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8 Os Partidos Políticos e a Sociedade Civil


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8.1 Desincorporação «societal» dos partidos pol íticos
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1
m Como sublinham Katz e Mair, ao afastarem-se do modelo do partido de massas
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w —
os partidos políticos tendem a perder a sua vocação eminentemente «societária»
expressa sobretudo na articulação e na representação dos diversos interesses

sociais junto das instituições políticas , apresentando-se transitoriamente
como uma espécie de brokers ou agentes duplos entre a sociedade civil e o
O decl í nio da vocação socie-
tal dos partidos-cartel

M
Estado e transformando-se depois em autênticos agentes «semi-estatais». Ou
m seja: em actores particularmente interessados em criai- um ambiente institucional
m e normativo favorável à sua sobrevivência e capaz de reforçar a sua capacidade
de resistê ncia perante os desafios colocados por novos grupos alternativos. O
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que ajuda a explicar o declínio da sua função de intermediação entre a esfera
I social e a esfera institucional e a sua crescente penetração no Estado através
do controlo e da manipulação dos recursos públicos (Katz e Mair 1995: 11 e
:¥i-
Y 14).
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H:
Pois bem, e como notam ainda Katz e Mair, a colocação preferencial dos
f. partidos-cartel ao lado da burocracia do Estado e o seu progressivo isolamento
da sociedade civil estão na origem de um recuo ou declínio em termos de
- I#-- - desenvolvimento organizativo: «De facto os partidos enquanto tais n ão
declinaram, mas modificaram -se e encontram-se hoje cada vez mais
- ?-y-
-V implantados nas instituições. Por outro lado, parece cada vez mais evidente a

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ocorrência de um acentuado declínio das organizações partidárias
menos quando avaliadas em termos de simples dimens ão ,

penetra
pelo
çãoe
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• relevância sociais » (Mair 2003: 285).
. m.. A diminuiçã o ou estagna -
ção dos n íveis de filiação e
ifc Este recuo ou declínio dos partidos enquanto organizações parece encontrar activismo partid á rios
è suporte empírico na diminuição ou estagnação dos níveis de filiação e activismo
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partidários, e pode ser explicado pela mudança de natureza ocorrida em muitos
partidos relevantes da Europa Ocidental, os quais, orientando-se mais para os
m
eleitores do que para os filiados e preocupando-se mais com o acesso aos
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m .
recursos do Estado do que com a mobilização da sociedade civil, tendem a
m .
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:
revelar um certo desinteresse pelo recrutamento quantitativo de filiados e pela
organização dos membros de base e dos activistas.
M .

% Se como explica Duverger, para atingir os seus objectivos políticos e assegurar


as suas actividades «integradoras» — organizar as massas, fornecer-lhes

1
m .-

educação política e representá- las junto do Estado os partidos de massas
especializados foram obrigados a cultivar uma filiação numerosa e a promover
è uma participação activa dos filiados na vida partidária; já os partidos do tipo
catch-all, como observam Kirchheimer e Panebianco, procuraram desenvolver
V
:r a sua actividade de brokers entre a sociedade civil e o Estado através do recurso
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aos meios de comunicação social nomeadamente à televisão que se impôs
como uma verdadeira «correia de transmissão» entre os partidos e os seus
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seguidores, substituindo nesta função os filiados e os militantes


estabelecimento de laços mais fortes e diversificados com os grupos de
— e do
W
*
Quadro 8.1 - Evolução da filiação partidária em alguns países da Europa
Ocidental , entre 1960 e 1980
interesses ou de pressão, sacrificando assim a filiação de massas e a organização
dos membros de base em favor de uma difusão social mais ampla e de um
êxito eleitoral mais rápido.
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*
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Actualmente, a crise das fontes de financiamento tradicionais, o «assalto» aos


recursos do Estado , a progressiva profissionalização das organizações
partidárias e o desenvolvimento de campanhas eleitorais cada vez mais
sofisticadas — em que o esfor ço propagand ístico e mobilizador dos
simpatizantes, filiados e activistas é muito pouco significativo quando
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ff
: : 9.2
Bélgica 468.8 7,8 654.4
comparado com o papel assumido pelos media electrónicos e pelos profissionais *
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21.1 260.5 6.5


1 599.1
"

com competências especializadas no domínio das novas técnicas de sondagens :- ; Dinamarca


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e do marketing político eleitoral tendem a tornar ainda mais pronunciado e
generalizado o desinvestimento dos partidos e das suas respectivas lideranças
Finlâ ndia 513.1 18.9
9.4
520.1
326.4
12.9
2.9
Holanda 648.4
no que respeita quer ao recrutamento quantitativo de filiados quer à participação Inglaterra 3258.8 9.4 1426.3 3.3
e envolvimento destes na acção partidária. 129.3 5.3
Irlanda
Os dados relativos à evolu - • i

ção da filiação partid á ria na Se é certo que a an á lise dos dados relativos à evolução da filiação partid ária ! Itália 4332.8 12.7 4.405.2 9.7
Europa Ocidental

entre o início da década de 60 e o final da década de 80 um per íodo que,
relembre-se, corresponde ao advento do partido-cartel no contexto de algumas
Noruega
Suécia
363.7
1092.1
15.5
22.0
432.0
1343.3
13.5
21.2

democracias da Europa Ocidental , não permite secundar inteiramente esta
leitura, certo é também que os dados mais recentes apresentados por Mair e K: •
-
Fonte: Mair (1994: 5)
Biezen confirmam uma tendência clara e generalizada para a diminuição dos Avr:

£5
níveis de filiação, o que parece sugerir o declínio dos partidos enquanto
- - K-
organizações de membros e o enfraquecimento da sua capacidade de penetração
social. Detenhamo- nos, pois, um pouco mais na análise dos dados disponíveis. •‘
••
<•.

í y:
Ora perante os dados aduzidos no quadro supracitado —e considerando a
filiação partidária enquanto percentagem do eleitorado nacional como um
• :ê -
Como se pode ver no quadro 8.1, entre o início dos anos sessenta e o final dos
:
indicador da capacidade de « penetração social » dos partidos e a filiação em
anos oitenta, as tendê ncias observadas na evolução da taxa de filiação em n úmeros absolutos como um indicador da sua capacidade de «integração
termos relativos e em termos absolutos estão longe de ser coincidentes: se são —
organizacional» pode falar-se de um relativo enfraquecimento dos partidos
enquanto veículos de participação política dos cidadãos , mas não do seu
muito poucos os países da Europa Ocidental a registar um aumento dos níveis
O decl ínio dos partidos
de filiação partidária em termos relativos ( apenas a Alemanha e a Bélgica), tal declínio ou fracasso enquanto organizações de membros. E ainda assim , enquanto organiza ções de
não acontece quando se consideram os valores absolutos , pois são mais os Ú". segundo Katz e Mair, trata-se de uma conclusão que pode ser abusiva sen ão membros ou enquanto veí-
culos de participaçção pol í-
países em que se verifica um acréscimo do n ú mero de filiados ( Alemanha, formulada prudentemente, posto que o decréscimo dos n íveis de filiação tica? i

Bélgica, Finlândia, Itália, Noruega e Suécia) do que aqueles em que se observa partidá ria em termos relativos é explicável pela expansão dos eleitorados
um decréscimo do nú mero absoluto de filiados (Áustria, Dinamarca, Holanda nacionais e pelos processos de centralização, actualização e informatização
e Reino Unido). dos censos partidários, que tiveram lugar em muitas partidos políticos da Europa

Ocidental processos que, como facilmente se adivinha, podem ser respon -
sáveis pelos efeitos «deflacionistas» na contagem dos filiados dentro dos
respectivos partidos.
I
Atendendo a estes dados relativos aos níveis de filiação partidá ria em algumas
: r. democracias há muito estabelecidas na Europa Ocidental , percebe-se por que
£: é que os teorizadores do partido-cartel chamam a atenção para o facto da

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Mas se as tendências contraditórias observadas na evolução da filiação



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i cartelização e do financiamento público dos partidos serem inteiramente f
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compatíveis com uma aposta renovada das lideranç as na manutenção de &*
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ia, entre o início da década de 60 e o final da década de 80, justificam
partidária
r
tom cauteloso e reticente com que Katz e Mair abordam a questão do
v
elevados níveis de filiação, continuando os membros ou filiados a ser encarados 0


y:
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como um recurso organizativo importante que deve ser mantido e cultivado. £ « declínio organizacional » dos partidos políticos sublinhando os esforços
1
H. I o por parte de muitos partidos
Dito isto, cabe então perguntar: Quais os motivos que levam os partidos m 1. de manutenção ou de aumento dos níveis de filiaçã
-

Quais os motivos que levam estabelecidos a preservar os seus níveis de filiação e se possível a expandi- VT
%f europeus, ditados tanto por motivos instrumentais como por motivos 1

t -
\ os partidos a manter n íveis
de filiação elevados ? dos? A resposta a esta questão pode ser encontrada se tivermos em conta os 6 - t%
4


legitimadores , os dados posteriormente coligidos e apresentados por Mair
*
aspectos seguintes: êSt, e Biezen permitem uma interpretação bastante mais conclusiva e também mais
:
r

*
í
pessimista.
V ii
;
• em alguns países europeus, as quotas e os donativos dos filiados
:! continuam a constituir uma importante fonte de recursos para os partidos u t E isto porque, entre inícios dos anos oitenta e finais dos anos noventa, a situação
i políticos, mesmo quando a tendência actual aponta no sentido de um W 1 referente à evolução da filiação partidária na Europa Ocidental regista uma
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1
aumento continuado e significativo das subvenções pú blicas. Por outro m }•.
- mudanç a muito significativa: em todos os países considerados observa-se uma
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1

lado, pode também acontecer que o montante das ajudas do Estado i í:


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diminuição mais ou menos acentuada dos níveis de filiação tanto em termos
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aos partidos seja definido em fun ção dos seus n íveis de filiação; 1- l
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absolutos como em termos relativos , sendo que as reduções mais dramáticas
!
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afectam sobretudo as democracias caracterizadas por elevados níveis de
1.

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• um elevado n ú mero de membros ou filiados continua a ser uma H V

5.
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? filiação, como é caso da Áustria e dos países escandinavos. Contrariamente, e
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3
V.
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condição sine qua non para que os partidos possam preencher os cargos .
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s- >. com as excepções do Reino Unido e da França, as democracias que apresentam
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internos, as listas de candidatos aos órgãos de governo local, regional níveis de filiação partidária mais modestos são também aquelas onde o
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ii ! :
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e nacional, as posições de confiança nos aparelhos político e burocrático
do Estado. A comprovar o papel dos filiados como warm bodies está
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•.
decréscimo é mais contido.

£
%
o facto de, na generalidade das democracias ocidentais, as «classes Tendo em conta estes dados empíricos, o decréscimo do n ú mero de filiados
Pi
ss ! políticas» serem constituídas maioritariamente por membros , militantes -V í nas democracias bem estabelecidas da Europa Ocidental n ão pode ser atribuído
IX !1ii :
!! e dirigentes de partidos, sendo a actividade política, para muitos deles, &v.

simplesmente à incapacidade das organizações partidá rias em acompanharem


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ví- •
' :
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a sua ocupação ou profiss ão principal ; a expansão dos eleitorados, tal como aconteceu nos anos setenta e oitenta,
1 1
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;

& constituindo antes uma prova inequívoca do declínio dos partidos enquanto
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II • apesar das transformações organizativas recentes , muitos partidos : organizações de membros . Com a excepção da Alemanha, cada uma das
% u polí ticos procuram preservar certas características estruturais dos ;
democracias europeias consideradas regista na década de 90 uma queda dos
lí E partidos de massas tradicionais, tais como uma filiação numerosa e níveis brutos de filiação de pelo menos 25% relativamente aos níveis observados
!
lf
I uma implantação territorial alargada, que consideram ser condições na década de 80. Como se pode ver pelo quadro 8.2, apenas os países da
I O aumento da filiação par -
I indispensáveis para obter um amplo apoio eleitoral e assegurar a sua Europa do Sul mostram um aumento dos níveis de filiação partidária, seja em tid ária nos países de demo-
I :
i legitimidade popular. Com efeito, para os novos tipos de partido, i
I
n ú meros absolutos seja em percentagem do eleitorado. cratização mais recente
I
I fortemente criticados pela sua reconversão em grandes «máquinas
1 .
eleitorais» e em « agentes semi-estatais » , a manuten ção de uma filiação
1 '

Porém, se os níveis de filiação partidária cresceram nas duas últimas décadas


!! de massas possui não só um valor instrumental como também um valor nos países de democratização mais recente (Grécia, Portugal e Espanha), o
Í|: i:
legitimador; facto é que comparativamente com as democracias europeias consolidadas a
.1 filiação nestas jovens democracias atinge valores muito baixos, o que parece
iiI!
; « I • por último, importa ainda reconhecer que 0 papel dos membros ou =
:
confirmar o fraco grau de permeabilidade partidária das suas sociedades civis
:! ái filiados como intermediários entre os partidos e os eleitores, mas também (Cruz 1995; Lobo 2003; Martins 2004). Até porque n ão se pode esquecer que
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como agentes de mobilização eleitoral , está longe de ser irrelevante. E 0 modelo de partido actualmente dominante nos países que se democratizaram
1

:
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isso apesar de, como j á vimos , os filiados terem sido claramente em meados dos anos 70, altura em que os respectivos sistemas partidários
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ultrapassados nestas funções por canais e técnicas de comunicação iniciaram a sua mobilização organizacional mais ou menos a partir do zero, é
I: alternativos ( mass media , sondagens, internet , etc.) um partido do tipo catch-all , com poucos filiados, estruturas organizativas
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í reduzidas e fortes lideranças de topo (Lopes 2004).
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Quadro 8.2 - Evolução da filiação partidária em alguns países da Europa Ocidental
entre 1980 e 2002
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aprovem os programas políticos e os manifestos eleitorais do partido , —
w b parecem estar a contribuir de forma significativa para inverter os níveis sem
iB®! precedentes de declínio de activismo partid ário, como atestam as diversas
1 descrições da vida interna dos partidos de diferentes países da Europa Ocidental
mmÊÊmm (Scarrow 2000; Mair 2003).
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Ao mesmo tempo, verifica-se que os partidos e as suas actividades conven-


K
1980 2000 a4
• \Vj cionais, n ão só não conseguem mobilizar e integrar os cidadãos no processo
Alemanha 4,52 2,93 - 1 ,59 -174.967 -8,95 3.
político democrático, como gozam de uma presen ça cada vez menos
Á ustria 28, 48 17,66 -10,82 -446.209 -30,21 significativa no seio da sociedade em geral. E a prová-lo está desde logo o O crescente apartidarismo
dos cidadãos e suas conse-
Bélgica 8,97 6,55 -2,42 +136.382 -22, 10 n ú mero cada vez mais reduzido de eleitores que declaram uma forte qu ê ncias pol íticas
Dinamarca 7,30 5,14 -2, 16 -70.385 -25,52 ?! identificação partidária, sendo que até mesmo os laços de simpatia mais fracos
Espanha 1 ,20 3, 42 + 2,22 +808.705 + 250,73
ou ténues com os partidos parecem estar a desaparecer ( Dalton 1999). Ora,
Finl ândia 15,74 9 , 65 m
este declínio do «partidarismo » não pode deixar de ter efeitos reais e substanciais
-6,09 -206.646 -34,03 no funcionamento das democracias estabelecidas europeias , já que, como
França 5,05 1,57 -3,48 -1.122. 128 -64,59 ensina a literatura especializada, a existência de sentimentos de identificação
Grécia 3,19 6,77 +3,58 +375.000 +166,67 ragi partidária proporciona um quadro de referência para avaliação e interpretação
Holanda 4,29 2,51 -1, 78 -136.459 -31 ,67 da informação política; orienta a tomada de decisões pol íticas e estimula o
Inglaterra 4,12 1,92 -2,20 -853.156 -50,39 envolvimento dos cidad ãos com as instituições e os processos da democracia
representativa (Campbell e outros 1960; Schmitt e Holmberg 1995; Dalton,
Irlanda 5,00 3,14 -1,86 -27.856 -24,47 Allister e Wattenberg 2003).
Itália 9,66 4,05 -5,61 -2.091.887 -51,54 ÉW :
Noruega 15,35 7,31 -8,04 -218.891 -47 ,49 fi N ão é de admirai assim que a par da eros ão das ligações partid árias entre os
*

Portugal 4, 28 3,99 -0,29 +50.381 +17,01


pú blicos contemporâneos se assista também ao crescimento da volatilidade
eleitoral, tornando-se maior o impacto dos acontecimentos políticos de curto
Suécia 8,41 5,54 -2,87 -142.533 -28, 05 prazo sobre os resultados eleitorais e a atracção potencial de novos partidos e O aumento da volatilidade
eleitoral
Fonte: Peter Mair e von Biezen (2002: 5 -21) personalidades políticas (incluindo as demagógicas e populistas). Como
demonstram alguns estudos empíricos recentes, na generalidade das demo-
cracias da Europa Ocidental, a volatilidade eleitoral média cresceu ao longo
da década de 90, ao passo que o partidarismo declinou. Com efeito, como se
poder ver pelos dados contidos no quadro 8.3, durante os anos noventa o \
<

valor da volatilidade eleitoral média (12,6% ) quase que duplicou em relação


Seja como for, neste ponto há ainda a destacar que o actual declínio JS ao valor registado nos anos cinquenta (8,9%). i

organizacional dos partidos políticos não se reflecte apenas no decréscimo Eb


£
acentuado dos níveis de filiação partidária, estendendo-se igualmente aos níveis
O decréscimo dos n íveis de
activismo entre os filiados
de activismo entre os filiados. Com efeito , estes mostram-se cada vez mais |
|
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relutantes em cederem parte do seu tempo e em afectarem os seus recursos
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individuais em prol dos partidos, a que formalmente pertencem e a que parecem I &
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aderir movidos sobretudo por benef ícios ou incentivos selectivos e não tanto Í4 V
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por benef ícios ou inventivos colectivos. E nem mesmo os esforços desenvol- w:
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vidos recentemente por muitos partidos europeus no sentido de conferir maiores 1«


poderes de participação aos membros de base permitindo, por exemplo
que escolham directamente o presidente ou líder do partido, intervenham sem
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intermediá rios na selecção dos candidatos a cargos pú blicos electivos ou
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Quadro 8.3 - Evolução da volatilidade eleitoral na Europa Ocidental, por país 3 K \‘
Quadro 8.4 - Evolução da partipação eleitoral na Europa Ocidental , por país e por
e por decénio decénio
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Alemanha 15,2 8,4 5,0 6, 3 9, 0 -6, 2


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Alemanha 86,8 87,1 90,9 87,1 79,7 -7,1 79.1 (2002)


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Á ustria 4, 1 3,3 2,7 5, 5 9 ,4 5,3 I ?!
Á ustria 95,3 93,8 92,3 91,6 83 , 8 -11,5 80,4 (1999)
B élgica 7,6 10,2 5,3 10,0 10,8 3,2
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Dinamarca 5,5 8,7 15,5 9,7 12,4 6,9 %
m r -v Dinamarca 81,8 87,3 87,5 85,6 84,4 2,6 87.1 (2001)
Finlâ ndia 4, 4 7,0 7, 9 8,7 11, 0 6,6
Finlândia 76,5 85,0 81 , 1 78,7 70,8 -5 ,7 65 ,2 (1999)
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França 80,0 76,6 82,3 71,9 68,9 -1 M 60, 3 ( 2002)
Holanda 5, 1 7, 9 12,3 8,3 19, 1 14,0 W&is-
Holanda* 95,4 95 ,0 83,5 83,5 76 ,0 -18,4 79,1 (2002)
Inglaterra 4,3 5,2 8, 3 3,3 9,3 5,0 ã é£:
Inglaterra 79,1 76,6 75,1 74,1 75,4 -3,7 59,4 ( 2001 )
Irlanda 10,3 7,0 5,7 8,1 11,7 1 ,4
Irlanda 74,3 74,2 76,5 72,9 67,2 -7 ,1 62,6 (2002)
Islâ ndia 9,2 4,3 12, 2 11,6 13,7 4, 5
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Itália 9,7 8,2 9,9 8 ,6 22,9 13,2 m e::
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Noruega 3,4 5,3 15, 3 10,7 15,9 12, 5
Noruega 78,8 82,8 81 ,6 83,1 77, 1 -1,7 74,9 (2001)
Suécia 4,8 4,0 6,3 7,6 13,8 9,0
Su écia 78,7 86,4 90,4 89,1 85,0 6,3 80.1 (2002)
! Su íça 2,5 3,5 6,0 6,4 8,0 5,5 m •

Iv. Su íça 69,0 64,2 52,3 48 ,2 43 , 8 -25 ,2 43,2 ( 1999 )


Média (N = 15) 7,9 6,9 8,9 8, 9 12,6 4,7 1 gV
Média ( N = 15) 84,3 84,9 83,9 81,7 77,6 -6,7
!
Fonte: Peter Mair in H. Keman (2002: 131)
í!

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m I .
' *
Em 1971 foi abolido o voto obrigatório
:$§í £ Fonte: Peter Mair in H. Keman (2002: 129)
J
4 Iv .

O decl ínio da participa çã o


Outra consequência do crescente « apartidarismo» dos cidadãos nas demo- I
r
i

!
> cracias europeias estabelecidas prende-se com o declínio da participação :W
•i eleitoral JsÈ-
• V
l
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eleitoral: se no passado a existência de fortes laços partidários tinha um papel m. s?.
i'-
%:
mobilizador em termos de afluência às umas, hoje o enfraquecimento de tais #
£
$ Se é verdade que as tendências acima recenseadas parecem comprovar o !

b
ligações ou lealdades reduz a propensão para participar nos diferentes actos m - l crescente distanciamento dos partidos políticos face à sociedade civil, não é
m
í eleitorais. Se atentarmos no quadro quadro 8.4, podemos verificar que tal # w
menos verdade que essas tendências não se devem apenas às mudanças
I.
f
!
como acontece com o aumento da volatilidade também o decréscimo da relacionadas com afirmação dos novos modelos de partido, sendo também o
I :: m:
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participação eleitoral configura um fenómeno relativamente recente. De facto, ?
resultado das profundas transformações ocorridas na estrutura económica e

!Si
!il '

a participação eleitoral na maior parte dos países da Europa Ocidental manteve-


se muito estável até à década de 90, sendo precisamente a partir desta data
no tecido social das democracias europeias consolidadas responsáveis
nomeadamente pela erosão das subculturas políticas tradicionais e pelo


I

i
que começam a registar-se valores «mínimos » sem precedentes nas eleições aparecimento de novos valores. Nas p áginas que se seguem daremos particular
G :
nacionais realizadas em diferentes países. Tanto é assim que, durante os anos destaque a este tópico, procurando explicar os efeitos do declínio das velhas
Ij noventa, a participação eleitoral mé dia desceu para 77 , 6 % , um valor S: clivagens estruturais na relação entre partidos e sociedade civil, e vice-versa.
substancialmente inferior ao de qualquer outro período do segundo pós-guerra. i
206 & • 207
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8.2 Declínio das velhas clivagens e afirmação de novos valo - m Para respondermos a estas questões torna-se necessá rio apresentar aqui, se
M
res? m bem que de forma muito sumária, a an álise macro-sociológica desenvolvida
m:Ú por Lipset e Rokkan a propósito da génese e consolidação dos partidos e A génese e consolidação dos
-
partidos e sistemas partid á
Pelo menos até ao final da década de 60 do século passado, a ideia de uma sistemas partidários europeus. Assumindo como premissa fundamental que a rios europeus , segundo
m- BV
tiV

continuidade substancial das alternativas partidá rias e dos alinhamentos ià explicação dos fenómenos políticos reside nos fen ómenos sociais que Rokkan e Lipset

A continuidade das alterna-


tivas partid á rias e dos ali -
eleitorais nos sistemas pol íticos da Europa Ocidental assumiu uma importância
crucial na maior parte da literatura sobre partidos políticos, sistemas partidários
m —
constituem a sua base e, por consequência, que os partidos não passam de
meros canais regulares para a expressão e integração de interesses sociais
nhamentos eleitorais: the
freezing hypothesis e comportamento eleitoral. Esta tese foi abordada e defendida de forma eJ
i
g. -
Mf
V


conflituantes, de tensões e contrastes latentes na estrutura social existente ,
os autores acima mencionados identificaram quatro linhas de clivagem estrutural
inequívoca por Seymour Lipset e Stein Rokkan numa obra que se tomou um í

clássico da Ciência Política, Party Systems and Voter Alignments: Cross- - f resultantes da interacção sequencial entre dois processos de mudan ça
National Perspectives (1967) , de tal modo que, num capítulo frequentemente | revolucion ária, a qual não só marcou a maior parte da história da Europa
citado, estes autores escreveram que: Ocidental desde o início do século XIX , como criou as condições para a
constituição das primeiras formações partidárias nas décadas imediatamente
Os sistemas partid á rios contemporâ neos reflectem , com poucas mas antes e após o alargamento do sufrágio.
significativas excepções, as estaituras de clivagem dos anos 20. Isto é m$
uma característica crucial da política competitiva do Ocidente na “era Assim, a partir da chamada «revolução nacional», que se traduziu nos processos
do elevado consumo de massas ”: as alternativas partid á rias, e em muitos fm de unificação política, administrativa e cultural ligados à construção do Estado-
casos as organizações partid á rias , s ão mais velhas do que a maioria íiff I -nação, surgiram duas fracturas ou linhas de divisão social que polarizaram a
dos eleitorados nacionais. Para muitos cidad ãos do Ocidente , os partidos ||
| §; 1
/ vida política no seio da comunidade: a primeira, entre o centro e a periferia; a
actualmente activos fazem parte da paisagem pol ítica desde a sua segunda, entre o Estado e a Igreja. A primeira destas clivagens estruturais A revolu çã o nacional e a
infância ou , pelo menos , desde que foram confrontados pela primeira
*
-r

corresponde ao conflito que opôs as elites nacionais dominantes, empenhadas


clivagem centro- periferia

vez com a escolha de “ pacotes ” alternativos nos dias das eleições na unificação e uniformização do território nacional , às populações periféricas
(Lipset e Rokkan 1967, 1992: 238). caracterizadas pelas especificidades é tnicas , linguísticas ou religiosas e
pela resistência às tentativas de dominação e usurpação dos construtores
Foram estas as palavras com que Lipset e Rokkan enunciaram a intrigante e | | §* nacionais.
influente hipótese do «congelamento» dos sistemas partidários europeus (the | | fm
freezing hypothesis ) , a qual constituiu o ponto de partida para in ú meras Yd Como sublinham Rokkan e Lipset, nem o centro nem a periferia devem ser
investigações levadas a cabo nas décadas que se seguiram à sua formulação entendidos num sentido puramente geográfico, já que a oposição entre ambos
inicial, visando proceder ou à sua confirmação ou à sua refutação empírica. WffÊ assume uma dimensão cultural, associada à transmissão de valores das elites l

Esta hipótese coloca, desde logo, a seguinte questão: Como se explica que, | |# dominantes para as populações periféricas, autênticos bastiões da cultura local
apesar da enorme turbulência que marcou o período de entre- guerras, fruto | Jf 1 -

primordial; uma dimensão económica, fundada na dependência das regiões


dos ataques do fascismo e do nacional-socialismo, mas também das profundas Jf *
ff periféricas dos recursos provenientes do governo central; e ainda uma dimensão
transformações societais que ocorreram após a II Guerra Mundial, as alternativas
partidá rias formadas e consolidadas nas democracias europeias durante a 9
primeira fase de mobilização política de massas tenham permanecido fjr.. ..
m
S:
^ política, resultante da construção dos aparelhos burocr áticos nacionais que
impõem às zonas periféricas dominadas as decisões tomadas no centro. Por
conseguinte, e tendo em conta estas diferentes dimensões, pode dizer-se que
sensivelmente inalteradas até aos anos 60 do século XX? Ou, ainda de uni S nm
se o centro é definido como uma área privilegiada do território onde os
outro modo: Como se compreende que muitos dos partidos políticos esta-
belecidos nas democracias europeias por volta do fim da I Guerra Mundial
ou melhor, nas décadas imediatamente subsequentes ao alargamento do direito
— |§ySJ i

11 *
.
detentores dos principais recursos políticos, econó micos e culturais exercem o
poder de decisão; já a periferia é definida não apenas pela sua especificidade
cultural, mas também pela precariedade de recursos e pela distância em relação
I


de sufrágio tenham sido capazes de sobreviver a tantas mudanças políticas,
sociais e econ ómicas, mantendo vivos durante um t ão longo período de tempo
aos lugares de decisão (Lipset e Rokkan 1967, 1992: 180-182). i

os alinhamentos eleitorais iniciais e renovando de geração para geração as A segunda clivagem estrutural resultante da chamada «revolução nacional»
clientelas nucleares? diz respeito ao conflito que opôs o Estado-nação (centralizador, uniformizador A revolu çã o nacional e a
e mobilizador) à s exigências corporativas das Igrejas (católica, luterana ou -
clivagem Estado Igreja
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208 209

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reformadora), reflectindo os esfor ços de autonomização do poder secular- da * »:

Quadro 8.5 - Fracturas sociais politicamente relevantes, segundo Rokkan


tutela do poder religioso mediante a restrição quer dos privilégios historica - 1
m
mente detidos pela Igreja quer do controlo eclesiástico da vida social. Se é srr.
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certo que o «estatuto das propriedades da Igreja e o financiamento das jS|,


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actividades religiosas » constituíam temas de violenta controvérsia e disputa, • 3
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í Moméitto mticag * AI
Ava«CIiÍlL 3S a
Quest ões w aa-
-

msâ
certo é também que este conflito «foi muito mais do que uma quest ão -: Religião nacional vs. re- Regionalistas
ã
Reforma e Contra- ligião supranacional .
econó mica», assumindo-se fundamentalmente como um problema de ordem Vg 6 V.
p\
- Reforma: . : séculos Centro- periferia
& Lí ngua nacional vs. la - Religiosos
moral relacionado com o controle das normas da comunidade e com o controle XVIeXVn
da educação. A este propósito, Lipset e Rokkan escrevem: tim •"

-
&fcvs . Controlo secular vs. con-
:?$ ?

A Igreja, fosse ela romana, luterana ou reformada, tinha reclamado ao ‘sS®;


£ & Revolução nacional trolo religioso da edu- Liberais
£/ •

Eslado-Igreja
longo dos séculos o direito de representar a “ propriedade espiritual” tr-v 1789 em diante cação de massas (ins-
do homem e de controlar a educação das crian ç as na direcção da trução )
«:
verdadeira f é (...). O desenvolvimento da educa çã o forçada para todas

• Agrários
*
as crian ças da nação sob um controle secular centralizado entrou em á? Campo-cidade Taxas para os produtos
confronto com os direitos estabelecidos dos “ poderes intermedi ários” Revolução industrial agrícolas
>r Conservadores
religiosos e despoletou ondas de mobilizaçã o de massas em partidos :A século XIX
de protesto alargadas a toda a nação (Lipset e Rokkan 1967, 1992: Capital - trabalho Estado social
Socialistas
183).
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Integração no sistema
4

Pois bem, e como sugerido no quadro 8.5, se a politização das tensões e conflitos &? • polí tico nacional vs . em-
Revolução russa: 1917 Proprietários- trabalha

entre centro-periferia conduziu ao nascimento de partidos que representavam penhamento no movi - Comunistas
os interesses e os ideais dos construtores nacionais e de partidos que 1 w
m &
em diante dores ; "

mento revolucionário in-


fi ternacional
representavam as reivindicações e aspirações das populações culturalmente Mr.
m
ameaçadas pelas medidas de centralização, uniformização e racionalização m. Fonte: Lipset e Rokkan ( 1967 , 1992: 233 )
. ia
3, mP
do Estado-nação (partidos etno-regionais); já a mobilização política em tomo
:

u %
do conflito entre Estado-Igreja criou as condições para o aparecimento de í4:
Bi/.'

forças pol íticas seculares (partidos radicais e liberais ) que defendiam a £

universalização e a estandardização do ensino como um meio capaz de criar «


W: Também a revolu ção industrial, desencadeada na Inglaterra em meados do A revolu çã o industrial e a
vínculos directos de influência e controlo entre o Estado e o cidadão individual, wm século XVIII, teve consequências profundas e de longo prazo na estrutura -
clivagem campo cidade
m
por um lado, e por outro, de partidos de defesa religiosa que se opunham social das nações europeias, dando lugar a duas novas fracturas ou linhas de
£ •

ã g?: clivagem cruciais para a política concorrencial e pluralista no Ocidente: a


veementemente ao desenvolvimento de um sistema de ensino concebido e l
controlado pelo poder secular centralizado ( partidos confessionais ou
:!
* j

t primeira, entre os interesses urbanos e rurais ; a segunda, entre os interesses


i patronais e dos trabalhadores. Na verdade, a afirmação do capitalismo industrial
denominacionais). *
m J

gerou tensões crescentes entre os produtores primá rios, nas á reas rurais, e os
i;

&
SV. comerciantes e os empresá rios , nas zonas urbanas tensões, essas, que
i;

encontraram express ão política na oposição entre os partidos conservadores- 1
M 4
agr á rios e os partidos liberais-radicais. Como observam Lipset e Rokkan:
Ê
m V:

% % (... ) Os interesses conflituais entre as áreas urbana e rural eram reconhe- 1


i
cidos desde a Idade Média na representaçã o separada dos estados: a
i nobreza e, em casos excepcionais, os camponeses livres falavam em
Jt nome da terra , e os burgueses, em nome das cidades. A revolu çã o
i
my.
rX- industrial aprofundou esses conflitos e num pa ís após o outro produziu
• 3: alinhamentos distintos de tipo rural-urbano nas legislaturas nacionais
(...) . O conflito entre os interesses rurais e urbanos centrava-se no
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mercado dos bens. Os camponeses queriam vender os artigos pelos


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4 palco para marcadas divergências e flagrantes contrastes entre os sistemas
melhores preços possíveis e comprar aquilo de que necessitavam aos a K: partidários nacionais. É de referir, contudo, que se as primeiras três das quatro
produtores industriais e urbanos a baixo custo (... ) . Considerando-se J linhas de clivagem enunciadas foram responsáveis pelas diferenças cruciais
explorados nas relaçõ es com a gente da cidade , os camponeses . í * entre os sistemas partidários que surgiram nas primeiras fases da política
• '
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pretendiam deslocar as cargas fiscais para as economias urbanas em 95 competitiva, já a clivagem propriet ários-trabalhadores (ou capital-trabalho)
'

expans ão (Lipset e Rokkan 1967 , 1992: 189-192). contribuiu para aproximai- os sistemas de partidos na sua estrutura básica (Lipset
r- eRokkan 1967, 1992: 214).
Mas se a clivagem terra-indústria ou campo-cidade, a que acabámos de nos f jS *
d

reportar, n ão provou ser invariavelmente formadora de partidos em todos os | Quer isto significar que os contrastes decisivos nos sistemas partidários
sistemas políticos da Europa Ocidental, dado que os conflitos e tensões entre u emergiram antes da entrada dos partidos da classe trabalhadora na cena política,
A
os interesses rurais e urbanos podiam ser abordados «em grandes frentes í A clivagem da classe social
:.;l5 Fv
e que a «clivagem da classe social» desempenhou um papel decisivo na maior e a escala esquerda -direita
partidárias ou canalizados, através de organizações de interesses, para arenas parte dos países europeus, dando lugar a um eixo de polarização política (escala
mais apertadas de representação funcional e de negociação» , outro tanto não esquerda-direita) que condicionou não só a identidade ideológica dos diferentes
A revolu çã o industrial e a se pode dizer da clivagem proprietários-trabalhadores que provou ser muito partidos como também a identificação dos eleitores com os partidos.
clivagem propriet á rios - tra - %
balhadores mais uniformemente divisora : «os partidos da classe trabalhadora emergiram
Em termos de alternativas partidárias, esta divisão política fundamental estava
K Í\

em cada país da Europa, num momento ou noutro , antes da Primeira Guerra ÇJ


K

Mundial ». Com efeito, segundo Lipset e Rokkan: I -


«:•
relacionada sobretudo com o tema da intervenção estatal na economia: à
ft

iu .. esquerda, a defesa do papel activo do Estado na prossecução de certos


As massas ascendentes de assalariados , quer em propriedades agrícolas % objectivos sociais , nomeadamente na igualização dos rendimentos , das
de larga escala, quer na floresta, quer ainda na indú stria, ressentiram- condições de vida e das oportunidades entre as diferentes classes, significava
-se das condições de trabalho e da insegurança dos contratos e sentiam- % uma política a favor do «trabalho» ; à direita, a forte valorização do mercado e
-se, social e culturalmente, alienadas pelos proprietá rios e pelos patrões. %
a defesa de um Estado fraco e pouco regulamentador consubstanciavam uma
.
O resultado foi a formação de uma diversidade de sindicatos e o política a favor do «capital». A dicotomia esquerda-direita reflectia-se também
t"

desenvolvimento de partidos socialistas à escala nacional (Lipset e ti


nos alinhamentos eleitorais: quanto mais próximos os eleitores estivessem do
Rokkan 1967, 1992: 192). J
, rj*
:V - pólo do « trabalho» (operários industriais e agrícolas), maior a propens ão para
3
Como se infere do acima exposto , desde o despertar das primeiras vagas de '
'C
?« V * votarem em partidos de esquerda; quanto mais próximos estivessem do pólo
industrialização, os trabalhadores assalariados procuraram ultrapassar a
yi Eí - - do «capital» (proprietários e empregadores rurais , industriais e do terciário) ?

desvantagem no mercado do trabalho e os seus efeitos na esfera política K maior a propensão para votarem nos partidos de direita.
organizando-se em sindicatos e em partidos que lutavam pela redução das ã
Mas se a substancial continuidade e estabilidade das alternativas partidárias e
desigualdades sociais e econ ómicas , e que se opunham aos partidos *
dos alinhamentos de votantes na Europa Ocidental, defendida primeiro por
conservadores e liberais. No período imediatamente subsequente à Revolução •Q

Lipset e Rokkan (1967 ) e confirmada depois por Rose e Urwin ( 1970), pode
russa de 1917 assistir-se-ia à cisão dos partidos socialistas e ao consequente . ser explicada através do «congelamento» das estruturas de clivagem tradicionais
V -
aparecimento dos partidos comunistas , que não se manifestavam apenas em B (centro-periferia, Estado-Igreja, ind ústria-campo, capital-trabalho), o facto é
r I

favor de um estrato social alienado e da sua plena integração no sistema político nV

r. - que tal fenómeno não pode ser inteiramente compreendido sem atendermos
nacional, empenhando-se também na promoção da solidariedade internacional ) a ? •
ao papel atribuído aos partidos políticos no modelo analítico que temos vindo
do movimento oper á rio. t. &
a desenvolver. Os partidos pol íticos: causa
p.
ou efeito das clivagens tra -
Em resumo, e segundo Seymour Lipset e Stein Rokkan, as características ?
I v Se num primeiro momento, os partidos são apresentados por Lipset e Rokkan
dicionais ?
í -
básicas dos sistemas partidá rios que emergiram nos sistemas políticos da V' )
¥
como o produto de tensões e de conflitos profundos e duradouros que dividem
u
Europa Ocidental durante a primeira fase de competição e de mobilização de
massas podem ser interpretadas como o produto das linhas de clivagem V,
n
mIr

a sociedade, oferecendo-lhes símbolos e representação razão pela qual é
salientada sobretudo a função expressiva e integradora da acção partidária. Já
resultantes da revolução nacional e da revolu ção industrial, sendo que as 3
num segundo momento, os partidos são entendidos como actores colectivos
variações de timing e de intensidade desses dois processos fundamentais de que contribuem de modo determinante para a estabilização e «cristalização»
. a m
m
mudan ça não podem ser ignoradas ou subestimadas, pois estabeleceram o K *' iS das linhas de fractura que estiveram na sua origem, sendo em grande medida
m,
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responsáveis pela monopolização e pelo estreitamento do «mercado de apoio» crescente instabilidade política e eleitoral (Inglehart 1977, 1984 e 1990; Dalton,
— o que explica a ênfase dada às suas funções de mobilização e socialização t
á
A
í-
j.. .
Beck e Flanagan 1984; Wolinetz 1990; Pedersen 1990; Lane e Ersson
política. Donde se conclui que os alinhamentos dos eleitores dependem não y 1995).
só do respectivo posicionamento na estrutura de clivagens , mas também das < . r
acções de mobilização e socialização empreendidas pelos próprios partidos Embora poucos contestem a importância das clivagens sociais tradicionais
políticos e pelas organizações secund á rias aliadas ou apoiantes (sociais e J como factores explicativos do comportamento eleitoral, tem sido muitas vezes
notado que o voto determinado por clivagens — e, em particular, determinado
;v

religiosas). %

Na análise do paradigma de Lipset e Rokkan torna-se manifesta a relação


4
I

7 pela classe social — sofreu um declínio significativo por toda a Europa


Ocidental nas últimas décadas. O que significa que não só a posição dos
entre «congelamento» dos sistemas partidá rios , estabilidade dos padrões de indivíduos no sistema de clivagens como a capacidade dos partidos em
comportamento eleitoral e desenvolvimento dos partidos de massas. Com efeito, fi condicionar as opções dos eleitores tendem a ser cada vez menos relevantes,
£< •

não pode deixar de ser sublinhada a intervenção determinante dos partidos de tornando, desta fornia, os sistemas partidários contemporâneos mais vulneráveis
massas — tanto classistas e confessionais como proto-hegemónicos
«encapsulamento» do voto nas clivagens s ócio-estruturais, o que permitiu a
— no
I
'9

4
ptl
a altos níveis de volatilidade eleitoral, em especial a volatilidade interbloco
(ou seja, a percentagem total de mudança de votos entre o bloco partidário da
criação de um «eleitorado de perten ça », pouco disponível para alterar o sentido esquerda e o da direita em eleições adjacentes ).
de voto entre «amigos» e «inimigos » de clivagem, por um lado , e, por outro, 1
> §3
ir

A explicação do decl ínio das


a persistência dos sistemas partidários por um longo período de tempo. O que Pvr - Entre as explicações e interpretações mais consistentes do declínio das clivagens clivagens sociais de longa
se confirma pelos baixíssimos níveis de volatilidade eleitoral interbloco J v
sociais de longa duração e da crescente instabilidade política e eleitoral na dura ção
registados nas democracias europeias consolidadas entre os anos 20 e os anos Ki
$ Europa Ocidental contam-se as de Inglehart e Dalton, Flanagan e Beck. Numa
60 do século passado, justamente numa é poca em que os partidos de massas m obra a vários títulos pioneira, The Silent Revolution (1977), Robert Inglehart
«especializados» eram ainda o modelo dominante . .7 m
"
u t X- t
:
mostra como os processos de modernização sócio-econ ómica e os avanços
Tj

Como diversos autores defenderam, o aparecimento na cena política europeia



íj

mm
tecnológicos — que ocorreram um pouco por toda a Europa Ocidental e
-m também fora dela, traduzindo no seu conjunto a passagem de sociedades
dos partidos de massas ou de integração social, caracterizados por fortes
compromissos ideológicos e programáticos e pela mobilização de segmentos
f
J
k'í
h-
F-:


acompanhados de uma mudanç a significativa ao n ível das prioridades

industriais e modernas para sociedades pós-industriais e pós-modernas foram

específicos do eleitorado ( classe gardée ) , constituiu um factor decisivo para o |K valorativas e das atitudes políticas dos cidadãos. Com efeito, e de acordo com
enraizamento do voto em torno das clivagens sócio-estruturais e para a formação este autor, a melhoria acentuada dos níveis de vida, a reestmturação e transição
de identidades políticas sólidas e duradouras. Contribuindo, desta forma, para fel maciça da forç a de trabalho para o sector dos serviços, a elevada percentagem
o isolamento da política partidária das pressões de mudança resultantes dos de emprego no sector pú blico, a crescente urbanização e a consequente
importantes processos de modernização s ócio-cultural e tecnológica. Isso t
k, passagem de uma organização social de tipo comunitá rio para uma de tipo
mesmo parece resultar das palavras de Giovanni Sartori: «um sistema partidário •

societário (fragmentada, individualizada e secularizada), a difusão dos meios


congelado é um sistema que intervém no processo político como um sistema de comunicação social de massas, o aumento dos n íveis educacionais e das
independente de canalização , impelido e mantido em movimento pelas suas capacidades cognitivas individuais, contam-se entre os factores que contri-
próprias lógicas de inércia» (Sartori 1968: 21). buíram para transformar muito substancialmente o perfil sociológico e
psicológico dos eleitorados contemporâneos, podendo mesmo falar-se de uma
O questionamento do mo - Nas três ú ltimas décadas, foram muitos os autores que procederam ao M 1
«revolução silenciosa» (Inglehart 1977: 18).
111 1
delo de clivagens e da tese
do «descongelamento» dos questionamento do modelo de clivagens proposto por Seymour Lipset e Stein &

sistemas partid á rios Rokkan, contestando quer a sua aplicabilidade mais geral quer a validade
empírica da hipótese do «congelamento» dos sistemas partidários. Na verdade,
a mudança no comportamento dos eleitores parece sugerir que as «excepções
Jj 1
M
^ i

•:
1
Por uma «revolução silenciosa» , refere-se Inglehart ao recuo dos valores
materialistas, que reflectem uma precupação primordial com a manutenção da
A revolu ção silenciosa e a
mudan ça de valores nas so
ciedades industriais avança-
das
-
ordem e a preservação dos ganhos económicos, e à ascensão dos valores pós-
significativas» ao estreitamento do «mercado de apoio » trazido pelo cresci- |lj materialistas, que enfatizam a expressão da identidade individual e a construção
mento dos partidos de massas durante o impulso final para uma democracia
de uma sociedade mais participativa e menos hierarquizada (Inglehart 1977:
de sufrágio integral se tornaram a regra geral , sendo v ários os autores a defender Jj 179).
a hipó tese do «descongelamento» dos alinhamentos partidários e a falar da

214 215 i

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Antes de abordarmos as implicações pol íticas e partidárias desta «revolução


wmmrnmmmmÊMmÊÊÈmÊmmmmmMmmmmmmmmiM ÊmmgÊÊmmswmmmã silenciosa» , devemos analisar, ainda que brevemente, a forma como se processa
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— a mudança de valores materialistas (modernos) para valores pós-materialistas
(pós-modernos) nas sociedades industriais avançadas . Para tal , importa enunciar
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SSÊsàÊÊSÊbB ;mi e explicar as duas hipóteses que servem de base à teorização de Inglehart, e
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no conjunto da população adulta, pode assistir-se ao crescimento da
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Quadro 8.7 - Valores materialistas e valores pós- materalistas


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empírico à tese da mudança cultural, confirmando a crescente difusão e % *


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e partidá ria ( new issue demands ) , tais como a protecção do ambiente, a defesa dos direitos m : KS; K -; S2
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das minorias, a defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, o r.
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direitos dos imigrantes, etc. Ao mesmo tempo que geram um novo ímpeto
participativo ( new participation demands ) , traduzido numa certa desconfiança Qualidade urbana r
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e criticismo dos cidadãos perante as autoridades políticas que consideram M
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demasiado formais e impessoais , burocráticas e fechadas , mas também
num crescente recurso a acções políticas não convencionais ou de protesto,
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resultam do processo de mudança de valores em curso na generalidade das
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democracias ocidentais e que enformam a chamada «nova política » n ão —


encontram f ácil expressão nos partidos políticos tradicionais , criados numa
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Na verdade, e como sublinha Inglehart , estando na origem de uma nova linha extrema-direita de terceira geração devem ser considerados o produto de uma
de clivagem assente sobretudo em valores , e não já em oposições estritamente «contra- revolução silenciosa », respons ável pela afirmação dos valores pós-

Os desafios colocados aos


territoriais e funcionais , a ascensão do pós- materialismo trouxe consigo um
sério desafio aos partidos estabelecidos. E porquê? Precisamente porque colocou

-materialistas da nova direita a imagem espelhada e o pólo político oposto
partidos pela nova clivagem ao da nova esquerda que se começou a formar nos anos sessenta do século
materialismo versus p ós - os alinhamentos partid ários existentes sob um «stress crónico», devido em 1 passado (Flanagan 1987; Ignazi 1992; Kitschelt 1995).
- materialismo grande parte ao facto da base social de apoio dos maiores partidos ser
inconsistente com o seu posicionamento ideológico como o provam os :â
elevados índices de volatilidade eleitoral desde os anos sessenta e setenta , a
rcorientação política e ideológica dos partidos instituídos e o aparecimento de 2
Quadro 8.8 - Evolução do voto nos partidos da «nova política » na Europa
Ocidental , por país e por decénio
novas formações partid á rias, nomeadamente no â mbito da nova esquerda 1
pós-moderna e pós-materialista (os « partidos- movimento») (cf . quadro 8.9). ij
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N ão admira assim que, nas décadas de 70 e 80, a entrada na arena eleitoral e
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parlamentar dos chamados partidos « verdes» ou ecologistas tenha sido | § f mÊÊêÈÈsm Auos 80 - Anos 90 Dif, 80 90
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claramente associada a uma mudança nas prioridades valorativas e nas agendas .
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políticas dos públicos ocidentais , confirmando, segundo Ronald Inglehart e Alemanha 5, 1 6,4 1,3 0,3 2, 5 2, 2
outros autores, a importâ ncia do novo eixo de polarização pol ítica (materia- | | Austria 4, 1 7,6 3,5 7,4 22, 0 14,6
lismo versus pós- materialismo) cm termos de realinhamentos eleitorais e de (M j Bélgica 6,0 10,9 4,9 1, 5 9,7 8 ,2
A emergê ncia dos partidos reconfiguração dos sistemas partid á rios. Mas mais: se à esquerda do espectro
da chamada «nova pol ítica»: Dinamarca 0,7 2,2 1,5 6,6 7 ,5 0,9
partidos verdes e partidos de político, os chamados partidos «verdes» ou ecologistas tem sido considerados M ;
extrema - direita de terceira como os principais representantes da nova dimensão de conflito t ípica das Finlândia 2,7 7,0 4,3 0,0 0,3 0,3
gera çã o
sociedades pós-industriais, à direita esse papel tem sido atribu ído aos chamados Fran ça 0, 9 8,4 7,5 6,7 14,2 7,5
partidos de extrema-direita de terceira geração (von Beyme 1988), partidos Jf Holanda U 5,6 4,5 0,6 1 ,8 1 ,2
de nova direita radical ( Kitschelt 1995) ou partidos de extrema-direita 4 f Inglaterra 0,3 0,3 0,0 0, 1 0,0 »
0, 1
-
pós industrial (Tgnazi 1992) surgidos na Europa Ocidental durante os anos
Irlanda 0,4 2, 1 1,7 0,0 0,0 0, 0
oitenta e noventa do século passado.
Isl ândia 0,0 3, 1 3,1 0,0 0,0 0, 0
Aceitando no essencial a tese de Tnglehart da « revolução silenciosa», mas Itália 1, 3 2,7 1,4 6,6 20, 9 14,3
criticando-a por esta se centrar numa alteração de valores à esquerda do espectro
Luxemburgo 6,4 9,3 2,9 1, 2 1, 2 0,0
pol ítico e omitir a direita, autores como Flanagan , Tgnazi ou Kitschelt defendem M
Noruega 0,1 0,1 0,0 7, 1 10,8 3,7
a natureza dual da mudança de valores , afirmando, por conseguinte, que a
« nova política» compreende duas dimens ões axiol ógicas profundamente J§§
Jl Su écia 2,9 4,3 1,4 0,0 2,6 2,6
distintas entre si, a saber: uma, libertária, ambientalista e feminista, que |
| Suíça 5,0 6,3 1,3 4,3 7,6 3,3
corresponde ao pólo esquerdo do continuum ideoló gico; outra, de cariz | g Média ( N = 15) 2,5 5,0 2,5 2,8 6,7 3, 9
autoritário, conservador e xenófobo, que corresponde ao pólo direito da escala H I
ideológica e que representa aquilo que Flanagan designa por agenda política | §- 1a "
*
Fonte: Oreste Massari (2004: 115)
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da nova direita, referindo-se à politização de temas como o direito à vida; a | §fc 1
oposição aos movimentos de libertação da mulher ; o apoio a valores religiosos iff §
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e morais tradicionais; a defesa de um Estado que preze a autoridade, a segurança §


e a ordem; a oposição à imigração e aos direitos das minorias (Flanagan
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Como sublinham ainda diversos autores, a nova clivagem esquerda pós-
1987).
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materialista versus direita pós-materialista não é exactamente perpendicular à
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tradicional clivagem esquerda materialista versus direita materialista, o que se
De uma forma mais simples , pode dizer-se que se os partidos «verdes » ou M I Diferen ças entre os repre-
explica sobretudo pela proximidade entre a velha esquerda e a nova esquerda sentantes da nova e da ve-
ecologistas são o produto de uma «revolução silenciosa », então os partidos de |g '

em muitos temas políticos , nomeadamente em questões como a igualdade e a lha pol í tica
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necessidade de mudanç a da ordem social estabelecida. Esta proximidade -
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b>- granjeia apoio eleitoral sobretudo entre a pequena burguesia tradicional e



ideol ógica e política à esquerda que, sublinhe -se, não encontra paralelo à ;§
direita leva Inglehart a afirmar que não obstante os valores pós-materialistas ú
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entre as franjas mais inseguras e xenófobas do operariado, ao passo que aquela
tem os seus apoiantes preferenciais entre os eleitores com estatuto
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estarem mais identificados com a nova esquerda, o facto é que tais valores : i i socioeconómico mais elevado, mais próximos do pólo do «capital» e com
estão longe de ser incompatíveis com os da esquerda tradicional, mantendo ih m
-5
6 maiores níveis de integração religiosa (Inglehart 1990: 267-314 e 339-373;
com estes uma apreciável e significativa concordância. Daí a relação que o f i Inglehart 1997: 252-256).
autor estabelece entre o crescimento dos valores pós- materialistas e a a
revitalização da esquerda tradicional (socialistas e sociais-democratas)
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(Inglehart 1990: 298-311). i A

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Quadro 8.9 - Os «partidos -movimento» e suas características, segundo Diamond e Giinther Percursos de autoverificação
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partidos-cartel.
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envolvimento destes na acção partidá ria.
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Usar formas de Organização fraca; ciais nas gera ções mais B -
Difundir uma agen - participação pol ítica recrutamento de mem - jovens, mais instru ídas
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Esquerda liber-
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ir,
da pol ítica pós- n ão convencionais bros bastante aberto; e oriundas das « novas f.r. níveis de filiação elevados.
t á ria t'
-materia-lista: ( protesto) e conven- estilo de delibera ção classes médias», que
cionais (voto) colectivo partilham valores pós- 1-Jj • Assinale as consequências do crescente «apartidarismo» dos cidadãos.
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-materi alistas r á 1í -

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nía • Exponha, segundo Lipset e Rokkan, a hipótese do «congelamento»


Base preferencial entre dos sistemas partidários europeus ( the freezing hypothesis ).
Defender pol íticas Ganhar votos medi- •

Liderança forte perso- a pequena burguesia fc; -3



i
econ ó micas liberais e ante o apelo caris-
Extrema-direila nalizada; organização conservadora e entre as Hf -1 Caracterize, de acordo com Lipset e Rokkan , as quatro linhas de
anti-i migração; pro- mático do líder e das
pós-industrial fraca e pouco estru- franjas da população - 4 gj-
mover e defender os propostas program á- ‘K
clivagem estrutural.
valores tradicionais ticas
turada mais inseguras e xenó - V:
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fobas do operariado P • Determine o papel dos partidos políticos nos alinhamentos dos eleitores.
Fonte: Larry Diamond e Richard Giinther (2004: 10 11) -
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• Explique o que entende Inglehart por «revolução silenciosa».
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is • Relacione a hip ótese da escassez ( scarcity hypothesis) e a hipótese da
Mas se, como acabámos de referir, em termos ideológicos e de identidades e- socialização ( socialization hypothesis ) .
políticas a demarcação entre a nova e a velha esquerda não é inteiramente 1
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clara, o mesmo não se pode dizer quanto à base social de apoio de uma e de •
ft; vi . • Reconheça as implicações do crescimento das preferências pós-
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outra. Com efeito, se a primeira tem como apoiantes preferenciais as gerações '
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¥ -materialistas nos vários domínios da vida colectiva , nomeadamente
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mais novas, mais instruídas e informadas , oriundas das « novas classes médias» az

no domínio da política.
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e com orientações valorativas pós- materialistas, já a segunda obtém os seus r
maiores apoios eleitorais entre os estratos com baixo estatuto sócio-económico.
Refira-se, ainda , que tal diferenciação em termos de base social de apoio é
igualmente visível entre a direita tradicional e a nova direita, sendo que esta
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Exercícios
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• Justifique, de acordo com os dados apresentados por Mair e Biezen ,


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em que medida podemos falar de um declínio dos partidos enquanto fi
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organizações de membros e/ ou veículos de participação política dos •• íl

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cidadãos.

• A partir do visionamento do filme Palombella Rossa , de Nanni Moretti


(It ália, 1989) , problematize e avalie os efeitos da actual crise de
« partidarismo » (fraco activismo dos filiados e fraca identificação
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1

partidária).
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• Elabore um pequeno ensaio em que discuta os efeitos da nova clivagem m
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materialismo versus pós-materialismo sobre os sistemas partidá rios s
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9 Limites da Política Institucional e Emergência


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dos Novos Movimentos Sociais

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Tal como já vimos atrás, nos anos imediatamente subsequentes à II Guerra
Mundial assistiu-se a um clima de suposta despolitização e esbatimento das
clivagens ideológicas, evidenciado pelos êxitos da democracia liberal face às
evidentes contradições teóricas e reais do «mundo socialista» e aos impasses
político-ideológicos da esquerda de matriz marxista. Com efeito, a ordem social,
política e econó mica do segundo pós-guerra foi marcada por um amplo
consenso em torno das virtudes e vantagens do Estado do bem-estar liberal
democrá tico ( welfare state ) , que apostou decididamente na protecção social Caracteriza çã o sum á ria do
welfare state
dos mais desfavorecidos e na melhoria das condições materiais de vida dos
cidad ãos, através de uma distribuição mais justa da riqueza e de um reforço da
concertação social, implicando os trabalhadores e seus representantes na
definição das políticas pú blicas de cariz económico e diminuindo, em conse-
quência, a con ílitualidade e animosidade políticas e sociais. Por seu turno, os
acordos constitucionais do segundo pós-guerra contribuíram também para a
criação de um clima de estabilidade e segurança, indispensáveis para assegurar
o crescimento econ ómico.
No que aos partidos pol íticos diz respeito, o período imediatamente subse-
quente ao segundo conflito mundial foi marcado, como já tivemos oportunidade
de referir, pela emergê ncia e consolidação do partido de eleitores (catch-all
people’ s party ) , o qual surge como resposta organizacional e també m
« ideol ógica» aos novos desafios colocados, quer pela mudanç a na estrutura
social , resultante da segunda revolução industrial, do aumento do nível de
vida dos cidadãos e da revolução do consumo, quer pela mudança na comu-
nicação pol ítica, resultante da penetração dos meios de comunicação social na
vida política e da modernização das técnicas de propaganda e das campanhas
partidárias.

Ora, sem pretendermos empreender uma análise do complexo conceito de


ideologia, nem procedermos a um exame profundo do discurso ideológico ,
podemos afirmar, genericamente, que as teses que sentenciaram o decl ínio ou
o fim das ideologias — entendidas aqui como concepções doutrinárias e

representações pol íticas gerais sobre o homem e a sociedade , defendiam
A noção de ideologia

que o pós Segunda Guerra Mundial inaugurara uma é poca de consensos,


caracterizada por um progressivo abstencionismo eleitoral, fraca adesão aos
partidos, perda de interesse pela vida pol ítica, incapacidade da esquerda marxista
combater e refutar ideologicamente o triunfo das democracias liberais, início
da mediatização do universo pol ítico, despolitização da cidadania, buro-
cratização das organizações partid á rias e uma cada vez maior especialização
do pessoal político. Para muitos dos autores que anunciaram o crepúsculo e o A tese do decl ínio e fim das
ideologias
fim das ideologias , as chamadas posturas contraculturais , que tiveram lugar
no final da década de 60 do século XX (Maio de 68, por exemplo), foram
vistas como surtos niilistas, enquanto o «aburguesamento» do socialismo e a
« humanização» do liberalismo e do capitalismo ( j á que o socialismo integrou

229
&

elementos capitalistas e vice-versa) apontavam para a convergê ncia ideológica,


desradicalizando o confronto ideológico.

Assim sendo, e de acordo com as teses defendidas por alguns autores, na sua
maioria de matriz liberal e tecnocrata , ter-se-ia entrado numa fase de
apaziguamento ideológico a partir do rescaldo da Segunda Guerra Mundial,
tornando-se menos pertinente a polarização esquerda-direita. Este foi, aliás, o
entendimento prevalecente na Conferê ncia de Milão ( 1955) sobre o futuro da
Uberdade, tendo Raymond Aron desenvolvido essa ideia, entre outras, na obra
intitulada O Ó pio dos Intelectuais ( 1955). Deve ser aqui sublinhado que a
defesa da tese do apaziguamento ideológico implica aceitar, de igual forma , a
A tese da despoiitização pro- tese da despoiitização progressiva da sociedade pol ítica, ou seja, a ideia de
gressiva da sociedade pol í
tica
- que nas democracias ocidentais estabilizadas a tendê ncia vai no sentido de
conceber o Estado mais enquanto uma estrutura articulada de instituições e
menos como resultado de opções ideológicas diferenciadas e expressão da
dominação de classe. Tal como para Raymond Aron, também para Maurice
Duverger e John Galbraith , as querelas ideológicas teriam sido ultrapassadas,
porquanto as quest ões políticas cederiam lugar às prioridades técnicas e
tecnocráticas .

Já no plano partidário, o apaziguamento ideológico teria decorrido da evolução


da maioria dos partidos socialistas (de matriz marxista) para o socialismo
democrático e para a social-democracia. Uma tendência que acompanhou
também muitos dos partidos comunistas ocidentais (eurocomunismo), os quais
foram progressivamente abandonando a sua condição anti-sistémica e anti-
establishment e introduzindo reformas ideológicas, programá ticas e estatutárias
mais consentâneas com as exigências da vida política democrá tica. Recorde -
O reposicionamento ideo - -se, a este propósito, que o modelo de partido catch-all foi o que mais se
l ó gico dos partidos aati
-sistema
- coadunou com o interclassismo dominante, promovendo com a perda da
filiação ideológica e de classe dos eleitores, de forma a abarcar o maior n ú mero

de adeptos e votos tudo isto acrescido de uma cada vez maior indiferença
pú blica pela luta político-ideológica e personalização e mediatização da vida
pol ítica e partidária.
Durante os anos 50 e 60 do século passado, um conjunto de autores classifi-
cados como «liberais» , de que se destacam Seymour Lipset , Raymond Aron,
Daniel Bell e Edward Shils , viu na consolidação da sociedade industrial e no
advento da sociedade pós-industrial o início de uma nova era marcada pelo
«declínio» e «fim» das ideologias. Esta leitura veio a conhecer uma contestação
profunda e vigorosa nos anos 70, sobretudo pela voz da chamada «nova
esquerda » . Seria, aliás, Lipset a chamar a atenção para o facto de já Engels ter
aludido ao «fim de todas as ideologias» como produção da «falsa consciê ncia»,
i
tal como Max Weber admitira também o recuo das ideologias totais e a
afirmação da «racionalidade funcionalista» (Lipset 1992: 122).

230
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Estas observações precursoras foram formuladas mais explicitamente por Karl


Mannheim, no final dos anos 20. Este autor, dando continuidade à análise de A posi çã o de Mannheim

Weber, reafirmou o declínio das doutrinas globais (e utópicas) e a sua -


sobre o decl í nio das ideolo
gias
substituição por «doutrinas pragmáticas parciais» , próprias da racionalidade
funcional das sociedades industriais burocr áticas, cada vez mais afastadas do
utopismo político, da « memó ria histórica» e de projectos políticos com
acentuada carga ideol ógica, e mais próximas da subordinação da política à
economia. Como tem sido observado, tais considerações não foram desmentidas
pela realidade, especialmente entre o fim do segundo conflito mundial e meados
da década de 60. Pelo contr ário, este período confirmou que as grandes
narrativas da legitimação e as alternativas societá rias globais fracassaram
enquanto propostas mobilizadoras das massas, em favor de estratégias de
preservação da ordem estabelecida e de propostas mais circunscritas
programaticamente, muitas vezes vinculadas a interesses sectoriais.

Depois da última Guerra Mundial, autores mais à esquerda, como Marshall e


Hughes, ou mais à direita, como Berlin , sublinharam a capacidade demonstrada
pelas democracias capitalistas ocidentais e pelo welfare state em integrar e
apaziguar a conflitualidade social e política, permitindo, também por isso, uma
subida generalizada do nível de vida dos cidad ãos. Circunstâncias que
contribuíram para retirai- força apelativa às construções ideológicas extremistas

e anti-sistema revolucionárias, conservadoras e ditatoriais , condenando-
as a um processo de erosão ou de transmutação em soluções mais moderadas.

Também alguns dos autores da escola de Frankfurt tentaram explicar a
importâ ncia decrescente da ideologia nas sociedades ocidentais. É o caso de
Otto Kirchheimer, para quem o declínio das ideologias de raiz partidá ria teve A posi ção de Kirchheirner
como consequê ncia principal a transformação dos partidos de integração de sobre o decl ínio das ideolo
gias
-
massas , fortemente ideologizados, em catch - all parties , apostados na
minimização das diferenças sociais e económicas dos vários segmentos da
população, através de uma progressiva desideologização do discurso político
e de «exigências lácticas» imediatas: « Nas actuais condições de expansão
orientada para bens de consumo de massas, com linhas de classes em mudança
e menos indiscretas, os antigos partidos de massas são pressionados para se
tornarem partidos catch-all » (Kirchheimer in Lipset 1992: 128).

Por outro lado, e ainda na década de 50 do século passado, alguns autores


relacionaram o declínio dos conflitos ideológicos com as alterações na estrutura
e relações de classe e com a redução das desigualdades económicas. Com
efeito, a diminuição dos antagonismos de classe e as conquistas da democracia
económica e social contribuíram para atenuar o combate ideológico, tornando
menos perceptíveis e convincentes os contrastes doutrin á rios. É interessante
mencionar, e seguindo Seymour Lipset, que a tese do fim das ideologias colheu
confirmação empírica em diversos estudos que incidiram, quer sobre a relação
entre o nível de desenvolvimento económico e social das modernas sociedades

231
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industriais e a perda de «intensidade da política ideológica» (de que são exemplo


os trabalhos de Rejai, Mason e Beller), quer sobre o crescente grau de «desra-
dicalização» e «despolarização» ideológicas dos partidos políticos, no sentido
de um cada vez maior «consensualismo» (de que se destacam os estudos de
Thomas e Galbraith).

A posição de Lipset sobre a Lipset observou ainda que muitos dos autores atrás mencionados, que foram
gias
-
tese do decl ínio das ideolo
precursores ou contemporâ neos da proposição da tese do «declínio ideológico»
e do «fim das ideologias», aceitando-a num dado momento, tornar-se-iam
depois seus cr íticos e ferozes detractores dos que a conceberam mais
exaustivamente e lhe deram continuidade. É de notar que a crítica formulada
pela « nova esquerda » à tese do declínio das ideologias, advertindo que nas
décadas imediatamente subsequentes à Segunda Guerra Mundial tiveram lugar

importantes propostas e debates ideológicos refira-se que, durante os anos
60, os vá rios movimentos estudantis e a luta das minorias étnicas deram azo
ao debate sobre o ressurgimento do activismo radical e a retoma da conflitua -
A contra- argumenta çã o de
Lipset à cr
querda »
ítica da «nova es- —
lidade ideológica , n ão teve em conta, na opinião de Lipset, o que ele próprio
e outros autores afirmaram a esse propósito. Como estes sustentaram, o declínio
ou a falência das ideologias totais e sistémicas (Weltanschauungen) n ão
implicava o desaparecimento da controvérsia e do debate ideológico, conquanto
incidisse agora sobre causas mais circunscritas pela realidade objectiva e já
não ancoradas em visões do mundo excessivamente utópicas, abstractas ou
ahistóricas.

Por outras palavras, o facto das ideologias totais dos partidos de esquerda

terem entrado em crise e em declínio por razão das conquistas de cidadania
política, social e cultural das classes trabalhadoras das políticas sociais e

económicas do welfare state não obstruiu a continuação e até o revigora-
mento de algumas lutas sociais por parte dos excluídos (grupos étnicos e
religiosos, por exemplo) e dos inconformados (estudantes) , mesmo que estas
se tenham consubstanciado em tensões e movimentações de política doméstica
imediata e em enunciados ideológicos de alcance muito limitado . Todavia, o
que Lipset e autores como Mills e especialmente Galbraith sublinham é a
capacidade do sistema industrial moderno «de absorver o conflito de classes e
reduzir consideravelmente os conflitos sobre os “objectivos da sociedade em
si mesma”» (Lipset 1992: 140).

Pode dizer-se assim que, para autores como Lipset, Aron , Shils ou Bell, a tese
do fim ou declínio das ideologias não significou o termo da ideologia em
absoluto, nem tão-pouco «o fim dos sistemas de conceitos políticos integrados,
de pensamento utópico, de conflito de classes», tendo apenas diminuído, nas
sociedades capitalistas ocidentais, os conflitos ideológicos de «longo alcance»
e declinado as «ligações apaixonadas de um feixe de doutrinas revolucionárias
integradas às lutas anti-sistema dos movimentos das classes trabalhadoras ( . ..)»

232
(Lipset 1992: 145). Mas mais: estes autores não deixam de reconhecer também
que esta tese n ão é in ócua ideologicamente, detendo mesmo uma forte carga
ideológica, ou seja, «a dedicação à política do pragmatismo, às regras do jogo
da negociação colectiva, à mudança gradual ( . . . ), à oposição simultâ nea, quer
ao todo poderoso Estado central, quer ao laissezfaire , constituem claramente
partes componentes de uma ideologia » (Lipset 1992: 144).

Importa referir que as teses do declínio ou do fim das ideologias suscitaram as


Cr íticas feitas à tese cio
mais diversas cr íticas, algumas delas de feição marxista , considerando-se decl ínio e fim das ideologi -
aquelas posições , pretensamente neutras ou sem especial significado ideoló- as
gico, como uma nova «ideologia burguesa » emersa no início da Guerra-Fria
para se opor à afirmação do «socialismo real ». Uma dessas críticas consistiu
em considerar a tese do fim das ideologias como factualmente falsa e de validade
cient ífica nula, pois mesmo nos Estados Unidos da América as décadas de 60
e 70 foram ideologicamente animadas com a questão racial, estudantil, a luta
pelos diretos cívicos e o surgimento dos «novos pobres». Donde, se os conflitos
ideológicos não desapareceram nem declinaram, tendo-se apenas verificado
uma deslocação das á reas de conflito

— despontando até novos contrastes
ideológicos , a tese do fim das ideologias deveria ser encarada como uma
interpretação falseada da realidade.

Outra das críticas endereç adas à tese do fim das ideologias aponta que esta,
em si mesma, consiste numa ideologia favorá vel ao status quo, na medida em
que reprova impl ícita ou explicitamente a mudança e a transformação social e
política radicais, constituindo-se como uma forç a ideológica legitimadora da
manutenção da ordem social e económica vigente. Nesta perspectiva, a nova
ideologia tecnocrática correspondia às necessidades vitais do sistema capitalista,
pretendendo-se neutra e imparcial, mas n ão o sendo.

Depois de enunciadas as posições favoráveis e desfavoráveis às teses da


despolitização e desradicalização ideológica que dinamizaram o debate
acadé mico e político ocidental nas décadas imediatamente subsequentes à
Segunda Guerra Mundial, veremos agora como este período foi marcado por
uma verdadeira « transição paradigmá tica », resultante da crise dos actores
pol íticos tradicionais e da redefinição dos conte údos e das prioridades

ideológicas e axiológicas factores responsá veis pelo desenvolvimento de
diferentes estilos de intervenção e de organização da acção colectiva
protagonizados por novos actores sociopolíticos , de entre os quais cumpre O novo paradigma pol ítico-
ideol ógico e os novos mo -
destacar os novos movimentos sociais. vimentos sociais

De facto, o clima de aparente despolitização que temos vindo a dar conta não
se prolongou por muito tempo. No final dos anos 60 e o início dos anos 70, o
consenso conseguido no imediato pós-guerra foi posto em causa, assistindo-
-se à «repolitização» da esfera privada, à fusão do campo político e não político
da vida social e à discussão sobre a utilidade analítica da dicotomia convencional

233

. • >'
....
A tese da «repolitizaçã o» da entre o Estado e a sociedade civil Para Claus Offe, esta «repolitização» da
sociedade civil
sociedade civil era confirmada por três fenómenos: a ) o reforço das ideologias
e das atitudes participativas; b ) a prá tica crescente de formas não institucionais
e não convencionais de participação política , de que a emergência e profus ão
dos novos movimentos sociais, a partir de meados dos anos 60 na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos da América , é um exemplo paradigmático
( new participation demands ) , e c ) as exigê ncias e os conflitos políticos
'

relacionados quer com a mudança das orientações valorativas quer com a


formulação de novos problemas ou questões políticas ( new issues demands)
(Offe 1992: 163- 164).

Ora, segundo Claus Offe, estes fen ó menos colocaram em causa a capacidade
de resposta (responsiveness) dos canais de comunicação pol ítica institucionais,
tornando cada vez mais discut ível o facto das eleições e da democracia repre-
sentativa constitu írem os meios mais eficazes para a participação cívica e
comunicação pol ítica. É importante atentar que a tese da repolitização
reconduziu o debate académico e político no sentido da própria avaliação da
capacidade de intervenção dos cidadãos e da natureza e legitimidade dos
instrumentos que têm ao seu dispor para efectivar as suas demandas e a sua
acção política. Com efeito, as crescentes exigências e solicitações dirigidas
pelos cidadãos aos órgãos e elites políticas institucionais puseram em causa,
segundo algumas análises, não só a aceitação do poder político vigente, mas
também o bom funcionamento da acção govemativa, ameaçada na sua eficácia
peio constante fluxo comunicacional e pelas múltiplas pressões exercidas
(«sobrecarga sistémica»).

Perante esta reconfiguração da cidadania política — mais interventiva, partici-


O projecto neoconservador
e os novos movimentos
sociais

pativa e exigente surgiram dois tipos de respostas: oprojecto neoconservador
e a emergência dos novos movimentos sociais, que ganharam forma com as
lutas estudantis dos anos 60 do século passado e se prolongaram até ao actual
movimento anti-globalização. Como observa Claus Offe, estas duas alternativas,
apesar de seguirem direcções políticas contrá rias, tiveram na sua base o mesmo
pressuposto: o reconhecimento da incapacidade dos actores pol íticos
institucionais (partidos, parlamento, governo) em responder ao alargamento
do político às esferas cultural, social e económica, bem como em obter
resultados satisfat órios na resolução dos conflitos típicos da ordem social
emergente do pós-guerra. Nas suas pró prias palavras: « ambas partem do
reconhecimento de que não é possível resolver, numa perspectiva prometedora
e coerente, os conflitos e as contradições da sociedade industrial avançada por
meio do estatismo, da regulação política, e incluindo mais e mais exigências e
questões na agenda das autoridades burocrá ticas » (Offe 1992: 166).

Em face do acima exposto, e no que aos limites da política institucional diz


respeito, podemos distinguir duas perspectivas teóricas fundamentais:

234
0 As teorias neoconservadoras da crise, segundo as quais a « repoliti- As teorias neoconserva -
zação» dos anos setenta conduziu a uma «crise de governabilidade» doras da crise

dos sistemas políticos ocidentais, dado que estes não conseguiram dar
resposta à espiral de exigê ncias provenientes da sociedade civil . De
notar que tais teorias apontam para uma redefiniçã o restritiva daquilo
que pode e deve ser considerado como pol ítico , defendendo a
autonomia e o reforço da sociedade civil, ou seja, a « reprivatização da
pol ítica». Com efeito, de acordo com este entendimento, só deixando
de fora da esfera política um conjunto de questões e problemas
confinados à vida social, cultural e económica seria possível libertar as
estruturas institucionais n ão políticas da dependê ncia da regulação
p ú blica e descongestionar o Estado , retirando-lhe tarefas que
habitualmente seriam da compet ê ncia ou do campo de actuação da
chamada sociedade civil. Deste modo, garantia-se simultaneamente a
eficácia da governação e reforçava-se a sua autoridade, dissolvida que
; estava pela extensão das suas atribuições e competências.

I 0 As críticas às teorias neoconservadoras da crise, as quais, ganhando As cr í ticas à s teorias neo


conservadoras da crise
-
voz por meio dos novos movimentos sociais , tiveram por objectivo
« repolitizar a sociedade civil » , mas agora sem o condicionamento
operado pelas estruturas políticas institucionais, entre elas os partidos
pol íticos tradicionais . Por esta via , seria possível às forças sociais ,
:
culturais e cívicas da sociedade emanciparem-se face ao controlo
I regulador do Estado e à sua supervisão pol ítica. A comprová-lo estava
i o aparecimento de outros actores sociopolíticos e o desenvolvimento
i
i
de novas formas de acção política, que, na sua forma inicial, assumiram
uma direcção política anti-liberal e anti-capitalista , mesmo não ofere-
cendo uma solução global alternativa. Estes movimentos reacenderam
o debate ideológico e dinamizaram uma nova pr ática de cidadania,
complementando nuns casos o papel dos partidos políticos e noutros
substituindo-se a eles .

As mudanç as observadas nos movimentos sociais a partir dos anos 60


consolidar-se- iam nas décadas posteriores, proporcionando um frutuoso
período de investigações e estudos empíricos. Na verdade, as mobilizações
colectivas organizadas, que surgiram nos EUA e na Europa Ocidental entre
* meados da década de 60 e princípios da década de 80, fizeram com que os
•V .
chamados «novos movimentos sociais» se tornassem um objecto de estudo
cada vez mais importante no seio da Sociologia e da Ci ê ncia Pol ítica
contemporâ neas . A este propósito, impõe-se sublinhar que a vaga de movi- Os movimentos sociais tra -
!i:

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y~ . £
‘ mentos que eclodiu nos anos de 60 e 70 do século passado —
de que são
exemplo, entre outros, a luta pelos direitos cívicos, as lutas estudantis , o
dicionais

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feminismo, o ecologismo, o pacifismo foi considerada como o início de um
m
m novo «ciclo de protesto» ou «ciclo de mobilização».
m
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- S.
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í- y
A noção de eido de protes - De acordo com Klandermans, o «ciclo de protesto» corresponde ao período
to
temporal em que se assiste a um aumento das acções colectivas por parte dos
vários movimentos sociais e das organizações a eles associadas até atingirem
um n ível máximo de intensidade e expressão, após o qual se observa um
decréscimo no n ú mero e na intensidade dessas mesmas acções colectivas
(Klanderrmans 1990). Assim, podemos observar diversos «ciclos de protesto»
em diferentes momentos históricos, os quais são originados pela existência de
determinadas condições estruturais e factores políticos, económicos, sociais,
religiosos e culturais que desencadeiam sentimentos negativos junto dos
cidad ãos e provocam reacções de protesto por parte de diversas organizações.
Existe , pois, uma espécie de «ambiente cultural geral » favorável à sucessão e
continuidade dos protestos e que dá cobertura às atitudes críticas e contestatárias,
estimulando o questionamento das instituições e valores dominantes, seja pela
sua natureza conservadora e autorit ária, seja pela sua excessiva radicalidade,
seja ainda pelas consequê ncias de mudanças bruscamente introduzidas.

E também de referir que os «ciclos de protesto» se reportam a movimentos


com dinâ micas, estrutura organizativa, ideologias e objectivos diferentes,
podendo essas diferenç as ser traduzidas na distinção entre «velhos» e « novos»
movimentos sociais. Uma distinção que, sublinhe-se desde já, deve ser
Os velhos e os novos movi - considerada com alguma cautela teórica, pois não apenas os chamados velhos
mentos sociais
movimentos ganham hoje novas e reactualizadas roupagens, mantendo no
essencial os seus princípios e metas, como os denominados novos movimentos
se inspiram, partem ou reagem aos velhos, sendo dif ícil descortinar os
;
elementos de continuidade e os elementos de ruptura e de novidade. De
qualquer modo, é poss ível assinalar ao longo da história formas de
comportamento colectivo que correspondem a certos momentos da vida das
comunidades e dos povos e respondem a preocupações distintas, sejam elas a
regeneração moral de um povo , a propagação de uma crença religiosa, a
consolidação de uma nacionalidade, a promoção de um modelo de sociedade
e de vida alternativos ou a libertação política e a independência nacional .

Assim, e tomando como referê ncia a Europa Ocidental, verificaram-se no


século XIX amplas mobilizações colectivas quando categorias sociais
heterogé neas, movidas por uma ideologia nacionalista, conjugaram esforços
Os movimentos nacionalis- na defesa do Estado-nação, especialmente em situações iminentes de perda da
tas
soberania ou no decurso de ocupações e invasões militares, crises económicas
e revolu ções políticas, com destaque para o efeito contagiante dos ideais das
revoluções americana e francesa. Contudo, e já no século XX, apesar de

estruturados em moldes muito diferentes e estimulados por partidos políticos

de feição autonômica, regionalista, nacionalista e anti-colonial , os velhos
movimentos sociais reivindicadores da especificidade e identidade nacional
seriam revisitados e refundidos por grupos e elites políticas e culturais que
promoveram a identidade lingu ística, étnica, cultural e religiosa como factor

236
aglutinador e desencadeante de outros movimentos sociopoi íticos (Bessa
2002: i 17).

Por seu turno, a modernidade industrial e as consequências sociais e pol íticas


do capitalismo ocidental deram origem a um amplo movimento operá rio que,
durante o final do século XIX e o início do século XX, foi acompanhado nos Os movimentos operá rios
países industrializados de in ú meras ideologias políticas anti-capitalistas , tais
como o anarco-sindicalismo, o comunismo, o socialismo e a social-democracia. O
movimento operá rio afirmava, entre outros, os valores do trabalho contra o
capital, defendia o intemacionalismo operário, os direitos sociais, o igualitarismo
social, o poder popular, etc. Neste movimento amplo, e com ramificações
ideológicas e pol íticas complexas, destacou -se o movimento comunista
internacional e o papel que nele tiveram as ideias defendidas por Marx e Engels
no Manifesto do Partido Comunista. Como escreve Marques Bessa: «No
Congresso de Londres de 1847, Marx e Engels ficaram com o encargo de
redigir o programa teórico e prático para um partido ( ... ). O aparelho teórico
estava ali e o movimento comunista podia avançar. Assim, o movimento aparece
como uma tentativa de reunir os diversos grupos comunistas instalados em
diversos Estados, bem como as organizações do operariado, numa plataforma
comum de modo a agir no sentido da Histó ria, tal como Marx tinha decifrado
que ele iria evoluir » (Bessa 2002: 130).

Na primeira metade do século XX, e ainda na Europa Ocidental, assistiu-se à


formação de movimentos sociopoiíticos de inspiração fascista e nacional-
-socialista, que reagiram contra a ordem internacional vigente, o espírito
democrático e a economia de livre iniciativa, e que granjearam forte apoio Os movimentos de inspira -
çã o fascista e nacional -so -
popular, ganhando tradução institucional em partidos políticos, formas de cialista
governo e tipos de Estado. A capacidade de liderança de Mussolini e de Hitler
e a força exortativa, apologética e demagógica dos seus escritos constituíram
o modelo teórico e a referência simbólica dos movimentos fascistas e nacional-
socialistas que apresentavam um conjunto de princípios comuns, entre eles: o
racismo, o nacionalismo, o imperialismo, a rejeição das leis internacionais, a
defesa do sistema económico corporativo, o anti-racionalismo, a negação da
igualdade humana, o código de conduta violento, o governo das elites, o totali -
tarismo de Estado, o idealismo mitológico, o culto da personalidade, a propa-
ganda exacerbada, etc. Ora, se estes movimentos se distinguiam ideológica e
politicamente do movimento operá rio tradicional, nem por isso deixaram de
incorporar igualmente valores materialistas (segurança, melhores condições
materiais de vida, domínio f ísico e territorial, conquista de poder militar) e
assumir estilos de intervenção e formas de organização interna semelhantes.

Em contraposição aos movimentos sociais tradicionais, característicos das


sociedades industriais e dos seus desequilíbrios e contradições, surgiram já na
segunda metade do século XX os chamados novos movimentos sociais,

237
O contexto gerai em que resultado da falê ncia do « pacto fordista » e da crise generalizada do welfare
surgem os novos movimen -
tos sociais state. Estes movimentos constituíram-se enquanto formas de intervenção
colectiva em torno de quest ões polémicas e muito espec íficas ( pacifismo e
anti-belicismo, feminismo, ecologismo, luta pelos direitos das minorias étnicas,
etc . ), perdendo de vista, muitas vezes, as ambições de transformação societal
global. Por outro lado, os novos movimentos que emergem no contexto das
sociedades pós-industriais não só deixam de estar centrados na conflitualidade
laborai, como não se esgotam nos interesses de uma determinada classe social.
Pelo contrá rio, as preocupações destes novos actores colectivos (qualidade de
Os temas e preocupaçõ es vida, direitos humanos, cidadania, aprofundamento da democracia directa,
dos novos movimentos so -
ciais
protecção das minorias étnicas e sexuais, etc.) atravessam a pirâ mide social e
implicam estratos sociais antagónicos, mas unidos em defesa de valores e
causas socialmente transversais, senão mesmo «civilizacionais».
Também nos meios e instrumentos de acção utilizados se encontram diferenças
significativas entre velhos e novos movimentos sociais. Os primeiros recorriam,
Os meios e instrumentos de não raramente, a meios violentos ou impetuosos de acção, tais como rebeliões,
acção dos novos movimen - insurreições , levantamentos populares, greves, acção clandestina, etc. Os
tos sociais
segundos, por sua vez , procuram viabilizar soluções de compromisso com o
poder instituído, intervir junto da opinião pú blica e ensaiar novas modalidades
organizativas e novos estilos de actuação, pautados sobretudo pela mobilização
cívica, pela pedagogia e consciencialização, pelas acções n ão convencionais,
pela criação de núcleos, secções e estruturas de apoio e por um sistema de
comunicação eficaz, utilizando para o efeito os média e os novos meios
tecnológicos , como é o caso da Internet.

A distinção entre velhos e novos movimentos sociais que temos vindo a


desenvolver tem um valor analítico determinante no presente texto, já que este
se centrar á apenas no estudo dos últimos. Assim, entre outros aspectos
relevantes para a sua identificação e estudo consideraremos aqui as diferentes
abordagens e teorias existentes no estudo dos movimentos sociais ; a
especificidade e o papel destes novos actores colectivos; as condições e factores
do seu surgimento, desenvolvimento e triunfo; as suas relações com o Estado,
os partidos políticos, os grupos de interesses ou de pressão, os meios de
comunicação social e a opinião pú blica; os desafios que colocam às diferentes
formas de organização política da sociedade, particularmente à democracia
representativa.

238
Percursos de autoverificação

0 Questione a pertinê ncia e actualidade da tese do declínio e fim das


ideologias.

:
3
Relacione o desenvolvimento do welfare state com a diminuição da
i
conflitualidade social e política nos países da Europa Ocidental .
I

° Explicite as posições de Otto Kirchheimer sobre o chamado decl ínio


das ideologias.
:
i
0
Identifique e explicite as implicações ideológicas da tese do fim das
ideologias.

° Enumere algumas das críticas feitas à tese do declínio e fim das


ideologias.
0
Exponha a tese da « repolitização» da sociedade civil.
i.

0
Relacione a crise da partidocracia com a emergência dos novos
movimentos sociais.
'

° Confronte as teorias neoconservadoras da crise com as críticas feitas a


i
i
:

estas teorias.

° Defina «ciclo de protesto».


o Enumere e caracterize os movimentos sociais tradicionais que se
\ desenvolveram na Europa Ocidental nos séculos XIX e XX .
i

Exercícios

3
Através de uma pesquisa na Internet, identifique alguns dos aconteci -
mentos/problemas que afectaram as sociedades ocidentais nas décadas
» de 60 e 70 do século XX, pondo em evidência os limites da política
V
institucional e justificando a emergência dos novos movimentos sociais.

° Elabore um quadro comparativo no qual confronte os aspectos e


argumentos favor á veis e desfavoráveis à tese do decl ínio e fim das
ideologias .
1
° Com base no seu conhecimento e na informação colhida nos órgãos
J

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da comunicação social e em sítios da Internet, elabore uma listagem
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nas últimas décadas.
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239
1 -
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Percursos de autoverificação

• Questione a pertinê ncia e actualidade da tese do declínio e fim das


ideologias.

• Relacione o desenvolvimento do welfare state com a diminuição da


conflitualidade social e política nos países da Europa Ocidental.

• Explicite as posições de Otto Kirchheimer sobre o chamado declínio


das ideologias.

• Identifique e explicite as implicações ideológicas da tese do fim das


ideologias.

• Enumere algumas das críticas feitas à tese do declínio e fim das


ideologias.

• Exponha a tese da « repolitização » da sociedade civil .


• Relacione a crise da partidocracia com a emergência dos novos
movimentos sociais.

• Confronte as teorias neoconservadoras da crise com as críticas feitas a


estas teorias.

• Defina «ciclo de protesto».


• Enumere e caracterize os movimentos sociais tradicionais que se
desenvolveram na Europa Ocidental nos séculos XIX e XX.

Exercícios

• Através de uma pesquisa na Internet, identifique alguns dos aconteci -


mentos/problemas que afectaram as sociedades ocidentais nas décadas
de 60 e 70 do século XX, pondo em evidência os limites da política
institucional e justificando a emergência dos novos movimentos sociais.

• Elabore um quadro comparativo no qual confronte os aspectos e


argumentos favoráveis e desfavoráveis à tese do declínio e fim das
ideologias.

• Com base no seu conhecimento e na informação colhida nos órgãos


da comunicação social e em sítios da Internet , elabore uma listagem
dos principais movimentos sociais que se constituíram em Portugal
nas ú ltimas décadas.

239
Sociais
10. Definição e Tipos de Movimentos
10.1 O que é um movimento social?
Hill

Para melhor se compreender a definição de movimento social , importa antes


de mais relacioná-lo com as noções afins de comportamento colectivo e de
acção colectiva. É assim de sublinhar que o comportamento colectivo abrange
——
A caracteriza çã o do com -
portamento colectivo
uma diversidade de condutas que vão desde as reacções espontâneas das
multidões face a uma agressão policial, à acção planificada e concertada de
uma organização de defesa dos direitos humanos que mobiliza amplos sectores
da população para intervir civicamente. Por outro lado, o comportamento
colectivo pode ser mais convencional , integrado e respeitador da normatividade
vigente, ou mais marginal, desviante ou transgressor das leis e costumes
adoptados e aceites.

Da mesma forma , o comportamento colectivo pode ter uma incidência local,


como é o caso de uma manifestação dos moradores de um bairro, ou um
alcance nacional e até internacional, como sejam os desfiles e as vigílias ou
outras atitudes de solidariedade que juntam apoiantes de v ários países. Outra
distinção fulcral a fazer no â mbito do comportamento colectivo consiste em
precisar as condutas que visam dar resposta imediata a um problema ou situação
concreta, sem que tal exija um enquadramento ideológico ou uma qualquer
doutrina orientadora, e a acção dos movimentos sociais que é frequentemente
conduzida por motivações pol íticas e cívicas, filiadas em causas e metas de
natureza ideológica, doutrinária ou outra.

E importante assinalar que a literatura sociológica e psicossocial distingue os


aspectos básicos dos aspectos secundários do comportamento colectivo. Assim,
as características elementares do comportamento colectivo encontram-se
associadas ao seu carácter emergente e extra-institucional , ou seja, enquanto a Os elementos b á sicos do
comportamento colectivo
acção espontânea, informal, imprevisível, pouco estruturada e pouco siste-
matizada define o comportamento colectivo emergente; já o surgimento de
valores e normas alternativas, opostas ou diferentes das reconhecidas ins-
titucionalmente, decorrentes dos acontecimentos suscitados pela conduta
colectiva, indicam a sua dimensão não institucional. Por seu tumo, os elementos
secundários do comportamento colectivo acham-se associados à natureza Os elementos secund á rios
do comportamento colecti -
temporária, volátil, instável e emotiva das acções desenvolvidas habitualmente vo
por um elevado n ú mero de pessoas. Na verdade, diversas expressões do
comportamento colectivo s ão fortemente determinadas por motivações
emocionais (privação , vingança, avidez de poder, afirmação de força,
necessidade de revolta e protesto) que partem de situações de conflito, ou que
as podem provocar. Daí a condição muitas vezes ef émera do comportamento
colectivo, pois extingue-se com a resolução do problema em causa, ou então
esmorece quando os intervenientes se confrontam com dificuldades
instrumentais ou outras e perdem o ânimo e a vontade de agir.

243
Posto isto , impõe-se agora relacionar o comportamento colectivo e os
movimentos sociais. Com efeito, diversas leituras disciplinares têm procurado
dissociar ambos os fen ó menos: enquanto a psicologia social toma o
comportamento colectivo como parte do seu objecto de estudo, os movimentos
sociais integram o campo de investigação da Sociologia e da Ciência Política.
Porém, e não obstante esta separação disciplinar, tem sido observado que alguns
movimentos sociais, nomeadamente na sua fase embrionária, constituem formas
Os movimentos sociais co - de expressão do comportamento colectivo, se bem que apresentem aspectos
mo forma de express ã o do
comportamento colectivo
que lhes conferem especificidade e os distinguem de outros fenómenos
colectivos. Assim, se atendermos a algumas das características básicas ou
elementares do comportamento colectivo já assinaladas, não será fácil diferenciar
os movimentos sociais (e especialmente os novos movimentos) de outras formas
ou modalidades de comportamento colectivo, pois não só muitos movimentos
sociais emergem , organizam-se e actuam num clima de espontaneidade, como
assumem uma intencionalidade não institucional e até anti-institucional, pondo
em causa certas instituições políticas, sociais, económicas e culturais, ou contra
elas reagindo.

Mas se é verdade que numa fase inicial ou emergente os movimentos sociais


podem confundir-se com determinadas dimensões do comportamento colectivo,
não é menos verdade que a maior parte deles à medida que cresce e se consolida
vai adquirindo características distintivas, sendo de salientar, entre outras, uma
maior planificação e organização internas, a persistência das actividades no
tempo, a racionalização das tarefas e objectivos, a adopção de estratégias de
Diferen ças entre comporta - intervenção a médio e longo prazo (cf . quadro 10.1).
mento colectivo e movimen -
tos sociais

Quadro 10.1 - Diferenças entre o comportamento colectivo e o movi -


mento social

Comportamento colectivo Movimento social

Espontâneo Mais planeado, menos espontâneo


Alheio à ordem institucional Oposto à ordem institucional
Transitório Duradouro
Não organizado Organizado
Conduta pouco intencional e propositiva Conduta intencional e propositiva
Conduta expressiva Conduta instrumental

Fonte: Federico Javaloy et al. (2001: 27 )

244
Neste sentido, a tipologia proposta por Marx e McAdam ( 1994) aponta para
um continuum tendo de um lado o comportamento colectivo e do outro o
movimento social configurado enquanto tal. Segundo estes autores, de uma
fase embrion ária ou «emergente» , na qual se assemelha ao comportamento
colectivo pela espontaneidade, reactividade emocional e mutabilidade de
processos e meios de intervenção, o movimento social evolui para uma fase
«madura» onde se institucionaliza, incorporando um sistema de liderança, um
corpo de membros e activistas, constituindo organizações formais com logística -
As caracter ísticas do movi
mento emergente e do mo -
própria e uma estratégia de actuação bem definida (cf . quadro 10.2). vimento maduro

Quadro 10.2 - Movimento emergente versus movimento maduro

m
Movimento emergente Mo aduro
Mais espontâ neo Mais planeado
Menos institucionalizado Mais institucionalizado
Menos organizado Mais organizado
Grupos informais Grupos formais
Apoia-se em instituições está veis e Apoia-se na pró pria estrutura organi -
grupos já estabelecidos zativa do movimento
Actividades t ípicas: acção directa e Actividades t ípicas : debates e reuniões
proselitismo
Membros informais; direcção exercida Membros formais; liderança
pelo grupo
Duração breve Duração mais prolongada
N ú mero limitado de membros Maior n ú mero de membros

Fonte: elaborado a partir de Marx -McAdam ( 1994) e Francesco Alberoni (1981)

Refira-se que um movimento maduro perde muitas vezes de vista a sua vocação
anti-institucional, integrando e reabilitando os estilos de actuação e as soluções
organizativas em relação aos quais de início se insurgiu. De qualquer modo,
há que reconhecer que se um movimento pretende subsistir no tempo e reforçar
a sua eficácia não pode esgotar-se na espontaneidade própria do comportamento
colectivo, tornando-se premente a necessidade da organização, tal como o
investimento na captação e gestão de recursos, o desenvolvimento de actividades

245
regulares e a criação de uma estrutura de comando ou de liderança. Deve
dizer-se que estas características, que associámos aos movimentos sociais, têm
levado sociólogos e cientistas políticos a optarem pela noção de « acção
colectiva », de modo a qualificar o tipo de intervenção pró pria dos actores
Os movimentos sociais co- políticos colectivos, entendida como acção social e política organizada7.
mo forma de acção colecti -
va
Significa isto que os movimentos sociais devem ser considerados como um
dos actores políticos fundamentais, juntamente com os partidos políticos e os
grupos de interesses ou de pressão.

Como é evidente, a actividade política n ão se circunscreve aos actores


individuais, visto que, de modo diferente e em proporções diversas, os membros
de uma formação partid ária ou de um movimento fazem parte de uma entidade
sociopolítica organizada que intervé m na esfera política e social. Donde, a
O que é a acção pol ítica co- acção política torna-se colectiva quando mobiliza indivíduos que se sentem
lectiva ?
afectados por uma tens ão ou conflito que os envolve na sua condição
comunitária geral (como cidadãos) ou na sua condição específica e grupai
(como trabalhadores , empresários, negros, homossexuais, excluídos ou
privilegiados), e que se juntam e colaboram num colectivo ( partido político,
movimento social, grupo de pressão) , de forma mais informal ou mais formal ,
mais ou menos organizada, para zelar e defender os interesses do grupo em
que se incluem ou da sociedade que querem preservar ou melhorar. Assim
sendo, enquanto actores colectivos, os movimentos sociais partilham com os
Caracter ísticas dos actores outros actores políticos um conjunto de características comuns, tais como: a
pol íticos colectivos
associação voluntária dos seus membros, a relativa estabilidade e regularidade
das suas actividades, uma certa comunidade de interesses e objectivos entre
os seus membros e uma linha de acção coordenada e organizada, em maior ou
menor medida ( Vallès 2000: 329).

Mas se os movimentos sociais partilham alguns elementos comuns com os


partidos políticos e com os grupos de interesses ou de pressão, também se
Diferen ç as entre partidos ; distinguem deles por diversos aspectos. Vallès propõe, assim, três critérios à
grupos de interesses e no -
vos movimentos sociais luz dos quais se diferenciam estes actores colectivos, a saber:

• Grau de estruturação. Enquanto a estrutura organizativa é forte,


permanente e estável nos partidos e em muitos grupos de pressão e de
interesses, no caso dos movimentos ela é oscilante e variável.

• Discurso que desenvolvem. Os partidos promovem um discurso


dirigido à sociedade global, visto que procuram conquistar e exercer o
poder de maneira a governá-la ou influir na sua governação como um
todo. Por outro lado, os grupos de pressão «sectorializam» a sua
actividade de acordo com os objectivos e interesses concretos de cada
grupo. Já os movimentos fazem uso de um discurso de natureza
«transversal», onde a eleição de um tema como a discriminação acaba

246
mKmÊÊmmmm, waaamsm

por implicar os in ú meros campos onde ela acontece: na família, no


emprego, na política, no desporto, etc.

• Cen ário ou «espaço» preferencial de actuação. Os partidos políticos


intervêm sobretudo no cenário institucional ( parlamento, governo,
administração pública, órgãos do poder local), enquanto os grupos de
pressão privilegiam os órgãos do poder, os partidos políticos e a opinião
pú blica. Já os movimentos sociais preferem a sociedade e o grupo
domínio extra-institucional das interacções sociais como espaços mais
favorá veis à sua acção.

Sendo protagonistas da acção colectiva, os movimentos sociais constituem


um objecto de estudo autónomo, conquanto relacionado com os restantes
fenómenos políticos e sociais. Deste modo, a investigação sobre os movimentos
sociais deve desvincular-se da psicologia social , que incide no comportamento
colectivo, e ser integrada no contexto das abordagens da Sociologia e da
Ciência Política. Foi esta a opção tomada já perto do final do século XX , Os movimentos sociais
como objecto de estudo da
como dá conta Donatella Della Porta: «No final dos anos 80 falar-se-ia mesmo sociologia e ciê ncia pol ítica
de uma explosão... de escritos teóricos e empíricos sobre os movimentos sociais
e a acção colectiva, salientando a importância da investigação sobre o tema
em disciplinas como a Sociologia, a Ciência Política, a História e a Economia
(Porta 2003: 125).

Chegados aqui, é determinante colocar a questão do conceito: em que consiste


e como definir um movimento social? Atendendo ao facto da literatura existente
sobre o tema sugerir concepções nem sempre coincidentes, procuraremos
apresentar uma definição tão detalhada e precisa quanto possível, articulando
o fundamental do contributo dos autores mais significativos.

Assim, e segundo Donatella Della Porta, o conceito de movimento social refere-


-se a:
Elementos do conceito de
• « Redes de interacção informais ». Ao contrário dos partidos políticos movimento social
e, em menor medida, dos grupos de interesses ou de pressão, os
movimentos sociais não são organizações formais, estruturando-se a
partir de uma rede de relações entre vários actores, com vista a um
esforço de envolvimento colectivo, mas sem que a participação de
cada actor implique necessariamente uma adesão formal. Diga-se,
também, que o desenvolvimento interno e o crescimento do movimento
levam, n ão raramente, a que ele adopte soluções organizativas menos
informais e mais institucionais.

• Um «sistema de crenças e convicções». O esforço colectivo que anima


a rede relacional do movimento baseia-se num sistema de crenças e
convicções, capaz de justificar as solidariedades necessárias à razão
de ser do movimento e permitir a criação de um processo de

247
— WMMMMMMMMMMMM1SÍ1IÍI11

identificação colectiva que confira unidade e sentido à actuação dos


respectivos apoiantes. Para tal , o movimento social recorre a valores
alternativos ou projectos de mudança e transformação social, de forma
a poder mobilizar, em tomo de objectivos sociais ou de princípios
ideológicos , as vontades dos membros do movimento.

• «Novas tensões e conflitos ». Estas crenças e convicções geram-se em


função de novas tensões e conflitos suscitados pelos processos de
modernização social em diversos momentos históricos, bem como
pelas contradições e ambivalências valorativas e éticas que se
evidenciam nas sociedades contemporâneas.

• «Formas de protesto não convencionais». Os movimentos sociais, em


especial os novos movimentos, de que nos ocuparemos neste manual,
utilizam frequentemente diversas formas de protesto não convencionais
como resposta aos problemas que identificam. Abre-se aqui espaço ao
estudo da participação política não convencional e não institucional, a
que os novos movimentos sociais recorrem de modo a ganhar
visibilidade mediática, mobilizar as novas gerações e exercer influência
eficaz junto da opinião pública e líderes de opinião e, consequente-
mente , sobre os órgãos do poder político, partidos políticos e grupos
de interesse ou de pressão (Delia Porta 2003: 126).

Com base nestes atributos ou propriedades, podemos resumir o essencial da


definição de movimento social proposta por Donatella Della Porta, tal como
se indica no quadro 10.3.

\
Quadro 10.3 - Definição de movimento social

Elementos da defini ção

Redes de grupos e de indivíduos, que formam uma


identidade colectiva, que possuem uma certa
organização, que desenvolvem uma acção extra -
Os movimentos sociais -institucional , que surgem do conflito com os seus
sao oponentes.
E que para além da dimensão social podem ser movidos
por preocupações fundamentalmente pol íticas, econó-
micas , culturais e religiosas.

iqnte: Stock, Pequito e Revez (2005 )

248
mm. JM mg| §§g §§§§§§§

Às características dos movimentos sociais enunciadas no quadro 10.3 podemos


acrescentar a «continuidade» da actuação do movimento (Turner e Killian
1987 ), ou seja, a condição de este não se limitar nem se esgotar numa situação
pontual e ocasional, bem como o facto de ter como referência a mudança
social, desejando-a ou a ela se opondo. Também aqui se releva a dimensão
conflitual ( ruptura, transformação e oposição) dos movimentos sociais
aspecto que é teorizado em diversas direcções por Neil Smelser, Francesco


Alberoni, Alain Touraine e Charles Tilly , no sentido de que estes emergem
como resposta a uma realidade problemática de conflito ( « oponente do
movimento» ) , seja ela social (como o fenómeno da exclusão) , política (como
a limitação das liberdades políticas) , económica (como o agravamento das
desigualdades económicas), cultural (como a discriminação étnico-linguística)
ou religiosa (como a perseguição de confissões religiosas minoritárias). Visto
assim, o movimento transporta uma importante carga ou potencial transformador,
desafiando a autoridade instalada ou o próprio modelo de sociedade. Contudo,
o rumo que toma a mudança almejada por um movimento não vai necessaria-
mente ao encontro do « progresso», existindo movimentos que defendem o
regresso a valores tradicionais e às origens culturais e identitárias (por exemplo:
movimentos nacionalistas, integristas e fundamentalistas).

Conjugando os elementos já expostos com os que se encontram nos trabalhos


de Diani (1992) e Tarrow (1997) , é possível estabelecer uma definição menos
abstracta e mais completa de movimento social, e que é sugerida por Ibarra e
Letamendía. Para estes autores, o movimento social ser á uma « rede de
interacções informais entre indivíduos, grupos e/ou organizações que, em
interacção habitualmente conflitual com autoridades políticas, elites e oponentes
— e compartilhando uma identidade colectiva diferenciada na origem mas
com tendência a confundir-se com identidades convencionais do « mundo

exterior » , procuram introduzir mudanças (só em potência anti-sistémicas)
no exercício ou distribuição do poder em favor de interesses cujos titulares são
colectivos ou categorias sociais indeterminados e indetermin áveis» (in Badia
2001: 400).

Sublinhe-se que de entre a pluralidade dos novos movimentos sociais, optámos


por tratar daqueles que assumem uma dimensão política em prejuízo dos que
ganham um teor preponderantemente económico, cultural ou religioso. Por
esta razão, aqueles movimentos podem também ser designados de movimentos
sociopolíticos, mas porque a literatura especializada os denomina de novos
movimentos sociais, adoptaremos esta designação, sobretudo porque ela permite
demarcar melhor no tempo os movimentos «clássicos» dos novos movimentos
nascidos nos finais da década de 60 do século passado.

249
t> m

10.2 Tipos de movimentos sociais

São diversos os tipos de movimentos sociais, assim como os critérios que


presidem à sua classificação tipológica. Um dos critérios propostos por vários
autores (Smelser 1962; Aberle 1966; Blumer 1969; McAdam e Snow 1997)
diz respeito ao posicionamento dos movimentos face à mudanç a social, tida
como um dos seus objectivos centrais e comuns. Com base na tipologia de
Aberle (1966), reproduzida esquematicamente na figura 10.1, os movimentos
sociais podem classificar-se de acordo com o tipo de mudanç a que intentam
operar (se no indivíduo ou se na sociedade) e com o grau da mudança desejada
(ou parcial , n ão afectando a sociedade no seu todo, ou total , implicando uma
A tipologia dos movimen - transformação sistémica). Deve advertir-se que esta classificação padece de
tos sociais de Aberle
uma certa unilateralidade ideológica, visto que não considera os movimentos
que dificilmente se poder ão classificar como reformadores e revolucionários,
mas mais como conservadores , reaccion ários, retrógrados ou revivalistas , e
aqui situamos os já referidos movimentos fundamentalistas, os movimentos
xenófobos e racistas de extrema-direita, e também movimentos de fundo
moralista, que lutam pela recuperação ou restauração de tradições, costumes e
leis já ultrapassadas pela história ou caídas em desuso.

fill! II
Élilií
Grau da mudança

Parcial Total

Movimentos Movimentos de
m Individual
63
alternativos redenção
&
TJ
3
s
4)
SEI
O
cu Movimentos Movimentos
H Social
reformistas : '

; ::
ii

Figura 10.1 - Tipologia dos movimentos sociais, segundo Aberle ( 1996)

250
MB WW -

Ainda em relação à proposta tipológica de Aberle, que conheceu aperfei-


çoamentos ulteriores, deve dizer-se que os movimentos que investem mais na
transformação do indivíduo não podem excluir as consequências sociais dessa
mudança, do mesmo modo que os movimentos que procuram essencialmente
alterar as estruturas sociais reconhecem que o resultado da transformação social
tem também implicações a nível individual.

Atendendo aos quatro tipos de movimentos sociais definidos por Aberle,


podemos atribuir a cada um deles um objectivo principal, como se pode ver
no quadro 10.4.

Quadro 10.4 - Objectivos dos movimentos sociais: alguns exemplos

Exemplos
Objectivos
de movimentos

Revolucion ários Mudan ça radical da ordem social Bolchevique


substituição por outra diferente

Redentores Conversão do indivíduo e a sua Hare Krishna


total integração no grupo

Alternativos Correcção de d éfices pessoais e de Grupos de encontro


h ábitos nocivos. Novos estilos de
vida

Reformistas Reformas espec íficas na ordem Direitos civis, Feminista


social vigente

Fonte: Federico Javaloy et al. (2001: 44 )

Vejamos agora mais em pormenor a caracterização de cada um dos quatro


tipos de movimentos, de acordo com a classificação de Aberle. Assim, Caracteriza çã o dos movi -
mentos sociais segundo
temos que: Aberle

• Os « movimentos revolucionários » visam a substituição da ordem


social, política, económica ou religiosa por outra, tida como mais justa,
fraterna e solidária ou mais verdadeira e humana aos olhos dos activistas
revolucionários. Foram disso exemplos os movimentos sociais, políticos

251
e militares que antecederam e propiciaram a Revolução Americana de
1787, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Bolchevique de
1917, ou ainda a Revolução de Abril de 1974, em Portugal .

• Os « movimentos redentores » têm acompanhado a história desde os


tempos mais remotos, ganhando alguns deles o estatuto de «heresias»
e constituindo-se como seitas . Procedendo inclusive das grandes
religiões, as seitas e os grupos religiosos ocupam-se com a redenção e
a salvação do indivíduo, formando, nalguns casos, movimentos com
organizações poderosas e um vasto corpo de membros e activistas,
tendo por fim libertar os indivíduos do que entendem ser a degradação
moral ou a falsidade das religiões existentes e propondo uma adesão
total e incondicional ao movimento. Algumas experiê ncias levadas a
cabo por movimentos e seitas «redentoras», milenaristas e apocalípticas
desembocaram, na hist ó ria recente, em homic ídios e suicídios
colectivos. Lembremos o Ramo Davidiano, a Ordem do Templo Solar,
o Templo do Povo, a Heaven’s Gate (Portão do Céu) e a Aum Shinrikyo
(Religião da Verdade).

• Os «movimentos alternativos» apresentam uma menor ambição social


e política, visto surgirem com o objectivo de oferecer estilos de vida
alternativos , sem que isso implique necessariamente mudanç as
profundas ou sequer reformas na sociedade. O alcance da sua
intervenção é muitas vezes filosófico, existencial e psicológico, agindo
sobre os h ábitos e comportamentos dos indivíduos de modo a que
estes corrijam a sua conduta, no sentido de uma vida supostamente
mais íntegra, saudável e preenchida. É o caso do movimento « hippy »,
dos «naturistas» e do movimento «zen » (este inclui meditação, filosofia,
ioga e esoterismo) , que testemunham e sugerem uma transformação
interior dos indivíduos e uma relação mais edificante com os outros e
com o ambiente, podendo também propor, mesmo que n ão directa-
mente, transformações e reformas sociais e pol íticas.

• Os « movimentos reformadores» ou «reformistas» não estabelecem


como meta principal ameaçar o sistema social e político vigente,
procurando antes introduzir alterações e mudanças significativas em
certos aspectos da vida social, política, cultural , económica, etc. Mais
do que revolucionar a sociedade, pretendem antes reformá-la nalgumas
componentes para que se torne mais justa e menos discriminatória,
conflitual e excludente. No â mbito deste tipo de movimentos
encontramos muitos dos denominados novos movimentos sociais: o
feminismo, o pacifismo, o ecologismo, o movimento pelos direitos
humanos e civis, etc.

252
No quadro 10.5 assinalamos alguns exemplos dos vários tipos de movimentos
sociais, desde 1960 até à actualidade, juntamente com o problema social que
suscitou a formação de cada um deles.

Quadro 10.5 - Problemas sociais e movimentos sociais (1960- 2000)

Ii
Décadas Problemas sociais Movimentos sociais

1960 Discriminação da população negra Movimento de direitos civis


nos EUA
Apartheid sul-africano Movimento anti-apartheid
Discriminação da mulher Movimento feminista
Discriminação de homossexuais Movimento de gays e lésbicas
Autoritarismo na universidade Movimento estudantil
Persistê ncia do colonialismo Movimentos independentistas

1970 Crise ecológica global Movimento ecologista


Penalização do aborto Movimento pró-legalização do aborto
Violações dos direitos humanos Movimento de direitos humanos
Centralismo do Estado moderno Movimentos nacionalistas
Maus- tratos a animais Movimentos de defesa dos animais

1980 Desarmamento nuclear Movimento pacifista


Legalização do aborto Movimento pró-Vida
Ocidentalização dos países árabes Movimentos fundamentalistas isl â-
micos
Pobreza, fome e subdesenvolvi- Movimentos de solidariedade
mento
Discriminação de imigrantes na Movimentos anti-racistas
Europa
Epidemia da SIDA Movimentos contra a SIDA

1990 Globalização econ ómica Movimentos anti-globalização


Eutan ásia e suic ídio assistido Movimentos pelo direito a morrer
Manipulação gen é tica (clonagem ) Acções colectivas contra a mani-
pulação genética

Fonte: Federico Javaloy et al. ( 2001: 18)

253
I n

Estes movimentos representaram e ainda representam formas de exprimir um


protesto ou resistência a certos problemas e temas que, não sendo exclusivos
da época e da década em que cada um surge, se tomaram particularmente
problemáticos e sentidos numa determinada altura, a ponto de justificarem a
criação de um movimento social. A maior parte dos movimentos incluídos no
quadro 10.5 podem qualificar-se de reformadores ou reformistas, pois não
estabelecem como objectivo principal da sua actuação uma transformação
radical ou revolucionária da sociedade global, incidindo sobretudo sobre
problemas e conflitos de diferenciada natureza e amplitude, cuja solução é
possível sem desmantelar e substituir a ordem social vigente. Contudo, alguns
destes novos movimentos , como é o caso do movimento anti-globalização,
acolhem no seu seio diferentes tendências e facções, algumas delas mais radicais
nos seus propósitos transformadores, a ponto de questionarem e admitirem
superação do sistema capitalista global.
A tipologia dos movimen - Outra tipologia, algo controversa e datada, foi a avançada por Alberto Melucci
tos sociais de Melucci
(1977) . Para este autor, os movimentos sociais podem distinguir-se de acordo
com os objectivos dos seus apoiantes, membros e líderes. Assim, temos:

• Movimentos reivindicativos, cuja finalidade principal consiste em levar


o protesto no sentido da alteração e criação de novas leis mais favoráveis
aos interesses dos que alinham num determinado movimento e, também,
modificar o funcionamento das instituições e a lógica de distribuição
de bens e serviços.

• Movimentos políticos, em que o objectivo dos seus activistas e


dirigentes é influir no processo de tomada de decisão e intervir nos
mecanismos de acesso e exercício do poder pol ítico.

• Movimentos de classe, onde a meta definida pelos participantes e líderes


do movimento é mais ambiciosa e radical, visto que se pretende
transformar o sistema produtivo, reconfigurar as relações de classe e
alterar ou substituir a ordem social e política. Este tipo de movimento,
que se assemelhar á ao movimento revolucion á rio segundo a
classificação de Aberle, não só se tomou menos significativo nos nossos
dias, como foi perdendo a sua filiação de classe, pois uma das notas
dominantes dos novos movimentos é o seu interclassismo.

Outra classificação possível, e à qual frequentemente fazemos apelo, consiste


em distinguir os velhos movimentos sociais dos novos movimentos sociais,
que merecerão aqui maior destaque pelas razões já explicitadas. Grande parte
dos autores converge em identificar quatro novos movimentos fundamentais,
surgidos nas décadas de 60 e 70 do século passado por motivos e devido a
factores que mais à frente referiremos. Estes movimentos deram origem a
in ú meros estudos científicos, na medida em que influenciaram o curso da vida

254
social e política em várias sociedades ocidentais e conduziram a novas
modalidades de cultura e participação políticas. Referimo-nos, pois, aos
movimentos: estudantil, feminista, ecologista e pacifista. Algumas notas sobre
cada um deles, justificadas pela importância de que se revestem: Os novos movimentos so -
ciais: estudantil , feminista ,
ecologista e pacifista
• O movimento estudantil surgiu na sequência da luta pelos direitos civis
dos negros norte-americanos e afirmou-se contra o autoritarismo, a
intolerância e a discriminação. Teve o seu esplendor nos anos 60 do
século XX , sendo protagonizado por uma geração de universitários
norte-americanos que semearia um estilo de intervenção política
irreverente , com rápida repercussão na Europa Ocidental e que veria a
influenciar futuros movimentos sociais. O Maio de 68 em França foi a
vers ã o europeia mais significativa do movimento estudantil ,
incorporando uma heterodoxia esquerdista anti-sistema, que també m
em Portugal se fez sentir com o desencadear de várias crises académicas
durante a década de 60, sobretudo em Coimbra e Lisboa.

• O movimento feminista, cujos antecedentes remontam ao século XIX,


atingiu uma maior expressão com a luta das mulheres norte-americanas
pelos seus direitos no princípio do século XX, mas consubstancia-se
como movimento social no fim dos anos 60 e afirma-se sobretudo na
década de 70, recolhendo o apoio de vultos femininos da cultura
ocidental, das artes plásticas à literatura, do cinema à filosofia. No
seguimento da luta pelos direitos cívicos, o feminismo viria a defender
a emancipação da mulher em todas as esferas da vida social: na família,
no trabalho , na pol ítica , na cultura . Para alé m disso , estuda a
especificidade de género e combate a sociedade patriarcal, a sua moral
machista e as suas leis e costumes, ao mesmo tempo que procura
promover a igualdade dos sexos e a libertação sexual das mulheres.

• O movimento ecologista começou a ganhar expressão na década de


70 do século XX, compreendendo correntes ideológicas diversas e
m últiplos estilos de actuação, uns mais improvisados e extremados,
outros mais institucionalizados e formais, dando inclusivamente origem,
a partir dos anos 80 do século passado, a partidos políticos (os « partidos
verdes» e os « partidos arco-íris» ), ou incorporando-se como « alas »
nos partidos tradicionais. As preocupações ecológicas e/ou ambien-
talistas ergueram-se contra a destruição irracional e abusiva dos recursos
naturais e contra uma relação instrumental e desequilibrada da política
e da economia com o ambiente, vindo progressivamente a consolidar-
se, salvo em situações mais radicalizadas, como parte integrante da
cultura cívica, de tal forma que representam actualmente uma dimensão
elementar da formação para a cidadania.

255
J

— I Mi HM

• O movimento pacifista fez-se notar fundamentalmente na década de


80, pois foi nessa altura que se sentiu de forma mais premente a
necessidade de travar a corrida das duas superpotências (EUA e ex-
«mm

URSS) ao armamento , sobretudo quanto à produção de armas


nucleares. A vaga pacifista esboçara-se no início da década de 60 em
oposição à participação das forças militares norte-americanas na Guerra
do Vietname e cresceria vinte anos mais tarde, recusando o belicismo,
quer do «imperialismo» americano, quer do «expansionismo» sovié-
tico, em concreto a intervenção militar no Afeganistão. Em síntese, o
perigo de uma guerra nuclear de consequências devastadoras alimentou
uma consciência pacifista que afirmou os valores da paz , da soli-
dariedade, da regulação supranacional e da convivência pacífica. Com
o desanuviamento e o fim da Guerra-Fria entre o bloco da NATO e do
Pacto de Varsóvia e com a derrocada do socialismo real, o movimento
pacifista arrefeceu. Contudo, a Primeira e Segunda Guerra do Golfo,
o conflito nos Balcãs, a invasão do Iraque e divèrsos conflitos regionais
um pouco por todo o mundo, ao que se somou e soma o surto de
atentados terroristas, reacendeu o apelo à urgência da paz e ao
entendimento pacífico entre os povos.

Uma última nota para sublinhar que estes quatro novos movimentos sociais
exibem aspectos comuns no que se refere a ideais, formas de organização e
estratégias de actuação, não sendo raro o facto de um mesmo indivíduo
pertencer em simult âneo a v ários destes movimentos, nem tão pouco a
circunstância de surgirem combinações organizativas e acções conjuntas,
cruzando-se, por exemplo, o feminismo com a ecologia, ou esta com o
pacifismo.

Percursos de autoverificação

• Caracterize o comportamento colectivo.


• Enumere os aspectos básicos e os aspectos secundários do compor-
tamento colectivo.

• Explique o que entende por acção política colectiva.

• Distinga movimentos sociais, partidos políticos e gmpos de interesses


ou de pressão, de acordo com os três critérios propostos por Vallès.
• Indique e explicite as insuficiências da tipologia dos movimentos
sociais deAberle.

256
m mm êmmm Éfiilll

• Aponte outros exemplos, para além dos já referidos, para cada um dos
quatro tipos de movimentos constantes da tipologia de Aberle.

• Ainda com recurso à listagem que elaborou sobre os principais


movimentos sociais que se sucederam em Portugal nas ú ltimas décadas,
procure caracterizá-los à luz da tipologia de Aberle.

• Discuta a pertinência e actualidade da classificação dos movimentos


sociais sugerida por Melucci.

Exercícios

• A partir do visionamento do filme Malcolm X , de Spike Lee (EUA,


1992), elabore uma grelha de an álise onde registe os elementos do
filme que se relacionam com o comportamento colectivo, com o
movimento emergente e com o movimento maduro.

• Tendo como referência os diversos elementos da definição de


movimento social e outros que possa encontrar em bibliografia
complementar, conceba e fundamente a «sua » noção de movimento
social.

• Com recurso à Internet, livros e revistas, proceda à caracterização


sumária dos quatro principais novos movimentos sociais nascidos nas
décadas de 60 e 70 do século XX.

257
11. Estudo dos Movimentos Sociais
:
lilllli

Definido o conceito e analisadas as principais tipologias, passaremos agora a


identificar e caracterizar as diferentes abordagens ou teorias sobre os
movimentos sociais, bem como a apontar os seus principais méritos e limitações.
De sublinhar, desde já, que a vasta literatura existente sobre o tema confronta-
nos com uma pluralidade de perspectivas e teorias de que não podemos dar
aqui conta em toda a sua extens ão, razão pela qual optámos por seleccionar as
mais significativas e os autores mais representativos. As teorias consideradas
podem arrumar-se em dois grupos: o primeiro grupo re ú ne as teorias clássicas
e incide sobre os movimentos sociais tradicionais; já o segundo inclui as
perspectivas teóricas contemporâneas que melhor compreendem a especi-
ficidade dos novos movimentos sociais .

11.1 As teorias clássicas dos movimentos sociais

Assim, no conjunto das teorias cl ássicas encontramos: a abordagem do


comportamento colectivo como um fenómeno patológico, a teoria das tensões
estruturais, a teoria do conflito, a teoria da privação relativa e a teoria da
sociedade de massas. Analisemos, em seguida, cada uma delas.

11.1 . 1 A abordagem do comportamento colectivo como um fenómeno


patol ógico

Esta abordagem resultou de um enfoque psicossocial que entendeu o


comportamento das massas como uma manifestação irracional e irreflectida,
uma espécie de expressão patológica do inconsciente colectivo. Esta corrente
teve como representante principal Gustave Le Bon , cujos estudos sobre o A perspectiva psicossocial
tema se situam nos finais do século XIX e se centram na espontaneidade do comportamento colec -
tivo
instintiva e agressiva do comportamento das multidões, respons ável pelo
« retrocesso civilizacional». Esta visão negativista do comportamento colectivo
iria, juntamente com o contributo de outros autores como Tarde e Sighele,
influenciar os pensadores da denominada «escola elitista italiana », desi-
gnadamente Vilfredo Pareto e Robert Michels, que negaram o protagonismo
histórico das massas e defenderam a sua necessária subjugação a uma elite ou
a um líder esclarecido, inspirando os movimentos fascistas e um posicionamento
ideologicamente conservador.

261
WBÊÊÊÊ I mMi 1

No in ício do século XX, numa perspectiva menos social, mas que seria
transposta para o plano sociológico e político por diversas escolas de
A perspectiva psicanal ítica pensamento, encontramos a psican álise de Freud e dos seus discípulos.
do comportamento colec - Sublinhando também o comportamento patológico das massas, a psicanálise
tivo
de inspiração freudiana frisou a identificação entre as massas e o líder, bem
como a incapacidade daquelas em assumirem uma vontade própria perante o
fascínio e poder exercidos pela liderança. Ao mesmo tempo, as multidões
tornam-se ingovem áveis e descontroladas porque reagem segundo pulsões
que a ausência de responsabilização individual possibilita. Acumulando
frustrações e privações, as massas em movimento encontram mecanismos
compensatórios na libertação de energia agressiva e impetuosidade emocional.
É neste sentido que alguns autores da Escola de Frankfurt explicaram o
comportamento colectivo, acusando a sociedade de reprimir instintos , tensões
e impulsos de liberdade através do autoritarismo e do controlo social. Assim
se compreende igualmente o investimento libertário e a entrega activista que
caracterizou o movimento estudantil nos anos 60 do século XX, estudado
entre outros por Marcuse, exactamente um dos pensadores empenhados em
conjugar os contributos de Marx e de Freud.

A perspectiva interaccio - A partir da segunda década do século XX, a Escola de Chicago, onde se
nista do comportamento co - destacam autores como Robert Park, Henry Blumer e Ernest Burgess, trouxe
lectivo
novos desenvolvimentos à teoria do comportamento colectivo, introduzindo
uma perspectiva «interaccionista» no estudo do mesmo. Esta perspectiva, apesar
de manter um cunho marcadamente psicossocial, preocupou -se em associar

as transformações sociais tais como o processo de urbanização e o dualismo
« urbano-rural », a formação da cultura urbana e o impacto das inovações
tecnológicas com as novas formas de percepcionar e compreender a
realidade social e de actuar sobre ela segundo modelos de organização política
e modalidades de intervenção colectiva alternativos, como era o caso dos
movimentos sociais. Ao contrário do que sucede na análise funcionalista, como
adiante se verá, os movimentos sociais deixaram de ser considerados como
« disfunções » para passarem a ser encarados como « oportunidades de
interacção», que reconfiguram o significado da vida social e o modo de acção
dos actores sociais.

11.1.2 A teoria das tensões estruturais

A teoria das tensões estruturais tem como principal representante Neil Smelser
(1963) , e é devedora do funcionalismo de Talcott Parsons. Situada por alguns
autores ainda no â mbito das teorias do comportamento colectivo, esta
abordagem acentua a relação entre o contexto estrutural das sociedades e a
origem dos movimentos sociais. Com Neil Smelser, a explicação do comporta-

262
IÊií§Íili;ÉÍÉi8Í®IIÉftIilÍÍllill!
!llÍÍÉÍÍÉIÍllllliÍllllllllllllí

mento colectivo, incluindo o fenómeno dos movimentos sociais, envereda pela


leitura sociológica, sendo abandonada a matriz psicossocial.
A teoria das tensões estrutu -
Assim, e de acordo com a teoria de Smelser, têm de estar criadas um conjunto rais de Neil Smelser
de seis condições para que tenha lugar um comportamento colectivo e se assista
à reacção da sociedade face a ele. Podemos, então, considerar que existe um
processo continuado no tempo que inclui seis fases ou momentos distintos, cuja
sequência pode ser representada numa pirâmide, como ilustra a figura 11.1.

Ausência de controlo social

Mobilização para a acção

Factores precipitantes

Emergência e difusão de uma


f crença generalizada

IênsÕes esfflituraís

Condições est oráveis

Figura 11.1 - A teoria de Neil Smelser

Vejamos, de forma mais detalhada, cada uma das seis condições que estão na
origem do comportamento colectivo segundo Neil Smelser: Condi çõ es do comporta -
mento colectivo segundo
Smelser
• Condições estruturais propícias. Antes de mais, para que um movimento
social se forme, têm de estar reunidas na sociedade um conjunto visível
de situações consideradas problemáticas. Por exemplo, o problema do
racismo só ganha expressão quando para ele colabora uma organização
social não suficientemente empenhada no seu combate, em simultâneo
com a existência de meios de comunicação social denunciadores e
independentes, de associações de defesa dos direitos das minorias
étnicas, de leis muito permissivas face à discriminação, de uma situação
económica grave que favoreç a a identificação das minorias étnicas
como « bodes expiatórios» da crise, de um clima de violência policial
sobre membros de etnias minoritárias, de unidade e coesão por parte
das comunidades étnicas em questão. Tudo isto se conjuga para que o
racismo não possa ser socialmente ignorado e se constitua então como
problema social relevante, dando pretexto para a formação de um
movimento que pugne pela sua resolução.

263
• Tensões estruturais. Quando o sistema social não consegue resolver
as situações problemáticas com as quais se confronta e as autoridades
e instituições não dão resposta eficaz às dificuldades identificadas, as
tensões e os conflitos surgem e recrudescem. Estas tensões ganham
maior significado social e agravam-se quando deflagra uma crise
económica, se d á um contenda militar, se vive um brusco surto
imigratório ou acontece uma catástrofe natural. De facto, há problemas
que perturbam a ordem social, aumentam a inseguranç a e o receio, e
estimulam ressentimentos, vinganç as, perseguições, gerando um
ambiente de animosidade e intoler ância, ou seja, de tensão.

• Aparecimento e difusão de uma crença generalizada. Em resposta às


tensões estruturais pode surgir um conjunto de propostas e soluções
para as dificuldades existentes, mesmo que sejam vagas e inconsis-
tentes, pois a sua eficácia também depende da saturação e insatisfação
acumuladas pelos indiv íduos e da capacidade que o grupo de
fundadores ou promotores de um movimento tem em potenciar o capital
de revolta ou a exigência de reformas e transformações na sociedade.
Um movimento começa a esboçar-se quando se inicia a difusão da
crença na bondade das explicações dadas por um grupo de indivíduos,
venham elas na forma de protesto, de solução efectiva dos problemas
ou na responsabilização dos culpados. Esta condição favorece a adesão
dos indivíduos a uma forma de contestação que se vai tomando mais
credível e organizada.

• Factores ou incidentes precipitantes. Um acontecimento específico de


consequências graves (como, por exemplo, uma carga policial que
faça vítimas, um atentado terrorista, um escândalo governamental , um
aumento abrupto e significativo do preço de bens e serviços funda-
mentais, etc.) pode fazer transbordar a tensão e insatisfação sentidas
em certas camadas da população e dar um pretexto válido para a
actuação do grupo de protesto e para que este ganhe alguma visibilidade
nas mas e/ou nos média. Um movimento pode aguardar (ou precipitar)
a oportunidade e o momento adequados para intervir e desencadear o
processo efectivo de acção no terreno.

• Mobilização dos intervenientes para a acção. Para um movimento


firmar a sua posição e ser eficaz, tem de mobilizar recursos e conquistar
apoiantes, membros e activistas, bem como o apoio de várias organi-
zações que podem dar cobertura institucional, financiar ou colaborar
nas actividades do movimento. Assim, este recorre habitualmente a
estratégias comunicacionais de forma a incitar os adeptos à acção e
recolher o contributo dos seus parceiros e aliados. A propaganda, o
marketing , a relação com os mass media , a capacidade organizativa, a
pressão institucional e a inovação de procedimentos (formas de

264
mmmm «MtiiiMiiiiimaxsssmmtitmi: g' 888888888888188»

participação), revelam-se fundamentais para que o movimento obtenha


poder mobilizador.

• Deficiente controlo social. A reacção e actuação das autoridades


institucionais podem fortalecer o movimento social mas também podem
debilitá-lo e extingui-lo. Muitas das vezes, um uso desproporcionado
da força policial pode intimidar e refrear o ímpeto de um movimento,
mas também pode atear os ânimos, exaltar a animosidade face a um
governo e reunir a simpatia de sectores da população que podiam até
não concordar com os propósitos iniciais do gmpo de protesto. Também
uma excessiva tolerância e permissão por parte dos órgãos institucionais
do poder face a um movimento podem abrir espaço ao seu rápido
crescimento e reforço e favorecer mesmo o surgimento de outros.

Deve ser sublinhado que a teoria de Smelser teve o grande mérito de identificar
um conjunto de condições que ajudam a compreender a génese e constituição
dos movimentos sociais, bem como o de relacionar a sua formação com a
existência de tensões no seio da sociedade. Contudo, algumas das críticas
dirigidas a esta teoria realç am o seu excessivo « funcionalismo» e « mecani-
cismo» , ou seja, uma visão da sociedade como um todo equilibrado e ordenado
em relação à qual os movimentos sociais se apresentam como agentes de
perturbação e desordem, demonstrando a incapacidade das instituições e do
controlo social. Por outro lado, os movimentos sociais e os seus participantes As cr íticas à teoria das ten -
sões estruturais
são vistos mais como « produtos » da tens ão e menos como « produtores» de
tensões sociais, mais como formas de reacção disfuncionais aos conflitos exis-
tentes na sociedade e menos como uma deliberação colectiva de transformação
das instituições, das mentalidades e do sistema social, sem a necessidade
imperiosa de tal surgir como resposta a tensões manifestas.

Outros autores apontam ainda as dificuldades de operacionalização empírica


da teoria, a sua dificuldade em acompanhar a espontaneidade e din â mica de
muitos movimentos nascidos em sociedades com graus de estruturação e
estabilidade diferenciados e o facto de Smelser ter negligenciado ou esquecido
a importância decisiva dos média e da cooperação internacional nas formas de
actuação e organização dos movimentos sociais. Ora, se atendermos ao facto
de Neil Smelser ter concebido a sua teoria no início da década de 60, percebe-
se a sua desatenção face a fenómenos que estavam apenas a despontar e que
hoje são fundamentais na vida e percurso dos movimentos sociopolíticos, como
é o caso da utilização dos média e dos novos suportes tecnológicos da
informação e, também, de uma forte aposta na colaboração e solidariedade
internacionais entre movimentos similares oriundos de vários pontos do planeta.

Finalmente, e como salienta Claus Offe, é de referir o fundo «ideológico» da


teorização de Neil Smelser e dos seus pressupostos, pois os movimentos são
vistos como produções colectivas socialmente inconsistentes e condenadas ao

265
fracasso: «O comportamento colectivo, de acordo com Smelser, é uma resposta
irracional, histérica, que confunde o desejo com a realidade, e em qualquer
caso inadequada cognitivamente às coacções estruturais que gera o processo
de modernização» (Offe 1992: 200). Para este autor, Smelser associa os
processos colectivos n ão institucionais, tais como os movimentos sociais, à
conduta de marginais e alienados comandados por impulsos irracionais, numa
resistência que duraria apenas até ao momento em que a sociedade os pudesse
reabsorver e proporcionar-lhes as benesses da modernização. Como refere o
próprio Smelser: «as crenças que servem de base ao comportamento colectivo
assemelham-se às crenças mágicas » (Smelser 1989: 20-21).

11.1.3 A teoria do conflito

A teoria do conflito encontra as suas raízes sociológicas nos escritos de Karl


O contributo de Marx para Marx e na sua an álise do capitalismo industrial oitocentista. De facto, a
a teoria do conflito social
revolução industrial produziu uma nova classe social, o proletariado, e novas
relações de trabalho ofensivas da dignidade dos operários e trabalhadores em
geral, dado que eram baseadas nas leis económicas da mais-valia, nos direitos
de propriedade privada, no controlo dos meios de produção e na dominação
ideológica de classe. Para lutar contra a miséria, as desigualdades sociais e a
alienação infligidas pelas sociedades capitalistas mais avançadas e fazer frente
aos conflitos sociais daí decorrentes, começou a ganhar forma o movimento
operá rio nas suas modalidades de intervenção popular e organizada, sob a
inspiração de várias ideologias libertárias e igualitárias. Os trabalhadores
fortaleceram a sua consciê ncia de classe e com recurso a estruturas
representativas — sindicatos e partidos operários socialistas, comunistas,

sociais-democratas engrossaram a contestação nacional e internacional ao
sistema económico vigente e à sua ideologia dominante e legitimadora.

Esta inevitabilidade do conflito econó mico e social foi depois teorizada por
diversas gerações de sociólogos, desde Max Weber e George Simmel a
Raymond Aron, Lewis Coser ou Ralf Dahrendorf , que redescobriram a
importância do conflito a partir dos anos 50 do século XX. Lewis Coser tomaria
como ponto de partida as reflexões de Simmel, mas reelaboradas agora segundo
uma perspectiva funcional-estruturalista, capaz de integrar a problemática do
conflito numa teoria que valoriza sobretudo a ordem e a coesão, enquanto
Ralf Dahrendorf retomaria o filão marxista, repensado em novos moldes
teóricos, nomeadamente com uma renovada leitura das relações de autoridade
A perspectiva de Coser so- e da estrutura de dominação no contexto das sociedades capitalistas.
bre o conflito social
Na obra intitulada Aí Funções do Conflito Social ( 1961) , Coser adiantou um
conjunto de proposições sobre a funcionalidade « positiva» do conflito social,

266
que distinguiu dos sentimentos e actividades de hostilidade e antagonismo,
reconhecendo que o conflito n ão só não é inevitavelmente disfuncional como
pode ser também necessário para manter as instituições, libertando tensões,
evitando comportamentos desintegradores e de ruptura, além de servir para
eliminar o divisionismo e construir a unidade no interior dos grupos. Já Ralf
Dahrendorf , em Elementos para uma Teoria de Conflito Social ( 1971),
avançou quatro teses fundamentais sobre a essência das sociedades humanas
de acordo com a teoria do consenso e da integração social, de teor funcionalista.
E que são a tese da estabilidade, que considera toda e qualquer sociedade
como um sistema relativamente está vel de componentes ou elementos; a tese
do equilíbrio, que vê a sociedade como um sistema homeostático; a tese do
funcionalismo, que atribui a cada elemento que integra a sociedade uma função
« positiva», contribuindo para o seu funcionamento; e a tese do consenso, que
explica a manutenção e continuidade da sociedade através do consenso
conseguido entre os seus membros sobre um conjunto de valores comuns.

A estas teses «funcionalistas » sobre a essência das sociedades humanas,


Dahrendorf contrapôs outras quatro teses que estão na base de uma « teoria
coactiva da integração social » , a saber: a tese da historicidade, que afirma a
exposição à mudança dos elementos da sociedade; a tese da explosividade,
que toma a sociedade como um sistema de elementos contraditórios e explo-
sivos; a tese da disfuncionalidade e produtividade, que coloca cada elemento
da sociedade a contribuir para a mudança; e a tese da coacção, que explica a
permanência de qualquer sociedade através das relações de coacção que uns
membros exercem sobre outros. A perspectiva de Dahren -
dorf sobre o conflito social
Ponderadas estas duas perspectivas — a primeira devedora de Parsons (de
inspiração rousseauniana) e a segunda de Mills (de inspiração hobbesiana) —
o que interessou a Dahrendorf foi saber qual destas imagens da sociedade
seria mais apropriada para uma teoria geral do conflito social, tendo o autor
entendido ser a segunda a mais adequada. E isto porque se, de acordo com as
teses funcionalistas, o conflito era visto como um fenómeno extraordin ário,
passageiro e super ável , ou seja, como uma patologia e n ão como uma força
produtiva e criadora; já a teoria coactiva da integração social reconheceu a
efectividade criadora dos conflitos sociais, passando estes a ser considerados
como um factor necessário dos processos de mudança social.

Dahrendorf , que exclui o marxismo como «solução política» , aproxima-se do


marxismo clássico ao defender que o conflito de classes é o elemento do conflito
que permanece em toda a sociedade histórica. O autor referiu várias situações
de desigualdades econ ómicas, sociais, salariais, de propriedade, entre ricos e
pobres, capitalistas e proletá rios, ou seja, conflitos baseados em categorias
sociais distintas e opostas. De qualquer modo, todos estes conflitos se reduzem
a uma desigualdade essencial: a da repartição dos recursos de poder nos grupos

267
m '|m w m

sociais. Assim sendo, a origem estrutural dos conflitos sociais encontra-se nas
relações de domínio existentes no seio da organização social estratificada
(cf. quadro 11.1).

Quadro 11.1 - Comparação entre a teoria funcionalista e a teoria do


conflito

Funcionalismo Teoria do conflito

A sociedade é um sistema bem integrado, A sociedade caracteriza-se pelo con-


ou seja, um conjunto de elementos inter- fronto entre grupos que competem pelo
dependentes, relativamente equilibrado e controlo de recursos limitados (riqueza,
est á vel poder e prestígio)

A vida social gera inevitavelmente a


A vida social baseia-se no consenso e na divisão de interesses, objectivos opostos
cooperação entre os seus membros e conflitos. Os conflitos sã o normais e
podem ser ben éficos

O conflito é anormal e geralmente des-


trutivo. As mudan ç as na vida social são
A mudan ça é inevitável e desejável
repentinas, provocando desequil íbrios e
tens ões

Fonte: Stock , Pequito e Revez ( 2005 )

Questionando-se também sobre as condições que determinavam o grau de


violência e a intensidade dos conflitos, o autor encontrou um primeiro conjunto
de factores no modo de organização dos grupos em conflito e na forma velada
ou aberta e transparente com que actuam. A plena manifestação do conflito
parecia configurar-se como um passo para atenuar ou evitar tipos mais
explosivos e abruptos de concretização do conflito, o que por vezes acontecia
quando este era apenas latente ou pouco visível. Em relação à intensidade dos
conflitos, ela aparece associada aos factores da mobilidade social , ou seja,
quanto maior a mobilidade menor a intensidade dos conflitos. Se os trabalha-
dores estiverem presos à sua condição social e económica sem horizonte de
melhoramento e alteração de status, mais permeáveis ficam a movimentações
de protesto e de contestação e mais abnegadamente se entregam à luta social e
política.

Um terceiro grupo de factores que influencia a intensidade dos conflitos tem a


ver com a sobreposição ou divisão de sectores sociais estruturais. Quantos

268
mais sectores autónomos, plurais, de defesa de interesses específicos houver,
menor ser á a intensidade dos conflitos. Sempre que se verifique sobreposição
de sectores — um grande partido que aglutine um partido confessional , um
regional e um étnico, por exemplo, ou um movimento que reú na a luta das
mulheres, das minorias é tnicas e dos pacifistas — a intensidade do conflito
tende a crescer, porquanto estão misturadas várias exigências e reivindicações
e o alcance do conflito pode implicar a sociedade no seu todo, comportando
dificuldades acrescidas para a sua resolução.

Para além dos trabalhos já referidos de Coser e Dahrendorf , a sociologia do


conflito viria a ganhar um novo f ôlego a partir da década de 60, decorrente da
multiplicação de investigações sobre formas particulares de conflito, muitos
dos quais (crise nas Universidades, conflitos étnicos e cívicos, conflitos de
valores entre diferentes gerações , etc.) estiveram na origem de novos
movimentos sociais. Para além disso, os desenvolvimentos teóricos mais
recentes deram ensejo a renovadas orientações e temas de estudo, com destaque
para as teorias da mudança social e dos processos revolucionários (Tilly 1978,
1993; Tarrow 1989, 1994), a teoria da mobilização dos recursos (Zald ,
McCarthy 1977, 1996) , as teorias dos novos movimentos sociais (Touraine
1982; Offe 1990).

11.1. 4 A teoria da privação relativa

A teoria da privação relativa tem como principais representantes Hyman (1942)


e, sobretudo, Merton (1950). Para esta teoria a formação de movimentos sociais
deve-se ao facto de certos sectores da sociedade se sentirem privados de
determinados privilégios, direitos e vantagens, comparativamente com outros
grupos ou sectores sociais que os usufruem. O sentimento de privação n ão é A noção de privação relati -
va
sentido em abstracto, mas sim relativamente ao que outros tê m, daí que a
privação se afira subjectivamente segundo a avaliação que os membros de um
grupo fazem em função da situação vivida pelo grupo de referência. Por outras
palavras, é na comparação com o que os outros detê m que é definido um
estado de privação, de necessidade e de sofrimento.

Veja-se, a t ítulo de exemplo: um juízo comparativo levado a efeito por um


trabalhador português face às condições de trabalho, de remuneração, de
regalias sociais e de qualidade de vida de um colega da mesma profiss ão e
categoria profissional na maior parte dos países da União Europeia, f á-lo-á
sentir-se bem pior do que porventura já se sinta, sendo que esta tomada de
consciência da desigualdade e da sua desvantagem relativa pode aumentar a
frustração, estimular o desejo de mobilidade social e favorecer o protesto social
e a mobilização política no sentido de reivindicar a melhoria das condições

269
gerais ( materiais e imateriais) de vida. O mesmo acontece, ou pode acontecer,
com os professores, a cujo estatuto académico, cultural e profissional não
equivale um nível remunerató rio e um reconhecimento social iguais ou
semelhantes aos de outros profissionais ( médicos, advogados, etc.). Esta
frustração das expectativas que se alimenta na comparação com os grupos de
referência pode ser vista individual ou colectivamente. Neste último caso, e
exemplificando, as minorias étnicas podem sentir-se discriminadas ou
prejudicadas em comparação com a etnia dominante, a ponto de se consi-
derarem, enquanto grupo, como cidadãos «de segunda ».

Curiosamente, um dos autores que testou empiricamente a teoria da privação


O contributo de Coser para
a teoria da privação relativa
relativa foi Lewis Coser, um dos representantes da sociologia do conflito. No
seu estudo sobre a violência na sociedade norte-americana, Coser serviu-se
da teoria da privação relativa e das decepções e constrangimentos vividos
pelos sectores sociais excluídos e mais penalizados pelos processos rápidos
de modernização (os afro-americanos), para explicar as acções violentas e as
perturbações associadas aos períodos de transformação social. Como afirma
Coser, «a noção de privação relativa, que se desenvolveu para dar conta de
certos aspectos do comportamento de grupos e indivíduos implicados de
maneira diferencial nas estruturas sociais relativamente está veis , serve
igualmente para tratar problemas de mudança social abrupta e continuada»
(Coser 1970: 54) . Durante a década de 60 e no início da década de 70, esta
teoria ganhou novos desenvolvimentos com Davies ( 1962) , Fainstein (1969)
O contributo de Davies , e Gurr (1970) , autores que enfatizaram a dimensão subjectiva da privação,
Fainstein e Gurr para a teo-
ria da privação relativa entendida como um estado que depende da percepção que os sujeitos têm da
sua situação em função do que merecem ter, das expectativas que criam e do
que os outros desfrutam, quer em relação a bens materiais, quer em relação a
direitos, oportunidades, reconhecimento de status e possibilidades de afirmação
pessoal, cultural e política.

Apesar do valor heurístico da teoria da privação relativa não deixam de lhe ser
Cr íticas à teoria da privação endereçadas algumas críticas. Uma delas tem a ver com o facto de não explicar
relativa
a estrutura e o modo de vida interno de um movimento social, mas apenas as
causas ou as razões do seu aparecimento. Para além disso, como a privação
relativa poderá ser, em v árias situações, uma raz ão necessária mas não uma
razão suficiente para o surgimento dos movimentos sociais, só por si não permite
saber quando um movimento passa a estar iminente e a constituir-se. Mas
mais: muitas vezes, a tomada de consciência da privação acontece não quando
um grupo de indivíduos decide formar um movimento, mas já como resultado
da actividade e propaganda de um movimento que se formou ao serviço de
ideias e causas mais globais e até abstractas ( nova concepção de justiça). E,
neste caso, ser á como consequência da afirmação do valor da justiça levado a
cabo por esse movimento que os indivíduos se apercebem de facto da injustiça
da sua situação e condição.

270
m wasam

11.1.5 A teoria da sociedade de massas

A teoria da sociedade de massas não se afasta muito da linha de investigação


da psicologia de massas e tem em William Kornhauser (1959) um dos seus
principais representantes, apesar dos estudos precursores de Ortega y Gasset
por volta da década de 20 do século passado sobre as massas nas sociedades
contempor âneas . Esta teoria visou sobretudo explicar a formação dos
movimentos totalitários na Europa (o fascismo, o nacional-socialismo, o
comunismo soviético) e compreender por que é que os indivíduos aderiram a
propostas tão radicais. De acordo com esta abordagem, o aparecimento dos
movimentos sociais ficaria a dever-se ao facto destes fenómenos colectivos
outorgarem aos indivíduos sem laços sociais fortes ou até isolados socialmente
um sentimento de pertenç a a uma comunidade ou grupo. O móbil da
participação nos movimentos encontrar-se-ia, por conseguinte, na «solid ão
social » dos indivíduos que, devido a essa condição, se mostravam fragili- A teoria da sociedade de
massas
zados e susceptíveis de obedecer a líderes autorit ários. Os movimentos
mais radicais e revolucionários recrutariam as pessoas mais facilmente mani-
puláveis e mais dispon íveis, exactamente por n ão estarem protegidos por
v ínculos sociais , enquanto os indivíduos socialmente mais integrados
ofereceriam uma maior resistência à adesão e participação em movimentos
dessa natureza.

Portanto, e segundo esta teoria, o surgimento dos movimentos sociais deve-se


mais a certas condições subjectivas dos indivíduos, as quais favorecem a sua
ligação a estruturas mais organizadas que os orientam (liderança do movimento)
e permitem construir novas solidariedades do que à iniquidade do sistema
económico, ao autoritarismo do regime político ou ao anacronismo das
instituições. Dito de outro modo: as razões para a formação do movimento
são deslocadas da sociedade (conflitos, crise ou mau funcionamento das
instituições, órgãos, organização social ) para a susceptibilidade das massas
desintegradas. E apesar desta perspectiva teórica reconhecer que a sociedade
de massas conduz ao isolamento social e à alienação dos indivíduos, porque
as transformações operadas na sociedade ( modernização tecnológica, urbani-
zação, «fordismo» e novos modelos de organização do trabalho) enfraquecem
as conex ões sociais tradicionais (família, pequena empresa, redes de
vizinhança), ela continua a atribuir às massas (e sobretudo aos excluídos,
pobres e marginais) a propensão à irracionalidade e à credulidade, como se
estas estivessem destinadas a ser manietadas por líderes ardilosos e organizações
insidiosas.

A teoria da sociedade de massas també m n ão explica com rigor como é que


indivíduos desamparados e isolados socialmente se mobilizam para formar ou
integrar movimentos sociais. Desconsidera, pois, como bem assinala Melucci Cr íticas à teoria da socieda-
de de massas
(1999), o papel fulcral que desempenham as redes de contacto e de recruta-

271
wsxmmmmxim

mento e, podemos acrescentar, os pequenos grupos de inserção local , profis-


sional e cultural, na estmturação da vontade individual e na escolha pela acção
colectiva.

Após a caracterização de algumas das teorias clássicas dos movimentos sociais,


e para terminar este ponto , faç amos uma breve s íntese dos conte údos
fundamentais de cada uma delas no quadro que se segue:

Quadro 11.2 - Teorias clássicas dos movimentos sociais: um resumo

mmsm/Mm
Teorias Principais características

O comportamento n ão convencional das massas é considerado


Teoria psicossocial como uma manifestação irreflectida, irracional e patol ógica do
do comportamento inconsciente colectivo. As massas são inaptas politicamente,
colectivo obedecendo passiva e acriticamente a elites e l íderes
manipuladores.
Os movimentos sociais são o resultado das tensões e
Teoria das tensões disfun ções sociais, de forma que os desafios que comportam
estruturais são encarados como elementos negativos a reabsorver o mais
depressa possível .

Os movimentos sociais resultam da competição entre grupos


que lutam entre si pelo controlo de recursos limitados. As
Teoria do conflito
tensões e os conflitos, que estão na origem dos movimentos,
são interpretados como normais, inevitá veis e até desejá veis.

A formação dos movimentos sociais deve-se à privação de


bens, oportunidades, direitos, etc., que certos sectores da
Teoria da privação população sentem comparativamente com outros. O senti -
relativa mento de privação é aferido subjectivamente pelos membros
de um grupo em fun ção da situação vivida pelo grupo de
referê ncia .

Os movimentos sociais surgem para satisfazer as necessidades


Teoria da sociedade humanas de tipo comunitário no contexto de sociedades
de massas altamente massif içadas e individualistas, onde as relações
interpessoais se tornaram distantes, racionais e frias.

Fonte: Stock, Pequito e Revez (2005 )

272
11.2 As teorias contemporâneas dos movimentos sociais

Para além das teorias clássicas dos movimentos sociais que temos vindo a
analisar, importa apresentar outro conjunto de teorias ou abordagens mais
contemporâneas, que incidem especialmente sobre o fenómeno dos novos
movimentos sociais. De entre esse conjunto destacaremos: a teoria da acção
colectiva, a teoria da mobilização de recursos , a teoria da estrutura de
oportunidades políticas, as teorias da identidade e a teoria dos novos movimentos
sociais.

11.2 . 1 A teoria da acção colectiva

Esta teoria, cujo principal expoente é sem d ú vida Mancur Olson (1965), rompe
com as teorias do comportamento colectivo de fundo psicologista e recai sobre
o comportamento racional do actor, avaliado em termos de custos-benefícios, A teoria da acção colectiva
de Olson
e sobre as dificuldades de transposição da racionalidade individual para a
participação na acção colectiva, identificando o jogo estratégico que está
implicado nos processos de mobilização e interacção social com vista à obtenção
de bens colectivos. Conquanto alguns autores o situem no âmbito da teoria da
mobilização de recursos, visto que é a partir do seu modelo explicativo que
são estruturados muitos dos elementos desta teoria, e atendendo a que foram
feitas outras apropriações teóricas, em diferentes direcções, da análise de Olson,
pensamos que o seu modelo teórico assume uma inegável especificidade, pelo
que optá mos por autonomizá-lo.

Com efeito, Mancur Olson estabeleceu as bases teóricas do que se viria a


denominar «teoria das escolhas racionais», a qual foi sendo aplicada em diversos
domínios científicos. Um dos méritos de Olson foi ter distinguido a lógica da
acção colectiva da lógica de acção individual, supondo aquela, condições de A l ógica da acção colectiva
e a l ógica da ac ção indivi -
cálculo e racionalidade diferentes das que subjazem às decisões individuais. dual
Quer isto significar, fundamentalmente, que a comunidade de interesses, mesmo
quando é um dado evidente para todos, não é suficiente para desencadear a
acção comum que permite promover o interesse de todos. Donde, a homoge-
neidade de interesses não constitui condição suficiente para a mobilização das
acções individuais, isto é, para que a acção colectiva se verifique. E isto porque,
«a pró pria lógica do sistema de interacção origina situações em que os actores
racionais pesam os prós e contras da participação nos esforços de acção colectiva
e decidem n ão participar » (Ferreira et al . 1995: 274).
A noção de bens colectivos
Esta ideia reconfigura a noção de «bens colectivos», isto é, de bens ou serviços
que favorecem um grupo determinado, independentemente da colaboração

273
1

directa que este possa dar para a sua obtenção. S ão disso exemplos, o reforço
dos direitos das minorias étnicas, o aumento salarial dos trabalhadores ou a
melhoria das condições laborais numa empresa. Neste ú ltimo caso, bem como
nos outros, o bem colectivo « n ão poder á ser dado exclusivamente aos que se
baterem por ele: todos os trabalhadores da empresa o desfrutarão, sem terem
em conta quem participou activamente , talvez mesmo fazendo greve e arcando
pessoalmente com as consequências » (Pasquino 2000: 72). Os que usufruem
da situação conseguida sem intervir ou colaborar na obtenção do bem colectivo
A noção de free riders —
são denominados/ree riders. O facto de estes que vão « à boleia» daqueles
que intervieram activamente na conquista das vantagens colectivas nao
participarem pode ficar a dever-se à acção consciente e calculada ou acontecer
de forma inconsciente, neste ú ltimo caso n ão podendo ponderar-se os custos
da participação, visto que não agiram ou por ignorância ou por outra impos-
sibilidade.

Assim sendo, a existência de free riders demonstra bem a racionalidade


calculista e estratégica dos actores sociais, que escolhem a participação ou a
não participação de acordo com os custos e vantagens associados a tal decisão.
/

E aqui que entra uma outra noção fundamental introduzida por Olson: a de
A no ção de incentivos se - « incentivos selectivos », que respeita aos recursos e vantagens, tais como o
lectivos
reconhecimento social , o poder, o prestígio, a autoridade, o status e os bens
materiais, que influenciam a participação de um actor na acção colectiva, isto
é, na acção organizada tendo em vista a conquista de bens colectivos. Ora, de
acordo com o modelo de Olson, a possibilidade de incentivos selectivos
individuais é importante para percebermos a formação e desenvolvimento dos
movimentos sociais. Neste caso, como noutras organizações sociopolíticas, a
tendê ncia do actor seria a de não participar na acção colectiva, visto que os
custos parecem superiores aos benefícios, os quais a priori se afiguram incertos
e imprevisíveis e, para além disso, ele poderia beneficiar de eventuais vantagens
na condição de free rider , abstendo-se de integrar o movimento.

Logo, a existência de incentivos selectivos compensa o actor e estimula-o à


participação, n ão pelo bem colectivo visado, nem pela mera consciê ncia e
interesse nele (como decorre da análise marxista), mas por outras gratificações
marginais ao movimento, como o prestígio, o poder, a influência, a visibilidade
mediática, entre outros. Contudo, numa situação em que não sejam perceptíveis
os incentivos individuais e que, portanto, n ão se justifique racionalmente a
participação do actor, o que explica a criação e a sobrevivência dos movimentos
sociais? Parece aqui assomar-se, mais uma vez, o fundo irracional das massas,
mesmo que tal ganhe o nome de altruísmo. Uma resposta alternativa a esta
questão poder á será dada pela teoria da mobilização de recursos.

Gordon Tullock ( 1974, 1980) transportou algumas das ideias de Olson para a
sua teoria das revoluções, reequacionando os interesses e as motivações dos

274
participantes em mobilizações revolucionárias, que, em seu entender, obedecem
a uma lógica talvez excessivamente instrumental e individualmente centrada.
Com efeito, «este autor centra a sua an álise na hipótese de a participação em
movimentos revolucionários não se processar em nome de ganhos colectivos,
mas sim em função das vantagens pessoais resultantes de uma inclusão no
movimento revolucion ário, depois de efectivamente pesadas as vantagens e
os custos e riscos do envolvimento» (Ferreira et al . 1995: 275).

Uma das objecções críticas à teoria de Olson foi a formulada por Fireman e
Gamson (1979) , para quem a participação dos actores na acção colectiva com Cr í ticas à teoria da ac çã o
colectiva
o objectivo de obter um bem colectivo se deve à consciência que os participantes
têm de que o bem n ão se consegue se cada um ficar à espera que os outros
actuem, logo, os mais conscienciosos tomariam a iniciativa. Outros autores
(Oberschall , 1980; Oliver, 1984) chamaram, por sua vez , a atenção para o
facto de que a percepção que cada indivíduo tem do sucesso da sua participação,
aspecto decisivo na decisão de intervir, estar muitas vezes dependente da
quantidade de elementos do grupo e da importância que é concedida à sua
colaboração.

11.2.2 A teoria da mobilização de recursos

O propósito fundamental de Olson consistiu em construir um modelo da


participação racional no âmbito da acção colectiva, não estudando, contudo, a
sua aplicação particular ao nível dos movimentos sociais. Esse objectivo seria
prosseguido, entre outros, por Oberschall ( 1973), McCarthy e Zald (1977) e
Tilly (1978) , dando origem à teoria da mobilização de recursos. Segundo esta
perspectiva, a participação dos actores num movimento deve ser analisada em
função da relação custos-benef ícios , da existência e natureza dos incentivos A teoria da mobilizaçã o dos
recursos
selectivos , das formas de reduzir os custos permitidas aos participantes e dos
recursos disponíveis para serem mobilizados. De entre estes recursos, os autores
destacam a importância da organização na formação dos movimentos sociais
e na sua capacidade mobilizadora, dado que permite desenvolver redes de
contacto e de recrutamento que reduzem os custos de participação dos aderentes,
ao mesmo tempo que possibilitam uma eficaz captação de adeptos porque
também estes atingem mais facilmente as metas propostas.

A teoria da mobilização de recursos surgiu na década de 70 do século XX,


ampliando os estudos empíricos sobre os movimentos sociais que se tinham
revelado um dos fenómenos sociais mais estimulantes e problemáticos para a
investigação sociológica durante os anos 60. Ao contrário das perspectivas da
psicologia das massas e do funcionalismo, esta teoria encara os movimentos

275
sociais como uma realidade « normal », organizada e racional das sociedades
contemporâneas, marcadas pelo dinamismo social, pelas mudanças rápidas e
pela conflitualidade. Assim, e enquanto na Europa germinavam as teorias dos
novos movimentos sociais, a teoria da mobilização de recursos seria
desenvolvida sobretudo nos EUA, sustentando que um movimento social para
surgir e se consolidar tem de conseguir reunir um conjunto diverso de recursos
essenciais, tais como: meios financeiros, organização consistente e articulada,
apoios e alianças interiores e exteriores ao movimento.

Esta abordagem salienta també m n ão s ó a importância dos contactos e


negociações que se estabelecem entre os movimentos e outros grupos e
organizações no sentido de definirem estratégias de actuação adequadas e de
se captarem mais e melhores recursos, como reconhece igualmente a vantagem
da pertença dos indivíduos a organizações formais, no que concerne à fase de
recrutamento para o movimento: « Quanto maior é o n ú mero das pertenças
organizativas, sobretudo de tipo mais explicitamente político, maiores serão
as probabilidades de um indivíduo participar, tendo quer maiores contactos
com pessoas empenhadas numa causa específica quer um conjunto de
experiências úteis para uma nova mobilização» (Delia Porta 2003: 135). Isto
parece ser ainda mais relevante quando se trata de aderir a movimentos
clandestinos, perseguidos política e policialmente ou tomados ilegais, nos quais
a participação se torna perigosa e arriscada. McCarthy e Zald ( 1987 )
acrescentariam outros recursos de natureza social, cultural e educativa,
coadjuvantes da integração dos indivíduos nos movimentos sociais. São eles a
ampliação e difusão da instrução (democratização e massificação do ensino),
a expansão da classe média e a melhoria da qualidade de vida. Segundo estes
autores, tais factores propiciam a participação dos indivíduos em associações
e movimentos, pois traduzem-se em mais conhecimento, maior disponibilidade,
mais dinheiro, ou seja, num incremento considerável dos recursos que podem
ser mobilizados e empregues.

No âmbito da teoria da mobilização de recursos, um dos autores mais signi-


O contributo de Oberschall ficativos é Anthony Oberschall (1973) , que analisou os movimentos sociais a
para a teoria da mobilização
de recursos partir do modelo teórico de Olson, introduzindo-lhe, porém, algumas alte-
rações. Este autor destacou sobretudo o papel das redes comunitárias de
interacção social na mobilização e integração dos membros dos movimentos:
os apoiantes são recrutados no seio dos grupos, associações e organizações a
que pertencem, pois é aqui que são promovidos e experimentados sentimentos
de identidade e lealdade ao grupo, o qual, por sua vez, desenvolve com o actor
individual um jogo de recompensas, deveres e compromissos que influenciam
a decisão que este venha a tomar quanto à participação na acção colectiva. Em
geral, os membros dos movimentos sociais são, para Oberschall, indivíduos
socialmente conectados e «organizados », e não já indivíduos desestruturados
e isolados, como apontava a psicologia de massas e Komhauser. De qualquer

276
WM

modo, e na esteira de Olson , Oberschall realçou também a racionalidade


instrumental dos actores envolvidos em acções colectivas de protesto, baseada
por sua vez no cálculo de recompensas e sanções, de ganhos e perdas. Todavia,
Oberschall n ão ignorou a necessidade de uma boa « gestão dos recursos» na
canalização e organização do descontentamento social, posto que só através
de uma competente mobilização de recursos é que um grupo de protesto poderia
atingir os resultados pretendidos.

John McCarthy e Mayer Zald ( 1977) deram continuidade aos estudos de O contributo de McCarthy
e Zald para a teoria da
Oberschall, sustentando a importâ ncia das condições e dos recursos que estão mobiliza çã o de recursos
na origem dos movimentos sociais. Se os conflitos e a contestação social são
vistos , por estes autores, como fazendo parte da vida normal das sociedades
avanç adas , será necessário estarem criadas um conjunto de condições para se
passar da observação e reconhecimento da conflitualidade à mobilização para
a acção colectiva organizada. Mais uma vez , os pressupostos da mobilização
residem na racionalidade do actor, que decide em função da relação custos-
benef ícios. Ora, tal como já havia sido teorizado por Olson , a existência de
free riders obriga a considerar quer a relev ância dos recursos selectivos, quer
a sua gestão, como salientou Oberschall. Neste contexto, McCharthy e Zald
vão conceder especial atenção à organização, elemento fundamental da acção
colectiva e a partir do qual os autores estabeleceriam algumas distinções
conceptuais. A organização é, para ambos, decisiva na prossecução dos
objectivos do movimento, atendendo a que é a estrutura organizativa que gere
os recursos e coordena a actividade de um movimento social. Este é concebido
pelos autores como « um conjunto de opiniões e crenças de uma população
que representa preferências para mudar alguns elementos da estrutura social
e/ou a distribuição de recompensas numa sociedade» (McCarthy e Zald 1977:
1217).

Assim definido, o movimento social requer uma série de entidades organizativas


de diferente amplitude e complexidade. Num primeiro nível, encontramos a
«organização de um movimento social », ou seja, uma estrutura formal capaz
de levar a cabo os objectivos de um movimento a partir das prioridades definidas
por este. Num segundo nível, é possível encontrar o que os autores chamam
de «ind ústria do movimento social », ou seja, a totalidade das organizações de
um movimento social que se identificam com as suas metas gerais. Num terceiro
nível, temos o «sector dos movimentos sociais » que diz respeito ao conjunto
das ind ústrias dos movimentos sociais que existem numa sociedade. Esta
diferenciação entre as várias modalidades organizativas permite distinguir um
movimento social enquanto corrente de opiniões e crenças e os seus suportes
organizativos, que visam mobilizar recursos, integrar membros e efectivar
actividades de modo a melhor concretizar os ideais em causa.

A existência de organizações vocacionadas para dar expressão e consequência


aos valores e causas orientadores de um movimento confere aos recursos uma

277
import ância ainda mais decisiva: os recursos são necess ários n ão só para que
o movimento consiga subsistir e desenvolver-se de forma estruturada, mas
também para que as próprias organizações que o secundam possam sobreviver
e ter continuidade, assegurando as despesas de funcionamento e os custos das
suas actividades. Para isso, tais organizações disputam os recursos disponíveis
com outros grupos e entidades n ão-governamentais e també m entre si,
viabilizando alianças e entendimentos conjuntos. Estas exigências em termos
de recursos conduzem a uma progressiva profissionalização das organizações
dos movimentos sociais, que desinvestem de um recrutamento massivo de
membros e apostam numa lideranç a profissional , num acesso mais frutuoso
aos meios de comunicação social , em campanhas ambiciosas de marketing e
propaganda e em mé todos de gestão sofisticados. Deste modo, os l íderes
tomam-se autênticos «empresários » ou «gestores », formalizando as relações
com a base de apoiantes do movimento.
Tal desenvolvimento vivido no seio das organizações de suporte aos movi-
mentos sociais, não parece muito diferente das mutações verificadas nas
organizações partidárias aquando da transformação dos partidos de massas
para os partidos profissionais de eleitores ou catch -all parties. Mas, se a
« burocratização» e « profissionalização» das organizações dos movimentos
tira espontaneidade e informalidade à participação nos movimentos, por outro
lado acrescenta uma maior racionalidade e eficácia na gestão dos recursos e
nas várias actividades associadas ao movimento, o que significa maiores
benef ícios em termos de tempo e êxito para os participantes, e menores custos
em termos de dedicação, esforço e disponibilidade.
O contributo de Tilly para a Charles Tilly ( 1978) é um dos autores que aparece associado às teorias do
teoria da mobilização de re-
cursos conflito, da acção colectiva e da estrutura das oportunidades políticas.
Conquanto a conjugação de ideias e conceitos que empreende o enquadre em
diversas abordagens, parece- nos mais adequado, atendendo ao fundamental
da sua proposta teórica, situá-lo no âmbito da teoria da mobilização de recursos.
CharlesTilly, historiador e sociólogo, investigou a novidade e as consequências
produzidas pela expansão dos média e pelas inovações tecnológicas na estmtura
interna dos movimentos, que foram perdendo a informalidade e a precariedade
organizativa, e reforçando, por volta dos anos 70, a liderança centralizada e os
processos de coordenação em rede.
Pondo em relevo o papel da organização na distribuição, captação e manutenção
de recursos de poder, o autor considera que tais recursos estão distribuídos de
forma desigual e desequilibrada nas sociedades. Todavia, nem sempre a
confrontação e o descontentamento geram necessariamente uma acção
colectiva. Logo, devem estar reunidas uma série de condições que a partir de
um conflito ou de uma injustiça possam levar à acção colectiva, das quais se
destacam: os interesses comuns (união solidária dos interesses comuns na forma

278
::í "
" í ;s

de grupo como solução mais vantajosa e eficaz de defesa desses interesses); a


organização (o grupo precisa de ordem e coordenação na liderança e na
definição de tarefas, pelo que, ou cria uma organização ou tem o apoio de
uma já existente); a mobilização de recursos (a organização precisa de v ários
— —
meios logísticos, financeiros, militares, comunicacionais, etc. para atingir
os seus objectivos); e a oportunidade política (é determinante a escolha do
momento oportuno e favorá vel para intervir em função das condições do
ambiente político).

Em suma, e como sublinha Pasquino: «no momento em que entram em contacto


uns com os outros, os grupos e actores desenvolvem interesses que revelam
quem perde e quem ganha com as várias interacções. Nesse momento, entra
em campo a organização , ou seja, a consciência da pertença a uma identidade
comum e da existência de um tecido conectivo ligando os diversos indivíduos
que compõem um grupo » (Pasquino 2000: 104) . Saliente-se, portanto, que a
organização pode fortalecer ou enfraquecer as conexões intragrupais e facilitar
ou dificultar a mobilização dos recursos e, como tal, apresentar mais vantagens
ou mais custos para a participação na acção colectiva. Este processo depende
ainda da posição e capacidade de intervenção dos órgãos do poder institucional,
os quais podem privar os grupos contestatários de liberdade de acção, ou
reprimir e sancionar os seus participantes, ou mostrar-se mais permissivos ou
ocupados com diferentes prioridades , dando espaço à intervenção de grupos
de protesto. Tudo se joga então na dinâmica de oportunidades, de reacções-
oposições, de eficácia organizacional e de capacidade de mobilização de
recursos, a qual, em cada momento histórico, acaba por decidir os resultados
da acção colectiva.

Também a teoria da mobilização dos recursos foi objecto de in ú meras críticas, Cr í ticas teoria da
mobilizaçã o de recursos
nomeadamente a que Turner e Killian ( 1987 ) dirigiram ao carácter pouco
preciso da noção de « recursos », que, na opinião destes autores, deveriam ser
valorizados também como possibilidades aferidas subjectivamente pelos actores
de acordo com os seus critérios de preferência e parâmetros de significação, e
não tanto como algo de objectivo em si mesmo. Para além disso, deveriam
abranger igualmente coisas como os bens materiais, o apoio explícito e
institucional, o acesso aos média, etc. De outro ponto de vista, alguns autores
(Fireman e Gamson 1979; Zurcher e Snow 1981; Turner 1991), apontaram o
reducionismo da teoria da mobilização de recursos que, ao circunscrever a
decisão de participação na acção colectiva — e, no que nos interessa, nos

movimentos sociais a uma mera lógica calculista-instmmental de custos-
-benefícios individuais, exclui ou desconsidera a dedicação altmísta, a filiação
ideológica como factor motivacional suficiente, a solidariedade com causas e
ideais, as lealdades morais e afectivas.
Por outras palavras, a adesão de um indivíduo a um movimento social n ão
obedece apenas a uma ponderação «economicista» e objectiva de custos e

279
m

benefícios, mas pode também, ou apenas, pressupor e depender de uma adesão


a valores e a princípios, de uma escolha por cumplicidade ideológica, ou do
espírito de missão e de dever. Aspectos, estes, que não têm necessariamente
de ser apelidados de irracionais, pois há uma racionalidade edificante que n ão
se compadece apenas com as vantagens lógicas e egoístas e que, admitamo-
lo, requer até sacrifícios e perdas pessoais a diversos níveis.

Para além destas críticas, e independentemente da abrangência da noção de


recursos, deve ainda referir-se que os movimentos sociais podem conhecer
provações e derrotas mesmo mobilizando os recursos considerados necessários,
dado que a capacidade de resistência, a estratégia de combate ou os ataques
dirigidos a um movimento pelos que a ele se opõem (órgãos do poder político,
partidos pol íticos, grupos de interesses ou de pressão etc.), também influem e
decidem o êxito ou a derrocada de um movimento social. De igual modo,
mesmo sem muitos recursos «objectivos » , um movimento pode afirmar-se e
impor-se pela abnegação e entrega dos seus membros, pela força das suas
convicções e pela sua tenacidade na luta, factores a que a teoria da mobilização
de recursos não parece dar a importância devida.

11.2.3 A teoria da estrutura de oportunidades políticas

Esta teoria, também designada por teoria do processo político, vem na senda
da teoria da mobilização de recursos e, em especial, das ideias de Eisinger
(1973) e de Tilly (1975), nomeadamente a import ância concedida ao ambiente
político e institucional e às oportunidades pol íticas existentes no â mbito do
A teoria da estrutura de opor- desafio lançado ao poder instituído por parte de grupos «provocadores». Com
tunidades pol íticas
efeito, o contexto pol ítico influencia não apenas a criação dos movimentos
sociais mas també m a sua sobrevivência e o sentido das suas actividades ,
dado que é tido como um dos recursos da acção colectiva, quer pelas
oportunidades que proporciona (abertura, tolerâ ncia, disponibilidade para
alianças, etc.) , quer pelos obstáculos que impõe ( repressão, controlo social,
constrangimentos legais, etc.).

Por exemplo, em momentos de crise institucional e de instabilidade social,


política e económica, os grupos de protesto espreitam a oportunidade para
influenciar o poder ou firmar posições e concretizar objectivos. Contam para
essa oportunidade de intervenção e mobilização colectivas, segundo McAdam
( 1998), um conjunto de factores, entre eles: o grau de estabilidade das elites
governantes, a maior ou menor rigidez e permissividade do sistema em termos
de controlo social e exercício da repressão e a correlação de forças entre os
grupos apoiantes e aliados do poder e os grupos e associações contestatários.

280
E evidente que a dinâ mica e o sucesso dos movimentos sociais não se podem
desligar do contexto das interacções desenvolvidas com os outros actores
institucionais e n ão institucionais, sobretudo com os que exercem o poder e
que, por isso, são afrontados ou ameaçados: «como portadores de desafios no
confronto com uma dada ordem pública, os movimentos sociais interactuam
com os actores que gozam nessa ordem de uma posição consolidada. As
características dessas acções recíprocas condicionam quer as formas assumidas
pela acção colectiva quer as suas possibilidades de êxito » (Delia Porta 2003:
138).

Nos anos 80, autores como Sidney Tarrow ( 1985, 1988, 1989) e Doug
Os contributos de Tarrow,
McAdam ( 1988) e, j á nos anos 90, Hanspeter Kriesi ( 1992) , dariam conti- McAdam e Kriesi para a
nuidade a esta teoria, introduzindo novas variáveis decorrentes de diversas teoria da estrutura de opor-
tunidades pol íticas
investigações empíricas. Assim, para estes autores, no processo de acesso aos
mecanismos de decisão política, os movimentos sociais devem considerar certos
elementos ou características (umas mais estáveis outras mais imediatas, umas
formais outras informais ) da estrutura de oportunidades políticas em cada
sociedade, a saber:

• O sistema institucional. Quanto maior for a descentralização adminis-


trativa e territorial e quanto maior for a separação e independê ncia dos
poderes legislativo e judicial face ao executivo, mais hipóteses têm os
movimentos sociais de aceder ao poder e maior capacidade de
mobilização atingem . Para além disso, um maior grau de «coerência
da administração pú blica » ( mais comum nos Estados centralizados)
tende a dificultar o acesso à esfera institucional dos movimentos sociais,
enquanto um elevado grau de institucionalização dos procedimentos
democráticos directos, como é o caso das iniciativas legislativas
populares, referendos, etc., favorece a «entrada » dos movimentos
sociais no sistema formal de poder ( Kriesi 1992: 120-122).

• O sistema estratégico. Este é constituído pelas modalidades a que o


poder institu ído recorre para lidar com os grupos de protesto: repri-
mindo e excluindo, ou aceitando e viabilizando as exigê ncias postas.
A natureza da estratégia dominante, excludente ou integradora, n ão
equivale a nenhum tipo particular de Estado ( mais centralizador ou
mais descentralizador, mais forte ou mais fraco) mas, de qualquer modo,
constituindo um elemento mais informal do processo político, ela não
é absolutamente contingente, pois caracteriza a atitude geral que as
autoridades pol íticas mantêm em relação aos grupos e movimentos
sociais.

• O sistema de alianças e o sistema de conflito, que é composto pelos


actores políticos que apoiam o movimento social e os que se lhe opõem
e o combatem. Ou seja, «enquanto o sistema de aliança fornece recursos

281
e cria oportunidades políticas para os desafiadores, o sistema de conflito
tende a piorar aquelas condições » (Delia Porta 2003: 141). Quanto a
este ú ltimo aspecto, Tarrow ( 1998 ) identificou um conjunto de factores
conjunturais que mudam as condições do sistema político e que
interferem sobre as oportunidades de actuação dos movimentos sociais.
São eles: o incremento do acesso à participação na vida política pública,
nomeadamente através dos processos eleitorais, as mudanças na
estrutura e lógica de alianças da elite política, a posição que aliados
influentes podem tomar em favor dos movimentos sociais, as divisões
e dissenções na elite política que podem facilitar a afirmação da acção
colectiva, a existência de atitudes e mecanismos de repressão, mais
visíveis ou mais sofisticados, que inibam a mobilização colectiva e
aumentem os custos da participação ou a inexistência e inefic ácia de
tais atitudes e mecanismos, de maneira a estimular o envolvimento em
actividades colectivas de protesto.

Estando presentes estes factores estruturais e conjunturais, cabe às estruturas


de suporte da acção colectiva avaliar a melhor oportunidade para actuar, isto
é, a que implique maiores vantagens e menores custos. Saliente-se, ainda, que
a percepção dos actores e a sua intervenção podem desencadear uma dinâmica
e uma mobilização por contágio, originando «ciclos de protesto», visto que os
grupos provocadores ou desafiadores contribuem para tomar mais visíveis as
debilidades do sistema pol ítico e evidenciam novas possibilidades de acção,
que são seguidas ou intensificadas por outros grupos. A noção de «ciclos de
protesto» foi, aliás, definida por Tarrow ( 1998) como « uma fase de inten -
A no çã o de ciclos de pro - sificação dos conflitos no sistema social » caracterizada por uma rápida difusão
testo de Tarrow
da acção colectiva dos sectores mais mobilizados aos menos mobilizados;
uma constante e célere inovação nas formas de confrontação; uma afirmação
de marcos novos ou transformados para a acção colectiva; uma combina-
ção de participação organizada e não organizada; uma sequência de infor-
mação e interacção intensificadas entre dissidentes e autoridades (Tarrow 1998:
142).

A generalização e rapidez do protesto, promovidas por uma elite contestatária


com capacidade de multiplicar as reivindicações e mobilizar a acção de outros
grupos, fazem com que se crie um efeito « bola de neve» de consequências
imprevisíveis , obrigando o sistema de poder vigente a tomar medidas
adequadas, de contenção e repressão do protesto ou de aceitação condicional
e negociada das demandas. De qualquer modo, os grupos menos decididos ao
combate colectivo podem ver no desenvolvimento dos ciclos de protesto uma
oportunidade de intervenção, visto que , ao aproveitarem a « boleia» das acções
de protesto em curso, se reduzem os custos de participação e aumentam as
expectativas de benefícios.

282
Huai

De entre as críticas formuladas à teoria da estrutura de oportunidades políticas , Críticas à teoria da estrutura
sobressai a acusação de reducionismo político , por esgotar no tipo de de oportunidades pol íticas

funcionamento do sistema político e nas condições do ambiente político


envolvente as oportunidades de intervenção ou de desmobilização dos
movimentos sociais, desvalorizando outras variáveis igualmente relevantes
para as decisões de envolvimento colectivo. Para além disso — sendo que
idêntica crítica pode ser dirigida à teoria da mobilização de recursos , a —
teoria da estrutura de oportunidades políticas refere « oportunidades » e
« recursos », mas não define objectivamente o que sejam essas realidades,
remetendo-as apenas para a avaliação, expectativas e ponderação racional dos
actores sociais . Ora, tal capacidade subjectiva ou intersubjectiva dos
participantes pressupõe, como bem assinala Melucci ( 1999), uma outra
capacidade: a de construírem a sua identidade e a do ambiente que os rodeia,
de modo a situarem-se no contexto de um sistema de acção e poderem avaliar
os limites e as possibilidades da sua intervenção. Seja como for, a formulação
dos modelos da identidade social que sustentem uma lógica de acção colectiva
baseada no c álculo de oportunidades e de relação custos-benef ícios inscreve-
se já no domínio das teorias da identidade.

11.2.4 As teorias da identidade colectiva

Segundo Tajfel ( 1971, 1981), o modo de actuação dos membros de um grupo


muda quando eles se sentem parte integrante desse colectivo, visto que o
indivíduo, sob o efeito de uma nova condição de pertenç a, persegue os
objectivos do grupo e, para tal, canaliza nesse sentido o seu comportamento.
Tajfel analisou a identidade social ou grupai nas minorias que constituem os
movimentos sociais, sublinhando que também aí os actores agem de acordo A identidade colectiva e os
participantes nos movimen -
com a consciência que têm do colectivo a que pertencem e dos sentimentos e tos sociais
princípios que incorporam por força dessa condição. Constituindo uma minoria,
os elementos do grupo confrontam-se com a necessidade de obter ou de dar
continuidade a uma identidade favorável , que permita a subsistência do grupo
e inverta a imagem negativa que a minoria, e os valores minoritários que
prossegue, tem junto de grande parte da opinião pú blica. Assim sendo, ou o
gmpo se fecha numa subcultura que garanta a identidade e a motivação interna,
ou desenvolve-se um novo movimento em que a minoria se rebela e exige o
reconhecimento e a aceitação exteriores das suas reivindicações e darespectiva
especificidade identitária.

A defesa e afirmação da identidade dos participantes nos movimentos sociais


já tinham sido pensadas por autores como Turner (1969) e Klapp (1969) , que
viram nos novos movimentos uma resposta à perda da identidade pessoal e

283
social a que conduziram as sociedades massificadas. Com efeito, os movimentos
sociais permitiam ao indivíduo revalorizar-se e reencontrar uma dignidade
entretanto ofendida por processos de exclusão social , de despersonalização e
de isolamento. Processos, estes, que se foram agravando ao longo das décadas
de 80 e 90 do século XX e que passaram a marcar indelevelmente as sociedades
contempor âneas avançadas, caracterizadas pela aceleração tecnológica, pelas
mudanças rápidas, pelo desenraizamento, pelo esvaziamento axiológico, mas
também por exigê ncias de cidadania, de realização pessoal, de auto-expressão
— aspectos que os novos movimentos acolheram nos seus princípios
fundadores e na sua agenda.
O mesmo é dizer: «os novos movimentos sociais parecem servir de pontos de
ancoragem para as pessoas que, no oceano instá vel do nosso mundo, buscam
a terra firme da identidade . A participação em acções empreendidas por
movimentos pode contribuir para consolidar uma identidade mais vigorosa »
(Javaloy, Rodriguez & Espelt 2001: 296). O que é verdade, tanto para os
movimentos sociais que visam recuperar a identidade pessoal perdida ou
alcanç ar uma nova identidade pessoal (como no caso dos movimentos
redentores), como para os movimentos de tipo revolucionário que apostam
sobretudo na construção de uma nova identidade social ou societal.
O movimento social é, ent ão, considerado um actor sociopol ítico que forma,
ou ajuda a formar, a identidade (pessoal , grupai, colectiva) como referencial
As fun ções da identidade de identificação para os seus membros. Este aspecto tem interessantes impli-
colectiva
cações ideológicas, atendendo a que o grupo funciona para o participante como
regulador normativo e pretexto de compromisso. Pois, ao identificar-se com o
grupo de protesto e ao perseguir os mesmos objectivos que o grupo, o adepto
toma suas as ideologias e convicções adoptadas pelo colectivo. É importante
assinalar que a identidade colectiva faz parte do processo de criação dos
movimentos sociais e desempenha diversas funções fundamentais para a sua
sobrevivência e continuidade, nomeadamente: ajuda a definir as metas globais
do movimento e a sua ideologia base ; informa a natureza e tipo de movimento,
distinguindo-o dos outros e dos restantes grupos; cria nexos de solidariedade
intragmpal, dando sentido à pertença e participação, reforçando a capacidade
mobilizadora do movimento junto de potenciais adeptos e sinalizando ( pela
autodefinição , partilha e ac çã o conjunta dos membros do grupo ) as
oportunidades, limites e possibilidades da acção colectiva (Melucci 1989).
A perspectiva de Melucci Segundo a perspectiva «construtivista» de Melucci que retomaremos mais
sobre a identidade colectiva
à frente, a propósito da teoria dos novos movimentos -, a identidade colectiva
representa um processo dinâmico de construção interactiva e define-se ao longo
do tempo, exprimindo as alterações fundamentais ocorridas no seio do grupo
(liderança, metas, organização) e a relaçã o do grupo com a sociedade. Por
outras palavras , Melucci considera a identidade colectiva como um processo
que serve de base para o c álculo dos custos e benef ícios da acção colectiva,

284
I llliiillll iiiiiiiiiiiii

mas que n ão se reduz a uma racionalidade meramente instrumental, podendo


assumir uma forma mais organizada e institucionalizada, com um sistema formal
de regras, códigos e liderança, ou consistir numa estrutura cognitiva que possi-
bilita ao actor vislumbrar os ganhos e as perdas associadas a uma decisão.

Deste modo, são referidas três dimensões da identidade colectiva: uma,


cognitiva, que diz respeito ao conhecimento das condições e objectivos da
acção; outra, interactiva ou relacional, que organiza os fluxos comunicacionais
e «negociais » entre os actores no processo de tomada de decisão; e outra,
emocional, que possibilita aos intervenientes reconhecerem-se e identificarem-
-se entre si e face aos outros colectivos. Em suma, e para este autor, a identidade
colectiva constitui, pois, « um processo através do qual os actores produzem
estruturas cognitivas comuns que lhes permitem valorar o ambiente e calcular
os custos e os benef ícios da acção; as definições que formulam são, por um
lado, o resultado das interacções negociadas e das relações de influência e,
por outro lado, o fruto do reconhe-cimento emocional » (Melucci 1989: 173).
Ora, como algumas dimensões definidoras da identidade colectiva incluem
elementos valorativos e emocionais , que são ponderados na decisão, a
participação nos movimentos não se alicerça apenas na aferição racional de
vantagens e perdas, mas também não acontece por impulsos irracionais.
Compatibilizam-se, isso sim, escolhas instrumentais com interacções signifi-
cativas e opções emocionais.

Podemos concluir que uma das vantagens das teorias da identidade, aplicadas
ao estudo dos movimentos sociais, consiste em conceber a identidade social
de acordo com a normatividade grupai, ou seja, no âmbito das interacções que Cr íticas às teorias da identi -
dade colectiva
os actores sociais desenvolvem no seio dos grupos a que pertencem e que
constrangem e impõem padrões de conduta e valores a seguir. Para além disso,

as teorias da identidade que, sublinhe-se, conhecem orientações diversas,
desde o interaccionismo simbólico ao neomarxismo tentam conjugar a
perspectiva de teor psicologista com a perspectiva sociológica, reunindo quer
os factores individuais , quer os sociais , culturais, políticos e históricos,
compreendendo cada um deles em função da interacção com os restantes,
evitando reducionismos que limitem a complexidade da acção colectiva.

11.2.5 As teorias dos novos movimentos sociais

Podemos identificar duas linhas principais de investigação sobre os novos A investiga çã o norte - ame -
ricana e europeia dos novos
movimentos sociais. movimentos sociais

A primeira enfatiza a dimensão interna dos gmpos de protesto e a sua estratégia


racional de actuação, relacionando os aspectos organizativos e os meios que

285
os movimentos podem mobilizar com as oportunidades pol íticas e o processo
político. Esta orientação teórica foi sobretudo desenvolvida nos Estados Unidos
da Amé rica e procede a uma análise micro-sociológica dos movimentos sociais.

A segunda linha de investigação ganhou adeptos no continente europeu,


surgindo na sequência dos vários movimentos sociais que marcaram os anos
60 e 70 do século XX. Valorizando os factores estruturais que estiveram na
base da transformação das democracias ocidentais e da construção de Estados
providencialistas e economicamente bem sucedidos no segundo pós-guerra,
os estudiosos europeus procuraram explicar os novos movimentos sociais à
luz da confluê ncia e disputa de diferentes modelos culturais e axiol ógicos que
alteraram significativamente as motivações para a acção colectiva, distintas
das que resultavam da conflitualidade de classes e das exigê ncias materialistas,
dominantes nas reivindicações dos movimentos clássicos, como o caso do

movimento operá rio internacional apesar do seu legado ideológico ter tido
acolhimento em vá rios movimentos contempor âneos. Mas, contrariamente à
organização e estilo de actuação do movimento operário e de muitos dos valores
que subjaziam às suas demandas, próprias da contestação aos problemas das
sociedades industriais (« velho» paradigma), os novos movimentos sociais
viabilizaram modalidades de intervenção não convencionais e adoptaram os
valores que se tornaram prementes nas sociedades ditas pós-industriais, ou
seja, os valores pós- materialistas (cf . quadro 11.3).

Quadro 11.3 - Da sociedade industrial à sociedade pós- industrial

Critérios Sociedade industrial Sociedade pós-


-industrial
Actividade Produ ção de bens Serviços e informação
econ ómica principal

Ocupações prepon- Operários e administrado- Profissionais, técnicos,


derantes res serviços

Recurso mais impor- Aproveitamento da energia Conhecimento teó rico e


tante capital humano

Fonte de poder Propriedade do capital e Controlo das novas tec-


controlo do trabalho nologias e acesso ao
conhecimento

Fonte: elaborado a partir de Daniel Bell ( 1973)

286
Assim, os movimentos que nasceram na década de 60 e 70 do século XX
concederam protagonismo a sectores da população que atravessavam as
diferentes classes e estratos sociais (os negros, os estudantes, as mulheres, os
pacifistas ) e cujos interesses passaram a situar-se na procura da identidade
colectiva, na afirmação de valores comunitários alternativos e na defesa do
património cultural e das minorias e seus direitos. De entre os chamados novos
movimentos sociais destacam-se geralmente os movimentos feminista ,
ecologista, pacifista, de luta pelos direitos humanos, de defesa das minorias
étnicas e sexuais, de solidariedade para com os países do Hemisf ério Sul e,
também , outros mais circunscritos , como é o caso dos movimentos de
consumidores, de utentes de serviços p ú blicos e privados, de moradores, etc.

Como bem sintetiza Maria da Glória Gohn ( 1995), estes novos movimentos
sociais «são acções colectivas de carácter sociopolítico, construídas por actores
sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Estes movimentos
politizam as demandas e criam um campo político de força social na sociedade
civil. As suas acções estruturam-se a partir de repertórios criados em tomo de
temas e problemas específicos e em situações de conflitos, lit ígios e disputas.
As suas acções desencadeiam um processo social e político-cultural que confere
uma identidade colectiva ao movimento, a partir de interesses em comum.
Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é constmída a
partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo
grupo » (Gohn 1995: 44). Tal como afirmámos antes, os novos movimentos
sociais a que daremos destaque são aqueles que incorporam uma dimensão

predominantemente política sem, contudo, deixarem de ter preocupações

culturais, axiológicas e económicas , daí que também possam ser deno-
minados de novos movimentos sociopol íticos.

Esta perspectiva teórica consagrará o modelo da identidade que analisámos


atrás, recebendo també m a influê ncia das teorias do conflito e da sociedade de
massas, especialmente de autores oriundos da Escola de Frankfurt , como Jiirgen
Habermas. Mas, também aqui, se porá a questão da identidade no contexto
das sociedades modernas, massificadas, burocr áticas e desumanizadas. Com
efeito, a procura e a construção da identidade colectiva, do comunitarismo e
de novos valores pós-materialistas, como resposta ao fenómeno da alienação,
do utilitarismo e do materialismo, integrarão grande parte das preocupações e
dos trabalhos dos autores que se inscrevem na chamada teoria dos novos
movimentos sociais. Teoria que resulta da reunião de orientações, perspectivas
e contributos de autores origin ários de diferentes escolas de pensamento,
convergindo, contudo, na construção de um novo paradigma teórico em
oposição ou em alternativa ao velho paradigma, tal como se pode observar no
quadro 11.4.

287
IÉII1 I

Quadro 11.4 - Comparação entre o novo e o velho paradigma dos movi-


mentos sociais

Novo paradigma Velho paradigma


CS
CJ
Cr ítica da cultura e da modernização Conformismo cultural ;
'© Crítica da democracia representativa : Conformismo com a democracia re-
©
ra presentativa;
09 Orientação para valores gerais e Orientação para as ideologias em
03
CQ objectivos concretos sentido tradicional

Autonomia pessoal e identidade; Liberdade e seguran ça no consumo


privado e progresso material ;
cz>
dJ
U
Pós- materialismo: direitos humanos , Materialismo: crescimento econ ómico
©
CS
paz, qualidade de vida , trabalho n ão e distribuição, seguran ça militar e
alienante; social , controlo social ;
Obten ção de bens ou benef ícios Obten ção de bens ou benefícios
colectivos individuais

Ausê ncia de estrutura de classe, ainda


Estrutura de classe . Classes econo-
que predominem os membros das
£ micamente desfavorecidas
CS
ca novas classes médias

© Redes informais de interacção; Estruturas formais de interacção;


IC3
CS Organização descentralizada, anti- Organização centralizada, hierá rquica,
mcs N
hierárquica e assemblearia; burocratizada;
w
u> Associações horizontais que praticam Partidos e sindicatos de classe
o a democracia directa

Pol ítica de protesto ; Competição entre partidos pol íticos,


regra da maioria;
O)
TJ
O
Acções para influenciar a opinião
vi
cs
c
ics
p ú blica e os governantes;
c
u cs
^
©
© Acções espectaculares que atraíam a Oposição à acção directa
aten ção dos meios de comunicaçã o
social

Fonte: elaborado por Federico Javaloy et al. ( 2001: 128 ), tendo em conta Offe 1990;
Dalton et al , 1990; Klandermans, 1986; Johnston et al , 1994 e Cohen , 1985

288
' fmCfí s/' . : ®

Assim, determinados em compreender as novas formas de conflito social, os


teóricos dos novos movimentos encontram nas mudanças e efeitos culturais
originadas pelo processo de modernização das sociedades e no surgimento de
valores de auto-expressão, de cidadania e de participação cívica, um quadro
de exigências e solicitações que estão na base de novos focos de tensão e,
consequentemente, na base da formação dos novos movimentos sociais. A
partir dos anos 60 do século XX, multiplicaram-se as manifestações de protesto
de uma geração contestatária, mais informada, mais instmída, mais consciente
dos seus direitos cívicos e também mais sensível a valores e conquistas sociais
diferentes daquelas que tinham marcado o velho paradigma, dominado pelas
motivações materiais, pelo bem-estar económico, pela manutenção da ordem
social ou pela sua total e radical transformação. Nas sociedades ocidentais
mais desenvolvidas, esta geração e as que se seguiram deram origem a
movimentos sociais caracterizados por: Quais as caracter ísticas dos
novos movimentos sociais ?
• Uma nova orientação ideológica anti-sistema, mas muitas vezes assis-
temática e fragmentada, que repudia os modelos políticos tradicionais,
a dominação patriarcal, a democracia « formal » e representativa , o
investimento belicista dos Estados e uma concepção do progresso
assente na produtividade e no crescimento económico a qualquer custo,
ou seja, ofendendo o ambiente e os estilos de vida mais simples, ou
marcados pela ruralidade. Em alternativa, é proposta uma concepção
de democracia participativa e com maior empenha-mento cívico, a
sustentabilidade do desenvolvimento, a consciência ambientalista e
ecológica, a emancipação da mulher e a cooperação pacífica entre os
povos. Esta nova orientação ideológica, marcada mais pela reactividade
e pela oposição do que pela proposição de projectos globais e coerentes,
política e ideologicamente, dirige-se quer contra os modelos culturais,
políticos e económicos dominantes que representam (do ponto de vista
de vá rios movimentos sociais) uma ameaça para o planeta e para a
humanidade, quer contra as políticas domésticas que afectam o
quotidiano e a qualidade de vida imediata dos cidad ãos.

• Um novo sistema de valores, que visa superar o materialismo, o autori-


tarismo, o consumismo, a obsessão pela segurança e bem-estar material,
o conformismo, e afirmar, por sua vez , os valores pós- materialistas
como sejam: a expressividade e a autonomia pessoais, a paz e a
solidariedade entre os povos, a cidadania política, económica e social,
a participação na vida cívica e cultural, a valorização do estético, etc.

• Uma diferente composição social ao nível dos membros dos movi-


mentos, que já não são mobilizados e recrutados de acordo com a
classe social. Aliás, a pertença a uma classe deixa de constituir uma
forte motivação para os indivíduos decidirem integrar um movimento,

289
WÈÈÊÍÊÈÊÈÈÈÊÈÈÊm

dado que este rompe com a fidelização classista e absorve várias


sensibilidades interclassistas (entre elas uma classe média instruída) ,
unidas em tomo de objectivos concretos e que a todos, enquanto
cidadãos, afectam e interessam. Assim, as metas dos novos movimentos
dizem respeito ao ser humano em geral ( nos aspectos mais globais e
mais específicos), à sua dignidade, ao seu desenvolvimento pessoal e
social , à sua relação com o ambiente, à protecção dos seus direitos, à
sua qualidade de vida, independentemente das clivagens de classe ou
divisões ideológicas.

• Novas modalidades organizativas, caracterizadas pela sua enorme


receptividade à informalidade, à desburocratização e à descentralização,
de modo a conseguir atrair mais participantes para o movimento social,
flexibilizar a comunicação, democratizar o processo de tomada de
decisões ( através do recurso a formas de democracia directa) e
proporcionar um maior envolvimento dos membros nas tarefas e
actividades do movimento. Para além disso, é visível um esforço de
maior independência e demarcação face às organizações partidárias,
tidas como os representantes por excelência da política convencional.

• Um novo estilo de actuação, que vai ao encontro das formas não


convencionais de participação política, prescindido cada vez mais da
intermediação levada a cabo pelos partidos políticos e da lógica
corporativa de muitos grupos de interesses ou de pressão. As acções
de protesto dirigidas pela espectacularidade e pela visibilidade
mediática, as iniciativas de sensibilização dos cidadãos, as intervenções
e den ú ncias simbólicas, as mobilizações espontâ neas de contestação,
etc., são agora formas de actuação características do paradigma dos
novos movimentos sociais. Por outro lado, é concedida uma maior
atenção às iniciativas de âmbito local e regional e às temáticas concretas,
sem prejuízo da formulação de propostas sobre questões globais e de
envolvimento internacional, como a poluição do ambiente ou os direitos
humanos.

Refira-se também que, por vezes, as acções dos diversos movimentos são
concertadas e organizadas em conjunto, sem que cada movimento perca a sua
autonomia e identidade próprias. Ainda quanto a esta dimensão, Dieter Rucht
( 1992) considera que os novos movimentos sociais estão mais predispostos a
recorrer a actos de desobediência civil do que a optar por actividades violentas
e violadoras dos direitos fundamentais. A esta estratégia de actuação n ão será
estranha a necessidade de granjear popularidade e credibilidade junto da opinião
pú blica, assim como a de conquistar os favores dos média e conseguir eficácia
política, o que fica facilitado se os novos movimentos incidirem sobre questões

290
concretas e mais próximas dos problemas das populações e intervirem de um
modo «civilizado», sem perderem irreverência e imaginação. No entanto, nos
últimos anos, se observarmos as características do movimento anti-globalização
— e de grupos radicais e extremistas, mais ou menos organizados, infiltrados

nas suas iniciativas , concluiremos que se assiste a uma radicalização
considerável das formas de protesto, onde não raramente se recorre à destmição
da propriedade pública e privada, pilhagens e outros actos de violência.

É importante chamar a atenção, como bem observa Rutch, para duas lógicas
As l ó gicas de ac çã o dos
de acção distintas nos novos movimentos sociais, n ão se devendo, por isso, novos movimentos sociais
tomá-los como um todo e estabelecer num só sentido a orientação da sua
actuação. Desta forma, temos por um lado uma «lógica instrumental » , cuja
estratégia é dirigida ao poder político, procurando alterar as políticas públicas
ou influenciar o processo de tomada de decisões: os movimentos pelo
desarmamento nuclear ou pela defesa do ambiente seguem esta lógica de acção.
Por outro lado, segue uma «lógica expressiva » o movimento social que
ambiciona não tanto o poder nem influir na sua distribuição e exercício, mas
mais a afirmação teórica e a expressão cívica, social, cultural e artística de
identidades pessoais e colectivas, bem como o seu estudo, protecção jurídica e
alteração dos modelos morais e culturais dominantes. Enquadram-se nesta
linha de intervenção o movimento feminista e o movimento pela defesa das
minorias sexuais (Rutch 1992: 228-233).

De entre os autores mais representativos da teoria dos novos movimentos sociais


contam-se , entre outros, Ronald Inglehart, Alain Touraine, Alberto Melucci e
Claus Offe. Apresentaremos em seguida uma breve síntese das ideias destes
pensadores no que a esta temática diz respeito.

J á analisá mos antes o modo como Inglehart (1977 , 1990) relaciona as


transformações sociais , culturais, econó micas , políticas, tecnológicas e
educacionais ocorridas nas sociedades ocidentais do segundo pós-guerra com
a afirmação de um novo sistema de valores , que foi pouco a pouco
ultrapassando os valores materialistas próprios das sociedades industriais que
traduziam as preocupações com a segurança, o bem-estar material, a protecção
social, a defesa militar, etc. A promoção e a express ão social, cultural e cívica
desse novo quadro de valores ditos pós-materialistas — onde pontificam a
O contributo de Inglehart
partici- pação, a autonomia, o prazer esté tico, a qualidade ambiental, a para a teoria dos novos mo-
expressividade e a identidade pessoal, a pertença a redes sociais de solidariedade, vimentos sociais


etc. teriam necessariamente de encontrar outros intérpretes colectivos, outros
actores sociais, portadores de novas orientações axiológicas e capazes de dar
resposta a novos temas com diferentes soluções e estratégias de actuação.

Pois bem, os novos movimentos sociais, com participantes e apoiantes mais


instruídos, informados e formados cívica e politicamente, incorporaram os

291
:
i '

valores pós- materialistas no contexto da sua própria organização interna,


discurso, meios de intervenção, objectivos e preocupações manifestadas. Para
alé m disso, representam também correntes de transmissão mais ou menos
organizadas de novas sensibilidades universalistas (como a defesa da paz e do
ambiente, dos direitos humanos, etc.) e de resposta colectiva a novos conflitos
pol íticos que est ã o na base de exig ê ncias cívicas muito concretas
(reconhecimento na lei dos direitos das minorias étnicas e sexuais, ou a
contestação à instalação de uma f ábrica poluente junto a uma povoação, por
exemplo). Contudo, para que os novos temas e os novos valores tivessem
acolhimento e expressão nos movimentos sociais, foram necessárias duas
condições essenciais. Claus Offe sintetiza-as da seguinte maneira: «em primeiro
lugar, a nova classe média pode permitir-se uma atitude crítica ante os velhos
valores do crescimento e segurança devido ao efeito de saturação derivado do
facto de que os membros desta classe já gozam, em boa medida, de prosperidade
e de segurança; em segundo lugar, os membros da nova classe média tendem
a ser críticos, segundo a teoria de Maslow sobre a hierarquia das necessidades,
porque as pessoas prósperas sentem o desejo de empenhar-se na procura
da auto-realização, de modo a que tanto os objectivos como os modos
de actuação da nova política consigam amplas oportunidades» (Offe 1992:
206).

Para Offe, a explicação adiantada por Inglehart para o surgimento da « nova


política» é inadequada e psicologizante, porque se baseia num estilo concreto
de comportamento e de valoração individual, procurando «exclusiva ou
predominantemente a causa do surgimento do novo paradigma nas condições
de socialização e nas normas e valores de um estrato social particular, quando
o fenómeno a explicar constitui de facto um novo paradigma político com o
potencial para generalizar-se no tempo e no conjunto da estrutura social ( . .. ) »
(Offe 1992: 207). Mas mais: Offe considera ser esta uma explicação que n ão
destaca nos novos movimentos a sua capacidade em conduzir ou precipitar
mudanç as estruturais , nem tem em conta certas realidades próprias das
sociedades industriais avançadas, nomeadamente a ) o facto dos aspectos
negativos decorrentes da racionalidade política e económica dominante n ão
afectarem apenas uma classe social em concreto, tendo efeitos dispersos por
várias categorias ou estratos sociais, porventura muito diferenciados social,
cultural, económica e politicamente; b ) o facto de o controlo e dominação
política e cultural, tal como os métodos de disciplina e enquadramento moral,
já não pertencerem a inst â ncias centrais de poder, encontrando-se este
pulverizado e disseminado; e c ) o facto dos órgãos e estruturas institucionais
do poder político e económico terem criado um sistema fechado que se reproduz
a si mesmo, fazendo com que as oportunidades de transformação desse sistema
surjam e se efectivem no seu exterior. E isto porque as instituições do poder
instituído não só perderam a capacidade de aprender com os fracassos, mas
também de actuar eficazmente sobre as insuficiências e os erros que elas

292
próprias criaram ou permitiram (capacidades autocorrectivas e autoregene-
radoras do sistema).

Outro dos autores mais significativos da teoria dos novos movimentos sociais
é Alain Touraine (1985) , cuja perspectiva teórica assenta em três princípios O contributo de Touraine
fundamentais: o princípio de identidade, de oposição e de totalidade. A identi- para a teoria dos novos mo-
vimentos sociais
dade permite ao actor definir-se e situar-se, numa situação de conflito, face
aos actores oponentes. A oposição faz emergir os adversários, toma manifesto
o conflito e promove a consciencialização dos intervenientes. A totalidade diz
respeito ao sistema social que é objecto de conquista e luta entre os adversários,
ou seja, as classes sociais disputam o sistema de acção histórica e o controlo
da dinâmica de uma comunidade. É este sistema global que define os princípios
e as regras (isto é, os padrões cognitivos, éticos, de racionalidade económica,
etc.) de uma determinada sociedade. Logo, os objectivos primordiais da luta
dos novos movimentos sociais são: questionar, impor ou substituir modelos
culturais de acção, de acordo com as suas convicções e interesses. Outro dos
pressupostos que, segundo Touraine, está na base da formação e acção dos
novos movimentos sociais refere-se à procura de uma identidade verdadeira e
autêntica, que supere a identidade social alienada decorrente do auto-
posicionamento do indivíduo no sistema por efeito da incorporação das pautas
de conduta e valores vigentes. Essa nova identidade, facilitada pelo activismo
e participação nos movimentos , outorgaria també m ao actor social a
possibilidade de delinear o seu percurso pessoal e colectivo. Seria uma
identidade feita da pertença a uma cultura de cidadania e de protesto, de
afirmação pessoal no contexto da acção colectiva e da solidariedade de
grupo.

Importa notar que estes princípios, enunciados por Alain Touraine, estão
relacionados com a noção de sociedade, entendida pelo autor como um sistema
que gera as suas próprias condições de transformação através de uma dinâmica
de conflitualidade entre uma elite dirigente e um conjunto de grupos dominados.
N ão muito longe da herança marxista e da sociologia do conflito, Touraine
(1985) atribuiu a essa elite hegemónica o estabelecimento do modelo cultural
e dos valores ético-morais dominantes, os quais servem os seus objectivos e
permitem controlar social e culturalmente os actores sociais sujeitos a essa
dominação. Por outro lado, caber á aos grupos dominados desencadear
processos de luta e de contestação, de forma a corrigir ou superar o sistema
cultural e axiológico vigente.

Pois bem, ao contrário das sociedades de tipo agrário ou industrial ( política,


cultural e ideologicamente subordinadas a regulações de ordem metafísica e
finalista, moral, natural e histórica) , a sociedade pós-industrial ou « progra-
mada », que começa a consolidar-se a partir da década de 60 do século XX ,
parece evidenciar uma enorme capacidade de auto-produzir, distribuir e difundir

293
W Ê fflfflfflmfflfflfflfflfflmmmm

bens simbólicos , crenç as, representações e informação, a um ritmo quase


incontrolável e sem a tutela de uma qualquer ordem ou entidade superior.
Percebe-se assim que Touraine tenha colocado o palco da confrontação dos
movimentos sociais estritos (e, relacionados com estes, dos movimentos
culturais apostados no questionamento dos valores culturais e éticos
dominantes) na sociedade civil, ou seja, fora do campo específico do Estado.
E na sociedade civil que os movimentos sociais contestam e disputam o domínio
exercido por uma elite política, cultural e económica, ao invés dos movimentos
históricos, que interpelam o Estado no sentido de transformarem ou substituírem
o sistema social global. Deste modo, os novos movimentos sociais re ú nem
aspectos e dimensões dos movimentos sociais estritos, dos movimentos culturais
e dos movimentos históricos, já que questionam o controlo ideológico e cultural
imposto pela elite dominante, põem em causa os valores culturais e é ticos
instalados (patriarcalismo, belicismo, racionalidade instrumental, autoritarismo,
etc.) e visam de algum modo transformar a sociedade, o Estado e as suas
instituições.

Para outro dos mais citados teóricos dos novos movimentos sociais, Claus
O contributo de Offe para a
Offe (1992) , estes são considerados como um elemento essencial da política
teoria dos novos movimen -
tos sociais não institucional , reforç ando a identificação da natureza sociopolítica destes
movimentos: «O campo de acção dos novos movimentos sociais é um espaço
de pol ítica não institucional , cuja existência não está prevista nas doutrinas
nem na prática da democracia liberal e do Estado do bem-estar» (Offe 1992:
174). Segundo o autor, estes movimentos enquadram-se nas formas de acção
política não institucional reconhecidas como legítimas, ao contrário do crime
privado ou do terrorismo, ou seja: «no que respeita aos meios, os movimentos
meramente sociais ( trate-se de seitas, de movimentos que propagam estilos
específicos culturais, tradicionais e de prática de vida) recorrem a formas de
acção perfeitamente legitimadas e reconhecidas, tais como o uso da liberdade
cultural ou a liberdade de praticar uma religião reconhecidas legalmente. No
que respeita aos objectivos, não pretendem conseguir que a comunidade ampla
assuma como próprios os seus valores e pontos de vista específicos, mas
simplesmente pretendem que lhes seja permitido desfrutar das suas liberdades
e direitos » (Offe 1992: 175).

Estes movimentos permanecem no campo da política n ão institucional, não só


porque a sua legitimidade é necessariamente conquistada junto das instituições
do sistema, como os efeitos pretendidos ou por si provocados afectam a
sociedade e as instituições no seu todo e não apenas o grupo ou as organizações
mobilizadas em protesto (cf. quadro 11.5). Para Claus Offe, os mais relevantes
são os movimentos ecologistas, os movimentos em prol dos direitos humanos
e das minorias, com destaque para o movimento feminista, o movimento pacifista
e pela paz e os movimentos sociais de orientação política diversa empenhados
em formas alternativas de produzir e distribuir bens e serviços. Apesar das

294
WÊiZÈmMMÊÊÊÍÊM

diferenças de natureza, meios e objectivos, podem encontrar-se, segundo este


autor, características comuns que qualificam os novos movimentos sociais e
permitem diferenciá-los dos velhos movimentos. Essas características situam-
se ao nível dos conte údos, dos valores, das formas de acção e do tipo dos
movimentos.

Quadro 11.5 - Tipologia das formas de acção não institucional, segundo


Claus Offe

Fins
Não aceites pela Aceites pela
comunidade comunidade
Meios/actores
Não reconhecidos como
leg í timos pela comuni- crime privado terrorismo
dade

movimentos
Reconhecidos como le- socioculturais cm favor movimentos socio
gítimos pela comunidade de práticas religiosas pol íticos

Fonte: Claus Offe ( 1992: 175 )

Quanto aos conteúdos ou temas eleitos pelos novos movimentos sociais, eles Caracter ísticas comuns dos
abrangem uma heterogeneidade de questões, como a identidade sexual, cultural, novos movimentos sociais
étnica e linguística, ou o sentido do progresso económico e a sobrevivência da
humanidade e do planeta. Porém, apesar da diversidade temática, nota-se uma
insistência em assuntos relativos a aspectos não materiais da vida individual e
social, isto é, que digam sobretudo respeito aos direitos e deveres de cidadania,
à fruição intelectual e artística, à qualidade ambiental, à convivência pacífica e
solidária entre indivíduos de diferentes etnias, origens sociais, opções sexuais,
credos religiosos, filiações ideológicas. J á no que concerne aos valores
veiculados pelos novos movimentos sociais , contam-se, entre outros: a
autonomia, a descentralização, a liberdade, a democratização, a expressividade,
a espiritualidade, a felicidade individual, a participação em todas as esferas
da vida pessoal e social, e a defesa e a promoção da identidade pessoal e
colectiva.

295

V
Em relação às formas e modos de actuação, que em Offe abrangem a dimensão
organizativa interna e o modo externo de actuação, os novos movimentos
distinguem-se quer pela informalidade, igualitarismo, descontinuidade das suas
redes de voluntários , ajudantes e membros efectivos que partilham
competências e funções entre si de uma maneira muitas vezes indiferenciada e

pouco hierarquizada , quer por uma actuação externa mobilizadora de um
grande n ú mero de pessoas (manifestações, desfiles, etc.) e com forte impacto
junto da opinião pú blica , recorrendo para tal a acções n ão convencionais e
simbólicas, merecedoras de cobertura mediática. Outro aspecto que caracteriza
o estilo de actuação dos novos movimentos sociais é a sua dificuldade em
estabelecer compromissos, negociações e alianças de ocasião com o poder
instituído. Isto faz com que actuem sobretudo em resposta a princípios,
convicções e reivindicações e sem cedê ncias , o que pode conduzir à
radicalização do discurso e das pr áticas de intervenção (cf . quadro 11.6).

Esta posição de recusa da negociação e a afirmação irredutível das suas


exigências suscitou várias cr
íticas por parte de políticos e teóricos identificados
Cr íticas às formas de actua- com o velho paradigma. Para estes, as acções dos novos movimentos sociais
çã o dos novos movimentos são vistas «como algo que se deve a atitudes irracionais, afectivas, estreitas,
sociais
imaturas , incompetentes e irresponsáveis politicamente, considerando como
contraproducentes as suas tácticas, mesmo quando reconhecem que s ão
legítimas algumas das suas reivindicações. A objecção principal é que os
movimentos são incapazes de negociar e elaborar compromissos» (Offe 1992:
179).

Finalmente, quanto aos actores envolvidos nos novos movimentos sociais, é


de referir que os participantes n ão se revêem nas dicotomias políticas
tradicionais (esquerda-direita, por exemplo), nem nos critérios de classe (classe
operária-classe burguesa, por exemplo). Estas categorias políticas e sócio-
económicas parecem já n ão ser relevantes para explicar a pertença aos novos
movimentos e a sua composição social, pois estes valorizam agora outras
categorias, como o sexo e a idade ou, simplesmente, a Humanidade, atendendo
a que existem temas e problemas que interessam a todo e qualquer ser humano,
como é o caso das questões ambientais ou da paz. Contudo, e como adverte
Claus Offe, a base social destes novos movimentos não é assim tão heterogénea
política e sócio-economicamente, situando-se ao longo de três segmentos ou
substratos sociais: « 1. A nova classe média, especialmente aqueles elementos
que trabalham em profissões de serviços humanos e/ou no sector pú blico; 2.
Elementos da velha classe média; 3. Uma categoria da população formada
por gente à margem do mercado de trabalho ou numa posição periférica em
relação a ele ( tal como oper ários desempregados, estudantes, donas de casa,
reformados, etc.) » (Offe 1992: 181).

296
WiÊÊÊÊÊm, Hi

Quadro 11.6 - Estratégias e formas de acção predominantes em alguns


NMS

Estratégias Modalidades de
Movimento Estratégia geral
concretas
Movimento estu - Ambivalente Pressão extraparla Congressos; manifes-
dantil mentar ? tações, bloqueios e
Confrontação; de- festas
safio contracultural
Movimento de mu- Orientado para a Divergência refor- Campanhas de cons-
lheres identidade mista; desafio con - ciencialização; mani-
tracultural ; pressão festações; den ú ncias
judiciais
Movimento eco- Orientado para o Pressão parlamen - Campanhas, concen-
logista poder tar e extraparla- trações e manifesta-
mentar ç oes; desobediê ncia
civil ; petições; confe-
rê ncias de imprensa;
den ú ncias judiciais;
pressão
Movimento paci- Orientado para o Pressão extraparla- Campanhas, reuniões
fista poder mentar e concentrações; mar-
chas, petições ; deso-
bediê ncia civil
Movimento anti - Orientado para o Pressão extraparla- Acções de rua; mar-
globalização poder, nomeada- mentar chas e manifestações;
mente para o sis- desobediê ncia civil ;
tema econ ó mico f óruns e encontros in-
dominante ternacionais;

Fonte: Stock, Pequito e Revez ( 2005 )

Quer isto dizer que, para este autor, a conflitualidade social repercutida nos
novos movimentos sociais situa-se para além do paradigma do conflito entre
uma classe exploradora (capitalistas) e uma classe social explorada (proletários).
Este conflito, típico das sociedades capitalistas industriais, permanece nas
sociedades ditas pós-industriais, juntamente com os actores políticos tradicionais
envolvidos nessa confronto: elites detentoras do poder político e económico e
estruturas representativas dos trabalhadores (sindicatos, partidos operários).

297
. II I

Porém, se o movimento operário não se extinguiu, os novos movimentos sociais


já não espelham a luta de uma classe social homogénea (proletariado industrial),
expressando, antes , alianças sociais e interesses que atravessam as diversas
classes e os novos substratos ou categorias sociais. Para além disso, «as
exigências não são algo específico de uma classe, pois tem um forte teor
universalista ou, ao contr ário, muito particularista, sendo, por conseguinte, ou
mais ou menos envolventes e ‘categóricas’ que as reivindicações de classe»
(Offe 1992: 197 ).
/
# # #

E de notar, ainda, a possibilidade de uma coexistência ou «correlação positiva»


entre o velho e o novo paradigma dos movimentos sociais48 , dependendo de
cada situação em concreto o posicionamento e o comportamento do indivíduo
face à acção colectiva, ora adoptando valores e objectivos de tipo materialista
e participando de forma convencional , ora seguindo valores e objectivos pós-
materialistas e exprimindo-se de modo n ão convencional . Nesta perspectiva,
recusa-se o antagonismo e a incompatibilidade entre os dois paradigmas, já
que o cidad ão pode fazer uso de um largo repertório de acção pol ítica,
adequando-se com flexibilidade ao que está em jogo e à sua motivação em
cada contexto particular. Todavia, Claus Offe coloca algumas objecções a
esta tese, afirmando, entre outros aspectos, que uma tal correlação positiva
tende a ser provisória , transitória e variável segundo as diferentes categorias
sociais.

O contributo de Melucci Para Alberto Melucci ( 1988, 1989), as sociedades pós-industriais ou da


para a teoria dos novos mo-
vimentos sociais
informação desinvestiram da produção material e revolucionaram a produção
simbólica e informativa, cujos meios e tecnologias associadas favoreceram a
existência de variadas entidades (estatais e outras) reguladoras da liberdade e
expressão individuais e de mecanismos de controlo social que se estenderam
à esfera dos valores pessoais, da privacidade e intimidade (confissão religiosa,
opções sexuais, questão do aborto, da liberalização drogas leves , etc.). Estas
mudanças estão na base de uma reacção levada a cabo pelos novos movimentos
sociais, os quais, como já vimos, desempenham um papel fundamental na
construção de uma nova identidade individual e colectiva, estruturada também
em função dos desafios postos aos movimentos sociais e aos seus adeptos e
membros. Ora, Melucci não reflecte apenas sobre o processo de construção
da identidade, reconhecendo igualmente uma contradição fundamental no
sistema social, entre a promoção da individualização e a necessidade da
uniformização. O que é que isto significa ? Se, por um lado, as sociedades
complexas da informação e da comunicação são sistemas que implicam a
autonomia individual na produção, recepção e processamento dos conte údos,
tal como a canalização desses conte údos de acordo com a heterogeneidade
dos públicos e das categorias sociais; por outro lado, as novas formas societais
precisam também de incorporar os indivíduos e controlá-los cultural, simbólica

298
e ideologicamente, de modo a que sistema social funcione segundo certos
padrões e os actores não se tornem desviantes, improdutivos ou disfuncionais.

Atendendo à importância que assumem as questões culturais e simbólicas numa


sociedade dominada pela informação, os novos movimentos sociais dirigem a
sua acção e definem os seus objectivos fundamentalmente no sentido de
questionar e contrariar as lógicas dominantes e institucionais ao nível dos
recursos culturais (da sua produção, distribuição e apropriação), oferecendo
alternativas de interpretação e intervenção sobre a realidade social ( novos
códigos, novos valores, novas construções identitárias). Neste processo, a
dinâmica dos novos movimentos n ão deve ser vista como um fenómeno
objectivo, homogéneo e unitário de acção colectiva, pois ela pressupõe um
sistema de acção interactivo e complexo, isto é: um conjunto de interacções
entre actores que se solidarizam em torno de objectivos e interesses, os quais
decorrem, por sua vez, de uma avaliação dos limites, dos recursos e das
oportunidades em jogo. A acção colectiva é pois «construída» interactivamente,
promovendo valores e metas de modo a que os indivíduos e organizações
envolvidos reconheçam vantagem nessa solidariedade, bem como nos deveres,
actividades e obrigações definidos por cada movimento.

Uma das modalidades desta acção colectiva será então constituída pelos
movimentos sociais, que percorrem uma fase de «latência» (formulação das
propostas e preparação para a acção) e uma fase manifesta ou visível
(mobilização e confronto efectivos). Melucci (1985) denomina os movimentos
de « áreas de movimento», ou seja , redes de interacções entre indivíduos e
grupos que invertem os padr ões culturais e simbó licos institu ídos e
experimentam novas significações, novas propostas axiológicas, novos códigos
de acção social . É aqui que se estrutura a identidade colectiva, num contexto
de trocas e vivências emocionais, cognitivas e culturais , face aos desafios de
conflitos exteriores ou problemáticas sociais e culturais pertinentes.
V

A teoria dos novos movimentos sociais na sua versão europeia são apontadas
algumas críticas, entre elas as dificuldades em validar com estudos empíricos Críticas à teoria dos novos
movimentos sociais
muitas das hipóteses teóricas formuladas e sustentadas, ao invés da linha de
investigação norte-americana dos movimentos sociais, cujas teses deram
pretexto para in ú meros trabalhos empíricos. Igualmente referida é a excessiva
atenção dada aos elementos e variáveis estruturais da acção colectiva em
detrimento dos aspectos e condições micro-estruturais, micro-organizativos e
motivacionais, que ajudam a explicar o funcionamento interno e as lógicas de
mobilização dos movimentos sociais.

Do outro lado do atlântico, tais insuficiê ncias foram colmatadas com alguns
estudos e perspectivas construtivistas, de natureza psicossocial, de que é
exemplo o trabalho de David Snow (1986) e respectivos colaboradores. Este

299
tipo de abordagem reconhece a import ância dos elementos organizativos e
estruturais, mas valoriza sobretudo os aspectos expressivos, simbólicos e as
representações culturais dos participantes nos novos movimentos sociais e
analisa psicossocialmente o processo dinâmico e interactivo que explica a
mobilização dos actores e a sua integração nas organizações e movimentos
sociais. Este « regresso » aos factores psicossociais — somado à ê nfase
construtivista, traduzida na import ância atribuída às motivações, partilha das
crenças, construção social do significado da participação colectiva, formação
da identidade, etc.
movimentos.
— tem marcado as análises mais recentes dos novos

Tais an álises, em vez de exclu írem a linha mais micro-sociológica da teoria da


mobilização de recursos e do processo político (que destaca a organização e
funcionamento interno dos movimentos sociais e as lógicas estratégicas da
acção social ) ou a linha mais macro-sociológica da teoria dos novos movi-
mentos sociais (que evidencia as condições estruturais, as mudanças sociais,
os modelos culturais e axiológicos) procuram, antes, compatibilizá-las. Deste
modo, abrange-se a complexidade do fenómeno da acção colectiva e explica-
te o processo que relaciona as condições estruturais favoráveis com as
motivações dos actores, as interacções que se criam, as soluções organizativas
que produzem, os valores e os objectivos sociais que geram e o sentido e as
modalidades da mobilização e participação colectivas concretas.

Ap ós a explicitação do conte ú do e da identificação dos autores mais


significativos, segue-se um resumo das principais teorias contemporâneas sobre
os movimentos sociais.

300
WÊÈÊÈÊÊÈiS?^
'
"
i HW HPI! mmÊÊmÈMmMmtmÊmi

Quadro 11.7 - Teorias contemporâneas dos movimentos sociais: um


resumo

Teorias Principais características

A acção colectiva tem por base n ã o a existê ncia de interesses


comuns ou de grupo, mas antes as motivações individuais. Daí
Teoria da ac ção
a importâ ncia assumida pelos incentivos ou benef ícios
colectiva
selectivos destinados a mobilizar de forma diferenciada os
indiv íduos para a acção colectiva.

Teoria da mobi - A formação, o ê xito ou o fracasso dos movimentos dependem ,


lização de recur - em grande medida, dos recursos dispon íveis e das relações que
sos os movimentos desenvolvem com outros grupos.

A emergê ncia e desenvolvimento dos movimentos sociais


Teoria da estru-
dependem , fundamentalmente , da estrutura de oportunidades
tura de oportu -
políticas: grau de abertura do sistema pol ítico , tipo de elites,
nidades pol íticas
configuração do poder, etc.

O movimento social é considerado um actor sociopol ítico que


ajuda a formar a identidade ( pessoal , grupai , colectiva). Os
Teorias da identi -
movimentos sociais permitem ao indiv íduo construir ou recu -
dade
perar a identidade ameaçada pelos processos de modernização
das sociedades ocidentais.

Os movimentos sociais surgidos nas sociedades pós- industriais


são formados sobretudo pelos membros das novas classes
Teoria dos novos
médias, motivados por preocupações relacionadas com a
movimentos so - qualidade de vida e a identidade pessoal e colectiva, e n ão já
ciais
por preocupações meramente materialistas ou de tipo eco-
n ó mico.

Fonte: Sotck, Pequito e Revez ( 2005 )

301
« IIymgs&mgfsmpfgím
WMS& í

Percursos de autoverificação

• Identifique as condições e factores do comportamento colectivo


segundo Smelser.

• Confronte as teses funcionalistas e a teoria coactiva da integração social


quanto ao papel e importância concedidos ao conflito.

• Explicite o contributo de Coser para a teoria da privação relativa.

• Problematize a solidão social dos cidadãos como móbil de participação


nos movimentos sociais.

• Distinga entre bens colectivos e incentivos selectivos.


• Relacione a participação na acção colectiva com a ponderação custos-
benef ícios.

• Explique a importância do ambiente político e institucional no contexto


da teoria da estrutura de oportunidades políticas.

• Determine a importância da identidade social para os participantes nos


movimentos sociais , de acordo com as teorias da identidade.

• Desenvolva a perspectiva de Melucci sobre a identidade colectiva.

• Compare a linha de investigação norte-americana e europeia sobre os


novos movimentos sociais.

• Caracterize a composição da base social dos novos movimentos sociais,


segundo Offe.

• Explique a coexistência ou «correlação positiva» entre o velho e o


novo paradigma dos movimentos sociais.

• Justifique, de acordo com Melucci, a contradição entre a promoção da


individualização e a necessidade da uniformização.

Exercícios

• Elabore um quadro comparativo que inclua, por palavras suas , as


críticas endereçadas às diversas teorias «clássicas » dos movimentos
sociais.

302
MMNHHNHI

• A partir do visionamento do filme Nascido a 4 de Julho , de Oliver


Stone (EUA, 1989) , problematize os seus conteúdos fundamentais à
luz das teorias da acção colectiva, da mobilização de recursos e da
estrutura de oportunidades políticas.

• Construa um esquema onde sintetize os contributos fundamentais de


Inglehart , Touraine e Offe para a teoria dos novos movimentos sociais.

• Pesquise na Internet e na literatura especializada de modo a identificar


movimentos sociais portugueses contemporâ neos que correspondam
à caracterização geral dos novos movimentos sociais, de acordo com
os seguintes critérios: temas, ideologias e valores, composição social,
formas de organização e estratégias de actuação. Fundamente as suas
opções.

303
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12. Génese, Desenvolvimento e Triunfo dos Novos


Movimentos Sociais
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V. :
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::

12.1 Como surgem os novos movimentos sociais?

Os novos movimentos sociais n ão se formam nem se impõem historicamente


ao acaso, constituindo, antes, uma das respostas e reacções possíveis a diversos
problemas de ordem social , política, económica, cultural e religiosa de âmbito
local, regional, nacional e internacional . Para tal, envolvem múltiplos actores
e representam uma modalidade de acção colectiva que tem em conta os factores
ambientais que obstaculizam ou favorecem o seu aparecimento, desenvol-
vimento e alcance dos seus objectivos. Resultam, portanto, de uma combinação
de diversas condições e factores , de que se destacam: a natureza dos valores Os factores que favorecem
o surgimento dos novos
dominantes numa época, a intensidade da conflitualidade social, o tipo de movimentos sociais
Estado, as estratégias de actuação dos partidos políticos, a existência de crises
económicas, as medidas sociais tomadas por um governo, entre muitos outros.

Identificaremos, no ponto que agora se inicia, as principais condições que


propiciam ou favorecem a formação dos novos movimentos sociais, para depois
indicarmos os factores que permitem explicar a participação dos indivíduos na
acção colectiva.

12.1 . 1 Condições para a formação dos novos movimentos sociais

A) As condições estruturais

Como foi dito atr ás, a emergê ncia dos novos movimentos sociais teve lugar
no contexto das sociedades industriais avançadas. Após a Segunda Guerra
Mundial deu -se a reconstru ção econó mica de muitas das democracias
ocidentais, assistindo-se a uma fase de crescimento e prosperidade económicas
nas décadas de 50 e 60 e a uma melhoria generalizada do nível de vida dos
cidadãos. Pode dizer-se, assim , que o Estado do bem-estar beneficiou de um
clima de paz e estabilidade política, marcado por uma elevada produtividade e
consumo de massas, bem como pelas inovações e alterações que os avanços
na tecnologia e na ciência trouxeram ao quotidiano das populações (transportes,
televisão, etc.). A consolida çã o do welfare
state e os novos movimen -
tos sociais
Com efeito, a partir do final da década de 40 e do início da década de 50 do
século XX , o Estado assumiu, em alguns países da Europa Ocidental, uma
estratégia ou orientação qualificada comummente como welfare state (Estado-
providência). Ora, o welfare state teve como objectivo central assegurar a paz
social e a igualdade através da garantia de condições mínimas de subsistência
económica aos mais necessitados, nomeadamente através de rendimentos
mínimos e da segurança social, protegendo os cidadãos das contingências da

307
illlillllllll ill

velhice, doença, desemprego, etc. A finalidade do welfare state foi, por


conseguinte, a de assegurar condições de vida mínimas a todos os cidadãos,
evitando crises e revoltas sociais. As duas modalidades típicas de intervenção
pública do welfare state, com diferenças específicas de governo para governo,
foram a organização dos serviços pú blicos, como escolas, universidades,
sistema de saúde, etc., oferecidos gratuitamente ou a custos inferiores aos do
mercado, por um lado, e, por outro lado, a transferência de fundos para os
indivíduos e famílias através do sistema de providência, seguranç a social,
subsídio de desemprego, etc. (Mela 1999: 95). Isto fez com que os Estados
aumentassem a despesa pública, afectando fatias substanciais dos orçamentos
para os serviços e intervenção sociais, criando também uma outra categoria
social, os «dependentes públicos», em função do crescimento do funcionalismo
público e da máquina burocr ático-administrativa do Estado.

Outra consequência do welfare state traduziu-se no facto de a classe operária


e de os trabalhadores em geral terem aceite, pouco a pouco, o sistema econó-
mico capitalista, refreando assim os seus ímpetos progressistas e de revolução
social e política, ao mesmo tempo que as reivindicações reformistas, que não
punham o Estado e o sistema económico capitalista em causa, começ aram a
ter maior acolhimento. Deu-se , pois, uma melhoria do nível de vida dos mais
desfavorecidos e a redução da conflitualidade social e política favoreceu
melhores índices de desenvolvimento, de modo a alimentar a vasta máquina
pú blica do welfare state . Ora, esta conjuntura social e económica permitiu a
satisfação das necessidades materiais mais elementares de uma grande parte
da população dos países ocidentais desenvolvidos, tomando prementes as
exigências que iam ao encontro de outro tipo de motivações, como a realização
pessoal, a liberdade de expressão ou a qualidade de vida, ou seja, preferências
de carácter pós-materialista. Ao mesmo tempo, o clima de estabilidade e de
paz social , o aumento dos níveis de instrução e informação dos cidadãos e a
difusão dos meios de comunicação social de massas não só facilitaram uma
maior consciencialização crítica face aos novos problemas, como ajudaram a

que os grupos de protesto mais instruídos, gozando de uma condição social

e económica menos precária e mobilizados por novos valores conseguissem
promover e difundir as suas causas e ideais , desencadeando acções de
contestação tendo em vista a cobertura dos média e o impacto junto da opinião
pública.

Contudo, se a década de 50 do século XX foi marcada pela estabilidade social


e prosperidade económica, favorecidas pelo triunfo dos Estados «assistenciais»,
os anos 60 representaram uma reviravolta no sistema de valores dominante,
pois começaram a fazer-se sentir os problemas colaterais negativos, associados
a um modelo de desenvolvimento que se revelava incapaz de garantir a
sustentabilidade e o equilíbrio. Assim, o lado « negro» do crescimento
económico de muitas sociedades ocidentais depressa veio ao de cima, ganhando

308
Illllllll

visibilidade os problemas da pobreza urbana , das assimetrias sociais , da


discriminação racial, das condições de vida nas grandes cidades, da corrida ao
armamento, etc. Com efeito, tratou-se de uma década em que se conjugou a
permanência de uma fé no progresso ( apesar de menos incondicional ) e a
prioridade do bem-estar material com o questionamento crítico das estruturas
sociais, políticas e económicas do welfare state e a emergência de novos valores,
com destaque para a auto-realização pessoal , a participação cívica e política e
a qualidade de vida. Estas tendências prolongaram-se e consolidaram-se
durante as décadas de 70 e 80, dando-se paulatinamente uma viragem nas
preocupações e interesses fundamentais dos cidadãos ocidentais, cada vez
mais empenhados e sensibilizados na defesa de causas e valores pós-
materialistas, centrados na auto-realização pessoal e também na cooperação e
convivência inter e multicultural , na defesa da paz e do ambiente. Temas que
serviriam de mote e de pretexto para o surgimento e continuidade dos novos
movimentos sociais.

Outro conjunto de condições estruturais que esteve na origem dos novos


movimentos sociais prendeu-se com os desequilíbrios, transformações e
rupturas sociais, culturais, económicas e mentais originados pelo processo de
modernização das sociedades industriais, nomeadamente no que respeita à Os processos de moderni -
especialização, flexibilidade e mobilidade profissionais, à atomização da vida zaçã o social e a formaçã o
dos novos movimentos
social , à existência de novas linhas de divisão social , ao recrudescimento dos sociais
pobres nas grandes metrópoles, ao reforço do multiculturalismo, localismo,
consumismo, competitividade, etc. Estas novas circunstâncias e as mudanças
que lhe estão directa e indirectamente associadas originaram situações
complexas de conflitualidade, de desadaptação, de degradação social ,
motivando a criação de redes de solidariedade e de defesa de valores
minoritários e de protecção da diferença, interpretados por novos actores
colectivos: os novos movimentos sociais. De sublinhar que a teoria dos
movimentos sociais que melhor aborda as condições estruturais que subjazem
à formação dos novos movimentos sociais parece ser a teoria das tensões
estruturais, pois relaciona a origem dos movimentos com a existência de
problemas e conflitos estruturais.

B) Condições pol íticas

As condições pol íticas também são determinantes no processo de formação


dos novos movimentos sociais, pois a existê ncia de um conjunto de
oportunidades políticas favoráveis ou a presença de constrangimentos políticos
estruturais — como um aparelho de Estado especialmente repressivo e que
mova perseguições a activistas e dirigentes de grupos e organizações contrários A estrutura de oportunida -
à actuação de um governo — podem, entre outros aspectos, precipitar ou
adiar a criação de um movimento social.
de pol ítica e a formação dos
novos movimentos sociais

309
O tipo de regime político ( regimes democr á ticos versus regimes n ão
democráticos) é, muitas vezes, uma condição decisiva para a constituição de
um movimento social. Por razões opostas, quer os regimes totalitários e
autocráticos , quer os regimes liberais e democr áticos, podem estabelecer
condições propícias à formação dos novos movimentos sociais, apesar destes
surgirem com mais frequência em contexto democrático. Nas democracias
contemporâneas, a possibilidade política e institucional da maioria fazer valer
a sua vontade em eleições livres e competitivas; a existência de liberdade de
expressão e de reunião, o ambiente de convivência plural e de tolerância com
a diferença de opinião; as funções de informação, denúncia e consciencialização
da opinião pública desempenhadas pelos média; a prática de políticas de
concertação dos problemas e conflitos; tomam menos premente a presença de
movimentos sociais revolucionários e extremistas que reivindiquem mudanças
sistémicas ou alterações profundas na organização social, económica e política.
Ao mesmo tempo, tornam expectá vel a criação de novos movimentos sociais
especializados em temáticas concretas e que preconizem reformas institucionais
e políticas sem, contudo, porem em causa o sistema social, político e económico
no seu todo.

Ao invés, nos regimes de natureza ditatorial e autoritária, os constrangimentos


da interdição ou limitação da intervenção cívica e política organizadas , a
existência de repressão e perseguição dos oponentes e contestatários, a rigidez
e fechamento das instituições políticas, o silenciamento das minorias, criam as
condições para o surgimento de movimentos sociais mais ambiciosos nos seus
objectivos, visto estes visarem muitas vezes o derrubamento do regime e a
instauração de um novo. Isto não quer dizer que mesmo nas democracias
consolidadas n ão se verifiquem situações de ofensas de direitos políticos, de
censura e de obstaculizaçãoà liberdade de expressão, de distorção da
democracia representativa, de centralização burocrática e política que ameacem
direitos adquiridos, limitem a participação política voluntária e comprometam
a autonomia de estmturas representativas dos cidadãos, a ponto de justificar a
constituição de novos movimentos com uma orientação político-ideológica
mais definida.

Do conjunto das teorias dos movimentos sociais, a teoria do processo político


é aquela que atribui maior importância ao ambiente político e institucional e às
oportunidades políticas no processo de formação dos movimentos sociais e
no delineamento das suas actividades. Para esta teoria, como vimos antes, o
contexto ou ambiente político é um dos recursos a considerar pelos grupos
contestatários, quer pelas oportunidades políticas favoráveis que proporciona
( permeabilidade do sistema, jogo de alianças, colaboração estratégica), quer
pelas dificuldades que impõe (excessivo controlo social, interferência no domí-
nio da autonomia e privacidade, medidas legais restritivas e discriminatórias,
etc.). Assim, dentre as várias oportunidades políticas que podem suscitar a

310
Ililiiil

criação dos movimentos sociais contam-se: os per íodos de instabilidade social,


política e económica e de crise institucional, um sistema de controlo social e
de repressão pouco rígido ou ineficaz, os apoios políticos e alianças estabelecidas
com outros grupos e organizações ( partidos, sindicatos, etc.) e, ainda, as
fracturas e crises no seio de organizações já existentes. Na verdade, quando
deflagra uma crise política ou quando as elites põem em causa a governação
ou a permanência de um regime e d ão origem a uma fase de instabilidade
social e política, os movimentos sociais podem sempre «aproveitar» a situação,
reforç ando as suas posições , conquistando espaç o de intervenção ou
radicalizando os efeitos da crise através de actividades desestabilizadoras -
muitos movimentos cívicos recentes procuram a oportunidade de se expressar
e ganhar visibilidade quando se dá ou está eminente a queda de um governo,
ou se vive uma conjuntura de protesto e de insatisfação face a uma situação
social e económica alarmante ou recessiva.

A importância de um baixo nível de repressão e de um controlo social pouco


eficiente foram assinaladas por Neil Smelser (1989) como uma das condições
estruturais que permitem explicar a formação dos movimentos sociais. Com
efeito, a diminuição da repressão exercida sobre os oponentes de um regime,
a eliminação de uma polícia política, o reconhecimento constitucional dos
partidos, a revogação de legislação lesiva de direitos políticos, a existência de
uma imprensa livre e independente, representam oportunidades políticas
favoráveis à constituição de movimentos sociais que, caso essas condições
n ão estivessem reunidas, dificilmente poderiam formar-se e subsistir. Mesmo
em regimes democráticos, onde os aparelhos repressivos perdem a evidência
institucional e é celebrada a liberdade de expressão, existem mecanismos de
controlo dos movimentos sociais de que os governos e outros ó rgãos
institucionais se servem sempre que um movimento possa constituir um factor
de perturbação — desde denegrir a credibilidade do movimento a dificultar,
com os argumentos do interesse pú blico, a mobilização e as estratégias de
actuação do movimento ( veja-se o caso bem recente da organização Women
on Waves e do chamado « barco do aborto », ou a proibição de manifestações
em certos locais) ou a pressionar e influir na liderança do movimento. Enfim,
directa ou indirectamente, os órgãos de poder democráticos podem realizar
diversas operações de efectivo controlo dos movimentos sociais.

Outra oportunidade política que facilita a formação dos movimentos sociais


decorre dos apoios e do sistema de alianças que grupos organizados de cidadãos
recebem ou estabelecem com os órgãos do poder (governo, parlamento, órgãos
do poder local) e com outras organizações ( partidos, sindicatos, ONG’s, etc.),
assistindo-se, não raramente, à aproximação e associação dos partidos políticos
às motivações de movimentos sociais emergentes (defesa das minorias sexuais
e éticas, defesa do consumidor, ecologia, feminismo, etc.), ou dando-lhes apoio
político ou tentando instrumentalizá-los, interferindo na sua liderança. Como

311
bem refere Della Porta: «os movimentos sociais movem-se no seio de um
campo organizativo e interactuam com vários outros actores. Estes encontram
aliados e opositores na administração pública, no sistema de partidos, entre as
associações de interesses e na sociedade civil. Os factores institucionais são
de algum modo derivados de dois conjuntos de variáveis intervenientes: o
comportamento do sistema de aliança e o d o sistema de conflito» (Delia Porta
2003: 141). O sistema de aliança traduz-se nos apoios, recursos e oportunidades
políticas que os actores políticos colaborantes cedem aos grupos de protesto,
enquanto que o sistema de conflito diz respeito aos obstáculos e dificuldades
criadas pelos opositores desses grupos.

Não menos importante é a possibilidade de alguns movimentos nascerem de


cisões, fracturas e revoltas internas no seio de organizações já existentes, devido
à incapacidade que estas demonstram em dar resposta a certo tipo de problemas,
ou pela incapacidade em entender e incorporar novas temáticas. Esta situação
tem-se verificado especialmente com partidos políticos e sindicatos, sobretudo
quando estes não conseguem satisfazer as exigências e reivindicações dos
seus membros, de correntes e tendências internas organizadas ou de clientelas
exteriores. Nestes casos, o extremar das posições conduz , muitas vezes, à
formação de grupos de trabalho e de plataformas organizativas que podem
desembocar em movimentos políticos e sociais. Importa notar que a evolução
destes grupos e organizações, inicialmente emanados de partidos e sindicatos,
está longe de ser linear, pois tais colectivos tanto podem consolidar as caracte-
rísticas de movimento, com a experimentação de estratégias e formas de
actuação não convencionais e optarem por uma lógica organizativa horizontal
e sem uma direcção formal, como podem recuperar o estilo de actuação e as
modalidades de funcionamento interno semelhantes às dos partidos políticos
e sindicatos, vindo mesmo a constituir-se legalmente enquanto tal.

C) Condições culturais e mudança de valores

Atingidos os objectivos da prosperidade económica, da abundância material e


da estabilização da democracia representativa, as sociedades democráticas
ocidentais assistiram, a partir do final da década de 60 do século XX, a uma
mudança progressiva de valores e ao desenvolvimento de preferências pós-
A mudan ç a de valores e a materialistas, que deram prioridade à expressividade, à participação cívica, à
formação dos novos movi -
mentos sociais
liberdade individual, à qualidade de vida, à realização artística e cultural, isto
é: «à autonomia e identidade (com os seus correlates organizativos, tais como
a descentralização, o autogoverno e a autodependência) , em oposição à
manipulação, ao controlo, à dependência, burocratização, regulação, etc.» (Offe
1992: 178). A este propósito, Juan Mesado sintetizou o que há de comum
entre os novos valores e conteúdos que estão na base dos novos movimentos
sociais: «O denominador comum dos que autenticamente se podem considerar

312
novos movimentos sociais parece ser o respeito absoluto pela pessoa, a defesa
de mais amplos espaços de liberdade para o indivíduo, que começa com a
garantia de certos direitos e que se estende à recusa de todas acções ou situações
que podem limitá-la. Daqui a oposição ao racismo, à xenofobia, à guerra e à
violência, ao que afecte a integridade dos indivíduos » (Mesado 2003:
180-181). O que é mais: estes novos valores e conte ú dos, que têm nos novos
movimentos sociais porta- vozes preferenciais, reclamam outras instituições e
mudanças na ordem social , política e moral — sem que isso signifique neces-

sariamente o desenvolvimento de alternativas sistémicas e são particular-
mente sensíveis a uma classe média instru ída, esclarecida, gozando de uma
condição económica confortável e receptiva a novas problemáticas e preocu-
pações.

Porém, alguns autores, entre eles o próprio Claus Offe, questionam a «novidade»
dos supostos « novos valores» interpelados pelos novos movimentos sociais,
assim como a pertinê ncia de se dar por adquirida uma efectiva mudança
paradigmática de valores. Como escreve Offe: «certamente não contem nada
de “novo” os princípios e exigências morais acerca da dignidade e da autonomia
da pessoa, da integridade das condições f ísicas da vida, de igualdade e
participação e de formas pacíficas e solidárias de organização social. Todos
estes valores e normas morais, propugnados pelos defensores do novo
paradigma político, estão firmemente enraizados nas filosofias políticas (assim
como nas teorias estéticas) modernas dos últimos séculos, e foram herdados
dos movimentos progressistas, tanto da burguesia como da classe operária»
(Offe 1992: 213). Deste modo, mais do que uma oposição entre velhos e
novos valores, deverá falar-se de diferentes modos de realização desses valores
e de contradições e choques no interior da mesma constelação moderna de
valores, o que evidencia a incompatibilidade parcial entre certos valores
implicados, como, por exemplo, a relação entre o progresso técnico e a
satisfação de certas necessidades humanas.

Durante a segunda metade do século XX, duas condições culturais que


estimularam a constituição de organizações de oposição e contestação do status
quo e das instituições vigentes nas sociedades ocidentais prenderam-se com a
democratização do acesso à cultura e com a massificação do ensino. Parece
indiscutível que o aumento generalizado dos níveis de instrução da população
dos países mais desenvolvidos, ao reforç ar o conhecimento e a informação
sobre novos problemas sociais, modificou igualmente a percepção cognitiva
da realidade social, permitindo uma maior mobilização e automobilização dos
indivíduos, a que també m n ão foi estranho o papel dos mass media na
consciencialização e sensibilização dos cidadãos para novas problemáticas,
desafios e conflitos, tais como a questão militar, a questão ambiental , o estatuto
das mulheres e das minorias étnicas e sexuais , etc. Como refere ainda Claus
Offe, dois factores contribuíram decisivamente para a correlação entre os

313
elevados níveis de instrução e o aumento do activismo nos novos movimentos
sociais: « Por um lado, com um elevado nível de estudos formais adquire-se
uma certa competência ( da qual se é consciente) para emitir juízos sobre
questões “sistémicas” complexas e abstractas em terrenos económicos, militares,
legais , técnicos e referentes ao meio ambiente. Por outro lado, a educação
superior aumenta a capacidade de pensar (e possivelmente a de actuar) com
independência e a aptidão para questionar criticamente as interpretações e
teorias sobre o mundo que chegam a cada um » (Offe 1992: 215).

Neste particular, merece destaque o papel desempenhado pelas universidades


como autê nticos laborat órios de contestação e espírito crítico e de desenvol-
vimento de formas organizadas de reivindicação (associativismo estudantil )
que deram origem ao movimento estudantil, o qual veio a mostrar-se decisivo
na renovação da instituição universitá ria e no combate ao autoritarismo, ao
sistema educativo burguês , à moral dominante , às tradições e costumes
obsoletos e retrógrados. As novas gerações de estudantes que resultaram do
movimento contestat ário da década de 60 e seguintes, juntamente com uma
classe média instru ída e empenhada civicamente, incorporaram e reproduziram
valores pós-materialistas, os quais foram progressivamente reconfigurando o
sistema de valores das sociedades ocidentais num sentido que se revelou muito
favorável ao aparecimento dos novos movimentos sociais e ao desenvolvimento
das suas actividades.

D) Condições sócio-profissionais

Como vimos, e de acordo com vários estudos empíricos, entre eles os levados
a cabo ou coordenados por Ronald Inglehart, as pessoas que aderem aos valores
pós-materialistas revelam-se mais receptivas no apoio aos novos movimentos
sociais. Mas o que importa também sublinhar é que estes indivíduos « pós-
materialistas» já não pertencem a uma ú nica classe ou categoria social
empenhada na defesa de interesses específicos de classe, como acontecia no
movimento operário. Em vez de uma classe social protagonista da acção
colectiva afirma-se agora uma aliança interclassista, que acolhe elementos de
A base social de apoio dos
novos movimentos sociais
todas as «classes » ou estratos sociais, redimensionando assim a orientação
ideológica e as modalidades organizativas dos novos movimentos. Com efeito,
mais do que a motivações e interesses puramente materiais e instrumentais, a
base social de apoio dos novos movimentos responde sobretudo a preocupações
civilizacionais e éticas, que espelham ou traduzem a « pós-materialidade» e a
confluê ncia universalista de diversas sensibilidades ou o particularismo social
de certos problemas que afectam comunidades ou grupos específicos.

314
** r»

Todavia , sendo certo que essa ampla base de apoio assume um carácter
interclassista e heterogéneo, podemos identificar algumas características
dominantes dos apoiantes dos novos movimentos sociais. Assim , os simpati-
zantes, aderentes e activistas desses movimentos apresentam habitualmente, e
de acordo com os dados fornecidos por alguns estudos empíricos , o seguinte
perfil sociodemográfico e atitudinal: são indivíduos que « pertencem à classe
social media-alta e têm meios económicos mais elevados (ambos os aspectos
favorecem a satisfação das necessidades materiais e de segurança) ; possuem
um elevado nível de instrução formal , que permite uma maior aptidão para a
participação política; são preferencialmente jovens , e, portanto , foram
socializados num ambiente de maior segurança física e económica; a nível
ideológico, simpatizam com a esquerda e apresentam uma baixa religiosidade
(ambas as características reflectem um distanciamento face aos valores
tradicionais e materialistas), e é mais provável que residam em grandes cidades ,
o mesmo é dizer, em contextos mais afectados pela modernização » (Javaloy,
Rodriguez , Espelt 2001: 257).

Compreende-se, assim, que sejam sobretudo os indivíduos que ganharam


estatuto, mobilidade e ascensão social e económica com o triunfo do welfare
state e os seus descendentes que se encontrem mais disponíveis para colaborar
e integrar acções colectivas, as quais vão ao encontro de necessidades ainda
por satisfazer cabalmente: auto-realização, autonomia individual, participação
e expressão, bem-estar comunitário, qualidade de vida, ou seja: «A preocupação
por temas pós-materialistas chegou pela mão das gerações que não tiveram
nunca que preocupar-se com aspectos de carácter económico. Neste sentido
as novas reivindicações chegam das sociedades de classes médias » (Mesado
2003: 179) . Contudo, deve ser sublinhado que n ão foram apenas os jovens
estudantes e a nova classe média instruída que, gozando de condição económica
privilegiada, constituíram a base social de apoio dos novos movimentos sociais.
A estes, Offe somou ainda os grupos « periféricos » ou «desmercantilizados »
(donas de casa, jovens desempregados ou com emprego precário, estudantes,
reformados, etc.) e os elementos da « velha » classe média.

Os primeiros representam um segmento ou categoria social heterogénea que


se expandiu com o desenvolvimento e crise posterior do Estado do bem-estar,
e que se revelou especialmente predisposto para a mobilização colectiva por
efeito das privações e constrangimentos impostos pela sociedade e pelo mercado
de trabalho entre eles , a exclusão de uma participação activa e estável no
mundo laborai e a menor autonomia pessoal na determinação das condições
de vida. Por outro lado, e como sublinha o autor, os membros destes grupos
não se encontram tão condicionados por certas normas e instituições formais
que regulam a vida profissional e social, detendo uma maior disponibilidade e
flexibilidade , o tempo de « n ão- trabalho », que pode ser empregue nas
actividades políticas e cívicas. Claus Offe completa a base social de apoio dos

315
novos movimentos com os membros da chamada « velha» classe média
(camponeses, artesãos, pequenos comerciantes, etc.), os quais se juntam às
acções colectivas de protesto porque as reivindicações e exigências postas
pelos novos movimentos sociais se aproximam ou são compatíveis com as
prioridades económicas daquelas categorias profissionais (Offe 1992: 195-
-197, 216).

12.1.2 Factores que explicam a participação na acção colectiva

Referidas que foram algumas das condições que estão na base da formação
dos novos movimentos, importa agora analisar os factores que propiciam a
mobilização dos indivíduos para a acção colectiva, ou seja, o que leva as
pessoas a participar nos movimentos novos sociais.

A) Os factores individuais e intersubjectivos

Um primeiro conjunto de factores tendencialmente mobilizadores diz respeito


às predisposições individuais e conexões interactivas, onde se incluem: as
características psicológicas e atitudinais dos indivíduos, as suas circunstâncias
particulares de vida e o papel das relações e das redes sociais preexistentes.

As atitudes individuais e a De acordo com os estudos empíricos realizados sobre esta maté ria, a correlação
participa ção nos movimen
tos sociais
- entre a identificação de certas características individuais e a participação nos
movimentos sociais suscita muitas d ú vidas. N ão só as atitudes individuais se
mostram insuficientes para explicar a participação efectiva nas mobilizações
colectivas, como é difícil destrinçar quando é que uma característica individual
é factor de participação e quando essa mesma característica resulta já,
parcialmente que seja , da interven ção na acção colectiva. No processo
interactivo da experiê ncia social e da socialização, um efeito experimentado
de uma acção é muitas vezes deslocado cognitivamente, ganhando para o
indivíduo o sentido de uma predisposição ou motivação para essa acção.
Consideremos o seguinte caso: o altruísmo é uma característica prévia da
personalidade de um indivíduo que o mobiliza para uma acção colectiva de
solidariedade, ou o altruísmo é o resultado do indivíduo ter participado e sentido
os efeitos dessa acção colectiva sobre a sua personalidade? Para além disso, a
identificação de certas características cognitivas e axiológicas comuns a um
grupo não permite prever o comportamento concreto dos membros desse grupo
e, muito menos, o comportamento individual de cada membro, no contexto de
uma acção colectiva.
316
Apesar destas dificuldades, «uma predição mais adequada sobre quando uma
atitude individual favorável à participação se converte em conduta participativa
poderia conseguir-se tendo em conta a acessibilidade de tal atitude. Diz-se
que uma atitude (ou avaliação) face a um objecto é acessível quando existe
uma forte associação objecto-avaliação de forma que a mera presença do objecto
na situação imediata serve para activar a avaliação» (Javaloy, Rodriguez, Espelt
2001: 259-260). Ora, dois factores ou condições colaboram, entre outros, para
a acessibilidade de uma atitude de participação nos movimentos sociais, e
portanto, para que essa atitude se converta com maior probabilidade em conduta
ou comportamento efectivo, isto é, que se concretize em acção. Referimo-nos
às circunstâncias pessoais favoráveis e à preexistência de redes sociais. Com
efeito, são diversas as circunstâncias pessoais que podem facilitar a integração
dos indivíduos nos novos movimentos sociais: a disponibilidade de tempo,
que pode resultar do celibato, de não ter família a seu cargo, de não ter
compromissos afectivos est áveis, de não ter emprego ou de ter um emprego
em part-time ou com horá rio reduzido e/ou flexível, etc; a consciência de
classe ou de grupo; a experiência positiva de activismo e militância em
associações, clubes, partidos e outras organizações; os percursos de socialização
familiar e política abonatórios da participação cívica e da integração em
estruturas organizadas; as experiências pessoais ocasionais de participação
em acções colectivas , tais como reuniões, manifestações , vigílias, etc., que
foram gratificantes e criaram expectativas positivas em relação a uma futura
participação em movimentos sociais.

De entre as referidas circunstâncias propiciadoras da adesão do indivíduo aos


movimentos sociais, destaquemos a pertença a organizações formais: «quanto
maior é o n ú mero de perten ç as organizativas, sobretudo de tipo mais
explicitamente político, maiores serão as probabilidades de um indivíduo
participar, na medida em que dispõe de mais contactos com pessoas empenhadas
numa causa específica e de um conjunto de experiências úteis para uma nova
mobilização» (Delia Porta: 2003: 135). Por outro lado, também a insatisfação
e frustração sentidas pelos indivíduos face às suas condições materiais de vida,
a conflitos específicos e à sociedade em geral, ou relativamente a organizações
mais formais e burocráticas (como os partidos e os sindicatos), podem conduzi-
los a procurar formas de participação alternativas em estruturas e actividades
igualmente organizadas, mas mais dirigidas aos seus problemas concretos,
mais informais, mais potenciadoras da criatividade individual , mais demo-
cráticas e flexíveis, como é o caso das proporcionadas pelos novos movimentos
sociais.

Relacionadas com o que dissemos antes encontram-se as redes de contacto de


grupos informais e associações sociais e culturais, que funcionam como um
importante factor de captação e de recrutamento dos indivíduos para formar

317
H nmm i

As redes de contacto e a par- novos movimentos sociais ou integrar os já existentes. De facto, as redes sociais
ticipa çã o nos movimentos que subjazem aos movimentos, desenvolvem uma teia de contactos que
sociais
penetram os diversos grupos e colectividades e atingem também os indivíduos
sem ou com pouca ligação a esses grupos, criando-lhes disposições, moldando-
-lhes atitudes e dando-lhes pretexto para a participação efectiva na acção
colectiva.

Mas porque escolhem os indivíduos pertencer ou participar nos movimentos


sociais em vez de o fazerem no seio de um grupo de interesses e/ou pressão ou
de um partido político? Entre outras razões, « porque lhes preocupa construir
com outros uma identidade colectiva, assente na mútua confiança, na partilha
de valores, símbolos, horizontes e ainda afectos; uma identidade colectiva
que, renegociada continuamente entre os seus membros, se expressa numa
determinada forma de definir, valorar e dar sentido à realidade e numa
determinada maneira de estar no mundo; e porque consideram mais eficaz, ou
simplesmente inevitável, reivindicar, junto com esses outros , os interesses ou
valores que vêem negados ou ameaçados » (Badia 2001: 397 ). Como é f ácil
de ver, esta justificação mostra-se fundamentalmente devedora das teorias da
identidade.

B) Os marcos de acção colectiva

Outro dos factores que estimula a participação dos indivíduos nos movimentos
sociais é a criação de um marco cognitivo-axiológico-ideológico que permita
percepcionar e interpretar a realidade social ou uma dada situação concreta
como iníqua, injusta, violenta, etc. Quando esse marco ganha dimensão e
expressão colectiva e é partilhado por uma comunidade de indivíduos, falamos
em « marco de acção colectiva », ou seja, um articulado de valores, crenças e
Os marcos de acção colecti-
va e a participação nos no - convicções que norteiam, justificam e legitimam a acção de um movimento
vos movimentos sociais social. Assim sendo, os marcos de acção colectiva não só contribuem para a
avaliação que os indivíduos fazem da injustiça, ilegitimidade, desigualdade de
uma situação ( agress ão ambiental, desrespeito pelos direitos humanos,
promoção da guerra, etc.), como implicam um conjunto de pessoas numa
confluência de atitudes, posições e valores, de que resulta um « nós» feito
dessa solidariedade e identificação, e um «eles » responsável e causador dos
males sentidos.

Para além disso, os marcos de acção colectiva também se caracterizam pela


eficácia que decorre da convicção que os simpatizantes ou aderentes de um
movimento têm quanto ao facto de ser a acção colectiva o meio mais capaz

318
para modificar uma situação tida como injusta. Se tal convicção n ão existisse,
os adeptos dos movimentos, simples simpatizantes ou potenciais participantes
n ão encontrariam raz ão suficiente para decidir mobilizar-se colectivamente e
integrar os movimentos sociais, viabilizando, antes, outras alternativas aos
seus olhos mais eficazes, como seria desistir, conformar-se, ser indiferentes,
etc. Neste propósito de credibilizar a eficácia da acção dos movimentos sociais,
os activistas e militantes dos movimentos desempenham um papel fundamental,
quer pela força persuasiva da propaganda e pelo esforço da sensibilização,
quer pelo testemunho partilhado da sua experiência de participação.

Os marcos de acção colectiva reú nem , pois, representações dos advers ários,
construções da realidade, preferências e valorações, mas traduzem também
mitos e crenças que facilitam o processo de mobilização colectiva dos
indivíduos. Para além disso, conferem ainda significado a propostas e reivindi-
cações, permitindo aos cidad ãos identificarem-se ou reverem-se nas críticas
que são dirigidas ao sistema social , aos seus órgãos e instituições, ou aos
responsá veis por uma situação particular, bem como nas soluções (mais
imediatas e exequíveis ou mais longínquas e utópicas) que são encontradas ou
sugeridas para alterar o estado das coisas tido como problemático, injusto,
incorrecto, conflitual, etc.

C) Os factores internos

Não é de descurar a import ância que tê m alguns factores internos no processo


de mobilização dos indivíduos para a acção colectiva. Aspectos como a flexi- Os factores internos e a par-
ticipa çã o nos novos movi -
bilidade e informalidade organizativas, a espontaneidade de certas acções e a mentos sociais
programação estratégica de outras também promovem as opções de participação
e pertença aos movimentos sociais. Com efeito, os novos movimentos sociais
fazem apelo a um conjunto de modalidades organizativas, métodos de funciona-
mento e trabalho e lógicas de actuação que entram em ruptura com o excessivo
formalismo e a burocratização próprios das organizações partidárias e sindicais,
por exemplo, ao mesmo tempo que aplicam formas de democracia directa e
participativa no processo de tomada de decisões, permitem a adequação das
tarefas às características individuais e interesses dos participantes e abordam
temas considerados ou mais pertinentes ou mais concretos e próximos dos
problemas reais dos cidadãos. Ora, todos estes factores constituem um incentivo
à mobilização colectiva e um estímulo à integração dos indivíduos nos
movimentos sociais.

319
D) O processo de mobilização

O processo de mobilização diz respeito a um conjunto de acções desenvolvidas


pelos activistas, militantes e organizadores dos movimentos sociais e revela-
se um factor fundamental para motivar os simpatizantes dos movimentos sociais
e de grupos e organizações que com eles trabalham, e obter deles, como
resultado, a sua ades ão e a participação nos respectivos movimentos.
Klandermans ( 1997) concebeu o processo de mobilização desenvolvido pelos
movimentos sociais como uma sequência de quatro fases ou momentos
As fases do processo de distintos, a saber:
mobiliza çã o para ac çã o
colectiva
• A primeira fase consiste em formar o « potencial de mobilização» , ou
seja, investir nos indivíduos que correspondam a um determinado perfil
e que sejam susceptíveis, pelas suas atitudes, convicções e caracte-
rísticas pessoais, de se identificar com os objectivos e metas de um
movimento social. Um movimento deve, pois, seleccionar o segmento
ou segmentos da população e da comunidade que quer captar e
sensibilizar, de acordo com condições que os tomem predispostos à
mobilização. Mas para que possam disponibilizar-se para a participação
efectiva, estes indivíduos para além de uma atitude genericamente
favorável ou positiva face a um movimento particular, devem
interiorizar as preocupações deste, concordar com os seus objectivos,
comungar dos seus valores e aceitar as soluções propostas, só assim se
passa da condição de participante potencial (ou simples simpatizante),
para a de participante real (membro e activista).

• A segunda fase diz respeito à formação e activação de «redes de


captação». O processo de mobilização implica o recurso a redes de
contactos aspecto que j á foi referido no contexto dos factores

individuais e intersubjectivos , pois a preexistência dessas redes
permite captar indivíduos para os movimentos sociais e criar-lhes
motivações favoráveis ao envolvimento nas acções colectivas. De facto,
a eficácia do processo de mobilização ficará comprometida se os
simpatizantes e potenciais participantes dos movimentos sociais n ão
puderem ser contactados, sensibilizados e persuadidos, quer a uma
participação mais empenhada e activa, quer a uma adesão formal aos
respectivos movimentos. Para tal, toma-se decisivo o papel dos grupos
informais (amigos, familiares, colegas de trabalho, etc.) e de orga-
nizações mais formais (associações cívicas e culturais, clubes, tert úlias,
etc.). Por vezes, mais do que a extensão da rede de contactos, é a
intensidade e regularidade desses contactos que conquistam e mobilizam
os indivíduos, fazendo com que eles interiorizem os valores e as metas
propostas por um determinado movimento social e compreendam a

320
importância e utilidade da ades ão e do activismo no seio do respectivo
movimento.

• A terceira fase consiste em criar a « motivação para a participação e a


consciência das suas vantagens», ou seja, levar os indivíduos a acreditar
que os proveitos ou benef ícios que advêm do seu envolvimento
compensam os eventuais custos que lhe estejam associados. E uma
tarefa a cargo dos activistas e organizadores dos movimentos sociais,
que devem estar preparados teoricamente e ser capazes de converter
as predisposições favoráveis dos simpatizantes e de outras pessoas
contactadas em actos efectivos de participação. Entre as múltiplas
estratégias a seguir para atingir este objectivo, os activistas devem
mobilizar os recursos necessários para que a adesão tenha efeitos
práticos e para que os benef ícios decorrentes das actividades dos
movimentos (benef ícios selectivos e colectivos) se afigurem superiores
aos custos (pessoais, familiares, profissionais, etc.) ou, pelo menos,
que estes sejam negligenciáveis face às recompensas do empenha-
mento.

• A quarta e última fase prende-se com a «superação dos obstáculos ».


Com efeito, o processo de mobilização não está finalizado, pois a
decisão de participar nos movimentos sociais está ainda dependente
de vários obstáculos ou barreiras que possam inviabilizar ou constranger
os indivíduos já «conquistados » para a acção colectiva organizada.
Entre os obst áculos que evitam que a opção de participar se
consubstancie em comportamento efectivo, contam-se os de natureza
interna, como sejam a hesitação imprevista, a perda ou enfraquecimento
da motivação, o receio da contradição de princípios, o medo de uma
carga policial , etc., e os externos, como a pressão familiar, uma
chantagem profissional , a inacessibilidade do local onde vão decorrer
as actividades, os custos da deslocação, etc . Também quanto a este
aspecto, os activistas e organizadores do movimento social devem
precaver-se de forma a solucionar ou superar estes e outros obstáculos,
intervindo no sentido de que as decisões favorá veis à participação no
movimento se concretizem na realidade: « para que sejam superados
tanto os obstáculos de tipo interno (ou motivacionais) como externos,
os activistas de organizações de movimentos sociais devem aplicar
estratégias que se dirijam tanto a manter e aumentar a motivação (por
exemplo, tratando de influir favoravelmente sobre as pessoas mais
significativas, como os amigos e companheiros) como a mobilizar e a
gerir recursos externos que facilitem a participação (por exemplo, pôr
autocarros ao dispor dos participantes) » (Javaloy, Rodriguez, Espelt
2001: 268).

321
MNÍ !

Uma chamada de atenção, ainda, para a relação entre a participação, status


social e o nível de organização atingido por certas categorias ou estratos sociais,
que ajuda também a explicar o sucesso ou o fracasso do processo de
mobilização dos e para os movimentos sociais. Ora, se é verdade que as
motivações e os recursos individuais são importantes para compreender a
atitude e comportamento demonstrados pelos indivíduos face às exigências
de participação nos novos movimentos sociais, não menos relevantes são os
recursos organizativos dos grupos e categorias sociais e as motivações colectivas
que resultam desse esforço de organização. Por outras palavras, n ão obstante
indivíduos com um estatuto social e económico baixo apresentarem tenden-
cialmente fracos níveis de participação nas acções colectivas, o facto de estarem
inseridos em colectividades e grupos que lhes facultam recursos colectivos
identitáriosTrhptivacionais e organizativos pode contribuir para aumentar os
índices de participação nas actividades relacionadas com os movimentos
sociais.

Em sentido contrá rio, quando as categorias sociais menos favorecidas não


dispõem de estruturas representativas que as defendam e organizem
colectivamente, o status social e económico individual tende a influir de forma
mais significativa nos níveis de participação: « Por exemplo, enquanto nos
Estados Unidos , onde a classe oper á ria est á debilmente organizada, a
participação surge fortemente influenciada pelo status social, isso é menos
evidente nos países em que grupos de indivíduos menos dotados de recursos
materiais estão mais bem organizados em associações e partidos» (Delia Porta
2003 : 134) .

12.2 Como se desenvolvem os novos movimentos sociais?

Se as redes sociais e de contacto constituem uma das condições para o


aparecimento e formação dos novos movimentos sociais (pelo seu papel no
recrutamento de simpatizantes) e um dos factores que facilita a mobilização
(constituindo incentivos e reduzindo os custos da participação), elas são também
um dos elementos caracterizadores da progressiva complexidade organizativa
A complexidade orga - desses movimentos. Com efeito, a solidez e eficácia das redes sociais e a
nizativa dos novos movi -
mentos sociais
existê ncia de uma estrutura organizativa coordenadora das suas actividades,
juntamente com uma lideranç a tendencialmente formal , acompanham o
crescimento e desenvolvimento dos movimentos sociais. À medida que são
endereçadas aos movimentos mú ltiplas solicitações e exigências que implicam
considerá veis meios logísticos, tanto materiais como humanos, aqueles têm

322
necessariamente de ultrapassar a insipiência organizativa, a espontaneidade
de processos e as mobilizações ocasionais

Mas, mais do que criar ou aceitar o apoio de organizações muito formais e


burocratizadas, a tendência do novo paradigma manifesta-se na constituição
de uma estrutura reticular (ou «rede de redes » ) descentralizada, extensível a
um grande nú mero de indivíduos, extremamente flexível e tão próxima quanto
possível da base social de apoio dos movimentos. Trata-se de uma mudanç a A estrutura reticular dos
novos movimentos sociais
significativa nas modalidades de organização interna e de intervenção dos
novos movimentos pois, segundo explicita a teoria dos novos movimentos
sociais, estes são contrários a estruturas hierarquizadas e centralizadas e sensíveis
à informalidade de processos, à flexibilidade de soluções directivas e de liderança
e ao incremento da democracia directa. De facto, as estruturas tradicionais de
suporte dos movimentos sociais revelaram-se muitas vezes instrumentos
condicionadores da din âmica desses movimentos, dirigindo as suas acti-
vidades, gerando e coordenando os recursos e os apoios (tal como preconiza a
teoria da mobilização de recursos), interferindo na liderança e estratégia do
movimento, ou controlando-o política e ideologicamente. Em suma: fazendo
com que este se confundisse com a natureza e propósitos dessas organi-
zações.

Todavia, em cada sociedade surgem novos movimentos sociais que apresentam


diferentes configurações organizativas, umas mais estruturadas e formais e
outras mais flexíveis e informais. Um dos autores que estudou de forma aturada
a «infra-estrutura organizativa» dos movimentos sociais foi Hanspeter Kriesi
( 1993) , sublinhando que estes integram diversos tipos de organizações: desde Os diversos tipos de organi-
zações dos novos movimen -
as «associações do movimento» (grupos de auto-ajuda , voluntariado, etc.), tos sociais
que são criadas com o objectivo de suprir necessidades formativas, sociais e
financeiras e dar assistência aos aderentes (como é o caso de associações culturais
e recreativas, serviços de ajuda e solidariedade, etc . ), passando pelas
«organizações de apoio», constituídas pelas estruturas de suporte logístico,
material e humano do movimento social (tipografias próprias, serviços de
informação e propaganda, acções de formação e sensibilização dos adeptos e
simpatizantes, etc.), até às «organizações do movimento social» que, sendo
mais ou menos formais, tratam da mobilização política dos adeptos do
movimento para acção colectiva tendo em vista a obtenção de determinados
bens colectivos (cf . figura 12.1).

323
Dirigido para os aderentes/clientes
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Dirigido para a autoridade

Figura 12.1 - Tipologia das organizações ligadas aos NMS, segundo Kriesi

Posto isto, importa agora ver os critérios e parâmetros do desenvolvimento


organizativo dos movimentos sociais. Para sustentarem a sua continuidade e
permanência enquanto estruturas organizativas, os novos movimentos devem
apetrechar-se dos recursos ou meios necessários (apoios políticos, política de
alianças, recursos selectivos, donativos, sistema de quotização, edições e
publicações próprias, selecção de dirigentes competentes, sistema de formação
dos aderentes, extensão da rede de activistas , etc.) para o cabal desempenho
das suas actividades e manutenção do funcionamento interno, bem como
estabelecer os objectivos e metas de acordo com o crescimento e a orientação
do movimento. Portanto, o desenvolvimento organizativo de um movimento
social ajusta-se à medida que vão sendo satisfeitas, ou não, as pretensões do
movimento, e em função de alterações de direcção política que possam surgir
no seu seio, motivadas por in ú meros factores, internos e externos.

324
Estas mudanças na linha político-estratégica de um movimento social tanto
podem conduzir à radicalização das opções ideológicas e ao extremar do
discurso, como à descaracterização política ou à institucionalização do
movimento, podendo este transformar-se em grupo de interesses e/ou de pressão,
ou até em círculo de influências tutelado por poderes instituídos e funcionando
como correia de transmissão, mais ou menos camuflada, do sistema institucional
de poder. Será o caso de um movimento cívico inicialmente muito contestatário
mas que por força de continuados apoios governamentais declina o seu poder
reivindicativo e se torna paulatinamente um aliado do governo.

Tendo estes e outros elementos em consideração, Hanspeter Kriesi (1993)


indicou quatro critérios para analisar o desenvolvimento organizativo dos
movimentos sociais. São eles os seguintes: O desenvolvimento organi -
zativo dos movimentos so -
ciais
• o crescimento e o declínio organizativo, cujos indicadores são: o número
de organizações do movimento, o n ú mero de membros do movimento
e os recursos financeiros;

• a estmturação interna do movimento social, que toma como referência


o grau de formalização e de profissionalização da organização;

• a estruturação externa do movimento social, ou seja, a relação das


organizações do movimento social com o ambiente envolvente. Para o
que deve aferir-se, entre outros aspectos, o tipo de dependência que
existe entre o movimento social e a actividade e a disponibilidade dos
aderentes, as preferências partidárias dos activistas e membros e as
alian ç as com actores pol íticos externos aos novos movimentos
sociais;

• as transformações dos objectivos e dos repertórios de acção, sendo


que entre as principais transformações podem contar-se: a radicalização
do discurso, das metas e das práticas originárias; o declínio ou derivação
do movimento social em estrutura de solidariedade e apoio aos
aderentes, tendendo a esgotar-se nesta dimensão; a «comercialização»
de serviços prestados por organizações dos movimentos sociais e
destinados aos aderentes; a institucionalização do movimento no sentido
da aproximação à forma de partido político ou grupo de interesses,
evidenciando a estabilização organizativa, a moderação das reivindi-
cações e das propostas, assim como a cedência à convencionalidade
das formas de actuação (cf . figura 12.2).

325
Dirigido para os aderentes/clientes

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radicalização
Dirigido para a autoridade

Figura 12.2 - Transformações dos objectivos e repert ó rios de acção das or-
ganizações dos NMS , segundo Kriesi

Ainda sobre os repertórios de acção, Claus Offe chama a atenção para o facto
de algumas das formas de organização e acção interna e externa dos novos
movimentos sociais constitu írem limitações ou obstáculos sérios ao seu
desenvolvimento e continuidade, nomeadamente: a informalidade e desconti-
nuidade organizativas, a indiferenciação de estatuto e de papéis entre os
membros do movimento social e a incapacidade de negociação e de elaboração
de compromissos através de uma orientação estratégica sistemática e mediante
pressões organizadas. Ora, e como refere este autor, «isto deve-se a que faltam
aos novos movimentos sociais v árias propriedades das organizações formais,
sobretudo a vigência interna das decisões dos seus representantes, graças à
qual as organizações formais podem assegurar em certa medida o cumprimento
dos acordos de uma negociação política. E também típica a falta de um arranjo
coerente de princípios ideológicos e de interpretações do mundo do qual possa

326
: jpilpllpipipipilllp

derivar a imagem de uma estrutura desejável da sociedade e do qual se tome


possível deduzir os passos a dar para a sua transformação » (Offe 1992:
179-180).

Uma das dimensões que melhor caracteriza as formas de actuação e a lógica


organizativa interna e externa dos movimentos sociais contemporâneos é, sem
d ú vida, a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação. De O recurso dos NMS à s no -
vas tecnologias de informa-
facto, as redes sociais dos novos movimentos estendem-se para além das ção e comunicação
fronteiras territoriais dos países, assumindo muitos deles uma vocação
claramente intemacionalista ou universalista, apesar de constituírem núcleos e
centros de actividade em cada país. De qualquer modo, estejamos perante um
movimento mais marcadamente nacional, regional ou até local, ou perante um
movimento que actua no palco internacional e em várias zonas do globo, é
geralmente reconhecido que as novas tecnologias de informação e comunicação
(de que são exemplo o fax, a Internet, a videoconferência, o correio electrónico,
os telemóveis, etc.) trouxeram a todos eles um horizonte imenso de possibili-
dades de troca de informação, de formação e mobilização dos simpatizantes e
activistas, de concertação estratégica de actividades, de apoio logístico, de
organização de acções e actividades diversas, de contacto com os aderentes,
etc. Portanto, as mú ltiplas necessidades essenciais para a continuidade e
desenvolvimento dos movimentos sociais podem ser em muito supridas com o
recurso a novos suportes de comunicação e informação que garantam mais
eficácia e impliquem menores custos , nomeadamente em termos de tempo e
de recursos humanos.

A Internet , por exemplo , vem permitir aos novos movimentos sociais,


independentemente do âmbito de actuação destes, vantagens comunicacionais
inestimá veis, que se traduzem em maior difusão da informação, alargamento
dos contactos a potenciais simpatizantes e reforço motivacional dos aderentes
atrav é s de documentaçã o actualizada , promoçã o de campanhas de
sensibilização, circulação e interactividade de opiniões, angariação de apoios,
etc. Para além disso, a Internet possibilita a horizontalidade e a informalidade
da comunicação, ao contr ário da verticalidade e do sentido hierárquico da
lógica comunicacional no contexto das organizações formais. N ão menos
importante no quadro da globalização é o espaço de confronto, de pluralismo
e de democracia que a Internet representa e faculta a todos os que queiram
partilhar a rede, sendo que entre esses usuários contam-se os novos movimentos
sociais e os grupos e organizações ainda incipientes ou em formação, que
encontram na Internet um meio privilegiado de aceder a uma imensa e
heterogénea comunidade virtual, muitas vezes receptiva a acções de protesto
e solidariedade.

A utilização do correio electrónico e dos telemóveis tem sido, nos últimos


anos, uma constante dos repertórios de acção de muitos movimentos sociais,

327
servindo quer para fazer chegar de uma forma rápida documentação, quer
para planificar e conceber acções concertadas entre várias organizações, quer
ainda para alargar a rede de contactos e funcionar como um meio prático e
eficaz de mobilização para acções colectivas, como manifestações, vigílias,
etc. E disso exemplo recente a convocação de simpatizantes e adeptos de vários
movimentos políticos e organizações partidárias, sindicais e cívicas para
manifestações de protesto contra o governo espanhol na sequência dos
atentados terroristas em Madrid, em 11 de Março de 2004.

Mas se as novas tecnologias comunicacionais têm proporcionado a afirmação


e desenvolvimento de novos movimentos sociais de matriz ideoló gica
democrá tica e humanista, que promovem a solidariedade internacional em
prol de causas edificantes como a protecção ambiental, a defesa dos direitos
humanos, da paz e da convivê ncia pacífica entre povos e nações, elas têm
também representado um instrumento de luta e meio de divulgação e
propaganda inestimáveis para minorias antidemocráticas e extremistas, neo-
nazis, fundamentalistas, xenófobas, racistas, etc., as quais utilizam a rede para
a manipulação e falsificação da verdade histórica, para acalentar ódios raciais
e perseguições políticas, para semear a intolerância e a violência. Por outro
lado, a visibilidade que a Internet dá a estes grupos e movimentos, contribui,
ao mesmo tempo, para uma identificação mais f ácil das suas ideias, organização,
propostas e actividades , permitindo , consequentemente, desenvolver e
aperfeiçoar o combate político, cívico e jurídico às suas causas, valores e
acções.

12.3 Como triunfam os novos movimentos sociais?

Os movimentos sociais apresentam-se, muitas vezes , como uma forma de


reacção colectiva a um problema ou conflito já identificado e manifestado (a
decisão de um governo de instalar bases nucleares, por exemplo) e, por isso,
as mobilizações colectivas de protesto surgem numa fase tardia ou avançada
de uma situação problemática, quando esta ainda n ão se sanou política e
institucionalmente , mas j á foi reconhecida como tal pelos meios de
comunicação social, partidos pol íticos, opini ão pú blica e grupos de pressão.
Ora, « neste sentido, o movimento ao chegar relativamente “tarde”, tem de dar
prioridade absoluta à mais ampla coligação negativa de forças que estão

dispostas a unir-se ao protesto por particulares ou por muito manifestamente
irreconciliáveis ideologicamente que sejam entre si » (Offe 1992: 223).

Isto significa que, em diversas ocasiões, os novos movimentos sociais


desinvestem do debate ideológico e da elaboração de propostas muito

328
sistematizadas, as quais trariam mais facilmente divisões ou fracturas no seio
do movimento e dificultariam a obtenção de alianças e solidariedades com
outros grupos, movimentos e organizações. Ao contrário, o protesto que incida
sobre um tema ou problema específico e identificado (a introdução de um
imposto particular ) ou geral e vago (degradação ambiental global) , mas que
reú na uma insatisfação inequívoca, permite congregar apoios (entre os vários
movimentos sociais e entre estes e outras associações , grupos e organizações
políticas, culturais, cívicas, religiosas) e criar plataformas de contestação, mesmo
que estas agreguem sensibilidades e motivações ideológicas díspares.

Todavia, esta forma de actuação, que privilegia o potencial de descontenta-


mento em detrimento da coerência e unidade ideológicas, traduz uma estratégia
pragmá tica dos novos movimentos que lhes permite continuidade e sucesso,
conquanto tais objectivos ficariam comprometidos se estes movimentos
insistissem na centralização e hierarquização organizativa, na formalização do
funcionamento interno e na « pureza» ideológica . N ão só estariam claramente
em desvantagem em relação às formações partidárias tradicionais, sindicatos e
outras organizações mais formais e estruturadas, como não ofereceriam uma
alternativa que fosse ao encontro das exigências « pós-modemas» de autonomia,
informalidade, descentralização, eclectismo ideológico, valorização do não-
-político (o estético, o cultural), espectacularidade e eficácia da acção de
protesto.

Claus Offe aponta três tipos de «êxitos» ao alcance dos novos movimentos
Os três tipos de «ê xitos» ao
sociais: alcance dos novos movi -
mentos sociais
• Êxitos «substanciais », ou seja, decisões diversas que foram tomadas
pelas elites e que foram ao encontro das propostas ou reivindicações
dos movimentos (ex.: legalização das drogas leves ou alteração das
leis laborais).
A

• Êxitos « processuais », que respeitam n ão ao conteúdo das decisões,


/

mas ao modus faciendi das decisões. E o caso de uma decisão política


sobre o aborto, que em vez de ser tomada no âmbito exclusivo da
deliberação parlamentar é sujeita a referendo. Ou o caso da elaboração
de um orçamento municipal que acolhe a participação (auscultação,
debate, votação) dos munícipes e das suas estruturas representativas
( associações, sindicatos, organizações culturais e religiosas, etc.).

• Êxitos « políticos » , que ficam a dever-se ao reconhecimento social e


institucional dos novos movimentos sociais e ao apoio e suporte dados
pelos seus aliados institucionais (partidos políticos, igrejas, associações
culturais e cívicas, sindicatos, etc.) , nomeadamente a adopção das
propostas e exigências dos movimentos sociais, ou parte delas, e a sua

329
tradução nos programas , declarações de princípios, planos de acção
estratégicos, moções políticas , etc., das organizações aliadas ou
apoiantes.

Hanspeter Kriesi (1993) foi um dos autores que sublinhou alguns factores
Os factores internos que internos que determinam o desenvolvimento organizativo dos novos movi-
condicionam o ê xito dos
novos movimentos sociais mentos sociais e a sua afirmação social e sucesso político. Destaquemos aqui
dois desses factores:

• A din âmica organizativa interna do movimento. A estabilização


organizativa conseguida pela profissionalização e formalização de
procedimentos no âmbito do movimento social facilita a sua instituciona-
lização e integração no sistema de poder, bem como o acesso aos
recursos e apoios oficiais e a outro tipo de benesses. Contudo, se nalguns
casos este triunfo institucional permite ao movimento social o reconhe-
cimento social e político — através de uma organização interna capaz
de assumir com maior eficácia a resposta a um grande volume de
solicitações e de elevada complexidade — e a captação de adeptos
mais moderados ou menos radicais. Noutros casos, esse aparente
sucesso institucional pode implicar uma perda e um declínio expressos
a vários níveis: diminuição da autonomia política e subor-dinação
directa ou indirecta aos interesses do governo ou de certos grupos de
pressão, maior fragilidade face às pressões políticas vindas das
autoridades pú blicas, risco de burocratização e hierarquização do
funcionamento e da lideranç a, abandono de adeptos e activistas que
não se reconhecem numa estrutura mais formalizada e afastada de
processos de decisão democr áticos , penalização da imagem do
movimento junto da opinião pú blica e dos média, etc.

• O tipo específico de movimento social também representa um factor


interno a considerar na avaliação do sucesso ou triunfo social e político
dos novos movimentos. Para Kriesi, estes distinguem-se quanto ao
tipo de aderentes, natureza dos objectivos perseguidos e diferenças
nos repertórios de acção. Assim, temos: os movimentos «instrumentais»,
que se caracterizam pelo esforço na obtenção de bens colectivos e no
protesto contra os males colectivos, não incidindo na identidade dos
próprios aderentes, como são os casos dos movimentos pela paz e
solidariedade; os movimentos « subculturais » , que promovem a
identidade colectiva dos activistas, a qual resulta de interacções internas
e do confronto com valores e tradições dominantes e instaladas na
sociedade, sendo disso exemplo os movimentos pela defesa das
minorias sexuais e étnicas ou o movimento feminista; os movimentos
«contraculturais», que se centram na defesa do «património» ideológico
que subjaz as reivindicações expressas e na identidade colectiva dos

330
contestatários, afirmando esses propósitos numa relação conflitual ou
de afronta com a legalidade e instituições vigentes, como é o caso dos
movimentos que lutam pela autonomia de um território.

Ainda no contexto dos factores internos, também os objectivos do movimento


social podem determinar o seu êxito social e político, nomeadamente se esses
objectivos e metas implicam a agregação de outras forças colectivas e a criação
de uma plataforma de intervenção alargada mais ou menos concertada, ou se,
ao invés, recusam o apoio, negligenciam a importância ou conflituam com
potenciais parceiros de protesto. Da primeira hipótese é previsível que resulte
uma frente ou aliança com resultados globais positivos. Da hipótese alternativa
pode decorrer o isolamento político do movimento e a criação de obstáculos à
sua continuidade e actuação por parte de grupos e organizações concorrentes
ou directamente visadas por esse movimento social.

Do mesmo modo, a delimitação, a exequibilidade e a especificidade do objectivo


ou objectivos granjeiam mais facilmente a mobilização dos aderentes e dos
cidadãos em geral, motivados que estão face a algo que é identific ável e de
plausível resolução e, portanto, mais próximos do êxito se encontram os
movimentos sociais que se esforçam por delimitar as suas metas. Ao contrário,
os movimentos sociais que estipulam objectivos muito ambiciosos, vagos e
improv á veis ( ut ópicos , idealistas ) , podem ser acusados de irrealismo ,
aventureirismo, inconsequência e ausência de pragmatismo, e mais dificilmente
recolherão o apoio dos cidadãos e de outros grupos e organizações. Também
os movimentos que se centram num ú nico objectivo ou tema ( monotemáticos)
têm à partida maiores possibilidades de êxito comparativamente aos que se
dispersam em diversas solicitações, multiplicam os temas em debate e
correspondem a reivindicações avulsas e difusas. Com efeito, os custos da
articulação dessas propostas, a necessidade de recursos humanos e materiais
que abarquem a complexidade dos múltiplos objectivos e o investimento
sectorial em vários temas criam uma série de constrangimentos e limitações ao
movimento social, podendo comprometer o seu êxito ou triunfo.

Outro factor interno a considerar diz respeito às modalidades ou formas de


acção dos novos movimentos. A histó ria recente tem mostrado que os
movimentos sociais que recorrem a um tipo de estratégias não convencionais,
tais como a perturbação da ordem pública, cortes de vias, ocupação de edifícios,
etc., atingem assinalável êxito em comparação com os movimentos que põem
em prática formas de actuação mais institucionais e convencionais. Na verdade,
o impacto junto da opinião pú blica e dos média , a espectacularidade e
heterodoxia das suas acções e os efeitos imediatos nas decisões políticas são
algumas das vantagens de um tipo de intervenção que, sem derivar na violência
generalizada ou no terror, consegue, por isso mesmo, ser extremamente eficaz.
De facto, os ganhos para o movimento social são importantes e diversos: obtém

331
iiiiiiiii :# i 1

elevada participação e mobilização de activistas e populares, atinge os


objectivos com baixos custos e escassos recursos e interfere nos processos de
tomada de decisão, precipitando medidas favoráveis aos intentos do movimento
ou causando perturbações nas instituições do poder e órg ãos governativos.

Por sua vez , os movimentos sociais que adoptam uma forma de actuação mais
institucional, convencional e moderada, sem recurso à coacção, à radicalizarão
do protesto e até à transgress ão da lei , n ão só ficam em desvantagem
concorrencial com outras estruturas representativas dos cidad ãos (partidos
políticos, grupos de interesses, associações cívicas de índole diversa, etc. ) que
detêm mais meios, est ão melhor integradas no sistema de poder e promovem
mais facilmente alianças, como não conseguem corresponder às exigê ncias
de eficácia política e visibilidade mediática, indispensáveis para a afirmação e
triunfo de um movimento social.

Para além dos factores internos, podem também enunciar-se factores externos
que determinam o desenvolvimento organizativo dos novos movimentos sociais
Os factores externos que e que condicionam o seu sucesso político e social. São eles os seguintes:
condicionam o ê xito dos
novos movimentos sociais
• Factores culturais. Salientemos aqui a importâ ncia da cultura e
subculturas políticas dominantes num país e num determinado período
histórico. Parece indiscutível que a predominância de um tipo de cultura
«participativa» no contexto de um regime democrático favorece
indubitavelmente a aceitação das actividades dos novos movimentos
sociais, pois trata-se de uma cultura política receptiva à pluralidade
das ideias, ao confronto de opiniões, à expressividade e à participação
individual e colectiva. Uma cultura pol ítica maioritária que considere
os movimentos sociais como um actor «natural » da vida política, que
estime a tolerâ ncia para com a diferença e que aprove ou admita a
conflitualidade e a convivê ncia democrática
—em detrimento da
estabilidade autorit ária, do abstencionismo, do silenciamento e do
conformismo cívicos e pol íticos — oferece condições favoráveis ao
surgimento, expansão e consolidação dos novos movimentos sociais.

Contudo, é de advertir que não existe uma absoluta coerência entre as



diferentes atitudes que dão forma a uma cultura política nem entre
as suas dimensões cognitiva, afectiva e valorativa quando relaciona-
das com os vários aspectos de um objecto político, neste caso, os novos
movimentos sociais. Quer isto significar que se uma cultura política
de tipo participativo pode ser considerada como um factor externo
globalmente favorável ao desenvolvimento e implantação dos novos
movimentos sociais , ela pode representar também, em diferentes
momentos e sobre certos aspectos específicos desses movimentos
(como sejam o enquadramento legal dos movimentos sociais, o seu

332
'

modo de funcionamento interno ou a sua orientação ideológica), uma


posição cultural e mental de alheamento ou até de reprovação.

• Factores económicos. De entre os factores económicos podemos


destacar o nível do desenvolvimento econ ómico de um país e a
distribuição igualitá ria ou desequilibrada e desigual da riqueza e das
oportunidades. Assim, e dependendo das características do modelo de
desenvolvimento adoptado , assistir-se-á à formação e ao ê xito
reivindicativo ou integrativo de certos movimentos sociais , que
desempenham um papel importante na defesa de interesses profissionais
sectoriais, na promoção de valores de justiça social, económica e fiscal,
no estabelecimento de acordos e entendimentos com as estruturas do
poder ou na proposição de diferentes modelos de pol ítica económica.
O desenvolvimento económico també m se poderá traduzir em mais
recursos e apoios oficiais e particulares para os movimentos sociais,
em função dos m últiplos interesses em jogo, o que é um factor
importante para a sua consolidação. Por outro lado, as situações de
crise económica tendem també m a suscitar o aparecimento e a
afirmação de um tipo particular de movimentos sociais, mais reactivos
ou contestatários, que conhecerão o êxito na medida em que consigam
incendiar ainda mais a insatisfação geral ou que invistam em temas
mais específicos e que estejam directamente relacionados com as
condições de vida das pessoas.

• Factores políticos. O contexto político global, a natureza do sistema


ou regime político e o tipo de Estado são factores a ter em conta no
fracasso ou êxito dos novos movimentos sociais. Facilmente se
compreende que um regime político autocrático, que condicione a
liberdade de expressão, de associação e de reunião políticas e cívicas ,
que imponha visíveis restrições ao exercício das liberdades políticas,
que institucionalize mecanismos de censura e controlo dos meios de
comunicação social, que persiga política e pessoalmente activistas e
dirigentes oposicionistas, que proíba ou ilegalize associações ou grupos
de cidadãos que difundam ideias contrárias à ideologia « oficial », não
constitui o contexto político ideal para a formação, subsistência e
reconhecimento dos novos movimentos sociais, especialmente daqueles
que inscreverem nos seus objectivos o combate político às autoridades
institucionais e a defesa de propostas e soluções que ponham em causa
as opções governativas. Mas, como a história mais recente tem
demonstrado, isto não significa que mesmo em regimes de natureza
autocr ática ou totalitá ria, os movimentos sociais assumidamente
opositores e contestatários n ão tenham possibilidades de se formar e
triunfar. Um exemplo paradigmático desta situação é-nos dado pelo
movimento que se constituiu a partir do sindicato «Solidariedade» na

333

_
jigijg

Polónia liderado por Lech Valesa, que, não obstante os constran-


gimentos impostos por um regime comunista, conseguiu não só
sobreviver como atingiu um poder e uma popularidade que se revelaram
decisivos para a transição democrática naquele país, com impactos em
todo o Leste Europeu.

Por outro lado, em regimes n ão democráticos podem surgir e consolidar-se


movimentos sociais muitas vezes criados ou posteriormente arregimentados e

tutelados com o intuito de serem coniventes de forma mais ou menos explícita
— com os órgãos do poder instituído, constituindo-se assim como parceiros
das suas políticas. E se os regimes democráticos, porque mais tolerantes e
permissivos, são também mais favor áveis ao aparecimento e continuidade dos
novos movimentos sociais, garantindo e protegendo a sua autonomia, liberdade
de actuação e até co-financiando ou apoiando institucionalmente as suas
actividades, n ão é de subestimar a presen ça de diversos constrangimentos à
formação e consolidação de movimentos. Entre esses constrangimentos contam-
-se: a pressão política; as tentativas de silenciamento; a negociação de
contrapartidas; as limitações às actividades menos convencionais; a censura
indirecta nos meios de comunicação social pú blicos; o corte de apoios e
subsídios; a interferência na liderança, funcionamento e estratégias de actuação
dos movimentos sociais por parte dos órgãos e instituições do poder político.
Todavia, tal situação é sempre passível de den ú ncia e combate no plano da
legalidade democrática, sendo que o impacto negativo que muitas dessas formas
de constrangimento ou condicionamento político têm junto da sociedade civil
e da opinião pú blica funciona como um «travão» ou um «desincentivo» às
tentativas de controlo por parte dos órg ãos do poder pol ítico e institucional.

Como já ficou dito atrás, segundo a teoria do processo pol ítico existem factores
de oportunidade política que se podem tornar relevantes nas possibilidades de
afirmação e sucesso dos novos movimentos sociais, nomeadamente o tipo de
relações que os movimentos desenvolvem com outros actores políticos
( partidos, governo, sindicatos) , de que se destacam: a integração de aderentes
e activistas do movimento nas listas de candidatos a cargos públicos; a inserção
do movimento numa plataforma política ampla e abrangente ; a participação
do movimento social numa campanha eleitoral ; o apoio declarado dos líderes
de um movimento a um partido ou a candidatos políticos; a aceitação do apoio
político de um partido ou sindicato ao movimento. Um outro factor de
oportunidade pol ítica que pode ser aproveitado pelos novos movimentos , ou
contra eles reverter, prende-se com as situações de instabilidade e crises políticas,
pois um clima de conturbação política e social pode permitir que vários sectores
da população depositem esperança e confianç a em determinados movimentos

sociais, colaborando para o êxito destes ou pelo car ácter sedutor das suas
propostas alternativas, ou por reactividade ao sistema pol ítico e partidário
institucional, ou ainda porque certos movimentos optam por estratégias

334
populistas e demagógicas que canalizam o descontentamento popular.

Percursos de autoverificação

• Contextualize o surgimento dos novos movimentos sociais no quadro


da afirmação e crise do Estado do bem-estar (ou welfare state ).

• Estabeleça a relação entre o tipo de regime político e a formação e


natureza dos novos movimentos sociais.

• Relacione a progressiva mudanç a de valores a partir da década de 60


do século XX e a formação dos novos movimentos sociais.

• Discuta a insuficiê ncia das atitudes individuais para explicar a


participação nas acções colectivas.

• Refira e exemplifique as circunstâ ncias pessoais que facilitam a


participação na acção colectiva.

• Determine as implicações dos « marcos de acção colectiva» para o


processo de mobilização e participação dos indivíduos nos novos
movimentos sociais.

• Justifique em que medida o desenvolvimento organizativo dos novos


movimentos sociais depende não apenas de factores externos mas
também de factores internos.

• Identifique os três tipos de «êxitos» ao alcance dos novos movimentos


sociais, segundo Claus Offe.

• Descreva e exemplifique os factores externos que condicionam o êxito


ou sucesso dos novos movimentos sociais.

Exercícios

• Escolha um movimento social português contemporâneo e, através de


entrevistas aos seus dirigentes e activistas e/ou de pesquisa documental,
procure determinar as condições e os factores do seu nascimento,
desenvolvimento organizativo e reconhecimento social e político.

335
ísmm

• Conceba teoricamente um movimento social (atribua-lhe ideais, metas


e objectivos) e escolha e fundamente as estratégias que seguiria de
acordo com as quatro fases do processo de mobilização segundo
Klandermans.

• Redija um pequeno ensaio onde problematize a import â ncia


( possibilidades , vantagens ) do recurso às novas tecnologias de
informação e comunicação (Internet, correio electró nico, telemóvel,
etc.) para o desenvolvimento dos novos movimentos sociais.

• Procure aplicar, a um dos movimentos sociais portugueses da sua


eleição, o modelo desenvolvido por Maria José Stock (2001) em
« Novas formas de cidadania: para um projecto de investigação sobre
a participação política em Portugal de 1990 a 2000», in A Reforma do
Estado em Portugal, Actas do I Encontro Nacional de Ciência Política,
Lisboa: Ed. Bizâncio, pp. 279-287.

• Elabore uma listagem de sítios na Internet dos movimentos sociais


que utilizam este meio para divulgar as respectivas actividades.

336
I Hi $

13. Os Novos Movimentos Sociais e as Interacções Sistémicas


E:!W Ê:S

Focaremos agora as relações entre os novos movimentos sociais e alguns dos


actores políticos e sociais que fazem parte do ambiente em que aqueles se
movem. A este propósito, importa começar por dizer que o tipo de interacção
desenvolvida entre os novos movimentos e o Estado, os partidos políticos, os
grupos de interesses ou de pressão e os média condiciona de forma muito
significativa o desenvolvimento organizativo desses movimentos , a
continuidade ou a inflex ão da sua orientação ideológica, a sua integração ou
exclusão do sistema institucional , a sua força ou debilidade mobilizadoras e
integradoras , a sua autonomia ou dependência , o seu modelo de liderança e a
sua imagem junto da opinião pú blica, entre muitos outros aspectos. Vejamos,
pois, em que consiste essa trama de relações e interacções.

13.1 A relação dos novos movimentos sociais com o Estado

J á se afirmou anteriormente que a existência de um Estado democr ático


respeitador das liberdades políticas e cívicas, tolerante com a oposição política
e social constitui, na maior parte dos casos, um factor favorável ao desenvol-
vimento e consolidação dos novos movimentos sociais. Isto não invalida o
facto de estes poderem crescer em dimensão e relevância política, aumentando
o n ú mero de simpatizantes e adeptos e recolhendo apoios de v ários sectores
da sociedade civil , no quadro de um Estado autocrático ou de um Estado
democr ático mais « musculado », que promova um clima persecutório, crie
dificuldades legais ou administrativas ou obstaculize a livre intervenção dos
movimentos sociais.

Na realidade, mesmo em condições aparentemente adversas, os movimentos


sociais podem, exactamente por serem alvo de repressão, suscitar uma onda
de simpatia na opinião pú blica e receber solidariedade interna e externa. É o
caso, por exemplo, de alguns movimentos autonomistas ou regionalistas que,
actuando dentro da legalidade democrática, chegam a ser vítimas de campanhas
de descredibilização ou vêem as suas actividades proibidas ou limitadas por
raz ões de conveniê ncia pol ítica. Sendo que esta situação despoleta, n ão O controlo e repressão esta-
tais dos novos movimentos

raramente, acções de solidariedade, de denúncia e de reprovação canalizadas sociais
para instâncias nacionais e internacionais da conduta de certos Estados e
governos, sobretudo se estes levarem os seus intentos a ponto de prenderem
os dirigentes do movimento, encerrarem sedes e confiscarem equipamentos e
material , interditarem publicações ou condenarem o movimento à clandes-
tinidade.

Por isso mesmo, e à medida que os novos movimentos sociais iam conquistando
posições na sociedade ( popularidade, reconhecimento social e institucional ,

339
WÈÈÈ i

capacidade mobilizadora, pertinência reivindicativa, aumento de adeptos),


processo que se evidencia a partir dos anos 60 do século XX, assim o Estado
foi mostrando maior flexibilidade e permissividade, aceitando formas de
actuação menos convencionais e mais ousadas. Porém, nos ú ltimos anos, em
especial depois da sucess ão dos atentados terroristas perpetrados por
fundamentalistas islâmicos e da violência racista e xenófoba exercida por vários
grupos pertencentes a movimentos neo- nazis e neo-fascistas, muitos dos
Estados democráticos ocidentais recuaram na tolerância face a certos grupos e
movimentos radicais e extremistas, pois também junto da opinião pú blica se
tomaram mais prementes e priorit ários os valores da seguranç a e da ordem -
mesmo com sacrif ício relativo da liberdade de expressão, com maior
policiamento das manifestações e ajuntamentos populares e com maior
vigilância e controle sobre os líderes e activistas de certos movimentos sociais,
sobretudo daqueles que assumem uma declarada postura anti-sistema, ou que
se focalizam na agitação social e perturbação da ordem pú blica.
Outros movimentos, mais moderados, tentaram soluções de maior compromisso
e, até, de colaboração com as entidades oficiais do Estado, ou evolu íram para
outras configurações organizativas, transformando-se em associações cívicas
e culturais formais ou em partidos políticos. Isto significou , nalguns casos, a
«degenerescência» do movimento social e o seu «acantonamento» institucional
e formal. Noutros casos, o partido emanado do movimento social não o esgotou,
permanecendo este, intermitentemente, com um conjunto de actividades e
acções de rua, grupos de trabalho e organizações paralelas, redes de contacto
mais alargadas e formas de mobilização e estratégias instrumentais t ípicas dos
novos movimentos sociais.

13.2 A relação dos novos movimentos sociais com os partidos


pol í ticos

Em democracia, um partido político visa, fundamentalmente, a conquista e


exercício do poder político, ou seja, participar na governação. É essa a especial
vocação das formações partidárias e por isso concorrem às diversas eleições,
ou directamente enquanto partidos ou indirectamente, apoiando, financiando,
patrocinando candidatos individuais, muitos dos quais possuem filiação
partidária. Já os movimentos sociais não encontram (e muito menos reduzem)
a sua razão de ser na conquista e exercício, directo e indirecto, do poder político,
apesar de dirigirem a este exigências e reivindicações e de tentarem influenciá-
As diferen ças entre partidos
pol íticos e novos movimen -
lo no sentido que entendem ser o melhor para os seus apoiantes em particular
tos sociais e para a sociedade em geral.

340
i ; ... . .

Assim, enquanto os partidos políticos procuram aceder e usufruir do sistema


de poder ( n ão negligenciando, obviamente, outras fun ções dos partidos
pol íticos ) , os movimentos sociais n ão só não visam o acesso à arena do poder
legislativo e executivo, como também se insurgem contra as iniquidades,
insuficiências, estiolamentos e défices do sistema institucional do poder político,
incidindo de forma regular e persistente sobre temáticas e problemas concretos
ou transversais segundo uma identidade de grupo quase sempre formada por
valores de solidariedade, voluntarismo, espírito de missão, defesa de padrões
culturais e axiológicos alternativos. Ao invés, os partidos políticos apostam
essencialmente em constru ções ideoló gicas e program áticas globais e
sistematizadas que tentam densificar e concretizar em sede legislativa e
executiva, sendo que as suas opções políticas obedecem cada vez mais à lógica
de poder — ou seja, ao que é eleitoralmente conveniente, ao que favorece a
conquista de votos e o acesso a cargos públicos, ao que é imposto por alianças,
acordos e compromissos pol íticos com os grupos de interesses mais relevantes
— e cada vez menos à lógica de fidelização ideológica ou doutrinária.

Outra diferença que se pode observar entre partidos pol íticos e novos movi-
mentos sociais respeita ao campo de actuação de uns e de outros, pois enquanto
os partidos tendem a privilegiar o espaço institucional do poder e recorrem a
formas de actuação institucionalizadas, os novos movimentos actuam nas
diversas arenas da sociedade civil, interferindo de modo não convencional nas
dinâmicas da vida social , seja de forma sectorial ou transversal: da cultura
cívica à qualidade de vida nos bairros sociais, da imigração clandestina ao
subdesenvolvimento das zonas rurais, do mercado de trabalho à pacificação
social . No entanto, devemos sublinhar que a fronteira teórica entre partidos e
movimentos sociais se pode revelar bastante menos clara e categórica no plano
fáctico: por exemplo, alguns partidos ditos marginais n ão só concorrem
às eleições sem quaisquer expectativas de representação parlamentar ou
autárquica, como procuram fundamentalmente dar a conhecer a sua existê ncia,
as suas propostas e actividades junto dos seus simpatizantes e da opinião
pú blica em geral. Por conseguinte, n ão tendo por objectivo exercer o poder,
esses pequenos partidos políticos procuram tão-só desafiá-lo, influenciá-lo ou
pressioná-lo, tal como acontece com os movimentos sociais e os grupos de
interesses ou de pressão.

Assim sendo, talvez as diferenças entre os partidos políticos e os movimentos


sociais ganhem maior clareza se vistas sob o aspecto organizativo. Com efeito,
com variações por vezes considerá veis entre si, os partidos apresentam uma
estrutura organizativa de tipo hierá rquico e vertical , disseminada territorial-
mente, com uma liderança e uma militância formais, dispositivos regulamentares
e estatutá rios definidores de direitos, deveres e obrigações, uma ideologia
«oficial » e orientações gerais sufragadas em sede de congressos e convenções
e vinculativas para todo o colectivo, funcionamento interno organizado por

341
um corpo de funcionários e profissionalização ou semi-profissionalização dos

quadros dirigentes. Por sua vez, os novos movimentos sociais ao contrário
dos movimentos sociais tradicionais, em que as semelhanças com os partidos
políticos eram bastante mais significativas — pressupõem a adesão e activismo
não sujeitos a controlo estatutário e disciplinar, a participação democrática nos
processos de tomada de decisão horizontais, a informalidade do funcionamento
interno e a actividade em rede ou em redes, descentralizada e sem uma direcção
central de onde emanem deliberações obrigatórias.
De qualquer forma, deve ser sublinhado que um movimento social não se
transforma necessariamente num partido político pelo facto de desenvolver a
sua estrura organizativa, pois se actualmente a tónica dominante desse desenvol-
vimento parece ir no sentido de uma estrutura reticular de grupos de trabalho,
contactos de personalidades individuais, n úcleos de acção, plataformas
conjuntas sem direcção central, etc., também se constata que certos movimentos
sociais n ão se descaracterizaram pelo facto de terem alcançado uma elevada
complexidade e sistematização organizativas, criando e desenvolvendo uma
estrutura mais hierarquizada, dotada de organismos centrais que representam
institucionalmente o movimento e que prestam contas aos seus associados e
activistas, como é o caso do movimento Greenpeace.

Parece ser consensual que os novos movimentos sociais surgem, de algum


Novos movimentos sociais modo, para suprir as insuficiências e as debilidades apontadas aos partidos
e partidos políticos: uma re-
la çã o de complementari - políticos tradicionais e à representação política. Ora, na convocação de formas
dade de democracia directa e de um envolvimento mais activo dos cidadãos na vida
cívica e pol ítica, nas críticas que dirigem à actuação dos políticos profissionais
e às limitações das formações partidárias, os novos movimentos sociais acabam
por forçar os partidos a reformar-se ( nem que seja em aspectos acessórios), ao
mesmo tempo que criam condições para um questionamento e uma eventual
reestruturação e relegitimação da democracia representativa. Seja como for, o
papel e protagonismo assumido pelos novos movimentos sociais parecem ir
mais no sentido de complementar a acção dos partidos políticos do que no
sentido de promover a sua substituição ou superação — muito embora certos
partidos políticos os tenham «imitado», exactamente como estratégia de
sobrevivência, e certos movimentos tenham sido integrados ou incorporados
por partidos políticos no decurso da mú tua colaboração e jogo de alianças.
Refira-se, ainda, o caso em que os próprios movimentos sociais deram origem
a partidos políticos, quando sentiram a necessidade de formalizar politicamente
o seu percurso, ou quando as vantagens e os benef ícios da institucionalização
partidária conquistaram a liderança e a maioria dos adeptos de um movimento
social. De facto, diversos movimentos sociais optaram por transformar-se em
partidos políticos e usufruir dos apoios e subsídios pú blicos, assim como da
eficácia que proporciona uma organização mais especializada e coordenada
por diversos órgãos formais. Foi, por exemplo, o que aconteceu com o movi-

342
mento ecologista que deu origem à formação de partidos ecologistas e, em
vários países da Europa Ocidental, aos partidos «verdes». Situação semelhante
ocorreu com o movimento feminista e com os movimentos regionalistas, que
em alguns casos se converteram também em partidos «monotemáticos».
Contudo, os novos partidos surgidos como resultado da metamorfose de
movimentos sociais, ou que nasceram tomando como referência o modus
operandi e as lógicas de actuação dos novos movimentos sociais, têm vindo a
recusar o modelo organizativo típico dos partidos políticos, muito burocratizado,
centralizado, vertical e hierárquico, optando antes por manter ou pôr em prática
formas de organização mais descentralizadas e informais , flex íveis e
democráticas, capazes de mobilizar as novas gerações de adeptos e apoiantes,
menos receptivos a participar em colectivos muito rígidos e fechados. Para
alé m disso, os novos partidos, e nalguns casos até os velhos, recuperam e
introduzem nos seus programas e na sua agenda política as causas, os temas e
os problemas que estão na origem e justificam a actividade de muitos
movimentos sociais, como a ecologia, o ambiente, a paz e os direitos humanos,
a defesa das minorias étnicas e sexuais, o multiculturalismo, a democracia
participativa, etc.

Apesar disto, a dissolução de novos movimentos sociais em partidos políticos


nascentes leva a questionar as verdadeiras razões dessa escolha ou dessa
inevitabilidade. Pode pensar-se que essa conversão é demonstrativa do culminar
da evolução dos movimentos sociais, inicialmente muito espontâneos e pouco
organizados — —
sem deixarem de ser combativos e insubmissos , mas há
medida que vão ganhando adeptos, popularidade e poder de influência e
pressão, a sua radicalidade inaugural esfuma-se. Sucede, então , que a
moderação toma conta das prioridades do movimento, as necessidades da
organização solicitam soluções mais formais e burocratizadas, e a ambição e
objectivos políticos dos l íderes só já têm cabimento no quadro de um partido
político que possa rendibilizar a rede de contactos, o património de contestação
conquistado, os níveis de mobilização conseguidos e a simpatia obtida junto
da opinião pública e dos média.

Outra leitura possível é a de que certos partidos nascidos no seio dos novos

movimentos sociais como é o caso dos partidos ecologistas e « Verdes »
continuaram vinculados ao movimento social que esteve na sua origem. Para

além disso, a institucionalização do movimento em partido político, a obtenção
de bons resultados eleitorais e a conquista da representação parlamentar, a
proliferação de congéneres partidários em m últiplos países e a criação de uma
coordenação internacional (ex.: Os Verdes Europeus), permitiram não só
expressar melhor as exigências do movimento ecologista no interior do sistema
político, como levaram os partidos tradicionais a incorporar a temática ecológica
e ambiental nos seus programas e agendas. Mas mais: criaram também as

343
condições necessárias às mudanças legislativas e políticas que favoreceram a
protecção do ambiente, a educação ambiental e um modelo de desenvolvimento
mais edificante e equilibrado.


O que parece certo é que estes « partidos-movimento» que resultaram de
movimentos sociais e que se n ão identificam totalmente com a configuração
organizativa e com as lógicas de acção clássicas dos partidos políticos - vivem
um «dilema de desenvolvimento» singular. Ou seja, e como bem sublinha
Claus Offe, trata-se de partidos políticos que não podem continuar a ser
simplesmente o que j á são ( « partidos-movimento» ), mas que n ão podem tão-
-pouco assumir a forma-partido clássica sem proceder a uma ruptura traumática
com a sua identidade. Ora, como afirma autor, «só uma boa resolução deste
dilema pode assegurar - permanecendo constantes as demais condicionantes
- continuidade e manutenção do crescimento de tais partidos» (Offe 1992:
247). Por outras palavras, estes partidos vivem as dificuldades da transição de
uma « pol ítica de protesto e de movimento» para uma « pol ítica de partido»,
A transi ção de uma pol ítica percurso que Offe assinala em quatro fases distintas tomando como referência
de protesto e de movimento
para uma pol ítica de parti - não apenas a trajectória evolutiva do Partido Verde da Alemanha Federal mas
do sobretudo uma sequência ideal-típica comum a todos os partidos verdes, a
qual pode ser extrapolada para outros partidos políticos recém-criados que
tiveram na sua gé nese um movimento social já constitu ído.

Assim, a primeira fase traduz -se na chamada « política de movimento» e


corresponde historicamente à criação dos partidos verdes durante a década de
70 do século XX, os quais se caracterizaram por introduzir novos problemas
(os danos ecológicos provocados pelos excessos da industrialização e uso da
energia nuclear, por exemplo), por acolher novos actores políticos (estudantes,
mulheres), por testar novas formas de mobilização e de acção colectivas (acções
de protesto e outras formas de participação n ão convencionais) e por dar
resposta às insuficiê ncias e debilidades demonstradas pelos partidos políticos
tradicionais, incapazes de encontrar soluções para novos temas e desafios. Na
fase inicial dos partidos verdes, estes representaram uma espécie de « braço
político» , no plano eleitoral e institucional , do movimento ecológico e
ambientalista, sendo a sua intervenção política e parlamentar dominada então
pelo «oposicionismo», imediatismo e radicalidade, bem como por propostas
avulsas, muitas vezes delineadas em função da sua amplificação mediática ou
da sua receptividade junto da opinião pú blica.

A segunda fase mostra que os êxitos eleitorais e políticos obtidos durante o


período da « política de movimento » se revelaram auto-destrutivos e compro-
metedores para a unidade e coesão dos partidos verdes. Uma das manifestações
do esgotamento da « pol ítica de movimento» encontra-se na falê ncia do
princípio da rotatividade dos representantes parlamentares deste tipo de
partido (situação semelhante à posta em prática pelo Bloco de Esquerda em

344
Portugal) , pois tal princípio acabou por recompensar a incompetência e
desperdiçar o mérito de alguns dirigentes. Igualmente desastrosa acabou por
ser a aposta na radicalidade e na defesa de posições extremadas sem estarem
articuladas num projecto político global e coerente, pois a eficácia das tácticas
«oportunistas» não compensou a debilidade ou mesmo ausência de estratégias
políticas de longo prazo que fossem sustentadas em opções programáticas
consistentes e numa identidade ideológica definida. Os eleitores recusaram
estender o radicalismo necessário de certas medidas sectoriais a outros aspectos
da vida em sociedade, onde se revelavam prementes a moderação e o
compromisso políticos.

Por outro lado, ao incorporarem as temáticas e as preocupações inicialmente


exclusivas destes novos partidos — como sejam a defesa e protecção do

ambiente, da paz e dos direitos das minorias , as restantes formações
partidárias enfraqueceram o seu potencial contestatário, mobilizador e inovador.
Com efeito, o carácter desideologizado ou a ambiguidade ideológica dos
partidos verdes n ão só não contribuiu para a fidelização do eleitorado como
acarretou desvantagens no debate e confronto interpartidários e originou
dissensões e antagonismos internos, assistindo-se à criação de tendências e
correntes muitas vezes incompatíveis e desintegradoras — o que deu uma
imagem pública negativa destes partidos, a braços com contradições e desen-
tendimentos profundos.

A terceira fase da trajectória evolutiva dos partidos verdes, e de outros partidos


formados a partir de um movimento social já existente, corresponde ao que
Offe denomina de «auto-racionalização», ou seja, um período de reconstrução
positiva, capaz de salvar este tipo de partidos da descredibilização pú blica, da
incapacidade e estagnação organizativas, da infertilidade ou fragilidade teóricas
e de um clima constante de luta interna, que marcaram a fase do esgotamento
da « política de movimento». Uma das alterações operadas nesta etapa consiste
na adopção de um estilo político mais consequente e ponderado e no abandono
da espontaneidade e das soluções imediatas ou irrealistas. Importa assinalar
que os processos de racionalização aplicaram-se também à lógica organizativa
do partido, pois os princípios « bondosos» e «regenerativos » da democracia
de bases (rotatividade dos dirigentes e representantes eleitos, paridade entre
homens e mulheres nas listas de candidatos e no exercício dos cargos políticos,
descentralização de competências, entre outros), revelaram-se ineficazes e até
injustos face aos imperativos da competê ncia , do trabalho metódico e
organizado e dos êxitos políticos. Quer isto dizer, que aqueles princípios,
considerados a priori inovadores e sedutores para os membros do partido e
para a opinião pública, mostraram na prática ser perniciosos e esconderam sob
a capa da democracia e da igualdade, interesses duvidosos e «carreiristas» de
cabecilhas e pequenos grupos organizados.

345
Um outro aspecto em que se traduziram os processos da auto- racionalização
foi o do investimento programático. Conceberam-se soluções políticas mais
globais e articuladas, combinando os diversos sectores da vida económica,
política, cultural e social em detrimento de reivindicações concretas e radicais
ou muito vagas e irrealistas, alheadas do cálculo das consequências e do impacto
das medidas propostas. Isto levou também a um esforço de concertação, aliança
e compromisso com outros parceiros políticos e sociais, ao contrário da anterior
inegociabilidade e radicalidade de certas exigências.

Finalmente, a quarta e última fase confronta a « auto-racionalização » com a


«identidade». Com efeito, levadas a bom termo as transformações preconizadas
na terceira fase, muitos viram nesse trajecto o afastamento dos partidos verdes
em relação às suas ousadas ambições de mudança social e política, bem como
uma cedência ao reformismo comprometido, senão mesmo a assunção de uma
conivência com o sistema e o status quo político e institucional. Outros, por
sua vez, ressalvaram que o processo de auto-racionalização não afundou a
identidade fundadora dos partidos verdes, e que o recuo dos ímpetos
transformadores e revolucionários permitiu a esses partidos um reconhecimento
institucional vantajoso para a sua credibilização pú blica e para a realização
efectiva das suas demandas. Para além disso, fortaleceu a capacidade de
negociação que, em vez de adulterar os princípios doutrinários originários,
possibilitou antes a efectivação de mudanças sociais, políticas, culturais e
econó micas necessá rias , sem perder de vista o horizonte «utópico» de
transformações sistémicas.

13.3 A relação dos novos movimentos sociais com os grupos de


interesses ou de pressão

Os novos movimentos sociais distinguem-se dos grupos de interesses ou de


pressão em vários aspectos. Em primeiro lugar, os movimentos sociais
englobam diversas actividades e objectivos políticos, sociais e culturais,
promovidos no contexto da identidade colectiva do movimento e que não se
reduzem às demandas feitas ao poder político ou à tentativa de influenciar o
As diferen ç as entre grupos processo de tomada de decisões. Os movimentos sociais desenvolvem acções
de interesses ou de pressão
e novos movimentos soci - de formação e sensibilização cívicas, organizam e dinamizam eventos de
ais diversa natureza, pressupõem um activismo e militantismo actuante e
empenhado, mantêm actividades regulares e possuem uma estrutura organi-
zativa e coordenadora flexível, mas visível e identificável publicamente. Já os
grupos de interesses ou de pressão canalizam a sua intervenção quase

346
ÊÊMÊÈÊÊÊ

exclusivamente para o exercício da pressão, seja sobre os ó rgãos do Estado,


seja sobre os partidos políticos, seja sobre a comunicação social e opinião
p ú blica . E fazem- no de forma mais transparente ou mais camuflada e
subterr ânea, através de uma organização interna formal e em função de
interesses específicos cujos beneficiários são os membros que pertencem ao
grupo (ex.: certas categorias de profissionais), e que mandataram ou delegaram
em representantes a defesa dos seus interesses.

Estes grupos, por definição, não partilham nem desenvolvem vínculos comuns
identitários nem tão-pouco representam uma forma geral de estar no mundo e
na sociedade, como acontece com os novos movimentos sociais, sendo antes
movidos pela prossecução de objectivos ( materiais , legais, financeiros, etc.)
que justificam a congregação associativa de esforços. O que muitas vezes
acontece é que alguns grupos de press ão integram, na qualidade de ONG’s,
de associações cívicas e culturais, etc., um movimento social mais amplo.
Pode suceder igualmente que os membros de um grupo de pressão formal
(uma associação anti-racista ou um sindicato, por exemplo) pertençam também
e colaborem nas actividades e acções de um movimento social mais abrangente
(movimento anti-globalização, por exemplo). Por sua vez, os movimentos
sociais assumem-se representantes de destinatários mais heterogéneos e amplos,
seja toda a população de uma aldeia ameaç ada pela instalação de uma
incineradora, seja a própria humanidade, ameaçada pelo aumento da tempera-
tura média do planeta ou pela devastação das florestas. Neste caso, os movi-
mentos sociais e os seus membros e activistas auto-intitulam-se ou consideram-
-se «porta-vozes » dos cidadãos, dos mais desprotegidos, do ambiente, dos
exclu ídos, dos discriminados , sem que ninguém em concreto lhes tenha
outorgado esse estatuto.

Em segundo lugar, o estilo de actuação também permite dissociar os novos


movimentos sociais dos grupos de interesses ou de pressão, pois se estes
recorrem fundamentalmente a meios de acção convencionais e institucionais
( reuniões, encontros, notas e comunicados de imprensa, conferências de
imprensa, produção e divulgação de documentação específica, etc.), os novos
movimentos sociais, como já afirmá mos por diversas vezes, fazem apelo a
formas de actuação inovadoras e até «desconcertantes», algumas com elevada
carga simbólica, e especialmente vocacionadas para seduzir e conquistar os
média e a opinião pública. Apesar da pluralidade dos grupos de interesses ou
de pressão, o facto é que estes são actores políticos colectivos que se carac-
terizam por actuarem de um modo significativamente diferente dos movimentos
sociais. Essa diferença traduz-se também no facto de os grupos de interesses
ou de pressão intervirem muitas vezes de forma oculta, caindo na tentação do
suborno, da chantagem, da corrupção, do financiamento ilegal, da intimidação,
junto de entidades e personalidades pú blicas ou privadas.

347
Mesmo actuando abertamente e aquém da ilicitude, os grupos de interesses ou
de press ão fazem- no de um modo predominantemente convencional: ou
mobilizando recursos para acções e campanhas de informação e propaganda
e para intervenção jurídica nas instâ ncias competentes, ou desenvolvendo
contactos institucionais afim de ver satisfeitos os seus interesses sectoriais.
Esta é, ainda, a nota dominante quanto ao estilo de actuação, pese embora se
assista ultimamente a uma viragem nas modalidades e instrumentos de acção
dos grupos de interesses ou de pressão, sendo cada vez mais frequente ver um
sindicato a organizar uma marcha simbólica de protesto ou uma associação de
defesa dos direitos das minorias sexuais a exercer pressão através de desfiles
alegóricos, greves de fome, ocupação de vias p ú blicas, infiltração provocatória
em cerimónias oficiais , perturbação de protocolos de Estado, etc.

Em terceiro lugar, é distinta a relação que os grupos de interesses ou de pressão


e os novos movimentos sociais mantêm com os órgãos do poder pol ítico.
Enquanto os novos movimentos sociais conflituam habitualmente com o poder
pol ítico e com os seus actores mais importantes — os partidos pol íticos ,
visando a implementação de medidas legislativas e pol íticas e exigindo

mudanç as na sociedade, os grupos de interesses ou de pressão procuram
pressionar o poder político no sentido de verem satisfeitos interesses específicos
e sectoriais ( profissionais , corporativos, económicos, etc.). Os grupos de
interesses ou de pressão funcionam mesmo , muitas vezes , como um
complemento ou prolongamento da praxis partid ária, ou como um dos seus
apoios e recursos fundamentais a ponto de, n ão raramente, os próprios
partidos políticos, e por consequê ncia os governos que deles dependem, ficarem
condicionados pelas opções de poderosos grupos de interesses ou de pressão
( neocorporativismo).

Chegados aqui, importa sublinhar que as diferenças assinaladas entre os novos


movimentos sociais e os grupos de interesses ou de pressão não invalidam que
existam relações de grande proximidade e até de colaboração activa entre
estas duas formas de acção colectiva. Com efeito, certos movimentos sociais
Novos movimentos sociais integram ou associam-se a grupos de interesses ou de pressão cuja orientação
e grupos de interesses : uma
rela çã o de complementari - e propósitos sejam compatíveis e harmonizá veis com os do movimento social
dade em causa. Do mesmo modo, e como já se referiu , acontece frequentemente
que os indivíduos que fazem parte de um grupo de interesses de tipo associativo
(como um sindicato ou uma ordem profissional) são também simpatizantes,
membros ou activistas de um ou vários movimentos sociais, participando nas
actividades destes. Também pode suceder que um grupo de interesses ou de
pressão se converta ou num partido político ou num novo movimento social .
De facto, para dar mais eficácia à acção e potenciar os recursos e os esforços
conjuntos podem ser experimentadas soluções de actuação colectiva
concertada, que supõem uma plataforma abrangente, incluindo os movi-
mentos sociais e grupos de interesses ou de pressão, sendo que esta solu ção

348
permite a planificação de acções em parceria e o estabelecimento de objectivos
comuns.

De forma a se poder comparar e confrontar as diferenças e semelhanç as entre


partidos políticos, grupos de interesse e de pressão e movimentos sociais, de
acordo com diversos critérios, atente-se ao quadro que se segue:

Quadro 13.1 - Partidos políticos, grupos de interesses e novos movimentos


sociais

Critérios Partidos Grupos NMS

Orientação face ao
Exercê -lo Pression á-lo Transform á-lo
poder pol ítico

Relações com os
Complementar Conflitual
partidos

Horizontal, infor-
Tipo de organiza-
Hierárquica , formal Formal mal, rede comuni-
çao
tária

Interesses e grupos Indeterminados, de- Indeterminados, in -


Determinados
representados termin áveis determin á veis

Meios de represen -
Eleitorais Convencionais Não convencionais
tação

Articular Articular interesses


Tipo de acção co- Articular e agregar
lectiva
interesses + identidade pes-
interesses gerais
sectoriais soal e colectiva

Estratégia Competição Cooperação Conflito

Objectivos Anti-sistémicos ( po-


Sistémicos Assistémicos
tencialmente)

Fonte: Badia ( 2001: 382 )

349
1.3 . 4 A relação dos novos movimentos sociais com os meios de
comunicação social

Os novos movimentos sociais mantêm uma relação estreita com os meios de


comunicação social. Entre outras razões porque a visibilidade, a projecção e a
redução ou ampliação dos efeitos da acção dos movimentos sociais se devem
à forma, imparcial ou comprometida, como os média abordam e tratam
jornalisticamente as actividades destes novos actores sociopoliticos. E sabido
que as opções editoriais de jornais, revistas, rádios e televisões fazem com que
uma acção concreta de um movimento social , como é o caso de uma
manifestação, seja ou hiper-dimensionada na sua importância, ou noticiada
fidedignamente, ou simplesmente ignorada. Os dados da notícia, o estilo da
reportagem, a existência de enquadramento, a introdução de comentários por
parte do jornalista, a possibilidade da peça ou artigo ser debatida, a convocação
de comentadores de diferentes orientações políticas para discutirem o evento
ou apenas o recurso a um deles, são aspectos que configuram uma dada leitura
e interpretação daquela acção particular.

Para além disso, estes e outros aspectos podem também estruturar e condicionar
a percepção, o juízo e o posicionamento da opinião pú blica sobre o papel, a
importância, a necessidade e a oportunidade dos movimentos sociais e das
suas actividades. Seja como for, é importante sublinhar que o acompanha-
Papel dos média na imagem mento que os média possam fazer das acções de um movimento social,
dos NMS junto da opini ã o
p ú blica reduzindo ou amplificando a sua importância e alcance, não só provoca alte-
rações na opinião pú blica e na formação das atitudes dos cidadãos, como
produz também consequências políticas. Entre elas, por exemplo, o apoio dado
por um partido político a um reivindicação de um movimento estudantil, a
repreensão feita a um ministro por ter sancionado ou impedido uma manifes-
tação de homossexuais, a queda de um governo incapaz de dar resposta às
objecções e den ú ncias dirigidas por um movimento contrário à instalação de
centrais nucleares.

Conhecendo a influência decisiva dos meios de comunicação social, os novos


movimentos sociais têm sabido aproveitar as vantagens e possibilidades abertas
pela cobertura mediática, especialmente pela televisão. De facto, a projecção
pú blica e o reconhecimento político de certos movimentos sociais, como os
movimentos pacifista, estudantil, de defesa dos direitos das minorias e, mais
recentemente, os movimentos pela democracia nos países socialistas do Leste
Europeu e o movimento anti-globalização, deveram muito ao modo como os
média valorizaram ou promoveram, de acordo com critérios exclusivamente
jornalísticos ou segundo outras motivações, as acções desencadeadas ou
organizadas por esses movimentos. Para tal , os próprios movimentos sociais
colaboram com os média, facultando-lhes n ão só matéria noticiosa como

350
ggjjjgg

também eventos plenos de espectacularidade, como é o caso das paradas, das


cadeias e cord ões humanos, da ocupação de edif ícios pú blicos, da escalada de
monumentos, etc.

Este tipo de acções e iniciativas trazem vantagens para os novos movimentos


sociais, pois n ão só apostam na excepcionalidade e impacto das acções,
mobilizando e fazendo chegar a mensagem a franjas da população já pouco
receptivas a estilos de intervenção muito convencionais, como recolhem os
ganhos do «tempo de antena» cedido por jornais, revistas, rádios e televisões,
que ocorrem com avidez a determinado tipo de intervenções. Em contrapartida,
os média ganham com as acções mais ostensivas e irreverentes dos novos
movimentos sociais, pois o fundo de entretenimento que resulta da espectacula-
ridade das ac ções de protesto e das suas implicações (cargas policiais,
perturbação da ordem, detenção de activistas, exaltação da linguagem, etc.)
convida ao interesse e fixação de leitores e telespectadores, fazendo subir
tiragens e audiê ncias.

E igualmente verdade que o critério jornalístico da relevâ ncia ou pertinência


da acção de um movimento social, juntamente com o critério comercial de
favorecer a venda do produto ou serviço, nem sempre são suficientes para
justificar a existência ou ausência de cobertura mediática da actividade dos
novos movimentos sociais. Com efeito, várias pressões de ordem política e/ou
económica podem interferir ou sobrepor-se aos critérios atrás enunciados, e
exercer, de forma mais ou menos directa, censura ou condicionamento das
opções jornalísticas tomadas ou a tomar em relação a determinadas iniciativas A cobertura medi á tica das
acções dos novos movimen -
dos movimentos sociais — sobretudo quando tais actividades podem pôr em tos sociais
causa a credibilidade de um grupo económico que é accionista maioritário de
uma estação televisiva, ou ameaçar pela den ú ncia pú blica os negócios menos
claros ou mais polémicos entre um ministério e um conjunto de empresas,
entre as quais as propriet árias de um jornal ou revista.

Outra forma de manipulação que pode ser conduzida pelos profissionais de


comunicação social , desde os jornalistas aos editores, aos directores de
informação ou aos proprietários do média em questão, de forma mais presente
ou mais invisível, mas sempre decisiva, é a criação de estereótipos e imagens
vagas sobre certos movimentos sociais (contestatários, bando de rufias e
malfeitores, provocadores, agitadores, etc. ) , ou a sua associação a certas
impressões e sentimentos ( violência, radicalidade, extremismo). Esta adulte-
ração da natureza e propósitos dos novos movimentos sociais é relativamente
f ácil de se conseguir : ou editando de forma desfavorá vel , continuada e
sistemática as imagens de acções colectivas, seleccionando as que possam
penalizar o movimento aos olhos da opinião pública, ou solicitando a posição
de comentadores que habitualmente condenam ou desvalorizam as actividades
desenvolvidas por esses movimentos sociais.

351
Existe um conjunto de acções muito comuns nos novos movimentos sociais,
cujo êxito depende em grande medida da sua repercussão nos média, quer
isso resulte da decisão dos meios de comunicação social em se solidarizarem
e apoiarem essas acções, quer tal pressuponha a afectação de recursos dos
movimentos para custear a compra de espaço publicitário nos rádios, revistas,
jornais e televisões. Tratam-se das campanhas de informação e sensibilização
que os movimentos sociais — e as vá rias associações que os integram ou que
com eles colaboram — organizam e desenvolvem na defesa de causas cívicas,
políticas e humanitárias. São disso exemplo as campanhas de luta anti-racista,
a favor das liberdades políticas, pela autodeterminação de povos subjugados a
potências estrangeiras ou pelos direitos das minorias étnicas.

Percursos de autoverificação

• Determine as razões que estão na base do reforço da vigilância e


controlo do Estado sobre movimentos radicais e extremistas recentes.

• Reconheç a o papel dos movimentos sociais como actores políticos


complementares aos partidos.

• Explique o « dilema de desenvolvimento» dos chamados « partidos-


movimento».

• Caracterize as quatro fases da transição de uma « política de protesto e


de movimento» para uma « política de partido» , segundo Claus Offe.

• Explicite as relações de proximidade e complementaridade entre os


grupos de interesses ou de pressão e os movimentos sociais.

• Indique as formas de condicionar a cobertura mediática das actividades


dos novos movimentos sociais.

Exercícios

• Elabore um quadro comparativo das diferenças entre partidos políticos


e movimentos sociais quanto às funções e objectivos , campo de
actuação e organização.

• Tomando como referência as diferenças entre os grupos de interesses


e os novos movimentos sociais quanto às actividades, objectivos,

352
! !
lii ill-llí!
'

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formas de organização, estilos de actuação e relações com o poder


político, visione os filmes Erin Bwckovich , de Steven Soderbergh
( EUA , 2000) e O Informador , de Michael Mann (EUA , 2002) ,
destacando numa grelha/quadro os elementos que caracterizam os
grupos de interesse ou de pressão aí presentes.

• A partir de uma an álise dos programas eleitorais apresentados pelos


partidos políticos portugueses, verifique se estes incorporam nos seus
programas e agenda política os temas e as preocupações dos novos
movimentos sociais, procedendo à sua respectiva identificação.

• Através de uma pesquisa na Internet e na imprensa, dê exemplos de


acções específicas dos novos movimentos sociais que tenham sido
alvo de cobertura e difusão mediáticas a nível nacional ou internacional.
Procure caracterizar ainda o tipo de abordagem efectuada pelos média
relativamente a essas mesmas acções (fidedigna, amplificada, objectiva,
comprometida, informativa, sensacionalista, etc.).

353
fli WmmxMM

14. Os Novos Movimentos Sociais, a Questão Ideológica


e os Desafios à Democracia
14.1 Os novos movimentos sociais e a questão ideológica

Para melhor compreendermos os limites da política institucional, a repolitização


e a emergência dos novos movimentos sociais, abord á mos no capítulo 9 o
propalado fenómeno da despolitização e o debate sobre o fim das ideologias,
associados à consolidação do welfare state e aos êxitos políticos e ideológicos
das democracias liberais do pós Segunda Guerra Mundial. Retomamos agora
a problemática da ideologia mas para relacion á-la com a própria condição e
razão de ser dos novos movimentos sociais, com os seus dispositivos identitários
e com o que eles representam e constituem enquanto actores colectivos
portadores de ideologias.

Como assinalámos antes, a tese do fim ou declínio das ideologias (mesmo no A desadequaçã o das velhas
ideologias e o surgimento
sentido atribu ído por Bell , Lipset e outros) n ão foi confirmada pelos factos, de novas ideologias
apesar desta tese ter ganho novo alento com a queda do muro de Berlim (1989)
e a derrocada do chamado «socialismo real ». Tal cen á rio originou reforçados
argumentos para as leituras do consensualismo ideológico e para a vit ória
inapelável da democracia liberal. Mas, como refere Chantal Mouffe, « longe
de ter proporcionado uma transição suave para a democracia pluralista, em
muitos locais o colapso do comunismo parece ter aberto caminho a um
ressurgimento do nacionalismo e à emergência de novos antagonismos. Os
democratas ocidentais assistem atónitos à eclosão de diversos conflitos étnicos,
religiosos e nacionalistas que pensavam pertencer a épocas passadas. Em vez
da apregoada “nova ordem mundial”, da vitória dos valores universais e da
generalização de identidades “pós-convencionais”, assistimos a uma explosão
de particularismos e a um crescente desafio ao universalismo ocidental» (Mouffe
1996: 14).

Tal como alguns autores previram, surgiram novos conflitos e, com estes,
novas ideologias (ou subprodutos ideológicos) legitimadoras: o conflito Leste-
-Oeste logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, os movimentos autonomistas
europeus, os anticolonialismos, a crise do capitalismo daí decorrente e, mais
recentemente, os novos fundamentalismos e integrismos, a democracia radical,
o neo-federalismo, a globalização e a anti-globalização, o eco-socialismo, o
conflito entre o ocidente e o mundo islâ mico, o terrorismo e as estratégias
securitá rias e as solidariedades internacionais, etc. Tudo isto demonstra que a
natureza, intensidade e extensão dos conflitos mudaram mas que concomitan -
temente novas ideologias foram suscitadas , assistindo-se hoje a um exacerbar
destas tensões e à sua crescente internacionalização por efeito da própria
globalização informativo-comunicacional, cultural e económica.

No mundo actual, os integrismos prosperam um pouco por toda a parte e os


movimentos autonômicos e independentistas tomaram-se uma constante na
Europa, sobretudo a partir da derrocada do « mundo soviético». Surgem

357
é

também revivalismos extremistas: «Se procurarmos o nazismo por detrás da


violência dos skinnheads alemães, que põem fogo nos centros de acolhimento
para os imigrantes, perdemo- nos. Bem podem brandir a cruz céltica que n ão
são os SA de um novo partido. Também erramos se procurarmos na Liga
Lombarda uma nova incarnação das camisas negras de Mussolini. Trata-se de
novos produtos que estão em preparação nos caldeirões ideológicos. (... ) Ou
uma síntese nacional-comunista ou um movimento “ecológico, popular e
nacionalista” » (Mine 1994: 96). S ão os extremismos que marcam o ritmo
ideológico da actualidade. Mas serão ideologias? Ou simples ideias generalistas?
Serão novas visões do mundo?
Para vários pensadores liberais, estes e outros conflitos e problemas que afectam
e perturbam muitas democracias ocidentais, agravando contradições internas,
não só não geram uma alternativa ideológica global e sistémica, como n ão
põem em causa a continuidade do sistema liberal. Ou seja: «à luz dos princípios
liberais, estes problemas n ão são obviamente insolú veis, nem tão graves que
conduzam, necessariamente, ao colapso da sociedade como um todo, tal como
sucedeu com o comunismo nos anos 80» (Fukuyama 1992: 22). Urge, então,
questionar se n ão ser ão as reivindicações e propostas dos novos movimentos
sociais a demonstração da falê ncia ou declínio das ideologias ? De facto, o
ideário político e a agenda de muitos movimentos sociais têm vindo a perder,
desde os anos 60 do século XX, «densidade» ideológica no sentido de conteú do
ideológico definido, sistemático e articulado, ganhando cada vez mais a marca
das preocupações temáticas que veiculam e da espectacularidade das acções
que desenvolvem.

Dito de outro modo: aceite o anacronismo das ideologias clássicas e a sua


inadequação para interpretar e dar resposta aos novos conflitos e novas reali-
dades, e reconhecidas as dificuldades doutrin árias das ideologias emergentes,
grande parte dos novos movimentos sociais aposta na espectacularidade e na
irreverência do estilo de actuação, sacrificando o rigor e o aprofundamento
ideológicos e adoptando uma intervenção mais focalizada em quest ões
concretas (cf . quadro 14.1). Esta é uma opção estratégica capaz de mobilizar
cidadãos desiludidos com os grandes sistemas ideológicos do passado e cépticos
em relação aos que se anunciam. Como afirma Henri-Pierre Jeudy: «Pode-se
sempre dizer que as sociedades modernas funcionam à custa de fascinação e
de sedução, e que os grandes sistemas de representação já não são necessários
para cristalizar as massas» (Jeudy 1995: 33-34).

358
Quadro 14.1 - Ideologias do passado versus ideologias dos NMS

Ideologias do passado Base ideológica dos novos


(especialmente a marxista) movimentos sociais

- Explicações ambiciosas, transcen- - Explicações limitadas marcos co -


dentes lectivos
- Totalitarismo ideológico , monoli- - Pluralismo ideológico, diversidade
tismo de ideias
- Utopia ou modelo desejado de - N ão propõem um modelo coerente
sociedade da nova sociedade
- No interesse de um grupo particular - No interesse de todos
- Partido ú nico, organização centra- - Organizações autónomas, descen -
lizada tralizadas
- Revolucion árias, transformação radi- - Reformas limitadas, adaptação à
cai sociedade civil

Fonte: Javaloy et al. ( 2001: 323)

Com efeito, não obstante a radicalidade da contestação por parte de alguns


novos movimentos sociais nas democracias ocidentais, isso parece não implicar
a reivindicação de alterações sistémicas ou revolucionárias. Por muito incisivos
que sejam em questões espec íficas (como a insegurança num bairro multi-
étnico ou o aumento das portagens) ou relevantes política e culturalmente
(como a defesa do multiculturalismo ou a luta contra a pobreza), a verdade é
que os movimentos sociais actuais, com algumas excepções, funcionam e
actuam no contexto da «ideologia democrática», mesmo que lhe enderecem
críticas e ataques: «O anti-parlamentarismo e o descrédito dos partidos políticos
tomaram um novo rumo: o ú nico projecto que lhes subjaz é a democracia, o
descrédito da classe política já não caminha de mão dada com a vontade de
destruição das democracias pluralistas: o voto a favor da extrema-direita não é
animado por uma crença ideológica forte, mas pelo medo ou pelo ódio sentido
em relação ao outro, pela exasperação face aos problemas da delinquência, do
desemprego (. .. ), face ainda à “indiferença” ou ao “imobilismo” de que são
acusados os respons áveis pol íticos » ( Lipovetsky 1994: 228).

Mas mesmo que as exigências e actividades dos novos movimentos sociais


representem um processo histórico que se traduz no abandono ou corte com

359
fill ill! 11!!!

as ideologias tradicionais (o socialismo e o comunismo marxista, por exemplo)


e na dificuldade em adoptar novas ideologias legitimadoras com elevado grau
de sistematização e coerência internas, fará sentido afirmar que estes novos
actores sociopolíticos são destitu ídos de densidade ideológica, reduzindo-se a
um mero «catálogo» ou « repertório» de actividades avulsas ou planificadas
sem uma orientação ideológica e estratégica reconhecíveis?

Não o cremos. Pois, para além da identidade social e cultural, tais movimentos
possuem uma identidade ideológica (por mais imperceptível que seja) que dá
A identidade ideol ógica dos
sentido e consistê ncia aos seus valores , crenças e posições políticas. É verdade
novos movimentos sociais que se no passado a identidade ideológica de um movimento constituía um
elemento fundamental de recrutamento de activistas e simpatizantes, ela é hoje
muito menos importante ganhando maior relevo outros incentivos colectivos
e selectivos (oportunidade de participação, eficácia na resolução de problemas
concretos, notoriedade e visibilidade social ou mediática, etc .) que favorecem
a adesão à acção colectiva. De qualquer modo, um movimento social pressupõe
um sistema de crenças e valores partilhado pelos seus membros e simpatizantes,
o qual justifica as suas actividades e os seus propósitos. Por isso mesmo, e no
que aos novos movimentos sociais diz respeito, parece mais apropriado falar
de « marcos de acção colectiva» em vez de ideologias, já que este termo serve
para qualificar os quadros interpretativos e significativos que inteligibilizam
acontecimentos e factos concretos e identificam o posicionamento político
geral de um movimento social , sem que tal resulte na construção de um
sistema ideológico «total », integrando as mú ltiplas dimensões da vida social e
política.

14.2 Os novos movimentos sociais e os desafios à democracia

Pode dizer-se, sem grande margem de dúvida, que a acção política, o estilo de
intervenção, o conteú do das reivindicações e as modalidades organizativas
adoptadas pelos novos movimentos sociais lançaram desafios importantes às
democracias representativas ocidentais, suscitando ou agravando a crise de
legitimidade destas, e apontando no sentido de modelos e mecanismos
Os desafios dos novos mo -
alternativos de democracia (democracia participativa , radical , electrónica).
vimentos sociais às demo- Com efeito, parece ser consensualmente aceite pelos estudiosos do fenómeno
cracias ocidentais que estes actores sociopol íticos incorporam e experimentam solu ções
inovadoras ao nível da sua organização interna e da sua praxis política que
podem conduzir a alterações institucionais importantes, quer ao nível dos
subsistemas eleitoral e partid ário, quer ao nível da pró pria estrutura do Estado
e do regime político. Poré m, é també m reconhecido que essas mudanç as
políticas e institucionais est ão em grande medida dependentes da vontade e da

360
:

agenda dos actores políticos tradicionais, nomeadamente dos partidos políticos,


os quais dificilmente abrirão mão de um quasi- monopólio da representação
política e do domínio e controlo que exercem sobre os órgãos de poder. Por
outras palavras, é pouco verosímil que os partidos políticos encetem ou
viabilizem um processo de religitimação ou de refundação da democracia
representativa, onde eles próprios, enquanto actores políticos centrais, seriam
postos em causa.

Veremos melhor o sentido e alcance dos desafios postos pelos novos



movimentos sociais à teoria e prática da democracia nomeadamente no que

respeita ao problema da participação política à medida que formos proce-
dendo à caracterização, no essencial, dos principais modelos de democracia.


O pressuposto fundamental da democracia representativa vista na sua forma

original, de acordo com os fundadores da democracia americana é que não
seja o povo a governar e a exercer directamente o poder político, mas sim que
eleja periodicamente os seus representantes e governantes para os diversos
órgãos electivos ( parlamentos, senados, órgãos de poder local , etc.). Deste
modo, a participação política dos cidadãos está confinada à escolha e responsa-
bilização de elites políticas supostamente instruídas e melhor preparadas para O modelo de democracia
representativa e a participa-
defender os valores da comunidade. Os cidadãos deixam nas mãos dos eleitos ção pol ítica
a missão de protegerem o interesse nacional com autonomia, ou seja, n ão
estando institucionalmente condicionados pela vontade dos eleitores após o
acto da eleição, mesmo que a opinião posterior destes não coincida ou se
afaste do entendimento e posição dos eleitos. Só assim se garante um exercício
aparentemente livre do mandato representativo, evitando igualmente que gmpos
de interesses organizados e facções possam converter a governação de um

país numa disputa de interesses particulares e corporativos aparentemente
livre, diremos hoje, nas democracias ocidentais, atendendo a que os eleitos
não respondem apenas à sua consciência e opinião, mas também prestam contas
aos partidos políticos pelos quais foram eleitos , seguem as suas directivas,
cedendo muitas vezes às pressões e influência dos média, da opinião pú blica,
dos grupos de interesses e pressão e dos movimentos sociais. Mas, sublinhe-
-se, tais constrangimentos ao exercício livre do mandado não constituem uma
novidade, tendo sido referidos amiúde pelos fundadores das democracias
modernas.

Referimo- nos habitualmente à democracia representativa para qualificar o


« Estado parlamentar », mas este é apenas uma realização histórica particular
do princípio da representação, entre muitos outros instrumentos e órgãos
representativos que têm surgido e subsistido nas sociedades (assembleias locais,
conselhos regionais, etc.): « A expressão «democracia representativa» significa
genericamente que as deliberações colectivas, ou seja as deliberações que dizem
respeito a toda a colectividade, são tomadas não directamente por todos os

361
que fazem parte da colectividade, mas por certas pessoas eleitas para esse fim.
Ponto final » (Bobbio 1988: 57). Tal como anotaram os teóricos elitistas (Pareto
e Mosca) , a ideia de representantes eleitos e governantes tecnicamente capazes,
virtuosos e apenas movidos pelos interesses comunit ários, sem cedência às
pressões de particulares e de grupos, ou bem que é fundada numa visão muito
benevolente e mitificada do poder e da natureza humana, ou bem que esconde
intencional e ideologicamente quer as condições reais de exercício do poder
quer a manutenção e reprodução das elites políticas dominantes. De forma
muito breve, para esta escola de pensamento, a democracia, o processo eleitoral
e a representação política servem fundamentalmente para legitimar a condução
ou recondução de uma elite ao poder. Se a democracia representativa espelha
a correlação de forças e o domínio das elites que monopolizam a vida política,
as eleições são o mecanismo ou instrumento formal a que essas minorias
recorrem para conquistar o poder, fazendo crer demagogicamente ao povo
que este elege representantes seus, e que estes representam e defendem os
interesses gerais da nação. Com efeito, levada às ú ltimas consequências pode
mesmo questionar-se a possibilidade da representação política. Como sugere
Arblaster (2004): «Atendendo ao carácter ú nico de cada indivíduo, e atendendo
às gradações e cambiantes de opinião existentes mesmo entre aqueles que
est ão genericamente de acordo sobre uma determinada quest ão, a represen-
tação, mesmo de uma pessoa por outra, quanto mais de um grupo por uma
ú nica pessoa, resulta sempre aproximada e imperfeita» ( Arblaster 2004: 113).
De qualquer modo, para pensadores como Madison e também Tocqueville e
Stuart Mill, e isso apesar das suas análises críticas, a democracia representativa
reunia vantagens evidentes face à democracia directa que impunha a vontade
da maioria esmagando ou silenciado as minorias: uma vontade que, incontrolada,
podia degenerar em « tirania». Para estes autores, o critério que subjaz à
preferência pelo governo representativo em detrimento do governo directo é
« qualitativo » ( racional e elitista) em vez de «quantitativo » ( numé rico e
participativo) , ou seja, seria preferível que um menor n ú mero governasse e
participasse na decisão política, mas que o fizesse com racionalidade, tolerância,
independência, sabedoria e interpretando com fidelidade os valores da
comunidade e do bem comum — e, portanto, fosse um governo menos demo-
crático na «quantidade» da participação e mais democrático na «qualidade»
da decisão. Assim sendo, para os teóricos pioneiros da democracia represen-
tativa, a participação política do povo esgotar-se-ia nos momentos eleitorais e
o sufrágio seria restritivo, pois, de acordo com os pressupostos racionalistas,
não fazia sentido que analfabetos, ignorantes, irresponsáveis e incumpridores
da legalidade , pudessem votar e determinar em consci ê ncia e com
conhecimento de causa quais os melhores servidores do povo.
Também para os autores da escola elitista, entre eles Robert Michels, as massas
não eram autogovernáveis nas sociedades modernas. Mas se o autogoverno
das massas n ão constitu ía uma possibilidade concretiz á vel , o governo

362
• ••

representativo, por seu lado, sendo uma necessidade, iludia o sentido e o teor
da participação política dos cidadãos, já que os supostos representantes das
massas, propostos pelos partidos políticos, depressa se transformavam em
membros de uma oligarquia dirigente ao serviço das máquinas partidárias
burocráticas , próprias dos grandes partidos de massas. Como vimos, estes
partidos políticos, que sucederam aos partidos de notá veis ou de quadros,
caracterizavam-se por um complexo aparelho burocr ático, uma lideranç a
centralizada e oligárquica e uma actividade partidária que já não se circunscrevia
aos momentos eleitorais. Por tudo isto, as elites dirigentes destes partidos
enviesaram os ideais da participação e representação política, pois n ão só
controlavam a vida interna dos partidos — monopolizando os processos de
tomada de decisão e subalternizando o contributo dos militantes de base
como transformavam o sentido da actividade dos eleitos, que de pretensos

representantes do povo passaram a obedientes representantes dos partidos,
postos ao seu serviço.

Neste contexto, estando a representação pervertida, a participação política dos


cidadãos conformava-se à celebração de rituais de legitimação das oligarquias
dirigentes através dos processos eleitorais e de eventos de mobilização partidária
organizados para consagrar os líderes. Assim sendo, as massas de eleitores e
de filiados sem responsabilidades partidárias, ou participavam ocasionalmente
na ilusão de exercer o poder de decisão, ou acomodavam-se e até renunciavam

à participação, consentindo em ser governadas por elites assentimento que
Robert Michels associava às características psicológicas das massas: imaturas,
obedientes e submissas, ignorantes e apáticas.

Ora, sendo as democracias ocidentais actuais de natureza representativa, n ão


obstante as diferenças institucionais entre elas, os novos movimentos sociais
coabitam com este modelo de democracia nem sempre de forma pacífica,
chegando muitos deles a assumir uma atitude de afrontamento político,
denunciando os défices democr áticos da representação política no funciona-
mento das instituições e órgãos representativos. Os próprios movimentos sociais
constituem-se, n ão raramente, como actores políticos que desenvolvem uma
acção de complementaridade ou de alternativa (política ou de envolvimento
participativo) face às estruturas de intermediação política tradicionais (como é
o caso dos partidos políticos) e face à intervenção (considerada insuficiente,
degradada ou pervertida) dos representantes eleitos.

Relacionada com o modelo de democracia representativa, encontra-se a


concepção de democracia competitiva — que tem em Schumpeter um dos

principais teóricos , caracterizando-se esta pela competição de grupos e A concep çã o da democra -
cia competitiva segundo
organizações políticas em constante tensão e disputa pelo acesso ao poder e
Schumpeter
aos cargos, facilidades e oportunidades que este faculta. O controlo do mercado
eleitoral e a obtenção de votos é o que permite a um grupo aceder à governação

363
ou fazer-se representar nos órgãos deliberativos, sendo que essa posição é
sempre precária e temporá ria, devendo ser sufragada periodicamente. Para
esta perspectiva teórica, o que define a democracia é o método de escolha dos
representantes e os procedimentos institucionais que são criados para que estes

decidam pelo povo e em vez dele tratando-se, portanto, de uma concepção
predominantemente instrumental e procedimental de democracia, centrada no
conjunto de mecanismos reguladores do mercado político e eleitoral .

Percebe-se assim que o modelo de democracia competitiva enfatize a extensão


da competitividade pol ítica a uma pluralidade de actores que participam
institucionalmente nas «batalhas» eleitorais e no debate político, dando aos
eleitores a possibilidade de discutir e contestar livremente as opções existentes
e de escolher « poliarquias » heterogéneas, legitimando-as pela via eleitoral
( Dahl 1961; Sartori 1987). Mas se os grupos competem de forma livre e plural
pela conquista do poder, qual é a importância atribuída pelo modelo de
democracia competitiva à participação política dos cidad ãos? A resposta é
O modelo de democracia aparentemente simples: aos cidad ãos cabe o direito de voto e o dever cívico
competitiva e a participação
pol ítica de exercit á-lo. Na oferta plural e concorrencial de alternativas, os cidad ãos
eleitores decidem quais os representantes políticos que querem ter, substituindo
ou dando continuidade à equipa anterior igualmente eleita. Mas esta faculdade
de pôr e depor « minorias » pelo exercício do voto n ão d á aos cidad ãos a
capacidade de ver os seus interesses e aspirações representados por aqueles
em quem votam, nem de impor aos partidos quais as políticas a seguir e as
prioridades a considerar.

Mais uma vez, apesar da pluralidade das alternativas em confronto e da


competitividade no mercado eleitoral, a participação política das massas quase
se esgota num mero acto de ratificação do que lhe é apresentado pelos partidos
políticos. Pelo que se conclui que os cidad ãos n ão governam nem decidem
directamente os conteúdos da governação, limitando-se a conferir legitimidade
formal e institucional ao competidor que reú ne o maior n ú mero de votos, sem
que por isso detenham qualquer controlo sobre a sua acção efectiva. Resta
ao povo soberano, no acto eleitoral seguinte, penalizar uma governação
avaliada negativamente, ou dar-lhe o benef ício da dú vida, ou reiterar o seu
apoio. Assim, cada cidadão é livre de competir pelo poder ou de influenciá-lo
em igualdade de oportunidades, tal como é livre para escolher os seus
representantes em eleições periódicas: os eleitores, enquanto «consumidores»
da oferta eleitoral , manifestam a sua preferê ncia aderindo às propostas (ou
« produtos») mais aliciantes à disposição no mercado pol ítico que, por sua
vez, é constituído e disputado pelos actores políticos, que se comportam como
«empresários ».

Porém, cabe aqui perguntar: terá o cidadão-eleitor acesso aos canais do poder
político em igualdade de oportunidades e escolher á e eleger á os seus

364
da sociedade, independentemente das suas decisões irem ao encontro do que
as direcções partidárias fazem crer que seja o interesse do povo.
Contrapondo-se, coexistindo ou complementando-se com os modelos de
democracia representativa e suas variantes, a democracia participativa que —
tem as suas raízes no ideal e na idealização da democracia ateniense —
apresenta-se como um melhoramento e aprofundamento da representação
política (favorecendo a sua relegitimação) ou até como alternativa a esta em
diversas etapas e níveis do processo decisório e governativo (Santos 2003:
64-65). As várias perspectivas que se enquadram no que se pode generi-
camente designar por democracia participativa, partem de alguns pressupostos
O modelo de democracia comuns , dos quais se destacamos: a criação de condições para um exercício
participativa
amplificado da participação política, aproximando o poder político dos
cidadãos, quer na diversificação das modalidades de intervenção, quer na
extensão do n ú mero dos que efectivamente participam; uma concepção da
cidadania política « forte» que atribui aos cidadãos um papel activo e
responsável, independente e voluntário no processo democrático de tomada
de decisões; uma descentralização do poder de modo a que a «governança» e
o autogoverno à escala regional e local possam implicar os cidadãos no debate
político, na definição da agenda política e conferir-lhes também o controlo do
processo decisório no âmbito de políticas regionais, locais e/ou sectoriais
(assembleias comunitárias).
/

Rafael del Aguila sintetiza algumas das características da democracia


participativa: « 1) deliberação conjunta da( s ) esfera( s ) pública( s ) considerada
como o conjunto de espaços sociais e políticos em que os cidadãos se encontram,
deliberam e debatem em busca de acordos que sejam capazes de regular a sua
vida em comum); 2) autodesenvolvimento individual através da participação
(dado que a participação gera hábitos de di álogo, desenvolve habilidades
argumentativas, etc., que enriquecem os indivíduos) ; 3) sufrágio universal e
uso pelos cidadãos das instituições mediadoras de participação (eleições,
partidos, sindicatos, grupos, corporações, etc., servem assim de canais de
comunicação entre as instituições representativas e a opinião pú blica) ;
4) participação cidadã numa sociedade civil densa e povoada de instituições
mediadoras ( associativismo volunt á rio n ão necessariamente político ,
participação extensiva noutras áreas sociais tais como o lugar de trabalho ou
de estudo, etc.); 5) democracia considerada como uma forma de vida e não
somente como um conjunto de institui çõ es ( formaçã o de cidad ã os
democráticos, informados, capazes de juízo político e cujos hábitos e valores
se vinculam aos procedimentos de di álogo e consecução do consenso e
ordenação da dissenção); etc.» (Águila 2000: 146-147). A estas características
podemos ainda somar o desenvolvimento de instrumentos de democracia
directa que visam envolver os cidadãos na vida política e nos processos de
tomada de decisão nas suas diversas fases.

366
Muitos autores acusam a introdução ou generalização de certos mecanismos e
procedimentos de democracia participativa — como as consultas populares
( referendos) e as deliberações populares em diversos níveis de assembleias
( locais, municipais, regionais) — de serem impraticáveis, inexequ íveis ,
onerosos e manipuláveis demagogicamente. De facto, um dos argumentos
mais insistentemente repetidos para justificar a preferência pela representação
prende-se com a própria viabilidade do sistema de representação política,
contrariamente à impossibilidade prá tica da democracia participativa nas
sociedades modernas. Sem ser nosso objectivo discutir teoricamente o valor
intrínseco do «governo dos eleitos» face ao «governo directo do povo» , importa
assinalar que muitas decisões importantes para a vida colectiva podiam ser
tomadas directamente pelo povo, após debate e discussão prévia, sem que se
exigisse para tal um retomo a uma grande assembleia popular composta por
todos os eleitores num ú nico sítio e ao mesmo tempo, à imagem da democracia
ateniense ou de acordo com o modelo de Rousseau.
No entender de Arblaster, a expressão da decisão popular tem cabimento em
diversas instâncias ou f óruns descentralizados territorialmente , e mediante o
recurso à s novas tecnologias da comunicação ( a aplicação dos novos
instrumentos tecnológicos aos métodos e processos democráticos participativos
estará na origem de uma nova perspectiva teórica da democracia: a democracia
digital ou democracia electrónica). De facto, o uso do telefone, da televisão
interactiva, da videoconferência, da Internet e do correio electrónico tornam
estas solu ções participativas cada vez mais simples e com reduzidos custos e,
logo, « realmente viáveis». Como escreve este autor: «o princípio democrá tico
— segundo o qual o povo deveria, tanto quanto poss ível , tomar ou participar
na tomada de decisões mais importantes e que o afectam mais de perto —
poderia beneficamente ser aplicado nas sociedades actuais de forma mais ampla
do que é na pr ática. E assim dever á acontecer, se essas sociedades pretendem
seriamente ser democráticas» ( Arblaster 2004: 144).
Um dos instrumentos de democracia participativa recentemente desenvolvidos
e que tem suscitado muito interesse e debate entre académicos e políticos é o
dos orçamentos participativos, que foram já postos em prática em diversos O Or çamento Participativo
municípios, prefeituras e governos estaduais do Brasil , sendo a experiência como um dos instrumentos
da democracia participativa
mais conhecida a do orçamento participativo da prefeitura de Porto Alegre.
Esta modalidade de participação cidadã, que está em vias de ser introduzida
noutros países, foi promovida por diversas organizações e movimentos cívicos
e políticos e é hoje uma das bandeiras dos movimentos sociais integrados nos
«Fóruns Sociais» europeus e mundiais. Para Ubiratan de Souza: «O Orçamento
Participativo é um processo de democracia directa, voluntária e universal, onde
a população pode discutir e decidir sobre o orçamento pú blico e as políticas
pú blicas. O cidadão não encerra sua participação no acto de votar na escolha
do executivo e do parlamento, mas vai muito além, decidindo e controlando a
gestão p ú blica ( .. . ) » (Souza 2003: s/ p).

367
A experiê ncia de democracia participativa que constitui o orçamento
participativo é um exemplo de como é possível conjugar mecanismos de
democracia directa com a permanência de formas institucionais de democracia
representativa. Pois, como salienta ainda Ubiratan de Souza: « O Orçamento
Participativo, combina democracia directa com a democracia representativa,
que é uma das maiores conquistas políticas e que deve ser preservada e
qualificada. A democracia representativa é necessária, mas insuficiente no
processo de aprofundamento da democracia da sociedade humana. Mais do
que nunca é preciso combiná-la com as mais variadas formas de democracia
directa, onde o cidadão possa não só participar da gestão pública, mas também
controlar o Estado. ( ... ) No processo do Orçamento Participativo, o cidadão
participa directamente nas decisões e no controle do orçamento pú blico e n ão
por representação indirecta. Portanto, a participação da população efectiva-se
de maneira directa, livre e universal nas assembleias pú blicas do Orçamento
Participativo» (Souza 2003: s/p) . Neste mesmo sentido vai a afirmação de
Norberto Bobbio de que «na realidade, democracia representativa e democracia
directa não são dois sistemas alternativos, querendo isto significar que onde
existe uma não pode existir a outra, mas sim dois sistemas que podem integrar-
se, combinando-se um com o outro » (Bobbio 1988: 69).

Por sua vez , Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer propõem três
teses gerais para o fortalecimento da chamada democracia participativa:
1) o «fortalecimento da demodiversidade»: a democracia não assume uma
ú nica forma e as experiências democráticas recentes apontam para um reforço
da participação e ampliação da deliberação pú blica; 2) o «fortalecimento da
articulação contra-hegemónica entre o local e o global » : passagem do local
para o global de experiê ncias democráticas participativas alternativas;
e 3) a « ampliação do experimentalismo democrático»: multiplicação das
experiências democráticas participativas bem sucedidas para assegurar a
«pluralização cultural, racial e distributiva da democracia participativa. (Santos
2003: 66).

Em face do exposto, não se afigura dif ícil determinar o papel que os novos
movimentos sociais podem assumir no contexto de uma democracia
O modelo de democracia participativa em construção e potenciada sobretudo à escala regional e local,
participativa e o papel dos
novos movimentos sociais mas também à escala internacional, como tem sido reivindicação do movimento
anti-globalização. E isto porque, teoricamente, os novos movimentos sociais

não só estimulam o dinamismo participativo desenvolvendo competências
de cidadania pela socialização cívica que promovem, o que contribui para a
autonomia e responsabilidade individual e social — como também criam
oportunidades de intervenção cívica e política, integrando os cidadãos no âmbito
das suas actividades. Daqui resulta um importante desafio às culturas políticas
democráticas, que contemporizam com a apatia e com a indiferença política,
bem como à « partidocracia » dominante, incapaz de inverter as tendências de

368
desmobilização política dos cidadãos, ou sendo cú mplice e proponente desse
estado de coisas.

No extremo da concepção de democracia participativa encontramos a reivin-


dicação da generalização efectiva de instrumentos e procedimentos de
democracia directa, ou seja, já n ão se trata apenas de criar as condições para O modelo de democracia
radical
uma participação mais intensa, informada, responsável , regular e descentra-
lizada dos cidadãos no âmbito dos processos de decisão política, nem tão-pouco
de complementar os mecanismos representativos com alguns instmmentos de
democracia directa (sem intermediários entre a vontade dos cidadãos e a decisão
política). Com efeito, esta perspectiva pretende alargar os mecanismos de
democracia participativa e directa a outras áreas da vida em sociedade, criando
as condições para uma verdadeira democracia social e económica, e n ão se
circunscrevendo à dimensão política nos seus diversos níveis (supranacional,
nacional, regional e local), razão pela qual assume a designação de democracia
radical. Serve então o termo democracia radical para denominar as correntes e
tendências que defendem a instituição e difusão de instmmentos de democracia
directa , semi-directa ou pós-representativa, bem como o aprofundamento
« radical » da democracia participativa e da cidadania democrática.

O representante clássico desta concepção foi Jean-Jacques Rousseau, que


idealizou uma forma de democracia directa sem representantes nem inter-
mediários, mas sem que tenha definido as condições reais da sua aplicação

numa qualquer sociedade concreta. A proposta deste autor como ele próprio
reconheceu — é manifestamente impraticável se considerarmos um Estado
com uma população em larga escala, que ultrapasse a dimensão populacional
de pequenas comunidades locais ou regionais. De facto, «se por democracia
directa se entender, à letra, a participação de todos os cidadãos em todas as
decisões que lhe dizem respeito, a proposta é insensata. Todos decidirem acerca
de tudo em sociedades cada vez mais complexas como s ão as sociedades
industriais modernas é materialmente impossível » (Bobbio 1988: 55). A
inexequibilidade de uma democracia directa «integral» mostra-se evidente para
Bobbio: «Que a democracia directa não é suficiente torna-se claro quando
consideramos que as instituições da democracia directa, no sentido próprio da
palavra, são duas: a assembleia dos cidadãos deliberante e sem intermediários
e o referendo. Nenhum sistema complexo como o de um Estado moderno
pode funcionar apenas com base numa destas instituições, nem através da
conjugação de ambas » (Bobbio 1988: 69).

Para dar « pertinência» e «actualidade» às concepções democráticas radicais,


alguns autores propõem formas de experimentalismo democr ático e
institucional, capazes de incrementar estruturas e mecanismos favoráveis à
participação directa dos cidadãos, nomeadamente:

369
!

• Reconfigurar a composição, os métodos de votação, o papel e as


competências dos órgãos de poder locais e regionais de modo a tomar
possível a participação e deliberação directa e individual nos diversos
níveis do processo decisório e/ou criar outras entidades para esse efeito
(conselhos de cidad ãos, núcleos de intervenção cívica).

• Implementar e desenvolver iniciativas legislativas populares e formas


referend árias de â mbito local e regional (coadjuvadas pelo recurso às
novas tecnologias comunicacionais) como método de deliberação em
assuntos vitais, tais como orçamentos municipais, planos estratégicos
de desenvolvimento ou medidas políticas com implicações profundas
na vida das populações e no desenvolvimento local e regional (como a
autorização para a instalação de certas indústrias, a localização de aterros
sanitários, a criação de empresas municipais e de organismos pú blicos
regionais, a construção de infra-estruturas militares, etc.)

Contudo, e como Norberto Bobbio adverte, mesmo no âmbito local onde


seria viável a implantação da democracia directa, as comissões de bairro e os
movimentos locais, ao se institucionalizarem, perverteram não raramente os
procedimentos democráticos directos. Ou seja: «mal se procedeu à legitimação
e regulamentação da participação de base, a forma instaurada foi a democracia
representativa. Mesmo os bairros são governados n ão pela assembleia dos
cidadãos, mas pelos representantes destes». (Bobbio 1988: 70). É motivo para
concluirmos que os novos movimentos sociais, neste caso de incidência local
e regional, nem sempre desafiam a democracia representativa no sentido de
aproximá-la da democracia directa. Pelo contrário, e como já vimos, o processo
de institucionalização dos movimentos e a sua complexidade organizativa
podem conduzir à superação ou decl ínio dos mecanismos participativos de
base. Daí que não sendo possível transformar o « representativo» em «directo»,
já seria um serviço inestimá vel à qualidade da democracia se os movimentos
sociais dessem, eles próprios, provas e testemunho da «qualidade » da repre-
sentação, estreitando a relação entre representantes e dirigentes do movimento
e a sua base social de apoio, auscultando efectivamente a opinião dos seus
membros, solicitando a sua intervenção na elaboração de propostas e no
processo de tomada de decisões, etc.
Quando nos referimos à democracia electrónica ( també m designada de
O modelo de democracia democracia digital, democracia virtual, teledemocracia, ciberdemocracia, etc.)
electró nica
mais do que de um modelo teórico de democracia, estamos a considerar
sobretudo técnicas ou procedimentos que permitem formas alternativas de
informação e comunicação políticas e de expressão da vontade e decisão dos
cidadãos (procedimentos e métodos de eleição e votação electrónicos, modelos
de discussão pú blica e de auscultação e emissão de opiniões por via electrónica,
intercâmbio informativo e comunicação interactiva entre eleitores e/ou entre
estes e os representantes eleitos, etc.). Assim sendo, estes suportes técnicos

370
WSSm mmmmmÊÊÊmÊÊmmm

podem ser mobilizados como recursos e soluções, quer no âmbito de uma


democracia predominantemente representativa, quer no contexto de uma
democracia tendencialmente participativa. Contudo, como refere Gianfranco
Pasquino: « alguns defensores da democracia digital vêm- na como um
complemento da democracia grega, um tipo de democracia directa para um
grande n ú mero de pessoas em tempos reais. Da mesma forma que decidiam
milhares de atenienses, sentados no Partenón ( ... ) poder-se-ia hoje reintroduzir
em algumas modalidades aquela democracia directa, o que é dizer, sem
representantes e sem intermediários, graças à tecnologia. Ao mesmo tempo
atingir-se-ia o objectivo de uma democracia directa e de uma democracia
participativa » (Pasquino 2002: s/p).
Esta visão, partilhada por diversos autores, tem suscitado in ú meras críticas,
passando as possibilidades de desenvolver uma democracia electrónica a ser
encaradas com maior pessimismo ou objectividade crítica. O próprio Pasquino, Cr íticas à democracia elec-
ao explicitar os três modelos de democracia a democracia vertical, a tr ó nica


horizontal e a digital , coloca duas importantes objecções a esta última. Por
um lado, a indisponibilidade e inacessibilidade dos instrumentos tecnológicos
a todos os cidadãos, ou seja, nem todos possuem os suportes electrónicos
(computadores, Internet , etc.) e os conhecimentos técnicos necessários (info-
excluídos), por outro lado, e independentemente da superação de questões
meramente técnicas, subsiste a questão de saber até que ponto é que essas
técnicas e meios tecnológicos e a sua utilização podem ser qualificados de
democráticos. Para este autor, qualquer modelo de democracia pressupõe sempre
o intercâ mbio de ideias, a discussão e o debate. E a democracia digital, salvo
caso excepcionais, elimina o debate, orientando-se exclusivamente para a
decisão e n ão para a discussão que deve anteceder e fundamentar a decisão.

Esta última objecção vai ao encontro de grande parte das críticas que são
endereçadas à democracia electrónica, e que se traduzem no facto desta n ão
ter em conta a dimensão deliberativa da democracia, a qual deve ser também
sustentada pela intervenção de estmturas mediadoras, como sejam os partidos
políticos. Na ausência de entidades mediadoras que promovam a deliberação
e a ponderação racional das decisões, os cidad ãos estariam sujeitos à
«espontaneidade» dos impulsos e das emoções e/ou às maquinações populistas
e demagó gicas de líderes e grupos organizados , dando lugar a uma
«teledemocracia plebiscitária».

De entre as in ú meras críticas ou insuficiências que são apontadas à « tele-


democracia », destaquemos aqui:

• O facto da instituição de procedimentos electrónicos de democracia


directa n ão garantir a eficácia necessária ao regular funcionamento da
vida e das instituições políticas, não só porque estas sofreriam constantes
alterações face à eventual periodicidade das consultas electrónicas e

371
1

das votações, como também não seria possível obter compromissos e


acordos nem realizar negociações entre os diferentes actores políticos
(partidos políticos, sindicatos, etc.), os quais se revelam imprescindíveis
em matérias e assuntos de elevada complexidade.

• O facto de soluções tecnológicas (como o televoto, o telereferendo,


entre outras) darem apenas uma atribuição ilusória do « poder ao povo»,
pois escamoteiam a natureza e as condições de produção desses
processos e procedimentos, ou seja: Quem decide e de que forma? O
que se propõe à votação e escolha dos cidadãos ? Quem define os
conteú dos a serem discutidos e apreciados?

Apesar destas e outras objecções, n ão faltam posições que assinalam as


vantagens que a construção da democracia electrónica e a utilização das novas
tecnologias da informação e comunicação ( NTIC ) trazem às sociedades
democráticas ocidentais. Para alguns autores, a democracia electrónica ou
digital poderá reforçar a democraticidade da vida pol ítica institucional (pública,
partidária, associativa) , ajudando a aprofundar a democracia participativa ao
ampliar os espaços e instrumentos de intervenção cívica e ao romper com a
intermediação partid á ria e corporativa , bem como com os processos
administrativos, burocrá ticos, hierarquizados e formalistas. Com efeito, as
modalidades comunicacionais e informativas inovadoras, proporcionadas pelas
novas tecnologias, poderão ser colocadas ao serviço da cidadania política e
corrigir os estiolamentos do modelo democrático representativo, nomeadamente
o afastamento intencional ou consentido dos seus actores principais, os partidos
políticos, em relação à vontade e aspirações dos cidadãos, à sua capacidade
deliberativa, de fiscalização e de controlo democrá tico. Desta forma, o uso
generalizado das NTIC poderá contribuir para o melhor funcionamento da
democracia , ou modificando a relação entre os cidad ãos e os agentes
representativos , ou conduzindo à instituição de formas de democracia
participativa e directa , ou ainda dando origem a uma nova forma de entender
e realizar a política, reconfigurando assim a pró pria cidadania política (Lévi
2003: 30).

Quanto ao papel que os novos movimentos sociopolíticos assumem neste


contexto, j á foi referido o uso cada vez mais intenso que estes fazem das
NTIC , n ão só para darem efic ácia às suas actividades , ao processo de
recrutamento, às acções de mobilização colectiva, à expressão das suas
reivindicações, como também, em muitos casos, para «desafiarem» o modelo
de democracia e governação vigentes, ou denunciando o mau funcionamento
das instituições políticas e o seu carácter não democrático, ou exigindo novas
modalidades de participação e controlo sobre as políticas pú blicas, dependendo
o sentido dessas exigências da matriz política e ideológica dos movimentos
em causa.

372
mm

Percursos de autoverificação

• Reconheç a a importâ ncia e o papel da identidade ideológica de um


movimento social.

• Justifique em que medida os marcos de acção colectiva podem constituir


elementos da identidade ideológica dos novos movimentos sociais.

• Caracterize a natureza da participação política nas democracias


representativas.

• Explique a visão da democracia representativa segundo a «escola


elitista».

• Identifique os pressupostos comuns da democracia participativa.


• Justifique em que medida o or ç amento participativo pode ser
considerado um instrumento de democracia participativa.

• Determine o papel que os movimentos sociais podem assumir no


contexto da democracia participativa.

• Discrimine as críticas e objecções feitas à democracia electrónica.


• Dê conta dos aspectos positivos da democracia electrónica para as
sociedades democráticas ocidentais.

Exercícios

• Redija um pequeno ensaio no qual questione e problematize as razões


e as implicações da perda da carga ideológica nas acções e reivindi-
cações dos novos movimentos sociais.

• Elabore um quadro comparativo onde discrimine as características


principais dos modelos de democracia enunciados.

• Elabore um pequeno ensaio onde enuncie os principais desafios


colocados pelos novos movimentos sociais às democracias ocidentais.

373
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