Parque Lage, que se constitui, no meu entendimento, não como algo monótono
malistes; et aussi répétition de en 1986 à Rio de Janeiro, je lis ou mecânico, e sim como uma experiência renovadora. A compre-
notions autrement dit, le rachat des textes d’artistes dans diffé- ensão desse fato levou-me a algumas ideias em relação ao fazer
des récits d’histoire de l’art, sou- rents formats : les lettres de Van artístico, ao modo como o artista constrói seu trabalho, como
vent réalisées par les artistes. Gogh à Théo ; de Lygia Clark à ele vê sua própria poética, inclusive sobre o prazer que o artista
Afin d’échapper aux clichés de Helio Oiticica ; les correspon- desfruta na realização, apesar de executar uma sucessão de ações
l’histoire de l’art et à nos propres dances de Cézanne et les théories tão banais quanto tantos outros profissionais, em seus respectivos
idées préconçues sur ce qui est modernistes de Fernand Léger. trabalhos cotidianos.
répéter, j’ai choisi quatre artistes Ainsi que les ouvrages de Kan- Por outro lado, desde que comecei a estudar arte, na Escola de
contemporains, avec cependant dinsky ; le journal de Paul Klee, Artes Visuais do Parque Lage, em 1986, no Rio de Janeiro, venho lendo
des poétiques radicalement dis- avec ses formulations au Bau- textos de artistas em diferentes formatos: as cartas de Van Gogh a
tinctes au sujet des aspects cités haus ; le manifeste irrévérencieux Théo; de Lygia Clark a Helio Oiticica; as correspondências de Cézanne
(geste, forme et relation avec de Yves Klein ; les réflexions de e as teorias modernistas de Fernand Léger; os livros de Kandinsky; o
l’histoire de l’art), travail dans Mark Rothko et Marcel Duchamp diário de Paul Klee, com suas formulações na Bauhaus; o manifesto
lequel la notion de répétition a sur le procès créatif ; les écrits irreverente de Yves Klein; as reflexões de Mark Rothko e de Marcel
ou a eu un rôle important : Mira de Donald Judd ; les entretiens Duchamp sobre o processo criativo; os escritos de Donald Judd; as
Schendel, Richard long, Eva avec Sean Scully et son dialogue entrevistas com Sean Scully e seu diálogo com outros artistas. Isto
Hesse et Nelson Felix. avec d’autres artistes. Ceci pour para citar apenas alguns, e não falar dos clássicos, como as “Vidas
Cette étude a rendu possible ne citer que quelques-uns, sans dos artistas”, de Vasari, e o “Da Pintura”, de Alberti, que lemos ao
une vision élargie de la notion oublier les classiques tels que les menos umas vinte vezes em nossos cursos e concursos.
de répétition, qui, selon ma com- «Vies des artistes,» de Vasari, et Esses ensaios, cartas ou entrevistas são textos estruturados por
préhension, se constitue non pas « De la Peinture», d’Alberti, que questões que inquietam os artistas e que, obviamente, se articulam
comme quelque chose de mono- nous lisons au moins vingt fois ao modo como eles realizam suas práticas. Textos às vezes duros, às
tone ou mécanique, mais comme dans nos cours et concours. vezes apaixonados, outros que aspiram a ser didáticos, e muitos, como
une expérience rénovatrice. La Ces essais, lettres ou entre- já disse, aparentemente confusos. Textos variados, que misturam
compréhension de ce fait m’a tiens sont des textes axés sur as impressões dos artistas à teoria, suas fantasias à historiografia
conduit à quelques idées concer- des questions qui inquiètent les da arte, para citar apenas alguns aspectos que me ocorrem agora.
nant le faire artistique, la façon artistes et, bien sûr, s’articulent Trata-se também de um prazer encontrar nesses textos res-
dont l’artiste construit son tra- avec la manière dont ils réalisent sonâncias a questões que surgem durante nossa prática, tanto
vail, comment voit-il sa propre leurs pratiques. Textes parfois como artistas, ou como professores de arte. Questões criadas pela

44 Poéticas I Iracema Barbosa 45


durs, parfois passionnés, d’autres en plus de sa qualité littéraire, articulação entre o desejo - abstrato, intuído – e a obra realiza-
qui aspirent à être didactiques, et vise à élargir la portée du regard da, que vai tomando uma forma concreta e palpável ao longo do
beaucoup d’autres, comme déjà de celui qui voit l’œuvre. Souvent trabalho. Questões que partem do nosso contato com o mundo,
mentionné, apparemment confus. associée à d’autres notions, tou- com nosso ser no mundo, com os materiais e gestos necessários à
Textes variés, un mélange entre jours en liaison avec le «bagage» manipulação desses materiais.
les impressions des artistes et (théorique, littéraire) de l’écrivain, Quando o historiador da arte elabora seu discurso sobre o trabalho
la théorie, ses fantaisies et l’his- bien que l’approche provient des de um artista, ele concentra seu olhar sobre a obra e, frequentemente,
toriographie de l’art, juste pour œuvres proprement dites. estabelece relações com obras de outros artistas. Procedendo por
citer quelques aspects qui me sont Les artistes ont conquis, à aproximação ou diferenciação, ele estabelece relações com outros
venus à l’esprit. travers ses écrits et actions, domínios de conhecimento, da filosofia, da história, da antropo-
C’est notamment un plaisir une importante place pour la logia, para citar alguns dos diálogos mais usuais. O texto teórico
retrouver dans ces textes réso- réflexion, ce qui les met côte à sobre arte, além de sua qualidade literária, tem por objetivo ampliar
nances aux questions qui sont côte des philosophes ou des his- o olhar daquele que vê a obra. Frequentemente se associa a outras
apparues au cours de notre pra- toriens d’art. Cependant, cette noções, sempre em consonância com a “bagagem” (teórica, literária)
tique, tant comme artistes que conquête n’enlève pas les diffi- daquele que escreve, ainda que a abordagem se origine das obras
professeurs d’art. Des questions cultés qui apparaissent quand ils propriamente ditas.
créés par l’articulation entre parlent de leur propre travail. Si Os artistas conquistaram, através de seus textos e ações, um
le désir - abstrait, intuité - et la parole de l’artiste soulève des lugar de reflexão relevante, o que os coloca lado a lado aos filósofos
l’œuvre réalisée, qui prend une questions permettant d’élargir la ou historiadores da arte. Mas essa conquista não elimina as difi-
forme concrète et tangible au perception du public sur l’œuvre, culdades que aparecem quando falam sobre o próprio trabalho. Se a
long du travail. Des questions peut aussi simplifier radicale- fala do artista traz à tona questões que podem ampliar a percepção
émanant de notre contact avec ment les aspects multi-facettes do público sobre a obra, ela pode também simplificar radicalmente
le monde, de notre être dans le et poétiques de cette réalisation. aspectos multifacetados e poéticos dessa realização. Pois o artista
monde, avec les matériaux et les Car l’artiste ne fait qu’intuiter ses apenas intui suas decisões durante o processo de realização de sua
gestes nécessaires à la manipu- décisions au cours du processus obra. Porém, depois de realizada, esta é também vista por ele próprio,
lation desdits matériaux. de réalisation de son œuvre. Tou- e articulada a outras realizações, anteriores e posteriores.
Lorsque l’historien d’art éla- tefois, après la réalisation, celle-ci Por tudo isso, algumas dificuldades específicas se colocam em
bore son discours sur le tra- est également vue par lui-même nossas reflexões: de que lugar iremos discutir, nós mesmos, os aspec-
vail d’un artiste, il concentre et articulée à d’autres réalisa- tos mais teóricos inscritos em nossas práticas, sem nos colocarmos
son regard sur l’œuvre et, sou- tions, précédentes et ultérieures. na posição de críticos de nossos próprios trabalhos? Ao mesmo
vent, établit des relations avec Pour tout cela, certaines dif- tempo, como guardar uma certa distância tanto de nosso mergulho
d’œuvres d’autres artistes. Procé- ficultés spécifiques se posent na prática quanto de seus resultados formais ? Como inscrever as
dant par approximation ou diffé- dans nos réflexions : de quel questões com as quais estamos nos defrontando num universo mais
renciation, il établit des relations lieu allons-nous discuter, nous- vasto e interessante também para outros ?
avec d’autres domaines du savoir, mêmes, des aspects plus théo- O que buscamos nesta pesquisa dos Escritos&Ditos não é expli-
de la philosophie, de l’histoire, riques inscrits dans nos pra- car o processo criativo, e menos ainda a obra. O que desejamos é
de l’anthropologie, pour citer tiques, sans nous mettre en posi- analisar o modo como o artista experimenta a sua própria prática,
quelques dialogues les plus cou- tion de critiques de nos propres é refletir sobre a noção de trabalho, assunto que certamente diz
rants. Le texte théorique sur l’art, travaux ? En même temps, respeito a todos.

46 Poéticas I Iracema Barbosa 47


comment garder une certaine l’inquiétude. Autrement dit, il ne Acontece que o trabalho no ateliê segue princípios que lhe são
distance, tant de notre plongée s’agit pas d’un texte objectif, mais próprios, tem seu próprio eixo de gravidade, não procura demonstrar
dans la pratique que de ses résul- impliqué dans une expérience ideias, nem representar outra coisa exterior a ele.
tats formels ? Comment inscrire spécifique, dans son rapport sen- De modo que nem a fala nem o texto do artista parecem tratar
les questions auxquelles nous sible avec le monde autour. Pos- especificamente da “obra acabada”. O texto parece estar comprometido
nous sommes confrontés dans sède la logique de cette partia- com a trama de questões que o inquietam. Enraiza-se em sua poética,
un univers plus vaste et intéres- lité, de cette implication et cette com o modo como esta se realiza. Seu texto atravessa livremente
sant aussi à d’autres personnes ? inquiétude. diferentes domínios de conhecimento, domínios que aprendemos a
Ce que nous cherchons dans L‘action du groupe Écrits & Dits separar; é um texto inquieto, com uma forma bem particular.
cette recherche des Écrits et Dits commence par l’écoute et l’enregis- Sim, uso aqui duas noções que me parecem específicas aos textos
n’est pas expliquer le processus trement du discours des artistes de artistas: comprometimento e inquietação. Ou seja, não se trata de
créatif, et encore moins l’œuvre. sur les différents aspects de leur um texto objetivo, mas sim comprometido com uma experiência es-
Notre souhait est d’analyser le mode de travail, tels que : pecífica, com sua relação sensível com o mundo a seu redor. Possui a
mode comment l’artiste éprouve •  la routine de la pratique dans lógica desta parcialidade, deste comprometimento e desta inquietação.
sa propre pratique, et réfléchir sur l’atelier - comment chacun crée A ação do grupo Escritos&Ditos começa pela escuta e registro da fala
la notion de travail, une question les conditions pour réaliser leur dos artistas sobre diferentes aspectos de seu modo de trabalhar,
qui concerne certainement à tous. travail, y compris en raison des tais como:
Il se trouve que le travail dans exigences de la vie sociale ; •  a rotina da prática no ateliê - como cada um cria condições
l’atelier suit des principes propres •  la relation de chacun avec para realizar seu trabalho, inclusive em função das demandas do
à lui et possède son propre axe de les techniques traditionnelles de vida social;
gravité, ne cherche pas à démon- l’art et les nouvelles technologies - •  a relação de cada um com as técnicas tradicionais da arte e as novas
trer des idées, ou représenter ce que chacun garde des savoirs tecnologias - o que cada um guarda dos saberes ancestrais em seus
autre chose extérieure à lui. ancestraux dans leurs procédures procedimentos atuais e como as novas tecnologias se incorporam
Alors, ni la parole ni le texte actuelles et comment les nou- a suas produções;
de l’artiste ne semblent traiter velles technologies sont incor- •  as demandas de cada poética por outras áreas de conhecimento –
spécifiquement «l’œuvre ache- porées à leur productions ; de que modo cada um elege, e deixa atravessar sua poética, outros
vée». Le texte semble être impli- •  les demandes de chaque poé- domínios de conhecimento, tais como a própria história da arte, a
qué à une trame de questions tique par d’autres domaines de química, a informática, a filosofia, os sistemas sociais de segurança etc;
qui l’inquiètent. Enracinée dans connaissance - de quelle façon •  o prazer e esforço associados à realização do trabalho – o que
sa poétique, dans le mode dont chacun choisit et laisse traverser cada um entende como prazer e renúncia, que estariam associados
elle se réalise. Son texte traverse sa poétique, d’autres domaines de a sua prática, e
librement les différents domaines connaissance, comme l’histoire de •  os diferentes caminhos percorridos para a inscrição de suas rea-
du savoir, des domaines que nous l’art, la chimie, l’informatique, la lizações na sociedade.
avons appris à séparer ; c’est un philosophie, les systèmes sociaux Todas as entrevistas realizadas com os diferentes artistas seguem
texte inquiet, d’une forme très de sécurité, etc. ; o mesmo protocolo, a mesma série de perguntas.
particulière. •  le plaisir et l’effort associés Neste primeiro ano, foram realizadas cinco entrevistas, com
Oui, j’utilise ici deux notions à la réalisation du travail - ce que artistas-professores da UnB: Pedro Alvim, Miguel Simão, Bia Me-
qui me semblent spécifiques aux chacun comprend comme plai- deiros, Elder Rocha e Karina Dias. Todas foram gravadas em vídeo
textes d’artistes : l’implication et sir et renonciation, pouvant être e depois transcritas.

48 Poéticas I Iracema Barbosa 49


associés à leur pratique, et Simão, Bia Medeiros, Elder Rocha A próxima etapa de trabalho do grupo Escritos&Ditos será disponi-
•  les différents chemins par- et Karina Dias. Tous ont été enre- bilizar essas entrevistas na rede da internet, através de um site que
courus vers l’inscription de leurs gistrés sur bande vidéo et ensuite está sendo criado, para que possam servir como material de reflexão
réalisations dans la société. transcrits. para diferentes domínios de conhecimento.
Tous les entretiens réalisés L’étape suivante de travail du
avec différents artistes suivent groupe Écrits & Dits est la dis-
le même protocole, la même série ponibilisation de ces entretiens
de questions. sur le réseau internet par l’in-
Dans cette première année, termédiaire d’un site en cours
cinq entretiens ont été réalisées de création, de manière à servir
avec des artistes-enseignants de matière à réflexion pour les
de l’UnB : Pedro Alvim, Miguel différents domaines du savoir.

Elder Rocha entrevista Bia Medeiros entrevista


Escritos&Ditos, 2015 Escritos&Ditos, 2015
Elder Rocha entretien Bia Medeiros entretien
Écrits & Dits, 2015 Écris & Dits, 2015

Karina Dias entrevista Pedro Alvim entrevista


Escritos&Ditos, 2016 Escritos&Ditos, 2015
Karina Dias entretien Pedro Alvim entretien
Écris & Dits, 2016 Écris & Dits, 2015

50 Poéticas I Iracema Barbosa 51


PATRICIA CORRÊA

Robert Morris et les Andes: Robert Morris e os Andes:


des pierres, des lignes, des mots pedras, linhas, palavras
PATRICIA CORRÊA PATRICIA CORRÊA

L’artiste Robert Morris est habi- ou étaient eux-mêmes une moda- O artista Robert Morris é usualmente associado ao desenvolvimento
tuellement associé au développe- lité de production, inséparable da escultura minimalista e do campo ampliado pós-minimalista nas
ment de la sculpture minimaliste du devenir de sa poétique. L’im- décadas de 1960 e 70, apesar de ter uma vasta produção em diferen-
et du domaine post-minimaliste portance de cette production tes meios: dança, pintura, vídeo, instalações, desenho etc. Morris
élargi dans les années 1960 et 70, textuelle peut, peut-être, être também é conhecido como um escritor prolífico, tendo transitado
en dépit d’une vaste production mesurée par l’existence de deux ao longo de sua vida por diferentes gêneros, como crítica de arte,
dans différents médias: la danse, recueils de ses écrits, l’un publié ensaios de teoria e história da arte, ficções biográficas e autobio-
la peinture, la vidéo, les installa- en 1994 et un autre en 2008. Le gráficas e aquilo que genericamente chamamos de texto de artista.
tions, le dessin, etc. Morris est premier est le volume intitulé Esses escritos sempre acompanharam a produção visual, como modo
également connu comme un écri- Continuous Project Altered Daily: de meditação e formalização de ideias sobre o trabalho, ou foram
vain prolifique, ayant transité the writings of Robert Morris1 et eles mesmos uma modalidade da produção, inseparáveis do vir a ser
tout au long de sa vie par diffé- rassemble les écrits produits de sua poética. A importância dessa produção textual talvez possa
rents genres tels que la critique entre 1966 et 1989; le second est ser medida pela existência de duas coletâneas de seus textos, uma
d’art, des essais de théorie et Have I Reasons: Work and Wri- publicada em 1994 e outra em 2008. A primeira constitui o volume
d’histoire de l’art, des fictions bio- tings 2, avec des écrits datés entre intitulado Continuous Project Altered Daily: the writings of Robert
graphiques et autobiographiques 1993 et ​​2007. Morris1 e reúne escritos produzidos entre 1966 e 1989; a segunda
et ce que nous appelons généri- Morris est né aux États-Unis é Have I Reasons: Work and Writings2, com escritos datados entre
quement de texte d’artiste. Ces en 1931. Diplomé des beaux- 1993 e 2007.
écrits ont toujours accompagné arts, en psychologie et en philo- Morris nasceu nos Estados Unidos em 1931. Tendo formação
la production visuelle, comme sophie, le texte a été depuis ses universitária em belas artes, psicologia e filosofia, desde cedo fez
forme de réflexion et de forma- débuts un moyen fondamental do texto um meio fundamental para a autorreflexão do trabalho
lisation des idées sur le travail, pour l’auto-réflexion de l’œuvre de artista. Na escrita, ele frequentemente misturou comentários

1  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. Cam- 1  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. Cam-
bridge: The MIT Press, 1994. bridge: The MIT Press, 1994.
2  MORRIS, Robert. Have I reasons: work and writings. Durham; London: Duke Univer- 2  MORRIS, Robert. Have I reasons: work and writings. Durham; London: Duke University
sity Press, 2008. Press, 2008.

52 Poéticas I Patricia Corrêa 53


de l’artiste A l’écrit, il a souvent Nascas (c. 200 — 800) et les Incas sobre leituras e debates teóricos correntes, estudos e observações
mélangé des commentaires sur (c. 1450 — 1530). Mais il ne s’agit da produção de artistas admirados, análises de algumas questões
des lectures et des débats théo- pas, en principe, de l’implication pertinentes a seu próprio trabalho e anotações quase programáticas
riques en cours, des études et de l’artiste avec des images de ces a respeito de seus desenvolvimentos recentes. No mais das vezes,
observations des artistes dont cultures, mais avec des aspects podemos dizer que Morris pensa com seus textos – como em seus
les productions étaient admi- conceptuels qu’ il saisit et sur les- famosos cubos espelhados de 1965, ele observa a si mesmo imerso
rées, des analyses de certaines quels il réfléchit à partir de réfé- no contexto complexo do mundo das ideias e práticas artísticas
questions relatives à son propre rences théoriques, historiques ou através das palavras. Assim, raramente os textos mais reflexivos
travail et des notes presque pro- même critiques. C’est précisément trazem comentários diretos sobre sua própria produção visual,
grammatiques sur leurs dévelop- à travers ces aspects de la dimen- porém esclarecem o que seriam pontos de interesse e tensão para a
pements récents. Dans la plupart sion plus conceptuelle que pro- proposição e os desdobramentos do trabalho.
des cas, on peut dire que Morris prement visuelle de l’art andin Em meio à imensa quantidade e variedade dos textos de Morris,
pense avec ses textes - comme que Morris produit des réflexions chama nossa atenção um elemento um tanto inusitado e, talvez
dans ses célèbres cubes à miroirs sur des moments cruciaux de l’art por isso, pouco explorado, na verdade quase ignorado por críticos e
de 1965, il s’observe lui-même contemporain –qui l’entoure à New estudiosos: sua relação com a arte pré-colombiana, especificamente
immergé dans le contexte com- York, mélangé à son art lui-même. a oriunda da região andina. Em pelo menos três momentos de sua
plexe du monde des idées et des Par conséquent, l’écriture serait le trajetória, surge o interesse pela arte de antigas culturas americanas
pratiques artistiques à travers les moyen idéal pour traiter de cette como os nascas (c. 200 — 800) e os incas (c. 1450 — 1530). Mas não
mots. Ainsi, rarement les textes implication avec les Andes, qui se trata, a princípio, de um envolvimento do artista com imagens
plus réflexifs apportent des com- est beaucoup moins évidente si provenientes dessas culturas, e sim com aspectos conceituais que
mentaires directs sur sa propre l’on observe uniquement le tra- ele apreende e sobre os quais reflete a partir de referências teóricas,
production visuelle, mais pré- vail qu’il effectue au moment où históricas ou mesmo críticas. É justamente através desses aspectos
cisent les points d’intérêt et de ces références apparaissent dans de dimensão mais conceitual do que propriamente visual na arte
tension pour la proposition et le ses écrits. Nous indiquerons ici andina que Morris produz reflexões sobre momentos cruciais da
déroulement du travail. uniquement ces trois moments, arte contemporânea – aquela que o cerca em Nova Iorque, mistu-
Au milieu de l’immense quan- dans l’espoir de faire une esquisse rada à sua própria. Por isso, a escrita seria o meio privilegiado para
tité et la variété des textes Morris, de son contenu et de sa significa- processar esse envolvimento com os Andes, que é bem menos evi-
ce qui attire notre attention sur tion dans l’œuvre de Morris. dente se observamos apenas os trabalhos que ele realizava à época
un élément quelque peu inhabi- em que essas referências aparecem em seus textos. Vamos apenas
tuel et peut-être pour cette raison I indicar aqui esses três momentos, esperando assim esboçar seu teor
si peu exploré, en vérité, presque L’écriture académique et son rap- e sentido na obra de Morris.
ignoré par les critiques et les cher- port intrinsèque à la réflexion
cheurs: sa relation à l’art préco- théorique et l’imagination his- I
lombien, en particulier celui pro- torique marque la première rela- A escrita acadêmica e sua ligação intrínseca com a reflexão teórica
venant de la région des Andes. tion claire de Morris avec l’art pré- e a imaginação histórica marcam a primeira clara relação de Mor-
Dans au moins trois moments colombien. En 1966, après quatre ris com a arte pré-colombiana. Em 1966, depois de quatro anos
de sa trajectoire, l’intérêt pour années d’études en histoire de l’art estudando história da arte no Hunter College, em Nova Iorque,
l’art des anciennes cultures amé- au Hunter College à New York, il ele defende uma master thesis intitulada Form-Classes in the Work
ricaines surgit, comme celle des présente un mémoire de maîtrise

54 Poéticas I Patricia Corrêa 55


intitulé Form-Classes in the Work Kubler appelle la classe formelle of Constantin Brancusi3. Trata-se de uma aplicação de conceitos do
of Constantin Brancusi3. Il s’agit de (formal class): répétition modi- historiador da arte estadunidense George Kubler ao estudo desse
l’application des concepts de l’his- fiée progressivement à partir d’un escultor tão admirado pelos minimalistas. Kubler, um especialista
torien de l’art américain George objet primaire (prime object) qui em arte pré-colombiana e arte colonial iberoamericana, havia pu-
Kubler à l’étude de ce sculpteur surgit en réponse à la prise de blicado em 1962 dois livros de grande impacto. The Shape of Time4 é
si admiré par les minimalistes. conscience d’un problème et se um ensaio que propõe um modelo teórico para o desenvolvimento
Kubler, spécialiste de l’art préco- déploie dans le temps pour l’épui- da arte baseado na identificação de séries de repetições, variações
lombien art et colonial ibéro-amé- ser. Toutefois, selon le modèle e mutações formais; Art and Architecture of Ancient America5 é um
ricain, avait publié en 1962 deux anti-évolutif de Kubler, toute típico manual de história da arte pré-colombiana, que no entanto
livres à grande répercussion. classe formelle reste ouverte et foi o primeiro a atribuir sentido propriamente artístico ou estético
The Shape of Time4 est un essai son problème peut être repris dans a certas produções andinas até então excluídas da apreciação oci-
proposant un modèle théorique de nouvelles conditions, comme dental, como a cantaria dos muros incas e as linhas desenhadas no
pour le développement de l’art de nouvelles séries formelles. Le deserto pelos nascas6.
basé sur l’identification de séries travail de Brancusi partirait du Morris identifica em Brancusi séries de peças que seriam des-
de répétitions, des variations et problème formel de l’ovoïde, ce dobramentos formais de um mesmo problema escultórico. Isso é o
des mutations formelles; Art and qui donne lieu à une série d’ovals que Kubler chama de classe formal (formal class): a repetição gra-
Architecture of Ancient America5 horizontaux, en diagonale ou ver- dualmente alterada de um objeto primário (prime object) que surge
est un manuel typique d’histoire ticaux, et une série de figures, de em resposta à consciência de um problema e se desdobra no tempo
de l’art précolombien, qui était fragments et d’éléments empilés. até esgotá-lo. No entanto, segundo o modelo anti-evolucionista de
pourtant le premier à attribuer Alors que Kubler s’intéressait Kubler, toda classe formal permanece aberta e seu problema pode
un sens proprement artistique à la construction d’une logique ser retomado em novas condições, como novas séries formais. A obra
ou esthétique à certaines produc- temporelle vers le déclin, la survie de Brancusi partiria do problema formal da ovoide, dando origem a
tions des Andes jusque-là exclues et la résurgence de vocabulaires séries de ovais horizontais, diagonais ou verticais, e séries de figuras,
de l’appréciation de l’Occident, formels indigènes ou étrangers fragmentos e empilhamentos.
comme la pierre taillée des murs dans le processus de colonisation Enquanto para Kubler interessava a construção de uma lógica
Incas et les lignes tracées dans le ibérique, l’attrait de Morris pour temporal para o declínio, a sobrevivência e o ressurgimento de voca-
désert par les Nascas6. ces théories doit être compris à la bulários formais nativos ou estrangeiros no processo da colonização
Morris identifie chez Brancusi lumière de sa production sculptu- ibérica, a atração de Morris por essas teorias deve ser compreendida
des séries de pièces qui seraient rale au moment de ces lectures: à luz de sua produção escultórica à época dessas leituras: séries de
l’évolution formelle d’un même série de polyèdres simples soumis poliedros simples submetidos a variações e permutações espaço-tem-
problème sculptural. C’est ce que à des variations et permutations porais ou situacionais, que podiam ser pensados como reativação

3  MORRIS, Robert. Form-classes in the work of Constantin Brancusi. MA Thesis. New 3  MORRIS, Robert. Form-classes in the work of Constantin Brancusi. MA Thesis. New
York: Hunter College, 1966. York: Hunter College, 1966.
4  KUBLER, G. The shape of time. Remarks on the history of things. New Haven; Lon- 4  KUBLER, G. The shape of time. Remarks on the history of things. New Haven; London:
don: Yale University Press, 1962. Yale University Press, 1962.
5 Id. Art and Architecture of Ancient America. Pelican History of Art 21. Baltimore: 5 Id. Art and Architecture of Ancient America. Pelican History of Art 21. Baltimore: Pen-
Penguin Books, 1962. guin Books, 1962.
6  Cf. DEAN, Carolyn. A Culture of Stone: Inka perspectives on Rock. Durham; London: 6  Cf. DEAN, Carolyn. A Culture of Stone: Inka perspectives on Rock. Durham; London:
Duke University Press, 2010. p. 10. Duke University Press, 2010. p. 10.

56 Poéticas I Patricia Corrêa 57


spatio-temporelles ou de situation, mais aussi dans une oeuvre de classes formais abandonadas ou aparentemente esgotadas, o que
qui pourraient être pensés comme comme Three L Beams, réalisée não só as conectava às séries e empilhamentos de Brancusi mas
la réactivation de classes formelles en 1965 par Morris: trois objets também à produção de antigas culturas perdidas no tempo. Em
abandonnées ou apparemment identiques, ou la répétition d’un tom kluberiano, Morris escreve em sua dissertação: “tudo o que é
épuisées, ce qui non seulement même objet dans différentes feito agora é uma réplica ou uma variante de algo que foi feito há
les mettait en rapport aux séries positions. Le vocabulaire formel algum tempo”7. A coluna infinita de Brancusi “é uma conexão com
et piles de Brancusi, mais aussi la alors employé par Morris – des o Neolítico e isso é importante porque hoje parece haver um revival
production d’anciennes cultures cubes, des colonnes, des poutres, do monumento abstrato”8.
perdues dans le temps. Sur un des cadres, des plates-formes - A conclusão a que chega ao final de seu estudo é bastante próxi-
ton kluberien, Morris écrit dans incarne clairement un ensemble ma das questões que atraíam os minimalistas nesse momento. Ele
son mémoire: « tout ce qui se fait de formes primaires sur lesquelles afirma “Além da fenomenologia do todo e das partes há uma outra:
maintenant est une réplique ou est réalisé le jeu spatio-temporel a orientação. Os trabalhos com a ovoide usam as três disponíveis:
une variante de quelque chose qui de la perception; ses répétitions, vertical, horizontal, diagonal. Orientação é o elemento sintático
a été fait il y a quelque temps »7. La ses variations, ses différentes menos explorado na obra”9. Podemos pensar em Carl Andre e Dan
Colonne sans fin de Brancusi « est dispositions et orientations tra- Flavin, mas também em um trabalho como Three L Beams, feito em
une connexion au néolithique, ce duisent pour l’expérience du spec- 1965 por Morris: três objetos iguais, ou a repetição de um mesmo
qui est important car il semble y tateur, l’ambiguïté, la mutabilité objeto, em distintas posições. O vocabulário formal então empregado
avoir aujourd’hui un renouveau et la durée de la forme théorisées por Morris – cubos, colunas, vigas, molduras, plataformas – encar-
du monument abstrait »8. par Kubler. De plus, ce vocabu- na nitidamente um conjunto de formas primárias sobre as quais
La conclusion à laquelle il laire de formes simples apparaît se realiza o jogo espaço-temporal da percepção; suas repetições,
parvient à la fin de son étude est dans les vieux « monuments abs- variações, diferentes arranjos e orientações traduzem para a expe-
assez proche des questions qui traits » des villes et des temples riência do espectador a ambiguidade, a mutabilidade e a duração da
attiraient les minimalistes en ce Incas qui, avec Kubler, à la même forma teorizadas por Kubler. Além disso, esse vocabulário de formas
moment-là. Il affirme: « En plus époque, qui commencent à être simples aparece nos antigos “monumentos abstratos” das cidades
de la phénoménologie de l’en- admirés comme art. e templos incas que, com Kubler, na mesma época, passaram a ser
semble et des parties, il y en a une admirados como arte.
autre: l’orientation. Les travaux II
avec l’ovoïde utilisent les trois En 1970, les idées de George II
disponibles: vertical, horizontal, Kubler sur l’art andin marque- Em 1970, as ideias de George Kubler sobre a arte andina voltariam
diagonal. L’orientation est l’élé- raient une fois encore un texte a marcar um texto de Morris, nesse caso Some Notes on the Pheno-
ment syntaxique moins exploré de Morris, dans ce cas Some Notes menology of Making, originalmente publicado na revista Artforum
dans le travail »9. On peut pen- on the Phenomenology of Making, e que define seu interesse pela arte processual10. A referência em
ser à Carl Andre et Dan Flavin, initialement publié dans la revue
7  MORRIS, Robert. Form-classes in the work of Constantin Brancusi. MA Thesis. New
York: Hunter College, 1966. p. 6.
8  Ibid., p. 72.
7  MORRIS, Robert. Form-classes in the work of Constantin Brancusi. MA Thesis. New 9  Ibid., p. 85.
York: Hunter College, 1966. p. 6. 10  Id. Some notes on the Phenomenology of Making. In: MORRIS, Robert. Continuous
8  Ibid., p. 72. project altered daily: the writings of Robert Morris. Cambridge: The MIT Press, 1994.
9  Ibid., p. 85. p. 71 — 93.

58 Poéticas I Patricia Corrêa 59


Artforum et qui définit son inté- des circonstances et des condi- questão é a análise da cantaria inca feita pelo historiador no artigo
rêt pour l’art processuel10. La réfé- tions environnementales des Machu Picchu, que fora publicado em 196011. No breve artigo, Kubler
rence en question est l’analyse de actions effectuées sur lui et de sa explica alguns dos procedimentos envolvidos no corte dos blocos de
la pierre taillée Inca faite par l’his- résistance aux forces employées pedra das construções da antiga cidade nos Andes, impressionantes
torien dans l’article Machu Picchu, - conditions variées et même pela variedade de seus formatos e por seus encaixes muito precisos.
publié en 196011. Dans l’article imprévues. En fait, aucun bloc Um desses procedimentos é assim descrito: depois de um corte
bref, Kubler explique certaines Inca ne résulte de l’application rudimentar, cada bloco é posicionado e friccionado contra as super-
des procédures impliquées dans d’une forme abstraite sur un maté- fícies às quais será fixado, através de um mecanismo que o suspende
la découpe des blocs de pierre des riau inerte. Surtout sur les murs e faz oscilar em contato com os demais blocos, num perfeito ajuste
bâtiments de la vieille ville des des bâtiments d’une plus grande por abrasão. Ou seja, não haveria entre os incas propriamente um
Andes, la variété impressionnante valeur religieuse, chaque pierre est modelo ou ideal geométrico atuando na determinação formal de cada
de leurs formes et de leurs emboî- unique car elle est modelée à par- pedra, mas sim a definição de um processo a ser posto em ação sobre
tements très précis. tir des contingences de la matière um material. Cada bloco resultante desse processo podia guardar
L’un de ces procédé est décrit et du lieu. Morris écrit: algo de sua irregularidade original, das circunstâncias e condições
de la manière suivante: après une ambientais das ações realizadas sobre ele e de sua resistência às
première découpe, chaque bloc est Dans son analyse de Machu Picchu, forças empregadas – condicionantes variados e mesmo imprevistos.
positionné et frotté contre les sur- George Kubler est le seul parmi De fato, nenhum bloco inca resulta da aplicação de uma forma abs-
faces auxquelles il sera fixé, par les historiens de l’art à proclamer trata a um material inerte. Especialmente nos muros dos edifícios
l’intermédiaire d’un mécanisme que les significations de ce monu- de maior valor religioso, cada pedra é única porque modelada sob as
qui le suspend et le fait osciller en ment doivent être recherchées par contingências do material e do local. Morris escreve:
contact avec d’autres blocs, dans la reconstitution de son activité de
un ajustement parfait par abra- construction particulière - et non Em sua análise de Machu Picchu, George Kubler é o único entre os his-
sion. Autrement dit, il n’y aurait pas dans une analyse formelle de toriadores da arte a proclamar que os significados desse monumento
pas exactement parmi les Incas son architecture. Je crois qu’il est devem ser buscados através da reconstituição de sua particular atividade
un modèle ou un idéal géomé- possible de trouver des « formes » de construção – e não em uma análise formal de sua arquitetura. Eu
trique agissant dans la détermi- dans l’activité même de faire autant acredito que é possível encontrar ‘formas’ na própria atividade do fazer,
nation formelle de chaque pierre, que dans ses produits finaux.12 tanto quanto em seus produtos finais.12
mais la définition d’un processus
à mettre en œuvre sur un maté- Voilà une définition du type Eis aí uma definição do tipo de interesse que caracterizou a arte
riau. Chaque bloc résultant de ce d’intérêt qui caractérise l’art de processual, com a qual Morris encontra resposta para uma antiga
processus pouvait conserver une procédé, avec lequel Morris trouve pergunta: como fazer processo e forma coincidirem na arte? Ou
partie de son irrégularité d’origine, une réponse à une vieille question: seja, como transformar a experiência da arte na experiência de
certas atividades e comportamentos? Para termos uma ideia de
10  MORRIS, Robert. Some notes on the Phenomenology of Making. In: MORRIS, como a questão é antiga para o artista, lembremos de uma de suas
Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. Cambridge:
The MIT Press, 1994. p. 71 — 93.
11  KUBLER, George. Machu Picchu. Perspecta: the Yale Architectural Journal, The MIT 11  KUBLER, George. Machu Picchu. Perspecta: the Yale Architectural Journal, The MIT
Press, v. 6, p. 48 — 55, 1960. Press, v. 6, p. 48 — 55, 1960.
12  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. 12  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris.
Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 73. Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 73.

60 Poéticas I Patricia Corrêa 61


comment faire pour que le procédé d’art comme « mode structurel du primeiras caixas, Box with the sound of its own making. Feita em
et la forme coïncident dans l’art? comportement organisé », quelque 1961, ela consiste em uma pequena caixa de madeira que emite os
Autrement dit, comment trans- chose qui ne rechercherait pas une ruídos produzidos ao longo de toda a sua fabricação, através de um
former l’expérience de l’art dans « image finale ».15 aparelho de reprodução sonora escondido em seu interior. Nos po-
l’expérience de certaines activités Les exemples qu’il cite dans le liedros feitos por Morris a seguir, uma visualidade pobre – caixas de
et comportements? Pour avoir une texte donnent une idée de l’ambi- compensado cinza, banal – explora igualmente a possibilidade de se
idée de la façon dont la question tion historique de cette opération substituir a forma, enquanto experiência de relações internas preg-
est ancienne pour l’artiste, rap- discursive: le premier est Machu nantes, pela ênfase em relações situacionais e temporais13 – aquilo
pelons-nous de l’une de ses pre- Picchu, avec ses murs en pierre, que Michael Fried chamou de teatralidade14. Mas entre o final dos
mières boîtes, Box with the sound puis vient la goutte de Jackson anos 60 e o começo dos 70, ao ver ainda um excessivo formalismo
of its own making. Fabriquée en Pollock, les trois mètres courbes nos poliedros minimalistas, Morris passa a entender o trabalho de
1961,elle se compose d’une petite de Marcel Duchamp, l’utilisation arte como “modo estrutural de comportamento organizado”, algo
boîte en bois qui émet le bruit pro- méthodique du hasard par John que não visaria uma “imagem final.”15
duit tout au long de sa fabrication, Cage et les esclaves inachevés Os exemplos que ele menciona no texto dão ideia da ambição
à travers un appareil de reproduc- de Michel-Ange. Tous démon- histórica dessa operação discursiva: o primeiro é Machu Picchu, com
tion sonore caché à l’intérieur. treraient une détermination du seus muros de pedras, depois vem o dripping de Jackson Pollock, os
Dans les polyèdres fait par Mor- processus sur la forme; peut-être três metros curvos de Marcel Duchamp, o uso metódico do acaso
ris par la suite, un aspect visuel pas exactement une classe for- por John Cage e os escravos inacabados de Michelangelo. Todos de-
pauvre - des boîtes en contrepla- melle, mais une sorte de classe monstrariam uma determinação do processo sobre a forma; talvez
qué gris, banal - permet égale- conceptuelle qui découle de la não propriamente uma classe formal, mas uma espécie de classe
ment d’explorer la possibilité de prise de conscience d’un pro- conceitual que surge da consciência de um problema e se desdobra
remplacer la forme, en tant qu’une blème et se déroule en séries em séries através dos tempos. De algum modo, os trabalhos de Morris
expérience des relations internes à travers les temps. D’une cer- se inserem nessa flexível cadeia temporal acionada por uma antiga
pregnantes, par l’accent mis sur taine façon, les travaux de Mor- arte andina que, segundo Kubler, produz “extrema variedade rítmica
des relations de situation et tem- ris s’inscrivent dans cette chaîne e plástica sob estreitos limites tecnológicos, voltada para uma visão
porelles13 - ce que Michael Fried temporelle souple entraînée par poética do ambiente natural”16. Do simples ao complexo, do restrito
a appelé de théâtralité14. Mais un ancien art andin qui, selon ao livre, os blocos incas se conectam, como objetos primários, a um
entre la fin des années 60 et le Kubler, produit une « extrême trabalho como Steam: uma área quadrada, recuberta de pedras e que
début des années 70, en observant variété rythmique et plastique libera nuvens de vapor, concebido por Morris em 1967. Permanen-
un formalisme excessif dans les dans des limites technologiques temente instalado em um gramado de Bellingham, EUA, a partir
polyèdres minimalistes, Morris étroites, orientée vers une vision
commence à comprendre l’œuvre poétique de l’environnement
13  Cf. MORRIS, Robert. Notes on sculpture, Part I; Notes on Sculpture, Part 2. MORRIS,
Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. Cambridge: The
13  Cf. MORRIS, Robert. Notes on sculpture, Part I; Notes on Sculpture, Part 2. MIT Press, 1994. p. 1 — 21.
MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. 14  Cf. FRIED, Michael. Art and objecthood. In: Art and objecthood: essays and reviews.
Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 1 — 21. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. p. 148 — 171.
14  Cf. FRIED, Michael. Art and objecthood. In: Art and objecthood: essays and reviews. 15  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris.
Chicago: The University of Chicago Press, 1998. p. 148 — 171. Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 73.
15  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. 16  KUBLER, George. Machu Picchu. Perspecta: the Yale Architectural Journal, The MIT
Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 73. Press, v. 6, p. 48 — 55, 1960. p. 54.

62 Poéticas I Patricia Corrêa 63


naturel »16. Du simple au com- lignes tracées par une culture de 1974, Steam se afasta da imposição de uma forma arbitrária e se
plexe, du restreint au libre, les pré-colombienne à laquelle est aproxima da experiência do “comportamento” de certo material em
blocs Inca sont connectés, comme attribué le même nom, les Nascas. certas condições espaço-temporais.
objets primaires, à une oeuvre Le texte mêle les expériences
comme Steam: une aire carrée, dans le désert et des commen- III
recouverte de pierres et libérant taires sur les cultures disparues Pensar com a arte pré-colombiana parece ter sido algo muito atraente
des nuages ​​de vapeur, conçu par du Pérou, des observations sur le para jovens artistas estadunidenses nas décadas de 1960 e 70. Além do
Morris en 1967. Installé de façon climat dans les Andes et des réfé- que já dissemos, Morris empreendeu uma viagem à região de Nasca,
permanente sur une pelouse à rences au monde de l’art de New no deserto peruano, em 1975, em busca dos gigantescos desenhos que
Bellingham, aux États-Unis, á York, l’histoire de l’art européen et normalmente são apreciados de avião. Neste mesmo ano, ele publica
partir de 1974, Steam s’écarte de des allusions aux personnages de um relato da experiência na revista Artforum sob o título Aligned with
l’imposition d’une forme arbi- Samuel Beckett. Des montagnes Nazca17, onde reflete sobre as famosas linhas desenhadas por uma
traire et se rapproche de l’expé- blanches et noires, des céramiques cultura pré-colombiana à qual se atribui o mesmo nome, os nascas.
rience du «comportement » de érotiques, des fruits qui pour- O texto mistura as experiências no deserto e comentários sobre
certains matériaux dans certaines rissent, le goût de sable dans la as culturas extintas do Peru, observações sobre o clima nos Andes e
conditions d’espace-temps. bouche apparaissent dans le récit referências ao meio artístico nova-iorquino, história da arte europeia
au ton lyrique. « Les yeux brûlent e menções a personagens de Samuel Beckett. Montanhas brancas e
III avec la clarté. [...] Main coupée en negras, cerâmica erótica, frutas que apodrecem, gosto de areia na boca
Penser avec l’art précolombien épluchant un avocat. [...] Des gar- aparecem no relato em tom lírico. “Olhos ardem com o clarão. [...]
semble avoir été quelque chose çons nus et lumineux se baignant Mão cortada ao descascar um abacate. [...] Meninos nus e brilhantes
de très attrayant pour les jeunes «18: le mouvement du regard arti- tomando banho”18: o movimento do olhar articulado na escrita vai
artistes américains dans les années culé dans le texte révèle un aspect revelando um aspecto marcante do texto, que é a oscilação entre a
1960 et 70. En plus de ce que nous frappant du texte, qui est l’oscilla- visibilidade e a invisibilidade no deserto, a própria dificuldade de
avons dit, Morris a entrepris un tion entre la visibilité et l’invisi- ver que marca a experiência das linhas.
voyage dans la région de Nasca bilité dans le désert, la difficulté Ao contrário do que mostram as fotografias aéreas superconhecidas
dans le désert péruvien en 1975, même de voir qui marque l’expé- de Nasca, que tendem a sintetizar os desenhos em planos estáticos,
à la recherche des dessins géants rience des lignes. Morris descreve uma busca tateante em meio a nuvens de poeira e
qui sont habituellement appré- Contrairement à ce qui est areia, enquanto dirige pela estrada Panamericana Sur. Ele escreve:
ciés en avion. Cette même année, montré dans les photographies “Nenhuma linha. Perdi-as completamente com a queda da luz. Tentar
il publie un compte rendu de l’ex- aériennes super connues de amanhã.”19 No deserto, o olho se engana com as distâncias. Dois dias
périence dans le magazine Artforum Nasca, qui ont tendance à syn- de busca são necessários para que ele encontre e se aproxime das
sous le titre Aligned with Nazca 17, thétiser les dessins dans des primeiras linhas. Constata que estas foram feitas com a remoção da
dans lequel il réfléchit aux célèbres plans statiques, Morris décrit camada de pedras escuras que cobre todo o deserto, deixando uma
pequena depressão de cor mais clara no solo.

16  KUBLER, George. Machu Picchu. Perspecta: the Yale Architectural Journal, The
MIT Press, v. 6, p. 48 — 55, 1960. p. 54. 17  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris.
17  MORRIS, Robert. Continuous project altered daily: the writings of Robert Morris. Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 143 — 173.
Cambridge: The MIT Press, 1994. p. 143 — 173. 18  Ibid., p. 145.
18  Ibid., p.145. 19  Ibid., p. 145.

64 Poéticas I Patricia Corrêa 65


une recherche à tâtons au milieu directions variées des lignes, Chegando ao Peru, e mesmo antes de deixar os Estados Unidos,
des nuages ​​de poussière et de il note les conditions particu- Morris ouvira muitas vezes que era imprescindível sobrevoar as linhas,
sable, tout en conduisant sur la lières de la perception d’un plan pois não haveria nada a ser visto do chão. Mas ele decide procurá-las
route Panamericana Sur. Il écrit: continu qui commence sous ses de carro e a pé, justamente interessado no que não poderia ver e na
« Aucune ligne. Je les ai complète- pieds et se termine à la hauteur própria dinâmica situacional de seu corpo sobre o solo, pois não queria
ment perdues avec la tombée de la de ses yeux, sur l’horizon distant, vê-las fechadas e recuperadas à visão perpendicular que caracteriza as
lumière. Essayer demain ».19 Dans sans les interruptions de plans relações mais familiares com construções, fotografias e obras de arte.
le désert, l’œil est mis à épreuve frontaux typiques des espaces Caminhando e acompanhando as variadas direções das linhas, ele nota
avec les distances. Deux jours de urbains. Dans ces conditions, as condições especiais de percepção de um plano contínuo que começa
recherches lui sont nécessaires « l’horizontal devient vertical à sob seus pés e termina à altura de seus olhos, no horizonte distante,
pour trouver et s’approcher des travers son étendue »20.Il pense: sem as interrupções de planos frontais típicas dos espaços urbanos. Sob
premières lignes. Il constate que ceci est une expérience de dépas- essas condições, “o horizontal se torna vertical através da extensão”20.
ces lignes ont été faites en enle- sement de la grille cartésienne Ele pensa: isso é uma experiência de ultrapassagem da grade cartesiana
vant la couche de pierres sombres associée á la culture urbaine qui ligada à cultura urbana que viu nascer a arte renascentista e a siste-
qui recouvre le désert, en laissant a vu naître l’art de la Renaissance matização do espaço em duas ou três dimensões, que ainda aprisiona
une petite dépression de couleur et la systématisation de l’espace o contexto perceptivo da arte no século XX com suas dicotomias entre
plus claire sur le sol. en deux ou trois dimensions, qui parede e chão, marcar e construir, pintura e escultura21.
En arrivant au Pérou, et même emprisonnent encore le contexte As linhas conectam, de repente, o passado ao futuro. Nasca foi uma
avant de quitter les Etats-Unis, perceptif de l’art au XXe siécle cultura seminômade, que peregrinou entre oásis verdes que logo desa-
Morris a entendu à plusieurs avec ses dichotomies entre mur et pareciam no deserto, sem construir cidades. Acredita-se que as linhas
reprises qu’il était essentiel de sol, marquer et construire, pein- fossem caminhos, percursos rituais, orientações do corpo nesse espaço
survoler les lignes, parce qu’il ture et sculpture.21 fora da grade onde o perto e o longe, o visível e o invisível se confun-
n’y aurait rien à voir à partir du Les lignes relient, tout d’un dem, como vetores do olhar no horizonte aberto. Mas essa é também
sol. Mais il décide de les cher- coup, le passé à l’avenir. Nasca a experiência almejada por muitos artistas atuais, diz Morris, que ele
cher en voiture et à pied, juste- était une culture semi-nomade, identifica com a fenomenologia perceptiva da land art mas também
ment intéressé par ce qu’il ne qui errait parmi les oasis de ver- com outras iniciativas que, por volta de 1975, estariam superando a
pouvait pas voir et par la propre dure, vite disparue dans le désert, insistência minimalista nas ordenações espaciais em grades e sistemas.
dynamique de situation de son sans construire de villes. On Essas iniciativas “se aventuram pela irracionalidade do espaço real”,
corps sur le sol, ne voulant pas croit que les lignes étaient des em cujo domínio “o dilema sujeito-objeto nunca se resolve”22. Formas
les voir fermées et récupérées chemins,des parcours rituels, labirínticas, solipsistas, errância contínua e a sensação de perder-se em
par la vision perpendiculaire des lignes directrices du corps espaços sem limites precisos constituem essa zona em comum entre
qui caractérise les relations plus dans l’espace hors de la grille, où nascas e artistas como Michael Asher, Mary Miss, Alice Aycock, Vito
familières avec les bâtiments, les le proche et lointain, le visible Acconci e Bruce Nauman, cujos trabalhos ilustram o texto de Morris.
photographies et œuvres d’art. et l’invisible se confondent, en As linhas no deserto, continua Morris, são uma mediação entre
A pied et en accompagnant les tant que vecteurs du regard dans o plano e o espaço profundo, entre notações simples no solo e a

19  Ibid., p. 145. 20  Ibid., p. 154.


20  Ibid., p. 154. 21  Ibid., p. 158.
21  Ibid., p. 158. 22  Ibid., p. 165.

66 Poéticas I Patricia Corrêa 67


l’horizon ouvert. Mais cela est comment les Nascas ont expé- totalidade inapreensível da paisagem, entre a abstração humana e a
aussi l’expérience souhaitée par rimenté leurs lignes, mais pour força da natureza. O corpo humano, com sua escala e relatividade per-
de nombreux artistes actuels, dit notre artiste, elles déclenchent ceptiva, é o eixo dessa mediação. Não é possível saber como os nascas
Morris, qu’il identifie avec la phé- la perception d’une constitution experimentavam suas linhas, mas para nosso artista elas deflagram
noménologie perceptive du land mutuelle, dynamique et toujours a percepção de uma constituição mútua, dinâmica e sempre instável
art, mais aussi avec d’autres ini- instable entre le corps et l’espace. entre corpo e espaço. Entre os diversos labirintos e jogos de espelhos
tiatives qui, en 1975, surmonte- Parmi les différents labyrinthes que Morris produz à época do texto, talvez possamos considerar seu
raient l’insistance minimaliste et jeux de miroirs que Morris pro- observatório, projetado e construído entre 1971 e 1977, como o trabalho
sur les aménagements de l’espace duit au moment du texte, peut- que condensa seu interesse na antiga arte peruana. Observatory é uma
dans les réseaux et systèmes. Ces être on peut considérer son obser- estrutura circular feita em terra, madeira, granito e aço com 91 metros
initiatives « s’aventurent dans l’ir- vatoire, conçu et construit entre de diâmetro, permanentemente instalada em Oostelijk Flevoland, na
rationalité de l’espace réel », dans 1971 et 1977, comme le travail qui planície holandesa. A construção orienta o corpo do observador com
le domaine duquel le « dilemme condense son intérêt pour l’art relação ao espaço aberto ao redor, fixando pontos de observação de
sujet-objet ne se résout jamais »22. ancien du Pérou. Observatory est solstícios e equinócios através de linhas imaginárias que conectam o
Des formes labyrinthiques, solip- une structure circulaire en terre, centro do círculo a marcos externos, construídos à altura relativa do
sistes, une errance continue et bois, granit et acier de 91 mètres horizonte. É um local de ultrapassagens de tempo e espaço: entre o
le sentiment de se perdre dans de diamètre, installé de façon per- humano e o cósmico, o próximo e o inatingível, o eu e o mundo, limites
des espaces sans limites précises, manente dans Oostelijk Flevo- se desenham e desaparecem.
constituent ce domaine en com- land, dans les basses terres hol-
mun entre Nasca et des artistes landaises. La construction oriente
tels que Michael Asher, Mary du corps du spectateur par rap-
Miss, Alice Aycock, Vito Acconci port à l’espace ouvert tout autour,
et Bruce Nauman, dont les œuvres en fixant des points d’observa-
illustrent le texte de Morris. tion de solstices et d’équinoxes
Les lignes dans le désert, par des lignes imaginaires reliant
continue Morris, sont une média- le centre du cercle à des repères
tion entre le plan et l’espace pro- externes, construits à la hauteur
fond, entre des notations simples relative de l’horizon. C’est un lieu
sur le sol et la totalité insaisis- de dépassements du temps et de
sable du paysage, entre l’abstrac- l’espace: entre l’humain et le cos-
tion humaine et la force de la mique, l’autre et l’inaccessible, le
nature. Le corps humain, avec son moi et le monde, les limites sont
échelle et sa relativité de la per- tracées et disparaissent.
ception, est l’axe de cette média-
tion. Il n’est pas possible de savoir

22  Ibid., p. 165.

68 Poéticas I Patricia Corrêa 69


MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS

La «Parole» «de» l’«artiste», “Fala” “do” “artista”,


ou mieux encore, la horde hurlante ou melhor, a cambada urra
MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS

Le texte présent répond à une des techniciens et des ensei- O presente texto responde ao convite das professoras-artistas Ira-
invitation des enseignants-ar- gnants des départements d’Arts cema Barbosa e Karina Dias no sentido de participar do Poéticas I
tistes Iracema Barbosa et Karina Scéniques et d’Arts Visuels. Nous – Encontro Internacional em Poéticas Contemporâneas, a realizar-se
Dias, en vue de participer à Poé- sommes un groupe. em junho de 2016, na Universidade de Brasília. O convite refere-se
ticas I – Rencontre Internatio- à fala do artista. Difícil, para nós, que somos grupo, cambada,1 nos
nale de Poétiques Contempo- Difficulté 1: «artiste» identificarmos com o termo “artista”. O Grupo de Pesquisa Corpos
raines, qui se tiendra en Juin L’ objectif principal de Corps Informáticos,2 lugar do qual falo, formou-se em 1992, na Universidade
2016, à l’Université de Brasilia. Informatiques, dont le nom de Brasília, com alunos, técnicos e professores dos departamentos
L’invitation porte sur la parole évoque immédiatement la plu- de Artes Cênicas e Artes Visuais. Somos grupo.
de l’artiste. Difficile pour nous, ralité, est de penser le corps face
qui formons un groupe, une à la technologie. Dificuldade 1: “artista”
horde1, de nous identifier sous O objetivo primeiro do Corpos Informáticos, cujo nome revela desde
le terme d’« artiste ». Le Groupe Corps Informatiques naît comme cedo o plural, era pensar que corpo frente às tecnologias.
de Recherche Corps Informa- un “groupe” de par la nécessité
tiques2, le lieu dont je parle, s’est antérieurement ressentie par Bia Corpos Informáticos nasce “grupo” por uma necessidade anteriormente
constitué en 1992 à l’Université Medeiros au cours de performan- sentida por Bia Medeiros em performances realizadas em 1983 e 1984. A
de Brasilia, avec des étudiants, ces réalisées en 1983 et 1984. La performance necessita potência, necessita apoio, sincronia (e naturalmente

1  Le terme «cambada» (NdT: traduit comme «horde» en français) nous a été suggéré
par Maicyra Leão, professeure à l’Université Fédérale de Sergipe, et ex-membre de 1  O termo “cambada” nos foi sugerido por Maicyra Leão, professora na Universidade
Corps Informatiques. Federal de Sergipe, ex-integrante do Corpos Informáticos.
2  Corps Informatiques est un groupe de recherche en art contemporain : composition 2  Corpos Informáticos é grupo de pesquisa em arte contemporânea: composição urbana,
urbaine, performance, vidéo-art, web-art. www.corpos.org; www.corpos.blogspot.com. performance, videoarte, webarte. www.corpos.org; www.corpos.blogspot.com.br; www.
br; www.performancecorpopolitica.net (peut-être le plus important site de perfor- performancecorpopolitica.net (talvez o maior site de performance realizado a partir do
mances réalisées au Brésil); www.facebook.com/corposinformaticos; vimeo/corpos. Le Brasil); www.facebook.com/corposinformaticos; vimeo/corpos. Compõem atualmente
groupe Corps Informatiques est actuellement composé de: Ayla Gresta; Bia Medeiros; o Corpos Informáticos: Ayla Gresta; Bia Medeiros; Bruno Corte Real; Diego Azambuja;
Bruno Corte Real; Diego Azambuja; Gustavo Silvamaral; João Stoppa; Maria Eugênia Gustavo Silvamaral; João Stoppa; Maria Eugênia Matricardi; Mariana Brites (Alla Soub
Matricardi; Mariana Brites (Alla Soub d’Nadah); Mateus de Carvalho Costa; Matheus d’Nadah); Mateus de Carvalho Costa; Matheus Opa; Natasha de Albuquerque; Romulo
Opa; Natasha de Albuquerque; Romulo Barros; Thiago Marques, ZMário. Barros; Thiago Marques, ZMário.

70 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 71


performance nécessite de la puis- formant une dynastie de députés diacronia, diria Bernard Stiègler). A performance, em nosso entender,
sance, du soutien et de la synchro- et de sénateurs) où tout le monde pede grupo. Convidar auxiliares é uma possibilidade, mas a performance,
nie (et naturellement, de la diachro- suit les normes d’une «beauté» realizada dentro de um processo de improviso, deseja amálgama da equipe,
nie, dirait Bernard Stiègler). La établie par les médias, dont les precisa “dar liga”, talvez organicidade: fazer para si um corpo sem órgãos.
performance, à notre sens, suppose propriétaires sont : des chirur- Com isto concordamos, mas é preciso fazer corpo com órgãos com o grupo:
le groupe. Convier des soutiens est giens plastiques dégoûtants, membros de um grupo se colocando em ação como órgãos, talvez uma
une possibilité, mais la performan- cheveux acajous bien implantés, orquestra de jazz, quiçá pescadores puxando a rede na cadência do mar.3
ce ayant lieu dans le cadre d’un vêtus de costumes valant chacun
processus d’improvisation, elle exi- de nombreux paniers d’alimenta- Não somos “artista” no singular. Somos uma cambada e atua-
ge l’amalgame de l’équipe, néces- tion, et conduisant des voitures mos nas ruas, somos um grupo porque atuamos na rua, somos uma
site de « créer du lien », peut-être valant plusieurs maisons. cambada e a rua é nossa, o governo é nosso, fruto do nosso voto,
même une organicité: constituer un Depuis 2011, le Groupe de ainda que momentaneamente tomado por canalhas, corruptos, réus:
corps sans organes. Nous sommes Recherche Corps Informatiques um bando de velhos, brancos, ricos (às custas de vários mandatos
d’accord avec tout cela, mais il est réalise des actions que nous seguidos e às custas de vários mandatos de seus pais, tios, primos,
nécessaire de faire corps avec les appelons Composition Urbaine, dinastias de deputados e senadores) onde todos seguem as normas
organes du groupe: les membres ou plus simplement C.U. L’Art de uma “beleza” estabelecida pela mídia, da qual são donos: cirurgias
d’un groupe se mettent en action peut être une intervention ou plásticas nojentas, cabelos acaju implantados, ternos que valem
comme des organes, tel un orchestre une interférence urbaine. Corps muitas cestas básicas, carros que valem várias casas.
de jazz, voire des pêcheurs tirant Informatiques aime, et préfère, le Desde 2011, o Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos vem
leur filet au rythme de la marée.3 terme « composition urbaine ». realizando ações que denominamos Composição Urbana, ou sim-
La composition urbaine n’inter- plesmente C.U. A arte pode ser intervenção ou interferência urbana.
Nous ne sommes pas fère pas et n’intervient pas, elle Corpos Informáticos quer, e prefere o termo, “composição urbana”. A
« artiste » au singulier. Nous compose et décompose avec son composição urbana não interfere nem intervém, compõe e decom-
sommes une horde intervenant propre corps, avec le corps de põe com o corpo próprio, com o corpo do outro, com o espaço dito
dans la rue, nous formons un l’autre, avec l’espace dit « public » “público” (espaços ex-situ), com a internet.
groupe parce que nous agissons (espaces ex-situ), avec Internet. Em 2014, estas ações tornaram-se dança. As denominamos Desfi(L)
dans la rue, nous sommes une En 2014, ces actions se sont ando e dançamos como Nietzsche sugeriu:
horde et la rue est à nous, le gou- muées en danse. Nous les avons
vernement est à nous, fruit de appelées Défi(L)ant, et nous dan- Pelo canto e pela dança, o homem manifesta seu pertencimento à uma
notre vote, bien que momentané- sons tel que Nietzsche l’a suggéré: comunidade superior: ele desaprendeu a andar e a falar e, dançando,
ment confisqué par des canailles, ele está a ponto de voar nos ares. Seus gestos dizem seu feitiço […] ele
des corrompus, et des condam- Par le chant et la danse, l’hom- se sente deus, ele circula extasiado, elevado, assim como ele viu em seus
nés: une bande de vieux, blancs me manifeste son appartenance à sonhos andarem os deuses. O homem não é mais artista, ele tornou-se
et riches (renouvelés dans des une communauté supérieure : il a obra de arte: o que se revela, aqui, na emoção da embriaguez, é em vista
mandats consécutifs, à l’instar désappris de marcher et de parler da suprema volúpia e da calma do Um originário, a potência artista da
de leurs pères, oncles, cousins, et, dansant, il est sur le point de natureza inteira.4

3  MEDEIROS, Maria Beatriz de. Presença e organicidade: corpos informáticos, perfor-


3  MEDEIROS, Maria Beatriz de. Presença e organicidade: corpos informáticos, perfor-
mance, trabalho em grupo e outros conceitos. Revista LUME, n. 4, dez. 2013.
mance, trabalho em grupo e outros conceitos. Revista LUME, n. 4, dez. 2013. p. 1
4  Par le chant et la danse, l’homme manifeste son appartenance à une communauté

72 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 73


s’envoler dans les airs. Ses gestes existants, c’est-à-dire, suggérer un Lendo este trecho de Nietzsche percebemos que, quando ele
disent son ensorcellement. […] il autre «être dans l’espace», un autre se refere à dança, e a especifica, faz questão de diferenciá-la da
se sent dieu, il circule lui-même «espace dans l’(être)air: défi(L)er, dança militar (marcha de tropas) e do balé. Então, vislumbramos
extasié, soulevé, ainsi qu’il a vu défier, provoquer, et peut-être tirer uma criança de cerca de 4 anos, andando de mãos dadas com a
dans ses rêves marcher les dieux. le fil de tant d’agressivité avec une mãe e andando com movimentos descompassados, saltitantes,
L’homme n’est plus artiste, il est autre danse. Cet autre espace, cet como que tendo a intenção de gastar os sapatos. E, neste vis-
devenu œuvre d’art : ce qui se ré- autre corps est une menace. lumbrar, compreendemos o que denominamos “dançar como
vèle ici dans le tressaillement de Le groupe fait le lien, est lié, et entendemos que Nietzsche sugeriu” (embora tenhamos conclu-
l’ivresse, c’est, en vue de la suprême agit comme un organisme vivant: ído por nossos próprios caminhos o que Nietzsche talvez tenha
volupté et de l’apaisement de l’Un il forme, il déforme, il n’informe sugerido): andar sem dar um passo igual ao outro, dançar sem
originaire, la puissance artiste de pas. Nous, Corps Informatiques, ser em linha reta, procurar os abismos ignorados dos espaços
la nature tout entière.4 ne ne voyons pas comme une existentes, isto é , sugerir um outro estar no espaço, um outro
«machine de guerre».5 Nous espaço no (est)ar: desfi(L)ar, desfiar, desafiar, talvez tirar o fio
À la lecture de ce passage de avons très peu de critiques à for- de tanta agressividade com uma outra dança. Este outro espaço,
Nietzsche, on se rend compte muler sur la philosophie de ces este outro corpo ameaça.
que lorsqu’il fait référence à la auteurs, mais ici nous ne parta- O grupo faz liga, se liga, age como um organismo vivo: ele
danse, et la spécifie, il tient à la geons pas leur avis. La machine forma, deforma, não informa. Nós, Corpos Informáticos, não
différencier de la danse militaire de guerre, tels que les auteurs nos entendemos como “máquina de guerra”5. Muito pouca coisa
(la marche militaire) et du bal- l’affirment, est en général absor- temos a criticar à filosofia destes autores, mas, aqui, discordamos.
let. Ainsi, nous entrevoyons un bée par la machine d’État, comme A máquina de guerra, conforme afirmam os autores, em geral,
enfant d’environ quatre ans, mar- cela est arrivé avec les gouver- é absorvida pela máquina de Estado, tal como aconteceu com
chant main dans la main avec sa nements Lula et Dilma, absor- os governos Lula-Dilma, absorvidos pela máquina centenária
mère, faisant des mouvements bés par la centenaire machine de da corrupção brasileira. Não queremos ser máquina de guerra.
atypiques, bondissants, comme corruption brésilienne. Nous ne A guerra deixamos para os machos heteronormativos e outros
pour user ses chaussures. Dans souhaitons pas être une machine raivosos. Acreditamos que uma prática outra deve ser a peteca
cette vision, nous comprenons de guerre. Nous laissons la guerre da vez (referência à expressão “bola da vez”). Uma peteca a ser
ce que nous appelons « danser aux machos hétéro-normatifs et jogada, a ser brincadeira, ousadia, ironia. A nossa “máquina” é
tel que Nietzsche l’a suggéré » autres enragés. Nous croyons que corpo e ironia, mas também pode ser considerada carinho.
(bien qu’ayant déterminé par nos l’heure est venue pour d’autres
propres moyens ce que Nietzsche pratiques, plus amusantes,
aurait pu suggérer): marcher sans audacieuses, et ironiques. Notre
faire un pas égal à un autre, dan- « machine » est le corps et l’iro- supérieure : il a désappris de marcher et de parler et, dansant, il est sur le point de s’en-
voler dans les airs. Ses gestes disent son ensorcellement. […] il se sent dieu, il circule
ser sans se tenir droit, rechercher nie, mais on peut aussi considé-
lui-même extasié, soulevé, ainsi qu’il a vu dans ses rêves marcher les dieux. L’homme
les abîmes ignorés des espaces rer que c’est l’affection. n’est plus artiste, il est devenu œuvre d’art : ce qui se révèle ici dans le tressaillement
de l’ivresse, c’est, en vue de la suprême volupté et de l’apaisement de l’Un originaire, la
puissance artiste de la nature tout entière. (NIETZSCHE, F. La Naissance de la tragédie.
4  NIETZSCHE, F. La Naissance de la tragédie. (LEIPZIG, E.; FRITZSCH, W. 1872). (LEIPZIG, E.; FRITZSCH, W. 1872). Tradução de HAAR; LACOUE-LABARTHE; NANCY.
Trad. HAAR; LACOUE-LABARTHE; NANCY. Paris: Gallimard, 1989. p. 45. Paris: Gallimard, 1989. p. 45, tradução nossa).
5  DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de 5  DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995. v. 1. Janeiro: Editora 34, 1995. v. 1.

74 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 75


La performance est l’affection concept de danse, de façon indé-
comme métamorphose : inédite, terminée, incongrue, ironique,
éphémère, trans-linguistique, irrévérencieuse, faisant corps
collective, inter-subjective. Elle avec le Groupe. Le corps d’affec-
se réinvente à chaque fois en se tion / d’ironie n’est pas ingénu,
relationnant à l’espace spécifique il s’organise pour entrevoir les
où elle se produit. Improvisation. finalités et ne suit pas de script.
C’est une langue sans grammaire Corps Informatiques sort dans
et sans lexique. Elle n’établit pas de la rue en pratiquant l’improvi-
concept, teste, expérimente. Elle se sation, et avec son expérience
réalise mais rien ne se conclut. Elle l’itération avec les passants, les
abandonne l’itérateur à sa percep- errants, les agressifs stressées,
tion déstabilisée.6 ceux que la société hyper-in- Participação de Corpos Informáticos na peça Ultra-romântico (Grupo
dustrielle considère comme Liquidificador), Teatro Dulcina de Moraes (subsolo), abril, 2016. / Par-
ticipation de Corps Informatiques dans la pièce Ultra-romantique (du
D’autre part, nous recher- fous, ceux que la société capita- Groupe Liquidificateur), Théâtre Dulcina de Moraes (sous-sol), en avril
chons aussi l’incongru, la déri- liste considère comme pauvres, 2016. [Da esquerda para a direita /de gauche à droite: Alla Soub, Ingrid
Kaline, João Stoppa, Thiago Marques, Natasha de Albuquerque, Romulo
sion, le ridicule, la débauche, le elle qui ignore les connaissances
Barros, Gustavo Silvamaral, Matheus Opa, ZMário, Ayla Gresta, Bia
sarcasme et/ou l’ironie. L’ironie séculaire des sociétés autoch- Medeiros, Bruno Corte Real. Foto: Mateus de Carvalho Costa]
déstabilise. Vladimir Safatle en tones, tziganes, et paysannes.
parle ainsi: Nous avons Défi(L)é, en 2015,
sans aucun son, vêtus de vête- A performance é carinho por ser metamorfose: inédita, efêmera, trans-
Ironiser, c’est montrer que quelque ments de l’U.T.I., et nous avons linguística, grupal, intersubjetividade. Ela se inventa a cada atuação
chose ne correspond pas à son pro- baptisé cette action: Urba- relacionando-se com o espaço específico onde se dá. Improviso. Ela é
pre concept, sans pour autant être noïdes Voyageant dans l’Inexis- linguagem sem gramática, sem léxico. Não funda conceitos, testa, ex-
obligé de fournir une détermination tant (Urbanóides Transitam o perimenta. Realiza-se e nada conclui. Deixa o iterator abandonado a
conceptuelle normative.7 Inexistente - U.T.I.): du métro sua percepção desestabilizada.6
de l’Aile Sud jusqu’à Taguatinga,
Nous avons dansé quelque un parcours de 1 km à Tagua- Por outro lado, também buscamos fuleragem (sic), zombaria, cha-
chose qui ne correspond pas au tinga, puis le retour en métro, cota, deboche, sarcasmo e/ou ironia. A ironia desestabiliza. Vladimir
Safatle assim se refere à ironia:

Ironizar é mostrar como algo não corresponde a seu próprio conceito sem,
6  MEDEIROS, Maria Beatriz de. Performance artística e espaços de fogo cruzado.
com isso, ser obrigado a fornecer uma determinação conceitual normativa.7
In: MEDEIROS, M. B.; MONTEIRO, M. F. M. Espaço e performance. Brasília: PPG-
arte-UnB, 2007. p. 111 a 121. Disponible sur: <performancecorpopolitica.net/?page_
id=478>. (consulté le 1/05/2016). 6  MEDEIROS, Maria Beatriz de. Performance artística e espaços de fogo cruzado. In:
7  Bien que nous l’ayons utilisé, il est nécessaire d’indiquer que nous n’en recomman- MEDEIROS, M. B.; MONTEIRO, M. F. M. Espaço e performance. Brasília: PPG-arte-UnB,
dons absolument pas la lecture. Les blagues de Slavoj Žižek sont machistes, racistes, 2007. p. 111 a 121. Disponível em: <performancecorpopolitica.net/?page_id=478>. Acesso
xénophobes, enfin, absolument irritantes. (SAFATLE, Vladimir. Killing jokes. In: em: 1º maio 2016.
ŽIŽEK, Slavoj. As piadas de Žižek: já ouviu aquela de Hegel e a negação? São Paulo: 7  SAFATLE, Vladimir. Killing jokes. In: ŽIŽEK, Slavoj. As piadas de Žižek: já ouviu aquela
Três Estrelas, 2015. p.70). de Hegel e a negação? São Paulo: Três Estrelas, 2015. p. 70.

76 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 77


soit environ 3 heures de perfor- de l’événement Perfor 6 (Associa- Dançamos algo que não corresponde ao conceito de dança sem
mance8. Nous avons Défi(L)é en tion Brasil Performance). Nous determiná-la, de forma fuleira, com ironia, com irreverência, fazen-
octobre, à Rio de Janeiro, avec avons défi(L)é avec Luisa Gun- do corpo com o Grupo. O corpo de carinho/ironia não é ingênua, se
juste quelques traits de rouge ther et Ary Coelho durant l’évé- organiza para entrever rumos e não tem script.
sur les vêtements, de Ipanema nement Performance Corps Poli- Corpos Informáticos vai para as ruas com a prática do improvi-
en métro, jusqu’au Largo do tique9 organisée par Corps Infor- so e com a experiência em iteração com os passantes, os errantes,
Machado, puis à pied jusqu’à la matiques à la gare routière à Bra- os estressados agressivos, os considerados doidos pela sociedade
Place Saõ Salvador. Ici, de nom- silia, en silence, ornés de boucles hiperindustrial, os considerados pobres pela sociedade capitalista
breuses personnes sont venues en acajou, ainsi que pendant l’évé- que ignora saberes centenários das sociedades indígenas, ciganas,
nous composer avec nous : des nement de danse XYZ, en silence campesinas.
amis, des cousins, Alex Hambur- et partiellement habillé de jaune Desfi(L)amos em Taguatinga, em 2015, sem som algum, vestidos
ger, Raphael Couto, Suely Farhi, et de noir.10 com roupa de U.T.I. e chamamos essa ação: Urbanóides Transitam o
des enfants et des mendiants. Le Nous avons Défi(L)é à Goiânia, Inexistente (U.T.I.): de metrô da Asa Sul à Taguatinga, um percurso
Corps n’était représenté que par lors de l’événement Roçadeira, de 1 km em Taguatinga e retorno de metrô, isto é cerca de 3 horas
4 personnes. Il n’y avait pas de 2015, avec des chaises blanches em performance.8 Desfi(L)amos, em outubro, no Rio de Janeiro ape-
musique et lorsqu’elle est arrivée et partiellement vêtus de noir.11 nas com detalhes vermelhos na roupa, de Ipanema, de metrô, até o
(un groupe de samba sur la place) Et nous avons Défi(L)é au Congrès Largo do Machado e, em seguida, a pé até a Praça São Salvador. Aqui
nous sommes restés immobiles, National.12 Nous y avions pro- muitos vieram compor conosco: amigos, primos, Alex Hamburger,
comme des statues au milieu grammé une visite et, sans guide, Raphael Couto, Suely Farhi, crianças e mendigos. O Corpos estava
des gens qui dansaient. L’action nous avons défié l’ordre dans representado apenas por 4 pessoas. Não havia música e quando
a duré près de deux heures. ladite Chambre du Peuple jusqu’à houve (roda de Samba da Praça) nos mantivemos parados, estátuas
Nous avons Défi(L)é en nombre, nous faire expulser. Peut-être ne no meio do povo dançando. A ação durou cerca de 2 horas.
en silence, à l’ICC de l’Université sommes-nous pas le peuple, mais Desfi(L)amos, sem som, com muitos, no ICC da Universidade de
de Brasília, pendant presque deux seulement des parapluies non- Brasília, por quase duas horas, com algum toque de vermelho nas
heures, avec quelques marques oublieux de l’histoire récente et roupas e muitos participantes espontâneos. Desfi(L)amos sem som,
rouges sur les vêtements et de à venir du Brésil de 2015. com cachos de pedaços de casca de mognos vestidos parcialmente de
nombreux participants spon- Le 27 Février 2016, nous vermelho em São Paulo durante o evento Perfor 6 (Associação Brasil
tanés. Nous avons Défi(L)é, en avons Défi(L)é avec Jorge Schutze Performance). Desfi(L)amos com Luisa Gunther e Ary Coelho durante
silence, avec des grappes de bouts (13/12/1963 — 29/02/2016), éga- o evento Performance Corpo Política9 organizado pelo Corpos Infor-
d’écorce d’acajou et partiellement lement lors de l’événement máticos na rodoviária de Brasília, sem som, com cachos de mognos,
vêtus de rouge, à São Paulo, lors Danse XYZ. Dans ce contexte, la e durante o evento Dança XYZ, sem som vestidos parcialmente de
amarelo e preto.10
8  Disponible sur: <https://vimeo.com/159271747>. (consulté le 5/10/2017).
9  Disponible sur: <performancecorpopolitica.net>. (consulté le 5/10/2017). Apesar de aqui utilizarmos este livro, vale ressaltar que absolutamente não o recomenda-
10  Disponible sur: <https://www.facebook.com/mostradedancaxyx/>. (consulté le mos. As piadas de Slavoj Žižek são machistas, racistas, xenófobas, enfim, absolutamente
5/10/2017). irritantes.
11  Disponible sur: <http://corpos.blogspot.com.br/2015_12_01_archive.html>. 8  Disponível em: <https://vimeo.com/159271747>. Acesso em: 5 out. 2017.
(consulté le 5/10/2017). 9  Disponível em: <performancecorpopolitica.net>. Acesso em: 5 out. 2017.
12  Disponible sur: <https://www.facebook.com/CorposInformaticos/>. Postagens du 10  Disponível em: <https://www.facebook.com/mostradedancaxyx/>. Acesso em: 5
13 au 17 avril 2016. (consulté le 5/10/2017). out. 2017.

78 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 79


proposition de Schütze consistait était le parapluie «. Le parapluie Desfi(L)amos em Goiânia no evento Roçadeira, 2015, com ca-
à demander aux personnes pré- qui nous intéresse est incongru deiras brancas e vestidos parcialmente de preto.11 E desfi(L)amos
sentes si elles voulaient bien dan- en étant complètement néces- no Congresso Nacional.12 Aqui agendamos uma visita e, sem guia,
ser pour eux. En acceptant, il se saire. D’ailleurs, la référence la desafiamos a ordem na dita Casa do Povo até sermos expulsos. Talvez
mettait à danser pour une durée plus ancienne à un parapluie não fossemos povo, mas apenas guarda-chuvas não desmemoriados
indéterminée, pour cette per- est chinoise, et elle date du pre- da história recente e a vir do Brasil 2015.
sonne. Ainsi, l’avant-dernier jour mier siècle. L’empereur Wang Em 27 de fevereiro de 2016, Desfi(L)amos com Jorge Schutze
de sa vie, il a dansé pendant près Mang, fondateur de la dynastie (13/12/1963 — 29/02/2016), também, no evento Dança XYZ. Aqui, a
de 3 heures. Corps Informatiques Xin, l’aurait conçu comme un proposta de Schutze era perguntar às pessoas se elas queriam que
a défi(L)é pendant tout ce temps, parapluie/parasol, avec des arti- ele dançasse para elas. Ao aceitarem, se punha a dançar por tempo
dansant avec des parapluies et culations pour être fixé sur une indeterminado, para aquela pessoa. Neste, seu penúltimo dia de
partiellement vêtus de bleu, la charrette. Une rapide recherche vida, dançou por cerca de 3 horas. Corpos Informáticos desfi(L)ou
couleur préférée de Schutze pour semble indiquer que les pre- ao longe, dançando, com guarda-chuvas e parcialmente vestidos de
ses performances. miers parapluies étaient consi- azul, cor preferida de Schutze para performances.
Dans ce cadre, nous avons dérés comme des symboles de Aqui, usamos guarda-chuvas pois em texto de Jacques Der-
utilisé des parapluies, en réfé- noblesse et souvent utilisés lors rida, recentemente, lemos: “Nunca se poderá dispensar a hipó-
rence au texte de Jacques Der- de cérémonies religieuses.15 tese […] de que a totalidade do texto de Nietzsche seja, talvez,
rida que nous avions récemment enormemente do tipo ‘eu esqueci meu guarda-chuva’.”13 E re-
lu: « On ne pourra jamais écar- Difficulté 2: «parole» pito: “A totalidade do texto de Nietzsche” “do tipo ‘eu esqueci
ter l’hypothèse [...] que la tota- Difficile pour nous, constitués meu guarda-chuva’” é uma tremenda ousadia (fuleragem?) de
lité des textes de Nietzsche est de corps et de Corps Informa- Derrida, da qual gostamos muito. E ele não para aí: “como se o
peut-être, énormément, du type tiques, de prendre position sur ser […] fosse o guarda-chuva que a distração de um professor
« j’ai oublié mon parapluie ».13 la « parole ». Michel Serres dis- tivesse abandonado em alguma parte.”14 E repito: “como se o ser
«Et je le répète: « la totalité des tingue le doux du dur. Le doux […] fosse o guarda-chuva.” O guarda-chuva nos interessa, ele é
textes de Nietzsche » « de type serait le numérique, la philoso- fuleiro em sendo completamente necessário. Inclusive, a mais
«j’ai oublié mon parapluie» » phie, le langage, les signes, l’in- antiga referência a um guarda-chuva é chinesa e data do século
est une formidable audace (une formation. Le dur serait le corps, I. O imperador Wang Mang, fundador da dinastia Xin, o teria
incongruité?) de Derrida, que le manuel, l’énergie. Et dans le concebido como guarda-chuva/guarda-sol, já com articulações e
nous aimons beaucoup. Et il ne passage du volatile au gazeux, se a ser fixado em charrete. Uma pesquisa rápida parece indicar que
s’arrête pas là: « comme si l’être trouverait une douceur. Ne nous os primeiros guarda-chuvas eram símbolos de nobreza e muitas
[...] était le parapluie que la dis- pouvons pas danser le mot, le lan- vezes utilizados em cerimônias religiosas.15
traction d’un professeur avait fait gage ni l’information, et nous
abandonner quelque part. »14. Et affirmons même que l’incongruité
je le répète, « comme si l’être [...] (sic), tel que nous entendons 11  Disponível em: <http://corpos.blogspot.com.br/2015_12_01_archive.html>. Acesso
em: 5 out. 2017.
12  Disponível em: <https://www.facebook.com/CorposInformaticos>. Postagens dos
13  DERRIDA, Jacques. Esporas. Os estilos de Nietzsche. Rio de Janeiro: NAU, 2013. p. 102. dias 13 a 17 de abril de 2016.
14  Ibid., p. 110. 13  DERRIDA, Jacques. Esporas. Os estilos de Nietzsche. Rio de Janeiro: NAU, 2013. p. 102.
15  Disponible sur: <http://wol.jw.org/fr/wol/d/r5/lp-t/102003526>. (consulté le 14  Ibid., p. 110.
5/10/2017). 15  Disponível em: <http://wol.jw.org/fr/wol/d/r5/lp-t/102003526>. Acesso em: 5 out. 2017.

80 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 81


notre performance, n’est pas un « Ce qui est “réel”, de façon Dificuldade 2: “fala”
langage. Le questionnement, par bien plus originale encore que Difícil, para nós, que somos corpos e Corpos
la parole, par l’Art, par le cri de le logos [...] est le esthesis »16. Par Informáticos, nos posicionarmos sobre a
l’être, est un hurlement volatile, logos, Heidegger entend: le dis- “fala”. Michel Serres distingue o doce do
multiple et toujours particulier. cours (apofansis), la raison, le duro. O doce seria o digital, a filosofia, a
jugement, le concept, la défi- linguagem, os signos, a informação. O duro
nition, le fondement, ce qui se seria o corpo, o manual, a energia. E nesta
révèle, laisse et se laisse voir, passagem do sumido ao gasoso dar-se-ia um
en étant la parole, articulation adoçar. Não dançamos a palavra, a linguagem
de mots, dans laquelle quelque nem a informação, inclusive afirmamos que
chose est toujours visualisé. Et il Corpos Informáticos com guarda-chuvas. a fuleragem (sic), assim como entendemos
affirme, de nouveau, que le logos Evento Dança XYZ. Brasília. Foto: Luisa nossa performance, não é linguagem. O ques-
Gunther. / Corps Informatiques avec
peut être réel ou faux. des parapluies. Événement Danse XYZ. tionar, pela palavra, a arte, grito do ser, é urro
Serait-il possible que le logos Brasília. Photo: Luisa Gunther. volátil, múltiplo e sempre particular. Como o
signifie l’« abîme infranchis- ser que é inapreensível, assim também a arte
sable »?17 Serait-il possible d’uti- permanecerá inapreensível pela palavra enrijecida ou, se apreendida,
liser le logos, le doux, qui n’est deixará de ser capaz de expressão para se tornar código.
pas d’origine, ce qui n’appartient Beijem-nos, antes que o substrato de nossas ações se tornem figura
Desfi(L)ando, no ICC da Universidade de à aucun « lieu » de la vérité (de de retórica! Escrevi em 1989 nas páginas do meu Doutorado.
Brasília. Brasília, 2015. Foto: Mateus de la cohérence) pour parler à l’es- “O que é ‘verdadeiro’, de modo ainda mais originário do que o logos
Carvalho Costa / Défi(L)ant, à l’ICC de
l’Université de Brasília. Brasília, 2015. thesis, le dur? Serait-il possible [...] é a aisthesis”16. Por logos, Heidegger entende: discurso (apofansis),
Photo: Mateus de Carvalho Costa d’utiliser le logos, le doux, de dire razão, juízo, conceito, definição, fundamento, aquilo que revela, deixa
ce qui touche à notre perception, e faz ver sendo fala, articulação em palavras, na qual sempre algo já
à savoir, à ce qui a trait à ce qui é visualizado. E afirma, ainda, o logos pode ser verdadeiro ou falso.
Tel l’être incompréhensible, l’Art est toujours réel? Seria possível o logos dizer o “abismo intransponível”?17 Seria
demeure insaisissable par un mot L’Art révèle un autre monde possível utilizar o logos, o doce, o que não é originário, o que não
renforcé ou, s’il était compris, il réel, crée un monde qui lui est é o “lugar” da verdade (da coerência) para falar a aisthesis, o duro?
perdrait toute expression pour propre, est une ouverture vers la Seria possível utilizar o logos, o doce, para dizer aquilo que toca a
en devenir le code. fusion avec le socius, sa confusion percepção, isto é, aquilo que diz respeito ao que é sempre verdadeiro?
_ Embrassez-nous, avant que le qui mène et rejoint le mouvement A arte revela um outro do mundo real, cria um mundo que lhe é
substrat de nos actions ne devienne du sensible: les 11 sens et le sens, próprio, é abertura para a fusão com o socius, sua confusão que leva
une figure de rhétorique!, ai-je écrit pourtant « sans concepts ».18 L’Art e encontra o movimento do sensível: dos 11 sentidos e do sentido,
en 1989 dans les pages de mon est la pensée, mais la pensée porém “sem conceitos”18. A arte é pensamento, mas pensamento-
doctorat. comme corps entier, découverte à comocorpointeiro, descoberta a cada lance e a cada outro urro para

16  HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 64. 16  HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 64.
17  HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2000. p. 67. 17  HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2000. p. 67.
18  Ibid.; SAFATLE, Vladimir. Killing jokes. In: ŽIŽEK, Slavoj. As piadas de Žižek: já 18  Ibid.; SAFATLE, Vladimir. Killing jokes. In: ŽIŽEK, Slavoj. As piadas de Žižek: já ouviu
ouviu aquela de Hegel e a negação? São Paulo: Três Estrelas, 2015. aquela de Hegel e a negação? São Paulo: Três Estrelas, 2015.

82 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 83


chaque étape et à chaque nouveau hurlements, écrivant des textes
hurlement pour re-sentir la créa- « sérieux », commençant souvent re-sentir a criação. Por todas estas razões é difícil, para nós, que
tion. Pour toutes ces raisons, il à partir de philosophes. Notre somos corpos e Corpos Informáticos, nos posicionarmos sobre a
est difficile, pour nous pour nous, dernier livre (2011) se termine “fala”. A palavra não é capaz de dizer a aisthesis.
constitués de corps et de Corps ainsi :
Informatiques, de prendre posi- Dificuldade 3: “do”
tion sur la « parole ». Le mot n’est L’incongruité n’est pas l’oeuvre E, por fim, encontramos outra dificuldade: a preposição “do”. Poderia
pas capable de décrire l’esthesis. d’art, ni même l’événement, c’est ser “da”, poderia ser “dos”, poderia ser d@s, mas, de fato, não inte-
l’occasion, le hasard et l’impré- ressa. Esta preposição implica possessão, ter, algo que me pertence,
Difficulté 3: «de» vu. Elle est insignifiante et non- algo que é do grupo, algo que alguém tem, possui. Não queremos
Pour finir, nous avons rencontré -éphémère, elle renonce à l’oeuvre, ter, não se trata de ter.
une ultime difficulté: la préposi- à l’espace in situ et à l’esprit. Elle
tion «de». On pourrait le conju- écrit des livres, organise des évé- Conclusão
guer au féminin, au pluriel, au nements, expose dans des galeries Como nós, cambada, afirmamos a zombaria, a chacota e a fuleragem,
digit@l, mais, de fait, cela ne pré- et gagne même des concours. L’in- só para contrariar, analisamos termos (“fala do artista”) ao revés:
sente aucun intérêt. Cette pré- congruité survient en parasitant le “artista”, “fala”, “do” e jogamos amarelinha aos urros, escrevemos
position implique la possession, paysage physique ou virtuel, avec textos “sérios”, muitas vezes partindo de filósofos. Nosso último
quelque chose qui m’appartient, la participation itérative du spec- livro19 assim termina:
qui appartient au groupe, quelque tateur qui danse, chante, saute à
chose que quelqu’un a, possède. la corde ou s’excite en face de la A fuleragem não é obra de arte nem acontecimento, é ocasião (oca grande),
Nous ne souhaitons pas posséder, cireuse rouge. Il critique l’écrit, le acaso e improviso. Ela é mixuruca e não efêmera, renuncia à obra, ao
il n’est pas question de posséder. langage et l’esprit, en t’invitant à espaço in situ e mente. Escreve livros, organiza eventos, expõe em gale-
la lecture de ce livre. rias e até ganha editais. A fuleragem se dá por parasitagem na paisagem
Conclusion física ou virtual, com participação iterativa do espectador que dança,
Puisque nous, horde, affirmons la Le texte présent s’appelle canta, pula corda ou se excita na frente da enceradeira vermelha. Ela
dérision, la moquerie et l’incon- «La horde hurlante» et ren- critica a escrita, a linguagem e mente te convidando à leitura deste livro.
gruité, juste par esprit de contra- contre, comme nous l’avons dit,
riété, nous analysons les termes trois principales difficultés pour O presente texto se denomina “A cambada urra” e encontra, como
(« parole de l’artiste ») à l’envers traiter du thème de la «Parole dissemos, três grandes dificuldades para tratar do tema “Fala do
: « artiste », « parole », « de », et de l’artiste», à savoir : «artiste», artista”, a saber “artista”, “fala” e “do”.
nous jouons à la marelle sous les «parole» et «de».

19  AQUINO, Fernando; MEDEIROS, Maria Beatriz. Corpos informáticos. Performance,


corpo, política. Brasília: Programa de Pós-graduação em Arte - UnB, 2011.

84 Poéticas I Maria Beatriz de Medeiros 85


CECILIA MORI

Petit Bestiaire d’Allégories Pequeno Bestiário de Alegorias


Imaginées: annotations sur les écrits Imaginadas: anotações sobre
d'une artiste escritos de uma artista
CECILIA MORI CECILIA MORI

Note préliminaire d’un bestiaire comme écrit d’artiste Nota preliminar de um bestiário como escrito de artista
Si l’art conceptuel nous oblige à réfléchir davantage encore sur la Se a arte conceitual nos obrigou a pensar ainda mais na relação en-
relation entre la forme et le contenu, indépendamment du support, tre forma e conteúdo independentemente do suporte, por que não
pourquoi ne pas élargir cette discussion aux écrits d’artistes ? estender essa discussão para os escritos de artistas?
Je ne me réfère pas uniquement à l’espace de parole de l’artiste, Não me refiro apenas ao espaço de fala do artista, que se dá es-
qui s’est développée particulièrement à partir des années 1960. Je me pecialmente a partir dos anos 1960. Me refiro à escrita poética, que
réfère à l’écriture poétique, qui doit être intimement liée aux préoc- deve estar intimamente ligada às preocupações plásticas e metodo-
cupations plastiques et méthodologiques de l’artiste. Si l’Art invente lógicas do artista. Se a arte inventa táticas de ilusão por que essas
des tactiques d’illusion, pourquoi ces tactiques n’habitent-elles pas táticas não habitam também seus escritos? O fantástico mundo da
aussi leurs écrits ? Le fantastique monde de l’Art, qui nous per- arte, que nos permite (e incentiva) criar personagens, paisagens e
met (et nous y incite) de créer des personnages, des paysages et des contextos, valoriza a ilusão tornando o ilusório real e possibilitando,
contextes, valorise l’illusion en rendant réel l’illusoire, et en ren- assim, construir utopias. Dessa forma, por que não usar nos teclados
dant ainsi possible la construction d’utopies. De cette façon, pour- os métodos que usamos no ateliê?
quoi ne pas utiliser avec nos claviers les même méthodes que celles Pois, ao aproximarmos as práticas do ateliê com as práticas da
que nous utilisons en atelier ? escrita de artista reafirmamos a autonomia da arte sem deixarmos de
Car, en rapprochant les pratiques en atelier avec les pratiques de lado objetivos centrais dos escritos acadêmicos como a transmissão
l’écriture d’artiste, nous réaffirmons l’autonomie de l’art sans lais- de conteúdos, as revisões metodológicas (e até epistemológicas) e
ser de côté les objectifs centraux des écrits académiques comme la articulações interdisciplinares, pra dizer apenas algumas. Para tanto,
transmission de contenus, les révisions méthodologiques (et même os seres aqui descritos (Forasteiro, Ilusionista, Pateta e Vigarista)
épistémologiques) et les articulations interdisciplinaires, pour n’en têm suas especificidades metodológicas mas juntos formam o Bobo
citer que quelques-unes. Pour ce faire, les êtres ici décrits (l’Étran- da Corte, que enquanto criatura cria a própria criação, é o meio
ger, l’Illusionniste, l’Idiot et l’Escroc) ont chacun leurs spécificités enquanto é o fim.
méthodologiques, mais ensemble ils constituent le Fou du Roi, qui Se no ateliê estamos diariamente criando bestas que incorporam
tant que créature créant sa propre création, est le moyen en même paradoxos, que vivenciam a simultaneidade (im)possível da história,
temps que la fin. que se tornam alegorias do imaginário por que não defender o es-
Si, en atelier, nous créons quotidiennement des bêtes qui incor- paço da escrita de artista como também o espaço da mentira como
porent les paradoxes, qui expérimentent l’(im-)possible simultanéité verdade poética?

86 Poéticas I Cecilia Mori 87


de l’histoire, que deviennent des tâche pictorale en en rejoignant Nota do Forasteiro Excêntrico
allégories de l’imaginaire, pour- plusieurs. Peut-être aimerait-il O Forasteiro Excêntrico é espaçoso e sua admiração pelo marginal é
quoi ne pas défendre l’espace de incarner les lignes de la Montagne tamanha que vira seu tormento. O distante, o Outro, lhe atraem tanto
l’écriture d’artiste comme étant Sainte-Victoire, de Paul Cézanne. que quando o Forasteiro (Excêntrico) se dá conta, ele já não está mais
aussi l’espace du mensonge, Comme une (Balestreira?) distante mas dentro ou até no próprio centro. Mas mesmo quando
comme vérité poétique ? Bouffonnerie (ou Bêtise), il est no centro, sua essência, por ser excêntrica, o impulsiona para fora.
le point de contact entre les deux Não se sente muito à vontade fixado em um espaço qualquer.
Note de l’Étranger Excentrique côtés de la barrière qui permet- Assim que chega, o Forasteiro se direciona para a porta de saída. O
L’Étranger Excentrique est spa- taient le percement du regard trânsito é o seu lugar. O caminhar é o seu ponto final. É um andarilho
cieux et son admiration pour et des paysages (urbain et rus- como Richard Long no Sahara que ora sua andada o situa dentro de
le marginal est telle qu›elle en tique) dans les espaces opposés seu trabalho, ora em deslocamento de uma para outra, ora fora em
devient son tourment. Le distant, (interne et externe). Il est une uma paisagem excêntrica.
l›Autre, l›attirent tellement que fenêtre pour le regard et pour É encantado pelas linhas pois elas lhe servem de marco. Um li-
lorsque l›Étranger (Excentrique) l’appui belliqueux (des bêtes). En mite e um limite a ser rompido. Como é encantado pelas linhas, não
s›en rend compte, il n›est déjà tant qu’image, elle est protectrice as desfaz completamente para não perder sua referência, apenas a
plus distant mais en-dedans, voire et menaçante. Les Bêtises sont embaça, a picota, a desfia, ou faz de várias delas juntas uma mancha
en son centre. Mais, même en son des connexions entre la réalité pictórica. Talvez gostaria de encarnar as linhas da Montanha Santa
centre, son essence excentrique et le fantasme. Vitória, de Paul Cézanne.
le pousse en dehors. Avec ses nombreuses jambes Como uma Balestreira (ou Besteira), é ponto de contato entre os
Il ne se sent pas bien dès qu’il et ses nombreux pieds, l’Étranger dois lados da barreira, que permitiam o atravessamento do olhar e
est fixé dans quelque espace que Excentrique se déplace de l’Art das paisagens (urbana e campestre) nos espaços opostos (interno
ce soit. Dès qu’il arrive, l’Étranger vers la vie sans sortir de l’Art e externo).É janelas para o olhar e para o apoio bélico (das bestas).
se dirige vers la porte de sortie. Le ou de la vie. Il chemine en tout Enquanto imagem, é protetora e ameaçadora. As Besteiras são co-
traffic est son espace. La marche temps de la pratique à l’écriture et nexões entre realidade e fantasia.
est son point final. C’est un clo- de l’écriture à la pratique. La répé- Com suas muitas pernas e muitos pés, o Forasteiro Excêntrico
chard, comme Richard Long en tition est ce qui détermine son se desloca da arte para a vida sem sair da arte ou da vida. Caminha
plein Sahara, bien que sa marche originalité. Car marcher tout le da prática para a escrita e da escrita para a prática o tempo todo.
le situe à l’intérieur de son travail, temps, d’un côté et de l’autre des A repetição é o que proporciona sua originalidade. Pois estar ca-
bien qu’étant en déplacement de lignes, le fait être, tout le temps, minhando, o tempo todo, de um lado para o outro das linhas o faz
l’un vers autre, bien qu’étant dans entre l’un et l’autre. Il est dans estar, o tempo todo, entre um e outro. Num entre, a todo tempo.
un paysage excentrique. un entre-deux, en tout temps. Entre a Arte e todos os Outros sem perder totalmente os limites da
Il est enchanté par les lignes, Entre l’Art et tous les Autres, sans Arte para poder andar na linha e ao lado dela. Estar caminhando,
car elles lui servent de repère. perdre totalement les limites de o tempo todo, de um lado para o outro das linhas faz com que seus
Une limite est une limite à être l’Art pour pouvoir marcher sur muitos pés acabem por esfumaçar seu próprio rastro. Assim, seu
franchie. Comme il est enchanté la ligne et à côté d’elle. Marcher interminável ir e vir faz de todo percurso único.
par les lignes, il ne les défait tout le temps, d’un côté à l’autre O Forasteiro é inquieto. Inquieto (e espaçoso). Não apenas com
pas complètement pour ne pas des lignes fait que ses nom- relação ao espaço mas também com o tempo, já que seu incansável
perdre sa référence, il la floute, breux pieds finissent par tra- ir e vir é o que lança o devir. Seu infindável ir e vir aproxima (e às
la perfore, la défait, ou fait une cer son propre sillon. Ainsi, son vezes mistura) o futuro e o passado com o presente fazendo de todos

88 Poéticas I Cecilia Mori 89


interminable va-et-vient rend l’Art dans sa période moderne, du o presente, o tempo todo. Seu modo de agir (inquieto!) acaba por
chaque parcours unique. fait de l’idiotie (maintenant pour transformar o mundo e, como nos lembra Vaneigem1, reivindicar a
L’Étranger est inquiet. Inquiet Clément Rosset!3) du particulier, vida, como nos movimentos insurrecionais.
(et spacieux). Pas seulement par du simple et de l’unique, l’idio-
rapport à l’espace mais aussi par tie, comme la Modernité, vise à Nota sobre o Pateta Estrelar
rapport au temps, puisque son l’originalité. O Pateta Estrelar usa humor, idiotice, metáfora e outras figuras de
infatigable va-et-vient est ce qui Si l’idiotie est ce qui est linguagem porque acredita que uma boa dose de enigma permite
lance le devenir. Son intermi- dépourvu de raison, la démence, experiências mais abertas da arte e as distancia da publicidade (ou
nable va-et-vient rapproche (et la folie, la déraison, l’immatu- de outros instrumentos reguladores do tempo da percepção dos fe-
quelquefois mélange) le futur et rité, la bêtise. Ainsi, en étant nômenos cotidianos). Portanto, tem muitos olhos. Como todo bom
le passé avec le présent, et fait de idiot, l›artiste aborde les thèmes crítico é muito observador.
tout un présent, tout le temps. Sa surveillés par les gardiens de la Se a idiotice (para Jean-Yves Jouannais2) é o que faz a arte entrar
façon d’agir (inquiète!) finit par morale. En étant idiot, l›artiste no seu período moderno, por ser a idiotice (agora para Clément
transformer le monde et, comme combine des images et/ou des Rosset!3) o particular, o simples e o único, a idiotice, assim como a
nous le rappelle Vaneigem1, par concepts conflictuels. En étant Modernidade, objetiva a originalidade.
revendiquer la vie, comme dans idiot, l›artiste, quand il écrit, peut Se a idiotice é o desprovido de razão, é a demência, a loucura,
les mouvements insurrectionnels. agir comme le Fou du Roi: il est a insensatez, a imaturidade, o tolo. Sendo idiota, então, o artista
paradoxal, sot et nécessaire. aborda temas vigiados pelos guardiões da moral. Sendo idiota, o
Note sur l’Idiot Stellaire Son humour pataphysique artista combina imagens e/ou conceitos conflitantes. Sendo idiota,
L’Idiot Stellaire utilise l’humour, est une forme de connaissance o artista, quando escreve, pode atuar como Bobo da Corte: é para-
l’idiotie, la métaphore et d’autres de l’Art, de la politique, de la vie. doxal, tolo e necessário.
figures de langage parce qu’il croit Car l’humour, le rire, est une Seu humor patafísico é uma forma de conhecimento da arte, da
qu’une bonne dose d’énigme per- conscience aiguë de l’indéniable política, da vida. Pois, o humor, a risada, é consciência aguda da
met des expériences plus ouvertes et absurde dualité du monde, c’est inegável e absurda dualidade do mundo, ela é a expressão humana
sur l’Art et les distancie de la l’expression humaine de l’identité da identidade dos opostos. Assim, se o humor, para a ‘Patafísica, é
publicité (ou d’autres instruments des opposés. Ainsi, si l’humour, destruidor e criador, o humor é transformação, é potência, é absurdo.
régulateurs du temps de la per- pour la Pataphysique, est des-
ception des phénomènes quoti- tructeur et créateur, l’humour est Nota do Ilusionista Utópico
diens). Pourtant, il possède de la transformation, c’est la puis- O Ilusionista Utópico é sedutor e sonolento. Os mais gentis o chamam
nombreux yeux. Comme tout bon sance, c’est l’absurde. de avoado ou anuviado. Sua cabeça? Essa se perde de vista. Daí seu
critique, il est très observateur. pescoço prolongado como a Coluna de Brancusi. Com ele, sua cabeça
Si l’idiotie (pour Jean-Yves Note de l’Ilusionniste fica tão distante das mãos que o Ilusionista perde a visão do real e
Jouannais2) est ce qui fait entrer Utopique se alimenta de nuvens e estrelas. Ele vive sempre no mundo da lua...

1  VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad 1  VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad Editora
Editora do Brasil, 2002. do Brasil, 2002.
2  JOUANNAIS, Jean-Yves. L’Idiotie: art, vie, politique – méthode. Paris: Beuax Arts 2  JOUANNAIS, Jean-Yves. L’Idiotie: art, vie, politique – méthode. Paris: Beuax Arts
Maganize/Livres, 2003. Maganize/Livres, 2003.
3  ROSSET, Clément. Le Réel: traité de l’idiotie. Paris: Éditions de Minuit, 2011. 3  ROSSET, Clément. Le Réel: traité de l’idiotie. Paris: Éditions de Minuit, 2011.

90 Poéticas I Cecilia Mori 91


L’Ilusionniste Utopique est de d’habiter différents espaces Mas é antes de tudo sedutor. Tão sedutor que avisa que vai en-
séducteur et somnolent. Les simultanément. Comme les paren- ganar antes de fazê-lo e mesmo assim tem sucesso. Talvez seu alto
plus gentils l’appellent le cinglé thèses d’Allais, qui permettent le teor enganador seja feitio da distância de sua cabeça de suas mãos
ou l’affligé. Sa tête ? On la perd déroulement de deux récits simul- tornando-as o ponto de atenção de quem o olha. Esse é seu tat(r)o.
rapidement de vue. Puis son cou tanés, l’Illusionniste Utopique Como o enunciado de um escrito de artista. Oras, um artista escre-
prolongé, comme la Colonne de concilie l’illusion et la réalité, vendo só pode ter mentiras, não?
Brancusi. Grâce à lui, sa tête se l’oeuvre d’art et l’écriture d’artiste, Como todo ilusionista é utópico mas construtivo. Utópico como
trouve si éloignée de ses mains le mensonge et la vérité (poétique). a fé de Francis Alÿs, que é capaz de mover a montanha apenas com
que l’Illusionniste perd la vision À la façon typique des uto- o enunciado da arte. Assim, suas bobeiras são táticas poéticas para/
du réel et se nourrit de nuages et piques, il collectionne les rêves. na escrita.
d’étoiles. Il vit toujours dans le Et, en construisant des utopies, Possui mãos alongadas e expressivamente burlescas. É extrema-
monde de la lune… il collectionne des musées imagi- mente flexível ao ponto de habitar diferentes espaços simultane-
Mais avant tout c’est un naires (de Malraux4). Musées qui amente. Como os parênteses de Allais, que permitem o desenrolar
séducteur. Si séducteur qu’il pré- se perdent dans le temps et l›es- de duas narrativas ao mesmo tempo, o Ilusionista Utópico concilia
vient qu’il va vous tromper avant pace. Collections qui se perdent ilusão à realidade, a obra de arte à escrita de artista, a mentira à
le faire, et même ainsi il obtient entre le fantasme et la réalité. verdade (poética).
du succès. Peut-être sa forte ten- Dans le temps du fantasme et Como típico dos utópicos, coleciona sonhos. E, ao construir
dance mensongère est-elle due dans le temps où le fantasme utopias, coleciona museus imaginários (de Malraux4). Museus que
à la distance entre sa tête et ses frappe la réalité. Dans le temps de se perdem no tempo e espaço. Coleções que se perdem no entre a
mains, qui deviennent le point la vérité poétique, celle qui per- fantasia e a realidade. No tempo da fantasia e no tempo que a fan-
d’attention de celui qui le regarde. met de collectionner les utopies. tasia faz chocar com a realidade. No tempo da verdade poética, a que
C’est son tact (sa tare). Comme Comme récréation, l’Illusion- permite colecionar utopias.
l’énoncé d’un écrit d’artiste. D’ail- niste Utopique est respiration et Como recreio, o Ilusionista Utópico é respiro e suspiro. Promove
leurs, un artiste qui écrit ne peut inspiration. Il promeut le repos de o descanso da mente ao passo que o seduz e o põe para pensar. Como
que mentir, non ? l’esprit au rythme qui le séduit et um jogo, se propõe ao divertimento para expor a vulnerabilidade de
Comme tout illusionniste, il le fait penser. Comme un jeu, il se quem está ao redor.
est utopique mais constructif. propose au divertissement pour Por fim se, para Edson de Sousa, “precisamos de uma cultura
Utopique comme la foi de Fran- exposer de ceux qui l’entourent. que nos arranque do sono do senso comum e que possa desenhar
cis Alÿs, capable de déplacer à Finalement, si pour Edson de um horizonte de sonhos que desperte em nós o desejo de construir
des montagnes seulement avec Sousa, « nous avons besoin d’une novas formas para o pensamento e para a vida”5, a ficção e a realidade
un énoncé d’Art. Ainsi, ses sot- culture qui nous arrache de l’en- não podem ser categorias tão rígidas como costumamos pensar pois
tises sont des tactiques poétiques dormissement du sens commun um simples gesto ou movimento do desejo poderia deslocá-los de
pour/dans l’écriture. et qui puisse dessiner un horizon lugar. Mas as fazemos rígidas para nos protegermos do futuro, do
Il possède des mains allongées de rêves qui réveille en nous le incerto e da possível frustração. Assim, para os utopistas a possível
et expressivement burlesques. Il désir de construire de nouvelles
est extrêmement flexible au point formes pour la pensée et pour la
4  MALRAUX, André. Le Musée Imaginaire. Paris: Gallimard, 1965.
5  SOUSA, Edson Luiz André de. Por uma cultura da utopia. E-topia: Revista eletrônica
de estudos sobre a utopia, n. 12, 2012. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/site/default.
4  MALRAUX, André. Le Musée Imaginaire. Paris: Gallimard, 1965. aspx?qry=id05id164&sum=sim>. Acesso em: 11 out. 2014. p. 1.

92 Poéticas I Cecilia Mori 93


vie »,5 la fiction et la réalité ne Avec sa rapidité futuriste pour frustração e para os ilusionistas, a fictícia realidade. Pois a poesia,
peuvent être catégorisées aussi vite sortir de scène après une segundo o Bobo shakespeariano Toque, é mais artifício que realidade.
rigidement que nous en avons phrase à effet, l’Escroc Norma-
l’habitude, car un simple geste ou tif vit le dilemme entre la vérité Nota do Vigarista Normativo
un mouvement de désir pourrait et le mensonge, entre l’Art et la O Vigarista Normativo é o criador de armadilhas (trapas). Como
les déplacer. Mais nous faisons science, et assimile ces opposés nas Inserções em circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles, usa o meio
des catégories rigides pour nous comme leur propre paradoxe, et contra o meio.
protéger du futur, de l’incertain expose l’impossibilité de tout dis- Entre uma escrita racional e uma espontânea, o Vigarista é incapaz
et de la possible frustration. Soit, cours véritable, puisqu’il défend de decidir. Pois só com o teor rígido da academia, afastamos todos os
pour les utopistes la possible frus- l’expérience esthétique phénomé- não acadêmicos enquanto que apenas com uma escrita espontânea
tration, et pour les illusionnistes nologique (unique). La rapidité e talvez automática, o escrito seria tão amplo que poderia bem ser
la réalité factice. Car la poésie, futuriste est ici perçue comme absolutamente individual. O Vigarista considera os erros, percalços,
selon l’Idiot shakespearien Toque, une tactique glissante pour éviter atalhos e repetições do espontâneo sem abrir mão da compreensão.
est plus artifice que réalité. le temps nécessaire à la consoli- Com sua velocidade futurista em sair rapidamente de cena após
dation de concepts, puisque l’Es- um frase de efeito, o Vigarista Normativo vive o dilema entre a verda-
Note de l’Escroc Normatif croc construit des pièges fluides. de e a mentira, entre a arte e a ciência e assimila esses opostos como
L’Escroc Normatif est le créateur De la même façon que la Pata- o próprio paradoxo e expõe a impossibilidade de qualquer discurso
de pièges. Comme dans Inser- physique, tel un combat face à la verdadeiro, pois defende a experiência estética fenomenológica
tions en circuits Idéologiques, de Vérité dans les discours sur l’Art (única). A velocidade futurista é vista aqui como tática escorregadia
Cildo Meireles, il utilise le moyen quand nous parlons de création para evitar o tempo necessário para a consolidação de conceitos já
contre le moyen. (de mensonges), est un abordage que o Vigarista constrói armadilhas fluidas.
Entre une écriture rationnelle possible, l’Escroc normatise sur le Da mesma forma que a Patafísica, como combate à Verdade nos
et spontanée, l’Escroc est inca- mensonge, sur l’Art. Car l’excep- discursos sobre a arte quando estamos falando de criação (de menti-
pable de décider. Car avec la seule tion, l’originalité et l’absurde sont ras), é a abordagem possível, o Vigarista normatiza sobre a mentira,
teneur rigide de l’académie, nous ce qui plus se rapproche le plus sobre a arte. Pois a excessão, a originalidade e o absurdo são o que
éloignons tous les non-acadé- de l’expérimentation artistique. mais se aproximam da experimentação artística.
miques, tandis qu’avec seulement
une écriture spontanée et peut- Note absolument non-conclu- Nota nada-conclusiva sobre (este) escrito de artistas
être automatique, l’écrit serait sive sur (cet) écrit d’artistes Uma quimera, diferentemente de uma assemblage dada, que se
si ample qu’il pourrait bien être Une chimère, contrairement à un propõe uma justaposição aleatória, é uma soma de signos e sig-
absolument individuel. L’Escroc assemblage donné, qui offre une nificados. O texto de artista, enquanto quimera, desempenha um
considère les erreurs, les contre- juxtaposition aléatoire, est une papel que é a soma de suas partes. E estas, antes quando não faziam
coups, les raccourcis et les répéti- somme de signes et de signifi- parte de um novo ser, eram contraditórias e apresentavam o Bobo
tions du spontané, sans renoncer cations. Le texte de l’artiste, en da Corte. Como imagem que permite o método errante, o humor, a
à la compréhension. tant que chimère, joue un rôle qui interdisciplinaridade e a utopia na/para a arte, este bestiário pro-
põe a correspondência do método de ateliê para a escrita de artista,
mesmo na sua efemeridade. Evocar, assim, o Bobo da Corte (seja
5  SOUSA, Edson Luiz André de. Por uma cultura da utopia. E-topia: Revista eletrônica
de estudos sobre a utopia, n. 12, 2012. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/site/de- ele Vigarista, Pateta, Forasteiro ou Ilusionista) é pensar no como da
fault.aspx?qry=id05id164&sum=sim>. Acesso em: 11 out. 2014. p. 1 escrita e do ateliê.

94 Poéticas I Cecilia Mori 95


est la somme de ses parties. Et le sfumato ; c’est la faille dans la Com métodos errantes, o Bobo percorre realidades e artificia-
celles-ci, avant qu’elle ne fassent frontière ; c’est le contour brisé lidades, verdades e mentiras, sagradas profanações. E mesmo sem
partie d’un nouvel être, étaient de Cézanne ; c’est le sac de Félix- linhas definidoras, há uma ligação entre essas esferas apartadas do
contradictoires et présentaient le-Chat ; c’est le piège du tricks- material profano com o espaço sagrado da arte. Essa ligação para-
le Fou du Roi. En tant qu’image ter ; c’est le laboratoire de Dex- doxal (fundamental para o ambiente criativo do ateliê ou do texto
permettant la méthode vaga- ter ; c’est la bibliothèque empa- de artista) se inaugura com a figura do Bobo da Corte que, quando
bonde, l’humour, l’interdiscipli- thique de Warburg ; c’est le laby- se faz presente, inaugura a Cabine da Mentira, que é tanto um local
narité et l’utopie dans/par l’Art, rinthe du Musée de Francfort, le como uma forma de agir ou enunciado.
ce bestiaire propose une corres- musée de l’imaginaire, un cabinet Na sua topografia, ela é a cartola do mágico no momento em que
pondance de la méthode d’atelier de curiosités ; c’est la lettre qu’il o coelho de lá é retirado; é o território desterritorializado; é a cor-
dans l’écriture d’artiste, même nous reste de Pessoa ; c’est une tina de fumaça, a nebulosa e o sfumato; é a brecha na fronteira; é o
dans son éphémérité. Évoquer, maison très amusante… contorno rompido de Cézanne; é a bolsa do gato Félix; é a armadilha
ainsi, le Fou du Roi (qu’il soit Dans sa typographie, c’est do trickster; é o laboratório de Dexter; é a biblioteca empática de
Escroc, Idiot, Étranger ou Illu- l’anachronisme dans l’Histoire Warburg; é o labirinto do Museu de Frankfurt, o museu do imagi-
sionniste), c’est penser au com- de l’Art, les répétitions, les simul- nário, um gabinete de curiosidades; é a carta que sobra de Pessoa;
ment de l’écriture et de l’atelier. tanéités et les récits cycliques ; é uma casa muito engraçada…
Avec des méthodes vaga- c’est l’encyclopédie et les façons Na sua tipografia, é a anacronia na História da Arte, as repetições,
bondes, le Fou parcourt des réa- ridicules d’organiser ce qui ne simultaneidades e narrativas cíclicas; é a enciclopédia e formas
lités et des artificialités, des véri- l’est pas ; c’est le trompe-l’oeil ; ridículas de organizar o que não é organizado; é o trompe l’oeil; é o
tés et des mensonges, des profa- c’est l’échec et l’erreur dans le fracasso e o erro no processo de construção da arte; é a poesia do
nations sacrées. Et même sans processus de construction de Oulipo; é o absurdo patafísico e seu humor levado a sério; é o gato
lignes de définition, il existe un l’Art ; c’est la poésie de l’Oulipo Félix; é o shalakazam!; é a deriva Situacionista; é formar sem dar
lien entre ces sphères séparées du ; c’est l’absurde pataphysique et forma e deformar o informe; é a ambivalência e a contradição; é
matériel profane et l’espace sacré son humour pris au sérieux ; c’est conceber ou experimentar o Museu Imaginário; é a mentira poética;
de l’Art. Ce lien paradoxal (fon- Félix-le-Chat ; c’est le shalaka- é a vida de Perec; é a fantasia, o sonho e a besteira; é a insistência
damental pour l’environnement zam! ; c’est la dérive Situation- da/na arte e a resistência do artista; é a utopia no desesperar-se.
créatif de l’atelier ou du texte de niste ; c’est former sans donner
l’artiste) s’instaure avec le person- forme et déformer l’informe ; c’est
nage du Fou du Roi qui, quand il l’ambivalence et la contradiction ;
est présent, inaugure la Cabine du c’est concevoir ou visiter le Musée
Mensonge, qui est autant un lieu Imaginaire ; c’est le mensonge
qu’une façon d’agir ou un énoncé. poétique ; c’est la vie de Pérec
Dans sa topographie, c’est le ; c’est le fantasme, le rêve et la
chapeau du magicien au moment bêtise ; c’est l’insistance de/dans
où le lapin en est retiré ; c’est le l’Art et la résistance de l’artiste ;
territoire déterritorialisé ; c’est le c’est l’utopie dans le désespoir.
nuage de fumée, la nébuleuse et

96 Poéticas I Cecilia Mori 97


PEDRO DE ANDRADE ALVIM

En cheminant entre écrits et dits: Caminhando entre escritos


Giacometti et Iberê Camargo e ditos: Giacometti e Iberê
PEDRO DE ANDRADE ALVIM Camargo
PEDRO DE ANDRADE ALVIM

Introduction: entre le dis- du témoignage et de l’interview Introdução: entre a fala do artista, do crítico e do historiador
cours de l’artiste, du critique (où le premier se trouve soumis A intenção original deste texto foi inquirir sobre a possibilidade de
et de l’historien au second). L’interview, avec son determinadas questões atravessarem as fronteiras de universos artís-
L’intention originale de ce texte principe dialogique, permet à l’ar- ticos individuais. Tomou-se como ponto de partida uma aproximação
est d’enquêter sur la possibilité de tiste de replacer son point de vue entre declarações de Alberto Giacometti e Iberê Camargo, buscando-se
questions déterminées de traver- de façon à le rendre compatible a partir daí desenvolver certos temas através de um diálogo plural com
ser les frontières d’univers artis- avec celui de son intervieweur, ou ideias de outros artistas, críticos e historiadores.
tiques individuels. Le point de qu’il reformule la question selon As fontes consultadas deram preferência à forma do depoimento e
départ a été un rapprochement ses propres termes. da entrevista (onde o primeiro se encontra subsumido na segunda). A
entre des déclarations de Alberto Dans deux interviews réali- entrevista, com seu princípio dialógico, permite que o artista reposi-
Giacometti et de Iberê Camargo, sées à la fin de la vie des deux cione seu ponto de vista para torna-lo compatível com o do entrevis-
en cherchant, à partir de là, à artistes _Giacometti en 1962, à tador, ou que reformule a pergunta segundo seus próprios termos.
développer certains thèmes par l’âge de 61 ans, et Iberê en 1992, à Em duas entrevistas realizadas no fim da vida de ambos os artis-
le biais d’un dialogue pluriel avec l’âge de 78 ans_, nous constatons tas_ Giacometti em 1962, aos 61 anos de idade e Iberê em 1992, aos
des idées d’autres artistes, cri- une proximité dans la manière de 78 anos _, constata-se uma proximidade na maneira de posicionar-se
tiques et historiens. prendre position face à des ques- diante de determinadas questões1. Isso já se mostra na descrição do
Les sources consultées ont tions déterminées1. Ceci appa-
donné préférence aux formes raît déjà dans la description du 1  As duas entrevistas foram publicadas no mesmo número da revista Novos Estudos.
(PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.
Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
1  Les deux interviews ont été publiées dans le même numéro de la revue Novos 34, p. 71 — 79, nov. 1992; COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento
Estudos. (PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert de Iberê Camargo a Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
Parinaud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São 34, p. 107 — 123, nov. 1992; SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São
Paulo, Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992; COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na Paulo: Cosac & Naify, 2003: reúne abordagens múltiplas e penetrantes sobre a obra e a
pintura - depoimento de Iberê Camargo a Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estu- trajetória do pintor; 6 perguntas sobre Volpi, São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2009:
dos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123, nov. 1992; SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos traz um debate entre artistas, críticos, teóricos e historiadores da arte, cujas diferentes
com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003: réunit des approches multiples et abordagens retomam, sob diferentes ângulos, os “ditos” do próprio artista e de seus con-
pénétrantes sur l’oeuvre et la trajectoire du peintre; 6 perguntas sobre Volpi, São Paulo: temporâneos, avaliações feitas sobre a arte de sua época e do passado, etc. Para um exemplo
Instituto Moreira Salles, 2009: apporte un débat entre artistes, critiques, historiens próximo do que é aqui buscado, ver CALZAVARA, Ana. Três pintores contemporâneos:

98 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 99


processus artistique et conti- également chercher à s’appuyer processo artístico e continua no modo como interrogam o sentido
nue avec la façon par laquelle ils sur une proposition théorique de seu trabalho, passando, também, para a forma como se reportam
interrogent le sens de leur tra- qui va au-delà du domaine de a referências do passado, tendo em vista a intervenção sobre o pre-
vail, en passant également, à la l’oeuvre. Il peut aussi être consi- sente da arte. Constata-se, ainda, certa semelhança no modo como
forme par laquelle ils se reportent déré comme partie d’un enchevê- o ponto de vista dos artistas e a avaliação atual de sua obra podem
aux références du passé, en ayant trement de différents discours, conflitar, em certos aspectos, mesmo considerando a multiplicida-
à l’esprit l’intervention sur le produits en un moment histo- de de leituras contemporâneas e as implicações específicas de dois
présent de l’art. Nous consta- rique donné. Il ne s’agit pas de universos distintos.
tons également, une certaine rechercher une continuité entre Dentro de seus limites estreitos, o presente texto propõe repor-
ressamblance dans la façon des points de vue qui corres- tar-se a um espaço que existiria entre a visão que o artista elabora
par laquelle le point de vue des pondent à des intérêts différen- sobre seu processo de trabalho e as perspectivas que se criam aos
artistes et l’évaluation actuelle de ciés, formés dans des contextes poucos à sua volta. No mais das vezes, os discursos constroem seu
son oeuvre peuvent être conflic- distincts, mais peut-être d’iden- sentido baseando-se em pontos de partida diversos... O registro verbal
tuels, sur certains aspects, tout tifier certains axes de conver- pode ser um recurso do artista para o processamento de sua própria
en considérant la multiplicité gence et de divergence dasn les experiência. Também pode buscar apoio em uma proposição teórica
des lectures contemporaines et relations que les discours éta- que extrapola o campo da obra. Pode, ainda, ser considerado como
les implications spécifiques de blissent entre eux. parte de um entrelaçamento de diferentes discursos, que se produz
deux univers distincts. em um determinado momento histórico. Não se trata de buscar uma
Dans son étroite limitation, L’émergence du motif central continuidade entre pontos de vista que correspondem a interesses
ce texte propose de se reporter Dans les discours de Giacometti diferenciados, formados em contextos distintos, mas, talvez, de
à un espace qui pourrait exister et de Iberê Camargo, on affirme identificar determinados eixos de convergência e de divergência
entre la vision que l’artiste éla- la persistence d’un « motif », une nas relações que os discursos estabelecem entre si.
bore sur son processus de tra- « raison », qui est aussi extérieure
vail et les perspectives qui se qu’intérieure. Les deux inter- O surgimento do motivo central
créent petit à petit autour de lui. views mentionnés commencent Nas falas de Giacometti e Iberê Camargo se afirma a persistência de
La plupart des fois, les discours de façon sembleble, en traitant um “motivo” que é tanto exterior quanto interior. As duas entrevis-
construisent leur sens en pre- de la manière par laquelle une tas mencionadas começam de forma parecida, tratando da maneira
nant pour base plusieurs points question fondamentale continue como uma questão fundamental permanece impulsionando a obra
de départ fifférents... Le registre à stimuler l’oeuvre pendant des durante décadas.
verbal peut être un moyen pour décennies. A entrevista de Giacometti a Albert Parinaud se inicia com uma
l’artiste de faire le traitement L’interview de Giacometti pergunta sobre como ele chegou à escultura. “Eu tinha treze anos”,
de sa propre existence. Il peut donnée à Albert Parinaud diz ele,

de l’art , dont les différentes approches reprennent, sous différents angles, les “dits” fiz o primeiro busto de observação. Era meu irmão que posava. Eu tinha
de l’artiste lui-même et de ses contemporains, des évaluations faites sur l’art de son visto a reprodução de pequenos bustos sobre uma base e imediatamente
époque et du passé, etc. Pour un exemple proche de ce qui est recherché ici, CALZAVA-
RA, Ana. Três pintores contemporâneos: Paulo Pasta/ Sean Scully/ Luc Tuymans. ARS,
São Paulo, v. 6, n. 12, p. 47 — 67, dez. 2008, où l’auteure publie les interviews de trois Paulo Pasta/ Sean Scully/ Luc Tuymans. ARS, São Paulo, v. 6, n. 12, p. 47 — 67, dez. 2008:
peintres, en essayant de définir leurs points de vue sur des questions particulièrement a autora edita entrevistas de três pintores, tentando definir seus pontos de vista sobre
importantes. questões de especial relevância.

100 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 101


débute avec une question sur De 1925 à 35, il se consacre à tive vontade de fazer igual. De início, senti um prazer extremo e tive a
son parcours jusqu’à la sculpture. la recherche formelle et struc- impressão de que a coisa viria bem facilmente, de que eu conseguiria
« J’avais treize ans », nous dit-il, turelle sur des sculptures à ten- fazer mais ou menos o que via.2
dance cubiste et surréaliste. Par
J’ai fait le premier buste d’observa- la suite, il a ressenti le besoin de A sensação inicial de facilidade irá logo depois abandoná-lo. De
tion. C’etait mon frère qui posait. se démarquer du versant « for- 1935 até sua morte, Giacometti irá retomar cotidianamente o ritual
J’avais vu la reproduction de petits maliste/abstrait » de la sculpture do desenho e escultura diante do modelo vivo, contando sempre
bustes sur une base et immédiate- moderne, qui était pratiquement com o irmão Diego. Serão tentativas mais ou menos incompletas,
ment j’ai eu envie de faire pareil. orienté vers la fabrication indus- incessantemente renovadas nos desenhos, esculturas e pinturas.
Adès le début, j’ai senti un plaisir trielle d’objets. Mais sa tentative Em 1962, continua dizendo:
extrême et j’ai eu l’impression que de reconstituer la forme humaine
la chose viendrait assez facile- semble, d’une certaine façon, Cinqüenta anos depois, não consegui!... Enquanto em 1914 eu tinha a
ment, que j’arriverais à faire plus aller à la rencontre d’une nou- impressão de fazer o que queria, agora não consigo mais.3
ou moins ce que je voyais.2 velle définition d’objet _dépourvu
de fonction utilitaire_ à laquelle De 1925 a 35 ele se dedica à pesquisa formal e estrutural em
La sensation initiale de faci- fait référence, peut-être, le titre esculturas de tendência cubista e surrealista. Em seguida, sente ne-
lité l’abandonnera rapidement. de sa célèbre sculpture de 1935: cessidade de se demarcar do viés “formalista/abstrato” da escultura
De 1935 jusqu’à sa mort, Giaco- moderna, que via como direcionado para a fabricação industrial de
metti reprendra quotidiennement L’objet invisible a tout changé une objetos. Mas sua tentativa de reconstituir a forma humana parece,
le rituel du dessin et de la sculp- fois de plus dans ma vie. J’étais de certa forma, ir ao encontro de uma nova definição de objeto _
ture face à son modéle vivant, en satisfait avec les mains et la tête de desprovido da função utilitária _ a que alude, talvez, o título de sua
comptant toujours sur son frère cette sculpture, car elles correspon- famosa escultura de 1935:
Diego. Il fera des essais plus ou daient exactement avec l’idée que
moins incomplets, sans cesse j’en faisais. Mais je n’átait vraiment O objeto invisível mudou tudo de novo na minha vida. Estava satisfeito
renouvellés, dans ses dessins, pas satisfait des jambes, du tor- com as mãos e a cabeça dessa escultura, poque correspondiam exatamente
ses sculptures et ses pintures. se et des seins. Ils me semblaient a minha ideia. Mas não estava em absoluto contente das pernas, do torso
En 1962, il continue de dire : beaucoup trop académiques, con- e dos seios. Me pareciam demasiado acadêmicos, convencionais, e me
ventionnels, et m’incitaient à les davam gana de trabalhar de novo a partir do natural.4
Cinquante ans après , je n’ai toujours reprendre à partir du naturel.4
pas réussi!... Alors qu’en 1914 j’avais Giacometti passa a estabelecer uma confrontação interminável
l’impression de faire ce que je vou- Giacometti se met à établir une com o dado exterior, desvinculada de uma visão de mundo presta-
lais, maintenant je n’y arrive plus.3 confrontation interminable avec belecida, com seus correspondentes critérios de verossimilhança. A
la donnée extérieure, détachée questão fundamental se reduz, seja no desenho, pintura ou escultura,

2  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert Pari- 2  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.
naud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 72. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 72.
3  Ibid., p. 72. 3  Ibid., p. 72.
4  Giacometti. Barcelona: Fundación Caixa Catalunya, 2000. p. 94. 4  Giacometti. Barcelona: Fundación Caixa Catalunya, 2000. p. 94.

102 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 103


d’une vision de monde prééta- modernes se trouve dans cette vo- a reencontrar internamente o sentido da forma humana. O empenho
blie, avec ses critères correspon- lonté d’appréhender, de posséder por uma integridade na representação do modelo, buscada a partir de
dants de similitude. La question quelque chose qui nous échappe dentro do processo de execução, o leva ao palimpsesto de linhas de
fondamentale est réduite, que ce constamment. Ils veulent posséder seus desenhos e pinturas, à progressiva finura das figuras esculpidas,
soit en dessin, en peinture ou en la sensation qu’ils ont de la réalité, e, em determinado momento, à tendência a uma escala minúscula...
sculpture, a rencontrer interne- plus que la réalité elle-même. Os termos de seu discurso às vezes remetem ao modo como Cézanne
ment le sens de la forme humaine. se reportava, em seu trabalho, às dimensões complementares do
Sa détermination de parvenir à (...) mais j’ai l’impression, ou l’illu- olhar e do fazer5, e à consequente reformulação da maneira como
une intégrité dans la représen- sion, de faire des progrès tous les se define o “motivo”, na pintura:
tation du modèle, recherchée au jours.6
sin même du processus d’exé- (...) Você não copia nunca o copo sobre a mesa, você copia o resíduo de
cution, le mène au palimpseste A partir du milieu du siécle, uma visão. (...) só me chega a cada olhada uma coisa pequenina muito
de lignes de ses dessins et pein- avec le renforcement de la pré- difícil de determinar, que pode se traduzir por um traço minúsculo, uma
tures, à la progressive finesse des misse anti-naturaliste dans l’art, pequena mancha (...) Todo o procedimento dos artistas modernos está
figures sculptées, et à un moment cette soumission au modèle exté- nessa vontade de apreender, de possuir algo que foge constantemente.
donné, à la tendance d’une échelle rieur sonne de plus en plus faux. Eles querem possuir a sensação que têm da realidade, mais que a própria
minuscule... Les termes de son Bien qu’elle se distingue de la realidade. (...) Mas tenho a impressão, ou a ilusão, de que faço progressos
discours renvoient parfois à la simple recherche de réalisme todos os dias.6
manière par laquelle Cézanne se pictural ou photographique, elle
rapportait, dans son travail, aux semble encourir au risque d’un A partir de meados do século, com o fortalecimento da premissa
dimensions complémentaires idéalisme équivoque ou même antinaturalista na arte, essa sujeição ao modelo exterior se torna
du regarder et du faire5, et à la donner de la marge à une sus- cada vez mais destoante. Embora se distinga da simples busca de
conséquente reformulation de la piction de mystification : realismo pictórico ou fotográfico, parece incorrer em um idealismo
manière par laquelle se définit le equívoco ou mesmo dar margem a uma suspeita de mistificação:
« motif », en peinture: Ma position même est pleine de
malentendus. On dit que je suis un Minha própria posição é cheia de mal entendidos. Dizem que sou um
(...) On ne copie jamais le verre sur artiste moderne, beaucoup de mes artista moderno, muitos de meus conhecidos são [artistas] abstratos, e
la table, on copie le résidu d’une collègues sont [des artistes] abs- quando lhes digo que copio uma cabeça não me crêem. É um verdadeiro
vision. (...) il ne m’arrive au regard traits, et quand je leur dit que je fais diálogos de surdos. Meu interlocutor já sabe o que é a realidade, pensa
qu’une petite chose très difficile á la copie d’une tête, ils ne me croient que é opaca, banal, e eu aprecio que ele pense que eu não sou [que meu
déterminer, qui peut se traduire par pas. C’est un véritable dialogue de trabalho não é] banal; para mim, por outro lado, minha pintura e minha
un trait minuscule, une petite tâche sourds. Mon interlocuteur sait déjà escultura estão abaixo da realidade. Para eles, a realidade é mísera, para
(...) Toute la procédure des artistes ce qu’est la réalité, il pense qu’elle mim é mísera minha pintura.7

5  Par exemple, dans la lettre à Émile Bernard du 21 septembre 1906, ou dans les 5  Por exemplo, na carta a Émile Bernard de 21 setembro de 1906, ou nos “ditos” do pintor
« dits » du peintre rapportés dans BERNARD, E. Paul Cézanne, L’Occident, n. 32, Paris, reportados em BERNARD, E. Paul Cézanne, L’Occident, n. 32, Paris, jul. 1904.
jul. 1904. 6  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.
6  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert Pari- Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
naud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 75 e 76.
Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 75 e 76. 7  DEL GUERCIO, Antonio. L’arte nella società d’oggi. Intervista con Alberto Giacometti.

104 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 105


est opaque, banale, et j’apprécie le également, selon les mots de l’ar- Nos debates em torno da arte contemporânea, a oposição entre
fait qu’il pense que je ne suis pas tiste, « la rencontre avec un passé abstração e figurativismo que serve de fundo às declarações de
[que mon travail n’est pas] banal; mien », « mes jouets »8: une double Giacometti não aparece mais com tanta frequência. Muitos artistas
pour moi, d’autre part, ma peinture plongée dans l’ici/maintenant de exploraram possibilidades os intervalos entre operações figurativas e
et ma sculpture se trouvent au-deçà la sensation et dans un univers abstratas, dando maior evidência à flutuabilidade dessas fronteiras.
de la réalité. Pour eux, la réalité de représentations imaginaires. Na obra de Iberê Camargo, o lugar do motivo central é ocupado
est misérable, pour moi c’est ma pelos “carretéis”, que acaba se tornando uma espécie de centro gra-
peinture qui est misérable.7 (...) vient alors ce monde subjectif vitacional, formal e simbólico. Tema formal, cujo “desdobramento”
et occupe le présent, se M~ele à lui dá acesso à exploração da matéria pictórica, significam também,
Dans les débats autour de l’art maintenant (...) c’est le modèle, c’est nas palavras do artista, “o reencontro com um passado meu”, “meus
contemporain, l’opposition entre la vie, c’est la lumière, c’est tout ce brinquedos”8: um duplo mergulho no aqui/agora da sensação e num
abstraction et figurativisme qui qui change, c’est moi également universo de representações imaginárias.
sert de toile de fond aux décla- qui change.9
rations de Giacometti n’appa- (...) vem aquele mundo subjetivo e toma conta daquele presente, se mistura
raît plus aussi souvent. Beaucoup Dans la constitution « trans- com ele agora (...) é o modelo, é a vida, é a luz, é tudo que muda, sou eu
d’artistes explorent des possibi- cendantale » du motif pictural, também que estou mudando.9
lités dans les intervalles entre la recherche d’harmonie avec le
des opérations figuratives et abs- présent s’allie à la mémoire trans- Na constituição “transcendental” do motivo pictórico, a busca de
traites, en mettant davantage en figuratrice. Le terrain d’explora- sintonia com o presente se alia à memória tranfiguradora. O campo
exergue la fluctuabilité de ces tion vers lequel se dirige Camargo de exploração para o qual se dirige Camargo não seria tanto aquele
frontières. n’a pas tant été celui qui a été que foi aberto pela a obra de Cézanne, quanto o que foi inaugurado
D a n s l’o e uv re d e I b e rê ouvert par l’oeuvre de Cézannne, por Van Gogh. Como ocorria com Giacometti, Iberê também não
Camargo, la place du motif central ou celui inauguré par Van Gogh. alcança quase nunca um ponto de satisfação em seu trabalho, que
est occupé par des les « bobines », Comme il arrivait à Giacometti, incessantemente desfaz e recomeça. O preço a ser pago pela inesgo-
qui finissent par devenir une Iberê ne parvient pas non plus tabilidade do estímulo para a produção da obra é a impossibilidade
espèce de centre gravitationnel, à un point de satisfaction dans de atingir seu fim último. O motivo exterior, os “motivos” internos
formel et symbolique. Un thème son travail, qu’il défait et recom- da memória e o encadeamento sensorial do processo de execução
formel, dont le dédoublement per- mence constamment. Le prix à são processados numa mistura que tende a não alcançar estabili-
met d’avoir accès à l’exploration payer pour l’inépuisablilité de la dade. O que resulta disso são formas espectrais, sempre à beira de
de la matière picturale, signifient motivation à produire l’oeuvre, se desfazerem. No momento em que desenvolve sua última série de
“ciclistas”, ele comenta:

7  DEL GUERCIO, Antonio. L’arte nella società d’oggi. Intervista con Alberto Giaco-
metti. Traduction de l’auteur à partir de la version espagnole. Roma: Rinascita, 23 jun.
1962. p. 32. Tradução do autor a partir da versão espanhola. Roma: Rinascita, 23 jun. 1962. p. 32.
8  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a 8  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a
Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123, Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123,
nov. 1992, p. 122. Iberê raconte que dans des jeux réalisés dans la cour à proximité de sa nov. 1992, p. 122. Iberê conta que em brincadeiras realizadas no pátio próximo à sua
maison, les bobines représentaient les combats des soldats « pica-paus et maragatos » casa, os carretéis representavam os combates dos soldados “pica-paus e maragatos”.
(CAMARGO, Iberê. Os carretéis. A gaveta dos guardados. São Paulo: Edusp, 1998. p. 99). (CAMARGO, Iberê. Os carretéis. A gaveta dos guardados. São Paulo: Edusp, 1998. p. 99).
9  Ibid., p. 109. 9  Ibid., p. 109.

106 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 107


est l’impossibilité d’atteindre son de le capturer dans l’épaisseur (...) Porque, na verdade, nós sempre perdemos, o passado fica para trás,
objectif ultime. Le motif exté- matérielle de la peinture. L’ar- é sucata, é coisa modificada, destruída, apodrecida (...) e na frente há
rieur, les « motifs » internes de la tiste reprend, de façon significa- sempre uma luz, nós sempre estamos caminhando. Agora, se pudesse o
mémoire et l’enchaînement sen- tive, le terme « totem », autrefois pintor unir essa coisa, esse passado, (...) como quando eu fazia aqueles
soriel des processus d’exécution employé par Mário Pedrosa, pour “núcleos” (...) os meus carretéis (...) trazê-los para o agora, seria inte-
sont traités dans un mélange qui se référer aux bobines. Le désir ressante (...). Agora, eu não sei, começa a aparecer nos meus quadros
tend à ne pas atteindre de stabi- qui l’anime est de les « sauvegar- essa coisa... esses fantasmas, o meu passado (...). Não há mais passado,
lité. Ce qui en résulte, ce sont des der, de les ramener au présent ». presente e futuro. Só o tempo, único. É muito estranho.10
formes spectrales, toujours au Pour autant, il est nécessaire de
point de se défaire. À l’epoque où « mettre les mains à la terre où A pintura de Iberê manifesta a necessidade de absorver o passado,
il développe sa dernière série de ils sont ensevelis »11. Les épaisses de capturá-lo na espessura material da pintura. O artista retoma,
« cyclistes », il commente: couches de peinture qui s’accu- de forma significativa, o termo “tótem”, outrora empregado por
mulent sur la toile correspondent Mário Pedrosa, para se referir aos carretéis. O desejo que o move é
(...) Car, en vérité, nous perdons à la « terre » qu’il porte en lui. de “resgatá-los, trazê-los para o agora”. Para tanto, é preciso “mer-
toujours, le passé reste en arrière, gulhar as mãos na terra onde estão sepultados”11. À “terra” que traz
c’est de la ferraille, c’est de la chose L’épaisseur et le plat dentro de si correspondem as espessas camadas de tinta que vão se
modifiée, détruite, pourrie (...) et Iberê considérait indispensable acumulando sobre a tela.
devant, il y a toujours une lumière, de se mettre en phase avec l’état
nous sommes toujours en train actuel de l’art, ce qui, à la fin des A espessura e o plano
d’avancer. Mais si le peintre pou- années 1940, signifiait la réduc- Iberê considerava imprescindível por-se em sintonia com o estado
vait unir cette chose, ce passé, (...) tion de la peinture à sa dimen- atual da arte, o que, no fim da década de 1940, significava a redução
comme lorsque je faisais ces noyaux sion plane, et de se soumettre da pintura à dimensão planar, e submeter-se, ainda, ao “serviço
(...) mes bobines (...) les ramener au encore au « service militaire du militar do cubismo”12. Durante o ano que passou em Paris,
présent, ce serait intéressant (...). cubisme »12. Pendant l’année pas-
Maintenant, je ne sais pas, cette sée à Paris, (...) estudava pela manhã com [André] Lothe, e de tarde ia para o Louvre
chose commence à apparaître sur copiar os velhos mestres do passado: Vermeer, Ticiano, Rubens (...). Com
mes tableaux... ces fantômes, mon (...) il étudiait le matin avec [An- Lothe aprendia a gramática e a sintaxe da pintura(...).13
passé (...). Il n’y a plus de passé, de dré] Lothe, et l’après-midi, il allait
présent et d’avenir. Seul le temps, au Louvre copier les vieux maîtres O depoimento do fotógrafo e pintor Mário Carneiro (1930 — 2008),
unique. C’est vraiment étrange.10 du passé: Vermeer, Ticiano, Ru- seu amigo e aluno, sobre Iberê, mostra como determinadas propo-
bens (...). Avec Lothe, il apprenait sições da arte moderna geravam tensões em sua pintura. Carneiro
La peinture de Iberê exprime la grammaire et la syntaxe de la – que convivia de forma menos conflituosa com os “saltos” entre
la nécessité d’absorber le passé, peinture (...).13
10  Ibid., p. 122 — 123.
10  Ibid., p. 122 — 123. 11  Ibid., p. 123.
11  Ibid., p. 123. 12  “Continuo a achar, como disse há anos, que o cubismo é o serviço militar do artista”.
12  “Continuo a achar, como disse há anos, que o cubismo é o serviço militar do artista” (AMARAL, Tarsila do. Ismos. Correio da Manhã, 12 maio 1936; AMARAL, Aracy. Tarsila
(AMARAL, Tarsila do. Ismos. Correio da Manhã, 12 maio 1936; AMARAL, Aracy. Tarsila cronista. São Paulo: Edusp, 2001. p. 71).
cronista. São Paulo: Edusp, 2001. p. 71). 13  FERREIRA GULLAR apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo.
13  FERREIRA GULLAR cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 12.

108 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 109


Le témoignage du photo- impregnée avec le pinceau et la tradição e arte moderna – transitava entre a pesquisa plástica e
graphe et peintre Mário Carneiro spatule. Le « modelage », pour fotográfica (ele viria a tornar-se um destacado expoente do Cinema
(1930 — 2008), sur Iberê, son ami Iberê Camargo, n’était pas uni- Novo). Alguns episódios lembrados mostram uma resistência de
et élève, montre comment dif- quement lié à une exacerbation Camargo com relação a determinadas questões pontuais, como o uso
férentes propositions de l’art de l’aspect corporel et organique gráfico do preto na pintura, associado à planaridade do suporte e à
moderne généraient des tensions de la peinture, mais également à redefinição da finalidade “decorativa” na arte do século XX 14. Um
dans sa peinture. Carneiro _ qui sa dimension optique, cézanienne, tópico que, como será comentado mais à frente, havia interferido
vivait de façon moins conflictuelle de modulation de la couleur et de la de forma significativa no percurso de Giacometti.
avec les « sauts » entre tradition lumière à la surface16. Modulation Depois de completar seus estudos com Lothe, Iberê revolta-se
et art moderne_ transitait entre dissonnante, cherchant des tons contra o imperativo de ne pas modeler15, reivindicando a possibili-
la recherche plastique et photo- sourds et des contrastes exacer- dade de “esculpir” a matéria empastada com o pincel e a espátula.
graphique (il deviendrait par la bés, dans la lignée expressionniste. A “modelagem”, para Iberê Camargo, não se ligava apenas a uma
suite un représentant remarquable L’instabilité de la représenta- exacerbação do aspecto corpóreo e orgânico da pintura, mas também
du Cinema Novo). Certains épi- tion et de la formalisation répon- à dimensão ótica, cezaniana, de modulação da cor e da luz sobre a
sodes remémorés révèlent une dait aux propriétés automotrices superfície16. Modulação dissonante, buscando tons surdos e contrastes
résistance de la part de Camargo du mur de peinture de Iberê qui, exacerbados, na linhagem expressionista.
par rapport à certaines questions malgré le fait d’être scellé par des A instabilidade de representação e formalização respondia às
ponctuelles, comme l’utilisation couches successives, était habité propriedades semoventes do muro de tinta de Iberê, que, embora
graphique du noir dans la pein- par la peinture de Rubens, de lacrado por sucessivas camadas, era habitado pela pintura de Rubens,
ture, associée à la planéité du sup- Velásquez, de Ticiano et de Ver- Velásquez, Ticiano e Vermeer, representantes maiores da tradição
port et à la redéfinition de la fina- meer, représentants majeurs de que conferira à densidade do medium um sentido diferenciado. Mário
lité « décorative » dans l’art du XX° la tradition qui conférait une Carneiro conta que Iberê
siècle14. Un sujet qui avait inter- signification particulière à la
féré de façon significative, comme densité du médium. Mário Car- queria entender como Rubens (...) resolvia um rosto pela cor, esse pintor
il le sera développé par la suite, neiro raconte que Iberê que é pura cor (...). Suas pinturas [realizadas logo depois do retorno da
dans le parcours de Giacometti. Europa em 1950] tinham como origem as esquisses de Rubens: trans-
Après avoir complété ses voulait comprendre comment Ru- parência e rapidez de execução17.
études avec Lothe, Iberê se révolte bens (...) solutionnait un visage par
contre l’impératif de ne pas mode- de la couleur, ce peintre qui est de No período em que frequentou o atelier de Giorgio De Chirico
ler15, en revendiquant la possi- la pure couleur (...). Ses peintures em Roma, que antecedeu sua ida a Paris, havia-se confirmado para
bilité de « sculpter » la matière [réalisées juste après son retour

14  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
Camargo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 12. 2003. p. 29 e 37.
14  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify, 15  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a
2003. p. 29 e 37. Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123,
15  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a nov. 1992. p. 121.
Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123, 16 “Modular, em vez de modelar”, famoso “dito” de Cézanne (transcrito em BERNARD,
nov. 1992. p. 121. E. Paul Cézanne. L’Occident, Paris, n. 32, jul. 1904).
16 “Modular, em vez de modelar”, célèbre “dit” de Cézanne (transcrit dans BERNARD, 17  CARNEIRO apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo:
E. Paul Cézanne. L’Occident, Paris, n. 32, jul. 1904).). Cosac & Naify, 2003. p. 30.

110 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 111


d’Europe en 1950] avaient com- les conflits qui en résultent, Iberê a revelação da “bela matéria”. Referindo-se ao pintor italiano,
me origine les esquisses de Ru- semblent correspondre, dans reporta que
bens: transparence et rapidité l’évolution de Camargo, au cha-
d’exécution17. negement d’orientation que Para ele, “la pittura é come una bella stoffa” [a pintura é como um belo
Giacometti adopte en 1935, tecido], (...) era muito preocupado com a matéria, seduzido por isso...18
Pendant la période à laquelle en ce qui concerne sa produc-
il a fréquenté l’atelier de Giorgio tion antérieure de sculptures et Na volta de sua viagem de estudos à Europa, segundo Mário
de Chirico à Rome, qui a précédé objets, consacrés à un secteur Carneiro,
son séjour à Paris, Iberê avait eu « d’avant-garde » du marché de
la confirmation de la révélation la décoration. Il affirme, à par- Era impressionante como o artista havia encontrado uma maneira de
de la « belle matière ». En faisant tir d’alors, avoir pris conscience conjugar André Lothe e De Chirico...19
référence au peintre italien, il que le type d’oeuvre qu’il pré-
rapporte que tendait réaliser se démarquait O tiro para o passado
des courants d’intégration entre A necessidade de se ajustar ao paradigma da planaridade e os confli-
Pour lui, « la pittura é come una l’art et l’architecture qui dévelop- tos que daí resultam parecem corresponder, dentro da evolução de
bella stoffa » [a pintura é como um paient les propositions cubistes Camargo, à mudança de orientação que Giacometti adota em 1935,
belo tecido], (...) il était très sou- et néoplasticistes: com relação à sua anterior produção de esculturas/objetos, voltada
cieux vis-à-vis de la matière, il était para um setor “de vanguarda” do mercado de decoração. Ele afirma
séduit par cela...18 Parinaud: Qu’est-ce que l’abstrac- ter a partir de então tomado consciência de que o tipo de obra que
tion a apporté de nouveau à votre pretendia realizar se demarcava das correntes de integração entre
Au retour de son voyage expérience ? arte e arquitetura que desenvolviam as proposições cubistas e
d’études en Europe, d’après Mário neoplasticistas:
Carneiro, Giacometti: C’était le dernier pas
avant de parvenir á l’impasse! La Parinaud: _ O que a abstração trouxe de novo para sua experiência?
C’était impressionnant comment fabrication de volumes qui ne pas-
l’artiste était parvenu à conjuguer saient d’objets (...) Or, d’après mes Giacometti: Foi o último passo antes de atingir o impasse! A fabricação
Aandré Lothe e De Chirico...19 intentions, la sculpture était une de volumes que não passavam de objetos (...) Ora, em minhas intenções,
chose différente de l’objet. C’était a escultura era uma coisa diferente do objeto. Isso era portanto um
Le tir vers le passé donc un échec. J’étais passé au large fracasso. Eu tinha passado ao largo do mistério, meu trabalho não era
La nécessité de s’ajuster au du mystère, mon travail n’était pas uma criação.20
paradigme de la planéité et une création.20

17  CARNEIRO cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São 18  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a
Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 30. Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123,
18  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a nov. 1992. p. 121.
Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123, 19  CARNEIRO apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo:
nov. 1992. p. 121. Cosac & Naify, 2003. p. 30.
19  CARNEIRO cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São 20  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.
Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 30. Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
20  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 74.

112 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 113


Sous l’influence de Bataille, En 1920 — 21, j’ai vécu en Italie. Sob a influência de Bataille, para quem a arte encontra sua origem
pour qui l’art trouve son origine Premièrement à Venise, où j’ai pas- na possibilidade de representação livre e lúdica, desvinculada das
dans la possibilité de représen- sé les journées à regarder les Tin- necessidades cotidianas21, Giacometti afirma que o design de objetos
tation libre et ludique, décon- toretto, sans vouloir laisser qu’un funcionais e o desenvolvimento das artes decorativas obedeceria a
necté des nécessités quoti- seul n’y échappe. Tintoretto a peu uma racionalidade técnica orientada para fins diferentes daqueles
diennes21, giacometti affirme à peu perdu sa place, à ma grande para os quais a criação artística se dirige. A inesgotabilidade do
que le design d’objets fonction- peine, le jour même où j’ai quitté princípio mimético encontra para ele apoio na ideia de que o impul-
nels et le développement des Venise et les ai échangé pour les so para a representação, na arte, surge dissociado da fabricação de
arts décoratifs obéisserait à une Giotto de Padoue, et ceux-là, à leur objetos com fins utilitários e decorativos (que dependeria da criação
rationnalité technique orientée tour, quelques mois plus tard, pour de ferramentas e técnicas para usos específicos)22. Giacometti parece,
à des fins autres que celles vers les Cimabue à Assis.23 em sua trajetória, ir ao encontro de um passado da arte cada vez
lesquelles la production artis- mais distante, até o ponto em que tal fonte de estímulo se transfere,
tique est vouée. L’inépuisabilité Les seuls yeux qui ne m’ont ja- subitamente, para a realidade presente.
du principe mimétique se trouve mais impressionné [dans l’art]
un appui sur l’idée que l’impul- sont ceux de toutes les sculptures Em 1920 — 21, vivi na Italia. Primeiro em Veneza, onde passei os dias a
sion qui mène à la représentation de ce qu’on a appelé de «haut sty- olhar sobretudo os Tintoretto, sem querer deixar que um só escapasse.
émerge, dans l’art, dissocié de la le » [égyptien] et aussi les [icônes] Tintoretto foi um pouco destronado, para meu grande pesar, no dia
fabrication d’objets avec des fins byzantins.24 mesmo em que deixei Veneza pelos Giotto de Pádua, e este, por sua vez,
utilitaires et décoratifs (ce qui alguns meses depois por Cimabue em Assis.23
dépendrait de la création d’outils Autrefois, j’allais au Louvre et les
et de techniques pour des usages tableaux ou les sculptures provo- Os únicos olhos que jamais me impressionaram [na arte] são todos
spécifiques)22. Giacometti semble, quaient en moi une impression su- das esculturas do chamado “alto estilo” [egípcio] e também os [ícones]
dans sa trajectoire, aller à la ren- blime... Je les aimais dans la mesure bizantinos.24
contre d’un passé de l’art toujours même qu’ils me donnaient plus de
plus distant, jusqu’au point où ce que je voyais de la réalité. Au- Antigamente, eu ia ao Louvre e os quadros ou as esculturas me davam
une telle source de stimulus est jourd’hui, si je vais au Louvre, je uma impressão sublime... Eu gostava deles na medida mesma em que
transférée, subitement, vers la ne peux pas m’empêcher de regar- eles me davam mais do que o que eu via da realidade. Achava-os belos e
réalité présente. der les personnes qui observent les muito mais belos que a própria realidade. Hoje, se vou ao Louvre, não
oeuvres d’art (...).25 posso resistir a olhar as pessoas que olham as obras de arte. O sublime
hoje para mim está nos rostos mais do que nas obras (...).25
Parinaud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São
Paulo, Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 74.
21  BATAILLE, Georges. Lascaux ou la naissance de l’art. Genebra: Skira, 1955. 21  BATAILLE, Georges. Lascaux ou la naissance de l’art. Genebra: Skira, 1955.
22  GIACOMETTI, Alberto; TAILLANDIER, Yvon (Ed.). Je ne sais ce que je vois qu’en 22  GIACOMETTI, Alberto; TAILLANDIER, Yvon (Ed.). Je ne sais ce que je vois qu’en tra-
travaillant. Paris: L’Échoppe, 1993. (Collection Envois). vaillant. Paris: L’Échoppe, 1993. (Coleção Envois).
23  Lettre à Pierre Matisse, 1947. Giacometti. Barcelona: Fundación Caixa Catalunya, 23  Carta a Pierre Matisse, 1947. Giacometti. Barcelona: Fundación Caixa Catalunya,
2000. p. 55. 2000. p. 55.
24  GIACOMETTI. My life is reduced to nothing. Interview à David Sylvester. Dis- 24  GIACOMETTI. My life is reduced to nothing. Entrevista concedida a David Sylvester.
ponible sur: <https://www.theguardian.com/artanddesign/2003/jun/21/art.artsfea- 21 June 2003. Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/2003/jun/21/
tures1>. (consulté le 5/10/2017). art.artsfeatures1>. Acesso em: 6 out. 2017.
25  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert 25  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.

114 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 115


Il est notable de voir comment (...) Déjà proche de la fin de sa vie, il É notável como o motivo do olhar vai ocupando uma posição
le motif du regard va occuper une disait que son prochain projet était central na obra de Giacometti, transportando-a inteiramente para
position centrale dans l’oeuvre de retourner dans les marécages et o presente. Essa relação com o passado, que na obra do suíço-ita-
de Giacometti, en le transpor- étangs qu’il avait dépeint dans sa liano se estabelece e se desfaz sem maior esforço e quase sem deixar
tant intégralement dans le pré- jeunesse.27 marcas, é operada de forma bem diferente por Camargo. Na pintura
sent. Ce rapport au passé, qui s’éta- deste, à medida medida em que as camadas vão se superpondo, in-
blit et se défait, dans l’oeuvre du En commentant l’oeuvre de dependentes umas das outras, a memória individual de cada obra
suisse-italien, sans effort particu- Camargo, aussi bien Pasta que passa a agregar traços da memória histórica do medium.
lier et pratiquement sans laisser de Sônia Salzstein soulignent la Segundo o pintor Paulo Pasta,
marques, est traité de façon bien nécessité de la considérer à par-
différente par camargo. Dans sa tir de la reconnaissance de l’his- (...) [Ele] tinha com o passado uma relação produtiva (...). Para agir no
peinture, au fur et à mesure que toire et de la situation culturelle presente, parece que Iberê tinha sempre que equacioná-lo com a me-
les couches vont en se superposant, brésilienne. Pour Saltzstein, il mória (...). A forma para ele só conseguia de fato ser expressiva quando
indépendantes les unes des autres, importe de « faire de l’oeuvre un decantada e filtrada “nestas muitas águas” (...) O novo, então, sempre
la mémoire individuelle de chaque outil vivant de compréhension surgiria do passado ou seria um passado redivivo.26
oeuvre finit par réunir des traits de du présent »28. Pasta continue
la mémoire historique du médium. dans ce même cheminement de (...) Já próximo do final da vida, dizia que seu próximo projeto seria voltar
Selon le peintre Paulo Pasta, réflexion sur la relation entre la aos pântanos e charcos que retratara na juventude.27
peinture et l’histoire:
(...) [Il] avait avec le passé un ra- Ao comentar a obra de Camargo, tanto Pasta quanto Sônia Sal-
pport productif (...). Pour agir dans Notre histoire n’est pas grandiose. zstein apontam a necessidade de considerá-la a partir do reconhe-
le présent, il semble que Iberê aie Ceci est reservé à la gloire toujours cimento da história e situação cultural brasileiras. Para Salzstein,
toujours eu à le mettre en équation présente de la nature. Peindre ici, interessa “fazer da obra uma ferramenta viva de compreensão do
avec la mémoire (...). La forme pour c’est un peu ressentir le mal-être de presente”28. Pasta prossegue nesse mesmo sentido de reflexão sobre
lui ne parvenait à être expressi- cela. Aucun sens intense est venu a relação entre pintura e história:
ve que lorsque celle-ci décantait nous réveler, à l’exemple de du
et était filtrée par « ces multiples mouvement italien [de la peinture Nossa história não é grandiosa. Isso fica para a glória sempre presente
eaux » (...) Le neuf surgirait alors métaphysique]29 da natureza. Pintar aqui é um pouco sentir o mal estar disso. Nenhum
toujours du passé ou serait un pas- sentido forte veio nos revelar a exemplo do movimento italiano [da
sé revécu.26 L’engagement prospectif de la pintura metafísica].29
peinture dépend de cette relation

Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
Parinaud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São
34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 76.
Paulo, Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. p. 76.
26  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
26  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
2003. p. 114 — 115.
2003. p. 114 — 115.
27  Ibid., p. 118.
27  Ibid., p. 118.
28  SALZSTEIN apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo:
28  SALZSTEIN cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São
Cosac & Naify, 2003. p. 62.
Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 62.
29  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
29  Ibid.,. p. 120.
2003. p. 120.

116 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 117


qui s’établit entre la conscience douteux. Et il est douteux car il O engajamento prospectivo da pintura depende dessa relação que
de la situation présente de l’art possède de l’épaisseur. Et pour moi, se estabelece entre a consciência da situação presente da arte e de
et de son passé. Paulo Pasta ren- cette apparence de vos tableaux seu passado. Paulo Pasta encontra certa afinidade com Camargo na
contre une certaine affinité avec est en rapport avec la tentative ideia de que sua pintura, como a dele, seria também movida pelo
Camargo dans l’idée que sa pein- de purger le passé, c’est-à-dire, la passado _ e até mesmo, em certo sentido, voltada para ele. A isso
ture, comme la sienne, serait éga- conversion de ce qui est une espèce se contrapõe uma percepção exterior do trabalho, orientada para a
lement motivée par le passé _ de rumeur qui vous assombrit en novidade que nele se apresenta.
et même, d’une certaine façon, forme. Ce serait la possibilité de se
tourné vers lui. A cela s’oppose libérer du passé et donc de devenir Paulo Pasta: (...) esse é um problema com o qual eu me deparo sempre: será
une perception extérieure du tra- plus libre au présent. Bon, mais en que o que faço interessa, tem importância. Eu me pergunto pela potência
vail, orientée par la nouveauté fait vous ne vous en libérez pas(...) no meu trabalho. Parece que não dou um tiro para frente, que dou um tiro
qui se présente en lui. je suis d’accord avec Nuno lorsqu’il para trás, mas parece que um tiro para trás também é muito importante.
s’irrite un peu avec cette emphase
Paulo Pasta: (...) ceci est un pro- mise sur le « tir en arrière »30 (...)
blème auquel je suis constamment
confronté: est-ce que ce que je fais Romantisme et réalisme Nuno Ramos: (...) Penso que seu trabalho certamente traz com ele as
intéresse quelqu’un, est-ce que cela Avec la façon par laquelle Gia- dificuldades atuais colocadas para a pintura, mas isso não significa uma
a de l’importance. Je me pose des cometti poursuit son idée des encarnação de um tempo saudosista (...)
questions sur le potentiel de mon formes des choses, en interogeant
travail. Je n’ai pas l’impression de le processus mimétique dans l’art, Rodrigo Naves: Eu penso, Paulo, que há na sua obra um presente ao
tirer en avant, mais plutôt que je survient alors l’attente de l’expo- mesmo tempo intenso e dúbio. E é dúbio porque ele tem espessura. E
tire en arrière, mais il me semble sition d’un sens plus intense qui para mim essa aparência dos seus quadros tem a ver com a tentativa
que tirer en arrière soit également se forme sur l’apparence exté- de purgar o passado, ou seja, a conversão daquilo que é uma espécie de
très important. rieure même de la réalité: rumor que te assombra em forma. Seria a possibilidade de você se livrar
do passado e portanto se tornar mais livre no presente. Bom, só que você
(...) C’est cela qui me fait agir, comme não se livra. (...) eu concordo com o Nuno quando ele se irrita um pouco
si l’on parvenait vraiment à com- com essa ênfase no “tiro para trás”. 30
Nuno Ramos: (...) Je pense que prendre l’essence de la vie. Et l’on
votre travail apporte avec lui les continue, tout en sachant que plus Romantismo e realismo
difficultés actuelles posées pour la on s’approche de la « chose », plus No modo como Giacometti persegue sua ideia da forma das coisas,
peinture, mais ceci n’a pas signifié elle s’éloigne (...). interrogando o processo mimético na arte, sobrevém a expectativa
l’incarnation d’un temps nostal- de exposição de um sentido maior que se forma na própria aparência
gique (...). L’art et la science consistent à es- exterior da realidade:
sayer de comprendre. L’echec et la
Rodrigo Naves: Je pense, Paulo, réussite sont totalement secondai- É isso que me faz agir, como se a gente realmente chegasse a compre-
qu’il y a dans votre oeuvre un res. Cette aventure est récente, elle ender o cerne da vida. E a gente continua, sabendo que quanto mais se
présent simultanément intense et a commencé au XVIII° siècle avec aproxima da “coisa”, tanto mais ela se afasta (...).

30  PASTA, Paulo. Paulo Pasta. São Paulo: Edusp, 1998. p. 180 — 182. 30  PASTA, Paulo. Paulo Pasta. São Paulo: Edusp, 1998. p. 180 — 182.

118 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 119


Chardin, quand on a davantage Le point concernant l’efface- A arte e a ciência consistem em tentar compreender. O fracasso e o êxito são
traité de la vision des artistes que ment de la figure ou sa dispari- totalmente secundários. Essa aventura é recente, começou no século XVIII,
du service des églises ou du plaisir tion sous un « mur de peinture » com Chardin, quando se tratou mais da visão dos artistas que do serviço
des rois. L’homme enfin remis à prend partie parmi les pièces de das igrejas ou do prazer dos reis. O homem enfim entregue a si mesmo!31
lui-même!31 l’échiquier posé par Balzac dans sa
célèbre nouvelle Le chef d’oeuvre De forma parecida, Camargo parece tomar a arte como meio para
De façon similaire, Camargo inconnu. Le peintre Frenhofer, se chegar a uma integridade na relação com o mundo. Seu discurso ar-
semble considérer l’art comme un personnage de l’oeuvre, est pris rebatado aproxima o processo da pintura de uma dimensão religiosa:
moyen de parvenir à une intégrité de délire de compétence face à sa
dans la relation avec le monde. toile, en passant, juste après, à un (...) eu busco o cerne das coisas, no meu ser, na minha fé, nesse meu
Son discours emporté rapproche état d’impuissance absolue face trabalho. Eu faço da pintura a minha carne, o meu sangue, é tudo uma
le processus de la peinture d’une à l’oeuvre interrompue. Beau- consubstanciação, como no mistério da eucaristia dos religiosos.32
dimension religieuse: coup des questions mentionnées
dans les témoignages de Iberê et Mário Carneiro se referia ao ponto de virada recorrente no pro-
(...) je cherche l’essence des choses, de Giacometti pourraient ren- cesso trabalho de Iberê:
dans mon être, dans ma foi, dans voyer aux soucis de la peinture
mon travail. Je fais de la peintu- d’après Balzac: la toile comme Em razão daquele envolvimento absoluto com o quadro, chegava a um
re ma chair, mon sang, tout est pregnance inépuisable ou un ren- certo ponto em que começava a raspar tudo o que tinha feito.33
consubstantiation, comme dans voi permanent à la table rase; la
le mystère de l’eucharistie des conscience scindée de l’artiste, O tópico do apagamento da figura ou seu desaparecimento sob
religieux.32 guidé par l’idée et par la sensation um “muro de tinta” toma parte entre as peças do tabuleiro armado
physique; le transfert de l’im- por Balzac em sua conhecida novela A obra-prima desconhecida (Le
Mário Carneiro faisait réfé- pulsion vitale vers l’art; les sens Chef-d’oeuvre inconnu). O pintor Frenhofer, personagem da obra, é
rence au tournant récurrent dans contradictoires pointés par les tomado por um delírio de proficiência diante da tela, passando, logo
le processus de travail de Iberê: « phares du passé »... depois, a um estado de absoluto desamparo diante da obra interrom-
Dans une interview du sculp- pida. Muitas das questões mencionadas nos depoimentos de Iberê
En raison de cette implication ab- teur José Resende à Sônia Sal- e Giacometti poderiam remeter aos dilemas da pintura segundo
solue avec le tableau, il parvenait zstein sur la signification actuelle Balzac: a tela como pregnância inesgotável ou permanente reenvio
à un point où il raclait tout ce qu’il de la peinture de Camargo, la à tábula rasa; a consciência cindida do artista, guiado pela ideia e
avait fait.33 conversation évolue curieuse- pela sensação física; a transferência de impulso vital para a arte; os
ment vers un débat autour du sentidos contraditórios apontados pelos “faróis do passado”...

31  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Interview de Giacometti à Albert Pari- 31  PARINAUD, Albert. Por que sou escultor? Entrevista de Giacometti a Albert Parinaud.
naud. Traduction et présentation de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Tradução e apresentação de Célia Euvaldo. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n.
Cebrap, n. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. 76 e 79. 34, p. 71 — 79, nov. 1992. 76 e 79.
32  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a 32  COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo a
Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123, Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123,
nov. 1992. p. 117. nov. 1992. p. 117.
33  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify, 33  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
2003. p. 38. 2003. p. 38.

120 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 121


« romantisme » ou du « réalisme’ dans une version existentialiste Numa entrevista do escultor José Resende a Sônia Salzstein sobre
du peintre. Resende insiste sur la anti- héroïque, poursuivant sa o significado atual da pintura de Camargo, a conversa evolui curiosa-
« prémisse d’une profonde dis- route tel un cowboy errant à tra- mente para um debate em torno do “romantismo” ou do “realismo”
position existentielle » et consi- vers le chemin de la déconstruc- do pintor. Resende insiste na “premissa de uma profunda disposição
dère la nécessité de la composante tion de l’ordre patriarcal. existencial” e considera a necessidade do componente romântico
romantique comme « sustenta- como “sustentação da permanência desses trabalhos” num contexto
tion de la permanence de ces tra- Digression: à propos de deux de incompreensão e indiferença34. Para Salzstein, Iberê seria um
vaux » dans un contexte d’incom- registres audivisuels (De Chi- realista, pelo “confronto sem redenção com a violência da matéria”,
préhension et d’indifférence34. rico et Iberê in process) sem entregar-se ao “excesso” e ao “culto das marcas pessoais do
Pour salzstein, Iberê serait un Le registre audiovisuel du travail, gesto” que caracterizam os limites e a fragilidade do romantismo.
réaliste, par la « confrontation avec un apport réflexif du docu- Uma dimensão de romantismo certamente se encontra presente
sans rédemption face à la violence mentaire, rajoute une dimen- tanto na obra de Iberê quanto na de Giacometti, ligada ao horizonte
de la matière », sans se rendre sion inédite au témoignage/ existencial do período em que viveram, em boa medida extensiva aos
à l’ « excès » et au « culte des interview. Dans un enregistre- dias de hoje. Continua sendo pertinente aferir o estatuto heróico do
marques personnelles du geste» ment de Giogio de Chirico fait artista, na contracorrente da colonização do mundo pela razão técni-
caractérisant les limites et la fra- en 1973 pour la télévision ita- ca. Ou, numa versão existencialista antiheróica, seguindo como um
gilité du romantisme. lienne, le peintre octogénaire est caubói errante pelo caminho da desconstrução da ordem patriarcal.
Une dimension du roman- interviewé en même temps qu’il
tisme se trouve certainement réalise une peinture35. L’émis- Digressão: a propósito de dois registros audiovisuais
présente aussi bien dans l’oeuvre sion résulte en une sorte de por- (De Chirico e Iberê in process)
de Iberê que dans celle de Giaco- trait de l’artiste, indifférent aux O registro audiovisual do trabalho, com o aporte reflexivo do do-
metti, associée à l’horizon exis- jugements portés autour de lui cumentário, acrescenta uma dimensão inédita ao depoimento/
tentiel de la période à laquelle concernat sa posture de « réac- entrevista. Numa gravação de Giorgio de Chirico feita em 1973 para
ils ont vécu, qui, dans une large tionnarisme olympique »36. Le a televisão italiana, o pintor octogenário é entrevistado enquanto
mesure, peut être étendue à de plan de la peinture est réalisé realiza uma pintura35. O programa resulta numa espécie de retra-
nos jours. Il continue d’être per- face à la caméra de façon impla- to do artista, indiferente aos juízos à sua volta em sua postura de
tinent d’évaluer le statut héroïque cable, de l’image tracée au char- “reacionarismo olímpico”36. O plano da pintura é executado diante
de l’artiste, dans le contre-cou- bon avec le recouvrement de la da câmera de modo implacável, da imagem traçada a carvão ao re-
rant de la colonisation du monde toile avec ses couleurs à huile37. cobrimento da tela com cores a óleo37. O quadro mostra uma lua e
par la raison technique. Ou bien, Le tableau montre une lune et un um sol negros, do lado de fora de uma janela, ligados por um fio a

34  RESENDE cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São 34  RESENDE apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo:
Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 168 — 170. Cosac & Naify, 2003. p. 168 — 170.
35  COME nasce un’opera d’arte - “Il Sole sul Cavaletto”. Franco Simongini. Disponible 35  COME nasce un’opera d’arte - “Il Sole sul Cavaletto”. Programa gravado por Franco
sur: <https://www.youtube.com/watch?v=eoVdP1IhKrc>. (consulté le 6/10/2017). Simongini. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eoVdP1IhKrc>. Acesso
(43min 13s). em: 6 out. 2017. (43min 13s).
36  MAMMÌ cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Pau- 36  MAMMÌ apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo:
lo: Cosac & Naify, 2003. p. 157. Cosac & Naify, 2003. p. 157.
37  Il y eût, en vérité, plus d’une scéance d’enregistrement. Pendant un intervale entre 37  Houve, na verdade, mais de uma sessão de gravação. Num intervalo entre elas, du-
elles, durant une nuit d’insomnie, il aurait avancé un peu dans son travail, d’après sa rante uma noite de insônia, ele teria avançado um pouco no trabalho, segundo declarou.

122 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 123


soleil noirs, à l’extérieur d’une avec toute la véhémence dont je outra lua e outro sol, de cores claras, no interior da bottega. A obra
fenêtre, reliés par un fil à une suis capable... Etvoilà d’où vient integra uma série alegórica que mostra o cavalete como centro de
autre lune et un autre soleil, aux cette insatisfaction de reprendre, um circuito entre um pólo luminoso e um pólo tenebroso.
couleurs claires, à l’intérieur de répéter, racler (...) me lancer dans Um outro filme mostra Iberê Camargo pintando o retrato de Hile-
la bottega. L’oeuvre intègre une des chemins pour ensuite les aban- ana Carneiro em 1988. Neste como em outros registros de Iberê dá-se
série allégorique qui montre le donner, revenir vers d’autres che- a exposição parcial de um processo de idas e vindas entre o fazer e
chevalet comme le centre d’un mins (...) pour retrouver l’objectif o desfazer da imagem. A forma final da pintura aparece mais como
circuit entre un pôle lumineux que je ne connais pas, mais j’ai simples termo do processo do que como resultado para o qual se dirige
et un pôle ténébreux. l’intuition qu’il y a un point auquel o trabalho. O sentido parece alojar-se no “meio” mais do que no “fim”
Un autre film présente Iberê parvenir (...)38 da pintura, no percorrer de incontáveis possibilidades à medida em
Camargo peignant le portrait de que o quadro é apagado e refeito repetidas vezes. A gravação de uma
Hileana Carneiro en 1988. Dans Conclusion: le milieu comme fala do pintor foi sobreposta sobre imagens que mostram o retrato
ce registre, comme dans d’autres condition sendo pintado:
registres de Iberê, survient l’ex- La compréhension que l’on
position partielle d’un proces- a aujourd’hui, aussi bien de ... Sempre procuro, quando pinto, gravo ou desenho (...) expressar da
sus d’allers et de retours entre le l’oeuvre de Giacometti que de melhor maneira o que estou sentindo, com toda a força, com toda a
faire et le défaire de l’image. La celle de Iberê, tend à souligner veemência de que sou capaz... E daí esta minha insatisfação de voltar,
forme finale de la peinture appa- le geste de Sisyphe, la condam- repetir, raspar (...) enveredar por caminhos e depois abandoná-los, re-
raît plutôt comme simple terme nation á un éternel retour à la tornar a outros caminhos (...) para encontrar a meta que eu não sei qual
d’un processus, que d’un résultat case de départ et la difficulté de é, mas tenho a intuição de que há um ponto a chegar (...)38
vers lequel est orienté le travail. formalisation. Et, à partir de là,
Le sens paraît s’héberger dans le l’aspect vain de la résistance de Conclusão: o meio como condição
« moyen » plutôt que dans la « fin’ tous deux á l’abandon de la repré- A compreensão que se tem hoje tanto da obra de Giacometti quanto
de la peinture, dans le parcours sentation et des supports tradi- da de Camargo tende a destacar o gesto de Sísifo, a condenação a
d’inombrables possibilités, dans tionnels de l’oeuvre d’art _ que ce um eterno retorno à estaca zero e a dificuldade de formalização.
la mesure où le tableau est effacé soit par le biais de l’accumulation E, a partir daí, o aspecto vão da resistência de ambos ao abandono
et refait maintes fois. Le registre ou du retrait de matière. Pour da representação e dos suportes tradicionais da obra de arte _ seja
de paroles du peintre a été super- l’un comme pour l’autre artiste, por via do acúmulo ou da retirada de matéria. Para um como para
posé à des images qui montrent la signification de l’oeuvre d’art outro artista, o sentido da obra seria, no entanto, indissociável do
la portrait en cours d’exécution: serait cependant indissociable envolvimento com questões internas da pintura e da escultura.
de l’implication autour de ques- Segundo Carlos Zílio,
... Je cherche toujours, lorsque je tions internes de la peinture et
peins, je grave ou je dessine (...) ex- de la sculpture. (...) a atualidade de Iberê não estaria na proposição do alargamento dos
primer de la meilleure manière ce D’après Carlos Zílio, meios expressivos (...). Não há em seu trabalho qualquer proposta, por
que je ressens, avec toute la force, exemplo, de relação entre arte e vida. Sua força e atualidade residem
no aprofundamento de um antigo saber: a pintura. O poder de sua obra
déclaration.
38  Disponible sur: <https://www.youtube.com/watch?v=sYVDk-L3bBQ>. (consulté le 38  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sYVDk-L3bBQ>. Acesso em:
6/10/2017). 6 out. 2017.

124 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 125


(...) l’actualité de Iberê ne serait pas Camargo a même protesté contre está concentrado na capacidade de conter em si o acúmulo da cultura e
dans la proposition de l’élargisse- des « appropriations » de son a consciência da ruptura.39
ment des moyens expressifs (...). Il oeuvre par des comissaires, qui
n’y a, dans son travail, aucune pro- passerait au large de la dépen- No tipo de interpretação histórica a que nos referimos mais aci-
position, par exemple, de relation dance des questions qu’il soulève ma, se estaria deixando de lado a interrogação sobre o sentido de se
entre l’art et la vie. Sa force et son par rapport au support matériel continuar pintando e esculpindo, sem poder saber onde isso irá levar,
actualité résident dans l’approfon- de la peinture40. encontrando seu ponto de partida em um motivo que nunca perde
dissement d’un ancien savoir: la Le maintien d’un lien avec sua força impulsionadora. A entrevista de Giacometti aponta já em
peinture. Le pouvoir de son oeuvre la tradition en tant que prin- seu próprio título (“Por que sou escultor?”) para a importância de
est concentré dans la capacité de cipe d’identité de l’art devient que para ele se revestia o significado da escultura enquanto meio
contenir en soi l’accumulation de cependant un aspect anodin si de pesquisa e expressão. Por seu lado, Camargo chegou a protestar
la culture et la conscience de la l’on ne confére pas de poids équi- contra “apropriações” curatoriais de sua obra que passariam ao largo
rupture.39 valent au potentiel de transfor- da dependência das questões que ela levanta em relação ao suporte
mation historique que le milieu material da pintura40.
Dans le type d’interpréta- m~eme comporte. Pendant les A sustentação de um vínculo com a tradição enquanto princípio
tion historique auquel nous nous deux derniers siécles, cet effet de identidade da arte se torna, porém, um aspecto anódino se não se
référions antérieurement, on transformateur a été associé à conferir peso equivalente ao potencial de transformação histórica
serait en train de délaisser l’in- un déplacement vers l’extério- que o próprio meio comporta. Nos últimos dois séculos, tal efeito
terrogation sur le sens donné rité de l’oeuvre, qui se définit á transformador esteve ligado a um deslocamento para a exterioridade
au fait de continuer à peindre et partir du plan. D’oú l’importance, da obra, que se define a partir do plano. Daí a importância, para Iberê
à sculpter, sans pouvoir savoir pour iberê Camargo, de sa période Camargo, de seu período de aprendizado com André Lothe, quando
où ceci nous mènera, en trou- d’apprentissage avec André lothe, começa a usar a superfície como base de apoio para reconquistar
vant son point de départ dans lorsqu’il commence à utiliser la uma densidade para a pintura.
un motif qui ne perd jamais de surface comme base d’appui pour Segundo o escultor José Resende,
sa force d’impulsion. L’inter- reconquérir une densité pour la
view de Giacometti souligne peinture. Na pintura de Iberê(...) é a espessura e a densidade da massa pictórica
déjà dans son propre titre (« Por D’après le sculpteur José que evidenciam a vontade de retirá-la do plano ideal da tela para tor-
que sou escultor ? – Pourquoi Resende, ná-la uma ação concreta no mundo (...). A tela acabada é a afirmação
suis-je sculpteur ? ») l’impor- da singularidade de um momento de excelência, eleito na sequência de
tance qu’il attribuait, prise par Dans la peinture de Iberê (...), c’est frustradas situações anteriores, de uma somatória de apagamentos suces-
la signification de la sculpture l’épaisseur et la densité de la masse sivos que não se esvaem, mas que, ao contrário, conformam a espessura
en tant que moyen de recherche picturale qui mettent en évidence dessa massa pictórica(...) A imagem final não resulta, assim, apenas da
et d’expression. Pour sa part, la volonté de l’enlever du plan idéal afirmação de si mesma, mas também do risco de uma escolha, de uma

39  ZÍLIO cité par SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: 39  ZÍLIO apud SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac
Cosac & Naify, 2003. p. 173. & Naify, 2003. p. 173.
40  Cf. REIS, Paulo. Entrevista com Iberê Camargo. Ars, Rio de Janeiro, n. 2, p. 122, 40  Cf. REIS, Paulo. Entrevista com Iberê Camargo. Ars, Rio de Janeiro, n. 2, p. 122, dez.
dez. 2003; COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê 2003; COTRIM MARTINS, Cecília. A paixão na pintura - depoimento de Iberê Camargo
Camargo a Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. a Cecília Cotrim Martins. Revista Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 34, p. 107 — 123,
107 — 123, nov. 1992. p. 116. nov. 1992. p. 116.

126 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 127


de la toile pour la faire devenir une Subsiste le doute , si le « plan decisão arbitrária que a fixou em detrimento dos momentos anteriores,
action concrète dans le monde (...). idéal », dans lequel la fonction momentos que não obstante com ela convivem e também a constituem.
la toile achevée est l’affirmation de de représentation est mobilisée,
la singularité d’un moment d’ex- ne continue également pas à (...) o trabalho de Iberê apresenta essa disposição tão marcante (...) de
cellence, élu dans la séquence de faire partie de la peinture, même pensar a pintura como gesto que se quer presença no mundo (...)41
situations antérieures frustrées, de quand celle-ci s’affirme comme
la somme d’effacements successifs une « action dans le monde ». Isso não implica necessariamente na perda de importância do
qui ne s’épuisent pas, mais qui, Il conviendrait, en guise de suporte material, em nome da valorização abstrata do gesto do
au contraire, conforment l’épais- conclusion, de reprendre le thème artista, mas sim que o sentido da pintura é indissociável de sua
seur de cette masse picturale (...) du rapport au passé et de sa par- materialidade. Resta a dúvida se o “plano ideal”, em que se opera
Ainsi, l’image finale ne résulte pas ticipation dans le présent. La com a função de representação, também não continua a fazer parte
uniquement de l’affirmation de bobine fonctionne également da pintura, mesmo quando ela se afirma como “ação no mundo”.
soi-m~eme, mais aussi du risque ici comme métaphore large d’un Caberia, para concluir, retomar o tema da relação com o passado
d’un choix, d’une décision arbi- esprit de cohérence qui continue e de sua participação no presente. O carretel funciona também aqui
traire qui l’a fixée au détriment des présente dans l’oeuvre, au-delà de como metáfora abrangente de um espírito de coerência que conti-
moments antérieurs, moments qui la structure qui s’émiette ou du nua pairando sobre a obra, para além da estrutura que se destroça
cependant vivent avec l’image et la « fil d’Ariane » qui se mèle dans ou do “fio de Ariadne” que se emaranha num palimpsesto de linhas
constituent. un palimpseste de lignes super- superpostas. As falas de Giacometti e Iberê sugerem o resgate de
posées. Les discours de Giaco- uma “anunciação”, ocorrida num interior doméstico de Stampa ou
(...) le travail d’Iberê présente cet- metti et de Iberê suggèrent la num pátio de Resting Seca _ sinal de acesso a uma forma particular
te disposition si marcante (...) de récupération d’une « annoncia- de transcendência, que deverá ser reatualizado na produção da obra.
penser la peinture comme un geste tion », survenue dans un intérieur Esta se torna uma ferramenta de abertura para um presente fecundo,
qui se veut une présence dans le domestique de Stampa ou dans deixando para trás um tempo e um espaço homogêneo.
monde (...).41 une cour de Resting seca _ signe
d’accés á une forme particulière
Ceci n’implique pas nécessai- de transcendance, qui devra être
rement dans la perte d’impor- remise á jour dans la production
tance du support matériel, au de l’oeuvre. Celle-ci devient un
nom de la valorisation abstraite outil d’ouverture vers un présent
du geste de l’artiste, mais plu- fécond, laissant derrière soi un
tôt que le sens de la peinture est temps et un espace homogène.
indissociable de sa matérialité.

41  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify, 41  SALZSTEIN, Sônia (Org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac & Naify,
2003. p. 164. 2003. p. 164.

128 Poéticas I Pedro de Andrade Alvim 129


POÉTICAS DA PAISAGEM

130 Poéticas I  131


GILLES TIBERGHIEN

Smithson : une pratique Smithson: uma prática


spéculative de l’art especulativa da arte
GILLES TIBERGHIEN GILLES TIBERGHIEN

L’artiste américain, Robert époque ont écrit, Robert Mor- O artista americano Robert Smithson morreu em 1973, aos 35 anos,
Smithson est mort en 1973 à ris, Dan Graham, Peter Hutchin- em uma queda de avião no local de sua última obra, que será final-
l’âge de 35 ans en s’écrasant en son, Donald judd, Richard Serra, mente realizada por sua esposa Nancy Holt com a ajuda de Richard
avion sur le site de sa dernière Mel Bochner etc., mais aucun n’a, Serra e Tonny Shafrazzi, em Amarillo no Texas. Seis anos depois de
œuvre qui sera finalement réa- à mon sens, égalé la puissance sua morte, foi publicada uma coleção de seus escritos, Os Escritos
lisée par sa femme Nancy Holt suggestive de Smithson qui de Smithson, editado por Nancy Holt e formatado por Sol Lewitt.
aidée de Richard Serra et de s’est servi des textes théoriques Após o seu lançamento em 1979, portanto, o crítico americano Peter
Tonny Shafrazzi à Amarillo, dans comme d’outils de fabrication et Schjeldahl considerou-o “o livro mais importante de escritos sobre
le Texas. Six ans après sa dispa- de compréhension de ses propre arte contemporânea americana dos últimos vinte anos.1
rition on publia un recueil de ses projets et non comme de simples Esta homenagem de um grande crítico americano a um artista
écrits, The Writings of Smithson, appareils de justifications à pos- como crítico é digno de ser notado. Muitos artistas desta época es-
édité par Nancy Holt et mis en teriori ou comme le développe- creveram, Robert Morris, Dan Graham, Peter Hutchinson, Donald
page par Sol Lewitt. Au moment ment de réflexions parallèles à Judd, Richard Serra, Mel Bochner etc., mas nenhum, na minha
de sa parution, en 1979 donc, le ses pratiques. opinião, igualou o poder sugestivo de Smithson, que se serviu de
critique Américain Peter Schjel- L’art est un mode de pensée, textos teóricos como ferramentas de produção e compreensão de seus
dahl le considérait comme « le à côté d’autres, comme la science próprios projetos e não como meros dispositivos de justificativas a
livre le plus significatif d’écrits ou la philosophie. De ce point posteriori ou como um desenvolvimento de reflexões paralelas às
sur l’art contemporain américain de vue, le rapport complexe que suas práticas .
depuis vingt ans.1 » les œuvres entretiennent avec la A arte é uma forma de pensar, ao lado de outras, como a ciência ou
Cet hommage d’un grand théorie est encore plus frappant a filosofia. Deste ponto de vista, a relação complexa que as obras têm
critique américain à un artiste chez des artistes extrêmement com a teoria é ainda mais impressionante em artistas altamente espe-
comme critique vaut d’être noté. spéculatifs comme Smithson. culativos como Smithson. Para ele, como para os outros que eu citei,
Beaucoup d’artistes de cette Pour lui, comme pour d’autres o texto não é um simples comentário ou suplemento informativo; ele

1  SCHJELDAHL, Peter. Robert Smithson Writings. In: WILSON, Malin (Ed.). The Hy- 1  SCHJELDAHL, Peter. Robert Smithson Writings. In: WILSON, Malin (Ed.). The Hydrogen
drogen Jukebox. Selected Writings of Peter Schjeldahl. 1978 — 1990. Introdução de Robert Jukebox. Selected Writings of Peter Schjeldahl. 1978 — 1990. Introdução de Robert Storr.
Storr. Berkeley: University of California Press, 1991. p. 135 — 140. Berkeley: University of California Press, 1991. p. 135 — 140.

132 Poéticas I Gilles Tiberghien 133


que j’ai cité, le texte n’est pas un échéant, échanger ses propriétés é constitutivo da obra. A teoria dos artistas é como a teoria científica:
simple commentaire ou un sup- avec la science fiction. Celle-ci, hipotético dedutiva. Ela, portanto, está enraizada em um processo de
plément informatif; il est consti- genre artistique réputé mineur, desenvolvimento imaginário, de certa forma, comparável. Mas esta
tutif de l’œuvre. La théorie des jouera un grand rôle dans l’art des teoria não verifica nada; ela produz no máximo efeitos reais que ao
artistes est comme la théorie années soixante aux Etats-Unis2. transformarem o mundo também têm a função de, até certo ponto,
scientifique: hypothético déduc- A propos de la fiction, Smithson nos fazer conhecer. Que não seja o primeiro objetivo, não importa;
tive. Elle s’enracine donc dans dans A Museum of Language in the o conhecimento é parte integrante do prazer que nos fornecem as
un processus d’élaboration ima- vicinity of art (1968), écrivait pour obras - e mesmo que seja mais sensível na arte contemporânea, isso
ginaire, à certains égards com- le déplorer : « Quand on utilise é uma verdade da arte em geral. Essas teorias são, por sua natureza
parable. Mais cette théorie ne le mot “fiction“, la plupart d’entre especial, ficções. Quando um corpus científico lhes dá nascimento,
vérifie rien; elle produit tout nous pensons à la littérature, como é o caso, por exemplo, para as especulações de Smithson sobre
au plus des effets de réels qui mais pratiquement jamais à des a entropia, elas se tornam “ficção - ciência” que pode, se necessário,
en transformant le monde ont fictions au sens général. […] Le trocar propriedades com a ficção científica. Este gênero artístico
aussi pour fonction, dans une statut de la fiction a laissé place considerado menor, irá desempenhar um grande papel na arte dos
certaine mesure, de nous le faire au mythe du fait. Il est admis que anos sessenta nos Estados Unidos2. Sobre ficção, Smithson em Um
connaître. Que ce n’en soit pas les faits ont plus de réalité que la Museu da Linguagem na vizinhança da Arte (1968), escreveu para se
le but premier, peu importe ; la fiction, que la “science fiction“ lamentar: “Quando usamos a palavra “ficção”, a maioria de nós acre-
connaissance est partie prenante devient, à travers le mythe du dita na literatura, mas quase nunca em ficções no sentido geral. [...]
du plaisir que nous procurent les progrès, une “science de faits.“3 » O status de ficção deu lugar ao mito do fato. Aceita-se que os fatos
œuvres — et même si c’est plus On sait que le mot Earth têm mais realidade do que a ficção, como “ficção científica” se torna,
sensible dans l’art contempo- Works, sera le titre de l’exposi- através do mito do progresso, uma “ciência dos fatos”3.
rain, c’est vrai de l’art en géné- tion de 1968 qui se tiendra en Sabemos que a palavra Earth Works, foi o título da exposição
ral. Ces théories sont, de par leur octobre à la Dwan Gallery et qui de 1968, realizada em outubro na Galeria Dwan, que deu início, ao
nature particulière, des fictions. donnera le coup d’envoi à ce que que mais tarde foi chamado de Earth art ou Land art. Esta palavra
Quand un corpus scientifique leur l’on appellera plus tard Earth art pertenceu ao gênio civil4, mas também é baseada em um romance de
donne naissance, comme c’est le ou Land art. Ce mot appartenait mesmo nome, de Brian Aldiss, que Smithson havia levado, durante a
cas, par exemple, pour les spécu- à l’origine au génie civil4, mais sua caminhada em Passaic, em 1967. A história se passa em um mun-
lations de Smithson sur l’entro- il est aussi tiré d’un roman du do devastado por um desastre ecológico característico do universo
pie, elles deviennent de la « fic- même nom de Brian Aldiss que Smithson, grande leitor de romances de James Graham Ballard, onde
tion – science » qui peut, le cas Smithson avait emporté, lors encontrou um eco literário para suas especulações sobre o tempo e

2  Je reprends ce paragraphe à l’introduction de mon livre Land art. Nlle édition aug- 2  Retomo este parágrafo na introdução de meu livro Land art. Nlle edição expandida.
mentée. Paris: Carré, 2012. p. 36. Paris: Carré, 2012. p. 36.
3  SMITHSON, Robert. The collected writings. Editado por Jack Flam. Berkeley; Los An- 3  SMITHSON, Robert. The collected writings. Editado por Jack Flam. Berkeley; Los Angeles;
geles; Londres: University of California Press, 1996. (Désormais cité sous l’abréviation, Londres: University of California Press, 1996. (Citado sob a abreviação W.S. seguida da
W.S. suivi de la pagination, ici p. 83). paginação, aqui p. 83).
4  On peut le traduire en français par Terrassement, comme on l’a fait du livre de 4  Podemos traduzi-lo em português por Terraplanagem, como tem sido o livro de Brian
Brian Aldiss, Paris, Le Masque Science –Fiction, trad. franç, Françoise Maillet. Ecrit Aldiss, Paris, a máscara ficção-científica (tradução de Françoise Mallet). Escrito em duas
en deux mots dans le titre de l’exposition il est utilisé en un seul par Smithson pour palavras no título da exposição, ele é usado em uma só por Smithson para designar as
désigner les œuvres elles-mêmes obras em si.

134 Poéticas I Gilles Tiberghien 135


de sa promenade à Passaïc, en comme une sorte d’appendice à os fenômenos de cristalização aos quais a escultura Girostasis (1966)
1967. L’intrigue se déroule dans Paterson, le poème de William refere-se diretamente: seu titulo, na verdade, refere-se a um ramo
un monde dévasté par une catas- Carlos Williams. Cela renvoie à da cristalografia que estuda o crescimento de alguns cristais.
trophe écologique caractéristique cette ambiance du New Jersey où “A tour of the monument of Passaic, New Jersey” é um grande texto
de l’univers de Smithson grand tout est déglingué. Le New Jersey crítico, escrito em uma linguagem extremamente inventiva que
lecteur des romans de James Gra- comme une sorte de Californie faz uma obra a parte inteira, obedecendo aos desejos de Schlegel,
ham Ballard, dans lesquels il trou- détruite, une Californie laissée segundo o qual qualquer julgamento sobre uma obra de arte em si
vait un écho littéraire à ses spécu- à l’abandon6. » On peut dire en deve ser ele mesmo uma obra de arte 5. Smithson disse em uma en-
lations sur le temps et les phéno- effet que la lecture de Paterson, trevista: “De certa forma, o artigo que escrevi sobre Passaic poderia
mènes de cristallisation auxquels sa structure, ses procédés de com- ser considerado uma espécie de apêndice a Paterson, o poema de
la sculpture Girostasis (1966) ren- position, jouèrent probablement William Carlos Williams. Isto refere-se à atmosfera de New Jersey,
voie directement : son titre, en un très grand rôle dans la façon onde tudo está desmoronando. O New Jersey como uma espécie de
effet, renvoie à une branche de d’écrire de Smithson. Califórnia destruída, uma Califórnia abandonada 6. “Podemos dizer
la cristallographie qui étudie la « A tour of the monument of de fato que a leitura de Paterson, sua estrutura, procedimentos de
croissance de certains cristaux. Passaic, New Jersey »  7 se pré- composição, provavelmente desempenharam um grande papel na
« A tour of the monument of sente comme une parodie des forma de escrever de Smithson.
Passaic, New Jersey »  est un grand promenades pittoresques deve- “A tour of the monument of Passaic, New Jersey”7 aparece como
texte critique, écrit dans une nues une sorte de genre au 19° uma paródia dos passeios pitorescos que se tornaram uma espécie
langue extrêmement inventive siècle, en particulier sous l’im- de gênero no século 19, particularmente sob a liderança de Gilpin8
qui en fait en même temps une pulsion de Gilpin8 et de Uvedale e Uvedale Price (1794). Estes passeios vão na direção de movimento,
œuvre à part entière obéissant au Price (1794). Ces promenades vont da mobilidade característica do pitoresco. A referência é também
vœu de Schlegel selon lequel tout dans le sens du mouvement, de la para cruzar de novo com as viradas da Geração Beat, cujo romance
jugement sur une œuvre d’art mobilité caractéristique du pit- de Jack Kerouak, On the Road (1957) é a expressão literária icônico,
doit être lui même une œuvre toresque. La référence est d’ail- um romance onde a paisagem desfila vida do carro em um frenesi
d’art5. Smithson déclarait dans leurs à recroiser avec les virées de de movimentos que é um pouco o equivalente visual de uma melo-
un entretien : « D’une certaine la Beat génération dont le roman dia jazz em busca do Hit, algo que teria a ver com a busca da baleia
manière, l’article que j’ai écrit sur de Jack Kerouak, On the road, branca por Achab em Moby Dick.
Passaic pourrait être considéré (1957) est l’expression littéraire Isso mostra como uma geografia imaginária contamina a geo-
grafia real. Isso reforça a concepção da paisagem que faz Smithson
5  « Un jugement sur l’art qui n’est pas lui-même une œuvre d’art […] n’a pas droit de
cité au royaume de l’art. » (SCHLEGEL, Frédéric. (1797). Fragments critiques. Tradução 5  “Un jugement sur l’art qui n’est pas lui-même une œuvre d’art […] n’a pas droit de cité au
de Fr. Jean Luc Nancy e Philippe Lacoue-Labarthe. Paris: Seuil; L’absolu littéraire, royaume de l’art.” (SCHLEGEL, Frédéric. (1797). Fragments critiques. Tradução de Fr. Jean
1978. p. 95, §117). Luc Nancy e Philippe Lacoue-Labarthe. Paris: Seuil; L’absolu littéraire, 1978. p. 95, §117).
6  PETTENA, Gianni. Conversation in Salt Lake City. Interview par Gianni Pettena, 25 6  PETTENA, Gianni. Conversação em Salt Lake City. Entrevista realizada em 25 de ja-
janvier 1972. The Writings of Smithson. New York: New York University Press, 1979. neiro de 1972. Os escritos de Smithson. New York: New York University Press, 1979. In:
In: CRIQUI, Jean Pierre. Ruines à l’envers. Introduction à la visite des monuments de CRIQUI, Jean Pierre. Ruínas em sentido inverso. Introdução à visita dos monumentos de
Passaic. p. 187. Les Cahiers du Musée National d’Art Moderne, n. 43, note 2, p. 12 — 13, Passaic. p. 187. Les Cahiers du Musée National d’Art Moderne, n. 43, nota 2, p. 12 — 13,
Printemps 1993. primavera de 1993.
7  W.S. A tour of the monument of Passaic, New Jersey. 1967. p. 68 et seq. 7  W.S. A tour of the monument of Passaic, New Jersey. 1967. p. 68 et seq.
8  GILPIN, William. Three essays: on picturesque beauty, on picturesque travel, and on 8  GILPIN, William. Three essays: on picturesque beauty, on picturesque travel, and on
skeching landscape. London, 1794. skeching landscape. London, 1794.

136 Poéticas I Gilles Tiberghien 137


emblématique, un roman où le paysage de plaines, cerné au como texto ou como uma narrativa, como o romance que, de acordo
paysage défile vu d’auto dans une loin par des collines et ponc- com a famosa imagem de Stendhal, funcionaria como um espelho
frénésie de déplacements qui est tué de cheminées d’usines, de que passeamos ao longo de uma estrada. Podemos compreendê-lo
un peu l’équivalent visuel d’une tours, de fumées et de lumières bem na análise que Smithson fez de uma fala da famosa entrevista
mélodie de Jazz à la recherche multicolores. Ce trajet en voi- com Sam Wagstaff, publicada no Artforum, em dezembro de 1966,
du Hit, quelque chose qui aurait ture fut pour moi une révélation. onde o escultor Tony Smith contava o passeio de carro que ele fez
à voir avec la poursuite de la La route et une grande partie du nos anos cinquenta em uma auto-estrada de New Jersey. Cito uma
baleine blanche par Achab dans paysage étaient artificielles ; on passagem deste famoso texto:
Moby Dick. ne pouvait cependant les quali- “A noite estava escura; não havia iluminação nem sinalização
On voit ainsi comment une fier d’œuvres d’art. D’autre part, do lado de baixo ou linhas de ultrapassagem ou parapeitos. Apenas
géographie imaginaire conta- ce parcours fit pour moi ce que a estrada preta desfilando através de uma paisagem de planícies,
mine la géographie réelle. Ce l’art n’avait jamais fait. Ce que je cercada ao longe por colinas e pontilhada por chaminés de fábri-
qui renforce la conception du ne pus tout d’abord nommer eut cas, torres, fumaça e luzes coloridas. Este trajeto de carro foi uma
paysage que se fait Smithson ensuite pour effet de me libérer revelação para mim. A estrada e grande parte da paisagem eram
comme texte, ou comme récit, à de nombre d’opinions que j’avais artificiais; não podíamos, no entanto, chamá-las de obras de arte.
la manière du roman qui, selon la sur l’art. Il semble qu’il y ait eu là De outro lado, este percurso fez por mim o que a arte nunca fez. O
célèbre image de Stendhal, fonc- une réalité que l’art n’avait jamais que eu não pude inicialmente nomear teve em seguida o efeito de
tionnerait à la façon d’un miroir exprimée. L’expérience que j’avais me libertar de muitas opiniões que eu tinha sobre a arte. Parece que
que l’on promène le long d’une vécue sur la route, pour précise havia ali uma realidade que a arte nunca havia expressado. A expe-
route. On le comprend bien dans qu’elle fut n’était pas reconnue riência que eu tinha vivido na estrada por mais precisa que tenha
l’analyse que Smithson fait du socialement Je pensais en moi- sido não era reconhecida socialmente. Eu pensei comigo mesmo: “É
passage célèbre d’un entretien même: «il est clair que c’est la fin claro que este é o fim da arte” 9. “Smithson comparou então, em seu
avec Sam Wagstaff, publié dans de l’art».9» Smithson alors com- texto “A sedimentação dos projetos da Mente da Terra”, a estrada em
Artforum, en décembre 1966, où parait, dans son texte « A Sedi- que Smith havia dirigido naquela noite à estrutura de uma frase:
le sculpteur Tony Smith racontait mentation of the Mind Earth “Tony Smith fala de uma “estrada escura” que é “pontuada por cha-
la promenade en voiture qu’il fit projects », la route sur laquelle minés de fábricas, torres, fumaça e luzes coloridas”. A palavra chave
dans les années cinquante sur Smith avait roulé cette nuit là à é “pontuada”. Neste sentido, podemos considerar a “estrada escura”
une autoroute du New Jersey. Je la structure d’une phrase: como uma “frase longa” e as coisas que são percebidas ao percorrê-la
cite un extrait de ce texte désor- « Tony Smith parle d’une como “sinais de pontuação”; “As torres” = pontos de exclamação (!),
mais célèbre: “chaussée sombre” qui est “ponc- “chaminés = traços (-)”, A fumaça ... “ = marca = pontos de interro-
«La nuit était sombre; il tuée par des cheminées d’usine, gação (?), “ Luzes coloridas ... “ = dois pontos” 10.
n’y avait pas d’éclairage ou de des pylônes, des fumées et des A paisagem torna-se a pontuação do lugar no fundo do qual ela
signalisation sur le bas côté, ni lumières colorées”. Le mot clef se desenrola e não é nada sem a história que a conta. Ela é a pró-
de lignes de dépassement, ni est “ponctué”. En un sens on peut pria história que apenas o lugar a torna nítida, como na página em
de parapets. Rien que la chaus- considérer la “chaussée sombre” branco de um livro as frases que se revezam. Estamos também perto
sée noire défilant à travers un comme une “longue phrase” et
9  WAGSTAFF JR., Samuel. Talking with Tony Smith. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.).
9  WAGSTAFF JR., Samuel. Talking with Tony Smith. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal art: a critical anthology. op. cit. p. 381 — 386.
Minimal art: a critical anthology. op. cit. p. 381 — 386. 10  W.S., p. 100.

138 Poéticas I Gilles Tiberghien 139


les choses que l’on y perçoit en la dans « A sédimentation of the da maneira como Carl André percebia a escultura quando ele dizia:
parcourant des “signes de ponc- mind : Earth Projects » où Smith- “Para mim uma escultura é como uma estrada; ela não é feita para
tuation”; “les pylônes” = les points son parle de « rivières mentales ser vista a partir de um lugar particular [....]. A maioria das minhas
d’exclamation(!), « les cheminées [qui] emportent des berges abs- obras, e certamente aquelas que tiveram sucesso, foram de alguma
= des tirets (—), “les fumées…” traites », de « falaises de pen- forma “rodovias” na verdade, a escultura perfeita para mim é uma
= des points d’interrogation (?), sée » et d’un vaste mouvement estrada” 11 .
“ les lumières colorées…” = les qui « ensevelit le paysage de Aqui é a linguagem que articula a paisagem de uma forma que os
deux points10. » la logique sous des rêveries elementos naturais têm a capacidade de perturbar a sintaxe e minar
Le paysage devient la ponctua- glaciaires »12. o pensamento. Assim, mais do que uma comparação é uma seme-
tion du lieu sur le fond duquel il Ce même rapport du pay- lhança que encontramos claramente indicada em “A sedimentação
se déroule et n’est rien sans l’his- sage au langage est très évident da Mente: Projetos da Terra”, onde Smithson fala de “rios mentais
toire qui le raconte. Il est ce récit quand on lit le texte auquel j’ai [que] removem margens abstratas,” de “falésias de pensamento”
lui-même que le lieu seul rend fait allusion plus haut, A Tour of e de um vasto movimento que “enterra a paisagem da lógica sob
lisible, comme sur la page blanche The Monuments of Passaic, New devaneios glaciais” 12.
du livre les phrases qui s’y suc- Jersey (1967) que Smithson publia Este mesmo relato da paisagem na linguagem é muito evidente
cèdent. On est tout proche aussi dans le journal Artforum et qui quando lemos o texto ao qual me referi acima, A Tour of The Monu-
de la façon dont Carl André per- est le récit d’une promenade ments of Passaic, New Jersey (1967) que Smithson publicou na revista
cevait la sculpture lorsqu’il décla- faite trois mois auparavant dans Artforum e que é a história de uma caminhada feita três meses
rait : « Pour moi une sculpture la banlieue de Passaic et durant antes nos subúrbios de Passaic, um certo número de monumentos
est semblable à une route ; elle laquelle il recense un certain que ele publicará as imagens. Este texto também é importante do
n’est pas faite pour être vue d’un nombre de monuments dont il ponto de vista de refletir sobre o lugar, a escultura monumental e
endroit particulier[.…]. La plu- publiera les images. Ce texte est a fotografia. Mas sua função não é apenas teórica: é uma espécie de
part de mes œuvres, et certaine- également important du point protocolo de reflexão para produzir o que Smithson está elaboran-
ment celles qui ont eu du succès, de vue de la réflexion sur le site, do e que desembocará em seu Earthworks. Este subúrbio industrial
ont été d’une certaine façon des la sculpture monumentale et la abandonado, que é a de sua infância, lhe apareceu como um tecido
autoroutes » en fait, la sculpture photographie. Mais sa fonction falho “Passaic aparece cheia de “buracos”; neste sentido, todos estes
idéale pour moi est une route.11 » n’est pas seulement théorique : furos são lacunas monumentais que evocam involuntariamente
Ici, c’est le langage qui arti- il constitue une sorte de proto- vestígios de um conjunto de futuros em abandono. São estes futu-
cule le paysage en quelque sorte cole de réflexion pour produire ce ros que encontramos em filmes de utopia da série B, e que são em
de même que les éléments natu- que Smithson est en train d’éla- seguida imitados pelos suburbanos 13. Durante este passeio, Smith-
rels ont la capacité de disloquer borer et qui débouchera sur ses son observa um número de restos de instalações industriais que ele
la syntaxe et d’éroder la pen- Earthworks. elege à altura da dignidade dos monumentos: o Monumento-ponte,
sée. Ainsi, plus qu’une compa- Cette banlieue industrielle o Monumento-pontão, o Monumento-grandes canalizações, o Mo-
raison c’est une similitude que abandonnée, qui est celle de son numento-fonte e o Monumento-caixa de areia.
l’on retrouve clairement montrée enfance, lui apparaît comme un Mas estes monumentos, não abrem o local, eles o negam ao

10  W.S., op. cit., p. 100. 11  TUCHMAN, Phylis. Interview with Carl Andre. Artforum, June 1970.
11  TUCHMAN, Phylis. Interview with Carl Andre. Artforum, June 1970. 12  W.S., op. cit., p. 100.
12  W.S., op. cit., p. 100. 13  W.S., op. cit., p. 72.

140 Poéticas I Gilles Tiberghien 141


tissu lacunaire : « Passaic paraît désorganisation générale, c’est contrário, minando-o por dentro. O local em si torna-se ele mesmo
plein de “trous “; en un sens, ces ce qu’il nomme l’entropie, qui a um anti-local, um lugar onde, longe de ser recolhido em um objeto
trous sont les lacunes monumen- ici pour effet principal de “décen- de comemoração, o tempo se mete e irremediavelmente desaparece.
tales qui évoquent sans le vou- trer” le site dans son rapport au Privado de temporalidade, o espaço perde ao mesmo tempo qualquer
loir les traces d’un ensemble de monument; « quant au centre orientação pois os monumentos não constituem mais nenhum ponto
futurs à l’abandon. Ce sont de de Passaïc, constate Smithson, de referência. Então, sobre a ponte giratória que gira na passagem
ces futurs que l’on trouve dans ce n’était pas un centre, c’était de uma Peniche, Smithson escreve que poderíamos chama-la de “o
les films d’utopie de série B, et plutôt un gouffre typique ou un monumento das direções deslocadas.” Esta desorganização geral,
qui sont ensuite imité par le ban- vide ordinaire14. » é o que ele chamou de entropia, que tem aqui o efeito principal de
lieusard13. » Durant cette prome- Dans son texte sur Frederick descentralizar o local na sua relação com o monumento; “Quanto
nade, Smithson repère un cer- Law Olmsted qu’il publia l’an- ao centro de Passaïc, constata Smithson, não era um centro, era sim
tain nombre de reliquats d’ins- née de sa mort en 1973il cite un um abismo típico ou um vazio ordinário” 14.
tallations industrielles qu’il élève passage où Uvedale Price, l’un Em seu texto sobre Frederick Law Olmsted que ele publicou o
à la dignité de monuments : le des grands théoriciens du pitto- ano de sua morte, em 1973, ele cita um trecho onde Uvedale Price,
Monument-pont, le Monument resque, compare les ravages cau- um dos grandes teóricos do pitoresco, compara a devastação causada
à pontons, le Monument-grandes sés par des inondations sur une pelas inundações em uma colina à lesões sobre o corpo de um animal
canalisations, le Monument-fon- colline à des blessures sur le corps vivo. Os efeitos do tempo, como um processo de cura, diminuindo
taine et le Monument-bac à sable. d’un animal vivant. Les effets du a violência e “a deformidade, por conseguinte, deste processo nor-
Or ces monuments, n’ouvrent temps, comme un processus de mal, torna-se pitoresca; tal acontece com as pedreiras, os cascalhos,
pas le site, ils le nient au contraire cicatrisation, en atténuent la etc.15 “Na verdade, Smithson opta por uma concepção materialista
en le minant de l’intérieur. Le site violence et « la difformité, par e dialéctica do pitoresco que não é apenas um objetivo ou mesmo
devient lui-même un anti-site, suite, de ce processus normal, uma simples disposição mental:
un lieu où, loin d’être recueilli se convertit en pittoresque; il en “O pitoresco, escreve ele, longe de ser um movimento da mente
dans un objet de commémora- est ainsi des carrières, des gra- é baseado na realidade da terra; precede o espirito na medida em
tion, le temps s’engouffre et dis- vières etc. 15» En fait, Smithson que ele existe fisicamente no exterior. Não podemos ter uma visão
paraît irrémédiablement. Privé opte pour une vision matéria- unilateral da paisagem de acordo com essa dialética. Um parque não
de temporalité, l’espace perd en liste et dialectique du pittoresque pode ser visto como uma “coisa-em-si”, mas deve ser visto como um
même temps toute orientation qui n’est pas seulement un visée processo de inter-relações contínuas à obra em uma região física - o
car les monuments n’en consti- ni même une simple disposition parque torna-se uma ‘coisa’ para nós “ 16 . Mas esta categoria material,
tuent plus aucun repère. Ainsi, mentale : resulta no espírito de Smithson de uma dinâmica que coloca em jogo
à propos du pont tournant qui « Le pittoresque, écrit-il, loin o acaso e a necessidade, as transformações desejadas pelo homem
pivote au passage d’une péniche, d’être un mouvement de l’esprit e as que resultam da natureza. “Minha experiência pessoal, acres-
Smithson écrit qu’on pourrait est fondé sur la réalité de la terre; centa, é que os melhores locais para a “Earth-Art” são aqueles que
l’appeler : « le monument des il précède l’esprit en ce qu’il existe foram perturbados pela indústria, uma urbanização descontrolada
directions disloquées ». Cette matériellement à l’extérieur. On ou as destruições da própria natureza. Por exemplo, Spiral Jetty foi

13  W.S., op. cit., p. 72. 14  W.S., op. cit., p. 72.
14  W.S., op. cit., p. 72. 15  PRICE, 1810 apud W.S., op. cit., p. 159.
15  PRICE, 1810 cité par W.S., op. cit., p. 159. 16  W.S., op. cit., p. 160

142 Poéticas I Gilles Tiberghien 143


ne peut avoir une vue unilatérale moderne du pittoresque dont, par construído em um mar morto e The Broken Circle e Spiral Hill em
sur le paysage selon cette dialec- une sorte de greffe théorique, il uma pedreira de areia” 17.
tique. Un parc ne peut plus être produit l’extension. L’analogie, Para entender como essas realizações se relacionam com o pi-
vu comme une “ chose-en-soi “ l’association et la bouture concep- toresco, deve-se dizer uma palavra do conceito de entropia que, no
mais doit plutôt être considéré tuelle sont des modes de pen- espírito de Smithson, é uma variante moderna do pitoresco cujo, por
comme un processus d’inter- sée typiques de Smithson dont le um espécie de transplante teórico, ele produz a extensão. A analogia,
relations incessantes à l’œuvre regard « hybride » décloisonne les a associação e a estaca conceitual são padrões de pensamento típicos
dans une région physique - le catégories intellectuelles et casse de Smithson cujo olhar “híbrido” descompartimenta categorias inte-
parc devient une «“chose pour les genres faisant songer, deux lectuais e quebra os gêneros fazendo pensar, dois séculos depois, nesta
nous“16 ». Mais cette catégorie siècles plus tard, à cette volonté vontade de mistura cara aos românticos do Athenaüm. A entropia,
matérielle, résulte dans l’esprit du mélange chère aux roman- ou seja, a idéia de que a desordem está aumentando no universo e
de Smithson d’une dynamique tiques de l’Athenaüm. L’entropie, cuja formulação científica pertence à segunda lei da termodinâmica,
qui met en jeu le hasard et la c’est à dire l’idée selon laquelle le tornou-se um parâmetro central da reflexão de Smithson sobre a arte,
nécessité, les transformations désordre va croissant dans l’uni- a cultura e o tempo em que ele vivia. A leitura que faz Lévi-Strauss,
voulues par l’homme et celles vers et dont la formulation scien- no final de Tristes Trópicos também será muito importante sobre o
qui résultent de la nature. « Mon tifique appartient au second prin- modo como ele irá apoderar-se desta noção 18.
expérience personnelle, ajoute- cipe de la thermodynamique, est Resultados da degradação ligada a uma exploração descontro-
t-il, c’est que les meilleurs sites devenu un paramètre central de lada e selvagem, os locais “pós-industriais” são para ele entrópicos
pour l’»Earth-Art» sont ceux qui la réflexion de Smithson sur l’art, como as paisagens de pedreiras e das minas a céu aberto. Eles são
ont été bouleversés par l’indus- la culture et l’époque où il vivait. abandonados, desorganizados. Estes lugares também estimularam a
trie, une urbanisation incontrôlée La lecture qu’en fait Lévi-Strauss, imaginação e a prática do artista que produziu uma série de desenhos
ou les destructions de la nature à la fin de Tristes Tropiques aura e fotomontagens sobre o tema. A ficção científica – no cinema, com
elle-même. Par exemple Spiral aussi une grande importance filmes como The day the earth stood stil (O Dia em que a Terra Parou)
Jetty est construit sur une mer sur la façon dont il s’emparera Robert Wise, The Thing (from another world) de Christian Nyby e
morte et The Broken Circle ainsi de cette notion18. Howard Hawks, ou I was a teenage Werewoolf , para citar apenas
que Spiral Hill dans une carrière Résultats d’une dégradation alguns, mas também na literatura com os romances de Brian Aldiss,
de sable17.» liée à une exploitation incontrô- John Taine, JG Ballard, em particular, alimentaram seus pensamen-
Pour comprendre en quoi ces lée et sauvage, les sites « postin- tos e enriqueceu o seu gosto por estas imagens de fim do mundo.
réalisations ont rapport au pit- dustriels » sont pour lui entro- Contudo o movimento é um outro aspecto do pitoresco e pode-
toresque il faut dire un mot de la piques de même que les pay- mos até mesmo dizer, Wölfflin para não nomeá-lo, que “o pitoresco
notion d’entropie qui, dans l’es- sages de carrières et de mines é baseado na impressão de movimento.” Essa impressão pode ser
prit de Smithson, est une variante à ciel ouvert. Ils sont laissés à dada de várias maneiras, como vemos com o exemplo da escultura
e da arquitetura barroca. Os Reflexos e suas variações também são
16  W.S., op. cit., p. 160.
17  W.S, op. cit., p. 165.
18  Smithson, connaissait bien ce texte mais aussi La pensée sauvage (Paris: Plon, 17  W.S., op. cit., p. 165.
1962). Il y fait référence à plusieurs reprises. Pour le passage où chez Levi - Strauss 18  Smithson, conhecia este texto mas também La pensée sauvage (Paris: Plon, 1962), ao
envisage la possibilité de créer une discipline qui prendrait le nom d’entropologie pour qual se refere várias vezes. No trecho em que Levi-Strauss imagina a possibilidade de
étudier la disparition progressive des cultures on se reportera aux toutes dernières criar uma disciplina que se chamaria de entropologia para estudar o sumiço progressivo
pages de Tristes tropiques (Paris: Plon, 1955). das culturas, referimos às últimas páginas de Tristes tropiques (Paris: Plon, 1955).

144 Poéticas I Gilles Tiberghien 145


l’abandon, désorganisés. Ces sites de style minimalistes, ceux dont uma forma pitoresca. Agora sabemos a importância de espelhos
d’ailleurs stimulaient l’imagina- il s’est servi dans ses non-sites, para Smithson, estes formados pela água no caso de Brocken Circle
tion et la pratique de l’artiste qui ceux enfin qu’il a fait « déplacer » e Spiral Hill, ou de Spiral Jetty, aqueles que ele instalou em suas
a réalisé une série de dessins et de lors d’un séjour au Mexique19. Le primeiras peças de estilo minimalista, aqueles que ele utilizou em
photomontages sur ce thème. La miroir, très présent dans les ins- seus não-locais, aqueles que ele finalmente fez “mover” durante uma
science fiction - au cinéma, avec tallations des années 67 — 68, est estadia no México19. O espelho, muito presente nas instalações dos
des films comme The day the earth emblématique de la dialectique anos 67 — 68, é emblemático da dialética do local e não local, um
stood stil (Le jour où la terre s’ar- du site et du non site, l’un se ren- está se referindo a outro sem que seja possível determinar qual é o
réta) Robert Wise, The Thing (from voyant à l’autre sans qu’il soit reflexo e qual é o objeto refletido na forma deste estacionamento,
another world) de Christian Nyby possible de déterminer quel est que Smithson falava em seu texto sobre Passaic que “dividia a cidade
et Howard Hawks, ou I was a tee- le reflet et quel est l’objet reflété em duas, como um espelho e seu reflexo, o espelho não parava de
nage Werewoolf, pour ne citer que à la manière de ce parking dont trocar de lugar com seu reflexo 20.” O que percebe Smithson é tam-
ceux-là, mais aussi en littérature, Smithson disait dans son texte bém o que ele faz ou vai fazer. Atravessar a cidade e escrever sobre
avec les romans de Brian Aldiss, sur Passaic qu’il « divisait la isso dessa forma, é forjar ferramentas conceituais, das quais ele fará
John Taine, J. G. Ballard, en parti- ville en deux, comme un miroir uso em sua prática.
culier, a nourrit ses réflexions et et son reflet, le miroir ne ces- Aqui, a arte de Smithson está em pleno pitoresco por uma in-
enrichi son goût pour ces images sant d’échanger sa place avec son versão que ele tem o segredo. O conceito e sua origem pictórica,
de fin du monde. reflet20. » Ce que perçoit Smith- “o que é digno de ser pintado”, a avaliação subjetiva que ele supõe
Or le mouvement est un autre son c’est en même temps ce qu’il para decidir o que merece ou não ser retratado ou representado no
aspect du pittoresque et on a fait ou va faire. Traverser la ville que vemos na natureza, torna-se -se ele mesmo como um espelho
même pu dire, Wölfflin pour ne et écrire sur elle de cette façon, móvel do mundo, cujo caráter pitoresco é medido precisamente em
pas le nommer, que « le pitto- c’est forger les outils conceptuels sua capacidade em capturar os reflexos em mudança. Podemos nos
resque se fonde sur l’impression dont il va ensuite se servir dans perguntar quem é capaz de desenhar uma fronteira nítida entre o
de mouvement ». Cette impres- sa pratique. que vemos e o que nos lembramos para permitir de se desenvolver
sion peut-être donnée de diffé- Ici, l’art de Smithson est en um discurso crítico, de qualquer natureza 21.
rentes manières comme on le voit plein pittoresque par une inver- A memória funciona por estratificações e, como a paisagem, ma-
avec l’exemple de la sculpture et sion dont il a le secret. La notion nifesta e esconde ambos os movimentos geológicos que contribuíram
de l’architecture baroque. Les et son origine picturale, « ce qui para a sua formação. Também a língua é uma paisagem de palavras
reflets et leurs variations sont est digne d’être peint », l’appré- cujo rente superfície com as regras sintáticas que governam as frases
aussi un mode du pittoresque. ciation subjective qu’elle suppose que podemos entender. A heap of language,, “Um monte de palavras”
Or on connaît l’importance des pour décider de ce qui mérite ou é o título que dá Smithson a um texto organizado em pirâmide que
miroirs pour Smithson, ceux non d’être dépeint ou représenté forma um conjunto significativo e visual. É um poema disposto em
formés par l’eau dans le cas de dans ce que nous voyons de la 21 linhas e constituído de 152 palavras cuja primeira é linguagem.
Brocken Circle et Spiral Hill, ou nature, devient elle-même comme
de Spiral Jetty, ceux qu’il a ins- le miroir mobile du monde dont 19  Toward the Development of an Air Terminal Site. 1967. W.S., p. 59.
tallé dans ses premières pièces le caractère pittoresque se mesure 20  W.S., op. cit., p. 73.
21  Tenho dedicado a esta questão um texto que constitui o capítulo 3 do meu livro Na-
tureza, arte, paisagem, onde eu desenvolvo com proveito - o que eu acabo de exibir aqui
19  Toward the Development of an Air Terminal Site. 1967. W.S., p. 59. (Robert Smithson: uma visão pitoresca do pitoresco. In: Natureza, arte, paisagem. Arles:
20  W.S., op. cit., p. 73. Actes Sud; Ensp, 2001).

146 Poéticas I Gilles Tiberghien 147


précisément à sa capacité à en et les couches minérales strati- Esta pilha de palavras como phraseology, speech, tongue, lingo, etc.,
capter les reflets changeants. On fiées échangent leurs propriétés vem literalmente sufocar o sentido do todo. Da mesma forma em
peut se demander qui est bien ; le géologique devient textuel et Strata, fiction géophotographic os textos e as camadas minerais es-
capable de tracer une frontière le texte sédimentaire. D’ou ces tratificadas trocam suas propriedades; o geológico se torna textual
nette entre ce que nous voyons Earthwords dont parle Smith- e texto sedimentar. Daí estes Earthwords mencionados por Smith-
et ce dont nous nous souvenons son, devenus le titre d’un article son, que se tornaram o título de um artigo de Craig Owens que, re
pour permettre de s’élaborer un de Craig Owens qui, ré interpré- interpretou Origem do drama barroco alemão de Walter Benjamin
discours critique, de quelque tant Origine du drame baroque analisa esses processos de troca constante entre o visual e o verbal
nature que ce soit21. allemand de Walter Benjamin, como componentes do que ele chama de “impulso alegórico” dado
La mémoire fonctionne par analyse ces procédés d’échange à arte por Smithson22.
stratifications et, comme le pay- constant entre le visuel et le Um dos significados da alegoria que detecta Owens é que o texto
sage, manifeste et dissimule à la verbal comme des composantes e a obra trocam mutualmente suas propriedades e se refletem como
fois les mouvements géologiques de ce qu’il appelle « l’impulsion espelhos; um não vem suplicar ao outro ou simplesmente comentar.
qui ont contribués à sa formation. allégorique » donnée à l’art par O texto é uma parte constitutiva da obra e joga em relação a ela o
De même le langage est un pay- Smithson22. mesmo papel que o não-lugar em relação ao lugar. Em Quasi Infinities
sage de mots à la surface duquel L’un des sens de l’allégorie que and the Waning of Space, publicado em novembro de 1966, Smith-
affleurent les règles syntaxiques repère Owens c’est que le texte son, em quatro páginas, compõe um texto dentro de um cartucho
qui président aux phrases que et l’œuvre échangent mutuelle- central em torno do qual gravitam as referências visuais e textuais.
nous pouvons comprendre. A heap ment leurs propriétés et se réflé- Conforme as páginas, há mais ou menos imagens. Desde o início,
of language, « Un tas de mots », tel chissent comme des miroirs ; l’un ele escreve: “Em volta de quatro blocos de texto emoldurados vou
est le titre que donne Smithson ne vient pas suppléer à l’autre postular quatro margens ultramundanas que conterão informações
à un texte disposé en pyramide ou le commenter simplement. indeterminadas assim como reproduções. “ Começamos com um
et qui forme un ensemble signi- Le texte est partie constituante labirinto qualificado de “primeira barreira através do qual o espírito
fiant et visuel. C’est un poème de l’œuvre et joue par rapport à passará em um instante, eliminando assim o problema espacial”23.
disposé sur 21 lignes et constitué elle le même rôle que le non-site Em seguida, três outros edifícios nos introduzem para dentro do
de 152 mots dont le premier est vis à vis du site. Dans Quasi Infi- dispositivo, um anfiteatro de anatomia, uma pirâmide e uma torre
language. Cet amoncellement de nities and the Waning of Space, de Babel.
mots comme phraseology, speech, publié en novembre 1966, Smith- Na verdade, todo o texto gira em torno do tempo, com base no
tongue, lingo, etc., vient littéra- son, sur quatre pages, compose antropólogo George Kubler, autor do livro, The Shape of Time, que
lement étouffer le sens de l’en- un texte à l’intérieur d’un car- tornou-se famoso entre os artistas contemporâneos americanos no
semble. De même dans Strata, touche central autour duquel gra- início dos anos 60 graças à Ad Reinhardt, que foi seu influente pro-
fiction géophotographic les textes vitent des références visuelle et motor. O livro oferece uma visão da história da arte anti organicista.
Pois, para Smithson, o tempo é uma questão central na arte, mesmo
21  J’ai consacré à cette question un texte qui constitue le chapitre 3 de mon livre se ela é de diversos focos, e devemos enfrentá-la se desquadrando
Nature, Art, Paysage où je développe d’avantage –ce que je viens ici d’exposer (Robert
Smithson: une vision pittoresque du pittoresque. In: Nature, Art, Paysage. Arles: Actes
Sud; Ensp, 2001). 22 OWENS, Craig. Eathwords, v. 10, p. 120 — 130, Oct. (Automne) 1979; The allegorical
22 OWENS, Craig. Eathwords, v. 10, p. 120 — 130, Oct. (Automne) 1979; The allegorical impulse: toward a theory of postmodernism, part 1, v. 12, p. 67 — 86, Oct. (Spring) 1980;
impulse: toward a theory of postmodernism, part 1, v. 12, p. 67 — 86, Oct. (Spring) 1980; part 2, v. 13, p 58 — 80, Oct. (Summer) 1980.
part 2, v. 13, p 58 — 80, Oct. (Summer) 1980. 23  W.S., op. cit., p. 34.

148 Poéticas I Gilles Tiberghien 149


textuelles. Selon les pages, il y dans « A Sedimentation of the graças a textos que rompem com a linearidade tradicional da críti-
a plus ou moins d’images. D’en- Mind Earth projects », l’artiste a ca. Aliás, “Durante muito tempo, escreve, em “A Sedimentação dos
trée de jeu, il écrit : « Autour de été séparé de son propre “temps“ Projetos da Mente da Terra”, o artista foi separado de seu próprio
quatre blocs de textes en encadrés En ne s’intéressant qu’à l’objet “tempo”. Interessando-se apenas no objeto de arte, os críticos privam
je postulerai quatre marges ultra- d’art, les critiques privent l’ar- o artista de toda a existência, tanto no mundo da mente quanto da
mondaines qui contiendront des tiste de toute existence, à la fois matéria. O processo mental do artista que toma lugar no tempo é
informations indéterminées ainsi dans le monde de l’esprit et dans negligenciado, enquanto um sistema que lhe é estranho assegura a
que des reproductions. » On com- celui de la matière. Le proces- manutenção do valor de mercado” 24.
mence avec un labyrinthe qualifié sus mental de l’artiste qui prend O texto e suas parerga, seus entornos, são como que tomados
de « premier obstacle au travers place dans le temps est négligé, em uma relação dialética entre o lugar e o não lugar, jogando, como
duquel l’esprit passera en un ins- tandis qu’un système qui lui est sabemos, com a homofonia entre sight (visão) e non sight (não-vi-
tant, éliminant ainsi le problème étranger veille au maintien de la são), funcionando um em relação ao outro como um permutador ou
spatial23 ». Puis trois autres bâti- valeur marchande24. » transformador de visão. Smithson evoca o modo como Kubler pensa
ments nous introduisent dans Le texte et ses parerga, ses que as metáforas extraídas das ciências físicas seriam mais conve-
le dispositif, un amphithéâtre entours, sont comme pris dans nientes do que a biologia para descrever o estatuto da arte; alguns
d’anatomie, une pyramide et une un rapport dialectique entre artistas que romperam com esta crença mais ou menos consciente
tour de Babel. site et non site, jouant comme na evolução criadora não se inscrevem mais em uma visão linear do
En fait tout le texte tourne on sait sur l’homophonie entre tempo. Ele cita, assim, tudo misturado, Giacometti, Ruth Vollmer,
autour du temps s’appuyant sur sight (vision) et non sight (non-vi- Eva Hesse e Lucas Samaras no meio de uma constelaçao de textos
l’anthropologue George Kubler sion), l’un fonctionnant par rap- de Samuel Beckett, Wilhelm Worringer, William Burroughs, Donald
auteur d’un livre, The Shape of port à l’autre comme un échan- Judd, Martin Heidegger que recruzam referências ao tempo, ao nada
time, devenu célèbre chez les geur ou un transformateur de e à entropia.
artistes contemporains améri- vision. Or, ici, Smithson évoque Em biologia, não nos damos conta dos intervalos que separam
cain au début des années 60 grâce la façon dont Kubler, pense que eventos; o que importa é a duração das sequências que chamamos
à Ad Reinhardt qui en fut le pro- les métaphores tirées des sciences de vida: a de um indivíduo ou grupo. Ao contrario, o que interessa
moteur influent. L’ouvrage pro- physiques conviendraient mieux o tempo histórico, aquele classicamente representado pela História
pose une vision de l’histoire de que la biologie pour décrire le da Arte, é a trama dos eventos que se tece ao longo dos intervalos
l’art anti organiciste. Or, pour statut de l’art ; certains artistes separando os eventos. Os intervalos é o que chamamos de atuali-
Smithson, le temps est une ques- ayant rompu avec cette croyance dade. Kubler o define como “o instante entre o tique-taque de um
tion centrale dans l’art, même si plus ou moins consciente en l’évo- relógio, é um intervalo vago deslizando indefinidamente ao longo
elle est à foyers multiples, et il lution créatrice ne s’inscrivent do tempo, a ruptura entre o passado e o futuro” 25. É o momento
faut l’affronter en se décadrant plus dans une vision linéaire du aristotélico, em suma, cujo tempo é composto como limites, mas
à travers des textes qui rompent temps. Il cite ainsi, pelle mêle, não como partes, porque estas são sempre divisíveis em potência.
avec la linéarité traditionnelle Giacometti, Ruth Vollmer, Eva
de la critique. D’ailleurs « Pen- Hesse et Lucas Samaras au milieu 24 W.S., op. cit., p. 11.
dant trop longtemps, écrit-il, d’une constellations de textes 25  KUBLER, G. The shape of time. Remarks on the history of things. New Haven;
London: Yale University Press, 1962. p. 17. Permito-me fazer referência ao meu texto
“George Kubler: uma visão descontinuista da história da arte” (A arte contemporânea e o
23  W.S., op. cit., p. 34. tempo. Visões da história e formas de experiência. Direção de Christopher Viart. Presses
24  W.S., op. cit., p. 11. Universitaires de Rennes, 2016).

150 Poéticas I Gilles Tiberghien 151


de Samuel Beckett, Wilhelm le vide de l’actualité aux possibi- A atualidade para Kubler é no fundo a potência em oposição ao ato:
Worringer, William Burroughs, lités qui n’arrivent jamais à leur “Podemos medir o vazio da atualidade às possibilidades que jamais
Donald Judd, Martin Heidegger réalisation26 ». atingem a sua realização” 26.
qui recroisent les références au Smithson s’en souviendra Smithson se lembrará disso quando concebeu Eliminator. Vemos
temps, au néant et à l’entropie. lorsqu’il concevra Eliminator. On aqui que esta especulação sobre a natureza do momento conflui
En biologie, on ne tient voit ici que cette spéculation sur concretamente em uma obra que, sem a retratar se faz o eco visual,
pas compte des intervalles qui la nature de l’instant débouche com grande força plástica graças provavelmente à sua simplicidade.
séparent les événements; ce concrètement sur une œuvre A recusa do instantâneo (a idéia de que a obra se dá a nos em apenas
qui compte c’est la durée des qui sans l’illustrer s’en fait l’écho um momento) da recepção estética modernista andava junto com
séquences que l’on appelle vies visuel avec une grande force plas- um fascínio certo por seu caráter extremo e evasivo. Desde 1964,
: celle d’un individu ou d’un tique qui tient sans doute beau- Smithson comenta assim a sua obra, Eliminator, composta de dois
groupe. Au contraire ce qui inté- coup à sa simplicité. Le refus de espelhos de cerca de 50 cm de altura, um de frente para o outro, como
resse le temps historique, celui l’instantanéité (l’idée que l’œuvre dois lados internos de um triângulo, entre os quais um neon vermelho
classiquement représenté par se donne à nous en un seul ins- pisca em intervalos regulares: “The Eliminator é um relógio que não
l’Histoire de l’Art, c’est la trame tant) de la réception esthétique dá a hora, mas que a perde. Os intervalos entre os flashes de neon
des évènements qui se tisse le moderniste allait de pair avec são “intervalos vazios” ou até mesmo o que George Kubler chama de
long des intervalles séparant les une fascination certaine pour “a ruptura entre o passado e o futuro.” Assim como The Eliminator
évènements. Les intervalles son caractère extrême et insaisis- ordena um tempo negativo, ele remove o espaço histórico” 27.
c’est ce qu’on appelle l’actualité. sable. Dès 1964, Smithson com- Na verdade, vemos que a alegoria e o pitoresco se reencontram
Kubler le définit comme « l’ins- mente ainsi son œuvre, Elimina- num subconjunto comum onde a ruína e o fragmento são os elemen-
tant entre le tic tac d’une montre, tor, composée de deux miroirs tos que mais se destacam. Além disso, deixando os Deuses falar na sua
c’est un intervalle vacant glis- d’environs 50 cm de haut et qui pessoa, em Incident of Mirror- Travel in Yucatán (1969)- Tezcatlipoca,
sant indéfiniment à travers le se font face comme les deux côté por exemplo, que aparece no espelho do retrovisor para declarar que
temps, la rupture entre passé et internes d’un triangle entre les- todas os guias são inúteis e que para se fazer arte é preciso se aven-
futur25 ». C’est l’instant aristoté- quels un néon rouge clignote à turar.- Smithson concorda com a idéia de um pitoresco alegórico
licien, en somme, dont le temps intervalles réguliers : « The Eli- tal como evoca Gilpin 28. No entanto, ele não recupera exatamente
est composé comme autant de minator est une horloge qui ne as noções que herdou e seu interesse pelo pitoresco é, como já disse,
limites mais non pas comme de donne pas l’heure mais la perd. pitoresco no sentido onde essa categoria se apresenta para ele como
parties car celles-ci sont tou- Les intervalles entre les flashes de a situação na qual seu pensamento se propaga sem limites.
jours divisibles en puissance. néon sont des “intervalles vides” As especulações de Robert Morris, de Nancy Holt ou de Charles
L’actualité pour Kubler c’est au ou bien encore ce que Georges Ross, por exemplo, podem às vezes, nos parecer ingênuos e suas
fond la puissance par opposi- Kubler appelle “la rupture entre conclusões totalmente incongruentes e contrárias a toda verdade.
tion à l’acte : « On peut évaluer le passé et le futur”. De même Mas pensar dessa maneira voltaria a considerar os textos desses
artistas como autônomos e independentes das obras nas quais eles
25  KUBLER, G. The shape of time. Remarks on the history of things. New Haven;
London: Yale University Press, 1962. p. 17. Je me permets de renvoyer à mon texte 
« George Kubler : une vision discontinuiste de l’histoire de l’art » (L’art contemporain et 26  KUBLER, G. The shape of time. Remarks on the history of things. New Haven; London:
le temps. Visions de l’histoire et formes de l’expérience. Sous la direction de Christopher Yale University Press. p. 18 — 19.
Viart. Presses Universitaires de Rennes, 2016). 27  The Eliminator. 1964. W.S., p. 327.
26  Ibid. p. 18 — 19. 28  W S., op. cit., p. 119 et seq.

152 Poéticas I Gilles Tiberghien 153


que The Eliminator ordonne un naïves et leurs conclusions, tout apresentam como o contraponto. Pôde-se falar sobre eles de “his-
temps négatif, il supprime l’es- à fait incongrues et contraires tórias autorizadas”, de textos performáticos ou de funcionamento
pace historique27. » à toute vérité. Mais penser de alegórico 29. Além da questão de suas denominações- e estas não são
En fait, on le voit, l’allégo- cette façon reviendrait à consi- de forma alguma indiferentes no plano teórico - todos esses textos
rie et le pittoresque se recroisent dérer les textes de ces artistes têm em comum, quer sejam os gêneros ou os modelos aos quais
en un sous ensemble commun comme autonomes et indépen- eles se apropriam, de ter antes de mais nada para esses artistas, um
dont la ruine et le fragment sont dants des œuvres dont ils se pré- valor operacional. E é essencialmente por esta razão que devemos
les éléments les plus saillants. sentent comme le contrepoint. considerá-los, mesmo se além disso, eles podem apresentar um
D’ailleurs, en laissant parler les On a pu parler à leur sujet de interesse intrínseco. A crítica dispõe assim de uma matéria textual
Dieux en personne, dans Incident «récits autorisés», de textes per- onde ela se enriquece em diferentes graus, escolhendo seus níveis
of Mirror-Travel in Yucatán (1969) formatifs ou à fonctionnement de interpretação ou tomando para si, tais quais, certos propósitos
—Tezcatlipoca, par exemple, qui allégorique29. Au-delà de la ques- reivindicados pelos interessados.
apparaît dans le rétroviseur pour tion de leurs dénominations — Inversamente para os teóricos ou filósofos, os escritos dos artistas,
déclarer que tous les guides sont et celles-ci ne sont nullement como os de Smithson em particular, são de uma fonte inesgotável de
inutiles et qu’il faut aller à l’aven- indifférentes sur le plan théo- sugestões, uma maneira de desconstruir as estruturas fossilizadas do
ture pour faire de l’art — Smith- rique — tous ces textes ont ceci discurso, essa retórica universitária pesada que impede muitas vezes
son se conforme à l’idée d’un pit- en commun, quels que soient les de pensar que o contrário. É esta liberdade crítica, esta inventividade
toresque allégorique telle que genres ou les modèles auxquels permanente, essa maneira de visualizar as ideias, dando-lhes uma
l’évoque Gilpin28. Néanmoins il ils empruntent, d’avoir avant tout plasticidade sugestiva que permite imaginar, ver e pensar novos
ne récupère jamais telles quelles pour ces artistes une valeur opé- objetos. Isso nos faz lembrar que existe uma proximidade muito
les notions dont il hérite et son ratoire. Et c’est essentiellement à mais que imaginamos entre Arte e pensamento. Devemos considerar,
intérêt pour le pittoresque est, ce titre qu’il faut les considérer — como disse John Dewey, que os cientistas ou os filósofos progridem
comme je l’ai déjà dit, lui-même même si, par ailleurs, ils peuvent muitas vezes tateando e não seguindo o iluminado caminho racional
pittoresque au sens où cette caté- présenter un intérêt intrinsèque. do método discursivo dos quais às vezes eles se vangloriam. “Só a
gorie se présente pour lui comme La critique dispose ainsi d’une psicologia que separou as coisas que na realidade são semelhantes,
le cadre dans lequel sa pensée se matière textuelle dont elle s’en- afirma que os cientistas e filósofos pensam enquanto que os poetas
réfléchit sans limites. richit à des degrés divers, choisis- e os pintores se abandonam aos seus sentimentos. Para essas duas
Les spéculations de Robert sant ses niveaux d’interprétation categorias, e da mesma forma, uma vez que são da mesma ordem,
Morris, de Nancy Holt ou de ou reprenant à son compte, tels existe um pensamento impregnado de emoção e de sentimentos cuja
Charles Ross, par exemple, quels, certains des propos reven- substância é feita de significações ou de ideias que são apreciadas”30.
peuvent parfois nous sembler diqués par les intéressés.

29  A escolha dessas palavras não é indiferente. Sobre “histórias autorizadas”, ver: POIN-
27  The Eliminator. 1964. W.S., p. 327. SOT, Jean-Marc. Quando a obra acontece. Parachute, n. 46, mar.-maio 1987. [Reproduzido
28  W S., op. cit., p. 119 et seq. em: POINSOT, Jean-Marc. Quando a obra acontece. A apresentação da Arte e suas his-
29  Le choix de ces termes n’est pas indifférent. Sur « récits autorisés », voir POIN- tórias autorizadas. Nouvelle éd. revue et augmentée. Genève: Les Presses du réel, 2008.
SOT, Jean-Marc. Quand l’œuvre a lieu. Parachute, n. 46, mars-mai 1987. [Repris in: (Collection Mamco).]. Sobre os textos de artistas com ação alegórica, ver, por exemplo:
POINSOT, Jean-Marc. Quand l’œuvre a lieu. L’art exposé et ses récits autorisés. Nouvelle OWENS, Craig. Eathwords, v. 10, p. 43 — 57, Oct. (Automne) 1979.
éd. revue et augmentée. Genève: Les Presses du réel, 2008. (Collection Mamco).]. Sur 30  DEWEY, John. Arte como experiência. Berkeley: Perigee Book, 2005. p. 76. [DEWEY,
les textes d’artistes à fonctionnement allégorique, voir, par exemple: OWENS, Craig. John. Arte como experiência. Tradução editada por J. P. Cometti. Farrago; Universidade
Eathwords, v. 10, p. 43 — 57, Oct. (Automne) 1979. de Pau, 2005. p. 101 — 102].

154 Poéticas I Gilles Tiberghien 155


Inversement pour les théori- poètes et les peintres s’aban- Mas uma experiência, quer seja ela, haverá sempre um valor estético.
ciens ou les philosophes les écrits donnent à leurs sentiments. Pour Pois o pensamento é uma experiência e nenhum pensador pode se
d’artistes, ceux de Smithson en ces deux catégories, et de la même dedicar à reflexão se ele não é atraído e gratificado pelas experi-
particulier, sont une ressource façon, dans la mesure où elles ências completas e totais quer dizer, experiências propriamente
inépuisable de suggestions, une sont d’un ordre comparable, il estéticas. Da mesma forma e, inversamente, o toque das cores, o
façon de déconstruire les cadres y a pensée empreinte d’émotion emprego dos materiais, o trabalho da tesoura sobre a madeira ou a
fossilisés du discours, cette rhé- et des sentiments dont la subs- pedra, são modalidades do pensamento na arte. Uma experiência
torique universitaire pesante qui tance est faite de significations no domínio do pensamento é também uma experiência artística e
empêche plus souvent de penser ou d’idées qui sont appréciées30. » vice-versa. Um artista especulativo como Smithson, que não parou
que le contraire. C’est cette liberté Mais un expérience quelle qu’elle de trabalhar no entrelaçamento do discurso e dos materiais sabia
critique, cette inventivité perma- soit a toujours une valeur esthé- disso melhor que ninguém.
nente, cette façon de visualiser tique. Or la pensée est une expé-
les idées en leurs donnant une rience et aucun penseur ne peut
plasticité suggestive qui permet se consacrer à la réflexion s’il
d’imaginer, de voir et de penser n’est attiré et gratifié par des
de nouveaux objets. expériences complètes et totales
Ceci nous rappelle qu’il y a c’est à dire des expériences pro-
une beaucoup plus grande proxi- prement esthétiques. De même et
mité que l’on ne croit entre Art à l’inverse la touche des couleurs,
et pensée. Il faut bien considérer, l’agencement des matériaux, le
comme le dit John Dewey, que les travail du ciseau sur le bois ou
scientifiques ou les philosophes la pierre, sont des modalités de
progressent souvent à tâtons et la pensée en art. Une expérience
non pas suivant le lumineux che- dans le domaine de la pensée est
min rationnel de la méthode dis- aussi une expérience artistique et
cursive dont ils se vantent par- vice et versa. Un artiste spécula-
fois. « Seule la psychologie qui tif comme Smithson qui ne ces-
a séparé les choses qui sont en sait de travailler dans l’entrelacs
réalité de même nature, affirme du discours et des matériaux le
que les scientifiques et les phi- savait mieux que personne.
losophes pensent tandis que les

30  DEWEY, John. Arte como experiência. Berkeley: Perigee Book, 2005. p. 76. [DEWEY,
John. L’art comme expérience. Traduction sous la direction de J. P. Cometti. Farrago;
Publications de l’université de Pau, 2005. p. 101 — 102].

156 Poéticas I Gilles Tiberghien 157


KARINA DIAS

Notes sur la montagne Notas sobre a montanha


KARINA DIAS KARINA DIAS

1. Regarder la montagne, une toujours à la lisière entre voir 1. Olhar a montanha, uma experiência da paisagem
expérience du paysage et ne pas voir. De ce (non) lieu, Olhar uma montanha é aceitar o princípio de não ver tudo. Entre
Regarder une montagne, c’est nous voyons pourquoi nous ne escalas desmesuradas e o desejo de ver que nos mantém (i)móveis
accepter le principe de ne pas tout voyons pas, nous constatons que diante dela, nossos olhos tracejam um contorno que resiste, porque
voir. Entre des échelles démesu- le visible est toujours (in)visible. insiste em nos mostrar que somos um ponto que vê1. Diante desse
rées et le désir de voir qui nous Comment élire alors une cime sombreado volume e de seu relevo, fitamos dobra após dobra para
maintient (im)mobiles face à elle, parmi tant de cimes? De par sa encontrar a distância que nos fará ver.
nos yeux tracent un contour qui forme, sa capacité d’attirer sur soi Entre modulações imprescindíveis do olhar, uma paisagem em
résiste, car il persiste à nous les brumes, sa relation de voisi- altitude se constitui no tempo de nossa observação, na medida em
montrer que nous sommes un nage... combien il y a-t-il de hau- que pousamos os olhos sobre os distintos cumes que compõem o
point qui voit1. Face à ce volume teurs de l’œil ? Face aux mon- seu relevo. Nas montanhas estamos sempre no limiar de ver e não
ombragé et son relief, nous fixons tagnes, nous sommes, dans un ver. Desse (não)lugar vemos porque não vemos, constatamos que o
les plissements les uns après les même temps, astronomes et géo- visível é sempre (in)visível.
autres pour trouver la distance graphes. De sa base, nous élevons Como então eleger um cume entre tantos cumes? Pela sua forma,
qui nous fera voir. notre regard vers la cime avec la pela sua capacidade de atrair para si as brumas, pela sua relação de
Entre les modulations indis- même attention d’un astronome vizinhança... quantas são as alturas do olho? Face às montanhas
pensables du regard, un paysage qui trouve sa place parmi les étoiles; somos, a um só tempo, astrônomos e geógrafos. De sua base olhamos
en altitude se constitue dans le de la cime, nous dirigeons nos yeux para o cume com a mesma atenção de um astrônomo que encontra
temps de notre observation, au vers le bas comme un géographe qui seu lugar entre as estrelas, do cume dirigimos nossos olhos para
fur et à mesure où nous posons le trace les limites de la terre. baixo como um geógrafo que vai traçando os limites da terra.
regard sur les distantes cimes qui Vivre et voir [Ndt: (Vi)ver, (Vi)ver a montanha é pensar em Petrarca2, o poeta alpinista do
composent son relief. Face aux dans le texte original en portu-
montagnes, nous nous trouvons gais] la montagne, c’est penser à 1  Em referência a Michel de Certeau, que escreve: “ser apenas este ponto que vê, eis
a ficção do saber”. (CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. v. 1.
Petrópolis: Vozes, 1994).
1  En référence à Michel de Certeau qui écrit: « être juste ce point qui voit, voilà la 2  Nascido em Arezzo, na Itália, Francesco Petrarca (1304 — 1374) foi um erudito, poeta
fiction du savoir» (CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. v. 1. e humanista. Entre suas obras mais conhecidas está Canzoniere (Rerum vulgarium frag-
Petrópolis: Vozes, 1994). menta) de 1374.

158 Poéticas I Karina Dias 159


Pétrarque2, le poète-alpiniste du Probablement, l’ascension século XIV que desejava chegar ao cume do Monte Ventoso, ter uma
14° siècle qui voulait parvenir sur du Mont Veloso réalisée par contemplação direta, no/ do mundo, olhar por si mesmo a natureza,
la crête du Mont Ventoso, d’avoir Pétrarque, en 1335, et sa lettre5 contemplá-la, percorrê-la, explorá-la . Essa secularização da curio-
une contemplation directe, dans adressée à Dionigi da Borgo San sidade3, o aproximaria dos geógrafos de sua época que, com suas
le/du monde, voir par soi-même la Sepolcro, en 1336, constituent viagens e observações, testemunhavam uma verdade geográfica.
nature, la contempler, la parcou- l’un des événements les plus mar- Assim, no cume e embriagado pela visão das montanhas ele escreve
rir, l’explorer. Cette sécularisation quants de l’histoire du paysage em sua carta datada de 1336 a seguinte passagem:
de la curiosité3, le rapprocherait occidental6. Avec cet exploit7 et “[...] No início, surpreso por esse ar estranhamente leve e por esse
des géographes de son époque qui le récit qui suivit son ascension, espetáculo grandioso, fui tomado de estupor. Olho a minha volta:
témoignaient, au cours de leurs le poète-humaniste nous invite as nuvens estão aos meus pés...”4
voyages et observations, d’une à une réflexion sur l’expérience Provavelmente, a ascensão do Monte Ventoso realizada por Pe-
vérité géographique. Ainsi, sur la du paysage. Ce que Pétrarque trarca, em 1335, e a sua carta5 endereçada a Dionigi da Borgo San
cime et enivré par la vision des découvre, pour son désespoir, en Sepolcro, em 1336, constituam um dos eventos mais marcantes
montagnes, il écrit dans sa lettre parvenant sur la crête, c’est l’es- da história da paisagem ocidental6. Com essa empreitada7, e com
datée de 1336 le passage qui suit: pace cru, la distance infranchis- o relato que se seguiu a ela, o poeta-humanista nos convida a uma
« [...] Au début, surpris par sable qui nous sépare de ce que reflexão sobre a experiência da paisagem. O que Petrarca descobre,
cet air étrangement léger et nous voyons. C’est peut-être là que para seu desespero, ao chegar ao cume é o espaço cru, a distância
par ce spectacle grandiose, j’ai réside la complexité du paysage: le intransponível que nos separa daquilo que vemos. Talvez esteja aí a
été pris de stupeur. Je regarde lieu où nous nous trouvons ne sera complexidade da paisagem : onde estamos nunca será o que olhamos.
autour de moi: les nuages sont jamais celui que nous regardons. A paisagem nos coloca então mareados em terra firme, como escreve
à mes pieds... 4 ». Le paysage nous donne le mal de Maldonato a respeito do estrangeiro8. Mareados porque estamos
sempre aqui e ali, entre o céu e a terra, ocupando um espaço vacan-
te que nos mostra um horizonte sempre em constituição. Criamos
2  Né à Arezzo en Italie, Francesco Petrarca (1304 — 1374) fût un érudit, poète et hu-
maniste. Parmi ses oeuvres les plus connues, l’on trouve Canzoniere (Rerum vulgarium
fragmenta) de 1374. 3  Ideia desenvolvida por Jean-Marc Besse em seu livro Voir la terre - six essais sur le
3  Idée développée Jean-Marc Besse dans son livre Voir la terre - six essais sur le paysage paysage et la géographie. Arles: Actes Sud; ENSP; Centre Du Paysage, 2000. p. 14.
et la géographie. Arles: Actes Sud; ENSP; Centre Du Paysage, 2000. p. 14. 4  PETRARCA, Francesco. Familiarum Rerum Libri I a VIII in (RITTER, Joachim. L’ascen-
4  PETRARCA, Francesco. Familiarum Rerum Libri I a VIII in (RITTER, Joachim. sion du mont Ventoux in Paysage: fonction esthétique dans la societé moderne. Besançon:
L’ascension du mont Ventoux in Paysage: fonction esthétique dans la societé moderne. Éditions de L’Imprimeur, 1997. p. 52. Tradução livre da autora
Besançon: Éditions de L’Imprimeur, 1997. p. 52. Traduction libre de l’auteure. 5  Convido o leitor a (re)ler a carta redigida pelo poeta in Familiarum Rerum Libri I a
5  J’invite le lecteur à (re)lire la lettre rédigée par le poète in Familiarum Rerum Libri VIII. Aqui utilizei a tradução do latim para o francês de Dennis Montobello in RITTER,
I a VIII. J’ai utilisé la traduction du latin vers le français de Dennis Montobello in Joachim, 1997, ibid.
RITTER, Joachim, 1997, ibid. 6  Foi o historiador da arte Jacob Burckhardt (1818 — 1897) o primeiro a apontar a carta
6  Jacob Burckhardt (1818 — 1897), historien de l’art, fût le premier à designer la lettre de Petrarca como a origem do interesse moderno pela natureza como paisagem.
de Pétrarque comme l’origine de l’intérêt moderne pour la nature en tant que paysage. 7  É sabido que Petrarca foi influenciado pelas montanhas míticas da Grécia e que na
7  Il est su que Pétrarque a été influencé par les montages mythiques de la Grèce, et realidade vemos que aqui ele tenta reavivar a memória da antiguidade. Em sua carta ele
qu’en réalité, il tente là de raviver la mémoire de l’antiquité. Dans sa lettre, il nous nos indica que ele havia lido, na véspera de sua ascensão, uma passagem de Tito-Lívio,
indique qu’il avait lu, la veille de son ascension, un passage de Tito-Livie, historien historiador da Roma antiga, sobre Felipe V da Macedônia que, segundo seu relato, teria
de la Rome Antique, sur Philippe V de Macédoine qui aurait, selon son récit, escaladé, escalado, no norte da Grécia, o Monte Hemo, de onde ele teria visto o mar Adriático e o
dans le nord de la Grèce, le Mont Hémus, d’où il aurait vu la Mer Adriatique et le Pont Ponto Euxino (Mar Negro). Essa passagem foi determinante para que Petrarca decidisse
Euxin (Mer Noire). Ce passage a été déterminant pour que Pétrarque décide de mettre colocar em prática seu projeto.
en pratique son projet. 8  MALDONATO, Mauro. Raízes errantes. São Paulo: Sesc; Editora 34, 2004.

160 Poéticas I Karina Dias 161


mer, même en nous trouvant sur concret du monde et la subjectivité um lugar nessa distância, uma morada do íntimo que confirma que
la terre ferme, comme l’écrit Mal- de l’observateur qui la contemple. estamos onde não estamos. Desse lugar construímos uma situa-
donado8 en traitant de l’étranger. De par l’impuissance de tout ção-em-paisagem, tributária de um olhar-em-paisagem disposto a
Le mal de mer, car nous nous trou- voir, d’être omni voyant, nous (re)desenhar os espaços, dar contorno ao mundo, ao nosso mundo.
vons toujours ici et là, entre le ciel encadrons, nous découpons, nous Nessa geopoética, há fenomenologias e o olhar deseja manter-se
et la terre, en occupant un espace conquérons le visible, nous créons junto às coisas. A montanha impõe o seu tempo.
vide qui nous montre un horizon une multiplicité de points de vue.
toujours en constitution. Nous Wajcman9 suggère que le paysage 2. Da (in)visibilidade da montanha
créons un lieu à cette distance, une est l’œil qui avance, c’est le tracé A paisagem é mais do que um simples ponto de vista óptico. Ela
demeure de l’intime qui confirme de l’œil dans l’épaisseur du monde. é ponto de vista e ponto de contato, pois, nos aproxima distinta-
que nous nous trouvons bel et bien Nous pouvons suggérer qu’il mente do espaço, porque cria um elo singular, nos entrelaçando aos
où nous sommes. Depuis ce lieu, existe, dans tout ce que nous voyons, lugares que nos interpelam. Certamente, a paisagem deriva de um
nous construisons une situation un invu10, un non-vu (Ndt: « n[ã] enquadramento do olhar, alia o lado objetivo e concreto do mundo
en paysage disposé à (re)dessiner o-visto» dans le texte original en e a subjetividade do observador que a contempla.
les espaces, à tracer les contours portugais, avec une double construc- Pela impotência de tudo ver, de ser onividente, nós enquadramos,
du monde, de notre monde. tion impossible à transposer en un recortamos, conquistamos o visível, criamos uma multiplicidade de
Au sein de cette géopoétique seul vocable en français : « não-visto pontos de vista. Wajcman sugere: a paisagem é o olho que avança,
surviennent des phénoménolo- » et « no visto ». La première étant é o traçado do olho na espessura do mundo.9
gies et le regard souhaite se main- traduite, la seconde ferait réfé- Podemos sugerir que, em tudo que vemos, há sempre um invu10,
tenir auprès des choses. La mon- rence à ce qui se trouve « dans » um n[ã]o-visto, que pulsa à espera de ser encontrado pelo nosso olhar.
tagne impose son temps. ce qui est vu.) qui se trouve latent Em função do ponto de vista, todo visível camufla pela sua presença
dans l’attente d’être rencontré par algum invu, algum n[ã]o-visto, e que todo visível assim o é porque foi
2. De l’(in) visibilité de la notre regard. En fonction du point visto, porque foi discernido. Zona sombreada e indefinida que habita
montagne de vue, tout le visible camoufle un o espaço entre cada porção de coisa vista, entre cada enquadramento
Le paysage est plus qu’un simple invu de par sa présence, un certain feito pelo nosso olhar.
point de vue optique. Il est point de ‘n[ã]o-visto’, et que tout le visible est Mesmo que o invu, o n[ã]o-visto, não seja a sombra do visível, ele está
vue et point de contact, car il nous ainsi constitué parce qu’il a été vu, na sombra e é o nosso olhar que deve chegar até lá para alcançá-lo, per-
rapproche nettement de l’espace, parce qu’il a été discerné. Une zone dendo-se para, novamente, se (re)orientar. O invu, o n[ã]o-visto, instiga
car il crée un lien singulier, en nous ombragée et indéfinie qui habite nosso olhar a ir fisgá-lo, a tentar ver sempre um pouco mais que ontem,
attachant aux lieux qui nous inter- l’espace entre chaque portion de a encontrar novas coordenadas, a desenvolver “um olho noturnamente
pellent. Certainement, le paysage chose vue, entre chaque cadre défini diurno”11. Possuir o olho noturnamente diurno é possuir um olho que
provient d’un cadre délimité par le par notre regard. cogita e não se contenta com a evidência, lançando-se para além da
regard, en alliant le côté objectif et Bien que l’invu, le ‘n[ã]o-visto’, superfície, para sair de um estado cego excessivamente luminoso e,

8  MALDONATO, Mauro. Raízes errantes. São Paulo: Sesc; Editora 34, 2004. 9  WAJCMAN, Gérard. Fenêtre chronique du regard et de l’intime. Lagrasse: Éditions
9  WAJCMAN, Gérard. Fenêtre chronique du regard et de l’intime. Lagrasse: Éditions Verdier, 2004.
Verdier, 2004. 10  Sobre a noção de invu ver o meu livro (DIAS, Karina. Entre visão e invisão: paisagem
10  Sur la notion de invu, voir mon livre (DIAS, Karina. Entre visão e invisão: paisagem [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de pós-gradu-
[por uma experiência da paisagem no cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de pós-gra- ação em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010).
duação em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010). 11  MARION, Jean-Luc. La croisée du visible. Paris: PUF, 1996. p. 53.

162 Poéticas I Karina Dias 163


ne soit pas l’ombre du visible, il Nous pouvons penser à l’inter- assim, “pela outra margem, explorar a face clara da noite”. 12
se trouve dans l’ombre et c’est à rogation que Merleau-Ponty fait à Em sua (in)visibilidade, a montanha nos confirma o seu sfumato...
notre regard d’y parvenir pour l’at- Cézanne au sujet de la montagne vemos porque não vemos. Nessa sombreada visão, nesse invu que insis-
teindre, en s’égarant pour, à nou- Sainte Victoire. Il se demande ce te em nos mostrar que não veremos tudo, a pedra impõe o seu tempo,
veau, se (ré) orienter. L’invu, le ‘n[ã] que veut réellement le peintre de solicita outro tempo e a paisagem tem a duração de um ponto de vista.
o-visto’, incite notre regard à aller la montagne, ce qu’il demande à Nesse movimento, aquele que olha não se precipita, não abandona a
l’attraper, à tenter de voir toujours la montagne. Il lui demande de sua geografia, deseja manter em seu olhar uma sombreada cordilheira.
un peu plus qu’hier, à trouver de «dévoiler les moyens, rien que Podemos pensar na interrogação que Merleau-Ponty faz à Cézan-
nouvelles coordonnées, à déve- visibles, par lesquels elle se fait ne acerca da montanha Sainte-Victoire. Ele se pergunta o que exa-
lopper « un regard nocturnement montagne sous nos yeux13 ». tamente quer o pintor da montanha, o que ele pede à montanha?
diurne 11 ». Posséder l’œil noctur- “Pede-lhe desvelar os meios, apenas visíveis, pelos quais ela se faz
nement diurne, c’est posséder un 3. L’air de montagne montanha aos nossos olhos.” 13
œil qui cogite et qui ne se contente La projection vidéo L’air de mon-
pas de l’évidence, en se lançant tagne de 2016 présente, dans une 3. L’air de montagne
au-delà de la surface, pour sortir seule prise silencieuse, une per- A vídeo-projeção L’air de montagne de 2016 apresenta, em uma única
d’un état excessivement lumineux sonne (l’auteure) vue de dos regar- tomada silenciosa, uma pessoa ( a autora) de costas olhando para as
et ainsi, « de l’autre marge, explo- dant vers les montagnes. Pendant 6 montanhas. Durante 6 minutos observamos lentamente o leve mo-
rer la face claire de la nuit 12 ». minutes nous observons lentement vimento de minha cabeça que, de um lado para outro, sugere que eu
Dans son (in)visibilité, la mon- le léger mouvement de ma tête qui esteja olhando a cordilheira diante de mim. Nessa sublime paisagem,
tagne nous confirme son sfu- suggère, d’un côté à l’autre, que je o vento movimenta a cena, quando faz voar o meu cabelo, a luz se
mato... nous voyons parce que suis en train de regarder la cordil- altera em função do sol que aparece e desaparece. O movimento é
nous ne voyons pas. Dans cette lère qui se trouve devant moi. Dans lento e o silêncio vigoroso.
vision ombragée, dans cet invu ce paysage sublime, le vent mou- Filmar as montanhas é se aproximar de vários artistas que, ao longo
qui insiste à nous montrer que vemente la scène, lorsqu’il balaie da história da arte, elegeram os cumes como motivo poético. Entre tantos
nous ne verrons pas tout, la pierre mes cheveux, la lumière change en está o pintor romântico14 Caspar David Friedrich e suas montanhas bru-
impose son temps, sollicite un fonction du soleil qui apparaît et mosas, enevoadas ou crepusculares. Em duas pinturas respectivamente,
autre temps et le paysage possède qui disparaît. Le mouvement est Mulher ao sol da manhã de 1810 e o Caminhante sobre o mar de névoa de
la durée d’un point de vue. Dans lent et le silence vigoureux. 1818, vemos solitários personagens contemplando as montanhas.
ce mouvement, celui qui voit ne Filmer les montagnes, c’est se Personagens solitários diante de uma sublime paisagem.
se précipite pas, n’abandonne pas rapprocher de plusieurs artistes
sa géographie, et souhaite conser- qui ont, au long de l’histoire, élu les 12  GASPARD, Lorand. Le quatrième état de La matière – connaissance de la lumière in
ver dans son regard une cordillère cimes comme motif poétique. Parmi Sol Absolu et autres textes. Paris: Poèsie Gallimard, 1982. p. 35.
13  MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Os pensadores. São Paulo: Abril,
ombragée. tous ceux-là se trouve le peintre
1980. p. 281.
14  O Romantismo foi um movimento artístico ocorrido na Europa no final do século XVIII
e início do século XIX. Caracteriza-se, entre tantos outros aspectos, por uma vontade de
11  MARION, Jean-Luc. La croisée du visible. Paris: PUF, 1996. p. 53. explorar as possibilidades da arte com a finalidade de exprimir os êxtases e os tormentos
12  GASPARD, Lorand. Le quatrième état de La matière – connaissance de la lumière do coração e da alma. Para uma análise que privilegia a relação entre ciência e arte, a
in Sol Absolu et autres textes. Paris: Poèsie Gallimard, 1982. p. 35. questão do símbolo e do papel preponderante da pintura de paisagem no Romantismo,
13  MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Os pensadores. São Paulo: Abril, ver a obra de Pierre Wat: Naissance de l’art romantique – peinture et théorie de l’imitation.
1980. p. 281 Paris: Flammarion, 1998.

164 Poéticas I Karina Dias 165


romantique14 Caspar David Frie- possède. Pas seul: le monde est Quanto a nós, espectadores, vemos através deles, vemos com eles,
drich et ses montagnes brumeuses, à moi, pour moi, avec moi 15 ». olhamos o que olham.
enneigées ou crépusculaires. Dans Si le paysage nous impose un Observadores solitários que nos confirmam que ante a paisagem
deux de ses peintures respective- temps, celui qui contemple le fait somos, como já dito um ponto que vê. Solitariamente contemplamos
ment, Femme au soleil du matin de avec une mesure qui lui est propre. a paisagem, solitariamente olhamos o mundo. Isso não significa
1810 et Le voyageur contemplant Regarder demande du temps, et afirmar que nos sintamos sós na paisagem.
une mer de nuages de 1818, nous suggère des intensités temporelles “Quem poderia sentir-se só quando tomou posse do mundo ?
voyons de solitaires personnages distinctes: comment être pressé Ver [...], olhar é possuir.[...] tudo isso que vejo, que se estende sob
qui contemplent les montagnes. face à une brume, face à une chaîne meu olhar, me pertence. Tão longe quanto me é possível enxergar é
Des personnages solitaires de montagnes qui nous confirme o quão longe vai o que possuo. Não eu sozinho: o mundo pertence a
devant un paysage sublime. Quant qu’il n’est pas possible de rendre mim, existe para mim, está comigo”. 15
à nous, spectateurs, nous voyons compte de tout son dessin? Se trou- Se a paisagem impõe um tempo, aquele que contempla o faz
au travers d’eux, nous voyons avec ver in situ, c’est-à-dire dans ce lieu, num compasso que lhe é próprio. Olhar solicita tempo, sugere
eux, nous voyons ce qu’ils voient. c’est également se trouver in visu, intensidades temporais distintas: como ser apressado face a
Des observateurs solitaires qui en voyant, attentifs à l’étendue qui bruma, face a uma cadeia montanhosa que nos confirma que
nous confirment que nous sommes, nous entoure et à ce qui excède não é possível dar conta de todo seu desenho? Estar in situ, isto
face au paysage, comme nous notre vision. « J'y suis, je suis à cet é neste lugar é também estar in visu, olhando, atentos à extensão
l’avons déjà dit, un point qui voit. endroit, à cette intersection géogra- que nos circunda e àquilo que excede à nossa visão. “Aqui estou,
Solitairement, nous contemplons le phique, j'y suis, j'y pense»16. estou aqui neste lugar, nesta intersecção geográfica, aqui estou, eu
paysage, solitairement nous regar- L’air de montagne surgit donc à penso sobre o estar aqui”16.
dons le monde. Ceci ne permet pas, partir d’une intense expérimenta- L’air de montagne surge então de uma intensa experimentação
pour autant, d’affirmer que nous tion dans le paysage du lieu filmé, na paisagem do local filmado, é fruto, entre outros trabalhos re-
nous sentons seuls dans le paysage. et il est le fruit, parmi d’autres alizados no mesmo período, de um tempo vivido nas montanhas
« Qui pourrait se sentir seul travaux réalisés pendant la même do extremo sul do continente americano, o que incluiu caminhar,
quand il possède le monde? Voir période, d’un temps vécu dans les observar e filmar. Nesse lugar, a montanha dita o seu tempo: o de
[...], regarder, c’est posséder, [...] montagnes de l’extrême sud du sua aparição e desaparição em função das brumas que encobrem
tout cela que je vois, qui s’étend continent américain, ce qui inclut e desvelam, impondo, assim, a lentidão necessária para que a ob-
sous le regard, est à moi. Aussi d’y marcher, d’observer et de fil- servação estire o tempo e aprofunde a nossa relação com o espaço
loin que je vois, aussi loin je le mer. Dans ce lieu, la montagne que nos envolve. Diante das montanhas devemos ser vagarosos...
vagamos sem precipitação nos familiarizando com uma paisagem
14  Le Romantisme est un mouvement artistique survenu en Europe à la fin du XVIII que não abandona os nossos olhos, “uma presença (que) se instala
siècle et au début du XIX siècle, caractérisé, parmi tant d’autres aspects, par une lentamente no corpo” 17
volonté d’explorer les possibilités de l’art ayant la finalité d’exprimer les extases et les
Compreender que essa lentidão trazida pela experiência na
tourmentes du cœur et de l’esprit. Pour une analyse privilégiant la relation entre les
sciences et les arts, la question du symbole et du rôle prépondérant de la peinture de
paysage pendant le Romantisme, voir l’œuvre de Pierre Wat intitulée Naissance de l’art
romantique – peinture et théorie de l’imitation. Paris: Flammarion, 1998. 15  GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. São Paulo: É Realizações, 2010. p. 61.
15  GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. São Paulo: É Realizações, 2010. p. 61. 16  A partir de notas pessoais tomadas na conferência de Jean-Luc Nancy realizada no
16  A partir de notes personnelles prises pendant la conférence de Jean-Luc Nancy réalisée âmbito do Seminário Interfaces – artes plásticas e estética, organizado por Marc Jimenez
dans le cadre du Séminaire Interfaces – arts plastiques et esthétique, organisé par Marc e Richard Comte e realizado na Panthéon-Sorbonne em 6 de abril de 2005.
Jimenez et Richard Comte, à l’Université Paris I Panthéon-Sorbonne le 06 avril 2005. 17  GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. São Paulo: É Realizações, 2010.

166 Poéticas I Karina Dias 167


Karina Dias, L’air de montagne, vídeo-projeção, 6´, 2016, detalhe. Karina Dias, L’air de montagne, vídeo-projeção, 6´, 2016, detalhe.
Karina Dias, L’air de montagne, projection-vidéo, 6´, 2016, détail. Karina Dias, L’air de montagne, projection-vidéo, 6´, 2016, détail.

dicte son temps: celui de son incapacité d’assumer des pas plus montanha não significa uma incapacidade de assumir passos mais
apparition et disparition en fonc- rapides ou une cadence plus accé- rápidos ou uma cadência mais veloz no olhar, é perceber o próprio
tion des brumes qui recouvrent lérée du regard, c’est percevoir le tempo, um tempo que não se deixa domesticar pelos hábitos da
et dévoilent, en imposant ainsi temps lui-même, un temps qui rotina: rompe-o. Nas montanhas fazemos uso da lentidão porque
la lenteur nécessaire pour que ne se laisse pas domestiquer par há o desejo de não se deixar perturbar por um tempo que não nos
l’observation, comme l'écrit Gros les habitudes de la routine: il la pertence. Talvez porque ser lento nas montanhas signifique, como
à propos de la marche, étire le rompt. Dans les montagnes, nous nos lembra Pierre Sansot, aumentar a nossa capacidade de acolher
temps et approfondisse notre rap- faisons usage de la lenteur du fait o mundo e de não esquecer de nós mesmos no caminho.18
port à l’espace qui nous entoure. du désir de ne pas se laisser per- Como então não trair a experiência vivida, “como não trair o que
Face aux montagnes, nous devons turber par un temps qui ne nous se viu” 19como apreender a paisagem e exteriorizá-la de maneira po-
être flâneur... nous flânons sans appartient pas. Peut-être parce ética? Se o vídeo converte a medida de um olhar em uma imensidão,
précipitation en nous familiari- que le fait d’être lent en mon- face às montanhas compreendemos que a (in)visão20 se dá no tempo
sant avec un paysage qui n’aban- tagne signifie, comme nous le e que o silêncio impõe a escuta.
donne pas nos yeux, « une pré- rappelle Pierre Sansot, augmen-
sence (qui) s’installe lentement ter notre capacité d’accueillir le 4. Silenciosas montanhas, (in)audíveis paisagens
dans le corps 17 ». monde et de ne pas nous oublier L’air de montagne (2016) é um vídeo silencioso. O silêncio é uma
Comprendre que cette len- en chemin18.
teur apportée par l’expérience Comment ne pas trahir alors
en montagne ne signifie pas une l’expérience vécue, « comment ne 18  SANSOT, Pierre. Du bon usage de la lenteur. Paris: Ed.Payot & Rivages, 1998. p. 12.
19  JACCOTTET, Philippe. Paysages avec figures absentes. Paris: Gallimard, 1976. p. 18.
20  Sobre a noção de invisão, ver o meu livro (DIAS, Karina. Entre visão e invisão: pai-
sagem [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de
17  GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. São Paulo: É Realizações, 2010. p.43. pós-graduação em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010).
18  SANSOT, Pierre. Du bon usage de la lenteur. Paris: Ed.Payot & Rivages, 1998. p. 12.

168 Poéticas I Karina Dias 169


pas trahir ce qu'on a vu 19 » com- c’est se rendre compte que nous constante em meus trabalhos. O (in)audível, em minha pesquisa
ment apprendre le paysage et l’ex- écoutons sans cesse. Écouter le plástica, não é compreendido como algo extraordinário e impossível
térioriser de façon poétique? Si silence, c’est pratiquer un cer- de se escutar, mas como o que não escutamos, ou de cuja existência
la vidéo convertit la mesure d’un tain type d’écoute, une certaine sabemos, mesmo sem escutar, ou ainda, que escutamos sem perce-
regard en une immensité, face aux façon de diriger nos sens vers ce ber ou simplesmente não queremos ouvir. O (in)audível em minha
montagnes, nous comprenons que qui nous interpelle, comme pour prática artística estaria para o sentido da audição como o n[ã]o-visto21
l’(in)vision20 survient dans le temps l’acte de regarder. está para a visão.
et que le silence impose l’écoute. Dans mes travaux, le silence Trabalhar com o silêncio é se abrir então ao (in)audível, é se dar
partage avec les espaces en blanc conta de que ouvimos sem cessar, da mesma forma em que vemos
4. Silencieuses montagnes, de la page, la dimension de ce qui sem cessar. Escutar o silêncio é praticar certo modo de escuta, certa
(in)audibles paysages n’est pas dit, de ce qui n’est pas forma de dirigir nossos sentidos para aquilo que nos interpela, como
L’air de montagne (2016) est une vu, de ce qui n’est pas entendu, para o ato de olhar.
vidéo silencieuse. Le silence est pour créer à partir des images Em meus trabalhos, o silêncio compartilha com os espaços em
une constante dans mes tra- montrées et de nos souvenirs et branco da página, a dimensão do que não é dito, do que não é visto,
vaux. L’ (in)audible, dans mes impressions, les liens qui enri- do que não é ouvido, para criar a partir das imagens mostradas e de
recherches plastiques, n’est pas chissent notre perception du pay- nossas lembranças e impressões, os elos, os laços, que enriquecem a
compris comme quelque chose sage. Ce qui nous confirme que le nossa percepção da paisagem. O que nos confirma que a paisagem é
d’extraordinaire et impossible paysage est toujours un point de sempre um ponto de vista pessoal, mas é também a troca de pontos
d’écouter, mais comme ce que vue personnel, mais également de vista e se constitui desse compartilhamento.
nous n’entendons pas, ou dont un échange de points de vue et est Assim, perceber a paisagem é perceber as suas faces escondidas,
nous connaissons l’existence, constitué par cet échange partagé. conjugando, permanentemente, o que vemos e o que não vemos, o
même sans écouter, ou encore, Ainsi, percevoir le paysage, audível e o (in)audível, dando então, sentido àquilo que olhamos.
que nous écoutons sans aperce- c’est percevoir ses faces cachées, en Nessa precisa articulação entre o interior e o exterior, entre o ínti-
voir ou tout simplement que nous conjugant, de manière permanente, mo e o que lhe é ex-cêntrico, numa espécie de acorde-acordo entre
ne voulons pas entendre. L’ (in) ce que nous voyons et ce que nous impressões e um lugar, emerge uma paisagem poeticamente vivida.
audible dans ma pratique artis- ne voyons pas, l’audible et l’ (in) Essa paisagem poeticamente vivida revela uma experiência
tique occuperait la même place audible, en donnant alors du sens singular do tempo: do tempo vivido por mim nas montanhas, da
par rapport au sens de l’audition, à ce que nous voyons. Dans cette duração escolhida para a vídeo-projeção e finalmente do tempo que
que le n[ã]o-visto vis-à-vis du sens articulation précise entre l’intérieur levará cada espectador para contemplar aquilo que eu (vi)vi. Entre
de la vision21. et l’extérieur, entre l’intime et ce modulações do olhar, de silêncio e de escuta, surge uma sombreada
Travailler avec le silence, qui lui est excentrique, dans une e lenta geografia... a montanha enfim se faz presença.
c’est donc s’ouvrira l’inaudible, espèce de commun accord entre les lá, vi montanhas.

19  JACCOTTET, Philippe. Paysages avec figures absentes. Paris: Gallimard, 1976. p. 18.
20  Sur la notion d’invision, voir mon livre (DIAS, Karina. Entre visão e invisão: pai-
sagem [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de
pós-graduação em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010).
21 Le n[ã]o-visto (dans le vu et le non-vu) est une notion développée dans mon livre 21 O n[ã]o-visto é uma noção desenvolvida em meu livro Entre Visão e Invisão: Paisagem
Entre Visão e Invisão: Paisagem [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. (1. ed. [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. (1. ed. Brasília: Programa de pós-graduação
Brasília: Programa de pós-graduação em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010). em artes/VIS Universidade de Brasília, 2010).

170 Poéticas I Karina Dias 171


impressions et un lieu, émerge un spectateur mettra pour contem-
paysage vécu poétiquement. pler ce que j’ai v(éc)u. Entre des
Ce paysage vécu poétiquement modulations du regard, de silence
révèle une expérience singulière et d’écoute, émerge une géogra-
du temps: du temps vécu avec phie ombragée et lente... la mon-
les montagnes, de la durée choi- tagne se fait enfin présence.
sie pour la projection vidéo et, Là-bas, j’ai vu des montagnes.
pour finir, du temps que chaque

172 Poéticas I 173


REGINA CÉLIA DE PAULA

Devant les yeux Diante dos olhos


REGINA DE PAULA REGINA DE PAULA

Les idées incarnent, chutent, Cette responsabilité se contex- As ideias encarnam, despencam, por isso digo que arte não é pesqui-
alors je dis que l’art n’est pas la tualise une fois que, dans l’at- sa, embora, certamente, envolva pesquisa. Minha produção recente
recherche, malgré le fait d’impli- tribution de caractéristiques teve como origem ações concebidas como imagens-gestos: rasgar,
quer certainement la recherche. Ma humaines aux bâtiments, l’au- lavar, amassar, arremessar... Penso os gestos como uma linguagem
production récente est issue d’ac- teur met l’accent sur le fait que primordial, relacionados a determinados contextos.
tions conçues comme des images- les bâtiments sont le résultat du Anteriormente, era praticamente exclusivo o vínculo com os luga-
gestes : déchirer, laver, écraser, lan- lieu et de l’histoire. res, que operavam como zonas de passagem, com o intuito de agir sobre
cer ... Je pense les gestes comme Or, le philosophe et psycha- o sujeito e, por esse meio, trazer à tona a subjetividade. Ao introduzir
étant un langage primordial, lié à nalyste Félix Guattari soulève un a ação, o trabalho tornou-se mais narrativo; contudo, ainda, os lugares
certains contextes. autre aspect qui complète la rela- têm importância, agem. A historiadora da arquitetura Annabel Jane
Auparavant, le lien avec les tion entre le sujet et l’objet éta- Wharton entende as construções arquitetônicas como corpos, agen-
lieux qui servaient comme zones de blie ci-dessus, puisqu’il part d’une tes capazes de modificar o comportamento de seus usuários. Desse
circulation était presque exclusif, prémisse de non autonomie des modo, Wharton confere às edificações reponsabilidade por seus atos.
dont l’objectif était d’agir sur l’indi- espaces bâtis, et, en traitant la Essa responsabilidade é contextualizada uma vez que, na atri-
vidu et ainsi, faire ressortir la sub- question d’espace et corps, prend buição de características humanas aos edifícios, a autora enfatiza o
jectivité. En introduisant l’action, en compte le caractère indissociable fato de as construções serem fruto do lugar e da história.
le travail est devenu plus narratif ; de ces éléments dans la construc- Já o filósofo e psicanalista Félix Guattari levanta outro aspecto que
néanmoins, les lieux sont impor- tion d’une « discursivité spatiale». complementa a relação acima estabelecida entre sujeito e objeto, pois
tants, puis qu’ils agissent. L’histo- Après un voyage à Jérusalem en parte da premissa da não autonomia dos espaços construídos, e, ao
rienne de l’architecture Annabel 2013, l’interpénétration des espaces tratar da questão espaço e corpo, leva em consideração a inseparabili-
Jane Wharton comprend les bâti- et des temporalités dans ma pro- dade desses elementos na construção de uma “discursividade espacial”.
ments architecturaux comme étant duction est devenue plus évidente. Após uma viagem a Jerusalém, em 2013, a interpenetração de
des corps, des agents capables de Le contact avec ce paysage millé- espaços e temporalidades em minha produção tornou-se mais evi-
modifier le comportement de ses naire a ouvert un nouveau champ dente. O contato com essa paisagem milenar abriu um novo campo
usagers. Ainsi, Wharton confère de recherche poétique. Le sable, la de investigação poética. A areia, a praia, a paisagem arenosa, recor-
de la responsabilité aux bâtiments plage, le paysage sableux, récurrents rentes em meus trabalhos, ganharam outra dimensão, histórica.
pour leurs actions. dans mes travaux, ont gagné une Desde então tenho utilizado a Bíblia como objeto, em relação tanto

174 Poéticas I Regina de Paula 175


autre dimension, plutôt historique. passage du sacré au profane peut a sua materialidade quanto a seu sentido simbólico imanente que
Dès lors, j’utilise la Bible comme également se produire grâce à une agrega diversos valores. Em alguns exemplares, realizei incisões,
objet, par rapport à sa matérialité et utilisation (ou plutôt, une réuti- rasgos, “escavações”, muitas vezes preenchendo com areia o espaço
à sa signification symbolique imma- lisation) incongrue du sacré. » decorrente dessas ações. Há aqui uma operação de revelação espacial
nente qui ajoute plusieurs valeurs. Dans Sur le sable une autre his- praticamente arqueológica, de escavar e revelar.
Dans quelques exemplaires, j’ai fait toire a été créée : avant le désert Em 2014, concebi Sobre a areia, a primeira de uma série de ações
des incisions, déchirures, « excava- et la foi, maintenant la plage et la realizadas registradas fotograficamente. Na praia do Arpoador, uma
tions » remplissant avec du sable transformation. jovem artista, Anais-karenin, então aluna do Instituto de Artes, ma-
l’espace résultant de ces actions à nipula uma bíblia contendo areia em seu interior. A areia foi vertida,
plusieurs reprises. Il y a ici une opé- e a bíblia banhada no mar: “purificada”, “renovada” ou “devorada”
ration de révélation spatiale presque pelas águas. A escolha do lugar foi motivada tanto pela ideia de
archéologique, de creuser et révéler. transportar o cenário bíblico para a cidade do Rio de Janeiro quanto
En 2014, je concevais Sur le pelo desejo de propor novas leituras, contrastando o caráter mile-
sable, la première d’une série d’ac- nar da Cidade Santa com o “Novo” Mundo. De acordo com o crítico
tions réalisées et enregistrées pho- e historiador da arte Craig Owens, o alegorista é um confiscador,
tographiquement. Dans la plage que transforma aquilo que foi apropriado em outra coisa, tendo
do Arpoador, une jeune artiste, a alegoria “funcionado na fenda entre um presente um passado”.
Anais-Karenin, alors étudiante à Recorro ainda ao filósofo Giorgio
l’Institut des Arts, manipule une Sobre a areia, 2013. Impressão fine art e bíblia. 45 x 65cm Agamben, para quem “a passagem
Bible contenant du sable à l’inté- (cada foto). Performer: Anais-karenin. Foto Wilton Mon- do sagrado ao profano pode acon-
tenegro. / Sur le sable, 2013. Impression fine art et bible.
rieur. Le sable a été versé, et la Bible 45 x 65cm (chaque photo). Performer: Anais-karenin. tecer também por meio de um uso
baignée dans la mer, « purifiée », Photo Wilton Montenegro (ou melhor, de um reuso) total-
« renouvelée » ou « dévorée » par mente incongruente do sagrado”.
les eaux. Le choix du lieu a été fait La question de l’action réalisée Em Sobre a areia outra história
tant par l’idée de transporter le par la caméra est devenue cen- foi criada: antes deserto e fé, ago-
scénario biblique à la ville de Rio trale dans mon travail avec les ra praia e transformação.
de Janeiro comme par le désir de œuvres présentées dans l’exposi- A questão da ação realizada
proposer des nouvelles lectures, tion Devant les yeux, les gestes, Sem título II (Avdat), 2016. Técnica mista com areia. para a câmera tornou-se central
de façon à faire contraster le carac- qui a occupée quatre salles du Dimensões variáveis. Sedimentos são pele, 2016. Perfor- em meu trabalho com as obras
mance de Anais-karenin a partir de trabalho de Regina
tère millénaire de la Ville Sainte Paço Imperial. Dans la première, de Paula. Foto Wilton Montenegro. / Sans titre II (Av- apresentadas na exposição Dian-
avec le «Nouveau» monde. Selon j’ai exposé la série Sur le sable, dat), 2016. Technique mixte avec du sable. Dimensions te dos olhos, os gestos, que ocu-
variables. Sediments sont peau, 2016. Performance:
le critique et historien d’art Craig conjointement à une construction pou quatro salas do Paço Impe-
Anais-karenin à partir du travail de Regina de Paula.
Owens, l’allégoriste est celui qui sai- faite avec des cubes de sable et Photo Wilton Montenegro. rial. Na primeira, exibi a série
sit, qui transforme ce qu’il a appri- une performance, qui a eu lieu à Sobre a areia, juntamente com
voisé dans quelque chose d’autre, l’ouverture. Conçue par Anais-Ka- uma construção feita com cubos
ayant l’allégorie « comme une sorte renin à partir de mon travail, elle de areia e uma performance, ocorrida na inauguração, concebida
de fente entre présent et passé.» constituait, de façon générale, en por Anais-karenin, a partir de meu trabalho, que consistiu, de modo
Je fais aussi appel au philosophe une manipulation des cubes par geral, em uma manipulação dos cubos pela performer, modificando
Giorgio Agamben, pour qui «le la performer, une modification la a construção original, além de alguns elementos trazidos por ela

176 Poéticas I Regina de Paula 177


(pedras, roupas etc.) e, ainda, uma fotografia das ruínas arqueológicas
de Avdat, em Israel, pontuando a origem das obras em exposição.
Nos outros espaços, apresentei uma série de vídeos.
Na segunda sala, mostrei Tempo para rasgar, uma videoinstalação
composta de três projeções conjuntas, realizada na Praia Vermelha,
Urca, nas proximidades do local onde Estácio de Sá fundou a cida-
de do Rio de Janeiro, em 1565, com o apoio dos jesuítas. Foram os
jesuítas os responsáveis pela educação colonial, cuja finalidade era
a conversão dos indígenas à fé católica e a instrução dos colonos. A
intenção do poder real e da Igreja era a unificação da fé e da consci-
ência, como garantia da unidade política. Nessas circunstâncias, a
educação assume o papel de agente coloni-
zador. No vídeo central, um jovem, o artista
Sem título (Avdat), 2013. Impressão fine art. 108 × 145 cm. Ismael Davi, rasga uma bíblia ao meio num
Sans titre (Avdat), 2013. Impression fine art. 108 x 145 cm. gesto que se repete: as duas partes do livro
partido são novamente reunidas e rasgadas
e assim sucessivamente. Na projeção da es-
construction originale, en plus puissance royale et de l’Eglise querda, o jovem lava a bíblia; e na da direita,
de quelques éléments par elle était l’unification de la foi et Tempo para rasgar, 2014 — 2016. Vídeo, suas partes rasgadas e soltas movimentam-se
apportés (pierres, vêtements, etc.) de la conscience, comme une stop motion. Instalação com três proje- no mar. Complementa essa sala uma bíblia
ções 30”, 55” e 1’14”. Performer: Ismael
et aussi, une photo des ruines garantie de l’unité politique. David. Praia Vermelha, Rio de Janeiro. rasgada ao meio apoiada num suporte preso
archéologiques d’Avdat en Israël, Dans ces circonstances, l’éduca- Foto Wilton Montenegro. / Temps pour à parede, mas com suas partes ainda unidas
déchirer, 2014 — 2016. Vidéo, stop motion.
à l’origine des œuvres exposées. tion assume le rôle d’agent colo- por um pequeno fragmento da lombada e,
Installation avec trois projections. 30”,
Dans d’autres emplacements, j’ai nisateur. Dans la vidéo centrale, 55” e 1’14”. Performer: Ismael David. ainda, Diante dos olhos, foto de Ismael Davi
présenté une série de vidéos. un jeune artiste Ismael Davi, Praia Vermelha, Rio de Janeiro. Photo de perfil, sobre uma pedra, tendo a paisagem
Wilton Montenegro.
Dans la deuxième salle, j’ai déchire une bible à moitié dans diante de si.
montré Temps pour déchirer, une un geste qui se répète : les deux Na galeria seguinte, no vídeo Para o le-
installation vidéo composée de parties du livre brisé sont à nou- vante, outro jovem, o bailarino Eder Martins
trois projections conjointes, veau rassemblés et déchirés et de Souza, lança uma bíblia ao mar. Lavá-la
tenues à Praia Vermelha, Urca, ainsi de suite. Dans la projection e arremessá-la é transformá-la, colocá-la
près du lieu où Estácio de Sá à gauche, le jeune lave la bible ; em movimento. “Levante” geograficamen-
fonda la ville de Rio de Janeiro et à la droite, ses parties déchi- te é uma área do Oriente Médio. Outra de
en 1565, avec le soutien des rées et détachées se déplacent suas acepções é erguer-se. É preciso então ir
Jésuites. Les Jésuites étaient dans la mer. La salle est assortie Dividido, 2014. Bíblia sobre suporte de adiante, rebelar-se, e a arte se movimenta,
responsables de l’éducation d’une bible déchirée au milieu acrílico. 28 × 43cm. Foto Wilton Monte- levanta. Em outra parede, em diálogo com
negro. / Divisé, 2014. Bible sur support
coloniale, dont le but était la contre un support fixé au mur, em acrylique. 28 × 43 cm. Photo Wilton Para o levante, coloquei duas fotos: o torso
conversion des Indigènes à la ayant ces deux parties encore Montenegro. de Eder segurando uma bíblia molhada e sua
foi catholique et l’éducation attachés par un petit fragment mão mostrando uma página solta da bíblia
des colons. L’intention de la de colonne et encore Devant les molhada e destruída. Se pensarmos que um

178 Poéticas I Regina de Paula 179


yeux, photo de profil d’Ismael dos gestos amplamente repre-
David sur une pierre, ayant le sentados na arte é o das mãos em
paysage devant lui. posição de oração, temos na mão
Dans la galerie suivante, sur de Eder um gesto contundente,
la vidéo Pour le levant, un autre enfatizado pelo congelamento da
jeune homme, le danseur Eder ação que a fotografia possibilita.
Martins de Souza, lance une Diante dos olhos, 2014 — 2016. Impressão O título dessa foto, Porque foi
Bible à la mer. Ensuite il lave et fine art. 90 × 135cm. Foto Wilton esse o gesto, assim como o dos
Montenegro.
la jette, dans un mouvement de Devant les yeux, 2014 — 2016. Impression demais trabalhos, foi apropria-
transformation. Le « Levant » fine art. 90 × 135cm. Photo Wilton do do texto bíblico. Ainda no
Montenegro
est géographiquement une zone mesmo espaço, na parede que o
du Moyen-Orient. L’une de ses separa da última sala, no vídeo
acceptions est se lever. Il faut Como o pó que o vento leva, vê-se uma bíblia pousada no parapeito
donc aller de l’avant, se rebel- de uma das aberturas da Fortaleza São João, também na Urca, com
ler, et l’art se déplace, soulève. suas páginas movendo-se pela ação do vento e, ao fundo, o mar.
Sur un autre mur, pour dialoguer Esse local, que é ainda o cenário da videoinstalação da última sala,
avec Pour le levant, j’ai mis deux Para o levante, 2015 — 2016. Vídeo, stop motion. 21”. também está ligado à formação do Rio de Janeiro, pois ali, entre
photos : le torse d’Eder tenant Performer: Eder Martins de Souza. Praia de São os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, Estácio de Sá ao fundar
Conrado, Rio de Janeiro. Foto Wilton Montenegro
une bible mouillée et sa main Pour le levant, 2015 — 2016. Vidéo, stop motion. 21”. a cidade, ergueu um fortim que mais tarde se transformaria na
montrant une page détachée de Performer: Eder Martins de Souza. Plage de São atual fortaleza. Essa abertura direciona-se, portanto, para a porta
Conrado, Rio de Janeiro. Photo Wilton Montenegro
la bible mouillée et détruite. Si de entrada dos nossos colonizadores.
nous pensons que l’un des gestes
largement représentés dans l’art mouvement par l’action du vent
est celui des mains en position et au fond, la mer. Ce site, qui est
de prière, la main d’Eder montre encore la scène de l’installation
un geste cinglant, marqué par vidéo de la dernière salle, est éga-
le gel de l’action que la photo- lement lié à la formation de Rio
graphie permet. Le titre de cette de Janeiro, car entre les collines
photo, Pourquoi fut-ce geste, ainsi Cão et Pão de Açúcar, pour fonder
que celui des autres travaux, ont la ville Estácio de Sá a érigé un
été une appropriation du texte fort qui devint plus tard la for-
biblique. Encore dans le même teresse actuelle. Cette ouverture
espace, dans le mur qui sépare la est orientée vers la porte d’entrée
dernière salle, sur la vidéo Comme de nos colonisateurs.
la poussière que le vent mène, nous Dans la dernière salle, j’ai
voyons une bible posée sur la présenté Pourquoi les pierres des Como o pó que o vento leva, 2015 — 2016. Video, stop motion. 3”10”. Fortaleza de São João,
balustrade de l’une des ouver- murailles clament, installation Urca, Rio de Janeiro. Foto Wilton Montenegro. / Comme la poussière que le vent mène,
2015 — 2016. Vidéo, stop motion. 3”10”. Forteresse São João, Urca, Rio de Janeiro. Photo
tures du Fort São João, égale- vidéo, avec deux projections Wilton Montenegro.
ment en Urca, avec ses pages en frontales, mettant en évidence

180 Poéticas I Regina de Paula 181


Porque as pedras das muralhas clamam , 2015 — 2016. Videoinstalação,
stop motion com som. 5’16” e 3’10”. Performer: Fernada Canuta Ribeiro. E nada resta, 2015 — 2016. Impressão fine art.
Fortaleza de São João, Urca, Rio de Janeiro. Foto Wilton Montenegro. 70 × 104 cm. Foto Wilton Montenegro / Il ne reste rien,
Porquoi les pierres des murailles clament, 2015 — 2016. Installation vidéo, 2015 — 2016. Impression fine art. 70 × 104 cm. Photo
stop motion avec son. 5’16” e 3’10”. Performer: Fernada Canuta Ribeiro. Wilton Montenegro.
Forteresse de São João, Urca, Rio de Janeiro. Photo Wilton Montenegro.

Porque foi esse o gesto, 2015 — 2016.


Impressão fine art. 40 × 40cm. Foto
Wilton Montenegro / Porquoi fut-ce
geste, 2015 — 2016. Impression
fine art. 40 ×40 cm. Photo Wilton
Montenegro.

Sem título, da série Não-habitável (SSCC), 2005. Fotografia. 105 × 157 cm.


Sans titre, de la série Non-habitable (SSCC), 2005. Photographie. 105 × 157 cm.

Na última sala, apresentei Porque as pedras das muralhas clamam,


le mouvement de la performer recul au sujet des thèmes reli- videoinstalação, com duas projeções frontais, mostrando o movi-
Fernanda Ribeiro, à l’intérieur gieux et d’un récit plus explicite, mento da performer Fernanda Ribeiro, no interior da Fortaleza São
de la Forteresse São João, en je mets l’accent sur le rapport João, “reagindo” ao espaço, ao clamor de suas paredes de pedra. Esse
train de « réagir » à l’espace, à corps/espace et l’expérience de la é o único vídeo da exposição em que não vemos o mar e que possui
la clameur de ses murs en pierre. subjectivation, comme l’a souli- som, do mar batendo na pedra. Ao distanciar-me aqui da temática
Voici la seule vidéo de l’exposi- gné Guattari, en affirmant qu’un religiosa, e também de uma narrativa mais explícita, enfatizo a re-
tion où nous ne voyons pas la mer paysage peut « en même temps lação corpo/espaço e a experiência da subjetivação, como apontada
et qui a le son de la mer frappant acquérir une cohérence structu- por Guatarri, ao afirmar que uma paisagem pode “ao mesmo tempo
la pierre. Tout en prennant du relle de caractère et m’interroger, adquirir uma consistência estrutural de caráter e me interrogar, me

182 Poéticas I Regina de Paula 183


d’un regard fixe et d’un point de espace ‘off»2 mais, lorsqu’elle est encarar fixamente de um ponto de vista ético e afetivo que submerge
vue éthique et affectif qui sub- utilisée de manière séquentielle toda densidade espacial”.1
merge toute la densité spatiale.»1 en stop motion, cela permet éga- O Forte possui profundidade perspéctica que o aproxima dos
La Forteresse a une profon- lement d’autres hors du champ, corredores fotografados para a série Não-habitável – conjunto de
deur perspectiviste qui l’approche car il y existe un petit espace, obras que desenvolvi durante cerca de uma década tendo como cer-
des couloirs photographiés pour une fente spatiotemporelle, où ne fotografias de determinados lugares, em geral de passagem. Em
la série Non Habitable - ensemble quelque chose se passe. Pourquoi ambos os casos, a “densidade espacial” foi decisiva para a escolha
d’œuvres développées pendant que les pierres des murailles cla- dos lugares. Por outro lado, em meu trabalho, a história do lugar
environ une décennie ayant des ment a cette caractéristique dans e suas implicações nunca são trazidas à tona de modo direto, mas
fondamentalement des photogra- son installation, car les vidéos estão presentes como uma camada latente. Assim como os gestos
phies prises en endroits déter- sont disposées frontalement ; resistem a uma interpretação conclusiva, em todos os casos, procuro
minés, généralement de circula- ainsi, un espace s’ouvre entre les preservar o enigma.
tion. Dans les deux cas, la « den- projections, et le spectateur peut É importante mencionar que todos os vídeos foram realizados
sité spatiale » a été déterminante littéralement y entrer. em stop motion, técnica que utiliza uma sequência de fotografias de
pour le choix des lieux. D’autre En plus des performers cités, la um tema para produzir movimento. A fotografia por ser um recor-
part, dans mon travail, l’histoire collaboration de Wilton Monté- te, como aponta Philipe Dubois, pressupõe, um “fora de campo, ou
du lieu et de ses implications ne négro a été essentielle et irrem- espaço ‘off’”,2 mas, quando usada sequencialmente, em stop motion,
sont jamais portés à la manière plaçable dans la réalisation de possibilita ainda outro fora de campo, pois existe um pequeno in-
directe, mais sont présentes en photographies, ainsi que le dia- tervalo, uma fenda espaçotemporal, em que algo acontece. Porque
tant qu’une couche latente. Ainsi logue avec le commissaire de l’ex- as pedras das muralhas clamam tem essa marca em sua instalação,
que les gestes résistent une inter- position, Ivair Reinaldim. Aussi, pois os vídeos estão dispostos frontalmente; assim, um espaço se
prétation concluante, dans tous grâce à ces échanges les travaux abre entre as projeções, e o espectador pode literalmente adentrá-lo.
les cas, je cherche à préserver ont incarné. L’exposition Devant Além dos performers citados, essencial e insubstituível foi a
l’énigme. les yeux, les gestes faisaient aussi colaboração de Wilton Montenegro na realização das fotografias,
Il est important de mention- partie de cet espace « off». bem como o diálogo com o curador da exposição, Ivair Reinaldim.
ner que toutes les vidéos ont été Finalement, je dois ajouter que Também por meio dessas trocas os trabalhos encarnaram. A expo-
réalisées en stop motion, une tech- les travaux réalisés pour l’expo- sição Diante dos olhos, os gestos se constituiu, portanto, também
nique qui utilise une séquence sition au Paço Imperial (Palais desse espaço “off”.
d’images d’un sujet pour produire Impérial) comptent sur le sup- Finalmente, devo acrescentar que os trabalhos realizados para
un mouvement. Du fait d’être une port du Programme de Soutien a exposição no Paço Imperial contaram com o auxílio do Programa
coupe, la photographie comme pour la Production et la Diffu- de Apoio à Produção e Divulgação das Artes no Estado do Rio de
l’a souligné Philippe Dubois, sion des Arts dans l’État de Rio Janeiro/Faperj.
suppose un «hors du champ, ou de Janeiro / FAPERJ.

1  GUATTARI, op. cit., p. 154. 1  GUATTARI, op. cit., p. 154.


2  DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appen- 2  DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appenzeller.
zeller. Campinas: Papirus, 1990. p. 179. Campinas: Papirus, 1990. p. 179.

184 Poéticas I Regina de Paula 185


CHRISTUS MENEZES DA NÓBREGA

Expédition Automne: Expedição Outono:


la chasse aux plantes géantes caçada as plantas gigantes
d’Amazonie da Amazônia
CHRISTUS MENEZES DA NÓBREGA CHRISTUS MENEZES DA NÓBREGA

J’ai appris à chasser des plantes très souvent les tenues masculines, Eu aprendi a caçar plantas com uma mulher. Estudei as técnicas
avec une femme. J’ai étudié les en faisant déjà depuis des millé- políticas para o extrativismo vegetal, que incluem noções básicas de
techniques politiques pour l’ex- naires les frontières de l’identité estética, imperialismo e negociação com a rainha egípcia Hatshep-
tractivisme végétal, ce qui inclut de genre. C’est la première à avoir sut; a primeira1 mulher faraó da história. Mulher que usava barba
des notions de base d’esthétique, osé s’intéresser à la végétation de falsa e optava inúmeras vezes por trajes masculinos, deturpando
d’impérialisme et de négociation ses voisins, en créant la première já há milênios as fronteiras de identidade de gênero. Foi ela quem
avec la reine égyptienne Hatshep- expédition pour le transport de primeiro ousou ter interesse pela vegetação de seus vizinhos, criando
sut; la première1 femme pharaon de plantes du monde, encore au XVe a primeira expedição para transporte de plantas do mundo ainda
l’histoire. Une femme qui utilisait siècle a.C2. Son expédition avait no século XV a.C.2 Sua expedição tinha como principal objetivo
une fausse barbe et qui préférait pour objectif principal de ramener
1  Mulheres na política têm sido historicamente sub-representadas. No Brasil, a primeira
presidenta foi Dilma Rousseff, eleita nas eleições de 2010. Durante o início de seu segun-
1  En politique, les femmes ont été, et le sont encore, historiquement sous-représen- do mandado, em 2016, sofreu um Golpe Branco e em seu lugar assumiu o vice, Michel
tées. Au Brésil, la première présidente a été Dilma Rousseff, élue en 2010. Pendant le Temer, o qual nomeou apenas homens para cargos nos Ministérios. De forma oposta,
début de son second mandat, en 2016, elle a été déchue par un coup d’état parlemen- Dilma Rousseff havia nomeado o maior número de ministras mulheres na história do
taire et, à sa place, assuma le vice-président Michel Temer, lequel ne nomma que des país - dezoito ao longo de seus cinco anos e meio de governo. Em seu discurso de saída, em
hommes pour assumer des postes au sein des Ministères. De façon opposée, Dilma 01/09/2016, Dilma Rousseff disse: “Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de
Rousseff avait nommé le plus grand nombre de ministres femmes dans l’histoire du carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão
pays – dix-huit, au long de ses cinq ans et demi de gouvernement. Lors de son discours que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, o machismo e a
de départ, prononcé le 1er Septembre 2016, Dilma Rousseff a dit: « Aux femmes brési- misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção
liennes, qui m’ont couverte de fleurs et d’affection, je vous demande de croire en vous, à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar”. Seu programa político para o empondera-
que vous pouvez. Les futures générations de brésiliennes sauront que, la première fois mento feminino é visível, principalmente, pelo (1) aumento do número de mulheres na
qu’une femme a assumé la Présidence du Brésil, le machisme et la misogynie ont révé- política; (2) fortalecimento da igualdade no mercado de trabalho; (3) combate à violência
lé leurs faces laides. Nous avons ouvert une voie à sens unique en direction à l’égalité e ao feminicídio; (4) Discussão das questão de gênero e diversidade sexual nas escolas.
de genre. Rien ne nous fera reculer ». Son programme politique pour l’autonomisation 2  O mesmo hábito de trocar/furtar/pegar plantas dos terrenos invadidos foi verificado
des femmes est visible, surtout, par (1) l’augmentation du nombre de femmes en poli- nas conquistas dos romanos e muçulmanos. As nogueiras e as figueiras, por exemplo,
tique ; (2) le renforcement de l’équité sur le marché du travail ; (3) le combat contre la chegaram ao Reino Unido com os invasores romanos. No século XV as grandes expedições
violence et contre le féminicide; (4) la discussion des questions de genre et de diversité marítimas foram fomentadas pelo desejo de obter especiarias. A travessia do Atlântico por
sexuelle dans les écoles. Cristóvão Colombo, a jornada à Índia de Vasco da Gama e a primeira circum-navegação
2  La même habitude d’échanger/voler/prendre des plantes des terrains envahis a été da Terra por Magalhães foram proporcionadas pelo desejo do Ocidente por noz-moscada,
vérifiée lors des conquêtes romaines et musulmanes. Les noyers et les figuiers, par cravo e macis, entre outras.

186 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 187


en Égypte des arbres aromatiques3 mortuaire, Deir el-Bahari. Une
et autres espèces végétales du partie de cette histoire peut être
Royaume de Punt. Punt était le racontée grâce aux inombrables
nom donné par les égyptiens à la dessins en bas-relief faits sur les
région d’Afrique Orientale. Bien parois du temple à Deir el-Bahari,
que des doutes subsistent encore où y sont représentées des images
par rapport à sa localisation réelle, allant des premiers agroupements
on estime qu’elle puisse corres- des embarcations sur la côte de
pondre à ce qu’est actuellement une la Mer Rouge jusqu’aux représen-
partie du territoire de la Somalie tations de son glorieux retour.
et de l’Éthiopie. Les dessins illustrant l’expédi-
Nommé par la reine Hatshep- tion sont si détaillés et tellement
sut, Nehesi a été désigné à la tête nombreux qu’il est difficile de
de l’expédition et chargé de gou- trouver d’autres événements de
verner les cinq grands navires qui l’histoire antique ayant été si
descendirent vers le Sud de la Mer bien représentés que le voyage
Rouge lors du voyage commer- de Hatshepsut. Pedagogia do Extrativismo Vegetal (2014) 70 × 50 cm, polítptico.
cial et extractiviste. L’expédition Hatshepsut voulait ce qu’elle
fût reçue par le prince de Punt, n’avait pas. Elle voulût un jar-
Parehu, et Eti, son épouse. Suite din d’arbres parfumés. Elle vou- trazer árvores aromáticas3 e outras espécies vegetais do Reino de
à des négociations pacifiques, les lût l’aventure d’aller au delà se Punt para o Egito. Punt era como os egípcios chamavam a região
bateaux quittèrent Punt chargés son horizon. Elle voulût plus da África Oriental. Apesar de hoje não se ter certeza sobre sua real
de 31 arbres aromatiques vivants que le seul souvenir d’un voyage localização, estima-se que pode corresponder ao que é atualmente
et autres biens de la contrée4. De de tourisme vulgaire. Elle vou- a parte do território da Somália e da Etiópia.
retour en Égypte, ils furent reçus lût relier l’ici et l’au-delà. Elle Nomeado pela rainha Hatshepsut, Nehesi foi escolhido para li-
par la reine à Thèbes qui fît plan- voulût mélanger les territoires derar a expedição e governar os cinco grandes barcos que desceram
ter les arbres devant son temple et insérer l’étranger au sein o Mar Vermelho na viagem comercial e extrativista. A expedição
foi recebida pelo príncipe de Punt, Parehu, e Eti sua esposa. Após
pacíficas negociações os barcos saíram de Punt carregados com 31
exemple, sont arrivés au Royaume Uni avec les invasions romaines. Au XVe siècle,
les grandes expéditions maritimes ont été incitées par le désir d’obtenir des épices. árvores aromáticas vivas e outros bens da terra4. Ao retornarem ao
La traversée de l’Atlantique par Christophe Colomb, le voyage de Vasco da Gama en Egito foram recebidos pela rainha em Tebas, que mandou plantar
Inde et la premiére circum-navigation de la terre par Magalhães ont été occasionnées as árvores em frente de seu templo mortuário, Deir el-Bahari. Parte
par le désir de l’Occident pour la noix-de-muscade, le clou-de-girofle, le macis, parmi
dessa história pode ser recontada devido aos inúmeros desenhos em
d’autres.
3  On appelle d’arbre aromatique les arbres dont il est possible d’extraire, que ce soit à
partir de leurs résines, de leurs écorces et de leurs fruits, des huiles essentielles utili-
sés dans la production de parfuns et d’encens, à l’exemple de la myrrhe – idéale pour 3  Árvores aromáticas são aquelas que é possível extrair, seja de suas resinas, cascas e
calmer et apporter de bonnes pensées, en créant un léger sentiment de dévotion. frutos essências para produção de perfumes e incensos, a exemplo da mirra - ideal para
4  En plus des arbres et des plantes, les égyptiens ont emporté de l’or, de l’argent, des tranquilizar e trazer bons pensamentos, criando o leve sentimento de devoção.
cosmétiques, de la résine pour encens, de l’ébène, de la canèle, de l’ivoire, des singes, 4  Além de árvores e plantas os egípcios trouxeram ouro, prata, cosméticos, resina para
des chiens, des peaux de léopard et des esclaves. incenso, ébano, canela, marfim, macacos, cães, peles de leopardo e escravos.

188 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 189


de sa géographie. Elle voulait Les espéces envahissantes sont, baixo relevo feitos nas paredes do templo em Deir el-Bahari. Há des-
construire des paysages métis- d’après la Convention Interna- de imagens dos primeiros agrupamentos das embarcações na costa
sés. Hatshepsut savait qu’en tionale sur la Diversité Biolo- do Mar Vermelho até representações de seu retorno glorioso. São
ramenant une espèce étrangère gique, de potentiels perturba- tão detalhados e numerosos os desenhos que retratam a expedição
dans son territoire, elle courrait teurs de l’ordre naturel, social et que torna-se difícil encontrar outros eventos na história antiga que
de grands risques, car c’est juste- de la santé des êtres humains, des tenham sido tão bem representado como a viagem de Hatshepsut.
ment dans le but de nous perdre autres animaux et autres plantes, Hatshepsut quis o que não tinha. Quis um jardim de árvores de
que nous devenons hybrides. Ceci, en mettant en péril la diversité cheiro. Quis a aventura de ir além do seu horizonte. Quis mais do
je l’ai appris avec elle. biologique d’un lieu donné. que um souvenir de uma viagem de turismo vulgar. Quis conectar o
Ainsi, comme l’étranger, l’er- Ce n’est pas par hasard qu’il aqui e o acolá. Quis misturar os territórios e trazer o estrangeiro pra
rant et le vagabond qui peuvent existe aujourd’hui autant de dentro de sua geografia. Queria construir paisagens miscigenadas.
facilement perturber l’ordre d’un contrôle aux frontières du monde. Hatshepsut sabia que ao trazer uma espécie estranha para o seu
écossystème avec leur seule pré- On contrôle avec vigueur le va-et- território corria grande risco, pois é exatamente para se perder que
sence exogène, une espèce végé- vient des étrangers. J’appelle procuramos hibridizar. Isso eu aprendi com ela.
tale exotique ou bien, comme d’étrangers tous les corps5, qu’ils Assim como o forasteiro, o andarilho e o vagabundo que podem
les appellent les biologistes, proviennent du règne animal ou facilmente perturbar a ordem de um ecossistema com sua simples
une espèce introduite, peut nuire végétal, exogènes par rapport à un presença exógena, uma espécie vegetal exótica, ou como chamam os
également à un territoire donné. environnement donné. Au Bré- biólogos, uma espécie introduzida, pode ser também muito prejudicial
Comme l’errant, une espèce intro- sil, par exemple, le Ministère para um dado território. Como o errante, uma espécie introduzida
duite est un organisme qui vit de l’Agriculture, par le biais du é um organismo que vive fora da sua área nativa e que foi acidental
en dehors de son domaine origi- Service de Surveillance Sanitaire ou intencionalmente inserido em um novo meio. Quando causam
nel et qui a été accidentellement Agricole Internationale – Vigia- danos ao novo território essas plantas são chamadas pelos botânicos
ou intentionnellement insérée gro, est responsable de l’inspec- de espécies invasoras. Plantas invasoras são segundo a Convenção
dans un nouveau milieu. Quand tion des bagages des passagers Internacional sobre Diversidade Biológica potenciais perturbadoras
ces plantes provoquent des dom- qui entrent dans le pays6 en cher- da ordem natural, social e da saúde dos humanos, de outros animais
mages dans leur nouveau terri- chant à tracer l’origine et arrêter e de outras plantas, pondo em risco a diversidade biológica de um
toire, elles sont appelées par les des corps exogènes dangereux, dado local.
botanistes d’espèces envahissantes. comme des plantes, par exemple. Não é por acaso que hoje haja tanto controle nas fronteiras do
mundo. Controla-se com vigor o vai e vem dos forasteiros. Chamo de
5  En connaissant la difficulté à faire traverser des corps au-delà des frontières, les forasteiros todos os corpos5, sejam eles do reino animal ou vegetal,
pays impérialistes ont inventé d’autres moyens pour croiser les territoires étrangers. exógenos a um dado ecossistema. No Brasil, por exemplo, o Minis-
Cette stratégie d’invasion prît le nom d’Industrie Culturelle. Plusieurs nations furent tério da Agricultura, por meio do Serviço de Vigilância Agropecuária
conquises grâce aux images télématiques, en remplaçant le désir qui découle du
Internacional - Vigiagro, é responsável pela inspeção das bagagens
processus de subjectivation, de la pulsion, par l’expérience superficielle du « désir » de
consommation, comme le dirait Suely Rolnik (2011).
6  Le Manuel des Procédures Opérationnelles de la Surveillance Sanitaire Agricole
Internationale est l’instrument utilisé par les services de surveillance dans l’inspec- 5  Sabendo da dificuldade de atravessar corpos pelas fronteiras os países imperialistas
tion et le contrôle du transit international de végétaux. L’importation de plantes, de inventaram outras formas de cruzar os territórios alheios. A essa estratégia de invasão
parties de plantes et leurs produits dérivés est soumise à l’attestation de critères ayant deu-se o nome de Indústria Cultural. Pela imagem telemática conquistaram várias nações,
pour base leur catégorie de risque des pré-requis phyto-sanitaires établis variant de substituindo o desejo que nasce dos processo de subjetivação, da pulsão, pela experiência
risque 1 à 5. rasteira de “desejo” de consumo como diria Suely Rolnik (2011).

190 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 191


Des produits d’origine végétale ne et apportent la confusion aux dos passageiros que entram no país6 com o intuito de rastrear e
peuvent être ramenés, ni même principaux codes structurants prender corpos exógenos perigosos, como plantas por exemplo. Itens
emportés, dans d’autres pays sans du sédentarisme et de l’harmo- de origem vegetal não podem ser trazidos e nem levados a outros
l’autorisation préalable et la cer- nie environnementale. países sem autorização prévia e certificação fitozoossanitária dos
tification phytozoosanitaire des La reine Hatshepsut savait órgãos responsáveis dos países de destino.
organismes responsables des pays que, dans l’errance, un grand É preciso vigiar e controlar as fronteiras, pois em uma sociedade
de destination. flux d’échanges s’établit. Elle sedentária o corpo forasteiro representa um grande risco, já que é
Il est nécessaire de surveil- savait cela lorsqu’elle par- sempre portador de novidades e mistérios. Repelir o estranho é im-
ler et de contrôler les frontières tît avec cinq navires chargés prescindível, pois o estrangeiro vem perturbar a quietude com suas
car, dans une société sédentaire, de cadeaux à échanger avec le novidades. Vivemos em um mundo da ‘familiaridade’, nos lembra
le corps étranger représente un prince Parehu de Punt. Hatshep- Michel Maffesoli7 e grande parte dos rituais sociais, sejam profanos
grand risque, étant donné qu’il sut étatit consciente du fait que ou religiosos, não são mais do que uma força contínua para atenuar o
est toujours porteur de nou- les échanges de biens suscitent embate com o exógeno. Por isso, assim como as plantas da categoria
veautés et de mystères. Repous- des échanges d’affection, puisque de espécies invasoras, os errantes, os mendigos, os vagabundos, os
ser l’étranger est indispensable, l’échange de biens entraîne circenses, os ciganos, os exus, as pombas giras e todas as espécies de
puisque l’étranger vient pertur- l’échange de symboles. En échan- boêmios transeuntes provocam uma agitação nas estruturas sociais,
ber le calme régnant avec ses geant des objets, on échange éga- pois transgridem as identidades e fazem confusão nos principais
nouveautés. Nous vivons dans lement des mots, des gestes, des códigos estruturantes do sedentarismo e harmonia ambiental.
un monde de la « familiarité », idées, la culture. L’échange favo- A rainha Hatshepsut sabia que há na errância um grande fluxo
nous rappelle Michel Maffesoli7 rise l’établissement de liens plus de trocas. Sabia disso quando saiu com cinco navios repletos de
et une grande partie des rites étroits entre les civilisations. Les presentes para trocar com o príncipe Parehu de Punt. Hatshepsut
sociaux, qu’ils soient profanes us et coutumes, les modes de vie, entendia que as trocas de bens suscitam em trocas de sentimentos,
ou religieux, ne sont rien de plus les façons de penser, l’éducation, pois a troca de pertences acarreta na troca de símbolos. Ao trocar
que l’effort continuel mobilisé le travail, la consommation, la um objeto, troca-se também palavras, gestos, ideias, cultura. O in-
afin d’atténuer l’affrontement sexualité, tout se modifie au tercâmbio favorece uma ligação mais estreita entre as civilizações.
avec l’exogène. C’est pourquoi, contact du corps étranger. Le sexe Os costumes, os modos de viver, as formas de pensar, a educação, o
comme les plantes de la catégo- se réconfigure également. Il n’est trabalho, o consumo, a sexualidade, tudo se modifica com o contato
rie des espèces envahissantes, les plus uniquement lié et attaché com o corpo estrangeiro. O sexo, também se reconfigura. Deixa de se
errants, les clochards, les vaga- à l’idée d’économie d’un noyau vincular unicamente com a ideia de economia de um núcleo familiar
bonds, les artistes de cirque, les familial et redevient errant. e volta-se a ser errante.
tziganes, les eshus et les bombo- Ce n’est pas par hasard, Não é por acaso, como afirmam alguns historiadores, que Punt
giras, ainsi que toutes les espèces comme l’affirment certains tinha uma enorme influência sobre a cultura egípcia, no campo
de bohémiens transhumants et historiens, que Punt excer-
passants provoquent une agita- çait une énorme influence sur 6  O Manual de Procedimentos Operacionais da Vigilância Agropecuária Internacional é
tion des structures sociales, car la culture égyptienne, dans le o instrumento utilizado pelos fiscais federais agropecuários na inspeção e fiscalização do
elles transgressent les identités domaine artistique, littéraire et trânsito internacional de vegetais. A importação de plantas, partes de plantas e seus pro-
dutos derivados é condicionada ao atendimento de critérios tendo como base sua categoria
de risco dos requisitos fitossanitários estabelecidos que variam da risco zero até cinco.
7  MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. São 7  MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. São Paulo:
Paulo: Record, 2001. Record, 2001.

192 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 193


même religieux. En offrant ces de transit entre les biomes. Au artístico, literário e até religioso. Ao dar suas plantas à rainha Hat-
plantes à la reine Hatshepsut, Brésil, par exemple, il existe shepsut, o príncipe Parehu estava dando também pólen. O pólen, do
le prince Parehu offrait égale- une réglementation rigoureuse grego pales que significa farinha ou pó, como é sabido, é o conjunto
ment du pollen. Le pollen, du grec concernant le déplacement de dos minúsculos grãos produzidos pelas flores das angiospermas, ou
pales signifiant farine ou poudre, corps végétaux entre les États. reprodutores masculinos, que vão fecundar os óvulos e posteriormen-
comme il est su, est l’ensemble Rappelez-vous lorsque je vous te irão transformar-se em sementes. Assim, ao dar o pólen, Parehu
des minuscules grains produits ai dit que j’ai appris avec la reine estava dando a Hatshepsut a virtualidade de sua cultura. Ficava o
par les fleurs des plantes en Hatshepsut des techniques poli- príncipe então cúmplice da vespa, que com a vagabundagem que é
fleurs, ou reproducteurs mascu- tiques pour l’extractivisme végé- inata a este inseto, seria agora responsável pela fecundação de Put
lins, qui vont féconder les ovules tal, qui incluent des notions de no Egito. Era tempo de miscigenação.
qui deviendront postérieurement base d’esthétique, d’impérialisme Porém, enganam-se aqueles que acreditam que na atualidade
des graines. De ce fait, en offrant et de négociation. Voilà donc, je há só controle do poder de miscigenação do pólen nos limites de
le pollen, Parehu était en train les ai toutes employées lorsque uma nação. Internamente cada país constrói também suas regras
d’offrir à Hatshepsut la virtualité j’ai décidé de partir de Brasília de trânsito entre os biomas. No Brasil, por exemplo, há rigorosa
de sa culture. Le prince devenait le 07 Novembre 2014, en expédi- regulamentação para o deslocamento de corpos vegetais entre os
ainsi complice de la guêpe qui, tion8 vers la forêt amazonienne Estados. Lembram quando disse que aprendi com a rainha Hatshepsut
avec le vagabondage propre et pour chercher et cueillir des técnicas políticas para o extrativismo vegetal, que incluem noções
inné à cet insecte, serait désor- feuilles géantes d’arbres cente- básicas de estética, imperialismo e negociação. Pois bem, usei-as
mais responsable de la féconda- naires9. J’ai dû présenter au Gou- todas quando decidi sair dia 07 de novembro de 2014, de Brasília,
tion de Put en Égypte. Il était vernement mes intentions et sol- em expedição8 à floresta Amazônica para procurar e colher folhas
temps de métissage. liciter à l’Institut Chico Mendes gigantes de árvores centenárias9. Precisei contar ao Governo sobre
Cependant, ceux qui croient de Conservation de la Biodiver- minhas intenções solicitando autorização para colher e transitar
qu’il n’existe, dans l’actualité, sité – ICMBio10, une autorisation com os corpos vegetais pelos municípios e estados ao Instituto Chico
uniquement le contrôle du pou- pour pouvoir cueillir et circuler Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio10.
voir de métissage du pollen aux avec des corps végétaux à travers Como artista, exógeno a área da biologia, foi penoso o caminho
limites d’une nation, se trompent. les municipalités et les états. até descobrir que deveria submeter a proposta de minha expedição
Internement, chaque pays établit Comme artiste, et exogène ao Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade – SISBIO.
également ses règles intérieures au domaine de la biologie, le O SISBIO é um sistema online que permite que pesquisadores solici-
tem autorizações para coleta de material biológico em unidades de
8  L’expédition a duré du 07 au 14 Novembre 2014.
9  Les feuilles géantes peuvent avoir jusqu’à 2,5 m de longueur comme celles qui ont 8  A expedição durou de 07 a 17 de novembro de 2014.
été identifiées par le spécialiste en floristique et phytosociologie Dr. Carlos Alberto Cid 9  As folhas gigantes podem chegar até 2,5 metros de comprimento como as já identi-
Ferreira, chercheur de l’Institut National de Recherches d’Amazonie – INPA. ficadas pelo especialista em florística e fitossociologia Dr. Carlos Alberto Cid Ferreira,
10  Le ICMBio, créé en 2007 par le décret de Loi 11.516, est une autorité fédérale sous pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - IMPA.
régime spécial en lien avec le Ministère de l’Environnement et qui intègre le Système 10  O ICMBio, criado em 2007 pelo decreto de Lei 11.516, é uma autarquia em regime
National de l’Environnement – Sisnama. Le ICMBio est chargé d’exécuter les actions especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio
du Système National des Unités de Conservation, pouvant proposer, mettre en place, Ambiente - Sisnama. Compete ao ICMBio executar as ações do Sistema Nacional de Unida-
gérer, protéger, contrôler et surveiller les unités de conservation mises en place par des de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as
l’Union. En plus de soutenir et d’exécuter des programmes de recherche, de protection, unidades de conservação instituídas pela União. Além de fomentar e executar programas
de préservation et de conservation de la biodiversité et excercer le pouvoir de la police de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de
environnementale en vue de la protection des Unités de Conservation fédérales. polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais.

194 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 195


parcours fût pénible jusqu’à ce entier. En possession de l’ICBN conservação federais e cavernas. Para adentrar no sistema SISBIO,
que je découvre que je devais sou- et avec l’aide d’une douzaine de e preencher os formulários que te torna um caçador de plantas, é
mettre la proposition de mon livres et de manuels de systéma- preciso conhecer as linhagens das espécies, seu filo. O filo, do grego
expédition au Système d’Auto- tique végétale, j’ai rempli tous les phylum, é um taxon usado na classificação científica dos seres vivos.
risation et d’Information en Bio- formulaires en devant préciser les No caso da vegetação o filo obedece ao International Code of Botanical
diversité – SISBIO. Le SISBIO espèces qui m’intéressaient. La Nomenclature – ICBN. Essa codificação é um conjunto de normas e
est un système en ligne permet- systématique est la science dont recomendações que governam a atribuição formal da nomenclatura
tant aux chercheurs de solliciter l’objectif est de faire l’inventaire binominal às espécies no âmbito da botânica.
pour la collecte de matériel biolo- et de décrire la biodiversité et de O código tem como objetivo assegurar que cada grupo de espécies
gique dans des unités de conser- comprendre les relations phylogé- tenha um único nome reconhecível e aceite em todo o mundo. De
vation fédérales et les cavernes. nétiques entre les organismes. Il posse do ICBN e com a ajuda de uma dúzia de livros e manuais de
Pour rentrer dans le système SIS- existe un souci croissant de faire sistemática vegetal preenchi todos os formulário tentando especificar
BIO, et remplir les formulaires en sorte que chaque espèce n’oc- as espécies que me interessavam. A sistemática é a ciência dedicada
qui te font devenir un chasseur cupe qu’une seule place dans ces a inventariar e descrever a biodiversidade e compreender as relações
de plantes, il est nécessaire de catégories. filogenéticas entre os organismos. Há uma preocupação para que
connaître les lignées des espèces, Pendant que je remplissais les cada espécie ocupe um único lugar nas categorias.
som phyum. Le terme grec phylum formulaires me sollicitant d’in- Enquanto preenchia os formulários que me solicitavam que eu
est un taxon utilisé dans la clas- diquer avec précision la famille, indicasse com precisão a família, a ordem, a classe e o filos de cada
sification scientifique des êtres l’ordre, la classe et le phylum espécie11 que fosse caçar, eu me recordava da complexa categoriza-
vivants, En ce qui concerne la de chaque espèce11 que je par- ção dos animais encontrada por Jorge Luis Borges em uma antiga
végétation, le phylum obéit au tais chasser, je me souvenais de e misteriosa enciclopédia chinesa intitulada de Empório Celestial
International Code of Botanical la complexe catégorisation des de Conhecimentos Benévolos. Nela lê-se que “sabidamente não há
Nomenclature - ICBN. Cette codifi- animaux rencontrée par Jorge classificação do universo que não seja arbitrária e conjectural”. Em
cation est un ensemble de normes Luis Borges dans une ancienne suas páginas está escrito que os animais se dividem em 14 catego-
et de recommandations qui gou- et mystérieuse encyclopédie rias, a saber: (a) pertencentes ao Imperador; (b) embalsamados; (c)
vernent l’attribution formelle de chinoise Compagnie Célestiale amestrados; (d) leitões; (e) sereias; (f) fabulosos; (g) cães vira-latas; (h)
la nomenclature binominale attri- des Connaissances Bénévoles. os que estão incluídos nesta classificação; (i) os que se agitam feito
buée aux espèces dans le domaine Dans laquelle on lit que « comme loucos; (j) inumeráveis; (k) desenhados com um pincel finíssimo de
de la botanique. il est su de tous, il n’existe point pelo de camelo; (l) et cetera; (m) os que acabaram de quebrar o vaso;
Le code a pour objectif d’as- de classification de l’univers qui (n) os que de longe parecem moscas.
surer que chaque groupe d’es- ne soit arbitraire et conjonctu- Ao me deparar com complexa categorização da teoria dos conjun-
pèces ait un seul et unique nom relle ». Sur ses pages, il est écrit tos pergunto-me se haveria também outra forma de agrupamento
reconnu et accepté dans le monde que les animaux se divisent das plantas12 além da proposta pelo ICBN. Era isso que esperava

11  D’après la classification des espèces em vigueur, les êtres vivants sont regoupés en 11  De acordo com a classificação das espécies vigente, os seres vivos são agrupadas em
genres. Les genres sont réunis, lorsqu’ils possèdent en commun quelques caractéris- gêneros. Os gêneros são reunidos, se tiverem algumas características em comum, formando
tiques communes, en formant une famille. Les familles, à leur tour, sont aggroupées uma família. Famílias, por sua vez, são agrupadas em uma ordem. Ordens são reunidas
en un ordre. Les ordres sont regroupés en classe. Les classes d’êtres vivants sont em uma classe. Classes de seres vivos são reunidas em filos. E os filos são, finalmente,
réunies en phylum. Et les phylum, pour finir, composent les cinq grands royaumes: componentes de alguns dos cinco reinos: monera, protista, fungi, plantae e animalia.
monera, protiste, fungi, plantae e animalia. 12  Tecnicamente, o nome de cada espécie de planta compreende duas palavras em latim.

196 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 197


en 14 catégories, à savoir : (a) autre que celle proposée par descobrir na expedição. Confrontar outros domínios. Redescobrir
ceux appartenant à l’Empereur; l’ICBN. C’était ce que je voulais o lugar do pitoresco aprendendo técnicas de enxerto.
(b) les animaux embaumés; (c) découvrir au cours de l’expédi-
ceux étant domestiqués; (d) tion. Affronter d’autres domaines. Expedição Outono
les cochons; (e) les syrènes; (f) Redécouvrir la place du pitto- Após o longo período de planejamento e solicitação de autorizações
les animaux fabuleux; (g) les resque en apprenant des tech- junto aos órgãos nacionais reguladores do trânsito dos corpos,
chiens-errants; (h) ceux qui son niques de greffe végétale. vegetais e humanos, a Expedição Outono13 sai de Brasília, rumo à
t inclus dans cette classification ; floresta Amazônica14. Situada na região norte da América do Sul, a
(i) ceux qui s’agitent comme des L’Expédition Automne Amazônia, que é considerada a mais importantes florestas tropicais
fous; (j) les inombrables; (k) ceux Après une longue période de pla- do mundo, possui no Brasil uma extensão de aproximadamente 5 mil
ayant été dessinés au pinceau très nification et la sollicitation des quilômetros quadrados, espalhados pelos estados do Acre, Amapá,
fin fait de poils de chameau; (l) et autorisations auprès des orga- Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.
cetera; (m) ceux qui viennent de nismes nationaux régulateurs Escolhemos como rota da expedição percorrer a parte da floresta
casser un vase; (n) ceux ressem- du transit des corps, végétaux et que corta o estado do Acre, prevendo a passagem por três cidades:
blant à des mouches quand ils se humains, l’Expédition Automne13 Cruzeiro do Sul, Rio Branco e Sena Madureira. Além de possuírem
trouvent à distance. a quitté Brasília, en route vers la significativo bioma da floresta Amazônica, a escolha pelo Estado e
Confrontée à cette complexe forêt Amazonienne14. Située dans os respectivos municípios justifica-se também pelo seu potencial
catégorisation de la téorie des la région nord d’Amérique du Sud, artistico-pedagógico. A Universidade de Brasília – UnB, na qual
ensembles, je me demandais s’il l’Amazonie, qui est considérée la também atuo como professor e coordenador pedagógico e de exten-
n’existait pas également une autre plus importante des forêts tro- são do curso de Licenciatura em Artes Visuais a distância15, possui
façon de regrouper les plantes12 picales du monde, possède au polos e alunos nessas cidades16. Assim, ao incorporar os estudantes

A primeira palavra denota o gênero ao qual pertence, a segundo a espécie. O gênero e a


12  Techniquement, le nom de chaque espèce de plante comprend deux mots en latin. espécie são seguidos pelo nome do(s) pesquisador(es) que descobriram o vegetal. O botâ-
Le premier mot dénote le genre auquel elle appartient, et le second, l’epèce. Le genre et nico sueco Carlos Lineu, abreviado como L. Lineu foi o inventor dessa classificação, até
l’espèce sont suivis du nom du(es) chercheur(s) ayant découvert la plante. Le botaniste hoje utilizada. Publicado em 1753 no seu livro Species Plantarum é tido como o ponto de
suédois Charles Linné, raccourci en L., a été l’inventeur de cette classification, em- partida para a categorização contemporânea.
ployée jusqu’à nos jours. Son système de classification a été publié en 1753, dans son 13  Participaram do projeto Expedição Outono Eudaldo Silva Lima Sobrinho (Mestrando
livre Species Plantarum, considéré la base du système de classification contemporain. do Programa de Pós-Graduação em Artes PPG-Artes / UnB) na função de designer e do-
13  Ont pris part au projet Expédition Automne Eudaldo Silva Lima Sobrinho (Étu- cumentação fotográfica, Renato Perotto Machado (Bacharel em Artes Plásticas - UnB/IdA/
diant en Master du Programme de 2nd Cycle en Arts Visuels PPG-Artes /UnB) avec la VIS), na função de videomaker e Marx Lamare Félix (Professor da Fundação GDF e Bacharel
fonction de designer et de documentaliste photographique, Renato Perotto Machado em Artes Plásticas - UFPB), na função de produtor executivo. Além deles cerca de vinte
(Diplomé en Arts Plastiques - UnB/IdA/VIS), dans la fonction de videomaker et Marx outros alunos do curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade a Distância da
Lamare Félix (Professeur de la Fondation GDF et diplômé en Arts Plastiques - UFPB), UnB que residiam nos referidos municípios do Acre também acompanharam a expedição.
chargé de la production exécutive. En outre, une vingtaine d’élèves du cours d’En- 14  O nome Amazônia surge em 1542, quando um dos primeiros exploradores europeus
seignement des Arts Visuels dans la modalité à distance ont également participé au no Brasil, o espanhol Francisco de Orellana, relatou um ataque a sua expedição por mu-
projet. lheres nuas que usavam arco e flecha. Orellana passou a chamá-las de amazonas, que na
14  Le nom Amazonie surgit em 1542, quando l’un des premiers explorateurs euro- mitologia grega eram as mulheres guerreiras que tinham o hábito de cortar os seios para
péens au Brésil, l’espagnol Francisco de Orellana, a rapporté une ataque à son expédi- melhor manejo de suas armas. Em grego, amazona significa sem seio.
tion par des femmes nues utilisant des arcs et des flèches. Orellana a commencé à les 15  O curso é semi-presencial, sendo organizado basicamente com aulas e atividades pela
appeler d’amazones, qui, dans la mythologie grecque, étaient des femmes guerrières internet (sistema Moodle) e encontros presenciais nos polos para aulas práticas e discussões.
qui avaient l’habitude de couper les seins de façon à mieux manier leurs armes. En 16  Além das três cidades supracitadas, Cruzeiro do Sul, Rio Branco e Sena Madureira,
grec, amazonie signifie sans sein. ofertamos curso para outras cidades do Acre: Acrelândia, Brasiléia, Feijó, Tarauacá e

198 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 199


Brésil une étendue d’environ 3,5 en incitant des expériences et des
millions de km², répandus entre réflexions analytiques dans l’uni-
les États du Acre, de l’Amapá, de vers esthétique et symbolique
l’Amazonas, du Pará, de Rondônia de l’écossystème dans lequel ils
et de Roraima. sont insérés. La collecte et l’her-
Nous avons choisi comme borisation de matériel botanique
route pour l’expédition de par- comme pratique complémentaire
courir la partie de la forêt qui à l’éducation peut se révéler être
coupe l’État du Acre, en plani- une puissante méthode d’ensei-
fiant de passer par trois villes : gnement-apprentissage. Mais
Cruzeiro do Sul, Rio Branco et en plus de sensibiliser à une
Sena Madureira. En plus de pos- conscience environnementale
séder un significatif biome de la et à la valorisation de la biodiver-
forêt amazonienne, le choix de sité d’une région donnée, étant
passer dans cet État et les muni- donné que les étudiants ont un
cipalités respectives est justi- contact direct avec la végétation
fié également par son potentiel locale et peuvent l’identifier, la Eu Não Te Contei Tudo que Sabia (2014) 130 × 90 cm. Ilha do Imperador (2014) 130 × 90 cm.
artistique et pédagogique. L’Uni- cataloguer et étudier ses usages
versité de Brasília – UnB, dans potentiels, sa conservation et sa
laquelle j’exerce également la multiplication, l’étude des biomes dessa região ao projeto Expedição Outono contribuímos com o
fonction de professeur, de coor- au travers de l’art doit impliquer desenvolvimento artístico dos docentes fomentando vivências e
dinateur pédagogique et coordi- surtout des réflexions au sujet des reflexões analíticas no universo estético e simbólico do ecossistema
nateur du programme ouvert du aspects esthétiques, symboliques, no qual estão inseridos. A coleta e herborização de material botânico
cours d’Enseignement des Arts historiographiques et anthro- como prática complementar na educação mostra-se como potente
Visuels à distance 15, possède pologiques de la flore pour une método de ensino-aprendizagem. Mas, para além do sensibilizar
des pôles et des élèves dans ces population donnée. para a consciência ambiental e valorização da biodiversidade de
villes16. Ainsi, en associant les En termes méthodologiques, uma dada região, uma vez que os estudantes tem contato direto com
étudiants de cette région au pro- dans chacune des trois villes a vegetação local podendo identificá-la, catalogá-la e estudar suas
jet Expédition Automne, nous où l’expédition est passée, on a potencialidades de uso, conservação e multiplicação, o estudo dos
avons contribué au développe- commencé par une réunion avec biomas pela arte deve envolver principalmente reflexões a cerca dos
ment artistique des enseignants les éléves de la municipalité. aspectos estéticos, simbólicos, historiográficos e antropológicos da
flora para um dado povo.
Em termos metodológicos, em cada uma das três cidades que
15  La formation est semi-présentielle, étant organisée principalement sur la base de
cours et d’activités sur Internet (système Moodle) et des rencontres présentielles dans a expedição passou começou-se com uma reunião com os alunos
les pôles pour les cours pratiques et les discussions. do município. O objetivo do encontro era (1) estudar os aspectos
16  Outre les trois villes supracitées Cruzeiro do Sul, Rio Branco et Sena Madureira, teóricos e históricos da arte e suas relações com a viagem e o ato
nous avons proposé la formation dans d’autres villes de l’État du Acre: Acrelândia,
Brasiléia, Feijó, Tarauacá et Xapuri. Nous avons également des pôles dans l’État de São
Paulo, dans les villes d’Itapetininga et Barretos, dans l’État de Minas Gerais, dans les Xapuri. Também temos polos no estado de São Paulo, nas cidades de Itapetininga e Bar-
villes de Buritis et Ipatinga et dans l’État de Goiás, dans la ville de Posse. retos, em Minas Gerais, nas cidades de Buritis e Ipatinga e em Goiás na cidade de Posse.

200 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 201


L’objectif de la rencontre était de vu que leurs branches n’était pas fotográfico contemporâneo e (2) mapear os rios e as matas locais a
(1) étudier les aspects théoriques accessibles à nos mains, ce qui fim de decidir as trilhas e os melhores estratégias de nosso percurso
et historiques de l’art et de ses rendait même difficile de les avoir expedicionário. Junto com a Marinha conseguimos as precisas car-
rapports au voyage et à l’acte pho- à la portée de nos désirs. Face à tas náuticas. Junto com os mateiros da região as fenomenológicas
tographique contemporain et de notre première cime de 30 mètres cartas de orientação sensível. Os mateiros são homens e mulheres
(2) repérer les fleuves et les forêts de haut, nous avons expérimenté que passam grande parte de sua existência no mato, possuem grande
locales afin de décider des sentiers notre premier faillite de l’expé- agilidade em orientar-se pelos caminhos labiríntico da vegetação
et des meilleures stratégies pour dition – le premier échec de l’au- selvagem e têm altas habilidades nas funções peculiares a esse meio,
notre parcours expéditionnaire. tomne qui existait en nous. Mais sabendo nomear, categorizar e consequentemente reconhecer as
Nous avons obtenu auprès de la n’est-ce exactement cela que la funções químicas, medicinais e espirituais das plantas. Orientados
Marine les cartes nautiques pré- rencontre avec le sublime ? Se pelo mateiro saímos em um grupo de aproximadamente doze pes-
cises. Avec les guides de la région, sentir petit face à l’immanent. Se soas para adentrar a floresta em busca das folhas gigantes. Parte do
appelés « mateiros », les phéno- sentir opprimé par la rencontre percurso fizemos de barco, outro tanto a pé.
ménologiques cartes d’orienta- avec l’impondérable qui trans- Andar a pé era importante para confrontar a escala do corpo com
tion sensible. Les mateiros sont cende les paradigmes humains. a escala da selva. Pela magnitude das árvores, a coleta de espécies
des hommes et des femmes qui Si, en latin, sublimis signifie ce arbóreas muitas vezes se tornava impossível, já que seus galhos não
passent une bonne partie de leur qui s’élève ou qui se tient en l’air, estão ao alcance das nossas mãos, o que as vezes inviabiliza até de
existence en forêt, possèdent nous l’expérimentions justement. estarem ao alcance de nossos desejos. Diante da primeira copa de
une grande agilité pour s’orien- Nous étions sensibles aux 30 metros experienciamos a primeira falência da expedição - o pri-
ter dans les chemins labyrin- aspects extraordinaires et gran- meiro fracasso do outono que havia em nós. Mas não é exatamente
thiques de la végétation sauvage dioses de la nature. Même avec la isso o encontro com o sublime? Sentir-se pequeno frente ao emi-
et possèdent de grandes habiletés sécurité du mateiro et les cartes nente. Sentir-se oprimido diante do encontro com o imponderável
dans les fonctions particulières à de navigation de la Marine, nous que transcende os paradigmas humanos. Se, do latim, sublimis é
ce milieu, en sachant nommer, étions immergés dans un environ- aquilo que se eleva ou que se sustenta no ar estávamos justamente
classer et, par conséquent, recon- nement hostil et mystérieux qui a experienciá-lo.
naître les fonctions chimiques, parvenait à projeter une atmos- Estávamos sensíveis aos aspectos extraordinários e grandiosos
médicinales et spirituelles des phère conflictuelle d’isolement da natureza. Mesmo com a segurança do mateiro e das cartas de
plantes. Orientés par le mateiro, même en étant en groupe. La den- navegação da Marinha estávamos imersos em um ambiente hostil
nous avons pénétré la forêt avec sité des feuillages et la hauteur e misterioso que conseguia projetar uma atmosfera conflituosa de
un groupe d’environ douze per- des cimes nous montrait l’inac- solidão mesmo estando nós em grupo. A densidade e altura das
sonnes à la recherche des feuilles cessibilité face à l’incommensu- copas nos mostrava a inacessibilidade diante do incomensurável,
géantes. Une partie du chemin fût rable, en provoquant un effroi provocando espanto inspirado pelo medo e respeito ao iminente.
en bateau, l’autre à pied. inspiré par la peur et le respect de Mas, nosso mérito era o de transcender o normal. Então, mesmo
Marcher à pied était impor- l’immanent. Nous avions cepen- com o respeito frente ao magnífico, colhemos as folhas gigantes
tant pour confronter l’échelle du dant le mérite de transcender la que queríamos.
corps à l’échelle de la jungle. Étant normalité. Ainsi, même avec le Arquivamos todos os exemplares vegetais colhidos em exsicata
donné la taille des arbres, la col- respect face au magnifique, nous de mais de dois metros. Foram um total de cinquenta e três. Porém,
lecte des espèces arborescentes se avons cueilli les feuilles géantes apesar de todos os cuidados técnicos que tivemos, orientados pelos
révélait très souvent impossible, que nous voulions. consultores biólogos e engenheiros florestais, significativa parte

202 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 203


Nous avons classé et archivé ancienne activité humaine, née das folhas gigantes apodreceram no caminho de volta até Brasília.
tous les exemplaires végétaux justement quand nous décidions Diferentemente de Hatshepsut meu jardim não ficou completo. O
cueillis dans une exsiccatae de d’imiter l’automne, en accélérant de imponderável mostrou-se. O controle não é absoluto.
plus de deux mètres de long. par notre désir le fait de posséder A Expedição Outono ocorreu em novembro, em plena primavera
Au total 53 exemplaires ont été quelque chose qui n’était pas encore no hemisfério sul, porém foi-lhe dada o nome de sua estação oposta;
recueillis. Pourtant, malgré tous tombée à terre naturellement. La o outono. Se é no primaveril onde as coisas se tornam fecundas e
les soins techniques entrepris, reine Hatshepsut pensait comme prontas para a cópula e miscigenação é no outonal que a falência,
sous l’orientation de nos consul- l’automne. Le prince Parehu agis- a fraqueza e a queda acontecem. No outono tudo hiberna - é tempo
tants biologistes et ingénieurs sait comme le printemps. de Morfeu; tudo despenca - é tempo de Ícaro. O extrativismo é por
des forêts, une bonne partie De par son caractère extracti- gênese um ato outonal. Antecedendo a agricultura, a pecuária e a
des feuilles géantes ont pourri viste, l’Expédition Automne peut industrialização o extrativismo é a mais antiga atividade humana e
pendant leur voyage de retour à être reliée à tant d’autres déjà réa- nasceu justamente quando decidimos imitar o outono, acelerando
Brasília. Au contraire de Hatshep- lisées au Brésil par des artistes por nosso desejo de ter algo que ainda não havia despencado natu-
sut, mon jardin n’était pas au com- voyageurs, dont la production se ralmente. A rainha Hatshepsut pensava como o outono. O príncipe
plet. L’impondérable s’est révélé. trouve directement en relation avec de Parehu agia como a primavera.
Le contrôle n’est pas absolu. l’acte de pérégriner. Depuis l’arri- Pelo seu caráter extrativista, a Expedição Outono conecta-se
L’Expédition Automne a eu lieu vée des premiers exporateurs au a tantas outras já realizadas no Brasil por artistas viajantes, cuja
pendant le mois de novembre, en XVI° siècle, des artistes voyageurs produção encontra-se diretamente relacionada ao ato de peregrinar.
plein printemps dans l’hémisphère ont été recrutés par les gouverne- Desde a chegada dos primeiros exploradores no século XVI, artistas
sud, mais elle a pourtant reçu le ments locaux afin qu’ils parcour- viajantes foram contratados pelos governos locais para percorrer o
nom de la saison opposée : l’au- rent le territoire national avec pour território nacional com o objetivo de registrar por meio de pinturas
tomne. Si c’est au printemps que objectif d’établir le registre, par le e desenhos a fauna, flora e os costumes dos povos que aqui viviam.
les choses deviennent fécondes biais de peintures et de deissins, Dentre os muitos artistas viajantes que passaram pelo país, cabe
et prêtes à la copulation et le de la faune, de la flore, et des cou- destacar Albert Eckhout (1610 — 1666), Frans Post (1612 — 1680) e
métissage, c’est en automne que tumes des peuples vivant ici. Parmi Jean-Baptiste Debret (1768 — 1848) que juntos produziram um dos
la faillite, la faiblesse et la chute les nombreux artistes voyageurs mais expressivos acervo iconográfico pitoresco17 do Brasil colônia.
surviennent. En automne, tout passés dans le pays, il convient de
hiberne – c’est le temps de Mor- citer Albert Eckhout (1610 — 1666),
17  O termo pitoresco foi construído no final do século XVIII e popularizado através da obra
phée; tout tombe à terre: c’est le Frans Post (1612 — 1680) et
de William Gilpin. Em seu Three Essays (1794), mais especialmente, em seu On Picturesque
temps de Icare. L’extractivisme est Jean-Baptiste Debret (1768 — 1848) Travel Gilpin o autor afirma que “a principal fonte de entretenimento do viajante pitoresco
de par sa nature et sa genèse un qui, ensemble, ont produit l’une é a perseguição de seu objetivo – a expectativa de novas cenas se abrindo e revelando-se
acte automnal. En précèdant l’agri- des plus expressives collections à sua visão. Pressupomos que a região seja inexplorada. Sob tais circunstâncias, a mente
é mantida num estado constante de agradável suspense. O amor pela novidade é o fun-
culture, l’élevage et l’industriali- iconographiques pittoresques17 du
damento desse prazer”. Se o pitoresco, do italiano pittoresco, é aquilo que é semelhante
sation, l’extractivisme est la plus Brésil colonial. ou feito como uma pintura, sendo uma expWeriência estética perambulante entre o belo
e o sublime. No entendimento europeu, o pitoresco era a forma preguiçosa de sintetizar
e reduzir toda experiência de visualidade não europeia em um único lugar. O pitoresco
17  Le terme pittoresque a été construit à la fin du XVIII° siècle et popularisé grâce à era uma forma selvagem de acomodar todo os mistérios do outro. Uma paisagem tida
l’oeuvre de William Gilpin. Dans son Three Essays (1794), mais surtout dans son On como pitoresca era aquela que seu observador era incapaz de vê-la em profundidade. Se
Picturesque Travel Gilpin, l’auteur affirme que la « principale source d’occupation du tivessem estudados os manuais de sistemática vegetal e International Code of Botanical
voyageur pittoresque est la poursuite de son objectif – l’attente de nouvelles scènes Nomenclature - ICBN saberiam diferenciar alhos e bugalhos.

204 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 205


Quelques siècles plus tard, la poétique de l’artiste voyageur
déjà dans l’actualité, l’art conti- dans la mesure où celà l’incite à
nue de s’intéresser au voyage réinterpréter son propre espace
comme méthode de recherche. quotidien à partir de l’expérience
S’aventurer dans des territoires vécue. Ainsi, en errant sans direc-
inconnus, ressignifier son propre tion au cours d’un voyage explora-
espace pratiqué quotidiennement toire, l’on sucite de nouvelles ren-
et s’exposer à l’autre sont des pré- contres, de nouvelles approches.
occupations récurrentes dans la Se perdre. Se retrouver. Voir. Être
pensée de beaucoup d’artistes vu. S’étonner. Étonner. Le devenir
contemporains qui goûtent à la du mouvement peut être l’oeuvre
dérive comme forme de pratique d’art ele-même. S’ouvrir au mou-
poétique. Des pratiques propres à vement, c’est transformer le quo-
l’acte du voyage expéditionnaire tidien limité en quotidien ouvert
comme la possibilité de la dérive, aux dimensions du monde. Sor-
du détour, de la rencontre avec tir de chez soi devient donc la
le pittoresque, de la confronta- recherche d’intersections uto- Vitória (2014) 50 × 70 cm políptico A. Proa (2014) 130 × 90 cm.
tion à l’autre avec ses mystères piques avec l’inconnu. Pour cela,
insondés, d’être étranger et de il est nécessaire d’être errant ou
perturber l’ordre local, stimulent être disposé à l’héberger chez soi.
Passados alguns séculos, já na atualidade, a arte continua man-
tendo interesse pela viagem como método de pesquisa. Aventurar-se
pelo território desconhecido, resignificar o próprio espaço praticado
cotidianamente e colocar-se em confronto com o outro são preo-
cupações recorrentes no pensamento de muitos artistas contem-
porâneos que experimenta a deriva como prática poética. Práticas
próprias ao ato da viagem expedicionária como a possibilidade da
deriva, do desvio, do encontro com o pitoresco, do confronto com o
outro com seus incógnitos mistérios, de ser forasteiro e perturbar
s’ouvrant et se révélant à sa vision. Supposons que la région soit inexplorée. Dans a ordem local estimulam a poética do artista viajante na medida em
de telles circonstances, l’esprit est maintenu dans un état constant d’un agréable que o instiga a reinterpretar o seu próprio espaço cotidiano com base
suspense. L’amour pour la nouveauté est le fondement de ce plaisir ». Si le pittoresque, na experiência vivida. Assim, andando sem rumo em uma viagem
de l’italien pittoresco, est ce qui est semblable ou qui est fait comme une peinture ou
exploratória suscita-se novos encontros, novas aproximações. Per-
un tableau, du fait d’être une expérience esthétique déambulant entre le beau et le
sublime. Dans la compréhension européenne, le pittoresque était la forme paresseuse der-se. Achar-se. Ver. Ser visto. Estranhar. Ser estranhado. O devir do
de faire la synthèse et de réduire toute l’expérience visuelle non européenne en un seul movimento pode ser a própria obra de arte. Abrir-se ao movimento
lieu. Le pittoresque était une forme sauvage d’accomoder tous les mystères de l’autre. é transformar o cotidiano limitado em cotidiano aberto às dimen-
Un paysage considéré comme pittoresque était celui que son observateur était inca-
sões do mundo. Sair de casa, então, transforma-se na procura por
pable d’observer en profondeur. S’ils avaient étudié les manuels de systématique végé-
tale et l’International Code of Botanical Nomenclature – ICBN, ils sauraient distinguer utópicas intersecções com o desconhecido. Para isso, é preciso ser
les torchons des serviettes (NdT : « alhos dos bugalhos » en portugais, deux végétaux). errante ou estar disposto a hospedá-lo em sua casa.

206 Poéticas I Christus Menezes da Nóbrega 207


GÊ ORTHOF

‘many-splendoured thing’ // ‘many-splendoured thing’ //


l’expérience Thompson a experiência Thompson
GÊ ORTHOF GÊ ORTHOF

]h[ L’expérience Thompson est un mémorial poétique sur une ]h[ A experiência Thompson é um memorial poético sobre
intervention, réalisée sur l’invitation du comissaire Raphael Fonseca, uma intervenção, a convite do curador Raphael Fonseca, intitulada:
intitulée: ‘many-splendoured thing’ à The Portico Library, à Manches- ‘many-splendoured thing’ na The Portico Library, Manchester, Reino
ter, au Royaume Uni, pendant le mois de juin 2016. Unido, durante o mês de junho de 2016.

]e[ D’après le comissaire: ]e[ Segundo o curador:

« Cette exposition traite également de l’histoire de Thomspon Vitor, étudiant “...Essa exposição é também sobre a história de Thomspon Vitor, estudante
brésilien. Tout a commencé à partir de la rencontre entre Gê Orthof et la brasileiro. Tudo começou com o encontro entre Gê Orthof e a notícia
nouvelle portant sur un jeune né dans la ville de Natal, capitale de l’état sobre um jovem nascido em Natal, capital do estado do Rio Grande do
du Rio Grande do Norte, qui avait été reçu en première place au concours Norte, que havia sido aprovado em primeiro lugar para o concorrido
très serré de l’Institut Fédéral d’Éducation. Ce qui attirait l’attention dans concurso do Instituto Federal de Educação. O que chamava a atenção
cette histoire est le fait que le jeune homme ait étudié à partir d’une série de na narrativa é que o rapaz estudou a partir de uma série de livros que
livres que sa mère, ramasseuse d’ordures, a rencontré sur ses trajets dans sua mãe, catadora de lixo, encontrou em seus percursos pela cidade. O
la ville. L’intérêt pour la lecture transmis par sa mère, en plus de l’amour incentivo à leitura, somado ao amor materno e à disciplina do estudante,
maternel et de la discipline de l’étudiant, ont rendu possible son appro- possibilitou sua aprovação – esta é uma versão (a mais midiatizada) dos
bation – voilà une version (la plus médiatisée) des récents faits de sa vie. recentes fatos de sua vida.

208 Poéticas I Gê Orthof 209


Lors de l’invitation qui nous a été faite, de dialoguer avec l’espace et Ao sermos convidados para dialogar com o espaço e a História da Portico
l’Histoire de la Portico Library, à Manchester, un espace de lecture Library, em Manchester, um espaço de leitura com mais de duzentos anos,
vieux de plus de deux-cents ans, ce Thompson est devenu embléma- este Thompson se tornou emblemático. Como criar pontos de contato
tique. Comment créer des points de contact entre les publications entre as publicações que foram resguardadas pelos bibliotecários da
qui ont été sauvegardées par les bibliothécaires de l’institution et les instituição e os livros passíveis de serem encontrados em uma esquina
livres passibles d’être rencontrés à un coin de rue du monde? Qu’est-ce do mundo? O que leva aos atos do descarte e do resguardo? O nome de
qui mène à l’acte de se défaire de quelque chose ? Et de le sauvegar- nosso ponto de partida se tornou uma pequena obsessão – quais outras
der ? Le nom de notre point de départ est devenu une petite obses- pessoas que possuem o seu mesmo nome estariam presentes na coleção
sion – quelles autres personnes possédant le même nom que vous da Portico Library?...1
se traouveraient présents dans la collection de la Portico Library?...1
]r[ Minha paisagem começa pela página impressa do jornal: um
]r[ Mon paysage commence par la page imprimée du journal: un beijo avassalador de uma mãe em seu filho. Olhei aquela imagem
baiser intense d’une mère à son fils. J’ai regardé cette image comme como olhei Veneza pela primeira vez. Que imagens são essas que
lorsque j’ai vu Venise la première fois. perfuram a cada piscar? Que aceleram furiosamente em direção
Quelles sont ces images qui nous percent à chaque clin d’oeil? Qui à medula, como um trem britânico, sharp as a tack!?2 Esse tipo de
accélèrent furieusement en direction de la moelle épinière, comme imagem nunca mais te abandona, ela não desbota, ao contrário, cria
un train britannique, sharp as a tack!?2 Ce type d’image ne t’aban- poeira, gruda, para dentro, para além da retina. Assim foi Veneza,
donne plus jamais, ele ne décolore pas, au contraire, elle prend de assim foi com o jovem Thompson Vitor e sua mãe Rosângela.
la poussière, colle, de l’intérieur, au delà de la rétine. C’est ainsi que
cela s’est passé à Venise, et de même avec le jeune Thompson Vitor
et sa mère Rosângela.

1  Disponible sur: <http://gabinetedejeronimo.blogspot.com.br/2016/07/many-splen- 1  Disponível em: <http://gabinetedejeronimo.blogspot.com.br/2016/07/many-splen-


doured-thing.html>. (consulté le 31/07/2016). doured-thing.html>. Acesso em: 31 jul. 2016.
2  Aiguisé comme une punaise como uma tachinha! (expressão idiomática) 2  Afiado como uma tachinha! (expressão idiomática)

210 Poéticas I Gê Orthof 211


]e[ Ce paysage-récit traite d’une fable ]e[ Essa paisagem-relato trata de um fabular
et aussi d’un e também de um
complotage confabular
du réel do real

]c[ Thompson Vitor, à l’âge de 15 ans, embarque dans un train dans ]c[ Thompson Vitor, aos 15 anos, ingressa em um trem no Rio
l’état du Rio Grande do Norte, il ne le sait pas, mais son débarquement Grande do Norte, ele não sabe, mas seu desembarque somente acon-
n’aura lieu que 7285 km plus loin, à Manchester, au Royaume Uni. Le tecerá 7285 Km adiante, em Manchester, Reino Unido. O trem passa
train passe en sifflant sur la plate-forme de la station. Arrêté sur les apitando pela plataforma da estação. Parado na plataforma, meu
quais, mon oreille résonne avec le sifflement de 450 Hz. Je suis entrainé ouvido zumbe com a frequência do silvo de 450Hz. Sou arrebatado
par l’effet doppler. Du pure vertige, je ne décodifie plus le paysage. pelo efeito doppler. Pura vertigem, não decodifico mais a paisagem.

]o[ Quand je retrouve mon précaire équilibre, d’immédiat, et ]o[ Quando retorno ao precário equilíbrio, de imediato e por
par pure habitude, je note dans mon petit calepin (que j’oublie, par puro hábito, anoto em minha pequena caderneta (que, por distração,
la suite, par distraction, sur le banc de la plate-forme): esqueço, em seguida, no banco da plataforma):
temps du fils tempo do filho
la mère a mãe
une ramasseuse d’ordures uma coletora
livres livros
larves larvas
ordures lixo
lavent/mènent/louent lavam//levam//louvam
thomp thomp

son sommeil seu son o


son destin sua sin a
son rêve seu sonh o
notre insomnie voyelles a  e  ai  nossa in sonia vogais a  e  ai 

ancestrales ancestrais

la mère rê  ve a mãe son  ha


en secret em segredo
des thomp  son  ets thomp  son  etos
Byron, Keaton [parmi d’autres] il a lu Byron, Keaton [entre outros] ele leu

“the many-splendoured thing” écrit “the many-splendoured thing” escreveu

212 Poéticas I Gê Orthof 213


]m[ ainsi commence une intervention dans une bibliothèque de ]m[ assim começa uma intervenção em uma biblioteca de livros
livres rares. Arrosée de thé, en un seul fil, sur um même rail, une pos- raros. Regada a chá, em um só fio, em um mesmo trilho, uma possível
sible connexion entre deux îles aussi distantes: la fine pluie de Manches- conexão entre duas ilhas tão distantes: A fina chuva de Manchester e
ter et l’impitoyable soleil noir de la région nord-est du Brésil; de livres o impiedoso sol nordestino; de livros destinados ao lixo, coletados por
destinés à la poubelle, ramassés par une mère, lus par son fils, recueillis uma mãe, lidos por seu filho, coletados por um repórter, lido por mim,
par un reporter, lu par moi-même, saisi par un commissaire et lu James coletado por um curador e lido James Moss, diretor de galeria. Um trem
Moss, directeur de galerie. Un train furieux, un Voyage, entre mondes, furioso, uma voyage, entre mundos, entre livros preciosos e banais. Por
entre livres précieux et banals. Par la plus asolue distraction, un fil se mais pura distração, um fio se desenrola em flash: lembro de Morte e
déroule en flash: je me rappelle de Morte e vida Severina, un autre livre vida Severina, outro livro Veneza-submerso, Titanic, trem submarino.
Venise-soumergé, Titanic, train sous-marin. 20.000 lieues (que j’ai plas- 20.000 léguas (que encadernei, em milimétrica costura, com meu pai,
tifié, dans une couture milimétrique, avec mon père, encore enfant, plus ainda menino, mais novo que Thompson). Essas famosas léguas do capitão
jeune que Thompson). Ces célèbres lieues du Capitaine Némo sont, en Nemo são, de fato, milhas náuticas, que totalizam a área da superfície da
fait, des milles nautiques, qui totalisent la surface de la superficie de la Terra como sendo de 37,657,000 milhas quadradas ou 129,160,000 km².
Terre comme étant de 37,657,000 milles carrées ou 129,160,000 km². Julio Verne, João Cabral e Francis Thompson – o poeta de Manchester:
Jules Verne, João Cabral et Francis Thompson – le poète de Manchester:
O world invisible, we view thee,
O world invisible, we view thee, O world intangible, we touch thee,
O world intangible, we touch thee, O world unknowable, we know thee,
O world unknowable, we know thee, Inapprehensible, we clutch thee!
Inapprehensible, we clutch thee! Does the fish soar to find the ocean,
Does the fish soar to find the ocean, The eagle plunge to find the air—
The eagle plunge to find the air— That we ask of the stars in motion
That we ask of the stars in motion If they have rumor of thee there?
If they have rumor of thee there? …
… The angels keep their ancient places—
The angels keep their ancient places— Turn but a stone and start a wing!
Turn but a stone and start a wing! ‘Tis ye, ‘tis your stranged faces,
‘Tis ye, ‘tis your stranged faces, That miss the many-splendored thing.3
That miss the many-splendored thing.3
3  THOMPSON, Francis. The Kingdom of God. [1880?].
3  THOMPSON, Francis. The Kingdom of God. [1880?].

214 Poéticas I Gê Orthof 215


]e[ Autant de mer, peu d’air... poèmes de traversées, d’exil, ]e[ Tanto mar, pouco ar... poemas de travessias, de exílio,
tempêtes, se réveiller dans une autre langue, un autre paysage: les tempestades, acordar em outra língua, outra paisagem: Himalaias.
Himalayas. Je désaccélère, je descends à cette station, J’aspire: mirage Desacelero, desço nessa estação. Aspiro: miragem ... paisagem ...
... paysage ... pays. Nous sommes combien de Thompson, combien país. Somos quantos Thompson, quantos filhos do tempo nessa
d’enfants du temps sur cette plate-forme? plataforma?

« ...De sa beauté “...De sua formosura


laissez-moi que je vous dise: deixai-me que diga:
il est aussi beau qu’un oui é tão belo como um sim
dans une salle négative. numa sala negativa.
Beau car il est une porte Belo porque é uma porta
s’ouvrant en davantage de sorties abrindo-se em mais saídas.
beau comme l’objet nouveau Belo como a coisa nova
sur l’étagère jusqu’alors vide. na prateleira até então vazia.

De sa beauté De sua formosura


laissez-moi que je vous dise: deixai-me que diga:
Beau comme l’objet nouveau Belo como a coisa nova
sur l’étagère jusqu’alors vide. na prateleira até então vazia.
Comme tout ce qui est nouveau Como qualquer coisa nova
Inaugurant sa journée. inaugurando o seu dia.
Ou comme le cahier nouveau Ou como o caderno novo
Lorsqu’on l’inaugure... »4 quando a gente o principia...”4

]s[ Détour [1]: Il est important de noter que malgré le début ]s[ Desvio [1]: Importante notar que apesar do iminente início do
iminent de l’été, il pleuvait et il faisait froid à Manchester. Les bri- verão, chovia e fazia frio em Manchester. Os britânicos afirmavam:
tanniques affirmaient: Dans un mois il fera beau et chaud. Cette Em um mês fará sol e calor. Essa informação não se confirmou. Por
information ne s’est pas confirmée. Du fait de cette simple raison essa singela razão (do erro) instalei uma caixinha de música com a
(de l’erreur) j’ai installé une boîte à musique avec la mélodie de “Here melodia “Here comes the sun” na escada da biblioteca, na exata direção
comes the sun” sur les escaliers de la bibliothèque, dans la direction cardeal de Liverpool (que fica à 49 minutos de distância pela East
cardinale exacte de Liverpool (qui se trouve à 49 minutes de dis- Midlands Trains. Nesse dia descobri que o próximo trem partia às
tance avec East Midlands Trains. Ce jour-là j’ai découvert que le 17h52 e, naturalmente, estava no horário). Sim a Inglaterra é uma
prochain train partait à 17h52 et, naturellement, il était à l’heure). grande engrenagem onde os trens não falham, mas o sol sim. Foi
Oui, c’est vrai, l’Angleterre est un gros engrenage où les trains ne Thompson que me ensinou.
défaillent pas, mais le soleil, quant à lui, oui. C’est Thompson qui
me l’a enseigné.

4  Trecho recordado de memória, do poema Morte e vida Severina, de João Cabral de 4  Trecho recordado de memória, do poema Morte e vida Severina, de João Cabral de
Melo Neto. Melo Neto.

216 Poéticas I Gê Orthof 217


]t[ Détour [2]: Une brève utopie de soleil, de Beatles, d’espoir, ]t[ Desvio [2]: Uma breve utopia de sol, de Beatles, de esperança,
cette qualité qui oriente toute l’expérience Thompson - Yeah Yeah essa qualidade que norteia toda a experiência Thompson - Yeah Yeah
Yeah. Yeah.

“...Here comes the sun “...Here comes the sun


Here comes the sun Here comes the sun
And I say And I say
It’s all right It’s all right

Little darling Little darling


It’s been a long cold lonely winter It’s been a long cold lonely winter
Little darling Little darling
It feels like years since it’s been here It feels like years since it’s been here
Here comes the sun Here comes the sun
Here comes the sun Here comes the sun
And I say And I say
It’s all right It’s all right

Little darling Little darling


The smiles returning to the faces The smiles returning to the faces
Little darling Little darling
It seems like years since it’s been here It seems like years since it’s been here
Here comes the sun Here comes the sun
Here comes the sun Here comes the sun
And I say And I say
It’s all right It’s all right

Sun, sun, sun, here it comes Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes Sun, sun, sun, here it comes

Little darling Little darling


I feel that ice is slowly melting I feel that ice is slowly melting
Little darling Little darling
It seems like years since it’s been clear It seems like years since it’s been clear
Here comes the sun Here comes the sun
Here comes the sun Here comes the sun

218 Poéticas I Gê Orthof 219


And I say And I say
It’s all right It’s all right
Here comes the sun Here comes the sun
Here comes the sun Here comes the sun
It’s all right It’s all right
It’s all right5 It’s all right5

]h[ Détour [3]: la chose la plus splendide désire, avec ardeur: ]h[ Desvio [3]: a coisa mais esplendorosa deseja, ardorosamente:

le hasard + o acaso +
l’effroi + o espanto +
+ la reencontre + o encontro
+ le mystère. + o mistério.

]e[ Em reprenant: La bibliothèque est une dame anglaise et ]e[ Retomando: A biblioteca é uma senhora inglesa e velha que
vieille qui rêve (de paysages tropicaux et de journées ensoleillées, sonha (com tropicais paisagens e dias ensolarados, regados à rum
arrosés au rhum et au ice tea, um roman quelconque, peut-être un e ice tea, algum romance, talvez um sonho erótico com o moreno
rêve érotique avec le type brun sauvage qui la visite discrètement et selvagem que a visita discreta e pontualmente às terças, quando a o
ponctuellement les mardis, quand les lieux sont plus déserts. Per- local está mais vazio. Ninguém, senão Thompson, percebe, que suas
sonne, autre que Thompson ne s’aperçoit que ses joues blanches alvas bochechas esquentam 5ºC e sua pálida tez cora. Ela disfarça e
chauffent de 5ºC et que son teint clair rougit. Elle tente de le dissi- sorve mais um gole de chá, respira fundo, olha ao redor e vê todos
muler en prenant une gorgée de plus de thé, respire profondément, os autores Thompson sinalados por vibrantes placas de verde neon.
regarde autour de soi et voit tous les auteurs Thompson indiqués Selva feita de muitos artifícios no coração da cidade operária e punk.

5  HARRISON, George. Here comes the sun. Intérprete: The Beatles. 1969. 5  HARRISON, George. Here comes the sun. Intérprete: The Beatles. 1969.

220 Poéticas I Gê Orthof 221


par de vibrants panneaux vert fluo. Jungle faite de beaucoup d’ar- Naquelas prateleiras, naquela estação, muitos trens e Thompson
tifices dans le coeur de la ville ouvrière et punk. Sur ces étagères, se conectam. Abismos geopolíticos e históricos se emaranham pela
dans cette station, beaucoup de trains et de stations se connectent. coleta primeira de Rosângela. Da rua para a boca, para casa pela
Des abîmes géopolitiques et historiques se mêlent grâce au ramas- palavra, pelo beijo. De lá para a biblioteca de livros raros. Suspensão
sage primordial de Rosângela. De la rue à la bouche, vers la maison em Thompson, tropical sol da liberdade.
pour les mots, pour le baiser. De là-bas vers la bibliothèque de livres
rares. Suspension chez Thompson, tropical soleil de la liberté. ]s[ Agora os livros voltaram ao seus lugares, o verão vai deixando
a estação. Os vagões encaixados em suas organizadas seções.
]s[ Maintenant les livres ont repris leur place, l’été quitte la
station. Les wagons emboîtés dans leur sections organisées. ]u[ Na Portico existe uma seção “voyages and travels”, lá desco-
brimos que, aparentemente sinônimos, os gêmeos se distanciam
]u[ Chez Portico, il existe une section “voyages and travels”, pela duração da viagem: longa ou curta. Quando conseguimos nos
nous y avons découvert que, apparemment synonymes, les jumeaux distanciar o suficiente para desentender o essencial? Como aferir?
s’éloignent par la durée de leur voyage : longue ou courte. Quand Uma ida até o portão de casa se constitui em uma viagem? O que
parvenons-nous à nous éloigner suffisamment pour laisser de com- acomodar na valise: Um sotaque, um soluço?
prendre l’essentiel? Comment l’évaluer? Une allée jusqu’au portail
de la maison constitue-t-elle un voyage? Que mettre dans as valise:
Un accent, un hoquet?

222 Poéticas I Gê Orthof 223


]n[ voyages and travels ]n[ voyages and travels

nous croyons nós acreditamos


qu’un livre est un objet-mutant-sous-tension-continue que um livro é um objeto-mutante-em-tensão-contínua

[toujours en une suspension dans le vide] [sempre em uma suspensão no vazio]



le feuilleté de ses pages o folhear de suas páginas

[ainsi que des vagues] [assim como as ondas]


fonction infinie de réécrire função infinita de reescrever
[révéler et effacer] [revelar e apagar]
toute certitude... qualquer certeza...

pour recevoir un nouveau jour para receber um novo dia


et, qui sait, le soleil. e, quem sabe, o sol.

]here comes the sun[ ]here comes the sun[

224 Poéticas I Gê Orthof 225


GRUPOS DE PESQUISA

226 Poéticas I  227


Escritos & Ditos Escritos & Ditos
PRÉSENTATION APRESENTAÇÃO

C’est à l’écoute de la parole des artistes que travaille le groupe FORMATION 2018 A partir das palavras dos artistas, o grupo Escritos e Ditos FORMAÇÃO 2018

Escritos e Ditos (dits et écrits d’artiste) qui réfléchit sur la Conception et Coordination vem refletindo sobre a prática artística, ou seja, sobre Concepção e Coordenação
Iracema Lecourt Iracema Lecourt
manière dont l’artiste développe sa pratique à l’atelier, sur o modo como os artistas trabalham em seus ateliês, as
Gestion de l’Information Gestão de Informação Digital
les relations qu’il établit avec d’autres domaines de connais- Digitale relações que estabelecem com outros domínios de co- Christus Nobrega
Christus Nobrega (PPGArte-UnB)
sance, les différentes articulations qu’il crée entre les anciens (PPGArte-UnB) nhecimento, as diversas articulações que fazem entre
Pesquisadores associados
savoir-faire et les nouvelles technologies, de même que sur Membres associés antigos savoir-faire e novas tecnologias, e sobre os modos Christophe Viart
Christophe Viart (Paris 1: Sorbonne-Pantheon)
la façon dont il arrive à insérer son travail dans la société. 

 (Paris 1: Sorbonne-Pantheon) de inserção de suas produções na sociedade. Karina Dias
A l’occasion de la rencontre Poétique I le groupe de Karina Dias Na ocasião do encontro Poéticas I, o grupo de pes- Pedro Andrade Alvim
Pedro Andrade Alvim (PPGArte-UnB)
recherche avait tout juste un an d’existence, il comptait (PPGArte-UnB) quisa Escritos e Ditos havia sido criado há apenas um Marcos Aurélio Fernandes
Marcos Aurélio Fernandes (PPGFil-UnB)
en son sein avec les trois premières étudiantes, ayant (PPGFil-UnB) ano, e contou com o trabalho das três primeiras alunas
Estudantes
obtenu le diplôme de graduation, qui étaient associés au Etudiants de graduação de PIBIC – Gisele Lima, Jaline Pereira e Jaline Pereira
Jaline Pereira Gisele Lima Rocha
projet CNPq-PIBIC : Gisele Lima, Jaline Pereira et Sara Gisele Lima Rocha
Sara Nascimento – do novo Curso de Teoria Crítica e Sara Nascimento
Nascimento – venant toutes trois du nouveau Cours de Sara Nascimento História da Arte, do Departamento de Artes Visuais da (PIBIC-CNPq 2015-16)
(PIBIC-CNPq 2015-16) Lucas Josijuan
Théorie Critique et Histoire de l’Art donné au Départe- Lucas Josijuan Universidade de Brasilia. Tiago Moreira
Tiago Moreira (PIBIC-CNPq 2016-17).
ment des Arts Visuels de l’Université de Brasilia. (PIBIC-CNPq 2016-17). As ações do grupo têm possibilitado aos estudantes Giovanna C. Araújo Palatucci
Les actions du groupe Escritos e Ditos ont contribué à Giovanna C. Araújo Palatucci realizar atividades diversificadas, relacionadas tanto Ana Cláudia L. da Cruz Nobre
Ana Cláudia L. da Cruz Nobre Monike Cardoso de Souza
diversifier les activités des étudiants et, outre une pensée Monike Cardoso de Souza ao pensamento mais teórico da arte, como aconteceu (PIBIC/ CNPq 2017-18)
(PIBIC/ CNPq 2017-18)
plus théorique au sujet de l’art qui s’exprime à l’occasion no encontro Poéticas I , quanto às atividades técnicas
www.escritoseditos.com
de la rencontre Poétique I, d’autres activités plus spéci- www.escritoseditos.com específicas do meio da arte – organização, produção,
fiques relatives au milieu de l’art se sont développées, pesquisa, gravação, fotografia, tratamento de imagens,
entre autres, l’organisation, la production, la recherche, montagem de vídeos, divulgação, entre outras. Tais ações
l’enregistrement d’image, le traitement des images, l’en- vêm reforçando para todos a importância do trabalho
registrement des vidéos, la communication. Ces actions realizado em grupo no meio das artes visuais – artista,
renforcent l’importance du travail diversifié accompli pesquisador, curador, crítico, produtor, montador de
dans le milieu des arts visuels – travail de l’artiste, du exposição, divulgador, fotógrafo.
chercheur, du conservateur, du critique, du producteur, du De lá pra cá, o grupo Escritos e Ditos formou 5 alunos
commissaire d’exposition, du divulgateur, du photographe.
 de PIBIC e realizou 10 entrevistas, gravadas em supporte
Depuis le début, en 2015, le groupe Écrit et Dit a formé vídeo, disponibilizadas em seu site-web.
5 étudiants de PIBIC et accompli 10 entretiens enregis-
trés sur le support vidéo, disponibles sur le web-site.

228 Poéticas I 229


GISELE LIMA RO CHA

La place de l’artiste professeur, O lugar do trabalho da artista


Karina Dias professora, Karina Dias
GISELE LIMA ROCHA GISELE LIMA ROCHA

« Je propose de penser les espaces de la paysage. Ce sont des questions “Proponho pensar os espaços da rotina, que acreditamos conhecer tão
routine, que nous croyons connaître sur lesquelles l’artiste profes- bem, a partir de um movimento do olhar que se configura como um atra-
aussi bien, à partir d’un mouvement seure Karina Dias enquête poé- vessamento do mundo, nos revelando novas percepções espaciais. Nessas
du regard qui se configure comme une tiquement, en prenant le paysage ocasiões, a paisagem se encontraria, a todo momento, no limiar da visão,
traversée du monde, nous révélant comme temps et espace d’expé- entre a possibilidade de ser ou não percebida, de passar do estado de
de nouvelles perceptions spatiales. rience et de réflexion. Sa produc- não-visão para a visão. Ela estaria lá sempre na iminência de aparecer,
Lors de ces occasions, le paysage se tion est donc reconstruction et à espera de que o observador ultrapasse os limites que a camuflam.”1
retrouverait, à tout moment, à la li- réorganisation d’expériences/
sière de la vision, entre la possibilité paysages. Manter-se atento ao mundo. Olhar com frescor o meio em que nos en-
d’être perçu ou de ne pas être perçu, Ses travaux, en tant que lan- contramos. Conservar o olhar curioso do viajante ainda que estejamos
de passer de l’état de non-vision vers guage, traitent de l’intervention postos no cotidiano. Permitir que o comum se faça paisagem. São questões
l’état de vision. Il serait là, toujours urbaine, de la photographie et la que a artista professora Karina Dias investiga poeticamente, tomando a
dans l’iminence d’apparaître, dans vidéo-art. Cependant, l’artiste dit paisagem como tempo e espaço de experiência e reflexão. Sua produção
l’attente que l’observateur dépasse les aujourd’hui être distante de l’in- é, portanto, reconstrução e reorganização de experiências/ paisagens.
limites qui la camouflent. »1 tervention urbaine, étant donné Enquanto linguagem os seus trabalhos abrangem a intervenção
le fait d’avoir trouvé dans la vidéo urbana, a fotografia e a vídeo-arte. Porém, a artista diz hoje estar
Se maintenir attentif au monde. et la photographie une forme distante da intervenção urbana. Pois encontrou no vídeo e na foto-
Regarder avec fraîcheur le milieu d’extension du regard. Ces res- grafia uma forma de extensão do olhar. Estes recursos técnicos a
dans lequel nous nous trouvons. sources techniques lui permettent permitem explorar a memória visual, criando imagens como artifícios
Conserver le regard curieux du d’explorer la mémoire visuelle, para a rememoração daquilo que lhe foi precioso ao olhar.
voyageur même si nous sommes en créant des images comme des A ideia do viajante está sempre presente na produção poética
inscrits dans le quotidien. Per- artifices pour remémorer ce qui de Karina Dias. Seja enquanto método, pela viagem em si, isto é,
mettre que le commun se fasse lui a été précieux au regard. pelo deslocamento espacial do artista pelo mundo. Ou em permitir

1  DIAS, Karina. Entre visão e invisão: paisagem [por uma experiência da paisagem no 1  DIAS, Karina. Entre visão e invisão: paisagem [por uma experiência da paisagem no
cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de pós-graduação em artes/VIS Universidade de cotidiano]. 1. ed. Brasília: Programa de pós-graduação em artes/VIS Universidade de
Brasília, 2010. Brasília, 2010. p. 113.

230 Poéticas I Gisele Lima Rocha 231


se surpreender com a paisagem ordinária, cotidiana, mantendo
olhar vigilante do viajante, tornando a vivencia da paisagem uma
experiência intima.
À vista disso, seus trabalhos possuem dois momentos de feitura.
O momento do espaço exterior e o momento do retorno ao espaço
interno, do ateliê. O primeiro momento, o do espaço exterior, seria
o momento do da viagem, quando acontece a observação do espa-
ço/paisagem e da captura das imagens. Segundo a própria artista,
é nesse momento, no espaço fora, aonde o trabalho acontece com
maior potência. É aonde acontece o embate, de quem olha com o
local a ser mirado. O segundo momento, o de retorno do espaço
exterior, seria a etapa do trabalho em ateliê. Onde acontece a edição
e o tratamento dos vídeos e fotos.
Esses dois momentos exigem tempos diferentes. O espaço exte-
Figura 1 Exposição Sobre Cumes - Karina Dias. Brasília, Galeria Alfinete, 2016. rior demanda uma duração maior, é o tempo/espaço da experiência.
Fotografia Escritos&Ditos. É nesse período quando acontecem a viagem e o enfrentamento
Figure 1 Exposição Sobre Cumes (Exposition sur des Cimes) - Karina Dias. Brasília,
Galeria Alfinete. 2016. Photographie: Escritos&Ditos. direto da artista com o trabalho. Durante esse processo que Karina
Dias enxerga o lugar, é no enxergar que o trabalho se faz. Seja ele a
cidade, a montanha, o deserto ou o mar. A artista faz várias visitas
L’idée du voyageur est tou- voyage; moment où a lieu l’obser- aos seus locais de pesquisa, e realiza longas observações até de fato
jours présente dans la production vation de l’espace/paysage et de enxergar o lugar.
poétique de Karina Dias. Que ce la capture des images. D’après la Nesse momento que acontece o contato com os transeuntes, com
soit en tant que méthode, pour le propre artiste, c’est à ce moment, as intempéries climáticas, problemas técnicos, com o acaso e com o
voyage en lui-même, c’est-à-dire, dans l’espace extérieur, où le tra- mundo. A viagem ao espaço exterior é o trabalho de campo.
pour le déplacement spatial de vail a lieu avec une plus grande A artista associa o processo de filmar e de fotografar com o
l’artiste dans le monde. Ou de se intensité. C’est le lieu où sur- arco e flecha. A ação de lançar um olhar preciso para um ponto
permettre d’être surpris avec le vient la confrontation, de celui do lugar paisagem, como uma flecha vai de encontro ao seu alvo.
paysage ordinaire, quotidien, en qui regarde et du lieu observé. Le Também ressalta a diferença como esses processos se dão dife-
maintenant le regard vigilant du second moment, celui du retour rentemente na cidade e na natureza. Na cidade essa atitude cria
voyageur, en rendant le vécu du de l’espace extérieur, serait l’étape uma noção de perímetro, um espaço que se constrói pela presença
paysage une expérience intime. du travail en atelier. C’est le lieu da câmera que de alguma maneira sinaliza um acontecimento.
Compte tenu de ce qui pré- où est réalisé le travail d’édition A movimentação dos equipamentos de fotografia e filmagem
cède, ses travaux possèdent et de traitement des vidéos et des na cidade, geram então curiosidade, vigilância. Muitas vezes
deux moments de production. photos. interferências e até o impedimento que o trabalho seja feito.
Le moment de l’espace extérieur Ces deux moments exigent des “Uma câmera no meio da cidade é uma arma”.2
et le moment du retour à l’espace temps différents. L’espace exté- Já em um ambiente de natureza o processo se dá de outra
interne, celui de l’atelier. Le pre- rieur demande une plus longue maneira. É preciso que a artista se adapte as condições do lugar,
mier moment, celui d’espace durée, c’est le temps/espace de
extérieur, serait le moment du l’expérience. C’est pendant cette 2  DIAS, K. Entrevista a Iracema Barbosa. Escritos&Ditos de artistas, Brasília, 2016.

232 Poéticas I Gisele Lima Rocha 233


période que s’effectue le voyage alors curiosité, vigilance. Très possibilitando a realização das imagens. Questões como a luz so-
et l’affrontement direct de l’ar- souvent, surviennent des inter- lar, as nuvens, a chuva, as interferências climáticas em geral, são
tiste avec son travail. Pendant férences et même des empêche- fatores complicadores do trabalho. Assim como as interferências
ce processus où Karina observe ments pour la réalisation du tra- humanas que nesses ambientes comumente se dão por passantes
le lieu, c’est dans ce regard porté vail. « Une caméra en plein milieu desavisados. Pois diferentemente da cidade, na natureza a pre-
que le travail s’effectue. Que ce de la ville est une arme2 ». sença da câmera não constitui uma área delimitada que repele,
soit la ville, la montagne, le Alors que dans un environne- colocando as pessoas em alerta.
désert ou la mer. L’artiste fait ment naturel, le processus s’ef-
plusieurs visistes dans ses lieux fectue de façon différente. Il est “Num espaço de natureza, caminhar quatro
de recherche, et réalise de longues nécessaire que l’artiste s’adapte horas para chegar em um lugar e filmar. Você
observations jusqu’à ce qu’elle aux conditions du lieu, en ren- pode ter alguém que está caminhando antes de
puisse, de fait, voir le lieu. dant possible la réalisation des você ou depois de você. E de repente ela passa
C’est en ce moment que sur- images. Des questions comme pelo seu caminho, em um momento que você
vient le contact avec les passants, l’éclairage naturel, les nuages, não precisava daquela pessoa”.3
avec les intempéries climatiques, la pluie, les interférences clima- Figura 2 Making of. Entrevista Karina
les problèmes techniques, avec tiques en général, sont des fac- Dias. 2016. Fotografia Escritos&Ditos. A volta do espaço externo para o espaço
Figura 2 Making of de l’interview Karina
le hasard et avec le monde. Le teurs compliquant le travail. Ainsi do ateliê implica também a volta para o
Dias, 2016. Photographie: Escritos&Ditos
voyage dans l’epace extérieur que les interférences humaines cotidiano, para a rotina. Portanto, requer
constitue le travail de terrain. qui surviennent souvent dans uma outra forma de se portar e de pensar
L’artiste compare le processus ces environnements, provoquées o trabalho. Nessa situação existem tam-
de filmer et de photographer au par des passants désavisés. Car, bém as demandas da casa e do trabalho como professora, então a
tir à l’arc. L’action de lancer un différemment de la ville, dans la problemática passa a ser a busca pela “não perda do trabalho”. Ou
regard précis vers un lpoint du nature la présence de la caméra seja, não deixar escapar o pensamento acerca da produção. Manter
lieu/paysage, comme une flèche ne constitue pas un domaine déli- o pensamento poético mesmo com todos os outros fatores disper-
qui va à l’encontre de sa cible. mité qui écarte, ou qui mette les santes que a rotina implica.
Elle souligne également la diffé- personnes en état d’alerte. Karina entende então a sua atividade como professora de artes
rence entre ces processus lorqu’ils como agente facilitador do trabalho de ateliê. Pois, para ela, trata-se
s’effectuent en ville ou dans la « Dans un espace naturel, marcher de uma questão de ponto de vista. Isto é, a artista e a professora
nature. En ville, cette atitude pendant quatre heures pour arriver compartilham da mesma visão. Assim o universo acadêmico ajuda a
crée une notion de périmètre, dans un lieu et filmer. Vous pouvez manter o pensamento acerca da sua produção artística. As aulas, os
un espace qui se construit par la avoir quelqu’un qui marche avant textos, as pesquisas, o trabalho que realiza na universidade em geral
présence de la caméra qui signale, vous ou après vous. Et soudain, elle está sempre relacionado com o trabalho artístico. Os dois compõe um
quelque part, la présence d’un croise votre chemin, à un moment único corpo, um único pensamento. Consequentemente a reflexão
événement. Le déplacement des où vous n’aviez pas besoin de cette em sala de aula e o pensar poético não se desvinculam. O que ela
équipements de photographie et personne3 ». enxerga como artista é o que explora enquanto professora. As aulas
de tournage en ville provoquent e o ateliê funcionam com a mesma composição e construção e de
repertório teórico e imagético.
2  DIAS, K. Interview à Iracema Barbosa. Escritos&Ditos de artistas, Brasília, 2016.
3 Ibid. 3  DIAS, K. Entrevista a Iracema Barbosa. Escritos&Ditos de artistas, Brasília, 2016.

234 Poéticas I Gisele Lima Rocha 235


Le retour de l’espace externe seule pensée. Par conséquent, la Inclusive, a artista afirma que essa experiência em sala de aula,
vers l’espace de l’atelier implique réflexion en salle de cours et la essa troca de reflexões com os alunos e colegas, impede que o proces-
également le retour au quotidien, pensée poétique ne sont point so seja totalmente individual. Impedindo-a de prender-se em seus
le retour à la routine. Il requiert séparées. Ce qu’elle voit comme próprios pensamentos e certezas. Permite um afastamento com a
donc une autre façon de se por- artiste, c’est ce qu’elle explore en produção, e esse possibilita que novos olhares sejam lançados sobre
ter et de penser le travail. Dans tant qu’enseignante. Les cours o trabalho, enriquecendo a reflexão sobre sua produção. O momento
cette situation, il existe égale- et l’atelier fonctionnent avec da aula então se torna, como a artista chamou, um porto. O ponto
ment les demandes domestiques la même composition et sont do qual você parte, do trabalho, para uma navegação. Tendo como
et celles du travail de professeur, construits avec le même réper- parceiros de viajem autores, artistas, alunos. Retornando para o
et la problématique devient donc toire théorique et d’images. trabalho, com o pensamento enriquecido pela viagem.
la recherche de la « non perte de D’ailleurs, l’artiste affirme que
travail ». C’est-à-dire de ne pas cette expérience en salle de classe,
laisser échapper la pensée concer- cet échange de réflexions avec
nant la production. Maintenir la éléves et collègues, évite que le
pensée poétique même avec tous processus soit totalement indi-
les autres facteurs dispersants viduel. Et l’empêche de s’empri-
que la routine implique. sonner dans ses propres pensées
Karina comprend alors son et certitudes. Ce qui lui permet
activité d’enseignante d’arts également de s’éloigner de la pro-
comme un agent facilitateur du duction, et cet éloignement per-
travail d’atelier. Car, pour elle, met que des nouveaux regards
il s’agit d’une question de point soient lancés sur son travail, en
de vue. C’est-à-dire, que l’ar- enrichissant la réflexion sur sa
tiste et l’enseignante partagent production. Le moment en salle
la même vision. Ainsi, l’univers de casse devient alors, comme
académique l’aide à maintenir la l’artiste l’a appelé, un port. Le
pensée autour de sa production point à partir duquel vous partez,
artistique. Les cours, les textes, du travail, vers une navigation.
les recherches, le travail qu’elle En ayant comme partenaires de
réalise à l’université est géné- voyage des auteurs, des artistes,
ralement toujours en lien avec des élèves. Et en revenant au tra-
son travail artistique. Tous deux vail, avec la pensée enrichie par
composent un corps unique, une le voyage.

236 Poéticas I Gisele Lima Rocha 237


JALINE PEREIRA DA SILVA

Notions de travail pour Elder Rocha: Noções de trabalho para Elder


expérience en série Rocha: experiência em série
JALINE PEREIRA DA SILVA JALINE PEREIRA DA SILVA

À partir d›une entrevue réalisée une différence entre une série A partir de uma entrevista realizada pelo grupo de pesquisa Es-
par le groupe de recherche Écrits comme un processus et comme critos&Ditos em 2015, este artigo traz reflexões sobre o fazer em
et Dictons en novembre 2015, cet une oeuvre (dans l’expérience et série e os processos repetitivos presentes no trabalho do artista
article soulève une réflexion sur dans la façon de travailler)? Elder Rocha.1
la production en série e les pro- Série comme concept, série Na contemporaneidade a noção de trabalho tornou-se uma
cessus répétitifs présents dans le comme travail questão bastante abrangente e transdisciplinar. Assim, a procura
travail de l’artiste Elder Rocha.1 Le concept d’art sériel et l’at- de um olhar mais crítico sobre o que seria o trabalho para o artista
Dans la contemporanéité, tribution d’un tel nom pour une contemporâneo se tornou o tema central para a pesquisa. Levantando
la notion de travail est deve- poétique a commencé à se déve- questionamentos como: até que ponto o fazer manual (artesanato,
nue une question assez répan- lopper au XXème siècle. Consoli- etc) relacionado ao trabalho do artista e as artes plásticas geram co-
due et trans-disciplinaire. Ainsi, dée par l’artiste minimaliste Mel nhecimento? Dentre as noções de trabalho repetitivo e serial, existe
la quête d’un regard plus cri- Bochner dans son texte intitulé diferença entre série como processo e como obra (na experiência e
tique sur ce que serait le travail Art Sériel, systèmes, solipsisme2, na forma de trabalho)?
pour l’artiste contemporain est l’art sériel est défini comme un
devenue le thème central de la processus rétrograde, avec une Série como conceito, série como trabalho
recherche. Soulevant ainsi des «forte artificialité”. O conceito de arte serial e a atribuição de tal nome para uma poética
questions telles que: jusqu’à quel Les minimalistes ont imposé começou a se desenvolver no século XX. Consolidada pelo artista
point le travail manuel (artisanat, des systèmes rigoureux pour la minimalista Mel Bochner em seu texto intitulado Arte Serial, siste-
etc) associé au travail de l’artiste construction de leurs travaux, mas, solipsismo2, a arte serial é definida como um processo regrado,
et des Arts plastiques créent un utilisant des objets commer- com uma “elevada artificialidade”.
savoir? Parmi les notions de tra- cialement disponibles comme Os minimalistas impuseram sistemas rigorosos para a construção
vail répétitif et sériel, existe-t-il des tuiles et des sacs de ciment. de seus trabalhos, usando objetos comercialmente disponíveis como

1  Elder Rocha – Artiste Plastique, Maître en Art au Chelsea College of Art and Design. 1  Elder Rocha – Artista Plástico, Mestre em Arte pela Chelsea College of Art and Design.
Est actuellement professeur de peinture à l’Université de Brasília. Atualmente é professor de pintura na Universidade de Brasília.
2  BOCHNER, Mel. Arte Serial, sistemas, solipsismo. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, 2  BOCHNER, Mel. Arte Serial, sistemas, solipsismo. In: FERREIRA, Glória; COTRIM,
Cecília. Escritos de artistas: anos 60/70. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. Cecília. Escritos de artistas: anos 60/70. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

238 Poéticas I Jaline Pereira da Silva 239


Ils refusaient toute composi- Il est important de souligner tijolos e blocos de cimento. Negavam a composição, um processo que se
tion, un processus qui se rap- que les minimalistes travaillaient aproxima da ideia de reprodução industrial:
proche de l’idée de reproduction avec des objets tridimensionnels
industrielle: et pré-industrialisés. La série et “Os sistemas são caracterizados pela regularidade, inteireza e repetição
la répétition, en plus du proces- na execução. Eles são metódicos. Em sua consistência e na continuidade
“Les systèmes sont caractérisés par sus, sont le résultat, c’est-à-dire de aplicação que os caracterizam. Partes individuais de um sistema não
la régularité, l’entièreté et la répé- qu’ils sont aussi la forme du tra- são importantes por si mesmas, mas são relevantes apenas no modo
tition dans leur exécution. Ils sont vail. Le débat oeuvre-artiste, la como são usadas segundo a lógica fechada do todo.”3
méthodiques. Par leur consistance pratique artisanale est, tel que
et par la continuité d’application mentionné ci-dessus, totalement Por conseguinte, a repetição e a noção de série na arte mini-
qui les caractérisent. Les parties méprisée. Dans ce sens, Bochner malista não estão ligadas apenas ao processo e à experiência. Tais
individuelles d’un système ne sont note que la composition cède la procedimentos apresentam-se na forma final da obra.
pas importantes en elles-mêmes, place à l’arrangement: Os minimalistas procuram diminuir ao máximo o fazer ma-
mais elles n’ont de sens que par la nual, o contato processual entre obra e artista. Pela ausência de
façon dont ils sont utilisés selon “Le terme «arrangement» est manipulação, a não organização de um espaço dado (composição)
une logique hermétique à tout.” 3 préférable au mot «composition». e a proximidade com a produção industrial, a repetição e a série se
«Composition» signifie normale- encontram muito mais no âmbito do conceito inerente às obras do
Par conséquent, la répétition ment l’ajustement entre les parties, que enquanto trabalho e experiência.
et la notion de série dans l’Art c’est-à-dire de leur taille, de leur É importante apontar que, os minimalistas estavam trabalhan-
minimaliste ne sont pas seule- format, de leur couleur ou de leur do com objetos tridimensionais e pré-industrializados. A série e a
ment liées au processus et à l’ex- emplacement, pour parvenir au repetição além de processo são o resultado, ou seja, também são a
périence. Ces procédures se pré- travail final, dont la nature exac- forma do trabalho. O embate obra-artista, o fazer artesanal é, como
sentent dans la forme finale de te n’est pas connue au préalable. citado acima totalmente desprezado. Nesse sentido, Bochner aponta
l’oeuvre. L’»arrangement» implique la na- que a composição sede lugar ao arranjo:
Les minimalistes cherchent à ture fixe des parties et une notion
diminuer au maximum le manuel, préconçue de tout.”4 “A palavra “arranjo” é preferível à palavra “composição”. “Composição”
le contact né du processus entre normalmente significa o ajuste das partes, i.e., de seu tamanho, formato,
le travail et l’artiste. Faute de Ces réflexions démontrent cor ou colocação, para chegar ao trabalho final , cuja natureza exata não
manipulation, la non-organisa- une distanciation centrale entre é conhecida de antemão. O “arranjo” implica a natureza fixa das partes
tion d’un espace donné (composi- la question du processus séquen- e uma noção preconcebida do todo.”4
tion) et la proximité avec la pro- tiel pour les minimalistes et pour
duction industrielle, la répétition certains artistes contemporains, Tais reflexões demonstram então um distanciamento central
et la série se situent beaucoup pour qui la série et la répétition entre a questão do processo sequencial para os minimalistas e para
plus dans le domaine du concept constituent un processus, mais certos artistas contemporâneos, para estes a série e a repetição são
inhérent aux oeuvres, que comme pas nécessairement la forme de processo, mas não necessariamente a forma da obra finalizada. O
travail et expérience. l’œuvre achevée. L’artiste n’est artista não é mais coibido de usar recursos composicionais no feitio

3  BOCHNER, Mel. op. cit., p. 172. 3  BOCHNER, Mel. op. cit., p. 172.
4  Ibid., p. 171. 4  Ibid., p. 171.

240 Poéticas I Jaline Pereira da Silva 241


plus empêché d’utiliser les res- travail génère le travail » « faire, do trabalho e conjuntamente utilizar processos repetitivos propor-
sources de composition pour c’est chercher à savoir 5«. Rapide- cionando um ritmo de pensamento na experiência.
la réalisation de son travail, et ment, ce moment de travail où la Sendo assim, a série está voltada para o fazer. E este fazer está
conjointement d’utiliser des pratique manuelle, l’artisanat et presente diariamente em nosso cotidiano e é uma etapa importan-
processus répétitifs, fournis- la relation directe entre l’oeuvre te – tanto na arte quanto em outras áreas de conhecimento – no
sant un rythme de pensée dans et le peintre se dépassent, c›est processo de fixação da aprendizagem.
l’expérience. l›instant où l›artiste voir clair sur
De cette façon, la série est le développement de sa réflexion A repetição no contemporâneo
orientée vers la pratique. Et cette au sujet du processus, et où des Em entrevista o artista Elder Rocha comenta que em seu trabalho
pratique est présente dans notre questions importantes à cet égard no ateliê são estabelecidos padrões de funcionamentos e protocolos.
vie quotidienne, et c’est une étape seront résolues. A repetição, para ele é algo sistemático e está vinculada na sua
importante - autant pour l’Art que Ainsi, l’artiste maintient, dans pratica diária. Contudo ele entende que esse trabalho mecânico,
pour d’autres domaines de savoir la production d’une série fermée, sistemático e repetitivo – como por exemplo, fazer o fundo de uma
- dans le processus de fixation de une séquence de gestes qui seront tela que precisa de várias camadas – proporcionam um lugar medi-
l’apprentissage. reproduits sur tous les cadres. Ces tativo onde a ideia se desenvolve: “estar fazendo o trabalho gera o
gestes dicteront la direction vers trabalho” “fazer é buscar conhecer”.5 Logo, esse momento de trabalho
La répétition dans le laquelle le travail sera orienté. onde o fazer manual, a artesania e a relação direta entre obra e pin-
contemporain Dans sa série intitulée A TV tor se sobressaem é o instante no qual o artista tem clareza sobre o
Au cours d’une entrevue, l’artiste ligou só 6 (La télé s’est allumée desenvolvimento de seu pensamento a respeito do processo e onde
Elder Rocha a commenté que les toute seule) (fig.1 et 2) le peintre serão resolvidas as questões importantes para tal.
normes de fonctionnement et les explique qu’il a d’abord déterminé Assim o artista mantém, na feitura de uma série fechada, uma
protocoles sont établis lors de son que les cadres seraient verts et sequência de gestos que serão reproduzidos em todos os quadros.
travail en atelier. rouges. Et à partir de là, la réver- Tais gestos ditarão o rumo que o trabalho será encaminhado.
Pour lui, la répétition est bération de ces couleurs apparaît Em sua série A tv ligou só6 (figs. 1 e 2) o pintor comenta que
quelque chose de systématique tout au long de la série, sous la primeiramente determinou que os quadros seriam verdes e ver-
et en rapport avec sa pratique forme de bandes et de grilles jux- melhos. E a partir daí a reverberação dessas cores aparece em
quotidienne. Pour autant, il com- taposées à des taches de couleur toda a série, em forma de faixas e grades justapostas às manchas
prend que ce travail mécanique, et à des images figuratives. de cor e imagens figurativas.
systématique et répétitif - comme Selon Elder Rocha, une série Segundo Elder Rocha uma série fechada e concluída é algo que
par exemple, faire le fond d’un fermée et complète est quelque possui uma força muito maior do que pintar quadros com imagens
écran ayant besoin de multiples chose qui possède une force beau- distintas. Os quadros em conjunto criam “ecos” que reverberam
couches - offre un lieu méditatif coup plus grande que de peindre de uma forma bem mais complexa e intrigante do que imagens
où l›idée se développe: « faire un des cadres avec des images individuais. Ao trabalhar de uma maneira sequencial e repetindo

5  Rocha, Helder. Entrevista realizada em novembro de 2015 para o grupo de pesquisa


5  ROCHA, Helder. Entrevista realizada em novembro de 2015 para o grupo de pesqui- Escritos&Ditos, coordenado pela Prof. dr ª. Iracema Barbosa e inscrito no programa de
sa Escritos&Ditos, coordenado pela Prof. dr ª. Iracema Barbosa e inscrito no programa pesquisa do CNPq/ProIC – UnB.
de pesquisa do CNPq/ProIC – UnB. 6  Exposição apresentada na Fundação Jaime Câmara na cidade de Goiânia – GO em 2006
6  Exposition individuelle présentée à la Fondation Jaime Câmara dans la ville de (ROCHA, Elder; FREITAS, G. M. M. A tv ligou só. Goiânia, Goiás: Fundação Jaime Câmara,
Goiânia (Góias) en 2006. 2006. Catálogo de exposição).

242 Poéticas I Jaline Pereira da Silva 243


distinctes. Les cadres réunis et l’artiste. C’est une opportunité os elementos ele também pensa na reação, no impacto que aquilo
créent des « échos » qui se réper- de modulation, et d’expérimen- vai gerar no expectador ao ver uma sala inteira em que está exposto
cutent de façon beaucoup plus tation d’idées et de formes. Les apenas um trabalho, “a compreensão é mais completa ”.7
complexe et intrigante que des intervalles dans ce processus de Os processos seriais criam uma conversa entre obra e artista. É
images individuelles. En travail- pratique manuelle entraîne une uma oportunidade de modulação, experimentação de ideias e formas.
lant de manière séquentielle et meilleure compréhension et une Os intervalos nesse processo do fazer manual geram um entendi-
en répétant les éléments, il pense ouverture aux différentes possi- mento mais profundo e uma abertura para várias possibilidades de
aussi à la réaction, à l’impact res- bilités d’articulation des idées qui articulação das ideias que serão transferidas para o quadro. Assim
senti par le spectateur en voyant seront transférées dans le cadre. sendo os processos em série na arte contemporânea são entendidos
une pièce entière où n’est exposé De cette façon, les processus en de uma forma mais subjetiva.
qu’un seul travail, « la compré- série dans l’art contemporain
hension est plus complète. 7». sont compris de manière plus
Les processus sériels créent subjective.
une conversation entre l’oeuvre

Elder Rocha, A tv ligou só, 2005. Guache e nanquim sobre papel. 50 x 65 cm.
Elder Rocha, La télé s’est allumée toute seule, 2005. Gouache et encre de Chine Nan-
Kin sur papier. 50 x 65 cm.

7  ROCHA, Helder. Entrevista realizada em novembro de 2015 para o grupo de pesqui-


sa Escritos&Ditos, coordenado pela Prof. dr ª. Iracema Barbosa e inscrito no programa 7  ROCHA, Elder; FREITAS, G. M. M. A tv ligou só. Goiânia, Goiás: Fundação Jaime Câ-
de pesquisa do CNPq/ProIC – UnB. mara, 2006. Catálogo de exposição.

244 Poéticas I Jaline Pereira da Silva 245


SARA CÂNDID O NASCIMENTO D OS SANTOS

Notions de travail dans l’oeuvre Noções de trabalho na obra de


de Pedro Alvim : sur le plaisir Pedro Alvim: sobre o prazer
au travail no trabalho
SARA CÂNDIDO NASCIMENTO DOS SANTOS SARA CÂNDIDO NASCIMENTO DOS SANTOS

La recherche du substantif «goût» Serait-il le plaisir ce que nous Ao pesquisarmos o substantivo “gosto” em dois dicionários1, temos
dans deux dictionnaires1, nous intrigue en tant qu’êtres créatifs verbetes exemplificados por (1) Sensação de prazer, satisfação;
accorde quelques entrées illus- à persister dans la recherche de (2) opinião subjetiva ou apreciação crítica sobre algo, critério,
trées par (1) Sentiment de plai- la signification de l’art, ou est-ce, preferência; (3) qualidade estética indicativa de tal apreciação ou
sir, satisfaction ; (2) opinion sub- encore, la recherche du plaisir julgamento. Na história da arte, o prazer relacionado ao gosto -
jective ou appréciation critique un segment naturel de l’art ? sentimento, qualidade, juízo – é uma questão que permeia o âmbito
sur quelque chose, critère, pré- Le plaisir, serait-il directement artístico antes mesmo da existência de seu conceito, e algo que,
férence ; (3) qualité esthétique lié aux questions humaines qui enquanto artista, e enquanto obra, participa não somente da obra
indicative de telle appréciation recherchent le sens de sa propre pronta, mas sim de todo processo produtivo, inclusive da relação
ou jugement. Dans l’histoire de existence, à partir de l’idée que la obra e artista.
l’art, le plaisir en rapport avec le pensée humaine et l’art suivent Seria o prazer o que nos instiga enquanto seres criativos a persis-
goût - sentiment, qualité, enten- des segments parallèles ? Ou - tir na busca pelo significado da arte, ou seria, ainda, um segmento
dement- il s’agit d’une question même - la notion de plaisir serait- natural da arte uma busca pelo prazer? Estaria o prazer diretamente
qui circule sur le réseau artis- elle quelque chose qui nous ren- relacionado aos questionamentos do homem que busca pelo significa-
tique avant même l’existence voie à la relation entre l’art et vie, do de sua própria existência, partindo da ideia de que o pensamento
du concept. C’est quelque chose en tant que mémoire qui renoue humano e a arte caminham em segmentos paralelos? Ou – ainda –
qui, en tant qu’artiste et en tant avec quelque chose déjà vécue ? seria a noção de prazer algo no qual nos remetemos à relação arte e
qu’œuvre, participe non seule- Dans un entretien avec le vida enquanto memória que resgata algo que já foi vivido?
ment de l’œuvre achevée, mais de peintre Pedro Alvim, dans le cadre Em entrevista realizada com o pintor Pedro Alvim, como parte do
tout le processus de production, du projet de recherche «Ecrits projeto de pesquisa “Escritos & Ditos”, quando questionado sobre a
y compris de la relation tissée & Dits», interrogé sur la notion noção de prazer enquanto realiza seu trabalho, o artista diz: “cons-
entre œuvre et artiste. de plaisir tout en réalisant son truir uma imagem é uma coisa que me dá prazer(...) Arte tem a ver com

1  FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Nouveau Aurelio XXI: dictionnaire de la 1  FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da
langue portugaise. 3e éd. complètement revisée et amplifiée. Rio de Janeiro: Nova língua portuguesa. 3 ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
Fronteira, 1999; HOUAISS, Dictionnaire de la Langue Portugaise. Rio de Janeiro: HOUAISS, Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro Instituto Antônio Houaiss.
Institut Antonio Houaiss; Objetiva, 2001. Ed. Objetiva , 2001

246 Poéticas I Sara Cândido Nascimento dos Santos 247


travail, l’artiste dit : «construire exemple, qu’il n’y a pas de formule gosto, tem a ver com prazer, buscar um universo em que você se orienta
une image est une chose qui me préétablie pour une production. pelo gosto e gosto significa experiência.”2
fait plaisir (...) L’art a à voir avec Ce processus dialogue encore avec Partindo dessa premissa voltamos a um dos questionamentos
le goût, avec le plaisir, le fait d’être l’existence d’un doute, où l’appa- citados anteriormente: seria, portanto, o que nos instiga enquanto
en quête d’un univers dans lequel rition de nouvelles possibilités seres pensantes, pelo significado da arte, a busca pelo prazer en-
on est guidé par le goût et le goût évoque des processus répétitifs quanto se cria? Onde há uma relação estreita entre adentrar outra
signifie l’expérience2». - tentatives entre l’inconnu - ou, realidade, sugerindo novos significados e possibilidades destinados
Partant de cette prémisse même en suggérant la possibi- a um fim, à realização de um trabalho pronto?
nous revenons à l’une des ques- lité « d’erreur » comme partie du A produção artística vista como um processo – trabalho –, em
tions mentionnées aupara- processus productif. Selon Pedro busca de algo que chegará a sua realização – obra – acontece de
vant : serait-il, donc, ce qui Alvim, « La possibilité de faire faux formas diferentes para diferentes artistas. No caso de Pedro Alvim,
nous intrigue, en tant qu’êtres donne aussi un certain plaisir »3 segundo entrevista, o processo está diretamente ligado à existência de
pensants et par le sens de l’art, et le mécontentement a aussi um ritmo, por um processo diário, algo que possui continuidade, de
la recherche du plaisir durant son ingérence «où « ce n’est que forma que a sensação de um trabalho realizado talvez não aconteça.
la création ? Où existe-t-il une poursuivre la satisfaction de faire Podemos afirmar, por exemplo, que não existe uma fórmula
relation étroite entre parvenir quelque chose à laquelle on croit, il pré-estabelecida para o que se produz. O processo de produção
en autre réalité, de façon à évo- y a aussi le doute (qui peut prendre também dialoga com a existência da dúvida, onde o surgimento de
quer de nouvelles significations place), des choses qui interfèrent « novas possibilidades sugere processos repetitivos – tentativas entre
et possibilités visant un but, et la comme partie du processus. o desconhecido – ou, até mesmo, sugerindo a possibilidade de ‘erro’
réalisation d’un travail achevé ? Parmi les ‘choses qui interfèrent como parte do processo produtivo. Para Pedro Alvim, “a possibilidade
La production artistique ‘ dans l’acte de peindre, à compter de dar errado também dá um certo prazer”3, e o desprazer também tem
considérée comme un processus non juste sur des facteurs routi- sua interferência” onde, “não é só a busca da satisfação de estar fazendo
- travail – en quête d’un je ne sais niers de l’atelier (local, sons, rou- uma coisa que se acredita, também tem a dúvida (que pode crescer), as
quoi qui atteindra la réalisation tine), nous devons considérer la coisas que interferem” como parte do processo.
- œuvre- qui se produit de diffé- quête du plaisir comme des fac- Entre as ‘coisas que interferem’ ao pintar, contando não somente
rentes manières par différents teurs inconscients - et peut-être com os fatores da rotina do ateliê (local, sons, rotina), devemos
artistes. Selon l’entretien, dans conscients - de la mémoire, où considerar a busca pelo prazer entre fatores inconscientes – e tal-
le cas de Pedro Alvim le processus l’on récupère/transfère quelque vez conscientes – da memória, onde se retoma/transfere algo que
est directement lié à l’existence chose qui est déjà arrivé comme já aconteceu como inspiração, ou até mesmo com a necessidade
d’un rythme, d’un exercice quo- source d’inspiration, ou même (inconsciente?) de algo que se procura reviver.
tidien, qui demande continuité, la nécessité (inconsciente ?) de “Já se aludiu ao fato de que a memória talvez seja o componente mais
de sorte que le sentiment d’avoir quelque chose qui nous cherchons específico e importante para a constituição do gosto e, as imagens que
une œuvre achevée peut être ne à faire revivre. nos impressionam são remanescentes de uma espécie de triagem afetiva
soit pas à portée. que não ocorre inteiramente de forma consciente.” 4
Nous pouvons affirmer, par «Une allusion se fait autour du

2  ALVIM, Pedro. Entrevista realizada com o grupo de pesquisa inscrito no CNPq/ProIC


2  ALVIM, Pedro. Entretien avec le groupe de recherche inscrit au CNPq/ProIC - UnB, – UnB, “Escritos & Ditos”, coordenado pela Prof. dr ª. Iracema Barbosa.
«Écrits & Dits«, coordonné par la Pre. Dr. Iracema Barbosa. 3 Ibid.
3 Ibid. 4  ALVIM, Pedro de Andrade; A busca pelo gosto (e o gosto pela busca). Artigo publicado

248 Poéticas I Sara Cândido Nascimento dos Santos 249


fait que la mémoire est peut-être chose et je ne sais pas exactement Nesse aspecto, a orientação pelo prazer ou pela busca do mesmo
la composante la plus spécifique de quoi il s’agit. »5 sugere uma razão interna, pessoal, e consequentemente, incerta.
et importante à la formation du Seria, então, novamente, a noção de prazer algo no qual nos reme-
goût, et les images qui nous im- Ainsi, le fait de suggérer que le temos ao estabelecermos a relação arte e vida, enquanto memória
pressionnent rappellent une sorte plaisir fait partie de tout le pro- que resgata algo que já foi vivido?
de filtrage affectif qui n’est pas tout cessus de production, même si “Eu acho que os momentos em que eu não tenho nada na vida a não
à fait conscient. » 4 ce processus n’est pas encore en ser pintar, muitas vezes, não são tão benéficos quanto os momentos em
route ou à se produire n’est pas que eu tenho outras obrigações(...) O que me leva mais à arte, à pintura, é
À cet égard, l’orientation absurde, car la recherche du plai- a busca de reencontrar alguma coisa, que eu não sei exatamente o que é.”5
par le plaisir ou par cette pour- sir ne devient pas statique, ainsi Portanto, não seria absurdo sugerir que o prazer faz parte de todo
suite suggère une raison interne, que la production. Si nous pour- o processo produtivo mesmo quando este processo ainda não está
personnelle, et par conséquent suivons cette ligne de pensée, em percurso ou vias de acontecer, pois a busca pelo prazer não se
incertaine. Serait donc, encore, nous pourrions suggérer encore torna estática, assim como a produção. Se continuarmos nessa linha
la notion de plaisir quelque chose que la recherche du plaisir fait de pensamento, poderíamos sugerir ainda, a busca pelo prazer como
à laquelle nous nous référons afin partie de la vie, ainsi que l’art, pas parte da vida, assim como a arte, e não necessariamente nessa ordem.
d’établir la relation entre l’art et nécessairement dans cet ordre. O ateliê de Pedro Alvim se encontra em um dos prédios do Setor
la vie, en tant que mémoire cher- L’atelier de Pedro Alvim se Comercial, centro de Brasília. A localização tem relação direta com
chant è renouer avec quelque trouve dans l’un des bâtiments du sua obra: o artista pinta paisagens. Da janela de seu ateliê consegui-
chose déjà vécu ? Secteur Commercial, au centre- mos ver parte da avenida do Congresso Nacional, visibilidade que é
ville de Brasilia. L’emplacement inspiração para seu trabalho.
« Je pense que les moments où je n’ai est directement lié à son œuvre :
rien dans la vie, sauf la peinture, ne l’artiste peint des paysages.
sont pas souvent aussi bénéfiques Depuis la fenêtre de son atelier
que les moments où j’ai d’autres nous arrivons à voir une partie
obligations (...) Ce qui me amène de l’avenue du Congrès National,
d’avantage vers l’art et la peintu- visibilité qui est source d’inspi-
re, est l’envie de retrouver quelque ration pour son travail.

4  ALVIM, Pedro. À la recherche du goût (et le goût par la recherche) Publié sur la page de
l’UFG: https://art.medialab.ufg.br/up/779/o/pedroAlvim.pdf; non daté.) na página da UFG: https://art.medialab.ufg.br/up/779/o/pedroAlvim.pdf; não datado.
5  Entretien avec l’artiste Pedro Alvim, « Écrits & Dits : La notion de Travail en Poé- 5  Entrevista com o artista Pedro Alvim, “Escritos e Ditos: A Noção de Trabalho em
tiques Artistiques Distinctes ». Poéticas Artísticas Distintas”.

250 Poéticas I Sara Cândido Nascimento dos Santos 251


Vaga-mundo : poéticas nômades Vaga-mundo: poéticas nômades
PRÉSENTATION APRESENTAÇÃO

Le groupe de recherches Vaga-mundo : poéticas nômades FORMATION O Grupo de Pesquisa Vaga-Mundo: Poéticas Nômades FORMAÇÃO

(vague-monde : poétiques nômades) est liée à l’Université Iris Helena (CNPq) reúne artistas-pesquisadores, mestrandos e dou- Iris Helena
Luciana Paiva Luciana Paiva
de Brasilia et au CNPq – Conselho Nacional de Desenvol- Nina Orthof torandos ligados ao Instituto de Artes da Universidade Nina Orthof
Gabriel Menezes Gabriel Menezes
vimento Científico e Tecnológico – “National Counsel of Tatiana Terra
de Brasília. Tatiana Terra
Technological and Scientific Development”. Luiz Olivieri Realizando pesquisas poéticas em diversas linguagens Luiz Olivieri
Ludmilla Alves Ludmilla Alves
Il rassemble des artistes-chercheurs, doctorants du Júlia Milward artísticas, o que reúne os membros do grupo é o desejo Júlia Milward
César Becker César Becker
Département d’arts visuels de l’Institut des Arts de l’Uni- Albert Ambelakiotis de investigar as relações entre o homem e a paisagem, Albert Ambelakiotis
versité de Brasília. Ce qui réunit le groupe, c’est le désir Karina Dias (coordeninatrice) entre a imensidão dos espaços e a singularidade daquele Karina Dias (cordenadora)
www.cargocollective.com/ www.cargocollective.com/
de travailler les différents rapports entre l’humain et le vaga-mundo
que os percorre. Para tanto, a experiência da viagem vaga-mundo
paysage où l’expérience du voyage est le coeur de notre é o centro de nossas pesquisas e algumas noções são
recherche. Les terrains de cette recherche plastique sont fundamentais: horizonte, paisagem, geopoética, entre
l’expérimentation des distances, tant lointaines que outras. Aliando a prática artística, a reflexão teórica e
celles de l’extrême proximité, tout comme les parcours a experiência em espaços-extremos, nossa intenção é
extra-vagants et ordinaires. De ces mouvements émer- construir uma poética nômade surgida do movimento,
gent nos coordonnées « vague-monde »: expéditions, de nossos deslocamentos a partir de expedições artís-
expositions et écriture. ticas em vários lugares do mundo. Desse movimento
surgem as nossas coordenadas vaga-mundo: expedição,
L’expédition “l’île du Retiro” exposição e escrita.
Tout commença à partir d’un “nauvrage”...
En 2015, pendant 30 jours, nous1 avions le projet de A expedição Ilha do Retiro
naviguer sur un voilier vers l’Antarctique pour y réali- Tudo começou com um "naufrágio"...
ser une expédition artistique en parcourant le Détroit Em 2015 o grupo Vaga-mundo: poéticas nômades
de Gerlache. L’instabilité politico/économique du Bré- viajaria rumo à Antártica para percorrer, a bordo de um
sil a fait que nous avons dû suspendre, pour le moins veleiro, o Estreito de Guerlache durante 30 dias e reali-
zar, assim, uma de nossas expedições artísticas. Porém,
1  Nous se réfère au groupe Vaga-mundo : poéticas nômadae(CNPq). a instabilidade político/econômica que enfrentávamos
no Brasil, adiou a nossa partida. Diante disso, tomamos

252 Poéticas I 253


temporairement, notre projet. Devant cette impasse, a decisão de reorientar a nossa bússola e começamos a
nous avons eu l´idée que l’espace à être vécu serait tout nos perguntar se, ao invés de sairmos em busca de es-
autre, remplaçant celui du « lointain » par celui de « l’ex- paços longínquos, nos dirigíssemos para a proximidade
trême proximité ». Ainsi, la navigation sur le Lac Paranoá extrema? Decidimos, então, navegar pelo Lago Paranoá e
de Brasília a substitué celle vers l’antarctique, ce qui podemos dizer, sem hesitar, que a proximidade extrema
nous permit de voir que l’extrême proximité est aussi é um vasto mundo.
un vaste monde. A ilha do Retiro se situa na parte norte do Lago Para-
L’île du Retiro se situe dans la partie nord du Lac noá, lago artificial que banha a cidade de Brasília. Essa
Paranoá, ce dernier est le lac artificiel qui baigne la cap- ilha é quase desconhecida dos habitantes da cidade, é mais
tale du Brésil. L´îlot est quasiment inconnu de la plu- fácil encontrar informações sobre as ilhas da Antártica
part de ses habitants et il y est plus facile de trouver que sobre essa minúscula ilha perdida no meio do lago.
des informations sur les îles d’Antarctique que sur cette Depois de muito pensar nas formas de travessia para
minuscule île quasiment abandonnée et perdue sur ce lac. ilha, decidimos colocar um anúncio num jornal de grande
Recherchant un moyen d’effectuer la traversée jusqu’à circulação solicitando o empréstimo de uma embarcação
cet îlot, nous en sommes arrivé à passer une petite que nos levasse até o nosso destino (ver anúncio). No dia
annonce dans un quotidien de la ville où notre groupe 6 de maio de 2015, em um barco emprestado, desembar-
de recherche sollicitait le prêt d’une embarcation pour camos na ilha para passar um dia totalmente isolados
la réalisation de cette courte traversée (voir l’annonce). do continente.
Le 6 mai 2015, nous avons réussi a obtenir l´emprunt
d´une embarcation qui pu nous enmener sur l´île afin
d’y passer une journée totalement isolé du continent.

254 Poéticas I 255


L’exposition A exposição
En mai 2016, près d’un an après l’ expédition sur l’île, nous Em maio de 2016, um ano depois da nossa expedição à
avons réalisé une exposition L’île au Elefante Centro Cultural ilha do Retiro, realizamos a exposição Ilha no Elefante
de Brasilia en y montrant les oeuvres qui ont été réalisées Centro Cultural em Brasília com os trabalhos desen-
lors de notre « navigation » sur le Lac Paranoá de Brasília. volvidos a partir de nossa « pequeníssima navegação ».

L’écriture A escrita
Les textes présentés dans ce volume complètent le mou- Os textos apresentados neste volume completam o mo-
vement commencé lors notre départ vers l’île. vimento iniciado desde a nossa partida para ilha.

Nous ne sommes pas allés en


Antarctique (pour l’instant).
Nous n’avons pas traversé le Superfície desalagada na moldura líquida
da cidade, um cerro cercado de água por
Canal de Beagle, ni le détroit todos os lados, a Ilha do retiro rompe com
de Drake ou le cap Horn et o projeto moderno de um lago ornamental.
nous n’avons pas parcouru A formação rochosa sitiada possui a exten-
são territorial de um campo de futebol e
le détroit de Gerlache. Nous ecossistema composto por resquícios de
avons changé de route pour paisagens. As bordas avermelhadas, entre
a água e a terra, são sobras das edificações
explorer l’invisibilité du recentes que foram rejeitadas na grande
point de vue, des intensités porção líquida doce e reunidas nas mar-
gens. Os animais terrestres são identifica-
distinctes du vent. Une na- dos pelos rastros, índices interpretáveis de
vigation minimale sur le Lac uma ausência presente. No dia 06 de maio
de 2015, às 10h42, atravessamos o lago
Paranoá de Brasília. Étrange
em um barco emprestado, permanecemos
proximité. Nous avons débar- 6 horas em estado de ilha e retornamos
qué sur l’île du Retiro, pour com souvenires.

occuper une parcelle de terre


exigüe.
[...]Toute île est une invitation
au voyage [...]. Une surface asséchée dans le cadre liquide de la ville, un monticule
[...] Toute île est un bateau
*Olivier de Kersauson

Não fomos à Antártica (por enquanto). entouré d'eau de tous côtés, l’île de retiro rompt le projet moderne d’un
Não atravessamos o Canal de Beagle,
o Estreito de Drake e o Cabo Horn,
immobile [...] (Olivier de lac ornemental. La formation rocheuse clôturée a l’extension territo-
não percorremos o Estreito de
Gerlache. Alteramos a rota. Exploramos
Kersauson) riale d’un terrain  de football et l’écosystème composé par des restes
a invisibilidade do ponto de vista,
intensidades distintas de vento,
de paysages. Les bordures rougeâtres, entre l’eau et la terre, sont des
pequeníssimas navegações pelo Lago
Paranoá. Estranha proximidade.
excédents d'édifications récentes, qui ont été rejetés dans la grande
Desembarcamos na Ilha do Retiro,
ocupamos uma exígua faixa de terra. O Grupo de Pesquisa Vaga-Mundo: Poéticas Nômades
étendue liquide douce et réunis aux marges. Les animaux terrestres
ilha, expedição Vaga-Mundo, 2015.

Toda ilha é um barco imóvel. (CNPq) é formado por artistas-pesquisadores, mestrandos


e doutorandos ligados ao Departamento de Artes Visuais
sont identifiés par leurs empreintes, des indices interprétables d’une
Toda ilha é um convite à viagem*.
da Universidade de Brasília, reunidos pelo desejo de
investigar as relações entre o homem e a paisagem, entre absence présente. Le 06 mai 2015, à 10h42, on a traversé le lac dans un
a imensidão dos espaços e a singularidade daquele que
os percorre. Aliando a prática artística, a reflexão teórica
e a experiência em espaços-extremos, a nossa intenção é
bateau emprunté, on est resté 6 heures dans l’état d’île et nous sommes
a de construir uma poética nômade à partir dos desloca-
mentos, das expedições artísticas realizadas pelo grupo revenus avec des souvenirs.
nos diferentes lugares do mundo.

Karina Dias, Luciana Paiva, Nina Orthof, Iris Helena, Tatiana Terra, Luiz Olivieri, Ludmilla Alves, Gabriel Menezes, Júlia Milward, Ricardo Garcia e Albert Ambelakiotis.

256 Poéticas I 257


KARINA DIAS

Observations de l’île Observações da ilha


KARINA DIAS KARINA DIAS

Frente fria / Vent d´hiver (2016), Ilha do retiro. 720 × 480 DV Wide.

* *
qu'est-ce qui nous fait désirer une île? o que nos faz desejar uma ilha?
qu'est-ce qui nous convoque à débarquer? o que nos convoca a desembarcar?
l’horizon qui l’entoure, o horizonte que a circunda,
tenir les distances, a posse de suas distâncias,
l’absence de voisinages, a ausência de vizinhanças,
son étroit contour, o seu diminuto contorno,
le désir de trouver ses chemins, o desejo de encontrar os seus caminhos,
l’illusion de son refuge, a ilusão de seu abrigo,
les eaux familières qui l’entourent, as águas familiares que a envolvem,
son extrême proximité... a sua proximidade extrema...

258 Poéticas I Karina Dias 259


* *
cartographier cartografar
croire en la possibilité d’une mesure, acreditar na possibilidade de uma medida,
désirer un contour, desejar um contorno,
* *
cartographie cartografia
une note uma nota
une visée uma mirada
une esquisse um esboço
une page pour un atlas uma página para um atlas

260 Poéticas I Karina Dias 261


un atlas des îles abandonnées [ J.Schalansky] un atlas des îles abandonnées [ J.Schalansky]

262 Poéticas I Karina Dias 263


lac-île lago-ilha

264 Poéticas I Karina Dias 265


* *
sud sul
extrême-sud extremo-sul
centre-sud centro-sul
centre-extrême centro-extremo

266 Poéticas I Karina Dias 267


* *
tenir les directions possuir as direções
garder les distances guardar as distâncias
abandonner la carte abandonar o mapa

268 Poéticas I Karina Dias 269


* *
regarder le lac olhar o lago
voir la montagne ver montanha
insulaire – altitude insular – altitude

270 Poéticas I Karina Dias 271


sur la terre, sous le ciel sobre a terra, sob o céu
brouillard nevoeiro

272 Poéticas I Karina Dias 273


* *
brume neblina
intruse, australe, intrusa, austral,
dense, blanche, nébuleuse, passagère densa, branca, enevoada, passageira
une nuit en plein jour uma noite em pleno dia
* *
nocturnes distances noturnas distâncias

274 Poéticas I Karina Dias 275


276 Poéticas I Karina Dias 277
278 Poéticas I Karina Dias 279
JÚLIA MILWARD

Étude pour précipitations Estudo para precipitações


JÚLIA MILWARD JÚLIA MILWARD

En ce moment, je ressens déjà un errant désir diffus Neste instante-já estou envolvida por um vagueante desejo difuso
d’émerveillement et des milliers de reflets du soleil dans l’eau qui de maravilhamento e milhares de reflexos de sol na água que corre
coule du robinet de l’herbe d’un jardin mûr de parfums, jardin et da bica da relva de um jardim todo maduro de perfumes, jardim e
ombres que j’invente déjà et maintenant et qui sont le moyen de sombras que invento já e agora e que são o meio concreto de falar
parler en ce moment de ma vie.1 neste meu instante de vida.1

Debout à une distance de 3 un abîme sur la surface de l’eau. Em pé, com uma distância aproximada de 3 metros, o corpo ligei-
mètres environ, le corps légère- Les étincelles luisantes du mou- ramente inclinado e projetado para frente, face ao lago de águas
ment incliné et projeté en avant, vement de l’eau provoquent des moventes pelo fluxo dos meios de transportes aquáticos, observo o
face au lac aux eaux en mouve- vertiges, la perspective hésitante curso movimentado tentando reconhecer e distinguir os elementos
ment par le flux des moyens de trouble le regard, des images ins- que flutuam, os que estão submersos e as imagens superficiais. De-
transport aquatiques, j’observe le tables se confrontent au désir de bruçada como se estivesse numa mesa, me precipito sem o perigo da
cours mouvementé en essayant conservation. Le corps en désé- queda construindo um abismo sobre a superfície aquosa. As faíscas
de reconnaître et de distinguer quilibre s’exerce en essayant de reluzentes do movimento da água causam vertigens, a perspectiva
les éléments qui flottent, ceux maintenir en mémoire les élé- vacilante envesga, as imagens instáveis confrontam o desejo de
étant submergés et les images à la ments remarqués, en acceptant conservação. O corpo em desequilíbrio se exercita tentando reter
surface. Penché comme si j’étais que l’action n’entraînerait que no local das lembranças os elementos notados, aceitando que a ação
à table, je me précipite sans dan- des débris, des inexactitudes et resulte apenas em detritos, imprecisões e perdas.
ger de tomber en construisant des pertes.

1  LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.


1  LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

280 Poéticas I Júlia Milward 281


Comment une vue d’en haut, qui est une expérience de la distance, Como é que uma vista de cima, que é uma experiência da distância,
convoque, malgré tout, ce qui est à désigner comme une expérience convoca, apesar de tudo, o que se deve designar como uma experiência
intérieure ? 2 interior?2

Je marche au bord de l’île où la la fiction. Les figures s’éclipsent, Ando pelas margens da ilha onde a terra é composta por resíduos
terre est composée de débris des croisent animées l’angle de la per- das construções que contornam o lago. Relaciono o tom avermelhado
bâtiments qui bordent le lac. Je ception. Cependant, attachés à do terreno às telhas descartadas por um erro de cálculo, o cinza aos
mets en rapport le ton rougeâtre la reconnaissance et à la volonté tijolos partidos durante a reforma da área de lazer, as pedras de seixo
du terrain aux tuiles d’argile reje- de fixation des apparences don- rolado aos jardins de inverno desfeitos, as pequenas conchas marrons,
tées par une erreur de calcul, le nées par l’instant, nous finissons brancas e amarelas aos aquários desmanchados. As nuanças do solo
gris des briques brisées lors de par effacer l’image originale qui de sobras combinadas com as da abóboda celeste e as da superfície
la rénovation de la zone de loi- a donné naissance au processus. aquática do lago resultam numa aparência líquida viscosa prateada
sirs, les galets aux jardins d’hi- J’esquisse une définition de la pre- maculada de púrpura, coral claro, ocre e cerúleo. Em distância o
ver défaits, les petits coquillages mière image remarquée sur les composto cambiante parece impenetrável, uma tela impérvia feita de
marrons, blancs et jaunes, aux eaux du lac et déclare qu’il s’agis- material sintético e que só poderia ser concebida por uma mente. Os
aquariums vidés. Les nuances du sait d’une chaîne de montagnes gestos harmônicos parecem terem sido copiosamente articulados e
sol composé de restes, combinées aux cimes lumineuses vues d’en a prosa tecida entre as ações nos leva a indagar o diante. A impressão
avec celles de la voûte céleste et de haut, du point de vue d’un ballon do falso aquebranta o real e a visão entalhada, deslaçada da realidade,
la surface de l’eau du lac résultent ou du 163° étage d’un immeuble. cede à ficção. As figuras se eclipsam, atravessam animadas o ângulo da
en une apparence liquide vis- Un paysage imaginé autant que le percepção. Porém, atados ao reconhecimento e anseio de fixação das
queuse argentée maculée de vio- type de vue, l’accablant3qui minia- aparências dadas no instante, acabamos apagando a imagem inicial
let, corail clair, ocre et azurée. turise les éléments pour les domi- que originou o processo. Ensaio uma definição do primeiro semblante
A distance, cette matière com- ner, les contrôler et agir sur eux. notado sobre as águas do lago e declaro que foi uma cadeia montanhosa
posée changeante semble impé- Cependant, le processus d’imagi- de cumes luminosos vistas de cima, do ponto de vista de um balão ou
nétrable, une toile imperméable ner une position du regard et de do 163º andar de um prédio. Uma paisagem imaginada tanto quanto
en matière synthétique et qui ne fournir les éléments manquants à o tipo de vista, a sobrepujante3 que miniaturiza os elementos para
peut être conçue que par un esprit. la place où ils ne sont pas à partir dominação, controle e atuação. Todavia, o processo de imaginar uma
Les gestes harmonieux semblent du contact avec l’environnement posição do olhar e dispor os elementos ausentes no lugar onde não
avoir été copieusement articulés et dans lequel le monde apparaît se encontram à partir do contato com o ambiente e em que o mundo
et la prose tissée entre les actions selon une distance inversée, une aparece segundo uma distância invertida, uma distância em movimento
nous amène à nous demander ce distance en mouvement avant et de vai e vem capaz de nos tornar sensíveis a tudo o que a vista de baixo
que c’est. L’impression du faux arrière capable de nous rendre sen- poderia atingir na vista de cima4, aproxima-se de uma visão abrangente5,
brise le réel et la vision entaillée, sibles à tout ce que la vue d’en bas submete-se a um mundo em movimento, subjetiva-se em experiências
sans liens avec la réalité, prête à pourrait atteindre de la vue d’en interiores6, coloca-se na condição do não-saber7 para prosseguir.

2  DIDI-HUBERMAN, Georges. Pensar debruçado. Lisboa: Ymago, 2015.


3  DIDI-HUBERMAN, Georges. op. cit.
4 Ibid.
2  DIDI-HUBERMAN, Georges. Penser penché. Lisboa: Ymago, 2015. 5 Ibid.
3 Ibid. 6 Ibid.
7 Ibid.

282 Poéticas I Júlia Milward 283


haut4, se rapproche d’une vision expériences intérieures6, se met
élargi et5, se soumet à un monde en dans la condition du non-savoir7
mouvement, se subjective dans des pour continuer.

(...) avec le réel, il (le rêveur) fabrique du mystère.8

Le texte des eaux mouvantes de la tonalité (de soi-même et des


est composé d’éruptions et efface- environs), du sol, de la profon-
ments, des êtres qui se dissoudent deur, de la vitesse du courant, du
dans la visibilité9. Les répétitions flux de véhicules. Les matériaux
dissemblables et pourtant analo- constitutifs qui sont insérés dans
gues, ne parviennent pas à créer le milieu aquatique influencent
des motifs clairement délimités, à la fois la formation finale de
les images apparaissent superpo- l’image et sont également modi-
sées, dans un jeu de recouvrir-dé- fiées par les qualités de l’eau.
couvrir-recouvrir-découvrir, Dans l’espace-temps de l’expédi-
brisent et traversent l’espace, en tion ont été trouvés les éléments (...) com o real ele (o sonhador) fabrica do mistério.8
le divisant jusqu’à la dissolution. suivants: un fragment de cou-
Crépue, la surface de l’eau détient leur orangée flottant, qui nous O texto das águas movente é composto por erupções e apaga-
et manipule les ombres; rabotée, repositionne dans l’état d’île; une mentos, seres que se dissolvem na visibilidade9. As repetições des-
elle intensifie la teinte bleutée du substance à moitié émergée et semelhantes porém análogas, não chegam a criar padrões nitida-
ciel. Les eaux sont honnêtes et submergée dont la forme modi- mente delimitados, as imagens surgem sobrepostas, em um jogo
ne prétendent aucune illusion, fiée par le mouvement de l’eau de cobre-descobre-cobre-descobre, rompem e atravessam o espaço,
l’observateur parvient, par lui- devient ovale en augmentant, fracionando-se até a dissolução. Encrespada a superfície aquática
même, à distinguer clairement les circulaire lorsqu’elle se rétracte; comporta e manipula as sombras; aplainada, intensifica o tom azu-
couches qui composent les scènes une brique attachée à une ficelle lado do firmamento. As águas são honestas e não pretendem ilusões,
instables offertes à la vision10. blanche ancrée dans le fond du o observador consegue, por ele mesmo, distinguir nitidamente as
Les variétés d’eau influencent lac, une chose rouge délavée et camadas que compõe as cenas instáveis postas à visão10.
directement la production des noire qui semble immobile pen- As variedades da água influem diretamente na produção das
images, elles dépendent, par dant que la corde se mouvemente imagens, dependem, por exemplo, do tipo (doce ou salgada), da to-
exemple, du type (douce ou salée), comme les feuilles d’un arbre en nalidade (de si e do entorno), do solo, da profundidade, da velocidade
da correnteza, do fluxo de veículos. Os componentes materiais que
são inseridos no contexto aquático tanto influenciam na formação
4 Ibid.
5 Ibid. final da imagem quanto são também modificados pelas qualidades
6 Ibid.
7  DIDI-HUBERMAN, Georges. op. cit.
8  BACHELARD, Gaston. L’eau et les Rêves. 8  BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos.
9  CLAUDEL cité par BACHELARD, p.17. 9  CLAUDEL apud BACHELARD, p.17.
10  «  Il faut une âme bien troublée pour se tromper vraiment aux mirages de la rivière » 10 “Il faut une âme bien troublée pour se tromper vraiment aux mirages de la rivière.” (BA-
(BACHELARD, p. 29). CHELARD, p. 29).

284 Poéticas I Júlia Milward 285


et à dessiner, en supprimant ce das águas. No espaço-tempo da expedição foram detectados os
qui semblait important pour une seguintes elementos: um fragmento alaranjado flutuante que nos
réflexion future, un aperçu des reposiciona em estado de ilha; uma matéria que se encontra entre
possibilités. J’avais déjà photogra- o sobrenado e a submersão e tem a sua forma alterada pelo movi-
phié quelques-uns des fragments mento das águas, ao expandir se torna oval, ao retrair um circular;
de l’île lors de la première prome- um tijolo amarrado com um barbante branco ancorado no fundo
nade, presque comme une photo do lago, um brique rubro desbotado e negro que permanece imóvel
souvenir d’un trajet, j’ai réalisé enquanto a corda se movimenta como folhas de uma árvore em dia
quelques images plus précises qui de vento brando; um pedaço de bambu cravado no solo, meio fora,
ont été par la suite utilisés dans meio dentro, que se torna o ponto estabilidade para as delicadas
un jour de vent léger; un mor- le projet finale. Mais c’est avec la vagas que movimentam os tons vermelhos e causam vertigem pela
ceau de bambou enfoncé dans vidéo que j’ai pu effectivement ausência de horizonte.
le sol, à moitié dehors, à moitié saisir le matériel et comprendre No primeiro momento percorri a ilha para reconhecer o territó-
dedans, qui devient le point de les enjeux des projets. rio e só depois escolhi o local de avistamento11. Decidi me manter à
stabilité pour les délicates vagues Je me suis servie d’une petite margem das águas na posição de observação ao invés infiltrar fluxo,
qui déplacent les tons de rouge caméra, de type amateur, légère et preferi a distância. De onde estava não conseguia julgar a temperatu-
et provoquent le vertige de par de basse résolution. J’ai essayé de ra, o cheiro e a textura da água, afastada poderia apenas manifestar
l’absence d’horizon. maintenir la meilleure immobilité considerações através da visão e da leitura dos elementos dados. Das
Au début, j’ai parcouru l’île possible pour faire le registre de formas de fixação, comecei escrevendo e desenhando, retirando aquilo
pour reconnaître le territoire et ce que je voyais à travers le petit que me parecia importante para uma reflexão futura, um esboço
seulement alors j’ai choisi le lieu écran LCD tâché par les traces de das possibilidades. Já havia fotografado alguns fragmentos da ilha
de l’observation11. J’ai décidé de graisse de doigts négligés. J’ai eu durante a primeira caminhada, quase como uma imagem souvenir de
me maintenir en marge des eaux la sensation que, de voir à travers um trajeto, ali realizei algumas imagens mais precisas e que foram
comme position d’observation un appareil, j’ai fini par perdre les utilizadas no projeto final. Mas foi no vídeo que consegui capturar
au lieu d’infiltrer le flux, j’ai pré- contours en échange d’un seul efetivamente o material e entender as questões dos projetos.
féré la distance. D’où je me trou- point. Les images tremblent, Me servi de uma câmera pequena, do tipo amador, leve e com
vais, je ne pouvais pas juger la car le corps vivant est nécessai- pouca resolução. Tentei manter a melhor imobilidade possível para
température, l’odeur et la tex- rement mobile, les mains sont registra aquilo que via através da pequena tela LCD manchada pelas
ture de l’eau; éloignée, je ne pou- instables et deux mouvements pegadas gordurosas dos dedos desleixados. Sensação de que ao ver
vais qu’exprimer des considéra- construisent l’image: celui de l’ob- através de um aparato acabamos perdendo o entorno por um ponto
tions au travers de la vision et de jet observé et celui de l’observa- único. As imagens trepidam, pois o corpo vivo é necessariamente
la lecture des éléments donnés. teur. De celui qui voit, outre la móvel, as mãos são instáveis e dois movimentos constroem a ima-
En ce qui concerne les formes de main et le corps tout entier qui gem: o do objeto observado e daquele que observa. Daquele que vê,
fixation, j’ai commencé à écrire cherche à se tenir immobile, il y a além da mão e de todo o corpo que se esforça em ser imóvel, existe
a mente inquieta no muito olhar e aquele diante se torna um novo

11  Quand je suis arrivé sur l’île, j’avais prévu un projet, mais j’ai été confronté à un
espace différent de celui du projet. J’ai rapidement abandonné mon idée, mais Luiz 11  Quando cheguei à ilha tinha previsto um projeto, mas me deparei com um espaço
Olivieri m’a aidé à penser à une solution , qui a finalement abouti à la vidéo-objet diferente do projeto. Rapidamente abandonei a ideia, mas Luiz Olivieri me ajudou a
Phare. pensar em uma solução e acabou resultando no vídeo-objeto Farol.

286 Poéticas I Júlia Milward 287


l’esprit agité par les vues diverses, l’air, n’ont pas été fixés sur les- instante passado, frases já escutadas se inserem na imagem móvel,
et ce qui est vu devient un nouvel dites surfaces durables. Dans percepções de leituras, lembranças que se relacionam com o visto
instant passé, des phrases déjà l’exercice de traduction de la (ou não, apenas uma irrupção de um momento anterior). As palavras
entendues s’insèrent dans l’image langue intérieure vers sa forme internas, que não chegaram a tomar a forma no ar, não foram fixadas
en mouvement, des perceptions extérieure, le bloc entier de la em superfícies ditas duráveis. No exercício de tradução da língua
de lectures, des souvenirs en rap- pensée est présenté en détails interna para a externa o bloco inteiriço do pensado é apresentado por
port à ce qui vu (ou pas, simple- minimaux pour des recomposi- mínimos para recomposições, o texto final se torna outro, baseado
ment l’irruption d’un moment tions, le texte final devient autre, na voz interna que não se fez.
antérieur). Les mots intérieurs, en fonction de la voix intérieure
qui n’ont pas pris de forme dans qui ne s’est pas accomplie.

La mémoire est créée dans le passage contigu et continu d’un instant


à l’autre, et dans l’enchevêtrement de chacun d’eux, ainsi que tout
son horizon, dans l’épaisseur de l’instant suivant. La même transition
continue contient l’objet tel qu’il est là en arrière-plan, avec sa
grandeur «réelle», tel que je le verrais si j’étais à ses côtés, dans la
perception que j’ai de lui à partir d’ici.12

Les notes deviennent le maté- plusieurs moments au cours de la


riel de recherche, le début d’un journée passée sur l’île, comme A memória é fundada na passagem contígua e contínua de um
projet qui n’avait toujours pas si je reconnaissais les éléments instante no outro, e no encaixe de cada um, como todo o seu
de nom ni de forme. En réunis- interrogés par le philosophe, horizonte, na espessura do instante seguinte. A mesma transição
sant les notes, j’ai réalisé qu’il presque comme des illustrations contínua comporta o objeto tal como ele está lá ao fundo, com sua
serait important, en tant que pre- des propositions faites par lui. grandeza ‘real’, tal como o veria se estivesse ao lado dele, na percepção
mier exercice, de recomposer par Ensuite, je me suis consacrée à que dele tenho a partir daqui.12
l’écriture d’un récit à partir de la lecture des documents saisis,
la mémoire, la relation établie qui ont également été traduits As anotações se tornam o material de pesquisa, o início de um
avec la surface de l’eau au cours sous forme de texte, composé en projeto que ainda não tinha nome e nem forma. Ao reunir as notas
de l’expédition. La matière eau principe d’interprétations lit- percebi que seria importante como primeiro exercício recompor,
a été choisie car sans elle, il n’y térales pour parvenir alors à la através da escrita de um relato pela memória, a relação estabelecida
aurait pas d’île, mais seulement compréhension du trait commun com a superfície aquática durante a expedição. A matéria água foi
un mont. Les réflexions menées des images. J’ai noté au long de escolhida pelo fato de que sem ela não haveria ilha, mas apenas um
au cours de l’étude ont été direc- tout le processus que l’intention cerro. As reflexões durante o estudo estavam diretamente atreladas
tement liées au livre L’eau et les était de réunir les trois temps ao livro L’eau et les Rêves de Gaston Bachelard, voz que, aliás, escutei
Rêves Gaston Bachelard, une voix de la mémoire de la même expé- por vários momentos durante a jornada na ilha, como se reconhecesse
que j’ai d’ailleurs écouté pendant rience, à savoir, ce dont vous vous ali os elementos questionados pelo filósofo, quase como ilustrações

12  MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard, 12  MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard,
1972. p. 306 — 307. 1972. p. 306 — 307.

288 Poéticas I Júlia Milward 289


souvenez, ce qui a été enregistré entre le présent et l’absent, ainsi das propostas feitas por ele. Em seguida me dediquei à leitura dos
et la lecture postérieure de ce qui que le récit résultant de cette registros capturados, que também foram traduzidos na forma de
a été enregistré. La confrontation relation. texto, à principio composto por interpretações literais até chegar
na compreensão do elemento de união das imagens. Percebeu-se ao
longo do processo que o intuito era reunir os três tempos da memórias
sobre a mesma experiência, ou seja, o daquilo que se lembra, o que
foi capturado e a leitura posterior do que foi registrado. O confronto
entre o presente com o ausente e a narrativa resultante desse embate.

Ler as águas que transformaram o cerro em ilha.


Posicionar-se à margem para a anotação dos movimentos.
Fixar, associar e reorganizar os elementos percebidos.

Produto final de velocidades distintas, entre o olhar movente e a


correnteza variável, a impressão da textura aquosa
Lire les eaux qui ont transformé le mont en île. é o resultado desse duplo movimento.
Prendre position en marge pour faire le registre des mouvements. A superfície buliçosa aproxima o céu do profundo
Fixer, associer et réorganiser les éléments perçus. em aparência de dupla exposição.
O distante e o próximo se confundem em um aplainado.
Produit final de vitesses différentes, entre le regard mouvant et le Horizonte perdido no plano móvel.
courant variable, l’impression de la texture aqueuse Quando os movimentos ganham velocidades,
est le résultat de ce double mouvement. a imagem se desfaz antes do nome.
La surface animée rapproche le ciel du profond As formas animadas se manifestam por verbos
en apparence de double exposition. originando um discurso fragmentário de aparência frívola.
Le distant et le proche se confondent sur la surface plate. Rompimento do diante em uma face.
Horizon perdu sur le plan mobile. O rosto marciano da região de Cydonia Mensae
Lorsque les mouvements prennent leurs vitesses, se decompõe na paisagem do Monte Rosa.­­13
l’image se désintègre avant le nom.
Les formes animées se manifestent par des verbes donnant O título Precipitações veio somente quando a proposta estava clara
naissance à un discours fragmentaire d’apparence f rivole. e havia nitidez e encadeamento entre as imagens. Escolheu-se esse
Rupture de ce qui est face à nous sur un visage. substantivo por causa dos significados apresentados pelos dicioná-
Le visage martien de la région Cydonia Mensae rios de língua portuguesa: o ato ou efeito de precipitar; queda, descida;
se décompose dans le paysage du Mont Rosa.13 irreflexão. Três definições que se relacionam não só com a matéria
água, mas, como também, por causa do vínculo que foi estabelecido
Le titre Précipitations n’est netteté et un enchaînement entre durante o processo de construção artística do projeto, entre o posi-
apparu que lorsque la proposition les images. Ce substantif a été cionamento do corpo no espaço, a forma de captura das imagens e
était claire et qu’il y avait de la choisi en raison des significations as intepretações dos arquivos com as reflexões sobre o instante. O

13  Fragment du texte Précipitations, Júlia Milward (2016). 13  Fragmento do texto Précipitations, de Júlia Milward (2016).

290 Poéticas I Júlia Milward 291


données par les dictionnaires de langue portugaise: l’acte ou l’effet de vídeo é apresentado em três telas: na primeira a imagem repetida
précipiter; chute, descente; absence de réflexion - irréflexion. Trois défi- do fluxo da água do lago, na segunda o texto narrativo e na terceira
nitions qui se rapportent non seulement à l’eau en tant que matière, os elementos que intervém na superfície da água.
mais aussi, à cause du lien qui a été établi au cours du processus de
construction artistique du projet, entre le positionnement du corps
dans l’espace, la forme de capture des images et les intepretations
des documents avec les réflexions sur l’instant. La vidéo est présen-
tée sur trois écrans: sur le premier, l’image répétée du flux de l’eau
du lac, sur le deuxième, le texte narratif, et sur le troisième, les élé-
ments intervenant sur la surface de l’eau.

292 Poéticas I Júlia Milward 293


LUCIANA PAIVA

Un mot seul: Uma palavra sozinha:


une pensée en île pensamento em ilha
LUCIANA PAIVA LUCIANA PAIVA

J’ai suivi le mot par tant de chemins Segui a palavra por tantos caminhos
Il s’arrêta une fois pour me sourire Ela se deteve uma vez para me sorrir
Il n’avait ni tête Ela não tinha cabeça
ni nuque nem nuca
Il n’avait ni bras Não tinha braços
ni jambes nem pernas
et ma bouche surprise e minha boca surpresa
modulait son nom1 modulava seu nome1

Il se peut que derrière l’image écrite, derrière son organisation Pode ser que por trás da imagem da escrita, por trás de sua organi-
sous-entendue, de son architecture transparente et de la rigidité zação subentendida, de sua arquitetura transparente e da rigidez
dissimulée de la linéarité fluide; il se peut que tout ce décor syn- disfarçada de linearidade fluida; pode ser que todo este cenário
thétique de la page soit uniquement un piège ingénieux servant à sintético da página seja apenas uma engenhosa armadilha para
capturer la « pensée-paysage 2 ». capturar o “pensamento-paisagem”2.
La page, avec ses lignes verticales et horizontales, offre l’image A página, com suas linhas verticais e horizontais, oferece a ima-
d’une mesure: les coordonnées de l’espace libre de la pensée. Mais gem de uma medida: as coordenadas do espaço solto do pensamento.
avant de trouver son axe, avant d’être capturé par la grille invisible Mas antes de encontrar seu eixo, antes de ser capturada pela grade
de la page, le mot flotte comme une île à l’extérieur du terrain – dans invisível da página, a palavra flutua como uma ilha no fora de cam-
la pensée. J’aperçois le mot à distance ou la distance du mot, plate- po – no pensamento. Avisto a palavra à distância ou a distância da
forme minimale, le contour flou d’un lieu. palavra, plataforma mínima, o contorno turvo de um lugar.
Je ne veux pas dire qu’un lieu spécifique coincide avec le mot que Não quero dizer que um lugar específico coincida com a palavra
j’aperçois. Ce que son contour nous offre, c’est quelque chose qui que avisto. O que seu contorno oferece é algo como uma interseção,
ressemble à une intersection, une ligne indéfinie, oscillante, qui fait uma linha indefinida, oscilante, que faz surgir a margem. Dentro de
seu contorno pode haver um ou mais lugares subentendidos. Mas é
1  JABÉS, Edmond. Nuits de béton ou mots étrangers.
2  COLLOT, Michel. Poética e filosofia da paisagem. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 1  JABÉS, Edmond. Noites de concreto ou palavras estrangeiras.
2013. p. 12. 2  COLLOT, Michel. Poética e filosofia da paisagem. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2013. p. 12.

294 Poéticas I Luciana Paiva 295


surgir les marges. A l’intérieur Mot étranger na própria palavra que vejo surgir essa interseção, uma possibilidade
de son contour, il peut y avoir Regarder le mot comme on de significação: “Entre a carne demasiado viva do acontecimento
un ou plusieurs lieux sous-en- regarde une pierre, « dans toute literal e a pele fria do conceito corre o sentido”3.
tendus. Mais c’est dans le mot son épaisseur5 », en le faisant Avisto uma palavra sozinha à distância e aos poucos o silêncio
même que je vois surgir cette tourner du bout des doigts, cabe dentro de um sentido. Desconfortável, às vezes, o sentido se
intersection, une possibilité de en tatant sa signification et sente dentro da palavra que avisto. Não cabe completamente ou não
signification: « Entre la chair trop son secret, son « enveloppe cabe o suficiente. “Há um lapsus essencial entre as significações, que
vivante de l’événement littéral et concrète 6 ». Regarder le mot não é a simples e positiva impostura de uma palavra nem mesmo a
la peau froide du concept, coule comme une chose et partir de memória noturna de toda a linguagem”.4
le sens3 ». lui vers le lieu7. O sentido corre pela palavra, mas não se preocupe, ele passa.
J’aperçois un mot seul à dis- C’est ainsi que s’est produit en
tance et, petit à petit, le silence partie le processus de réalisation Palavra estrangeira
prend place dans un sens. Incon- du travail ‘mot étranger’: en pre- Olhar a palavra como se olha uma pedra, “em toda sua espessura”5, giran-
fortable, parfois, le sens se sent mier lieu, adopter le mot-île comme do-a na ponta dos dedos, tateando seu sentido e seu segredo, sua “car-
à l’intérieur du mot que j’aper- une chose, comme une portion de nadura concreta”6. Olhar a palavra como coisa e partir dela para o lugar7.
çois. Il ne tient pas complétement terre, un raccourci. Et ensuite, en le Foi assim que se deu parte do processo de realização do trabalho
dedans ou n’y tient pas suffisam- regardant de près et pendant long- ‘palavra estrangeira’: em primeiro lugar, adotar a palavra-ilha como
ment. « Il existe un lapsus essen- temps, attendre de voir surgir un coisa, como uma porção de terra, um atalho. E então, ao olhá-la de
tiel entre les significations, qui plissement, une fissure, une ouver- perto e por muito tempo, esperar surgir uma dobra, uma fissura,
n’est pas la simple et positive ture. Attendre qu’elle révèle le lieu. uma abertura. Esperar que ela revele o lugar.
imposture d’un mot ni même Que fait un homme qui arrive
la mémoire nocturne de tout le au bord du précipice, qui a le ver- Que faz um homem que chega a beira do precipício, que tem vertigem?
language4 ». tige ? Instinctivement il regarde Instintivamente olha para o que está mais perto (...) Olhamos muito
Le sens coule dans le mot, ce qu’il y a de plus proche (...) atentamente o pedregulho para não ver o resto. Mas acontece que o
mais ne s’en soucie guère, il y Nous regardons très attentive- pedregulho se entreabre, por sua vez, e se torna também um precipício.8
passe. ment le rocher pour ne pas voir
le reste. Mais il arrive que le Ao olhar a palavra-ilha nessa proximidade vertiginosa cada letra
rocher s’entrouvre, à son tour,
3  DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 105.
3  DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 105. 4  Ibid., p. 100.
4  Ibid., p. 100. 5  PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 45.
5  PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 106. 6  MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra: 1962 — 1965. Rio de Janeiro: Nova
6  MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra: 1962 — 1965. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 21.
Fronteira, 1996. 7  O poeta francês Francis Ponge apresenta a fórmula “Tomar o Partido das Coisas =
7  Le poète français Francis Ponge présente la formule « Prendre le Parti des Choses Levar em Consideração as Palavras” como parte do método de escrita de seus poemas
= Prendre en Compte les Mots » comme faisant partie de la méthode d’écriture de (PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997). A partir de sua fórmula e das
ses poèmes (PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997). A partir de sa “lições para aprender da pedra” do poema de João Cabral de Melo Neto (A educação pela
formule et des « leçons pour apprendre de la pierre » du poème de João Cabral de Melo pedra: 1962 — 1965. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 21), sugiro que o processo do
Neto (A educação pela pedra: 1962 — 1965. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 21), trabalho “palavra estrangeira” tome o partido da palavra como coisa, como pedra, para
je suggère que le processus de travail ‘mot étranger’ prenne le parti du mot comme dela seguir em direção ao lugar.
chose, comme pierre, pour suivre, à partir de lui, en direction du lieu. 8  PONGE, Francis. op. cit., p. 106.

296 Poéticas I Luciana Paiva 297


Figs 1, 2 e 3: Luciana Paiva. Palavra estrangeira, 2016. 4 plataformas de cerca de 15 ×
20 × 20 cm (feitas de recortes de papéis diversos, seixo, madeira, conchas e projeção de
sombra) dispostas sobre a parede. Montagem realizada para a exposição ILHA do grupo
‘vaga-mundo: poéticas nômades’ no espaço cultural Elefante em Brasília.
Figs 1, 2 et 3: Luciana Paiva. Palavra estrangeira, 2016. 4 plate-formes d’environe 15 ×
20 × 20 cm (faites de découpages en papiers divers, galet, bois, coquillages et projec-
tion d’ombres) disposées sur le mur. Montage réalisé pour l’exposition ILHA du groupe
‘vaga-mundo: poétiques nomades’ à l’espace culturel Elefante à Brasília.

et qu’il devienne également un Former des phrases se deslocou, se desprendeu, um leve desmoronamento revelou al-
précipice8. Si regarder la pierre produit gumas porções do lugar. A palavra soletrada em unidades de pedra.
En regardant le mot-île de cette un déplacement, rassembler Mas o rastro do lugar contido na palavra não exclui a possibilidade
proximité vertigineuse, chaque quelques pierres et les dispo- dela nomear qualquer outra ilha. Eis a vertigem da palavra, sempre
lettre s’est déplacée, s’est déta- ser à la manière des artistes du indo e vindo dentro de sua imobilidade de coisa.
chée, un léger écroulement a révélé land art9 se rapproche de la for-
quelques portions du lieu. Le mot mation d’une phrase, un « pay- Formar sentenças
épelé dans des unités de pierre. sage-phrase 10 » dans lequel l’outil Se olhar a palavra como pedra produz deslocamento, juntar algumas
Mais la trace du lieu contenu dans d’écriture est le corps lui-même. pedras e dispô-las à maneira dos artistas da land art9 tem algo de
le mot n’exclut pas la possibilité Un mouvement qui ne produit formar uma sentença, uma “paisagem-frase”10 onde o instrumento
qu’il a de nommer une toute autre pas de discours, mais un parcours. de escrita é o próprio corpo. Movimento que não produz discurso,
île. Voilà le vertige du mot, tou- Avant la première inscription mas percurso.
jours dans ses allers-retours à l’in- sur de la pierre, le déplacement, Antes da primeira inscrição na pedra, o deslocamento, a escolha
térieur de son immobilité de chose. le choix de l’espace, la dsiposition do espaço, a disposição das pedras sobre o chão. Antes da fronteira
da língua, da barreira do dicionário, da demarcação do significado,
a palavra é imagem e serve para a composição de espaços. “Here
8  PONGE, Francis. op. cit., p. 106.
9  Je me réfère spécifiquement à Richard Long, qui declare avoir choisi de faire de l’art
en marchant, en utilisant des lignes et des cercles, ou des pierres et des jours » (LONG, 9  Refiro-me especificamente a Richard Long, que declara ter escolhido fazer arte ca-
1898 cité par CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São minhando “utilizando linhas e círculos, ou pedras e dias” (LONG, 1898 apud CARERI,
Paulo: G. Gili, 2013. p. 110). Les actions de Long remontent à un « acte primaire de Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gili, 2013. p. 110).
transformation symbolique du territoire » (p. 123) présent dans toute l’histoire de As ações de Long remontam a um “ato primário de transformação simbólica do território”
l’architecture et de la sculpture. (p. 123) presente em toda a história da arquitetura e da escultura.
10  TIBERGHIEN cité par CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática 10  TIBERGHIEN apud CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética.
estética. São Paulo: G. Gili, 2013. p. 139. São Paulo: G. Gili, 2013. p. 139.

298 Poéticas I Luciana Paiva 299


des pierres sur le sol. Avant la bande exiguë de terre. Des mots language is built, not written.”11.
frontière de la langue , la barrière nomades, donc. Solitaires. Inter- Um livro sobre a origem das coisas só poderia ser um livro de cor, luz
du dictionnaire, la démarcation dits. Consternés. Comme toute e composição. Sentença de imagens, disposição no tempo e no espaço,
du sens, le mot est image et sert à phrase. Toute page. Tout livre12. leitura de encontros - o ‘livro da criação’ de Lygia Pape e os pré-livros
la composition d’espaces. « Here Le mot, dépatrié, ne veut pas de Bruno Munari. O desenho geométrico das sentenças no espaço. A
language is built, not written. »11. de place définie. Il plisse le sens, construção ritmica do virar de páginas.
Um livre sur l’origine des plissement du sens. L’incommu- Dos arranjos de pedra, de luz e de sombra ao surgimento de
choses ne pourrait être qu’un livre nicabilité réside dans le paysage caracteres negros sobre a página branca, a palavra existe, resiste,
de couleur, lumière et composi- du mot. como uma miniatura que forma o horizonte. Sozinha, de longe, a
tion. Une phrase d’images, dispo- palavra acena à margem.
sition dans le temps et l’espace, Un lieu illisible
lecture de rencontres – le ‘livre L’expérience de l’expédition sur Na medida que é uma interrogação, portanto, nenhuma palavra pode
de la création’ de Lygia Pape et les l’Ile du Retiro avec le groupe responder a outra. No máximo elas podem desejar-se na arriscada e
pré-livres de Bruno Munari. Le Vaga-mundo: poétiques nomades aventureira distancia que as divide e as une: um intervalo impercep-
dessin géométrique des phrases a été une expérience de suspen- tível, uma exígua faixa de terra. Palavras nômades, então. Solitárias.
dans l’espace. La construction sion: comment se trouver dans Interditas. Consternadas. Como toda frase. Toda página. Todo livro.12
rythmique du tourner des pages. un lieu aussi familier que Brasília
Depuis les compositions de (ville où je suis née et ai vécu) A palavra despatriada, não quer um lugar definido. Dobra o sentido,
pierre, de lumière et d’ombre sans être exactement dans ce lieu dobra do sentido. A incomunicabilidade reside na paisagem da palavra.
jusqu’à l’apparition de caractères (au bout du compte, existe-t-il
noirs sur la page blanche, le mot une île ici à Brasília ?) Le contour Um lugar ilegível
existe, résiste, comme une minia- fluide du lieu à l’extérieur de sa A experiência da expedição à ilha do retiro com o grupo Vaga-mundo:
ture qui forme l’horizon. Seul, de démarcation. Dans la ville pla- poéticas nômades foi uma experiência de suspensão: como estar em
loin, le mot fait signe à la marge. nifiée, démarquée par un x au um lugar tão familiar (Brasília, cidade em que eu nasci e vivi) sem
Dans la mesure où il s’agit centre du pays, surgit notre des- exatamente estar nesse lugar (afinal de contas, existe uma ilha aqui?).
d’une interrogation, aucun mot tin secret, une île impossible. La O contorno fluido do lugar fora de sua demarcação. Dentro da cida-
ne peut donc répondre à l’autre. preuve de l’imprévisibilité. de planejada, demarcada com um x no centro do país, surge nosso
Au maximum, ils peuvent se Toute île est « presque une fic- destino secreto, uma ilha impossível. A prova da imprevisibilidade.
désirer réciproquement dans la tion sans pour autant renoncer à sa Toda ilha é “quase ficção sem deixar de constituir uma realidade”13,
dangereuse et aventurière dis- réalité 13 », toute île porte l’utopie toda ilha carrega a utopia do refúgio e da separação, comporta uma
tance qui les sépare et les unit: du refuge et de la séparation, elle solidão imaginada.14 Mas a ilha do retiro, que emerge de um lago
un intervalle imperceptible, une comporte une solitude imaginée14.
11  “Aqui a linguagem é construída, não escrita” (SMITHSON, Robert. Language to be
11  « Ici le language est construit, non pas écrit » (traduction libre de l’auteure). looked at and/or things to be read (1967). In: SMITHSON, Robert. The collected writings.
(SMITHSON, 1996. P.61) Editado por Jack Flam. Berkeley; Los Angeles; Londres: University of California Press,
12  MALDONATO, Mauro. Raízes errantes. São Paulo: Sesc; Editora 34, 2004. p. 31. 1996. p. 61, tradução livre).
13  ANDRADE, Carlos Drummond. Passeios na ilha. In: ANDRADE, Carlos Drummond. 12  MALDONATO, Mauro. Raízes errantes. São Paulo: Sesc; Editora 34, 2004. p. 31.
Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. 13  ANDRADE, Carlos Drummond. Passeios na ilha. In: ANDRADE, Carlos Drummond.
14  DELEUZE, Giles. Causas e razões das ilhas desertas. In: DELEUZE, Giles. A ilha Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
deserta e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2005. 14  DELEUZE, Giles. Causas e razões das ilhas desertas. In: DELEUZE, Giles. A ilha deserta

300 Poéticas I Luciana Paiva 301


Mais l’île du Retiro, qui émerge de la chose que le mot désigne? artificial no meio de uma cidade criada para ser a capital do país é
d’un lac artificiel en plein milieu 16
 » Regarder le mot comme chose menos invenção do que a própria cidade.
d’une ville créée pour être la capi- et partir d’elle en direction du A palavra-ilha contorna o lugar, ela se aproxima pelas bordas e ao
tale du pays, consitue moins une lieu, c’est choisir le lieu le plus mesmo tempo captura o pensamento fora desse lugar. “O lugar não
invention que la ville elle-même. proche et le plus distant, l’in- é o Aqui empírico e nacional de um território. Imemorial, é portanto
Le mot-île contourne le lieu, connu du mot. Tatonner le lieu também um futuro”.15 O lugar nomeado contém o lugar desejado.
il s’approche par les bords et, en et supposer une rencontre avant A palavra-ilha emerge das múltiplas possibilidades contidas entre
même temps, il capture la pensée la signification. Ce qui se lit dans o lugar e a palavra. Das demarcações improváveis, interseções pos-
en dehors de ce lieu. « Le lieu n’est le mot-île, c’est « l’impossibilité síveis, nomeações insuficientes, do hiato contido em toda palavra.
pas l’Ici empirique et national d’un de la lecture 17 », ce qui est vérifié, “De onde vem essa diferença, essa margem inconcebível entre a
territoire. Immémorial, c’est donc c’est l’impossibilité du lieu. S’il definição de uma palavra e a descrição da coisa que a palavra desig-
églement un avenir15 ». Le lieu est possible que l’expérience tac- na?”16. Olhar a palavra como coisa e partir dela em direção ao lugar
nommé contient le lieu désiré. tile, le déplacement et le parcours é escolher o lugar mais próximo e mais distante, o desconhecido
Le mot-île émerge des multi- préparent les phrases, alors, peut- da palavra. Tatear o lugar e supor um encontro antes do sentido. O
ples possibilités contenues entre être, le lieu existe avant sa véri- que se lê na palavra-ilha é a “impossibilidade da leitura”17, o que se
le lieu et le mot. Des démarca- fication, dans l’idée du déplace- verifica é a improbabilidade do lugar. Se é possível que a experiência
tions improbables, des intersec- ment jusqu’à lui, ou encore, dans tátil, o deslocamento e o percurso preparem as sentenças; então,
tions possibles, des nommina- le mot-île qui comporte autant de talvez o lugar também exista antes de sua verificação, na ideia do
tions insuffisantes, du hiatus lieux qu’il est nécessaire.18 deslocamento até ele, ou ainda, na palavra-ilha que comporta quantos
contenu dans tout mot. « D’oú Le doute du lieu que le mot lugares forem necessários.
provient cette différence, cette comporte est utopique. Mais c’est A dúvida do lugar que a palavra comporta é utópica. Mas é a
marge inconcevable entre la défi- la possibilité d’une rencontre qui possibilidade de um encontro que define seu sentido.
nition d’un mot et la description définit son sens.

15  DERRIDA, Jacques. op. cit., p. 94. e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2005.
16  PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 21. 15  DERRIDA, Jacques. op. cit., p. 94.
17  CORONA, Joana. O traço de uma sobra: sombra. 2013. Disponible sur: <joanacoro- 16  PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 21.
na.wordpress.com>. (consulté le 6/10/2017). 17  CORONA, Joana. O traço de uma sobra: sombra. 2013. Disponível em: <joanacorona.
18  MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 222. wordpress.com>. Acesso em: 6 out. 2017.

302 Poéticas I Luciana Paiva 303


LUIZ OLIVIERI & JÚLIA MILWARD

De l’île vers le Farol Da ilha ao Farol


LUIZ OLIVIERI & JÚLIA MILWARD LUIZ OLIVIERI & JÚLIA MILWARD

L’île do Retiro, Ilha do Retiro,


Derrière la ville, nas costas da cidade,
bordée par le bruit constant de l’eau. delimitada pelo constante som de água.

Nous avons spéculé des coordonnées, Especulamos coordenadas,


cartographié des effets, des signes et des vestiges. mapeamos efeitos, sinais e vestígios.
L’impression d’un microcosme accordée par le sens. Sentidos para impressão de um microcosmo.

Les nuages sombres ne sont pas précipités. As nuvens escuras não precipitaram.

Nous avons amené quelques images, écrits, dessins, sons, pierres et un Trouxemos de lá algumas imagens, escritos,
peu de terre. desenhos, sons, pedras e um pouco de terra.

Nous avons découvert l’île. Descobrimos a ilha.

Nous avons décidé de construire un Phare pour que d’autres Decidimos construir um Farol para que outros
navigateurs puissent également y débarquer. navegantes também pudessem ali aportar.

Farol quatre tablettes, l’une de chaque Farol


Farol (2016) est un partenariat côté du morceau, qui sont à la Farol (2016) é uma parceria entre Júlia Milward e Luiz Olivieri, um
entre Julia Milward et Luiz Oli- hauteur de l’œil de l’observateur. video-objeto composto por uma peça de madeira com quatro lados
vieri, un vidéo-objet composé Dans chaque tablette il y une com dimensões de 190 x 28 x 28 cm e quatro tablets, um em cada
d’un morceau en bois à quatre transmission en séquence d’un lado da peça, que ficam na altura do olhar do observador. Em cada
côtés de 190 x 28 x 28 cm et extrait de l’enregistrement d’une tablet é reproduzido, em sequência, um trecho do registro de uma
corrida solitária feita em torno da Ilha do Retiro1.

1  A Ilha do Retiro é a segunda maior das três ilhas do Lago Paranoá, em Brasília, Distrito

304 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 305


course en solitaire faite autour Pendant l’expédition, chacun
de l’île do Retiro1. a essayé de mener ses recherches
Le travail est né à partir sur le lieu. Les miennes étaient
d’une expédition que le groupe achevées, car je les ai planifiées
Vaga-mundo2 a faite à l’Île do lors de la préparation du voyage,
Retiro au Lac Paranoa, à Brasi- entretemps, il restait encore
lia. Malgré avoir passé moins de quelques heures de séjour dans
24 heures sur l’île, nous avons notre petite île. J’ai décidé donc,
pu y amener un ensemble d’ex- de parcourir l’étroit chemin de
périences, qui composent une terre qui l’entourait, tout en enre-
petite collection d’œuvres ainsi gistrement l’action avec la caméra
qu’une exposition3 comptant sur sur un trépied et y revenant pour,
différents points de vue concer- à chaque fois l’amener plus loin.
nant les 10 mil mètres carrés que Il n’y avait aucune qualité excep-
nous occupons sur le lac. tionnelle dans l’action. Le meil- O trabalho surgiu a partir de uma expedição que nós do vaga-
leur que j’ai pu penser c’est que -mundo2 fizemos à Ilha do Retiro, no Lago Paranoá, em Brasília.
Rapport | Luiz telle action renforçait le contour Embora tenhamos passado na ilha menos de 24 horas, dali levamos
Le Farol résulte de la fusion de caractéristique de l’île. um conjunto de experiências, que renderam uma pequena coleção
certains processus au cours d’une Au fil du temps, avec la pré- de obras e uma exposição3 com os diferentes pontos de vista acerca
année. La première action, envi- paration de l’exposition du dos 10 mil metros quadrados que ocupamos sobre o lago.
sagée par Julia, a été de faire plu- groupe, l’idée de faire que la
sieurs tours autour de l’île. Au vidéo tourne également dans Relato | Luiz
départ, notre intention n’était l’espace est venue, et ainsi, nous O Farol resultou da junção de alguns processos ao longo de um ano. A
pas de construire un phare pour avons construit le Phare. Chaque primeira ação, vislumbrada por Júlia, era dar várias voltas em torno
avertir les voyageurs qu’il y avait voyageur pourrait parcourir et da ilha. Não era nossa intenção inicialmente, construir um farol que
une petite île. faire le tour d’une petite île dans avisasse aos viajantes que ali havia uma pequena ilha.
Durante a expedição, cada um tratou de fazer as suas investigações

1  L’Île do Retiro est le deuxième plus grande des trois îles du Lac Paranoá à Brasilia,
District Fédéral. D’environ 1,0 hectare, est situé près de la ML 7 du Lac Nord et elle Federal. Tem aproximadamente 1,0 hectare, está localizada próxima da ML 7 do Lago
est déclarée réserve écologique du Lac Paranoá. Les deux autres îles du lac sont l’île Norte e é declarada Reserva Ecológica do Lago Paranoá. As outras duas ilhas do lago
Paranoá et Île dos Clubes. (Wikipédia). são Ilha do Paranoá e Ilha dos Clubes. (Fonte: Wikipedia).
2  Le Groupe de Recherche Vaga-Mundo : Poétiques Nomades (CNPq) est coordonné 2  O Grupo de Pesquisa Vaga-Mundo: Poéticas Nômades (CNPq) é coordenado pela profes-
par la professeure Dr. Karina Dias et formé par des artistes-chercheurs, maîtres et sora dr ª. Karina Dias e formado por artistas-pesquisadores, mestrandos e doutorandos
doctorants rattachés au Département d’arts visuels de l’Université de Brasilia, réunis ligados ao Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília, reunidos pelo desejo
par le désir d’étudier la relation entre l’homme et le paysage, entre l’immensité de de investigar as relações entre o homem e a paisagem, entre a imensidão dos espaços e
l’espace et le caractère unique de celui qui les exécute. Tout en alliant la pratique artis- a singularidade daquele que os percorre. Aliando a prática artística, a reflexão teórica
tique, la réflexion théorique et l’expérience dans les espaces-extrêmes, notre intention e a experiência em espaços-extremos, a nossa intenção é a de construir uma poética
est de construire une poétique nomade à partir des déplacements, des expéditions nômade a partir dos deslocamentos, das expedições artísticas realizadas pelo grupo nos
artistiques entreprises par le groupe dans différentes parties du monde. diferentes lugares do mundo.
3  L’exposition de ces œuvres a été appelé «Ilha» et a eu lieu pendant les mois de Mai 3  A exposição desses trabalhos se chamou “Ilha” e aconteceu durante os meses de maio
et Juin au Centre Culturel Elefante à Brasilia. e junho no Centro Cultural Elefante, em Brasília.

306 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 307


no local. Eu já havia feito as minhas, planejadas durante a preparação
da viagem, mas ainda sobravam algumas horas de permanência na
nossa pequena ilha. Resolvi, então, fazer a corrida sobre a estreita
faixa de terra que a delimita, registrando a ação com a câmera para-
da sobre um tripé e retornando para cada vez leva-la mais adiante.
Não havia nenhuma qualidade excepcional na ação. O melhor que
pude pensar é que aquele procedimento reforçava o contorno ca-
racterístico da ilha.
Com o passar do tempo, com a preparação da exposição do grupo,
surgiu a ideia de fazer com que o vídeo também girasse no espaço, e
assim, construímos o Farol. Cada viajante poderia percorrer e con-
tornar uma pequena ilha na galeria. Assim, fizemos o deslocamento
da Ilha do Retiro para o espaço expositivo.
Mesmo diante de pequenos tablets, o público tem uma sensação
la galerie. C’est alors que nous me suis vue dans un véhicule à de imersão no trabalho em um ambiente passível de ser habitado
avons fait le déplacement de moteur sur la petite portion de corporalmente. A cada experiência do público, surge uma ilha distinta.
l’île du Retiro vers l’espace de terre entourée d’eau, parcourant A obra quebra com o plano bidimensional do vídeo, provoca pe-
l’exposition. le petit territoire à une vitesse de quenos giros, redemoinhos que atraem e expulsam os navegantes.
Devant les petites tablettes, le 5 km/h. L’action est filmée par
public a un sentiment d’immer- 4 caméras, chacune placée à un Relato | Júlia
sion dans un environnement qui point cardinal du territoire et Começa por uma imagem mental desenhada num riso contido. A
peut être habité corporellement. projetée en Loop. Malheureuse- realização de um gesto inútil, de uma ação propositalmente absur-
À chaque expérience du public, il ment, la confrontation entre la da: um roadtrip numa ilha. A repetição de uma cena que parece a
apparaît une île différente. conception et l’existant a empê- mesma, sem indicações sobre o ponto inicial ou final do processo.
L’œuvre brise le plan bidi- ché l’accomplissement du plan Me projetei guiando um veículo motorizado na pequena porção de
mensionnel de la vidéo, pro- à souhait, parce qu’évidemment terra cercada de água por todos os lados, percorrendo o pequeno
voque de petits tours, tourbil- l’entrée des véhicules sur l’île do território em velocidade de 5km/h. A ação filmada por 4 câmeras,
lons qui attirent et expulsent les Retiro était interdite. Il était hors cada uma localizada em um ponto cardinal do território e projetada
navigants. de question de faire le même par- em loop. Infelizmente, o confronto entre o projetado e o existente
cours en jet-ski parce qu’on devait impediu que o plano fosse efetivado como o desejado, pois, obvia-
Rapport | Julia le faire par terre et non par eau. mente, não era permitida a entrada de veículos na ilha do retiro. A
Tout commence par une image Alors j’ai choisi de marcher avec ideia de realizar a mesma trajetória em jet-ski estava fora dos planos,
mentale d’un rire contenu. La réa- insouciance, de façon monotone pois o atravessar deveria acontecer pela terra e não pela água, logo
lisation d’un geste inutile, d’une sans beaucoup de variations, acabei optando pelo andar do tipo sem qualidades, monótono, sem
action absurde, voulue : un road comme dans Cuentos Patrióticos muitas variações, como no Cuentos Patrióticos (1997) de Francis Alÿs.
trip sur une île. La répétition (1997) de Francis Alÿs. Cepen- Porém, ao chegarmos na ilha, logo percebi a ausência de trilhas por
d’une scène qui semble la même, dant, une fois sur l’île, j’ai vite todos os lados interrompia a circulação e o terreno não permitia a
sans indications concernant le compris l’absence de sentiers, ce realização do projeto previsto. Tentei explorar o território mas o
début ou la fin du processus. Je qui compromettait la circulation, resultado era decepcionante. Me pus à margem e me dediquei à agua

308 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 309


ne permettant pas la réalisa- le rôle de passerelles entre les (ver o texto “Precipitações), enquanto Luiz realizava aquilo que eu
tion du projet prévu. J’ai essayé images, faisant le lien entre les quis abandonar, ele pensou em uma solução plástica da ordem da
d’explorer le territoire, mais le prises vidéo et créent un environ- montagem e da ilusão. O trabalho que poderia ter sido completa-
résultat a été décevant. À l’écart, nement pour que l’espace d’expo- mente abandonado por uma inconveniências de ordem pragmática
je me suis consacrée à l’eau (voir sition puisse s’incorporer è l’ac- foi solucionado com uma parceria. Apenas mais tarde pensou-se
le texte «Précipitations), tandis tion qui est reproduite. nas quatro telas de reprodução e no formato totem de apresentação.
que Luiz accomplissait ce que je Les coins sont vides, agissent Assim, surgiu o Farol.
voulais abandonner. Il pensait à comme des traits d’union qui
une solution plastique de l’ordre créent des endroits entre les As quinas do Farol
du montage et de l’illusion. Le mots, reliant les différents plans. A sequência da corrida na ilha, reproduzida em um dos tablets, é
travail qui aurait pu être complè- Pour le philosophe Français interrompida para continuar no tablet seguinte. Quem está diante
tement abandonné dû à un incon- Gaston Bachelard, les coins ont do trabalho percebe por meio do som de água e dos passos da cor-
vénient a été résolu grâce à un une logique qui leur est propre. rida que algo acontece no tablet ao lado. Para se ter a experiência
partenariat. Les quatre écrans de Ses contradictions provoquent completa da corrida na ilha, é preciso passar pelos 4 lados da peça
transmission et le format de pré- des mouvements dans l’espace de madeira e, consequentemente, pelas 4 quinas.
sentation totem ont été pensés pour ceux qui osent rêver. Ils Quem observa o trabalho a partir de uma de suas quinas percebe
plus tard. C’est ainsi que naquit deviennent des refuges. o momento exato em que um tablet apaga e o outro acende. As qui-
le Farol. nas no trabalho funcionam como pontes entre as imagens, fazem a
(...) pour les rêveurs de coins, an- ligação entre uma tomada e outra do vídeo, criam um lugar para que
Les coins du Farol gles, trous, rien n’est vide, la dialec- o espaço expositivo possa ser incorporado à ação que é reproduzida.
La séquence du parcours sur l’île, tique du plein et du vide correspond Os cantos são vazios, funcionam como hifens que criam lugares
transmise dans une des tablettes, à seulement deux irréalités géo- entre as palavras, ligam planos diferentes. Para o filósofo francês
est interrompue pour continuer métriques. Le fait d’y habiter fait Gaston Bachelard, os cantos possuem uma lógica própria. Suas
dans la prochaine tablette. Qui est le lien entre le plein et le vide. Un contradições provocam movimentos no espaço para quem ousa
face à l’œuvre s’aperçoit par le son être vivant remplit un refuge vide. sonhá-los, tornam-se refúgios.
de l’eau et des pas que quelque Et les images habitent.4
chose se produit dans la tablette (...)para grandes sonhadores de cantos, de ângulos, de buracos, nada é
à côté. Pour obtenir l’expérience L’absurde vazio, a dialética do cheio e do vazio corresponde apenas a duas irre-
complète du parcours de l’île, il La course de l’île est une action alidades geométricas. A função de habitar faz a ligação entre o cheio
faudra passer par les 4 côtés du qui se rapporte à l’idée de l’ab- e vazio. Um ser vivo enche um refúgio vazio. E as imagens habitam.4
morceau en bois et par consé- surde et de l’antilogique Dadaïste.
quent, par les 4 coins. D’autres artistes comme Fran- O absurdo
Celui qui observe le travail à cis Alys, Andy Goldsworthy, A corrida na ilha é uma ação que se relaciona com a ideia de absurdo
partir de l’un de ses coins s’aper- Marcel Broodthaers, le groupe e da anti-lógica Dadaísta. Outros artistas como Francis Alys, Andy
çoit du moment exact où une Fluxus, entre autres, ont égale- Goldsworthy, Marcel Broodthaers, o grupo Fluxus, entre outros,
tablette s’éteint et l’autre s’al- ment d’œuvres influencées direc- também possuem obras que são influenciados diretamente por esse
lume. Les coins de l’œuvre jouent tement par cette pensée. pensamento.

4  BACHELARD, Gaston. L’eau et les rêves. Paris: José Corti, 1993. p. 289. 4  BACHELARD, Gaston. L’eau et les rêves. Paris: José Corti, 1993. p. 289.

310 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 311


L’artiste belge, qui vit à L’artiste visuel, poète et artiste O artista belga, residente na Cidade do México, Francis Alys
Mexico, Francis Alys développe vidéo Marcel Broodthaers, dans desenvolve grande parte de sua obra a partir de uma poética em
une grande partie de son œuvre la performance vidéo La Pluie torno do absurdo. Na sua performance Paradoxo da prática (às vezes
à partir d’une poétique autour de (1969), est consacré à la rédac- fazer algo não leva a nada) (1997), Alys empurra uma grande pedra
l’absurde. Dans la performance tion d’un texte lors d’une pluie. de gelo pelas ruas da cidade (o artista já realizou essa performance
Paradoxe de la pratique (parfois Dans un court laps de temps, l’eau em algumas cidades) até que o gelo se torne água e evapore. A prá-
faire quelque chose est inutile) empêche toute tentative d’écrire tica de algo “inútil” é sempre provocativa e questionadora. O que é
(1997), Alys pousse un gros bloc et ce qui avait déjà été mis sur le transformar o tempo em vapor d’água? Que uso fazemos do nosso
de glace dans les rues de la ville papier est complètement flou, tempo no dia-a-dia?
(l’artiste a déjà réalisé cette per- de façon à construire une image Outro exemplo de trabalho intrigante são as esculturas efêmeras
formance dans quelques villes) abstrait, qui peut être considéré do artista britânico Andy Goldsworthy. Em uma relação mais direta
jusqu’à ce que la glace devient de comme paysage. com a própria entropia da natureza, ele constrói estruturas que
l’eau et s’évapore. La pratique de Dans ces actions et dans lembram teias de aranha, com finos galhos de árvores. A sua ação
quelque chose « d’inutile » pro- d’autres comme les performances é feita lentamente, galho a galho, tentando com que a estrutura
voque et remet en question. De du groupe Fluxus5 et de Bruce frágil fique em pé, até que com o próprio peso ela desmorone, se
quoi il s’agit transformer le temps Nauman 6 par exemple, il est desmanchando por completo.
en vapeur d ´eau ? Quel usage possible de s’apercevoir que le Já o artista visual, poeta e videomaker Marcel Broodthaers, na
nous faisons de notre temps dans geste absurde peut être extrême- vídeo-performance La Pluie (1969), se dedica a escrever um texto
la vie de tous les jours ? ment puissant et provocateur de durante uma chuva. Em um curto espaço de tempo, a água impos-
Un autre exemple de travail questionnements complexes de sibilita qualquer tentativa de escrita e o que já havia sido colocado
intrigant est les sculptures éphé- manière apparemment sans pré- no papel fica completamente borrado, construindo uma imagem
mères de l’artiste britannique tention. Il y a chez elle un esprit abstrata, que pode ser pensada como paisagem.
Andy Goldsworthy. Dans une clown, fruit de cet absurde et qui Nessas ações e em outras como as performances do grupo Fluxus5
relation plus directe avec l’en- peut être aperçu explicitement e de Bruce Nauman6, por exemplo, é possível perceber que o gesto
tropie de la nature elle-même, dans l’exposition Farol. absurdo pode ser extremamente potente e provocador de questiona-
il construit des structures qui Courir au lieu de marcher | mentos complexos de forma aparentemente despretensiosa. Nelas
ressemblent à des toiles d’arai- Que voyons-nous quand nous existe um espírito clown, fruto desse absurdo e que também pode
gnées aux fines branches d’arbre. courons ? | Que voyons-nous ser percebido explicitamente em Farol.
Son action est lente, de branche quand quelqu’un court ? Correr ao invés de andar | O que vemos quando corremos? | O
en branche il essaye de mettre La course raccourcie l’espace que vemos quando alguém corre?
debout la structure fragile, jusqu’à en un accord établi avec le temps. A corrida retrai o espaço em um acordo estabelecido com o
tomber de sons propre poids et Le mouvement perpendiculaire tempo. O movimento perpendicular da visão de um corpo acele-
s’effondrer complètement. de la vision d’un corps accéléré, rado concentrado em não vacilar durante a ação compõe figuras

5  Le groupe Fluxus a eu une production plus intense durant les années 60 et 70. La 5  O grupo Fluxus teve a sua produção mais intensa nas décadas de 60 e 70. A diluição
dilution entre les frontières artistiques et la grande influence Dadaïste sont les princi- entre as fronteiras artísticas e a grande influência Dadaísta são as características prin-
pales caractéristiques du groupe. cipais do grupo.
6  L’artiste américain Bruce Nauman a réalisé quelques performances dans lesquelles il 6  O artista americano Bruce Nauman realizou algumas performances em que repetia
répétait une même action simple de façon exhaustive. uma mesma ação simples de forma exaustiva.

312 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 313


concentré à ne pas faiblir durant Par exemple, le Farol a com- trepidadas e oscilantes. O embate contra a força do ar produz uma
l’action compose des figures caho- mencé à l’envers (l’intention de película que distorce as imagens dadas à vista. A linha do hori-
tantes et oscillantes. L’affronte- le faire a été la dernière partie zonte se desloca em movimento repetido, ritmado por cadências
ment contre la force de l’air pro- du processus de conception de e ascendências. Enquanto espectadores imóveis, notamos a figura
duit une pellicule qui déforme les l’œuvre, quand nous avons décidé acelerada por frações e a presença passageira escapa logo percebida.
images affichées. La ligne d’ho- de connecter l’action de la course Sistema de percepção análogo para o corpo célere que é capaz de
rizon se déplace dans un mou- sur l’ile do Retiro et un déplace- apreender apenas estilhaços do diante e obumbrando os elemen-
vement répété, rythmé par des ment du public dans l’espace de tos do entorno. Diferentemente da ação do andar, o correr está
cadences et ascendances. En tant l’exposition). relacionado a uma função ou a uma reação, as pessoas correm por
que spectateurs immobiles, nous À Farol, le temps n’a pas une uma razão ou objetivo, seja urgência como atraso, fuga ou, sim-
remarquons la figure accélérée clarté de continuité, il ne se déve- plesmente, repetição. Enquanto que na caminhada o ato de parar
par fractions et la présence éphé- loppe pas comme une mélodie. é realizado com apenas a decisão instantânea de não colocar um
mère s’échappe sitôt perçue. Sys- La perception de durée proposée pé na frente do outro, na corrida a efetivação da pausa demanda
tème de perception analogue pour par Henri Bergson, d’après ses um planejamento que contém na sua fórmula uma delonga ou
le corps accéléré qui est capable conceptions sur le temps, n’ont adiantamento no espaço.
d’appréhender juste des éclats du pas de rapport avec les aspects
devant faisant de l’ombre aux élé- temporels des travaux : Sobre o tempo
ments qui l’entourent. Différem- O processo criativo se fez de forma anti-cronológica. Por exemplo, o
ment de l’action de marcher, cou- Or, notre durée intérieure, perçue Farol começou de trás para frente (a intenção de faze-lo foi a última
rir est en rapport à une fonction du premier au dernier moment parte no processo de concepção da obra, quando decidimos conectar
ou une réaction. Les gens courent de la vie consciente, c’est comme a ação da corrida na Ilha do Retiro a um deslocamento do público
pour une raison ou un objectif, une mélodie. Notre attention peut no espaço expositivo).
que ce soit urgence ou retard, éva- s’écarter d’elle et par conséquent de Em Farol o tempo não tem uma clareza de continuidade, não se
sion ou simplement répétition. son indivisibilité ; mais quand nous desenvolve como uma melodia. A percepção de duração proposta por
Tandis que dans la marche l’acte essayons de la séparer, c’est com- Henri Bergson, nas suas concepções sobre o tempo, não se relaciona
de s’arrêter est effectué seule- me si nous passions brusquement com os aspectos temporais dos trabalhos:
ment par la décision instantanée une lame à travers une flamme :
de ne pas mettre un pied devant nous partageons seulement l’es- Ora, nossa duração interior, encarada do primeiro ao último momento
l’autre, dans la course pour effec- pace qu’elle occupe. Lorsque nous da vida consciente, é alguma coisa como essa melodia. Nossa atenção
tuer la pause, il est nécessaire un regardons un mouvement très ra- pode se desviar dela e conseqüentemente de sua indivisibilidade; mas,
plan qui contienne dans sa for- pide, comme une étoile filante, il quando tentamos a separar, é como se passássemos bruscamente uma
mule un délai ou une progression est possible distinguer très clai- lâmina através de uma chama: dividimos apenas o espaço ocupado
dans l’espace. rement la ligne de feu, facilement por ela. Quando assistimos a um movimento muito rápido, como o de
divisible de l’indivisible mobilité uma estrela cadente, distinguimos muito nitidamente a linha de fogo,
Sur le temps qu’elle implique : cette mobilité est divisível à vontade, da indivisível mobilidade que ela subentende: é esta
Le processus de création s’est fait la pure durée.7 mobilidade que é pura duração.7
de manière anti-chronologique.

7  BERGSON, H. Mélanges. Paris: PUF, 1972. p. 102. 7  BERGSON, H. Mélanges. Paris: PUF, 1972. p. 102.

314 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 315


À Farol, le temps a une rela- et deviennent une seule chose. O tempo em Farol tem uma relação com a teoria da relatividade,
tion avec la théorie de la relati- Le mouvement du public devant mais próxima da linguagem da vídeo-arte.
vité, plus proche du langage de l’œuvre crée des perceptions indi- O tempo não se movimenta, as imagens se misturam ao espaço
l’art vidéo. viduelles du temps. Chacun qui e se tornam uma única coisa. O movimento do público diante da
Le temps ne bouge pas, les recrée l’île, sera sur son propre obra cria percepções individuais do tempo. Cada um que recria a
images se fondent dans l’espace temps. ilha, estará em seu próprio tempo.

Tour | Répétition Volta | Repetição

Je n’ai jamais oublié la vision que j’ai eue de la couronne de la Cabine Nunca me esqueci da visão que tive da coroa do Camarote Real,
Royale au Théâtre à Lisbonne. De loin, une merveille. Quand j’i no Teatro em Lisboa. De longe, uma maravilha. Quando olhei por
regardé par dessous, rempli de saleté, des toiles d’araignée ... et j’ai debaixo, repleta de sujeira, teias de aranha… e logo aprendi: Para
bientôt appris : Pour connaître les choses, il faut faire leur tour.8 conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta.8

Tour : action ou tourner, de se nous répétons une action, plus Volta: ato ou efeito de voltar(-se), de virar ou, simplesmente, um pas-
retourner ou juste de faire une profondes seront les traces qui seio. Damos uma volta para melhor compreendermos os devaneios,
promenade. Nous faisons un resteront sur le territoire. mas, principalmente, nos lançamos na caminhada e percorremos
tour afin de mieux comprendre Dans Cuentos Patrioticos um território com o intuito de um retorno. Pensar no fato de que
nos rêveries, mais surtout nous (1997), Francis Alÿs, accompa- certos entendimentos só se tornaram possíveis com o regresso. A
marchons et faisons le parcours gné initialement d’un mouton, volta só é possível quando, em algum momento, houve uma parti-
d’un territoire ayant l’intention marche autour d’un mât (où le da. Andar como forma de dominar um território, de demarcar as
de retourner. Penser au fait que drapeau mexicain est hissé) situé próprias passadas, de circunscrever um espaço com pés e compor
certains accords ne sont deve- à la place Zocalo à Mexico. L’ar- uma forma oca. Linhas imaginárias se formam através do corpo
nus possibles qu’avec le retour. tiste fait 21 tours, et à chaque tour que atrita com a terra. A certeza vinda das experiências dos jogos
Le tour n’est possible que, si, un nouveau mouton entre sur infantis de que a fixação acontece através das repetições e de que
à un moment donné, il y a eu scène et répète le mouvement des quanto mais refizermos a ação, mais profundo serão os rastros que
un départ. Marcher comme un autres. La vidéo se termine quand restarão no território.
moyen de dominer un territoire, le cercle se ferme et Alÿs détache Em Cuentos Patrióticos (1997), Francis Alÿs, acompanhado ini-
de délimiter ses propres pas, de le premier animal. En effectuant cialmente por uma ovelha, anda em torno de um mastro (onde a
circonscrire un espace avec les ce geste, il se met en égalité avec bandeira mexicana é hasteada) localizado na Praça Zócalo, na Cidade
pieds et composer une forme les animaux irrationnels, comme do México. O artista realiza 21 voltas e, em cada uma delas mais
creuse. Le corps qui frotte avec il laisse bien clair dans la phrase uma nova ovelha entra na cena e repete o movimento das outras. O
la terre forme des lignes imagi- qui démarre la vidéo : La multipli- vídeo termina quando o círculo se fecha e o Alÿs deslaça o primeiro
naires. La certitude provenant cation des agneaux. La répétition animal. Ao realizar esse gesto ele se iguala aos animais irracionais,
des expériences de jeux d’enfants d’une action, qui dans ce cas ne como ele deixa bem claro na frase que abre o vídeo: La multiplication
quand la fixation se produit par se produit pas pour le perfection- de los borregos. A repetição de uma ação, que nesse caso não acontece
la répétition et du fait que plus nement, agit dans la construction com o intuito de um aperfeiçoamento, age na construção de um

8  José Saramago, dans le documentaire «Fenêtre sur l’âme» 8  José Saramago, no documentário “Janela da Alma”.

316 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 317


d’une habitude qui peut servir devenant, nous aussi, un mouton hábito que tanto pode servir para construir a personalidade de um
aussi bien pour construire la per- qui se répète. indivíduo quanto o fechar dentro de um grupo. Obviamente o pon-
sonnalité d’un individu qu’à le Dans Farol, la répétition est to de vista de Alÿs sobre a repetição é o segundo, porém, o que nos
renfermer dans un groupe. Il est traitée non seulement dans la interessa é como um gesto banal (e até infantil) de andar em torno
évident que le point de vue de question de la transmission de de um centro estabelecido cria uma expectativa no espectador que,
Alÿs sur la répétition est le deu- la vidéo en continu (ou même le mesmo compreendendo rapidamente o desfecho da ação e os tempos
xième, cependant ce qui nous matériel de transmission tech- das modificações (marcados não só pela entrada dos animais, como
intéresse est un geste banal (et nique choisi), mais aussi par la também pelo som de um sino) permanece preso até o final da ação.
même enfantin) de marcher structure de présentation. Le A cada volta começamos a procurar as diferenças e semelhanças, nos
autour d’un centre établi, crée totem, avec un écran placé sur tornando, nós também, uma ovelha que repete.
une attente chez le spectateur quatre côtés (les quatre points No farol, a repetição é abordada não só na questão da reprodução
qui, même en comprenant rapi- cardinaux), projette une course contínua do vídeo (ou mesmo o próprio material da reprodutibilidade
dement le résultat l’action et les autour de l’île. Les images appa- técnica escolhido), como também pela estrutura de apresentação. O
temps des changements (marqués raissent dans l’ordre, mais jamais totem, com uma tela em cada um dos quatro lados (os quatro pon-
non seulement par l’entrée des en même temps, il appartient au tos cardinais), projeta uma corrida pela ilha. As imagens aparecem
animaux, mais également par le spectateur de se déplacer dans la em sequência mas nunca ao mesmo tempo, cabe ao espectador dar
son d’une cloche) reste concentré pièce pour accompagner le per- a volta na peça para acompanhar o personagem e correr junto, no
jusqu’à la fin de l’action. À chaque sonnage et courir ensemble, le tempo do vídeo, para poder ver a ação completa.
tour nous commençons à cher- temps de la vidéo, pour voir l’ac-
cher les différences et similitudes, tion complète.

318 Poéticas I Luiz Olivieri & Júlia Milward 319


LUDMILLA ALVES

34 indices sur Morel 34 indícios sobre Morel


LUDMILLA ALVES LUDMILLA ALVES

1. Il était le 9 mai 2015, un ses inondations. Les indices ici pré- 1. Era 9 de maio de 2015, um sábado, quando chegamos na ilha.
samedi, quand nous sommes sentées sont l’empreinte et la pro- Duraríamos algumas horas por lá. Voltaríamos? Circulando passos em
arrivés sur l’île. Nous resterions babilité de l’existence de ce person- torno das possibilidades de conhecer, experimentar, dizer o espaço.
quelques heures là-bas. Serions- nage. Les passages en italique sont Havia o chão, a cor das pedras... Avistei-o antes de atravessarmos a
nous de retour ? Circulant autour des transcriptions de ce que j’ai pu faixa de água - esse desconhecido, a quem chamei Morel.
des possibilités de connaître, soustraire de son journal. 2. Ele usa a medida do corpo para fazer círculos que são o sig-
d’expérimenter, de dire l’es- 3. Comment le monde change. no de sua espera, repetindo giros como discos de 78 rotações que
pace. Il y avait le sol, la couleur Imaginations de nuages v​​ olcaniques animavam sua vitrola e seus dias. Sem eletricidade, pouco afeito à
des pierres... Je l’ai repéré avant à éclairer la pensée des heures torsa- contagem das horas, porque estas lhe parecem largas demais, Morel
de traverser le cours d’eau - cet dées par une chimère quelconque qui resolve contar os dias riscando as pedras que encontra no chão e,
inconnu, à qui j’ai appelé Morel. respire sous l’eau - je l’entends sur la destas mesmas pedras, tira a cor das paisagens que desenha para
2. Il utilise la mesure du corps courbe d’onde de la rive et aussi par passar o tempo ou para guardá-lo. Isso, inferi dos vestígios de Morel.
pour faire des cercles qui sont le le son des pierres poreuses du sol. Ici Conheci-o na ilha, mas ele não me via. Encontrei seu diário, seus
signe de son attente, en répétant je me perds. hábitos, suas inundações. Os indícios aqui apresentados são o traço
les tours comme des disques de 78 4. Isolé, Morel accompagne le e a probalibidade da existência desse personagem. Os trechos em
tours qui ont animé son phono- changement des lunes, les cycles itálico são transcrições do que pude subtrair de seu diário.
graphe et ses jours. Sans electricité, du vent autour du sentier de terre, 3. Como muda o mundo. Imaginações de nuvens vulcânicas acendem
peu disposé à compter les heures, les marées, les changements du o pensamento das horas trançadas por alguma quimera que respira em-
puisqu’elles semblent trop larges, paysage. Les petites dimensions baixo da água – ouço-a na curva de onda da beira e também nas pedras
Morel décide de compter les jours de l’île élargissent, à chaque jour, porosas do chão. Aqui me perco.
grattant les pierres gisant sur le la portée de ces mouvements. Il y 4. Ilhado, Morel acompanha a mudança das luas, os ciclos do
sol, et de ces mêmes pierres, capte a des espaces qui grandissent vers vento ao redor da faixa de terra, as marés, as quebras de linha da
la couleur du paysage qu’il des- l’intérieur. paisagem. As pequenas dimensões da ilha alargam, a cada dia, a
sine à fin de faire couler le temps 5. Tout commence par un sen- amplitude de seus movimentos. Há espaços que crescem para dentro.
ou le garder. Voici une inférence timent d’absence. Dans l’ombre 5. Começa por um sentido de ausência. Reconhece no terreno
des vestiges de Morel. Je l’ai connu des nuits, quand tout s’enlève et alguns enlaces mentais, ressonâncias no comportamento, a dureza
sur l’île, mais il ne m’a pas vu. J’ai se déplie dans un autre, une autre, da madeira, o desamparo do poente, o silêncio após incêndio.
trouvé son journal, ses habitudes, Morel ouvre la pensée au sujet de la 6. A pintura, em uma origem possível segundo a fábula ou certa

320 Poéticas I Ludmilla Alves 321


perte. Pense aux courbes du fleuve répond au corps dans un tourbil- forma de imaginário, começa pelo desejo de fixar a presença daquele
qui ne reverra plus, à l’arrivée de la lon continu d’influences, apportant que ainda está ali, mas logo estará ausente. Ao descrever a cena em que
foudre qui court sous la terre, ce qui des images comme soustractions Dibutades desenha o contorno da sombra do rosto do amado na parede
fait briser une pierre. Sur le terrain des visualisations de quelqu’un qui com carvão, Plínio nos conta que, na penumbra, era o contato entre
il reconnaît des liens mentaux, des marche sur un paysage changeant. pigmento (cor, matéria) e superfície, mediados por alguém que então
résonances dans le comportement, Par la fissure de la journée, une pen- deixava (gravava, inscrevia, imprimia) um traço de presença diante da
la dureté du bois, l’impuissance du sée sonore m’envahit ; l’espace change iminência de uma saudade. Também a invenção daquele outro Morel,
coucher, le silence après l’incendie. et se déplace jusqu’où je le sais – je personagem de Adolfo Bioy Casares, vem do desejo de fixar presença
6. La peinture, dans une origine ne sais pas. Serait-il la pensée une no mundo. Repetimos histórias da história e em nossos gestos moram
possible selon la fable ou l’imagi- forme profonde de la nuit ? as ressonâncias de outros gestos. Não se sentiria qualquer pessoa,
naire, commence par le désir d’éta- 9. Les espaces se désertifient. em qualquer tempo (ao menos uma vez), refazendo traços de sombra
blir la présence de celui qui est tou- Rien ne se fixe. Morel prends de suas memórias, suas perguntas, seus desertos, seus horizontes?
jours là, mais sera bientôt absent. note : ce qui déserte, ce qui aban- 7. Tudo correndo num tempo geológico, tudo imediatamente aqui.
En décrivant la scène où Dibutades donne, moi, le sauvage. Il devient 8. O corpo responde ao mundo que responde ao corpo, num giro
dessine les grandes lignes d’ombre aride selon la saison de l’année. contínuo de influências, trazendo imagens como subtrações das vistas
du visage de l’être aimé sur le mur 10. Morel est intéressé par la de alguém que caminha por uma paisagem em mudança. Pela fresta do
avec du charbon, Pline nous dit que, poussière du paysage. dia, entro num pensamento sonoro; o espaço muda e se move até onde
dans la pénombre, était le contact 11. Traversant le temps qui me sei – não sei. Seria a mente uma forma profunda de noite?
entre pigment (couleur, matière) et traverse (je suis la rivière et l’homme 9. Espaços desertificam. Nada se fixa. Morel anota: o que deser-
surface, médiées par quelqu’un qui Héraclite) et le paysage est une image ta, o que abandona, eu, o selvagem. Ele torna-se árido conforme a
a ensuite laissé (enregistrait, inscri- lointaine, cependant ici, la présence estação do ano.
vait, imprimait) une trace de pré- concrète de ce qui a été, pour être 10. Morel se interessa pelo pó da paisagem.
sence face à l’imminence de la nos- là, pour être encore, devient un des 11. Atravessando o tempo que me atravessa (sou o rio e o homem de
talgie. Aussi l’invention d’un autre moyens d’interroger (l’obscurité) la Heráclito) e a paisagem é uma imagem do distante, no entanto aqui,
Morel, personnage crée par Adolfo présence du présent. presença concreta do que já foi e, por ser-aí, por ser ainda, torna-se um
Bioy Casares, vient du désir d’établir 12. Distances dans le temps, meio para interrogar (o escuro d)a presença do presente.
une présence dans le monde. Nous distances dans l’espace. Il décrit : 12. Distâncias no tempo, distâncias no espaço. Ele descreve: senti-
répétons des histoires de l’histoire le sens de loin dilaté et le temps lui- dos do longe dilatados e o próprio tempo parece oscilar entre expandir-se
et dans nos gestes séjournent les même semble osciller entre l’expansion ou comprimir-se muito. Há estados de desmedida, zonas desmesuradas,
résonances d’autres gestes. Toute ou la compression. Il y a des états de proximidades abissais. Tudo isso experimenta o ilhéu, o ilhado, e
personne, à tout moment ne pour- démensuration, des zones démesu- são os rastros de como ele passa os dias a minha matéria. A matéria
rait pas s’entrevoir (au moins une rées, des proximités abyssales. L’îlot, de Morel também é a ilha. Confundimo-nos. Noite no árido: puro
fois), à refaire des traces d’ombre le seul sur l’île expérimentent tout acúmulo do que não se deixa ver.
de leurs souvenirs, leurs absences, cela. Les empreintes de la façon 13. E se a pintura fosse movida pela sucessão dos dias e das noites?
leurs questions, leurs déserts, leurs dont il passe ses jours ma matière. O tempo todo as coisas (num movimento que não alcanço) mudam a
horizons d’émerveillement ? La matière de Morel est aussi l’île. partir de si mesmas – especula, enquanto pega, impregna, dissolve,
7. Tout en marche sur un temps On se confond. Nuit sous l’aride : descobre, reúne, revira e vive a matéria.
géologique, tout immédiatement ici. pure accumulation qui ne se laisse 14. Erosões, inundações, desertificações. Ações nascidas do contato
8. Le corps réagit au monde qui pas voir. e da separação: rompidas, as ligações revelam, por dentro de suas

322 Poéticas I Ludmilla Alves 323


1e2
(ilhado)
Morel
mede os
dias, 2016

13. Et si la peinture se déplace- les mots de Morel s’échappent.


rait par la succession des jours et 17. Entre les cycles et les cercles,
des nuits ? À tout moment les choses l’île a des espaces qui s’accumulent à fraturas: cor, escuros, possibilidades movediças. Morel imagina o
(dans un mouvement qui m’est inat- l’intérieur ; faces cachées. Pour dire contorno da mudança do mundo - um pouco como Dibutades, um
teignable) changent à partir d’elles- le paysage « de ce côté » présup- pouco como se quisesse acertar as notas e os arranjos de uma música.
mêmes - spécule et à la fois ramasse, pose, par le langage lui-même, qu’il Imagens e gestos sabem que passam.
imprègne, dissout, découvre, réu- y a un autre. L’épaisseur du monde 15. Ele anota: A paisagem sabe que passa?
nit, renverse et vit la matière. est variable, et la sédimentation est 16. Influenciadas pelo acontecimento que é a Terra sempre no
14. Érosions, inondations, un flux de densités et coexistences processo do fazer-se a cada instante, as palavras de Morel escapam.
désertifications. Actions nées du insaisissables au visible. Obsédé par 17. Entre ciclos e círculos, a ilha tem espaços que se acumulam para
contact et de la séparation : rom- l’idée d’un approfondissement de dentro; lados ocultos. Pois dizer da paisagem “deste lado” pressupõe,
pues, ces connexions révèlent à la surface, Morel soupçonne d’in- pela própria linguagem, que há outro-s. A espessura do mundo é
l’intérieur de leurs fractures : cou- finis plis successifs et inconnus à variável, e a sedimentação é um fluxo de densidades e coexistências
leur, sombres, possibilités de mou- partir de soi. esquivas ao visível. Obcecado pela ideia de um aprofundamento da
vement. Morel imagine le contour 18. Pierre brisée. Un coup superfície, Morel suspeita de infinitas dobras sucessivas e desco-
du changement du monde - un peu transversal sur le fruit (son corps nhecidas a partir do mesmo.
comme Dibutades, un peu comme exposé comme un secret tacite). 18. Pedra partida. Um golpe transversal na fruta (seu corpo expos-
s’il voulait réussir les notes et les Travail lent et précis de la nature : to como um segredo não-dito). Lento e preciso trabalho da natureza:
arrangements d’une musique. Les les étapes de la vie d’une plante as etapas da vida de uma planta são ao mesmo tempo consecutivas e
images et les gestes savent qu’ils sont à la fois consécutives et inter- interdepentendes; elas são, em momentos diferentes, parte e todo. Ele
passent. dépendantes ; elles sont, à diffé- faz comparações entre a colheita (embora a ilha pareça estéril), os
15. Il prend note : Le paysage sait rents moments, la partie et le tout. estados da mente, as relações humanas, as imagens, as palavras.
qu’il passe ? Il fait des comparaisons entre la 19. Em seus papéis dispersos, encontro o esboço de uma peça
16. Influencés par l’événement récolte (bien que l’île semble sté- intitulada: “O lado escuro da ilha”.
qui est la terre toujours dans le pro- rile), les états d’esprit, les relations 20. Língua de terra. Os sonhos de Morel levam-no a revirar a
cessus de se faire à chaque instant, humaines, les images, les mots. extensão das coisas para dentro do que se pode ver e tocar. Uma

324 Poéticas I Ludmilla Alves 325


19. Dans ses rôles dispersés, je pintura em movimento atravessa o deserto e os cômodos da ilha. Dias
trouve l’esquisse d’une pièce inti- depois ele desenha imagens subterrâneas; vãs, como desenho, válidas
tulée « Le côté obscur de l’île. » como ver os bichos.
20. Langue de terre. Les rêves 21. Certa manhã, Morel cruzou um som de pedra tocado pelo
de Morel mènent à tourner l’exten- tempo que atravessa o deserto da ilha e ele.
sion des choses vers l’intérieur de 22. As meditações ou intuições de Morel são provocadas por uma
ce que l’on peut voir et toucher. espécie de carta do espaço: em lugar do discurso verbal, um outro,
Une peinture en mouvement tra- feito da sombra que se move sob as coisas, do mistério das margens.
verse le désert et les pièces de l’île. Ao perguntar-se pelas possibilidades de leitura dessa carta, Morel
Quelques jours plus tard, il dessine delira: escuta de longe um acidente, algo rompendo como um casu-
des images souterraines ; vaines, lo, lento. Imagina o corpo do mundo. Deseja estar perto das coisas.
telles que le dessin, valables 23. Ele pensa em trocar sua escrita por um texto feito de espaço:
comme voir les animaux. movediço fluxo de água; traçado contido na cinza que era madeira.
21. Un certain matin, Morel a 24. Morel mede os dias. Riscando pedras com lâminas feitas das
croisé un son de pierre joué par le pontas afiadas de outras pedras, marca a mudança. Da incisão na
temps qui traverse le désert de l’île pedra, cai o pó colorido com que desenha sequências, linhas. Ele
et lui. marque le changement. L’inci- olha o tempo e o tempo, lhe disseram, é um autoconsumir-se, nunca
22. Les méditations ou intui- sion dans la pierre fait tomber é uma substância.
tions de Morel sont provoqués par la poudre colorée avec laquelle 25. Ele escreveu: sonhei com uma aparição. Ela, em 78 rotações,
une sorte de lettre de l’espace : au Morel dessine des paysages, des fazia círculos e dava voltas em torno de suas oscilações.
lieu du discours verbal, un autre, séquences, lignes. Il regarde le 26. Tudo o que traço a partir desta ilha inventa uma ilha outra,
fait de l’ombre qui se déplace sous temps et le temps, on l’a dit, c’est destinada a projetar em nossa memória a geografia imaginária que
les choses, le mystère des rives. En une autoconsommation, il est jamais alimenta a geografia real.
se demandant sur les possibilités une substance. 27. A Ilha do Retiro pode ser percorrida de um ponto a outro em
de lecture de cette lettre, Morel 25. Il a écrit : J’ai rêvé d’une pouco tempo e isso chama a atenção de Morel.
délire : il entend de loin un acci- apparition. Elle, en 78 tours, fai- 28. Fotografo o desenho de um círculo feito no chão da ilha. A
dent, quelque chose à se rompre sait des cercles et filait autour de ses mudança não se desprende da paisagem e acontece, irremediável,
comme un cocon, lent. Il imagine oscillations. entre subtrações e acréscimos de matéria e tempo.
le corps du monde. Il désire être 26. Tout ce que je trace à partir 29. Por que Morel gira? Quem faz os círculos, ele ou a ilha? Re-
proche de choses. de cette île invente une île autre, des- gistro e reviro seus rastros. Me distancio página por página do dia
23. Il pense à changer son écri- tinée à projeter dans notre mémoire em que lá estive. O contorno das imagens se dissolve. Juntas, umas
ture par un texte fait d’espace : la géographie imaginaire qui nour- sobre as outras, formam um corpo cada vez mais escuro. É como se
écoulement instable de l’eau ; flux rit la géographie réelle. anoitecesse.
mouvant d’eau ; traçage contenu dans 27. L’Île do Retiro peut être par- 30. O habitante de uma ilha plantada em lago artificial, seria,
la cendre qui était bois. courue d’un point à l’autre dans un por consequência, um artifício?
24. Morel mesure les jours. À court laps de temps et cela attire 31. Na ilha, distante da aparente distração das luzes, dos relógios,
faire des rayures sur les pierres l’attention de Morel. do mar das linhas do tempo, Morel encontra sem trégua a passagem
avec des lames faites des pointes 28. Je photographe le dessein de um rio curvando lá onde suspeitamos ver e não podemos alcançar
tranchantes d’autres pierres, d’un cercle fait sur le sol de l’île. – giro do planeta por dentro e em torno dele.

326 Poéticas I Ludmilla Alves 327


Le changement ne se détache pas ne pouvons pas atteindre - tour-
du paysage et se produit, irrémé- nant de la planète à l’intérieur et
diable, entre soustractions et addi- autour d’elle.
tions de matière et de temps. 32. Imaginer d’autres formes
29. Pourquoi Morel tourne ? Qui de traversée à atteindre ; com-
fait les cercles, lui ou l’île ? J’enre- prendre le tracé des nuits, sur-
gistre et je tourne ses empreintes. vivre à la marée des événements,
Avec la superposition des lames se laisser approprier par les oscil-
je prends de la distance, page par lations lunaires. Il rêve, rêve beau-
page du jour que j’y étais. Le contour coup. Pense au temps qui passe.
des images se dissout. Ensemble, Dans l’espace qui est la surface (ilhado) Morel em 78 rotações, 2016
les uns sur les autres, forment un et la matière du temps qui passe.
assombrissement du corps. C’est 33. Le corps des pierres lui 32. Imagina alcançar outras formas de travessia; compreender o
comme s’il faisait nuit. semble être définitivement un traço das noites, sobreviver à maré dos acontecimentos, deixar-se
30. L’habitant d’une île plan- mystère. Le paysage se déplace apropriar por oscilações lunares. Ele sonha, sonha muito. Pensa no
tée dans un lac artificiel, serait-il à l’œil nu, étant aussi un mou- tempo que passa. No espaço que é a superfície e a matéria do tempo
donc un artifice ? vement caché sous la peau des que passa.
31. Sur l’île, loin de la distrac- choses, dans la formation de 33. O corpo das pedras definitivamente lhe parece um mistério.
tion apparente des lumières, des taches, du relief. Le principe de A paisagem se move a olhos nus, mas trata-se também de um mo-
horloges, de la mer des lignes du l’accident ressemble à la forma- vimento escondido sob a pele das coisas, na formação das manchas,
temps, Morel trouve sans trêve tion de l’espace, selon Morel. Tout do relevo. O princípio do acidente se parece com o da formação do
le passage d’une rivière courbant comme le principe de l’amour. espaço, segundo Morel. Assim como o princípio do amor.
là où nous soupçonnons voir et 34. Morel est un autre ?1 34. Morel é um outro?

1  Ces indices cherchent à dialoguer avec les possibilités d’écriture de l’artiste et,
puisqu’elles viennent d’une pensée en peinture, cherchent à prendre la parole comme
matière de page (processus de développement de l’idée par l’auteur). Le texte fait
référence à l’œuvre (seul sur une île) Morel en 78 tours / Morel mesure les jours, réalisé
à partir de l’expédition du groupe de recherche Vaga-mundo : poétiques nomades à l’Île
do Retiro, sur le lac Paranoá à Brasilia, entraînant l’exposition «Ilha».

328 Poéticas I Ludmilla Alves 329


NINA ORTHOF

Quêter, observer, heurter Buscar, observar, colidir


NINA ORTHOF NINA ORTHOF

Quêter
Nous avons commencé prêts à dévouement, afin de recalculer
entreprendre une expédition d’ar- l’itinéraire et préparer l’île à l’in-
tistes à l’Île do Retiro. 10 artistes : térieur de nous. L’imaginer.
Iris Helena, Julia Milward, Rechercher l’île hors de soi. Un
Luciana Paiva, Ludmilla Alves, autre mouvement préparatoire
Nina Orthof, Tatiana Terre, Albert du voyage. Les cartes, ainsi que
Ambelakiotis, Gabriel Menezes, la recherche empirique d’accès à Buscar
Luiz Olivieri et Ricardo Garcia. l’île sont ici présentées. Les voies Começamos dispostos a realizar uma expedição de artistas à Ilha
Certains modes de Voyage comme appropriées ont été étudiées par do Retiro. 10 artistas: Iris Helena, Julia Milward, Luciana Paiva,
l’aventure et le scientifique sont le biais des cartes analogiques et Ludmilla Alves, Nina Orthof, Tatiana Terra, Albert Ambelakiotis,
plus fréquents. Peut-être que numériques. Un bateau à moteur Gabriel Menezes, Luiz Oliviéri e Ricardo Garcia. Alguns modos de
notre expédition était un mélange a été nécessaire pour la traversée viagem são mais comuns, como os de aventura e científicos. Talvez
des deux sans pour autant possé- de ce que nous avons découvert a nossa expedição fosse um misto de ambas sem se configurar em
der aucune configuration. être une distance minimale d’eau nenhuma.
Le Voyage a débuté avec l’An- à séparer les rives. Nous avons Iniciamos a viagem com a Antártida em mente, uma empreitada
tarctide à l’esprit, une grandiose cherché à connaître les difficul- grandiosa para o continente de gelo. Não fomos. Redimensionamos,
entreprise sur la glace continen- tés probables à rencontrer : realocamos para uma ilha ínfima, impopular e localizada na cidade
tale. Nous n’y sommes pas allés. Les vêtements sont-ils appro- em que a maioria do grupo habita. O novo rumo da expedição parece
Nous avons redimensionné, priés ? Le soleil doit être intense. não abalar os ânimos. Continuamos a nos preparar com a mesma
réalloué vers une île minuscule, Nous sommes en excès ou en dedicação, recalcular a rota e preparar a ilha dentro de si. Imaginá-la.
impopulaire et situé dans la ville manque d’équipements ? Quel est Buscar a ilha fora de si. Outro movimento preparatório da viagem.
où la plupart du groupe vit. Le l’espace utile disponible sur l’île ? Aqui, apresentam-se os mapas e a busca empírica de acesso à ilha.
nouveau cours de l’expédition ne Y a-t-il des animaux sauvages ? Estudamos as rotas adequadas através de mapas analógicos e digitais.
semble pas porter atteinte aux Et nous ne nous sommes Conseguimos um barco a motor para atravessar o que descobrimos
bonnes dispositions. La prépa- jamais demandé s’il y avait un ser uma distância mínima de água que separava as margens. Procu-
ration a suivi le même cadre de être humain sur l’île. ramos saber quais as adversidades prováveis que encontraríamos:

330 Poéticas I Nina Orthof 331


Será que a vestimenta é adequada? O sol deve ser intenso. Estamos
em excesso ou falta de equipamentos? Quanto espaço útil dispomos
na ilha? Existem animais selvagem? E nunca nos perguntamos se
havia algum ser humano na ilha.
A viagem apresenta características de expedição de aventura e
científica. Podemos observar o caráter investigativo através da coleta
de materiais que a maioria se propôs a cumprir. Foram coletados
objetos diversos, sons, imagens paradas e em movimento. Cada um
tomava notas sobre impressões e observações durante a estadia na
Le voyage présente des carac- en exposition. Intentions éta- ilha. O aspecto de aventura envolvia a Ilha do Retiro, era uma ilha
téristiques d’expédition et d’aven- blies, définies et accordées, com- misteriosa. Como poderia uma ilha inteira, no Lago Paranoá, situado
ture à la fois. Nous pouvons obser- mence le parcours du voyage. na capital do Brasil, passar quase desapercebida? Diversos visitantes
ver le caractère d’investigation Une expédition vers l’inconnu da exposição ILHA de fato não sabiam que ela existia. Encontramos
par la collecte de matériaux dont d’un extrême proche venait de dados e informações em abundância sobre a Antártida e nenhuma
la majorité est censée accomplir. commencer. informação precisa sobre a ilha do lago.
Divers objets ont été recueillis, Trata-se de uma expedição de artistas, instigados pelo deslo-
comme des sons, des images fixes Heurter camento sobre crosta do mundo e entre as dobras do tempo. Um
et en mouvement. Chacun prend Premier heurt, à distance. Un dia de auto-ilhar e, posteriormente, a transformar a expedição em
des notes sur ces impressions et habitant fugueur. Regards en exposição. Intenções estabelecidas, aquecidos e em acordo, inicia-se
des observations faites au cours collision. Primitivement coin- a movida da viagem. Iniciamos uma expedição ao desconhecido do
de notre séjour sur l’île. Le cadre cés, ainsi que lui qui s’est échappé extremo próximo.
aventurier entourait l’Île do Retiro, de l’île après avoir réalisé notre
puisqu’il s’agissait d’une mysté- intention d’approcher. Le refuge Colidir
rieuse île. Comment pourrait-t-il de l’île est le continent. Les ves- Primeiro embate, à distância. Um habitante, fugidio. Colisão de
qu’une île entière, placée au lac tiges de cet homme composaient olhares. Nos recolhemos, primitivamente, assim como ele que zar-
Paranoá, situé dans la capitale du le paysage étrange de l’île. pou da ilha ao perceber nossa intenção de aproximação. O refúgio
Brésil, passe presque inaperçue ? Glisser vers l’île. Deuxième da ilha é o continente. Os vestígios daquele homem compunham a
Les divers visiteurs de l’exposition impression : peu attrayante. L’en- estranha paisagem da ilha.
ILHA méconnaissait son existence. droit est peu attrayant à première Deslizar em direção à ilha. Segunda impressão: pouco convi-
Des données et informations en vue. Deux surprises : l’accès à l’île dativa. O local é pouco convidativo em um primeiro relance. Duas
abondance ont été trouvées sur est extrêmement simple ; l’île est surpresas: o acesso à ilha é extremamente simples; a ilha é muito
l’Antarctide et aucune informa- beaucoup plus sauvage que prévu. mais selvagem do que prevíamos.
tion précise sur l’île du lac. Pour des circonstances végé- Por circunstâncias vegetativas, nos era permitido apenas uma
Il s’agit donc d’une expédi- tatives, nous a été permis de cir- esguia faixa de pequenas pedras e algumas conchas (de origem mis-
tion d’artistes, intrigués par le culer seulement sur un étroit che- teriosa). Estávamos à margem, literalmente. A partir da ilha vemos a
déplacement sur la croûte ter- min composé de petites cailloux et cidade, mas a cidade não olha para a ilha. Esconderijo atrás da miragem.
restre et entre les plis du temps. coquillages (d’origine mystérieuse). Observei a disposição de três momentos para a elaboração dos
Une journée d’auto-recul, pour Nous étions à l’écart, littéralement. trabalhos e tomei a liberdade para nomeá-los como: fogueira, voos
ensuite transformer l’expédition Depuis l’île, nous voyons la ville, solo e satélite.

332 Poéticas I Nina Orthof 333


334 Poéticas I Nina Orthof 335
cependant la ville ne voit pas l’île. expériences individuelles et col- fogueira: quando nos reuníamos para conversar, comer e tomar
Cachette derrière le mirage. lectives. Chaque endroit provoque banho de lago.
J’ai observé l’apparition de des tensions différentes. Parmi voos solo: momentos de introspecção e solidão. Não necessa-
trois moments pour l’élabora- beaucoup d’autres, le désert, par riamente estar afastado do grupo, mas estar imerso em reflexão e/
tion des activités. Ainsi j’ai pris la exemple, exige une attention au ou contemplação.
liberté de les nommer, à savoir : maintien de l’hydratation et de satélite: de onde compreendo que a artista Iris Helena partici-
feu, vols solo et satellite. l’orientation géographique. Une pou. Iris não esteve fisicamente na ilha, imaginou a ilha, escutou as
Feu : lorsque nous nous petite île nous rend alerte du fait histórias e viu registros. Participou dos preparativos e da exposição.
sommes réunis pour discuter, d’être inconnue et nous intrigue Pondere sobre a ida à lua. Uma quantidade mínima de seres humanos
manger et prendre un bain de lac. par son coté mystérieuse et en colocou os próprios pés na lua. No entanto todos nós fomos à lua.
Vols solo : moments d’in- même temps calme, puisque la Constituímos e damos continuidade ao imaginário que é estar na
trospection et de solitude. Pas sortie se montrait facile, en plus lua. Iris retornou da viagem com muito mais ilhas do que quando
nécessairement être écarté du de l’horizon plutôt contemplatif. começamos, como aponta em seu trabalho Retiro (2016), que cons-
groupe, mais être immergé dans Nous pouvons bien comprendre titui 11 ilhas destacadas em placas de acetato.
la réflexion et / ou contemplation. cette petite entreprise comme A projeção das potências de um lugar e a forma com que o en-
Satellite : où je comprends que étant un atelier en plein air et en contramos colidiam e se ramificavam nas experiências individual e
l’artiste Iris Helena a participé. mouvement, où nous mettons en coletiva. Cada lugar provoca tensões diferentes. Dentre tantas outras,
Iris n’a pas été physiquement sur évidence toutes nos compétences o deserto, por exemplo, exige atenção a manutenção da hidratação
l’île, elle a imaginé l’île, a entendu d’observation, afin de mieux com- e a orientação geográfica. Uma pequena ilha nos deixa alertas por
les histoires et a vu les journaux. prendre cette action dont nous ser desconhecida, instigados por ser misteriosa e tranquilos, por
Elle a participé à la préparation et avons proposée. La description oferecer de saída fáceis além de horizonte contemplativo. Podemos
l’exposition et réfléchi à propos du de ces impressions dans le texte compreender essa pequena empreitada como um ateliê a céu aberto e
voyage sur la lune. Une quantité ici présenté est une tentative de em movimento, estamos colocando nossas habilidades de observação
minimale d’êtres humains a mis plus d’atterrir sur l’île. para compreender algo dessa ação que nos propusemos. A descrição
les pieds sur la lune. Néanmoins, Les modalités de voyage dessas impressões no texto aqui apresentado é uma outra tentativa
nous sommes tous allés à la lune. sont nombreuses. En rêverie, de de desembarcar na ilha.
Nous avons réalisé dans l’imagi- courtes promenades, l’acte même São tantas as modalidades de viagem. Em devaneio, pequenas
naire comment c’est d’être sur la de l’écriture (le fait de glisser sur caminhadas, o próprio ato da escrita (deslizar na página de uma
lune et continuons à le faire. Iris la page d’une extrême diagonale à extrema diagonal à outra). Uma característica que podemos observar
est revenue du voyage avec plus l’autre). Une caractéristique que em todas essas instâncias é que, ao deixarmos o perímetro do que
d’îles qu’au début, comme elle nous pouvons observer dans toute consideramos casa, seja mental ou físico, tornamo-nos estrangeiros.
a bien souligné dans son œuvre occasion est que, lorsque nous Observar o movimento sutil dos olhos, assim que transmutam-se
Retiro (2016), constitué de 11 îles quittons le périmètre de ce que em olhos de viajante é ao que essa expedição me convoca. Atenta à
mises en évidence par des plaques nous considérons comme maison, essa escolha do exercício da viagem íntima circunscrita na viagem
d’acétate. que ce soit physique ou mentale, em grupo, faço minhas anotações. Em viagens mínimas, como é
La projection des puissances nous devenons des étrangers. o caso da ilha do retiro, a transição da percepção corriqueira em
d’un endroit et la façon dont Observer le mouvement sub- atenção de viajante é sutil e preciosa. Conhecer as coordenadas da
nous l’avons trouvée se heurtent, til des yeux, transmuté en regard casa e continuar.
créant des ramifications dans les de voyageur fait l’objet central Desenvolver o olhar de viajante, aprender a partir. Assim como

336 Poéticas I Nina Orthof 337


de cette expédition. Atten- de plus dans cet objet-lunette.
tive au choix de l’exercice du Une distance est créée, d’environ
voyage intime circonscrit dans un empan bien large, entre l’œil et
ce voyage de groupe, je prends le découpage rond du paysage. Je
mes notes. Dans les voyages pointe la lunette vers le mouve-
minimaux, comme c’est le cas ment, à la recherche d’un dépla-
de l’Île do Retiro, la transition cement minimal et d’une vitesse
de la perception ordinaire vers maximale. Je pivote sur cet axe.
l’attention accordé par les voya- Sentier de paysage, le mouvement Observatório (videoinstalação, 2016)
geurs est subtile et précieuse. laisse un sillage éphémère. La Observatoire (installation vidéo, 2016)

Connaître les coordonnées de rotation affecte, proportionnel-


la maison et poursuivre. lement, la qualité de l’empreinte.
Développer le regard de voya- J’observe les ombres colorées não é necessário o deslocamento físico para entrar em viagem.
geur, apprendre à partir. Tout qui se propagent à l’intérieur du Abandonar o cotidiano para tornar-se viajante. Não abandonar o
comme le déplacement physique tube. Ainsi, il semble possible de cotidiano para retornar e poder ser viajante graças a possibilidade do
ne s’avère guère nécessaire pour voir l’écho de l’image se prome- retorno. A partir da viagem, dar a têmpera do olhar sobre o mundo.
partir en voyage. Abandonner le ner à l’intérieur du tube. Ombres
quotidien pour devenir voya- colorées. Le dispositif-lunette crée Observar
geur. Ne pas abandonner le quo- deux espaces, interne et externe. Quase um ano após a expedição, procuro retornar à ilha. Redi-
tidien pour retourner et pouvoir L’œil collé à l’oculaire devient mensionar a ilha. Quero experimentar outra viagem. Como é de
être voyageur grâce à la possi- catapulte d’un regard qui atteint costume, preparação. Um instrumento improvisado, um tubo de
bilité de retour. De ce voyage, les étoiles. Quelle est la force de papel cartão. Saio de casa para o jardim público em busca da ilha ou
apporter d’autres perspectives l’empreinte, de ce que le tube est vestígios dela. Retorno ao propósito inicial da investigação, apurar
sur le monde. imprégné, la base des fusées et des as distâncias entre o olhar cotidiano e do viajante. Encontro outra
chaînes de catapultes anciennes ? qualidade nesse objeto-luneta. Cria-se uma distância, cerca de um
Observer Une capsule invisible à l’œil palmo bem aberto, entre o olho e o recorte redondo da paisagem.
Près d’un an après l’expédition, voyage à travers l’espace sidéral Aponto a luneta para o movimento, procuro o deslocamento míni-
j’essaye de revenir sur l’île. Redi- et dans le monde. Le voyage du mo e a velocidade máxima. Rodopio sobre o próprio eixo. Paisagem
mensionner l’île. Je veux faire sous-marin porte deux voyages. em rastro, o movimento deixa um rastro efêmero. A rotação afeta,
l’expérience d’un autre voyage. Une à travers le périscope, l’autre proporcionalmente, a qualidade da mancha.
Comme d’habitude, la prépara- dans les eaux sombres. Observo as sombras coloridas que se propagam na parte interior
tion. Un instrument improvisé, La planète en voyages simul- do tubo. Assim, parece possível ver o eco da imagem transladar dentro
un tube en carton. Je sors de la tanées autour de soi et du soleil. do tubo. Sombras coloridas. O dispositivo-luneta cria dois espaços,
maison vers le jardin public à la Touner à l’intérieur de deux interno e externo. Olho acoplado em luneta, catapulta para o olhar
recherche de l’île ou de ces traces. voyages gigantesques et ininter- alcançar as estrelas. Qual a força do deslanche, de quê está impreg-
Retour à l’objectif initial de l’en- rompus. Comment ne pas glisser nado o tubo, a base de foguetes e as cordas das antigas catapultas?
quête, déterminer les distances et tomber ? Ou être projeté hors Uma capsula invisível para o olho viajar pelo espaço sideral e do
entre le regard quotidien et celui de soi après tant de tours ? En mundo. A viagem do submarino que trás duas viagens. Uma através
du voyageur. Je trouve une qualité tournant sur mon propre corps, do periscópio, outra dentro das águas escuras.

338 Poéticas I Nina Orthof 339


Observatório. Videoinstalação, 2016. Inquilino. Videoinstalação, 2016.
Observatoire. Installation vidéo 2016. Locataire. Installation vidéo, 2016.

je crée une force, il faut mainte- un peu plus d’un mètre du sol. O planeta em viagens simultâneas, ao redor de si e do sol. Girar
nir une certaine constance afin Exige pourtant une certaine adap- dentro de duas viagens gigantescas e ininterruptas. Como não des-
de poursuivre. Je trébuche en tation, comme courber le bas du lizar e cair? Ou ser projetado de si mesmo depois de tantas voltas?
plein milieu du jardin. Quand on dos, pour voir la vidéo. Configuré Ao girar sobre o próprio corpo, crio uma força, é preciso manter
tourne, il est important de ne pas presque comme un judas optique, alguma constância para continuar. Tropeço no meio do jardim.
penser. Aussi peu que nous voya- afin d’observer qui est de l’autre Quando giramos, não é recomendável pensar a respeito. Tão pouco
geons, il semble que la tendance côté de la porte sans devoir l’ou- enquanto viajamos, parece que a tendência é sair de órbita. Viajar é
est sortir de son orbite. Voyager vrir ou entrer en contact. Un um movimento preciso.
est un mouvement précis. judas optique qui laisse imagi-
ner ce qu’il y a de l’autre côté, inquilino
Locataire puisque ni tout est dévoilé et il (videoinstalação, 2016)
(Installation vidéo, 2016) s’agit d’une image peu précise Espreitar os vestígios do residente da ilha antes de aportarmos. Observar
Guetter les vestiges laissés par et distordue. Ce portail ouvert no espaço entre a ilha ainda morna de sua recém partida e a nossa che-
le résident de l’île avant débar- dans l’espace parmi les habitants gada. Criar uma estrutura que permita ecoar a impressão desse espaço
quer. Observer l’espace existant de l’île, entre celui qu’y habite et de antecipação, amplificar o entre-lugar. A janela para ver esse vídeo é
entre l’île encore tiède par la pré- nous, les étrangers, qui croisons pequena, cerca de 2cm por 2cm. Está posicionada a pouco mais de um
sence de celui qui vient de partir l’absence de l’autre. metro do chão. Requer uma certa adaptação, curvatura do corpo médio,
et par notre arrivée. Créer une para ver o video. Configurada quase como um olho mágico para observar
structure permettant réverbérer 1 : 1 (Installation vidéo noc- quem está do outro lado da porta sem antes abrir, ou entrar em contato.
l’impression de cet espace d’anti- turne en partenariat avec l’ar- Olho mágico que deixa espaço para imaginar o que há do outro lado, pois
cipation, amplifier l’entre-deux. tiste Ludmilla Alves, 2016) não revela tudo, é uma imagem pouco precisa e distorcida. Esse portal
La fenêtre pour afficher cette L’espace vide de la galerie en tant aberto do espaço entre habitantes da ilha, entre aquele que reside e nós,
vidéo est petite, d’environ 2cm que territoire étranger. S’ap- forasteiros, nos cruzamos pela ausência do outro.
par 2cm. Se trouve positionné à procher durant le petit matin.

340 Poéticas I Nina Orthof 341


1 : 1 (videoinstalação noturna em parceria com a artista
Ludmilla Alves, 2016)
O espaço vazio da galeria enquanto território estrangeiro. Aproximar
no turno da madrugada. Observar. Trabalhar em estado de alerta
maior que o da ilha. Verificar a rachadura na parede. Projeção através
da janela sobre a rachadura. Entramos em outra instância da viagem,
em dupla, noutro espaço estrangeiro, principalmente pelo horário que
evocava o mistério do desvendar da noite, do horário marginal. Imbu-
ídas da viagem prévia, saltamos em um bote inflável para iniciar outra
pequeníssima viagem em dupla. Deixamos recomendada a visitação
noturna, mesmo âmbito de sua produção e único período possível para
visualização das imagens em movimento. Ilha diurna, 1:1 noturna.
1:1. Videoinstalação, 2016.
1:1. Installation vidéo, 2016.

Observer. Travailler en état d’urgence plus élevé que celui existant


sur l’île. Vérifiez la fissure dans le mur. Projection par la fenêtre
au-dessus de la fissure. Nous sommes arrivés à une autre étape du
voyage, à deux, dans un autre espace étranger, principalement par
l’heure qui évoquait le mystère de la nuit à dévoiler, de l’heure mar-
ginale. Imprégnés du voyage précédent, nous montons sur un bateau
gonflable pour commencer cet autre petit voyage à deux. La visite
de nuit a été recommandée, dans le même cadre de production et de
période possible à la visualisation des images en mouvement. L’Île
diurne, 1: 1 nocturne.

342 Poéticas I Nina Orthof 343


TATIANA TERRA

L’île – à (d) écrire l’horizon Ilha: a (d)escrita do horizonte


TATIANA TERRA TATIANA TERRA

une ville qu’il devrait hydrater. No dia 6 de maio de 2015, às


Le corps expéditionnaire qui, 10h42, dez expedicionários,
visant recueillir des informa- aos quais me incluo, oriundos
tions pour ses recherches a passé de várias partes do continen-
quelques heures à orbiter autour te, desembarcaram na Ilha do
de l’île, une fois décidé coura- Retiro, no Planalto Central do
geusement d’y rentrer, se rend Brasil. A ilha, localizada em um
compte qu’une nouvelle confi- ponto específico da hidrosfera
guration de l’île se montrait à terrestre, pertence aos 2,6% de
chaque pas. Non seulement elle, água doce do território brasileiro
A ilha, 2016. mais elle et tous, elle en tous et Suspensão, 2016. e está inserida nos quarenta e
L’île, 2016. tous ceux qui y étaient. Suspension, 2016. oito quilômetros de área do Lago
Le sens de l’île en soi se Paranoá, um lago que surgiu de
Le 6 mai, 2015, à 10h42 un corps reconfigurait. Le plan, la carte, uma grande escavação onde ao redor cresceria uma cidade e que por
expéditionnaire de dix per- l’image de l’île, construits au pré- ele deveria ser hidratada. O grupo de expedicionários, que a fim de
sonnes, dont je fais partie, issus alable, s’effaçaient à chaque pas recolher informações para suas pesquisas, passaram algumas horas
de diverses parties du continent, étant, en même temps, esquissés orbitando ao redor na ilha e quando se dirigiu corajosamente ilha-
débarque à l’Île do Retiro, au à nouveau, de manière à ne jamais -a-dentro, percebeu que a cada passo dado, a ilha se reconfigurava.
Plateau Central du Brésil. L’île, achever un dessin : l’horizon-île, Não só ela, mas ela e todos, ela em todos e todos que nela estavam.
située à un point spécifique de site mobile et inconstant. Reconfigurava-se o sentido da ilha-em-si. O plano, o mapa, a
l’hydrosphère terrestre, corres- Retenir les pas ou même imagem da ilha, previamente construídos, iam se apagando a cada
pond à 2,6% d’eau douce du ter- pas bouger, ne faisait pas ces- passo dado e ao mesmo tempo eram novamente esboçados, esboços
ritoire brésilien et s’insère dans ser le mouvement de l’île, car en que nunca finalizavam um desenho: Horizonte-ilha, sítio móvel e
les quarante-huit kilomètres elle, rien ne s’y retenait. Parfois inconstante.
d’extension du Lac Paranoá, un leurs objets utilisaient la farce, Conter os passos ou mesmo não mover-se, não possibilitava o
lac qui surgit d’une excavation, semblant d’être doux et passifs, cessar do movimento da ilha, pois nela, nada era detido. Às vezes
autour de laquelle grandirait mais rien n’y a jamais été calme, seus objetos usavam da farsa fingindo-se mansos e passivos, mas

344 Poéticas I Tatiana Terra 345


surtout avec l’arrivée de l’expédi- nunca nada foi quieto lá, ainda
tion, lorsque l’île l’a incorporée mais com a chegada dos expedi-
comme partie prenante. L’impas- cionários, quando a ilha passou
sibilité de tout le silence, toute então a incorporá-loscomo parte
solitude, toute contemplation dela. A impassibilidade de todo
était pleine d’appréhensions silêncio, toda solidão, toda con-
inquiétantes. templação era plena de apreen-
Po u r d év e l o p p e r l e u r s sões inquietantes.
recherches, les étrangers sur l’île Para desenvolver suas pes-
ont réuni un éventail de maté- quisas, os estrangeiros pousados
riaux possibles : branches, troncs, na ilha recolheram uma gama de
terre. Des lumières, traces, peaux, materiais possíveis: galhos, tron-
écailles, vagues, lignes, mouve- cos, terras. Luzes, rastros, peles,
ments, couleurs, poussières. escamas, ondas, linhas, movi-
Plongés, brouillards et sons... et Fingiram-se de mortas, 2016. Na mira, 2016 mentos, cores, pós. Mergulhos,
pierres... Celles-ci étaient sous la Faisant semblant d’être mortes, 2016. Sous la visée, 2016 névoas e sons... e pedras.... Estas
visée de presque tous et sont de estavam sob a mira de quase to-
bons exemples de comment, sur ses univers les plus lointains s’en- dos e são bons exemplos de como, na ilha, seus habitantes são no
l’île, ses habitants sont au moins traînent. Les hommes, emparés mínimo engenhosos.
ingénieux. d’une curiosité presque primitive, Silenciosas a nossa chegada, pareciam que diante dos expedicioná-
Silencieuses à notre arri- les observent et, après leur cap- rios da ilha, as pedras, fartas de tempo e de memórias, posicionaram-se
vée, on dirait que devant le ture, s’exposent dans le combat. como figuras estéreis, secas e caducas. Fingiram-se de mortas! Quem
corps expéditionnaire de l’île, Sont réaffectées, frottées, polies, sabe intuíam uma possível ameaça naquele espaço artificial, pois, quem
les pierres, gavées de temps et empilées, ballottées, récurées, sabe, estariam os homens alia domesticara pedra. E elas tinham razão.
des souvenirs, ont pris posi- collectées, mises en sac, reconfi- É que o contato dos homens com as pedras é quase sempre curio-
tion comme des figures stériles, gurées et, une fois enlevées et so, ainda mais no ambiente insólito da ilha. Neles são acionadas
séchées et caduques. Elles fai- examinées en captivité, gagnent conexões com seus universos mais remotos. Os homens, munidos
saient semblant d’être mortes ! voix, nom et baptême, comme si de uma curiosidade quase primitiva, as observam e, depois de cap-
Qui sait, soupçonnaient-elles une toutes leurs rudesses s’adoucis- turadas, expõem-se em combate. São realocadas, atritadas, polidas,
possible menace à cet espace arti- saient par la présence humaine. empilhadas, atiradas, esfregadas, recolhidas, ensacadas, reconfigu-
ficiel, car, qui sait, y seraient-ils à Pour se défendre, les pierres radas e quando sequestradas e examinadas nos cativeiros, ganham
vouloir les domestiquer. Et elles déjà sur le bord de la rive, atten- voz, nome e batismo, como se todas suas rudezas fossem suavizadas
en avaient raison. tives à la maîtrise du regard des pela presença humana.
Il se fait que le contact des hommes envahisseurs de l’île, Em defesa, as pedras, já à beira da margem, atentas ao domínio
hommes avec les pierres est retiennent leur mouvement et do olhar dos homens invasores da ilha, retêm seu movimento e
presque toujours curieux et planifient une évasion possible, planejam uma possível fuga, que naquele instante só seria possível
encore d’avantage dans l’en- qui à cet instant ne serait pos- pela cumplicidade das águas. As ondas das águas com seu movimen-
vironnement insolite de l’île. sible que par la complicité des to supostamente ritmado envolvem o forasteiro afrouxando-lhe o
Parmi eux des connexions avec eaux. Les vagues des eaux et leur tempo como um efeito narcotizante, anestesiante, para lhe capturar.

346 Poéticas I Tatiana Terra 347


mouvement soi-disant rythmé coquille douce et délicate, inspi- A água que margeia a ilha sabe dos seus artifícios. Seu movimento
séduisent l’envahisseur desser- rant protection et soin dédiés à sinuoso e constante inebria, acalma e desacelera o invasor, ela pro-
rant le temps comme un stupé- la portion de terre qui l’entoure. porciona a suspensão como armadilha. E é neste momento que ela
fiant, d’effet anesthésique, pour Pour le corps expéditionnaire encontra subsídio para uma ação eficaz. Aproveita-se do instante
le capturer. L’eau qui borde l’île du 06 mai 2015, l’île devient un de um desvio, de uma piscadela, de um deslize do olhar do invasor
connaît ses artifices. Son mouve- espace gravitationnel où, attiré par e com sua linha, captura as pedras que se entregam como forma de
ment sinueux et constant enivre, lui, nous circulons. Atterrissages et resistência e insubordinação diante do invasor. Um momento que
apaise et ralentit l’envahisseur, fluctuations s’alternaient dans les nos dá a constatação de que havia ali uma parceria já estabelecida há
en lui fournissant une sorte de mouvements des explorateurs de tempos. O movimento da água nas margens da ilha deixa a impres-
suspension comme piège. Et c’est l’île - corps expéditionnaire - l’île. são de um escudo maleável e delicado, algo de cuidado e proteção à
bien en ce moment qu’elle trouve Être observateurs de l’Île signi- porção de terra que ela circunda.
le support pour une action effi- fiait être aussi les points focaux A ilha para os expedicionários do dia 06 de maio de 2015 conver-
cace. Profitant de l’instant d’une de lunettes inversées, ressource te-se em espaço gravitacional onde, atraídos por ele, circulamos a
déviation, d’un clin d’œil, d’un également utilisée afin de voir la sua volta. Pousos e flutuações se alternavam nos movimentos dos
regard détourné de l’envahis- lune à tout moment de la journée. exploradores da ilha - expedicionários-ilha. Ser observadores da ilha
seur et avec sa ligne, capture les De retour au continent, l’ex- significava também sermos os pontos focais de lunetas reversas,
pierres qui sont livrées comme pédition expose leurs observa- recurso que também usamos para vera lua a qualquer hora do dia.

Um pisco, 2016. Lunares, 2016. ilha-órbita, 2016.


Un clin d’œil, 2016. Lunaires, 2016. île-orbite, 2016.

une forme de résistance et d’insu- tions dès lors transmutés en De volta ao continente, os expedicionários expõem suas observa-
bordination devant l’envahisseur. réinterprétations des ordres de ções agora transmutadas em releituras das ordens da ilha. Narrativas
Un moment qui nous fait réali- l’île. Des récits visuels fournis visuais proporcionadas pela viagem, por desejos, embate e surpre-
ser qu’il y avait un partenariat par le voyage, par les désirs, par sas foram pensadas e escritas visualmente logo após a suspensão,
déjà établi depuis longtemps. Le les luttes et les surprises ont été na distância proporcionada pelo retorno, onde os pés se fixam ao
mouvement de l’eau sur les rives pensés et écrits visuellement chão e o horizonte se torna estável e compreende-se por fim onde
de l’île laisse l’impression d’une peu après la suspension, dans la estiveram. Uma nova viagem é então reiniciada quando a mostra

348 Poéticas I Tatiana Terra 349


distance occasionnée par le retour, où les pieds se fixent par terre
et l’horizon devient stable et finalement comprennent où étaient-
ils. Un nouveau voyage redémarre alors quand l’exposition se fait
présente à celui qui se laisse y aller. Face aux images, les nouveaux
explorateurs gravitent dans d’autres orbites, voyagent, se déplacent,
embarquent et débarquent, déclenchent des pauses et des suspen-
sions, des sensations impaires fournies par cette ou toute autre île.

A (d)escrita do horizonte, 2016. Frames viodeográficos.


À (d)écrire l’horizon, 2016. Cadres vidéographiques.

faz-se presente a quem permite deixar-se levar. Diante das imagens,


novos exploradores gravitam em outras órbitas, viajam, deslocam-se,
embarcam e desembarcam, acionam pausas e suspensões, sensações
ímpares proporcionadas por esta ou outra ilha qualquer.

350 Poéticas I Tatiana Terra 351


GABRIEL BRO CHAD O DE MENEZES

Observations quotidiennes de la Observações diárias da deriva


dérive continentale continental
GABRIEL BROCHADO DE MENEZES GABRIEL BROCHADO DE MENEZES

La Ligne-Côte A Linha-Litoral
En cartographie, la ligne qui Je trébuche ici sur les mots de Na cartografia, a linha que separa oceanos e continentes é definida
sépare les océans et les continents Edson Souza. Et le trébuchement pelo encontro entre terra e água: a incansável linha-litoral. Traçada
est définie par la rencontre entre survient lorsque je découvre mon pelo ir-e-vir do contorno das ondas sobre o continente, essa linha
la terre et l’eau: l’infatigable ligne- désir de cette « équivalence que se movimenta em um eterno rasurar-se das marés. Talvez esse
côte. Tracée par le va-et-vient du nous recherchons autant » et de movimento disperse os verdadeiros limites que dividem as coisas.
contour des vagues qui déferlent cette rencontre vers laquelle ma Talvez sua oscilação suave perturbe a dialética de tudo. Talvez não
sur le continent, cette ligne se pensée s’avançait jusqu’ici. Mais haja tal limite se não há repouso para a linha.
mouvemente dans un éternel effa- Edson sépare mer et terre dans
cement de soi issu des marées. des entités hétérogènes, résis- O risco da rasura é a linha que mostra que estamos diante de um en-
Peut-être ce mouvement disperse tantes non seulement à ma contro de heterogêneos. Mar e Terra. Heterogêneos que resistem à sede
les vraies limites qui divisent les volonté de les unir, mais égale- de simetria e de equivalência, que tanto buscamos.1
choses. Peût-être que cette douce ment de peut-être rencontrer,
oscillation perturbe la dialec- dans une plongée infra-atomique, Aqui, eu tropeço nas palavras de Edson Souza. E o tropeço se dá
tique de tout. Peut-être que telle le coeur de la matière qui leur quando descubro o meu desejo por essa “equivalência que tanto bus-
limite n’existe pas s’il n’y a point serait commun. camos” e para o encontro da qual meu pensamento se encaminhava
de repos pour cette ligne. Mais je ne sais que peu de até aqui. Mas Edson separa mar e terra em entidades heterogêneas,
choses sur l’effacement des resistentes não só à minha vontade de uni-las como também a de
Le tracé de la rature est la ligne qui vagues, je ne sais uniquement talvez encontrar, em um mergulho infra-atômico, o âmago da ma-
montre que nous nous trouvons face qu’il suppose une première vague, téria que lhes seria comum.
à la rencontre d’hétérogènes. Mer et dont les contours seront superpo- Mas pouco sei sobre o rasurar das ondas, entendo apenas que ele
Terre. Hétérogènes qui résistent à sés par la vague suivante. Je com- pressupõe uma onda primeira, cujo contorno será sobreposto pela
la soif de symétrie et d’équivalence, prends ainsi la rature comme un onda seguinte. Entendo assim, a rasura como um gesto de sobrepo-
que nous recherchons autant.1 geste de superposition, puisqu’il sição, pois exige a presença primeira daquilo que será sobrescrito ou

1  SOUSA, Edson Luiz. Escrita das Utopias: Litoral, Literal, Lutoral. In: Colóquio 1  SOUSA, Edson Luiz. Escrita das Utopias: Litoral, Literal, Lutoral. In: Colóquio Inter-
Internacional Escrita e Psicanálise, 24 e 25 de agosto 2006, Uerj. nacional Escrita e Psicanálise, 24 e 25 de agosto 2006, Uerj.

352 Poéticas I Gabriel Brochado de Menezes 353


exige la présence première de ce portugais), bien qu’il soit défini rasurado. E é no exato instante de seu arremate que a rasura da onda
qui sera superposé ou raturé. Et par la rencontre des hétérogènes, delineia o contorno que agora separa os heterogêneos. Esse “exato
c’est à l’instant exact de sa touche soit employé plus souvent pour instante”, no entanto, só existe no tempo morto da fotografia2, do
finale que la rature de la vague se référer aux portions de la qual não anseio me aproximar.
définit le contour qui sépare Terre baignées par les mers que Esse primeiro tropeço me antecipa um choque ainda maior, agora
désormais les hétérogènes. Cet le contraire, étant donné que c’est em direção às palavras de Jacques Lacan, que me apresenta um novo
« instant exact » n’existe cepen- ainsi qu’il est défini dans les dic- campo, onde o limite volta a se fazer belo e possível.
dant que dans le temps mort de tionnaires et que Lacan indique
la photographie2, de laquelle je ne la concrétisation de la côte en Rasura de traço algum que seja anterior, é isso que do litoral faz terra3
souhaite pas m’approcher. terre: « c’est cela qui de la côte
Ce premier trébuchement crée la terre ». Ou se réfererait-il Lacan remonta a definição de rasura e apresenta uma nova, que
m’anticipe un choc encore plus peut-être à la capacité du mot de prescinde do gesto anterior, permitindo agora que o litoral aconteça
intense, maintenant vers les mots transporter la côte dans des lieux a todo instante, E assim sendo, dá um nó na lineatura do tempo: o
de Jacques Lacan, qui me présente où la mer n’existe pas. qual arrisco chamar de palavra.
un nouveau terrain, où la limite Mais celui qui plonge dans Entendo ainda que a palavra litoral, embora se defina pelo en-
se fait belleet possible une fois la mer doit plus que tout autre contro dos heterogêneos, seja empregada com mais frequência ao se
de plus. savoir distinguer l’eau de la referir às porções da Terra banhadas pelos mares do que o contrário,
pierre. visto que é assim definida pelos dicionários e que Lacan indica a
Rature d’aucun trait qui ne soit Pour autant, Antônio Geraldo concretização do litoral em terra: “é isso que do litoral faz terra”. Ou
antérieur, c’est cela qui de la côte da Cunha dans son Dictionnaire estaria talvez se referindo à capacidade da palavra de transportar o
crée la terre3. Ethymologique de la Langue Por- litoral para lugares onde não haja o mar.
tugaise, nous aide avec des défi- Mas aquele que salta em mergulho precisa mais do que ninguém
Lacan retourne à la définition nitions de côte/litoral: saber distinguir a água da pedra.
de rature et en présente une nou- Para tanto, Antônio Geraldo da Cunha em seu Dicionário Etimo-
velle, qui s’abstient du geste anté- Lit(o) elemento de composição: lógico da Língua Portuguesa, nos ajuda com definições do litoral:
rieur, permettant désormais que do grego lithos ‘pedra’.
la côte puisse avoir lieu à tout elemento de composição: do grego
Lit(o) 
instant. Et l’étant ainsi, il fait un Litoral adj. 2g., s.m.: ‘relativo à lithos ‘pedra’.
noeud à la lignature du temps: ce beira-mar’ / ‘terreno situ-
que je risquerais d’appeler de mot. ado à beira-mar’. Do latim, Litoral adj. 2g., s.m.: ‘relativo à beira-mar’ / ‘terreno situado
Je comprends également littoralis, de lithos -oris à beira-mar’. Do latim, littoralis, de lithos -oris ‘praia’4.
que le mot côte (NdT : litoral en ‘praia’4.
Percebo agora uma linha forte que atravessa dois mundos distintos
2  SOUSA, Edson Luiz. op. cit. Image trouvée par Edson Sousa dans le poème Como porém conviventes. Ela separa o acontecimento litorâneo (enquanto
rasurar a paisagem. (CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. Editora Ática: São
Paulo. p. 79). 2  SOUSA, Edson Luiz. op. cit. Imagem encontrada por Edson Sousa no poema Como rasurar
3  LACAN, Jacques. Lituraterra. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. a paisagem (CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. Editora Ática: São Paulo. p. 79).
p. 21. 3  LACAN, Jacques. Lituraterra. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 21.
4  CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da língua portuguesa. Rio de 4  CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Lexicon, 2010. Janeiro: Lexicon, 2010.

354 Poéticas I Gabriel Brochado de Menezes 355


J’aperçois maintenant une qu’il sera possible de se référer um evento espacial de duração indeterminada), do emprego da
ligne forte qui traverse deux à telle expérience, invocant sa palavra litoral, liberta de sua duração. Ou seja, a transposição desse
mondes distincts et, cependant, présence à chaque utilisation du acontecimento para uma linguagem escrita parece cruzar a linha que
concubins. Cette ligne sépare mot. Dans le cas de côte/litoral, separa o litoral do literal (letra), posicionando de um lado a duração
l’événement côtier (en tant le mot offre peut-être un artifice desse evento e, de outro, sua nomeação em palavra, para que agora
qu’événement spatial à durée qui pacifie en nous l’étrnel conflit possamos escrever sobre ela. Assim recebo as seguintes palavras de
indéterminée), de l’emploi du entre terre et eau, nous permet- Jacques Lacan em Lituraterra:
mot côte/litoral, libéré de sa tant de parler de la côte/litoral
durée. C’est-à-dire que la trans- sans rechercher l’origine de leurs Entre centro e ausência, entre saber e gozo, há litoral que só vira literal
position de cet événement dans différences; sans nous rappeler quando, essa virada, vocês podem tomá-la, a mesma, a todo instante. É
un language écrit semble croiser à tout instant que l’eau est sur somente a partir daí que podem tomar-se pelo agente que a sustenta5.
la ligne qui sépare la côte/lito- la terre, et que celle-ci émerge
ral du littéral (lettre), en posant à chaque centimètre reculé par Da frase acima, entendo que esse ‘agente que a sustenta’ seria
d’un côté la durée de cet événe- la mer. o objeto do acordo firmado entre aqueles que compartilham um
ment et, de l’autre, sa nomination código. A partir desse acordo é que será possível referir-se a tal
sous la forme d’un mot, pour que L’homme ne peut vivre bien, et en experiência, invocando sua presença a cada uso da palavra. No caso
nous puissions ensuite écrire sur sécurité, s’il suppose clos (ou tout de litoral, a palavra oferece talvez um artifício que pacifique em nós
lui. C’est ainsi que je reçois les au moins sous contrôle) le combat o eterno conflito entre terra e água, os permitindo falar do litoral
mots suivants de Jacques Lacan intense entre la terre et la mer. (...) sem procurar pela origem de suas diferenças; sem nos lembrar a
en Lituraterre: D’une part, il doit se persuader todo tempo que a água está sobre a terra, e que esta emerge a cada
à soi-même qu’il n’existe pas de centímetro recuado pelo mar.
Entre centre et absence, entre sa- combat de ce genre; d’autre part, il
voir et plaisir, il existe des côtes qui doit faire semblant que ce combat O homem só pode viver bem, e em segurança, ao supor findo (pelo menos
ne deviennent côte que lorsque ce est déjà fini.6 dominado) o combate vivo entre a terra e o mar. (...) Em parte, ele deve
tournant, vous pouvez l’emprunter, persuadir-se de que não existe combate desse gênero; em parte, deve
le même, à tout instant. Ce n’est L’emploi de certains mots fazer de conta que esse combate já não ocorre.6
qu’à partir de là que vous pouvez cherche à remplacer l’infini
vous prendre pour l’agent qui le par l’instant et nous permet de O emprego de certas palavras busca substituir o infinito pelo
soutient5. « tourner le dos » à la nature de ce instante e permite ‘virar-nos de costas’ para a natureza daquilo sobre
dont nous souhaitons parler. Plus o que se quer falar. Quanto mais as empregamos, mais a afastamos
Je comprends, de la phrase nous les employons, plus nous do acontecido: estranha intimidade adquirida. Elas, ao tomarem
ci-dessus, que cet « agent qui le nous écartons de l’événement gosto pela velocidade, passam a correr ligeiras até que virem prosa,
soutient » serait l’objet de l’accord survenu: une étrange d’intimité e, assim nos afastam cada vez mais de seus enigmas particulares.
établi entre ceux qui partagent un acquise. Eux, en prenant plaisir Quanto mais rápido são empregadas, menos se poderá debruçar-se
code. C’est à partir de cet accord pour la vitesse, commencent à sobre elas. São, ao mesmo tempo, lembrança e esquecimento.

5  LACAN, Jacques. op. cit., p. 22. 5  LACAN, Jacques. op. cit., p. 22.
6  DELEUZE, Gilles. Causas e razões das ilhas desertas. A ilha deserta e outros textos. 6  DELEUZE, Gilles. Causas e razões das ilhas desertas. A ilha deserta e outros textos.
Iluminuras, 2004. p. 6. Iluminuras, 2004. p. 6.

356 Poéticas I Gabriel Brochado de Menezes 357


filer jusqu’à ce qu’ils deviennent cause: il trace ses lignes de torde- Pela palavra também se toma posse e se demarcam sentidos. No-
prose, et ainsi nous éloigne tou- silhas incertaines (Ndt: ligne réfé- meia-se a sensação de propriedade: nosso mar × alto-mar. Clama-se
jours davantage de leurs énigmes rente au traité signé en 1494 à o domínio sobre as águas que nos rodeiam e pensa-se o mar como
particuliers. Plus nous les uti- Tordesilhas entre le Royaume du extensão de um território. É como querer igualar esses heterogêneos,
lisons rapidement, moins nous Portugal et la Couronne de Cas- impondo sobre eles o domínio do ter. Munido da palavra, o homem
pouvons nous pencher sur elles. tèle se divisant les terres décou- legisla em causa própria: risca suas tordesilhas incertas e divide o
Ils constituent, en même temps, vertes et à découvrir en Amé- inteiro do mundo.
souvenir et oubli. rique) et divise le tout du monde. Em alto-mar, águas internacionais correm ao largo, além do al-
Par le mot, nous nous appro- En haute mer, des eaux inter- cance da artilharia terrestre. Sobre elas é permitido o livre sobrevoo
prions des significations et des nationales coulent au large, hors e a criação de ilhas artificiais. Dessa forma, tomamos uma ilha para
sens se démarquent. Nous nom- d’atteinte de l’artillerie terrestre. nós sem a chamar de nossa; sem clamar posse sobre aquela terra;
mons la sensation de propriété: Ces eaux peuvent être survolées sem conquistar seus arredores. Nos tornamos ilhas e fundamos
notre mer x haute-mer. Nous cla- librement et l’on peut y créer des nosso próprio arquipélago.
mons le contrôle des eaux qui îles artificielles. De cette façon,
nous entourent et nous pensons nous nous sommes donnés une île [No dia 6 de maio de 2015, inspirados pelo desejo de viajar juntos à
la mer comme l’extension d’un sans l’appeler nôtre; sans déclarer Antártica, os integrantes do grupo vaga-mundo: poéticas nômades,
territoire. C’est comme s’il sagis- la possession de cette terre; sans decidiram realizar uma expedição-teste à Ilha do Retiro,
sait de vouloir rendre semblables conquérir ses alentours. Nous no Lago Paranoá, em Brasília. Cruzaram as águas do lago em um
ces hétérogènes, leur imposant sommes devenus îles et avons barco emprestado e lá permaneceram por todo um dia.]
le contrôle du ter. Muni du mot, fondé notre propre archipel.
l’homme législe pour sa propre
Ao redor da ilha há uma linha que a abraça
[Le 6 mai 2015, inspirés par le désir de voyager ensemble en descontínua, fragmentada,
Antartique, les intégrants du groupe vaga-mundo: poétiques mas que insiste em evitar
nomades, ont décidé d’organiser une expédition vers l’île du Retiro, que toda a terra deságue em mar.
sur le Lac Paranoá, à Brasília. Ils ont croisé les eaux du lac dans un
bateau emprunté et y ont séjourné pendant toute une journée.] Ao percorrer o perímetro da ilha, me deparava a cada quanto
com interrupções na continuidade de sua linha-litoral: troncos
Autour de l’île il qui les avaient amenés jusque là. descansavam da deriva que os trouxera até ali. Paralelos à margem,
y a une ligne qui l’embrasse Parallèles à la marge, ils barraient barravam pequenos trechos da arrebentação, atrasando as ondas e
discontinue, fragmentée, les vagues sur des petits tron- criando recuos na própria delimitação da ilha.
mais qui insiste d’éviter çons du rivage, en y retardant les A água tracejava seus limites sobre a superfície terrestre: uma
que toute la terre ne coule en mer. vagues, en créant des reculs dans incerteza para cada decisão traçada.
la délimitation même de l’île. Há muito que as linhas tracejadas habitam as margens do lago
En parcourant le périmètre L’eau pointillait ses limites sur Paranoá. Traiçoeiras, mimetizam-se à velocidade do olhar apres-
de l’île, j’étais confrontée à tout la surface terrestre: une incerti- sado. Em seu ambiente natural (superfície), são capazes de passar
instant à des interruptions sur la tude face à chaque décision de a maior parte do tempo em repouso, absorvendo a luz solar e con-
continuité de sa ligne-côte: des tracée. duzindo olhares a apenas percorrer suas distâncias longilíneas.
troncs se reposaient de la dérive Il y a longtemps que les lignes Mas se descansarmos a vista sobre elas a ponto de perceberem-se

358 Poéticas I Gabriel Brochado de Menezes 359


pointillées habitent les marges connue. Quand elles se trouvent ameaçadas, nos atacam com um único golpe e mergulhamos no
du lac Paranoá. Traitres, elles sous terre, ces lignes rencontrent vazio entre os traços.
mimétisent face à la vitesse du le meilleur de leur représentation, Outras espécies de tracejos terrestres são conhecidas por seu
regard pressé. Dans leur envi- en référence à un parcours qui movimento aparente e por formar níveis avançados de colaboração.
ronnement naturel (la surface), ne peut être vu, mais que nous Nesses grupos, cada pequeno traço convoca o anterior, que o segue
elles sont capables de passer la confirmons et garantissons qu’il em direção a um contato quase inalcançável, e assim, sucessivamente
plupart du temps au repos, en est bel et bien là. formam uma trilha em contínuo movimento. São consideradas uma
absorbant la lumière solaire et das linhas de maior sucesso do planeta, constituindo de 15 a 20% de
conduisant les regards à ne par- Comparatif d’espèces todo o comprimento linear conhecido. Quando estão debaixo da terra,
courir que ses dsitances longi- Dans l’habitat imprimé, une essas linhas encontram o melhor de sua representação, referindo-se a
lignes. Mais si nous reposons simple comparaison entre la um percurso que não pode ser visto, mas que a linha garante estar ali.
notre regard sur elles au point ligne continue et le pointillé
qu’elles s’y sentent menacées, nous permet de conclure que
elles nous attaquent d’un seul cette dernière utilise moins
coup unique et nous plongeons d’encre pour réaliser le même
dans le vide entre les traits. parcours. Ce texte, par exemple,
D’autres espèces de pointillés s’il est perçu à distance, formera
terrestres sont connues pour leur des lignes pointillées, avec des
apparent mouvement et pour leur traits de longueurs différentes.
niveau avancé de collaboration. Vues de loin, les mots sont
Dans ces groupes, chaque petit réduits à des lignes horizontales,
trait convoque l’antérieur, qui bien que l’on aperçoive encore Comparativo de espécies
le suit en direction d’un contct des ascendences et descendences No habitat impresso, uma comparação simples entre a linha contí-
presque inaccessible, et ainsi, typographiques7. Ils sont comme nua e a tracejada facilmente conclui que esta última gasta menos
successivement, en formant un des traits d’union qui, malgré le tinta para realizar um mesmo percurso. Este texto, por exemplo,
sentier en perpétuel mouvement. fait de chercher infatigablement se visto à distância, formará linhas tracejadas, com traços de
Elles sont considérées l’une des à se connecter à quelque chose, comprimentos distintos. Vistas de longe, as palavras reduzem-se a
lignes de plus grande portée de n’y parviendront que lorsque linhas horizontais, ainda que se vejam ascendentes e descendentes
la planète, et constituent de 15 à personne ne les regardera. tipográficas7. São como hifens, que embora busquem incansavel-
20 % de toute la longueur linéaire mente se conectar a alguma coisa, só conseguirão quando ninguém
estiver olhando.
 Le pont est le trait qui connecte et met fin à l’île
lui pose un tiret et un point final. A ponte é o traço que conecta e põe fim à ilha
lhe coloca um hífen e um ponto final.

7  En typographie,les traits des caractères qui extrapolent la hauteur du dessin de « x » 7  Em tipografia, as hastes dos caracteres que extrapolem a altura do desenho de “x” são
sont appelées ascendentes (t, d, f, h, l, b) et descendentes (p, q, y, p, g, j). chamadas ascendentes (t, d, f, h, l, b) e descendentes (p, q, y, p, g, j).

360 Poéticas I Gabriel Brochado de Menezes 361


The City of Do-nothings (tríptico): 1) Viagens silenciosas, escalas obrigatórias. 2) Pro-
curando Apragopolis: a Vila dos Vadios. 3) O devaneio do traço faz as ilhas se tocarem.
The City of Do-nothings (triptyque): 1) voyages silencieux, escales obligatoires. 2) À la
Tordesilhas (tríptico) recherche de Apragopolis: Vila des Errants. 3) La rêverie du trait fait des îles se toucher.
Tordesillas (triptyque)

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Réflexions sur les eaux Reflexões sobre as águas
Pour arriver sur l’île, l’eau est la dissoute. Les eaux troubles ont un Para se chegar à ilha, a água é limite e passagem; muro e ponte. Ainda
limite et le passage à franchir: âge et une histoire différents des que nos permita deslizar sobre ela, a água impede que o caminhante
mur et pont. Bien que celle-ci eaux cristallines et fraîchement chegue a uma ilha desintencionado. Ele precisa escolher esse destino.
nous permette de glisser au-des- nées. Ces eaux, à première vue, E por trás do vento que sopra o navegante ao encontro de uma ilha
sus d’elle, l’eau empêche le mar- n’invitent pas à l’eau, mais à la fora de sua rota, está a decisão anterior de ter se lançado ao mar em
cheur d’arriver sur une île par contemplation de sa profondeur busca do desconhecido. A ilha requer de nós um desejo; e assim nos
hasard, sans y avoir l’intention. Il inconnue, nous permettant ainsi coloca em movimento.
doit choisir cette destination. Et de nous « tenir distants face au
avant le vent qui pousse le navi- monde ».9 “Uma viagem é sempre necessária para chegar a uma ilha”.8
gateur à la rencontre d’une île
hors de sa route, il y a la décision Certaines lagunes Aqueles que fundam ilhas para se proteger procuram separar-se
antérieure de s’être lancé à la mer sont des îles nocturnes do continente, invocando barreiras de água turva para afastar os
à la recherche de l’inconnu. L’île dans la clarté du jour. visitantes indesejados. Agem como os construtores de uma fortale-
requiert de nous un désir; et de za que inundam as valas profundas cavadas em torno dela. Nesses
cette manière, elle nous met en Les eaux troubles s’alimentent fossos, a cor escura do líquido nos desperta para o mistério de toda a
mouvement. des ombres qui toment sur elles matéria dissolvida nele. Águas turvas têm uma idade e uma história
à chaque coucher, en dépositant diferentes das águas cristalinas e recém-nascidas. Essas águas, à
« Un voyage est toujours nécessaire au fond les sédiments de la nuit. primeira vista, não convidam ao mergulho, mas a contemplar sua
pour arriver sur une île »8. D’autres vestiges sont apportés profundidade desconhecida, nos permitindo assim “ficar distantes
par les affluents du temps: des diante do mundo”.9
Ceux qui ont fondé des îles papillons de nuit, des feuilles
pour se protéger cherchent à se sèches et des tarauacás10. Avec Certas lagoas
séparer du continent, en invo- l’âge, ces eaux accumulent des são ilhas noturnas
cant des barrières d’eau trouble expériences, emportent des his- na claridade do dia.
pour écarter les visiteurs indé- toires et des êtres mythologiques.
sirables. Ils agissent comme les Les baigneurs plus entrainés Águas escuras se alimentam das sombras que caem sobre elas
constructeurs d’une forteresse apprennent vite à ne pas craindre a cada entardecer, depositando no fundo os sedimentos da noite.
qui inondent les fosses profondes ces eaux, mais à respecter l’âge Outros vestígios são trazidos por afluentes do tempo: mariposas,
creusées autour d’elle. Dans ces avancé du milieu dans lequel ils folhas secas e tarauacás10. Com a idade, essas águas acumulam ex-
fossés, la couleur foncée du entrent. Quand ils le font, ils periências, ganham histórias e seres mitológicos. Banhistas mais
liquide nous éveille sur le mys- demandent la permission aux treinados aprendem logo a não temer essas águas mas a respeitar a
tère de toute la matIière qui y est monstres qui nous habitent les idade avançada do meio que adentram. Sempre que o fazem, pedem

8  Howe, K. R. Nature, culture and history: the “knowing” of Oceania. University of


Hawai’i Press. p. 10. 8  Howe, K. R. Nature, culture and history: the “knowing” of Oceania. University of
9  BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. Hawai’i Press. p. 10.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 53. 9  BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São
10  Parmi les peuples tupi-guarani, l’expression signifie un fleuve avec beaucoup de Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 53.
troncs et beaucoup de feuilles. 10  Entre os povos tupi-guarani, rio de muitos troncos e muitas folhas.

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profondeurs et plongent avec attention pour ne pas les éveiller. permissão aos monstros que nos habitam as profundezas e mergu-
Les fleuves foncés coulent calmement, puisqu’ils ne dérangent lham com cuidado para não despertá-los.
plus les marges. Les rares fois où le fleuve demande de passer, le Os rios negros correm mansos, pois já não incomodam as mar-
fleuve et la marge renégocient le rivage, et lentement la terre ouvre gens. Nas raras vezes em que o rio pede passagem, rio e beira
la place pour raccourcir le parcours des eaux. Les îles de fleuve sont renegociam a orla, e lentamente a terra abre espaço para encurtar
des bouts de terre oubliés au long de cet ancien cours. o caminho das águas. Ilhas de rio são pedaços de terra esquecidos
Par ailleurs, l’enfant qui est assis au bord de la mer sonde égale- naquele antigo curso.
ment la portée de ses limites plus encerclants. Avec des mouvements Por outro lado, a criança sentada à beira-mar também investiga o
circulaires, elle creuse avec les mains le sable qui l’entoure, en faisant alcance de seus limites mais cercanos. Com movimentos circulares,
jaillir l’eau cristalline autour de soi. Ainsi, il recrée le mouvement ela retira com as mãos a areia que a rodeia, fazendo minar a água
même des îles continentales, qui la séparent de la terre à l’instant cristalina em torno de si. Assim, recria o próprio movimento das
de la rencontre des eaux qui l’entourent. A partir de cette rencontre, ilhas continentais, que se destacam da terra no instante do encontro
l’île flotte et la pensée insulaire habite des territoires d’outremer. das águas que a envolvem. Desse encontro em diante, a ilha flutua
e o pensamento insular habita territórios ultramarinos.

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PARTICIPANTES

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Sobre os autores
À propos des auteurs Artes Visuais. Doutora pela Pontifícia Univer- dans la relation entre l’art et la politique et l’art
sidade Católica do Rio de Janeiro, com estágio et l’abjection. Travaille également avec le des-
ESCRITOS E DITOS de doutorado na New York University, Nova sin, la peinture et l’installation. Expose régu-
York, EUA. Área de pesquisa: arte moderna e lièrement au Brésil.
contemporânea; arte no Brasil; arte nos EUA; Artista e Professora do Departamento de Artes
arte na América Latina; estudos comparativos Visuais.Coordenadora do curso de Bacharelado
da arte nas Américas; historiografia, teoria e em Teoria, Crítica e História da Arte. Doutora
crítica da arte no século XX. em Poéticas Contemporâneas (2015) pelo PPG-
-Arte da UnB. Atua na principalmente na relação
Bia Medeiros entre arte e política e arte e abjeção. Realiza tra-
Christophe Viart Artista visual e professora adjunta do Curso www.corpos.org balhos em desenho, pintura e instalação. Expõe
Artiste et professeur docteur de l’Université de Teoria, História e Crítica da Arte, do Depar- Artiste et professeure associée à l’Université de regularmente no Brasil.
Paris 1 - Panthéon Sorbonne et à l’École Supé- tamento de Artes Visuais da Universidade de Brasilia. Coordonnatrice du Groupe de recherche
rieure d’Art de Bretagne. Parallèlement à l’en- Brasília. Doutora em Artes (2012) pela Univer- Corpos Informáticos depuis 1992. Chercheuse au Pedro Alvim
seignement des Poétiques Contemporaines il sité Rennes 2, orientada por Christophe Viart. CNPq (2008 — 2011, 2011 — 2015, 2015 — 2019). Artiste et professeur adjoint du cours de Théo-
est engagé dans l’univers des documents et des Coordena o grupo de pesquisa Escritos & Ditos Coordonnatrice adjointe au département des rie, Histoire et Critique d’Art, Département
fichiers consacrés aux dits eu aux écrits d’ar- (CNPq) de artistas. Realiza instalações e vídeos Arts de CAPES-MEC (2005 — 2010). Présidente d’Arts Visuels à l’Université de Brasilia. Doc-
tistes. Il a publié plusieurs articles sur ces sujets. utilizando materiais tradicionais: madeira, papel de l’ANPAP (2003 — 2005). Coordonnatrice du teur en Histoire de l’Art, Université de Paris I
Artista e professor doutor da Université Paris e tecido. Expõe no Brasil e na França. programme d’études Postuniversitaires en Art / Panthéon-Sorbonne (2001), Postdoctoral au
1 – Panthéon Sorbonne e na École Supérieure - UnB (2003 — 2004  ; 2011 — 2013). Département de Lettres Néolatines, Université
d’Art de Bretagne. Ensina Poéticas Contemporâ- Patricia Corrêa Artista e professora associada da Universidade Fédérale de Rio de Janeiro (2014). Travaille dans
neas, trabalhando no universo de documentos, Professeure adjointe de l’École des Beaux-Arts de de Brasília. Coordenadora do Grupo de Pes- le domaine des Arts et de la Théorie et Histoire
arquivos e ditos e escritos de artistas. Tem vários l’Université Fédérale de Rio de Janeiro. Coordina- quisa Corpos Informáticos desde 1992. Pes- de l’Art, en particulier l’Histoire de l’Art au XIX
artigos publicados sobre estes temas. trice du Baccalauréat en Histoire de l’Art, exerce quisadora do CNPq (2008 — 2011, 2011 — 2015, siècle et la peinture. En tant qu’artiste visuel
également au Programme Postuniversitaire en 2015 — 2019). Coordenadora Adjunta para a área organise des expositions depuis 1985.
Iracema Barbosa Arts Visuels. Docteur à l’Université Pontificale de Artes na CAPES-MEC (2005 — 2010). Presi- Artista e professor adjunto no Curso de Teoria,
www.iracemabarbosa.com Catholique de Rio de Janeiro, a fait son stage de dente da ANPAP (2003 — 2005). Coordenadora História e Crítica da Arte, do Departamento
Artiste visuel et professeure adjointe du Cours doctorat à l’Université de New York, New York, do Programa de Pós-graduação em Arte-UnB de Artes Visuais da Universidade de Brasília.
de Théorie, Histoire et Critique d’art, du Dépar- USA. Domaine de recherche : art moderne et (2003 — 2004; 2011 — 2013). Doutor em História da Arte pela Université de
tement d’Arts Visuels de l’Université de Brasilia. art contemporain ; Art au Brésil ; Art aux Etats- Paris I /Panthéon-Sorbonne (2001), Pós-Dou-
Docteur en Arts (2012) à l’Université Rennes 2, Unis ; Art en Amérique Latine ; études compa- Cecilia Mori torado realizado no Departamento de Letras
sous l’orientation de Christophe Viart. Coor- ratives de l’art dans les Amériques ; historiogra- www.ceciliamori.com Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
donne le groupe de recherche Escritos & Ditos phie, théorie et critique de l’art au XXe siècle. Artiste et professeure du Département d’Arts Janeiro (2014). Atua na área de Artes e Teoria
(CNPq) d’artistes. Réalise des installations et Professora Adjunta da Escola de Belas Artes da Visuels. Coordinatrice du cours de Baccalauréat e História da Arte, com ênfase em História da
des vidéos en utilisant des matériaux tradi- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coor- en Théorie, Critique et Histoire de l’Art. Doctoral Arte do século XIX e pintura. Como artista visual
tionnels : bois, papier et tissu. Expositions au denadora do Bacharelado em História da Arte e en Poétiques Contemporaines (2015) par le PPG- realiza exposições desde 1985.
Brésil et en France. atua também no Programa de Pós-graduação em Art, Université de Brasilia. Agit principalement

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POÉTICAS DA PAISAGEM

- UERJ, exerce au programme d’études supé- recherche Moradas do Íntimo. Travaille avec le
rieures au Programme de Master et Doctorat en dessin, la vidéo, la performance et l’installation.
Arts (PPGARTES). Pro scientifique depuis Sep- Expositions au Brésil et à l’étranger.
tembre 2014. Développe le projet de recherche Artista e professor adjunto do Departamento de
Paisagens : deslocamento e superposição, avec Artes Visuais da Universidade de Brasília, atuando
le soutien de la FAPERJ. Dans sa pratique artis- na graduação e na pós-graduação na area de Poé-
Gilles Tiberghien la Poétique Contemporaine. Post-doctorat en tique elle utilise différentes approches tels que la ticas contemporâneas. Doutor em Artes Visuais,
Professeur docteur et Maître de conférences de Poétique Contemporaine - Université de Bra- photographie, la vidéo, le dessin et les construc- bolsista CNPq: Visual Arts & Art Education in Col-
l’Université Paris 1 - Panthéon Sorbonne, où il silia, doctorat en Arts à l’Université Paris I - tions. Expositions au Brésil et à l’étranger. lege Teaching - Columbia University in the City of
est enseignant en esthétique et offre des sémi- Panthéon Sorbonne. Coordonnatrice du groupe Artista e professora adjunta do Instituto de Artes New York (1992) e pós-doutorado, bolsista CAPES:
naires sur l’axe des Poétiques Contemporaines. de recherche Vaga-mundo : poéticas nômades da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Performance and Installation Arts - School of the
Il a publié plusieurs ouvrages, parmi lesquels : (CNPq). Auteure du livre Entre visão e invisão: UERJ, atuando nos cursos de graduação e no pro- Museum of Fine Arts - Tufts University, Boston
Land Art (éditions Carré, 2012), Nature, art, pay- paisagem (por uma experiência da paisagem no grama de Pós Graduação em Artes (PPGARTES). (2001). Coordena o grupo de pesquisa Moradas
sage (Actes Sud / ENSP, 2001). Premier article quotidiano). Son travail porte sur l’installation É procientista desde setembro de 2014. Desen- do Íntimo. Trabalha com desenho, vídeo, perfor-
publié au Brésil sur l’artiste Bill Viola dans la vidéo et l’intervention urbaine. Expose au Bré- volve o projeto de pesquisa Paisagens: deslo- mance e instalação. Expõe no Brasil e no exterior.
Revue Concinnitas UERJ en 2010 avec la tra- sil et à l’étranger. camento e sobreposição com apoio da FAPERJ.
duction d’Iracema Barbosa. Artista e professora adjunta do Curso de Teoria, Sua prática artística utiliza meios diversos como Christus Da Nóbrega
Professor doutor e Maître de conférences na História e Crítica da Arte e da pós-graduação em fotografia, vídeo, desenho, construções. Expõe www.christusnobrega.com
Université Paris 1- Panthéon Sorbonne, onde Artes Visuais, do Departamento de Artes Visuais no Brasil e no exterior. Artiste et professeur adjoint du Département
ensina estética e oferece seminários na área de da Universidade de Brasília na área de Poéticas d’Arts Visuels et études de Master et Doctorat en
Poéticas Contemporâneas. Publicou diversos Contemporâneas. Pós-doutora em Poéticas Con- Geraldo Orthof Art et du cours d’études supérieures en design à
livros entre os quais: Land Art (éditions Carré, temporâneas - Universidade de Brasília, dou- www.georthof.org l’Université de Brasilia. Docteur en Art à l’Uni-
2012), Nature, art, paysage (Actes Sud/ENSP, tora em Artes pela Universite Paris I - Panthéon Artiste et professeur adjoint au Département versité de Brasília, agissant dans la ligne de
2001). Primeiro artigo publicado no Brasil sobre Sorbonne. Coordena o grupo de pesquisa Vaga- d’Arts Visuels à l’Université de Brasilia, exerce recherche Art et Technologie. Effectue des acti-
o artista Bill Viola na Revista Concinnitas da -mundo: poéticas nômades (CNPq). É autora do ses activités au Département d’études supé- vités dans la photographie et matériaux expéri-
UERJ em 2010 com tradução de Iracema Barbosa. livro Entre visão e invisão: paisagem (por uma rieures, Master et Doctorat dans le domaine mentaux. Expositions au Brésil et à l’étranger.
experiência da paisagem no cotidiano). Traba- des Poétiques Contemporaines. Docteur en arts Artista e professor Adjunto do Departamento
Karina Dias lha com vídeo-instalação e intervenção urbana, visuels, boursier CNPq: Visual Arts & Art Educa- de Artes Visuais, na pós-graduação em Arte e
www.karinadias.net expondo no Brasil e no exterior. tion in College Teaching - Columbia University do curso de pós-graduação em Design da Uni-
Artiste et professeure adjointe du Cours de Théo- in the City of New York (1992) et post-doctoral, versidade de Brasília. Doutor em Arte pela UnB,
rie, Histoire et Critique de l’Art et des études Regina de Paula bourse CAPES: Performance and Installation Arts atuando na linha de pesquisa Arte e Tecnolo-
en Arts Visuels, du Département d’Arts Visuels Artiste et professeure adjointe de l’Institut des - School of the Museum of Fine Arts - Tufts Uni- gia. Realiza trabalhos em fotografia e materiais
à l’Université de Brasilia dans le domaine de Arts de l’Université de l’État de Rio de Janeiro versity, Boston (2001). Coordonne le groupe de experimentais. Expõe no Brasil e no exterior.

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Contemporâneas pelo Programa de Pós-Gradua- Luiz Olivieri
ção em Arte da Universidade de Brasília. Master Artiste plasticien et étudiant de master du Pro-
Prático em Fotografia Contemporânea - École gramme de Master et Doctorat en Art, Dépar-
Nationale Supérieure de la Photographie em tement d’Arts Visuels à l’Université de Brasilia,
VAGA-MUNDO: POÉTICAS NÔMADES | CNPQ Arles. Atua na área de fotografia e vídeo. Expõe ligne de recherche : Poétiques Contemporaines.
no Brasil e no exterior. Agit comme artiste visuel et compositeur de
Universidade de Brasília
Coordenação: Profa. Dra. Karina Dias musique et effectue des installations sonores,
Luciana Paiva des œuvres interactives et l’art vidéo.
www.cargocollective.com/lupaiva Artista plástico e mestrando no Programa de
Artiste et doctorante en Art sur le champ de Pós-graduação em Arte, Departamento de Artes
recherche Poétiques Contemporaines, Université Visuais da Universidade de Brasília, na linha
de Brasilia. Participe à des expositions et des de pesquisa: Poéticas Contemporâneas. Atua
César Becker de Brasilia. Son travail se caractérise par la re- événements dans le domaine depuis 2004. Ses como artista visual e compositor musical rea-
Formado em Artes Visuais pela Universidade de cherche critique et poétique du paysage urbain. activités développent la relation entre la parole lizando instalações sonoras, obras interativas
Brasília e mestre em Poéticas Contemporâneas Pour ce faire, elle s’en sert d’une recherche faite et l’image ; géographie littéraire et livre d’artiste. e vídeo arte.
pelo programa de Pós- Graduação em Arte da UnB. avec des supports / objets retirés de la consomma- Expose régulièrement au Brésil.
Atualmente é doutorando na linha de Métodos e tion quotidienne et des différents langages artis- Artista plástica e doutoranda em Arte na linha Nina Orthof
Processos em Arte Contemporânea pelo mesmo tiques, étant les principales la photographie et les de Poéticas Contemporâneas pela Universidade www.ninaorthof.com
programa. Tem desenvolvido sua pesquisa a partir installations. Expositions au Brésil et à l’étranger. de Brasília. Participa de exposições e eventos Artiste visuel et Maître en Arts Visuels sur le champ
do elemento terra em relação com a geografia, Artista e mestre em Artes Visuais na linha de na área desde 2004. Desenvolve trabalhos que de recherche Poétiques Contemporaines, Université
a geologia e com sua pertinência no campo das Poéticas Contemporâneas pela Universidade relacionam palavra e imagem; geografia literária de Brasilia. Effectue des activités dans la photogra-
artes visuais, principalmente na área de escultura. de Brasília. Seu trabalho se caracteriza pela e livro de artista. Expõe regularmente no Brasil. phie et la vidéo. Expose régulièrement au Brésil.
investigação crítica e poética da paisagem ur- Artista visual e mestre em Artes Visuais na linha
Gabriel Menezes bana. Utilizando-se, para tal, de uma pesquisa Ludmila Alves de Poéticas Contemporâneas pela Universidade
www.gabrielmenezes.com.br com suportes/objetos retirados de seu consumo Artiste et étudiante de master sur le champ de de Brasília. Realiza trabalhos em fotografia e
Artiste, designer et maître en Arts Visuels sur le cotidiano e das diversas linguagens artísticas, recherche Poétiques Contemporaines par le vídeo. Expõe regularmente no Brasil.
champ de recherche Poétiques Contemporaines, sendo as principais, a fotografia e as instalações. Programme Postuniversitaire en Art à l’Uni-
Université de Brasilia. Travaille avec design Expõe no Brasil e no exterior. versité de Brasilia. Effectue des activités dans Tatiana Terra
graphique, vidéo, performance et intervention le domaine de la peinture, du dessin et de l’in- Artiste et doctorante en arts visuels, sur le
urbaine. Júlia Milward tervention urbaine. Expositions au Brésil. champ de recherche Poétiques Contemporaines,
Artista, designer e mestre em Artes Visuais na www.juliamilward.com Artista e mestranda na linha de Poéticas Con- Université de Brasilia. Effectue des activités avec
linha de Poéticas Contemporâneas pela Univer- Artiste et Maître, champ de recherche Poétiques temporâneas pelo Programa de Pós-Graduação la vidéo et l’intervention urbaine.
sidade de Brasília. Trabalha com design gráfico, Contemporaines par le Programme Postuniver- em Arte da Universidade de Brasília. Realiza Artista e doutoranda em Artes Visuais na linha de
vídeo, performance e intervenção urbana. sitaire en Art à l’Université de Brasilia. Master trabalhos em pintura, desenho e intervenção Poéticas Contemporâneas pela Universidade de
pratique en Photographie Contemporaine - École urbana. Expõe no Brasil. Brasília. Trabalha com vídeo e intervenção urbana.
Íris Helena Nationale Supérieure de la Photographie à Arles.
www.irishelena.com Exerce des activités dans la photographie et la
Artiste et Maître en Arts Visuels sur le champ de vidéo. Expositions au Brésil et à l’étranger.
recherche Poétiques Contemporaines, Université Artista e mestre na linha de Poéticas

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GRUPO ESCRITOS & DITOS | CNPQ

Universidade de Brasília
Coordenação: Profa. Dra. Iracema Barbosa

Gisele Lima Tito Galvão De Brito


Étudiante au cours de Théorie, critique et l’his- Étudiant au cours de Théorie, critique et l’his-
toire de l’art à l’Université de Brasilia. Étudiante toire de l’art à l’Université de Brasilia. Étudiant
boursière PiBIT, développe des recherches sur boursier PIBIC, développe des recherches sur la
la notion du travail dans la pratique de l’artiste notion de l’atelier dans les pratiques des artistes
Karina Dias. Travaille avec la photographie et Bia Medeiros et Pedro Alvim. Travaille dans la
le montage vidéo. transcription et l’analyse des textes.
Graduanda no curso de Teoria, crítica e História Graduando no curso de Teoria, crítica e História
da arte da Universidade de Brasília. Bolsista da arte da Universidade de Brasília. Bolsista
PiBIT e desenvolve pesquisa sobre a noção de PiBIC e desenvolve pesquisa sobre a noção de
trabalho na pratica da artista Karina Dias. Tra- atelier nas praticas dos artistas Bia Medeiros e
balha com fotografia e edição de vídeo. Pedro Alvim. Trabalha com transcrição e analise
de textos.
Jaline Pereira
Étudiante au cours de Théorie, critique et l’his- Sara Nascimento
toire de l’art à l’Université de Brasilia. Étudiante Étudiante au cours de Théorie, critique et His-
boursière PIBIC, développe des recherches sur toire de l’art à l’Université de Brasilia. Étudiante
la notion du travail dans la pratique de l’artiste boursière PIBIC, développe des recherches sur
Elder Rocha. Travaille avec la photographie et la notion du travail dans la pratique de l’artiste
le montage vidéo. Elder Rocha. Travaille avec la photographie et
Graduanda no curso de Teoria, crítica e História le montage vidéo.
da arte da Universidade de Brasília. Bolsista Graduanda no curso de Teoria, crítica e Histó-
PiBIC e desenvolve pesquisa sobre a noção de ria da arte da Universidade de Brasília. Bolsista
trabalho na pratica da artista Elder Rocha. Tra- PiBIC e desenvolve pesquisa sobre a noção de
balha com fotografia e edição de vídeo. trabalho na pratica da artista Pedro Alvim. Tra-
balha com fotografia e edição de vídeo.

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Poéticas I
Poéticas I

Poé
Encontro Internacional
em Poéticas Contemporâneas

em Poéticas Contemporâneas
Realização Encontro Internacional

ORGANIZAÇÃO

Realização
| DEX | IdA | VIS | PPG-A | TCHA | CET
Profa. dra. Iracema Barbosa
Profa. dra. Karina Dias
| DEX | Id

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