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Bibliografia 226
Exposições 243
LONGOS DIAS TÊM CEM ANOS.
JOSEFA DE ÓBIDOS E O «BARROCO PORTUGUÊS»
Longos dias têm cem anos, afirmaria Agustina e a centralização crescente de Madrid, um dessora-
Bessa-Luís no inspirado título de um dos seus livros mento da energia vital, a um tempo por perda e mi-
de contumaz introspeção, citando um velho adágio. gração de elites. No reino, empobrecido, preso agora
De facto, há séculos onde, como na vida, o turbilhão à crise estrutural do próprio império Habsburgo, em
cerrado dos sucessos parece conduzi-los rapidamen- cujas margens verdadeiramente se situa, e sofrendo
te ao seu final (ao século novo): como o xviii, o xix, os efeitos, por apetências de controlo, da hipertro-
o xx... E séculos onde, ao invés, o tempo quase estag- fia do aparelho disciplinar eclesiástico — que lhe
na, os anos se adicionam, na aparência, devagar, na sairá cara em sequelas culturais — cava-se um des-
sucessão dos dias que se arrastam sem terem novida- conforto fundo com o quadro jurídico-político da
de que contar. Séculos efervescentes e séculos planos Monarquia Dual. No plano estético, sem encomen-
— mesmo que belicosos. Séculos velozes e séculos da nem artistas, estiola a inovação e o tempo parece
lentos, de longos dias. congelar.
Foi assim, em amplo sentido, o século xvii em Reconquistada a autonomia, a conjuntura não
Portugal: depressivo, técnica e metaforicamente. melhoraria. Trinta anos de guerra hão de seguir-se,
Aninhado na penumbra da História, como área de até que a paz e o reconhecimento externo permitam
baixio entre outras luminosas, que avultam antes e enfim lançar as bases de uma recuperação, necessa-
após e o balizam. Nem o facto maior da retoma da riamente paulatina e lenta. Trinta anos de absoluta
independência lograria remi-lo na memória, preso exaustão, nos quais se hipoteca, em luta diuturna de
entre as dobras do nacionalismo e do decadentismo sobrevivência, a totalidade dos recursos: económi-
doutrinal. Século desde logo ibérico no plano cultu- cos, militares, diplomáticos, políticos, intelectuais.
ral, no quadro de um processo que vinha já de trás e Trinta anos, de resto, de abandono espiritual, num
havia conduzido à união dinástica de 1580, com ela país católico, quase órfão de pastores1. Trinta anos
se reforçando mais uma noção global, que domina o (por isso mesmo) de batalhas doutrinárias, teológicas,
tempo, de constituir-se na Europa um bloco à parte, duplicando, em compita de observância, a própria
com outro norte e outros ritmos, porém aqui em guerra feita no terreno, mais radicando, por essa via,
registo periférico contra um Siglo de Oro que só de o poder normativo eclesiástico e o império omní-
1
Cfr. Torgal, 1981-82, vol. i, pp. longe ecoaria. Da centúria finda ficaria vivo o trágico modo do religioso sobre o social. Como se o tempo
154, 216-217, 268-269, 279-283. rescaldo de Alcácer Quibir, acelerando-se, entre este persistisse em não passar.
6
Pereira, 1989, p. 69.
7
Barghahn, 1997, pp. 63-69.
8
Serrão, Ob. Cit., p. 14.
Existe um «barroco português» — singular retrataria a sociedade lusa dos anos da Restauração,
e específico no quadro global dessa corrente cultu- e o que se lhe seguiu, correspondente ao último terço
ral e estética (a primeira de escala verdadeiramente do século xvii, onde, em apetências já de internacio-
global)? De que falamos quando a ele nos referimos? nalização fomentada pela elite estrangeirada e pela
Em que circunstâncias se gerou? Que meios usou para superação da longa crise conjuntural que se segui-
expressar-se? A que desígnios respondeu? Todo um ra à recuperação da autonomia, o panorama seria
amplo conjunto de questões, porém fundamentais dominado pela grande produção de Bento Coelho
para a integração crítica da obra pictórica de Josefa de da Silveira (1617-1708) em ambiciosas composições
Óbidos, tendo em conta o facto incontroverso de ter de história sacra que renovavam e atualizavam os
sido percecionada ainda em vida (e em consequência interiores eclesiásticos — desta feita na periferia
celebrada) como um dos artistas que melhor soube de Rubens... No cadinho central, dos anos 50 a 80,
responder às apetências representativas e imagéticas Josefa aparece, pois, sem rival, num quadro onde, es-
da sociedade contemporânea (que era a do Portugal sencialmente, perpassa apenas, quase fantasmático,
barroco), nisso alicerçando uma estima e fama que, o vulto discreto de Marcos da Cruz (?-1683). E, mal-
quase sem quebras, iria acompanhá-la até aos nossos grado a sua implantação quase rural — pintando «em
dias. Dito de outro modo, a sociedade barroca por- Óbidos» — e a evidente necessidade de enquadrar a
tuguesa encontraria no imaginário desenvolvido e sua produção no confronto com a pintura ibérica que
cultivado por Josefa um quadro representativo e esté- a antecedeu, logrou criar uma expressão outra, que a
tico no qual se comprazia e reconhecia, aureolando-a, distinguiu e fez valorizar, no quadro de uma poética
por essa razão, de um halo sem rival e desse modo a original e coerente, que impede subsumi-la numa
convertendo, por excelência, na pintora do Barroco: categoria estritamente periférica: antes responderá
por definição, na pintora do «barroco português». (com eficácia) a um barroco outro, também ele, que
De facto, a obra pictórica de Josefa de Óbidos enformará o país nesses anos centrais de 1650-80:
(1630-1684) emerge como um astro isolado entre o «Barroco português», para cuja «invenção», por
dois grandes ciclos, no esparso território da pintura esse modo, contribuiria poderosamente. De que Bar-
seiscentista em Portugal: o que a antecedeu, prota- roco falamos?
gonizado em Domingos Vieira, alcunhado o Escuro No domínio da pintura, fica enunciado o breve
(ativo 1627-1678), que, na periferia de Velázquez, panorama. O prolongar da crise, somando em cata-
6
Carita e Homem-Cardoso, 1990,
escolas francesa e holandesa de fortificação iria a par indicia sobre o ato de imprimir plasticidade ao que pp. 143 e segs.
com a nova plasticidade dos baluartes à laVauban era estático e de facto o persiste sendo, estrutural- 7
Gomes, 1998.
Quando, em 1697, mais de década e meia decor- exercícios do «brutesco», se adossaria bem à emotiva
rida sobre o passamento de Josefa de Óbidos — mas polifonia das igrejas de ouro.
em pleno ciclo operativo de Frei Cipriano da Cruz —, Tudo isto, é certo, iniciaria uma fissura no am-
o ilustre sacerdote e teólogo Francisco de Santa biente estético homogéneo do Barroco português,
Maria dava à estampa a sua obra O Ceo Aberto na que o século xviii amplamente alargaria2. Mas, por
Terra, crónica das congregações loias em Portugal ora, era ainda de «abrir o Céu na Terra» que essen-
(oferecida a D. Pedro II, com frontispício ornado da cialmente se tratava. Ao perscrutar o sentido que
efígie de seu pai, D. João IV, assinada Phi. Bouttats o Barroco revestiria em Portugal (penetrando, em
Ju. Fecit Antuerpia), não somente o Barroco portu- consequência, no caráter e natureza do «Barroco por-
guês encerrara já o seu processo de formulação, como tuguês»), importa analisar, mesmo que fugazmente,
atingira o zénite, divulgando-se, na talha, o retábulo a própria natureza da sociedade a que responderia:
de «estilo nacional» e iniciando-se a edificação das a sociedade seiscentista, globalmente entendida, an-
primeiras «igrejas todas de ouro»: justamente desti- tes de a permeabilidade do aparelho dirigente à nova
nadas (mesmo que de tal fosse decerto inconsciente) elite «estrangeirada» lhe perturbar a fisionomia.
a dar espessura material ao título adotado. Efetivamente, tanto por efeito da crescente pe-
Na verdade, sopravam mesmo já os ventos de uma riferização do Reino nas décadas iniciais do século
aspiração de abertura internacional, não de orienta- que agora findava, como pela dureza conjuntural
ção flamenga, à maneira antiga — como se expressa- das circunstâncias nos anos pós-Restauração, tudo
ra na chamada régia de Dirk Stoop, pelos idos de 40 contribuíra para um reforço, nos planos cultural,
e no próprio frontispício ainda se ilustrava —, mas ideológico e das mentalidades (com inerentes conse-
à maneira nova, italiana, num vai-vem de barcos, quências no da sociabilidade), das características, já
de Génova a Lisboa. Assim chegavam, em número de si conservadoras, da sociedade do Ancien Régime:
crescente, estátuas de mármore, destinadas à mo- circunstância a que não seria alheia a própria debi-
dernização de palácios e jardins (mesmo uma fonte lidade do poder central suscitada pelos avatares da
de Bernini, para os «estrangeirados» Ericeiras1) e, sucessão na nova dinastia. Nesse contexto, a parti-
muito especialmente, se divulgava a voga (à floren- lha da autoridade entre a Coroa e os mais represen-
1
Delaforce et al., 1998, pp. 804-
-811.
tina) dos ricos embutidos multicolores de pedrarias tativos setores da nobreza e do clero, reforçando a
2
Pimentel, 2002b, pp. 247-249. (ou «embrechados»), cujo luxo, porém, propício aos capacidade económica dos estratos não produtivos,
4
Carrère, Joseph-Barthélèmy
timento em edificações eclesiásticas beneficia de uma Num contexto desta natureza, em que o catoli- François, Viyage en Portugal et
global validação social, do mesmo passo que a religião cismo enforma, em toda a sua extensão, a própria particulièremente à Lisbonne,
Paris, 1798, p. 273.
se afirma, igualmente, como um importantíssimo fa- expressão da sociabilidade, a sociedade portugue- 5
Pimentel, 2002a, p. 47.
tor de coesão social: o único, talvez, que na multipli- sa exteriorizar-se-á, fundamentalmente, no miúdo 6
Link, 1803-1805, tomo i, p. 286.
cidade das suas práticas congrega a totalidade de um exercício da multiplicidade das práticas devotas, Brochado, 1816, p. 184.
7
8
Wunenberg, 1977, pp. 34, 102-
corpo, no mais rigidamente estratificado. A crescen- elas mesmas crescentemente dramáticas na sua ex- -103 e 135; Dubois, 1973, p. 163;
te complexidade do culto barroco, de apelo progres- troversão. Em termos globais, pois, tratar-se-á, es- Bebiano,1989, pp. 189-190.
PROJETO
Museu Nacional de Arte Antiga CONSERVAÇÃO E RESTAURO CONSTRUÇÃO
António Filipe Pimentel Museu Nacional de Arte Antiga J. C. Sampaio, Lda.
Intervenção na pintura e escultura
ORGANIZAÇÃO Conceição Ribeiro TRANSPORTES
Museu Nacional de Arte Antiga Maria Monsalve, Contrato Emprego- Feirexpo
-Inserção + / iffp SIT Grupo Empresarial, S. L.
PRODUÇÃO Ricardo Guimarães, Contrato Emprego-
Ritmos -Inserção + / iffp MONTAGEM
Susana Campos Feirexpo
COMISSARIADO Teresa Serra e Moura, bolseira fct
Joaquim Oliveira Caetano (sfrh/bgct/51497/2011) ILUMINAÇÃO
Anísio Franco Vitor Vajão, Atelier de Iluminação
José Alberto Seabra Carvalho Laboratório José de Figueiredo /dgpc e Eletrotecnia, Lda.
Intervenção no cat. 133
COORDENAÇÃO Metal/Ourivesaria: SEGUROS
Museu Nacional de Arte Antiga Belmira Maduro LUSITANIA, Companhia de Seguros, S. A.
José Alberto Seabra Carvalho Mariana Cardoso, bolseira fct (sfrh/
bi/51520/2011) SEGURANÇA
Ritmos Jenni Lankinen e Petteri Liikkanen, Luísa Penalva
José Eduardo Martins / José Barreiro Metropolia University of Applied
Sciences, Finlândia VIGILÂNCIA
PROJETO MUSEOGRÁFICO Paula Monteiro Museu Nacional de Arte Antiga
Manuela Fernandes, dgpc Escultura/ljf: Rui André Alves Trindade
Elsa Murta
DESIGN GRÁFICO Jenni Lankinen e Petteri Liikkanen, Ritmos
FBA./Ana Simões, Daniel Santos, Metropolia University of Applied Scien- António Mendes
Eduardo Nunes, Rita Marquito ces, Finlândia
e Ana Soares (motion design) Laboratório Analítico: MARKETING
Lília Esteves Joana Carapeto
PRODUÇÃO GRÁFICA Laboratório Fotográfico:
Marco Carvalho – coordenação Luís Piorro, bolseiro fct (sfrh/ MERCHANDISING
bgct/51651/2011) – fotografia Forbidden Merch
TEXTOS Jorge Oliveira – radiografia
Miguel Soromenho BILHÉTICA
REGISTRAR Catarina Viana
TRADUÇÃO Ana Kol Rodrigues
John Elliott Madalena Thomaz
CATÁLOGO
PARCEIROS INSTITUCIONAIS