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ALBERTO CAVALCANTI

E REALIDADE
artenova/ embrafilme
F1LME
E
REALIDADE
Longo foi o caminho que o ho-
mem trilhou na aventura maravilhosa
do cinema, desde a sombra n2. caver-
na e a pintura rupestre, desde o sonho
da imagem em movimento, até a
plena maturidade da arte e da técnica
que geraram uma outra aventura in-
crível ; a televisão.
Alberto Cavalcanti - a ma·or fi-
gura da cinematografia brasileira -
não apenas percorreu a última p2rte
dessa trajetór 'a, mas também enri-
queceu-a nesses últimos 50 anos.
A Europa, especialmente a lng:a-
terra e a França, 2.tribuem a Cavaf-
canti o mérito de haver revolucio-
nado a técnica do do~umentário cine-
matográfico que é a expressão ma:s
amadurecida do jornalismo em ci-
nema.
E ass:m como desvendou novos
caminhos pua o cinema-documento
ainda nos anos 20, Cavaicanti partici-
pou com desenvoltura e criatividade
do cinema de entretenimento e fic-
ção .
Assim, documentário e ficção en-
contram-se admiravelmente combi-
FILME E REALIDADE

..... ~ -. . . ' . ......


\
' ~
EDITORA ARTENOVA S.A.
Em convênio com a EMBRAFILME
Copyright (c) 1977 by Alberto Cavalcanti
Copyright (c) 1977 Editora Artenova S. A.
ALBERTO CAV ALCANTI
Revisão de:
Aparício Fernandes
Geraldo Veloso
1/
Luiz Carlos Rotberg
Cape: Daniel Azulay
e
Retrato de Alberto Cavalcanti
por
Flávio de Carvalho
Res e rvados todos os d ireitos
desta edição . Reprodução proibida,
mesmo parcial, sem expressa
autorização da Edito ra Artenova S. A.
FILME E
REALIDADE
Prefácios de
LEANDRO TOCANTINS
e
BENEDITO DUARTE

A realidade, com o seu sentido mal interpretado


e a ênfase mal colocada, não é senão a ficção.
Rabindranah Tagore

conv(mio com a EMPRESA BRASILEIRA DE FILMES -


IRAFILME. Edição comemorativa do cinquentenário (Paris,
SJ de RIEN QUE LES HEURES,· filme de Alberto Cavalcanti.

Composto e
a
editora artenoya s.a. 1
impresso Do Brasil - Printed in B~l tua pref~:t::::er:: ~
1tl1, pbx 228-7124 • 228, 7125
end, ltlet?f. . 11\ll'/P."A
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~rnalí•tirn
dep. gráfico
~ :.•di1ori1I
r,i,o de arte

LIBRARIES
PREFACIO A 3~ EDIÇÃO

SUMA VIVÊNCIA DE ALBERTO CAVALCANTI

Principio pelo conceito orteguiano: cada vida é um ponto


de vista sobre o universo.
Assim o homem: definido por seu viver .
Idealizo a fala carregada de tensão social: suma vivencia.
Vida plena, porque esse breve passar no planeta (terra que te
• quero terra) não se mede pelo imobilismo. Dar-se em holo-
1

t causto a uma causa, na qual se consome força, atividade, per-


1 sistência, idealismo.
Ação que mexe em coisas. Transformá-las. Emprestar-lhes
i novos merecimentos, novas dimensões. Tornar-se ingrediente
t' de mundo em descobrimento, revelações, possibilidades, cer-
1
tezas.
Se há vida que se tem voltado seraficamente a estes valo-
res é a de Alberto Cavalcanti. De novo, Ortega, o Mestre:
"Viver é, decerto, tratar com o mundo, dirigir-se a ele, atuar
hele, ocupar-se dele".
Sucede que Alberto Cavalcanti, no esperado de sua vida,
cria e ordena mundos particulares de substância universal que
permitem expressar o grande drama da natureza humana em
inúmeras individualidades.
E só mesmo o cinema - o caminho escolhido - seria o
veículo capaz de formular o que lhe coexiste alma adentro,
consi_derando e engrandecendo os conselhos de uma Arte ex-
tremamente complexa, em que se deve usar, assim como um
tr,eve, p frase de Brecht: "possa tudo O que é considerado ha-
lUal inquietar-vos".

9
livro Film~ e Rea~idade: "Não se afastem do princípio segundo
Toda a inquietação de Alb.erto Cavalcanti, detém:se, com o qual e~1stem tres elementos fundamentais: 0 social O poético
um máximo no entendido e no descobe rto da arte cinemato- e o técnico". '
gráfica . um' cineasta que sugere emoções e jam,ais relata fria - Eis a i_d~ia, a em~ção e o ritmo que ele, se passando à Grã-
mente fatos. Criador de vidas surreais, porque alem do real é a B!etanha, 1r1a revolucionar o documentário inglês, e, por exten-
sua virtude de transformação, dando-lhes corpo, relevo, auto_- sao, no mundo todo .
nomia . Do que se vê na tela, com a marca Alberto Cavalcant1, A r~vol~ção que o brasileiro Cavalcanti desencadeou na
dos grandes mimos e favores que.ª Sétima ;'rte alca_nça, be~ velha Bntan1a pode se_r med_ida em recente exemplo. o dos
entendido fica a impressão de realidade, de intensa vida, e ate Be~tl_es .. Daq~ela m_elod1a tradicional, inteiriça, sem-graça, quase
de vida antevista mais profunda do que a verdadeira~ente r~al. un1~ord1a'. o . 1rrequ1eto grupo de Liverpool passou à criação de
Arte que imita a vid a . Miis: arte acrescenta ndo, sugerindo vida.
~? n- e ritmos s~m so~o~ e sem bocejos. A alegria triunfal,
Penso, mesmo, que o conceito pessoano, na famosa " con- 11 rev~rente, poética, plastica. Um movimento que se acu mula
trovérsia" entre os heterônimos Alvaro Campos e Ri card o Rei s, de ntmos até o dinamismo total.
aplica-se à arte cinematográfica de Cavalcanti. Da idéia, da emo- ~ra bem• O doc~mentário brit_ânico havia de g2nhar di-
ção e do ri tmo, Fe rn ando Pessoa faz girar o enge nho que pod e mensao com os ~xpenmentos e as inovações introduzidas or
ser válido para o Cinema . "Um poema - diz o autor de Ode
Marllima - é a projeção de uma idéia eni palavra, através da •
1
Alberto Cavalc~nt1. Ele preparou , com requintes culinários pde
• casa~g~ande (nao esquecer sua ascendência paterna e materna.
emoção. A emoção não é a base da poesia; é tão some nte o bras1le1_ramente n_ordestíssima) o molho . Propôs aos cineasta ·
meio de que a id éia se se rve para se reduzir a palavras''. 1 da A!b1_on o caminho de outras disposições filosóficas, técnica:
Assim, poder-se-ia construir: o cin ema é a projeção ele 1
~ , Começou a tomar locações·• ruas , casas , fa, b ricas,
e . plast,cas. ·
uma idéia em imagens através da emoção. Mas a emoção não minas, rumas, campos. E gente, habitando O dia a dia. Verbo
é a base do cinema: é apenas o meio que a idéia se utiliza t: ~d verbum do sumo h~Ama~o. Verbo da estrutura essencia l da
para se fundir em imagens . imagem - a sua consc1enc1a, a sua função psicossocial.
Parece-me bom o proposto . O exercício de Alberto Ca- Antes, o brasil_eiro Cavalcanti, nos seus primeiros mas inten-
valcanti em suas devoções à Sétima Arte concorre em exce- s?s amores pelo cinema, já realizara, em Paris, uma hoje con-
lente disposição e consideração à idéia, à emoção e ao ritmo

! siderada o~ra-prima: Rien que les Heures. Diga-se que O ci-
pessoa nos. Porque, digna de toda fé são tais virtudes que edi- neasta havia de _desdobrar-se com orçamento pequeno, pe-
ficam a poesia, quero dizer, o cinema. 1
t queno mesmo. AJustava-se ao talento à inventiva à criati ·.
Conto os sucessos para amparar a tese. Alberto Cavalcanti dade. ' , vi
estava em Paris, lá pelos novece ntos e trinta e dois . Empregara- t' _Então, era evitar estúdios, cenários de alu~uel Zelo b ·
se nos escritórios da Paramount Pictures, ganha-pão de um bra- obstinação do cineasta chegando livremente as r~as d~ p~'rf~
si leiro já devoto ao cinema. Discutia-se os talkies. Falati.íssimos aco~?ada, muito de manhã, pelos ruídos de vida. E prossegue
talkies. Alberto chegou ao raciocínio do muito que se gastava falara , arrumam-se o_s _movimentos, os dramas, as gentes, as
em palavras. Era o conflito entre o cinem a mudo e o cinema s do povo, a multidao . Lembrava aos que tinham obrigação
falado. Qual o destino da imagem que agora também se ani- ª c~mprir, a pregar destinos, as horas breves as horas lentas
mava em vozes e sons . Ele, quase soberbamente (seria melhor
dizer: histórico-sociologicamente), preferiu alhear-se de tanta
~s ºJS apressadas, as horas de lavrar a essência humana a~
oras e parar,_ de sonhar, 'd,e participar. Nada mais que as hdras.
retórica perdida . Possuía a secreta intuição de que o futuro do sutil~;,t~epo1mento, líric?, r~al, antropológico-social, captado
cinema não dependia da fala ou do som, ou do saudosismo da ótica int . pel as admiráveis óticas de Alberto Cavalcanti: a sua
·cena muda. câmara eDor em processo de simbiose com as óticas de sua
Se fala e som eram ingredientes desejáveis (e fatais na evo- vários Úm m~d ~rte reaberta em demarcação fiel de mundos
lução natural da arte que se começava a mescl ar cqm a in~ús- N-._ ª ~1 a e, dentro da verdade 'de formas e de intenções
triá), muito mais importante o conteúdo humano, plástico, lírrco.
do cj:~m:e~:•o-~es~.e; idEos de ~926, mostra 'd~ antecipaçã~
A trasladação de valor·es sóciológicbs, antropológicos para a tela, ea is a.7 Le Tra1n San Yeu,c, também de seu
Mais tarde, Cavalcanti recomendava aos jovens cineastas neste
11
10
roteiro e direção, no mesmo ano? E La P'tite Lilie (1927), En ci,~eas~as franceses em utilizar som de modo restrito . A enas
R~de (1928)? Claro, os primeiros documentários experimentais como inst_n:,mento de comunicação entre as péssoas. Ele i~tuiu
realizados no 11rnn'do. Daí sua absorção pela avant-garde. E com prec1sao, que_ o papel_ ?esse novo elemento dimensionav~
Rien que les Heures, ''a primeira tentativa de expressar criati- em larg~s proporçoes ~ estet!ca cinematográfica.
vamente uma cidade na tela" - opinião de Paul Rotha, na Ih doa, ~~su!~º~ su~ inventiva revolucionária: a chamada "tri-
obra básica 0ocumentary Film. ª1 e tru, os ' i_sdto e, ~o som não sincronizado que altera rad i-
Volto ao enunciado clássico de Garcia Escudero em seu ca
(oumen e o senti
estética) ·m ro da imagem · A apr,caçao- dessa nova técnica
I P icou no uso dos sons naturais (por exemplo
Cinema Social: d
o so!ll e ~-m· trem sobre a imagem de uma mãe ue se lembr~
- Quais podem ser os seus temas? do filho, part,nd? para lo~ge) e de partituras mus(cais (os ran-
-
-
O mundo.
O homem em sH t des mestres
1 A • • ,
s
da epoca: Bntton Jaubert M,.lhaud) . em esquecer
g
a P~ avra - a essenc,a da narrativa poética em lugar da dis
- O homem e o que o cerca: a natureza, os semelhantes. t cursiva. -
- O homem e a transcendência: o infranatural, o sobre-
A filosofia .estétiç~ do som - vamos assim chamar - em
natural: 0e,us. 1 um d.e seus sutis_ e variados aspectos, está precisamente descrita
Mas, foi o Cinema, nesses tempos lqe procura, vivido por em Film€1 1 ed Realidade, no capítulo O som•· "A mu's·1ca no f'II me
Alberto Càvalcanti de modo a creditar-lhe tantos achados, que
deram prosseguimento em seus andares e afazeres na Inglaterra.
f em 9era_, eve ser pontuada de silêncio. Deve ter períodos d~
resp,raçao, e no entanto, o público nunca deve sentir s h
gada ou o seu desaparecimento. Deve surgir or e~:mc 1~-
Aplica-se-lhe a palavra de José Maria Perez Losano em
Formación Cinematografica: "EI hombre descubre siempre en f quando uma porta se fecha ou quando alguém' rl ou chor p '
si mesmo possibilidades inagotables, de goce estético; tiene ~ morrer quando dá ênfase a um o lhar em poucos com as~~se
sus faculdades interiores para este goce. Y su recepción es siem- 1 du_rante ~ma pausa do diálogo, escondida detrás de qtalque;
co,sa ma,s real do que ela" .
pre personal, individual, íntima".
Sempre pessoal, individual, íntimo na descoberta da beleza, • . A_ palavra viva e eficaz da câmara do cineasta mostrava ela
pri meira vez em documentário, a vida dos trabalhadore~ pd
da verdade, da forma, do enigma e1<istencial, mas com visão
universalista, social, ampla. D esejos de transmitir seus passos
pelo mundo; sua visão estética ou artística de vida. D esejos que
l
'
estradas de ferro, dos mineiros, dos pescadores.
d GEie avançava n~ tempo social do cinema . . Uder da equipe
as

pertencem àquela angústia andando dentro de nós: é coisa me-


cânica, anseio inconsciente de eternidade.
t
• tº o eneral Post Off1ce, preferiu ver o homem a mover-se den-
do mun~o q!-'e ~le eróprio crio u: a selva das cidades. E daí
iro~ a mel or msp,raçao para os seus filmes O homem em
Tal audiência nova na tessitura do documentário atraiu conJunto com a dura realidade urbana ·
atenção. John Grierson chama o brasileiro: que venha a Lon-
dres reunir-se ao famoso grupo experimental do General Post
.. d Substitu~a no General Post Office · o considerado pai d o
( ocu;entán_o no mundo: o norte-americano Robert Flaherty
Office. Grierson queria melhorar o nível da equipe, eis que •
d~~e~s maiores nomes do cinema, desde suas origens, segun -
" my boys know nothing about sound". Aí, Alberto flui em cria- . . . rges _Sadoul). Mas Flaherty era um apaixonado 'da natureza
ções e inovações. Pelejava e padecia por uma arte nova, Arte, pnm,t,va.
c' T - Fixava-se
. nas cna
. t uras am
. d a nao
- corrompidas pela
Sétima Arte, sem sete pecados capitais e com sete virtudes res- '. v1 izaçao. Seu filme Nanook of the ,North de 1922 Ih
• vida de um • , , , espe a a
suscitadas em todos os valores inerentes à imagem-reflexo de
pressar uma esqu1mo e _de sua comodidade. Assim como a ex-
um mundo aberto à imagem mental realista, humana, poéttca.
Assim se estrutura um movimento do qual saem clássicos ,. mente. nova teoria da bonqade natural, rousseauniana-
como : BBC, The Voice of Britain, Coai Face, Night Mail, North • sua equipe d e,, essa fl! oso f'ia, Cavalcant1. mudou. Falava-se na
Esse estilo
Sea, Yellow Caesar. cançara e~ R~ conquistar a objetividade", que o líder já ai-
Alberto, na França, vislumbrou as grandes possibilidades ex-
perimentais e estéti~as do som, com potencial bastante para

da corrente d~en que •~sHeures - "a primeira manifestação
Ge0rge·s Sadouf~mentanSt a . na va~guarda", . segundo o juízo de
revolucionar a linguagem cinematográfica. Percebia a falha dos

12 13
~ b ·1 i dentro de uma dinâ-
possível situar, ? cinea~~ra~:sin~ r~ovimento Modernista: stC'ak in the restaurant, turns Rien que les Heures in to a rather
mica adotada por Man,o de Au·sa estética à atualização da inte- blunt personal statement which compares the mode of life of
o direito per~anen!e ast p~r11 12 lção de urr:a consciência cri ador2. the wealthy and poorer classes, and which is obviously quite
ligência artística e a ~ a ª as aproximações espirituais com toward the latter".
Alberto Cavalca1~t1 . tem su ra ausente de seu país. Mas Há uma gota de Mário em cada Alberto. Há uma gota de
o Modernismo brasile_1ro, embo tempo. Se estivesse entre Alberto em cada Mário.
unido a este no sentimento e n_o d 22 Porque Rien que, Sigo as indicações enciclopédicas - são verbetes longos
nós, teria .se juntado ~os mod~rnis:~~oe um~ Paulicéia Desvai- sobre Cavalcanti, em língua francesa, inglesa, italiana, no intu'i to
~:~:~~~to ~~d~nf~~~~ni;b:~~~ramatizando São Paulo, que é de lembrar: a partir de 1941, na produtora Ealing, Alberto Ca-
valcanti combinou documentário e ficção em filmes como The
um palco de bailados russo~ _ t Foreman went to France, The Big Parade, e Went the day well,
Sarabandam a tísica, a amb,çao este um libelo contra a guerra, baseado num conto de Grahan
as invejas, os crimes . _
r
1
Greene . Em 1943, na ficção pura, produz The Waltway House,
e também: as apote.oses da ,!usao /
e dirige Champag111e Charlie (1944). Nessa fase sob ressai o epi-
1 sódio que dirigiu em Dead' of Night (1945) e o filme The life
t and Adventures of Nicholas Nickleby (1946), extraído do roman-
Alberto Cavalcanti urbano memoraliza Paris! e, depdois, os ce de Charles Dickens - julgado pela crítica européia a mais
i
Inglaterra com as paisagens e seu fie l interpretação do mundo dickensiniano .
encontros
trabalho do homem~
. Como o Mano _na d e A n drade de Paulicéia Desvairada. 1
L Mas que impulso, força espiritual, instinto, seja o que for,
1 levaram Alberto Cavalcanti ao cinema?
Os caminhões rodando, as carroças rodando t
l
Já se disse e se repete: o artista é tanto descobridor de
Rápido as ruas se desenrolando . 1 fo rmas da natureza quanto o cientista o é dos fatos das leis
rumor surdo e rolJICo, estrépitos, estalidos. naturais . Ele desde logo se revela com aquele dom especial
E: o largo coro de ouro das sacas de cate . referido por Leonardo da Vinci: saper vedere. Esta, parece, ;i
Ãiiu'r~~. d~ .~~~~id~.. B~~d·e· '3 .... . .. ... .. . . t
1
facu ldade inata do cineasta de Rien que les Heures. Ver bem,
1 ver exatamente, ver sensorialmente as coisas.
Asfaltos, vastos altos repuxos de poeira
Emile Zola nos deixou uma definição de arte: "Un coin
M~~ ·~~ ·h~~~~~ ·P~-s~~ .
~~~~-b~,~~d~ ..... . 1
de la nature vus â travers un temperament". Pois o temperamento
E rodando, num bando nefário .
• de Cavalcanti (nem singularidade, nem idiossincrasia) leva-lhe
Vestidas de eletricidade e gasolina, a uma universalidade estética, a uma proporção harmônica, a
1 uma significação. Bem vivas, palpitantes em sua arte cinema-
as doenças jocotam c,m redor .. .. • • • tográfica .
~
O preamar dos brilhos das mansões
1 •••••••••••
• O teatro, que ele cultiva desde os primeiros tempos de
ð d~~~- d~·s· ~~.~~s· ~b~~;~t~i~s de vida. Paris (Juliette on la Clef des Songes, foi. peça de grande sucesso
que dirigiu) . O teatro deve ter respondido aos seus anseios
.:..:. ·ê:~~~h~iro; -s~·u· ·c"c;~~~ ·.:...:.. .,;~;dã~, .. : . · • . estéticos. O surrealismo, que paira .em quase todas suas cria-
Sabe qi.te existe um Bras, um Bom Retiro.1 ções, não foi só resultado de vivência com surrealistas france-
ses. 1: questão de temperamento, que se estimulou na ceno-
em The Problem of the City, analisa o mo- grafia, tanto no teatro, como no cin.ema. Se Alberto tivesse exis-
tência no século XVIII, na Itália, decerto estaria integrado na
dernf:~oc~~~~n~rto Cavalcanti: "Cavalcan~i, trou?h ~i~d c~~; famosa Escola Cenográfica dos Bibiena de Bolonha.
centration on the poore~ clas~es. 0 ~_p_eopl:o~~i~i:n~ 1j~xtaposêd . Há qualquer coisa de grandeur nos cenários de seus film~s.
the technique of showing t eir ivmg ast between SeJam naturais ou artificiais. Essa luz extraordinária que os
with those of the wealthier classes (e. g.) the c~n~r e eating ~ersonaliza, dá-lhes grandeza de dimensão, ao lado do senso-
the poor man eating in the street and the wea t y on
rial, do infinito, da sub limação de formas e de idéias. Fiat lux,
14
15
ele comanda goetheni2namente todas as variantes, todos os reiismo em voga. A mãe, imaginativa, sonhadora, podia esperar
do filho muitas criatividades, não de advocacia ou de carreira
contrastes de _luz· t, lo este comedido, nas formas e política, mas de uma estrutura artística que pressentia no filho.
A luz unida ao e~p~ acu imento sublimidade da espécie Depois, viúva, ela acompanhou Alberto em sua ascensão cine-
graus de trabalho, angustia, sofr diletos Shakespeare, parece matográfica na Europa, e foi responsável pela criação do guarda-
humana. Um de seus ª ~!or~s pre vida e' realidade, é possível, roupa das películas do filho. Guardando, como se vê nas fo-
transmitir-Ih.e essa con~~tencfia dc:s Claude Beylie O identificou: tografias, aparêncía de sinhazinha. Todos os seus traços reve-
filme e reahdade. O critico ran . ,,
"Un cineaste entre le rêve et la realtté . . IA f lam dignidade. Nobreza nordestina. Seus avós eram Senhores
p emplo no Rei Henrique IV o dramatu~go mg es az do Engenho Gaipió, na zona da Mata pernambucana.
a desc~rç:~ do ex'ércit<;> do Príncipe de Gales, em linguagem pu- Cavalcanti não quis continuar no Colégio Militar e nem
na Faculdade de Direito. O pai acabou por render-se às nascen-
ramente cinematográfica: dos em lumados
tes vocações do filho. Mandou-o à Suíça, Escola de Belas-
"Todos agrupadoS, todos e~: i~~~r~d!~ pelo v!nto, dão-
como avestru~es_ e as plumas i h _ . todos brilhantes como
lhes ares de aguias que ~êm ~~o:a~~~ todos tão cheios de
Atees de Genebra, parà estudar arquitetura.
Em Paris, nos primeiros anos da década dos vinte, t raba-
lha no escritório de arquitetura de Alfred Agache, mais tarde
imagens sob su~s ~rma ~ras tão esplê,ndidos como o sol do um dos arquitetos planeja.dores da reforma urbana do Rio de
seiva como o n_:ies e m_ad10 e como i·ovens cabras, selvagens Janeiro. E logo se faz decorador. Tempo da avant-garde, a
solstício de verao, atrevi os .
este grupo renovador leva-o Marcel L'Herbier, líder do movi-
como novilhos". A • f mento, e lhe entrega a cenografia de seus filmes. É a estréia
Vê-se, compreende-se o porquê das preferenc1as co_n_essa-
m Sétima Arte: Réssurection (1922), L'lnhumaine (1923), L'ln-
das de Alberto Cavalcanti por Shakespeare. Tod~ u~a at1tdade f nondation (1924) .
de idéias, formas, luzes, cores, qu ~ ~dond~~~md mi~~!ªg~~·
espetáculo Coincidente com a IucI a vis e- .. -
~;;J: A família chama e ele atende. Regresso ao Brasil . No Rio,
ª~ resa cult~ral é uma interpretação, elucidaçao,_ explicaçao 1
.,
Rua do Ouvidor, monta escritório-filial de A lfred Agache, mas
não consegue desenvolvê-lo. O pacato e provinciano Rio de
eou Pexegese d a vI'd a . No dramaturgo inglês e no •cineasta, bra-
II
f
sileiro há perfeito equilíbrio de emoção e de sentIn:ie~to a ar- Janeiro ainda não apreciava os valores da arquitetura e da de-
ma e ao ritmo revelando vida visível, audíveI' tangIve . coração. A Europa acena-lhe com futuro, e ele o percebe.
Consegue emprego no Consulado do Brasil em Liverpool, e Al-
Alberto Cavalcanti traz, també~, em si, muitos traços de berto se vai à procura de destino. Sua mãe viúva o acompanha.
sp~~ ~~~~;f'~1~!idnaºt::!i1~!~/ª~:u:aT~~~ai~~t7'n~~~d!,n~R~d0e Liverpool era comércio, indústria. Atmosfera humana fria,
ares impregnados de carvão. Paris era as luzes da civilização,
' 1 f ndem a mae D. Anna o eg0
o requinte de espírito, a criatividade nos ares. Cedeu ao apelo
~:.; t~~~~~a~;alf gdo:~~f
pai~agem tropIca mora n ,
neâl~e~ i;~~o~i ~~~i~ii~~b:1~in~~!~!~(a
. . d J ·
da razão e do sentimento . Chega a Paris e formula vida equa-
0 cionada no cinema. Daí En Rade e Rien que les Heures.
1. ·da a' Europa· França e Inglaterra. Nascido no R1_0 e an~1r '
1ga · . - d rll'a D Marciana, "Pour moí, le cinéma a toujours été une religion ( ... ) Quand
qu?se na fª~:~~~ ~~o u~c~~~;f~;o c;~~r~~ d!sfigura ·e se depri• i'ai abandonné l'architecture et le dessin pour le cinématogra-
~it~/~ªe~eito d~ um ir:nobiliarismo desenfreado e sem entra- phe, j'ai eu le sentiment que j'avais des devoirs: c'est-à-dire
nhas anti-ecológico anti-humano. A • d •
qu'en aucun cas le cinéma ne Id,evait être pour moi une diver-
s10n, comme pourrait être le théâtre ou même la littérature.
'Aí Cavalcanti .viveu dias de meninice e adolescE:nc:, ~I~ra~
C'était un moyeun beaucoup plus complet, beaucoup p lus di-
belos e tranqüilos, sem loucuras de t~áfego nem orgt t~ fidal- rect. Un art total". Foi o que disse Alberto Cavalcanti em re-
cos Dias ainda harmoniosamente cariocas. Casa um an d a-
t c_ente entrevista ao Cahiers d'e Cinéma. Constante Ide vida. Jus-
ga,. largo quintal C<?m fruteir~s, en:ianando xl~~~an~~~ess~/~e tifica o triunfo de sua carreira de cineasta.
triarcalismo nordestino: O pç1i, ~aior doEE Militar da Praia
Matemática e de Arquitetura Militar ~a scoIa flho o bacha- 1 Assim, ~epois da fase mais brilhante, mais criadora, a da
Vermelha . . Positivo, pragmático: deseiava para o i nglaterra (Richard Meran Barsan, em Nonflction Film, faz a

16 17
Pode lembrar sim Há sem Ih
consideração: ' 1 A Brazilian, Cavalcanti latter became one of the dimento e até no' hum.o N e . an~~s na postura, no come-
leaders of the British documenté).ry film rnovement, where his equ_ilíb_rio entre os dois . rNa vee~d dJonis1aco, nem apolíneo. Um
impressionistic visual sense and sociological insight character- o d1onisismo. Brasileiramente d' a .e; pend:ndo um pouco para
ized some of the finest British films of the 1930's), Cavalcanti tido, mas, às vezes explodindo ,on?1 aco ps1cossocialmente con-
aceita convite de Assis Chateaubriand para fazer conferências nhor de Casa Grande . O u em r ma~ens, con:10 um bom se-
características de sua perso~l~d s3brevrye, palpita, nele, pelas
no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Transcorria o ano de 1949. Ele perdera a mãe e conselheira.
tame~to, são valores de fácil ~ ª. ~•?e os. a~os, pelo compor-
au_tob1ograficamente pernam;~c:~çao · brasil_e1ros . Um brasileiro
O retorno ao Brasil não seria o meio de curar-se da tristeza de
ver-se privado da afeição materna e da assistência artística de sair-se em .países ditos desenvol
níveis mais altos. Ao pont d J!
·3 que sena capaz de sobres-
os, onde a cultura chegara a
D. Anna Olinda, que jamais perderia aquele ar e aquele porte
ceu à equipe de Alberto ~av~lc irE:tor Harry Watt, que perten-
de fidalga pernambucana? seu livro Don't look at th C antr, ~o GPO, haver escrito em
Alberto Cavalcantí talvez estivesse mordido pela mosca: while the idea and inspira~ona:e;~~ ~I .;~uldd like to say that,
azul da saudade da terra natal, e, ao lado disto, pressentisse ement carne from Grierso . n is ocumentary mov-
que sua ação no Brasil resultaria favorável a um movimento de valcanti". n, its style ªnd quality carne from Ca-
renovação no cinema nacional . Possuía todos os títulos - e
louvores - para tal missão. Ora, a crítica inglesa lhe faz justiça. l: só conversar com Albe t c 1 .
Elisabeth Sussex escreve: "Cavalcanti spent sixteen of his most
cr.eative years in England. He was a key figure first in John
velam soltos, facilmente captado
de análise, interpretam a sua
ºt,
zeres, seus símbolos, seus m~d~smava c2.nt! e perceber_ seus di -


Muitas vezes nao se re-
n:1 pouco de observação,
Grierson's GPO Film Unit and then in Michael Balcon's Ealing mais intimamente brasite·iro pepersobnalidade nos característicos
Films - the only two movements that have pioneered styles of - rnam ucanos.
film-making indigenous to Britain". Na verdade, a sua configura - f' . . .
é mais do que o Sir con lfistadªº. is1c~ e esprntual de homem
Com tão altas credenciais, chega ao Brasil. "Um cinema
das índias: é O Senhor d~ Casa ~r~m~g•~same~te no Império
brasileiro para os brasileiros", vai logo dizendo, ao chegar. Bem soado, traços resolutos em que se n e d ordestma, bem apes-
Cavalcantiano este princípio. Basta avaliar sua personalidade. nidade. Desses que a ente vê escon e uma enorme huma-
Longe do país, durante anos e anos, não perdeu um só dos va- hoje um tanto arcaicas g De fato em ~lg~mas velhas fotografias,
lores brasileiros que seus pais, e a gente com que conviveu, O O
de Casa Grande. um Senhor ' seu pes~oal, é de Sennor
idéias líberais . Seguiria, por e~~~ era altzana. sua classe com
em menino, lhe transmitiram. Também q11estão de hereditarie- nd
dade, ancestralidade, seja o que for - biologicamente e socio- D. Luís. Segu'iria um Mauá P o, um Joaqwm Nabuco, um
logicamente considerados. Torres. E se tivesse de esc~I~; Sa~tos Dumont, um Alberto
Ele guarda muito seguro dentro de si a imagem brasileira: er J por São Francisco a sua r, ~n ~e ~s san~os, o padrinho,
de sua natureza, de seu povo, de seus valores culturais. A civi- Senhor de Casa Grande d c· pre erenc1a. Pois que se diga:
lização européia, enriquecendo-lhe o espírito, universalizou-o, o mema.
sem abafar as conotações brasileiras, e até regionais (não esque- O regresso à terra As aul . . .
nidas neste volume Fil;,,e e as ~ssenc1a1s, densas, afinal reu-
cer a imagem de Pernambuco, bem agregada a si). Ao contrá-
entendímento assumind I Real;dade, encontraram aplausos
rio: parece que esse enriquecimento, essa visão ampliada pelo tica do Cine.,;a De rif/gar re evante na História e na Esté~
convívio, observação e experiência na Europa contribuíram para
Companhia Cin~m2.to:ráf ssf ao posto de Produtor-Geral da
o reforço de sua personificação brasileira . ge_m e semelhan a d ica era Cruz, empresa criada a ima-
Em porte físico lembra um inglês tropicalizado, dos que vol- valcanti aceita a ç . ~s grandes estúdios europeus. Alberto Ca-
tavam a Londres depois de relevantes serviços à Coroa na alta européia para mIssao
d e pensa
. con t n'b u1r. com sua experiência
administração da f ndia - e por isto Sua Majestade agraciava-o ~ 1 o esenvolv1mento ld,o cinema nacional
com o título de Sir. (Não esquecer que muitos ingleses se per-
nambutropicalizaram, e Gilberto Freyre, aliás, primo de Alberto
S
adoul, na História do cn!
me hor que se ouç . ·~ . .
op1;ao i;enta, a do francês Georges
Cavalcanti, escreveu páginas admiráveis sobre os filhos de Al- na Vera Cruz, foi Caiçar~ d~~ 'dund1al: "Sua primeira produção,
' ingI a por Adolfo Celli, bela história,
bion no Nordeste.)
19
18
simples e despojada, que se passa num vilarejo de pescadores, canti tentou por seus ró . .
maravilhosamente fotografada, pelo inglês Chick Fowle. Em ideal de um cinema braps·1 ~rros meios a concretização de seu
•• ~ • . 1 eIro para os b ·1 .
seguida, produziu Terra é Sempre Terra, realizada por Tom Pay- 9u_encIa igualmente para o ú . . ras, ~•ros, e em conse-
ne, cujo roteiro, adaptando uma peça de Abílio Pereira de Al- ex1to artístico. Estabelecido fm b~,c~ mter~ac1onal, no, caso de
meida, mostra com arte e coragem a vida nas plantações de realizou um dos melhore fl ecife, a cidade de sua família
café". reira, O Can,t o do Mar. fs ' ~s . de sua ..10n~a e fecunda car~
Além de fazer a produção de Painel, que Lima Barreto os esfomeados do sertão . ~ de1ras sequências, que mostram
dirigiu, inspirado na ob ra de Portinari, sobre Tiradentes. Curta- cíveis. Em seguida a aç- vraJan ~ pelas estradas, são inesque-
metragem que não oculta a influência viva do mestre do do- 1.d d •
i a e, descreveu a v,·da de
ao sintonizada d . t
b . rre amente com a rea-
. .. um a,rro pa • · .
cumentário. Como que uma escola (na Inglaterra, os discípulos grosas, as dificuldades da existê . d upernmo, as seitas reli-
de Cavalcanti no GPO se tornaram diretores e críticos acatados) grande cidade tropical Ho nc,a as massas populares numa
qu0 intimamente pretendesse desenvolver no cinema-documen- filme fosse uma nova . ve -uved quem pretendesse que esse
Jário brasileiro. Rade. Na realidade, esses rf~f~es ºnã~~i a~tigo filme francês ~n
Santuário, que lima Barreto filmou em seguida, exaltando a arte e a personalidade do realizad ,,n am em comum senao
as grandes figuras barrocas de Aleijadinho, traz a marca filosó- E' d or .
is o epoimento de um dos m . ,.
fica de Alberto Cavalcanti, sem nenhum desfavor às notáveis res do Cinema. Retificação ~1ores cnt1cos e historiado-
qualidades que Lima Barreto vinha revelando, para, afinal, che- fala em "bairro paupérrimo"' ªf enas. Georges Sadoul quando
gar ao la~go estuário de Cangaceiro, o primeiro filme brasileiro
a conseguir sucesso internacional.
do R~cife, onde se rodou a ;ef fce~i5a~ aos mocambos da cidade
Srm, falta ênfase a detalhe ,
O próprio Georges Sadoul, sempre exato e penetrante em
suas análises, conclui: "Quando Lima Barreto realizou O Can-
arte cinematográfica de Albe t i:ue f un:, todo harmônico na
tendal fotogênico de un)a r O ava ~ant,: a luz. Sendo O po-
gaceiro para a Vera Cruz, Cavalcanti já havia deixado a compa- cena ma,s uma ·1 -
apresenta d a, do que, propriament . 1usao a nos ser
nhia, mas o filme foi a conclusão lógica do seu esforço, a con- o cineasta de talento esmera-se e, uma real,~ade a ser copiada,
seqüência de sua ação e dos seus princípios". Seria inevitável, obter a imagem como ele im . nessa~ camb,antes de luz pará
las, espargi-las deste ou da;~~7:. inHad luzes ~ luzes. Controlá-
·está dentro da ordenação psicossocial, essa influência vinda de
parte de uma individualidade vigorosa, potencialmente rica de
cenas e personagens de aco d o o, faze-las personalizar
valores culturais na arte cinematográfica .
ou não. É um probÍema est ~t·º com ~ atmosfera dramática
Alberto Cavalcanti, comentando, discreto, as suas "dificul-
de alcançar a desejável harmoen!~ºdee~tet1camente dinâm_ico, o
dades com os dirigentes da Vera Cruz", quando "sofri uma gran-
espaço e de tempo em perpe'tuo . uz, numa perspectiva de
de injustiça e a única séria decepção em toda a minha carreira . movimento
cinematográficà", salva o lado positivo: "a minha difícil expe- . .O cineasta de Coai Face h ·
riência com a Vera Cruz foi, em parte, aproveitável, porque, •l~mrnação. Tem consciência Je ega a apuro_s na habilidade de
graças a ela é possível enunciar e discutir alguns dos múltiplos dral p~ra a criação da expressivid~~e ~ lu~ e elemento primor-
problemas do cinema nacional". gren situa bem O papel d . . e_ a imagem. Ernest Lind-
m 0 ld!r os contornos e os a lan ,1ummaçao· "S
Daí a elaboração do primeiro projeto do Instituto Nacional · . erve para definir e
de Cinema, a pedido do Presidente Getúlio Vargas a quem o pressao de profundidade efpa ?~ dos ob1etos, para criar a im-
entregou e quem o entendia. "Propus, nesse projeto - escla- ra emocional e mesmo certos ce'tªe!t parda pro~uzir uma atmosfe-
Alb t e ' osf . .ramát1cos"
rece Alberto Cav2lcanti - que a Divisão de Produção de Do- er o avalcanti cheg . ·
cumentários comportasse um plano de aprendizagem, de mod_o Cf's de luz e nela envolv a a ~er e1t1ce,ro quando cria nuan-
a permitir a jovens 'brasileiros, ao término de seus estudos, fami- ran~jadas habilmente fo~~nános e at<:>res. E até de sombras
liarizarem-se com os ramos por eles escolhidos da técnica ci- 'umrnação plana e un.if s os seus filmes variam: nada de
nematográfica". renasce em potênci orm~., E~ cada um deles a luz nasce
Saindo da Vera Cruz, Cavalcanti dirigiu A Mulher de Ver- abrandando o efeit~s ~o~a~:url,bno, contrastando, acentuando o~
dade e Simão o Caolho, que 'foi um êxito, é clássico do cinema t de considerar, neste . .
brasileiro. Ouçamos; de novo, Georges Sadoul: "Alberto Caval- grandes cenógrafos e ar ~:mpo, suas rnclrnações . não só pelos
qur etos da Renascença e do Barroco
20 '
21
dos intores flamengos, nos
como pela pintura, s~bretudoot~nteme~te envolta de luz! a_co- Senhor Puntilla e seu Criado Matti, baseado na peça de Brecht,
quais se exalta uma p~nt~ra P,ticas num gradualismo sub1etivo. que pessoalmente orientou a elaboração do roteiro . Em 1959,
modada nas partes ma,~ ra:~ileção pelos pintores de Esp~nha, dirigiu Bodas Venezianas, com Martine Carol, Claudia Cardinal e
Ê possível que ele esten a pr e não suas cores, é que mais os e Vittorio de Sica. Depois, lança-se, cavaleiro .:ndante do Ci-
a~é acusados: que sua luz, ores da arte moderna . Se nema, nos trabalhos para a Televisão. Obtém grande êxito na
.
personalizam e os tornam
· precurs - ex1s
- existe cor, nao . t e 1·in ha · TV francesa com a adaptação de A visita da velha senhora, de
Goya afirmou que na natureza nao Durrematt .
Apenas sol e sombras. 1 men o a quem Pernambuco Ultimamente, rápida visita a Paris, convidado pelo Minis-
Sem esquecer Franz Post, ~: ~uas formas e de suas luz_es. tério da Cultura . A imprensa francesa assin2fa: "Alberto Caval-
deve o melhor de suas core~~valcanti por misteriosas atraçoE:s cantí - um nom que fe cinéphiles révêrent a participé à la créa-
Pernambuco onde Alberto . do Mar sem exageros de luz trop1- tion de plus de cent filmes . 11 n'as pas hésite à qultter momen-
ancestrais, foi rodar O Ca"!to te s'e~sível para captar toda a tanêmen t son Brésil natal, pour venir mettre en images Le, Voya-
C al mas a câmara espec1almen . sut·,t da simbiose luz-terra- geur du silence, de Suzanne Perel" .
, a extensao
fors:a, - mais
• humana ' mais
Paralelamente, ele dirige, nos anos sessenta, peças teatrais.
homem. . Entre nós parecia haver pau- Na Espanha encena Bodas de Sangue, de Garcia Lorca. Em Israel,
Novamente a Europa o atrai ·o cineasta Por último, o cine- uma peça de Lope da Vega. Como seu colega Eisenstein, o tea-
cas compreensões PE:lo trabal~~ dação e o e~tímulo dos poderes tro desde cedo o atraiu. No admirável cine2sta russo, uma
ma ainda não merecia a _con:' er sa tímida, e o interesse de obsessão confessada: "O teatro iria tornar-se para mim o objeto
públicos. Afora uma lej'slaç~o eesre;re~entasse inteligência, _c~I- de cuidados especiais e de paixão furiosa." Ambos encontraram
Getúlio Vargas (por tu º-~liz~r a máquina política e adm,n_,s- na arte de Moliere o exato caminho para o descobrimento inte-
tura) não chegou a sens, Presidente Castelo Branco, ta~bem gr;;I da arte cinematográfica. A escola necessária. É a filosofia
trativa . ~~ no ~~ve~no d~t ais foi criado O Instituto Na~1~na,I enunciada por Marcel Martin: "No teatro varejamos a cena,
com notonas af,mdaues cu urdo~o cineasta Flávio Tambelini, ,ª buscando um centro de interesse . No cinema, a câmara pene-
tra na profundidade das coisas."
do Cínema, que teve no s~u ecutivo da Indústria Cinematogra-
frt-> nte do GEICINE (Grupo_ x
· · · 1 ·nsp1rador. . Em documentário, para o Governo de Israel, Cavalcanti di-
fica), o seu pnnc,~a , em?) Alberto Cavalcanti aplaude rige um filme de grande suporte dramático e informativo: Assim
Agora entre nos (de pa~sa_g lnte ra-se no meio cinema- falou Theodoro Herzl. Equilíbrio entre estes pólos inconciliá-
veis para os menos dotados.
e estimula o ~i_nema ~ra:-1le~-~ita es~olas de Cinema. Dialoga
tográfico. Part1c1pa de 1ur1s. ' - Entusiasmos pelo progresso Assim é Alberto Cavalcanti: múltiplo, telúrico, universal.
com os cineastas da nova g~~a~a~~m recursos da EMBRAFILME, Como todo artista de talento: feito de imaginação e de sensiti-
q ue vamos alcançando. E rea iz , e o c,·nema em que se ,·idade. Como diz Shakespeare: "Vê mais demônios que o
• 1 f a Um Homem ' v~sto ínferno abriga." Acrescentamos: e mais anjos que as infi-
a antologia Cava can ian mentos de sua criação . Um pro-
reúnem todos os grandes mo d A preciosa colabor2ção do nitas moradas do paraíso hospedam . "A primeira manifestação
jeto aplaudido por todo o mun ~t- através de seu Chefe, Em- do c_inema é mostrar acontecimentos com a menç,r dístorção
Departamento Cultural do_ lt~~ar y, ossibilitou a vinda de tre- p~ss,vel, alcançando a realidade através de fragmentos". O con-
baixador Francisco de _Assis necoi P - Cavalcanti n2s Cinema- ceito é de Eisenstein . Aplicável a Alberto Cavalcanti. lntegral-
chos de filmes, escolhidos pe 1o pr~pn 0 nlfmte. Isto explica por que escreveu Filme e Realidade.
tecas da Europa e dos Estados Unidos. Coru·a de Ouro (MEC- De !"'Ovo Paul Rotha, agora, nos dá o sumário universal de
Alberto Cavalcanti recebeu este ano a estados ao Cinema, e, nomes ligados pela maior escala de importância na criação e
EMBRAFILME) pelos serviços ~~~e~:nt~!c~~hecida entre os maio- no desenvolvimento do documentário: "lf dates will help, do-
em especial, pela sua persona i a ' curnentary may be said to have had its real beginnings with
res do cinema mundial. . do Brasil que tão agr_a- _flahert~'s Nanook in America (1920), Dziga Vertov's experimenfs
Na Europa, antes desta to_rna-v,~ge~canti dirigiu, na Austna, ~n Russ,a (round about 1923), Cavalcanti's Rien que les Heures
dáveis momentos lhe proporciona, ava '" France (1926), Ruttmann's Berlim in Germany (1927) and Gri-

22
23
erson's Drifters in Britain ('1929). Broadly speaking, documentary
falls into four groups, each of which demands individual esti- . O. relançamento desta obr
mate because each results from a different approac::h to natural- 2.ª ed,ção, datada de 1952 a atemporal de Cavalcanti, cuja
ly existing material." v:'1:' permitir aos estudante~ sJe encontr~ es~otatda, há muito,
Chega-se, então, ao consenso: O que mais caracteriza a bas,cos para o seu curriculu Comunicaçao conhecimentos
obra de Cavalcanti é a sua aud ácia experimental, os seus arran- prática. Também será esta m e suas futuras atividades na vida
jos imaginativos, o seu ânimo, de inovar e de revolucionar. Esse pe~~adora para profi~siona~º~ace;~os, leitura ~Wadável e com-
voluptuoso do Cinema, també m levou o filme de ficção (quan- legiao _de interessados no siste e de Lum,ere e toda uma
do já se enclausurara nos estúdios) de volta às ruas, aos espaços VeJa-se, assim, saudável co~: -
de céu, onde nos primeiros tempos ele ensaiava os passos de nt·,1 me nte o livro e a película/a~ grça_o, ao aparecer simulta-
futuro. Alberto Cavalcanti é caso raro de cineasta que conciliou ~ema, que são complementos to ~g1a Um Homem e o Ci-
as tendências matrizes do Cinema: Lumiere - documentação; t,ca e da his_tória cinematográfi~s~ura,s para o estudo da esté-
Melies - fantasia, mágica, experimentação. . Entre a imagem e o Homem h, .
Finalmente, marca simpática e amorosamente brasileira: a cimento mútuo que s, a um hiato, um desconhe-
. .
d ,ss,par ' o mesmo o ser h
sua obstinação em conservar-se político-juridicamente brasileiro. com um ato volitivo T 1 • umano criador pode
Pernambucanamente brasileiro. Ou brasileiramente carioca. Re- mcno entrevisto por Pio XII . a v~z. seJa este o curioso fenô-
cusa, sempre, o convite de ingleses para tornar-se súdito de "A Transferência do Eu". ' ao ass1st1r a projeção de um filme:
Sua Majestade Britânica. !! certo o que se diz: o cinem ,
Ora, Cavalcanti exercia função pública no Governo- inglês. fo, mas de espaço físico
"T d b
ª e um~ arte de tempo em
e sonoro Ora Erse t · ·,
Desempenhava missão de segurança nacional, ligada ao campo ~ os sa emas que unicamente ~ . ' ns ern Ja referira:
da comunicação e da propaganda do esforço aliado na segunda a vrda e a representação veríd " d vrd~ real, a verdade sobre
grande guerra. A polida negativa foi apreciada nos devidos b.-ise a uma verdadeira arte". rca esta vrda, podem servir como
termos pelas autoridades inglesas: o cineasta sempre trabalha Portanto, a Diretoria da EMBRA
com passaporte brasileiro. Até hoje é o seu documento funda- Célda em proporcionar a reedi ão d FILM~ se considera gratifi-
mental de cidadão . '-:ale repetir Georges SadJul· "~(~ lrvro fundamental.
o Pa, do Cinema brasileiro · erto Cavalcanti não foi
** * tam, por ignorarem sua longac~~r ~lgunsf_estrang_eiros acredi-
te., como Limite de M, . p . orra ou rimes tao importan
, ano e1xoto e d H -
Com este volume a EMBRAFILME 1nic1a, sob regime de Porém, "Cavalcanti deu , . os e umberto Mauro"
um novo rmpul • ·
coedições, a sua necessária CINEBIBLIOTECA. Este programa re- pa Ís e contribuiu na metad d , so ao cinema do seu
cam,n · h ' e o seculo pa b ·
ra a rir- 1he alguns
presenta parte do universo de realizações a que se propõe a A os em _direção ao f ut uro ,, . ,
empresa, por determinação da lei, no campo cultural. 1
, reve açao, a observação a anális .
Estamos no início de uma fase auspiciosa de desenvolvi- t~s a experiência pessoal são ' . 'fé . e, a interpretação, jun-
mento harmônico das atividades cinematográficas do país, isto cinema e da arte de esc~ito prrv, gros e encantos ícfa arte de
é, a política do Estado, através da EMBRAFILME, estimulando canti neste Filme e Rea'lida~:e:ue nos comunica Alberto Caval-
as manifestações essencialmente culturais - imprescindíveis
à criação de uma sólilda infra-estrutura de cinema - ao mesmo Rio, Natal de 1976.
tempo que proporciona recursos financeiros e meios técnicos
para a realização de filmes destinados a ocupar, no mercado,
o espaço a que têm direito os produtores e cineastas brasi-
leiros. LEANDRO TOCANTINS
Neste salutar esforço, os valores cu.lturais da Nação se iden-
tificam, por intermédio da imi3gem e do som, com os legítimos
anseios do povo brasileiro.

24
25
PREFÁCIO A 2~ EDIÇÃO

Se Cavalcanti houvesse publicado este seu Filme e Realidade


em qua.lquer outro país que não o Brasil, ele não precisaria de
nenhuma apresentação, de nenhum prefácio. Pois, em qual-
quer outro país que não o Brasil, haverá alguém que não saiba
quem é Cavalcanti? Em verdade, não existe livro sobre Cinema,
qualquer que seja a língua em que é editado, que não tenha,
em seu índice onomástico, o nome ·desse realizador brasileiro
citado mais de uma vez. Em qualquer centro de cultura e pro-
dução cinematográfica não há quem ·desconheça a obra de
Cavalcanti, quem não a respeite, quem negue a influência por
ele exercida ou no cinema antigo da França, ou no cinema
contemporâneo da Inglaterra. Qualquer figura desse universo
de imagens, de ilusões - e não poucas vezes de desilusões
- que é o mundo do Cinema, não ignora a personalidade de
Cavalcanti, o que ele fez no passado e o quanto a ele deve
o Cinema do presente.
Só o Brasil teima -em ignorar Cavalcanti. Ainda agora, após
três anos de convívio íntimo com a terra de que se manteve
afastado durante tanto tempo, ainda agora, depois de haver pro-
vocado uma efervescência de idéias e uma movimentação de
e,ªP(t~is inéditas em nosso mel.o, depois de haver contribuído
oec1s1vamente para a formação do Cinema no Brasil, tentando
t~mar universal aquilo que, mal e mal, permanecia no regional,
~inda ag?ra, dizia eu, há quem desconheça Cavalca~ti, · há quem
e má- fe ..:__ essa má fé indéstrutível do ignorante, do despei-

27
t,.1 do e do aventureiro - afirme e apregoe a incapacidade de !ismo, perpassadas de ternura e
Cavalcanti, considerando-o um "estrangeiro" à margem dos quando fala em seU' ami o FI h m alguns momentos corno
problemas de seu país, um "estrangeiro" em sua própria terra cabelos muito alvo:; e aqu~la c a erty, de "olhos muit~ azuis
só porque a formação cultural desse brasileiro se fez dentro um boAm _bebedor de uísque co: ro~ada ~ue é o privilégio d~
de limites que não os do Brasil, como se outros brasileiros ilus- -~~a lamina bem afiada como o e e . . . ' ou cortantes como
veri~~~~ºd/º~
1
tres não tivessem a sua formação fincada em outras terras que
d~:~~=s sans rir~", conta fatos od seu jeito de
não as do Brasil ...
Evidentemente, não irei tentar aqui, sob o pretexto de
1
indústri~ ~~ ~~~se~a~contecidas dentro dess~ ~ol~c~e~~! ;e~
uma apresentação, a biografia de Cavalcanti, com a relação com- Mas, tudo quanto afirma el
pleta de suas fitas, com a narração de tudo quanto fez dentro p_r~var com números. Por . e prova com fatos, antes de
e fora deste país. Mesmo porque isso seria inútil. Sua biogra- vrv1dos, antes de serem es~:~t~ o~ capítulos deste livro foram
fia sairá contada por ele próprio, através de suas memórias fo~ma. Como escrever, por exe s. 1 nem poderia ser de outra
que pretende publicar um dia. E a relação completa de sua
obra vem consignada neste livro, organizada por P. F. Gastai,
após um trabalho exaustivo dentro desse museu curioso que
dois dos capítulos mais int
sem ter passado, sem ter
nema sonoro, ou sem conhe
!r~:~nt~
mp o, sobr~ o som e a cor -
de Filme e Realidade -
o a a fase empírica do ci
é o arquivo e a casa de Cavalcanti. da "tempe~atura", do ritmo dac~~ ºJ problemas da cenografia~
e em funçao do drama que 0 C"r entro da estrutura do filme
Quero apenas salientar a importância deste livro. Pela pri -
meira vez no Brasil, onde os teóricos surgem a cada minuto, Cavalcanti pôs nest 1. mema conta?
é posto ao alcance do público, ao alcance de sua compreensão,
rida só ele e Deus sabe ,vro a sua velha experiência adq .
d e_ bºªA fe, e de bom s.enso,
em como
a ,
, ur-
e ª q~e preço· • • Ninguém
uma obra sobre Cinema, onde seus problemas e suas soluções
possíveis estão tratados objetivamente, em qve as gentes de a - influencia que Filme e R~~;a~ su~ _leitura, deixará de sentir
sua flora e de sua fauna são vistos através das lentes de um çoes, que agora tanto procuram a e 1~ exercer junto às gera-
sarcasmo amável, essa gente que, segundo o autor de Filme e e compreender uma estética aindaren er a técnica do Cinema
Realidade, se divide em dois grupos distintos: o que está à E no rol do que já devem . em fase de formação.
frente das câmaras e o que se situa por trás delas ... a~ora o pe~o ponderável deste l~r a Cavalca_n!i vem juntar-se
O maior mérito desta obra é realmente o de tornar sim- pirada ~aqwlo que ele também "á o, uma ed,çao escrita e am-
antologra interessantíss·1m J demonstrara em imagens um
ples aquilo que até então parecera tão complexo: explicar o d . a constante d , , a
Cinema. Ninguém, após a leitura de Filme e Realidade, deixará e a cmeteca britânica _ ''F'I d e seu curriculo artístico
Oxalá possamos nós ass· ' ~ an Reality".
de compreender, de amar, de sentir o Cinema. Para tanto, não contidos nesta obra! irnrlar até o cerne os ensinamentos
foi preciso nenhuma definição. Bastou a Cavalcanti descrever
o Cinema como de fato ele é, sem os termos pretensiosos de
certa crítica, sem as idéias vazias e confusas de certos fanáticos
frenéticos que assinam certas crônicas, sem a falsa sabedoria Benedito Duarte
de certos "professores" que pululam hoje em c;fia; sem a vul- São Paulo , Janeiro
· · de 1952.
garidade e irreverência de muitos que escrevem e falam sobre
Cinema. Cavalcanti conseguiu escrever um livro técnico com a
linguagem de um contador de histórias, com a mesma lingua-
gem que ele adotou em su:as fitas: a do coração, antes da do
cérebro. Sua manejra d.e contar é, aliás, mui.to simples. Apu-
rando sua linguagem através dos filtros da realidade, ele só
põe no papel - ou na película sensível - aquilo que foi por
ele experimentado, às vezes em bem amargas provações, por
sinal. Suas palavras são1 pois, despidas de qualquer artificia~

28
29
INTRODUÇÃO

Em 1949, a convite do Dr. Assis Chateaubriand e do Pro.


ter.sor Bardi, vim a São Paulo fazer uma série de dez confe.
r&ncias no Museu de Arte.
Fui então convidado por um grupo de capitalistas daquela
cidade para assumir o posto de P.rodutor-Geral da Companhia
Cinematográfica Vera Cruz. Um contrato de quatro anos me
foi proposto, e carta branca para contribuir com a minha expe-
riência adquirida sucessivamente nas indústrias francesa e in•
glesa para a melhoria do cinema nacional, evidentemente atra-
sado em comparação com os outros ramos da cultura de nosso
país. Aceitei com entusiasmo esta oportunidade para colabo-
rar na nova indústria.
Nas minhas memórias, que conto publicar brevemente, há
um capítulo que relatará as condições desse trabalho e as mi-
nhas dificuldades com os dirigentes da Vera Cruz. Nele se ex-
plka em pormenores como, durante o ano de 1950, sofri uma
grande injustiça e a única séria decepção em toda a minha
ea, reira cinematográfica.
A imprensa, em sua quase totalidade; a grande maioria
dos intelectuais· brasileiros e milhares de estudantes, num gesto
comovedor, fizeram público o seu desejo de que eu não vol •
tnr.se à Europa, protestando deste modo contra a campanha
~e ~esprestígio que enfrentei, levada a efeito pelos inimigos
'' ci nema nacional no sentido de acobertar seus próprios erros.

31
Meu desligamento da Vera Cruz deu-se durante os traba-
lhos de conclusão de meu segundo filme brasileiro. Minha
çC,es que me permitiram mais t d
o ponto de vista estético
as artes.
tr â aprofundar a crítica sobre
' encon ran o a relação do cinema com
terceira produção nos estúdios de São Bernardo, Ângela, ins- A ocasião me parece realment
pirada no conto de Hoffmann, "Gluck in Spiel", foi interrom- ção desta obra, de vez que a mi~h~P~.~~u~a 1 para.Aa ~ublica-
p!da e entregue a outros produtores, que modificaram o meu a Vera Cruz foi em arte a . ict expenenc1a com
argumento, feito em colaboração com Neli Outra e com diá- sível enunciar ~ disc~ir ; iinroveitável. ':iraças a ela é pos-
cinema nacional. ~ oportunagta~b~os múltiplos probl~mas do
1
logos de Anlbal Machado. A sutil atmosfera do original não
pareceu, por certo, interessar ao gosto dos meus sucessores. tranharam que no plano d . _m porque _certos cnticos es-
No entanto, Ângela era realmente a primeira história a ser Cinema, por mim estudadoe cnaçao do. Instituto N~cional de
O
filmada na Vera Cruz por minha livre escolha. Uma história com vistas à· reorganiza ão lara P~es,?en_te <?etúllo Vargas,
eu não tivesse incluído ~ proJ~t"odssa indu na cinematográfica,
5t
que desejei realizar desde que comecei a fazer cinema. Ângela . _ 0 e uma escola de cinema.
seria também o primeiro filme dirigido nesta companhia por
ESta omissao proposital result d •
um brasileiro, Martim Gonçalves, que foi substituído pelo ar- medidas mais urgentes, que consi: ª. n;cess,dade_ de outras
gentino Tom Payne. es te planejamento impeça desastrese~o .'" ,spensáve1s para que
Não fora possível, durante este ano de trabalho intensivo, rcm evitados, atrasarão ainda mai ,mment~s, 9ue! se não fo-
nos estúdios e em exteriores, corrigir e editar a versão taqui- dições atuais, imobilizar os elem! ~ no~sa industria. Nas con-
grafada das aulas que dei no Museu de Arte. E só agora posso criação de um corpo docent nos ~ma~os necessários à
aceitar o oferecimento da Livraria Martins Editora para reuni- imobilizar maquinaria escassa \~~:az, se~ia tao, ~rrado quanto
las em livro, acrescidas porém de vários capítulos que as com- Propus nesse projeto que a .. _ ºd ensmo P!at,co da escola.
0
p etam. Feitas de memória, constituíam resumos de outros tra- tários comportasse um plan iv1dsao e Prd~d.uçao de Documen-
. .. . o e apren ,zagem de m d
balhos - conferências e artigos escritos na Europa. Para a pre- permitir a 1ovens brasileiros ao t ' . d ' o o a
sente publicação foram completadas pela documentação ori- cun dá rios, familiarizarem-se ~om ermmo e seus estudos se-
ginal e pela consulta a livros de referência necessários. Cada da técnica cinematográfica. os ramos por eles escolhidos
capítulo leva a data e o local de origem da conferência ou
artigo que lhe serviu de base. No sentido de atualizá-los, fo-
longb: ~~bl~~ã~e~e~~nfr~~:op~~~ar:st~~~!ª::~~o~u~ est~ bem
ram acresentados, em muitos deles, comentários sobre os pro-
se em que, desde a minha eh d . e cmema,
blemas do cinema brasileiro e sobre personalidades ou obras servado em nosso meio cine ega 8: ~o Brasil, te_nha eu ob-
surgidas posteriormente. Como em que os leitores saberão proporção entre número de :~t~grafico uma evidente des-
perdoar estes anacronismos. Não se trata propriamente de um O oncos e o número de práticos
compêndio sobre o cinema, mas de uma série de considera- No mesmo relatório a qu f . . ·
ções baseadas na minha experiência pessoal. O árduo traba- medidas indispensáveis ao I e ~e re en acima propus outras
lho de revisão foi feito em colaboração com Paulo F. Gastai nematográfica. A falta de P !~!!!mento ~a nossa indústria ci-
I
e Vinícius de Morais, aos quais sou muito reconhecido. A Paulo lizmente tem atrasado d p _I menta e um mal que, infe-
Gastai se deve também o minucioso trabalho de organização Existe u~ outro mal mas e~t mu~to a evolução de nosso país.
dos documentos pessoais necessários ao estabelecimento de mi- sugestão de um es~ecialist e nao pode ser extirpado pela mera
adequadas. Talvez s . a como :u: a. -falta de comunicações
nha filmografia, que jamais fora tentado; a José de Sousa Alen-
G1r pela elaboração do índice remissivo que constitui o apên- brasileiros do maiore~x-:sta -ª ra~ao principal por que filmes
50% dos nossos cinem~~ nao c egaram a ser projetados em
dice deste livro - documentos que se encontravam em com~
pleta desordem, em virtude das contingências da -guerra e de
Ao lado destas
n·> panorama d . duas f aIh as f un damenta,s,
. também existe
minha mudança para o Brasil.
Não posso esquecer também que devo, num passado já su~~a quantidad~ ~nema _brasileir~, um desperdício - a ab~
bem longínquo, ao meu professor cle estética, na Sorbonn~,, of1c1ais de propagand:. baixa qualidade da coleção de filmes
Victor Bash, ''juif" - como ele se assinava - as grandes h·
33
32
Estes filmes, produzidos para "educar o nosso povo e mos-
trar ao estrangeiro o Brasil ta l como é," oneram nosso tesouro
não só pela multidão de afilhados incapazes encontrados nas
repartições públicas (salvo raras exceções) como pelos "free-
lancers" contratados para tal fim . Maior desperdício ainda tem
s:do causado por aventureiros e intri,gantes, que vêm sistema-
ticamente explorando os nossos recursos e desacreditando a in-
dústria do filme nos meios financeiros nacionais.
Muita maquinaria tem sido, também, importada com sa-
crifício e atirada nos lugares mais estranhos, onde se tornam
em pouco tempo imprestáveis em conseqüência da falta de
trato.
Graças aos elementos que conseguiram, malgrado todos os
empecilhos, realizar o pouco que se realizou; graças igualmente
à facilidade com que o técnico brasileiro aprende seu "metier", CAPíTULO 1
evitou-se, por um triz, até agora, uma catástrofe total. Esta amea-
ça, porém, continua aumentando cada dia mais - com a cum-
plicidade de certos dirigentes cinematográficos, com a evidente
irresponsabilidade de muitos dos nossos distribuidores e com FILME E REALIDADE
o desprezo da maioria de nossos exibidores pela educação de
nosso público, sobretudo no interior.
O meu curso no Museu de Arte efetuou-se diante de um
auditório fiel e atento. Esperamos que o público brasileiro, que
elegeU' o cinema como seu passatempo favorito, se interesse
por este trabalho de vulgarização . Este público, uma vez es-
clarecido e educado, será o elemento mais importante na evo-
lução da indústria cinematográfica brasileira.

A. C.

São Paulo, novembro de 1951.

34
O FILME SILENCIOSO

Em 1887, o Dr. Marey, com a sua pistola fotográfica, conse-


guiu captar o movimento em uma série de clichês. Muito mais
farde, quando essas fotografias foram reproduzidas pela câmara
cinematográfica e projetadas na tela, compreendeu-se a impor-
tância desse trabalho. Verificou-se que essa continuidade do
movimento tinha sido a base da descoberta do cinematógrafo.
Logo depois do feito do Dr. Marey, pioneiros, em vários
países, inventaram quase simultaneamente o cinematógrafo.
0('sses pioneiros os mais conhecidos foram os irmãos Lumiêre,
em Paris, e Friese-Greene, em Londres.
Os Lumiere, depois de filmarem uma série de cenas familia-
res, lançaram-se na ficção. O primeiro passo foi um homem
9ue experimentava chapéus diferentes e fazia caretas fixando
a objetiva . O fílme seguinte já tinha até um título, L'arroseur
Arrosé. A comédia fez, portanto, a sua aparição no cinema logo
após o documentário . O cinema nascente, ao ser reconhecido
como uma nova forma de diversão, ia perder o seu contacto com
a realidade .
. Entra o drama. No começo tinha ainda suas raízes na rea-
hdade . Um dos primeiros, The Life. of Charles Peace, famoso
assassino inglês, foi reconstituído em ambientes naturais. Na
Am~rica, Edwyn S. Potter, precursor dos métodos de Hollywood,
reahza The Great Train Robbery.
Já então os filmes eram projetados em feiras e em salas
como espetáculo público.

37
Em Paris, realiza-se L'Assassinat du Ouc de Guise. Um fa-
moso ator, Le Bargy, traz para o cinema toda a gesticulação J?e~ois do teatro e do roniance
press1on1smo, incorpora-se na Alem , ~ma esc~la de arte, o ex-
ex·agerada de um teatro moribundo. Os ambientes naturais r~et _der Dr. Caligari, de Robert w· an ,a, ao cinema. Das Kabi-
desapareceram, e as telas pintadas, balançando-se ao vento, apo,o de todas as cinematecas de ~e~e, tornou-se o ponto de
como no palco, tomam o seu lugar. Le Bargy foi sucedido por na evolução do cinema, muito discu~le ·1 Or5eu valo,~ é porém,
uma série de celebridades, entre as quais Sarah Bernhardt era todos os seus derivados não a ive ·. anta Cahgar, como
a mais notória. Se esses atores tivessem percebido o quão de peças de curiosidade . Para pu!s~m~in~~al de ~ontas, senão
ridículas eram as suas atitudes, talvez hesitassem em exibir-se s~a eclosão e ganhasse verdad~ir . a ~lem~o ch~gasse à
A

na tela. De certa maneira, eles trouxeram ao cinema uma dose fr,tz Lang se libertasse do fo a,.1mpor~anc1a, fo, preciso que
de prestígio. E só Deus sabe como, nessa época primitiva, pre- Wilhelm Pabst realizasse Die ;;na~;mo e então, que Georg
cisava o cinema de prestígio! mann, Melodie der Welt. eu ose Gasse, e Walter Rutt-
O contacto com a realidade, perdido nos filmes dramáticos, No domínio da realid;id f -
foi sendo mantido pelo filme documentário e p.elos jornais de
atualidades. Entretant o, o desenvolvimento desse último gêne-
Robert Flaherty . Evocou pri::i:i~oª ~;1ª•
intao, uma nova figura:
tido pelos ventos faciais d . nou em seu " habitat " ba-
ro de filmes foi excessivamente lento e os arquivos dos jornais síaco do Pacífico ~ui . ' e epois Moana, no ambiente parndi-
cinematográficos mostram uma falta de imaginação desespe- Já em 1914-18 o document'. · · h
rante. São bem poucos os acontecimentos _registrados pela câ- d~nte de guerra . , Filmes in les~t nse t~n a tor~ado_ correspon -
mara que não fazem parte de uma enervante rotina. É curioso nao eram mais simples " sho~ts" a~r'"ndo episódios da luta
notar também como, gradualmente, as atualidades se oficiali- o cinema passou a interessar-se e muita gente que desprezava
zaram e depois passaram a ser usadas como propaganda política. As subseqüentes reportagens da ~or ~~•_graças a esses filmes.
Um dos mais importantes realizadores da infância do cine- tico, de grandes viagens na Arábia :pe ~ ç~? de Sc_o tt ao Antár-
ma foi, certamente, Geôrges Méliês. Pode-se dizer que a ele resse desse público. Grass e Cha na b n 1ª mantinham o inte-
se deve a introdução da poesia no cinema. Quando analisamos sack e Meriam e. Cooper la Cr~iearm ~s. de E~~e~t 8. Schoed-
a sua obra, malgrado o seu sabor arcaico e o seu grande ecle- P?iri~r, com os filmes d~ Flahert e o,re,_ dmg!do por Léon
tismo, sempre encontramos, intuitiva, consistente, essa tendên- crrcu1tos comerciais. Y, conseguiram impor-se aos
cia poética. O filme de fantasia, iniciado por Mélies, transfor- Quando, em 1920 começaram .
mou-se num dos ramos de técnica subserviente nos estúdios verificou-se O quanto ' a perda d a ~parece~ os fil1nes suecos
que surgiram posteriormente; a trucagem cinematográfica é evolução do filme dramático A o rea_ 1Sf!1C?_ tinha sido séria na
empregada hoje em quase todos os filmes . É lamentável que de Victor Sjostrom, de Benja.min c~~t~ibur çao de Mauritz Stiller,
o filme puramente fantasioso, não sendo considerado comer- lander, trazendo de volta a realidad:'!~~f,~ e de. G~stav Mo-
cial, seja hoje raramente produzido. sentou um papel fundamental n d _e de f,cçao, repre-
Enquanto o filme de ficção dramática chegava, com Grif- 0s russos com desta o esenvolvi~ento do cinema.
fith, ao seu apogeu, e a comédia de Chaplin, mantinha com j~nko, V. Pud~vkin e Dzi ~~~e~ra S. M. Ersenstein, A. Dov-
rigidez a sua expressão cinematográfica, o documentário e as na, aperfeiçoaram o ritmog do ffv, em sua febre revolucioná-
suas formas subsidiárias - o jornal, o filme científico, o "trave- tka e exploraram abertament! ' mef, a sua ~centuação dramá-
logue" - viviam num pequeno mundo restrito, porém mais de propaganlcf a. o va or do cinema como meio
sólido. Os "filmes-palaces" que, com seus órgãos e suas gran- 56 0 cinema francês
des orquestras, mostravam, num ambiente de indizível mau
r
trai do L' AssaS§i111at du Ducc~~ '2ufva a Íxplo~ar a tradição tea-
gosto, as superproduções do momento, contrastavam com a mo- e pelos russos e reconhecen use_. lnf uenc,~dos pelos suecos
d ' stia acolhedora dos pequenos cinemas de passatempo. É que, deixando a com , ct· . df a importância de Chaplin -
verdade que houve um ou dois esforços para exibir filmes de
viagem em salas edificadas como um trem ou um navio. Mas
~essa época, A Woma~
Jovens rebelou
~i ;:; izara . um do~ _melhores dramas
rs - e de Gnffith, um grupo de
o conteúdo dos filmes tinha uma tal veracidade que a preocupa· Pe_rsonalidades -~~mc~nya 2! 5 conyenções do filme de ficção.
ção de mostrá-los em um falso ambiente acabou por cair natU· onentação em comtin,e ament~ d!ferentes, não seguiam uma
ralmente. rnara urna escola: a ''Áv:n~!~~c-~ _,,~veEntou. qu_e este grupo for-
, e . sta 1dé1a, como a deno-
38
39
minação era falsa. A poesia era um cios fatores predominantes 11
nos seu; filmes como nos de Mélies. Numa desordem e nu~a
falta de união' incríveis, a ch2mada "Avant-Garde" consegu!u O FILME SONORO
enunciar O importante fato de que o filme e~a um no~o me~o
de expressão e que, como tal, tinha características próprias.. Nao
Nos primeiros tempos do cinema sonoro, não era O som
se poderia achar nenhum ponto de semelhança entre filn:ies para os produtores, senão diálogo. Partindo desse erro er~
como Le Voyage au Colilgo, de André Gi.de e Marc Allegret, Rien
natural q_ue a maioria dos realizadores cinematográficos fosse
que les heures, por mim dirigido e L'Etoile de M er, de Man Ray,
temporariamente afastada dos estúdios e substituída por dire-
por exemplo. . . . _ . tor~s de tea~ro. _Isso c~usou uma regressão muito séria e um
Como .o expressionismo no cinema ale~ao,, a _escola sur- per~odo da h1~tó~•~ do cm:ma que só se pode comparar a certos
realista teve, em muitos casos, uma grande influencia sobre os penados da h1stona do Egito durante o domínio dos hititas. Não
filmes da "Avant-Garde". era s_ó ~ ignorância das possibilidades do som, mas também a
Na segunda década deste ~~culo,_ L. . Delluc inventara ~ tendenc1a a resolver todos os problemas do d rama cinemato-
conceito de " Fotogenia"; agora Jª podia dizer-se com certeza. Wáfico pela ~olução do diálogo . A palavra não era pronunciada
"Isto é cinema, isto não é cinema!" cmematograf1camente, mas teatralmente. Vários atores de tea-
o próprio documentário de, então tendia par~ ~m certo tro, que nunca haviam ingressado nos estúdios, tiveram as por-
escapismo, abordando temas longinquos,. quase romant1cos, que tas abertas e trouxeram com eles uma artificialidade de há muito
impressionavam o público pelo_ s~u exot1s~o. Algu~s ~os van- abolida. Felizmente muitos deles se adaptaram rapidamente e
guardistas, desenvolvendo· as l1çoes dos fll~es sov1ét1cos, en- se transformaram em bons atores de cinema.
frentaram a realidade cotidiana - e seus filmes começaram a Uma das maiores contribuições para o aperfeiçoamento da
discutir problemas sociai~ imediatos_. . ,, ban~a sonora foi certamente a da escola do documentário inglês.
Três filmes foram feitos em Pans, Berlim e Moscou, _quc:se r. evidente qu~ an~es d~ Song _of Ceylon, de Basil Wright, 0
simultaneamente, sobre um dia da vida de .uma grande .c1d~de: filme sonoro nao t inha sido senao o fi lme fa lado.
0 meu já citado Rien que lss heures, 8 €,rhm Symph_onie emer
Grosstadt, de Walter Ruttmann, e Camera Eye, de Dz1ga Vertov. . A volta dos ho mens de ci~ema ao seu trabalho foi progres-
s1\'a. Alguns novos e_ lementos vieram j untar-se a eles. Entre esses
O p úblico já andava, P?r ~ssa ép_oca: s~tur~do pelo ~~n-
vencionalismo do filme de f 1cçao e a industria cinematograf1ca o mais notável foi certamente Jean Vigo, autor de A propos de
açambarcou todas as idéias, todas as personalidades da liAvant- Ni~e, Zéro de Conduite e L'Atalante. A sua morte prematura
foi uma grande perda para o cinema.
Garde". .
Chegamos, então, ao último período do_ !llme mudo. ~ Contrariamente à escola da "Avant-Garde", de que Vigo
técnica cinematográfica está no auge da perfe1çao. Pode-se _di- clescen~e,,ª. escola do_ documentário inglês não era de fundo
zer o que muita gente simples diz diante de um retrato fiel: revoluc1onano, nem tinha mesmo caráter dispersivo. Em um
"Só falta falar ... " grupo compacto, os do~~•mentaristas in~leses conseguiram ca-
Em contraste com o desenvolvimento do filme de ficção, nalizar ª. propaganda of1c1al para o serviço de educação social.
que se processou de maneira espalhafatosa com a criaç_ão .dt> Conseguiram também quebrar a rotina do som sincronizado.
estrelismo, com as tragédias engendradas _p~la econo_m1a d0_ s Seria injusto não citar em Hollywood, no período de pré-
trustes :e com os exageros ridículos de publictd~~e, o -filme d~- g~~rr~! os nomes _de John Ford, Frank Capra e William Wyler,
cumentário evoluiu naturalmente. E, por ocas1ao do apa!·eo1:
mento do som, tinha, apoiado numa eco_nomia m~it?. mais
e num prestígio muito mais válido, conquistado def1111t1vament
s: defin1t1vamente acima do nível da indústria americana.
O quadro_ restrito da guerra de Espanha, esse prólogo ao
c_on~llto mundial que a seguiu, deu ao cinema dois filmes no-
o seu lugar ao lado do fil me de ficção. ~veis. O p~im:iro_, Sierr~. de Teruel, obra do escritor André
De um modo geral, o filme de ficção, dur~n~e to~o~ ~s~; alraux, c:uias 1dé1as pol1t1cas se desagregaram ultimamente e
anos pouco a pouco envenenara o gosto do publico, 1ns 1stiná . · ~ segu~do, Spanish Hearth, que confirmou todas as promes;as
'
em ignorar -
a sua funçao • 1, ao pa~s<? _q~ e o document no
sacia
conservara a sua integridade e pureza 1111cia1s.
°
11 realizador holandês Joris lvens. Com The, Four Hundred Mil-
ons, também de lvens, estes filmes formam uma trilogia e lo-

40 41
qüente não só do ponto de vista ci~ematográfico, m2s também Para proteger seu mercado, os arn • ri canos, qLJe no tempo
no que diz respeito ao aspecto social. do mudo combateram e venceram o cinema sueco têm con-
A Segunda Guerra Mundial mobilizou o docu~entário in- tribuído sensivelmente para o desmoronamento de várias indl'.ts-
glês e estendeu a sua ínfluênci_a ao de todos os pa1ses que se trias cinemat<?~rá~icas, de modo especial a francesa e a inglesa.
batiam em defesa ela democracia. Os melhores eram certamen- As expenencras da "Avant-Garde", no sentido de estabele-
te os da U . R. S. S. cer uma expressão cinematográfica, e as do documentário in-
Os dois grandes filmes alemães de antes da guerra, ~ly?1- glês, trabalhando sobre o valor social do filme e buscando o
pia, F€st der Volker e Triumph des Willens, ambos d~ _Len! R1e- aperfeiçoamento técnico (em especial o do som), deveriam ser
fenstahl, contrastavam fortemente com os documen!a~1os mple- continuadas, no momento atual, por estudos de melhoramen-
ses, pela sua evidente fidelidade aos fins propagand1Ast1c_os h1tle- tos da cor. Infelizmente, muita gente dirá que a arte do uso do
rianos, ignorando preconcebidamente 9~a~quer reforenc1a a pro- cinema reside no branco-e-preto, como muitos já afirmaram, no
blemas sociais; e foram seguidos, no 1111c10 da guerra, por uma tempo em que a arte do cinema era muda e não admitia o em-
obra impressionante pela sua força e pela sua crueldade, sobre prego do som. A verdade, porém, é que a cor usada dramatica-
a luta na Polônia. mente, como se entrevê nos film es curtos de Len Lye, é o pró-
Terminada a guerra, os componentes da escola. do do- ximo passo na evolução do cinema. Depois virá, provavelmen-
cumentário inglês, tal como já acontecera com, o~ a111madores te, o relevo, e os falsos estetas falarão na tela plana e prateada .
da "Avant-Garde", foram absorvidos pela industria. Após se sucederão outras etapas de aperfeiçoamento ...
Terá o cinema atingido o máximo de sua difusão? - Em
É interessante observar que as barreiras decorrentes do con-
certos mercados a televisão tem tomado grande parcela de seu
flito mundial tiveram resultados inesperados; o cinema francês
público . Como o rádio, a imprensa e a televisão, o cinema,
enveredou por um escapismo t?t~I, enquanto que o,,fili:17_e !~g~~s, quando empregado conscientemente, deve ser o reflexo fiel de
desse período, pode ser defm1do peta _p~lavra ut,l1ty , lao
um povo e do meio a que pertence. Da influência de um só
usada, naqueles dias, na Inglaterra. A ma10~1a ,d?s assuntos tra-
homem, Eisenstein, e de um só filme, Que Viva México!, nasceu
tad,os pelos realizadores de França eram historias qu.e se. pas-
o cinema mexicano . A sua industrialização, porém, vem diluin-
savam em ambientes fantásticos e completamente 1rrea1s do o espírito inicial.
les Visiteurs du Soir, de Marcel Carné, Lumiere d'í:té, de Jean Oficializado pela ditadura, o cin ema argentino - como o
Grémillon e L'Eternel Retour, de Jean Dellanoy - ao passo que ale~1ão, com ~ longa série de comédias anódinas e assuntos que
os filmes ingleses eram diretos, precisos e, po~ assim di~er, eco- fugiam ª. realidade do momento, durante o p1::riodo nazista, e
nômicos na sua concepção. Tal estado de crnsas refletia, natu-
como o italiano, com as grandes cavalgadas históricas, no pe-
ralmente o fato de os franceses quererem, a todo o custo, es-
ríodo fascista - acentuou ainda mais um falso cosmopolitismo,
quecer a' guerra e mistificar a censur~ _nazista, enquanto que os tornando-se inócuo e sem raízes.
ingleses mostravam o estado de espirita e a força de vontade E o cinema brasileiro?
com que enfrentavam a luta .
Com a advento da Paz, surge na Itália um grupo de reaii- St. Bond, Natal de 1933.
zadores que rompe com o convencionalismo dos tempos da
ditadura, e, graças a seus filmes, n2sce uma nova ~scola, o ne~-
realismo, que influenciou todo ? cinema internac_i~na_l e ,conti-
nuou, no filme de ficção, as diretivas do documentaria 1ngles.
Na defesa de um capitalismo insaciável consolidaram os
americanos uma poderosa indústria, de nível ba}x~, que reflete
perfeitamente os interesses, do grupo a que e~ta ligada. As ex:
ceções atuam como uma valvula e se caracterizam, quase sem
pre, pela violência e pelo sadismo. Em todo o caso, ~ão s_e
pode negar que os filmes de "gangster" e "western" estao 2c 1-
ma do nível geral da produção de Hollywood.

42
43
CAPrTULO li

PANORAMA DO CINEMA BRASILEIRO


• ..

O CINEMA COMERCIAL

A palavra " panorama" implica em uma dignidade de trata-


mento que quase atin~e a grandiloqüência. Para a maioria das
pessoas, sugere urna cidade, tendo mar ou um rio em primeiro
plano, com pitorescas embarcações; mais além vêem-se o cais,
a praça, as ruas, com o movimento de veículos e pessoas. Do-
minando tudo há as torres da igreja e, ao fundo, as colinas ou
montanhas que cercam a cidade .
Há também os panoramas de batalhas e, neste caso, como
existe sempre urn vencedor e um vencido, o panorama toma-
se um panegírico do vencedor. Soldados feridos, cobertos de
sangue e exprimindo sofrimento; bandeiras esfarrapadas, ca-
nhões desmantelados e fortins destruídos formam o seu con-
junto.
Para esboçar um panorama do nosso cinema, prefiro re-
troceder no tempo, e dar a impressão que dele tive ao regressar
ao Brasil, após minha longa estada na Europa. Somente com a
experiência destes últimos dois anos, posso concretizar esta im-
pressão inicial e apontar o que, em minha opinião pessoal, tem
c0nstituído os entraves fllndamentais ao desenvolvimento do
filme nacional.
Havia, naquela época, em nosso cinema, em primeiro lugar,
uma lenda e um nome: Limite e Mário Peixoto. Nunca me foi
possível ver Limite, mas conheço e admiro Mário Peixoto. No
Panorama do nosso cinema, que é também o panorama de uma
batalha, Mário Peixoto aparece quase isolado, representando
7 de braços cruzados, como dizem muitos - o prestígio do
e nema nacional. Isso no plano artístico.

47

No plano industrial, havia a Atlântida e ~eus filmes, e um - e uma certa falta de respeito à hierarquia, indispensável à
punhado de películas comerciais, corno O ~brio, O Homem que organização de uma indústria complexa, como a cinematografia.
Chutou a Co111sciência, etc. Eram estes os vence,dores da bata-
lha, urna batalha de aspecto triste, quase med1ocre, com um Por sua vez, a nossa Censura, sempre tão preocupada com
mínimo de heroísmo. a moral, a religião e a política, quando se trata de filmes estran-
Os que se dedicavam ao cinema _co~ si nceridade, ~s geiros já censurados lá fora no que diz respeito à decência, tem
bem intencionados, não dispunham de dinheiro, n~rn. d~ técni- permitido, em películas brasileiras, cenas que chocam o bom
cos, nem de maquinaria, nem de atores . - mas ms1st1am em gosto de qualquer platéia. Vi, há pouco, em São Paulo, o pú-
realizar seu filme. Fazê-lo era quase um milagre. Em volta deles, blíco protestar violentamente contra a grosseria no tratamento
pululavam os aventureiros, que em geral arranj~vam uns cobres de cenas de um filme, Anjo do Lodo, extraído de "Lucíola" , de
e às vezes também chegavam a fazer o seu filme . Mas neste José de Alencar, um dos nossos mais conhecidos escritores. Não
caso, o filme não passava de um golpe . são poucos, em verdade, os exemplos de completo desrespeito
e má utilização de obras literárias na qualidade de argumentos
Enquanto surgia no Brasil ~~a plêiade d~. grandes arqui- de filmes.
tetos1 como Oscar Niemeyer, Luc10 Costa e vanos outros, que Vem a seguir o fator industrial ou a produção propriamente
levavam o nosso país a aparecer e~tre os primt:iros no d~mínio dita. Neste setor reinava, à minha chegada, completo caos,
da arquitetura; enquanto nossa pintura evolu_1a ~ crescia en~ devido, acima de tudo, à falta de comunicação, que prejudica
importância, tendo à frente as figuras de Portman, Segai e D1 também todas as demais atividades brasileiras.
Cavalcanti; enquanto nossa escultura, com Brecher~t e Bruno
Giorgi; nossa música - com ~ila Lobos; e nossa l!tera_tura - O número de estúdios era reduzidíssimo - e é sabido que
com Graciliano Ramos, ascendiam a planos excepc1ona1s, com ninguém pode levantar uma indústria sem dispor de fábricas.
uma vida e riqueza de que nos podemos orgu!h!lr; enquanto .ª Ainda hoje não existe, mesmo em São Paulo, um único estúdio
à prova de som.
imprensa se desenvolvia amplamente e a telev1sao dava os pri-
meiros passos - o nosso cinema se mantinha em desespera- Praticamente, não havia administração. A falta de maqui-
naria, então observada, continua sendo um dos fatos mais sur-
dora infantilidade.
E quais as razões por que o panorama de nosso cinema era preendentes desse panorama, porquanto já se importara mate-
de mediocridade tão desoladora? rial suficiente para uma produção normal . Por desleixo e negli-
gência, tais máquinas tornaram-se imprestáveis. O desperdício
Frisando sempre que esta análise data de dois anos, creio tem sido exorbitante.
poder explicá-las pela enu meração dos oito problemas funda- O melhor exemplo, a este respeito, vamos encontrar no caso
mentais com que me deparei. do filn:1~ virgem. Importamos, pagando dólares preciosos, fil-
Em primeiro lugar, temos o fator étnico. Nossa gente, me suf1c1ente para os nossos gastos. Mas, até hoje, os produto-
como os latinos em geral, sofre do mal de aprender depressa res adquirem a maior parte desse material no mercado negro.
demais do gosto do " palpite", do menoscabo ao planejamen- Como é do conhecimento de todos, grande parcela da quota
to para' seus trabalhos e, finalmente, da falta de paciência indis- importada é vendida na Argentina, também no mercado negro.
pensável a um acabamento minucioso de tod~ obra que ~~ pr.e- Em quarto lugar, vamos encontrar o fator econômico. No
ze. Aí estão nossas cidades, com seu crescimento vertiginoso Brasil, o capital circula com tal rapidez e com juros tão elevados
e não planificado, e nossa indústria, onde tantas vezes se pa~en- que se_ torna difícil fazer compreender aos capitalistas que um
teia a falta de "arremate", para exemplificar este ponto de vista. filme so produz lucros depois de dois anos de distribuição.
Em segundo lugar, há o fator ético. Sofremos em geral, da Em quinto, temos o fator profissional ou técnico. A minha
falta de equilíbrio e da falta de confiança em nós mesmos. O chegada, os produtores, no Brasil, eram unicamente administra-
brasileiro é o homem dos extremos: às vezes julga poder faze~ dores.finan_ceiros, ou seja, pessoas que financiavam ou arranja-
tudo, e outras vezes acha que não pode fazer nada, _que aqu vam f1~anc1amento para um filme ou uma companhia. A partir
no Brasil tudo é péssimo. Existe, entre nós, além disso, u'!1ª de entao, os produtores artísticos se multiplicaram e, por saber
evidente falta de coragem de mostrar nossas fraquezas - ~h~ 0
9uanto é complicado o longo treinamento de um produtor,
um dos fatores que até hoje mais têm abalado nosso prestigio veio essa multiplicação rápida com indisfarçável ceticismo.

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É enorme, além disso, a deficiência técnica que se observa A exibição constitui o sétimo fator. Em contraste com o
ainda hoje. Praticamente não temos argumentistas especializa- seu custo de vida, que é um dos mais elevados em todo o mun-
dos; nossos iluminadores e diretores contam-se pelos dedos. do, em nenhuma outra parte são as entradas de cinema tão
Não se encontram editores de prestígio . E quant o a bons enge- baratas quanto no Brasil . Naturalmente, isto retarda sensivel-
nheiros de som, conheço, entre nós, apenas dois. mente o retorno do capital aplicado na produção nacional.
A falta de argumentistas tem provocado lamentável des- Por outro lado, nas salas do interior a projeção é, em geral,
perdício de nossa literatura. De todas as adaptações que até de péssima qualidade, sendo impossível, em muitos casos; ter-
hoje se fizeram dos nossos melhores livros, nenhuma equer se uma idéia do idioma em que a película é falada.
f ez jus ao original. Para remediar esta situação deveria criar-se patentes, uma
Quando importei uma dezena de técnicos estrangeiros, se- inspeção técnica que exigisse projeção decente e fiscalização
lecionados com o maior cuidado, não só pela sua capaciti.ade rigorosa para impedir a fuga às leis de proteção ao filme na-
t écnica, mas também levando em conta sua possibilidade de cional.
adaptação à vida do Brasil, fui severamente criticado. No en- QU:em conhece a vida nas cidades do interior do Brasil,
tanto, esta mesma crítica jamais ergueu a voz contra a infiltra- compreenderá logo que é a autoridade policial a menos indica-
ção constante de elementos estrangeiros sem credenciais, que da para exigir do proprietário de uma sala a observância dessas
vêm inundando a indústria cinematográfica nacional, com evi- leis, porquanto, em geral, goza de entrada franca nos cinemas
dentes prejuízos materiais e humanos para nós. - privilégio aliás extensivo a todos os membros da sua família.
O oitavo e último fator refere-se à crítica.
Não reconheceu tampouco essa crítíca que, com a reunião É sempre perigoso, para um diretor cinematográfico, atacar
de técnicos de várias nacionalidades, tentava eu facilitar a cria- os críticos. A crítica no Brasil é abundante, comparada ao alcan-
ção de um estilo próprio ao filme nacional, que assim ficaria ce de nossa produção. Salvo as honrosas exceções, reina, tam-
isento da influência de um único cinema - e iria, ê.Os po ucos, bém, neste setor, empirismo geral . Em vez de se valerem de
elaborando o seu. Continuo pensando, ainda hoje, que somen- conhecimentos dos clássicos do cinema, conhecimentos que
te com a vinda ele mais alguns elem entos estrangeiros podere- não podem adquirir dada a ausência de uma filmoteca, numero-
mos realizar um treinamento eficiente de té--nicos brasileiros , o sos críticos recorrem a simples referências de índices e catálo-
que deve constituir, sem dúvida, nossa preocupação constante. gos, o que jamais .equivalerá a uma verdadeira cultura cinema-
O sexto fator diz respeito à distribuição. Aqui, o quadro tográfica. Para certos críticos, basta o filme ser nacional para
é ainda mais desolador. Temos leis e leis bastante inteligen tes. não ter valor. Laboram, porém, em absoluta falta de compreen-
Entretanto, de nada nos adiantam, já que não são respeitadas, são do quadro geral da direção técnica de nosso cinema.
e a falta de comunicação torna a aparecer, neste caso, como Depois de minha volta, tende São Paulo a tornar-se o cen-
um "handicap" de extrema gravidade. Basta dizer que os filmes tto da indústria cinematográfica no Brasil . Após um ano de
nacionais de maior sucesso não foram exibidos em 50% sequer trabalho numa das companhias paulistas, compreendi que só
d.is nossas salas. Os produtores na maioria dos casos não obtêm será possível fazer cinema no Brasil com uma reorganização
lucro algum. Quanto ao complemento nacional obrigatórie, completa de nossa legislação, especialmente no que se refere
esse chegou até, por causa de sua qualidade inferior, a compro- à sua execução, com o Governo atuando praticamente na solu-
meter seriamente as possibilidades do documentário no Brasil. ção dos problemas, e com a criação de uma companhia distri-
São muitas e ricas de imaginação as "manhas" financeiras buidora, livre da interferência estrangeira.
no setor da distribuição. Alugam-se filmes por grupos, isto é, Creio não faltar à modesta ao afirmar que me teria sido
se o exibidor se interessa pelo lançamento de uma produção possível levantar, em certa ocasião, capitais suficientes para a
nacional, é obrigado, muitas vezes, a alugar vários estrangeiros, formação de uma companhia produtora. Compreendi, no en-
de qualidade suspeita, para obtê-los. Dos contratos feitos, urna tant?, que seria impossível obter o êxito esperado, sem a reor-
alta porcentagem é muitas vezes devolvida "por baixo da mesa''. ganização que esbocei acima.
E que dizer do hábito mesquinho de pagamentos protelados, Após uma entrevista com o Presidente Vargas, comecei a
que proporcionam juros ao distribuidor, enquanto o produtor estudar, com seu apoio, a criação do Instituto Naciona l de Cine-
fica esperando pelo reembolso do capital empregado? ma. O projeto consta de uma revisão geral das leis de proteção

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..

aos produtores, da distribuição equitativa do filme virgem, da A educação do público é uma necessidade fundamental para
conquista do mercado estrangeiro, sobretudo nos países de lín, que o bom cinema brasileiro se torne realidade. A esta reali-
gua portuguesa e nos da América Latina. dade chegaremos, mas é preciso não ignorar que existem em
Prevê também o estabelecimento de um conselho artístico luta contra nós outros poderosos interesses, dos quais nunca
para a seleção, a priori, das produções propostas, isto, em opo- deveremos ser instrumentos. Não esqueçamos que em Cinga-
sição à atual censura (a posteriori) em moldes policiais. Su- pura perdemos a nossa borracha; não esqueçamos da luta que
ge:•re a criação de uma cinemateca e de uma fototeca; a tivemos para poder plantar algodão e da que temos tido para
or~aniza~ão ti.e um departamento de planejamento e pes- utilizar o nosso petróleo. E tenhamos sempre em mente que
a luta pela criação do cinema nacional está apenas começando.
q111sas, visando a estabelecer as relações entre o capital, re
prese~t~d_o pelas com_panh ias de produção, de distribuição ou
de ex1b1çao,_ e os técnicos por elas empregados, sejam nacionais
ou estrangeiros; a defesa dos direitos autorais, agindo como 11
age_ntes das o~r~s _no domí~i~ público, das biografias e dos aco11-
tec1mento~ _h 1storrc_o~ bras1le!ros; e finalmente a realização de O CINEMA OFICIAL
documentanos soc1a1s, atraves dos quais se tentará o soergui-
mento cultural de nossa gente, principalmente do interior, ao Como parte integrante do estudo da situação do Cinema
mesmo tempo que se estará contribuindo para a formação de Brasileiro que me foi confiado pelo Presidente Getúlio Vargas,
técnicos, indispensáveis à nossa indústria . tive ocasião de assistir a cerca de 214 filmes produzidos por
Não faltaram, naturalmente, as habituais críticas antecipa. órgãos oficiais, e posso, de sã consciência, baseado na impres-
das. Houve também certa confusão a respeito das relações entre são que os mesmos me causaram e no que me foi dado ver nas
as companhias produtora e distribuidora que pretendo criar diversas repartições que contam com serviço cinematográfico,
e o Instituto. ' dar uma opinião serena sobre o atual sistema do cinema oficial
No entanto, a maioria dos produtores do Rio de Janeiro e em nosso país.
A produção governamental de filmes no Brasil está dividi-
a ~ua_se totalidade dos técnicos e atores aceitaram desde logo
da em vários setores completamente autônomos, não apenas
a 1dé1a e procuraram colaborar na sua realização . A maioria
sob o ponto de vista técnico, mas também no que diz respeito
das restrições e ataques ao Instituto partiu de duas companhias
às suas diretivas. É assim que existem o Instituto Nacional de
- dentre as três organiza_das - o que não deixa de ser surpre- Cinema Educativo (Ministério da Educação e Saúde); o Gabine-
endente, porquanto, se tivessem uma verdadeira visão do de- te de Cinematografia do Serviço de Informação Agrícola e o
senvolvimento do cinema brasileiro, seus responsáveis teriam Setor de Cinema da Secção de Estudo do Serviço de Proteção
não só apoiado a idéia, mas talvez até mesmo financiado o
aos fndios (Ministério da Agricultura); Serviço Cinematográfico
Instituto.
da Agência Nacional (Ministério da Justiça e Negócios Interio-
Creio, porém, - reportando-me ao primeiro fator mencio- res); Setor de Cinema do Conselho Nacional de Geografia; Ser-
nado - que este mesmo antagonismo teria existido se eu ti· viço de Cinema do S. A. P. S.; Serviço de Cinema da Prefeitura
vesse evitado os estudos para a criação do Instituto Nacional do Distrito Federal; Estrada de Ferro Central do Brasil, onde
de Cinema e iniciado uma companhia de produção. A concor- existe um departamento de Turismo e Propaganda, em cuja or-
rência - esse grande incentivo à boa qualidade dos 'filmes - ganização foi previsto um setor de Cinema, que abrange a
infel izmente ainda é pouco compreendida entre nós . produção e exibição; Serviços de Cinema dos Ministérios da
. Poderá_ ~arecer qu: nesses oito itens que procurei analisar 9u_erra, Marinha, Aeronáutica e Viação e Obras Públicas. Neste
existam suf1c1entes razoes para um pessimismo absoluto. Mas ultimo Ministério, existe um cinegrafista lotado nos serviços de
~ão; a luta continua, e algumas vitórias j á foram obtidas. O saneamento da Baixada Fluminense, em cujo departamento pode
interesse que tem despertado o movimento de cineclubes é ser encontrado algum material de filmagem e montagem . Além
uma delas. Porém, estamos certos de que a única salvação ~estas, outras repartições trabalham pelo sistema de encomen-
está na realização de filmes internacionais na sua feitura e na- t as permanentes a particulares ou mesmo a outros departamen-
cionais na sua concepção. os do Governo, como é o caso do Departamento Nacional de

52 53
Estradas de Rodagem, cujo número de encomendas, pelo seu do som, na Europa e nos Estados Unidos, empregam-se p_ara
grande volume, vale por um verdadeiro setor de cinema. cs1e trabalho máquinas de revelação contínua, que, aperfei-
. Todos estes serviços possuem um a orga_niza~ão burocrá- çoadas aos poucos, atingiram o admirável grau de precisão
t,ca complet_a, capaz de abranger_ ~ma produçao tres ou quatro que hoje as caracteriza. No Brasil, ao contrário, principalmente
vezes superio_r àquela 9L_ 1e admm,s~ran:, . No entanto, ressen- nas repartições cinematográficas do Governo, quase que só se
t~m-se do nu~ero deficiente ~e tecn_,cos, o que, ten~o em fazem revelações em quadros de madeira, em teares . . .
vista a ~o~plex,d,ade da pr?d~ça~ de filmes, lhes torna 1mpos- Nos banhos, a inexistência de refrigeração provoca sempre
sível a md_ispensavel ~sp~c,ahzaça~ : . . . , no~ filmes oficiais o excesso de granulação e a não filtragem
Tamb_em a maquinaria é ?_eficiente, pi eiudicada pela ma faz com que ,toda a impureza da água adira à emulsão com o
conservaçao · A ferr~gem ~~rroi tudo· No _Departamen!° Fe- subseqüente prejuízo do nível técnico do filme. Também a falta
deral de Censura existem, Jª bastante deteriorado~, proietores d . refrigeração ambiente nos dias de muito calor causa 0 em-
que custaram a elevada soma de Cr$ 113.600,00, isso no ano e _ ' . '
de sua compra, isto é, 0 primeiro semestre de 1942. Tais pro. polamente da emulsao, ,em v1,rtud7 da mudança brusca de tem-
jetores são magníficos, da famosa marca " Ernemann VII B" , exis. peratura, quando a eel,cula _e retirada do banho.
tindo dos mesmos, cm toda a América do Sul, raríssimos exem. Como ª revel_açao é feita em q~adros,. ª secagem se foz
piares. Além disso há guardado todo um material valioso, como em ta~bores rotat1v?s, apanhando o ftlme, ainda molhado, toda
os seus acessórios, projetores de 16 mm, e projetores, no valor a poe~, a d? ar ambiente. . , .
global de Cr$ 63.930,00. Este equipamento esteve montado no Nao ex1st:m salas de _montagem e?~
coi te a prov_a d e p_oe,1ra,
Palácio Tiradentes; no entanto, passando para a Censura por nE'm sepa~çao do neg_ativo e do pos1t1vo, ? que é inadm1ss1vel
motivo do Decreto-Lei n.0 8. 462, de 26 de dezembro de 1945, se se dese1a a obtençao de uma boa qualidade. Tampouco os
desde então se encontra encaixotado, o que tem determinado montadores fazem uso de luvas.
inevitável deterioração . O equipamento sonoro, tanto dos pro- O processo de "back projection" e a máquina óptica, cor-
jetores de 35 mm quanto dos de 16 mm, deve ser revisto, já que riqlíeiros em outros países, são desconhecidos nas repartições
a fiação se tornou imprestável, estando, também, abertos os c::pecializadas do Governo.
condensadores e resistências . Em suma, toda a ampliação tem A gravação sonora é feita de maneira precaríssima. Velhos
que ser revisada . discos, arranhados, são escolhidos ao acaso e usados in'd iscri-
Por outro lado, há anos os censores assistem aos filmes, minadamente como fundo musical para qualquer assunto tra-
muitas vezes, em outras repartições do Governo e, em muita~ tado. Muitas vezes o narrador fala diretamente enquanto toca
ocasiões, até mesmo na cabina de distribuidores particulares, o disco, o que não permite o equilíbrio necessário entre a
o que indubitavelmente não é recomendável. As lentes, que são música e o comentário. Outras vezes a fita magnética é usada
peças das mais custosas da aparelhagem cinematográfica, estã0 diretamente para a regravação, sobreposta aos referidos discos
em muitos casos infestadas por fungo e mofo. ou ao narrador.
A q11ase totalidade desses departamentos não conta com As cópias, por sua vez, ainda hoje são todas feitas dire-
laboratório próprio. Estes, quando existem, são de tal maneira tamente do negativo, não se observando o critério do uso de
antiquados que, ainda hoje, na revelação do negativo e na tí· contratipos para os casos especiais de documentário cuja pre-
ragem de cópias, empregam o método dos quadros de madeira servação interessa sobremodo. O emprego desse processo para
para enrolar os filmes a serem mergulhados no banho. Reve- l;\iS casos não sacrificaria o negativo, dispensando-o de passar
lando mais rapidamente os fotogramas que ficam juntos à ma- pelo copiador tantas vezes qvantas forem as cópias desejadas.
dcira, devido ao calor da mesma, tal método ocasiona, por Nas atuais condições, porém, o uso de contratipos no Brasil
maior cuidado que se tenha, um 'trabalho desigual, com tre- motiva uma perda de 30% e até mais da qualidade fotográfica,
chos mais claros e outros mais escuros, determinando a que- 0 que o torna um sistema impraticável, ao passo que com la-
b1a de unidade desejável. Ao ser projetado O filme, isso pro- ~oratórios perfeitos se conseguiriam cópias tiradas de contra-
voca a impressão de oscilação de luz, qve cansa os olhos, tal hpos absolutamente iguais às tiradas do negativo.
como só acontecia nos primórdios do cinema silencioso. No . , ~ ~bvio que tais condições, de maneira alguma, são pro-
entanto, há mais de trinta anos, desde muito antes do advento pic,as a obtenção do mínimo de qualidade técnica que todos

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desejamos para os filmes oficiais brasileiros, assim como tam. metragem de filmes para que foram produzidos, se tornam
bém não possibilitam condições favoráveis à evolução dos téc. imprestáveis, pelo enfraquecimento (e como as cubas devem
nicos nas diversas especializações cinematográficas. Eis por que estar cheias para a operação) - fácil é imaginar o desperdício
dur~nte an?s de fv~cionament~, esses departamentos só pro: que represent~ a revela~ão de _quinhe~tos "!letros, por exemplo,
duz1ram tre_s categorias de técn!cos, ou se1am: a) cinegrafistas; quando_ pode!1am ter sido dois ou tr_es mil met~os, dentro da
bJ engenheiros de som; c) técnicos de laboratório. atual d1spersao de deAartamentos cinematográficos govern.a-
Há, assim, total deficiência de especialistas em direção, en, mentais. . .
pr?du~ão, em edição, em cenarização, em "mixagem", em illJ. É sabido também que, p~r _falta do equipamento ~ecessa-
minaçao, em decoração, em operações de movimento de câ. rio, costumam algumas repart1çoes encomenda! os serviços d_e
maras, em composição musical e em técnica de diagramas e trucagem, gravação e até mesmo de revelaça~ a estabeleci-
desenhos animados. Esta deficiência é realmente trágica, se aten. mentos particulares, a preços sempre desvanta1osos.
tarmos para? fato de que os técnicos. d~s 'departamentos do Go. A Agência Nacional, por sua vez, alugou para _os .~eus se~-
verno poderao, eventualmente, const1tu1r a base da indústria ci. viç.os cinematográficos, pela soma mensal de cinquenta mil
n1:matográfica nacional. cruzeiros, o andar térreo e o subsolo do Edifício Ca~avarro. E
. Pretendem certos interessados que entre nós não há téc. neste subsolo, úmido como tod~s os sub~olos do Rio de_ Ja-
nic,a _errada o~ falta de técnica, como afirmo. Esta é, dizem eles, neiro, instalou os. seus lab?r~tónos que, Justamente r:or isto,
a un1ca maneir~ de tratar este gênero de filme de acordo com apresenta o material em pessimo estado de conservaçao.
a nossa mentalidade e com o grau 'de receptividade de nosso A reunião das verbas destinadas a todos esses departa-
povo. mentos, o aproveitamento global dos técnicos e das maquina-
Está cla~o q~e tais afirmativas não p:issam de subterfúgioi rias existentes, bem como das matéri_as-prima_s adquiridas, c~n-
para encobrir nao só a falta de competencia dos interessados tribuiriam para uma grande econom ia e danam resultados in-
na permanência do atual estado de coisas do cinema oficial comparavelmente mais compensadores do que os obtidos nas
como também a sua ignorância da técnica deste gênero de filme'. ccndições atuais.
,, 0 qu_e não resta a menor dúvida, no entanto, é qlie um Malgrado _esta aparente ~utonomia_ d_e cad~. departamento,
11
short filmado sem argumento prévio e sem diretor nunca é curioso assinalar que o filme brasileiro oficial, talvez por
poderá ser mais qlie uma simples reportagem. E uma repor- causa da situação antes descrita, tem inúmeros defeitos bási-
tagem sem a técnica indispensável nunca poderá ser tão boa cos em comum. A prodµção não obedece a nenhum planeja-
reportagem. mento geral. Em mlfitos casos, vários departamentos tratam do
Por outro lado, o aspecto econômico de tal sistema não mesmo assunto, e sempre de maneira improvisada e superficial.
pode ser mais contristador. Basta lembrar neste sentido que Não há filmes básicos sobre a educação artístico-visual as-
u~a vez gas!a ª. verba destinada à realização do programa, téc• sim como não há filmes básicos sobre a vida rural. Não se tocou
~icos, maqumana,_ pessoal de administração e até mesmo os ainda, nem de longe, na educação social de nosso povo, nem na
fi!~es ~m e~ec~ç?o permanec~m meses a fio em completa e divulgação das características das diferentes regiões <lo Brasil,
d 1:.pend1osa inatividade, assumindo o fato proporções ainda que permitam aos brasileiros o conhecimento de si próprios.
mais graves nos anos em que não são votadas as respectival Nosso folclore, nossas tradições, nossa indústria, nosso pro-
verbas. g1ess0 têm sido tratados, nesses fílmes, e também nos parti-
~lém disso, acontece, por exemplo, que muitas vezes de- culares, com um amadorismo vergonhoso. Ainda não mostra-
termmado_s depa_rtamentos deixam de concluir um trabalho poi mos no estrangei ro nenhum documentário que faça justiça ao
falta de_ filme virgem enquanto outros o possuem à farta no no~o país. Se algumas vezes a fotografia tem um mérito re-
almoxanfado, perdendo aos poucos a sensibilidade de emulsã lat1vo, o trabalho de laboratório elementar e descuidado, di-
Considerando ainda que os banhos para revelação, end minui sensivelmente o seu valor.' A grafia dos títulos peca pelo
recimento e fixação têm um tempo limitado para a sua utl m~u gost~. As fusões quase não existem, porque não há má-
zação - ao fim do qual, mesmo que não hajam revelado quina óptica, e um papelão preto é usado sistematicamente,

? que consti tui um grande absurdo, porquanto fusões, " fade, educativo. Não obstante, realizou-se há pouco, no Rio de Ja-
ms" , "fade-outs" , fazem parte da pontuação cinematográfica ado- nc~iro, um festival do filme de curta metragem, onde se pro-
tc:da desde a primeira década do século. Como não há fu. je:aram algumas obras-primas do gênero e se conte, por outro
soes, um processo "sui-generis", chamado de " lapagem" _ lado, com a existência de filmotecas gratuitas pertencentes a
que não passa d_e ~m simpl:s raspar fei~o com lâmina de 'bar. oreanizações comerci~is como a Shell-M~x Brasil Ltda. e Stan-
bt•ar, que susbst1tu1 o papelao - é muitas vez.es usado. dord Oil, e nas Embaixadas Inglesa, Americana, Francesa, Belga,
. Encontra-se também uma completa ignorância da compo. Italiana etc., que possuem excelentes filmes deste gênero.
s, ção e d~ _dramatizaç~o, decorrente da falta de uso de argu. É verdade_que existem algumas e_xceções e uns _poucos di-
n~ent~ prev10. A redaçao ~o comentário peca pela falta de imé\. rigentes de tais ?ep~rtamentos podena,:n _ser aproveitados com
g,naçao e de senso poético, atentanqo muitas vezes contra O resu:tados aprec1áve1s sob outras condtçoes.
v~rnáculo. Gravam-se frases ingênuas como esta: "Voando do o que há sobretudo de impressionante são o devotamento
Rio a Salvador, os pilotos da F. A. B. mostraram, mais lima vez e " boa vontade da maioria dos técnicos, que justamente por
s~,a grande coragem e perícia." (sic! ! 1) Além do mais, só excep'. i~~o merecem todo o respeito e admiração. O desperdício _de
c1onalment~ é _este comentário pronunciado com correção, e é maquinaria no cinema oficial é, como no ci~~ma comercial,
s<.:mp~e 1?re1ud1cado pela má grava~ão, que se caracteriza pela w isa descul~ável se o ~ompararmo_s ao desperd1c10 do_ elemento
cons!anc1a de volume, elevado e inexpressivo. humano. Alem do mais posso afirmar que os salários desses
. E corrente ver-~e tamb~1!1 personalidades brasileiras, polf. técnicos sacrificados pelo cinema oficial brasileiro são os mais
ticas, governa?1enta1s e soc1a1s, fazendo discursos nas mais di- baixos de todo o mundo, em flagrante contraste com sua po-
f~rentes solemda;fes, so~retudo em banquetes. Como na maio- tendal engenhosidade, talvez a mais acentuada de que se tem
na das ve~es, na? há ftlmage": sin~ronizada, o narrador pro. conhecimento. .
~ura em vao e~pll~ar o que estao dizendo, sacrificando todo O Acontece também que !11u1tas veze_s esses departa_mentos
interesse, e_ pre1ud1cando totalmente a propaganda. encomendam a particulares filmes que na<;> podem olí nao q~e•
A musica, por sua vez, é sempre usada, mesmo em filmes rem realizar, ou contratam, para determinada tarefa, um tec-
eleme~tares, prov_ocando r~ação de desagrado por não ser ne- nico da indústria. O resultado_ em todos , os. casos nunca ,:ne
cP.ssána ou pela moportun,dade em relação ao tema. Tal é O pareceu melhor do que o obtido pelos tecnicos dos próprios
caso, por e,~emplo, de wn_ filme oficial, em que " Os Murmúrios dtpartamentos. Isto pode ser facilmente explicado_ pe.las ,co~-
da Floresta , de Wagner, Ilustram as selvas amazônicas· de um dições do filme de curta metragem em nossa caótica mdustna
o~tro, no qual um chiqueiro repleto de porcos enorm~s é su- cinematográfica, que são ainda piores que as do filme de ficção.
blmh~do por trechos de "Cosi fan Tutte", de Mozart; e de um A existência desses defeitos generalizados em departame~-
terceiro, que mostra uma galinha pondo ovo ao som da "Viú- tos isolados entre si prova amplamente que só há uma soluçao
va Alegre" . . . para o filme oficial: A CENTRALIZAÇÃO.
O uso do som é totalmente ignorado. Não se ouve nunca S6 pela centralização poder-se-á reunir a maqui~aria in-
o ca~to dos nos~o~ pássaros, o fragor de nossas quedas d'água, dispensável ao míni?1o. de boa qualidade da. produçao. Ap:-
o ruido caractenst1co do vento entre as árvores. relhos de "back-pro,ectton'', de trucagem óptica, de gravaçao
O mais curioso, no entanto é que existe na maioria desses e regravação, maquinaria para revelação mecânica, sensitôme-
<!(~partamentos ~•m? auto-suficiência amedrontadora. Quase to- tros _etc., forma~ um conjunto . de aparelhos caríssimos que,
cos os responsave,s por seus serviços julgam-se não só mais re~n1dos, poderao fazer o serviço para todos os setores da
capazes que os colegas de outros departamentos do mesmo gê-- atividade cinematográfica oficial.
n~ro, como também se consideram superiores a todos os téc- . Só pela centralização de todos os serviços poderá o forne-
nicos de departamentos governamentais semelhantes existenteS 0 mento de filme virgem obedecer a um critério justo e mais
no r~sto do mundo. A triste verdade, porém é que são df de aco_rdo com as necessidades de cada setor, atendendo tanto
uma m~ompetência crassa, agravada ainda mai; pelo total deY : equipes incumbida_s. da reali~ação dos cin~jorna!s, ,com~ ain-
c~mhecimento do que se tem feito, neste terreno, fora do B~ ?ºs
eduàs documentanos de diversas espécies e as cios filmes
sd, e do que venha a ser o verdadeiro documentário olf filme1 cativos.
58 59

Só pela centralização poder-se-á elaborar um planejamento


preciso e justo.
Só pela centralização poder-se-á treinar e aperfeiçoar téc~
nicas nas diferentes especializações, que serão no futuro a
base da nossa indústria cinematográfica.
Só pela centralização poder-se-á manter um órgão espe-
cializado na conservação de negativos e cópias (banhos de te-
tracloreto, refrigeração etc.), indispensáveis para que não se
percam definitivamente documentos de alto valor. Neste sen
tido nada ou quase nada se fez atê agora; os negativos são
abandonados nas piores con'd1ições; a má lavagem do hipossul-
fito determina não somente a corrosão dos filmes, mas das pró,
prias latas, muitas das quais encontrei esfaceladas pela ferru-
gem. Tudo isso constitui ainda perigo constante de incêndio. CAPíTULO 1 11
Eis por que vários filmes de interesse histórico produzidos pelo
extinto DIP, pelo Serviço de Proteção aos índios - onde se
encontram inutilizados mais de 10 mil metros de celulóide fif.
ma.dos, - pelo Ministério da Agricultura e outros departamen- O FILME DOCUMENTÁRIO
tos, foram completamente perdidos.
Isto no que diz respeito à Produção.
O quadro da difusão é muito mais simples, já que ela não
existe. A Agência Nacional distribui ela própria os seus jor-
nais, que alcançam somente limitadíssimo circuito de cidades.
Todos os "shorts" se devem beneficiar da lei de proteção
que lhes outorga cinco cadeiras da melhor classe, por exibição.
Em se tratando de filme oficial, nem sempre essas cadeiras são
pagas. Em todo o caso, o "short" oficial contribuiu, com o
"short" comercial, para a desmoralização completa do chama-
do complemento nacional.
O número de projetores em nossas escolas é extremamente
reduzido e se agrupa, quase exclusivamente, nos quatro ou
cinco maiores centros do país. Só nestas escolas se exibem os
filmes do Governo, isto é, alguns dos filmes do Governo. Nas
demais escolas e nas comunidades onde não há cinema - e
conseqüentemente onde mais se faz sentir a falta do filme edu•
cativo - o "short" oficial continua totalmente desconhecido.
Em verdade, o problema da distribuição do filme oficial
ainda não foi encara'd o isoladamente como indispensável e
como sendo da mesma importância que o de produção.
Ainda neste caso, a solução se encontra na CENTRALIZA-'
ÇÃO de todos os serviços oficiais num único órgão.

Rio de Janeiro, junho de 1951.

60
.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Quando se v1a1ava em diligência, a caval o, em "trolleys"


ou em liteira, havia um contato constante do viajante com a
região que ele atravessava e com os seus habitantes. Hoje o
carro r&pidíssimo, que vai do Rio a São Paulo em menos de
cinco horas, o trem de aço ou o ônibus, com ar condicionado,
,que pára o menos possível, e o avião, que voa a grandes dis-
tâncias usando um roteiro na estratosfera, não permitem nenhum
conhecimento pessoal de quem viaja com a gente e com os
a j1)ectos dos lugares que atravessam. Mais ainda, na maioria
dos grandes centros, os hotéis são sempre idênticos. Não é para-
doxo dizer-se que o aperfeiçoamento dos meios de comuni-
cação diminuiu os contactos pessoais do viajante e aumentou
a fal,ta. de conhecimento e, portanto, de compreensão de um
povo para outro.
O encanto dos livros de viagem de Steme, do Dr. Johnson,
do Conde de Gobineau e de Prosper Merimée é impossível de
ser igualado em nossos dias. Os melhores livros dos viajantes
de nosso tempo, como Retour de f'U.R.s.s., de André Gide,
refletem a constante irritação do autor, a sua frustracão por tudo
que ele não pôde ver. •
~ imprensa, o rádio, a televisão e, sobretudo, o cinema
:evenarn ~ormalmente atuar como compensação. A imprensa,
esd~ as fins do século XVIII, serve exclusivamente a interesses
~ítrcos e interesses políticos usam meios jornalísticos que não
1 geralmente os mais honestos. O rádio e a televisão consti-
uen,, sobretudo entre nós, um comércio bastante vulgar. A pu-

63
..
blicidade sem imaginação tem impedido as melhores possibiliJe filmes documentários. Na maioria dos centros de produção
dades de ~mbos como agentes no intercâmbio entre os povospomercial uma produç~o não ce:mercial te:1de a cre_sce! para-
Das estaçoes que conheço, só se pode fazer uma exceção· ielamente. E muitos paIses que nao fazem ·filmes de f1cçao con-
da G~ã:Bretanha, país que foi um dos poucos a impedir qu~ribuem com películas educativas para o patrimônio cir.ema-
s~a radio - ~ 8.8.C. - se tornasse um instrumento de publi.tográfico do mundo.
cidade nas maos de particulares interesseiros. Tal produção abastece também os cinemas passatempo. Na
A British Broadcasting Corponation, monopólio mantidoEuropa, estas salas, d_ia a dia m~is numerosas, necessitam, mais
pelo Es~ado, tem um grande prestígio internacional e foi u ou menos, ele 40 minutos _de filmes de curt~ metragem ca_da
1dos1 tmaiores fatores na vitória dos aliados E a telev·s- n,uma para a su_a programaçao semanal. Estes filmes, que os in-
ng a erra, mant1'd a pelo mesma B.B.C., tem. programasi comao, ni gleses c h amam d e ,,.interest f'II ms" , e os f ra~ceses, como. o s
0
melhor conteúd? _do mundo. americanos, de ~shorts", abrang~n:, da co,:néd1a ao ?rama, do
Mas a telev1sao, sendo ainda muito cara para O "stand d~ ~ilme de educaçao ao documentaria propriamente dito, ~ia re-
da n?ssa v!da e funci~nando ~omente nos dois grandes cen~~0: produção d~ um númer~ de _''_m uslc-hall'.'.. ao desenho an.1mado
do Rio e S~o Paulo, nao ~onst1tui_ ainda um problema entre nó I mais compl1cad<?. Eles sao util1z~dos muitas vezes para fins de
E o onema, ou mais especialmente O cinema doe S; pr0 paganda, mais ou menos habilmente.
tário? ' umen. os Estados Unidos, além de serem os melhores produtores
Hoje em dia todo o mundo v"i ao ci·nema U de desenhos animados, comercializaram a idéia do "short" e
pu'bl.ico segue certos críticos· outra"' compreende
· ma parte
t I ff do fízeram series , · de t·1I mes como M areh o f T'1me e Crime
. d oesn't' pay.
é melhor
m do que aquele m;s a maioria do pu'bf'qcoue
1
~ m.,Os melhores eram os de Robert Benchley e várias séries cansa-
,
ne . a em massa sem se importar 1 vai
com O que vai ver. Brasie,. graóas ao esporte. E
No ao ·ssa f ab ncaçao
· - em massa faci·1·1ta a expansao-
o cinema representa 98% das diversões públicas em local ~ e aumenta a renda.
?er!º· Aqui, a seleção das audiências e a especialização d s co, Há muitas definições de propaganda. A minha é: ' 1mostrar
Jeço~s. têm sido esquecidas. Na Europa existem cinemas ªd pro. a verdade sob o seu ângulo mais favorável". _
pertono.' on?e só s~o exibidos filmes considerados como
de art~~ existem cinemas lançadores; existem os cinema
;b~: Mas propagand~ nem se~1pre quer_ diz~r propaganda poli-
ti'c:a e nunca quer drzer publ1c1dade. Nao so os governos, mas
qua~teirao, ?nde só passam dois grandes filmes por progr!m d! também as grandes organizações industriais, como Phillips,
e existe_ o cinema p~ss~tempo. Além disso, há sessões es ecia~; SheJI-Mex, Standard _Oi l, Light and P?wer, de São Paulo, não
para cnanç~s e pro,eçoes volantes com filmes educativcf hesitaram em se servir do documentário para se fazerem conhe-
as po~ulaçoes rurais e para as escolas. s para cer e arejar seus problemas, contribuindo assim para a educa-
. _ Ha uma gr_ande opo.sição dos intelectuais do cinema à pro, çã0 'd.o público.. Vão-se cri~n_ d o desse m.odo arqui~os ultramo-
J~çao, por s~ssao,
1 ?e ?º's_ gran?es filmes. Quando dois grandes dernos que registram as at1v1dades da vida de hoJe.
ftlm~s sem mportanc1a sao exibidos, o público ainda os pode Mas a própria propag2.nda foi superada e transformou-se em
~etg~,r edc~ml?reender se~ muito E;Sforço. Mas, quando são pJO' "public-relation". E estas "relações com o público'' foram real-
Je ª os ois filmes que exigem raciocínio, é impossível segui-los m.ente a verdadeira razão de ser do documentário.
sem cansaço durante cerca de três horas a fio. ;A.s duas grandes empresas londrinas de gás e de eletrici-
A .UNESCO recomenda, . como programa ideal, um des~ ~ade faziam filrr.es que não tinham nenhuma relação cem suas
rh? 1 animado ou uma comédia curta, um jornal, um documenf. próprias atividé'des e contentavam-se com um letreiro dizendo -
ª~ ~ ~urto, um "!r~iler" e um filme de ficção. Isto no caso daf "Este filme foi feito pela companhia X."
exibrçoes com~rcrais, nas salas em que as platéias pagam. Se bem que o custo de um documentário seja mais de uma
1
~o que ? Z respeito às audiências que não pagam a dr• terça_ parte menor do que o custo de um filme de ficção, o seu
culaçao _dos_ filmes fora dos cinemas aumenta cada dia ~ais n rendimento é tão inferior que a economia do documentári0
mundo inteiro. Escolas, grupos de toda a sorte adquirem a sé se pode basear no sistema do "sponsorship" ou financia-
rf'lh~s para exibir filmes. Em muitos países nos lu ares m :ento, seja de propaganda ou de "public-relation". Por neces-
longmquos,. o~de não. há salas de exibição, 'chegam gperiodl \te~r apenas de um_ argumentista,. na f~se de prep~ração, e possi-
mente camrnhoes .equipados para a p rojeção de um progra mente de um diretor; de uma equipe para a ftlmagem, com-

65
posta de um cinegrafista, de um diretor e de um assistente, lado dos três outros grandes homens do cinema, Chaplin,
as vezes, de _u_m adm,mstrado_r para se encarregar do pagamenffº . deles, Griffith e Eisenstein. . . 0
e da ~omab,l,dade; e, depo,s da _!,Imagem, de um editor, dm''ºlstes filmes de Flaherty nos •~smara'? tambem que para
um m_usoco e de ~m narrador;_ a_ss,m como de uma mequonai1 um rande êxUo comercoal e prec,~o maos _do que
portátol das ma,s somples - é fac,I compreender por que o cus1 bter e l
entusiasmo do público. Se os mtermed,ároos enue
do documentário é tão mais baixo do que o do filme de ficção, aplauf.ºador e a audiência não têm confiança ~uma obra, se1a
0

Viciados pelo sistema de cinegrafistas ambulantes que se/ 0 re~~z não compreendam, seja porque ela nao correspo~d•
argumento prévio, sem diretor, produzem fümes de qualÍdad porq adrões corriqueiros do filme comercial, poucas _op~tu; •da-
inferior e por preços irrisórios, nossos industriais só excepc,0 aos fhes restam. Para o lançamento de Moana, os d,str, U! ºJes
nalmente aceitam enfrentar o custo de um documentário reaj des centaram um subHtulo, "A vida amorosa de uma sere,a os
zado segundo as normas da ética estabelecida internaciona acres do Sul!" _ Pobre Flahertyl Histónas como estas tornr
mente. mares• uma recorrência constante na sua carre,~a. Nunca ;~a,.
Com o crescimento da indústria cinematográfica mundi~ ram-s ai um foi mais injustamente tratado de nao comercia ·
o grande documentário começou a ser tachado de "não com$ zador g . de Moana veio em colaboração com Van Dyke,
receu, Entretanto,
dai". o filme foi não
uma posso esquecer
verda!leira que, quando
revelação. Nanouk ap,
Um cronista /•Ph':.'~ows of the South seas, e, com o notável Murnau ,
fran<4 Who e ' .
conta que, em 1896, o público parisiense, diante dos primeira Tabo~~nsiderando estas duas obras feitas em colaboraça? '?m
filmes dos Irmãos Lumiêre (o trem entrando na gare de Vinc.. os realizadores, não posso deixar de pensar nas <antmge~-
n~s, o barco ~ontorna~_do o farol de La Ciotat e os operário o_utr in'ustas que obrigaram Flaherty, o grande ho~e~, ond,-
saindo das usinas lum1ere), exclamava embevecido: "On dira; e~:/
,.1
que c'est la vie elle-mêmel" Pois bem, para nós os das audiêlf, v, uat~ª t a toda prova ' a parti lhar com outros o credito
. 0do seu

cias de 1923, Nanouk era "la vie elle-même". ' trabat.;, então a guerra. Flaherly realiza_ um f,lme sobre .ª
_Sa~famos que o filme tinha sido completamente refeito aPI, , ricul~ura para O Governo_ dos Estados Unodos, The_ land, CUJ~
um incend,o do negativo e que o seu realizador não tinha hesi, g_b.ção foi vetada na Gra-Bretanha por um embaixador pre
tado em enfrentar novamente um trabalho dificílimo. E Robot "'::t:nte. . .
Flaherty tornou-se logo um personagem legendário. Nós, qu,
na confusão do grupo de "Avant-Garde", lutávamos contra O
P Muito mais tarde, miss Helen van Dongen de,xa Joros
ara colaborar corn Ffaherty. Patrocinado pela Standar
t~l
,.

mos que_ ~ so/~çao _q_ue procuravamos,


filme "artístico", ? filme literári~, o filme teatral, compreend&r
ali estava com toda ,,1
lompany, Flaherty realiza Louis"91a ~tory. Malg:ado a cola_bo-
ra ão da grande empresa, c_usto m1n1mo do filme, a historia
sua admiravel somphcodade, com toda a poesia de verdadei• ,.~repete Acompanhado de0 Moss van Dongen, o grande hi"!Jm
drama cinematográfico,
, Os film_es de então tinham uma parafernália, hoje esquo
sai pelo ,;,undo afora para vender _um filme_ que os dostro .!''
º;
res Óão consideram ainda uma vez "comercoal_''· Pobre Fia ~rty.
c,da, de fusoes brancas, de molduras que variavam do bin6cu~ Cabe mencionar também esforço de doos documentanstas
duplo (nunca se soube por que este era sempre eticamente m, americanos Herbert Kline, cujaO reportage"! sobre a guer~a n~
pio) ou do buraco de fechadura, até os trípticos góticos. Chegu<i Pol&nia 1 ;' brutalmente censurada, mas CUJO! f,lmes segumtes.
a ver,,uma ~;>roa de serpentes em. torno do primeiro plano _dt Fotgotten0 Village _ a vôda numa aldeia n:oexocana - e My F_•·
uma va'?p • Já era_ tempo que a ,magem na tela fosse varndi thees Houso - uma hôstórôa de nova geraçao na Palestina sa_o
de tudo osso. O •!tolo de interpretação também necessitava dt uma grande contribuição no domínio do documentároo drama-
c;>ntat? com a realidade. Os temas dos feuUlade, dos Poirier, d• ttco, e Pare Lorentz, muito mais literáno, a utor de The Plough
L Herb,er e do! outros e_st_etas estavam ":Uito longe dos veJrl>, lhat broke the Plains _ condenando a _derrub_ada de florestas'.
1deiros temas cmematograf,cos. Nanouk nao podia ter sido uma sem planificaça- e mostrando consequente exodo das popu
0
. - maos_
oçao · oportuna. . • à miséria doO de?•~•o. m•m
~e, que fogem · ena
· do - e lhe
Depo,s de Nanouk ve,o Moana, que confirmou pela llver - uma evocação lírica do Mossossop,. .
~ura beleza todas as nossas esperanças. Não, Nanouk não tin Excetuando estes dois últimos e o já citado Jons lvens, lod_a
soda um sucesso de acaso, e Robert Flaherty tomou o seu lu a fo,va do documentário social reside em Certas obras do c,-

67
nema soviético - de modo especial The General line, q ·,cultos comerciais, teve uma tal •·õnda que as produtoras
Eisenstein, que descreve a mecanização d e uma fazenda coleti~•0 s " ,dour St,eet começaram a se inquietar.
(cujos planos da fecundação da vaca e do pdmeiro contato dcile w; "licos eram unânimes em louvar o seu valor cinemat_o-
camponeses incultos com a máquina de fazer mànteiga •àt . 'cn aclamar a sua contribuição capital no domínio_ so~,al

~!~~o
inesquecíveis) - e principalmente na escola do documentár111áf«o, en;,hecer seu valor educativo. Depois de um pnme,ro
O
social na Inglaterra. e em de ensaio, a maioria desses filmes teve uma car-
la~ça normal nos circuitos, co mo complemento aos p~ogramas.

~
r:e1ra randes produções comerciais, a preocupa_çao de ex-
1f Nas_ tos baixos instintos das mass2s populares tinha 5~ t?r-
plorar cem geral : ninguém ousava tentar o interesse d~ publ1~0
- -
A CONTRIBUIÇAO BRITANICA riado reg
com out~os conflitos qt'lf
ue não
m os sexuais
estilo sem ou os sent1menta1s.
profundidade era o
LJ es tetismo de paco 1 1a, u
~
m "dourava ª pi' Iu 1ª " · e ec·do de Gloria Swanson, de Gary
A palavra documentário tem um sabor \te poeira e de tédi• que
O escocês John Grierson, interpelado por mim a respeito do Diante do : ucesso m 'Mae West que tiveram em dado

após-guerra -t replicou que a sugestão de um ''documento"


~
batismo de nossa escola que, dizia eu, realmente poderia so cooper, de Greta dGarb_o e me atmosfera' indiscutivelmente sen-
chamada "Neo-reaUsta - antecipado o cinema italóano <fi momento o dom ";" u :ivava pela sua simplicidade, inven-
era suai, mas que n~ en an ° se soa Crawfo"'"' as Marlene Dietrich,
um argumen o mw·to precioso
· ·
Junto a um governo conservad•• wam-se "ersatz
. ' como
• t as dJ as
n que criaram tipos caricatura,s,
1
...,, •

A habiHdade de Grierson, que poderíamos chamar mesmo de para não C!tar senao es as -~ ;exual ue os produtores impu·
esperteza, os seus métodos de diplomacia muito pessoais, bo. reprasentau~os_dess; o:5es!:te malgr,;,io os preconceitos dos
seados no simples princípio de não aceitar um " não" como r,,am ao publico.. or ':' te'mava em aclamar filme que
resposta, muito fizeram pelo documentário na Grã-Bretanha. distribuidores e extdo,es, e 'nada tinha a ver com o sexo.
O
A atuação de Grierson só agora pode ser analisada com I dramat,zava um pro ema qu ria ter sido sobre P.L.A.
devida perspectiva. O melhor titulo que lhe pode ser dado é o O filme segwnte de _(;nerson de~~o foi terminado e nem
de animador. Nem como diretor, nem como produtor teve ele (Port oi london Autho:a,es), ma~ ·tters a película não O tinha
muita projeção, mas o seu faro na escolha de colaboradores, 1 chegou a ter titulo. Ahas, co_mo . " ' filmado para uma
sua facilidade em dar tftulos maravilhosos aos nossos piore, argumento prévio e o m.~tenal " se o
filmes, a sua grande capacidáQe como publicista e sobretudo cempi(ação de " montage · . nd .
o seu curioso "back-ground", meio presbiteriano e meio mar. Depois veio Aero-Engine, insp,rado. po, Gne'.son . e ,;fn,;
xi,ta, fizeram dele uma das personalidades mais influentes do fiado a um outro personagem _mu,to_ cunoso quê hoJ" ,:: d
movimento. Althur Elton " Bart". Aero-Engme nao passou a1n_ a e u a
A história da criação do verdadefro docume ntário britãnic lenta e penosa elaboração, c.o m alguns trech~s mteJss•~tes
começa no Empire Marketing Board, uma organizzção desli• pela sua precisão e clareza. Fora~ estes os tm gran es ~ -
nada a estreitar as refações comerciais entre os diferen tes pais
da comunidade britânica, tão inteligentemente dirigida por SI
pteendlmentos do Empire Marketmg ªºª1· Ma,s ~, e, es '
filmes ,erviram de fonte inesgotável de 'montage1 rdpara '
Stephen Tallents. Foi nessa organização que Críerson lan~ou documentários do G. P.O.
O
Drlfters, o seu primeiro e realmente único filme. Orlfters é umo Grierson reuniu em torno de si todos os elementos que
ob,a decepcionante quantlo a revemos hoje. As suas inúmeras lhe pareciam úteis a seu fim. Tinha ele_ marge~ para escolher
fusões, o trabalho óptico indiscriminado, são as suas caract 'lpazes saídos das duas grandes univers,dades mçlesas, Oxford
dsticas principais - e eram características da idade ingra\a do e Cambridge. Oxfo,·d não lhe teria fornecido senao gente qu~,
documentário. Aqui no Brasil, aliás, o abuso do trabalho óptico por tradiçãó, não se interessava por problemas a resolyl!r J"ª~·
ainda subsiste. <lll1ente. Cambridge, ao contrário, era o centro prest,g,a ? .ª
Desde 1930, na Grã-B,etanha, a projeção nos cinemas educação democrática do pais e aí foi Grierson buscar a ma,ona
documentários de prestígio e o sucesso do filme de "interesse cios seus colaboradores.
68

69
..
.
Gnerson tambem, trouxe Flaherty, a qu~m so, v,m
. a conh;,MegJas
, ie, tradicionais
uma quarentona magra
de Aran. e feia,algun~
Depois, cantava, com voz
danç~ram os aguda,
passos
cer pessoalmente dez anos depo,s de ter vosto Moana. Flahe~ ~ala da ilha E pequenino pescador tao patet,co no filme,
como eu, ficou ligado, daí por diante, ao movimento do de s,mp Iesceu aos· pésO de Flaherty. '
· · b · A • N d d 1 ' t' h t· adorme
cu":entano ntan,co. esses ez anos, e e so m amos •d Man of A,an nos decepcionou pela fraqueza de sua banda
Whote Shadows e T~b?u. ue não passava de uma espécie de acompanhamento
Quando chego~, a Inglaterra, Flaherty acabara alguns ti, sonoraj q enosamente sincronizado. Mas isto não tinha impor-
balhos com ea dessas
Aero-Engine equipecenas
de Gnerson, tmha filmado
a Gaumont-Britísh editaracenas mUSKª
p~ tância.
lndus,.,.. ,J.:i\
tarde
rty · O filme tomaria seu verdadeiro lugar na
O
Britain, u~ dos pri".'efros dowmentários britânicos da nova •• obra/• sic~l:gia · de Flaherty e ra muito simples. Antes de tudo
. Tome, na equipe de Gnerson o lugar de Flahert_y co~ d~ um homem bonito, de um homem feliz, de um ho!"em
, nstrut?r: Estava obc_:cado pela banda_ sonora . e comece,, ent4 era ª Ele fazia filmes porque sentia necessidade de faze-los.
0
uma s~ne de experoencias nest~ sentido, . . proba, é oca, ele pensava muito num projeto d~ história pas-
Mochael Balcon, ho1e Sor Michael, tmh_a fmancoado Man f N~s ,J minas de carvão. A história de um menono que tr?ba-
Aran e Flaherty acabara de partir para a olha de Aran com 1 ,a a 0sob a terra e do seu amigo, um cavalo cego. O folme
seu irmâo David e uma pequena equipe da qual fazia parte, lhava se fez mas uma idéia como esta bastava a Flaherty. O me-
fiel John Taylor, jovem _operador, que se encarregava, tambó, nuncaera ,;,esmo que reaparece em todos os seus fil~es,_que
do trabalho de laboratorio e revelava os negativos a medij ni~~- emO todos os seus projetos. É q ue Flaherty nao tmha
FI h
que o trabalho avançava. exis~'ª fºilhas e no fundo sempre desejou um filho homem.
• ld • - d senao • •
Conta-'.e que. a erty v,r~ os enormes ca eoroes _ e 1.., filme das minas não se fez porque os produtores re,
onde ?s olheus faziam ~utrora oleo da gord~ra de tubaroe~. Mo 0
am diante dos problemas sociais perigosos q~e e!e ,a su-
a_ mdustn~ se extmguora. Procurando me,os de d_ra_mat,zar I c~;!, e Flaherty não queria discufü problemas sociais, nao queria
vida m1seravel dos pescadores de Aran, Flaherty dec1d1u recoll$- g . . b e problemas sociais ·
· · d b - E · f · b , d B' ,..:. tr'ans1g1r so r ·
lltuor a pesca o _tu arao. um nav,o ?' para a ~•a _e !s- . . EI h . , Alex Korda produtor húngaro
buscar um tubarao a reboque. O tubarao chegou as /roas ag,. . Veio depoos ep an1 80Y wooa' com reendeu mal
do mar da Irlanda mais morto do que vivo. As cenas fooai railoeado na Inglaterra, tal c_omo H011Y . • . P Ele hanl
filmadas, mas mesmo um grande diretor não pôde reviver '! Flaherty. Zoltan Korda (ormao de. Alex) . inter enu e;;' .!' d
fe" 1
~
tl1barão exausto e resfriado e o episôdio não foi o mais Boy e 'Flaherty se revoltou . Ele Já a~e~tara adcowla ~ açag k e
do filme. F,w. Murnau em Tabou e, com restnçoes,
A Caumont British decidiu, entretanto, que um tubarão q(f em White Shadows, mas Z. Korda era de,:n~isl O ftlme e ter-
e : an . Y e
tinha viajado tanto não podia acabar o seu destino tão prosa~ minado em Denhan com _elefantes mecano_cos que dançam
mente. Especialistas empalharam o animei, encaixotaram-no multo bem. E Sabu, o men,no desta vez, lo, para Hollywood,
assim /oi ele para Wardour Street. Infelizmente as vijrlnas onde prosperou e engordo~. Quando o vemos -~01e compre-
Gaumont não eram bastante grandes para conter o bicho e t endemos que Sabu é o únoco ser _humano que Ja teve o seu
nou-se necessário cortar um bom pedaço para encurtá-lo. No fant~sma, muito antes de morrer, invocado por Flaherty.
taxldermistas fizeram a operação. E eu, sempre que pas, E, sem explicação, Flaherly, que pouco escrevia, que não
diante dessa vitrina, pensava que Flaherty tinha alguma ai fazt.a discursos (lembro-me que tive de agradecer em seu
de comum com aquele peixe, grande demais para uma vitrina nome, no Museu do Homem em Paris, a homenagem ~ue o
Wardour Street, pertencente à gente da Indústria do filme q dnema francês lhe prestou) publica um romance admiráv~I,
tão mal o compreendia. 1lte Captain's Chair. Tema para um filme ficcional de pnme,ra
Flaherty trouxe com ele para Londres os pescadores de Otdem, inaproveltado por Hollywood. Poderíamos invocar a este
que atuavam no lilme. Fui-lhe apresentado uma noite em
ele tinha à sua volta Pat Mullan, Tlger King e outros. Pai Mu
:"1'°''° a justiça divina, porque Flaherly, através de sua pureza
llJat,alável, via Hollywood como realmente ela é.
escreveu depois um livro sobre a filmagem. Sua /ilha Ball> Suas melhores histórias eram sobre Hollywood. De uma
tornou-se
com John uma grande
Taylor. atriz de
Um velho teatro econtava
pescador cinema lendas
Inglês~1rl2n
ca~ lolta, anies do almoço, num domingo, em casa de Helen Hayes,

71
• ..
estavam a dona da casa, Flaherty e Ben Hecht tom2ndo co que só Bob Flaherty poderia ter fei to justiça a um tal filme
quetéis. Houve vontade de jogar tênis. Faltava um quarto jogt logºercebi ainda mais concret;:.mente, quão grande foi a sua
dor. Através da cerca do jardim viram, sentado num banco q e Pda '
aveni_da, Uf!l _jovem lendo ~'l"! jornal. Hesitaran:i, discutir_arn I per A obra que resta de Flaherty está tão próxima do seu autor
depois dec1d1ram-se a. convida-lo. AO• rapaz acertou. Era ingle e cada vez que revjrmos Nano~k, Moana, Man of Aran e
e chamava-se John Smith. Jogava tenis razoavelmente. Era be, qu •,:,·iana Story ele reviverá para nos.
d d M. H . da Pai. Ll'111"En uanto Flaherty, como realizador, contin
e_ uca o. rss ayes conv1ºd,ou-o para aImoçarj d epo1s • h o sua
• uava sozin
tida. N~ almoço Joh~ contou que ~ra ~mpregado de u~. banrc e~ sobrevivência do documentário como ele o compreen-
e que tinha economizado um ano mterro para tomar ferias e, l~ta ~a Inglaterra junlo ao G.P.0., Grierson dava constantes
Ho_llywood. Gostava de cinema. Mas tinha visto pouco co~ dia, de sua hab,ilidade, manejando as coisas de tal sorte,_que,
tu~1sta. Ben Hecht tomou <;> endereço do rapaz e prometeu aju. P1~v~!do as subvenções do Governo Brit~nic<?, este nun;ca inter-
da-lo a ve_r um P?uco ma,_s. . ~a g nas questões de organização i~t:nor, inerentes a prod~-
No dia seguinte, havia .almoço com Louis B. Mayer, 8ea v~ha sto constituiu uma vitória prod1g1osa e fe_z del_e um ani-
Hecht e Flaherty foram. co~v1da_d_?s, _com tocta a. ~ata da Metro. ~aod~r excepcional, cujo dinamismo se ir_ia ~epetIr mais t_arde _no
Goldwyn-Mayer. No primeiro silencio, Ben se d1nge a Flaherty: ma · dá em idênticz.s façanhas, com a cnaçao do Canad1an Fdm
- "Sabe quem está em nossa cidade? John Smith!" E, séri~ Cana
Flaherty responde: - "_Não diga!" e Ben continua: - "let Boa~. car O de produtor é uma criaç_ão bastante_ recente na
o que ele tem feito ultimamente? O rapaz tem talento mes. . , . . dag indústria cinematográfica. Hoje as funçoes do pro-
mo ... " Já toda a mesa, receando parecer ignorante sobre lit• htSIOrta dem a se dividir entre financiamento e diretiva ar-
ratura inglesa, falava calorosamente sobre John Smith. O grande ~ut_or. ten s nessa época Grierson não tinha optado por ne-
produtor, o "chefe" como el~s . o chamam,_ rep~eende a~pera, t,~ica, ~a~ duas alternativas. . .
mente o encarregado da publ1c1dade por nao te-lo convidado nhuma . tava então com problemas diretona,s
para almoçar. Manda convocá-lo para o dia seguinte. Ben pren, 9uantod ª miT, 1u ' colab'oração de um produtor. De-
tifica-~e. a dar O recado. • . díf!cíl1mos e reso ve;,t:e~o ªdesenvolvimento da "Avant-Garde",
V1srta. Contrato. Um mo de estagio nos "bangalows" ·das pois çle ter t~mad~ P . . toda a escola moderna do cl-
escritores da grande empresa. Raramente Ben Hecht via Jo~ de onde m~,s tar e ma nascer d ara observar a atuação
Sm ith. Enfim, um dia o rapaz 11-:e apareceu. Vinha despedir-~ nemc1 <rances, achava-me /rep~ra Os ~r todo cinema inglês
E explicou: - ''Fiquei cansado de não fazer nada. Escrevi umí desse novo grupo, de on e v1r1a na c O
histórii. Não renovaram o meu contrato." E Flaherty termi- arual. ~ . d ,, era bastante ri-
nava; - "Se Smith nada tivesse escrito estaria na Metro até hoje.• A estrutura econom1ca da 11 Avant-Gar e .P
Em Samoa os indígenas idíllcos de Moana sofriam em sut 11,1ária. Os diretores arranjavam um Mecenas ou a1gu~s _amigos
q uase totalidact'e de moléstias venéreas· m~s abso~ido generosos e organizavam, mais ou menos, a sua propna pro-
.
criação '
do seu mundo '
de inocência e beleza "'Flaherty
' ·de na dvçao.
- Quan do o fºII me est ava t erm inado, era entregue .a cer-
soube e so, depois · seu ·rrmao
- David· teve coragem de con tos personagens q U'e se diziam distribuidores. Estes aceitavam
. .
a verdade. ' Ele propno
' ' · na
· da sua ·ingenuidade
· ao narrar e tud o o que Ih es era o f erec·1do • • • Mas os escassos cap1ta1s que..
história. ' tínhamos reunido com tanta dificuldade se esv_aíam e _o estri-
Quando recebi a notícia da morte de!>te velho amigo n bilho era, como para Flaherty, que os nossos filmes nao eram
pude acreditar que fosse verdade, como acontece com as ~o comereiais. No entanto, La P'tite Lilie custou ex~tamente 7 .500
ocorridas mu'ito longe de nós. Revia em mente 05 seus olh frs. e ~assou no Cinema Ursul ines, um _dos ma'.s caros em Pa-
muito azuis, seus czbelos muito · alvos, aquela cor rosada ris. como atração principal, durante m~1s de se_Is meses. Velha
é privilégio de um 'bom bebedor de uísque como ele; t hi&tória que conhecei:r,<;>s tão bem _aq~, ~o Brasil: - os lucros,
aquela aura de bondade perfeita, de honestidade absoluta. di\'ldldos entre o ex1b1dor e o d1stnbu1dor, raramente chega-
Poucos dias depois encontrei o Dr. João Alberto, que ~m aos produtores.
fal_ou na instalação de famíli_as nordestinas na deserta Hha Se Se u_111_ filme obtinha uma pequ,ena renda, .tanto melhor.
Trindade e num documentário a fazer sobre esse tema. Pe os ex1b1dores não queriam projeta-lo tanto p1.or. . . Os dis-

73
. .
tnbu1dores, .
afinal _ arriscavam
de contas, nao . . alguma.
co15a J !.tareta absorvente
diram Grierson de
de ligação com
fiscalizar de os círculos
perto governamentais
os componeMes de
foi nessa dura escola de incertezas que cresceu o cinema francês 1rnpe quipes e resolver ele própri.o os problemas tecn1cos do
e só cheg_?u a ser o que é quando o governo decidiu orga n izá-1 suar ~. FJ1 m Unit. _ .
e defende-lo. G, 1 spirados por Flaherty, que era entao o instrutor do grupo,
Quando um dos distribuidores dos nossos filmes, Pier",.
Braunberger, conseguiu alguns meios financeiros, lançou-se lll
. :S como Wright, Elton, Legg e Tayl?r pudera~ aperfe1ç?a_r
Jºv~ técnica. Mas quando Flaherty de1x<?u a equrpe para n -
produção de filmes musicais de segunda ordem, baixamen~ 11
ª. 5 ªa fílmagem de Ma.n of Aran, ~m _fins d_e 1934, _durante
comerciais, como la route est belle, com o cantor André Baug( c,ar viagem de férias a Londres explrque1 a Grrerson o rmp~sse
e com uma versão falada e sem interesse de Fo.rfaiture - 0 uma ue me achava. Descrevi com a~argura ª. engrenage~ rm-
que prova amplamente a sua falta de confiança no movimento em·( e estafante das inúmeras versoes de_ f,l_mes amerrca~os
em que tinha responsabilidade básica. becr etradas por mim na Paramount, em Jomv,lle. Comente, ª
No momento em que a produção do filme sonoro se in. p~r~a descrença no êxito efêmero dos "vaud~villeS" qu~ eu
mm m:anhado
tensificou na França, os primeiros produtores de renome, não estavea alizando de
com grande
falsas sucessoem
situações, comercial
que os em Paris -
personagens
confiando nestes elementos de cinema, impuseram-lhes cond~ u~•
ções de trabalho tais que a totalidade dos diretores do "Ava,i~ saiam ad mesa para a cama e vice-versa, sem nenhuma outra
Garde" teve que voltar ao sistema inicial, isto é, cada um .,_ preocupação. , . d
começou a improvisar a sua própria produção. foi assim q1,1e Mal sabia que deste estágio ~~ _Paramount e ?Ae ~ se~,e. e
st ~ecnsca
Renoir, Painlevé, Chenal, Carné e alguns outros arrecadarc1ni ,1 audevilles" franceses, eu adqu,rrna uma experrencia
exíguos meios para filmar. Mas eles eram poucos comparados v · ser um grande trunfo para o meu futuro. E entao, eu
aos vencidos, aos sacrificados. E é aí que não podemos deixa que ~a de O começo do "sonoro" tinha perdido toda a espe-
de citar novamente aquele que teria sido o melhor de todo1, :'n~a ~e filmar um tema qu~ me adgrada~se e sob~etu:~ ii~
Jean Vigo, que morreu vítima de tudo isso. som como eu pressentia que evena ser usa ..
0 O
Esse individua/ismo descabido, essa situação de incertez,,
essa falta de diretivas e de organização, produziram os res~
~:n;:;,,?i:~do
usar . de aos
repente a resposta:
rapazes as suas -idéias
" Fique conosco,
sobre o so~.d1v1rta-
Ainda
não fizemos nada a esse respeito". E mais: - " Daqu, a algu-
tados desastrosos que fizeram do inicio do filme sonoro II mas semanas você terã uma proposta de Wardour Street para
Fcança uma época desprezível na história do filme fran<4 um filme comercial, e nós perderemos ... " .
ainda maisera
desprezível que nos Estados Unidos, porque o teatra O
Assi·m que comecei a trabalhar, compreendi que Grrers~n
en-i Paris mais organizado. d I E ao

Entrementes, na Grã-Bretanha, Grierson, apoiado por Sj era o homem


pensei cuja falta,
em Wardour em França,
Street. eu se~pre
As experiências ep orara.
sonoras fora_m num
Stephe n Tallents, começou simplesmente um período utiliolli dos maiores êxitos desta escola fecunda; mas o som _nao era
hoje d iríamos funcional, - ignorando propositadamente o I nossa única preoupação. o argumemo, o uso da camara_ e
me sonoro. Sustentado por bases marxistas sólidas, era-lhe t a "montagem'' eram estudados po~ ~'~• Juntamente com JO-
tomar a responsabilidade moral do movimento criado num vens entusiastas trabalhadores e d1sc1phnados.
reno completamente virgem. Pouco a po~co compreendi como a esperteza de Grierson
A triste história dos erros do "Avant-Garde" não po ora importante. Esta palavra "documentário" i_ria b reve ser subs-
recomeçar aqui. Um grupo coeso pôs-se a fazer "docume t/tofda pela palavra " realista", que eu preferia. Wardour Street
tários'' sobre a pesca, sobre o artesanato, sobre os mei0s felizmente já se tinha esquecido de mim e eu trabalhava feliz
comunicação, sobre problemas sociais - enfim sobre assun nos minúsculos estúdios de Blackheath.
tirados da realidade e do momento. Acusam-me aqui no Brasil de nunca ter sido diretor de
O movimento do documentário cresceu depressa. As fllmes de ficção, /imitando-se a minha carreira na Europa ap~-
oc.upações que impunham as diretivas do grupo, o temp~
mado pela publicidade, a que se dava grande importância,
Ms ae documentário. Na realidade, a direção de documenta-
rios ocupa um espaço mínimo na lista dos meus filmes. E~ dirigida por John Taylo~, um do_s col~boradores preferidos de
que realmente fui o iniciador de uma espécie de documentá. Flaherty e de mim propr_10. ;udo isso girava em torno d~ G.P.O.
rio romanesco, com Rien que les heures, em 1925, passei i de Grierson e eu continuavamos. Elementos de fora, ta,s como
maior parte da minha carreira dirigindo filmes comerciais, do1 ~~ui Rotha e J. Holmes, vieram r~unir-se ao nosso grup~. Mú-
ql1ais tenho a meu crédito mais de vinte. E isso para quelb .
05
como Walter Leigh e Maunce )aubert, ambos destinados
conhece a i~dústria ~inemato_gráfi~a é muito si?nificativo, poit sicmorrer na guerra, Benjamin Britten, Ernest Mayer e Darius
f?ra do. Brasil, só ? diretor CUJOS frlmes proporcionam o retorno Mifhaud; poetas com W. H. Auden e Montagu Slater, trabalha-
oo capital _acrescido de lucro ponderavel consegue continu 111 " 1 rn conosco.
a sua carreira. Entretanto, longe de me considerar diminuído t uma revista de cinema independente foi criada: " World
para mim motivo de justo orgulho saber que este trabalho c~n. Filtn News" e adquiriu uma autoridade indiscutível. Nas suas
siderado como ingrato, de responsabilidade escassa, que é 0 colunas foi aberta uma campanha hábi~ contra os escândalos d?
fitme documentário, tem sido a única acusação contra rnirn, •nema comercial em Londres. Depois ele um estudo, pubti-
ci do em seguida em livro, intitulado: "Money Behind Th e
aqui na minha terra, por parte de gente mal intencionada, Para
me situar na evolução do cinema. ~reen'' os banqueiros da City puderam _compreende_r o me~a-
·smo da economia do. cinema e prevenir a roubalheira dos 1n-
Pouco antes de minha chegada a Londres o Empire Mar.
~~rmediários do filme, construindo assim, de certo modo, um
keting Board tinha suspendido as suas atividades e a equipe de
filmes tinha sido absorvida pelo G. P. O. - General Post dique neste _Pactolo. . _
A situaçao era curiosa: na Gra-Bretanha, onde se gastavam
Office (Correio, Telégrafo e Telefone) - que se ufanava de
milhões de libras es~erlinas na. indú~tri~ ci~erm:~o&ráfica, m~l-
ser ao mesmo tempo uma das maiores organizações indus- grado as !eis d~ c~ntingente muito habe,s, nao ex1st1a por ass,m
triais da Grã-Bretanha e um dos maiores departamentos ga.
vernamentais do Reino Unido. · dizer o filme 111gles. ,.
Todos os que se interessam pelo problema, os cnt1cos, os
O G. P. O. trazia ao tesouro, nessa época, a soma apreciá- técnicos, os artistas, não tinham senão uma única esperan~a,
vel de dez milhões de libras esterlinas por ano. A publicidade G.P.O. Film Unit. Era o primeiro grupo que_ mostrava enfim
0
do G. P. O. era orientada por um Conselho que se compunha às Ilhas Britânicas e ao resto do mundo as paisagens, a gente,
~e um ~rupo, tan:ib~m dirigido por Sir Stephen Tallents e que o trabalho do pais. .• . ..
tinha, alem de Grrerson, entre outros, o pintor Me Knight-Kauf; Os neo-realistas tinham consc1enc1a da grande responsabili-
fer e J. Beddington, que depois tomou em mãos a brilhantt dade que lhes tocava.
publicidade da Shell-Mex. A parte dada ao filme por este Con.- Grandes organizações como :ravel _Ass ocia~ion , .shel~-t-.:1ex,
selho não somente foi preponderante mas também orientada Cas Ught and Coke, An.glo Pers1an 011, Scott1sh Assoc1at1on ,
com uma largueza de vistas que deixava todos os outros meios pediam a sua cooperação.
publicitários em segundo plano. O G. P. O. Film Unit punha O desenvolvimento era tão rápido que mais de vinte equi-
os seus serviços à disposição da educação social do país pes trabalhavam simultaneamente.
dava uma importância capital à preparação de técnicos espec· Uma divisão de tendências então se precisa: Grierson acen-
lizados. Foi graças a esse espírito avançado que o documentá tua 0 estilo direto, funcional, enquanto que, em torno de mim
inglês tornou-se, com o documentário soviético, o mais mesmo, se agrupam os fiéis às pesquisas, experimentando, até
ciente na propaganda dos aliados na guerra mundial e e os limites de um certo preciosismo, com o som e a cor.
seguida o berço do florescente cinema inglês de pós-gue Mais tarde Grierson deixa o governo para criar uma organi -
Muito breve, após a sua fundação, equipes já formad zaçã_o independente, que será ainda mais poderosa do que os
deixavam o G.P.O. Film Unit mas não escapavam a infltiên serviços oficiais, seus aliados, e que ele batizará de Film-Center.
de Grierson: - Arthur Elton, que criou uma espécie de sin O cantrato com March of Time, dirigida pelos Irmãos Ro-
c~to de "diretores realistas, e Basil Wright, logo depois, que fez tsmont, produtores americanos de reportagens cinematográ-
f,I me sobre higiene nas escolas. . , e a co-produção com o governo suíço, produzida e diri-
Pequenas companhias de docum entários se formava111:. da por mim , de uma série de filmes, cujos principais foram
nema Contact, Strand í-ilms e Realist Film-U11it, esta ui e llve. in Two Worlds (argumento de J. B. Pristley e música

76 77
• ...

de Maurice Jaubert) e Line to Tchierva-Hut, uma reportagen, No domínio do som basta citar Kenneth Cameron, cujo livro
sobre a instalação de uma linha telefênica nos Alpes (música ,,50 und and the Documentary Film" é conhecido entre nós.
de Benjamim Britten) - provam a expansão do movimento Os mais diferentes temas foram abordados pelo documen-
no campo internacional. tário britânico, entre as duas guerras, dos q uais cumpre lembrar
Organizações de distribuição fora dos circuitos co merciais os seguintes:
foram criadas e atingiram desde o início audiências de de2 _ Uma tempestade se desencadeia; um barco de pesca
milhões de espectadores por ano, que aumentaram sem cessar. está em perigo. Quais são as chances de salvá-lo? - North Sea.
Não se tratava mais de um duelo com os comerciantes: era urn
cerco que lhes mostrava de todos os lados que havia filmes _ Um trem postal atravessa a Inglaterra de Londres a
diferentes e socialmente superiores ao filme que eles defendian,, Glasgow d urante a no ite: Night Mail.
_ Um dia nos estúdios da B.B.C.; a atividade febril das
" Porém a impressão q ue eu quero dar é que aqui, nestas missões. As reações dos ouvintes. O papel d a rád io no mo-
pequenas companhias de produção de documentário, existem ~ento atual: - The Voice of Britain.
ainda diretores que vivem normalmente, apanhando material
_ A vida em Ceilão, a revolução industrial que costeia
imaginativo na rua, na casa vizinha, e não diretores internados,
com centenas de libras por semana, em escritórios atapetados, ilha sem atingir a piedade dos indígenas. As danças e os
silenciosos, tão em moda no cinema comercial, lutando para :emplos cingaleses em todo o seu esplendor: - Song of Ceylon.
se lembrar como a gente vivia quando eles ainda viviam, quando _ O internacionalismo: - We Live in Two Worlds.
havia o fogão a gás, o café com pão e a conta do senhorio, _ A mín.! e os mineiros: - Coai Face.
E como a memória se vai apagando enquanto as taquígrafas Todos tendendo a dramatizar o real, a forçar o público a
rabiscam no seu caderninho, eles se recostam com um suspiro de se interessar pelas questões essenciais do país. Todos tratados
cansaço e recomeçam a velha história do amor eterno." (Graham com grande preocupação de veracidade e, malgra~~ os o~ça-
Greene.) mentos muitas vezes restritos, de uma grande perfe1çao técnica.
Muito mais tarde, no entanto, começamos a considerar, e Todos, sem dúvida, mais d~a,máticos e mais cine~atográf!co~ que
assim mesmo excepcionalmente, o filme de ficção e a comédia. 0 adultério da Sra. X., o ciume do Sr. Y., ou a inco nstancia da
Os nomes a serem lembrados desta época incluem: Stuart Srta. Z.
Legg, Evelyn Spice e Norman M e Laren, que seguiram mais o público, apesar dos preconceitos dos distribuidores e
tarde Grierson ao Canadá e foram seus colaboradores no Cana- exibidores, aclama este gênero de filmes. Só na Grã-Bretanha
d ian Film Board; Ralph Elton, Alexander Shaw e J. Holmes, que mais de mi l cinemas passam Night M ail, e os espectadores aplau-
fizeram filmes na Malaia e na índia; Harry Watt, na Austrália; dem longamente, enquanto o filme comercial, que o acompa-
e Pat Jackson, em Hollywood , alcançando todos um grande su- nha, termina numa indiferença e num silêncio completos.
cesso comercial, como aconteceria mais tarde com Jack Lee; Ao lado destes filmes em branco e preto , as experiências
William Coldstream, pintor, Humphrey Jennings, falecido há em cor, realizadas por Len Lye, abriam horizontes completa-
pouco vítima de um acidente de filmagem e Len Lye, que tra- mente novos para o filme colorido.
balha no M arch of Time, em New York: os dois últimos, figu- Nessa organização única do G.P.O., nós trabalhávamos em
ras importantes no domínio de filme experimental; Basil Wrigh\ candições que lembr~m singularmente as do artesanato na idade
cuja sensibilidade e inteligência o colocam entre as figuras mais média. O trabalho era coletivo, os filmes de cada um eram
significativas do movimento; Arthur Elton, animador, e Pau1 discutidos por todos e todas as sugestões úteis eram aceitas. Se
Rotha, filmógrafo e realizador. 0 film~ de um companheiro necessitava de ajuda, e~ta era logo

E entre os técnicos, toda uma multidão de iluminadorer. Oferecida; mas as equipes guardavam a sua personalidade e um
entre os quais Chick Fowle, agora bem mais conhecido pelo selPi espírito de esportiva competição.
t rabalho no Brasil, Jonah Jones, Gamage, Pat Richards e Jo Jap O movimento neo-realista produziu mais de quatrocentos
Entre os edito res, Me Naughton, M e Allister, Cornelius, hoje P :mes, cuios temas refletem a atividade da vida na Grã-Bretanha,
dutor, e Robert Hamer, atualmente um dos melhores direto mes CUJO valor educativo no sentido mais elevado da pala-
de ficção. vra, é indiscutível. '

78 79
Sir Stephen Tallents, John Grierson, 13asll Wright e os seus NÃO trate de assun_tos generalizados: você pode
colaboradores nunca serão esquecidos pela maneira com que escrever um artigo sobre os correios, mas deve
elaboraram o movimento neo-real ista na Grã-Bretanha. Quanto fazer um filme sobre uma carta.
a mim, sinto-me orgulhoso de ter prestado, logo depois de
NÃO se afaste do princípio segundo o qual existem
Flaherty, a minha contribuição técnica a esta grande obra.
três elementos fundamentais: o social, o poético
Durante a guerra, o documentário inglês, que já tinha in- 2 o técnico.
fluenciado os americanos Herbert Kline e Pare Lorentz, continuou
a influenciar o muito ampliado documentário de propaganda NÃO negligencie o seu argumento, nem conte com
do U.S.A.
a chance durante a filmagem: quando o seu ar-
gumento está pronto, seu filme está feito; ape-
Depois da guerra, a descoberta do filme inglês pelos reali- nas, ao iniciar a sua filmagem, você o reco-
zadores franceses causou salutar reação e ajudou a despir 0 meça novamente.
filme gaulês das pretensões estéticas que nele se tinham acun1u-
lado, durante os anos de luta. * NÃO confie no comentário para contar a sua história:
as imagens e o seu acompanhamento sonoro
No Brasil, agora que começam a surgir para o cinema co. devem fazê-lo; o comentário irrita, e o comen-
mercial grandes esperanças de reorganização, o documentário tário engraçado irrita ainda mais.
poderá apresentar ao povo brasileiro, com a maior simplicidade,
idéias gerais indispensáveis; iniciar a sua educação cívica, inte- NÃO esqueça que, quando você está filmando, cada
ressá-I.o pelas questões econômicas e pelos problemas sociais tomada é parte de uma seqüência e cada se-
do país. A higiene, a agricultura, milhares de outros assuntos qüência é parte do todo: a mais bonita das to-
agu2rdam. Eles são mais absorventes que o adultério, o romance madas fora do seu lugar é pior do que a mais
policial, o folclorismo barato, o sentimentalismo fácil e a falsa banal.
poesia. NÃO invente ângulos de câmara, quando não são
Não é senão à base do documentário, tratando de temas necessários: ângulos gratuitos são dispersivos e
utilitários, que o nosso cinema representará o seu papel na vida destroem_ a emoção.
do Brasil, como devem representar a imprensa, o rádio e a
televisão. Limitá-lo a seguir o teatro e o romance é trair o maior NÃO abuse da montagem rápida; um ritmo acele-
de todos os meios de expressão que possuímos atualmente. Sem rado pode ser tão monótono quanto o mais
o cinema, não pode existir, hoje, uma grande nação. pomposo "largo".
Se me pedissem que resum isse em poucas linhas as normas NÃO use música em excesso: se você o faz, a au-
de conduta que os realizadores de documentários no Brasil diência deixa de ouvi-la.
devem seguir, repetiria, ainda hoje, aquelas que, baseado na NÃO sobrecarregue o filme com efeitos sonoros s·n-
minha experiência neste terreno, remeti aos jovens diretores cronizados: o som nu·nca é melhor do que
dinamarqueses, em 1948:
quando empregado sugestivamente. Sons com-
plementares constituem a melhor banda sonora.
• Após a " Avant Carde" , ocorreu na França um radical proces_sa de NÃO encomende muitos efeitos ópticos, nem os faça
comercialização da produção cinematográfica. Esse processo, que resultou complicados: fusões, "fade-ins" e "outs" fazem
na produção de operetas e vaudevilles em sua maioria de qualidade infcrJor,
abrangeu inclusive alguns diretores vindos daquele movimento. parte da pontuação do seu filme. São os seus
Durante a guerra, sob a dominação alemã, mesmo bons r1:allzado~• pontos e vírgulas e os seus pontos finais.
como M. Carné, Les Visiteurs du Soir, e J. Grémillon, Lumiere d'~te, se re.,. NÃO filme muitos "close-ups": guarde-os para o clí-
giaram em termos altamente poéticos porém distantes da realidade.
A retomada do contalo pelos franceses com o documentário· lngl
max. Num filme equilibrado eles vêm natural-
após a guerra, influenciou não só realizadores consagrados como no rnente; qu·a ndo em demasia, tendem a sufocar
diretores, entre eles, R. Bresson, J. Becker, H . G. Clouzol. e perdem toda a significação.

80 81

NÃO hesite em tratar elementos humanos, e rela-


ções humanas: seres humanos podem ser tão
belos quanto os outros animais, tão belos quan-
to as máquinas ou uma paisagem.
NÃO seja confuso no seu argumento: urn assunto
verídico deve ser contado dara e simplesmente.
No entanto, clareza e simplicidade não ex-
cluem necessariamente a dramatização.
NÃO perca oportunidade de experimentar: o pres-
tígio do documentário só foi conseguido pela
experiência. Sem experiência o documentário
perde o seu valor. Sem experiência, o documen-
tário deixará de existir. CAPfTULO IV

Bruxelas, outubro de 1936.


POSTOS-CHAVES NO FILME
DE FICÇÃO
O PRODUTOR

Em geral, o público julga que o papel do produtor na rea-


lização de um filme é o de mero intermediário, com a única
função de proporcionar ao diretor os meios financeiros para a
filmagem de uma história. Mas, em verdade, as atribuições do
produtor são de grande importância no quadro da indústria
cinematográfica. Quando o produtor não é senão esse inter-
mediário, ele conta com o produtor-associado ou com outros
e0laboradores, que realmente orientam a produ·ção. Há mesmo
cnsos imprevistos, como o de They Made me a Fugitive. A pro-
dtrção esteve a meu cargo, em colaboração com o escritor do
a1gumento, Noel langley, e o diretor dos estúdios de River-
side, James Carter. Terminado o fílme, quando projetamos a
cópia de apresentação, surgiu na tela, com o título de pro-
dutor, o nome de Nat Bronsten, que eu mal conhecia e que
funcionara como agente financeiro. Protestamos, mas foi em
và0. Surgira um novo produtor que, aliás, nunca esqueceu nem
nunca perdoou o meu protesto . . .
A confusão a respeito do produtor vai ainda mais longe.
Mui-tos pensam que o produtor não é senão mero adminis-
tra~or, enquanto outros não compreendem muito bem a sua di-
ferença com relação ao diretor. A administração dos estúdios,
e, paralelamente, a administração individual de cada filme deve
est~r afeta a duas entidades diferentes, embora sob a fiscali-
Zi\Çao do produtor. Justamente a incompreensão desse aspecto
da organização industrial do filme constituiu uma 'das maiores

85
dificuldades no meu primeiro ano de atividade no Brasil. A
atuação de um verdadeiro produtor começa efetivamente com _Deixando de parte os e
a ligação entre os financistas e a parte técnica propriamente
dita. Para isso é necessário que o produtor possa saber exa-
;~~!~!• iues~olha de escritofes q~:r:º~:S;~bl~mas de direitos au-
tamente qual é o capital à sua disposição para um período de lidades dea i:f t.ar_ obras já existentes exi;~ v~r argU'mentos ori-
uiçao e de imaginação ue , _ o pr~dutor, qua-
trabalho que nunca pode ser menor do que um ano, por- . A escolha do diretor exi e ,q nao se improvisam
que sem isso é impossfvel planejar uma produção. Se se acres- diretores consagrados sab g tambem o mesmo cuid d .
centa à instabilidade causada por este desconhecimento a ne- poovdoe~ o_u não fazer. Acon~:ee:utª1·tmasente quais os film:sº·q~~
cessidade de orientar toda a organização dos estúdios, a sele- n rns1ste em dº · . vezes que .
ção de equipes técnicas, e os problemas de administração, não ponsável deverá . se~rr~~r umJ c_e rta história. Um ~~;e:l1zador
só dos estúdios como de cada filme, o trabalho do produtor tifica. paz e Julgar se esta insisteA . u or ~es-
se torna humanamente impossf vel. Tais eram as condições que E nc1a se JUS-
ntram em jogo t-
encontrei. Não há indústria cinematográfica em que o produ-
tor acumule estas quatro diversas atividades. Uma evidente e
e ob diretor trabalharão
am os a maior
j:;t~s-ª~ '
_qud~stões pessoais: o escritor
rn ispensável q .
proposital falta de cooperação completa o retrato das tarefas o trabalho de t com1;>reensão e respeito O uedex1sta entre
que me ofereciam nos estúdios São Bernardo do Campo.
Qualquer manual de cinema, mesmo o mais elementar, ex-
s e, surgindo c 1 •
p~ e tendo sempre em vista orno e emento catalizador na e
nao deve ultrapassar
pro utor se
dque o desenvolvimento do tq· ,_
gi~
d o qua ro ec A . ro erro
plica que "o produtor é o responsável pela produção, agindo pN er as suas qualidades de ono~1co da produção nem
como intermediário entre o capital e os técnicos. Vários filmes eleme~to~ de atração ainda mafsuc~sso J~nto ao público. Outro
de ficção podem ser elaborados ao mesmo tempo por um res prrnc1pais, que, também nest~1reta, e constituído pelos ata-
produtor. Ele é também o encarregado de avaliar a qualidade dos tendo em vista as . . caso, devem ser sele .
do filme como divertimento e, portanto, tem a última palavra que um ator dá sem r s1mpa!ras do diretor, pois é evf1ona-
na escolha da história, dos atores, -do roteiro e do diretor" . diretor que nele depo~t! ~~~!~nç~.aior rendimento comdei~
É verdade que, no caso específico do nosso cinema, a O produtor aprova també , .
maioria dos que se intitulam animadores recebem com des- mt>nto e a execução d ~ 0 horarro de trabalho
co dº os ambientes d . , o orça-
prezo os conselhos elementares que os manuais lhes pode- mo rscute a escolha do compos·t e a •~dumentária, assim
riam dar ... Mas é fundamental que, ao se iniciar uma indús- turats questões pessoais também d~:r musical. .
tria de filme, a hierarquia cinematográfica seja compreendida . ment~, na formação do "staff" ,e~ ser consideradas, na-
de maneira precisa. siga a unidade de pontos d . te_cn1co, para que se con
mento má · e vista 1mpr • d' -
À primeira vista parece incumbência muito simples a es- tem e x1mo da equipe. Aplainar escm ivel ao rendi-
colha de uma . série de histórias para um número de filmes a també ra~entos _que se revelam durant choques, diferenças de
se rem realizados mrm ano. No entanto, essa escolha deve ter m . ~s atribuições do produt e os trabalhos, faz parte
em mira o equilíbrio da produção, para que compreenda gê- A at1v1dade de . or.
compreend rot,_~a do produtor d .
neros diferentes, considerando as possibilidades de sucesso de
ahterior, a efi~ e;ame d1ario dos "rushe~" f~l~n~e a f1l,:nagem ,
cada um; e a necessidade de ter preparado, pelo menos, o fotografia e que ele possa não ó . ~ os na Jornada
dobro do, número de roteiros necessários, já que, por contra• Diretor e' no som e na continuidade s . indicar defeitos na
tempos climatéricos, por falta de atores próprios para certos
p.1péis e por questões de lançamento recente, por outra com-
a fiscaliza; possíveis desvios no dese~:if1~ como orientar o
orçamento o atenta do ritmo de trabalh vimento da história;
panhia, de um filme do mesmo ·gênero, pode haver a neces- Te . . o e do controle do
sidade de substituir um dos filmes programados. Considerando Ih o o rni,nada uma sequencia .. A
O dº
ainda a preocupação de que todos os roteiros preparados ~s• fll~e produtor, para que nã~ se e ,tor com_eça o seu traba-
tejam 'd,e ntro das possibilidades econômicas da companhia, com~ :f~mpanha as diferentes fasef e~ca a hnha narrativa do
ter-se-á uma idéia da complexidade dessa escolha. ti Piando ment? de ligação entre o ed\ montage":1 e aparece
as diferenças de pontos d 1 °r e o diretor, sofu-
86 e v 1sta.

87
O mesmo se dá com referência ao músico, na gravação Nos Estados Unidos . .
da partitura, e, com o "mixer", na regravação final. ~úmer? de diretores qu'e ~~~nc,palmente, . existe um grande
Concluído o filme, o produtor seguirá o seu destino na ~ poss,vel numa indústria alt seus p rópr!os produtores. Isto
apresentação ao público e servirá como elemento de ligação ncana, e serve de me· amente organizada com
entre a companhia produtora e os distribuidores. O tipo de 1 d 'º para que cert b
sa vaguar ar a integridade d
' o a ame-
os ons diretores possam
p ropaganda a ser feita, a escolha dos cinemas lançadores e a Huston (alguns trabalhos) eJ sua obra. Estão neste caso Joh
avaliação comercial do filme para certos países não podem ser que desde o momento e oseph L. Manckiewicz Conf n
decididos sem a opinião de um produtor que se preze. d d' em que come • • esso
e . ,retor e de produtor nã ce, ~ a1ternar as funções
Numa produção organizada industrialmente, o trabalho do ccss,tando sempre de ' o me adapte, a este sistema
produtor não se limita à realização de cada filme de per si. do grande "producer" um p~odutor quando dirigia Protó't· ne-
.,. S amencano sa·o 1 • . rpos
Paralelamente, outros filmes, em diferentes estágios, seguem o ciuo, amuei Goldwyn D ºd . rv,ng Thalberg "á f I
seu curso, exigindo do produtor uma atividade constante e n:1nio da produção indep~v~de~elzn,ck, Walter Wange( ~o ~~
um grande discernimento no dedicar a cada um o tempo e a arn~a lutam pela sobrevivênciated Ben Hecht, Stanley Kramer
aamção que necessitam em proporção ao seu desenvolvimento. pro utores. e sua personalidade como'
Os interesses gerais de uma companhia de produção e o Uma das figuras intern . .
seu prestígio estão na dependência direta do produtor. Além reno da produção to· acrona,s mais importantes
ae estar a par dos assuntos com possibilidades cinematográfi- na AI h , certamente Erich p no ter-
eman a, pela produ ão d . ommer, responsável
c:.is, o produtor deve criar um cabedal de artistas. Depois de longo estágioç na ,os ,'•lmes dirigidos por Fritz lang'
Nos estúdios de Ealing, no começo de cada ano, são feitos Pommer voltou à Alem h ng aterra e nos Estados U 'd .
· d· t · · an ª onde está t n, os
le!>tes de novos atores. Entre vinte e cinco ou trinta candidatos, ,n us na cinematográfica. , entando reorganizar ;
oito ou dez são escolhidos e contratados por um ano, com Em França o número d b
pEqueno salário e uma opção para o ano seguinte em condições ao apoio financeiro e a ~ ons produtores é escasso Gra
sensivelmente superiores. Em muitos casos, cursos de dicção, realizados os filmes de Ztar~: Cgostoé de A. ndré Paulvé for;~
de postura, de equitação e outros esportes lhes são proporcio- Dos quatro produtore . arn e de Jean e
nados pelos estúdios. Peql.fenos papéis lhes são confiados, e octeau.
de seu sucesso, o produtor decide seu lançamento como astros. deixar ?em claro que J. sA,~~~erse~ mais ~on~ecidos, é preciso
Mesmo que apenas dois ou três correspondam à expectativa, dut~r financeiro. Sir Alexande ank nao. e senão um pro-
oc; resultados financeiros são apreciáveis para o produtor. Da~,d Selznick, é uma fi ura '. Korda: hoJe associado com
Tal sistema não poderia deixar de proporcionar, em certos ca- ma,s personalidade como gdiret mt~rnac,ona/ que sempre teve
sos, abusos. Contra a injustiça dos mesmos sempre protestei. quanto a maioria da sua produ º! o_ que como produtor. En-
Em alguns estúdios, jovens artistas contratados por longos pe- espetáculos onde o custo el ç~o nao passa de uma série de
ríodos são alugados a outros produtores, por preços muito xíma, os filmes por ele dº . ~~a o parec~ a preocupação má-
mais altos do que os seus salários, constituindo-se, assim, em P'Jntaneidade e um encantg' os ~a_ract~~•zam-se por uma es-
grandes lucros para estes criadores de uma nova escravidão. ~mlêdestino bem curioso: ~lgei~:crars. Frl!po Dei Giudice teve
Os d,everes de um produtor no exercício das suas funções rng s, como o maior rod o consideravam, no cinema
não o isentam de responsabilidades que são muito mais im- av~ntureiro. Pessoalmenie o utor, . outros como um simpático
portantes. Responsabilidade econômica - para com a sua com- ;t;i~_deh grandes filmes e lame~1omrr~~ re~onheço que fez uma
.'c ael Balson, com u . o u_ a astamento do cinema
panhia profissional - para com os seus colegas de indústria
e, nos seus estúdios, para com os técnicos, artistas e operários
que dele dependem e, moral - para com o públíco, cuja edu-
!~ oito anos, é, sem dciv~: t~e a sdatrsfação de trabalhar mai;
centrei em toda a . h , . pro utor mais completo
com mm a carreira se , . que
G,ção será influenciada pela sua obra. Se são poucos os que Prote:e resto da indústria Britânica. a ~oes~~nt~ de cooperação
conhecem os seus deveres, muito menor é o número dos que da Pro; º?vos talentos, o seu exc~pcio nf nc,a em revelar e
conhecem as suas responsabilidades. uçao e, finalmente o bo na senso da economia
' m gosto e a percepção que
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possui da linha dramática dos filmes que produz, fazem dele um
dos produtores mais respeitáveis no cinema de hoje. ser explicado pela intuição d 1
a formação de um rod o ongo treinamento exigido para
A influência do produtor é, para o diretor, um fator de ator e mesmo que ~ d utor, m_ais longo do que o de
grande importância. Em contraste com a eficiente e amigável O fenômeno d e _um diretor. um
cooperação de Mick Balcon, não posso esquecer episódios bur- 81 is il é, em todo ~as~~r~~~~-g:~~~;~~~~a de produtores no
lescos, como os que ocorreram durante a filmagem de le Ca-
pitaine Fracasse, em 1928.
O produtor financeiro do filme, C. Schneider, que era tam-
bém um dos herdeiros das famosas usinas do Creusot, tinha
um produtor associado que fora sargento do regimento de ca- li
valaria em que serviram durante a guerra de 1914-1918 e que,
do posto, tinha guardado uma sonora e falsa autoridade. Ha- O DIRETOR
via muitas cenas no filme que necessitavam de cavalos. Os
atores escolhidos para estas cenas eram todos bons cavaleiros. Se bem que as atribuições d ·
Como a história se passava no tempo de Luiz XIII, os cavalos sensivelmente com a cria - d o diretor tenham diminuído
· d çao o cargo d d
deviam necessariamente ter crina e rabo compridos. O sargento e um os mais prestigiados t, . e pro utor, ele ainda
deixou justamente todas estas cenas para o fim dos exterio- gráfica . ecnicos da indústria cinemato-
res. Os cavalos só chegavam às vésperas da filmagem, apesar . Enquanto alguns fãs e mesm ,.
da minha insistência para que fossem exercitados pelos atores diretor responsabilidade total I o ~c~rtos cntteos atribuem ao
antes das cenas. Toda a equipe estava certa de que eram ca- ria ~o grande público tem u~: oide~1tobde um filme, a maio-
valos de circo, pois é raro encontrar, em França, animais com funçoes. e,a astante vaga de suas
crinas e rabos tão longos. A filmagem começou. Quando os _Sentado numa cadeira de lona
atores tentaram montar, foi uma calamidade. Protestei, dizendo escrito em letras garrafais _, tendo nas costas seu nome
uma v1se1ra
. . de celulóide verd
, na mao . um megafo
, ne e na testa
que se haviam enganado e que eles, afinal, não sabiam montar.
Ofendidos nos seus brios de cavaleiros, os atores tentaram outra como se estivesse fantasiad e, o diretor e sempre imaginado
vez. Novas quedas. Já então, a balbúrdia era indescritível. De- a aba para trás, no pesco o o u~ara o papel: o casquete com
sesperado procurei o sargento, pedindo-lhe uma explicação: com desenhos exóticos c~lot a echarpe de seda, o pulôver
e, am cavalos de carros de defunto, trazidos de uma cidade alfaiate e botas de lustro im es ~empre c~rtados pelo melhor
próxima, que jamais tinham sido montados. Interrompeu-se a sempre cansado e de mau hu~eir.vel. Carater desumano, está
filmagem, e o sargento, sempre sonoro, ordenou que se bus- analfabeto, e sobretudo não te ' ele é sem educação, quase
cassem outros cavalos em Paris. Estávamos na Dordonha e os real. Enfim, este é o mito criad m c?ntato algum com a vida
cavalos só chegaram depois de uma semana. Enquanto espe- aborda o cinema como tem~ pela literatura de ficção, quando
rávamos, os atores ganhavam muito dinheiro da companhia às Nos cinqüenta e poucos
custas dos cavalos ... escrito relativamente poucos ,.anos d~ vida do cinema tem-se
Moral da história: não basta ter um título, mesmo militar, ~apel que o filme tem rep rvros ~o re sua técnica e sobre o
sargento ou comandante, para ser produtor ou mesmo admi- ntretanto, grande é o ., resenta o na sociedade moderna
nistrador. g~ente e nos meios do cinne~ero de romances inspirados na·
Ê curioso observar que a maioria dos pretendentes a.o ci-
~a0 certamente "On Tourne}· ~ntr;. os mais interessantes es-
e Noel langley, "Si peu ue '. ~' irandel!o, "Hocus Pocus",
nema se sintam fascinados pelas funções de ator ou de diretor.
Nunca encontrei, entre a grande parcela de jovens interessa· order<:_d Woolves", de J. be/1 nen ' de Denis Marion, " Nobody
dos no cinema, U'm sequer desejando dedicar-se à produção. Nao foi pequ ·
desta caricatura. ena a contribuição de tais obras na criação
A não ser que se trate da falta de esclarecimento sobre a ver·
dadeira importância do produtor, talvez este desinteresse possa A diferença d "b . _
Europa aument e _atn wçoes do diretor em Hollywood e na
ou ainda mais a confusão.
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Na indústria americana, em geral, o diretor recebe um a ação di~eta da estrela sobre . .
roteiro técnico minucioso e se limita quase exclusivamente à q ue !?ermi ta à estrela interfe rir ~o b~ he~~na_, mas é inadmissível
direção dos atores, ao passo que na Europa a direção dos atores um filme. Imagin e -se um céleb qu_1l 1brro da composição de
representa apenas uma pequena parcela do seu trabalho. bat uta_ do rege nte. re sol ista que recuse segu ir a
Também a evolução da personalidade do diretor, com o Arnd a hoje, g randes estrela
passar do tempo, dificulta uma compreensão exata da sua os se us d ireto res e até mesmo sc! ,~ ~11,em _o s seus argume n to s,
atuação. Nos primeiros tempos, talvez porque a profissão ainda Mas, po r sup reen d e nte q ue ist s técn icos e coadjuva ntes
não desfrutasse de bastante prestígio, quase todos os diretores du!o r ne utralizo u esta interfe r':? p~ reça, o apareci me nto do p ro~
criavam uma falsa personalidade que pouco tinha que ver perto -ao diretor. Ta lvez isso e ncra , s_o bretudo no que d iz res-
com a verdadeira. Sempre achei que as vituperações legendá- questoes mais espinhosas d e ~e explrq~e pelo fato d e que as
rias de Julien Duvivier, nas horas de trabalho, nada tinham a jam, e m última instâ ncia, 'resofv: : 2te~d rm ento e disci plin a, se-
ver com o seu grande "charme" pessoal. Este hábito sobreviveu r7?0do os melhores res ultados - pe o produtor. De qua lquer
diretor sa be impo r-se ao _sao semp re obtidos qua ndo
até quase os nossos dias. Quando a filmagem de The Ghost
? e, cordial idade. Por m aio~esp:~t~ ~os autores, co m O máxim~
Goes West era interrompida diariamente para que René Clair
rnterprete, e le se mp re deve Jer eJj . 0 g rau d e estre lismo do
preparasse a salada à francesa, dizendo que os ingleses não ·s~ refl~te, capaz de o orie n tar co no __1r~t_o r um espelho no qual
sabem fazê-la, muito pouca gente na sua equipe deixava de nao_ exrste este respe ito mútuo e : scrrte rro . e segura nça. Q ua nd o
compreender que isso não passava de uma pueril vontade de o chretor e a estre la, é sem re eri ta confiança recíp roca, entre
se singularizar. no mes mo film e. Os fãs pe~sa! goso , para o prod uto r, usá-los
No livro de Charles Davy, Footnotes to the Film, Hitchcock rnau ator um bom ato r. Isso ~ão ~u~ o d iretor ~od e faze r d e um
escreveu de maneira muito pessoal o capítulo sobre o diretor, se pode consegui r é esconde r os d ~r~fa de, pors o máximo q ue
afirmando a certa altura que: "se eu devo filmar uma longa Estes mes mos respeito f'e e1tos do ma Lr ator.
cena de maneira contínua sinto sempre que não posso domi- . t
d ire e con ra nça dev . .
or e o produto r ta lve . em existir en tre o
ná-la sob o ponto de vista cinematográfico. A câmara me durzção de se u trab~lho ezme m g_rau a rnda n:1aior, porqua nto a
parece ficar simplesmente de plantão, esperando apanhar qual- que a do di re tor com o ato r. con1u nto é mu ito ma is longa do
quer elemento com verdadeiro valor visual. O que eu prefiro
é fotografar vários pedaços de uma cena de que necessito para Depois da escolha da hi stóri d .
trabalho d e prepa raça-0 d a, o d ireto r e das es tre l"s 0
construir uma seqüência visual". E mais adiante: "A tela deve · f . o arg umen to é · · • d " ,
mais e 1rzes, que são tamb, rn1 c1a o. Há diretores
falar a sua própria língua, concebida no momento, e não pode m t N e em a uto res d os , . ,
en os: o entanto, o cine ma é seus proprros a rgu-
fazer isso sem enfrentar uma cena representada como um sim- de ~qu1pe e d e coorde na ão d , a nt~s ~e- t udo, um tra balho
ples elemento de matéria-prima, que deve ser esmigalhado, escritor pode se r decisiva çH e /on trrburçoes m últiplas. A do
cortado em pedacinhos antes de ser transformado numa ex- pontos de vista e ntre o d... ªt ve n o compreensão e unidad e de
pressiva composição visual." - 1, áb'ri do produtor obCrr e or e o arg um e ntrsta,
çao • com orie nta-
Hoje Hitchcock, mais do que qualquer outro diretor, em- Alguns diretores gost~m ~ m~r b el~pre resultados satisfa tó rios
prega longas cenas contínuas, que chegam a durar de dez a argumentis ta e têm e ra_ a , a r sem p re co m o me .
doze minutos. Por onde se vê que a evolução do diretor não l'll~smo film e. Julga~ p;~1?cupaçao d e refazer "ad infinit um f,m~
errando um estilo , . oneame n te que agindo assim e ,_
diz respeito apenas à sua personalidade; atinge, também, a
sua concepção. repousa em similafl~~~no. O ve ~d~~e iro e~tilo de um diretor ~;i
Mas o diretor tende, cada vez mais, a se colocar como um ~: esçofha dos mesmosefn~~~;~~~:'sE n~ h1stór(a ou ha insistência
simples ser humano na hierarquia dos técnicos. Seu papel , num d se revelar aos olhos d e um ·i· a go mais profundo, ca paz
fi lme, pode ser compara do ao do regente nu ma orqu estra. Aci ma e gênero aparente me nte d'f cn rco a rg uto mesmo e m film es
d e le só existe um pode r, que é o produtor; abaixo , as eq ui p<:5
Isso I' r eren tes.
nam exp rca o núm ero .enorm d d '
técni cas e artísticas. O estrelismo ten d ia a limitar a infl uênr.1a 8ran~~t~ _marcando passo depois ~ e eu ,retores que ficam ete r-
do diretor. Um diretor é um personagem que o público não y~, doxal rre tor pode resistir a um m sy~esso. Somen te um
nem ouve num filme. É compreensível que a indústria cul tive que pareça, é mais fácil sob gra ~de exr to, pois, por pa ra-
reviver a um fracasso.
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Em muitos casos os produtores são os responsáveis por esta Um bom primeir .
' mente as inten ~ o assistente deve sem
situação, criando o que se poderia chamar a praga das falsas guinte àquela ç~es do _diretor no que diz r:Sree_con,hecer exata-
especializações. Pelo menos três vezes, fui v(tima dela: depois da concentraçã~ ~ eds~a sendo trabalhada E~ ;to a tomada se-
da "Avant-Garde" tornou-se-me qu2se impossível fazer filmes "se . . o iretor. . is o sem pre1'uízo
de ficção; depois de uma série de comédias feitas em Paris, A npt-g1rl'' d
mento social im po e ser, como a "lead·
precisei ir para Londres para trabalhar noutros gêneros; e, depois quando feit portante na equipe. O tr b ing-lady", um ele-
de minhas experiências no campo do documentário, tive, de irritante par~ ~e~r:;ande habilidade, t!n~~h~ dte continuida1e,
novo, dificu ldade em voltar ao filme comerci2I. E só pude fazê- lo
graças à clarividência de Sir Michael Balcon.
Quando um filme ob~r: os atores e todo o re rnar-se muito f
.equipe multiplicam-se em gr~nde sucesso, certo! o I da equipe.
Nos últimos estágios de preparação do argumento, come- ci na Euro a I posteriormente com e ementos da
çam os trabalhos com a equipe de filmagem e com os serviços
administrativos do estúdio. Destes os mais import2ntes são: com
foenstein. ~ó ~~ ºc:tº~ trinta . editores di
de assistentes de Ros!~r ~ Brasil desembarcou uma~ de Serge1
~~fe~~ielos. Conhe:
a equipe técnica, o desenho 'd,os "décors" e da indume ntária, . Entre os operários ~n1, e~ ~oma, Cittá Aperta oa dezena
a escolha dos exteriores, duplos testes, seja para escolher os c1sta e o carpinteir , s ma is importantes sã .
intérpretes, seja para preparar as estrelas para o p2pel que lhes portância dos mo .º que empurra a câmara C o o. chefe-eletri-
caberá interpretar, e, com a administração do estúdio, a elabo- personagem que ~~~~~tos d~ aparelho, 0 ,;dol~n_sc~~~~e ,,d~ im-
ração da análise técnica do argumento, do horário de filmagem em, e~terna r seu; pontos ~8;d1_do todas as inibiJ:s nã~ le ~m
e do orçamento detalhado da produção. maioria das vezes d vista, e o bom sens , ,es,ta
Aqui no Brasil existe a falsa idéia de que para fazer um Q uan d o uma . ·t
• e grande utilidade n
uma equip
° popular é nn
'
teste basta apresentar-se aos estúdios ou a um diretor, dizendo: / errada de cin ~isi ª entra no estúdio _ e.
"Desejo submeter-me a um teste, para ingressar no cinema." é ou não um e~ª,;,Jul~ar, dentro de pouc~~C:.::insi nao tem noção
Em verdade, testes cinematográficos sérios - com a câmara 1 todos se manifestai•retor. Um ambiente de bal~ºJ, J-e o diretor
carregada - caríssimos, tomam muito tempo e só são feitos o que está acontec e em que a maioria não s ur ia, _em que
quando existem grandes possibilidades para o preenchimento contrário, com a m ~ndod,. d~nuncia um diretor ~be mwto bem
de um pap.e l ou para eventual aproveitamento no futuro. e os que es a1or isc1plina cada u incapaz; se, ao
Um roteiro técnico terminado, com todos os trabalhos pre- teia-se logo ~e~~m º. fazem corr{ placide~ :x~~ut~ a sua tarefa
paratórios que o acompanham, é como um diagrama completo acreditar que mef~c1dad~. do diretor. Esse visit~\ança, pa_ten-
de uma máquina complic2da, no qual está especificado todo o primeiro dia de ff
1
o o iretor mais experime t ~ e custaria a
sistema de engrenagem. ~:%~niquela que s~~~e;;'~t~r :~i~,ftrofunda a;r:eisãs;n~'!:m:~
Mesas-redondas são realizadas entre o diretor, o produt0r d a parte, confesso rar em cena numa é'
e os técnicos-chaves. Nelas se discutem, não só a atmosfera do e um primeiro dia d f'fque nunca consigo dorm· estr ia.
O público es , e • magem. ir na véspera
filme, mas também a solução de certos problemas técnicos, e','.i- diretor , f • ta longe de imagi
tando assim expliações e perda de tempo durante a filmagem. o ,,1• e is1camente pesado e nar o quanto o trabalho d
Ensaios "à italiana" têm lugar com os atores. Nestas conferên- ~.1retor seJ·a • o qUé~nto é · . o
inibição e o ~ue Freud considera um "h imprescindível que
cias os caracteres são discutidos e o diálogo é lido, de maneira
a que não haja no espírito dos intérpretes nenhuma dúvrda
Há milhare:~:
e mau hum
~~i:ass~~,
~m g rande "haid%~;,,fe~ii"· Histeria,
ianas para irrita - seu caso.
sobre os papéis que vão encarnar. s'ªrnpre ser oº~• -~ntre elas os inúmeros ç;:,~.ierda de controle
O primeiro dia de filmagem é de importância capital, porq~e
nele se acerta o ritmo de trabalho. Muito depende da coesao
cusados com :-' os com paciência e, na ma·~ ~s,
tedqs, irmeza, e as esperas constant~ na as vezes, re-
due precisatn

da equipe, o que é difícil, pois, para começar, estas quase Mas o . . s por tudo e por
sempre são maiores do que deveriam ser. Ao lado dos t~ês de Parte d maior inimigo d o diretor . é " . _
técnicos-chaves 'd.a filmagem: - o iluminador, o engenh~•t? brepor e cada técnico-chave a a perfe1çao técnica'' Há
de som e o decorador-, o primeiro assistente e a "script-girl' • Postos aº as:u. setor a todos os dem~r:o~upação egoísta de. so-
são os e lementos mais intimamente li~ados ao diretor. enguar até que ponto p d. ouco~ _se mostram dis-
o em sacnf1car a beleza da
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onde muitas vezes converse·
fotografia ou a perfeição do som pelo andamento dramático tenda, à qu?I_ ,ele aparece ª~~~-~~~- Existe urn desenho dessa
de uma tomada. Na Inglaterra esse egoísmo é geral. E estou ent~nto, Mel1es, lúcido e bona _
0
con:io um cachorro. No
convencido de que a gran'dpa do cinema italiano de hoje esforços da "Avant-Garde" qu ~hao, segwa com interesse o s
vem principalmente do altruísmo e da humildade dos seus com o seu trabalho, e nã~ iar~ntos pontos tinha em comum
técnicos. abandono em que se encon g ava nenhuma amargura elo
A média de tempo da preparação de um filme é de três a ele .escreveu a um de seu trav~. Durante sua estada no aps·110
quatro meses; a de filmagem é também de três meses, ou seja, cm. emat ografºta (o primeiro sde
amigos·
ois d- "E_u sou o decano da'
65 dias; e o perfodo final de "montage", trabalho óptico, gra-
vação da música, regravação e corte do negativo, dois meses.
d~ 75 anos, e como desejo ef e Lum1e!·e). Sou um velho
x1mo de tempo possível ppre n_,anecer em crma lda terra o ma'-
Um filme terminado tem geralmente uma hora e meia de pro- ·t , ciso toma · h
Trrs e 1:recaução aquela que o lev r. min as precauções."
jeção, por onde se vê que o resultado obtido diariamente não para. na? mo~rer de fome. E ue o~ ~ mternar-s~ num asilo
é, em geral, mlJito maior do que um minuto, isto é, 7 ou 8 to- toler~~c1a deixou esta glória do _lrçao de humildade e de
madas. Uma cena é refilmada, em média, sete ou oito vezes, empaf1a e vaidade são hoje sem li~~:~a para aqueles, cuja
até que se obtenha o resultado desejado. Porém, o bom diretor
deve saber contentar-se com uma primeira tomada, caso seja Ou!ro gr~nde diretor que tev .
perfeita, assim como perseverar até a décima-quinta, o dobro rável t91 David Wark Griffith See~~-!1m pe_lo menos tão mise-
n.ema a poesia, Griffith foi O • . d e ies abriu as portas do ci-
da média usual, se for necessário.
Um filme custa na Europa, mais ou menos, sete milhões Birth of ~ Nation, lntolerance ~nak or do drama cinematográfico
de cruzeiros; no Brasil o custo médio será aproximadamente são marcos na história do. c'. ro en Blossoms e Way Down East·
·1 1 inema Os m ~ ,
a met2de. Trata-se, naturalmente, nos dois casos, de filme para F'"'a ,erty era um diretor não com. . e~mos que diziam que
exportação. Talvez pareça estranho esta diferença tão acen- n~? ~empreendia o filme sonoro ercial, afirmavam que Griffith
tuada, levando-se em conta que o custo de vida no Brasil é dmg~r uma versão "falada" d BLeiado para a Inglaterra para
muito maior do que na Europa, e que o filme virgem aqui terminou o rilme, vítima de i: . ro en B!ossoms, Griffith não
é muito mais caro. A explicação é simples e óbvia: - os direi- o pr ced_era. Com ele desapare~~~as, ger~das pela calúnia que
tos ele autor e diretores representam muito menos no orça-
7
d~ d1reçao, da primeira fase do . o ma1?r e~poente, no setor
. cinema silencioso
mento de um filme brasileiro, e a exploração de operários, pe-
Hoie os métodos diretoriais d . .. ·
quenos técnicos e f igurantes, constituída por salários baixos
e número excessivo de horas extraordinárias de trabalho, é
regra geral, contra a qual não existem ainda sindicatos organi- emoçao. r e

Nenhuma atriz consentiria em a ºt e Gnffrth estão superados
que 9riffith usava para obte C~I o tratamento quase sádic~
os momentos de maior
zados. Carl Theodor Dreyer
No entanto, ainda nos primórdios do cinema, já Georges semelhantes. Enquanto e~ ~~I~ traba lha ainda hoje, usava meios
Mélies, que para a maioria não é senão o criador de fantasias ~~ourt, Dreyer realizava sua ot~~ Y".ette, nos estúdios de Bil-
cinematográficas, mas que foi realmente o primeiro grande dire-
é~orc. Jamais esquecerei a figura -t~rt~ma:dla Passion de Jeanne
tor, criava, em Paris, dois sindicatos, um para os trabalhadores " ca. Ao amanh l e ica e Falconetr
no filme e outro para o's ilusionistas.
Uma das personalidades mais versáteis do cinema, Méliês,
~!-h cabel?s tosq_ufa'J~~ ep~~he5;~~~ ~os estú~ios, d_esvai;a~:,q~i~
0
o vestir o uniforme de soldado cÍ que, mcontinenti, manda-
deixou desenhados, com grande espírito, vários episódios de . e amado para o "set'' A a santa e esperar a1·oelhad
sua vida, através dos quais pode ser reconstituída a sua car- quatro · · espera às e a
léric • cinco horas, e Falconetti rep e v zes prolongava-se por
reira. Ê assim que podemos ver ''o primeiro estúdio de filma· e a, soluçante. Anos depois F l r se~tava as suas cenas his-
gem", "a primeira companhia de distribuição"-, uma loja com
uma só porta. D esenhava também todas as cenas importante'S pa~6~~
~od
fez outro filme, con'fes~a~~n.ett1, que voltara ao teatro,
e voltar ao cinema , sem amargura, que tinha
dos filmes que fazia. E ele fez mais de quatrocentos! Já enca·
necido, ir.ternado num asilo para a velhice desamparada, urn reir~ io stu poder de em~&~~q~~ef~;ryJr tinha_ extraído dela
grupo de jovens estudiosos do cinema francês ofereceu-lhe tone . eatro, onde ela pró ri . n o contmuar sua car-
tti, grande atriz franceséi a podia controlar sua arte. Fal-
uma tenda de jornais perto da Gare Montparnasse, em Paris. ' morreu na miséria em Buenos
Aires; seus colegas franceses prósperos, qu_ando procura?os, 1
" guota de _direção" de Cr$ 250.000,00, ou seja, uma propor-
mostraram-se surdos aos apelos que lhes fizeram os amigos çao de mais de 33 por 5ento. do, or~amento. Isso revela, ainda
dela. uma vez:,ª deso~ganizaçao da ind~stna cinematográfica no Brasil.
Mas nem sempre os métodos dos direto,:es dess~ ép~ca
eram dramáticos. Quando um jovem ator ingles, que tinh~ in- _ Os r~~hes devem ser pro1etados diariamente. ("Rushes"
sao os positivos das cenas escolhidas.) Em caso de dúvida , ·
terpretado um dos meus filmes_, foi contratado para &ªI~ de
tomadas de uma cena são copiadas para a escolha. o dir~t~ª; I:;
uma película de Erich von Stroherm , em Holly~vood, ad_m,re1-me
duas vezes os "ru_shes". A pri_meira com O produtor, que faz
bastante da sua escolha. O rapaz era duro e inexpressivo. Con-
a ele as observaçoes necessárras, e a segunda com a equipe,
taram-me que na filmagem de uma cena em que uma. velha e
feia rainha, num banquete da corte, de inopino, anunciava seu ~om a q~,al co~enta o trabalho. _Só muito raramente são feitos
re-takes '. cons1dE:_rando que ref1lmagens sempre encarecem
noivado com O jovem oficial interpretado pe(o ~tor, :ste deve- 0
custo do filme e sao deprimentes para o moral da equipe.
ria levantar-se, no auge de indignação. Mas a 1nd1gna~ao exp_res-
sa pelo inglês não satisfazia Stroheim. A_ cena foi ensa1a_da Um dos ~xemplos mais completos de "re-takes" foi de
O
e filmada muitas vezes sem resultado .. F1na~mente, Strohe1_m The Scarlett P,m~innel, produzido por Alexander Korda e inter-
suspendeu o trabalho e interrogou, co~f1?enc1alment~, o assis- pre!ad? por ~eshe Howard. O produtor, ao assistir à primeira
tente sobre a vida do ator fora do estud10. Nessa noite, como prOJeçao do filme pronto, decidiu refazê-lo novamente
sempre, o rapaz compareceu ao_ bar inglês de Los Angeles, to- t:Ja América, há o sistema chamado de "previe~''. Essas
mando os seus uísques costume,ros e provav~lmente a_crescen- "pre~1ews" têm_ lugar em cinemas de bairro e nelas se podem
tando um ou dois para afogar o fracasso do dia. Strohe1m entra analisar as _reaç?es de uma audiência-1ipo sobre o filme. Vários
no bar. Dirige-se ao ator e friamente cosi::>e-lhe na cara. 0 moço ret~ques sao feitos na montagem e muitas vezes seqüências são
se levanta surpreso, indign~do. E Stro~e1m ~omenta: 11 E~~ exa- refilmadas. Ao que parece Chaplin usa muito este método.
tamente assim que eu quena que voce reagisse no 11 set . Em ger?I, há conferências de produção bissemanais. o di-
retor, os assistentes, a "script-girl" e todos os chefes de serviço
Os diretores dessa fase caracterizavam-se também pela
ê)Ssistem a 7ssas conferências, que têm também por fim escla-
exuberância de metragem que filmavam. Ao que parece, a P:i-
r~cer a equ1p:. sobre as necessidades do próximo futuro, faci-
meira versão de Greed durava mais _de cin,c? hor_as; ~ ma~enal
lita'. _a resoluçao de problemas surgidos durante a filmagem e
filmado por Eisenstein para Que Viva Mex,co! Já foi editado
not1f1car_ a todos qualquer modificação ocorrida no "script''.
em dois filmes de comprimento normal. Embora superada esta
Muito .a~tes de terminada a filmagem, começam os traba -
fase nas grandes indústrias, tal_ sistema · ~inda. encontra ad~p~os
lho~ de ed1ç~o. Um b~m diretor, em princípio pouco necessita
no Brasil. Certo italiano, ao filmar a b1ograf1a de um musIc?
brasileiro, conseguiu mandar para as cestas de refugo 45 mi- de interve~çao _do editor no corte do seu filme, porquanto
todas as lrg~çO'e_s devem. se_r _previstas na filmagem. Só e-m
nutos de projeção, o que representa 50% de ?~spesas ~ traba-
casos , excepc1ona1s a contnburçao do editor se torna importan-
lhos inúteis. Este sobrevivente dos tempos epIcos felizmente
te. Ha, entretanto, editores que têm o "parti-pris" de mudar a
é uma exceção.
0rd~'!1 ~as cenas e de procurar novos encadeamentos para as
Os verdadeiros diretores de hoje podem calcular, co~ pr~- sequencias.
cisão a metragem do filme que realizam, de modo a evitar f1l-
mage1m de cenas que nunca serão mostradas ao público.
_o e~qu_ema das partes musicais é geralmente previsto no
roteiro tecn1co, mas necessita de uma revisão uma vez rodado
O salário do diretor representa, na Europa, 5% do custo o filme. '
de um filme. Nas poucas companhias organizadas do Brasi_l e~I<\ d . A j~sta~osiçã~ de efeitos sonoros exige uma grande dose
porcentagem é muito menor. A última proposta que me fot feita de '?'laginaçao, pois muitos desses dependem da sucessão final
por uma delas corresponde a pouco mais d~ 0,5% do orça: ll ~; imagens. O mesmo se dá na regravação, já que o equilíbrio
menta total do filme. No entanto, um dos diretores qu~ nae ,..,,º re os elementos sonoros é de grande importância no acaba-
balha apenas para o mercado nacional e que se vangloria d .,, ,ento do filme.
fazê-lo com o maior espírito de sacrifício, "para ajudar a ma~;
ter ativa a indústria'', mostrou-me o orçamento de um dos sede
ção t~m. filme termina~o, e contando com o máximo de perfei-
Utui c~ic_a, com seus 1numeros problemas resolvidos, não cons-
filmes, que era de Cr$ 750.000,00, sendo o que ele chama o unico encargo do diretor. Com o produtor, ele tem a
98
99
responsabilidade moral da sua obra e a maioria dos diretores
de hoje estão conscientes desta responsabilidade. Foi com
imensa satisfação que, durante a guerra, quando encontramos um
grupo de diretores americanos, entre os qua is John Ford, William
Wyler, George Stevens e Frank Capra, verificamos que esta
mesma preocupação social existia entre eles.
Menos preocupado do que o produtor com o aspecto co-
mercial do cinema, o diretor do futuro pode contribuir para
acentuar, cada vez mais, a ação benéfica do cinema. Jovens
diretores como Manckievicz, Dmitryck, Irving Reis, nos Estados
Unidos, Robert Hamer, Charles Frend, Charles Crichton, S. Me
Kendryck, Basil Dearden, Launder e Cilliat, na Inglaterra, Vittorio
de Sica, Giuseppe de Sc?ntis, Alberto Lattuada e Luchino Visconti,
na Itália, seguindo os passos da geração precedente, continua-
rão, sem dúvida, esta atuação.
A maior prerrogativa do "metier" do diretor reside na sua CAPÍTULO V
maneira de contar cinematograficamente uma história. Com
efeito, ele é o único responsável pelo ritmo do seu filme, e pela
sua intensidade dramática. Para tanto é preciso que o diretor O ARGUMENTO
possua domínio absoluto da história, a fim de que no meio de
todas as dificuldades e contratempos, filmando, pelas necessi-
dades de produção, cenas em ordem arbitrária, ele possa man-
ter, sem hesitações, o ritmo e o desenvolvimento dramático ida
sua obra.

Anacapri, Páscoa de 1948.


..

O ROTEIRO HCNICO

Graham Greene, o grande romancista inglês, diz que não


só não quer escrever roteiro técnico, como também não se
incomoda absolutamente com a maneira como são adaptados
os seus romances. E explica: ,;Se faço a adaptação de uma obra
minha e um roteiro técnico para um diretor incapaz, ele segue
o meu roteiro e realiza um mau filme, de modo que estou per-
dendo o meu tempo; se faço este mesmo roteiro para um
diretor que sabe o seu ofício, ele naturalmente não o seguirá,
de maneira que também estou perdendo o meu tempo. Assim
sendo•, prefiro deixar aos técnicos que façam o trabalho de
.adaptação."
Graham Greene limita-se a corrigir os diálogos e dar uma
idéia dos efeitos dramáticos que ele quer conservar. Cita, então,
a frase de Tchecov que se refere à atividade do romancista:
º Os melhores dentre eles são rea listas e pintam a vida como
ela é, mas cada linha é como que impregnada pela consciência
de· servir ao tema e sente-se que, ao lado da vida como ela é,
eles mostram a vida como deveria ser ... 11
Graham Greene repete: "A vida como ela é, e a vida como
deveria ser", e acrescenta: "Eis aqui a única verdade sobre o
argumento para um filme; só naqueles em que a definição de
Tef•recov se aplica poderemos achar o cinema poético. 11

_ Quando em The Pilgrim, Chaplin apresentou sua interpre-


~ça? cinematográfica do sermão protestante sobre a luta entre
L~vid e Golias e quando Griffit h em Way Down East mostrou
ihan Gish, vestida de preto, perseguida por cães de fila, cor-

103
d gelo arrebatados pela corrente, com-
rendo sobre ped aços e . d flme deveria haver dois ri;:ação sob o ponto de vista da câmara; a do centro contendo
reendeu-se que no roteiro e um i ' , .

~lem;;~:er~~ii!~n ~1:~!º~u'i~i~o"o '.;~~r~ ~i:~~li~:e;~~:


0 a descrição do elemento dramático-visual; e a terceira com as
indicações sonoras, musicais e com o diálogo integral.
imprescindivelmente l?ªr~ od eter~~d~~:nJa c·alifórnia. O moço, Terminado o último tratamento, é preciso também ter uma
hoje prevalece na maioria os es u 1 ~ . idéia exata dos locais escolhidos para os e'Xteriores e fazer
a mocinha e o vilão tiveram uma tal preponde:;~nc1a qL~~ q~~I~
5 pf,inos esquematizados dos ''décors" a serem construídos nos
1 v>aram o cinema pelo mesmo caminho da omme ia estúdios, para que o roteiro técn ico seja feito com a precisão
Aer teII , isto é, O caminho do convencionalismo, oposto ao da desejada. Estes planos são modificados para facilitar o movi-
mento dos personagens e da câmara e finalmente entregues
vicia() ar umento dos t rês gran'des gêneros - o _documentá- ao cenógrafo. Um erro muito comum em diretores noviços é o
. a come
rio g 'd·ia e o drama _ são profundamente . 1diferentes.
d af a de colocar os atores muito próximo ao "décor". Para que o
' O ar umento do documentário é uma s1mp es ram iz - ambiente possa atuar é necessário prever sempre a maior dis-
ção na q~al o ponto de vista do diretor e os elementos s~noros tância possível entre eles. Só excepcionalmente concebe-se uma
e visuais representam o principal papel. O . argu;entf ª co- cena representada junto a uma parede. Também a iluminação,
n1e'd'1a depende quase exclusivamente, do ator ou éos a ores~ q_ue neste caso, é muito mais delicada.
' ·c1 - d II ag" que a mecanrca
~=v~~a~nãt~r~~~f~~a~;a~~~~i~~a~º- ~mJsic-_hall'', gen~ralizou-se
Em toda história deve haver inevitavelmente um certo nú-
mero de clímax e é indispensável que o diretor verifique a re-
a tal ponto no cinema que os estud10s americanos, muitas vezes, corrência de quatro ou cinco deles em cada argumento. Se os
em re am os seus "gag-men" para contrabalançar o~ _momen- argumentos originais não os contêm, o responsável deve pres-
pd g .o tensão emocional no argumento drama~1~0. Esse sentir os pontos em que eles podem ser acrescentados.
1~:im~ ;a~;,ito mais complexo e difíci l de ser definido ern
Uma preocupação muito com um entre os profissionais, para
Poucas palavras. . · 1• d fazer valer o seu trabalho junto aos produtores e também junto
No Brasil não existem ainda argumentistas espec1a 1za os.
Há entre nós a falsa noção de, ql!e se ~ode atacar de chofre ao púb lico, é a Ido que eles chamam de "production-value11.
a re aração de um roteiro tecn1co, seJa ~le baseado numa Boates, banquetes, festas, cenas com grandes figurações e
idia ~riginal ou numa adaptação. Na realidade, faz-se: para muitas outras ocorrências se sucedem sem que sejam realmente
necessárias. Tais elementos são difíceis de equilibrar com o
começar, uma primeira sinopse de du~s dez~nas de pagin~s, 1 andamento da história, sobretudo por diretores não muito expe-
mais ou menos. Isso para se ter uma idéia concisa da construçao
d f ·tme Em seguida vem uma série de tratamentos em que rientes, e, .em geral, não melhoram o argumento.
o o argumento
1 •
se vai 'expandindo,

e_m qu~ o dº,da' fogo reponta
I do Nos estúdios organizados existem argumentistas contrata-
ouco a ouco e as cenas dramáticas vao se esenvo ven dos por ano e não por filme. A convivência contínua com a
~aturalme~te. Insisto em julgar que quanto mais t~rde ~par~1~ mentalidade dos estúdios e com os problemas da indústria tende
0 diálogo, melhor será O argumen~o: resolv~r uma s1tuaçao p ai a criar entre os argumentistas contratados um espírito de rotin.a
diálogo quando pode ser tratada ide mane!r~ puramente
não passa de lei do menor esforço. Em media o argu~en ois
t~e
°
e a diminuir as qualidades de imaginação, espontaneidade e de
entusiasmo de um escritor. É sabido que o rendiment o artístico
um filme normal tem quatro ou cinc:o trata1:1e!~tos. So ~~fdC:> dos habitantes dos bangalôs reservados para os escritores da
de t erm inado aquele em_que já SE: t~n:i uma 1de1: ~o~p1roteiro Metro, em Hollywood, é diminuto em relação ao seu número
desenvolvimento dramático da historia, começa s de oiten· e de qualidade bastante discutível. A verdade é que às vezes,
técnico. Este últ imo tratamento tem, geralmente, c~~ca , consti• uh!1'1 1 d~sses escritores 1rabalha durante quatro o u seis meses numa
t a páginas. O roteiro técnico, elaf:>o!ado em segui ~• e corres· ~tóna d.estinada a ser filmada mu ito tempo depois, e que a
tuído por 120 páginas e uma medi~ de 500 ~orna as, cap~ evidê_ncia de que recomeçará uma outra e depois uma terceira
pondendo a sete seqüências, que sao ods eju~vale~~s t~ês cio- d0assim sucessivamente, termina por fazê-lo perder o incentivo
tulos com "fade-ins11 e "fade-outs''. Ca a p gina aracte- contato com o público. Quando um escritor acaba de pu-
l unas': a primeira idando o número da tomada e a sua e :u~r um romance ou estrear uma peça recebidos com certo
XJto, seu contato com o estúdio é muito mais propício. Alíás,
104
105
o mesmo se dá no caso dos compositores, a qualidade inferior
tação internacional graças à qualidade de seu excepcional tra-
da música nos filmes americanos é o melhor exemplo. balho como argumentista.
Edmund W ilson, crítico literário do "New-Yorker" , num Mesmo excluindo Jacques Prevert, deve-se reconhecer que,
dos contos do seu curioso livro "Memories of Hecate Country" em geral, o nível dos argumentos franceses é muito superior
(''The Milhollands and their d amned soul") , julga assim o con- ao dos outros países.
teúdo da produção de Hollywood:
Na Inglaterra, os melhores escritores são Frank launder e
"A literatura de ficção americana entregou-se agora direta- Sidney Gilliat; o seu trabalho em dupla, antes de se tornarem
mente e sem nenhuma vergonha aos produtores de filme~ que diretores e produtores foi de grande importância no desenvol-
iá haviam absorvido o teatro na 3.ª década do_ noss~ secu~o. vimento do cinema inglês. Graças aos argumentos por eles es-
·No meio da 4.ª começaram a fazer grandes incursoes, nao critos, toda a grande série dos primeiros filmes de Hitchcock
somente no domínio da ficção, mas também no da biografi~ e ~a caracteriza-se por qualidades excepcionais de ritmo e de "sus-
história. Foi sempre hábito da literatura cai r numa_ car~ctenzaçao pense". Muitos, hoje, acusam injustamente Gilliat e Launder de
convencional ou em situações também convencIona1s, mas na serem influenciados por Hitchcock, quando a verdade é que
fabulaçã·o tradicional dos romances e das peças de teatro, havià esses dois diretores não fazem senão continuar com seus pró-
sempre, pelo menos, certa consistência sólida: um vilão, uma prios argumentos a contribuição por eles iniciada.
mulher virtuosa, um herói trágico-romântico, eram persona-
gens que agiam t~dos de maneira defin!da e de acordo corn Noel Langley, romancista e autor de teatro, além de uma
as regras estabelecidas. Mas Hollywood tinha descoberto agora grande mestria no tratamento cinematográfico de seus roteiros,
que as sombras projetadas por um filme não necessitavam nen, concebe os diálogos como elemento subsidiário da situação
mesmo desta simples continuidade. Como uma colcha de reta- dramático-visual. Seus diálogos nunca explicam, mas sim ilus-
lhos, as seqüências se desenrolavam tão rapidamente_ ~u~ desa- tram e enriquecem a cena. Em They Made me a Fugitive, na
pareciam da tela de uma maneira total e que as aud1enc1as po- cena passada no caminhão, há um dos melhores exemplos dessa
diam contentar-se com o privilégio de sentar-se numa sal11 técnica. O personagem está ferido no ombro. O chofer, que lhe
escura e às vez.es com ar condicionado, vendo as paisagens se deu carona, não desconfia que ele seja o prisioneiro fugido.
substituírem umas às outras, e as figuras humanas moverem-se Satisfeito- por encontrar um companheiro de viagem, comenta
para trás e para diante, enquanto a banda sonora produzia uma episódios da fuga. Com os rictos de dor do passageiro, ao sola-
espécie de diálogo, . que era exatamente o mesmo que o dos vanco do caminhão, ele começa a desconfiar. A cena termina,
balões nas bocas dos caracteres de quadrinhos. Nenhuma fir- e quando a polícia faz parar enfim o veículo, o chofer desapa-
meza no desenho, nenhuma lógica da mais elementar qualidade, ~eceu e em seu lugar se encontra o fugitivo.
eram necessárias neste período dos fílmes." No renascente cinema italiano a contribuição dos argumen-
Um dos mais notáveis argumentistas foi certamente Carl tistas é das mais importantes. Basta citar entre eles Cesare Zavat-
Mayer, o autor de Das Kabinet der Dr. Caliçari, dirigido por ~ni, autor do admirável Ladri di Bici'tdette, dirigido por Vittorio
De Sica.
Robert Wiene. Carl Mayer teve na época do cinema mudo ale-
mão um grande prestígio. Perseguido pelo nazismo, refugiou s;e 0 . A indústria americana possui grande número de argumen-
na Inglaterra, onde, malgrado os esforços de um grupo lcfe admJ- tistas especializados, mas mu itas vezes escritores de renome
radores, morreu em meio a grandes dificuldades, sem ter con· fazem incursões aos estúdios de Hollywood. Um deles, e não
seguido, em parte pelas barreiras do idioma, em parte pela pre- dos menos famosos, Sinclair Lewis, foi um dos animadores de
venção que se criou com o cinema "falado" contra os v~r~a- Que Viva México!, de Eisenstein. Entretanto, a sua atuação antes
cleiros técnicos de cinema, retomar sua importante pos,çao, d~ término do filme foi das mais estranhas, pois tomou em
tendo feito nesta última etapa poucos filmes sem maior expressãC:l, mao a sua edição, e a obra apresentada nunca foi reconhecida
pelo seu autor como tendo sido fiel à sua concepção. Com-
Egresso do surrealismo, Jacques Prevert, poeta, é,, na _mi~ha preende-se que, por questões financeiras, a fil111agem de Que
opinião, o expoente máximo dos argumentistas que ate hoJe t~m uv.i Méx\co! tenha sido interrompida, mas o que não se pode
existido. Um dos d iretores que ma_is têm tr~balh~do com e! ~erdoar jamais é que Eisenstein tenha sido afastado do' trabalno
Marcel Carné, sem grande personal1çfade, conseguiu uma rep ·e edição, em que era grande mestre.
106
107
Um dos problemas mais wigentes na . reorganização da com uma qu_arta ~ com uma _quinta empresa, que lhe pagavam
indústria cinematográfica do Brasil é o do treinamento de argu: cada vez mais, ate que o escritor se cansou de mudar os nomes
mentistas. Os nossos raros diretores, que aprenderam por s1 de seus heróis, esgotando-se-lhe também a capacidade de en-
mesmos, dificilmente podem ensinar a técni~a do argumento. contrar novos títulos para sua história. . . Não quer isso dizer,
A íeitura poderia substituir, em parte, este ensinamento; lamen- naturalm~nte, que os adaptadores de Hollywood sejam melho-
tavelmente porém é muito pequeno o número de ~rgum~ntos res ou piores do que os de outros países . . .
publicados. Só resta, então, o método da observaçao paciente
A razão primordial das adaptações de obras literárias para
e de aná lise dos filmes lançados no Brasil. A grande maioria
o cinema é a de atrair o público através do título de um ro-
é de procedência americana. Não se pode negar que há neles
mance ou de uma peça de teatro já consc!grados. Só muito mais
grandes qualidades técnicas.
tarde se descobriu a vantagem de haver nas obras literárias
Mesmo se reconhecendo suas deficiências, bastaria a in-
escolhidas um enredo e um desenvolvimento dramático com-
1 venção do que os americanos mesmo batizaram tão acertada-
pleto, de modo a facilitar a composição do argumento de um
1 mente de "suspense" para que muito lhes seja perdoado . .. filme.
A reação, porém, deu-se muito rapidamente. Os mesmos
estetas que mais tarde disseram que a arte cinematográfica de-
11 veria ser muda, preta-e-branca e que o som, a palavra e a cor
diminuiriam o seu valor estético, armaram-se de razões fac-
ADAPTAÇõES ciosas para demonstrar que a obra verdadeiramente artística só
poderia ser feita com um argumento original, esquecidos, está
Passou-se esta p.equena história com um escritor húngaro, claro, de que um argumento original idiota não se pode com-
cujo nome foi esquecido. Fugindo de perseguições políticas, parar à adaptação de um tema literário, de solidez dramática
já comprovada.
chegou a Nova Iorque e, com a facilidade própria de sua gente,
aprendeu rapidamente o inglês, podendo assim recomeçar sua Outro argumento contra as adaptações literárias para o ci-
carreira literária nesse idioma. Um de seus primeiros contos foi nema foi a questão da impossibilidade de resumir em um filme
aceito e conseqüentemente publicado pelo "Saturday Eveniilg que se projeta em média entre hora e meia e duas horas, as
Post" e o resultado fez-se logo sentir, pois uma das grandes fir. obras muito extensas. Jean Renoir, por exemplo, quando reali-
mas cinematográficas interessou-se pela história, oferecendo-lhe zou Madame Bovary, queixou-se amargamente desta imposi-
uma soma razoável para a sua transposição na tela. Isso, sem ção. Os norte-americanos, por sua vez, quando fizeram Gone
dúvida alguma, já era um começo de consagração e o escritof With the W ind, decid iram que a película só poderia ser produ-
esperou com ansiedade a apresentação do filme. O êxito foi zida com uma projeção duas vezes mais longa do que a esta-
grande, porém a adaptação da obra literária havia sido feita de belecida.
tal maneira que, exceto os nomes dos personagens, nada se Evidentemente, seria difícil fazer da Bíblia uma película
assemelhava a.o original. O sucesso de bilheteria, entretanto, de h~ra e meia, mas um adaptador altamente especializado
foi estrondoso, aumentando de dia para dia, e, em vista disto, poderia dar, nesse período, uma idéia bastante exata do livro
outra companhia concorrente pediu ao escritor novo argumento. sag~ado . . : Os teóricos esquecem-se de que um fenômeno
O húngaro, em face do acontecido, mudou os nomes dos per- ~u1to curioso se processa na indústria do disco. Todas as can-
sonagens, bem como o título e entregou o mesmo conto ao Ç0es, !"esmo as antigas, podem ser gravadas em uma face, cuja
produtor. Este, é óbvio, pagou pela história soma mais elevada du,raça~ var_ia entre três ou quatro minutos de audição. As pró-
do que o primeiro e a película foi rodada e apresentada com flfias sinfonias podem ser divididas por estas mesmas unidades.
igual êxito da precedente. No fundo, isto não é senão uma decorrência do fator estético
A adaptação, entretanto, como a primeira, fugira _ta n_to , ~o que já existia na tragédia clássica, não só em sua duração, ma~
original que em nada, absolutamente, se assemelhava a h1sto.i:1a ~mbém na unidade de tempo em que o drama se desenvol-
escrita, a não ser, mais uma vez, os nomes dos personagens. ~ ~-' que era de 24 horas, resumidas numa representação, va-
Ainda que pareça pilhéria, o mesmo se deu com uma terceira, riando de 3 a 4 horas.

108 109
Há grande preocupação, não só entre os puristas como Ex~ectations, e ? famoso. O!iver Twist, com Jaci<ie Coogan,
também entre os dramaturgos e romancistas de hoje, receosos assim como David Coperf1eld eram obras não só fiéis aos ro-
da liberdade de adaptação, que a eliminação de um persona- r:1ªnc~s _inspi,ra~ores, como _ainda possuíam qualidades poé-
gem ou de um episódio venha a prejudicar o espírito de uma tI<.as indtscutive~s, no domí n10 puramente cinematográfico. O
obra na sua transposição para a tela. A fidelidade ao tema, problema de N1cholas Nickleby era bastante difícil de resol-
ao conflito entre os principais personagens e à atmosfera em ver, pois, como "Mister Pickwick", sendo um dos primeiros
que o drama evolui, deveria ser suficiente a qualquer obra romances do autor e havendo aparecido em fascículos escri-
famosa da literatura. Seria interessante notar a diferença entre tos à medida q~e ~ram publicados, representa um c~njunto
o público ledor de um romance como ''Wuthering Heiths" e fo~çosamente ep1s~d1co e, portanto, mais difícil de ser resu-
o número de espectadores que nunca o leram mas tiveram, mido. Great Expectations estava sendo filmado, ao mesmo tempo
pela transposição cinematográfica, uma idéia bastante suges- por ou!ro ran:10 da organização, J. Arthu·r Rank. Meus produ~
tiva da história de Emily Bronte. André Gide recusou, por mo- tores nao hesitaram em opor ao argumento muito mais coeso
tivos pessoais, que se filmasse "La Porte Etroite" e "Les Caves de Great Expectations, preparado com orçamentos elevados
du Vatican", se bem que houvesse consentido mais tarde na Nícholas, um filme de custo bem mais modesto. E a única sur~
adaptação teatral da última e cinematográfica de La Symphonie pIesa que se nos deparou depois foi a de que, sendo o con-
Pastorale, um filme comovente e bem próximo do livro. No junto mais popular da obra de Dickens essencialmente vito-
entanto, uma adaptação fiel daquelas duas obras de Gide riano, a atmos!era de ~i~ola~ Nickleby desnorteou o público
realizada com o mesmo respeito que guiou Cartier-Bresson na p~la s~a. aust~ndade pre-vItorrana. O mesmo Nich~las Nickleby
versão cinematográfica de Jo•urnal d'un Curé de Campagne, de foi o unice filme que nos Estados Unidos teve e tem até hoje
Bernanos, não teria traído nem o espírito, nem as razões sen- uma renda anual sempre crescente ...
t imentais do escritor. A lista das pelícu'las adaptadas, nas quais colaborei, é bas-
Bem, estamos falando de obras célebres. Mas quantas ve- tant~ ?ubstancial e compreende: Yvette, de Maupassant, Le
zes um simples romance, bem feito, porém quase desconhe- Cap.'~a•ne Fracasse, de Theophile Gautier, They Made me a
cido, se tem tornado, ·na história do cinema, um grande fil- Fugtftve, preparado _por um hábil escritor inglês, Noel Langley,
me? E quem poderia riscar da história do cinema películas de florescente carreira em HolJywood, e cujo trabalho de adap-
como a admirável Jezzebel, uma das maiores interpretações tação fo.i curioso, porquanto somente uma cena do filme foi
de Bette Davis, Le Diable au Corps, AH Quiet in the Western calcada no romance. Era a cena em que o fugitivo entrava em
Front, Va111ity Fair, as sucessivas versõe de Dr. Jekyl and Mr. casa d~ uma mulher que lhe propunha assassinar o marido.
Hvde; e no cinema mudo, Lord Jim, Goesta Berling Saga, Thé- Não poderia eu citar as minhas adaptações sem mencionar
rese Raquirv, The Light that Failed, etc. o argumento, que não foi realizado, de Sparkernbroke, de Char-
O caso das múltiplas transposições dos romances de Di- les Morgan. Sparkenbroke, como todos os romances do fa-
ckens é um exemplo interessante para o estudo da questão, moso lit_erato inglês, é obra de sutileza, difícil de se adaptar
Quando, discuti com meus produtores - Michael Balcon e o para o cinema. O problema de composição era particularmente
seu associado, John Croydon - a confecção de The Ufe and complexo, pois a primeira parte do livro estabelecendo os ca-
adventures of Nicolas Nickleby, começamos o trabalho de adap· racteres dos personagens na infância, representa 50% do ro-
tação, com a projeção da maioria das versões feitas até então ma~ce. Para resumi-la, os adaptadores e eu imaginamos que
0
de romances de Dickens. Eu havia declarado que entre os dois filme começasse estabelecendo a celebridade do personagem
grandes romancistas do século XIX - o francês Balzac e o e~~ntral, qu~ o romance revela na segunda parte. ldeamos, en-
inglês Dickens - pessoalmente preferia o primeiro. Mas a ver· ~ao, um guia narrando aos turistas uma versão do passado do
dade é que, talvez por certas qualidades melodramáticas e sen· ª~oso homem de letras. A voz de Sparkenbroke interrompia o
timentais, Dickens se presta muito mais à uma transposição ~i•a. e _ex~licav~ ~ qu~n_to_ a lenda 1~nha deturpado a história de
d a tnf~nc1a. Tais mterie1çoes decorriam durante a primeira parte
cinematográfica. Com efeito, a quase totalidade das películas
feitas sobre a sua obra é excelente. A primeira versão· de Great pelicula, que terminava com um diálogo entre o famoso

110 111
poeta, em plena maturidade, e ele próp~io, quando . criança. bal ~achado, que conto publicar breve, foi completamente
Tai liberdade de adaptação poderia horrorizar um escnto_r me- mod1f1cada por elementos sem compreensão, que a tornaram
nos clarividente do que Charles Morgan2 o autor porem se bastante convencional e radionovelesca.
mostrou plenamente satisfeito com a soluçao dada ao problema. No Brasil, pensei realizar " Elza e Helena" 1 de Gastão Cruls
Um dos casos mais sérios em matéria de adaptação cine- já apresentada no cinema por Watson Maced0 sob O título d~
nwtográfica é Shakespeare. O gigante da literatura teve um A So~b_ra da Outra, _e "Inocência", de Taunay, adaptada com
início infeliz no cinema, com Midsummer Night's Dream, de um m1111mo de respeito à obra. Ainda no Brasil penso realizar
Max Reinhardt, em que os elementos teatrais dominavam. a~ adaptações de "Os Condenados", de OswaÍd de Andrade;
Houve depois o relígioso tratamento de Henry V, de Laurence " A Moren!nha", de J. M. Macedo; "Banguê" e "Fogo Morto",
Olivier, seguido das filmagens rivais de Macbeth : H~mlet. Es- de José L1ns do Rego; "Esperidião", de Benedicto Valadares;
tes dois filmes provaram que mesmo uma adaptaçao livre como " Escritório de Caridade", de Edy Costa Lima; " Um Rosto No-
\ a de Orson Welles, com todos os seus defeitos, e a adaptação turno" , de Reinaldo Moura; "A Estrela Sobe", de Marques Re-
de Laurence Olivier, que levou em consideração todas as gran. belo; " Floradas na Serra", de Dinah Silveira de Queiroz; "Se-
d€.ls tradições do teatro inglês, contribuem não~ só para, a, evo- nhora" , de José de Alencar; "Tragédia Burguesa", de Otávio de
lução do cinema, mas também para a educaçao do publico e FMia, e muitas outras, na medida em que as nossas possibi-
seu conhecimento das grandes obras universais. lidades de produção se forem alargando, com a colaboração
Os organizadores do Festival Internacional de Cinema, em de escritores como Aníbal Machado, Helena Silveira, Rachel de
Bruxelas enviaram em 1951 um "referendum" a personalida- Queiroz, José Condé, Gastão Cruls, Carlos Drummond de An-
cl~s ma(cantes do cinema, perguntando-lhes quais os dez tra- drade, Ledo Ivo, Jorge de Lima, além de outros que fazem de
balhos que preferiam e se eles exerceram grande influência em nossa literatura um dos grandes mananciais do Cinema Bra-
suas atividades. Não se conhecem ainda as dez películas pre- sileiro.
feridas, mas a lista que enviei contém o s seguintes títulos: A corrente tão poderosa da crítica antecipada (fenômeno
1 - The Girl I Love, de Charles Ray; 2 - Broken Blossoms, e~sencialmente brasileiro) assevera que nunca possuiremos téc-
ele D. W. Griffith; 3 - Goesta Berllng Saga, de Mauritz Stiller; nícos especializados para empreender adaptações que não tri-
4 - Battleship PotemkirJ, de S. M. Eisenstein; 5 - Moana, de 1 lham o nosso patrimônio literário. Outros pretendem que a
Robert J. Flaherty; 6 - L'Opera de Quat'Sous, de G. W. Pabst; nossa língua escrita e que as qualidades básicas de nossa fic-
7 - lhe Pilgrim, de Charles Chaplin; 8 - L'Atalante, de Jean ção são profundamente anticinematográficas. Confesso estar em
Vigo; 9 - Brief Encou11ter, de David Lean; 10 - Ladri di Bl- completo desacordo com esses pessimistas. Os técnicos de ar-
ciclette, de Vittorio De Sica. gumento podem ser treinados como os técnicos de qualquer
Evidentemente, destas dez películas somente três são adap- outro ramo da indústria cinematográfica. A nossa f icção pode
tc1ções e duas outras puros relatos documentários (Moana e s<?r transposta para a tela como qualquer das ficções de outros
Potemkin). Apesar desta aparente contradi_ção, continuo acre- países e a nossa língua pode ser "fotografada" tal como nós
ditando que a contribuição da literatura existente pode e deve ª. í~lam~s. Pretender que a expressão cinematográfica do Bra-
ser cada vez mais importante. . sil e o filme de carnaval, porque o carnaval - isto me foi afir-
Seria interessante perguntar a estas mesmas personaltda· mado por um intelectual muito respeitado - é o único fenô-
des quais os dez filmes que desej_ariam reali:ar no futuro~ Entre ':1eno social típico de nosso país, me parece uma monstruo-
os dez que eu próprio sempre quis fazer estao as adaptaçoes de sidade, senão um insulto. A Morte da Porta-Estandarte de
"The Tempest", de Shakespeare, " Lontano", de Pirandello, "~~ Aníbal Machado, seria o clímax mais perfeito de um film~ so-
Grand Meaulnes", de Alain Fournier, "The Planter of Maiata • ~re o carnaval. Mas esta película estaria longe de Carnaval n.,o
de Joseph Conrad e, finalmente, "Gluck in Spiel", de Hoffmann. ogo e outras produções semelhantes realizadas até hoje. No
Graças à completa inexistência de direitos de autor fº caso do ~onto de Aníbal Machado a dificuldade de adaptação
1
81 asil a adaptação desta última história, intitulada Ângela, fe
por ~im em colaboração com Neli Outra e dialogada por An •
será ~uplicada pela necessidade de adições preliminares à pre-
paraçao desse clímax. Mas pretender que a imitação de um

·112 113
vuigar e nredo nor te-americano, fa lsamente qu alificado de ori-
gir,al, é o melhor veículo para a transposição, desse "ú nico fe-
nô meno social tipi camente brasileiro" é coisa que não merece
comentários.
No caso das adaptações de obras brasile iras outro fator
vai agir, trazendo inúmeras lim itações à utilização desse po-
tencial de temas. Toda uma velha guarda de patrioteiros ob-
jetará que, na maio ria d e nossas obras lite rá ri as, há um re-
trato do Brasil que determ inaria, rio estrangeiro , uma falsa con-
cepção de nossa adiantadíssima civilização. A verdade é que,
quanto maior e mais importante for o país, maior será o seu
grau de coragem para discutir franca e abertamente os seus
problemas em face do mundo. O tempo do navio a vela e da
diligência já passou. A televisão, o rádio, a imprensa não nos
deixarão esconder a seca do Ceará, os problemas nordestinos CAPíTULO V1
e outras realidades brasileiras. Além do mais, é bastante duvi-
doso que o público internacional se interesse unicamente pelas
atividades fúteis das sociedades grã-finas de São Paulo e do
Rio, pelo crescimento das nossas grandes cidades e pelos feitos A FUNÇÃO DO "DÊCOR"
d.1 nossa grande indústria. É preciso, pois, que os nossos do-
cumentários de propaganda se encarreguem de estabelecer o
justo equilíbrio entre essa fachada e os dramas fundamentais
da terra e do homem do Brasil a serem apresentados pelos nos-
sos filmes dramáticos.
No desenvolvimento das escolas iniciais de cinema havia
a preocupação de estabelecer o meio de expressão. Hoje a lin-
guagem cinematográfica já foi firmada e está em via perma-
ni:inte de aperfeiçoamento. As contribuições como Limite não
s~ justificam mais. Há, de um lado, os nossos temas que os
escritores vêm tratando, e, de outro, a maneira de apresen-
tá-los numa linguagem universal, que é o ·Cinema. Que o re-
trato seja fiel, portanto, e que a linguagem seja correta.

Blackheath, novembro de 1949.

114
O CENóGRAFO

Meio século passou desde que o jardineiro de Lumiêre e


seu filho, no ambiente caseiro de um quintal suburbano, re-
presentaram a obra-prima do cinema primitivo - L'Arroseur
Arrosé. O filme, de duração inferior a um minuto, compu-
nha-se de uma única tomada. A perfeição do ritmo e a so-
briedade do movimento transformá-lo-ão, dentro de alguns sé-
culos, no que é hoje um quadro de Giotto ou de Durer na
evolução da pintura.
Qual era a importância do "décor"? Qual foi o papel do
quintal da família Lumiêre em L'Arroseur Arrosé? Olhemos
para os altos muros de pedra e os canteiros retos. É a França
em pessoa, não a França de hoje, mas a boa velha França bur-
guesa do Presidente Loubet. O filho travesso e seu pai nunca
se poderiam comportar daquela maneira, ter aquele aspecto
ou vestir-se daquele modo em qualquer outro lugar ou época.
Diz Sthendal que a novela é como um espelho, que o
autor carrega ao longo de uma estrada, e esta definição adap-
ta-se bem ao caso do cinema. Já os primeiros homens de ci-
nema compreenderam, de fato, que o ambiente natural não
era suficiente em si para permitir-lhes retratar a vida tal como
era. Daí surgirem o estúdio e o "décor" construído. Basica-
mente, porém, o "décor" nada mais é do que o quintal de
L'~roseur Arrosé, e para o estudante do cinema os exteriores
e interiores ainda são simplesmente o ambiente do filme. E o
m~~hor "décor" será sempre aquele que mais depressa trans-
mitir a atmosfera de uma determinada cena.

117
Ao examinar os primeiros filmes depois de Lumiêre, nota- A segunda razão é de ordem t , . .
se a crescente infiltração dos "déco-rs" pintados e depois cons- vc1ntagens do estúdio que e· . edcnica e diz respeito às
t~-se _aqw. de um contato ' organiza o para a filma T
truídos. No começo, apareciam na proporção de um ou dois, direto co . . _ gem. ra-
para um filme de aproximadamente cinco minutos de dura- rnzaçao é mais fáci l e h, m ª. ad'2'11111straçao. A orga-
t d a uma centralizaçao da • d
ção. Eram pintados, como no teatro, e formavam um contraste ~ o ~ ~ue ela necessita do almoxarifado d . dequ1pe , E: e
berrante com as cenas filmadas no exterior. Era muito difícil, c:as oficinas de reparações para a . , . a 111 umentana e
porém, entrar com a câmara no sótão da pequena "midinette" seus camari ns e as salas es ec· . maqumana,. Os atores têm
ou no cubículo da " concierge". Além disso, a iluminação cons- reiras. A central elétrica fgrn~~is, pa ra maquilagem e cabelei-
tituía outro problema complexo e o número de "décors" nunca asi:im como para a câmara e ; scorrensteb para a .ilumina~ão,
parecia atingir o justo equilíbrio. sonoro, o estúdio oferece co d' _ omd. 0 , º. ponto de vista
tL;do isso porém O ma· . n içoes e acustica perfeitas. De
Em seguida, para evitar esse feio contraste entre os "décors" ' 1 IS 1mportah te é O co 1
da luzes, que O "décor" construí . . . mp eto contro le
e as tomadas exteriores, alguém decidiu que o filme deveria
ser feito todo com "interiores" - e tivemos L' Assassinat du
rea l é muito dºf' 1 1c1·1 co 1ocar "black-Jight"
do possibilita. Num ambiente
, f
Duc de Guise. O "décor" era o mesmo que no palco. A ilu- para º- relevo e a criação de qualquer e;titefo~og~;?c:mental
minação não ia além da crua luz do dia, que entrava pelas vi- Alem da iluminação, 0 espaço é . _ . ·
draças do estúdio. Foi o tempo do gesto teatral e do vestuário
fo lografia Um "de'cor" , b uma condrçao vital para a
. · e conce ido para os mo ·
complicad o. Abriu -se a porta a uma longa série de filmes se- camara, das luzes, do microfone e _ v1me~tos da
rr.elhantes, entre os quais os esforços de Sarah Bernhardt, numa Pouca gente sabe que a média d ª ~c~modaçao dos tecnicos.
câmara é d · e tecnicos em torn o de uma
época que poderia ser chamada a " idade ingrata do cinema'' . bôlhando o~ ~~~zepr~~~ssaomas.dNem sempre eles trabalham. Tra-
A<:, primeiras f ilmagens, dirigidas num sentido realista, estavam . , e espaço.
praticamente esquecidas. A terceira razão mais s fl1 , d
diretor - - · d ' º
u ' e e rd em psicológica . Como
O cinema primitivo era capaz de contar histórias mas não
havia encontrad o sua linguagem própria - por isso usava a
vanos os meus colegas co
qufi' é mais fácil obter uma b~a in~~or
que num ambiente real N-
ªt
d .
_com igo - penso
rpre ?Ç~o num "décor"
li nguagem do palco. Foi através do palco que os cenógrafos treinada no palco e es·tá :o:tmente a ma1on_a dos atores foi
expressionistas da esco la al emã prestigiaram, pela primeira vez, como também sente intuitivam~mtda com " decors" artificiais,
o "décor" no cinema. Aliás, a escola . expressionista não se li- biente real tem ai uma co·s ~ e que rep resentar num am-
mitou a influenciar o "décor"; assenhoreou-se também de toda de incongruência !xiste ain1d: de _111congruente. Este sentimento
a concepção do filme. Patenteia-se aqui a rapidez da evolução nema, que possuem menos t~a1s ~centu~do nos atores de ci -
do cinema, especialmente se lembrarmos que o teatro preci- efeitos muito mais uniformes que.Jº· A_sSim é que se ob têm
sou de muitos séculos para que dois gênios franceses, Racine diante de um " déco " , e mais_reais, num a representação
e Corneille, fizessem dele um baluarte da escola neoclássica r ' como tambem se esquec . f .
mente a presença da câmara. e mais acd-
do Século XVI 1.
Mas, quais as razões por que os "décors" são geralmente túdi~ã~a~bméemnte od~ attores se beneficiam do trabalho no es~
• 0 ire or e seus técnicos -
usados em filmes, quando esses ambientes quase sempre exis• inconveniências de filma e .' que nao sofrem as
tem na realidade e podem ser fotografados? tempo e d I g ns nos exteriores: mudanças de
eslúdio ~- uz, barulhos e interrupções de todo gênero No
Em primeiro lugar, por questões econômicas. Por estranho no ess~n°-
que pareça, torna~se niais caro .· filmar num ambiente real do c,a.1iretor tem todas as facilidades para se conce~trar
que no estúdio. Madame Sans-Géne, dirigida por Leonce Perret, Quando interrogado po .
com Glória Swanson, · foi filmadà no Palácio Imperial de 'fon· "atelier" 0 d . r que nunca p111tou fora de seu
mais difícil ~~~n e, p1~tor inglês, Sickert, respondeu que achava
ta,nebleau. Samuel Goldwyn, o produtor, comentando o custo
Ilustre foi a fl ru e ines out-of doors''. Um exemplo menos
da produção declarou que com · o mesmo dinheiro poderia 3 lnática de , magem, em . (v1arselha, de uma cen a muito dra-
Metro ter construído três palácios em Hollywood. . um dos meus filmes, En Rade. A volubilidade da

118
119
multidão de assistentes era tal que a equipe tinha os nervos nógrafo fará um desenho que à . . .
e)\acerbados. A cena tinha lugar numa rua deserta e Philippe comum com a realidade mas' pr~me!ra ~1sta, nada tem de
Heriat, o ator que depois se consagrou como romancista, re- pa redes, com as suas p~rtas e 9ue ara a .'mpressão das três
presentava o papel de u·m idiota. Para começar, a personagem bre tudo os efeitos de luz ele tt!1elasih Assim, planejando so-
do rmia na calçada, e essa, na realidade, tinha pouco onde pisa r, mizará muito trabalho a~ ilumi~!d~r~ ar ambiente e econo-
e muito menos onde se deitar. Atrás da câmara havia, pelo Todos os estúdios têm um "diretor . , . ,,
monas, trezentas pessoas, sobretudo crianças, observando - mas e m muitos casos pintores . . . art1st1co permanente,
terior e cenógrafos de teatro 'sãa1qu1tet~s, decoradores de in-
e comentando - a cena. Os assistentes de direção lutavam
heroicamente para impedi-los de mexer no apare lho. A coad- m certos filmes Em e r 1 1
0
° convidados para colaborar
juvante de Herlat, uma grande atriz russa, Nathalie Ussenko, do estúdio os s eus Jes:~h~:s e;tregam ªº. "diretor artístico"
tinha que chegar, acordá-lo, fazer-lhe uma pergunta sobre o m -lhor maneira possível. ' P ra que seJam adaptados da
fi!ho e, só obtendo como resposta um vago sorriso, enfure- Os "dé cors 11 sao
-
feitos, na maioria d
ce r-se pou·co a pouco até perder por completo o controle, esbo- pensado. Há em cada estúdio . os ~asos, em com-
fe teando-o cruelmente. A cena comportava quinze tomadas que são usados como fundo ~ma certa quantida~e de painéis
di'ferentes. As sombras avançavam tão rapidamente, que só se atarrachados por "cl ip" de f~rroasA~ioldura~ tr':se,ras, são eles
podia trabalhar pela manhã. Normalmente, o trabalho poderia ção residem sobretudo nos and~· complicaçoes de constru-
ter sido feito em dois dias; no entanto, precisamos de cinco. rnuito pesadas. Alguns diretores•m,::ui~ie suportam as luzes
Imagine-se a excitação da multidão quando o esbofeteamento La Pass1on de Jeanne d'Are de Dr ~ , com,rensado. Em
começou. Os marselheses achavam que uma mulher esbofe- truídos com os mesmos ~ater' .eyer, 0 ~ decors foram cons-
tear um homem era coisa profundamente cômica e as suas era calçado de pedra. ,ais da vida real e até o chão
gargalhadas eram rabelaisianas. Isto perturbava os atores e a Quando os carpinteiros termin
cena foi repetida muitas vezes. As bochechas de Heriat incha- os pintores. A fim de obter ma ·o
,
ª~ do dseu trabalho, entram
1 r vane a e de ton ·
ram e os seus nervos não suportaram a experiência. Ele adoeceu 1
a guns ce nografos usam "décors" ·'d s cinzentos,
e atrasou a produção de vários dias. Num estúdio, isto nunca estritam ente a uma tabela foto rá~f 1o, r os. , As cores. obedecem
teria acontecido. Um ator seria esbofeteado, por assim dizer, tlsticos mais conservadores jamt ca. Alguns dos diretores ar-
muito naturalmente. cesso, argumentando que send s c7,ncorgaram com este pro-
Quando no, começo de um filme recebe o cenógrafo o ar- nârio deverá também ser' b o o , me ranco-e-preto, o ce-
ranco-e-preto O ·
gumento, a lista dos "décors" e o rascunho dos planos feitos wn importante fator psicológico . u cinza. Esquecem
pelo diretor, estuda ele primeiro a ordem de construção dos muito melhor em ambient~ ' fº!~ os atores representam
mesmos. Os problemas de construção não constituem o único 1/decors" cinzentos os depri~e~~ orr os, enquanto que os
fator na sucessão, dos "décors". Há também a questão da dis- 1: essencial que O "déco ,, .
pon ibilidade dos atores. Companhias pagam atores caros por vista puramente cinematogrJfic~eJaoconce?idof sob o ponto de
se mana e têm interesse em que se façam suas cenas em bloco, rnente a ação do filme tan · ce_nogra o deve ter em
para acabar o trabalho o mais depressa possível: o salário dos cisa ter iniciativa e imagi~~ç~~an~o o diretor. Como este, pre-
atores representa muito mais que o preço dos "décors" . retor guia o ritmo dramático do~ a o mesmo ri;odo que o di-
O cenógrafo executa "croquis", pl,a nos defin itivos e às os seus elementos nã h tores, o cenografo deve usar
vezes maquetas dos ' 1sets". No meu tempo de cenógrafo sem- o- umanos para fim idêntico
Os melhores 11décors" - ·
pre encontrei diretores que aprovavam com entusiasmo tudo \ler uma vez ·1 . sao aqueles que só começam a vi-
o que lhes era submetido nessa fase, e acabavam sempre re- cenógrafos in • um1nados. ~dward Garrick, um dos melhores
clamando, uma vez o "décor" construído, que o mesmo não Ving Pictures'?le~:~• no ~eu Iimportante livro " Designing for Mo-
correspondia ao desenho original, tal como sempre procedem do ''décor"· ' ,xou_ e ado um ponto capital na evolu ão
os clientes dos arquitetos. . os tubos d~ ~e ap,e~fe,çoamen!o. da p~lí~ula. A luz de arcJ e
O planejamento de um "décor" muito simples, ou seJa rn~ximo de c ~cuno dos estud,os prrm1tivos equilibravam um
um quarto a três dimensões, parece tarefa fácil. O bom ce- on raste e dureza fotográfica. Com a adoção do

120 121
filme pancromático e o aperfeiçoamento das objetivas, usa-se Uma outra trucagem muito com .
quase sempre luz incandescente, que dá forçosamente uma gem dividida, sendo uma parte u um consiste no uso da ima-
in1agem muito menos contrastada. Isso deveria necessariamente uma maqueta, seja desenhada em plano. real, e a outra parte
ter provocado entre os cenógrafos uma reação que os fizessem completada em vidro, seja constr:d~artolma, compensado ou
desenhar "décors" muito mais vigorosos. Por outro lado as A escola francesa - bem co . .
modificações ocasionadas pela introdução do movimento quase conseguiv manter a tradição do _mo a ital~ana_ e americana -
st
contínuo d a câmara também não foram tão profundas como res e interiores. A média er iu º eq~ilíbrro entre exterio-
dt:veriam ter sido. in1eriores e 25% de exteriore: Ne ;pro~imadamente 75% de
porção de exteriores mas a es~olha uéc1a usava-se maior pro-
Em cada cena passada num "décor" há o que se chama a fotografia de prim;ira qual"d d ; dos mesmos era cuidada e
um "establishing-shorl", quer dizer uma imagem que estabe- o filme sueco papel destaca~; e. dor esta e. outras razões teve
lece para o públ ico a topografia do local. A preocupação cons- filme em geral. no esenvo lv1mento técnico do
tante do cenógrafo em fazer desta tomada a mais importante
E difícil a escolha de exteriores b
numa seqüência tem sido muito prejudicial, não só à concep-
ção do " décor" cinematográfico, como, também ao próprio
filme.
epoca. Quase sempre construções
para histórias do passado· os prod et ' so, retudo para filmes de
rumas servem de " décor"
n! queles tempos, castelo~ e i re·a~ ores esquecem, porém, que,
Há ainda a tendência, que pode facilmente tornar-se uma çoes_ de Violet-le-Duc, por ~a/s de::i~ novos e as _reconstru-
convenção, de se considerar que a dimensão dos exteriores arqu1tetura, se~iam mais indicadas. osas que se,am como
não tem com as vistas dos interiores senão uma relação muito Um dos filmes cuja escolh d •
vaga. Em The Fallen ldol, os cenógrafos Vincent Korda e James o melhor senso de estilo foi l e~m: n::~er~ores me par~ceu ter
Sawyer executaram interiores que parecem cinco vezes maio- No entanto uma pers ecr , e Gendelstein.
res que os exteriores. O uso de uma objetiva grande-angular tos traços característicoseia JYª correta para a análise de cer-
(de 25, 28 ou 35 mm) exagera muitas vezes esta desproporção-. cioso, só pôde tornar-se dar~ c;~rsas Jscolas do cinema silen-
Em North Sea insisti junto ao Garrick para que construísse todo co~ o encem:mento do primeiro
o filme mudo.
if vdentoh_d~ ~om, qu~ mar-
•c O a 1stona do cinema:
o interior do navio um terço menor do que a realidade, e o
eieito obtido foi o melhor que se poderia desejar. Os americanos por exem I d .
terem introduzido ~o cinem P o, po enam ser acusados de
Um bom cenógrafo, como um bom diretor, deve conhe- deyi?o talvez a uma interprefaç;cirag~ do " dé~o~'.' gigantesco,
CP.r a fundo as objetivas e saber escolhê-las para o efeito de- Gnfflth. Na terceira déczda do :rronea das_ ideias de D. W.
sejado. tela contava no mínimo com d seculo, um _Jantar íntimo na
O processo de " back-projeclion", que infelizmente não podia viver numa casa de uz~ntos convidados. Ninguém
existe no Brasil, é usado sistematicamente em cada filme. Há, via descer por escadarias t lroporçoes n~rmais. A "estrela" de-
mesmo, hoje, processos pelos quais vm ator pode representar do tama~h<:> de uma pulga~ monumentais que aparecia na tela
diante de uma superfície branca, na q ual opticamente se im- 9s italianos tiveram, antes dos americano
prime um "décor" desenhado ou construído em miniatura. Vá- pensao para O monumental D"f .1 s, a mesma pro-
rios filmes foram feitos na Inglaterra empregando este sistema. ~ Quo Vadis?, devido ao t~ma~~, ~ente esqueceremos Cabiria
A totalidade dos atores queixava-se de que era muito difícil rr,os. Serão Fabiola, de Blasetti G~ ,~~c~m~na l_dos seus cená-
at11ar sem o " décor". Porém, tanto esse processo como o L Herbier, e o novo Quo Vadis1 •du ,m, g,orm de Pompei, de
" back-projection" podem ser empregados com grànde êxito pelos americanos em Roma , e ":lervyn le Roy, filmados
em cenas de fantasia. Quando realizei Le Capitaln Fracasse, ex- num:ntal e de gosto disc~tí~;;;? renascimento desse estilo mo-
t raído da novela de Theophi le Gautier, imaginamos um passeio tão emq~~~o ª~ uso d~s interiores autênticos, que ho·e está
romântico do Duque de Val-lombrevse e de lsabelle. Atrás do
ses? Geralme~t~:o s~ever~amos, aca~o, dar este crédito a~s rus-
pêr amoroso, paisagens idílicas se sucediam em fusão. Infe-
lizmente, as possibi lidades do "back-projection" têm sido apro- após-guerra, logo se ~i~nger é ~tr1buída ª<:> cinema italiano de
veitadas apenas para finalidades realistas. e tecnicamente sup~ . o pe os filmes americanos mais recentes
n ores, como Naked City, de Jules Dassin
'
122
123
Crnssfire, de Edward Dmytrick, Kiss of Death, de Henry Hatha-
way, Call Northside 777, de William A. Wellman, etc. Na Ingla- e. americana, logo criou o "monta e" .
terra, durante a filmagem de lhe First Gentleman, a cena _do cido que ritmo do corte poder; g ' e quando freou estabele-
to dramático de uma cena a s~r acrescentado ao movimen-
jantar foi rodada no Pavilhão Chinês de Brighton, construido primeiro grande passo pa. ' ª cinemat~grafia deu, enfim
pelo Príncipe Regente, e não pude deixar de lembrar-me das
galerias e do salão de inverno de Petrogrado, em Ten Days That
Shocked the World, de Eisenstein. No entanto, esta grande épo-
·º corte sucessivo de1~u::~ expr.es~ao artístic~.
movimento rápido, fez do ritm L~ ma,s imagens diferentes em
0
'
0

ca de Eisenstein e Pudóvkin se arrisca a cair no esquecimento e na concepção do "décor" c·1 e C?rte um fator primordial
t 'd,. - nematográf1co
mesmo a nova geração de cineastas soviéticos prefere os cená- es a I eia nao surgiu de 1 ·mp . • No•·,e-se, porem
, que
f , rov,so . Enqu t •
rios construfdos nos estúdios de Moscou . g!a os da epoca, aparentemente nu an o que alguns cenó-
Quando o período do cinema mudo se aproximava do seu ç;:o esse novo elemento a o t ' ncfa levaram em considera-
, u ros se oi e/ ·
cos, mas com clareza indiscutível . . .
d
a impon o aos pou-
término, já tinham os diretores artísticos plena consciên:ia da
in1portância fundamental do "décor", e esforçavam-se nao so- Parece-me agora tão remot
mente por dar ao filme o ambiente desejado, como também interessante discorrer sobre a o a9~1e/e tempo, que talvez seju
por substituir os recursos primitivos dos cenógrafos de teatro. Mesmo porque é mais fa'c·1 extpen,encia pessoal que dele tive.
- b
Primeiro, procuraram o maior realismo possível, mas dentro em
traçao aseada em fatos re, ,. na ura mente' fazer uma demons-
E 192 ais.
breve entrou em moda um "décor'' mais esti lizado, quase sofis- .m 4, tive a primeira f
artístico, nos estúdios de E . o erta para trabalhar como diretor
ticado. O "décor" estilizado, porém, nunca foi mais perfeit?
que nos desenhos expressionistas de D~s Kabinet ~er _D_r. Cah- diploma de arquitetura of~:~?• perto de Paris. Graças ao meu
gal'i. Mesmo toda a concep~ão do, ambiente em s1, for rn~up_e- cors" de Ressurection filme e ~ra,_-n-me a construção dos "dé-
rável nesse filme como fidelidade a escola de arte expressionis- dirigido por Marcel l'Herb· x ra1do do romance de Tolstoi e
ta, mais que ao cinema propriamente dito. Apesar disso! .º tra- tia. No mesmo filme coub1eer,mcont1 Emmy lynn no papel de l<a-
. ' e ambém a f
balho do diretor artístico de Caligari foi amplamente criticado. assistente e "factotum'' ge I-. E b -
~nçao de primeiro
Os personagens reais - dizia-se - não eram suficientemente sido terminado, as partes ~~~
e comoventes chegando a
d:1 ~~a esse f~lme nunca tivesse
e ,~aram sao muitos sinceras
estilizados, se os comparavam aos 2111bientes. Mas, com o tem-
po, atores e ''décor" fundiram-se e o filme nos aparece como tão reduzida pudesse r cÍ l?arecer incrível que uma equipe
um todo bastante homogêneo. bretudo se lembrarmospq~e ua~~al~~~:o de t~I , q~1alidade. So-
Os filmes alemães que sucederam ao Das Kabine,t der Dr. centenas de pessoas A u' . . cada estud10 conta com
é • ·
. a incerteza que envolve o
nica coisa qu
.
- d
e nao mu ou, até hoje
CaHgari, introduziram no " décor" o uso do gesso, em substi-
tuição aos painéis de lona, papelão e compensado que usa- referido, contávamos com os ass!m. chamado "perito". No cas~
vam até então, e que tornavam as linhas e os ângulos muito zado nos costumes da époc. /rest1mos de um deles, especiali
rígidos e secos. Os alemães, assim, começaram a pecar pelo que sucederam à revo1u ão a o romance. Porém, naqueles di.t;
oposto, só dificilmente se vendo uma linha ou um ângulo reto brancos, que apareciam çno~ ~ : r,ercl2.deira avalanche de russos
em certo período do seu cinema mudo. Como exemplo mais c!esafiavam a autenticidade d ca~ io~ franceses c~mo fi.9urantes,
típico podemos citar o Das Wachsfigurenkabinett. hd,1s nun, russo rápido e a etalhe, em d1scussoes man-
muito tempo e eram sob~ veem~nt'7, _que nos fizeram perder
Fora da Alemanha, naquele tempo, todos os estúdios dis- lafantes d~ filmagem. emanerra irritantes nos trabalhos es-
punham de vastos jogos de "déco,✓', que em muitos casos eram
·usados repeti.das vezes, mediante ligeiras modificações. ls~o . A equipe de l'Herbier gozav d . ,
chegou a préjudicar seriamente o trabalho criador dos ce~o- ~o ,da realização de Ressurectio: t';Hgra;.de ~rest1gio, ao tem-
grafos, e foi reagindo contra esta situação que as companhras . e1ro diretor a contratar um • er ,_er trnha sido o pri-
mais progressistas começaram a destruir os seus " décors" ~sa- ~Og!, lepape) para o desenho gJ~uf~~, art1s,~a (o i(ustrador em
dos - hábito que não tardou em se tornar regra gemi e muitas ,.el· "ºse-France. Em seguida . s ecors de V1Ua-Destin•, e
vezes deu margem a puro desperdício.
No cinema, é absolutamente impossível separar os ambi-
.
'- aude Aut t l
gretado pe~n i~::;~i~~:,o~i~r~tor
aude~Autant-lara conseo .
' velO o grande sucesso do .
a~tístico de EI Dorado,
ranc,s, .a ~sta Nielsen francesa.
J~~:~
entes da técnica do filme . A escola russa, seguida da francesa espelunca em Sevilha co i,Utu, bpe/a pnme,ra vez, retratar uma
m o sa or dos ambientes da "Cannen"
124
'
125
de Merimée, demonstrando ao mesmo tempo que luz e som-
coordenar estas linhas .
bra são fatores essenciais para um bom "décor" cinematográ- quando a câmar , ~obrevrnda a complexid d
~t~;~ ~~ai, de~t:~ ~º~:se~~a t~i=~~ite
fico. Mais tarde, Autant-Lara provaria, pelo seu excelente tra- 0
balho em Le Diable au Corps, de Radiguet, com Gerard Phillipe um_a v~~ia~ã~º;.. ~ :~
e Micheline Presle, ser um dos melhores diretores franceses da
atualidade. r:t:sa~º~;~e~~!~_t:;s:~• ~~;sest!~~~va~u~!~ t~~~:e;~~c~~~~r~~!:
Depois de Ressurection, começamos a filmar La Galerie ~reja. Depgi~ars predomi~a.vam 'dentro d~,v~rbgrntes, enquanto
des Mor,stres. Este filme foi projetado recentemente pela Cin"'- . _ , no trecho rdllico e R · roteca da velha
m.iteca Francesa e parece ter despertado vivo interesse. Jaque-
Catelain dirigiu e representou o papel principal . Os exteriores
~:;~/~~e~~~~a · ~:[;~~:~~ºd~e~:~c~;o~ o~~~m~c~~~~f0 ;P ~e;~~~avi
Se acrescentarmos a e . echo do argumento
foram rodados em Castilha, perto de Toledo e Pedrassa, uma
seleção de várias tonalidad::a rdéia das linhas domin.antes uma
velha cidade cinzenta na Sierra. Havia abundância de neve e o 1aremos que b para cada uma das .. ~ .
efeito do filme foi algo surpreendente, pois poucos associam a branco-e- ' e~. oa·a estivéssemos trabalh d sequencias, no-
Espanha com paisagens de neve. Além disso, tentei explorar ao . preto, Jª a/cançáva . an o apenas com
máximo o contraste entre um circo e o ambiente austero da ci- efeitos e de ritmo . mos uma variação satisfatória de
dade de EI Greco. O professor Pirandello
L'lrvhumaine foi o filme seguinte, baseado num argumento dres, muitos anos depois f ~ob encontrar-se comigo em L
original, um tanto infeliz, e com a já envelhecida Georgette Le-
bfanc Maeterlink, como atriz principal. L'Herbier ajuntou à mi- ~"~,n~;~~.~~eiº1\~)!ª!:a;:pt~~•i:~~~:og:;7:t':n.~º q~~n~~~=~
nha própria experiência, o talento de Claude Autant-Lara, a co- , Assim como o diretor dev . .
laboração do pintor Fernand Leger, do arquiteto Maflet-Stevens c~nografo deve contrib . e cnar o estilo de cada fl
e do decorador Pierre Chareau. O diretor queria garantir o d_,retor, para dar vida a~r para a perfeição deste estilo' ~e, o
sucesso de um novo filme e chegou mesmo a contratar um jo- d1f~re~tes seqüências, sem s;uugi~r~b~Pºi c,_oncebe variaçõ~s ~a~
g,a?. eve dar ao conjunto d s~1p ina do todo, o cenó-

c~~=
vem artista americano, que, se não me engano, se chamava Du-
dley Nichols, para maquilar, em estilo cubista, o rosto de Cate- e pec,e de parentesco se os_ ambientes de um filme
Jain. Com argumento tão ruim, no entanto, não houve dese- "décor" isoladamente: m que ,sso afete a variedade de
nho nem técnica que salvasse o filme .. .
Na realização de Feu Mathias Pascal, mais um filme dirigido
por Marcel L'Herbier, baseado na novela de Pirandello, logo
depois de L'lnhumaine, confiaram-me não só a cenografia mas li
também a direção de um certo número de tomadas ou partes
de seqüências. Um jovem russo - que mais tarde seria um
dos diretores artísticos de maior renome, Lazare Meerson, mor- O AMBIENTE
to antes da guerra - e um jovem dínamarquês, Erik Aaes, cujos
ambientes notáveis representam uma das mais importantes con· pois Quando passei de cenó rafo .
tribuições do atual cinema dinamarquês (foi o cenógrafo de Erik ~onserve1 a colaboraçãog de u~ d~~etor, a t~a~siçào foi fácil
Dles lrae, de Carl Oreyer, entre outros), trabalharam sob a mi- das oc~~~êde~orou ~ maioria dos meu~e;~.r a,:t1st1c<? inteligente:
nha direção. Foi uma ótima colaboração. A concepção dos ce-
nários era baseada no velho princípio italiano da perspectiva ~~te <1va terminad
1
a fil~~~!~ ~'! ~~ri~!~: d e nossa co;;b~~~~à~'~=~-:e udma
· 5omente quand f'/ u-
falsa, hoje muito usado em todos os estúdios do mundo. En- ro dos d . ,, ?• notamos, com grata o a ' magem já
quanto trabalhávamos nos desenhos das diferentes fases do ar· ll!m ois decors" princi ais su~presa, que no primei-
gumento, notei que certas seqüências tinham o que se podia Vado~!;t:u~nte_ de marinheifos) f~~~~~~navam linhas verticais
chamar uma linha dominante. Cada imagem, como um quadro e no se aru1os, em volta de urna ( . gens masculinas, esti-
ou desenho, tem suas linhas fundamentais de composição. Na rne.nte mg~~do, predominavam· linhas ,~,c~ mul~er, uma criada;
imagem fotografada por câmara fixa é muito simples analisar e la11ande .u eres em volta do único pe orrzontars, hav·endo so-
rta, onde morava o rapaz filh rsdonagem !11ª,sculino (lJma
126
'
0
ª propnetaria).
127
Eisenstein, no seu r,~ro "Thelinhas
F'II m Sense" ' desenvolveu esta
·~por-
dominantes e sua 1
idéia, explicando a_ funçao ,d~s do filme pela sua sucessao ou ca não iluminada dá por resultado o preto, mas os efeitos de
tância na construçao dramat1ca , iluminação requerem um preparo exaustivo. O equilíbrio en-
tre personagens e "décor" transforma-se num problema com-
alternância da montagem . s o trabalho de Vvette, ~xtra1do
Depois de En Rade, atacamo d Erik Aaes a realizar um plicadíssimo. Estes ilumina.dores, porém, muitas vezes insistiam
do romance de Maupassant, to_rna(N~nca esquecerei o dormi- em demonstrar a sua importância e as dificuldades da sua tarefa .
excelente trabalho de cenogr~l\m curva do vestíbulo e a de- Muito antes disso, nós, os cenógrafos, já sabíamos que para
tório branco de Y\•ette,. a esca a costumes inspirados em De- conseguir, na tela, o efeito de um<? sala em três dimensões era
preciso, em primeiro lugar, facilitar uma iluminação que desse
coração do baile colo~1al, com o:inema mudo estava chegando
bret.) Já sabíamos, entao, que o a impressão da sa.fa em três dimensões, construindo-se o "dé-
cor" nessa base . Os iluminadores começaram a ser ditatoriais,
20 fim. . etado por Pierre Blanch rd e no que se referia ao modo de iluminar a cena, e a interferir no
Le Capitaine Fracasse, inte~pr do Tive a curiosa expe-
. 'lt'mo ú 1me mu • . , · nosso trabalho . Por paradoxal que pareça, os diretores artís-
Charles Boyer foi meu u_ ' . , - o sonora da mesma historia, ticos daquele período tiveram que fazer os "décors" sem cal -
riência de, há pouco, ass1st1r a ~er::endi ainda melhor, o quan-
cular o efeito da luz, para agn:dar aos operadores - o que não
dirigida por Abel Gance, d: . c~ ppode ;'nfluir na adaptação de contribuiu, naturalmente, para a boa qllalidade do ambiente.
to a personalid~de d~ ue or .
uma obra literária ao c_mema. - de Fracisse insisti u em ,~on- Muitos são os cenógrafos cujos nomes deveriam ser men-
0 produtor da mi~ha ~er~eºnois era um pioneiro do bal- cionados por terem contribuído para a evolução do "décor"
trata r Beno is co_mo ~enogra ~~-se destacado também p~los seus no cinema mudo . Muitos continuaram trabalhando após o ad-
let" russo de D1aghllev, _te n . bur o Ao tempo da fllm_agei:n vento do som . De qualquer modo, deve ser citado Andreeff,
cenários de ópera em Sao Peter~dut~r ·chamava Benois, D1agh1- um dos melhores diretores artísticos da Europa, que mais tar-
de Fracasse, enquanto o m~u pr vos ara a execução de seus de seria
Pabst . responsável pelo "décor" de Dreigroschenoper, de
lev cercava-se de ele~ent~s no etÍ Erik Aaes encarregou-se
cenários, M atisse, ~~rar~: P1~:~i• gra~de dificuldade em t~ans- O cinema rnudo morreu - o que não deixa de ser curio-
da construção dos sets e - t t ai de Benois em ambiente
formar, no estúdio. a concepçao ea r .
so - numa orgia de barulho nos estúdios. Não somente a
gente gritava, mas havia apitos, marteladas e toda a sorte de
cinematográfico. . h lembrança como um velho muito ruídos. Além disso, alguns atores decidir~m que não poderiarn
Benois vive na mm a m reensão da cor e do dese- trabalhar sem música de fundo acrescentando-se então ao pan-
simpático, com uma profunda co t!nto nunca soube apreender demônio geral uma cascata de melodias sentimentai . Já era
nho para o palco, ~as que, ~f enpreci~a primeiro, ser fotogra-
que um "décor" cinematogra ico t n6mero de fundos frag-
rempo de aparecer a luz vermelha e a palavra "Silêncio",
repetida em toda parte, anunciando o filme sonoro.
fado, e, segundo,, ~ornecer um ceru~ndo Benois nos viu foto-
Muitas imagens e seqüências do cinema mudo tornaram-
mentários para varias to,~~d~~;, ~cou sinceramente alarn,ado. se inesquecíveis; nelas o "décor" é também parte integrante
grafando perto do seu ~c ins irado nos figu- da composição: Chaplin indo embora, no fim de The Circuns;
A minha idéia era reahhzard um Bfer~~epara pos comediantes os simbólicos cavalos brancos de The Wind, de Sjostrom, as rí-
C li t
rinos de a o . Os . desen. dos , ee a russa que dos an d raJ·os do
. gidas planuras cobertas ele neve de Nanouk, de Flaherty, e o
estavam muito mais perto a opd r rasgando e sujando os da- sabor medieval de La Passion de Jeanne O' Are, de Dreyer. Mui-
gravador francês. Fizd o _q~e t~nt:•ria do decorador, que, des~i tos an0s terão que passar até que o cinema sonoro atinja igual
perifeição.
mascas e os veludos
ta-o passou a me a m -~ erar como um excêntrico, sena
cons,
er , d ·m Ainda é difícil determinar a influência do advento do som
um louco. ·1 minadores aquiriram gran e 1 - sobre a construção do "décor" no cinema.
Foi nessa 0época que os ,' uterferir na direção, mas intromdea-
~ ·
"décor" Começaram lançan ~ . bran•
N- chegaram a m d a mo , Pessoalmente, não duvido que tal influência exista, mas
portanc1a. a . 1talvezseus efeitos não possam ser apreciados em sua totalidade
teram-se, e muito, no , bido uma superf1c1e
atroz do cenário branco. Como e sa ' ~tes ?º fim da era do filme em branco-e-preto. Ninguém pode
discutir que houve um retrocesso nos "décors'' dos primeiros
128
129
'tos outros ramos da técnica do ser tão melhorados. Com a dublagem, de fato, pode-se obter
filmes sonoros, _co~10 em m~, dificuldades implícitas no corte
filme, devido principalmente as novamente as longas tomadas. uma tomada muito mais efetiva, embora se perca na fita sonora
f .1 noro que trouxeram grande parte da emoção primitiva. Os filmes italianos atuais são
do , me so ' 0 - 0 afetou apenas o
"d,e cor" • seu desenho quase todos dublados, e muitos são mesmo mal dublados. Con-
Esse retrocesso a . a em cinematográfica, e en- forme já foi dito antes, alguns desses novos filmes fogem in-
ou sua ~strutura, dmas
quanto filmes mu os am ª
_tºJª e~~~~unfm os estudiosos de .hoje o_u
d cinema ninguém sonharia
tencional mente aos ambientes de estúdio. Alguns críticos pre-
cipitados atribuem a essa abstenção do "décor" artificial, o
as platéias instruí~as ?OS c_ltbes so~oros c~m suas infindáveis ambiente de realismo da nova escola italiana. Convém lembrar
e m assistir aos primeiros fi r:n~s preferê~cia por assuntos mos- véÍrios outros fatores, como a sinceridade dos argumentos, a
cenas teatrais e sua pronunck,a a ,,
trando a chamada via "bac -stage . . espontaneidade da interpretação e, principalmente, a maneira
, f recisas para dar nova vida rápida, quase improvisada, pela qual são feitos. A técnica super-
Anos de trabalho a~duo h oram pue se mostraram céticos ou evoluída prejudicou seriamente o filme de Hollywood.
ao cinema sonoro,, e m~,t~!cl~r~~e
desanimados. Rene Cla1r_
de início, peremptoriamente,
. . ' mais que alguns meses, mas No cinema não existe apenas uma relação entre o "décor''
que o cinema sonoro nao v1venaque foi seu diretor artístico, e e a ação, mas entre todas as facetas técnicas que, em conjunto,
logo depois uniu-se a Meerson, atores de confiança obteve formam uma espécie de gigantesca orquestra. O cinema não
com mais alguns colaboradore~i~ de Paris. A gravação diretâ, pode evoluir sem uma perfeita compreensão geral, e o maior
grande s~cesso com Sous
porém, amdaeram
era tao
u_m art1
~!
1
gr~f~1c1~1~
~mpecilho. As histórias narradas
. . ~ ue
desprendimento e coordenação.

elo cinema . os ambientes forçosam \~ Pte Quando Mélies, simples ilusionista, resolveu fazer filmes,
P. h de ser igualmente art1f1c1a1s. sva reconstituição de acontecimentos históricos, como Le Cou-
t,n am . . la rimeira vez - um trem pro- ror.mement d'Edouard VII, cujo negativo se perdeu, ou Le Proces
Desde que v1 - e ~yv,u~eo s~m era a nova fase do cinema. Dteyfus, não ofereciam interesse especial. Mas foi ele quern
jetado na tela, compreen q N- s sons elementares como a criou o filme de trucagem, trabalhando com sua mulher como

,Jªi
O
Não o diálogo, mas som. t~r das portas dos primeir~s ajudante. Sua criação no domínio da fantasia é de grande im-
campainha dos telefones e \ue documentário poderia. portância, não só no filme em geral como no seu "décor''.
O
"talkies", mas todos os rui os ma tentativa de levar o cine~a O estilo é curioso, obedece às normas da época de Eduardo VII,
depois transpor e or~lu_estrarfil~ues mudos de achar o valor poe- renegadas pelos burgueses de hoje, mas adotadas pelos esno-
sonoro ao nível dos u t1mos t· ha achado o da imagem.
·t d O som como se 1n bes. Toda uma escola artística na França se inspira nessa época;
tico e o ri mo · "décors" grnndes críticos de arte, como Cheronnet e Nicole Vedrês espe-
, . lo emprego de exteriores e
O document~no, pe . . ara devolver aos filmes sono- ci.dizaram-se nela. Para estes, Mélies é quase um gênio. Mesmo
autêntico_s, !ambem ~f~~~~b~~ust~ entre exteriores e interiores. descontando o exagero, devemos reconhecer o grande encan-
ros de f1c_çao o equ1, " Jontage" sonoro evoluíram e alcan- fo que os seus filmes nos proporcionam. Neles o "décor" é
Graças a ele, o corte ~ o . m T do Foi então que o "décor" parte integrante do conjunto: abre-se um grande buquê de
caram o seu verdadeiro s1gn~ ,ca .f l
rosas, revelando damas em maiô cor de carne, apertadas em
~oltou à sua verdadeira funçao no I me. " 1 yback" (que
, ·c do som trouxe o p a ' espartilhos, com sorrisos forçados e jogando beijos inconvin-
O progresso da tecn1 a . d por uma banda previa- centes a uma audiência invisível. As damas rodam como num
é a pantomima de um~ ~fan:r~u,~u~ consiste em gravar so- Clico de cavalinhos. Tudo muito lindo, muito alegre e ingênuo.
mente gravada) ou a u b~titu,ído mais tarde pelo novo som Na famosa Voyage dans la Lu~e. os viajantes atravessam céus
mente um modelo, a ser su_ . Estas inovações representara~ de veludo negro, cheios de estrelas e cometas, brilhantes de
gravado nos teatros espec1a~_.ri>tor mas foram de grande al.J'X1- malacacheta e abrigando mais damas, sempre sorridentes, sem-
um grande em~araço para o ' . '
1·10 para o cenografo. lo fato P~e atirando beijos e, quando os turistas passam pelo escorpião,
Parece incrível que os "décors", simplesme, n_te pe a~uela criatura estranha, parecendo muito mais uma lagosta,
d udessem nao resiste à tentação de beliscar os viajantes . . .
de se relegar o microfone a um lugar secun ano, P

130 131
Mélies, porém, por mais que se discutam as suas qualida-
dP.s estéticas, será sempre um dos maiores cenógrafos, o cria-
dor do truque no cinema, não somente daqueles truques que
nos deram filmes como Thief of Bagdad, de Fairbanks, lhe
Wizard of Oz, de Victor Fleming, e The lnvisiblle Man, de James
Whale, baseadq na novela de H. G. Wells, mas também do
1ruque imperceptível, daquele que, para o cinema, é de ines-
timável valor.

Copenhague, novembro de 1949.

CAPfTULO VII

O SOM
1

.,J
1

13]
A PALAVRA

Mais ou menos em 1900, um escritor inglês, sem grande


çestaque, Robert Routledge, B.S.C., F.C.S., em seu livro inti-
tulado: "Discovery and lnventions of the Nineteenth Century",
escrevia com pomposidade vitoriana:
" Os assuntos reproduzíveis no "kinetoscopio" incluem os
mais rápidos movimentos, como dançarinos ligeiros, ferreiros
martelando na bigorna, etc.,· ou incidentes da vida real, com-
p0rtando muitos gestos e mudanças de expressão facial; e nada
pode ser mais divertido do que tudo isso vividamente mostrado
pP.las imagens na tela ou pelos quadros vistos através da obje-
tiva, especialmente se, ao mesmo tempo, o fonógrafo acompa-
nha e imita os sons correspondentes."
. . . os sons correspondentes.
Para um estudo razoável do filme sonoro é preciso voltar,
ainda uma vez, aos primeiros tempos do cinema. A história do
som no cinema começa com a invenção deste último. Em ne-
nhum período de sua evolução, foi costume mostrar filmes ao
P6blico sem um acompanhamento sonoro qualquer e assim
Podemos dizer que o filme realmente silencioso nunca existiu.
Desde o, início, e muito antes da existência das salas de
Projeção especializadas, não só os que faziam os filmes, mas
também os que os mostravam, se preocupavam em achar meios
~e
11 justap9r esse acompanhamento sonoro que completasse a
Rusao. Primeiro usaram o fonógrafo, a que se refere o Senhor
Oufledge.

135
No Brasil, pioneiros como Serrador, Vitor dei Picchia e as vantagens da transposi ão
Pàulo Benedetti usaram o fonógrafo e às vezes até mesmo ato- ~~ tes de se ter descoberfo a pl~~a a tela d~ uma obra literária
res para acompanhar com palavras os filmes que exibiam. Se fomes tornaram-se, então u ~uage':1 _cinematográfica e os
as idéias de Benedetti, tão adiantadas para a época, tivessem tí!ulos ligados entre si p~r ma interminavel série de longos
~ido melhor aproveitadas, o cinema no Brasil teria progredido nao poderia deixar de intlu~en~s curtas. Este método curioso
muito mais rapidamente. d.t época . Os subtítulos s ubst7t~r outros ramos da produção
O fonógrafo não durou muito tempo. Os discos são frágeis nesta havia qualquer erro a re .ª111 . a c?ntimridade e quando
e a sua sincronização foi sempre coisa precária. Além do mais, n;a l_, ponham um subtítulo" A~e1ta invariável era: - "não, faz
os filmes tornavam-se cada vez mais longos. Comprar ou fa- tud1os Pathé-Natan, de Join~.illeores passavam a manhã nos es-
bricar uma tal quantidade de discos e mantê-los era algo de
muito complicado.
Em seguida, esses primeiros exibidores começaram a usar
geral ou em plano médio
após o_utr~, defronte a ume~ c:~~':
d , _sendo fotografados em plano
d_o ~/moço, sentavam-se um
e~ prrme1ro plano, com ex re ~ rmovel, 9ue os fotogra fava
o narrador, ou melhor, o pregão. A maioria das projeções pú- arf'rculações apropriadas às f p sso_es aproprradas, ou melhor
blicas tinha lugar nas feiras, onde se encontravam facilmente E rases crtadas nos subtítulos '
• como os subtítulos fossem assi - . . .
os pregões. Esses primitivos narradores tinham muita coisa em na,ural que procurassem enfeitá-1 m ta~ importantes, era
comum com Pete Smith, Luiz Jatobá ou com · o falecido Pinto ~e esqueci de um péssimo fil os. r~explicavelmente nunca
Tameirão e chegaram até a tentar o diálogo sincronizado: o que ae degenerescência moral cu,m~, B~rmng lhe Candle, história
o mocinho dizia à mocinha; e o que ela respondia. (A resposta todos os subtítulos _ e ~les ~:~an .º, em redenção, no qua l
era um falsete, naturalmente.) vela acesa atrás das palavras . m mumeros - tinham uma
Quando o filme se mudou para a sua casa própria, a sala comprimento da vela va . . impressas. O melhor era que 0
ele cinema, o uso do narrador, por sua vez, deixou de ser prati- do herói. Ingênuo simbolr~:~ ~oi~ ~s alto~ e baixos da vida
cóvel. A voz de um homem não se ouvia muito bem numa nenhuma suspeita de qual P. ca o meticulosamente e sem
grande sala repleta e um comentário constante tornava-se mo- G . quer rnterpretação freudiana
nótono num espetáculo de mais de uma hora. ente da minha geração nã .
labro das ilustrações dos subtítulo ~od_e ter esquecido o desca -
Os pregões não desapareceram de uma só vez. Houve na padas, todo um bricabraque ents. ~ias Ide aranha, livros, lâm-
Inglaterra, creio que em 1918, perto de Liverpool, um proprie- p.en~ava q_ue o diretor artístico ~:- ta. ponto_ que o público
tário de cinema que explicava, com um saboroso sotaque de !ecn1co CUJOS desenhos nos subtft I um frlme nao era senão o
Lancashire, os filmes que exibia. E todos nós sabemos que, no rmportante. ' u OS, representavam papel tão
Oriente, em lugares onde as audiências são analfabetas e onde
jl nãr, há filmes dublados na língua do país, há ainda hoje pre- ~ redação dos subtítulos torno - ,
,1,1
gões. Acontece mesmo que certos narradores orientais conse- llzaça~. AHavia redatores que tính u se tambem um_a especia-
guem alto grau de técnica e alguns deles se tornam verdadei- preeminencia e que com a~ o seu nome citado com
ra~ estrelas e influenciam a bilheteria. de bilheteria. Em c~rtos º/>S pregoes, também eram atrações
mes importados para en . ~ ,ses, estes redatores reeditavam fil
Os subtítulos sucederam ao pregão. Num capítulo de sua
obra, ''Anatomy of Motion Picture Art", Eric Elliot estuda com de te r assistido num ci~~;:;; ~oc~~:h?s e piadas. Recordo-m~
grande agudeza a influência dos subtítulos no filme. Pode-se lhe PUgrim de Cha lín ~ grca a uma projeção de
enxertado c~m cente~as 'd~uase irreconhecível, pois tinham-no
pensar que uma nova digressão sobre tí~ulos seria irrelevante
s1lbtftulos, todos ilustrado pesad~s graças em flamengo como
quando se estuda o som; um rápido esboço mostrará, entr_:-
tanto, como seu uso e abuso influiu na evolução da expressao llllda tinham a ver com as /ç~or cdancf~lturas de personagens que
_ o , me.
cinematográfica. Tao enraizados estava b ,
Quando os primeiros romances e peças teatrais foram le· retor romeno lu Lf Pick m os .su tltulos que, quando um di-
Vcidos para o cinema, os realizadores visavam sobretudo a atra· fllrne sem subtítulb lhe Rai3mb1entado na Alemanha, fez um
ção dos seus títu los sobre o público. Era impossível exploran ª~Pecia l e um gra~de s 1, adprodu!ã~ teve uma publicidade
ucesso e C'Urros1dade.
136
137
Com a perda do pregão e a adoção do subtítulo o filme
mudo apelou para a música. Já dono de sua casa própria, aban-
no fim do filme, saía por tod
donou a boêmia e, como bom burguês, não podia desprezar como uma náusea que - os os poros da pele da audiênc; l
as delícias de um acompanhamento musical. • nao se pode dominar "
Havia uma dupla razão para o uso da música - cobrir Vinha depois o parto e . ·
quadro da tela, e se exp~nd· ª melodia se libertava, saía do
o barulho soporífero do projetor e reforçar a emoção. quarte irões mais afastados os': l~té ~s longínquos rincões, O'.>
O desenvolvimento comercial das salas de exibição trouxe toda a parte, graças ao d{sco. a oes ád~rgueses, penetrando em
a complicação da música, que foi tomando uma importânci a . e ao r 10
cada vez maior no conjunto do espetáculo cinematográfico. . ~e!1zmente isso passou, sobretud . .
,nsuf,c,ente. O cinema tinh . o porque era uma solução
Os donos de cinemas rivalizam entre si para atrair o público. reves t .imento musical de t a-se
d arriscado a fie ar priva · d o no seu
Primeiro o piano esteve na moda. Depois um trio. O trio tor- tod~s as possibilidades de fm~ i~ e~emento de. imprevisto, de
nou-se uma pequena orquestra. A pequena orquestra cresceu , d~ imprevisto, afastamo-nos d~ açao. Mas, ass_im que falamos
cresceu, transformou-se numa orquestra sinfônica. e ,sto é tanto melhor. Não od honto ?e par!•da wagneriano,
Tal como a composição da orquestra, a técnica do acom-
panhamento musical mudou. Para melhor ou para pior? O sis-
No acompanhamento ! _e I aver ''.bertaçao mais sal utar."
orquestra pulando de Beeth us,ca do filme mudo ouvia-se a
tema dos "leit-motivs" foi adotado. Determinados temas eram
associados a certos personagens e eram tocados cada vez que
esses apareciam na tela. A estante de um regente de orquestra
er.:im estranhas: do "Prélud~
va-se para "La Paloma" e
t~
e voltando para Beethoven o~en iara uma balada irlandesa
eusso~g~k~. As vizinhança;
,?P.r s ~•d1 d un ·i:au ne" pass J-
de cinema continha e norme pilha de música de toda espécie, Sweetheart", depois vinha a d?,M_Sinfoma ~oral" para ''Baby's
que era a música para o filme de longa metragem. As grandes
empresas produtoras preparavam e publicavam partituras com-
em cinco minutos E nos . tssa ~m S1 menor", tudo isto
"A Morte de Ase" . "Baby' csmco hmmutos seguintes vinham
pletas com as deixas para mudãnças de trechos, que eram for- .Ih esa ,,, " Ko 1 Nidrei"
' "La sp 1weet,, eart"' de no vo, "A Marse-
necidas aos exibidores. No caso de adaptador individual, man- Patética" / Quando a;sisti a / orna outra vez, e "A Sinfonia
tido pelo próprio exibidor, depois de cinco ou seis fragmentos, transportado, como num . esaeJ!~~ complementos nacionais, fui
havia nas estantes um cartão com a indicação "tema n. 0 1 ",
"tema n. 0 2", "tema n. 0 3". Durante toda a projeção do filme
caso, essa promiscuidade !rtr f , pa~~ esse passado. Em todo
tetura interior dos cinemas qs ,ca c~m ,nava bem com a arqui-
de longa metragem, a orquestra atacava estes diferentes temas, ri~co, o clássico e o gót', ue muitas vezes misturava o mou-
:li sa!tando a partitura para eles e vice-versa. Para tanto conser- va riedade. ico num esplendor rico somente de
;:i vavam os músicos suas cópias num canto da estante, no chão
,,,
ou mesmo decoravam as suas notas. O pequeno harmônio usado
1)11 tempos para substituir os' inst na orquestra dos primeiros
1111 : Muito mais tarde, o grande Darius Milhaud, no "Maio Flo- tado pelo órgão de cinema ru!11entos de sopro, foi suplan-
rentino", afirmava em sua conferência: "A Solução de Wagner tas .de toda sorte 1n~e1· , equipado com registros para efei- .
no Drama Lírico Será Válida Para o Cinema?": · ' izmente estes órgã · d
em muitos países e são usado , . os am a sobrevivem
"O "leit-motiv", inventado para adular o público, é apentt.~ que um crítico espirituoso cha~o at~ h?Je. para proporcionar o
um a solução popular e simplista. Os adaptadores abusaram Se alguém olhar de perto • u e ª interrupção musical"
dele muito além das esperanças que poderia ter tido o próprio número de registros intltui° dmst~~mento encontrará um grand~
Wagner. Fizeram-se filmes inteiros repousando sobre uma s6 tllouça quebrando" "c Ia os, trem", "correntes sacud indo"
''a , ava o ga opando" "s . " '
melodia, como se fazia um argumento inteiro em torno de WT1•1
só estrela.
E à força de repetir este tema, de jogá-lo, amparado p~r
eroplanos", "pandeiro" " .
O que dá uma vaga idéla
~Poca do ci nema silencioso
~~ª:º ' " " '. ere,a ' "tambores'·,
criança chorando", etc.
bsurdo de falar-se na grande
orquestrações suaves, insinuantes, variadas, melosas de sent!- rnorfveis ''' décors" . O enterro deste efet11ou-se em (?)
mentalismo, nos ouvidos dos espectadores, acabavam por obn- Pan'hamento. , e com esse barulhento e irreverente acom-
zar o público a aceitar e mesmo a reter esta frase musical, que, O filme sonoro logo ·A

ªPareceu para d f . s~ impos. Nenhum analista brilha:ite


133 e m,r os tres elementos que regem o
emprego

139
1 úsica e o rui'do · Esses elementos sempre
do som: a pa avra, a m . h do o momento de serem Na seqüência do julgamento de Mr. Deeds Coes to Town,
d · a Havia c ega fºI
fizeram parte º. ~•~em ~nte na própria concepção do i me, de Frank Capra, o caráter principal não diz uma palavra áu-
organizados def1rnt1va_m é parte integrante deste. rante os três primeiros quartos da cena. Em Fury, de Fritz Lang,
. m como a imagem, -
pois o so , os amantes não se encontram senão quase no fim do film e .
"- , t, ·cos de cinema na 0 estão habituados
. - . No teatro isto não seria possível. O conflito dramático é expli-
.. Infelizmente os ecn1 b Ih e talvez seja por isso
;:i analisar teoncame
. nte o seu tra a o f"I cado pelos personagens ou pelo seu encontro.
L - estu d os es t e't·cos
• existentes . sobre
. o i me-.
aue bem raros sao os . t· tas dos primeiros tempos Teoricamente, a adição da banda sonora ao filme deveria
d . a ' como os c1en is uai quer outro meto , e1o d ·•~ ·implificar o problema do som no cinema. No entanto, a sua
Gente
prefere tentar e cinem errando, a e_mpregar q história narra lfm lento progresso, alcançado com imenso de,:;-
. • - de construçao.
1nvest1gaçao e - da palavra· o se11 perdício de tempo, dinheiro e energia. Muitos dos diretores
1 b eia na convençao ' _ do filme mudo, inclusive alguns dos mais inteligentes, não acre-
O drama teatra, se as A lavra descreve a situaçao
valor dramático esta na palay,ra, Àªpalavra enfim traz o de'.;- ditavam que o filme sonoro fosse aceito definitivamente. René
Clair, em entrevista à revista "Pour Vous", declarou terminan-
inicial. A palavra ressoa n_o c imax.
fecho. O drama é _con_cebido P::
sões. Desde os primeiro~ temp t mpouco o drama. No te3.tro
alco que tem três dimer:-
~a ~ragédia grega, há século,,
temente: ''O filme sonoro não durará seis meses." No mesmo
erro muitos incidem hoje com relação à cor: o branco-e-preto,
0 - do muito nem a f t como o silêncio, quer dizer arte. Os recursos da banda sonora
palco nao d mu e stao u_ ' d os atores os en ren ani,
1 eram para estes estetas um novo brinquedo, do qual o público
os especta ores , de um a oh,e dança musica , . e "dé co ..,-. logo se cansaria.
do outro. As vez - es ha um
. coro ou a
uramente estético, ouvir ' . "ad·ipu~
Mas, sob o ponto de_ vista p - "King Lear" ou uma per;J Enganaram-se num ponto: o público não se cansou. Mas
Rcx" é a mesma coisa que ouvir noutro ponto estavam certos: na crítica à maneira como eles
d d T S Elliot. e$tavam sendo usados. O público e os produtores agarraram-sé
mo erna e · · . ente· a mo bºl"d 1 , a de da câmara de11 à única coisa que lhes pareceu nova na recente invenção qu~
o filme é muitot dºf I
er _, •t do corte é comple- era a palavra sincronizada. E os filmes começaram a falar louo
ao cinema uma quar
tamente novo, e tota men e
t dimensao e o n mo
t desconhecido no teatro. É funda-
I a tela Para a última as
e abundantemente.
Enquanto os diretores recalcitrantes ficavam, como o Re i
mental a diferença -entre ~dtt ~is ~edacinhos, através de u~a Canuto, de braços cruzados pensando impedir a maré de subir,
imagens e os sons sao capt ues ao público, como "pet1t- a· gente de teatro invadia os estúdios para fazer filmes. "Agorn
máquina, e antes de serem entregm or uma quantidade enor- que os filmes podem falar - diziam eles - nós é que vamo:;
p ois" e pêssegos enlatados, passa p vez representa tanta
, .
A

A camara por sua ' fazê-los." Não fizeram senão aumentar a confusão, porque não
me de outras maquinas. f t' be'm As árvores, os trem, tinham a menor noção do que era cinema e afirmavam o
O micro one am · . - se
quanto os atores. A "s o público nao absurdo de que ''para fazer um filme sonoro bastava fotografar
as nuvens, um aquário,. todt~s ~eom ~apq~1e. se assemelha a um uma peça de teatro". Foi assim que nesses primeiros anos gas-
. . . lendo um roteiro ecnic
d~vert1na diverte lendo uma peça. taram-se milhões de dólares em produções totalmente erra-
diagrama - como se - clo
das. E o público começou a ficar atordoado com o filme falado.
-
Para ser perfeito um rote1ro,d . necessita da colaboraçao
, rafo do iluminador, Percebendo o perigo, os produtores modificaram os seus
autor, do produtor, do di~eto\nir c~~°Ja p~ça tudo está no métodos. Ocasião oportuna para se ter compreendido o outro
de engenheiro de som e ? e ~ i~o res onsável. A tarefa d_o uso da palavra, a palavra não sincronizada, o comentário.
argumento falado; o aut~r e o un resentllo ao público o ma,,; O público e~tava habituado a ver os atores falando em sincro-
diretor e dos _intérpretes e a d=p~o. Poder-se-ia dizer que ~o nismo. E a oportunidade foi perdida.
p_róximo poss1vel ~eét:dªo~º~~jetivos para criar umal se~:~a~~ 1: lamentável que a palavra não sincronizada tenha sido
cinema
b . . se que no .pa 1co se empregam , em gera ' m
. usam t~fegada a um papel comparativamente pequeno de dar con-
su Jet,va, e
subjetivos para cnar. um efeito objetivo. ~ll~idade e história em "travelogues", atualidades e doclfmen-
t~rios. Mesmo nesse campo restrito, nas raras ocasiões em que
140
141
. . . mente, o seu valor era óbv~o. Ele é mesmo usado na nossa própria casa, sob a forma de um
o comentário foi usado rnat1~at ·t·vamente que a palavra nao t<:lefone. Quando falamos ao telefone não usamos a mesm a
d e perceberam In UI I - d e
Certos narra or s .d ''as à imagem e nao, a e.,- linguagem que quando conversamos pessoalmente. E os locuto -
sincronizada deveria acre~e~a~ 1 e1 para Night Mail, os versos res de rádio têm uma linguagem própria, que, esperamos, nada
crever. O poema de W. . ~ en,e a prosa ritmada de H,!- tem de comum com a que eles usam na vida real. O microfone
de Pare Lorentz, para lhe R1ver, como os melhores exen~- é um instrumento. Muitos músicos admitem que, por causa do
mingway para Sp~nis~ _Earth vales~ram o, valor da palavra nã:> microfone, a estrutura da música moderna tende a mudar to -
P ios de comentanos lincos ~ mo t , ·ca de Hemingway, e1;1 talmente.
d A sa fria digna e rag, b ·
sincroniza a. p~o , iolentas de (vens, lembra-nos a ri -- O microfone e os alto-falantes são fatores decisivos na ela-
contraste com as imagens v h do define a poesia como
. • - d wordswort quan r boração da banda sonora: e assim sendo, como deixariam eles
<:/e afetar a palavra no cinema?
lhante mtu1çao . e '"!idade". Nesses três filmes o es ,_
"t.1 emoção colhida na tranqu1 . ns enquanto o comen- A conjunção das possibilidades do microfone com a ima-
mulo direto e emotivo esta nas _1~:fperet~ção livre e por assim gem, preponderando esta última, não permite senão um diá-
tário fornece, em contraste, ~n:1ª mf . obtido· a "emoção" est;i logo sincronizado, direto, "fotográfico''. A narração oral de
· 1 O efeito poetico 01 · fl't
dizer universa. " ... . de" na banda sonora. <?. con I o, incidentes que não são vistos pelo público, tão efetiva no tea-
na imagem, a tranquil1dal t visual e a subjet1v1dade cio tro - a morte de Hipólito, em "Phedre", de Racine, contada
entre a objetividade do e emen ~ ·r elemento numa se,-,- por Theramene, peça de resistência de tantos grandes atores
comentário, transforma-se num_ lerecen~eº diferente 'e, creio, de 'franceses; a história do fantasma narrada por Horácio, no co-
d 'f que é essenc1a m d
sação rama ica, . uai uer dos dois elementos e meço de "Ham let"; e o discurso de Otelo para o Conselho
11!! efeito mais profun!do que q q . , lo
-~·
.ni1
1111 :
,111
f
per si, que oram e
ombinados para ena- ·
Malgrado tão claras demons r~~
t ões O uso da palavra nao
-
'Os produtores preferi-
dos Dez, seriam impossíveis no cinema. Mesmo na sua realiza-
ção de "Hamlet", tão fiel ao espírito teatral, Laurence Olivier
comp reendeu que as cenas dos piratas e a morte de Ofélia não
11 sincronizada deixou de se genera izaar.r a palavra sincronizada. poderiam ser contadas como no palco e, em vez da palavra
1 11 t soluções e conserv .d
!!!:1 ram tentar ou ras 1909 haviam sido cometi os os sincronizada, o texto tornou-se um comentário das cenas visuais.
,111 Esqueceram-se de q~e em analo ia poder-se-ia ter compreen- Além do mais, as imagens visuais têm sempre um ritmo
mEsmos erros. Por simples g , . ema necessitara de unu
dido que se, vinte anos antes, o ~: absorvera a técnica do mais acelerado que o das palavras. O diálogo cinematográfico,
gesticulação restrita_ ~ aband~n~~~ão mais restrita e uma auto-
mesmo sincronizado, deve ser conciso, conversado e jamais
teatro, agora ele ex1g1a uma a o literário; sua elocução deve ser leve, rápida e como que des-
nomia ainda mais, absol~ta. muito delicado. O públic~ prendida, seguindo o movimento acelerado da ação e o corte
de ator para ator.
O microfone e um mstrumepn~~vra síncronizada, o som _e
pensa que, ao se gravar uma , rímeíro plano e mais Infelizmente, bem poucos filmes refletem este espírito. Ur~1
muito mais alto quand? o ator est,a I~~ í~ uo. A verdade, no crítico pode verificar que, quando o filme se torna pesado e
baixo quando ele esta em plano !to( se acha da câmara, cacete, quase sempre o elemento oral não respeitou esta lei.
, uanto mais perto um mo Influenciado por discutíveis elementos do rádio, é o diá-
en1anto, e que, q , essário pois o microfone age co
mC'nos volume de voz e nec. do , em rande parte, por ques- logo um dos pontos mais fracos do filme brasileiro. O qve se
compensação. Isso é determina , l~uer cinema comercial, toma perdoável se nos lembrarmos que um filme como Win-
tões de reprodução. Quan_do,. em I~~~ várias dúzias de alto· lerset, de Alfred Santell, tão apreciado pelos estetas, tem um
Mirna Loy sussurra em pn,~e1r~ap atri;' para trazê-lo aos
falantes ampliam o murmuno c~ntos mais distantes a
ºt diálogo rebuscado e uma interpretação exageradamente teatral.
No sul da França há uma velha aldeia trepada nos Alpes,
vidos de espectadores sentados nos_ rofones têm grande im· Manosque, onde morava o escritor Jean Giono. Inspirava-se
tefa. Esses alto-falantes, com? os mie , ele no rico foldore local para escrever suas peças e romances.
.
p0rtânc1a na cone~ pção do filme
d. sonoro. , . po-
ao, rádio, ao com1c10_ ~Oritou-me Giono que os camponeses da região tinham o há-
televisão, ~a co1;1~m
bito de, durante a Quaresma, reunir-se numa granja, para re-
lítico,O àmicrofone ao 11sc~;es
musica nos ug de diversão e ao filme.

142 143
. - de Cristo. Cada um tinha
presentar, em mesa-red~nda, ª. Pa1~~~iso todos os sentime~to · A opereta oferecia oportunidades de espetáculo, e efe it<.is
o setr papel e descrevia de ,mp Com simplicidade latin a, de figuração em massa tais, que esse gênero de filme alcançou
que lhes inspirava o grande dra~adeira obra-prima de dram a grave voga, renovada há pouco pela cor, pois a atração q ui:
compunham, sem saber,. uma ver a
exe rcia sobre o público ia esmorecendo. Sempre houve algo
folclórico, rico e~ poesia. todas as aldeias, um rapaz quase de fundamentalmente errado no chamado filme musica l, algo
Havia na aldeia, com~ em d . t mar parte na representa- que o público reconheceu e criticou: o "musical" nada tinh ;1
idiota, que já estava na idade_ eest~vesse à altura dos outr~s de cinematográfico, as cenas permaneciam na tela por dem~-
Ç
ão · Temerosos deld que ele naolh e u ma "pontinha": ele sena
- s deram- .siado tempo. Números de dança ou de canto se estend ia m 11c1
personagens, os a oe . t a Cruz. Todos desempe nha_ram banda sonora "ad nauseam". Não existia quase história e o
o carpinte iro que preg~u ~ns ~m~sfera m ística da granja, Crrsto, pouco que dela se desenrolava era de dimihuto conteúdo dra-
muito bem o se u pape. a a São João, o bom e o ~au mático. A ação não avançava; como um rio subterrâneo, apíl-
a Virgem Mãe, Mana Madaledna, ça~o tudo o qU'e sentiam . recia entre os "sketches" para desaparecer logo após. Assln,
1 . 1, a
-·drão descreveram, com gran e emo e ' carpinteiro nao - tm
era em The Great Ziegfeld, de Robert Z. Leonard, um espetá-
'' • 1 é reparou qu O •
r hegaram ao fim; a gu m Ih que tinha a dizer. culo su ntuoso e gigantesco, mas, no fundo, um filme cacete.
\, f I perguntou- e O d'
sido convidado a a ar e d u· "Eu não posso izes A reação do público, como se mpre, atuou decisivamente.
't tranqüilamente, respon e . ,,
o rapaz, mui o b cheia de pregos .. • . O filme musical iniciou sua adaptação e os produtores inven-
nada, po~que estou com a t~~ uma noção do diálo?o. cm~- taram o melodrama com música. A tenuidade dos enredos con-
0 idiota
, .
matograf1co bde
em Manosque t n mui·tos escritores profiss1ona1s.
mai·or do que tinuava sendo, porém, o ponto fraco e foi preciso chamar a
polícia. Concebeu-se um novo gênero, em torno de um crime
l,~11 e do detetive que persegue o criminoso; a comédia musical
~ '
..,Ili! recuou para o segundo plano e esses "back-stage" filmes se
tornaram muito populares.
li
1~/ , Simultaneamente começaram a surgir os " hoofers". Os pri-
o1'
' 1 A MúSICA E OS RUÍDOS meiros, e os melhores, eram os de Fred Astaire-Ginger Roge rs
e os de Eleanor Powell. Ainda uma vez, a ênfase fora transfe-
· Jaubert escrevia: rida para as estrelas. Em todo caso, a história ganhou força, os
Já em 1937, Maur~ce o abandonando o estilo meta- filmes tomaram jeito, as estrelas e suas aventuras tornaram -se
"HoJ· e quando o filme falad ' a substituí-lo por um
' fl do começa · cada vez mais importantes e a parte espetacular cada vez m e-
fórico e alusivo d~ 1 me m_u. ; deve esquecer, salvo em mo- nor. O cinema se defendia, no film~ musical, contra a "pro-
estilo elítico-narrat1vo, a mus1c qualidade lírica essen-
. · do drama a sua A duction-value", como se tinha defendido e vencido, no tempo
mentas excepc1ona1s ' elemento extemporaneo ao
do filme mudo, quando obrigou os produtores a compreende-
cial, que forçosamente traz ui:n':nto, a edição, o "décor" e a
filme. Ela deve, como o arg . a el para esclarecer com rem que o público só se interessa realmente por individu:ili-
dàdes e pela ação e não pela figuração e pelo "décor".
fotografia, re~resentar o se~. pród;1ou~i b~a história, que é. _ª
As crianças prodígios, como Shirley Temple, Deanna Durbin
lógica e realismo, a narra iva f'I e E ainda melhor, se d1i·
- · · portante de um I m · , . ,, e Judy Garland, ajudaram os produtores a colocar as "perfor-
f unçao mais 1m . ·d sua própria poesia. h1ances" musicais no seu devido lugar, no filme. O público fi-
eretamente acrescenta a dád1? l~ade tão be m delil)eª?ª só cava tão interessado na virtuosidade de uma Judy Garland em
Esta dosagem exata, esta i~a i mais variadas. A mais co-
ioram obtidas _depois d~s
mum, e tambem uma as
te;:t:::~~r~s,
tinha muitos pontos
rafada só que, em vez ,
~= tantos setores diferentes, que não queria que ela cantasse uma
ca11ção depois da outra ou dançasse sem parar, deixando de
Parte os seus outros dons.
a na logia com a peça ~e teatroh!;~~~ a ve; do "musical show;
uma comédia ou um rama, c palcos da Broadway para se Um dos exemplos mais completos de t ratamento inteligen--
escol hido preferivelmente _nos te do filme musical é a última canção de Deanna Durbin no final
levado aos estúdios para filmagem. de Three Smart GirJ Grow Up, de Henry Koster. Raramente se
conseguiu melho r efeito em um filme musical. Deanna sobe
144
145
ao tablado, para cantar em honra de sua irmã, que vai casa r
com o rapaz que não é o seu eleito. A substituição dos noivos, acabou por absorve r a música . .
uma velha e respeitável solução teatral, é adotada com simpli - vra, condicionando-a sub' ,dcomo Já tinha absorvido a pa/a-
cidade: Charles Winninger entra solenemente na sala, de braço , . ' Jugan o~a e po t·
. At ~ aqui tenho tratado a e , r !~, transcen~endo-a.
com a noiva, passa pelo pastor e dirige-se para a porta da rua . n,ado filme-musica/ E , . P _na~ da musica em si no cha-
Volta com a mesma solenidade, sem a noiva (mas traz o seu · ª musica incidental, a musica
p ª-nh a o f'/I me sonoro? , · que acom-
chapéu, que o eleito tinha furtado no início do filme). E a ceri- , . Estamos, de novo, diante d . ,
mônia continua então, com o noivo abandonado recebendo c1 co/1ca. Os produtores d f / e uma historia bastante me/an-
mocinha de quem ele gosta mesmo. Tudo isso se passa en- si~a,_ quando passaram a e c~n;~iá sonoros fizeram com a mú-
quanto Deanna canta. A canção transporta toda a ação paru ex1brdores faziam quand -la, os mesmos erros que os
um plano em que tudo é crível, fornece o fundo lírico (como uso, no cinema mudo ~o;ratd eles os responsáveis pelo seu
a orqlfestra fornecia, nos tempos do filme mudo) e permite questras de cinema e o's "f re ud o porque os regentes de or-
que a estrela continue a manter-se na atenção do público, d' . . aze ores" d •
~, etores musrca1s dos estúdios e _partituras tornaram-se
embora t odo o enredo esteja entregue aos coadjuvante!>. nao poderia, de maneira ai umsaonros. E, com eles, a música
A canção também transforma a ação em pantomima e dá ao Os erros cometidos são ge ' azer grandes progressos.
d iretor a oportunidade de usar a técnica de sugestão (como o parte erros de concepção Om d~arte erros de omissão e em
" gag" do, chapéu), que tinha sido perdida no filme sonoro. com · s ,retores m · ·
, . e~ormes orquestras, tocando " usrcars começaram
O fragmento é de primeira ordem. Por quê? Por causa da pan • fonrcas , ta/ como acontecia t grandes _orquestrações sin-
1
tomima? Não. Por causa da canção? - Também não. Pela com - pe lo menos no que d' n<;> empo do frlme silencioso _
binação dos dois elementos, música e· imagem. A conjunção O 1.d.,orna empregado · rz respeito ao t h
·',1ii! 1!lq!i,, da canção irrelevante e da ação muda cria um terceiro ele-
na m, . . aman o da orquestra.
nos primeiros vinte anos d ues,ca do _filme. sonoro pouco variou
mento, uma espécie de excitação dramática, que acentua o No d' sua ex1stênc1a
que 12 respeito ao estilo , · ·
"'l 'I vv.lor do som e da filmagem, trazendo ao público ''humor", senta uma fixação de um e , . ' a musrca de cinema repre-
lll,·
,. 1
I sentimento e "suspense". própria arte tinha abandonadsta~~o de desenvolvimento que a
Quando um filme, mesmo comercial, proporciona uma cena período final do romant' o qu~renta anos; é calcado no
cuja análise resolve um problema, pode-se dizer que ele marca Siriellius são os seus pais i::-· 't Tc_ha1k~vsky, Rachmaninoff e
o fim de um período e o começo de outro. O momento citado c~ntra a música romântica dern ua1s. Nao se pode dizer nada
do filme de Deanria Durbin é um dos melhores do gênero e no nao a aprecio. Raramente peso .. Eu pessoalmente, porém
mesmo plano está o filme colorido de Vincent Minelli, Meet um novo filme sem sor . posso ouvir a música dos títulos d~
me in St. Louis, com Judy Garland. mesma música dos título;'~oP~[tgue ~yve vezes em dez é a
Na Europa foi sempre medíocre o filme musical. Confesso qualquer que seja o gênero d imo I me a que assisti, e isto
0
que nem Evergreen, de Victor Saville e Michael Balcon, com tema cheio de empáf' argumento. Trata-se de um
t"'d , •a, sugerindo que b
Jessie Mathews, nem Le Million, de René Clair, me impressio- ª a e a melhor, a mais conclude t a o. ra a ser apresen-
naram. A única exceção talvez seja Drei \/0111 der Tankstelle, mundo jamais verá O p 'bl' _ n e, a ma,s profunda que 0
f · · u ico nao perceb --
de Wilhelm Thiele, com lilian Harvey. e en atuadas estas "ouvertures" _e o quao pretensiosas
Um concerto tem grandes possibilidades visuais. Numa as ouça e porque geralmente e~empre sao. Ta/vez porque não
sala de concertos a audiência ouve olhando, a orquestra; porém meçé!. No entanto nem sem r a~ Pª!ªm . quando, a ação co-
falados a música continuavapde foi assim. Nos primeiros filmes
uma sinfonia inteira vista na tela torna-se enfadonha. O cinema
é tão seletivo, tão enfático, tão definido, que acontecimentos gcu até o extremo de pontuá-~ªc°~e qua~e to~a a ação e che-
rança da orquestra do cinem m efeitos :'ncronizados, he-
- e acontecimentos dramáticos - devem suceder-se ou a
audiência se aborrece. Eis por que as "performances" musicais, àe contas, da última palavra :m ~~~ .qu; nabo passava, afinal
g_Gsto. Felizmente esse período 'á f . na e a surdo e de mau
qu ando vieram para a tela, quase acabaram com o cine~a.
Fe:lizmente, no processo de evolução do filme sonoro, a ae;ao i1 usada como um arauto no cbmeo1 superad~. Hoje a m_ú sica
mes, e, durante o seu d ço e no fim de todos os
como uma viagem de tre~senro/ar, em P?~tos bem definidos,
146 , uma perseguiçao, uma transição.

147
Acontece ainda muitas vezes que quando um argumento nômica e estranha para • .
envereda por um labirinto de diálogos, os autores inventam " fallings from us vanisl 7Xpr;~•r terror,. questões sem palavras,
uma cena em que nada acontece, escrevem na coluna de som música para O ci~ema ~ngs '. e _tudo isso constitui excelente
a palavra "música" e pensam "o compositor resolve o proble-
ma" , fazendo assim da música o equivalente moderno do
subtítulo. Isto nos roteiros bem ·feitqs, porque até hoje, na
a sua explicação ~tingee
filme, o idioma da mús'
te~
moderna no rádio ond a ~arona. das vezes ouvimos música
e muito do seu mistério, porque
esmo plano que ela própria; no
maioria dos casos, a música não é planejada até a terminação tado inteligentemente c~~ mode~na, sempre que experimen-
da rodagem do filme. Outras vezes, quando o filme está sendo dialo e capaz de co~tr'b 1 . . o bem rança, revelou-se vital,. ime-
editado, num dado momento, a ação aparece lenta. Os res- conjunto. urr astante para a perfeição do seu
ponsáveis decidem: "temos que colocar música aqui" - e d e Consideremos de
novo o músico deve resolver o problema. Seria muito mais and Juliet, de Ge~r e p~si~~~m, o. que aconteceu com Rcmeo
fácil e inteligente escolher o músico a tempo para que ele qllanto era péssimogesse film. É impossível compreender o
colaborasse com o argumento e com os outros técnicos, d e d~1 histó ri~ original. A música ed;e~h~~tsar nas p~ssibilidades
maneira a que a música faça parte da concepção inicial do çao perfeitamente isto é era um ,' _ovsky segura a produ-
filme. Seu trabalho, em lugar de preencher .lacunas, seria uma rnente perfumada,' introv;rtida bea ~us1ca compacta, profusa-
contribuição real para a consistência do todo. scrralho de mau gosto ue e; n:1d -~ acordo com o enorme
As omissões dos produtores, sob o ponto de vista musical,
são muito curiosas. A mais importante, já mencionada, é a falha
pelo cenógrafo america~o-irla~d:s • ~~
de Tchaikovsky acabou or h '
~in
~~tgª Verona tida
I ons. O tema
em reconhecer que a música se está desenvolvendo rapida- por uma " rengaine" nosi'I . ac ar o seu verdadeiro emprego
11 1111:
1!1 li:
1
mente num sentido moderno. A sonata era uma forma estru- e que se chamava "Our L:~~?' que os "crooners" disputavam
1111 1: tural inventada para dar pertinência a uma composição que não
111 ,,
Este era o acompanhament . J . ,
fosse o oratório, a ópera, o "ballet" ou o poema musical, e reça, de um drama de Shak o musica' por mcnvel que pa-
1 li'i i i[,
1
destinada a ser ouvida em concertos por um público selecio- mais puras histórias de amo es~eare dque apresenta uma das
l'" 1, nado,, sem que este precisasse ler num programa explicações brutal e aterradora beleza / a e to os o~ tempos, rica em
,,tt t
ou enredo. As tendências da música, nos últimos sessenta anos, par~de c~m pincel, Nenh~ma ou~:sma, ~o,sa que lavar uma
1111
1 1 1~
1~ são para deixar estas salas de concerto (sonatas e sinfonias) e derra servir melhor a essa d _ musica, no entanto, po-
ir para o teatro (ópera e "ballet") e para a rádio, que é a última dizer que, sob este aspecto pro uçao ~m particular e pode-se
'J' I forma de difusão e a mais generalizada do mundo. Romeo and Jufiet, porém e~ er:dr,.erferta., ~outra produção de
,. '111 Se pensamos no "Prélude a l'apres midi d'un faune", de
,,
11 'f: positor moderno. O gêni~ estfanh a a m_us1ca a um bom com-
1'íl'1 1,
li·
Debussy, em " L'Oiseau de Feu", de Strawinsky, no "Wozzeck", necessita ser interpretado e t ~ e universal de Shakespeare
•I l 1~ de Alban Berg, e em outros inúmeros exemplos percebemos mais modernos. O citado fil m o os os . tempos pelos meios
logo que a música moderna é quase toda descritiva e não, o anos sob todos os aspectos ~ã es:va atrasado uns bons trinta
que se chamou, em certa época, música pura. Em todo caso, O
de Shakespeare mas també somente para a dignidade
quase toda a música moderna, "Façade", .de William Walton, ções dramáticas' no cinema m para tod~s as outras apresenta-
por exemplo, é escrita para uma apresentação dramática e soa música de atmosfera o que eu prefiro a música moderna
melhor num teatro que numa sala de concertos. 1: absurdo que, st
uma contribuição fu~~a~\uneta~ ou certo de que ela represent~
rt:clamando a música moderna em altos brados as oportunida- Maurice Jaubert n art· · 'á f .
des do texto dramático para a sua expressão e que necessitando é antes de tudo o do;;, . . ig~ J f re e~1do, conclui: "O cinema
o filme de sugestão como elemento vital, não haja uma uni.ã0
entre o filme e a música moderna.
~eve seguir a evolução ~;~ • / antasia_; ° C?mentário musical
intervir com economia mas ~ca ou P~•co_lóg!ca do_argumento,
Em lugar disso, insistem quase todos os produtores em dar pre conservar a unid;d . e '!1ane1ra md1spensavel e sem-
música num estilo que já se tornara rançoso em 1895. As opor· niesm0 públíco ao qual ~e d~es~f~1~~' necessária para atingir o
tunidades, entretanto, são muito grandes. Só falta aproveitá-las.
ge Dre,groschenoper, de G. W. P~bst tinha -
O compositor moderno usa uma linguagem seca, original, eco·
m do texto admirável de Berthold Brecht, mºªaºs só a vanta-
também da
148
149
•1 , uma das mais perfeitas que 0 O diretor muitas vezes interfere e, em geral, exige mais
partitura de Kurt Wei ' que e escrita originalmente música do que o necessário. Em Mayerling há uma seqüência
cinema tem apresentado, se bem que
noturna em que se vê um fiacre nas ruas vazias de uma ci-
para o teatro. , úsica no cinema sem citar diJde adormecida. O barulho das patas dos cavalos, os guizos
É impossível, porem, falar F~mh~nger Neles a interpretação das coleiras dos animais compunham o acompanhamento ideal
b t tos de Oskar 1sc 1 · T
os filmes a s ra , almente impressionante. am- para a cena. Jaubert estava encantado com o efeito, mas Anatole
vi"ual da música de concerto _e re , pela primeira vez, tra- Litvak tinha "idéias musicais" e insistiu que o músico escre-
- d L Lye nos quais a cor e, . . - -
bem os e en , . Estas duas contnbu1çoes sao vesse um acornpanhamento orquestral para a seqüência.
tada musi,ca~mente no cinema. música no filme.
Quando convidei Georges Auric para escrever a partitura
important1ss1mas no. estudo dad. . a·1nda Jaubert - não deve
, · cinema - IZla · de Dead of Night, concordamos. que a seqüência do ventríloquo
"A musica no d - deve ser sin- não precisava de acompanhamento musical algum. Em Melodie
aber ~ momento preciso em qu;. as
t ar buracos sobretu o nao
preencher lacun_a~, ap der Welt, de Walter Ruttmann, na seqüência da guerra, o di-
cronizada. O musico devei. s solicitam a extensão poet,ca retor obteve um efeito inesperado com um grito 'd,e mulher
imagens escapam ao rea ismo e
sincronizado em primeiro plano e um corte para um cemitério
da música." . d'f is de resolver da música no de gu·erra em absoluto silêncio. Pode-se dizer que, pela pri-
Um dos proble~as _mais I icem ue a audiência a sinta. meira vez, ouviu-se o silêncio na tela. (Mais tarde, Ruttmann ,
cinema é o de faze-la 1rro11:per. se qque o choque musical
h,
Entretanto, a caso
s excepc1ona1s em
. p
.
cena 'qo dormitório de ero
z, CL'jas qualicfades d.e diretor do cinema sonoro eram muito gran-
des e cujos primeiros filmes tinham uma importância social
pode ser de grande efe.'to. J ar~e~t obteve um efeito fantástico, considerável, aderiu ao naz ismo e acabou morrendo na frente
de Conduite, de Jean Vigo, au locada no filme às avessas. russa, lutando contra as forças do cred.o político que tinh a
escrevendo- a música para ~er_dcode e imaginação, qualidades traído.)
Curioso exemplo d,e enge~ ~~s ªdos e~túdios.
Um outro músico inteligente, Jean Wiener, escreve: "O
tão pouco comuns nos muhs,t . n Moerder de Fritz Lang, músico deve considerar o filme como um todo que, de ma-
Em M - cine Stadt sue cme -T li " d'e Grieg é as- ne ira alguma, 'd.eve ser transformado, mas, ao contrário, deve
t•.
1 d' "A Dança dos ro s , · '
,i uma surrada me.º _ia, Peter Lorre) como "leit-motiv". O ajudar o público a excogitá-lo; a humildade deveria ser, por-
sobiada pelo criminoso ( h apaixonado por cinema tanto, a principal virtude do músico de cinema." E mais adiante:
111111
: li'!
rn 1
efeito é ~ão ~r?mático q~l~;:t: ~:; recordar do filme.
pode ouvir a ana sem ~at
Na Inglaterra, um os mu
, sicos mais interessantes para . o
t Ben·amin Britten, hoJe
''O músico tfeve ficar orgulhoso se o público não ouve a sua
música e se ela é parte do todo e não pode ser desintegrada
deste.
, 11 1 11,
ci11ema documentário foi cert;m~~ ~e óJera do mundo. Em
·1 11 1·•. A música no filme, e m ge ral, deve ser pontuada de silên -
,1111i::::, um dos mais famosos comf<?t ormusicais e corais admiráveis. cio . Deve ter períodos de respira ção e, no entanto, o público
Coai-Face Britte~ ~bteve e e1 os enquanto se ouvem vozes nunca deve sentir sua chegada ou seu desaparecimento. Deve
A subida dos mineiros no ascensor, , para mim um surgir, por exemplo, quando um a porta se fecha ou quando al-
hamam por seus nomes e, , d
de mulheres que c . . do cinema No domínio 0 guém ri ou chora, e morrer quando dá ênfase a um olhar em
dos grandes mome~tos ~~s1ca1s cu·as. partituras para as
filme de ficção ingl~s, Wi~ia~
películas shakespearianas e ~u~ .
w:~~;, Oli~ier são modelos no
poucos compassos, durante uma pausa do diálogo, escondida
detrás de qualquer coisa mais real do qu e e la .
,. m grande ev1denc1a. . _ , m ,Muitas vezes, quando a música começa, sente-se o maes-
genero, aparece e . , ica do filme de f1cçao e, e tro aparecendo com a sua batuta na mão, dando sinal para qu e
Nos Estados Unidos, a mus 'mportações como Kurt os músicos comecem a execução . Isso é tão ridículo duran te
g c.""al de nível baixo. Nem mesmo as i 'd quebrar a rotina
uma cena dramática que, francamente, tem-se vontade de man-
. ' d . k Holaender têm consegui o . ·1 dar a música e o músico para o diabo que os carregue.''
Weil
q ue ae caracteriza.
Fre enc d umentário porém, V1rg1
No setor do oc f'I d'e Pare Lorentz, Foi a Wiener que um a senhora francesa espirituosa, saben -
f , .ca para os i mes d do-o músico de filme, pergun-tou se era ele que escondia a
Thompson, que ez a mus1 B 'k the Plains tem-se revela o
The River e The Plow that ro e ' orquestra atrás dos " décors" dos estúdios ...
uma das figuras mais interessantes.

150 151
.
_ a·udado O desenvolvimento
O progresso na grava.çao tem J LJe o microfone gra-
f .1 p ·meiro pensava-se q .. Primeiro foram os ruídos selecionados para cada seqüência.
da música no I me. n Ih do que outros. Verificou-se, Depois construiu-se o acompanhamento sonoro com as " notas
vasse certos instru_me~tos dm~ or hoje se pode dizer que o mi- dominantes'', que são diferentes em cada secção. Começa o
porém que isso nao e ver a e e som Parece mesmo que
film_e com uma bre~e_ cena falada sobre a partida do trem, su -
crofon~ é Caf:?az dê gr~ar t~u~~~! ~ra ap.erfeiçoados que gra- cedrda, como trans,çao, por sinais, com o som sincronizado;
já existem m1crofon;s . e 'd humano como, por exem- segue-se uma série de vistas que acompanham o trem, tomadas
vam sons impercept1v~1s ao ouvi o '
de avião e, após, cenas na torre de controle, com todos os
pio, o canto das formigas. . de cada vez mais, sobrecar- ruídos caracterís~icos, vendo-se depois, várias vezes, o trem fil-
Há entretanto o grave l?erigo e 'neste caso deixam de ser mado de fora, com seu ritmo real e seus apitos como " notas
regar a banda sonora de ebfe1t~sd quq~ando se mistura o ruído e dominantes". Neste trecho suprimimos todas as paradas em
ouvidos. Isso acontece so re u o
estações, que foram condensadas na seqüência seguinte, ''Crew,
a música . . . vezes escrevem para um fil- depois de meia-noite". Nas plataformas de Crew usamos todos
Músicos inexperientes muita: tonalidades dos ruídos e os gritos, todos os barulhos de vagonetas, das locomotivas che-
me partituras sem levar em con a a~~ção quando se torna ne- gando e saindo e outros efeitos de urna estação. Deixando
da palavra . Resulta ,daí que n~ _gr esta, se cor:ifunde com os Crew, o rittno do trem passa para segundo plano e uma orqu es-
cessá rio baixar o n1vel da ~~~~~a, de ser percep~ível. Quantas tração de ruídos, pontuada por explicações quase gritadas, su-
outros elementos sonoros_ e , ico depois da regrava- gere as regiões industriais que o trem atravessa. As cenas do
vezes nós, diretores, ouvimos ~m n:1uhsa m' u'sica,, Não deveria interior são acompanhadas, de novo, pelo ritmo simplíficado
' , · , ode ouvir mtn ·
ção dizer: ' N1nguem p. ,, - "a minha" - e saber que, do trem, desta vez quase imperceptível, e que, se bem me
ele 'dizer "a música do filme . e nao 'm de tonalidade errada? recordo, era feito pela bateria; os operários falam em sincro-
. . d O defeito prove . d
na maioria os, ~aso_s, . bter efeitos com o terceiro os nismo, com grande naturalidade . Estamos no patamar que pre-
Pode o musico tntel1gente o . ruído Brian Eas- para o clímax do filme; o trem apanhando e descarregando
grandes eleme~tos da ba1ad s~~~::• ~~e :m~ric Pr~ssburger, e sacos de cartas, a grande velocidade. Aqui se repetem alguns
dale, cuja partitura para e de s~cesso é o autor tamb~m apitos não sincronizados sobre primeiros planos das rodas d a
Michael Powell, alcançou. gr~~ dois do~umentários por mim locomotiva, servindo novamente de pontuação. E finalmente,
do acompanhame~to musica eBi -Money. Neste último, ver- depois de um pequeno interlúdio musical - usado como anti-
produzidos, Men
d
!" DEang«:_r
bre a Caixa conom1 e.,
~C"' ~le usou na composição de clímax mostrando a alvorada - a subida para a Escócia, que
san o so , • d escrever termina com a seqüência lírica, em que os versos de W. H. Auden
sua orquestra várias maq~tna~ eu·a conce~ção da mú~íca no seguem
tico . o ritmo do trem e produzem um grande efeito dramá-
Mesmo Richard Addinse , . c J t· que em Men of
, • 1 da minha consen 1u , d
cinema esta .muito onge 'do i ocar das metralha o- No entanto, poder-se-á alegar que a música e mesmo a
the Ught-ships u~~ssemo~, tem ~~!m sobie os faroleiros, a que- palavra representam um pequeno papel na banda sonora de
ras quando os av1oes nazis as a dão a impressão do ruído Night Mail. A preocupação da perspectiva sonora, a seleção das
da de grandes placa~ de ftro, e~~inagens que recebem o cho- dominantes e o estudo da pontuação obtiveram um resultado
da metralhadora ouvido pe os P
que abriu largas possibilidades para o uso do ruído em qual-
que das balas. . mesma época escreveu a guer filme dramático . De fato, a perspectiva, as dominantes e
Benjamin Britten, Jovem 9u_e n~ minha produção, usa o a. pontuação são os três grandes fatores para o uso de ruídos
, .
musica para vários documentarias
. e
no filme. Em certos casos, poder-se-á colocar ~o lado deles um
ruído com grande. m:Sfna. 'do pode dar "perspectiva" à quarto e/emento, que é o contraponto.
Sempre acred1te1 que o rui música No caso de
banda sonora muito mais fac_ilmente que c~ncebida·s ao mesmo . No cinema tem o ruído um valor puramente abstrato, que
é independente do seu valor real . A imaginação, agindo sobre
Night-Mail as imagens do I f1~e~t~º:~~oro. Se nã_o tivesse sid~ os o~vidos, mostrou, por exemplo, que o som do vento pode
tempo que o seu acompan ,~ . m tornado excessivamente mo swgerr,: _velocidade ou profundidade, que o ruído do motor de
assim os ruídos do trem se ena . . -
nóto~os. Eis o resumo dessa plan1f1caçao: um a~rao pode dar a idéia de altura. O filme dramático, po-
rén,, ignorou, por muito tempo, todas essas possibilidades do
152
153
..., <? outro meio de usar o ruíd .
rUído. Este era usado somente em estrita sincronização . O ba- respeito ao som irreconhec' 1 O o para efeito dramático diz
ter de uma porta, o tilintar do telefone, o barulho do motor durante a noite. Em se trata~vJo· d. som que lhe tira da cama
de um avião, o resfolegar de um trem, o fragor de uma queda nhecer a de sua esposa d _e uma voz, se você não reco-
d'água são ruídos tão óbvios, quando sincronizados com as e s:ndo-lhe totalmente 'est;a~i~ f~ho ou ~e alguém da família,
próprias imagens, que passam sempre sem ser notados. Estes ta_çao. Os ruídos têm essa l'. em maior será a sua inquie
sons, nos "talkies", foram usados como único embelezamento me_nte ~ sua. origem e certo1u~~1ª1ie: não sugerem inevitavel:
sonoro, fora da palavra sincronizada, e acabaram por tornar-se assim dizer, incógnitos. u os podem ser usados, por
fatigantes e quase ridículos . Quando compusemos a b
Mas quando o assassino, em M , de Fritz Lang, que tem o mos q~e fazer o barulho de i;da sonora de North Sea, tive-
hábito de assobiar alguns compassos da melodia , de Grieg, é do _navio . Te.ntamos. vários rec a vaga quebrando no convés
reconhecido por um cego, o som se torna um grande elemento seçao de efeitos da B B C ursos. Apelamos inclusive para a
no clímax do filme. Além de ter feito da melodia parte do en- a · 1 · · ·, mas nada do
P. redc1a rea_mente impressionante p f que nos foi proposto
redo, Lang soube usá-la com tal sen·so de perspectiva, que essa ~,e e rangido metálico, ue ~ . or . i~ achamos uma es é-
areazinha corriqueira se torna ameaçadora e se transforma no
símbolo do personagem encarnado por Peter Lorre, de sua lou-
i
ficado. O guincho dava im~~; 1:od~na Jamais ter sido ide~ti
espremido_ diagonalmente e tod!sao e qu~ o navio tinha sid;
cura, de seu sadismo. Um compasso ou dois de música! Não Era um ruido maravilhoso porqu/ as ~uas Juntas arrebentadas
posso esquecer o filme quase no fim, com toda a sua intensi- Vejamos agora um ex era irreconhecível. .
dade dramática, quando a música é ouvida sem que se veja mada época do filme muJ:P~~ quE:_ nunca esqueço, da cha-
o assassino. Em outras palavras, quando não é sincronizada. câmara. O diretor musical in.terroma~1a0 voava em direção da
Poderemos ir mais longe. Todos já ouvimos um ruído du- nho som avolumava-se. Nada tinh pia a orquestra e um estra-
rante a noite " não sincronizado", isto é, sem ter a no_
ção exata motor, en:bora o efeito fosse / que ver _com o som de um
de sua causa . Neste caso, com inquietação, deixamos a cama rar a sessao seguinte, para co~ce ente . Curioso, _precisei espe-
para investigar as origens do ruído. obt1do. Prevenido, ao escutá-ltreerder como tinha este sido •
Estes dois exemplos, o assobio no filme de Lang e o ruído
·f
um som muito comum ouvido .. pe h segunda vez, reconheci
dos pratos tocados por' duas b Ja m1 ares de vezes: o de um
noturno, que nos faz averiguar sua causa, levam-nos a conside-
fo fa_miliar que, mesmo retend~quetas es!ofadas. Um som mui-
rar os dois meios de usar o ruído para um efeito dramático,
ambos baseados na sugestão. O método de Lang era o de usar p~rd1do, no e_ntanto, a sua identi~a~:ual1dade dram~tica, tinha
a imagem. A imagem transf . quando combinado co m
um som reconhecível e sugerir a ameaça de sua aproximaçâ0, do avião. armara as notas do prato no ronco
sem mostrar o caráter. Aqui, como no domínio da imagem, a
sugestão é mais efetiva que a evidência. Este recurso tem gran- r
Eis _porque os ruídos -são , .
des possibilidades e algumas bastante simples: a tela escura e falam diretamente à emoção ~o ute1~ n~ banda sonora. Eles
um barulho repentino m . . ma criancinha se assusta com
passos no cascalho, etc.
laç~o entre barulho e 'p er~~º antes de saber se há alguma re-
Richard Massingham, na sua pequena comédia, Tell me if berigo_. Os cães fogem qua~Jites ~ esmo de saber o que é o
hurts, obteve um efeito cômico com o tique-taque de um reló- andeJa de metal. Ê ue a . se ate num gongo ou numa
gio na sala de espera de um dentista. O tique-taque se acelera rur10, contornando a ~telig~~~ag~°,5 falam à inteligência e 0
toda a vez que a assistente vem buscar os clientes. ~o,und_o e instintivo, como pro~ª• a a a a~guma coisa de mais
O ladrar de um cão é um dos sons mais usados de uma ~- E ist? nos leva a concluir am a rea~a? da criança e a do
filmoteca. Pessoalmente prefiro empregá-lo quando preciso in· rfst1ca da imagem na tela é a suiue ~-:{1ªd1s importante caracte-
dicar uma atmosfera doméstica, alegre e despreocupada. Em 0 f. ilme é pois um m . d qua I a e objetiva .
· ' ' eio e tornar um ·ct ,. •
todo caso é quase essencial que não se veja um cão em ce~a, de uMu1to poderia escrever sobre isso m a i e~a evidente.
porque o efeito diminui quando a sugestão se torna evidênc,a.
Gritos de gaivotas foram um meio de sugestão sonora tão
serf{ ponto que ninguém pode disc~f ªo creio ~ue se trata
corn~ :~d~,d~~~reende-o muito facil;~nteue~ ;~~:ma cena
comum na escola do documentário inglês que, por fim, já era
, num estúdio, porque O â~ 1 d apa~e~e
até cômica e precisou ser banida. gu o a sua v1sao

154 155
é de grande abertura e inclui o teto e as paredes do estúdio;
mas quando se olha através de uma lente, cujo ângulo seleciona
a parte que ela torna verdadeira, o lado literal da imagem se
torna evidente. O que não quer dizer que, sendo a imagem um
meio de evidenciar, e o som, um meio de sugerir, não possa
a imagem fazer sugestões e o som contribuir para evidenciar.
Durante o período mais importante do cinema alemão, a
tendência era usar a imagem para sugerir, em vez de evidenciar.
Não se pode negar que os efeitos obtidos foram muitas vezes
convincentes, mas temos que admitir também que essa preo-
cupação caiu de moda porque os diretores tendiam a usar a
câmara para uma finalidade que não era a sua.
Ao se afastarem cada vez mais da realidade, os filmes ten-
dem a tornar-se absurdos, porque a credulidade das audiências
se esgota. Por isso a tendência das imagens é tornar-se cada
vez mais fiéis à realidade. Na minha opinião, esse processo é CAPfTULO VIII
Inevitável, porque a câmara é, por natureza, um instrumento,
ao passo que a natureza da visão é um sentido.
Quando a sugestão se torna uma necessidade para fins dra-
máticos ou poéticos a linha a seguir é a exploração do uso do O ATOR
som. E sobretudo do que chamamos de som não sincronizado.
O narrador do fim do século XIX falava sem sincronismo, mas
representava no cinema o papel que o coro grego representou
na tragédia clássica, e o efeito tinha suas próprias qualidades
dramáticas. Quando a palavra se tornou sincronizada, o narrador
deixou de existir porque o seu comentário se tornou óbvio e
mesmo absurdo.
Ao entrar no cinema a música não era sincronizada e obti-
nha grandes efeitos dramáticos., mas quando, por sua vez, su-
cumbiu à tentação do sincronismo com o movimento - o que
para ela era muito mais perigoso do que para a palavra -
foi deturpada por toda a sorte de efeitos não musicais.
Tal como a palavra não sincronizada, que tem ainda gran-
des possibilidades no filme dramático, a música e o ruído ten-
dem a ser usados cada vez mais fora do sincronismo. E, falando
do ruído, não devemos, ainda uma vez, esquecer o silêncio.
Uma pausa da orquestra, pontuando um momento dramático
num filme, produz efeito semelhante ao obtido por Haendel
com a pausa geral, quase no fim do Messias, no coro de "Hal-
leluia". Poucos diretores d.e filmes, no entanto, têm usado as
possibilidades do silêncio. Silêncio pode corresponder dramati·
camente ao ruído mais violento, ou ao negro mais profundo
de um desenho com as cores mais brilhantes.

Florença, maio de 1937.

156
DOIS PONTOS DE VISTA

Durante a minha viagem à Polônia, para fazer um levanta-


mento do cinema em Varsóvia, representando um grande pro-
dutor francês, encontrei o filme polonês em estado embrio-
nário. Isto explica, talvez, o convite que me foi feito então -
e creio que foi o único no gênero, em minha vida - para que
eu aceitasse tornar-me ator . Esclareci aos interessados que
c.o nsidero os habitantes do globo como divididos em dois gru-
pos igual: 50% nascem na frente da câmara e os outros 50%
atrás e que, decididamen te, pertenço ao segundo grupo. A
brincadeira, no fundo, tem mais significação do que parece, por-
que, na indústria cinematográfica, há dois pontos de vista dis-
tintos, o do ator e o de todos os que ficam atrás da câmara.
Os famosos versos de Kipling, " Oh, East is East, and West
is West, and never the twain shal/ meet", poder-se-iam aplicar
perfeitamente a esses dois grupos . Se se dissesse que os ato-
res escrevem pouco porque pensam pouco, e les, suscetíveis, se
efenderiam . Mas, envaidecidos pela ação direta que têm sobre
o Dúbiice, quando resolvem ventilar sua opinião, dão pouca im-
P0rtânda a todos os responsáveis pela realização de um filme.
Se eu tivesse ilusões a este respeito, tê-las-ia perdido no início
da última guerra. Havia le is severas a respeito da economia
de luz . O vestíbulo austero e famoso do ''Garrick Club" se
~chava quase na penumbra. Eu estava num canto, sob um aba-
Jllr que só iluminava a revista que lia . Um grupo de atores,
'ª?1bén, membros do clube, chegou, instalou-se em torno da la-
reitc1, encomendou "drinks" e continuou a sua conversa, que

159
dizia respeito a diretores de cinema. Quando o assunto se ia goria vinha, em grande arte d
esgotando, levantei-me e acerquei-me do grupo, que, até então, eram imersos nos estúdigs d~ 0 ~cruel b~nco de luz em que
não me tinha visto . As expressões de recapitulação geral do ser a projeção do filme mud entao; a camara lenta, por não
que cada um tinha dito foram, talvez, as "performances" mais regra uma expressão não s~ co~trolada mecanicamente. Via de
verídicas que muitos dentre eles deram até hoje. que uma se apagasse para so repunh~ à outra. Era preciso
Desde esse dia, nunca hesitei em declarar francamente o não fosse, num filme rodad~u~/ outra, tivesse início. Se assim
meu ponto de vista e tzmbém o de meus colegas diretores, segundo e que era projetado e~~-ela epoca a. 16 imagens por
produtores e da maioria dos que estão atrás ela câmara, sobre g~n~o, o movimento acelerado da e 26_ e - 30 ~magens por se-
os atores. publico seguir as mudanças d proJ:çao n~o permitiria ao
Pudóvkin, um dos maiores diretores, mantém que uma ex- rodados a 24 quadros por se u~dexpressa?· HoJe os filmes são
pressão fisionômica fora do seu contexto pode ser substituída cidade. Eis porque se pod
desejoso de terminar sua :
J O
e proJetados à mesma velo-
/2er que O operador de projeção
por qualquer outra expressão sem que o público perceba a di- 0
ferença. É assim que a decepção se pode transformar em medo, nancioso procurando encai::r ª quant~ a~~es e o exibidor ga~
o medo em dúvida, a dúvida em ódio, o ódio em tristeza, a tris- ram na arte de representar no uc?'lª sessao de quebra'', influí-
rnema mudo ..
teza em surpresa, a surpresa em amor e o amor em cólera - O coeficiente de atraçã d ·
toda uma gama de expressões dramáticas, que muitas vezes ve- ~ortância. Grande parcela d~ pe~s~~~~~ ~ev~ também a sua im-
mos, graças ao departamento de publicídade dos estúdios, ilus- frcava por conta da ima ina ão d , , .ª e o ator - a voz -
trando em magazines a versatilidade de um ator . A verdade é tece no rádio onde s g ç O publico, tal como ho1·e acon-
. . , e ouve a voz do · t, .
que estas séries de fotografias, uma vez tir~das as suas legendas, ouvinte imaginar O tipo físico do ator. rn erprete, cabendo ao
poderiam servir de base a um jogo de salão bastante divertido,
cujos result ados seriam pouco lisonjeiros para os retratados. Houve também um fenôme . .
plicar sem parecer dogmáf ~ CUJa sutrle~a é difícil de ex-
A teoria de Pudóvkin poderia estender-se muito mais longe mudo viviam encerradas n~c~t· s grand~s. trguras do cinema
e levar-nos à conclusão de que as expressões estereotipadas passavam com a maior celerida~os~era art1t1c1a/ dos estúdios e
são invariavelmente falsas. Esta era a razão preponderante que personalidade, de certo modo e e _u_m ftlme para outro. Sua
existia durante o auge do cinema mudo, para banir a maioria st
de contacto direto com O públi~ e ~atif,~o~-se com essa perda
dos atores de teatro dos estúdios cinematográficos. Foi o cine-
ma mudo, entretanto, que ensinou os atores a pensar, que os
se estilo sublimado que tanto i~ e •ss? º'
uma das causas des-
nema sonoro, ao contrário é sa,r;ess,onava as platéias. No ci-
selecionou, deixando de parte aqueles que eram incap2Zes de de vez em quando, no teatro u ar para u!'1 ator representar,
fazê-lo no seu "metafórico e alusivo estilo". Só muito depois d0 ator mudo. ' porque ele nao usa a estilização
que se exigiram estas possibilidades de pensamento é que se
tornou viável a análise. Chaplin, cujo gênio contribuiu -
A maioria dos intelectuais europeus e os saudosistas de to- e~ tantos ramos diferentes sob para a ev?luçao do cinema
d~s as latitudes têm um esnobismo curioso: quanto mais velho çao, foi o único ator que ,conseº ionto de vrsta _da interpreta-
é o filme, e quanto mais mudo, mais o admiram. Para eles as todo o estilo e as qualidades d _g u traze! ao crnema sonoro
. e rnterpretaçao do cinema m d
grandes figuras de outrora, Harry Langdom, Mae Murray, Lilían Uma das contribuições 1 • u º·
Gish e Walter Reid nunca foram igualadas. No fundo, é fácil da transformação do ator no s~ª s ,nt~ressantes para o estudo
explicar o que tanto os impressiona nesses atores do passado. P<IJ?el de Norma Desmond ~ ;oro foi a de Gloria Swanson no
Primeiro, a máscara branca, que dava aos olhos uma ênfase ex- e Charles Brackett. O til~ e~ hunset Boul~vard, de Billy Wilder
traordinária. Robert Donat define: ' 1The eye is the window. of um ponto de vista sur ree~ rn ª'. a resperto do cinema mudo,
the soul." Desde cedo considerou-se que, no cinema, só os Portãncia moral e artís~ca à d~~te. nega~a toda e qualquer im-
olhos deviam transmitir o que o ator exprime; o resto da más- de h0je. Quanto a GI . q o que foi a base da Hollywood
cara permanece imóvel. Com efeito, os olhos de Asta Nielsen, de duvidoso sem d·rge • orra Swanson, ressuscitando num realismo
d • · rir a nova técni d • .
Buster Keaton, de Mary Pickford são inesquecíveis. e sua época, longe de tod f ca, ava u'!'a rdéra caricatural
8Uhdos de ro·e ã a a antasmagona, que alguns se-
Segundo, a maneira fantasmagórica de exprimir uma su·
cessão de expressões como que em câmara lenta. A fantasma· destruíam cbm :Jdçe ? . de QI º~':"' ~elly, de Erich von Stroheim
crsrva e oquencra. ,

161
O verdadeiro filme sobre o ostracismo dos sobreviventes d9s for~f!l nu(os,. porqu_e ~ão proporcionavam aos alunos as no-
do cinema mudo na indústria de Hollywood de hoje ainda está çoes bas1cas md1sp_e~save1s para torná-los bons atores.
por ser feito. Só uma atriz, senhora da representação · no cine- . Tanto para,. <;> rad!o como para o cinema, as bases de a ren-
ma sonoro, poderá recriar na tela a idéia que temos desses ina- d1zagem dramat1ca s~o. as mesmas que as do teatro. Aslsti a
daptados. Durante todo o desempenho laborioso de Gloria
Swanson, atriz que tanto admirei no passado, não pude deixar ~~r:sd~ºR;~n;~~da:~:~
,, • ,,
1: ~ats, da E~c~la Foggerty, no Albert
r e 0 rnmatrca, ambas de Londres
de pensar no que Bette Davis - a maior intérprete . do cinema e ,os curn~u 1_um dessas três grandes escolas, de onde te~
americano de hoje - teria realizado no papel de Norma Des- s~ido ª '.'1ª 1ona dos mais notáveis atores franceses e ingleses
mond. Ainda uma vez só sugerindo, só se recriando a realidade, sao_ sens,ve 1merte os mesmos. Aulas de dicção e de mímica '
se obtêm no cinema verdadeiros efeitos artísticos. ensinando o controle da voz e do movimento· aulas d · '
· - f ·1· , e 1mpro-
Sun:set Boulevard, no seu exagerado convencionalismo, está ~1saça 0 , que ac1 1tam reações rápidas de expressão e d · '
longe do documentário dramático sobre o "clash" entre o cine- t1ca, para ~ar elasticidade ª'? corpo; elementos de' dan;a g~n~;
ma mudo •e o sonoro . A escolha da Gloria Swanson para esse canto, destinados a proporcionar noções de r,·tm ,
t . 1 b • · o a voz e ao
papel talvez tenha sido devida a uma certa dose de sensaciona- ges o, au_ ~s so re a indumentária e a história do teatro, tenden-
lismo, esteticamente tão errônea como o recurso do esbofetea- tE:5 ~ _facilitar a compreensão do estilo cios diferentes períodos
h1storicos.
mento de Lilian Gish, por Griffith, e da peni~ência de Falconetti
imposta por Dreyer. Só na Jas~ final desses ensinamentos - ilustrados já então
por conferen~1as sobre~ estética em geral - expoentes do cine-
A psicologia do ator no cinema mudo, no cinema sonoro
e no teatro tem entretanto muitos pontos em comum. Basica- ma e do rádio, em tres ou quatro lições, exp licam -lhes como
adaptar o _ que ~prenderam a ess~s duas especialidades. Dois
mente, a vocação do ator é uma manifestação de exibicionismo. anos seguidos fui o responsável, no Albert Hall, por essas aulas.
Só quando controlado pelos ensinamentos das escolas dramáti-
cas, pode esse exibicionismo ser canalizado com proveito. Se é verdade que o fato de ter sido formado por uma das
g~a~des es~olas representa valioso cabedal para um ator prin-
No Brasil existe uma verdadeira obsessão pela criação urgen- c1p1ante, nao SE:_ pode neg~r, no entanto, que- em muitos casos,
te de escolas para atores. Os exploradores se têm aproveitado graças a v~c~çoes excepcionais, atores têm alcançado notável
da crença do público na eficiência dessas escolas e fundado sucesso. art~st1co sem passar por elas. Os que conheci, desta
grande número delas em todo o país, até mesmo por corres- categoria, _tinham geralmente grande capacidade de trabalho e
pondência . As prefeituras gastam, muitas vezes, dinheiro dos era"2 humildes em seus contactos com a direção. Só uma su-
contribuintes, entregando a "mestres", nem sempre credencia- tess~o nume~osa de papéis pode torná-los intérpretes perfeitos
dos, dúzias de jovens alunos - e alunas - crentes em que, Aq_u1 no Bras1l 1 onde se fazem relativamente poucos filmes :est~
uma vez diplomados, poderão, enfim, vencer o ''teste para in- treinamento prático é difícil de obter. Além disso, os n~ssos
gressar no cinema nacional" . estreantes, em geral, pensam que só o fato de terem consegui-
Quando o monopólio de J. Arthur Rank estava no seu apo- cio uma oportuni~ade, os isenta de estudar e mesmo de, humil-
geu, decidiu-se que deveria ser criado o que se chamou "Charm- demente, se dedicar com carinho ao trabalho e à disciplina.
School". Essa instituição era baseada nos princípios do "Gro- _ Os exa_mes das E!Scolas dramáticas de um grande centro
oming", de Hollywood. O bom senso não tardará a julgar os sao a~ontec1ment_?s muito importantes para a indústria cinema-
resultados do "grooming'', sendo o mais aparente uma "unifor- ~~r;fica · Os p~mcipa!s agentes e os "casting-directors" são
mização", que torna muito difícil distinguir um rapaz de outro 0
c idados • Mu1t_os ~iretores, que no momento não estejam
rapaz e uma moça de outra moça, no mesmo grupo californiano. ele~pa~o~ na realrzaçao de um filme, sentem-se na obrigação
Nessas "Charm-Schools", moças e rapazes são ensinados a se
vestir, a fumar, a andar, macaqueando o que os organizadores
desªt5 1
stir a eles. Os examinadores são, em geral, personalida-
nas º~portantes no teatro, na literatura e na crítica teatral. Ce-
imaginam ser as atitudes dos grã-finos. Os estúdios de Korda, e mod mesm~ atos completos de comédias ou dramas, antigos
concorrentes da organizaçã~ Rank, insfüuíram imediatamente nos d erno!, s~o representados pelos alunos. Muitas vezes alu-
uma organização semelhante, que era a das "starlets". Malgrado do os_pnme,ros a~os se misturam com os dos últimos, f~zen-
as substanciais somas gastas nessas duas instituições, os resulta· papeis secundários. Os que obtêm diploma com distinção

162 163
re cebem, quase sempre ,dp ~ desses ramos ou, excepcional-
ro ostas para o teatro , cinema ou
rádio . O sucesso em caaoa mesmo
u tempo , não depende apenas tário , sua in expe riê nc ia se to rna chocante. É que neste, não ha-
, · deles , vend o u m a s ituação d ramático -sen ti menta l para pre nde r a aten-
mente, em varias . s rimeiros contratos. 5 o um
da oportunidade trazida ~or este ~e disciplina podem confir- ção do p úblico, qualq uer dos gestos de tra balho t o ma uma im-
portâ nci a conside ráve l.
trabalho constante e gran e sen;~ponder à confiança dos que
mar o êxito dos exames e corr
os contratam. Minhas restrições à interp re tação de Sunse t Boulevard par-
tem da pre ocupação que sempre tive em distinguir o s d ois tipos
de ator, o do docum e ntário e o do filme de ficção . Como atriz
de documentário, numa reconstituição d a realização do filme
11 mudo, Gloria Swanson se ria excelente, m as, não tendo evoluído
com o filme sonoro, não dá com os rec ursos deste a idéia exata
de um papel de atriz do cinema m udo.
O INTÉRPRETE
Dirão a lguns que a ca rre ira dos a tore s de doc umentário é
muito limitada, por isso qu e um h um ilde trabalhad or de um a
1 d ifere nça entre o amador e
Em esporte, é basta nte cara a de raça o amador, muitas fazenda d e café d e São Pa ulo dificilm e nte poderia ser o p eão
0
profissional·. Se bem f~u_e at,ueque
vezes, é superior ao pro rssron a '
l
p ag~ e bem p ago, para
'
que trabalha numa es tâ n.cia do sul. Isto é tão mais verdadeiro
num país onde o do cume ntário se e ncontra ainda em embrião .
atuar . . ador é O autor do documen- Na Grã-Bretanha vêem-se, em muitos filmes docum e ntários, o s
No cinema, o equ1va\ente ao am astar tempo e dinheiro no mesmos personagens, que rea p a re cem por já e sta re m aco stuma-
tá rio . Os grupos que te1m~T em d~ 16 mm nunca conseguem dos às exigências de film agem e por sere m personalidades mar-
amadorismo puro e fazem i mes udo no ue diz respeito aos cantes na tela. A sua ha bilidad e d e a rtesão serviu- lhes é:cima d e
senão resultados desastrosos,_ sofbret sos são 1s de uma dançari- tudo de cartão de vis ita e lhes a briu as po rtas da inte rpretação
f.lmes os mais amo D
atores. Destes • , d . telectualismo, Maya eren, no documentário. O mais co n hecido de todos foi certa mente
na medíocre, com fumaç~s d
filmes esses falsamente tac a os e d1; experimentais, que circulam Bill Blewitt, que era ag e nte de co rreio na a ldei a de Mousehole,
na Cornuá lia, e q ue, d e p o is d e estrear num f ilme sobre econo-
nos clubes de cinema. 1 oviética e com o documentário, mia doméstica, intitul ado Saving of Bill Blewitt, po r m im p ro -
No entanto, com a esco a bs. contra o ator profissional, duzido, se tornou um marinh ei ro e m North Sea e fez m uitos
. 'cie de esno ismo . t
criou-se uma espE:_ . de qualquer maneira, 1evan ar outros perso nagens d o mes mo tipo, de profissões d ifere ntes, e m
esnobismo que nao conseguiu, ue nada têm a ver com os vários documentá rios, acabando por aba nd onar sua especializa-
0
nível dos intérpre~e~ am!tt~!• d1sconfiei que a n:,aio~ia dos ção para tornar-se ator de ficção nos estúdios comerciais.
atores do docum_e ntario. S ~
1 "ºº:.,
'1"·-·
''1l li'"'
1111,
t

1
in té rprete s nos fi lmes russos e fco t·
m osta d e profiss 1ona1s; e':1
do amadori smo é deli-
todo caso , pode-se dizer que a ro;o~•~a re munerad o e aparece
Os atores de documentários beneficiam-se do esnobismo
a que me re fe ri porque são consid erados por muitos como não
mitada no mom e nto em qu e o a profissionais. Na ve rda d e, quando se t rata de um ator cinema-
tográfico, é muit o ma is d ifícil que no esporte precisa r qua ndo
num filme comercial · , . deu ao ator do do-
deixa ele d e se r ama dor para torn ar-se profiss ional. Oficia l-
Na , indúst~ia cinE:_ma_tograf1c~l;u;~ªrescee. Em compensação,
mente e le só é profissional qua nd o faz p arte de um s ind icato ,
c um e ntario a ,mportanc1,a. qu~'ticarn-se acerbamente os produ- n:ias logicam e n te já ing ressou na profissão qu ando apa rece u no
nos meios do document.r10 e i um filme documentário, atores Ctnema, obed e cendo a qualq uer orde m d o d ireto r na realização
tore s e diretore~ q~e ut1 rza:, ~a maioria das vezes, são in- de um fil me e rece be ndo pa ra isto um "cachet".
d c film es de f1cçao, porq~ ~ficiência necessária os trabalho~
capazes de executar com - exi idos dos atores de d ocume~ Na categoria dos in térpretes profiss ion a is os mais nume-
do artesão qu e, e m ge r~I, :ªº g história se passa e m meio rosos e os mais modestos são o s fig urantes. No Brasil não há
uma figuração o rganizada. t in teressan te observa r, no entanto,
tário . Num film e de f,cçao, se tª • d maneira precária, i5t0
, 1- mpunh a uma 01ce e n- 0que o pape l de figuran te na Europa tem re lações mínimas com
agncol
não tem o. ga .ª
a emuita e " . . mas se tal acontece num doeu me
importanc,a, Papel do ator. 95% dos figura ntes sabe m que nunca passarão
a ser ato res. Desses, metad e já está conform ad a com o seu des-
164

165
tino e a outra metade adota esta profissão temporariamente,
enquanto espera outra melhor. Todos vivem protegidos por regu- quenos atores trazia boa scrt .
lamentos severos de seu sindic2.to, que deles exige uma cota b_é_m uma velha inglesa, que :i:~ll ~le_witt e ra um deles; tam-
mínima e outras obrigações menores. Quando se vestem a rigor, Lilran El(is, <: em Paris, uma vete/ OJe _me escreve, chamada
quando têm que dizer uma frase qualquer, quando precisam e mexeriqueira chamada Vai t· ana atriz francesa, solteirona
dançar, cantar - mesmo em coro - , apanhar chuva, correr ' en me Camax
Complexo da "pontinha" , , :
enfim o mínimo perigo, obtêm eles da companhia produtora porque esses atores não mel~irma espec1e_ de dr~ulo vicioso,
compensações financeiras para cada uma dess2.s atividades, que realmente por papéis tão am por nao se interessarem
são incluídas no seu 11 cachet". também às estrelas. Muita/deel~:~~~ Esse rn,mplexo se estende
Os restantes 5% são tipos diferentes e "wishfulthinking". planos num argumento e as linhas 1am o n~!11ero de primeiros
Alguns são literatos ou pintores, que só fazem este trabalho para deve ser o maior esque e d de seu _dialogo, que sempre
buscarem inspiração; outros têm a certeza absoluta de que aparecer na tela numa ' e n °
situação dque é, . muito mais · ·interessante
se-rão, mais cedo ou mais tarde; descobertos, e acabarão
por se tornar estrelas. Sempre achei que todas as lendas criadas
em Hollywood, atribuindo à perspicácia de certos diretores a
e.ida, do que ficar muito tem o
ouvir, em vez de agir e fala~
que fazer alguma coisa. .
tm ramatica curta, mas bem mar-
c_ena_s_e,:n fa_zer nada.~ como
mais d1f1crl nao fazer nada do
descoberta das maiores estrelas em meio dos. "extr2s", não era Sempre suspeitei que Cla ud .
senão um sistema muito engenhoso de publicidade capaz de amável pretexto tivesse recu d e O auphm, embora alegando
atrair um grande número de pessoas para uma profissão bem
pouco atraente. Mas realmente isto nunca deu resultado, por-
Dead of Night por achá-lo mi~ 0 0
papel do ventríloquo de
a reação de Michael Redgrave q O curt_o. Outra, no entanto, foi
quanto só um número muito limitado dos que fazem este tra- êxito. ' ue acertando-o, alcançou grande
balho acredita em tais lendas, A figuração é um fim e não um ~ corrente entre os coad ' uvan .
começo. Muitas vezes encontrei grandes atores do passado es- fãs, pensar que O "sex-appeal}, . tes, como também entre os
quecidos, miseráveis, obrigados a trabalhar como "crowd-artists". simo . na consagração de uma ;=rr~1:enta o PªP:I importantís-
Em Eallng, ce rta vez, dirigindo uma cena, reconheci na figuração f _sab,do que os atores da tela m · O que _n!o é verdade.
Gibson Gowland, que foi o intérprete principal de Greed, de nao constituem atração . sexuai d.esmo na escundao do cinema
E~ich von Stroheim. unicamente sobre sua ima . - ,reta para a audiência, agind~
Entre a figuração e o estrelismo há toda uma fauna de ato- ria -das estrelas têm fãs dog~~açao., ls~o explica por que a maio-
u_m público masculino bem m~tropno sex?·. Gregory Peck tem
res que realmente são mais numerosos e representativos que as
estrel2.s como profissionais, mas que não possuem para o pú- ºf
c1pal desse fenômeno está no tqu~ feminino e a razão prin-
blico nem o "glamour" destas, nem o mistério dos 11 extras". encontrar na figura do ator as a ~ e cada um dos homens
Trata-se, em suma de um . quf !idades que desejaria possuir.
Aliás, qualquer desses profissionais do 11 centro", por me- Greta Garbo ainda' é O lhs,mp es processo de identificação
nores que tenham sido os papéis por eles desempenhados, pensa S . me or exemplo desta teoria. ·
no seu foro íntimo que só não é estrela por uma injustiça fla- er o ideal de mulheres de t d
grante dos produtores, dos diretores, dos " castings directors" e as raças e de todas as core o o o globo, mulheres de todas
dos agentes. Em Hollywood criou-se um grande estoque de exce- consegue guardar esta pos· s..! que responsabilidade! Miss Garbo
lentes atores de segundo plano; na Europa são muito mais raros, lon~o e, mais do que iss~ªc:nPº~ um tempo excepcionalmente
tanto que a maioria dos diretores - e neste número eu poss0 a ~ao perder a nossa adm! ~n er _este p_restfgio de maneira
incluir-me - insiste junto aos "casting directors" para que haja
o ideal do público. Ela t iraç~~- Aliás, M1ss <?arbo não é só
~strefas e imitada um sem er1; s1 o também o ideal de multas
sempre atores novos nos pequenos papéis de cada filme, visto imitadoras, porém, conseg -~umero de vE:z~s. Nenhuma de suas
que os existentes são medíocres. Nosso ponto de vista é que o· . wu o seu prest1g10 e a sua grandeza
mais vale tentar uma "cara" nova do que di$trair o público co_rn izem que Miss G b , . . ·
o pensamento: "Onde é que eu já vi este sujeito?" Isso r:iao acte'dlta nisso or ar o e mulher inteligente e o público
impediu, é verdade, que, durante longos anos de minha car• Eugene O'Nei/ pde q~ils~~~ bu~ca~a os seus papéis nas obras de
reira, eu tenha tido a superstição que o emprego de certos P,. ~~etsma inteÍigência na' :scoiha°;erset Mda~gham e mostrava
s ' Feyder, Mamoulian, Brown. e seus ,retores - Stiller,
166

167
...., Mas a sua inteligência não é a única razão de seu valor. portação dos atores é um dos m .
A atriz sueca conservou-se sempre uma estrangeira em Holly- ataque - da indústria cinematog~á1•s d~ defesa - e de contra-
wood. Ela nasceu para film ar no seu país, porque os filmes Se erroneamente superest· ica e Hollywood.
suecos tinham uma espécie de sensibilidade e de modéstia que . · 1mam "s ,,
no e!1 tanto, ignoram um fator m . O e~-appea1 , as estrelas,
desapareceu do cinema com eles. Essas são as duas grandes carre1r2, que é a durabilid d C u1to ma,s importante na sua
qualidades de Miss Garbo: sensibilidade e modéstia. Além disso de es_trelas passaram comi bólidentenas e centenas de nomes
os filmes suecos foram os melh0res fi lmes românticos que ela próprias e os seus produtore ~s nos cartazes, embora e las
fez e este é um detalhe muito importante em sua biografia. dade. No en tanto, gente com s est1ves~em certos de sua eterni-
Os departamentos de publicidade inventaram que Greta
Garbo é mulher misteriosa, mas ela nada mais é do que uma
lace Beery, Charlie Ruggles f -;azu Pitts, Victor McLaglen, Wal-
Qavis, Claudette Colbert c~nf t"cer Tracy, Gary Cooper, Bette
atriz profissional e, acima de tudo, uma boa atriz, tanto quanto bilidade, conseguiram m'uito is ~ntes neste requisito de dura-
a Ouse ou Rejane ou me.smo Raquel, esta antepassada ilustre. São as estre las que duram no c:~ que os o~uscantes cometas.
Como elas, Miss Garbo não precisa mostrar as pernas. Como o verd~deiro p restígio da profissãoª~ que ma,s c~ntribuem para
e las, não precisa fazer "bobby-soxers" nem aparecer em Ha casos excepcionais de o ator no cinema.
"travesti". tempo considerável sem ofere no~es que permanecem durante
Eu lhe serei eternamente grato por ter representado uma tinamente se revelam rande c~r interesse algum e que repen-
dançarina em Grande Hotel sem dançar e por nos ter poupado- em S~ke Pit, de Ana_tJJe Lítv:~n~érpretes. 0/ivia de Havilland,
umas poucas canções sentimentc:is nos seus film es. Também Graças às escolas, ao tra u '. e um dos mel_hores exemp los.
lhe sou grato pela habilidade com que evita o histerismo nas gem nos estúdios, a técnica d~ ~~o do palco e a própria treina-
grandes cenas e sobretudo por dar-nos a impressão de que ª maio~ia das estrelas, mas é d;{'r-~sentar é generalizada entre
nunca esgota as suas reservas de emoção. conhecimento das oójetivas d ,ci de~ e~contrar .:s que têm
Os departamentos de publicidade podem magoar-se, mas "set'' . Entre todos os protago~· ta ~ecan1ca d~ marcação no
ninguém acredita no mistério de Greta Gé!.rbo. No entanto, ela - poderia dizer - conheciam is as e meus filmes, só dois
consegue manter em torno de si uma atmosfera de irreali- tentes para a perfeição de umª ftdo/sses. pontos tão impor- •
diretor dosar O grau da ex _ ª or. muito difícil para um
dade, porque é uma atriz inteligente e, sendo inteligente, nã0
se envergonha de sê-lo num mei.o onde se desconfia da inte- objetiva e, se um ator nãt~~!ªº em_ re!aç~o às diferenças de
que lhe indicam as luzes e o ân-d1ce rnstrnt1vamente às marcas
ligência.
a ela, o resultado redunda sempgu o de sua máscara em relação
Esta certeza de ser uma estrangeira, e romântica, explica
a durabilidade e a qualidade de seu sucesso - tanto quant0 Múltiplos são os outros reqr~ ~m gra.n~e perda de tempo.
Tendo que che ar aos , ~1s1 os exigidos do ator.
a sensível escolha de seus pap>éis e de seus diretores e também safa de maquilageJ - o ~stud1os de madrugada, sentar-se na
a perfeição de sua técnica.
para depois vestir-se e es;er~/:rmanece por longo tempo -
Tudo isso nela se conjuga com um "charme" tão frágil e
com tanta femini lidade que poderia ter sido destruído pela cli- ~-ator_ precisa possuir absoluto
0 assim poderá suportar a rí id
c°c:~: ª1 fio ~ntre as suas cenas,
. r<? e. so re os seus nervos.
versidade de elementos empregados na realização de um filme, ~amental dos estúdios. A inve~çf d~sciP,lma, q.u;, é.ª regra fun-
cada vez que ela representava um novo pa pel. Mas em Queen _s1velmente o trabalho dos at o o _stand-rn diminuiu sen-
Christina, esta delicada estrutura de seu talento provou q ue pos- rnióveis, enquanto os ilum· p~es, por nao precisz.rem mais ficar
suía também considerável solidez. trelas insistem em ter se~na ores regulam as luzes. Certas es-
Os grupos estrangeiros em Hollywood, quando se isolam tando-lhes trabalho contfnt~~ os mE:smos "stand-in", assegu-
e se entrincheiram, como Greta Garbo, não obtêm resultados Uh'la espécie de "factotum" d ' em tais casos estes se tornam
tão brilhantes. As histórias cômicas dos exilados ingleses no Sül esftela uma certa semelh os ~tores. O "stand-in" tem com a
da Califórnia são inúmeras e o romance de Evelyn Vaugh, "The cor dos cabelos e a altu~n~~-ffs1ca, sendo imprescindível que a
Loved One", conta algumas das melhores. ;0mco a tonalidade do vestu1~~ e~at.'.1mente. as mesmas, assim
A deterioração dos atores ingleses nos estúdios americ~~os ~ . onstance Cummin .s . . Jovem inglesa, "stand-in"
é impressionante, a ponto de hoje existir a crença de que a 1~ a estrela; mas a recípro~a• t!~b;a1s moça e mais bonita que
m acontece: os assistentes, em
168
169
.
Halfway-House arranJaramlh . Fra1·tço
para n oise
maisRosay
feia um
do "stand-in"
que ela;
·t mais ve a e mu
que era mu~ o . d . d ser provocou veementes pro- nada mais a fazer. Eis por que certos velhos atore=:s, que eviden-
islo, como n~o poderra e ,xar ieiu ~m "double" mais moço. temente tiveram boa memória, são incapazes de decorar qual-
testos da atrrz fra~ce_sa,_ que ex g , dios me lembra a atitude de quer texto, mesmo muito curto. Esta deficiência dos veteranos
A noção de drscrplrna no~i~ss/~entleman. Ele fazia o papel é algo de patético que sempre me como~eu.
Jean-Pierre Aumont, ~m. The a corte do Príncipe Regente, que Preconcebidamente, não menciono cultura e muito menos 1 1
de um príncipe paupern~o: ~mos Naturalmente, seu un~for~e inteligência como requisitos· necessários à carreira de ator .no 1

era formada de nob~~ ~q~rss~onástica mas o ator frances _nao cinema. Qualquer instinto aguçado substitui com vantagem a
devia ser de uma so rre a t!do de cois~s e insistia que se aJun-
se conformava com esse es b tões de ouro que eram destinad~s
tassem dragonas,. afamares, o tal onto que fui obrigado a dr-
aos outros. A corsa chegou a p "set" com todos os para-
cultura; e a. inteligência, trazendo consigo o desenvolvimento
do espírito crítico e um certo número de inibições, constitui
em geral um entrave. Em verdade, o número de atores real-
mente inteligentes é muito reduzido. ·
L
1
zer-lhe, no d_ia em que
mentos deseJados, que ;,'e ~ntrp~~e~~ uma árvore éle Natal do
mars Desde que o ator tenha compreensão suficiente de uma
situação e treinamento para pensar no que está fazendo, ele
que o Príncipe Leopoldo". arte da estrutura é forçosamente um bom ator. Este p.e nsamento ainda é mais .1
1
Os salários fantástico~
, • d · dústria crnema og dast e strreálf~rscafazii~~
· que. o gabarito
, efetivo quando não parece forçado. Pessoalmente prefiro um
econom,ca a rn I d d bilheteria· tendo em vista, porem, ator como Trevor Howard, que pensa sem o mostrar, a um
varia segundo. o resu ta o a e ent~am em jogo na ação de ator como Pierre B1anchar, que dá a impressão de pensar com
esforço. 1 '
a mu_ltiplicidade de ~le~entqs i~~lusive a publicidade - isto é 1
um filme sobre· o publico . ·m ressão de que certas estre- Esta faculdade de "pensar sob encomenda'' é realmente a
diffcil de a~redi~ar. Se_mpr~ trv:ê~ ire~lmente mais prestígio junto única diferença fundamental que existe na atuação no cinema
las de salárros nao muito a os as por somas astronômicas.
, blico do que outras pag ·é
e no teatro, porque neste último é preciso representar e não li
,1

11
há necessidade de pensar. No cinema, ao contrário, assim que 1

ao pu " h e" na carreira das estrelas o ator representa, a câmara mostra imediatamente a sua insince-
Também o elemE:nto . ; anc ue duas randes atrizes, Eve ridade, que será ampliada ainda mais na projeção.
superestimado. ~m Pans, _d,z,a~o~i~eram sor~. A verdade é que liE 1
Francis e Catherine ~ essl,ng, ~-l~e comercial se deve sobret1:1do Como em todas as outras profissões do cinema, a do ator 11 1

sua falta de _oportu~ida~~ ~º- 1


dessa é oca do cinema francês. exige caráter ameno e certas noções de educação. Suas rela-
ções com o diretor, com os técnicos e com o pessoal direta-
11

à estrutura rndustrral pnmarra devida p~rspectiva a notável con-


No entanto, estudando com a , nclusão de que talvez tenha mente ligado a ele - "script-girls", "stand-in", maquiladores,
triblfição de am_bas,Qchegam~~ ~uc:ntas concessões, exigidas p0r cabeleireiros, almoxarifes e funcionários da seção de indumen- 1,

sido melhor assim. ~e!11 sanao


_ teriam vindo diminuir o seu tária - tornam-se assim muito mais fáceis. '
contingências industrra,s;
, . 7 Uma estrela, entretanto, precisa ainda de muito mais. Ela
prest1g10. , de ensaios de cada pe- tem seus deveres sociais no .e stúdio e também, dada a sua
Contando com o gr~nde numer0 publicidade, a obrigação de mznter, fora do trabalho, o seu

cupam
A em a~render
boa memórra o seu aç1ão de
é a preocup_ ., conhecer
. .
realmente se preo-
quena tomada, poucos sao â~ál~~;e!nieuse de chegar ao ''set".
bem 9 seu papel
prestígio e de se tornar assim representativa do filme, da com-
panhia, do cinema do país em que atua e mesmo da idéia que
o público tem de sua pessoa. Ao iniciar meu trabalho no Brasil,
1
I•
1

-- •

são, entretanto, de gr~nde rmportanc1a. terminei por adoW expliquei tudo isso muito claramente aos principais atores, che-
gando inclusive. a apresentá-los pessoalmente ao público no
. Há tantos anos lidando com~ ~tor~:•o creio que o treina· 'ªnçamento dos meus primeiros filmes. Essas apresentações, o
uma teoria pessoal sobre a memoria. 'dade 'da memória. comparecimento a festivais cinematográficos e a outras funções
mento constante possa melh~_rar a c:~a~1nrola num carretel.
Para mim, esta é como um 'º
d~eextensão desse fio, outras.
soctiais, são de grande importância para a formação de uma
País quee representam.
estrela também como afirmativa da existência do cinema no -- ..... ....-:
,
~---
- .
Há pessoas que P?ssuem
porém, têm muito pequeno.
0 uma g~~a· vez vazio carretel não há
O
A velha tradição do teatro inglês, que enobrece os seus
grandes atores, é prova da necessidade de fazê-los respeitados
-· -,-..-
170
---- -- V1 •

171
e prestigiados pelo público. Sir Laurence Olivier, Sir Ralph Ri-
chardson, Sir Cedric Hardwyck, Dame Sybil Thorndyke são os
atuais representantes mais famosos desta tradição.
Um dos erros mais flagrantes da publicidade de Hollywood
é o de divulgar ao mundo divórcios exibicionistas, casos de po-
lícia por causa de drogas ou de p2ncadarias; o que não deve
causar admiração, no entanto, visto que Hollywood está muito
longe da aristocracia do teatro inglês e ainda mais longe do
primitivo teatro grego, ern que os atores eram sacerdotes.

Pari s, setembro de 1945.

CAPíTULO IX

A COR

172
A NOVA ETAPA

agoraPrimeiro
a cor. o filme captou as s0mbras, mai tarde o som e

Em futuro não muito longínquo só haverá filmes em cor.


Esses serão produzidos em massa porque a cor é um adianta-
mento, cujo emprego tende a se tornar cada vez mais fácil e
porque a indústria não pode ignorá-lo, já que explora todas
,1s novidades técnicas.
Outras razões mais profundas, no entanto, também existem
para que assim seja. O branco-e-preto na imagem é uma abstra-
ção e a ausência da cor não se devia a razões estéticas. A foto-
grafia era em branco e preto simplesmente porque não podia
fornecer outras toné!lidades. O que não impediu, é bem verdade,
que os elementos artísticos do filme se desenvolvessem em torno
dessa restrição.
O mundo visual é colorido e a vista humana o percebe
como um agregado de manchas em cores, umas escuras, outras
claras.
Toda vez que se ten tou uma r~presentação da realidade em
atte usou-se a cor. Os desenhos pré-históricos, descobertos ern
cavernas, são coloridos. Os mais primitivos ídolos esculpidos por
trlbijs selvagens são coloridos. As artes gráficas e o desenho
,sceram. para que se pudesse completar o estudo da cor. No
0frhne, o processo realizou-se em $antido inverso, porquanto
e~tudo das imagens em branco-e-preto indica o caminho da
Utll'..zação da cor. O desenho, como a imprensa, pode repro-
d0u~r em milhares de exemplares uma imagem para o público.
filme faz a mesma coisa.

175
As gravuras em madeira ou linóleo, em aço e em lito- mente segundo a reg,ao ou /"
grnfia, no início, eram brancas e pretas porque ainda não se sentam o Sol; as frias a lua o c ':]1~· As cores quentes repre-
tornara viável a gravura em cor. Mas, como o homem pré-histó- todas as religiões. ' ' os ois deuses fundamentais de
rico e o selvagem, os monges, no Século XV, iluminavam as Eis por que a cor aume t .
gravuras dos Missais. A gravura colorida foi inventada no Sé- exp_ressão do cinema. Não é ~~ _sensivelmente os meios de
culo XVIII, e, no Século XIX, as melhores gr2vuras de Daumier proJetada e que pontinhos impe c,ent;, porém, que a cor seja
e Gavarni eram coloridas por artistas especializados. e azul penetrem na ima em fo rceptiveis d e vermelho, verde
Ê certo que a introdução da cor nas artes gráficas não de- processos coloridos não ~eria tográfica. Mesmo a perfe ição dos
nota uma extensão da expressão artística, salvo nas gravuras artística definitiva do ci·nem O baSlante para estabelecer a forma
japonesas, onde a cor tem somente uma função decorativa. . a em cor.
Primeiro existem as límita - , .
Porém a circunstância de a cor, em tantos países, sobrepor-se, O filme colorido é baseado çoes_ tecmcas dos processos.
de maneira tão contundente, ao branco-e-preto prova que o são compostas das três coretª ~º~ª.º de que !OdaJ as cores
desenho monocromo não satisfaz o grande público. Só uma totalidade das cores. o mé tod pr~manas. Es~as ~ao filtradas da
e lite o aprecia. Quanto mais primitivo é o povo, tanto maior todos os sistemas ai uns tom~m e separaçao e o mesmo em
é o seu desejo de cor. O mesmo acontece com os camponeses, mente, outros as absor~em limas to~as as cores simuftanea-
os selvagens e as crianças, que preferem cores pur2.s e violentas a teoria segundo a qual t~das as dcepo,s d_as ou_tr~s. No entanto,
nos seus costumes, nos seus adornos e em todos os objetos primárias é muito difícil de ser p ~res sao ?~1grnadas das três
que os cercam. a gama de cores da realidade os a em pratica, quando toda
O cinema é feito para as massas; concentrados numa sala mistura das três. · A inércia da tet~ _que ~er co_ns!ruída pela
escura, os instintos da multidão são, no fundo , 0s instintos A • ' ma ena opoe res1stencia
ldent1cas dificuldades se en t . _ ·
primitivos, quer se tratem de banqueiros ou chofe res, de advo- com três cores, que se baseia no c~n ram n~ 1';1J?ressao gráfica
gados ou garções, de criadas ou nadadores. Por que, então, ha- porém, os obstáculos podem s esmodprrncipio. Neste caso,
veria o cinema de lhes furtar a cor, agora que pode oferecê-la? hábil e experiente, ca az de co~~i s_uper~ os P0 : _um impressor
Mas a cor é mais que uma simples atração para as massas. Ela e>:ata reprodução das pcores vai-s gir ª~t im~rfe,çoes: Para uma
está inseparavelmente ligada à noção de uma aparência. Pes- ttês cores e usam-se uantas cha e mui o a m do ~1stema das
soas e coisas são marcadas pela cor. Uma tez more na ou clara, constituir a gama o qfl _ pas fore m necessánas para re-
uma cabeleira negra ou loura, o verde da relva e das florestas 1 pode aumentar o ~úme~;~e ~o tem ,.essdas possibilidades; não
o amarelo do milho, o vermelho ou o roxo da terra, o cinzento chapas. ores ap ica as, nem retocar tantas
ou o azul do céu. No vestuário a cor indica a idade, a posição O exemplo ideal para teorizar s0 b
ocial, o caráter e, nos primeiros meses da vida humana, até da cor pura em superfície ~ re a cor no filme é 0
mesmo o sexo. ~pocas inteiras são caracterizadas pela harmonia desenhos têm duas dimen~õ o caso do desenho animado: os
de cores que preferem. Pintores do mesmo período usam, muitas lura de cores primárias quí~~c:s a ªcor empregada é _uma mis-
vezes, as mesmas gamas. A cor exprime uma atmosfera e ter- ho~ processos fotográficos. Esta t· -~ ~esmas que sao usadas
nou-se até simbólica de certos estados de espírito. meio da reprodu ão . a m1 a e e ntre o modelo e o
1,
Isolada de um objeto, pode a cor produzir forte efeito Assim é que os Jelhoi;sº~~~~ona resultado quase perfeito.
emocional. Duas são as categorias de cores: as frias e as que~- agora são os desenhos anim s em cor q_ue temos visto até
tes. Esta velha divisão prova que, desde cedo, foi atribuído as dançante _de Oskar Fishingetdos de Walt Drsney e a geometria
cores esse efeito emotivo. As cores quentes - relacionando-se No filme de bonecos d' _
com a luz - são enérgicas: o amarelo, que produz o deses• corpos são usados as_ con içoes mudam ligeiramente·
especial entre O c~r;os~pi~f~~~ é ,,ª~ª nd ~nada, mas a distânci~
pero; o vermelho, que é excitante. O vermelho puro é a cor
da paixão, da revolução; misturado, acalmado por um pou~o
de azul, torna-se a púrpura tradicional dos reis. As cores friaJ
~ue a cor inerente à matéria
esenho animado e .
r d e .n:iu1to pequena, de modo
ec1s1va. Se abandonamos o
- da escala do azul - ·às vezes chegam a conter 40% _de entre a co~ usada o filme de ?ºnec?s, a correspondência
negro; daí o seu efeito frio , negativo, calmante. O simbó~icro l"efletida, difusada ed! c_or fotográfica deixa de existir. A luz é
caráter das cores é geralmente aceito, embora variando lige,ra- profundidade d , sv,ada pelo. ta~anho dos corpos e pela
o espaço. Cada vanaçao na estrutura e mudança
176
177
no conjunto dos objetos modificam a sua relação para com a
luz e, conseqüentemente, a sua própria cor. Os mesmos pigmen- pela fotografia em cor é geralme~ . .
tos químicos têm efeitos diferentes. no papel ou na seda, na lã As cores se alteram completament te ~a1or que a monocroma.
ou no corpo. Revelação e copiagem, por sua vez, são processos As cores dos objetos só são v· , e_ ca a vez que a luz muda.
químicos que modificam ainda mais as cores elementares. luz. O Sol no zênite transmit '~'vJ,s se se açham no raio da
Evoluindo para representar a realidade, a tendência é de a e_scala total das cores; quando o o~ os se_us r~ios, revelando
abandonu as cores elementares. A história da pintura nos mos- m~1s cres~e a proporção de vernfefhem, mais baixo está o Sol,
0
tra, no seu início, que se usavam cores puras e vivas. Só muito obJetos diminuem ou desa , e o azul e o verde dos
mais tarde conseguiu-se empregar cores esmaecidas. O filme material fotográfico é men~~r~~em. Como a s~nsibilidade do
em cor está no seu estágio arcaico; ainda é incapaz de espe- se torna exagerado Ê quas 1 . q~e . ª da retina, este efeito
cificar e individualizar a matéria pela cor. A fotografia mono- depois das 16 hor~s. Termi~a:J1/~~ivel fazer~tomadas em cor
croma nos mostra a estrutura e a porosidade dos objetos muito a ton:,ada seguinte se o Sol está a cena nao se pode fazer
mais distintamente do que a vista humana. A fotografia em cor aproximam. A densidade co t se pondo ou se nuvens se
só nos dá uma coloração geral, que é a suficiente pç,rque o es- controladas mais facilment ns ante d~ l_uz e a sua direção são
o So 1, para- , 1o no vale e nos estud1os• AI'1 pod e-se· dirigir
pectad9r associa a impressão da cor, na sua memória, à cor O
real, o azul e o céu, o verde e o campo, o vermelho e o uni- a intensiclade e a proporçua_onod cun:,e da montanha, e dar à luz
. e raios azuis 0
forme de fuzileiros navais. Essa associação, no entanto, só ocorre as cama d as eoloridas do fiºlm . u amarelos de que
- Co . e necessitam.
em casos relativamente simples. Diante de uma realidade rica ri:' advento do tecnicolor u
0 .
e variada, torna-se imperfeita. p.ersonal1dades notórias de H II m nov9 nome Juntou-se às
O filme em cor pretende refletir a realidade muito mais Assim como para a senhora es° i~~ood:, Mrs. ,N_atalie Kalmus.
que o filme monocromo. O branco-e-,preto foi aceito e apre. o homem que esconde p uosa, e o musico no cinema
ciado como uma transposição fictícia. A dimensão e a cor apa- ~lko a Sra. Kalmus é qu:ir~~~~; atra~ do "set~', para o pú-
rentes no monocromo são somente apresentados por valores
claro-escuros. A vista se satisfaz com uma relativa apro~imação a Sra, Kalmus numa or a .
fr
tmtal As funções· publicitárias e h a filme de trnta, e quanta
- onor icas que a princípio teve
da realidade e não pode assegurar qual é a cor representada obtidas, a'o que dizem tã~ s"'zaça~ altamen!e industrial foram
por certo tom cinzento.
No fi lme em cor tudo aparece com a tonalidade que tem
John Smith' na hístóri; cont~~en e P~r motivos pessoais. Como
tarde a Sra. Kalmus come o a por aherty, parece que màis
na vida real; qualquer pessoa pode julgar da sua veracidade dos filmes em cor de loç u a tomar parte ativa na realização
, , nga metragem E a .
e, quando uma tonalidade contradiz a experiênda da vista, pode P.éss,ma pel,cula inglesa ela " ,., · r~spe1to de uma
reputá-la. No .entanto, se, na imagem monocroma, o verde das "Es.tamos neste filme tenta~ometeu a segurnte pérola:
folhas e o vermelho das telhas são representados pelo mesmo do começo ao fim." do preservar um só ~ível de cor,
cinzento, isso .não tem importância.
Num filme colorido, porém, muito azul no verde do cam- Mas a famosa "expert'' - f . ,
qüente sentença sobre a co~ª~ 1º1h aBu_nica a externar tão elo-
po, um verm.elho excessivo na cor da carne tomam-se insupor-
co.~ta: "O uso de ·dominante~ a Pb. ri~ton, cenógrafo,. acres-
táveis, razão por que se tem feito todo o possfvel para se orga• al1Jado (?)." com maçoes de. cores deve ser
nizar os requisitos necessários à reprodução da cor. O filme
seleciona objetos de cores definidas e fortes, correspondendo
à sua utilização, e abandona o acaso e a abundância inerentes
à realicia.de. Em vista disso tende o filme a se confinar nos estú-
rna_qµ1lagem das atrizes é m:
~ay Rennahan, camerama d .
o ;esmo_ filme, referindo-se à
tlca-la, só poderá . dize; que én°.,nss f°.g_mát,co: "Se alguém cri-
.
E finalmente · u 1c1ente '·'
dios. Há todo um mundo de "décors" que podem ser produzi- René H b . ·
dos de acordo com a capacidade do processo da cor e c;;om
as intenções dos produtores.
O problema da iluminação intensifica ainda mais a tendên-
ati~ eu uso no indumento tê;,, comos
istas, que deve ser a cor ·dom·
A .. -
:s
~ec;;e o prêmio, pois asseg~r:.rt;,~Ja d7senhou .º VE:stuário, me-
combinaçoes de cores
t. ase a cor dos lábios dos
inan e na tel2 ,.,
cia a evitar os exteriores. A luz do dia não pode ser dirigida, n~m
_na sua interysidade, nem na sua direção. A exposição. requerida la:
Ih restr1çao técnica que · ' • • ·
com cores vivás ê:oincide1rgoe a nece~idade de se traba-
ente comparável aos tempom o gosto os p~o_dutores. Exa-
178 s em que a musica do filme

179
gritava nos cinemas, agora a tela arvora cores exageradas, ber- gens. A introdução da cor si T
rantes. A indumentária multicor das épocas passadas, os costu- câmara, uma nova regressão gpn;r~ca u".1a nova paralisia para a
mes nacionais do Mediterrâneo e do Oriente, uniformes de dente, porque a cor é inerente a o ~mema. Parece surpreen-
antes da guerra de 1914 e todas as combinações que oferece O 0
naturalmente às imagens bJeto e deveria adaptar-se
o "music-hall" estão na ordem do dia. O exótico está na moda. O filme monocromo· nos d . . -
Como a pele das raças do sul tem mais pigmentos que a das as nuvens, de árvores para onda adtrans,çao de um rosto para
nórdicas, e por essa razão fotografam melhor em cor, o filme Pode pular imediatamente do t~~~I e uma sala para o ar livre.
co:orido faz como certos emigrantes portugueses que preferem mentes da câmara quando a a h para um detalhe. Os movi-
amasiar-se com as pretas. O regente de orquestra que, no uso arranjo da composição da im~• n a os objetos ou as pessoas, o
da música, descamba para o exagero foi substituído nos estú- valores claros-escuros O c tgem, só alteram as proporções de
dios pelo pintor-cenógrafo. Esses filmes coloridos poderiam ter . . on orno de luze d
as imagens e a sua sucessão em s .. s e e sombra define
como marca um ator fantasiado de Gainsborough, cantando a o •. A •

equenc,as.
. s constituintes do filme colorid - A

popular canção alemã: "Gern hab' ich die Frau gemalt". (Eu rias e os seus inúmeros desvios e co ºb.sao ~s tres cores primá-
gostava tanto de pintar moças bonitas.) têm que se harmonizar para const ".1 in~çoes. Estes elementos
O mesmo processo de regressão causado pelo som está-se da cor deve ser levado em conta er:~rrda imagem. O equilíbrio
repetindo com a cor no cinema. Malgrado ser uma imitação da deve coorden.ar as cores da tomada a a tomada. O "montage"
Natureza mais verídica que o monocromo, o filme colorido está a sucede. O ntmo e o caráter emo . q~ed a precede e da que
fugindo à realidade, exatamente como o manequim na vitrina parte, da harmonia da cor. Qual c1ona_ epende_m, em grande
do alfaiate com uma peruca de cabelos de verdade, olhos de esta harmonia pode destruir o q~~b _,nterpolaçao contrária a
vidro e a cara pintada está mais longe da realidade que uma sará uma interrupção no ritm 3qu1 no. Um "close-up" cau-
estátua monocroma de Despiau. mento da seqüência. Se a cfm a cor e comprometerá o anda-
A introdução da cor deve, necessariamente, mudar a com- e seleciona o detalhe de oi ar~ se aproxima de um objeto
posição da imagem. É impossível continuar com os mesmos se expande sobre a t~la iod s. da vistª geral, a cor deste detalhe
métodos, apenas adicionando cor em composições que são cria- jardim, filmado em plano g!~alt com a tomada de um par no
das seguindo as restrições do branco-e-preto. Potenkin, Gold terra, do céu; ao pular porém , eremos a cor das árvores, da
Rush, Ladri di Bidclette tal como são, não podiam ter sido con- somente a cor da te; dos d' par~. o primeiro plano, veremos
cebidos em cor, pois a imanente lei do branco-e-preto regula- concordância e a harmon,·a d o,s. rs ~or que a adaptação, a
menta a sua composição. A perfeição desses filmes não po·de e perturbam o movimento doa f·1 cor restrr ngem a açao- da camara
A

ser levada mais longe pela cor, assim como uma litografia de R - •m~
azoes psicológicas conduzem a
Goya não pode ser melhorada pelo colorido. Os elementos ao monocromo tem uma írrestrita liberdº ;esmo res_ultado. O filme
filme em cor são diferentes e a sua coordenação pede outras o branco-e-preto é uma abstra - a e. de movimento, porque
formas. Quando o filme comercial de ficção for unicamente que procura a reconstituiçãoç~~ d~ r;al,dade. _o filme colorido,
colorido, diretores-artistas continuarão a usar o monocromo e rar-se na sua disseca ão a ureza, nao pode aventu-
pretenderão que a arte do cinema está no branco-e-preto. do "montage". A visfa ac~~t~ co~duz aos arabescos caprichosos
O filme mudo formou o seu universo por um processo de sele-
ção e o "montage" deu-lhe ritmo. Esta seleção abriu novas
s~ coisas familiares sofrem
VISfé!S em ângulos anorm .
r° mfspera<!o e'!' branco e preto;
rans ormaçoes inusitadas ou são
possibilidades de visão, isolou os objetos, surpreendeu-os, obser• real. A imagem colorida :~s~t e ~ as colo~a n_o espaço e na vida
vou-os por cima, por detrás, aproximou coisas distantes, separo_u pode modificar esta tran'sf an - o dar a ilusao da Natureza não
coisas próximas, revelando analogias insuspeitas. Esses pedac1• A imagem em branco e rguraçao numa ~ova realidade artí~tica.
nhos não tinham realidade em si, mas reunidos pelo "montage" Incrível num mundo re I r:to torna possrvel a ficção que seria
tornaram uma nova realidade artística a realidade do filme. normal da visão. a . imagem colorida é escrava da função
Com a palavra, perdeu o filme, durante muito tempo, esta A qualidade duvido d
qualidade. A sucessão de imagens do filme mudo sugeria. as Pleta ignorância do rit~ª da atual fotografia ~~ cores, a com-
indomadas idéias do subconsciente. O diálogo, elemento ló~1CO, seu valor psicoló i - o ~ .cor e uma defrc,ente noção do
exigiu um desenvolvimento conseqüente nessa sucessão de ,ma- COioridos de hoJ c~_sao suf,c,entes P.ara a maioria dos filmes
J ao faz mal se King Solomon's Mines, de

181
Compton Bennett, Kim, de Victor Saville, Samson and Delilah, O documentário, que tanto te . ,
de Cedi B. de Mille, Cesar and ,cleopatra, de Gabriel Pascal são do problema do som,. seria o terrem c?ntnbuido para a solução
projetados em cor de laranja e lilás ou em roxo, verde e azul. com a cor. ~endo, porém, muito r~~ i~ea/ para as experiências
Só haverá alguma esperança para o filme artístico se 2s restrições documentários tornani difícil T uz,dos, os orçamentos dos
da cor fotografada forem usadas com proveito, criando o seu dos, sempr~ de custo muito el:v~~ ,zaQção dos processos colori-
próprio estilo; se o ritmo da cor e o valor dramático forem o Crown F,_lm Unit, que substituiu o. uando, durante a guerra,
levados em conta. E inútil dizer que a vista humana será reedu- nem~tográf1co do Governo ln
colondo de longa metra
° G. P. O. como serviço ci-
g1êS, res~lveu realizar um filme
cada e convertida pelos novos valores do filme colorido. O
contrário é que é a verdade. contribuiu de maneira algem e o confiou a Pat Jackson não
Não há que fugir. Estamos diante de uma terceira etapa co1.· O d'iretor estava
. guma para pes quisas
tolh'd · ' da
no domínio
I
e de uma nova revisão da técnica cinematográfica. que um projeto tão vasto ~x~if e a responsabilidade comercial
O filme levará muito tempo para digerir os pigmentos ver- Somente proporcionando
melhos, verdes e azuis. lhe best things of this klnd are but . d . a um 'Prupo d .
o me1,o~ e realizar durante três ouº e Jovens técnicos
shadows, diz Theseu, Duque de Athenas, em Midsummer Night's uma serie 'cte filmes curto s, po d er-se-a9uatro anos consecutivos
Dream, de Shakespeare. O tempo das sombras vai passar. Quais dar
Walt Disney, nos Estados Unid um passo adiante.
serão, no futuro, "as melhores coisas dessa espécie?" mas personalidades na Tcheco-Esli:~ .e .esporadic~~ente algu-
e na França apareceram co 1· aqu1a, na Un,ao Soviética
~io ido _desenho animado. E:::req~~~dades P~Qmiss~ras no domí-
fmance1ros capazes de pen ·t· 1 os, s~ D,sney tinha os meios
li bl ma. rn ir evar adiante o estudo do pro-
.
l: evidente que pesquisas som
O DESENHO ANIMADO E O FILME EXPERIMENTAL mado não resolverão o problem ~nte no setor do desenho ani-
gar, também, que faltou a Disneª a co!, mas não se pode ne-
Toda vez que um jovem entusiasta insiste para que eu veja
a projeção de um de seus filmes, por ele ingenuamente classi-
para enunciá-lo a tentar sua s
momento de Alpine Climbe
r a~phtude de ponto de vista
o uçao. A promessa do grande
ficado de exp.erimental, minha aceitação é sempre cheia de re, fica cor-de-rosa e depois m:;roquando Pl~to_ congela,do no azul
servas e tem me conduzido invariavelmente à mesma pergunta: lor do rum na sua pan a nã m_ em es~1ra1s geradas pelo ca -
"Experiência em quê?" Os realiza-dores destes filmes experimen- dos seus filmes rcte pro~;gan~ fo1 cumprida. Exceto em alguns
tais de arribação lembram-me as crianças que, vendo os irmãos duzido ultimamente I a, ~s melhores que se têm pro-
mais velhos comentarem suas lições de química, se munem de um ~stetismo . ' ançou-se D1sney 1 •
assaz discutí / F no pano . inclinado de
um inquietante espírito de pesquisa e juntam numa vasilha vina-
gre, água de colônia, gasolina e, às vezes, na falta de mais um
ingrediente, adicionam certo líquido de produção pessoal. Expe-
D1sn~y quase abandonou t
m_erc1ais - pelo menos ;:fír o~çad~ por contingências co-
filmo l~maginar que assim seja -
por~1onou os maiores sucessos e e curta metragem, que pro-
riência sem fim determinado não é experiência. gan1zação industrial e se /anç~ em to~os os sentidos, à sua or-
O filme sem subtítulo, a línguagem cinematográfica, o ritmo
~e~. Confesso que assistir a u~ ~~se ehsenho . de longa metra-
de "rnontage", o emprego da trucagem no fantástico, a utiliza• e,a exige de mim um . n o animado ide hora e
ção dos ruídos e da música são problem·as resolvidos pelo fllm_e lo; possível despender s gr~nde esforço físico, que nunca me
experimental ou por exp·eriências incluídàs por diretores_ in«;h· !fês_ ou .quatro horas 'dee em 9ue possa facilmente suportar
gentes nos seus filmes êomerciãis. Mas no cinema as experiências features" animad projeçao de outros filmes Ha'
não têm sido individuais e sim coletívas. Houve mesmo casos. res . os que v1 mome t · nos
como o de Fischinger, no domínio da cor, que por individual:
mo e·m demasia, não chegou a resultado definitivo, entrinch
ptaicitf~~tâo à~~~• g:~;oproedqoumeinamf o~ ~~e~~~=n~~~~~s:so~u: ~i;
n e. p • cer amente tem 'b ,
rand0-se numa solução abstrata que ele próprio não soube que N ~~a estragar a receptividade do públ' colntn wdo bas-
aplicar ao filme em geral. u1 sur le Mont Chauve d M ico pe a cor. É assim
' e ousso,rgsky, que já tinha

183
eto com grande senso visual por
sido ilustrado em bra_nco, -e-p~ ~om a interpretação em cores como elemento de espetáculo. O sucesso de um filme como
Bartosh, perde~ sens1ve men e
Red
0
Shoes prova que este bom gosto é suficiente para atrair
que lhe deu Disney. _ 'f dde comentar a obra público. 1: lamentável, contudo, que realizadores mais avan-
Tem-se a impress~o de que ª dcn ~: ~inha parte considero çados não tenham obtido oportunidades de usá-la com maior
de Disney c<?mo um ~•cl? _enc~r~~a~ente com Dave Fleicher .e proveito para a evolução do cinema.
que sua maior contnbu,ça_o, JU f . criação de tipos - M,- Poder-se-á pensar que o segurtdo caminho para a solução
os outros "cartoons" americ~~o;~ldo1 C:uck, Pltrto, Popeye, the áo problema da cor se encontra nos chamados "filmes de arte".
ckey Mouse, Betty Boop, .
. J rry 1: preciso na-o esquecer' porém, que to- Muitos destes filmes tem si.do produzidos e não há dúvida que
Sa1lor,
dos os Tof:1 e ~ · d o mun do sempre tiveram esta preocupa-
caricaturistas estão na moda. O seu valor educativo como filmes de vulga-
Ç rização do estudo Ida pintura e mesmo das artes plásticas em
ão de criar caracteres. , ero de filmes "na- geral é indiscutível. Já o mesmo não se pode afirmar quanto
. aduziu certo num ,
A equipe de D1sney pr - curioso fenômeno de o pu- à sua contribuição ao cinema propriamente dito, que é nula.
turais" em cor. Deu-se, entao, o nimais reais com a fauna Outros poderão sugerir que a solução se encontra nos fil-
blico reconhecer o parentes~o dos 1igicamente nos mesmos as mes artísticos realizados por pintores, filmes do tipo Ide Dreams
. , . d o·isney Entreviam-se éd" t
imaginaria e : d realizadas com ,as curas fhat money can buy. Se é possível a um pintor realizar imagens
possibilidades maravilhosas e sereoToridos - como Betty Boop coloridas de grande interesse, é duvidoso, no entanto, que possa
em cor, em que pers~~agens ~u~ estilização servissem de veí- adaptar, sem a técnica cinematográfica, as cores ao ritmo, e,
e Popeye tomassem v, a e n desenho animado se encontra sem o tirocínio Ida direção, aplicá-las a uma situação psicoló-
culo ao estuldo da cor, que no hosidade dos fabricantes de gica. No fundo, eles farão com a cor o que os teatrólogos fi -
num impasse. Entretanto, a engedn - . ta-o longe Ao con- :teram com a palavra e os regentes com a música, no início
. d d Hollywoo nao vai · de filme falado.
desenhos ª"'":ª ~s e_ , d concentrar nos desenhos cu~tos,,
trário, a tendencia h?Je ~ d"le
I
'do nos filmes realistas amenca- Grimault, Pall, len lye e um imitador deste último, apre•
coloridos todo o sadismo ur d a ra a e ingenuidade que dadíssimo nos clubes de cinema e que pessoalmente não me
nos de longa metragem. Esq~e~f ~ ºdas gcr~anças e de todo um Interessa, Norman Mac laren, muito conseguiram, nesta nova
faziam de seus trabal~os a e ~~zadores não fazem senão re- etapa com o "trailer", isto é; o filme de •dois ou três minutos,
público ávido de poesia, seus r~olência inquietantes, como tão q.ue geralmente é utilizado na publicidade. Só a publicidade
petir uma brutalid~d_e e uma v1h de Fred Quimby, da série tem os meios financeiros suficientes para sustentar as experi-
bem ilustram os ult1mos desen os
ências no filme em cor e pode abrir o segundo caminho à sua
realização.
de Tom e Jerry. ~das impossíveis no. do-
As experiências. com ª C_?r,_ to:n abandonadas no desenho Deve ficar bem claro que quarldo menciono a publicidade
cumentário por motivos e~onom1c~; onsáveis só têm dois ca- não me estou referindo à que faz o pequeno comerciante, que
animado por i~co~preenseªºs:rº~berio por r~alizadores inteli· deseja aumentar as vendas desse ou daquele produto. Trata-
minhos. O prim_e1ro pods seus filmes Ide longa metragem'. se• se d_a publicidade de prestígio, ainda tão pouco conhecida no
gE:ntes que consigam, n~ d dramaticamente e com o ritmo Bl'asil, onde os lucros são vertiginosos, e que representou na
qüências em que a cor seJa usa a d Gone With the Wlnd, Europa, transformando-se em propaganda e depois em "public-
que lhe é próprio. Certas passage~~e ~e The Return of Jessf tela:tion", papel tão importante na história do documentário e
de Victor Fl~ming, uma gra~~:ct!'os ide Vanity Fair, de Rouben C.Of'lseqüentemente •do cinema.
James, de Fritz Lang, algun~ Wait de Ernest lubitsh, provam Os programas de filmes não comerciais na Grã-Bretanha
Mamoulian, e de Heaven an '
esta possibilidade. 1: curioso º::e~a~o~~aior bom gpsto
cor tem sido ger~lmente ~mp;nfanto, os realizadores que :

no cinema inglês a :endiam a se tornar bastante indigestos e foi preciso enriquecê-
os tom a cor e a música. Três dos primeiros filmes de len Lye,
Cofour-Box, Kaleidoscope e Rainbow-Dance preencheram estes
nos filmes amencan~s. . o f m não a têm usado sen l'f'quisitos. Entretanto, o C. P. O. sabia perfeitamente que, de-
põem de grandes cap1ta1s para esse 1
J>ois de ver Colour-Box, ninguém enviaria maior número de
184
185
. ois de assistir a Kaleidoscope, d~-..~enhos sucessivos - que abandonou depois. Tusalava pa-
embrulhos pelo_corr~10; que, t~~e de cigarros "N. 1''., e q~e, rE,ce hoje um tanto arcaico.
ninguém fumaria. maior quan . uém economizaria maior
ve ver Ra'1111bow-Dance,
depois '-J . d LmngLye era como um cartaz Seis anos passaram entre Tusalava e Colour-Box. Eu assu -
número de xelins. O f1ldme t:ta e~ue traz prestígio à organi- mira minhas funções, ao lado de Grierson, no G . P. O. Film Unit
desenhado por u·m gran e ar ' e recordo-me perfeitamente de quando Len Lye nos procurou
para dizer que queria fazer um filme sem câmara. Foi preciso
zação financiadora. . t !desconhecida no Brasil,
muita persuasão, muito ''charme" pessoal de sua parte para
A obra de L:n _Lye é praf~f:a~:":ne livros de cinema. !ive a que o ouvíssemos até o fim.
exceto por referencias a ela de acompanhar muito de
satisfação de com ele colabo~~r la~erra. Fui o primeiro a estu- Mas ao terminar sua explicação, Grierson e eu estávamos
convencidos de que ele o faria. Grierson percebeu logo as. pos-
sibilidades11 publicitárias do empreendiry1ento ~ não ldeixou fu'gir
p<:rto todo o seu trabal~o na glu ão do artista, em confer?n•
dar a sua obra e a explicar. ª /vo J N~derlands Historish F1lm
ciar no British. Fi1!'1e lnstitut, den Bruxe'las, e no Danske~ Film- a " chance • Além do mais, a explicação de Len Lye fazia tudo
pa recer coisa muito simples. .
Archief' no Semma1!e des Arte, ao tratar sobre a cor no cmema,
safund. Esta é a razao por qu ' t do de sua obra e de sua Começou então a nossa longa e profícua colaboração, mar-
não hesito em alongar-me no es u cada, logo Ide início, pela perda das · sete últimas letras do
meu nome; foi Len Lye quem principiou a me chamar de Cav,
personalidade. . história do cinema britânico
tratamento
tânica. sob o qual me tornei conhecido na indústria bri-
Len Lye pode ser d_escnto ~a esqulsador tanto no domí-
""ºr uma palavra: pesquisado_r. dm í?tmo Suas pesquisas foram
r- 0 domínio o ri • d '· Colour-Box, a meu ver, um filme muito importante não
nio da cor, como n filme em cor, no futuro, sem , u- somente pelo inteligente uso da cor, como também porque é
decisivas e os estudan!es Ido nde contribuição. Ele é tambem
viàa pres tarão tributo a sua gr~ senhor de uma grande uma demonstração de ritmo criado na tela pela sucessão de
A los de camara e 'd linhas compondo cada imagem ou cada grupo de imagens, na
um mestre nos angu d ssão cinematográfica. Possui or su« justa relação com a música e com a cor. Em seu livro, in -
Personalida'de no uso ª dexpre. en·sar que Len lye é uma
d . dos po er-se-1a P L · ti tulado "Film Sense'', leva Eisenstein muito tempo e tem um
de tantos pre 1ca , d'letante Porém Len ye e,
es pécie de intelectual um tant? 1 ue ·a.mais abusou de sua (rabalho laborioso para explicar estas mesmas coisas que Co-
nd lour-Box expõe tão claramente, tão naturalmente e em menos
antes de tudo, um gra e téc~•c?~ de sJas obras coloridas es- de três minutos.
virtuosidade. lnfe! izmente a ;11a1or1 nas contingências ido período
tão perdidas, realizadas que or~m rocessos de rnr hoje desa- No mesmo ano e com as mesmas tendências, Len lye rea-
que precedeu a guerra e usan o p . liza Kaleidoscope. No seu filme seguinte, Birth of a Robbot
('1936~36), feito em colaboração com Humphrey Jennings, Len
p.irecidos. tar a biografia de Len Lye. Lye usou bonecos. Os críticos acusaram-no de se inspirar na
Em poucas l_inhas podemo~o~~n Zelândia, no ano de 190~,
técnica dos filmes de George Pai/. Há entretanto no filme de
Nascido em Chnstchurch, na
muito pouca coisa se sabe de :ª ºda antes de começar a
c~~as formas que ele pin·
fazer filmes. Curiosame_nte, poré d'am uma relação sutil com a
Lye e Jennings uma seqüência abstrata e, no seu conjunto, uma
qualidade poética que jamais toram igualadas nos trabalhos de
Pall.
tava e us~va_ em seu~ fllm~s Y,~~~fico. Len Lye era pintor. Pes:
Len Lye não perseverou na técnica de bonecos móveis de
arte dos md1os. das Ilhas ~-, es à sua pintura. Sabe-se ta~
Blrth of a Robbot, tal como não insistira na técnica do desenho
soalmente, prefiro os se~~e 'a;aixonado pelo jazz, a ponto ;_
animado de Tusalava. No seu filme seguinte, Rainbow-Danice
bém que ele era _um_ gra. Bixie em homenagem ao
(1-936) ele usava pela primeira vez a figura humana. Rupert
hamar o seu primeiro filho dek ' foi o primeiro grande
rr.oso trompetista Bix Beiderbec e, ~~~el músico de jazz, Doone, que t:Jepois de abandonar a sua carreira no palco ini -
ciada com grande êxito nos bailados russos de Diaghilev, fundou
e~ecutante branco de trompete e_ n fl . (em branco-e-preto).
Len Lye realizou o seu prlme1r~-~ ':\écnica de Disney -
fllldos cursos mais adiantados ele teatro em Londres, no Mor-
Tusalava, no ano de 1929. Usou en a ' ey College, foi usado como dançarino. Rainbow-Dance é, na
186
187
minha opinião, a primeira tentativa sena de filme "ballet". A gr<111de diferença na t , .
. d . ecn1 ca da
mestria técnica revelada por Len Lye em Ralnbow-Dance e no ge;ns . os ld?1s filmes. Colour-Bo cor ~ n_a concepção das ima-
filme que se seguiu, Trade-Tattoo (1937) é simplesmente ad- cc, ul61de e. impresso pelo siste " fo1 pintado diretamente no
mirável e não foi igualada até hoje. rctam_e nte_ trradas do "master'' ma .(?ufay <:_olor e as cópias d i-
Sobre RairJbow-Dance escreve o próprio Len Lye: combmaçao de bases fotográfic~os1trvo; Rambow-Dance é uma
" Um arco-f ris aparece atrás de um homem parado numa dcnsitlades de cor que são . s em branco-e-preto i uala d
ruí\ chuvosa da City. O a rco-íris transforma a figura numa si- na sua 6elícula. Na concep~~r~!~ª~ pelo processo ca:parc~lo~
lhueta em cor e o seu terno formal em "short" de turista. Ele ~e,m so ~etudo no uso da cor A ima~ens as diferenças exis-
parte em férias e dança uma fantasia em cor. Eis o "slogan" e maneira objetiva e em Rai~bow~~a!~' usada e~ Colour-Box
fi nal: o "Post-Office-Savings-Bank" coloca uma panela de ouro ~ Em Colour-Box a cor é em , _e de maneira subjetiva.
no fim do arco-íris." Tangíveis arco-íris simbolizam a idéia geral. co., da leve e simples , . superf1c1e, constituindo b
.
t1am. To d os os mo . musica de d ança que as im ara. es-
Nesse filme a solução técnica consistia em usar unicamente mentas da v1mentos ocorridos são . agens r/us-
as cores químicas do Gasparcolor, que são: o rosa, o amarelo . cor. unicamente movi-
e o azul, existentes em três camadas no celulóide. (O rosa, o Em Rainbow-Dance a co ,
amarelo e o azul de calda imagem são pro_tegidos por três fil- chega à nossa vista ou dei/ s: ~sf:~a ide m~neira "especia l'' e
tros fotográficos em branco-e-preto projetados pela luz de im- r~aparece em um ritmo definid ta ou ainda desaparece e
pressão.) A luz de impressão suprime as tintas cor-de-rosa, vira r do· avesso com o s , º·. De fato, a cor é for a
amarela e azul que ficam desprotegidas e são eventualmente movimento Idos ob1'eto eu proprio movimento sem s ç ~a a
dissolv~das ou fixadas nos tanques de laboratório segundo as , s que ela cob A . ' egwr o
C?r _e uma forma de contra re. qu, o movimento
partes que ficam ou não expostas. vl?~t,do por ela. Muitas vef~nto do movimento, do objeto r~~
A diferença na técnica da cor desse filme, comparada com lorido domina o movim ento do ~si~ contraponto do ritmo co-
as tomadas · de um filme ordinário, reskle no fato de as cores se torna somente um e/ Jeto de ta.! maneira
tr-ãrio das circunstânc· emen~o do movimento Ida co; que este
básicas do processo serem tomadas em películas separadas.
Não se usaram cores nos fundos, onde calda objeto era pintada
em termo de branco-e-preto. Por exemplo, uma colina verde
mento . num objeto, ~as i:rª:; em que a cor é um ~:,~ ~~;~
portante. Em outras pal~vras prese~ta um pape/ literário im -
(cortada em compensado) era pintada de branco e fotografada d0s os outros movimentos, pi~tóm_ov,ment;> da cor domina to-
para a base cor-de-rosa e, em continuidade, pintada em cin- Esta nova forma d rrcos e crnemáticos.
zento-escuro e fotografada para a base amarela, e em cinzent0- d_ a concepção d
a~ normas da crítica ue n- a cor necessita da revisão
claro para ser finalmente fotografada para a base az ul. Isto sig- baseada hos "standards'9 . , ao pode, de maneira alguma
nifica que a colina foi separada em três bases para as densi- po" do filrne em "brancJoª estabelecidos em reÍação ao "t' ser
dades escolhidas das tintas cor-de-rosa, amarela e azul do pr0- -e-preto" em-
cHso Gasparcolor. A silhueta do homem era sobreposta a cada Esta exposiçã ·
IGré I · o, que pode parecer
base colorida nas !densi_d ades escolhidas para a tinta que que- dez: ~rgos na técnica do filme colori~m ~~nto, crítica aos lei-
rínmos usar na sua própria cor. Ferna~ ro de 1936 - estava muito al, o, Jª ~a sua época -
Este método de controlar a cor significa que o resultado é filmes d leg_er: " Pensam os diretores em da simples teoria de
puro e não sofre nenhuma opacidade da luz fotográfica em Votdarj colorrdos devem usar a m , que para fazer melhores
cor. Em outras palavras, o artista separa a cor em vez de tdei,xar e, devem evitar tanto a1or quantidade de cor· em
Trade- Tattoo , quanto possível, a cor" ,
oc; filtros coloridos separá-las. Com isso todas as çores dos tr.r. lye D . marcou o fim de u .
objetos são inalteradas e obtidas sem a necessidade de re- ll1 . u · epors desta estiliza ão ma etapa ",ª carreira de
produzir as cores das diferentes pigmentações das tintas col<:>- vo11l/ todas as possibilidades ~a c do f documentaria colorido
ridas da película. N ·:e para o branco-e-preto. or oram extraídas, len ly;
Se bem que tivéssemos obtido uma sensação de ritmo $Cu • r N. W. (1937) traz ' t I -
colorido tanto em Colour-Box como em Rainbow-Dance, h s predecessores em cor a Ne a ta~ P,~ucas inibições como os
. ovas ,deras se sucedem rapida-
188
189
.
mente. O filme tem uma estranha qualidade poética, nitida-
co leção ca
rrwnte cinematográfica. ' paz d e consn .
Vem a guerra. Como todos os técnicos, como to'da gente estudiosos brasileir , w_r uma grartde co 'b . -
na Grã-Bretanha, Len Lye mobiliza o seu talento e faz uma ei,ta semelhança coos de cinema. Os filmes n11 ~,çao para os
grande série de filmes de propaganda. Em Lambeth Walk (1939) Picasso: agradam m o_s poemas de Mallarm e en. Lye têm
uma experiência no uso da máquina óptica - o resultado foi f possível mesmo ou nao!. e como eles são d~f'e ~s _pinturas de
de primeira o~dem e conseguiu divertir as audiências acabru- Len Lye, como q~u~s nao - tenham explicaçã~1ce1s ide explicar.
nhadas do primeiro duro inverno de guerra; When the Pie Was Pat Jackson com Bunue/, com 0 Alb ·
Opened (1941), que não é senão uma receita de um prato tra balhar n~ Bras~ Yves Al/egret e como ~rto Lattuada, como
inglês sem sabor, apresentada por Lye com tal imaginação que das, a ele e a t~do~ue oportunidades nãoªrrK Wat~, aceitaria
con segue a reconciliação Ido público com ele; e, finalmente, e com o entusiasm d os demais, pois com es se1am nega-
Km or be Kllled (1942), um documentário puro. O "suspense" do filme brasileiro o ~ n?ssos estudiosos de ª. sua col~boração
dn:imático deste último é excepcional, assim como a sua grande é o caminho Ido
nc~ma mundial.
fuiu~ era enveredar pelo ca~~~ma, a indústria
o, colocando-se assim , n o da cor, que
simplicidade. Kill or be Killed é um Idos maiores documentá- N- b ª vanguarda d o c,-·
rios realizados até hoje, a meu ver capaz de perdurar por muito ao asta arranjar dói
t·q, contratar técnic ares e com eles com .
tempo e que talvez dentro Ide alguns anos venha a ser mos-
trado novamente como um libelo contra os horrores da guerra. para desempenhar oos, montar laboratórios
nema, precisa de papel que lhe cabe n~
dr;~ 1
equ,pamen-
me em cor,
Louvar sem restrições é tarefa das mais difíceis. Só posse os caçadores de ,.elementos criadores como nova eta~a do ci-
dizer de KHI or be Killed que tem a intens~dade de uma tra-
gédia grega. Curiosamente, num "tempo" lento, o filme tem
da obrigatoriedade1~anc;.~mentos, os interessa:~~es. Nao serão
O I
lefone" e muito me nacional os ,, no aumento
o mesmo senso de ritmo que já existia na rapidez de Colour- ·que hão Ide tirar menos os. pro,tessore; imprg;~d~tores se_m te-
Box. Os desenhos Idas folhas de samambaia, variando quando
a câmara rasteja no bosqLie, poderiam ter sido desenhados pelo
sordem em que s: no~sa industria da medioc ~d
nova fase. ac ª e conduzi-la com
ºJ de crnema
r, ª e e da de-
próprio len lye num dos seus primeiros filmes. segurança, em sua
A experiência com a máquina óptica (Swinging the Lam-
Amsterdã
beth Walk), o "trailer" utilitário (When the Pie was Opened) ' novembro de 1947.
e o documentário dramático (Kill or be Killed) são bem repre-
sentativos da obra de len lye. A seu lado, filmes de propa-
ganda direta, tais como News-paper-Trains e Cameraman at War
deram aos dirigentes de March of Time, em New York, a idéia
de contratar os serviços de Len Lye, em 1943. Antes disso, ele
já tinha realiza'do para essa empresa, no começo da guerra,
um número do magazine intitulado Profile of Britain.
Len Lye deixou a Inglaterra pela América, em 1944, e em
New York dirigiu ao todo sete itens para March of Time. O
primeiro foi Teen Age Girls e o último Everybody UstenlnJ,
O seu trabalho mais importante na América foi a realização
de um filme sobre o Inglês Básico.
Os filmes de Len Lye são em geral tão curtos que é pgssf-
vel condensar sua obra do ciclo inglês numa projeção de hotl
e meia a duas horas. Ele talvez seja o único diretor que po55il
dar, em tempo tão reduzido, uma idéia completa de sua oblll
Esperemos que a futura Cinemateca Brasileira possa obter e5S'

190

191
.'lnhumalne" FIime de Marcel L'Herbler Oécor de Cavatcantl

'Feu Malhlas Pascal" de ·Plrandello, Filme de Marcel L'Herbier

,. '•u1 Chaperon Rouge"


"En Rade" Nathalle Llss3nko ea.. Catherine
Hesslin~
....
"Went The Day Well?"
com Valerle Taylor
...
"Champegne Charlie"
Trinder
Le Pelit Chaperon Rouge

"Caiçara"

'Fuente O~ejuna (direção Halfa)


Casa e avalcanu , Anacaprl

)1,

O Canto do Mar
CAPITULO X

A POESIA NO CINEMA
A COMl':DIA

O desenvolvimento do cinema foi tão rápido e su'a evo-


l~ção histórica tão compacta que para estudar os três grandes
períodos do seu desenvolvimento - o filme mudo, o filme so-
noro e o filme colorido, e as suas três grandes funções - o ci-
nema como meio de expressão, a sua poesia e o seu valor
social - precisamos sempre retroceder no tempo e analisar
c1s mesmas facetas de sua história. .
O cinema, como meio de expres~ão, definiu-se no período
d0 filme muçlo, e a palavra, neste sentido, fê-lo retroceder. Só
dép'ois de ter compreen-diâ.o que o drama cinematográfico re-
side verdadeiramente na imagem, a sua evolução pôde reco-
meçar no período sonoro.
A cor, como o som, existia de9de a invenção do .cinema,
perq.uanto pioneiros pintavam as imagens com o auxílio de
"máscaras" ou simpJesmente a mão durante muitos anos do
cinema. mudo cada seqüência ou parte de seqüência era azul
~ata a noite, amarela para o dia, havençio ainda inúmeras outras
tuitas que marcavam a a~mosfera de diferentes "décors" e
rnesmo o chamado viragem, que adicionava um fundo sépia.
O sentido poético do cinema . também exis.te desde o seu
prl_meiro período, com os filmes fantásticos realizados por
Melfês e com os desenhos animados primitivos de Emile Cohl.
~ _desenvolvimento industrial, a introdução de elementos lite-
r nos na França e a .eclosão da escola expressiqi:iista na Ale-
m11nna nada acrescentaram sob este ponto .de vista. .

195
Ao mesmo tempo que a realidade se refugiara no documen- Tinha-se elaborado no "rnus· -h ,, , .
tário e no " far-west", com os seus heróis ·de uma honestidade de poucos minuto~, em que O e~~it ali ª tec~rca do " sketch"
O
inteiro era maior do que O da do movimento do corpo
a toda prova mas, de certo modo, aceitáveis - Bill Hart, trin- o cinema, os " clowns" tinham .expressã? facial. Passando para
t ão de olhos claros, Tom Mix - , o drama se tinha esterilizado 1
O"> seus "sketches" e se Charliem~~to '!1ª s tempo para elaborar
e se afundava cada vez mais no convencionalismo •do triângulo 1
an,oroso, na estilização de atores maquilados de branco e na
p,eocupação de ambientes luxuosos, "à la nouveau rlche".
a mesma maquilagem branca .
6 m, Buster Keaton usavam
agiam sobre o público de ma e !m vel_ dos atores dramáticos
ficiavarn por contraste da gr ne~ra mu,t~ mais direta e bene~
A poesia, por sua vez, tendia a d~saparecer. Sua existência
própria contextura da comédi:~ e movimentação inerente à
dependia da expressão cinematográfica ainda ignorada. Sur-
preendentemente coube à comédia impedir a sua extinção total. Como no filme dramático . d. . .
a suplantar as equipes Charli' a~hm l~v1dual1dades começaram
Como Monsieur Jourdain, com a prosa, a comédia cinemato-
Langdon, Harold Lloyci' e na eF ap IMn, Bu~ter Keaton, Harry
gráfica fazia poesia sem o saber.* . • rança, ax lmder
Desde que o teatro grego perdeu o seu caráter religioso, Louis Delluc, n9 seu ensaio "Charl . ,, 1 ..
a comédia passou a ser como que a filha menos prestigiada a pressentir o valor <le Chapr t ot ( 920) for o primeiro
de Talia, a musa que fazia sobressair a tragédia. Eventualmente, s:ocial como sob. 0 ponto de v.'s~~ ;~J~ic~~b o ponto de vista
Aristófanes, Metastásio, Terêncio, tinham elevado o nível da- Paralelamente, Bud Fisher criu , .
quela. Na Idade Média os grandes espetáculos religiosos popu- dos de Mutt and Jeff e Pat Sullivan~ serie de desenhos anima-
lares tinham conjugado ambas nos autos. Só no século XVII e5ses_ filmes curtos, comédias e dese~hFeUx, ~he Cat. Em to:dos
Moliere conseguiu fazer a comédia respeitada pela crítica. No SP. errava uma situação em torno de os .anm:,ados, nos quais
século XVI li Marivaux aristocratizou-a e fê-la perder, até certo é o melhor exemplo, 0 elemento u,~ tipo, ido qual Chaplin
ponto, sua razão de ser - o contato com o público, que Beau- sente. Aquele que desapareceu mp?e ICO. estava sempre pre-
marchais, com suas poucas obras, não conseguiu reatar. Musset, Langdon, cuja curiosa propensão ao a,s. ~ap,damente foi Harry
herdeiro de Beaumarchais, acentuou a nota poética na comé- à comédia cinematográfica O "path 0 ~isrc,smo levou-o a trazer
dia. Depois de Musset, r:10 século XIX, a comédia prostitui.u-se teve sobre Chaplin uma certa 1 . fl ! · . angdon é o único que
nos "boulevards" e nem os grandes talentos de labiche, Cour-
t eline e Feydeau puderam redimi-la. Coube ao cinema reatar
2
frentar em seus filmes situaçõe ~t«:ndcia, enc<?rajan??· o a en-
ni I amente ôramat1cas
senhor da técnica tradicional d ,, .
.:,s relações entre a comédia e o grande público. Mais tarde,
quando se estudar o papel da comédia cinematográfica na evo-
plin não sofreu influência de
- nem mesmo como é c
f ·
mus,c-hall" inglês, Cha-
qua quer outra personalidade
lução da comédia em geral, verificar-se-á que sua poesia era •d ' orrente acreditar se d d
L,n er - sobre o seu "métier" ôe " ,,· , a e Max
muito mais espontânea do que a poesia consciente e elaborada Isolou-se e alcançou o lu . clown . Pouco a pouco
th
ele Musset. tornando-se a mais impo~~~tquf. e era d~vido ao seu gênio,
Des<ie o início, os comediantes de cinema trabalhavam em l~mpos. e ,gura do cinema em todos os
equipes, das quais a mais típica foi a de Mack Sennett. Os seus . Duas personalidades cômi id . .
filmes não dependiam de uma estrela, porque podiam trazer Cioso, Suster Keaton e Harol~as a primeira fase do silen-
à tela algo muito mais interessante. Não temiam o movimento. niuítos anos. A eles viera . Lloyd. sobreviveram durante
Corriam, pulavam, atiravam objetos uns nos outros e. faziam No cinema sonoro C1 Juntar-se, mais tarde, laurel & Hardy.
caretas quando queriam. A velocidacle aumentada de projeção : Hardy, sempre no ~es~od n~v~fªt"~~esaparecer~m e laurel
não tolhia o efeito cômico; ao contrário; ajudava-o. Os movi• aram sendo supla t d 1 • e~ iam a repetrr-se e aca-
mentos acelerados não só eram engraçados, como também per· ~rx, símbolos don ~e~foJ'e ah_fantas,a. ~urrealista dos Irmãos
mitiam elaborar situações que, em velocidade normal, serial'II ""'t§Und~ 9uerra Mundial. . o ipersens1t1vo que precedeu a
tediosas. . »- historia dos Irmãos M arx é c~,mpl~xa e excepcional. Como
rnu1t0s outros eles co
• Nota: Monsieur Jourdain, personagem de Moliêre em 11\udo. A técn'ica das ::~ª,~ªp;rf~~mamus1~;hall", durante o filme
Gentilhomme", ignorava ser ein prósa o Francês que ele fala\!a . nces no palco estava bas-

1% 197
tante influenciada pelo filme com1co da época. Faziam coisas
que, se não fosse o cinema, ni.nguém teria ousado fazer no Mesmo Bob Hope Dann Ke
palco. E não teriam sido compreendidos senão por audiências ccntaram e não passar;m de ym . ye e Red Skelton nada acres-
treinadas pelo cinema. no fílme-espetáculo-musical-coler?J elemento~ aproveitáveis só
Essa veia do fílme mudo foi por eles trazida para o cinema is!o é diminuta e não contém n~r, º· A co_m1citlade de tudo
sonoro, onde, teimoso, Harpo se recusou a falar. A semelhança No fundo, a poesia talvez s ~ seq~~r vislumbre de poesia.
com Laurel & Hardy, vindos diretamente do cinema mudo, era t~do_ o _v~sto domínio do cinem!Jª 0 unico elemento que, em
superficial. O cabedal do "music-hall", modernizado, domina- ç.io 1nd1v1dual quanto de trab Ih, ~epend~ tanto -de contribui-
va. Desde o começo, a técnica dos Irmãos Marx era até certo N . . a o ue equipe.
as primeiras comédias u , .
ponto cinematográfica, mas eles fizeram vários filmes antes de Normand, Louise Fazenda Ma . ma serie de mulheres, Mabel
compreender plenamente o novo meio de expressão. Ao que ma Todd e Zazu Pitts ti~hamne Dressl~r, Glenda Farrell, Thel-
parece, comercialmente os Irmãos Marx nunca tiveram grande mas nunca conseguiram a . pa'!e ~tiva nos filmes cômicos
êxito; os seus filmes, porém, caracterizavam-se por um grande· culinos. Mais tarde à medi~mportancia dos especialistas, mas~
e~tilo e por uma séria importância social. Analisados artistica- foram subst_ituídas por outras\i~zee ª poesia se articulava, elas
mente, poderíamos classificá-los como surrealistas; socialmente, mento sentimental necessário a ds . que representavam o efe-
a crueldade deliberada de seu humor está muito próxima de 0
tuação humana. esenvolv,mento de uma si-
um verdadeiro espírito revolucionário. Muito mais perto •do Na fase seguinte, a dos Irmãos Marx
que a moralização sentimental de Chaplin, os Irmãos Marx ram a ser tratadas como Tartuffe t·1 ' as mulheres passa-
e!>tão constantemente em luta contra a ordem estabelecida. 't· d
Vl ,mas e um desrespeito contí
, no I me da peça . , e eram
É curioso assinalar que Chaplin, nqs seus primeiros fi lmes explicado como uma instintiva d;f~o, o que talvez possa ser
sonoros, City Lighls, Modern Times e lhe Dictator não useu mulher americana Portanto mai sa contra a hegemonia da
a palavra senão no ~ltimo, e assim mesmo com parcimônia. balança dos probiemas sociais. s uma vez, o cinema pesa na
Foi ele um dos primeiros a compreender que a solução dramá-
tir:a do filme sonoro não está na paJavra. Em Monsieur Verdoul, Combatido, de maneira consiste t . .
per ligas religiosas de todos os m ~- e, por mt~•gas políticas e
começou a us.a r· o diálogo, n:ias um diálogo já acertado e evo- espaçado cada vez mais O inte ª izes, Charlie Chaplin tem
lu ído, que não criava situações, e sim era criado por estas. filmes. O conjunto de sua obª1o entre a realização de seus
· No começo do filme sonoro, Disney com The Skeleto.n admirável sob vários pontos d ra _apresent~ uma consistência
Dance, e Gross, com Joie de Vivre, apareceram como duas
grandes promessas que, afinal, não chegaram a ser totalmente

Chaplin representa de preferên/ v_ista. b tipo que o próprio
vct~a.1 que viveu entre as duas ia e o s m olo do. homem uni-
cumpridas. · as in1ustiças sociais que n e tgrandes_guerras, vítrma de todas
A concepção da comédia comercial americana é muito <:fife- Seu nome foi traduzid~ e~ ; ~nto, nao conseguiram abatê-lo
rente da concepção inicial da comédia de equipe e da sua inglês, Charlot, em francês, ~arf;~o~s idlo:;ias: - C~arlie, e~
sucessora, a comédia dos grandes "clowns". Os atores e afriz,es Portugal - são todos a me ' no ras,I, Carlinhos em
não especializados de Hollywood, quando se esforçam em ser plln. ó homem simples de t~~a pessoa, Charles Spencer Cha-
cômicos, tomam-se simplesmente desoladores. Inúmeras qlile• sente-se nele retratado os os povos e de todas as raças
d,:1s, algumas bofetadas, um diálogo sofisticado e situaçõés já
muito exploradas formam o seu estoque habitual.
Considerada por muitos como uma grande atriz, Miss Ka-
~-h~plin simboliza a su~ fe~[~~~~;;a_
içoes precárias de vida de nosso t~~
fm Woman of Pa ·
:.e
s~a a~arente fragilidade:

~ p
indomável às con.
ihe:rine Hepburn fez múltiplas tentativas no filme burlesce, mas pressão de que ia afa:~~r-~~ qual_nao ~pareceu, dando a im-
nem o seu prestígio pôde encobrir o vácuo absoluto do ./ª
resultado. · ··
Naturalmente estas restrições não dizem respeito à comé-
dia dramática, ou a de sitüações que Lubitsch manejou corr.f.
in:
tercebeu-se quão profunda lrnha tao claramente traçada
~or e!e apresentada es~iva ei~~uf~ suas convicções.,~ mu~
n,ormrsmo com . a no mesmo espmto de
tanta maestria. · · =ª/ela figura fem~;~~~;;~ê;i~s ?ª
,S~ciadis é~oca, interpre-
os seus filmes. P e a a galena das mulhe-
198

199
Em The Dictator, usando o recurso shakesperiano do duplo
Os japoneses julgam que a b
papel, Chaplin opôs à prepotência do ditador e ao seu apetite
guerreiro, a coragem sem alarde do homem comum. devemos rir e assim esconde/ qu~l~euc:r
reza. Em todo O mundo civilizad
:r:rsd
uma m~ notíc!a,
e emoçao e tns-
Este encontro dos dois sósias marcou a última aparição de mágoa . Só a comédia pode lutar ~ usa-se ? . hu~or contra a
Carlitos na arena de sua longa luta contra o desequilíbrio social, ao mesmo tempo fugir à censura o~t~a as m1ust1ças sociais e,
que ele jamais aceitou.
ao fundo da compreensão human · nnc~ndo, pode-se chegar
Num ambiente francês preconcebidamente falsificado, apa- fundamental. ª e mwto perto da verdade
receu em Monsieur Verdoux. O parentesco entre Verdoux e o
A escala da coméd' · d
famoso criminoso Landru é muito longínquo e serviu apenas . in
vina . d u Igenc1a.
A • ia va, a extrema crueldade à ma1·s d1· -
,de pretexto para uma amarga sátira à sociedade americana e a
suél atitude diante das conseqüências da guerra. Quando segue a fábula respeita-a a , d ,
a ci_garra morre; numa comédia, ela re~ebe a l'le!ra. Na fab~la,
A técnica dos filmes de Chaplin evoluiu com o cinema. e vive para aproveitá-la. . . e a içao da formiga
A transformação do seu personagem é ainda mais acentuada,
mas conserva sempre o seu senso poético.
Verdoux, para se defender, torna-se um criminoso e como
tal não pode vestir a roupa preta esfarrapada de Carlitos, o seu li
irmão. Para o seu desespero, Verdoux não encontra outra solu-
ção senão o crime. O DRAMA DE JEAN VIGO
QI, 11''11, O mesmo mundo no qual ele se inspirou exige, através da
li'" ,, Censura, que Verdoux vá à guilhotina ou à cadeira elétrica. Mas A intrusão das escolas de arte no cine
,,: : ~::!! o milagre operou-se; o público compreendeu e perdoou seus presentou um amparo ao elemento oétk ma n_em sem~re re-
11::"'" t·''"'
-i · O
••• , .. '"', I' ,.
métodos extremos. ·E quando, no fim do filme, Verdoux (Cha- lihha dramática de Griffith, as profu~d ,no f~me. A s1~p les
11: ::, : ..~:
plin), de costas para o público, caminha ao longo do corredor, s~1eco foram de mais importância ue t~s ra1zes_ ~ romant1sr:rio
11: ::. : ''. , 1
,, _ :: .,, 1,,,: ~ volta a ser o mesmo Carlitos, que na estrada deserta do final n,5tas alemãs. Exemplo dos ma,·s qtr·1sa t das_ as idéias express10-
de The Circos, caminhava, também de costas para a audiência, d · n es e o compost pel
emocionada mas convencida de que ele voltaria outra vez li.~1sdgrupho~
stl n · o OJe que e_m França precederam a "Avant-Garde~ An~~
os filmes despretens· . ·
porque, mais do que um homem, ele é um símbolo. seriados de Feuillacle tão desprez~ºJºs e simples, mesmo os
No estágio atual do filme em cores, o elemento poético que cóntêm mais p~esia ue a bos no s_eu tempo, vemos
novamente retrocedeu, tal como já acontecera no início do so- pretensão artística dos L'H~rbier s do raps .r~al1zadas com muita
dos Gance. ' os orner, dos Baroncelli e
noro. É difícil prever sob que forma ele voltará a tomar seu

:~~~~~~:if;~r:i~i~': ~~ ~::r;;.• f;;~_~;~:c:: h°oj~~p:~.::i


lugar no cinema, mas pode-se estar certo de que reaparecerá,
por ser essencial na estrutura do filme, que, sem ele, não pe
derá evoluir. A uma personalidade marcante, ou a um grupo inglês A . . do documentario no atual cinema
experimental, com tendências em comum ou, ainda, àqueles C:irde~' f -~ais importante contribuição, porém da "Avant-
que fazem rir o público, caberá a missão de incorporar neva· • 01 Justamente no d f · d '
quadro nacional franc om n10 a poesia, e ultrapassou o
mente a poesia ao cinema. personalidades tão d 'fês. Esse punhado de individualistas, com
A comédia pode tratar da realidade mais amarga, dos fatos de reação i er~ntes, estava unido pelo mesmo ideal
mais cruéis e dos problemas mais vitais: - uma das obras fun,; cinema fran~~ntra os doi~ grupos que então representavam 0
dr1mentais da revolução francesa foi uma comédia, te Marial'- disciplina qu:s. Es~a reaçao se manifestava sobretudo na estrita
de Figaro, de Beaumarchais. Primeira crítica contra a aristoc tfllro técnico. ~~t~~~u7ham ~; r~sP,;ita~ ao pé da letra o ro-
eia (causou verdadeiro escândalo no ·século XVIII) tinha qu~ que servia de re e e~, 0 s~np~ nao . era senão um guia
uma comédia porque, c;omo dizia o próprio Figaro, "ele ttn Esta fidelid d texto a rmprov,saçoes n:1ais ou menos felizes.
que rir para não chorar". irtipo~tância a _e ao arg_umento, a consideração devida à sua
' serviram mais tarde de base ao estabel~cimento
200
201
do roteiro técnico do cinema sonoro. Sem a prática que ela
filmes mais marcantes de tod
proporcionou, não teria sido possível vencer, com relativa faci-
lidade, as complicações inerentes à nova técnica do som.
Chien Ar.idalou L
Poete. , a
e •n ° O
grupo são EfoDle de Mer, Le
oqu1 e et le Clergyman e Le Sang d'un
Uma das provas mais flagrantes de que, senhor de um ro- Repetiu-se aqui com a escola .
teiro técnico perfeito, um diretor, mesmo inexperiente, pode d:i do com o expressionismo surrealrs_ta o que se tinha
realizar um excelente filme, encontra-se em André Malraux. já citados. Havia mais poesi~ ~e ~om os_ dois grupos franceses
Sem jamais ter tido contato direto com a técnica da direção, pretendiam fazer cinema -do a nos filmes daqueles que só
Malraux realizou, com Sierra de Teruel, extraído do seu romance impin~ir à força a poesia surr~~~st:~s obras dos que queriam
"hpoir", um dos filmes mais notáveis de seu tempo.
Nao se pode negar apesar d d . -
Por sua vez, se bem que o elemento poético fosse inci- movimento, s·ob O ponto de vist: e~sor?a~rzaçao aparente do
piente na coordenação da expressão cinematográfica, estabe- dor, que os filmes da "Avant-Gard ,, onom__,co e também cria-
lecida pouco a pouco com o desenvolvimento do cinema, Imagens que podem ser colocad e contem u,:n conjunto de
nunca poderia ter sido enunciado se não tivesse tido o apoio de toda a história do cinema. as entre as mais significativas
do roteiro técnico. Se as individualidades são res , .
Os vanguardistas se agrupavam em três núcleos, de ten- foram, no entanto, as poucas direi"onsave,s pela sua qualidade,
dências diferentes. O primeiro, que provavelmente deu nome sobre o seu conjunto e se tornar ivas em comum que atuaram
ao movimento, era formado pelos que tinham como preocupa- pafiSO adiante dado pela ex ressã~mcr causa pro_tunda do novo
çào principal fazer filmes que chamavam de "puros". A sua consigo a sua intrínseca stnifica ã nema!ográfica, que trouxe
receita era de uma simplicidade infantil: não contar nenhuma em comum tinham possibi1itad ç O t P?ética. Outras diretivas
hi~tória, não colocar a câmara em posição normal, dividir cada
tomada em porções minúsculas, usar um certo número delas
passos neste mesmo caminho· is an enormen!e . os primeiros
e suas tradições, os russos r~cla suecos expr!mi_ndo sua vida
de "cabeça para baixo"; e por fim "temperar" o todo com narias e os " clowns" faze~~ m_abnldi O s~as 1dé1as revolucio-
alguns trechos de negativos. Algumas cinematecas ainda pos- . ,. o o pu co rrr.
Mas as ideias não atuam somen
suém À quoi rêvent les jeunes filies, do Conde Ide Beaumont, Ciom suas fantasias Griffith com t~ sobre ~rupos. Mélies,
em colaboração com Henri Chomette; irmão de René Clair, e o e Flaherty, com s~us docu;,,entárrus ' r~m~s cinematográficos
, -:: .. !
Ballet Mecanique, de Fernand Leger, as duas maiores vitórias buíram para que o cinema b ,os ;omant1co-s, muito contri-
,:-- ,..... dos expoentes do filme "absoluto". ao teatro e ao romance e~c~e te an o-se contra ~ escravidão
. , '' . O grupo intermediário, formado por Renoir, Epstein, Kir- e i sua poesia. , n rasse a sua própria expressão
fl~I ;;,.. : ::

-:: :~.~ J:: sanov, Gremillon, Clair, Claude Autant-Lara e eu próprio, tinha Surgindo quando o cinema .
' h • ••• por preocupação contar uma história usando ao máximo, cor:n tos da ''Avant-Garde" um comercia~ absorvia os elemen-
('.:•I~•• ,r"'II
,, 1
uma liberdade que o público considerava revolucionária, o meio voi0, com Slfa contrib'. - a nova personalrdad~ - Jean Vigo -
de expressão cinematográfico, chegando a extremos, na esco- poética do cinema frau~~:~ ~:ss?al, acentuar arnda mais a carga
lha das analogias, das comparações e das metáforas. La Fifle O poeta francês fala nos !,j:o importante an_tes e depois dele.
le L'eau, Menilmonta11t, Paris qui Dort, Fait Divers e En Rade que tendemos sempre a unes morts chéns des Dieux". Sei
são os filmes mais representativos deste grupo e também do arti~tas e, levando-a em n~s enternecer com a morte de jovens
movimento. caso. de Jean Vigo anta, _enwandecer suas obras. No
O terceiro e último núcleo, que nasceu quando os .dsis ~isa ser levado en{ : e morreu 1ao JOvem, esse fator não re-
p:·imeiros já estavam em plena atividade, derivada da escola •~0rtância, represent~~dcf orque os se~s f!l121es são de gra~de
su, realista que os reconhecera oficialmente e se compunha de m..,s expressivas. uma contrrbwçao individual das
Man Ray e Buiiuel-Dali. Com as mesmas tendências, mas repu- s ~
diados pelos surrealistas, com um desprezo que muitas
se exprimia por ataques físicos , por descomposturas e to
vez: Jean Vigo nasceu no País Ba .
:e~ oficial na pequenina Repúbri~~- d euAa~o era um persona-
moso anarquista AI d e n orra e seu pai foi
sotre de violências, havia Germaíne Dulac e Jean Cocteau. 0$ guerra de 1914 merey a, uma das figuras de antes da
' que se tornou legendária. Vigo herdou a força

203
e a energia desses dois homens. Era d? tipo v~goroso e aleg~e
A exibição terminou numa luta generalizada. Naquele tempo,
dos montanheses dos Pirineus. Possu1a tambem o senso, e
~m Paris, as a,ud~ências intelectuâis tinham coragem de defen-
pr~porções e, como todos os que nascem em pequenos pa1s~s c1er suas conv1cçoes, mesmo com o emprego da força.
·solados a noção exata do contraste entre o grande e o peq_µen •
, Herdou o "charme" pessoal de seu pai que, segundo os ~ Zé_ro de Con~uite é o único filme sobre crianças no qual
que O conheceram, era um dos home_ns mai~ encantadores do n.an ha compromisso algum com o sentimentalismo usual no
seu tempo. Como ele, Vigo tinha muitos am1~os. Se. bem que ci nema de fi<:çãC!· Vigo !eve a C<;>ragem de mostrar as crianças
muito reservado sobre O seu pas~ad<?, um <lia confiou a un1 como elas proprias se veem e, ainda mais pessoas adultas jul-
g.,das pelas crianças. '
dei,ses que tinha dado os seus primeiros ~a~sos na cela o-~d~
estava apri sionado seu pai, essa mesma ~nsao onde este fo1 A maioria das audiências que atualmente vê o filme tend e
suicidado". Da infância acabrunhadora, Vigo _conservou para o a considerá-lo como uma comédia. A poesia do conjunto lhes
resto de sua vida uma amargura que acabaria marcando toda escapa, como também a profunda verdade das relações entre
a sua obra. Morreu aos 29 anos. , . as crianças. Zéro de Conduite tem o espírito de revolta e
0
Vigo iniciou sua carreira num estúdio de fotografo. e mais ângulo duramente satírico que predomina em todas as ob ras
surrealistas.
·
tarde tornou-se assistente d e cam ara . Fundou em .Nice um
A

1 b de C inema e fez O seu primeiro trabalho de diretor em Se bem que os líderes do movimento surrealista em Fran ça
c uPropos
A e de Nice (1929), que ele próprio• qua 1·f·
1 1cava d e "po nt o nunca tivessem reconhecido Vigo como um dos "puros", as
de vista documentado", filme esse que, embora cor:n todas ~s cenas no gabinete do diretor da escola, do passeio à tarde e
· f e1ço
· ·e s da ·inexperiência e mesmo do amadorismo, do dormitório podem ser citadas como exemplos perfeitos de
1mper . A p valia
como uma promessa. Transportou-se para Paris co~ ropos surrealismo, tanto quanto um poema de Elouard, uma pintu ra
de Nice e realizou, depois de u~a grande l~ta, Taris, em 1932, dl3 Max Ernest ou Dali, e talvez ainda mais característicos que
os primeiros filmes de Luís Bufíuel.
A seqüência em que o campeao ,de nataçao, que deu nome
ao filme, nada sob a água, com a câm~ra rodando às_ v_ezes em Depoi s de Zéro de Co,-duite, Vigo preparou vários argu -
ve!ocidade normal e às vezes em movimento lent';), e me~que- mentos, e fez diversas tentativas malogradas de financiamento
cível sobretudo, porque Vigo insistiu, para dar a 1mpressao de para realizá-los - um filme com Blaise Cendrars, um outro
imagens submarinas, em usar O silêncio absolut_o na banda _s~- cõm G. de La Fouchardiere, cuja história •de La Chiene, de
nora. Em seguida escreveu o argumento de um f1~'!1e sobre tenr,i ~Ei,r'loir, tanto nos impressionou, e também um filme sobre a
com O campeão francês, H. Cochet. Mas as d1f1culdades que Ylda dos presidiários, com Dieudonné.
os jovens diretores franceses de então enfrentavam forçaram-no Atrasos e cancelamentos não o desencorajavam. Se uma
a abandonar a idéia. • idéia não se materializava, Vigo procurava outra. Afinal, aju-
No entanto, 0 filme sobre Cochet teria formado, c~m Tans dado por amigos de seu pai, que já o tinham apoiado em Zéro
e Le Mile _ (de Jean Lods) sobre o corredor Ladoumegue .- de Conduite, consegue iniciar a produção de L'Atalante (1934).
importante trilogia poética do filme sobre esp~rte.dSe~ P~~~! Oi l'-Se•ia que, press-entindo o seu fim, multiplicava sua energia
0 entusiasmo, Vigo começou o trab_al~o de Zero e on tent<1ndo exprimir tudo o que pensava e sentia sobre as possi -
(1933) que considero seu filme mais importante. bilidades do film e. L'Atalante foi realizado em condições nor-
A' censura francesa recebeu Zéro de <:onduite comod~-~ mai_s e Vigo acreditou que, enfim, tinha sido ultrapassado o
insulto às instituições educacionais da Naçao e, declaran "bhJ pe-rrodo de suas grandes dificul-aades.
nocivo à infância e à reputação das escolas francesa~, pro, ro· O t rabalho de L'Atafante foi concebido, planejado e real i-
sL:a exibição ao público. Apresentado à imprensa, o filme P ~ do com o maior entusiasmo. A atriz húngara, Dita Parlo, que
\>OCOu franca hostilidade. .
A • ófunda· t11iha tra?alhado com Pommer, o grande comediante francês,
Os sentimentos burgueses da aud1enc1a foram pr Vigo. Mle:hel Simon, Dasté, da Companhia dos "15" e que tomara
mente chocados pela atitude das crianças mostradas por 1do fª~~? e~ Zéro de Corufuite, e Gilles Margaritis, também dos
Durante a projeção era a balbúrdia tão gran?e qu~
cinema foram acesas várias vezes e o espetaculo 1nte
ª\)i~e;id 1
S , CUJO desempenho foi uma revelação, formaram o elen-
co. A mús ica era de Maurice Jaubert. A história, ampla e sim -
204
205
p '. es. O trabalho fotográfico de Boris Kaufmann, maravilhoso. t~nte pequefla, quando se consideram os milhões de metros d e
L' AtalaRte tinha todas as possibilidades de um grande êxito. f~ .me que te~ sido rodados, de gênero pretensamente fantá s-
A realização do filme termina. Vigo cai seriamente doen - tico, como D1e. Fraund en Mond, de Fritz Lang, Vampyr, de
te. Em torno dele, seus amigos sabem que ele está condenado Dreyer,. The Th1ef of Bagdad, de Zoltan Korda e Tim Whelan
e com sua esposa, fazem todo o possível para diminuir o seu e La_dy m the Dark, de Mitchel Leisen, filmes cuja fantasia é su~
sofrimento. L'Atalante, um filme de uma beleza e de uma pu- perf1cial e nada deve à imaginação. Entretanto, muitas veze s
reza raras, passa para os distribuidores. O fundo surrealista da enc~ntram-se trechos fantásticos, admiráveis em filmes de pro-
hi~tória, que tem um batelão por herói e como " décor" severos du~ao cor~ente, como ~s sonhos de Carlitos, em The Kid, de
e geométricos canais, amedronta os comerciantes, que insis- a Frlle de L Eau, de Renoir, a cena do aquário em Mare Nostrum
tem na "necessidade" de uma nova versão "box-office". Uma de Rex lngram, os pensamentos de Charles' Ray, em The Girl Í
anção sentimental, cujo título barato, "Les Chalands qui Pas- Love, fragment?s estes que são inesquecíveis lições de trata -
scnt" , define perfeitamente, foi encaixada no filme. Primeiros mento verdadeiramente poético do cinema.
planos de uma cantora notável, porém envelhe.:.",da - Damia - , É inad_missível que o filme, sobretudo depois do sonoro,
fon1m sobrepostos em várias passagens, muitas das quais con - t~nha pedido en:iprestado ao teatro um tratamento preconce-
têm as melhores imagens de Vigo. O título da canção torna-se b1damente realístico da fantasia, como em Ulioo, de Fritz Lang
o título do filme. A mutilação de seu trabalho transforma-se e em Green P.astu~e~,. de Wiliam Keighey e Marc Connel/
numa tortura para Vigo nas últimas semanas de sua vida, q!1ando suas poss1brl1dades no domínio da fantasia são infi-
em 1934. rntas ...
Esta foi a curta trajetória de um dos mais bem dotados Também neste domínio o cinema brasileiro ainda não abriu
entre os jovens diretores franceses. Ele poderia ter f~ito ?utr9s as portas. "'.oss_as lend,as indígenas e afro-brasileiras constituem
g,-;rndes filmes, porque possuía enorme poder de 1maginaça0 um manancial rnesgotavel de temas feéricos para o futuro.
e também de ação. Sobretudo, possuía o dom de encontrar a . , O papel do s~':1 ~a evolução da poesia no cinema foi resol-
vf!rdadeira poesia no mundo da câmara. Essa poesia da reali- v1~0 pelas experrenc1a~ realizadas no documentário inglês,
dade, que foi a sua maior contribuição, e que é a única razão qua~do houve u!11. movimento de rebeldia contra o w.o indis-
d t" ser dos filmes de hoje. Com a indústria do filme francês crrrn,nado da musica, contra a obrigatoriedade do sincronismo
es:·rangulada pelos trustes internacionais, a perda de uma per- na palavra e nos ruídos, dando início à criação do simbolismo
sonalidade independente como a sua é irreparável. Homens sonoro.
o rno Vigo são raros no cinema. _Dep?is de Vi~o, em França houve uma reação de sentido
Depois da sua infância, na prisão de seu pai, Jean Vig<:> re~.lrsta, interrompida com a última guerra. Um fenômeno se-
cresceu e se tornou homem, como Chaplin, revoltado contra melhante ?º que precedera a "Avant~Garde'' reproduziu-se
~s injustiças do nosso tempo. Atribulado sem cessar pela cen- porém mais acentuado no sentido poético. Duas correntes s~
sura e pelos comerciantes do cinema, ele personifica o direter estabele 7eram; -desta vez, no entanto, ligadas a duas grandes
progressista na sua luta contra a estupidez e a hipocrisia do Pl:!.rsonal,dades: a de Jean Cocteau, equivalente à dos estetas
in ema comercial. de o~trora, e a de Jacques Prevert, com as mesmas tendências
O filme fantástico, que teria sido realmente um dos gêne- do _filme popular de Feuillade e seus contemporâneos mas
ros mais propícios ao desenvolvimento da poesia no cinema, mqito m~is evoluída e com grande senso de sua respon~abili-
d epois do seu início prometedor com Mélies, só tem apres~n- dade social.
tado, com grandes intervalos, poucos exemplos verdadeira- A biografia de Cocteau nunca será só a biografia de urn
m ente dignos de interesse: Der Mud Tod,. de Fritz Lang, Das poeta. Ele ~screve poesia, e também é um teatrólogo notável
Wachsfigurenkabinett, de Paul Leni, Nosferatu, de Murnau, When ~: . des~nh_rsta ~çradável, um escultor original, um romancist~
the Cloud Rolls By, filme americano de Victor Saville, com Dou· s~n rn_egaveis merrtos e um h~mem de cinen:ia de grande per-
glas Fairbanks, La Charrete Fantôme, de Victor Sjoestrom, The d dalrdade. No entanto, analisadas em conJunto, essas ativi-
luvisible Man, de Wells, realizado por James Whale, Topper, e d~ es representam um estoque de idéias muito mais restrito
lhe Scoundrel, de Ben Hetch e Charles MacArthur. Lista bas- que se poderia pensar. Um de seus inimigos prediz que

207
quando ele morrer, chegará às portas do céu, atrás de uma
senhora francesa, que estará pleiteando a entrada, alegando
.c,ua3 qualidades cJe economia. São Pedro, reconhecendo porém
Cocteau atrás dela, há de responder: "Não, madame, a senho-
rc:1 só passa depois do Sr. Cocteau." Isto porque, em Slfa obra
o s achados se repetem em diferentes meios de expressão e
ern diferentes situações, repetindo-se também as próprias
sit1Jações.
No cinema a sua influência é ainda maior que a sua obr~.
Sell filme mais completo é, sem dúvida, La Refie et la Bête.
Baseado no lindo conto de Perrault, adaptado com carinho e
gnmde liberdade poética, com cenografia e indumentária de
Christian Berard, Jamais igualadas no cinema, com a música
inspirada de Georges Auric, com a fotografia admirável de
Henri Alekan, tanto nos interiores, como nos exteriores, esco- CAPíTULO XI
lhidos com estilo seguro, e, finalmente, com um elenco respei-
toso e da mais alta qualidade - o filme deveria ser, teorica-
mente, a maior obra jamais produzida no cinema.
Não se pode dizer que lJa Belle et la Bête tenha decepcio , O VALOR SOCIAL DO CINEMA
n.1elo. Com efeito isto não poderia ter acontecido, dada a reu-
nião de tantos elementos de valor, mas o filme não foi mais
do que um exercício de virtuosidade que não tocou profunda-
mente o grande público.
Jacques Prevert também é poeta. Ao contrário de Cocteau,
sua obra cinematográfica é muito superior à sua poesia. Seus
argumentos são concebidos com uma tal precisão, uma tal me!i-
tria que estão muito acima das qualidades normais dos dire-
tores que os realizam. Prevert é o único argumentista do qual
se pode dizer - "é um filme de Prevert'', não importando e
nome do diretor que o filmou. As grandes qualidades de suas
histórias são o conhecimento profundo da linguagem cinema-
tográfica, um respeito constante ao papel social do cinema e
um acendrado amor aos personagens que cria, sempre inspi-
rados na realidade.
A diferença entre Prevert e Cocteau é que este último está
continuamente preocupado em fazer filmes poéticos, ao passo
que Prevert os escreve, desejoso de realizar bom cinema, ja•
mais procurando preconcebidamente fazer poesia.
Como o estilo, a poesia existe ou não existe. No cinema
e'. a é parte fundamental da expressão e não deve ser forçada,
noraue a espontaneidade é justamente um dos seus maiores
méritos.
O FILME E O PúBLICO

Geograficamente, a marcha industrial na América do Norte


efetua-se de Este para Oeste, ao passo que na América Latina
ela tende a se dirigir do Norte para o Sul. ~ provável que o
<:inema siga as outras indústrias no eixo Rio-São Paulo e daí
para os Estados do Sul. Já existem algumas indicações de que,
em Porto Alegre, se cogita da construção de estúdios e do início
áa produção de filmes. Só pode haver vantagens nesta descen-
tralização. Um terceiro centro produtor, mais ao Sul, poderá
atüar como elemento mediador, uma ve:.:: estabelecida solida-
mente uma competição sadia entre os produtores do Rio e de
Sã0 l>aulo, desde que este venha a ter ambições mais modestas
e a necessária perspectiva que lhe poderá fornecer a distância.
A instabilidade da nossa indústria cinematográfica parece
ter crescido proporcionalmete à sua importância. f: verdadE': quE:
a; dificuldades de administração de uma série de filmes são muito
l'n,üores do que as de um filme realizado esporadicamente. Os
desmandos notórios de nossas maiores empresas amedrontam
os capitalistas e ameaçam afastá-los definitivamente do cinema;
~o entanto, a estrutura da produção de filmes só pode subsis-
hr se for organizada industrialmente. Só apoiado numa admi-
nt~tração sólida, pode o setor criador do filme desenvolver-se
pl2namente.
As complicações na feitura de um filme são inúmeras, mas
num diagrama industrial elas se reduzem aos padrões mais
elementares de qualquer outra indústria: - planejamento, ma-

211
. . f'b . laboratonos; e, num diagrama
téria-prima, maquinaria, a nca e (d"stribuição) e b) - venda própri~s casas de distribuição e adquiriram circuitos exibido-
comercial, a) - venda a grosso 1
rtJs, transformando-se assim em trustes nacionais e internacionais.
a retalho (exibição): tos humanos e artísticos são No Brasil há um destes trustes, nascido, no caso, da exi-
Na fase industnal os e 1emen "dade depende o êxito
.
de grande impor an d"
r
eia pois de sua capac1
t No Brasil ainda é possível, gra-
bição, que assume uma certa importância; mas o mercado in-
terno, ainda livre, permitirá uma distribuição compensadora,
de qualquer empree~ imen ~ o. . obter-se a realização de um quando houver empresas sérias, apoiadas em leis inteligentes,
filme por _preço sensdivelme~~e ã1~.
dos demais centros e pro _ç
:~te
ças a uma série de c1rcunstanc1_asfe ·or ao seu custo na maioria
preço, segundo os meus
"lhões de cruzeiros .*
capazes
nacional. de forçar uma absorção generalizada do bom film e
Conheço poucos distribuidores e exibidores nacionais. Na
cá lculos, varia de q~atro ª cinc~ta~~ns dos intermediários (exi- Europa, tive sempre a impressão de que eles representam um
Na fase _co~e~c1al, as ~orce tante onerosas para os prod~- fator importantíssimo no sucesso de um filme. O argumento
bidores e d1stnbuidores) sao _bas - recolhidos pelos ex1- de que não têm a propriedade do negativo, por eles usado
tores. 50 % da receita dos :inema: sda? 'd'dos pela quota dos contra os produtores, também é válido às avessas, porque, não
O SOo/cO estantes ainda sao rvi I bl.
bidores: s . r . 20 a 30 %. As despesas de pu _1- s,~ tratando de comerciantes do tipo dos que compram a sua
di5tribuidores! ~~e varia de rodutor O distribuidor e o ex1- mercadoria, os exibidores podem fazer atuar preferências que,
ciclade são d1v1d1_das entre_ o-~ segu'ndo as estipulações dos no fundo, nada lhes custam. Se acrescentarmos que o níve l
bidor e são sujeitas a variaço \ partilha do custo das cópias. cultural desses intermediários é geralmente bem mais baixo
contratos, da mesma forma qu~dutor na melhor das hipóteses,
De onde se poder
recebe de
:er
quee~ ~r bruta ~ ainda é responsá~el por
35 a 40 1/o da r d d publicidade e das cópias ne-
que o dos produtores, compreender-se-á o perigo desta com-
pleta autonomia financeira que lhes é facilitada pela estrutura
econômica da cinema atual.
grande parcela das despesas , e
A influência dos exibidores e distribuidores é, em grande
cessárias ao lança_mento ~o !ilm:~eitas no país de origem. Nos parte, responsável pela deterioração da qualidade dos filmes
Isso no que d1~ respeito as r lí uidas contratos de distri- e, conseqüentemente, pelo desenvolvimento do mau gosto do
mercados estrangei~o~ há ve nd as t~ ou 'voltando ainda uma público.
bl!íção com um mini~o de
vez ao assunto, contra ~s ~e
1
J:
~~~ntes a~s da distribuição na-
t ·osos pelo fato de necessi-
Quantas vezes, na minha carreira, encontrei donos de ci-
nema que, enriquecidos e por isso cheios de autoridade, pos-
cional,
ta~ porém ainda mais
filme de dublagem em es~:~r~ idio'ma ou de tradução do tulavam suas opiniões baseados no que eles chamam de "meu
0
público" - como se o público, que paga a sua poltrona, e o
diálogo em l~ge~da~ fl es caracterizando um investimento filme, o qual retribui financeiramente a sua projeção, fossem
A lenta
a longo d1fusao
prazo, const1·ºtu1
s_ ou
1 ~ro' fator financeiro desfavorável ao propriedades deles!
Quando nos tornamos cientes de que são estes interme -
produtor. 't das demais indústrias, a parte diários os que deliberam sobre a publicidade e constituem fa -
Comparada com as r~cJ~~~ia cinematográfica é certamente
tor primordial no lançamento de um filme, temos amplas ra-
que cabe ao produtor na m t sado pelos intermediários em
muito baixa e o argu_men o u adutor dizem eles, não vende zões para reconhecer sua importância e também para temer
al decisões ditadas pelo seu gosto discutível.
sua defesa parece falacioso. O P(
co~tinua em suas mãos e
o seu fi(me, p~rquanto o n~ga iv~e circulação, são devolvidas O público, que no quadro comercial poderíamos chamar
as própnas copias, uma vez ora de "consumidor", possui um nível de apreciação muito supe-
01 ri<:>r ao que lhe creditam os intermediários e mesmo a maioria
destruídas .. •
1 d tores tentando salvaguardar
Eis a razão pela qua 1 os pro u ' .d d . am dos produtores de filmes comerciais. As massas têm sobre o in-
os seus interesses frente as atuais advers1 a es, criar divíduo, neste caso, uma grande superioridade. O dono do cine-
m~, ~ue, depois de um lauto jantar, charuto à boca, ventila su~s
b~in10es sobre o filme que está escolhen·do para vender ao pu-
* Nota: Em valores correntes no ano de 1951 .
hc0, pensa apenas na quantia máxima de dinheiro que com
212
213
e;e poderá ganhar. O instinto que o domina é o do ganho, e fai.er com tanto dinheiro e d
filhos e filhas tão endiabradose ts~a deslgraça, devido aos seus
o, seus outros instintos, se é que ele os possui, ficam escon- • ao ma -educados
Um outro, e este bem mais . . .
didos sob uma fina camada de verniz e outra, muito espessa,
d~ gordura. Pelo fato de não pagar do seu bolso a mercadoria
sentar o retorno da glferra
f
de The Best Years of Our Lives r!roso, é O 9ue, a maneira
' ª si tca a realidade ao apre-
que negocia no seu armazém - o cinema - o exibidor ignora
um paraíso de felicidades jr{c~r~ cas_a ~orno que o regresso a
ter ele próprio responsabili•dades para com os seus fregueses e
instila sutilmente O veneno d pa~a~eis. Uma tal mistificação
que estes têm seus direitos - sejam os que lotam as salas l u-
volta uma espécie de prêmi o esp1_nto !guerreiro, e faz dessa
xuosas,. com poltronas confortáveis, ar refrigerado e boa pro-
je-ção, sejam os que, uma vez por semana, vão aos "poeiras", sobrevivente de todos os hir ~em i~u~cÍ pela qual o soldado
chucado no, mais fundo d r res v1v1 os, e geralmente ma-
onde há pulgas, calor, cadei ras incômodas e onde mal podem
profundamente agradecido. o seu ser, ainda se deve mostrar
ver e quase nunca ouvem. Ignora também o exibidor o t raba-
A recorrência de temas como e t 6
lho, a engenhosidade, os sacrifícios em que um filme sempre
importa.
como sendo propaganda deliberad l
es s se pode explicar
é mero reflexo de certa ideologia\ s ~:zes ~sta propaganda
Nos clubes de cinema fala-se muito na educação do pú-
blico, no sentido de tornar-se ele capaz de julgar dos méritos que a ~raticam sem saber O que estã;~~~:n~~o os cúmplices
artísticos dos filmes, ou seja o "fil m-apreciati(:m". A educação, Aplicado, infelizmente, em ua fdd . ·..
·,opensão a d1·m· . d q ~ , a e ,nsuf1c1ente e com
porém, deveria realmente começar pelos exibidores e pelos P muir ca a vez mais ' · , .,
ft
distribuidores.
Multidões pagam diariamente milhões para escapar por rt?la, feita em filmes como The G ns u
e através das obras de Chaplin. rapes
O
r
contra este estado de coisas é co I f~ un1co antidoto eficaz
*ela propaganda di-
rath, de John Ford,
duas ou três horas às suas preocupações coüdianas, mergulha-
das em salas escuras . . . Estas multidões absorvem; identifi- Como produtor e como diretor
cam-se; reagem, rindo ou chorando; e só muito raramente se G conteúdo social dos filmes que t, s,empr~l_me preocupei com
· en 10 rea 1zado um d , •
aborrecem ou repudiam um filme. Pouco importa que os na- cos casos em que O resultado é d' , · os un1-
morados se aproveitem da penumbra e que as mocinhas sé p0de ser explicado facilmente pe1l~~u~~~, ~erra_ é Sempre Terra,
pensem em se pentear como Betty Grable ou se despir como da propriedade agrária em São p I P ;caçoes do problema
são do tema por parte d d' au o, pe_ a total_ incompreen-
Esther Williams. O público de cinema, em massa, tem grande
pPrcepção, é dotado, de uma receptividade extraordinária. Acei- principal de transmitir aoº pú1~f-tor, e pela incapacidade do ator
nimo de simpatia. ico, na sua personagem, um mí-
ln rnúsica ultramoderna, compreende as situações psicológicas
mais complicadas. A educação social do povo n 8 .1 ,
Eis por que me parece um grande crime não corresponder d
mai~r urgência, não só no inte~io~ _ras1 e um pr_?blema _da
é miserável ao extremo como on e o padrao da vida
à sensibilidade das massas e um crime maior ainda utilizá-la
h_á um visível desequilíb;io no ní~:,5 sf~nldes cidades - onde
para deformar o julgamento do po-vo. s,clade d · 1 eia e a premente neces-
Certo número de produtores, e um número pouco maior rnnior coemi;~e~:~;ºJe n~:~:o~~~rfi.lpos recém-imigrados uma
dt diretores, têm esta preocupação sempre presente, creio eu
que por saberem também qve o filme é usado (calculo que em Talvez esta minha atitud
somente por absten ão - :, no. passado - de _não pecar
70% dos casos) para fins de propaganda. B~asil e o pr·1me· ç nao SeJa realmente suficiente no
Um dos temas mais corriqueiros e q ve constitui um d0s '
dP. vista iro passo para um
social se· . a con t n'bu1çao
· - sob o ponto
melhores exemplos de propaganda contumaz no cinema é o rilcterísticas . Ja _um estabelecimento mais preciso das ca-
que se refere à história do "rico infeliz e do pobre feliz". _Tal folclórico de ~~1ona1s. Os crítico~ acusar~m de falso o lado
tema tornou-se um estribilho tão repetido nos filmes america· lll~lhor que a çarrdPorém o mais superficial folclore não será
nos, que muitas vezes fico a pensar que o homem pobre dos
Estados Unidos deve ter grande pena dos milionários, p0bre-
dl' Aí Vem i me_o rama co~mopolita convencional do t i o
poderia ter síd~arao? Ub':'1dª história muito semelhante a e~a
zir.hos, de sua vida tão aborrecida, de suas dúvidas sobre o que conce i a, por exemplo, tendo uma velha

2'14 21 5
fazenda por ambiente e com tipos brasileiros, deixando de É difícil avaliar O quanto e t .
parte personagens copiadas de filmes americanos. O resultado, l?cunas, os falsos pontos de vist~ ª contrrbuiçã_o compensa as
obtido com o mesmo orçamento, não só seria melhor para a m:mo . . . presentes no padrão co • as_ rrope~soes ao gangste-
bilheteria no Brasil, como contribuiria para despertar no estran- 0 inglês, diante do filme d ;;ercia do cinema americano.
gC'iro um interesse muito maior. b_e m ? seu próprio idioma fala~o ollrwood, ~ompreende muito
A grande tragédia que ameaça a nossa indústria será a de tao diferente, 0 que O fez adotar pe os ª,~errcanos de maneira
se deixar que se encaminhe, como aconteceu com ·o cinem a tandardizadas (ok etc.) Por t uma serre ~e expressões es-
a rgentino, para a solução do cosmopolitismo. Só uma técnica
.
excepcionalmente , é distrib
• 'dou ro lado, O f 1rme b rrtan,co
A · •

dc1 qualidade internacional, indispensável para disputarmos a
exportação, a serviço de uma expressão estritamente nacional, ermo nao entende bem O in I A t? :e
exibido~es se queixam const~rnt~mneos Estados Unid,os,. onde os
que o publico ameri-
rnagnata ianque chegou mesmgoes ª a O na. lng!aterra. Certo
resolverá o problema industrial do nosso cinema.
O valor social do filme não se limita aos elementos de nos estúdios de Ealin , ue tod ª propor ª Sr~ Mrchael Balcon,
p ropaganda, seja ela consciente ou não, nem a esse abstencio-
em americano (1). g q ª sua produçao fosse dublada
nismo às avessas de usar temas que são no fundo nocivos ao Se não houvessem outras razões . -
público, e que lhe dá noções erradas sobre a estrutura de um trias cinematográficas nacionais n par~ ª crr~çao de . indús-
mundo, onde sistemas superados lutam deslealmente pela sua ciente ess~ que diz respeito à ne~!s~~a~ esd parses, serra sufi-
sobrevivência. costumes inerentes a .cada povo se ~ e sal_vaguardar os
A contribuição essencial, muito mais profunda, porque se humano, tudo o que re resenta' ~ mo o de. v,~a~ seu tipo
desenvolveu juntamente com a própria expressão cinematográ- a influência do filme d~ Holl ;if•m seu. patrr'!1onro, contra
amoldando tudo e todos a0 ywd _ d, qu~ rnsens,velmente vai
fic.a, foi a que incutiu ao público uma série enorme de bene- _ pa rao amerrcano
fícios, os quais pode-se dizer, mudaram não só o seu "modus A e d ucaçao do público, pel fl é · .
vivendi" , como também a sua aparência física. Pua que o cinema desem enh o r me automátrca, segura.
Quando estudarmos a vida dos povos de hoje e a compa-
educação, não basta uma t,. an! u~ papel ~onst,rutivo nessa
···--- ..~ da parte dos produtores um! vi/ça~ rndus_trral; e necessário,
•·.. rarmos ao que ela era antes deste meio século de cinema, veri- valor social do filme sej~ levad O ª
0
e conJunto em que este
,.,... fi caremos a profundidade dessas mudanças. Primeiro, a grande calos de técnicos e O erários em c~nta. Através dos sindi-
i: :· preocupação pela saúde física, o cuidado cada vez maior no efclarecimehto necessáto a un{ ª~. :qurpes devem_ adquirir 0
f• .. Vt'5tir; e, depois, a melhoria na aparência das casas, na procura
i~;· · sentidos - 0- ,·ndust · 1 ~ e rerente colaboraçao nos dois
do conforto e do bom gosto. Nem mesmo os poucos estetas na e o soqal -
;;;, ~;: Romancistas, poetas dramat · , .
. ,:·:·;:...
•.e:~·). reacionários, seus inimigos, disputam ao cinema estas vitórias. pintores brasileiros deve:O tamb, urgos, mus,cos, arquitetos e
Se o fizessem, poderíamos maldosamente perguntar-lhes se lhar junto aos técnicos do f t em ser _convocados para traba-
e les acham que qualquer rapaz Olf moça poderia assistir sema- fitc, de prestigiá-lo e torná~ uro no crne~a nacional, com o
nalmente às aventuras de heróis e heroínas do cinema sem melhor em nossa país. o representativo do que há de
se identificar com eles, procurando imitá-los tanto quanto pos-
sível. A verdade é que os jovens atores e atrizes, mesmo nos
filmes mais fracos, às vezes sem a mínima noção da arte de
representar, são dotados de um tipo físico excepcional. li
Como se poderia ignorar que as estrelas se vestem, quase
sempre, de maneira perfeitamente adequada às circunstâncias, BALANÇO FINAL
à profissão das personagens que encarnam, ao ambiente ou à
situação dramática em que se encontram? Gerald du M ·
Como pode.riam as donas de casa admirar os "décors" onde é corno executar aurrer er~~a ce_rt~ quando dizia que "a vida
vive toda essa fauna do cinema sem aprender como arrumar
do-se o in um soo de vrolrno em público, aprenden-
aind . Sírumento durante o concerto" A d f · -
a sala de visita ou como pôr a mesa? a rnars certa se a aplicar . . e rnrçao se torna
mos ao crnema, mesmo sabendo

217
.
que este não é a expressão de uma só personalidade, mas cons- t!rnentos do homem que a olft•
titui uma tarefa coletiva. No solo de violino de du Maurier há, livre arbítrio, e exprimir paf ica governa, sem absorver seu
além do solista, o instrumento, o autor da música e o público q_ue as diretrizes forçosamen~ ~ p~vo _algo de mais profundo
e pode haver também um regente e uma orquestra. O solista, sao as fu_nções básicas da Arte~n enc1osas de seus governos,
e11tretanto, é a individualidade preponderante. Depois do neoclassicismo ·
No caso do cinema, a definição de du Maurier terá que p;essionista, constituindo um veio t_?do_ 0 grande período im-
englobar necessariamente todos os elementos constantes da dendo para um formalismo ta O
t ~eadªº. importantíssima e ten-
metáfora, nem o produtor, nem o diretor podem fazer um invenção da fotografia Com ª' d_ev,do, em grande parte à
filme sem a sua equipe. Em cada estágio da filmagem eles de-
· ~ ·
pintura ,otográfica da realidad
o po 1am ~
o,· · t . '
·' pm_ ores insistir na
pendem de técnicos especializados, desde o argumentista que ma is facilidade um resultad e s~ ª cam~ra obtinha, com muito
' o mais perfeito?
idealiza a história até o projecionista que mostra a película Pelo menos no seu início 0 . . ·.
terminada ao público. O solista aqui não é tão importante, mas do grande público e O c bº impres 5 romsmo afastou a Arte
continua sempre aprendendo o seu instrumento durante o ":a is longe. Coub~ ao Ci~e~:;1ºfil~ue dlhe suced~u, foi ainda
concerto. tnbutos da Arte, reaproximar-s~ doo a fotografia e sem os
O bom solista, diretor ou produtor, é aquele que de certo Idade Média das manifesta - ,P~>Vo, afastado desde a
modo permite o desenvolvimento das qualidades próprias de grande lacuna. çoes art1st1 cas e preencher esta
cada técnico na sua respectiva esfera, sem a ultrapassar, com Aparecendo como um divertiment -
o fim de servir ao todo, que é a história. Nunca acreditei que a0s ~oucos vendo reconhecida sua im O s_em_ prete~soes e só
o cinema fosse uma arte, por não se basear no individualismo; seguiu penosamente ganhar ai tt P_?~tancia,_ o Cinema con-
sempre achei que, esteticamente, ele está mais próximo do grafia fizera a pintura reintegrga m J?res!1g10. Assim como a foto -
artesanato. . · r, pnme,ro a cor c ·
sionismo, e depois O desenho . ll
I
d , om .o 1mpres-
Um outro elemento essencial à arte é o repouso. Uma obra O
de abstrato - com O cubismo Simp ica - que foi batizado
de arte plástica imobiliza o assunto num dado momento; mas trar aos atores de teatró O q~~n~rnema com~çou ~or demons-
no cinema tudo é movimento e progressão. de representar . Em arte era r . o era absurâa a sua maneira
Depois da Idade Média, quando a arte era concebida para palco, a expres.são dos sentim~n;:p~ssfvel ampliar,· n~m grande
o povo, houve um longo período de regressão no qual o her-
metismo ganhou terreno, encorajado pelos mecenas italianos
da Renascença e pela aristocracia francesa do século XVII.
os detalhes mais precisos a
~estida .de grega e recost~da
interpretação 1eatral estilizou-s
~:m:e ,~manos quanto prntar, com
ança de ':"1me. Recamier,
u sofá. HoJe, a verdadeira
A teoria do artista profeta veio consolidar-se no século da entonação e na economia de e se . concentra na perfeição
_ o movimento.
XVIII - Rousseau, nas suas "Confessions", e Voltaire, em "Can- Entretanto, nao foi esta a ú . r _
dide", representando respectivamente o realismo (chamado, Arte. Desde as origens 'da f - nica içao dada pelo cinema à
então, naturalismo) e a sátira, iniciaram um conflito contra as consagração magistral co . ,~~ak, no teatro, passando pela sua
formas da Arte aristocratizada e foram um prenúncio da revo- que os heróis só podiamm a :spear.e, prev~lecia a idéia de
1ução. Antes deles, os poemas de "Maldoror", de Lautreamont, povo apareciam apenas cos~r no res ou ri<;_os .. Personagens do
e os romances do Marquês de Sade - agora endeusados pelos o ambiente carregado -de probl _e leme;tos com1c~s _para alegrar
urrealistas - marcaram, com suas tendências extremas, o fim e sobretLtdo o filme docum ~~~s a gente gra-fma. O filme
de uma época. ~o munao a grandé dignidáJen:~~•t ~o~~o~ pela primeira ,ve;
A Revolução Francesa, como a Revolução Russa, encorajou ém que os seus dramas - . ra ~ a ores e provou tam-
um populismo artificial, com veias reacionárias. E assim é que que aqueles desenvolvfdoss·ª;e1;t~;ea,s :. mais profundos do
a pintura e a escultura russas de hoje se assemelham basie::a• Esta dualidad , nvençoes do teatro.
mente ao neoclassicismo dos franceses do século XIX. ~uencie a arte de\~~: faz com que, de um lado, o filme in-
A atuação do fator político não tem todavia raízes tão pro-
fundas quanto as da evolução da própria Arte. Exprimir os sen-
~;~, ,~ered~nção a,:tf~tic!e~:ro~e~:ri~u:o~i~~~voque uma espé-
., ente de que o cinema não , , um~ vez, prova
e somente uma . indústria na

219
dependência de uma organização técnica e econômica, mas niio ouve normo lme nte e u , .
t.::imbém um fator social e estético de grande importância. Só categorías, isto é não veA q e O ultuno terço pe rte nce às d uas
quando todos os seus responsáveis compreenderem o quanto A h" . ' ' nem ouve
rstórra de beijos medido .. .
é vital o seu papel nestes dois setores, ter-se-á um resultado ª. menos~ da proibição de recita/ alguns decímetros a mais o u
di gno de competir nos mercados internacionais e de trazer-lhes ciar em inglês o nome d D o Padre-Nosso ou d e pronun-
uma contribui ção nacional válida e importante. que r dizer do decote que ,eus de da limitação do " cleavage"
Aqueles que, no Brasil, vêem o cinema unicamente como e nao- ·
mais, e so po e desc
são, por •incrível ue e r at é ~m certo ponto'
uma fonte de lucro e fazem guerra aos que procuram organi-
zá-lo e melhorá-lo estão agindo contra os seus próprios inte-
cas. Em ~he First Gentleman
do palácio, entre a princesa d
h1 umpareça, períe1tame nte verídi-
a cena de amor, num jardim
re~ses, pois uma indústria de cinema sem bases sólidas nos Coburgo. Cena mais plat A . e ~ales e o príncipe de Saxe-
domínios social e poético não poderá jamais progredir. "Fazer ~ onrca serra impo , 1
o , censores americanos ve ·t· ss,ve conceber mas
o maior número de filmes possíveis para ganhar o máximo .
Hop k,~s ultrapassava as meaidas rr 1caram que O d '
ecote da a triz Joan
possível", pensam alguns produtores nacionais, e dizem com tores ~,veram que encomendar uma regulamentares e o~ produ-
grande alarde: "Estamos provando a nossa gratidão ao Brasil da princesa, seguindo-a durante t s~mbra para encobrir o colo
e trabalhando para o engrandecimento do cinema nacional." e caro que, além do mais, não m fh a a ce~a; trabalho difícil
A verdade, no entanto, é que o cinema brasileiro tem ser- Em verdade, os códi os imb e . or~u o frlme.
vido de pretexto para toda a sorte de "golpes", alguns real- c~mparados com as decisies imp~i~~s ~nda seriam perdoáveis
mente originais e audaciosos, como o de se organizar filma- º" exemplos no domínio do 'd ' 1 a as, que superam todos
ge ns fictícias para mistificar e divertir capitalistas incautos! Pro- meiros filmes, R~ ue les ht rcu º· Em um dos meus pri-
fissionalmente, ao ser informado desse estratagema, fiquei in- gíram o corte da imaq em de ures! os ce~sores franceses exi-
dignado; consolei-me, porém, ao pensar que, no fundo, há bf•m ~rrumado, porq~e, dizia~m :e,to, muito, respeitável, muito
tanta esterilidade na produção desonestamente comercial como que vinha dormir (!) . Em outro de es, esta~a a espera d e gente
na câmara que roda sem filme algum, e que, neste último caso, cortaram as imagens em q eh meus filmes, Tour de Chant
o resultado, pelo menos, não concorrerá para envenenar ainda ·
como .
eu obJetasse que "á ue h a. e roí. na punh a suas meias . e'
mais o gosto do nosso público. trocarem as meias na tel1 ª~!ª visto centenas de mulhere~
era " medinettel" Donde ~o~~r ~caram-me que nenhuma de las

.;~\.~
,:. -~- Logicamente, nos países produtores, a Censura * deveria
1:.t.
(" ....
ser um elemento importante na melhoria das qualidades bási- m0strar as pernas por ue UI que uma operária não podia
··-··· cas dos filmes. A legislação do cinema, infelizmente, data ainda mente um privilégio dqa b' para ?S ·censores, isto era provave/-
do tempo das exibições nas feiras e a censura, por ela criada, urgues,a.
Em Londres, os censores "b.
tem por fim examinar somente o ângulo político, as questões de They Made me a Fu . lve pro, iram que, numa das lutas
•·-•::...r:
t;.;-:i
da moral religiosa e o elementar da moral de costumes. Assim
não se admite para a Censura outra preocupação que a de
ward) atirasse uma arrrtf , o ~erson~gem Clem (Trevor Ho-
lGriffith Jones) o chgefe da de leite vazia na cabeça de Narcy
expurgar os filmes ou, em casos extremos, vetar por completo -~ '
~5 razoes, esclareceram-me ue a
o mercado neg e
ro: ~mo eu pedisse
;:i, sua exibição. Jogarem garrafas de leite q cena ensrnarta as crianças a
Minhas relações com as diferentes censuras dos países onde ções sobre os objetos queumi~ n~s outras. Pedi, então, indica-
trabalhei têm sido tão estranhas que nunca cheguei a com- e _m~ ihformaram: "Um tiJJo,, ~ri.am) ser usados como projetis
p1 eender muito bem as regras a que elas obedecem, se é que for filmada duas vezes s1c !' resultado é que a cena
estas existem. Na maioria dos casos, os censores têm origem das seriamente com ds a~ duas versoes comparadas e discuti-
tão inexplicáveis, são tão velhos, que sempre tive a impressão sugerisse que um tijolo er enso~es e~ como discretamente eu
de que um terço deles não enxerga muito bem, um outro terço qu~ uma garrafa e muito a m":i~;s fác!I de encontrar na rua do
ace,tar a garrafa. Esta dá .d perigoso, eles acabaram por
ern refil vi a custou à companhia d
magens, algumas centenas d l"b . pro utora,
• Cen·sura, aí entendida como um conselho artístico de seleção dl , Essas censur . · . e I ras.
produção cinematográfica. Cinio~ de· uma t:1 ~•~=r~i~t~3;át~c;s, qdue usam regr_as e racio-
, po em ser exphcadas pela
220
221
. ão Em certos países, elas tendem tões polfticas: - os que defendem o filme americano e os que
déJta tão recuada da sua ~naç ~utros órgãos congêneres, para
a se transformar ou se 119~r a e tornar-se também um instru- o atacam; os que acreditam no filme brasileiro e os que pen-
exercer uma censura polit1ca fim de impedir a importação ~e sam que ~?mos um povo à parte, incapaz de fazer filmes. Há
mento de sabotagem, com o concorrência séria à produçao os qlfe,_ v~1mas de um co~plexo de inferioridade imperdoáve l
fiimes que possam fazer uma na prof1ssao por eles próprios escolhida, não gostam de film e
~lgum, e um grupo de_ cronista~, alguns bem talentosos, cujos
nacional. . . as cinematecas, hoje genera(iza-
Ao lado dos institutos e d . ·i·izados e reconhecidos 1ulgamentos sobre os filmes estao subordinados antes de mais
. . d des centros c1v1
dos na ma1ona os gran - d povo J.á existem, mfehzmen-
. . ~"'?ª, -à contingência de f~zer um bom artigo e,' ao lado destes
, · • ducaçao o 1 ult1mos, _encontramos, enfim, os que já fizeram algumas repor-
como necessanos a e ativa das censuras, algumas org~-
ti.:, completando a obra neg de a"uda à indústria cinematog~a-
t agens filmadas, por eles próprios consideradas como obras-
nizações que, sob a máscara ·s J na·o fazem do que plane1a r primas da cinematografia mundial, definitivas, porém ignoradas
· · , d t outra co1 a . · t pelo público por uma injustiça clamorosa, que só pode ser
fica do pais pro u or, . - ossível do exterior e m en-
a sufocação de toda a co_mpeti~a,~ tpa compensada pela negação feroz de qualquer resultado obtido
anda 1mpena 1s , . por outros, de qualquer desejo sincero -de produzir.
sif,car a sua propag d alidade feita de manei ra
No entant~, uma Censur_a ~eq~iscrimi~ar a proteção ne- Esta mentalidade d~ certos subcríticos "sui-generis" criou
inleligente, sena um dos_ meios d dar um tratamento p.refe, uma espécie de apreciação "avant la lettre", que chega ao
, · à indústria do cinema e e extremo de atacar, ou melhor, de arrasar qualquer intenção
cessaria . ealmente O mereçam.
rencial aos filmes _que r . d ·nema a tomar o lugar que com a menor possibilidade de êxito, por eles próprios jama is
alcançado.
Um outro meio de aiu ar o c1 as qualidades reais é o da
lhe compete e a não esquecer as su É certo que, com o aumento de nossa produção, todos
e.!>es parasitas, quer da crítica, quer de outros domínios, serão
crítica. _ críticos internacionais foram sem- extirpados e desaparecerão sem que ninguém sinta sua falta.
Minhas relaçoes com os . lgueiJ·ustos e humanos. No
• d"1 ·s e sempre os JU Sobre eles cairá lfm silêncio que bem compensará as suas his-
prc as mais cor ª1 . - é bem diferente.
t0rias "told by an idiot, full of sound and fury - signifying

Brasil, infelizmente, s1tuaçao nosso país grandes jornais qu_e
n0thing . . . " Então o terreno estava varrido, limpo, para aque-
Para começ~r ha a~n.da em e seus roprietários e dlri- le~ que verdadeiramente são capazes, para os que podem tra-
amordaçam os seus . crit1cos, p~~~~nceiram~nte da publicidat:ie balhar e construir . ..
gentes se julgam depe~d~nt~~ores de filmes. Decorrente de_ste
dos exibidores e d~s diS t n?u h, tambe' m críticos subornados, A maioria de nossos bons críticos, de nossos intelectuais
· t d de coisas a s e de toda a gente de bom senso está completamente confusa
escandaloso es a o . e elos interesses destas empre:a .
d
rr.ais ou menos . hab1lm~_nt p ossos críticos cinematográf1ces,
0
com as complicações técnicas e econômicas que enfrenta o
film e brasileiro. Sua confiança está se gastando, desaparecendo.
Em verdade, o salán~ ~ ." . d . todos os nossqs traba-
como o salário dos demais cnticos e ·n~o A maioria dos críti- É agora, quando muitos acham coragem para denunciar o
lhadores intelectuais, é assaz. mesqu•·s o~ menos decentemen• ei:tado lamentável de nossa indústria, que as considerações
·1 . precisa para viver mai , . generalizadas aqui apresentadas podem ser úteis. Só colocada
cós bras1 e1ros , f 'dades noutros dom1mos.
te acumular uma ou duas a iv1 ·earam ,· unto ao públi· nd sua verdadeira perspectiva e concebida em bases sólidas
, 't· os que granJ , d poderá a nossa indústria cinematográfica progredir. Tenho abso -
PosstJímos alguos cri ic t' el conhecimente a
•d d u têm um no av luta confiança nos nossos técnicos do futuro. Já tendo traba-
co grande autora a e, q e t social e estético, dos seu5
hi~tória do cinema, do seu aspec ·º1mente podem usar as
p1obfemas do futuro ~ qu~,,,espec1_a ema n~cional com a indu •
sur lhado
0
com essas duas elites que formaram o ''Avant-Garde"
<' movimento do Documentário Britânico, desconfio dos falsos
estetas e dos pessimistas.
faculdades críticas_ "v1s-à-v~spi~oc1;onstrutivo de que ele tanJ:
gência compreensiva e o há uma tendência fazen t . Nestes dois primeiros anos de minha volta ao Brasil encon-
ne-cessita. Par~ce, entr.etanto, qhe formado talvez por que5'! !81 muita gente desonesta e pusilânime e sei bem do quanto
com que vár!as correntes se ten am , e .C-<1pa~ a audácia dos primeiros e a deslealdade dos segundos;

223
n,as continuo acreditando que o filme brasileiro não morrerá,
malgrado a sua situação desesperadora. Só lhe faltam mais
alguns cômicos, tão bons como os que já existem, alguns indus-
t1 iais que compreendam a importância do documentário e um
punhado de moços inteligentes que aprendam a manejar o
idioma internacional do cinema. A cor, que, de certo modo,
to, na o problema mais complexo, multiplica, por outro lado,
as possibilidades do resultado.
A técnica tem feito progresso muito grande entre nós.
Porém não é a técnica que conta. Pelo contrário, ela pode tor-
nar-se perigosa nas mãos de gente irresponsável e servir de
etiqueta para o lançamento dos piores filmes, tachados de co-
merciais. Desconfiemos, portanto, da técnica.
1: o senso do verdadeiro cinema que necessita ser enco-
rajado. 1: o conhecimento de seu valor internacional que deve- DOCUMENTÁRIO
mos cultivar. 1: sobretudo a consciência de seu papel, da sua
responsabilidade para com O público que precisa ser inculcado
nos neófitos.
Que a mocidade destes, o seu carátel' e a sua força possam
vencer os potentes inimigos que se acham no próprio seio do
cinema nacional, que devem ser expulsos sem remissão.

São Be.rnardo do Campo, dezembro de 1951.

224
CAVALCANTI NA INGLATERRA
Elizabelh Sussex

O presente arligo foi publicado pela revista de cinema ingles.1 Sight


and Sound, e m seu número de outo no de 1975. Sua a utora, Elizabelh Sussex,
colaboradora da revista, é também auJora de livro sobre o documentário
inglês The Rise and Fall of British Docume ntary, editado pela Universily of
California Press, em 1975.

Alberto de Almeida Cavalcantl1 que primeiro se impôs dentro do pano-


rama cinematográfico através de sua atividade junto à "avant-garde" fran-
cesa nos anos vinte, passou dezesseis de seus mais criativos anos na Inglaterra.
foi uma figura-chave, primeiro na unidade de filmes .do GPO General Post
O.ffice, q ue vem a ser o órgão do correio britânico (N. do T.), d irigida f)Or
John Grierson e depois, na Ealíng Films, de Sir Michael Balcoh - os
dois únicos movimentos que criaram um pioneirismo na forma de fazer um
cinema nativo para a Inglaterra. Qual foi exatamente a contribuição de
Cavalcanti para estas iniciativas e, conseqüentemente, para o cinema inglês
e é ,suficientemente reconhecida, esta contribuição?
Nos anos recentes, a evidência surgiu através da forte divisão de opi-
niões entre Grierson e Cavalcantl, mas sua natureza está ainda escondida
sob os mantos de uma di_scussão por assuntos sem importância como
''créditos" em letreiros de filmes. Estava a importância de Cavalcanti sendo
dellberadamen,te escondida no momento em que começou suas novas ex-
periências no GPO e seu no me foi omitido dos créditos de sua experiência-
chave, "Coai face"? Contribui de forma a realmente colocar o documentário
r
britânico no mapa? e le, provavelmente, das figuras mais subestimadas na
história do cinema britânico?
Este artigo, que é uma tentativa de reavaliação, é baseado em recentes
conversações com Cavalcantl em seu apartamento e m Paris e com Sir Michael
Balam em sua casa em Sussex. També m tra.z uma massa de entrevistas e
=:oimentos de Grierson e seus colabo radores, coletadas para meu livro The
and Fall of British Documentary (University of California Press, 1975
- edição).

227
r e)( llcado tudo isto", diz Cavaicanti.
" Não sei e)(atamenle como pod\~~s s!realistas, profanos ou sagrados. Que créditos, !!Speciflcamente, estavam errados?
(Ele está sentado, rodeado por /bJ t ato de sua mãe. A semelhança nos
Sobre sua cabeça está u~ gran e re r N"o quero parecer um velho mes- . " Meu nome não está em Coai face", d.iz .Cava/can-ti. "Eu mon-tei o íílme
traços fisionômicos é mu1t_o gran~e.) de ªestar tirando vantagens, mas. estou todo, toda a concepção do •Som é minha. fra um filme de cinemateca. Harry
quinho. Não quero dar a impressao cimentos de que tomei conhecimento rodou uma seqüência, Jennlngs rodou outra seqüência. Usamos alguns ve-
perplexo e atônito com cert~s. aco~te no que me fizeram pensar e desco- lhos testes de Flaherty. . . Eu falseei - fiz várias tomadas em es túdios para
aos poucos, inclusive ne~te ultimo i_t e ~of~ndo do que eu pensei - porque poder montar com o material do Flaherty e não me foi dado um " crédito"
nos letreiros. Não reclamei. Depois, era apenas um curta me tragem. Foi
brir que este mal-entend ido era marhci escrevi a Grierson inocente mente, o
um experimento para Night ~ail. Em Night Mail eu tive os nomes de Auden
que não deveria 1er feito, pedin u °
na verdade como estava sem t;a~al m trabalho quando ele estava na TV,
e Britten nos títulos .como " direção de sonorização" o que aliás não existe
como "~rédito''.. Bom, eu fiz muito mais que Isto, toda ·a montagem, a
na Escócia". d dando conferências no "Film Study concepçao de .tudo é o resultado de Coai face. Mas não dei nenhuma " bola"
Parece que Cavalcanti, que an ou s últimos anos (com 79 anos de para isto. Não liye "créditos" na metade da.s coisas que fiz . Então é engra-
Center" em . Cambri~ge, Massafh~!ª!~• ª~~sentar), foi informado, "em _Parte
idade ele diz que _nao pode ~ n. almente, por gente vinda do Canada _que
çado me acusarem de querer ''créditos" . Se Hvesse insistido em receber
pelo que íiz teria muíto mais, posso lhe assegurar."
por pessoas de Chicago e, prmcip m relação a mim quando deixou
I Posteriormente, escreveu Paul Rotha no seu recente Documentary Di-
Grierson teve um comportamento est~an :~e e estava no Film. Center, mas não
0
GPO . Comt:çou em . ~ondreLqU~ll '? . ·. ue fosse . ião importante. To- ary (onde incidentalmente ele sugere que Cava/canti andou reclamando por
. ·- r. ssun o e nao pensei q dá muitos anos que seu nome foi suprimido por Grierson dos letreiros e da
dei muita atençao ao a · 1 ceu quando ele foi para o Cana , per-
mando conhecimento do qu~ ahcon e t't de amarga por exemplo: estava publicidade sobre os fllmes do GPO). " Pensei qu e Grierson teve uma opinião
" . ele tm a uma a i u , d r. válida nesta discussão unilateral, quando recorda que Ca.v alcantl lhe pedira
cebi a import.. nc1a . - . h articipado em algum processo e e1tur<1,
P roibindo lilmes em que eudt_in aFpil Board" Todos os íllmes que eu que seu nome não fosse colocado em filmes como Coai face, Granlon Traw-
d "Cana 1an m ··· h " le e Nlght Mail quando eles foram feitos porque sentiu que a sua associação
par~ os. rapazes O o foram roibidos e isto era bastante estran o. com tal trabalho de " avant-garde" poderia prejudicar suas chances de em-
havia feito para GPO ~rlerson baniu as programações dos mais p~ego na produção britânica de filmes de longa metragem na ocasião,"
Parece ser verdade _ciue_
a ntigos documentários bnt~~f~co~s
suas razões para isto sejam /!
1 1 ~= , r a sua " turma" canadense, embora
!erem compreendidas, estas razões po-
1 mente com Cavalcanti. Tudo isto foi hil
Quando Grierson se lembrou disto? De acordo com nota de p é de página
do livro de Rolha, foi durante uma- entrevis ta concedida a ele em Deviz.es,
em 17 de junho de 1970.
dein não ter · nada que ver ir ª t e· Grierson há poucos anos atrás,
muito tempo atrás. Quandol enc~n ~-;os mom~ntos do documentário bri- A Idéia de que ele não queria seu nome nos "créditos'' por esta razão,
estava e,:rfureceu Cavalcanti ainda ma•is do que a idéia de que ele queria que seu
. cheio- de
d entusiasmo pe os pnlm
huma mostra i ·mosictade em relação a Cavalcalitl,
e e ani nome ficasse nos letreiros : " Não tive meu nome em três-quartos de meus
1ân1co e nao eu nen I ariado em razão de coisas como a trabalhos e eles· dizem que estava tentando agarrar urna posição na indús-
Mas Cavalcanti andou tam~ém con r'nclufdo no texto que tratava sobre
descoberta de que seu nome n:o e~\~ªé~le du Clnemá de Bordas - "São
o documentário britânico na L Ency do da "turma'' do Gríerson e eu não
tria de filmes comerciais. Permaneci sete· anos com safário miserável -
tive que começar recebendo sete libras por semana, porque estava cansado
ele li/mes de ficção que fiz na França. · Eu estava fazendo lá justamente
itados todos os nomes_ de tod~ mu_n
sou citado. Poderi_a facilm:n~~, i~ tti
que
;~~s e er untar " Quem foi a pesspa
ten~o ~ direito de fazer isto, mas
est~ gênero de cinema e fazia múito sucesso com as comédias que rodava,
mas não queria continuar . Eu queria era fazer experiências com som.''
não lhes deu esta einformaç~~
me importei disse: ui'l Oc bem ' . pro inferno com isto Ilido. O que e certamente multo (ácil encontrar a evidê ncia que sugere que a con-
tribuição estética fundamental de Cavalcantl ao, documentário inglês sempre
e u íiz, eu fizda
A volta ...di
" cussao
_ a respeito
. d e 'lcréditos'' é uma onsiderável con- foi subestima_d_a em comparaçção com a dos propagandistas sociais que ti-
nhan;i em Grlerson a sua liderança. Ainda assim a contribuição de Cavalcanli
fusão. , ,, édito~" na unidade de filmes d~ GPO é recônhecida com~ lendo siçfo muito grande . Para entender isto precisa-
"Todo mundo sabe que os c~ •. nianas ,, diz Cavalcant1 e o
estavam cheios de fantasia, fantasias Gr~erso ue alguns "créditos" estavam
1 mente, temos que voltar ao início, que para Cavalcanti foi mai cedo que
,próprio , Grierson disse q.~e estava certo e q para a maioria dos outros. Nos anos trinta, na realidade, todos os documen-
t;lristas estavam d,ivers;iinente colocados uns em relação aos outros em com-
ainda totalmente errados_ . . mentaristas era uma e::oísa no- paração com suas atuais posições.
" A falta ,~e egocentrismo ~e alguhns doeu nomes nos filmes.'' As pes-
.
tável" disse Gnerson. "Eles nao pun am seusde se encontravam os " ar édl• Quando Cavalcanti veio para a Inglaterra para se juntar à unidade cine-

tos" e o pobre e ve o
1~
~oas finalmente tivera,hm I te7~:~it~~~c~~~c;ndescobriu exatai:ne~r~ onde e":,
m . h •e· porque ms1st1amos
mJtográfica -do CPO em 1934, tinha trinta e sete anos e Ioda uma carreira
por !tás de si. Nascido no Brasil, desde o início, sempre pareceu ser mais
lntellgeote ~. pelo menos, mais polemizador que a média . Ele começou a
''créditos" dos docum~ntários d~~~ª!~n%~f~a~; n~ln~a os nomes das pesso;: e.studar Direito aos quinze anos e se recorda te r sido Q estudante mais jo-
colocar os nomes d~s JO,vens es Houve anos em que o nome Yem da . unív.e rsidade, mas foi ~xpulso deviçlo a uma quere la com um velho
diretamente ligadas a feitura · dos til~ . flrue Não estávamos interessados
llTofes~o~.. Seu pai 9 mandou então para Genebra com . a condição de que
Cavalcanti não· foi registr~do em '. ne.~ é;to's" Somel')te muito mais tarde o 14! mantivesse longe, tanto , das leis quanto da pol tica e ele enffio começou
com este aspecto das cois,~s, comt· nc~:· para ~s documentaristas'' ..
assunto "créditos" tomou impor a ! s;, preparar para a Arguitetura. Com dezoito. anos es(<1v11 trabalhando num
at ler'' de,_Arq_u itetura. em .~ari,s .. Daí . el~ .trocou para d,e coraçãQ de inte-

229
riores e em seguida para o departamento de arte dos estúdios clnematográ-
ficos. Ele fez cenografia desde 1922 para Marcel L'Herbier, Louis Delluc e tes como Harry Wall, Basil Wright e Hu
outros e se tornou um membro da "avant-garde", que ele descreve como a~.osé naturalmente o reconheciam ·com~1phre~_Jen11ings, ainda em seus vinte
um movimento cheio de discórdias e conflítos tanto interna como externa- a gu m com o conhecimento técnico ,q u17,, iretor de estatura assim como
mente. "Fui enormemente grato a el ue . es faltava .
" Nós nos odiãvamos ... Não podíamos nos suportar uns aos outros. qu<:_ procurei obter, por tudo quee efe ~e!e~e1 se!11pre, além de sua amizade
T!nhamos uma coisa em comum e apenas uma - estávamos em desacordo entao como Song of Ceylon e N ' ht . os filmes em que eu trab li
com a arte de nossos superiores, a arte das peS'soas . para quem estávamos
trabalhando. Pensava que L'Herbier não encarava os filmes de fprma a tentar
e~am t~o av~nçadas que iriam 1:gera~!;'- Suas id_éias sobre o uso
diz _Bas, I Wright. Wright se recorda d gum~s milhares de outras Idéias.,
di
~~:
fazê-los falar sua própria linguagem . Tentava fazer os filmes falarem litera- cant, no mesmo "set" de f1'lmagem como e ter
" visto ambos ' Grierson e Cav.a'1-
riamente e nossos superiores os usavam como novelas ou peças . Não esta- un:i m1.·ih-ao de l,lbras a qualquer .
, .
. uma magica absoluta ... valendo
vam interessados em encontrar uma linguagem para o cinema. Todos. nós vai mais longe. "Acred,·to fu d Jovem cineasta para estar ali" Har W
tínhamos isto em comum: acreditávamos haver uma linguagem que deve ria ·d d n amentalme t · ry atl
na_ ~n! a e de filme.s do GPO dete . n e que a chegada de Cavalcanti
ser procurada e encontrada." br1tarnco," diz ele. "Se tive sucesso rm1n~u urna mudança no documentário
Em retrospecto, Cavatcanti vê algo construtivo não só na pesquisa, mas zado .com Cavalcanti e acho qu~ mu7~ cinema_debit~ tudo a meu aprendi-
e m toda a atmosfera de mútuo criticismo: "Não sei se aquel.e ódio entre A relação de Grierson co C I os _de~enam dizer o mesmo."
a gente não e ra uma boa coisa. Eu acho que e ra. Nós tínhamos um trunfo "Ele só vinha ao estúdio par:" pe~va banti fo, sempre ligeiramente díferente
e m nossas mãos. Eramos amigáveis com todos os gra ndes artistas de nosso valcanti. "Costumava mudar de lu ur ar o meu trabalho," declara hoje Ca~
tempo em Paris - todos os pinto res, escultores, escritores. Eles gostavam
de nós e nos ajudavam. Agora, se se compara o que se chama de "nouvellê
amolava bastante. . . Na verdade t~i:;
0
pessoal todo o tempo O que me
As pessoas sabiam disto e como e o rundo sabia disto em Blackheath "
vague" com isto, a "nouvelle vague" é completamente difere nte .. . Eles não da situação. . ' ava canti mesmo, talvez, escolhiam r·i,
se detestam mutuamente •de forma alguma. Eles se amam. Eles se glorificam
uns aos outros. Eles se auxiliam mutuamente. Tudo isto deveria nos en- "Deve
, ter sido difícil para Gnerson
. quando , é. .
grandecer, a nós da geração anterior, mas isto não aconteceu porque não procuravamos Cavalcanti com no ' nos t cn1cos, cada vez mais
conheciam pintores ou pessoas ligadas a outras artes . Eles têm seus interes- recente autobiografia, " mas ele (Gr~:~!o problemas," escreveu Watt em su;
ses completamente centrados e m cinema, em revistas de cinema, etc. Esta é perc_eb_er º. quanto nossos filmes estava n) era honesto e a~tuto bastante a ra
prof1ss1ona1s sob a o rientação de C ,,m se !º'~ando mais bem acabad~s e
a verdadeira diferença. Quando vim para a Inglaterra me surpreendi em
constatar quanta gente de cinema estava ligada entre si." Harry Watt e~a tão independente
balho permil1a. Para alguns G .
d::- inT,º~ J~St1ça, de~e ser lembrado que
~encias de Grierson quanto O tra-
Cavalcanti veio para a Inglate rra depois de vários anos e m que, devido
ao aparecimento do som sincronizado, nenhum trabalho de "avant,garde" Po~ :xemplo_: ape.s ar de sua 'gra~~;s~~m~~~d_:1 era a influência dominante.
havia sido· pos.s ível . Teve inclusive um período de afastamento dos estúdios bu1çao . artística de Grierson em Son oí çao por Cavalcanti, é da contri-
'' porque os franceses assim como os americanos pensavam que os diretores e ?ª verdade descreve com cletalh g Ceylo~ que Ba_sil Wright ressalta
ho1e. es, com continua gralfdão até o dia de
de filmes mudos não poderiam fazer fitas sonoras," mas retornou à atividade
fazendo refilmagens de versões francesas e portug1,1esas de fil mes americanos ~e 9uaiquer modo, chegando
para a Paramount francesa . Após este período filmo u uma série de comê• na h1stó na da unidade de filmes doc~"';;'b chegou em. um momento crucial
dias francesas de sua autoria que afirma terem sido "enormes sucessos professor e conselheiro é ·tn d escnt,vel
t'f' d
., , a lnfluênoa de Cavalcant'I como
Ma' d
comerciais'' mas "muito primitivas" no uso do som. "Aprendi a trabalhar P 1ª o movimento de Grierson é · is ? que isto, contudo, a his-
com o som do modo ma.is difícil", diz, "a maneira de gravar diálogos, mas menos em espírito, nunca estev . u_m a história da qual Cavalcanti 1
~m pioneiro na realização de (~~~:e•~:m,?nte ausente . Sendo ele pró~~i~
achava que "diálogos" era apenas uma pequena parte do som e não o filme
sonoro". No momento que a unidade de Grierso n obteve seu próprio equl·
pamento de gravação de som, desfez um contrato para vir para a Inglaterra.
tt~s daquilo que Crierson rotulava "do avant-g~r~e", virtualme nte indis-
q~~ ~ ? começo, a influência de quec~:e~tár10 , seu exemplo está lá
Rien
Grierson estava feliz. "Meus rapazes não sabem nada sobre som", dis- _01 mostrado em Londres ante d cures, (1926), de Cavalcantl
0
a ,E"c~ur~ç_af;: ;ite:ir:;,ª:bia:/; J:~iet;
se, convidando-o enfaticamente a juntar-se à unidade do GPO, em seus 1
~ô~~ t~~trii~~~o?' ~te;~~~a~~
recém-adquiridos es.túdios em Blackheath. Os rapazes de Grierson sabtam
de Cavalcanti, evidenteme nte. Ele era um dos nomes que os havia impr!l~-
R tha : ' O 6
pe pr pno historiador do movimento pen-,
0

R1en , au
sionado nas projeções da "film Society". Grierson tinha sorte ou, melhor ·d1_- mum d d~ue l~s heures,
o primeiro filme .
zendo, sabia se utilizar de sua sorte . Primeiro Flaherty, agora Cavalcant,. C o ia a dia de uma cidade que ousou mostrar a vida
Fora qualquer outra consideração, a reputação da novíssima escola de do- rand.e parte das coisas dita ,bme~ece um o lhar· com o olho do p co-
de Cavalcanti s so re isto, nos a·uda d . resente.
c umentário britânico era obviamente engrandecida pela sua habilidade ém conva·stando aco7 um t~do: o " approach'' drlmâti/ es~end~r ª. carreira
a trair nomes internacionais como estes. da escola s ~1 as de ricos e pobres (não era o, .ª consc1ênc1a soci,!I
Cavalcanti afirmou com satisfação: " Fiquei tão feliz que permaneci sete l!ardeÍ' fra de Gr'.~rson); o surrealismo (como C nal realidade a prerrogativa
anos lã e acho o resultado muito bom. Mas a atmosfera em Blackhealh erJ reputa - ncesa incluiu todas as tendên . ava c~nt1 aponta, a "avant~
maravilhosa, sabe como é .. . " Com a exceção de Grierson, que trabalhavJ Pelo J:,iinso~eu Ruma negligência inicial ~1~:q~~rr:t•s!as da época"). Sua
principalmente nas instalações da unidade Soho Square, número 211 cavai· slatena e ~a ~ éu~tmann, realizado depois mas mo~t· •~pact~ fo_l roubada
canti se viu como "a única pessoa de meia idade lã". Diretores ine){p.erléll" lllento d m rica. Nos anos seg i 1 . . ra O primeiro na ln-
e documentário britânico levo~ "u'::i•
fara muito~ os quais o movi-
pelo especial, adquiriu aquela
230
231
aura de chateação potencial que adveio do fato de ter•·•sido tomado tão gers), nem a.os artistas, nem a nin uém
a sério. De acordo com Rotha, por exemplo, "Cavalcanti pode ter falhado, cur~r uma história, Catherine (Hessli~g) · Quando nós _começamos a pro-
nesta ocasião, ao trazer uma completa realização social" pois o seu pro- O filme ficou sete mese-s no "Les Ursu1~nt~~ um~ cançao e disse "I: isto!" .
mudados porque o público reclamava: " Nóes . Dois longa metragen~ foram
pósito, ainda segundo Rotha, _e ra mostrar "o homem contra_ a rua, contra
a confusão da cidade." O propósito conscl11nte parece ,t er sido um pouco no programa mas não temos paciê . J queremos manter La P'T1te Lilie
ve.z ". O filme passou em todos os 7cia e v~r o l_onga metragem outra
diferente. foi transformado em filme sonoro c c nemas, íoi ~end1do para fora do país,
"Rien que le.s heures foi um acidente,'' diz Cavalcanti, "porque meu nunca vi um tostão. Os distribu'1doreºm1 uma partitura de Darius Milhaud e
primeiro filme (Le train sans yeux) foi filmado em estúdios na Alemanha, s evaram tudo . .. "
Bem, Pett and Pou não era nad .
os produtores não pagaram as contas e o filme foi apreendido pelos estúdios
que não liberavam os negativos para coplagem pois não tinham sido pagos. benefício da, maioria dos talentos e
Basil Wright e Stuart Le era
ª/ 0
mo.~~~o, embora contasse com 0
m_ isponi didade no GPO nesta época.
Assim reuni alguns amigos e resolvemos: "Devemos fazer um filme custe grafou; Humphrey Jenni;gs ·de:n~~si stentes de_ direção; J';'h_n Taylor foto-
o que custar, porque vamos perder este inverno. Me u filme não está saindo.
As pessoas vão pensar o pior." Fizemos um rotei ro e era o filme mais provar o seguinte: como ~gua e 6 1 u ~s. c1_nános. Talvez isto veio apenas
barato que se podia imaginar. Custou na época 35.000 francos velhos, o não se misturam. Certamente PauleoRot~voddad_e e documentá ri? britânico
que não é absolutamente nada. Não tínhamos estúdio. Rodamos tudo nas ponto da discussão dizendo ª esvia para bem mais longe 0
mostra a influência' de Cavalcaen~i ~~u sDocumentar_y Diary que Peu a nd Polf
ruas e, evidentemente, montamos muito rápido e surgiu como ficou. A de, no entanto, não é única John T et grau mais perturbador". Esta atítu-
idéia era que filmes eram sempre sobre lugares distantes, sobre crepúsculos Pofl como "o começo da · d' , • ay or, por e~emplo lembra de Pett and
no Pacifico, etc., e ninguém tinha idéia que a vida na cidade que você
mora era interessante. Isto ficou claro em Rien que les heures. .. E imedia- erro termos Cavalcanti conos~~sa~~~quiuero d!zer relem_brando, era um
tamente passou a ser visto como um documento soéial. t um sutil documen- cumentários deveriam estar sendo feitos" _e e nao entendia como os do-
to social, mas um documento social sobre a falta de trabalho, sobre a vida Estava Cavalcantí de alguma forma m· d
em lugar11s mis•er~veis. Teve um monte de problemas com os censores, ~uai era exatamente a diferença de opin .. man ° 0 trabalho de Grierson?
1
'sabe como é." fundamental é que eu acreditava que "diao entre_!~!? "A única diferença
Rien que les heures é uma mistura estranha de imagens de uma Paris
ção ridícula," diz Cavalcanti. "Penso que ~fumen~ano
I
era uma denomina-
não freqüentada por turistas. Uma espécie de tema sugere repetidas tom.J, de ficção ou outro gênero qual uer e mes sao s_empre a mesma coisa,
os cinemas. Grierson, pouco. a ~ouco pensava que l'.lme,s deveriam ir para
das de uma mulher aleijada e miserável arr~stando-se a paso de caramujo lílmes deveriam ser colocados num ci ' c.ome~ou a criar uma teoria de que
por ruas e becos, plani;,s editados qyase sem nenhum comentário. São bi- "non theatrical" (N. do T.: " non the:~~::~ ,?•fere~te, algo. qu! ele chamava
zarros, incongruentes, até mesmo cômicos, especialmente em j4staposlção 1 eqwJ-? le a circuito alternativo
com as leves canções parisienses que o próprio Cavalcanti selecionou para ao circuito cinematográfico comercial)
acompanhar uma recente apresentação no National Film Theatre. Talvez tão ridícula como chamar os íllmes d e ,~u acre _1 ~~ª ,9ue ~sta idéia era
os, filmes fossem bons seriam e dev . e ocument nos . Afirmo que, se
seja porque estas tomadas, na sua triste desesperança, chegam bem próxi- st
res. Não tem sentld~ 0 fato de enam se~ mo rados. em todos os luga-
mo de provocar o riso pois permanecem bem fortes na memória_. Cavakanti apenas aos pastores e às paredes dqu~ o~ f,ilmes deveriam ser desHnados
foi acusado de uma certa frie.z a neste filme além de uma certa falta de sen- ''TI as 1gre1as, etc.
timentos de uma maneira ge ral. Acho que não foi completamente compre- ve uma conversa muito séria com Gr'
el)dldo que sua visão· é mais surrealista que realista e, sempre,. desde então, s~dos: sobre este rótulo, "documentário" ierson, no.s r,ós_eos tempos pas-
deixa de lado o sentimentalismo. Afora isto foram necessários oito para que devenam ser chamados, bastante e n ra d po~':l,ue ~u insistia que os filmes
·o documentário ing lês tentasse qualquer documento social comparável, no ela, mas rendeu uma fortuna na lt~lia}a ,~ ª •as (~ ªP?,nas uma coincidên-
Grierson - e me lembro bem I i _neo-rea/1smo . O argumento de
sentido de mostrar a situação durante .i!- depressão. e dizer: "Você é realmente uma c/rame~te - e~a a atitude de apenas rir
Uma das primeiras experiências de Cavalcanti no GPO foi a fantasia, o governo e a palavra "docume;~~~~" asta~te '."º:ente. Eu negocio com
Pett and Potl, que não pode ser incluída :em seu rol de melhores trabalhos. te!t'o algo ... " Aí, eu disse· "S' i os impress.'ona como algo sério,
De acordo com Basil Wright, a idéia de gravar a trilha sonora antes e editar co1!a entediante. Mas era ~sta ii;:;a c~mp·º -~lguma coisa empoeirada, alg1.1ma
a imagem posteriormente era tão cara a Grierson como a Cavalcanti; era espécie de palavra qu~ agradav G m1ao, que ''.documentário" era uma
uma maneira de manter a equipe do GPO em permanente contato com o . a ao overno . .. "
~ óbvio que Isto é muito mais , _
equipamento de som recentemente adquirido. A idéia de fazer do filmo va1canti está atacando tod b que uma d1scussao sobre rótulos Ca
uma comédia grotesca, pensa Wright, foi de Cavalcanti, pois tal idéia derl• d - . a a ase sobre a qu I e i d · •
vava do gênero de filmes ao qual Cavalcanti se dedicara até então na Fran~a. é ocume~táno britânico deveria se erigir A . ~ dr erson ecretou que o
tã,o diferente da de Grierson . . . v1sao e mundo de Cavalcanti
Mas Cavalcanti era melhor sucedido no tom ligeiramente fantástico em f~
mes "avant-garde" como, por exemplo, o fascinante La P'Tite Lilie (!19~
nado a gravidade progressiva d~~~= ~,foss,~el 'dqéu_e ele nu~ca tenha imagi-
Em 1937 e I nsa as ' ias de Gnerson
que, Wrlght diz, foi rodado em três dias em estúdios quando uma ·onda : ª"1pliar o cam ; ~rson ~abandonou o GPO e formou ·o Film C~nter ar
cinza invadll! a luz dos exteriores com a chegada de um período de ma
tempo, impedindo . as filmagens exteriores de Yvette: ~":'ª. gran~e proilUçJO jsecret~rio do '~mpieª~~r:~í do~me;~ário. Sir Stephen Tallents que, ctm~
unto ao CPQ sem Ih e ng oar e encarrngado de relações públicas
baseada numa historia de Maupassant, que Cavalcantl dmg1a entao. CPQ em 1935' p pre e prestou um valioso apoio, mas tinha deixado
Comprei as pontas de tllme da produção de Yvette. O filme _(La P~ de além-mar da a~aB~e tornar encarregado de relações públicas nos serviço~
Lille) custou 7.500 francos ao todo. Não pagamos· ao fotógrafo (J1mmy e era também, no momento, um ativo membro do

233
" b 1 .do em 193 7 pelo governo. Foi este
"Imperial Relations _Tru_st esta e e~/ Grierson ao Canadá, Nova Zelândia
"Trust" que, pela pr1me1ra vez, man ou . ma
tria cinematográfica sem se preocupar multo com ela," di:i: Michael Balcon.
e Austrália como consultor de assuntos sobre cine. . - . t· o como " Era uma posição curiosa porque eles haviam fundado o Ministério da
' . . GPO continuou tao cria 1v Informação ... E eles tinham um setor de cinema lá, s bem que não havia
Depois da partida de Grrerson o h Jennin s fez Spare Time e
sempre sob a direção de Cavtcatl. !;;~~n;~yum ata:ue direto da "escola uma direção certa, pelo menos no sentido que o então GPO estava orienta-
r
Harry Watt , Norlh Sea - o pr mero tante aprovação Dizia-se que Caval- do. Isto foi bom nos primeiros dias . Acho que havia um elem e nto de in-
satisfação entre as pessoas que estavam convencidas de serem capazes de
Grierson", o segundo u1:1a leve e ~e. urson para nego~iar com funcionári os
canti não tinha a capacidade de rl1e t· e tamente nunca foi um mano. dar uma maior contribuição. Muitos deles, Cavalcanti em particular, esta-
d d "P st Office" e Cava can , c r . vam horrorizados com a espécie de controle burocrático que tinha se tor-
gradua os o o . •ativas de quem se aproximava,
brador político. Ele inspirava pi~~~~ª! p~~curou o poder e nunca foi capa:i: nado mais rigoroso no tempo de guerra que no período de paz além de
numa base pessoal, nunca em rea . d oder enquanto teve nas maos. haver rumores que o GPO estava em dissolvimento. Felizmente foi res1au-
de conseguir o máximo de ben~fíc10s do
1
J O
dos a seus trabalhos, mas Ca. rado mais tarde, ·porque Dalrymple foi levado a cheiiar a unidade botando-o
em forma, dando chance à unidade de filmes do GPO de fazer um magní-
Tanto Grierson como Cavalcanti eram e ~~mparação politicamente ingê-
valcanti era mais vulnerável por ser, em ' fico trabalho durante a guerra. Mas neste momento queria-se uma ruptura e
havia oportunidades em " Ealing" e Cavalcanti foi o prime iro a se transferir
nuo. em 1939 Grierson tinha partido para o para cá. Nós dissemos a Cav. que se fôssemos possibilitados de continuar
Quando estourou a gu_erra 1 F'I 80 ;rd" _ uma operação impressio-
Canadá para fundar º. "Nat1ona 1 ~ mesma entre o tipo de ambição de nosso trabalho - havia dúvidas no início da guerra - ficaríamos multo
nante que revela a d1feren~a.de~ s timidez de Cavalcanti, neste terreno. felizes em tê-lo conosco, à parte todo o resto, à parte todos seus talentos
Grierson e a falta d~ ag~ess~, t ~' ~onfusa no recém-criado Ministério da
Parecia h_aver uma s1tuaçao - as an eu conta da unidade de filmes do GPO.
como homem de cinema, toda espécie de pessoal que pudesse ser retido
sem dííiculdades seria alguma coisa à qual deveríamos ser gratos."
lnformaçao que, por extensao, to~o polêmica durante a qual nada acon- Na segunda vez que Cavalcanti veio à Inglaterra, sentiu-se numa atmos-
Segundo Harry Watt, houve uma onga . a res onsabilidade e nos mandou fera em que se achava quase completamente em casa . Suas memórias da
Inglaterra são cheias de ternura. " Mick (Sir Michael Balcon) foi o melhor
tecia: "Então, Cavalcantl t?mou Pª~ªav~lcanti ira incrível. Dizia, ,"A História
para a rua trabalhar. Era ni to qu_e t d ui ,, Todos os membros da produtor que jamais tive", diz. " Era muito compreensivo, ele esteve no
e stá sendo feita. Não podemos ficar sen ª. º!
a~ír;m e filmaram tudo que
equipe da unidade, inclusive. Watt e Jennrn_g ' Foi chamado The First Days
cinema por anos seguidos, conhecia o público e tinha um conceito ele
"box office" muito profundo, porque às vezes dizia, vendo os ' 'copiões"
achavam interessante e um filme log? surgiu· t aba lho do GPO durante a dos filmes: " Não gosto. Deve ser refeito." Se você continuava perguntando:
• • · ·ssor do que veio a ser o r h "Por que, Míck?" ou "Pode me dizer o que está errado ?",. freqüentem~nte
eguerra
era um- 1n1c10 prorn,
particularmente ,
na area . cu ltivada por Hump rey Jen-
que seria ele não sabia, mas sentia que havia algo de errado. Ele tmha uma miste-
riosa espécie de sentimento instintivo do cinema."
nings. . 'd d de filmes do GPO, que se "Ele se encaixou no nosso esquema muito bem porque, você veja, eu
Antes de c~:alcanti ?e1xa~n~t" un~a~d~ ficou sob as ordens_ de lan
es_t 4va na encruzllhada também," diz Balcon. "Na época que a guerra es-
transformou em Crown F,~ tt fez s:uadron 992 e Dover Front Lrne, Jen- tourou eu já estava no cinema há mais de vinte anos e Cavalcanti a mesma
Dalrymple em 1940, Harry a . lmes tinha começado Merchant
nings tinha feito Spring ~ffens,ve, Ja~k H~an Take lt e Target for Tonighl <l.oisa, mas Cavalcantl tinha devotado sua vida àquilo que hoje chamamos
Seamen" e idéias para feitura de Lon on "documentário". Eu, de minha parte, tinha passado toda minha vida no
estavam sendo discutidas. carnpo de atividade normal do cinema comercial onde, suponho, os moti-
Na realidade a uni d a d e es tava bem no curso que seguiria durante a vos que nos guiavam eram: a) achar o que pensávamos ser uma indústria
local sem sermos dominados pela América e b) evidentemente, fazer filmes
guerra . . 'd d de filmes do GPO e foi para os 1ào bons, em termos de comercialização, quanto os americanos, que então
Por que Cavalcantl deixou a uni a e . mo com lan Dalrymple, dominavam todo o mundo . Não creio que mantivéssemos nossas mentes
"Ealing Studios"? De acordo, tanto _c o~ Cav;~~~?~1, f~:r ocupandi> um cargo voltadas para produções requintadas, que vieram depoi , assim como para a
foi basicamente porq_u e _Cav~\~fnt, na~-a'~, que eu me naturalizasse", d(z importância do cinema e aquilo que representa em termos sociais. Estávamos
de chefia, sendo braslletro. es qu_e t N" acredito que poderia êngajados em uma operação comercial. "
Cavalcantl, "e eu não queria naturalizar-me . . ~ão aoode ria me l'Grnar fran• "Senti, é claro - muitos de nós sentimos bem deíinidamenr.e no ih/cio
ser inglês só por trocar o pas~aporte e cr;~as ao p Ministério da Informa· da guerra - que o tipo de filmes que fazíamos até então não iria funcionar,
cês ... ,, E acrescenta que hav,a pessoas ' . f liz e procurando um ~~­ nã.o só nos tempos de guerra como também no futuro e era por isso que
~
- de quem ele não gostava: " Eu estava me : . . d técnicos, pms eslava ansioso para ter Cav. no nosso estúdio. Estava seguro - usando
t:rho e Mick (Michael) Balcon tinha perdido m~1tos aseus Meu contrato
estas palavras feias - que de alguma fertilização cruzada de nossas respec-
haviam todos sido mobilizados pelo esforçço e b~~=v: ·a· .faz er um filme tivas experiências, algo diferente iria emergir - e em verdade a.s im acon-
com a "Ealing" era bem agradável porque medi~etor alternadamente. Isto te11eu. Suponho, por extensão, que ele teve uma certa influência na produ-
como produtor associado e . um o~tro como . ·to melhor me mante.r do
çào do " Ealing" . .. Não é por egocentrismo que digo que estava encarrega-
me agradou bastante. Ache, _t~mbem q~e ,~ena mu,
de toda a produção dos estúdio , mas e u e ra muito democrático no
como um brasileiro nos dom1nios do M,ck. , . . . . da guerra controle que exercia e toda a coisa era realízada num trabalho de grupo,
"Nós estávamos todos com nossas po s·ções
i frage,s
d ' no 1m1c10 . -'Óf'
lado a 1n\l ' de todo o grupo que lá estava - e havia multa gente talentosa - diria
porque havia sinais de que o Governo pensava em e,xar e e
~~e
15 Cavalcanti era o mais importante e mais talentoso entre as pessoas
POníveís para se conversar ou trabalhar com."
234
235
Que espécie de influência Cavalcant1. tlevet nodsof11,r:'Eaet.,ng?,
d "Ealin"
como g"Charles
? Bal-
que tenta resistir é violentamente e·liminada, até que a situação fica a favor
· ·a dos J·ovens ta en os . dos habitantes da cidade . E devastador ver a vingança a sangue frio que
con apontou que a ma,on ichton Robert Hamer tiveram sua prt-
Frend, Penr<>sed Ted~~y~o~!II Ch:U11:.s '~gora ~mbora talentosos como eram - agora os habitantes da cidade movem contra os homens que inicialmente
melra chance e mgir me H · ue 'era um poeta menor, um matemá- tinham entretido como hóspedes na paróquia, na propriedade de Marie Lohr
porque pegar um cara como_ amer, q carreira onde quisesse - o nosso e em outros lugares de acordo com onde paravam. Doces jovens inglesas
·tico brilhant~ e que_ po_dena ter :~:..mos de manejar com imagens visuais b'rigando entre si para capturar armas dos cadáveres dos alemães para que
pes~oal era a inda muito ,matur_o e Cavalcanti tinha sua contribuição a dar pudessem matar o maior números de bárbaros invasores possível. Não pa-
proietadas em uma te la. Era a, que_ê ·a em transferir imagens para a tela rece ser uma matança de gente. Ê uma espécie de esporte. A ênfase maior
a eles. Cav. tinha ~ma vasta experi nc, ctos sabe como é. Em virtude do que Cavalcantl põe em seu filme, o qual ele acha que é seu melhor tra-
_ um homem curioso, em certos a spe '. bem às vezes ficava abso- balho no "Ealing", é sua profunda natureza pacifista; "Gente do melhor
fato dele não conhece~ a língua _ing1e~~e mu~ando 10
e;tava nervoso. Mas de caráter, como as pessoas da pequena cidade inglesa, assim que a guerra
lutamente incompreensivel, espec,alme q os pés na terra perto da câma- os atinge, se transformam em verdadeiros monstros." O filme diz coisas â
uma forma ou de outra, quando estava con~equenas coisas 'que podia fazer indústria c inematográfica e ao Governo ingleses, que tal fime pudesse ser
ra, falando com estas pessoas, apenasc1~!r1es Frend bons como eram, fize- fei to em tal momento e o fato de que houve várias rea.ções contra o filme
faziam a diferença - - • Homens fºm~ seu lado. '.. Afora qualqu'er éoisa, é surpreendente.
ram filmes m~lh?r;s com Cav~Ocans, b~o sobre cenogrâfia. Sabia tud·o sobre Went the day well? coloca juntamente, as principais temáticas que apa-
ele tinha um 111f1111to bom gos · ª ª é' Era um homem altamente· tecem constantemente na obra de Otvalcanti: a autenticidade documental, o
música. Sabia tudo sobre Ht~ratura pe~:iffu1:r;1,ente uma figura notável . .. drama, o surrealismo. Unia coisa marcante sobre Cav. é que sendo um
civilizado. Todos eram, mas e e era b f'I es "
• · d m a fazer ons I m • • • · brasileiro com uma formação européia, ou talvez por causa disto, pode
Todas estas coisas a1u. ara estar errado que sempre pensei que co,locar seu dedo precisamente na britanicidade essencial dos britânicos e
"~ por isto que penso e poss~ diretor lst~ de nenhuma fofmá, , o tirar disto um interesse especial. O movimento documentarista pode ter
Cavalcanti era melhor_ produt~r bq~hávamos ~uito ' pensava oue os talentos ganho mais do que qualquer um poderia lmagina·r, da habilidade de Cav.
diminui porque, n<;>s dias que ra a rovavefmente, ~ talento para produção de ver e delinear a realidade. Michael Balc:on descreve o que sua chegada
eram igualmente 'n:'P~rtantes
era ligeiramente mais importa~ e.
i' ~as ninguém ·pénsa desta forma e gran-
r diretores Cavalcanti queria ser um
significou para o "l:aflng": ''Não penso que até esta ocasião os fllmes com
os quais eu estava comprometido,- com raras exce.ç ões, tinham uma marca
de parte dos · produt~r~s querem se im orta~tes, mas cohtinuo achando registrada própria. Sabíamos que as comédias de Jessie Mathews eram des-
diretor e, é claro, dirigiu ti:u~s
q ue seu melhor trabalho 01 e po ~~i!s conilnuar sendo se ele tivesse cqnll- ta forma; as comédias de Hulbert e Coutneidge eram assim também; mas
. do a ·,nfluenciar outrás pes- os resultados como um todo não tinham nada especial que as destacasse.
é 11 · odução ou continuan .
nuado at 0Je,_ na pr . . elmente ser desta forma com os filmes Ele·(Cavalcanti) certamente me ajuçlou, provavelmente mais do que ninguém,
soas. Acho ,que isto . deveria l~ev,ta;le (Cavalcàntl) fale muitas línguas, deve a criar uma imagem. Toda a produção do " Ealing" tinha uma. marca r.egis-
falados em inglês, poriueéem o~ não dominasse o idioma, dirigir alguns trada nossa. Se eu teria feito isto só, eu não posso afirmar.. Mas com
ter sido difícil para a gu _m (u e teve sempre certo. Se era i(lualmen-re certeza eu reconheço e sempre reconheci que de ·toda ajuda que tive, a
atores ingleses. Do l_ado visua e Ie ~o que isto dá margem a discussõe5." dele foi a que mais importância teve." .
<;ompete11te n~ dlreçao de atorer
"Uma coisa que quero en ª 12 r
/r:1 é que e le era um grande homem
d uenas fraquezas ou impe~- Aquele surrealismo é parte da visão de Cavalcantl, é evidente desde o
de cinema. Aquilo que aponto como sen o peqdo se não o fizesse. Nãd infoio, mas os Ingleses não estão interessados em apreender o surrealismo
e suas várias extensões e aplicações. Até aonde Cavalcanti está em questão,
feições, é apenas pelo fato de t e :stai:pi:1:nte. . . Não conheço ~ada estamos muito mais• inclinados a nos impressionar pelas táticas de choque
seria justo com um ho,me'!1 rea men e , t'mo incidente de o ead of N1ght. surrealista de Dead of night do que pelo humor sinistro de certas cenas de
melhor em termos de d1reçao q_uanto od u!-~amente ainda é uma terrificante
Went lhe day welU onde o realismo foi levado a um estágio adiante em
Se o lhamos para o fllm~ e exam,n~mos e ' 1 te 'de m"elhbr. oi.,tr,o filme direção ao surrealismo. ·
seqüência visual. Isto e Cavalcant,_ ni° _q~ e/themday wetn. o estranlfo é
muito bem dirigido por Cavakant, .dº' en . importante filme· britânico. liste típo de efeito pode ser conseguido somente, primeiro assegurando
que não tenha sido nunc~ reconheci o como um a Impressão de plauslbilidade e então demonstrando a implausibilldade

ª~~~e~i º:r~ do plausível. O único diretor que se tornou um mestre nisto foi Lindsay
Eu :~~: história de Cra~am. Gr~ene, que par~~e ~ã~e tet~l~~!1 Andcrson e é interessante observar que quanto a isto as raízes documen ta-
do filme ("Adicionamos tantos ep1sód10~,, .,~•zwc~~a~~ ~'ay '!vem (1942) é ristas de Anderson sã.o muito mais próximas a Cavalcanti (sendo Anderson
não tenha conseguido reconhecer sua o ra. d e t ocupação gerinlnica um arder.ite admirador do trabalho de Humphrey Jennings} que a Grierso·n.
uma narração imaginária do que aconte_c eu ~ran e a de Whitsun de n... Contudo as outras reali,zações de Cavalcanti no "Ealing" - Champagne
da cidade inglesa de Bramledy En~, dur~tdo~ ~'.;i:s:sse~a~~~en!e revelando ':'''rlle e Nicholas Nlckleby -'- são menos dignas de nota, ele também par-
1942. Os alemães, disfarça os e so a r urbador na cabeça, rra-
suas reais identidades, golpeando u~ ragaz,,f~~kolade Wien", "pintando
zendo de casa com eles seu estranho ar e . e; - facilitada por úm traldOI:
:r~
bclpou de um programa de curta metragem que Michael Balcon descreve
sendo "exatamente na rua do Cavalcanti" . Alguns . destes filmes ele
r g,u - filmes de propaganda como Y.ellow Caesar, filmes de instrução
~ sete" à sua maneira continental, tendo su~dmJssaot" s'tlados na igfeja; IS: ~~º- Watertlght que {estranhamente?} não estão incluídos nas principais
inglês, Leslie Banks. Todos os adultos d?ª c, a ~ desdao d~ Marie Lohr. Gen~ co111l·nas _do_ d~c~men tário lngl_ês. Ca~alcanti continua multo entusiasmado
crianças confinadas no segundo andar a propne a e a distnbu,çao que estes filmes ·tiveram nos c inemas, porque cada um

237

com Grierson. Pus " Fingal's Cave de Mendelssohn em cima do trecho de
deles foi programado com um grande filme de sucesso. Balcon vê pouca Orifters, o que deu ao filme uma espécie de tonalidade român tica inteira•
importância neste fato: " Eles eram filmes de propaganda durante a guerra e mente ultrapassada e não c reio que tenha agradado a Grierson absoluta -
havia menos filmes à disposição durante a guerra que nos temp_o s de men te . .. Mas re~lment~ você tem_ que admitir que no fundo, Grierson era
paz. . . Como vocês sabem, os filmes de curta metragem sempre tiveram bastante demag~g.'co. s ,m, seus pa,s tendo sido pastores e assim por diante,
um mercado mais difícil q ue os de longa metragem, porque somente os nat~ralmente o , d.'sp usera'?1 a uma espécie de tendência à pregação. E pre-
cinemas de " West End" ma nti nham estas p rogra mações. A maior parte dos gaçao, esta espec1e de coisa o agradava e ele era mui to bom nisto també m,
cinemas do interior preferiam a programação dupla de longa metragens. acho eu."
Duran te a guerra e ra diferente ... Eu. devo tam~ém ac rescentar que _embora A ve!dade de tudo ist.o _é que a_ única coisa seriamente e rrada com Film
as pessoas gostassem que a gente fizesse os fi lmes e pudesse leva-los ao an~ Real~ty, de Cavalcanll e q_ue nao é a seleção q ue Grierson ou Rolha
" West End", não posso fi ngir q ue mesmo d urante a g_uerra o resl~ do pais teriam .feito . Ao contr~rio, . o filme dá uma encorajadora imprr.ssão da am-
estava se arru inando, impossibilitado de comprar ~s h lmes. El~s t•n,~am de pla variedade _d e n~ate~1al filmado de modo realista, muito tempo antes que --•
. ·.r .

,· . -
....__
ser forçados o nde quer que consegulssemos a apo iar nossos filmes. o d~cumentári~ bntân1c? f~sse, ao menos, concebido. De Marey a irmãos 1

A história do documentário nunca muda . Apenas parece mudar, pe Lum1êre, atraves dos primeiros " ~ewsreels" e filmes de interesse, fisgadas .,.J jJ• ,..·· .·1-,., 1JiE' •~,-- , -
vez em quando . de Secret~ o r nature e filmes de ratos-X usados em diagnósticos médicos, não
No começo d a guerra, Cavalcanti tern:iinou ta_mbém uma ,~nt~!ogia . de há men~o ao documentário britânico a exceção do fato de que Charles
filmes chamado Film and reallty, q ue fo, patrocinada pelo British Film l/rban, diretor de Romance o f lhe Railway (1907) é citado como avô dele
lnstitute". Uma sensível e ocasionalmente excitante coleção de trechos de (do movimento documentário britânico). Song o f Ceylon vem eventualmente,
filmes realistas incluindo "newsreels" (N. do T.: jornais cinematográficos no fim de um capítulo do filme (principalmente devotada a Flaherty) dedi-
de atualid ade), pro duzidos até àquela data, o filme provocou reações extre- cado a "Documentários român ticos de lugares distantes". Driflers, Industrial
mamente raivosas d os documentaristas britânicos. De acordo com Paul Rotha, Britain, Housing Problems e Night Mail ocupam parte de um capítulo do
ainda aparentemente a margo sobre o filme qu~ndo escreve seu. Docum~~- filme "(que abre com Rlen que les he ures), sobre "Documentários realistas
lary Dlary de 1973, o filme "fez menos que 1ustlça aos objetivos soc1a1s sobre a vida no lar". Aqui, o documentário britânico é descrito como um
do grupo de documentaristas britânicos, cujo trabalho como é mostrado, "movimento q ue usa o cinema com propósitos d e educação cívica". Aqui
quando t anto, e ra Inadequado e falso . Apesar dos protestos . feitos pela também, um extrato de um filme francês de Jean Be noit- Lévy de 1932,
" Associated Realist Film Producers", especialme nte numa carta violenta para most rando um o le iro fazendo um pote, compara com nossa memória clara,
0 "The Times" o filme não foi retirado de circulação, a pesar de algumas a seqüência semelhante em Industrial Britain, feito por Flaherty em 1931
cinematecas fo;a do país terem se recusado a distribuir o filme. Ainda, me e admirado até a distração, por Grie rson. No fim deste capítulo da fita, o
contam, está em uso em alguns lugares hoje." fil me de Pare Lorentz, Plow lhat broke lhe Plains é descrito como devendo
Ro tha vai adiante para reportar uma discussão que ocor~eu no " New muito à escola britânica. Então Cavalcanti, passa para " Realismo na história
Statesman" em ju nho de 1942, como resultado da observaçao do crltic9 do cinema": Stiller, James Cruze, Einsenste in, Zecca, Die te rle, Méllês, Pabst,
William Whitebait, segundo o q ual, os fil mes do Mi nistério da ln~o~mação Renoir, etc. e obviamente nada mais sobre o documentário britânico.
"conseguiram em verdade um grande grau de qualidade; e a trad1çao que Não posso deixar de sentir que Cavalcanti trabalhou mui to tempo com
os pro duziu d eve mais a Cavalcanti q ue a qualq ue r o utro homem" . A Isto o movimento documentário, o tempo suficiente para saber que Fingal's Cave
Rotha responde q ue "um homem, e um homem somente, John Grierson, ~ o de Mendelssohn não era a única " maldade" que ele seria acusado de fazer a
responsável pela inspiração e nascimento de cerca d e 300 documentários Grierson em tudo isto. Em verdade Cava lcanti ousou dar a impressão que
britânicos fei tos e ntre 1929 e 1939, incluindo aqueles ~m Ql!~ .c~v~lcantl , sua concepção d e "filmes realistas" era muito mais ampla que a idéia que
dirigiu em pessoa." Harry Wau acrescenta: " foi a cond~çao e ? m1c1a!•~a d~ Grierson rotu lava de "documentário". Se era seu "senso de humor equi-
Crierson que o bteve a formação e o patroclnio do EMB F,lm Um t , de vocado" qu~ o fez ir tão longe, creio que ele, desde então, pagou amarga•
o nde tantos descendentes se originaram . Mas eu, como trabalhador ~e ci- men.t e por isto.
nema q ue conviveu com os dois homens, gosta.ria de dl~er .ciue foi a intro- Como é possível fazer justiça com todos nestas circunstâncias? É des-
dução d a habilidade profíssional de Cavalcanh e seu mcnvel s!nso clne- nece~sário diz~r que a~ ~iscussões não interessam porque na verdade el~s
matográ fí co, q ue aumenta r.a m o padrão d e qualidade e a reput_a çao d~ ~: têm 1mportânc1a - principalmente quando o porta-voz de um movimento
cumentário b ritânico ao ponto em que hoje se encontra, como influencia afamado pelo s~u esplrit? liberal ainda se recorda, passados trinta e cinco
considerável no cinema como um todo." anos, que um filme inteligente e informativo não foi retirado de circulação.
Rotha então declara: "Da minha parte , como resultado da carta citada Posso apenas agradecer o fato d e ter, recentemente, vis to o filme no "Bri•
acima, me contaram q ue a referênci_a a ~ eu trabalho foi, e!11 re pr:s~!~ tlhh Fllm lnst itute", isto implica que reavaliações são possíveis e que há a
removid a de .,llm and reallty. A isto a1unta a nota d e pe de P g e ance de que o tempo coloque tudo em seus devidos lugares .
" Estou feliz em relem brar, entretanto, que Cavalcanti e eu sempre nos man- b ~'Se existe um cinéma inglês", diz Michael Balcon, "colocaria a contri-
tivemos como grandes amigos."
Cavalcanti não nega a amizade . O problema, sugere ele, surgiu por~
P~?º1 de Cavalcanti . tranqüilamente tão al ta como a de outros grandes. , .
que de uma ma ne ira curiosa o trabalho que realmente realizou não apa-
o filme e stava m uito longo e ar teve que cortar fora só os trecho~ de ROl10 ~ ':u nos_"créditos" dos filmes." Este é que é o problema. A reputação d e
juntamente com um ou dois outros, citados no filme. " ~otha . ficou ~~rn: nenalcanti. d_ep~nde .da palavra dos que trabalharam com ele, mas não há
contrariado com isto. Ele q ueria estar no filme." Cavalcant, explica tarnld# huma 'ºJustiça nisto. 1: comum acontecer não haver meios de reconhe-
- "Com meu equivocado senso de humor cometi uma pequena ma
239
238
..
cer através dos créditos uma influência tão variada e sutil como esta . Como grande projeto para uma produção ind ependente. Tinha os direitos de Spar-
a conquista de Grierson em conseguir financiamento para o documentário, ~enbr~~e, de ~ ha~les Morgan. Era - e _continuo achando hoje - o melhor
a marca registrada que Cavalcanti imprimiu nos (ilmes somente seria dimi- script que Já. fiz. ~ ~ma novela _ruim, mas uma boa estória para um
nuída pelo tipo de abreviação impressa na concepção dos letreiros dos filmes filme ... Já havia escolhido as locaçoes e havia descoberto lugares maravi-
do GPO. Q uan to a isto continua obscuro o fato de Cavalcanti dar ou não lhosos, quase desconhecidos e de repente recebo uma carta de um colabo -
importância, na é poca, ao fato de seu nome fazer parte ou não dos "cré- rador d_o Rank (para que"!:1 eslava, tr~balhando) dizendo que meu rote iro es-
ditos" dos filmes. Era sempre uma fo rma de corte sia discutlvel. tava ac,ma da compreensao do publico. Várias vezes na minha vida tinham
Cavalcanti continua 'falando calorosamente da atmosfera de " Ealing": me dito isto e é lógico que estava desgostoso . Foram quase quatro meses
" Não havia ciúmes, inveja de menor importância, nem dificuldades." Apesar de trabalh~ e um _trabalho c~ro . Faze~ um grande roteiro é um trabalho
disto ele deixo.u " Ealing'' no fim dos anos quarenta, basicamente porque d uro. Entao recebi um convite para ,, ao Brasil dar conferências sobre
achava que podia ganhar mais dinheiro como "íree lancer'' do que dentro filmes no Museu de Arte Moderna de São Paulo, aceitei e fui."
dos termos do contrato que tinha com a " Ealing". Ele e Michael Balcon dis- A vida_ de Cavalcanti ultimame nte tem sido bastante triste. Não há
cordam sobre as vantagens do acordo que e les tinham naquela época, mas saída para !sto, embora eu me sinta em desvantagem para comentar sobre
ambos concordam que ele saiu para ganhar mais dinheiro. os anos mais recentes porque houve um número de filmes no Brasil Aus tria
" Foi uma mudança de clima", diz Balcon. ''Todas as coisas maravi- Romênia, Itália (?urante os anos 50) _e_ mais recentemente algum~s peça~
lhosas, os trabalhos em grupo que fizemos, as idéias que nos fizeram fun- (uma delas de Durrenmatt) p~ra a telev1sao francesa que eu, co mo a maioria
cionar durante a guerra, começaram a se desintegrar . Não havia os mesmos das pessoas em Inglaterra, nao conheço. O filme austríaco, Senhor Puntila
motivos e foi um pe ríodo severo e bem mais cínico. Os valores das pes- e s~~ criad~, Mattl (1955), foi base~d~ na coi:nédia de Bertolt Brecht e parte
soas começaram a se alterar e o seu sucesso começou a ser medido atra- do charme que tornou Cavalcant, tao querido dos homens de cinema bri-
vés do dinheiro e se Cav. fosse pensar sobre estas coisas, ele e ra tentado tânicos, que muitos dele~ muito lhe deviam, advém simplesmente de seu
como os outros. Foi Oscar Wilde que disse que as pessoas podem resistir encontro com o reverenciado Brecht:
a tudo, menos à tentação, e foi isto que aconteceu . .. "Tinha uma grande, grande admiração por e le. Achava que ele e ra um
"Sou o primeiro a admitir que esse nosso grupo de trabalho permane- mestre - melhor que um teatrólogo, e ra um poera. Ado rei trabalhar num
ceu junto durante vinte anos, mas quando desistimos nenhum de nós como roteiro sobre sua p~ça e o p~imeiro "script" foi rec usado por ele. o segundo
indivíduo se tornou alguém importante quanto éramos coletivamente . .. tratamento do roteiro_ (Punhla) e le me mandou (não estive com e le pes-
Todos safram mas t inham muitas coisas para fazer, mas examinando ern soalmente), eu recusei. Era a peça, e le não havia mudado nem uma linha.
termos de resultado nenhum de nós era tão bom separadamente quanto éra- Então eu disse logo no in!cio - e le havia hostilizado Fritz Lang, Pabst,
mos juntos . Penso que Cav. sentiu i~so mais que qualquer um e não estou todos meus colegas - entao eu disse: "Estou mal. Ele vai me amolar até
falando do apo io que e le teve d e mim ou de qualquer outro, falo em ter- o fim." Mas eu tinha uma produtora in le ligenle, que disse: "Veja bem, isto
mos gerais, do apoio que e le teve por estar no "Ealing Studios"." é bobagem . Você e Brecht foram feitos para ser amigos e compreenderem-
Certamente, a carreira de Cavalcanti nunca repetiu os sucessos e as se mutuamente . Vocês falam a mesma língua. Venha comigo para Berlim."
satisfações do tempo em que esteve em " Ealing". Por volta de 1950 elo E eu_ n_unca vou me esquecer - era um dia de verão, como o de hoje -
deixou a Inglaterra, também, aparente mente com intenções de voltar à sua e fui a sua casa . A sala g rande tinha três janelas que davam para um
terra, o Brasil. Quando lhe pergunte i a respei to disso, me disse em uma cemitério ª? la~o. Imediatamente me pegou pelo braço, como se me co-
e ntrevista em 1971: "Ora, não me fale sobre isto . Foi um e rro ir para o nhec~sse ha muito ·te mpo . Sabia que eu havia recusado seu roteiro. Sabia
Brasil, e m verdade perdi tudo o que tinha . Digo mesmo, foi uma aventura que ,amos tentar fazer um outro, juntos. Me levou até a janela e disse:
infeliz. Não, é um erro mandar um rapaz de quinze anos para fora de seu ''Você sabe quem está enterrado ali?", respondi: "Não," ele disse: "Hegel."
"É uma coisa triste relembrar," Cav. acrescenta, " que ele está enter-
país porque é entre os quinze e os vinte e cinco que você faz o seu círculo rado ao lado de Hegel."
de amizades, que escolhe seus amigos."
Na sua última entrevista, Cav. descreve uma situação bastante coníusa
na qual te ntava c riar uma indústria de cinema com um ve rdadeiro espírito
local e m São Paulo, enquanto os técnicos italianos conspiravam para tirar
de seus lugares os téclncos de outras nacionalidades e os americanos
acusando-o de ser comunis ta e que havia documentos reminiscentes da in-
quisição guardados no Ministé rio das Re lações Exteriores. (Espero ter ln~er•
pretado corretamente o que ele q ueria dizer.) Mas com certeza, ele disse
que tinha um contrato de três anos de trabalho, mas no flm do primeiro
ano foi posto para fora porque não ente ndiam seus objetivos. Fez dols
filmes e estava a meio caminho de outro. Tinha seis roteiros comp1etOII
para o segundo ano, mas depois que e le parti u, a produção esteve parada
por dois anos . .,
" Por que você foi para o Brasil?'', perguntei a ele. "Perdi minha mãe.
me disse. (Sua mãe tinha uma personalidade notável, reconhecida p~r t°!:
os seus amigos como uma grande e boa influê ncia na sua vida.) "E tinha

240
AS RELAÇÕES DE CAVALCANTI COM
BERTOL T BRECHT
(Extraído das "Memórias" de Alberto Cavalcanti)

(INÉDITO)

1: natural que um dos escritores mais importantes do nosso século tenha


encontrado um grande universo de detratores. Sobretudo, sendo ele, como
Bertolt Brecht, um grande fator na política internacional.
Não vamos discutir aq1,1i o evidente valor do papel social desempenhado
pelo escritor. Basta notar que, lutando por suas idéias ele foi perseguido e
exilado e que, mesmo depoi da vitória dos aliados sobre os nazistas, ele
.ii nda enfrentou, so:zínho, um sério ataque de fascistas em Berlim Orienta/.
Sobre a qualidade da sua obra, esteticamente falando, as críticas adver-
sas se resumem em duas principais acusações:
- A primeira é que, o seu estilo não sendo estritamente pessoal, em
última análíse se reduz a duas únicas fontes: - a Bíblia e o dialeto da
Baviera, seu país natal .
- A segunda acusação não é menos generalizada que a primeira : -
nenhum. dos enredos na obra do escritor é original ou inventado por ele
próprio
Para repudiar estas críticas é preciso lemb ra r que Bertolt Brecht, e cri-
tor, lem três facetas distintas em suas criações . Delas, indiscutivelmente, a
poesia é a mais importante. Sua tradução, sendo em geral muito livre,
torna difícil Julgá-la. Em seguida vem o teatro, mais fáci l de traduzir com
fidelidade e que hoje é talvez o mais popular no mundo inteiro, logo depois
do de Shakespeare. Em terceiro lugar, muito iníerlor aos dois gj!neros pre-
t dentes, tanto em qualidade como em quantidade, vem a nove/a.
Se a dupla crítica citada para esta úll'ima seção da obra do escrilor, já
pa'r-a o teatro ela perde uma grande parte do seu valor . Shakespeare tam-
bérn usou muitos ternas já explorados: - a leilura de Slmplicissimus, a
~~nica de Cimmelshausen não sugere, mesmo de longe, a dramática odis-
seiaTrinta
de de Mutter
Anos Courage,
. a mulher do povo arrebatada pelo furacão da Guerra

• A opereta de John Gay, The Beggars Oepar, parodiando simplesmente


a Opera italiana do século XVIII, tão apreciada pelos " snobs" em Londres,
Pode ler, na sua Integra, alguns pontos e m comum com Orei Groshen Opern,

243
mas toda a enorme significação social da peça contemporânea é devida Este· encontro com Brecht era d b , .
unicamente a Bertolt Brecht. Europa: - É verdade que eu ºá ~ orn aug~rro ~ara a minha volta à
E que importa que Kleider Kreis, O círculo de giz Caucasiano, seja ins- muita gente importante acolhera 1erf:ª~ era ma,s o _1ovem b~asileiro qu e
pirado no julgamento de Salomão relatado na Bíblia, numa peça sem muito c~so, o fato de conhecer pessoalmenie eu~m grande rndulgênc1a . Em todo
mérito do poeta austríaco Klaubund ou numa vaga lenda chinesa? cre de prolongamento do meu modo d . tal hon~em já criava uma espé-
Os peritos também poderiam também ter dl cussões se m fim para de- na França como na Inglaterra _ e v, d a anterior, fora do Brasil, tanto
cidir se a Resistível ascensão de Arluro Ui é baseada na vida de Hitler ou Nunca pude esquecer a minha che ada •
nas falcatruas de um "trust'' da couve-flor em Chicago. t rasse. As ja nelas do salão no primeiro g d ª casa do poeta, na Chauvvees-
O Senhor Puntlla e seu criado Matli ao que parece loi uma an edota Veigel, a grande atriz alemã a última espª; ª~ e 5tavam todas abertas. Helene
contada por uma senhora fin landesa, amiga do autor .. . eu olhava em direção à vl~ta do c ºté .5ª 0 poeta estava presente. Como
Em todo caso tal acusação não atinge, de maneira alguma, a obra. pura- braço e me levou para uma janela ~~e no d~ontfguo, Bred~t tomou o meu
mente poética de Bertolt Brecht . A primeira acusação, que abrange somen- Hoje o túmulo do o Pº. ia mostrar o tumulo de Hegel.
te as duas lontes da linguagem do escritor nos três gêneros de eu trabalho, filósofo . p eta se encontra 1ustam.e nte ao lado daquele do
ela nos parece unicamente como uma constatação gratuita pois nõs outros
Em dez dias de trabalho intensivo d -
admiradores de Bertolt Brecht só podemo compará-las âs simples raízes de
uma árvore possuindo a mais ampla e rica ramagem . . . Porque é um fato seu criado Matti estava terminada A . dTa
Ê verdade que Brecht aceitava c~rte:
1 ti
araça~ do _Senhor Puntila e
icu a es nao existiram para mim.
que a li,nguagem deste grande homem é de um modernismo internacional de diálogo num filme é sem re m no texto sabendo que a quantidade
que deixa muito longe ta·nto a Bíblia como ó "folklore" bávaro.
abso lutamente modificações. P~r outr~nf rd quE: ni
t,e atr~: mas não adm itia
ção de proposições de novas cenas mu:asº nao av,a dificuldades na ace ita-
•••
C~_guei à conclusão que Brecht apreciava grandemente o
posso i~er. que o trabalho foi excepcionalmente agradável. cinema e só
O importante para nós é que foi Puntila a causa do meu encontro e A musrca da versão teatral da pe f h ºd
da minha colaboração com Bertolt Brecht que eu até então não conhecia P.aul Dessau. Como as outras partituf:5 ~n ª 51 0 compos!a e dirigida por
0
pessoalmente mas considerava um dos maiores poetas de nossa geração. crutante e seca . E eu, a rovado ela · maestro alemao, ela era pers-
Em 1954, a evidência da Incompreensão dos meios cinematográficos e ças de êxito, expliquei / Brecht Pue /rod_u~ora, ma sem grandes esperan-
teatraís no Brasil a meu respeito . chegou ao seu auge: - depois de uma de concepção totalmente diferenies ~s r:n~tcas de teatr? e de c;inema são
rápida e séria viagem à União Soviética o meu. colega e velho amigo, o dire- fosse esi:rita por Hans Eisler, pe I que ' ª partitura pa ra o film e
tor holai:idês Joris !vens propôs que eu o substitufsse na direção de uma O argumento era um tanto desonest · h .
adaptação de . Puntila para a tela. citando Kurt Well e a perfeição d . o, ~o.,s 8 rec t podia ter retrucado,
. Eu estava a par dos rumores que circulavam nos estúdios cinemato- palco. Mas ele acedeu ao me ~ sua musica, tanto . no filme como no
gráficos internacionais sobre as dificuldades que certos diretore. de filmes
como Pabst e Fritz lang tinham encontradó nas suas relações com o escritor.
Hans E.isler para O filme é ce~tf~~~~~
as minhas realizações cinematográficas ,
~a° resultado for que a par~!tura de
melhores que forílrn feitas para
A minha sitúaçã.o no Brasil depois e por causa da minha viagem à URSS, Hans tornou-se um grande ami , · .
havia perdido · o modesto emprego na téle\iisão paulista, era Ião precária nunca comportava em cada se ã · go meu · A sua musica para o . frlme
que não me permitia recusar tal oferecimento . essa economia m ç o mais de sete executantes e essa disciplina
Com a colaboração do cénarista francês Vladimir Pozner, prepare i em idéias a esse resp:it~~cantou porque correspondiam exatamente às minha;
Viena, na Áustria, uma primeira adaptação cinematográfica da peça. Os cená- Mais tarde tive a oportunidade d . .
rios foram confiados ao meu velho amigo, o dinamarquês Erik Aaes, que me do poeta e do músico compondo unte assrstrr a u~a seção de trabalho
p.1recia, por ser escandinavo, o mais apto para tal empreendímento. Enquan- lembrança dessa perfeita colaboraç}o e' o~ uma n_ielol. dra para um poema. A
to iniciava os preparativos para a produção do filme, Pozner que conhecera A d rnesquecrve para mim
bastante Brecht durante a guerra, na Califórnia, foi a Berlim para submeter nos epois a mulher de Hans St ff f • ···
Puntlla, mandava um teleg a , . e y, que o1 colaboradora minha e m
o trabalho à aprovação do escritor. que anunciava O falecime~t:ªdia~a Anacap_ri, onde estava só, trabalhando,
As dificuldades que eu tanto temia começavam: - Brecht recusou a lóngas horas ouvindo discos do gr os do am_1g_o , Parei o trabalho e passei
adaptação e propôs uma segunda versão que não era senão uma simples boração e nosso convívio. an e musico e recordando nossa cola-
filmagem da obra teatral .
Não encontrei outra solução senão recusá-la explicando que a filma•
gem da peça era trabalho para um "cameraman" e não para um diretor. •••
Ao mesmo tempo, receava que o autor pensasse que o meu gesto fosse
uma simples represália à sua recusa precedente .. . Cada filme du t
Foi o nosso produtor, a Sra. Ruth Wieden que salvou a situação: - Puntila, com o 'seu ragn e/ su? rodagem. traz díficuldades sempre diferentes :
ela declarou que nana seria resolvido antes de um encontro meu com regra. - Se o ran e numero de rntérpretes não podia escapar a esta
Bertolt Brecht e que tinha certeza que ele e eu iríamos nos entender per· ern maioria Jn~o~"°;i ladi, todos os atores representando papéis episódico
feitamente. eram excelentes· os ons teatros vlenense_s, cuja fama é bem merecida:
Foi assim que seguimos, ela e eu, para Berlim Oriental . e seu criado Ma'1/~ ~utro,. os _três protagonistas: - Punl'ila, sua íilha Eva
, es e o rnfc,o se mostraram ·o s ma is fracos do · conjunto.

245
. nista (que tinha representado o papel Quando se pertence a uma geração qu e caminha rapidamente para o
Talvez o físico de Kurt. Bois o pr~ttgo teatro de Brecht em Berlim Oriental), seu completo desaparecimento, essas relações com um homem quase da
com certo êxito· no Berhner Ense~ e, ~ .- 1: que no palco ele podia dar mesma idade que eu tornaram-se ainda mai apreciáveis.
seja, em parte a causa desta lin a .ºP~~1a 0 ·ural m~s diante 'da câmara ele
Parece entretanto inevitável a constatação que a nova geração é ma is
a Ilusão de ser um grande pr~pr~et n,~·a'ntel, - O casal da filha e do
difícil de aproximação que a nossa . E, seguramente Brecht teve experiências
parecia, de preferência, um . catxe1ro:v1 /· ha suficiente "sense of humour" semelhantes às minhas.
chofer, senc!o fisicamente _ace1távellh nao :~gusto" necessário para o desem-
e me parecia impossí~el inculcar- es o Não é possível esquecer as dificuldades encontradas no lní.c io da minha
carreira com a maioria dos valore reco nhecidos naquela é poca. Eles eram
penho dos seus papéis· f do diretor que deve equilibrar os ele- em grande maioria de idade avançada e desconfiavam abertamente dos pos-
Em casos semelhantes, a tare a , . hosa síveis sucessores jovens.
. - d ma obra torna-se espin •
mentos da mterpretaçao e u M . Emo que me parecia tão anódina Assim, de maneira bastante injusta, a minha geração sofreu da descon-
Entretanto, .soube que ~gor~, . ana teatr~ em Viena.
1iança da precedente e agora sofre do que poderíamos chamar a suficiência
no papel ~e "Eva"_ telmd dmu1to ex1t~inndoa malo~es porque Brecht, ocupadfs- da ·egui nte.
As minhas dif1cu a es _er_am . m Berlim durante a rodagem.
simo com o seu teatro dec1df1~ ficarme suas duas versões, uma destinada
Mas O filme chegou ao 1m, co .
aos países do Levante e outra ;os/º I~~=~~~ uma cópia do filme para Someste muitos anos depois compreendi as razões d0 êxito da minha
Segui imediatamente para er im lembrando de novo a sua ali- colaboração com Bertolt Breeht; foram elas ter " procurado", na realização
mostrá-lo a Brecht. 1: inútil acrescentar que~'tava bastante inquieto ... do Senhor Punlila e seu criado Malli abdicar a qualquer veleidade de impor
tude com os meus colegas, Pabst e lan~, sala dos escritórios da Defa em minha. personalidade e de ter lentado exprimir honestamente as idéias do
A projeção teve lugar na . pequen. l"d d autor
Berlim e passou-se com a ma1~r l~ord'.a ;r:at~gráíico de Dudow, o diretor
O 0
Brecht tínha aprovado tra ª cin lmeiro filme e agorá aprovava o (maio, 1969)
búlgaro que realizou K_uhle Wa~lpt_e, o f~l~/[eito durante sua vida : O Senhor
meu trabalho, que devia s~r o u imo
Puntila e seu criado Matt,. muito espírito, Brecht enunciou
~ preciso porém acresce.ntar que, com ENTREVISTA COM ALBERTO CAVALCANTI
uma "crítica que disse
Por que," n:ie fezl
e e,s0~~1r:
voe ê escolheu mulheres tão feias para o coro
Cavalcanti - Para mim o cinema foi sempre uma religião . Nasci na
do filme?" . lh 'd ., dedo" porque é sabido que aurora do século e considero uma grande sorte ter podido ser testemunha
Ora, todas elas tinham _sido es~o I as :e,a sendo que muitas dentre dos maiores avanços de nossa civilização: telégrafo cm fio, fotografia, tel e-
a corte feminina que evolub1ulhna vida e~º b~lhar~m pela sua beleza física, ylsão, eletrônica, conquista espacial, etc. Quando abandonei a Arquitetura
elas partilharam o seu Ira a o, nun
e o d ese nho pelo cinema, tive o se ntimento de que tinha deveres: isto
antes pelo contrário• • • d circulo de jovens colaboradore_s quer dizer que em caso algum o ci nema deveria ser para mim uma diversão,
1: preciso acrescentar que a surpresa oda. eles com certeza esperavam como seriam, talvez, o teatro, ou mesmo a lit·era tura . Era um meio muito
de Brecht no Ber!iner Ensemble foi . tre~.e~tor' acusado de "atraiçoar o pen- mais completo, muito mais direto . Uma arte total . A evolução do cinema
que eu fosse destmado a s~r o ler<~t~ºece'~ção transformou-se facilmente em é feita através de crises sucessivas . Tem havido algum,1s bem graves e as
samento" de Brecht pelo cme~a. nhum antagonismo fosse totalmente haverá por muito tempo ainda . O fato de que o cinema se encontra em
antagonismo . E como eu temi~ que n: ão deste· - Só encontrei duas mãos de industriais não arruma as coisas. Tive, algumas vezes, de transigir
gratuito, muitas vezes procu_re1 a exp~~~ieis A. p;imeira foi a substituição com eles, mas, mais freqüentemente, eles me massacraram. Mas estas e:ri-
razões que pudessem ser válida~ ou p ~da foi ter o filme Ignorado a -ses, depois dê tudo, ão sobrepassadas, bem ou mal. Suportamos a vinda
da música de Dessau pela de Ersler e ad segu nos que apresentava todas as do som, suportamos a vinda da cor, suportamos perfeitame nte a chegada da
convenção, acrescida com a passagemtot~s a:sê~cia de cores. Tudo nestes lel.~visão. Meu úJtimo trabalho, precisa mente, foi para a O. R. T . F. (rádio e
peças de Brecht no palco com uma m Mahagonny que, a meu ver, 1elevisão francesas - o referido trabalho é La visite de la vieille dame de
espetáculos é cinze~to. ou marrom, mesmo e
Friedrich Dürrenmatt, levando ao ar no dia 5 de janeiro de 1971) e não foi
necessita cores ttop1ca1s. ·1 t d d cuidadosamente no estilo do tealro tão mal assim ... Se bem que a direção da O . R. T. F. e eu tivemos, digamos,
Ora, a cor em Punt1 a, e,s _u a a també m concebida para contrastar algumas palavras . . . Um crítico escreveu, mesmo: "Olha aí o que deve
chinês, não só é franca e definida, ~as história cantando severamenfe, ser feito em televisão". Eu queria contínuar, com Aurelien, baseado da obra
com o coro das mulheres e que con am a ,
de Aragon, do qual tinha os direitos, mas eles anularam o contrato fria-
mostrado em bistre. _ . t ara esse antagonismo, mente. Isto é verdadeiramente triste, porque teria feito algo bastante inte-
Sejam estas ou outras a~ razoes, se el;s e;;s e~~•f peça não voltou ao ressante: a época da juventude de Aragon, que le conta em seu livro, é
o fato é que mesmo depois da morte . ! e 's o que é certamente também a minha.
cartaz do Berliner Ensemble durante muitos ano ,
As relações entre o cinema e a televisão são bastante complicadas . o
. .,.1ca t·1vo ·
multo s1gn1 · vens da "entourage ,, de ser• cinema, com efeito, pe·rmanece como a "matemâtica'' da televisão, o ritmo
Esse antagonismo de _certo~ element~s J,º fluiu nas nossas relações. CQntJnua o mesmo, o que faz que a diferença permaneça mínima entre uma
tolt Brecht permite uma d1gressao, mas nao in

247
emissão dramática de telev!sao - e uom te~;;'o
n e ·queEntretanto se olhamos
com o cinema. melhor,
Os "planos
veremos que se parece ~ais com forma ai uma a função que têr,n em um pouco de tudo, comédias de " boulevard'', versões francesas de filmes
gerais" por exemplo, ndao tê':1 nf;,, são muJo difíceis de ser o_rgan1zad?s estrangeiros. Ora, isto não era "grande arte" e tinha de me afastar de
um f'ilme os "planos e coniu . 0
., E sobretudo, publico nao minhas ambições. Me forneciam um original e eu trucava os primeiros
0
orque l~do se faz em "plano ame~1<;;na. sala de espetáculos há a ':1~1- planos. Tudo .isto numa rapidez enlouquecedora: parava-se de trabalhar às
~ecebe os trabalhos da mesma forma. diante da tela pequena da telev,sao duas da manhã e retomava-se o trabalho às oito do outro dia . Eu pouco
tidão que reage globaln~ent_e , enquan:~ reação procede de uma ps!cologla ligava para o assunto, eu aprendia o som, eu acreditava no sÓ'm, sentia
há apenas cinco. ou se,s p~sso~s, _cl J A'unte-se a isto o fato de . nao que- perfeitamente que no som estava o futuro do cinema. Fiz mesmo um filme,
particular, essencialmente m1nontán~Í1e !muito sexo, ou º. garotinho com nesta época, que não era de todo ruim, creio, que se chamou Dans une lle
rermos chocar a vovó, - mostrando t bém fatigar o papa, com problemas perdue, baseado em um romance de Conrâd, com um ator chileno muito
muita violência e que nao se quer am t num nível débil e em contrap~r- bonito e que tínha trabalhado com Renoir e se chamava Enrique Rivero.
intelectuais . Então, fica-se p~udente~~~Jam as telas. Mas isto não é ta.o Bem entendido, os surrealistas eram contra, porque estavam convencidos
tl'da a hemoglobina
maligno e as nad~gas
pois desta forma aca ar-se-•~ p or desagradar ao público dos do,s de qf.!e se tratava de uni filme baixamente comercial. O público,. p.o r sua
vez, não gostava do sotaque espanholado de Rivero e q(!e o fazia rir. O
que há de curioso nisto tudo, é que o filme que havia rodado anteriormente
lados• . .m,c
Pergunta _ Falemos um Pouco de seu ?, 10
. na " avant-garde'' francesa. com Rivero, A mi-chemin d u ciel, e que era muito menos elaborado, teve
uai era o ambiente do c inema nesta epoca . . urn grande sucesso; vá se saber por que! Pude ainda fazer algumas pesqui-
sas com som com uma série dEl filmes sobre canções de "Montmartre'',
Q . dominante é que os cineastas des- depois
Cavalcanli - Bem, c reio que o 2'aço eu mesmo· éramos muitô ligados médico achei
e fui que
para era demais,
Londres . pretextei doença, arranjei u,n falso atestado
se tempo, os Delluc, ?s Epstein, º~m:1'::;!~10
artfstic~ em geral. Hoje ~e
aos escritores, _aos pmtor~s, ao fie vague'' vivem em drcul~ fechado. Nos Disse a John Grierson, que encontrei na Inglaterra: "Estou cheio de
arece que os Jovens da no_uve • ac Orlan, o pai G,de em_ pessoa, diâ.logos e de "boulevards"; o que me interessa agoFa é pesquisar com
~os encontrávamos com Deraln, Lege~ Mue fazíamos. Havia lambem um~ o som." Ele foi muito compre·e nsivo e me deixou trabalhar a seu lado, no
ue se Interessava bastante po~ t_ud 1 ~nte entre os surrealistas, que esta G.P.O. (Genera·1, Post Offíce, o rganismo oficia'I de informação e de propa-
~lolência, uma agr~ssiv!dade, pn.nc1pa ~ta-se tudo pássivamente . Ê p_rec~so ganda, que se tornou, em 1941, a "Crowh Film Unit"). Fiquei lá por sete
perdida. Agora, mnguem protes_ta, ace uma coisa incrível: as pro1eçoes anos. Este é aquilo que os historiadores chamam de "meu período inglês" .
verem-se os filmes dos a~o.s tnnta, era uebravam-se as cadeiras. . . Lem- Fiz muitos documentários, seja realizando-os eu mesmo como Pett and
eram interrompidas, a policia ch~~t~~
bro-me especialmente de uma e~, ç
de
La coquille et le clargyma_n, de
e fez um barulho dos diabos.
Polt, ou Coai Face, seja supervisionando.. o trabalho de jovens como Pat
Jackson, Basíl Wright, Humphrey Jennings e sobretudo Len Lye, que era
Germaine Dulac, com Paul Éluar na saIa qu . uma figura extraordinária: era · um pintor-escultor neozelandês que dese-
Pergunta - Quais ·foram os h omens de cinema que contaram mais para nhc1va diretamente na película e isto multo antes. de Norman ~aclaren.
Nestes f(lmes, o som (rufdos de trem, sirenes de. usinas, por ~xemplo), os
corais (de vozes masculinas e femininas), a música formavam um contraponto
você? . . o· Griflilh Chaplin, Stroheim, Ei- ilgoroso com as imagens, condicionando, se necessário, a montagem final.
Cavalcant,. - N"oa ve,·o mais
. 1 que cmc · ' ·
0 0 cinema não existi na .
To d o o resto,
Lamento que o estilo dos documentários não evoluiu deste então, que não
senstein e Flaherty ,d Se,m este!sq\:~ido sem problemas. se· tentou mais nada de novo _por esta via, nem na Inglaterra nem em
ou quase todo, po ena ser
Rarte alguma. A cor notadamente, nunca foi estudada a fundo. Continua
Pergunta - "• ~ esm 0 0 " expressionismo alemão"? é t sendo cartã<? postal eriquanto pode te r um papel essencial na . narrativa,
. . foi um rande momento, isto cer o tanto quanto som. De todas as formas, o grande documentário - do
Cavalcariti - O expres~ronrsmo escofa artística definida. Mas, pe-n- ,gênero Flaherty - não existe mais, ou foi completamente desvalorizado, e
isto é mau.
na medida em que ele se ligava a uma de ~e arece que se sente melhor
s;ndo melhor, prefiro a. escola s~eca, on Este lado influenciou multa gente,
o lado puramente po~t,co do cmem:, nós ta·mbém, na França. Antes que ~ Pergunta - . Voltemos um pouco atrás. Você trabalhou, no princípio,
inclusive Chaplin, long1nqt~men~~- c~mércio, ela foi marcada por esta c~;. cem Jean Re noir e Catherine Hessllng. Como foi isto?
"avant-garde" fosse e~go ' ta P~e" tentou uma aproximação en!re .º
rente. Ou melhor a avan -gar ·n sans yeux, meu primeiro .
'71~me (;avalcanti - Não falarei com você~ sobre Renoir porque rompi com
mo e o irrealismo. Fo i isto qu:-, ccoh:p~~o~ ª~ouge, e m 1929, tente i humilde• ele em um tjeterminado momento; ele seguiu seu caminho e eu, o meu,
rodado em 1.925,. e em Le pe I mudou tudo . e eles não se coincidem. Mas Catherine Hessling, ahl era uma mulher muito
mente, Depois ve,o o som, que se- bonita, muito elegante, uma atriz fenomenal como, me parece, não se fa.
zem mais. Hoje, temos belos rapazes, que se exportam para o estrangeiro,
Pergunta - Você, entretanto, foi um d os primeiros a se i nteress.a r Ilias não jovens como ela ou Eve Francis. Eram mulheres que não e ram de
riamente pelos problemas do som. ~o pCilr J~a época, 'tinham qualquer coisa de intemporal, de misterioso que me fas-
f . m re ansioso por experlmentaça 't ia anou sempre. Creio que fiz com Catherine meus menos ruins filmes fran-
Cavalcanti
novas. -Estava
Sim,neste.
porque u,n:~ c~ntratado pela Paramount, .o nde az 1
ceses, En Rade e La P'Tite Lille. Era uma comediante muito inquieta, ela
técnicas mome
tº perseguida por Chaplin. Para 1.' tê-la", era difícil, tinha a tendência de
ntetpretar "à maneira de", mas o resultado era, afinal, apaixonante.

249
Pergunta _ Falemos agora d e sua experiência brasileira.· . Pergunta
de Les noces -venitiennes"
Por que se. ..vêem
? tão pouco seus filmes na França? A parte
. . d francamente, foi um desastre para mim.
Cavalcanti - O Brasil, d1zen o . tematicamente as pessoas que Cavalcant l - Ah! Este filme . .. é uma merda total, com uma vaca no
É um país muito ·. d esgas tante · Boicota-se sis no exterior. É um Pouco o
f 'to nome papel principal . . . A atriz mais estúpida qu e a terra jamais suportou ...
retornam ao país depois de terem cêe1sabe que nasci lá e saí de lá mui!o Se não se podem ver os outros filmes é porque a Cinemateca Francesa, para
que aconteceu comigo, p~rque_ vo . ai Resolvi então não voltar a por falar claro, é dirigida de maneira aberrante e terrivelmente arbitrária. Ela
J·ovem. Uma espécie de c1ume1ra nac1~~ra~da, uma estrela de cinema que
, 's como o fez Carmen não ensina mais nada a ninguém, quando esta deve ria ser sua missão. Tenho
os pes no pai , , ,, f . f mente vaiada. meus filmes lá dentro, mas não os mostram jamais . A única "homenagem"
durante uma "turne o1 ranca . ciência de nacionalidade que me foi feita em vinte anos, foi uma semana no mês de fevereiro de
. B sil foi uma cons .
o que tentei cnar no ra , t uma "cor local" mas sim uma 1957 . Recentemente, durante a inauguração do Palácio dos Congressos, lan-
nos filmes. Filmes que rives sem . 1 não F . somen e
dificílimo. Quando rode,· o eanto do• glois se limitou a emendar os filmes em suas extremidades, sem letreiros
verdadeira cor nacional, soC1a . o, e insultavam dizendo: "Como voce nem nada . Um pedaço de Rien que les heures, foi assim projetado em
mar em 1953, fui vaiado, as pessoas m aís mais rico do mundo!" Me "sa nduíche" entre um Lumiêre de 1896 e um René Clair, sem nenhuma
ous~ mostrar esta miséria? No? _s~~rf;a~o pa renunciar ao projeto dedrodJr Indicação cronológica . Note-se que me orgulho da vizinhança dos dois
botaram os freios nas rodashe I u1 Morgan para a Rank. Fui chama o e filmes,
perceba?mas como quere m que o público que não conhece meu filme, o
b k tirado de C ares , .
Sparken ro e, . ue não sei mais.
comunista e de tantas outras coisa q N f ndo passei toda minha Pergunta - Você tem projetos?
1 e de cabeça. o u ' d
Lá dei o fora, num go p t deveria enfrentá-los sem me o.
' b
vida fugindo de a orrecim · entos '. . °
enquan ·
ara me bater solitariamen e,t como Cavalcanti - Sim, um sobretudo, que é bastante excitante e deveria int e-
S d úvida não tenho força suf1c1ente p . t· ncia Creio que restam ressar a universitários como vocês. Já falei deste projeto a Malraux (André),
em ' M ·sto não tem impor a . d . . quando ele era ministro, porque era um velho amigo dos tempos da "avant-
é necessário no cinema: as ' m Por exemplo, desde que ~1xe1 o
mesmo, vestígios de minha passage b. ·1 . como eu os concebia. En- garde" . Desejava fazer a montagem de meus filmes ã base de pedaços es-
Brasil, começaram a ser feitos filmes ras1 e1ros, colhidos, sob diferentes títulos: Assassinato, Cenas de Amor, Dança, etc.
graçado, não? Malraux ficou bastante entusiasmado com a idéia. Pediu imediatamente à
Cinemateca Francesa para colocar à minha disposição as cópias de meus
. ue seu fracasso se deveu ao fato de que filmes que tinha depositadas lá, a fim de que começasse este trabalho. Eu
Pergunta - Insinuou-se q . os italianos notadamente. as espero ainda hoje. Agora, me volto para as cinematecas estran~eiras,
• empregou muitos técnicos estrange1r ' .
mais cooperativas, com esperança de encontrar uma me lhor acolhida que da
voce h e no plano da técnica os bras1- parte da Cinemateca Francesa .
Cavalcanti - É preciso recon ecetr_ qucomo produtor (porque eu era
• t dos e en ao -
leiros estavam muito_ a rasa ' cisava de equipes qualificadas. _Mas_ ~ao
também produtor), disse que pre f s ou de italianos, que influmam (Entrevista concedida a Claude Beylie, Didier lemarchand e Christian
. . d . leses ou de rancese '
q'ueria uma maioria e ing '. _ noutra
n i
que eu tentava cons I u r Mfchaud.
1974, Publicada na revista de cinema francesa Ecran de novembro de
n. 0 30).
O
no sentido dos filmes nun:ia d1reçao ou. , io. estava perfeito. Mas se se
era uma equipe internacional. No pnnc1p l'nia italiana majoritária que,
acha que em São Paulo se encontra a ~o o com meu belo equilíbrio.
pouco a pouco, ocupou os lugares e aca aram
O BRASILEIRO ALBERTO CAVALCANTI
Pergunta _ Voce- cnou
. no Brasil um Instituto de Cinema.
Jorge Amado
1 t. .
Sim e aí também me Jogaram a pedra, mas enfim
- era
Uma
Cava can 1 - , _ 'd ,. da anarquia que reinava entao •
bem necessário. Você_ nao tem~- ~1~ "Me contrate, porque sou um grand~
Antes mesmo de Humberto Mauro surgir em Cataguases de câmara
em punho, com um talento imenso e a .disposição de fazer filmes, já a
figura se chegava a mim e me 1z1a. 1· d " Eu me espantavil presença brasileira se afirmava no cinema, mundo afo ra .
d . tor mas exiJ'o 70% do orçamento, como rea iza or . . - bem
ire ' . d Inglaterra e na França a proporçao era s~ Como explicar essa mágica? F~ci.lmente: naqueles distantes idos já reper-
um pouco, d1zen o que. na ,, único a conseguir rodar uma,
diferente. E me res~~nd1am: Eu ~euns~ra." Eu respondia: "Me exphqu: cutia na Europa, em especial na Inglaterra,. o nome de um brasi.leiro que
qüência erótica ace1tavel . para a. . casal de namorados que sob se encontrava na vanguarda da criação cinematográfica e era citado entre
, . to ,, "É bem simples: imagine um f amor Eu os os mais destacados jovens mestres da nova e grande arte que empolgava os
como e 1s • • • . um quarto para azer · IOS ~telectuais e atingia ao mesmo tempo enormes massas populares, influen-
uma escada em seguida segue para tendido como não posso mostrá·,e-
ando todas as demais artes, arte revolucionária por excelência. Aquele
sigo até a porta, somente, mas,b bl~:d~~ na rua' trabalhando com um 111~:1•1
em ação, eu corto para um trt
Ia A 'déia funciona e o público enten
lete pneumático furando ~ as a to . '
0
Jovem brasileiro marcou sucessivas gerações de cineastas europeus e situou
Brasil na história do cinema antes que aqui realizássemos filmes. Seu
Era isto O cinema brasileiro, nome: Alberto Cavalcanti, hoje um dos monstros sagrados da cinemato-

251
grafia - certamente não .lhe agradará ser considerado "monstro sagrado" apenas uns poucos EI .
mas como dar inteira medida de sua importância na história do cinema? na Eur . e existem por 1
Alberto Cavalcanti, um dos mais eminentes brasileiros do nosso tempo. opa um jovem brasile · que a gumas déc l
matográflça de então M iro e se colocou na ac as antes aparece u
No Brasil, mais uma vez, em meio aos seus amigos - é homem d e agora. O brasíleiro A.lb anteve-~e jovem e vanguarda da criação cine-
erto Cavalcant; . na vanguarda até os dias de
grandes e fiéi s amizades - , Alberto Cavalcanti escreve suas memórias. Te-
remos certamente um livro fundamental para o conhecimento da história (Dezembro de 1976)
do cinema. Estou certo, porém, que es_s e livrp será igualmente fundamental
para a compreensão do Brasil . O próprio fato de Alberto Cavatcanti ter
trabalhado durante tantos e tantos anos. longe de sua pátria, sem condições
de realizar tarefa criadora em seu país de origem, sendo uma espécie de
cidadão do mundo, explica a realidade brasileira daquela época. Por outro CARTA A ALBERTO CAVALCANTI
lado, é nece_ssárío constatar o fato de ter Alberto Cavalcanlí se co nservado
profundamente brasileiro, portador de algumas qualidades fundamentais de (De JOHN GR/ERSON,
1,osso povo. Em qu_a lquer lugar. onde estivesse, levava o Bràsi t consigo. Em cineasta e document .
ar,sta inglês)
todos os se us Hlmes, do primeiro ao último, realizados em território estran-
gei ro, e m distintos palses, num contexto cultural distante dó nosso, existe G. P. O. film Unit
evidente marca brasileira pois é a criação de um homem que, IE'ndo vivido
uma densa experiência européia, vária e contraditória, ,manteve incólume 21 Soho sq· uare , l on d on W 1
sua condição naciona.1. Foi sempre, em cada mom ento, um criador brasileiro, 1 de abril de 1936
Senhor,
trabalhando longe de seu chão nativo mas guardando fidelidad e co nstante
e fundamental às suas raízes .
Os senhores Bardeche .
Fala-se de uma fase brasileira de Alberto Cavalcantl: os anos em que Hi.Stória do Cinema e Bra illach, na sua im .
trabalho.u em São Pa1,1lo, na tentativa he róica e confusa ·do estabºe lecimento Cavalcanti. Coment;mcoJ?ªfilm duas páginas . à irisf;r;a.n:~ /?bra sobre a
de uma indústria cinematográfica nacional . Dessa é poca é um dos seus En Radé (No Cais) em, pa~tic~~ma ,~logiosa, os seus trabal~o~r da do célebre
grandes filmes, O Canto do Mar, mas dessa é poca ºé sobretudo o esforçõ - Isso che ar, esse poema à ló . o começo e
descomunal e terrível de um patriota, um homem puro e nobre, querendo
trabalhar para seu país e sendo obstaculizado de todas as maneiras, as mais du.tiu "
iª'
R. 1. P. "Apa nh o Cavalcanti do período d g_ na da~ viagens".
a o pela e ngrenage m do comé rc·º cCrnema vrsual está morto
torpes e infames. Foi rude prova e outro qualquer teria sucumbido a tama- · . •0 , avalcanti nad ·
fu não sou um histo . d a mais pro-
nha vilania, teria transformado o amor em ódio e voltado para sempre as para recordar a sua histó/'ª or de film~s. mas vivi tem
costas à pátria onde tantos o repeliam e crucificavam. Não nos esqueçamos com os vivos nã 'ª · Sou um produtor po ba s tan te, senhor
que Alberto Cavalcantí quando veio colocar-se a serviço do cinema brasileiro n honra de c~labira~º~::Scmorllos. pra, aconte~e u~~frodut~Jr que co labo,;
não era um qualquer . Trazia não apenas um conhecimento profvndo, uma seu passado qu e nã ava cant,. f posso asse ' precisame nte, te nho
ex periênci.i e norme . Mais do que isso, era um dos . maiores nomes do çi- €-anti de sempre , o qºu s6 _e13 está vi_vo, mas tambén~u~ar a~s admiradores do
nema mundial. E pena que' h ºe ªJ,U ou a errar a corajos 1· d" u_e o me_s mo Cavai-
Ne m por ter sido vilipendlado, fez-se menos brasileiro. Eu o vi em tradições criadas º~as lS!Orradores não sejam tarr:1bé~ ~f::Sº ~o cinen:i,:i mudo.
Vi e na d e volta de São Paulo, filmando uma obra de Bretch, cercado de ~valcanli é a única figus,quecem as que estão e m vias· : os. Registram <JS
toda a consideração e respeito , ainda assim, morto de saudades do Brasil. çoes . a que, há dez anos para cá le ser elaboradas.
Nem por ter m·erecido de Bertolt Brecht estima e apoio cara admirável Aqui em Inglaterra , , cont nua a criar tradi-
adaptação ci n~matográfica do "Senhor Puntlla e seu chofer Mati" - e Breie~ samente, mas també ,. _e le fez pela arte do som o
e ra ex igente e rigoroso no particular - , nem o aplauso e a admiração dos a nós todos Ele por:1 ,t ao arduamente pela ciência que se faz tão honro-
artistas e técnicos que o cercavam na Wien Films, nem a fraterna solidarie- ção. _As sua; expe ºê s~, a m:sma inquietação o m e que ele nos e nsina
dade de Joris lvens com quem colaborou estreitamente naqueles ar:ios, nada panhaménto so nor~ ~c'.a~ estao e~ via s de lr~nsfor~!~10 amor_ pela inova-
roros, recitativos e o !•lme (diálogo e música) n o m,0!10'lono acom-
disso o distanciava do Brasil , onde, no entanto, o haviam hostilizado e ifll-
pedído seu trabalho . Porque jamais confundiu peq ue nos home n$, fe itos de Un,do e I'
~f
' Cavalcanti trab es,a.
ª 1ª com um gr d
um magnifico rugido de
inveja e ambição, sere~ medíocres que odeiam os verdadeiros cria_dores, cr(litos rn~~:;:~u obr_as que lhe trou::,~m ~ •;e~lizador:s, o G. P. O. filme
co_m · o povo brasile iro . Brasi lei ro manteve-se, portador de nossâs qualidades
de nação, de nossa oriçinalldade cultural - nossa originalidade l!ullu~ I l>r~mefros trabalh::s ~ialmd ente dos pa íses ond~ :~sf nao ª,penas dos bons
pr.,mio do Gove . . r etrás do filme Son ez co n iecer pelos seus
ilumina S\Ja face de criador; es tá presente em toda a sua notável obra ele
cineasta. · ~Valcanu . Por ~~frá~e~ga n: Exposição lnte?na~fo,~t:n que recebeu 0
nra na mesma . ! tr.,s outros (1/mes . e 8 ruxe las, estava
Hoje o cinema brasileiro ganha os mercados d~ mundo e a adm iração 1 b Se a publicid=~pos,~ao, ~sta_va Cavalcanti. qu e obtiveram medalhas d e
dos estrangeiros, alguns nomes repen:utem, .além de nossas fronteiras, são em sim I e nao foi tão vasta
~~a ~quip/ e~~d:~~e grupo de reali:,:a~~~;t 0d~e~a 0 ter sido, a razão
0

jovens mestres que estão na. vang1,1arda da criação cinematográfica: Nelson


Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro, para citai a Íll()le novo E difís .,seus membros -contribuem e. . ., lrabalha como
. cr' neste .caso, , colocar um só m certa medida para
nome no Cllme,, como

253
fo' o de ser responsável
Cavalcantí naquela.equipe a~ínarem os filmes pr~-
oulrora. O papel d!las experiências. Entao, se e~ !aterra, depois de dois

:í~b -
pelas inovaçoes e filmes que tornaram a d g · o de filmes documen- 7,n arte. E, na noite e m que exibiremos o Fcu Mathias Pasc:hal, de Ma rcel
:ográfico . com sua cenografia e que é marco no campo do "décor'' cinc ma-
1L'Herbier,
venie!'tes do 0GP. ,.;,ais célebre no mudndoA1:eft~º ;aç:alcanti. Marcou-os to-
ou tres anos, dadeira presença e •
tários, sentirão ª ver rsonalidade. Cavalcantl de hoje nao Mas comecei falando de Cav. e Brasil, seu país que e le perdeu, mas
dos pela sua grande ~e eu não estou certo que ~ valcanti de ontem. O
que bovaristicamente ama e compree nde, como poucos.
Mas Cav. ainda é a maior figura brasileira no ce nário do cinema mundial.
Seguramente, Sen or: , ·a do cinema que o a conta· no futuro.
tenha feito mais pela ÊH1st~;~gresso do filme sonoro ;;~l~ores sentimentos. Embora o cinema brasileiro, a partir de 1953, tenha obtido alg-uma posição
filme mudo acabou. S ºhor a - expressão de meus no plano
do mundo.inte rnacional, o Cav. é a grande contribuição do Brasil ao cinema
Queira receber, en , N
Sua biografia e bibliografia estão longamente descritas em todas as his-
JOHN GRIERSO tórias e antologias cinematográficas de todos os países. Agora mesmo,
urna das melhores revistas de cinema, o Sight and Sound, publica extenso
trabalho analisando a obra de Cav. nos 16 anos que permaneceu na Ingla-
terra e assinalando sua indiscutível ih1portância.
ALBERTO CAVALCANTI Não caberia relembrar aqui s ua obra, mas poderíamos, somente, evo-
cá-la, n um friso que definiríamos, em sua homenagem, como cenográfico,
ALMEIDA SALLES, critico, e nsaista e escrito r) isto é, eo urna
rência pano unidade
de fundomarcantes.
de uma atividade humana admirável, de uma coe-

( . São Paulo, cidade No cenário da vida de Cav. o vemos um adolescente de 15 anos nos
ber Alberto Cavalcant1, em_ "dade incessante e anos 10, chegando a Friburgo, na Suíça, para estudar numa escola técnica
Grande alegria de ~:ce19S0 a 1954 e onde s~~hi!~1carreira de artista, de arquitetura. Em seguida vem a Genebra, a cidade mais Inte rnacional do
onde ele viveu 4 anos,todas as bases de sua m~av_iamos caracterizar como mundo como destino, sob a égide de Rouss-eau e Romain Rolland e " au des-
excepcional, co~o e~uman~ difícil, o que po eri sus de la melée'' .
realizou, em clima
milagres: Mas em 1917, não terminada ainda a guerra, com o Berta alemão bom.
bardeando a França, na euforia do quase pós-guerra, vêmo-lo fruindo o
1• um curso no Museu de Arte de São Paulo; · I· ambientedados
campos movimentos exaltados de vanguarda, que agitavam todos os
arte.
1) rea 1zou .
, . b sileira de cinema de nível internac1ona •
2) críou a industria ra . Caiçara e Te rra é E nesse momento, havia, em Paris, um homem estranho, lentando um
. filmes
3) produziu dois . d e. boa feitura técnica - cinema literário e requintado, de certa forma nefelibata, no qual a ceno-
grafia tenha um papel preponderante, como no impressionismo ale mão do
Galigari.
Sempre Te rra,· .
1 gável talento de Lima Barreto
h para faze~
riaram con-
4) deu oportunidade ª? ne
documentários - Painel e Santuário, que I e c
Cav. e ntra para a equipe de L' Herbier e fez, em 1923, o cená rio abs-
tr!ltO e geométrico do L'lnhumaine, de l'Herbier, com a colaboração de
dois Importantes ... 0 Cangaceiro; _. .
d rernand Léger e, em 1925, o cenário do Fe u Malhias PaSchal, com ambientes
·ções para a criaçao do . - · o fortemente brasile1ta. v.astos, obra marcante na cenografia da época e o filme mais maduro de
L'Herbier.
1 fl de amb1entaça
S) produziu e dirigiu três ' mes Mulher de Ve rdade;
Simão, o Caolho, O Canto do Mar e • • Mas Cav. efetua, nesse instante, a sua opção decisiva, que marcou sua
. . Filme e Reahdade, . obra e iria ser paradigmática para a evolução do cinema: a descoberta
6) publicou um livro. isa s·o bre a sltuaçao do .amorosa da realidade como signo fundamental da criação cinematográfica.
. . da mais importante pesju · o do seu trabalho. O seu Rlen que les he ures, de 1926, sua primeira importante direção,
7) foi .o • primeiro
que gerou o INC · Idéia - cone usa fria assinalar na "avant garde" fransesa, uma abertura, não crítica, mas
1
cinema bras1 e,ro (fcado na deseritlva fenomenológica do elemento existencial, para o real, como na
. d e quas·e 40 mesma.Clair,
época,
comRuttman
Entr'acteo e fazia,
La To com
ur. o Berlim, Sinfonia da Melrópole e
elo Brasil, depois sa anos ra • . q ue
enumeraçao René

;:~,;~: ~~~~~• 1~~:,~,~p~I~~:•."E


A pas:age~ difi~~tfmente salíenla?a. Só aféº; ~o q ue fe~, tambér.
i~:':':i;
agitou, est,mu o u,. devoção e le é o primeiro
':":i~~"•.,'~~~~•:",:::,
obre
Com esse filme e En Rade (de 27 / 28), Cav. se Impõe como um dos
principais nomes do cine ma francês, no campo da direção técnica, da ceno-
grafia do roteiro e da di reção de atores.
os devotados, cuia . 1 de filmes s " .. -Até o começo dos anos 30, Cav. permanece na França, realizando seus
ultrmos lilrnes mudos, entre os quais o inesquecível La P'Tite Lille de 28.
tgulhohsa~e~~~:e ;"~~u:r~ de vê-lo p~e~~nt,;A~q~:~et~~~,0 Imagem e sorn' Em 1929, seu -fervor, sua capacidade de pesquisa e de renovação o
E o1e, . vinculado à expoSiça dlal
cenografia e cinema, C o promovendo. . inema mun da leva1n a enfrentar o sonoro que nascia, não aceitando-o rotine iramente, mas
q ue este Museu e;ho IA:o~rfa representar a ce~ograf•~~~r,' da históría :rr POndo o uso do som complementar à Imagem, contra o som sincronizado
Ninguém
do que Cav., me
um â~s maiores cenógrafos, senao o
t
\'aí
magem, numa proposta de fusão de fala, música e mito.
então, que a segunda etapa da fabulosa carreira de Cav. se e fetiva :
Inglaterra e une-se a Grierson no G. P. O., o núcleo mais intenso de

255
criação do lilme documentário. Cav. não ama essa classificação que Gri- Humphrey Jennings t
erson exige. Já havia feito Rien que les heures que não era um documen- Ealing Studios ond~ rna-se para Michael Balcon d'
tário. Parece que Cav. desejaria chamar os filmes do G. P. O. de neo-realis'- seu sentido d~s realid:~ passar em revista o espí~it~r~tor da produção nos
O
tas1 antecipando o filão italiano, após 1945. cineastas ingleses d ~s nacionais e sociais. F d~cumentário e 0
Crich!on, Rob ert Ham~ p~~-guerra: Charles· Frendor~ou_l entao os ~rJncipais
E no G. P. O. aplica a sua teoria do som no Pell and Potl, de ·1934 e no os talentos necessário;- à amado ao Brasil em 1949 as, Dearden, Charles
Coai face, de 1935 . uma corrente que dent renovação do cinema br~ f,g~upou em Sã~ Paulo,
Foi então que, para testemunhar o que poderfamos chamar a sua ideo- mas que deu um im ro e~ pouco se opôs aos s eiro~ _Conseguiu criar
logia cinematográfica é que faz um filme antológico (quem na história do pfeto. Por outro fa~ilso,, cuias _conseqüências não i:;onopolios estrangeiros,
cinema para provar suas idéias fez antologia fílmica?), Filme e Realidade reencontrado uma ' b ' e e reaftzou no seu pa · esapareceram por com-
(co m cerca de 60 fragmentos de filmes que ilustraram a teoria do realismo
no cinema).
cJa: O Canto' do Ma~ ra descqnhecida na Europa,s
De volta à E. • . '
n':tªJ
por algum tempo
s e grande import n-
O G. P. O. não lhe interessava mais. Ele era mais importanl~ que ele. uropa d' · · • • _I _I -~ .....
Matti, o único filme 'ue mg,u !1nafmente, o Senhor P
Agora começam a aparecer as razões do seu rompimento com Grlerson, pois adaptação fiel da sua ~b o exigente Bertolt Brecht unli_la e o seu Criado
ra. considerou como uma
Cav. manteve-se sempre discreto.
Vai para o Ealing, em 1941, qu e Michael Balcon dirige. t! uma época
i.·-.:.'.,1r-.- •-Ir' ..
feliz, liberdade e comunhão humanas,
Funde a sua experiência no cinema de registro com a ficção solene,
estimula a criação de novos diretores e fa.z, em 1945, entre outros, um
DEPOIMENTOS SOBRE ALBERTO
CAVALCANTI
filme que chocou as platéias do mundo, o Dead of Night, em português,
GILBERTO FREYRE soe· . 1
Na Solidão da Noite, por ele coordenado e onde o seu "sketch" do ventrí-
loquo ressuscitava, num plano emocional, a eterna luta da criatura contra
' 'º
ogo é escritor
. "Conheci Alberto Cavai~ . . .
o criador. m,11s de uma vez com OI ant, ha anos em · Pari ..
Já evocamos Cav. entre 50 e 54 no Brasil. Este homem está aqui ao te 'ad~irável e mais do (Cavalcantil: Conheci Albe:Ío onde tamb7m estive
nosso lado, jovem, na jovialidade do seu espírito, apesar da idade. Foi-me Monterro, lhe pintava que ele ln1ustíçado no Sra -~ utido o ,guafmen-
dada a alegria de poder falar dele, mesmo insuficientemente, na sua presença. primeiros retratos mo o retrato, . pintando -também o s, ' cente do Rego
sa!°'1os . Tínhamos já ·i~:r;lstas _de brasileiros pot artis1:iu: :,ai~ez os do_is
cr,ador, é um homem susp~er'!l comum. Alberto Cavalcanti'ª~,:irod. Con~er-
iormente culto: inclusive , '1 m . e artista
GEORGES SADOUL, historiador . em etras inglesa ."
C0RRADO TER.li crít' . d . . .
' ,co e cinema
ln: Dicionário dos Cineastas, Págs. 42, 43, 44, "Hoje Cavafcanti . .
perfeitas de criar emo C_?nstró, filmes de ficção ue
lentar e mudar as direçSªº. Q1,1ando se ·está .íica11do pfahrecem máquinas
Cavalcanti, Alberto. Nasceu no Rio de Janeiro, em 6 de fevereiro de ·109~ •~er , Entretanto O per' oes
d - um mo d o como outro q, ver o é pe rm1ss1vel
. .
Não lmpo-rta r~alment;º o ao 9u~f En Rade pertenceu: que~ de rej_uvenes-
Um dos mais importantes cineastas contemporãneõs. O seu legado fel
decisivo para a vanguarda francesa em 1925-30, para o documentário inglês dlzem que Cavalcanti est~e e o tubl1eo e os cineclubes têmm~•,s-_dconvrncente.
em sua força p ét' er o. Em En Rade um . . uv, as e <1gorn
1935-45 e para o renascimen\o do cinema brasileiro 1949-52. Nem sempre da à orlginalída~e•ca deveria ser reconhecida - ªe º"fn~fidade que repous;
teve a oportunidade de dirigir os filmes que queria, mas as obras criadas ' como sabemos, não é " es a ?rça poética soma-
por ele com toda a liberdade, são caracterizadas pela sua sensibilidade, seu . pane per tutti I dentí" -"
sentido das realidades humanas e sociais, o seu requinte plástico, a sua MICHAEL RELPH cenó .
inteligência e o seu amor apaixonado pelo .cinema. Começou CQmo deco• ' ' grafo, depois produtor .
rador para Marcel L' Herbier e imprimiu um estilo novo às concepções de 'Trabalhei com .
ção geral de M' h o rea 1izador durante e de o ·
cenários dos estúdios, utilízando especialmente os "plafo nds' (tetos) .
Tornando-se realizador, e_le foi conscientemente um precursor do rea-
;i!
ãrancte influênci~c
urante estes anos.
~coi", nos "Ealing st.fci.:;?ªe 2.ª Guetra sob a dire-
va canti- desempenhou sobre posso tes_temunhar, a
lismo poético, aliando uma fantasia lírica, uma certa melancolia, à descrição Jransferiu . · a pm d uçao britânica
dos "faubourgs", dos meios populares, dos "ailleurs"·: Rien que les heuret, para a produ - o fantást,co realismo de se
Yvette, En Rade, La P'Tite Lilie, Le Petit Chaperon Rouge, 1926-30. Depois de
um período mau, estabeleceu-se em Londres e tornou-se o principal cola-
ao cln~ma ,bi!::ni~~~ filmes de ·longa me·trag~~ ~~~~~~sdi~lmes documentais
o Fo, na quafidad d um novo aspecto
borador de Grierson, dando novo brilho ao documentarismo, etapa 16glCI
da evolução à qual tinha chegado a vanguarda continental. f: ·nesse Instante rJrodutor- Cavalcan~í e cenógrafo que colaborei' ef .. .
que, para designar o movimento, ele propõe a palavra "neo-realismo". D,. fim a de que ·o fato d . E, rll~ltas vezes, resisti à ' p a pri~erra vez, com
pois de ter, qúer como produtor do CM quer do G. P. O ., descoberto • qua :,eferência e em e u,ma_ filmagem fora do ·estúd~~a pe7'stên~iã, com a
encorajado Len Lye, Pat Jackson. Harry Watt, Basil Wright, Chie~ Fowllli n a eu mesmo chegr: a~ao ao mais lindo cenário ~;~t º,cdaçoes naturais
e, a ser produtor apfiq . ru'. o. Entretanto
' ue, seus ensinamentos. . '
256
251
Hoje em dla parece quase axiomãtico que f-ilmes sejam realizados em
xteriores ou locações naturais e que argumentos e desempenhos dos atore sem
• - fronteiras qu e O ( o rmou Por •
l'arr e Londres, Berlim Vfen; rst~ ele está sempre em
e stejam mais ligados à vida do que à literatura e ao teatro. Foi Cavalcanti
que convenceu disto, há mais de vinte anos atrás, um notável grupo de
Cavalcanti é um h e no Rro. · casa, em Roma,
mais, qu e faz filmes . ornem do século XVIII, d
jovens realizadores e produtores. EI e é o nosso Grimm per ido no XX e, além do
em casa e m todos os I e nosso Liotard e a .
CHARLES FORD, crítico e historia~or
Por iss ugares. ssrm, como eles, se sente
o seu trabalho tem este b 'Ih
Não tenho o prazer de conhecer Alberto Cavalcanti em pes oa mas
~:~~ .ª mesma elegância elas roupa/"qu~ :,s:a clareza, est~ facilidade, esta
sei o que ele significa para a história do cinema. No meu livro sobre este ~ por Isto que veste, dos comodos que ele
assunto ele está mencionado em 25 diferentes página·s . Um artista é um que o produz e cu •o:eu trabalho tem esta unidade
homem, quer diz e r, ele tem de viver e é durante sua carreira forçado a todos os lados e ai~da f:n,5ame;tos. expressa tão be,.;, Pdº:~ue ª sociedade
levar algumas coisas e m consideração. Para fazer justíça à . ua tarefa, de vez lares, em quase todos os nlig!~e;e~,vder em alguns apa~1am1;i,~s m:~a~lgpara
e m quando tem de estar a postos para se sacrificar em algumas circunstân. servar suas tradições n e se encontre uma Ih ' uns
das de natureza comercial, propagandfstica, etc ... 1t · · mu er para pre
s o vai -faze r rir aqueles -
Alberto Cavalca.nti não escapa à regra, mas nós não vamos folar de canti, em Londres na 9ue sabem do papel re res
suas fraquezas, para somente lembrarmos sua grande obra. valcanfi não é o a~l!or J:n~~açal? do documentário so~ial :ntado por Cavai-
Graças a ele o departamento de filmes do G. P. O. foi uma das matrizes e North Sea e •llle Red-Riding Hood . para quem Ca-
mais fé rteis do bom filme documental. O próprio Cavalcanti é respons-Ave l Devemo~ mas srm de · Coai Face
por mais de 20 filmes e deu a primeira chance para, um número considerável cuia da luz?' esquecer o espírito filosófico e que
0
século XVI IJ foi O sé-
de realizadores talentosos. Sob este aspecto ele ocupa uma posição ex tra-
ordinária na história do cinema. HANNS EISLER músico .
Sem ser arrogante de modo nenhum, Alberto Cavalcanti tem a consci- ' e compositor
ê ncia de sua ímportância e ele sabe expressar isto com bom humor. Duran- "Alberto Cavalcanti é u .
te uma conferência de imprensa, no festival de 1949, em Knokke-le-Zoute Ele tem uma visão poética ; grande artista e um realizador de b
(Bélgica), um jornalista perguntou: vilhoso colaborar no filme 'puemt·t charme e espírito como poucos ~~ gosto.
Quem são, na sua opinião, os melhores realizadores do cinema n I a, d e sua autoria." · 01 mara-
inglês?
Sua resposta foi ao mesmo tempo precisa, ambígua e espirituosa: BASIL DEARDEN, diretor
- São três: Carol Reed, David Lean e ... - Ele foi entendido. E ele
tinha razão. "Alberto Cavalcanti e eu f
s:udios'. Ele produziu vários
e e.
fi~:::iss :i;ante muitos anos colegas nos 'Ear
eu encenava e aprend·1 . ing
HENRI LANGLOIS, Diretor da Cinemateca Francesa Creio que se d d. murto com
troduzlu b po e •zer, sem mais dúvid .
"Estrangeiro eterno, Cavalcanti viaja de um lado para outro do Atlân- btitãnico', ~°n,m to~~e c~':1o su a ,e~pecialização doc~s,;,~~t:I fo~ ~: v~1canti que in-
. ' 0 or quanto a nó ' 3 1ismo no fr'ln1e
tico, incapaz de se fixar. . vo u f!car sempre agrade "d s, em Ealing.
Um destino curioso o deste homem de cinema errante, cujo trabalho como realizador durante m e, o pela oportunidade de colabo
abrange os três continentes porque, contrariando todos os livros escol;ires, eus anos de aprendizagem ." ' rar com ele
as ilhas Britânicas são, sozinhas, um continente. JAY LEYDA
Em todos o lugares esta criança adotiva está em casa e tem um
papel essencial, às vezes invisível aos profanos, mas sempre eficiente em
Incitado pela d 1 _
uas repercussões, antes que ele parta novamente até o dia em que, vol• Fr11nça caída u e~ araçao de guerra da ltálla
tando à sua terra natal, ele é tratado como estrangeiro e é forçado a se arma inimig~ c~t:;fls? mordaz, em 1940, foi oc~~:~ ? Grã-Bretanha e a
exilar novamente. ramos filmes en e e mesmo . Alberto Cavalcan .• erro qu apontou a
Onde fica então a pátria deste homem que o Brasil não reccnhece línufs ta") re r genhosos agora con agrado (' • 11, este fé rtil criador de
como um de seus filhos? Como podemos encontrá-la, onde localizá-la? E contra Muss~ :z~u o . Yellow Caeser (O Cesar'n;entor da "cortina" à "con-
como explicar o fato Ele que em qualquer lugar onde o encontremos seu Hlller feito e~n~if mais penetrante e m seus cíeit~arelo), um ataque {/lmico
trabalho é parte da produção nacional, com exceção talvez do Brasill ~a (cuja mão fun~e ate agor~. Da abertura com u~t,~ q~alqu e r retrato ele
E como pode ter tal unidade apesar da diferença de língua, costun,es nal, os primeiros :~e na ~iao .a~ita~a de Mussolini ~ca oi:_ d e re~l~jo de
e hábitos dos lugares onde foram .realizados? Mrlf1ll. (vistos sob ,será~e,s pr,sionelfos ítalianos m açao oratona) ao
. Explicar o trabalho de Cavalcanti pelo Brasil, França ou Inglaterra nlO los?) não er a voz raivosa de Churchi/1) . capturados nu norte da
signifíca nada. Onde estão suas raízes? Onde fica sua terra natal? çiO. ffc1'0 so p de tempo Em cada . es te cu rta-m e tragenl (20 .
noro · imagem cad d Ih mrnu-
Suas raízes não pertencem a uma nação, mas a ,uma forma d e civil_lzdãcff ~Ontrlbu; co~ :o~t·r~ éo autor expressand~·se ªemet~e e, cada corte, ou arti-
lígada a um período em que ainda havia entre as nações uma soc1e 8 verdade es m do espectador) e lo d sprezo (e obviame nte
, a extravagante teatra/idad / eso_n7s to demagogo ltalian
e e Mussolrn1 empresta-lhe tal ~-
can-

259
. n? ein t a nto , realizou-a,
catura. Cavalcant1,_ do ditador provan
d ° ue esta poderia ser
na tela . qEm áslbua manipulação
de família
a propna magem d . até o um
traçada com I t' não deixa pedra sobre pe r\ emente remexidos. Um
irônica, Cava can ' f'I biográfico são alegre e ,vr ado tenor de ópe ra.
introdutório e o per , orno uma ária de um desesper imento d e ir e vir
dis~urso é apresen(ai~je~o elegante no mais _sim pie~~~~ é ,tirado de uma
O autor repele um a valsa vulgar. O máximo pr v. . ar anta colhidas
da câmara comi° nu;e uma rápida tossida para :•mp;\:n~o gde Ónejornal,
cuspidela casua ou 'd d a seleção no arqu vo ri _ d carto la di -
por Caval~anti e~ su~i~i;mªesº~ue Mussolini tanto aprec~~:s~ara a in!elici-
ou da variedade e u · de afetada de um camp a cancatu-
plomática à mom~,"'âf~~~ ~~:~I é um retrato tão cdhoc~~;~ ~ª~0 comentário
dade da câmara. e . O Grande Ditador e 1 . ão não é tão
ra feito por Jack ~ak~:~;dido . Na versão americana,,;;d~rr~~ste "souffl é"
zomba, mas um tan o ima em o único elemento mo trabalho de emergên-
ferina, torna~do-se a eu ~odo demonstra comocum r (O César Amarelo)
satírico. O filme em s bem feito: Yellow aese
eia pode ser soberbame~te -
é uma profecia de compilaçao. FILMOGRAFIA DE ALBERTO CAVALCANTI

Tradução do l ivro Films Beget Films de Jay Leyda. Págs. 54/55.


A presente fllmograíia foi estabelecida tendo como base o trabalho de
Claude Beylie (juntamente com Raymond Chirat, Didier Lemarchand, Chris-
tian Michaud, Jean-Claude Romer) em Ecran de novembro de 1974, n. 30,
assim como o livro de Alex Viany, Introdução ao Cinema Brasileiro, ed.0 Ins-
tituto Nacional do Uvro, 1959, bem como foram utilizadas informações
alualízadas do próprio Alberto Cavalcanti e seu assessor, Adalberl'o Vieira.
Francês por adoção, Alberto de Almeida Cavalcanti, nasceu no Rio de
Janeiro no dia 6 de fevereiro de 1897. Estudou arquitetura na Escola de
Belas-Artes de Genebra, e, em 1920, vem para a França. Começou como
cenógrafo com Marcel l'Herbier, depois trabalhou com Louis Delluc e Jaque
Catelaln antes de assinar seu primeiro filme Le lrain sans yeux, em 1926.
6m 1933 ele se muda para Londres onde veio a ser, ao lado de John Grier-
son, o principal animador da escola documentarista inglesa, fazendo iniciar
eh1 seus trabalhos em cinema, Len Lye, Harry Watt, Humphrey Jennings, etc.
A partir de 1940 vai para os "Eallng Studios" de Michael Balcon. Em ·1949
o ·enconlramos no Brasil como Produtor Geral da Companhia Cinematográ-
fica Vera Cruz S. A. Desiludido com a acolhida que teve, retorn:i à Europa
cm 1955, trabalhando sucessivamente na Áustria, Itália e Inglaterra. Em
t969 e 1971
Televi.são filma .peças televisadas para a ORTF (Organização ele Rádio e
Francesa)

CENOGRAFIA
Na FranÇa:

1922 RESSURRECTION (Marcel L' Herbier)


1924 l ' INHUMAINE (Marcel L'Herbier)
l'INONDATION (Louis Delluc)
lA GALERIE DES MONSTRES (Jaque-Catelain). Além de prime iro
19
assi tente de direção.
25 f EU MATHIAS PASCAL (Marcel L' Herbier)
THE LITTLE PEOPLE (George Pearson), filme Inglês filmado na França.

261
PRODUÇÃO (além da maioria de seus próprios filmes)
COLABORAÇÕES DIVERSAS
Na Inglaterra:
Na França:

1934
S O S RADIO SERVICE (G. p.
c'ALÉNDAR OF THE YEAR (Eve yn
?·)
Spice, G. p. O.)
1928 TIRE AU FLANC (Jean Renoir), colaboração no roteiro.
1931 AU PAYS DU SCALP (Marquis de Wavrin), montagem.
193 5 BOCK BARGAIN (G.P.~~) G P.O.) 1934 VOTRE SOURIRE (Monty Banks), roteiro.
BIG
l3 . B. MONEY
e., THE (Pat
VOICEJac~F BRITAIN (Stuart Legg, G.P.0.) Na Alemanha:

6 RAINBOW DANC E (Len Lye , G · OP ·)O.) h . 19.56 DIE WINDROSE (Yannick Bellon, Wu Kuo-Yin, Gilo Pontecorvo, Alex
193 ROADWAYS (Ralph Elt?n , G . P.r ·watt, G.P.0., além de engen eI- Yiany,. Serge Guerassimov, .direção artística de Joris lvens) Super-
visão
NIGHT MAIL (Basil Wrrght, Har y
ro de sorn). o)
Cavalcanti fez tamb ém algumas " mise en scênes" teatrais na Fran -
THE SAVING OF BILL BLEWITT (Harry Watt, G. p. . ça e na Alemanha, noradamente JULJ E-TrE OU I.A Cll: DES SONGES
1937 MONEY A PICKLE (G.P.0.)
(Georges Neveux), NOCES DE SANG (Federico Garcia Lorca). MON-
SIEUR PUNTILA ET SON YALET MATT1 (Bertolt Brechl), LA NUJT
1938
N OR NW. (Len Lye, G · P · O.)
HAPPY IN THE MORNING (Pat g~ kson.) Alé~ de roteiri- sta. (Jeannine Worms), etc. Durante a Segunda Guerra Mundial participou
de emissões radiofô!)icas pela França livre.
FORTY MILLION PEOPLE (G. p ·oi Além de colaboraçao no roteiro.
NORTH SEA (Harry Watt, ~. p . G. P. O .)
MEN IN DANGER (Pat Jac son, .
THE CITY (Ralph Elton, G. p . O.) . DIREÇÃO
Na França:
1939 SPEAKING FROM AMERIC A (Humphrey
. s G p O) Jennings, G. p . O.)
1926 LE TRAIN SANS YEUX
SPARE TIME (Humphrey Je~~;?J ~nnings, ·e. P. O.)
SPRING OFFENSIVE (Hump
THE FIRST DAYS (G.P.0.) Rot. : Alberto Cavalcanti, baseado em Louis Delluc. Foto: Jimmy
Rogers. Mont.: Alberto Cavalcanti. lnt.: Hans Mlerendorf (o cego),
N 992 (Harry Watt, G . P.0.) Robert Schultz (o vilão), Gina Manês, Georges, Charlia.
1940 ~~~Ag~oTHE LIGHTSHIPS (David McDona ld , Crown Film Unit).
RIEN QUE LES HEURES (Média m,etragem).
YOUNG VETERAN (EalinfoSt~:~~~E (Charles Frend, Ealing Studios),
1941 THE FOREMAN W_ENT Michael Bacon. Prod .: Alberto Cavalcanti. Roteiro : Alberto Cavalcinti. Foto: Jimmy
em colaboraçao com
Rogers. Mús.: Yves de la Casiniêre. Mont. : Albeto Cavalcanti. lnt. :
A (E l'ng
1 Studios) Philippe Héríat (rufião), Blanche Bernis (a prostituta), Glifford M c-
MASTERY OF SE a ·n Studios) . Laglen, Nina Chouvalowa.
1941 GUESTS OF HONOUR (Eal1 g I Crown Film Unit)
MERCHANT SEAMER (J. B. HoF m~s, Ealing Studios), corn a co labora- 1927 EN RADE
THE BIG BLOCADE (Charles ren ,
- de Michael
çao . Balcon.
Prod .: Neo-Films (Pierre Braunbcrger) . Rot.: Alberto Cavalcanli.
Foto: Jimmy Rogers . Cen.: Erik Aaes. Mús. e Mont.: Alberto Ca-
194 3 FIND FIX AND STIKE (Ealing
HOUSE Dearden), em colaboração com Mi•
(BasilStudios) vafcanli . lnt. : Catherine Hesslíng (a empregada), Philippe Hériat
THE HALFWAY
chael Balcon. (o idiota), Nathalie Ussenko (a mãe), George Charfia (o filho ria
lavadeira), e mais Thom y Bourde//e (o e tivado r).

No Brasu: YVETTE

1950 CAIÇARA (Adolfo Celi) l'rod.: Neo-Films (Pierre Braunberger) . Rot. : Alberto Cavalcant/,
1951 TERRA É SEMPRE T ERR A (Tom Payne) baseado em romance de Guy d e Maupassant. Foto: Jimmy Rogers.
PAINEL (Lima Barreto) Cen .: Erik Aaes. Mont.: Alberto Cavalcanti. lnt.: Catherine Hess ling
SANTUÁRIO (Lima Barreto) (Yvette), lca de Lenkeffy (sua mãe), Walter Butler (o jovem aristo-
crata), Thomy Bourdelle, Jean Storm, Pauline Carton, Clifford M c-
1952 VOLTA RE DOND A (John Waterhouse) Laglen, Blance Bernis, Nina Chouvalowa, Simone Narbel1e, Michel
Durand.

263
LA P'TITE LILIE (curta metragem)
LES VACANCES DU DIABLE
Prod.: Neo-Films (Pierre Braunberger), Rot.: Alberto Cavalcanti. Fo-
Prod.: Paramount Rote · b
to: Jimmy Rogers. Cen.: Erik Aaes. Mús.: Yves de la Casiniere (ver-
são muda), Darius Milhaud (versão sonora). Mont.: Alberto Caval- i-11
T d p
1 m.
· iro aseado
ahle. lnt.: Marcelle Chantal T~m
'
Ed
Bmmund Goulding. Foto:
omy ourdelle, Pierre-Richard
canti. lnt.: Catherine Hessling (a jovem), Jean Renoir (o rufião).
1931 DANS UNE ILE PERDUE
LA JALOUSIE DU BARBOUILLÉ (média metragem)
Prod.: Paramount. Rot . G
Prod.: Studio des Ursulines . Rot.: Alberto Cavalcanti, baseado na Josep~ Conrad, Victory: . Fot~~,~~dN;veux, baseado no romance de
peça de Moliere. Foto: Paul Portier. Cen. e Mont.: Alberto Caval- que Rrvero, Marguerite M · h ' .ahle. lnt.: Daniele Parola, Enri-
canti. Cost.: D. Anna Olinda Cavalcanti. lnt.: Michel Duran (Arle- oreno, P ilippe Hériat, Gaston .lacq uet.
quim), Jeanne Helbling, Philippe Hériat, Pasquali, Germaine Michel, 1932 EN LISANT LE JOURNAL
Jean Ayme. (curta metragem)
Prod.: C.U.C. Rot.: René Dorin .
1928 LE CAPITAINE FRACASSE lnt.: René Dorin, Paul Colline.
1932
Prod.: Lutece Films. Rot. : Alberto Cavalcanti, Henri Wulschleger, LE JOUR DU FROTTEUR (curta metragem)
segundo o romance Théophile Gautier. Foto: George Benoit, Paul
Portier. Cen.: Erik Aaes. Mont.: Alberto Cavalcanti. lnt.: Pierre P~olld.: C.U_.C. Rot.: Jean Variot Alb
G 1 es e Julien. e erto Cavalcanti. Mús. e lnt.:
Blanchar (o Capitão Fracasse), Lien Deyers (a jovem loura), Pola
lllery (a cigana), Charles Boyer (o Duque), Daniel Mendaille, Numes,
REVUE MONTREMARTROISE
Marguerite Moreno, Odette Josylla, Marie Théreze Vincent, Vargas, metragem) ou MONTMARTRE QUI TOURNE (curta
Veisa, Gergeron, Quévédo.
Prod. : Marc Gelbart R .
1929 LE PETIT CHAPERON ROUGE (média metragem) Paul Colline, Rivedo~x ~~a A~e~to Ca~a!canti. lnt.: René Dorin,
' n- a1stre, L1d1a, Cloé Vidiane.
Rot., Cen. e Mont.: Alberto Cavalcanti. Mús.: ("La java du loup")
Maurice Jaubert. lnt.: Catherine Hessling (o chapeuzinho vermelho), NOUS NE FERONS JAMIAS DE CiNÉMA (
curta metragem)
Jean Renoir (o lobo), Pola lllery, Pierre Prévert, Odette Talazac, Prod.: Marc Gelbart Rot . R , .
William Aguet (habitantes da aldeia.) Este foi o primeiro filme falado line, Lídia, Aman-M~istre ··R. ende Dorin. lnt.: René Dorin Paul Col-
de Alberto Cavalcanti. ' ive oux, Cloé Vidiane. '

1929 VOUS VERREZ LA SEMAINE PROCHAINE (curta metragem) LE TRUC DU BRESILIEN

Rot. e Mont.: Alberto Cavalcanti. lnt.: Catherine Hessling, Jean Re- Prod.: Films Tenax. Roteiro b
noir. Filmado à margem do precedente (Le petit chaperon rouge), G:orges Benoit. lnt,: Robert ~~~do em Armont e Gerbidon. Foto:
este filme é uma paródia das " bandas" de anúncios publicitários. brrelle), Mauricet (Soubrin) C0 I t~uxD(B/ern_ard)., . Yvonne Garat (Ga-
, e e ar eu, I (N1chette).
1933 LE MARI GARÇON
1930 TOUTE SA VIE
Prod.: Paramount. Foto: Ted Pahle. lnt.: Marcelle Chantal, Fer- Pro~.: C. U. C. Roteiro baseado em Armont
nand Fabre, Pierre-Richard Willm . Versão francesa do filme ame- Cheirei, Jean Debucourt, Mauricet, Yvonne ~a~:;bidon. lnt. : Jeanne
ricano, Sarah and son, de Th. Shea.
CORALIE ET CIE
A CANÇÃO DO BERÇO Prod.: Jacques Haik Rot . AÍb
Versão portuguesa de Toute sa vie. Prod.: Paramount. Foto: Y:ed Albin Valabregue e Maurl~e He erto <;avalcanli, baseado na peca de
Pahle. lnt.: Corina Freire, Raul de Carvalho, Esther Leão, Ale)(andre d'Eaubonne. lnt.: Josette D nnequin. Foto: L. H. Burel. Cen.:" Jean
Helbling (Clémence) Franç1::.s (Lu~u), Rob ert Burnier {E tienne) Jeanne
Azevedo, Alves da Costa, Fernanda de Souza, Antônio Sacramento.
/~e. Loiseau), Danie'I Lecour~o~s
•ng, Nina Myral .
(r::v (MmOe,f Coralie), Pierr~ Bertin
ques u aurel), Catherine He 5 _
A MI-CHEMIN OU CIEL
Prod.: Paramount. Roteiro baseado no romance de H. L. Gal~ PLAISIRS DEFENDUS (curta metragem)
Foto: Ted Pahle. lnt. : Enrique Rivero, Janine Merrey, Thomy BoU
Rot.: Alberto Cavalcanti Fo .
delle . Marguerite Cavadaski A.m t~ _Ted Pa~I~. lnt.: Germaine Sablon,
, an- a1stre, William Aguet.

265
1933 TOUR DE CHANT (curta metragem)
MIDSUMMER DAY'S WORK (curta metragem)
Rot.: Alberto Cavalcanti. Foto: Egbers. lnt.·. Gilles e Julien, Margue-
rite Cavadaski. Prod.: G.P.O. Rot.: Alberto Cavalcanti. Foto: Gamage. Som: Ken
Cameron. Mús.: Edvard Gríeg. Mont. : Alberto Cavalcanti .
POUR UN PIANO (curta metragem)
1941
YELLOW CAESAR (curta metragem)
Rot.: Alberto Cavalcanti. lnt.: Gilles e Julien. Inacabado.
Prod.: Ealing Studios. Rot.: Frank Launder, Michael Foot. Imagens:
Na Inglaterra: Material
Mussolini.de atualidades (trucado). Interpretação: (involuntária) Benito
1934 PETT AND POTT (média metragem) M, . 1939/
. Foto · James Rogers.
Prod . G P. O. Rot.: Alberto Ccavallcant'.,'·1nt. us .. 1942
Valeska Gert (a criada), FILM ANO REALITY
·· · Alb to ava can • ·· . d )
Walter Leigh. Mont.: er h Jennings (um convida o.
Basil Wright (o pastor), Hump rey
Filme de montagem realizado a pedido da Cinernateci! da Grã-
NEW RATES (curta metragem) Bretanha sobre a história do documentário até o tempo da guerra.
Numerosos extratos de filmes produzidos para o G. P. O. ·
Prod.: G.P.O.
Na SuíÇa:
1936 COA L FACE (curta metragem)
1942 ALICE IN SWITZERLAND (média metragem)
, . W · H · AuCd en, Montaga Slater. · Foto:
p ro d. G. p .O. Comentarias: alcanti. Mús.: BenJam1m·
··. d ar uivos. S0•1: Alberto av Prod.: Association des lntérêts de Lau sa nne (Emmanuel Fa 'illetag>.
Material
Britten e
. Mont.: qw·ii
1 ·iam Coldstream. Rot.: Daniel Simon, Emmanuel Failletag. Foto: Georges Alexath (em
cores). Mús.: Jean Binet. Mont.: R. Q. McNaughton. lnt.: Simone
1937 TO TCHERVA HUT (curta metragem) Moéri, Çyril Chessex, André Manera, j ean- Pjerre Suter. Primeiro filme
em cores de Alberto Cavalcanl'i .
LINE - m o Governo Suíço. Rot.: e Mont.:
Prod.: G. p .O., em colaboraçao T~o lor Mús.: Benjamin Britten .
Alberto Cavalcanti. Foto: John y . Na Inglaterra:
Wo WORLDS (curta metragem)
WE LIVE IN T , . J B 1942 TROIS CHANTS POUR LA FRANCE (curta metragem)
d G P O em colaboraçao •_ Governo Su1ço. Rol.· · ·
Pro . : · · ., Múscom o .
• Maunce Jaubert Mont. : R. Q.
Filme realizado para o Q. G. do General de Gaulle. Os três cantos
Priestley. Foto: John Tay 1or. ..
McNaughton. são: "Paris", "La Marseillaise'' e "Le Chant des Partisans".

WHO WRITES To SWITZF.RLAND (curta metragem), WEN THE DAY WELL?


Prod .: G. P. O., em colaboraçao _ com o Governo Su1ço. Rot.: Alberto
Prod. : Ealing Studios (Michael Balcon). Rot.: John Dighton, Diana
Cava 1can t.•'· Foto·· John Taylor . Morgan, Angus McPhail, ba seado ern uma história de Graham
Greene. Foto: Wilkie Cooper. Cen.: Tom Morahan. Som: Eric
1937 GENEVE (curta metragem)
Williams. Mús. : William Walton. Mont. : Sidney Cole. lnt. : Leslie
MESSAGE FROM Suíço. Rol.: Alberto
Pro d ... G . P. O. ' em colaboração com o Governo Banks (Oliver Winsford), Basil S\'dney (Ortler), Frank Lawton (Tom
T 1
Cavalcanti. Foto: John ay or. Sturry), Elizabeth Allen (Peggy), Valerei Taylor (Nora Ashton), M er-
vyn Johns (Síms), Marie Lohr (Mrs. Frazer), C. V. France (o pastor),
FOUR BARRIERS (curta metragem) . Rot. Alberlo Edward Rigby (o caçador), David Farrar (Jung), Muriel George (Mrs.
Collins), Harry Fowler (George Truscott), Thora Hlrd (a jovem na
Prod.: G. p. o., em colaboração com 0 Governo Su1ço. ··
charneca), John Slater, Johnny Scofield, Eric Micklewood, Palrlci a
Cavalcanti. Foto: John Taylor . Hays, Norman Pierce .

19
1939 MEN OF THE ALPS (curta metragem) , r t . John 43 WA TERTIGHT
Prod .: G. p. O., em colaboração com 0 Governo Su,ço. 0 0·
Taylor . Prod.: Ealing Studios, Royal Navy (Michael Balcon) . Rot.: Alberto
Cavalcanti . Foto: Gordon Dines. Filme de instrução militar.

26(,
267
1947 THE FIRST GENTLEMAN
1944 CHAMPAGNE CHARLIE
Prod. : Ealing Studios (Michael Balcon). Rol. : Austin Melíord, .John P~od_. : Columbia Uos Friedma .
Dighton, Angus McPhail. Foto: Wilkie Cooper. Cen. : M ichael Relph . Hild1ard. Som: Tom M ~). Rot. : Reginald Lon F 1:
Figurinos: Pr. Ernest Stern. Som: A. D. Valentine. Mús. e letras: Una S~unders: fnl.: Jean-Pi!i,:sA;::5- : Len~ox_ Berkeley. Mtnt.~~:arl:~k ,,
I'

Bart, Lord Berners, Noel Gay, T. E. B. Clarke, Frank Eyton, Billy Mayerl. k1ns (Princesa Charlotte) Cec'I ~n\ (Princ1pe Leopoldo) Joan Hgo Y ,''/
.. .
Mont. : Charles Hasse. lnt. : Tommy Trinder (George Leybourne),
Stanley. Holloway (Alíred Vance), Belty Warren (Bessie Bellwood),
tq~~ re
Sc(~t (Lady Hertford), Ja~k L~:0 : ; (~ Príncipé rege'nte), Marg~~
r. Brougham) Athen S Y o 0 uque de l<ent) Rona!d
'1, -
,,,, .
.'( .

Jean Kent (D.o lly Bellwood), Austin Travor (Duke), Guy Middleton ~:rn (Si~ Richard Croft): Hugh ~ri~l~~r ( (~~s Kndight), :"ntho~y Haw-
(Tipsy Swell), Frederick Piper (Learoyd), Harry Fowler (Orace), Peter z . r. Stocman), George Curzon o ispo e Sahsbury) Gerald
de Greef (Lord Petersfield), Robert Windham (Duckworth), Anclrea ~l~y-Wright (a princesa Elizabeth) T . (o GDuque de York), Betty Hun-
Malandrinos (Gatti), Paul Bonifas, Eddle Phillips, Eric Bonn, Norman erwood (Princesa Augusta) F~ om Ili . (Príncipe William), Lydia
Pierce, Leslie Clarke. Amy Frank (a princesa Caroli~e) nces Warmg ~a rainha Charlotte),

1945 DEAD OF NIGHT (Na Solidão da Noite) ~~ls~eJ~ji~iyN:f~~~o~~,:;:~~s~J~~~~ir~~~gé1:~~~ar~ll~;t !~.e,


ammon~, Beatnce Rowe .
D~~~:~~
Prod.: Ealing Studios (Michael Balcon). Rot. : John Bayne, Angus Mc-
Phail. Foto: Jack Parker, H. Julius. Mús.: Georges Auric. Mont. : Char- 1948 FOR THEM THAT TRESPASS .
les Hasse. O filme foi dirigido juntamente com Robert Hamer, Basil
Dearden, Charles Crichton e Alberto Cavalcanti, que dirigiu o último Prod.: Associated Brit' h , ·
Thompson, de uma n'iver:,c~~re;r~Vi_ctor Skutezky)'. Rot.": Jack Lee-
episódio (O Venlriloquo), interpretado por Michael Redgrave (Max-
well Frefe), Hartley Power (Sylvester Kee), Elis;lbeth Welch (Beulah), ~lamsd. Cen .: Peter Proud. Mús . e;~·1faymond. Foto : Derick Wil -
aun ers. lnt.: Stephen Murra .. , i ipp Creem Mont Mar e
1 Magda Kun (Mitzi), Garry Marsh (Harry Parker) e supervisionou a
(Rosie), Richard Todd (Herb ro(Chnstopher Drew), Patrici~ Plunte~
realização dos outros episódios além de ter dirigido mais um. Outros chael Laurence Uim Heal) J g~n), Rosafyn Boolter (Frankie)' MI
intérpretes: Mervyn Johns, Roland Culver, Anthony Berger, Frederlck
1 (Mr. Drew), He/en Cherry' (~=n owling (~racie), Fred~rick L~iste;
Walk, Georgie Wllhers, Ralph Michael, Johnry Magulre, Esme Percy,
:1' vens), Vida Hope (Olive ·Mocks;;') D~ew),. M_ich_ael Medwin (Len Ste-
(t Míles Maleson, Mary Merrall, Sally Ann Howes, Robert Wyndham,
(Mr~. Sams), James Hayter (Jo· kn' arry Fowler (Dave), Irene Handl
Barbara Leake, Allan Leayes. lentin Dyall (Sir Archibald) Hc o), Geor~~ Curzon (Clark Hall) Va-
1 1~- 1946 THE LIFE ANO ADVENTURES OF NICHOLAS NICKLEBY
Robert Harris, George Hay~s rcourt WIiiiams (o juiz), John S~lew
Lexy, Mike Brennan. ' ynasto~ -~eeves, lan Fleming, Edward
l 1 1.
Prod.: Ealing Studios (Michael Balcon). Rot: . John Dighton, tirado
do romance de Charles Dickens. Foto: Gordon Oines. Cen.: Michael . No Bra~il:
Relph . Fig.: Marion Horn. Som: Stephen Dalby. Mús.: Lord Berners.
Mont.: Leslie A. Norman. lnt.: Cedrick Hardwicke (Ralph Nicldeby.)., 1952 SIMAO, O CAOLH.O
Derek Bond (Nicholas Nickleby), Stanley Holloway. (Vincenl C_rumm-
les), Cyril Fletcher (Alfred Mantalinl), Alfrecl Drayton (Wackford Prod.: Maristela (Alfredo P; laci ., ,
Wqueers), Bernard Miles (Newman Noggs), Sally Ann Howes (Kate ;n!nto: ~!rºll' Silveira e Oswa1Si\tw·= Alberto Cavalcanti. ArlJu-
Nickleby), Mary Merrall (Mrs. Nickleby), Wybil Thorndike (Mrs-. ~~o Coutinho. Foto: Ferenc .F k o , es,. ba~eado no livro de Ga-
S9ueers),, Vera Pearce (Mrs. Crummles) 11 Cathellen Nesbilt (Mlss crsco Baldulno. Mús.: Souza Li~aete. Cen : Rica reto . Sievers e Fran-
Knagg), Athene Seyler (Miss La Creevy), Cecil Ramage (Sir Mulberr~ Olenewa. Coord.: José Caíiizar . Som: Jacques Lesgards e Tomm
Hawke), George Relph (Mr. Bray), Vida Hope, Roy Hermi1age, Una Carlos Araujo, Sônia Coelh ~- lnt:: Mesquitinha, Raquel Martin Y
Bart, Aubrey Woods, Patricia Hayer, Fay Compton, Dusilla Wllls, José Pozzoli, Juvenal da Sita . aurlc10 de Barros, Cláudio Barsott(
Jill Balcon, James Hayter, Michael Shepley, Lawrence Hanray, Arthur
Brander, Bateson, Frederick Burtwell, Elliot Makeha m, )une Elvin, 1953/
John Salew, EmrYs Jones, Roddy Hughes. 1954 O CANTO DO MAR

1946/ Prod.: Kino Filmes (Alberto


1947 THEY MADE ME A FUGITIVE valca~ti. Rot.: Alber.to Cavalca~~(~can~). Argumento de Alberto Ca-
Prod.: Gloria Films Ltd. (N. Bronesten). Rol.: Noel Langley, de um -~er!l'ilo B_orba Filho. Foto: Cyril A(oseffMauro de_ Vasconcelos. Diál.:
romance de Jackson Dudd, A conviei has escaped . Foto : Oito Hei• uerra Peixe. Som. Hilá . M . apo . Cen. : Ricardo Siever M . .
Dir • J é d · rio arcelmo Coord . J é · us..
ler. Som: Burgess. Mús.: Marlus François Gaillard. lnt.: Sally {Jrav 1 t ·: os e Sousa Alencar, Bartolo . A .. os Cai'iizares. Ass ist.
(Sally), Trevor Howard (Clem Morgan), Griffith Jone (Narcey). René n ... :4-urora Duarte, Cacilda lan meu n,drade, Adalberto Vieira
Ray (Cora), Mary Merrall (Aggie), Vida Hope (Mrs. Fenshawe), g\1beira, Ruy Saraiva, Alberto Vil~:a, M~~rgarida Cardoso, Alfredo d~
Ballard Berkeley (o inspetor Rockliffe), Phyllis Robins (Olga)1 Eve e ora Borba, Maria d C , riam Nunes, Glauce Bandei
Ashley (Ellen), Charles Farrell (Curley), Jack McNaughton (Soapy). Martinelfi, Ernani Dantat armo Xavier, Fernando Becker,- Anto~~

269
Na França:
1954 M ULHER DE VERDADE Alberto Caval-
li 1966/
Pro d.: Kino Fil_mes CA:lbe~to Cavalcanti). Argum ento:
e Oswaldo Moles. Foto: Edgar Bras .
M I Silveira lnt.: lnezita Bar- 1967 AINSI PARLAIT THEODOR HERZL (média metragem)
canti. Rot.:. ,roe . Coord.: José Caííi~reB~rbosa, Carla Nel!,
Cen.: Francisco Baldu~~º-uel Martins, Adonira
roso, Colé Santana, Wq derley Caco Velho. Filme realizado em três versões: israelense, inglesa e francesa. O co-
Carlos Ara.u jo, Valdo an , mentário em inglês é lido por Leo Genn e o comentário em francês
é lido por Yves Robert.

Na Auslria: 1969 LES EMPAILLÉES (Televisão)


1955 IN KNECHT MATTI
HERR PUNTILA UND SE 1 . t' Vladimir Pozner, Rulh Comédia de Jeanini Worms. Cen.: (e figurinos) Jean-Denis Malclês.
.1 Rot. Alberto Cav;i can ,, rtuguê s· Senhor Mús.: Huberl Dejex. lnt.: os Frêres Jacques (os em palhados), Dora
F~tf~ ~:~t
Prod.: Bauer F, m. ·; de Bertolt Brecht (em po h Hãmm erer
Wieden, tirado.~~
Puntila e seu cria
:;ui).
Diál.: Peter Loos..
(Agfacolor). Cen .. Lr
Hans Zehe:
.' E lmann
Doll (a diretora da agência), Denise Gence, Denise Benoit, Ginette
Lecclerc (as clientes), Philippe Ogouz (Hector), Cécile Vassor (Del-
phine). Foi ao ar no dia 23 ele março de 1969 (no 2. 0 cana l).
Viktor ~or~ler, :n~d;~l:r~clnt.: Curt Bois _(Punti~~k:~~7~ ;f:y, Do-
tner. Mus .. _Ha Edith Prager, lnge Le1tner, 0 1970
(Mattí), Mana ~md~' lrrall Erland Erlandsen. LA VISITE DE LA VIELLE DAME (Televisão)
rothea Neíf, Frie '
Tragédia moderna de Friedrich DÜrrenmatt. Adaptação de: J.-P. Por-
Na Romênia: re!. lnt.: Mary Marquet (Clara), Pierre Asso (Boby, o criado), Jean
Tissier (Koby), Paul Demange (Loby), Sacha Briquet (o marido), Pier-
1957 re Duncan (Roby), Jacques Andriol (Toby), Maríe Lavolfé (a criada),
LE CHATEAU DES CARPATHES . . do do romance de Jules Louis Arbe sier (Alfred Ili), Fanny Robiane (sua mulher, Matilde),
Rot.: Titus Popviu, Al~~~o ~~vtl1~f;'_~d!': Filmagens interrompidas. Albert Medina (o prefeito), Odette Laure (sua mulher, Anette), Pier-
Verne e de temas de V1 ,ers re Habet (o Reitor), Gérard Buhr (o pastor), Pierre Garin (o policial
auxiliar), Gérard Ortega (o pintor), Jean Marconi (o m édico), J an
Na Itália: Barney (Karl), Colette Ripert (Ottilie), Michel Duplaix (Helmesber-
ger), Yves Eliot (Hofbauer), léon Lesacq (o contínuo), Jacques legN
1958 (o locutor), Arma11d Badel (o chefe do trem), Clément Balram (o
LES NOCES VENITIE_ NNES d . p et Luciano Vincenzani, chefe do trem), Clément Bairam (o chefe da estação), Suzanne Pe-
Prod . Cinetel-Era. Rot.: Cllaudde ;bnel r~er~ant, Les noces venlltien- rel (a segunda mulher). Foi levado ao ar no dia 5 de janeiro de
.· tirado da nove a e ) Cen . René Mou aert. 1971 (no 2. 0 canal).
Jean Ferry, . , d' Venanzo (em cores .. , .. Martin El~a
nes Foto: G1anm '. M rizio Luc1d1, Yvonne ,
Mú~. Cario Rustichellt. Mont.b 1t)
Vittorio de Sica (Alfredo), Lon-
1975 LE VOYACEUR OU SILENCE
Arat; lnt.: Martine ~arol {ls~,e~ (: mulher de Soso), Jacques i.ern:.s
8
z( ·,egble)· r ~~l~?~p;ia~ti~=u~e~~~r~r<MJ), <;= 1auHd~ant
o ' . .... . mo Furta 11
ar i a
C~~~f:~\e~~~, a:rg~u~
'
Prod. : ORTF - FR.3 (ORGANIZATION RADIO ET TÉLEVISION FRAN-
ÇAISE). Rot.: Suzanne Perel. l11t.: Christien Allers. Este filme foi ro-
André Vers1m, G~a~o e Mari~ Cianfanelll. dado em cores para se·r emitido pela televisão francesa.
Juslin, Ivan Domin1qu • .
No Brasil:
Na Inglaterra:
1976 UM HOMEM E O CINEMA
1960 THE MONSTER OF HIGHGATE Films Ltd. (John Halas). Rot.:
Prod.: EMBRAFILME S.A. - Empresa Bra ileira de Filmes S. A. Prod.
Prod . Halas and Batchelor Carto~n North Som: Dudley Plumm~r: Exec.: Jom Tob -Azulay (A & B Produções Cinematográficas J.tda.).
M .. Cathc_art Borer. Foto: Fran b t Hiil lnt.: Rachael Clay, v·n-' Ass ist. Prod.: Ney Casta Santos. Assist. Dir.: Jonas Breitman. Arte
ary h, . Mont . Ro er . . k p· er Roy f
Mús.: Fraricis C agrin. R .. ld Howard, Fredenc ip ' las Ro·
chael Wade, Terry Raven,
cen te , M ichael Balfour, Bery
º7ª
Cooke Philip Latham, Doug
,
Cletreiros e cartazes): Daniel Azulay. Assessores: Adalberto Vieira
(Rio), Sld Cole (Londres), Jean-Jacques Méhu (Paris). Mantagem: Ge-
raldo Veloso.
binson .
O íílme consta de uma coletân ea de seus filmes divididos em capí-
tulos por. assu11to. De~erá ser dividido em duas partes. Encontra-se
19 em finalização, neste momento.
62 · YERMA Lorca. lnt.: (pre-
Rot.: Alberto Cavalcanti,~tirado jª
peça de· Garcia
vista) Ana Esmeralda. Nao roda o.

270 271
SUMARIO
PROJETOS

Entre alguns dos projetos já ·realizados de Alberto Cavalcanti, podemos


Prefácio à 3.ª edição _ L . Pág.
citar : , . , eandro Tocàntins
Prefacio a 2 a edição .... · .. · .. · · • 9
EL MANTON · - 8 enedito Duarte ·
WHERE LOVE IS GOD IS, baseado ·em Leon Tolstoi Introdução . . . . . · · · · · · · · · · · ••. 27
LES TRAVAILLEURS DE. LA MER, baseado em Victor Hugo .. ......... . ...... .... - ..... 31
HOW ARE THEY AT HOME?, tirado de uma idéia de J. 8. Priestley
Cap.
SPARKENBROKE, do romance de Charles Morgan
TIRO E QUEDA, em colabbr'ação com Ledo Ivo, 1- FILME E REALIDADE
AURELIEN, do romance de Louis Aragon 1. O · Filme Silencio~~ ..... · · · · · · · · · · · · · · · · · · 35
Cavalcanti é ainda autor de um livro, Filme e Realidade que já teve
..... ... 37
li. O Filme Sonoro ···············
duas edições (uma pela Livraria Martins Editora, é a segunda pela Livraria ......... . . . . . . . . . . ...... .
Editora da Casa do Estudant~ do Brasil),, . sendo .a presente ediçã.o,. sua ter~ 41
ceira. Já foi objeto de um trabal,ho sopre . sua obra de autoria de Wolfgang
Klaue denominado: Alberto Cavalcantl, edição da Staatlichen Filmarchiv li - PANORAMA DO CINEMA BRASILEIRO ,
des D . D. R., de Berlim (ü°riental), em 1962', cuja edição é acompanhada
45
1. O Cinema Comercial . . . . .....
de vários depoimentos sobre Cavaléantí e que estamos ·anexando a esta . ...... . 47
edição. 11 · O Cinema Oficial
... ... . . . . . . . .· .· ......
······
Além dos trabalhos acima relacionados Alberto Cavalcanti dirigiu em .. .. 53
teatro algumas peças teatrais em vários países (Fuent~ de Juna de Lope de
Vega, encenado no Teatro Municipal de Haifa, Israel, . em 1967; la null, Ili - O FILME DOCUMENTARIO
de Jeanine W(!rms, em Paris, em 1970; Bodas de Sii!ngue éle Federico Gar• 1. Considerações Gerais . . . . ........... . . 61
eia Luca, encenada em Barcelona, com Mariza Caballero, ecn 1968).
eavalcanti .tta'balha, neste 'rfiomento, ativamente na fel tura de rotel,ro 63
sobre a vida e o proées s'ó que envolveu o autor teatral brasilei'ro/portugul!s 11 · A Contribuição Britân· · ·· ·· ·· ··· ··· · · · · ··
. 1ca ...
Antonio José da Silva, que culmlnol.Í em sua morte pela fogueira por deter•
• • • • • • • • • • • 1' ••••
68
minação da Santa Inquisição portuguesa. O projeto deverá ser realizado no IV - POSTOS-CHAVES
próximo ano e deverá se chamà,r O processo de Antonio josé. NO FILME DE FICÇÃO . . . .. 83
Além do trabalho acima, dá os retoqués finais em 'um livro de mem6- 1. O Produtor
rias que pretende publicar brevemente · (temos, nesta edição, um pequeno ' ...... . . . . . . . . . . .. .. .. . ... · ·
85
trecho desta Memórias, trata-se do artigo "As relações de Alberto cavalea"tl li. O Diretor . ... ... . .. .
com Bertolt Brecht"). 91

2i2
Pág.
Cap.
O ARGUMENTO ........... ......... ...... ...
101
V -
1. O Roteiro Técnico ... . . ......... . ....... . 103

li. Adaptações ........ ............ .. ....... . 108

VI - A FUNÇÃO DO "DÊCOR" ..... . . . ......... .. . 115

1. O Cenógrafo ..... .. . . .. . ' .. ....... . .. . . .


' 117

li. O Ambiente . . .. . . . . .................. . .. . 127

VII - O SOM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113


1. A Palavra ... .. ··: ·........... ... . . . . . . . . . . . . 135
li. A Música e os Ruídos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

VIII O ATOR ... . . ... . .. .. ...... . .-.... ·' "' ... ... .. . ..
o .•
157
1. Dois Pontos de Vista . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . 159
-· .
li. O Intérprete ........... : . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

IX - A COR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 173


1. A Nova Etapa . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . 175
li. O Desenho Ani~ado e o Filme Experimental . . 182

X - A POESIA NO CINEMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193


1. A Comédia ........ .. . .. ...... ., .· . . . . . . ... . 19S
li. O Drama de Jean Vigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201

XI - O VALOR SOCIAL DO CINEMA . . . . . . . . . . . . . . 209


1. O Filme e o Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
li. Balanço Final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

Documentário ...... ..... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225


1
Filmografia de Cavalcanti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
a
Esle lh•to Foi com
1
~OtA ARTENofr~"; impr:uo nu oíkinos da EDI
• • o, 1774 - Rio do J~n .. - ua Proíeiro Olímpio d.
º" º - RJ - 1976 •
nadas em Went lhe Day Well, ba-
seado em um conto de Grz:ham
Grec ne, que Cavalcanti dirigiu em
·1943. Ainda na década de 40, e no
terreno da pura ficção, dirigiu The
Life and Times of Nicnolas Nidceby,
extraído do romance de Charles Dic-
kcns e receb:do pela crítica euro-
péia como a m2is fiel interpretação
do mundo que Dickens concebeu.
Alinhado entre as maiores perso-
nalidades da história do cinema, Al-
berto Cavalcanti possui, antes de tu-
do, uma vasta e riquíssima obra que
o mundo inteiro reverencia há m ais
de 50 anos. Desde o célebre do-
cumentário Rien que fes Heures (fil-
mado na França, em 1926), sua obra
abrange algumas realizações admirá-
veis como Sc111hor Puntilla e seu Cri-
ado Matti, de Bertolt Brecht (filmado
na Ãustria), As Bodas Venez:anas (em
que dirigiu Vittorio De Sica, na Itá-
lia) , A Visita da Velha Senhora (adap-
tado para a televisão na França) e a
direção da peça Bodas de Sangue,
de Garcia Lorczi, nzi Espanha.
Este livro é uma resultante da
vida e da obra de Alberto Cavalcanti
e contém um2 grande soma de ensi-
namentos, uma fantástica lição de ci-
... nema. Simples, humano e objetivo,
como as boas lições e o bom cinema
devem ser.

ALVARO PACl-:ECO - Editor


A lberto Cavalca n ti em 1976

29 312SU
BR bb12 J ,..
08/0B 31150-27 UR iü1

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