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8.1 Desincorporação «societal» dos partidos pol íticos
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m Como sublinham Katz e Mair, ao afastarem-se do modelo do partido de massas
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os partidos políticos tendem a perder a sua vocação eminentemente «societária»
expressa sobretudo na articulação e na representação dos diversos interesses
—
sociais junto das instituições políticas , apresentando-se transitoriamente
como uma espécie de brokers ou agentes duplos entre a sociedade civil e o
O decl í nio da vocação socie-
tal dos partidos-cartel
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Estado e transformando-se depois em autênticos agentes «semi-estatais». Ou
m seja: em actores particularmente interessados em criai- um ambiente institucional
m e normativo favorável à sua sobrevivência e capaz de reforçar a sua capacidade
de resistê ncia perante os desafios colocados por novos grupos alternativos. O
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que ajuda a explicar o declínio da sua função de intermediação entre a esfera
I social e a esfera institucional e a sua crescente penetração no Estado através
do controlo e da manipulação dos recursos públicos (Katz e Mair 1995: 11 e
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Y 14).
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Pois bem, e como notam ainda Katz e Mair, a colocação preferencial dos
f. partidos-cartel ao lado da burocracia do Estado e o seu progressivo isolamento
da sociedade civil estão na origem de um recuo ou declínio em termos de
- I#-- - desenvolvimento organizativo: «De facto os partidos enquanto tais n ão
declinaram, mas modificaram -se e encontram-se hoje cada vez mais
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-V implantados nas instituições. Por outro lado, parece cada vez mais evidente a
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ocorrência de um acentuado declínio das organizações partidárias
menos quando avaliadas em termos de simples dimens ão ,
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• relevância sociais » (Mair 2003: 285).
. m.. A diminuiçã o ou estagna -
ção dos n íveis de filiação e
ifc Este recuo ou declínio dos partidos enquanto organizações parece encontrar activismo partid á rios
è suporte empírico na diminuição ou estagnação dos níveis de filiação e activismo
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partidários, e pode ser explicado pela mudança de natureza ocorrida em muitos
partidos relevantes da Europa Ocidental, os quais, orientando-se mais para os
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eleitores do que para os filiados e preocupando-se mais com o acesso aos
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recursos do Estado do que com a mobilização da sociedade civil, tendem a
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revelar um certo desinteresse pelo recrutamento quantitativo de filiados e pela
organização dos membros de base e dos activistas.
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educação política e representá- las junto do Estado os partidos de massas
especializados foram obrigados a cultivar uma filiação numerosa e a promover
è uma participação activa dos filiados na vida partidária; já os partidos do tipo
catch-all, como observam Kirchheimer e Panebianco, procuraram desenvolver
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:r a sua actividade de brokers entre a sociedade civil e o Estado através do recurso
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aos meios de comunicação social nomeadamente à televisão que se impôs
como uma verdadeira «correia de transmissão» entre os partidos e os seus
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e do marketing político eleitoral tendem a tornar ainda mais pronunciado e
generalizado o desinvestimento dos partidos e das suas respectivas lideranças
Finlâ ndia 513.1 18.9
9.4
520.1
326.4
12.9
2.9
Holanda 648.4
no que respeita quer ao recrutamento quantitativo de filiados quer à participação Inglaterra 3258.8 9.4 1426.3 3.3
e envolvimento destes na acção partidária. 129.3 5.3
Irlanda
Os dados relativos à evolu - • i
ção da filiação partid á ria na Se é certo que a an á lise dos dados relativos à evolução da filiação partid ária ! Itália 4332.8 12.7 4.405.2 9.7
Europa Ocidental
—
entre o início da década de 60 e o final da década de 80 um per íodo que,
relembre-se, corresponde ao advento do partido-cartel no contexto de algumas
Noruega
Suécia
363.7
1092.1
15.5
22.0
432.0
1343.3
13.5
21.2
—
democracias da Europa Ocidental , não permite secundar inteiramente esta
leitura, certo é também que os dados mais recentes apresentados por Mair e K: •
-
Fonte: Mair (1994: 5)
Biezen confirmam uma tendência clara e generalizada para a diminuição dos Avr:
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níveis de filiação, o que parece sugerir o declínio dos partidos enquanto
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organizações de membros e o enfraquecimento da sua capacidade de penetração
social. Detenhamo- nos, pois, um pouco mais na análise dos dados disponíveis. •‘
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Ora perante os dados aduzidos no quadro supracitado —e considerando a
filiação partidária enquanto percentagem do eleitorado nacional como um
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Como se pode ver no quadro 8.1, entre o início dos anos sessenta e o final dos
:
indicador da capacidade de « penetração social » dos partidos e a filiação em
anos oitenta, as tendê ncias observadas na evolução da taxa de filiação em n úmeros absolutos como um indicador da sua capacidade de «integração
termos relativos e em termos absolutos estão longe de ser coincidentes: se são —
organizacional» pode falar-se de um relativo enfraquecimento dos partidos
enquanto veículos de participação política dos cidadãos , mas não do seu
muito poucos os países da Europa Ocidental a registar um aumento dos níveis
O decl ínio dos partidos
de filiação partidária em termos relativos ( apenas a Alemanha e a Bélgica), tal declínio ou fracasso enquanto organizações de membros. E ainda assim , enquanto organiza ções de
não acontece quando se consideram os valores absolutos , pois são mais os Ú". segundo Katz e Mair, trata-se de uma conclusão que pode ser abusiva sen ão membros ou enquanto veí-
culos de participaçção pol í-
países em que se verifica um acréscimo do n ú mero de filiados ( Alemanha, formulada prudentemente, posto que o decréscimo dos n íveis de filiação tica? i
Bélgica, Finlândia, Itália, Noruega e Suécia) do que aqueles em que se observa partidá ria em termos relativos é explicável pela expansão dos eleitorados
um decréscimo do nú mero absoluto de filiados (Áustria, Dinamarca, Holanda nacionais e pelos processos de centralização, actualização e informatização
e Reino Unido). dos censos partidários, que tiveram lugar em muitas partidos políticos da Europa
—
Ocidental processos que, como facilmente se adivinha, podem ser respon -
sáveis pelos efeitos «deflacionistas» na contagem dos filiados dentro dos
respectivos partidos.
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Atendendo a estes dados relativos aos níveis de filiação partidá ria em algumas
: r. democracias há muito estabelecidas na Europa Ocidental , percebe-se por que
£: é que os teorizadores do partido-cartel chamam a atenção para o facto da
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ia, entre o início da década de 60 e o final da década de 80, justificam
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tom cauteloso e reticente com que Katz e Mair abordam a questão do
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elevados níveis de filiação, continuando os membros ou filiados a ser encarados 0
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como um recurso organizativo importante que deve ser mantido e cultivado. £ « declínio organizacional » dos partidos políticos sublinhando os esforços
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H. I o por parte de muitos partidos
Dito isto, cabe então perguntar: Quais os motivos que levam os partidos m 1. de manutenção ou de aumento dos níveis de filiaçã
-
Quais os motivos que levam estabelecidos a preservar os seus níveis de filiação e se possível a expandi- VT
%f europeus, ditados tanto por motivos instrumentais como por motivos 1
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\ os partidos a manter n íveis
de filiação elevados ? dos? A resposta a esta questão pode ser encontrada se tivermos em conta os 6 - t%
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legitimadores , os dados posteriormente coligidos e apresentados por Mair
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aspectos seguintes: êSt, e Biezen permitem uma interpretação bastante mais conclusiva e também mais
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pessimista.
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• em alguns países europeus, as quotas e os donativos dos filiados
:! continuam a constituir uma importante fonte de recursos para os partidos u t E isto porque, entre inícios dos anos oitenta e finais dos anos noventa, a situação
i políticos, mesmo quando a tendência actual aponta no sentido de um W 1 referente à evolução da filiação partidária na Europa Ocidental regista uma
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aumento continuado e significativo das subvenções pú blicas. Por outro m }•.
- mudanç a muito significativa: em todos os países considerados observa-se uma
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• um elevado n ú mero de membros ou filiados continua a ser uma H V
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condição sine qua non para que os partidos possam preencher os cargos .
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s- >. com as excepções do Reino Unido e da França, as democracias que apresentam
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internos, as listas de candidatos aos órgãos de governo local, regional níveis de filiação partidária mais modestos são também aquelas onde o
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e nacional, as posições de confiança nos aparelhos político e burocrático
do Estado. A comprovar o papel dos filiados como warm bodies está
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decréscimo é mais contido.
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o facto de, na generalidade das democracias ocidentais, as «classes Tendo em conta estes dados empíricos, o decréscimo do n ú mero de filiados
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ss ! políticas» serem constituídas maioritariamente por membros , militantes -V í nas democracias bem estabelecidas da Europa Ocidental n ão pode ser atribuído
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!! e dirigentes de partidos, sendo a actividade política, para muitos deles, &v.
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& constituindo antes uma prova inequívoca do declínio dos partidos enquanto
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II • apesar das transformações organizativas recentes , muitos partidos : organizações de membros . Com a excepção da Alemanha, cada uma das
% u polí ticos procuram preservar certas características estruturais dos ;
democracias europeias consideradas regista na década de 90 uma queda dos
lí E partidos de massas tradicionais, tais como uma filiação numerosa e níveis brutos de filiação de pelo menos 25% relativamente aos níveis observados
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I uma implantação territorial alargada, que consideram ser condições na década de 80. Como se pode ver pelo quadro 8.2, apenas os países da
I O aumento da filiação par -
I indispensáveis para obter um amplo apoio eleitoral e assegurar a sua Europa do Sul mostram um aumento dos níveis de filiação partidária, seja em tid ária nos países de demo-
I :
i legitimidade popular. Com efeito, para os novos tipos de partido, i
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n ú meros absolutos seja em percentagem do eleitorado. cratização mais recente
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I fortemente criticados pela sua reconversão em grandes «máquinas
1 .
eleitorais» e em « agentes semi-estatais » , a manuten ção de uma filiação
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isso apesar de, como j á vimos , os filiados terem sido claramente em meados dos anos 70, altura em que os respectivos sistemas partidários
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ultrapassados nestas funções por canais e técnicas de comunicação iniciaram a sua mobilização organizacional mais ou menos a partir do zero, é
I: alternativos ( mass media , sondagens, internet , etc.) um partido do tipo catch-all , com poucos filiados, estruturas organizativas
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í reduzidas e fortes lideranças de topo (Lopes 2004).
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Quadro 8.2 - Evolução da filiação partidária em alguns países da Europa Ocidental
entre 1980 e 2002
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aprovem os programas políticos e os manifestos eleitorais do partido , —
w b parecem estar a contribuir de forma significativa para inverter os níveis sem
iB®! precedentes de declínio de activismo partid ário, como atestam as diversas
1 descrições da vida interna dos partidos de diferentes países da Europa Ocidental
mmÊÊmm (Scarrow 2000; Mair 2003).
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relutantes em cederem parte do seu tempo e em afectarem os seus recursos
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individuais em prol dos partidos, a que formalmente pertencem e a que parecem I &
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aderir movidos sobretudo por benef ícios ou incentivos selectivos e não tanto Í4 V
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por benef ícios ou inventivos colectivos. E nem mesmo os esforços desenvol- w:
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vidos recentemente por muitos partidos europeus no sentido de conferir maiores 1«
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poderes de participação aos membros de base permitindo, por exemplo
que escolham directamente o presidente ou líder do partido, intervenham sem
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intermediá rios na selecção dos candidatos a cargos pú blicos electivos ou
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Quadro 8.3 - Evolução da volatilidade eleitoral na Europa Ocidental, por país 3 K \‘
Quadro 8.4 - Evolução da partipação eleitoral na Europa Ocidental , por país e por
e por decénio decénio
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França 80,0 76,6 82,3 71,9 68,9 -1 M 60, 3 ( 2002)
Holanda 5, 1 7, 9 12,3 8,3 19, 1 14,0 W&is-
Holanda* 95,4 95 ,0 83,5 83,5 76 ,0 -18,4 79,1 (2002)
Inglaterra 4,3 5,2 8, 3 3,3 9,3 5,0 ã é£:
Inglaterra 79,1 76,6 75,1 74,1 75,4 -3,7 59,4 ( 2001 )
Irlanda 10,3 7,0 5,7 8,1 11,7 1 ,4
Irlanda 74,3 74,2 76,5 72,9 67,2 -7 ,1 62,6 (2002)
Islâ ndia 9,2 4,3 12, 2 11,6 13,7 4, 5
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£ Islândia 90,8 91,3 90,4 89,4 86,4 -4,4 84.1 (1999)
Itália 9,7 8,2 9,9 8 ,6 22,9 13,2 m e::
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Luxemburgo 10,8 8,8 12, 5 f -
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eleitoral: se no passado a existência de fortes laços partidários tinha um papel m. s?.
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mobilizador em termos de afluência às umas, hoje o enfraquecimento de tais #
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$ Se é verdade que as tendências acima recenseadas parecem comprovar o !
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ligações ou lealdades reduz a propensão para participar nos diferentes actos m - l crescente distanciamento dos partidos políticos face à sociedade civil, não é
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í eleitorais. Se atentarmos no quadro quadro 8.4, podemos verificar que tal # w
menos verdade que essas tendências não se devem apenas às mudanças
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como acontece com o aumento da volatilidade também o decréscimo da relacionadas com afirmação dos novos modelos de partido, sendo também o
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participação eleitoral configura um fenómeno relativamente recente. De facto, ?
resultado das profundas transformações ocorridas na estrutura económica e
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8.2 Declínio das velhas clivagens e afirmação de novos valo - m Para respondermos a estas questões torna-se necessá rio apresentar aqui, se
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res? m bem que de forma muito sumária, a an álise macro-sociológica desenvolvida
m:Ú por Lipset e Rokkan a propósito da génese e consolidação dos partidos e A génese e consolidação dos
-
partidos e sistemas partid á
Pelo menos até ao final da década de 60 do século passado, a ideia de uma sistemas partidários europeus. Assumindo como premissa fundamental que a rios europeus , segundo
m- BV
tiV
continuidade substancial das alternativas partidá rias e dos alinhamentos ià explicação dos fenómenos políticos reside nos fen ómenos sociais que Rokkan e Lipset
—
conflituantes, de tensões e contrastes latentes na estrutura social existente ,
os autores acima mencionados identificaram quatro linhas de clivagem estrutural
inequívoca por Seymour Lipset e Stein Rokkan numa obra que se tomou um í
clássico da Ciência Política, Party Systems and Voter Alignments: Cross- - f resultantes da interacção sequencial entre dois processos de mudan ça
National Perspectives (1967) , de tal modo que, num capítulo frequentemente | revolucion ária, a qual não só marcou a maior parte da história da Europa
citado, estes autores escreveram que: Ocidental desde o início do século XIX , como criou as condições para a
constituição das primeiras formações partidárias nas décadas imediatamente
Os sistemas partid á rios contemporâ neos reflectem , com poucas mas antes e após o alargamento do sufrágio.
significativas excepções, as estaituras de clivagem dos anos 20. Isto é m$
uma característica crucial da política competitiva do Ocidente na “era Assim, a partir da chamada «revolução nacional», que se traduziu nos processos
do elevado consumo de massas ”: as alternativas partid á rias, e em muitos fm de unificação política, administrativa e cultural ligados à construção do Estado-
casos as organizações partid á rias , s ão mais velhas do que a maioria íiff I -nação, surgiram duas fracturas ou linhas de divisão social que polarizaram a
dos eleitorados nacionais. Para muitos cidad ãos do Ocidente , os partidos ||
| §; 1
/ vida política no seio da comunidade: a primeira, entre o centro e a periferia; a
actualmente activos fazem parte da paisagem pol ítica desde a sua segunda, entre o Estado e a Igreja. A primeira destas clivagens estruturais A revolu çã o nacional e a
infância ou , pelo menos , desde que foram confrontados pela primeira
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vez com a escolha de “ pacotes ” alternativos nos dias das eleições na unificação e uniformização do território nacional , às populações periféricas
(Lipset e Rokkan 1967, 1992: 238). caracterizadas pelas especificidades é tnicas , linguísticas ou religiosas e
pela resistência às tentativas de dominação e usurpação dos construtores
Foram estas as palavras com que Lipset e Rokkan enunciaram a intrigante e | | §* nacionais.
influente hipótese do «congelamento» dos sistemas partidários europeus (the | | fm
freezing hypothesis ) , a qual constituiu o ponto de partida para in ú meras Yd Como sublinham Rokkan e Lipset, nem o centro nem a periferia devem ser
investigações levadas a cabo nas décadas que se seguiram à sua formulação entendidos num sentido puramente geográfico, já que a oposição entre ambos
inicial, visando proceder ou à sua confirmação ou à sua refutação empírica. WffÊ assume uma dimensão cultural, associada à transmissão de valores das elites l
Esta hipótese coloca, desde logo, a seguinte questão: Como se explica que, | |# dominantes para as populações periféricas, autênticos bastiões da cultura local
apesar da enorme turbulência que marcou o período de entre- guerras, fruto | Jf 1 -
11 *
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detentores dos principais recursos políticos, econó micos e culturais exercem o
poder de decisão; já a periferia é definida não apenas pela sua especificidade
cultural, mas também pela precariedade de recursos e pela distância em relação
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—
de sufrágio tenham sido capazes de sobreviver a tantas mudanças políticas,
sociais e econ ómicas, mantendo vivos durante um t ão longo período de tempo
aos lugares de decisão (Lipset e Rokkan 1967, 1992: 180-182). i
os alinhamentos eleitorais iniciais e renovando de geração para geração as A segunda clivagem estrutural resultante da chamada «revolução nacional»
clientelas nucleares? diz respeito ao conflito que opôs o Estado-nação (centralizador, uniformizador A revolu çã o nacional e a
e mobilizador) à s exigências corporativas das Igrejas (católica, luterana ou -
clivagem Estado Igreja
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reformadora), reflectindo os esfor ços de autonomização do poder secular- da * »:
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Quest ões w aa-
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certo é também que este conflito «foi muito mais do que uma quest ão -: Religião nacional vs. re- Regionalistas
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Reforma e Contra- ligião supranacional .
econó mica», assumindo-se fundamentalmente como um problema de ordem Vg 6 V.
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- Reforma: . : séculos Centro- periferia
& Lí ngua nacional vs. la - Religiosos
moral relacionado com o controle das normas da comunidade e com o controle XVIeXVn
da educação. A este propósito, Lipset e Rokkan escrevem: tim •"
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&fcvs . Controlo secular vs. con-
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Eslado-Igreja
longo dos séculos o direito de representar a “ propriedade espiritual” tr-v 1789 em diante cação de massas (ins-
do homem e de controlar a educação das crian ç as na direcção da trução )
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verdadeira f é (...). O desenvolvimento da educa çã o forçada para todas
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• Agrários
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as crian ças da nação sob um controle secular centralizado entrou em á? Campo-cidade Taxas para os produtos
confronto com os direitos estabelecidos dos “ poderes intermedi ários” Revolução industrial agrícolas
>r Conservadores
religiosos e despoletou ondas de mobilizaçã o de massas em partidos :A século XIX
de protesto alargadas a toda a nação (Lipset e Rokkan 1967, 1992: Capital - trabalho Estado social
Socialistas
183).
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Integração no sistema
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Pois bem, e como sugerido no quadro 8.5, se a politização das tensões e conflitos &? • polí tico nacional vs . em-
Revolução russa: 1917 Proprietários- trabalha
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entre centro-periferia conduziu ao nascimento de partidos que representavam penhamento no movi - Comunistas
os interesses e os ideais dos construtores nacionais e de partidos que 1 w
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em diante dores ; "
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do conflito entre Estado-Igreja criou as condições para o aparecimento de í4:
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gerou tensões crescentes entre os produtores primá rios, nas á reas rurais, e os
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SV. comerciantes e os empresá rios , nas zonas urbanas tensões, essas, que
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encontraram express ão política na oposição entre os partidos conservadores- 1
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agr á rios e os partidos liberais-radicais. Como observam Lipset e Rokkan:
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pretendiam deslocar as cargas fiscais para as economias urbanas em 95 competitiva, já a clivagem propriet ários-trabalhadores (ou capital-trabalho)
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expans ão (Lipset e Rokkan 1967 , 1992: 189-192). contribuiu para aproximai- os sistemas de partidos na sua estrutura básica (Lipset
r- eRokkan 1967, 1992: 214).
Mas se a clivagem terra-indústria ou campo-cidade, a que acabámos de nos f jS *
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reportar, n ão provou ser invariavelmente formadora de partidos em todos os | Quer isto significar que os contrastes decisivos nos sistemas partidários
sistemas políticos da Europa Ocidental, dado que os conflitos e tensões entre u emergiram antes da entrada dos partidos da classe trabalhadora na cena política,
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os interesses rurais e urbanos podiam ser abordados «em grandes frentes í A clivagem da classe social
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e que a «clivagem da classe social» desempenhou um papel decisivo na maior e a escala esquerda -direita
partidárias ou canalizados, através de organizações de interesses, para arenas parte dos países europeus, dando lugar a um eixo de polarização política (escala
mais apertadas de representação funcional e de negociação» , outro tanto não esquerda-direita) que condicionou não só a identidade ideológica dos diferentes
A revolu çã o industrial e a se pode dizer da clivagem proprietários-trabalhadores que provou ser muito partidos como também a identificação dos eleitores com os partidos.
clivagem propriet á rios - tra - %
balhadores mais uniformemente divisora : «os partidos da classe trabalhadora emergiram
Em termos de alternativas partidárias, esta divisão política fundamental estava
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desvantagem no mercado do trabalho e os seus efeitos na esfera política K maior a propensão para votarem nos partidos de direita.
organizando-se em sindicatos e em partidos que lutavam pela redução das ã
Mas se a substancial continuidade e estabilidade das alternativas partidárias e
desigualdades sociais e econ ómicas , e que se opunham aos partidos *
dos alinhamentos de votantes na Europa Ocidental, defendida primeiro por
conservadores e liberais. No período imediatamente subsequente à Revolução •Q
Lipset e Rokkan (1967 ) e confirmada depois por Rose e Urwin ( 1970), pode
russa de 1917 assistir-se-ia à cisão dos partidos socialistas e ao consequente . ser explicada através do «congelamento» das estruturas de clivagem tradicionais
V -
aparecimento dos partidos comunistas , que não se manifestavam apenas em B (centro-periferia, Estado-Igreja, ind ústria-campo, capital-trabalho), o facto é
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r. - que tal fenómeno não pode ser inteiramente compreendido sem atendermos
nacional, empenhando-se também na promoção da solidariedade internacional ) a ? •
ao papel atribuído aos partidos políticos no modelo analítico que temos vindo
do movimento oper á rio. t. &
a desenvolver. Os partidos pol íticos: causa
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ou efeito das clivagens tra -
Em resumo, e segundo Seymour Lipset e Stein Rokkan, as características ?
I v Se num primeiro momento, os partidos são apresentados por Lipset e Rokkan
dicionais ?
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básicas dos sistemas partidá rios que emergiram nos sistemas políticos da V' )
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como o produto de tensões e de conflitos profundos e duradouros que dividem
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Europa Ocidental durante a primeira fase de competição e de mobilização de
massas podem ser interpretadas como o produto das linhas de clivagem V,
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a sociedade, oferecendo-lhes símbolos e representação razão pela qual é
salientada sobretudo a função expressiva e integradora da acção partidária. Já
resultantes da revolução nacional e da revolu ção industrial, sendo que as 3
num segundo momento, os partidos são entendidos como actores colectivos
variações de timing e de intensidade desses dois processos fundamentais de que contribuem de modo determinante para a estabilização e «cristalização»
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mudan ça não podem ser ignoradas ou subestimadas, pois estabeleceram o K *' iS das linhas de fractura que estiveram na sua origem, sendo em grande medida
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responsáveis pela monopolização e pelo estreitamento do «mercado de apoio» crescente instabilidade política e eleitoral (Inglehart 1977, 1984 e 1990; Dalton,
— o que explica a ênfase dada às suas funções de mobilização e socialização t
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Beck e Flanagan 1984; Wolinetz 1990; Pedersen 1990; Lane e Ersson
política. Donde se conclui que os alinhamentos dos eleitores dependem não y 1995).
só do respectivo posicionamento na estrutura de clivagens , mas também das < . r
acções de mobilização e socialização empreendidas pelos próprios partidos Embora poucos contestem a importância das clivagens sociais tradicionais
políticos e pelas organizações secund á rias aliadas ou apoiantes (sociais e J como factores explicativos do comportamento eleitoral, tem sido muitas vezes
notado que o voto determinado por clivagens — e, em particular, determinado
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religiosas). %
não pode deixar de ser sublinhada a intervenção determinante dos partidos de tornando, desta fornia, os sistemas partidários contemporâneos mais vulneráveis
massas — tanto classistas e confessionais como proto-hegemónicos
«encapsulamento» do voto nas clivagens s ócio-estruturais, o que permitiu a
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a altos níveis de volatilidade eleitoral, em especial a volatilidade interbloco
(ou seja, a percentagem total de mudança de votos entre o bloco partidário da
criação de um «eleitorado de perten ça », pouco disponível para alterar o sentido esquerda e o da direita em eleições adjacentes ).
de voto entre «amigos» e «inimigos » de clivagem, por um lado , e, por outro, 1
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tecnológicos — que ocorreram um pouco por toda a Europa Ocidental e
-m também fora dela, traduzindo no seu conjunto a passagem de sociedades
dos partidos de massas ou de integração social, caracterizados por fortes
compromissos ideológicos e programáticos e pela mobilização de segmentos
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acompanhados de uma mudanç a significativa ao n ível das prioridades
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industriais e modernas para sociedades pós-industriais e pós-modernas foram
específicos do eleitorado ( classe gardée ) , constituiu um factor decisivo para o |K valorativas e das atitudes políticas dos cidadãos. Com efeito, e de acordo com
enraizamento do voto em torno das clivagens sócio-estruturais e para a formação este autor, a melhoria acentuada dos níveis de vida, a reestmturação e transição
de identidades políticas sólidas e duradouras. Contribuindo, desta forma, para fel maciça da forç a de trabalho para o sector dos serviços, a elevada percentagem
o isolamento da política partidária das pressões de mudança resultantes dos de emprego no sector pú blico, a crescente urbanização e a consequente
importantes processos de modernização s ócio-cultural e tecnológica. Isso t
k, passagem de uma organização social de tipo comunitá rio para uma de tipo
mesmo parece resultar das palavras de Giovanni Sartori: «um sistema partidário •
sistemas partid á rios Rokkan, contestando quer a sua aplicabilidade mais geral quer a validade
empírica da hipótese do «congelamento» dos sistemas partidários. Na verdade,
a mudança no comportamento dos eleitores parece sugerir que as «excepções
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Por uma «revolução silenciosa» , refere-se Inglehart ao recuo dos valores
materialistas, que reflectem uma precupação primordial com a manutenção da
A revolu ção silenciosa e a
mudan ça de valores nas so
ciedades industriais avança-
das
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ordem e a preservação dos ganhos económicos, e à ascensão dos valores pós-
significativas» ao estreitamento do «mercado de apoio » trazido pelo cresci- |lj materialistas, que enfatizam a expressão da identidade individual e a construção
mento dos partidos de massas durante o impulso final para uma democracia
de uma sociedade mais participativa e menos hierarquizada (Inglehart 1977:
de sufrágio integral se tornaram a regra geral , sendo v ários os autores a defender Jj 179).
a hipó tese do «descongelamento» dos alinhamentos partidários e a falar da
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(pós-modernos) nas sociedades industriais avançadas . Para tal , importa enunciar
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mais instruídas vão substituindo as gerações mais velhas e menos instruídas
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no conjunto da população adulta, pode assistir-se ao crescimento da
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pelo próprio Inglehart e por outros estudiosos, tê m dado substancial suporte £
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num crescente recurso a acções políticas não convencionais ou de protesto,
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Na verdade, e como sublinha Inglehart , estando na origem de uma nova linha extrema-direita de terceira geração devem ser considerados o produto de uma
de clivagem assente sobretudo em valores , e não já em oposições estritamente «contra- revolução silenciosa », respons ável pela afirmação dos valores pós-
políticas dos públicos ocidentais , confirmando, segundo Ronald Inglehart e Alemanha 5, 1 6,4 1,3 0,3 2, 5 2, 2
outros autores, a importâ ncia do novo eixo de polarização pol ítica (materia- | | Austria 4, 1 7,6 3,5 7,4 22, 0 14,6
lismo versus pós- materialismo) cm termos de realinhamentos eleitorais e de (M j Bélgica 6,0 10,9 4,9 1, 5 9,7 8 ,2
A emergê ncia dos partidos reconfiguração dos sistemas partid á rios. Mas mais: se à esquerda do espectro
da chamada «nova pol ítica»: Dinamarca 0,7 2,2 1,5 6,6 7 ,5 0,9
partidos verdes e partidos de político, os chamados partidos «verdes» ou ecologistas tem sido considerados M ;
extrema - direita de terceira como os principais representantes da nova dimensão de conflito t ípica das Finlândia 2,7 7,0 4,3 0,0 0,3 0,3
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sociedades pós-industriais, à direita esse papel tem sido atribu ído aos chamados Fran ça 0, 9 8,4 7,5 6,7 14,2 7,5
partidos de extrema-direita de terceira geração (von Beyme 1988), partidos Jf Holanda U 5,6 4,5 0,6 1 ,8 1 ,2
de nova direita radical ( Kitschelt 1995) ou partidos de extrema-direita 4 f Inglaterra 0,3 0,3 0,0 0, 1 0,0 »
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pós industrial (Tgnazi 1992) surgidos na Europa Ocidental durante os anos
Irlanda 0,4 2, 1 1,7 0,0 0,0 0, 0
oitenta e noventa do século passado.
Isl ândia 0,0 3, 1 3,1 0,0 0,0 0, 0
Aceitando no essencial a tese de Tnglehart da « revolução silenciosa», mas Itália 1, 3 2,7 1,4 6,6 20, 9 14,3
criticando-a por esta se centrar numa alteração de valores à esquerda do espectro
Luxemburgo 6,4 9,3 2,9 1, 2 1, 2 0,0
pol ítico e omitir a direita, autores como Flanagan , Tgnazi ou Kitschelt defendem M
Noruega 0,1 0,1 0,0 7, 1 10,8 3,7
a natureza dual da mudança de valores , afirmando, por conseguinte, que a
« nova política» compreende duas dimens ões axiol ógicas profundamente J§§
Jl Su écia 2,9 4,3 1,4 0,0 2,6 2,6
distintas entre si, a saber: uma, libertária, ambientalista e feminista, que |
| Suíça 5,0 6,3 1,3 4,3 7,6 3,3
corresponde ao pólo esquerdo do continuum ideoló gico; outra, de cariz | g Média ( N = 15) 2,5 5,0 2,5 2,8 6,7 3, 9
autoritário, conservador e xenófobo, que corresponde ao pólo direito da escala H I
ideológica e que representa aquilo que Flanagan designa por agenda política | §- 1a "
*
Fonte: Oreste Massari (2004: 115)
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da nova direita, referindo-se à politização de temas como o direito à vida; a | §fc 1
oposição aos movimentos de libertação da mulher ; o apoio a valores religiosos iff §
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em muitos temas políticos , nomeadamente em questões como a igualdade e a lha pol í tica
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direita leva Inglehart a afirmar que não obstante os valores pós-materialistas ú
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entre as franjas mais inseguras e xenófobas do operariado, ao passo que aquela
tem os seus apoiantes preferenciais entre os eleitores com estatuto
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estarem mais identificados com a nova esquerda, o facto é que tais valores : i i socioeconómico mais elevado, mais próximos do pólo do «capital» e com
estão longe de ser incompatíveis com os da esquerda tradicional, mantendo ih m
-5
6 maiores níveis de integração religiosa (Inglehart 1990: 267-314 e 339-373;
com estes uma apreciável e significativa concordância. Daí a relação que o f i Inglehart 1997: 252-256).
autor estabelece entre o crescimento dos valores pós- materialistas e a a
revitalização da esquerda tradicional (socialistas e sociais-democratas)
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(Inglehart 1990: 298-311). i A
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Quadro 8.9 - Os «partidos -movimento» e suas características, segundo Diamond e Giinther Percursos de autoverificação
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Fonte: Larry Diamond e Richard Giinther (2004: 10 11) -
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• Explique o que entende Inglehart por «revolução silenciosa».
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políticas a demarcação entre a nova e a velha esquerda não é inteiramente 1
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clara, o mesmo não se pode dizer quanto à base social de apoio de uma e de •
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outra. Com efeito, se a primeira tem como apoiantes preferenciais as gerações '
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mais novas, mais instruídas e informadas , oriundas das « novas classes médias» az
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no domínio da política.
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e com orientações valorativas pós- materialistas, já a segunda obtém os seus r
maiores apoios eleitorais entre os estratos com baixo estatuto sócio-económico.
Refira-se, ainda , que tal diferenciação em termos de base social de apoio é
igualmente visível entre a direita tradicional e a nova direita, sendo que esta
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Exercícios
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Tal como já vimos atrás, nos anos imediatamente subsequentes à II Guerra
Mundial assistiu-se a um clima de suposta despolitização e esbatimento das
clivagens ideológicas, evidenciado pelos êxitos da democracia liberal face às
evidentes contradições teóricas e reais do «mundo socialista» e aos impasses
político-ideológicos da esquerda de matriz marxista. Com efeito, a ordem social,
política e econó mica do segundo pós-guerra foi marcada por um amplo
consenso em torno das virtudes e vantagens do Estado do bem-estar liberal
democrá tico ( welfare state ) , que apostou decididamente na protecção social Caracteriza çã o sum á ria do
welfare state
dos mais desfavorecidos e na melhoria das condições materiais de vida dos
cidad ãos, através de uma distribuição mais justa da riqueza e de um reforço da
concertação social, implicando os trabalhadores e seus representantes na
definição das políticas pú blicas de cariz económico e diminuindo, em conse-
quência, a con ílitualidade e animosidade políticas e sociais. Por seu turno, os
acordos constitucionais do segundo pós-guerra contribuíram também para a
criação de um clima de estabilidade e segurança, indispensáveis para assegurar
o crescimento econ ómico.
No que aos partidos pol íticos diz respeito, o período imediatamente subse-
quente ao segundo conflito mundial foi marcado, como já tivemos oportunidade
de referir, pela emergê ncia e consolidação do partido de eleitores (catch-all
people’ s party ) , o qual surge como resposta organizacional e també m
« ideol ógica» aos novos desafios colocados, quer pela mudanç a na estrutura
social , resultante da segunda revolução industrial, do aumento do nível de
vida dos cidadãos e da revolução do consumo, quer pela mudança na comu-
nicação pol ítica, resultante da penetração dos meios de comunicação social na
vida política e da modernização das técnicas de propaganda e das campanhas
partidárias.
229
&
Assim sendo, e de acordo com as teses defendidas por alguns autores, na sua
maioria de matriz liberal e tecnocrata , ter-se-ia entrado numa fase de
apaziguamento ideológico a partir do rescaldo da Segunda Guerra Mundial,
tornando-se menos pertinente a polarização esquerda-direita. Este foi, aliás, o
entendimento prevalecente na Conferê ncia de Milão ( 1955) sobre o futuro da
Uberdade, tendo Raymond Aron desenvolvido essa ideia, entre outras, na obra
intitulada O Ó pio dos Intelectuais ( 1955). Deve ser aqui sublinhado que a
defesa da tese do apaziguamento ideológico implica aceitar, de igual forma , a
A tese da despoiitização pro- tese da despoiitização progressiva da sociedade pol ítica, ou seja, a ideia de
gressiva da sociedade pol í
tica
- que nas democracias ocidentais estabilizadas a tendê ncia vai no sentido de
conceber o Estado mais enquanto uma estrutura articulada de instituições e
menos como resultado de opções ideológicas diferenciadas e expressão da
dominação de classe. Tal como para Raymond Aron, também para Maurice
Duverger e John Galbraith , as querelas ideológicas teriam sido ultrapassadas,
porquanto as quest ões políticas cederiam lugar às prioridades técnicas e
tecnocráticas .
230
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A posição de Lipset sobre a Lipset observou ainda que muitos dos autores atrás mencionados, que foram
gias
-
tese do decl ínio das ideolo
precursores ou contemporâ neos da proposição da tese do «declínio ideológico»
e do «fim das ideologias», aceitando-a num dado momento, tornar-se-iam
depois seus cr íticos e ferozes detractores dos que a conceberam mais
exaustivamente e lhe deram continuidade. É de notar que a crítica formulada
pela « nova esquerda » à tese do declínio das ideologias, advertindo que nas
décadas imediatamente subsequentes à Segunda Guerra Mundial tiveram lugar
—
importantes propostas e debates ideológicos refira-se que, durante os anos
60, os vá rios movimentos estudantis e a luta das minorias étnicas deram azo
ao debate sobre o ressurgimento do activismo radical e a retoma da conflitua -
A contra- argumenta çã o de
Lipset à cr
querda »
ítica da «nova es- —
lidade ideológica , n ão teve em conta, na opinião de Lipset, o que ele próprio
e outros autores afirmaram a esse propósito. Como estes sustentaram, o declínio
ou a falência das ideologias totais e sistémicas (Weltanschauungen) n ão
implicava o desaparecimento da controvérsia e do debate ideológico, conquanto
incidisse agora sobre causas mais circunscritas pela realidade objectiva e já
não ancoradas em visões do mundo excessivamente utópicas, abstractas ou
ahistóricas.
Por outras palavras, o facto das ideologias totais dos partidos de esquerda
—
terem entrado em crise e em declínio por razão das conquistas de cidadania
política, social e cultural das classes trabalhadoras das políticas sociais e
—
económicas do welfare state não obstruiu a continuação e até o revigora-
mento de algumas lutas sociais por parte dos excluídos (grupos étnicos e
religiosos, por exemplo) e dos inconformados (estudantes) , mesmo que estas
se tenham consubstanciado em tensões e movimentações de política doméstica
imediata e em enunciados ideológicos de alcance muito limitado . Todavia, o
que Lipset e autores como Mills e especialmente Galbraith sublinham é a
capacidade do sistema industrial moderno «de absorver o conflito de classes e
reduzir consideravelmente os conflitos sobre os “objectivos da sociedade em
si mesma”» (Lipset 1992: 140).
Pode dizer-se assim que, para autores como Lipset, Aron , Shils ou Bell, a tese
do fim ou declínio das ideologias não significou o termo da ideologia em
absoluto, nem tão-pouco «o fim dos sistemas de conceitos políticos integrados,
de pensamento utópico, de conflito de classes», tendo apenas diminuído, nas
sociedades capitalistas ocidentais, os conflitos ideológicos de «longo alcance»
e declinado as «ligações apaixonadas de um feixe de doutrinas revolucionárias
integradas às lutas anti-sistema dos movimentos das classes trabalhadoras ( . ..)»
232
(Lipset 1992: 145). Mas mais: estes autores não deixam de reconhecer também
que esta tese n ão é in ócua ideologicamente, detendo mesmo uma forte carga
ideológica, ou seja, «a dedicação à política do pragmatismo, às regras do jogo
da negociação colectiva, à mudança gradual ( . . . ), à oposição simultâ nea, quer
ao todo poderoso Estado central, quer ao laissezfaire , constituem claramente
partes componentes de uma ideologia » (Lipset 1992: 144).
Outra das críticas endereç adas à tese do fim das ideologias aponta que esta,
em si mesma, consiste numa ideologia favorá vel ao status quo, na medida em
que reprova impl ícita ou explicitamente a mudança e a transformação social e
política radicais, constituindo-se como uma forç a ideológica legitimadora da
manutenção da ordem social e económica vigente. Nesta perspectiva, a nova
ideologia tecnocrática correspondia às necessidades vitais do sistema capitalista,
pretendendo-se neutra e imparcial, mas n ão o sendo.
De facto, o clima de aparente despolitização que temos vindo a dar conta não
se prolongou por muito tempo. No final dos anos 60 e o início dos anos 70, o
consenso conseguido no imediato pós-guerra foi posto em causa, assistindo-
-se à «repolitização» da esfera privada, à fusão do campo político e não político
da vida social e à discussão sobre a utilidade analítica da dicotomia convencional
233
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....
A tese da «repolitizaçã o» da entre o Estado e a sociedade civil Para Claus Offe, esta «repolitização» da
sociedade civil
sociedade civil era confirmada por três fenómenos: a ) o reforço das ideologias
e das atitudes participativas; b ) a prá tica crescente de formas não institucionais
e não convencionais de participação política , de que a emergência e profus ão
dos novos movimentos sociais, a partir de meados dos anos 60 na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos da América , é um exemplo paradigmático
( new participation demands ) , e c ) as exigê ncias e os conflitos políticos
'
Ora, segundo Claus Offe, estes fen ó menos colocaram em causa a capacidade
de resposta (responsiveness) dos canais de comunicação pol ítica institucionais,
tornando cada vez mais discut ível o facto das eleições e da democracia repre-
sentativa constitu írem os meios mais eficazes para a participação cívica e
comunicação pol ítica. É importante atentar que a tese da repolitização
reconduziu o debate académico e político no sentido da própria avaliação da
capacidade de intervenção dos cidadãos e da natureza e legitimidade dos
instrumentos que têm ao seu dispor para efectivar as suas demandas e a sua
acção política. Com efeito, as crescentes exigências e solicitações dirigidas
pelos cidadãos aos órgãos e elites políticas institucionais puseram em causa,
segundo algumas análises, não só a aceitação do poder político vigente, mas
também o bom funcionamento da acção govemativa, ameaçada na sua eficácia
peio constante fluxo comunicacional e pelas múltiplas pressões exercidas
(«sobrecarga sistémica»).
234
0 As teorias neoconservadoras da crise, segundo as quais a « repoliti- As teorias neoconserva -
zação» dos anos setenta conduziu a uma «crise de governabilidade» doras da crise
dos sistemas políticos ocidentais, dado que estes não conseguiram dar
resposta à espiral de exigê ncias provenientes da sociedade civil . De
notar que tais teorias apontam para uma redefiniçã o restritiva daquilo
que pode e deve ser considerado como pol ítico , defendendo a
autonomia e o reforço da sociedade civil, ou seja, a « reprivatização da
pol ítica». Com efeito, de acordo com este entendimento, só deixando
de fora da esfera política um conjunto de questões e problemas
confinados à vida social, cultural e económica seria possível libertar as
estruturas institucionais n ão políticas da dependê ncia da regulação
p ú blica e descongestionar o Estado , retirando-lhe tarefas que
habitualmente seriam da compet ê ncia ou do campo de actuação da
chamada sociedade civil. Deste modo, garantia-se simultaneamente a
eficácia da governação e reforçava-se a sua autoridade, dissolvida que
; estava pela extensão das suas atribuições e competências.
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‘ mentos que eclodiu nos anos de 60 e 70 do século passado —
de que são
exemplo, entre outros, a luta pelos direitos cívicos, as lutas estudantis , o
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feminismo, o ecologismo, o pacifismo foi considerada como o início de um
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m novo «ciclo de protesto» ou «ciclo de mobilização».
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A noção de eido de protes - De acordo com Klandermans, o «ciclo de protesto» corresponde ao período
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temporal em que se assiste a um aumento das acções colectivas por parte dos
vários movimentos sociais e das organizações a eles associadas até atingirem
um n ível máximo de intensidade e expressão, após o qual se observa um
decréscimo no n ú mero e na intensidade dessas mesmas acções colectivas
(Klanderrmans 1990). Assim, podemos observar diversos «ciclos de protesto»
em diferentes momentos históricos, os quais são originados pela existência de
determinadas condições estruturais e factores políticos, económicos, sociais,
religiosos e culturais que desencadeiam sentimentos negativos junto dos
cidad ãos e provocam reacções de protesto por parte de diversas organizações.
Existe , pois, uma espécie de «ambiente cultural geral » favorável à sucessão e
continuidade dos protestos e que dá cobertura às atitudes críticas e contestatárias,
estimulando o questionamento das instituições e valores dominantes, seja pela
sua natureza conservadora e autorit ária, seja pela sua excessiva radicalidade,
seja ainda pelas consequê ncias de mudanças bruscamente introduzidas.
236
aglutinador e desencadeante de outros movimentos sociopoi íticos (Bessa
2002: i 17).
237
O contexto gerai em que resultado da falê ncia do « pacto fordista » e da crise generalizada do welfare
surgem os novos movimen -
tos sociais state. Estes movimentos constituíram-se enquanto formas de intervenção
colectiva em torno de quest ões polémicas e muito espec íficas ( pacifismo e
anti-belicismo, feminismo, ecologismo, luta pelos direitos das minorias étnicas,
etc . ), perdendo de vista, muitas vezes, as ambições de transformação societal
global. Por outro lado, os novos movimentos que emergem no contexto das
sociedades pós-industriais não só deixam de estar centrados na conflitualidade
laborai, como não se esgotam nos interesses de uma determinada classe social.
Pelo contrá rio, as preocupações destes novos actores colectivos (qualidade de
Os temas e preocupaçõ es vida, direitos humanos, cidadania, aprofundamento da democracia directa,
dos novos movimentos so -
ciais
protecção das minorias étnicas e sexuais, etc.) atravessam a pirâ mide social e
implicam estratos sociais antagónicos, mas unidos em defesa de valores e
causas socialmente transversais, senão mesmo «civilizacionais».
Também nos meios e instrumentos de acção utilizados se encontram diferenças
significativas entre velhos e novos movimentos sociais. Os primeiros recorriam,
Os meios e instrumentos de não raramente, a meios violentos ou impetuosos de acção, tais como rebeliões,
acção dos novos movimen - insurreições , levantamentos populares, greves, acção clandestina, etc. Os
tos sociais
segundos, por sua vez , procuram viabilizar soluções de compromisso com o
poder instituído, intervir junto da opinião pú blica e ensaiar novas modalidades
organizativas e novos estilos de actuação, pautados sobretudo pela mobilização
cívica, pela pedagogia e consciencialização, pelas acções n ão convencionais,
pela criação de núcleos, secções e estruturas de apoio e por um sistema de
comunicação eficaz, utilizando para o efeito os média e os novos meios
tecnológicos , como é o caso da Internet.
238
Percursos de autoverificação
:
3
Relacione o desenvolvimento do welfare state com a diminuição da
i
conflitualidade social e política nos países da Europa Ocidental .
I
0
Relacione a crise da partidocracia com a emergência dos novos
movimentos sociais.
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estas teorias.
Exercícios
3
Através de uma pesquisa na Internet, identifique alguns dos aconteci -
mentos/problemas que afectaram as sociedades ocidentais nas décadas
» de 60 e 70 do século XX, pondo em evidência os limites da política
V
institucional e justificando a emergência dos novos movimentos sociais.
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da comunicação social e em sítios da Internet, elabore uma listagem
iit- dos principais movimentos sociais que se constitu íram em Portugal
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nas últimas décadas.
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Percursos de autoverificação
Exercícios
239
Sociais
10. Definição e Tipos de Movimentos
10.1 O que é um movimento social?
Hill
243
Posto isto , impõe-se agora relacionar o comportamento colectivo e os
movimentos sociais. Com efeito, diversas leituras disciplinares têm procurado
dissociar ambos os fen ó menos: enquanto a psicologia social toma o
comportamento colectivo como parte do seu objecto de estudo, os movimentos
sociais integram o campo de investigação da Sociologia e da Ciência Política.
Porém, e não obstante esta separação disciplinar, tem sido observado que alguns
movimentos sociais, nomeadamente na sua fase embrionária, constituem formas
Os movimentos sociais co - de expressão do comportamento colectivo, se bem que apresentem aspectos
mo forma de express ã o do
comportamento colectivo
que lhes conferem especificidade e os distinguem de outros fenómenos
colectivos. Assim, se atendermos a algumas das características básicas ou
elementares do comportamento colectivo já assinaladas, não será fácil diferenciar
os movimentos sociais (e especialmente os novos movimentos) de outras formas
ou modalidades de comportamento colectivo, pois não só muitos movimentos
sociais emergem , organizam-se e actuam num clima de espontaneidade, como
assumem uma intencionalidade não institucional e até anti-institucional, pondo
em causa certas instituições políticas, sociais, económicas e culturais, ou contra
elas reagindo.
244
Neste sentido, a tipologia proposta por Marx e McAdam ( 1994) aponta para
um continuum tendo de um lado o comportamento colectivo e do outro o
movimento social configurado enquanto tal. Segundo estes autores, de uma
fase embrion ária ou «emergente» , na qual se assemelha ao comportamento
colectivo pela espontaneidade, reactividade emocional e mutabilidade de
processos e meios de intervenção, o movimento social evolui para uma fase
«madura» onde se institucionaliza, incorporando um sistema de liderança, um
corpo de membros e activistas, constituindo organizações formais com logística -
As caracter ísticas do movi
mento emergente e do mo -
própria e uma estratégia de actuação bem definida (cf . quadro 10.2). vimento maduro
m
Movimento emergente Mo aduro
Mais espontâ neo Mais planeado
Menos institucionalizado Mais institucionalizado
Menos organizado Mais organizado
Grupos informais Grupos formais
Apoia-se em instituições está veis e Apoia-se na pró pria estrutura organi -
grupos já estabelecidos zativa do movimento
Actividades t ípicas: acção directa e Actividades t ípicas : debates e reuniões
proselitismo
Membros informais; direcção exercida Membros formais; liderança
pelo grupo
Duração breve Duração mais prolongada
N ú mero limitado de membros Maior n ú mero de membros
Refira-se que um movimento maduro perde muitas vezes de vista a sua vocação
anti-institucional, integrando e reabilitando os estilos de actuação e as soluções
organizativas em relação aos quais de início se insurgiu. De qualquer modo,
há que reconhecer que se um movimento pretende subsistir no tempo e reforçar
a sua eficácia não pode esgotar-se na espontaneidade própria do comportamento
colectivo, tornando-se premente a necessidade da organização, tal como o
investimento na captação e gestão de recursos, o desenvolvimento de actividades
245
regulares e a criação de uma estrutura de comando ou de liderança. Deve
dizer-se que estas características, que associámos aos movimentos sociais, têm
levado sociólogos e cientistas políticos a optarem pela noção de « acção
colectiva », de modo a qualificar o tipo de intervenção pró pria dos actores
Os movimentos sociais co- políticos colectivos, entendida como acção social e política organizada7.
mo forma de acção colecti -
va
Significa isto que os movimentos sociais devem ser considerados como um
dos actores políticos fundamentais, juntamente com os partidos políticos e os
grupos de interesses ou de pressão.
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247
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Quadro 10.3 - Definição de movimento social
248
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Grau da mudança
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Exemplos
Objectivos
de movimentos
251
e militares que antecederam e propiciaram a Revolução Americana de
1787, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Bolchevique de
1917, ou ainda a Revolução de Abril de 1974, em Portugal .
252
No quadro 10.5 assinalamos alguns exemplos dos vários tipos de movimentos
sociais, desde 1960 até à actualidade, juntamente com o problema social que
suscitou a formação de cada um deles.
Ii
Décadas Problemas sociais Movimentos sociais
253
I n
254
social e política em várias sociedades ocidentais e conduziram a novas
modalidades de cultura e participação políticas. Referimo-nos, pois, aos
movimentos: estudantil, feminista, ecologista e pacifista. Algumas notas sobre
cada um deles, justificadas pela importância de que se revestem: Os novos movimentos so -
ciais: estudantil , feminista ,
ecologista e pacifista
• O movimento estudantil surgiu na sequência da luta pelos direitos civis
dos negros norte-americanos e afirmou-se contra o autoritarismo, a
intolerância e a discriminação. Teve o seu esplendor nos anos 60 do
século XX , sendo protagonizado por uma geração de universitários
norte-americanos que semearia um estilo de intervenção política
irreverente , com rápida repercussão na Europa Ocidental e que veria a
influenciar futuros movimentos sociais. O Maio de 68 em França foi a
vers ã o europeia mais significativa do movimento estudantil ,
incorporando uma heterodoxia esquerdista anti-sistema, que també m
em Portugal se fez sentir com o desencadear de várias crises académicas
durante a década de 60, sobretudo em Coimbra e Lisboa.
255
J
— I Mi HM
Uma última nota para sublinhar que estes quatro novos movimentos sociais
exibem aspectos comuns no que se refere a ideais, formas de organização e
estratégias de actuação, não sendo raro o facto de um mesmo indivíduo
pertencer em simult âneo a v ários destes movimentos, nem tão pouco a
circunstância de surgirem combinações organizativas e acções conjuntas,
cruzando-se, por exemplo, o feminismo com a ecologia, ou esta com o
pacifismo.
Percursos de autoverificação
256
m mm êmmm Éfiilll
• Aponte outros exemplos, para além dos já referidos, para cada um dos
quatro tipos de movimentos constantes da tipologia de Aberle.
Exercícios
257
11. Estudo dos Movimentos Sociais
:
lilllli
261
WBÊÊÊÊ I mMi 1
No in ício do século XX, numa perspectiva menos social, mas que seria
transposta para o plano sociológico e político por diversas escolas de
A perspectiva psicanal ítica pensamento, encontramos a psican álise de Freud e dos seus discípulos.
do comportamento colec - Sublinhando também o comportamento patológico das massas, a psicanálise
tivo
de inspiração freudiana frisou a identificação entre as massas e o líder, bem
como a incapacidade daquelas em assumirem uma vontade própria perante o
fascínio e poder exercidos pela liderança. Ao mesmo tempo, as multidões
tornam-se ingovem áveis e descontroladas porque reagem segundo pulsões
que a ausência de responsabilização individual possibilita. Acumulando
frustrações e privações, as massas em movimento encontram mecanismos
compensatórios na libertação de energia agressiva e impetuosidade emocional.
É neste sentido que alguns autores da Escola de Frankfurt explicaram o
comportamento colectivo, acusando a sociedade de reprimir instintos , tensões
e impulsos de liberdade através do autoritarismo e do controlo social. Assim
se compreende igualmente o investimento libertário e a entrega activista que
caracterizou o movimento estudantil nos anos 60 do século XX, estudado
entre outros por Marcuse, exactamente um dos pensadores empenhados em
conjugar os contributos de Marx e de Freud.
A perspectiva interaccio - A partir da segunda década do século XX, a Escola de Chicago, onde se
nista do comportamento co - destacam autores como Robert Park, Henry Blumer e Ernest Burgess, trouxe
lectivo
novos desenvolvimentos à teoria do comportamento colectivo, introduzindo
uma perspectiva «interaccionista» no estudo do mesmo. Esta perspectiva, apesar
de manter um cunho marcadamente psicossocial, preocupou -se em associar
—
as transformações sociais tais como o processo de urbanização e o dualismo
« urbano-rural », a formação da cultura urbana e o impacto das inovações
tecnológicas com as novas formas de percepcionar e compreender a
realidade social e de actuar sobre ela segundo modelos de organização política
e modalidades de intervenção colectiva alternativos, como era o caso dos
movimentos sociais. Ao contrário do que sucede na análise funcionalista, como
adiante se verá, os movimentos sociais deixaram de ser considerados como
« disfunções » para passarem a ser encarados como « oportunidades de
interacção», que reconfiguram o significado da vida social e o modo de acção
dos actores sociais.
A teoria das tensões estruturais tem como principal representante Neil Smelser
(1963) , e é devedora do funcionalismo de Talcott Parsons. Situada por alguns
autores ainda no â mbito das teorias do comportamento colectivo, esta
abordagem acentua a relação entre o contexto estrutural das sociedades e a
origem dos movimentos sociais. Com Neil Smelser, a explicação do comporta-
262
IÊií§Íili;ÉÍÉi8Í®IIÉftIilÍÍllill!
!llÍÍÉÍÍÉIÍllllliÍllllllllllllí
Factores precipitantes
IênsÕes esfflituraís
Vejamos, de forma mais detalhada, cada uma das seis condições que estão na
origem do comportamento colectivo segundo Neil Smelser: Condi çõ es do comporta -
mento colectivo segundo
Smelser
• Condições estruturais propícias. Antes de mais, para que um movimento
social se forme, têm de estar reunidas na sociedade um conjunto visível
de situações consideradas problemáticas. Por exemplo, o problema do
racismo só ganha expressão quando para ele colabora uma organização
social não suficientemente empenhada no seu combate, em simultâneo
com a existência de meios de comunicação social denunciadores e
independentes, de associações de defesa dos direitos das minorias
étnicas, de leis muito permissivas face à discriminação, de uma situação
económica grave que favoreç a a identificação das minorias étnicas
como « bodes expiatórios» da crise, de um clima de violência policial
sobre membros de etnias minoritárias, de unidade e coesão por parte
das comunidades étnicas em questão. Tudo isto se conjuga para que o
racismo não possa ser socialmente ignorado e se constitua então como
problema social relevante, dando pretexto para a formação de um
movimento que pugne pela sua resolução.
263
• Tensões estruturais. Quando o sistema social não consegue resolver
as situações problemáticas com as quais se confronta e as autoridades
e instituições não dão resposta eficaz às dificuldades identificadas, as
tensões e os conflitos surgem e recrudescem. Estas tensões ganham
maior significado social e agravam-se quando deflagra uma crise
económica, se d á um contenda militar, se vive um brusco surto
imigratório ou acontece uma catástrofe natural. De facto, há problemas
que perturbam a ordem social, aumentam a inseguranç a e o receio, e
estimulam ressentimentos, vinganç as, perseguições, gerando um
ambiente de animosidade e intoler ância, ou seja, de tensão.
264
mmmm «MtiiiMiiiiimaxsssmmtitmi: g' 888888888888188»
Deve ser sublinhado que a teoria de Smelser teve o grande mérito de identificar
um conjunto de condições que ajudam a compreender a génese e constituição
dos movimentos sociais, bem como o de relacionar a sua formação com a
existência de tensões no seio da sociedade. Contudo, algumas das críticas
dirigidas a esta teoria realç am o seu excessivo « funcionalismo» e « mecani-
cismo» , ou seja, uma visão da sociedade como um todo equilibrado e ordenado
em relação à qual os movimentos sociais se apresentam como agentes de
perturbação e desordem, demonstrando a incapacidade das instituições e do
controlo social. Por outro lado, os movimentos sociais e os seus participantes As cr íticas à teoria das ten -
sões estruturais
são vistos mais como « produtos » da tens ão e menos como « produtores» de
tensões sociais, mais como formas de reacção disfuncionais aos conflitos exis-
tentes na sociedade e menos como uma deliberação colectiva de transformação
das instituições, das mentalidades e do sistema social, sem a necessidade
imperiosa de tal surgir como resposta a tensões manifestas.
265
fracasso: «O comportamento colectivo, de acordo com Smelser, é uma resposta
irracional, histérica, que confunde o desejo com a realidade, e em qualquer
caso inadequada cognitivamente às coacções estruturais que gera o processo
de modernização» (Offe 1992: 200). Para este autor, Smelser associa os
processos colectivos n ão institucionais, tais como os movimentos sociais, à
conduta de marginais e alienados comandados por impulsos irracionais, numa
resistência que duraria apenas até ao momento em que a sociedade os pudesse
reabsorver e proporcionar-lhes as benesses da modernização. Como refere o
próprio Smelser: «as crenças que servem de base ao comportamento colectivo
assemelham-se às crenças mágicas » (Smelser 1989: 20-21).
Esta inevitabilidade do conflito econó mico e social foi depois teorizada por
diversas gerações de sociólogos, desde Max Weber e George Simmel a
Raymond Aron, Lewis Coser ou Ralf Dahrendorf , que redescobriram a
importância do conflito a partir dos anos 50 do século XX. Lewis Coser tomaria
como ponto de partida as reflexões de Simmel, mas reelaboradas agora segundo
uma perspectiva funcional-estruturalista, capaz de integrar a problemática do
conflito numa teoria que valoriza sobretudo a ordem e a coesão, enquanto
Ralf Dahrendorf retomaria o filão marxista, repensado em novos moldes
teóricos, nomeadamente com uma renovada leitura das relações de autoridade
A perspectiva de Coser so- e da estrutura de dominação no contexto das sociedades capitalistas.
bre o conflito social
Na obra intitulada Aí Funções do Conflito Social ( 1961) , Coser adiantou um
conjunto de proposições sobre a funcionalidade « positiva» do conflito social,
266
que distinguiu dos sentimentos e actividades de hostilidade e antagonismo,
reconhecendo que o conflito n ão só não é inevitavelmente disfuncional como
pode ser também necessário para manter as instituições, libertando tensões,
evitando comportamentos desintegradores e de ruptura, além de servir para
eliminar o divisionismo e construir a unidade no interior dos grupos. Já Ralf
Dahrendorf , em Elementos para uma Teoria de Conflito Social ( 1971),
avançou quatro teses fundamentais sobre a essência das sociedades humanas
de acordo com a teoria do consenso e da integração social, de teor funcionalista.
E que são a tese da estabilidade, que considera toda e qualquer sociedade
como um sistema relativamente está vel de componentes ou elementos; a tese
do equilíbrio, que vê a sociedade como um sistema homeostático; a tese do
funcionalismo, que atribui a cada elemento que integra a sociedade uma função
« positiva», contribuindo para o seu funcionamento; e a tese do consenso, que
explica a manutenção e continuidade da sociedade através do consenso
conseguido entre os seus membros sobre um conjunto de valores comuns.
267
m '|m w m
sociais. Assim sendo, a origem estrutural dos conflitos sociais encontra-se nas
relações de domínio existentes no seio da organização social estratificada
(cf. quadro 11.1).
268
mais sectores autónomos, plurais, de defesa de interesses específicos houver,
menor ser á a intensidade dos conflitos. Sempre que se verifique sobreposição
de sectores — um grande partido que aglutine um partido confessional , um
regional e um étnico, por exemplo, ou um movimento que reú na a luta das
mulheres, das minorias é tnicas e dos pacifistas — a intensidade do conflito
tende a crescer, porquanto estão misturadas várias exigências e reivindicações
e o alcance do conflito pode implicar a sociedade no seu todo, comportando
dificuldades acrescidas para a sua resolução.
269
gerais ( materiais e imateriais) de vida. O mesmo acontece, ou pode acontecer,
com os professores, a cujo estatuto académico, cultural e profissional não
equivale um nível remunerató rio e um reconhecimento social iguais ou
semelhantes aos de outros profissionais ( médicos, advogados, etc.). Esta
frustração das expectativas que se alimenta na comparação com os grupos de
referência pode ser vista individual ou colectivamente. Neste último caso, e
exemplificando, as minorias étnicas podem sentir-se discriminadas ou
prejudicadas em comparação com a etnia dominante, a ponto de se consi-
derarem, enquanto grupo, como cidadãos «de segunda ».
Apesar do valor heurístico da teoria da privação relativa não deixam de lhe ser
Cr íticas à teoria da privação endereçadas algumas críticas. Uma delas tem a ver com o facto de não explicar
relativa
a estrutura e o modo de vida interno de um movimento social, mas apenas as
causas ou as razões do seu aparecimento. Para além disso, como a privação
relativa poderá ser, em v árias situações, uma raz ão necessária mas não uma
razão suficiente para o surgimento dos movimentos sociais, só por si não permite
saber quando um movimento passa a estar iminente e a constituir-se. Mas
mais: muitas vezes, a tomada de consciência da privação acontece não quando
um grupo de indivíduos decide formar um movimento, mas já como resultado
da actividade e propaganda de um movimento que se formou ao serviço de
ideias e causas mais globais e até abstractas ( nova concepção de justiça). E,
neste caso, ser á como consequência da afirmação do valor da justiça levado a
cabo por esse movimento que os indivíduos se apercebem de facto da injustiça
da sua situação e condição.
270
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271
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mmsm/Mm
Teorias Principais características
272
11.2 As teorias contemporâneas dos movimentos sociais
Para além das teorias clássicas dos movimentos sociais que temos vindo a
analisar, importa apresentar outro conjunto de teorias ou abordagens mais
contemporâneas, que incidem especialmente sobre o fenómeno dos novos
movimentos sociais. De entre esse conjunto destacaremos: a teoria da acção
colectiva, a teoria da mobilização de recursos , a teoria da estrutura de
oportunidades políticas, as teorias da identidade e a teoria dos novos movimentos
sociais.
Esta teoria, cujo principal expoente é sem d ú vida Mancur Olson (1965), rompe
com as teorias do comportamento colectivo de fundo psicologista e recai sobre
o comportamento racional do actor, avaliado em termos de custos-benefícios, A teoria da acção colectiva
de Olson
e sobre as dificuldades de transposição da racionalidade individual para a
participação na acção colectiva, identificando o jogo estratégico que está
implicado nos processos de mobilização e interacção social com vista à obtenção
de bens colectivos. Conquanto alguns autores o situem no âmbito da teoria da
mobilização de recursos, visto que é a partir do seu modelo explicativo que
são estruturados muitos dos elementos desta teoria, e atendendo a que foram
feitas outras apropriações teóricas, em diferentes direcções, da análise de Olson,
pensamos que o seu modelo teórico assume uma inegável especificidade, pelo
que optá mos por autonomizá-lo.
273
1
directa que este possa dar para a sua obtenção. S ão disso exemplos, o reforço
dos direitos das minorias étnicas, o aumento salarial dos trabalhadores ou a
melhoria das condições laborais numa empresa. Neste ú ltimo caso, bem como
nos outros, o bem colectivo « n ão poder á ser dado exclusivamente aos que se
baterem por ele: todos os trabalhadores da empresa o desfrutarão, sem terem
em conta quem participou activamente , talvez mesmo fazendo greve e arcando
pessoalmente com as consequências » (Pasquino 2000: 72). Os que usufruem
da situação conseguida sem intervir ou colaborar na obtenção do bem colectivo
A noção de free riders —
são denominados/ree riders. O facto de estes que vão « à boleia» daqueles
que intervieram activamente na conquista das vantagens colectivas nao
participarem pode ficar a dever-se à acção consciente e calculada ou acontecer
de forma inconsciente, neste ú ltimo caso n ão podendo ponderar-se os custos
da participação, visto que não agiram ou por ignorância ou por outra impos-
sibilidade.
E aqui que entra uma outra noção fundamental introduzida por Olson: a de
A no ção de incentivos se - « incentivos selectivos », que respeita aos recursos e vantagens, tais como o
lectivos
reconhecimento social , o poder, o prestígio, a autoridade, o status e os bens
materiais, que influenciam a participação de um actor na acção colectiva, isto
é, na acção organizada tendo em vista a conquista de bens colectivos. Ora, de
acordo com o modelo de Olson, a possibilidade de incentivos selectivos
individuais é importante para percebermos a formação e desenvolvimento dos
movimentos sociais. Neste caso, como noutras organizações sociopolíticas, a
tendê ncia do actor seria a de não participar na acção colectiva, visto que os
custos parecem superiores aos benefícios, os quais a priori se afiguram incertos
e imprevisíveis e, para além disso, ele poderia beneficiar de eventuais vantagens
na condição de free rider , abstendo-se de integrar o movimento.
Gordon Tullock ( 1974, 1980) transportou algumas das ideias de Olson para a
sua teoria das revoluções, reequacionando os interesses e as motivações dos
274
participantes em mobilizações revolucionárias, que, em seu entender, obedecem
a uma lógica talvez excessivamente instrumental e individualmente centrada.
Com efeito, «este autor centra a sua an álise na hipótese de a participação em
movimentos revolucionários não se processar em nome de ganhos colectivos,
mas sim em função das vantagens pessoais resultantes de uma inclusão no
movimento revolucion ário, depois de efectivamente pesadas as vantagens e
os custos e riscos do envolvimento» (Ferreira et al . 1995: 275).
Uma das objecções críticas à teoria de Olson foi a formulada por Fireman e
Gamson (1979) , para quem a participação dos actores na acção colectiva com Cr í ticas à teoria da ac çã o
colectiva
o objectivo de obter um bem colectivo se deve à consciência que os participantes
têm de que o bem n ão se consegue se cada um ficar à espera que os outros
actuem, logo, os mais conscienciosos tomariam a iniciativa. Outros autores
(Oberschall , 1980; Oliver, 1984) chamaram, por sua vez , a atenção para o
facto de que a percepção que cada indivíduo tem do sucesso da sua participação,
aspecto decisivo na decisão de intervir, estar muitas vezes dependente da
quantidade de elementos do grupo e da importância que é concedida à sua
colaboração.
275
sociais como uma realidade « normal », organizada e racional das sociedades
contemporâneas, marcadas pelo dinamismo social, pelas mudanças rápidas e
pela conflitualidade. Assim, e enquanto na Europa germinavam as teorias dos
novos movimentos sociais, a teoria da mobilização de recursos seria
desenvolvida sobretudo nos EUA, sustentando que um movimento social para
surgir e se consolidar tem de conseguir reunir um conjunto diverso de recursos
essenciais, tais como: meios financeiros, organização consistente e articulada,
apoios e alianças interiores e exteriores ao movimento.
276
WM
John McCarthy e Mayer Zald ( 1977) deram continuidade aos estudos de O contributo de McCarthy
e Zald para a teoria da
Oberschall, sustentando a importâ ncia das condições e dos recursos que estão mobiliza çã o de recursos
na origem dos movimentos sociais. Se os conflitos e a contestação social são
vistos , por estes autores, como fazendo parte da vida normal das sociedades
avanç adas , será necessário estarem criadas um conjunto de condições para se
passar da observação e reconhecimento da conflitualidade à mobilização para
a acção colectiva organizada. Mais uma vez , os pressupostos da mobilização
residem na racionalidade do actor, que decide em função da relação custos-
benef ícios. Ora, tal como já havia sido teorizado por Olson , a existência de
free riders obriga a considerar quer a relev ância dos recursos selectivos, quer
a sua gestão, como salientou Oberschall. Neste contexto, McCharthy e Zald
vão conceder especial atenção à organização, elemento fundamental da acção
colectiva e a partir do qual os autores estabeleceriam algumas distinções
conceptuais. A organização é, para ambos, decisiva na prossecução dos
objectivos do movimento, atendendo a que é a estrutura organizativa que gere
os recursos e coordena a actividade de um movimento social. Este é concebido
pelos autores como « um conjunto de opiniões e crenças de uma população
que representa preferências para mudar alguns elementos da estrutura social
e/ou a distribuição de recompensas numa sociedade» (McCarthy e Zald 1977:
1217).
277
import ância ainda mais decisiva: os recursos são necess ários n ão só para que
o movimento consiga subsistir e desenvolver-se de forma estruturada, mas
também para que as próprias organizações que o secundam possam sobreviver
e ter continuidade, assegurando as despesas de funcionamento e os custos das
suas actividades. Para isso, tais organizações disputam os recursos disponíveis
com outros grupos e entidades n ão-governamentais e també m entre si,
viabilizando alianças e entendimentos conjuntos. Estas exigências em termos
de recursos conduzem a uma progressiva profissionalização das organizações
dos movimentos sociais, que desinvestem de um recrutamento massivo de
membros e apostam numa lideranç a profissional , num acesso mais frutuoso
aos meios de comunicação social , em campanhas ambiciosas de marketing e
propaganda e em mé todos de gestão sofisticados. Deste modo, os l íderes
tomam-se autênticos «empresários » ou «gestores », formalizando as relações
com a base de apoiantes do movimento.
Tal desenvolvimento vivido no seio das organizações de suporte aos movi-
mentos sociais, não parece muito diferente das mutações verificadas nas
organizações partidárias aquando da transformação dos partidos de massas
para os partidos profissionais de eleitores ou catch -all parties. Mas, se a
« burocratização» e « profissionalização» das organizações dos movimentos
tira espontaneidade e informalidade à participação nos movimentos, por outro
lado acrescenta uma maior racionalidade e eficácia na gestão dos recursos e
nas várias actividades associadas ao movimento, o que significa maiores
benef ícios em termos de tempo e êxito para os participantes, e menores custos
em termos de dedicação, esforço e disponibilidade.
O contributo de Tilly para a Charles Tilly ( 1978) é um dos autores que aparece associado às teorias do
teoria da mobilização de re-
cursos conflito, da acção colectiva e da estrutura das oportunidades políticas.
Conquanto a conjugação de ideias e conceitos que empreende o enquadre em
diversas abordagens, parece- nos mais adequado, atendendo ao fundamental
da sua proposta teórica, situá-lo no âmbito da teoria da mobilização de recursos.
CharlesTilly, historiador e sociólogo, investigou a novidade e as consequências
produzidas pela expansão dos média e pelas inovações tecnológicas na estmtura
interna dos movimentos, que foram perdendo a informalidade e a precariedade
organizativa, e reforçando, por volta dos anos 70, a liderança centralizada e os
processos de coordenação em rede.
Pondo em relevo o papel da organização na distribuição, captação e manutenção
de recursos de poder, o autor considera que tais recursos estão distribuídos de
forma desigual e desequilibrada nas sociedades. Todavia, nem sempre a
confrontação e o descontentamento geram necessariamente uma acção
colectiva. Logo, devem estar reunidas uma série de condições que a partir de
um conflito ou de uma injustiça possam levar à acção colectiva, das quais se
destacam: os interesses comuns (união solidária dos interesses comuns na forma
278
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Também a teoria da mobilização dos recursos foi objecto de in ú meras críticas, Cr í ticas teoria da
mobilizaçã o de recursos
nomeadamente a que Turner e Killian ( 1987 ) dirigiram ao carácter pouco
preciso da noção de « recursos », que, na opinião destes autores, deveriam ser
valorizados também como possibilidades aferidas subjectivamente pelos actores
de acordo com os seus critérios de preferência e parâmetros de significação, e
não tanto como algo de objectivo em si mesmo. Para além disso, deveriam
abranger igualmente coisas como os bens materiais, o apoio explícito e
institucional, o acesso aos média, etc. De outro ponto de vista, alguns autores
(Fireman e Gamson 1979; Zurcher e Snow 1981; Turner 1991), apontaram o
reducionismo da teoria da mobilização de recursos que, ao circunscrever a
decisão de participação na acção colectiva — e, no que nos interessa, nos
—
movimentos sociais a uma mera lógica calculista-instmmental de custos-
-benefícios individuais, exclui ou desconsidera a dedicação altmísta, a filiação
ideológica como factor motivacional suficiente, a solidariedade com causas e
ideais, as lealdades morais e afectivas.
Por outras palavras, a adesão de um indivíduo a um movimento social n ão
obedece apenas a uma ponderação «economicista» e objectiva de custos e
279
m
Esta teoria, também designada por teoria do processo político, vem na senda
da teoria da mobilização de recursos e, em especial, das ideias de Eisinger
(1973) e de Tilly (1975), nomeadamente a import ância concedida ao ambiente
político e institucional e às oportunidades pol íticas existentes no â mbito do
A teoria da estrutura de opor- desafio lançado ao poder instituído por parte de grupos «provocadores». Com
tunidades pol íticas
efeito, o contexto pol ítico influencia não apenas a criação dos movimentos
sociais mas també m a sua sobrevivência e o sentido das suas actividades ,
dado que é tido como um dos recursos da acção colectiva, quer pelas
oportunidades que proporciona (abertura, tolerâ ncia, disponibilidade para
alianças, etc.) , quer pelos obstáculos que impõe ( repressão, controlo social,
constrangimentos legais, etc.).
280
E evidente que a dinâ mica e o sucesso dos movimentos sociais não se podem
desligar do contexto das interacções desenvolvidas com os outros actores
institucionais e n ão institucionais, sobretudo com os que exercem o poder e
que, por isso, são afrontados ou ameaçados: «como portadores de desafios no
confronto com uma dada ordem pública, os movimentos sociais interactuam
com os actores que gozam nessa ordem de uma posição consolidada. As
características dessas acções recíprocas condicionam quer as formas assumidas
pela acção colectiva quer as suas possibilidades de êxito » (Delia Porta 2003:
138).
Nos anos 80, autores como Sidney Tarrow ( 1985, 1988, 1989) e Doug
Os contributos de Tarrow,
McAdam ( 1988) e, j á nos anos 90, Hanspeter Kriesi ( 1992) , dariam conti- McAdam e Kriesi para a
nuidade a esta teoria, introduzindo novas variáveis decorrentes de diversas teoria da estrutura de opor-
tunidades pol íticas
investigações empíricas. Assim, para estes autores, no processo de acesso aos
mecanismos de decisão política, os movimentos sociais devem considerar certos
elementos ou características (umas mais estáveis outras mais imediatas, umas
formais outras informais ) da estrutura de oportunidades políticas em cada
sociedade, a saber:
281
e cria oportunidades políticas para os desafiadores, o sistema de conflito
tende a piorar aquelas condições » (Delia Porta 2003: 141). Quanto a
este ú ltimo aspecto, Tarrow ( 1998 ) identificou um conjunto de factores
conjunturais que mudam as condições do sistema político e que
interferem sobre as oportunidades de actuação dos movimentos sociais.
São eles: o incremento do acesso à participação na vida política pública,
nomeadamente através dos processos eleitorais, as mudanças na
estrutura e lógica de alianças da elite política, a posição que aliados
influentes podem tomar em favor dos movimentos sociais, as divisões
e dissenções na elite política que podem facilitar a afirmação da acção
colectiva, a existência de atitudes e mecanismos de repressão, mais
visíveis ou mais sofisticados, que inibam a mobilização colectiva e
aumentem os custos da participação ou a inexistência e inefic ácia de
tais atitudes e mecanismos, de maneira a estimular o envolvimento em
actividades colectivas de protesto.
282
Huai
De entre as críticas formuladas à teoria da estrutura de oportunidades políticas , Críticas à teoria da estrutura
sobressai a acusação de reducionismo político , por esgotar no tipo de de oportunidades pol íticas
283
social a que conduziram as sociedades massificadas. Com efeito, os movimentos
sociais permitiam ao indivíduo revalorizar-se e reencontrar uma dignidade
entretanto ofendida por processos de exclusão social , de despersonalização e
de isolamento. Processos, estes, que se foram agravando ao longo das décadas
de 80 e 90 do século XX e que passaram a marcar indelevelmente as sociedades
contempor âneas avançadas, caracterizadas pela aceleração tecnológica, pelas
mudanças rápidas, pelo desenraizamento, pelo esvaziamento axiológico, mas
também por exigê ncias de cidadania, de realização pessoal, de auto-expressão
— aspectos que os novos movimentos acolheram nos seus princípios
fundadores e na sua agenda.
O mesmo é dizer: «os novos movimentos sociais parecem servir de pontos de
ancoragem para as pessoas que, no oceano instá vel do nosso mundo, buscam
a terra firme da identidade . A participação em acções empreendidas por
movimentos pode contribuir para consolidar uma identidade mais vigorosa »
(Javaloy, Rodriguez & Espelt 2001: 296). O que é verdade, tanto para os
movimentos sociais que visam recuperar a identidade pessoal perdida ou
alcanç ar uma nova identidade pessoal (como no caso dos movimentos
redentores), como para os movimentos de tipo revolucionário que apostam
sobretudo na construção de uma nova identidade social ou societal.
O movimento social é, ent ão, considerado um actor sociopol ítico que forma,
ou ajuda a formar, a identidade (pessoal , grupai, colectiva) como referencial
As fun ções da identidade de identificação para os seus membros. Este aspecto tem interessantes impli-
colectiva
cações ideológicas, atendendo a que o grupo funciona para o participante como
regulador normativo e pretexto de compromisso. Pois, ao identificar-se com o
grupo de protesto e ao perseguir os mesmos objectivos que o grupo, o adepto
toma suas as ideologias e convicções adoptadas pelo colectivo. É importante
assinalar que a identidade colectiva faz parte do processo de criação dos
movimentos sociais e desempenha diversas funções fundamentais para a sua
sobrevivência e continuidade, nomeadamente: ajuda a definir as metas globais
do movimento e a sua ideologia base ; informa a natureza e tipo de movimento,
distinguindo-o dos outros e dos restantes grupos; cria nexos de solidariedade
intragmpal, dando sentido à pertença e participação, reforçando a capacidade
mobilizadora do movimento junto de potenciais adeptos e sinalizando ( pela
autodefinição , partilha e ac çã o conjunta dos membros do grupo ) as
oportunidades, limites e possibilidades da acção colectiva (Melucci 1989).
A perspectiva de Melucci Segundo a perspectiva «construtivista» de Melucci que retomaremos mais
sobre a identidade colectiva
à frente, a propósito da teoria dos novos movimentos -, a identidade colectiva
representa um processo dinâmico de construção interactiva e define-se ao longo
do tempo, exprimindo as alterações fundamentais ocorridas no seio do grupo
(liderança, metas, organização) e a relaçã o do grupo com a sociedade. Por
outras palavras , Melucci considera a identidade colectiva como um processo
que serve de base para o c álculo dos custos e benef ícios da acção colectiva,
284
I llliiillll iiiiiiiiiiiii
Podemos concluir que uma das vantagens das teorias da identidade, aplicadas
ao estudo dos movimentos sociais, consiste em conceber a identidade social
de acordo com a normatividade grupai, ou seja, no âmbito das interacções que Cr íticas às teorias da identi -
dade colectiva
os actores sociais desenvolvem no seio dos grupos a que pertencem e que
constrangem e impõem padrões de conduta e valores a seguir. Para além disso,
—
as teorias da identidade que, sublinhe-se, conhecem orientações diversas,
desde o interaccionismo simbólico ao neomarxismo tentam conjugar a
perspectiva de teor psicologista com a perspectiva sociológica, reunindo quer
os factores individuais , quer os sociais , culturais, políticos e históricos,
compreendendo cada um deles em função da interacção com os restantes,
evitando reducionismos que limitem a complexidade da acção colectiva.
Podemos identificar duas linhas principais de investigação sobre os novos A investiga çã o norte - ame -
ricana e europeia dos novos
movimentos sociais. movimentos sociais
285
os movimentos podem mobilizar com as oportunidades pol íticas e o processo
político. Esta orientação teórica foi sobretudo desenvolvida nos Estados Unidos
da Amé rica e procede a uma análise micro-sociológica dos movimentos sociais.
286
Assim, os movimentos que nasceram na década de 60 e 70 do século XX
concederam protagonismo a sectores da população que atravessavam as
diferentes classes e estratos sociais (os negros, os estudantes, as mulheres, os
pacifistas ) e cujos interesses passaram a situar-se na procura da identidade
colectiva, na afirmação de valores comunitários alternativos e na defesa do
património cultural e das minorias e seus direitos. De entre os chamados novos
movimentos sociais destacam-se geralmente os movimentos feminista ,
ecologista, pacifista, de luta pelos direitos humanos, de defesa das minorias
étnicas e sexuais, de solidariedade para com os países do Hemisf ério Sul e,
também , outros mais circunscritos , como é o caso dos movimentos de
consumidores, de utentes de serviços p ú blicos e privados, de moradores, etc.
Como bem sintetiza Maria da Glória Gohn ( 1995), estes novos movimentos
sociais «são acções colectivas de carácter sociopolítico, construídas por actores
sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Estes movimentos
politizam as demandas e criam um campo político de força social na sociedade
civil. As suas acções estruturam-se a partir de repertórios criados em tomo de
temas e problemas específicos e em situações de conflitos, lit ígios e disputas.
As suas acções desencadeiam um processo social e político-cultural que confere
uma identidade colectiva ao movimento, a partir de interesses em comum.
Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é constmída a
partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo
grupo » (Gohn 1995: 44). Tal como afirmámos antes, os novos movimentos
sociais a que daremos destaque são aqueles que incorporam uma dimensão
—
predominantemente política sem, contudo, deixarem de ter preocupações
—
culturais, axiológicas e económicas , daí que também possam ser deno-
minados de novos movimentos sociopol íticos.
287
IÉII1 I
Fonte: elaborado por Federico Javaloy et al. ( 2001: 128 ), tendo em conta Offe 1990;
Dalton et al , 1990; Klandermans, 1986; Johnston et al , 1994 e Cohen , 1985
288
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289
WÈÈÊÍÊÈÊÈÈÈÊÈÈÊm
Refira-se também que, por vezes, as acções dos diversos movimentos são
concertadas e organizadas em conjunto, sem que cada movimento perca a sua
autonomia e identidade próprias. Ainda quanto a esta dimensão, Dieter Rucht
( 1992) considera que os novos movimentos sociais estão mais predispostos a
recorrer a actos de desobediência civil do que a optar por actividades violentas
e violadoras dos direitos fundamentais. A esta estratégia de actuação n ão será
estranha a necessidade de granjear popularidade e credibilidade junto da opinião
pú blica, assim como a de conquistar os favores dos média e conseguir eficácia
política, o que fica facilitado se os novos movimentos incidirem sobre questões
290
concretas e mais próximas dos problemas das populações e intervirem de um
modo «civilizado», sem perderem irreverência e imaginação. No entanto, nos
últimos anos, se observarmos as características do movimento anti-globalização
— e de grupos radicais e extremistas, mais ou menos organizados, infiltrados
—
nas suas iniciativas , concluiremos que se assiste a uma radicalização
considerável das formas de protesto, onde não raramente se recorre à destmição
da propriedade pública e privada, pilhagens e outros actos de violência.
É importante chamar a atenção, como bem observa Rutch, para duas lógicas
As l ó gicas de ac çã o dos
de acção distintas nos novos movimentos sociais, n ão se devendo, por isso, novos movimentos sociais
tomá-los como um todo e estabelecer num só sentido a orientação da sua
actuação. Desta forma, temos por um lado uma «lógica instrumental » , cuja
estratégia é dirigida ao poder político, procurando alterar as políticas públicas
ou influenciar o processo de tomada de decisões: os movimentos pelo
desarmamento nuclear ou pela defesa do ambiente seguem esta lógica de acção.
Por outro lado, segue uma «lógica expressiva » o movimento social que
ambiciona não tanto o poder nem influir na sua distribuição e exercício, mas
mais a afirmação teórica e a expressão cívica, social, cultural e artística de
identidades pessoais e colectivas, bem como o seu estudo, protecção jurídica e
alteração dos modelos morais e culturais dominantes. Enquadram-se nesta
linha de intervenção o movimento feminista e o movimento pela defesa das
minorias sexuais (Rutch 1992: 228-233).
—
etc. teriam necessariamente de encontrar outros intérpretes colectivos, outros
actores sociais, portadores de novas orientações axiológicas e capazes de dar
resposta a novos temas com diferentes soluções e estratégias de actuação.
291
:
i '
292
próprias criaram ou permitiram (capacidades autocorrectivas e autoregene-
radoras do sistema).
Outro dos autores mais significativos da teoria dos novos movimentos sociais
é Alain Touraine (1985) , cuja perspectiva teórica assenta em três princípios O contributo de Touraine
fundamentais: o princípio de identidade, de oposição e de totalidade. A identi- para a teoria dos novos mo-
vimentos sociais
dade permite ao actor definir-se e situar-se, numa situação de conflito, face
aos actores oponentes. A oposição faz emergir os adversários, toma manifesto
o conflito e promove a consciencialização dos intervenientes. A totalidade diz
respeito ao sistema social que é objecto de conquista e luta entre os adversários,
ou seja, as classes sociais disputam o sistema de acção histórica e o controlo
da dinâmica de uma comunidade. É este sistema global que define os princípios
e as regras (isto é, os padrões cognitivos, éticos, de racionalidade económica,
etc.) de uma determinada sociedade. Logo, os objectivos primordiais da luta
dos novos movimentos sociais são: questionar, impor ou substituir modelos
culturais de acção, de acordo com as suas convicções e interesses. Outro dos
pressupostos que, segundo Touraine, está na base da formação e acção dos
novos movimentos sociais refere-se à procura de uma identidade verdadeira e
autêntica, que supere a identidade social alienada decorrente do auto-
posicionamento do indivíduo no sistema por efeito da incorporação das pautas
de conduta e valores vigentes. Essa nova identidade, facilitada pelo activismo
e participação nos movimentos , outorgaria també m ao actor social a
possibilidade de delinear o seu percurso pessoal e colectivo. Seria uma
identidade feita da pertença a uma cultura de cidadania e de protesto, de
afirmação pessoal no contexto da acção colectiva e da solidariedade de
grupo.
Importa notar que estes princípios, enunciados por Alain Touraine, estão
relacionados com a noção de sociedade, entendida pelo autor como um sistema
que gera as suas próprias condições de transformação através de uma dinâmica
de conflitualidade entre uma elite dirigente e um conjunto de grupos dominados.
N ão muito longe da herança marxista e da sociologia do conflito, Touraine
(1985) atribuiu a essa elite hegemónica o estabelecimento do modelo cultural
e dos valores ético-morais dominantes, os quais servem os seus objectivos e
permitem controlar social e culturalmente os actores sociais sujeitos a essa
dominação. Por outro lado, caber á aos grupos dominados desencadear
processos de luta e de contestação, de forma a corrigir ou superar o sistema
cultural e axiológico vigente.
293
W Ê fflfflfflmfflfflfflfflfflmmmm
Para outro dos mais citados teóricos dos novos movimentos sociais, Claus
O contributo de Offe para a
Offe (1992) , estes são considerados como um elemento essencial da política
teoria dos novos movimen -
tos sociais não institucional , reforç ando a identificação da natureza sociopolítica destes
movimentos: «O campo de acção dos novos movimentos sociais é um espaço
de pol ítica não institucional , cuja existência não está prevista nas doutrinas
nem na prática da democracia liberal e do Estado do bem-estar» (Offe 1992:
174). Segundo o autor, estes movimentos enquadram-se nas formas de acção
política não institucional reconhecidas como legítimas, ao contrário do crime
privado ou do terrorismo, ou seja: «no que respeita aos meios, os movimentos
meramente sociais ( trate-se de seitas, de movimentos que propagam estilos
específicos culturais, tradicionais e de prática de vida) recorrem a formas de
acção perfeitamente legitimadas e reconhecidas, tais como o uso da liberdade
cultural ou a liberdade de praticar uma religião reconhecidas legalmente. No
que respeita aos objectivos, não pretendem conseguir que a comunidade ampla
assuma como próprios os seus valores e pontos de vista específicos, mas
simplesmente pretendem que lhes seja permitido desfrutar das suas liberdades
e direitos » (Offe 1992: 175).
294
WÊiZÈmMMÊÊÊÍÊM
Fins
Não aceites pela Aceites pela
comunidade comunidade
Meios/actores
Não reconhecidos como
leg í timos pela comuni- crime privado terrorismo
dade
movimentos
Reconhecidos como le- socioculturais cm favor movimentos socio
gítimos pela comunidade de práticas religiosas pol íticos
Quanto aos conteúdos ou temas eleitos pelos novos movimentos sociais, eles Caracter ísticas comuns dos
abrangem uma heterogeneidade de questões, como a identidade sexual, cultural, novos movimentos sociais
étnica e linguística, ou o sentido do progresso económico e a sobrevivência da
humanidade e do planeta. Porém, apesar da diversidade temática, nota-se uma
insistência em assuntos relativos a aspectos não materiais da vida individual e
social, isto é, que digam sobretudo respeito aos direitos e deveres de cidadania,
à fruição intelectual e artística, à qualidade ambiental, à convivência pacífica e
solidária entre indivíduos de diferentes etnias, origens sociais, opções sexuais,
credos religiosos, filiações ideológicas. J á no que concerne aos valores
veiculados pelos novos movimentos sociais , contam-se, entre outros: a
autonomia, a descentralização, a liberdade, a democratização, a expressividade,
a espiritualidade, a felicidade individual, a participação em todas as esferas
da vida pessoal e social, e a defesa e a promoção da identidade pessoal e
colectiva.
295
V
Em relação às formas e modos de actuação, que em Offe abrangem a dimensão
organizativa interna e o modo externo de actuação, os novos movimentos
distinguem-se quer pela informalidade, igualitarismo, descontinuidade das suas
redes de voluntários , ajudantes e membros efectivos que partilham
competências e funções entre si de uma maneira muitas vezes indiferenciada e
—
pouco hierarquizada , quer por uma actuação externa mobilizadora de um
grande n ú mero de pessoas (manifestações, desfiles, etc.) e com forte impacto
junto da opinião pú blica , recorrendo para tal a acções n ão convencionais e
simbólicas, merecedoras de cobertura mediática. Outro aspecto que caracteriza
o estilo de actuação dos novos movimentos sociais é a sua dificuldade em
estabelecer compromissos, negociações e alianças de ocasião com o poder
instituído. Isto faz com que actuem sobretudo em resposta a princípios,
convicções e reivindicações e sem cedê ncias , o que pode conduzir à
radicalização do discurso e das pr áticas de intervenção (cf . quadro 11.6).
296
WiÊÊÊÊÊm, Hi
Estratégias Modalidades de
Movimento Estratégia geral
concretas
Movimento estu - Ambivalente Pressão extraparla Congressos; manifes-
dantil mentar ? tações, bloqueios e
Confrontação; de- festas
safio contracultural
Movimento de mu- Orientado para a Divergência refor- Campanhas de cons-
lheres identidade mista; desafio con - ciencialização; mani-
tracultural ; pressão festações; den ú ncias
judiciais
Movimento eco- Orientado para o Pressão parlamen - Campanhas, concen-
logista poder tar e extraparla- trações e manifesta-
mentar ç oes; desobediê ncia
civil ; petições; confe-
rê ncias de imprensa;
den ú ncias judiciais;
pressão
Movimento paci- Orientado para o Pressão extraparla- Campanhas, reuniões
fista poder mentar e concentrações; mar-
chas, petições ; deso-
bediê ncia civil
Movimento anti - Orientado para o Pressão extraparla- Acções de rua; mar-
globalização poder, nomeada- mentar chas e manifestações;
mente para o sis- desobediê ncia civil ;
tema econ ó mico f óruns e encontros in-
dominante ternacionais;
Quer isto dizer que, para este autor, a conflitualidade social repercutida nos
novos movimentos sociais situa-se para além do paradigma do conflito entre
uma classe exploradora (capitalistas) e uma classe social explorada (proletários).
Este conflito, típico das sociedades capitalistas industriais, permanece nas
sociedades ditas pós-industriais, juntamente com os actores políticos tradicionais
envolvidos nessa confronto: elites detentoras do poder político e económico e
estruturas representativas dos trabalhadores (sindicatos, partidos operários).
297
. II I
298
e ideologicamente, de modo a que sistema social funcione segundo certos
padrões e os actores não se tornem desviantes, improdutivos ou disfuncionais.
Uma das modalidades desta acção colectiva será então constituída pelos
movimentos sociais, que percorrem uma fase de «latência» (formulação das
propostas e preparação para a acção) e uma fase manifesta ou visível
(mobilização e confronto efectivos). Melucci (1985) denomina os movimentos
de « áreas de movimento», ou seja , redes de interacções entre indivíduos e
grupos que invertem os padr ões culturais e simbó licos institu ídos e
experimentam novas significações, novas propostas axiológicas, novos códigos
de acção social . É aqui que se estrutura a identidade colectiva, num contexto
de trocas e vivências emocionais, cognitivas e culturais , face aos desafios de
conflitos exteriores ou problemáticas sociais e culturais pertinentes.
V
A teoria dos novos movimentos sociais na sua versão europeia são apontadas
algumas críticas, entre elas as dificuldades em validar com estudos empíricos Críticas à teoria dos novos
movimentos sociais
muitas das hipóteses teóricas formuladas e sustentadas, ao invés da linha de
investigação norte-americana dos movimentos sociais, cujas teses deram
pretexto para in ú meros trabalhos empíricos. Igualmente referida é a excessiva
atenção dada aos elementos e variáveis estruturais da acção colectiva em
detrimento dos aspectos e condições micro-estruturais, micro-organizativos e
motivacionais, que ajudam a explicar o funcionamento interno e as lógicas de
mobilização dos movimentos sociais.
Do outro lado do atlântico, tais insuficiê ncias foram colmatadas com alguns
estudos e perspectivas construtivistas, de natureza psicossocial, de que é
exemplo o trabalho de David Snow (1986) e respectivos colaboradores. Este
299
tipo de abordagem reconhece a import ância dos elementos organizativos e
estruturais, mas valoriza sobretudo os aspectos expressivos, simbólicos e as
representações culturais dos participantes nos novos movimentos sociais e
analisa psicossocialmente o processo dinâmico e interactivo que explica a
mobilização dos actores e a sua integração nas organizações e movimentos
sociais. Este « regresso » aos factores psicossociais — somado à ê nfase
construtivista, traduzida na import ância atribuída às motivações, partilha das
crenças, construção social do significado da participação colectiva, formação
da identidade, etc.
movimentos.
— tem marcado as análises mais recentes dos novos
300
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Percursos de autoverificação
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A) As condições estruturais
Como foi dito atr ás, a emergê ncia dos novos movimentos sociais teve lugar
no contexto das sociedades industriais avançadas. Após a Segunda Guerra
Mundial deu -se a reconstru ção econó mica de muitas das democracias
ocidentais, assistindo-se a uma fase de crescimento e prosperidade económicas
nas décadas de 50 e 60 e a uma melhoria generalizada do nível de vida dos
cidadãos. Pode dizer-se, assim , que o Estado do bem-estar beneficiou de um
clima de paz e estabilidade política, marcado por uma elevada produtividade e
consumo de massas, bem como pelas inovações e alterações que os avanços
na tecnologia e na ciência trouxeram ao quotidiano das populações (transportes,
televisão, etc.). A consolida çã o do welfare
state e os novos movimen -
tos sociais
Com efeito, a partir do final da década de 40 e do início da década de 50 do
século XX , o Estado assumiu, em alguns países da Europa Ocidental, uma
estratégia ou orientação qualificada comummente como welfare state (Estado-
providência). Ora, o welfare state teve como objectivo central assegurar a paz
social e a igualdade através da garantia de condições mínimas de subsistência
económica aos mais necessitados, nomeadamente através de rendimentos
mínimos e da segurança social, protegendo os cidadãos das contingências da
307
illlillllllll ill
308
Illllllll
309
O tipo de regime político ( regimes democr á ticos versus regimes n ão
democráticos) é, muitas vezes, uma condição decisiva para a constituição de
um movimento social. Por razões opostas, quer os regimes totalitários e
autocráticos , quer os regimes liberais e democr áticos, podem estabelecer
condições propícias à formação dos novos movimentos sociais, apesar destes
surgirem com mais frequência em contexto democrático. Nas democracias
contemporâneas, a possibilidade política e institucional da maioria fazer valer
a sua vontade em eleições livres e competitivas; a existência de liberdade de
expressão e de reunião, o ambiente de convivência plural e de tolerância com
a diferença de opinião; as funções de informação, denúncia e consciencialização
da opinião pública desempenhadas pelos média; a prática de políticas de
concertação dos problemas e conflitos; tomam menos premente a presença de
movimentos sociais revolucionários e extremistas que reivindiquem mudanças
sistémicas ou alterações profundas na organização social, económica e política.
Ao mesmo tempo, tornam expectá vel a criação de novos movimentos sociais
especializados em temáticas concretas e que preconizem reformas institucionais
e políticas sem, contudo, porem em causa o sistema social, político e económico
no seu todo.
310
Ililiiil
311
bem refere Della Porta: «os movimentos sociais movem-se no seio de um
campo organizativo e interactuam com vários outros actores. Estes encontram
aliados e opositores na administração pública, no sistema de partidos, entre as
associações de interesses e na sociedade civil. Os factores institucionais são
de algum modo derivados de dois conjuntos de variáveis intervenientes: o
comportamento do sistema de aliança e o d o sistema de conflito» (Delia Porta
2003: 141). O sistema de aliança traduz-se nos apoios, recursos e oportunidades
políticas que os actores políticos colaborantes cedem aos grupos de protesto,
enquanto que o sistema de conflito diz respeito aos obstáculos e dificuldades
criadas pelos opositores desses grupos.
312
novos movimentos sociais parece ser o respeito absoluto pela pessoa, a defesa
de mais amplos espaços de liberdade para o indivíduo, que começa com a
garantia de certos direitos e que se estende à recusa de todas acções ou situações
que podem limitá-la. Daqui a oposição ao racismo, à xenofobia, à guerra e à
violência, ao que afecte a integridade dos indivíduos » (Mesado 2003:
180-181). O que é mais: estes novos valores e conte ú dos, que têm nos novos
movimentos sociais porta- vozes preferenciais, reclamam outras instituições e
mudanças na ordem social , política e moral — sem que isso signifique neces-
—
sariamente o desenvolvimento de alternativas sistémicas e são particular-
mente sensíveis a uma classe média instru ída, esclarecida, gozando de uma
condição económica confortável e receptiva a novas problemáticas e preocu-
pações.
Porém, alguns autores, entre eles o próprio Claus Offe, questionam a «novidade»
dos supostos « novos valores» interpelados pelos novos movimentos sociais,
assim como a pertinê ncia de se dar por adquirida uma efectiva mudança
paradigmática de valores. Como escreve Offe: «certamente não contem nada
de “novo” os princípios e exigências morais acerca da dignidade e da autonomia
da pessoa, da integridade das condições f ísicas da vida, de igualdade e
participação e de formas pacíficas e solidárias de organização social. Todos
estes valores e normas morais, propugnados pelos defensores do novo
paradigma político, estão firmemente enraizados nas filosofias políticas (assim
como nas teorias estéticas) modernas dos últimos séculos, e foram herdados
dos movimentos progressistas, tanto da burguesia como da classe operária»
(Offe 1992: 213). Deste modo, mais do que uma oposição entre velhos e
novos valores, deverá falar-se de diferentes modos de realização desses valores
e de contradições e choques no interior da mesma constelação moderna de
valores, o que evidencia a incompatibilidade parcial entre certos valores
implicados, como, por exemplo, a relação entre o progresso técnico e a
satisfação de certas necessidades humanas.
313
elevados níveis de instrução e o aumento do activismo nos novos movimentos
sociais: « Por um lado, com um elevado nível de estudos formais adquire-se
uma certa competência ( da qual se é consciente) para emitir juízos sobre
questões “sistémicas” complexas e abstractas em terrenos económicos, militares,
legais , técnicos e referentes ao meio ambiente. Por outro lado, a educação
superior aumenta a capacidade de pensar (e possivelmente a de actuar) com
independência e a aptidão para questionar criticamente as interpretações e
teorias sobre o mundo que chegam a cada um » (Offe 1992: 215).
D) Condições sócio-profissionais
Como vimos, e de acordo com vários estudos empíricos, entre eles os levados
a cabo ou coordenados por Ronald Inglehart, as pessoas que aderem aos valores
pós-materialistas revelam-se mais receptivas no apoio aos novos movimentos
sociais. Mas o que importa também sublinhar é que estes indivíduos « pós-
materialistas» já não pertencem a uma ú nica classe ou categoria social
empenhada na defesa de interesses específicos de classe, como acontecia no
movimento operário. Em vez de uma classe social protagonista da acção
colectiva afirma-se agora uma aliança interclassista, que acolhe elementos de
A base social de apoio dos
novos movimentos sociais
todas as «classes » ou estratos sociais, redimensionando assim a orientação
ideológica e as modalidades organizativas dos novos movimentos. Com efeito,
mais do que a motivações e interesses puramente materiais e instrumentais, a
base social de apoio dos novos movimentos responde sobretudo a preocupações
civilizacionais e éticas, que espelham ou traduzem a « pós-materialidade» e a
confluê ncia universalista de diversas sensibilidades ou o particularismo social
de certos problemas que afectam comunidades ou grupos específicos.
314
** r»
Todavia , sendo certo que essa ampla base de apoio assume um carácter
interclassista e heterogéneo, podemos identificar algumas características
dominantes dos apoiantes dos novos movimentos sociais. Assim , os simpati-
zantes, aderentes e activistas desses movimentos apresentam habitualmente, e
de acordo com os dados fornecidos por alguns estudos empíricos , o seguinte
perfil sociodemográfico e atitudinal: são indivíduos que « pertencem à classe
social media-alta e têm meios económicos mais elevados (ambos os aspectos
favorecem a satisfação das necessidades materiais e de segurança) ; possuem
um elevado nível de instrução formal , que permite uma maior aptidão para a
participação política; são preferencialmente jovens , e, portanto , foram
socializados num ambiente de maior segurança física e económica; a nível
ideológico, simpatizam com a esquerda e apresentam uma baixa religiosidade
(ambas as características reflectem um distanciamento face aos valores
tradicionais e materialistas), e é mais provável que residam em grandes cidades ,
o mesmo é dizer, em contextos mais afectados pela modernização » (Javaloy,
Rodriguez , Espelt 2001: 257).
315
novos movimentos com os membros da chamada « velha» classe média
(camponeses, artesãos, pequenos comerciantes, etc.), os quais se juntam às
acções colectivas de protesto porque as reivindicações e exigências postas
pelos novos movimentos sociais se aproximam ou são compatíveis com as
prioridades económicas daquelas categorias profissionais (Offe 1992: 195-
-197, 216).
Referidas que foram algumas das condições que estão na base da formação
dos novos movimentos, importa agora analisar os factores que propiciam a
mobilização dos indivíduos para a acção colectiva, ou seja, o que leva as
pessoas a participar nos movimentos novos sociais.
As atitudes individuais e a De acordo com os estudos empíricos realizados sobre esta maté ria, a correlação
participa ção nos movimen
tos sociais
- entre a identificação de certas características individuais e a participação nos
movimentos sociais suscita muitas d ú vidas. N ão só as atitudes individuais se
mostram insuficientes para explicar a participação efectiva nas mobilizações
colectivas, como é difícil destrinçar quando é que uma característica individual
é factor de participação e quando essa mesma característica resulta já,
parcialmente que seja , da interven ção na acção colectiva. No processo
interactivo da experiê ncia social e da socialização, um efeito experimentado
de uma acção é muitas vezes deslocado cognitivamente, ganhando para o
indivíduo o sentido de uma predisposição ou motivação para essa acção.
Consideremos o seguinte caso: o altruísmo é uma característica prévia da
personalidade de um indivíduo que o mobiliza para uma acção colectiva de
solidariedade, ou o altruísmo é o resultado do indivíduo ter participado e sentido
os efeitos dessa acção colectiva sobre a sua personalidade? Para além disso, a
identificação de certas características cognitivas e axiológicas comuns a um
grupo não permite prever o comportamento concreto dos membros desse grupo
e, muito menos, o comportamento individual de cada membro, no contexto de
uma acção colectiva.
316
Apesar destas dificuldades, «uma predição mais adequada sobre quando uma
atitude individual favorável à participação se converte em conduta participativa
poderia conseguir-se tendo em conta a acessibilidade de tal atitude. Diz-se
que uma atitude (ou avaliação) face a um objecto é acessível quando existe
uma forte associação objecto-avaliação de forma que a mera presença do objecto
na situação imediata serve para activar a avaliação» (Javaloy, Rodriguez, Espelt
2001: 259-260). Ora, dois factores ou condições colaboram, entre outros, para
a acessibilidade de uma atitude de participação nos movimentos sociais, e
portanto, para que essa atitude se converta com maior probabilidade em conduta
ou comportamento efectivo, isto é, que se concretize em acção. Referimo-nos
às circunstâncias pessoais favoráveis e à preexistência de redes sociais. Com
efeito, são diversas as circunstâncias pessoais que podem facilitar a integração
dos indivíduos nos novos movimentos sociais: a disponibilidade de tempo,
que pode resultar do celibato, de não ter família a seu cargo, de não ter
compromissos afectivos est áveis, de não ter emprego ou de ter um emprego
em part-time ou com horá rio reduzido e/ou flexível, etc; a consciência de
classe ou de grupo; a experiência positiva de activismo e militância em
associações, clubes, partidos e outras organizações; os percursos de socialização
familiar e política abonatórios da participação cívica e da integração em
estruturas organizadas; as experiências pessoais ocasionais de participação
em acções colectivas , tais como reuniões, manifestações , vigílias, etc., que
foram gratificantes e criaram expectativas positivas em relação a uma futura
participação em movimentos sociais.
317
H nmm i
As redes de contacto e a par- novos movimentos sociais ou integrar os já existentes. De facto, as redes sociais
ticipa çã o nos movimentos que subjazem aos movimentos, desenvolvem uma teia de contactos que
sociais
penetram os diversos grupos e colectividades e atingem também os indivíduos
sem ou com pouca ligação a esses grupos, criando-lhes disposições, moldando-
-lhes atitudes e dando-lhes pretexto para a participação efectiva na acção
colectiva.
Outro dos factores que estimula a participação dos indivíduos nos movimentos
sociais é a criação de um marco cognitivo-axiológico-ideológico que permita
percepcionar e interpretar a realidade social ou uma dada situação concreta
como iníqua, injusta, violenta, etc. Quando esse marco ganha dimensão e
expressão colectiva e é partilhado por uma comunidade de indivíduos, falamos
em « marco de acção colectiva », ou seja, um articulado de valores, crenças e
Os marcos de acção colecti-
va e a participação nos no - convicções que norteiam, justificam e legitimam a acção de um movimento
vos movimentos sociais social. Assim sendo, os marcos de acção colectiva não só contribuem para a
avaliação que os indivíduos fazem da injustiça, ilegitimidade, desigualdade de
uma situação ( agress ão ambiental, desrespeito pelos direitos humanos,
promoção da guerra, etc.), como implicam um conjunto de pessoas numa
confluência de atitudes, posições e valores, de que resulta um « nós» feito
dessa solidariedade e identificação, e um «eles » responsável e causador dos
males sentidos.
318
para modificar uma situação tida como injusta. Se tal convicção n ão existisse,
os adeptos dos movimentos, simples simpatizantes ou potenciais participantes
n ão encontrariam raz ão suficiente para decidir mobilizar-se colectivamente e
integrar os movimentos sociais, viabilizando, antes, outras alternativas aos
seus olhos mais eficazes, como seria desistir, conformar-se, ser indiferentes,
etc. Neste propósito de credibilizar a eficácia da acção dos movimentos sociais,
os activistas e militantes dos movimentos desempenham um papel fundamental,
quer pela força persuasiva da propaganda e pelo esforço da sensibilização,
quer pelo testemunho partilhado da sua experiência de participação.
Os marcos de acção colectiva reú nem , pois, representações dos advers ários,
construções da realidade, preferências e valorações, mas traduzem também
mitos e crenças que facilitam o processo de mobilização colectiva dos
indivíduos. Para além disso, conferem ainda significado a propostas e reivindi-
cações, permitindo aos cidad ãos identificarem-se ou reverem-se nas críticas
que são dirigidas ao sistema social , aos seus órgãos e instituições, ou aos
responsá veis por uma situação particular, bem como nas soluções (mais
imediatas e exequíveis ou mais longínquas e utópicas) que são encontradas ou
sugeridas para alterar o estado das coisas tido como problemático, injusto,
incorrecto, conflitual, etc.
C) Os factores internos
319
D) O processo de mobilização
320
importância e utilidade da ades ão e do activismo no seio do respectivo
movimento.
321
MNÍ !
322
necessariamente de ultrapassar a insipiência organizativa, a espontaneidade
de processos e as mobilizações ocasionais
323
Dirigido para os aderentes/clientes
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Dirigido para a autoridade
Figura 12.1 - Tipologia das organizações ligadas aos NMS, segundo Kriesi
324
Estas mudanças na linha político-estratégica de um movimento social tanto
podem conduzir à radicalização das opções ideológicas e ao extremar do
discurso, como à descaracterização política ou à institucionalização do
movimento, podendo este transformar-se em grupo de interesses e/ou de pressão,
ou até em círculo de influências tutelado por poderes instituídos e funcionando
como correia de transmissão, mais ou menos camuflada, do sistema institucional
de poder. Será o caso de um movimento cívico inicialmente muito contestatário
mas que por força de continuados apoios governamentais declina o seu poder
reivindicativo e se torna paulatinamente um aliado do governo.
325
Dirigido para os aderentes/clientes
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radicalização
Dirigido para a autoridade
Figura 12.2 - Transformações dos objectivos e repert ó rios de acção das or-
ganizações dos NMS , segundo Kriesi
Ainda sobre os repertórios de acção, Claus Offe chama a atenção para o facto
de algumas das formas de organização e acção interna e externa dos novos
movimentos sociais constitu írem limitações ou obstáculos sérios ao seu
desenvolvimento e continuidade, nomeadamente: a informalidade e desconti-
nuidade organizativas, a indiferenciação de estatuto e de papéis entre os
membros do movimento social e a incapacidade de negociação e de elaboração
de compromissos através de uma orientação estratégica sistemática e mediante
pressões organizadas. Ora, e como refere este autor, «isto deve-se a que faltam
aos novos movimentos sociais v árias propriedades das organizações formais,
sobretudo a vigência interna das decisões dos seus representantes, graças à
qual as organizações formais podem assegurar em certa medida o cumprimento
dos acordos de uma negociação política. E também típica a falta de um arranjo
coerente de princípios ideológicos e de interpretações do mundo do qual possa
326
: jpilpllpipipipilllp
327
servindo quer para fazer chegar de uma forma rápida documentação, quer
para planificar e conceber acções concertadas entre várias organizações, quer
ainda para alargar a rede de contactos e funcionar como um meio prático e
eficaz de mobilização para acções colectivas, como manifestações, vigílias,
etc. E disso exemplo recente a convocação de simpatizantes e adeptos de vários
movimentos políticos e organizações partidárias, sindicais e cívicas para
manifestações de protesto contra o governo espanhol na sequência dos
atentados terroristas em Madrid, em 11 de Março de 2004.
328
sistematizadas, as quais trariam mais facilmente divisões ou fracturas no seio
do movimento e dificultariam a obtenção de alianças e solidariedades com
outros grupos, movimentos e organizações. Ao contrário, o protesto que incida
sobre um tema ou problema específico e identificado (a introdução de um
imposto particular ) ou geral e vago (degradação ambiental global) , mas que
reú na uma insatisfação inequívoca, permite congregar apoios (entre os vários
movimentos sociais e entre estes e outras associações , grupos e organizações
políticas, culturais, cívicas, religiosas) e criar plataformas de contestação, mesmo
que estas agreguem sensibilidades e motivações ideológicas díspares.
Claus Offe aponta três tipos de «êxitos» ao alcance dos novos movimentos
Os três tipos de «ê xitos» ao
sociais: alcance dos novos movi -
mentos sociais
• Êxitos «substanciais », ou seja, decisões diversas que foram tomadas
pelas elites e que foram ao encontro das propostas ou reivindicações
dos movimentos (ex.: legalização das drogas leves ou alteração das
leis laborais).
A
329
tradução nos programas , declarações de princípios, planos de acção
estratégicos, moções políticas , etc., das organizações aliadas ou
apoiantes.
Hanspeter Kriesi (1993) foi um dos autores que sublinhou alguns factores
Os factores internos que internos que determinam o desenvolvimento organizativo dos novos movi-
condicionam o ê xito dos
novos movimentos sociais mentos sociais e a sua afirmação social e sucesso político. Destaquemos aqui
dois desses factores:
330
contestatários, afirmando esses propósitos numa relação conflitual ou
de afronta com a legalidade e instituições vigentes, como é o caso dos
movimentos que lutam pela autonomia de um território.
331
iiiiiiiii :# i 1
Por sua vez , os movimentos sociais que adoptam uma forma de actuação mais
institucional, convencional e moderada, sem recurso à coacção, à radicalizarão
do protesto e até à transgress ão da lei , n ão só ficam em desvantagem
concorrencial com outras estruturas representativas dos cidad ãos (partidos
políticos, grupos de interesses, associações cívicas de índole diversa, etc. ) que
detêm mais meios, est ão melhor integradas no sistema de poder e promovem
mais facilmente alianças, como não conseguem corresponder às exigê ncias
de eficácia política e visibilidade mediática, indispensáveis para a afirmação e
triunfo de um movimento social.
Para além dos factores internos, podem também enunciar-se factores externos
que determinam o desenvolvimento organizativo dos novos movimentos sociais
Os factores externos que e que condicionam o seu sucesso político e social. São eles os seguintes:
condicionam o ê xito dos
novos movimentos sociais
• Factores culturais. Salientemos aqui a importâ ncia da cultura e
subculturas políticas dominantes num país e num determinado período
histórico. Parece indiscutível que a predominância de um tipo de cultura
«participativa» no contexto de um regime democrático favorece
indubitavelmente a aceitação das actividades dos novos movimentos
sociais, pois trata-se de uma cultura política receptiva à pluralidade
das ideias, ao confronto de opiniões, à expressividade e à participação
individual e colectiva. Uma cultura pol ítica maioritária que considere
os movimentos sociais como um actor «natural » da vida política, que
estime a tolerâ ncia para com a diferença e que aprove ou admita a
conflitualidade e a convivê ncia democrática
—em detrimento da
estabilidade autorit ária, do abstencionismo, do silenciamento e do
conformismo cívicos e pol íticos — oferece condições favoráveis ao
surgimento, expansão e consolidação dos novos movimentos sociais.
—
—
diferentes atitudes que dão forma a uma cultura política nem entre
as suas dimensões cognitiva, afectiva e valorativa quando relaciona-
das com os vários aspectos de um objecto político, neste caso, os novos
movimentos sociais. Quer isto significar que se uma cultura política
de tipo participativo pode ser considerada como um factor externo
globalmente favorável ao desenvolvimento e implantação dos novos
movimentos sociais , ela pode representar também, em diferentes
momentos e sobre certos aspectos específicos desses movimentos
(como sejam o enquadramento legal dos movimentos sociais, o seu
332
'
333
_
jigijg
Como já ficou dito atrás, segundo a teoria do processo pol ítico existem factores
de oportunidade política que se podem tornar relevantes nas possibilidades de
afirmação e sucesso dos novos movimentos sociais, nomeadamente o tipo de
relações que os movimentos desenvolvem com outros actores políticos
( partidos, governo, sindicatos) , de que se destacam: a integração de aderentes
e activistas do movimento nas listas de candidatos a cargos públicos; a inserção
do movimento numa plataforma política ampla e abrangente ; a participação
do movimento social numa campanha eleitoral ; o apoio declarado dos líderes
de um movimento a um partido ou a candidatos políticos; a aceitação do apoio
político de um partido ou sindicato ao movimento. Um outro factor de
oportunidade pol ítica que pode ser aproveitado pelos novos movimentos , ou
contra eles reverter, prende-se com as situações de instabilidade e crises políticas,
pois um clima de conturbação política e social pode permitir que vários sectores
da população depositem esperança e confianç a em determinados movimentos
—
sociais, colaborando para o êxito destes ou pelo car ácter sedutor das suas
propostas alternativas, ou por reactividade ao sistema pol ítico e partidário
institucional, ou ainda porque certos movimentos optam por estratégias
334
populistas e demagógicas que canalizam o descontentamento popular.
Percursos de autoverificação
Exercícios
335
ísmm
336
I Hi $
Por isso mesmo, e à medida que os novos movimentos sociais iam conquistando
posições na sociedade ( popularidade, reconhecimento social e institucional ,
339
WÈÈÈ i
340
i ; ... . .
Outra diferença que se pode observar entre partidos pol íticos e novos movi-
mentos sociais respeita ao campo de actuação de uns e de outros, pois enquanto
os partidos tendem a privilegiar o espaço institucional do poder e recorrem a
formas de actuação institucionalizadas, os novos movimentos actuam nas
diversas arenas da sociedade civil, interferindo de modo não convencional nas
dinâmicas da vida social , seja de forma sectorial ou transversal: da cultura
cívica à qualidade de vida nos bairros sociais, da imigração clandestina ao
subdesenvolvimento das zonas rurais, do mercado de trabalho à pacificação
social . No entanto, devemos sublinhar que a fronteira teórica entre partidos e
movimentos sociais se pode revelar bastante menos clara e categórica no plano
fáctico: por exemplo, alguns partidos ditos marginais n ão só concorrem
às eleições sem quaisquer expectativas de representação parlamentar ou
autárquica, como procuram fundamentalmente dar a conhecer a sua existê ncia,
as suas propostas e actividades junto dos seus simpatizantes e da opinião
pú blica em geral. Por conseguinte, n ão tendo por objectivo exercer o poder,
esses pequenos partidos políticos procuram tão-só desafiá-lo, influenciá-lo ou
pressioná-lo, tal como acontece com os movimentos sociais e os grupos de
interesses ou de pressão.
341
um corpo de funcionários e profissionalização ou semi-profissionalização dos
—
quadros dirigentes. Por sua vez, os novos movimentos sociais ao contrário
dos movimentos sociais tradicionais, em que as semelhanças com os partidos
políticos eram bastante mais significativas — pressupõem a adesão e activismo
não sujeitos a controlo estatutário e disciplinar, a participação democrática nos
processos de tomada de decisão horizontais, a informalidade do funcionamento
interno e a actividade em rede ou em redes, descentralizada e sem uma direcção
central de onde emanem deliberações obrigatórias.
De qualquer forma, deve ser sublinhado que um movimento social não se
transforma necessariamente num partido político pelo facto de desenvolver a
sua estrura organizativa, pois se actualmente a tónica dominante desse desenvol-
vimento parece ir no sentido de uma estrutura reticular de grupos de trabalho,
contactos de personalidades individuais, n úcleos de acção, plataformas
conjuntas sem direcção central, etc., também se constata que certos movimentos
sociais n ão se descaracterizaram pelo facto de terem alcançado uma elevada
complexidade e sistematização organizativas, criando e desenvolvendo uma
estrutura mais hierarquizada, dotada de organismos centrais que representam
institucionalmente o movimento e que prestam contas aos seus associados e
activistas, como é o caso do movimento Greenpeace.
342
mento ecologista que deu origem à formação de partidos ecologistas e, em
vários países da Europa Ocidental, aos partidos «verdes». Situação semelhante
ocorreu com o movimento feminista e com os movimentos regionalistas, que
em alguns casos se converteram também em partidos «monotemáticos».
Contudo, os novos partidos surgidos como resultado da metamorfose de
movimentos sociais, ou que nasceram tomando como referência o modus
operandi e as lógicas de actuação dos novos movimentos sociais, têm vindo a
recusar o modelo organizativo típico dos partidos políticos, muito burocratizado,
centralizado, vertical e hierárquico, optando antes por manter ou pôr em prática
formas de organização mais descentralizadas e informais , flex íveis e
democráticas, capazes de mobilizar as novas gerações de adeptos e apoiantes,
menos receptivos a participar em colectivos muito rígidos e fechados. Para
alé m disso, os novos partidos, e nalguns casos até os velhos, recuperam e
introduzem nos seus programas e na sua agenda política as causas, os temas e
os problemas que estão na origem e justificam a actividade de muitos
movimentos sociais, como a ecologia, o ambiente, a paz e os direitos humanos,
a defesa das minorias étnicas e sexuais, o multiculturalismo, a democracia
participativa, etc.
Outra leitura possível é a de que certos partidos nascidos no seio dos novos
—
movimentos sociais como é o caso dos partidos ecologistas e « Verdes »
continuaram vinculados ao movimento social que esteve na sua origem. Para
—
além disso, a institucionalização do movimento em partido político, a obtenção
de bons resultados eleitorais e a conquista da representação parlamentar, a
proliferação de congéneres partidários em m últiplos países e a criação de uma
coordenação internacional (ex.: Os Verdes Europeus), permitiram não só
expressar melhor as exigências do movimento ecologista no interior do sistema
político, como levaram os partidos tradicionais a incorporar a temática ecológica
e ambiental nos seus programas e agendas. Mas mais: criaram também as
343
condições necessárias às mudanças legislativas e políticas que favoreceram a
protecção do ambiente, a educação ambiental e um modelo de desenvolvimento
mais edificante e equilibrado.
—
O que parece certo é que estes « partidos-movimento» que resultaram de
movimentos sociais e que se n ão identificam totalmente com a configuração
organizativa e com as lógicas de acção clássicas dos partidos políticos - vivem
um «dilema de desenvolvimento» singular. Ou seja, e como bem sublinha
Claus Offe, trata-se de partidos políticos que não podem continuar a ser
simplesmente o que j á são ( « partidos-movimento» ), mas que n ão podem tão-
-pouco assumir a forma-partido clássica sem proceder a uma ruptura traumática
com a sua identidade. Ora, como afirma autor, «só uma boa resolução deste
dilema pode assegurar - permanecendo constantes as demais condicionantes
- continuidade e manutenção do crescimento de tais partidos» (Offe 1992:
247). Por outras palavras, estes partidos vivem as dificuldades da transição de
uma « pol ítica de protesto e de movimento» para uma « pol ítica de partido»,
A transi ção de uma pol ítica percurso que Offe assinala em quatro fases distintas tomando como referência
de protesto e de movimento
para uma pol ítica de parti - não apenas a trajectória evolutiva do Partido Verde da Alemanha Federal mas
do sobretudo uma sequência ideal-típica comum a todos os partidos verdes, a
qual pode ser extrapolada para outros partidos políticos recém-criados que
tiveram na sua gé nese um movimento social já constitu ído.
344
Portugal) , pois tal princípio acabou por recompensar a incompetência e
desperdiçar o mérito de alguns dirigentes. Igualmente desastrosa acabou por
ser a aposta na radicalidade e na defesa de posições extremadas sem estarem
articuladas num projecto político global e coerente, pois a eficácia das tácticas
«oportunistas» não compensou a debilidade ou mesmo ausência de estratégias
políticas de longo prazo que fossem sustentadas em opções programáticas
consistentes e numa identidade ideológica definida. Os eleitores recusaram
estender o radicalismo necessário de certas medidas sectoriais a outros aspectos
da vida em sociedade, onde se revelavam prementes a moderação e o
compromisso políticos.
345
Um outro aspecto em que se traduziram os processos da auto- racionalização
foi o do investimento programático. Conceberam-se soluções políticas mais
globais e articuladas, combinando os diversos sectores da vida económica,
política, cultural e social em detrimento de reivindicações concretas e radicais
ou muito vagas e irrealistas, alheadas do cálculo das consequências e do impacto
das medidas propostas. Isto levou também a um esforço de concertação, aliança
e compromisso com outros parceiros políticos e sociais, ao contrário da anterior
inegociabilidade e radicalidade de certas exigências.
346
ÊÊMÊÈÊÊÊ
Estes grupos, por definição, não partilham nem desenvolvem vínculos comuns
identitários nem tão-pouco representam uma forma geral de estar no mundo e
na sociedade, como acontece com os novos movimentos sociais, sendo antes
movidos pela prossecução de objectivos ( materiais , legais, financeiros, etc.)
que justificam a congregação associativa de esforços. O que muitas vezes
acontece é que alguns grupos de press ão integram, na qualidade de ONG’s,
de associações cívicas e culturais, etc., um movimento social mais amplo.
Pode suceder igualmente que os membros de um grupo de pressão formal
(uma associação anti-racista ou um sindicato, por exemplo) pertençam também
e colaborem nas actividades e acções de um movimento social mais abrangente
(movimento anti-globalização, por exemplo). Por sua vez, os movimentos
sociais assumem-se representantes de destinatários mais heterogéneos e amplos,
seja toda a população de uma aldeia ameaç ada pela instalação de uma
incineradora, seja a própria humanidade, ameaçada pelo aumento da tempera-
tura média do planeta ou pela devastação das florestas. Neste caso, os movi-
mentos sociais e os seus membros e activistas auto-intitulam-se ou consideram-
-se «porta-vozes » dos cidadãos, dos mais desprotegidos, do ambiente, dos
exclu ídos, dos discriminados , sem que ninguém em concreto lhes tenha
outorgado esse estatuto.
347
Mesmo actuando abertamente e aquém da ilicitude, os grupos de interesses ou
de press ão fazem- no de um modo predominantemente convencional: ou
mobilizando recursos para acções e campanhas de informação e propaganda
e para intervenção jurídica nas instâ ncias competentes, ou desenvolvendo
contactos institucionais afim de ver satisfeitos os seus interesses sectoriais.
Esta é, ainda, a nota dominante quanto ao estilo de actuação, pese embora se
assista ultimamente a uma viragem nas modalidades e instrumentos de acção
dos grupos de interesses ou de pressão, sendo cada vez mais frequente ver um
sindicato a organizar uma marcha simbólica de protesto ou uma associação de
defesa dos direitos das minorias sexuais a exercer pressão através de desfiles
alegóricos, greves de fome, ocupação de vias p ú blicas, infiltração provocatória
em cerimónias oficiais , perturbação de protocolos de Estado, etc.
348
permite a planificação de acções em parceria e o estabelecimento de objectivos
comuns.
Orientação face ao
Exercê -lo Pression á-lo Transform á-lo
poder pol ítico
Relações com os
Complementar Conflitual
partidos
Horizontal, infor-
Tipo de organiza-
Hierárquica , formal Formal mal, rede comuni-
çao
tária
Meios de represen -
Eleitorais Convencionais Não convencionais
tação
349
1.3 . 4 A relação dos novos movimentos sociais com os meios de
comunicação social
Para além disso, estes e outros aspectos podem também estruturar e condicionar
a percepção, o juízo e o posicionamento da opinião pú blica sobre o papel, a
importância, a necessidade e a oportunidade dos movimentos sociais e das
suas actividades. Seja como for, é importante sublinhar que o acompanha-
Papel dos média na imagem mento que os média possam fazer das acções de um movimento social,
dos NMS junto da opini ã o
p ú blica reduzindo ou amplificando a sua importância e alcance, não só provoca alte-
rações na opinião pú blica e na formação das atitudes dos cidadãos, como
produz também consequências políticas. Entre elas, por exemplo, o apoio dado
por um partido político a um reivindicação de um movimento estudantil, a
repreensão feita a um ministro por ter sancionado ou impedido uma manifes-
tação de homossexuais, a queda de um governo incapaz de dar resposta às
objecções e den ú ncias dirigidas por um movimento contrário à instalação de
centrais nucleares.
350
ggjjjgg
351
Existe um conjunto de acções muito comuns nos novos movimentos sociais,
cujo êxito depende em grande medida da sua repercussão nos média, quer
isso resulte da decisão dos meios de comunicação social em se solidarizarem
e apoiarem essas acções, quer tal pressuponha a afectação de recursos dos
movimentos para custear a compra de espaço publicitário nos rádios, revistas,
jornais e televisões. Tratam-se das campanhas de informação e sensibilização
que os movimentos sociais — e as vá rias associações que os integram ou que
com eles colaboram — organizam e desenvolvem na defesa de causas cívicas,
políticas e humanitárias. São disso exemplo as campanhas de luta anti-racista,
a favor das liberdades políticas, pela autodeterminação de povos subjugados a
potências estrangeiras ou pelos direitos das minorias étnicas.
Percursos de autoverificação
Exercícios
352
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353
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Como assinalámos antes, a tese do fim ou declínio das ideologias (mesmo no A desadequaçã o das velhas
ideologias e o surgimento
sentido atribu ído por Bell , Lipset e outros) n ão foi confirmada pelos factos, de novas ideologias
apesar desta tese ter ganho novo alento com a queda do muro de Berlim (1989)
e a derrocada do chamado «socialismo real ». Tal cen á rio originou reforçados
argumentos para as leituras do consensualismo ideológico e para a vit ória
inapelável da democracia liberal. Mas, como refere Chantal Mouffe, « longe
de ter proporcionado uma transição suave para a democracia pluralista, em
muitos locais o colapso do comunismo parece ter aberto caminho a um
ressurgimento do nacionalismo e à emergência de novos antagonismos. Os
democratas ocidentais assistem atónitos à eclosão de diversos conflitos étnicos,
religiosos e nacionalistas que pensavam pertencer a épocas passadas. Em vez
da apregoada “nova ordem mundial”, da vitória dos valores universais e da
generalização de identidades “pós-convencionais”, assistimos a uma explosão
de particularismos e a um crescente desafio ao universalismo ocidental» (Mouffe
1996: 14).
Tal como alguns autores previram, surgiram novos conflitos e, com estes,
novas ideologias (ou subprodutos ideológicos) legitimadoras: o conflito Leste-
-Oeste logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, os movimentos autonomistas
europeus, os anticolonialismos, a crise do capitalismo daí decorrente e, mais
recentemente, os novos fundamentalismos e integrismos, a democracia radical,
o neo-federalismo, a globalização e a anti-globalização, o eco-socialismo, o
conflito entre o ocidente e o mundo islâ mico, o terrorismo e as estratégias
securitá rias e as solidariedades internacionais, etc. Tudo isto demonstra que a
natureza, intensidade e extensão dos conflitos mudaram mas que concomitan -
temente novas ideologias foram suscitadas , assistindo-se hoje a um exacerbar
destas tensões e à sua crescente internacionalização por efeito da própria
globalização informativo-comunicacional, cultural e económica.
357
é
358
Quadro 14.1 - Ideologias do passado versus ideologias dos NMS
359
fill ill! 11!!!
Não o cremos. Pois, para além da identidade social e cultural, tais movimentos
possuem uma identidade ideológica (por mais imperceptível que seja) que dá
A identidade ideol ógica dos
sentido e consistê ncia aos seus valores , crenças e posições políticas. É verdade
novos movimentos sociais que se no passado a identidade ideológica de um movimento constituía um
elemento fundamental de recrutamento de activistas e simpatizantes, ela é hoje
muito menos importante ganhando maior relevo outros incentivos colectivos
e selectivos (oportunidade de participação, eficácia na resolução de problemas
concretos, notoriedade e visibilidade social ou mediática, etc .) que favorecem
a adesão à acção colectiva. De qualquer modo, um movimento social pressupõe
um sistema de crenças e valores partilhado pelos seus membros e simpatizantes,
o qual justifica as suas actividades e os seus propósitos. Por isso mesmo, e no
que aos novos movimentos sociais diz respeito, parece mais apropriado falar
de « marcos de acção colectiva» em vez de ideologias, já que este termo serve
para qualificar os quadros interpretativos e significativos que inteligibilizam
acontecimentos e factos concretos e identificam o posicionamento político
geral de um movimento social , sem que tal resulte na construção de um
sistema ideológico «total », integrando as mú ltiplas dimensões da vida social e
política.
Pode dizer-se, sem grande margem de dúvida, que a acção política, o estilo de
intervenção, o conteú do das reivindicações e as modalidades organizativas
adoptadas pelos novos movimentos sociais lançaram desafios importantes às
democracias representativas ocidentais, suscitando ou agravando a crise de
legitimidade destas, e apontando no sentido de modelos e mecanismos
Os desafios dos novos mo -
alternativos de democracia (democracia participativa , radical , electrónica).
vimentos sociais às demo- Com efeito, parece ser consensualmente aceite pelos estudiosos do fenómeno
cracias ocidentais que estes actores sociopol íticos incorporam e experimentam solu ções
inovadoras ao nível da sua organização interna e da sua praxis política que
podem conduzir a alterações institucionais importantes, quer ao nível dos
subsistemas eleitoral e partid ário, quer ao nível da pró pria estrutura do Estado
e do regime político. Poré m, é també m reconhecido que essas mudanç as
políticas e institucionais est ão em grande medida dependentes da vontade e da
360
:
—
O pressuposto fundamental da democracia representativa vista na sua forma
—
original, de acordo com os fundadores da democracia americana é que não
seja o povo a governar e a exercer directamente o poder político, mas sim que
eleja periodicamente os seus representantes e governantes para os diversos
órgãos electivos ( parlamentos, senados, órgãos de poder local , etc.). Deste
modo, a participação política dos cidadãos está confinada à escolha e responsa-
bilização de elites políticas supostamente instruídas e melhor preparadas para O modelo de democracia
representativa e a participa-
defender os valores da comunidade. Os cidadãos deixam nas mãos dos eleitos ção pol ítica
a missão de protegerem o interesse nacional com autonomia, ou seja, n ão
estando institucionalmente condicionados pela vontade dos eleitores após o
acto da eleição, mesmo que a opinião posterior destes não coincida ou se
afaste do entendimento e posição dos eleitos. Só assim se garante um exercício
aparentemente livre do mandato representativo, evitando igualmente que gmpos
de interesses organizados e facções possam converter a governação de um
—
país numa disputa de interesses particulares e corporativos aparentemente
livre, diremos hoje, nas democracias ocidentais, atendendo a que os eleitos
não respondem apenas à sua consciência e opinião, mas também prestam contas
aos partidos políticos pelos quais foram eleitos , seguem as suas directivas,
cedendo muitas vezes às pressões e influência dos média, da opinião pú blica,
dos grupos de interesses e pressão e dos movimentos sociais. Mas, sublinhe-
-se, tais constrangimentos ao exercício livre do mandado não constituem uma
novidade, tendo sido referidos amiúde pelos fundadores das democracias
modernas.
361
que fazem parte da colectividade, mas por certas pessoas eleitas para esse fim.
Ponto final » (Bobbio 1988: 57). Tal como anotaram os teóricos elitistas (Pareto
e Mosca) , a ideia de representantes eleitos e governantes tecnicamente capazes,
virtuosos e apenas movidos pelos interesses comunit ários, sem cedência às
pressões de particulares e de grupos, ou bem que é fundada numa visão muito
benevolente e mitificada do poder e da natureza humana, ou bem que esconde
intencional e ideologicamente quer as condições reais de exercício do poder
quer a manutenção e reprodução das elites políticas dominantes. De forma
muito breve, para esta escola de pensamento, a democracia, o processo eleitoral
e a representação política servem fundamentalmente para legitimar a condução
ou recondução de uma elite ao poder. Se a democracia representativa espelha
a correlação de forças e o domínio das elites que monopolizam a vida política,
as eleições são o mecanismo ou instrumento formal a que essas minorias
recorrem para conquistar o poder, fazendo crer demagogicamente ao povo
que este elege representantes seus, e que estes representam e defendem os
interesses gerais da nação. Com efeito, levada às ú ltimas consequências pode
mesmo questionar-se a possibilidade da representação política. Como sugere
Arblaster (2004): «Atendendo ao carácter ú nico de cada indivíduo, e atendendo
às gradações e cambiantes de opinião existentes mesmo entre aqueles que
est ão genericamente de acordo sobre uma determinada quest ão, a represen-
tação, mesmo de uma pessoa por outra, quanto mais de um grupo por uma
ú nica pessoa, resulta sempre aproximada e imperfeita» ( Arblaster 2004: 113).
De qualquer modo, para pensadores como Madison e também Tocqueville e
Stuart Mill, e isso apesar das suas análises críticas, a democracia representativa
reunia vantagens evidentes face à democracia directa que impunha a vontade
da maioria esmagando ou silenciado as minorias: uma vontade que, incontrolada,
podia degenerar em « tirania». Para estes autores, o critério que subjaz à
preferência pelo governo representativo em detrimento do governo directo é
« qualitativo » ( racional e elitista) em vez de «quantitativo » ( numé rico e
participativo) , ou seja, seria preferível que um menor n ú mero governasse e
participasse na decisão política, mas que o fizesse com racionalidade, tolerância,
independência, sabedoria e interpretando com fidelidade os valores da
comunidade e do bem comum — e, portanto, fosse um governo menos demo-
crático na «quantidade» da participação e mais democrático na «qualidade»
da decisão. Assim sendo, para os teóricos pioneiros da democracia represen-
tativa, a participação política do povo esgotar-se-ia nos momentos eleitorais e
o sufrágio seria restritivo, pois, de acordo com os pressupostos racionalistas,
não fazia sentido que analfabetos, ignorantes, irresponsáveis e incumpridores
da legalidade , pudessem votar e determinar em consci ê ncia e com
conhecimento de causa quais os melhores servidores do povo.
Também para os autores da escola elitista, entre eles Robert Michels, as massas
não eram autogovernáveis nas sociedades modernas. Mas se o autogoverno
das massas n ão constitu ía uma possibilidade concretiz á vel , o governo
362
• ••
representativo, por seu lado, sendo uma necessidade, iludia o sentido e o teor
da participação política dos cidadãos, já que os supostos representantes das
massas, propostos pelos partidos políticos, depressa se transformavam em
membros de uma oligarquia dirigente ao serviço das máquinas partidárias
burocráticas , próprias dos grandes partidos de massas. Como vimos, estes
partidos políticos, que sucederam aos partidos de notá veis ou de quadros,
caracterizavam-se por um complexo aparelho burocr ático, uma lideranç a
centralizada e oligárquica e uma actividade partidária que já não se circunscrevia
aos momentos eleitorais. Por tudo isto, as elites dirigentes destes partidos
enviesaram os ideais da participação e representação política, pois n ão só
controlavam a vida interna dos partidos — monopolizando os processos de
tomada de decisão e subalternizando o contributo dos militantes de base
como transformavam o sentido da actividade dos eleitos, que de pretensos
—
representantes do povo passaram a obedientes representantes dos partidos,
postos ao seu serviço.
363
ou fazer-se representar nos órgãos deliberativos, sendo que essa posição é
sempre precária e temporá ria, devendo ser sufragada periodicamente. Para
esta perspectiva teórica, o que define a democracia é o método de escolha dos
representantes e os procedimentos institucionais que são criados para que estes
—
decidam pelo povo e em vez dele tratando-se, portanto, de uma concepção
predominantemente instrumental e procedimental de democracia, centrada no
conjunto de mecanismos reguladores do mercado político e eleitoral .
Porém, cabe aqui perguntar: terá o cidadão-eleitor acesso aos canais do poder
político em igualdade de oportunidades e escolher á e eleger á os seus
364
da sociedade, independentemente das suas decisões irem ao encontro do que
as direcções partidárias fazem crer que seja o interesse do povo.
Contrapondo-se, coexistindo ou complementando-se com os modelos de
democracia representativa e suas variantes, a democracia participativa que —
tem as suas raízes no ideal e na idealização da democracia ateniense —
apresenta-se como um melhoramento e aprofundamento da representação
política (favorecendo a sua relegitimação) ou até como alternativa a esta em
diversas etapas e níveis do processo decisório e governativo (Santos 2003:
64-65). As várias perspectivas que se enquadram no que se pode generi-
camente designar por democracia participativa, partem de alguns pressupostos
O modelo de democracia comuns , dos quais se destacamos: a criação de condições para um exercício
participativa
amplificado da participação política, aproximando o poder político dos
cidadãos, quer na diversificação das modalidades de intervenção, quer na
extensão do n ú mero dos que efectivamente participam; uma concepção da
cidadania política « forte» que atribui aos cidadãos um papel activo e
responsável, independente e voluntário no processo democrático de tomada
de decisões; uma descentralização do poder de modo a que a «governança» e
o autogoverno à escala regional e local possam implicar os cidadãos no debate
político, na definição da agenda política e conferir-lhes também o controlo do
processo decisório no âmbito de políticas regionais, locais e/ou sectoriais
(assembleias comunitárias).
/
366
Muitos autores acusam a introdução ou generalização de certos mecanismos e
procedimentos de democracia participativa — como as consultas populares
( referendos) e as deliberações populares em diversos níveis de assembleias
( locais, municipais, regionais) — de serem impraticáveis, inexequ íveis ,
onerosos e manipuláveis demagogicamente. De facto, um dos argumentos
mais insistentemente repetidos para justificar a preferência pela representação
prende-se com a própria viabilidade do sistema de representação política,
contrariamente à impossibilidade prá tica da democracia participativa nas
sociedades modernas. Sem ser nosso objectivo discutir teoricamente o valor
intrínseco do «governo dos eleitos» face ao «governo directo do povo» , importa
assinalar que muitas decisões importantes para a vida colectiva podiam ser
tomadas directamente pelo povo, após debate e discussão prévia, sem que se
exigisse para tal um retomo a uma grande assembleia popular composta por
todos os eleitores num ú nico sítio e ao mesmo tempo, à imagem da democracia
ateniense ou de acordo com o modelo de Rousseau.
No entender de Arblaster, a expressão da decisão popular tem cabimento em
diversas instâncias ou f óruns descentralizados territorialmente , e mediante o
recurso à s novas tecnologias da comunicação ( a aplicação dos novos
instrumentos tecnológicos aos métodos e processos democráticos participativos
estará na origem de uma nova perspectiva teórica da democracia: a democracia
digital ou democracia electrónica). De facto, o uso do telefone, da televisão
interactiva, da videoconferência, da Internet e do correio electrónico tornam
estas solu ções participativas cada vez mais simples e com reduzidos custos e,
logo, « realmente viáveis». Como escreve este autor: «o princípio democrá tico
— segundo o qual o povo deveria, tanto quanto poss ível , tomar ou participar
na tomada de decisões mais importantes e que o afectam mais de perto —
poderia beneficamente ser aplicado nas sociedades actuais de forma mais ampla
do que é na pr ática. E assim dever á acontecer, se essas sociedades pretendem
seriamente ser democráticas» ( Arblaster 2004: 144).
Um dos instrumentos de democracia participativa recentemente desenvolvidos
e que tem suscitado muito interesse e debate entre académicos e políticos é o
dos orçamentos participativos, que foram já postos em prática em diversos O Or çamento Participativo
municípios, prefeituras e governos estaduais do Brasil , sendo a experiência como um dos instrumentos
da democracia participativa
mais conhecida a do orçamento participativo da prefeitura de Porto Alegre.
Esta modalidade de participação cidadã, que está em vias de ser introduzida
noutros países, foi promovida por diversas organizações e movimentos cívicos
e políticos e é hoje uma das bandeiras dos movimentos sociais integrados nos
«Fóruns Sociais» europeus e mundiais. Para Ubiratan de Souza: «O Orçamento
Participativo é um processo de democracia directa, voluntária e universal, onde
a população pode discutir e decidir sobre o orçamento pú blico e as políticas
pú blicas. O cidadão não encerra sua participação no acto de votar na escolha
do executivo e do parlamento, mas vai muito além, decidindo e controlando a
gestão p ú blica ( .. . ) » (Souza 2003: s/ p).
367
A experiê ncia de democracia participativa que constitui o orçamento
participativo é um exemplo de como é possível conjugar mecanismos de
democracia directa com a permanência de formas institucionais de democracia
representativa. Pois, como salienta ainda Ubiratan de Souza: « O Orçamento
Participativo, combina democracia directa com a democracia representativa,
que é uma das maiores conquistas políticas e que deve ser preservada e
qualificada. A democracia representativa é necessária, mas insuficiente no
processo de aprofundamento da democracia da sociedade humana. Mais do
que nunca é preciso combiná-la com as mais variadas formas de democracia
directa, onde o cidadão possa não só participar da gestão pública, mas também
controlar o Estado. ( ... ) No processo do Orçamento Participativo, o cidadão
participa directamente nas decisões e no controle do orçamento pú blico e n ão
por representação indirecta. Portanto, a participação da população efectiva-se
de maneira directa, livre e universal nas assembleias pú blicas do Orçamento
Participativo» (Souza 2003: s/p) . Neste mesmo sentido vai a afirmação de
Norberto Bobbio de que «na realidade, democracia representativa e democracia
directa não são dois sistemas alternativos, querendo isto significar que onde
existe uma não pode existir a outra, mas sim dois sistemas que podem integrar-
se, combinando-se um com o outro » (Bobbio 1988: 69).
Por sua vez , Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer propõem três
teses gerais para o fortalecimento da chamada democracia participativa:
1) o «fortalecimento da demodiversidade»: a democracia não assume uma
ú nica forma e as experiências democráticas recentes apontam para um reforço
da participação e ampliação da deliberação pú blica; 2) o «fortalecimento da
articulação contra-hegemónica entre o local e o global » : passagem do local
para o global de experiê ncias democráticas participativas alternativas;
e 3) a « ampliação do experimentalismo democrático»: multiplicação das
experiências democráticas participativas bem sucedidas para assegurar a
«pluralização cultural, racial e distributiva da democracia participativa. (Santos
2003: 66).
Em face do exposto, não se afigura dif ícil determinar o papel que os novos
movimentos sociais podem assumir no contexto de uma democracia
O modelo de democracia participativa em construção e potenciada sobretudo à escala regional e local,
participativa e o papel dos
novos movimentos sociais mas também à escala internacional, como tem sido reivindicação do movimento
anti-globalização. E isto porque, teoricamente, os novos movimentos sociais
—
não só estimulam o dinamismo participativo desenvolvendo competências
de cidadania pela socialização cívica que promovem, o que contribui para a
autonomia e responsabilidade individual e social — como também criam
oportunidades de intervenção cívica e política, integrando os cidadãos no âmbito
das suas actividades. Daqui resulta um importante desafio às culturas políticas
democráticas, que contemporizam com a apatia e com a indiferença política,
bem como à « partidocracia » dominante, incapaz de inverter as tendências de
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desmobilização política dos cidadãos, ou sendo cú mplice e proponente desse
estado de coisas.
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!
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—
horizontal e a digital , coloca duas importantes objecções a esta última. Por
um lado, a indisponibilidade e inacessibilidade dos instrumentos tecnológicos
a todos os cidadãos, ou seja, nem todos possuem os suportes electrónicos
(computadores, Internet , etc.) e os conhecimentos técnicos necessários (info-
excluídos), por outro lado, e independentemente da superação de questões
meramente técnicas, subsiste a questão de saber até que ponto é que essas
técnicas e meios tecnológicos e a sua utilização podem ser qualificados de
democráticos. Para este autor, qualquer modelo de democracia pressupõe sempre
o intercâ mbio de ideias, a discussão e o debate. E a democracia digital, salvo
caso excepcionais, elimina o debate, orientando-se exclusivamente para a
decisão e n ão para a discussão que deve anteceder e fundamentar a decisão.
Esta última objecção vai ao encontro de grande parte das críticas que são
endereçadas à democracia electrónica, e que se traduzem no facto desta n ão
ter em conta a dimensão deliberativa da democracia, a qual deve ser também
sustentada pela intervenção de estmturas mediadoras, como sejam os partidos
políticos. Na ausência de entidades mediadoras que promovam a deliberação
e a ponderação racional das decisões, os cidad ãos estariam sujeitos à
«espontaneidade» dos impulsos e das emoções e/ou às maquinações populistas
e demagó gicas de líderes e grupos organizados , dando lugar a uma
«teledemocracia plebiscitária».
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1
372
mm
Percursos de autoverificação
Exercícios
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