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O início da colonização no Brasil decorreu do projeto governamental português de ocupar a terra então
descoberta, através da povoação dos pontos estratégicos para garantir sua posse e, portanto, sua explo-
ração econômica. A função religiosa desempenhou papel essencial nesse processo colonizador, não ape-
nas pelo significado religioso que representou em seu tempo, decorrente da expansão da Contra-
reforma no continente americano, mas também funcionando como elemento que iria permitir o estabe-
lecimento de um novo sistema de valores culturais junto ao povo autóctone.
1
SILVEIRA, Jorge Roberto. [Apresentação] In: NITERÓI. Restauração da Igreja de São Lourenço dos Índios.
Niterói: Prefeitura de Niterói; Ministério da Cultura, 2001.
2
BAZIN, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [1983], v. 2, p. 148.
3
Idem.
4
Entende-se por campanário a “torre de uma igreja onde os sinos são colocados. Destinava-se também, antiga-
mente, para fins de observação e alarme” Cf. REAL, Regina M. Dicionário de Belas-Artes: termos técnicos
e matérias afins. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962.
5
O lado “direito” do templo é aquele do Evangelho, ou seja, aquele em que se situa o púlpito. O lado “esquer-
do”, por sua vez, é o lado oposto e é denominado de Epístola.
6
Retábulo é uma palavra egressa do castelhano retablo – “atrás da mesa”, literalmente. A palavra “mesa”. apli-
cada no sentido religioso, significa “altar”. O retábulo, portanto, é aquela peça entalhada em madeira, escul-
pida em pedra ou pintada sobre qualquer superfície, que fica atrás dos altares. Os retábulos, com freqüência,
possuem um ou mais nichos, que são reentrâncias abobadadas onde ficam as imagens dos santos, à frente
dos quais os fiéis ajoelham-se para rezar. Na tradição católica, todo altar possui uma pedra, esteja ela apa-
rente ou não, que é considerado o lugar sagrado daquela.
7
O mesmo que capela-mor.
8
Parede, normalmente adornada, que separa a nave central do presbitério ou capela-mor.
9
Colunelos são colunas de pequena dimensão. Chama-se coluna qualquer pilar de seção circular. A pilastra, por
sua vez, é um pilar integrado parcialmente ao plano de uma parede.
10
NITERÓI. Restauração da Igreja... p. 6
11
Ibidem, p. 7 O catálogo afirma, todavia, que a imagem é portuguesa. Cf. Ibidem, p. 9
12
BAZIN, Germain. Op. cit. p. 157, v. 2.
13
CARVALHO, Anna Maria Fausto Monteiro de. Utopia e realidade: Real Colégio de Jesus da Cidade de São
Sebastião do Rio de janeiro. In: ______. (org.) A forma e a imagem. Rio de Janeiro: PUC – Rio, [s./ data]
14
BAZIN, Germain. Op. cit., p. 157. v. 2. Por conta dessa informação, o eminente historiador da arte francês
aproxima a execução desse retábulo ao ano de 1619, quando então chegaram as imagens.
15
Relicário é uma peça onde se expõe algum vestígio material (osso, fio de cabelo, dente, do de roupa etc.),
também chamado de relíquia, de um santo, com o fim de ser adorado pelos fiéis. A imagem-relicário tem
forma antropomórfica, obedecendo à iconografdo santo. Por exemplo, uma imagem-relicário de São Lou-
renço teria que aparecer com uma palma e uma grelha.
––––!"––––
Figura 20 - Busto relicário Santa Apolônia, barro cozido avermelhado,
séc. XVII, 58 x 33 cm, (São Paulo)
Os jesuítas, que tinham um trabalho mais voltado para
a formação espiritual do povo indígena, expunham as
relíquias à curiosidade religiosa do fiel. Os beneditinos,
por sua vez, que não tinham, nos tempos coloniais, es-
sa função de ensino e de conversão do gentio, utiliza-
ram a relíquia fora do culto popular. A capela das relí-
quias do mosteiro beneditino do Rio de Janeiro, que se-
rá visto mais à frente, encontra-se na clausura e não
está acessível aos fiéis.
A igreja jesuítica não possuía deambulatórios, desem-
penhando, os retábulos devotados a Nossa Senhora da
Conceição, o papel de expor as relíquias ao fiel. Passava
ele assim a apresentar essa forma peculiar, distinguin-
16
Cf. WOELFFLIN, Henrich. Conceitos fundamentais de História da Arte.
Figura 23 - Igreja de Nossa Senhora da Assunção em Reritiba, atual Anchieta (ES). No quadro menor, a fachada
depois da restauração. A edificação ainda estava em construção no ano de 1597. A foto foi retirada do livro “Ar-
te no Brasil”, onde escrevem Carlos Lemos e José Roberto Teixeira Leite.
A igreja é ladeada pelo conjunto jesuítico, com colégio e
residência. A torre sineira, com uma passagem na base
em arco pleno, constitui-se em exemplo raro na nossa
arquitetura religiosa. Seu arremate17 é na forma de
meia-laranja, constituindo-se, assim, numa evolução
das formas tradicionais dos arremates piramidais dos
coruchéus típicos dos anos iniciais da colonização. Mais
à frente, serão vistos alguns campanários com arrema-
tes piramidais existentes em outras igrejas brasileiras.
Nessa edificação capixaba viveu seus últimos dias o Pa-
dre José de Anchieta (1534-1597), personagem tão pou-
co lembrado na história brasileira, apesar de sua impor-
tância. Foi ele o fundador da aldeia jesuítica que tinha
essa igreja como sede religiosa.
17
O arremate de uma torre sineira (torre onde fica o sino), também chamada de campanário, ganha o nome de
coruchéu, quando tem a forma de um cone, pirâmide ou pináculo.
Salvador
Em 1577, um padre jesuíta vindo de Lisboa, onde atua-
ra na construção da Igreja de São Roque, aportava em
Salvador, para projetar e coordenar os trabalhos de
construção da Igreja e Colégio dos Jesuítas. Chamava-
se ele Frei Francisco Dias (1535-1632), a quem se deve
atribuir o risco de várias outras edificações jesuíticas
dessa época: a igreja e colégio de Salvador, como tam-
bém as edificações religiosas do Rio de Janeiro, de San-
tos e de Olinda. Apesar das várias solicitações que fize-
ram ao Geral da Ordem, para que o irmão Francisco
Dias voltasse a Portugal, ficaria ele no Brasil para “a-
prazimento dele próprio”19, até sua morte, aos 95 anos
de idade.
A igreja de Salvador tem referência direta na Sé Nova de
Coimbra, que em vários aspectos se assemelha à igreja
projetada por Frei Francisco Dias. Na catedral de Sal-
vador, predominam os partidos retilíneos, bem marca-
dos pelas pilastras, cunhais e cornijas.20
19
LEITE, Pe. Serafim. Apud. TOLEDO, Benedito Lima de. Do séc. XVI ao início do XIX: maneirismo,. barroco
e rococó. In: ZANINI. Walter. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Fundação Walter Moreira Sal-
les, 1983. p. 125.
20
Pilastras são elementos estruturais verticais, de seção quadrada ou retangular, incorporados parcialmente ao
pano da fachada de um edifício. Os cunhais são as pilastras situadas nos cantos da edificação. As cornijas,
por sua vez, são acabamentos salientes horizontais situados na parte superior do edifício ou na altura dos pi-
sos dos andares que formam o imóvel.
Pernambuco
Uma edificação de suma importância para se estudar a
História da Arte brasileira em seus momentos primevos
é a Igreja dos Santos Cosme e Damião, localizada em
Igaraçu (PE). Erigida em 1548 – é considerada a igreja
mais antiga do Brasil –, foi bastante danificada na épo-
ca da invasão holandesa. Sendo recuperada após a ex-
pulsão desses, ganhou acréscimos típicos do século
XVIII em sua fachada principal.
O IPHAN promoveu um trabalho de investigação docu-
Retratos da terra
Pintura e gravura no Brasil colonial
Durante a fase colonial, poucos foram os registros feitos por brasileiros ou por estrangeiros em rela-
ção à terra, à sua fauna e à sua flora, ao povo e aos seus costumes. Por causa da Contra-reforma, a
ênfase da produção artística feita na Colônia era voltada para a arte sacra. As pinturas de paisagens
ou de retratos, naturezas-mortas e coisas assim não era a regra. Mesmo os artistas que produziram
esse tipo de trabalho, como é o caso de Frans Post, carrearam sua produção para o público estrangei-
ro, não para o local. Não havia uma concepção de arte feita para ser consumida durantes os primei-
ros séculos da colonização.
Aspectos históricos
Não há muitos registros da paisagem colonial brasileira.
Percebem-se algumas razões para isto. Por um lado, os
objetivos de Portugal eram a exploração da terra e a
conquista das almas para a causa cristã. Não havia es-
paço para a pintura de paisagem neste contexto. O fato
também se repetia na Europa. A pintura de paisagem se
desenvolveu mais no norte da Europa do que no sul,
onde a presença da influência católica era maior. Os
grandes paisagistas da era barroca viviam na Flandres
protestante.
Além disso, a pintura de paisagem, de certa forma, po-
deria servir de boa referência iconográfica para estran-
geiros e, assim, facilitar a orientação daqueles que qui-
sessem-se aventurar por estas terras. Isso não ocorria
só no Brasil, mas em vários lugares do mundo e em di-
versas épocas. O pintor João Batista Castagneto, por
exemplo, viria a ser preso, em pleno século XIX, por es-
tar pintando uma cena do porto de Toulon, área consi-
derada estratégia pelo governo francês. As preocupa-
ções com uma colônia como o Brasil eram muito gran-
des.
Por fim, a pintura de paisagem não deixava de ser uma
Figura 1 – Georg Marcgraf. forma de enaltecimento nativista da terra e de seu povo,
Mandioca, xilogravura, publica- o que também não interessava ao elemento dominador,
da Historia Naturalis Brasilae cioso em manter a hegemonia sobre a terra conquista-
da. É importante lembrar que, tão logo terminasse a fa-
Jean de Léry
Por esta razão, os primeiros registros visuais da terra
brasileira não seriam portugueses, mas franceses e ho-
landeses. Jean de Léry, calvinista que esteve no Brasil
em 1555, escreve uma Histoire d’um voyage fait em la
terre du Brésil, onde aparecem imagens primevas da
terra brasileira. Observe-se que a paisagem que se vê
abaixo é totalmente esquemática, tendo função mais
cartográfica do que propriamente estética.
André Thevet
André Thévet (1502-1592) é o autor de Les singularitez
Figura 3 - André Thevet. O fumo. (Portrait de l'herbe Petu ou Angoulmoisine). 1555, xilogravura, 13,8 x
16,3 cm. Livro XXI, v. 2, p. 927.
Figura 7 - Frans Post. Igreja de São Cosme e São Damião, 1637. Óleo sobre madeira, 33,4 x 41,4 cm.
Museu Nacional de Belas-Artes/IPHAN/MinC
1 LEITE, José Roberto Teixeira. Os pintores de Nassau. In: ZANINI, Walter. História Geral da Arte no
Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. v. 1. p. 353 e 354.
Figura 8 - Frans Post. Olinda, 1937, óleo sobre tela. 79 x 111,5 cm.
Col. Museu Nacional de Belas-Artes, Iphan/MinC.
Albert Eckhout
Figura 11 - Albert Eckout. Dança dos tapuias, 1641-3, óleo sobre tela, 168 x 294 cm.
Figura 13 - Albert Eckout. Batalha dos animais, tapeçaria, col. particular (Rio de Janeiro)
Georg Marcgraf
Não se pode deixar de se fazer a necessária referência
ao trabalho não do artista, mas do naturalista Georg
Marcgraf (1610-1644), uma alemão que veio na comitiva
de Nassau e que trabalhou denodadamente durante sua
estada no Brasil. Marcgraf teve vida curta e, como se ti-
vesse conhecimento de que dispunha de pouco tempo,
produziu imensamente no terreno das ciências natu-
rais, utilizando a arte como um acessório para seu tra-
balho de cientista.
Figura 14 - Georg Macgraf. Engenho, xilogravura In: Historia Naturalis Brasilae. Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro
Y.Z
Considerações finais
As pinturas produzidas por Frans Post sobre a paisa-
gem brasileira, bem como os trabalhos de Albert Eckout
e os de Georg Marcgraf sobre nossas frutas, bichos e
gentes do Nordeste seiscentista constituem em rico tes-
temunho sobre a civilização do açúcar em meados do
século XVII. São obras de arte cuja importância, em to-
dos os casos, suplanta o sentido estritamente artístico e
apresenta-se como uma importante fonte para o histo-
riador contemporâneo. Valem, portanto, como fontes
documentais para se compreender como era a paisa-
gem, a natureza, os costumes e as pessoas que ajuda-
ram a fazer o Brasil da maneira como é hoje.
O trabalho de Frans Post deve ser visto também como
uma produção artística de relevância internacional.
Como pintor de paisagem, Post pertence a uma geração
de artistas que marcaria o paisagismo setentrional com
uma produção rica e criativa. São paisagens feitas com
detalhes que se sobrepõem, numa tentativa de criar
ambientes naturais idealizados e mágicos, apesar do
vocabulário extremamente detalhista do pintor.
Bibliografia
BARATA, Mário. Significado da Missão Nassau: Post e
Eckout. Brasil açucareiro, Rio de Janeiro, v. 72, 1968.
BENISOVICH, Michel. Os primeiros pintores do Brasil.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.
230, p. 442-7, jan./mar. 1956.
LEÃO, Joaquim de Sousa. Frans Post: seus quadros
brasileiros. Rio de Janeiro: Tipografia Mercantil, 1937.
LEITE, José Roberto Teixeira. Os pintores de Nassau.
In: ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil. São
Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. p. 347-
375, v. 1.
SCHAEFFER, Enrico. Albert Eckout, um pintor holan-
dês no Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional, T. 20,
1968.
VALLADARES, Clarival do Prado. Albert Eckout. Rio de
Janeiro: Recife: Livroarte, 1981.
Atenção:
Esta é uma apostila produzida por Marcus Tadeu Daniel Ribeiro, destinada a subsidiar pe-
dagogicamente o trabalho de ensino de História da Arte. Seu uso é restrito a seus alunos,
estando seu uso e sua divulgação vedados sob todas as formas e meios, materiais ou digi-
tais, especialmente através da Internet. Este documento está protegido pela Lei n. 9.610, de
19 de fevereiro de 1998, que consolida a legislação sobre direitos autorais.
O triunfo da fé
Prof. Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
Após a expulsão dos holandeses, volta a supremacia portuguesa sobre o desenvolvimento colonial bra-
sileiro. É uma época em que a arte cresce sob o apogeu da cultura do açúcar e, em seguida, do início da
exploração do ouro em Minas Gerais. Ela serve de maneira plena ao triunfo da Igreja Católica no Bra-
sil, produzindo grandes obras de arte, mais ou menos entre meados do séc. XVII até 1763, quando a
sede do Vice-reinado é transferida para o Rio de Janeiro. Alguns observadores chamam esta etapa de
período monumental da fase colonial.
Aspectos históricos
Após a expulsão dos holandeses, segue-se uma etapa
de pujança econômica para a mais rica colônia portu-
guesa. O ciclo do açúcar é retomado e a descoberta de
grandes jazidas de ouro, no final do século XVII, daria
um novo rumo à economia do Brasil e de Portugal.
Cidades como Olinda, Salvador, São Luiz, Parati vão
num crescer de desenvolvimento. A arquitetura verna-
cular adquire a sua personalidade. A arte sacra ganha
novo impulso, e edificações religiosas importantes são
erguidas em vários núcleos populacionais do Brasil.
Figura 1 - Relevo do Convento Nesse contexto, surgem edifícios típicos da administra-
franciscano de Nossa Senhora
ção portuguesa no Brasil, como é o caso das casas de
dos Anjos (Penedo, AL)
câmara e cadeia.
É dessa época também a assinatura de vários tratados
internacionais (Tratado de Santo Ildefonso, Tratado de
Madri), dando conta dos limites da América Portuguesa,
tão disputados entre Portugal e Espanha. Com isto, di-
versifica-se e desenvolve-se a arte da construção de for-
talezas.
A pujança econômica, no entanto, será o novo elemento
identificador da arte deste período, que adquirirá uma
dimensão monumental. Trata-se da fusão entre uma
demanda de natureza espiritual, pois que é desta fase o
momento de maior propaganda dos doutrinadores cris-
Os conventos franciscanos
Em sua obra A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil,
Germain Bazin assinala que, enquanto a arquitetura je-
suítica reproduz, na colônia portuguesa, os modelos e
partidos dos tratadistas europeus, a arquitetura fran-
ciscana obtém soluções inéditas e criativas, constituin-
do-se numa verdadeira escola de construtores dessa or-
dem. Especialmente os conventos situados entre Salva-
dor e João Pessoa, onde a economia do açúcar forneceu
condições materiais mais efetivas ao desenvolvimento
artístico, pode-se encontrar a mais genuína arquitetura
barroca de dimensão monumental, com soluções autóc-
tones.
Cronologia
O convento de Salvador é fundado em 1587 e remode-
lado em 1686. Depois veio o de Igaraçu (Pernambuco),
feito em 1588 e reconstruído numa obra que se iniciaria
em 1661 e se estenderia até 1693. O de João Pessoa
(Paraíba) data de 1590, tendo sido reformado no início
do século XVIII, já com gosto rococó. O de Vitória (Espí-
rito Santo) é de 1591 e o do Rio de Janeiro, de 1606,
mesmo ano em que se constrói o de Ipojuca (Pernambu-
co), que será refeito em 1654. O da Vila de São Francis-
co, na Bahia, data de 1629 e o de Serinhaém (Pernam-
buco) é do ano seguinte, o qual será remodelado em
1654. Em Santos é fundado um em 1639. Na Bahia, o
de Cairu, que é de 1650, será remodelado a partir de
1654. O de Nossa Senhora da Penha (Espírito Santo)
data de 1650 e o de Itanhaém (São Paulo) é de cinco
anos depois. Em 1658 funda-se a ordem franciscana
em São Cristóvão (Sergipe), mas é de 1693 o início efeti-
vo da construção do atual imóvel que lá se encontra.
Em Penedo e em Marechal Deodoro (Alagoas) a ordem
se estabelece em 1660, sendo de 1682 o início da cons-
trução do cenóbio* de Penedo e, de 1684, o de Marechal
Deodoro.
Figura 4 - Teto da nave da igreja do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda (PE)
Características
Frontispício* – Dá-se o nome de frontispício ou fronta-
ria* à fachada principal de um edifício, seja ele religioso
ou não. Observe-se a fachada do Convento de Nossa
Senhora das Neves, que apresenta traços muito peculi-
ares, existentes em praticamente todos os edifícios reli-
giosos dessa ordem. A presença da galilé*, cuja portada
é encimada por arcos plenos, é uma constante nos con-
ventos franciscanos. Notam-se também janelas no coro
de cima*, arrematadas por sobrevergas* adornadas ao
Figura 5 - Convento de São Cris-
gosto barroco. Esta parte da fachada costuma ser en-
tóvão (SE) quadrada por duas aletas* curvilíneas, que ajudam a
conferir o gosto gracioso da arquitetura barroca. O fron-
tão superior é igualmente curvilíneo, em cujo tímpano*
vê-se um nicho*, onde figura uma imagem de Nossa
Senhora1. Os pináculos*, com seu aspecto pontiagudo,
encontram-se espalhados em meio à parte mais alta do
edifício e ajudam a conferir um gosto adorno das solu-
ções barrocas. O frontispício do Convento de Nossa Se-
nhora dos Anjos (Penedo, AL) não possui pináculos e o
tímpano do frontão tem um relevo da ordem.
1 É comum encontrar-se também nos tímpanos barrocos um pequeno óculo*, que pode ser circular ou
polilobado e se destina a facilitar a ventilação do templo.
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 6
2 O Convento de Nossa Senhora das Neves (Olinda, PE) apresenta uma única torre sineira, que se en-
contra deslocada do pano da fachada, estando sua visibilidade nesta foto encoberta pelo frontão
curvilíneo da fachada.
3 Os coruchéus piramidais são característicos da fase anterior, quando preponderaram as soluções
maneiristas, austeras por excelência.
4 TOLEDO, Benedito Lima de. Do século XVI ao início do século XIX. In: ZANINI, Walter. História Geral
da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. p. 140, v. 1
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 7
5 BAZIN, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [1983]. v. 1, p. 151.
6 Cf. LEVY, Hannah. A propósito de três teorias sobre o Barroco. Revista do Serviço do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, Ano 5, 1941. p. 259-284
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 8
O frontispício dessa
igreja é posterior à ta
de sua reforma, feita
na segunda metade do
século XVII. Parece
tratar-se de uma re-
formulação levada a
efeito de forma tardia
em pleno século XVIII.
O frontão superior,
adornado com as volu-
tas, tem no meio um
óculo* emoldurado por
adornos circulares e
concêntricos, que simu-
lam os raios do sol.
O cruzeiro do Con-
vento de Nossa Senho-
ra dos Anjos é o menor
dentre todos os con-
ventos dessa ordem.
Esse convento fica
localizado na cidade
de Penedo, às margens
do Rio São Francisco,
bem na divisa entre
Sergipe e Alagoas.
Y.Z
Figura 10 - Convento de Nossa Senhora dos Anjos (Penedo, AL)
8 Além do Frei Francisco dos Santos, a historiadora da arte Sandra Alvim, que fez exaustivos estudos
sobre a arquitetura religiosa brasileira, informa que foram também autores do projeto os frades Vi-
cente de Salvador, Estêvão dos Anjos e Antônio do Calvário. Cf. ALVIM, Sandra. Arquitetura religi-
osa colonial..., pág. 193
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 15
10 Pág. 308
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 18
pela do Noviciado.
A igreja seria seriamente prejudicada por vários anos de
quase total abandono, provocado pelo declínio desta
como de várias ordens religiosas no Brasil. O trabalho
de restauração que vem sendo desenvolvido pelo IPHAN,
em parceria com entidades da iniciativa privada, permi-
tiu a restituição do bem à sociedade brasileira, com o
resgate de seus elementos originais e da feição artística
tal qual havia sido imaginada por seus idealizadores.
A escolha do local
Aos monges beneditinos foi oferecido um terreno nessa
mesma praça, além de todas as facilidades que quises-
sem. Mas eles decidiram pela implantação do Mosteiro
num local mais afastado do convívio com a cidade, que,
Figura 20 - Página do canto a esta época, praticamente se resumia ao espaço do
gregoriano da oração de morro do Castelo. Assim foi que os beneditinos se insta-
Vésperas laram no Morro de São Bento. Anota Dom Clemente da
Silva-Nigra, monge beneditino e especialista na história
dessa edificação religiosa, que tal escolha obedeceu ao
desejo de privacidade pretendido pelos religiosos.
Os mosteiros, na Europa medieval, ficavam sempre em
lugares afastados do convívio das aldeias e das concen-
trações populacionais de uma maneira geral. As ordens
monacais eram, neste ponto, diferentes das ordens
mendicantes, que foram surgindo exatamente nos bur-
gos e nas cidades durante os últimos séculos da Idade
Média, procurando levar assistência espiritual à popu-
lação que ali residia. Os beneditinos tinham uma tradi-
ção bem diferente: eram auto-suficientes e procuravam
lugares onde eles pudessem construir não apenas o seu
lugar de oração e de meditação, mas também de sobre-
vivência material.
Por isso, os beneditinos não quiseram ficar no local on-
de hoje se encontra a igreja do Carmo e a da Ordem
Terceira do Carmo. Ocuparam então o morro de São
Bento, que ficava distante do Morro do Castelo e, por
11 ROCHA, D. Mateus Ramalho. A igreja do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Rio, Studio HMF;
Lúmen Christi, 1991, pág. 14
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 21
Figura 24 - Mapa da cidade do Rio de Janeiro, onde aparece o Mosteiro de São Bento
da em 1858.
Frei Domingos da
Conceição é um nome
que, apesar de pouco
conhecido, deve ser vis-
to como um dos mais
importantes artistas a-
tuantes no Brasil do séc.
XVII.
Esta imagem, atual-
mente em poder de um
colecionador paulista,
toda entalhada em ma-
deira, mede 200 x 135 x
25 cm e demonstra um
conhecimento da arte do
entalhe, um domínio
grande sobre anatomia
e uma formação sólida
do artista em desenho.
O movimento desse
Cristo ressurreto enqua-
dra-se no gosto barroco,
que valorizava as solu-
ções dinâmicas, aqui
percebidas tanto na i-
déia de instantâneo de
um movimento flagrado
pelo artista, quanto
também na disposição
do corpo, com braços
postos em numa diago-
nal.
Y.Z
Figura 33 - Domingos da Conceição Cristo da Ressurreição.
Figura 34 - Interior da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate. Notar a unidade que a obra de talha
confere ao interior do templo.
A Capela-mor da Igre-
ja de Nossa Senhora de
Monserrate foi refeita na
segunda metade do sé-
culo XVIII por Inácio Fer-
reira Pinto. A talha anti-
ga,de Domingos da Con-
ceição, possuía um gosto
barroco à maneira da
talha existente nas duas
capelas falsas, situadas
logo no início da nave
central. Essas capelas
têm um gosto próximo
ao chamado “estilo na-
cional português”. A o-
bra de Inácio Ferreira
Pinto, todavia, já apre-
senta um gosto mais
leve, com um arremate
superior típico da se-
gunda metade do século
XVIII (Dona Maria), ca-
minhando muito proxi-
mamente do estilo Roco-
có.
No teto da capela-mor
há pinturas do Frei Ri-
cardo do Pilar, ativo no
Rio de Janeiro no séc.
XVII.
As pinturas
No teto da capela-mor, vêem-se pinturas de Frei Ricar-
do do Pilar, importante pintor de origem alemã ativo na
segunda metade do século XVII no Rio de Janeiro. As
imagens referem-se às aparições da Virgem Maria aos
vários santos beneditinos. A presença da clarabóia bem
no meio da abóbada da capela-mor impôs a elaboração
de uma solução de pintura onde não se pôde fazer uma
imagem apenas, mas várias.
A principal pintura existente no Mosteiro de São Bento
executada pelo Frei Ricardo do Pilar encontra-se na sa-
cristia, inserida num retábulo riquissimamente ornado
com obra de talha em “estilo nacional português”. O re-
tábulo pode ser considerado como o mais típico da obra
de talha barroca, tanto no Brasil como em Portugal. O
nome decorre das remissões que ele faz às portadas das
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O triunfo da fé 33
Figura 37 - Baldaquino de
Bernini (fonte Wikipedia)
Considerações finais
O Mosteiro de São Bento constitui-se numa obra de arte
cuja importância não se resume apenas à beleza de sua
arquitetura, de sua obra de talha, pintura ou escultura,
tomadas isoladamente. Sua riqueza artística deve ser
vista em seu todo, em que cada elemento se integra à
representação de uma idéia – o Barroco –, construída
lentamente ao longo de vários anos. Foi esse o estilo ar-
tístico que testemunhou a formação cultural do povo
brasileiro: exuberante, sensível e assinalado por con-
tradições.
Y.Z
Bibliografia
ALVIM, Sandra. Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de
Janeiro: revestimentos, retábulos e talhas. Rio de Janei-
ro: Editora UFRJ: Minv-IPHAN: Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro, 1997.
______. Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de Janeiro:
plantas, fachadas e volumes. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ;
IPHAN; Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1999.
Vol. II
BARATA, Mário. Igreja da Ordem Terceira da Penitência.
Rio de Janeiro, Agir, 1975.
Glossário
Aleta – Acabamento curvilíneo colocado nas laterais de
um frontão, com o intuito de diminuir-lhe o aspecto du-
ro e seco provocado pelos ângulos retos da fachada.
Alpendre – Cobertura saliente, feita em telhas apoiadas
sobre madeiramento estruturado em treliça, que se a-
póia, por sua vez, de um lado, no pano da fachada e, de
outro, em pilares ou colunas.
Altar – Na tradição judaico-cristã, mesa sagrada em
frente à qual o sacerdote promove ritos religiosos ou
onde os fiéis rezam ou depositam oferendas ao santo ou
a Deus.
Adro – Pátio que circunda um edifício, seja ele religioso
ou não. Nas igrejas, chama-se adro o pátio que fica em
frente à fachada principal.
Campanário – O mesmo que torre sineira, ou seja a tor-
re de uma igreja onde os sinos são colocados.
Cantaria – As obras de cantaria são os trabalhos feitos
em pedra destinados a servir de elementos estruturais
numa construção.
Capitel – Arremate superior de uma coluna, normal-
mente adornada com folhas de acanto, ábacos, volutas
etc., cuja análise permite identificar-se a que ordem ar-
quitetônica pertence a coluna. Nas ordens gregas, têm-
se capitéis dóricos, coríntios e jônicos. Nas ordens ro-
manas, têm-se capitéis toscanos e a compósitos. A or-
dem toscana foi uma das mais usadas pelos artistas do
Renascimento e do Barroco.
Cenóbio – Nome genérico dado a qualquer lugar cons-
truído para abrigar comunidades religiosas reclusas,
dedicadas à vida de oração, trabalho e contemplação.
Mosteiros, destinados à habitação de monges, e conven-
tos, específicos dos religiosos de ordens mendicantes,
podem ser citados como exemplos de cenóbios.
Coluna – Qualquer suporte vertical de seção circular,
sobre o qual se apóiam vigas, frisos, arquitraves, corni-
jas ou outros elementos estruturais horizontais quais-
quer. As colunas são formadas de base (às vezes apoia-
da sobre um pedestal), fuste* e capitel.
Cornija – Moldura saliente horizontal, que pode ser re-
tilínea ou curvilínea, para marcar a presença dos pavi-
mentos das edificações. As cornijas superiores dos edi-
fícios têm por função conduzir o escoamento da água da
chuva, de forma a não a deixar escorrer pela fachada, o
que provoca umidade e manchas. As cornijas também
podem ser simples arremates superiores e horizontais
Índice
Aspectos históricos ........................................................................ 1
Os conventos franciscanos ............................................................. 2
Características ......................................................................... 5
O convento franciscano de Salvador ......................................... 9
As igrejas todas de ouro ................................................................13
O Convento e Igreja de Santo Antônio e a Igreja da Ordem
Terceira da Penitência do Rio de Janeiro .................................13
O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro..............................19
Bibliografia ...................................................................................36
Glossário ......................................................................................38
Índice............................................................................................40
Créditos ........................................................................................40
Créditos
Fotografias do Mosteiro de São Bento: A pintura oval e a
do Nosso senhor dos Martírios são de Paulo Conceição.
Atenção:
Esta é uma apostila produzida por Marcus Tadeu Daniel Ribeiro, destinada a subsidiar pe-
dagogicamente o trabalho de ensino de História da Arte. Seu uso é restrito a seus alunos,
estando sua divulgação vedada sob todas as formas e meios, materiais ou digitais, especi-
almente através da Internet. Este documento está protegido pela Lei n. 9.610, de 19 de feve-
reiro de 1998, que consolida a legislação sobre direitos autorais. ©
A descoberta da terra
Escultura, pintura, obra de talha e arquitetura
(1763-1822)
A segunda metade do século XVIII e início da centúria seguinte é um momento extremamente rico e
diversificado para a arte brasileira. Nessa fase, vários estilos convivem: o Barroco se despede, ao mesm
o tempo que a Igreja deixava de ser um instrumento da Contra-Reforma; o Rococó se afirma como esti-
lo majoritário, alindando o interior de diversas igrejas cariocas e mineiras, numa época em que as ir-
mandades leigas têm papel de destaque na sociedade; no Pará, no Rio e na Bahia começam a aparecer,
ainda que de maneira tímida, dois novos estilos, que são o Pombalino e o Neoclássico, que serão vistos
no próximo segmento. É uma época importante, onde pontificam nomes relevantes da arte, num mo-
mento histórico que a colônia se vê inundada de recursos provenientes da exploração do ouro em Mi-
nas Gerais e quando também inicia um lento movimento de construção de uma identidade do povo
brasileiro.
Preliminares históricos
Ilustração 2 – Ponte da Caveira, próxima a entrada de Lavras Novas, em Ouro Preto, situada na Estrada Real
(Foto Tharcio Oliveira, fonte Wikipedia)
A economia do ouro gerou alterações profundas no pa-
norama econômico e administrativo luso-brasileiro: no-
vos caminhos foram abertos para o escoamento da pro-
dução do ouro, como também para melhor suprir as
necessidades de abastecimento interno da região; o cen-
tro de interesse da colônia deixou de ser o Nordeste a-
çucareiro, passando a se concentrar nas Minas Gerais;
o Rio de Janeiro torna-se um local estratégico para o
controle do escoamento do ouro, transformando-se as-
sim na nova capital da colônia, o que lhe causaria um
notável desenvolvimento urbanístico.
Nesta fase, a Igreja não tem mais a mesma função soci-
1
BURY, John. Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. São Paulo: Nobel, 1991. p. 16.
Do Barroco ao Rococó
Minas Gerais
Ilustração 11 - Anjo, Francisco Xavier de Brito, Igreja de Nossa Senhora do Pilar (Ouro Preto, MG)
Há um encantamento no olhar daquele que se volta
mais de perto para o retábulo da capela-mor da Igreja
de Nossa Senhora do Pilar. Tudo ali é riqueza de com-
posição, requinte, bom gosto, esmero no trabalho de en-
talhamento da madeira, de douração de seus adornos e
conhecimento profundo da técnica da torêutica. Na o-
bra, prevalecem movimentos barrocos impetuosos por
excelência, e os motivos fitomórficos, que se espalham
em profusão pela superfície do retábulo, que adornam a
base das peanhas onde se apoiam os anjos, que sobem
pelo fuste* espiralado do colunelo salomônico*. Tudo ali
é movimento e sensibilidade. Há também conhecimento
acurado de anatomia. Veja-se, por exemplo, o anjo ajoe-
lhado ao centro da foto, com uma policromia que o dis-
tingue dos demais. Sua atitude orante, expressa na po-
sição do corpo e dos braços em louvação, lembra-nos
Ilustração 12 - Retábulo lateral da aquela teatralidade de que tratamos ainda há pouco.
Ig. N. Sr.ª do Pilar
Na igreja de Nossa Senhora do Pilar podem ser encon-
tradas obras de outros autores do final do século XVIII
ou início do XIX. Veja-se, por exemplo, a extraordinária
Nossa Senhora da Piedade, feita a partir do modelo ita-
liano criado pelo gênio de Michelangelo Buonaroti. O
movimento é idêntico ao da escultura original, com a
2
Atrás de Nossa Senhora, à direita da foto, vê-se um fragmento da pia batismal.
O elemento nacional
Ilustração 17 - Retábulo capela-mor Ig. da Ordem Terceira de N. Sr.ª das Mercês, Sabará (MG)
––––––––
3
Na Bahia não houve esse tipo de esgrafito, por ser mais escasso e, portanto, caro o comércio de ouro naquela
região. Todavia, a policromia baiana foi uma das mais criativas do Brasil, com uma diversidade de cores e
soluções inteiramente inovadoras para o artista da época.
4
Cf. BAZIN, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [1982]. p. 92-3. v. 1
Ilustração 26 - Teto da Ig. São Francisco de Assis de Ouro Preto, por Manuel da Costa Ataíde (1775)
Ilustração 27 - Os Passos da Paixão da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas do Campo (MG)
Diante da paisagem do Santuário de Bom Jesus, o via-
jante se dirige instintivamente aos Passos da Paixão, a
espreitar seu interior. Lá dentro, ele vê imagens escul-
pidas por Aleijadinho e pintadas por Ataíde. No dia de
nossa visita ao lugar, as obras se encontravam sendo
acondicionadas para fins de proteção. As esculturas de
Aleijadinho são hoje muito requeridas pelos museus es-
trangeiros, que as pedem em empréstimo à cúria dioce-
sana e ao governo brasileiro para participarem de mos-
tras no exterior. Essa prática tem ajudado a difundir a
arte brasileira no exterior, mas tem-se revelado também
danosa ao próprio patrimônio cultural brasileiro.
Ilustração 28 - Esculturas de Aleijadinho num dos Passos da Paixão (Santuário de Bom Jesus de Matosinhos,
Congonhas do Campo, MG)
O Brasil tem uma legislação destinada a impedir a ex-
portação de obras de arte relevantes para o estrangeiro.
Além do Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, que
impede a saída de obras tombadas, há também a lei
4.845, de 19 de novembro de 1965, que proíbe a saída
de obras produzidas no Brasil até o fim do período mo-
nárquico ou incorporadas dentro desta mesma época.
Como parecerista do IPHAN, tive oportunidade de anali-
sar, entre vários casos, o de um empréstimo de trabalhos
de Aleijadinho que acabavam de ser restaurados e iam
para uma exposição no Vaticano. O Conselho Consultivo,
que analisou o caso, promoveu acesa discussão sobre o
assunto e, em decisão inédita, negou a saída das obras,
após votação acirradíssima.
A discussão abordou a questão do desfalque à unidade
barroca que tal empréstimo representaria, a reciprocida-
de exigida pela lei 4845/65, que não estava sendo cum-
prida, e o prejuízo ao turismo para Minas Gerais e, em
corolário, para o Brasil. Uma curiosidade: dentro do tem-
po previsto para a duração da exposição, o banco res-
ponsável pela promoção do evento faliu... Imaginem-se os
percalços que as obras de Aleijadinho não enfrentariam
para regressar ao Brasil.
Ilustração 30 - Os profetas Isaias (primeiro plano), Baruc (à esquerda, 2º plano), Jonas (à esquerda, 3º plano) e
Daniel (à direita, 3º plano), por Antônio Francisco Lisboa.
Os profetas de Aleijadinho
Rio de Janeiro
Em 1763, o Rio de Janeiro é transformado no centro
administrativo da Colônia, o que o beneficiaria, com o-
bras destinadas ao seu aprimoramento urbano. No en-
tanto, desde o governo de Antônio Gomes Freire de An-
drade (1733-1763) que esses trabalhos de aparelha-
mento da cidade vinham tomando vulto provocado pelo
seu crescimento populacional.
Ilustração 35 - Aqueduto da Carioca, 1747 a 1750, segundo o risco de José Fernandes Pinto Alpoim
Uma obra destinada a aprimorar o abastecimento de
água da cidade foi o Aqueduto da Carioca, que ficaria
conhecido como Arcos da Lapa, construído a partir do
risco do Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim (1700-
1765). Alpoim foi um engenheiro militar responsável pe-
la construção de várias obras no Rio, como o claustro
do Mosteiro de São Bento, o Paço da Cidade, o convento
de Santa Teresa e o da Ajuda, além de outras aqui e em
outras capitanias. As obras estenderam-se entre 1747 e
1750, sendo feitas com pedras da região, embora se ti-
vessem as pedras do reino, o lioz, como melhores para
construção de uma obra desta natureza, mas, por isto
mesmo, muito mais caras.
Este equipamento urbano* permitiu que a cidade resol-
vesse a questão do abastecimento, municiando-a com a
Ilustração 36 - Chafariz do Largo do Carmo, de Mestre Valentim da Fonseca, e, à esquerda, o Paço da cidade.
O chafariz do Mestre Valentim da Fonseca situava-se
no cais principal da velha cidade do Rio de Janeiro. Ne-
le, abasteciam-se os navios que aportavam e que preci-
savam de água doce para seguir viagem. Valentim da
Fonseca fez o chafariz encimado por um pináculo na
parte superior, arrematado por uma esfera armilar,
símbolo do império português. O diminuto terraço sobre
o chafariz é cercado de uma balaustrada circundante,
A engenharia colonial
A antiga Sé
Os retábulos laterais da
antiga Sé
A restauração feita em 2008 em
toda obra de talha que adorna a
antiga Sé permitiu ao visitante
atual recuperar a impressão que
a obra de talha original causara
na população da época.
Esse retábulo em devoção a São
João Batista bem ilustra a bele-
za e o requinte do estilo do
século XVIII. Observe-se que o
retábulo utiliza o branco e o
dourado, como características
da arte torêutica da fase rococó.
Há leveza e requinte nesses
colunelos salomônicos, com
fuste espiralado, que sobe em
movimento dinâmico, ao lado
das mísulas douradas.
No entablamento, vêem-se ar-
rancos de frontão apoiados
sobre os colunelos salomônicos,
tendo ao centro um frontão ao
gosto Dona Maria, com apli-
ques em dourado e adornos
próximos ao Rococó.
A imagem de São João Batista
parece ser do final do século
XVIII ou início do seguinte. A
igreja foi remodelada durante o
século XIX, havendo alguns
trabalhos em talha que imitam o
estilo Rococó. Algumas pinturas
apresentam um vocabulário do
século XIX.
Ilustração 44 - Capela-mor da Igreja de São Pedro dos Clérigos (Fotografia Arquivo Central do Iphan)
Ilustração 46 - POrtada da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (Foto Rodrigo Soldon, disponível em
http://www.flickr.com/photos/soldon/2689966859/. Acesso em 16 jun. 2009.)
A planta do imóvel é octogonal e sua decoração interior
é das mais requintadas e leves dos templos brasileiros,
com obra de talha marcada pela presença de rocailles,
dividindo sua função decorativa com painéis de azulejos
de origem portuguesa. No coro de cima, vê-se um órgão.
5
Ibidem. p. 152
Considerações finais
O período que vai de meados do século XVIII até a Inde-
pendência, encerrando o ciclo da fase colonial, é bas-
tante rico em termos de estilos e de soluções artísticas
inéditas na História da Arte brasileira e até latino-
americana.
Nessa fase encontramos manifestações tardias do Bar-
roco e o apogeu das expressões do Rococó. Também
nessa fase encontramos a arte que fará a transição para
o Neoclassicismo, estilo aque caracterizaria o século
XIX, de que se dará notícias mais à frente.
A arte dessa fase é bastante rica e precisa ser vista sa-
bendo-se distinguir um estilo de outro: o Barroco e o
Rococó não devem ser confundidos. Cada um tem a sua
especificidade e sentido histórico que lhe são peculia-
res.
Referências
1. BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no
Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983.
2. ______. O Aleijadinho e a escultura barroca no Bra-
sil. Rio de Janeiro: Record, 1972.
3. BURY, John. Arquitetura e arte no Brasil colonial.
São Paulo: Nobel, 1991.
4. COSTA, Lúcio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
v. 5, Rio de Janeiro, MEC, 1941, p. 9-104.
5. LEMOS, Carlos et al. Arte no Brasil. São Paulo: A-
bril Cultural, 1976, vol. 1.
6. OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, PEREIRA, Sônia
Gomes e LUZ, Angela Ancora da. Arte no Brasil.
Textos de síntese. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
7. ______. Barroco e rococó na arquitetura religiosa
brasileira. Revista do Patrimônio, nº 29, 2001, p.
144-169.
8. ______. O rococó religioso no Brasil e seus antece-
dentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
9. SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro
Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951.
10. ______. O barroco e o jesuítico na arquitetura brasi-
leira. Rio de Janeiro, Kosmos, 1951.
11. ______. Quatro séculos de arquitetura. Rio de Janei-
ro, IAB, 1981.
12. SILVA NIGRA, D. Clemente. Construtores e Artistas
do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Salva-
dor: s/ed., 1950
13. SILVA TELLES, Augusto C. (Consultor). Arquitetura
na formação do Brasil. Brasília: UNESCO, 2007.
14. ______. Atlas dos monumentos históricos e artísticos
do Brasil. Brasília: MONUMENTA / IPHAN, 2008.
15. TEIXEIRA, Luis Manuel. Dicionário ilustrado de Be-
las Artes. Lisboa: Presença, 1985.
16. TOLEDO, Benedito Lima de. Do século XVI ao iní-
cio do XIX: Maneirismo, Barroco e Rococó. In:
ZANINI, Walter (coord.). História geral da arte no
Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles,
1983.
Glossário
Adro – Pátio que circunda um edifício, seja ele religioso
ou não. Nas igrejas, chama-se adro o pátio que fica em
frente à fachada principal ou ao lado do imóvel, sendo
ele resguardado costumeiramente por um muro baixo.
Aleta – Acabamento curvilíneo colocado nas laterais de
um frontão, com o intuito de diminuir-lhe o aspecto du-
ro e seco provocado pelos ângulos retos da fachada.
Alpendre – Cobertura saliente, feita em telhas apoiadas
sobre madeiramento estruturado em treliça, que se a-
póia, por sua vez, de um lado, no pano da fachada e, de
outro, em pilares ou colunas.
Altar – Na tradição judaico-cristã, mesa sagrada em
frente à qual o sacerdote promove ritos religiosos ou
onde os fiéis rezam ou depositam oferendas ao santo ou
a Deus. Não se deve confundir o altar com o retábulo*.
Atlante – Escultura que representa um homem em ati-
tude de suportar o peso de algum elemento arquitetôni-
co. Dá-se o nome de cariátide se a figura for feminina.
Baldaquino – Dossel ornamentado sustido por coluna
ou preso à parede, mas adornados por elementos deco-
rativos laterais. É normalmente colocado sobre tronos
ou servem como arremates decorativos de retábulos.
Camarim – Recinto principal, também chamado de ni-
cho, de um retábulo onde a imagem do santo fica aloja-
da.
Campanário – O mesmo que torre sineira, ou seja a tor-
re de uma igreja onde os sinos são colocados.
Cantaria – As obras de cantaria são os trabalhos feitos
em pedra destinados a servir de elemento estrutural
numa construção.
Capitel – Arremate superior de uma coluna, normal-
mente adornada com folhas de acanto, ábacos, volutas
etc., cuja análise permite identificar-se a que ordem ar-
quitetônica pertence a coluna. Nas ordens gregas, têm-
se capitéis dóricos, coríntios e jônicos. Nas ordens ro-
manas, têm-se capitéis toscanos e compósitos. A ordem
toscana foi uma das mais usadas pelos artistas do Re-
nascimento e do Barroco.
Cenóbio – Nome genérico dado a qualquer lugar cons-
truído para abrigar comunidades religiosas reclusas,
Neoclassicismo
pintura, escultura e arquitetura no Brasil
A era das revoluções que transforma o cenário econômico, social e político da Europa do século
XVIII e início do seguinte é um momento marcado pela retomada dos valores clássicos na Literatura,
nas Artes Visuais, na Arquitetura, apresentando também reflexos profundos na Música. Esse período
é o que se segue às fases barroca e rococó, que haviam caracterizado as artes durante o século XVII e
princípios do XVIII. O Neoclassicismo condenou as soluções estéticas ambíguas e excessivamente a-
dornadas que haviam assinalado as manifestações culturais anteriores, ao mesmo tempo que instituía
uma linguagem de austera e de nobre serenidade.
Aspectos históricos
O desenvolvimento do Neoclassicismo no Brasil inicia-
se timidamente no século XVIII, através de ocorrências
episódicas, ao mesmo tempo em que o Barroco tardio e
o Rococó atingiam uma fase de exuberância estilística
nas principais cidades brasileiras, tendo Aleijadinho,
em Minas Gerais, representado um ícone para todo o
contexto cultural do continente americano. Esse brilho
do mestre mineiro tem ofuscado a visão daqueles que se
debruçam sobre o período e mal enxergam outros artis-
tas e mesmo outros movimentos da época. Por isso é
tão pouco conhecida a história do Neoclassicismo brasi-
leiro anterior à vinda da Missão Artística Francesa em
1816.1
Além disso, pensar historicamente esse estilo, que na
França apresentou-se como porta-voz da burguesia re-
volucionária, num país agrário e escravocrata como o
Projeto da Praça do Comércio,
de Auguste-Henri Victor Brasil, tem sido, no mínimo, um desafio para aqueles
Grandjean de Montigny que procuram entender o fenômeno artístico inserido no
––––]^––––
contexto histórico onde nasceu. Por isso, não é raro en-
contrar-se quem aponte o caráter fortuito e estranho
1
Um outro fator concorre para dificultar a construção da história do Neoclassicismo no Brasil, o mais importante
e recorrente estilo do Rio de Janeiro e do Brasil oitocentistas: seu desaparecimento paulatino provocado pe-
lo avanço da especulação imobiliária na segunda metade do século XX. Especialmente os casarões das clas-
ses mais abastadas, localizados em terrenos ajardinados de dimensões generosas, se perderam, dificultando a
compreensão, ao homem de hoje, da importância que esse estilo teve principalmente na época do Império.
Neoclassicismo 2
2
Cf. REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da Pintura no Brasil. São Paulo, Leia, 1944.
As fases do Neoclassicismo
A história do Neoclassicismo no Brasil apresenta três momentos
mais significativos: o primeiro é chamado de “neoclassicismo de
transição”, que vai de meados do século XVIII até a chegada da
Missão Artística Francesa, em 1816; a segunda fase é inaugurada
com o “neoclassicismo imperial”3, estabelecendo-se com a fundação
da Academia Imperial de Belas-Artes e a adoção do ensino oficial
de arte sob o rigor da disciplina neoclássica, estendendo-se até a dé-
cada de 1860, quando o Romantismo já se afirma no cenário artísti-
co brasileiro; a terceira fase, caracteriza-se pela ocorrência de um
“Neoclassicismo tardio”, sendo marcado por um período de re-
apropriações livres desse estilo, onde o encontramos de forma recor-
rente, especialmente durante a época da a arquitetura eclética, ao
mesmo tempo em que surge, já nos fins do século, a arquitetura ro-
mântica, marcada pela revivescência medievalista.
1. O Neoclassicismo de transição
Na arquitetura portuguesa e brasileira, desenvolveu-se, a partir de
meados do século XVIII, um estilo que é assinalado simultaneamen-
te pela persistência discreta da herança da era barroca e rococó, co-
mo também pelo purismo e pelo despojamento das tendências neo-
clássicas que se avizinham. Em 1755 foi estabelecida a Casa do Ris-
co das Reais Obras Públicas, em Lisboa, que ficaria conhecida por
sua atuação de reconstrução da capital portuguesa, derruída de um
terremoto naquele ano. Em sua direção, foram postos engenheiros e
arquitetos como Manuel da Maia, Carlos Mardel, que seria respon-
sável, entre inúmeros projetos, pelo risco da catedral inacabada do
Rio de Janeiro, e, mais tarde, José da Costa e Silva, o mesmo que
aportaria junto com a família real no Rio no ano de 1808.
Esse novo estilo artístico, caracterizado pelo historiador da arte por-
tuguês José Augusto França como “protoneoclássico”4, ficaria co-
3
O professor Donato Mello Júnior utiliza a expressão “estilo imperial brasileiro” para se referir ao desenvolvi-
mento do Neoclassicismo no Brasil durante o século XIX.
4
FRANÇA, José Augusto. Lisboa Pombalina e o Iluminismo. Lisboa: Bertrand, 1987. p. 212
5
SANTOS, Reynaldo dos. História da arte em Portugal. Porto: Portucalense, 1953. p. 196, v. 3
6
FRANÇA, José Augusto. Op. cit. p. 190
7
Antônio de Pádua e Castro optou pela simplificação do pórtico, retificando o frontão à maneira clássica, em
cujo tímpano vê-se um baixo-relevo com a inscrição latina “Charitas”, que significa “Caridade”. O frontão
apóia-se sobre um par de colunelos compósitos. Cf. RIBEIRO, Marcus Tadeu Daniel. “Igreja de São Fran-
cisco de Paula”. In. RIBEIRO, Mírian. (Org.) Igrejas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPHAN, 1997.
8
TEIXEIRA, Milton. O Rio de Janeiro e suas igrejas. Rio de Janeiro: Riotur, 1988, pág. 29
9
Cf. BARATA, Mário. “Importância artística da igreja de Nossa Senhora de Paula, do Rio”. (Seção “Artes plás-
ticas”), Diário de Notícia, 25 dez. 1955; BARATA, Mário. “Ainda a igreja de São Francisco de Paula”.
(Seção “Artes plásticas”), Diário de Notícias, 8 jan. 1956.
10
Sobre a atuação de Pádua e Castro consultar a dissertação de FERNANDES, Cibele. A talha religiosa da
segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro, através do seu artista maior Antônio de Pádua e
Castro. Rio de Janeiro, UFRJ/EBA, 1991. Dissertação (Mestrado em História da Arte) – Escola de Belas-
Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, texto policopiado), 1991.
11
Giacomo Barozzi (1507-1573), dito Vignola, arquiteto italiano autor Tratado das Cinco Ordens de Arquite-
tura (1562), sucessor de Michelangelo nos trabalhos na Basílica de São Pedro, no Vaticano, e autor do Pa-
lácio de Branchi, em Bolonha. Projetou também o Palazzo Farneze, em Piacenza (1560), tendo sido ainda
autor do projeto da célebre Igreja de Il Gesù em Roma (1568), igreja-matriz da Companhia de Jesus.
Igreja da Candelária
2. O neoclassicismo imperial
12
NEUKOMM, Sigismund. Apud. SCHUBERT, Mons. Guilherme. Sigismund Neukomm: um músico austríaco
no Brasil. In. ______. (org.). 200 anos: Imperatriz Leopoldina. Rio de Janeiro: IHGB, 1997, p. 42. Para
um estudo sobre essa parte de nossa História pouco conhecida, vale a pena a leitura de LYRA, Maria de
Lourdes Viana. A utopia do poderoso imp
ério - Portugal e Brasil: bastidores da política (1798-1822), Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994 e LIMA, Manuel
de Oliveira. Dom João VI no Brasil (1808-1821), Rio de Janeiro: Topbooks, 1996
linda.
Alguns portugueses, desejosos de manter vivas as prerrogativas da
antiga metrópole lisboeta, sempre olharam, com desconfiança, a pro-
longada permanência do rei no Brasil e chegaram a reagir, com ri-
gor, aos boatos que então começaram a se difundir no além-mar, de
que se estudava a fundação de uma universidade no Brasil. Vejam-
se as palavras de Ambrósio Reis, eminente diplomata português no
Congresso de Viena, a quem Antônio de Araújo de Azevedo, o
Conde da Barca, havia endereçado carta externando-lhe seu desejo
de criar cursos de Mineralogia em Minas Gerais.
“Um tal estabelecimento além de dever ser fatal ao mesmo Brasil, o seria
ainda a toda a Monarquia, pois cortaria quase o único fio de dependência
em que o nosso Reino ainda se acha da Metrópole, e aumentaria nesta o
grande descontentamento que infelizmente ouço ali vai grassando por irem
já tardando àquele povo leal e brioso as sábias providências que S. Maj.a
certamente medita pôr em prática para acrescentar a recíproca dependência
e perpétua união dos dois principais membros da Monarquia.”14
13
Idem (grifos no original).
14
REIS, Ambrósio Joaquim dos. “[Carta a Antônio de Araújo de Azevedo”] Londres, [manuscrito], 24 de agosto
de 1816, Arquivo Distrital de Braga, Fundo Barca/Oliveira, Cx. 28, doc. s/nº, 7 pág. Autógrafo, assinado.
15
Idem.
Por este tratado, entraram no Brasil o sapato feito, os móveis, o fato18, até
colchões; e eu tenho visto desembarcar no Rio de Janeiro caixões já orna-
dos para enterrar meninos. Sua cobiça feroz se estendeu a tudo e tudo devo-
rou e engoliu... Como introduziram o luxo, tudo gradualmente foi caindo
na pobreza; e o comércio português, principalmente no Rio de Janeiro de-
sapareceu. Como levaram frutos e dinheiro, o país caiu em geral na misé-
ria, ainda que coberta por um véu de luxo. Como introduziram tudo quanto
é pertencente aos Ofícios Mecânicos, o Oficial não encontrou quem lhe
desse o que fazer e já não houve necessidade de aprender.19
O fracasso de uma escola de artes e ofícios no Rio de Janeiro, que
tanto formasse artistas na área de belas-artes quanto na de ofícios
mecânicos, não deve ser visto como fruto de preconceitos dos artis-
tas neoclássicos, mas sim de condições históricas pouco favoráveis a
esse projeto.
16
Cf. CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
1983. p. 50
17
Cf. PRADO Jr. Caio. “A era do liberalismo”, In: ______. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasili-
ense, 1985; SODRÉ, Nélson Werneck. “Os tratados de 1810”, In: ______. As razões da Independência.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969.
18
“fato” é o nome lusitano dado às roupas em geral e ao “terno” em particular.
19
MARISCAL, Francisco Sierra y. Idéias Gerais sobre a Revolução do Brasil e suas Conseqüências.
20
Suzanne Gutwirth escreveu o artigo “A Pre-Romantic Painting by Nicolas-Antoine Taunay”, no Bulletin of
Los Angeles County Museum (1979), pelo qual demonstra elementos formais no trabalho do paisagista
francês que se adiantavam, já nos fins do século XVIII e início do seguinte, à pintura romântica que se se-
guiria à austeridade do movimento neoclássico. O professor Mário Barata também refere-se ao romantismo
que se verifica nas obras de Nicolas e Félix Taunay, em seu estudo sobre o século XIX. Cf. BARATA, Má-
rio. "A arte no século XIX: do Neoclassicismo e Romantismo até o Ecletismo". In: ZANINI, Walter. (org.)
História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. p. 380.
21
Cf. TAUNAY, Afonso de Escragnolle. Documentos sobre a vida e a obra de Nicolau Antônio Taunay (1755-
1830) – Um dos fundadores da Escola Nacional de Belas-Artes. Revista do Instituto Histórico e Geográ-
fico Brasileiro. Tomo LXXVIII, Parte II; e principalmente TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A Missão
Artística de 1816. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983.
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
Neoclassicismo 19
22
Cf. MELLO Jr. Nicolau Antônio Taunay, precursor da Missão Artística Francesa ao solicitar emprego a Dom
João VI – Duas cartas suas inéditas colocam-no na origem remota da Missão e revelam sua passagem por
Portugal. Mensário do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Ano 7, n. 8 1976. p. 3
23
Mário Barata sugere que a autoria dessa edificação é de Luís Hosxe, datando-a do ano de 1855. CF. BARA-
TA, Mário Antônio. Rio Neoclássico. In: BRENA, Giovanna Rosso del Brena; ARESTIZABAL, Irma. Rio:
guia para uma história urbana. Rio de Janeiro: Fundação Rio, 1982. v. 2, [p. 24].
24
Informa-nos Donato Mello Jr. que foi em 1825 o ano da chegada do arquiteto francês ao Rio de Janeiro. Cf.
MELLO Jr., Donato. “Arquitetura Imperial Brasileira”. In. LEVY, Carlos Roberto Maciel; MELLO Jr.,
Donato. O Rio de Janeiro imperial. São Paulo: s.ed., 1988. p. 42
25
A Academia Militar só seria transferida para o Largo de São Francisco em 1828, no lugar que então havia-se
pensado para a construção da nova Sé da cidade do Rio de Janeiro, obra que ficaria em meio por muitos a-
nos, sem jamais ser concluída. O Largo de São Francisco, antes denominado de Largo da Sé Nova, passou a
ter esse nome em 1759, quando lançou-se a pedra fundamental da nova igreja de São Francisco de Paula, da
irmandade da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, criada através da provisão de 9 de
julho de 1756. Cf. ALONSO, Aníbal Martins. Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco
de Paula – Resumo histórico e ilustrado da Instituição e suas fundações. Rio de Janeiro, s/ed., 1970,
pág. 35 e seg.
26
BARATA, Mário. "A arte no século XIX..." Op. cit. p. 380.
3. Neoclassicismo tardio
Durante a segunda metade do século XIX, o Neoclassicismo ainda
ocorre no país, ainda que tardiamente, mas também de forma criati-
va e monumental. É uma época em que o movimento reaparece in-
corporado ao clima de tolerância estilística que o Ecletismo permitiu
e até incentivou no último quartel do século XIX e início do XX. O
Ecletismo é um estilo ainda pouco conhecido no campo da historio-
grafia artística, mas deve ser visto como um momento em que a ar-
quitetura aparece marcada pela recuperação, livre e criativa, de vá-
rios estilos arquitetônicos extraídos de diferentes estilos do passado.
Sem dúvida alguma, o mais importante exemplar da arquitetura neo-
clássica tardia no Brasil é o Museu do Ipiranga, edifício construído
segundo o traço do arquiteto Ramos de Azevedo, para marcar o lo-
cal e comemorar o 7 de Setembro. O Museu do Ipiranga, concebido
na era do ecletismo no Brasil, com sensibilidade para o resgate dos
elementos classicizantes, tem, como principal característica, a marca
da monumentalidade com a qual se evoca, por essa obra, a impor-
tância do fato histórico que o prédio representa. A solução clássica
do frontão e colunata coríntia, que avança para além do pano da fa-
chada principal, conjugada à utilização das proporções obtidas por
relações geométricas harmônicas, conferem a austeridade com a
qual o imóvel se reveste em toda sua extensão. O apelo clássico que
caracteriza o edifício dá a ele um sentido de equilíbrio e, especial-
mente, de estabilidade: nada mais adequado para representar o sím-
bolo da fundação da Nação. Não existe, por isso, no prédio, qualquer
concessão à graciosidade das formas sinuosas, senão pelo emprego
disciplinado de curvas em arcos plenos sobre os vãos principais da
Considerações finais
Ao contrário do que se costuma afirmar em livros sobre arte brasilei-
ra, o Neoclassicismo não começa com a chegada da Missão de 1816,
mas ainda no século XVIII, através de um estilo de transição, que
pode ser chamado de pombalino. Nesse estilo, convivem ainda ele-
mentos do Barroco, ao lado de tendências já classicizantes.
A Missão Artística Francesa (1816) teve importância capital para o
desenvolvimento da arte nacional, renovando, por um lado, o ambi-
ente artístico brasileiro, como também instituindo uma prática de
ensino que iria conferir um grande impulso à arte nacional, com o
contributo no plano pedagógico do estudo acadêmico.
Especialmente na arquitetura, o estilo se manterá vivo ainda durante
todo o século XIX, adquirindo sua inflexão tardia já à época da vira-
da do século, quando então o Ecletismo incorporará novas experiên-
cias revivalistas pautadas na tradição do gosto clássico.
Bibliografia Neoclassicismo
11. LYRA, Maria de Lourdes Viana. Memória da Independência: marcos e representações simbó-
licas. Revista Brasileira de História - Representações - Órgão da Associação Nacional de His-
tória. São Paulo, ANPUH - Contexto, Vol 15, n 29, 1995, pág. 173-206
12. ____________. A utopia do poderoso império - Portugal e Brasil: bastidores da política
(1798-1822), Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994
13. GONÇALVES-MACHADO, Marco-Antônio. Pierre-Joseph Pezerat: architecte français à la
Cour impériale du Brésil (1825-1831). Histoire de l’Art – Revue de recherche et d’information
publiée sous l’égide de l’Association des professeurs d’archéologie et d’histoire de l’art des
universités, avec la participation du Ministère de la Culture (École du Louvre, Sous-directions
de l’Inventaire général), du Ministère de l’Éducation et de la Recherche, avec le soutien de
l’Institut Nacional d’Histoire de l’Art, n. 55 octobre 2004, p. 69-83.
14. MELLO Jr., Donato. Antônio José Landi - arquiteto de Belém: percussor da arquitetura neo-
clássica no Brasil. Belém, [Conselho Estadual de Cultura do Pará] 1973
15. ____________. Nicolau Antônio Taunay, precursor da Missão Artística Francesa ao solicitar
emprego a Dom João VI – Duas cartas suas inéditas colocam-no na origem remota da Missão
e revelam sua passagem por Portugal. In: Mensário do Arquivo Nacional, 7(8):3, Rio de Janei-
ro, 1976
16. ____________. “Grandjean de Montigny – Bicentenário do grande arquiteto da Missão Artís-
tica Francesa”. In Mensário do Arquivo Nacional, 7(8):11-14, Rio de Janeiro, 1976.
17. MIRABENT, Isabel Coll. Saber ver a arte neoclássica. São Paulo: Martins Fontes, 1991
18. MOTA, Carlos Guilherme. Idéias de revolução no Brasil: 1789-1801. Petrópolis, Vozes,
1979.
19. MUSEU Nacional de Belas-Artes. Exposição Le Breton e a Missão Artística Francesa de
1816. Rio de Janeiro, 1960 (Catálogo de exposição).
20. NOVOTNY, Fritz. Painting and Sculpture in Europe: (1780-1880), Baltimore: Pelikan, 1960
21. OLIVEIRA, Myriam Ribeiro. Alguns aspectos da originalidade da obra de Landi em Belém
do Pará. In: IPHAN, Brasília: Brasília, Dez. 1996, nº 6, pág. 3
22. PRAZ, Mario. Gusto Neoclásico. Barcelona, 1982.
23. REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da Pintura no Brasil. São Paulo: Leia, 1944.
24. RIOS FILHO, Adolfo Morales de los. O ensino artístico - subsídio para sua história (1816-
1889), In: Boletim do IHGB. (Anais do III Congresso de História Nacional - outubro de 1938)
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942.
25. ____________. Grandjean de Montigny e a evolução da arte brasileira. Rio de Janeiro, A
Noite, s/d.
26. ____________. O Rio de Janeiro imperial, Rio de Janeiro, A Noite, s.d.
27. ROSENBLUM, Robert et JANSON H. W. 19th-Century Art. New York: Harry N. Abrams,
1984.
28. SANTORO, Mário. Iluminismo, neoclassicismo, romantismo, Nápoles: Lignori, 1968.
29. STAROBINSKI, Jean. 1789: os emblemas da razão, São Paulo: Cia das Letras, 1982
30. SUMMERSON, John. A linguagem Clássica da Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999
31. TAUNAY, Afonso de Escragnolle. Documentos sobre a vida e a obra de Nicolau Antônio
Taunay (1755-1830) – Um dos fundadores da Escola Nacional de Belas-Artes. Revista do Ins-
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LXXVIII, Parte II, p. 5-140, 1916.
32. ____________. A Missão Artística de 1816. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983.
O iniciar do Romantismo no Brasil não foi tanto uma reação estética aos postulados da arte
que o precedera, o Neoclassicismo, quanto o produto do processo de ambientação de um estilo
que aqui encontraria condições históricas que o fariam medrar com riqueza e significações
simbólicas profundas. É o primeiro movimento que viceja depois da Independência,
enveredando pela busca de uma identidade coletiva a partir de uma visão tomada pela
subjetividade dos sentimentos humanos.
Entender o período exigiria esforço maior do que o que nos propomos neste artigo, porque
precisaríamos analisar, além da pintura e da escultura, também a literatura, a música, a
arquitetura; perscrutar os meandros da mentalidade da época, em que concorrem tantos
aspectos históricos assinalados pelo surgimento do sentido da individualidade numa sociedade
que se desenvolve e, ao mesmo tempo, procura delinear os fatores que a identificam no plano
da coletividade.
A literatura romântica inicia-se como que se lançasse o manifesto com Domingos Gonçalves
de Magalhães e Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), ou até mesmo já com Souza
Caldas, Frei Francisco de São Carlos e com o próprio patriarca da Independência, José
Bonifácio, que já não são mais inteiramente árcades e parecem testemunhar o caráter de
transição do período, voltar-se para o porvir romântico que a geração seguinte iria firmar. Já
se percebe, nesses, o estro inventivo de exortação nacional, o extravasamento laudatório à
natureza brasileira, a reafirmação da ascendência religiosa – do catolicismo, bem entendido –
sobre a razão e a sensibilidade ao individualismo.
1
- LEBRETON, Cav. Joachim. "Memória do cavalheiro Joachim Lebreton para o estabelecimento da
Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro" in BARATA, Mário. "Manuscrito Inédito de
Lebreton". Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro,
23(14):297,1959.
Felix Émile Taunay segue os passos do pai, Nicolas, na interpretação da paisagem brasileira.
A sensibilidade ao registro da natureza, num culto à própria visão da terra, eclode na fase
histórica em que o Brasil se vê independente e procura traços culturais que o identificam. A
paisagem é um traço desse esforço de delineamento da identidade nacional. Mas ela tem,
quando se iniciam aqueles anos da centúria, caminhos distintos a trilhar, se cotejarmos
2
- Idem, ibidem, p. 294.
3
- BARATA, Mário. "A arte no século XIX: do neoclassicismo e romantismo até o Ecletismo". In
ZANINI, Walter. (org.) HISTÓRIA GERAL DA ARTE NO BRASIL. São Paulo, Instituto Walter
Moreira Salles, 1983, p. 380.
diferenças entre a obra de Félix Taunay e a de Manuel de Araújo Porto Alegre. O paisagismo
de Félix Taunay sugere um olhar naturalista, com maior variação cromática e revela uma
composição egressa do classicismo francês. Dele seguirá a linhagem paisagística que ocorrerá
no Brasil ao longo do século XIX, com reflexo nas obras de Agostinho José da Mota (1824-
1878) e de August Müller, seus continuadores naquela geração. Porto Alegre, artista e
escritor, que divide com Pereira da Silva, Varnhagen, e principalmente Domingos Gonçalves
Magalhães, de quem é amigo e êmulo, parecia seguir caminho distinto daquele apontado por
Nicolas Taunay e que fecundara a palheta doutros artistas. A pintura de Porto Alegre, como
aquela que aparece ilustrada em FLORESTA BRASILEIRA, tem significado especial para a história
da arte brasileira. Essa, como outras paisagens pintadas pelo artista gaúcho, segue de perto a
influência da obra do conde de Clarac, que viera ao Rio de Janeiro em 1818 na comitiva do
Conde de Luxemburgo, entrando em contato com o naturalista francês August de Saint-
Hilaire. Clarac, depois de curta permanência no Brasil, voltaria para a Europa, indo instalar-se
no castelo de Neuwield, onde, de posse dos croquis que anotara diretamente da floresta
brasileira, conclui seu trabalho, pelo qual externou então a impressão que a natureza brasileira
lhe causara. Exposta no Salão parisiense de 1819 e divulgada a partir de 1822, através de
gravura aberta por Claude François Fortier, a FLORESTA BRASILEIRA do conde de Clarac acabou
por se constituir modelo de representação das florestas virgens tropicais. No Brasil, Benjamin
Mary, ministro belga no Rio de Janeiro, foi um seu continuador. Do cenário fluminense, cita-
se também a obra Georg Heinrich von Löwenstern, igualmente marcada por certa
monumentalidade na escala da natureza e certa contenção na cor, como é o caso da pintura
LAPA, PASSEIO PÚBLICO E AJUDA, vista enquadrada pelo maciço portentoso da Tijuca. A obra
de Clarac evoca, pelo detalhismo e exatidão, o trabalho de Allaert van Everdingen (1621-
1675) e, pela grandiloqüência da pintura, o do mestre flamengo Jacob van Ruisdael na
abordagem da natureza, com aquela monumentalidade dramática que o paisagismo do Norte
europeu havia demonstrado no período barroco. O célebre naturalista alemão Alexander von
Humboldt, que conhecia como pouquíssimos europeus as florestas tropicais da América do
Sul, declarou que “Clarac é o primeiro a lograr uma representação da floresta tropical
científica e artisticamente convincente.” 4
4
Cf. LÖSCHNER, Renate. “Forêt vierge ao Brésil” von Comte de Clarac. In BRASILIEN – ENTDECKUNG
UND SELBSTENTDECKUNG. Berna, Benteli Verlag, 1992, pág. 133
Porto Alegre convivera com Nicolas Taunay na Academia, mas dele não assimila maior
influência do que receberia de Jean Baptiste Debret, seu professor de Pintura Histórica. Adota
uma arte em que a natureza se revela em dimensão épica, numa projeção maior do que a
representação naturalista das obras dos Taunays sugere. Esse interesse pela magnitude da
natureza, cuja escala parece ter assombrado viajantes que passaram pelo Brasil, não deixa de
ser também, até pelo sentido dramático da obra, mais do que pelo caráter idílico das cenas
campestres de Nicolau e Felix Taunay, composição de rica importância artística. Mas segue,
sem dúvida, vertente distinta da que viria a ser adotada no cenário artístico nacional.
Agostinho José da Mota encampa a gramática romântica em suas telas, marcadas, como em
VISTA DE ROMA e FÁBRICA DO BARÃO DE CAPANEMA, por atmosfera densa e de fraca
luminosidade. Desenhista exímio, Agostinho José da Mota soube registrar, em anotações
marcadas por sensibilidade e técnica acadêmica, aspectos da natureza brasileira captadas com
um olhar atento e intimista. Sua litografia BRASIL espelha esse gosto pelos recantos da
natureza, em que seu lápis litográfico parece percorrer e deslizar, num ritual mágico de
recriação da natureza, com exuberância e mistério.
5
As caricaturas foram publicadas numa edição intitulada “Álbum do Pinta-Monos”, cuja autoria é
atribuída a Barros Cabral, embora não exista ainda comprovação documental sobre isso,
segundo me fez significar o conservador de museus Pedro Martins Caldas Xexéo, que aventa
também a autoria, ainda que menos provável, de François-René Moreaux (1807-1860), com
quem Porto Alegre igualmente se indispôs.
A visão da natureza, assim idealizada pelo olhar romântico, era herança do misticismo
construído desde o Renascimento e que foi marcado pela crença de que o descobrimento da
América tinha um sentido de remissão humana, fosse na sua perspectiva de exuberância
material com que o Novo Mundo passou a nutrir a expansão do capital comercial europeu,
fosse na visão do paraíso terreal recuperado. A natureza era a possibilidade concreta do mito
do paraíso perdido e não foram poucos aqueles que, no Brasil, testemunharam ser estas terras
algo mais do que apenas um recurso natural bem provido.
Cronistas da fase colonial haviam anotado, desde o século XVI, não apenas a exuberância
material da terra, mas suas implicações religiosas. “Se houvesse paraíso na terra” – escreveu
Rui Pereira em 1580 – “eu diria que agora o havia no Brasil”; Cristóvão de Acuña, jesuíta que
percorreu, com Pedro Teixeira, o Rio Amazonas, refere-se à Amazônia como terra paradisíaca
e aos índios como população em tal quantidade que ali se poderia fundar um novo e poderoso
império; em 1650, Leon Pinelo que vislumbrava, no mapa da América do Sul, um coração
humano, afirmava que aqui nesta terra havia sido o local de nascimento de Adão, sendo o
Brasil um local possível do Éden. Ainda no século XVII, o jesuíta Simão de Vasconcelos, que
acompanhara Vieira numa viagem à metrópole, apóia-se em São Tomás de Aquino para
afirmar:
“Que o Paraíso há de crer que foi situado em lugar temperadíssimo ou
debaixo da Equinocial – ressaltando a diferença existente – entre alguma
parte deste Brasil e daquele Paraíso da terra que Deus Nosso Senhor, como
jardim, pôs o nosso primeiro pai Adão (...) por ser esta a parte mais
6
temperada, amena e deleitosa de todo o universo.”
O caso do português Pedro de Rates Hanequim é também interessante, pois reflete a visão
fantástica do Brasil como terra bíblica, berço telúrico do Éden. Hanequim defendia a idéia de
que o Dilúvio Universal não havia atingido as Américas, já que a Bíblia nada mencionava a
respeito do Novo Mundo. E o português, na opinião de Hanequim, sendo a primeira língua
falada no mundo, até a “confusão da Babilônia”, era ainda falado no céu. Seria no Brasil,
conforme previra Vieira, local para a fundação do “Quinto Império, que há de se levantar no
Brasil e há de ser por judeus portugueses (...) que todos são ou haveriam de ficar judeus”.
Hanequim foi condenado pela Inquisição a morte cruel.
6
Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. VISÃO DO PARAÍSO. São Paulo, Brasiliense, 1994; LEITE, Serafim.
“O tratado do paraíso da América e o ufanismo brasileiro”, in NOVAS PÁGINAS DA HISTÓRIA DO
BRASIL. São Paulo, Cia Ed. Nacional, 1965; MAGASICH-AIROLA, Jorge e BEER, Jean-
Marc de. A AMÉRICA MÁGICA – QUANDO A EUROPA DA RENASCENÇA PENSOU ESTAR
CONQUISTANDO O PARAÍSO. São Paulo, Paz e Terra, 2000; e especialmente LYRA, Maria de
Lourdes Viana. A UTOPIA DO PODEROSO IMPÉRIO. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994.
Tratava-se de uma visão utópica em que a grandeza da terra, ainda na fase colonial, seduzia o
imaginário lusitano, que almejava, entre especulações registradas em escritos e circunstâncias
concretas, desde o século XVI, transferir a sede do poder monárquico português para o Brasil
e aqui fundar um novo e poderoso império. Mais precisamente, conforme apregoou o Padre
Antônio Vieira:
“Este é o sujeito da nossa história, e este é o Império que prometemos ao
Mundo. Tudo o que abraça o mar, tudo o que alumia o sol, tudo o que cobre e
rodeia a terra será sujeito a este Quinto Império; não por nome ou título
fantástico como todos os que até agora se chamaram Império do Mundo;
senão por domínio e sujeição.”7
7
VIEIRA, Pe. Antônio. HISTÓRIA DO FUTURO. LIVRO ANTIPRIMEIRO. PROLEGÔMENO A TODA HISTÓRIA DO
FUJTURO, EM QUE SE DECLARA O FIM E SE PROVAM OS FUNDAMENTOS DELA. Lisboa Ocidental,
Oficina Pedro Galran, 1718, pág. 26.
8
SAINT-HILAIRE, Auguste de. VIAGENS PELAS PROVÍNCIAS DO RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS. São
Paulo, EDUSP; Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, pág. 18.
9
Ver o importante trabalho de Gilberto Ferrez, ICONOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO (1530-1890). Rio de
Janeiro, Casa Jorge Editorial, 2000; como também o importante trabalho de Ana Maria de
Morais Belluzzo, O BRASIL DOS VIAJANTES. São Paulo, Metalivros, 1994
províncias do país, para que, em tempo hábil, tivéssemos “belas vistas de nossa terra
reproduzidas em quadros”10. Em alguns casos, o próprio artista aventava a utilidade da
pintura de paisagem em benefício do interesse público, conforme ilustra Vítor
Meireles (1832-1903), ao elaborar o PANORAMA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, o maior
quadro já pintado no Brasil, medindo aproximadamente dez metros de altura por cem
metros de extensão, exposto inicialmente no Salão parisiense anos depois, e que se
destinava, segundo pretendia o autor, incentivar a imigração européia para o Brasil.
Mas não seria por força da elaboração desse trabalho magistral que Vítor
Meireles teve tanta importância no cenário artístico nacional durante os anos de
oitocentos. Vítor notabilizou-se no tempo como artista oficial da monarquia brasileira
e seu trajeto profissional justifica plenamente a escolha. Vítor Meireles foi,
simultaneamente, atento e escrupuloso pintor de história, para desvanecimento e
pompa do estado monárquico ao que serviu, e apaixonado paisagista, por sincero
desejo do seu espírito simples.
10
Cf. COSTA, Lygia Martins. “A Paisagem na Pintura Brasileira”, in Anuário do MNBA (1944).
11
- [ARAÚJO, Ferreira de] "MOVIMENTO Artístico" (Seção). Gazeta Literária, Rio de Janeiro,
2(8):184, 24.dez.1884. Ferreira de Araújo, ao que parece o autor desse artigo, era
proprietário do jornal Gazeta de Notícias, sendo também crítico e colecionador de arte.
12
Cit. em MELLO Jr., Donato. “Temas Históricos”. In VÍTOR MEIRELES DE LIMA (1832-1903). Rio de
Janeiro, Pinakotheke, 1982.
Mais do que qualquer outro de seu tempo, Vítor Meireles foi um artista em que o estado
monárquico investiu, acompanhou atentamente sua formação e transformou em artista oficial.
Até a geração em que desponta como prócer, ao lado de Pedro Américo, o estado brasileiro
não dispunha de artistas cujo talento estivesse à altura das aspirações oficiais, para a
13
A celebrada figura do Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro, não gozava, em sua época,
da mesma simpatia que a do General Osório. Apesar da sua importância como estrategista
militar, personagem mesmo capital para a vitória contra Solano López, a verdade é que o
resgate de sua importância histórica só ocorreria durante a década de 1930. Em vida, contudo,
Caxias não chegou a ser festejado pelos artistas e mesmo pela opinião pública. Ao contrário:
Ângelo Agostini retratou-o em charge muito espirituosa, roído de ciúmes pela celebridade de
seu principal êmulo. Rodolfo Bernardelli, autor de estátuas eqüestres referentes a esses dois
militares, retrata Osório em heróica atitude, a espada em riste como se estivesse em plena
batalha, o cavalo quase empinando. Caxias, por sua vez, está impassível sobre sua montaria,
seu olhar perdido ao longe. Indagado porque a escultura sobre Caxias pouca emoção passava,
Bernardelli justificou-se dizendo que pretendera retratar, não o general, mas o pacificador.
Referia-se o escultor à repressão que Caxias comandara contra a Balaiada (1838-1841) e os
Farrapos (1835-1845). E até no quadro de Pedro Américo criou-se a lenda de que Caxias, ao
ver a pintura, teria interpelado o artista, irritado, por estar com o jaquetão aberto: “Onde foi
que o artista me viu em batalha com o jaquetão aberto?”, perguntou Alves de Lima. “E onde é
que já se viu um militar dar opiniões sobre uma obra de arte?...” teria respondido Pedro
Américo.
construção dos emblemas da nação com a pompa e a grandeza que o assunto requeria. O
próprio imperador interessava-se pelo assunto, conforme se percebe nessa carta de Porto
Alegre a Vítor Meireles: “Estude cavalos, porque as nossas batalhas exigem este estudo; e lá
achará belíssimos modelos, já como pintura, nas obras de meu Mestre, o barão Gros, já nas de
Mr. H. Vernet, que conhece as raças e o animal melhor do que ninguém, faça cópia de cabeças
de cavalos em ponto grande, e vá mandando todos os seus estudos, porque serão logo vistos
por Sua Majestade.”14
14
ALEGRE, Manuel de Araújo Porto. “Carta a Vítor Meireles”, Rio de Janeiro (Academia Imperial de
Belas-Artes), 6 de agosto de 1855. Cit. por ROSA, Ângelo de Proença et alii. VICTOR
MEIRELLES DE LIMA, 1832-1903. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982, pág. 37
15
“Estude o nu, estude anatomia, e veja se toma Mr. Delaroche por mestre, que é hoje o pintor mais
filosófico e o mais estético que conheço.” Cf. ALEGRE, Manuel de Araújo Porto. “Carta a
Vítor Meireles”, op. cit., pág. 37
16
Jean-Philippe Breuille, em “L’Art du XIXe Siècle” (Dictionnaire de Peinture et de Sculpture, Paris,
Larousse, 1993) refere-se ao pompier como termo criado para designar, inicialmente de forma
pejorativa, o etilo que incorporou, como nenhum outro, o academicismo francês da segunda
metade do século XIX e que se manteve indiferente às vanguardas que eclodiram durante
aquela fase da História da Arte. O estilo pompier não foi apenas empregado para se referir às
obras e aos artistas que comungavam dessa estética, mas serviu para rotular velhos mestres,
membros de juri e o próprio Salão.
Em 1856, quando Vítor chega à capital francesa, atuam ainda Theodore Géricault, Horace
Vernet (1789-1863), Robert Fleury, Léon Cogniet (1794-1880), este lecionando na École des
Beaux-Arts. As obras que produziu durante essa fase são marcadamente românticas, ainda que
prevaleça certo gosto classicizante em algumas pintadas exclusivamente para enviar à
comissão de Desenho e Pintura da Academia, como a DEGOLAÇÃO DE SÃO JOÃO BATISTA (1855,
óleo sobre tela, 130 x 96,9 cm, MNBA) e a FLAGELAÇÃO DE CRISTO (1856, óleo sobre tela,
156,7 x 115, MNBA).
É desse período a pintura UM FAUNO E UMA BACANTE, marcada pelo contributo romântico. É a
partir de sua estada na capital francesa que Vítor começa a produzir mais intensamente uma
arte influenciada pelos grandes nomes românticos. Não é um envolvimento de primeira hora.
Ao contrário: a cópia da célebre A BALSA DO MEDUSE, de Théodore Géricault, data de 1857/8,
portanto já quando o artista se preparava para retornar ao Brasil.
A pintura PRIMEIRA MISSA DO BRASIL surge em 1860. O tema de escolha do quadro teria sido
sugestão de Manuel de Araújo Porto Alegre. A obra foi apresentada no Salão parisiense e sua
chegada ao Brasil é um marco da história da arte nacional. Bethencourt da Silva, em artigo
publicado na Revista Brasileira em primeiro de agosto de 1879, ano em que eclode enorme
querela entre críticos de artistas sobre obras de Vítor Meireles e Pedro Américo, observa: “O
quadro da Primeira Missa, revelação notável de um grande merecimento, é o primeiro marco
onde a história da vida artística há de encontrar o característico de sua emancipação”17. Não
eram exageradas as palavras de Bethencourt da Silva. A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL reunia
todas as grandes características de um estilo que buscava identificar os valores nacionais
dentro da temática romântica: a pintura retratava uma cena histórica de suma importância para
a história pátria – o momento em que se inicia o processo civilizador do Brasil –, através do
rito da Eucaristia, para onde aflui o gentio, instigado pelo acontecimento que se desenvolve
num cenário assinalado por uma natureza de exuberante beleza. A temática religiosa na obra
contribui para evidenciar as preocupações do artista em enfocar valores que a estética
17
SILVA, Bethencourt da. “[sobre a polêmica]” Revista Brasileira, 01 de agosto de 1879. Cit. por
ROSA, Ângelo de Proença et alii. VICTOR MEIRELLES DE LIMA. 1832-1903, Rio de Janeiro,
Pinakotheke, 1982, pág. 65
Até aquela época, nada tinha sido feito com a mesma importância simbólica da pintura
PRIMEIRA MISSA DO BRASIL, de Vítor Meireles. Pode-se dizer que ali se iniciava a segunda fase
do Romantismo artístico no Brasil. Pouco depois, surgiria o monumento a Dom Pedro I, de
Louis Rochet, e, mais para o fim do século, erigia-se o prédio monumental que abriga hoje o
Museu do Ipiranga, em São Paulo, com linhas de austera sobriedade neoclássica, a marcar o
local em que Dom Pedro proclamou a Independência.
A figura do índio que Vítor Meireles retrata na PRIMEIRA MISSA DO BRASIL revela
outra característica da arte romântica, que de tão perto acompanhava o movimento na
literatura, dela extraindo o arsenal temático, os elementos alegóricos. A literatura já
vinha construindo, na esteira do mito do nobre selvagem e sob a ótica cristã de
Chateaubriand, a visão do elemento humano autóctone, adequado à representação da
nacionalidade que então se perseguia, mostrando um índio em que são exaltadas a
coragem, a nobreza de caráter e a sinceridade do sentimento. O indianismo, segmento
do Romantismo literário, já esboçado n’O URAGUAI (1769), de Basílio da Gama e no
CARAMURU (1781), de Santa Rita Durão, autores árcades, eclode no século XIX com
viço criativo da poesia romântica de Domingos Gonçalves de Magalhães, com a A
CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS (1856), e especialmente de Gonçalves Dias, com o canto
de morte na poesia épica de “I-Juca-Pirama”.
18
Cit. em AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. O RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, Livraria Brasiliana
Editora, 1969, Vol. II, pág. 16. O projeto de lei data de 7 de setembro de 1854. As
justificativas de Porto Alegre para a alteração do monumento datam de 30 de setembro
seguinte e tratavam da dificuldade de se julgar o nível de participação de alguns personagens
daquele processo, bem assim a dificulfdade de se levantarem os retratos de muitos deles.
19
A palavra pitoresca no livro VIAGEM PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL, de Jean Baptiste Debret, tem
alimentado, em alguns, a idéia de que o artista estava principalmente interessado pelos
aspectos exóticos de uma sociedade localizada nos trópicos. Na verdade, “pitoresco”, aqui, é
sinônimo de “pintoresco” ou “pictórico” – próprio para ser pintado –, não denotando qualquer
interesse lúdico, fruto de uma visão extravagante do artista, pela temática indígena. O olhar
de Debret e de Rugendas é essencialmente científico, fruto de uma atitude racional do artista
que observa o mundo que o cerca.
20
Vale a pena a leitura de um documento inédito escrito pelo Barão de Eschwege, quando radicado em
Minas Gerais, pela qual ele narra, ao Conde da Barca, em 1811, as crueldades que o homem
branco cometia contra o gentio. (Mantém-se a grafia tal e qual ela foi escrita por esse alemão
ainda pouco conhecedor da língua portuguesa)
“Sabemos da História da Conquista da América, que o fanatismo, ignorância, e
crueldade dos conquistadores têm sido a culpa das primeiras inimizades do gentio, estes
hereditaram dos pais para os filhos ou por tradição ou por continuação das injúrias até os
nossos tempos, e nunca se deve esperar alguma civilização do Botocudo ou outro índio bravo,
enquanto não se segue outro sistema de civilização. Civilizar com a espada na mão é
contradição; principiar a civilização com o Batismo e querer introduzir logo outros costumes,
pouco pior.
“O índio tem os seus costumes – escreve ele –, tem a sua religião, seja qual que ela
for, e é muito natural que ele a defenda com a sua vida enquanto não está persuadido do
contrário. Efetuar esta última coisa é o ponto em que quase todos se enganaram, aplicando ora
força, ora palavras, poucos bons exemplos, e nenhuma tolerância. Um método que faz antes
espantar e desconfiar, que chegar. (...)
“E o comandante da quinta divisão entra 20 ou trinta léguas o mato, procura os
ranchos dos Botocudos, vai cercá-los de noite e de madrugada cai sobre eles, mata mulheres e
crianças. Muitos dos Botocudos se fingiram mortos para escapar, estes mortos fingidos punha
eles numa fileira, faz com eles a cerimônia do batismo e depois corta as cabeças a todos”
“[Anotação feita à margem da carta remetida a Antônio de Araújo por: ESCHWEGE,
Guilherme (Barão de.) “[Carta a Antônio de Araújo de Azevedo]”, Sem local [Vila Rica],
[manuscrito], sem data [c. novembro de 1811], Arquivo Público Distrital de Braga, Caixa nº
31, Doc. s/nº, 7 pág. Autógrafo, sem assinatura.
Com efeito, muitos artistas brasileiros que viajaram à Europa com bolsas de
estudos, atuaram em ateliês desses artistas, deles recebendo influências, assimiladas,
todavia, de forma heterogênea: Oscar Pereira da Silva estudaria com Leon Bonart;
Décio Rodrigues Vilares, Almeida Jr. e Rodolfo Amoedo com Alexandre Cabanel;
Benedito Calixto tomaria aulas de Camille Boulanger, Joseph Robert-Fleury e Jules
Lefèvre, que ensinou também a João Batista da Costa. Pedro Weingartner foi
discípulo de Robert-Fleury e de Bouguereau.
21
Sobre o assunto, leia-se a comunicação “O Pompierismo Francês e suas relações com a pintura
acadêmica brasileira do século XIX”, de Ivan Coelho de Sá nos Anais do Seminário EBA 180,
ocorrido de 20 a 22 de novembro de 1996. Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes/UFRJ
(Pós-Graduação da Escola de Belas-Artes), 1996, pág. 157-164
Mas a arte seguiria seu contínuo desenvolvimento, assimilando, já durante o último quartel do
século XIX, novas tendências estéticas que alguns pintores viriam consignar no cenário
artístico nacional, como é o caso daqueles ligados ao alemão Georg Grimm, que inovaram o
gosto na interpretação da paisagem, rompendo definitivamente com a prática acadêmica de
ateliê e celebrando a pintura ao ar livre.
22
Sobre esse importante paisagista bem assim os artistas a ele ligados, consultar LEVY, Carlos Roberto
Maciel. O GRUPO GRIMM: PAISAGISMO BRASILEIRO NO SÉCULO XIX. Rio de Janeiro, Pinakotheke,
1980.
23
A professora Cybele Vidal Neto Fernandes desenvolveu interessante trabalho sobre o escultor e
toreuta Pádua e Castro, pela qual ela demonstra a importância desse personagem no cenário
artístico da segunda metade do século XIX, redecorando o interior de igrejas barrocas da
cidade do Rio de Janeiro, seguindo a linha neobarroca que marcaria o período. Leia-se a
propósito sua dissertação de mestrado intitulada A TALHA RELIGIOSA DA 2ª METADE DO SÉCULO
XIX NO RIO DE JANEIRO, ATRAVÉS DE SEU ARTISTA MAIOR ANTÔNIO DE PÁDUA E CASTRO
(Dissertação de Mestrado em História e Crítica de Arte da Escola de Belas-Artes (UFRJ),
março de 1991. O pintor e arquiteto Thomas Driendl também executou trabalhos de
decoração de templos cariocas, mantendo o gosto barroco que eles apresentavam, segundo
gentilmente informou-nos a historiadora da arte Myrian Ribeiro, que orienta atualmente um
trabalho desenvolvido pela restauradora Magaly Oberlander no programa de pós-graduação
da Escola de Belas-Artes (UFRJ) sobre esse assunto.
TRONCO DO IPÊ (1871), TIL (1872) e O SERTANEJO – e Bernardo Guimarães, autor de romances
populares ambientados no interior do Brasil.
Mas a arte segue seu rumo e o romantismo vai cedendo espaço às novas tendências. No fim do
século, surge Belmiro de Almeida, com a pintura ARRUFOS, de desconcertante realismo, logo
evoluindo para um trabalho marcado pelo Impressionismo e, em seguida, pelo Pós-
impressionismo. Outros artistas chegariam após o advento da República – e a questão da
construção dos emblemas da nação permaneceria em pauta24. Velhos mestres, como o próprio
Vítor Meireles, cairiam no ostracismo. Outros surgiriam, como os positivistas Décio Vilares e
Eduardo Sá. Na virada do século, brilha o nome de Eliseu Visconti.
RIBEIRO, Marcus Tadeu Daniel. O Romantismo na Pintura brasileira do século XIX. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 29/2001. Edição
comemorativa dos 500 anos da Descoberta do Brasil.
24
Cf. CARVALHO, José Murilo de. A FORMAÇÃO DAS ALMAS. Rio de Janeiro, Companhia das Letras.
Arte Moderna
Prof. Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
O termo Arte Moderna abriga várias tendências e até estilos dentro de si. Começa antes da chamada
Semana de Arte Moderna de 1922 e estende-se até pelo menos meados do século XX, quando então o
movimento fenece e dá lugar a outra época artística. É dentro da Arte Moderna que a hegemonia da
Escola Nacional de Belas-Artes se encerra, dando lugar às escolas locais de arte e, assim, fomentando
a diversificação regional tanto na pintura, quanto na escultura e na gravura.
Aspectos históricos
A modernidade no Brasil tem sido vista quase sempre
através das datas memoráveis, como as exposições de
Lasar Segall (1891-1957) em 1913 e de Anita Malfatti
(1889-1964) em 1917, a Semana de Arte Moderna de
1922 ou a criação da Bienal de São Paulo em 1951. Fa-
tos marcantes costumam servir de referências a um
processo artístico caracterizado pela ruptura com mo-
delos tradicionais de interpretação e de reprodução do
ensino da arte no ambiente cultural brasileiro.
Para a historiografia artística, a Semana de Arte Moder-
na, ocorrida em São Paulo em fevereiro de 1922, trans-
formou-se no marco zero do início do desenvolvimento
da Arte Moderna brasileira. A importância do aconteci-
mento tem-se afirmado ao longo do tempo pela sua for-
Ilustração 1 - Tarsila do Amaral,
"Retrato de Mário de Andrade",
ça simbólica dentro da História da Arte do modernismo
1922, óleo sobre tela, IEB - USP brasileiro.
Todavia, é importante observar que houve antecedentes
históricos no desenvolvimento da arte brasileira em di-
reção à modernidade antes da eclosão da Semana de
1922. Não foi esse um acontecimento estanque, iniciado
sob a “sugestão estrábica de escolas rebeldes”, para se
usarem os termos do escritor Monteiro Lobato (1882-
1948).
Da mesma forma, a Semana de Arte Moderna não se
constituiu num advento sozinho desencadeador de todo
o processo da modernidade. Houve avanços anteriores e
Ilustração 3 - ALMEIDA Jr., José Ferraz de. O violeiro, 1899. Óleo sobre tela,
Pinacoteca do Estado de São Paulo.
1 Deve-se fazer referência ao importante trabalho de REIS JÚNIOR, José Maria dos. Belmiro de Almei-
da (1858-1935). Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1984.
2 Cf. REIS Jr. Op. Cit., p. 82. (Trata-se de um trabalho da coleção particular de José Paulo Moreira da
Fonseca)
3 Ibidem, p. 90 (Colecionador Marília Seabra Buarque de Andrade)
4 Ibidem., p. 95. (Colecionador José Paulo Moreira da Fonseca)
5 Cf. ZANINI, Walter. Arte contemporânea. In: ______. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Fun-
dação Walter Moreira Salles, 1983. (499-820, especialmente o capítulo )
6 “O homem amarelo” pertence ao acervo do IEB-USP e já se encontra acautelada, não apenas por se
tratar de uma obra de arte pertencente ao poder público, mas também por se encontrar entre
bens tombados, em conjunto, pelo IPHAN, através do Processo 1217-t-87, que procedeu à sua
inscrição nos livros de tombo 1) Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; 2) Histórico; 3) Belas-
Artes sob o título de “Coleção Mário de Andrade do IEB/USP”.
vas do esquecimento.”7
O texto é polêmico, não apenas pela virulência com que
o escritor paulista verte suas críticas contra a pintora,
com passagens pontuadas de expressões alusivas a
“manicômio”, “arte anormal e teratológica”, “caricatura”,
como também mostra-se nem sempre muito lúcido em
suas ponderações estéticas, ao aproximar o estilo de
Malfatti, permeado do mais inequívoco expressionismo,
a um “impressionismo discutibilíssimo”.8
Ilustração 10 - Anita Malfatti, "O farol de Monhegan", 1915, Col. Assis Chateaubriand, Acervo MAM
9 MALFATTI, Anita. “O farol de Monhegan”, 1915, 46 x 61 cm, coleção Chateaubrian, Rio de Janeiro.
Ilustração 15 – Zina Aita, “Homens trabalhando”, 1922, óleo sobre tela, 22 x 29 cm.
Col. Yan de Almeida Prado
A artista havia estudado em Florença, mantendo-se a-
tenta as vanguardas parisienses, se bem que nem sem-
pre de forma sistematizada, o que dificultou a compre-
ensão de seu trabalho por críticos da época, como foi o
caso de Sérgio Milliet, que asseverou ser seu trabalho
“mais bizarro do que original”. Mas suas obras apresen-
tavam um cromatismo marcado por um acento moder-
no, pela intensidade das cores e pela fatura vibrante,
onde os contornos se fragmentam, numa alusão ao di-
visionismo neo-impressionista tardio. A temática apoia-
va-se no vocabulário realista, com sensibilidade à valo-
rização do trabalhador, dentro de uma perspectiva que
antecedia a vaga da iconografia humanística que assi-
nalou a arte brasileira nas décadas de 1930 e de 1940.
É imprescindível a referência à capa do catálogo da Se-
mana, elaborada pelo artista e ilustrador Emiliano Di
Cavalcanti, pela importância emblemática que adquiriu
com o tempo, transformando-se em ícone dessa exposi-
ção de arte, um símbolo do surgimento do Modernismo
no Brasil. Foi Di Cavalcanti também o principal promo-
tor, junto com o mecenas Almeida Prado, do evento em
causa.
10 FREYRE, Gilberto. Um grande pintor brasileiro, Diário de Pernambuco, Recife, 22 jun. 1969.
11 AMARAL, Tarsila. Pintura, pau-brasil e antropofagia. Revista Anual do Salão de Maio, São Paulo,
1939.
Ilustração 25 - Di Cavalcanti,
“Cinco moças de Guaratingue-
tá”, 1930,
Ilustração 31 - GOELDI, Oswaldo Sol vermelho, xilogravura, 23 x 41,1 cm (área impressa); 30,8 x 49,1
cm (suporte), sem assinatura
país.
Tanto no plano científico quanto no cultural, mudanças
significativas estão acontecendo. As universidades do
Distrito Federal (Rio de Janeiro) e de São Paulo são
fundadas em 1934, enquanto grandes intérpretes da
cultura e da história brasileiras fazem escola, como
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Gilberto Freire
(1900-1987) e Caio Prado Júnior (1907-1990).
No Rio de Janeiro, a construção do prédio do Ministério
da Educação e Saúde (1936-1945) e, em Belo Horizonte,
a do conjunto da Pampulha, testificam um momento de
incentivo que o próprio Estado dará aos artistas, enco-
mendando-lhes obras e edifícios públicos. Nesses como
em outros imóveis modernos, veem-se técnicas artísti-
cas tenderem à unidade, com a pintura mural, a escul-
tura, os painéis de azulejos, da mesma forma que acon-
teceu na era barroca.
A própria escola começava a se transformar e recepcio-
na em sua direção Lúcio Costa (1902-1998), que leva
outros arquitetos e artistas, como Gregori Warchavchik
(1896-1972), Celso Antônio (1896-1984) e Leo Putz
(1869-1940), sem retirar os antigos mestres de seus
cargos. Como reflexo dessa atitude conciliadora, vemos
Ilustração 32 – Prédio do antigo o Salão de Belas Artes de 1931, que congrega obras de
Ministério da Educação e Saú- artistas modernos, ao lado de outros ligados à tradição
de, de Lúcio Costa e outros. do ensino acadêmico. Foi a XXXVIII Exposição Geral de
(1937-1945)
Belas-Artes.
Essa exposição, conhecida também como Salão Revolu-
cionário ou Salão dos Tenentes, exerceria importância
capital sobre a arte brasileira, porquanto tenha tido
uma repercussão mais amadurecida e abrangente da
questão da modernidade no Brasil13. Lúcio Costa refe-
riu-se ao Salão Revolucionário como “um milagre”, que
viera renovar o ambiente das exposições gerais de be-
las-artes para além do continuísmo em que se encon-
travam as mostras oficiais.14
Se a Semana de Arte Moderna pode ser considerada um
marco da modernidade no Brasil, sem desconhecer os
antecedentes renovadores do advento de 1922, é apenas
a partir da década de 1930 que esse espírito renovador
começa definitivamente a ganhar corpo e a afirmar-se
como fato histórico.
O papel desse salão foi fundamental para a afirmação
da Arte Moderna do país. A Semana de 1922 havia sido
um evento de importância mais simbólica do que pro-
13 Cf. VIEIRA, Lucia Gouvêa. Salão de 1931: marco da revelação da Arte Moderna em nível nacional.
Rio de Janeiro: Funarte, 1984.
14 Ibidem, p. 65.
O Núcleo Bernardelli
Outra iniciativa que caracterizou a tendência difusa e
18 KELLY, Celso. Implantação da Arte Moderna no Rio. II Congresso Nacional dos Críticos de Arte, São
Paulo, 12 e 15 de dezembro de 1961 apud. ZANINI, Walter. Arte contemporânea. In: ______.
História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Fundação Walter Moreira Salles, 1983. p. 570
19 Idem.
20 LEITE, José Roberto. Núcleo Bernardelli. Núcleo Bernardelli. In: In: ARTE no Brasil. São Paulo: Abril
Cultural, 1979. p. 763, v. 2
Ilustração 40 - Bruno Lechowsky, “Ilha das cobras”, 1933, Col Museu Naval do Ministerio da Marinha
Ilustração 43 - Cândido Portinari, "Café", 1935, 130 x 195 cm, Col. MNBA
Considerações finais
Convencionou-se dizer que se encerra o período da Arte
Moderna brasileira com o advento da pintura abstrata,
que ocorre a partir da década de 1950. Desde seu sur-
gimento, no final do século XIX, até meados do XX, vá-
rios artistas atuam dentro de tendências díspares, refle-
tindo estilos distintos da arte europeia.
Entre as grandes tendências que se verificam no Mo-
dernismo, observa-se, já na fase que antecede a Sema-
na de 22, o Realismo, o Impressionismo, o Pré-
rafaelismo, o Simbolismo e, ao longo do século XX, o
Expressionismo, o Futurismo, o Cubismo, o Surrealis-
mo, além de outras tendências estilísticas.
Dada a sua diversidade, é muito difícil fazer-se uma
tentativa de caracterização formal de um estilo moderno
no Brasil. No entanto, um fator histórico pode ser apon-
tado como um elemento que une todos os estilos que
compõe a Arte Moderna brasileira: o desejo de suplan-
tar uma forma acadêmica de representação do mundo
real e de ensino da arte.