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Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada

Gestão e Prática de Obras de Conservação e Restauro do Patrimônio Cultural

AULA 26
OFÍCIO DA CANTARIA I

Conservação das pedras em edificações de valor cultural

Orientações ao Gestor de Restauro Jorge E. L. Tinoco


2014

Módulo II - Teoria e Experimentos dos Sistemas Construtivos – Ofício da


Carpintaria e Marcenaria
Objetivo da aula: Informar sobre as atividades da conservação das pedras
utilizadas nas edificações de valor cultural.
Metas: Dar conhecimento sobre os procedimentos e condutas adequadas e mais
avançadas para a garantia da autenticidade e integridade dos componentes
construtivos em pedra.
Resumo: Apresenta um termo de referência básico para intervenções em
componentes construtivos em pedras de cantaria. Traça diretrizes,
responsabilidades e obrigações do responsável técnico enquanto gestor de
restauro de obras e serviços de conservação de cantarias. Apresenta um roteiro
básico de procedimentos além de tratar das patologias das pedras a partir do
glossário elaborado pelo IOCMOS.
Palavras chaves: conservação da pedra, componentes em pedra, cantaria.

1. INTRODUÇÃO
A aula anterior alertou quanto ao Gestor de Restauro ser o responsável por tomar
as decisões no âmbito da escolha dos métodos e condutas de procedimento nas
intervenções a que o patrimônio cultural será submetido. Desde o Encontro de
Bolonha (Itália, 1971), especialistas em conservação das pedras em edificações
de valor cultural se dedicam a identificar materiais e técnicas que possibilitem
os componentes construtivos suportar melhor às exposições ao tempo e às
deteriorações endógenas e exógenas que são submetidos.

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Quando os construtores escolhiam as pedras para construir faziam na certeza


de obter maiores resistências, durabilidade e beleza para as edificações.
Extraídas conforme as disponibilidades da Natureza de cada região, nem
sempre a escolha das bancadas na pedreira era a mais adequada. Algumas
técnicas de extração e de aplicação (assentamento) denunciariam mais tarde
problemas na conservação das pedras. Até hoje, a escolha de alguns tipos de
pedras são responsáveis pela precocidade na degradação. Sejam para
ornamentar fachadas de edifícios, revestimentos de pisos ou aplicações em
componentes utilitários (balcões, lavabos etc.) nem todas são recomendáveis
para os ambientes e esforços a que são submetidas.

Nas ações de conservação das pedras, quer em estruturas (alvenarias ou


componentes), ornamentos ou revestimentos, a importância da caracterização
das rochas e das técnicas construtivas começa na pesquisa mineral, passando
pela lavra (aparelhamento) e beneficiamento até suas aplicações. Ou seja, são
necessárias investigações para se saber sobre o seu estado a partir de estudos
com vistas a determinar os níveis de decaimento. Neste sentido, reportamo-nos
à aula 6 (Habilidades do Gestor III) que tratou da necessidade de o Gestor de
Restauro buscar respostas aos porquês e aos comos dos processos de interações
da edificação com os materiais, os componentes e o meio onde está construído.

Não é lugar comum repetir sobre a


necessidade de haver uma equipe
interdisciplinar de arquitetos,
engenheiros, geólogos e de
historiadores trabalhando para saber
da conservação dos componentes
construtivos em pedra. As viagens
de estudos e visitas técnicas realizadas durante o curso de Gestão de Restauro
mostram intervenções com muitos insucessos devido à falta de conhecimento
das características naturais que os materiais pétreos possuem. Há também as

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patologias induzidas pelos métodos de lavras, processos de beneficiamento,


usos e intervenções inadequadas que podem provocar alterações e danos os
mais diversos.

2. TERMO DE REFERÊNCIA
Para elaboração de intervenções de manutenção, conservação e restauro de
componentes construtivos em pedras de cantarias é importante estabelecer
diretrizes, normas, responsabilidades, obrigações e discriminações de
procedimentos técnicos (especificações e caderno de encargos).

A salvaguarda de um
conjunto de pedras de
cantarias no Brasil, algumas
remontando ao início do
século XVI, tem por
objetivo principal a
garantia da integridade e
estabilidade dos materiais,
Igreja de Nossa Senhora da Guia – Lucena PB
técnicas e sistemas
construtivos, para que se possam transmitir a autenticidade dos valores
culturais no contexto histórico-artístico da edificação.

2.1 DIRETRIZES

As intervenções devem ser realizadas com base em projetos executivos,


devidamente aprovados pelas instituições reguladoras e fiscalizadoras em
níveis federal, estadual e municipal, conforme o caso do status de proteção legal
da edificação. Por projeto executivo entenda-se o conjunto dos elementos
técnicos necessários e suficientes à execução completa dos serviços, de acordo
com as normas da construção civil pertinentes à ABNT, ao CREA e ao IPHAN.

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O critério estabelecido para nortear as intervenções conservativas e de restauro


no conjunto das cantarias é o princípio do respeito à autenticidade e à mínima
intervenção possível. Neste sentido, quando for o caso, ao se realizar a
aplicação de próteses, enxertos e produtos naturais ou sintéticos nas pedras,
deverão ser levadas em consideração de maneira rigorosa todas as exigências
da conservação e condições de segurança.

As intervenções de conservação das cantarias devem dar prioridade às técnicas


e aos materiais tradicionais como condutas básicas. Assim, não se deverão
empreender ações sem que sejam ponderados antes os possíveis benefícios e
prejuízos nos componentes e seus elementos.

Os trabalhos devem ser realizados por uma equipe pluridisciplinar, cuja


composição deve ser determinada pelo tipo e envergadura do problema,
devendo trabalhar conjuntamente desde as primeiras fases do projeto, assim
como nos exames iniciais do lugar até a verificação final na entrega dos
serviços.

Para que se evitem prejuízos e danos ao patrimônio é necessário que a execução


dos serviços de conservação e restauro das cantarias estruturais e ornamentais
seja realizada sob a responsabilidade de um conservador especialista de
formação prático–acadêmica, que coordenará o pessoal técnico de comprovada
experiência. A equipe deve ser auxiliada, conforme casos, por um corpo de
especialistas das áreas da química, biologia, geologia, bens integrados, de
modo que as decisões de intervenção sejam frutos de um pensamento
colegiado. O mestre cantéo ou canteiro deverá sempre ser ouvido e acompanhar
os trabalhos de investigações e de propostas de intervenções.

No que couber, devem ser observadas as recomendações e os procedimentos


constantes nos manuais de Conservação de Cantarias e de Encargos, publicados
pelo IPHAN.

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Em princípio, a proposta de intervenções nos componentes construtivos em


pedras de cantaria deve ter sido produzida a partir do seguinte roteiro básico
de procedimentos:

a) Investigações preliminares a partir da elaboração da documentação gráfico-


fotográfica, do levantamento descritivo e das pesquisas históricas (fontes
impressas, escritas e orais), inclusive as iconográficas;

b) Conhecimento da litologia, isto é, identificação geológica da rocha e da sua


região (jazida), para se saber da formação, idade, coberturas e todas as suas
características enquanto na natureza e após a lavra.

c) Identificação das patologias através do mapeamento de danos tomada a


partir da elaboração das fichas de identificação de danos. Os exames
petrográficos em laboratórios devem ser feitos com microscopia óptica (mais
prático e barato) para reconhecimento dos minerais, suas características
textuais, porosidade, graus de alterações minerais quantificações; ou ainda
com processos mais sofisticados e avançados como o DRX (Difração de Raios
X) ou o MEV (Microscopia Eletrônica de Varredura), este só disponíveis em
grandes centros de estudos.

d) Definições das condutas e dos processos de intervenção que correspondem


aos prognósticos, acompanhadas das especificações dos serviços e das
descrições dos procedimentos, inclusive os roteiros de atividades com as
respectivas linhas de tempo.

e) Por último, as análises de gestão de riscos com os procedimentos de


inspeções de rotinas e as manutenções preventivas e preditivas periódicas.

2.2 RESPONSABILIDADES

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É de responsabilidade do conservador responsável técnico a qualificação e


quantificação dos recursos técnicos, humanos e financeiros necessários aos
trabalhos, para observância dos prazos e demais exigência dos serviços.

É também de responsabilidade do conservador responsável técnico, o pleno


cumprimento das leis e normas regulamentares da execução dos trabalhos e das
condições de segurança, cabendo-lhe exclusivamente a responsabilidade por
ações trabalhistas, previdenciárias e acidentárias que venha ser promovidas por
seus subordinados ou prepostos.

É obrigação do conservador responsável técnico realizar intervenções que


permitam, no futuro, a reversibilidade dos materiais e produtos aplicados. Alias
esse é um dos princípios éticos basilares da conservação do patrimônio cultural.

Os materiais devem ser compatíveis com aqueles que constituem as cantarias


dos componentes construtivos, devendo ser evitados o emprego de produtos
que ponham em risco a integridade das pedras. A utilização de materiais
sintéticos (resinas epoxídicas, acrílicas, poliésteres...), quando necessárias,
devem preceder de estudos e análises específicos de compatibilidade,
adaptação aos originais e, principalmente, de reversibilidade. Em princípio e
conforme o caso, não é recomendável que tais materiais sejam aplicados nas
pedras expostas diretamente às intempéries.

Antes de se tomar a decisão de realizar uma intervenção que afete a integridade


das pedras, é indispensável determinar e se ter a certeza de quais são as causas,
as origens e a natureza dos danos e das degradações. Só após o pleno
conhecimento das patologias e danos é que se pode avaliar o grau de segurança
e eficácia das propostas de intervenção.

A substituição de pedras só deve ocorrer em situações excepcionais, sendo que


as próteses só deverão ser realizadas quando os danos nas pedras não
permitirem mais as funções estruturais e estéticas. A opção de intervenção a
partir do processo de anastiloses deve ser amplamente analisada para avaliação

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de essa ser a alternativa mais apropriada ao caso. Por se tratar de uma ação de
invasão massiva na edificação ou no componente construtivo, a decisão pela
anastilose deve estar suficientemente embasada para justificar esse meio. Nesse
caso, é indispensável a modelagem computacional dos processos de desmonte e
remonte dos componentes construtivos. Através de maquete eletrônico é
possível se saber identificar os níveis de dificuldades, garantir a exequibilidade
das operações e saber dos resultados técnicos e estéticos finais. Afinal, num
modelo virtual todas as alternativas e os cenários podem ser ensaiados e
analisados sem nenhum risco de danos ao patrimônio.

Antes, durante e depois de quaisquer ações ou intervenções, o conservador


responsável técnico deverá colher todas as informações capazes de gerar e
salvaguardar o conhecimento a respeito dos serviços. Todos os trabalhos
deverão ser extensamente anotados e documentados, gráfica e
fotograficamente, resultando em um relatório final circunstanciado com base no
Livro de Ocorrências (Diário de Obras)1.

Todos os membros da equipe de projeto e de execução das intervenções têm a


responsabilidade para com o conjunto dos componentes da edificação. No caso
das pedras de cantaria objeto de intervenção, o respeito absoluto ao valor e
significado estético e histórico, bem como à integridade física das peças e dos
elementos construtivos, deve ser um dos princípios de conduta dos
profissionais.

2.3 PROCEDIMENTOS BÁSICOS

Os serviços nas cantarias dividem-se em duas áreas de ações:

– Cantaria estrutural

– Cantaria ornamental.

1 Leia http://www.ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/96-boas-praticas/674-diario-de-obras.html

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São consideradas estruturais as cantarias das pilastras, colunas, entablamentos,


arcos, cercaduras de vãos, soleiras, lajeados, cachorros, escadarias e outras que
tenham função de embasamento ou sustentação. Nesse caso podem ser de lavra
ou de aparelho, sendo as primeiras usadas de maneira ordinária em alicerces e
alvenarias comuns e as outras em silhares (canteadas).

São consideradas ornamentais as cantarias dos elementos integrados e


aplicados dos arremates do frontispício, vãos de portas e janelas, elementos
funcionais como pia batismal, lavabos e outros com função unicamente
artístico-compositiva.

A execução das ações de conservação e restauro das cantarias de um conjunto


arquitetônico deve ter base na seguinte documentação técnica:

– Documentação gráfico-fotográfica dos silhares de pedras;

– Estudo para caracterização do material lapídeo;

– Estudo das patologias;

– Concepção da intervenção;

– Especificações dos materiais;

– Descrição dos encargos;

– Composição de preços

– Cronogramas físico-financeiros

– Recomendações de monitoramento.

Dentro das diretrizes gerais dos serviços, recomenda-se ao Gestor de Restauro


que os serviços conservação sigam o seguinte roteiro de procedimentos:

PROCEDIMENTOS
SERVIÇOS EVENTUAL
OBRIGATÓRIO
(conforme caso)
Documentação gráfica e fotográfica X

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Testes e análises microquímicas X


Limpeza e higienização mecânica X
Consolidação X
Desmontes X
Dessalinização X
Enxertos X
Próteses X
Remontagem X
Proteção X

2.3.1 RECOMENDAÇÕES GERAIS

Os serviços devem obedecer às seguintes recomendações gerais, conforme


etapas específicas:

– Documentação gráfica e fotográfica

As áreas de intervenções devem ser fartamente documentadas através de


desenho técnico, em escala compatível com as dimensões do objeto, de modo a
detalhar as técnicas construtivas e as modenaturas. As tomadas fotográficas e
microfotográficas digitais devem apresentar resoluções superiores a 8 mega
pixels. Devem ser utilizados escalímetros para se fixar as proporções dos
elementos fotografados, assim como um Color Checker Chart para permitir o
carregamento de perfis de cores e a calibração de monitores e impressoras a fim
de se obter imagens em cores reais e efetivas.

– Testes e análises microquímicas

Devem ser priorizados testes e análises pelos métodos não destrutivos, sendo
que, quando estritamente indispensável, serão retiradas amostras minimamente
necessárias à realização das análises petrográficas. Os testes devem abranger
desde a aplicação do mais simples produto ao mais complexo procedimento de
intervenção. Sempre pelo método da ação progressiva, ou seja, de soluções e

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produtos os menos agressivos até de maior ação. Quando da aplicação de


produtos para testes, como o de solvência, por exemplo, estes devem
neutralizados imediatamente após a análise para evitar se ações e efeitos
residuais.

– Higienização

Corresponde à desinfecção das pedras, objetivando a eliminação das sujeiras,


incrustações e população microbiana. Deve ser feita inicialmente através de
limpeza seca com pincéis de cerdas macias, seguindo-se o processo úmido ou
molhado. Nesse caso a limpeza úmida pode ser feita inicialmente com o uso de
um bastonete, pano ou esponja umedecida em solução detergente ou
desinfetante, enxaguando-se em seguida com água limpa e potável. As
esfregações com escovas de cerdas de nylon devem usar água corrente ou
aspergida com enxágues sucessivos.

– Limpezas

Conforme níveis de impregnações de corpos estranhos e sujeiras orgânicas e


inorgânicas, os procedimentos da limpeza serão realizados a partir de
diagnósticos, apoiados em métodos de caráter qualitativo e quantitativo. Os
primeiros deverão se basear na observação da ação abrasiva sobre o suporte
pétreo; os outros, nas provas dos materiais e verificação dos dados e análises
das remoções. No caso de

– Consolidação das áreas com fissuras

Os silhares que apresentarem fissuras simples ou múltiplas, após estudos e


sanadas as causas e origens dos danos, devem ser escarificados nas reentrâncias
e preenchidos com argamassa à base de cal maturada + areia siliciosa com
adição de pigmento de base mineral para reintegração estética. Esse método
deve garantir a coesão dos elementos e a reversibilidade futura.

– Desmontes parcial ou total e remontagem

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Os desmontes só devem ser admitidos quando necessário e após exaustivos


estudos, sendo o mais amplamente documentado e com os recursos financeiros
devidamente garantidos para a continuidade e finalização dos trabalhos.

– Dessalinização

Os procedimentos só devem ocorrer com o pleno conhecimento da qualificação


e níveis de concentração (quantificação) dos íons de sais solúveis, após análises
laboratoriais. Serão favorecidos os processos osmóticos através de compressas
com água deionizada. Vale ressaltar que os elementos dessalinizados ficam
mais sensíveis à absorção de umidade que, no caso de ambientes próximos ao
mar, podem favorecer as reações mais agressivas que as anteriores.

– Enxertos

O enxerto consiste no ato de preenchimento de áreas de perdas por acidentes


com argamassas sem função estrutural. Os enxertos só devem ser aplicados em
áreas previamente estudas e sem prejuízo da percepção dos desgastes
característicos e naturais ao desgaste pelo tempo. Nesse caso, a patina tem uma
função de caracterização de significância do objeto antigo, garantindo-lhe os
valores de autenticidade.

– Próteses

A prótese consiste na operação de substituição de áreas de pedras cujas perdas


acidentais ou patológicas comprometam a integridade estrutural do silhar.
Neste caso, devem empregadas pedras semelhantes as existentes, inseridas com
samblagens de modo a garantir uma reintegração funcional e estética
harmoniosa.

– Proteção

Após os serviços devem ser aspergida uma solução com biocida de amplo
espectro, inofensivo aos seres humanos, hidrossolúvel e com largo efeito
residual.

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- Monitoramento

O controle das intervenções para fins de inspeções periódicas e manutenções


preventivas deve ser feito com base nas FIDs (Ficha de Identificação de Danos)
e nas fichas com os históricos das intervenções (tipo was build ou Ficha de
Histórico de Serviços – FHS).

3. PATOLOGIAS
As edificações e os componentes em pedra naturais são afetados pelo
intemperismo. As ações do tempo associadas às condições do meio ambiente
em muitos os caso são alarmantes. Neste sentido a caracterização, a avaliação, a
quantificação e a classificação dos danos nas pedras são essenciais para a
implementação de ações efetivas e econômicas para a conservação.

A determinação dos danos a partir da identificação por métodos científicos dos


sintomas ou manifestações, das causas, origens, natureza e dos agentes
patológicos é um passo inovador e avançado para o conhecimento do estado de
conservação. O método de mapeamento de danos com base nas FIDs é um
procedimento de expertise para análises confiáveis. O método se baseia na
formulação de um elenco de hipóteses efetivas que visam esclarecer as (a)
causas, (b) origens, (c) natureza, (d) manifestações, (e) mecanismos e (f)
agentes de ocorrências que estejam promovendo a perda no desempenho de
um componente construtivo.

a) A determinação das causas dos danos é o principal foco do conservador na


busca de soluções para sanar os problemas de degradação. Não existe causa sem
efeito e efeito sem causa, essa é uma máxima extraída dos estudos sobre a Lei da
Ação e Reação de Newton. Também, pela lei natural da Entropia2 tem-se que,
tudo no Universo tende a se acabar ou a fenecer em razão das trocas de
energia. Deduz-se então que, tanto os materiais em si como os componentes

2 Segunda Lei da Termodinâmica.

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construtivos tendem ao decaimento físico e funcional por sofrerem os efeitos


do tempo sobre seus elementos físico-químicos, mesmo que tenham sido bem
constituídos e aplicados ao uso. Denomine-se essa ação temporal sobre os
materiais como causa primeira ou elementar, inexorável. Para combatê-la, os
hábitos das inspeções e manutenções periódicas são os agentes mais
poderosos para a resiliência 3.

Em determinadas situações , pode ocorrer ações de vários agentes agressivos


em uma ou mais partes da edificação. Como tais circunstâncias podem tornar
complexa a identificação dos níveis de intensidade dos ataques, é prático
dividir as causas num quadro geral:

▫ Causas operantes ou eficientes

▫ Causas predisponentes ou coadjuvantes

As causas operantes são as causas principais, as responsáveis pelo maior


montante dos problemas e prejuízos sobre componentes. As causas
predisponentes referem-se à ação do tempo (entropia), debitadas pela
ausência de manutenção periódica. Trata-se de causas que atuam de modo
coadjuvante à ação operante principal, suas ações podem ser lentas, mas são
constantes e progressivas. Além disso, as causas podem estar visíveis e
ocultas. As que não se apresentam a vista do observador são reveladas através
de investigações 4.

b) Para se saber sobre a origem das causas dos danos, deve-se responder ao
porquê do dano: Por que isto é ou está assim? A resposta leva ao ponto inicial ou
ao momento indutor do decaimento. Particularmente interessa saber a origem
das causas operantes, as principais, pois as coadjuvantes têm origem no
descuido humano pela falta de manutenção periódica.

3Propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão
causadora duma deformação elástica, in Aurélio Novo Dicionário da Língua Portuguesa – Século
XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999.
4 Vejam-se métodos direto, indireto e misto, tratados na aula sobre o Mapa de Danos.

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A origem do dano num componente construtivo se relaciona com a sua vida


útil, ou seja, pode se localizar desde o procedimento de extração do material
na Natureza, passando pelo beneficiamento até o seu emprego na edificação.
A origem sempre está relacionada à produção pela atividade humana. Assim,
um dano pode ter origem na concepção do projeto, isto é, na elaboração do
detalhe construtivo, passando pela sua execução até a maneira como o
material é utilizado na vida diária. Em ambos os casos, o ponto de origem de
um dano pode se localizar na linha entre o modo incorreto de se trabalhar um
material desde a fase in natura até sua aplicação e manejo.

c) Em oposição, a natureza do dano num componente localiza-se nas


propriedades dos seus materiais constitutivos, ou seja, nas qualidades
interiores e exteriores (físico-químicas) que caracterizam e distinguem a
matéria. Então, verifica-se que a natureza do dano pode variar de material
para material. O profissional conservador deve ter o conhecimento sobre as
propriedades ou natureza dos materiais. Isso é básico para que ele possa
deduzir o comportamento do material num componente em função das ações
dos agentes deletérios.

d) Nos estudos dos danos é necessário se saber sobre a maneira como eles se
manifestam ou quais sintomas são observáveis à primeira vista. É a partir das
manifestações que se inicia o processo de investigação das causas, a origem e
a natureza dos fenômenos patológicos. A ocorrência das manifestações ao
nível da superfície dos componentes nem sempre acompanha o momento do
surgimento do problema. Há casos em que a manifestação só fica visível ao
observador, seja usuário da edificação ou profissional em rotina de inspeção,
após os estragos já estarem em estado avançado de degradação 5. Só a partir da
verificação do sintoma é que se torna possível arrolar as medidas necessárias
para se conhecer, evitar o agravamento e sanear os problemas. Evidentemente,
quanto mais cedo às manifestações surgirem, tornarem-se visíveis e forem

5 Semelhante a determinados tipos de câncer nos humanos, há danos que ocorrem ocultos à
simples visão do observador. Citam-se como exemplos, os problemas dos ataques biológicos na
fundações de uma edificação.

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detectadas, menor será a perda de desempenho no componente, e,


consequentemente, mais simples e barato serão os reparos. Daí resulta ser de
grande importância a realização de inspeções de rotina, através de profissional
especialista, para que as manifestações de danos possam ser precocemente
detectadas.

e) A compreensão e entendimento dos mecanismos ou processos como os


danos surgem e se agravam num componente construtivo, levando-o à
falência de sua funcionalidade, é determinante para a identificação da melhor
alternativa para resolução dos seus efeitos. A resposta à pergunta  Isto, como
funciona?  pressupõe a identificação das causas, origem e natureza dos danos.
Normalmente, é a relação natureza versus origem que desencadeia o processo
de formação (mecanismo) do problema e dano. O estudo do processo de
degradação de um componente construtivo exige expertise e a colaboração de
disciplinas as mais diversas, e refere-se ao cerne das etapas de investigações e
análises. Os ensaios e testes locais e laboratoriais são ferramentas importantes
e devem ser realizados para exaurir as dúvidas recalcitrantes.

f) Um ou vários agentes podem atuar para a degradação das edificações e


seus componentes construtivos. Para este estudo, excetue-se a lei natural da
entropia, e têm-se os agentes geológicos, climáticos e meteorológicos,
biológicos e humanos como principais responsáveis, diretos ou indiretos, pela
deterioração. Os agentes podem ser endógenos ou exógenos. A detecção nem
sempre é fácil, muito menos o enfrentamento para deter suas ações. Por
exemplo, um vício de construção é facilmente corrigível, mas as ações eólicas
ou as substâncias poluentes da atmosfera são difíceis e muitas vezes
impossíveis de ser neutralizadas. Na maioria dos casos, os agentes
continuaram atuar independentemente das possibilidades de intervenção.

Um léxico das patologias das pedras está disponível aos profissionais que
atuam na conservação de componentes construtivos em pedra. Trata-se de um
conjunto de vocábulos que apresenta um largo espectro de manifestações de
danos, podendo ser aplicado a todos os tipos de pedra e para todas as cantarias

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de uma edificação. Esse glossário, publicado pelo ICOMOS 6, fornece


informações detalhadas que podem ser usadas em textos e no processamento de
ilustrações e avaliações quantitativas e qualitativas.

O esquema de classificação das manifestações dos danos com as respectivas


definições estão adequadas parâmetros de classificação internacional. Esse
trabalho foi realizado a partir dos estudos de FITZNER, HEINRICHS e
KOWNATZKI em 1995 e a apresenta uma versão atualizada por FITZNER e
HEINRICHS em 2002. Apresenta uma estruturação hierarquizada,
compreendendo quatro grupos de formas de danos: Grupo 1 - perda de
material pétreo; Grupo 2 – descolorações e depósitos; Grupo 3 – desagregações;
Grupo 4 – fissuras, lesões e deformações.

5. CONCLUSÕES
O Gestor de Restauro é consciente de que os procedimentos técnicos básicos
para os estudos e as análises do estado de conservação das cantarias são
indispensáveis à realização de intervenções minimamente sustentáveis. O
método de mapeamento de danos a partir das FIDs e as intervenções de
conservação documentadas em históricos de serviços são procedimentos
científicos modernos que garantem a preservação do patrimônio. O quadro
sinóptico a seguir apresentar um fluxograma das atividades para o estudo e
resolução dos danos em um componente construtivo de pedra. É útil para
ilustrar o compromisso que o profissional conservador deve assumir perante
sua responsabilidade técnica como Gestor de Restauro.

A preservação das cantarias e dos demais componentes construtivos de uma


edificação só pode ser garantida pelo hábito das boas práticas das manutenções
preventivas e preditivas. As práticas de conservação pelas ações da manutenção

6Disponível em: http://www.icomos.org/publications/monuments_and_sites/15/pdf/Monuments_


and_Sites_15_ISCS_Glossary_Stone.pdf . Acesso em: ago. 2014.

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garantem uma relação custo-benefício que pode multiplicar a longevidade da


edificação.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ICOMOS-ISCS, Glossaire illustré sur les formes d’altération de la pierre. Disponível em:
http://www.icomos.org/publications/monuments_and_sites/15/pdf/Monuments_a
nd_Sites_15_ISCS_Glossary_Stone.pdf
FITZNER, B., HEINRICHS, K. & KOWNATZKI, R., Weathering forms -classification and
mapping. Verwitterungsformen - Klassifizierung undKartierung. Editora Verlag Ernst &
Sohn, Berlin, 1995.
FITZNER. B. e HEINRICHS, K., Damage diagnosis on stone monuments -weathering forms,
damage categories and damage indices. Editora: KarolinumPress, Charles University,
Prague, 2002.
TORRACA, Giorgio e MANARESI, R Rossi, The Treatment of Stone: Proceedings of the
Meeting of the Joint Committee for the Conservation of Stone: Bologna, October 1-3 1971
Editora Bologna, Centro per la conservazione delle sculture all'aperto, 1972.

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