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MANUALDE INVESTIGAÇÃO
EM GIENDIAS ODGIAO
Tradução da edição original de 1995
JOÃO MINHOTO MARQUES,
MARIA AMÁLIA MENDES
e MARIA CARVALHO
gradiva
Título original Manuel de recherche en sciences sociales, 5º édition
Autores Luc Van Campenhoudt, Jacques Marquet e Raymond Quivy
O Dunod, Malakoff, 2017
Tradução da edição original de 1995 João Minhoto Marques, Maria Amália Mendes
e Maria Carvalho
Revisão científica da edição original de 1995 Rui Santos
Tradução parcial da edição original de 2017, revista e aumentada Isabel Lopes
Revisão de texto Helder Guégués
Capa Armando Lopes (concepção gráfica)/O Fotolia (imagem)
Fotocomposição Gradiva
Impressão e acabamento Multitipo — Artes Gráficas, L.“
gradiva
Editor GUILHERME VALENTE
Visiteosite www.gradiva.pt
Oportunidades fantásticas!
Prefácio à 5.º edição... rerereerererererererererreeeerereesa
OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO
1. Os objectivos................ e rcereeeeaeerereaearerererereners
lil Objechivos geralSsennzaiea css sa Tecarremaress
12 Concepção didáciica «suas nsznenanenen
nn nar ano
13 «Investigação» em «ciências» SOCIAIS? ssscereaseresasaasaecaaninesaremans
2. O procedimento ............... ri rreeereeereeeereeeanerereerereasos
2.1 Problemas de método (o caos original... Ou três maneiras de
comecar Bal) asas emetersessioslbiras
onto dolioceanançda odicemcee mall is sbre eemaçea
22: setapas do procedimento «wasfnincaidizatentiaicadinanednaaaasasa
PRIMEIRA ETAPA
A PERGUNTA DE PARTIDA
1. Objectivos... ir rrereeerererereeeeeereeeererererererererarenerteres
2. Uma boa forma de actuar... renas
3. Os critérios de uma boa pergunta de partida .........................
3.1 As qualidades de clareza.............iieeeeeererererereeeeeererennareraro
3.2 As qualidades de exequibilidade...................iiree
3.3 As qualidades de pertinência .............cicieeeeeeeeeeeeeeererrereeents
Alguns exemplos de boas perguntas de partida.............ees
Conclusão... rir rereeeaeraaeeaceaeracanaearereceaaeeeaerace
een enerenaaaa
SEGUNDA ETAPA
A EXPLORAÇÃO
« Objectivos............. si irereeeeererereeererererereeeerererereerenerererereerererenes 65
. A leitura... reerereeaeaeesaee eee eee ee ae rata aeasaraneada 65
2.1 A escolha e a organização das leituras..............ccceeeseeereeeees 67
22 “Como ler? ,sssersavesamanilaiidaieieoselrilacesemarna
ore secaseussanemenisoreresto To
. As entrevistas exploratórias................ceeeeereerserererereeererees 88
3.1 Com quem é útil ter uma entrevista?.........ceieeeeeeeeeeeereeeees 90
3.2 Em que consistem as entrevistas e como realizá-las? .................... 91
3.3 A exploração das entrevistas exploratórias .............cceeceeceees 103
. O papel dos métodos exploratórios no processo de
investigação ............ si irerererereeeeererererererereraraeaerereaeeerererecererereneseses 109
4.1 Métodos exploratórios complementares ............cccceeeeecesereenes 109
4.2 Continuidade entre a fase exploratória e as etapas seguintes....... 110
TERCEIRA ETAPA
A PROBLEMÁTICA
AE O PR 117
. Exemplos de problemáticas ..................
is sieeeeeereereeereerenes 118
2.1 Os comportamentos sexuais perante o risco de sida .................... 118
2.2 As expectativas dos cidadãos em relação à Justiça ................... 127
2.3 A exposição de si na internet .........ccesecesecmeseieeecrseressaceenccosecesats 132
24 O suicidio seas corintiano
Temo senai aco nen eneaas 136
. O conceito enquanto ferramenta de problematização .............. 138
31 Interacção smustinacinainsasioaneaade
degradada erre aces 141
de” Jona, de incerheza amet ren 142
33 Sistema ssa aaa an neaenasaras 143
34: Campo ssaasiias ease nb cepa os as ane 143
3:35. Redes de actores socialS:s a cus dida meadd 145
36 BUInÇÃO: aca ssatia musa cansado eronano isER 146
37 Acção coleciiva..saisieinico romeo amena crinsaiiionaideaaniosa
danca cemearaandemaceriais 147
. Os dois momentos de uma problemática ........................ 150
4.1 O primeiro momento: fazer o balanço e elucidar
as problemáticas possíveis sa asineannnnenanansciiinnaaniudeecmeemeders 151
4.2 Segundo momento: atribuir-se uma problemática .................... 153
QUARTA ETAPA
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE
; Objectivos ...eareeeeenernseenme
emana rermoemarereme eram eiem mens renas ema 163
2. Em que consiste o modelo de análise?............................. 164
2 O suicídio: uses sia aus casar da ls acamadesas 164
22: Poder etede social azesuasa auesasinao casuais ESAaANA ea near as gaisaiaaas 171
2.3 A construção de conceitos...............ccccieecieeeeeeereererenererenereareneeaas 177
2.4 A formulação e as funções das hipóteses... 180
. Dois caminhos para proceder concretamente.............................. 188
31. A teorização emprestadas ssseizemismsaa sentazarta ecrêniena Teiascradosasissaands 189
32 A-teorização produzidas cnticasa descrtiigacas a afubini Duda sueis cas nciganaça 192
3.3 Teorização emprestada ou teorização produzida? ....................... 196
« Duas aplicações. Pala SERIE iaeresdadasssserpreniiis
asian anicasabiálaao 198
4.1 Comportamentos sexuais e atitudes perante o risco de sida......... 199
4.2. O Movimento: Branco secs sssascos srcscemssssaecessana
rasishsanecsss ssssacecesssaoo 208
QUINTA ETAPA
A OBSERVAÇÃO
a CIRECRROR cxcasniaioiisocanemaiinonnailionaadeiibaadsas dialeto 7
2. Observar o quê? A definição dos dados pertinentes................. 221
. Observar quem? O campo de análise e a selecção
das unidades de obsSemçÃo aerea sarna 223
31 O campo ide análise sessao
rasas munasaa mamae set anss 223
32 A amostra san ac icasamamesicescraeciseço 224
« Observar como? Os instrumentos de observação e a recolha
dos dadoA, sussa aca sal lia asas ssa baia 229
4.1 A elaboração dos instrumentos de observação.............................. 230
4.2 As três operações da observação ..............ccccccieeereeeeererereneranes 248
« Panorama dos principais métodos de recolha das
informações ................. ri irrerererereeceereneerececeasenanerenenea 253
5.1 O inquérito por questionário... sseeseeresesereseacerenaa 255
52 À CHITEVISA. ass creneremisemenussase comove cre vessecnaaeas ines ereaniesiniis vem cniimpiosanes 260
5.3 A observação directa .................
iris eeereereeeeeraaeeeraceenaraacenaceaa 267
5.4 A recolha de dados preexistentes: dados secundários e dados
Fo [o Toji in [o x | ED 274
SEXTA ETAPA
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES
a CONCERNOS caso ns saladas 287
v DIGAS DO: socar onda dia li 288
2.1 Os comportamentos sexuais e as atitudes perante o risco
SÉTIMA ETAPA
AS CONCLUSÕES
| |
OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO 19
2. O PROCEDIMENTO
A ruptura
Se escolhemos estudar um determinado assunto, forçosamente,
é porque quase sempre nos interessa, porque temos dele um
conhecimento prévio e muitas vezes uma experiência concreta.
Talvez estejamos desejosos de levar a cabo a nossa investigação
para trazer à luz do dia um problema social ou para defender
uma causa que nos éZ cara. Um futuro investigador social que
OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO 31
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
RUPTURA s
. As entrevistas
As leituras 2
exploratórias
Etapa 3 — A problemática
CONSTRUÇÃO
[ Etapa 5 — A observação
À Etapa 7 — As conclusões
A construção
À ruptura, ou se quisermos ser menos radicais, a demarca-
ção, não se obtém apenas graças ao distanciamento reflexivo.
Concretiza-se positivamente no segundo acto da investigação
em sociologia, o da construção, que consiste em reconsiderar o
fenómeno estudado a partir de categorias de pensamento incluí-
das nas ciências sociais, em reportar-se a um quadro conceptual
organizado susceptível de exprimir a lógica que o investigador
pensa estar na base do fenómeno. Trata-se de «reconstruir» os
fenómenos de um ângulo diferente, que é definido pelos conceitos
teóricos pertencentes às ciências sociais. É graças a esta teoria
que o investigador pode erguer as proposições explicativas do
fenómeno a estudar e prever qual o plano de pesquisa a definir,
as operações a aplicar e as consequências que logicamente devem
esperar-se no termo da observação. Não pode haver, em ciências
sociais, verificação frutuosa sem construção de um quadro teórico
de referência. Não se submete uma proposição qualquer à prova
dos factos. As proposições devem ser o produto de um trabalho
racional, fundamentado na lógica e numa bagagem conceptual
validamente constituída (cf. J.-M. Berthelot, L'Intelligence du
social, Paris, PUF, 1990, p. 39).
36 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A verificação
Uma proposição só tem direito ao estatuto científico na medida
em que pode ser verificada pelos factos. Esta prova pelos factos
é designada por verificação ou experimentação. Corresponde ao
terceiro acto do processo.
A PERGUNTA DE PARTIDA
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
»
p-
As entrevistas
As leituras ui
«< exploratórias
Etapa 3 — A problemática
Etapa 5 — A observação
Gm
Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
Pergunta 1
Em que medida o aumento das perdas de empregos no sector
da construção explica a manutenção de grandes projectos de
trabalhos públicos, destinados não só a manter este sector, mas
também a diminuir os riscos de conflitos sociais inerentes a esta
situação?
Comentário
Esta pergunta é demasiado longa e desordenada. Contém supo-
sições e desdobra-se no fim, de tal forma que é difícil perceber
bem o que se procura compreender prioritariamente. É preferível
formular a pergunta de partida de uma forma unívoca e concisa
para que possa ser compreendida sem dificuldade e ajudar o seu
autor a perceber claramente o objectivo que persegue.
Pergunta 2
Qual é o impacto das mudanças na organização do espaço
urbano sobre a vida dos habitantes?
46 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Comentário
Esta pergunta é demasiado vaga. Em que tipos de mudanças
se pensa? O que se entende por «vida dos habitantes»? Trata-se
da sua vida profissional, familiar, social, cultural? Alude-se às
suas facilidades de deslocação? Às suas disposições psicológicas?
Poderíamos facilmente alongar a lista das interpretações possíveis
desta pergunta demasiado vaga, que informa muito pouco acerca
das intenções precisas do seu autor, se é que estas o são.
Convirá, portanto, formular uma pergunta precisa cujo sentido
não se preste a confusões. Será muitas vezes indispensável definir
claramente os termos da pergunta de partida, mas é preciso pri-
meiro esforçar-se por ser o mais límpido possível na formulação
da própria pergunta.
Existe um meio muito simples de se assegurar de que uma
pergunta é bastante precisa. Consiste em formulá-la diante de
um pequeno grupo de pessoas, evitando comentá-la ou expor o
seu sentido. Cada pessoa do grupo é depois convidada a explicar
como compreendeu a pergunta. A pergunta será precisa se as inter-
pretações convergirem e corresponderem à intenção do seu autor.
Ao proceder a este pequeno teste em relação a várias perguntas
diferentes, depressa observará que uma pergunta pode ser precisa
e compreendida da mesma forma por todos sem estar por isso
limitada a um problema insignificante ou muito marginal. Consi-
deremos a seguinte pergunta: «Quais são as causas da diminuição
dos empregos na indústria valã no decurso dos anos 80?» Esta
pergunta é precisa no sentido de que cada um a compreenderá
da mesma forma, mas cobre, no entanto, um campo de análise
muito vasto (o que, como veremos mais à frente, apresentará
outros problemas).
Uma pergunta precisa não é, assim, o contrário de uma per-
gunta ampla ou muito aberta, mas sim de uma pergunta vaga ou
imprecisa. Não encerra imediatamente o trabalho numa perspec-
tiva restritiva e sem possibilidades de generalização. Permite-nos
simplesmente saber aonde nos dirigimos e comunicá-lo aos outros.
A PERGUNTA DE PARTIDA 47
Pergunta 3
Quais as causas do subdesenvolvimento?
Comentário
Esta pergunta é demasiado vaga e tememos que o investigador
principiante apenas consiga responder-lhe com generalidades.
Aquilo a que chamamos subdesenvolvimento abrange uma grande
diversidade de realidades e de processos, de tal forma que, na
maior parte das vezes, os contributos científicos mais úteis sobre
o assunto abordam ou situações específicas (por exemplo, um
conjunto de aldeias que enfrentam determinadas condições num
país do Terceiro Mundo) ou mecanismos concretos (por exemplo,
certos aspectos dos processos de endividamento que compreendem
dimensões sociais e/ou técnicas). Em contrapartida, as dissertações
gerais não apresentam o mínimo interesse. Só depois de terem
conseguido reunir os resultados de muitos trabalhos especializados
é que alguns investigadores, detentores de uma longa experiência
em investigação, são capazes de elaborar sínteses sobre o subde-
senvolvimento em geral e até, mais frequentemente, sobre apenas
alguns dos seus únicos aspectos que apresentam uma verdadeira
utilidade científica. O investigador principiante tem todo o inte-
resse em conhecer estes trabalhos antes de, eventualmente, se
lançar ele próprio numa investigação com ambições claramente
mais modestas.
Pergunta 4
Os dirigentes empresariais dos diferentes países da União Euro-
peia têm uma percepção idêntica da concorrência económica da
América do Norte e da Ásia?
Comentário
Se puder dedicar pelo menos dois anos inteiros a esta investiga-
ção, se dispuser de um orçamento de vários milhões de euros, de
uma boa rede de colegas noutros países europeus que se disponham
a cooperar e uma equipa de colaboradores competentes, eficazes
e poliglotas, terá, sem dúvida, algumas hipóteses de realizar este
tipo de projecto e de obter resultados suficientemente pormeno-
rizados para terem alguma utilidade. Caso contrário, é preferível
restringir as suas ambições.
As condições de exequibilidade são de ordens diversas, devendo
ser todas consideradas pelo investigador: os seus conhecimen-
tos principais sobre a questão, as suas competências técnicas, a
possibilidade de recolher material indispensável (neste caso, sem
dúvida alguma, um inquérito por questionário ou entrevistas aos
directores das empresas) e de tomar medidas prévias, a capaci-
dade para convencer as pessoas-chave a dar o seu contributo e,
eventualmente, organizar reuniões preparatórias, a capacidade
de encontrar documentos úteis, o orçamento necessário (nomea-
damente, despesas de deslocação), os meios logísticos (como o
suporte informático para o tratamento dos dados), mas também,
em alguns casos, a capacidade para ultrapassar obstáculos de
ordem psicológica ou ética que possam surgir no decorrer do
trabalho no terreno.
O investigador deve assegurar-se de que estão reunidas todas
estas condições desde a formulação da pergunta de partida, sob
pena de rapidamente se ver ultrapassado pelas suas próprias
A PERGUNTA DE PARTIDA 49
Pergunta 5
O que fazem os jovens da região de Bordéus nos seus tempos
livres?
Comentário
Numa primeira abordagem, podemos recear que tal pergunta
não exija mais que uma resposta puramente descritiva, cujo único
objectivo seria informar sobre os dados de uma situação. Um
perigo suplementar consiste em manter-se numa «vivência» sem
sentido, sem chegar a compreender os processos sociais subjacentes
aos modos de vida e aos comportamentos descritos.
50 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Pergunta 6
Que mudanças afectarão a organização do ensino nos próxi-
mos vinte anos?
Comentário
O autor de uma pergunta como esta tem, na realidade, como
projecto proceder a um conjunto de previsões sobre a evolução
de um sector da vida social. Alimenta, assim, as mais ingénuas
ilusões sobre o alcance de um trabalho de investigação social.
Um astrónomo pode prever com muita antecedência a passagem
de um cometa nas proximidades do sistema solar, porque a sua
trajectória responde a leis estáveis, às quais não pode furtar-se
por si próprio. Isto não acontece no que respeita às actividades
humanas, cujas orientações nunca podem ser previstas com certeza.
Podemos, sem dúvida, afirmar, sem grande risco de nos enganar-
mos, que as novas tecnologias ocuparão um lugar cada vez maior
na organização das escolas e no conteúdo dos programas, mas
52 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Pergunta 7
O novo regime fiscal aprovado pelo governo é socialmente justo?
Comentário
O que se entende por «socialmente justo»? A resposta será
radicalmente diferente conforme se ache que a justiça consiste em
fazer cada um pagar uma quota-parte igual à dos outros, sejam
quais forem os seus rendimentos (como é o caso dos impostos
indirectos sobre o consumo), uma quota-parte proporcional aos
seus rendimentos ou uma quota-parte proporcionalmente mais
importante conforme forem aumentando os seus rendimentos
(a taxa progressiva geralmente aplicada nos impostos directos).
Esta última fórmula, que alguns considerarão justa por contribuir
para atenuar as desigualdades económicas, será julgada absoluta-
mente injusta por quem considere que, assim, o fisco lhe extorque
bastante mais do que aos outros do fruto do seu trabalho, da sua
habilidade ou dos riscos que ousou correr.
O projecto de quem pretenda estudar esta questão será essencial-
mente crítico. Embora do ponto de vista das ciências sociais esteja
mal apresentado, torna-se legítimo na medida em que o objectivo
destas não é produzir conhecimento por si próprias, numa pers-
pectiva puramente especulativa, mas sim produzir conhecimentos
que permitam melhorar as coisas para cada um individualmente e
para a colectividade. É legítimo na medida em que a investigação
em sociologia é indissociável das preocupações de carácter ético
e político (como contribuir para resolver problemas sociais, para
instaurar mais justiça e menos desigualdades, para lutar contra
54 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Conclusão
Embora o objectivo da primeira etapa de formulação da per-
gunta de partida seja, antes de mais, permitir ao investigador
iniciar o seu trabalho e dispor de um primeiro fio condutor, este
exercício também constitui para ele uma oportunidade para cla-
rificar e definir o seu projecto e as suas expectativas. Aquele que
decide consagrar uma parte importante do seu tempo à inves-
tigação de um tema particular, no âmbito dos seus estudos, de
um trabalho de fim de curso ou até de um doutoramento, não
escolhe esse assunto por acaso. Para ele, o tema escolhido tem
de ser importante e tem de valer a pena estudá-lo por razões que
ultrapassam considerações puramente escolares ou académicas.
Podem ser razões pessoais, ligadas a uma experiência do passado,
ao amor a uma causa, a um fenómeno concreto ou até um projecto
58 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A EXPLORAÇÃO
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 3 — A problemática
Etapa 5 — A observação
Ge
Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
Ao longo do capítulo anterior, aprendemos a formular um
projecto de investigação sob a forma de uma pergunta de par-
tida apropriada. Até nova ordem, esta constitui o fio condutor
do trabalho. O problema é agora o de saber como proceder para
conseguir uma certa qualidade de informação; como explorar o
terreno para conceber uma problemática de investigação. É este
o objecto deste capítulo.
A exploração comporta as operações de leitura, as entrevistas
exploratórias e alguns métodos de exploração complementares. As
operações de leitura visam essencialmente assegurar a qualidade
da problematização, ao passo que as entrevistas e os métodos
complementares ajudam especialmente o investigador a ter um
contacto com a realidade vivida pelos actores sociais.
Iremos aqui estudar métodos de trabalho precisos e directa-
mente aplicáveis por todos, qualquer que seja o tipo de trabalho
em que se empenhem. Estes métodos são concebidos para ajuda-
rem o investigador a adoptar uma abordagem penetrante do seu
objecto de estudo e, assim, encontrar ideias e pistas de reflexão
esclarecedoras.
2. A LEITURA
O que é válido para a sociologia deveria sê-lo para qualquer
trabalho intelectual: ultrapassar as interpretações estabelecidas,
que contribuem para reproduzir a ordem das coisas, a fim de
fazer aparecer novas significações dos fenómenos estudados, mais
esclarecedoras e mais perspicazes do que as precedentes.
Esta capacidade de ultrapassagem não cai do céu. Depende,
em certa medida, da formação teórica do investigador e, de uma
66 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
a) Os critérios de escolha
A escolha das leituras deve ser realizada com muito cuidado.
Qualquer que seja o tipo e a amplitude do trabalho, um investi-
gador dispõe sempre de um tempo de leitura limitado. Há quem
só possa consagrar-lhe algumas dezenas de horas, outros várias
centenas, mas, para uns como para outros, este tempo será sempre
de certa forma demasiado curto em relação às suas ambições. Não
há então nada mais desesperante do que verificar, após várias
semanas de leitura, que não se está muito mais avançado do que
no início. O objectivo é, portanto, fazer o ponto da situação acerca
68 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Primeiro princípio
Começar pela pergunta de partida. A melhor forma de não se
perder na escolha das leituras é, com efeito, ter uma boa pergunta
de partida. Todo o trabalho deve ter um fio condutor e, até nova
ordem, é a pergunta de partida que desempenha esta função. Será,
sem dúvida, levado a modificá-la no fim do trabalho exploratório
e tentará formulá-la de uma maneira mais judiciosa, mas, por
enquanto, é dela que deve partir.
Segundo princípio
2
Evitar sobrecarregar o programa de leituras. Não é necessá-
rio — nem, aliás, na maior parte das vezes, possível — ler tudo
sobre um assunto, pois, em certa medida, as obras e os artigos
de referência repetem-se mutuamente e um leitor assíduo depressa
se dá conta destas repetições. Assim, num primeiro momento,
evitar-se-á o mais possível começar logo a ler calhamaços enormes
e indigestos antes de se ter a certeza de não poder passar sem
eles. Orientar-nos-emos mais para as obras e artigos de revistas
de sociologia que apresentam referências teóricas e uma reflexão
de síntese no domínio da investigação em causa. É preferível,
com efeito, ler de modo aprofundado e crítico alguns textos bem
escolhidos a ler superficialmente milhares de páginas.
Terceiro princípio
Procurar, na medida do possível, documentos cujos autores não
se limitem a apresentar dados, mas incluam também elementos
de análise e de interpretação.
A EXPLORAÇÃO 69
Quarto princípio
Ter o cuidado de recolher textos que apresentem abordagens
diversificadas do fenómeno estudado. Não só não serve de nada
ler dez vezes a mesma coisa, como, além disso, a preocupação
de abordar o objecto de estudo de um ponto de vista esclare-
cedor implica que possam confrontar-se perspectivas diferentes.
Esta preocupação deve incluir, pelo menos nas investigações de
um certo nível, a consideração de textos mais teóricos que, não
se debruçando necessariamente, de forma directa, sobre o fenó-
meno estudado, apresentem problemáticas e modelos de análise
susceptíveis de inspirarem hipóteses particularmente interessantes.
70 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Quinto princípio
Oferecer-se, a intervalos regulares, períodos de tempo consagra-
dos à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista com colegas
ou com pessoas experientes. Um espírito atulhado nunca é criativo.
As sugestões anteriores dizem principalmente respeito às pri-
meiras fases do trabalho de leitura. Conforme for avançando,
impor-se-ão progressivamente por si mesmos critérios mais preci-
sos e específicos, na condição, precisamente, de que a leitura seja
entrecortada de períodos de reflexão e, se possível, de debate e
discussões.
Uma forma de se organizar consiste em ler levas sucessivas
de dois ou três textos (obras, capítulos ou artigos) de cada vez.
Após cada leva, pára-se de ler durante algum tempo para reflectir,
tomar notas e falar com pessoas conhecidas que se julga poderem
ajudar-nos a progredir. Eventualmente, poderá reformular-se de
forma mais adequada a pergunta de partida. É só após esta pausa
nas leituras que se decidirá o conteúdo exacto da leva seguinte,
estando as orientações gerais que se tinham fixado no início
sempre sujeitas a correcções.
A EXPLORAÇÃO 71
a) A grelha de leitura
Para tomar consciência do seu modo de utilização, propomos-lhe
que a aplique desde já a um texto de Durkheim sobre o suicídio
e compare o seu trabalho com o que nós próprios realizámos. As
indicações para o uso desta grelha de leitura são apresentadas no
trabalho de aplicação que se segue.
são 713,2 por cada 1000 habitantes. Se, por outro lado, comparar-
mos as diferentes províncias deste reino, observamos que os suicí-
dios estão na razão directa do número de protestantes e na razão
inversa do número de católicos. Não são apenas as relações entre as
médias que confirmam a lei; todos os números da primeira coluna
são superiores aos da segunda, e os da segunda aos da terceira, sem
que haja nenhuma irregularidade. O mesmo acontece na Prússia [...]
&No que diz respeito aos judeus, a sua tendência para o suicí-
dio é sempre menor do que a dos protestantes: de maneira muito
geral, é também inferior, ainda que em menor proporção, à dos
católicos. Contudo, acontece que esta última relação se inverte;
é sobretudo em tempos mais recentes que se encontram estes casos
de inversão [...] Se pensarmos que, em todo o lado, os judeus são
um número ínfimo e que na maior parte das sociedades onde foram
feitas as anteriores observações os católicos estão em minoria, sere-
mos tentados a ver neste facto a causa que explica a relativa rari-
dade das mortes voluntárias nestes dois cultos. Com efeito, é per-
feitamente concebível que as confissões menos numerosas, tendo de
lutar contra a hostilidade das populações envolventes, sejam obri-
gadas, para se manterem, a exercer sobre si mesmas um controlo
severo e a sujeitar-se a uma disciplina particularmente rigorosa.
Para justificarem a tolerância, sempre precária, que lhes é concedida
são obrigadas a uma maior moralidade. Além destas considerações,
alguns factos parecem realmente implicar que este factor específico
tem alguma influência [...].
6 Mas, de qualquer forma, esta explicação não bastaria para dar
conta da situação respectiva dos protestantes e dos católicos. Por-
que, ainda que na Áustria e na Baviera, onde o catolicismo é maiori-
tário, a sua influência preservadora seja menor, ela é ainda bastante
considerável. Não é, portanto, apenas à sua situação minoritária que
ele a deve. De maneira mais geral, seja qual for a proporção des-
tes dois cultos no conjunto da população, verificou-se em todos os
lugares onde foi possível compará-los do ponto de vista do suicídio
que os protestantes se matam muito mais do que os católicos. Exis-
tem mesmo Estados, como o Alto Palatinado e a Alta Baviera, onde
quase toda a população é católica (92 % e 96 %) e, no entanto, há
300 e 423 suicídios protestantes para cada 100 católicos. A relação
eleva-se mesmo a 528 % na Baixa Baviera, onde a religião refor-
mada não chega a contar um fiel em 100 habitantes. Assim, mesmo
que que prudência obrigatória das minorias possa ter algo que ver
com a diferença tão considerável que apresentam estas duas reli-
giões, a maior parte desta é certamente devida a outras causas.
DÉ na natureza destes dois sistemas religiosos que as encontrare-
mos. No entanto, ambos proíbem o suicídio com a mesma clareza;
não só o castigam com penas morais extremamente severas, como
ensinam igualmente que além-túmulo começa uma vida nova em
80 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) O resumo
Fazer o resumo de um texto consiste em destacar as suas prin-
cipais ideias e articulações, de modo que faça surgir a unidade do
pensamento do autor. É o objectivo principal das leituras explora-
tórias, sendo, portanto, o resultado normal do trabalho de leitura.
Ouve-se por vezes dizer que há quem tenha espírito de síntese,
como se se tratasse de uma qualidade inata. É, evidentemente,
absurdo. A capacidade para redigir bons resumos é, também
ela, uma questão de formação e de trabalho. A qualidade de um
resumo está directamente ligada à qualidade da leitura que o pre-
cedeu. E, o que é mais importante, o método de realização de um
resumo deveria constituir a sequência lógica do método de leitura.
Será desta forma que iremos aqui proceder.
Tópicos para
Ideias-conteúdo Grelha de leitura
a estrutura do texto
O suicídio está pouco desenvolvido nos países católicos e atinge o seu máximo nos países protestantes.
No entanto, o contexto socioeconómico destes países é diferente; para evitar qualquer erro e especificar o Projecto: precisar a influência
melhor possível a influência destas religiões, é preciso compará-las no seio de uma mesma sociedade. das religiões sobre o suicídio
Quer se comparem entre si os diferentes Estados de um mesmo país (Alemanha), quer as diferentes
Estabelecimento dos factos com
províncias de um mesmo Estado (Baviera), observa-se que os suicídios estão na razão directa do número de
a ajuda de dados estatísticos:
protestantes e na razão inversa do número dos católicos.
o protestantismo é a religião
A Noruega e a Suécia parecem ser excepções. Mas existem demasiadas diferenças entre estes países cujos crentes mais se suicidam
escandinavos e os países da Europa Central para que o protestantismo aí produza os mesmos efeitos.
Se compararmos estes dois países com os que têm o mesmo nível de civilização, a Itália, por exemplo, Falsa excepção
observamos que nos primeiros as pessoas se matam duas vezes mais. Estas duas «excepções» tendem, assim, que confirma a regra
a confirmar a regra.
Primeira explicação possível:
Entre os judeus os suicídios situam-se ao mesmo nível que nos católicos, por vezes abaixo. Os judeus são
o carácter minoritário da religião
minoritários. Nos países protestantes, os católicos também o são. O facto de ser minoritário tem, portanto,
alguma influência.
= explicação insuficiente
O facto de ser minoritário apenas explica uma parte da diferença de influência das religiões sobre o suicídio.
Com efeito, quando os protestantes são minoritários, suicidam-se mais do que os católicos maioritários. Segunda explicação: a natureza
É na natureza dos sistemas religiosos que devemos procurar a explicação, e não nos princípios respeitantes dos sistemas religiosos
ao suicídio, dado que são idênticos.
Diferença importante: o livre
A única diferença é o livre exame. Enquanto o catolicismo dita o dogma e exige uma fé cega, o exame...
protestantismo admite que o indivíduo elabore a sua crença. Isto favorece o individualismo religioso e a
multiplicação das seitas. ... que leva a uma integração
Além de resultar do enfraquecimento das antigas crenças e de dar mais importância ao pensamento mais fraca, o que favorece
individual, o protestantismo conta com menos crenças e práticas comuns para unir os seus membros. É esta o suicídio
falta de integração que faz a diferença e explica o nível mais elevado dos suicídios nos protestantes.
A EXPLORAÇÃO 83
Enfraquecimento
das crenças
tradicionais
A EXPLORAÇÃO 85
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tor delimitar com precisão o que lhe interessa. Para aquele cuja
pergunta de partida esteja ainda hesitante, este tipo de entrevista
também pode ajudar a clarificá-la, na condição de o interlocutor
estar disposto a ajudá-lo, o que não é frequente.
e A segunda categoria de interlocutores recomendados para as
entrevistas exploratórias é a das testemunhas privilegiadas. Trata-
-se de pessoas que, pela sua posição, acção ou responsabilidades,
têm um bom conhecimento do problema. Essas testemunhas
podem pertencer ao público sobre que incide o estudo ou ser-
-lhe exteriores, mas muito relacionadas com esse público. Assim,
num estudo sobre os valores dos jovens tanto podemos encontrar
jovens responsáveis por organizações de juventude como adultos
(educadores, docentes, autoridades religiosas ou filosóficas, traba-
lhadores sociais, juízes de menores) cuja actividade profissional os
põe directamente em contacto com os problemas da juventude.
e Finalmente, terceira categoria de interlocutores úteis: os que
constituem o público a que o estudo diz directamente respeito, ou
seja, no exemplo anterior, os próprios jovens. Neste caso é impor-
tante que as entrevistas cubram a diversidade do público envolvido.
As entrevistas com os interlocutores da segunda e da terceira
categorias são as que oferecem os maiores riscos de desvio devido
à ilusão de transparência. Directamente envolvidos na acção,
tanto uns como outros são geralmente levados a explicar as suas
acções, justificando-as. A subjectividade, a falta de distância, a
visão parcelar e parcial são inerentes a este tipo de entrevista.
É indispensável uma boa dose de espírito crítico e um mínimo
de técnica para evitar as armadilhas que encerram.
a) Os fundamentos do método
2
Rogers é psicoterapeuta. O seu objectivo prático é, portanto,
ajudar as pessoas que se lhe dirigem a resolver os seus problemas
de ordem psicológica. No entanto, o método proposto por Rogers
distancia-se de todos os que atribuem ao terapeuta um papel
mais ou menos importante na análise do problema. Para Rogers,
a análise só pode dar todos os seus frutos se for inteiramente
dirigida pelo próprio paciente. Ao aprender a reconhecer-se a si
próprio por meio da análise das suas dificuldades, ele adquire,
segundo Rogers, uma maturidade e uma autonomia pessoal que
o beneficiam muito para lá do problema mais ou menos especí-
fico pelo qual se dirigiu ao terapeuta. Para atingir este objectivo,
Rogers concebeu e experimentou um método terapêutico centrado
na não-directividade, que o tornou famoso e que aplicou depois
ao ensino.
O princípio deste processo consiste em deixar ao paciente
a escolha do tema das entrevistas, tal como o domínio do seu
desenvolvimento. A tarefa do terapeuta ou do «ajudante» não é,
no entanto, simples.
Consiste esta em ajudar o paciente a aceder a um melhor conhe-
cimento e a uma melhor aceitação de si próprio, funcionando de
certa forma como um espelho que lhe reenvia sem parar a sua
própria imagem e lhe permite, assim, aprofundá-la e assumi-la.
Este método é explicado de forma muito pormenorizada por
Rogers em La relation d'aide et la psychothérapie (Paris, ESE,
1980, [1942]). Esta versão francesa apresenta-se em dois volu-
A EXPLORAÇÃO 93
muitas diferenças, e não são pequenas. É por isso que se fala cada
vez mais de entrevista semidirectiva ou semiestruturada.
No entanto, e sem se iludir quanto ao carácter não directivo das
entrevistas exploratórias que solicita, o investigador em ciências
sociais pode, com grande proveito, inspirar-se em certas caracte-
rísticas fundamentais do método de Rogers e, sob alguns pontos
de vista, copiar o comportamento do psicoterapeuta não directivo.
De facto, à parte evitar que o seu interlocutor fale durante muito
tempo sobre assuntos que não têm nenhuma relação com o tema
inicialmente previsto, esforçar-se-á por adoptar uma atitude tão
pouco directiva e tão facilitadora quanto possível. Na prática, os
principais traços desta atitude são os seguintes:
1. O entrevistador deve esforçar-se por fazer o menor número
possível de perguntas. A entrevista não é um interrogatório nem
um inquérito por questionário. O excesso de perguntas conduz
sempre ao mesmo resultado: o entrevistado depressa adquire
a impressão de que lhe é simplesmente pedido que responda a
uma série de perguntas precisas e dispensar-se-á de comunicar
o mais fundo do seu pensamento e da sua experiência. As res-
postas tornar-se-ão cada vez mais breves e menos interessantes.
Depois de ter sumariamente respondido à anterior, esperará
pura e simplesmente a seguinte como se esperasse uma nova
instrução. Uma breve exposição introdutória acerca dos objec-
tivos da entrevista e do que dela se espera basta geralmente
para lhe dar o tom geral da conversa, livre e muito aberta;
2. Na medida em que um mínimo de intervenções é, contudo,
necessário para reconduzir a entrevista aos seus objectivos,
para recuperar a sua dinâmica ou para incitar o entrevistado
a aprofundar certos aspectos particularmente importantes do
tema abordado, o entrevistador deve esforçar-se por formular
as suas intervenções da forma mais aberta possível. Ao longo
das entrevistas exploratórias é importante que o entrevistado
possa exprimir a própria «realidade» na sua linguagem, com
os seus próprios quadros de referência. Com intervenções
A EXPLORAÇÃO 95
c) O contexto da entrevista
O contexto em que a entrevista decorre pode influenciar con-
sideravelmente o seu desenrolar e o seu conteúdo.
O contexto espaciotemporal deve favorecer a expressão do
entrevistado, o que pressupõe que seja o mais adequado ao tema
em estudo e obedeça a algumas exigências técnicas como o iso-
lamento, a calma e a discrição, de modo que o entrevistado se
sinta confortável. O momento da entrevista deve ser escolhido
com cuidado para que não falte tempo. É importante informar
o entrevistado sobre estes aspectos e avisá-lo sobre a provável
duração da entrevista, para evitar ser interrompido por visitas
indesejáveis e telefonemas, e apressar as coisas por falta de tempo.
Uma entrevista exploratória dura facilmente uma hora, muitas
vezes até mais, e não é invulgar que, apaixonado pelo assunto e
sentindo-se à vontade com o entrevistador, o entrevistado aceite
ou manifeste o seu desejo de a prolongar além do limite combi-
nado à partida.
Também muito importante é a relação social entre entrevista-
dor e entrevistado. As diferenças quanto à classe social (se um
pertencer à burguesia e outro a uma classe popular), de estatuto
hierárquico e de função (por exemplo, se um for estudante de
Gestão e o outro o director de uma grande empresa), de género
(se um for homem e o outro mulher e entres eles se estabelecer
uma atracção, mútua ou de sentido único), de idade (se um for
jovem e o outro mais velho), de convicção filosófica (se um for um
crente muito fervoroso e outro for militante da laicidade), quando
A EXPLORAÇÃO 97
d) O primeiro contacto
A primeira dificuldade que o investigador encontra é convencer
os potenciais entrevistados a aceitar participar na entrevista e ven-
cer as suas eventuais reticências. Como vimos no ponto anterior,
a distância cultural e social entre investigador e entrevistado pode
constituir logo de início um obstáculo difícil de ultrapassar. Se
a pessoa recusar a entrevista, será sempre útil averiguar as suas
razões, que podem ter origem em diversos registos: antipatia ou
desconfiança para com o entrevistador, desinteresse pelo tema ou
receios a seu respeito, rumores que circulam no seu meio acerca
da pesquisa iniciada pelo investigador... Estas indicações podem
revelar-se preciosas para o seguimento do trabalho, tanto para o
êxito dos processos metodológicos posteriores (nomeadamente,
as entrevistas seguintes) como para o conteúdo do próprio tra-
balho. Com efeito, as reacções das pessoas solicitadas podem
revelar aspectos interessantes e significativos acerca dos fenóme-
nos estudados, por exemplo, sobre as representações dos actores
envolvidos ou sobre as tensões existentes entre eles (Ruquoy, op.
cit., pp. 73-76).
Para ser convincente, o próprio entrevistador tem de acreditar
no estudo que está a conduzir e demonstrá-lo. Deve apresentar
as razões para a escolha daquela pessoa entre os entrevistados e
explicar em que é que o seu contributo é particularmente valioso.
Também deve especificar o uso que será dado aos resultados e
responder a eventuais questões e objecções do seu interlocutor.
De facto, as pessoas entrevistadas têm todo o direito a sentirem-
-se reticentes e a receber explicações claras e honestas sobre a
investigação em curso. Por fim, o entrevistador tem de pedir
A EXPLORAÇÃO 99
e) A condução da entrevista
Depois de ter apreendido bem os princípios e os objectivos da
entrevista exploratória e de ter conseguido convencer o poten-
cial entrevistado a aceitá-la, resta passar à acção. Antes disso,
o entrevistador já deverá ter elaborado um guião da entrevista,
retomando, não as perguntas concretas — já vimos porquê —,
mas apenas o conjunto dos pontos a abordar. Estes pontos não
devem ser abordados numa ordem preestabelecida, porque, em
grande parte, será a pessoa entrevistada a conduzir a sua própria
entrevista. No decorrer do seu discurso, falará espontaneamente
sobre alguns pontos sem que o entrevistador tenha de lhos per-
guntar. O guião da entrevista é essencialmente um memorando,
para que, de vez em quando, o entrevistador possa verificar que
pontos estão ainda por abordar (Ruquoy, op. cit., pp. 76-78).
Como é preciso começar por uma primeira pergunta, esta será
sobre o tema e/ou a situação da pessoa entrevistada. Exigirá desde
logo uma «resposta» de carácter narrativo e/ou que implique
algum desenvolvimento. Por exemplo:
— «Poderá falar-me da sua função nesta associação (ou empresa
ou instituição)?»
— «Em que consiste o seu trabalho? Como decorre a colaboração
com os seus colegas?»
— «Quando é que se confrontou pela primeira vez com este ou
aquele problema? Poderá explicar-me o que aconteceu?»
100 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
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TERCEIRA ETAPA
A PROBLEMÁTICA
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
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As entrevistas
As leituras
-« exploratórias
Etapa 5 — A observação
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Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
No capítulo anterior, vimos como proceder à exploração. Trata-
-se agora de nos distanciarmos ou libertarmos das informações
recolhidas e de dominarmos as ideias reunidas para precisarmos
as grandes orientações da investigação e definirmos uma proble-
mática relacionada com a pergunta de partida.
A problemática é a abordagem ou a perspectiva teórica que
decidimos adoptar para tratarmos o problema formulado pela
pergunta de partida. É o ponto de vista do qual os fenómenos
serão estudados, o modo como iremos interpelá-los. As pistas
teóricas definidas pela problemática devem ser operacionalizadas
de forma precisa na etapa seguinte de construção do modelo de
análise. Nesta fase, o importante é a maneira como se olha para
o objecto, ainda não é a mecânica e as ferramentas concretas
desse olhar. Nesse sentido, a problemática constitui uma etapa de
charneira entre a ruptura e a construção e muitas vezes levará à
reformulação da pergunta de partida que, reelaborada ao longo
do trabalho, se transformará progressivamente na pergunta de
partida efectiva.
Não se trata de colar ao fenómeno estudado, de forma artificial
e dogmática, uma teoria geral aprendida no ensino teórico de Socio-
logia, Antropologia, Ciências Políticas, Ciências da Comunicação
ou de qualquer outra disciplina. A definição de uma problemática
de investigação tem a sua origem na exploração e prossegue na sua
continuidade. Ao longo das várias levas de leitura, foram sendo
comparados os conteúdos dos diferentes textos e dos pontos de
vista por eles defendidos. As entrevistas completaram as leituras,
permitindo que o investigador tomasse consciência de aspectos
do problema a que não era forçosamente sensível à partida. As
leituras e as entrevistas levam-no a abordar o problema de um
118 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ponto de vista que, à luz dos seus próprios objectivos, lhe parece
o mais interessante e o mais pertinente. É a este ângulo que se
chama problemática.
Para apreender bem a sua natureza e para construir a proble-
mática, passaremos por três etapas. Primeiro, explicitaremos em
que consiste, partindo de vários exemplos concretos. De seguida,
mostraremos de que modo os conceitos constituem as principais
fontes para a sua elaboração. Por último, proporemos pontos de
referência para proceder concreta e eficazmente.
2. EXEMPLOS DE PROBLEMÁTICAS
Para estudar a mesma pergunta de partida, há diferentes
problemáticas possíveis e o primeiro exemplo mostra que é
preciso começar por descobri-las para depois se escolher com
conhecimento de causa. É importante saber isso agora, porque
é o que vai servir de base a uma das principais aplicações que
ilustram a etapa seguinte, dedicada à construção do modelo
de análise.
b) A trajectória de vida
Foi por isso que, ao verificarem a instabilidade dos comporta-
mentos da mesma pessoa perante o risco, os investigadores julga-
ram ser impossível percebê-la sem ter em consideração tanto a sua
trajectória como algumas circunstâncias da vida durante as quais
o indivíduo está particularmente vulnerável (em particular Peto,
122 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
D., Remy, J., Van Campenhoudt, L., Hubert, M., Sida: "amour
face à la peur, Paris, LHarmattan, 1992; Delor F e Hubert M,,
«Revisiting the concept of “vulnerability'», Social Science and
Medicine, 2000, n.º 50, pp. 1557-1570). Falamos, por exemplo,
de fases da vida íntima ou de circunstâncias em que o indivíduo
descobre a sexualidade, inicia uma nova relação, passa por uma
ruptura dolorosa, vive uma situação afectiva muito instável por
diversas razões, atravessa uma crise existencial, é forçado a uma
relação ou são-lhe impostas práticas sexuais por um parceiro
dominador e/ou violento, ou então está em plena fase de saída do
armário, durante a qual uma pessoa decide assumir abertamente
a sua homossexualidade.
Os inquéritos destes investigadores consistiram, assim, em
identificar precisamente as situações críticas, em compreender o
melhor possível o que estava em jogo para as pessoas em questão
e em que é que estas situações eram problemáticas do ponto de
vista do risco. Por exemplo, por ocasião do primeiro encontro
amoroso, jovens muito apaixonados podem renunciar ao uso de
preservativo por temerem que o parceiro interprete essa atitude
como uma falta de amor ou de confiança.
Esta problemática da trajectória de vida será retomada numa
aplicação no final do livro.
c) A dinâmica da relação
O exemplo anterior ilustra bem a fragilidade de uma problemá-
tica que tentava explicar os comportamentos sexuais, esquecendo-se
de que estes se enquadram numa relação, que um indivíduo não
actua sozinho, que está envolvido numa relação, ainda por cima
íntima, com outra pessoa. Em princípio, num relacionamento, cada
parceiro tem uma palavra a dizer e ambos investem muito mais do
que apenas uma razão: esperança (por exemplo, de que a relação
seja eterna ou apenas efémera), receios (nomeadamente, o de fazer
má figura), emoções (como o desejo, o amor, a paixão), etc.
A PROBLEMÁTICA 123
2.4 O suicídio
Encerramos esta série de problemáticas com o exemplo do
suicídio, tal como foi concebido por Durkheim, no texto que
serviu de exercício de aplicação à grelha de leitura. Este exemplo
também será útil na etapa seguinte, a de construção do modelo
de análise.
Como vimos, Durkeim consegue encarar o seu objecto de
investigação de uma forma que sai decididamente dos caminhos
já percorridos. Fazendo o balanço das informações obtidas pela
sua exploração das estatísticas, Durkheim verifica a existência de
regularidades acerca das quais intui que o suicídio tem não só
uma dimensão individual, como também uma dimensão social.
Onde se concebia o suicídio como o resultado de um processo
de desestruturação psicológica, que pode estar ligado a um sen-
timento opressivo de culpa, vê Durkheim o sintoma e o produto
de um enfraquecimento da coesão da sociedade, cujos membros
se tornaram menos solidários e mais individualistas. Na realidade,
Durkheim escolhe como objecto de investigação o suicídio conce-
bido, não como a infeliz conclusão de um processo de desespero,
mas sim como um «facto social» específico. Do seu ponto de
vista, a taxa dos suicídios não podia ser explicada pela soma dos
suicídios individuais, que derivavam, cada um deles, de motiva-
ções próprias, mas sim pelo que constituía o seu substrato social
profundo: o estado da sociedade, cuja coesão na época era em
grande parte influenciada pelo sistema religioso que a animava.
A pergunta de partida muito geral «Quais são as causas sociais
do suicídio?» podia ser reformulada de maneira mais precisa e
«reproblematizada» como se segue: «Em que medida e como é
2
A PROBLEMÁTICA 137
3.1 Interacção
Este conceito foi já abordado, superficialmente, no exemplo
sobre os comportamentos perante o risco de infecção pelo VIH.
Um estudante ou um investigador que tenha lido autores como
Becker ou Goffman já terá percebido o interesse do conceito de
interacção. Estritamente falando, uma interacção é uma situação
cara a cara, em que os envolvidos se influenciam num processo
dinâmico que se transforma no tempo. Cada comportamento (por
exemplo, de um juiz) induz um comportamento no outro (por
exemplo, no psiquiatra) e assim por diante. É uma perspectiva
microssociológica. Utilizar este conceito equivale a considerar a
situação estudada, no caso, o tratamento dos justiçáveis e a relação
de forças entre os profissionais, como o resultado das interacções
entre o conjunto dos protagonistas, incluindo os justiçáveis em
questão, que não é previamente determinado. No decorrer dessas
interacções, estes protagonistas aprendem uns com os outros, des-
cobrem afinidades, ou desenvolvem animosidades, e, neste processo
de interacção, reelaboram permanentemente a sua percepção das
coisas. Isto traz uma grande variedade de resultados em função
do modo como decorrem essas interacções.
142 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
3.3 Sistema
Prosseguindo a sua reflexão, o nosso investigador ficará indu-
bitavelmente surpreendido com o facto de os comportamentos de
cada profissional terem um impacto directo ou indirecto sobre o
comportamento do conjunto dos outros, de tal forma que, a cada
mudança no comportamento de um deles, o conjunto do «sistema»
reajusta-se mais ou menos significativamente. E vai comprovar
que, à força de trabalharem em interacção, estes profissionais
elaboraram progressivamente, formal ou informalmente, um «sis-
tema» de colaboração que funciona bastante bem e ao qual se
adaptaram o suficiente para querer protegê-lo das perturbações
externas, quer estas venham dos justiçáveis, de outras instituições
ou até de outros profissionais. Além disso, qualquer recém-chegado
que aí pretenda ocupar uma posição depressa perceberá com que
«sistema» está a lidar e como poderá adaptar-se a ele.
Estudar fenómenos sociais com base no conceito de sistema
implica interrogar-se sobre as relações de interdependência e os
ajustamentos constantes entre as suas diferentes componentes (neste
caso, o tratamento dos justiçáveis em questão), bem como sobre a
maneira como regula as suas relações com o seu ambiente. Nesta
perspectiva, o poder é uma propriedade do próprio sistema e não
daqueles que nele participam, mesmo que alguns deles ocupem
lugares mais estratégicos ao nível da sua regulação.
3.4 Campo
A visão sistémica permite compreender determinados pro-
cessos, mas dá pouca importância às relações de força entre os
intervenientes. Pelo contrário, para a teoria dos campos, tal como
elaborada por Pierre Bourdieu, juntos, os agentes formam um
espaço social de posições desiguais (um campo) — por exemplo,
o juiz ocupa uma posição mais elevada que o oficial de justiça e
144 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
3.6 Função
Não são apenas os documentos que circulam na rede de pro-
fissionais, são também os justiçáveis que sofrem de perturbações
mentais que passam de mão em mão: num dia estão com o juiz,
na semana a seguir com o psiquiatra, alguns dias mais tarde com
o médico e os enfermeiros de um hospital psiquiátrico, para serem
avaliados, pouco depois estão na sala do terapeuta, do assistente
social ou do advogado, indo deles para o psicólogo, para um
acompanhamento terapêutico, antes de voltar a estar com o
médico ou o juiz, sem esquecer algumas passagens pela polícia
e também, possivelmente, pela prisão. A partir desta observação,
o conceito de função poderá também ter algum interesse. Em
sociologia, a função traduz-se no contributo objectivo de um
elemento do sistema social (por exemplo, um costume, um modo
de funcionamento que é usual ou, no caso vertente, um modo de
tratamento judiciário) para a estabilidade e a reprodução desse
sistema e, no fim de contas, da sociedade. É uma consequência
efectiva da presença ou da acção desse elemento. O funcionalismo
parte da ideia de que se uma instituição ou uma prática repetida
existe e perdura, é porque é funcional.
Para estudar o tratamento judiciário de processos de justiçáveis
que sofrem de perturbações mentais, um investigador que se tenha
inspirado no conceito de função fará a seguinte pergunta: qual é
ou quais são as funções deste modo de tramitação que consiste
A PROBLEMÁTICA 147
Etapa 2 — A exploração
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Etapa 3 — A problemática
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QUARTA ETAPA
A CONSTRUÇÃO DO
MODELO DE ANÁLISE
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
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Etapa 3 — A problemática
Etapa 5 — A observação
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Etapa 7 — As conclusões
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1. OBJECTIVOS
O trabalho exploratório tem como função alargar as perspecti-
vas de análise, travar conhecimento com o pensamento de autores
cujas investigações e reflexões podem inspirar as do investigador,
revelar facetas do problema nas quais não teria decerto pensado
por si próprio e, por fim, optar por uma problemática apropriada.
Contudo, estas perspectivas e estas ideias novas devem poder
ser exploradas o melhor possível para compreender e estudar de
forma precisa os fenómenos concretos que preocupam o inves-
tigador, sem o que não servem para grande coisa. É necessário,
portanto, traduzi-las numa linguagem e em formas que as habi-
litem a conduzir o trabalho sistemático de recolha e análise de
dados de observação que deve seguir-se. É este o objecto desta
fase de construção do modelo de análise. Constitui a charneira
entre a problemática fixada pelo investigador, por um lado, e o seu
trabalho de elucidação sobre um campo de análise forçosamente
restrito e preciso, por outro.
A exposição desta etapa será feita em três momentos:
2.1 O suicídio
Como vimos acima, Durkheim vê no suicídio um fenómeno
social ligado, nomeadamente, ao estado de coesão da sociedade.
Segundo ele, cada sociedade predispõe em maior ou menor grau
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE 165
os seus membros para o suicídio, ainda que este último não deixe
de ser um acto voluntário e, a maior parte das vezes, individual.
Por mais genial que seja, esta intuição tem de ser desenvolvida e
confrontada com a realidade.
Isto implica, primeiro, que as noções de suicídio e de taxa de
suicídio sejam definidas de forma precisa. É o que Durkheim faz
na introdução da sua obra: «Chama-se suicídio a todo o caso de
morte que resulte directa ou indirectamente de um acto positivo
ou negativo realizado pela própria vítima e que esta sabia que
deveria produzir esse resultado.»
Com esta definição precisa, Durkheim pretende evitar as con-
fusões que levariam a incluir o que não deve ser incluído — por
exemplo, os casos de pessoas que se matam acidentalmente — e
a omitir aquilo que deve ser incluído — por exemplo, os casos
de pessoas que procuram e aceitam a sua morte sem a provoca-
rem materialmente elas próprias, como o soldado que se sacrifica
voluntariamente num campo de batalha ou o mártir que, já na
arena, recusa abjurar a sua fé. Ao reduzir ao máximo os riscos
de confusão, esta definição da noção de suicídio permitirá a
Durkheim comparar validamente as taxas de suicídio de várias
regiões da Europa. Quanto à taxa de suicídio, é igual ao número
de casos que correspondem a esta definição ocorridos ao longo de
um determinado período, numa determinada sociedade, por cada
milhão ou 100 000 habitantes.
Estas duas noções representam mais do que simples definições
do tipo que podemos encontrar aos milhares nos dicionários.
Inspiram-se numa ideia teórica (a dimensão social do suicídio),
traduzindo-a numa linguagem precisa e operacional que permite,
no caso presente, reunir e comparar os dados estatísticos. Estando
ligadas à mesma ideia central, estas duas noções são, além disso,
complementares; juntamente com a noção de coesão social, expri-
mem uma problemática e delimitam de forma clara o objecto
da investigação. Além disso, a ideia de taxa de suicídio faculta
a unidade de análise dos dados recolhidos dentro desses limites.
166 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Importância
dada ao Carácter legal ou
livre exame não de numerosas
'Zm
prescrições religiosas
ron
Prática em comum
de numerosos ritos
Influência da
nm
religião na vida
quotidiana
Hip. 1: Fraca
coesão
social
Hip. 2: Coesão
social Suicídio
muito forte
Hip. 3: Anomia
(Em vez do termo «indicador», alguns autores usam o termo «atributo»; outros ainda
falam de «característica». Estes termos diferentes são equivalentes.)
a) Porquê as hipóteses?
A organização de uma investigação em torno de hipóteses de
trabalho constitui a melhor forma de a conduzir com ordem e
rigor, sem por isso sacrificar o espírito de descoberta e de curio-
sidade. Porquê?
Em primeiro lugar, porque a hipótese traduz, por definição, este
espírito de descoberta que caracteriza qualquer trabalho científico.
Alicerçada numa reflexão teórica e num conhecimento preparatório
do fenómeno estudado (fase exploratória), representa como que
uma pressuposição, que não é gratuita, sobre o comportamento
dos objectos reais estudados. O investigador que a formula diz,
de facto: «Penso que é nesta direcção que é necessário procurar,
que esta pista será a mais fecunda.»
Mas, ao mesmo tempo, a hipótese fornece à investigação um
fio condutor particularmente eficaz que, a partir do momento em
que ela é formulada, substitui nessa função a questão da pesquisa,
mesmo que esta deva permanecer presente na nossa mente. O segui-
mento do trabalho consistirá, de facto, em testar as hipóteses,
confrontando-as com dados da observação. A hipótese fornece o
critério para seleccionar, de entre a infinidade de dados que um
investigador pode, em princípio, recolher sobre um determinado
assunto, os dados ditos «pertinentes». Assim, Durkheim não se
embaraça com estatísticas intermináveis sobre o suicídio. Contenta-
-se com as que lhe parecem indispensáveis para testar e matizar
as suas hipóteses, o que, no caso, já não é pouco.
Apresentando-se como critério de selecção dos dados, as
hipóteses são, por isso mesmo, confrontadas com estes dados.
O modelo de análise que exprimem pode assim ser testado. Ainda
que se inspire no comportamento dos objectos reais, deve, por
seu turno, ser confrontado com esse comportamento. Se é verdade
que as hipóteses contribuem para uma melhor compreensão dos
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE 181
Primeira forma
Segunda forma
Nesta segunda forma, certamente a mais frequente em investi-
gação social, a hipótese apresenta-se como a antecipação de uma
relação entre dois conceitos ou, o que equivale ao mesmo, entre
os dois tipos de fenómenos que designam.
A relação presumida entre a presença do bacilo de Koch e a
doença dos tuberculosos é uma hipótese deste tipo. Em investigação
social, os dois exemplos estudados acima correspondem igualmente
a esta forma. Por exemplo, a hipótese formulada por Durkheim
segundo a qual a taxa de suicídio depende do grau de coesão da
sociedade antecipa de facto uma relação entre dois conceitos e,
por consequência, entre os dois tipos de fenómenos que cobrem.
c) A «refutabilidade» da hipótese
Sob estas duas formas, a hipótese apresenta-se como uma res-
posta provisória à pergunta de partida da investigação (progres-
sivamente revista e corrigida ao longo do trabalho exploratório
e da elaboração da problemática). Para conhecer o valor desta
resposta, é necessário confrontá-la com dados de observação ou, o
que é mais raro em ciências sociais, de experimentação. É preciso,
de alguma forma, submetê-la ao teste dos factos.
A hipótese deve, pois, ser formulada sob uma forma obser-
vável. Isto significa que deve indicar, directa ou indirectamente,
o tipo de observações a recolher, bem como as relações a veri-
ficar entre estas observações, para averiguar em que medida a
hipótese é confirmada ou infirmada pelos factos. Esta fase de
2
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE 183
Primeira condição
Para ser refutável, uma hipótese deve ter um carácter de gene-
ralidade. Assim, as hipóteses de Durkheim sobre o suicídio podem
ainda hoje ser testadas a partir de dados actuais ou recentes.
Isto não seria possível se Durkheim tivesse formulado as suas
hipóteses segundo o seguinte modelo: «A taxa de suicídio par-
ticularmente elevada na Saxónia entre os anos de 1866 e 1878
é devida à fraca coesão da religião protestante» (a partir de um
quadro de Durkheim, op. cit., p. 14). Não só tal hipótese nos não
teria ensinado grande coisa sobre o suicídio enquanto fenómeno
social, como não teríamos julgado útil testá-la ainda hoje. Mas,
ainda que essa fosse a nossa intenção, teríamos tido as maiores
dificuldades em realizá-la, por se tratar de um fenómeno local e
singular, em relação ao qual nos é, aliás, difícil recolher novos
dados mais dignos de confiança do que aqueles de que Durkheim
dispunha no seu tempo.
Este exemplo mostra-nos uma distinção essencial. A taxa de
suicídio na Saxónia foi um dado útil para verificar uma hipótese
de carácter mais geral sobre o elo que Durkheim estabelece entre
a taxa de suicídio e a coesão da sociedade; em contrapartida, essa
hipótese tem a função de esclarecer melhor as situações parti-
culares. Mas vemos que a hipótese e a taxa de suicídio na Saxónia
186 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Segunda condição
Uma hipótese só pode ser refutada se admitir enunciados
contrários que sejam teoricamente susceptíveis de verificação.
A proposição «quanto mais forte é a coesão social, mais fraca
2
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE 187
Rendimento
Estudos Profissão
Hs H7
Y H8
Rendimentos
[sa e
Sucesso escolar
Objectivo e hipótese 1
O primeiro objectivo é registar a denúncia social na sua diver-
sidade e complexidade. A hipótese que lhe corresponde é que,
longe da evidência de homogeneidade do movimento, se está a
lidar com uma denúncia social complexa e diversificada. Encarar
esta hipótese com seriedade implica libertar a denúncia do seu
enquadramento puramente jurídico — a questão do justo e do
injusto não se limita a «fazer justiça» — e dar lugar às realidades
sociais dinâmicas em que se enraíza o jurídico (os afectos colec-
tivos, as desigualdades sociais, violência física ou simbólica, etc.).
Objectivo e hipótese 2
O segundo objectivo é estudar as características sociais das
2
Objectivo e hipótese 3
O terceiro objectivo é compreender a organização das diversas
denúncias. A hipótese que lhe diz respeito é que se constituiu
uma grande aliança de exigências sociais diversificadas em torno
da questão unificadora das crianças desaparecidas. Esta hipótese
leva-nos a perguntar em que é que as pessoas se reconheceram
nos dramas que originaram o Movimento Branco.
Objectivo e hipótese 4
O quarto objectivo é estudar a notoriedade e o crédito dos
retransmissores individuais e institucionais chamados a traduzir
a denúncia. A hipótese correspondente é a emergência de novos
actores na cena pública (como alguns dos pais de algumas vítimas,
alguns jornalistas, intelectuais e responsáveis políticos). Esta hipó-
tese convida a estudar a notoriedade e o crédito de que gozam,
junto da população, os diversos retransmissores — emergentes e
tradicionais — chamados a traduzir a denúncia e a convertê-la
num quadro político-jurídico.
Contrariamente ao exemplo anterior, não se trata aqui de trans-
formar os conceitos em indicadores e construir um questionário
padronizado. Continua por descobrir a maneira como o problema
se apresenta aos indivíduos e esse é um dos desafios da inves-
tigação, o que justifica um procedimento mais flexível e aberto.
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QUINTA ETAPA
A OBSERVAÇÃO
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
|
*| As entrevistas
As leituras
« exploratórias
Etapa 3 — A problemática
Etapa 5 — A observação
+—
Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
À observação compreende o conjunto das operações pelas quais
o modelo de análise (constituído por hipóteses e por conceitos
com as suas dimensões e os seus indicadores) é submetido ao teste
dos factos e confrontado com dados observáveis. Ao longo desta
fase, são reunidas numerosas informações. Serão sistematicamente
analisadas no decurso da próxima etapa. Tal como na física ou
na química, a observação pode tomar a forma da experimentação;
mas não falaremos dela aqui, porque as condições de aplicação
da experimentação só muito raramente estão reunidas em inves-
tigação social.
A observação — por vezes designada por «trabalho de
campo» — é uma etapa essencial em qualquer investigação em
ciências sociais. Estas disciplinas são consideradas disciplinas
«empíricas» no sentido em que pressupõem sempre uma investiga-
ção que consiste na recolha e análise de um material «concreto»,
como as respostas às perguntas feitas num questionário, os dados
estatísticos, as informações recolhidas no contexto das entrevistas,
os documentos produzidos por uma determinada organização
(como uma empresa, uma administração ou um jornal), docu-
mentos audiovisuais ou digitais, ou ainda as observações feitas
directamente nos espaços de vida das pessoas estudadas.
Este material «concreto» não é, por isso, um material «bruto»,
porque não pode ser apreendido independentemente das ferramen-
tas utilizadas para esse fim (conceitos, métodos e técnicas). Por
exemplo, uma taxa de suicídio não é uma realidade em bruto,
mas sim uma informação ou um dado construído com a ajuda de
ferramentas metodológicas (essencialmente é uma definição pre-
cisa da noção de suicídio, um dispositivo relativamente complexo
218 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
3.2 A amostra
Em princípio, o que caracteriza os especialistas em ciências
sociais, e os sociólogos em particular, é estudarem os conjuntos
sociais (por exemplo, uma sociedade global ou organizações
concretas dentro de uma sociedade global) enquanto totalidades
específicas diferentes da soma das suas partes. São os comporta-
A OBSERVAÇÃO 225
Conceito: conhecimento
Dimensão: vias de transmissão do VIH
Indicadores Perguntas Respostas
Na sua opinião, a transmissão do vírus da Sim | Não | Não
sida é possível sei
Relações sexuais Durante relações sexuais vaginais? o o o
Durante relações sexuais anais? o
DO
Do
Conceito: conhecimento
Dimensão: modos de protecção contra o VIH
Indicadores Perguntas Respostas
Vejamos algumas maneiras Muito | Razoavel- | Não é | Nada Não
de reagir perante a sida. eficaz -mente eficaz eficaz sei
Para se proteger da infecção, eficaz
em que medida considera
as seguintes formas de
protecção eficazes?
Coito — Retirar-se antes da o o o o o
interrompido ejaculação
Higiene — Lavar-se após o acto o a o o o
sexual
Escolha dos — Escolher parceiros que o o o o o
parceiros pareçam saudáveis
Pílula — Tomar a pílula o o o o o
contraceptiva
Preservativo | — Utilizar um preservativo o o D o o
masculino
Teste de — Pedir ao parceiro que n o D o o
rastreio faça um diagnóstico e
esperar pelo resultado antes
de voltar a ter relações
sexuais
Fidelidade | — Ser fiel a um parceiro que o o o o o
também seja fiel
Os comportamentos sexuais
Mesmo que tenhamos decidido concentrar-nos sobre os determi-
nantes dos comportamentos em detrimento dos próprios compor-
tamentos, não será de todo inútil debruçarmo-nos alguns instantes
sobre as dificuldades de operacionalização do conceito de com-
portamento sexual. Uma dessas dificuldades já foi aqui discutida
(Até onde levar a recolha de dados?): a lista dos comportamentos
A OBSERVAÇÃO 237
A apresentação da investigação
No que respeita à apresentação da investigação, que deve ante-
ceder a entrevista propriamente dita, é importante precisar e insistir
no respectivo estatuto do investigador e da pessoa entrevistada.
E é esta última que deve ocupar a posição mais importante (ver
a segunda etapa: À exploração) e convém que o investigador a
deixe perceber isso.
Nesta apresentação, observamos, por um lado, a diversidade das
manifestações colectivas e as potenciais motivações invocadas, ou
seja, um reforço do objecto da investigação em coerência com as
hipóteses, e, por outro lado, a indicação de que é o interlocutor,
e não o investigador, «quem sabe», para lhe mostrar que tem
uma grande margem de liberdade nas suas afirmações. Vejamos
os termos exactos que foram escolhidos para a apresentação da
investigação sobre o Movimento Branco às pessoas seleccionadas
para as entrevistas:
Estamos a investigar as reacções dos cidadãos relativamente aos
acontecimentos ocorridos na Bélgica a seguir ao Verão de 1996, ou
seja, o desaparecimento de crianças, a descoberta dos respectivos
A OBSERVAÇÃO 245
O guião de entrevista
A pergunta introdutória tem uma importância capital, porque
tem ao mesmo tempo de sublinhar o tema da entrevista e ser
construída de modo que envolva a pessoa inquirida numa dinã-
mica de conversação em que é o principal actor. Deve evitar-se
perguntar-lhe o nome, a idade, a profissão, etc., como num ques-
tionário administrativo. Estas perguntas, a que se responde com
poucas palavras, podem levar o entrevistado a acomodar-se a uma
conversa em que espera perguntas muito concretas, que exijam
respostas sucintas. À pergunta introdutória da investigação acerca
do Movimento Branco é a pergunta 1 do guião de entrevista que
figura mais abaixo. Acabou por se revelar uma pergunta bastante
pertinente e desempenhou o seu papel na perfeição.
As perguntas que constituem o corpo da entrevista estão formu-
ladas de forma aberta, apelando por vezes a uma curta narrativa e
deixando sempre uma grande margem de liberdade ao entrevistado.
Com efeito, numa investigação qualitativa, o questionamento é
mais aberto do que nos inquéritos quantitativos, que mobilizam
questionários padronizados. Por isso, o guião de entrevista não
foi redigido ao acaso e corresponde às hipóteses da investigação.
246 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
P1 | P2 | P3 | P4 | P5 | P6|P7|P8|P9|P10|P11|P12|P13|P14|P15|P16|P17|P18|P19|P2o
H1 X|X x x x x x x x
x
XI xX| x]
X| XxX x x x x x
PS
>
H3 x x x x x
H4 x x x x x X x x X x X X
a) Apresentação
b) Variantes
O questionário chama-se de «administração indirecta» quando
o próprio inquiridor o completa a partir das respostas que lhe são
fornecidas pelo inquirido. Chama-se de «administração directa»
quando é o próprio inquirido que o preenche. O questionário
é-lhe então entregue em mão por um inquiridor encarregado de
dar todas as explicações úteis, ou endereçado indirectamente pelo
correio ou por qualquer outro meio. Escusado será dizer que este
último processo merece pouca confiança e só excepcionalmente é
utilizado na investigação social, dado que as perguntas são muitas
vezes mal interpretadas e o número de respostas é geralmente
demasiado fraco. Em contrapartida, utiliza-se cada vez com mais
frequência o telefone neste tipo de questionário.
Os inquéritos realizados pela internet também são usados
cada vez com maior frequência pelas investigações em ciências
sociais, em particular nas investigações quantitativas. O principal
interesse destes inquéritos reside na possibilidade de alcançar um
público bastante vasto por um custo consideravelmente baixo. Mas
A OBSERVAÇÃO 257
d) Principais vantagens
e A possibilidade de quantificar uma multiplicidade de dados e de
proceder, por conseguinte, a numerosas análises de correlação.
e O facto de a exigência, por vezes essencial, de representatividade
do conjunto dos entrevistados poder ser satisfeita por meio
deste método. É preciso sublinhar, no entanto, que, por vezes,
esta representatividade é difícil de alcançar (por exemplo, na
ausência de uma base de sondagem) e que mesmo quando
se consegue nunca é absoluta, está sempre limitada por uma
margem de erro.
258 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
e) Limites e problemas
e O peso e o custo geralmente elevado do dispositivo (excepto
para os inquéritos feitos pela internet).
A fiabilidade das respostas às perguntas que podem ser enten-
didas como indiscretas ou delicadas, como as que se referem ao
trabalho clandestino, à vida íntima ou a condutas desviantes.
O carácter relativamente frágil da credibilidade do dispositivo.
Para que o método seja digno de confiança devem ser preenchidas
várias condições: rigor na escolha da população ou da amostra,
formulação clara e unívoca das perguntas, correspondência
entre o universo de referência das perguntas e o universo de
referência do entrevistado, atmosfera de confiança no momento
da administração do questionário, honestidade e consciência
profissional dos entrevistadores. Se qualquer destas condições
não for correctamente preenchida, a credibilidade do conjunto
do trabalho ressente-se. Na prática, as principais dificuldades
provêm, em geral, da parte dos entrevistadores, que nem sempre
estão suficientemente formados e motivados para efectuarem
este trabalho exigente e muitas vezes desencorajador.
f) Métodos complementares
e A análise qualitativa dos dados. A apresentação da análise
qualitativa dos dados como complemento da abordagem de
um questionário pode parecer surpreendente. No entanto, a
padronização inerente ao inquérito por questionário requer
um mínimo de conhecimento prévio do fenómeno estudado,
sem o qual o investigador estará a desperdiçar meios, tempo
e energia. Com o objectivo de conhecer melhor o terreno em
que se lança, o investigador poderá, por conseguinte, ter inte-
resse em fazer preceder o seu inquérito por questionário de
um inquérito qualitativo, seguido de uma análise dos dados
recolhidos, para evitar lançar-se ao acaso num dispositivo onde
já não poderá voltar atrás.
A OBSERVAÇÃO 259
g) Formação exigida
e Técnicas de amostragem.
e Técnicas de redacção, de codificação e de exploração das per-
guntas, incluindo as escalas de atitude.
e Gestão de redes de entrevistadores.
e Iniciação aos programas informáticos de gestão e análise de
dados de inquéritos (R, SPSS, SPAD, SAS...).
e Estatística descritiva e análise estatística dos dados.
e No caso mais frequente, em que o trabalho é efectuado em
equipa e recorrendo a serviços especializados, não é indispen-
sável que todos os investigadores sejam pessoalmente formados
nos domínios mais técnicos.
3.2 A entrevista
a) Apresentação
b) Variantes
e A entrevista semidirectiva, ou semidirigida, é certamente a mais
utilizada em investigação social. É semidirectiva no sentido
em que não é inteiramente aberta nem encaminhada por um
grande número de perguntas precisas. Em geral, o investigador
dispõe de uma série de perguntas-guias, relativamente abertas,
a propósito das quais é imperativo receber uma informação da
parte do entrevistado. Mas não fará necessariamente todas as
perguntas pela ordem em que as anotou e sob a formulação
prevista. Tanto quanto possível, «deixará andar» o entrevistado
para que este possa falar abertamente, com as palavras que
desejar e pela ordem que lhe convier. O investigador esforçar-
-se-á tão-só por reencaminhar a entrevista para os objectivos
cada vez que o entrevistado deles se afastar e por fazer as
perguntas às quais o entrevistado não chega por si próprio
no momento mais apropriado e de forma tão natural quanto
possível.
e À entrevista compreensiva, tal como concebida por J.-Cl. Kauf-
mann (op. cit.), é uma forma de entrevista semidirectiva que
se inscreve numa abordagem indutiva em que a recolha e a
262 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
d) Principais vantagens
e O grau de profundidade e de perfeição dos elementos de análise
recolhidos.
e A flexibilidade e a fraca directividade do dispositivo que permite
recolher os testemunhos e as interpretações dos interlocutores,
respeitando os próprios quadros de referência — a sua lingua-
gem e as suas categorias mentais.
e) Limites e problemas
e Como para todos os métodos qualitativos, a utilização correcta
e fecunda da entrevista exige o respeito por um conjunto de
264 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
f) Métodos complementares
e Em investigação social, o método das entrevistas está quase
sempre associado a um método de análise de conteúdo. Durante
as entrevistas trata-se, de facto, de fazer aparecer o máximo
possível de elementos de informação e de reflexão, que servirão
de materiais para uma análise sistemática de conteúdo que
corresponda, por seu lado, às exigências de explicitação, de
estabilidade e de intersubjectividade dos processos. Regressa-
remos a este ponto na próxima etapa.
e Por fim, na maioria dos casos, as entrevistas fazem parte de
um dispositivo metodológico de conjunto, compreendendo,
nomeadamente, as observações directas e a recolha de documen-
tos sobre o fenómeno estudado. Por exemplo, o investigador
que pretenda analisar um aspecto do funcionamento de uma
determinada organização realizará entrevistas, fará observações
e reunirá um determinado número de documentos sobre essa
organização (como as actas ou os relatórios de actividade).
Por conseguinte, a entrevista deve ser concebida na sua com-
plementaridade com os outros métodos.
g) Formação exigida
e De maneira geral, a aptidão para retirar o máximo de elemen-
tos interessantes da entrevista está ligada à cultura geral e à
formação teórica do investigador, à sua lucidez epistemológica
e à sua experiência.
266 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
e Mais especificamente:
a) Apresentação
Trata-se de um método no sentido restrito, baseado na obser-
vação visual, e não na «Observação» enquanto quinta etapa do
procedimento desta obra.
Como vimos atrás, os métodos de observação directa cons-
tituem os únicos métodos de investigação social que captam os
comportamentos no momento em que eles se produzem, sem a
mediação de um documento ou de um testemunho. Nos outros
métodos, pelo contrário, os acontecimentos, as situações ou os
fenómenos estudados são reconstituídos com base nas declara-
ções dos actores (inquérito por questionário e entrevista) ou dos
vestígios deixados por aqueles que os testemunharam directa ou
indirectamente (análise de documentos).
Em ciências sociais, as observações sociológicas podem incidir
sobre uma grande diversidade de fenómenos, como, por exemplo,
práticas colectivas, comportamento dos actores, funcionamento
das organizações ou a distribuição dos utilizadores num espaço
qualquer. O campo de observação do investigador é, a priori,
infinitamente amplo e só depende, em definitivo, dos objectivos
do seu trabalho e das suas hipóteses de partida. A partir delas,
o acto de observar será estruturado, na maior parte dos casos,
por uma grelha de observação previamente constituída. Um dos
interesses deste método é que permite observar práticas e compor-
tamentos imprevistos, ou até surpreendentes, em relação ao que
era esperado pelas hipóteses, ou pressentido pelos preconceitos do
investigador, obrigando este último a pôr em causa e até, se for
preciso, a reformular as hipóteses e às vezes mesmo a pergunta
de partida.
As modalidades concretas da observação em investigação social
são muito diferentes, consoante o investigador adopte, por exem-
plo, um método de observação participante de tipo antropológico
268 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) Variantes
e A observação participante é, logicamente, a que melhor responde,
de modo global, às preocupações habituais dos investigadores em
ciências sociais. Os seus princípios foram forjados na investigação
etnológica e antropológica, em contextos culturais não europeus,
muitas vezes ligados à colonização. Hoje em dia, pratica-se cor-
rentemente no seio de todas as sociedades, nomeadamente, as
europeias. Consiste em estudar um grupo ou uma comunidade
durante um período relativamente longo, participando na vida
colectiva. O investigador estuda então os seus modos de vida, de
dentro e pormenorizadamente, esforçando-se por perturbá-los o
menos possível. Deve fazer sua a ideia, brilhantemente exposta
por Erving Goffman na sua obra Asiles. Études sur la condition
sociale des malades mentaux (Paris, Minuit, 1968), segundo a
qual toda a maneira de viver parece normal e racional quando
a colocamos no seu contexto. Daí que seja importante que o
investigador se deixe impregnar por esse contexto, frequentan-
do-o por um período suficientemente longo.
A validade do seu trabalho assenta, nomeadamente, na precisão
e no rigor das observações, bem como no contínuo confronto
entre as observações e as hipóteses interpretativas, num movi-
mento iterativo, ou seja, de idas e vindas constantes entre o
trabalho no terreno e a reflexão do investigador, ou, ainda, entre
as observações e as hipóteses (ver, nomeadamente, Olivier de
Sardan, J.-P., La Rigueur du qualitatif, Les contraintes empi-
riques de Pinterprétion socianthropologique, Lovaina-a-Nova,
Academia-Bruylant, 2008). O investigador estará particular-
mente atento à reprodução ou não dos fenómenos observados,
bem como à convergência entre as diferentes informações obti-
A OBSERVAÇÃO 269
d) Principais vantagens
e A apreensão dos comportamentos e dos acontecimentos no
próprio momento em que se produzem.
e A recolha de um material de análise não suscitado pelo inves-
tigador e, portanto, relativamente espontâneo.
e A possibilidade de gravar as observações e de as poder anali-
sar de seguida com maior profundidade, colectivamente e com
maior distanciamento.
e A autenticidade relativa dos acontecimentos em comparação
com as palavras e com os escritos. De modo geral, o indiví-
duo médio aprendeu a dominar a sua expressão verbal; em
contrapartida, pouquíssimas pessoas aprenderam a dominar a
linguagem corporal. Por conseguinte, é através dela que nos
revelamos mais espontaneamente.
e) Limites e problemas
e As dificuldades frequentemente encontradas para se ser aceite
como observador pelos grupos em questão.
e A presença do observador pode afectar, ou mesmo perturbar,
a situação observada.
e O problema do registo. O investigador não pode confiar
apenas na sua recordação dos acontecimentos apreendidos
ao vivo, dado que a memória é selectiva e eliminaria uma
grande variedade de comportamentos cuja importância não
fosse de imediato aparente. Como nem sempre é possível, nem
desejável, tomar notas no próprio momento, a única solução
consiste em transcrever os comportamentos observados logo
após a observação. Na prática, trata-se muitas vezes de uma
tarefa muito pesada, devido à fadiga e às condições de trabalho
por vezes esgotantes. Este «diário de bordo» do investigador
deve incluir também o relatório das dificuldades sentidas,
das reacções das pessoas encontradas a seu respeito, do seu
próprio questionamento como investigador. Ao reler as notas
do seu diário com o distanciamento que só o tempo permite,
272 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
f) Métodos complementares
e O método da entrevista, normalmente seguida de uma análise de
conteúdo, é seguramente o que mais se utiliza em paralelo com
os métodos de observação. A sua complementaridade permite,
com efeito, efectuar um trabalho de investigação aprofundado,
que, quando conduzido com a lucidez e as precauções neces-
sárias, apresenta um grau de validade satisfatório.
Sob as mais variadas formas, os investigadores recorrem muitas
vezes a observações de tipo antropológico, mas de duração
A OBSERVAÇÃO 273
g) Formação exigida
A melhor e, no fundo, a única verdadeira formação em obser-
vação é a prática. Não bastam algumas semanas de trabalho para
tornar mais perspicaz o olhar do perito. É necessário um confronto
longo e sistemático entre a reflexão teórica, inspirada na leitura dos
bons autores, e os comportamentos observáveis na vida colectiva
para produzir os observadores mais penetrantes — aqueles de que
as ciências sociais se lembram e que hoje servem de modelos. Tem,
pois, de se aprender a observar... observando; e, se tivermos opor-
tunidade para isso, é preciso comparar as nossas próprias observa-
ções e interpretações com as dos colegas com quem trabalhamos.
a) Apresentação
b) Variantes
São muitas e dependem da natureza das fontes e das informa-
ções consideradas. Do ponto de vista da fonte, pode tratar-se de
documentos manuscritos, impressos, audiovisuais ou electrónicos,
oficiais ou privados, pessoais ou provenientes de um organismo,
contendo colunas de números ou textos. Se pusermos provisoria-
mente de lado o problema da análise dos dados por fim escolhidos
para testar as hipóteses e apenas nos preocuparmos aqui com a
sua recolha propriamente dita, podemos considerar que as três
variantes utilizadas com mais frequência em investigação social
são: a recolha de dados estatísticos, a recolha de documentos de
forma textual provenientes de instituições e de organismos públicos
e privados (leis, estatutos e regulamentos, actas, publicações...) ou de
particulares (narrativas, memórias, correspondência...), e por último,
e cada vez mais frequente hoje em dia, a recolha de documen-
tos audiovisuais tais como reportagens ou entrevistas realizadas
sobretudo por canais de televisão e guardadas nos seus próprios
arquivos, em arquivos públicos ou acessíveis através da internet.
Cada uma destas variantes implica processos diferentes de
validação dos dados, mas a sua lógica é fundamentalmente a
mesma: trata-se de verificar a credibilidade dos documentos e das
informações que eles contêm, bem como a sua adequação aos
objectivos e às exigências do trabalho de investigação.
e No que diz respeito aos dados estatísticos, a atenção incidirá
principalmente sobre a credibilidade global do organismo emis-
sor, sobre a definição dos conceitos e dos modos de cálculo (a
taxa de desemprego, por exemplo, é definida e calculada de
maneira diferente em cada um dos países da União Europeia)
e respectiva adequação às hipóteses da investigação, sobre a
compatibilidade de dados relativos a períodos diferentes ou
recolhidos por organismos diferentes e, por último, sobre a
correspondência entre o campo coberto pelos dados disponíveis
e o campo de análise da investigação.
276 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
d) Principais vantagens
e A economia de tempo e de dinheiro que permite ao investigador
consagrar o essencial da sua energia à análise propriamente
dita.
e Em muitos casos, este método permite evitar o recurso abusivo
às sondagens e aos inquéritos por questionário, que, sendo
cada vez mais frequentes, acabam por aborrecer as pessoas,
demasiadas vezes solicitadas. (Em abono dos investigadores
profissionais tem de se dizer que eles apenas são responsáveis
278 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
e) Limites e problemas
e Nem sempre é possível o acesso aos documentos. Em certos
casos, o investigador tem efectivamente acesso aos documen-
tos, mas, por uma razão ou por outra (carácter confidencial,
respeito pela vontade de um interlocutor...), não pode divulgar
as informações.
Os numerosos problemas de credibilidade e de adequação
dos dados às exigências da investigação obrigam por vezes o
investigador a renunciar a este método já no decurso do tra-
balho. Por isso, só deve começar a ser utilizado depois de ter
rapidamente averiguado se o procedimento é ou não viável.
Como os dados não são recolhidos pelo próprio investigador,
de acordo com os critérios que mais lhe convêm, deverão,
normalmente, ser submetidos a manipulações, destinadas a
apresentá-los nas formas exigidas para a verificação das hipó-
teses. Estas manipulações são sempre delicadas, dado que não
podem alterar as características de credibilidade que, precisa-
mente, justificaram a utilização destes dados.
Algumas bases de dados acessíveis são parcas quanto à metodo-
logia subjacente à sua produção. A ausência de uma definição
precisa da população estudada, do período temporal conside-
rado, dos conceitos, e dos indicadores, aumenta sensivelmente
o risco de uma interpretação incorrecta dos resultados.
A OBSERVAÇÃO 279
f) Métodos complementares
e Os dados estatísticos recolhidos são normalmente objecto de
uma análise estatística.
e Os dados recolhidos nos documentos de forma textual são
utilizados em diversos tipos de análise e, em particular, na
análise histórica propriamente dita e na análise de conteúdo.
Além disso, os métodos de entrevista e de observação são com
frequência acompanhados pela análise de documentos relativos
aos grupos ou aos fenómenos estudados.
e Por fim, e de maneira geral, os métodos de recolha de dados
preexistentes são utilizados na fase exploratória da maior parte
das investigações em ciências sociais.
g) Formação exigida
e Quer se trate de pesquisar dados numa biblioteca ou na inter-
net, será sempre útil uma formação específica. Já estudámos a
pesquisa bibliográfica na segunda etapa (A exploração). Cir-
culam na internet muitas ferramentas que têm a pretensão de
ajudar o investigador no seu trabalho. O leitor atento há-de
reparar que a maioria delas apenas prevê um motor de busca
(nomeadamente, o Google, por exemplo). Existem também
obras especializadas neste domínio, como, por exemplo, a
de Béatrice Foenix-Riou e de Serge Cacaly, intitulada Guide
de recherche sur Internet. Outils et méthodes (Paris, Armand
Colin). Essas obras permitem distinguir as diferentes ferramentas
da Web (os motores de busca e as respectivas funcionalidades,
e as características dos metamotores), fornecendo numerosos
conselhos para uma busca eficaz (formatos das palavras-chave
e de perguntas, exemplos...).
e Para a recolha de dados estatísticos: uma formação em esta-
tística descritiva e, de preferência, em epistemologia. Com
efeito, é preciso não se deixar iludir pelos dados numéricos,
que, como todos os outros, não são factos reais, mas sim
«factos construídos», isto é, abstracções que supostamente
280 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
o
o
q
uu
x
>
«
<L
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R. (1252 ) Les sciences soc iales et leurs donn
q
SILBERMAN 3: Paris,
ees >
x
posteriormente o tratamento necessário à verificação das hipóteses.
É, portanto, necessário antecipar, isto é, preocupar-se, desde a con-
cepção do instrumento de observação, com o tipo de informação que
fornecerá e com o tipo de análise que deverá e poderá ser previsto.
A escolha entre os diferentes métodos de recolha dos dados
depende das hipóteses de trabalho e da decorrente definição dos
dados pertinentes. Além disso, é outrossim necessário ter em conta
as exigências de formação necessárias para uma aplicação correcta
de cada método.
A ANÁLISE DAS
INFORMAÇÕES
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
>»
As entrevistas
As leituras Pas
<« exploratórias
Etapa 3 — A problemática
Etapa 5 — A observação
rms
Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
O objectivo da investigação é responder à pergunta de partida...
que, sem dúvida, evoluiu ao longo do processo. Para este efeito,
o investigador formula hipóteses e procede às observações que
elas exigem. Trata-se, em seguida, de verificar se as informações
recolhidas correspondem de facto às hipóteses, ou, noutros termos,
se os resultados observados correspondem aos resultados espera-
dos pela hipótese. O primeiro objectivo desta fase de análise das
informações é, portanto, a verificação empírica.
Mas a realidade é mais rica e mais matizada do que as
hipóteses que elaboramos a seu respeito. Uma observação séria
revela com frequência outros factos além dos esperados e outras
relações que não devemos negligenciar. Por conseguinte, a aná-
lise das informações tem uma segunda função: interpretar estes
factos inesperados e rever ou afinar as hipóteses para que, nas
conclusões, o investigador esteja em condições de sugerir aper-
feiçoamentos do seu modelo de análise ou de propor pistas de
reflexão e de investigação para o futuro. É o segundo objectivo
desta nova etapa.
Uma vez mais, partiremos de exemplos concretos, de forma
que os princípios de aplicação desta etapa apareçam claramente.
Para mostrar bem a continuidade entre a observação e a análise,
os dois exemplos escolhidos serão os mesmos da etapa anterior: os
comportamentos sexuais e atitudes perante o risco de sida e o
' Movimento Branco. No primeiro, a análise será quantitativa e no
segundo será qualitativa. A partir destes dois exemplos, podem
especificar-se as três operações de análise da informação. Por fim,
apresentar-se-á um panorama dos principais métodos de análise
das informações. Assim, ao longo desta etapa os ensinamentos que
288 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
2. DOIS EXEMPLOS
a) Os quadros cruzados
Poderíamos começar por testar a hipótese parcial da influên-
cia normativa do círculo familiar sobre as normas ideais do ego,
mobilizando a pergunta relativa ao primeiro indicador da dimensão
«normas práticas da rede»: «Na sua família, no que diz respeito
à relação entre o casal, qual é o modelo que domina a realidade
(ou seja, o que se passa concretamente)? Fidelidade para a vida,
fidelidade enquanto se está com alguém, fidelidade com algumas
rupturas ocasionais ou aventuras e relações paralelas frequentes?»
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 289
Percentagens em colunas. Ler: entre as pessoas que entendem a fidelidade para a vida
como a norma prática em vigor na família mais próxima, 72 % declaram igualmente
a fidelidade para a vida como a sua própria norma ideal de casal; em contrapartida,
entre estas mesmas pessoas, 24 % têm como modelo ideal a fidelidade enquanto se
está com alguém e 4 % um modelo que deixa espaço para as rupturas.
P < 0,000 designa as probabilidades associadas ao teste do qui-quadrado.
Quadro 6.1 — Modelo ideal de casal para o ego em função do modelo que domina
no seio familiar
Percentagens em coluna. Ler: entre as pessoas que entendem a fidelidade para a vida
como a norma prática em vigor nos três círculos (homogeneidade normativa), 89 %
declaram a fidelidade para a vida como a sua própria norma ideal de casal, 10 % a
fidelidade enquanto se está numa relação, etc.
P < 0,000 designa as probabilidades associadas ao teste de qui-quadrado.
diferem das que vigoram nos outros dois. Estas análises, que não
abordaremos aqui, ajudá-lo-iam a perceber que nestas situações
apenas as normas práticas familiares se mantêm tendencialmente
em correspondência com as normas ideais do ego. Por outras
palavras, as normas familiares afiguram-se mais determinantes
do que as dos outros dois círculos.
Os manuais especializados apresentam numerosos métodos
mais sofisticados, como os diversos modelos de regressão, que
permitem tratar estas questões. No entanto, é importante perceber
que os dois questionamentos em torno do efeito cumulativo e do
efeito determinante nunca terão uma resposta definitiva. O teste
das hipóteses complementares levará o investigador a formular
novamente essas questões. Num artigo que ficou célebre, no qual
se discutiam as audiências de diferentes emissões radiofónicas
(religiosas, políticas e de música clássica) entre jovens e idosos,
Paul Lazarsfeld referiu exemplos de situações em que uma dife-
rença estabelecida entre jovens e idosos tanto desaparecia como
se mantinha, quando se fazia intervir uma terceira variável (nível
de instrução), a chamada variação-teste. O autor chegou mesmo a
apresentar uma situação em que a introdução desta variável-teste
fazia aparecer diferenças entre jovens e idosos por cada nível de
instrução que não existiam quando a população era considerada
no seu conjunto (Lazarsfeld, P., «V'interprétation des relations sta-
tistiques comme procêdure de recherche» in L' Analyse empirique
de la causalité, Paris, Mouton, pp. 15-27, 1996).
As variáveis-testes
Relativamente à influência da rede social nas normas ideais do
ego, foi também formulada a hipótese do papel potencialmente
determinante do controlo social dos diferentes círculos. Esta
hipótese pode ser articulada com a que acabámos de discutir.
Por outras palavras: verificámos que as normas do ego estavam
largamente em consonância com as normas práticas da sua rede,
294 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) Os índices de síntese
Estas análises mostram o potencial de análise de ferramentas
aparentemente simples como os quadros cruzados. Contudo, este
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 295
Quadro 6.3 — Modelo ideal do casal para o ego, em função do modelo que domina
no seio da família e da percepção subjectiva do controlo exercido pela família
Pp (2004
vs 2010)
> 0,05; P (1994
sê 2010)
< 0,005.
A construção de um índice
Acabámos de apresentar o modo de construção de um índice
de síntese de uma maneira extremamente simples. No entanto,
não é demais chamar a atenção dos que pretendem lançar-se neste
exercício para os três pontos seguintes:
a) A grelha de análise
Para analisar o conteúdo das entrevistas, os investigadores ela-
boraram uma grelha de análise, com várias funções. Primeiro, esta
grelha instaura um intermediário objectivo entre o investigador e o
material de que dispõe. O conteúdo das entrevistas não será ana-
lisado em função dos valores e da subjectividade do investigador,
mas sim em função dos elementos e da estrutura da grelha. O que
o investigador poderá afirmar sobre o seu material resultará da
aplicação desta grelha a esse mesmo material e não das suas pró-
prias inclinações no momento. Utilizar sistematicamente a mesma
grelha para analisar o conjunto das entrevistas de um inquérito
(ou de qualquer outro material, como documentos, por exemplo)
é uma exigência de rigor. E o rigor consiste de facto numa ade-
quação entre os conhecimentos adquiridos e aquilo que justifica a
sua afirmação, neste caso, a utilização sistemática da mesma grelha
de análise. Além disso, ao aplicar de forma sistemática esta mesma
grelha de análise ao conjunto das entrevistas realizadas, os con-
teúdos destas últimas podem ser organizados e comparados numa
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 301
Eixo da comunicação
Er
OXIg
.o
Eixo do poder
Eixo da comunicação
— Os sentimentos
suscitados pelos
acontecimentos:
vergonha, culpabilidade ————— Mostrar <+— O conjunto
o luto do povo
— Identificação com
os pais enquanto pais
ofasop
OX
Op
Eixo do poder
Eixo da comunicação
— Os pais como
reveladores das falhas
da nossa sociedade — » Perseguir os seus próprios +— [Os que estão
— Compromissos de objectivos políticos: levar politicamente
militância anterior à reflexão comprometidos]
olasa P
gu E
OX
.o
Etapa 5 — A observação
4—
Etapa 7 — As conclusões
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 317
a) Apresentação
O desenvolvimento e a democratização dos computadores e dos
programas informáticos transformaram profundamente a análise
dos dados. A possibilidade de manipular rapidamente quantidades
consideráveis de dados encorajou a afinação de novos processos
estatísticos, como a análise factorial de correspondências, que
permite visualizar e estudar a ligação entre várias dezenas de
variáveis ao mesmo tempo. Paralelamente, a facilidade com que
os dados podem ser trabalhados e apresentados incitou muitos
investigadores a estudá-los em si mesmos, sem referência explícita
a um quadro de interpretação.
Apresentar os mesmos dados sob diversas formas favorece
incontestavelmente a qualidade das interpretações. Neste sentido,
a estatística descritiva e a expressão gráfica dos dados são muito
mais do que simples métodos de exposição dos resultados. Mas
318 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) Variantes
e Quando os dados a analisar preexistem à investigação e são
retirados de bases de dados reais ou reunidos por meio da
recolha de dados documentais, fala-se geralmente de análise
secundária. Neste caso, o investigador está mais ou menos
limitado nas suas análises pelo problema da compatibilidade
dos dados entre si e com as hipóteses que deseja testar.
e Quando os dados a analisar foram especialmente recolhidos
para responder às necessidades da investigação graças a um
inquérito por questionário, fala-se, normalmente, de tratamento
de inquérito. Neste caso, as análises são em geral mais apro-
fundadas, visto que os dados são, em princípio, padronizadas
à partida e perfeitamente alinhados com os objectivos da
investigação.
e Os métodos de análise estatística dos dados são também
utilizados para o exame de documentos com forma textual.
Trata-se então de um método de análise de conteúdo que será
retomado mais à frente sob este título.
d) Principais vantagens
e À precisão e o rigor do dispositivo metodológico, que permite
aos pares avaliarem o procedimento da investigação.
A capacidade dos meios informáticos, que permitem manipular
muito rapidamente um grande número de indivíduos estatísticos
e de variáveis.
A clareza dos resultados e dos relatórios de investigação,
nomeadamente quando o investigador se esforça por traduzir
de forma pedagógica os métodos e as técnicas por vezes com-
plexos, aproveitando, por exemplo, os recursos da apresentação
gráfica das informações.
e) Limites e problemas
e O instrumento estatístico tem um poder de elucidação limitado
aos postulados (a importância do número, das correlações entre
variáveis...) sobre que se baseia, mas não dispõe, em si mesmo,
de um poder explicativo. Pode descrever relações, estruturas
latentes, mas o significado dessas relações e dessas estruturas
não deriva dele. É o investigador que atribui um sentido a estas
relações, por meio do modelo teórico que construiu previamente
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 321
f) Métodos complementares
A montante: o inquérito por questionário e a recolha de dados
estatísticos existentes.
g) Formação exigida
e Boas noções de base em estatística descritiva.
e Boas noções de base em análise multivariada.
e Iniciação aos programas informáticos de gestão e de análise
de dados de inquéritos (R, SPSS, SPAD, SAS, STATA...).
Crsois, Ph. (1984), L' Analyse des données en sociologie, Paris, PUF,
col. «Le Sociologue».
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SELZ, M., MAILLOCHON, F. (2009), Le Raisonnement statistique en
sociologie. Paris, PUF.
a) Apresentação
A análise de conteúdo incide sobre mensagens tão variadas
como obras literárias, artigos de jornais, documentos oficiais,
programas audiovisuais, declarações políticas, actas de reuniões
e, evidentemente, relatórios de entrevistas semidirectivas. A esco-
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 323
b) Principais variantes
Agrupam-se correntemente os diferentes métodos de análise
de conteúdo em duas categorias: os métodos quantitativos e os
métodos qualitativos. Os primeiros seriam extensivos (análise
de um grande número de informações sumárias) e teriam como
informação de base a frequência do aparecimento de certas carac-
terísticas de conteúdo ou de correlação entre elas. Os segundos
seriam intensivos (análise de um pequeno número de informações
complexas e pormenorizadas) e teriam como informação de base a
presença ou a ausência de uma característica ou o modo segundo
o qual os elementos do «discurso» estão articulados uns com
os outros. Estas distinções só são válidas de uma forma muito
geral: as características próprias dos dois tipos de procedimento
não são assim tão nítidas e vários métodos recorrem tanto a um
como a outro.
Sem pretendermos resolver todas as questões de demarcação
entre os diferentes métodos de análise de conteúdo, propomo-nos
distinguir aqui três grandes categorias de métodos, consoante o
exame incida principalmente sobre certos elementos do discurso,
sobre a sua forma ou sobre as relações entre os seus elementos
constitutivos. Limitar-nos-emos a evocar, para cada categoria,
algumas das principais variantes. As variantes enumeradas são as
que L. Bardin distingue em V' Analyse de contenu, Paris, PUF, 2009.
As análises temáticas
São as que tentam sobretudo revelar as representações sociais
ou os juízos dos locutores a partir de um exame de certos ele-
326 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
As análises formais
São as que incidem principalmente sobre as formas e encadea-
mento do discurso. De entre estes métodos podemos nomeada-
mente distinguir:
e A análise da expressão: incide sobre a forma da comunicação,
cujas características (vocabulário, tamanho das frases, ordem
das palavras, hesitações...) facultam uma informação sobre o
estado de espírito do locutor e suas tendências ideológicas;
e A análise da enunciação: incide sobre o discurso concebido
como um processo cuja dinâmica própria é, em si mesma,
reveladora. O investigador está então atento a dados como o
desenvolvimento geral do discurso, a ordem das suas sequências,
as repetições, as quebras do ritmo, etc.
As análises estruturais
d) Principais vantagens
e Todos os métodos de análise de conteúdo são adequados ao
estudo do implícito.
e Obrigam o investigador a manter uma grande distância em
relação a interpretações espontâneas e, em particular, às suas
próprias. Com efeito, não se trata de utilizar as suas próprias
referências ideológicas ou normativas para julgar as dos outros,
mas sim de analisá-las por critérios que incidem mais sobre a
organização interna do discurso do que sobre o seu conteúdo
explícito.
e Uma vez que têm como objecto uma comunicação repro-
duzida num suporte material (geralmente um documento
escrito), permitem um controlo posterior do trabalho de
investigação.
e Vários deles são construídos de uma forma muito metódica e
sistemática sem que isso prejudique a profundidade do trabalho
e a criatividade do investigador, muito pelo contrário.
e) Limites e problemas
É difícil generalizar, dado que os limites e os problemas apre-
sentados por estes métodos variam muito de um para outro. As
diferentes variantes não são de modo algum equivalentes e não
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 329
f) Métodos complementares
Os métodos mais frequentemente associados à análise de con-
teúdo são:
e Sobretudo: as entrevistas semidirectivas, cujos elementos de
informação se prestam particularmente bem a um tratamento
pela análise da enunciação (que desmontará a sua dinâmica)
e da análise estrutural.
e A recolha de documentos sobre os quais a análise de conteúdo
se baseará.
330 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
g) Formação exigida
e Cada método pressupõe uma aprendizagem específica mais ou
menos longa, segundo o grau de formalização do método. De
qualquer forma, é preciso uma prática sustentada por uma
boa formação teórica, sem a qual será impossível atribuir um
sentido às operações efectuadas.
e Os investigadores recorrem cada vez mais a programas infor-
máticos, tanto na aplicação de métodos qualitativos, como a
análise estrutural, como na execução de métodos quantitativos.
Os programas informáticos podem auxiliar o investigador em
várias tarefas. Algumas, relativamente simples, como, por exem-
plo, identificar palavras e localizá-las no seu contexto, deslocar
excertos, compará-los por justaposição, podem ser realizadas
com um bom domínio de um simples programa de tratamento
de texto. Mas hoje em dia existem aplicações informáticas con-
cebidas especificamente para a análise de conteúdo capazes de
múltiplas tarefas, como associar excertos de textos a categorias
escolhidas pelo investigador, assinalar e calcular ocorrências
e co-ocorrências e cruzar informações. Muito flexíveis, estes
programas podem apoiar verdadeiramente a investigação, em
especial no âmbito da análise estrutural ou da teoria enraizada
(ver Ch. Lejeune, «Montrer, calculer, explorer, analyser. Ce que
Pinformatique fait [faire] à "analyse qualitative», Recherches
qualitatives, hors-série, 9, 2010, pp. 15-32). Softwares como
Alceste ou Iramutec, este de acesso livre e gratuito, baseiam-se
na frequência e na co-ocorrência de unidades sintácticas para
mostrar estruturas de vocabulário. Outros softwares foram
concebidos para auxiliar o investigador no seu trabalho de
categorização, de codificação do texto e de análise em fases
posteriores. Entre os softwares mais conhecidos, podemos citar
Atlas TI, NVivo e MaxQDA bem como Weft-QDA, que é livre,
gratuito e de utilização bastante simples. Cassandra é outro
software livre e gratuito que oferece funcionalidades para a
codificação semiautomática de textos ou mesmo de análises
A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 331
Plano de investigação
ae ou operacionalização
Hipótese e
Observações
conceptualização
ao
Análise de
informaçõe
s
336 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
AS CONCLUSÕES
AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Etapa 2 — A exploração
»
P| As entrevistas
As leituras
< exploratórias
Etapa 3 — A problemática
Etapa S — A observação
Gem
Etapa 7 — As conclusões
1. OBJECTIVOS
A conclusão de um trabalho é uma das partes que os leitores
costumam ler em primeiro lugar. Graças a essa leitura de algumas
páginas de conclusão, o leitor poderá, com efeito, ficar com uma
ideia do interesse que a investigação tem para si, sem ter de ler o
conjunto do relatório. A partir deste rápido diagnóstico decidirá
ler ou não o relatório inteiro ou, eventualmente, algumas das suas
partes. Convém, portanto, redigir a conclusão com muito cuidado
e fazer aparecer nela as informações úteis aos potenciais leitores.
A conclusão de um trabalho de investigação social compreenderá
geralmente três partes: primeiro, uma retrospectiva das grandes
linhas do procedimento que foi seguido; depois, uma apresentação
pormenorizada dos contributos para o conhecimento originados
pelo trabalho e, por fim, considerações de ordem prática.
É este tipo de esquema que está geralmente em vigor nas reu-
niões científicas (colóquios, conferências, workshops...).
4. PERSPECTIVAS PRÁTICAS
Qualquer investigador deseja que o seu trabalho sirva para
alguma coisa. Muitas vezes iniciou-o mesmo ou a pedido de
terceiros, como no caso das duas aplicações do procedimento
que retomaremos posteriormente. Por vezes, ele próprio tem
responsabilidades (numa instituição ou associação) ou milita
num movimento social e deseja enquadrar melhor os limites do
seu compromisso ou do seu próprio trabalho social, económico,
cultural ou político.
Muitas vezes, espera-se que os resultados das investigações
em ciências sociais possam traduzir-se directamente em decisões
e acções. Isto só é possível quando o estudo levado a cabo é de
carácter muito técnico, como, por exemplo, os estudos de mercado.
Mas, regra geral, as relações entre investigação e acção não são
assim tão imediatas.
As conclusões de uma investigação raramente conduzem a
aplicações práticas claras e indiscutíveis, ou a aplicações concretas
(como seria o caso das investigações em matéria de tecnologia).
348 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
2.2 A exploração
a) As leituras
A pesquisa de literatura foi orientada pelas palavras-chave:
«corpo» e «cuidados corporais». Num primeiro momento,
procurou-se clarificar a fórmula «relação com o corpo», retirar-
lhe o seu carácter espontâneo e transformá-la num conceito.
Apesar de nos limitarmos aos textos sociológicos, a literatura
356 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) As entrevistas exploratórias
A par das leituras, os estudantes realizaram também entrevistas
exploratórias semidirectivas junto de profissionais de cuidados
em sentido lato (na sua maioria enfermeiros, mas também alguns
médicos), por um lado, e pacientes a necessitarem de cuidados, por
outro. Nos dois casos, centraram-se na interacção entre pacientes
e cuidadores e na observação da relação de cuidados e em que
medida era esta susceptível de revelar a relação com o corpo nos
diferentes intervenientes.
Para os profissionais de saúde, as principais questões giravam
em torno da sua forma de lidar com os pacientes e com o corpo
destes, mantendo-se atentos às evoluções ao longo da sua própria
carreira e às experiências marcantes por que passaram.
No que respeita aos determinantes da relação com o corpo
nos cuidados, as principais conclusões das entrevistas foram as
seguintes:
x
— Algumas experiências anteriores ou paralelas à socialização
profissional, no contexto familiar (nudez) ou nos momentos
de lazer (duches colectivos, serviços...) também têm influência;
— As condições objectivas no âmbito do exercício dos cuidados
determinam, em parte, as margens de manobra dos intervenien-
tes: seja em que local for (dentro ou fora da instituição), sejam
quais forem os serviços, as profissões de saúde e sobretudo as
especialidades dos profissionais, a relação com o corpo pode
ser muito variável;
— À natureza dos actos praticados muda a relação com o corpo;
neste sentido, é preciso distinguir os cuidados de higiene dos
actos médicos;
— Todos os prestadores de cuidados com quem falámos referem
uma distinção entre os cuidados prestados a um próximo e os
cuidados prestados a um desconhecido.
2.3 A problemática
a) Fazer o balanço
Como vimos, as leituras permitiram identificar vários registos
de potenciais determinantes da relação com o corpo nos cuidados:
360 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) Os indicadores
Muitas vezes, os conceitos mobilizados pela hipótese e pelo
modelo não são directamente observáveis. É então necessário
precisar os indicadores que permitirão registar os dados indis-
pensáveis para confrontar o modelo com a realidade.
Quer se trate de a apreender na esfera familiar ou na esfera
profissional, a relação com o corpo nos cuidados é observável
apenas em parte. Ainda assim, seria necessário optar por uma
metodologia que permitisse captar em directo as interacções
entre os diferentes actores. No nosso caso, isso pressuporia,
por exemplo, que os membros da equipa de investigação
pudessem assistir aos cuidados de higiene, o que requereria a
autorização prévia das direcções dos hospitais e dos serviços
de enfermagem, dos auxiliares e dos pacientes. E mesmo no
cenário mais optimista, em que o conjunto destas autoriza-
ções seria concedido, para os investigadores continuaria a ser
impossível aceder com os seus próprios olhos aos significados
atribuídos aos cuidados corporais observados. O sentido que
366 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
2.5 A observação
b) O instrumento de observação
O questionário apresentado em 2007-2008 aos estudantes
do primeiro ano incluía nada menos que 49 perguntas e muitas
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 371
c) A recolha de dados
Os membros da equipa de investigação estabeleceram contactos
personalizados em cada uma das escolas. A maior parte deles
deslocou-se pessoalmente aos locais para aplicar o questionário
ao conjunto dos alunos do primeiro ano de Cuidados de Enfer-
magem e Obstetrícia; em duas das escolas, as próprias pessoas
de contacto quiseram encarregar-se desta tarefa. As indicações
necessárias para obter as respostas adequadas constavam do iní-
cio do questionário, o que não impediu que durante o processo
se fizessem algumas perguntas de interpretação. Nos casos em
que os membros da equipa de investigação estavam presentes,
a homogeneidade das respostas ficou assegurada, mas para as
duas outras escolas não temos essa garantia. As raras perguntas
problemáticas foram afastadas da análise. No total, 1468 estu-
dantes, ou seja, mais de 99 % dos participantes, completaram
o questionário de forma válida, registando-se 83 % de alunas e
17 % de alunos.
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 375
a) O mapa corporal
Com base nas respostas às perguntas do Quadro 8.2, apresen-
tado atrás, conseguiu desenhar-se um mapa corporal do grau mais
ou menos delicado dos procedimentos de acordo com as zonas
do corpo. Resultados que não são retomados aqui mostram um
corpo dividido em duas partes: uma grande maioria dos estu-
dantes (entre 62 % e 79 %) consideram que os procedimentos
realizados na cabeça, nos membros superiores, no peito de um
homem ou de um jovem, no ventre ou nos membros inferio-
res não são «nada embaraçosos»; pelo contrário, uma grande
maioria (entre 72 % e 78 %) consideram que os procedimentos
realizados na zona genital de uma mulher ou de uma jovem, na
região genital de um homem ou de um jovem ou na região anal
são «embaraçosos» ou «muito embaraçosos». O peito feminino
tem um estatuto intermédio entre estes dois grupos de zonas
corporais, apresentando, no entanto, uma percentagem de «nada
embaraçosos» de apenas 16 %, o que aproxima este indicador
do segundo grupo.
Além desta visão global, a primeira pergunta é sobre a existência
de uma potencial representação do corpo marcada pelo género.
Mais do que produzir nove quadros cruzados, de acordo com as
ideias desenvolvidas na quinta etapa (A análise de dados), cons-
truímos dois índices de síntese: um primeiro para as perguntas
que remetem para as partes do corpo visíveis no mundo ocidental
(índice PVC), ou seja, o primeiro grupo das zonas corporais; e um
segundo índice para as que evocam as partes do corpo invisíveis
no mundo ocidental, ou seja, as outras quatro perguntas (índice
PIC). Estes dois índices foram construídos de modo que tivessem
um valor «0» quando os procedimentos realizados em todas as
partes do corpo eram considerados «nada embaraçosos» e «10»
quando eram considerados «muito embaraçosos».
376 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Quadro 8.6 — Valores médios dos índices PVC e PIC em função do género
Legenda: *** = Xi? sig. 0,001; ** = Xi? sig. 0,01; * = Xi? sig. 0,05; º = Xi? n.s. 0,05.
Leitura: 56,4 % das alunas diz-se «muito pouco à vontade» perante a ideia de ter de
pedir ajuda a um homem próximo que lhe dê um banho completo.
Legenda: *** = Xi? sig. 0,001; ** = Xi? sig. 0,01; * = X2 sig. 0,05; º = X2 n.s. 0,05.
Quadro 8.9 — Percentagem de alunas e alunos que afirmam que prestariam cuidados
de higiene «sem problemas», de acordo com o grau de proximidade e o género da
pessoa a quem esses cuidados seriam prestados.
378 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Legenda: *** = Xi? sig. 0,001; ** = Xi2 sig. 0,01; * = Xi sig. 0,05; º = X? n.s. 0,05.
Legenda: *** = Xi? sig. 0,001; ** = Xi? sig. 0,01; * = X?? sig. 0,05; º = X? n.s. 0,05.
Quadro 8.11 — Percentagem de alunas e de alunos que afirmam que prestariam «sem
problemas» cuidados de higiene de acordo com o estatuto familiar da pessoa a quem
esses cuidados seriam prestados
380 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Alunas Alunos
Sig. do Xi2 | Exp. «sim» | Exp. «não» | Sig. do Xi2 | Exp. «sim» | Exp. «não»
Pai NA 55,9 67,3 * 221 36,5
Mãe hdi 17,3 28,5 + 20,4 33,8
Irmão Rosa 5758 72,1 di 28,6 51,4
Irmã +* 24,4 36,1 e 31,2 43,6
Legenda: *** = Xi? sig. 0,001; ** = Xi? sig. 0,01; * = Xi? sig. 0,05; º = Xi? n.s. 0,05.
Leitura: entre as alunas que tiveram uma experiência de duche ou banho com o pai
quando eram crianças, 55,9 % diz-se «muito pouco à vontade» perante a ideia de ter
de pedir a este para lhe dar um banho completo; esta percentagem sobe para 67,3
nas alunas que não viveram esta experiência. A diferença entre estas percentagens é
significativa no limite de 0,001.
Quadro 8.12 — Percentagem de alunas e de alunos que afirmam estar «muito pouco
à vontade» perante a ideia de pedir ajuda a uma pessoa para lhe dar um banho
completo, de acordo com o estatuto familiar dessa pessoa e de acordo com o facto
de ter tido ou não a experiência de tomar um duche ou um banho com essa pessoa
quando eram crianças
2.7 Conclusões
Se avaliarmos cada hipótese isoladamente, podemos considerar
que nenhuma delas é posta em causa pelos resultados apresentados.
Se atentarmos no grau de à-vontade em imaginar-se numa posição
de receber ou prestar cuidados de higiene, as alunas diferenciam
sistematicamente as situações em função do sexo da pessoa com
quem interagem; os alunos não fazem desta variável um factor
determinante (H1). Quando se pensa nos cuidados dentro da
esfera familiar, as alunas testemunham de forma sistemática um
à-vontade nitidamente maior na interacção com os membros femi-
ninos da família; já os alunos minimizam a diferença entre os sexos
(H2.1). Por outras palavras, a distinção tipicamente feminina das
382 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
3.2 A exploração
a) As leituras
Os investigadores partiram para este trabalho bastante desar-
mados. Primeiro porque a exigência era muito grande e depois
porque dispunham de pouquíssimos estudos prévios sobre este
problema relativamente novo. No entanto, começavam já a
ficar disponíveis os primeiros inquéritos realizados nos países
vizinhos e artigos que discutiam as abordagens teóricas e os
respectivos resultados. Como se viu na terceira etapa (A pro-
blemática), a maior parte dos primeiros inquéritos (em espe-
cial KABP) inscreviam-se no paradigma do indivíduo racional.
386 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
b) As entrevistas exploratórias
Desde o início da investigação, muitos foram os contactos, as
conversas e as entrevistas com as pessoas envolvidas, nomeada-
mente, responsáveis associativos ou institucionais e profissionais do
sector sociossanitário, diariamente em contacto com uma grande
diversidade de públicos em busca de conselhos, de tratamento ou
de ajuda. Além disso, as entrevistas com as pessoas que corres-
pondiam ao perfil definido pela pergunta de partida começaram
de imediato, com o objectivo de se construir progressivamente a
problemática da investigação. Ainda que a sucessão das grandes
linhas das etapas do procedimento tenha sido seguida, o cenário
não foi estritamente linear, na medida em que se verificou um
vaivém constante entre as entrevistas, a problemática e o modelo
de análise.
Depressa se tornou evidente quanto as complexas dimensões da
pessoa, das relações humanas e da cultura eram postas em causa
pela actividade sexual. Esta envolve os parceiros naquilo que têm
de mais essencial: o sentido que dão à existência, a sua relação
com os outros, e em particular com as pessoas do sexo oposto, o
seu equilíbrio pessoal, a sua relação com o próprio corpo e com o
dos outros, as suas emoções, o modo de integração na sociedade.
Neste jogo complexo, assumir ou não assumir um risco poderá
obedecer a razões ou a lógicas que não se resumem a uma ques-
tão de conhecimento, de cálculo racional ou de interesse pessoal.
Observou-se, por exemplo, que parceiros inexperientes ou
pouco seguros de si, que receavam fazer má figura, podiam ter
tendência para não querer arranjar mais um problema: o da pro-
tecção. Verificou-se também que, numa relação muito romântica,
assumir em conjunto e deliberadamente um risco com a outra
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 387
pessoa, ou por ela, podia ser vivido como uma enorme manifes-
tação de amor, que contribuiria para reforçar a paixão e a afeição
mútuas. Vimos ainda que a intimidade característica da relação
sexual depressa daria uma sensação de grande conhecimento e
confiança recíprocos, sobretudo quando os parceiros pertenciam
ao mesmo meio social. Também se tornou evidente que, muitas
vezes, para enfrentar a incerteza na relação em que cada um se
expunha intimamente, a relação sexual se desenvolvia de acordo
com cenários mais ou menos fixados previamente e em que os par-
ceiros «actuavam» de maneira bastante estável. Estes modelos de
comportamento interactivo relativamente aos quais os parceiros
se sentem à vontade podiam ser perturbados pela necessidade
de se protegerem e os exemplos de «boas razões» para não se
protegerem são abundantes.
Mas como contemplar esta complexidade e esta diversidade
sem se perder nelas?
As conversas e as entrevistas seguidas com colegas e investi-
gadores ligados a tarefas semelhantes foram bastante úteis neste
caso. Na ausência de teorias comprovadas sobre a questão, muitos
deles tentaram transpor para o estudo das relações sexuais as
problemáticas e os quadros teóricos já testados noutros domínios.
Nestas abordagens, atribuiu-se um peso particular àquilo que está
em jogo entre os parceiros a fim de explicar os comportamentos.
Foi assim que estes colegas mobilizaram alguns elementos de teorias
psicossociológicas, da teoria do intercâmbio social e em especial
da análise de redes. A equipa de investigação procedeu de modo
semelhante: longe de se contentar com as poucas publicações sobre
o assunto, recorreram a referências teóricas de carácter mais geral,
mas susceptíveis de serem úteis para esta investigação.
Assim, as leituras, as conversas entre investigadores e as
primeiras entrevistas foram-se alternando ao longo desta fase
exploratória.
Por fim, verificou-se que, na maior parte dos casos, os parceiros
não optavam por soluções drásticas, como se a alternativa fosse
388 MANUAL DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
3.3 A problemática
Elaborada de forma progressiva, a problemática foi alvo de
muitos reajustamentos ao longo da investigação. Partia de uma
dupla ideia e de hipóteses gerais. A dupla ideia era quase
uma evidência: as reacções ao risco de sida são muito diversas e
dependem de variadíssimos factores. No entanto, esta dupla ideia
exigia uma problemática capaz de explicar essa diversidade sem,
no entanto, ser demasiado fragmentada. Na investigação, esses
factores designaram-se por «factores de clareza», atendendo ao
facto de, de uma ou outra maneira, supostamente, contribuírem
para tornar os comportamentos compreensíveis, sem julgar de
antemão a natureza concreta da relação que os liga a esses mes-
mos comportamentos. As hipóteses gerais consistiam em algumas
ideias a ter em mente na elaboração da abordagem teórica, por
exemplo, o facto de a interacção sexual constituir uma realidade
específica irredutível dos parceiros ou ainda a autonomia relativa
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 389
a) Factores de clareza
No seguimento do trabalho exploratório e de análise das
primeiras entrevistas, os factores de clareza foram agrupados
em três grandes categorias, correspondentes a três abordagens
complementares de comportamentos, parcialmente apresentados
na terceira etapa (A problemática):
Posição e estatuto
no ciclo de vida
Idade
Sexo
Expectativas relativamente
à relação/às relações
Primariedade/secundariedade
da relação/das relações
Normas e poder
na relação/nas relações
Rede social
Modo de adaptação
ao risco
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 395
3.3 A observação
b) A construção da tipologia
Neste dispositivo de investigação, o trabalho empírico serviu
principalmente para testar as hipóteses empíricas formuladas
previamente, mas também para construir uma tipologia com base
num quadro conceptual composto por factores de clareza. Com
efeito, ao longo das análises, graças a um conjunto de tentativas
e erro, foram destacados vários tipos, até se conseguir mostrar
um conjunto deles e explicar as principais situações problemáticas
encontradas e aquilo que cada uma tinha de específico.
Deste modo, foram construídos nove tipos:
— Tipo 1: a ansiedade do «tipo jovem» na sua difícil exploração;
— Tipo 2: a frágil aprendizagem do diálogo nas primeiras relações
privilegiadas;
— Tipo 3: o risco pensado e aceite dos jovens adultos em busca
de um modo de vida;
— Tipo 4: a segurança através da separação dos mundos;
— Tipo 5: a gestão racional e contratual do risco;
— Tipo 6: a confiança cega do parceiro muito simbiótico;
— Tipo 7: os afastamentos secretos do «cônjuge infiel»;
— Tipo 8: as respostas à crise e à anomia:
— Tipo 9: o risco que a mulher submissa corre.
Sexo Indiferenciado.
3.7 Conclusões
Este estudo poderá realçar duas categorias de resultados: pri-
meiro, os nove tipos retomam uma grande parte das situações
problemáticas ligadas à protecção contra o VIH no âmbito das
relações heterossexuais. Alguns casos muito específicos à parte (mas
não forçosamente raros), que exigem investigações especializadas
(violência conjugal, prostituição, tráfico de mulheres, violações...),
a maior parte das situações, se não se encaixar num dos tipos,
poderá pelo menos situar-se na intersecção entre dois ou mais.
Todavia, o quadro não é absolutamente exaustivo; os tipos apenas
representam alguns casos resultantes do trabalho empírico, entre
todos os casos teoricamente possíveis (de acordo com uma combi-
natória dos factores de clareza), o que, logicamente, e em sentido
DUAS APLICAÇÕES DO PROCEDIMENTO 401
Etapa 1 >
Etapa 2 >
Etapa 3 »
Etapa 5 >
Etapa 6 >
A análise das informações
Descrever e preparar os dados para a análise
Medir as relações entre as variáveis
Comparar os resultados esperados com os resultados observados
Procurar o significado das diferenças
Etapa 7 >
e Recapitular o procedimento
e Apresentar os resultados, pondo em evidência:
— os novos conhecimentos
— as consequências práticas
Bibliografia
INFINITO
25. A METODOLOGIA DA ECONOMIA
Alexandre Koyré
Mark Blaug
- GEOGRAFIA HUMANA — TEORIAS
26. A VELHA EUROPA E À NOSSA
E SUAS APLICAÇÕES
Jacques Le Goff
M.G. Bradford e W. A. Kent
E. A CULTURA DA SUBTILEZA — ASPECTOS
. OS GREGOS E O IRRACIONAL
E. R. Dodds
DA FILOSOFIA ANALÍTICA
M.sS. Lourenço
. O CREPÚSCULO DA IDADE MÉDIA
EM PORTUGAL 28. CONDIÇÕES DA LIBERDADE
António José Saraiva Ernest Gellner
m
4 . A «REPÚBLICA VELHA» (1910-1917) ENSAIO CORREU MAL?
-
Bernard Lewis
Vasco Pulido Valente
INTERNACIONAIS
Joseph S. Nye, Jr. 71. UM OLHAR SOBRE A POBREZA
Alfredo Bruto da Costa (coord.), Isabel Baptista,
52: PÚBLICOS DA CIÊNCIA EM PORTUGAL Pedro Perista, Paula Carrilho
António Firmino da Costa, Patrícia Ávila e Sandra
Mateus 72. O MUNDO PÓS-AMERICANO
Fareed Zakaria
5a. ENSINO SUPERIOR: UMA VISÃO PARA A
73. O MITO DAS NAÇÕES
PRÓXIMA DÉCADA
Patrick J. Geary
José Veiga Simão, Sérgio Machado dos Santos
e António de Almeida Costa 74. WELLINGTON CONTRA MASSENA
David Buttery
54. O MILAGRE EUROPEU
E. L. Jones dos COLAPSO
Jared Diamond
55. MÉTODOS NÃO INTERFERENTES
EM PESQUISA SOCIAL 76. O RELATIVISMO
Raymond M. Lee Raymond Boudon