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José Luiz Mota Menezes

Arqueologia
e
Restauração

1995
SÚMÁRIO.
Introdução

1. Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves - Olinda

2. Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres - Guararapes -


Jaboatão.

3. Igreja e Convento de Santo Antônio do Carmo - Olinda.

4. Igreja dos Santos Cosme e Damião - Igaraçú.

5. Palácio dos Bispos - Museu de Arte Sacra - Olinda.

6. Sé de Olinda.

7. Igreja de Nossa Senhora da Graça e Real Colégio dos


Jesuítas - Olinda.

8. Sítio e Casa do Barão Rodrigues Mendes - Academia


Pernambucana de Letras

9. Igreja de Nossa Senhora do Monte - Olinda.

10. Igreja e Convento de Santo Antônio - Igaraçú.

Bibliografia
Introdução

A
restauração dos bens culturais móveis e imóveis, não considerando os aspectos subjetivos de sua
filosofia, (1) utilizou e utiliza os conhecimentos, no seu sentido interdisciplinar, da Arqueologia e
da História das Artes. Tal situação, embora evidente em inúmeros exemplos de restaurações reali-
zadas em edifícios, não se encontra sistematizada a ponto de se verificar ser tal procedimento
capaz de se constituir uma doutrina, no que tange a maneira de encarar todo o processo do restauro, indepen-
dente da forma, do lugar ou do objeto da mesma restauração.

A importância da Arqueologia, sua teorias e métodos, assim como a História das Artes, integradas
enquanto ciências à História Geral, não foi ainda, em toda a sua essência, objeto de uma maior análise por
parte de quem restaura ou daquela entidade que prepara academicamente os responsáveis pela restauração de
objetos móveis e imóveis.

O processo de restauração, além da meta principal, em si envolve um objeto, sua criação no seu
tempo e o modo de sua produção. Não há dúvidas que tais condicionantes levam o restaurador a recorrer à
História das Artes e das Técnicas, como instrumental da sua atividade, o ato de restaurar. O fato ocorre e se
torna verdadeiro a partir do momento em que tal forma de agir não pode esquecer que o ato de construir,
envolve criação e técnica, ao lado das condições sócio-econômicas e políticas, estudadas na História das
Artes e presentes na Arqueologia.

O que se investiga nessas ciências é a produção do objeto no seu tempo, dentro de uma cultura de-
terminada. Diríamos, em soma, que se deve perseguir, no entretanto, a essência do pensamento que guiou o
agir, dessa ou daquela forma, do produtor do objeto, no seu ato de criar e na sua técnica de executar.

Ao nos voltarmos, por exemplo, para a restauração da arquitetura, essencialmente quando modifica-
da ao longo do tempo, devemos, não considerando os princípios teóricos e filosóficos que envolvem o que
restaurar, procurar melhor conhecer os princípios que nortearam essa criação, à luz das condições culturais
em que o objeto foi criado e das condições estéticas do criador. Ao perseguir tais intenções no processo do

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tempo em que ela se deu, o restaurador mergulha em um complexo de situações nem sempre organizado sis-
tematicamente. O seu conhecimento da História, da História das Artes e da Arqueologia, nem sempre é aque-
le direcionado para o fim que o mesmo deseja.

Naturalmente o ato criador foi revestido de condições, as quais nem sempre são facilmente constata-
das ou apreendidas sem um mais profundo conhecimento daquelas referidas ciências. O que ora se deseja não
é a mera análise ou crítica do objeto resultante, mas , essencialmente, o conhecimento da maneira como ele
foi concebido e criado materialmente. Esta, nos parece, a forma de conhecimento capaz de informar o que foi
mudado, no tempo decorrido, no edifício, que fugiu a essência do ato original do seu autor, a qual mudança,
esta sim, passível, talvez, e capaz de ser considerada naquela decisão de restaurar o edifício.

Conquanto se possa reconhecer a importância dessa atitude de busca, através das ciências em tela,
daquela maneira de agir, o processo em si não foi ainda considerado, à nível de constatação teórica capaz de
se poder constituir, talvez, em doutrina e por sua vez em fato gerador de um procedimento, pelo menos a ser
considerado no processo da restauração.

O ensino da História das Artes, necessário para a formação de um restaurador de bens culturais, se
reveste daquela maneira como foi a disciplina utilizada nas Escolas de Arte e Arquitetura quando da fase do
Ecletismo. Mais um instrumento para a elaboração do projeto do que um conhecimento do produzido em
tempo anterior. O tipo de postura da disciplina nos cursos atuais de Arquitetura e Artes, parece-nos ainda
discutível, enquanto formadora de um conhecimento hoje talvez desnecessário, como instrumento, não con-
tribuindo, com sua ação ilustradora, para a formação de um procedimento. Por outro lado, dada a sua especi-
ficidade, as disciplina citadas, não levam a grandes resultados enquanto não se revestirem de uma utilidade
necessária ao profissional.

Não é a mesma, a maneira de pensar a suas existências, face a formação de profissionais voltados
para a restauração. Na atividade exercida pelo restaurador a Arqueologia e a História das Artes têm, assim
nos parece, papel fundamental e mesmo central em um processo de trabalho.

Com tais argumentos, à guisa de uma justificativa, apresentamos ao Conselho Nacional de Pesquisa,
CNPq, um pedido de Bolsa de Pesquisa, que foi concedida em 1990.

Na oportunidade, a proposta de pesquisa envolvia a análise de dez restaurações realizadas em Per-


nambuco (2).

“Através do estudo de restaurações realizadas pretendemos atingir os objetivos perseguidos, quais


sejam, uma melhor forma de direcionar o estudo da História das Artes e da Arqueologia na formação de res-

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tauradores. Na verdade, o objetivo é a determinação, aí fundamentada em exemplos reais e não em modelos
teóricos, da importância do conhecimento das duas ciências e sua aplicação à nível de instrumento de traba-
lho, indispensável na restauração. Por outro lado se deseja atingir um método capaz de entender o ato criador
e seus condicionamentos, para melhor identificar o objeto criado, dirigindo quem restaura para uma melhor
identificação com o autor ou autores, seus conhecimentos técnicos e estéticos. Deseja-se encontrar a melhor
maneira de conduzir toda uma teoria do conhecimento capaz de instrumentar o profissional, habilitando-o e o
informando dos intrincados processo da criação que materializou o objeto.”(3)

Com o método de trabalho implicando em análise de restaurações realizadas, a busca do resultado


desejado na justificativa passava por um procedimento, onde, se iria verificar o executado, suas etapas e nes-
tas os papeis exercidos pelas História das Artes e Arqueologia. A idéia, em síntese, era a busca dos funda-
mentos teóricos que conduziram a restauração à luz do que se realizou, ou seja identificar, a presença ou, às
vezes, a ausência desse instrumental, antes preestabelecido. Assim, talvez se pudesse reunir em um corpo de
doutrina as experiências realizadas. Chegar a resultados capazes de formular maneiras de agir, nesse seguir o
caminho inverso em casos concretos de restaurações. À exemplo, na restauração da Igreja de Nossa Senhora
da Graça, da Companhia de Jesus, em Olinda, fazer o caminho inverso, do resultado chegar às bases teóricas
que instrumentaram os restauradores e do resultado desse procedimento aferir a importância do papel exerci-
do pelas ciências , História das Artes e Arqueologia, na restauração. Daí, adotando o mesmo procedimento,
prosseguir e analisar outras restaurações realizadas e concluídas, e , independente de erros ou acerto, quanto
as bases teóricas ou filosóficas, avaliar o emprego daqueles conhecimentos antes referidos. Assim, tendo-se
pelo menos um certo número de casos estudados, isto à luz, por exemplo, da restauração de bens imóveis,
verificar o processo empregado pelos responsáveis na restauração do edifício, face as ciências citadas.

A identificação e a seleção dos casos de restauração foi realizada. Não consistiu em uma escolha
aleatória. Procurou-se identificar, seguindo uma linha cronológica, as restaurações realizadas desde os pri-
meiros momentos do órgão federal, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN, 1º Dis-
trito, em 1937, e depois outros edifícios quando da atuação da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco, FUNDARPE, desde a sua criação em 1972. Procurou-se escolher os casos considerados
também em função de diversos tipos de atuações, em termos de teoria da restauração.

Como foi dito, a análise realizada considerou os resultados obtidos e os trabalhos que antecederam a
execução de presumível projeto de restauração, para os caos mais antigos, depois o acompanhamento do
andamento do processo restaurador, suas dificuldades e decisões posteriores ao projeto referido, e não defini-
das neste.

Na oportunidade foi elaborada, com finalidade de obter respostas uniformes, um roteiro, onde se
anotassem os resultados encontrados em cada situação considerada. Tal roteiro seguiu o seguinte modelo:

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Item 1 - Existência de projeto anterior às obras empreendidas;
Item 2 - Forma de elaboração do projeto de restauração e seus pressupostos teóricos;
Item 3 - Prospeções e natureza destas, anteriores ao projeto;
Item 4 - Prospeções e natureza destas, durante as obras;
Item 5 - Modificações do projeto e as razões de tais alterações;
Item 6 - Resultados encontrados nas prospeções e suas análises, à luz da história das Artes e da
Arqueologia;
Item 7 - Resultados da restauração;
Item 8 - Teve o resultado influência das ciências ora consideradas ?

As respostas ao roteiro elaborado foram muito significativas.

Nesta altura, houve necessidade de ir mais além daquela meta inicial. Os edifícios escolhidos não
eram todos contemplados com uma boa história da edificação. Isto implicava em que algumas dificuldades se
apresentaram quando da análise das respostas. Urgia estudar aqueles edifícios que ao pesquisador eram des-
conhecidos em sua história, vez que a avaliação do papel da História das Artes na condução do projeto da
restauração estava em cheque. Assim passou-se a estudar os edifícios onde o conhecimento de sua história
não se tinha feita.

Por outro lado, memórias das obras realizadas de restauração não existiam na maioria dos caos. Des-
te modo houve que se reconstituir, através de arquivos e de depoimentos os mais diversos os processos e as
dificuldades que existiram.

Nos final, resultou não apenas uma resposta quanto ao papel da Arqueologia e dos arqueólogos mas
basicamente um esboço de História da Restauração em Pernambuco. Não uma História onde se esgotou o
assunto ou na qual se citam nomes , sim um corte horizontal no tempo e uma série cronológica de ações onde
se percebe o crescimento de todo um processo de formação de uma mentalidade e de profissionais, enquanto
restauradores, conscientes e academicamente bem formados.

No que se refere ao papel das duas ciências apontadas verificou-se que eram indispensáveis e os
acertos que houveram, por ocasiões em que não se fez uso da Arqueologia, se deram porque os métodos desta
ciência existiram e foram usados, mas sem que a titulação se desse.

Quanto a História das Artes ela se torna indispensável, dentro dos parâmetros que se assinalou na
justificativa, e, para que melhor se obtenha enquanto resultado do profissional em restauração torna-se neces-
sário que os cursos revejam a didática e os programas da disciplina, enquanto participadora na formação
desses especialistas.

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O presente texto é o resultado do estudo dos dez casos escolhidos, e ao lado da análise da restaura-
ção se tem a história do edifício.

José Luiz Mota Menezes

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Notas.
1. “A cidade, como qualquer organismo vivo, encontra-se em contínua modificação. Para não falar de
uma forma urbana, teria de a relacionar com um instante preciso.
A morfologia urbana engloba o estudo das cidades no tempo. Qualquer cidade evoluiu encadeando,
pedaço a pedaço, modificações na sua forma, ( a menos que surja algum cataclismo como em 1755 em Lisbo-
a).
O tempo é fundamental para compreender o território como objeto físico e também posicionar a
intervenção do arquiteto: intervenção num dado momento que modifica a forma existente e que poderá tam-
bém sofrer processo de evolução.
Até os edifícios, sofrem necessariamente uma evolução formal, no envelhecimento da textura e da
cor, nos materiais e em pormenores, quando não da utilização. O processo de leitura é também evolutivo,
porque interligado à cultura, à interpretação que fazemos da arquitetura. Um edifício, por melhor restaurado,
será sempre diferente do seu estado original, na medida em que a utilização mudou e se adaptou a exigências
de conforto, entre outras; e também porque será visto de modo diverso do que o viam os nossos antepassados
na época da sua construção.
O restauro é a adaptação da forma primitiva à imagem que dela possui a nossa cultura. Os conceitos
de conservação, reabilitação, recuperação, ou de restauro, não tendem a manter imutável a imagem da cidade
- mas antes a sua modificação controlada, admitindo a evolução ao longo do tempo.” In Lamas, José M.
Ressano Garcia, Morfologia Urbana e desenho da Cidade, Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de
Investigação Científica e Tecnológica, Lisboa S/D. ( 1992) página 111.

2. Inicialmente os dez casos a serem estudados eram os seguintes:


1. Igreja de N.S. da Graça, do Colégio da Companhia de Jesus em Olinda;
2. Igreja de S. Salvador, Sé de Olinda;
3. Museu de Arte Sacra, antigo palácio dos Bispos, em Olinda;
4. Casa da Cultura, antiga Casa de Detenção do Estado de Pernambuco; *
5. Sacristia do Convento de N.S. das Neves, em Olinda; **
6. Forte das Cinco Pontas, no Recife;*
7. Convento dos Franciscanos , em Igaraçú, Pernambuco;
8. Convento dos Franciscanos de João Pessoa, Paraíba;*
9. Academia de Letras, antigo Solar dos Rodrigues Mendes;
10. Igreja matriz de Vila velha, Itamaracá, Pernambuco.*

Por várias razões alguns edifícios, apesar de estudados, foram substituídos por outros, presentes na
presente relação, que se encontra no texto final apresentado.
* Substituído ** Mantido mas estudado totalmente.

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Na seleção final realizada o critério de escolha dos casos foi o cronológico, enquanto ordenação no
texto, porquanto se teria assim uma visão do andamento do processo da restauração, enquanto teoria e prática
em Pernambuco. Não há, senão de passagem, a citação de nomes, vez que, apesar de não ser possível o es-
quecimento de nomes quanto os de Ayrton de Almeida Carvalho, José Ferrão Castelo Branco, Antônio Me-
nezes Cruz e outros numa possível história da restauração, o propósito perseguido de presente foi outro.

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A presença portuguesa no além-mar

Olinda em 1584, uma “Lisboa pequena”.

N
ão posso deixar de dizer nesta as qualidades de Pernambuco, que dista da equinocial
para o Sul oito graus, e cem léguas da Bahia, que lhe fica ao Sul. Tem uma formosa
igreja matriz de três naves, com muitas capelas ao redor ; acabada ficará uma boa
obra. Tem seu vigário com dois outros clérigos, afora outros muitos que estão nas
fazendas dos portugueses, que eles sustentam à sua custa, dando-lhes mesa todo o ano e quaren-
ta ou cinqüenta mil reis de ordenado, afora outras vantagens. Tem de passante de dois mil vizi-
nhos entre vila e termo, com muita escravaria de Guiné, que serão perto de dois mil escravos :
os índios da terra são já poucos.

A terra é de toda muito chã; o serviço das fazendas é por terra e em carros; a fertilidade
dos canaviais não se pode contar; tem 66 engenhos, que cada um é uma boa povoação; lavram-
se alguns anos 200 mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em
um ano se faz de vez para moer, e por esta causa a podem vencer, pelo que moe cana de três,
quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios ou mais a Pernambuco, não podem levar
todo o açúcar : é terra de muita criação de vacas, porcos , galinhas, etc.

A gente da terra é honrada : há homens muito grossos de 40, 50, e 80 mil cruzados de
seu : alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com escravaria de Guiné, que lhe mor-
rem muito, e pela demasia e gastos grandes que têm em seu tratamento. Vestem-se, e as mulhe-
res e filhos de toda a sorte de veludos, damascos e outras sedas, e nisto têm grandes excessos.
As mulheres são muito senhoras, e não muito devotas, nem freqüentam as missas, pregações,
confissões, etc. : os homens são tão briosos que compram ginetes de 200 e 300 cruzados, e al-
guns têm três, quatro cavalos de preço. São mui dados a festas. casando uma moça honrada
com um vianez, que são os principais da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de veludo
carmesim, outros de verde, e outros de damasco e outras sedas de várias cores, e os guiões e

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selas dos cavalos eram das mesmas sedas que iam vestidos. Aquele dia correram touros, joga-
ram canas, pato, argolinha, e vieram dar vista ao colégio para ver o padre visitador; e por esta
festa se pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São sobretudo dados a
banquetes, em que de ordinário andam comendo um dia dez ou doze senhores de engenho jun-
tos, e revezando-se desta maneira gastam quanto têm, e de ordinário bebem cada ano 50 mil
cruzados de vinhos de Portugal; e alguns anos beberam oitenta mil cruzados dados em rol. En-
fim em Pernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa. Os vianezes são senhores de Pernam-
buco, e quando se faz algum arruido contra algum vianez dizem em lugar de : ai que d’elrei, ai
que de Viana, etc.

A vila está bem situada em lugar eminente de grande vista para o mar, e para a terra;
tem boa casaria de pedra e cal, tijolo e telha. temos aqui colégio aonde residem vinte e um dos
nossos; sustentam-se bem, ainda que tudo vale três dobro do que em Portugal”.( 1)

A
Narrativa Epistolar de uma Viagem e Missão Jesuítica, no trecho que desta-
camos, escrita pelo padre Fernão Cardim e dirigida ao provincial dos jesuítas
em Portugal, padre Sebastião de Morais, que exerceu o cargo de 1580 a 1588,
nos serve de introdução e nos guiará no que diremos a seguir.

O padre Cardim, ao acompanhar o Visitador, padre Cristóvão Gouveia, em uma


viagem ao Brasil, procurou descrever, ao longo de sua narrativa, tudo quanto acontecia,
enriquecendo o texto com observações pessoais de grande interesse para a História. A
Narrativa, provavelmente, não ficava restrita ao provincial e era lida pelos demais pa-
dres da Companhia de Jesus e por outros interessados, daí sua forma descritiva, das ter-
ras e das gentes, semelhante àquela das Cartas dos jesuítas, transcritas e largamente uti-
lizadas pelo Historiador da Companhia de Jesus no Brasil padre Serafim Leite.

Ao descrever a visita a Pernambuco, depois de situa-lo, em distância, em relação


à Bahia, o padre Cardim , destaca a Igreja Matriz do Salvador, em Olinda:

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“Tem uma formosa igreja matriz de três naves, com muitas capelas ao redor;
acabada ficará uma boa obra”.

A Igreja Matriz de Olinda, dedicada a S.Salvador, foi uma das primeiras constru-
ções para fins religiosos erigidas pelo donatário Duarte Coelho Pereira, ao escolher, de
forma definitiva, o sítio para a localização da sede de sua Capitania. Duarte Coelho, na
terceira década do Século XVI, ao desembarcar, com sua gente, a 9 de março de 1535,
no Porto ( velho ) de Pernambuco, fica alojado na antiga feitoria de Cristóvão Jacques,
defronte a Ilha de Itamaracá. Depois, possivelmente, ao verificar a situação estratégica
do lugar, sujeito a ataques, vindos desde o mar, resolve deslocar-se para o Sul e, em uma
de oito colinas, à cavaleiro de um porto abrigado por arrecifes, vem situar a nova sede
do seu senhorio.( 2 )

Na escolha do lugar, em altura, da praça principal da vila, onde, ao redor, esta-


vam a Casa Forte,( a “Torre”), a Igreja Matriz, a Câmara, a Ferraria e o Açougue, sem
que se tenha conhecimento da participação de nenhum engenheiro militar ou arquiteto,
manteve o donatário uma tradição medieval, ainda presente nos atos deste militar,. Desta
praça partia a cerca, envolvendo o casario inicial, demarcando-se deste modo a segunda
rua da Vila. Esta rua principiava defronte da Matriz e terminava , dando uma volta, em
uma ladeira que descia ao pé da Igreja e Hospital de Nossa Senhora da Misericórdia.( 3 )
A primeira rua ou caminho chamava-se Val de Fontes.

A Igreja Matriz construída originalmente de taipa de mão, é substituída por outra


de material mais permanente, alvenaria de pedra, tão logo a prosperidade chegou, resul-
tante da introdução dos engenhos de açúcar, riqueza que o donatário não conheceu, por-
quanto morreu, em 1554, em Lisboa,. É esta última igreja a que Cardim viu em 1584,
sendo construída. A matriz de taipa tem sido datada de 1540.

A Igreja de S.Salvador, em seu partido de planta, não fugia à regra das igrejas de
três naves, tão freqüentes no período, na Península Ibérica. Em Portugal contam-se mui-
tas. São de planta basilical em três naves, separadas por colunas, e ao redor situavam-se

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as capelas, às vezes intercomunicantes. Até aí nenhuma novidade. O importante, que de
momento destacamos, reside no tratamento arquitetônico dessa igreja de Olinda. A
prosperidade, tão decantada por Cardim, e a forma de esbanjar os lucros do açúcar, con-
duziu ao que se tem chamado de “ciclo monumental ” onde se inclui esta igreja e outras
construções do mesmo período, feitas para a religião, todas erigidas entre 1570 - 1630,
em Olinda. Monumentalidade que não se identifica nas casas de moradias urbanas dessa
gente do açúcar, apesar de edificadas , em boa quantidade, em pedra e cal. Monumentais
deveriam ter sido, nesse século XVI, as moradias senhoriais, nos engenhos, conforme se
pode ver algumas delas representadas nas pinturas de Frans Post,( 1612- 1680), pintor
do século XVII da comitiva do Conde João Maurício de Nassau.( 4 )

Outro aspecto a destacar na Igreja Matriz, é sua unidade estilística. É uma obra
de um Proto-Barroco, ainda com traços bem fortes do Renascimento, que possivelmente
se enquadra bem no estilo Chão, do livro Portuguese Plain Architecture, Betwein Spices
and Diamonds, 1521 - 1706, estudado por G. Kubler em Portugal.(5).

O uso da pedra, calcário, aliado a panos rebocados e pintados no branco da cal,


dá ao edifício uma leitura muito simples e de certa forma fiel as diretrizes artísticas da-
quele momento. Por outro lado a presença de bons canteis, que exercitam também a es-
cultura , nos leva a considerar a Vila sede de uma excelente escola de escultores. Retá-
bulos de cantaria, esculpidos nesse calcário, enriquecem os interiores das igrejas e cape-
las dessa fase construtiva de Olinda. Além dos retábulos de pedra, ainda podemos consi-
derar as portadas das igrejas, onde, a acentuação dos acessos às naves desde o exterior,
marca a presença daquela escola com toda a dignidade. A portada da Igreja Matriz não é
menos rica que aquelas que ainda se pode ver nas igrejas de Nossa Senhora do Monte e
Nossa Senhora do Carmo, ambas em Olinda.( 6 )

A Igreja Matriz de S.Salvador tem sua concepção de arquitetura presa de um


sistema modular, que toma por unidade a própria capela-mor, esta definida por uma
forma cúbica , recoberta por uma hemi-esfera que é por sua vez suportada por pendentes
esféricos, no melhor desenho do Renascimento. Esse módulo se repete por cinco vezes e

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determina a nave. Esta é iluminada por frestas na parte central, que se eleva à maneira
das igrejas do “quatrocento italiano”, qual àquelas desenhadas por Brunelleschi ( 7 ) em
Florença.

Restaurada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco,


entre 1978-80, a Igreja de S.Salvador nos permite, pelo seu possível traçado regulador,
incluí-la entre as obras primas do Brasil no período artístico em que foi construída. Ela
revela a qualidade dos profissionais, quer os a serviço da Companhia de Jesus ou outros,
dos quais alguns identificados, autores desses edifícios.

Entre esses profissionais, atuantes em Pernambuco no período considerado, 1570


- 1630, podemos realçar as presenças de Francisco Dias, jesuíta, autor do risco da Igreja
e do Colégio de Olinda , tendo trabalhado em outros projetos no Brasil, contemporâneo
do Terzi, em Portugal; Baccio de Filycaia, florentino, engenheiro militar e Cristóvão
Alvares, engenheiro militar.( 8 )

O ciclo monumental, em Olinda, do qual Cardim assistiu o início, contempla ou-


tros edifícios, resultantes dessa prosperidade do açúcar, A Igreja e o Colégio dos Jesuí-
tas, a Igreja e o Convento dos Frades Carmelitas e a Igreja de Nossa Senhora do Monte.
Não se incluem nesse ciclo a Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves, dos fran-
ciscanos e o Mosteiro de São Bento, ambas construções consideradas com as dimensões
que tinham no período de 1570 a 1630, e as demais igrejas paroquiais, excetuando-se
dessas a de Nossa Senhora do Amparo, em Olinda, a qual nos parece, teve idênticas ca-
racterísticas de grandiosidade que as anteriormente citadas.( 9 )

A Igreja e Colégio dos Jesuítas, incluída entre as de caracter monumental, de


traça atribuída a Francisco Dias, irmão da Companhia de Jesus, arquiteto, tem segura
identidade com as Igrejas dos jesuítas de São Roque, de Lisboa e São Paulo, de Braga,
ambas em Portugal. A fonte do risco, mais distante, o provável modelo, podemos, com
certeza assinalar, foi a Igreja, hoje demolida, della Annunziata, do Colégio Romano. A
igreja de Olinda guarda também enorme identidade com a Matriz da mesma Vila. Um

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grande e único óculo, de igual traçado, se dispõe, dominante, em cada um dos frontispí-
cios. Um mesmo cuidado com as relações de medidas entre as partes, podemos constatar
em ambos os edifícios de Olinda. Não nos parece, no entretanto, obra de um mesmo pro-
fissional, apesar de presa de mesmas características estilísticas. A sobriedade do exterior
da Igreja de Nossa Senhora da Graça, permite a leitura da composição de arquitetura de
grande simplicidade e equilíbrio.

“O interior da Igreja de Nossa Senhora da Graça é uma grande sala. Ha um


predomínio do espaço da nave em relação àquele da capela-mor, tratada como um
grande nicho, assim como em relação às capelas colaterais e laterais ( levando em con-
ta a concepção arquitetônica onde as laterais se inseriam na espessura do muro), que
poderíamos considerar a igreja como de nave única. Na verdade é nisto que a igreja de
Olinda se distancia, quanto ao espaço interior, das suas irmãs portuguesas. Analisadas
à luz deste espaço interior verificamos que com relação a igreja de São Roque, embora
haja nesta última também um predomínio do espaço da nave sobre o da capela-mor,
colaterais e laterais intercomunicantes, ha uma clara diferença de natureza espacial.
Em São Roque, a cabeceira, de fato tem mesmas características da de Olinda, onde a
pouca profundidade das capelas conduz a sensação de grandes nichos para os retábu-
los, mas as laterais alteram a leitura do espaço interior, criando zonas de sombras e
vazios intercomunicantes que interferem e distingue ambas as igrejas, Olinda e Lisboa.
Por outro lado o tratamento arquitetônico da igreja lisboeta é totalmente diferente, no
que respeita ao acabamento dos muros, ao comportamento da luz natural, enfim não
vemos semelhanças senão na cabeceira, e, esta mesma, conforme se verifica claramen-
te, não tem na relação de alturas e na composição do muro, senão um parentesco com a
cabeceira de Olinda. Em Olinda existe uma relação, assim nos parece, perfeita entre as
proporções das três capelas, a maior e as duas colaterais. Essa relação perfeita nos
leva a uma sensação de justeza e equilíbrio na composição de arquitetura. Em São Ro-
que, a pequenez das capelas colaterais gera um desequilíbrio, ao nosso ver, que somen-
te é contrabalançado pelo restante da composição do interior da igreja. Mais feliz é o
tratamento da cabeceira da igreja dos Jesuítas de Évora. Nesta igreja, que segue a
mesma disposição de Olinda quanto as três capelas, ha no entanto um predomínio mai-

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or da central, o que conduz a um certo desequilíbrio na composição. Comparando, co-
mo já dissemos, as perfilaturas de bases e capiteis das três capelas de Évora, verifica-
mos que a obra das colaterais, salvo documentação que comprove o contrário, é poste-
rior e não pertence ao risco original da igreja. As perfilaturas das colaterais são deli-
cadas e mais fiéis a obra do último quartel do século XVI, enquanto que as de igual teor
do restante da igreja são diferentes e mesmo pouco fieis aos tratadistas, inclusive con-
siderando que nenhuma das impostas tem base, o que constitui uma falta grave para
uma obra a romana”. ( 10)

Na Igreja dos Jesuítas de Olinda, talvez por não ter havido nenhuma resistência
estilística anterior, o arquiteto Francisco Dias, pode realizar uma obra completa e dentro
dos parâmetros do pós-renascimento.

A terceira obra construída em Olinda e que espelha aquela grandiosidade que


chega a compará-la no século XVI, a Lisboa é a Igreja e o Convento dos Frades Carme-
litas.

Os Carmelitas chegam a Olinda em 1580. Em uma das elevações que formam a


Vila constróem seu convento, dedicado a Santo Antônio do Carmo. A obra é de grande
porte. A Igreja, de nave única, com quatro capelas de cada lado, intercomunicantes, tem
além destas, um bem marcado cruzeiro, com duas capelas simétricas, de igual profundi-
dade dessas laterais e de mesma altura da capela-mor. Não tem cúpula no cruzeiro, ape-
sar da planta-baixa derivar do modelo jesuíta de Il Gesú. Todo o tratamento interior faz
uso, para dimensionar as partes, de Tratados de Arquitetura e o modelo das capelas late-
rais intercomunicantes, se pode encontrar em Vinhola ou Paládio (11) Havendo predo-
minância do primeiro. A Ordem arquitetônica empregada é a Jônica, quer no interior ou
exterior, o que distancia a casa dos carmelitas das restantes edificações de Olinda. A
Fachada da igreja encontrava-se incompleta em 1630, ano da invasão holandesa, e as-
sim restou até 1654, quando foi, depois deste ano, concluída , lentamente, em outro gos-
to. A construção não parece ter seguido nenhum modelo português, indicando certa ten-
dência espanhola no risco, o que ainda não se averiguou devidamente. Trata-se segundo

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Germain Bazin, que estudou a edificação, de um exemplar ainda com características do
Renascimento, em terras do Além-mar.

Nesta Igreja de Nossa Senhora do Carmo, destaca-se um altar, de cantaria, calcá-


rio, com seu retábulo de igual material, que se inscreve entre aqueles de mesmo teor
existentes em Olinda, todos com excelente traçado regulador. A Ordem empregada, nes-
se retábulo, com maestria, é a Coríntea.( 12 )

Por último, completando aquele ciclo do monumental, falta-nos uma referência à


Igreja de Nossa Senhora do Monte, onde daquele templo anterior a 1630, ainda se con-
serva a portada, em calcário, restaurada recentemente. Trata-se de um elemento de ar-
quitetura de muito bom desenho , no qual se fez uso da Ordem Dórica, com boas pro-
porções em relação ao restante do frontispício.

“Tem de passante de dois mil vizinhos entre vila e termo, com muita escravaria
de Guiné, que serão perto de dois mil escravos : os índios da terra são já poucos”.

A Vila de Olinda e seu termo, naquela década, 1580 - 1590, do século XVI, com
igrejas e conventos de grande porte se instalando, como se vê, não possuía população
que passasse de dois mil vizinhos. O termo da Vila se estendia por grande parcela de
terras, onde se incluíam todos os engenhos de açúcar, em números de sessenta e seis. Os
escravos africanos como informa Cardim já eram muitos e estavam empregados, a maio-
ria nos engenhos e alguns na Vila. Desde quando Duarte Coelho funda os cinco primei-
ros engenhos da Capitania que ele reclama e obtém do rei a vinda de mão de obra negra,
neste caso vindos, segundo o jesuíta, da Guiné. Apesar da proteção da Companhia de
Jesus aos índios eles já eram poucos na área litorânea, tendo os que sobreviveram ao
convívio, se refugiado no sertão, isto é longe da Zona da Mata. A perseguição e a ma-
tança dos índios não se encontra ainda devidamente contada pela História. É muito re-
cente o interesse das Universidades, nos seus Mestrados e Doutorados, de História e
Antropologia, pelos estudos sobre o assunto. A História oficial ainda pouco esclarece.(
13 )

15
“A terra é de toda muito chã; o serviço das fazendas é por terra e em carros; a
fertilidade dos canaviais não se pode contar; tem 66 engenhos, que cada um é uma boa
povoação; lavram-se alguns anos 200 mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem
esgotar a cana, porque em um ano se faz de vez para moer, e por esta causa a podem
vencer, pelo que moe cana de três, quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios
ou mais a Pernambuco, não podem levar todo o açúcar : é terra de muita criação de
vacas, porcos, galinhas, etc.”

Duarte Coelho, quando escolheu o sítio para instalação de sua Vila, à cavaleiro
de uma grande várzea, para onde desaguavam vários rios, destacando-se os dois maiores
o Capibaribe e o Beberibe, talvez tivesse já presente o interesse na instalação de enge-
nhos de açúcar. Engenhos já existiam na Ilha da Madeira e nela a plantação deu certo. O
açúcar era necessário na Europa, chegando a ser objeto de bom preço no mercado. O
donatário concede as primeiras parcelas de terras para cinco engenhos, entre eles encon-
tra-se um de sua propriedade. A terra era muito fértil, argilosa e produtiva. A cana se
desenvolvia rápida e a socas e ressocas não descansavam o chão, por este ser forte e
capaz de suportar esse processo de replantio. Os carros de boi, que faziam os serviços
dos engenhos e das demais propriedades, são os representados em desenhos, gravuras e
pinturas de Frans Post, entre 1637-43, pintor já referido da comitiva de Nassau, por oca-
sião do domínio holandês, 1630- 1654. Os engenhos que no início eram apenas cinco,
em 1583 já atingiam sessenta e seis. Diante da fertilidade da terra, em áreas de várzeas, a
produção da cana era maior que a demanda dos engenhos no moer e mais difícil era o
transporte do açúcar em caixas, nos navios, para as refinarias da Europa, algumas na
Holanda. O sistema de produção que envolvia o plantio, a colheita, a moenda e o cozi-
mento do mel, seguido da purga, nos pães de açúcar, obrigava um número grande de
obreiros e entre eles uma maioria escrava. Tudo isto morando nas proximidades do lugar
de moer, o engenho, gerava uma pequena povoação, como bem observa o jesuíta. Nesse
cadinho, onde toda gente, desde europeus, os chamados brancos, negros, mulatos , ín-
dios, cafuzos e outras etnias estava mergulhada, se plasmou a civilização do Nordeste e
talvez a do Brasil. Mais interessante vae ficar a mistura quando a esses vieram se somar

16
aquela gente dos Paises-Baixos, com seus mercenários vindos de tantas partes da Euro-
pa. Ainda é assunto pouco estudado as relações entre os holandeses e os da terra ( 14 ).
O interessante de assinalar é a excelente escolha, à luz do plantio da cana de açúcar, do
lugar para a Vila e de seu porto. Os rios, que envolviam as terras do plantio, funcional-
mente, passaram a servir para o escoamento da produção em demanda do embarque e se
constituíram em notáveis estradas fluviais ao lado dos caminhos servidos pelos carros de
bois. A relação Sede da Capitania - lugar de plantio - porto de embarque era perfeita.

A gente da terra é honrada : ha homens muito grossos de 40, 50, e 80 mil cruza-
dos de seu: alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com escravaria de Guiné,
que lhe morrem muito, e pelas demasias e gastos grandes que têm em seu tratamento.
Vestem-se, e as mulheres e filhos de toda a sorte de veludos, damascos e outras sedas, e
nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito senhoras, e não devotas, nem fre-
qüentam as missas, pregações, confissões, etc. os homens são tão briosos que compram
ginetes de 200 e 300 cruzados, e alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui da-
dos a festas. Casando uma moça honrada com um vianez, que são os principais da ter-
ra, os parentes e amigos se vestiram uns de veludo carmesim, outros de verde, e outros
de damasco e outras sedas de várias cores, e os guiões e selas dos cavalos eram das
mesmas sedas que iam vestidos. Aquele dia correram touros, jogaram canas, pato, ar-
golinha, e vieram dar vista ao colégio para os ver o padre visitador; e por esta festa se
pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São sobretudo dados a
banquetes, em que de ordinário andam comendo um dia dez ou doze senhores de enge-
nho juntos, e revezando-se desta maneira gastam quanto têm, e de ordinário bebem ca-
da ano 50 mil cruzados de vinhos de Portugal; e alguns anos beberam oitenta mil cru-
zados dados em rol. Enfim em Pernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa. Os
vianezes são senhores de Pernambuco, e quando se faz algum arruido contra algum
vianez dizem em lugar de : ai que d’elrei, ai que de Viana, etc.”

A prosperidade decorrente do açúcar permitia os luxos de que nos fala Cardim. A


acentuação de gente honrada, parece-nos o interesse em diferenciar os de Pernambuco
de um bom número de aventureiros que para o Brasil se deslocou na busca de fortuna.

10

17
Malfeitores e gente de péssimos costumes já havia na Ilha de Itamaracá e sobre estes o
próprio Duarte Coelho pediu ao Rei que não permitisse vir para sua vizinhança. A or-
dem imposta pelo donatário não foi suficiente, no entanto, para dirimir os maus costu-
mes que reinavam na sua terra, uma vez que o próprio jesuíta Manoel da Nóbrega, em
1551, a eles se refere na sua primeira carta dirigida aos da Companhia em Portugal ( 15
). O Brasil era, de certa forma, uma aventura além-mar e se tornava assim o palco de
costumes pouco recomendáveis pela Igreja. Muitos pecados, se contata documentada-
mente, continuaram até a vinda, e depois, da Visitação do Santo Ofício em 1593. Esse
luxo dos donos da terra, que não pouparam dinheiro para demonstrarem ao padre Cristó-
vão Gouveia os seus recursos, levaram às observações de Cardim. Luxos e pecados estes
que nos chegam, como crítica através de um célebre sermão no qual um padre, de púlpi-
to, declarou que”... esta vila de Olinda se há de mudar em Olanda ...( 16 ). No estudo,
que fizemos, das Denunciações e Confissões de Pernambuco, quando elaboramos uma
relação das profissões em atividade em Olinda, vários alfaiates e sapateiros aí estão es-
tabelecidos, comprovando de certa maneira o vestir dos pernambucanos bem observada
pelo jesuíta ( 17 ). Desde este tempo que os senhores de engenho têm por hábito gastar.
Hábito que permaneceu como que uma marca identificadora dessa gente durante todo o
período da Colônia, daí passando ao Império, onde com os comerciantes dividiram a
forma de morar, em grandes casas, então na cidade, e não no campo, onde as rechearam
com mobiliários mandados vir da Europa. Mesmo com o declínio do açúcar, depois de
1654, tais hábitos não cederam lugar à sobriedade.Os jogos do lazer, assinalados pelo
padre em sua narrativa, ainda permaneceram por longo tempo nos costumes dos da terra.
Em pleno século vinte ainda se corria cavalhada, o jogo da argolinha, em Pilar, nas Ala-
goas, onde os cavaleiro subiam as altas escadarias da Matriz para depositarem ao pé da
imagem da Virgem do Pilar as vitória alcançadas. Corrida de touros acabaram há muito
tempo ( 18 ) . Quanto aos banquetes e festas de que nos fala Cardim , estes continuaram
nas comemorações da igreja e nos casamentos. Os senhores de engenho das Alagoas, em
rodízio, promoviam, ainda em pleno Século Vinte, suas festas onde as Casas- Grandes se
enchiam de vizinhos, em festejos que propiciavam os casamentos entre esses do poder,
garantindo a manutenção da oligarquia. As vaidades tão destacadas pelo padre da Com-
panhia de Jesus, foram batidas mas não derrotadas pelos holandeses em 1630.

11

18
“A Vila está bem situada em lugar eminente de grande vista para o mar, e para
terra; tem boa casaria de pedra e cal, tijolo e telha.”

Portugal, no Século XVI, estendeu seus domínios além de suas fronteiras natu-
rais. Essa gente de quem nos fala Fernando Pessoa, quando declara :“E ao imenso e pos-
sível oceano / Ensinam estas Quinas, que aqui vês, / Que o mar com fim será grego ou
romano : / O mar sem fim é português.” ( 19 ), singrou os mares e venceu os gigantes do
medo levando a toda parte a coragem e o encanto lusitano. Graças a este destemor, nesse
século foi possível, na construção das Cidades Novas, se por em prática toda uma teoria
a respeito de concepção de traçado urbano, na qual os italianos renovaram a matriz ro-
mana através de uma releitura de Vitruvio, mas não concretizaram essas palavras. A
fundação dessas Cidades Novas no além-mar, permitiu transformar em prática todo o
conhecimento armazenado nos Tratados de Arquitetura dos séculos XV e XVI. Um no-
tável estudioso português, o saudoso professor Mário Tavares Chicó, destacou a impor-
tância, à luz desses tratados, das cidades fortificadas das Índias ( 20 ). Sobre as do Brasil
pouco se tem escrito. Notável, é sem dúvidas, o estudo do arquiteto Paulo Santos, em-
bora pouco conhecido, sobre as cidades desse país ( 21 ). Naquele Portugal quinhentista,
com D. João III, podemos encontrar em plena vigência as idéias do Renascimento em
um cadinho onde ainda permaneciam fortes as do Medievo. No Brasil do Século XVI, já
estudamos as fundações de cidades que estão vinculadas ao espirito do Renascimento,
como, por exemplo, a capital da Paraíba, então chamada de Felipéia, em 1584 ( 22 ).
Sobre Olinda estamos em plena elaboração de um longo trabalho. A respeito desta cida-
de, e do seu porto, Recife, já discorreu a senhora Maria João Madeira Rodrigues, com
maestria. ( 23 )

Duarte Coelho, ao procurar uma nova localização para a sede de sua Capitania,
vez que não adiantou muito sua intenção de fundar a Vila de Santa Cruz, nas proximida-
des da Feitoria, a encontra mais ao Sul, em lugar eminente à cavaleiro de um porto abri-
gado, protegido por arrecifes. Não seria este porto desconhecido dos navegadores portu-
gueses, que percorreram, nomeando aqueles acidentes geográficos com as denominações

12

19
do Hagiológio Cristão. Ao escolher tal sítio, ele se instala na mais alta de cinco colinas e
nela , como se disse, localiza a torre forte, de pedra e cal, que lhe servirá de residência, a
igreja matriz, a ferraria , o açougue e definindo também os lugares da câmara e da cadei-
a. Ocupando essa parte elevada , ele a cerca com uma paliçada de madeira com tal forma
de fortificação envolve um casario nascente. A paliçada resultante tinha muito em co-
mum com as cercas defensivas conhecidas e descritas das tabas indígenas. Armado ain-
da de bestas, sendo o canhão talvez ainda de pouco ou nenhum uso na colônia àquela
altura, as armas de defesa eram ainda por sua natureza medievais. Para desenho da nova
vila adotou-se a forma irregular, aquela que na memória dessa gente se encontrava ainda
presente, tendo, possivelmente, por modelo a cidade de Lisboa ou do Porto. Apesar de
não se encontrar vinculada aqueles padrões do nascente Renascimento, o desenho resul-
tante guardava entretanto, uma lógica interna, que de certa forma era de natureza racio-
nal. A parte elevada ao ter que se ligar com o porto fluvial, assim o fez através de um
longo caminho que da Igreja da Misericórdia seguiu , atravessando uma depressão, no-
vamente subindo nova colina, descia para o Varadouro, onde se encontravam as galeo-
tas. Daquela parte elevada descia-se também, desde a Matriz, até o mar, o salgado. A
lógica, que nessa circulação existia, talvez represente o elo entre a irregularidade expon-
tânea daquelas cidades medievais e as novas tendências racionais, que então se começa a
se por em prática com D.João III. É dentro desse anel que envolve a parte habitável, que
surgem as ruas, sempre direcionadas de lugar a lugar. Para as fundações religiosas dei-
xam-se as áreas próximas ao salgado, o mar. A vila se expraia dentro desse anel que a
envolve e nas partes mais baixas, a cerca de vinte metros acima do mar, estão as fontes
d’água potável. Na parte mais elevada irão morar os da governança no trecho mais baixo
o povo. Algumas ruas serão destinadas ao comércio, como por exemplo a da Sarralheira,
outras aos ofícios menores, os sapateiros alfaiates e pedreiros existindo lugar para a gen-
te menos favorecida pelo dinheiro. Um zoneamento preside a localização de cada um.
Ele é bem definido na Carta Foral, talvez o primeiro documento, onde se encontra conti-
do um Plano Diretor das novas conquistas lusitanas.

A ligação com o porto de mar se faz por terra ou através do rio Beberibe, desde
o porto fluvial. Os caminhos são direcionados da sede para a produção na várzea dos

13

20
rios, onde estão os engenhos de açúcar. O porto é uma aldeia ou povoado, nele não exis-
tindo senão armazéns e uma ermida para os moradores voltados para os trabalhos portu-
ários.

Na Vila , organizada segundo aqueles diferentes moradores é o lugar onde se


encontrava o luxo descrito pelo jesuíta Cardim e onde se podia ver viver como se em
Lisboa se estivesse. Portugal se transportava para os trópicos, moldando nos hábitos e
costumes, uma capital abaixo do Equador, onde se via mais luxo que em Lisboa. “Uma
Lisboa Pequena”.

Notas:

1) Cardim, Fernão, Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica, in Tratados


da Terra e Gente do Brasil, Brasiliana, Volume 168, Companhia Editora Nacional, São
Paulo, 1978, páginas 171 a 247.

2) A fundação da Vila de Olinda encontra-se envolvida por uma lenda, divulgada por
Frei Vicente do Salvador:

“ As cinqüenta léguas de terra desta capitania se contêm do rio de São Francis-


co, de que tratei no capítulo passado, até o rio de Igaraçú, de que tratei no capítulo
segundo deste livro, e chama-se de Pernambuco, que quer dizer mar furado, em respeito
a uma pedra furada por onde o mar entra, a qual está vindo da ilha de Tamaracá. E
também se poderá assim chamar em respeito ao porto principal desta capitania, que é o
mais nomeado e freqüentado de navios que todos os mais do Brasil, ao qual se entra
pela boca de um recife de pedra tão estreito que não cabe mais de uma nau enfiada
após outra e, entrando desta barra ou recife para dentro, fica logo ali um poço ou sur-
gidouro, onde vêm acabar de carregar as naus grandes, e nadam as pequenas carrega-
das de cem toneladas ou pouco mais, para o que está ali uma povoação de duzentos

14

21
vizinhos com uma freguesia do Corpo-Santo, de quem são os mareantes mui devotos, e
muitas vendas e tabernas e os paços de açúcar, que são umas lógeas grandes onde se
recolhem os caixões até embarcarem os navios.
Esta povoação, que se chama do Recife, está em oito graus , uma légua da vila
de Olinda, cabeça desta capitania, aonde se vai por mar e por terra, porque é uma pon-
ta de areia como ponte, que o mar da costa que entra pela dita boca cinge ao Leste, e
voltando pela outra parte faz um estreito que a cinge ao Loeste, pelo qual rio navegam
com a maré muitos bateis e as barcas que levam as fazendas ao varadouro da vila, onde
está a alfândega.
A vila se chama Olinda, nome que lhe poz um galego, criado de Duarte Coelho,
porque andando com outros por entre o mato buscando o sítio onde se edificasse, a-
chando este que é um monte alto, disse com exclamação : O’linda !”

in Salvador, Frei Vicente do, História do Brasil, Nova edição, revista por Capistrano de
Abreu, Editores Proprietários Weiszflog Irmãos, São Paulo e Rio, 1918.

3)”O estabelecimento no monte alto, na verdade vários outeiros próximos uns dos ou-
tros, com um rio ao pé e boas terras para agricultura, além de um porto abrigado situa-
do a pequena distância, deve ter ocorrido pelo menos em 1536. escolhida a sede da Ca-
pitania, o donatário começou a dividir a terra pela gente que o acompanhou. Funda-
ram-se as primeiras roças, os primeiros currais, entraram pelo Arrecife dos navios as
embarcações, subiram pelo Beberibe os primeiros barcos - entre os quais uma galeota -
que aproavam num varadouro próximo aos montes, levantou-se no alto de um deles uma
capela da invocação de Nossa Senhora do Monte, abriram-se os primeiros caminhos,
atribuíram-se nomes aos lugares recém-desbravados.”

Gonsalves de Mello, José Antônio, O chamado Foral de Olinda, de 1537, Tentativa de


reconstituição textual e de identificação da área por ele abrangida, in Revista do Arquivo
público, V. 11/28, N. 13/30, 1957/1974, páginas 28 a 58, Recife, Pernambuco.

15

22
4) No livro do senhor Joaquim de Sousa Leão, Frans Post ( 1612- 1680, impresso pela
Editora Kosmos, em 1973, no Rio de janeiro e Amsterdam, em seu Catalogue Raisonné,
podemos encontrar :

1)Rural Landscape
Panel 53 x 69 cms.
Signed and dated F.Post 1649 ( on the cactus)
Coll. Schleisshein Museum
Alte Pinacothek, Munich, n. 1561

2)Plantation House with Tower


Panel 52 x 69 cms.
Signed and dated F. Post 1651
Coll. Alston, Robert, West’s sale, Christie, London, ( 1931)
John Hugh Smith, London
Jacques Kugel, Paris, ( 1935)
D. Fonseca Hermes, Rio de Janeiro ( 1971 )

3)Engenho
Panel 45 x 65 cms.
Signed and dated F. Post 1552 ( lower rigth)
Coll. M.G. von Metzler, his sale ( 1841)
Mittelrheinisches Landesmuseum, Mainz ( 1951 ), n. 153

4)Varzea Landscape With Plantation House


Canvas 282 x 210 cms.
Signed and dated f.Post 22.12. 1652 ( on the calabasse)
Vicent van der Vinne, Haarlem ( 1816 )
Prince von Wield, Backershagen
A.G.N. Swart, Wassenaar, his sale, ( 1930)

16

23
Rijkmuseum, Amsterdam,n. 1906 A3

5)Engenho Real
Canvas 87 x 113 cms.
Signed and dated F.Post 1660 ( lower left)
Coll. Kronborg Castle until 1906 ( bougth in Holand in 1763)
Statnsmuseum, Copenhagen, n. 554

6)Engenho
Panel 44 x 70 cms.
Coll.Von Hacke, Hanover ( 1779)
Hausmann, Hanover, ( 1822)
George V. of Hanover ( 1857)
Duke of Cumberland, n. 55, his sale ( 1925)
Graf H. H. Reinchenbach, his sale , berlin ( 1933 )
J. Sousa-Leão, Rio de Janeiro

Além destes existem outros quadros onde se representam Casa-grandes que não
assinalamos, por se repetirem os modelos do artista.

6) As portadas e retábulos executados de pedra, calcário, da região, são de indiscutível


bom gosto e excelente traçado. Entre os mais conhecidos retábulos, executados em pe-
dra, datados do período anterior a 1630, em Pernambuco, podemos enumerar os dois
colaterais da Igreja de N.S, da Graça , do extinto Colégio dos Jesuítas de Olinda e os
restos do seu altar-mor, com as imagens mutiladas de mesmo material; o da primeira
capela do lado do Evangelho da Igreja do Convento do Carmo de Olinda; o da Igreja de
Nossa Senhora de Nazaré do Cabo de Santo Agostinho, no Cabo e os pedaços do antigo
retábulo da Igreja Matriz de Igaraçú. No que se refere às portadas é-nos possível rela-
cionar a da Igreja de Nossa Senhora do Monte, Olinda; a restaurada e reconstituída da
Sé, em Olinda e a enorme fachada da Igreja do Convento do Carmo ainda em Olinda.

17

24
7)A iluminação da nave central através de aberturas situadas na diferença entre as cober-
turas central e laterais não se constitui novidade em Portugal. No entretanto não é forma
freqüente. Na verdade pertence ao partido basilical o uso de tal solução . Na Itália do
quatrocentos as igrejas de São Lourenço e Santo Espírito, do risco de Brunelleschi, em
Florença, fazem uso dessa forma de iluminação natural. A presença de Baccio de Fily-
caia, engenheiro militar italiano, em Olinda, pode ter influenciado a adoção de tal tipo
de iluminação. Frestas, com excelente traçado, iluminam a nave central e laterais, vez
que localizadas no eixo do intervalo entre as colunas que separam as três naves e acima
da cimalha real.

8)A participação de engenheiros militares em obras civis é bastante documentada no


Brasil. Além das construções para a defesa eles também executaram muitas outras nas
vilas e cidades. Dicionários de artes e ofícios, elaborados no Brasil, já relacionam, am-
pliando as informações de Sousa Viterbo, contidas no seu Dicionário Histórico e Do-
cumental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, as atividades
desses militares e de outros profissionais .O padre Serafim Leite em Artes e Ofícios dos
Jesuítas no Brasil, muito esclarece sobre o assunto, então revelando inúmeros artistas e
onde eles trabalharam no Brasil.

9)A presença holandesa no Nordeste, de 1630 a 1654, paralisou toda uma atividade ar-
tística que se envolvia na construção de igrejas e conventos . Com a saída dos flamengos
, apesar das dificuldades decorrentes da recuperação da economia, essas atividades são
retomadas. Os conventos franciscanos, nesse Nordeste, antes construídos bem no espíri-
to de pobreza da Ordem , são ampliados, depois de 1654, e aderem ao luxo do Barroco.
O mesmo ocorreu, em Olinda com a casa dos beneditinos, o antigo e pequeno convento,
existente desde 1592, é substituído por outro de grandes dimensões. Desse pequeno
mosteiro beneditino, construído desde 1592, restam peças decorativas de um retábulo,
executado em calcário.

10)Menezes, José Luiz Mota Menezes, A Igreja de Nossa Senhora da Graça e o Real
Colégio dos Jesuítas em Olinda, Tese de doutoramento, Livre Docência , Recife,1970.

18

25
11)A lamina que deve ter sido utilizada do Primeiro Livro de Andréa Palladio é a da
Página 30 da edição de 1570 da Casa de Dominico Franceschi. Quanto a de Vinhola,
não sendo possível compulsar a Edição mais antiga podemos indicar a planche XXXI da
reedição da Livraria Garnier, onde as laminas foram gravadas em aço por Hibon. Os
desenhos das pranchas foram do arquiteto J.A. Léveil. Também poderia ter sido usada
uma lâmina do Livro de Sérlio, talvez mais simples para a execução em pedra, mas o
calcário, de corte doce, foi primorosamente talhado nesta material. Ao invés de meias-
colunas em Olinda se empregou a pilastra.

12)Sobre a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e seu altar de cantaria consulte-se - Me-
nezes, José Luiz Mota, O Convento de santo Antônio do Carmo, in Clio, Revista do
Curso de Mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, Número 10, Re-
cife, 1988.

13)Ao se rescrever a História dos grupos indígenas no Nordeste e da própria ação da


Igreja muito se tem revelado sobre o assunto.

14) O Historiador José Antônio Gonsalves de Mello, além do que já informou em Tem-
po dos Flamengos, muito esclarece sobre o tema, em outros trabalhos.

15) “Pelo capitão dos navios que daqui mandei o mês de setembro passado, dei con-
ta a Vossa Alteza de minha viagem e chegada a esta Nova Lusitânia e do que aqui era
passado. Depois meti-me, Senhor, a dar ordem e sossego e paz da terra, com dádivas a
uns e apaziguando a outros, porque tudo é necessário. E assim dei ordem a se fazerem
engenhos de açúcares que de lá trouxe contratados, fazendo tudo quanto me requere-
ram e dando tudo o que me pediram, sem olhar a proveito nem interesse algum meu,
mas a obra ir avante, como desejo. Temos grande soma de canas plantadas, todo o po-
vo, com todo trabalho que foi possível, e dando a todos ajuda que a mim foi possível, e
cedo acabaremos um engenho muito grande e perfeito, e ando ordenando a começar

19

26
outros. Praza ao Senhor Deus que me ajude segundo Sua grande misericórdia e boa
intenção “ Carta de 27 de abril de 1542, datada da Vila de Olinda.

“E porque para as cousas de tanta importância há necessidade de muitos gran-


des gastos e eu estou muito gastado e endividado, e não posso suportar tanta gente de
soldo como até aqui suportei, há já três anos que pedi a Vossa Alteza me fizesse mercê
de me dar licença e maneira de haver alguns escravos de Guiné por resgate, e o ano
passado respondeu-se-me que até se acabar o contrato que era feito nada se podia fa-
zer, dando-se-me a entender que, acabado, seria provido, pelo que já escrevi a Vossa
Alteza sobre isso. Não sei se me fez esta mercê, porque os navios não são ainda chega-
dos. Peço a Vossa Alteza que, se me não concedeu esta licença, olhe quanto isto é do
seu serviço, e quanto pouco dano e estorvo faz dar-me licença para obter alguns escra-
vos para o servir melhor. A Dom Pedro de Moura e a Manuel de Albuquerque mande
Vossa Alteza dar a provisão para isto.” Carta de 27 de abril de 1542, da Vila de Olinda.

In,Gonsalves de Mello , Albuquerque, José Antônio, e Cleonir Xavier de, Cartas de


Duarte Coelho A El Rei, Documentos para a História do Nordeste, II, Recife, Pernam-
buco, 1967, páginas 87 e 88.

16)” Finalmente os desaforos iam tanto de foz em fora, que subindo ao púlpito, em um
dia solene o Padre Fr. Antônio Rosado da Ordem do Patriarca S. Domingos, o qual
havia vindo a Pernambuco por Visitador do Santo Ofício; vendo o que se passava disse
estas palavras : De Olinda a Olanda não há aí mais que a mudança de um i em a , e
esta vila de Olinda se há de mudar em Olanda, e há de ser abrasada por os olandeses
antes de muitos dias; porque pois falta a justiça da terra, há de acudir a do céu. E assim
como o dito padre o ameaçou assim sucedeu em breves dias, com no seguinte capítulo
se dirá “.

in ,Calado, Frei Manuel, O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, 4 ª Edição, Pre-


fácio de José Antônio Gonsalves de Mello, Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais,
Recife, 1985, páginas 39 e 40.

20

27
17)Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, Pelo Licenciado Heitor Fur-
tado de Mendonça, Denunciações de Pernambuco - 1593 - 1595. São Paulo 1929.

18)O gosto pelas festas populares ainda permanece como uma das características do
Nordeste e de Pernambuco. As Vaquejadas, os Pastoris, as Cheganças, Os Reisados, o
Bumba Meu Boi, são festejos bem animados em toda a região. Outras manifestações
folclóricas foram acrescentadas àquelas do período em tela e outras raízes vieram somar-
se às portuguesas ao longo dos séculos. Surge também o Carnaval, que, embora univer-
sal, tem características próprias em Pernambuco, com suas danças típicas, por exemplo o
Frevo e o Maracatú, e certas manifestações do interior do Estado que nos legou, entre
outros ritmos, o Baião e a dança do Xaxado.

19)A poesia de Fernando Pessoa, notável poeta lusitano, é utilizada, em termos de letra,
em músicas no Brasil. A relação do brasileiro com o poeta português é muito forte, es-
sencialmente na juventude. A frase foi utilizada em uma das músicas de um disco LP,
titulado Mensagem, onde o poeta é interpretado por vários cantores brasileiros. Mar Por-
tuguês, III, Padrão, in Mensagem , Parceria António Maria Pereira, Lisboa 1934.

20)Chicó, Mário Tavares , A cidade ideal do Renascimento e as cidades portuguesas da


Índia, in Garcia de Orta, Número Especial, Lisboa , 1956, páginas 319 a 328.

21)Santos, Paulo, Formação de Cidades no Brasil Colonial, Coimbra, 1968

22)Menezes, José Luiz Mota, Algumas Notas a Respeito da Evolução Urbana de João
Pessoa, Recife, Pool Editorial Ltda , 1985.

23) Rodrigues, Maria João Madeira, Olinda e Recife, Uma Situação de Bipolaridade no
Urbanismo Colonial Português, Lisboa 1979.

21

28
O Sítio e a Casa do Barão Rodrigues Mendes.
Sede da Academia Pernambucana de Letras.

1. Localização do Edifício.

A
Academia Pernambucana de Letras tem sua sede, desde 1966, na casa que pertenceu ao
Barão Rodrigues Mendes, o comerciante português João José Rodrigues Mendes. Por inicia-
tiva do então governador Dr. Paulo Guerra, a casa foi desapropriada, sendo presidente daque-
la instituição o escritor Luiz Delgado , autor intelectual da ação. A desapropriação, no entan-
to, somente veio a ser concluída em outro momento, através de Escritura de doação, quando governava o
Dr. Eraldo Gueiros, sendo na oportunidade o presidente da Academia o Dr. Marcos Vinícius Vilaça. Na
presidência de Marcos Vilaça a instituição teve sua sede totalmente restaurada e na administração do
poeta Mauro Mota , foi construída a atual biblioteca e auditório, sendo para este último adaptadas as anti-
gas dependências ao lado da casa.

A sede da Academia Pernambucana de Letras está situada no cruzamento da Avenida Rui Bar-
bosa com a Avenida Dr. Malaquias, no número 1596. O local tem sua história e vale a pena conhecer.

O atual bairro do Recife, nos seus primeiros dias, a antiga lingüeta, nome que recebeu por ser
uma estreita faixa de terra seca, um areal batido pelo mar e banhado por rios, península presa ao Sul de
Olinda, não era mais que um povoado ,onde o porto, com seus armazéns para guarda do açúcar, levava a
uma população presa a atividade de embarque e desembarque de mercadorias, e alguns pescadores. Nesta

29
aldeia, “o povo”logo se construiu uma capela de orago S.Frei Pedro Gonçalves, conhecida por a do Corpo
Santo. Não foi fácil ,com o natural crescimento da população, ampliar essa faixa estreita de terra ; de um
lado o mar ,do outro os rios, o Capibaribe e o Beberibe, que se encontram na parte Oeste da península,
desaguando ambos no porto. Para o lado Oeste da aldeia, separada pelos rios estava a Ilha de Antônio
Vaz, hoje os bairros de Santo Antônio e São José. A travessia desde o Recife para a ilha se fazia em balsas
sendo depois, no governo de João Maurício de Nassau, administrador da Companhia das Índias Ociden-
tais, que ocupara o Nordeste em 1630, construída uma ponte. Esta companhia de comércio ao invadir
Pernambuco , nesse ano de 1630, nele e no restante do Nordeste se mantém até 1654 . Ao tomar a iniciati-
va de incendiar e abandonar Olinda se recolhendo no Recife, os holandeses desenvolvem e ampliam con-
sideravelmente o povoado, estendendo a área de ocupação urbana para o lado da ilha . Nesta Nassau cons-
trói dois palácios e um grande trecho, que urbanizado , nele são edificadas casas de menor porte , dentro
de um plano urbanístico atribuído ao arquiteto Pieter Post.

Os rios cortando a várzea onde estavam as plantações de cana de açúcar, serviam de estradas para
escoamento da produção até o porto. Em terra outros caminhos se formam ligando engenhos.

Ao longo das margens do rio Capibaribe e de outros de menor porte vão se distribuir as proprie-
dades rurais, os engenhos, que aproveitam a boa terra para a cultura da cana de açúcar. Desde a ilha de
Joana Bezerra, até a povoação da Várzea, nas terras esta última de João Fernandes Vieira , proprietário
rural no século XVII, vão se distribuir , às margens do rio Capibaribe, engenhos, entre outros os nomea-
dos por da Madalena, Torre, Casa Forte, Monteiro, e Dois Irmãos.

Com o passar do tempo e a expansão da cidade, os engenhos foram deixando de moer e suas
terras são parceladas em sítios , alguns bem grandes, destinados a moradias , ocupadas durante um perío-
do do ano onde se tornava ,pelo clima , difícil morar no Recife , centro. É no século XIX quando se acen-
tua esse fenômeno permitindo o surgimento de trechos às margens do rio com inúmeras residências de
veraneio. Um deles ,próximo a uma travessia de barco de uma a outra margem do rio , concentrando as
melhores casas ,chamava-se Passagem da Madalena. Outro trecho, onde se encontravam, também boas
residências, se localizava em parte da estrada que desde a Boa Vista, seguia até a propriedade dos Dois
Irmãos, acompanhando o rio Capibaribe na margem Leste. Nessa estrada ou caminho, está situado o sitio
do Barão Rodrigues Mendes.

30
2. História e Arte.

Um pouco adiante da ponte de Marcos André , a da Torre, que se encontrava ao fim de um ca-
minho que do engenho de igual nome seguia até o rio, se encontrava o sítio do Barão. Este negociante
adquiriu a propriedade, com a sua casa de moradia em 1863. Em 1870 a reformou dando-lhe o aspecto
que tem hoje.

Não era o sítio o maior de quantos haviam no seu entorno. O Historiador José Antônio Gonsalves
de Mello, no prefácio para o livro do jornalista Otávio de Morais, “Roteiro do Barão Rodrigues Men-
des”(1), assinala outras importantes propriedades. Parece-nos que a mais antiga delas era o Sítio das Ja-
queiras, de Bento José da Costa, seu último possuidor, antes do atual. Era conhecido por Ponte d’ Uchôa o
lugar onde se encontrava o sítio do Barão.

O sítio, adquirido em hasta pública , em 1863, com moradia, era de propriedade da Senhora Ma-
ria Francisca Marques do Amorim. Estava ele vinculado à massa falida da firma Viúva Amorim & Filho.
Para a venda foi necessário Alvará próprio do Juiz.

As dimensões originais da propriedade adquirida eram: de frente, cento e dezenove metros e


noventa e seis centímetros ; na divisa Norte ,com o terreno do Dr. Joaquim de Almeida Pinto , media
oitenta e dois metros e cinqüenta centímetros ; depois , na mesma orientação , mais cento e um metros e
vinte centímetros , em divisa com o sítio de Bento José da Costa ; na parte Leste , os fundos , divisa nativa
com o sítio de Joaquim Pinto de Oliveira e herdeiros de Salvador Souza Braga, media cento e vinte metros
e cinqüenta e seis centímetros ; ao Sul , com cento e setenta e oito metros e sessenta e quatro centímetros
confinava com o terreno de propriedade da Viuva Amorim & Filho.

O sítio atual não é mais tão grande, houve anexações e desmembramentos, enquanto ainda era
vivo o Barão e outras vezes depois. A propriedade perdeu uma parte quando da retirada do trecho que
corresponde a Vila Elvira, chalé magnífico, em madeira, destinado a uma das netas do proprietário. De-
pois, ocorreu a venda , pelos herdeiros , de parte do terreno , para a sede da Associação Atlética do Banco
do Brasil. Em vida do Barão, na abertura da Avenida , atual Dr. Malaquias, médico que casou com sua
filha, houve a cessão de toda uma faixa do terreno , que antes confinava com aquela propriedade da Viúva
Amorim & Filho, hoje Colégio das Damas Cristãs.

A casa constante daquela venda em 1863, em hasta pública , se encontra descrita no livro, antes
referido, do senhor Octávio de Moraes : “O sitio adquirido por Rodrigues Mendes era dotado de ampla

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vivenda provida de um sótão , salas , quatro quartos , que ainda hoje se identificam pela medição. A copa
e a cozinha ficavam separadas do coro principal da casa. Ao ocidente : os quartos , uma sala e , ao lado
do oitão erguiam-se o estábulo e a estrebaria.

A vivenda com o seu sótão característico ocupava uma área que media 65 palmos de frente por
69 de fundo. Quase um quadrado . Toda a sua orientação arquitetônica ainda permanece a mesma, pois
nada ali foi demolido. A frente deita para o Ocidente e as dependências para o Sudoeste.”( 2)

A casa era reconhecidamente a atual sem os acréscimos feitos pelo Barão.

Do sítio, todo arborizado com as mais diversas fruteiras, plantadas a partir de desenho realizado
pelo proprietário, não resta hoje muito. O que ficou, no entanto, ainda revela aquela propriedade , magní-
fica, percorrida , quase todos os dias pelo Rodrigues Mendes.

O sítio somente conheceu três proprietários essenciais : aquela família da Senhora D. Maria
Francisca Marques do Amorim , que o vinculou à Firma Viúva Amorim & Filho ; o Barão João José
Rodrigues Mendes , que o adquiriu em 1863 , em hasta pública , conservando-se na família até 1966 ,mais
de cem anos, e finalmente a Academia Pernambucana de Letras , que o obteve , por doação do Governo
do Estado de Pernambuco , em 1966.

A moradia que foi adquirida pelo Barão Rodrigues Mendes , não tinha , em seus momentos inici-
ais , o mesmo aspecto do prédio que nos chegou até a sua desapropriação pelo Governador Paulo Guerra ,
em 1966. O proprietário , ao comprar o sítio , realizou obras , não imediatamente , é o que nos parece ,
mas em 1870 , segundo nos informa o citado livro do senhor Octávio Moraes. Segundo o autor , “A vista
das escrituras salvas de total destruição sabe-se , agora, que Rodrigues Mendes já encontrou em parte
construída quando a adquiriu em 1863. O seu trabalho foi reforma-la. Revesti-la de azulejo português,
colocar o piso com retângulos de mosaico inglês , instalar os lustres franceses e demais ornamentos ,
além de ter feito várias adaptações e a pintura geral. Construiu a copa e ante-copa , a escadaria , o
Torreão e toda a puxada que prolongou o sótão primitivo; andar , possivelmente modificado pelo arqui-
teto ou engenheiro incumbido da reforma. Rodrigues Mendes encomendou na Áustria a mobília de carva-
lho da sala de jantar e encarregou a Eugene Lassailly , de sua decoração a óleo ainda hoje inalterada.
“(3)

Ditas dessa forma as modificações na casa parecem simples, mas , na verdade não o foram.

32
Quando das obras de restauro da casa , empreendidas durante a administração do acadêmico
Marcos Vinícius Vilaça , algumas observações foram realizadas nas paredes da velha construção , naque-
las de onde se retirou o reboco , para melhor encaminhar as intervenções , possibilitando os seguintes
resultados :

Em primeiro lugar constatou-se a existência , na parede que separa a copa da ante-copa , de três
vãos e não dois , conforme temos hoje , tendo sido o central transformado em armário . Tal distribuição
das aberturas as identifica com aquelas ,simetricamente existentes , na sala , a última , do outro lado.

Com tal disposição das aberturas da ante-copa , para o exterior , chega-se a conclusão que a
copa e demais dependências foram somadas ao corpo da casa , quando das obras referidas.

Depois , para inclusão da escada de serviço , que sai no sótão do mesmo lado da ante-copa , foi
construída uma parede que dividiu um segundo cômodo antes existente deste lado, provavelmente um
quarto. Tal obra foi útil à puxada , desde o sótão , que se prolongou sobre a ala que é de serviço e agrega-
da a casa. Tal puxada incluía quartos e um banheiro , tendo sido demolida quando da restauração.

Deste modo , a edificação ,antes das reformas do Barão , em termos de composição de arquitetu-
ra, estava bem mais de acordo com o ideário do neoclássico , onde as quatro fachadas eram simétricas,
duas a duas , e a volumetria resultante , a partir de uma planta-baixa quase ao quadrado , acompanhava
os modelos consagrados por esse gosto para a arquitetura residencial . Tal disposição nos conduz a uma
concepção arquitetônica mais erudita e fiel aos conceitos de modulação e modenatura do período , situado
em torno de meados do século XIX.

As obras empreendidas pelo Rodrigues Mendes são aquelas mais coerentes com o gosto dos anos
setenta e incluem , além da puxada , elementos decorativos , pinturas de paredes e portas e , provavelmen-
te, os estuques decorativos. Com tais considerações , podemos , distinguir desde logo e adiante comenta-
remos, as seguintes fases das obras:

a) A edificação adquirida em 1863, sem os acréscimos realizados pelo Barão;

b) A edificação , acrescida da ante-copa , copa e uma dependência , separada através de uma


passagem para carros , embora em um mesmo bloco , Este anexo ou “puxada” , pode ser visto em es-
tampa de cerca de 1878 , da Litografia de F.Carls realizada a partir de desenho de L. Krauss;

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c) A edificação com o acréscimo de um prolongamento do sótão por sobre a puxada , obra de
igual período daquela do Torreão ,este um reservatório de água , depois utilizado pelo proprietário ,
quando viúvo, para moradia ;

d) Do mesmo período desse prolongamento é a dependência , com a cavalariça , cocheira-


garagem e os quartos dos criados ;

e) O edifício atual ,restaurado segundo orientação do projeto .

As obras de restauração do prédio , depois dele já entregue a Academia Pernambucana de Letras ,


foram realizadas , como antes dissemos , durante a presidência do acadêmico Marcos Vinícius Vilaça. Na
oportunidade algumas observações na estrutura construtiva da casa revelaram , em termos de subsídios à
diretriz a ser seguida nas obras de restauração , aspectos , não conhecidos com muita clareza , da constru-
ção , das fases vividas , ao longo de sua existência , desde a casa original , até aquela do ano de 1966.

A primeira das observações , a que nos interessa no momento , foi a constatação , já referida , de
que às duas aberturas existentes de passagem entre a ante-copa e copa , somava-se uma terceira , central ,
então oculta por um armário , feito para aproveitar o vão . Tais aberturas eram iguais àquelas , simétricas ,
da terceira sala da fachada Sul. Assim também verificou-se que a puxada ,tão referida em depoimentos
dos ocupantes do imóvel , conforme o livro do Senhor Octávio de Moraes , começava nesta parede divisó-
ria de ambientes.

Por outro lado , a planta ,arquivada na Companhia Pernambucana de Saneamento - Compesa , de


1921 ,apresentada a esta repartição pelos senhores Antônio Lopes de Amorim e Carlos Augusto Monteiro
, para efeito de aprovação ou regularização das instalações hidráulicas e sanitárias , confirmava também as
alterações no corpo principal , o mais antigo do imóvel , para a localização de cômodos , banheiros e
outros equipamentos do mesmo gênero.

Com tais informações foi possível chegar a um aspecto da casa ,talvez aquele de quando ela foi
adquirida pelo Barão Rodrigues Mendes.

Tal residência ,de plano erudito , era na verdade “pequena”, comparada com aquela ampliada ,
em seu último estágio , documentado pela planta da Compesa , ora assim nomeada daqui em diante. O
depoimento da esposa do senhor Octávio de Moraes , a senhora Eurydice Amorim de Moraes , é bem
coerente , vez que ela já se encontrava habituada com a velha casa , inclusive com tantos quartos no an-

34
dar superior da puxada. Ao declarar que “Ponte de Uchôa era , então , uma casa pequena e modesta ,
rodeada por um pomar e com mais três hectares de terra “, a sua memória escrita , aliás notável docu-
mento para a sociologia da habitação , foi fiel ao que ouviu e viveu em termos de casa.

A casa , sem os referidos acréscimos , era de uma planta quase ao quadrado , de excepcional
composição de arquitetura e fiel as idéias Neoclássicas , em termos de História da Arquitetura. O corpo da
edificação era dividido no térreo , simetricamente , em três partes , de um lado as três salas , a de visita
,dos retratos ( talvez de música ) e a de costurar e leituras ; do outro lado , depois da primeira sala vinham
os quartos ( dois) e uma última sala , talvez uma copa ; no centro , a sala de entrada, (o vestíbulo) , o pri-
meiro cômodo após o pórtico e depois a sala de refeições.

O elemento distribuidor na composição é esse vestíbulo , do qual se tem acesso para todas as
partes de uso da casa ( zoneamento de uso). Considerando tal uso , à luz do cotidiano desejado pela socie-
dade pernambucana de meados do século XIX , o autor do risco ( projeto de arquitetura) foi um dos seus
melhores intérpretes. Desse vestíbulo se atinge a zona social ,do lado Sul , as três salas , nas quais , com
certa hierarquia ,se passa do viver externo , da sala de visita , para o viver interno , a sala de costura ;
segue-se também do vestíbulo para a zona íntima , do lado Norte , através de um dos corredores que lade-
am a escada , por um vão de porta hoje entaipado , atingindo-se os quartos do térreo ; também desse ves-
tíbulo se passa àquela sala escritório , também na mesma lateral ; daquele vestíbulo , pelos corredores
simétricos , se chega ao grande salão de jantar , de importância considerável na vida social do dezenove e
, finalmente , dessa sala de entrada se toma a escada nobre para a parte ( zona ) íntima , no pavimento
superior , onde se encontram a sala de estar privativa da dona da casa e os quartos .

No que se refere ao traçado da planta-baixa , a composição de arquitetura , de maneira notável,


determina um extraordinário ritmo na distribuição dos vão de portas e janelas externos e internos , indi-
cando o uso de uma “grelha”, onde as envasaduras , por uma intenção de partido arquitetônico , são coin-
cidentes . Assim , as aberturas da fachada principal , a de frente , coincidem com as da posterior e as das
duas fachadas laterais , também entre si. Não bastando tal ordem , as aberturas internas se relacionam ,de
maneira proposital , também com as externas.

Esse traçado , nas plantas-baixas , é reforçado pela volumetria , a qual se comporta simetrica-
mente em relação ao eixo longitudinal , marcando a presença do Neoclássico no todo da arquitetura .

Tal risco , sem dúvidas , não seria de um simples mestre de obras. Quem definiu este estágio
inicial da edificação teve formação fiel às diretrizes racionais estabelecidas no livro de Durand “Précis

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des leçons d’architecture ...,” editado em Paris em 1802 , sobre composição de arquitetura , adotado na
Escola Politécnica da França. (4). Não seria fácil a um simples construtor chegar a tal partido arquitetôni-
co. A definição , à nível de composição de arquitetura , do risco da casa , nesse estágio , é bem de um
profissional competente e de experiência. Soube ele , de maneira magistral , representar em , aparente-
mente , simples linhas , toda a estrutura social que lhe definiu o programa da arquitetura . Foi fiel ao con-
junto de necessidades do proprietário , talvez ansioso , ou já acostumado a “receber”e em plena consciên-
cia do que seria uma residência , de certo modo nobre , para a sua classe social emergente , a de comerci-
ante novo rico.( 6)

Não se pode pensar que tal obra foi fruto do acaso . Em sua forma nuclear a casa do Barão Ro-
drigues Mendes era uma obra erudita , de uma arquitetura neoclássica que , naquele momento , não tinha
ainda recebido o revestimento azulejar , que lhe daria depois , nos anos setenta , um ar um tanto lusitano.

Para que se possa fazer uma idéia daquela sobriedade da composição de arquitetura deveremos
olhar a casa através das suas fachadas Norte e Leste ,que são desprovidas daquela azulejaria.

É possível , no que se refere aos interiores daquela casa de antes de 1863 , não existirem nela os
forros com aplicações em gesso e sim outros em madeira , vez que esses de estuques datam bem do tem-
po das obras , empreendidas pelo Barão depois de 1863 e concluídas em 1870 , das quais falaremos a
seguir.

Adquirida a casa , em 1863 , o seu novo proprietário , em data não conhecida até o momento ,
começa a modifica-la , adaptando-a , provavelmente , ao seu gosto.

As informações sobre o realizado revelam , transcritas no referido Roteiro do Barão Rodrigues


Mendes , conforme vimos , que as obras não foram todas de uma mesma época. A descrição ,fruto de
memória , se bem que importante , não ajuda para a compreensão das fases construtivas do edifício. É a
casa , com seus estilos , na variedade de gostos da segunda metade do século XIX , quem revelará melhor
cada momento da construção.

A análise dos elementos arquitetônicos do edifício , modenaturas e modulações , nos conduzem a


uma segunda planta da casa e coerente com as reformas concluídas “por volta de 1870 “, conforme assina-
la o Historiador José Antônio Gonsalves de Mello , no prefácio do Roteiro. Aliás data indicada em inscri-
ção na fachada do solar.

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Essa segunda planta, corresponde a fase da puxada no térreo. Deveria ter existido alguma depen-
dência próxima àquela casa de 1863. A diferença de espessura das paredes da referida puxada bem indica
reforma em construção anterior. Não sabemos , no atual estágio do edifício e sem maiores prospeções ,
como seria essa dependência isolada . Mapas da cidade , anteriores a 1863 , não revelam nada .

A obra de reforma consistiu no acréscimo , no corpo original da construção , aquele visto em


análise anterior , de uma lâmina estreita e longa que se colava na posição que corresponde àquela primeira
parte da planta-baixa , lado Norte , referente aos quartos. A copa da casa de 1863 , recebe um prolonga-
mento e se transforma em ante-copa e a nova copa tem a seguir uma passagem para veículos , abrigada e ,
depois , a dependência , possivelmente a cozinha.

A reforma , de certo modo , prejudicou a composição de arquitetura anterior . Quem a fez não
considerou o projeto Neoclássico e ao introduzir a puxada criou um elemento que destruiu a leitura da
fachada posterior e também alterou a composição do edifício também , essencialmente , na sua volumetria
racional.

Somos levados a reconhecer que o autor da reforma foi bem um profissional não identificado
com os princípios teóricos que levaram à fisionomia do prédio neoclássico. Podemos mesmo afirmar ser
incompatível nele a visão estética desse estilo de arquitetura. A obra executada feriu formalmente a con-
cepção arquitetônica do solar de 1863.

Acreditamos que pior seria se o autor da reforma não procurasse coincidir os perfis da platibanda
da puxada com as da mesma ordem da casa. Mesmo assim , por não dominar com clarividência os perfis
dos tratadistas , é levado a um desenho pobre e destituído de erudição , diferente daquele , rico e fiel ao
Tratado de Vignola , da casa de 1863.

Nesse acréscimo pode-se considerar aquela obra até a arcada de passagem de veículos , de certo
modo , como uma tentativa de acomodação ao projeto inicial ,diferente da grosseira adaptação , de obra
anterior ,do corpo da cozinha.

Não ha ,salvo o acréscimo , em termos de mudanças fundamentais , o que considerar a mais no


que se refere ao partido arquitetônico da casa .

Acreditamos que as obras empreendidas foram de “aformoseamento”, isto é , enriquecimento do


interior . Na verdade na segunda metade do século XIX se percebe uma mudança , talvez traduzida por

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este enriquecimento , no Neoclássico , redirecionando aquela sobriedade das obras iniciais do estilo , tais
como as do arquiteto Grand-Jean de Montigny , no Rio de Janeiro , e , depois , as do engenheiro francês
Louis Leger Vauthier , no Recife. Compreende-se bem tal fenômeno ao compararmos as obras do Teatro
de Santa Isabel , de Vauthier , com aquelas de responsabilidade do engenheiro José Tiburcio Pereira de
Magalhães , empreendidas após o incêndio , que atingiu o mesmo prédio , e que motivou o atual interior ,
realizado em estrutura metálica. O considerado Neoclássico do edifício da Assembléia Legislativa de
Pernambuco e esse interior do Teatro de Santa Isabel , revelam a tal tendência decorativa , materializada
em um enriquecimento ornamental , que terminaria por conduzir a um estilo classicisante , de um Neobar-
roco à Louis XIV , o classicismo francês.

Por outro lado , o gosto pelos estuques , sua modernidade , então trazida da Europa , levou talvez
a um desvio da rota inicial dos interiores Neoclássicos. O próprio Teatro de Santa Isabel vem receber um
belíssimo estuque decorativo no seu salão nobre , além de uma platéia nada clássica. Sobre esse gosto
pelos estuques , solução mais rápida e moderna , já se referiu alguns autores que trataram daqueles ofici-
ais de pedreiro , vindos da Europa , que mudaram os interiores das casas do Recife.

A moradia de Ponte d’Uchoa não seria uma exceção à regra , mesmo porque ela se encontrava
em um meio onde haviam outras residências suburbanas que não a deixavam ser antiquada. O rico comer-
ciante Rodrigues Mendes não permitiria que seu imóvel fosse considerado de forma secundária : ele teria
que expressar bem sua ascensão social.

A casa , nesta fase construtiva , tem suas duas fachadas voltadas para o Sul e Oeste , revestidas
de azulejos portugueses , de figuras isoladas , bem românticos . Estes elementos , como antes dissemos,
também comprometeram a sobriedade daquela arquitetura francesa do edifício de 1863. Não nos restam
dúvidas de que não estava nas cogitações de um arquiteto , ou mestre de obras , fiéis a esse Neoclássico ,
a presença de tais azulejos. Estes são bem de acordo com o gosto português dos revestimentos azulejares
, talvez daqueles oficiais lusitanos que vieram contratados para as obras. São eles , os azulejos , talvez o
fator maior ,que levam àquela distinção , clara , entre a casa do Rodrigues Mendes e a do Sítio da Cruz ,
na Passagem do Manguinhos. A moradia do Sítio da Cruz , se torna diferente , também , por não se ter
vestido de azulejos.

São os azulejos que dão ao Solar da Ponte d’Uchoa aquele ar telúrico , bem lusitano e fiel , tal-
vez, à própria memória e gosto de portugueses como o Rodrigues Mendes.

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A casa , nesse estágio , concluído em 1870 , foi escolhida para ser representada em estampa lito-
grafada pela empresa de F. Carls , através de desenho de L. Krauss , realizado a partir de fotografia , para
o Álbum de Pernambuco , começado a publicar , em folhas soltas , em 1878 , em suas dez primeiras lito-
grafias. O que significa ter a edificação permanecido de 1870 até 1878 com mesma fisionomia.

O Barão Rodrigues Mendes teve boa prole (5),restando ,após a morte de alguns filhos , quatro
filhas, sendo a família bem acomodada nos cômodos da casa.

Uma das filhas Joana, casou com o médico Malaquias Antônio Gonçalves.

Malaquias passou, a convite do Barão , depois de algum tempo de casado a residir na casa de
Ponte d’Uchoa. A família crescia e a moradia se tornou pequena.

Acreditamos assim , que a vinda do genro para a casa deve ter levado, depois daquele ano da
mudança , a última das reformas: o prolongamento do sótão por sobre aquela puxada concluída em 1870.

É a reforma coincidente com a construção do chalé, de madeira, a Vila Elvira, concluída em


1890, usando, por desmembramento, parte do terreno do sítio, no lado Norte.

Na mesma oportunidade se fizeram as dependências para o carro e a cavalariça , além das aco-
modações dos criados, onde parte delas serve àquela Vila Elvira. Situa-se tais dependências na divisa que
separa os dois imóveis.

O prolongamento do sótão, como melhor se pode chamar a reforma realizada, é fiel ao gosto dos
anos, de entre oitenta e noventa, do século XIX. Inclusive a presença do lambrequim bem identifica tal
década, levando mesmo a se poder datar a obra ,talvez ,do momento da viuvez do proprietário , quando
ele se muda para o Torreão, sendo este um reservatório elevado de água.

Na ocasião é feita uma reforma, no térreo e pavimento superior, do lado da casa voltado para o
Norte. Os dois quartos existentes no térreo são transformados em apenas um quarto e um banheiro e no
espaço restante executada uma escada de serviço, para maior comodidade de acesso desde a ante-copa e
demais cômodos para o prolongamento, no andar superior, dos ambientes construídos sobre a puxada.
Assim, para se chegar àqueles quartos por sobre a puxada e outros ambientes da área íntima , não se ne-
cessitaria ir até a escada nobre. Provavelmente seria essa a escada referida no Roteiro, a construída pelo
Barão Rodrigues Mendes.

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O sótão prolongado chegou até aquele momento da desapropriação do Solar pelo Governo do
Estado em 1966. Somente foi demolido quando das obras de restauração.

O resultado de uma análise das obras executadas depois de 1878 ,nos leva a afirmar que elas,
provavelmente, foram de responsabilidade de um mestre de obras. Elas são destituídas de qualquer lógica
em termos da arquitetura existente no imóvel. Trata-se de um corpo acrescido, descuidadamente, àquele
projeto original sem a “menor classe”, a expressão é correta , embora não usual em crítica de arquitetura.
Em um prédio Neoclássico, onde já se verificara uma reforma não tão feliz, se acrescenta uma obra imen-
sa e com tratamento inteiramente incomum com o edifício existente. É muito estranha a presença do lam-
brequim, embora próprio da época da sua construção, em um edifício neoclássico e mais incrível ainda a
volumetria resultante. É talvez uma obra necessária ao moradores do imóvel , coerente com a necessida-
de de maior espaço, inconseqüente, no entretanto, com a estética do Neoclássico.

O estranho acréscimo, como dissemos, chegou até a década de sessenta do nosso século e se
encontra documentado em fotos e naquela planta da Compesa.

Dos móveis que enriqueciam o interior da moradia do Barão Rodrigues Mendes há referência
clara àquela sala de jantar , de origem austríaca, de gosto Luís XIII , encomendada pelo proprietário. Este
mobiliário ainda existe.

Os dois pianos, meia cauda, não estão mais na casa, restos de um deles, embora não saibamos
qual dos dois, foram encontrados quando da restauração do imóvel. Em fotografia que ilustra o livro de
Octávio de Moraes, à página 223, vêem-se os móveis da sala de visita, em gosto da segunda metade do
século XIX, em jacarandá, provavelmente executados em Pernambuco.

Os atuais móveis da sala de visita, embora de mesma época, foram da família do Historiador José
Antônio Gonsalves de Mello e assim de outro solar.

Todos os salões da casa possuíam belíssimos lustres, os quais ainda podem ser vistos em fotogra-
fias. Conservou-se, adaptados para energia elétrica, e sem seus doze braços originais, o da sala de jantar,
em cristal do tipo conhecido por “picos de jaca”, por analogia à fruta .

Reconstituíram-se, quando da restauração, os lustres das demais salas através de acordo com o
Museu do Estado de Pernambuco, o qual cedeu à Academia àqueles retirados do pavimento superior do

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prédio principal, quando de uma reforma, e que pertenceram ao antigo solar ,hoje o museu, do Comenda-
dor Augusto Frederico de Oliveira.

Os pisos do térreo da casa de Ponte d’Uchoa são, em sua maioria de mosaicos de origem ingle-
ses, de excelente feitura. Aliás o gosto pelo uso de tal tipo de ladrilho decorado é bem identificado, na
segunda metade do século XIX, no Recife. Além da casa do Barão outras tiveram o mesmo tratamento.
Entre os sobrados, da Rua da Aurora dois, pelo menos, possuíam tal piso inglês: o primeiro um rico so-
brado que existia na esquina da Rua do Riachuelo e o outro, hoje preservado, é o Centro de Criatividade
Musical da Secretaria de Educação. Nos subúrbios de Poço da Panela e Apipucos, podemos apontar dois
outros sobrados, um que foi adquirido, nos anos setenta, pelo Senhor David Kitover e o que pertenceu ao
Psicanalista José Lins de Almeida, respectivamente.

Os pisos do andar superior são em soalhos, executados em madeira do Brasil.

Ao longo do século XIX podemos perceber no Recife, graças aos desenhos, gravuras , litogravu-
ras, pinturas e fotografias, as sensíveis mudanças ocorridas nas edificações através de sua portas e janelas.

Assim, desde as antigas esquadrias, onde a presença do vidro era muito pequena, até chegarmos
àquelas janelas e portas com vidros em caixilhos de finos perfis, são decorridos alguns anos. Os desenhos
de tais envazaduras são definidos a partir de modelos importados, de gostos os mais variados.

As janelas e portas da casa do Barão são bem aquelas usuais no terceiro quartel do século XIX,
no qual os vidros, cerca de um ou dois por cada folha de janela, se associam a venezianas que ocupam
cerca de um terço da altura da mesma. Deste modo as janelas das fachadas principal, Oeste, e posterior,
Leste, são em arco de meio ponto, portanto com bandeiras de meio círculo, com vidros e venezianas e as
duas fachadas laterais possuem janelas de vergas retas , de vidros e venezianas. Tais esquadrias são as
representadas na referida estampa de Krauss, da litografia de F. Carls, e semelhantes as do Teatro de Santa
Isabel , de mesmo período, colocadas quando da reforma, após o incêndio , e de mesmo gênero de muitas
outras de prédios da mesma cidade.

Internamente as portas de madeira são almofadadas e, singularmente, receberam uma rica deco-
ração pintada imitando madeira de origem européia, o pinho de Riga, com flores aplicadas. Tal decoração
procura reproduzir madeira de diferente origem daquela que foi utilizada, sendo forma decorativa comum
aos ateliers dos pintores decoradores, conhecidas através de álbuns litografados. Na ocasião dos trabalhos
de restauração essas esquadrias estavam repintadas.

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As cores das esquadrias e das paredes não eram mais as originais e foram restauradas a partir de
pesquisas conforme veremos depois.

Na ocasião da primeira reforma o proprietário ornamentou, como era usual , a casa com peças de
louças, portuguesas, estátuas e jarros. Na restauração algumas se encontravam danificadas. Completou-se
o conjunto e se acrescentaram outros elementos obtidos por empréstimo ao Museu do Estado. O Mercúrio,
que ornamenta o alto do frontão é peça original, comprada pelo Barão , talvez em face de sua atividade no
comércio. Várias estampas de Louis Schlappriz , da Litografia de F. Carls e desenhos de L.Krauss de
mesma origem, dão bons exemplos de tal hábito de proprietários e construtores da segunda metade do
século XIX. São coruchéus em forma de pirâmide esbelta ,pinhas ou esferas ornamentadas , além de está-
tuas as formas usuais que vinham do Porto e outras cidades de Portugal , das Olarias , cujos modelos já
foram estuados devidamente.

No interior da casa, além dos pisos ingleses e outros elementos de arquitetura, vale a pena nos
determos sobre as pinturas ornamentais e figurativas da sala de jantar.

Ao gosto daquele último quartel do século XIX são as pinturas atribuídas a Eugéne Lassailly da
sala de jantar. Não estão assinadas e a indicação de autoria é de testemunha da época, conforme o Roteiro
citado : “A pintura da sala de jantar foi confiada a Eugênio Lassailly, pintor francês que vagabundeava
pelo Recife nos fins do século XIX, e se encarregou de trabalho idêntico em vários casarões e vivendas de
sítios da cidade”(7)

É preciso distinguir as pinturas figurativas e os elementos decorativos que em algum tempo, junto
aos forros, ornamentavam o solar. Por outro lado, a pintura do francês foi emoldurada por elementos de-
corativos fingindo madeira os quais se interligavam a uma barra , ou silhar, na parte inferior das paredes
da sala de jantar, imitando também madeira, em partes almofadadas. É dessa fase das pinturas fingidas
aquelas imitando madeira européia das portas internas. Na parte superior das paredes das demais salas ,
havia uma série de medalhões com várias alegorias e ligando cada um deles uma grinalda completava a
decoração qual um friso. Toda essa decoração foi recoberta quando da restauração, salvo os painéis ,
quatro grandes e quatro pequenos , atribuídos ao Lassailly.

Hoje, sem as molduras fingidas, as obras do pintor francês muito se distanciam do conjunto antes
existente. Infelizmente o estado de conservação, então alegado pelos restauradores das pinturas decorati-

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vas, moldura, medalhões alegóricos e guirlandas de flores , impediu a manutenção desses elementos
quando das obras de restauração do Solar.

As pinturas do francês, consideradas à luz das que ainda existem na casa não revelam um bom
profissional, nem sequer nas cópias das oleogravuras do tempo, quais aquelas dos temas figurados, nas
cenas de caça , uma delas inclusive no Polo Norte. Na realidade se pode reconhecer melhor o pintor nos
pendentes , troféus, decorativos, com natureza mortas, localizados nos dois trechos entre as portas que dos
corredores dão acesso a sala de jantar. Parecem mesmo de mãos diferentes , diante da palheta apresentada.

A tentativa de um gosto neoclássico, representado pelas escolha das duas figuras femininas, é
um tanto canhestra e fruto de certa incompetência. Ela foi resultado, talvez ,do modelo fornecido ao pin-
tor, este forçado a fazer cópias para satisfazer o gosto do proprietário, talvez desagradando o próprio artis-
ta e não aquela pintura , de boa qualidade a que estava acostumado.

Vale a pena um confronto dessas obras de pintura artística do Solar atribuídas ao francês com
outras dele documentadas. Ao nosso ver, não são muito compatíveis quando submetidas a uma análise
passo a passo, as obras em tela e outras da lavra do mesmo pintor.

Uma vez descrito e analisado o interior e exterior da casa de Ponte d’Uchoa, vamos tecer algu-
mas considerações sobre o Neoclássico ,estilo de arquitetura à edificação sempre atribuído.

Entre os tratadistas do Renascimento italiano que adquiriram grande popularidade, sendo seus
livros de grande uso pelos arquitetos desde o século XVI até o XIX se encontram Giacomo Barozzi Vig-
nola e Andreas Palladio. Este último mereceu inclusive tradução primorosa de arquiteto N.N. ,para o fran-
cês em meados do século XVIII, tendo suas pranchas sido redesenhadas. A tendência ao palladianismo na
Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte pode ser o maior indicador da preferência de Palla-
dio por sobre Vignola no advento do Neoclássico.

O Neoclássico, resultado, entre outras causas, dos estudos de Winckelman e das escavações de
Pompéia, onde se redescobre a Grécia clássica, somente veio a acentuar aquela permanência classicisante
nos séculos XII e XVIII nos dois reinos citados, da França e Inglaterra.

De um lado o romantismo final do Rococó, aquele de tanta preferência dos alemães e franceses
da segunda metade do dezoito, do outro , as novas obras do Louvre e dos demais palácios franceses e
alemães.

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O Neoclássico como preferência de um momento está consolidado com o Império de Napoleão I,
o Bonaparte, efêmero, mas importante na afirmação de um gosto.

No Brasil conhecemos,a bem da verdade, edifícios Neoclássicos já no final do século XVIII, são
aqueles realizados para a Província do Belém do Grão Pará pelo italiano Giuseppe Landi, nas suas obras
de Belém. Aí não somente é o Palladianismo, mas certamente, Vignola são as dominantes inspiradoras.

O Neoclássico de Grand-Jean de Montigny, na segunda década do século dezenove no Rio de


Janeiro, é bem fiel àquele do reinado e da corte de Napoleão. Delicado, no trato das perfilaturas
,elegantes e presa das definições dos quatro livros de Palladio. Basta-nos olhar suas obras da Bolsa e da
Academia Imperial de Belas Artes e os projetos não construídos para identificarmos sua fontes teóricas.

Em Pernambuco, aí com a presença de do engenheiro francês Louis Leger Vauthier, o Neoclássi-


co não será o de Montigny, mas aquele em uso nas Escolas de Pontes e Calçadas ( École des Ponts e
Chaussés) e calcado no citado livro de J. Durand e, de certo modo mais apurado e em sua plenitude. É o
conhecimento das escavações de Pompéia e a presença grega mais forte, e, acima de tudo a influência
maior de Vignola. Este teórico vai substituir, na preferência, quase por completo, desde meados do século
XIX, ao anterior e o Tratado das Cinco Ordens, em suas inúmeras versões, vem ser o livro de maior utili-
dade dos engenheiros, arquitetos e mestres construtores. O pórtico do Teatro de Santa Isabel é bem mais
Vignola do que Palladio. Acreditamos que tal situação derive do maior uso do tratado do primeiro e de-
trimento do segundo.

O traçado da casa do Sítio da Cruz, hoje de propriedade da família Arsênio Tavares, é bem fiel a
Vignola e muito identificado com o risco do Teatro de Santa Isabel. Em estampa cromolitografada, em
1852, por Emil Bauch, a casa dos Tavares já se encontrava construída , sendo construção senão contem-
porânea, pelo menos de logo depois da obra do teatro. A atribuição do projeto da residência a Vauthier é
bastante procedente, embora outros franceses também a pudessem criar.

Com o desenrolar do século aquele neoclássico da segunda década , de responsabilidade de Mon-


tigny, vem sendo reelaborado e os perfis e proporções, ou sejam a modenatura e modulação, nos edifícios
vão-se alterando. Na segunda metade desse século dezenove , o neoclássico em voga já tem certas dife-
renças daquele inicial, o qual já se distanciava do empregado por Landi em Belém do Pará.

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Seriam tais modificações resultantes da preferência quer por Paládio ou Vignola ? Resta-nos
comprovar , o que não é objeto do presente texto.

Não sabemos ao certo quando foi construída a moradia da Ponte d’Uchoa, comprada em 1863
pelo Barão. Considerando seus perfis e suas proporções de arquitetura, nos arriscamos a dizer como o
fizemos, ser obra de entorno da metade daquele século. Não a julgamos contemporânea do Teatro de
Santa Isabel nem do Sítio da Cruz. A arriscarmos um período o incluiríamos entre os anos de 1850 e
1863. Estaria ela então com aquele aspecto já visto, o primeiro , o momento da construção , sem os rebus-
camentos do Barão, depois de 1863. Seria uma edificação mais sóbria e destituída de certos encantos
decorrentes por exemplo, dos revestimentos azulejares. Como se encontrava em 1878 foi fruto da reforma
do novo proprietário e nos leva àquela linguagem, pelo uso dos azulejos, das pinhas, e pelo interior, do
período de José Tibúrcio Pereira Magalhães. No interior da casa pode-se ver bem refletido tal enriqueci-
mento que se traduz no mobiliário Louis XIII ,francês da sala de jantar.

No exterior o solar do Barão ,no exterior os decorativismos do prédio da Assembléia Legislativa,


mas possue as mesmas perfilaturas elegantes em si ,no entretanto presas a uma horizontalidade, esta au-
sente na obra do Teatro de Santa Isabel.

Muito se tem falado da provável autoria de Louis Leger Vauthier em relação a casa do Barão. Na
verdade há mais uma busca de importância para o edifício ,diante daquela do engenheiro francês, do que
mesmo o interesse em ressaltar o valor do projeto.

No presente momento nos assalta a valorização da excelente concepção de arquitetura a que nos
referimos. A casa em sua primeira fase é concepção unitária e construção única desde os alicerces. Re-
formada pelo novo proprietário do sítio esta 1ª fase foi acrescida daquela puxada, com ante-copa e copa,
além das dependências.

É justamente a 1ª fase da construção a que deve ser vista à luz de uma busca de autoria e, a crer-
mos no que dissemos, somos levados, justamente diante do bom risco, sem dúvidas, a um profissional de
competência. O partido de planta adotado, que conjuga com segurança as linhas de uma arquitetura racio-
nal erudita, Neoclássica, ao programa de uma sociedade de novos ricos, negociantes abastados, com raízes
lusitanas , foi de profissional experiente. Assim é esta fase, anterior a 1863, que deve ser atribuída a enge-
nheiro ou arquiteto do porte de um Vauthier. Na oportunidade em que tal casa foi projetada ou construída,
considerando o espaço de tempo entre a chegada do francês Vauthier em 1840 e 1863, vários estrangeiros
passaram e permaneceram no Recife. Com o engenheiro francês vieram, os também engenheiros, Pierre

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Bolitreau, Louis Ferriol, Buessard, Jean Joseph Morel, Florien Desiré Porthier e Henrique Auguste Milet.
Em 1862 tem-se notícia do engenheiro John Watson, especialista em engenhos de fabricar açúcar. Para as
obras do Porto, como encarregados, o engenheiro William Martineau, em 1859 e 1862. O engenheiro
Aristide Franklin de Mornay e seus filhos, desde 1840 , nas obras do encanamento. É necessário não es-
quecer o engenheiro José Mamede Alves Ferreira, de formação profissional francesa e atuante nesse in-
tervalo de tempo , inclusive substituindo Vauthier nas Obras Públicas.

Assim, como se vê, pelo leque aberto, muitos poderiam ser o autor do notável risco. Sem dúvidas
poderíamos reduzir o número, excluindo este ou aquele profissional mais interessado em obras do Porto o
de Engenhos de Açúcar, mas nem por isso estariam eles incapacitados, se estudaram em Escolas Politéc-
nicas e à luz do livro citado de J.Durand, de realizarem tal projeto.

Ao fechar o leque, levando em conta a experiência, fica-nos Vauthier, Porthier, Bolitreau, Flori-
en, Morel, Milet, Buessard e Mamede. Por obras conhecidas, neoclássicas, resta-nos Vauthier e Mamede.

A qualquer dos dois , face a categoria do projeto do solar, podemos atribuir com menores mar-
gens de erros , a autoria daquela primeira fase da construção da casa.

Nos que se refere ao acréscimo, a chamada puxada, térrea, de responsabilidade sabida do Rodri-
gues Mendes, podemos indicar um mestre do obras, talvez português e sua equipe , habituado a trabalhos,
de certo modo corriqueiros, na construção civil.

Quanto a terceira fase, aquela da ampliação do sótão, a um profissional de menor qualidade pode
ser a autoria atribuída, talvez um dos inúmeros e anônimos mestres de obras, com seus pintores, decorado-
res e demais oficiais a serviço da construção.

Enfim, a casa, considerada em sua concepção original, sem os acréscimos da 2ª e 3ª fases, foi,
enquanto autoria, de responsabilidade de um profissional de formação francesa e em atividade , em termos
de tempo de permanência, na Província, capaz de bem interpretar a passagem do gosto Neoclássico fran-
cês às raízes lusitanas, estas fieis à memória de solares portugueses.

Não conhecemos até o momento de elaboração deste texto, nenhuma fotografia do Solar de Ponte
d ‘Uchoa anterior ao século XX. Várias são as casas luxuosas fixadas pelos fotógrafos, mas o do Barão
não foi , ao que parece, alvo do interesse de nenhum fotógrafo. A bem da verdade uma fotografia foi tira-

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da do edifício a que serviu ao desenhista Krauss, da Litografia de F. Carls para a elaboração da estampa
que a seguir comentaremos.

A casa, por sua importância e a de seu proprietário ,consta de uma das estampas do Álbum de
Pernambuco, confeccionado em cromolitografias na Litografia, como dissemos, de F.Carls. A autoria do
desenho, realizado a partir daquela fotografia, hoje desaparecida, foi de L.Krauss, que deve ter substituído
o suíço Louis Schlappriz. O edifício é fixado desde o portão de entrada e em bom enquadramento. Entre a
fotografia e o desenho houve, com certeza, reformulação de parte de L. Krauss, que deformou a perspec-
tiva, erro que se cometia sempre quando não se podia colher totalmente , com a máquina o objeto fotogra-
fado. Vejam-se outros desenhos do austríaco Krauss, onde tais erros se repetem.

A litografia foi documento fundamental para a restauração do imóvel, depois de doado a Acade-
mia de Letras.

Não se conhece, de tantos cartões postais que a cidade do Recife teve, nenhum referente a edifi-
cação de Ponte d ‘Uchoa. É estranho mas compreensível porque os fotógrafos, que determinaram os moti-
vos para tais cartões postais, são mais voltados a conjuntos de moradias e a trechos da cidade do que es-
pecificamente uma casa isolada. Sendo mais voltados ao geral do que ao particular , entende-se porque
não se interessaram em agradar este ou aquele abastado comerciante, moradores ,no entanto em belos
sítios. Ou ainda os sítios não tinham despertados os interesses dos “Touristes”.

A nobre casa de moradia do Barão Rodrigues Mendes por sua importância, felizmente, foi salva
das injunções do crescimento da cidade. Não é mais o grande sítio nem tampouco continua sendo residên-
cia. Nela residem, em caracter transitório os Acadêmicos e em definitivo a Cultura. Utilizado com sede da
Academia de letras guarda o seu esplendor e passa a ser propriedade da Cultura pernambucana. Sua rique-
za decorativa interior está ao alcance do visitante que pode fazer idéia de uma residência de um abastado
comerciante do século XIX. Cada recanto da casa preserva a memória daquela família, uma grande famí-
lia que a conservou por mais de cem anos.

A velha casa caminha do particular para o universal.

3. A restauração.

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O ato de receber a doação de sua sede não resolveu o problema da Academia Pernambucana de
Letras . O velho solar se encontrava em péssimo estado de conservação. Nele, antes da entrega pelos pro-
prietários, existira uma vacaria e os animais, por maior cuidado que tivesse os que na casa ainda mora-
vam, muito destruíram .

Não dispunha a Academia de recursos para a restauração e adaptação . Recorre-se a ajuda de


particulares. Dr. Luiz Delgado recebe uma oferta de uma empresa, que se compromete a restaurar os te-
lhados e forros de estuques, obras prioritárias no edifício. O serviço é iniciado e quando se encontravam
retiradas as telhas uma forte chuva tudo molha e destroi muitas peças de gesso forros.

Para verificar os estragos é solicitada a presença do Serviço do patrimônio Histórico e Artístico


Nacional, 1º Distrito. Na oportunidade são guardadas as peças quebradas dos forro, aplicações de elemen-
tos figurativo e se constata a perda de alguns braços do belíssimo lustre da sala de jantar.

Assumindo o acadêmico Marcos Vinícius Vilaça, a obra toma impulso e de toda a parte o dinâ-
mico presidente consegue doações. Do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo seu 1º
Distrito obtêm mais que uma orientação técnica , porque acima da atenção institucional vem o interesse do
Chefe do Distrito , Engenheiro Ayrton de Almeida Carvalho e de seus auxiliares, entre os quais contava
com um mestre do porte de José Ferrão Castelo Branco.

O SPHAN, apesar de não se encontrar ainda tombado o prédio, colabora na restauração e para
resolver o conserto dos estuques é chamado um operário, verdadeiro “expert”,o Sr. José Maciel. Este
operário tinha sido responsável pela moldagem do São Pedro do nicho superior da Igreja de São Pedro do
Recife e sob a orientação do Distrito do SPHAN todos os forros são refeitos. Não foi uma trabalho sim-
ples, vez que envolvia a consolidação dos soalhos, onde as traves de sustentação do mesmo eram também
de suporte dos estuques. Uma obra exigia a outra.

Os telhados foram refeitos inclusive o recobrimento com novas telhas, fabricadas com mesma
dimensão. Não houve novidades no que se refere a processos de trabalho, vez que toda a restauração não
se constituía novidade em termos de técnica.

O mais difícil na restauração da casa da Academia foi a escolha do partido da restauração O que
preservar e remover.

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A história do edifício ,contada como vimos, percorreu pelo menos quatro fases distintas e contí-
nuas: a casa de 1863; a primeira reforma, concluída em torno de 1870; a segunda reforma depois de 1878
e o edifício que chegou às mãos da Academia, em mau estado de conservação .

Não restavam dúvidas de que se iriam conservar todos os estuques e pisos encontrados, bem
característicos da 1º reforma , concluída em torno de 1870. Por outro lado, as esquadrias não necessitavam
senão de obras de conservação, elas não foram danificadas a ponto de precisar de novas. As três grandes
portas de entrada , sob o pórtico, haviam desaparecido ou nunca existiram, o que duvidava-se vez que
aparecem, com as bandeiras, na estampa considerada da Litografia de F. Carls. Os lustres, estes não mais
existiam, salvo o da sala de jantar, mesmo assim danificado. Este foi restaurado, graças a partes doadas
pelo Dr. Edgar Amorim , embora não mais com doze braços e apenas com nove, o que foi um milagre.
Restava a decisão básica: o que fazer com aquela ampliação do sótão, construída por sobre a puxada, esta
anexada antes de 1878 pelo Barão na parte Norte da casa e vista na estampa de Krauss ?

Não era uma decisão de todo simples. As remoções de elemento construtivos em restaurações era
fruto de uma polêmica permanente. Na França, desde Viollet Le Duc, o assunto sempre gerava discussões
enormes e os pósteros a Le Duc haviam feito críticas muito fortes às suas diversas intervenções, que ora
completavam obras inacabadas ou removia outras essenciais para a leitura, no tempo, do edifício. A escola
do francês tivera e continuava a ter muitos adeptos e nenhuma palavra tinha sido a final até então. No
Brasil o SPHAN, pelo menos no 1º Distrito, sempre tomara medidas muito discretas em torno do assunto.
Assim, na atitude a tomar sobre aquela ampliação, remover ou permanecer, teria que pesar os aspectos
voltados para a utilização do corpo acrescido pela Academia e aqueles,de natureza estéticos e presos à
relação entre os elementos de arquitetura envolvidos na edificação.

Com respeito a necessidade de espaço, naquela altura a casa era muito grande para o programa
acadêmico. Restaram os aspectos estéticos.

Pelo que se viu a ampliação do sótão por sobre a puxada deu ao prédio uma leitura não condizen-
te com as características básicas da edificação diante do estilo Neoclássico. O volume da ampliação pesa-
va muito na leitura do todo construído e prejudicava os elementos definidores do estilo. Por outro lado se
dispunha de uma excelente documentação, representada pela estampa, realizada à partir de fotografia, do
solar em 1878. Assim a decisão final foi a de remover o corpo estranho àquele prédio original, deixando o
trecho térreo, vez que este era bem representativo da fase de vida do Barão e o outro viera depois. São
argumentos passíveis de críticas, mas foram os da época e coerentes com as teorias em voga naquele mo-

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mento. Não foi uma decisão isolada, mas de uma corpo de técnicos , formado, não apenas pelos do S-
PHAN mas com outros convidados a opinar. Erro se houve foi de uma grande número de pessoas.

Documentado o acréscimo ele foi demolido e restaurado o aspecto do solar daquela estampa de
F.Carls.

Na parte interna do edifício maior atenção foi dada as pinturas. Foram elas fixadas e limpas.
Naquela altura surgiu outra grande discussão. os técnicos da restauração das pinturas disseram ser impos-
sível se refazer as molduras , que imitavam madeira, assim como o silhar de mesma técnica. Também não
era possível restaurar as guirlandas de flores e os medalhões das demais salas. A decisão de não se deixar
nem sequer um pequeno trecho foi lastimável. Os quadros murais de Lassailly parecem soltos do restante
da sala de jantar. Foram muito prejudicados pela ausência das molduras e das guirlandas de flores. A
restauração, com a fixação da pintura à parede, foi perfeita e ainda estão em muito bom estado, mas a falta
desses elementos decorativos é esteticamente bem visível. No corpo da restauração das pinturas foi notá-
vel as das portas internas, onde se descobriu um excelente fingido de madeira européia.

Como foi dito antes, completou-se a decoração do exterior do solar com jarrões de louça e bus-
tos,graças a colaboração do Museu do Estado de Pernambuco. O mesmo veiu a ocorrer em relação aos
lustres.
Restaurada a Academia Pernambucana de Letras em seu prédio principal, outra obras foram
realizadas nas dependências.

Na administração do Acadêmico Mauro Mota nova campanha foi iniciada no sentido de realizar
a restauração das antigas dependências , nelas instalando um auditório e construir um espaço destinado à
biblioteca e arquivo.

Foi solicitada uma ajuda ao Conselho Federal de Cultura e ao Programa de Cidades Históricas do
Nordeste. O Projeto arquitetônico foi realizado pela Fundarpe, Fundação do Patrimônio Histórico e Artís-
tico de Pernambuco, sendo o arquiteto Jorge Tinoco ,designado por esta instituição para elaborar e acom-
panhar a obra .

O projeto elaborado , nos parece, foi muito feliz e o auditório para 200 lugares em nada interfere
com o restante da edificação. A adaptação para o auditório exigiu a demolição interna de paredes ,mas não
prejudicou a leitura exterior das dependências.

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Para a Biblioteca foi construído um bloco em linhas modernas e em lugar recuado , em termos de
visibilidade para o conjunto antigo.

Um jardim envolve a construção, mas sem a preocupação de reconstituir o antigo.

Na administração do Acadêmico, Escritor Médico, Waldemir Miranda, a casa foi com a ajuda
inestimável de sua esposa, restaurada em sua magnitude com a doação de inúmeras peças de mobiliário e
adornos que a reconstituiu em seus ambientes antigos.

Notas:

1) Moraes, Octávio e Eurydice Amorim de, Roteiro do Barão Rodrigues Mendes, Recife, 1967. Pags 15 a
25
2) Moraes,Octávio e Eurydice Amorim de, op. cit. pag . 71

3) Moraes,Octavio e Eurydice Amorim de ,op. cit. pag. 60 . Os autores do livro , assim nos parece , reúne
diversas fases das obras , fato natural por não serem especialistas.
4) Durand,J.N.L.,Précis des leçons d ‘architecture donnés à l ‘Ecole Polytecnique,2vols. París, 1802-
1809. Do mesmo autor ainda temos: Recueil et parallèle des édifices de tous genres, anciens et modernes,
París, 1801.
5) “João José Rodrigues Mendes nasceu em Portugal no dia 2 de dezembro de 1827 . Era exatamente ,
dois anos mais novo do que D.Pedro II e com ele aniversariava. Faleceu no Recife no dia 11 de novem-
bro de 1893. Chegou a Pernambuco em 1844 , para ganhar no trabalho honesto meio lícito de vida .Do
seu consórcio com d. Eugênia Francisca da Costa Mendes , descendem : Joana Mendes Gonçalves ,
casada com o médico maranhense dr. Malaquias Antônio Gonçalves; João, Eugênia, Miguel e Manuel ,
falecidos na primeira idade e na juventude ; Cândida Mendes Castro Rabelo, casada com o poeta baiano
Dr. João Batista de Castro Rabelo; Elvira Mendes Wanderley Jacques , casada com o Dr. Pedro Wan-
derley Jacques e Sofia Mendes que faleceu sem contrair núpcias.” Roteiro ,op cit. pag 55.
6) O ato da escolha por alguém de um lugar e o tipo de moradia por ele desejada refletem situações que se
encontram interligadas à sua forma de vida na sociedade na qual se encontra vivendo ,constituindo parte
da sociologia voltada a habitação. Por outro lado a organização interna dos cômodos, daquela moradia
resultante, e o número deles espelham hábitos que, por sua vez, foram gerados por necessidades, quer
sejam as mínimas ,indispensáveis a qualquer indivíduo, ou aquelas consideradas supérfluas. Estas últimas
serão diferenciadas para cada sociedade.

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No que se refere às moradias ,uma ordem dos lugares de viver é definida por aquelas necessida-
des básicas e outra se define de forma variável, dependendo das diferenças sociais.

O Barão Rodrigues Mendes , ao escolher o lugar para a sua moradia o faz à luz de sua ascensão
social e ,assim nos parece, há nele um desejo de se apresentar à sociedade que o envolve, de ricos mora-
dores ,comerciantes , da Passagem da Madalena e de Ponte d’Uchoa, com um certo padrão de comporta-
mento que o obriga a dar a moradia um caracter além daquelas necessidades básicas, indo muito longe no
supérfluo. Para ele o Barão, o gosto estético deveria espelhar o da sua classe e o seu parâmetro seria en-
contrado em uma arquitetura diferente, em nada semelhante a da colônia. No seu processo de escolha o
melhor seria a casa moderna projetada “por um francês que residia no Recife”segundo sua memória na de
uma de suas descendentes.

A casa do Barão Rodrigues Mendes, para ele, naqueles primeiros momentos, representou o dese-
jar ser. Para suas três netas, educadas na França, foi o ser, daí porque os melhores momentos vividos pelo
solar ocorreram após a morte do Barão. Nele ainda existia a lembrança da transição de classe, de caixeiro
a rico comerciante, o anseio, nelas estava presente o desejo alcançado, revelado e passado aos outros nas
extraordinárias festas ocorridas na casa de Ponte d’Uchoa.

7) Moraes, Octávio e Eurydice Amorim de , Roteiro, op cit , pag 65 : “ A pintura da sala de jantar foi
confiada a Eugênio Lassaily, pintor francês que vagabundeara pelo Recife nos fins do século XIX, e se
encarregou de trabalho idêntico em vários casarões e vivendas de sítios dos arredores da cidade.
Ao que depunham Dona Elvira e Dona Eugênia, Lassaily era bonachão e não trabalhava sem
que hovesse na sala uma garrafa de cerveja ao alcance de suas mãos. E para enganar uma e outra
quando mexia as tintas dizia sempre que o óleo era cerveja...
Como pintor, não tinha personalidade marcante e nem fôrça criadora. Pintava , ou melhor
copiava o que lhe fosse encomendado ou pedido. Entao nesse caso os quadros principais da sala de jan-
tar do solar de Ponte d’Uchoa que apesar de representarem cópias de olegravuras da época, não deixam
de ter expressão e ser dos mais vistosos. Lassaily sòmente conseguiu impor-se um pouco como artista
quando, por insistência de Rodrigues Mendes, pintou a natureza morta dos quadros mais estreitos ou
complementares da sala. Teve, êle, assim, de se haver com os elementos que Rodrigues Mendes colheu ou
arranjou êle mesmo com as suas mãos no próprio sítio. E são êsses, na verdade, os melhores quadros
entre os afrescos que, alí pintou” .

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Palácio dos Bispos de Olinda *

Museu de Arte Sacra de Pernambuco - MASPE

1. Localização do Edifício

O
Palácio dos Bispos, atual Museu de Arte Sacra de Olinda, está situado na Rua Bispo
Coutinho, no chamado Alto da Sé , em Olinda.

O prédio pertence a Arquidiocese de Olinda e Recife e encontra-se cedido para sede do Museu
de Arte Sacra de Pernambuco - MASPE, criado pelo Governo do Estado, através da Fundação do
Patrimonio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe. O museu foi inaugurado em 11 de abril de
1977.

2. História e Arte

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Ao escolher um sítio elevado para os assentamentos iniciais da vila de Olinda, Duarte Coelho
Pereira e os de sua comitiva, assim acreditamos, repetiram um gesto, que em princípio, ainda refletia um
Portugal de fins da Idade Média quanto ao sistema de defesa, pela altura, que fazia parte de um repertório,
decorrente de experiência militares.

A condição topográfica da colina,correndo a parte mais elevada,de leste para oeste,leva-os a


dispor a torre de defesa,então construída de pedra ,conforme experiência comprovada em construções
semelhantes da peninsula ibérica e do resto da Europa,a certa altura do final da subida,desde um caminho
que vinha da praia,e a cavaleiro da forte inclinação para o sul.

Localizada a torre, vem, diante dela, na direção do mar a construção da igreja Matriz, do
Salvador. Depois, o caminho para o Vale das Fontes, no lado norte da colina, correndo junto a linha
natural de defesa, voltada para uma outra forte declividade. Se cerca, paliçada, houve, nesses princípios da
Vila, ela deveria partir da fortaleza, contornar a colina pela parte alta, envolvendo a igreja de taipas, e
voltar para aquela torre. Dentro, talvez dessa cerca ficariam alojados os da comitiva, na defesa do lugar.
Depois, quando uma relativa paz se deu com os índios,uma outra rua,a Nova,é traçada,no eixo entre as
linhas de defesa norte e sul,e seu arruado se organiza desde a matriz até ao Hospital e igreja de N.Sa.da
Misericórdia. Para as partes baixas, quer a praia ou outros lugares mais para o interior, tres caminhos em
declives se difiniram: o primeiro descendo para a praia, o da Matriz, que começava na, depois chamada,
Rua dos Palhais, ao lado da igreja e de onde, a certa altura se podia subir para a ermida de N.Sr. da Graça,
doada em 1551 aos jesuítas. Outro caminho tinha seu início junto à igreja e hospital de N.Sa. da
Misericórdia e tomava a direção do rio Beberibe, indo até o lugar do Varadouro; este descia íngreme, e
logo tornava a subir, atingindo uma outra colina, mais baixa, para, depois de percorrer esta, descer àquele
lugar do embarque e desembarque de mercadorias, o cais, junto àquele rio; um terceiro caminho, também
bastante íngreme, principiava defronte à Matriz e ao lado da torre; esse tomou sempre o nome da igreja,
"A Ladeira da Matriz",conforme a tradição. Dois outros caminhos, secundários então também se
desenharam: aquele que saia por detrás da torre e um outro, ao lado dos arrimos da Misericórdia.

Na parte, quase central, da colina, defronte a torre, um largo definia a praça, o mercado, na parte
alta. Para esta parte, dando nascimento às ruas de Val de Fontes e a Nova, se voltava o edifício onde
estava a Câmara, em dois pavimentos. A disposição da praça levou a certa esconcidade do edifício.
Isolado, podendo se circular em torno dele, o prédio da Câmara e do açougue marcava com a torre e a
Matriz a triangulação da praça, conforme as condições do relevo e decorrente da área útil da colina.

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Depois da Câmara, em continuação, ao terreno vazio referido acima, iniciava o casario naquela
primeira forma de parcelamento urbano, partindo da doação em 1542, entre as ruas Nova e a de Val de
Fontes, de um terreno a Jeronimo de Albuquerque, que media 11 braças e tres palmos de frente, 17 braças
e 3 palmos de fundo e dos lados, 17 braças e 2 palmos. Neste lote é onde será construído, em tempo não
determinado, a partir da divisa, voltada para o prédio da Câmara, uma grande casa com dois torreões, de
que falaremos adiante (l).

Na rua Nova, nascendo da praça, além das casas, dos moradores se tinha ainda a ferraria, e nela
se reserva lugar em 1542, para a construção de uma cadeia.

O mapa de Olinda, do século XVII, delineado quando da presença dos holandeses na Capitania, e
inserto no livro escrito por Gaspar Barleus sobre o governo de João Maurício de Nassau, define com
precisão a Câmara, isolada, no trecho correspondente ao alto da Matriz, junto a praça (2).

Bastante construída, conforme se pode deduzir de várias informações (3), essa parte da Vila
muito sofreu com o incêndio ateado pelos holandeses. Com a reocupação, a vila, após a saída dos
holandeses, não parece readiquirir a importância dos primeiros dias. A presença das fontes(4), quase ao
nível das colinas mais baixas, conduz a reconstrução da vila para as ruas que lhes são próximas, na
segunda freguesia, a de São Pedro Martir. O deslocamento dos interesses dos novos moradores faz com
que a rua Nova continue despovoada, não se reconstruindo seu antigo casario, antes pertencentes aos mais
importantes moradores da vila, os da governança, no dizer daqueles que assim o declaravam, quando das
Denunciações de Pernambuco (5).

No alto da colina ainda, no entretanto, apesar do que se disse, permaneciam algumas boas casas,
e entre elas aquela da Câmara, à qual se anexaram em tempo indeterminado, outras moradias.

É interessante de se assinalar que sob a casa da Câmara, situada esta na parte superior de um pré
dio de dois pavimentos, se encontrava o açougue, em disposição no Brasil pouco frequente.

Este o aspecto da parte mais elevada da vila quando esta é elevada a cidade, em 1676, e, para a
mesma, chega o seu primeiro Bispo, Dom Estevão Brioso de Figueiredo.

Não havendo casa própria para hospedar o prelado é ele acomodado naquele prédio da Câmara
a e esta é deslocada, para uma casa particular, alugada. A situação do prédio da Câmara, próximo da Sé, e
sua importância enquanto edifício público, pode ter sido a causa da cessão.

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Em 1685, o Bispo retorna a Portugal, e o prédio é então desocupado, o que levou a Câmara a
reutiliza-lo.

Eleito o novo Bispo, Dom Matias de Figueiredo e Melo, o problema tornou a surgir. Chegando a
Olinda, com seus familiares, não havia onde acomodá-lo. O Bispo, então, requer ao rei e em Carta Régia,
de 19 de dezembro de 1687, o monarca ordena que a Câmara "desse aposentadoria ao Bispo como era de
estilo".

A Câmara, apesar da ordem régia, não cede o seu prédio, alegando não ter outra casa para as suas
vereações.

Insatisfeito, porquanto alojado em casa sem bons cômodos, o Bispo torna a recorrer ao Rei, e
este, em nova carta, de 17 de setembro de 1688, ordena a Câmara a cessão do seu edifício ao Bispo.

Naquela altura, face ao deslocamento do interesse dos moradores da vila, em termos de


assentamento de novas e reformadas moradias, para a freguesia de S. Pedro, nesta se está construindo,na
rua de S.Pedro, a nova Cadeia (6). A Câmara, ao responder ao Rei, diante da segunda carta recebida, diz
que "não poria a menor dúvida em dar de novo a sua casa para residência do Bispo, uma vez que se
fizesse sobre o edifício da cadeia, que estava em construção, um andar para as suas vereações e
audiências, assim como um cais e calçada no Varadouro, ficando então a sua casa junto à Sé , para
residência dos bispos diocesanos" (7).

Atendidos parcialmente nas suas pretensões, os da Câmara cedem a casa e duas outras anexas
para a Diocese.

Naquela altura, as três construções eram assim constituídas, conforme as prospecções realizadas
nos edifícios quando das obras de restauração:

a) Em primeiro lugar vinha o prédio da Câmara propriamente dito, em dois pavimentos. No tér-
reo, onde estaria o açougue, existiam tres cômodos, dois grandes e um estreito e longo, este correndo ao
longo da parte voltada para a Sé. No andar superior, dois cômodos, o primeiro, onde estavam dois quartos
separados por um corredor e outro, um grande salão. Provavelmente, embora não tenha sido possível
confirmar, aquele cômodo estreito ao rés do chão poderia ser o lugar da escada para a Câmara, desde o
tér- reo.

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Tres aberturas antigas, no pavimento superior, voltadas para o segundo dos prédios, estavam
entaipadas; necessariamente, quando se construiu, no terreno vazio, conforme aquele mapa holandes (in
Barlaeus) se fecharam tais vãos.

O térreo estava com o piso, encontrado quando das obras de restauração, cerca de trinta centí-
metros acima do piso antigo

b) O segundo prédio, conforme se disse, construído naquele terreno vazio, era uma casa térrea,
com telhado em duas águas, para a Rua Nova e a de Val de Fontes, essa talvez já sem uso naquela altura.
Dessa casa, com certeza eram as aberturas,para a rua, duas janelas e uma porta, que permaneceram até
depois da reforma, que lhe deu um segundo pavimento.

c) Finalmente o terceiro dos prédios. Este um magnífico sobrado, com dois torreões, um em cada
canto da fachada voltada para a Rua Nova. Não se pode dizer em que época foi construído, mas se
conhece as suas antigas divisões internas, do pavimento superior, graças ao projeto de reconstrução,
localizado no Arquivo Nacional, pelo Padre Theodoro Hulkmann, de que trataremos adiante. Não se
tratava de edificação vulgar e a disposição interna dos cômodos foge a regra das demais casas de Olinda.
Os dois torreões lembram solares ibéricos, onde tais elementos de arquitetura também marcam a
composição da fachada principal.

Acerca do prédio da Câmara, sabe-se ser ele aquele mesmo construído no século XVI e visto em
gravura, de entre 1630-1631, de pintor e gravador anônimos, e que se encontra inserta na História da
Companhia das Índias Ocidentais (Leyden 1644), de autoria de Johannes de Laet (8). A gravura titulada
Marim d` Olinda, destaca o prédio, assinalando-o com a letra K, sob a designação de Stadhuis. O edifício,
em dois pavimentos, com telhado em duas águas, tem suas dimensões bem próximas às daquela
construção que chegou aos nossos dias. As cinco janelas, ao quadrado, que ostenta para a Rua Nova são
bem aquelas, transformadas depois em de varandas.

Aquela Câmara, representada em gravura deve ter sofrido as ações do incêndio ateado pelos
holandeses, em Olinda, em 1631. Em 1637, é reedificado o prédio, conforme se sabe através de ofício da
Câ- mara, ao Supremo Conselho Holandes, quando se diz: "mandamos reedificar a casa do conselho, que
chamam casa da vila, para nela fazermos junta e audiência aos requerentes e litigantes e dentro de um
mes estava esta nossa obra acabada, suposto que não com a bizarria e perfeição que dantes tinha,

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porque para isso não houve outro cabedal mais que uma finta que, com licença, lançamos sobre o povo"
(9).

Assim, por algum tempo a Câmara dos Escabinos, durante o período holandes, se instalou na
Vila de Olinda e na antiga casa da Câmara faziam suas reuniões. Mas, as condições da vila, sem estrutura
própria de apoio, alojamentos e lugar para beber e comer, levaram a ser o edifício abandonado, passando
os escabinos a se reunir no Recife.

Em 1678, depois de um período de abandono, o prédio volta a servir, reparado, para as reuniões
da Câmara. Cedido ao 1º Bispo, logo é reocupado pela Câmara, como vimos, face ao retorno do prelado a
Portugal, em 1683, somente dele saindo a Câmara em 1693, para o seu novo prédio, na Ribeira, na Rua de
S. Pedro.

Em 1693, o Bispo D. Matias de Figueiredo e Melo, passa a ocupá -lo como sua residência
definitiva. Nele o Bispo instala também uma capela interna, junto aos cômodos de sua moradia.

Em 1725 o governo, as suas custas, realiza obras de reparo no prédio. Com o tempo foi o edifí-
cio novamente se arruinando, até que a Carta Régia de 27 de outubro de 1750 ordena sua reconstrução.

A ordem não teve execução, apesar do prédio não apresentar condições de nele residirem os
Bispos.

A provisão de 24 de dezembro de 1755, esclarece sobre o estado do edifício e nos diz das
providências então tomadas: "Faço saber a Vós, Provedor da Fazenda Real de Pernambuco, que havendo
visto a conta que me deu o governador dessa Capitania em carta de quinze de janeiro do presente ano,
sobre a incapacidade com que se achava para qualquer reparo a casa destinada na cidade de Olinda ,
para residência dos Bispos, por cuja causa fora preciso tomar umas casas contiguas ao Palácio
arruinado para acomodação do Bispo e fazerem-se alguns cômodos para a sua família a qual despesa
mandara fazer por conta de minha fazenda dessa Provedoria, e vendo tão bem o que sobre este
particular me representou o dito Bispo e da mesma sorte vosso antecessor e o que a este respeito
respondeu o procurador de minha fazenda. Fui servido por resoluçã o de 20 do corrente, tomada em
consulta do meu conselho ultramarino aprovar esta despesa feita com aluguéis da casa do dito Bispo, o
que assim tereis entendido; e para deferir a sua representação em que pretende o Palácio de novo possa
habitar, sou servido ordenar-vos mandeis fazer uma planta do novo Palácio, que se deve edificar para os
Bispos, pondo a obra dele em lanços dando-me conta dos menores que tiver apontado de que parte se há

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de pagar esta obra e que sobejos há dos dízimos abatidas as despesas que se fazem com a folha eclesi-
astica e com as mais a que o mesmo dízimo estão obrigados para assim se conhecer a consignação anual
que neles se pode por para esta obra" (10).

Nada foi feito a respeito. No entanto a correspondência deixa bem claro que junto a Câmara, em
1755, já se encontrava construída a casa térrea, no terreno, antes referido, situado na parte oeste do edifí-
cio. Em tal casa é onde deve ter se alojado o Bispo, sendo como se pode ver exígua, comparada ao 1º
andar do prédio da Câmara, de uso até então dos prelados.

Uma informação de Pereira da Costa, dizendo que em 1786 o Palácio estava sendo usado pelo
Bispo D. Frei Diogo de Jesus Jardim (1786-1795), porquanto na "segunda sala, à esquerda de um grande
corredor, do lado leste, no forro, se ostenta pintada as armas desse Bispo", nos leva a uma conclusão de
certo interesse para o edifício

A referida sala, com forro pintado, encontrava-se situada, antes da restauração procedida no
edifício, a partir de 1974, por sobre o local da casa térrea acima citada e, deste modo, em 1786 os tres
prédios que hoje constituem o Palácio já se encontravam unidos em um plano único.

Tal plano seria então o realizado por determinação da Provisão Régia de 1755, assim antes de
1786, e deste modo bem poderia ser, por suas características, o localizado pelo Padre Theodoro Hulkmann
no Arquivo Nacional. Salvo contrário não estaria o cômodo, assim declarado, já localizado naquele
plano.

O projeto citado, que passaremos a comentar, em uma única prancha, revela, com plantas
superpostas do pavimento superior, o projeto de um grande Palácio .

O primeiro prédio a ser modificado pelo projeto é o casarão com as duas torres, antes referido, e
nele se pode identificar os ambientes então existentes e o projeto desejado. Um corredor é rasgado no
plano, ao centro do edifício e prolonga nele o programado desde os dois outros, a casa térrea, então
recebendo pavimento superior e a Câmara, o último dos edifícios.

O prédio da Câmara é ampliado no projeto para o lado da antiga rua de Val de Fontes, então
talvez não mais existente, sendo então o seu quintal voltado para a área que depois se tornou o Horto Real.

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Para o lado da Sé, no prédio da Câmara e no pavimento considerado, abre-se um terraço no
centro entre dois trechos, o existente e o projetado. Todos os cômodos dão para um corredor, o qual rasga
o edifício de Leste a Oeste.

O projeto não foi inteiramente realizado, porquanto não se fez o acréscimo no prédio da Câmara,
nem tampouco se modificou o interior do edifício dos dois torreões.

O acréscimo, para detráz, no prédio dos dois torreões foi parcialmente realizado.

O plano encontrado do Arquivo Nacional é bastante elucidativo quanto as reformas feitas nos
tres prédios que constituem o Palácio e muito foi útil quando da modificação, do partido que foi adotado
para o projeto de restauração do imóvel em 1973 e durante as obras.

Uma das dúvidas, não solucionadas até o presente, é quanto ao prédio com os dois torreões. De
quem seria, quem o construiu e como veio parar com a Diocese, que o incorporou, como vimos, ao Palá-
cio reformado entre 1755 e 1786?

O terreno onde ele está edificado é o mesmo daquela doação a Jeronimo de Albuquerque em
1542, portanto nos inícios da colonização.

Seria a casa a construída pelo Dr. Provisor do bispado, Fr. Francisco de S. João Marcos, "nas
imediações do mesmo Palácio", em cuja moradia esteve D. Francisco Xavier Aranha, hospedado até a
morte, em 1771? (11).

A construção, a se crer na planta, holandesa, da vila, e inserta no livro de J. de Laet, já estava


demarcando o início do casario do lado da Câmara, depois do terreno vazio. A ser casa construída antes
de 1754, ano da chegada de D. Xavier Aranha, deveria ser com aproveitamento ou no lugar de outra antes
existente. Na verdade, a casa nobre, com os referidos torreões, pela ausência de cunhaes de cantaria e
outros elementos de arquitetura característicos, bem pode ser de tal tempo.

A casa com torreões, tem suas estruturas de paredes em alvenaria de pedra, calcáreo, de mesmo
tipo daquela presente na ossatura do prédio da Câmara, e com características semelhantes às obras da Sé
e da Igreja de N.Sra. da Graça e Real Colégio dos Jesuítas. Tal informação, resultante das prospecções em
1974, nos deixa com maiores dúvidas quanto ao tempo da construção da casa das torres. O trecho vazio
entre esta casa e a Câmara, a casa térrea, construída depois, tem suas paredes de alvenaria de tijolos.

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Em 1821, várias obras de reparos e acréscimos foram feitas no velho Palácio. Entre elas, a
construção de um terraço no extremo Oeste da fachada principal, na altura do andar superior, com varanda
,e restauraram-se os torreões. Para o terraço são levados painéis de azulejos, com cenas profanas, com
molduras barroco-rococós, portugueses, datáveis de cerca de 1730-40, segundo o especialista João Miguel
dos Santos Simões (12). Os azulejos, verificou-se depois, com as prospecções, em 1975, foram removidos
da sala de entrada, no térreo, do sobrado, o que firma, talvez, mais a idéia de sua construção ou
reconstrução na primeira metade do século XVIII. As obras, iniciadas em 1821, prosseguem durante a
prelazia de D. Thomás de Noronha e Brito (1824-1829). Neste período as antigas janelas da fachada
principal são substituidas, de peitoril, para o tipo rasgado, isto é , com varandas, e assim são vistas, já
com seus balcões em ferros, em desenho de Manuel Bandeira, realizado a partir de velha fotografia.

A fase de obras do Bispo D. Thomás de Noronha e Brito é marcada pelo seu escudo d`armas,
esculpido em pedra, e engastado na fachada do edifício.

Com a preferência dos Bispos em residir em outro Palácio, no Recife, na Soledade, a residência
de Olinda é abandonada.

Em 1896, obras de conservação levam a serem derrubados os dois torreões.

Os diversos usos que o prédio teve, desde quando deixou de ser residência dos Bispos, levou a
grandes descaracterizações, inclusive à perda daquele cômodo com o forro pintado, com as armas de D.
Diogo de Jesus Jardim (1786-1795), o qual chegou até a década de setenta do século atual.

Esses diversos usos prejudicaram sensivelmente as prospecões, em termos de uma maior


ausência de dados históricos sobre os mesmos no edifício

3.A Restauração.

Na realização do projeto de restauração do antigo Palácio dos Bispos, em Olinda (13), o autor
levou em consideração, além da iconografia conhecida do edifício, as informações históricas contidas nos
Anais Pernambucanos de F.A. Pereira da Costa. Tais notícias davam conta de que o Palácio resultou da

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soma do prédio da Câmara e de outras duas casas contíguas. A informação histórica deveria ter sido alvo
de uma confirmação prévia para efeito da elaboração do projeto, através de prospecções no edifício. Tal
não ocorreu e com poucas verificações no local foi elaborado o que se titulou projeto diretriz. O programa
estabelecido, para o imóvel desde antes do Programa Integrado de Restauração das Cidades Históricas do
Nordeste, foi o próprio de um Museu. A intenção, não concretizada à época era abrigar a coleção de
Arte
Sacra de Abelardo Rodrigues (14). A adaptação, com mudança de uso, era relativamente simples
porquanto os ambientes do Palácio, naquela altura descaracterizados, constituído de sala de diversos
tamanhos, bem se prestavam para o fim desejado. Com o programa não se fez mais que consolidar aquela
intenção inicial.

O projeto elaborado levou em consideração para o exterior do imóvel a reconstituição daquele


aspecto, referido, do desenho do pintor Manuel Bandeira, o que apenas levava a restauração dos antigos
torreões e restabelecimento da grande entrada, em arco de meio ponto, em um trecho do pavimento tér-
reo. Internamente se deliberou, para o prédio dos torreões, manter as divisões existentes, e, nos demais,
reduzir para salões de exposição os ambientes descaracterizados.

Aprovado o projeto, com as ressalvas. assinaladas, de que a obra ditaria mudanças, teve início a
execução com a retirada dos rebocos, por não servirem, do edifício.

Confirmou-se, então pelas prospecções realizadas, que ao prédio da Câmara se somaram dois
outros, o dos dois torreões e uma casa térrea, depois assobradada, quando da unificação dos tres imóveis.
Em termos de técnicas construtivas, os dois prédios extremos utilizaram para as paredes, a alvenaria cicló-
pica de pedra, calcáreo, com pedaços de tijolos, unidos por argamassa de barro, e o do meio, alvenaria de
tijolos.

Considerando as aberturas, verificou-se que as mesmas, prédios da Câmara e o contíguo, no


andar superior, tinham sido uniformizadas em janelas rasgadas com varandas, na fachada voltada para a
rua, e com peitoril, para o lado contrário. Na Câmara, no mesmo pavimento, um terraço, com estrutura de
madeira assente por sobre dois pilares, de alvenaria de tijolos, teria existido na fachada voltada para o
Horto Real, dele restando vestígios bem definidos. Na oportunidade, foram identificadas janelas, desse
mesmo lado, com conversadeiras. Internamente, no pavimento considerado, já não haviam as divisórias
que definiam os ambientes, em taipas, que existiam quando o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, em 1953, procedeu a um levantamento das plantas baixas, com um corte transversal, para efeito
de cadastro. Com relação ao térreo dos dois prédios considerados, constatou-se a existência do arco e das

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demais aberturas antes assinaladas pelo desenho referido, do pintor Bandeira; inclusive também, a
abertura de outros vãos, recentes, não indicados pelo mesmo pintor.

Com respeito ao prédio dos torreões, vestígios indicavam as antigas dimensões dos mesmos e,
com relação ao terraço, foi constatado que a abertura fora aquela da fase de obras iniciadas em 1821,
sendo os azulejos trazidos e mal montados de outro local, e, na oportunidade, verificou-se que o antigo
lugar onde eles antes estavam assentados,era o vestíbulo, no térreo, no trecho que antecede a escada de
acesso, nobre, ao andar superior.

Durante as obras, em pesquisas no Arquivo Nacional, sobre os bispos de Pernambuco, no Rio de


Janeiro, o Padre Theodoro Hulkmann, localizou um projeto para o Palácio dos Bispos, já comentado e que
elucidou então as disposições originais das escadas de acesso ao segundo pavimento e aos torreões, assim
como a distribuição dos cômodos dos prédios envolvidos. Uma legenda explicativa, contida na planta,
determinava os usos dos cômodos em dois momentos do edifício, o então atual e o futuro, projetado.

Considerando o uso pretendido para o edifício não foi propósito do autor do projeto de
restauração, atendendo ao programa estabelecido pela Fundarpe, apesar da documentação encontrada,
reconstituir os ambientes já desmontados, separados antes por paredes de taipas, nos dois prédios, Câmara
e anexo contíguo, deixando-os como grandes salões. Mas levando em conta o interesse arquitetônico do
imóvel com os dois torreões,procurou o arquiteto manter íntegros os seus ambientes, próprios de uma casa
senhorial e de inegável valor.

No térreo do Palácio foram mantidos os ambientes originais, enquanto documentados e


confirmados pelas prospecções, não apenas os do prédio dos torreões, mas dos outros, apenas não se
recompondo, por não se ter documentação, e não importar no projeto as divisórias internas daquela casa
térrea, entre os dois prédios extremos. No prédio da Câmara, em cujo térreo funcionara um açougue,
verificou-se graças as prospecões, ter sido o seu nível de piso mais baixo que o encontrado. No entretanto,
não foi interesse do projeto restabelecer tal nível.

Com relação ao andar superior, preferiu-se conservar os soalhos, diante de grandes número de
peças em bom estado e, além do mais, o travejamento aparente, no térreo, era de bom efeito
essencialmente porquanto se comprovou nunca ter havido forros, exceto no prédio dos torreões. Neste, os
forros foram restaurados.

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63
Quanto aos forros, foram restabelecidos, segundo o tipo encontrado, os do edifício dos torreões
e nos grandes ambientes de exposições,correspondentes aos dois outros, realizados conforme o tipo
vigente em construções de mesmo gênero. Sem dúvidas, os forros originais não podiam ser restaurados
porquanto os ambientes anteriores tinham sido, nos dois prédios, câmara e contiguo, desfeitos antes das
obras de restauração e face ao novo programa, Museu, com salas de exposições, não era de interesse
refaze-los.

Com relação aos telhados, ao invés de se restabelecer as estruturas, preferiu-se, mantendo-os no


mesmo desenho, realizá - los em concreto armado, assentando-se as telhas por sobre as lajes. O fato de
receber forros que ocultariam as estruturas, levou a execução em material não combustível e considerando
a Carta de Veneza, havia amparo, sob o ponto de vista das teorias de restauração, em dispositivo aceito
internacionalmente.

Quanto aos balcões, apesar de se propor no projeto inicial, a manutenção dos encontrados em
ferro, conforme reforma da segunda metade do século XIX (1896), (15), decisão conjunta SPHAN,
SEPLAN, FUNDARPE, preferiu recontituí- los em madeira, tomando como modelo o tipo, existente em
documentações fotográficas de outros imóveis dos séculos XVIII/XIX e nos sobrados da Praça de São
Pedro e Rua do Amparo. Embora fiel, em termos de época, os balcões não se fundamentaram, na
restauração, em vestígios encontrados no imóvel ou outro documento que levasse a identificá-los iguais
aos antes existentes quando da substituição em 1896, por de ferros. No que se refere as esquadrias,
exemplos no im_ vel levou a restituí-las, conforme o executado, para todas as envazaduras.

A obra foi concluída em abril de 1977 e nela instalado um Museu de Arte Sacra. Infelizmente,
para este Museu não foi levada, como se pretendia desde o início, a Coleção de Arte Sacra de Abelardo
Rodrigues. O governo da Bahia, diante da demora em solucionar a compra do acervo à família por parte
do de Pernambuco, adquiriu a coleção e de presente ela se encontra, dignamente exposta, no Solar do
Ferrão, em Salvador. A família do colecionador tudo fez para que o conjunto notável ficasse em
Pernambuco (16).

As prospecções, apesar de bastante elucidativas, para a restauração do imóvel, não ficaram


registradas graficamente, perdendo-se, face a tal situação, a memória gráfica dos achados.

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64
NOTAS

1) Livro de tombo do Mosteiro de São Bento, Olinda, pags. 36, 43 e 45. Em metros corresponde a
44,22m de frente, 68,00m de fundos e 67,76m dos lados. Conversão feita segundo o texto: Mello, José
Antonio Gonsalves, in O Chamado Foral de Olinda, de 1537, Revista do Arquivo Público, V, 11/28
Recife, 1957 - pag. 44.

2) Barleus, Caspar - Rerum per octennium in Brasilia... Amsterdam, 1647, João Blaeu

3) "O monte que Duarte Coelho concedia (no Foral) para casarias e vivendas, na opinião unânime das
testemunhas que depoem nos autos (em 1710) do Juiz do Tombo, era o em que estava localizada a Rua
Nova, isto é, o outeiro da Igreja do Salvador do Mundo, depois Sé . Algumas dessas testemunhas
deixaram nos seus depoimentos a lembrança de aspectos da vila após o incêndio e destruição dela pelos
holandeses em 1631, a que se seguiu a retirada constante de material de construção para utilização nas
casas que os invasores estavam a levantar no Recife e em Maurícia. André da Cruz,de 81 anos em
1710,afirma que o
"O Monte em que o Foral fala ouviu ele testemunha sempre dizer era donde, hoje chamam a Rua Nova,
que foi a parte mais povoada desta cidade, e donde ele testemunha ainda viu muitos edifícios derrubados,
vindo para esta Capitania há 46 anos (em 1664, portanto), e na dita parte ouviu dizer morava o
governador e na mesma rua ainda ele testemunha conheceu a cadeia velha, em cujas casas ao presente
vive António Lopes Leitão, e às fraldas do dito monte também ele testemunha viu nelas muitos edifícios
derrubados, assim para a banda do norte como para a banda do sul, pegando uma rua por detrás do
Palácio onde hoje vive o Bispo e ia sair à Igreja da Conceição e daí para baixo até as outras era muito
povoado.

José de Sá e Albuquerque, capitão mor de Olinda e um dos primeiros genealogistas pernambucanos,


então aos 80 anos de idade, disse que o monte, em que se achava a maior parte do povoado que esta
cidade teve, foi donde hoje chamam a Rua Nova, donde ele testemunha viu as paredes das casas que se
dizia, foram dos governadores e na dita rua ainda existiam as casas que foram cadeia

Francisco Berenguer de Andrade, de 74 anos, afirmou que o monte em que o Foral a princípio declara é
aonde chamam a Rua Nova, donde ele testemunha sempre ouviu dizer habitar o primeiro Donatário desta
terra e povoador dela e sua mãe, Dona Brites e ali teve princípio esta cidade".

13

65
In, Mello, José Antonio Gonsalves de, O chamado Foral de Olinda de 1537, Revista do Arquivo P_ blico,
V 11/28, Recife, 1957 - pág, 44

4) Fontes, ou bicas, de São Pedro; dos 4 cantos, e do Rosário

5) Segundo as Confissões e Denunciações de Pernambuco, 1593-1595 - moravam na Rua Nova:

1.Gaspar Fernandes e sua mulher Maria Francisca, ele barbeiro, Denunciações, pág. 11

2.Antonia Bezerra, casada com Antonio Barbalho, dos da governança - em casas fronteiras e
coincidentes com a de, Denunciações, pág. 65

3.Balthazar Leitão, casado com Inez Fernandes, Denunciações - pág. 65

4.João Nunes, mercador, em sobrado; Denunciações, pág. 29 e outras

5. Mateus Fernandes, alfaiate, Denunciações, p_ g. 59;

6. Antonio Correia, vinhateiro, morador defronte à casa de João Nunes; Denunciações, pág. 250;

7. Manoel de Oliveira, sisgueiro, Denunciações, pág. 26

8. Henrique Afonso, Juiz Ordinário, Denunciações, pág

9. Diogo Fernandes, genro de Branca Dias, mercador, casado com Ana, Denunciações, pág. 251

10.Pero da Rua e Rafael da Matta, este pedreiro, Denunciações, pág. 335;

11.Na Torre, morava Dona Breatiz D` Albuquerque, Denunciações, pág. 74

Mais adiante, as mesmas Denunciações situavam defronte à Misericórdia, os seguintes morado


res:

14

66
12.Gonçalo Dias, alfaiate - Denunciações, pág. 444;

13. Luis Antunes, boticário - defronte à porta da Misericórdia, casadocom Maria Alvarez - De
nunciações - pág. 103;

14. Rui Gomes, pai de Luis Antunes, ourives e seu vizinho, Denunciações, pág. 316;

15. Maria de Faria, casada com Francisco Cordeiro, que vive de sua indústria, vizinha de Luis
Antunes, Denunciações, pág. 122;

Junto da Misericórdia, no local onde hoje é a Academia Santa Gertrudes, eram moradores (1593-
1595)

16. Catarina Fernandes, mulher de Manuel Roiz - Denunciações, pág. 450;

17.Felipe Cavalcanti, Denunciações, pág. 23 e outras;

18.Pe. Tomé da Rosa Baracho, indicado no processo de Rui Gomes;

Na Rua de Palhais, hoje Rua Bispo Coutinho, moravam:

19. Branca Dias, em uma casa de dois andares, Denunciações, pág. 150 (a casa é vista na gravura
Marim d` Olinda);

20. Breatiz Luis, casada com Fernão de Afonso, carpinteiro, Denunciações, pág. 32 (a Rua é
chamada então do Salvador);

21.Fernão de Afonso, carpinteiro, Denunciações, pág. 32;( deve ser a mesma casa anterior)

22. Joana, escrava de Branca Dias, Denunciações, pág. 281

23. Brasia Monteiro, casada com Domingos Monteiro- Denunciações, pág. 281;

15

67
Detrás da Matriz de Salvador (seria também Rua dos Palhais?):

24. Gaspar Rodrigues e D. Hieronimo de Almeida

Na Rua da Conceição (hoje Largo da Conceição):

25. Licenciado André Magno de Oliveira, Denunciações, pág. 97

26. Francisco Camello e seu pai Jorge Camello, Denunciações, pág. 216

27. Leça ou Lessa, sapateiro, Denunciações, pág. 278.

As Denunciações e as Confissões de Pernambuco revelam o grande número, considerando que


nem todos foram chamados ou se apresentaram, de moradores da parte mais antiga da cidade no
século XVI.
In -Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil - Denunciações de Pernambuco - São
Paulo, 1929.

_______ Confissões de Pernambuco, Recife, 1987;

6. A Cadeia velha era no alto da Matriz, depois Sé. Não havendo interesse em reconstruí-la depois de
1654, que se efetivasse, apesar de projetos realizados, ela é transferida para a Rua de São Pedro, na
freguesia de mesmo nome

7. Pereira da Costa, F.A. Anais Pernambucanos, Recife, 1962, V.X. - p_ g. 262.

16

68
8. Laet, Johannes de - História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais
desde seu começo até ao fim de 1636 - Tradução dos Drs. José Hygino Duarte Pereira e Pedro José Souto
Maior - Rio de Janeiro - Officinas Graphicas da Biblioteca Nacional - 1916-1925.

9. Pereira da Costa, F.A. op. cit. vol. 9 - pág. 281.

10. Pereira da Costa, F.A. op. cit. vol. 4 - pág. 263.

11.Pereira da Costa, F.A. op. cit. vol. 9 - pág. 281

12. Santos Simões, J.M. dos - Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822) Corpus da Azulejaria
Portuguesa Vol. II - Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, 1965.

13. O projeto de restauração foi realizado pelo arquiteto José Luiz Mota Menezes, em 1973, para a
Fundarpe, que o apresentou ao Programa Integrado de Restauração das Cidades Históricas do Nordeste.
Em 26 de julho de 1973, foi assinado convênio com a SEPLAN-PR e as obras tiveram início em abril de
1974, contratadas com a firma do Engenheiro João Augusto de Carvalho e foram concluídas em abril de
1977

14. A idéia de utilizar o prédio do Palácio dos Bispos como local de abrigo da Coleção do Sr. Abelardo
Rodrigues foi anterior ao Programa de Cidades Históricas. Estando na Secretaria de Indústria e Comércio
o Arquiteto Paulo Gustavo Cunha, foi dele o interesse em adquirir a coleção e montar o Museu Abelardo
Rodrigues no Palácio. Para tal finalidade convidou o professor Marcelo Carvalho dos Santos para estudar
e apresentar planos sobre o assunto. Com o Programa de Cidades Históricas, a idéia se consolida, tendo na
Presidência da Fundarpe o mesmo professor.

15."As atuais grades de ferro serão reparadas e recolocadas" in Memorial do Palácio dos Bispos que
acompanhou o projeto de restauração, 1973.

16. Os jornais da época chamam a questão de "Guerra Santa" entre Pernambuco e Bahia

* Monumento Nacional, processo n. 131-T, Inscrição nº. 70, livro de Belas Artes, fl. 13, na data de 13 de
maio de 1938.

17

69
Igreja e Convento de Santo Antônio - Igarassu *

1 Localização do Edifício.

O
Convento e Igreja de Santo Antônio, em Igaraçú, está situado em uma área plana ao
fim da rua principal, conforme assinala o autor do Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou
Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil, Frei Antônio de Santa Maria
Jaboatão (1). Pertence a Arquidiocese de Olinda e Recife.

2. História e Arte.

No livro , escrito por Gaspar Barlaeus, sobre o período de Governo do Conde João Maurício de
Nassau, impresso em Amsterdã por João Blaeu, em 1647, a estampa de nº11, apresenta uma vista da
vila de Igaraçú, tendo em primeiro plano a igreja dos Santos Cosme e Damião, e em outro plano o Con-
vento e igreja de Santo Antônio dos frades de São Francisco. O convento é representado com poucos
detalhes mas mantendo as mesmas características de outras representações do pintor Frans Post , autor
do desenho e provavelmente o gravador da estampa. Sendo o desenho do artista a matriz provável de
todas as outras vistas da vila de Igaraçú de mesmo gênero, vale a referência de momento. (2)Frans Post,
fixou o convento em pinturas e desenhos, sendo na maioria dos casos a disposição do mesmo em segun-
do plano, mas pintou também a casa dos franciscanos isoladamente e podemos destacar , nestes termos ,
da relação elaborada pelo Sr. Joaquim de Sousa- Leão , as pinturas de números 21 , 84 e 130.
As três pinturas se completam e nos permitem boa visualização do edifício em três ângulos,
pelo menos, quais sejam, a aproximadamente 40º do lado esquerdo do artista, a 90º, de frente, e a

70
aproximadamente 30º do lado direito. Nas três formas de representação o artista se posicionou sempre
diante do monumento o vendo integralmente. O convento é de pequeno porte e nas várias vezes em que
foi fixado pelo pintor ele preserva as características básicas sem variantes consideráveis, o que nos dá a
certeza daquela representação em estampa, antes citada, enquanto documento para a história da arquite-
tura. Parece-nos que Frans Post, ao realizar , provavelmente vários desenhos, para as ilustrações neces-
sárias ao livro de Barlaeus, pretendeu não fantasiar muito e, por se tratar de memória do lugar para
efeito de documentação, manteve, em cada edifício ou paisagens fixados, suas linhas básicas, inclusi-
ve quando utilizou os desenhos para as pinturas feitas muito depois na Holanda, como por exemplo a
datada de 1665, titulada Convento Franciscano de Igaraçú.

O convento de Igaraçú é o terceiro fundado pelos franciscanos no Brasil. Na Narrativa da Cus-


tódia de Santo Antônio do Brasil, 1584-1621, frei Manuel da Ilha, O. F. M. assim se expressa a respei-
to de tal fundação: ”3º Convento / Tendo dado andamento às obras do convento de S. Francisco da
Bahia, Frei Melchior de Santa Catarina sentiu necessidade de voltar ao município pernambucano e
visitar pessoalmente seus filhos que há 2 anos não via. Em ali chegando, os vereadores e habitantes de
Igaraçú, que dista 5 léguas de Pernambuco, pediram-lhe Religiosos e ofereceram-lhe lugar para a
construção do convento. Foi pessoalmente examinar a vila na qual deixou imediatamente Religiosos
para cuidarem da construção, que foi levantada graças às esmolas oferecidas pelos moradores com
generosidade e amor. Neste convento presta-se muito serviço a Deus pela administração dos sacramen-
tos e pregação tanto aos cristãos que já possuem fé católica, como aos gentios que a ela gradualmente
se convertem, . nele moram 12 Frades capuchinhos que vivem das esmola cotidianas”. (4), O convento
é fundado em 1588 ano em que esteve na vila o Padre Custódio e recebeu o terreno para a construção do
edifício. Jaboatão , consultando o livro de Assento dos Guardiães, assim como o Livro do Convento,
que se guardava no Arquivo da Província, também nos informa sobre os primeiros dias da casa francis-
cana e de seu primeiro prelado: ”O Prelado primeiro, com vezes de Guardião, nomeado para ali, foi o
Irmão Frei Antônio de Campo Maior, que no princípio deste mesmo ano de 1588, com outros mais,
havia chegado a esta custódia e era filho da província da Piedade. E como a sua nomeação para Prela-
do desta casa de Igaraçú foi feita pelo padre Custódio Fr. Melchior e neste mesmo ano, sem controvér-
sia foi ele, assim como prelado primeiro, o primeiro Fundador, e o que deu princípio e dispôs a fábri-
ca e obra do Convento, que com a boa vontade , devoção e esmolas do povo em poucos anos se poz em
perfeição e concluiu, concorrendo para a brevidade o ser regulado todo pelas idéias e medidas da santa
pobreza e primitiva reforma, pois no mesmo Cartório da casa se diz; - é muito pequeno e capucho e
sobretudo devoto . Tudo mostra ainda hoje o segundo, que no mesmo lugar pelo decurso do tempo se
levantou, como logo veremos. ”(5)

71
As condições , decorrentes dos recurso financeiros, diante, talvez , da pobreza da população
da vila e a filosofia dominante na ordem no que se refere a construção dos convento, bem expressa por
Jaboatão ao se referir as dimensões do convento -”regulado todo pelas idéias e medidas da santa po-
breza e primitiva reforma, ” , levaram àquela construção pequena, vista nas pinturas de Frans Post.

Nas três representações, antes referidas, que do convento de Santo Antônio de Igaraçú Post
realizou, (não parecendo serem derivadas de uma mesma posição do artista em sua tomada de campo,
isto porque os ângulos, como dissemos, variam com relação ao edifício), as dimensões da igreja e qua-
dra , em duas delas, são bem uniformes, as de números 21 e 84, da relação de Sousa-Leão, sendo a de
número 130 um tanto diferente quanto a altura da igreja. Parece-nos que esta última não representa o
convento de Igaraçú, porquanto tem certas características de construção da quadra não coerentes com as
outras vistas do edifício, inclusive aquelas onde ele aparece tendo a igreja dos santos Cosme e Damião
em primeiro plano. Talvez a pintura de nº 130 seja uma pequena variante, que o artista sempre fez , de
um desenho tomado do natural. Assim preferimos considerar , em nossa análise, apenas as duas pintu-
ras que guardam boa relação entre si, as de número 21 e 84. Na pintura 21, um monge se encontra
postado diante da igreja e nos serve como referência para as medidas do edifício, ( uma escala ) A igreja
teria assim cerca de cinco metros de altura até o beiral lateral, se considerarmos o monge com uma
estatura de 1. 60m. Na pintura 84 esta relação nos é dada por uma mulher e um monge e a igreja teria
talvez um pouco mais de altura até aquele beiral, cerca de cinco metros e meio aproximadamente. Em
ambas representações o alpendre tem de altura , considerando as colunas de suporte da estrutura do
telhado com 2. 50m, a metade da altura da igreja ou seja cerca de 2. 50m + 0. 25m ou seja 2, 75 m, o
que é coerente com a estatura do monge. Sendo o alpendre metade da altura da igreja ela poderia ter a-
queles cinco metros e meio antes referido . Assim as pilastras de canto da fachada da igreja, os cunhais,
teriam cinco metros e meio de altura e ela teria cerca de cinco metros de largura, vez que guarda uma
relação ao quadrado na composição. A quadra, em dois andares, tendo duas vezes e meia a largura da
igreja , mediria cerca de doze metros e meio na frente, sendo difícil se avaliar sua profundidade, mas ,
ao se saber da disposição , sempre ao quadrado, da parte conventual, onde a igreja ocupa um dos lados
, podemos considera-la com a mesma dimensão . A altura dos pavimentos, na quadra, não passaria de
dois metros e vinte cada um, o que daria quatro metros e quarenta até o frechal do telhado, o que nos
justificaria para a parte conventual menor altura que a igreja , conforme se pode ver nas pinturas. A fa-
chada de frente da ala conventual , que se une a igreja, apresenta três janelas no pavimento superior e
no canto a chaminé da cozinha. Lateralmente a quadra tem também três janelas na parte alta. Uma sinei-
ra, elevada além da altura do telhado da igreja, se destaca no conjunto. Nas duas pinturas todos esses
elementos são coincidentes, embora tenha havido mudança de lugar do observador, conforme assinala-
mos antes. A igreja , na lateral é iluminada por seteiras, aberturas estreitas e altas. Na sua fachada prin-

72
cipal duas janelas na altura do coro e um óculo no alto e centro do frontão são representados na pintura
de nº 84 e na de nº21 não há janelas no coro. Parece-nos que tais janelas foram introduzidas depois,
talvez como fantasia do artista, isto porque na gravura de nº11, que ilustra o livro de Barlaeus, realiza-
da a partir de desenho do natural, não existem tais aberturas , o que parece-nos coerente com as dimen-
sões da igreja. O convento seria portanto de pequenas dimensões e correspondente as descrições conheci-
das.

O convento de Igaraçú, pequeno e acolhedor, por algum tempo conservou suas dimensões e
durante a ocupação holandesa do Nordeste foi atacado e saqueado no ano de 1632. Do ataque se conhece
a narrativa de Jaboatão contida em seu Orbe Seráfico Brasílico(6).

O convento deve ter passado algum tempo abandonado mas não de todo, porquanto o mesmo
Jaboatão sobre tal estado assim declara: ”282. Também se nos oferece repetir neste lugar aquela refle-
xão, que já se fez em a primeira parte , falando do Convento de Olinda e outros de que se apossou o
Holandês e, dizem as tradições e algumas memórias antigas, ficaram destruídos uns e outros queima-
dos, como se afirma e escrevem as Diárias do Convento de Olinda. Deste e dos mais já se disse em seu
lugar o que bastava, agora faremos do de Igaraçú. Ficou desertado pelos Religiosos desde o ano de
1639, como já se disse, que dele tiraram os últimos , por alguns quinze anos até o de 1654 da restau-
ração, em a qual achando-se o P. Custódio Fr. Daniel de S. Francisco, logo nomeou para todos Presi-
dentes in capite, e lhes deu súditos para os habitarem, sendo um dos primeiros este de Igaraçú; e é
certo, se estiveram tão destruídos não fora assim. É verdade, que em quinze ou mais anos, que neste
não habitaram religiosos não podia deixar de ter muita decadência e algumas ruínas ; mas não foram
elas tais que não pudessem impedir a sua nova habitação e sem reforma considerável; porque , além de
não constar que a houvesse, mais que em alguns lanços do muro, que havia caído e não essencial da
casa, o tempo , as necessidades e pobreza em que ficou a terra e a brevidade com que foi outra vez
habitado o não permitiam; mas sendo obra pequena , antiga e mal tratada, reformando-se em algumas
coisas mais necessárias, assim foram vivendo nele até o ano de 1662, em que como foi dito, se come-
çou pela Igreja a sua nova reedificação e se foi seguindo pelos mais dos corredores e ficaram concluí-
dos no de 1693, no qual faleceu o pedreiro João Machado, como se declara no termo acima. ”(7)

“Foi esta, como já outras vezes se ha dito, no ano de 1654 a vinte e sete de janeiro, e achan-
do-se a ela o Padre Custódio Fr. Daniel de S. Francisco, tratou logo de reparar os Conventos até então
desertos e prepara-los no melhor modo, que permitia o tempo, e lhe poz Prelados, com o título de
Presidentes in capite até a sua congregação, que foi em Março de 1665. Foram estes Conventos , o de
Olinda, Paraíba, Recife, Ipojuca e este de Igaraçú. Aqui poz por Prelado ao Irmão Fr. Pedro de S.

73
Paulo e na congregação já referida ficou confirmado e o foi até o capítulo seguinte de vinte e seis de
Agosto de 1657. Deste ano até o de 1662, em o qual a vinte e um de Setembro se celebrou o segundo
capítulo depois de separada esta província não achamos coisa de novo nesta casa; mas saindo neste
capítulo por seu Prelado o Ir. Fr. Eusébio da Expectação, diz o assento dos guardiães, que entregando
a casa aos 18 de Agosto de 1665 neste triênio deixou feita de novo a Igreja e varanda. E sucedendo-lhe
no lugar Fr. Francisco da Conceição, aperfeiçoando esta Igreja nova, colocou nela o Santíssimo em
dia de nosso padre do mesmo ano de 1665, em que havia em Agosto tomado posse. ”(8) Jaboatão, ao
tratar do Convento de Igaraçú, nesta parte, nos informa do estado em que ele se encontrava após a ren-
dição dos holandeses, em 1654 e o que veiu a ocorrer após a retomada dessa fundação franciscana, e de
outras existentes na área de conquista flamenga. Em Igaraçú, durante oito anos, nada se fez senão o-
bras de conservação do imóvel, nem tanto arruinado quanto se pensa. É no ano de 1662, talvez um
tanto aliviada a população dos efeitos da guerra da restauração, que se inicia a ampliação do convento.
Tem esta começo pela igreja, naturalmente projetada maior que a anterior. Parece-nos que houve apro-
veitamento da igreja anterior, pelo menos como capela-mor da nova, costume já consagrado na região.
As obras nem sempre foram perfeitas e em 1686, a abóbada dessa capela-mor é derrubada por defeito,
levantando-se suas paredes laterais em cinco palmos, alargando-se também na mesma ocasião o arco
cruzeiro, elevando-o em altura. Ao se elevar a abóbada nova em cinco palmos nos seus apoios, se per-
deu toda a ornamentação existente, inclusive o retábulo, tendo-se de fazer tudo de novo. O novo retábu-
lo foi realizado em pedra lavrada, e segundo Jaboatão, foi idealizado pelo Guardião que antecedeu ao
prelado Fr. Daniel da Assunção, que derrubou a referida abóbada. O episódio em muito se parece com
aquele que ocorreu na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Guararapes, Jaboatão. Nesta igreja a
sua ampliação, em determinado momento deixou a nave com grande diferença de altura em relação a
capela-mor e a solução adotada então foi a de ampliar a altura desta compatibilizando-a com a nave;
para tanto foi também necessário elevar a altura do arco cruzeiro , dando-lhe mais elegância. Assim,
em Igaraçú, ao se aproveitar a capela primitiva como maior da igreja ampliada, e sendo as alturas ,
nave-capela-mor, bem diferenciadas, a igreja antiga era bem menor, a solução adotada, face as condi-
ções da estrutura da abóbada, foi a de elevar a construção antiga e de pronto se aumentar a altura do arco
cruzeiro. Além do mais desde a gestão anterior a de 1686, se pensava em mudar o retábulo assim se fez
um de pedra lavrada, naturalmente tendo em conta a elevação da altura da ousia. (9)

No triênio de Fr. Daniel da Assunção, deu-se início as obras de ampliação do convento, então
muito pequeno ao lado da nova igreja. Este Prelado apenas deixou pronto os alicerceis do corredor que
sai ao lado da capela-mor. Chama , Jaboatão, em sua descrição das obras, de corredor cada parte da
quadra conventual, sendo a igreja um dos lados, onde o elemento fundamental é o corredor que une os
diversos cômodos e forma o claustro, ou pátio interno . A designação de quadra é decorrente da organi-

74
zação do partido conventual em torno de um pátio ou crasta , claustro, cuja origem é muito antiga ,
vindo dos primeiros conventos, mosteiros e abadias, construídos desde a Idade Média. Em 1689, tendo
sido escolhido Guardião o Ir. confessor Fr. Manuel de S. Maria, continuou este as obras dos corredores,
tendo-se terminado um deles , sendo então habitado pelos frades, e continuado o outro , o que se loca-
lizava do lado oposto à igreja . Este último ficou coberto, assoalhado e repartida as celas. (10)

A construção da nova quadra, iniciada pelo corredor que principia ao lado da capela-mor, é
continuada no outro corredor, o que desse segue até o alinhamento da fachada da igreja e se conclui com
o último corredor, o de frente, que termina junto ao coro e tendo por baixo a portaria. Dos dois corre-
dores, Jaboatão, encontra documentação suficiente para nos informar o período de sua construção e os
prelados responsáveis. Sobre o último trecho da quadra ele discorre em sua Crônica e de forma bem
singular, com sua linguagem própria, esclarece as dúvidas que por sobre sua construção pairava: ”Não
se fala aqui pelos Prelados, que existiram nesta casa, na quadra, ou corredor da parte do frontispício
da Igreja, ou porque este não necessitou de reforma ou mais certo, porque o Guardião, que o mandou
fazer, não teve o cuidado dos mais em fazer assento desta obra, porque os dois de que aqui se trata
foram. o que pega da capela-mor e o que corre pela ilharga da igreja a unir-se com o da parte do fron-
tispício. Tudo isto e com esta individuação, que ao parecer de alguns será julgada por impertinente,
nos foi preciso repetir, por tirar a confusão do que sobre este novo Convento de Igaraçú ouvimos rela-
tar a alguns Religiosos antigos, afirmando fora o pedreiro João Machado Meirelles , que o fizera e
todo à sua custa e por isso lhe mandara a esta província fazer por sua alma aqueles mesmos sufrágios,
que costuma pelos seus Religiosos; e isto mesmo achamos confirmado pelos termos dos livros dos óbitos
de Olinda e Recife: dizem assim, com pouca diferença um do outro. --Fez-se o ofício, missa cantada e
os mais sufrágios, que se costumam fazer por um Religioso, pelo defunto João Machado Meirelles,
mestre pedreiro, conforme a obrigação, que lhe tinha feito a Província por ele fazer o Convento de
Igaraçú; faleceu depois de ter feito a obra no ano de 1693. --Quem ler nestes termos que o mestre pe-
dreiro João Machado fizera o Convento de Igaraçú e que por isso ficou a Província obrigada a mandar-
lhe fazer em todas as casas os mesmos sufrágios, que se costumam por um Religioso, não pode deixar
de perceber que ele fizera à sua custa todo o Convento; e daqui se seguiu sem dúvida a tradição, que
ficou entre os Religiosos de que isto assim fora. Mas o certo é que não foi tudo assim, porque o contrá-
rio consta de um assento do Guardião acima Fr. Manoel de S. Maria, que foi Prelado, em tempo do
qual se fez a obra dos corredores quase toda, e diz assim--Fica o mestre pedreiro João Machado pago
de duzentos mil reis, que era o que estava o Convento obrigado a dar em dinheiro por toda a obra,
conforme o seu escrito do contrato e obrigação, que fez, fazendo a obra toda, que fez, e tem para fa-
zer, aos 12 de dezembro de 1692--Daqui se está vendo, que não fez de graça toda a obra; ainda que no
que fez de mais, sempre fez muito, e por isso mereceu a graça, que nos referidos termos se aponta.

75
Também é de advertir que nesta obra , sempre grande para um homem que não era avultado em cabe-
dais, o que fez foi somente o que tocava ao manual de pedreiro com oficiais próprios e escravos seus,
sem dispêndio nos materiais e condução deles, porque tudo isto era obrigado o Convento a por-lhe ao
pé da obra, como consta dos mesmos assentos, que se pagavam estes materiais e também a dois carpi-
nas, Manoel Velho de Mello, mestre de obras e a outro mestre Manoel Dias pelo seu trabalho. ”(11)
Neste excelente trecho o cronista se revela um historiador cuidadoso em restabelecer a verdade e nos
permite vislumbrar a forma de construção de uma casa religiosa, onde a participação das partes envolvi-
das é toda esclarecida.

Não há nenhuma informação sobre a construção do Claustro e da fachada da igreja. Parece-nos


deva ser obra realizada em continuação aos corredores , depois destes concluídos, e da mesma fase das
obras de construção da galilé.
.
Por outro lado, o texto acima, ainda nos indica além do contratante das obras o tempo decorri-
do na sua execução e o nome de outros oficiais participantes do trabalho

No ano de 1689 teve início a construção de uma casa de pedra e cal , que a princípio, segundo
Jaboatão , servia de lavatório e na altura em que o cronista escreveu era onde se recolhia o sal, que
tiravam de esmola para o Convento em Itamaracá. A construção tinha duas portas uma dava para o con-
vento e a outra para o rio (12). Desta casa restam hoje os alicerceis, meio enterrados.

As obras de ampliação do convento nessa fase terminam na última década do século XVII, mas,
“passados alguns anos, suposto estavam as obras do convento de toda acabadas, como eram de um
sobrado e os corredores não constavam de muitas celas, servindo um deles de casa de noviciado, que o
havia desde o ano de 1661 por diante até hoje, e não havendo por esta causa agasalho suficientes para
todos os Religiosos de que necessitava o serviço da casa, no ano de 1705 se deu princípio a um corre-
dor de cento e cinqüenta palmos de comprido e trinta de largo, no fim da quadra, que vem da capela-
mor, correndo para o interior da horta à parte do nascente, o qual concluído com brevidade , no prin-
cípio se poz cela para o mestre, logo casa de Noviciado , com altar e oratório para se dizer missa e no
fim outra casa necessária”. (13).

Em Igaraçú, embora houvessem irmãos terceiros da Ordem franciscana, não tinham eles ainda
capela própria no convento. Segundo Jaboatão uns tinham tomado o hábito em Olinda outros no Recife,
não existindo capela até o ano de 1753, quando o irmão terceiro , oficial de pedreiro. Francisco Fernan-
des das Chagas, natural da vila de Igaraçú, resolveu , com outros devotos, edificar capela para a sua

76
venerável ordem . Solicitaram então permissão ao Padre Provincial Fr. Manoel de Jesus Maria , no
que foram atendidos no dia dez de junho daquele ano. (14) Feita a primeira eleição foi escolhido Ministro
da ordem o mesmo Francisco Fernandes das Chagas e para seu comissário e Pregador o Ir. Manoel de
Jesus Maria Neves. Delineada a capela, provavelmente por aquele oficial de pedreiro, e dentro da forma
tradicional, isto é, localizando-a perpendicular à nave, do lado do Evangelho. Em novembro de 1753,
houve a benção da primeira pedra, lançada na parte da capela-mor , no seu alicerce, sendo concluída a
construção em julho de 1762. Na oportunidade se abriu o arco de comunicação da capela dos terceiros
com a nave e no dia dezesseis de setembro deste mesmo ano, foi ela benta . A primeira missa , foi cele-
brada pelo seu então comissário Fr. André de S. Luiz e a benção da igreja pelo P. Guardião Fr. Luiz do
Sacramento. A capela era dedicada às Chagas do Seráfico Patriarca. Não mais existe esta Capela.

Em 1749 foi pintado o forro da nave , sendo assinado pelo pintor Rebello. (15)

Jaboatão, o cronista da Ordem franciscana , autor, entre outras obras , do Novo Orbe Seráfi-
co Brasílico, impresso em Lisboa por Antônio Vicente da Silva, em 1761, depois reimpresso inclusive
a parte inédita , pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro em 1858 e 1859,
conheceu o convento de Igaraçú quando ele se encontrava pronto de todas essas ampliações relacionadas.
Assim, antes de tecer comentários sobre a arquitetura do convento e sua igreja vamos conhecer a des-
crição desta igreja feita pelo cronista : “ Tem a Igreja, com diferença de algumas ou das mais, capela-
mor com abóbada de tijolo, arco de pedra lavrada e outro da mesma na boca da tribuna, com trono
de talha dourada e três altares. Na maior à parte direita do Sacrário tem nicho o seu titular Santo An-
tônio. No cruzeiro à parte do Evangelho a Senhora da Conceição, e no da Epístola o Santo Patriarca e
ambos com sua talha também dourada. Uma varanda por detrás da capela-mor, Sacristia, capítulo e
portaria, tudo perfeito e pequeno, como o permite a capacidade dos corredores, por baixo dos quais
ficam estas casas. Tem o frontispício três arcos de pedra lavrada sobre os quais assenta uma parte do
coro; uma porta ao lado esquerdo pela qual se entra para a casa da portaria e outra ao lado direito,
que dá passagem hoje para a nova capela dos Irmãos Terceiros. Tem seu alpendre, que começando
com a mesma largura do frontispício, dele vai correndo e alargando-se à proporção por algumas cin-
qüentas braças com seu muro alto por uma e outra parte até a rua, que por diante atravessa, e no fim
e meio do seu largo o cruzeiro da Igreja. Pelo lado direito saindo da mesma Igreja, logo no princípio
do seu alpendre, descidos dois ou três degraus de pedra ao entrar dos arcos do frontispício, fica no
último degrau a casa da classe para estudantes de fora, de que em seu tempo se dirá.
272. Além de uma porta que tem o muro pela parte fronteira à rua, que atravessa pelo fron-
tispício da Igreja, pela qual entram os carros e bestas, que conduzem as esmolas dos arrabaldes, tem
outra no fim da quadra do muro, que desce para o rio pela parte do nascente, a qual dá entrada à

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lenhas, que se mandam cortar dos mangues para o gasto da cozinha. Junto a esta no princípio da
outra quadra do muro que pela baixa do Convento corre sobre a margem do rio está uma casa de pedra
e cal, que ao princípio servia de lavatório e hoje recolhe o sal, que se tira de esmola para o Convento
na Ilha de Tamaracá, com uma porta, que responde ao Convento e outra para o rio, com alpendre
coberto sobre a margem deste, poiais de assento e no meio uma escada com degraus de pedra lavrada,
pela qual se desce e entra para a água; e aqui vão também os religiosos, quando lhes é necessário
tomar seus banhos, porque o rio é para isso excelente de maré vazia, ficando em água doce, clara e
corrente, de areia limpa e pouco fundo, sem que sejam os que nele entram vistos dos moradores da
vila. ”(16) A descrição além da igreja inclue a casa construída junto ao rio para lavatório e depois depósi-
to do convento.

A sacristia, de excelente desenho, dela não há a menor informação, embora possa se incluir
entre as obras de meados do século XVIII, graças ao período de assentamento dos azulejos.

O convento , a exemplo de todos os demais , no século dezenove, veiu a ser despovoado de


frades e finalmente ficar de posse da Diocese , vindo nele a se instalar um orfanato. Bastante arruinado
chega até 1938 , quando é relacionado entre os monumentos de grande interesse histórico e artístico pelo
recém criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O orfanato, malgrado as dificuldades
naturais de conservação do edifício, diante da sempre falta de recursos, o manteve em uso, o que lhe
garantiu a permanência .

Das fachadas das igrejas franciscanas que seguem o padrão dos conventos do Nordeste, se-
gundo a análise de Germain Bazin, a de Igaraçú, nos parece a de melhor composição de arquitetura.
Considerando os três frontispícios que se assemelham, o da igreja de Santo Antônio de Cairú, Bahia, o
da igreja de Santo Antônio de Iguape, no rio Paraguassú, também na Bahia e o de Santo Antônio de
Igaraçú, porquanto os demais se agrupam em outros modelos, verificamos que apesar de se vincularem
a um mesmo tipo há pequenas diferenças entre os três. Os dois da Bahia são derivados de um mesmo
desenho , quer na escolha das perfilatura ou nas proporções entre as partes. As grandes pilastras que
separam os trechos das duas fachadas são robustas e seguem na determinação de suas proporções os
tratados de arquitetura em voga, essencialmente o de Vinhola. Os arremates, grandes volutas que fazem
a ligação entre a parte térrea, a galilé, e a parte superior, em ambos os dois frontispícios são de mesmo
desenho, encontrado em vários monumentos europeus do período, principalmente aqueles que seguem
com fidelidade os padrões da arquitetura do Barroco, (17) à exemplo as igrejas dos jesuítas de Coimbra
e do Porto, ambas em Portugal. Praticamente as diferenças são quase sutis entre os dois frontispícios,
por exemplo, as três janelas, da altura do coro, em um deles, Cairú, tem arremates, acima da verga,

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em frontão aberto, no outro se encontra este elemento ausente. No convento de Paraguassú, a verga
principal de entrada da igreja traz a data de 1660, e a obra teve início em 1658. Achamos um tempo
muito curto, apenas dois anos para a conclusão de toda o construção , inclusive o frontispício lavrado
em pedra. No convento de Cairú, uma data em uma verga de uma porta, que comunica a sacristia com
um dos corredores da capela-mor da igreja, tem a data de 1661. As datas, em ambos os edifícios são
bem próximas e estão coerentes com o modelo de fachada , com tais elementos de arquitetura e suas
fontes nos tratadistas. O profissional que delineou as duas fachadas, acreditamos um único, estava bem
informado sobre as novidades da arquitetura do século XVII em Portugal e no restante da Europa. O
convento de Igaraçú, conforme vimos , em sua ampliação , começa as obras pela igreja, e , através de
informação do cronista Jaboatão, no ano de 1662. Assim, os três edifícios , nos parece, não podem
disputar a primazia na determinação do modelo definido para a fachada da igreja. Os dois frontispícios da
Bahia , isto não se discute, são bastante semelhantes entre si, o que não acontece, apesar de, em linhas
gerais obedecer ao modelo determinado, com o de Igaraçú. Esta fachada, presa da sintaxe considerada,
é no entanto fiel a um processo de transição entre esta e aquelas contrafações consideradas de um outro
tipo, onde a galilé é formada por três arcada de frente e ao se salientar do corpo da igreja e do alinha-
mento da quadra, vem receber uma ou duas arcadas, simétricas de cada lado, a exemplo os conventos
do Santo Cristo de Ipojuca, e o de Olinda, ou ainda, derivando de tal solução arquitetônica, a fachada
da igreja do recolhimento de N.Sª da Conceição, também em Olinda. Em Igaraçú, o corpo central da
fachada se desenha à maneira daquelas citadas, embora com certa fidelidade ao tipo novo, e as voluta
arrematam encadeando-se magistralmente, desde a parte alta da contrafação até o trecho inferior ao nível
da galilé. Por outro lado, na galilé desta igreja, o uso de colunas geminadas para suporte das arcadas na
galilé torna a solução neste edifício bem inusitada.

O interior da igreja, hoje sem a ligação, através de um grande arco, com a capela dos Terceiros
Franciscanos, é decorado por revestimentos de azulejos, em silhar; os três retábulos , o da capela-mor e
os dois colaterais; o forro pintado; o coro, com seu cadeiral, docel do crucificado e fechamento entalha-
do da varanda e o púlpito. Sobre cada um desses elementos faremos o nosso comentário.

Executados em momentos diferentes, ora próximos ou distantes , os elementos citados guar-


dam, no entretanto, certa unidade. Unidade que dá ao interior, malgrado a falta da Ordem Terceira, um
certo valor. Santos Simões , ao se referir a este interior assim se expressa : “ A igreja, espaçosa, surpre-
ende pelas magníficas e justas proporções. Notabiliza-a a decoração, da qual se destaca o forro pintado
que arranca da cornija e que por intermédio de cambota de meio-canhão se liga à parte central , plana.
Obra notável, está assinada no friso, sob o coro: O Rabllo novembro de 1749 acaboce”

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O arco triunfal, de perfil simples, foi ornamentado com pintura dourada cujos restos, ainda
bem visíveis, a permitem identificar com trabalhos congêneres que se situam, em Portugal, no primeiro
quartel do século XVIII.”. (18) Há um engano do engenheiro Simões quando localiza a assinatura , ela se
encontra sobre a cornija , cimalha real, no centro da parede, acima da janela do meio do coro.

Os azulejos da nave de cerca de 1750, têm por temática a vida de Santo Antônio a quem o con-
vento é dedicado. São painéis recortados e interligados por pilastras. No local onde havia o arco da capela
dos Terceiros , o trecho foi preenchido com azulejos retirados da capela-mor. Nas obras de restauração,
procedidas no interior da igreja, tal fato se comprovou. Tanto a nave quanto a capela-mor fazem uso de
uma mesma temática. O especialista em azulejaria , João Miguel dos Santos Simões, descreve e data os
referidos azulejos . (19)

Os retábulos, em número de três, o principal e os dois colaterais foram confeccionados em


épocas diferentes. Os colaterais são de uma mesma fase e o maior é mais recente. Os altares mais antigos
são os dois colaterais. Não há registro de quando foram confeccionados , no entretanto, ao se comparar
os elementos ornamentais das talhas podemos os identificar com realizações de meados do século XVIII
e com mais precisão entre 1730 e 1770. Dizemos isto porquanto os elementos do Rococó empregados
são muito coerentes com a atividade dos entalhadores do Norte de Portugal. É uma ornamentação cujo
desenho podemos encontrar em gravuras, essencialmente as de origem alemã. A talha , que não é das
melhores do gênero, guarda estreita semelhança com aquele notável florescimento decorativo desse
período no Porto. Vejam-se , por exemplo, os dois púlpitos da igreja de Nª.Sª. da Vitória , no Porto,
executados, ”segundo o risco e apontamentos de Padre Frei Manuel de Jesus Maria, Converso do Mos-
teiro da Serra do Pilar”. (20). Nos dois retábulos, de Igaraçú, ambos de mesmo desenho, parece-nos
não se houve o artista que os executou, ou o autor do risco, com tanto esmero, quanto àquele Padre,
autor do desenho dos dois púlpitos, vez que apesar de provavelmente dispor de um bom caderno de
desenhos, não soube realizar a composição com maestria desejada. Os trechos inferiores dos retábulos,
as partes que envolvem as duas mesas, os altares, são de excelentes traçados e fieis aqueles desenhos
referidos, o mesmo podemos dizer com relação às banquetas, onde se encontram os pedestais das colu-
nas torsas dos retábulos. Os trechos das colunas têm igual qualidade mas, infelizmente os coroamentos
dos retábulos são de muita pobreza de traçado e execução. Parece-nos até obra de duas mãos. Os frontais
dos altares são bem elaborados, embora em uma talha fina e delicada, fugindo da maneira de fazer das
partes superiores, com exceção do coroamento, como se disse. Presentemente as bases do arco cruzeiro
se encontram recobertas da mesma talha da parte inferior dos dois retábulos e assim, parece-nos, ela
deveria revestir todo ele, dando a cabeceira da igreja um aspecto diferente do atual. A obra pode ter sido
executada uma vez que os capiteis do arco estão cortados, indicação clara de tal ocorrência. Das duas

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imagens, que se encontram nos nichos dos altares colaterais, uma delas não é mais aquela do Patriarca
São Francisco, vista pelo cronista Jaboatão, a do lado do Evangelho, e sim Nossa Senhora do Ó, de-
voção que não nos parece ser do feitio dos franciscanos.

O retábulo principal não é mais o primitivo, isto é aquele da fase das obras de ampliação da
igreja, quando se destruiu a abóbada de alvenaria para erguer outra mais acima. A descrição dessa igreja,
antes referida, feita por Jaboatão , não corresponde ao que se vê atualmente na capela-mor. O cronista
declara que : “Tem a igreja, com diferença de algumas , ou das mais, capela-mor com abóbada de
tijolo, arco de pedra lavrada e outro da mesma na boca da tribuna, com trono de talha dourada, e três
altares. No maior à parte direita do Sacrário tem seu nicho o seu titular Santo Antônio....”. Ora isto
implica em um tipo de retábulo com nichos entre colunas, onde, em um deles, se encontrava Santo
Antônio, bem diferente da localização atual da imagem do Orago que se encontra acima do trono. Na
análise que se pode proceder do atual retábulo podemos verificar que uma parte dele pertence àquele
referido pelo Jaboatão, precisamente o trono , cuja talha é de igual período daquela das tribunas e do
docel e tapamento do coro , da qual nos referiremos adiante. O restante do retábulo é bem mais recente e
de fase de transição para o gosto Neoclássico. Apesar de tal característica, bem distante da linguagem
das demais talhas da igreja, o altar é de bom desenho, onde é singular a disposição dos anjos nas colu-
nas, meio engastados nos fustes . A simplicidade dos entalhes não compromete a qualidade do interior da
igreja. As tribunas da capela-mor, de riquíssima e exuberante talha, qual poucas no mundo ibérico,
essencialmente em Portugal, deveriam se armonizar com aquele primitivo altar referido pelo cronista
franciscano , do qual restou o trono, hoje marcam a presença de modo extraordinário, No corpo da
igreja , na nave, as tribunas não são tão salientes, embora de mesma talha.

Na igreja, em seu interior merece ainda referência o coro. O cadeiral é bem da metade do século
dezoito de bom desenho e execução. Corresponde ao cadeiral, talvez obra de uma mesma fase , o docel
do crucificado e o fechamento do coro em relação à igreja. Neste é de grande mérito a varanda, que se
lança para fora do alinhamento do mesmo coro, onde uma pintura de excelente qualidade se inclui na
linha do emolduramento. A talha do docel é anterior àquela dos altares colaterais e bem em comum com
as das tribunas da capela-mor. O tratamento dos ornatos é ainda presa das características do barroco joa-
nino e de notável bom gosto. Não é uma talha Rococó quanto aquela dos altares colaterais, o que leva o
momento da execução deles para um dos últimos da decoração do interior da igreja. No convento dos
franciscanos de João Pessoa, Paraíba, podemos encontrar um gradil de fechamento do coro de mesma
época desse de Igaraçú, nos parecendo obra de mesma gente. Não se encontrou, no entretanto, o menor
documento que permita estabelecer qualquer relação entre os dois conventos, em termos de obras, mas
existe a certeza do tempo , meados do século XVIII , para a execução das mesmas.

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No interesse em estabelecer uma cronologia das fases de execução dos ornamentos desse interi-
or, diríamos que : a fase mais antiga compreenderia a execução do primitivo retábulo da capela-mor,
seguida daquela das duas tribunas de mesmo lugar ; depois, poderíamos incluir o coro, com cadeiral e
docel, este pouco anterior àquele; a seguir teríamos a fase dos entalhes das tribunas da nave; quanto ao
púlpito , pelo fato de nos parecer um tanto estranho o tambor e o suporte, sendo trabalho no qual um não
corresponde ao outro, talvez por exigência de um fechamento maior da varanda, vez que as colunas se
encontram engastadas no corpo desse fechamento, teria um tempo indeterminado de execução ; os altares
colaterais incluiríamos em um período que se seguiria ao do púlpito, sendo anterior ao atual altar-mor,
que, não restam dúvidas, foi a última obra de talha do interior.

A nave e a capela-mor, têm forros de madeira onde se fizeram pinturas. As pinturas, como
dissemos, são de uma mesma autoria o pintor José Rabelo de Vasconcelos, de quem falaremos adiante.

Na capela-mor o forro, foi executado em abóbada de aresta, acompanhando a forma dos arcos
do cruzeiro e do retábulo. Nele se encontra realizada uma pintura decorativa de gosto Rococó , onde a
composição, sem maiores novidades emprega cartelas e concheados à maneira recomendada pelas gravu-
ras alemãs , (21) bastante divulgadas entre os pintores na Europa e que chegaram ao Brasil, quer através
dos mesmos artistas ou tomando exemplos na própria azulejaria, que empregava sempre toda uma mo-
dernidade nas molduras ricas de seus painéis figurados. Robert Smith ao estudar o Rococó do Alto Mi-
nho, nos diz da forte influência da Alemanha Meridional quando declara : “É de fato, nesta parte da
Alemanha que se deve procurar a originalidade mais típica do Rococó do Alto Minho, nomeadamente o
emprego constante de composições de conchas, volutas e flores, torcidas e com perfis franzidos, espar-
gadas como algas do mar sobre molduras convexas das bases e cimalhas, onde se misturam, gotejan-
tes, com robustas agrafes, palmas e folhas da mais assimétrica formação.”(22) O forro da capela-mor
tem ao centro uma cartela circular envolvida por concheados e flores e daí partem os demais elementos
decorativos em aplicações isoladas até o arremate por sobre os arcos formadores da abóbada.

A pintura do forro da nave , as maravilhas de Santo Antônio, dispõe, no centro da abóbada de


berço, uma representação de Nossa Senhora da Conceição, devoção cara aos franciscanos e a envolve
com seis painéis onde a temática é extraída dos milagres desse tão festejado franciscano. O painel central
e os que estão à sua volta são emoldurados com ricos elementos do rocaille onde se destacam as cores
alegres da palheta do artista : azuis, rosas e castanhos com as acentuações douradas, sobre fundo areia.
“Os ornatos rococós e esse colorido fazem deste forro um dos mais belos no gênero. No que se refere aos
milagres , estes, enquanto composição, estão diretamente inspirados nas mesmas fontes da dos azule-

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jos, que vindos de Portugal para a igreja, cerca de 1750, adotam os mesmos temas, com cenas seme-
lhantes. O pintor, com certa habilidade, as adapta aos limites irregulares dos espaços destinados aos
temas do forro. A talha representada em pintura, segue a forte influência das molduras azulejares e de
madeira realizadas em interiores de outras igrejas. No entanto a destreza do artista no domínio do ro-
caille e do colorido, conduz a excelentes composições nas molduras”(23).

Sobre o pintor José Rabelo de Vasconcelos, em atividade em Pernambuco de 1749 a 1800,


conhecido também por Rebelo, podemos muito pouco saber a seu respeito. Era pardo, morador em “so-
brado”, segundo pesquisa do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, isto é sua tenda de trabalho
não era em casa térrea, qual a dos oficiais mecânicos, o que lhe dava o direito de ser um artista com
atelier montado, tendo , sendo militar, chegado ao posto de Coronel do Regimento das Milícias dos
Homens Pardos. Pertencia a Irmandade do Livramento, tesoureiro entre 1752-53, mordomo, 1756-57 e
novamente tesoureiro entre 1764 e 1765. ( 24) Para a Ordem Terceira de São Francisco do Recife, em
1852, pintou um painel para o Trono .

Na galilé da igreja, um forro em artezoados guarda um dos conjuntos de pinturas dos mais notá-
veis e bem conservados, considerando o local onde se encontra. É pintura de “artista habilitado e conhe-
cedor da crônica franciscana. As cartelas e ornatos situam essas pinturas no estilo rococó de meados do
setecentos.”( 25 ) Não temos dúvidas de que o pintor é bem hábil e a qualidade das pinturas as incluem
entre aquelas que se encontram nos demais conventos da mesma Ordem, guardando entre elas muito
parentesco de natureza técnica e estética, vejam-se, por exemplo, as existentes nas capelas das Ordens
Terceiras franciscanas de Olinda e do Recife, entre outras. Entretanto, torna-se necessário um reparo: na
informação o médico Clarival do Prado Valadares não pode considerar, simplesmente pelo fato da repre-
sentação, em termos de temática, estar correta, que o artista teria sido um conhecedor da crônica, ele
foi, assim nos parece, isto sim, um bom reprodutor das gravuras que lhe foram entregues para serem
incluídas no forro. Era freqüente, isto é sabido, os religiosos possuírem coleções de gravuras referentes
a sua corte celestial, sobre a história da Ordem e de seus Santos. No caso do forro de Igaraçú, os religio-
sos representados devem ter sido indicados pelos frades, vez que são os conhecidos e referidos , não
apenas na Crônica mas em outras obras de origem franciscana. Estão representados no forro : São Ber-
nardino de Sena; OB (Oblato ) Francisco de Pávia; São Paschoal Baylon; São Francisco Solano; São João
de Capistrano; São Luís, Bispo de Tolosa; São Quenciano, F. Santo Cardeal, F. Francisco Sisneiro; São
Jácome da Marca; São Pedro Regalado; São Diogo de Alc. ; São Pedro de Alcântara; São Bernadino de
Feltro. No centro do forro se encontram as armas da Ordem franciscana. Alguns dos representados tam-
bém o são em outros edifícios da mesma Ordem no Brasil. Ainda está por fazer o estudo comparativo
entre essas pinturas , pertencentes, a maioria, ao momento da grande expansão da Ordem, depois de

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1654, com a ampliação dos conventos no Nordeste, todas elas parecendo-nos pertencer , assim pensa-
mos, a um mesmo atelier ou grupo de artistas bastante vinculado à Ordem , diante da forma muito seme-
lhante de tratar a composição e o colorido das obras, a maioria situada nos meados do século XVIII.
Outra tarefa, já enfrentada por alguns estudiosos, será a identificação das estampas que serviram de
modelo para as pinturas.(26).

A sacristia da igreja do convento de Igaraçú, tem uma forma muito curiosa de planta-baixa :
quem a projetou , não satisfeito com a disposição retangular de quase todas as sacristias , renova o gosto
e elimina nessa planta-baixa os quatro cantos em angulo reto e os encurva, mas, o diferente é que o faz
no sentido inversos, isto é, para dentro , dando um resultado dos mais interessantes. Naturalmente, ao
adotar tal desenho ele teve também de resolver o traçado do telhado , que resultou numa cobertura de
muito interesse, enquanto estrutura de madeira e telhamento.

João Miguel dos Santos Simões, em Azulejaria Portuguesa no Brasil se ocupa dessa sacristia e
é com suas palavras que passamos a tratar da mesma: “ No claustro, delicioso e bem proporcionado
modelo de construção capucha, não existem azulejos nem consta que os tivesse havido. Vamos encon-
trá-los sim na sacristia que , conforme com as plantas típicas, ocupa atrás da capela-mor a largura
correspondente à da nave da igreja. É uma quadra rectangular mas onde os cantos formam reentrâncias
em quarto de círculo, para agenciar os extraordinários armários embebidos, trabalhados no pau de
jacarandá. Seis janelas iluminam a sacristia onde o volumoso arcaz é separado a meio por um altar de
talha. Os corpos deste precioso móvel têm seu retábulo de painéis pintados com as imagens dos quatro
doutores da igreja - Santo Agostinho, S. Gregório, Santo Ambrósio e S. Jerônimo - e dois vazios mas
que outrora deviam ter tido espelhos. O tecto, plano, tem, magnífica pintura com a glorificação da
Virgem e onde anjos cantores seguem a música pautada. Todas as paredes livres de talha foram revesti-
das de azulejos, cerca de 1765-70, como se pode deduzir da análise tipológica e estilística e , se bem
que infelizmente faltem alguns troços de parede, ficaram no entanto bastantes para se poder fazer bem
uma idéia do conjunto.
Nos cantos reentrantes, os azulejos enquadram os magníficos armários de talha, contando-se
26 na altura e os motivos ornamentais, do mais delicioso rococó, casam-se com a obra de madeira,
para cujo enquadramento foram feitos A pintura é azul mas os azulejos de fundo são marmoreados e o
todo assenta sobre um rodapé de 2 azulejos onde o mesmo marmoreado é agora enriquecido com laivos
amarelos e roxos. Sob o peitoril das janelas, nas sobreportas e na parede do arcaz, a ornamentação
continua-se no mesmo tipo com cartelas e anjinhos, tendo os emblemas antonianos já vistos na igreja,
incluindo a cruz de Santo Antônio ( Bulhões ) comum nestes institutos. Na parede fronteira à do arcaz,
ao centro, abre-se o fundo recesso do lavabo, sendo este uma extraordinária peça de pedra lavrada,

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arcaizante nas formas mas notável nas proporções. A edícula, de cerca de 5 m de fundo, é iluminada
por duas lucarnas laterais da cantaria que, como o lavabo propriamente dito, são de calcário local,
certamente trabalhado por excelente canteiro português. A cobertura é em abóbada de volta perfeita,
separada das paredes por um friso também de pedra regional. Todo o recesso é azulejado, incluindo a
própria abóbada, o que faz desta peça um dos mais notáveis exemplares do gênero de que tenho conhe-
cimento. O fundo do lavabo está enquadrado por ornamentação azulejar propositada e minuciosamente
feita para aqui, onde os ornatos de pintura azul prolongam os recortes da pedra. nas paredes laterais
também os azulejeiros consideraram as molduras das lucarnas para pintar os azulejos que as envolvem
e com elas se casam. Aqui, o paramento total atinge 18 de alto e, em cada parede, há dois painéis
centrados pelos óculos e onde se representam cenas piscatórias. São estes azulejos do mesmo pintor e
oficina dos que guarnecem os arcos dos claustros de S. Vicente de Fora, em Lisboa - série das fábulas
de La Fontaine. Aqui empregaram-se cartões e estampas, entre outras de Vernet - painel que mostra
uma fonte com aguadeiros. Tratando-se de um lavabo, o tema escolhido foi eminentemente... aquático.
Infelizmente alguns dos painéis estão mutilados ou têm as peças trocadas, o que prejudica a unidade
decorativa.
A abóbada, desenvolve-se em 33 azulejos de volta por outros tantos de comprimento. São azu-
lejos de repetição, de desenho azul, tendo, nos centros, florões circundados por moldura marmoreada.
A meio da abóbada destaca-se uma magnífica composição ornamental que é como que o coroamento de
toda esta espetacular decoração.
Estes azulejos fizeram parte da mesma encomenda dos da sacristia e constituíram, para mim -
que visitei Igarassú no segundo dia da minha estadia brasileira - , das mais emocionantes surpresas !
Apesar de referidos na bibliografia ( Mário Barata ) , excedaram a espectativa, o que aliás se havia de
manter no mesmo ritmo durante toda a viagem no Brasil”.

Os azulejos , assim como a sacristia foram restaurados conforme se dirá adiante.

O convento de Igaraçú e os demais da Província foram fortemente atingidos pela proibição de


abertura de noviciados. Frei Venâncio Willeke, em seu trabalho sobre o Noviciado de Igaraçú, nos
informa com precisão todos os momentos do noviciado nesse convento.(26) Extinto por sua vez depois
de 1841, do convento se retiram os frades e ele passa a abrigar um orfanato.

O novo uso do convento, naturalmente, veiu modificar, embora de forma não tão significativa,
seus ambientes internos , adaptando-os ao novo programa.

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Enquanto , na parte da quadra as celas foram preservadas, embora com novo uso, na ala cons-
truída para fora da mesma , em direção ao Norte, todas as celas e a capela interna não mais estão defini-
das internamente. Restou um grande salão, hoje ocupado por uma Pinacoteca.

Na igreja, talvez depois da saída dos frades, a capela dos Terceiros ruiu, dela restando apenas
os alicerces, meio encobertos. O arco que abria para a igreja da Ordem 1ª foi entaipado e novos arranjos
se fizeram nas aberturas de iluminação natural da nave.

A Portaria foi desfigurada e subdividido o antigo ambiente para que se pudesse introduzir uma
roda para recolher os órfãos, com ambiente interno e externo, e nova ordem interior.

Outras pequenas modificação se fizeram sem maiores conseqüências. Dessa maneira chegou até
os nossos dias o convento.

3.A Restauração

O convento , ao se instalar o orfanato, foi adaptado as novas condições de uso, descaracteri-


zando-se, deste modo, alguns ambientes originais. No entanto, a criação de um alpendrado na parte
externa da quadra foi um dos danos mais significativos. Usar um monumento para um fim diferente da-
quele para o qual ele foi criado , assim nos parece, é perfeitamente viável, desde que haja respeito, de
quem o utiliza, em relação àquela finalidade inicial que , necessariamente, deu caracter a edificação .
Não é o novo uso mas o que dele poderá resultar para o edifício em termos desse caracter.

Criado em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, logo procurou rela-
cionar aqueles imóveis de grande importância histórica e artística existentes no território nacional. Muitos
estavam em estado de ruína, necessitando que a tutela do Estado, agora exercida, viesse a seu socorro.
Era uma tarefa grandiosa mas suficientemente justificada no Estado Novo. Esses valores da nacionalida-
de muito representavam no discurso oficial. Assim , em Pernambuco, elaborada a lista desejada pela
Direção Geral do SPHAN, logo nos surge o convento de Igaraçú. Em maio de 1938, já se encontrava
tombado. Apesar de não se encontrar em ótimo estado, o monumento pode esperar as obras de restaura-
ção por algum tempo, outros edifícios, no território nacional estavam em piores condições. O orfanato

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estava funcionando e quando em uso um imóvel é preservado. O problema do convento não era de ruína
e sim de danos que poderiam, inclusive, o levar à destruição, não fosse esse uso.

Algumas obras de conservação foram feita de 1938 até 1959. Neste ano tem início uma interven-
ção maior no edifício através do SPHAN, pelo seu 1º Distrito, tendo à frente do mesmo o engenheiro
Ayrton de Almeida Carvalho.

As obras consistiram na remoção daquele alpendrado, ficando logo realçadas as fachadas da


parte da quadra onde se tinha construído tal elemento arquitetônico. Não foi sem protesto que tal ação se
deu. Os usuários, não compreendendo aquela intervenção, vez que não entendiam as razões que motiva-
ram o gesto, não aceitavam a perda do alpendre, tão necessário ao orfanato. Este, nos parece, é um dos
grandes problemas de qualquer intervenção. Os usuários do bem não aceitam que alguém sobre ele inter-
venha e lhe diga : isto deve ser assim. Na realidade, a falta de uma educação patrimonial , inexistente
àquela época e ainda hoje, levou àquela situação. Todo ato desse tipo que venha a atingir um bem deve
ser do conhecimento , não apenas do seu proprietário, mas da comunidade que o usufrui, mesmo que
até apenas visualmente. Não se pode modificar um edifício, que se integra no visual de uma cidade,
embora se esteja coberto de razões, técnicas e estéticas, sem se contar com a presença da opinião da
comunidade. No momento em que ela participar das decisões se tornará uma defensora da intervenção e
mantenedora dos resultados.

Além da remoção do alpendrado, o SPHAN também fez consertos nos telhados e outras partes
da edificação. Na fachada, no entretanto foi onde veiu a se dedicar com muito interesse. Ao considerar a
importância da contrafação os técnicos do 1º Distrito não intervieram sem a aprovação da direção técnica
nacional, sediada no Rio de Janeiro. Na oportunidade foram realizados vários esboços das pretensões do
Distrito, através do arquiteto Augusto Reynaldo Alves, então colaborando com a repartição, e enviados
para o Rio de Janeiro. As intervenções atingiram o fechamento de vão recentes e a elaboração de novos
coruchéus, em calcário, onde faltavam ou quando os existentes estavam irrecuperáveis.

Na realidade as obras do convento, na sua maioria, poderiam se enquadrar como de conserva-


ção, vez que aquele ato de remover o alpendrado apenas punha em prática um princípio, então ainda em
voga na Europa, mais ainda em Portugal, de retirar de um edifício tudo quanto pudesse prejudicar a sua
leitura original, o que deu motivo para alguns danos irreparáveis, quer no Brasil ou em Portugal. Não
era , felizmente, esse o caso de Igaraçú.

18

87
Ao longa de alguns anos o distrito veiu mantendo o convento em bom estado de conservação,
tendo inclusive nele instalado uma Pinacoteca, naquela ala que se prolongava da quadra, onde manteve
em exibição vários quadros originários de outros monumentos, além dos quatro votivos retirados da
igreja dos santos médicos Cosme e Damião. Na pinacoteca estão muitos quadros da Sé de Olinda, dela
retirados por razões, na época , de segurança. Trata-se de um riquíssimo patrimônio pertencente à antiga
Catedral .

Em setembro de 1985 a Fundarpe, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambu-


co, através de empréstimo junto a Banco Mundial, ( 28) deu início a uma mais profunda intervenção no
monumento. Para efetivar tal ação realizou um projeto integral envolvendo todo o edifício e com um
programa de uso muito compatível com o caracter do edifício. Realizado pelo corpo técnico desse órgão
o projeto contemplava a restauração dos telhados, das esquadrias, dos soalhos em madeira, dos pisos do
térreo, em tijoleiras, das campas da nave da igreja, dos retábulos , enfim de tudo quanto necessitasse o
imóvel.

Sendo obras que não alteravam a leitura, nem removiam partes da edificação, não houve neces-
sidade de maiores discussões sobre este ou aquele partido a ser adotado para as intervenções. Muito se
discutiu depois, com os resultados obtidos durante a realização dos trabalhos.

A fiscalização dos trabalhos ficou a cargo da SPHAN- Pró Memória, nova denominação e razão
daquele órgão federal.

Podemos destacar, de entre as obras realizadas, a recuperação da sacristia, onde se ressalta o


reassentamento dos azulejos, com sua rearrumação nos devidos lugares. Foi um trabalho notável, por-
quanto se retornou a assentar os azulejos da mesma maneira como se fez naqueles anos de meados do
século dezoito, levando em consideração a ordem existente, escrita, em anotações que levou em conta
as coordenadas cartesianas , na face contrária de cada peça de azulejo. O trabalho, magistral, merecia
uma comunicação mais detalhada por parte da Fundarpe, o que infelizmente até o presente momento não
se fez. Seria interessante que as instituições quando realizassem trabalhos significativos de intervenções
em edifícios ou outros bens móveis e imóveis, relatassem para a comunidade, não apenas para a chama-
da científica, mas toda a gente, os resultados atingidos. Tal prática tem sido das mais felizes na Europa,
onde se destacam a França e Portugal, com seus boletins próprios e muito valiosos.

Um resultado, nos trabalhos da restauração, no entanto, merece destaque especial, o da ar-


queologia.

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“Iniciadas as obras de restauração - dos edifícios e das obras de arte do seu interior - começa-
ram a surgir sinais reveladores de uma série de modificações introduzidas na estrutura do conjunto
arquitetônico, ao longo da sua existência
.
Diante da quantidade e da complexidade dessas alterações, julgou-se oportuno empenhar os
esforços de profissionais de História e Arqueologia para fornecer subsídios ao Projeto de restauro e, ao
mesmo tempo, reunir e interpretar os dados que fossem sendo descobertos, visando à elaboração, no
futuro, da História do Convento e Igreja da Santo Antônio “. (29)

Dessa forma o arqueólogo Ulisses Pernambucano de Mello, neto, inicia seu texto sobre o traba-
lho que realizou no convento, em termos de arqueologia, e do qual resultou inúmeros e importantes
esclarecimentos para o referido convento , com repercussões no restante das casas franciscanas do Nor-
deste.

O arqueólogo começou seus trabalhos com a remoção de longos trechos de reboco que cobria as
faces, internas e externas, das alvenarias, tanto da igreja quanto do convento. Processo este já posto em
prática, várias vezes, pelo SPHAN/ Pró-Memória, embora no caso de Igaraçú, com o cuidado exigido
pelos métodos e técnicas da arqueologia. Aproveitaremos suas próprias palavras para descrever os traba-
lhos realizados :

“Retirado este obstáculo que se interpunha ao exame visual direto da estrutura e da massa das
paredes, vieram à luz outras alterações e mudanças pelas quais passaram os edifícios

Diante dos bons resultados obtidos com o emprego desse método de investigação, que utilizo
com sucesso há mais de quinze anos, pareceu interessante divulgar alguns deles. O primeiro, e mais
importante, está relacionado com o Convento e permitiu apreender grosso modo a transformação inici-
al de alvenaria de pedra, com argamassa de barro, até a levantada de pedra e cal a partir do final do
Século XVII.

Verificou-se que o Convento, ao tempo de Frans Post tinha a forma quadrada, cujo lado apre-
sentava comprimento igual a extensão da nave e capela-mor. Para chegar a esta conclusão vali-me de
evidências arqueológicas das quais enumero apenas três, por as haver considerado mais relevantes:

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1ª) Os cunhais em pedra calcária, que vêm a ser os arremates dos ângulos salientes
que delimitavam a igreja e o convento pela parte externa;

2ª) o antigo beiral de tríplice telha, localizado em quase toda a extensão do convento,
do lado voltado para o nascente encimando uma

3ª) seqüência de janelas ( desentaipadas pela pesquisa) cujos vãos forneceram ele
mentos indicadores das áreas internas e externas do Convento.

Estou seguro que as vastas obras empreendidas , após a ocupação holandesa, até 1749 foram
realizadas com o reaproveitamento do núcleo original do Convento, sendo a nova edificação erguida
por fora e em derredor do velho edifício, o qual só deve ter sido desativado quando o novo convento,
mais amplo, apresentou condições de habitabilidade, isto por volta de 1690. É importante verificar-se
que os documentos históricos que examinei não fazem nenhuma referência aos prováveis transtornos que
as obras poderiam ter provocado na vida da clausura.

Em resumo : concluída a construção do Convento, em derredor do antigo estabelecimento,


este foi derrubado. abria-se desta forma, espaço adequado para o nascimento do claustro, tal como
chegou aos nossos dias.”( 30)

O arqueólogo continua em seu texto a tecer considerações sobre as demais casa dos franciscanos
e esse processo de ampliação, dos mais interessantes, que no convento fazia eco daquela maneira de
construir popular, onde um mocambo, por exemplo, ao ser ampliado ficava na parte interior da nova
construção, que o cercava, até que, uma vez esta pronta, se derrubava a anterior. É interessante assina-
lar a prática, uma vez que quem assumiu a ampliação do convento foi um mestre pedreiro, necessaria-
mente habituado a assim proceder em suas obras menores.

Com os trabalhos da arqueologia todas aquelas dúvidas que porventura existiam na história do
convento , assim nos parece, foram dirimidas.

É interessante assinalar que os resultados, aos quais chegou o arqueólogo, talvez não fossem
possíveis se não se tivessem adotados métodos e técnicas da arqueologia associados ao conhecimento da
História do edifício. Em obras anteriores, de responsabilidade do SPHAN/ Pró-Memória, também se
obtinham resultados a partir dos muros postos a nu, mas então nem sempre se registrava o resultado, o
que impossibilitou estudos posteriores.

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A arqueologia não apenas pode direcionar a restauração mas, acima de tudo veiu a melhor a
fundamentar , inclusive permitindo a decisão quanto ao partido a ser adotado no que se refere aos vestí-
gios da antiga edificação encontrados.

A leitura do conjunto dos franciscanos de Igaraçú, à luz da interdiciplinaridade que se concreti-


zou, envolvendo arquitetos, historiadores, arqueólogos e demais técnico em restauração, se fez então
melhor.

As pesquisas, realizadas através da Arqueologia, no convento de Santo Antônio de Igaraçú,


não apenas deixaram à luz os diversos momentos da construção do imóvel, confirmando as informações
documentais, mas ela permitiram a descoberta de inúmeros fragmentos do antigo retábulo-mor e do arco
de pedra que o envolvia, desmontado quando da elevação da altura da capela-mor, no triênio 1686-
1689, quando era prelado Frei Daniel da Assunção, conforme nos informa Jaboatão. Os fragmentos do
altar revelam bem um estilo artístico coerente com a data do início da ampliação do convento, o ano de
1662, quando já se deixava de lado aquelas diretrizes pertinentes ao Maneirismo, que caracterizaram os
altares de pedra anteriores a 1630, em Pernambuco, e se chegava as linhas mestras do Barroco. Os
pedaços do retábulo, ou retábulos, porquanto é possível existirem mais de um, (31 ) estão pintados,
sendo a pintura aplicada por sobre o calcário, de maneira semelhante àqueles retábulos da igreja de Nos-
sa Senhora da Graça, do Colégio dos Jesuítas de Olinda, ou os pedaços encontrados no Convento dos
franciscanos de João Pessoa. As pedras , quando desmontadas e retiradas do lugar, foram quebradas
sendo depois reutilizadas como material lítico nas paredes de alvenaria do próprio convento. São de feitu-
ra de boa qualidade e de certo modo fiéis aos tratadistas, com as ressalvas que permitiam o Barroco flo-
rescente.

Com relação à Igreja, embora as prospeções não estejam concluídas, elas revelaram que a cape-
la-mor , aquela anterior a atual, isto é a construída logo depois de 1662, possuía cimalha real em canta-
ria e era de menor dimensão quanto a profundidade, com planta-baixa, de forma aliás comum, quase ao
quadrado. Ela como a atual possuía abóbada de berço, sendo a mais antiga em alvenaria de tijolos. Quan-
to a capela mor da igreja anterior ao domínio holandês, podemos entender ter sido aproveitada para a
nova construção de 1662, com algumas modificações, vez que ao ser pequena em altura teve sua demo-
lição efetivada pelo Guardião do triênio 1686-1689. Esta capela-mor, deve ter recebido depois de 1662,
o estilo revela tal fato, o retábulo de pedra que também foi desmontado em 1686. Ainda não se pode
afirmar que tal ousia, anterior a 1630, tivesse abóbada de berço, embora acreditemos que sim. Sobre o
assunto o arqueólogo apenas pode adiantar algumas conclusões. (32)

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No convento, ao se proceder as pesquisas arqueológicas e serem revelados os achados, (33),
estes levaram, os profissionais envolvidos com a restauração, a dúvidas sobre o que fazer com tais
elementos de uma arquitetura que não mais dizia respeito a existente por pertencerem a uma fase anterior
do edifício. Nesta altura prevaleceu o interesse informativo, conduzido de uma forma didática, que uma
prospeção pode propiciar . O arqueólogo então sugeriu devesse se deixar tais evidências à mostra na
própria edificação, tranformando o monumento em uma História viva de fases construtivas, tratadas
com um encadeamento lógico entre vestígios de uma fase incorporados em uma outra.( 34)

A obra de restauração da Igreja e convento de Santo Antônio de Igaraçú ainda não foi concluída
e o relatório do arqueólogo não se fez totalmente, razão porque não podemos ir muito além do que foi
dito, esperamos depois ampliar os conhecimento sobre esse monumento de tanta importância para a
História da Arquitetura dos franciscanos no Nordeste.

Notas:

1)Jaboatam, Fr. António de Santa Maria , Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou Chronica dos Frades
Menores da Província do Brasil, Typ. Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, Rua do Sabão nº 114,
Rio de Janeiro, Parte segunda, página 324, ”Está situado no fim da rua principal da Vila, em uma meia
quebrada e raso, que faz logo abaixo da sua Matriz, ficando-lhe o muro da parte de baixo sobre as
margens do rio, que já em seu lugar se disse correndo até ali sem nome, como pequeno ribeiro, antes
de chegar a ponte, que do fim da vila dá passagem para o arrabalde de São Sebastião e caminho para
Goiana, vindo do Recife, com águas salgadas , que de maré cheia se encontram com as suas, cresce o
rio e toma o nome de Igaraçú, pelo motivo, que no mesmo lugar fica também explicado. ” Jaboatão
considera a rua principal aquela que desde a igreja de N. Sª. da Misericórdia seguia até o adro do Con-
vento. Na verdade tal rua era toda constituída por casas de ambos os lados e hoje apenas as tem no trecho
que segue até a Igreja dos Santos Médicos.

2)Barlaeus, Gaspar, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, Tradução
de Cláudio Brandão, Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello, Prefeitura da Cidade do Recife,
Secretaria de Educação e Cultura, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Recife, 1980.

3)Sousa-Leão, Joaquim de, Frans Post, 1612 1680, Livraria Kosmo Editora/Rio de Janeiro, 1973.
As pinturas assinalada são as seguintes:

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21. Franciscan Cloister of Igaraçú
Panel 50 x 41 cms.
Signed and dated F. Post 1665(lower rigth)
Coll.
Schlesisches Museum der bildenden Kunst, Breslau
Christhie’s, London (1961)
Adolphe Stein, Paris
D. Fonseca Hermes, Rio de Janeiro(1971).

84. Franciscan Cloister of Igaraçú


Panel 48 x 70 cms.
Signed F. Post (lower rigth)
Coll.
Historisches Museum, Frankfurt am Main, n. B 427.

130. Franciscan Cloister


Panel 16, 5 x 25 cms.
Signed F. Post.
Coll.
F Muller (1875)
J. Ph. van der Kellen (1879).
Rijksmuseum, Amsterdam, n. 1906.

4)Frei Manuel da Ilha, Narrativa da Custódia de Santo Antônio do Brasil, texto bilingüe, introdução ,
notas e tradução portuguesa por Frei Ildefonso Silveira, O. F. M. , Editora Vozes, Petrópolis, 1975,
página 46.

5)Jaboatão, op. cit. Volume 1º página 324. “267. Foi o terceiro em ordem que se fundou na custódia
do Brasil, (1588), e o primeiro com o título e invocação do nosso glorioso Português Santo Antônio. E
ainda que acaso disposto assim, não deixou de parecer com uma bem ajustada ordem; pois sendo a
Senhora a primeira e especial mãe dos frades menores, devia ter, como teve, o primeiro lugar e a casa
primeira de Olinda; e o Seráfico Patriarca, como aquele que é a sombra de Maria foi o segundo, se lhe
devia o segundo lugar, como se deu na casa da Bahia, segunda da custódia; e por conseqüência a S.
Antônio o terceiro, como o que depois de Francisco e Maria, havia de ser o Padroeiro de toda a Pro-

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víncia. É também este Convento o que não tem título, escritura ou clareza alguma, de quem deu a terra
e fez a doação; só diz o cartório do mesmo Convento que a instância da Câmara e de pessoas principais
da Vila, mandara para ela o Padre Custódio Fr. Melchior no ano de 1588 alguns Religiosos, os quais
escolhendo o sítio e feito nele um recolhimento, se deu princípio a obra, sem mais clareza do dia e mês
que ali chegaram e outras circunstâncias e memórias conducentes.
268. As que cá temos, tiradas das de S. Antônio de Lisboa, dizem que voltando da Bahia,
neste mesmo ano de 1588, o Padre Custódio e chegado a Olinda ali vieram buscar logo os camaristas e
principais pessoas da vila, rogando-lhe com instância lhes quisesse fazer também a graça de ir ou
mandar com eles Religiosos a escolher e tomar posse do lugar , que mais conveniente fosse para funda-
rem Convento na sua vila e que , aceitando o Padre Custódio a oferta, sem dilação se partiu em com-
panhia dos mesmos camaristas, escolheu o lugar e fez a aceitação dele, deixando ali Religiosos para
cuidarem na obra. ”

6)Jaboatão, Op. cit. Volume II, págs. 326 a 332. ”Até o ano de 1630, quarenta e dois depois da
aceitação e princípios deste Convento, não achamos nele coisa alguma digna de memória. Mas, suce-
dendo no sobredito ano a invasão holandesa na Capitania de Pernambuco, e feitos absolutos e tiranos
senhores da sua capital Olinda, queimada esta e passados para a povoação do Recife, não obstante
estar ainda a campanha toda pelos portugueses, começaram a fazer algumas saídas, assim por terra,
como por mar às povoações e lugares de fora. Foi uma destas sobre a vila de Igaraçú. Saíram do Reci-
fe à boca da noite do último de abril do ano de 1632, com mil e quinhentos homens, guiados pelo ma-
meluco Calabar, que desde vinte deste mesmo mês e ano se havia passado aos inimigos e quando foi
pelas nove horas da manhã do outro dia, que era primeiro de maio, sem serem sentidos deram na po-
voação, cercaram as casas para que não pudessem escapar os que nelas moravam, retirando as suas
alfaias e o mais que nelas tinham e com muita facilidade e sem resistência as foram saqueando de tudo o
que nelas havia e lhes podia servir. As mulheres só deixavam em camisas, despindo-as de tudo o mais ,
assim as que estavam em suas casas, como as que acharam na Matriz assistindo a festa e estas da
mesma sorte despidas as foram recolher à Igreja da Misericórdia. Desta, como das mais e da Matriz
tiraram toda a prata, vasos sagrados e ornamentos; e ao coadjutor assim revestido, como estava no
altar, para maior desprezo do Estado Eclesiástico, tiraram também preso, deixando mortas nesta inva-
são trinta pessoas.
247. Do que em o nosso Convento passou repetiremos assim, como se relata no seu cartório. -
-Em dia de S. Felipe e Santiago, do ano de 1632, tendo os Holandeses tomado o Recife, estando a
campanha ainda pelos portugueses, vieram a este Convento, estando os Frades cantando missa, sem
terem notícia de que eles vinham; e uma mulher , que estava na Igreja , deu vozes que vinham Holande-
ses, o que ouvindo o frade , que cantava a missa, com muita pressa consumiu o Santíssimo que estava

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no Sacrário e os mais Frades tomando o vaso, em que estava e todos os mais cálices e ornamentos nas
abas dos hábitos, se saíram do Convento; e chegando os Holandeses acharam ainda ao Frade da missa
despindo as vestes sacerdotais e o levaram consigo e a outro Frade velho, que não pode sair tão depres-
sa e depois de lhes fazerem muitas afrontas e outros vexames e trabalhos os foram lançar nas Índias de
Castela. . . . ”.

7)Jaboatão, op. cit. págs. 335 e 336.

8)Jaboatão, op. cit. Vol I, parte segunda, págs. 332, 333.

9)Jaboatão, op. cit. Vol. I, parte segunda, págs. 332, 333. “Assim se foram continuando as mais
obras da mesma Igreja e algumas outras até a congregação de sete de Setembro de 1686, em a qual
saindo por prelado da casa o Ir. confessor Fr. Daniel da Assunção, lançando abóbada da capela-mor
abaixo por defeito, lhe mandou levantar as paredes cinco palmos mais, como também o arco da dita
capela outros tantos palmos e maior largura, fazendo-se de pedra lavrada; da mesma mandou fazer o
arco da boca da tribuna, Retábulo e novo Sacrário, em o qual se colocou o Sacramento véspera da
Senhora da Conceição do ano de 1687, com as mais obras necessárias e trono para se expor o Santís-
simo. Esta obra do Retábulo de pedra havia sido ideada pelo Guardião antecedente para a qual se ha-
via ajustado com o mesmo Pedreiro, deixando para ela muita pedra lavrada. ”

10)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda. página, 333. ”No capítulo de quatorze de Setembro de
1689, saiu Prelado desta casa o Irmão confessor Fr. Manoel de S. Maria, e além de algumas obras,
que em seu triênio se fizeram, como foi a casa de pedra e cal sobre o rio, de que já se disse para lava-
tório, e correu esta por disposição do seu Presidente Fr. Bernardo de S. Clara, de quem já escreve-
mos entre os Religiosos de virtude no Convento de Olinda, à custa de particulares devotos, sem dispên-
dio do Convento, continuou o Guardião as dos corredores, deixando um de todo acabado, morando
nele os Religiosos, com todas as oficinas baixas, e o outro coberto, assoalhado e repartidas as celas,
que tudo se concluiu pelo seguinte Guardião. ”

11)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda pás 334 , 335.

12)Jaboatão, Op. cit. Vol I, parte segunda página 326

13)Jaboatão, Op. cit. Vol. I parte segunda, página. 336

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14)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda , página 352.

15) Junto à cornija na altura do coro se encontra a assinatura :”O Rabllo novembro de 1749 acaboce”.

16)Jaboatão, Op. cit. Vol. I parte segunda págs. 325, 326.

17)Um primeiro estudo sistemático sobre a arquitetura dos conventos franciscanos do Nordeste foi reali-
zado pelo conservador do Museu do Louvre, Germain Bazin, em livro de muita divulgação no Brasil,
tendo inclusive tradução para o português titulado L ‘Architecture Religieuse Baroque au Bresil, editado
pela livraria Plon, París, em 1957 e 1958, em dois volumes. No Brasil, como obras monográficas sobre
monumentos isolados, destacaríamos o dois títulos, que conhecemos, da Coleção A Bahia e o Recôn-
cavo : Santo Antônio de Paraguaçú ( 1963) e O Convento de São Francisco do Conde, ( 1975), ambos
editados pelo Museu do Recôncavo e os dois de autoria do Arquiteto Fernando L. Fonseca.

18)Santos Simões, J.M. dos , Azulejaria Portuguesa no Brasil ( 1500-1822 ), Corpus da Azulejaria
Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1965, página 219

19)Santos Simões, J.M. dos, Azulejaria Portuguesa no Brasil ( 1500-1822 ), Corpus da Azulejaria
Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1965, págs. 219 a 222.

“Na nave, ocupando as paredes laterais e fundeiras, de cada lado da porta, encontramos a
decoração azulejar constituída por painéis recortados, interligados por pilastras. Da parte do evange-
lho houve, em tempos, uma capela da Ordem Terceira que, como se verifica noutros conventos francis-
canos, excrescia da nave, para onde abria tal capela lateral. Em época indeterminada, a capela desa-
pareceu e o arco de comunicação com o corpo da igreja foi tapado com alvenaria e reboco. Nessa altu-
ra, e para preencher a parte das paredes onde antes estivera o arco, arrancaram-se os alizares da
capela-mor - que assim ficou desguarnecida - e trouxeram-se os azulejos para este novo troço de parede
da nave, constituindo-se assim uma solução de continuidade no todo azulejar. Os silhares da nave, que
se estendem em painéis recortados, têm 19 azulejos na altura central, variando no comprimento con-
forme a divisão dos vãos arquitectónicos. São em número de 9 as composições que já primitivamente
eram desta nave, obedecendo todas a um mesmo esquema ornamental : pintura azul enquadrada por
molduramento barroco onde os elementos arquitectónicos começam a ceder o passo à nova moda do
concheado. Os painéis estão com que perspectivados na parte inferior, sobressaindo aqui o grupo da
cartela ladeada de anjos e, em cujo centro, se repete uma emblemática antoniana : o livro, a cruz dos
Bulhões e as açucenas. A temática da figuração é toda ela ilustrada da agiologia de taumaturgo lisboe-

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ta, naqueles passos mais ingénuos e onde houve a preocupação de salientar a sua humanidade na pro-
tecção aos fracos, humildes e desamparados. A identificação dos vários passos é fácil para os conhece-
dores da agiografia antoniana. A contar do painel da parede fundeira, lado da epístola, os passos são
os seguintes:

1) Milagre da cura do menino, por imploração da mãe ( o menino na cama).

Na parede lateral da epístola:

2) Milagre do Sermão aos Peixes ;


3) Milagre da Resssurreição da criança ( criança nos braços da Mãe) ;
4) Milagre da cura do fidalgo ( no primeiro plano um cão);

Sob o púlpito:
5) Franciscano em oração;
6) Santo António desembarcando depois do naufrágio, ( com menino em primeiro pla no);

Na parede fundeira, lado do evangelho:

7) Milagre do salvamento do frade durante a construção de um convento;

Na parede lateral deste mesmo lado:


8) O achado do tesouro;
9) Santo António escrevendo um sermão inspirado pelo Anjo.

Na mesma parede, azulejos que eram da capela-mor:


10) Virgem aparecendo a Santo António;
11) Menino Jesus aparecendo a Santo António;
12) Milagre da mula;
13) Dois frades em oração.

Estes últimos painéis têm 16 azulejos no eixo, sendo portanto mais baixos que os outros. Ainda
deste lado estão dois painéis mais estreitos, puramente ornamentais, e que seriam também provavel-
mente da capela-mor.

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Os dois grupos de azulejos são de uma mesma época e oficina - cerca de 1750, de Lisboa - mas
podem ter sido objecto de duas encomendas diferentes, se bem que muito próximas no tempo. De facto,
a diferença essencial entre os dois grupos, reside tão-somente no estilo ornamental dos enquadramen-
tos, acusando aqueles que foram transferidos da capela-mor, mais acentuado cunho rocaille do que os
outros, onde esta viragem de gosto é mais discreta. As duas guarnições mais estreitas e que também
julgo provenientes da capela-mor, são aquelas onde melhor se patenteia a exuberância dos concheados
que abafam a figuração aliás, neste caso, sem significado especial.”

20)Smith, Robert C., A Talha em Portugal , Livros Horizontes, Lisboa, 1962, página 143.

21)Smith, Robert C. , A Talha em Portugal, op. cit. páginas 142 a 144.

“São manifestações do célebre Ohrmuschelstil alemão, nascido em gravuras de meados do


século XVII e associado , na sua fase rococó, principalmente com a cidade de Augsburgo, no período
entre 1740 e 1770. Ali, numerosas casas editoras empregaram famílias inteiras de artistas na execução
de série de gravuras, seculares e religiosas, cuja principal atração é a riqueza fantástica dos ornatos.
Entre essas distinguem-se sobretudo os estabelecimentos de Johann Georg Hertel e Martinus Englebre-
cht ( 1684-1756) , cujos proprietários gravavam pessoalmente, publicando às vezes o trabalho doutros
artistas, como Jeremias Wachsmuth, (1708-1760) Ignatius Karl Junck, Johann Adam Stockmann ( ativo
1720-1783) , e o grande Franz Xavier Habermann ( 1721-1796).”

22) Smith, Robert C. , A Talha em Portugal, op. cit. página 142.

23) Menezes, José Luiz Mota, A Presença dos Negros e Pardos na Arte pernambucana, in A Mão
Afro-Brasileira, Significado da Contribuição Artística e Histórica, Organizado por Emanoel Araujo,
São Paulo, Tenenge, 1988, página 90.

24) Mello, José Antônio Gonsalves de , Manuel Ferreira Jácome, aditamento ao volume X dos Anais
Pernambucanos de F.A. Pereira da Costa, Recife, 2ª Edicão, 1983-85. As pesquisas do historiador reve-
laram praticamente tudo quanto se sabe sobre o artista .

25)Valladares, Clarival do Prado, Nordeste Histórico e Monumental, Odebrecht, 1988, página 340.

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26)Frei Bonifácio Mueller, O.F.M. no livro Convento de Santo Antônio do Recife, publicado no Recife,
em 1956, identifica as estampas que serviram para os motivos dos painéis do claustro do convento do
Recife : “Hoje em dia custa entender que o cronista Jaboatão, descrevendo os conventos da Província,
não tenha tratado, mais por extenso, dos azulejos que emprestaram tanto realce às paredes do claustro
e da igreja. E deve ter sido no seu tempo, i. é, entre 1735 e 1750 que chegaram do Reino.
Uma só vez, e de passagem, como coisa de somenos importância, lembra-se dos azulejos,
dizendo que as paredes da sacristia de cima até o meio correm limpas, e do meio até o pavimento orna-
das de azulejos. Fora disso nada consta de positivo , nenhuma assinatura ou indicação acerca dos azu-
lejos deste convento do Recife.
Sabemos, porem, que nas partes de Pernambuco, a Província mantinha um Padre Procura-
dor, encarregado de receber os pedidos dos diversos conventos deste Estado e transmiti-los para o
Reino, onde residia um Procurador Geral de Lisboa e outro no Porto. Quanto aos azulejos do claustro
do convento de Olinda, sabemos que os desenhos originais, gravados pelo flamengo F. Harrwyn, sai-
ram do prelo em Lisboa no ano de 1730, de modo que parece pouco provável que uma encomenda de
certo vulto tenha chegado em pouco tempo
Podemos tomar por certo que foram especialmente encomendados os painéis de São Francisco
do claustro do convento de Olinda, assim como os de Santo Antônio da igreja do convento do Recife, e
os da sacristia de ambos os lados do lavatório que se referem à histórias da chamada Coroa Seráfica ou
Coroa Franciscana.” ( Wadding: Annales Ordinis Minorum tom. X pg. 61 , ad annum 1422.)

27)Willeke, Frei Venâncio, O.F.M. O Noviciado Franciscano de Igaraçú, In Revista do Instituto Ar-
queológico , Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 1978, páginas 106 - 115.

28) “A restauração do Convento de Santo Antônio de Igaraçú, fruto do Sub-convênio SEPLAN-Pe /


FIDEM / FUNDARPE / 017 / 82, com verba do Banco Mundial, foi iniciada em setembro de 1985,
com orçamento de 136.018 0TNS e um prazo previsto de 24 meses. Na verdade a obra veiu a ser execu-
tada de forma muito lenta e não se concluiu, restando a igreja, parcialmente, e a sacristia, sendo esta
apenas terminada no térreo faltando o pavimento superior e o telhado, este se encontrando ainda com
uma coberta provisória. À frente da restauração, na qualidade de arquiteta responsável esteve a Sra.
Maria da Graça Melo, sendo o engenheiro o Sr. Gilberto Carvalho.

“Região Metropolitana do Recife. Plano de Aplicação.

1.1 Função 10 - habitação e Urbanismo.


1.2 Programa 59 - Regiões Metropolitanas.

30

99
1.3 Sub-Programa 183 - Programas Especiais.
1.4 Projeto Minter / RMRecife.
1.5 Componente : Promoção do Turismo.
1.6 Ação - Restauro da Igreja de Santo Antônio.
1.7 Órgão Executor : Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe
1.8 Órgão Promotor - Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco - Seplan/Pe - Secre-
taria de Turismo, Cultura e Esportes.
1.9 Coordenação Executiva - Fundação de desenvolvimento da Região metropolitana do Recife - Fidem /
Coordenadoria de Programas Especiais - CPE.
1.10 Localização : Região Metropolitana do recife - RMR.
1.11 Identificação Pública da Ação : Através da Imprensa e de peças alusivas à ação no local da obra, na
quantidade adequada e de acordo com o modelo definido pelo Órgão Coordenador. “

29)Mello, neto, Ulisses Pernambucano de , Arquitetura Franciscana : Tempo e Forma, in Revista do


Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Volume LVIII, Recife, 1993, Páginas
329 e seguintes.

30) Jaboatão ao se referir ao convento nos ajuda a datar a construção das alas da quadra e quem as cons-
truiu, no entanto não informa a maneira como isto se deu, morando os frades no convento. A pesquisa
arqueológica veiu a elucidar o porque não se retiraram os frades da casa de Igaraçú e as diversas etapas
construtivas. Dizendo das realizações do triênio 1686-1689, do Guardião Frei Daniel da Assunção,
informa que ele “deu princípio à obra dos corredores novos, deixando de fora o alicerce do primeiro.”
Mais adiante, na Crônica, revela, a respeito do triênio 1689-1692 quando era Prelado o irmão confes-
sor, Fr. Manoel de S. Maria : “... continuou o Guardião a dos corredores, deixando um de todo acaba-
do, morando nele os religiosos, com todas as oficinas baixas, e o outro coberto, assoalhado e reparti-
das as celas, que tudo se concluiu pelo seguinte Guardião. “

31) Os fragmentos ainda não foram analisados de uma maneira completa. As deduções a que chegamos
consideram o todo realizado e não a separação das partes o que se faz de presente. No todo, revelam os
pedaços, um estilo bem de acordo com a fase de ampliação do Convento, iniciada pela igreja em 1662,
sendo o artista, o executante ou criador do desenho do retábulo, bem informado, o que não seria novi-
dade uma vez que no Nordeste se desenvolveu uma notável escola de canteis que continuaram, depois de
1654, a tradição do uso do calcário em peças decorativas. Vejam-se os inúmeros exemplos de tal escola
na Paraíba , nos retábulos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, do convento dos Carmelitas, em João
Pessoa e na Igreja de Nossa Senhora da Guia, no mesmo Estado. Como é natural os fragmentos não

31

100
deverão possibilitar a recomposição de todos os elementos destruídos, vez que alguns pedaços se perde-
ram, mas vão dar condições de uma montagem de trechos de grande interesse para a História da Arquite-
tura no Brasil.

32) “Aproveito ainda este artigo para adiantar três informações quanto à Capela-Mor da Igreja de Iga-
raçú : possuia cimalha real em pedra lavrada, cúpula de tijolo, em abóbada de berço e ampla seteira
de iluminação do lado direito. A planta-baixa desta parte da Igreja era, na primeira metade do Século
XVII, um pouco mais curta no sentido da profundidade que a de nossos dias. Possuía altar-mor de
cantaria de calcário ricamente trabalhada e pintada em ouro e pigmentos vermelhos, azuis e verdes.
Este altar assentava sobre amplo supedâneo, em tudo semelhante ao da Igreja do Convento do Santo
Cristo de Ipojuca, e várias outras da mesma Ordem Religiosa. Este supedâneo ocupava a metade da
área da Capela-Mor e tinha quase um metro de altura, para o qual ascendia-se por escada de pedra
lavrada, ladeada por grandes e ricos frontais de cantaria. esses frontais , recolhidos pela pesquisa,
servirão para a completa reconstituição do antigo ambiente da capela-Mor, provavelmente desfigurado
cerca de 1697.”
In, Mello, neto, Ulisses Pernambucano de, Arquitetura Franciscana : Tempo e Forma, Revista do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, op cit. página 337.

33) Vaõs de janelas, entaipados, lavabos, e beiral em tríplice telhas e outros elementos da arquitetura do
antigo convento, embebidos nas reaproveitadas paredes externas da antiga quadra para as internas da
nova.

34) “ As informações compulsadas ao longo da pesquisa e utilizadas aqui, são de origem documental - a
saber, impressas, manuscritas e iconográficas - e material, estas provenientes das escavações. São os
artefatos e os vestígios arqueológicos, ambos de grande importância para a reconstituição do desenvol-
vimento do conjunto arquitetônico. essas evidências podem ser resumidas em quatro tipos básicos : o
primeiro deles abriga informações descobertas, registradas e mantidas, tal como foram encontradas,
isto é integradas ao corpo da edificação. É o caso das pias, armários, janelas e alicerces, deixados à
vista do observador, sempre que possível. O segundo tipo é o formado por antigos componentes perma-
nentes do edifício, mas separados dele pela ação do homem no passado. Em algumas situações, ficou
patente a reintegração desses elementos em outro ponto da mesma estrutura física em função de uma
utilização secundária. Para exemplificar refiro as peças de cantaria oriundas do antigo altar-mor do
Século XVII, o qual, depois de demolido, teve seus fragmentos usados como material de construção
nas obras de ampliação da Igreja.

32

101
Nesta mesma categoria incluem-se os azulejos os quais, antes aplicados no revestimento das
paredes da nave, formam hoje um autêntico quebra-cabeças que vai, aos poucos, sendo recomposto,
na medida em que as peças são recolhidas no solo , durante a pesquisa.

O terceiro tipo de restos arqueológicos encontrado reúne os artefatos abandonados ou descar-


tados após o uso, no dia-a-dia da comunidade religiosa.

Finalmente, o quarto tipo de informação é composto pelos diversos níveis estratigráficos, a


saber, as camadas do solo postas a descoberto nas escavações e, quase sempre, relacionados com o
conjunto edificado.

Os três primeiros tipos anotados podem ser tratados e expostos diretamente, como objetos
museológicos; o último só pode ser mostrado com facilidade, de forma indireta, pelo desenho e pela
fotografia.

A abundância e clareza desses documentos, vem propiciando a prática de uma atitude pouco
usual na recuperação e exposição ao público, dos Bens Patrimoniais Construídos, que merece ser re-
gistrada. No Convento de Igaraçú a pesquisa vem trabalhando no intuito de dar sentido didático à gran-
de densidade histórica que o monumento abriga, em forma de artefatos revelados nas antigas alvenarias
e consolidados pela restauração.

Esta maneira nova de apresentar um objeto cultural, permite que a unidade estética, antes tão
insistentemente perseguida como resultado final da restauração, ceda lugar `a produção ( na acepção
de materialização e não de fabricação ) das fases pelas quais passou o edifício, estas deixadas à mostra
para que o imóvel fale por si mesmo. A manutenção dessas informações diante do olhar do observador
comum é a pedra basilar na busca de democratizar o conhecimento do bem cultural. Esta nova forma de
mostrar o antigo monumento pode ser vista , já consolidada, na experiência pioneira efetuada na res-
tauração ( em 1985) da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Vila Velha, Itamaracá, Pernambuco.

O desenvolvimento continuado dos trabalhos de pesquisa vem propiciando aos técnicos a visão,
cada vez mais clara e estruturada, da evolução e das mudanças introduzidas, ao longo do tempo, na
Igreja e no convento de Igaraçú, desde o núcleo inicial do assentamento até a reforma efetuada nos
primeiros anos da década trinta deste século.”

33

102
In, Mello, neto, Ulisses Pernambucano de, Arquitetura Franciscana, Tempo e Forma, Op. cit. páginas
330 e 331.

* É monumento tombado, a nível federal, através do Processo nº 131-T, e inscrito , sob o nº 68, no
Livro de Belas Artes, folha 13, no dia 17 de maio de 1938.

34

103
Igreja e Convento de Santo Antônio - Igarassu *

1 Localização do Edifício.

O
Convento e Igreja de Santo Antônio, em Igaraçú, está situado em uma área plana ao
fim da rua principal, conforme assinala o autor do Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou
Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil, Frei Antônio de Santa Maria
Jaboatão (1). Pertence a Arquidiocese de Olinda e Recife.

2. História e Arte.

No livro , escrito por Gaspar Barlaeus, sobre o período de Governo do Conde João Maurício de
Nassau, impresso em Amsterdã por João Blaeu, em 1647, a estampa de nº11, apresenta uma vista da
vila de Igaraçú, tendo em primeiro plano a igreja dos Santos Cosme e Damião, e em outro plano o Con-
vento e igreja de Santo Antônio dos frades de São Francisco. O convento é representado com poucos
detalhes mas mantendo as mesmas características de outras representações do pintor Frans Post , autor
do desenho e provavelmente o gravador da estampa. Sendo o desenho do artista a matriz provável de
todas as outras vistas da vila de Igaraçú de mesmo gênero, vale a referência de momento. (2)Frans Post,
fixou o convento em pinturas e desenhos, sendo na maioria dos casos a disposição do mesmo em segun-
do plano, mas pintou também a casa dos franciscanos isoladamente e podemos destacar , nestes termos ,
da relação elaborada pelo Sr. Joaquim de Sousa- Leão , as pinturas de números 21 , 84 e 130.
As três pinturas se completam e nos permitem boa visualização do edifício em três ângulos,
pelo menos, quais sejam, a aproximadamente 40º do lado esquerdo do artista, a 90º, de frente, e a

104
aproximadamente 30º do lado direito. Nas três formas de representação o artista se posicionou sempre
diante do monumento o vendo integralmente. O convento é de pequeno porte e nas várias vezes em que
foi fixado pelo pintor ele preserva as características básicas sem variantes consideráveis, o que nos dá a
certeza daquela representação em estampa, antes citada, enquanto documento para a história da arquite-
tura. Parece-nos que Frans Post, ao realizar , provavelmente vários desenhos, para as ilustrações neces-
sárias ao livro de Barlaeus, pretendeu não fantasiar muito e, por se tratar de memória do lugar para
efeito de documentação, manteve, em cada edifício ou paisagens fixados, suas linhas básicas, inclusi-
ve quando utilizou os desenhos para as pinturas feitas muito depois na Holanda, como por exemplo a
datada de 1665, titulada Convento Franciscano de Igaraçú.

O convento de Igaraçú é o terceiro fundado pelos franciscanos no Brasil. Na Narrativa da Cus-


tódia de Santo Antônio do Brasil, 1584-1621, frei Manuel da Ilha, O. F. M. assim se expressa a respei-
to de tal fundação: ”3º Convento / Tendo dado andamento às obras do convento de S. Francisco da
Bahia, Frei Melchior de Santa Catarina sentiu necessidade de voltar ao município pernambucano e
visitar pessoalmente seus filhos que há 2 anos não via. Em ali chegando, os vereadores e habitantes de
Igaraçú, que dista 5 léguas de Pernambuco, pediram-lhe Religiosos e ofereceram-lhe lugar para a
construção do convento. Foi pessoalmente examinar a vila na qual deixou imediatamente Religiosos
para cuidarem da construção, que foi levantada graças às esmolas oferecidas pelos moradores com
generosidade e amor. Neste convento presta-se muito serviço a Deus pela administração dos sacramen-
tos e pregação tanto aos cristãos que já possuem fé católica, como aos gentios que a ela gradualmente
se convertem, . nele moram 12 Frades capuchinhos que vivem das esmola cotidianas”. (4), O convento
é fundado em 1588 ano em que esteve na vila o Padre Custódio e recebeu o terreno para a construção do
edifício. Jaboatão , consultando o livro de Assento dos Guardiães, assim como o Livro do Convento,
que se guardava no Arquivo da Província, também nos informa sobre os primeiros dias da casa francis-
cana e de seu primeiro prelado: ”O Prelado primeiro, com vezes de Guardião, nomeado para ali, foi o
Irmão Frei Antônio de Campo Maior, que no princípio deste mesmo ano de 1588, com outros mais,
havia chegado a esta custódia e era filho da província da Piedade. E como a sua nomeação para Prela-
do desta casa de Igaraçú foi feita pelo padre Custódio Fr. Melchior e neste mesmo ano, sem controvér-
sia foi ele, assim como prelado primeiro, o primeiro Fundador, e o que deu princípio e dispôs a fábri-
ca e obra do Convento, que com a boa vontade , devoção e esmolas do povo em poucos anos se poz em
perfeição e concluiu, concorrendo para a brevidade o ser regulado todo pelas idéias e medidas da santa
pobreza e primitiva reforma, pois no mesmo Cartório da casa se diz; - é muito pequeno e capucho e
sobretudo devoto . Tudo mostra ainda hoje o segundo, que no mesmo lugar pelo decurso do tempo se
levantou, como logo veremos. ”(5)

105
As condições , decorrentes dos recurso financeiros, diante, talvez , da pobreza da população
da vila e a filosofia dominante na ordem no que se refere a construção dos convento, bem expressa por
Jaboatão ao se referir as dimensões do convento -”regulado todo pelas idéias e medidas da santa po-
breza e primitiva reforma, ” , levaram àquela construção pequena, vista nas pinturas de Frans Post.

Nas três representações, antes referidas, que do convento de Santo Antônio de Igaraçú Post
realizou, (não parecendo serem derivadas de uma mesma posição do artista em sua tomada de campo,
isto porque os ângulos, como dissemos, variam com relação ao edifício), as dimensões da igreja e qua-
dra , em duas delas, são bem uniformes, as de números 21 e 84, da relação de Sousa-Leão, sendo a de
número 130 um tanto diferente quanto a altura da igreja. Parece-nos que esta última não representa o
convento de Igaraçú, porquanto tem certas características de construção da quadra não coerentes com as
outras vistas do edifício, inclusive aquelas onde ele aparece tendo a igreja dos santos Cosme e Damião
em primeiro plano. Talvez a pintura de nº 130 seja uma pequena variante, que o artista sempre fez , de
um desenho tomado do natural. Assim preferimos considerar , em nossa análise, apenas as duas pintu-
ras que guardam boa relação entre si, as de número 21 e 84. Na pintura 21, um monge se encontra
postado diante da igreja e nos serve como referência para as medidas do edifício, ( uma escala ) A igreja
teria assim cerca de cinco metros de altura até o beiral lateral, se considerarmos o monge com uma
estatura de 1. 60m. Na pintura 84 esta relação nos é dada por uma mulher e um monge e a igreja teria
talvez um pouco mais de altura até aquele beiral, cerca de cinco metros e meio aproximadamente. Em
ambas representações o alpendre tem de altura , considerando as colunas de suporte da estrutura do
telhado com 2. 50m, a metade da altura da igreja ou seja cerca de 2. 50m + 0. 25m ou seja 2, 75 m, o
que é coerente com a estatura do monge. Sendo o alpendre metade da altura da igreja ela poderia ter a-
queles cinco metros e meio antes referido . Assim as pilastras de canto da fachada da igreja, os cunhais,
teriam cinco metros e meio de altura e ela teria cerca de cinco metros de largura, vez que guarda uma
relação ao quadrado na composição. A quadra, em dois andares, tendo duas vezes e meia a largura da
igreja , mediria cerca de doze metros e meio na frente, sendo difícil se avaliar sua profundidade, mas ,
ao se saber da disposição , sempre ao quadrado, da parte conventual, onde a igreja ocupa um dos lados
, podemos considera-la com a mesma dimensão . A altura dos pavimentos, na quadra, não passaria de
dois metros e vinte cada um, o que daria quatro metros e quarenta até o frechal do telhado, o que nos
justificaria para a parte conventual menor altura que a igreja , conforme se pode ver nas pinturas. A fa-
chada de frente da ala conventual , que se une a igreja, apresenta três janelas no pavimento superior e
no canto a chaminé da cozinha. Lateralmente a quadra tem também três janelas na parte alta. Uma sinei-
ra, elevada além da altura do telhado da igreja, se destaca no conjunto. Nas duas pinturas todos esses
elementos são coincidentes, embora tenha havido mudança de lugar do observador, conforme assinala-
mos antes. A igreja , na lateral é iluminada por seteiras, aberturas estreitas e altas. Na sua fachada prin-

106
cipal duas janelas na altura do coro e um óculo no alto e centro do frontão são representados na pintura
de nº 84 e na de nº21 não há janelas no coro. Parece-nos que tais janelas foram introduzidas depois,
talvez como fantasia do artista, isto porque na gravura de nº11, que ilustra o livro de Barlaeus, realiza-
da a partir de desenho do natural, não existem tais aberturas , o que parece-nos coerente com as dimen-
sões da igreja. O convento seria portanto de pequenas dimensões e correspondente as descrições conheci-
das.

O convento de Igaraçú, pequeno e acolhedor, por algum tempo conservou suas dimensões e
durante a ocupação holandesa do Nordeste foi atacado e saqueado no ano de 1632. Do ataque se conhece
a narrativa de Jaboatão contida em seu Orbe Seráfico Brasílico(6).

O convento deve ter passado algum tempo abandonado mas não de todo, porquanto o mesmo
Jaboatão sobre tal estado assim declara: ”282. Também se nos oferece repetir neste lugar aquela refle-
xão, que já se fez em a primeira parte , falando do Convento de Olinda e outros de que se apossou o
Holandês e, dizem as tradições e algumas memórias antigas, ficaram destruídos uns e outros queima-
dos, como se afirma e escrevem as Diárias do Convento de Olinda. Deste e dos mais já se disse em seu
lugar o que bastava, agora faremos do de Igaraçú. Ficou desertado pelos Religiosos desde o ano de
1639, como já se disse, que dele tiraram os últimos , por alguns quinze anos até o de 1654 da restau-
ração, em a qual achando-se o P. Custódio Fr. Daniel de S. Francisco, logo nomeou para todos Presi-
dentes in capite, e lhes deu súditos para os habitarem, sendo um dos primeiros este de Igaraçú; e é
certo, se estiveram tão destruídos não fora assim. É verdade, que em quinze ou mais anos, que neste
não habitaram religiosos não podia deixar de ter muita decadência e algumas ruínas ; mas não foram
elas tais que não pudessem impedir a sua nova habitação e sem reforma considerável; porque , além de
não constar que a houvesse, mais que em alguns lanços do muro, que havia caído e não essencial da
casa, o tempo , as necessidades e pobreza em que ficou a terra e a brevidade com que foi outra vez
habitado o não permitiam; mas sendo obra pequena , antiga e mal tratada, reformando-se em algumas
coisas mais necessárias, assim foram vivendo nele até o ano de 1662, em que como foi dito, se come-
çou pela Igreja a sua nova reedificação e se foi seguindo pelos mais dos corredores e ficaram concluí-
dos no de 1693, no qual faleceu o pedreiro João Machado, como se declara no termo acima. ”(7)

“Foi esta, como já outras vezes se ha dito, no ano de 1654 a vinte e sete de janeiro, e achan-
do-se a ela o Padre Custódio Fr. Daniel de S. Francisco, tratou logo de reparar os Conventos até então
desertos e prepara-los no melhor modo, que permitia o tempo, e lhe poz Prelados, com o título de
Presidentes in capite até a sua congregação, que foi em Março de 1665. Foram estes Conventos , o de
Olinda, Paraíba, Recife, Ipojuca e este de Igaraçú. Aqui poz por Prelado ao Irmão Fr. Pedro de S.

107
Paulo e na congregação já referida ficou confirmado e o foi até o capítulo seguinte de vinte e seis de
Agosto de 1657. Deste ano até o de 1662, em o qual a vinte e um de Setembro se celebrou o segundo
capítulo depois de separada esta província não achamos coisa de novo nesta casa; mas saindo neste
capítulo por seu Prelado o Ir. Fr. Eusébio da Expectação, diz o assento dos guardiães, que entregando
a casa aos 18 de Agosto de 1665 neste triênio deixou feita de novo a Igreja e varanda. E sucedendo-lhe
no lugar Fr. Francisco da Conceição, aperfeiçoando esta Igreja nova, colocou nela o Santíssimo em
dia de nosso padre do mesmo ano de 1665, em que havia em Agosto tomado posse. ”(8) Jaboatão, ao
tratar do Convento de Igaraçú, nesta parte, nos informa do estado em que ele se encontrava após a ren-
dição dos holandeses, em 1654 e o que veiu a ocorrer após a retomada dessa fundação franciscana, e de
outras existentes na área de conquista flamenga. Em Igaraçú, durante oito anos, nada se fez senão o-
bras de conservação do imóvel, nem tanto arruinado quanto se pensa. É no ano de 1662, talvez um
tanto aliviada a população dos efeitos da guerra da restauração, que se inicia a ampliação do convento.
Tem esta começo pela igreja, naturalmente projetada maior que a anterior. Parece-nos que houve apro-
veitamento da igreja anterior, pelo menos como capela-mor da nova, costume já consagrado na região.
As obras nem sempre foram perfeitas e em 1686, a abóbada dessa capela-mor é derrubada por defeito,
levantando-se suas paredes laterais em cinco palmos, alargando-se também na mesma ocasião o arco
cruzeiro, elevando-o em altura. Ao se elevar a abóbada nova em cinco palmos nos seus apoios, se per-
deu toda a ornamentação existente, inclusive o retábulo, tendo-se de fazer tudo de novo. O novo retábu-
lo foi realizado em pedra lavrada, e segundo Jaboatão, foi idealizado pelo Guardião que antecedeu ao
prelado Fr. Daniel da Assunção, que derrubou a referida abóbada. O episódio em muito se parece com
aquele que ocorreu na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Guararapes, Jaboatão. Nesta igreja a
sua ampliação, em determinado momento deixou a nave com grande diferença de altura em relação a
capela-mor e a solução adotada então foi a de ampliar a altura desta compatibilizando-a com a nave;
para tanto foi também necessário elevar a altura do arco cruzeiro , dando-lhe mais elegância. Assim,
em Igaraçú, ao se aproveitar a capela primitiva como maior da igreja ampliada, e sendo as alturas ,
nave-capela-mor, bem diferenciadas, a igreja antiga era bem menor, a solução adotada, face as condi-
ções da estrutura da abóbada, foi a de elevar a construção antiga e de pronto se aumentar a altura do arco
cruzeiro. Além do mais desde a gestão anterior a de 1686, se pensava em mudar o retábulo assim se fez
um de pedra lavrada, naturalmente tendo em conta a elevação da altura da ousia. (9)

No triênio de Fr. Daniel da Assunção, deu-se início as obras de ampliação do convento, então
muito pequeno ao lado da nova igreja. Este Prelado apenas deixou pronto os alicerceis do corredor que
sai ao lado da capela-mor. Chama , Jaboatão, em sua descrição das obras, de corredor cada parte da
quadra conventual, sendo a igreja um dos lados, onde o elemento fundamental é o corredor que une os
diversos cômodos e forma o claustro, ou pátio interno . A designação de quadra é decorrente da organi-

108
zação do partido conventual em torno de um pátio ou crasta , claustro, cuja origem é muito antiga ,
vindo dos primeiros conventos, mosteiros e abadias, construídos desde a Idade Média. Em 1689, tendo
sido escolhido Guardião o Ir. confessor Fr. Manuel de S. Maria, continuou este as obras dos corredores,
tendo-se terminado um deles , sendo então habitado pelos frades, e continuado o outro , o que se loca-
lizava do lado oposto à igreja . Este último ficou coberto, assoalhado e repartida as celas. (10)

A construção da nova quadra, iniciada pelo corredor que principia ao lado da capela-mor, é
continuada no outro corredor, o que desse segue até o alinhamento da fachada da igreja e se conclui com
o último corredor, o de frente, que termina junto ao coro e tendo por baixo a portaria. Dos dois corre-
dores, Jaboatão, encontra documentação suficiente para nos informar o período de sua construção e os
prelados responsáveis. Sobre o último trecho da quadra ele discorre em sua Crônica e de forma bem
singular, com sua linguagem própria, esclarece as dúvidas que por sobre sua construção pairava: ”Não
se fala aqui pelos Prelados, que existiram nesta casa, na quadra, ou corredor da parte do frontispício
da Igreja, ou porque este não necessitou de reforma ou mais certo, porque o Guardião, que o mandou
fazer, não teve o cuidado dos mais em fazer assento desta obra, porque os dois de que aqui se trata
foram. o que pega da capela-mor e o que corre pela ilharga da igreja a unir-se com o da parte do fron-
tispício. Tudo isto e com esta individuação, que ao parecer de alguns será julgada por impertinente,
nos foi preciso repetir, por tirar a confusão do que sobre este novo Convento de Igaraçú ouvimos rela-
tar a alguns Religiosos antigos, afirmando fora o pedreiro João Machado Meirelles , que o fizera e
todo à sua custa e por isso lhe mandara a esta província fazer por sua alma aqueles mesmos sufrágios,
que costuma pelos seus Religiosos; e isto mesmo achamos confirmado pelos termos dos livros dos óbitos
de Olinda e Recife: dizem assim, com pouca diferença um do outro. --Fez-se o ofício, missa cantada e
os mais sufrágios, que se costumam fazer por um Religioso, pelo defunto João Machado Meirelles,
mestre pedreiro, conforme a obrigação, que lhe tinha feito a Província por ele fazer o Convento de
Igaraçú; faleceu depois de ter feito a obra no ano de 1693. --Quem ler nestes termos que o mestre pe-
dreiro João Machado fizera o Convento de Igaraçú e que por isso ficou a Província obrigada a mandar-
lhe fazer em todas as casas os mesmos sufrágios, que se costumam por um Religioso, não pode deixar
de perceber que ele fizera à sua custa todo o Convento; e daqui se seguiu sem dúvida a tradição, que
ficou entre os Religiosos de que isto assim fora. Mas o certo é que não foi tudo assim, porque o contrá-
rio consta de um assento do Guardião acima Fr. Manoel de S. Maria, que foi Prelado, em tempo do
qual se fez a obra dos corredores quase toda, e diz assim--Fica o mestre pedreiro João Machado pago
de duzentos mil reis, que era o que estava o Convento obrigado a dar em dinheiro por toda a obra,
conforme o seu escrito do contrato e obrigação, que fez, fazendo a obra toda, que fez, e tem para fa-
zer, aos 12 de dezembro de 1692--Daqui se está vendo, que não fez de graça toda a obra; ainda que no
que fez de mais, sempre fez muito, e por isso mereceu a graça, que nos referidos termos se aponta.

109
Também é de advertir que nesta obra , sempre grande para um homem que não era avultado em cabe-
dais, o que fez foi somente o que tocava ao manual de pedreiro com oficiais próprios e escravos seus,
sem dispêndio nos materiais e condução deles, porque tudo isto era obrigado o Convento a por-lhe ao
pé da obra, como consta dos mesmos assentos, que se pagavam estes materiais e também a dois carpi-
nas, Manoel Velho de Mello, mestre de obras e a outro mestre Manoel Dias pelo seu trabalho. ”(11)
Neste excelente trecho o cronista se revela um historiador cuidadoso em restabelecer a verdade e nos
permite vislumbrar a forma de construção de uma casa religiosa, onde a participação das partes envolvi-
das é toda esclarecida.

Não há nenhuma informação sobre a construção do Claustro e da fachada da igreja. Parece-nos


deva ser obra realizada em continuação aos corredores , depois destes concluídos, e da mesma fase das
obras de construção da galilé.
.
Por outro lado, o texto acima, ainda nos indica além do contratante das obras o tempo decorri-
do na sua execução e o nome de outros oficiais participantes do trabalho

No ano de 1689 teve início a construção de uma casa de pedra e cal , que a princípio, segundo
Jaboatão , servia de lavatório e na altura em que o cronista escreveu era onde se recolhia o sal, que
tiravam de esmola para o Convento em Itamaracá. A construção tinha duas portas uma dava para o con-
vento e a outra para o rio (12). Desta casa restam hoje os alicerceis, meio enterrados.

As obras de ampliação do convento nessa fase terminam na última década do século XVII, mas,
“passados alguns anos, suposto estavam as obras do convento de toda acabadas, como eram de um
sobrado e os corredores não constavam de muitas celas, servindo um deles de casa de noviciado, que o
havia desde o ano de 1661 por diante até hoje, e não havendo por esta causa agasalho suficientes para
todos os Religiosos de que necessitava o serviço da casa, no ano de 1705 se deu princípio a um corre-
dor de cento e cinqüenta palmos de comprido e trinta de largo, no fim da quadra, que vem da capela-
mor, correndo para o interior da horta à parte do nascente, o qual concluído com brevidade , no prin-
cípio se poz cela para o mestre, logo casa de Noviciado , com altar e oratório para se dizer missa e no
fim outra casa necessária”. (13).

Em Igaraçú, embora houvessem irmãos terceiros da Ordem franciscana, não tinham eles ainda
capela própria no convento. Segundo Jaboatão uns tinham tomado o hábito em Olinda outros no Recife,
não existindo capela até o ano de 1753, quando o irmão terceiro , oficial de pedreiro. Francisco Fernan-
des das Chagas, natural da vila de Igaraçú, resolveu , com outros devotos, edificar capela para a sua

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venerável ordem . Solicitaram então permissão ao Padre Provincial Fr. Manoel de Jesus Maria , no
que foram atendidos no dia dez de junho daquele ano. (14) Feita a primeira eleição foi escolhido Ministro
da ordem o mesmo Francisco Fernandes das Chagas e para seu comissário e Pregador o Ir. Manoel de
Jesus Maria Neves. Delineada a capela, provavelmente por aquele oficial de pedreiro, e dentro da forma
tradicional, isto é, localizando-a perpendicular à nave, do lado do Evangelho. Em novembro de 1753,
houve a benção da primeira pedra, lançada na parte da capela-mor , no seu alicerce, sendo concluída a
construção em julho de 1762. Na oportunidade se abriu o arco de comunicação da capela dos terceiros
com a nave e no dia dezesseis de setembro deste mesmo ano, foi ela benta . A primeira missa , foi cele-
brada pelo seu então comissário Fr. André de S. Luiz e a benção da igreja pelo P. Guardião Fr. Luiz do
Sacramento. A capela era dedicada às Chagas do Seráfico Patriarca. Não mais existe esta Capela.

Em 1749 foi pintado o forro da nave , sendo assinado pelo pintor Rebello. (15)

Jaboatão, o cronista da Ordem franciscana , autor, entre outras obras , do Novo Orbe Seráfi-
co Brasílico, impresso em Lisboa por Antônio Vicente da Silva, em 1761, depois reimpresso inclusive
a parte inédita , pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro em 1858 e 1859,
conheceu o convento de Igaraçú quando ele se encontrava pronto de todas essas ampliações relacionadas.
Assim, antes de tecer comentários sobre a arquitetura do convento e sua igreja vamos conhecer a des-
crição desta igreja feita pelo cronista : “ Tem a Igreja, com diferença de algumas ou das mais, capela-
mor com abóbada de tijolo, arco de pedra lavrada e outro da mesma na boca da tribuna, com trono
de talha dourada e três altares. Na maior à parte direita do Sacrário tem nicho o seu titular Santo An-
tônio. No cruzeiro à parte do Evangelho a Senhora da Conceição, e no da Epístola o Santo Patriarca e
ambos com sua talha também dourada. Uma varanda por detrás da capela-mor, Sacristia, capítulo e
portaria, tudo perfeito e pequeno, como o permite a capacidade dos corredores, por baixo dos quais
ficam estas casas. Tem o frontispício três arcos de pedra lavrada sobre os quais assenta uma parte do
coro; uma porta ao lado esquerdo pela qual se entra para a casa da portaria e outra ao lado direito,
que dá passagem hoje para a nova capela dos Irmãos Terceiros. Tem seu alpendre, que começando
com a mesma largura do frontispício, dele vai correndo e alargando-se à proporção por algumas cin-
qüentas braças com seu muro alto por uma e outra parte até a rua, que por diante atravessa, e no fim
e meio do seu largo o cruzeiro da Igreja. Pelo lado direito saindo da mesma Igreja, logo no princípio
do seu alpendre, descidos dois ou três degraus de pedra ao entrar dos arcos do frontispício, fica no
último degrau a casa da classe para estudantes de fora, de que em seu tempo se dirá.
272. Além de uma porta que tem o muro pela parte fronteira à rua, que atravessa pelo fron-
tispício da Igreja, pela qual entram os carros e bestas, que conduzem as esmolas dos arrabaldes, tem
outra no fim da quadra do muro, que desce para o rio pela parte do nascente, a qual dá entrada à

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lenhas, que se mandam cortar dos mangues para o gasto da cozinha. Junto a esta no princípio da
outra quadra do muro que pela baixa do Convento corre sobre a margem do rio está uma casa de pedra
e cal, que ao princípio servia de lavatório e hoje recolhe o sal, que se tira de esmola para o Convento
na Ilha de Tamaracá, com uma porta, que responde ao Convento e outra para o rio, com alpendre
coberto sobre a margem deste, poiais de assento e no meio uma escada com degraus de pedra lavrada,
pela qual se desce e entra para a água; e aqui vão também os religiosos, quando lhes é necessário
tomar seus banhos, porque o rio é para isso excelente de maré vazia, ficando em água doce, clara e
corrente, de areia limpa e pouco fundo, sem que sejam os que nele entram vistos dos moradores da
vila. ”(16) A descrição além da igreja inclue a casa construída junto ao rio para lavatório e depois depósi-
to do convento.

A sacristia, de excelente desenho, dela não há a menor informação, embora possa se incluir
entre as obras de meados do século XVIII, graças ao período de assentamento dos azulejos.

O convento , a exemplo de todos os demais , no século dezenove, veiu a ser despovoado de


frades e finalmente ficar de posse da Diocese , vindo nele a se instalar um orfanato. Bastante arruinado
chega até 1938 , quando é relacionado entre os monumentos de grande interesse histórico e artístico pelo
recém criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O orfanato, malgrado as dificuldades
naturais de conservação do edifício, diante da sempre falta de recursos, o manteve em uso, o que lhe
garantiu a permanência .

Das fachadas das igrejas franciscanas que seguem o padrão dos conventos do Nordeste, se-
gundo a análise de Germain Bazin, a de Igaraçú, nos parece a de melhor composição de arquitetura.
Considerando os três frontispícios que se assemelham, o da igreja de Santo Antônio de Cairú, Bahia, o
da igreja de Santo Antônio de Iguape, no rio Paraguassú, também na Bahia e o de Santo Antônio de
Igaraçú, porquanto os demais se agrupam em outros modelos, verificamos que apesar de se vincularem
a um mesmo tipo há pequenas diferenças entre os três. Os dois da Bahia são derivados de um mesmo
desenho , quer na escolha das perfilatura ou nas proporções entre as partes. As grandes pilastras que
separam os trechos das duas fachadas são robustas e seguem na determinação de suas proporções os
tratados de arquitetura em voga, essencialmente o de Vinhola. Os arremates, grandes volutas que fazem
a ligação entre a parte térrea, a galilé, e a parte superior, em ambos os dois frontispícios são de mesmo
desenho, encontrado em vários monumentos europeus do período, principalmente aqueles que seguem
com fidelidade os padrões da arquitetura do Barroco, (17) à exemplo as igrejas dos jesuítas de Coimbra
e do Porto, ambas em Portugal. Praticamente as diferenças são quase sutis entre os dois frontispícios,
por exemplo, as três janelas, da altura do coro, em um deles, Cairú, tem arremates, acima da verga,

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em frontão aberto, no outro se encontra este elemento ausente. No convento de Paraguassú, a verga
principal de entrada da igreja traz a data de 1660, e a obra teve início em 1658. Achamos um tempo
muito curto, apenas dois anos para a conclusão de toda o construção , inclusive o frontispício lavrado
em pedra. No convento de Cairú, uma data em uma verga de uma porta, que comunica a sacristia com
um dos corredores da capela-mor da igreja, tem a data de 1661. As datas, em ambos os edifícios são
bem próximas e estão coerentes com o modelo de fachada , com tais elementos de arquitetura e suas
fontes nos tratadistas. O profissional que delineou as duas fachadas, acreditamos um único, estava bem
informado sobre as novidades da arquitetura do século XVII em Portugal e no restante da Europa. O
convento de Igaraçú, conforme vimos , em sua ampliação , começa as obras pela igreja, e , através de
informação do cronista Jaboatão, no ano de 1662. Assim, os três edifícios , nos parece, não podem
disputar a primazia na determinação do modelo definido para a fachada da igreja. Os dois frontispícios da
Bahia , isto não se discute, são bastante semelhantes entre si, o que não acontece, apesar de, em linhas
gerais obedecer ao modelo determinado, com o de Igaraçú. Esta fachada, presa da sintaxe considerada,
é no entanto fiel a um processo de transição entre esta e aquelas contrafações consideradas de um outro
tipo, onde a galilé é formada por três arcada de frente e ao se salientar do corpo da igreja e do alinha-
mento da quadra, vem receber uma ou duas arcadas, simétricas de cada lado, a exemplo os conventos
do Santo Cristo de Ipojuca, e o de Olinda, ou ainda, derivando de tal solução arquitetônica, a fachada
da igreja do recolhimento de N.Sª da Conceição, também em Olinda. Em Igaraçú, o corpo central da
fachada se desenha à maneira daquelas citadas, embora com certa fidelidade ao tipo novo, e as voluta
arrematam encadeando-se magistralmente, desde a parte alta da contrafação até o trecho inferior ao nível
da galilé. Por outro lado, na galilé desta igreja, o uso de colunas geminadas para suporte das arcadas na
galilé torna a solução neste edifício bem inusitada.

O interior da igreja, hoje sem a ligação, através de um grande arco, com a capela dos Terceiros
Franciscanos, é decorado por revestimentos de azulejos, em silhar; os três retábulos , o da capela-mor e
os dois colaterais; o forro pintado; o coro, com seu cadeiral, docel do crucificado e fechamento entalha-
do da varanda e o púlpito. Sobre cada um desses elementos faremos o nosso comentário.

Executados em momentos diferentes, ora próximos ou distantes , os elementos citados guar-


dam, no entretanto, certa unidade. Unidade que dá ao interior, malgrado a falta da Ordem Terceira, um
certo valor. Santos Simões , ao se referir a este interior assim se expressa : “ A igreja, espaçosa, surpre-
ende pelas magníficas e justas proporções. Notabiliza-a a decoração, da qual se destaca o forro pintado
que arranca da cornija e que por intermédio de cambota de meio-canhão se liga à parte central , plana.
Obra notável, está assinada no friso, sob o coro: O Rabllo novembro de 1749 acaboce”

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O arco triunfal, de perfil simples, foi ornamentado com pintura dourada cujos restos, ainda
bem visíveis, a permitem identificar com trabalhos congêneres que se situam, em Portugal, no primeiro
quartel do século XVIII.”. (18) Há um engano do engenheiro Simões quando localiza a assinatura , ela se
encontra sobre a cornija , cimalha real, no centro da parede, acima da janela do meio do coro.

Os azulejos da nave de cerca de 1750, têm por temática a vida de Santo Antônio a quem o con-
vento é dedicado. São painéis recortados e interligados por pilastras. No local onde havia o arco da capela
dos Terceiros , o trecho foi preenchido com azulejos retirados da capela-mor. Nas obras de restauração,
procedidas no interior da igreja, tal fato se comprovou. Tanto a nave quanto a capela-mor fazem uso de
uma mesma temática. O especialista em azulejaria , João Miguel dos Santos Simões, descreve e data os
referidos azulejos . (19)

Os retábulos, em número de três, o principal e os dois colaterais foram confeccionados em


épocas diferentes. Os colaterais são de uma mesma fase e o maior é mais recente. Os altares mais antigos
são os dois colaterais. Não há registro de quando foram confeccionados , no entretanto, ao se comparar
os elementos ornamentais das talhas podemos os identificar com realizações de meados do século XVIII
e com mais precisão entre 1730 e 1770. Dizemos isto porquanto os elementos do Rococó empregados
são muito coerentes com a atividade dos entalhadores do Norte de Portugal. É uma ornamentação cujo
desenho podemos encontrar em gravuras, essencialmente as de origem alemã. A talha , que não é das
melhores do gênero, guarda estreita semelhança com aquele notável florescimento decorativo desse
período no Porto. Vejam-se , por exemplo, os dois púlpitos da igreja de Nª.Sª. da Vitória , no Porto,
executados, ”segundo o risco e apontamentos de Padre Frei Manuel de Jesus Maria, Converso do Mos-
teiro da Serra do Pilar”. (20). Nos dois retábulos, de Igaraçú, ambos de mesmo desenho, parece-nos
não se houve o artista que os executou, ou o autor do risco, com tanto esmero, quanto àquele Padre,
autor do desenho dos dois púlpitos, vez que apesar de provavelmente dispor de um bom caderno de
desenhos, não soube realizar a composição com maestria desejada. Os trechos inferiores dos retábulos,
as partes que envolvem as duas mesas, os altares, são de excelentes traçados e fieis aqueles desenhos
referidos, o mesmo podemos dizer com relação às banquetas, onde se encontram os pedestais das colu-
nas torsas dos retábulos. Os trechos das colunas têm igual qualidade mas, infelizmente os coroamentos
dos retábulos são de muita pobreza de traçado e execução. Parece-nos até obra de duas mãos. Os frontais
dos altares são bem elaborados, embora em uma talha fina e delicada, fugindo da maneira de fazer das
partes superiores, com exceção do coroamento, como se disse. Presentemente as bases do arco cruzeiro
se encontram recobertas da mesma talha da parte inferior dos dois retábulos e assim, parece-nos, ela
deveria revestir todo ele, dando a cabeceira da igreja um aspecto diferente do atual. A obra pode ter sido
executada uma vez que os capiteis do arco estão cortados, indicação clara de tal ocorrência. Das duas

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imagens, que se encontram nos nichos dos altares colaterais, uma delas não é mais aquela do Patriarca
São Francisco, vista pelo cronista Jaboatão, a do lado do Evangelho, e sim Nossa Senhora do Ó, de-
voção que não nos parece ser do feitio dos franciscanos.

O retábulo principal não é mais o primitivo, isto é aquele da fase das obras de ampliação da
igreja, quando se destruiu a abóbada de alvenaria para erguer outra mais acima. A descrição dessa igreja,
antes referida, feita por Jaboatão , não corresponde ao que se vê atualmente na capela-mor. O cronista
declara que : “Tem a igreja, com diferença de algumas , ou das mais, capela-mor com abóbada de
tijolo, arco de pedra lavrada e outro da mesma na boca da tribuna, com trono de talha dourada, e três
altares. No maior à parte direita do Sacrário tem seu nicho o seu titular Santo Antônio....”. Ora isto
implica em um tipo de retábulo com nichos entre colunas, onde, em um deles, se encontrava Santo
Antônio, bem diferente da localização atual da imagem do Orago que se encontra acima do trono. Na
análise que se pode proceder do atual retábulo podemos verificar que uma parte dele pertence àquele
referido pelo Jaboatão, precisamente o trono , cuja talha é de igual período daquela das tribunas e do
docel e tapamento do coro , da qual nos referiremos adiante. O restante do retábulo é bem mais recente e
de fase de transição para o gosto Neoclássico. Apesar de tal característica, bem distante da linguagem
das demais talhas da igreja, o altar é de bom desenho, onde é singular a disposição dos anjos nas colu-
nas, meio engastados nos fustes . A simplicidade dos entalhes não compromete a qualidade do interior da
igreja. As tribunas da capela-mor, de riquíssima e exuberante talha, qual poucas no mundo ibérico,
essencialmente em Portugal, deveriam se armonizar com aquele primitivo altar referido pelo cronista
franciscano , do qual restou o trono, hoje marcam a presença de modo extraordinário, No corpo da
igreja , na nave, as tribunas não são tão salientes, embora de mesma talha.

Na igreja, em seu interior merece ainda referência o coro. O cadeiral é bem da metade do século
dezoito de bom desenho e execução. Corresponde ao cadeiral, talvez obra de uma mesma fase , o docel
do crucificado e o fechamento do coro em relação à igreja. Neste é de grande mérito a varanda, que se
lança para fora do alinhamento do mesmo coro, onde uma pintura de excelente qualidade se inclui na
linha do emolduramento. A talha do docel é anterior àquela dos altares colaterais e bem em comum com
as das tribunas da capela-mor. O tratamento dos ornatos é ainda presa das características do barroco joa-
nino e de notável bom gosto. Não é uma talha Rococó quanto aquela dos altares colaterais, o que leva o
momento da execução deles para um dos últimos da decoração do interior da igreja. No convento dos
franciscanos de João Pessoa, Paraíba, podemos encontrar um gradil de fechamento do coro de mesma
época desse de Igaraçú, nos parecendo obra de mesma gente. Não se encontrou, no entretanto, o menor
documento que permita estabelecer qualquer relação entre os dois conventos, em termos de obras, mas
existe a certeza do tempo , meados do século XVIII , para a execução das mesmas.

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No interesse em estabelecer uma cronologia das fases de execução dos ornamentos desse interi-
or, diríamos que : a fase mais antiga compreenderia a execução do primitivo retábulo da capela-mor,
seguida daquela das duas tribunas de mesmo lugar ; depois, poderíamos incluir o coro, com cadeiral e
docel, este pouco anterior àquele; a seguir teríamos a fase dos entalhes das tribunas da nave; quanto ao
púlpito , pelo fato de nos parecer um tanto estranho o tambor e o suporte, sendo trabalho no qual um não
corresponde ao outro, talvez por exigência de um fechamento maior da varanda, vez que as colunas se
encontram engastadas no corpo desse fechamento, teria um tempo indeterminado de execução ; os altares
colaterais incluiríamos em um período que se seguiria ao do púlpito, sendo anterior ao atual altar-mor,
que, não restam dúvidas, foi a última obra de talha do interior.

A nave e a capela-mor, têm forros de madeira onde se fizeram pinturas. As pinturas, como
dissemos, são de uma mesma autoria o pintor José Rabelo de Vasconcelos, de quem falaremos adiante.

Na capela-mor o forro, foi executado em abóbada de aresta, acompanhando a forma dos arcos
do cruzeiro e do retábulo. Nele se encontra realizada uma pintura decorativa de gosto Rococó , onde a
composição, sem maiores novidades emprega cartelas e concheados à maneira recomendada pelas gravu-
ras alemãs , (21) bastante divulgadas entre os pintores na Europa e que chegaram ao Brasil, quer através
dos mesmos artistas ou tomando exemplos na própria azulejaria, que empregava sempre toda uma mo-
dernidade nas molduras ricas de seus painéis figurados. Robert Smith ao estudar o Rococó do Alto Mi-
nho, nos diz da forte influência da Alemanha Meridional quando declara : “É de fato, nesta parte da
Alemanha que se deve procurar a originalidade mais típica do Rococó do Alto Minho, nomeadamente o
emprego constante de composições de conchas, volutas e flores, torcidas e com perfis franzidos, espar-
gadas como algas do mar sobre molduras convexas das bases e cimalhas, onde se misturam, gotejan-
tes, com robustas agrafes, palmas e folhas da mais assimétrica formação.”(22) O forro da capela-mor
tem ao centro uma cartela circular envolvida por concheados e flores e daí partem os demais elementos
decorativos em aplicações isoladas até o arremate por sobre os arcos formadores da abóbada.

A pintura do forro da nave , as maravilhas de Santo Antônio, dispõe, no centro da abóbada de


berço, uma representação de Nossa Senhora da Conceição, devoção cara aos franciscanos e a envolve
com seis painéis onde a temática é extraída dos milagres desse tão festejado franciscano. O painel central
e os que estão à sua volta são emoldurados com ricos elementos do rocaille onde se destacam as cores
alegres da palheta do artista : azuis, rosas e castanhos com as acentuações douradas, sobre fundo areia.
“Os ornatos rococós e esse colorido fazem deste forro um dos mais belos no gênero. No que se refere aos
milagres , estes, enquanto composição, estão diretamente inspirados nas mesmas fontes da dos azule-

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jos, que vindos de Portugal para a igreja, cerca de 1750, adotam os mesmos temas, com cenas seme-
lhantes. O pintor, com certa habilidade, as adapta aos limites irregulares dos espaços destinados aos
temas do forro. A talha representada em pintura, segue a forte influência das molduras azulejares e de
madeira realizadas em interiores de outras igrejas. No entanto a destreza do artista no domínio do ro-
caille e do colorido, conduz a excelentes composições nas molduras”(23).

Sobre o pintor José Rabelo de Vasconcelos, em atividade em Pernambuco de 1749 a 1800,


conhecido também por Rebelo, podemos muito pouco saber a seu respeito. Era pardo, morador em “so-
brado”, segundo pesquisa do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, isto é sua tenda de trabalho
não era em casa térrea, qual a dos oficiais mecânicos, o que lhe dava o direito de ser um artista com
atelier montado, tendo , sendo militar, chegado ao posto de Coronel do Regimento das Milícias dos
Homens Pardos. Pertencia a Irmandade do Livramento, tesoureiro entre 1752-53, mordomo, 1756-57 e
novamente tesoureiro entre 1764 e 1765. ( 24) Para a Ordem Terceira de São Francisco do Recife, em
1852, pintou um painel para o Trono .

Na galilé da igreja, um forro em artezoados guarda um dos conjuntos de pinturas dos mais notá-
veis e bem conservados, considerando o local onde se encontra. É pintura de “artista habilitado e conhe-
cedor da crônica franciscana. As cartelas e ornatos situam essas pinturas no estilo rococó de meados do
setecentos.”( 25 ) Não temos dúvidas de que o pintor é bem hábil e a qualidade das pinturas as incluem
entre aquelas que se encontram nos demais conventos da mesma Ordem, guardando entre elas muito
parentesco de natureza técnica e estética, vejam-se, por exemplo, as existentes nas capelas das Ordens
Terceiras franciscanas de Olinda e do Recife, entre outras. Entretanto, torna-se necessário um reparo: na
informação o médico Clarival do Prado Valadares não pode considerar, simplesmente pelo fato da repre-
sentação, em termos de temática, estar correta, que o artista teria sido um conhecedor da crônica, ele
foi, assim nos parece, isto sim, um bom reprodutor das gravuras que lhe foram entregues para serem
incluídas no forro. Era freqüente, isto é sabido, os religiosos possuírem coleções de gravuras referentes
a sua corte celestial, sobre a história da Ordem e de seus Santos. No caso do forro de Igaraçú, os religio-
sos representados devem ter sido indicados pelos frades, vez que são os conhecidos e referidos , não
apenas na Crônica mas em outras obras de origem franciscana. Estão representados no forro : São Ber-
nardino de Sena; OB (Oblato ) Francisco de Pávia; São Paschoal Baylon; São Francisco Solano; São João
de Capistrano; São Luís, Bispo de Tolosa; São Quenciano, F. Santo Cardeal, F. Francisco Sisneiro; São
Jácome da Marca; São Pedro Regalado; São Diogo de Alc. ; São Pedro de Alcântara; São Bernadino de
Feltro. No centro do forro se encontram as armas da Ordem franciscana. Alguns dos representados tam-
bém o são em outros edifícios da mesma Ordem no Brasil. Ainda está por fazer o estudo comparativo
entre essas pinturas , pertencentes, a maioria, ao momento da grande expansão da Ordem, depois de

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1654, com a ampliação dos conventos no Nordeste, todas elas parecendo-nos pertencer , assim pensa-
mos, a um mesmo atelier ou grupo de artistas bastante vinculado à Ordem , diante da forma muito seme-
lhante de tratar a composição e o colorido das obras, a maioria situada nos meados do século XVIII.
Outra tarefa, já enfrentada por alguns estudiosos, será a identificação das estampas que serviram de
modelo para as pinturas.(26).

A sacristia da igreja do convento de Igaraçú, tem uma forma muito curiosa de planta-baixa :
quem a projetou , não satisfeito com a disposição retangular de quase todas as sacristias , renova o gosto
e elimina nessa planta-baixa os quatro cantos em angulo reto e os encurva, mas, o diferente é que o faz
no sentido inversos, isto é, para dentro , dando um resultado dos mais interessantes. Naturalmente, ao
adotar tal desenho ele teve também de resolver o traçado do telhado , que resultou numa cobertura de
muito interesse, enquanto estrutura de madeira e telhamento.

João Miguel dos Santos Simões, em Azulejaria Portuguesa no Brasil se ocupa dessa sacristia e
é com suas palavras que passamos a tratar da mesma: “ No claustro, delicioso e bem proporcionado
modelo de construção capucha, não existem azulejos nem consta que os tivesse havido. Vamos encon-
trá-los sim na sacristia que , conforme com as plantas típicas, ocupa atrás da capela-mor a largura
correspondente à da nave da igreja. É uma quadra rectangular mas onde os cantos formam reentrâncias
em quarto de círculo, para agenciar os extraordinários armários embebidos, trabalhados no pau de
jacarandá. Seis janelas iluminam a sacristia onde o volumoso arcaz é separado a meio por um altar de
talha. Os corpos deste precioso móvel têm seu retábulo de painéis pintados com as imagens dos quatro
doutores da igreja - Santo Agostinho, S. Gregório, Santo Ambrósio e S. Jerônimo - e dois vazios mas
que outrora deviam ter tido espelhos. O tecto, plano, tem, magnífica pintura com a glorificação da
Virgem e onde anjos cantores seguem a música pautada. Todas as paredes livres de talha foram revesti-
das de azulejos, cerca de 1765-70, como se pode deduzir da análise tipológica e estilística e , se bem
que infelizmente faltem alguns troços de parede, ficaram no entanto bastantes para se poder fazer bem
uma idéia do conjunto.
Nos cantos reentrantes, os azulejos enquadram os magníficos armários de talha, contando-se
26 na altura e os motivos ornamentais, do mais delicioso rococó, casam-se com a obra de madeira,
para cujo enquadramento foram feitos A pintura é azul mas os azulejos de fundo são marmoreados e o
todo assenta sobre um rodapé de 2 azulejos onde o mesmo marmoreado é agora enriquecido com laivos
amarelos e roxos. Sob o peitoril das janelas, nas sobreportas e na parede do arcaz, a ornamentação
continua-se no mesmo tipo com cartelas e anjinhos, tendo os emblemas antonianos já vistos na igreja,
incluindo a cruz de Santo Antônio ( Bulhões ) comum nestes institutos. Na parede fronteira à do arcaz,
ao centro, abre-se o fundo recesso do lavabo, sendo este uma extraordinária peça de pedra lavrada,

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arcaizante nas formas mas notável nas proporções. A edícula, de cerca de 5 m de fundo, é iluminada
por duas lucarnas laterais da cantaria que, como o lavabo propriamente dito, são de calcário local,
certamente trabalhado por excelente canteiro português. A cobertura é em abóbada de volta perfeita,
separada das paredes por um friso também de pedra regional. Todo o recesso é azulejado, incluindo a
própria abóbada, o que faz desta peça um dos mais notáveis exemplares do gênero de que tenho conhe-
cimento. O fundo do lavabo está enquadrado por ornamentação azulejar propositada e minuciosamente
feita para aqui, onde os ornatos de pintura azul prolongam os recortes da pedra. nas paredes laterais
também os azulejeiros consideraram as molduras das lucarnas para pintar os azulejos que as envolvem
e com elas se casam. Aqui, o paramento total atinge 18 de alto e, em cada parede, há dois painéis
centrados pelos óculos e onde se representam cenas piscatórias. São estes azulejos do mesmo pintor e
oficina dos que guarnecem os arcos dos claustros de S. Vicente de Fora, em Lisboa - série das fábulas
de La Fontaine. Aqui empregaram-se cartões e estampas, entre outras de Vernet - painel que mostra
uma fonte com aguadeiros. Tratando-se de um lavabo, o tema escolhido foi eminentemente... aquático.
Infelizmente alguns dos painéis estão mutilados ou têm as peças trocadas, o que prejudica a unidade
decorativa.
A abóbada, desenvolve-se em 33 azulejos de volta por outros tantos de comprimento. São azu-
lejos de repetição, de desenho azul, tendo, nos centros, florões circundados por moldura marmoreada.
A meio da abóbada destaca-se uma magnífica composição ornamental que é como que o coroamento de
toda esta espetacular decoração.
Estes azulejos fizeram parte da mesma encomenda dos da sacristia e constituíram, para mim -
que visitei Igarassú no segundo dia da minha estadia brasileira - , das mais emocionantes surpresas !
Apesar de referidos na bibliografia ( Mário Barata ) , excedaram a espectativa, o que aliás se havia de
manter no mesmo ritmo durante toda a viagem no Brasil”.

Os azulejos , assim como a sacristia foram restaurados conforme se dirá adiante.

O convento de Igaraçú e os demais da Província foram fortemente atingidos pela proibição de


abertura de noviciados. Frei Venâncio Willeke, em seu trabalho sobre o Noviciado de Igaraçú, nos
informa com precisão todos os momentos do noviciado nesse convento.(26) Extinto por sua vez depois
de 1841, do convento se retiram os frades e ele passa a abrigar um orfanato.

O novo uso do convento, naturalmente, veiu modificar, embora de forma não tão significativa,
seus ambientes internos , adaptando-os ao novo programa.

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Enquanto , na parte da quadra as celas foram preservadas, embora com novo uso, na ala cons-
truída para fora da mesma , em direção ao Norte, todas as celas e a capela interna não mais estão defini-
das internamente. Restou um grande salão, hoje ocupado por uma Pinacoteca.

Na igreja, talvez depois da saída dos frades, a capela dos Terceiros ruiu, dela restando apenas
os alicerces, meio encobertos. O arco que abria para a igreja da Ordem 1ª foi entaipado e novos arranjos
se fizeram nas aberturas de iluminação natural da nave.

A Portaria foi desfigurada e subdividido o antigo ambiente para que se pudesse introduzir uma
roda para recolher os órfãos, com ambiente interno e externo, e nova ordem interior.

Outras pequenas modificação se fizeram sem maiores conseqüências. Dessa maneira chegou até
os nossos dias o convento.

3.A Restauração

O convento , ao se instalar o orfanato, foi adaptado as novas condições de uso, descaracteri-


zando-se, deste modo, alguns ambientes originais. No entanto, a criação de um alpendrado na parte
externa da quadra foi um dos danos mais significativos. Usar um monumento para um fim diferente da-
quele para o qual ele foi criado , assim nos parece, é perfeitamente viável, desde que haja respeito, de
quem o utiliza, em relação àquela finalidade inicial que , necessariamente, deu caracter a edificação .
Não é o novo uso mas o que dele poderá resultar para o edifício em termos desse caracter.

Criado em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, logo procurou rela-
cionar aqueles imóveis de grande importância histórica e artística existentes no território nacional. Muitos
estavam em estado de ruína, necessitando que a tutela do Estado, agora exercida, viesse a seu socorro.
Era uma tarefa grandiosa mas suficientemente justificada no Estado Novo. Esses valores da nacionalida-
de muito representavam no discurso oficial. Assim , em Pernambuco, elaborada a lista desejada pela
Direção Geral do SPHAN, logo nos surge o convento de Igaraçú. Em maio de 1938, já se encontrava
tombado. Apesar de não se encontrar em ótimo estado, o monumento pode esperar as obras de restaura-
ção por algum tempo, outros edifícios, no território nacional estavam em piores condições. O orfanato

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120
estava funcionando e quando em uso um imóvel é preservado. O problema do convento não era de ruína
e sim de danos que poderiam, inclusive, o levar à destruição, não fosse esse uso.

Algumas obras de conservação foram feita de 1938 até 1959. Neste ano tem início uma interven-
ção maior no edifício através do SPHAN, pelo seu 1º Distrito, tendo à frente do mesmo o engenheiro
Ayrton de Almeida Carvalho.

As obras consistiram na remoção daquele alpendrado, ficando logo realçadas as fachadas da


parte da quadra onde se tinha construído tal elemento arquitetônico. Não foi sem protesto que tal ação se
deu. Os usuários, não compreendendo aquela intervenção, vez que não entendiam as razões que motiva-
ram o gesto, não aceitavam a perda do alpendre, tão necessário ao orfanato. Este, nos parece, é um dos
grandes problemas de qualquer intervenção. Os usuários do bem não aceitam que alguém sobre ele inter-
venha e lhe diga : isto deve ser assim. Na realidade, a falta de uma educação patrimonial , inexistente
àquela época e ainda hoje, levou àquela situação. Todo ato desse tipo que venha a atingir um bem deve
ser do conhecimento , não apenas do seu proprietário, mas da comunidade que o usufrui, mesmo que
até apenas visualmente. Não se pode modificar um edifício, que se integra no visual de uma cidade,
embora se esteja coberto de razões, técnicas e estéticas, sem se contar com a presença da opinião da
comunidade. No momento em que ela participar das decisões se tornará uma defensora da intervenção e
mantenedora dos resultados.

Além da remoção do alpendrado, o SPHAN também fez consertos nos telhados e outras partes
da edificação. Na fachada, no entretanto foi onde veiu a se dedicar com muito interesse. Ao considerar a
importância da contrafação os técnicos do 1º Distrito não intervieram sem a aprovação da direção técnica
nacional, sediada no Rio de Janeiro. Na oportunidade foram realizados vários esboços das pretensões do
Distrito, através do arquiteto Augusto Reynaldo Alves, então colaborando com a repartição, e enviados
para o Rio de Janeiro. As intervenções atingiram o fechamento de vão recentes e a elaboração de novos
coruchéus, em calcário, onde faltavam ou quando os existentes estavam irrecuperáveis.

Na realidade as obras do convento, na sua maioria, poderiam se enquadrar como de conserva-


ção, vez que aquele ato de remover o alpendrado apenas punha em prática um princípio, então ainda em
voga na Europa, mais ainda em Portugal, de retirar de um edifício tudo quanto pudesse prejudicar a sua
leitura original, o que deu motivo para alguns danos irreparáveis, quer no Brasil ou em Portugal. Não
era , felizmente, esse o caso de Igaraçú.

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121
Ao longa de alguns anos o distrito veiu mantendo o convento em bom estado de conservação,
tendo inclusive nele instalado uma Pinacoteca, naquela ala que se prolongava da quadra, onde manteve
em exibição vários quadros originários de outros monumentos, além dos quatro votivos retirados da
igreja dos santos médicos Cosme e Damião. Na pinacoteca estão muitos quadros da Sé de Olinda, dela
retirados por razões, na época , de segurança. Trata-se de um riquíssimo patrimônio pertencente à antiga
Catedral .

Em setembro de 1985 a Fundarpe, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambu-


co, através de empréstimo junto a Banco Mundial, ( 28) deu início a uma mais profunda intervenção no
monumento. Para efetivar tal ação realizou um projeto integral envolvendo todo o edifício e com um
programa de uso muito compatível com o caracter do edifício. Realizado pelo corpo técnico desse órgão
o projeto contemplava a restauração dos telhados, das esquadrias, dos soalhos em madeira, dos pisos do
térreo, em tijoleiras, das campas da nave da igreja, dos retábulos , enfim de tudo quanto necessitasse o
imóvel.

Sendo obras que não alteravam a leitura, nem removiam partes da edificação, não houve neces-
sidade de maiores discussões sobre este ou aquele partido a ser adotado para as intervenções. Muito se
discutiu depois, com os resultados obtidos durante a realização dos trabalhos.

A fiscalização dos trabalhos ficou a cargo da SPHAN- Pró Memória, nova denominação e razão
daquele órgão federal.

Podemos destacar, de entre as obras realizadas, a recuperação da sacristia, onde se ressalta o


reassentamento dos azulejos, com sua rearrumação nos devidos lugares. Foi um trabalho notável, por-
quanto se retornou a assentar os azulejos da mesma maneira como se fez naqueles anos de meados do
século dezoito, levando em consideração a ordem existente, escrita, em anotações que levou em conta
as coordenadas cartesianas , na face contrária de cada peça de azulejo. O trabalho, magistral, merecia
uma comunicação mais detalhada por parte da Fundarpe, o que infelizmente até o presente momento não
se fez. Seria interessante que as instituições quando realizassem trabalhos significativos de intervenções
em edifícios ou outros bens móveis e imóveis, relatassem para a comunidade, não apenas para a chama-
da científica, mas toda a gente, os resultados atingidos. Tal prática tem sido das mais felizes na Europa,
onde se destacam a França e Portugal, com seus boletins próprios e muito valiosos.

Um resultado, nos trabalhos da restauração, no entanto, merece destaque especial, o da ar-


queologia.

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“Iniciadas as obras de restauração - dos edifícios e das obras de arte do seu interior - começa-
ram a surgir sinais reveladores de uma série de modificações introduzidas na estrutura do conjunto
arquitetônico, ao longo da sua existência
.
Diante da quantidade e da complexidade dessas alterações, julgou-se oportuno empenhar os
esforços de profissionais de História e Arqueologia para fornecer subsídios ao Projeto de restauro e, ao
mesmo tempo, reunir e interpretar os dados que fossem sendo descobertos, visando à elaboração, no
futuro, da História do Convento e Igreja da Santo Antônio “. (29)

Dessa forma o arqueólogo Ulisses Pernambucano de Mello, neto, inicia seu texto sobre o traba-
lho que realizou no convento, em termos de arqueologia, e do qual resultou inúmeros e importantes
esclarecimentos para o referido convento , com repercussões no restante das casas franciscanas do Nor-
deste.

O arqueólogo começou seus trabalhos com a remoção de longos trechos de reboco que cobria as
faces, internas e externas, das alvenarias, tanto da igreja quanto do convento. Processo este já posto em
prática, várias vezes, pelo SPHAN/ Pró-Memória, embora no caso de Igaraçú, com o cuidado exigido
pelos métodos e técnicas da arqueologia. Aproveitaremos suas próprias palavras para descrever os traba-
lhos realizados :

“Retirado este obstáculo que se interpunha ao exame visual direto da estrutura e da massa das
paredes, vieram à luz outras alterações e mudanças pelas quais passaram os edifícios

Diante dos bons resultados obtidos com o emprego desse método de investigação, que utilizo
com sucesso há mais de quinze anos, pareceu interessante divulgar alguns deles. O primeiro, e mais
importante, está relacionado com o Convento e permitiu apreender grosso modo a transformação inici-
al de alvenaria de pedra, com argamassa de barro, até a levantada de pedra e cal a partir do final do
Século XVII.

Verificou-se que o Convento, ao tempo de Frans Post tinha a forma quadrada, cujo lado apre-
sentava comprimento igual a extensão da nave e capela-mor. Para chegar a esta conclusão vali-me de
evidências arqueológicas das quais enumero apenas três, por as haver considerado mais relevantes:

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123
1ª) Os cunhais em pedra calcária, que vêm a ser os arremates dos ângulos salientes
que delimitavam a igreja e o convento pela parte externa;

2ª) o antigo beiral de tríplice telha, localizado em quase toda a extensão do convento,
do lado voltado para o nascente encimando uma

3ª) seqüência de janelas ( desentaipadas pela pesquisa) cujos vãos forneceram ele
mentos indicadores das áreas internas e externas do Convento.

Estou seguro que as vastas obras empreendidas , após a ocupação holandesa, até 1749 foram
realizadas com o reaproveitamento do núcleo original do Convento, sendo a nova edificação erguida
por fora e em derredor do velho edifício, o qual só deve ter sido desativado quando o novo convento,
mais amplo, apresentou condições de habitabilidade, isto por volta de 1690. É importante verificar-se
que os documentos históricos que examinei não fazem nenhuma referência aos prováveis transtornos que
as obras poderiam ter provocado na vida da clausura.

Em resumo : concluída a construção do Convento, em derredor do antigo estabelecimento,


este foi derrubado. abria-se desta forma, espaço adequado para o nascimento do claustro, tal como
chegou aos nossos dias.”( 30)

O arqueólogo continua em seu texto a tecer considerações sobre as demais casa dos franciscanos
e esse processo de ampliação, dos mais interessantes, que no convento fazia eco daquela maneira de
construir popular, onde um mocambo, por exemplo, ao ser ampliado ficava na parte interior da nova
construção, que o cercava, até que, uma vez esta pronta, se derrubava a anterior. É interessante assina-
lar a prática, uma vez que quem assumiu a ampliação do convento foi um mestre pedreiro, necessaria-
mente habituado a assim proceder em suas obras menores.

Com os trabalhos da arqueologia todas aquelas dúvidas que porventura existiam na história do
convento , assim nos parece, foram dirimidas.

É interessante assinalar que os resultados, aos quais chegou o arqueólogo, talvez não fossem
possíveis se não se tivessem adotados métodos e técnicas da arqueologia associados ao conhecimento da
História do edifício. Em obras anteriores, de responsabilidade do SPHAN/ Pró-Memória, também se
obtinham resultados a partir dos muros postos a nu, mas então nem sempre se registrava o resultado, o
que impossibilitou estudos posteriores.

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124
A arqueologia não apenas pode direcionar a restauração mas, acima de tudo veiu a melhor a
fundamentar , inclusive permitindo a decisão quanto ao partido a ser adotado no que se refere aos vestí-
gios da antiga edificação encontrados.

A leitura do conjunto dos franciscanos de Igaraçú, à luz da interdiciplinaridade que se concreti-


zou, envolvendo arquitetos, historiadores, arqueólogos e demais técnico em restauração, se fez então
melhor.

As pesquisas, realizadas através da Arqueologia, no convento de Santo Antônio de Igaraçú,


não apenas deixaram à luz os diversos momentos da construção do imóvel, confirmando as informações
documentais, mas ela permitiram a descoberta de inúmeros fragmentos do antigo retábulo-mor e do arco
de pedra que o envolvia, desmontado quando da elevação da altura da capela-mor, no triênio 1686-
1689, quando era prelado Frei Daniel da Assunção, conforme nos informa Jaboatão. Os fragmentos do
altar revelam bem um estilo artístico coerente com a data do início da ampliação do convento, o ano de
1662, quando já se deixava de lado aquelas diretrizes pertinentes ao Maneirismo, que caracterizaram os
altares de pedra anteriores a 1630, em Pernambuco, e se chegava as linhas mestras do Barroco. Os
pedaços do retábulo, ou retábulos, porquanto é possível existirem mais de um, (31 ) estão pintados,
sendo a pintura aplicada por sobre o calcário, de maneira semelhante àqueles retábulos da igreja de Nos-
sa Senhora da Graça, do Colégio dos Jesuítas de Olinda, ou os pedaços encontrados no Convento dos
franciscanos de João Pessoa. As pedras , quando desmontadas e retiradas do lugar, foram quebradas
sendo depois reutilizadas como material lítico nas paredes de alvenaria do próprio convento. São de feitu-
ra de boa qualidade e de certo modo fiéis aos tratadistas, com as ressalvas que permitiam o Barroco flo-
rescente.

Com relação à Igreja, embora as prospeções não estejam concluídas, elas revelaram que a cape-
la-mor , aquela anterior a atual, isto é a construída logo depois de 1662, possuía cimalha real em canta-
ria e era de menor dimensão quanto a profundidade, com planta-baixa, de forma aliás comum, quase ao
quadrado. Ela como a atual possuía abóbada de berço, sendo a mais antiga em alvenaria de tijolos. Quan-
to a capela mor da igreja anterior ao domínio holandês, podemos entender ter sido aproveitada para a
nova construção de 1662, com algumas modificações, vez que ao ser pequena em altura teve sua demo-
lição efetivada pelo Guardião do triênio 1686-1689. Esta capela-mor, deve ter recebido depois de 1662,
o estilo revela tal fato, o retábulo de pedra que também foi desmontado em 1686. Ainda não se pode
afirmar que tal ousia, anterior a 1630, tivesse abóbada de berço, embora acreditemos que sim. Sobre o
assunto o arqueólogo apenas pode adiantar algumas conclusões. (32)

22

125
No convento, ao se proceder as pesquisas arqueológicas e serem revelados os achados, (33),
estes levaram, os profissionais envolvidos com a restauração, a dúvidas sobre o que fazer com tais
elementos de uma arquitetura que não mais dizia respeito a existente por pertencerem a uma fase anterior
do edifício. Nesta altura prevaleceu o interesse informativo, conduzido de uma forma didática, que uma
prospeção pode propiciar . O arqueólogo então sugeriu devesse se deixar tais evidências à mostra na
própria edificação, tranformando o monumento em uma História viva de fases construtivas, tratadas
com um encadeamento lógico entre vestígios de uma fase incorporados em uma outra.( 34)

A obra de restauração da Igreja e convento de Santo Antônio de Igaraçú ainda não foi concluída
e o relatório do arqueólogo não se fez totalmente, razão porque não podemos ir muito além do que foi
dito, esperamos depois ampliar os conhecimento sobre esse monumento de tanta importância para a
História da Arquitetura dos franciscanos no Nordeste.

Notas:

1)Jaboatam, Fr. António de Santa Maria , Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou Chronica dos Frades
Menores da Província do Brasil, Typ. Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, Rua do Sabão nº 114,
Rio de Janeiro, Parte segunda, página 324, ”Está situado no fim da rua principal da Vila, em uma meia
quebrada e raso, que faz logo abaixo da sua Matriz, ficando-lhe o muro da parte de baixo sobre as
margens do rio, que já em seu lugar se disse correndo até ali sem nome, como pequeno ribeiro, antes
de chegar a ponte, que do fim da vila dá passagem para o arrabalde de São Sebastião e caminho para
Goiana, vindo do Recife, com águas salgadas , que de maré cheia se encontram com as suas, cresce o
rio e toma o nome de Igaraçú, pelo motivo, que no mesmo lugar fica também explicado. ” Jaboatão
considera a rua principal aquela que desde a igreja de N. Sª. da Misericórdia seguia até o adro do Con-
vento. Na verdade tal rua era toda constituída por casas de ambos os lados e hoje apenas as tem no trecho
que segue até a Igreja dos Santos Médicos.

2)Barlaeus, Gaspar, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, Tradução
de Cláudio Brandão, Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello, Prefeitura da Cidade do Recife,
Secretaria de Educação e Cultura, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Recife, 1980.

3)Sousa-Leão, Joaquim de, Frans Post, 1612 1680, Livraria Kosmo Editora/Rio de Janeiro, 1973.
As pinturas assinalada são as seguintes:

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21. Franciscan Cloister of Igaraçú
Panel 50 x 41 cms.
Signed and dated F. Post 1665(lower rigth)
Coll.
Schlesisches Museum der bildenden Kunst, Breslau
Christhie’s, London (1961)
Adolphe Stein, Paris
D. Fonseca Hermes, Rio de Janeiro(1971).

84. Franciscan Cloister of Igaraçú


Panel 48 x 70 cms.
Signed F. Post (lower rigth)
Coll.
Historisches Museum, Frankfurt am Main, n. B 427.

130. Franciscan Cloister


Panel 16, 5 x 25 cms.
Signed F. Post.
Coll.
F Muller (1875)
J. Ph. van der Kellen (1879).
Rijksmuseum, Amsterdam, n. 1906.

4)Frei Manuel da Ilha, Narrativa da Custódia de Santo Antônio do Brasil, texto bilingüe, introdução ,
notas e tradução portuguesa por Frei Ildefonso Silveira, O. F. M. , Editora Vozes, Petrópolis, 1975,
página 46.

5)Jaboatão, op. cit. Volume 1º página 324. “267. Foi o terceiro em ordem que se fundou na custódia
do Brasil, (1588), e o primeiro com o título e invocação do nosso glorioso Português Santo Antônio. E
ainda que acaso disposto assim, não deixou de parecer com uma bem ajustada ordem; pois sendo a
Senhora a primeira e especial mãe dos frades menores, devia ter, como teve, o primeiro lugar e a casa
primeira de Olinda; e o Seráfico Patriarca, como aquele que é a sombra de Maria foi o segundo, se lhe
devia o segundo lugar, como se deu na casa da Bahia, segunda da custódia; e por conseqüência a S.
Antônio o terceiro, como o que depois de Francisco e Maria, havia de ser o Padroeiro de toda a Pro-

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127
víncia. É também este Convento o que não tem título, escritura ou clareza alguma, de quem deu a terra
e fez a doação; só diz o cartório do mesmo Convento que a instância da Câmara e de pessoas principais
da Vila, mandara para ela o Padre Custódio Fr. Melchior no ano de 1588 alguns Religiosos, os quais
escolhendo o sítio e feito nele um recolhimento, se deu princípio a obra, sem mais clareza do dia e mês
que ali chegaram e outras circunstâncias e memórias conducentes.
268. As que cá temos, tiradas das de S. Antônio de Lisboa, dizem que voltando da Bahia,
neste mesmo ano de 1588, o Padre Custódio e chegado a Olinda ali vieram buscar logo os camaristas e
principais pessoas da vila, rogando-lhe com instância lhes quisesse fazer também a graça de ir ou
mandar com eles Religiosos a escolher e tomar posse do lugar , que mais conveniente fosse para funda-
rem Convento na sua vila e que , aceitando o Padre Custódio a oferta, sem dilação se partiu em com-
panhia dos mesmos camaristas, escolheu o lugar e fez a aceitação dele, deixando ali Religiosos para
cuidarem na obra. ”

6)Jaboatão, Op. cit. Volume II, págs. 326 a 332. ”Até o ano de 1630, quarenta e dois depois da
aceitação e princípios deste Convento, não achamos nele coisa alguma digna de memória. Mas, suce-
dendo no sobredito ano a invasão holandesa na Capitania de Pernambuco, e feitos absolutos e tiranos
senhores da sua capital Olinda, queimada esta e passados para a povoação do Recife, não obstante
estar ainda a campanha toda pelos portugueses, começaram a fazer algumas saídas, assim por terra,
como por mar às povoações e lugares de fora. Foi uma destas sobre a vila de Igaraçú. Saíram do Reci-
fe à boca da noite do último de abril do ano de 1632, com mil e quinhentos homens, guiados pelo ma-
meluco Calabar, que desde vinte deste mesmo mês e ano se havia passado aos inimigos e quando foi
pelas nove horas da manhã do outro dia, que era primeiro de maio, sem serem sentidos deram na po-
voação, cercaram as casas para que não pudessem escapar os que nelas moravam, retirando as suas
alfaias e o mais que nelas tinham e com muita facilidade e sem resistência as foram saqueando de tudo o
que nelas havia e lhes podia servir. As mulheres só deixavam em camisas, despindo-as de tudo o mais ,
assim as que estavam em suas casas, como as que acharam na Matriz assistindo a festa e estas da
mesma sorte despidas as foram recolher à Igreja da Misericórdia. Desta, como das mais e da Matriz
tiraram toda a prata, vasos sagrados e ornamentos; e ao coadjutor assim revestido, como estava no
altar, para maior desprezo do Estado Eclesiástico, tiraram também preso, deixando mortas nesta inva-
são trinta pessoas.
247. Do que em o nosso Convento passou repetiremos assim, como se relata no seu cartório. -
-Em dia de S. Felipe e Santiago, do ano de 1632, tendo os Holandeses tomado o Recife, estando a
campanha ainda pelos portugueses, vieram a este Convento, estando os Frades cantando missa, sem
terem notícia de que eles vinham; e uma mulher , que estava na Igreja , deu vozes que vinham Holande-
ses, o que ouvindo o frade , que cantava a missa, com muita pressa consumiu o Santíssimo que estava

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128
no Sacrário e os mais Frades tomando o vaso, em que estava e todos os mais cálices e ornamentos nas
abas dos hábitos, se saíram do Convento; e chegando os Holandeses acharam ainda ao Frade da missa
despindo as vestes sacerdotais e o levaram consigo e a outro Frade velho, que não pode sair tão depres-
sa e depois de lhes fazerem muitas afrontas e outros vexames e trabalhos os foram lançar nas Índias de
Castela. . . . ”.

7)Jaboatão, op. cit. págs. 335 e 336.

8)Jaboatão, op. cit. Vol I, parte segunda, págs. 332, 333.

9)Jaboatão, op. cit. Vol. I, parte segunda, págs. 332, 333. “Assim se foram continuando as mais
obras da mesma Igreja e algumas outras até a congregação de sete de Setembro de 1686, em a qual
saindo por prelado da casa o Ir. confessor Fr. Daniel da Assunção, lançando abóbada da capela-mor
abaixo por defeito, lhe mandou levantar as paredes cinco palmos mais, como também o arco da dita
capela outros tantos palmos e maior largura, fazendo-se de pedra lavrada; da mesma mandou fazer o
arco da boca da tribuna, Retábulo e novo Sacrário, em o qual se colocou o Sacramento véspera da
Senhora da Conceição do ano de 1687, com as mais obras necessárias e trono para se expor o Santís-
simo. Esta obra do Retábulo de pedra havia sido ideada pelo Guardião antecedente para a qual se ha-
via ajustado com o mesmo Pedreiro, deixando para ela muita pedra lavrada. ”

10)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda. página, 333. ”No capítulo de quatorze de Setembro de
1689, saiu Prelado desta casa o Irmão confessor Fr. Manoel de S. Maria, e além de algumas obras,
que em seu triênio se fizeram, como foi a casa de pedra e cal sobre o rio, de que já se disse para lava-
tório, e correu esta por disposição do seu Presidente Fr. Bernardo de S. Clara, de quem já escreve-
mos entre os Religiosos de virtude no Convento de Olinda, à custa de particulares devotos, sem dispên-
dio do Convento, continuou o Guardião as dos corredores, deixando um de todo acabado, morando
nele os Religiosos, com todas as oficinas baixas, e o outro coberto, assoalhado e repartidas as celas,
que tudo se concluiu pelo seguinte Guardião. ”

11)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda pás 334 , 335.

12)Jaboatão, Op. cit. Vol I, parte segunda página 326

13)Jaboatão, Op. cit. Vol. I parte segunda, página. 336

26

129
14)Jaboatão, Op. cit. Vol. I, parte segunda , página 352.

15) Junto à cornija na altura do coro se encontra a assinatura :”O Rabllo novembro de 1749 acaboce”.

16)Jaboatão, Op. cit. Vol. I parte segunda págs. 325, 326.

17)Um primeiro estudo sistemático sobre a arquitetura dos conventos franciscanos do Nordeste foi reali-
zado pelo conservador do Museu do Louvre, Germain Bazin, em livro de muita divulgação no Brasil,
tendo inclusive tradução para o português titulado L ‘Architecture Religieuse Baroque au Bresil, editado
pela livraria Plon, París, em 1957 e 1958, em dois volumes. No Brasil, como obras monográficas sobre
monumentos isolados, destacaríamos o dois títulos, que conhecemos, da Coleção A Bahia e o Recôn-
cavo : Santo Antônio de Paraguaçú ( 1963) e O Convento de São Francisco do Conde, ( 1975), ambos
editados pelo Museu do Recôncavo e os dois de autoria do Arquiteto Fernando L. Fonseca.

18)Santos Simões, J.M. dos , Azulejaria Portuguesa no Brasil ( 1500-1822 ), Corpus da Azulejaria
Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1965, página 219

19)Santos Simões, J.M. dos, Azulejaria Portuguesa no Brasil ( 1500-1822 ), Corpus da Azulejaria
Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1965, págs. 219 a 222.

“Na nave, ocupando as paredes laterais e fundeiras, de cada lado da porta, encontramos a
decoração azulejar constituída por painéis recortados, interligados por pilastras. Da parte do evange-
lho houve, em tempos, uma capela da Ordem Terceira que, como se verifica noutros conventos francis-
canos, excrescia da nave, para onde abria tal capela lateral. Em época indeterminada, a capela desa-
pareceu e o arco de comunicação com o corpo da igreja foi tapado com alvenaria e reboco. Nessa altu-
ra, e para preencher a parte das paredes onde antes estivera o arco, arrancaram-se os alizares da
capela-mor - que assim ficou desguarnecida - e trouxeram-se os azulejos para este novo troço de parede
da nave, constituindo-se assim uma solução de continuidade no todo azulejar. Os silhares da nave, que
se estendem em painéis recortados, têm 19 azulejos na altura central, variando no comprimento con-
forme a divisão dos vãos arquitectónicos. São em número de 9 as composições que já primitivamente
eram desta nave, obedecendo todas a um mesmo esquema ornamental : pintura azul enquadrada por
molduramento barroco onde os elementos arquitectónicos começam a ceder o passo à nova moda do
concheado. Os painéis estão com que perspectivados na parte inferior, sobressaindo aqui o grupo da
cartela ladeada de anjos e, em cujo centro, se repete uma emblemática antoniana : o livro, a cruz dos
Bulhões e as açucenas. A temática da figuração é toda ela ilustrada da agiologia de taumaturgo lisboe-

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ta, naqueles passos mais ingénuos e onde houve a preocupação de salientar a sua humanidade na pro-
tecção aos fracos, humildes e desamparados. A identificação dos vários passos é fácil para os conhece-
dores da agiografia antoniana. A contar do painel da parede fundeira, lado da epístola, os passos são
os seguintes:

1) Milagre da cura do menino, por imploração da mãe ( o menino na cama).

Na parede lateral da epístola:

2) Milagre do Sermão aos Peixes ;


3) Milagre da Resssurreição da criança ( criança nos braços da Mãe) ;
4) Milagre da cura do fidalgo ( no primeiro plano um cão);

Sob o púlpito:
5) Franciscano em oração;
6) Santo António desembarcando depois do naufrágio, ( com menino em primeiro pla no);

Na parede fundeira, lado do evangelho:

7) Milagre do salvamento do frade durante a construção de um convento;

Na parede lateral deste mesmo lado:


8) O achado do tesouro;
9) Santo António escrevendo um sermão inspirado pelo Anjo.

Na mesma parede, azulejos que eram da capela-mor:


10) Virgem aparecendo a Santo António;
11) Menino Jesus aparecendo a Santo António;
12) Milagre da mula;
13) Dois frades em oração.

Estes últimos painéis têm 16 azulejos no eixo, sendo portanto mais baixos que os outros. Ainda
deste lado estão dois painéis mais estreitos, puramente ornamentais, e que seriam também provavel-
mente da capela-mor.

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131
Os dois grupos de azulejos são de uma mesma época e oficina - cerca de 1750, de Lisboa - mas
podem ter sido objecto de duas encomendas diferentes, se bem que muito próximas no tempo. De facto,
a diferença essencial entre os dois grupos, reside tão-somente no estilo ornamental dos enquadramen-
tos, acusando aqueles que foram transferidos da capela-mor, mais acentuado cunho rocaille do que os
outros, onde esta viragem de gosto é mais discreta. As duas guarnições mais estreitas e que também
julgo provenientes da capela-mor, são aquelas onde melhor se patenteia a exuberância dos concheados
que abafam a figuração aliás, neste caso, sem significado especial.”

20)Smith, Robert C., A Talha em Portugal , Livros Horizontes, Lisboa, 1962, página 143.

21)Smith, Robert C. , A Talha em Portugal, op. cit. páginas 142 a 144.

“São manifestações do célebre Ohrmuschelstil alemão, nascido em gravuras de meados do


século XVII e associado , na sua fase rococó, principalmente com a cidade de Augsburgo, no período
entre 1740 e 1770. Ali, numerosas casas editoras empregaram famílias inteiras de artistas na execução
de série de gravuras, seculares e religiosas, cuja principal atração é a riqueza fantástica dos ornatos.
Entre essas distinguem-se sobretudo os estabelecimentos de Johann Georg Hertel e Martinus Englebre-
cht ( 1684-1756) , cujos proprietários gravavam pessoalmente, publicando às vezes o trabalho doutros
artistas, como Jeremias Wachsmuth, (1708-1760) Ignatius Karl Junck, Johann Adam Stockmann ( ativo
1720-1783) , e o grande Franz Xavier Habermann ( 1721-1796).”

22) Smith, Robert C. , A Talha em Portugal, op. cit. página 142.

23) Menezes, José Luiz Mota, A Presença dos Negros e Pardos na Arte pernambucana, in A Mão
Afro-Brasileira, Significado da Contribuição Artística e Histórica, Organizado por Emanoel Araujo,
São Paulo, Tenenge, 1988, página 90.

24) Mello, José Antônio Gonsalves de , Manuel Ferreira Jácome, aditamento ao volume X dos Anais
Pernambucanos de F.A. Pereira da Costa, Recife, 2ª Edicão, 1983-85. As pesquisas do historiador reve-
laram praticamente tudo quanto se sabe sobre o artista .

25)Valladares, Clarival do Prado, Nordeste Histórico e Monumental, Odebrecht, 1988, página 340.

29

132
26)Frei Bonifácio Mueller, O.F.M. no livro Convento de Santo Antônio do Recife, publicado no Recife,
em 1956, identifica as estampas que serviram para os motivos dos painéis do claustro do convento do
Recife : “Hoje em dia custa entender que o cronista Jaboatão, descrevendo os conventos da Província,
não tenha tratado, mais por extenso, dos azulejos que emprestaram tanto realce às paredes do claustro
e da igreja. E deve ter sido no seu tempo, i. é, entre 1735 e 1750 que chegaram do Reino.
Uma só vez, e de passagem, como coisa de somenos importância, lembra-se dos azulejos,
dizendo que as paredes da sacristia de cima até o meio correm limpas, e do meio até o pavimento orna-
das de azulejos. Fora disso nada consta de positivo , nenhuma assinatura ou indicação acerca dos azu-
lejos deste convento do Recife.
Sabemos, porem, que nas partes de Pernambuco, a Província mantinha um Padre Procura-
dor, encarregado de receber os pedidos dos diversos conventos deste Estado e transmiti-los para o
Reino, onde residia um Procurador Geral de Lisboa e outro no Porto. Quanto aos azulejos do claustro
do convento de Olinda, sabemos que os desenhos originais, gravados pelo flamengo F. Harrwyn, sai-
ram do prelo em Lisboa no ano de 1730, de modo que parece pouco provável que uma encomenda de
certo vulto tenha chegado em pouco tempo
Podemos tomar por certo que foram especialmente encomendados os painéis de São Francisco
do claustro do convento de Olinda, assim como os de Santo Antônio da igreja do convento do Recife, e
os da sacristia de ambos os lados do lavatório que se referem à histórias da chamada Coroa Seráfica ou
Coroa Franciscana.” ( Wadding: Annales Ordinis Minorum tom. X pg. 61 , ad annum 1422.)

27)Willeke, Frei Venâncio, O.F.M. O Noviciado Franciscano de Igaraçú, In Revista do Instituto Ar-
queológico , Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 1978, páginas 106 - 115.

28) “A restauração do Convento de Santo Antônio de Igaraçú, fruto do Sub-convênio SEPLAN-Pe /


FIDEM / FUNDARPE / 017 / 82, com verba do Banco Mundial, foi iniciada em setembro de 1985,
com orçamento de 136.018 0TNS e um prazo previsto de 24 meses. Na verdade a obra veiu a ser execu-
tada de forma muito lenta e não se concluiu, restando a igreja, parcialmente, e a sacristia, sendo esta
apenas terminada no térreo faltando o pavimento superior e o telhado, este se encontrando ainda com
uma coberta provisória. À frente da restauração, na qualidade de arquiteta responsável esteve a Sra.
Maria da Graça Melo, sendo o engenheiro o Sr. Gilberto Carvalho.

“Região Metropolitana do Recife. Plano de Aplicação.

1.1 Função 10 - habitação e Urbanismo.


1.2 Programa 59 - Regiões Metropolitanas.

30

133
1.3 Sub-Programa 183 - Programas Especiais.
1.4 Projeto Minter / RMRecife.
1.5 Componente : Promoção do Turismo.
1.6 Ação - Restauro da Igreja de Santo Antônio.
1.7 Órgão Executor : Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe
1.8 Órgão Promotor - Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco - Seplan/Pe - Secre-
taria de Turismo, Cultura e Esportes.
1.9 Coordenação Executiva - Fundação de desenvolvimento da Região metropolitana do Recife - Fidem /
Coordenadoria de Programas Especiais - CPE.
1.10 Localização : Região Metropolitana do recife - RMR.
1.11 Identificação Pública da Ação : Através da Imprensa e de peças alusivas à ação no local da obra, na
quantidade adequada e de acordo com o modelo definido pelo Órgão Coordenador. “

29)Mello, neto, Ulisses Pernambucano de , Arquitetura Franciscana : Tempo e Forma, in Revista do


Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Volume LVIII, Recife, 1993, Páginas
329 e seguintes.

30) Jaboatão ao se referir ao convento nos ajuda a datar a construção das alas da quadra e quem as cons-
truiu, no entanto não informa a maneira como isto se deu, morando os frades no convento. A pesquisa
arqueológica veiu a elucidar o porque não se retiraram os frades da casa de Igaraçú e as diversas etapas
construtivas. Dizendo das realizações do triênio 1686-1689, do Guardião Frei Daniel da Assunção,
informa que ele “deu princípio à obra dos corredores novos, deixando de fora o alicerce do primeiro.”
Mais adiante, na Crônica, revela, a respeito do triênio 1689-1692 quando era Prelado o irmão confes-
sor, Fr. Manoel de S. Maria : “... continuou o Guardião a dos corredores, deixando um de todo acaba-
do, morando nele os religiosos, com todas as oficinas baixas, e o outro coberto, assoalhado e reparti-
das as celas, que tudo se concluiu pelo seguinte Guardião. “

31) Os fragmentos ainda não foram analisados de uma maneira completa. As deduções a que chegamos
consideram o todo realizado e não a separação das partes o que se faz de presente. No todo, revelam os
pedaços, um estilo bem de acordo com a fase de ampliação do Convento, iniciada pela igreja em 1662,
sendo o artista, o executante ou criador do desenho do retábulo, bem informado, o que não seria novi-
dade uma vez que no Nordeste se desenvolveu uma notável escola de canteis que continuaram, depois de
1654, a tradição do uso do calcário em peças decorativas. Vejam-se os inúmeros exemplos de tal escola
na Paraíba , nos retábulos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, do convento dos Carmelitas, em João
Pessoa e na Igreja de Nossa Senhora da Guia, no mesmo Estado. Como é natural os fragmentos não

31

134
deverão possibilitar a recomposição de todos os elementos destruídos, vez que alguns pedaços se perde-
ram, mas vão dar condições de uma montagem de trechos de grande interesse para a História da Arquite-
tura no Brasil.

32) “Aproveito ainda este artigo para adiantar três informações quanto à Capela-Mor da Igreja de Iga-
raçú : possuia cimalha real em pedra lavrada, cúpula de tijolo, em abóbada de berço e ampla seteira
de iluminação do lado direito. A planta-baixa desta parte da Igreja era, na primeira metade do Século
XVII, um pouco mais curta no sentido da profundidade que a de nossos dias. Possuía altar-mor de
cantaria de calcário ricamente trabalhada e pintada em ouro e pigmentos vermelhos, azuis e verdes.
Este altar assentava sobre amplo supedâneo, em tudo semelhante ao da Igreja do Convento do Santo
Cristo de Ipojuca, e várias outras da mesma Ordem Religiosa. Este supedâneo ocupava a metade da
área da Capela-Mor e tinha quase um metro de altura, para o qual ascendia-se por escada de pedra
lavrada, ladeada por grandes e ricos frontais de cantaria. esses frontais , recolhidos pela pesquisa,
servirão para a completa reconstituição do antigo ambiente da capela-Mor, provavelmente desfigurado
cerca de 1697.”
In, Mello, neto, Ulisses Pernambucano de, Arquitetura Franciscana : Tempo e Forma, Revista do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, op cit. página 337.

33) Vaõs de janelas, entaipados, lavabos, e beiral em tríplice telhas e outros elementos da arquitetura do
antigo convento, embebidos nas reaproveitadas paredes externas da antiga quadra para as internas da
nova.

34) “ As informações compulsadas ao longo da pesquisa e utilizadas aqui, são de origem documental - a
saber, impressas, manuscritas e iconográficas - e material, estas provenientes das escavações. São os
artefatos e os vestígios arqueológicos, ambos de grande importância para a reconstituição do desenvol-
vimento do conjunto arquitetônico. essas evidências podem ser resumidas em quatro tipos básicos : o
primeiro deles abriga informações descobertas, registradas e mantidas, tal como foram encontradas,
isto é integradas ao corpo da edificação. É o caso das pias, armários, janelas e alicerces, deixados à
vista do observador, sempre que possível. O segundo tipo é o formado por antigos componentes perma-
nentes do edifício, mas separados dele pela ação do homem no passado. Em algumas situações, ficou
patente a reintegração desses elementos em outro ponto da mesma estrutura física em função de uma
utilização secundária. Para exemplificar refiro as peças de cantaria oriundas do antigo altar-mor do
Século XVII, o qual, depois de demolido, teve seus fragmentos usados como material de construção
nas obras de ampliação da Igreja.

32

135
Nesta mesma categoria incluem-se os azulejos os quais, antes aplicados no revestimento das
paredes da nave, formam hoje um autêntico quebra-cabeças que vai, aos poucos, sendo recomposto,
na medida em que as peças são recolhidas no solo , durante a pesquisa.

O terceiro tipo de restos arqueológicos encontrado reúne os artefatos abandonados ou descar-


tados após o uso, no dia-a-dia da comunidade religiosa.

Finalmente, o quarto tipo de informação é composto pelos diversos níveis estratigráficos, a


saber, as camadas do solo postas a descoberto nas escavações e, quase sempre, relacionados com o
conjunto edificado.

Os três primeiros tipos anotados podem ser tratados e expostos diretamente, como objetos
museológicos; o último só pode ser mostrado com facilidade, de forma indireta, pelo desenho e pela
fotografia.

A abundância e clareza desses documentos, vem propiciando a prática de uma atitude pouco
usual na recuperação e exposição ao público, dos Bens Patrimoniais Construídos, que merece ser re-
gistrada. No Convento de Igaraçú a pesquisa vem trabalhando no intuito de dar sentido didático à gran-
de densidade histórica que o monumento abriga, em forma de artefatos revelados nas antigas alvenarias
e consolidados pela restauração.

Esta maneira nova de apresentar um objeto cultural, permite que a unidade estética, antes tão
insistentemente perseguida como resultado final da restauração, ceda lugar `a produção ( na acepção
de materialização e não de fabricação ) das fases pelas quais passou o edifício, estas deixadas à mostra
para que o imóvel fale por si mesmo. A manutenção dessas informações diante do olhar do observador
comum é a pedra basilar na busca de democratizar o conhecimento do bem cultural. Esta nova forma de
mostrar o antigo monumento pode ser vista , já consolidada, na experiência pioneira efetuada na res-
tauração ( em 1985) da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Vila Velha, Itamaracá, Pernambuco.

O desenvolvimento continuado dos trabalhos de pesquisa vem propiciando aos técnicos a visão,
cada vez mais clara e estruturada, da evolução e das mudanças introduzidas, ao longo do tempo, na
Igreja e no convento de Igaraçú, desde o núcleo inicial do assentamento até a reforma efetuada nos
primeiros anos da década trinta deste século.”

33

136
In, Mello, neto, Ulisses Pernambucano de, Arquitetura Franciscana, Tempo e Forma, Op. cit. páginas
330 e 331.

* É monumento tombado, a nível federal, através do Processo nº 131-T, e inscrito , sob o nº 68, no
Livro de Belas Artes, folha 13, no dia 17 de maio de 1938.

34

137
Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves - Olinda *

1.

Situação e Localização.

conjunto arquitetônico, Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves, localiza-se na


Ladeira de São Francisco, em Olinda, Pernambuco.

O É considerado Monumento Nacional, sendo propriedade da Arquidiocese de


Olinda e Recife, é ocupado por frades da Ordem Franciscana Menor. A igreja mantém
culto religioso e existe noviciado no convento.

2. História e Arte.

O estudo dos conventos franciscanos , em termos de História e Arte, não é fácil. A obra
básica de consulta continua sendo o Novo Orbe Seráfico Brasileiro, do Frade Antônio de Santa
Maria Jaboatão (1), apesar das pesquisas do notável historiador franciscano Frei Venâncio Willeke
O. F. M. (2). Jaboatão, no citado livro, nos diz dos conventos e da história da Ordem no Brasil,
mas, da construção do convento de Olinda, apenas nos informa melhor das obras em curso, quando
escreveu sua Crônica. São informações esparsas e não destinadas a descrever detalhes tão
necessários de presente. Ao escrever sobre a história de cada um dos conventos teve a oportunidade
de consultar fontes importantes, hoje desaparecidas.

Em 1975, com introdução, notas e tradução portuguesa de Frei Ildefonso Silveira, O. F. M. ,


foi publicada a Narrativa da Custódia de Santo Antônio da Brasil, 1584/1621, de frei Manuel da
Ilha, que " ocupa o primeiro lugar entre os antigos manuscritos franciscanos do Brasil"conforme
nos diz Frei Venancio Willeke, na apresentação da citada obra. (3)Na narrativa o cronista declara
ser o Convento de Nossa Senhora das Neves "o primeiro convento com o qual teve inicio a Custódia
de Sto. Antônio em terras brasileiras. A iniciativa dos franciscanos de fundar, sua primeira casa
do Brasil em Olinda, resultou de um pedido do governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque
Coelho, feito ao superior geral da Ordem Franciscana, Frei Francisco Gonzaga. Estando Portugal
sob domínio da Espanha, houve necessidade do apoio do Rei Felipe II. No dia 13 de março de
1584, Frei Gonzaga, ao presidir o capítulo provincial dos franciscanos de Lisboa, decretou a
fundação da Custódia de Santo Antônio, com séde em Pernambuco, nomeando desde então
definidor Frei Melchior de Santa Catarina". A 1º de janeiro de 1585, embarcou Frei Melchior à
frente de seis confrades missionários. Não tardaram as provações da viagem marítima; pois uma
epidemia atacou todos, com exceção do custódio, dando a este ensejo para servir de enfermeiro aos
súditos e demais doentes, até que o mal prostou também o bom samaritano, exausto de tanta lida.
"(4)

No dia 12 de abril de 1585, desembarcaram os franciscanos em Olinda, onde D. Maria da


Rosa, terciaria franciscana, viúva de Pedro Leitão, já tinha construido um recolhimento e uma
igreja, na esperança de obter futuramente uma fundação de Frades Menores. Não conseguindo o seu
objetivo de início, ocupou o prédio com uma comunidade de recolhidas e algumas órfãs. Chegando
a Olinda Frei Melchior, a ele ofereceu aquele recolhimento e igreja, para a instalação dos religiosos.
"Este aceitou a generosa oferta contanto que as recolhidas e órfãs conseguissem antes um prédio
adequado, ao que a doadora concordou. Na festa de São Francisco, a 4 de outubro de 1585,
ocuparam os franciscanos o seu definitivo convento, sob a denominação de Nossa Senhora das
Neves"(5)Conforme acentua Frei Venâncio Willeke , "O documento da escritura oficial, datado de
27 de setembro de 1585, esclarecia a Frei Melchior que D. Maria da Rosa já fizera oferta de seu

138 1
recolhimento a vários provinciais franciscanos, sem que nenhum deles tivesse aceito, enquanto
outras ordens religiosas em vão haviam solicitado a vantajosa doação. (6)

O terreno, com as construções, doado, situava-se à margem de um caminho, uma ladeira,


que dava acesso ao alto da Matriz vindo desde a capela de Santo Antônio e São Gonçalo, depois
doada, em 1588, aos frades da Ordem do Carmo. Limitava-se ao Norte com o caminho, que do alto
da matriz descia até a praia, passando junto ao Real Colégio dos Jesuitas e ao Sul com uma olaria.
Daquele caminho até a praia se estendia a área da cerca. Junto ao mar se encontrava um outro
caminho, acompanhando toda a praia, que poderemos considerar o limite Leste da área doada, e
onde situava-se um fortim, parte integrante da linha de defesa da vila, sendo essa construída de
madeira, uma paliçada. O terreno doado era, de certo modo, ingrato, porquanto em declive para o
litoral em direção ao Leste e em forte inclinação, ao longo daquele referido caminho, em direção ao
Sul. A natureza do terreno não importou para aquele convento inicial, mas em futuras ampliações,
obrigou a construção de muros de arrimo e aterros para corrigir aqueles declives. As dimensões e os
limites dessa área doada podem-se ver representados , então no século XVII, em mapas manuscritos
e gravados. (7)

No dia 4 de outubro de 1585, como se disse, os franciscanos, que então estavam alojados em
uma casa junto à igreja de N. Sa. da Misericórdia, mudaram-se para o convento , na altura de sua
propriedade por escritura pública. Antes dessa, casa vizinha à igreja, os religiosos foram hóspedes
de Fillipe Cavalcanti, casado com D. Catarina de Albuquerque, prima de Jorge de Albuquerque
Coelho. Estes moravam na freguesia da Matriz, conforme se sabe através das Denunciações de
Pernambuco(8). Esta moradia poderia ser uma daquelas de um conjunto de casas, situado na direção
do Largo do Recolhimento de N. Sa. da Conceição, que chegou até o século atual e foi demolido
quando da construção da Academia de Santa Gertrudes. Naturalmente, talvez, não aparentando mais
aquela fisionomia dos seus primeiros dias. Em fotografias e cartões postais pode-se ver tais
construções ainda de pé . Provavelmente, de Fillipe Cavalcanti, pode ter sido a primeira das casas,
aquela onde se diz morou o Cardeal Arcoverde, que era um Cavalcanti. No Novo Orbe Seráfico
Brasileiro, no texto de Frei A. de S. Maria Jaboatão, onde se tem tal referência, a redação parece
indicar duas casas, a que eles teriam ocupado logo no desembarque, onde morava Fillipe Cavalcanti,
e uma outra preparada para os frades. Entendemos que os religiosos não ficaram alojados na casa de
Fillipe Cavalcanti e sim em outra, pequena, talvez pertencente ao mesmo. Nesta pequena
construção, levantaram Oratório, diziam Missa e celebravam os Ofícios Divinos, ainda que "com
menos cômodo, com muita perfeição; guardavam a formalidade do coro, tinham oração,
disciplina e todos os mais atos interiores e públicos de toda a Religião; com tal asseio, modéstia e
devoção se portavam em todas as suas ações, assim dentro, como fora, que começaram desde logo
a levar as atenções e arrebatar os afetos geralmente de todos, que já eram tratados com respeito e
veneração, buscados como Mestres, e admirados como mensageiros do Céu, uns Anjos mandados
a sua terra para alivio das misérias, e remédio de suas almas. (9)"Nas casas", isto é nos pequenos
cômodos em que se alojaram os frades, "no pequeno Oratório e pobres casinhas", eles exerceram as
primeiras atividades religiosas.

Na Escritura de doação, ao se descrever o bem doado, se pode ter uma idéia daquela igreja e
convento iniciais:"Pelo que ela de seu moto próprio e livre vontade, sem constrangimento, nem
induzimento de pessoa alguma, dava, e doava à dita Ordem , de hoje para todo sempre, a dita
casa assim como está , Igreja com todos seus ornamentos e com todos os mais, prata, chãos e
terras, que estão junto com a dita Igreja, assim cerca, como os que estão fora dela, em que está a
Olaria até o salgado, para se poderem meter na cerca, assim, e da maneira que os ela tem e possue,
com suas entradas e saídas. . . . (10). Da mesma forma da doação feita aos Jesuitas, que tiveram de
receber a ermida construída pelo Donatário tendo por orago N. Sa. da Graça, também os
franciscanos vieram a adotar, para o convento de Olinda a devoção do doador, isto é N. Sa. das
Neves, a quem D. Maria da Rosa dedicou a sua igreja e casa de recolhimento das órfãs:"Era Maria
da Rosa, irmã Terceira de N. P. S. Francisco, que tomara o hábito da Penitência desta Venerável
Ordem na Capelinha de S. Roque, como ficou dito. Era viúva honesta, exemplar e rica, fora casada
com Pedro Leitão. Morto este, por particular devoção, que tinha a Mãe de Deus, e não haver
herdeiros forçados a seus bens, edificou, em terras próprias, uma Capela à rainha dos Anjos,
debaixo do seu especioso título de Senhora das Neves, com intento de levantar à sombra desta Mãe

139 2
de Piedade e dos homens, um Recolhimento para si e outras devotas mulheres, quando não
houvesse efeito o particular voto seu de fazer doação de tudo aos Frades menores, como ela mesmo
declara em sua escritura". (11)

Com grande solenidade, descrita por Jaboatão, os Frades passaram para o seu convento(12).
No dia seguinte ao da mudança, o Padre Custódio, ao dar providências para o regime econômico do
convento, nomeou guardião e prelado da casa o irmão Fr. Francisco dos Santos. Este frade, é
descrito como"sujeito também de prudência, zelo e atividade para obras, e por sua traça se ordenou
a formalidade material da casa, enquanto aos agasalhos, oficinas e o mais necessário e preciso
para o governo econômico e regular. "(13) É na sua gestão que os frades realizam as primeiras
obras de ampliação das construções doadas:"já neste tempo era entrado o ano de 1586 e os
religiosos também em novos cuidados; porque era forçoso receber a ordem alguns noviços, tanto
para ministério da Casa, como para dar satisfação aos desejos do povo, e não havia domicílio
particular para este efeito. Também se devia fabricar na cerca uma casa suficiente, na qual se
criassem dentro os filhos dos índios, convertidos, como em Seminário, para que, bem instruídos
primeiro nos rudimentos da Santa Fé , fossem depois pregadores de seus naturais; porque é certo
atrativo das vontades a semelhança da natureza e a propriedade das línguas; e ambas estas casas
se concluíram com brevidade, e perfeição, com esmola dos devotos e agência do prelado, que como
tão zeloso da tanta pobreza, em nada excederam esta obras ao preciso do seu mister, nem regular
do nosso Instituto"(14).

As construções recebidas pelos frades não satisfaziam ao crescimento, natural, da ordem em


Pernambuco e as primeiras obras de ampliação foram as descritas acima. Não ficaram nestas as
modificações realizadas no convento. Em 1590, essas primeiras obras estavam concluídas e na
gestão do custódio fr. Leandro de Jesus (1606-1609)foram aumentadas em muito" as dependências
ou casas do convento, estendendo as habitações e acrescentando os edifícios", segundo nos informa
fr. Jaboatão(15). F. A. Pereira da Costa, citando o cronista franciscano , acrescenta:"E assim
prosseguindo-se em outras obras e melhoramentos, quer no convento quer na igreja, coube enfim
ao custódio fr. Antônio dos Anjos, filho de Olinda, na sua prelatura(1627-1630), tudo concluir,
ficando assim um edifício de grandiosa e bela fábrica, como os próprios invasores holandeses o
referem; e um deles, João Baers, em um escrito seu contemporâneo, fala mesmo da sua igreja,
com muitos altares e ricamente ornada de dourados , do seu bonito pá tio com uma bela fonte onde
o povo ia buscar água para beber. Essa fonte foi construída pelo custódio fr. Antônio de Braga
(1624-1627), e como a descreve Jaboatão, era uma obra de valor pela sua arquitetura e sólidos
fundamentos, com seus registros, que caíam em um poço, e um lavatório, tudo de forte abóbada,
proporcionando assim o abastecimento d'agua potável ao convento, que antes a mandava vir dos
arrabaldes da cidade em pipas e carros, e todo o serviço de lavagem da roupa da casa(16). "

As obras de ampliação da casa primitiva duraram portanto de 1586 até 1630, quando se deu a
tomada de Pernambuco pelos holandeses. É interessante se observar que enquanto estavam
trabalhando em Olinda também se realizavam obras no Recife. Em 1606 foi iniciado o convento de
Santo Antônio do Recife, na Ilha de Antônio Vaz, por instâncias do moradores, sendo edificado no
mesmo período das ampliações de Olinda(17). Em termos construtivos ambos os edifícios estão
muito ligados, não apenas nas dimensões mas na própria forma de construir. (18)

Do convento de Olinda se tem boa representação, em gravura, anterior ao incêndio da vila.


Trata-se de estampa, que ilustra o livro de J. de Laet, (19) titulada Marim d'Olinda.

A gravura, realizada a partir de desenho obtido do natural, provavelmente com o uso de uma
câmara clara ou outro artifício similar, tem sido comprovada, em sua fidelidade, através do resultado
de restaurações em Olinda, onde os detalhes de arquitetura representados, de alguns edifícios, São
confirmados, quando comparados com a estampa. Em primeiro lugar citaremos a restauração da Sé
de Olinda, (1974-1978), na qual as frestas de iluminação da nave central, representadas na gravura,
foram localizadas quando das pesquisas arqueológicas, elas estavam inclusive entaipadas , sendo
restauradas. Na estampa se vê , do lado Sul da igreja uma torre de pé ; no século XX somente uma
das torres, a do lado Norte, existia, acreditando-se nunca ter se completado a representada. Por
ocasião das pesquisas em arquivos veio a se encontrar documento comprovando a existência de

140 3
ambas as torres, tendo desaparecido, por ter se arruinado, aquela da gravura (20). Também se
confirmou a cúpula, com lanternim, desenhada pelo artista, e que recobria a capela-mor. O
interessante é que apenas se tinha uma referência, de memória, da existência deste elemento
arquitetônico, mas ao se retirar os rebocos da capela-mor, surgiram as marcas dos pendente esféricos
de tal abóbada hemi-esférica(21). Com relação a outro edifício restaurado em Olinda, a igreja de
Nossa Senhora da Graça , do antigo e Real Colégio dos Jesuitas, (1974-1978), na fachada principal ,
aquela que chegou até o nosso século, a existência de três janelas, na altura do coro, jamais levaria a
se acreditar no representado na gravura, onde somente uma abertura se localiza no centro do
fontispício, acima da porta única. Quando da remoção dos rebocos, durante as obras, para surpresa
dos executantes, uma grande abertura foi encontrada no centro da fachada, acima da porta única.
Apenas, ao invés de uma abertura retangular se tinha um óculo, semelhante ao encontrado na
fachada da Sé , engano natural, diante da distância em que se colocou o artista para fixar o
representado, tanto mais que ele deve ter realizado a gravura na Europa, utilizando-se de anotações
levadas de Pernambuco. O layout da fachada era idêntico(22). O mesmo poderemos dizer da
Câmara, prédio situado à esquerda da Sé na estampa. A antiga Câmara, incorporada ao conjunto
atual do Museu de Arte Sacra, antigo Palácio dos Bispos, tinha as aberturas do andar superior em
janelas de peitoril e quando foi incorporada a dois prédios anexos, para constituir tal Palácio ,
perdeu aquela característica, face a um projeto uniformisador realizado pelo Bispado. Por ocasião da
restauração do Palácio, (1974-1978), nas prospecções procedidas na arquitetura do prédio, ao se
comprovar esse fato, conhecido em referências documentais, confirmou-se a representação da
estampa, onde janelas de peitoril, em igual número estão indicadas naquele andar superior(23).

Diante do exposto, poderemos então proceder a análise do representado na referida estampa


e relacionado com o Convento de Nossa Senhora das Neves.

O convento e igreja são construções que se situam a meia altura, aproximadamente, em


relação ao Colégio dos Jesuitas e o nível do mar. Apesar de ser menor, ao se comparar com a casa
dos jesuitas, não é construção tão pequena; o mesmo diríamos com relação as dimensões da igreja
matriz, a atual Sé. Praticamente, as medidas São bem próximas. Em altura, o conjunto franciscano
é bem modesto, parecendo ter apenas dois andares e estes mesmos de pouco pé direito; veja-se a
altura da nave da igreja de N. Sa. da Graça, a qual corresponde quase a dos dois andares do
convento. A torre ou sineira da igreja de N. Sa. das Neves é lateral e na parte Norte, alinhada com a
fachada do mesmo templo, assim nos parece. A cerca do convento, em madeira, à maneira de uma
paliçada, demarca o limite com a ladeira e contorna o conjunto conventual descendo até próximo à
praia, mas deixando um espaço, onde se encontra o fortim que balisava a parte Norte da defesa da
vila. Esta cerca deixa também todo um grande terreno na parte Sul, confirmando a existência
daquela área onde se encontrava a olaria, conforme a escritura de doação. Do corpo do convento,
talvez desde a igreja, uma construção, de forma bem clara, avança em direção ao Sul e se destaca
em primeiro plano, provavelmente parte da quadra conventual. Diante da igreja, do lado de fora da
cerca, um cruzeiro está bem definido, à maneira dos franciscanos.

Os holandeses, entre 1630 e 1654, período em que estiveram ocupando o Nordeste, diante
das solicitações frequentes da Companhia da Índias Ocidentais, realizaram vários mapeamentos da
região conquistada. Trabalhou, neste tipo de atividade, durante boa parte desse tempo, à serviço da
Companhia e do Conde João Maurício de Nassau , um ilustre cartógrafo, o sr. Cornelis
Sebastiaanszoon Golijath. Sobre este profissional e o que ele fez se tem seguras informações. Ao
estudar os principais mapas da cidade do Recife, o historiador José Antônio Gonsalves de Mello,
nos permite conhecer toda uma trajetória desse cartógrafo no Nordeste do Brasil (24) A Biblioteca
Nacional de Viena, guarda em seu acervo, um mapa titulado: Representação de três cidades no
Brasil, como São Olinda de Pernambuco, Cidade Maurícia e Recife, com uma parte da Várzea,
compreendendo os seus engenhos, casas, canaviais, roças e outras circunstâncias desenhada por
Cornélio Golyath, cartógrafo de Sua Excelência o Conde J. Maurício de Nassau, e agora pelo
mesmo enriquecida com os fortes e entrincheiramentos que os portugueses rebeldes levantaram a
modo de assédio e com as defesas dos nossos contra eles. No ano de 1648. Deste mapa existe
versão gravada, de autoria de Claes Jansz Vischer, de excelente feitura, impressa nos Países
Baixos, Amsterdam, no ano de 1648(25). Parece-nos que todos os outros mapas, de mesma
natureza, podem ter derivado desse. Acreditamos ter havido uma matriz, realizada pelo cartógrafo

141 4
Golijath, a partir de levantamento topográfico, e gradativamente ela foi enriquecida com novas
informações, atualizadas, necessárias à Companhia das Índias Ocidentais. (26) Pela exatidão do
representado tomaremos aquele mapa como referencial básico para o que diremos a seguir.

No mapa de Olinda, de 1648, e naquele que se encontra ilustrando o livro, sobre o governo
de Nassau, de Gaspar Barlaeus (27), os três monumentos, Igreja de N. Sa. da Graça, Matriz do
Salvador e Convento de N. Sa. das Neves, estão desenhados em uma mesma escala. Comparando as
dimensões dos edifícios verificamos que o convento não era tão pequeno quanto se tem dito ou
acreditado. Não é de estranhar que tal ocorra, vez que em uma Olinda , descrita pelo Padre Fernão
Cardim, de final do século XVI, as construções destinadas à religião, eram em medidas muito
generosas(28). Vejam-se, por exemplo, as dimensões da Igreja de N. Sa. do Amparo, aquela
anterior aos holandeses, que deveriam ser pequenas, tudo levava a crer, e que, durante restauração
recente, confirmaram-se bem maiores(29).

Comparando as três plantas baixas dos monumentos acima, igreja matriz, Graça e convento,
ao se considerar que se conseguiu, depois das restaurações procedidas nos dois primeiros edifícios
(1974-1978), saber as suas dimensões no final do século XVI, verificamos que o convento e igreja
de N. Sa. das Neves ainda guardam daquele edifício, que chegou até os holandeses, muitas de suas
características. Embora se possa chegar a tal resultado ao se analisar aquela gravura(1630-31) ,
Marim de Olinda , e os mapas considerados, somente uma prospecção no corpo do edifício poderia
comprovar devidamente(30).

A comparação , antes referida, nos permite as seguintes conclusões a respeito do convento: a


igreja, desde a galilé , excluindo esta, até a parede final da capela-mor, excluindo a atual sacristia, é
bem aquela anterior ao incêndio de Olinda e documentada pelo autor da citada gravura.
Necessariamente sem o teto de artezoados e demais acabamentos decorativos, apenas a ossatura dos
muros; acreditamos também que possivelmente ela foi elevada em sua altura para abrigar tal forro
em madeira. Na gravura não há indicação da existência de uma galilé ou alpendre, como era de
hábito em conventos de franciscanos. Com relação a parte conventual, podemos afirmar, baseado na
existência da sala do capítulo, esta certamente anterior a 1630, e na estampa antes referida, que a
parte Leste da quadra, junto a igreja, é bem aquela representada na gravura. Deveria ter sido apenas
térreo e primeiro andar , com pés-direitos de aproximadamente três metros, se muito. Acreditamos
terem os franciscanos fechado a quadra, isto é, construído de todo o convento , mas, com certeza
apenas deixaram local para o claustro. Parece-nos, diante das evidências do representado na
estampa e nos mapas, que a quadra se encontra definida. O fato de se ter edificado uma nova
portaria em 1754, e, na ocasião, serem destruídas as obras anteriores coincidentes , torna difícil
qualquer conclusão definitiva. As pinturas e gravuras de Frans Post, pintor da comitiva de
Nassau(31), nos permitem maiores esclarecimentos a respeito daquele convento anterior a 1630,
apesar do ângulo escolhido pelo artista para fixar Olinda que conduziu a uma superposição entre a
matriz do Salvador e o convento. O artista, apesar de ter fixado vários aspectos da vila, apenas em
um apresenta o convento. Este mesmo modelo ele multiplicou várias vezes, em gravura e pinturas
(32). Bazin, em "Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil", ao comentar tal circunstância, diz:"Dois
quadros de Frans Post e uma estampa do livro de Kaspar von Baerle, (nº 10) mostram o estado de
ruínas do convento, após o incêndio de 1631. Este conjunto é de difácil interpretação, pois
confunde-se com as ruínas da catedral, situadas atrás dele. Podemos ser levados a interpretar as
três arcadas vistas sob uma face da parede como as de um pórtico, em uma disposiçã o análoga à
encontrada em Ipojuca. "(33) As arcadas que são fixadas pelo artista não são as de um pórtico,
conforme sugere Bazin, e sim da parte de apoio da antiga sacristia, aquela que existiu antes das
obras da que chegou aos nossos dias, esta já da fase de reconstrução do convento , no século XVII,
segunda metade. Quando da restauração dessa sacristia, realizada pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 1º Distrito, ao se reforçar as fundações , foi possível ainda encontrar
os pilares de tais arcadas(34); não poderia ser nunca o pórtico ou galilé , vez que a igreja do
convento era voltada para a ladeira antes referida , isto é para o poente.

O conjunto arquitetônico dos franciscanos e outros monumentos de Olinda foram alvos de


destruição , quer aquela decorrente do incêndio de 1631, ou a procedida depois de 1637, para a
retirada de material de construção, necessário para as obras de ampliação do Recife. Há um certo

142 5
exagero em se destacar o papel do incêndio de Olinda. Não existem dúvidas de que a perda foi muito
grande, mas , acreditamos terem sido acudidos em tempo alguns edifícios e essencialmente aqueles
construídos de pedra e cal. O mesmo não diríamos da retirada de materiais. Quando se restaurava a
igreja de N. Sa. da Graça, (1974-1978), na parte da capela-mor, ao se remover um altar recente, se
descobriu os restos do antigo e nele, por sobre uma das pedras, calcáreo, três dos responsáveis, em
1639, pelos desmontes, em prosa, assinalaram, com a ponta de um carvão, a destruição,
lamentável, de tantos e tão belos edifícios(35).

Em 1654, os holandeses, no dia 27 de janeiro, assinam a Capitulação da Campina do


Taborda, retirando-se do Nordeste. Os frades logo reocupam o convento de Olinda, então bastante
arruinado. A recuperação da casa de Olinda começa desde então. A reconstrução deve ter
aproveitado parte do edifício e o ampliado. Não há , em termos de documentos, meios de esclarecer
a forma como ocorreu essa reconstrução. O arquivo do convento franciscano de Olinda não chegou
até nossos dias; o que nos deixa sem maiores informações, ainda mais se acrescentarmos que nem
sempre os religiosos, ao executarem as obras através de esmolas, guardavam os documentos. No
entanto, para o caso de Olinda , a simples an_ lise do edifício, mesmo sem prospecções maiores,
pode nos levar a certas datas para determinadas partes da construção.

No claustro, existe uma pedra tumular de frei Joseph de Santo Antônio, falecido em 1686, e
graças ao costume dos religiosos de serem sepultados neste local, podemos considerar esta parte da
construção já existindo. Por outro lado, conforme observou Bazin, "as arcadas desse claustro
não podem , devido ao seu estilo, remontar além dos anos 1700". (36). Acreditamos, como dissemos
anteriormente, que a quadra se encontrava definida, embora não concluída, desde o período anterior
ao domínio holandês, não se encontrando pronto o claustro . A forma de construir tais conventos, em
etapas, dependentes de recursos, por serem os frades da ordem medicante, levava os autores dos
riscos a tudo prever e gradativamente ir construindo. Deste modo as construções que rodeiam o
claustro, ainda como salienta Bazin, são anteriores, e, tudo leva-nos a crer, algumas de antes de
1630. A mera observação da fachada Leste da casa conventual, onde as envasaduras são organizadas
de forma bem diferenciada, pode nos ajudar a compreender tal assertiva. Sabemos que nem sempre
se observava uma composição regular , salvo quando a obra projetada se construía de uma vez, mas
o que se vê em Olinda é bem diferente. Frans Post, na gravura e pinturas citadas, onde nos mostra
o convento visto desde o mar, delineia as abertura dessa fachada, de certa maneira regular, mas a
reconstrução depois de 1654, levou a outros resultados(37). Na ala da quadra, que nasce desde a
lateral da capela-mor, onde existe uma escada de acesso aos dormitórios, revestida de azulejos,
com padrão seiscentista, se tem um outro elemento construtivo que nos permite definir o tempo da
construção. Os padrões dos azulejos são típicos do século XVII, inclusive os mais frequentes,
podendo ser até anteriores, segundo Santos Simões, a 1660 (38). Ao dobrar a quadra no sentido
Leste-Oeste, vem se situar a sala do capítulo, também chamada capela do capítulo, onde a decoração
, talhas e silhar de azulejos, pertence ao mesmo período daquela escada. Esta sala do capítulo, que
se abre para o claustro, é guarnecida com bancos e ornamentada com um belo altar D. João V .
Esses bancos, ao redor da sala, encostam nesse silhar de azulejos, que tem padrão da família
maçaroca de repetição 2x2/1, como dissemos do mesmo tipo daquele da escada de acesso aos
dormitórios. A talha do retábulo dessa sala capitular se enquadra, na classificação do arquiteto Lúcio
Costa, (39), no modelo de transição entre os retábulos de gosto proto-barroco e os ditos
propriamente franciscanos, de segundo período. Nesse modelo de transição ainda não se configuram
as arquivoltas concêntricas ou colunas torsas no melhor estilo. No interior da sala capitular
harmonizam-se talhas, azulejos e as pinturas do forro de madeira . No Novo Orbe Seráfico
Brasileiro, Jaboatão, ao se referir a sala capitular, assim se expressa:"A Capela, que chamamos
Capítulo em nossos claustros, é neste uma das mais perfeitas e devotas que tem hoje esta
Província, só se lhe acha o azar de ser mais pequena do que devia, pois a deixou, quem traçou o
Convento novo, na mesma forma em que estava no antigo. Acha-se forrada toda, assim no teto,
como nas paredes, com bons painéis de molduras douradas e de perfeita pintura, correspondente a
alguns Passos da fuga para o Egito e Desterro da Senhora, objeto compassivo, a quem é
consagrada esta Capela, nas três peregrinas imagens dos que o executaram Jesús, Maria e José ,
todas de perfeitíssima escultura e terníssima devoção. /Com uma muito particular e grande afeto, se
juntam os Religiosos nesta capelinha todos os sábados ao tocar a Ave Marias e alí se entoam por
eles, com a melhor suavidade, que se pode, a Salve rainha com seu Verso e Oração, que diz um

143 6
Sacerdote, revestido de sobrepeliz e capa, depois de incensado o Altar e Sagradas Imagens; ação
devota, a que assistem também alguns dos seculares mais piedosos e muitos particulares, afetos a
esta Senhora. Nesta capela, como Padroeiros seus, debaixo da campa de mármore, bem lavrado
das suas armas, tem sepultura para si e seus herdeiros, Dona Archângela da Siveira, viúva da
Capitão Francisco do Rego Barros, por Escritura de nove de maio de 1656, com penSão, f_ ra
duzentos mil reis, que deu de esmola , de paramentar perpetuamente o dito Cap_ tulo, mandando
trasladar para ele os ossos do dito marido e os de seu pai, dela, por serem já falecidos quando se
concertou a data desta sepultura. Esta mesma se havia dado muito antes a Lopo Soares, marido de
dona Adriana Pessoa, da qual fez desist_ ncia Jo_ o Pessoa Baracho, seu herdeiro, por uma
Escritura de 19 de março do mesmo ano de 1656 porquanto os holandeses, na tomada de Olinda,
queimaram as casas, que diz a Escritura, valiam quatro mil cruzados e rendiam para o dito
Capítulo e juntamente porque o referido João Pessoa Baracho não tinha herdeiros forçados,
acrescenta ele na sua Escritura, fazia esta desistência, não por falta de brios, mas de posses, por
ficar destruido pelos holandeses. Era este homem sobrinho de Dona Adriana Pessoa e morava na
Vila de Igaraçú , quando fez a desistência desta sepultura, que transferida para os novos
Padroeiros, tem escrito em campa de mármore, com brasão de Armas este letreiro: Sepultura do
cap. Francisco do Rego Barros, e de sua mulher Dona Archangela da Silveira e de seu filhos e
herdeiros. "(40).

As obras de reconstrução do convento, iniciadas provavelmente logo após a saída dos


holandeses, devem ter continuado por todo o século XVII, e a reconstrução da quadra, nesta fase
da construção deveria prosseguir até a lateral da igreja, no trecho correspondente ao coro. Por conta
de notícia de Jaboatão, a quadra, na parte voltada para a ladeira, não foi reformada, sendo ainda a
parte antiga quando se construiu a nova portaria ( 1753/55). Nessa etapa das obras, iniciadas no
século XVII, acreditamos tenha se definido a galilé, que, originalmente, era aberta também para os
lados, conforme foi possível se observar quando se realizaram trabalhos de conservação no seu forro
artezoado. Uma cruz de pedra, encostada a uma das arcadas da galilé, tem a seguinte inscrição:"Esta
S. Estação representa o lugar onde poserão a cruz a costa/Anno de 1700". A atual fachada da igreja
se encontra bem definida em duas fases construtivas, aquela que corresponde a galilé e uma outra,
acima desta, e fruto de reforma ou modernização posterior, conforme comentaremos adiante. Por
algum tempo a galilé se encontrou saliente do corpo do convento, de maneira muito natural nas
construções franciscanas. A parte superior dessa fachada teria solução mais sóbria, com o seu
coroamento em frontão triangular e clássico. O que vemos hoje deve pertencer a uma fase de
reformas bem da primeira para a segunda metade do século XVIII. O convento não deveria, na
etapa de obras que começou depois de 1654 , ter mais de dois pavimentos , térreo e primeiro. A
volumetria resultante de tal definição seria bem de acordo com a igreja e talvez com aquele risco ,
de Frei Francisco dos Santos, ainda presente na ampliação começada no século XVII, conforme se
pode ler em Jaboatão. As obras da atual sacristia também pertencem à fase iniciada em 1654.
Tendo a largura da nave e colocada transversalmente a sacristia possue boas proporções e é uma das
mais belas, das construídas pelos franciscanos. Construída no século XVII, conforme dissemos com
relação as arcadas das edículas onde em uma delas se encontra o lavabo, foi toda decorada na
centúria seguinte. O arcaz é um excelente exemplar do gosto D. João V e os azulejos são de mesma
época. A respeito desse ambiente do convento assim se expressa João Miguel dos Santos Simões no
seu livro sobre Azulejaria Portuguesa no Brasil:" É a quadra mais notável de todo o Convento, já
pelas dimensões, já pela decoração. O tecto apainelado com motivos entalhados, contem 15
pinturas de assuntos franciscanos, que são das melhores que ví no Brasil. A aumentar o interesse
há 8 quadros mais pequenos com naturezas mortas e onde se pintaram frutas locais e exóticas. O
arcaz com seu espaldar em talha e espelho, o armário encastrado na parede são outros motivos do
maior interesse artístico. Mas são os azulejos, finalmente, que completam o conjunto de forma
impressionante. As paredes livres de portas, de janelas e de mobiliário estão totalmente revestidas
numa altura de 25 azulejos. O esquema decorativo é o do azulejo azul, figurado, com um alisar de
6 azulejos, acima do qual foram colocados, na parede do lado nascente, dois grandes painéis de 17
de altura por 16 1/2 de largura, incluindo a moldura de 2 azulejos, aliás extraordinariamente bem
composta. Os painéis apresentam S. Francisco recebendo as estigmas e o menino Jesus
aparecendo a Santo Antônio. A pintura é magnífica e certamente executada por um discípulo de
A. de Oliveira Bernardes, o que se reconhece pela técnica, composição e até pelos pormenores,
como o do frade lendo (painel de S. Francisco), onde se diria que houve intervenção do mestre.

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Aliás, pelo tipo de pintura, coloração, composição - ainda muito clássica na moldura - e presença
de óvulos, esta obra parece poder ser de cerca de 1717-20. No entanto a presença da restante
decoração do alisar referido - e a ornamentação de arquitectura, formando pilastras com figuras
atlantes, são certamente de época vizinha de 1740. De notar é o friso superior de 2 azulejos que
corre em toda a cornija e que julgamos poder afirmar ser coevo e de mesma mão dos dois grandes
painéis os quais não há dúvida que foram feitas propositadamente para este local ( a explicação
desta anomalia cronológica - a dos azulejos inferiores serem mais recentes do que os painéis da
parte alta das paredes) -pode ser tentada com a hipótese de, primitivamente - ainda no século XVII
- a sacristia ter tido silhar baixo de azulejos padrão. Sobre estes teriam sido colocados cerca de
1717- 20 os painéis azuis atrás descritos e , mais tarde, talvez por se ter reconhecido a discrepância
cromática entre o alto rodapé e os painéis, teria sido aquele substituído pelo alisar ornamental
azul que ora se vê . Foi também por então(cerca de 1740)que vieram os restantes azulejos desta
sacristia nomeadamente os do recesso do lavabo. "(41)

Assim, a atual sacristia, à luz de seus elementos de arquitetura, é bem da segunda metade do
século XVII. A parte de alvenaria de pedra e cal, os soalhos e telhado, a obra de arquitetura, teve
sua conclusão por volta de 1660, isto porque certos elementos construtivos São bem dessa centúria ,
como vimos anteriormente e segundo Germain Bazin, que realizou um estudo comparativo entre as
arcadas da galilé do convento do Santo Cristo de Ipojuca, também franciscano, e as existentes nessa
mesma sacristia nas duas edículas laterais(42), os elementos decorativos, azulejos, pinturas e talhas,
vieram já na altura do século seguinte. Esta centúria vai assistir uma outra fase de obras e que
envolve várias partes do convento.

Na igreja, , segundo Jaboatão, ao ser reedificada sua capela-mor, pelo anos de 1714, se
destruiu um carneiro, situado no local onde hoje se tem uma porta que dá acesso a um corredor , o
da Via Sacra(43). Este ano de 1714 é bem coerente com as obras do corpo da igreja e se encontra
bem dentro do início do período no qual poderíamos situar a execução do atual forro, em
artezoados, com pinturas, da nave e assentados os painéis de azulejos, sendo estes produtos de cerca
de 1745, conforme Santos Simões(44). Aquela parte superior da fachada, acima da galilé, conforme
nos referimos, deve pertencer a essa fase das obras. A imagem, em pedra, de Nossa Senhora, situada
na parte alta do frontispício, dentro de um nicho, é bem dessa etapa de construção, seu estilo assim
o confirma. A reconstrução da igreja, depois de 1654, aproveitou, ao que tudo indica, as paredes
não destruídas, porquanto no meio do cruzeiro , ao pé do arco da capela-mor, se encontra a
sepultura de David de Albuquerque Saraiva, de sua mulher e filhos, com data de 1693. O interior da
igreja , ao longo de todo um tempo decorrido, desde aquela reedificação, a partir de 1654, até os
nossos dias, foi recebendo elementos decorativos os mais variados e ao gosto de cada momento,
quer decorrente de maiores recursos financeiros ou quando se arruinava qualquer daqueles, sendo
frequente, por exemplo, a perda das obras de talha, devoradas pelos insetos. Assim, a nave é
enriquecida com um silhar de azulejos figurados, em 1745, conforme dissemos, além de três
retábulos , dois colaterais ao arco cruzeiro e o da capela-mor, todos em gosto Rococó, obras estas
bem do final do século XVIII, onde a presença do Neo-clássico já determina mudanças em alguns
detalhes dos altares(45). Na parte inferior, forro, do coro, uma pintura ilusionista guarda relação
direta com tetos baianos , de mesmo período daqueles do pintor José Joaquim da Rocha ou de seus
discípulos. É interessante que este forro , entre os dos franciscanos, vai se identificar com o
executado na nave da grande igreja do convento de São Francisco da cidade de João Pessoa,
Paraíba. Teriam sido de mesma autoria, o de Olinda e esse de João Pessoa? Nesta altura não
podemos nada adiantar.

A Capela da Portaria, situada no mesmo alinhamento da galilé , é um volume que se destaca


por sua composição simétrica, onde uma única porta dá acesso do exterior à uma grande sala, tendo
esta ao fundo, entre duas portas que dão entrada para o claustro, o altar de Santana. Essa única porta
de entrada possuía, existindo ainda as meias colunas de suporte, um pequeno alpendre, muito
comum nas casas religiosas franciscanas e mais ainda em uma região de clima tropical. De cada lado
desta abertura duas janelas, com gradis de ferro, definem tal composição simétrica. O edifício da
portaria tem mais dois pavimentos com suas aberturas dispostas de mesma forma, tendo por eixo
aquela porta. Nas duas janelas do térreo se encontram as inscrições : Anno / 1754, que definem a
data da construção. Na verdade tal edifício se engasta naquela antiga quadra que vem, como se disse,

145 8
do primeiro convento. Para se construir a portaria foi destruída a parede exterior daquela ala do
convento, permanecendo a que define o claustro. Dessa ala antiga, conforme pode-se ainda ver,
resta um pequeno trecho de parede, entre o bloco da portaria e a igreja, na altura da galilé . A capela
da portaria tem ao redor um belo silhar de azulejos, contando passagens da vida de Santana,
assentados provavelmente nesse meiados do século XVIII. Os azulejos, de grande vulto, São
coevos da data inscrita na janela. O altar, em gosto do reinado de D. João V, se inclue na fase do
Barroco português, onde predomina aquele " estilo nacional", referido pelos estudiosos da talha na
península ibérica. O forro dessa portaria , pintado , é de grande valor, embora pouco referido pelos
historiadores. Acima da portaria, no pavimento imediato, temos a biblioteca, ornada com talhas
daquele estilo nacional e pinturas de mesma época.

O convento possue uma outra sala do capítulo, onde , um magnífico teto de compartimentos,
tem pintados grandes sábios franciscanos. Deve ter sido realizada, por ser a primeira pequena diante
do crescimento da casa conventual. O forro bem pode ajudar a se ter uma idéia do tempo de tal
mudança de local do capítulo.

Em 1711, os terceiros franciscano de Olinda, começam a construção de sua capela, situada de


forma ortogonal em relação a igreja da ordem primeira, nascendo desde a lateral da nave na parte
do antigo Evangelho. O espaço desta nave da igreja dos frades da ordem 1ª interliga-se com o de
mesmo teor da capela dos terceiros através de um grande arco , em solução bem singular. Esta
maneira de relacionar os dois ambientes de culto se constitue em uma característica que se tornou
frequente nos conventos franciscanos do Nordeste. Germain Bazin, ao se referir de maneira geral às
capelas terciárias nos conventos dos franciscanos nos informa:"A igreja da Ordem Terceira,
quando se construía uma perto do convento, geralmente era uma grande capela fora da obra,
perpendicular à nave central do lado do Evangelho, e que abria para esta através de uma grande
arcada. Essa disposição perpendicular é bem antiga. Era assim no Rio, na igreja conventual de
1616, a situação da capela dos Terceiros inaugurada em 1622 como mostra a planta holandesa do
Rio, no Reys Boeck van Het Riscke Brasilien, publicado em Amsterdã em 1624. "(46) A origem pode
ter sido a capela dos Terceiros do Rio de Janeiro, mas a consagração do modelo foi no Nordeste.
Somente em Pernambuco poderemos relacionar os seguintes conventos onde tal solução foi
adotada:Convento de Santo Antônio de Igaraçú ; Convento de Santo Antônio do Recife e esse de
Olinda. Na Paraíba temos o de João Pessoa. Em Alagoas, Penedo, o Convento de Nossa Senhora
Dos Anjos tem a mesma forma de dispor a capela dos Terceiros.

A capela dos Terceiros de Olinda abre-se, como se disse, para a nave da igreja de Nossa
Senhora das Neves através de um grande arco. Tal arco se encontra revestido, costume que tem
lugar desde o último quartel do Século XVII, de uma obra de talha, de linguagem e execução
eruditas da época de D. João V. É uma talha de feição robusta, movimentada e fiel aos modelos
portugueses e que , no Brasil, fez escola, desde o Rio de Janeiro a Pernambuco.

A capela era para ser, provavelmente, inteiramente revestida de madeira entalhada, além do
arco referido, em situação similar àquela da Capela Dourada, dos Terceiros franciscanos do Recife,
embora em disposição diferente. Não foi a obra concluída e hoje se tem apenas o revestimento da
parede que envolve o arco da capela-mor. Segundo Bazin é a parte superior deste revestimento de
talha dos mais antigos no estilo, onde se destacam os medalhões com bustos. A parte inferior, com
os dois retábulos colaterais é posterior, de outra fase de trabalhos. (47)Não é de estranhar que um
interior tenha sido revestido em momentos diferentes e até distantes um do outro. Na Capela
Dourada no Recife, a talha que a recobre inteiramente, foi executada em fases distintas , embora
próximas. Com certo interesse podemos encontrar e identificar cada uma delas. O altar principal da
Ordem Terceira de Olinda pertence, em termos da talha, ao período de execução dos três altares da
Ordem Primeira.

Nessa capela de São Roque dos Terceiros Franciscanos de Olinda, o que é admirável é o seu
forro , em artezoados. Além do excelente traçado, onde se harmonizam octógonos e losangos. No
centro do teto se destaca uma outra forma polilobada , onde se encontra uma pintura de Nossa
Senhora da Conceição. Cada um dos caixotões contém, pintados, santos de devoção franciscana.
Houve por parte do artista, que executou o forro, o cuidado de dispor os santos pintados de tal sorte

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que a simetria fosse respeitada com relação às figuras representadas e os fundos, quer neutros ou
com paisagens. Os santos escolhidos para figurar no forro foram os da devoção franciscana ,
presentes em outras casas da mesma Ordem. As pinturas são de excelentes feituras e, tudo leva a
crer, de um mesmo artista. Compare-se tal conjunto pictórico com aquele da Ordem Terceira dos
franciscanos do Recife, ou, ainda, com o da igreja de Nossa Senhora da Misericórdia de Olinda e
essencialmente com o da Igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da mesma cidade.
É infelizmente difícil precisar os artistas que trabalharam nessas diversas igrejas, onde se encontram
pinturas enquadradas em um mesmo período de tempo do século XVIII. Por outro lado, nem todas
as pinturas se encontram restauradas o que implica em dificuldades para uma comparação de estilos
e técnicas. É interessante destacar , no entretanto, que as pinturas da capela de São Roque são, na
verdade, das melhores desses conjuntos citados.

A Capela-mor da igreja dos Terceiros tem também uma série, disposta na abóbada de berço,
de tábuas pintadas e emolduradas, em aplicação conforme reticulado semelhante ao dos caixotões
artezoados.

A Sacristia dos terceiros, ao lado da Capela, tem teto pintado, com cartelas, em colorido
semelhante ao usado na segunda metade do século XVIII, talvez último quartel.

Os irmãos Terceiros, em data que não podemos precisar, constroem, paralelamente a igreja da
Ordem primeira, uma Casa da Oração , hoje oculta pela construção de um Consistório que avança
em direção à galilé .

O claustro, que se pode datar do último quartel do século XVII, considerando as perfilaturas
das arcadas e colunas, recebeu um revestimento azulejar, em painéis figurados entre os anos de
1734-45(48).

Em uma fase de obras, não documentada, os franciscanos ampliam aquela antiga quadra
conventual com um novo bloco em direção ao Sul e agregado ao trecho dessa quadra voltada para o
Recife. Tal construção assenta em aterros e muros de arrimo para conforma-la à declividade da
ladeira. Parece-nos edificação da segunda metade do século XVIII. Pereira da Costa, nos seus Anais,
nos informa que de Maranguape se transportava, em 1757, pedras para uma obra no convento.
(49)Do lado do mar, junto a esse corpo, se constrói uma grande cisterna, referida por Jaboatão que
pode ter assistido ela ser edificada. Trata-se de obra magnífica, com suas abóbadas em tijolos.

O Convento dos franciscanos de Olinda, edificado desde aquele século XVI, constitue, ao
considerarmos as várias épocas de suas diferentes construções, um magnífico exemplar de
convivência de tempos e estilos. Seus telhados, tudo recobrindo, guarda uma enorme relação com o
ambiente paisagístico onde se encontra inserido, de forma tão harmoniosa que nos leva a pensar de
uma mesma autoria.

3.A Restauração.

A decisão do Império , no Brasil, de 19 de maio de 1855, que proibiu de forma definitiva a


admissão de noviços nas casas religiosas conventuais, ampliando assim restrições anteriores,
existentes desde os últimos anos do século XVIII, foi um ato mortal para a Província franciscana do
Brasil. Aquela decisão não atingiu apenas os franciscanos, também carmelitas e beneditinos muito
sofreram com o episódio. Em Olinda, o Convento do Carmo caiu em abandono e nele apenas vivia
um velho frade, "o eremita", inclusive parte integrante, como personagem, do Roteiro Sentimental
de Olinda , do escritor Gilberto Freyre.

O último Provincial, Frei Antônio de Lellis, da Província de Santo Antônio do Brasil,


nasceu em Propriá , Sergipe, a 10 de agosto de 1820. Eleito em 1875, "quando as fileiras dos
companheiros iam enfraquecendo de um ano para o outro, e o número de religiosos de 470 (no ano
de 1764) baixara a menos de 10, o pobre Provincial reconheceu que daqui mesmo nada mais tinha

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que esperar. Diversos conventos estavam abandonados, e os existentes desde março de 1886 sob a
jurisdição episcopal, por Ordem da Sta. Sé . Enquanto o governo Imperial estava ansioso por
enterrar o último frade para poder- legalmente-apoderar-se dos bens de -mão morta-, lançando
mão dos 14 conventos da província, outros elementos à surdina , estavam preparando a queda da
monarquia. "(49)

Proclamada a República, em 1889, "veio o reconhecimento do patrimônio eclesiástico e a


liberdade de culto, liberdade esta que abriu as portas à entrada de Religiosos estrangeiros. Estava
franqueada a restauração da província de S. Antônio do Brasil. "(50)

"Depois de outros recusarem , a Província Saxônica da Santa Cruz da Alemanha prontificou-


se a meter ombros à tarefa de povoar e consertar os conventos, pela maior parte abandonados e
danificados"(51).

Aquele último Provincial, Fr. Camilo, retira-se para o convento do Recife, depois segue para
o de Penedo, nas Alagoas, vindo a falecer no dia 2 de novembro de 1904. O primeiro Provincial,
dos novos frades, foi Frei, Hipólito Zureck.

O convento de Olinda não fugia a regra, em termos de abandono e decadência. Os novos


frades, trazendo a renovação, cuidaram de reparar, no quanto podiam a velha casa. Assim
atravessam a primeira metade do século atual, convivendo com um edifício , nem sempre em boas
condições.

Em 1937 é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN, e em


Pernambuco instalado o seu 1º Distrito, responsável, em termos federais, pela ação de proteger,
conservar e restaurar os monumentos considerados nacionais. O Convento de Nossa Senhora das
Neves, em Olinda, é um dos primeiros a ser relacionado.

Não dispunha o serviço federal de recursos financeiros suficientes e que pudessem atender o
grande número de edifícios em péssimas condições de conservação. A Arquidiocese não se
encontrava também com meios de atender as mesmas necessidades. Assim os diversos monumentos
estavam no desamparo, apesar dos esforços daquela repartição.

O convento de Olinda , de grandes dimensões, era dos mais atingidos pelos estragos do
tempo e do uso. O seu Guardião, diante de tal quadro, procurou, em 1945 , o 1º Distrito e este o
enviou ao Diretor Geral, e através de uma campanha, onde foi envolvido jornais, estando também
presente a ação daquele dirigente, foram conseguidos os recursos para as obras de conservação
necessárias para aquele convento.

As obras tiveram início tão logo os recursos foram liberados, e constituíram não em um
trabalho de restauração e sim de conservação. Em aproximadamente três anos foram renovadas as
estruturas dos telhados e substituído o telhamento. Também os rebocos foram renovados, por se
encontrarem bastante danificados. Pinturas e consertos de esquadrias se incluíram nessa etapa de
obras. No ano de 1949 os trabalhos foram concluídos. É importante se compreender que um
edifício do tipo desse ou outro com mesma diversidade de material e com muita idade não tem nunca
as suas obras concluídas. A manutenção de um edifício antigo deve ser um trabalho permanente, e ,
o mais importante, se deve dar um uso adequado que garanta essa conservação. No caso desse
convento a Ordem franciscana , como outras instituições religiosas, nem sempre tiveram ou têm a
possibilidade de manter em bom estado os seus estabelecimentos. Não que não o desejem, mas por
força do alto custo dessa manutenção. Assim o resultado dessa obra realizada pelo SPHAN, com
tanta extensão, não durou tanto tempo. De presente o edifício está por necessitar de novas obras,
afora aquelas realizadas ao longo desses anos pela própria repartição.

O que lamentamos, diante daquelas obras realizadas pelo Distrito é , talvez, o


desconhecimento, em 1945, do que representaria o resultado de uma análise da ossatura dos
muros, diante dos diversos momentos construtivos do edifício. É possível que isso tenha levado a
não se proceder a uma documentação completa daquilo que ficou à mostra, quando da retirada dos

148 11
rebocos. Em muito resolveria as dú vidas suscitada, no momento, sobre as diversas fases da
construção do convento, até simples anotações a respeito. É possível existirem fotografias do
executado, mas estas foram voltadas para a construção das estruturas e outros trabalhos e não
acreditamos ter havido interesse em documentar os muros sem os rebocos. Entendemos, no
entretanto, as razões de não se ter assim procedido. O SPHAN, fundado em 1937, oito anos antes
dessas obras, não estava estruturado, apesar do conhecimento de trabalhos desse tipo que se
realizavam em Portugal, porquanto a biblioteca do orgão possue Boletins das Obras Públicas, da
Repartição dos Edifícios e Monumentos Nacionais, responsável, nesse país, pelas obras de
conservação e restauro de monumentos, para proceder com tantos detalhes, além do mais, a
Arqueologia, naquele momento, no Brasil, somente cuidava da pré -história.

Naquela fase de obras de conservação o 1º Distrito deu início a um trabalho de muito


interesse. Tratava-se da fixação, na sua estrutura, do forro em artezoados da capela dos terceiros.
Foi um trabalho de grande interesse, porquanto realizado pela primeira vez em Pernambuco, e,
talvez, no Brasil. Aproveitando a estrutura existente , esta sendo restaurada em seus apoios, se
prendeu com perfís de metal todo o tabuado do forro de madeira, colocando-o em nível. As
inovações realizadas pelo Distrito, em matéria de obras, deveu-se à maneira de trabalhar da chefia
da repartição, a qual dividia os problemas surgidos por uma série de colaboradores, na maioria
gratuitos, e o resultado, depois de longas discussões, era o melhor, pelo menos diante dos recursos
técnicos disponíveis em Pernambuco.

Concluídas as obras no forro em artezoados, tiveram início as de recuperação das talhas da


capela, começando pelas da cabeceira, isto em 1950, depois continuando para o restante do interior.
O procedimento empregado foi o de reconstituir toda a parte danificada pelos insectos, no que
resultava vários trechos diferentes em coloração. No que se refere a restauração de talhas não se
partiu , de imediato, para entonar as partes novas, o que o SPHAN faria bem mais adiante em outros
monumentos. Além desse procedimento poderíamos também assinalar, embora não tenha sido
empregado na capela em questão, o uso da cera de abelhas, em preparo próprio e compatível com a
tarefa. Mergulhava-se as partes estragadas, depois de tratadas, em cera e quando esta esfriava se
retirava o excesso. A coloração da cera , próxima a da madeira, já era um entonado garantido. As
pinturas, existentes nos caixotões, foram limpas , delas se retirando os vernizes oxidados, e
repostos outros.

A capela dos Terceiros possuía um coro alto situado na sua entrada, semelhante ao existente
na capela dos Terceiros do Recife, embora sem grandes qualidades. Este coro interceptava o arco
entalhado de acesso à capela. O 1º Distrito retirou tal elemento de arquitetura e restabeleceu as duas
tribunas que foram danificadas quando da sua execução. O procedimento tinha amparo naquele em
prática em Portugal, onde ao se restaurar um edifício se podia remover, se necessário, partes mais
recentes que então prejudicavam a sua leitura. Nos vários Boletins das Obras Públicas, editados em
Portugal, onde se descrevem obras de restauração realizadas pela Direção dos Monumentos
Nacionais, esse tipo de procedimento é quase rotina. A igreja de Cedofeita, no Porto, é um dos
melhores exemplos. Nesta igreja se removeu toda uma série de acréscimos que ao longo do tempo se
incorporaram ao edifício, voltando-se àquela fisionomia medieval da igreja.

Trabalho de conservação também foram realizados na capelinha do capítulo, no claustro. As


talhas foram restauradas e limpa a pintura.

Na capela da portaria a fixação dos azulejos, realizada também no claustro, levou a se ter
que os remover e depois os reassentar. Na oportunidade foram preenchidos os vasios de peças que
faltavam, com massa, para evitar que pudessem ser retirados por furto. Tais azulejos, por força da
salinidade, estão muito danificados nas parte próximas ao nível do piso. Não existem meios de
recupera-los até o presente.

As obras acima descritas foram executadas em um longo período de tempo, desde 1945 até
1980, com interrupções as mais variadas e dependentes de recursos para tais fins destinados. O
SPHAN não dispunha de meios, por força das parcas verbas destinadas ao orgão pelo Ministério da
Educação e Saúde, para ter uma restauração levada a termos em tempo curto. As vezes, mal

149 12
terminavam as obras em uma parte do monumento e outra já começava a necessitar de reparos, era
um círculo vicioso.

No Convento de Nossa Senhora das Neves, como se viu, muitos foram os serviços
realizados de conservação e restauro, mas um problema não pode logo ser equacionado, apesar dos
esforços do 1º Distrito, o da sacristia da igreja da ordem primeira. Grandes rachaduras nas paredes
laterais e forte desnivelamento do piso levavam esta parte da construção a um estado de quase ruína.
Atravessavam os anos e nenhuma solução viável para o problema se encontrava que não implicasse
em grandes recursos financeiros, o que o SPHAN não dispunha. Por outro lado, o fenômeno que
atingiu esta sacristia, provocando aquele dano, também tinha sido observado na igreja do Carmo e
no Mosteiro de São Bento, ambos situados em morros. Na verdade a ocorrência de danos por
causas semelhantes levou o 1º Distrito a encaminhar o problema a especialistas , os quais de várias
maneiras se pronunciaram. Tratava-se de um deslizamento nos morros, que provocava deste modo
a destruição de partes de edifícios situadas em determinadas posições da elevação.

Consolidada a teoria a respeito de tais deslizamento foi apresentada uma última solução para
o caso da sacristia do convento. As fundações foram reforçadas através de uma cortina de pequenas
estacas engastadas em profundidade no solo. Sobre as estacas se passaram vigas e destas amarrações
para o corpo do convento. Foi um trabalho dos mais interessantes e passados já cinco anos daquela
intervenção nenhum movimento se observou no corpo da sacristia. Dispõe o 1º Distrito de toda uma
documentação do realizado entre 1987 e 1989. No mesmo período, um trabalho notável de
conservação foi realizado nos azulejos da sacristia. Retirou-se, tão logo a sacristia foi nivelada, todo
esse revestimento, marcando-se, à maneira antiga, por detrás de cada uma das peças, a sua posição
na parede e depois de refeitos os rebocos foram os azulejos reassentados. As pinturas do forro em
caixotões foram todas elas restauradas, removendo-se o verniz oxidado e repondo nova proteção.

As intervenções realizadas no convento, em termos de restauro e conservação foram, apesar


do grande vulto, marcadas por uma certa prudência aliada aos poucos recursos disponíveis para as
obras. No que se refere a contribuição dos trabalhos para a elaboração de uma história do edifício,
tais intervenções de pouco ajudaram, diante de que não se fez, ao que se saiba, anotações
endereçadas para esse fim. O desinteresse, então existente, por uma Arqueologia no período
considerado histórico deve ter sido uma das fortes razões para tal ausência de dados relativos a
natureza dos muros no que se refere a materiais e técnicas empregados. Os envolvidos com os
trabalhos devem ter aprendido com as diversas técnicas utilizadas mas, a História , muito se
ressentiu de informações mais completas.

Notas.

1)Jaboatão , Antônio de Santa Maria , O. F. M. , Novo Orbe Seráfico Brasílico ou Chronica dos
Frades Menores da Província do Brasil, Impressa em Lisboa em 1761, e Reimpressa Por Ordem do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume IeII, Parte Primeira, e Parte Segunda , Volume I
e II, Inédita, Typ. Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, Rua do Sabão N. 114, 1858/1859, Rio
de Janeiro.

2)Existem vários trabalhos de Frei Venâncio Willeke, entre os quais " Franciscanos na História do
Brasil", onde o autor traça a biografia de notáveis religiosos e suas atuantes no Brasil. Além de
livros, artigos em diversas revistas que merecem uma edição conjunta, diante do grande número de
informações fornecidas pelo historiador franciscano.

3)Ilha , Manuel da , O. F. M. , Narrativa da Custódia de Santo Antônio do Brasil-1584/1621, edição


bilíngue, Introdução, notas e tradução portuguesa por Frei Ildefonso Silveira , O. F. M. Petrópolis,
1975.

4) Willeke, Venâncio, Frei, O. F. M. , Franciscanos na História do Brasil, Vozes, Petrópolis , 1977.


pag. 4.

150 13
5) Willeke, op cit. pag 41.

6) Willke, op. cit. pag 41. Jaboatão , op cit. Parte I, Volume II. pags 135/138. Escritura de
doação:"Saibam quanto este público Instrumento de doação virem, que no ano do Nascimento de N.
Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos oitenta e cinco, aos vinte sete dias do mês de Setembro, nesta
Vila de Olinda, de que é Capitão e Governador o Senhor Jorge de Albuquerque Coelho, por ElRei
nosso Senhor, na Igreja de N. Senhora das Neves desta dita Vila, estando ai a Senhora Maria da
Rosa D. Viúva, mulher que foi de Pedro Leitão, que esteja em glória, moradora nesta Vila, logo por
esta foi dito e disse em presença de mim Tabelião, ao diante nomeado e das testemunhas ao diante
escritas, que tanto que o Senhor lhe levara para si seu marido e filha, que estejam em glória, logo
ela determinara e prometera de fazer uma casa da invocação de Nossa Senhora das Neves e dar aos
Frades de S. Francisco para Mosteiro da dita Ordem, pela muita devoção que ela tinha, para nela
perpetuamente o Senhor ser servido e louvado; e nisto, depois de cumprir suas obrigações,
mostrar o que o Senhor lhe dera; e com esta intenção e devoção a tinha feita e posta nos termos
em que hora estava; e que por vezes tinha escrito ao Reino, aos P. P. Provinciais da dita Ordem,
mandando-lha oferecer e pedindo- lhes, quisessem, mandar Religiosos para a povoarem e
acabarem o que até agora não teve efeito: e que ora vendo ela nesta terra o Padre Fr. Melchior de
Santa Catarina e seus companheiros com provisão de Sua Magestade e Patente do Padre Fr.
Francisco Gonzaga, Ministro Geral de toda a Ordem do P. S. Francisco, em que o faz Custódio e
seu Comissário, para em todas estas partes do Brasil poder tomar Mosteiros e fundar sua Sagrada
Religião; ela dita Maria da Rosa dava muitas graças a N. Senhora por lhe mostrar coisa que tanto
desejava:Pelo que, ela de seu moto próprio e livre vontade, sem constrangimento nem induzimento
de pessoa alguma, dava e doava à dita Ordem de hoje para todo sempre a dita casa assim como
está , Igreja com todos seus ornamentos e com todos os mais, prata, chãos e terras que estão junto
com a dita Igreja, assim cerca, como os que estão fóra dela, em que está a Olaria até o salgado,
para se poderem meter na cerca, assim e da maneira que ela os tem e possue, com suas entrada e
saída:E logo disse que renunciava e traspassava todo o direito, que nos ditos bens tinha, em a dita
Ordem de S. Francisco ou em quem conforme o Direito e as declarações , que os Papas tem feito
sobre a Regra dos Frades Menores, devia, para que a dita Ordem, conforme o Direito e seguras
consciências, ditos Frades possam gozar da dita casa, e ordenar dela, como das mais Casas e
Mosteiros da dita Ordem, e assim e da maneira que dito é , ortogou e mandou ser feito este
público Instrumento de doação e que desta nota lhe sejam dados traslados, que pedidos forem. E
logo Eu Tabelião, com pessoa aceitante e estipulante, aceitei esta escritura, assim e da maneira que
ela contém, em nome dos presentes e ausentes, a quem convem e deve convir : estando presente
Lúcio Martins, Procurador do número desta Vila, que assinou pela Senhora Maria da Rosa, por
não saber assinar, Gaspar Nunes Leitão, sobrinho da dita Senhora, Antônio Nunes, alfaiate e
Antônio de Valadares, todos moradores e estantes nesta Vila. E eu Jorge Gonsalves Tabelião do
Publico judicial, e nota &c. "

7)Dois mapas podem ser relacionados e que contem o convento em escala: a)o de autoria de
Cornelis Sebastiananszoon Golijath, guardado na Biblioteca Nacional de Viena, em quatro folhas
medindo cada uma 39x53 Dois mapas cm. Atlas Stosch nº 298. Do qual há versão impressa por
Claes Jansz Visscher, de 1648, e gravada em cobre por Pieter Hendricksz , medindo 46, 5x56 cm .
b) o de nº 9, titulado CIVITAS OLINDA, gravura em cobre, de autor anônimo, atribuído a G.
Marcgrave, e que ilustra a obra de Gaspar Barlaeus sobre o governo do Conde João Maurício de
Nassau. Outros mapas podem existir, mas os dois são os de melhor interesse.

8) , 9) Jaboatão, Antônio de Santa Maria, O. F. M. Orbe Seráfico op. cit. Volume II, pag 132:" 116.
Corria já com doze dias o mês de Abril, quando tomaram porto em Pernambuco os Padres
Fundadores. Foram buscados ao desembarque e recebidos na Vila de Marim, assim chamada ainda
naquele tempo, com grande alvoroço e alegria de todo o povo e muito em particular dos parentes
de Jorge de Albuquerque, pois sabiam serem pedidos e enviados a diligências suas e a eles
remetidos; e assim foram tratados com muito especial cuidado e carinho de Fillipe Cavalcanti e
sua consorte D. Catharina de Albuquerque, prima que era do famoso Jorge. Em casa destes
Senhores assistiram os primeiros dias enquanto se lhes preparava lugar conveniente para a sua
habitação. Junto às da Santa Misericórdia da Vila, lhes preparavam casas e suposto lhes faltava

151 14
nelas tudo o que era preciso para a vida regular, não deixavam por isso de a observar no que lhe
era possível. Levantaram nelas Oratório, diziam Missa e celebravam os Ofícios Divinos , ainda que
com menos cômodo, com muita perfeição; guardavam a formalidade do Coro, tinham oração,
disciplina e todos os mais atos interiores e públicos de toda a Religião, com tal asseio, modéstia e
devoção e se portavam em todas as suas ações, assim dentro, como fora, que começaram desde
logo a levar as atenções e arrebatar os afetos geralmente de todos, que já eram tratados com
respeito e veneração, buscados como Mestres e admirados, como mensageiros do Céu e uns anjos
mandados à sua terra, para alívio das suas misérias e remédio da suas almas. " ____ Primeira
Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil / Pelo Licenciado Heitor Furtado de
Mendonça/Capelão Fidalgo del Rei Nosso Senhor e Seu Desembargo, Deputado do santo
Ofício/Denunciações de Pernambuco/1593/1595. Série Eduardo Prado- Para Melhor Conhecer o
Brasil , São Paulo, 1929 pags 23, 24, 75, 187, 200, 336 e 338.

10)Escritura, ver nota 5.

11)Escritura, ver nota 5.

12)Jaboatão, op, cit. pag145:"Para este, assim , e na forma em que tinha fabricado a sua
Fundadora, se passaram das casas, em que até então assistiram, junto à Misericórdia, os nossos
Religiosos, no dia quatro de Outubro, Solenidade festiva do Seráfico N. P. S. Francisco, do já
referido ano de 1585. Junto um e outro povo, o Clero com o seu Reverendo Vigário geral, o secular
com o Senado, Câmara e mais Nobreza, em numeroso concurso na Santa casa da Misericórdia, daí
saíram em uma bem composta e ordenada Procissão, a que presidia, com o Governador da terra, o
Vigário Geral e Padre Custódio, entoado o festivo Cântico do Te Deum Laudamus, até o Convento,
pela rua direita, que toda estava ornada de arcos triunfais e verdes palmas, anunciadoras felizes
das muitas vitórias, que estes novos Conquistadores haviam alcançar do comum inimigo.
Recolhidos a Igreja, depois de uma breve e devota Oração e de outras Eclesiásticas cerimônias,
costumadas nestes atos, fez o reverendo Vigário Geral um largo e douto Discurso, em que ponderou
discreto e com elegância o austero, penitente e exemplar da vida Religiosa, dando parabéns a todo
aquele povo de ter chegado o ditoso tempo de lograrem a apetecida companhia de uns tais sugeitos,
que serviriam ao gentilismo e conversão para a Fé , aos católicos de exemplo para o
aproveitamento , e de uma grande glória para Deus; e que nas suas orações achariam todos outros
Moisés e Aarão para aplacar as iras do Senhor contra os homens, reduzindo a estes a seu amor e
serviço: e assim se concluiu, com um universal aplauso do povo, a ação deste dia. "

13)Frei Francisco dos Santos seria o autor do primeiro risco, ou projeto, do convento? Jaboatão, ao
se referir ao convento de Ipojuca, diz o seguinte: "Pela devoção de alguns deles foram pedidos os
Religiosos menores para fundarem ali um Convento. Era Custódio Fr. Antônio da Estrela; e feita a
aceitação da oferta mandou para ela a Fr. Antônio de S. Boaventura, Fr. Simão da Assunção,
confessores, e Fr. Antônio dos Anjos corista. O P. Fr. Manoel de S. Maria no cartório , que fez
para esta Custódia, sendo seu prelado maior pelos anos de 1640, diz , que por prelado destes
Religiosos, e primeiro fundador da casa de Pojuca, fora o Irmão do dito Padre Fr. Francisco dos
Santos, o que certamente não podia ser; e nem assim o assentara neste lugar , se se lembrasse, que
em outro nesta mesma junta do Custódio Fr. Antônio da Estrela o havia posto por Guardião, como
o era atualmente do Convento da Paraiba. E se acaso foi agora a esta empresa de Pojuca, seria
somente para escolher e delinear a planta como já o notamos no mesmo Convento da Paraiba por
outra semelhante equivocação”. Depois, o autor declara sobre o mesmo convento de Ipojuca:"Não
tem diferença na arquitetura, fábrica e corpo da obra, assim nos arcos do frontispício, Igreja,
capela-mor, claustro e corredores do outro do Recife; porque foram traçados, enquanto ao de
pedreiro pelo mestre Manoel Gonsalves Olinda, que assistiu as obras de um e outro, e por isso
conformes em tudo ao material da obra e ajustados tambem nas regularidades da grandesa, ou
máquina, sem demasia, como naqueles princípios se ordenavam as nossas casas pelos seus
primeiros fundadores, e instituto da pobresa". A acentuação "enquanto ao de pedreiro", parece
indicar que Manoel Gonsalves Olinda, apenas foi o responsável pela execução das obras e não o
autor do risco, este sim de responsabilidade do frade Fr. Francisco dos Santos, que delineou,
igualmente, o projeto de Olinda e da Paraíba, o que não seria de estranhar, porquanto, ao fazê -lo,
apenas seguia diretrizes gerais vindas de Portugal e amparado no traçado de outras casas religiosas

152 15
da peninsula ibérica. As linhas gerais de um convento, enquanto distribuição dos seus diversos
cômodos, seguiam princípios cujas origens são bem mais remotas, recuando aos inícios das ordens
religiosas. No caso de novas casas, estes principios eram adaptados para cada lugar , segundo os
meios financeiros disponíveis , aos quais se acrescentavam, entre outros elementos, a topografia do
lugar e os materiais de construcão existentes. A questão ainda não possue uma resposta satisfatória.

14)Jaboatão, op. cit. Volume II, pag. 148.

15)Pereira da Costa, F. A. Anais Pernambucanos, 2ª Edição , Coleção Pernambucana, 2ª Fase,


Fundarpe, 1983, Volume 1º , pag. 545/546, citando Jaboatão.

16)Pereira da Costa, op. cit. Volume 1º pag 546.

17)O convento do Recife, foi iniciado em 1606, e, pelas dimensões deveria ser menor do que o de
Olinda. Deste convento se tem boa representação em pintura , gravura e desenho de Frans Post,
pintor da comitiva do Governador João Maurício de Nassau. Quando da ocupação holandesa foi
envolvido por uma fortificação de terra, chamada de Forte Ernesto, servindo de alojamento de
soldados. Depois de 1654, retomado pelos frades , veiu a ser ampliado . Do convento de 1606,
guarda ainda certos trechos de paredes e a capela-mor, em abóbada hemi-esférica, onde havia um
lanternim, cujos vestígios ainda existem de presente.

18)Os dois conventos, Olinda e Recife, guardam certos aspectos comuns e decorrentes de um
mesmo momento de obras. Ambos têm as Capelas-mores em abóbada, um em berço o outro em meia
esfera; as paredes de ambos são de alvenaria de pedra, calcáreo , sendo neles de época posterior o
uso do arenito. A distribuição interna dos cômodos, nos dois, guarda semelhança, e é , de certo
modo, decorrente da obediência a Regra e mais ainda àquele caracter mendicante da Ordem.
Acreditamos serem os conventos de Olinda, Recife, Ipojuca e João Pessoa, enquanto ordenamento
do risco, isto é concepção do conjunto arquitetônico, da lavra de Frei Francisco dos Santos, que
determinou suas partes e disposição no terreno e de Manoel Gonsalves Olinda a execução em
termos de pedra e cal, dos de Ipojuca e Recife. Não queremos dizer com isso que o pedreiro Manoel
Gonsalves Olinda não tenha interferido nas obras, no que se refere a distribuição das partes, mas,
que o risco dos edifícios deve ter pertencido ao frade , desde que ciente das necessidades da Ordem.

19)Laet, Joannes de, História ou Annais dos Feitos da Companhia Privilegiada das Indias
Ocidentaes, Tradução e notas dos Drs. José Hygino Duarte Pereira e Pedro Souto Maior, Rio de
Janeiro, 1916/1925. A estampa se encontra entre as páginas 232 e 233. O desenho, que serviu ao
gravador, deve ter sido realizado entre os anos de 1630 e 1631, uma vez que apresenta a Vila de
Olinda ainda não incendiada e o povoado do Recife com armazens incendiados pelo Matias de
Albuquerque. Não se sabe a autoria quer do desenho ou da gravura, mas se tem comprovado a
veracidade da representação.

20)"Em memória do que tem e falta e há mister a Igreja Matriz de V. Alteza da Vila de Olinda",
manuscrito do Arquivo Histórico e Ultramarino / Pernambuco, caixa 5: "Para se acabar a Igreja
de todo, é necessário fazer-se a metade dela, e as duas torres que também se derrubaram"( 1669),
de uma carta, do Padre João Gomes de Mello, ao Rei. (Documento publicado pela Universidade
Federal de Pernambuco, Departamento de História).

21)Menezes, José Luiz Mota , Sé de Olinda, Coleção Pernambucana, Volume XXI, Fundarpe,
1985, página 77:"Problema maior residiu na capela-mor. Alteada teve sua abóbada destruída e não
se tinha idéia se originalmente seria de berço ou em cúpula. Baseado em descrições orais, na
gravura Marim d' Olinda e em foto de 1870, aproximadamente, o arquiteto propôs cúpula sobre
pendentes esféricos. Ao se removerem os rebocos foram encontrados os arcos formadores dos
pendentes esféricos, confirmando-se então a cúpula e o traçado, ao quadrado da ousia, em
composição nitidamente do Renascimento”..

22)O óculo, na Igreja de N. Sa. da Graça, embora indicado em planta do 2º pavimento do Colégio
e Igreja, guardada na Biblioteca Nacional de Paris e divulgada pelo Sr. Germain Bazin, não estava

153 16
bem claro. A planta de Paris apenas definia a forma, porquanto apenas se indicava uma abertura
única no centro desse pavimento e na altura do coro. Foram as prospecções, durante as obras, que
localizaram inteiramente tal elemento de arquitetura, confirmando assim a gravura.

23)As janelas foram identificadas durante as obras de restauração, e semelhantes a elas eram aquelas
que abriam para o lado oposto da fachada voltada para a rua. Tais janelas tinham conversadeiras de
pedra , bem típicas daquele momento de construção da Câmara.

24)Gonsalves de Mello, José Antônio, A Cartografia Holandesa do Recife, Estudo dos Principais
Mapas da Cidade do Período 1631- 1648. Publicação PHNG/2 IPHAN/MEC, Recife, 1976. Pag. 28.

25)Gonsalves de Mello, José Antônio, Op. Cit. pag 28:"Este mapa de Golijath é , sem dúvida, o
melhor mapa do Recife sob o domínio holandês. Melhor, tanto pela representação cartográfica,
quanto pela riqueza de informações de interesse para o historiador. "

26)Por ocasião dos trabalhos para a elaboração do Atlas Histórico e Cartográfico do Recife, foram
comprovadas, diante da conversão de escala do mapa, as exatidões das medições realizadas pelo
cartógrafo.

27)Barlaeus, Gaspar, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil,
Tradução de Cláudio Brandão , Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello, Prefeitura da Cidade
do Recife, Secretaria de Educação e Cultura, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Recife , 1980.
O mapa que deve ter dado origem a gravura nº 9, do livro de Barlaeus, é titulado " Civitas
Olinda", e é de autoria de Georg Marggravius, executado entre 1637 e 1644. Existe também uma
planta de Olinda, desenhada por Vingboons, e inserta em um Atlas que pertence ao Instituto
Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. Tal mapa pouco adianta aos escolhidos.

28)Cardim, Fernão, Pe. Tratados da Terra e Gente do Brasil, Brasiliana , Volume 168, Companhia
Editora Nacional, 1978. Páginas 197 a 202.

29)A igreja de Nossa Senhora do Amparo, já existia em 1613. Foi incendiada em 1631, mas deve
ter sido reconstruída a partir de 1644, porquanto existe na porta central esta data inscrita na verga.
Bazin acha pouco provável essa reconstrução quando se estava sob domínio holandês. . Não nos
parece ser posterior a inclusão da data no portal e assim somos levados a acreditar ter sido possível,
enquanto governava Pernambuco e o restante do domínio holandês Nassau, se ter conseguido
permissão para reconstruir a igreja, desde que o culto se fizesse de portas fechadas. Na verdade o
que nos importa é que se pensava, até a data da restauração, ser a igreja de 1613 bem menor e para
surpresa nossa ela era bem maior , conforme comentamos.

30)Durante as obras descritas nenhuma prospecção foi realizada no convento.

31)Frans Post, pintor da comitiva do Conde João Maurício de Nassau, em várias pinturas fixou
aspectos, gerais e parciais de Olinda. Nessas pinturas o Convento de Nossa Senhora das Neves
aparece visto desde a fachada voltada para o mar. O pintor, ao se situar provavelmente em alguma
parte do istmo ou em embarcação no mar, somente teve a oportunidade de ver esta fachada. Por
força do ângulo escolhido parte do convento se sobrepõe às ruínas da matriz. No entanto, mesmo
com tal superposição é possível se visualizar as dimensões do conjunto franciscano, inclusive duas
das alas da quadra conventual, a Leste e a Sul. Na pintura titulada Olinda, de nº 74 do Catálogo de
Joaquim de Sousa Leão, (constante do seu livro sobre Frans Post-1612/1680, publicado pela
Livraria Kosmos Editora, em 1973), assinada F. Post, semelhante a uma outra de nº 42, esta datada
de 1665, ambas de mesma origem enquanto ao desenho do natural, o convento é visto com muita
clareza no que se refere àquelas duas alas da construção Na fachada Leste se pode ver na altura da
sacristia, além do corpo desta, uma série de três arcadas existentes nela ao nível do terreno e , no
trecho da quadra, as janelas, em número de seis, do pavimento das celas; na fachada Sul , ala da
quadra, São oito as janelas das celas. A quadra tem dois pavimentos e se encontra sem os telhados.
O artista representou a mesma vila em gravura que foi utilizada para ilustrar o livro de Gaspar
Barlaeus, já citado, porem foi menos preciso do que nas pinturas. Considerando as representações

154 17
do convento, podemos assegurar, a ser verdade o representado , no que acreditamos, apesar das
liberdades de composição empregadas pelo pintor, nos seus trabalhos executados na Europa, o
convento teria suas dimensões semelhantes ao trecho atual, onde temos a Capela do Capítulo. As
ampliações, no século XVIII, são restritas ao aumento de mais um pavimento nesta quadra, a nova
portaria e o acréscimo de um outro corpo, este colado ao antigo.

32)As pinturas e gravuras onde se fixam aspectos de Olinda, inclusive do Convento de Nossa
Senhora Das Neves, estão relacionadas em : Sousa-Leão, Joaquim de, Frans Post, 1612/1680,
Livraria Kosmos Editora, Rio de Janeiro, 1973. Também em Larsen, Erik, Frans Post, Amsterdam
and Rio de Janeiro, Colibrís, 1962.

33)Bazin, Germain, A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, Ed. Record, s/d Volume II, pag.
128.

34)As arcadas , representadas nas pinturas de F. Post, podem ser as construídas para vencer a
declividade do morro, na parte da sacristia e das quais foram encontradas as pilastras, quando dos
trabalhos de recuperação da sacristia, realizados pela SPHAN-PRÓ - Memória, na década de oitenta.
Tambem podemos pensar serem aquelas, ainda existentes, em galeria que fica por detraz da capela
do capítulo e que o artista dispõe de forma diferente no desenho.

35)Jaboatão, em texto longo, nos fala desse incêndio de Olinda, e por seu interesse o
transcrevemos:"Visto falarmos aqui na destruição destes Conventos, causada pelos holandeses,
como esta lhe sobreveiu juntamente com a da Vila de Olinda, pois por concomitância entraram eles
no seu comum estrago, nos parece determo-nos um pouco em sua narração, explicando algumas
coisas mais notáveis deste destroço e ruina; o que deixamos de fazer em outros lugares, por não
divertirmos o fio da história com estas digressões. Apossados da Vila de Olinda os holandeses no
dia 16 de fevereiro de 1630, nela residiram até o de 23 de novembro de 1631, em que posto fogo a
toda Vila, se passaram a fortificar de todo na povoação do Recife, na qual já residiam desde três
de março do ano passado. Neste incêndio, diz o autor do Castrioto Luzitano:Ardeu em breve espaço
aquela povoação tão celebrada pelo comércio, com enobrecida pelos edifícios, sem que de todo se
isentasse das chamas, mais que uma casa térrea que reservou a sorte para memória da perda, e não
declara se com os edifícios da Vila entraram tambem os Conventos, que pode haver alguma dúvida;
pois todos eles estavam plantados em sítios com os quais se não comunicavam e uniam as ruas e
casarias da Vila; pois esta para se consumir toda, bastava aplicar-lhe o fogo em algumas partes
principais; porque com o ímpeto da sua voragem se iriam comunicando as chamas de umas as
outras; e aos Conventos e Igrejas era necessário pôr-lhes o fogo determinadamente em cada um
deles. Com o que escreve este autor, concorda o que se acha expressamente em o das Memórias
Diárias. Nestas diz o seu Relatório , que é o próprio Donatário, estas palavras:Dexaron puesto
fuego a toda la Villa de Olinda, cabeça de aquella Plaça, que alomenos tenia mas de dos mil e
quinientos vizinos, com quatro Conventos de Religiosos, uno de San benito, otro de Recoletos de
San francisco, del carmen otro, y un Collegio de jesuitas, dos Parochias, la Casa de la
Misericórdia, y la de la Concepcion de mugeres recogidas, sinlas hermitas. Lo que no puede dezirse
sin grande y devido sentimiento, es, que tambien dexaron en las llamas todas Iglesias, Conventos y
las Santas Imagenes deshechas. Com esta memória concorda tambem o que na sua certidão afirma
o General Matias de Albuquerque, quando falando dos estragos e perdas, que aos nossos Religiosos
causaram os inimigos, diz assim:E queimando-lhes a casa principal da Vila. (417). Mas suposto que
esta certidão e memórias, se devem ter pelas mais certas, pois seus autores escrevem de vista,
Matias de Albuquerque, por se achar presente, como General, e Duarte de Albuquerque Coelho,
Donatário, porque ainda que chegou a Pernambuco depois, pode ver com os olhos, o que escreveu,
ainda se lhe podem por algumas contradições. Primeira; porque os Conventos, como dissemos,
ficavam todos sobre sí , em lugares separados da continuação das ruas e edifícios da Vila, dentro
dos seus muros e cercas, cada um, e assim não poderiam chegar a eles a voracidade do incêndio,
por mais ativa e violenta que fosse. Mas a isto responderá , que assim como o inimigo pôs o fogo à
Vila por várias partes, assim poria tambem aos Conventos e Igrejas, e a estas com melhor vontade,
como hereje. Mas isto não consta, e parece ser o mais certo, que as Igrejas e seus Conventos se
não pôs determinadamente o fogo; ou quando assim o fizessem, não causou este nos Conventos
total ruina; nem ainda mui notável e isto pela razão seguinte, que é a segunda que apontamos e

155 18
parece evidente : Porque ficando como relatam as sobreditas memórias, a Casa das Neves
queimada, pelas nossas consta, que depois deste incêndio, ficaram ainda residindo nela por
repetidas vezes alguns Prelados com súditos e não tampoucos, que no ano de 1539 não achassem
nela os inimigos doze Religiosos, que, com outros de fora, mandaram degradados, os quais no
Convento deviam ocupar outras tantas celas, não tendo a Casa naquele tempo ainda muitas mais,
pois era primitivo; nem se pode dizer o havia reformado, pois não tinham com que em uma Vila
deserta de moradores e arrazada de todo. Além de que , nem as memórias do mesmo Convento,
falando repetidas vezes nos acasos destes tempos, tocam ou se lembram deste incêndio. Reforça-se
mais a razão; por que é certo que restaurada a terra e dado princípio à reedificação da Vila de
Olinda, por se achar a Igreja do Salvador, que era a Matriz e Paróquia principal , primeira e mais
antiga, em estado, que se não podiam fazer nela as funções sagradas, se gastaram na sua
reedificação mais de treze mil cruzados, como consta de alguns papéis autênticos da Câmara, e
durou quartoze anos o seu reparo, como se diz em um pedaço de livro antigo, que se acha na
mesma Igreja do Salvador, hoje Sé De Olinda, feita pelo seu Vigário:Em 6 de Outubro de 1669,
com o favor de Deus se disse a primeira Missa na Matriz do Salvador depois de destruída pelo
inimigo. Em todos estes quatorze anos serviu de Matriz e fez as vezes de Paróquia a Igreja de S.
João, administrada pela Irmandade do terço militar da Vila; e esta Igreja não entrou no incêndio
comum, pois ficou capaz de que logo se pudessem servir dela para sua Paróquia os novos
povoadores, estando esta, ainda que no fim da Vila, mais unida e comunicável com as ruas e
edifícios dela, e sem reparos de cercas e muros, como tinham os Conventos, como podia chegar o
incêndio aos Conventos mais desviados das suas chamas, não tendo estas vigor para alcançar a que
lhe ficava mais vizinha ! E se o incêndio das Igrejas e Conventos foi aplicado, como se diz,
determinadamente pelos inimigos, como herejes; porque o não executaram nesta como nas mais?
Tambem se poderá dizer, que como esta era de menos vulto e fábrica, foi mais fácil o seu reparo,
para serventia de Paróquia; o que se não podia executar com a do Salvador, pela sua grande e
notável ruina; pois esta foi uma das que serviu de principal fortaleza dos inimigos, no tempo que
ocuparam a Vila, tambem lhes serviram do mesmo Colégio dos padres jesuítas, a Santa Casa da
Misericórdia, e o Recolhimento da Conceição, que eram as quatro Fortalezas que defendiam o alto
e principal da Vila, e deles o mais corpo da povoação, servindo tambem os outros Conventos como
baluartes, redutos, quarteis de Soldados, Praças de Armas, moradias de Cabos, e estalagens de
hereges e inimigos da honra e culto de Deus, causando neles mais estragos e maiores ruinas estas
indecentes serventias, do que a que lhe sobreveiu pelas chamas do fogo, que julgamos não tocou
nos Conventos, pelas razões que ficam apontadas; e a última, que parece faz de todo evidentes, as
que já referimos, é porque o fogo, o seu principal efeito é queimar e consumir tudo que é obra de
madeira, assim a dos tetos como do interior das casas, seus corredores, soalhados e tudo mais;
estes se mostra não tiveram ruina alguma em o nosso Convento de Olinda; porque , a ser assim,
não se recolheriam a ele logo depois da queima da Vila, e por várias vezes, não só um e dois
Religiosos, mas muitos, como fica dito:logo , parece que não houve nele dano de fogo, ou ao menos
incêndio voraz, que causasse ruina notável, e assim se deve discorrer dos mais, e com maior razão,
em Nossa Senhora do Carmo, que , mais que todos os outros, está situado em lugar distante das
Ruas da Vila, e hoje Cidade, como é notório a quem vê . Mas é sem duvida , que ainda que o fogo
lhes não chegasse, como discorremos, ou lhes não causasse dano e ruina, que escrevem aquelas
memórias e os mais, que disto tratam, talvez para encarecerem assim o geral estrago, que houve em
tudo, sempre ficaram gravemente danificados; e que não custou menos a todos religiosos a
restauração dos seu Conventos e Igrejas, do que ao mais povo o da sua Vila; pois lhes era
necessário em tempo tão calamitosos e empobrecidos, refazer as casas no material dos edifícios e
de paramentos e ornatos para o culto Divino, uso e serviço das Comunidades. "

O frade não deve ter conhecido a pintura de F. Post, onde o convento se encontra sem os
telhados mas de pé , com sua paredes intactas. Na verdade , mais danos causou a remocão de pedras
para as obras de ampliação do Recife , conforme dissemos, do que tal incêndio.

36)Os claustros dos conventos franciscanos de Pernambuco, Olinda, Igaraçú , Ipojuca, Recife e
Serinhaem, são todos de um mesmo período e posteriores a 1654. Bazin, em seu livro, citado, assim
se expressa, após um minucioso estudo sobre este elemento de arquitetura: "Excetuando a igreja, o
único elemento do conjunto considerado digno de um verdadeiro tratamento arquitetônico foi o
claustro. Ele é composto de uma galeria com arcadas, de ordem toscana, encimada por outra

156 19
galeria alta, onde as colunas sustentam diretamente o teto. Até o século XVIII os arquitetos
franciscanos perpetuaram nos claustros o estilo da primeira Renascença, como se havia
manifestado em Portugal do século XVI. O espírito clássico está presente nessas graciosas
sequência de arcadas que se apoiam sobre fustes elegantes. Um claustro do século XVI, como o da
casa dos irmãos terceiros de Arrábidos de Santarem (Portugal) nos mostra onde os franciscanos do
Brasil puderam buscar seus modelos. A disposição das duas galerias, a alta e a baixa, é
absolutamente idêntica. "O próprio Bazin estabelece o mais antigo e o mais recente desses
claustros:"A evolução das formas arquitetônicas desses claustros, todos semelhantes se encaixa
entre o de Ipojuca, cuja simplicidade de perfís nos obriga a considerar o mais antigo, e o de
Penedo, como traz incrita a data de 1783. "O mesmo autor, aos se referir aos elementos de suporte
das arcadas nos informa: "Parece que, no princípio hesitaram um pouco em adotar colunas, pois no
claustro de Cairú , aproximadamente , de 1654, as arcadas, que são em asa de cesto, apoiam-se em
pilastras quadradas, enquanto que a arquitrave de madeira do andar superior é sustentada por
elegantes pilares engrossados no fuste, de ordem toscana.”O autor traça um muito bem elaborado
estudo das perfilaturas e da composição desses claustros do Nordeste. Bazin, op. cit. Volume 1º pags
145/146.

37)As fachadas Leste e Sul são vistas em pinturas e gravura de F. Post. As envazaduras são, nas
pinturas bem definidas.

38)Os azulejos da escada têm padrão , segundo Santos Simões, que podem ser anteriores a 1660.
São semelhantes aos da Sala Capitular.

39)Costa, Lúcio , Arquitetura Jesuítica no Brasil, in Revista do SPHAN, nº 5, Rio de Janeiro, 1941.

40)Jaboatão, op. cit. Volume II, pags 173/174.

41)Santos Simões, J. Miguel dos, Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822), Fundação Calouste
Gulbekian, Lisboa , 1965.

42)"A arcada que se abre para a edícula do lavatório da sacristia reproduz literalmente arcadas da
galilé de Ipojuca, o que indica a mesma oficina e a mesma data, por volta de 1660. "Bazin, op. cit.
p129 .

43)" Em a Estância primeira dos Custódios fica dito, como pelos anos de 1714 se deu princípio à
fabrica e reforma do novo Convento e Casa da Senhora das Neves e agora concluiremos com o que
lá faltou. Acabaram-se de todo as duas quadras ou corredores, que olham para o Nascente e Sul,
ficando o do Poente, que corre sobre a portaria na sua primitiva antiguidade. Assim se conservou
até o ano de 1753, sem haver a última resolução para o efeito pelas dificuldades , que se ofereciam
acerca da sua formatura sobre acomodar-se neste corredor a portaria, enfermaria, cozinha e outra
casa mais necessária, que depois de vários discursos e opiniões, se lhe deu princípio naquele ano,
sendo guardião o Irmão Pregador Fr. João de Jesus Maria. Correram as obras até o de 1755, em
que , passando da Bahia a donde acabava de Definidor, o Padre Pregador Frei Ludovico da
Purificação para morador daquele Convento, no qual sendo guardião antecedente, havia dado
princípio a ajuntar o material de pedra e madeiras para a dita obra, pela agência e zelo, que tem
para estas e outras operações, se lhe encarregou o cuidado de assistir com os trabalhadores de
uma pedreira, de que se tirava material desta espécie para a obra, e no qual exercício lhe
aconteceu o caso seguinte, que repetimos conforme a sua própria Relação, que com outras mais
pertencentes a esta escrita e averiguadas com sua exata diligência , nos remeteu , e assim diz:Em
vinte e dois de fevereiro deste ano de 1757, despachei da pedreira sita na freguesia de Maranguape,
das nove para as dez horas do dia, dois carros para este Convento, carregado cada um com duas
pedras de cantaria. . . . "(segue o milagre). Jaboatão op cit Vol II pags 407 /408.

Pelo que se lê , a nova portaria, ao se construir, demoliu a parte da quadra onde estava a antiga
portaria, que se conservara desde o primitivo convento, logo o anterior a 1630.

157 20
Sobre os paineis de azulejos desta portaria nova assim se expressa Santos Simões:"Sala da
Portaria (antiga capela de Santa Ana) Imponente silhar azulejado desenvolvendo-se em painéis
caprichosamente recortados:a altura atinge 23 azulejos no centro da composição e , nas duas
paredes laterais, o conjunto atinge 81 azulejos de comprimento. Se bem que não esteja íntegro, este
paramento pode considerar-se bastante completo, já que as mutilações não prejudicam o efeito
geral. Os painéis crescem do rodapé de um azulejo (marmoreado manganês com ornatos simples de
mesma cor), sendo de pintura azul, limitados por emolduramentos de transição do barroco para o
concheado e separado entre si por pilastras proporcionadas ao desenvolvimento geral. A figuração
central refere-se à vida de Santa Ana e desenvolve-se em 6 quadros maiores e 4 menores, destes
havendo dois muito desfigurados. Os quadros são , a começar da parede da esquerda:

1)Nascimento de Santa Ana, com cartela superior mostrando o sol e inferior mostrando o poço;

2)Anunciação de Nossa Senhora e sono de S. José, cartela superior com estrela e inferior com
palmeira;

3Casamento da Virgem, cartela superior com lua e inferior com árvore;

4)Nossa Senhora com Menino, só cartela superior com flores de açucena(mutilado);

5)Santa Ana ensinando a Virgem a ler, cartela com livros;

6)Anjo aparecendo a Santa Ana, com Nossa Senhora e Menino, cartela superior com torre e inferior
com cipreste;

7)Nascimento de Nossa Senhora, cartela superior com porta e inferior com jardim;

8)Morte de Santa Ana, cartela superior com flores e inferior com árvore.

Os dois painéis laterais da porta estão mutilados mas têm as cartelas superiores: espelho e palácio.

Na fachada da portaria está gravada a data de 1754 e os azulejos serão coevos ou pouco
posteriores.
Santos Simões, J. M. dos Azulejaria Portuguesa no Brasil, op Cit. pag. 235.

44)"Os painéis têm na altura maior 21, medindo o rodapé , e são interligados por ornamentos de
pilastras, sobre os quais deveria estar o vaso recortado, que aqui falta. Os enquadramentos são
barrocos e apontam elementos concheados, o que permite supor que são produtos de cerca de 1745.
"Santos Simões, J. M. Azulejaria Portuguesa no Brasil, op. cit. pag.235 /236. Os azulejos da nave
têm como tema a vida de Nossa Senhora, distribuida as cenas em 12 painéis.

Santos Simões relaciona os azulejos do convento em diversos momentos:

1º Cerca de 1650/70 , azulejos da casa capitular e da escada;


2º cerca de 1717/20 , painéis da parte superior da sacristia;
3º cerca de 1720/25 , painéis do corredor;
4º cerca de 1735/45 azulejos do claustro, da nave da igreja e parte inferior das paredes da sacristia;
5º cerca de 1754, painéis da portaria.

45)Os atuais altares da igreja não devem ser os mais antigos, destes não se tem notícias, mas
deveriam ser daqueles chamados de 2º tipo, na classificação do arquiteto Lúcio Costa, isto é , na
sua composição tinham colunas torsas e arquivoltas concêntricas, à maneira das portadas românicas;
veja-se o estudo do referido arquiteto titulado" Arquitetura jesuítica no Brasil", na Revista do
SPHAN, nº 5, Rio de Janeiro 1941.

46)"A igreja da Ordem Terceira, quando se construiu uma perto do convento, geralmente era uma
grande capela fora da obra, perpendicular à nave central do lado do Evangelho, e que se abria

158 21
para esta através de uma grande arcada. Essa disposição perpendicular é bem antiga. Era assim
no Rio , na igreja conventual de 1616, a situação da capela dos Terceiros inaugurada em 1622
como mostra a planta holandesa do Rio , no Reys Boeck van Het Riscke Brasilien, publicado em
Amsterdã em 1624. "Bazin, op. cit. pag. 144, 1º Volume.

47)Bazin, op. cit. volume 2º pag. 128/129.

48)"Neste pavimento , e em todo o redor, foram colocados painéis de azulejos recortados, do mesmo
tipo mas anteriores aos que vimos na portaria. (Frei Bonifácio Mueller, em artigo do Diário de
Pernambuco, deduz que os azulejos do claustro foram colocados entre 1734 e 1745). "Santos
Simões, J. M. dos, Azulejaria Portuguesa no Brasil, op. cit. pag 236 . Frei Bonifácio Mueller, O. F.
M. , na Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, volume XLVI,
1961, pags 354 a 360, trata dos azulejos do convento e destaca a origem do tema, em termos das
gravuras fontes. Os azulejos do claustro têm como temática a vida de S. Francisco.

49) Mueller, Frei Bonifácio , O. F. M. Origem e Desenvolvimento da Província de Santo Antônio-


1584-1957, Provincialado Franciscano, Recife, Pernambuco, 1957, pag. 140.

50)Mueller, op cit. pag. 140.

51)Mueller, op cit. pag 141.

* Monumento Nacional, conforme Processo nº 143-T, Inscrição nº 189, Livro de Belas Artes, fl. 33,
datado de 22. 07. 1938.

159 22
Igreja dos Santos Cosme e Damião - Igaraçu

1. Localização do edifício.

D
uarte Coelho Pereira, assim informam os documentos, chega a Pernambuco, com grossa
armada, em 1635, e se dirige, ao entrar pela barra da ilha de Itamaracá e tomar a direção de
um Rio, (depois chamado de Igaraçú ), para uma antiga feitoria, onde desembarca. Ao tomar
posse da Capitania nela se estabelece por algum tempo, no lugar, depois chamado "dos
Marcos", por conta do Padrão demarcador e do limite com a vizinha Capitania de Pero Lopes de Sousa.

O lugar, abrigado dos efeitos das fortes marés, era, no entanto inseguro, vez que podia o
donatário ser aprisionado, se houvesse cerco, apenas, pelo mar, fechando os dois extremos, Norte e Sul da
ilha de Itamaracá.

Do lugar dos Marcos o donatário procurou outro local para estabelecer a vila séde de sua
capitania. Mais ao sul na costa, em uma elevação vem encontrar o lugar desejado, inclusive onde, mais
além , ainda na mesma direção, havia porto abrigado, protegido por arrecifes. Antes de 12 de março de
1537, considerando a data da Carta de doação o chamado Foral de Olinda, deveria já estar instalado nesse
novo lugar. A cavaleiro do mar, com uma bela vista, escolhe o donatário o local , uma colina para a torre
de defesa e a cerca que envolve, protegendo a igreja matriz e o casario.

Mas, é bem provável que o donatário tenha tomado a iniciativa de buscar outro lugar para a sua
vila, depois de verificar a insegurança daquela que pretendia fundar e que chamaria de Santa Cruz, e que
estava próxima ao local dos marcos. Tudo leva a crer que ela não passou de uma pretensão, apenas de se
ter dado termo e nome.

A proteção dos limites, talvez contra os exploradores do Pau Brasil e degredados, levou, no
entanto, Duarte Coelho a seguir o Rio acima e numa elevação mais a Oeste da saída do mesmo rio no
canal que isola a Ilha de Itamaracá do continente, ser criada uma povoação, depois vila, que sería
designada como a dos Cosmos, por conta da vitória sobre os índios, a 27 de setembro , dia dos Santos

160
Cosme e Damião. O lugar acessível por barcos, desde aquele canal, tambem designado, nome que
prevaleceu, de IGARA-AÇÚ, barco grande, por ter porto fluvial onde os índios viam ancorados tais
embarcões. Pereira da Costa, nos Anais Pernambucanos, identifica a vila de Santa Cruz com a de Igaraçú
, o que parece não ser segura identificação. Acreditamos que a vila de Santa Cruz foi projeto não
realizado, por questões naturais de segurança, inclusive ainda visíveis nas narrativas do século XVII,
quando anônimo relata que a escolha de Olinda se deveu ao cuidado de Duarte Coelho em não "quedar
cautivo" no lugar dos Marcos.

O Historiador José Antonio Gonsalves de Mello, em seus comentários as Cartas de Duarte


Coelho, cita uma provisão de 2 de setembro de 1656, onde" Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e
Governador da Capitania de Pernambuco da Nova Luzitânia nas partes do Brasil por El Rei Nosso
Senhor, etc. Faço saber que Duarte Coelho Pereira meu senhor e Pai, que Deus tem, ao tempo que foi
povoar e conquistar a dita Capitania, parecendo-lhe que em Santa Cruz, que é o lugar e sítio que se
chama os Marcos, que dividem a dita minha Capitania da de Itamaracá , se fizesse uma vila, fez mercê à
dita vila de Santa Cruz de todas as terras e marinhas do Rio Doce até Jaguaribe, e porque a dita vila de
Santa Cruz se não fez, nem há lá para moradores dela poderem gozar das ditas terras que lhes estavam
dadas pelo dito Senhor na sobredita maneira "(1)

A vila de Igaraçú , não discutimos aqui a sua antiguidade ou primazia quanto a de Olinda, tem
sua história conhecida e ligada ao vianez Afonso Gonçalves, o qual está vinculado a fundação de uma
igreja dedicada aos Santos médicos, por razões conhecidas de vitórias sôbre os índios, conforme outros
documentos. Afonso Gonçalves, em carta de 1548 ao Rei, transcrita parcialmente pelo historiador, antes
citado , Gonsalves de Mello, refere-se a essa igreja da seguinte forma:"Senhor a igreja desta minha
fazenda que lhe dei conta. . . eu quisera adquirir os dízimos desta igreja para gastar nela e em cousas
necessárias para o culto divino e ornamentos, pois sou o fundador dela e a fiz às minhas custas próprias.
. . e tive nela um padre que é obrigado a dizer missa e confessar gente desta minha povoação tão grande
como estaestar sem igreja e clérigo que os confesse e lhes diga missa". (2)

Assim, a igreja é referida em l548 como fundada pelo vianêz e ela era a principal daquela
povoação que, diferentemente da vila de Santa Cruz, se efetivara graças ao esforço de Afonso Gonçalves
e a situação privilegiada, com acesso desde o mar, pelo rio Igaraçú . A vila de Igaraçú , antes povoação, é
referida no século XVII como "Muito nobre e sempre leal e mais antiga Vila de Santa Cruz e Santos
Cosme e Damião de Igaraçú ", o que lhe dá, enquanto designação, o título de sucessora da então não
criada vila de Santa Cruz, associado ao de sua real denominação de Santos Cosme e Damião, a "dos
COSMOS", com o nome final, aceito definitivamente de Igaraçú .

161
O rio Igaraçú , estreita-se e recebe o afluente Monjope e neste ponto se encontrava,
provavelmente, o trapiche onde ancoravam, no século XVI, os barcos, em lugar próximo ao da atual ponte
de passagem sôbre o mesmo rio junto a cidade. Desse trapiche se tinha acesso ao trecho mais elevado, o
alto da colina onde se construiu aquela igreja referida anteriormente, dos Santos Cosme e Damião. Junto
ao cais de desembarque e embarque deve ter se organizado pequeno casario, mas, é na parte alta onde vai
se localizar o grosso das moradias. O tipo de organização urbana definido não seria novidade e seu
desenho era muito frequente:igreja, largo, casario, onde se encontrava o restante dos edifícios públicos, o
açougue, a ferraria, a câmara, além da casa da governadoria. Em Igaraçú , uma longa rua liga a igreja
matriz, de um lado, à igreja de N. Sa. da Misericórdia , do outro. A parte elevada da colina define a
direção do arruado. Da mesma forma seriam Serinhaem e, muito ao Sul, Alagoas, conforme se pode ver
em mapas, das duas aglomerações urbanas que ilustram o livro de Gaspar Barleus, em gravuras do século
XVII. (3)

Do largo da Igreja dos Santos Médicos se seguia para o prédio da Câmara e Cadeia, em rua
secundária .

A Igreja, fundada pelo vianêz Afonso Gonçalves, situava-se voltada para essa rua e assim a
vemos em desenhos, gravuras e pinturas de Frans Post, pintor da comitiva do Conde João Maurício de
Nassau, que nos dão aspectos da cidade entre 1637 e 1643. (4)

Nas partes baixas da vila, junto ao ancoradouro, se localizará depois o convento dos frades de
São Francisco, este tambem representado por aquele artista.

2. História e Arte.

A referência, em carta, do vianês Afonso Gonçalves, a existência de uma igreja"desta minha


fazenda", para a qual desejava adquirir os dízimos, com o objetivo de ornamenta-la nos leva a considerar
a fundação da Igreja dos santos médicos anterior a 1548. Assim acreditamos que ela foi fruto dos
primeiros momentos da ocupação daquelas terras à margem de um rio, depois chamado de Igaraçú , e
consequência natural da vitória contra índios, naquele lugar instalados, alcançada no dia 27 de setembro.
Tal procedimento lusitano, o de nomear com um dos santos do dia os acontecimentos, quer a descoberta
de acidentes geográficos ou a fundação de vilas, igrejas ou outro qualquer fato, era usual e disto se tem
inúmeros exemplos no Brasil e no resto do mundo conquistado pelos portugueses.

162
Da sua antiguidade a igreja dá um forte testemunho material, porquanto ainda resta de um seu
antigo retábulo de altar, provavelmente o principal, o mor, em pedra, um pedaço do entablamento,
guardado em um cômodo colado ao fundo da capela-mor.

Trata-se de um trabalho primoroso, executado em calcário, e com detalhes que o filia a outros
notáveis retábulos , tambem em pedra lavrada, todos pertencentes ao período que compreende desde a
segunda metade do século XVI até o primeiro quartel do seguinte. O pequeno trecho encontrado , quando
das obras de restauração da igreja, procedidas pelo Serviço do Patrimnio Histórico e Artístico Nacional,
em 1954, foi resgatado, com outros pedaços de pedra, no interior de uma das paredes laterais da mesma
igreja, no corpo da nave, lado da antiga Epístola, e guardado no próprio templo(5) . Não restam dúvidas,
diante da análise do fragmento, que ele se inclue entre aqueles trabalhos de cantaria que enriqueceram os
interiores de igrejas e capelas construídas no primeiro século da colonização, entre os quais citaríamos os
retábulos da igreja de N. Sa. da Graça, do extinto Colégio dos Jesuitas de Olinda;o retábulo da primeira
capela lateral da igreja de N. Sa. do Carmo, remanescente do Convento dos carmelitas de Olinda;o
retábulo da igreja do Convento dos carmelitas da vila de N. Sa. de Nazaré, no Cabo de santo Agostinho e
os restos, tambem fragmentos, de peças trabalhadas, encontrados no Mosteiro de São Bento, em Olinda.
Tambem se incluem entre as peças de pedra todo o conjunto de partes de altares, recentemente achado nos
interiores de paredes reconstruídas, da antiga capela-mor do Convento dos franciscanos, dedicado a Santo
António, da própria cidade de Igaraçú . Tais peças, valiosíssimas, se incluem em um notável "corpus" de
obras de cantaria trabalhadas nos dois primeiros séculos da colonização no Nordeste. Essa pequena parte,
de um retábulo, encontrada em Igaraçú , é o melhor documento da antiguidade da igreja, em termos
artísticos.

O fragmento de altar referido foi encontrado quando se removiam ossuários das paredes da nave,
naquelas obras de restauração citadas, realizadas em 1954. Ao se remover o reboco da parede lateral,
encontrou-se o fragmento, reaproveitado como pedra necessária para a construção da mesma. Este
procedimento, o de reaproveitar peças em desuso para novas edificações, foi usual naquela fase de
reconstruções decorrentes de reformas e ampliações em antigos edifícios. Ao se reformular as dimensões
de uma capela, a transformando em igreja maior, por exemplo, quando se demolia a existente, total ou
parcialmente, a necessidade de material de construção, levava os construtores a reutilizar os materiais
antigos, quer as pedras sem nenhum trabalho, que não serviam mais, ou aquelas elaboradas, já fora de
moda. Em alguns casos, fazia-se o reaproveitamento , mas, em se tratando de retábulos, o preferível,
quando de cantaria, era quebrar e usar os restos em novas obras. Não havia sentido de preservar o antigo,
inclusive se este não respondia ao gosto da época, salvo por medidas de economia, isto é, sendo útil para a

163
nova obra. Dessa forma foi o procedimento nas obras de ampliação da igreja de N. Sa. dos Prazeres, em
Guararapes, Jaboatão, e na própria cidade de Igaraçú , no Convento de Santo António, onde , como
dissemos, foram encontrados inúmeros fragmentos de altares, quebrados quando da ampliação do cenóbio
antigo, e reaproveitados como pedras comuns de execução das novas paredes. Dessa mesma maneira se
fez em João pessoa, Paraíba, nas obras de ampliação do Convento dos franciscanos.

Outro testemunho de tal antiguidade o temos nas representações, em pinturas, gravuras e


desenhos, do pintor Frans Post(1612-1680), participante do governo do Conde João Maurício de Nassau,
na qualidade de artista. (6)

Em tais produções artísticas, o pintor nos mostra a igreja tendo, geralmente, ao fundo o Convento
de Santo António, dos frades franciscanos. A posição do artista, quando fixou a cena, é ligeiramente
inclinada em relação à frente da igreja. Nessa posição pode-se ver, além dessa contrafacção, a parte
lateral da igreja.

Ao se analisar a frontaria da igreja, considerando as suas proporções e a relação entre as


dimensões do pórtico principal, de entrada no templo, e a igreja atual, somos levados a crer que as
medidas, antigas, isto é, as da igreja constantes nos desenhos e pinturas de Frans Post, da nave e capela-
mor, foram mantidas nas reformas posteriores.

Germain Bazin, ao escrever sobre a igreja assinala, com razão, ser o atual pórtico, em calcário,
aquele que se vê representado, nos trabalhos de Frans Post, significativamente, por três vezes, sem
variações, comuns nesse pintor. Respeitou o artista as dimensões e formas da igreja em tais
representações, as quais deve ter tido por matriz aquele desenho feito do natural, quando esteve em
Igaraçú . No Museu Britânico guardam-se 32 desenhos, um dos quais titulado "GARASU", que deve ter
servido para as gravuras ilustradoras do livro, conhecido, de Gaspar Barlaeus, sobre a estada, no Brasil
do Conde João Maurício de Nassau. A composição artística desse desenho é absolutamente idêntica
àquela das quatro pinturas conhecidas da cidade. Estas quatro pinturas devem ter sido realizadas a partir
de desenho, em cadernos de modelos, levados do Brasil pelo artista. Das pinturas consideradas uma delas
traz a data de 1659, sendo todas assinadas.

Nos atendo a tais elementos referidos podemos dizer que aquela igreja fixada artisticamente pelo
pintor Post, se inclue no clássico modelo lusitano para construções religiosas, desde a segunda metade do
século XVI até a primeira metade do XVII, onde a arquitetura ainda não tinha sido marcada, no exterior,
pelo decorativo do Barroco.

164
A igreja dos Santos médicos, em Igaraçú , nessa primeira metade do século XVII, apresentava
um corpo constituido de nave e capela-mor, devendo ter sacristia, provavelmente colada ao lado da
mesma capela-mor. Nos trabalhos de Post é-nos difícil assegurar de qual dos lados, no entretanto,
acreditamos ter sido do lado da antiga Epístola, diante de ainda se manter fácil circulação entre os dois
cômodos considerados.

Considerando a igreja e o sistema construtivo existente, a capela-mor sempre teve abóbada de


berço, em alvenaria de tijolos, e nave coberta com telhas, com estrutura de suporte de madeira.

A igreja vista nas pinturas , gravuras e desenhos de F. Post, tem fachada principal muito simples
sendo delimitada, lateralmente, por pilastras, os cunhais, de ordem toscana, que sustentam o arremate que
, por sua vez, define, trabalhado, a inclinação do telhado. Não há frontão triangular, clássico, inclusive
com tímpano, e sim apenas um óculo, à maneira de igrejas românicas portuguesas, na parte da empena.
Em uma das quatro pinturas se vê a igreja com frontão triangular e tímpano, mas acreditamos não ser uma
representação fiel àquele modelo levado para a Europa pelo pintor e sim uma de suas fantasias. Nesta
pintura a igreja aparece sem o pórtico, o que contradiz as demais representações. . Por outro lado as
proporções foram alteradas em relação àquele desenho do Museu Britânico. (7)

A lateral da igreja, parte do antigo Evangelho, no representado por Frans Post, possue janelas
altas e estreitas, provavelmente seteiras , frestas, comuns no período.

No centro da fachada principal o pórtico, idêntico, em todas as representações, marca o eixo de


simetria. Não há janelas na altura do coro, o qual deveria ser iluminado através daquele óculo antes
referido. Tal forma era comum em edifícios semelhantes na península ibérica.

É bem provável que a igreja vista na documentação de Post. não seja aquela construída pelo
vianês Afonso Gonçalves. As condições da Capitania naquela 1ª metade do século XVI não permitiam
construção de tal porte. No entanto podemos assegurar que o local da construção é o mesmo.

É de presumir ter sido o primeiro edifício pequeno, simples capela, de logo ampliada, quando
melhores condições permitiram aos moradores e aos mais favorecidos , beneficiar a igreja. A capela-mor
atual, em abóbada de berço de alvenaria de tijolos, é bem ao gosto, inclusive na sua decoração pintada no
intradorso, da segunda metade do século XVI, e tudo nos leva a crer ser anterior àquela nave fixada em
pinturas pelo citado artista da comitiva de Nassau. A razão é bem simples:na parede mista, de alvenaria de

165
pedras e tijolos da nave, parte lateral, se encontrou o resto de um antigo altar, possivelmente maneirista, já
comentado, o qual somente aí teria sido colocado, em reaproveitamento, vindo de outra parte da
construção, mais antiga. Deste modo , assim considerando, é de se crer que antes da igreja vista por F.
Post, outro edifício teria existido. Numa tentativa, que somente uma maior prospecção confirmaria,
podemos dizer de três momentos do edifício: um primeiro, pertencendo àquela capela de Afonso
Gonçalves, construção provisória, sôbre a qual reclamava ele os dízimos para melhor a ornamentar;um
segundo, onde a capela se constrói em alvenaria de pedra, recebendo abóbada de alvenaria, esta de
tijolos, correspondendo a atual capela-mor e finalmente o terceiro momento, aquele fixado pelo artista do
período de Nassau, onde a capela se tranforma em suas dimensões, construindo-se uma nave, com
aproveitamento da capela antiga. Acreditamos ter sido essa ampliação provavelmente realizada nos
últimos anos do século XVI, face a peça de pedra, do retábulo, encontrada no interior da parede. Não é de
estranhar tal fato pelas razões que antes expusemos.

Pertencentes a igreja dos santos Cosmo e Damião são quatro painéis pintados sobre madeira,
datados de 1729, dados por esmola, e hoje expostos em um salão do Convento de Santo António, de
Igaraçú .

Em um dos quadros, o oferecido em esmola pelo Reverendo Padre Felis Machado, a igreja dos
Santos médicos, é apresentada em construção. Veem-se operários executando os mais diversos ofícios e a
idéia básica da pintura é dizer da memória daquela vitória por sobre os índios, ocorrida no dia 27 de
setembro, dia dos Santos, a quem a igreja foi dedicada. A igreja apresentada, ainda em construção, é vista
de frente e nela estão visíveis certas diferenças na arquitetura representada fundamentais para a história do
edifício. Em primeiro lugar, comparando com as pinturas de F. Post, elementos construtivos novos se
destacam no frontispício da igreja. O pórtico é o mesmo apresentado pelo pintor holandês, mas, na altura
do coro, podemos ver a existência de duas janelas e dois pequenos nichos. Com respeito ao telhado nada
podemos adiantar, vez que a representação não vai além da cornija do início do frontão. (8)

A memória da reforma que o templo sofreu, após 1654, não estava presente para o pintor ou
quem encomendou o trabalho. A igreja se encontra representada como se fosse a construída pelos
primeiros habitantes lusitanos do lugar, ignorando-se sua forma anterior. A inclusão das janelas e dos
nichos em tempo próximo ao da pintura já tinha caída no esquecimento e se incorporam tais elementos
àquela igreja mais antiga. Assim acreditamos ter sido em um tempo muito próximo ao da saída dos
holandeses da capitania a reforma, com inclusão dos referidos elementos.
A fisionomia da igreja, com frontão triangular, sem óculo, duas janelas na altura do coro e
pórtico, situado no eixo do frontispício, não se constitue uma novidade , em termos de composição de

166
arquitetura, naquela segunda metade do século XVII, quando acreditamos ter se modificado a igreja vista
nos citados trabalhos artísticos de F. Post. Inúmeras são as capelas e igrejas de tal tipo no Brasil, vez que
esse modelo se consagrou na Europa e em muitas partes do mundo. O elemento de novidade na
contrafacção se constitue na presença de dois nichos situados entre aquelas janelas do coro e destinados as
imagens dos santos médicos, Cosme e Damião. De excelente desenho e feitura, eles dão ao todo da
composição uma característica bem interessante e harmoniosa. . A qualidade do trabalho, em pedra, nos
diz que ainda nessa segunda metade do século dezessete haviam bons canteis. O pórtico da ordem toscana
é bem delineado e baseado em tratados de arquitetura, sendo os perfis de muito boa lavra e desenho.

No livro, de autoria de G. Oscar Oswaldo Campiglia, titulado "Igreja do Brasil", a estampa de


número 214, reproduz uma fotografia da igreja dos Santos Cosme e Damião, da forma como ela estava
antes das obras de restauração, procedidas em 1954 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 1ºDistrito. Tal fisionomia deve ter sido resultado de reformas posteriores a 1729, considerando
a data dos painéis antes referidos. Em uma análise do aspecto da igreja podemos, em uma tentativa,
baseada nos elementos de arquitetura presentes no edifício, definir tempos dessas reformas:a torre seria do
século XIX, primeira metade, ou, no mais recuado, finais do século XVIII, vez que o seu coroamento é
bem do tipo que se vê nas igrejas de N. Sª da Conceição da Praia, em Salvador, ou N Sª do Rosário da
mesma cidade, ambas as torres da segunda metade do século dezoito;Em Pernambuco tal coroamento
ainda se utilizava no século dezenove;Os arremates da parte superior da fachada são de gosto bem daquela
primeira metade do dezenove ou talvez de meados, porquanto a permanência de certos arcaísmos do
Rococó era frequente em boa parte dessa centúria; as modificações introduzidas nas duas janelas do coro,
que as transformaram em janelas com varandas, então de ferro, modificando inclusive as vergas retas em
encurvadas, nos define bem o período das reformas como o século dezenove - o tipo de acabamento
dessas vergas as situam na primeira metade dessa centúria e o fato de terem varandas de ferro pode ser
fruto de uma modernidade desejada, aí na segunda metade do mesmo século;a introdução de um nicho,
na parte superior do frontispício, levou ao fechamento dos dois nichos anteriores de pedra, por razões que
fogem à própria lógica mas, infelizmente, aceitáveis para a época da reforma, onde várias igrejas
ostentavam esse tipo de solução no Recife;a galeria, do lado contrário a torre pode ter sido construída
nessa fase das obras, que levou a tão profundas mudanças no todo da fachada. Com tais reformas a igreja
não se identificava com aquela do quadro citado e que na altura da foto deveria ainda se encontrar apenas
com o cômodo, situado ao lado da capela- mor e para o qual se tinha acesso desde a capela do cruzeiro.

O interior da igreja não era dos mais ricos em matéria de decoração típica do barroco. Germain
Bazin , em sua obra monumental sôbre o Barroco no Brasil (9) ao tratar da igreja dos santos médicos e se
referir ao seu interior, assim se expressa:"Na nave, lado da Epístola, abre-se uma grande capela cujo

167
arco de entrada é revestido de talha de estilo D. João V com medalhões. Este trabalho se origina na
escola dos entalhadores franciscanos do nordeste. Talvez seja até mesmo um fragmento da capela dos
Terceiros do convento vizinho de S. António, que para lá teria sido transferido por ocasião da demolição
desta capela. "(10). Este revestimento , infelizmente foi removido, quando das obras de restauração, em
1954, e transferido para o depósito do SPHAN, 1ºDistrito, no Recife. O interior da igreja é bem sóbrio e
nele predomina a linguagem do proto-barroco, talvez decorrente do próprio exterior. Os altares não são
talvez os mais antigos, se os houve. Na sacristia um lavabo de calcário, de feitura brasileira, tem dois
delfins e é bem de acordo com modelos comuns desse gênero de equipamento de sacristia. A igreja
possuia boas peças de prata, lanternas e cruzes processionais, tambem desaparecidas.

A igreja dos santos médicos de presente não mais se encontra com aquela fisionomia que
comentamos e vista na estampa do livro do Sr. Campiglia. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 1º Distrito, hoje Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, depois de passar por várias
transformações, em 1954, realizou inúmeras obras na igreja, restaurando-lhe certas características,
resultado de muitas decisões envolvendo alguns especialistas. O resultado de tais obras, pode-se ver, foi
importante para o monumento e lhe deu maior valor, segundo a sua antiguidade.

3. A Restauração.

Criado em 1937, o SPHAN, não dispôs de muitos recursos financeiros para empreender obras de
conservação e restauro em todos os monumentos que estavam sob sua guarda. Em Pernambuco, que
sediava uma das representações da repartição federal, os trabalhos começaram pela conservação dos
edifícios, naquela rubrica que compreendia obras de "Reparos em monumentos. "Assim os primeiros
trabalhos tiveram por objetivo cuidar de que o acervo não viesse a sucumbir, vítima da ação do tempo e
de outros agentes, qual o mais temido, as termites que destruíam, desde a madeira até os papéis preciosos
dos arquivos das igrejas, por exemplo. Em Igaraçú , cidade de muita importância para o 1º Distrito, lugar
onde se situava um dos melhores conventos dos frades de São Francisco, embora não mais habitado por
eles, se encontrava também a igreja , considerada pela tradição a mais antiga do Brasil, esta com um
aspecto que não condizia com a fama. Este aspecto foi comentado no presente texto. Além desse dois
monumentos, a cidade ainda podia assinalar as igrejas do Mártir S. Sebastião, e de N. Sªdo Livramento e
um notável casario de grande beleza. Poderíamos juntar aos edifícios importantes ainda a cadeia, hoje
restaurada devidamente, as ruínas da Igreja de N. Sª da Misericórdia entre outros.

168
Diante de tal quadro o 1º Distrito iniciou obras no convento de Santo António e na igreja dos
Santos Cosme e Damião. Não podemos definir uma data precisa para cada uma das ações do SPHAN, no
entanto , seguramente elas foram mais intensas entre 1950 e 1960, com momentos de melhoras recurso e
outros de cortes bem acentuados na minguada verba destinada a tais serviços. O Governo Federal nunca
foi pródigo com a cultura, tanto mais quando o Ministério envolvia Educação e Saúde. Deste modo,
somente com a iniciativa do ex-ministro João Paulo dos Reis Velozo, é que a cultura veio a ser
beneficiada nos devidos termos pelo governo central. Mas mesmo com tais considerandos o 1º Distrito,
graças a atuação do Engenheiro Ayrton de Almeida Carvalho , tendo por Mestre das obras o Sr. José
Ferrão Castelo Branco e seus auxiliares, muito se beneficiou Igaraçú .

A igreja dos santos médicos, além das obras de reparos e conservação, foi alvo de intervenções
de certo modo bem profundas. Restaurou-se todo o telhado, renovando-se as telhas e o madeirame, refez-
se o forro de madeira da nave e consertaram-se as esquadrias. O reboco foi todo renovado interno e
externamente e do corpo da nave foram retirados inúmeros ossuários. Mas, a obra sem dúvidas de maior
interesse foi a da fachada principal.

Ao se remover o reboco dessa fachada, descobriram-se, sob o mesmo, dois nichos de cantaria,
aqueles representados na pintura que se guardava na igreja e já comentada. Por outro lado, as janelas de
varandas, não eram desta forma e sim menores, mais uma vez idênticas as representadas na mesma
pintura. Quanto a parte superior da fachada, o frontão Barroco, este cobria uma empena, o que restava de
um outro triangular e clássico. Diante de tais evidências, o Distrito remete para o setor técnico , no Rio de
Janeiro, a proposta de restaurar aquele aspecto visto no quadro de 1729. Não foi uma decisão rápida, vez
que intervenções desse tipo não se podia decidir de pronto. A restauração daquela contrafacção primitiva
se fez, no que resultou a fachada que hoje se vê . Foi um passo muito importante no que se refere a teoria
do restauro e definia a posição do SPHAN em relação ao problema das reconstituições de partes de
edifícios mutiladas por intervenções posteriores e de, certo modo, de mau gosto. As obras de restauração
realizadas pelo 1º Distrito foram consolidando certas atitudes em relação a tais intervenções e, como era
natural, poderia levar a exageros não fosse a prudência da chefia da Regional. Na igreja dos santos
médicos o interesse em garantir a unidade interior, talvez fruto daquela unidade obtida na fachada
principal, levou à remoção de um notável arco, de madeira entalhada, que revestia uma capela do
cruzeiro, citada pelo Historiador Germain Bazin. Na capela-mor, a remoção do reboco do intradorso da
abóbada de berço revelou uma pintura mural, realizada sobre a massa, em técnica que não era o afresco,
de excelente feitura e com características ainda presa dos inícios do Barroco. Tal pintura se assemelha
àquelas que se encontram nas capelas intercomunicantes da igreja de Santa Tereza, parte do Museu de
Arte Sacra de Salvador. É forma decorativa de enriquecer as abóbadas , não apenas no Brasil , mas

10

169
tambem em Portugal. Os procedimentos de restauração tiveram muita importância no conjunto de ações
que o próprio Distrito realizou em Igaraçú no Convento de Santo António, permitindo consolidar, em
Pernambuco, teorias então em prática na Europa.

A igreja tambem veio a ser modificada na parte lateral , no corredor do lado da antiga Epístola,
sendo substituído no beiral, a cornija por uma solução em tríplice telha.

A restauração, realizada naquela década, deixou o edifício em muito bom estado e com a
fisionomia de acordo com aquela vista no painel pintado em 1729, mas é necessário que se diga, a partir
de evidências encontradas nas prospecções procedidas durante as obras. Não houve documentação
maior, exceto aquela necessária para o envio do problema para o setor técnico no Rio de Janeiro e os
relatórios normais do Distrito. Dos trabalhos realizados devem existir fotografias guardadas no Arquivo
da repartição. Alguns desenhos se encontram no mesmo arquivo.

Notas

1)MELLO, José Antonio Gonsalves de, ALBUQUERQUE, Cleonir Xavier de , Cartas de Duarte
Coelho a El Rei, Documentos para a História do Nordeste II, Imprensa Universitária, Recife, 1967, pags
22 e 23.

2)Op. Cit, pag 22.

3)As gravuras são as de seguinte títulos:


13. Civitas Formosa Serinhaemensis.
14. Pagus alagoae Australis.

In, BARLAEUS, Gaspar, História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil e
Noutras Partes, sob o Governo do Ilustríssimo João Maurício de Nassau Etc. , Ora Governador de Wesel,
Tenente General das províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange, ( com título, em edição em português,
apenas de História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil), Tradução de Cláudio
Brandão, Prefácio de José António Gonsalves de Mello, Prefeitura da Cidade do Recife, Secretaria de
Educação e Cultura, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Recife, 1980.

11

170
4)São as seguintes as pinturas de Frans Post que fixam Igaraçú e onde se vê a Igreja( outras são referentes
ao Convento de Santo António):
31. Church of Sts. Cosmus & Damian(Igaraçú )
Panel 40 x 61cms.
Signed and dated F. Post 1659
(lower center)
Coll F. Kayser, Amsterdam(1888)
Rijksmuseum, Amsterdam, n. 1905.
............................

82. Saints Cosmus and Damian (Igaraçú )


Panel 33 x 45 cms.
Signed F. Post (lower middle)
Coll Viscount Porto Seguro
Museu de Belas Artes
(Rio de Janeiro)
..............................

83. Saints Cosmus and Damian ( Igaraçú ).


Panel 35 x 40 cms.
Signed F. Post. (lower rigth)
Coll. J. Widener, Philadelphia
Art market, Buenos Aires(1955)
Octales Marcondes Ferreira, São Paulo.
................................

85. Igaraçú -Church and Coister Panel 43 x 58. 5 cms.


Signed F. Post (lower left)
Coll. A Stein, Crans-sur Sierre
..............................

Os desenhos que correspondem as pranchas gravadas para o livro, citado, de Barlaeus, são os seguintes:

D. 23-54.

12

171
Archetipae Delineationes Brasiliae regionum
33 x 51 cms.
The majority signed and dated:F. Post, 1645.
Pen and bistre or pensil.
Titles and étoffage in black ink.
Coll Hans Sloane, London 1753
British Museum, Print Departament, London.
In, SOUSA-LEÃO, Joaquim de , Frans Post 1612-1680, Livraria Kosmos Editora, Rio de Janeiro, 1973.

5)Segundo José Ferrão Castelo Branco, Mestre das Obras do SPHAN, foram encontradas mais de uma
pedra, cerca de cinco, somente conhecemos uma, guardada no cômodo referido.

6)As pinturas e gravuras citadas na nota nº 4

7)A pintura de nº 85 da nota nº 4

8)Painel da memória votiva da Igreja dos santos médicos. Pintura a óleo sôbre tábuas, medindo 148cm de
altura por 242 cm de largura. Descreve a fundação da Igreja com a seguinte legenda:" Vencidos os Indios
pelos Portugueses em dia de SS. Cosme e Damião, em reconhecimento de tão grande benefício, no
mesmo lugar da vitória, que foi este de Igarassu, fundaram logo este templo, o primeiro que houve em
Pernambuco, e o consagraram aos gloriosos santos, donde foram sempre contínuas suas maravilhas, e
debaixo da proteção dos mesmos Santos, fundaram esta vila, que tambem foi a primeira Ita. P. Raf. de J.
F. B in Cast. Lus. l. I n. 15 e para maior memória se mandou por este quadro no anno de 1729, e o deu
de esmola o R. Ldo. Felis Machado Fr. Coadjutor do Recife. "

A Igreja é tambem apresentada , então de lado, em outro painel, titulado " Depois dos
holandeses terem saqueado esta vila de Igarassu no anno de 1632 tornando a ela no tempo em que
estavam povoando Itamaracá a buscar a telha de algumas casas e igrejas para as fábricas, que faziam,
indo a destelhar tambem esta igreja Matriz de SS. Cosme e Damião, o não puderam conseguir porque
dos que subiram uns ficaram cegos, outros mortos. Ita Com. Frad. E para memória se pôs este quadro
no ano de 1729, que deu de esmola o R. Padre Manuel Barros Valle.

9)BAZIN, Germain, A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, Editora Record, Rio de Janeiro, 1983.

10)op. cit. Vol. II pag. 123.

13

172
Igreja do Convento de Santo Antônio do Carmo. Olinda *

1. Localização do Edifício

A
Igreja de N. Sa. do Carmo, único remanescente do Convento de Santo Antônio do
Carmo, hoje demolido, situa-se na parte mais elevada de uma das colinas de Olinda, em
Pernambuco.

2. História e Arte.

Os frades Carmelitas chegam a Pernambuco no ano de 1580. Eram quatro frades e foram bem
recebidos e ao ser autorizada a fundação do Convento pelo Capítulo provincial da Cidade de Beja é em
Olinda onde, após receberem em doação uma ermida cujos oragos eram Santo Antonio e São Gonçalo,
iniciam a construção de um Convento.

A área doada tem uma pequena elevação e é na parte mais alta, local talvez da ermida, que tem
assento a construção (1).

Não se conhece ou pelo menos não se localizou o plano inicial do conjunto Carmelitano. No
entanto era grandioso, considerando as dimensões percebidas na vista de Olinda tirada do natural, do
pintor Frans Post, quando associada a já citada gravura "Marim de Olinda". Descrição da época da
invasão holandesa, dá -nos o Convento como belo templo embora inacabado (2).

Alguma sepultura no interior da Igreja nos fornece argumentos quanto à construção, já existente
antes do domínio holandês.

173
A primeira, de pessoa falecida em setembro de 1612, Antonio Frz - Pessoa, na Capela do
Senhor Bom Jesus, indica que esta parte da construção se encontrava concluída.

A segunda, de Diogo Verçoza e sua mulher, é datada de 1624, se encontrando no cruzeiro (3).

Na Capela da Boa Morte, foi sepultada Ignez de Gois, falecida no dia 6 de julho de 1623.

Essas sepulturas, no entanto, apenas confirmam aquilo que a própria obra da igreja define com
muita clareza. é o estilo do templo que melhor identifica o período de sua construção.

A igreja e o convento anexo, embora inacabados, em 1630, foi obra construída, a exemplo da
realizada pelos Jesuítas na mesma vila de Olinda, de uma só vez.

Em partido de planta onde uma nave única é ladeada por capelas intercomunicantes que se
localizam do cruzeiro para a fachada, guarda estreita semelhança com aquele modelo difundido na
segunda metade do século XVI em Portugal. Há entretanto a assinalar no plano de Olinda, o que o
singulariza, a ausência de cúpula no cruzeiro (4). Os dois grandes arcos do cruzeiro tem mesma altura,
que o da capela mor, possuindo também mesma modernatura. Há um pequeno intervalo entre os arcos
do cruzeiro e o início das capelas intercomunicantes, espaço destinado ao púlpito. Na altura do
capitel da capela do transepto, que marca o cruzeiro, e não encostando nele temos a cornija, do
entalbamento das quatro capelas intercomunicantes. Estas, em número de quatro, de cada lado da nave,
são abertas para a nave através de arcadas em que se utiliza, para a ritmação, a ordem jônica dentro de
uma modenatura fiel aos tratados de arquitetura da época da construção (5). As perfiladuras são de uma
notável erudição e destacam pelo uso um oficial que conhecia as obras publicadas de Vignola, Palladio e
Serlio. A organização espacial do interior é marcadamente do Renascimento, quer pela utilização fiel
dos tratadistas ou pelo cuidado no uso das relações entre as partes do edifício. Embora não se tenha
concluído, com a utilização de capitéis e bases, as pilastras que marcam o local das tribunas, elas são
definidas no plano original, porquanto arrematadas pela cimalha real que contorna toda a nave. Bazin
chama-nos a atenção para o uso da ordem jônica, de preferência no Alentejo antes da austeridade
arquitetônica introduzida pelos jesuítas.

É interessante assinalar que foi também a ordem jônica a utilizada na composição do pórtico da
Igreja Matriz de São Salvador na mesma Vila de Olinda.

174
A Capela-Mor da igreja é definida pelo seu arco de entrada, o qual marca a abóbada de berço.
Bazin acha que primitivamente ela seria mais curta, isto é , menos profunda, tendo sido ampliada depois
da partida dos holandeses. Não estamos tão inclinados a aceitar tal hipótese. Somente um trabalho de
pesquisa, no local, com a remoção de rebocos e do piso atual poderia confirmar ou negar a informação
do historiador francês. A abóbada é de alvenaria e assenta em grossas paredes, onde não se percebe
emendas.

A fachada da igreja é distinta quanto aos períodos de sua construção, sendo a parte inferior bem
aquela da fase do interior correspondente às capelas intercomunicantes, e a superior a acabada já no
século XVIII.

A parte inferior da fachada do templo se inclui entre aquelas, que aparecem em Portugal e na
Espanha e que lembram o tratamento dos retábulos, onde colunas demarcam a composição, conforme se
vê na Igreja de N. Sa. da Misericórdia de Guimarães, na Igreja da Misericórdia de Aveiro, Ambas em
Portugal e em tantas outras do Norte do mesmo país.

O capitel utilizado nestas colunas é entretanto diferente daquele que preconizam os tratadistas
mas, frequentes em Portugal, em fase de transição de gosto (6). A fachada é bem em desacordo com
tudo quanto se executava na vila de Olinda no período, basta comparar com a igreja dos Jesuítas e com a
Matriz de São Salvador.

Por outro lado, ao procurarmos os possíveis modelos de tal frontispício em Portugal não
encontramos similar, mas, tão somente o gosto de utilização de colunas à maneira retabular em algumas
igrejas do norte da península ibérica portuguesa (7).

Seria o risco de arquiteto português conhecido? Não cremos, salvo se pudermos identificar os
autores daquelas fachadas retabulares encontradas em Portugal. Estamos certos de que tal plano não se
configura da lavra de um Francisco Dias ou outro profissional ativo no Brasil no período (8). Somos
levados a acreditar ter sido o risco do de Portugal ou mesmo da Espanha, porquanto estava este
dominando aquele.

Outro aspecto que gostaríamos de destacar é aquele referente a construção da parte superior do
frontispício e do interior da igreja. Somos levados a acreditar que já se encontravavam construídas,
quando da chegada dos holandeses, as paredes da igreja até a cimalha real, incluindo-se portanto nisto
as partes inferiores das torres. Construídas mas não decoradas com as obras de cantaria as quais

175
demandavam maior tempo. Da mesma maneira aceitamos a existência da cobertura incluindo as gárgulas
de que se refere Bazin, de gosto comum ao reinado de D. João III. É assim que percebemos o corpo da
igreja nas estampas assinaladas. Talvez incompleto, na verdade, estaria o corpo conventual (9).

Em 1630 tomam a Capitania os holandeses. Em 1631 incendeiam Olinda. Em 1639 são


demolidas partes das construções de Olinda para reutilização de pedras lavradas em construções no
Recife.

Pela própria natureza das obras da Igreja do Carmo o material de construção era difícil de ser
reaproveitado para novas edificações, daí acreditarmos que não se desmontou a Igreja. As ruínas dadas
como do Convento Carmelita em pinturas de Post na verdade são da Igreja Matriz de São Salvador,
conforme já se pode constatar por estudos realizados quando da restauração da Matriz em 1974. Vários
elementos construtivos indicados nas pinturas foram encontrados por ocasião das prospecções e durante
as obras daquela igreja.

Frans Post na verdade, parece, não se interessou em pintar a Igreja dos Carmelitas de frente, o
mesmo ocorrendo com aquela dos Jesuítas, também em Olinda. Ele pinta as ruinas do convento ,
lateralmente, conforme quadro pertencente ao acervo do Museu Nacional de Belsa Artes, do Rio de
Janeiro, óleo sobre madeira , assinado ,F. Post, sem data. Não sabemos a razão para tal exclusão. Talvez
as duas igrejas não fossem ruínas suficientes para emocionar o pintor. A matriz de São Salvador,
arruinada, ele a pintou várias vezes, provavelmente porque o sabor era maior e correspondia àquele
gosto por ruínas presente na pintura do seu tempo.

Já a parte conventual do Carmo deve ter sido pilhada, as ombreiras e as vergas de pedra
serviam. A dificuldade era retirá-las o que deveria, considerando a espessura das paredes, ser penosa a
tarefa para os homens contratados para tal finalidade. Quanto às madeiras não, tal material deve ter sido
retirado em larga escala; traves, soalhos, forros e demais elementos tais como esquadrias serviam muito
para as obras das casas no Recife (10).

Expulsos os holandeses, as obras são retomadas. Agora, no entanto, concentradas


provavelmente no corpo conventual, grandioso, e com tudo, talvez, para reedificar.

O Convento tinha três andares e era disposto em quadra à maneira tradicional. Pereira da Costa
o descreve, porquanto o viu, ainda de pé, no século XIX, e nele destacou a Capela do Capitulo com sua
barra de azulejos (11).

176
Em várias fotografias vemos a mole construída ao lado da igreja desde aquela em que se encontra
ainda com telhados, reproduzida no livro de Frei André Prat (12), de fotógrafo desconhecido, as outras
que mostram as fases do arruinamento de toda a construção.

Analisando a fotografia referida, se pode bem observar, no corpo do Convento, o trecho mais
antigo, correspondente à portaria, onde a escala das envazaduras, duas sobre o pórtico de entrada, é
que marca a mais antiga composição da quadra, aquela anterior ao domínio holandês e a reconstrução em
três andares de após 1654, que diferem claramente. A parte antiga guarda relação com o frontispício da
igreja, enquanto o restante da quadra em nada se configura com o templo em termos de modulação. Não
acreditamos que as duas partes sejam daquela construção primitiva e tão somente a colada à igreja a qual
ainda subsiste nos dias presentes (13).

A inexistência hoje, do corpo conventual, que veio se arruinando precisamente depois da reforma
turônica, de fins do século XVII, quando o Convento passou a fazer parte da província da Bahia, e era
dirigido por uma padre prior, não nos permite maiores considerações. O que ocorreu com o Convento é
bem descrito por Pereira da Costa e visível através de documentação fotográfica desde o século XIX (14).
Em 1907 o coronel Cornélio Padilha, então Prefeito, manda demolir o que restava do corpo conventual.
Hoje apenas os alicerces nos permite saber das dimensões do Convento.

A igreja vem ter suas obras retomadas também após a partida dos holandeses. De início apenas a
parte superior de uma das torres é concluída. Esta traz uma data incompleta 16 . . É a torre da parte
norte. Depois, em 1726 é terminada a outra torre, de forma semelhante a anterior (15).

O corpo central da fachada é concluído em 1704, aí não mais dentro do plano original que deve
ter se perdido, e mesmo, se conservado, não atenderia mais o gosto da segunda metade do século XVII.
No entanto a marcação inferior iria definir as aberturas superiores se bem que não continuando as colunas
que no projeto original deveriam assentar nas prumadas daquelas do corpo inferior, coruchéus, que
arrematariam mais acima a fachada, em composição inusitada e singular. A parte superior do
frontispício insere duas janelas que ladeiam um nicho, forma frequente na segunda metade dos seiscentos
em igrejas portuguesas e do Brasil. O corpo é arrematado por um frontão já de gosto barroco e de certa
pobreza de composição (16).

O interior da igreja vem ser ornamentado já no século XVIII. Antes do atual retábulo-mor havia
outro fingido em pintura. Em 1770, aproximadamente, executa-se aquele altar, em gosto rococó e que

177
não chegou a receber seus dourados. Pintado de branco ele foi restaurado pelo Governo Federal através
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (17).

No cruzeiro também por longo período serviu de altar um pintado, o qual se torna importante vez
que fingido reproduzindo um modelo de transição entre os retábulos proto-barrocos e aqueles ditos
franciscanos, 1º e 2º tipo, respectivamente, na classificação do arquiteto Lúcio Costa. Recentemente
se pode ver tal retábulo fingido quando da remoção de um altar em talha, para restauração, que se
encontrava justaposto àquele pintado (18). As colunas do retábulo pintado ainda são daquelas anteriores
às torsas e envolvidas por folhas de parreira.

No entanto a peça mais importante da igreja é o retábulo de pedra da primeira capela do lado do
antigo Evangelho. Bazin diz que tal retábulo é composto de peças díspares, no que se engana. Na
verdade trata-se de altar de excelente composição e bem do princípio do século XVII. Não acreditamos
conforme diz o historiador francês, ser o antigo altar mor. O retábulo é originalmente dessa capela,
porquanto nela se enquadra, quanto às suas dimensões, perfeitamente, o que jamais ocorreria na capela-
mor. Basta comparar as dimensões da capela-mor e as do altar em tela.

Por outro lado o retábulo é de uma excelente composição tendo inclusive como elemento gerador
de seu traçado o círculo que se encontra acima do corpo central do altar. Analisando seu risco à luz dos
demais retábulos de cantaria executados naquela fase em Pernambuco temos de reconhecer ser de um
artista erudito o desenho do altar. Mais importante é o fato de também a mesa ser de pedra com
tratamento similar as partes superiores.

Os capitéis, de ordem corintea, são dos melhores, executados à luz dos tratadistas, e de
acabamento superior aos utilizados nos dois retábulos da igreja jesuíta da mesma vila de Olinda.

Modenatura e modulação, decorrentes de um perfeito conhecimento dos tratadistas e daqueles


modelos ibéricos de altares do mesmo gênero, situam o retábulo de Olinda entre os melhores da época.
Não nos chegou, da mesma maneira que seus comtemporâneos em Pernambuco, dourado e pintado.
Mas não podemos assegurar não ter sido dourado e pintado porquanto tem sido ele sempre caiado por
devotos pouco conhecedores do seu valor, apesar da vigilância do SPHAN.

A igreja, o único remanescente do conjunto Carmelita, veio também se arruinando ao longo do


século XIX. Em 1915, no entanto, após os trabalhos de recuperação de Frei André Prat, que renovou
o telhado e outra parte da igreja ela foi solenemente entregue para o culto.

178
Depois da criação do Serviço Federal de Proteção aos monumentos, pela sua importância, foi
restaurada a igreja sob a orientação do Eng. Ayrton de Almeida Carvalho, sendo daí em diante
protegida pelo Governo.

A igreja tal como se vê hoje é bem a mole construída no final do século XVI e princípios do
seguinte.

No lado da Epístola, em estreita faixa de terra, porquanto a colina descia deste lado em direção
Oeste, foi construída uma capela de irmãos terceiros Carmelitas. A sua fisionomia, vista em foto antiga,
é bem de um templo da segunda metade do século XVIII. Nada existe dessa Capela hoje em dia, no
local estão construções que acreditamos novas, e já desmanteladas com enormes rachaduras. Não
conhecemos descrição da capela e nem siquer as suas dimensões exatas são possíveis de definir no
momento, sem prospecções no local. Seria comparada a igreja principal, pequena e iniciava sua
frontaria logo após o meio da capela do transepto da igreja maior, conforme se constata da fotografia
citada do livro do Fr. André Prat, a qual confirma tal afirmativa. Em tempo não determinado arruinou-
se ou foi demolida.

Possuía a igreja de N. Sa. do Carmo um adro exíguo, porquanto resultante das dimensões da
colina, demarcado por um cruzeiro, ainda existente, com inscrição em latim. Parte de um alicerce de
um muro parece indicar que em algum tempo ele teve sua marcação definida por, talvez uma baixa
mureta com bancos, à maneira de outros adros.

Ao lado da capela-mor resta ainda parte da construção conventual, bastante descaracterizada e


incapaz de nos fornecer maiores informações sobre a quadra. Do lado do antigo Evangelho o que restou
do claustro com arcadas sobre os pilares, obra talvez do século XVII.

Finalmente, a igreja guarda, no seu interior, ainda quadros pintados sobre madeira pertencentes ao
antigo Convento.

O que impressiona na Igreja do Carmo é seu interior grandioso, tratado com grande erudição,
onde uma luz suave, filtrada pelas poucas aberturas, modela e define o vasio da arquitetura cheio de
grande valor místico. A luz da igreja, natural, é ainda aquela das igrejas românicas e bem em acordo
com a luminosidade intensa tropical preservada no interior da igreja trabalhada que foi pelo excelente
profissional que lhe definiu o risco. Os corredores que correm acima das capelas interligadas e baixas

179
filtram através das tribunas a luz, a qual, amortecida, deixa o interior da igreja em semi-penumbra. Da
mesma forma que na Matriz, depois da Sé , do Salvador, a luz natural é tratada com maestria pelo
criador do espaço interno.

3.Restauração - 1944

As primeiras obras, em tempo mais recente, realizadas de conservação do edifício se deve ao


frade Carmelita André Prat. O Historiador F. A. Pereira da Costa nos informa que em 1853 a igreja
passou por grandes reparos, não esclarescendo quais os Serviços realizados. A quadra conventual ao
lado da Igreja, voltada para o mar, desde a primeira metade do século XIX já se encontrava arruinada:
“De que época vinham as ruinas do convento, nada absolutamente consta, sabendo-se, contudo, que
em 1846 já era adiantadissima pelo desabamento da coberta das faces de Leste e Norte do convento, até
que ruiram por terra as suas grossas paredes de pedra, ficando de pé , isoladamente, e fendida de alto
a baixo, uma pequena parte desta ú ltima face, que apesar de desaprumada e batida pela furia dos
ventos, resistiu por muitos anos. (19)" Desse convento, em fotos e cartões postais, desde a 2ª. metade
do século passado, tem-se boa documentação (20).

Com o abandono do convento a igreja ficou entregue a administração da Irmandade do Senhor


Bom Jesus dos Passos da Graça, por deliberação do Padre pior do convento.

O que restava da quadra conventual e que se pode ver nas fotos referidas foi demolido pela
Prefeitura de Olinda em 1907. A igreja no entanto, reparada convenientemente manteve-se em culto,
graças aquela Irmandade. Por abandono dos frades passa o conjunto a próprio nacional no século XIX .
(21)

Em 1938, cerca de um ano depois da criação do Serviço do Patrimonio Histórico e Artístico


Nacional, SPHAN, a Igreja foi relacionada como um dos monumentos de importância de Olinda. (22)

As obras destinadas a reparar o estado em que se encontrava a Igreja foram iniciadas em 1944 e
levaram um bom tempo para acabar. O telhado da Igreja, que não era mais o original, pois fora
reparado, veio a sofrer várias intervenções em peças, estragadas, das estruturas e novo telhamento.
Internamente renovaram-se os rebocos porquanto estavam muito comprometidos e foram restauradas
algumas perfilaturas, então multiladas, da excelente cantaria, em calcáreo, que determina a composição
de arquitetura de que se fez já menção.

180
Nos trabalhos de restauração da talha do retábulo da capela-mor, ao ser este removido com sua
estrutura de madeira, surpreendentemente se deixou à mostra um outro altar, estão pintado por sobre a
parede e de gôsto indiscutivelmente anterior.

Na primeira capela, sob a torre do lado do mar, um notável retábulo de pedra, calcáreo, foi
restaurado, sendo um dos mais interessantes de Pernambuco e contemporâneo das primeiras obras da
Igreja, sendo, provavelmente, anterior a 1630.

A consolidação de toda a parede do frontispício entre as torres obrigou a execução de estrutura,


em concreto armado, embutida no corpo da cantaria de tal septo além do seu reaprumamento. Ao
fenômeno do deslizamento dos morros somou-se a retirada de partes de terras da colina do lado da Praça,
e tal remoção deve ter provocado grandes danos, na estrutura, em alvenaria de pedra, do tipo ciclópico,
de tal contrafacção que então veio a apresentar fendas que obrigaram àquela intervenção. As fotografias
das ruinas do convento mostram grandes fendas também do lado do convento.

Não existe, nos arquivos do SPHAN do Recife, nenhuma anotação do que, se encontrou em
termos de ossatura dos muros, emendas, tipo de material e técnicas empregada na construção, quando se
realizou a renovação dos rebocos internos e externos.

A restauração devolveu, pelo uso do branco da cal das paredes, à igreja, a leitura de sua rica
modulação e modenatura, ainda, como se disse, de sabor renascentista.

Do lado do convento, sem que nenhum trabalho tenha sido realizado com os métodos e técnicas
da arqueologia, foram aflorados os alicérceres da quadra, não se encontrando, segundo depoimento de
pessoas que acompanharam ou executaram as obras, nenhum dos pisos dos cômodos.

No que restou do claustro e naquelas partes restante do convento em fundações, apesar de


existência de informações sobre a presença de túmulos, como era de praxe em conventos desse gênero,
nenhuma pesquisa se realizou. (23)

Pereira da Costa nos informa, quando descreve o estado do convento em 1867, que na sala do
capítulo fora exumado, das ruínas, o que restava do bispo D. Fr. Francisco de Lima, sendo seu anel
recolhido, na ocasião, ao Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano.

181
Apesar de não se ter procedido nenhuma pesquisa maior, considerando a antiguidade da Igreja e
Convento, a restauração do que permaneceu de pé , a Igreja, foi realizada em bom termo.

O 1o. Distrito, do Serviço Federal, agiu com muita cautela no que se refere ao processo de
restauração em 1944, procurando não intervir e sim apenas conservar, quando dúvidas maiores não
podiam ser solucionadas. Este procedimento, quando não se dispunha ainda, estamos em 1944, de
maiores conhecimentos, quer sobre a História do monumento ou acerca de qualquer dos métodos de
arqueologia, essencialmente a Histórica empregaveis em restauração de monumentos, parece-nos foi o
mais correto.

Infelizmente, certas informações sobre as ossaturas dos muros, quando da retirada dos rebocos,
não ficaram registradas, assim acreditamos, vez que não as encontramos, o que nos impede melhor
conhecer as etapas construtivas do edifício.

Em 1967-68 obras de conservação foram realizadas na Igreja, elas no entanto pouco


acrescentaram sobre o conhecimento da História do edifício.

Notas

1. O Convento projetado seria visível de todos os lados porquanto isolado em meio a uma cerca que
o envolvia. A fachada principal volta-se para a Matriz de São Salvador, situada no trecho mais alto
da vila e seu núcleo inicial. Com tal disposição o conjunto dominava do alto da colina a vila quando
da sua extensão para além daquele núcleo inicial. Do lado Oeste a construção mais próxima,
guardava grande distância do Convento, é o sobrado dito "mourisco" no início da rua 27 de Janeiro.
Na frente do Convento a construção talvez mais antiga é hoje a casa Nº. 102, da qual se tem foto em
álbum pertencente ao médico Sílvio Paes Barreto. No lado leste a praia, com o mar chegando até o
caminho pelo qual se chegava ao Varadouro, hoje Av. Sigismundo Gonçalves, após sua implantaão nos
inícios do século atual aproveitando a praia mais extensa no local. Pelo sul a grande horta que se
extendia até São Bento conforme mapa de autor desconhecido inserto em livro de Barleus sobre o
governo do Conde Maurício de Nassau. Diante de tal situação o conjunto representava o ideal da
arquitetura, onde o tratamento das fachadas envolvia a visão em torno cultuada no Renascimento e tão
desejada na própria Europa, visível nos projetos ideais do período, nem sempre possíveis de serem
realizados.

10

182
2. " O Convento do Carmo seria um belo templo se tivesse sido concluído". Baers, Padre João.
Olinda Conquistada - Trad. de Alfredo de Carvalho. Recife. Typografia de Laemmert & Cia.
Editores. 1898. A edição original é de 1630. Amsterdam.

3. Capela do Bom Jesus dos Passos:

ESTA CAPELA HE DE ANTo. FRZ PESSO


A PERA SI E ERDEIROS E TEM HUA MI
SACADA SOMA NA PERA A PE RPETU

Cruzeiro:

S. DE DIOGO D VERÇOSA ED
SUA MOLHER QUE DEOS AIA MARIA DA
CONCEIÇAO QVE FALECEO A 29 DE MAIO
DE 1624 E D SEOS HERDROS

4. A igreja é coberta em duas águas com a estrutura do telhado apoiando acima da cimalha real. A
atual estrutura com tesouras executadas provavelmente quando das obras do início do atual século ou
mesmo antes são de desenho que não permite se saber se em algum tempo a igreja teve forro de
madeira. Tal situação interfere na percepção integral do espaço interno, empobrecido com o telhado
aparente, o qual se destaca diante da riqueza arquitetônica em termos de modulação e modenatura do
restante da igreja. A ausência de cúpula não seria senão decorrente da própria concepção do espaço
interior, onde as dimensões do cruzeiro mais para o retângulo invalidaria a montagem de tal elemento
na igreja de Olinda, concebida desde o risco para não ter cúpula e não como consequência de pessoal
competente para executá-la como se quiz dizer. A igreja de Olinda ainda se insere entre aquelas que em
Portugal não acompanharam as novidades trazidas pelo Plano de "IL GESU". Observe-se na igreja de
Olinda que além da dimensão do Cruzeiro, já referida, não há distinção de transepto senão aquela
definida pela simetria das grandes capelas, que guardam relação em altura com a Capela-Mor, e
separação notável do transepto das capelas baixas interligadas, em espaço para o púlpito.

5. Veja-se as estampas dos tratados de Palladio e de Vignola em situação semelhante. As pilastras


Jônicas estão sobre pedestais. É interessante que na Capela-Mor da igreja dos Jeronimos, em Lisboa,

11

183
se utiliza, nas ilhargas laterais, composição semelhante, apenas com o uso de colunas, local onde se
situam os túmulos.

6. O capitel tem a parte superior alongada, desde o cordão que o separa do fuste. Não é diferente no
entanto no que se refere às volutas.

7. É bem verdade que não é possível encontrar os prováveis modelos da igreja de Olinda à luz do
que se conhece divulgado de Portugal. No entanto nem sempre se deveria ter modelo para as obras
executadas no Brasil. Aqui, as ausências de resistências estilíticas às vezes propicia a criação de novos
tipos. Exemplo é a igreja de N. Sª. da Graça, onde o arquiteto, inspirado em São Roque de Lisboa e
São Paulo de Braga, cria algo de novo com a inclusão das ordens monumentais que emolduram a
fachada e desce para o corpo do frontispício o grande óculo, que em Braga interrompe a cornija do
frontão. Em Portugal as igrejas com frontispício "retabular" têm composição bem em comum com a
do Carmo de Olinda, apenas utilizando outras ordens diferentes da Jônica. Veja-se, por exemplo, a
citada Igreja da Misericórdia de Aveiro, onde o conjunto retabular tem composição análoga ao que
seria, se concluído, o de Olinda, apenas com uso de ordem coríntea. Em Aveiro também as colunas
envolvem uma porta em arco e na parte superior um nicho, que se manteve, assim como as janelas, em
Olinda. O que difere em Olinda de algumas igrejas portuguesas referidas são as duas torres que levam o
frontispício a uma maior horizontalidade, partindo do quase quadrado, em proporções, do corpo
central.

8. Tal assertiva se define à luz do que se conhece até o momento a respeito dos profissionais ativos
no Brasil no período considerado e suas obras conhecidas.

9. Não aceitamos a afirmativa de Bazin que diz da possibilidade de uma cobertura provisória situada a
nível das capelas baixas. Como se explicaria o transepto? e a cimalha real de tratamento condizente
com o restante do interior?

10. Dano maior que o incêndio de 1631 da vila, foi na verdade, a retirada do material de construção
útil para as obras do Recife. Tem-se destacado, talvez exageradamente o incêndio. Na realidade, a
ampliação do Recife em face da necessidade de moradias e da dificuldade de material de construção foi o
que levou ao desmonte das construções de Olinda. É o que observa um monge Beneditino quando diz
das pedras de sepulturas usadas na construção de um dos palácios de Nassau, pertencentes ao seu
Mosteiro em Olinda.

12

184
11. "Apresentando o aspecto de uma grande e alterosa fábrica, com três pavimentos, e quatro faces,
sendo uma unida à igreja, deixava ao Centro uma espaçosa àrea retangular, na qual se via a capela
do capítulo, isoladamente disposta, mas em comunicação com a sacristia, e cujas paredes ainda as
vimos de
pé, revestidas de uma barra de bonitos azulejos, e vendo-se ao fundo seu altar, entre duas janelas, e
junto ao qual foi sepultado em 1704 o bispo diocesano D. Fr. Francisco de Lima, carmelita, cujos
despojos retirou o nosso Instituto Histórico em 1867". Pereira da Costa, F. A. Anais Pernambucanos.
10 vols. (Recife, 1951-1966). Vol. 2º, pag. 11.

12. Prat. Frei André, O.Carm. Notas Históricas sobre as Missões Carmelitanas nos Séculos XVII e
XVIII, Recife. 1941. pags. 28-29.

13. A parte em três andares pode ser fruto da reedificação de após 1654, onde se restruturaria a
disposição interior da quadra quanto ao nível dos pisos. Podemos também aceitar a contemporaneidade
das partes consideradas como um desvirtuamento do projeto original, apenas obedecido parcialmente.

14. Pereira da Costa, F. A. Anais, op. cit. , vol. 2, pp. 11-2.

15. Nos referimos ao trecho onde se instalam os sinos.

16. Observe-se que a localização das janelas e do nicho guarda relação com o trecho inferior do
frontispício, faltando apenas as colunas que envolveriam as janelas e o nicho. Tal situação parece
indicar que os vãos já estavam definidos na estrutura da parede da fachada e na altura foram apenas
acabados com novas perfilaturas e sem as colunas.

17. O painel pintado do centro desse retábulo foi retirado para execução do atual trono, provavelmente
pelo Fr. André Prat, para o Convento do Carmo do Recife, e, achamos, deveria retornar ao seu local
de origem. O trono é obra nova sem valor se comparada ao retábulo. A pintura que se encontra no
Recife é de boa qualidade e completa o retábulo, dando-lhe maior unidade.

18. Tal retábulo é pouco posterior ao retábulo-mor e em gosto rococó , todo dourado.
Infelizmente, parcialmente desmontado não foi ainda restaurado. Ele é do gosto final rococó e se
insere entre aqueles onde um bom exemplar é o da capela do Santo Cristo da Sé de Olinda.

13

185
19. Pereira da Costa, F. A. A Ordem Carmelitana em Pernambuco, Edição do Arquivo Público
Estadual. Secretaria da Justiça, Recife 1976 pág. 102.

20. As fotografias das ruínas e aquelas em que se vê ainda de pé o Convento, são, entre outras as
seguintes:

1859 - Augusto Stahl - Albumem 20x26 cm,in Gilberto Ferrez.


1880 - Maurício Lamberg - Albumem 15, 3x20, 5 cm ,in Gilberto Ferrez.
____ Convento do Carmo, de Olinda, na 2a. metade do Século XIX - Reproduzida em Prat, Frei
André , Notas Históricas sobre as Missões Carmelitanas. . .

21. "Pelo abandono em que se acha o Convento do Carmo com a ausência do respectivo Prior, o Juiz
Municipal daquele termo participou ao Presidente da Província (1853), o que ali se passava; pelo que
este houve de oficiar ao Exmo Diocesano para tomar conta no espiritual, e ao Inspector da Tesouraria-
Geral para sequestrar os bens restantes do Convento, fazendo recolhe-los em depósito geral, até que
os Religiosos autorizados compareçam, do contrário, como dizem, passarão aos próprios
Nacionais". Pereira da Costa, F. A. op cit. p. 104.

22. O convento de Sto. Antônio do Carmo de Olinda foi tombado como Monumento Nacional em 5 de
outubro de 1938 - Processo Nº. 148 - T - inscrição Nº. 108 no Livro de História fls. 19 e Nº. 217 -
Livro de Belas Artes fl. 38.

23. "O claustro, quase destelhado, era rodeado de catacumbas; esses esconderijos mortuários,
onde repousaram os ossos de muitas gerações, haviam sido profanados: e as suas paredes estavam
rabiscadas com figuras geométricas, desenhos e cálculos matemáticos e quadros alegóricos ao terrível
fim que nos aguarda" in Pereira da Costa, F. A. op cit. pág. 102. A demolição do que restava
do Convento, em 1907, realizada pela Prefeitura de Olinda, com a retirada do Material, face a
informações colhidas, entulhou toda a parte da colina, destruindo ou soterrando todo o vestígio que
porventura tenha permanecido desses tú mulos. Apesar de tal informação, acreditamos se deva
realizar novo afloramento e consolidação das fundações. Por outro lado, tal pesquisa, com métodos e
técnicas da arqueologia, apesar do lugar ter sido muito pertubado por aterros e reaterros, poderia
propriciar algumas informações valiosas sobre o convento. (N. A. ).

14

186
* É monumento Nacional tombado pelo Governo Federal desde 5 de outubro de 1938; Inscrição Nº
217 do Livro de Belas Artes, fls 38; Nº. 108, Livro Histórico fls 19. O processo de tombamento é o
de Nº 148 - T.

15

187
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres.Guararapes - Jaboatão.

1. Localização do Monumento:

A igreja de Nossa Senhora dos Prazeres se encontra situada no alto de uma das colinas do lugar
dos Guararapes, em Jaboatão, nos arredores do Recife. Construída em 1656, é igreja votiva em louvor a
Nossa Senhora dos Prazeres, que protegeu os luso-brasileiros quando das duas batalhas contra os soldados
da Companhia das Índias Ocidentais, em 1648 e 1649, durante a ocupação holandesa do Nordeste. A
construção se deve ao general que comandou as batalhas, o militar Francisco Barreto de Menezes. Depois
de construída, foi doada aos monges da Ordem de São Bento.

Sendo área preservada, em memória das duas vitórias alcançadas, se tornou lugar de
peregrinação e de festas comemorativas, até os dias de hoje.

2. História e Arte

O aspecto atual da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, é bem diferente daquele da capela
original, fruto da doação do Mestre de Campo, General do Estado do Brasil e Governador da Capitania de
Pernambuco, Francisco Barreto, aos religiosos do patriarca São Bento, da Vila de Olinda.

Da feição primitiva da Capela dos Prazeres, salvo a descrição contida na escritura de doação,
nada ficou, quer em desenho, gravura ou pintura.

188
A descrição conhecida é pormenorizada e, através dela, sabe-se ter sido a capela "de pedra e cal,
com trinta e seis palmos de comprido e vinte e quatro de largo, e de abóbada de tijolo com um copiar
fora da dita capela de vinte palmos de comprido com a mesma largura; assentado sobre duas colunas de
pedra, e toda capela e copiar ladrilhado de tijolo com toda a terra, e sítio, e árvores de fruto" (1), etc.
Tal descrição se encaixa perfeitamente bem nos tipos de capelas rurais e de peregrinações que se podem
encontrar com frequencia em Portugal e com preferência da Extremadura para o Norte

São capelas de corpo, frequentemente, sem capela-mor, modestas, por resultarem da devoção
popular, e semeadas no território português segundo a categoria do orago e sua importância para a região.
Anotadas no inventário, procedido pelo Sindicato dos Arquitetos, da arquitetura popular em Portugal,
como numerosas, fazem parte da vida religiosa de inúmeras aldeias e vilas (2).

O exterior dessas capelas reflete a simplicidade do interior. Existindo desde tempos recuados na
Península Ibérica, as vemos em Portugal se apresentarem com os mais diversos estilos, fiéis a um partido
de planta simples e decorrendo seu aspecto decorativo tanto do poder econômico, quanto do grau de
desenvolvimento artístico dos que as erigiram.

O copiar ou alpendre, se apresenta, em Portugal, em rica variedade de tipos, embora quase todos
mantenham a singeleza e sobriedade na arquitetura: copiares inteiramente abertos, sustentados por
colunas, geralmente toscanas, ou fechados lateralmente, abertos á frente com duas colunas, ou mais; o nú-
mero de colunas variando segundo o tamanho e necessidade de abrigar um maior ou menor número de
fiéis.

A capela com alpendre ou copiar, constituindo-se em solução frequente em Portugal para o


programa arquitetônico requerido pelas capelas rurais e de romarias, vem para o Brasil e é empregada em
nossa terra, para algumas capelas de engenhos, para as erigidas, em locais de romarias ou mesmo para as
igrejas de vilas, onde se requeria tal simplicidade de partido e como bem acentuou o arquiteto Luís Saia,
ao chegar à colônia já se encontrava plenamente consagrada (3).

189
Também de importância para a compreensão da arquitetura da capela dos Prazeres são, sem
dúvida, as igrejas que, junto ao mar, em Pernambuco, nos dois primeiros séculos, foram construídas,
espelhando aquelas portuguesas, de um único corpo, em planta retangular, hexagonal, octogonal ou
circular, cobertas em cúpula ou abóboda de berço e construídas de pedra e cal. "Junto ao mar, não longe
dos ancoradouros dos barcos de pesca, erguem-se as capelas de beira-mar da Extrematura, notáveis pelo
seu elevado valor simbólico frente à vastidão do céu e do oceano"(4)

Através da descrição aludida da capela dos Guararapes verifica-se que, ao escolher-se como
partido arquitetônico o das capelas rurais ou de peregrinações, se tinha em vista o caracter da edificação e
o fim proposto de memória que levaria, necessariamente, às festividades anuais e à consequente vinda de
romeiros. Festas e romarias anotadas pelo historiador José António Gonsalves de Mello, em trabalho
sobre a igreja (5). A construção visando a permanência, vem, talvez, condicionar a solução
arquitonicaque recai no uso de uma abóbada de alvenaria, em berço, para cobertura do recinto de planta
retangular.

O referido historiador, considerando a descrição do documento seiscentista de doação, sugere


para fisionomia exterior da capela original, aquela que se pode ver nos vários desenhos e pinturas de F.
Post, artista da comitiva do Conde de Nassau, e referente a outras capelas alpendradas já existentes na
região, anteriores à de Guararapes e encontradas em terras do Brasil Holandês (5).

Seguramente, à falta de outra documentação, esta seria a fisionomia, face aos modelos locais e
ibéricos da capela primitiva.

Em trabalho de recomposição do reboco nas laterais da capela-mor (6), referidos adiante, ao


retirar-se toda a massa do emboço até se descobrirem as alvenarias, constatou-se a existência,
coincidentemente, em ambos os lados, de emendas que determinavam dois tipos de acréscimo aos trechos
presumivelmente originais: um no sentido do comprimento anterior a outro no da altura, este se
ressaltando muito claramente por ter permanecido, a empena anterior, bem demarcada na atual parede
fundeira. Assim, teria havido uma ampliação horizontal e depois, outra vertical na capela primitiva. Na
parte mais antiga da parede, onde há mais unidade de tratamento da alvenaria, as janelas atuais mostravam
claramente terem sido frutos de ampliação da abertura anterior, provavelmente mais estreita. Na parede do

190
lado do antigo Evangelho, uma abertura aos rés do chão, com forma de arco apresentou-se pelo lado de
fora e outra, na linha do atual trono do altar, alta e pequena, enseja a idéia de uma janela.

Medidas as dimensões internas até a emenda e a largura da capela-mor atual, chega-se a conclus_
o, convertendo-se as medidas para os palmos, de que a primitiva capela não deveria ter sido totalmente
posta abaixo nas reformas posteriores, mas, aproveitada pelo menos as suas paredes laterais, que, em bom
estado, se mantiveram na conformação da capela-mor da nova construção, ressalvadas as ampliações
assinaladas.

A poder-se, salvo melhor juízo, aceitar tais conclusões, ter-se-ia na atual igreja dos Guararapes,
nas laterais da capela-mor, as paredes originais da histórica capela votiva.

Nesta capela seiscentista, bem singela deve ter sido sua arquitetura. O espaço interior, a exemplo
de outras capelas conhecidas e que chegaram a nossos dias, em sua simplicidade concentrava-se as
atenções no único retábulo ou nicho, com a imagem da padroeira; lateralmente, duas seteiras filtravam a
luz, tropical, que,somada à vinda da única porta e talvez do óculo, iluminavam o ambiente, deixando-o
assim em semi penumbra. Pelo lado de fora, domina o vasado do copiar, a massa forte do corpo da capela.
Telhas de barro assentam sobre a abóboda de alvenaria, em berço e salientam-se numa provável beira e
bica do plano branco, caiado, das laterais. Ao redor a vegetação envolve a capela que tem à frente um
pátio aberto livre de árvores, para festas.

Apesar das modestas proporções, não seria descurada de estilo, isto, considerando primitivos os
cunhais ainda existentes, embora ampliados na altura e deslocados de suas posições, pois tem perfilaturas
bem traçadas e, ainda ao se aceitar como do antigo copiar as duas bem desenhadas bases de pedra hoje
guardadas em um recanto do terraço que, no poente ladeia todo o templo atual. Esses elementos e mais
ainda se, talvez ousadamente, levando-se a conta também a modernatura da porta central da igreja,
admitir-se o aproveitamento da cercadura da porta da capela original na ampliação que se fez ainda no
século XVII, pois sua perfilatura é bem característica dessa centúria.

191
Julgamos ainda interessante ressaltar que a cimalha da capela-mor, correndo lateralmente nas
paredes, tem altura que corresponde à da emenda existente e visível, pela forma já assinalada, do lado de
fora. Assim, essa também seria a primitiva.

Teria sido azulejado o interior da capela? O professor João Miguel dos Santos Simões chega a
admitir tal revestimento ao estudar os padrões azulejares encontrados ainda na capela-mor (7). Também
poderia tal revestimento ser uma compatibilização com a nave da igreja que resultou da ampliação feita a
partir de 1676, e totalmente revestida nesse material. Exemplos existem de capelas da época da de Barreto
Menezes, revestidas de azulejo na própria região: a de São Gonçalo, próxima ao Cabo de Santo
Agostinho, a do convento dos franciscano e a de Nossa Senhora do Pilar, ambas no Recife, todas
recebendo nessa segunda metade do século XVII sua vestimenta azulejar. Certamente, não poderia
afirmar nada mais seguro a respeito.

Em 1676, obtém os religiosos de São Bento autorização para ampliar a capela, aproveitando ou
não a existente para presbitério da nova (8).

Projeta-se então, a partir dessa data, a nova igreja com um grande corpo, ainda em linguagem
arquitetônica comum com a capela inicial. Esta parte nova, aproveita, tudo faz acreditar, como atrás
expusemos, a capela primitiva e desmontando o copiar', abre na parede frontal o arco cruzeiro e
prolongando-a, insere nessas partes os dois altares colaterais em arcadas, na espessura da parede. A
solução adotada é semelhante àquela, guardadas as devidas proporções da igreja beneditina de Olinda,
apenas em Guararapes, no arco-cruzeiro, as suas laterais não sobem até o encontro da cimalha real,
deixando de cada lado trechos triangulares decoráveis. A proporção entre as dimensões do arco- cruzeiro
e o das colaterais é bem equilibrada.

A nave vem a ser uma grande sala sem altares laterais e iluminada da mesma forma que a
capela-mor, por frestas ou seteiras. Tal solução encontra eco, na época, nas demais construções religiosas
da região, a exemplo a ampliação da edícula primitiva, transformando-a em igreja, do extinto convento de
Carmelitas de Nazaré do Cabo de Santo Agostinho, que conserva, ainda hoje, a fisionomia dada pela
reforma seiscentista. Com relação à de Nossa Senhora dos Prazeres, somente se encontraram vestígios de

192
uma seteira de cada lado, situada acima das saídas laterais da nave. Forma de iluminar semelhante a da
nave da igreja das Fronteiras, no Recife.

A fachada principal da igreja nova teria, naturalmente, repetido a solução consagrada na colônia,
de porta única, central e duas janelas, à altura do coro, formando, como bem acentuou o arquiteto Paulo
Santos (9), uma triangulação típica. Tal composição é também adotada em outras igrejas seiscentistas do
Nordeste e a vemos representada em inúmeras capelas e igrejas desenhadas pelo já referido artista Frans
Post, no início do século (10). É interessante tal partido de alçado vez que, em Portugal, a preferência se
faz maior nas igrejas pequenas e em algumas maiores pela composição que assenta em mesma prumada,
uma única janela e porta no centro da fachada. É com essa forma de compor o frontispício que Francisco
Dias, arquiteto jesuíta, projeta a igreja de Nossa Senhora da Graça em Olinda (11); e é deste modo que se
apresenta na vista de Olinda, contida em obra de J. de Laet, estampa titulada Marim D` Olinda de
Pernambuco. Na verdade, no século seguinte, o uso de duas janelas encontrava-se consagrado e não se
poderia pensar na fachada da nova igreja dos Guararapes sem tal frontispício.

O monge beneditino, notável pesquisador, D. Clemente da Silva Nigra pretende para essa
ampliação a autoria do arquiteto, também monge da mesma ordem, Frei Macário de São João (12). Não se
pode refutar, apenas pela falta de documentação, tal assertiva; infelizmente, o historiador citado não
apresenta nenhum documento comprovando sua atribuição. Não cremos ser da fase dessa fachada, a
galilé. As perfilaturas das arcadas são semelhantes às das novas portas, que se abrem ao lado da central e
esta é mais, sob o mesmo ângulo, condizente com as das duas laterais à nave. Assim, nos inclinamos em
ver melhor essa igreja sem a galilé que, não cremos compatível com a arquitetura daquela construção
iniciada em 1676 e sim pertencente ao "novo" frontispício, começado a partir de 1756, em sua primeira
etapa.

A nave construída a partir do ano de 1676 não ofereceria grandes problemas para os construtores
da época: seu tratamento arquitetônico é coerente com o de outras igrejas da segunda metade do século
XVII em Perambuco e, não devemos esquecer que este Estado contava com profissionais, embora ainda
desconhecidos, capazes de construção de igrejas e conventos como as da Madre de Deus (1679-1680),
Nossa Senhora do Carmo (1684), Nossa Senhora do Ó (1684), e outras, que foram iniciadas nas duas
últimas décadas do mesmo século e início do seguinte; algumas da lavra construtiva de Antonio
Fernandes Matos e em cujo canteiro de obras teve, possivelmente, aprendizagem, como pedreiro, Manuel

193
Ferreira Jácome. Por outro lado, após a expulsão dos holandeses, refeitas as economias, os conventos
carmelitas e franciscanos e a igreja com o colégio dos jesuítas de Olinda, encontravam-se em obras de
ampliação e término, todas, obras majestosas. Também vale assinalar que no Estado, uma tradição
arquitetônica do monumental marcou as obras anteriores à invasão holandesa. Isto sem considerar os
engenheiros militares que, à falta de outro profissional habilitado, muito contribuiram na edificação de
inúmeras igrejas no Brasil.

A igreja ampliada, que poderia chamar-se da segunda construção, tinha um interior que dava
continuidade ao tratamento sóbrio da capela-mor. As paredes denotavam uma composição sem requintes e
decorrente do gosto ainda maneirista do século, nas obras em edificação. Simplicidade típica da natureza
arquitetural, um modo de ver bem peculiar, que enriquecia o espaço interior apenas através dos retábulos
dourados, já então nitidamente do Barroco; altares do chamado segundo tipo, na clássica divisão do
arquiteto Lúcio Costa (13). Os retábulos de Guararapes se inseriam nas molduras dos arcos, demarcados
pela cantaria enriquecida pelo tratamento, em alguns casos, marmorizados. Nessa linguagem teria sido a
primeira igreja dos terceiros do convento franciscano do Recife, depois toda coberta de talha dourada e
pinturas. Em Nossa Senhora dos Prazeres, não é a talha, a senhora da decorativa, mas o azulejo. Em
padrões identificados como os de entre 1680 e 90 pelo engenheiro João Miguel dos Santos Simões (7),
reveste-se toda a nave, desde o piso à cimalha, que a essa época deveria contorná-la, como ocorre com a
igreja do Carmo de Olinda, Ordem Terceira de São Francisco do Recife e outras. Esses azulejos em
"tapete", cobrem as paredes, barras e frisos separam os panos, arrematam as cercaduras, arcos e demais
elementos do interior. O enriquecimento dado à arquitetura, talvez em projeto, prevista com acabamento
em brancas paredes rebocadas e pintadas à cal, torna-a diferenciada e o espaço interno, com esse material,
ganha novos atrativos. Os altares dividem com a obra azulejar as atenções e, por força do novo colorido, o
interior ganha valores diferentes, imprevisíveis, que afetaram profundamente, talvez, a concepção
original. Este revestimento de azulejos, só por si, como bem acentua o mesmo engenheiro Santos Simões,
torna a igreja de Pernambuco "no mais vasto e importante repositório de azulejos de padrão azul" do
mundo português (7).

Os altares, três, dois colaterais e o principal, têm retábulos contemporâneos dos da capela
Dourada do Recife. Se são anteriores, o tempo de diferença entre esses e aqueles, é pequeno. As
semelhanças no tratamento da flora que envolve, folhas de parreira, as colunas torsas, aproximam os
retábulos. O principal é de grande vulto e tem duas colunas torsas de cada lado. Tendo sido muito
restaurado, guarda entretanto, agora reposto em suas proporções primitivas, pelo Serviço do Patrimônio

194
Histórico e Artístico Nacional - 1º Distrito (14), grande relação com os colaterais. A execução dos três
retábulos é primorosa e são dos mais antigos no gênero, no Estado. Semelhante aos dois existentes na
igreja do Convento de São Francisco de Marechal Deodoro, Alagoas, os melhores do Brasil, tem com
estes contemporaneidade. Belíssimos e variados são os tres frontais, em uma talha magnífica, de cortes
profundos, que se destacam em fundo plano. Os retábulos de Guararapes, diferentemente dos da Dourada,
são marmorizados e o ouro dá a conotação, mas não é dominante.

À falta de melhor documentação, não sabemos dizer que tipo de forro teria tido essa igreja. O
atual é conforme com a ampliação iniciada pela galilé, que se antepõe à fachada da igreja e da fase final
das obras da fachada atual, provavelmente, ou mesmo até posterior.

Pode-se avaliar o interesse que teria tido o interior dessa igreja de Nossa Senhora dos Prazeres,
levando em conta o fato de que, apesar de se terem aprofundado o coro primitivo e o elevado sobre a
galilé , de se terem modificado o forro atual, tem-se ainda uma impressão de grandiosidade, ao se entrar
no atual espaço da nave, que consegue amesquinhar os efeitos negativos dessas modificações, entre
outras, enumeradas.

O exterior dessa segunda igreja seria, face ao já exposto, de muita simplicidade, embora não
destituído de categoria. Frontão triangular, definido pelo telhado, formando na lateral beira, sobeira e bica.
Cunhais de pedra, dos quais dois ainda subsistem ascendendo até a altura inicial das laterais, na parte final
dela. Portas nesses lados, no mesmo alinhamento e sobre cada uma delas uma fresta alta. Um copiar veio
depois proteger a porta do lado do mar, talvez pela incidência maior de chuvas pelo leste. Na capela-mor,
a capela votiva aproveitada integralmente, não era incompatível quanto à linguagem arquitetônica,
praticamente a mesma, com a nave. Fachada com uma única porta e duas janelas na altura do coro Talvez
um óculo no tímpano do frontão. Perfilaturas dos cunhais simples e toscanas. Singularmente igual e sóbrio
o tratamento das cantarias das cercaduras das portas e janelas. Piso em tijoleira, talvez não em campa, pela
natureza da igreja, longe da povoação e inútil para o sepultamento comum.Teria sineira? é difícil uma
informação maior pela carência de elementos (15).

Na lateral do poente, uma lápide comemorativa, a qual depois foi transferida para a galilé,
quando da ampliação que conduziu à fachada atual da igreja (16).

195
Não demoraria muito e uma nova reforma projeta-se para a igreja. Uma terceira fase da
construção do monumento se iniciaria a partir de 1756 (17) e esta previa obras de grande porte: um novo
frontispício, colocando-se à frente do antigo, com duas torres e galilé entre elas. O coro, derrubada a
parte do frontispício velho acima da porta, seria elevado e se prolongaria por sobre a galilé. Nas laterais,
corredores em dois andares prosseguiriam, talvez até a sacristia que se localizaria atrás da capela-mor. Tal
ampliação acomodaria a igreja ao tipo preferido no Nordeste, com corredores laterais de ambos os lados.
Quanto à galilé, esta refletia remotamente aquela da igreja dos beneditinos do Rio de Janeiro e, ainda
melhor, contemporaneamente e já construída,a da igreja da casa da Paraíba, de 1747 a 1750, muito
próxima, em estilo, da projetada para Guararapes. Esta proximidade de estilo é patente ao analisar-se as
perfilaturas das cantarias das janelas rasgadas do coro daquela igreja de São Bento de João Pessoa e as
duas portas das torres em Nossa Senhora dos Prazeres. A modenatura da primeira etapa do novo
frontispício é também bastante aparentada com a definida para igrejas do Recife desde o início do século
XVIII. A referência feita com relação a São Bento de João Pessoa, importa quanto ao partido de planta do
trecho da fachada e interessa também a de Guararapes, no alçado que, na Paraíba, é concluído à luz do
projeto inicial e com proporções coerentes com a altura do frontispício, em seus dois andares. Essa
fachada paraibana é um dos exemplos que dispomos para mostrar o que seria a projetada para Nossa
Senhora dos Prazeres, se fosse, no correr da segunda etapa das obras, respeitado o risco original, em face
de suas proporções que visavam a uma acomodação mais lógica com a igreja seiscentista.

Este novo frontispício, em nada interferiu no espaço interior da igreja do século XVII, quanto as
suas dimensões, apenas criou um trecho de ligação, entre aquele espaço fechado da nave e capela-mor, e o
exterior, através da galilé, espaço semi-aberto, por meio de tres arcadas. Na verdade, a pretensão, muito a
gosto do século, foi necessariamente enriquecer o exterior com um frontispício que, nobremente, ensejava
ao convívio interior. Tal um cenário, dramatizava, comedidamente, como sói ser no Brasil, o exterior, uma
vestimenta nova para a "velha igreja". Aliás, creio também ser com esta intensão o tratamento dado desde
o século dezessete, nas igrejas franciscanas no Nordeste, a exemplo a extraordinária fachada projetada e
construída para o convento dessa ordem em João Pessoa, Paraíba.

Mas as obras da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres foram paralisadas ao tempo da regência de
Frei José de São Bento (1769-75), na altura da primeira cornija.

196
É ao principiar a penúltima década do século XVIII que os trabalhos são reiniciados (18).

A arquitetura das fachadas das igrejas - nesta altura do século se tinha modificado sensivelmente.
Lentamente, o decorativo do barroco, a forma ornamental, vai tomando lugar nos frontispícios que, desde
a segunda metade do século XVII se ressentem, embora em princípio moderadamente, com esse elemento
formal. De uma linguagem arquitetônica limpa, clara, ainda maneirista, a um enriquecimento que começa
por se aplicar sobre vergas e arcadas, uma decoração fitomórfica que assume e termina, embora não
totalmente, como ocorre na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador, excessão à regra, por impor
sua força nos frontões e portas das igrejas. Por outro lado, essa linguagem que se utiliza da flora,
acompanha uma modificação sensível nas proporções das fachadas que, de atarracadas, pesadas, preferem
a elegância e buscam maior altura sobre a largura. Com esses exteriores se dá o mesmo que ocorreu com o
retábulo, onde o exemplo mineiro é o melhor, para a compreensão do fenômeno. As pilastras e os cunhais
se aligeiram, face a nova sintaxe rococó, coerente com a evolução da talha dos retábulos, que passa do
Barroco para o Rococó.

A segunda etapa das obras do frontispício vem encontrar uma mole construtiva de boa fábrica, já
montada. Perder toda aquela pedraria, resultava prejudicial e antieconômico. É com o propósito desse
aproveitamento do trecho anterior - como condicionante, que se pretende, dando modernidade ao
frontispício, terminá-lo.

Atribui-se a Francisco Nunes Soares a conclusão e necessáriamente, o risco do restante da


fachada (19). O resultado é surpreendente; com maestria o pedreiro consegue equilibrar as duas partes, a
antiga e a nova. Respeita a prumada das pilastras, já definidas desde o rés do chão, mas as torna mais
leves, menos larga nas torres e bem magras nos trechos intermediários da galilé (20). Aumenta a largura
do segundo trecho e, ao lançar a segunda cornija, encurva-a no centro, em forma semelhante à da fachada
da igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda e sobre ela entre as torres, na altura das sineiras, assenta o
elegante frontão, mais alto que o seu congênere de Olinda, da igreja beneditina já referida. As aberturas,
janelas rasgadas, são feitas respeitando, quanto à sua disposição, as envazaduras do térreo, mas em sintaxe
rococó e similar às da igreja de Nossa Senhora do Rosário de Santo António do Recife. No centro da
fachada dispõe um óculo que reflete com mais elegância decorativa, àquele existente também na igreja de
São Bento de Olinda. Nesse frontispício notável é , no entanto, a cartela localizada no tímpano do frontão:

10

197
é das peças mais bem desenhadas e melhor executadas, de carácter rococó , disposta no Nordeste, em um
exterior; sem dúvida espelha a talha interior, privativa dos retábulos, mas jogada nessa fachada com uma
categoria inigualável. A delicadeza de tratamento dessa cartela é fiel ao dado para a ornamentação dos
frontões das igrejas do Carmo do Recife, Nossa Senhora do Rosário de Santo António e outras que se vão
concluindo na segunda metade do século dezoito.

O corte é fino e gracioso e o desenho fiel as mais legítimas expressões do "rocaille".

As torres recebem no coroamento uma varanda que envolve os arremates bulbosos, comuns às
igrejas do fim do século XVIII.

As paredes, em 1792, tem concluído seu revestimento azulejar, branco com reflexos nacarados.
Neste mesmo ano se concluem as torres (21).

O projeto total previa corredores nas laterais da nave partindo das torres e alinhamento com a
mesma. Dessa parte apenas se abriram as janelas, em tribuna, em substituição das sesteiras e elevaram-se
os pés-direitos das laterais e o telhado da nave consequentemente. Acreditamos ser dessa fase a
reformulação da altura da capela-mor e, talvez, a destruição da abóbada de alvenaria. Como consequencia
se aumentou o arco-cruzeiro em altura e se modificou o forro para a disposição atual. Os trabalhos
interrompidos não prosseguiram mais com a intensidade de até então. Depois dessa fase, somente obras de
reparo seriam realizadas.

Um problema se impõe ser notado: o da sacristia atual. Localizada atrás da capela-mor, vê-se
pela estrutura de suas paredes, posta à luz recentemente (22), ter sido construída com aproveitamento do
material em alvenaria de pedra e tijolo e este de dimensões e procedências diversas. A maioria dos tijolos
é do tipo utilizado no acréscimo, em altura, da nave e a pedra, tudo indica, é semelhante ao usado na
construção do presbitério. Sua localização é forçada e suas dimensões não condizentes com o resto da
igreja. Teria sido provisória? talvez, quando se concluissem os corredores que ladeariam a nave, estes
levariam a construção de uma bem maior e em mesma largura da fachada, inscrevendo o conjunto em um
retângulo, espelhando em Guararapes as sacristias de São Bento de Olinda e de São Pedro dos Clérigos do

11

198
Recife, entre outras. Onde se localizaria a primitiva? uma segunda porta lançada no corpo, perto do altar
do Bom Jesus de Bouças, abre para fora, isto é, para um cômodo que, seguramente poderia ser o da antiga
sacristia, localização comum às igrejas seiscentistas. Na capela-mor intriga-nos uma abertura entaipada,
em forma de arco, do mesmo lado dessa porta. Seria o acesso ao mesmo cômodo desde o presbitério?
enquanto não se proceder uma pesquisa de alicerces desse lado, tudo não poderá passar de conjecturas. Na
verdade, não é possível aceitar a sacristia existente com suas dimensões e situação.

O púlpito, na sua fisionomia atual, é o resultado das obras finais do século XVIII e concluídas já
no século XIX (23). Em sua feição original deveria ter uma varanda em balaústres torneados e assente
sobre uma taça de pedra. Sabe-se que este último elemento se encontra recoberto pelo tambor, em
madeira, que vestiu depois todo o púlpito. A grade de comunhão é bem da época desse púlpito, com
torneados ou colunelos torsos. Essa grade, bem realizada, tem desenho similar às de outros monumentos
seiscentistas e da primeira metade do século seguinte.

Entre as imagens que possui a igreja dos Guararapes, ressaltaríamos a do crucificado, em


excelente entalhe, do altar de Bom Jesus de Bouça; a de Sant`Ana, do colateral simétrico e o crucificado
da sacristia. São imagens de excelente feitio e que merecem restauração. Sobre a imagem primitiva refere-
se o historiador José Antonio Gonsalves de Mello, em "A Igreja dos Guararapes", citando o Santuário
Mariano que a descreve como sendo "pequena e de escultura de madeira; a sua altura são dois palmos,
pouco mais ou menos".

Em sua "Memória sobre os Montes Guararapes e a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres edificada em
um deles" (24), o padre Lino do Monte Carmelo Luna dá uma relação das imagens que encontrou na
igreja em meados do século XIX.

Estranhamos as dimensões de duas imagens: a de Santana e o Crucificado, ambas nos dois


altares colaterais ao arco cruzeiro. As imagens tem medidas que não são compatíveis com os retábulos.
Para tais nichos, imagens bem menores seriam o ideal.

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Resta-nos finalmente apenas relacionar na sacristia, os quatro excelentes painéis, pintura sobre
madeira, dos quais não encontramos elementos maiores que esclareçam sua origem. São pinturas de boa
fatura e o historiador José António Gonsalves de Mello associa tais painéis à pintura flamenga (25), no
que também nos inclinamos a aceitar como de procedência, face a certos elementos de cor e composição.
O monge beneditino D. Clemente da Silva Nigra, vê nesses quadros obra de Frei Estevão do Loreto
(Joassar), francês, e seu irmão em hábito (26).

No Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, encontram-se dois painéis,


pintura sobre madeira, representando as duas batalhas dos Guararapes, quinto e sexto no gênero e de
composição ingênua típica; pertenceram à igreja.

3. A Restauração - (1939-1967)

Em 1939, o recém organizado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo seu 1º
Distrito, então dirigido pelo engenheiro Ayrton de Almeida Carvalho, voltou suas atenções para alguns
dos edifícios mais notáveis, necessitando reparos urgentes em Pernambuco.

No inventário dos edifícios de valor histórico e artístico de Pernambuco, organizado pelo


jornalista Aníbal Fernandes, em 1928, quando ainda não existia o serviço federal de proteção, na
qualidade de Inspetor, nomeado pelo Governador do Estado, dos Monumentos Nacionais, em
Pernambuco, a igreja de Nossa Senhora dos Guararapes já se encontrava destacada (27). Na relação
elaborada no período em que o sociólogo Gilberto de Mello Freyre (28), estava à frente do 1º Distrito, de
edifícios importantes de Pernambuco, foi mantida a homenagem, diante do fato de ser a igreja, como se
disse, votiva e construída em louvor a Virgem dos Prazeres, por ter favorecido as vitórias nas duas
batalhas nos morros dos Guararapes.

13

200
Assim, naquele ano de 1939, foram realizadas obras de conservação no edifício e estas
contemplavam vários consertos nos telhados e rebocos do imóvel (30).

Nos anos seguintes, desde 1939 até 1976, foram sempre obras de conservação as realizadas na
igreja.

Em 1971, quando o lugar, igreja e colinas, integrava o Parque Nacional dos Guararapes, obras
de conservação de grande vulto, estavam concluídas no edifício.

As obras iniciadas em 1967, foram de responsabilidade daquele órgão federal denominado então
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dirigido no seu 1º Distrito ainda pelo engenheiro
Ayrton de Almeida Carvalho.

Compreendiam as obras programadas: a reconstrução das coberturas, com novas estruturas de


madeira e telhamento; recomposição dos rebocos; consolidação dos revestimentos azulejares; restauração
de esquadrias; renovação dos pisos e restauração das talhas e pinturas.

Dos serviços realizados, guarda a repartição federal vários relatórios nos arquivos do Recife e do
Rio de Janeiro.

A oportunidade das obras permitiu uma análise melhor do edifício, resultando de tal fato o se
escrever melhor a sua história (31).

Nas obras de conservação ou de restauro em um edifício, quando elas envolvem trabalho de


grande vulto, que intervém de maneira tão abrangente quanto a realizada na igreja de Nossa Senhora dos
Prazeres, os resultados de uma possível leitura das fases construtivas são extremamente relevantes e não
podem ser dispensadas pela entidade responsável pela execução. Por outro lado, na execução das obras o
acompanhamento não pode ser executado sem que existam pessoas com qualificação para tal análise,

14

201
diante da possibilidade de se perder a, talvez, oportunidade única de se ter o edif_ cio, informando de suas
diversas etapas construtivas ou decorativas. As obras, quando contratadas por terceiros, alheios a tais
requisitos, podem dar como resultado uma ausência de informações desse gênero que se deseja e, pior que
isso, a destruição, por ignorância, de elementos de grande importância para a história da construção. A
simples fiscalização exercida pela autoridade responsável pela restauração, ou outra obra qualquer, deve
acompanhar de perto, inclusive exigindo da empresa contratante a presença daquele especialista que possa
acompanhar a obra e relatar todo o ocorrido.

No caso presente, o 1º Distrito, apesar de não ser o executante, conforme se depreende dos
contratos feitos, na obra de restauração exercia o controle do andamento dos serviços, tendo sempre à
frente dos mesmos os seus técnicos, inclusive com acompanhamento diário (33)

Na remoção dos telhados da igreja se pode constatar não apenas na capela-mor, mas
precisamente no corpo da nave, a elevação das paredes, tornando, em tempo que a história poderia
informar, a igreja mais alta, cerca de 1.50m. Com relação a capela-mor, a destruição de uma abóbada de
meio canhão, realizada quando do aumento de altura das paredes de suporte dessa, fato indiscutível diante
dos indícios encontrados, como a primeira modificação daquela capela de 1656, original, fruto da doação
aos monges de São Bento em 1656. O telhado em estrutura de madeira, existente quando das obras de
1967, vem substituir, na verdade, outro, antes assente suas telhas por sobre a abóbada destruída. Tal
demolição e a necessidade de concordar a altura do novo telhado com aquele da nave, obrigou ao
levantamento das paredes laterais da primeira igreja. Assim, os telhados encontrados maiores que os
anteriores, antes removidos. Em estágio anterior (século XVII), a igreja era mais baixa e com proporções
tendendo ao quadrado, compatíveis com aquele século. As marcas dos beirais e das empenas, quer os da
capela-mor ou os da nave, se encontravam bem visíveis nas paredes laterais e nas transversais a do arco
cruzeiro e a da parede fundeira da capela-mor.

Na oportunidade em que foram removidos os rebocos externos e parte dos internos referentes à
nave e capela-mor, maiores informaçõ es nos forneceu o edifício.

A remoção dos rebocos que se fez cuidadosamente, permitiu uma sequência de dados
importantes para a leitura das diversas etapas construtivas do edifício. Os diferentes materiais construtivos

15

202
empregados na igreja, nos diversos tempos da construção, revelaram novos elementos de sua história, de
forma bem clara, conduzindo a resultados incontestáveis. A capela-mor e a nave, nas paredes, até a altura
daquela emenda horizontal antes referida e vista quando das obras nos telhados, empregaram alvenaria
ciclópica com pedras irregulares, arenitos, em épocas distintas. Da emenda para cima fez-se uso de tijolos
de barro, na nave e capela-mor, de mesmo tipo e época.

Por outro lado, a capela-mor apresentava, no sentido do comprimento, também uma emenda
com diferença de material, e onde no lugar de tal mudança de estrutura, na parte interna, havia indícios de
que a parede fundeira tinha se deslocado para trás, cerca de 1.00m.

Na parte da nave, o arco cruzeiro em pedra, arenito, indicava nas impostas que a cantaria tinha
recebido duas pedras, em tempo diferente do original de execução de tal elemento de arquitetura, a mais
de cada lado, o elevando cerca de meio metro. Tal elevação era compatível com aquela do telhado já
referido.

Nas paredes da capela-mor e no corpo da nave, a remoção dos rebocos revelou o tipo de
iluminação natural empregada originalmente na igreja, coerente com edificações seiscentistas, frestas
estreitas e altas, uma de cada lado, nos dois ambientes do templo.

As proporções do interior da nave, preservadas pelo nível da cimalha real e do forro, conduziam
a um resultado muito curioso: a elevação dos telhados se fez não por necessidade de aumentar a altura
interna da nave e sim para se compatibilizar o volume dos dois ambientes por fora, com as torres e uma
nova fachada.

A mesma remoção dos rebocos permitiu se verificar pela diferença de material e de técnica
construtiva empregada, além da diversidade de estilo, que a atual frente da igreja, a fachada principal, não
era contemporânea das obras da nave e sim fruto de uma justaposição onde, à maneira de um cenário, se
dava maior grandiosidade ao corpo da nave-capela-mor, através de um artifício, típico de teatro,
identificado com o barroco. As torres e a galilé entre essas, por sua vez, se executou em duas fases de
gostos diferentes; até a altura do nível do piso do coro e daí até o coroamento das sineiras.

16

203
Na verdade, a igreja foi sendo gradualmente ampliada e se adaptando aos novos espaços
exigidos pela ampliação do número de fiéis que se dirigiam ao culto naquele templo, construídos no lugar-
memória das batalhas assinaladas.

Do confronto dos elementos postos à nú, da ossatura, com a documentação histórica pode- se
determinar com segurança as diversas fases antes referidas.

As obras realizadas desde 1967, que antes apenas se destinavam à conservação do edifício,
levaram à reflexões que definiram o partido que foi adotado na restauração, então desejada, do edifício.

Deste modo, chegava-se a conclusão das obras sem que se dispusesse de um projeto gráfico do
pretendido na restauração, anteriormente elaborado para a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. Tal
procedimento era coerente com aqueles princípios que sempre nortearam a execução de várias outras
intervenções em edifícios e de responsabilidade daquela repartição federal: de início o interesse era
sempre o da conservação do edifício com algumas intervenções que se permitia definir, sem que se
realizassem prospecções no imóvel, antecipadamente e no decorrer das obras, quando ocorriam a remoção
dos rebocos, de telhados ou de outros elementos construtivos, se procurava chegar a uma definição do
partido a ser adotado para o resultado. Tal forma de agir era absolutamente compatível com os recursos
destinados as obras e com o tempo para o término delas. Essa maneira de proceder, face ao espaço de
tempo que se levava do início à conclusão dos serviços, possibilitava na maioria dos casos, grandes
acertos no resultado final a que chegavam as obras.

No caso de Nossa Senhora dos Prazeres, o partido adotado, se assim pudermos considerar para a
ação e configurado no resultado, foi da resultante soma de informações enviadas e decisões tomadas pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, à luz do seu corpo técnico do Rio de Janeiro, séde
da Diretoria Geral.

17

204
A responsabilidade, dessa forma, era entregue a um colegiado que, bem informado pelo 1º
Distrito, o qual por sua vez também opinava através de consultas realizadas a especialistas em História,
Arquitetura e Arte.

A igreja de Nossa Senhora dos Prazeres apresenta hoje o resultado de tal partido, onde tempos
diferentes convivem em harmonia e, onde à leitura do especialista, se soma o fruir da beleza pelo povo
que visita permanentemente o edifício, mesmo sem conhecimento, esse dos seus diversos aspectos
arquitetônicos e artísticos, conforme se disse.

Felizmente, dos resultados das prospecões realizadas durante as obras e que conduziram ao
partido adotado na restauração, foram feitas fotografias e outros elementos gráficos, que depois foram
organizados e distribuídos em painéis, montados para uma exposição destinada a ilustrar na igreja não
apenas a intervenção no edifício, mas aquela pretendida para o Parque Nacional dos Guararapes.

Apesar de existirem no Brasil, em 1967, arqueólogos em atividades e que pudessem ter


conduzido aquelas prospecções referidas, a um resultado mais científico, o 1º Distrito não fez uso desses
especialistas.

Na verdade, com a retirada dos rebocos e dos telhados na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres,
puderam bem se conduzir os técnicos daquela repartição para o excelente fim alcançado. No entanto, se
tais dados fossem tratados, naquela altura, à luz da arqueologia, com a análise dos materiais empregados
das argamassas, pedras e tijolos, além de uma melhor localização gráfica dos vestígios, nos parece, os
resultados poderiam talvez ser melhor documentados, seguros, propiciando a formação de um banco de
dados sobre tais elementos construtivos e as suas técnicas, o que, posteriormente, associados à História,
levaria a ajudar a datar outros edifícios.

Entende-se o porque no Distrito não se proceder de tal maneira: a arqueologia no Brasil, na


altura das obras então empreendidas na igreja dos Guararapes, em 1967, estava de todo mergulhada na
pré-história, no tempo pré-cabralino e somente poucos arqueólogos se interessavam pelo período de
tempo considerado histórico no Brasil, isto é, desde 1500, com a presença de europeus entre os índios. Por

18

205
outro lado, a Arqueologia Histórica, assim denominada, ainda não tinha sido utilizada para fins que
fossem auxiliares da restauração de edifícios.

Além do mais, a natureza do trabalho, as técnicas e métodos empregados na arqueologia, ainda nã o se


coadunavam com aquelas utilizadas na restauração.

NOTAS:

1. Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de Olinda (Recife 1948) - pág. 271 - Padre Lino do Monte
Carmelo Luna "Memória Sobre os Montes Guararapes e a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres,
edificada em um deles. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, n. 17
(Recife 1868) págs. 253/289.

2. Arquitetura Popular em Portugal - Lisboa, 1961 - 2 volumes - Sindicato Nacional dos Arquitetos. Págs.
90 a 97 - 1. volume: Vila do Conde:
"Já que estamos em Vila do Conde, defronte da Capela de Santa Catarina, será altura de iniciarmos,
com grandioso arranque outro capítulo da arquitetura desta zona: a arquitetura religiosa"
"Neste aspecto as capelas de peregrinações de que demos alguns exemplos, são mais
informadas pelo gosto popular.

Como são alvo dos cuidados atentos dos fiéis, tirante um ou outro atentado mais escandoloso,
mantém-se a maior parte das vezes num grácil estado de conservação, em contraste com as casas
vizinhas. Pelo menos, a cal não falta, e só isto basta para lhe manter a fisionomia ridente e espêndida.

Passando ao extremo fronteiriço, a alguns passos da Espanha, temos presente em dialeto


soagense uma outra capela de peregrinação. É difícil dizer o indispensável quanto a este templozinho.
Dizer tanto pelos minguados meios do vocabulário construtivo; articular tão bem e transmitir a quem
dele se aproxima a inefável simplicidade arquitetônica do objeto suficiente e acabado, como esta ignota e
longí nqua capela de Santa Madalena.

19

206
Dentro, pintado pela mão perra do artista provinciano, o retábulo retém, inesperadamente para
quem devassa o escuro interior, a única atraçã o do visitante ou peregrino.

Distinguem-se nos cumes dos montes, subsistindo porventura na devoção dos povos qualquer
remota crença, herança dos seus antepassados pré-históricos; permanecem abandonados todo o ano,
para no dia do seu oraga se animarem com o festivo movimento dos peregrinos e entusiastas da
paisagem do espetáculo das gentes e do bom farnel.

De planta restrita ao essencial, nave retangular, onde um altar ingênuo enfrenta o poente pela
porta da galilé, com o seu púlpito soerguido para a prédica, tem por vezes adossada a sacristia.

Quando o local é ermo e distante, vá de se ajuntar a casa para guardar os andores, onde os
mordomos se reunem e pernoitam na véspera do grande dia.

Frequentemente, mas sem constituir regra, se existe abside com arco triunfal, o púlpito instala-
se na nave já maior para receber os crentes.

Assentes na planura relvada e arborizada do planalto, ou então na fraga do píncaro do monte


que lhe toma o nome, rodeiam- se do muro que lhe limita o adro, onde vai circular a procissão, depois da
volta alongada pelos pontos de passagem de praxe.

Da arquitetura ortogonal, contrastando com a natureza selvagem ou amável do sítio, há ainda


que fazer referência ao parentesco direto destas capelas de peregrinações com construções dos vales,
que se espraiam pelos arredores. De resto, a fala é a mesma nos pormenores, só se tornando insólita pela
ausência do arvoredo envolvente. Paredes caiadas, colunas sustentando o alpendre ou o nartex com seus
bancos corridos e cobertura de telhas.

20

207
Quando se erguem nas colinas ou encostas de baixa altitude, vizinhas destes ou daquele
povoado em terra férteis que permitem, das contribuições dos paroquianos e das ofertas dos romeiros,
construção mais apurada e maior, então se adornam dos atributos clássicos da Igreja Barroca. A
expressão mantém-se rústica, apesar das pirâmides, rosáceas, portais emoldurados, frontões e cornijas.

Como constante comum às religiões em que os templos, principalmente os santuários, se situam


em locais elevados, melhora-se o acesso com escadarias, patamares e capelas adicionais, acertadas pela
porta principal da igreja, exprimindo da maneira mais plena o orgulho dos fiéis.

Se as confrarias são ricas, esses arranjos das encostas valorizam-se sobremaneira, como
acontece no Bom Jesus de Braga e Nossa Senhora da Franqueira; porém se a obra é de bitola popular e
há poucos dinheiros porque o orago não é de nomeada, a solução sai no mesmo sotaque peculiar aos
outros embelezamentos".
(O EXEMPLOS ANOTADOS SÃO DE MUITO INTERESSE DESDE QUE QUASE TODOS TEM COPIAR SUSTENTADOS
POR DUAS COLUNAS: S. SEBASTIÃO - RIO FRIO - ARCO DE VALDEVEZ - CALHEIROS - PONTE DE CIMA - CAPELA

DO SENHOR DOS PERDIDOS; POUSADOURO - TABUAÇAS - VIEIRA DO MINHO). IBID - pág 198 “... às vezes,
nas aldeias, e, muitas vezes fora delas, encontram-se pequenas capelas de nave prolongada por telheiro,
tantas vezes seu irmão gêmeo em tamanho, e, que, nos dias de romaria ou festa, prolonga e desdobra o
reduzido espaço interior.

Os cuidados vão para os que sobram, e, assim, além da cobertura, não raro fica bordejado o
alpendre com bancos de pedra, e a cinta debrum que os envolve, não só lhes faz de costas, como limita o
recinto - que ainda é capela - em espaço aconchegado à frente, abraçando todos por igual, tornando-os
participantes, dos mistérios que decorrem na penumbra do altar, e solidários com as emoções que
transbordam do púlpito que, não raro fica de guardião à porta principal. Volume 2 º pág. 120 - A igreja
rural, sempre a edificação mais esmerada do pequeno aglomerado, onde se situa numa posição de
relevo, não deixa nunca de ser um templo reduzido, de volumetria simples e acabamento modesto.

Compõe-se, quase sempre, duma única nave iluminada por reduzidas aberturas. A caiação
alvinitente por vezes é quebrada por uma chamada de cor.

21

208
Os ofícios e as festividades possibilitam os contactos sociais num plano bastante significativo
para as tradições místicas e daí a adaptção do templo e suas imediações, a uma realização plena dessa
sociabilidade - o adro, o alpendre, o largo com o coreto das festas são a expressão arquitetônica duma
vivência coletiva.”
.

3. Saia, Luis - O alpendre nas capelas brasileiras, in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional n. 3 págs. 235/251 - Rio de Janeiro, 1939, Ministério da Educação e Saúde.

4. Arquitetura Popular em Portugal - Lisboa 1961 - 2 volumes - Sindicato Nacional dos Arquitetos.

5. Gonsalves de Mello, José António - A igreja dos Guararapes - Universidade Federal de Pernambuco -
Imprensa Universitária - Recife, 1971 - pág. 15

6. Obras realizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 1º Distito e o Serviço de
Engenharia da Sétima Região Militar (descritas no 1º ítem do presente texto).
.

7. Santos Simões, João Miguel dos - Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822) Corpus da azulejaria
portuguesa - Fundação Calouste Gulbenkian-Lisboa, 1965 - pags. 225-226.

8. Livro de Tombo; op. cit. pags. 261/262.

9. Santos, Paulo - Arquitetura Religiosa de Ouro Preto.

10 Larsen, Erik - Frans Post - Interpréte du Brasil - Colibris Editora Ltda. Amsterdam - Rio de Janeiro,
1962.

22

209
11. O projeto é reproduzido por Germain Bazin no livro Architecture Religieuse Baroque au Bresil como
sendo do Colégio do Rio de Janeiro. O arquiteto Paulo Santos, em comunicação para o Vº Colóquio Luso-
Brasileiro, faz reparo e informa ser, na realidade, o plano de Francisco Dias, arquiteto jesuíta, para o
Colégio de Olinda, Pernambuco.

12. Silva Nigra, D. Clemente Maria da - O monumento dos Guararapes, artigo publicado no Correio da
Manhã - Rio, 25.4.1948, reimpresso no Diário de Pernambuco, Recife, 9.5.1948.

13. Costa, Lúcio - Arquitetura Jesuítica no Brasil - in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional nº 5 pags. 9-105 - Rio de Janeiro 1941 - Ministério da Educação e Saúde.
14.Obras realizadas IPHAN - 1. Distrito - 7a. Região Militar.

15. A capela votiva possuia sino; talvez localizado em sineira lateral pelo que se depreende da doação.

16. Lápide com inscrição de excelente feição gráfica. Texto reproduzido em Gonsalves de Mello, José
António - A igreja dos Guararapes; op. cit. ibid - Pereira da Costa, F.A. - Anais Pernambucanos - 10
volumes (Recife, 1951 66) e outros.

17. "Guararapes: notas para a história da capela dos Prazeres", Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife - 1945, pg. 24.

18. Idem pags. 23-25.

19. Silva Nigra, D. Clemente Maria da - O monumento dos Guararapes, op. cit. O professor José António
Gonsalves de Mello, em nota 23 de A Igreja de Guararapes informa: "A atribuição é de D. Clemente
Nigra, "O monumento dos Guararapes" cit. aceita por Germain Bazin, L' Architecture Religieuse

23

210
Baroque, au Brasil, 2 volumes. (Paris, 1956-58) p. 129. A atribuição baseia-se nas referências feitas na
Revista cit. em nota 21 pp. 33, 34, 35, 36, 39. Outros elementos acerca de Soares no opúsculo de quem
escreve estas linhas, Capela de Nossa Senhora da Conceição da Jaqueira (Recife, 1959) nota 8. A
autoria da fachada do Mosteiro de Olinda atribuída a Soares parece contestável, dado que o nome
mencionado do "Livro do Gasto da Sacristia do Mosteiro de São Bento de Olinda, 1756-1802", Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, vol. 12 (Rio, 1955) p. 261 é o do Mestre Francisco
Fernandes, que trabalhou na Igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife".

20. Compare-se esta soluçã o com a utilizada para os conventos franciscanos de João Pessoa, Paraíba e
Recife, Pernambuco.

21. Santos Simões, João Miguel dos - Azulejaria portuguesa no Brasil - ob. cit.

22. Obras IPHAN - 1. Distrito/7a. R.M.

23. Pereira da Costa, F.A. - Anais Pernambucanos - 10 volumes (Recife, 1951-66). III pp. 341-342; III
pg. 440 - V pag. 156.

24. Carmelo Luna, Padre Lino do Monte , "Memória sobre os Montes Guararapes e a Igreja de Nossa
Senhora dos Prazeres edificada em um deles”, Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico
Pernambucano, n. 17 (Recife, 1868) pp. 253-289.

25.Mello, José Antonio Gonsalves de, - A Igreja dos Guararapes, ob. cit. pág. 18.

26"O Monumento dos Guararapes", ob. cit. e Construtores e Artistas do Mosteiro de São Bento do Rio
Cardoso de Janeiro (Bahia, 1950) pp. 187/194. Joaquim, em Notas sobre a antiga pintura religiosa em
Pernambuco, Revista SPHAN n. 3 (Rio, 1939), pp. 62, viu nesses painéis "influência de certos pintores
portugueses".

24

211
27. "Digna de conservação é também a igreja de N.Sra. dos Prazeres, construída no mesmo local em que
se elevava a capelinha edificada por Francisco Barreto de Menezes em ação de graças pelas vitórias
obtidas contra os holandeses. Data do século XVIII e é bem curiosa, com sua fachada de azulejo
infelizmente pintada de branco. O interior é revestido de azulejos e dourados de novo, e no altar-mor
alguns retábulos que não são destituídos de interesse artístico. À entrada vê-se ainda bem conservada a
inscrião referente à primeira capela de Francisco Barreto".
In - Gonsalves Fernandes, Anibal - Relatório da Inspetoria Estadual dos Monumentos Nacionais,
Imprensa Oficial, Recife, 1929 pág. 22.

28. O doutor Gilberto de Mello Freire dirigiu inicialmente o 1º Distrito do Serviço do Patimônio
Histórico e Artístico Nacional, de finais de 1937 a 1938, por cerca de quatro meses, depois assumiu o seu
irmão, Ulisses Freire, que logo deixou a direção. Em 1938, já dirigia a Repartição, o engenheiro Ayrton
de Almeida Carvalho.

29. As obras empreendidas na igreja em 1939, tiveram por objetivos: o reparo, com telhamento, de todos
os telhados; a refixação dos azulejos, além de outros consertos, no interior e exterior da igreja, sem maior
destaque. Na oportunidade, através do periódico Fronteiras, o Distrito veio sofrer críticas de um
jornalista.

30. Menezes, José Luiz Mota, - Notas sobre a evolução da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos
Montes Guararapes, Cadernos de cultura, Escola Técnica Federal de Pernambuco, Recife, 1975.

31. Era opinião corrente, que a capela original de Francisco Barreto, tinha sido demolida inteiramente. O
próprio jornalista, Anibal Fernandes assim deixa perceber, (ver nota 27). No entanto, ela foi aproveitada
para ser a capela maior da ampliação, conforme se diz no presente sobre a história.

32. A exigência de operários especializados condicionava a que o Distrito tivesse maior nível de
orientação técnica junto as obras. Por outro lado, as decisões que deveria tomar e as prospecções

25

212
decorrentes fazia com que os técnicos da repartição, na maioria das vezes exercesse grande ação
participativa na direção dos serviços. Em todas as ações, por exemplo, estava presente a orientação do Sr.
José Ferrão Castelo Branco, o qual transmitia aos operários, como mestre da obra, as decisões técnicas da
repartição. Verdadeira escola de formação de operários especializados, o canteiro de obras do 1º Distrito
muito propiciou a melhoria da qualidade dos profissionais envolvidos, desde os arquitetos aos simples
pedreiros.

26

213
Igreja de N.S.do Monte Olinda.

1. 2. Localização . História e Arte.

§ 6º “O monte de Nossa Senhora do Monte, águas vertentes para toda a parte, tudo será para
serviço da vila e povo dela, tirando aquilo que se achar ser da casa de Nossa Senhora do Monte, que é
cem braças ao redor de toda a parte, e assim o valinho, que é da banda do Norte e rodeia todo o monte
pelo pé, até o caminho que vai para o Val de Fontes , para o curral velho das vacas, que tudo é da dita
casa de Nossa Senhora do Monte”(1)

D
uarte Coelho, em seu Foral, distingue o Santuário de Nossa Senhora do Monte e, no des-
taque, o torna a mais antiga construção de Olinda referida em documento. O Historiador
José Antônio Gonsalves de Mello , ao comentar este documento sobre o templo, assim se
expressa : “Esta é a única referência a igreja constante do Foral e a simples menção da sua
existência faz dela a mais antiga de Pernambuco, com certidão de nascimento por documento contem-
porâneo”.

“A primitiva casa foi ampliada ou substituída por outra, iniciativa de um ermitão, João Mar-
tins, antes de 1582, o qual desconhecendo o texto da doação que neste § do Foral se faz, tanto de ter-
reno em torno da igreja como da área ao pé do monte, dirigiu-se a D. Brites de Albuquerque, então
governadora da capitania em nome do filho Jorge de Albuquerque, dizendo que embora lhe constasse
notícia dessa doação o suplicante não achou até agora carta nem data que fosse para a dita casa de
Nossa Senhora , pelo que lhe pedia que doasse o dito sítio e outeiro onde ora tem situada e feita a dita
casa com suas fraldas de uma banda e outra, o que a viúva de Duarte Coelho concedeu , pois ora come-
ça a haver casa de oração da invocação da Senhora. A carta foi passada em Olinda em 16 de fevereiro
de 1582 e o ermitão dois anos depois fez demarcar a área doada e dela tomou posse para a igreja. Do
instrumento de demarcação consta a existência de um valado da banda do Norte do monte e de um cami-
nho que vem ao longo das Fontainhas... acima do caminho do Concelho.( 2)

214
Da igreja de Nossa Senhora do Monte as representações conhecidas , as anteriores e as de du-
rante a ocupação holandesa são todas sumárias, quer em mapas ou gravuras. São desenhos de extrema
simplicidade e não ajudam na reconstituirão do aspecto do santuário nos seus primeiros dias. Veja-se por
exemplo a gravura holandesa, realizada, provavelmente, por está nela inclusa, para a Carta Descritiva
da Tomada de Olinda e Recife, do General Hendrick C. Lonck, de 1630, a igreja se destaca, respeitan-
do-se na representação aquela característica de sua situação, quanto a topografia, no alto de um monte
mas , as arquitetura do santuário remete-nos àquelas de santuários europeus, qual por exemplo o do mon-
te de San Michel, na França, localizado no topo de uma elevação. Melhor no diz a cartografia, nela se
pode , em termos de comparação, por se encontrar o desenho em escala, avaliar as dimensões da igreja,
diante de outros edifícios dos quais se conhece as medidas. No mapa de Olinda , incluído no livro sobre a
permanência de Nassau no Nordeste , de Gaspar Barlaeus, vê-se que a igreja de Nossa Senhora do Mon-
te, tem dimensões razoáveis, se confrontadas com aquelas dos três outros monumentos contemporâneos,
a matriz de S.Salvador, a casa dos Jesuítas e o Convento dos frades de São Francisco. As medidas do
santuário chegam a ser bem próximas àquelas da matriz , isto é cerca de dezoito metros, incluindo nave e
capela-mor, no comprimento, por aproximadamente dez de largura . Naturalmente tais dimensões são
aproximadas, nos interessando, de momento, apenas caracterizar o igreja de Nossa Senhora com a sua
devida importância no conjunto quinhentista de Olinda. É interessante assinalar que o ermitão que se
encarregou de ampliar o edifício mais antigo, aquele do tempo da fundação da vila , o fez na década 1580
/ 90, correspondente ao período da ampliação da matriz do Salvador e da grande obra do Colégio dos
padres da Companhia de Jesus, momento em que Olinda se encontrava vivendo o luxo descrito pelo Pa-
dre Fernão Cardim : tudo era pensado em termos de grandiosidade.

A igreja que chegou até nossos dias , de certa maneira não nos diz muito de suas etapas constru-
tivas. Talvez uma prospeção arqueológica possa um dia esclarecer alguma coisa. É uma grande constru-
ção, com paredes executada em alvenaria ciclópica , constituída de nave e capela-mor, interligadas por
um arco cruzeiro um tanto incaracterístico. A nave se encontra dividida em dois planos através de um
degrau que tem toda a largura da igreja, e, na parte mais elevada situam-se quatro nichos, encravados no
corpo das paredes laterais, simetricamente disposto dois de cada lado . A solução arquitetônica não é
comum e o que é interessante é a proporção entre a altura dessa nave e a dos nichos; eles têm metade,
aproximadamente, da altura da mesma nave. Parece-nos, em princípio, obra talvez de épocas diferente no
todo da construção. Nesses nichos estão imagens de vulto. A capela-mor é de extrema simplicidade e um
retábulo do final do século XVIII arremata o interior. O edifício, pelo seu espaço interior e volumetria,
considerando os elementos de arquitetura que o compõe, não guarda , de momento, aquela desejável
relação entre as partes que o identifiquem com obras que possam o relacionar com aquela antigüidade
referida. Chegamos a ficar frustados ao nele penetrar na busca de valores que deveríamos usufruir, seme-

215
lhantes àqueles inerentes a igrejas de mesmo tempo, quais os da igreja de Nossa Senhora da Graça, do
extinto Colégio dos Jesuítas e a própria Catedral, a velha Sé, da mesma cidade de Olinda. A ausência de
cantarias no interior nos surpreende. Não que aquela simplicidade retire do santuário do Monte a beleza,
mas a desproporção a qual nos referimos não é freqüente em igreja tão importante e em uma Olinda do
século XVI. Alguma coisa ocorreu com a casa de Nossa Senhora e talvez o futuro, com aquelas prospe-
ções citadas, venha nos explicar melhor as reformas que nos causa hoje tais impressões estéticas.

Um elemento de arquitetura , no entretanto, nos leva a sublimar todas essas impressões e nos
transporta àquele século inicial do edifício aí sim nos garantindo sua antigüidade. Dominando a frontaria
da igreja uma entrada única dá acesso àquela nave, é uma abertura em arco de meio ponto e disposta de
maneira bem comum nos edifícios religiosos desde os primeiros tempos do cristianismo, de pequenas
capelas a grandes templos. A composição dessa fachada não foge a regra estabelecida pelos construtores
de igrejas desde a Idade Média, porta única , duas janelas à altura do coro e frontão recobrindo o telha-
do.o que muda é o gosto do Renascimento , que trata o exterior e interior com as “medidas ao romano”.
Proporções ao quadrado definem as medidas da contrafação da igreja onde pilastras monumentais, ar-
rematam de cada lado. Ao centro, não ultrapassando a metade da altura do frontispício, está a entrada em
arco de meio ponto.Emoldurando essa entrada única uma belíssima portada, firma o toque clássico ao
santuário. É justo esta portada o melhor exemplar decorativo do edifício e garantia, como se disse, de
sua tão longa existência. Tudo deve ter ocorrido com a igreja, em termos de intervenções, em momentos
diferentes, mas, incólume a toda a barbárie, a portada resistiu ao tempo e aos homens.

Sobre ela calam os testemunhos dos que viram o santuário no passar dos anos. A casa de Nossa
Senhora é sempre lembrada pelos viajantes, que até ela chegaram, pela vista magnífica que daí se tem do
Recife e redor : “Subi a Igreja do Monte, que é sofrível e de cujo local se descobre da parte da frente o
Recife e toda a várzea, vendo-se bem a olho nu as torres da Igreja dos “Prazeres de Guararapes, que já
me tinham mostrado duma cela de São Bento, e no fundo duma varanda alta do lado direito da Igreja, o
lado do Rio Doce e Itamaracá , distinguindo-se a olho nu a Matriz de Maranguape, sentindo muito não
ter avistado com o óculo, por causa de um matinho, a casa de João Fernandes do lado fronteiro e pouco
para a esquerda da matriz”. Assim à igreja se refere o Imperador Pedro II em sua vinda a Pernambuco
em 1859. (3)

A portada , não passa desapercebida ao francês Germain Bazin que a cita no histórico, muito
sumário, que faz do templo: “ A porta de entrada é do século XVII”. (4) Mesmo assim não a reproduz
fotograficamente. Talvez o todo da fachada o desagradasse, diante do estado das intervenções de que já
nos referimos. Campiglia, em seu Igrejas do Brasil , (5) na figura 164, reproduz uma fotografia da

216
igreja. .Analisando aquele frontispício , onde se encontra engastada a portada , podemos , através de uma
abstração, talvez mais fácil àqueles que lidam com a arquitetura do século XVI e XVII , perceber as
proporções ao quadrado , já assinaladas, do santuário e a valorização que o mesmo adquire, ao se elimi-
nar as duas portas que ladeam o referido elemento decorativo e restituir, para as janelas do coro, as
suas medidas “ao quadrado”. Também podemos considerar a necessidade de , nessa reconstituição ima-
ginária, , se refazer o frontão , provavelmente triangular , então típico da arquitetura da igreja, daquela
ampliação talvez pouco anterior a 1582 , à luz de tal portada . O frontão abarrocado e de desenho muito
frágil , que hoje se vê, em muito prejudica a leitura da arquitetura da igreja contemporânea da portada ,
ainda visível por sob a atual contrafação, que amesquinha o belíssimo elemento decorativo.

Analisando a composição da portada podemos constatar, que o autor de seu risco e também do
restante da fachada, se mantém fiel ao uso do quadrilátero regular , pois um arco de meio ponto arremata
a parte inferior dessa entrada única para a igreja, essa com medidas “ao quadrado”, proporção que define
as dimensões das folhas móveis da porta. Tais medidas dessa entrada não fogem àquelas recomendadas
pelos tratadistas que insistem no uso de formas geometricamente puras para a definição dos elementos da
arquitetura. Duas colunas dóricas envolvem, sustentando um entablamento, a abertura de acesso à nave.
Também as proporções definidas para o intercolúnio não fogem à regra. A altura de cada coluna é igual a
distância entre elas na portada. Mais uma vez domina o quadrado. A figura geométrica que regulou a
composição é a mesma utilizada por quem definiu o traçado do retábulo de pedra , ainda existente , na
primeira capela , do lado do Evangelho, da Igreja do Convento do Carmo da mesma Cidade. Assim a
portada é uma redução do corpo maior da fachada , o que nos indica mesmo tempo de execução e faz
recuar o santuário enquanto construção àquele ano de 1582 , apesar das intervenções posteriores, e talvez
confirme as medidas do edifício contidas no mapa citado, do livro de Gaspar Barlaeus. A ordem utilizada
pelo autor da portada é a dórica e conhecedor das recomendações dos tratadistas ele traça os elementos
constituintes da composição com esmero. Não é um tratamento simplificado, à maneira freqüente, ao se
considerar a matéria disponível o calcário, ele vai além e desenha com riqueza os pormenores , dando ao
conjunto um tratamento digno de um retábulo interior. Perfis bem elaborados e com grande fidelidade as
medidas de cada parte da ordem, em uma atitude que reforça a presença em Pernambuco , que já assina-
lamos , de bons canteis e escultores nessas obras decorativas dos anos finais do século VI e do seguinte,
antes da chegada dos holandeses e que tanto veiu a impressionar o Reverendo João Baers em seu relato da
invasão .

A portada , infelizmente não se encontra completa, falta-lhe a parte superior, a que assentava por
sobre o entablamento. Um nicho, antes da restauração , sugeria a existência de um frontão aberto trato
comum em elementos decorativos semelhantes a esse. Joaquim Sousa-Leão, no seu livro-catálogo sobre

217
Frans Post, nos apresenta vários desenhos e pinturas do artista holandês onde portadas , pórticos e alpen-
dres se encontram representados. Acreditamos diante de tal sugestão que de fato a parte superior da por-
tada teria um nicho, onde provavelmente se encontrava a imagem de Nossa Senhora do Monte.

A igreja com sua belíssima portada atravessou os séculos. Envolvida por rica arborização soube
se guardar àquelas transformações ocorridas na cidade de Olinda e no Recife , mas o tempo é cruel e nada
a ele escapa . Assim veiu a ser atingida pela ação do mesmo a portada do santuário. O desgastes provoca-
dos pelas intempéries levaram retirar do elemento decorativo não a sua beleza, pois esta foi acentuada
pela patina , mas a segura definição dos perfis , os detalhes de desenho , tão esmerados , daquele artista
primeiro. Uma intervenção parecia ser necessária. Entretanto quem se atrevia a tanto ? Não que fosse
Olinda ausente de artistas capazes. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo seu anti-
go 1º Distrito, já tinha demonstrado várias vezes não ser isto verdade. O que era importante estava no
trato da cantaria com os detalhes definidos pelo artista original. O respeito pelo executado levava a hesita-
ções . A presença de artistas alemães trouxe enfim a coragem. Restaurada e posto em sua magnitude a
portada da Igreja de Nossa Senhora do Monte retoma a sua fisionomia original e se destaca por sobre a
contrafação garantindo a Olinda a fama dos primeiro dias quando ela se comparava a uma “Lisboa peque-
na”.

A Igreja de Nossa Senhora do Monte, abriga em seu interior ainda um lavabo , na sacristia ,de
calcário, semelhante a um outro existente no Mosteiro de São Bento de Olinda, e peças de madeira da
antiga teia de comunhão, além das referidas imagens de vulto.

3.A Restauração da portada.

O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo seu 1º Distrito, não tinha, como se
disse , realizado nenhuma restauração da portada da Igreja de Nossa Senhora do Monte. não que lhe fal-
tasse, através de seu pessoal capacidade para tanto. Nas intervenções em que houve necessidade de com-
pletar peças de cantaria que estavam faltando esse Serviço realizou-as e de forma admirável : as copiou,
quando existiam modelos e com excelentes cantéis as refez e repoz no lugar. Assim procedeu no Conven-
to dos franciscanos de João Pessoa, no seu magistral cruzeiro e em inúmeros outros monumentos, onde
restaurou ou refez inúmeras peças de pedra que faltavam. O problema do Monte não ocupou a atenção do
SPHAN. Não desconhecia o valor da portada mas outras prioridades exigiam a manter como se encontra-
va, protegida por grossa camada de cal. Na Igreja realizou inúmeros consertos no telhado e outras partes
danificadas.

218
A restauração da portada passou a ser exigível quando ao ser limpa da cal ficou à mostra a di-
mensão do dano ao calcário de que é feita. Urgia recompor o belíssimo exemplar de arquitetura , testemu-
nha dos primeiros momentos de Olinda.

A portada sensibilizou os especialista estrangeiros e um artista alemão comprometeu-se a restau-


rar a portada.

A técnica utilizada foi a de substituição dos elementos estragados, novamente feitos com peque-
nas diferenças na execução, capazes de permitir a identificação das partes novas e antigas.

O calcário utilizado, de coloração um pouco diferente, veio da Paraíba e a técnica de corte foi
semelhante àquela do século XVI e XVII. Pretendeu-se dar um entonado nas peças novas, o que não foi
aceito por uma reunião de técnicos que debateram o assunto. Os próprios canteis, originários de Hambur-
go, na Alemanha, se posicionarão contra tal medida.

Desmontada e montada com as peças novas e as antigas, a portada se encontra restaurada em


todo o seu esplendor.

Notas:

1) Gonsalves de Mello, José Antônio, O chamado Foral de Olinda de 1537, in Revista do Arquivo Públi-
co V. 11 / 28, Nº 13 / 30, Recife, Pernambuco.

2)Gonsalves de Mello, José Antônio, op cit.

3)Pedro II,Viagem a Pernambuco em 1859,Cópia Introdução e notas de Guilherme Auler, Recife 1952.

4)Bazin,Germain, Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, Editora Record, Rio de Janeiro. s.d.

5)Campiglia,G.Oscar Oswaldo,Igrejas do Brasil,Edições Melhoramentos,São Paulo,s.d.

219
Igreja de Nossa Senhora da Graça e Real Colégio dos Jesuítas-Olinda*

1.Localização do Edifício.

A
igreja e extinto Colégio da Companhia de Jesus, atual Seminário Arquidiocesano, situa-se em
colina voltada para o mar, na cidade de Olinda. Construção que recua ao primeiro século, de
grandes dimensões, ocupa todo o coroamento daquela elevação e lhe deu o nome de Ponta
de Jesus. O monumento foi restaurado, parcialmente, pela Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe - entre 1973 e 1978.

O edifício foi Colégio e igreja dos jesuítas de 1551 a 1760.

Em 1796 é doado pela Rainha D. Maria I à Diocese de Pernambuco, e em 1800, a 16 de


fevereiro, torna-se séde do Seminário Episcopal de Olinda, dedicado a N.Sa. da Graça, que existirá até
1957.

Em 1959 é cedido a Universidade Federal de Pernambuco, que nele instala a Faculdade de


Arquitetura; a Faculdade permanece até 1960.

De 1960 a 1965 no edifício funcionou o Seminário Regional do Nordeste.

Em 1967 passa a existir nele um Centro de Treinamento da Arquidiocese.

Recentemente voltou a ser Seminário Diocesano.

2.História e Arte

220
2.1.A Ermida - 1551

Ao escolher um sítio para fundação de sua vila, Duarte Coelho Pereira (1) se fixa em uma colina,
hoje conhecida como Alto da Sé , e nela constroi uma torre, cujas ruínas ainda se podiam ver na primeira
metade do século XVIII (2), e em torno dessa mesma torre se vão distribuindo o casario e as capelas ou
ermidas fundadas durante seu governo ou de seus sucessores.

Pela situação topográfica a colina da Sé , a principal da vila, se estenderá ao longo de Leste a


Oeste, balizando seus extremos, a Igreja Matriz do Salvador e o Hospital e Igreja da Santa Casa de
Misericórdia. Duas ruas corriam de lado a lado seguindo a linha da cumeada da colina, a de Val de Fontes
e a Rua Nova. Nesta Rua Nova se situavam, além das moradias, a Torre, residência do donatário, a
Ferraria e depois a Casa de Câmara (3).

Numa vista de Olinda, gravura de data desconhecida, tudo fazendo crer anterior ao incêndio de
Olinda (1631), inserta em livro de J. de Laet, se pode bem avaliar o quanto estavam, no século XVII, já
construídas aquelas ruas, partes das mais antigas da vila (4).

Em outra colina, situada isolada em relação a já referida, mais para o Norte, uma ermida já
existia, em 1551, tendo como orago Nossa Senhora do Monte, a única, de todas quanto são ditas da época
do primeiro donatário, que possui "certidão de nascimento", pois se encontra referida no Foral de Olinda.
Ignoramos se em torno dela teriam existido casas. Os mapas da vila insertos nos livros de Nieuhof e
Barlaeus não indicam nenhuma construção na área (5).

Noutra colina, ao Sul, junto ao Rossio, segundo designação do citado Foral, encontrava-se
construída, antes de 1551, uma ermida de Santo Antônio e S. Gonçalo. O historiador pernambucano F. A.
Pereira da Costa, citando Soares Mariz, remonta à época do 1º donatário sua construção. Segundo ainda
Soares Mariz era nessa capela que o donatário Duarte Coelho costumava ouvir missa (6). Não
conseguimos saber em que se fundamentou o Sr. Soares Mariz para dar tal informação.

Ainda é Pereira da Costa que indica ser de 1540 o "Hospital e competente igreja da Santa Casa
de Misericórdia"(7).

221
Frei Bonifácio Mueller, acrescenta, com fundamento na Crônica do Mosteiro de São Bento de
Olinda, às ermidas citadas a de São João (8).

Finalmente uma última ermida, de fundação do donatário, a de Nossa Senhora da Graça,


destinada, à princípio, aos frades de Santo Agostinho, é doada aos jesuítas quando estes chegaram a
Pernambuco, em 1551.

Afora as construções citadas e ao casario, cujo número desconhecemos, podemos acrescentar a


matriz da vila, cuja fundação, de cerca de 1540, está envolta em lenda difundida por Frei Vicente do
Salvador em sua História (9).

Olinda, deste modo, no ano de 1551 estava limitada ao núcleo em torno da torre de Duarte
Coelho, ocupando o casario as ruas Nova e Val de Fontes, e, talvez, outro núcleo, cuja certeza não
asseguramos, na altura do Varadouro das Galeotas, junto ao cais de desembarque, onde se situaria a
alfândega

Alguns caminhos já deviam se encontrar configurados, pois citados desde o Foral, à exemplos o
caminho que vai a Todos os Santos e o Caminho do Varadouro, que durante o correr do século, ao serem
melhores demarcados com casas, darão lugar à configuração viária constante das plantas holandesas do
Século XVII.

É nesta vila, com as dimensões físicas que se pode imaginar pelo descrito, que chegam os padres
Manoel da Nóbrega e Antônio Pires, jesuítas, em 1551.

"Duarte Coelho fundou, num pequeno outeiro da sua vila de Olinda, uma ermida a Nossa
Senhora da Graça com intúito de a oferecer aos religiosos de Santo Agostinho, se viessem ao Brasil. Não
vieram.Por isso quando os jesuítas chegaram à capitânia, em 1550, doou-lha o governador" (10).

Assim inicia o Padre Serafim Leite a sua notícia, na História da Companhia de Jesus, a respeito
da Igreja e Colégio dos Jesuítas de Olinda. Em nota de pé página, de número um, acrescenta: "A ermida
de Nossa Senhora da Graça entende-se que foi fundada no tempo em que os fundadores começaram a
povoar a cidade.- Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuá rio Mariano, IX, 319" (11).

Em redação o texto muito se assemelha ao do Padre Simão de Vasconcellos em sua crônica :

222
"112. Obrada as cousas referidas, e tendo tentado o Padre Nóbrega o estado d'esta Capitania,
fazendo primeiro capazes os moradores, voltou à Bahia com intenção de tornar, ou mandar mais número
de sujeitos, bem necessários a tão grande seára. E para que por entretanto se conservassem os princípios
lançados, deixou na terra, e como reféns, o Padre Antônio Pires seu companheiro, porque além de sua
virtude, era bemquisto, assim de Portugueses, como de índios. E não se enganou ; porque foi
conservando a missão no mesmo teor começado: para cujo efeito lhe concedeu o Governador Duarte
Coelho uma Ermida de N. Senhora da Graça, que edificára com intenção de trazer para ela Religiosos de
S. Agostinho. Estava situada no próprio monte, em que ao presente vemos edificado o Colégio da
Companhia. N' esta ermida trabalhou com grande cuidado o servo Deus, porque nela passava os dias, e
partes das noites em confissões contínuas, e administração dos mais ministérios de seu instituto; e o
pouco tempo que lhe sobejava, ocupava em arrasar o monte a poder de seu braço; e como era homem de
grandes forças, chegou a fazer um largo terreiro, no qual edificou por suas mesmas mãos casas de taipa,
em que se agasalhou religiosamente, com recolhimento estremado; porque era mui dado à oração, e
familiar trato com Deus" (12).

Pelo que se depreende, a ermida serviu por algum tempo de igreja e junto a ela se edificaram
casas de taipa para moradia dos padres. Até 1560 permaneceria desta maneira a fundação de Pernambuco.

A respeito da data na qual os jesuítas chegaram a Pernambuco se refere os Padres Manoel da


Nóbrega e Antônio Pires. O segundo, em carta datada de Pernambuco de 2 de agosto de 1551 assim diz:
"11. El Padre Nóbrega y yo partimos avrá quinze o veinte dias para esta capitania de Pernambuco,
donde ha seis o siete dias que somos llegados com assaz fortuna" (13). O que daria os dias 26 ou 27 de
julho de 1551 para a chegada dos jesuítas a Pernambuco. O ano não seria 1550, como informa o próprio
Padre Serafim Leite em sua História, mas 1551. O primeiro, Padre Manoel da Nóbrega, escreve três
cartas, conhecidas, uma ao Padre Simão Rodrigues, outra aos Padres e Irmãos de Coimbra e uma terceira
a D. João III, Rei de Portugal, datadas de 11 de agosto, 13 de setembro e 14 do mesmo mês. Na carta aos
Padres da Companhia diz:

"Haverá um mes, pouco mais ou menos, que chegamos a esta Capitania de Pernambuco o Pe.
Antônio Pires e eu, a qual nos faltava por visitar e tinha muita necessidade que nenhuma outra, por ser
povoada de muito e ter os pecados muito arraigados e velhos". Nas duas outras cartas não há referência a
data na qual chegaram. Quatro outras cartas de Nóbrega perderam-se.

Na carta de Nóbrega, dirigida aos Padres e Irmãos de Coimbra há duas referências à igrejas:
"São feitas muitas amizades, porque esta capitania estava em bandos com os principaes da terra e os

223
fizemos amigos à porta da igreja, com que já todos estão em paz";..."E destes é a multidão tanta que não
cabem na igreja, e muitas vezes é necessário fazerem duas esquipações deles,...Padre Antônio Pires, em
carta, assim se expressa: Fué cosa para dar muchas Graçias al Señor, ver este domingo passado una
iglesia muy grande [38] llena de esclavos que venían a la doctrina, que serían cerca de mil, fuera los
que están en las haziendas, que son muchos, porque ay hazienda que tiene dozientos esclavos. El Padre
Nóbrega me ha hecho a mí predicador, pues que vós, Hermanos míos, tardáis tanto. Truxe las oraciones
y algunos sermones escriptos en esta lengua [39]. Espero agora exercitarme en ellos.

Luego que aquí llegamos começaron muchos a se apartar de sus mancebas, y de otros pecados.
Paréceme que fué por miedo, por les parecer que trayamos poder para los castigar. Quiera nuestro
Señor que no las tornem a recoger: Llámamnos los negros y esclavos vicarios temerosos, porque los
christianos desta Capitania por este nombre de vicarios nos nombravan. Los moradores desta Capitania
se dan grande prissa a nos ordenar casa, y andan escogiendo sitio. Están muy aparejados para nos
ayudar en todo lo que nos fuere necessário para el servício de Dios. Cásanse muchos [40], lo que antes
no se hazía, porque querían más estar amancebados con sus esclavas, y con otras negras horras. Ay en
esta tierra un costumbre que los más de los hombres no reciben el Santo Sacramento, porque tienen las
negras con que están amancebados, en tanto que ay hombre que a xx años que no comulgó, y
confiéssanlos y absuélvenlos. Lo que todo se haze a nuestras costas, pues aora es nuestro officio
remediarlos. El mayor trabajo que aora tenemos es, que avrá en esta población algunas cincuenta
negras [41] o más, afuera otras que están por las haziendas, las quales fueron traydas de las aldeas por
los blancos para las tener por mancebas. Ellos las hazían luego christianas, porque el peccado no fuesse
tan grande. No sabemos dar a esto tajo: porque si se las quitaremos anse de tornar a las aldeas, y assí
házese injuria al sacramento del baptismo, y si no se las quitamos, estarán unos y otros en pecado
mortal. Tengo esperança que por medio de vuestras oraciones nos a el Señor de ensenãr lo que avemos
de hazer...”[13]* ver notas

O Padre Antônio Pires, na carta que escreve aos Padres e Irmãos de Coimbra, citada, faz
referência a uma igreja: "Fué cosa para dar muchas gracias al Señor, ver este domingo passado uma
iglesia muy grande llena de esclavos que veniam a la doctrina, que seriam cerca de mil, fuera los que
están en las haziendas, que son muchos, porque ay haziendas que tiene dozientos esclavos. El Padre
Nóbrega me ha hecho a mi predicador, pues que vós, Hermanos mios, tardais tanto".

Teriam os jesuítas tomado posse imediata da ermida de Nossa Senhora da Graça ? As notícias
dos Padres Nóbrega e Antônio Pires nos levam a crer que sim. O Padre Nóbrega deixa entrever as
dimensões da ermida quando diz que "não cabem na igreja", contra a afirmativa do Padre Antônio Pires

224
ao indicar uma igreja muito grande, naturalmente a matriz, reforçando a possibilidade de que os padres se
instalaram na ermida e nela realizaram os primeiros ofícios.

Do estado da Capitania de Duarte Coelho, durante seu governo, no que diz respeito aos
costumes, salvo as poucas referências em cartas do próprio donatário ao Rei de Portugal, as cartas jesuítas
têm sido praticamente as principais fontes consultadas pelos historiadores. É numa visão parcial do
problema, porquanto vista sob o prisma jesuíta e voltada para o fim precípuo da moral e religião
substancialmente (14).

As cartas do Padre Antônio Pires, ao descrever o estado da capitania, onde exercia o ministério
da doutrina cristã , são ricas de informações, onde se percebe o interesse do jesuita pelas questões que de
certo modo afligiam os religiosos da época (15). O depoimento do Padre Pires nos parece de um
equilíbrio muito grande e de uma percepção bastante segura, apesar dos poucos dias de observação, a
respeito da Capitania e do donatário. Na carta, que escreve no dia 2 de agosto de 1551, deixa entrever,
claramente, que o fato de uma população razoavel já residir na vila, trouxe problemas sérios quanto ao
amancebamento, essencialmente pela ausência de mulheres brancas, problemas religiosos, no que se
refere ao Santo Sacramento, em decorrencia, e o problema do negro ( índio), principalmente das negras (
indias) no que se ressalta o relacionamento com os brancos. já existente desde então.

O Padre Manuel da Nóbrega em carta ao Padre Simão Rodrigues, datada de 11 de agosto, repete
a observação do padre Antônio Pires quanto a relação entre o número de habitantes e a quantidade de
pecados e acrescenta outra informações sobre a situação dos filhos de cristãos, perdidos no sertão
somando-se ainda a severa crítica aos clérigos que existiam à sua chegada à Capitania, como segue:

"3. En esta Capitania de Pernambuco donde agora estoy, tengo esperança que se hará mucho
provecho, porque, como es poblada de mucha gente, ay grandes males y pecados en ella. Andan muchos
hijos de los christianos por el sertón perdidos entre los gentiles y, siendo christianos, biven en sua
bestiales custumbres. Espero en nuestro Señor de tornalos a todos a la virtud christiana, y sacarlos de
la vida y custumbre gentílica, y el primo [6] que tengo sacado es ésse que allá embió [7] para que si
hallaren su padre se lo den. Los gentiles aquí vienen de muy lexos a vernos por la fama, y todos muestran
grandes desseos. Es mucho para holgar de los ver en la doctrina, e no contentos con la general, siempre
nos están pidiendo en casa que los enseñemos, y muchos dellos con lágrimas en los ojos. Escreviéronme
agora de la Baya que la partida se avian perdido dos barcos de Indios que yvan a pescar, en los quales
yvan muchos assí de los que eran ya christianos, como de los gentiles, y l' aconteció que todos los

225
gentiles murieron, y escaparon los christianos todos, hasta los niños que llevavan consigo. Parece que
nuestro Señor haze todo esto, para más augmentar su santa fe.

4. El Governador [8] determina de yr presto a correr esta costa, y yo yré con él, y de los Padres
que V. R. embiare, llevaré algunos comigo para dexar las Capitanias proveydas. El Rey nuestro señor
escrevió al Governador que le escreviesse se avía ya Padres en todas, las quales sin quedar ninguna
tenemos visitadas [9] en todas están Padres si no en ésta, en que al presente estoy, llamada de
Pernambuco , que es la principal y más poblada, y donde más abierta está la puerta, a la qual hast' aqui
no avíamos venido por falta d' embarcación, y por sermos pocos.

5. Los clérigos desta tierra [10] tienen más officio de demonios, que de clérigos: porque allende de su
mal exemplo y custumbres, quieren contrariar a la doctrina de christo, y dizen públicamente a los
hombres que les es lícito estar en pecado con sus negras, pues que son sus cativas, y que pueden tener los
salteados, pues que son canes, y otras cosas semejantes, por excusar sus pecados y abominaciones. De
manera que ningún demonio tenemos acá que nos persigua sino estos. Quiérennos mal, porque les somos
contrarios a sus malos custumbres, y no pueden sufrir que digamos las missas debalde en detrimento de
su interesse. Pienso que si no fuera por el favor que tenemos del Governador y principales de la tierra, y
ansí porque dios no lo quiere permitir, que nos ovieran ya quitado las vidas. Esperamos que venga el
obispo, que provea esto con temor, pues nosotros no podemos por amor" (16).

Pelo que se depreende os dois padres começaram a ter problemas não com o povo mas com os
clérigos da terra. Seria esta uma das causas da demora em se estabelecerem mais efetivamente na
Capitania. A Casa de Olinda, embora iniciada com tanto entusiasmo, logo é secundarizada por outras e o
próprio Padre Antônio Pires, que fica na terra após a partida de Nóbrega, não demora, retornando à
Bahia.

Na carta aos Padres e Irmãos de Coimbra, datada de setembro, o Padre Nóbrega é mais comedido
no que se refere aos sacerdotes e se refere aos mesmos em tempo passado, fato muito significativo
diante da presença dos dois jesuítas; por outro lado se percebe já a ação pacificadora, com os da terra, dos
jesuítas. Repete a afirmativa de virtuosos com relação a Duarte Coelho e sua mulher.(17).

Na terceira carta ao Rei D. João III, de Olinda, 14 de setembro, o Padre Nóbrega é , com as
palavras, mais cuidadoso, e mesmo político parcial, quando faz observação, que nos parece de grande
injusti_ a, a crer nas suas afirmativas anteriores, na ação enérgica (que se percebe nas cartas de Duarte

226
Coelho ao Rei), do donatário, e no estado da Capitania descrito pelo Padre Pires, a respeito de Duarte
Coelho:

"+
Jesus

A graça e amor de Cristo Nosso Senhor seja com V. Alteza sempre. Amen.

1. Logo que a esta Capitania de Duarte Coelho chegamos outro Padre [1] e eu, escrevi a V. A.
dando-lhe alguma informação das coisas desta terra, e por ser novo nesta Capitania e não ter tanta
experiência dela me ficaram por escrever algumas coisas que nesta suprirei.

Nesta Capitania se vivia muito seguramente nos pecados de todo o gênero e tinham o pecar por
lei e costume, os mais ou quase todos não comungavam nunca e a absolvição sacramental a recebiam
perseverando em seus pecados. Os eclesiásticos que achei, que são cinco ou seis, viviam a mesma vida e
com mais escândalo, e alguns apostatas; e por todos assim viverem não se estranha pecar.

A ignorância das coisas de nossa fé católica é aqui muita e parece-lhes novidade a pregação
delas. Quase todos tem negras forras do gentil e quando querem se vão para os seus. Fazem-se grandes
injurias aos sacramentos que aqui se ministram. O sertão está cheio de filhos de cristãos, grandes e
pequenos, machos e fêmeas, vivendo e se criando nos costumes do gentil. Havia grandes ódios e bandos.
As coisas da Igreja muito mal regidas e as da justiça por conseguinte, finalmente com mixti sunt inter
gentes et didicerunt opera eorum [2].

2. Começamos com a ajuda de Nosso Senhor a entender todas estas coisas e faz-se muito fruto,
já se evitam muitos pecados de todo o gênero. Vão-se confessando e emendando, e todos querem mudar
seu mau estado e vestir [3] a Jesus Cristo Nosso Senhor. Os que estavam em ódio se recon(ci)liaram
com muito amor. Vão-se ajuntando os filhos dos cristãos que andam perdidos pelo sertão, e já são
tirados alguns e espero no Senhor que os tiraremos todos. E posto que por todas as outras Capitanias
houvesse os mesmos pecados, é porém não tão arraigados como nesta; e deve ser a causa porque foram
já muito castigadas de Nosso Senhor e peccavam mais a medo, e esta não.

3. Duarte Coelho e sua mulher [4] são tão virtuosos, quanto é a fama que têm, o certo creio que
por eles não castigou a justiça do Altissimo tantos males até agora. Porém é já velho e falta-lhe muito
para o bom regimento da justiça e por isso a jurisdição de toda a costa devia de ser de V. A. [5].

227
4. Com os escravos que são muitos se faz muito fruto,os quais viviam como gentios sem terem
mais que serem batizados com pouca reverência do sacramento. Das pregações e doutrina que lhes
fazem corre a fama a todo o gentio da terra e muitos nos vem ver e ouvir o que de Cristo lhe dizemos; e,
segundo o fervor e vontade que trazem, parecem dizer hoje o que outros gentios diziam a São Felipe:
"Volumus Iessum videre" [6].

Esperam-nos em suas Aldeias e prometem fazerem quanto lhe dissermos. Este gentio está muito
aparelhado a se nele frutificar, por estar já mais doméstico e ter a terra capitão que não consentio
fazerem-lhe agravos como nas outras partes. O converter todo este gentio é mui facil coisa, mas o
sustentá - lo em bons costumes não pode ser senão com muitos obreiros, porque em coisa nenhuma crêm,
e estão papel branco para neles escrever a vontade, se com exemplo e contínua conversão os
sustentarem. Eu, quando vejo os poucos que somos e que nem para acudir aos cristãos bastamos, e vejo
perder meus próximos e criaturas do Senhor a míngua, tomo por remédio clamar ao Criador de todos e a
V. A. que mandem obreiros, e a meus Padres e Irmãos a que venham.

5. Damos ordem a que se faça uma casa para recolher [7] todas as moças e mulheres do gentio
da terra que há muitos anos que vivem entre os cristãos, e são cristãs e têm filhos dos homens brancos;
e os mesmos homens que as tinham ordenam esta casa, por que ali doutrinadas e governadas por
algumas velhas delas mesmas, pelo tempo em diante muitas casarão e ao menos vivirão com menas
ocasião de pecados; e este é o melhor meio que nos pareceu por se não tornarem ao gentio. Entre estas
há muitas de muito conhecimento, e se confessam e sabem bem conhecer os pecados em que viveram ; e
as que mais fervor têm pregam às outras. E assim destas como dos escravos somos importunados de
contínuo para os ensinar, de maneira que, assim os meninos orfãos [8], que conosco temos, como nós, o
principal exercício é ensina-los. Com estas fôrras se ganharão muitas já christãs que pelo sertão
andam, e assim muitos meninos seus parentes do gentio, para em nossa casa se emsinarem, além de
outros muitos proveitos que disto a glória de Nosso Senhor resultarã(o); e a terra se povoará em temor
e conhecimento do Criador.

6. Por toda esta costa há muitos homens casados em Portugal e vivem aqui em graves pecados
com muito prejuizo de suas mulheres e filhos. Devia V. A. mandar aos capitães que nisto tenha muito
cuidado.

7. Nestas partes há muitos escravos e todos vivem em pecado com outras escravas. Alguns dos
tais fizemos casar, outros receam ficarem seus escravos forros e não ousam casá-los. Seria serviço de

228
Nosso Senhor mandar V. A. uma provisão em que declare não ficarem forros casando, e o mesmo se
devia prover em São Tomé [9] e outras partes onde há fazendas com muitos escravos. Com a vinda do
Bispo esperávamos remediar e agora me parece ser necessario V. A. prover nisso para se evitar
grandes pecados.

8. Os moradores destas Capitanias ajudam com o que podem a fazerem-se estas casas para os
meninos do gentio se criarem nelas, e será grande meio, em breve, para a conversão do gentio" (18).

Na última das cartas dirigida aos Padres e Irmãos de Coimbra, datada de 4 de junho de 1552,
deste período da Casa de Olinda, o Padre Antônio Pires nos permite conhecer a forma de relacionamento
dele com os índios ou mesmo negros na missa e na confissão. E sendo homem simples sua linguagem nos
cativa pela riqueza de observação e clareza de forma:

"Amados Irmãos

1. Ordenando-o Deus, por ser coisa tão necessária, viemos o Pe. Nóbrega e eu a esta
Capitania, onde pelo Padre, mediante a graça divina , foi a terra em tal maneira reformada, que quem o
souber bem ponderar dirá que a gente dela tornou a renascer em comparação dos males que nela havia,
como pelas cartas passadas já souberam.

Chegado o tempo em que era necessário ir-se o Pe. Nóbrega a visitar outras casas, deixou-me
só, por falta de que para cá não vindes, que eu nela não presto para mais que, em me vendo, se
lembrarem do Pe. Nóbrega a quem eles tanto temem e reverenciam e por ele me têm acatamento e
reverência e tanta obediencia e crédito como a sua própria pessoa. Que cuidais, Irmãos, que se faria
pelo somenos de casa , quando por mim, tão falto de virtudes, Nosso Senhor tanto faz nesta terra?
Estavam esperando, com a esperança que o Padre lhes deu, por um Padre que fosse letrado e pregador,
porque esta fama de letrado faz muito ao propósito. Agora quando ouviram novas do Bispo e não vieram
os Padres da Companhia ficaram muito desconsolados, como eu tambem fiquei, por ser só e para pouco.
Lembra-me muitas vezes aquele dito de Salomão: "Guay do só que, se cair, não tem quem o alevante"
[1], posto que, na verdade me não posso chamar só, pois vós, Irmãos, me tendes a vós unido em espirito,
que me não deixareis cair.

2. Sabeis, Irmãos, que se esta terra se houver de converter, que há de ser com muitos, porque
poucos a terra e a conversação dos cristãos tem necessidade deles, e assim é razão que seja, pois nos
dão o necessário, sem o qual não podemos conversar o gentio; quanto mais gente, que não se satisfaz

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229
senão com me ver cada dia, e se vou fora oito dias, quando vêem me vem visitar, é como se viesse do
Reino, dizendo que os deixo sós; e os Índios é mister continua-los porque, segundo vejo, muita conversão
e costume os há de converter. É gente de mui fraca memória para as coisas de Deus, e só, se de contínuo
os conversamos, converter-se-ão.

O padre [2] se foi daqui em Janeiro. Todo o mais tempo gastei em confessar e algumas vezes
pregar; isto fiz forçando-me muito, por intenção do Padre se esta, e de Ramos [3] para cá o
faço.Cuidava, Irmãos, quando vinha para esta terra, que havia de padecer trabalhos nela e não há
remédio para atinar com eles, não porque na terra não aja muitos, mas parece que os não mereço, pois
N. Senhor nos nega.

3. Quanto à conversão do gentio, que é o principal a que viemos, sinto que há mister muito lume
da graça para saber atinar com a verdade, porque como não tem quem adorem, salvo uma santidade que
lhe vem de ano em ano, como já os Irmãos lhe terão escrito, facilmente dizem que querem ser cristãos, e
assim facilmente tornam atraz: porque como não há entre eles aquela guerra que Cristo disse vir meter
em a terra, scilicet, o pai contra o filho e o filho contra o pai, etc. [4] , não posso crer que hão de
perseverar, salvo por costume como já tenho dito. Este costume não o pode fazer um só; portanto,
Irmãos, não creias que quando vos, de cá, pedem que é debalde, porque, se para converter os da Índia
ou mouros há mister X, esta terra há mister XX.

Não deixo de cuidar que vos espantareis como terra, em que os homens pedem baptismo, não é
já toda cristã. A causa disto é que estando lá não se alcançam as coisas tanto como vendo-as, porque
de tal parecer veio mandar-se, segundo aqui se diz, que quantos se quisessem fazer christãos se fizessem,
o que foi causa de se fazerem muitos erros e escândalos.

4. Esta Capitania é terra de muito trafego e onzenas e outros pecados que à força de virtudes
se hão de tirar e não com meu exemplo. Já agora dizem que se vão tirando, e eu tenho ouvido dizer a
homens que tem os olhos algum tanto abertos, que depois que a ela viemos, das dez partes dos pecados
que nela havia, as oito são fora. E assim havia quatro ou cinco anos que não chovia nela, e este ano
choveu tanto e recolheram tanto mantimento que há pasmo; e já os da terra se vão persuadindo que por
causa dos pecados não chuvia. Louvam muito a Deus.

5. Por aqui vereis, Irmãos, quanta necessidade esta terra tem de nossas contínuas orações.
Muitas coisas tem Deus obrado nesta terra mediante vossas orações, e pelo princípio que o Pe. Nóbrega
nela deu, e por mim depois da ida do Pe. Nóbrega pelo muito que presumem da Companhia. Algumas

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vezes tenho ido a algumas Aldeias [5] que estão duas a três légoas desta povoação, onde me têm muito
crédito e o que lhes mando fazer fazem, enquanto estou com eles, e me ofereceram uma vez grande soma
de milho, porque convenci um índio, que se pôs em argumentos comigo, sobre suas feitiçarias e ficou
disto mui corrido. Vendo isto um velho começou a pregar por toda a Aldeia que me trouxessem do milho,
e me puseram diante com o que eu poderia me manter um ano. Declarei-lhes que não ia ensiná-los
porque me dessem nada, porém porque a Deus ofereciam o que me trouxessem à casa ,que o daria a
pobres. Quando vim para casa já me estava aguardando um Principal doutra Aldeia, que vinha
carregado com sete ou oito negros,(índios) de milho. O seu intento é que lhe demos muita vida e saúde e
mantimento sem trabalho como os seus feiticeiros lhe prometem. O que agora aqui falta, Irmãos, é a
contínua conversação para os tirar deste caminho e os por no caminho do ceu.

6. Há nesta Capitania grande escravaria assim de Guiné (6) como da terra. Têm uma confraria
do Rosário (7). Digo-lhe missa todos os domingos e festas. Andam tão bem ordenados que é para louvar
a Deus Nosso Senhor. Muita vantagem fazem os da terra aos de Guiné. Fiz procissão com eles todos os
domingos da Quaresma, e entre homens e mulheres seriam perto de mil almas, afora muitos que ficam
nas fazendas, não entrando nela os brancos porque mais à tarde faziam os brancos a sua [8] e o que ia
de uma a outra de diferença,era que os brancos, a poder de varas, juizes e meirinhos e almotaceis, se
não podiam meter em ordem, sempre falando, e os escravos iam em tanta ordem e tanto concerto uns traz
outros com as mãos sempre levantadas, dizendo todos: "Ora pro nobis", que faziam grande devação aos
brancos, em tanto que os juizes lhes dão em rosto com os escravos.

7. Depois que lhes digo missa, à tarde ensino-lhes a doctrina e às vezes lhes prego. O intérprete
é uma mulher casada [9], das mais honradas da terra e das (mais ricas. E nã )o vos espanteis, Irmãos,
em vos dizer as condições, porque com ser tal parece andar bebada daquele mosto [10] de que os
Apóstolos se embebedaram, pois faz o que muitos homens linguas se não atreveram fazer pela
mortificação que nisso sentiam. Outras muitas almas há nesta terra que com a nossa vinda começaram a
entrar no caminho do Senhor e caminham quanto podem pelas virtudes. Nosso Senhor que lhes deu o
princípio lhes dê a perseverança. Com esta mulher (confesso algumas índias cristãs) e creio que é
melhor confessora que e(u) porque é mui virtuosa). Encomendai-a muito a N. S(enhor).

8. Muito quizera (esc)rever particularmente aos meus amados Irmãos Dom Gonçalo [11], Luis da Gram
[12] e Dom Lião [13] e aos outros Irmãos, cuios spiritus se me comunicavam como a Irmão a que eles
muito amam. Muitas vezes me lembra Dom Gonçalo, meu Mestre, e, se agora algum cheiro me
fica da Companhia, a lembrança que dele tenho ma faz ter. Pois ao Padre Luis da Gram devo tanto, que
se ele não fora, não estivera na Companhia, porque sendo eu porteiro e querendo-me um dia ir, ele por

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231
sua muita virtude me teve. Por isso quando a algum de vós, Caríssimos Irmãos, vos vier tentação de vos
sairdes, dai primeiro conta a vosso superior, e ide-vós logo por diante do Santo Sacramento e pedi ao
Senhor que por sua bondade vos dê a sentir o melhor para vossa salvação; e desta maneira creio que
ninguém vos poderá apartar da caridade de Cristo que nessa casa mora. E isto digo para os tentados; e
aos outros peço (me) encomendem a N. Senhor e me (mandem muitos (avi)sos de coisas, para que
espertem do sono que (me vai vencendo e do grande) esquecimento que tenho da obrigação (de ser
virtuoso).

(Desta) Capitania de Pernambuco (véspera de Espirito Santo de 1552)" (19).

Da fisionomia dessa ermida, doada aos padres, e das casas da taipa construídas pelo Padre
António Pires, não sabemos nada. Seria de taipa também, ou nela já se teria utilizado material mais
permanente?

O pintor Frans Post, na primeira metade do século XVII e mesmo quando retorna a Europa fixa
em pintura algumas ermidas que deveriam muito se assemelhar com a ocupada até a construção de um
novo templo, o segundo dos padres da Companhia em Pernambuco. Teria sido a Ermida de N. Senhora da
Graça semelhante a alguma delas ? Não creio que possamos saber nunca. As ermidas pintadas por Post
são as de engenhos de açúcar e de algumas vilas.

No que respeita ao aspecto da Capitania no tempo de Duarte Coelho Pereira, ressaltamos a


importância que vai adquirindo a fundação de engenhos e a extração de Pau Brasil, tão reclamada pelo
donatário, em carta, ao Rei de Portugal.

2.2 A IGREJA DE 1562 - O COLÉGIO

A missão de Pernambuco, desde o momento em que o Padre Antônio Pires foi incubido de visitar
o Norte da diocese do Brasil, pelo bispo D. Pedro Fernandes Sardinha , até 1560, fica sem responsável,
tudo indicando ter ficado fechada (20).

Em 1560 chegam a Pernambuco o Padre Gonçalo de Oliveira a seus companheiros. A missão é


reiniciada e obras são realizadas no edifício primitivo se acrescentando quatro aposentos ao rés do chão
(21).

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"Dando a entender o P. Rui Pereira que era preciso acrescentar um par de câmaras à casa,
"por não ter mais que uma assobradada; como o souberam, um me deu as traves, outro as tábuas, outro
os pregos, outros os cravos; os carpinteiros se ajustaram de modo que o demais da obra fizeram em um
dia, e dois a acabaram dentro da mesma semana.

Construiu-se depois, fora da portaria de entrada, o edifício para a escola dos meninos, que ali
funcionava já em 1571".(22)

A informação da Província do Brasil, atribuída ao padre José de Anchieta, ano de 1585, contém
uma descrição do edifício que nos permite avaliar seu estado nesse ano: "O Colégio de Pernambuco, está
situado em lugar eminente, de bom prospecto. O edifício é velho, tem dezenove câmaras de sobrado, as
janelas ao mar para o Oriente; as oficinas pequenas e velhas e não tão acomodadas, a igreja pequena,
mas ornada de bons ornamentos (554) (23).

Quanto a igreja, a que se refere o Padre Anchieta, não era mais a ermida, porém outra iniciada
depois de 1562.

Em 1554, Duarte Coelho falece em Lisboa. A Capitania é governada até 1560 por sua esposa, D.
Brites, apesar de seu sucessor e filho já se encontrar confirmado como segundo donatário desde aquele
ano. Até aproximadamente 1565 as lutas são grandes com os índios. No ano de 1560, D. Brites entrega a
Capitania a seu filho Duarte Coelho de Albuquerque. Este vivia am Portugal (24).

Em 1562, vem como superior de Pernambuco o Padre João de Melo e com ele o Padre Antônio
de Sá.

O Padre Antônio de Sá escreve aos Padres e Irmãos de Portugal uma carta datada de
Pernambuco, 8 de setembro de 1563, onde declara: "2. Começamos, dia de Santa Ana (26 de julho de
1563) abrir os alicerces da nossa igreja e não começaram mais cedo porque ouve aqui diferença se
tomaríamos outro sítio, por este parecer pequeno para colégio. E foi necessário escrever à Bahia ao
Provincial para que com seu parecer se assentasse o que nisto se fizesse. Finalmente que se determinou
que nós não mudássemos deste sitio e que se fizesse aqui a igreja e a mais obra. Tiramos esmola para a
igreja: assim de ajudas como dinheiro, poderá cheguar tudo a quatrocentos cruzados. Tudo o mais que
tinha juntado para igreja (tirando o portal) valeria 10 cruzados. Juntarmos os achegos e coisas
necessárias para a igreja nos custa muito trabalho, porque como quer que somos sós não temos quem

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233
nos governe esta coisa. As vezes somos carreiros e vamos à mata carregar os carros, outras vezes somos
cavoqueiros com a gente que tira a pedra. Assim, em todas as mais coisas que são necessárias para a
igreja, nós a negociamos e cavamos; e, com todas estas diligencias que fazemos, são aqui tão grandes os
custos e carretos que não basta a esmola, que temos tirada, para acabarmos a igreja" (25).

Assim, a ermida primitiva, fruto da doação de Duarte Coelho já não comportando o crescimento
desejado, embora não real, da fundação de Pernambuco, foi demolida para dar lugar a uma nova igreja,
maior e talvez em material mais permanente. Não há nenhuma menção da técnica construtiva utilizada na
nova igreja. Entretanto, a referência a extração de pedra nos poderá indicar, na carta do Padre Antônio de
Sá , que se construiu algo mais sólido que uma simples taipa.

Em vão se procurou, na obra de restauração da igreja, em 1974, quando se abriram as cavas para
a pesquisa arqueológica, restos dos alicérceres citados, nada se encontrando. Ou a igreja atual mudou de
local em relação a segunda construção ou se aplainou mais a colina para melhor condicionar a terceira
igreja e o colégio que chegou até o século atual.

É sintomática de tal atitude, a ampliação do espaço plano no alto da colina, a consulta à Bahia,
realizada pelos jesuítas de Pernambuco. Desde o Padre Antônio Pires que tal tarefa se impôs. Este fez o
primeiro trabalho de aplainamento com seu próprio esforço. Em Olinda pela situação topográfica a
maioria das construções irão carecer de muros de arrimos; suas execuções irão decorrer ora da ampliação
de construções primitivas, à exemplo a igreja matriz, outras vezes da exiguidade, desde o princípio, de
área plana para instalação dos edifícios. A obra da Igreja e Hospital da Misericórdia possui forte muro de
arrimo, o mesmo ocorrendo com o recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, que lhe fica próximo.

Outras construções ficam em declives fortes e serão desenvolvidas em planos de níveis


diferentes, no campo da obra civil ou religiosa. No âmbito da construção para fins religiosos temos o
Convento franciscano de Nossa Senhora das Neves, situado em declive nos dois sentidos, o da atual
ladeira de S. Francisco e em direção ao mar.

A Igreja e Colégio Jesuíta de Olinda situa-se a cavaleiro, em uma colina, precisamente na Ponta
de Jesus, nome que recebe o acidente geográfico após a construção do estabelecimento inaciano.

Essa situação condicionará o partido arquitetônico adotado para a terceira igreja e colégio.

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Da igreja iniciada no dia de Santana sabemos apenas que era pequena, informação do Padre José
de Anchieta, já citada. O Padre Serafim Leite, ao se referir à mesma diz ser de medíocres proporções
(26). Nada mais sabemos.

Em 1551, o Padre Leonardo Nunes, escrevendo aos Padres e Irmãos de Coimbra, carta datada de
20 de junho, informa sobre a igreja de São Vicente: "Depués que escrevimos a postrera vez, que fué en el
mes de novembre, siempre hemos tenido mucho que hazer, porque acabamos la iglesia, y es la más
devota que agora está en toda esta costa. La capilla es mui bien aforrada e muy hermosa, y um tertio de
la iglesia por amor de los altares es tambien afforrado. Tenemos el Sanctissimo Sacramento en quanto yo
estoy en casa, cosa que a todos es muy gran consolacion assi a nuestros Hermanos como a la gente de
fora" (27).

O Padre Manuel da Nóbrega, em carta, datada da Bahia, 10 de julho de 1552, escrita para o
Padre Simão Rodrigues, declara, a respeito da igreja do Salvador: "A nossa igreja que fizemos se nos cai,
porque era de taipa de mão e palha. Agora ajuntarei estes senhores mais honrados que nos ajudem a
repara- la até que Deus queira dar outra igreja de mais dura, se a V. R. parecer bem falar nisso a EI-
Rey; se não os Padres que vierem farão outra, que virão com fervores, que dure outros três anos, porque
nossas mãos já não poderão fazer outra, senão se for daqui quinhentas léguas pelo sertão"(28).

No dia 7 de agosto de 1552, escrevendo aos Padres e Irmãos de Coimbra, o mesmo Nóbrega diz:
" Quanto a la iglesia que tenemos en esta Vila hasta el presente es la que hizimos en llegando a esta
terra, y por ser de tapia de mano y estar ia mui danificada, viendo los moradores de esta Ciudade que ia
se caia y Su Alteça no la mandava hazer, determinaron todos, especialmente el Governador, a hazer una
nueva parte della de piedra y cal; y esto se haze con tanto hervor por el amor que nos tienen, que criados
y sennores y esclavos traen la piedra as las cuestas y paréceme, segun veo sus deseos, que presto le
darán fin "(29).

Os textos transcritos, ao se referirem a estágios de construções jesuítas, nos permitem perceber


que os jesuítas, ao se estabelecerem no Brasil, inicialmente, ora constroem obras provisórias, ora se
acomodam em igrejas doadas. Mas, logo que podem constroem, sempre com ajuda generosa do povo, as
suas igrejas e demais instalações, dentro do programa bem peculiar às suas atividades.

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As primeiras igrejas, doadas ou construídas pelos inacianos (as cartas e outras informações enviadas do
Brasil a Europa deixam bem claro), são muito simples, e, deste modo, semelhantes àquelas construídas
pelos donatários, veja-se o caso específico de Pernambuco, nos primeiros dias da Colônia.

Porém, quando a situação muda, e obras mais duradouras são construídas, cabe-nos uma
indagação: o programa dessas novas construções já estaria filiado àquele que iria constituir quase uma
norma geral na construção dos jesuítas a ponto de, em alguns autores, se difundir a existência de uma
arquitetura cujas características básicas os levariam a indicar um "estilo Jesuíta"?

É indiscutível que o novo programa de trabalho da Companhia de Jesus implicasse em uma


modificação razoável do tipo de construção em voga no século XVI para igrejas e estabelecimentos
monásticos. O Padre Pietro Pirri, jesuíta, em seu livro biográfico sobre o arquiteto da Companhia de
Jesus, Giovanni Tristano, escreve: "Nondimeno valse a far brillare splendidamente le rare doti de
Tristano, e dimonstrò sempre meglio che Compagnia possedava in lui l' uomo capace de concepire e di
attuare dei tipi e dei modelli di edifici religiosi e civili, chiese, case, collegi, nelle forme che meglio
corrispondevano alle esigenze proprie dell' ordine in funzione dello scopo che si proponeva nel campo
della restaurazione religiosa e morale. Cosí che fiu da queste prime limitate manifestazione, vediamo
designare nel Tristano, da parte dei superiori dell' Ordine, il piu autentico interprete di quelle forme
struturali che vengono designate con l' espressione il modo nostro, il modo proprio della
Compagnia"(30).

Jean Vallery-Radot, em seu livro”Le Recueil de Plans d' Edifices de la Compagnie de Jésus
Conservé a la Bibliothéque Nationale de Paris,” ao comentar os planos das igrejas aí arquivados, mais de
trezentos, datados a maioria de entre 1580 e 1640, correspondendo ao grande movimento arquitetural da
Ordem, separa-os segundo os seguintes tipos: Planos em cruz latina, cerca de 34 exemplos; Plano central,
do tipo ideal do Renascimento,22 exemplos, na França e na Itália; Combinação do Plano central e em
nave longa, com variantes, todos com cúpula no cruzeiro; Planos integralmente ou parcialmente
retangulares: os diferentes elementos da igreja - nave única com ou sem capelas laterais ou naves baixas,
transepto facultativo, etc., inscritos, integralmente ou parcialmente, em um retângulo; Planos
integralmente retangulares - estes representando o maior número de exemplos (50% dos Planos); Plano
parcialmente retangular com abside saliente, 86 Planos; Plano em nave única simples; Plano em nave
única com capelas laterais; Planos com nave flanqueada de naves baixas; Planos com nave flanqueada de
naves baixas e capelas laterais(31).

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Pela relação acima se verifica que a variedade dos planos era grande e nos resta indagar, onde se
compreende a expressão "il modo nostro"?

Na realidade "il modo nostro" se refere mais a uma maneira nova de encarar o problema da
relação fiel-igreja. As novas igrejas, construídas pelos jesuítas não poderiam comportar o tipo de
relacionamento que vigorava no espaço arquitetônico das igrejas góticas, a três ou cinco naves, a
exemplo, onde a atenção para o retábulo e para o padre não poderia, pela situação das colunas, ser a ideal
de uma igreja voltada para a contra-reforma. A nave grande e espaçosa, a igreja central, mesmo aquelas
onde ainda existiam naves-baixas poderiam, dependendo do tratamento interno do espaço arquitetônico,
servir ao culto. Os jesuítas formularão o tipo de igreja da contra-reforma e ele será o ideal para as novas
igrejas. Tanto é que será aceito e seguido o exemplo de il Gesú por toda a Europa. Assim, "il modo
nostro" não implicava apenas questões de arquitetura, mas uma filosofia em face da relação igreja-espaço
para o culto-e fiel.

"La Contre-reforme avait eu pour objectif principal le retour à l' Eglise romaine des fidèles qui
s' en étaient détachés. les Jesuítes furent les soldats de cette reconquête. Leur arme était la prédication,
par laquelle ils exhortaient leur auditoire à la partique fréquente des Sacrements. Eux-memes etaient des
religieuse non astreints à l' office en commum, mais qui faisaient une large place a des exercices
spirituels et notamment à la méditation. Enfin leur vocation ensegnante se dessina três vite.

Pour être parfaitement adaptées à ces differentes activités, leurs églises devaient être spacieuses,
d' acces facile non seulement de l' interieur des etablissements pour eux-memes et leurs élèves, mais aussi
de l' exterieur, pour la foule des fidéles de dehors. L' eglise, parfois dedoublée grâce aux tribunes,
pouvait ainsi accueilir, sans la mêler, cette double assistance. Les choeurs profonds bordés de Stalles,
dans lesquelles moines et chanoines psalmodiaient l' office, n' avaient plus de raison d' être dans les
églises de religieux dont la régle avait supprimé l' office choral. Les proportions de cette partie de l'
eglise en furent réduites d' autant. Le choeur d' une église Jesuite était suffisamment vaste lorsque le
maitre-autel y trouvait y aménager les tribunes latérales donnant de plain-pied avec le premier étage des
locaux d' habitation de la comunauté. Ces tribunes étaient celles réserveés aux Péres, tant por l'
assistance aux sermons que pour leurs visites au Saint-Sacrament, une pratique de piété traditionnelle
dans la Compagnie.

La réduction des dimensions du choeur entrainait la disparition du deambulatoire et des cha-


pelles rayonnantes. Celles-ci furent remplacèes par les chapelles latérales bordant une nef unique. Un
vaisseau désencombré de tout support isolé, comme était la nef unique, convenait particulièrement à l'

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audition facile du predicateur. Ce fut l' une des raisons de la vogue de ce plan. Les chevets plats, dont
nons avons signalé plus haut le nombre partilièrement élevé, etaient préférés aux absides en cul-de-four,
qui jouissaient de même que la voute de la nef.

D' autre part, comme l'on ne chantait plus au choeur et que l'on ne pouvait cependant pas se
passer de chants pendant la celebration de tout les offices, la place normale des chantres fut la tribune
surplombant, au revers de la façade, la premiére travée de la nef. Ce n' etait pas une innovation. De
nombreuses églises romanes et gothiques d' Espagne, de Portugal, du Midi de la France présentent
encore aujourd' hui des exemplaires parfois grandioses de telles tribunes.

Enfin, la distribuiton des sacraments de Penitence et d' Eucharistie devait pouvoir être dispensée
aisément à de nombreux fidéles. Il pouvait arriver en effet à la fin de prédication on de retraites
particuliérement suivies que les confessionnaux fûssent assiégés de jour et de nuit.

Tel était le programe correspondat aux usages de la Compagnie, c' est-à-dire à ce que les
Jésuites appelaient "il modo nostro" (32).

Muitos autores têm se preocupado com o caráter da arquitetura empregada pelos jesuítas,
principalmente com aquela unidade formal que apresenta suas construções, essencialmente as igrejas.
Alguns são partidários de que na realidade os jesuítas fizeram uso das formas arquiteturais em voga em
cada país e época. Outros acreditam na existência de um "estilo" jesuítico que se confunde com o da
contra-reforma.

Na verdade, como vimos do texto transcrito, de Radot Vallery, o significado de "il nostro modo"
é por demais claro e está ligado ao próprio significado existencial da ordem inaciana. Esta maneira de
conduzir o programa arquitetural associado ao grande desenvolvivento da ordem entre 1585 e 1640, e
ainda a uma expressão arquitetônica maneirista-barroca, de raízes italianas, embora não possamos
desprezar as contribuições regionais, deram ao "corpus" das construções jesuítas aquele sentido de
sobriedade, associado ao de unidade, graças a aspectos de ordem e de organização, que levaram aqueles
autores a pensar em um "estilo jesuíta". Os exemplos das construções mais antigas em contraposição
àqueles das construções próximas a metade do oitocentos provam que não podemos crer em uma
manifestação pragmática, fiel a uma obediência sistemática a uma manifestação artística com ar de
"oficial".

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Por outro lado, uma visão da obra jesuíta em suas diversas Assistências no mundo não nos
permitem crer em tal coisa.

Moisy, em seu livro Les églises des Jesuites de l' Ancienne Asistance de France estuda o assunto
com propriedade e demonstra quão importante é o papel das Congregações Gerais, principalmente a 2ª
onde se determina que se devia submeter ao Geral os planos dos edifícios. Entretanto tal apreciação não se
prendia aos aspectos estéticos, essencialmente se considerarmos que sobre a igreja as decisões nada
definem (33).

A 1ª Congregação Geral (1558) promulga um decreto concernente ao ratio aedificiorum: "A


regra a observar na construção de nossas casas e nossos colégios é que, na medida onde isto dependa de
nós, sejam sãos e sólidos; mas é preciso nos mostrarmos fieis à pobresa. Que eles não sejam luxuosos ou
extraordinários. Das igrejas nada se disse".

Na 2ª Congregação (1565) se declara: "Se deverá enviar ao R. P. Geral o plano de nossos


edifícios à construir, para que ele possa decidir aquilo que melhor pareça bom ao Senhor".

Apesar de se ter difundido alguns modelos de planos, estes jamais foram impostos pelo Geral.
Embora algumas tentativas se tenham feito, inclusive na 3ª Congregação Geral para tal imposição.

Naturalmente, esses planos difundidos tiveram grande importância no que respeita a regiões
desprovidas de arquitetos ou mestres de obras competentes ou mesmo quando, sobre o poder criativo
desses profissionais, se impunha a vontade dos padres. Esses modelos conduziram a certos parentescos
sempre lembrados nas cartas e outros documentos dos jesuítas.

Para o Brasil assim pode ter ocorrido com algumas construções, à exemplo o que se deu em
relação a igreja que sucedia a de Mem de Sá na Bahia, onde, conforme escreve o P. Pero Rodrigues, em
1597, citado por Serafim Leite em sua História: " que espera começar a igreja deste Colégio da Baia, e
recebe de P. Geral o modo como se há-de haver nessa construção e as condições com que os benfeitores,
que quiserem, poderão edificar capelas dentro dela"(34).

Outra determinação que vem de Roma, relativa a construção de casas, também em Salvador, diz:
"que se não construam sem prévio plano e atenda-se à perpetuidade". Razão? "Porque ainda que custa
mais, sai mais barato" (35).

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Em Roma existem três planos diferentes do Colégio e Igreja da Bahia, o que demonstra ser
prática no Brasil o envio dos planos ao Geral. Outras vezes se consultava ao Provincial ou mesmo se lhe
enviava o plano, caso por exemplo da construção de S.Jorge de Ilheus onde "escolheu-se um bom lugar e
mandaram a P. Provincial os planos do edifício (36).

Em Olinda se hesitou, conforme se disse, quanto a permanência ou não da igreja e colégio futuro
na colina onde se encontrava a ermida e é ao Provincial a quem se recorre para a solução definitiva.

Esse caráter de dependência era, nos parece mais de natureza sempre coerente com exposto
anteriormente que aquele decorrente de intenções estéticas "a priori" estabelecidas.

No que se refere ao aspecto da segunda igreja de Olinda, vale a pena se conhecer ainda as
referências a de Mem de Sá , como é conhecida a de iniciativa deste Governador Geral do Brasil, iniciada
em Salvador no ano de 1561: "Enquanto se ia utilizando aquele dormitório capela, resolvem Mem de Sá
construir, à sua custa uma igreja dígna, enfim, da Baía e da Companhia, porque determina de a fazer
mui grande de pedra e cal. Começou-se em 1561. Ao ditar seu testamento (28 de julho de 1569) estava
ainda por madeirar e telhar; recomenda ele aos seus herdeiros que a concluam, se falecer antes.
Desejava que o forro da capela fosse de painéis, para se pintarem figuras com óleo, havendo bom pintor.
A 9 de setembro, depõe João de Araujo que a capela estava forrada de bôrdo e que o corpo da igreja se
vai cobrindo"(37).

A segunda igreja de Olinda talvez não fosse tão rica mas, considerando o interesse dos da terra
em generosidade para com os padres, é provável que não fosse tambem das mais pobres.

Novamente lembramos algumas igrejas e capelas jesuítas pintadas por F. Post, não que elas
possam representar a segunda igreja de Olinda, mas esta poderia ter sido similiar a outras igrejas, ainda
existentes no século XVII, de iniciativa dos jesuítas, na região nordeste e fixadas pelo pintor.

Da mesma forma que dissemos da ermida, cremos, não se terá talvez jamais a oportunidade de
saber a forma da segunda igreja dos inacianos em Olinda. Dela restou apenas a expressão: pequena e, em
proporções, estreita.

2.3 A Igreja de Luis da Grã e o Real Colégio

21

240
" Essa Capitania é tal que se antecipa a sua riqueza e abundância à fama que dela dão os que a
viram pelo olho. é de senhorio, porque de presente é Capitão e Governador dela, por sua Magestade,
Duarte Coelho de Albuquerque , a quem importam as pensões, redízima e outros direitos que dela colhe,
em cada ano, ao redor de vinte mil cruzados; importando os seus dízimos, alfândega, pau Brasil, no
estado em que hoje está, à fazenda de Sua Magestade, perto de cem mil cruzados, isto afora os açúcares
que se navegam e entram nas alfândegas do Reino, onde pagam os direitos devidos. Está situada em oito
graus e dois terços da parte do sul da linha Equinocial. Chama-se a principal vila do seu distrito, aonde
concorre e se ajunta todo o comércio , Olinda, nome que lhe deram seus primeiros povoadores, depois
que descobriram de um alto onde está situada a formosa vista que campeia, a qual, pela exagerarem por
tal, disseram oh! linda! Está esta vila situada em uma enseada, da qual saem duas pontas ao mar; de
uma delas se forma o cabo tão conhecido no mundo, por de Santo Agostinho, e a outra se chama a Ponta
de Jesus, por nela estar situado um formoso templo dos Padres da Companhia, chamado do mesmo
nome. Contém em sí toda a Capitania cinquenta léguas de costa, que toma princípio de onde parte com a
Ilha de Tamaracá até o Rio de São Francisco, e dentro nelas há infinitos engenhos de fazer açúcares,
muitas lavouras de mantimentos de toda sorte, criações sem conto de gado vacum, cabras, ovelhas,
porcos, muitas aves de volataria e outras domésticas, diversos gêneros de frutas, tudo em tanta cópia que
causa maravilha a quem contempla e com curiosidades o nota.

Dentro na Vila de Olinda habitam inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de
mercadorias de muito preço, de toda a sorte, em tanta quantidade que semelha a uma Lisboa pequena. A
barra de seu porto é excelentíssima, guardada por duas fortalezas bem providas de artilharia e soldados,
que as defendem; os navios estão surtos da banda de dentro, seguríssimos de qualquer tempo que se
levante, posto que muito furioso, porque tem para sua defensão grandíssimos arrecifes, aonde o mar
quebra. Sempre se acham nele ancorados, em qualquer tempo do ano, mais de trinta navios, porque
lança de sí , em cada um ano, passante de cento e vinte carregados de açúcares, pau do brasil e
algodões. A vila e assáz grande, povoada de muitos e bons edificios e famosos templos, porque nela há o
dos Padres da Companhia de Jesus, o dos Padres de São Francisco da Ordem Capucha de Santo
Antonio, o mosteiro dos Carmelitas e o mosteiro de São Bento, com religiosos da mesma ordem; em todos
esses mosteiros assistem padres de muita doutrina, letras e virtudes. De pouco tempo a esta parte a
dividiu Sua Santidade, com as mais Capitanias de Tamaracá , Paraíba e Rio Grande, do Bispado da
Bahia de Todos os Santos, criando nelas novamente por Administrador, Antonio Teixeira Cabral, prelado
mui consumado nas letras e virtudes, com título de Administrador da Paraíba. Acha-se mais na vila um
recolhimento para mulheres nobres, com nome de mosteiro de freiras, posto que até o presente vivem sem
regra

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241
É capaz toda Capitania de Pernambuco de por em campo seis mil homens armados, com
oitocentos de cavalo, porque toda a gente nobre são por extremo bons cavaleiros, e por se prezarem
muito disso, costumam a ter seus cavalos bem ajaezados e paramentados.

Os Padres da Companhia têm escolas públicas, aonde ensinam a ler e escrever e latinidade, e
pelos mais mosteiros se lêem as artes e teologia, donde saem consumados teólogos.

Pela terra a dentro, posto que seus moradores se não alargam muito pelo sertão, há muitas
coisas que notar por grandes, assim de rios caudalosíssimos, árvores de suma grandeza, lagoas e outras
coisas; e a mim me lembra no ano de 591, vindo de seguir uns inimigos potiguares, em cujo alcance fui
com a gente armada, por haverem dado um assalto na mata do brasil, aonde mataram alguns homens
brancos, encontrar com uma cova, a que o gentio da terra dava o nome de camucá muito digna de
consideração". (38).

Assim descreve Brandonio, nos Dialogos das Grandezas do Brasil, a Capitania de Pernambuco
nos primeiros anos do século XVII, a ser preciso, conforme o texto, 1618. É documento de grande valia
para se fazer ideia do fausto e da riqueza de Pernambuco, dos seus costumes, da sua economia e onde
muitas outras informações se pode colher.

O presente texto, escrito trinta e cinco anos depois da Narrativa Epistolar do P. Fernão Cardim,
revela o quanto de comum ainda permanecia, no que respeita aos costumes, a vida social e a economia,
entre outros aspectos, a Capitania de Pernambuco. O Padre Fernão Cardim, em 1583, mais extenso que o
Padre Anchieta em suas notícias a respeito de Pernambuco, dessa Capitania declara:

"Não posso deixar de dizer nesta as qualidades de Pernambuco, que dista da equinocial para o
Sul oito graus, e cem léguas da Bahia, que lhe fica ao Sul. Tem uma formosa igreja matriz de três naves,
com muitas capelas ao redor; acabada ficará uma boa obra. Tem seu vigário com dois outros clérigos,
afora outros muitos que estão nas fazendas dos portugueses, que eles sustentam às sua custas, dando-lhes
mesa todo o ano e quarenta ou cinquenta mil reis de ordenado, afora outras vantagens. Tem passante de
dois mil vizinhos entre vila e termo, com muita escravaria de Guiné , que serão perto de dois mil
escravos: os indios da terra já são poucos.

A terra é toda muito chã ; o serviço das fazendas é por terra e em carros; a fertilidade dos
canaviais não se pode contar; tem 66 engenhos que cada um é uma boa povoação; lavram-se alguns
anos 200 mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em um ano se faz de

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vez para moer, e por esta causa a não podem vencer, pelo que moe cana de três, quatro anos; e com
virem cada ano quarenta navios ou mais a Parenambuco, não podem levar todo o açúcar; é terra de
muitas criações de vacas, porcos, galinhas, etc.

A gente da terra é honrada: há homens muito grossos de 40, 50 e 80 mil cruzados de seu:
alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com escravaria de Guiné , que lhe morrem muito, e
pelas demasias e gastos grandes que têm em seu tratamento. Vestem-se e as mulheres e filhos de toda a
sorte de veludos, damascos e outras sedas, e nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito
senhoras e não muito devotas, nem frequentam as missas, pregações, confissões, etc.: os homens são tão
briosos que compram ginetes de 200 e 300 cruzados, e alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui
dados a festas. Casando uma moça honrada com um viannez, que são os principais da terra, os parentes
e amigos se vestiram uns de veludo carmesim, outros de verde, e outros de damasco e outras sedas de
várias côres, e os guiões e selas dos cavalos eram das mesmas sedas de que iam vestidos. Aquele dia
correram touros, jogaram canas, pato, argolinha, e vieram dar vista ao colégio para os ver o padre
visitador; e por esta festa se pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São
sobretudo dados a banquetes, em que de ordinário andam comendo um dia dez ou doze senhores de
engenho juntos e revezando-se desta maneira gastam quanto têm, e de ordinário bebem cada ano 50 mil
cruzados de vinhos de Portugual; e alguns anos bebem oitenta mil cruzados dados em rol. Enfim em
Pernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa. Os vianezes são senhores de Pernambuco, e quando se
faz algum arruido contra algum vianez dizem em lugar de: ai que d'elRei, ai que de Viana, etc.

A villa está bem situada em lugar eminente de grande vista para o mar e para a terra; tem boa
casaria de pedra e cal, tijolo e telha. Temos aqui colégio aonde residem vinte e um dos nossos;
sustentam-se bem, ainda que tudo val três dobro do que em Portugual. O edificio é velho, mal
acomodado, a igreja pequena. Os padres lêm uma lição de casos, outra de latim, e escola de ler e
escrever, prégam, confessam, e com os indios, e negros da Guiné se faz muito fruto; dos portuguezes são
mui amados e todos lhes têm grande respeito. Nesta terra estão bem empregados, e por seu meio faz
Nosso Senhor muito, louvado seja ele por tudo (39).

É na vila de Olinda, com o aspecto que a narrativa do P. Cardim descreve, onde por iniciativa do
P. Luis da Grã, virá surgir uma das mais belas igrejas da Companhia, e, anexa a ela um grande Colégio.

Olinda, uma Lisboa pequena, confrontada com a cidade portuguesa pelos dois escritores,
realizava, na altura do último quartel do século XVI o sonho do seu primeiro donatário. Foi o açúcar, mais
que o próprio pau brasil, que levou àquela riqueza descrita por Cardim e nos Diálogos. É para as suas

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igrejas, para as suas casas de pedra e cal que vai se voltar a atenção de seus moradores. Isto talvez
explique as dimensões da Matriz, da Igreja de N.Sra. da Graça, do Real Colégio, e principalmente do
Convento Carmelita. Os franciscanos, por votos de pobresa ainda não se preocupavam com as vastas
dimensões na maioria de seus conventos, que irão permanecer, até a segunda metade do século XVII,
pequenos, conforme se pode verificar nos desenhos, gravuras e pinturas de F. Post.

Olinda crescera. Em 1585 chegam os franciscanos; cinco anos antes chegaram os carmelitas, sete
anos depois de 1585, em 1592, se instalam os beneditinos na capela de S. João, depois se mudarão para a
Igreja de N. Sra. do Monte. Todos esses religiosos dão início aos seus estabelecimentos.

Das igrejas ou capelas, sabemos da existência daquelas mencionadas de S. João, N. Sra. do


Monte, Misericórdia, e talvez a do Recolhimento de N. Sra. da Conceição. Outras surgirão até a invasão
dos holandeses: à exemplo a de N.Sra. do Amparo, N. Sra. de Guadalupe, N. Sra. do Rosário dos Homens
Pretos e a segunda matriz de S. Pedro Mártir.

Umas serão igrejas pequenas, outras já nasceram e permaneceram nas suas dimensões primitivas,
a maioria serão modificadas em suas dimensões após a expulsão dos holandeses.

A vila é grande, assim o demonstram várias pinturas de F. Post, panorâmicas (40), algumas
pintadas talvez do natural.

As casas são na maioria de taipa, existindo, no entanto, algumas de pedra, cujas estruturas,
talvez, ainda permaneçam sob novas vestes, de séculos posteriores, nos dias atuais.

É difícil ao historiador, ao sociólogo uma reconstituição fiel do estado da Capitania. A este


estado chegamos através dos outros e da maneira como as suas descrições nos permitem, uma visão, ora
vincada a uma ética, moral e religiosa, outras vezes rica de entusiasmo pela terra. Que dizer senão relatar
o que viram esses escritores. Que melhor forma, para evitar má interpretação que os próprios textos? Dele
podemos extrair o ponderável e o bom senso do historiador, associado aos métodos históricos levarão a
mais uma forma de ver. Qual delas a verdadeira? Não sabemos.

É nesta Olinda que se construirá a terceira igreja dos jesuítas de Pernambuco.

O Padre Antonio Blázques, em carta ao Padre Diego Mirón, datada da Bahia de 31 de maio de
1564, declara em post Scriptum: "19. El Pe. Provincial está de camino pera Pernambuco para dar

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principio y ordem a um Collegio, que por diversas vezes an hecho-instancia por él los moradores de
aquella tierra. Esperamos que se servirá el Señor mucho desta obra, assi con los hijos de los blancos
como con los mestizos de la tierra, que según dizen ay muchos en esta Capitania.

20. Una sola cosa ha puesto en esta obra difficultad que es tirar un Padre, que está en cassa,
que lee gramática, para lo premudar a Pernambuco para dar principio aquel Collegio. Y por esta causa
será necessário (porque no ay remedio de otra manera) que el Padre Quiricio lea una lection por la
mañana, hurtandola a las occupaciones de predicar, y otro Padre lea a la tarde otra que es asaz
occupado assi en comfesiones como en negocios fuera de cassa. Esto se hará confiando en el Señor que
viendo V.R. esta necessidad, nos mandará algunos Hermanos latinos que puedan supplir estas
necessidades, assi deste Collegio como de Pernambuco. No quiero exagerar y encarecer más esta
neguocio, pues ad occulum vee Vuestra Rª quanta necessidad tiene de ser proveído. por aguora no más,
sino que otra vez nos tornamos a encomendar en suo sancta bendicion y sacrificios" (41).

O Provincial (Luis da Grã ) não vai para Pernambuco por falta de embarcação e também por
estado de saúde, assim informa o mesmo Padre Blazques ao P. Diego Mirón em outra missiva (42).

" Ambicionando o povo de Pernambuco, para sua terra, um Colegio em forma, começou a
instar por ele. Para mostrar vontade eficaz, e para que El Rei se movesse e desse a dotação conveniente,
concorreu logo com esmolas e com seu trabalho para que fosse realidade.

Como a casa de Pernambuco tinha sido fechada duas vezes, houve alguma negligência em
garantir a posse dos terrenos doados por Duarte Coelho. Valeu aos Padres que, enfim, lhes apareceu o
ducumento, por onde se concluiu que antigamente deram aos Padres escola nos terrenos adjacentes à
casa; pela falta desse papel, viviam eles agora apertados. Com seu aparecimento, deu-lhes o Ouvidor
posse deles. Puderam então viver mais desafogadamente, com vantagem ainda de que dentro dos
terrenos ficava uma fonte e uma pedreira, que muito ajudariam as futuras construções, logo começadas,
em 1574, com grande atividade.

Todos trabalhavam. Até os meninos estudantes, apesar do Padre, que digigia as obras, lhes ir à
mão nisso, quando sentiam vir as carretas pelas ruas, iam atrás delas e ajudavam a descarregar às
costas o ladrilho, telha e madeira; não havia quem os tirasse de trazerem água do poço para amassar o
barro. A par do trabalho, os donativos; até esse ano, já se tinham dado mais de 300$000 reis e, no ano
seguinte, Pero Fernandes deixou um legado de 3.000 cruzados.

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Em 1583 construiu-se, para recreio dos Irmãos estudantes junto do Colégio, um novo tanque
com poço e bomba para se regar o quintal em pouco tempo; e também se edificou grande ramada de
videiras, sustentada dum lado e doutro por quarenta pilastras de ladrilhos" (43).

Em 1576, primeiro dia de janeiro, o Rei D. Sebastião, am Alvará manda fundar o Colégio de
Padres jesuitas em Olinda. Para dotação do colégio foi consignada uma pensão de mil cruzados (
400$000) anuais, pagos em dízimos, ou impostos sobre o açúcar, que foi confirmada pelo Cardel D.
Henrique em 1579 (44).

O Padre Serafim Leite fala que a casa de Pernambuco tinha sido fechada por duas vezes. De fato,
em 1567, os Padres Antonio de Sá e João de Melo retornam a Bahia. Era a segunda vez que a missão era
abandonada.

" Em 1569 voltaram os jesuítas a Pernambuco, vindos da Bahia, sendo eles o Padre Rodrigo de
Freitas como superior, o Padre Amaro Gonçalves, pregador, e uns outros mais, vindos de Portugual, o
Padre Alonso Gonçalves e o irmão João Martins, mandados pelo Padre Inácio de Azevedo, sendo todos
acomodados na residência de Olinda, que assim em 1573, constava de quatro padres e cinco irmãos.

Já então tinham os padres instalado o seu Colégio e regularmente funcionando a escola dos
meninos sob a direção do Padre Alonso Gonçalves, e uma aula de latim sob a do Padre Amaro
Gonçalves. A entrada do ano letivo, com a abertura das aulas do Colégio, em 1573, no dia de la
purificacion de nuestra señora (2 de fevereiro) foi solene e festiva, e dentre as pessoas de distinção que
assistiram o ato figurava o desembargador Antonio Salema, Ouvidor Geral do Brasil e então de serviço
em Pernambuco desde o ano anterior, e de onde saiu para tomar conta do Governo do Rio de Janeiro.
Recitou o padre reitor, dando começo à solenidade, uma oração em louvor das ciências, e houve depois
diálogos entre os alunos, representações de enígmas e prêmios, cujas peças muito agradaram àquele
superior magistrado, que disse, que, em universidade não se faria melhor.

Em 1574, a classe de latim constava de trinta alunos de matricula e a de ler e escrever de


setenta. Neste ano tomou conta do reitorado do Colégio o Padre Melchior Cordeiro.

Em abril de 1575 chegou o Padre Gregório Serrano, que eleito no Colégio da Bahia procurador
geral da ordem em Roma, veio de caminho para seu destino, visitar o Colégio de Olinda, de onde, ao
retirar-se, levou os mais ardentes votos de todos em geral, para que, naquela côrte pontificia e junto ao
soberano, empenhadamente promovesse a instituição de um colégio em Pernambuco. - por ser de muitas

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necessidades da terra e poucos os padres para as atender - e sobre cujo assunto escreveu por sua vez a el
rei a câmara de Olinda. Diligentíssimo o padre naquela sua missão, e empenhadamente agindo,
conseguiu do animo regio a pretendida instituição, como vimos.

Em julho de 1576 chegou ao colégio o Padre Inácio de Tolosa, provincial da Ordem no Brasil,
com onze companheiros, " com o que muito se alegrou não só a gente da casa como a de fora por ver
tanta gente para a fundação do novo colégio, e especialmente por trazer ele uma cabeça das onze mil
virgens, para consolação desta terra a qual foi recebida com uma procissão mui solene, e o bispo (d.
Antonio Barreiros, então de visita na Capitania), quis por sua devoção leva-la até a igreja da casa,
vestido de pontificial, e colocando-a no altar-mor, a um lado do sacrário, ficando do outro uma grande
relíquia de S. Braz, já existente.

Depois de uma asistência de mais de dois meses no colégio, retirou-se o padre provincial para a
Bahia, deixando em ordem todos os negócios da casa, e confiado o seu reitorado ao Padre Gregório
Serrano, que vinha de exercer em Roma a incumbência de procurador da provincia, tendo como vice
reitor o Padre Augustin del Castillo, depois reitor. Ficaram então no colégio seis padres e sete irmãos"
(45).

Em resumo, do que informam os dois historiadores: A casa de Olinda é por duas vezes fechada.
Na primeira vez que se reabre, o Padre Gonçalo de Oliveira e seus companheiros executaram obras, já
indicadas anteriormente. Na segunda vez que é reaberta a casa, já com características de Colégio, as obras
reiniciam e tudo faz crer, ao nos valermos das referências ao uso de pedra ou se erguiam obras em
estrutura mista de taipa e pedra e barro ou se construia obra de alvenaria de pedra. Entretanto dessas obras
apenas se fez " dezenove câmaras assobradadas", conforme descrição de Anchieta, já citada, onde
acrescenta " ser
o edificio velho, as oficinas pequenas e velhas e não tão acomodadas".

Em data que o Padre Serafim Leite não pode precisar se executou um plano para novo Colégio -
" constava o Colégio, então de 19 camaras assobradadas. Todavia não bastavam para as necessidades
crescentes do Colégio, em conformidade com o desenvolvimento da terra. Pensou-se pois noutro maior.
Para este Colégio futuro, diz a Informação do Brasil, havia 166 cruzados de esmola que lhe fez El Rei D.
Sebastião, e, por se pagar mal e por não haver tanta comodidade de oficiais e cal, o edificio não se
começou.

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O visitador, Cristovão de Gouveia, encarregou o mesmo arquiteto, Ir. Francisco Dias (46), de
rever os planos. Reviu-se e reformou-os, tendo em vista uma diminiução de despesas. Isto em 1584. Em
novembro, ainda não tinham começado as obras. Construindo-se o Colégio ao mesmo tempo que a
igreja, beneficiou esta em detrimento daquele.

Assim, quando em 1597 esteve em Pernambuco, o P. Pero Rodrigues pode escrever com verdade
que o Colégio estava apenas principiado. Tudo dependia dos donativos recebidos. Apesar da gente ser
generosa, havia mais e menos. Não obstante a renda de El-Rei e as esmolas, o Colégio estava
endividado, em 1604, despesas feitas com o edificio novo.

Em 1607, a generosidade foi maior e também nesse ano se adiantou mais que nos outros:
acrescentaram-se 6 quartos e concluiu-se a capela. Assim prosseguiram as obras até a conclusão.
Quando os holandeses tomaram Olinda em 1630, acharam o Colégio dos Jesuítas superior a todas as
demais casas de Pernambuco: É muito grande e bela construção em forma de quadrado e tem no centro
um pátio; é alto de dois andares com galerias duplas ao longo dos mesmos, dos quais se entra em todos
os quartos situados em redor, em número de aproximdamente quarenta" (47).

"Em 1615 abriu-se a grande cisterna do claustro" (48).

"Com os Holandeses tudo isto ficou reduzido a um montão de ruinas, onde crescia o mato. A
reedificação iniciou-se logo depois da expulsão dos invasores, e em 1660 ia em plena actividade, dentro
de um plano que se qualifica de elegante. Dois anos depois haviam-se erguido as paredes mores do
Colégio, enquanto a maior parte das antigas casas de Olinda permanecia arruinada. Em 1666, estava
concluido.

O Colégio, de elegante arquitetura, é muito cômodo diz-se em 1694, reproduzindo o mesmo


parecer de elegância, pronunciado 33 anos antes, no momento da sua reconstrução.

Exilados os Jesuítas em 1760, o Colégio, que era o maior e melhor edificio de Olinda, entregue
ao Fisco, passou no fim do século à posse da Mitra, e veio a ser com algumas remodelações, e ainda é
hoje, Seminário, consagrado à formação do Clero" (49).

As informações acima, do historiador jesuíta nos deixam algumas perguntas que dificilmente, no
estágio atual, podemos encontrar respostas. Somente uma restauração, semelhante a realizada na Igreja,
nos poderá indicar talvez a solução.

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A primeira das dúvidas diz respeito ao que existia, quando se projetou novas obras para o
Colégio. Teria sido aproveitado algum trecho das construções iniciadas em 1569, ou mesmo anteriores? O
historiador da Companhia de Jesus fala de " outro maior ", ao se referir as novas obras do Colégio, porém
não esclarece se houve aproveitamento das antigas.

A segunda indagação diz respeito ao plano. Francisco Dias o reviu e reformou. Teria sido ele o
autor do mesmo? Também fica sem rsposta a questão. É provável ter sido o arquiteto o autor, entretanto
não está invalidada a hipótese de não ter sido de sua autoria o plano inicial.

A terceira questão se prende ao já discutido plano existente na Biblioteca Nacional de París, e,


onde o Arquiteto Paulo Santos discorda, em comunicação apresentada ao V Colóquio Internacional de
Estudos Luso-Brasileiros, da informação do Conservador do Louvre e indica-o como o adotado no
Colégio de Olinda (50). É indiscutível o parentesco entre o construído em Olinda e o plano citado. Em
trabalho que tivemos o cuidado de realizar, onde passamos de palmos a metro o desenho de París,
verificamos que há uma coincidência de medidas absoluta em relação a ala da cozinha e na cabeceira da
igreja. A diferença, isto vai por conta da execução da obra, na dimensão da quadra no comprimento do
lado Noroeste (lado do refeitório e cozinha) é de 45 centrimetros. Com relação a igreja, na largura e nas
dimensões das capela-mor e colaterais, a igualdade de medidas é absoluta. Mesmo assim e apesar das
considerações que teceremos quando tratarmos da igreja, permanece a dúvida.

A quarta questão diz respeito ao que se incendiou no Colégio em 1631. O Padre Serafim Leite
informa que o mesmo ficou reduzido a um montão de ruinas. Tal coisa não nos parece verdadeira.
Acreditamos que se tenham arruinado ou queimado os telhados e soalhos; entretanto as paredes devem ter
ficado de pé. Em desenho, que passado a gravura, ilustra o livro de Gaspar Barleus, e em pintura, o pintor
F. Post apresenta o Colégio com a quadra intacta no que se refere as paredes. Contando-se os vãos
representados e os atuais, se pode constatar que em número muito se aproximam. Teria o historiador
afirmado por sua conta ou se fundamentou em documento da época. Não restam dúvidas que se
realizaram obras de restauração, entretanto, não foi uma reconstrução integral como se pensa ao se crer ter
ficado o Colégio " reduzido a um montão de ruinas". Somos inclinados a crer mais, embora houvesse
certo exagero na afirmativa, em Urbain Souchu de Rennefort, que em 1666, data bem próxima a da
restauração, viu o Colégio e declarou sobre o Colégio dos Jesuítas, " conservado intacto, sobre uma das
(quatro) colinas custou mais de um milhão e duzentos mil francos a edificar" (51).

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Atualmente o Colégio de Olinda continua Seminário Arquidiocesano, apesar de ter sido Centro
de treinamento por algum tempo.

Nada pudemos adiantar sobre as chamadas tradicionalmente " obras novas" e atribuídas à época
da instalação do Seminário pelo Padre Azeredo Coutinho. Suas características arquitetônicas indicam obra
do final do século XVIII, no entanto, seu claustro tem certa identidade com gosto anterior. Outra dúvida
que até o momento não se tem resposta.

No plano de París, já referido, há uma perfeita distinção entre o achuriado da igreja e o referente
ao Colégio. seria indicação de adaptações entre o plano da igreja e o do Colégio? Ambos teriam sido
pensados pelo mesmo arquiteto? Observe-se que a emenda se faz de um lado na ante-sala da sacristia, do
outro antes do corpo da portaria. No desenho de F. Post, do Colégio de Olinda depois passado a gravura,
inserta em livro de Barleus, se vêm claramente as duas seteiras; ora isto somente seria possível se naquela
altura o corpo da quadra parasse no alinhamento da parede posterior da igreja. São questões como esta e
as outras citadas que somente obras de prospecções no Colégio nos poderiam talvez responder.

O Padre Luis da Grã sucedeu, em 1584, no reitorado do Colégio de Olinda, ao padre Augustin
del Castillo. O Colégio, então, conforme vimos, constava de apenas 19 câmaras assobradadas. Era a igreja
ainda aquela iniciada no dia de Santana, no ano de 1563. Os que a conheceram, como Cardim e Anchieta,
em 1583 e 1585, respectivamente, a acharam de medíocres proporções.

" Estabelecendo-se dotação em 1576, convinha que houvesse igreja digna da terra e dos
Padres" (52).

Luis da Grã , Reitor, em 1584 inicia a nova igreja, a terceira de Pernambuco, e conforme S.
Leite, uma Annua de 1590, declara que a obra "crescia a olhos vistos" . Dois anos depois estava coberta e
pronta, só faltava caiar. "De uma só nave no mais puro estilo jesuítico, dizia-se a mais bela do Brasil"
(53).

" Alguns benfeitores assumiram o encargo da construção e manutenção do culto em capelas ou


altares laterais da igreja, auferindo assim os benefícios correlativos de sepultura para sí , para seus
filhos e netos, segundo os usos e privilégios da Companhia" (54).

Além da capela-mor, outras foram construídas na igreja, e do que informa Serafim Leite,
sabemos que em 30 de setembro de 1615, dia de S. Jerônimo, inaugurou-se, com grande pompa, na Igreja,

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Capela do mesmo santo, mandada edificar por um amigo da Companhia, homem nobre de Pernambuco;
esta capela possuía o arco ou a abóbada (fornix) pintada com bela pintura, envolta em artística cercadura
de ouro e tendo as paredes revestimento azulejar; outra capela teria existido e cujo orago era N.Sra. da
Paz, pois esta outra imagem, chegada em 1620, foi colocada em "seu altar"; ainda é assinalada por
Serafim Leite a se Santa Ana, pois a 26 de dezembro de 1585, D. Agueda Gomes Cabral, "Fundou a
Capela de Santa Ana, na igreja do Colégio" (55). Somava assim a igreja, face as notícias acima, quatro
capelas fundadas antes de 1630. Após a expulsão dos holandeses uma a mais se somaria - N. Sra. das
Angústias, fundação do Capitão João Pessoa Bezerra.

Em 1584, um retábulo é doado e seu custo foi superior a 1000 cruzados, valor alto para a época.
Dos demais retábulos nenhuma referência, entretanto, dois deles ainda existem na igreja e se salvaram do
incêndio (1631) por serem de cantaria e estarem protegidos por abóbada de alvenaria de tijolos, nas
capelas colaterais a capela-mor. Quanto a capela-mor, do seu retábulo primitivo restam os vestígios
encontrados atrás de retábulo recente, removido quando das obras já referidas de restauração, conforme se
dirá adiante; foi de fino lavor, considerando o que resta - cerca de cinco nichos, do seu andar inferior,
porquanto como o de outras igrejas jesuítas possuíra dois andares de colunas. Nos restos de um retábulo
de cantaria, pedra calcárea, encontrados na pesquisa arqueológica realizada pelos Arqueólogos Marcos
Albuquerque e Veleda Lucena, talvez se tenha o que ficou do retábulo-mor, removido posteriormente
pelos padres ou destruído pelos holandeses. No que ficou na parede do retábulo-mor destacamos, ainda
não traduzida, uma inscrição, a mão, em holandês, datada de Olinda, 1639. Os restos de capiteis, da ordem
coríntia, encontrados, indicam dois tipos diferentes, o que poderia sugerir os dois andares do retábulo-
mor. Os três retábulos, incluindo na análise os restos encontrados são de gênero comum ao fim do século
XVI, de gosto maneirista e identificados com os de mesma época existentes no Brasil e em Portugal. Dos
três destacamos, o do qual restam pedaços, cujo lavor, do capitel e dos trechos de colunas, indica melhor
executante e maior obediência aos tratados de arquitetura; nos parece inclusive o mais antigo; seria o que
custou mais de 1000 cruzados? Sobre os dois retábulos de pedra e outros de igual época dos jesuítas no
Brasil, fez excelente análise o arquiteto Lúcio Costa (56), a qual se soma a referência do Conservador do
Louvre Sr. Germain Bazin (57).

Antes da invasão holandesa a igreja possuiu torre com relógio (ver notas 52 a 55). Várias
imagens são referidas por Serafim Leite em sua História como anteriores ao domínio flamengo (58). Junto
com os restos do retábulo, encontrados pelas pesquisas arqueológicas, estavam pedaços de quatro imagens
em pedra: duas com o corpo inteiro, degoladas; um meio corpo, também sem a cabeça e um pedaço de
cabeça da última, da qual não se encontrou o corpo. Pelas dimensões poderiam ser do retábulo-mor
destruído. São imagens de excelente feitura e talvez as mais antigas existentes, atualmente, no Brasil. A

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vestimenta além de suas características artísticas nos fazem remontá -las aos anos finais do século XVI,
comparando-as ainda as imagens portuguesas desse século. Não são identificáveis, até o momento, os
santos que representavam; uma delas, pelo atributo que tem preso ao corpo, uma espada, pode indicar S.
Paulo.

Possuía a igreja antes do incêndio prataria em lâmpadas e relicários, nomeada pelo Padre Serafim
Leite.

"Passando em Pernambuco, no ano de 1597, o Padre Pero Rodrigues achou já uma igreja, da
traça de São Roque, quase acabada, custaria 18.000 cruzados, começada pelo bom P. Luiz da Grã com
duzentos réis ou dois tostões, tudo ou quase tudo de esmolas" (59).

A referência a igreja de São Roque, feita pelo Padre Pero Rodrigues tem levado a se crer na
influência daquela igreja jesuíta sobre a construída em Olinda. Soma-se a isto o fato de em princípio o
Padre Serafim Leite admitir ( " A igreja do Colégio, construída pelo Irmão Francisco Dias") a
participação do Arquiteto da Companhia no Brasil, depois de 1577, quando para esta terra veio com a 17ª
expedição, na autoria do plano (Francisco Dias trabalhou em São Roque anteriormente). Este lhe tem sido
atribuído também por outros autores.

Na obra de restauração, empreendida pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de


Pernambuco a partir de abril de 1974, conforme se dirá adiante, descobriram-se elementos importantes e
até então desconhecidos da igreja quinhentista. Em primeiro lugar, na fachada principal se localizou parte
de um óculo, única abertura, a nível do côro, existente além da porta única, ao rés do chão; depois se
desentaiparam três confessionários, de mesmo lavor que o restante da cantaria da igreja, a exemplo a
cantaria das capela-mor e colaterais, localizados, dois do lado direito de quem entra, e, um outro do lado
contrário. Confirmaram-se a existência de duas capelas do lado esquerdo e uma do lado contrário; as
capelas se encontravam, as duas que marcam o falso transepto danificadas por reformas posteriores, mas
com suas impostas relativamente intactas sob o reboco, apesar de terem se quebrado os arcos de pedra; e
uma terceira, entaipada, estava com sua cantaria perfeita. Todas foram profundas e as duas do lado
esquerdo de quem entra eram intercomunicantes. Em certa época foram destruídas, mas os vestígios
permitiram suas reconstituições. Uma coisa nos intrigou particularmente: a capela do lado direito, a que
marcava o falso transepto com a oposta, foi em certa época rasa, inserida no corpo da parede, restando
claro vestígio de tal fechamento. Assim se assemelhava aos confessionários. Para melhor compreensão
veja-se a planta que se anexa ao presente trabalho.

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252
Tal fechamento implicava em que a que lhe ficaria simétrica seria identicamente tratada, a
semelhança com o confessionário de igual lado.

Somente nos deixava dúvida a contemporaneidade da terceira capela. A assimetria nunca foi
aceita no século XVI como norma. Assim nos aventuramos a afirmar que a terceira capela assimétrica,
tenha sido realizada se demolindo um confessionário e na época em que se abriu a parede que fechava a
capela do lado direito para a construir com corpo, corpo este que permaneceu isolado e em apêndice por
certo tempo, haja vistas os cunhaes que possui nos cantos externos, e onde se vê também uma abertura,
em cantaria, em previsão para uma quarta capela que restituiria a simetria à igreja. Quando foi isso
realizado não sabemos.

As etapas acima enumeradas nos levam a um plano anterior ao que foi restaurado e que mais se
aproxima daquele adotado, segundo o Arquiteto Paulo Santos, para Olinda e localizado entre outros, de
igrejas jesuítas, na Biblioteca de París.

Deste modo, à a luz deste primeiro plano que teceremos considerações sobre a arquitetura da
Igreja.

Restaurada, a fachada da Igreja de N. Sra. da Graça foge inteiramente do seu modelo, sempre
referido, de São Roque de Lisboa.

A se crer que a fachada primitiva de São Roque seja a atual, e que somente o frontão tenha sido
refeito após o terremoto de 1757 em Lisboa, a fachada Lisboeta é quanto aos cheios e vasios de certa
maneira diferente da executada para a igreja de Olinda. Em São Roque temos um óculo oval no tímpano;
três janelas na altura do coro e três portas, correspondentes no rés do chão. As envasaduras estão
dispostas em seis panos deixados pela trama das pilastras, superpostas, geminadas em cada extremos e
simples no centro; pilastras separadas por cornija intermediária e entablamento junto ao frontão. Em
Olinda a trama que separa em seis panos o corpo da fachada é composta de duas grandes pilastras que
vencem toda a altura desde a base ao frontão, os cunhaes, e duas faixas, que ascendendo das ombreiras da
porta única, e de igual largura, sobem até o entablamento junto ao frontão, ladeando o óculo.

Como se vê a aparência pode enganar quanto a divisão da fachada em panos, mas o mesmo não
diríamos no que respeita as aberturas: em contraposição a São Roque, a igreja de Olinda é muito fechada e
de uma sobriedade que lembra as obras românicas peninsulares do Portugal românico.

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253
Tal solução não é estranha em Portugal. A igreja dos Jesuítas de Braga também é muito fechada
e possui óculo que nela intercepta o entablamento e penetra o tímpano. Em Braga se somaram duas
janelinhas nos panos que ladeiam o central na altura do coro.

Procurando fontes romanas para aquela fachada de Olinda, vamos encontrar na própria ordem
inaciana uma igreja, hoje desaparecida, que poderia ter sido modelo para a de Braga, Portugal, e a de
Olinda: a igreja dell' Annunziatina do Colégio Romano, construída entre 1561-67 e destruída para dar
lugar a de il Gesú . Nessa igreja da Anunciada a disposição do corpo da fachada, no que respeita a
entablamentos e pilastras, é semelhante a de São Roque e de S. Paulo de Braga, no entanto, as
envazaduras divergem. Na Annunziatta temos um corpo central com porta única e óculo e quatro nichos
para imagens nos quatro panos restantes (observe-se que o desenho original, reproduzido em Pirri, Pietro,
Giovani Tristano, op. cit., difere do que foi construído: no desenho original duas janelas ladeiam o óculo
nos trechos de fachadas correspondentes, noutra representação, em gravura, Tav. V, do mesmo livro, são
nichos que ladeiam o óculo). A composição da fachada da citada igreja romana vem inspirar, na Itália,
em Ferrara, a igreja do Colégio de Jesus. Neste caso último com janelas ladeando o óculo e portas
ladeando a central. Os nichos são deslocados para as laterais em mais dois panos estreitos criados na
altura do térreo (Pirri, op. cit. Tav. (XIX).

Assim, cremos que a fachada de Olinda não derivou, senão no que respeita a divisão da fachada
em panos isolados por entablamentos e pilastras, da igreja de São Roque, por sinal solução de fachada que
não é privativa dessa igreja portuguesa mas de muitas outras europeias, por ser linguagem comum da
arquitetura da época, de um Renascimento que se transformava em Maneirismo. Liguagem que vem da
Itália, fonte de muitos modelos europeus desse gênero desde o século XV. Quanto a disposição das
aberturas, teríamos como prováveis fontes, em mais proximidades, a Igreja de S. Paulo de Braga,
Portugal, com as modificações já referidas, em Olinda, ou, em fonte mais distante, o divulgado modelo da
primeira igreja dos Jesuítas em Roma a dell' Annunziata, do Colégio Romano. A divulgação do aspecto da
igreja romana foi realizada através de gravuras e é provável que seu plano não fosse desconhecido do
arquiteto da Igreja de Olinda.

Com respeito ao partido de planta da igreja de Olinda, partindo, como dissemos, da igreja onde
as capelas laterais, duas simétricas, na altura do transepto, foram rasas e na espessura da parede, tendo
quatro confessionários, inseridos também em nichos no corpo da parede e também simétricos, podemos
considerar alguns aspectos da questão.

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Em primeiro lugar que na planta de París não sejam capelas, mas nichos para confessionários, o
que está indicado no corpo da parede; reforça tal idéia a não indicação de altares. Não é de espantar que se
tenham cerca de sete nichos, vez que algumas igrejas chegavam a ter dez confessionários, conforme os
planos conservados na Biblioteca de París.

Em segundo lugar devemos considerar a Igreja de São Roque na altura em que o Padre Pero
Rodrigues faz sua observação a respeito da Igreja olindense - a igreja portuguesa apenas possuía um falso
transepto, ou melhor, um vestígio de tal, quatro capelas e quatro confessionários simetricamente dispostos
dois a dois no corpo da igreja.

Em Portugal, são considerados planos autóctones os das igrejas do Espírito Santo, de Évora, São
Roque de Lisboa, e São Paulo de Braga.

Dos planos acima, tomando como pré-requisito a igreja de Olinda antes do aprofundamento das
capelas da altura do transepto, somente nos importa analisar os planos das igrejas de Braga e de São
Roque de Lisboa.

Não sabemos, hoje vendo o interior de São Roque, como teria sido a igreja com apenas duas
capelas de cada lado. A uniformidade do acabamento da cantaria interior não nos permite saber. A planta
inserta, como "proposta de interpretação" no trabalho titulado " A Igreja de São Roque de Lisboa", de
autoria da Senhora Maria João Madeira Rodrigues (60), não nos convence. Ficavam as quatro capelas
restantes sem fechamento? Seriam fechadas, se previstas, pela parte externa da espessura da parede,
conduzindo a capela rasas? Ou teriam sido todas rasas e a exemplo de Olinda foram de uma vez todas
transformadas em intercomunicantes, como em Évora, e aprofundadas, no século XVII,o que garantiria a
unidade do interior, hoje observada?

Quanto a Braga, a igreja jesuíta tem suas capelas laterais na nave, do mesmo modo como
ocorrerá também com as igrejas da Companhia do Distrito de Goa: São Paulo de Diu e Espírito Santo de
Margão, posteriores, inseridas na espessura da parede.

São soluções singulares e onde julgamos encontrar a inspiração para a planta de Olinda.

Em Olinda, o que temos é um plano que extrai das duas citadas fontes inspiradoras portuguesas
seus elementos. De São Roque vem a marcação rasa do transepto, onde em Olinda essa definição se faz
através de capelas inseridas na espessura das paredes, e de Braga a disposição em nichos ritmados dos

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confessionários. O resultado é ainda dos mais interessantes em se considerando o plano de París: o
arquiteto construtor de Olinda dele pode ter extraido a disposição dos nichos para confessionários,
reduzindo-os em número e substituindo os dois primeiros por duas capelas rasas. A igreja de Olinda é
menor no sentido longitudinal que a proposta, aceitando-se a hipótese do Arquiteto Paulo Santos, no
plano citado acima, o que justificaria talvez a redução do número de confessionários.

No que respeita a disposição das capela-mor e colaterais não há dúvidas quanto a fonte ter sido
São Roque. A igreja de Évora, embora tenha mesma disposição, em princípio, que São Roque, nos parece
posterior. As perfilaturas, diferentes, mais delicadas, conforme tivemos ocasião de verificar, dos capiteis e
demais elementos das capelas colaterais da igreja de Évora, comparadas com as de mesmo tipo da capela-
mor, indica-nos uma adaptação posterior, salvo melhor juízo.

É interessante ainda observar que o friso, da cimalha real de Olinda, com tríglifos e métopas
lembra a solução que se vê para o mesmo elemento arquitetural, indicada no desenho original, da igreja
dell' Annunziata, do Colégio Romano. Também as aberturas indicadas no mesmo desenho são
semelhantes as definidas no plano de París. Em Olinda não se utilizará janelas na fachada Sudoeste mas
grandes seteiras, duas de um lado e, simetricamente duas tribunas na outra lateral. Estas tribunas davam
para um corredor, hoje desaparecido, que primitivamente ligava o corpo da quadra com o coro da igreja,
de maneira semelhante àquela adotada no plano de París.

Considerando o interior do monumento de Olinda, devemos assinalar que não houve um bom
arremate arquitetônico entre a composição da parede onde se inserem as capelas-mor e colaterais e os
alçados da igreja. Não é feliz a solução arquitetônica, essencialmente se a analisarmos à luz dos
princípios de composição do final do Renascimento. A descontinuidade que se verifica com relação à
moldura que corre, vinda do capitel do arco cruzeiro, e mergulha nas paredes laterais e a composição
desta mesma parede é de estranhar. As paredes laterais contrastam fortemente, no que respeita a
composição arquitetônica com a da capela-mor. O que ainda salva a composição interior é a cimalha real
que circunda toda a nave.

Em época difícil de precisar se aprofundarem as duas capelas na altura do transepto e se


construiu mais uma, intercomunicante, no lado esquerdo de quem entra na igreja, tornando assimétrico o
conjunto lateral de capelas e nichos para confessionários.

Quanto ao partido de planta do Colégio e a Igreja, onde esta se destaca do corpo da quadra,
verificamos que foi resultado das condições topográficas, inclusive nos demonstrando o quanto era livre,

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no que respeita as soluções arquitetônicas, um arquiteto a serviço da Companhia de Jesus. Analisando os
partidos de planta dos estabelecimentos da Assistência portuguesa chegamos conclusão de que há grande
independência no que se refere a disposição da igreja e da quadra, desde que observadas aquelas relações
de circulação interna entre as diversas partes do estabelecimento, à exemplo, entre a área dos padres e
igreja; estudantes e igreja; igreja e fiéis, no caso específico do Colégio (" il modo nostro " ).

Analisando a disposição interna do Colégio de Olinda e as ligações entre as diversas partes,


chegamos a conclusão de que o projeto, posto em execução e construído nessa cidade é dos mais bem
elaborados. Havia uma ligação permanente, embora hoje desaparecida, entre a quadra dos padres e a
igreja (coro); existe um acesso fácil do público para a igreja; as oficinas estavam bem situadas, em local
aprazível, pois voltado para o mar; as celas, considerando o clima do nordeste, se situavam na melhor
orientação; o refeitório e cozinha, de permanência transitória, nem porisso estava mal localizado; o pátio
das aulas, hoje substituído pelas " obras novas", situava-se na lateral do antigo Evangelho e tinha acesso
fácil - aulas -igreja; as duas tribunas, situadas na circulação que da quadra dos padres vinha até o coro,
atendia as exigências do programa da Companhia; enfim, todo o conjunto resolvia satisfatoriamente o que
os jesuítas consideravam " il modo nostro ", conforme vimos em comentário anterior.

Resta-nos uma análise final: o Colégio e sua Igreja diante das obras que surgem, em Olinda, nos
últimos anos do século XVI. Em primeiro lugar a Matriz do Salvador (61). Inicialmente em taipa, vem, no
último quartel do século XVI, ser construída de alvenaria de pedra. O plano adotado será o frequente, para
as igrejas portuguesas de igual tipo, em três naves separadas por arcadas que recaem sobre colunas - a
solução basilical - Cardim a descreve, em 1583, em construção: " Tem uma formosa igreja matriz de três
naves, com muitas capelas ao redor; acabada ficará uma boa obra". Seu plano, comum em Portugal foge
inteiramente "maneira jesuíta". Há no entanto, no exterior pontos comuns: o tratamento sóbrio, com a
utilização de um grande óculo no corpo central, associado ao caráter monumental e maneirista. No interior
as perfilaturas, fiéis aos tratados de arquitetura, guardam familiaridade com a obra jesuíta de Olinda.
Ambas têm aquela tônica das igrejas de uma vila em plena ascenção econômica: a grandiosidade. Há certo
parentesco entre as igrejas e resultante de uma maneira de pensar, artística, comum: o Maneirismo
português. Observando, no entanto, o tratamento arquitetônico da Matriz do Salvador verificamos que as
peças interiores e exteriores se amarram em excelente composição. Senão vejamos: as capelas laterais se
intercomunicam e são localizadas aproximadamente, seu eixo, de forma coincidente com o eixo de cada
arcada correspondente. O degrau de acesso a essas capelas laterais é o mesmo que contorna e permite
acesso também as capelas laterais a maior e a esta. As capelas, com excessão da principal são em
abóbadas de berço. A capela-mor se destaca em cúpula sobre pendentes esféricos. Há um encadeiamento
na composição e as partes estão dispostas em relação típica do próprio Renascimento: a unidade e o todo.

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No exterior o mesmo equilibrio é mantido entre a volumetria das torres e o corpo da igreja. Enfim é
solução mais feliz, arquitetonicamente que a Igreja dos Jesuítas.

A igreja dos frades carmelitas é obra do fim do século. Apesar disso, considerando sua
arquitetura é a mais erudita de Olinda. Seu partido de planta deriva do modelo português de igreja com
capelas intercomunicantes nas laterais de um grande salão e, onde o transepto se encontra bem demarcado
em capelas as quais, embora rasas, têm o mesmo tratamento da capela-mor. Na igreja carmelita, o
Arquiteto faz uso de um módulo simples, uma capela lateral, com composição fiel aos tratadistas e uso da
ordem jônica, por sinal a que se torna tônica de toda a arquitetura da igreja. Esse módulo se repetirá
quatro vezes e se interrompe na altura do transepto. Neste local duas grandes capelas, vencendo toda a
altura da nave, marcam o transepto e são semelhantes como dissemos à capela-mor. A cimalha real,
contorna toda a nave e fecha a composição. Bazin considera a igreja um exemplar do Renascimento (62).
De fato, a composição é magistral e as perfilaturas, os detalhes, são todos pensados cuidadosamente e fiéis
aos cânones do Renascimento.

O exterior, embora tenha ficado inacabado no que se refere ao século XVI, é tratado a maneira
das igrejas do norte de Portugal, como exemplo as das Santa-Casas de Misericórdia de Braga e
Guimarães, com colunas em disposição que lembra os retábulos de igual época. As proporções são bem
cuidadas e há certo arcaísmo no tipo de capitel jônico utilizado. Não resta dúvida que a solução
arquitetônica da igreja dos carmelitas é mais feliz que a dos jesuítas. A nós nos parece que, diante das
duas igrejas citadas a obra jesuíta somente se destaca quando considerarmos a excelente composição da
fachada principal e no interior a diposição das três capelas - a maior e as colaterais. Na igreja jesuíta um
ponto comum com as duas outras, o caráter erudito das perfilaturas, das proporções interiores, dos
elementos isolados. O que nos parece faltou na igreja inaciana foi o feliz arremate das partes em seu
interior.

São no entanto as três igrejas exemplos do desenvolvimento cultural-artístico da Vila de Olinda


ao fim do século XVI. Pelas igrejas relacionadas se pode desfazer a idéia de que no século XVI éramos
pobres de gosto artístico. Ao se exigir dos artistas obras de vulto como as referidas, os religiosos e os da
terra demonstravam, assim nos parece, já certo grau de desenvolvimento cultural que permitiu inclusive o
surgimento de obras, aí no campo literário, como os Diálogos das Grandezas do Brasil.

Melhor ainda demonstra o que dissemos a pintura de F. Post. Nos quadros, desenhos e gravuras,
do pintor da comitiva de Nassau, se pode avaliar, pelos edifícios representados o caráter da arquitetura
quinhentista no Nordeste. As igrejas pintadas pelo artista se incluem entre excelente exemplares de gosto

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maneirista, inclusive pelo uso seguro da ordem arquitetônica, das pilastras e das colunas, em proporções
fiéis ao melhor gosto artístico dominante na Europa. À exemplo a extraordinária entrada da Matriz da
Vila, representada várias vezes por Post; os copiares com colunas, onde o entablamento é fiel aos tratados
em voga na metrópole; a excelente composição das fachadas, desde uma simples capela de engenho a uma
igreja jesuíta. Veja-se também o acabamento interior dessas igrejas representando em pinturas onde se
destacam retábulos preciosos, talvez em cantaria como os dois que restaram na igreja do real Colégio de
Olinda (63).
Em Olinda o fausto descrito pelos coevos não se restringiu apenas aos banquetes mas se
transportou aos edifícios, às capelas e igrejas onde o resultado aí está testemunhando o notável
desenvolvimento artístico do século XVI em pernambuco. Se tal desenvolvimento não representasse o de
igual teor ,pelo menos de parte, da população não compreendemos porque.

A expressão " igreja digna da terra e dos padres" bem se identifica com a importância dada as
construções religiosas na época e justifica o caráter monumental de tais edifícios.

2.4 A Arquitetura do Colégio e da Igreja

A Igreja de Nossa Senhora da Graça e o Real Colégio, tal como se apresentam hoje, conforme
vimos, à excessão das chamadas " obras novas", muito se assemelha com suas fisionomias anteriores a
invasão holandesa. Isto se dá precisamente em face da restauração, concluida pela Fundarpe, 1978, da
igreja e parte do Colégio que mais sofreu com ampliação realizada no século XIX.

Volumetricamente a igreja, por suas dimensões, domina a quadra do Colégio, no entanto, graças
ao desenvolvimento horizontal do corpo da mesma quadra, um certo equilíbrio se estabelece. Situados, os
edifícios, no cimo da colina, de forma acastelada, recebe do lado sudoeste um muro de arrimo que permite
um largo passeio ao longo e do lado de fora da quadra de mesma orientação e liga a entrada com a parte
posterior do Colégio. Do terrapleno formado se divisa o mar e boa parte de Olinda. A quadra,
primitivamente ocupada pelas oficinas, refeitório e outros cômodos, no térreo, e, no pavimento superior,
pela igreja doméstica e as celas, não tem claustro, a maneira conventual, e sim um pátio, onde se localiza a
cisterna. Essa quadra, quer internamente ou externamente, é tratada com sobriedade. As envazaduras são
de cantaria, restando poucas esquadrias de tempo muito recuado. Acreditamos que as esquadrias
existentes datem, pequena parte, de após a restauração do domínio flamengo e o restante de épocas
diversas. A capela doméstica, no andar superior, com forro de madeira em três panos, não possuindo mais
nenhum retábulo, contemporâneo de sua execução, é revestida de azulejos. Os azulejos são de padrões

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diferentes, dois padrões, segundo o especialista J.M. Santos Simões: " estão os azulejos dispostos em
silhar de 10 de altura, incluindo as cercaduras inferior e superior. São dois padrões policromos que
constituem os tapetes azulejados, separados estes entre sí por frisos de 1/2 azulejo, dispostos no sentido
vertical. Os padrões são de repetição 2x2 e um deles de desenho muito raro. Pertence à série a que
chamo de CAMÉLIAS mas apresenta uma variedade que aqui encontrei pela primeira vez. O outro
padrão, muito mais frequente, é bem dos princípios do século XVII. São de notar certas particularidades
técnicas - desenho e coloração - e ainda a péssima qualidade da pasta, a imperfeição da esmaltagem e o
emprego de avivagens em segundo e até terceiro fogo. Julgo tratar-se de fabricação pouco cuidada e as
tonalidades, emprego de ocres e simplificação dos desenhos, fazem-me supor que se trata de produto de
primitiva oficina do Porto ou de Gaia.

Os azulejos não cobrem a totalidade das paredes, faltando na parte central de uma delas,
possivelmente no local onde esteve um altar. Seria esta a capela inaugurada em 1615 quando foram
colocados azulejos coloridos nas paredes? Julgo data muito recuada para estes modelos de padrões, um
dos quais, pelo menos, só aparece bastante mais tarde. É mais natural que após o incêndio de 1631 ou
noutra altura e ao adaptar-se esta sala a capela, se tenha aproveitado os azulejos de outros locais do
edifício e até de mais de uma época" (64).

O Sr. Santos Simões pode ter razão quanto ao aproveitamento dos azulejos. Na obra de
restauração da igreja se verificou que a capela de N. Sra. das Angústias, conforme orago que chegou aos
nossos dias, foi revestida de azulejos em padrõo camélia, e, ao ser remodelada, todo este revestimento se
removeu.

O restante da quadra não oferece nenhum outro atrativo sendo despojada à maneira Jesuíta (" il
modo nostro" ). Analisando a circulação interna, a disposição dos cômodos e as dimensões das celas,
verificamos que o edifício foi projetado seguindo a risca as diretrizes romanas fixadas desde Giovanni
Tristano, conforme acentuou o Padre Pietro Pirri (op. cit.). Os espaços são bem dimensionados e os
corredores, situados do lado do páteo interno, dão acesso aos diversos compartimentos e são iluminados
através de três janelas rasgadas de cada lado do mesmo páteo e pelos extremos por janelas que dão para o
exterior. Assim, os corredores se cruzam deixando, no andar superior, quatro celas nos extremos da
quadra. Excessão se dá no térreo apenas do lado do refeitório e cozinha.

No centro do páteo localiza-se a cisterna, com cerca de oito metros por seis e aproximadamente
cinco de altura, em abóbada de berço.

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Na ocasião em que entramos na cisterna, ela não se encontrava senão com pouco mais de dez
centímetros de água e cremos que já não se recolhem nela as águas pluviais. Diferentemente do que
informou o Padre Serafim Leite (História, op. cit.), ocupa pequena parte do grande páteo e não toda sua
dimensão.

Conforme se disse, somente uma propecção realizada no corpo da quadra nos permitirá maiores
conclusões. No estágio atual do conhecimento podemos apenas dizer, repetindo o Arquiteto Paulo F.
Santos, da grande semelhança do edifício com o plano localizado na Biblioteca de París, já referido.

A quadra sofreu reformas para adaptação a Seminário e nela se destruiram celas do lado do mar,
visíveis quanto a suas disposições, nas emendas do reboco na parede; também se acrescentou um corpo,
hoje removido, na altura da antiga portaria. Também remodelação foi realizada no refeitório, embora o
púlpito existente seja o primitivo, rico em sobriedade, à maneira dos primeiros jesuítas. Acreditamos que
este lado da quadra e o trecho que se liga dele à igreja seja o mais antigo de toda a construção, no entanto,
é ainda mera hipótese, não encontrando fundamento senão na continuidade verificada da parede posterior
da igreja, que segue na direção do refeitório, em mesma técnica construtiva e sem emendas.

Destacando-se da quadra, em escala diferente temos a igreja.

Pela sua estrutura, em pedra, com argamassa de barro e pedaços de tijolos, uniforme e sem
emendas, se constata a veracidade da hipótese do arquiteto Lúcio Costa. A igreja atualmente existente e
nos arriscamos a dizer também o Colégio, são do século XVI. Na restauração foi desentaipada na fachada
lateral uma seteira e pedaço da segunda, representadas, ambas em pinturas, desenhos e gravuras de Post,
observando-se que o pintor foi fiel às proporções das aberturas laterais nos seus trabalhos. Também
encontrada e restaurada a antiga sineira, pintada também por Post, engastada na estrutura da torre, que se
ergueu em época posterior sobre a capela colateral do lado da antiga Epístola.

O exterior da igreja reflete extrema simplicidade. A fachada lateral é marcada apenas por duas
grandes frestas e uma pequena janela na altura do coro. A porta que se vê no térreo, porquanto
seiscentista, em arenito, acreditamos ter sido executada após a expulsão dos holandeses; reforça tal
hipótese o fato de se ter aproveitado para execução da soleira um pedaço de pedra tumular do final do
século XVI, da família Colaço, o que não se faria quando das obras da igreja, salvo melhor juízo, no
próprio século XVI. Tal tratamento da lateral da igreja é condizente com os das demais igrejas
representadas em pinturas pelo artista F. Post. e, tudo indica, foi norma nas igrejas construídas no século
XVI no Nordeste. Este uso não é exclusivo do Brasil e tem raízes portuguesas desde o Românico. Se

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261
prolongando pelo século XVI se transportaria ao Brasil e, por questões talvez de segurança ou por força
da intensa luz tropical permaneceria a formula até o século XVIII, quando os corredores irão ladear as
naves, filtrando a luz natural para o interior. Na verdade, as frestas da Igreja de N.Sra. da Graça de Olinda
são de boa largura, dando a idéia de estreitas, devido a grande altura e às suas proporções. Na fachada
contrária, as tribunas, localizadas simetricamente em relação as frestas, davam para um corredor, ainda
existente até os primeiros anos do século atual, quando foi demolido, são definidas em maiores
proporções e por força do referido corredor a luz que penetrava na igreja era filtrada e suave.

A fachada principal, "fachada templo" conforme classifica Bazin todas as que seguem a grande
corrente, que vem desde aquelas românicas de igrejas de um só corpo, onde a verdade interior era visível
e clara no exterior, é , no caso de Olinda, bastante sóbria. Dela já dissemos quanto ao seu provável
modelo, restando apenas considerá-la em função de suas perfilaturas. Comparadas àquelas utilizadas na
igreja Matriz, depois Sé, na igreja Carmelita e em S. João Batista dos Militares, podemos constatar em
todas, obediência fiel aos Tratados de Arquitetura e, até mesmo dizer, que esta fidelidade às perfilaturas,
definidas pelos tratadistas, foi bastante consciente na arquitetura do século XVI em Pernambuco. De
proporções quase ao quadrado, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, nos dá a sensação de calma e
equilíbrio. Frontão alto e bem definido por uma perfilatura forte e que espelha a de igual categoria
empregada na igreja Matriz. É interessante, ao compararmos os traçados que regularam a composição de
ambas as igrejas, notarmos o grau de parentesco que singulariza as duas concepções arquiteturais. Nas
duas se emprega um grande óculo; nelas se utiliza a ordem monumental vencendo toda a altura da
fachada. Na Matriz o corpo central admitirá uma superposição de ordem por força da demarcação das três
naves, onde a central é mais alta e iluminada pela diferença de altura dos telhados. Nas duas igrejas, bases
e capitéis das pilastras das fachadas são semelhantes, exceto nas pilastras das torres da Matriz, nas quais
as perfilaturas são mais delicadas. As frestas que iluminam a nave central, na Matriz, situadas acima da
cimalha, onde esta tem perfilatura similar a utilizada no exterior de N. Sra. da Graça e da mesma igreja,
têm secção semelhante àquelas das frestas da igreja Jesuíta. Há na concepção arquitetônica de ambos os
edifícios certas semelhanças que podem ser próprias do período, mas, que podem nos levar a outras
conclusões, tais como a de mesma autoria. Não há dúvida de que o plano da Matriz é mais perfeito que o
da Graça, pelas razões que já expuzemos anteriormente. Com relação a igreja dos Carmelitas verificamos
diferenças singulares de natureza espacial. Embora a igreja Carmelita não difira tanto nas dimensões da
igreja dos Jesuítas, o seu tratamento exterior e interior é bastante distinto. Em ambas há apenas o ponto
comum das perfilaturas bem elaboradas e eruditas. Com relação a S. João Batista dos Militares se
estabelece maior parentesco desta com a Matriz que mesmo com a igreja inaciana. De comum temos o uso
do cunhal , a pilastra de canto, emoldurando a fachada e o frontão " a antiga " , segundo a classificação
de Bazin.

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O interior da Igreja de N. Sra. da Graça é uma grande sala. Há um predomínio do espaço da
Nave em relação àquele da capela-mor, tratada como um grande nicho, assim como em ralação às capelas
colaterais e laterais (levando em conta a concepção arquitetônica onde as capelas laterais se inseriam na
espessura do muro), que poderíamos considerar a igreja como de nave única.Na verdade é nisto que a
igreja de Olinda se distancia, quanto ao espaço interior das suas irmãs portuguesas. Analisadas à luz deste
espaço interior verificamos que com relação a Igreja de São Roque, embora haja nesta última também um
predomínio dos espaço da nave sobre o das capela-mor, colaterais e laterais intercomunicantes, há uma
clara diferença de natureza espacial. Em São Roque, a cabeceira, de fato tem as mesmas características da
de Olinda, onde a pouca profundidade das capelas conduz a sensação de grandes nichos para os retábulos,
mas, as laterais alteram a leitura do espaço interior criando zonas de sombras e vasios intercomunicantes
que interferem e distingue ambas as igrejas, Olinda e Lisboa. Por outro lado, o tratamento arquitetônico da
igreja Lisboeta é totalmente diferente, no que respeita ao acabamento dos muros, ao comportamento da
luz natural, enfim não vemos semelhanças senão na cabeceira, e, esta mesma, conforme se verifica
claramente, não tem, na relação de alturas e na composição do muro, senão um parentesco com a
cabeceira de Olinda. Em Olinda existe uma relação, assim nos parece, perfeita entre as proporções das três
capelas, a maior e as duas colaterais. Essa relação perfeita nos leva a uma sensação de justeza e equilíbrio
na composição de arquitetura. Em São Roque, a pequenez das capelas colaterais gera um desequilíbrio, ao
nosso ver, que somente é contrabalanceado pelo restante da composição do interior da igreja. Mais feliz é
o tratamento da cabeceira da igreja dos Jesuítas de Évora. Nesta igreja, que segue a mesma disposição de
Olinda quanto as três capelas, há no entanto um predomínio maior da central, o que conduz a um certo
desequilíbrio na composição. Comparando, como já dissemos, as perfilaturas de bases e capitéis das três
capelas de Évora, verificamos que a obra das colaterais, salvo documentação que comprove o contrá rio, é
posterior e não pertence ao risco original da igreja. As perfilaturas das colaterais são delicadas e mais fiéis
a obra do último quartel do século XVI, enquanto que as de igual teor do restante da igreja são diferentes
e mesmo pouco fiéis aos tratadistas, inclusive considerando que nenhuma das impostas tem base, o que
constitui uma falta grave para uma obra " a romana ".

Assim, sendo executada depois de suas congêneres- portuguesas, a cabeceira da igreja olindense
dos Jesuítas é das três, assim nos parece a mais bem realizada sob o ponto de vista arquitetônico. Tem
tratamento fiel aos Tratados de Arquitetura e com extraordinária composição de arquitetura. Composição
esta que somente teremos, no gênero, similar na cabeceira da igreja Jesuíta de Salvador, na segunda
metade do século XVII. Em Angra do Heroísmo, na igreja dos Jesuítas, também encontramos uma
excelente composição arquitetônica dessa parte da igreja, mas, aí com capela maior profunda.

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263
O interior da igreja de Olinda é iluminado pelas frestas, tribunas, porta principal e óculo. Estas
aberturas, em face das dimensões da nave, são dominadas pelos cheios das paredes, e o interior é
iluminado com as mesmas características das igrejas Matriz e Carmelitana da mesma cidade. Essa pouca
luz é coerente com o espírito ainda românico das igrejas portuguesas e difere da concepção de luz das
igrejas italianas de igual época. Nas igrejas de Olinda, essencialmente na que estamos considerando, os
interiores são deixados em uma penumbra singular e mística. A luz é trabalhada segundo os valores
tropicais e a intenção religiosa desejada.

A grande sala da Igreja de Nossa Senhora da Graça é despojada e simples. A valorização vem se
dar nas capelas onde as cantarias têm perfilaturas tratadas com fidelidade as diretrizes do último quartel
do século XVI e encontrada nos Tratados de Sérlio, Palladio e outros autores. As proporções da grande
sala nos leva a uma sensação de calma e nela se destaca, como um pano de fundo, a cabeceira bem
elaborada, a ponto de não condizer com o restante do interior. Neste interior a nota maior seria dada pelos
retábulos e pinturas, estas não mais existentes e desses apenas dois permaneceram.

Os dois remanescentes retábulos, de gosto quinhentista, se inserem nas capelas rasas colateriais.
Parecem apertados no espaço a eles destinados. A composição desses retábulos é semelhante a de outros
de igual época difundidos pelo mundo português. Em Angra, em Gôa e no restante do Brasil, encontramos
exemplares de mesmo teor de composição. Foram considerados, na classificação do Arquiteto Lúcio
Costa, como de 1º período, dos mais antigos do Brasil e filiados aos da antiga igreja dos Jesuítas do Rio
de Janeiro. Desses e doutros retábulos semelhantes já se ocuparam os Srs. Germain Bazin (65) e Robert
Smith (65A).

Analisados à luz de outros retábulos de cantaria, calcáreo, que é o material no qual são realizados
os em tela, existentes em Pernambuco, podemos considerar o seguinte: se confrontado com o ainda
remanescente, na primeira capela lateral da igreja carmelita de Olinda, verificamos que são de composição
diferentes - o carmelita tem disposição singular e resultante da utilização de quatro colunas e tem a parte
central mais elevada, com superposição de ordem nesse trecho; os capitéis do retábulo dos carmelitas são
mais bem elaborados e semelhantes, na feitura, aos encontrados nas pesquisas arqueológicas realizadas na
igreja dos Jesuítas e já citados.

Comparando-se os dois retábulos da igreja Jesuíta, ainda com o da igreja de N. Sra. de Nazaré do
Cabo de Santo Agostinho, verificamos que, apesar deste último ser bem realizado ao utilizar ordem
toscana, somente pode ser confrontado aos em tela, quanto a qualidade do trabalho de cantaria, onde o de
Nazaré demonstra tratamento mais simples e mesmo menos erudito. Infelizmente, do retábulo que existia

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em Igaraçú, que pertenceu à igreja dos Santos Cosme e Damião, resta apenas uma parte do entablamento,
esta parte, apesar de sua excelente feitura, no entanto não nos permite relação maior com os dois da Igreja
de N. Sra. da Graça.

Se analisados à luz dos retábulos da demolida igreja dos Jesuítas do Rio de Janeiro, executados
em madeira, podemos verificar melhor qualidade artística nesses últimos, inclusive considerando o
material empregado, a madeira, que permitiu pormenores mais cuidados.

Das imagens ainda pertencentes ao Colégio e Igreja de Olinda podemos destacar as encontradas
na pesquisa arqueológica, as duas de Santo Inácio e S. Francisco Xavier, a de Nossa Senhora da Graça e o
Cristo Morto que ficava na urna do retábulo-mor.

As encontradas nas prospecções de que já nos referimos anteriormente, as mais antigas ao nosso
ver, seguem as linhas da escultura portuguesa do final do século XVI. Esculturas executadas em pedra,
com sobriedade, onde o panejamento cai naturalmente; imagens destinadas a nichos; tratadas com este
objetivo; em caráter, sossegadas, onde os volumes amplos têm fundos nítidos. Concentradas em uma força
interior, que traduz equilíbrio e sensibilidade.

As duas,os dois Jesuítas, que se encontravam em nichos abertos na parede acima das capelas
colaterais, na cabeceira da Igreja, são do tipo consagrado pelos inacianos. São imagens estereotipadas e,
nos parece, feitas em série, face a demanda grande de imagens por parte das igrejas de todos os lugares da
Assistência de Portugal. Seguem padrões uniformes, de acordo com a estatuária da época, mas, são, pela
sua natureza desprovidas de vida interior. Lembram as imagens egípcias dos faraós e demais deuses.
Parecem se encontrar em estado de divindade, se assemelhando as imagens orientais de Buda. Nada
expressam de sí mesmas. São imagens que se encontram presas a uma intenção de irrealidade, uma
aparência extra-terrena e típica. São semelhantes a sem número de outras, de santos da Ordem inaciana,
espalhadas pelo mundo e da mesma época: exângues e pragmáticas.

A imagem de N. Sra. da Graça é considerada a primitiva. Suas características não nos fazem
acreditar em tal. Talvez uma restauração nos conduzam a pensar o contrário.

O Cristo Morto é de data bem recuada. Rígido, sem o movimento natural das imagens similares
que vão surgir no século XVIII, o que nos leva a crer ser bem antiga. Não podemos, sem uma restauração,
adiantar muito a respeito da mesma.

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Na Sacristia destacamos o lavabo, em mármore, com embutidos, ao gosto do século XVII.

A Igreja de N. Sra. da Graça é o exemplar mais antigo das igrejas jesuítas do Brasil e sua
restauração a melhor recompensa a uma obra magnífica que assistiu o desenrolar de nossa história, um
exemplar extraordinário do nosso primeiro século.

Na Igreja e no Colégio de Olinda, no período (1551- 1530) que estamos considerando,


trabalharam os seguintes jesuítas: Pedro Álvares, pedreiro e canteiro, natural de Mazarefes (Minho); João
Batista, pintor emérito, natural de Horne (Flandres), entrado na Companhia em Pernambuco, 1606;
Domingos Fernandes, natural de Panela, carpinteiro, começando a exercitar seus ofícios no Colégio de
Olinda (1612 a 1627); Afonso Luis, carpinteiro, natural de Penafiel; Antonio Luis, carpinteiro; Antônio
Pires, carpinteiro,que veio com Nóbrega e fundou a Missão em Olinda; Gaspar Samperes, natural de
Valência, arquiteto e engenheiro militar; finalmente Francisco Dias, arquiteto.

2.5 Considerações Finais

Considerando a Igreja e o Colégio construídos no último quartel do século XVI e iniciados pelo
P. Luis da Grã e ainda aquela construção, não a restaurada, mas a que, no caso da Igreja, possuía capelas
laterais inseridas na espessura das paredes, podemos chegar as seguintes conclusões:

a) Tão logo a situação econômica e as condições sociais permitiram, os Jesuítas, em Olinda,


iniciaram a construção de uma igreja e colégio, " Dígnos da terra e dos padres";

b) A Igreja e Real Colégio caracterizariam, juntamente com a Matriz e o Convento e Igreja dos
Carmelitas, o que poderíamos chamar o primeiro " ciclo monumental " em Pernambuco. O segundo se
dará, após a expulsão dos holandeses, no Recife, a partir do último quartel do século XVII, com as
construções do Colégio e igreja dos Jesuítas, do Convento dos Carmelitas ,e das Igrejas da Madre de
Deus e, depois, a de São pedro dos Clérigos, todas, nessa cidade;

c) A Igreja e Colégio dos Jesuítas, em Olinda, apesar das modificações realizadas nos seus
interiores, ainda são aquelas construções erigidas no séculos XVI, " iniciadas pelo bom Padre Luis da
Grã ". A Igreja, hoje restaurada,retorna ao aspecto que possuía nesse século, enquanto o Colégio ainda
necessita de obras de restauração. Apesar disto, e considerando o que se pode observar, no Colégio,
mesmo com as reformas posteriores, não se invalida a conclusão acima;

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d) No que respeita ao plano do Colégio e da Igreja, diante das diretrizes do " il modo nostro ",
romanas, podemos concluir que ele atendeu perfeitamente, às necessidades da Companhia, podendo ser
considerado, à luz a outros planos, de construção jesuítas no Brasil, um dos melhores, senão o melhor;

e) Em termos de volumetria, a arquitetura da Igreja e do Colégio, se armonizam completamente,


denotando bom profissional, amadurecido no trabalho com a Companhia, no autor do risco;
f) A arquitetura da Igreja, no que se refere ao partido de planta, conjuga influências portuguesas,
derivando sua cabeceira da igreja de São Roque de Lisboa, com as ressalvas já analisadas no texto com
relação as proporções das capela-mor e colaterais, e suas laterais, face as capelas e confessionários, da
maneira de São Paulo de Braga, igreja jesuíta que inseriu suas capelas laterais na espessura das paredes.
No entanto, essa conjugação de influência dá , ao partido de planta adotado em Olinda, um caráter que
muito o assemelha àquele definido no Plano, indicado para a Igreja do Rio de Janeiro, que se encontra na
Biblioteca de París;

g) Considerando o espaço interno da Igreja dos Jesuítas de Olinda, chegamos a concluir por
diferenças fundamentais em relação as congêneres portuguesas, a saber os valores de luz, de matéria, que
a distingue e singulariza. Em Olinda a luz natural é tratada já de forma consciente dos valores tropicais e a
nave é iluminada por frestas e um óculo; conduzindo, diante da luz tropical, a um efeito, em seu teor,
românico e bem português. Efeito de luz coerente com àquele das demais igrejas construídas no século
XVI e inícios do seguinte, documentadas pelo pintor Frans Post. Em Olinda, igual tratamento têm a
Matriz e a Igreja do extinto convento carmelita;

h) A composição arquitetônica da Igreja de Nossa Senhora da Graça não é das mais felizes, no
interior, considerando o relacionamento da cabeceira, bem delineada e as laterais; isto à luz dos conceitos
maneiristas vigentes e efetivados nas duas outras igrejas construídas, já referidas, do Salvador e do
convento carmelita, no século XVI. A composição do interior da igreja dos Jesuítas talvez tenha sido
comprometida pela necessidade de utilização das frestas ou por modificações, durante as obras, do
tratamento dos alçados laterais;

i) A fachada principal, restaurada, da igreja dos inacianos, derivaria da igreja dell' Annuziattina,
do Colégio romano, hoje não mais existente, conjugado, tal modelo, ao gosto românico português,
essencialmente àquelas soluções muito fechadas, das capelas medievais, de porta e óculo, comuns em
Portugal. Da igreja romana ao resultado, projetado e construído em Olinda, passamos por modificações
que identificam, mais uma vez, o autor do risco como um arquiteto competente e familiarizado com os

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267
Tratados de Arquitetura, em circulação no meio artístico da época. A igreja foi fonte, porém não foi
copiada e sim plasmada em profundas raízes portuguesas;

j) As construções do porte da Igreja de Nossa Senhora da Graça, do Real Colégio, da Matriz do


Salvador, da Igreja de N.Sra do Carmo e tantas outras representadas em pinturas, desenhos e gravuras,
pelo pintor F. Post e aquele autor do desenho, fonte para a gravura " Marin d' Olinda de Pernambuco,
retratam opulência, o fausto, enfim a Vila de Olinda, descrita pelos Padre Fernão Cardim e o autor dos
Diálogos das Grandesas do Brasil, nos séculos XVI e seguinte, até a invasão holandesa.

3.A Restauração

Criado em 1973, o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste,


sendo este resultado de uma Exposição de Motivos, elaborada por grupo Insterministerial nomeado pela
Presidência da República, (66) o Estado de Pernambuco apresentou, quando da instalação desse
programa, em reunião no Recife, quatro projetos, a saber, Restauração da Igreja de Nossa Senhora da
Graça, em Olinda, Restauração da Sé de Olinda, Restauração do Antigo Palácio dos Bispos, em Olinda, e
a Restauração da Casa de Detenção, no Recife, para nesta instalar a Casa da Cultura. (67)

Assim, entre os projetos apresentados por Pernambuco se encontrava o da restauração da Igreja


do antigo Colégio dos Jesuítas de Olinda. A escolha da Igreja foi fruto de uma natural seleção entre vários
prédios de maior significado para a História da Arquitetura em Pernambuco. No caso em tela, a própria
História das fundações jesuítas no Brasil e a permanência ainda de pé, em Pernambuco, de um dos três
iniciais Colégios construidos no século XVI, era o suficiente para justificar a realização da obra. (68)

Apesar da antiguidade do edifício, da igreja ,declarada por vários especialistas, e nela ainda se
encontrarem os dois retábulos de execução em pedra, cálcareo, referidos pelo arquiteto Lúcio Costa,
quando de seu estudo sobre a Arquitetura dos Jesuítas no Brasil, a construção tinha sofrido, no século
XIX, algumas intervenções que lhe davam a aparência de uma arquitetura bem mais recente. (69)

Na fachada, além da porta única de entrada, em arco de meio ponto, três janelas, com vidraças,
com guilhotinas, se dispunham na altura do côro. As vigas, em pedra, das três janelas, se coadunavam
com a linguagem da arquitetura daquele século XIX. Nas laterais dos lados Norte e Sul, além da janela e
de uma porta, pequenas, do côro, três grandes aberturas, também envidraçadas, em cada lateral, davam

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grande iluminação ao interior. A análise das perfilaturas dos cunhais, pilastras de ângulo, da fachada
principal, e o beiral da lateral sul, em pedra, cálcareos, denunciavam a antiguidad da construção, no
entretanto, as intervenções " modernas " modificavam a leitura do edifício.

O interior, muito sóbrio, recebeu, talvez no mesmo século XIX, um altar mor, em madeira, e
outros ornamentos, em talha, que se sobrepunham às cantarias das capelas mor e colaterais. Um forro
plano, em estuque, fora executado, na nave, em época indeterminada acima da cimalha real. Esta,
decorada com métopas e triglifos, de bem realizado desenho.

Por sobre cada uma das capelas colaterais, um grande nicho abrigava respectivamente as
imagens, de vulto natural, de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier. (70)

O piso, em mosaico, ladrilho hidráulico, em dois planos, trazia o degrau da teia de comunhão
quase para o meio da Igreja, e era tal disposição, provavelmente fruto das necessidades do Seminário
Episcopal de Olinda, que funcionou no antigo Colégio e Igreja, desde 1800 até 1956.

O Colégio dos Jesuítas, também alvo de intervenções quando do uso pelo Seminário, por não ter
sofrido nenhuma restauração, senão obras de conservação, não será alvo de maior análise no presente
texto.

Este o quadro, em poucas linhas, das condições do edifício da Igreja de Nossa Senhora da Graça,
quando dos inícios das obras de restauração em 1974 (71).

A Igreja, unida a quadra do Colégio e dela saliente por conta da situação do conjunto em relação
à colina, no entretanto, condicionou a que parte da construção daquele viesse a ser incluída na
restauração, precisamente o trecho correspondente às obras novas do século XIX da portaria do
Seminário.

Esse trecho, cuja arquitetura denotava, com certeza, ser obra da segunda metade do século XIX,
talvez como se disse, de quando o Governo Imperial dotou de certo recurso o Seminário, foi
necessariamente realizado dentro daquela mesma modernidade, então exigida, e já descrita, das obras de
intervenção na Igreja. Destacando-se dos limites naturais da quadra, o corpo novo avançava e se impunha
pela sua modulação e modenatura clássicas, então de gosto eclético bem de meiados à segunda metade,
como se disse, do século dezenove. Três janelas no andar superior, uma porta central em arco de meio
ponto e duas aberturas ao quadrado, separados os vãos por pilastras monumentais que ascendiam até a

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269
platibanda. Esta platibanda foi levada a contornar a quadra e também realizada no páteo interno, dando ao
conjunto certa unidade desejada por quem projetou tal acréscimo àquela quadra. O tipo de intervenção
revelava, à primeira vista, um gosto bem do período de meiados do século até a década setenta /oitenta ,
considerando construções semelhantes no Recife. Este corpo não colava no trecho correspondente da
igreja, restando um espaço vazio de cerca de uns oitenta centimetros, aproximadamente. Tal situação
deixava a última das grandes janelas altas da Igreja aberta para um " beco" sem uma boa solução
arquitetônica. Por outro lado isso implicava talvez em que tal corpo fosse posterior em tempo de
execução ao das janelas abertas para
iluminar melhor o interior da Igreja.

As obras de conservação e de restauração, até a criação do Programa Integrado de Reconstrução


das Cidades Históricas, em 1974, realizadas pelo SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, programadas para o período de um exercício orçamentário, face aos recursos alocados, apenas
exigiam um planejamento de obras então realizáveis em um ano, podendo ou não ter seguimento, e, dessa
forma, não era exigível um maior detalhamento que então contemplasse toda a restauração de um
monumento. Tal programação, embora consciente no seu todo por parte do corpo técnico do órgão
federal, era parcelada naquilo que se dispunha em termos de recursos disponíveis no orçamento da União
os quais eram repassados para os diversos distritos da repartição. Deste modo, apesar de detalhadas, as
obras previstas em um monumento a ser restaurado eram projetadas de forma sempre parcelada, não
exigindo-se na oportunidade qualquer representação gráfica do todo do edifício antecipando ou prevendo
os resultados da restauração. Por outro lado, o SPHAN, realizando, por partes anuais os serviços,
programados, como se disse, no ano anterior, se reservava do direito, apesar das obras serem contratadas
por terceiros, de mudar a programação se fato novo viesse alterar os resultados, antes previstos, das obras
orçadas. Um maior entendimento entre os contratantes e a repartição federal, fazia com que, de forma
relativamente lenta, se chegasse, sem erros, a melhores resultados. As obras andavam de acordo com os
orçamentos e estes em função dos recursos disponíveis, às vezes sujeitos a cortes, de certa forma,
drásticos. Não é novidade que a área de Educação e Cultura, era a mais atingida quando os recursos do
orçamento precisavam ser reduzidos.

O rítmo da execução e os recursos que definiam o tempo de iniciar e concluir uma obra, admitia
a não realização de um orçamento global, da restauração porquanto este se tornava fantasia no contexto do
tipo de trabalho do orgão federal. Não temos dúvidas de que se faziam previsões totais, mas, a incerteza
dos recursos desobrigava a elaboração de projetos de restauração, em termos gráficos, vinculados a
orçamentos com margem mínima de erros e tempo de execução curto.

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Ocorrendo uma " descoberta " que motivasse uma mudança de orientação do trabalho, tal já
ocorrera em diversas obras sob a responsabilidade da repartição federal, uma reprogramação e uma
análise segura era realizada e um novo rumo, se fosse o caso, era dado aos trabalhos, cujos objetivos e
metas principais era o maior acerto da restauração. O tempo e os recursos talvez fossem o maior aliado da
reflexão e do cuidado para com o resultado final. A morosidade das obras se tornava também uma aliada
da Repartição, apesar dos reclamos das chefias, para o bom termo a que se chegou em um grande número
de intervenções realizadas, desde 1937 a 1974, pelo Serviço Federal.

O Programa do Ministro Reis Velloso, com tal rítmo não poderia ser realizado. Os recursos a
serem alocados no Programa Integrado de Restauração e os resultados desejados em menor tempo,
geraram um impasse para o próprio governo. De certo, pela experiência e face aos acertos, os recursos
deveriam ser alocados àquela repartição, que na linguagem comum tinha " roido o osso" , sem carnes, em
tempo anterior. No entanto, ao lado da velocidade do resultado, difícil talvez de se obter de quem sempre
trabalhou sempre com menor rítmo, havia a questão política, a de dotar, de certa forma, os Estados
Nordestinos de organismos, que gradualmente descentralizassem aquela tutela dos bens culturais exercida
pelo Governo Federal. Assim, os recursos seriam repassados pelo MINIPLAN aos governos estaduais,
que organizariam entidades próprias para gerir tais recursos, e estes eram repassados sob a vigilância e
fiscalização das obras pelas antigas delegacias, os Distritos, do IPHAN. (72) Os Distritos envolvidos com
o Programa estavam sediados na Bahia e em Pernambuco, o 1º e 2º , dirigidos pelo Sr. Godofredo Filho e
o engenheiro Ayrton de Almeida Carvalho, respectivamente.

O Ministério do Planejamento, por sua vez, criaria uma sua representação em Pernambuco,
interligada aos Governos Estaduais e ao IPHAN. Para Pernambuco, foi então designado o Sr. Vicente
Costa e Silva.

O tempo e os recursos para as obras e, na verdade, a própria escolha das construções que seriam
alvo do Programa deveriam estar a cargo dos dois organismos antes referidos, SPHAN e SEPLAN-PR, a
luz do que solicitassem os Estados através daquelas entidades executores das intervenções.

Tal mudança, vê-se radical, envolvia novo processo no trato das intervenções desejadas nos bens
imóveis. Em primeiro lugar a restauração deveria ser programada em termos de um projeto gráfico e em
sua totalidade. À restauração, assim pretendida, estava vinculado um cronograma de execução física e de
desembolso financeiro. (73)

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Ora, vincular uma execução a um desembolso não se constituia em dificuldade maior, vez que
todas as obras de natureza civil do governo, quer em estradas, pontes, ou mesmo na construção de
edifícios, quer sejam, por exemplo aqueles dos Instituto de Previdência ou do Banco do Brasil, que
dispunham de projeto gráfico, eram assim realizados, desde há muito tempo.

A dificuldade foi gerada pela exigência de um projeto gráfico de restauração do edifício, integral,
com novo ou mesmo uso, que determinasse, com precisão compatível com um cronograma e um
orçamento, o desenrrolar da obra. Não havia tal experiência, assim nos parece, no Brasil, muito menos no
Nordeste. Sendo obra de conservação, onde, praticamente, nada se mudava no edifício, isto seria possível
com uma margem de erro aceitável. Mas, quando o previsto eram mudanças físicas no objeto da
restauração e essas fundamentadas em uma leitura do edifício e em um partido, definido em projeto, de
restauração, estavam os Estados em grandes dificuldades. A própria repartição federal, antes citada, não
dispunha de experiência sobre o assunto. Da experiência do exterior, não se conhecia bibliografia capaz
de preencher a lacuna.

Assim, a SEPLAN, o SPHAN e os orgãos estaduais criados tiveram que definir uma maneira de
agir e uma forma para tais projetos de restauração.

No caso da Igreja de N.Sa da Graça, a Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico


de Pernambuco, criada em 17 de julho de 1973 ), fez uso de um procedimento, definido antes em tese de
concurso, sobre a Sé de Olinda, onde o autor apresenta o estado atual da Igreja e uma pretendida
intervenção, em desenhos sucessivos e determinados, o primeiro por um levantamento arquitetônico
preciso do edifício e o segundo com as indicações das mudanças para uma restauração, baseadas em
estudos realizados à luz de igrejas congêneres, na Peninsula Ibérica, mas, sobretudo em prospecções no
próprio edifício. A tese foi defendida em 1969, e as próprias pranchas, realizada em tinta de nanquin
sobre papel vegetal do trabalho, serviram para a elaboração do que passou a se chamar projeto diretriz da
restauração, e alvo dos cronograma e orçamento.(75)

Para a elaboração do projeto gráfico de restauração da Igreja de N.Sa da Graça, em Olinda, a


Fundarpe utiliza os estudos, a respeito do edifício, do arquiteto José Luiz Mota Menezes.

Na elaboração do projeto diretriz, com cronograma e orçamento, das obras, a Fundarpe


considerou, no que se refere a restauração do imóvel, a busca de um tempo anterior àquele das
intervenções do século XIX.

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272
A determinação desse tempo que se desejava para o edifício, base fundamental para o projeto
realizado, estava coerente com o que se entendia, naquela altura, a respeito de restauração, à luz da
experiência do serviço federal . A importância da Igreja e do Colégio dos inacianos, erectos desde o
último quartel do século XVI, foi a determinante maior do projeto e a meta desejada pelo autor e demais
responsáveis pelo projeto
Conhecidos através de representações em gravuras e pinturas desde o século XVII, a Igreja e o
Colégio da Companhia de Jesus traziam para o projeto a grande responsabilidade da restauração e o
necessário esforço na manutenção daqueles princípios presentes nas intervenções, antes realizadas em
outros edificios pelo orgão federal e de tanto valor.

O projeto realizado compreendia, na Igreja; a reabertura de antiga porta lateral, entaipada, em


época indeterminada; a retirada de cenefas entalhadas nas capelas mor e colaterais e restabelecimento das
perfilaturas multiladas; reabertura de duas capelas simétricas no falso transepto; reabertura de uma
provável capela, do lado do antigo Evangelho, colada à do transepto; fechamento dos grandes vãos de
janela, de um lado e do outro das paredes laterais da nave e restauração das duas seteiras, uma delas
visível em grande mancha na parede, que se encontrava bem representada em gravura e pintura de F.Post,
pintor da comitiva do Conde de Nassau; na fachada principal se indicava apenas uma janela, em acordo
com a gravura Marim d'Olinda e planta do edifício, a ele atribuido pelo arquiteto Paulo Santos; execução
do trabalho, em estrutura de tesouritas, em linha de nível alta, semelhantes as existentes, e com tal
situação se removeria o forro de estoque, recente. No corpo da quadra do Colégio, junto às cabeceira da
Igreja, se removeria o acréscimo do século XlX, o qual ocultava a relação de escala entre a igreja e
colégio, além do que não se acreditavam ser elemento representativo da importância do edifício no tempo
desejado para a restauração.(76)

O projeto apresentado foi aprovado pelos orgãos competentes e serviu como diretriz para obras
iniciadas em 1974.

As obras de restauração foram iniciadas e o contrato de execução foi feito com a Firma L.B.
Engenharia.

Os trabalhos tiveram início pelo telhado, com a demolição do forro de estuque, o qual era
suportado por grandes trilhos de ferro. Depois foram removidas as telhas e a estrutura, da tesouristas, de
suporte. Na oportunidade se pode constatar que os antigos frechais, duplos, de apoio das tesouristas, de
cada lado, eram contraventados por peças de madeira que venciam o vão da nave e que eram presas aos

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273
mesmos frechais por encaixes em forma de malhetes, "caudas de andorinha", vez que um dos pedaços do
travamento, de origem, ainda se encontravam no local.

Novo telhado é executado, aí com um guarda pó por sobre as tesouristas.

O passo seguinte foi a remoção dos rebôcos das paredes internas.


O procedimento de retirada dos rebocos, deixou à nú a ossatura dos muros e permitiu a
verificação do tipo de material que estruturava as paredes, suas emendas e mudanças ocorridas na
construção do edifício. Tal procedimento se constituia na melhor forma de se conhecer uma construção,
onde se podia acompanhar, por interpretação do que ficava aparente, e estava oculto pelos rebocos, os
diversos momentos da execução de uma obra. Na verdade o proceso tem ligação direta com aquela busca
de vestígios própria da arqueologia. O procedimento empregado, quando se retira a camada de reboco que
cobre a ossatura dos muros, tem muito a ver com aquele trabalho de campo do arqueólogo e suas técnicas.
O processo estratigráfico é o que se emprega na oportunidade. No caso de uma prospecção realizada, a
partir da retirada dessa camada de reboco, o que tem sido sempre negligenciado é o procedimento mais
cuidadoso de se efetivar os registros e uma melhor execução na retirada desses rebocos, vez que, na
maioria dos casos, a pressa com que se processa a remoção por parte dos executantes das obras tem
levado à destruição de evidências muito importantes para a análise dos resultados. Por outro lado, não se
tem feito a coleta dos diversos tipos de materiais empregados na construção com o cuidado necessário
para que se possa atingir o fim desejado, a interpretação das fases construtivas do edificio e o interesse
dessa para a restauração. A não presença de um arqueólogo em obras, anteriores a 1973, de restauração,
contribuiu para o pouco que se conhece sobre as construções, que sofreram tal remoção de rebocos, em
suas diversas etapas. Não restaram daquelas obras ,anteriores referidas, registros importantes, seguros
elementos para a História da Arquitetura.

A remoção dos rebocos do interior da Igreja, de Nossa Senhora da Graça iniciada desde a
cimalha real para baixo veio revelar surpresas e confirmar previsões do projeto de restauração.

Ordenando o encontrado temos:

a) A cimalha real foi executada em pedra, calcáreo, apenas na parede da cabeceira da nave. Nos
ângulos, de cada lado, ela virava, em cantaria mas prosseguia executada em massa, com excelente feitura.
A cimalha contornava a nave e fora originalmente pintada em tons vermelho-terra e ocre, métopas e
tríglifos. A execução, primorosa, do estuque, não permitia, à distância, distinguir os dois tipos de
acabamento;

55

274
b) entaipada, veio a surgir por sobre a porta lateral sul uma grande fresta, conforme previa o
projeto de restauração, e de desenho idêntico àquele revelado pelas gravuras e pintura de F.Post; a fresta
se encontrava intacta, apenas um pouco multilada pelo próprio tempo e pela argamassa do muro de
fechamento. A outra fresta, ou seteira, dela apenas restava uma pequena parte que se encontrou, na parte
de cima, vez que uma daquelas grandes janelas, antes referidas, ao ser aberta, retirou a parte restante da
fresta.

c) Na parede do outro lado, não haviam frestas, e sim duas janelas, simétricas em relação as
duas seteiras com suas cercaduras de pedra e que seriam parte de um corredor que corria desde o Colégio
para o côro.

d) A surpresa foi a descoberta, entaipados, de três nichos em arco de meio ponto, situados ao
nível do piso, escavados como se encontravam na espessura das paredes. Dois do lado da Epistola e um
do lado do Evangelho. Os nichos apresentavam perfilaturas de mesmo tipo daqueles das capelas-mor e
colaterais, indicando contemporaneidade e estavam bem conservados. Na verdade tratavam-se de
confessionarios, que o desuso fez entaipar, provavelmento quando do período do Seminário Episcopal.

e) Ao se remover as paredes que fechavam as capelas do falso transepto e uma terceira situada
antes desse, no lado do Evangelho, e vista pelo lado de fora, verificou-se, diante das impostas, em
calcáreo, ainda remanescentes nas capelas do falso transepto, serem não elas altas, como se encontrou,
mas de mesma altura daquela vista pelo lado de fora da parede. As capelas eram profundas e as duas do
lado do Evangelho se intercomunicavam, à maneira tradicional. A profundidade daquela do lado da
Epístola estava evidente, vez que as paredes de pé se encontravam, porquanto aproveitadas no acréscimo
da portaria "nova".

f) Quando as prospecções desceram para o nível do piso da capela de N.Sa das Angústias, justo
a do lado da Epistola, uma pedra, calcareo, de dimensão diferente das outras e na linha dos degraus
chamava a atenção dos executantes da obra e ao ser levantada deixou à luz a entrada de uma cripta, um
carneiro, por sob a capela referida e com mesmas dimensões dessa , tratava-se de sala com cobertura
abobadada e nela pode-se ver a um lado um esquife. Na altura, interrompidas as obras e isolado o lugar
foram chamados o representante do IPHAN, e o Presidente do Instituto Arqueológico de Pernambuco,
respectivamente Engenheiro Ayston de Almeida Carvalho e Historiador José Antônio Gonsalves de
Mello. Em reunião então procedida no local, estavam presentes também o Presidente da Fundarpe
Professor Marcelo Santos e o arquiteto responsável pelo projeto de restauração José Luiz Mota Menezes,

56

275
além do auxiliar de conservador José Ferrão Castelo Branco. A cripta foi então examinada pelo
arquóologo Ulisses Pernambucano de Mello.

Na oportunidade, diante da importância do achado e na perspectiva de que a remoção do piso


pudesse revelar outras surpresas resolveu-se realizar tais prospecções com o acompanhamento de um
arqueólogo. Na oportunidade, o Laboratério de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco,
então trabalhando com arqueologia do período histórico, ficou responsável pelas prospecções no restante
do piso da Igreja.
As escavações realizadas nesse piso, então com mosaicos hidráulicos, revelaram a disposição
anterior em campas e a posição original do degraus da teia de comunhão e as dimensões das capelas
laterais intercomunicantes. Na oportunidade, aprofundando as cavas da prospecção arqueológica, os
responsáveis pelo Laboratério indentificaram inúmeros tipos de sepultamento no interior da igreja, uma
importante contribuição sobre os processos inumação.(77)

Para a restauração do monumento, a presença dos arqueólogos Marcos Albuquerque e Veleda


Lucena, e sua equipe, foi de grande interesse. Tal colaboração, interdisciplinar entre arquiteto e
arqueólogos, somente veiu a confirmar a necessidade de melhor direcionar, com princípios científicos,
aquele processo de prospecção antes consagrado pelo IPHAN. A remoção dos rebocos permitiu, com
posterior análise, diante do risco localizado por Germain Bazin da Biblioteca de París, que se chegasse
não apenas a confirmar a propriedade da atribuição do projeto da Igreja e Colégio ao Irmão Francisco
Dias do arquiteto Paulo Santos, referida, mas identificar as mudanças realizadas durante a obra e suas
diversas fases construtivas depois de 1654;

g) Entre as duas capelas do lado do Evangelho uma escada, entalada no corpo da parede, dava
acesso para um púlpito, então também entaipado e sem a pedra saliente que sustentava o corpo exterior.
Do outro lado, simetricamente, outra escada e púlpito foram também encontradas.

h) Ainda no interior da igreja, na capela mor, com a remoção do retábulo de madeira, as


prospecções evidenciaram ter existido outro, de mesmo material, anterior, que em época ignorada,
também foi removido para dar lugar esse mas, a surpresa maior veiu com a retirada do reboco, que
deixou à luz o que restava, preso à parede, do retábulo de pedra contemporâneo dos dois remanescentes.
Cinco multilados nichos determinavam o andar inferior do retábulo, em dois corpos superpostos.
Pertencentes e esse retábulo, a escavação arqueológica localizou pedaços da sua arquitetura decorativa,
colunas, com os fustes e capital e além de imagens, também em pedra, três, decapitadas.

57

276
i) Na fachada principal da Igreja, o que antes se acreditava ser uma janela única, à luz da gravura
de tempo, anterior ao incêndio de Olinda, titulada Marim d'Olinda, inserta no Livro de J. de Laet sobre a
Companhia das Indias Ocidentais, na verdade era um grande óculo, centrado e alto, por sobre a única
porta de acesso. Esta porta, em arco, na verdade era originalmente com verga reta, e a modificação para
arco de meio ponto deve ter se realizado em tempo mais recente, para acomoda- la ao gosto da portaria
"nova".

Os elementos encontrados nas propecções deram como resultado o partido final que se adotou na
restauração da Igreja o qual em muito pouco diferia daquele previsto no projeto gráfico elaborado, pelo
arquiteto responsável na Fundarpe.

A grande importância da restauração realizada no edifício residiu na presença, nas obras,


participando da restauração, de uma equipe interdisciplinar constituída de engenheiros, arquitetos e
arqueológos, do que resultou uma das mais interessantes intervenções realizadas em monumento de
Pernambuco.

As propecções e os resultados permitiram o acerto, à luz das teorias sobre restauração então
vigentes e, a obra realizada, pode-se dizer, é um marco inicial no que se refere aquela constituição de um
grupo de trabalho em termos de restauração de edifícios, face a presença além dos executantes de
arqueológos voltados ao período histórico.

A Igreja, como se disse, estava colada pela cabeceira à quadra do Colégio e a restauração da
mesma implicava na continuidade do corpo do templo e quadra. Assim, o partido adotado pela restauração
levou a que se demolisse a "nova" portaria, executada depois de meiados do século XIX.

A remoção desse trecho colado à quadra permitiu o restabelecimento da antiga portaria do


Colégio e a recondução da escada de acesso ao primeiro andar para o seu lugar original, assim como a
abertura de um grande vão, em arco abatido, que separava aquele espaço da portaria do início do corredor.
A antiga abertura de iluminação desse ambiente foi encontrada entaipada sendo reaberta.

No lado de fora da Igreja, foi posta à luz uma antiga sineira, hoje incorporada a torre que se
assentou por sobre uma das capelas colaterais.

A restauração da Igreja e parte do Colégio foi concluída em 1978.

58

277
Sé de Olinda
1.Localização do edifício.

L
ocaliza-se a Sé de Olinda na colina onde Duarte Coelho Pereira instalou a sede do seu governo,
com o seu castelo, ferraria e açougue e depois câmara.

Voltada para o poente, a igreja mantem a orientação tradicional, onde a capela-mor se


encontra no Ocidente.

A igreja, hoje restaurada, é monumento tombado pelo Governo Federal.

Situada em lugar privilegiado, dela se descortina magnífica paisagem, tendo ao Sul a cidade do
Recife.

2.História e Arte.

A Igreja Matriz de S. Salvador, em Olinda, segundo nos informa Pereira da Costa, baseado nas
anotações do Chantre José de Jesus Menezes, "consignadas no livro do tombo da Câmara de Olinda e
publicadas em 1872 no periódico A Santa Cruz", data sua fundação do ano de 1540. (1) "Era construída
de madeira e taipa de mão, devendo ter sido uma igreja muito simples com nave, capela-mor e sacristia.
Em 1578, pretendeu-se construir capela maior e sacristia, provavelmente em técnica mais permanente,
alvenaria de pedra ou de tijolo. Não se sabe se o intento deu resultados positivos". (2)

Em 1584, o padre Cardim informa já se encontrar em andamento a construção da nova igreja


matriz e diz textualmente ser de "três naves, com muitas capelas ao redor, e que acabada ficaria uma boa
obra". A informação do Jesuíta nos parece indicar não somente ter visto o estado em que se encontravam
as obras mas também, levando em conta o comentário final, ter tido conhecimento do risco, ou pelo

278
menos contactado com o mestre das obras. (3) O testamento de Jerônimo de Albuquerque, citado por
Pereira da Costa, se refere, entre outras, às confrarias do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora da
Conceição. Fundamentando-se em Borges da Fonseca, o mesmo historiador, ainda nos dá notícia das três
capelas de S. João, do Século XVI, Reis Magos, Século XVII, onde em 1619 foi enterrado o filho do
doador, e uma capela particular, que se somarmos às duas prováveis das confrarias, resultam em cinco
capelas laterais, ou quatro, não considerando a Confraria de N. S. da Conceição como capela própria. A
Confraria do Sacramento, se na época possuía capela ou altar poderia estar situado, talvez, colateral à
capela-mor como veio a ocorrer de futuro. (4)

Em 1591, Braz de Mata, lisboeta de 55 anos, pedreiro e mestre de obras, realizava uma "obra de
abóbada" na capela-mor do templo. Depois de 1599, ampliou-se a nave da igreja, prosseguindo-se as
obras até que, entre 1612/16, se constroi a sacristia e uma barbacã , para finalmente se realizar a torre em
1621, onde participa o Engenheiro Cristóvão Álvares. (5) Neste ano estava concluído o templo. Pelas
fases conhecidas acima, vimos reforçar nossa hipótese de que Cardim conheceu o risco, pois somente em
1599, depois, portanto, de cerca de quinze anos, é que tem início a ampliação, ou construção da nave. No
intervalo se estava provavelmente executando as obras iniciais da nova igreja a começar pela capela-mor.
Esta deveria ter possuído abóbada de cúpula, desde que, uma gravura do Século XVII que comentaremos
adiante, apresenta um lanternim bem característico na altura da ousia.

Da invasão holandesa, no século XVII, chegou o relato do Reverendo João Baers, onde se lê ter o
pastor encontrado a igreja paroquial e as igrejas dos conventos bem ornadas com dourados e muitos
altares. (6)

Deste período também, além da descrição sumária do P. João Baers e de outros, se conhecem
algumas gravuras, desenhos e pinturas onde a Igreja Matriz de S. Salvador se representa de diversas
maneiras. Torna-se interessante uma análise desses elementos, precisamente os que na época fixaram o
principal templo da vila de Olinda.

Nas gravuras e desenhos, em princípio, distinguem-se duas fases, levando em conta o monumento:
uma com o aspecto da vila anterior ao incêndio, e que representa o templo como se encontrava antes de
1631 e a outra, correspondendo a atuação do artista F. Post, posterior a esse ano.

Nas gravuras e desenhos da 1ª. fase em que se vê a igreja é possível ainda separar aquelas onde se
verifica, comparando elementos de paisagem e arquitetura, que foram realizados longe da preocupação de
fixar o aspecto real dos monumentos, e portanto somente visando a topografia e dimensões da vila, e um

279
segundo tipo mais fiel na representação do todo que constituía o burgo nos inícios do século XVII. Talvez
o primeiro desenho onde se mostra a Matriz de Olinda é um colorido aquarelado, sobre papel, com o título
"Villa de Olinda", inserto no "Livro que dá Razão do Estado do Brasil", códice do Instituto Histórico do
Rio de Janeiro, e parceiro, segundo Luiz Silveira (7) do existente no manuscrito da Biblioteca da Ajuda
"Roteiro de Todos os Sinais", do século XVI. Em ambos desenhos o templo está identificado pela
legenda Igreja Mayor. O aspecto da edificação não corresponde à realidade: uma grande torre domina o
acanhado corpo da igreja.

Uma outra representação, já em gravura, que podemos enumerar, e tem cópia no Ministério das
Relações Exteriores, nos mostra a chegada, através de Pau Amarelo, das tropas invasoras, em Olinda, em
1630, sendo de procedência alemã. A vila se apresenta quase em planta -- perspectiva, a vôo de pássaro,
com desenho ingênuo e sem rigor. Nesta, a igreja, embora identificável pelo muro de arrimo que a
envolve, tem uma grande torre com o corpo do templo preso a ela. A fisionomia não corresponde ao
monumento, ocorrendo a mesma desproporção entre torre e nave, observada na gravura anterior.

A gravura que acompanha a obra de Arnoldus Montanus, de 1671, com características diversas da
descrita acima, já holandesa, trata a cidade em vista do mar e com maior cuidado na indicação
topográfica e localização dos edifícios. Em vista panorâmica a vila de Olinda contrasta com o Recife,
quase sem construções. Os principais monumentos, no entanto, ao sabor da fantasia do artista, são
tratados como edificações da época nos países baixos. A Igreja Matriz, desnecessário se diga, é pura
invenção: está desenhada como uma igreja gótica com transepto; localiza-se em ponto elevado da vila, o
que é felizmente real. (9)

A "Vista do Recife e d'Olinda em 1630", incluída em uma História Geral do Brasil, gravada por
Lemaitre (A. F. Lemaitre, Quai d'Horloge, Paris, Imp. Lamoureux), não foge às características assinaladas
para a de 1671, já referida acima e parece mesmo, no que diz respeito às vilas, ter se inspirado nela.
Naturalmente, o artista apenas reproduziu dando novo tratamento, fiel à gravura francesa, a estampa
holandesa tomada como fonte. (10) O primeiro plano diferencia as gravuras comparadas. Ainda outra
gravura reproduz Olinda antes do incêndio, faz parte de um livro de J. de Laet e foi possivelmente
desenhada do natural. Essa probabilidade decorre da análise realizada não somente levando em conta as
construções, mas também os aspectos topográficos da vila. Naquela não se observa construções que não
se coadunem com a provável fisionomia do burgo olindense. A estampa inserta no livro laelyck Vehael
(11), é composta de uma vista de Olinda, titulada Marin d' Olinda, na parte superior e vista do Recife, na
inferior, com o título T'Recife de Pernambuco. Nessa estampa a Igreja Matriz de Olinda tem o seguinte
aspecto: grande edificação, com telhado em duas águas no trecho central, mais elevado da nave e uma

280
água nos laterais; capela-mor baixa, tendo lanternim, com construção anexa do lado direito; torre alta e
localizada do lado da Epístola. A parte central da nave se encontra iluminada por pequenas aberturas
situadas em faixa estreita, resultado da diferença dos telhados. Esta fisionomia da igreja vem corresponder
àquela que em Portugal tem as igrejas de três naves, onde a mediana, mais alta, é iluminada por aberturas
situadas no trecho de parede correspondente à diferença de altura das cobertas. A descrição quinhentista
do Pe. Cardim encontra eco na gravura do livro de Laet. Também podemos confrontar a obra realizada em
1591, de abóbada na capela-mor com o lanternim desenhado sobre a mesma, na estampa.

Nestes Termos, parece lícito nos aventurarmos, levando em conta os modelos portugueses,
estudados para o presente trabalho, a descrição do Jesuíta e a gravura acima referida, a afirmativa de que
essa igreja, anterior ao incêndio de Olinda, estava construída em três naves, separadas por arcadas, onde a
iluminação do trecho central se faz por meio das assinaladas aberturas.

As gravuras da época chamam a igreja de grande igreja e basílica, -- a coerência do nome basílica
com as basílicas latinas evidencia, talvez, ainda mais o tipo de disposição interna da Sé de Olinda, na
ocasião.

As estampas, posteriores ao incêndio de Olinda, contidas no Livro de C. Baerle ou copiadas das


existentes neste, são de menos interesse no que se refere à Matriz de Olinda. A superposição nas mesmas
do Convento Franciscano e da Sé não deixa margem a uma análise melhor dos dois monumentos.

Relativo interesse oferecem as pinturas de F. Post em que figura a igreja, estudadas por Erik
Larsen, em livro dedicado à obra e vida do pintor holandês que acompanha o Conde Maurício de Nassau
a Pernambuco. (12)

Das pinturas executadas de desenhos realizados diante os monumentos ou a partir do caderno de


modelos do artista, uma titulada ruínas da Sé de Olinda do Ryksmuseum, Amsterdam tem o mérito de
fixar a fachada principal da Igreja onde destacamos: pórtico com colunas toscanas, duas de cada lado,
envolvendo uma porta de arco de meio ponto; através desta se avista o interior do templo, vendo-se uma
arcada; cabeceira com arcos da capela- mor, pouco profunda, muito alto e da capela colateral em arcada
cega do lado do Evangelho. Uma parede elevada, perpendicular, do lado direito, na altura do arco da ousia
avança até a fachada mostrando-se acima do pórtico assinalado. Uma pequena construção, talvez uma
capela lateral, se adossa à parede do lado esquerdo do templo. O trecho superior do frontispício está
arruinado. Do lado da Epístola, na linha da fachada, os fundamentos, até uma altura de pelo menos quatro
metros, de uma provável torre. -- talvez a torre, situada neste lado, da gravura do livro de Laet. -- é

281
interessante que o pórtico, hoje destruído, da igreja, depois da reconstrução, manteve quase a mesma
composição do representado na pintura e que utiliza quatro colunas toscanas; o posterior visto em foto
antiga tinha ordem coríntea. Seriam os mesmos pórticos? Não teria, na pintura, o artista, desde que isto
não constituía nenhuma novidade na sua técnica de composição do quadro, alterado, a seu arbítrio, a
disposição original do pórtico da matriz ?. A preferência pela ordem coríntea é típica nos pórticos
portugueses do Século XVI; em Portugal, idêntica coisa ocorreu em relação aos retábulos de altares.

Em escala, levando em conta os personagens que participam da cena pintada, a igreja é de grande
porte; -- relação de medidas que coincide em todos os quadros similares a esse.

Quanto as suas dimensões, a matriz de S. Salvador é considerada, nas estampas, grande igreja.
Comparando nas plantas de Olinda insertas nos livros de C. Baerle e Nieuhof, a área construída do Real
Colégio dos Jesuítas com a da Igreja principal, verificamos que esta tem área sensivelmente maior que a
da Igreja da Graça, embora menor que todo o Colégio. Sabemos, pela descrição anterior a 1631, do Padre
Jo_ o Baers (6) ter sido a casa dos Jesuítas uma grande construção, assim, poderíamos dizer o mesmo da
Velha Sé , na época, segundo sabemos já concluída. As plantas referidas Sé seriam válidas se
correspondessem à realidade. Ora, a do livro de Barleus contêm escala gráfica, possibilitando ser
utilizada e teria sido talvez resultado de um levantamento planimétrico da vila. A do livro de J. Nieuhof
deve ter sido, com pequenas alterações, copiada da inserta no livro de C. Baerle. (13, 14)

Sobre a antiga fachada da Matriz de Olinda, concluída em 1621, veja-se por exemplo, a da velha
Sé de Gôa, do Século XVI, com pórtico de quatro colunas, de idêntica composição.

Depois de 1631, a igreja matriz "reparada abriu suas portas no tempo das liberdades e franquias
religiosas", informa-nos Pereira da Costa, fundamentado em aclamação revolucionária de 1645, onde
consta o nome do Padre Simão de Figueiredo, vigário nomeado da vila de Olinda, e se indica a Paróquia
de S. Salvador. (15)

Em 1656, uma carta do Rei para o juiz e vereadores de Olinda, transcreve trecho de missiva
recebida do vigário da Matriz do Salvador onde nos importa o seguinte: estava a igreja "toda caída e lhe
impedir muitas vezes administrar os sacramentos com decência devida, pedindo-me que para remédio, de
presente ser mais fácil (a respeito de estar toda pedraria junta e em estado que pode: servir) mandasse
aplicar algumas rendas dessa Capitania para a dita obra que se acabasse de arruinar de todo, e fosse
mais dificultoso e custoso o remédio; o que no entanto mandasse que ele pudesse ajudar da ermida de S.
João anexa à dita matriz, para nela administrar os sacramentos a seus fregueses". (16)

282
Depois de 1656, foram iniciadas as obras de reconstrução,autorizada que foi a Câmara a dispender
dois mil cruzados anuais para esse fim. Interronpidas em 1665, novamente tomam impulso em 1666 com
outra autorização de dois mil cruzados. (16).

No ano de 1669, tem-se notícia da participação do mesmo pedreiro Tomás Fernandes e do


carpinteiro José de Castro que recebem 750$000 e 540$000, respectivamente, por obras realizadas na
capela-mor e outras dependências. Nesse ano é celebrada a 1ª. missa, segundo apontamentos do Chantre
José de Jesus Menezes. (16).

Em 1670, novo pagamento de 4.000 cruzados ao mestre Tomás Fernandes, para conclusão de toda a
obra do seu ofício e para fazer a torre. Quatro anos mais tarde consignou a Câmara outros 4.000 cruzados
para continuação das obras, que internamente, nesse ano já permitiram a festa anual de S. Salvador. (16).

As portas da fachada principal custaram 550$000, e ficaram prontas em 1676. No mesmo ano é
elevada a catedral a igreja paroquial de Olinda. Três anos depois se instalou o corpo capitular.

No ano de 1677 é inaugurada a Catedral. (17)

Aceitando as informações do historiador Pereira da Costa, esta fase de construção do templo levou
cerca de vinte anos. Dispendendo a fazenda Real a importância de 8.000 cruzados e 1:840$000, através da
Câmara de Olinda. Não sabemos se os dois mil cruzados anuais, autorizados em 1656, foram pagos
normalmente e se independia dos oito mil pagos depois.

Que tipo de restauração doi realizada no templo? As descrições e fotografias do velho monumento,
de antes da infeliz remodelação dos inícios do Século atual, São bastante esclarecedoras em alguns
pontos:

a) A igreja se encontrava dividida, o que ainda acontece, em três naves, separadas por 5 tramos
de arcos redondos que assentam em colunas toscanas, ambos de cantaria. A nave central é mais alta e
iluminada por cinco aberturas situadas no alto do eixo de cada arco - diferença que existia entre o
telhado do central e o das naves laterais permitiu a existência dessas janelinhas - no presente as
aberturas se mantêm com outra solução de coberta. O corpo central possuía forro de madeira
abobadado em berço, arco de meio ponto. Capelas laterais às naves extremas , cobertas com a
continuaçã o da linha do telhado dessas naves. Capela-mor, com descrição sumária e pouco

283
esclarecedora. O antigo altar-mor presentemente se encontra no Museu de Olinda. Capelas colaterais
abobadadas; (18)

b) A fachada tem documentação fotográfica muito boa o que permite sua análise pormenorizada; (19)

c) Da fachada lateral, Epístola, uma má fotografia, pertencente ao Museu do Estado de


Pernambuco pouco serve como referência. (20)

A descrição do templo antes da reforma, 1911/19, comprovada plenamente, pela remoção de


trechos do reboco do interior e outras obras de pesquisa levada a termo nos dias presentes, confrontadas
com a fisionomia da igreja matriz que vemos na gravura do livro de Laet, somada à descrição de Cardim
e mais ainda pelo estudo realizado a respeito das igrejas de mesmo partido de planta -- cujas conclusões
indicam a preferência por esse tipo de partido, em Portugal, na segunda metade do século XVI, quando se
constroi em Olinda a igreja matriz -- nos encoraja a recuar a tal século o corpo do templo.

Analisando as perfilaturas das colunas e da cornija, executada em pedra, acima das arcadas, na nave
central do templo, verificamos, sem sombra de dúvida, estarmos diante de modenatura e modulação
características do século XVI/XVII, podendo ser comparadas às das colunas de suporte do coro da igreja
da Graça, Colégio dos Jesuítas, e ao beiral da mesma igreja, comprovadamente quinhentista. Apenas a Sé
, mais fiel às suas congêneres portuguesas, tem a base das colunas constituída de apenas um toro, ao invés
dos dois, de feição mais erudita, época daquelas da igreja jesuítica. Idêntico confronto pode ser realizado
entre as perfilaturas dos arcos das capelas colaterais da Sé , que envolviam provavelmente altares em
arcada cega ao nível das paredes,conforme com a pintura de Post, e os das capelas colaterais da Igreja da
Graça, quinhentistas, em função dos retábulos que contém, segundo o Arquiteto Lúcio Costa. (21) A
elegância das proporções em ambas as capelas nas duas igrejas é bem típica das composições da época.
Na Sé de Olinda a capela do Santíssimo Sacramento, do lado do Evangelho, tem revestimento azulejar
que data sua fabricação de 1650, app. em Portugal (22) enquanto a outra colateral somente se construiu
em 1676, conforme veremos a seguir. Isto não impede, no entanto, terem ambas sido previstas, assim
como todas as laterais, desde o risco primitivo e na construção dos fins do Século XVI; posteriormente, as
possibilidades econômicas permitiriam fossem abertas uma a uma, obedecendo a um plano prévio em que
se deixou nas paredes construídas os arcos, com seus altares, até isto se processar. (23) Na descrição de
Pereira da Costa (18), não sabemos porque, os altares, a despeito de já estarem construídas as capelas,
ainda se encontravam, ou foram trazidos, para o alinhamento das paredes laterais das naves baixas.
Acreditamos entretanto ter sido isto uma modificação que corresponde a uma similiar realizada nas
capelas laterais , profundas, das igrejas conventuais do Carmo de Olinda e do Recife. Em Portugal

284
também trouxeram todos os altares situados nas capelas laterais intercomunicantes da igreja jesuíta do
Porto, Grilos, para a face das paredes na nave central, deixando-os envolvidos pelos arcos de acesso das
mesmas.

Assim, embora não possamos, com maior documentação, ainda não conhecida, afirmar com
absoluta segurança do aproveitamento, na reconstrução das pedras trabalhadas da igreja quinhentista,
levando em conta a indicação contida na carta do Rei quando transcreve o pedido do vigário da Matriz de
Olinda, em que se salienta estarem as pedras juntas e em estado de poder servir, nem tampouco se foram
mantidas as dimensões originais das naves, fica o registro dessa possibilidade no presente trabalho.

Por outro lado, se alteração foi realizada, ela contraria toda a lógica em matéria de bom senso, isto
porque nos parece incrível que, sendo a reconstrução realizada no terceiro quartel do Século XVII,
permanecessem os entendidos, em nova construção, fiéis a um partido de planta já inteiramente fora de
moda em Portugal. Tal coisa somente ocorreria em se tratando, naturalmente, de uma reconstrução com
aproveitamento das cantarias, parte mais cara da obra, pois requer oficial especializado. É natural que
tenham feito obras de reforma no templo, porém estas deveriam se prender não a elevação das pedras das
colunas e arcos, tombados pelo incêndio do telhado, mas a execução, forçada pela necessidade do Cabido,
de uma ampliação da capela-mor, baixa e acanhada se verdadeira a fisionomia da gravura do livro de J.
Laet, para o corpo em três naves da Igreja. Acreditamos que toda a fachada deve ter sido reestruturada em
sua composição assim como a torre refeita ou talvez, considerando ainda a gravura acima citada,
construída do lado Evangelho em Sítio que ocupa presentemente a mais antiga . São possibilidades,
baseadas em fatos coincidentes, que julgamos dignos de registro. Fatos infelizmente ainda não
documentados de todo.

Embora estivesse inaugurada em 1677, ainda não estava de todo concluída a igreja. Assim, a
Câmara, por ordem régia, entrega ao Bispo D. Estevão Brioso, para as obras da Matriz, a importância de
1:903$340 destinada a compra de ornamentos, prata, sinos, e outras coisas necessárias ao culto. Neste
ano, trabalhava-se nas obras de construção da capela do Santo Cristo, colateral do lado do Evangelho. A
imagem desta capela, chegada a Olinda em 1686,ainda existe. (24) Uma porta, hoje entaipada, dava
acesso dessa capela à maior. Teria sido fechada quando da construção da mesma ? Ou teria pertencido a
um cômodo qualquer situado deste lado da capela-mor, servindo de sacristia ? Ampara esta possibilidade
a existência de um desnível de cerca de 0,45 m entre a capela-mor e a considerada. Na pintura existente
em Igaraçú, num dos quatro grandes ex-votos, datados de 1729, na vista de Olinda, vê -se uma
construção avançar além do limite lateral da nave baixa, correspondendo a essa capela, sendo deste modo
provável que a grande sacristia, atualmente existente, seja talvez pouco posterior a esta data. Quanto ao

285
arcaz, hoje nessa sacristia, bem poderia ter existido no cômodo assinalado, em posição diversa da que
ocupa presentemente.

O Padre João Lobo, em 1689, ainda continuava as obras de reconstrução da Catedral pois, em umas
misssões em Olinda, segundo Pereira da Costa, "conduzia o povo a carregar pedra e outros materiais
para as obras". (24)

No fim do Século, última década, 1692, a Câmara é autorizada a dispender 300$000 para
ornamentação da Catedral. Em 1713 foi concluída a torre. (24)

Frei Jaboatão, em 1725, descreve o templo como se tivesse cinco naves, o que significa, levando em
conta a má interpretação do franciscano, já se encontrarem concluídas as capelas laterais, profundas, das
naves baixas. O ritmo dos arcos dessas capelas, em número de oito, quatro de cada lado, sugeriu ao frade
essa afirmativa, contida em uma sua carta a Bahia, conforme transcrevemos em anexo . (25)

Nesse mesmo ano, tem início o forro, em madeira, da igreja; o qual em 1739 ainda não se
encontrava concluído. (24)

Sucedendo ao Bispo Frei José Fialho, o Bispo F. Luiz de Santa Tereza conclui o forro, reforçou a
muralha do lado da ladeira e fez toda a ornamentação de talha dos altares das naves laterais e das fachadas
interiores das portas. (24)

Segundo Santos Simões (22), que estudou os três painéis restantes da decoração azulejar do corpo
do templo, esses deveriam datar de cerca de 1740, fase de grande produção das fábricas portuguesas. O
governo do Bispo Frei Luiz de Santa Tereza corresponde ao intervalo de tempo que vai de 1739 a 1753;
assim, podemos atribuir a essa etapa da obra a compra dos azulejos e seu assentamento, isto considerando
terem sido assentados pouco tempo depois de executados em Portugal. Sendo quase sempre as
encomendas, nesse tipo figurado de decoração azulejar, realizadas segundo as dimensões do vão, é
provável ter sido esse Bispo quem encomendou os painéis à Lisboa.

No governo do Bispo D. Francisco Xavier Aranha que vai de 1753 a 1771, várias obras de
enriquecimento São ainda realizadas na Catedral: o adro com assentos de pedra e outras aquisições, já da
suntuária, relacionadas na cronologia. É interessante, no entanto, assinalar que nesta época já possuí a
Sé um órgão grande, mandado consertar pelo Bispo. O Bispo Xavier Aranha é o mesmo que, em Olinda,
construiu o aljube para prisão eclesiástica. (24)

286
Em 1859, o imperador D. Pedro II, visitando Olinda, considera a Sé uma bela Igreja de três naves
porém baixas e com as colunas que separam-nas todas caiadas. O mal de caiarem as cantarias, como se vê,
não é presente. (26)

O ano de 1911 foi fatídico para a velha Catedral. Neste ano tem início as remodelações que a
transformaram no que hoje se vê . As obras interrompidas em 1915, foram reiniciadas em 1917 e
concluídas em 1919.

Da Igreja anterior à reforma conhecemos duas descrições, ambas do historiador Pereira da Costa;
uma contida nos Anais Pernambucanos, mais completa, e a outra no Almanach de Pernambuco, para 1912
que sendo mais suscinta pouco altera a dos Anais. (18) Quanto as obras empreendidas pelo arquiteto
Rodolfo Lima, que transformou a velha Sé em neo-gótica, temos informações no mesmo Almanach de
Pernambuco do ano de 1920. Pelo interesse que possa despertar o elogio realizado ao arquiteto e para que
se possa conhecer da intenção deste, transcrevemos o trabalho, talvez de autoria do Sr. Júlio Pires
Ferreira, Diretor do Almanach. (27)

Depois de 1930, nova mutilação, desta vez sendo Arcebispo Dom Miguel de Lima Valverde, que
transformou o templo em neo- barroco.

Em 1967, o Padre Marcelo Carvalheira, resolvendo morar na residência anexa à Sé , passou a se


interessar pelo estado da Igreja, por sua melhor conservação e, iniciando obras, é movido a retirar as
escaiolas que revestiam as colunas de pedra e depois o reboco que envolvia a cimalha, também de
cantaria, da nave central. Sob a orientação da Diretoria do Patrimônio tem início as pesquisas, no interior
e exterior da igreja.

Descrições e cronologia das obras.

1540. Fundação do templo segundo o chantre José de Jesus Menezes. Citado por Pereira da Costa nos
Anais Pernambucanos. Vol. I, pág. 210.

1578. Em 2ª. visita a Pernambuco o d. Frei Antônio Barreiros muito se interessa pela reconstrução da
velha arruinada Igreja Matriz de S. Salvador. In Pereira da Costa,F.A. Anais Pernambucanos , Vol. I,
pág. 448.

10

287
1578 Descrição contida na carta do provedor Cristóvão de Barros; "Enquanto a Igreja Matriz, esta
feita de taipa de mão, e de madeira que a pedaços vai caindo, pelo que tive do Bispo e mais povo
grandes requerimentos sobre se fazer a capela maior e sacrístia, mas porque esta obra importaria
em mais de três mil cruzados, não me entendi a mandar obras nelas sem expresso mando de Vossa
Alteza,o que Vossa Alteza havia de prover com muita brevidade favorecendo necessidade grande que
disso há ". In Pereira da Costa, Anais Pernambucanos , Vol. I pág. 467.

1584 Descrição do Jesuíta Fernão Cardim:"uma formosa igre ja matriz de três naves, com muitas
capelas ao redor, e que acabada ficaria uma boa obra" Cardim,Fernão...

1584 Testamento de Jerônimo de Albuquerque onde se refere ao templo como Igreja Matriz da Vila e
ainda menciona várias confrarias, entre as quais, a do S. Sacramento e Nossa Senhora da Conceição. In
Pereira da Costa, F.A. Anais Pernambucanos , Vol.I , pág. 469.

Das várias capelas laterais do antigo templo tem-se notícias das seguintes:

Capela de São João. Fundada por Felipe Cavalcanti. Século XVI, na qual foi sepultado. Já
não existia no século XVIII.

Capela dos Reis magos. Fundada por Belchior da Rosa. Em 1619 nela foi enterrado Antonio
Rosa, Filho do fundador. Não mais existe.

Capela de Padroado particular. Pertencente a Arnau de Holanda e sua mulher d. Brites Mendes
de Vasconcelos. In Pereira da Costa F.A. Anais Pernambucanos, Vol. I, pág.469, que cita Borges da
Fonseca.

1591 "Obra da abóbada na Capela-mor" (tijolo) In Gonsalves de Mello, José Antônio , Cristovão
Álvares, Engenheiro em Pernambuco. (28)

1599 Depois de 1599 "obra de ampliação da nave" Cristovão Álvares , ob. cit.

1602 / 08 Prosseguimento das obras Cristovão Álvares, ob. cit.

1612 / 16. "Sacristia e barbacã " Cristovão Álvares, ob. cit.

11

288
1621 "Obra da Torre", Participação de Cristovão Álvares: "reformou". Cristovão Álvares, ob. cit.

1621 Concluído de todo o templo com a construção de sua torre por iniciativa e expensas da Câmara
do Senado da Vila, como consta de uma carta da mesma Câmara dirigida ao capitão-mor governador da
Capitania em 13 de novembro de 1621 , In Pereira da Costa, Anais Pernambucanos , Vol. I pág. 469.

1630 Descrição do Padre João Baers: "Descendo o monte, a partir do Convento dos Jesuítas, depara-se
novamente com a eminência sobre a qual etc. (29), (30)

1631 Incendiada.

1631 Depois de 1631, "reparada e abriu suas portas no tempo das liberdades e franquias religiosas -
Maurício de Nassau", In Pereira da Costa, F.A. Anais Pernambucanos, Vol. I, pág. 469.

1645 Aclamação revolucionária onde consta o nome do Pe. Simão de Figueiredo, vigário nomeado
da vila de Olinda, onde se indica a Paróquia de S. Salvador. In Pereira da Costa F.A.,- Anais
Pernambucanos , Vol. I, pág. 469.

1650 Mais ou menos a data dos azulejos da Capela do S. Sacramento Santos Simões, Azulejaria
Portuguesa no Brasil" págs. 250 / 251. (31)

1656 Carta d 'El Rey ao juiz, vereadores e mais oficiais da Vila de Olinda, dando notícia de carta que
recebeu do vigário da Matriz do Salvador, onde se descreve o estado da Igreja: "Quase toda caída e lhe
impedir muitas vezes administrar os sacramentos com a decência devida, pedindo-me que para remédio,
de presente ser mais fácil (a respeito de estar toda a pedraria junta e em estado que pode servir)
mandasse aplicar algumas rendas dessa Capitania para a dita obra que se acabasse de arruinar de
todo, e fosse mais dificultoso e custoso o remédio; o que no entanto mandasse que ele pudesse ajudar da
ermida de S. João anexa à dita matriz, para nela administrar os sacramentos e seus fregueses" In
Pereira da Costa,F.A. , Anais Pernambucanos , Vol. III, pág. 421.

1656 Depois de 1656 foram iniciadas as obras de reconstrucão - para esse fim a Câmara foi autorizada a
dispender anualmente dois mil cruzados, dos antigos subsídios dos vinhos. Pereira da Costa, F.A.
ob. cit . Vol. III, pág. 421.

12

289
1665 Obras interrompidas segundo carta da Câmara ao Rei (24 de abril de 1665) in Pereira da
Costa , F.A. ob. cit. Vol.III, pág. 421.

1666 Carta régia de 28 de setembro de 1666 autorizando a Câmara a que tirasse 2000 cruzados das
suas rendas para a obra da Igreja Matriz. Pereira da Costa F.A., ob.cit., Vol. III, pág. 421.

1669 Entregues pela Câmara ao mestre pedreiro Tomás Fernandes a importância de 750$000, e ao
carpinteiro José de Castro a de 540$000 e com estas quantias se pode concluir a capela-mor e outras
dependências, e obras necessárias à celeração do culto divino. Pereira da Costa F.A., ob. cit., Vol. III,
pág. 421.

1669 6 de outubro , 1ª Missa segundo termo que lavrou o vigário Manuel Ferreira Nunes
(Apontamentos do chantre Jesus de Menezes). In Pereira da Costa F.A., ob. cit., Vol. III. pág 431.

1670 Pagos pela Câmara 4000 cruzados ao mestre Tomás Fernandes, "para conclusão de toda a obra do
seu ofício e para fazer a torre". In Pereira da Costa, F.A.ob. cit Vol. III, pág. 421.

1674 17 de fevereiro, consignou a Câmara a verba de 4.000 cruzados para a continuação das obras e a
25 de agosto do mesmo ano fez um acôrdão para tratar da festa do Salvador na sua Igreja Matriz, pelo
que se conclui,que as obras internas do edifício já permitiam a celebração de semelhante solenidade, sem
dúvida a primeira que teve lugar depois da sua reconstrução. In Pereira da Costa F.A., ob. cit., vol. III
, pág. 421.

1676 Portas da fachada principal e outras obras mais - a Câmara para estas despesas deu 550$000, a 08
de fevereiro. In Pereira da Costa F.A. ob. cit. Vol. III, pág. 421.

1676 Elevada a catedral com a criação do Bispado; organizado seu corpo capitular que a 21 de maio de
1679 se instalou. In Pereira da Costa F.A.Vol. III, pág. 421.

1677 Governo de Aires de Souza Castro - Inaugurada a Igreja Catedral de Olinda - 1º Prelado D.
Estevão Brioso de Figueiredo. In Pereira da Costa F.A , ob. cit. Vol. IV, pág. 132.
1678 Janeiro 17 : Carta régia mandando que a Câmara de Olinda acudisse com a quantia de
1:903$340, tirada das obras dos subsídios que cobrava para a coroa,para compra de um ornamento, prata,
sinos e outras coisas necessárias à igreja do Salvador ereta em Catedral com a criação do Bispado de
Pernambuco. Quantia requisitada ao governo da metrópole pelo Bispo eleito e confirmado D. Estevão

13

290
Brioso. Trabalhava-se nas obras de construção da capela do Santo Cristo, concluídas as quais, fez o
Cabido encomenda para Lisboa da respectiva imagem, a qual chegou em 1686. In Pereira da Costa
F.A.ob. cit. Vols. IV , págs. 135 / 139.

1689 Continuavam as obras de reconstrução da Catedral dirigindo-as o Pe. João Lobo, "que em umas
missões que abria na cidade de Olinda, conduzia o povo a carregar pedra e outros materiais para as
obras". In Pereira da Costa F.A.ob. cit. Vol. IV págs. 135 / 139.

1692 Carta régia de 27 de abril ordenando à Câmara dispender 300$000 para a ornamentação da
Catedral. In Pereira da Costa F.A. Vol. IV págs. 135 / 139.

1713 Concluída a torre. In Pereira da Costa F.A. ob. cit. Vol. IV págs. 135 / 139.

1725 Descrição de Jaboatão. (32)

1725 / 39 Durante o governo do Bispo D. Frei José Fialho; tem início o forro, em madeira, da Igreja.

1750 Descrição de Loreto Couto. (33)

1739 / 53 Durante o governo do Bispo D. Frei Luiz de Santa Tereza; continuou-se todo o forro da Igreja
e concluiu-se. Mandou-se reforçar a muralha do lado da ladeira que ameaçava arruinar-se,e fez-se toda a
ornamentação da talha dos altares das duas naves laterais e das fachadas interiores das portas. In
Pereira da Costa F.A. ob.cit. Vol. IV págs. 135 / 139.

1740 Data provável, segundo Santos Simões, dos azulejos da nave. Azulejaria Portuguesa no Brasil
págs. 250 / 251.

1753 / 71 Governo do Bispo D. Francisco Xavier Aranha. Adro da Igreja com os assentos de pedra. Seis
cimalhas para os seis altares laterais 380$000. Dois sobre arcos para a porta principal e um terceiro para
a boca da capela-mor - 180$000. Ladilho para toda a igreja - 200$000 Seis confessionários - 76$000.
Um crucifixo de prata maciça para o altar -mor -100$00 Uma alcatifa que se mandou vir de Lisboa -
80$000.
Um cortinado de damasco carmezim com suas competentes sanefas para todos os altares e nichos, para o
arco-mor e dois das capelas laterais, guarnecidos de franjas e galões de retroz da mesma cor, na
importância de - 620$000. Dois sinos mandados vir de Lisboa, com suas competentes porcas e consertos

14

291
dos velhos - 1:030$000. Conserto do orgão grande - 400$000. In Pereira da Costa F.A. ob. cit. Vol IV
págs.135 / 139 .

1798- O Sino Grande do Colégio dos Jesuítas do Recife, Igreja de N. S. do Ó , hoje Espírito Santo,
foi mandado dar a Sé , por ordem régia, para substituir um quebrado. In Pereira da Costa F.A.- ob.
cit., Vol. IV págs 135 / 139.

1808 Vendido o antigo sino, apeado em 1798 e inutilizado, para pagamento de funeral do Bispo D. Frei
José Maria de Araú jo, falecido a 21 de setembro "visto nada ter deixado". In Pereira da Costa F.A.-
ob. cit. Vol. IV , págs. 135 / 139.

1839 Data existente gravada no sino grande, partido, situado na sineira que dá para a fachada
principal, e que tem a seguinte, incompleta, inscrição: ( o sino se encontra partido na borda):

CANDIDO TH partido ONO Nº 90.


ANNO DE 1839

1849 Data que consta da Inscrição existente em sino, partido no coroamento, situado na sineira lateral do
lado da igreja,e que tem a seguinte inscrição na borda:

CANDIDO ROIZ BELLAS VS FEZ EM LISBOA - 1849.

Observação: um 3º sino traz as armas de D. José sem data, e um 4º nada tem gravado.

1859 Descrição que consta do Diário de D. Pedro II. (34)

1911 Começadas as obras de reforma da velha Sé .

1912 Descrição de Pereira da Costa F.A. (Almanach de Pernambuco e Anais Pernambucanos - vol. V -
págs. 261/ 266. (35)

1915 Paralizadas, com a morte do Arcebispo Dom Raimundo da Silva Britto. In Pereira da Costa F.A.
Vol. V ob.cit. págs. 261/265.

1917 Recomeçadas - reduzido o primitivo projeto.

15

292
1919 Terminadas.

1920 Descrição do Projeto da Reforma - Almanach de Pernambuco - Anno de 1920. (36)

1920 Depois de, o altar-mor é levado para o Museu de Olinda. (Anuário de Olinda - ano de 1925).

1930 Depois de, “Reparada” por iniciativa do Arcebispo D. Miguel de Lima Valverde, que a
transformou em Neo-barroca .

1967 Obras empreendidas de restauração da nave.

3.A Retauração.

Em 1970, ao redigir, por exigência de concurso, uma tese sobre assunto de História das Artes,
para assistente da Faculdade de Arquitertura da Universidade Federal de Pernambuco, o arquiteto José
Luiz Mota Menezes, escolhe por tema a Sé de Olinda. Por hipotese, apresenta o autor, a possível
restauração da Igreja, mutilada por duas reformas, em 1911 e 1936.

Quando, após o estudo da igreja, em termos de História e Arte, disserta sobre a restauração, ao
transcrever um texto de um dos Boletins da Direção dos Edifícios e Monumentos Nacionais, de Portugal,
esboça a sua maneira de ver o processo da restauração:

" Pelo que importa à orientação a seguir nas obras brasileiras, transcrevemos a parte do texto
que, ao nosso ver, mais interessa:

Conservação de monumentos hoje é essencialmente uma preocupação de ordem cultural. Se esta


actuação se baseia em grande parte no interesse histórico, ela é, acima de tudo, problema artístico que
envolve sentimento agudo de arquitectura de todos os tempos e compreensão sentimental da natureza dos
valores pictóricos.

Mas ao contrário do que muitas pessoas pensam, o cuidar das obras de Arte do passado,
nomeadamente dos monumentos de arquitectura, à parte os motivos de ordem histórico-científico, não é

16

293
um simples sentimento ou desvaneio romantico, é um prolongamento das nossas faculdades apreciativas
da Arte, que se estende às obras de épocas passadas; é mais um modo de perscrutar a alma de gerações
idas, nas suas manifestações espirituais; é a maneira de ampliarmos o instrumento das nossas
evocações, tão estimulantes, tão deleitosas. O espírito humano, não podemos desvendar ou ante gozar o
que será a Arte no futuro, volta-se para o passado, repositório inesgotável de impressões e de estímulo.
Pobre de quem o não sinta !

A arte de conservar os monumentos não podia deixar de se tornar bastante complexa. Conservar é
o resultado de considerações das mais variadas espécie: interesse histórico, arqueológico ou
arquitetônico, pictural, simplesmente sentimental. Razões de ordem secundária tambem influem -
circunstâncias práticas ou econômicas. - Por vezes é tão importante o monumento em Sí como o quadro
geral em que ele se situa, - quantas vezes a paisagem é mais interessante que a obra do homem - Mas, as
mais das vezes é o conjunto de elementos arquitetônicos, paisagísticos, pinturescos, sentimentais que é
preciso respeitar. Por isso, o cuidar dos monumentos não pode ser obra de um arqueólogo ferrenho, de
um técnico despótico, de um pintor, nem mesmo de um poeta ... O conservador de monumentos antigos há
que participar de todas essas qualidades e a sua tarefa é cheia de subtilezas, Só havendo para a
complexidade dos problemas, soluções de compromisso.

Quem se atreveria hoje a despir a charola dos Templários em Tomar dos ouropeis que D. Manuel
lhes acrescentou? Quem teria a audácia de propor a substitução da Capela-Mor dos Jerônimos por obra
nova, ainda que aparecesse agora o respectivo risco primitivo? - A noção perigosa do reintegrar ja
causou grandes prejuizos artísticos, grandes danos a sensibilidade da gente. Admitamos que Viollet-Le-
Duc no seu tempo nutrisse uma ideia do restauro diferente da dos nossos dias, o que nunca lhe
perdoaremos é que da sua concepção do restauro dos monumentos houvesse resultado tal baralha da
verdade e artifício que nos destruiu para todo e sempre não poucas fontes de profunda emoção.

Artisticamente, os monumentos são joias engastadas na paisagem ou nos centros urbanos;


documentadamente são focos de interesse que guardam os arcanos da História - Menosprezar estes
testemunhos do passado, seria ter a noção mesquinha de que o presente é um momento desligado das
épocas que nos antecederam, seria encarar com indiferença animalesca as gerações que atrás de nós hão
de vir". (40)

A experiência portuguesa traduzida em inúmeras restaurações, a qual o autor tivera a oportunidade


de ver, com seus erros e acertos, o levava a ser cauteloso, como ele mesmo declara: " pode nos ensinar a

17

294
ser cautelosos, enfrentar numa restauração de grande porte requer um estudo exaustivo que defina sua
viabilidade e garanta com o mínimo de erros um bom resultado.(41).

A preocupação ,com o que ele chamou de estudo exaustivo, as prospecções, associadas ao


conhecimento da História do edifício, o levava a uma indagação, centro da tese : poderia a Sé de Olinda
ser ainda de interesse para a restauração e, mais ainda, ser restaurada ?

O estado da igreja, sofrida e descaracterizada por duas infelizes remodelações, conduziam o autor
da tese a tais dúvidas.

Tomando por tese a possibilidade da restauração da Sé ,com algumas ressalvas , que adiante
enumeramos,tenta o autor ,com o projeto apresentado comprovar o desejado.

As ressalvas foram as seguintes:

“Jamais recolocaremos nos antigos lugares elementos removidos, que foram por sua vez
estraviados e destruídos; outros, vendidos a terceiros, somente o bom senso dos mesmos permitirá seu
retorno à Sé”.(42).

A seguir é descrito o estado da igreja quando da elaboração da tese:

“Começaremos pelo interior,onde os danos são menores. As colunas, os arcos e a grande cornija
da nave central, todos de calcáreo - que se encontravam cobertos respectivamente por um resvestimento
em escaiola e um reboco decorativo - foram postos à mostra por serviços recentes. A pedra se encontra
mutilada,porém perfeitamente reparável.
Os arcos das capelas laterais, em cantaria, que estavam anteriormente envolvidos pelo reboco , embora
danificados, são restauráveis. Os arcos de calcáreo das capelas colaterais estão relativamente
conservados.

O forro de madeira, em abóbada de berço, da nave central, que possuia aplicações de talha,
segundo Pereira da Costa , foi desmontado em 1911, sendo substituído por outro forro, com mesmo
traçado anterior, executado em estuque armado.

As naves laterais receberam, também, forros em abóbada de berço, de estuque armado e, estamos
seguros, não eram anteriormente com esse traçado.

18

295
O arco da Capela-mor foi danificado e destruído; a atual abertura , que corresponde a todo o vão
da nave central , não possui capitel, é impossível que tenha existido assim anteriormente.

O plano do piso, no corpo da nave, foi elevado de cerca de dezessete centímetros e está tratado
em granito artificial de cor cinza.

As portas da fachada principal são as primitivas, embora cortadas na parte inferior quando da
elevação do respectivo piso. Estão relativamente conservadas.

As antigas capelas laterais , com exceção dos arcos de acesso cuja cantaria foi rebocada , foram
completamente destruídas, restando apenas os alicerceres. No local de seis delas construíram outras de
formato diferente.

A Capela-mor foi a mais prejudicada. Nada ficou do seu aspecto primitivo. A cúpula, com
lanternim, hoje existente, é de estuque armado, assim como o restante do forro do santuário, arrematado
em abside curva e abóbada de berço. Do lado esquerdo entaiparam uma janela , de ombreiras, peitoril e
verga de cantaria , hoje visível pelo exterior, com sua antiga grade de ferro. O piso é de granito
artificial.

As capelas do Santo Cristo e do Santíssimo Sacramento quase nada sofreram , exceto a remoção
de quatro pinturas em painéis de madeira que pertenciam a primeira e a elevação dos pisos. Uma grade
recente, ferro batido, que fechava a capela do Santíssimo, com anuência do 1º Distrito da DPHAN, foi
retirada.

A Sacristia, embora fosse intenção modifica-la em 1911, salvou-se por falta de meios pecuniários
dos remodeladores.

A Sala do Cabido, situada no primeiro andar, por sobre a sacristia , encontra-se bastante
descaracterizada.

O exterior é irreconhecível. Confrontando a fotografia da fachada principal, obtida poucos anos


antes da reforma de 1911, com o estado atual da igreja, chegamos a nos assustar. A Sé de Olinda sofreu
duas grandes remodelações: a primeira a transformou em Neo-gótica e a seguinte, que encontrou, por
falta de recursos dos primeiros reformadores, ainda intactas as cantarias da fachada principal e o

19

296
pórtico com a imagem do Salvador, em pedra , desmontou esse e recobriu aquelas com um reboco
decorativo, transformando tudo em Neo-barroco. A imagem do Salvador, ainda por algum tempo
permaneceu no interior da igreja, quebrada, sem cabeça, depois,desapareceu. Do pórtico desmontado,
nada sabemos. Teria sido parcialmente aproveitado para construção do existente ? É pouco crível, desde
que este tem dimensões maiores. Quanto aos cunhais e pilastras , embora com os capiteis e bases
danificados, estão sob espessa camada de reboco." (43)

A igreja se apresentava ainda com as estruturas novas do coroamento das torres com sérios
danos nas ferragens, difícies de solucionar.

Esvasiada em suas riquesas decorativas, a Sé era uma triste figura diante daquela que vinha do
período colonial e descrita, como se viu, por Pereira da Costa no Almanaque de Pernambuco.

Para elaborar, a parte gráfica com o aspecto da igreja restaurada, resultado desejado, para
comprovação de sua tese, o arquiteto Menezes realizou uma série de prospecções, para as quais contou
com a boa vontade da Cúria, através do interesse do Padre Marcelo Carvalheira , que desejava ver a velha
igreja restaurada em sua dignidade.

De posse do resultado das prospecções e de outros elementos, quais sejam por exemplo,
gravuras, fotografias, pinturas e descrições da igreja antes das duas reformas, aliados a um exaustivo
estudo dos prováveis modelos portugueses do monumento, chegou o autor a inúmeras pranchas onde
mostra o estado do edifício e a proposição desejada.

Para poder desenhar em escala decimal o estado do edifício realizou um levantamento minucioso
com as anotações de todos os vestígios encontrados no mesmo de suas fases anteriores.

O partido adotado para a restauração - tese está bem definido no texto:

" Não é nossa finalidade restaurar aquela igreja construida no século XVI, da maneira como a
encontraram os holandeses, nos sentiremos satisfeitos se, pelo menos, conseguirmos restabelecer aquele
aspecto que possuia o velho monumento nos fins do século XIX, acrescentado de todas as coisas que o
enriqueceram, o fizeram viver desde aquele tempo. Não poderemos chegar a uma fisionomia totalmente
real, isto é quase impossível : alguns ornatos desapareceram completamente e as descrições que deles
temos não possibilitam sua reconstituição. Procuraremos, na medida do possível, acertar e honestamente

20

297
não prosseguir quando houver dúvidas ponderáveis. Deixaremos que a fantasia de cada um complete o
quadro , só nos firmaremos no conhecido." (44)

Tratando-se de um exercício acadêmico e não projeto de restauração, o autor leva ao leitor as


justificativas , o porque adotou tal ou qual solução ,para o resultado de sua reconstituição gráfica da igreja
que chegou até 1911. (45)

Criado o Programa Integrado de Restauração das Cidades Históricas do Nordeste, a Sé de Olinda


foi um dos projetos de restauração apresentados na reunião de 26 de julho de 1973, no Recife. O
Convênio foi assinado na mesma data e posteriormente a FUNDARPE contratou com a Firma L. Burity as
obras de restauração da igreja.

A escolha da Igreja como um dos quatro projetos apresentados deveu-se ao interesse da Diocese
em restaurar o monumento, expresso no consentimento do Cabido e na existência de estudos sobre a
possível restauração já referidos. Por outro lado a Sé teria que sofrer, mesmo com a manutenção do
edifício com sua fisionomia Neo-Barroca sem intervenções, obras de conservações de grande vulto, face
ao estado de deteriorização das ferragens, das torres e dos estuques, além de danos nos soalhos e forros da
sacristia e cabido.

Para projeto-diretriz das obras a serem empreendidas a FUNDARPE fez uso das pranchas daquela
reconstituição ,apresentada pelo arquiteto José Luiz Mota Menezes, e sua tese de concurso. As pranchas
desenhadas a tinta de Nanquim por sobre papel vegetal, foram aproveitadas integralmente. A justificativa,
a memoria elaborada, foi calcada também no texto da tese.

O arquiteto autor da proposta de reconstituição foi convidado para desenvolver o projeto e


acompanhar as obras.

Na oportunidade foi esclarecido pelo profissional que algumas dúvidas restavam no conteúdo do
trabalho que não poderiam ser redimidas sem uma prospecção mais intensa que aquela para a consecussão
da tese.

Mesmo assim, diante das evidências da viabilidade da restauração o Governo Federal, através do
SPHAN e SEPLAN-PR, com algumas sujestões endossou e aprovou o projeto.

21

298
As obras foram iniciadas em 1974 e as primeiras medidas tomadas foram a remoção do reboco do
interior e exterior do edifício.

Com relação ao interior, foram confirmadas as propostas do projeto com respeito as perfilaturas
das capelas, em termos de bases e capiteis das peças em pedra, vez que todas elas estavam visíveis sob o
reboco, porquanto o cantel não as recorta apenas para a parte visível, fora da linha do revestimento,
deixando-as maiores para dentro da parede.

A inclinação dos telhados, a disposição do central, as frestas de iluminação, tudo ficou à mostra,
inclusive até os consolos de suporte das traves, dos frechais e das cambotas do forro abobadado da nave
central.

As frestas de iluminação da nave central eram aquelas mesmas representadas em pinturas de F.


Post, reproduzidas no livro de Joaquim de Sousa- Leão. Em cantaria, calcáreo, de excelente traçado e
proporções, tais frestas coincidiam com o eixo de cada arco divisório das três naves.

Á proporção que iam se revelando as descobertas dos vestígios da igreja seiscentista, ou anterior,
em alguns trechos encobertos pelos rebocos, reuniões com técnicos da Fundarpe e do SPHAN definiam as
metas, ora mantidas do projeto original ou modificando aquela diretriz traçada e de responsabilidade do
arquiteto. Daí em diante a sua responsabilidade não era integral, face a própria natureza do processo de
uma restauração, onde sua decisão não era sempre a que deveria prevalecer e sim a de um colegiado que
analisava as prospecções avaliava e decidia em conjunto.

Na Fundarpe, várias atas, de tais reuniões, dão as novas diretrizes a serem tomadas diante de fato
novo não previsto no projeto de restauração. Como já se disse, o arquiteto em restauração não é a partir
de determinado momento o único responsável pelo resultado da obra e sim a divide, quando há uma
entidade fiscalizadora e de orientação técnica superior com a mesma em reuniões decisórias da qual se
lavra ata competente. Outras vezes a decisão se desloca a instâncias superiores, no caso a Direção geral
do SPHAN, principalmente considerando o valor da Sé de Olinda perante a História da arquitetura no
Brasil. (46)

No interior da igreja, então definido segundo o projeto elaborado, algumas decisões foram
tomadas, sem que as diretrizes fundamentais fossem integralmente alteradas. Em primeiro lugar, ao invés
de estrutura de madeira nos telhados se optou por concreto armado, conforme permite a Carta de Veneza,
quer nas três naves ou nas capelas laterais. Tal estrutura, vez que receberia por baixo forro de madeira,

22

299
não seria visível nas três naves e, com respeito as capelas laterais, por serem antes de abóbadas de
alvenaria de tijolos, rebocadas, o concreto poderia ser utilizado vez que também receberia reboco.

Problema maior residiu na capela-mor. Alteada teve sua abóbada destruída e não se tinha idéia,
originalmente, se seria de berço ou em cúpula. Baseado em descrições orais, na gravura Marin d'Olinda e
em foto de 1870, aproximadamente, o arquiteto propôs cúpula sobre pendentes esféricos. Ao se
removerem os rebocos foram encontrados os arcos em cantaria, formadores dos pendentes esféricos,
confirmando-se então a cúpula e o traçado, ao quadrado, da ousia, em composição nitidamente do
Renascimento. Na altura, por sugestão do grupo de trabalho SPHAN / FUNDARPE, preferiu-se descer a
cúpula de estuque executada entre 1911 / 19 cerca de três metros para baixo, vez que ela correspondia ao
traçado àquela antes demolida, e assenta-la por sobre os pendentes esféricos refeitos. (47)

No piso da igreja, ao ser removida a camada de dezessete centímetros de aterro, onde se


assentava o piso recente, foi descoberto ainda trechos do anterior em tijoleira, com desenho original,
semelhante àquele adotado em igrejas portuguesas e italianas do século XVI, onde a marcação modular se
fazia pelo desenho das tijoleiras que reunia as bases das colunas, deixando o restante em disposição à
diagonal. Na altura, os boceis dos degraus das capelas laterais e colaterais apareceram e foram
restaurados.

Quanto as capelas laterais, quatro de cada lado, os alicerceres definiram suas dimensões e
inclusive a passagem intercomunicante entre elas, semelhante aquela da igreja de N. Sa. do Carmo, na
mesma cidade, também quinhentista. (48)

No que se refere as curvaturas das abóbadas, em arcos abatidos, elas se definiram quando da
remoção dos rebocos externos, principalmente do lado da rua. No projeto original tal situação não foi
prevista vez que o autor não pode fazer tal prospecção. No que se refere as aberturas de iluminação
quando as capelas as teve em algum tempo, face a foto conhecida, apesar do projeto as ter indicado,
inclusive com as duas portas simétricas nas segundas capelas de cada lado, preferiu-se mante-las,
diferentemente do proposto, inteiramente fechadas, como era usual em igrejas portuguesas e italianas, e
onde na própria cidade de Olinda, na Igreja do Carmo, já se conhecia tal solução. Assim, aquelas portas,
descritas por Pereira da Costa e confirmadas por fotografia não foram abertas nas laterais da igreja.
Também o mesmo se daria com as janelas indicadas pelo arquiteto no projeto. (49)

A obra foi assim, definida quanto aos seus elementos interiores, confirmando o acerto da
proposta, diante do que surgiu no que se refere as partes de pedras trabalhadas, após as prospecções.

23

300
Vem então a fachada principal. A proposta do arquiteto foi a de restaura-la seguindo as diretrizes
estabelecidas a partir da excelente fotografia dos anos finais do século XIX e onde todos os elementos
estavam bem configurados. Além do mais foi localizada a planta da reforma de 1911, do professor de
desenho Rodolfo Lima, onde o pórtico desenhado em escala foi parcialmente aproveitado na igreja
remodelada em Neo-gótica.

Removidos os rebocos, graças a grossa camada de argamassa e enchimentos de tijolos para a


elaboração dos ornatos ecléticos, as perfilaturas, das pilastras e portas, foram facilmente restauradas.
Também o grande óculo, intacto pelo interior da igreja, apenas foi mutilado parcialmente do lado externo.
O frontão central foi encontrado perfeitamente delineado com as pedras cortadas para a passagem do
reboco recente, mas, sua perfilatura foi encontrada em pedra de tornejamento nas estremidades. Naquela
altura um elemento novo veio a reformular aquela diretriz traçada no projeto original: a descoberta de uma
memória, de João Gomes de Mello, onde se diz da existência de duas torres; declara o documento (1669),
localizado pela pesquisadora Virgínia Pernambucano de Mello que "Para acabar a igreja de todo é
necessário fazer-se metade dela e as duas torres que também se derrubaram que são mui necessárias
para ornato da igreja: e para as ditas torres se hão mister quatro sinos que os não tem. Um grande para
as festas reais de V.A. e dois pequenos, e uma garrida que há de servir para tanger ao coro aos
beneficiados". O documento prossegue com outras informações.

A descoberta trouxe dúvidas aos executantes, essencialmente porquanto se deveria alterar


substancialmente o projeto inicial.

Por outro lado, ao se retirar o reboco, nos trechos correspondente aos quartelões, arremantes do sé-
culo XVIII, encontrou-se a marca de um alinhamento de tijolos para receber pedra que dava outra feição
ao acabamento dessas partes e em acordo com soluções europeias de mesma época.

Em fotografia, como montagem, foi desenhada a nova torre, mantendo-se no entanto todo o
restante da fachada conforme projeto original, numa tentativa de manter a diretriz inicial. Paralelamente,
no entanto, foi elaborada nova proposta para a fachada, pela Fundarpe, com a segunda torre e sem a
conclusão da parte superior do pórtico, isto é , no que se refere aos ornatos acima do seu entablamento.
Outrossim eliminando-se também os arremates barrocos e sugerindo-se coroamento piramidais para as
torres. (50)

24

301
Tais sugestões foram levadas ao SPHAN e, em reunião, no Rio de Janeiro, aprovou-se, após
delongas, a última, a que foi executada; abandonava-se, assim, a proposta original baseada na foto
referida.

Na oportunidade o arquiteto responsável pelo projeto inicial declarou que não lhe cabia julgar o
acerto da decisão, ela não foi individual, mas fundamentada em razões que são de inteira responsabilidade
do colegiado de trabalho, Fundarpe - SPHAN. No seu entender se tinha adotado uma hipótese, não
provada, em detrimento da segura informação da fotografia (Salvo quanto a existência da segunda torre).

Em uma segunda etapa de obras foram concluidas as partes da construção correspondente ao


Cabido, Sacristia e trecho posterior da capela-mor. No Cabido não se refez integralmente os muxarabis,
uma vez que a documentação não era completa, o suficiente, apesar da sugestão, de desenho, do arquiteto
Lúcio Costa.

No que se refere as duas torres, em trabalho recente o professor José Antônio Golsalves de Mello
se reporta à caída de uma delas no século XVIII; a torre do lado Leste, porquanto a do outro lado foi
concluída em 1713 por João Macedo de Corte Real. A torre Leste seria talvez aquela executada depois de
1670 pelo pedreiro Tomás Fernandes e a que talvez se arruinasse: era a representada na estampa Marim
d'Olinda.

A restauração da Sé de Olinda foi uma das mais fortes intervenções que então se fizeram em
edifício desde a existência do SPHAN em Pernambuco. O projeto era dos mais difíceis de ser posto em
prática, vez que dependia de enormes recursos e de uma certeza muito grande quanto aos resultados
desejados. Na oportunidade de sua execução recebeu fortes críticas dos profissionais que se dedicavam as
obras de restauração, não acostumados com certeza, com tão forte intervenção. Mais duras foram as
críticas dos que defendiam o processo de conservação em lugar do restauro em qualquer monumento,
essencialmente diante do temor de que se viesse a inventar o não conhecido e criar assim uma igreja que
jamais se tenha conhecido. O próprio autor do projeto já declarara, nas ressalvas do seu trabalho de
reconstituição, acadêmico, as dificuldades de repor certos elementos desaparecidos. No entanto, salvo
decisões que levaram a
resultados não desejados pelo autor, já referidos, a igreja se tornou, mesmo sem as talhas e os azulejos ou
altares que a enriqueciam (51) bem mais interessante e característica da sua importância do que aquela,
mutilada, e se arruinando, decorrente das reformas do século XX. A sobriedade das cantaria originais e a
nudez do seu interior tornou-a bem coerente com aquela monumentalidade que a indentificava, no século
XVII, descrita pelos holandeses.

25

302
Nas obras da igreja, apesar da presença constante de arqueólogos, eles estavam na igreja de N.Sa.
da Graça, não houve prospecções no piso da nave, em termos de sepultamentos, por não os haver,
seguramente; a natureza da estrutura da igreja, em três naves pode ter retirado dela o interesse em ser
cemitério.

"Uma obra de restauração é também passível de erros. A Sé não é uma exceção, assim julgamos
que o trabalho realizado foi fruto do interesse em acertar e se, em alguns casos tal não se atingiu, não
podemos responsabilizar senão aqueles que em conjunto tomaram o projeto diretriz, então definido no
presente trabalho e o redirecionou segundo as ideias do nosso tempo, ao arquiteto e a eles o mea culpa.

Com tal assertiva o autor do projeto conclue a sua análise quanto a restauração realizada na Sé de
Olinda.

Notas.

1. Pereira da Costa, F.A. , Anais Pernambucanos, Vol. I pág 210, Imprensa Oficial, Recife,
Pernambuco, Arquivo Público Estadual, 1951 / 1956.

2. Pereira da Costa, F.A. ob. cit. Vol. I, pág. 467.

3. Cardim, Fernão , Tratado da Terra e gente do Brasil, Introdução e Notas de Baptista Caetano,
Capistrano de Abreu e Rodolfo garcia, Rio de Janeiro ,1925.

4. Pereira da Costa, F.A. ob. cit. Vol. I, pág. 469.

5. Gonsalves de Mello, José Antônio , Cristovão Alvares, Engenheiro em Pernambuco, in Revista do


patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Ministério da Educação e Cultura, Nº 15, Rio de Janeiro, 1961,
Estabelecimentos gráficos Iguassú Ltda, págs 11 / 13.
6. Baers, Padre João - Olinda Conquistada - Tradução de Alfredo de Carvalho - Recife - Typographia
de Laermmert & Cia. Editores - 1898 - a edição original é de 1630 - Amsterdam.

26

303
7. Silveira, Luiz - Ensaio de Iconografia do Ultramar Português - Ministério do Ultramar - Lisboa -
Vol. IV - pág.527.

Gravura (Desenho) colorida sobre papel - dimensão da mancha ... 170x120mm - dimensão
extrema 248x164 - cota S.G.L. - 14a. D. 4. Legenda título: Villa de Olinda. Em baixo fora da
mancha: Secão do mapa de João Teixeira "Cosmógrafo de S. Magestade" inserta no Livro que dá
Razão do Estado do Brasil - Códice do Instituto Histórico do Rio.

Na edição crítica com introdução e notas de Hélio Viana do Livro que dá Razão do Estado do
Brasil se analisa esta gravura. - Arquivo Público Estadual - Recife, 1955.

8. Esta gravura demonstra, por ser de origem alemã, o interesse despertado na Europa pela invasão
holandesa de Pernambuco.

A gravura tem as seguintes características:


Dimensões da mancha -313 x 252 mm
Legendas em alemão.

9. Silveira, Luiz - Ob. cit. págs. 528 / 29. Além da gravura do Livro de Montanus, duas outras são
relacionadas pelo autor.

10. A gravura de Lemaitre e duas outras, do livro " Brasil de Fernando Dinis” Lisboa 1844 - Tomo
II pág. 90 e do "Panorama" - Tomo IV - novembro de 1840, pág. 369, devem ter tomado como modelo
as gravuras assinaladas no item 9. Essas duas estão enumeradas no Livro citado de Luís Silveira, en-
quanto a de Lemaitre existe no Museu do Estado de Pernambuco.

11. In Laet, J. de - laelyck Vehael...

Dimensões da mancha : 313x252mm

Legendas: No trecho superior: Marin d'Olinda de Pernambuco

Em baixo a legenda explicativa:

A - De Groote Kerck St Salvador

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304
B - Clooster der lesuiten
C - Clooster St. Francisco
D - t' Gasthuys ende kerck
E - t' Closter Sto Bento
F - t' Fort vande Compagnie
G - t' Fort van Inan d'Albuquerque
H - t' Giethuys
I - Pottenbackerye
K - Stadthuys
L - Stt Pieters Kerck
M - Clippen orderwater aeu wender syds tgat
N - t'Hooft op Strand
O - t' Gericht
P - Baecken op een bergh
Q - Wech naer t Reciff
R - t' clooster der Carmeliten

Na parte inferior, abaixo de Marin d'Olinda: Título:

T' Recife de Pernambuco, com a legenda explicativa:

A - De Kerck Corpo Santo


B - t'Huys vanden Equipagemester
C - Het Hoost
D - Het Cruydt huys
E - Het wacht huys
F - De Baterys
G - Kerckhoff
H - Verbrande huysen
I - t'Huys vande H. Carpentier
K - t'Huys vande Am. Walbeeck.

12. Larsen, Erik - Frans Post - Interprète du Brésil - Colibrís Editora Ltda. - Amsterdam - Rio de Janeiro
- 1962.

28

305
O comentário de interesse para a Sé encontra-se às págs. 109 / 110, e também no Catalogue
des oeuvres às págs. 183/210.

Sobre a Sé de Olinda diz Larsen às págs. 109/110: .. . Les ruines de la Fameuse cathédrale,
Sé d' Olinda, se retrouvent probablemente sur la large toile du Rijksmuseum (fig. 69) - (411),datée 1662,
qui possède encore son cadre en bois sculpté, orné de fruits, fleurs, animaux et poissons- peut être
également dù à la main de Post. La composition montre le portail rechement architecturé d' une
basilique, dont quelques arches subsistent encore. L'artiste dépeint, comme d' habitude, un groupe de
fidèle en tenue aproprièe que s'y assemble comme pour le Saint Office du dimanche, alors que le bâti-
ment n'est de toute évidence plus en état pour y célébrer le culte. À l' extrême droite, un groupe de
bâtiment qui décèle une ressemblance superficielle avec le convent des Franciscains à Igarassú (voir le
tableau de Breslau, fig. 59) Quelques maisons de planteurs fournissent à la composition I' occasion d'
un passage à la campagne de Pernambuco, telle que nous avons appris à la connaitre. L'avant-plan est
à nouveau rèservé a la representation de l'epais fourré bresilien, peuplé d'animaux divers.

Si les ruinnes ci-dessus sont en verité celles de Sé d'Olinda, il frauda avec Sousa-Leão, et contre
Robert C. Smith, conclure à l'identité de cet édifice avec celui représenté dans le panneau appartenant
à la colletion Veuve Jú lio M. Monteiro de Rio (412). Vu de plus près, el s'agit sans doute auncun, du
même portail, qui s'ouvre en plein cintre entre deux groupe de colonnes dorique saillantes, portant
chacune un fragment d'architrave courbe (413) M. Smith a pensé y retrouver une vue de I'eglise
appartenant au convent des Carmes à Olinda, se basant pour ce raisonnement sur le froc brun du
moine que I'on aperçoit indistinctement dans la pénombre, à I'interieur de I'eglise. Quolque ceci ourait
pu constitueroun argument de poids, il s'efrite devant les constatations faites sur les lieux par M.
Bazin, dont il découle que le portail sur le tableau de Post ne correspond pas à celui decorant encorent
actuellement cette église, et qui serait, toujours d'apres M. Bazin, le portail original.

L'Instituto Histórico à Rio possède une autre toile de dimensions respectables représentant les
ruines de la même cathedrale aperçues d' un point de vue different (fig. 38). Post les a placées a la
droite de sa composition cette fois-ci, nos offrant donc un aspect diferent de la plaine aux alentours de
la cité en ruine. Sont panorama, s'il etais rigoureussement exact, devrait inclure la place qu'ocupe le
spectateus dans le tableau d'Amsterdam. Quelques maisons, par example celles s'elevant sur une emi-
nence surplombant I'ancienne basilique, reapparaissent dans leur emplacement correct; d'autres, à
I'instar de I'habitation à deux étages, ont été deplacées pour un meilleur efect pictural. La question se
pose naturellement de savoir lequel des deux tableaux se rapproche davantage de la stricte vérité. On
serait tenté de favoriser la toile de I'Instituto sous ce respect; elle parait approximativement

29

306
comtemporaine de la grande vue d'Olinda", davantage empreinte du souvenir encore vivace des lieux, et
dépourvue de I'ennuyeuse surabondance dans I'ecran de leuilles, fruits e animaux au premier plan, rand
les tableaux tardifs de I'artist si artificiels.”

13. Barlaeus, Caspar - Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum sub praefectura
illustrissimi comitis J Mauriti Nassaviae, c. Comitis, nunc vesaliae gubernatoris Equitatus
Foederatorum Belgil Ordd. Sub auriaco ductoris historia. - Amsterdam - 1647 - João Blaeu.

14. Nieuhof, Joan - Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, etc. - São Paulo - 1942.

15. Pereira da Costa, F. A. - ob. cit. - vol. I - pág. 469.

16. Pereira da Costa, F. A. - ob. cit. - vol. III - pág. 421.

17. Pereira da Costa, F. A. - ob. cit. - vol. IV - pág. 132.

18. Pereira da Costa, F. A. - ob. cit. - vol. V - págs.261/266 e Almanach de Pernambuco - ano de 1912 -
pág. 103 - Imprensa Industrial - Recife 1911 - 14º ano.

19. Uma excelente fotografia cedida pelo Padre Marcelo Carvalheira, Diretor do Instituto de Teologia,
possibilitou a comparação da fachada atual com a anterior e nos foi indispensável para o confronto entre
o pórtico representado na pintura de F. Post e o existente na Igreja antes da infeliz reforma de
1911/19. Desconhecemos o autor dessa foto. Reproduzida nos Almanach de Pernambuco de 1912 a
1920.

20. Museu do Estado - Pernambuco série 828 - 50 fotografias.

21. Costa, Lúcio - Arquitetura Jesuítica no Brasil - in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - págs. 9 / 105 - Rio de Janeiro - 1941 - Ministério da Educação e Saúde

22 . Santos Simões, J. M. dos - Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822).Corpus da Azulejaria


portuguesa - Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa - 1965 - págs. 250/251. Portugal.

23.- Em Portugal isto ocorreu com algumas igrejas, a exemplo, a Catanhede, Coimbra: Igreja Paroquial
de S.Pedro.

30

307
24. Pereira da Costa, F. A. - ob. cit. - vol. IV - págs.135/139.

25. Xavier Pedrosa, Cônego - Uma carta inédita de F. Jaboatão sobre Olinda - Arquivos - Prefeitura
Municipal do Recife, 1. número de 1942 - Março. Ano I - número I - págs. 143/146.

26. Auler, Guilherme - Viagem a Pernambuco em 1859 - Diário do Imperador D. Pedro II - in Revista
do Arquivo Público - Secretaria do Interior e Justiça - 1950-1951 - 1º e 2º semestres - Anos V e VI -
números VII e VIII - pág. 407 - Recife, Pernambuco.

27 Almanach de Pernambuco - Anno de 1920 - Anno 22. - págs.289/ 291 - (Traz o almanaque duas
fotografias da igreja, anterior e posterior à reforma).

28. Gonsalves de Mello, José António - Cristóvão Álvares - Engenheiro em Pernambuco - Revista de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - M.E.C. - N. 15 - Rio de Janeiro - 1961 - Estabelecimentos
Gráficos Iguassu Ltda. Pág. 11 - ...é sabido que Cristóvão Álvares não foi o primeiro mestre da obra a
residir aqui. Já em 1593 há referência a um Braz da Mata, Lisboeta, de 55 anos, "pedreiro, mestre-
de-obras" que, cerca de 1591, estava a fazer em Olinda, "na Igreja Matriz, uma obra de abóbada na
capela-mor".(9)
(9) Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: Denunciações de Pernambuco (São Paulo 1929) págs. 128/129.

“ Por volta de 1606 residia em Pernambuco um arquiteto, Manuel Gonsalves Olinda, que
projetou a construção das Igrejas e Conventos Franciscanos de Ipojuca e do Recife e parece ter
prosperado, pois em documentos holandeses há referência a pessoa desse nome que era senhor-de-
engenho ao Sul do Rio Formoso (10). Nos primeiros anos do século XVII encontravam-se no Brasil dois
engenheiros de renome: Francisco de Frias da Mesquita, em Olinda desde 7 de junho de 1603 e o
florentino Baccio de Filicaya, de 1602 a 1608 (11).”

(10) - Frei António de Santa Maria Jaboatão, Nova Orbe Seráfico Brasílico, 2 vol. (Rio 1858-61), II pp. 479/480 e
Blaffaert ofte Lyste vande Dizmos, Pensaons ende verpacht in anno 1639, mitsgaders wat paeyen vande vercochte engenhos ende
landen etc., dit jaer sju vervallen, ARA. WIC. (OC),maço 54, onde há referência do engenho, cujo nome está indicado, pertencente a
"Manuel Gonsalves d'Olinda", vendido pelos holandeses 1637 a Rodrigo de Barros. Na Dagelijke Notule de 25 de junho de
1637 registra-se a venda a Rodrigo de Barros Pimentel do engenho que pertencera a Manuel Gonsalves Olinda " que por sua morte
passou a Sra. Catarina de Fuentes", o qual estava situado ao Sul do Rio Formoso: ARA WIC. (OC) maço 68.

(11) Sobre Francisco de Frias da Mesquita: Sousa Viterbo, Livro cit.I pp. 376/380, D. Clemente Maria da Silva Nigra,
"Francisco de Frias da Mesquita, Engenheiro-mor do Brasil", Revista da SPHAN No. 9 (RIO 1945), pp. 9/63 e quanto a data da

31

308
sua chegada a Pernambuco, B. N. L. Coleção Pombalina, códice 645, fls.184/184v.Sobre Baccio da Filicaya (1565/1609): notas de
Rodolfo Garcia em F. A. de Varnhagem, História Geral do Brasil, 4a. Edição, 5 vols.(São Paulo 1948/53) II pp.96/100 e Arquivo
Geral de Simancas (daqui em diante citado AGS), Secretarias Provinciais, có dice 1575, fls. 4 v (onde se registram pagamentos que
se lhe fizeram em Pernambuco desde 17 de outubro de 1602 até 31 de maio de 1603), 17 (onde está registrado pagamento que lhe
foi feito em 31 de maio de 1603)e 17 v. Em época um pouco posterior (1625) há referê ncia a outro engenheiro que então trabalhava
em Pernambuco: Marcos Ferreira, sobre quem não temos outras indicações (não está citado no Dicioná rio de Souza Viterbo).Além

de que se encontra nos Documentos Históricos, vol. XV (Rio, 1930), pp. 154/155, onde se diz que era "homem de muito grande
engenho e habilidade".

Pág. 13 - .... Ainda no período 1620/26 "reformou a torre da Igreja Matriz", da invocação do
Salvador do Mundo, depois Sé de Olinda (21). Desse velho monumento olindense - nos fins do século
passado tão impiedosamente descaracterizado muito pouco sabemos, por quase total falta de
documentação histórica. Os moradores de Pernambuco, em vereação da Câmara de Olinda de 16 de
janeiro de 1599, assentaram no pagamento de um tributo de 1$400 por pipa de vinho
importado,destinando-o à reforma da Matriz e, mais tarde, à fortificação da Capitania. Tal reforma se
impunha porque a Matriz "além de ser mui pequena e o povo ir crescendo em grande número, constava
de umas taipas quase caídas". Deve entender-se, ao que nos parece, que a reforma devia atingir em
especial o corpo ou nave da Igreja, pois desde 1591 já se tinha feito "uma obra de abóbada na capela-
mor", com emprego de tijolo pelo que nesse ponto não haveria necessidade de reforma. A participação
de Cristóvão Álvares foi, portanto, seguimento às obras de ampliação iniciadas no fim do século XVI e
começo de XVII, cabendo-lhe a obra da torre.(22)

(21) Veja-se documento anexo constante da nota 2. A obra da torre foi realizada no ano de 1621 pois uma carta da Câmara de
Olinda dirigida a Matias de Albuquerque em 13 de novembro de 1621, registra entre as despesas "que fizeram neste ano a da
"torre dos sinos da Igreja Matriz"; F.A. Pereira da Costa, 7 vols., Recife, 1952. 57, II, pág. 389 - o documento citado por Pereira
da Costa - foi publicado pela primeira vez pelo Barão de Studart, Documentos para a história do Brasil, 4 vols. Fortaleza, 1904/21,
I. pp. 289/292, mas não pude localizar no Recife um exemplar sequer do primeiro volume

.(22) A cronologia das obras de reforma da Igreja Matriz de Olinda parece ser a seguinte: em 1591 a "obra da abóbada na
capela-mor (v. nota 9, supra); depois de 1599 a obra de ampliação da nave (Livro 1. do Governo do Brasil, cit. p. 259 e Pereira da
Costa, Anais cit. II p. 143); no governo de Diogo Botelho, 1602/08, prosseguimento das obras ("Correspondência" cit. pp. 27,
66, 74 etc.): no tempo de Gaspar de Souza, 1612, "fez continuar com a igreja Matriz desta Vila, fazendo-lhe uma sacristia e
uma barbacã ".(" Cartas del Rey" cit. em nota 7, fls. 407/408); em 1621 a obra da torre, confiada a Cristóvão Álvares (v. nota
anterior).

Observação:- Por meio do trabalho do Professor Dr. José António G. Mello podemos saber que
participaram das obras da Sé pelo menos dois profissionais; Brás da Mata, mestre pedreiro, Lisboeta, e
Cristóvão Álvares, engenheiro.Teria trabalhado nas obras da Igreja também o mestre, pedreiro, Manuel
Gonsalves Olinda, que a construíu as igrejas e conventos Franciscanos de Ipojuca e doRecife, e os

32

309
engenheiros Francisco Frias da Mesquita e Baccio de Filicaya ( ?). Significativa a introdução de
aberturas superiores, na nave central, na igreja de Olinda. Desde o início da Renascença se havia
abandonado essa solução na maioria das igrejas lusas. Seriam alteração proposta pelo Florentino Baccio
de Filicaya, lembrando a igreja de S. Lourenço da sua cidade Natal, Florença ? A verdade é que, ao
contrá rio das igrejas portuguesas de igual partido a Sé de Olinda mantém a tradição românico-gótica, de
iluminação por pequenas aberturas, situadas na parte superior, diferença dos telhados, da nave central.
Não devemos esquecer o irmão, arquiteto dos jesuítas Francisco Dias, que também esteve em Olinda em
1584 para rever os planos do Colégio Jesuíta e da igreja de N. S. da Graça. (Nota do autor do texto)

29 . Olinda Conquistada - Narrativa do Padre João Baers, Tradução de Alfredo de Carvalho - Recife -
Typographia de Laemmert & Cia. - Editores - 1898 a edição original é de 1630 - Amsterdam.

Pág. 39 ... Descendo o monte, a partir do Convento dos Jesuítas, depara-se novamente com
uma eminência sobre a qual eleva-se a principal igreja paroquial do lugar chamada Salvador, a casa
da Câmara, debaixo da qual acha-se o açougue, e à direita acima d'ela a prisão, e uma grande parte da
cidade, sendo a eminência em cima plana e igual; também ali existe uma bela e larga rua últimamente
chamada Rua Nova, que foi a primeira rua da cidade.

Pág. 41 - A igreja paroquial e as igrejas dos conventos são ricamente ornadas com dourados e
muitos altares, mas, sem quadros preciosos nem outros.

Pág. 47 - Pela Páscoa os Srs. Conselheiros mandaram abrir a principal egreja paroquial de
Olinda, ornal-a e preparal-a, onde no dia da Páscoa fiz a primeira prédica, e tambem preguei nos dias
seguintes, batisei um soldado enfermo, porém os Srs Conselheiros julgaram impróprio administrar tão
depressa a comunhão por tal motivo. Vieram também à igreja muitos pretos e pretas, que a seu modo
atendiam quietos e devotos ao ofício divino e escutavam humildemente, e eram também (assim dizia-
se) baptizados.

30 . A Sé de Olinda também se encontra citada em outras obras holandesas e de visitantes que a viram
antes do incêndio de 1631 ou se basearam nas descrições conhecidas na época. Entre esses podemos
assinalar C. Baerle - Nederlandsch Brazilian Onder Hat Bewind - Van Johan Maurits Grave van Nassau,
etc./ Haia, 1923; com traduçã o de 1940, em português, titulada: História dos feitos recentemente
praticados ... no Brasil ... sob o governo do ilustrissímo João Maurício Conde de Nassau. Também
anotamos: Nieuhof, Joan - Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, etc. São Paulo, 1942.

33

310
Ambas as citações são sumárias e sem grande interesse. (O título da 1ª obra, em Latim, publicada em
Amsterdam em 1647, encontra-se, na nota 13, em: 2 - Notícias Históricas).

31. Santos Simões, J. M. dos - Azulejaria portuguesa no Brasil - (1500-1822) Corpus da azulejaria
portugesa - Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa - 1965.

Págs. 250/251 - Sé Catedral - Segundo tudo leva a crer aliás confirmado por informações
fidedignas - a antiga catedral de Olinda tinha parte das paredes revestidas de azulejos. Hoje é uma
grande igreja incaracterística, desoladamente nua e que apenas se impõe pelo tamanho. É um templo
de três naves, separadas entre si por colunas toscanas monolíticas mas que formam
imcompreensivelmente escaioladas. Na altura da minha primeira visita (1959), a capela-mor era uma
verdadeira vergonha: o estado de decrepitude e de abandono confrangiam e não haveria certamente
ninguém com alguma sensibilidade que não lamentasse o desrespeito a que fora voltado este presbitério,
panteão dos primeiros chefes da igreja brasileira! Então, a capela-mor era viveiro de morcegos, que
esvoaçavam em bandos compactos quando, por acaso, a inútil igreja recebia uma visita ... (30)

Pág. 23 - Da antiga azulejaria resta a parte inferior do paramento mural da capela absidial do
lado do Evangelho. Seria um enorme tapete do padrão policromo de desenho largo e do qual restam
apenas as 9 fiadas inferiores, estas mesmas, ao que parece, deslocadas. (31) Na parede da escada que
sobe à sala do consistório, foi colocado um dos painéis do silhar da igreja, agora com 19 azulejos na
parte central, pintura azul, emolduramento barroco de anjos e grinaldas e figuração representando a
"Fuga para o Egipto". São azulejos que correspondem à grande produção de cerca de 1740 e que tem
que emparelhar-se com os painéis agora no Museu do Estado do Recife. Refere Barata (32) que na
coleção de José Mariano Filho, no Rio de Janeiro, se encontram antigos painéis da Sé de Olinda...
(33). Aníbal Gonsalves Fernandaes refere-se a 4 painéis que foram da Sé de Olinda e que "passaram
à residência do Senhor Simões da Silva, no Rio de Janeiro" (34). Dois destes foram, entretanto
adquiridos pelo Museu do Estado do Recife e ali instalados em 1559.

(30) Apraz-me atualizar esta asserção. Em 1963 a DPHAN - efectuou ali obras de restauro e limpeza e a igreja foi
novamente entregue ao culto.

(31) São azulejos do meado do século XVII mandados vir provavelmente quando da reconstrução da catedral, após a
reconquista portuguesa.

(32) Op. cit. pág. 42 - "Azulejos no Brasil".

(33) Não são de Olinda, mas sim do antigo convento de S. Francisco de Paraguassu (B - 10).

34

311
(34) Aníbal Gonçalves Fernandes, Relatório da Inspectoria Estadual dos Monumentos Nacionais - Recife, 1929, pág. 11.

Nota - Ao classificar o padrão do azulejo do século XVII, ainda existente na capela do


Santíssimo Sacramento, como P. 23 o Sr. Santos Simões enganou-se, trata-se do padrão P. 25 de mesmo
desenho, porém policromado. (Padrões numerados pelo citado autor em seu livro).

32. Arquivos - Prefeitura Municipal do Recife - 1º número de 1942 - março de 1942 - Ano I - número
1. Xavier Pedrosa, Cô nego - Uma carta inédita de Frei Jaboatão sobre Olinda. Págs. 143/146. Carta
escrita a um frade, seu companheiro da Bahia. (1725).

“Cheguei ao convento, e assim como lhe pus os pés, logo lhe debuxei a planta. Jaz em lugar
fresco, e lavado dos ventos pela parte do mar; e por cima das águas, que caem do colégio tão eminente
nos fica este, que quando lhe lanço os olhos, parece-me que será a primeira vez, que se deixam ver botas
sobre tamancos e barrete em cabeça de capucho. Entre estes dois fica a Sé desviada algum tanto à
parte do poente. Ali me pus também a horas, que rezavam vésperas os Reverendos cônegos. Entre todos
eram dois, e az: e duas fileiras ou cordas; desejei dar-lhe um par e meio de nós a ver se cresciam mais
em número; mas logo pelo que eles rosnavam alcancei, que sendo dois e az, já tinham os nós. Tem a Sé
cinco naves de obras perfeitas; porque se obras da Sé se chamam aquelas, que não estão acabadas de
todo; É o que nesta Sé não há porque as suas obras de todo estão bem acabadas.”

33. Dezagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco - D. Domingos do Loreto Couto - Annaes da


Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - 1902 - Vol. XXIV - 1904. Livro primeiro - Pernambuco
conquistado - Capítulo 1º - pág. 21.

(19) Naquele lugar onde Vasco Fernandes fez aquele risco se edificou depois um suntuoso
templo dedicado ao Salvador do mundo, que foi a Igreja Matriz da Vila, e hoje é a catedral de Olinda,
aonde se celebram os ofícios divinos com muita pompa e solenidade. E assim só se deve atribuir este
caso a divina providência, que quiz com este prodigo sinalar o sítio, e imunidade do seu templo, e acudir
por este modo aos apertos em que se viam aqueles sitiados.

34 . Revista do Arquivo Público - S. I. J. - Recife-Pernambuco - 1950/1951 - 1º e 2º semestre - Anos V e


VI números VII e VIII. Viagem a Pernambuco em 1859 - Diário do Imperador D. Pedro II - Guilherme
Auler.

35

312
Pág. 407 ... Na estrada de Olinda havia um pavilhão, onde recebi as congratulações e chaves
da cidade por parte da Câmara (2), e fui por ladeiras um pouco ingremes para a Sé , que fica para o
extremo oposto. É uma bela igreja de 3 naves, porém, baixas, separadas por colunas, que estando
caiadas não pude reconhecer se eram monolitos conforme diz Jaboatão; junto uma nota dessa igreja.
Encontram-se nessa igreja as sepulturas de D. Tomaz da Incarnação, Bispo falecido em 1784; de D.
Matias de Figueiredo e Melo, Bispo morto em 1694 com 40 anos de idade; e de D. Francisco Xavier
Aranha, morto em 1750 e tantos; este não tem epitáfio, e são informações. Na capela do Santo Cristo
da Sé, cuja imagem foi presente do Rei de Portugal em 1684 ou 1685, está a sepultura de D. José
Maria d'Araujo, que morreu, segundo disseram-me - a lápide não tem era, em 1808.

35. Pereira da Costa, F. A. - Anais Pernambucanos - 1701/1739 -Vol. V - Arquivo Público Estadual -
Recife - Pernambuco - 1953. Págs. 261/266.

"Janeiro 14 - Ofício do governador Félix José Machado de Mendonça Eça de Castro e


Vasconcelos, dirigido ao governo da Metrópole comunicando a terminação das obras de reconstrução
da igreja catedral de Olinda.

A nova catedral ficou, assim, um grande e belo templo, em seu conjunto geral, pelas suas
disposições imponentes e harmônicas com o seu traçado estético. Analisado, porém, parcialmente em
seus detalhes, perde um tanto dessa agradável impressão que sente o observador que o contempla da
porta principal, em cuja posição descortina seu todo.

Dividido em três naves formadas por uma bela e elevada arcaria sobre colunas de pedra,
ficando sobre estas e os claros formados pela junção dos arcos semicirculares, nos seus extremos, um
medalhão com pinturas representativas dos apóstolos, em meio corpo, ao natural, fecham assim as duas
naves laterais, as capelas, do SS. Sacramento e do Santo Cristo, e a central, a capela-mor, onde se acha
colocada o sólio arquiepiscopal e as cadeiras corais do corpo capitular, e um bom trabalho em
jacarandá , e lateralmente dispostas, em linha. O altar e o retábulo, com um nicho em altura superior
onde se vê , em grande vulto, a imagem de São Salvador, o padroeiro do templo, da paróquia e da
cidade, são de um esmerado e vistoso trabalho de talha dourada; e as paredes laterais do santuário, com
grandes óculos elípticos, envidraçados, são ornados de seis grandes painéis a óleo sobre madeira,
emoldurados em talhas, representando, em vulto natural, as figuras de santos doutores da igreja, e
contendo cada um a sua competente legenda.

36

313
Na capela-mor descansam os restos mortais dos bispos D. Matias de Figueiredo e Melo
o Bispo Santo das legendas populares, D. Francisco Xavier Aranha, D. João da Purificação Marques
Perdigão e D. Francisco Cardoso Aires, o primeiro em sepultura rasa e os outros em jazigos nas
paredes laterais, não tendo, porém inscrição alguma o de D. Francisco Xavier Aranha.

A capela do Sacramento é de agradável perspectiva pela bela disposição artística do seu altar
e retábulo, de talha dourada, e ornada de boas alfaias notando-se um bonito lampadário de três luzes e
a sua barra de azulejo antigo, que parece assim indicar ter sido a capela-mor da primitiva igreja, onde
talvez não chegou o incêndio da cidade, ateado pelos holandeses em 1631.

É nesta capela que jaz o sábio bispo D. Tomás da Incarnação Costa Lima, em sepultura rasa
em frente ao altar, e sobre a qual se vê uma grande laje de mármore branco, de primoroso trabalho
escultural, e tendo sobreposto ao epitáfio as suas armas episcopais, em relevo.

Outrora houve uma confraria do Sacramento que administrava a capela com as rendas do seu
patrimônio, cuja incorporação vinha de tempos imemoriais, porquanto existia já em 1584, como se vê do
testamento do capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, celebrado naquele ano, em Olinda, no qual legou
20 cruzados à Confraria do Santíssimo Sacramento da igreja matriz de S. Salvador da vila de Olinda, e
mandou que se lhe desse mais mil e quinhentos réis dos anuais que devia.

Dissolvida a confraria por meados do século passado, é presentemente a capela administrada


por um cônego de nomeação do Cabido. Do patrimônio da extinta corporação, restam apenas dois
prédios em Olinda, e seis apólices da dívida pública do país de 200$ cada uma.

A capela de Santo Cristo é quase que igual à do Sacramento, quanto ao seu altar e retábulo,
fechada com uma grade de balaústres de jacarandá torneados, que chega até as cornijas das pilastras
do arco, e tendo as paredes revestidas de quatro painéis a óleo sobre madeira, representando um a
oração de Cristo no Horto e três a flagelação.

No pavimento desta capela jaz o infeliz bispo D. José Maria de Araújo, sem sinal algum
indicativo da sua sepultura.

Ao correr das duas naves laterais, à face das paredes, ficam cinco altares singelos em suas
disposições ornamentais sendo três dos seus padroeiros, S. Miguel Arcanjo, o Anjo Custódio e Santa

37

314
Quitéria, representados em painéis a óleo, em vultos naturais, sendo os dois primeiros de uma bonita e
vistosa pintura.

As paredes das naves laterais são revestidas de uma alta barra de azulejo, com painéis
representativos de fatos da história do cristianismo, vendo-se sobre suas ornamentações divisórias uma
espécie de frontão em caprichosos recortes. Esses azulejos são do mesmo gosto e estilo dos que se vêem
na igreja do convento de S. Francisco da mesma cidade.

O forro da nave central, de forma semicircular, acompanhando assim à do grande arco da


capela-mor, é de madeira entalhada e de uma belíssima ornamentação artística; e o coro, com
dimensões para uma grande orquestra, fica entre as duas primeiras colunas da mesma nave e a parede
da fachada, correspondendo a sua porta principal, com varandas para as três partes, e com acesso por
uma escada de volta.

A sacristia é espaçosa e bem ornada.O móvel para a guarda dos paramentos e alfáias,
abrangendo toda a largura do salão, é de jacarandá, com seus gavetões almofadados e sobre o qual
se estende uma elevada peça, encostada à parede, de boa talha, com apainelados a óleo e um nicho no
centro, dividindo as suas secções umas bonitas colunas salomônicas, com ornamentações esculturais.

No centro do salão fica uma grande mesa redonda para o revestimento dos padres, e
convenientemente dispostos, outros móveis, todos de jacarandá . O lavatório é uma bonita peça de
mármore róseo, com embutidos de outros de cores diferentes.

A sala das reuniões capitulares fica num pavimento superior, correspondente à sacristia, e bem
arranjada, sendo destinado para o arquivo da catedral dois grandes armários embutidos nas paredes,
mas completamente desfalcado de documentos. Um chamado LIVRO VELHO DA SÉ , de inestimável
valor histórico, e tão frequentemente citado por Borges da Fonseca na sua NOBILIARQUIA
PERNAMBUCANA, não existia mais em 1886 quando nos coube examinar esse arquivo no desempenho
de uma incumbência oficial.

O exterior do templo é simples, de acanhada proporções, e pouco elevado com relação às


duas dimensões. A sua situação, porém, é magnífica, no extremo Oriental da grande chapada da mais
elevada colina da cidade, belíssima, imponente, e de onde se descortinam os mais longínquos e belos
panoramas e todo o mar, até os seus extremos no horizonte visual.

38

315
O que vimos consignar, e estava escrito anteriormente a 1911 quando começaram as obras de
reconstrução, remodelação ou coisa que o valha, o venerando santuário, serve ao menos para se ficar
sabendo o que foi, e atualmente é .

A nossa catedral, velho templo, rude, acaçapado, de uma arquitetura ingênua, mais um
monumento vivo do passado extinto, uma obra em que não se devia tocar, não se devia bulir - foi
entretanto, friamente resolvida essa criminosa chamada remodelação, essa derrocada quase que por
completo, de tudo o que havia de arte precioso e respeitado no seu longo perpassar de séculos.

Efetivamente, começadas as obras de destruição do templo de 1911, e prosseguindo com


morosidade, vieram aparar em 1915, com o falecimento do arcebispo D. Luiz Raimundo da Silva Brito
que as empreendera, até que, recomeçadas em 1917, e terminadas em 1919 teve a remodelada catedral
festiva inauguração a 24 de agosto.

Com esse atentado da remodelação do templo, com a destruição de uma obra - que tinha em
si o caráter do século em que surgiu, e significava na sua ingenuidade, na simplicidade de suas linhas a
aspiração e a piedade dos homens que a fizeram - desapareceu, em grande parte, o que tinha de belo,
artístico, tradicional.

O altar e o retábulo da capela-mor foram substituídos por uma peça de alvenaria, com umas
colunas de fuste vermelho, tudo de uma lastimável pobreza de gosto e arte; desapareceram os seus
grandes painéis a óleo, e os túmulos dos bispos que ali se viam foram removidos para outros lugares; e,
coisa digna de nota, a campa de mármore que cobria a sepultura do bispo D. Matias de Figueiredo e
Melo foi retirada e assentada sobre a do bispo D. Fr. José Maria de Araújo, na capela de Santo Cristo !

Daquela capela foram também retirados os seus painéis, bem como os dos altares das naves
laterais.

Arrancaram a bela e antiga barra de azulejo do templo, - esses lindos azulejos que Coelho
Neto, quando por aqui passou, tanto admirou, - e do que não se estragou então, foram retirados vários
trechos, de formosos painéis, que, quem quis, os carregou, e alguns mesmo até para o Rio de Janeiro
foram conduzidos! Também para aquela cidade foi levada uma boa porção das ornamentações de talha
do forro da nave central, que foram aproveitadas para o de uma sala da casa de um argentário!

39

316
Desapareceu, enfim, o cemitério da comunidade capitular, e bem assim os painéis dos
apóstolos que se viam sobre as colunas da arcaria divisória das três naves, e o coro da igreja, cuja
escada, de caracol, foi levada para o seminário episcopal, e convenientemente aproveitada.

Do que se vê de novo do templo é tudo paupérrimo, humilde, e de um triste aspecto,


imprimindo-lhe assim uns ares de capela de Arraial! ...

36. Almanach de Pernambuco - Anno XXII - Para 1920 - (com fotografia da igreja antiga e da gótica) -
Págs. 289/291.

Catedral de Olinda. No local em que havia uma fortaleza, em Olinda, Vasco Fernandes de
Lucena, em 1535, fez levantar uma igreja do Senhor Salvador, que, pela bula de 15 de junho de 1614, se
tornou a sede de uma prelazia criada pelo Papa Paulo 5º. Arruinada a igreja que se tornara a Matriz do
Salvador do Mundo, ou Sé , na denominação vulgar; foi reedificada em 1669.

Sofreu vários reparos no decorrer dos tempos até que na atualidade foi inteiramente remodelada
e em breve será inaugurada com a solenidade de que é digna e se tornou merecedora.

Quasi concluídos se acham os trabalhos de remodelação da legendária Catedral de Olinda, com a


redução do projeto primitivo que por determinação do inolvidável arcebispo D. Luiz de Britto foi
organizado pelo arquiteto professor Rodolpho Lima.

Do referido projeto foi pelo seu autor executada a parte mais importante, compreendendo a
fachada principal que que, por motivo de ordem econômica, foram aproveitadas as antigas alvenarias e
que é verticalmente dividida em cinco secções, sendo as duas laterais ocupadas por duas torres de base
retangular que terminam em flechas ortogonais, construídas em concreto armado, e cujos vértices se
acham do solo a altura aproximadamente de 40 metros; as duas secções contíguas que correspondem às
naves lateraes, pela parte interna, são fechadas em platibandas interrompidas por dois acrotérios que
servem de suportes às estátuas de S. Pedro e S. Paulo, e secção central que compreendendo a entrada
principal, acima da qual se encontra vistoso nicho que encerra a estátua da Conceição e que é encimado
por uma em que se vê esculpido um pálio arquiepiscopal, termina em esbelto frontão coroado por uma
importante estátua do Cristo Redentor.

Quatro capelas lateraes externas foram construídas nos oitões em correspondência com antigos
altares das naves lateraes que, assim como a nave central, tiveram as paredes levantadas para receber a

40

317
nova coberta que, de acordo com o respectivo projeto, apresentaria vasto zimbório que coincidiria com a
capela-mor.

Apesar das modificações sofridas pelo primitivo projeto, taes como os forros das naves que
serviam de ogivas cruzadas, a capela-mor que seria em forma de baldaquino, fechando em abside
lanternins como vitraes sobre os dois altares que ladeiam a referida capela-mor, o alinhamento dos oitões
da sacristia com os do corpo da igreja etc., etc., nós nos devemos orgulhar com a felicidade de vermos
remodelada a tradicional catedral de Olinda devido aos ingentes esforços dos preclaros arcebispos D.
Luiz de Britto e D. Sebastião Leme.

Não se pode deixar no olvido a dedicação e proficiência do conhecimento arquiteto professor


Rodolpho Lima que se encarregou gratuitamente da direção técnica da remodelação da nossa Catedral,
que foi quasi completa.

Felizmente, foram esses inestimáveis serviços reconhecidos pelo saudosíssimo arcebispo D. Luiz
e pelo nosso actual D. Sebastião de Leme, honra do clero brazileiro, em documento escrito.

E que maior paga para um coração convencidamente religioso?

37 - Gravuras onde se vê representada a Sé de Olinda.

1) Gravura colorida sobre Papel (ou desenho aquarelado?)


Dimensão da Mancha: 170 x 210 mm
Dimemsão externa: 248 x 164 mm
Legendas - Tí tulo - Villa de Olinda
Cota S. G. L. 14ª. D. 4
Em baixo - fora da Mancha:
Secção do Mapa de João Teixeira
"Cosmógrafo de S. Magestade" inserto no Livro que dá
Rezão do Estado do Brasil".
(Códice do Instituto Histórico do Rio)
Esta planta é Parceira da inserta no Manuscrito da B.
Ajuda "Roteiro de todos os sinais". (Séc. XVI)

2) Gravura Alemã onde se representa a tomada de Olinda.

41

318
(Ministério das Relações Exteriores - Brasil)
Dimensão da Mancha - 313x252 mm
Dimensão externa - (?)
(Legenda explicativa em alemão).

3) Gravura - in Livro de J. Laet. (1640).

4) Gravura inserta no Livro:


Illustriorum Hispaniae Urbium Tabulae, com appendice,celebiorum
Alibi aut alin aut nunc Parentium Hispanis Aut corun
Civitatum Commerciis florentinm. Amstelodami - Ex
Officina Joannis Janssonii
Dimensão da mancha - 474x322
Dimensão exterior - 579x472
Legenda - Olinda de Phernambuco.

5) Mesmo desenho - (alteram-se as dimensões)


Dimensão da Mancha - 358 x 290
Dimensão externa - 368 x 308
Legendas: Título: Olinda de Phernambuco.
(Com legenda em latin identificando os edifícios).
In. De Nieuwe en onbekende weereld of beschryling van
America en ezuid-land
Door Aenoldus Montanus - Amsterdam bay Jacob Meurs Anno
1671.

6) Repetida na Galeria Agréable du Monde com o título de


Olinda de Pernambuco, dans I'Amerique Meridionale.

7) O Museu do Estado de Pernambuco possue uma gravura com


mesmo desenho e com dimesões diferentes:
Dimensões da Mancha: 885x170 mm
Título: Olinda de Phernambuco.
Auf der Reede nach dem leben abgezeichnet
(com legendas no trecho inferior).

42

319
8) Gravura de Lemaitre: (Museu do Estado - Pernambuco)
Dimensão da Mancha - 98 x 150 mm
Dimensão externa - 285 x 190 mm
Legenda: Olinda e Recife em 1630
In História Geral do Brasil.

9) Gravura a negro.
Dimensão da mancha - 91 x 139 mm
Legenda: Olinda de Pernambuco.
In Brasil por Fernando Dinis.
Lisboa 1844 - Tomo II - pág. 90.

10) Idêntica:
Dimensão da mancha - 127 x 89 mm
Legenda: vista do Porto de Pernambuco.
In - Panorama - Tomo IV - novembro 1840 - Pág. 369.

Observação:

As gravuras: 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 - Desenhos simila-


res.
As gravuras: 1, 2 e 3 são diferentes uma da outra.

11) Gravura - Olinda - Vista - Abaixo a esquerda F. Post,


1645. In - C. Baerle - entre as págs. 40 e 41
(Sem interesse quanto à Sé - confunde-se com o
Convento Franciscano).

38 - Poderíamos estabelecer à guisa de ilustração baseados nas informações contidas nos documentos
e nas estampas existentes, o seguinte esquema do andamento das obras da Catedral de Olinda:

Capela-mor que substituiu a primitiva e construída em 1591. - c/abóbada.- Em anexo lateral a


antiga sacristia.

43

320
Ampliação da nave depois de 1599 - Destruição da nave de taipa.

Provável torre segundo a gravura do livro de J. Laet.

Capelas laterais, Santo Cristo e S.Sacramento - Construídas depois de 1656 - torre idem - em
.1713.

Ampliação da capela-mor - 1676/79.

Depois de 1725 - Construção da grande sacristia e do 1º andar com a sala do cabido.

Ampliação em data incerta.

39.- Pinturas holandesas onde figura a Sé de Olinda (Do catálogo do livro de Frans Post - Interprète du
Brésil de Erik Laisen, - Colibris Edit. Limitada - Amsterdam - Rio de Janeiro - 1962).

Nº.31/51

Ruínas de Olinda - Tela - 86 x 114 cm. no instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de
Janeiro - cerca de 1650/ 55. Proveniência: coleção da Viscondessa de Cavalcanti - Rio de Janeiro
S. 8 (com indicação errada de uma data 1640)
G. 16 (mesma indicação) assinada S (F. Post).
Reproduzida no Livro de Larsen - figura 38
Reproduzido no Catálogo da Exposição de F. Post. - Rio de Janeiro - 1942
Reproduzido em Frans Post e seus quadros brasileiros - 1612- 1680
Estado de Pernambuco - 1937.

Nº.65/25

Ruínas da Sé de Olinda.
Rijksmuseum, Amsterdam
Tela - 107,5 x 172,5 cm - Assinado S. (F. Post) 1662. Cat. 1934, n.1902 - S.20 g.98

O grupo de construções à direita parece o convento dos frades franciscanos em Igaraçú.


Comparar com os Nos. 31, 67 e 99 do presente catálogo. No Livro de Larsen - reproduzido fig. 69.

44

321
Reproduzido em Frans Post e seus quadros brasileiros 1612-1680 Estado de Pernambuco.
1937.

Nº.67/75

Ruínas da Sé de Olinda.
Coleção Madame Júlio M. Monteiro, Rio de Janeiro. Painel - 53/68,6 cm.

Comparar com os números 31, 65 e 98 do presente catálogo e o texto no corpo da obra.

S. 25; g 205 - Assinado S (F.Post) depois de 1660.

Reproduzido em o Boletim da União Panamericana n. 41 - R. C. Smith - Três paisagens


brasileiras D. C. 1939.

Nº. 99/90

Igreja em ruínas.
Coleção J. A. Severino Pereira da Silva, Rio de Janeiro.
Painel - 61 x 83 cm. Assinado S (F. Post) depois 1660.

Comparar com os Ns. 31, 65 e 67 do presente catálogo. Reproduzido em Souza Leão - F. Post
- pl. XXIII g. 195.

A Sé de Olinda, embora sem pormenores esclarecedores se encontra pintada nas seguintes vistas
gerais:

Nº.29/44

Vista Panorâmica de Olinda


Museu Nacional de Belas Artes - Rio de Janeiro. Assinado S. (F. Post).
Tela - 78 x 101 cm.
Cat. 1945 - No.50

45

322
Comparar com a gravura de Barleus No. 10 e o desenho - modelo do British Museum (Mon. n.
D. 4)
O motivo da composição parece ser idêntico ao vila de Olinda - com suas igrejas e claustros
arruinados da Descrição etc".
Appendice l. Doc. n. 54, o quadro da Litt. F. F.).
Na parte inferior esquerda: um escudo com a inscrição em língua holandesa: K. VIEW VAN
STAD OLINDA IN BRASIL. Proveniência: venda pública da coleção Djalma Fonseca Hermes, Rio de
Janeiro, 1941.
S. 28 g. 189 (indicado erroneamente como "madeira").
Reproduzido na figura 33 do Livro de Larsen.
Reproduzido em Exposição de Frans Post - Rio de Janeiro 1942, e em Frans Post e seus
quadros brasileiros - Pernambuco - 1937.

30 - Vista Panorâmica de Olinda


Proprietário desconhecido.
Tela 79,5 x 112 cm.
Proveniência: venda R. H. Ward - Amsterdam. 15 de maio de 1734. Reprodução desenvolvida
do número precendente. Para uma outra versão, mais tardia, do motivo ver o n. 90 Catálogo.
Pode ser idêntica a uma tela que existe em coleção privada do Rio de Janeiro.(Informação devida
a amabilidade do Senhor Adolphe Stein - Paris). Ca. 1650/1655 - assinado S. (F. Post). Sem
reprodução.

90 - Vista panorâmica de Olinda - 1665.


Coleção Marcondes Ferreira, S. Paulo.
Tela 80 x 110 cms.
Proveniência: Galeria Debret, Rio de Janeiro. Comparar com os números 29 e 30 do presente
catálogo.
(Traduzido do francês).

40. 15 Anos de Obras Públicas - Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais - Maio de
1948 - 1932 - 1947 - Ministério das Obras Públicas - República Portuguesa.

41. Menezes, José Luiz Mota, Sé de Olinda - Coleção Pernambucana 2a. fase Vol.XXI, Fundarpe,
Diretoria de Assuntos Culturais, Recife 1985, pág. 65.

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42. Menezes, op. cit. pág. 65

43. Menezes, op. cit. pág. 67

44. Menezes, op. cit. pág. 68

45. Menezes, op. cit. pág. 69

" Para a reconstituição do interior da igreja, as naves, lançamos mão dos vestígios existentes
acima do forro do antigo telhado, desde que o atual foi construído em nível mais alto. O algeroz antigo
- ainda visível por detrás do frontão atual e em parede lateral do corpo da sacristia - nos forneceu a
declividade primitiva da coberta, definindo o espaço interno da igreja. Verificamos a seguir que o
existente forro de estuque armado, em abóbada de berço, da nave central, está situado correspondendo
ao primitivo forro de madeira, do qual ainda se vêem, no local, os furos aonde se fixavam as cambotas,
nas paredes laterais, acima daquele estuque. Quanto às naves laterais, estas deveriam ter possuído um
forro em um plano inclinado, em madeira, como os das congêneres igrejas portuguesas; o atual forro em
abóbada - executado em estuque armado - não poderia ter copiado nenhum anterior como ocorreu com
o forro da nave central: com o declive da coberta antiga não resta altura para tal solução.

As colunas e arcos de cantarias não sofreram deslocamento ou destruição, foram apenas


picados para a aplicação do reboco.

No primeiro tramo das arcadas, construíram um coro em estrutura de concreto, hoje já


removido e que fora montado no lugar do existente, de armadura de madeira, conforme vestígios dos
suportes das traves nas duas primeiras colunas e nas paredes. Nas igrejas no século XVIII, geralmente
prejudicando o espaço interior das mesmas. Na Sé de Olinda, é possível ter sido introduzido já
durante a reconstrução do século XVII, segunda metade. Não temos a preocupação de restaurá -lo,
fundamentado em que, não sendo presentemente necessária sua reconstituição iria tão somente
prejudicar a ordenação espacial interior do templo olindense.

Deixaremos os suportes nas colunas como testemunha da existência desse coro em uma fase da
vida da igreja.

Na nave central, assim como nas laterais, projetamos reconstituir os forros de madeira;
naturalmente sem os ornatos de talha que os enriqueciam. O corpo central, entretanto, - desde que

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sejam raspados os ornatos de massa - poderia se deixar em estuque armado, uma vez que este não
modificou, em traçado, a antiga abóbada. Quanto aos forros das naves laterais, fizemos no nosso projeto
acompanhar a linha do telhado e seriam executados em saia-camisa, conforme os modelos portugueses.
Nos desenhos indicamos, no nível primitivo, - cerca de dezessete centímetros abaixo do existente - todo o
piso da nave e como consequência permitiu-se descobrir os degraus das capelas do Santo Cristo e
Santíssimo Sacramento. Presentemente estas Capelas estão com os seus níveis de pisos, também acima
dos anteriores. Estão reconstituídos, no projeto, todos os capitéis e bases dos arcos das capelas laterais.

Estas capelas, totalmente destruídas, colocaram-nos diante dos seguintes problemas: como eram
iluminadas? seriam intercomunicantes? Dos altares, nem cojitamos, já não mais existem. Essas capelas
podiam - desde que os seus alicerces estão visíveis - ser marcadas em planta baixa; permitiam também
se definir quanto ao alçado, já que tínhamos a linha do antigo telhado. Como apenas uma soleira se
encontra visível nos alicerces, isto solucionaria a segunda questão, restando apenas, portanto, a
primeira dúvida. Esta foi respondida a partir da seguinte orientação: em face de somente conhecermos
como era a lateral Norte, através de uma fotografia pertencente à família do Dr. Sílvio Paes Barreto ,
procedemos uma análise das soluções adotadas em Portugal, para casos similares, e verificamos que, de
pelo menos duas formas, se resolveu a situação nas igrejas lusitanas, desde a renascença: se o altar
estava situado na mesma disposição que o altar-mor, isto é , na parede divisória entre as capelas, a
iluminação é lateral e por uma única abertura em cada cômodo, normalmente uma janela sendo o altar
disposto como geralmente se adotava, virado para a nave, então a iluminação era obtida a partir de
duas janelas laterais ao altar, como se vê na capela do capítulo do Convento franciscano de Olinda, ou
ainda outro exemplo, na Sé de Gôa, a qual soma às duas janelas, um óculo localizado no alto da capela
e no eixo acima do retábulo. Nas capelas pouco profundas, preferiam deixar sem aberturas de
iluminação. No Brasil a primeira forma não é usual, desta conhecemos o projeto para a igreja dos
Jesuítas da Bahia, do padre Belchior Pires, e não executado. Assim, tornando-se necessário na igreja de
Olinda, ventilação e iluminação; considerando ainda não existir mais interesse de construir novos
altares, preferimos para a lateral Sul, desde que a Norte já conhecemos a disposição - como o partido
não viesse comprometer o monumento - a segunda fórmula.

Naturalmente esta disposição dos vãos de luz na lateral Sul podem não corresponder à
primitiva, disto sabemos, porém não havendo nenhuma documentação esclarecedora de como seriam as
antigas janelas e, por outro lado, sendo necessárias, como proceder? Reconstituir as Capelas torna-se
uma necessidade imperiosa.

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A sugestão apresentada permitirá a colocação de uma imagem, pintura ou outra ornamentação
qualquer, além de aumentar a aeração e iluminação interiores. Por outro lado, não é rígida a disposição
dos vãos de luz, sendo perfeitamente possível sua modificação.

Baseado em Pereira da Costa, abrimos na capela seguinte à batismal, uma porta para o
exterior e uma correspondente também foi marcada na capela fronteiriça a essa. Para traçado das duas
aberturas repetimos aquele das portas da fachada principal correspondente às naves laterais. Quanto às
janelas, fixamo-las com desenho usual, muito simples, do século XVI e XVII, cujos exemplos tiramos da
própria igreja - nas fotografias das fachadas principal e lateral Norte - e de uma abertura ainda existente
na lateral da capela-mor. Estas janelas, além das esquadrias de madeira, possuíam também grades de
ferro batido.

As Capelas do Santíssimo Sacramento e do Santo Cristo não requerem maior cuidado. Os


degraus do altar na primeira capela foram modificados, vendo-se perfeitamente os indícios da
disposição antiga nos azulejos do século XVII que revestem parte da mesma. Não somos favoráreis à
reconstituição dessa forma anterior - tal restauração, em nada melhora a fisionomia interna da mesma,
sendo a solução atual coerente com a primitiva, ambas possíveis no século XVII. Quanto à abertura de
um vão de passagem entaipado na segunda das capelas, preferimos não o fazer, desde que o nível
atual da capela-mor não permitiria a comunicação entre as duas; depois, nada nos assegura que tal
passagem seja pertencente à fase de existência da capela atual - é provável ter sido comtemporânea
da antiga capela-mor, anterior ao acréscimo desta, movido pelas necessidades de instalação do Cabido,
em 1676-1679.

A sacristia, Sala do Cabido, patamar da escada, inferior e superior, apenas requerem serviço
de conservação e restauração de reboco. O painel de azulejo, hoje assente na parede correspondente
a escada, no patamar, deveria ser mantido no local; não julgamos ser útil seu retorno às paredes das
naves laterais, por desconhecimento da sua antiga posição e porque somente poderia se danificar com
tal remoção. As pinturas do forro de madeira e do retábulo do arcaz, merecem uma restauração.

Externamente, a reconstituição do antigo alpendre seria talvez interessante à composição da


fachada atual do bloco que acomoda todos os cômodos enunciados acima. Também se reconstituiriam
os muxarabis das sacadas do 1º andar.

A confecção de nova coberta, com reconstituição da forma antiga, é imperiosa; a atual


encontra-se bastante danificada.

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A Capela-mor nos deu bastante trabalho. Nada permanecendo da antiga, na atual,
somente poderíamos trabalhar baseados em descrições e fotografia da lateral direita existente no Museu
do Estado e as sondagens no interior do telhado que nos possibilitou algumas conclusões, além do
exame das soluções similares em Portugal. Sendo ainda duvidosa a existência de cúpula com arremates
em cantaria, apenas indicada pelo seu lanternim desde o século dezessete e mesmo no seguinte em
gravuras e pintura - uma segura informação do Cônego Xavier Pedrosa afirmando ter existido; restava
então conciliar um traçado que correspondesse no tanto quanto possível a verdade.

Na atual capela-mor, a cúpula, realizada como dissemos, em estuque armado, elevou-se a


nível acima do da abóbada da nave central, dando ao conjunto uma solução que não deixa de ser
interessante, porém, mais de acordo com o partido de planta de igrejas de fase posterior ao século XVII e
de composição nada coerente aos modelos lusitanos desse tipo construtivo. Em prolongamento da linha
da abóbada da nave central, encontra-se a parte posterior da mesma capela.

Para se chegar a tal composição, removeu-se o arco triunfal antigo, deixando apenas o
arco de descarga, sobre-arco, que acompanha a linha da abóbada da nave, já referida; construiu-se
nesta arcada resultante um capitel de massa, da ordem corintea, similar aos das pilastras da nova
capela. Estes capitéis foram removidos recentemente, deixando-se apenas o entablamento, conforme
fotografia.

Na reconstituição da antiga ousia nos fundamentos nas estruturas, analisando a espessura da


paredes; nos indícios ainda existentes no exterior do antigo telhado e no material já assinalado acima.

Dessa forma, traçamos, com ordenação espacial diferente, como não poderia deixar de ser, a
capela-mor provável do templo. Reabrimos a antiga janela, hoje entaipada e restabelecemos o piso, em
soalho, do primeiro andar do cômodo situado por detrás do altar-mor. Naturalmente a restauração da
capela-mor se enquadra no mesmo caso das capelas laterais -- não poderemos, embora haja noventa
por cento de probabilidade, assegurar tenha sido assim seu risco primitivo. Para evidenciar
suficientemente tal reconstituição se tornaria necessário não apenas possuir fotografias do interior,
provavelmente inexistentes antes de 1911, mas também remover completamente os rebocos internos e
externos e ainda o piso correspondente no monumento. Tais coisas, infelizmente, não foram realizadas e
tivemos de trabalhar a partir de sondagens parciais. (3)

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Através da excelente fotografia do monumento, obtida antes das remodelações procedidas, e do
levantamento do frontispício atual onde foram indicadas as antigas cantarias, foi restabelecido o
desenho da fachada anterior, que possibilitou um confronto entre as duas. Disto resultou verificarmos
que as pilastras, cunhaes e outros pormenores são dispostos no atual monumento na mesma posição
outrora ocupada na velha igreja. Quanto ao pórtico, basta uma rápida análise da superposição dos
desenhos para constatar a diferença entre o existente e o anterior. O óculo deve se encontrar entaipado.

A torre primitiva, a esquerda, apesar de mascarada com reboco e de ter recebido o acréscimo de
concreto armado do grande coroamento, é seguramente reconstituível. Naturalmente, demolida a parte
superior, restaria apenas refazer a pequena cúpula de arremate, cujo desenho é bastante simples -- as
sineiras estão intactas. A fotografia e os indícios ainda remanescentes sob o reboco possibilitam uma
restauração sem grandes problemas.

Quanto ao pórtico, poderíamos, se necessário, realizar outro em idêntico material e desenho -


- para tanto não estariamos fantasiando desde que documentos existem permitindo tudo isso. A
simplicidade do antigo frontispício é dos melhores argumentos em favor da sua reconstituição.

Desse modo, estão perfeitamente definidos todos os elementos necessário à possível


reconstituição do monumento olindense, restando para sua efetivação apenas meios econômicos que
permitam enfrentar tal serviço. Naturalmente não nos cabe dizer do valor de tal empreendimento
no contexto geral da Arquitetura tradicional brasileira, somente salientar ser a velha e tradicional
Catedral de Olinda a única igreja, no Brasil, de caráter ainda Renascentista-maneirista que utiliza um
partido arquitetônico tão em voga no Portugal quinhentista”.

46. Conforme se disse quando do texto sobre a restauração da Igreja de N. Sa. da Graça, em Olinda, a
estrutura do P.C.H. assim exigia com relação ao papel da SPHAN e da SEPLAN-PE na organização
do Programa.

47. Não há certeza de que a cúpula de estuque armado tenha sido de 1911/19, vez que a igreja, teria
um interior com abóbadas de arestas, na nave e capela-mor. Os estuques poderiam ser da reforma de
1936, o que não altera o raciocínio. Na ocasião, pelo valor da capela-mor, então a da antiga matriz, de
planta ao quadrado, prefereriu-se manter tal forma e não aquela que se definiu depois quando da sua
ampliação ao ser elevada à Sé após 1676. A modificação de depois de 1676 residiu na ampliação
abrindo-se o arco formador da parede fundeira e levando-se o altar para mais atraz no sentido de localizar
o cadeiral dos cônegos, ainda existente.

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48. Uma das aberturas de passagem foi encontrada intacta na capela da reforma gótica do lado da rua.

49. A foto, da coleção do médico Sílvio Paes Barreto, ao indicar janelas e porta não era documento
suficiente para demonstrar antiguidade da existência dos vãos. Foram abertos tais vãos, pelo menos
os das janelas, provavelmente quando os altares passaram para a face da parede das naves laterais em um
modismo que atingiu também a Igreja carmelita. Assim a descreve Pereira da Costa. Em Portugal tal
situação também existiu e ela é decorrente do período em que os altares se inseriram em arcadas no
corpo das paredes laterais das naves.

50. Plantas no arquivo da Fundarpe e SPHAN.

51. Da igreja da Sé foram retiradas por empréstimo para uma exposição uma série de pinturas, de
grandes dimensões que ornavam as capelas, seus altares, e o Cabido. Tais pinturas não voltaram para a
Igreja e hoje fazem parte de uma Pinacoteca na cidade de Igaraçú . A Pinacoteca, que se enriqueceu em
detrimento da Igreja de Olinda, tem da Sé os seguintes quadros, óleo sobre madeira :

a) Duas representações da Via Sacra;


b) Trecho de uma Terceira
c) Santa Quitéria, Venerável Martir;
d) São Miguel Arcanjo;
e) Conversão de S. Justino;
f) Seis grandes paineis:
Bem aventurado João Sarcander;
S.Abdecasas M. Conego;
São Otaviano Arcediago,Martir;
Bem-aventurado Olegario Arcbo;
Santo Estamilao Polono Bispo Martir.
Sào João Nepomuceno. Martir. C.

Não entendemos porque tais paineis não voltaram para a igreja.

O Museu Regional de Olinda, possue, adquiridos pela Universidade Federal de Pernambuco,


dois paineis de azulejos que ornamentavam a nave da Igreja. O mesmo Museu tem, instalado, um dos
retábulos de madeira da Sé .

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Também não sabemos porque permanecem, estando a Sé restaurada, no Museu esses elementos
ornamentais.

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Arqueologia e Restauração

Estes Textos resultaram de uma pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional


de Pesquisa - CNPQ, Brasil, entre 1990 e 1994. A pesquisa foi realizada pelo
arquiteto, professor de história das Artes e da Arquitetura da Universidade
Federal de Pernambuco José Luiz Mota Menezes.

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