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FERNANDA GOMES DE MACEDO

CAMINHOS DE LINA BO BARDI uma trajetória escrita

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. José Clewton do


Nascimento
Coorientador: Prof. Dr. George Alexandre
Ferreira Dantas

Natal, RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ -CT

Macedo, Fernanda Gomes de.


Caminhos de Lina Bo Bardi: uma trajetória escrita / Fernanda
Gomes de Macedo. - 2022.
148f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de Tecnologia, Departamento de Arquitetura. Natal,
RN, 2022.
Orientador: José Clewton do Nascimento.
Coorientador: George Alexandre Ferreira Dantas.

1. Cultura popular - Dissertação. 2. Lina Bo Bardi -


Dissertação. 3. Salvador - Dissertação. 4. Editorial -
Dissertação. 5. Diário de notícias - Dissertação. 6. Nordeste -
Dissertação. I. Nascimento, José Clewton do. II. Dantas, George
Alexandre Ferreira. III. Título.

RN/UF/BSE15 CDU 316.7

Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344


CAMINHOS DE LINA BO BARDI: UMA TRAJETÓRIA ESCRITA
Fernanda Gomes de Macedo

Data da defesa: 30 de junho de 2022.

Membros da banca:

________________________________________________________
José Clewton do Nascimento
Orientador e Presidente da Banca (UFRN)

________________________________________________________
George Alexandre Ferreira Dantas
Coorientador e Examinador interno ao Programa (UFRN)

________________________________________________________
Heitor de Andrade Silva
Examinador interno ao Programa (UFRN)

________________________________________________________
Ana Carolina de Souza Bierrenbach
Examinadora externa à instituição (UFBA)
APRESENTAÇÃO
Eu apresentaria este trabalho formalmente, se não fossem os tropeços. Falaria
de seus objetivos, dos caminhos que trilhei para que eles fossem alcançados e sobre
o que me motivou a estudar tudo isso. O problema é que eu não consigo.

Esse processo inteiro de formação como pesquisadora se reconstrói a cada


dia, e embora eu tenha passado por uma ruptura alguns meses após o ingresso no
programa, tenha lidado com prazos apertados e uma pandemia, sinto que a cada dia
este trabalho se renova e que eu me reconstruo com ele.

O tempo inteiro estabeleci a obra de Lina como uma narrativa, então houve
um desvio no meio do caminho e me encontrei sem chão. Tudo que ancorava minha
pesquisa e que tinha desenvolvido até então deveria ser deixado de lado, pelo menos
por um momento, para dar espaço a uma nova abordagem que eu não sabia bem
ainda qual seria. Aquilo me inquietou bastante, até eu perceber que, na verdade, nada
mudou. Sigo falando sobre narrativa e ela agora, mais do que nunca, é também a
minha, porque foi o meu caminhar nessa pesquisa que me trouxe aqui e permitiu
que eu adaptasse o que vinha fazendo para algo que fosse mais palpável num
contexto como esse, e que ainda assim falasse de mim.

A minha ida a Salvador foi que permitiu essa mudança quase natural. Revisitar
os caminhos que percorri por lá me fez entender esse momento de reestruturação
de pesquisa como um lugar mais de conforto que de agonia, visto que antes mesmo
de repensar o que vinha fazendo, eu já havia me proposto a olhar na direção que
venho escolhendo agora.

Alguns meses após retornar de Salvador, ainda numa fase pré-pandemia, fiz
um relato sobre aquela temporada de puro encanto e inquietações. Nele escrevi que
de tanto caminhar e olhar em volta, passei a refletir sobre todas as vistas que me
encantaram os olhos, tentando fazer um paralelo com as vistas de Lina Bo Bardi para
aquela cidade. Claro que eu transitei por um trecho de Salvador muito fácil de se
apaixonar. Claro que Lina Bo Bardi viveu em outra época. Porém o tempo inteiro eu
não queria apenas ver o que ela tinha feito por lá, mas também entender o que e
como ela tinha visto e, consequentemente, sentido aquele lugar. Fui a Salvador
encontrar com Lina através de suas obras, mas a cidade em sua essência acabou por
me conquistar inteiramente e me conectando ainda mais com a arquiteta.

Eu já havia despertado para compreender o que Salvador tinha feito com a


Lina Bo Bardi que conhecemos, até mais do que compreender o que Lina havia feito
por Salvador, porque ao caminhar por aquelas ruas entendi que não se pode passar
ileso por elas. Essa é a minha visão quase romântica da cidade, claro, gosto de dizer
isso em minha defesa. Mas sigo buscando esses sentidos para que esses
romantismos tenham suas razões de ser.
AGRADECIMENTOS
Pensar nos agradecimentos neste momento é algo que me comove. Olho para trás e
vejo o caminho que comecei a traçar ainda em 2019 e até me surpreendo como
cheguei até aqui. Fico impressionada também com a quantidade de mãos que
escreveram este volume, direta ou indiretamente, e sem as quais eu posso afirmar
que este trabalho não se concretizaria.

Eu começo a agradecer aos meus pais, Rejane e Fernando, pelo incentivo mais prático
que me permitiu seguir pesquisando e também pelo apoio que me deram quando
quase desisti.

Sou grata aos meus orientadores, Clewton e George, que toparam o desafio de mudar
comigo de tema e área de concentração já com quase um ano de andamento dentro
do programa (e algumas outras mudanças também!). Eles que foram bronca e
consolo, parece que uma união perfeita na hora de cumprir o papel de orientadores,
mas também de apoio emocional. Sair sempre renovada das nossas reuniões foi um
presente que eu recebi mesmo quando tudo parecia desmoronar, e durante todo
esse tempo eu só conseguia pensar na sorte que tenho por ter tido a oportunidade
de topar com eles nesse processo.

Agradeço ao grupinho PPGAU em nome de Silvio, Diego, Demy e Carlos. Os primeiros


foram peças fundamentais para que eu não desistisse, e junto com os outros
tornaram a minha permanência possível, a partir do momento em que fizeram meus
dias (e noites) mais amenos.

Meu muito obrigada a João que não poderia ter sido um namorado mais ativo nesse
processo, me dando todo o apoio necessário, desde discussões até ajuda prática ao
revisar, sugerir e desenvolver um algoritmo para me ajudar nas análises. Também
devo agradecer pelos vários cafés enquanto estava no computador e os vários
almoços nas semanas turbulentas.
À Natália Miranda e Ana Carolina Bierrenbach, agradeço pelas contribuições dadas
em minha banca de qualificação. Os ânimos e discussões me deram um fôlego
importante para que eu chegasse até aqui.

Agradeço à Biblioteca Central do Estado da Bahia, na pessoa de Arlete Sodré, que se


mobilizou de última hora para que eu conseguisse aproveitar um curto e repentino
tempo em Salvador e fazer a pesquisa documental.

Nada do que realizei seria possível se eu caminhasse sozinha. Meu sincero MUITO
OBRIGADA a todos por não desistirem de mim!
“Senhores arquitetos e urbanistas,
por favor, não se esqueçam de nós”
RESUMO
Caminhos de Lina Bo Bardi: uma trajetória escrita.

Este trabalho de pesquisa é um estudo com base na documentação escrita produzida


pela arquiteta Lina Bo Bardi, por meio do qual se objetiva estabelecer um diálogo
entre seus escritos para o Jornal Diário de Notícias de Salvador e a sua atuação como
Diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia. Lina Bo Bardi foi uma arquiteta italiana
que emigrou em 1946 para o Brasil, país que escolheu para viver e atuar
profissionalmente. Autora de uma série de obras significativas para instituições
culturais, como o MASP, o Museu de Arte Moderna da Bahia e o SESC Pompéia, Lina
Bo Bardi sempre atuou através de variadas linguagens artísticas, o que este trabalho
pretende destacar evidenciando a linguagem escrita como um modo de fazer
arquitetura, muitas vezes o único possível, e por meio do qual Lina Bo Bardi
consolidou uma ideia de arquitetura própria, um ideário. Esta pesquisa se debruça
sobre o período em que a arquiteta atuou na Bahia entre os anos de 1958 e 1964,
momento em que intensificou sua pesquisa e atuação voltada para o campo do
Desenho Industrial e da Cultura Popular, buscando: a partir de uma revisão
bibliográfica, traçar a trajetória da arquiteta destacando o papel da escrita em
diversas fases de sua vida; examinar sua contribuição editorial para o Jornal Diário
de Notícias de Salvador quando dirigiu a página dominical Crônicas de Arte, de
História, de Costume, de Cultura da Vida, em busca das bases teóricas que orientaram
sua atuação; e explorar a produção de Lina Bo Bardi dentro do contexto de
efervescência cultural pelo qual passou Salvador entre as décadas de 1950 e 1960, em
especial sua atuação frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia, a fim de estabelecer
um diálogo entre suas bases teóricas e práticas. O resultado foi a concretização da
relação entre os escritos de Lina e sua atuação na Bahia daqueles anos, bem como a
identificação de um processo de transição no modo de agir e, consequentemente, de
escrever da arquiteta.
Palavras-chaves: Lina Bo Bardi; Salvador/BA; Nordeste; Cultura Popular; Editorial;
Diário de Notícias; Desenho Industrial.
ABSTRACT
Lina Bo Bardi´s journey: a written trajectory

This research work analyzes the written documentation produced by the architect Lina
Bo Bardi in order to establish a dialog between her articles published in the Salvador
Daily Newspaper and her work ahead of the Museum of Modern Art of Bahia. Lina Bo
Bardi was an Italian architect who emigrated to Brazil in 1946, a country she chose to
live and work professionally. She is the author of a series of significant works for
cultural institutions, such as MASP, the Museum of Modern Art of Bahia, SESC Pompéia,
among others. Lina was an architect who has always worked through various artistic
languages, which this work aims to approach by highlighting the written language as
a way of doing architecture, often the only one possible, and through which Lina Bo
Bardi consolidated an idea of her own architecture, an ideal. This research focuses on
the period between 1958 and 1964, when Lina worked in Bahia and intensified her
studies on Industrial Design and Popular Culture. This work is conducted as follows:
throughout a bibliographical review, it aims at tracing Lina's trajectory, highlighting
the role of writing in different phases of her life; examine her contributions to the
Salvador Daily Newspaper when Lina directed the Sunday page called Chronicles of
Art, History, Behavior, and Life Culture, in search of the theoretical bases that guided
her work; establish a dialogue between Lina’ s theoretical and practical bases by
exploring the moment of cultural effervescence Salvador experienced between the
1950s and 1960s and Lina's production during this period, when she directed the
Museum of Modern Art of Bahia. The result was the materialization of the relationship
between Lina's writings and her work in Bahia in those years, as well as the
identification of a transition process in the architect's way of acting and, consequently,
of writing.

Keywords: Lina Bo Bardi; Salvador; NorthEast; Popular culture; Industrial Design; Daily
News; Editorial.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Lina em Copacabana, 1946 ............................................................................................. 20
Figura 2: Guache, 1926 ........................................................................................................................... 22
Figura 3: Ilustração e artigo de Lina e Pagani para revista Gazia, 1941 .................... 25
Figura 4: Quaderni di Domus, esitada por Lina e Pagani, 1945-1946 ......................... 26
Figura 5: Camera dell’architetto ...................................................................................................... 27
Figura 6: Vista do Hotel Príncipe de Savoia ............................................................................. 27
Figura 7: Milão, 1945. Lina como repórter em zonas tocadas pela guerra .............. 28
Figura 8: Capa da Revista Stile por Lina e Pagani................................................................. 29
Figura 9: Capa de A-cultura della vita ........................................................................................ 29
Figura 10: Fac-símile de A-cultura della vita ........................................................................... 30
Figura 11: Pietro e Lina a bordo do navio Almirante Jaceguay, 1946 .......................... 30
Figura 12: Lina retrata o Largo Getúlio Vargas, ....................................................................... 31
Figura 13: Croqui para suporte dos expositores do MASP ............................................... 32
Figura 14: Perspectiva da sala de exposições do MASP da Rua 7 de Abril ............. 32
Figura 15: Capa para a 1º edição da revista Habitat ............................................................ 32
Figura 16: Lina em cadeira desenhada pelo Studio Palma ............................................. 35
Figura 17: Baile de carnaval do IAB, 1948 ................................................................................... 35
Figura 18: Exposição de Mário Cravo Júnior no MASP ......................................................... 37
Figura 19: Fac-símile, Habitat. Artigo sobre ex-votos .......................................................... 37
Figura 20: Fac-símile da página dominical do Diário de Notícias de Salvador ... 38
Figura 21: Perspectiva da Antiga Capela do Solar do Unhão .......................................... 39
Figura 22: Promenade au soir, Van Gogh, exposição no MAMB ..................................... 41
Figura 23: Exposição Nordeste, Museu de Arte Popular, Salvador-Bahia, 1963 .... 42
Figura 24: Filmagem de Deus e o diabo na terra do sol ................................................... 43
Figura 25: Lina posa em um MASP em construção............................................................... 44
Figura 26: Montagem de layout para publicação – vista do MAMB ............................ 45
Figura 27: Croqui para o Teatro Oficina, 1984 .......................................................................... 46
Figura 28: Aquarela do balcão de bebidas do restaurante do SESC Pompéia ..... 46
Figura 29: Aquarela para projeto do Centro Histórico de Salvador ............................ 47
Figura 30: Capas das nove edições de Crônicas, 1958 ........................................................ 51
Figura 31: Capa da 2ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 53
Figura 32: 2ª edição de Crônicas, 1958 ........................................................................................ 56
Figura 33: Capa da 3ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 57
Figura 34: Capa da 5ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 57
Figura 35: Capa da 7ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 59
Figura 36: Capa da 9ª edição de Crônicas, 1958..................................................................... 59
Figura 37: Fotografia do Centro Educacional Carneiro Ribeiro ...................................... 62
Figura 38: Imagens ilustrativas de seçoes de Ôlho sôbre a Bahia ............................. 64
Figura 39: Imagem do texto principal da 6ª edição de Crônicas ................................. 65
Figura 40: Imagem ilustra o texto Casas ou Museus? ........................................................ 67
Figura 41: Imagem central da 6ª edição de Crônicas ......................................................... 68
Figura 42: Imagem do texto Arte Industrial .............................................................................. 69
Figura 43: Imagem central da 8ª edição de Crônicas ......................................................... 70
Figura 44: Parte de texto publicado por Lina, outubro de 1959 .................................... 81
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 16

1 O QUE EU QUERIA ERA TER HISTÓRIA 32


É PRECISO SABER VER PARA ESCOLHER 33
FUGI DAS ANTIGAS RUÍNAS RECUPERADAS PELOS FASCISTAS 37
UM HORIZONTE INFINITO, AZUL, BONITO... 42
AÍ EU VI A LIBERDADE 48
AQUELES QUE DEVERIAM TER SIDO ANOS DE SOL 55

2 HÁ OLHOS E OLHOS 61
OS HOMENS 66
A CASA 72
O MUSEU 79
OLHOS QUE SABEM VER 83

3 CINCO ANOS DE ESPERANÇAS COLETIVAS 86


NÃO FOI UM PROGRAMA AMBICIOSO, ERA APENAS UM CAMINHO 90
O MUSEU - de Arte Moderna da Bahia 93
A CASA - Tudo de uma só vez: as casas, as escolas, os museus, as bibliotecas 98
OS HOMENS - um país cuja base é a cultura do povo é um país de grandes possibilidades 102
É UM JEITO DE SER QUE SE ESTENDE À MANEIRA DE OLHAR AS COISAS 108

4 BALANÇOS INCERTOS 113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117

ANEXO I: QUADRO DA DOCUMENTAÇÃO ESCRITA DE LINA BO BARDI


UTILIZADA NA PESQUISA 123

ANEXO II: TEXTOS DE LINA BO BARDI NA ÍNTEGRA 130


15
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa se debruça sobre o período em que Lina Bo Bardi
atuou na Bahia entre os anos de 1958 e 1964, momento em que intensificou sua
pesquisa e atuação voltada para o campo da cultura popular. Por ter sido nesta
primeira passagem por Salvador que Lina Bo Bardi amadureceu uma série de
conceitos relacionados a ideia de povo, de popular, de folclore e de artesanato,
compreende-se, aqui, este momento da trajetória da arquiteta como um ponto de
ressonância, tendo esta experiência baiana ecoado por toda a trajetória de Lina ao
passo de uma consolidação de sua ideia de arquitetura.

Para analisar esse momento da vida da arquiteta, esta pesquisa se baseia


principalmente nos escritos de Lina Bo Bardi para o Jornal Diário de Notícias de
Salvador, examinando sua contribuição editorial quando dirigiu a página dominical
Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida. Ao chegar em Salvador
em 1958, Lina foi convidada para contribuir com o Diário de Notícias e assim o fez por
9 edições, construindo junto com vários outros expoentes um acervo de peso
documental, tanto cultural quanto socialmente. Essas contribuições foram objeto de
análise detalhada desta dissertação.

O levantamento do acervo documental (ver anexo I) que compõe este trabalho


contempla as páginas que a arquiteta editou para o Jornal Diário de Notícias de
Salvador em 1958, além de alguns outros artigos avulsos que escreveu em Jornais e
Periódicos, bem como uma lista variada de textos de Lina Bo Bardi que já foram
publicados em Livros e trabalhos de pesquisa de pós-graduação, a começar pela sua
tese Contribuição propedêutica ao ensino da teoria da arquitetura, o livro catálogo
Lina Bo Bardi, organizado por Marcelo Ferraz, Lina por escrito, organizado por Silvana
Rubino e Marina Grinover, Tempos de Grossura: o design no impasse, organizado
inicialmente pela própria Lina Bo Bardi, com projeto finalizado sob a organização de
Isa Grinspum, o livro de Juliano Pereira Lina Bo Bardi: Bahia, 1958-1964, e Avant-garde
na Bahia, de Antônio Risério. Além dessas publicações, as dissertações de mestrado

16
de Eduardo Rossetti e Marina Grinover foram de extrema importância na organização
desse acervo.

A documentação escrita deixada por Lina Bo Bardi é extensa, e para fins de


análise houve um recorte que explora principalmente suas publicações para o Jornal
Diário de Notícias de Salvador, quando dirigiu a página dominical Crônicas de Arte,
de História, de Costume, de Cultura da Vida, no ano de 1958, sendo esta análise
complementada por outros escritos da arquiteta para Jornais e Periódicos no recorte
temporal que abrange sua vivência em Salvador de 1958 a 1964, tendo incluído um
texto fora do recorte, intitulado Cinco anos entre os brancos, que apesar de ter sido
escrito em 1967, representa um balanço geral do que foram aqueles anos em Salvador
feito pela própria arquiteta.

No primeiro capítulo (“O que eu queria era ter história”) abordamos a trajetória
de vida de Lina Bo Bardi em consonância com a pesquisa de Silvana Rubino (2002)
para a sua tese de doutorado, fazendo uma revisão bibliográfica apoiada em outros
importantes pesquisadores que contribuíram de modo contundente com o
desenvolvimento deste trabalho, como Juliano Pereira (2008), Eduardo Rossetti (2002)
e Antônio Risério (1995). Neste capítulo, organizado cronologicamente, o objetivo é
dar ênfase ao caminho editorial traçado pela arquiteta durante toda sua trajetória,
que teve o recurso da escrita muitas vezes como a única forma possível de fazer
arquitetura.

O segundo capítulo (“Há olhos e olhos”) se detém de forma aprofundada na


análise da sua contribuição editorial para o Jornal Diário de Notícias de Salvador
quando dirigiu a página dominical Crônicas de Arte, de História, de Costume, de
Cultura da Vida, em busca das bases teóricas que orientariam sua posterior atuação
frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia. Para a análise dos textos, a metodologia
escolhida foi a Análise de Conteúdo, desenvolvida por Laurence Bardin (2011), por ser
uma análise que parte de dados quantitativos para fundamentar aspectos
qualitativos a serem discutidos, viabilizando uma sistematização dos vários textos a

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serem analisados. A metodologia utilizada será explicitada de modo detalhado no
subtópico seguinte.

O terceiro capítulo (“Cinco anos de esperanças coletivas”) versa sobre o


período em que Lina esteve em Salvador de 1958 a 1964, destacando a sua atuação
frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia a fim de estabelecer um diálogo entre as
suas bases teóricas analisadas e discutidas anteriormente via publicações em
periódicos, e sua atuação prática naquele momento, que foi examinada a partir de
suas publicações da época, levando também em consideração publicações de
terceiros sobre o que acontecia com o MAMB e com a Bahia daquele período.

Por fim, o quarto capítulo (“Balanços incertos”) apresenta as considerações


finais estabelecendo este trabalho de pesquisa como uma documentação escrita e
análise crítica de um momento da vida de Lina Bo Bardi, reafirmando a relação entre
as bases do que escreveu no início do seu primeiro momento em Salvador e suas
ações posteriores. Momento esse que representa também um processo de transição
que parece ter elevado a arquiteta de “espectadora” à força motriz de um processo
de valorização e modernização da cultura popular nordestina e “mudança do estado
das coisas”.

Metodologia: Análise de conteúdo e


Modelagem de tópicos

A Análise de Conteúdo foi o método escolhido para analisar os textos de Lina


Bo Bardi. Esta foi uma metodologia desenvolvida por Laurence Bardin (2011), e sua
escolha se justifica por este método constituir um caminho objetivo que parte de
uma análise quantitativa da frequência dos termos e expressões que constroem o
texto, mas que privilegia e incentiva a subjetividade individual. O método visa analisar
o texto escrito ou transcrito e se baseia em 3 fases:

1ª pré-análise: consiste numa leitura “flutuante”, sendo este o primeiro contato


com os documentos a serem analisados e, portanto, etapa de formulação de

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hipóteses e da elaboração de indicadores (índices ou categorias, baseados na
repetição de termos e ideias a serem categorizadas);

2ª exploração do material: conta com a codificação e classificação dos índices


definidos na etapa anterior e a categorização dos textos ou trechos de acordo com
os indicadores; e, por fim,

3ª o tratamento dos resultados: é a etapa de inferência dos temas dos textos


analisados e de interpretação de conceitos e proposições resultantes das etapas
anteriores.

A aplicação da análise de conteúdo como técnica para interpretação da


contribuição editorial de Lina Bo Bardi para a página de Crônicas se mostrou bastante
apropriada por empregar métodos de indexação e tratamento de resultados que
levam em consideração aspectos de subjetividade a partir de fatores quantitativos,
tendo já um vasto e importante papel como ferramenta de análise em pesquisas nas
ciências sociais.

Num primeiro momento, as leituras flutuantes permitiram a identificação de


temas centrais bastante repetitivos como educação, moradia e, principalmente, do
papel do homem na vida da cidade e na valorização e reconhecimento de uma cultura
popular. Para enriquecer e viabilizar o processo de análise, visto a quantidade de
textos a serem analisados durante o processo de pesquisa, foi feito uso de uma outra
metodologia complementar na segunda etapa de análise, a Modelagem de Tópicos,
que é uma abordagem de processamento de linguagem natural que extrai conjuntos
de palavras significativas de um texto para associá-las aos temas (tópicos) sobre os
quais o mesmo disserta.

Há diferentes abordagens de aprendizagem de máquina para extrair


automaticamente o conjunto de tópicos relacionados a um determinado texto. Essas
abordagens, naturalmente, baseiam-se na frequência das palavras e em outras
variáveis relevantes para determinar a importância de uma determinada palavra no
contexto que está sendo analisado. Neste trabalho utilizamos a técnica de Alocação

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latente de Dirichlet (LDA) — um método não supervisionado que identifica
automaticamente um conjunto de tópicos relevantes para um determinado texto e
atribui uma medida de importância para cada um desses tópicos.

O LDA não é um modelo capaz de atribuir significado a um tópico, ou seja, não


é capaz de definir um “tema” para um conjunto de palavras que estão relacionadas,
apenas agrupá-las, e então cabe ao pesquisador analisar manualmente o conjunto
de palavras de um determinado tópico e atribuir a esse conjunto um tema ou título
que o represente de maneira adequada. Por exemplo, para o conjunto de palavras
“problemas, cultura, escola, museu”, atribuímos o tema “alinhamento técnico aos
problemas culturais''. Esta análise permitiu a geração de uma série de temas
associados a estes termos que foram posteriormente relacionados aos temas gerados
de forma subjetiva à partir da leitura flutuante na primeira fase, compondo, assim, a
indexação da segunda fase da análise de conteúdo.

O processo de identificação dos termos foi feito para todos os textos


separadamente, mas ao executar a indexação em todos os textos simultaneamente
foi possível obter como resultado uma tabela de unigramas, termos individuais que
foram elencados por ordem de importância nos textos analisados, como podemos
ver a seguir:

Tabela 1: Tabela de unigramas da segunda fase da


Análise de conteúdo

20
O destaque dado automaticamente aos termos destacados na tabela acima,
além de corroborarem com as relações temáticas da análise feita a partir da leitura
flutuante da primeira fase, definiram os temas centrais sobre os quais a análise
textual se basearia: o HOMEM, o MUSEU (representando também os eixos cultura e
arte, como destacado na tabela, pois se correlacionam) e a CASA.

A intenção foi automatizar parte do processo de análise dos textos através da


identificação automática de seus tópicos e permitir uma amostra maior de textos
analisados, acelerando o processo. Identificar os temas relacionados aos tópicos
gerados pelo modelo já era um encaminhamento para a terceira etapa da análise de
conteúdo. Portanto, o uso de LDA permitiu a análise de um conjunto maior de textos
e sua aplicação está completamente alinhada com a metodologia geral deste
trabalho de dissertação, facilitando e acelerando a etapa final da análise, que
corresponde a análise e interpretação dos temas identificados, presente no segundo
capítulo desta dissertação.

21
22
LINA NA BAHIA

Lina vem de uma geração de arquitetos e pensadores que viveu quase todo o
século XX. Nascida em 1914 em Roma, veio a falecer em 1992 em São Paulo, aos 77
anos. Italiana, naturalizou-se brasileira em 1953: “Eu não nasci aqui, escolhi este lugar
para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha ‘Pátria de Escolha’, e eu
me sinto cidadão de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades
do Interior e as da Fronteira.” (BARDI apud FERRAZ, 2018, p. 9).

Neste período de tempo em que viveu, muita coisa se transformou no mundo.


A cultura modernista, questionadora, surgiu e passou a ser questionada também.
Havia um espraiamento da cultura europeia, que ditava não apenas o comportamento
e os valores estéticos de uma sociedade, mas também estabelecia padrões de
relacionamentos políticos e econômicos. A Itália, país de origem de Lina Bo Bardi,
onde a arquiteta viveu quase metade de sua vida e embasou sua formação, é berço
da civilização ocidental europeia, tendo nascido ali muito dos modelos do que é
cidade, democracia e também a cultura, do ponto de vista estético. Este é um
importante quadro a ser levado em consideração ao analisar as posturas de Lina no
trato com a cultura popular brasileira, com a qual veio ter contato quando atuou no
Nordeste brasileiro entre as décadas de 1950 e 1960.

A arquiteta que aportou no Rio de Janeiro em 1946, desfrutou e estabeleceu


redes de contato e destaque social em São Paulo, mas foi encontrar no Nordeste o
eixo central de sua atuação no campo da arquitetura, e também no campo das artes
e do desenvolvimento humano.

Importante na minha vida foi a minha viagem ao Nordeste e o trabalho que


eu desenvolvi em todo o Polígono da Seca. Aí eu vi a liberdade. A não
importância da beleza, da proporção, dessas coisas, mas a de um outro
sentido profundo, que eu aprendi com a arquitetura, especialmente as
arquiteturas dos fortes, ou primitivas, populares, em todo o Nordeste do
Brasil. (BARDI apud FERRAZ, 2018, p. 153)

Esta postura diz muito sobre o caminho percorrido pela arquiteta, que iniciou
sua vida profissional trabalhando com Gio Ponti, líder do movimento pela valorização

23
do artesanato italiano na época, e com quem Lina Bo Bardi entra em contato de modo
mais aprofundado com as questões do desenho industrial e da cultura popular.
Junta-se a isso as leituras de Antonio Gramsci, que Silvana Rubino (2002, p. 90)
acredita terem se dado no imediato pós-guerra quando seus escritos foram então
publicados, em um momento de intensa formação política da arquiteta, o que
permitiu que Lina Bo Bardi construísse um discurso pautado nas diferenciações entre
folclore e artesanato, entre nacional-popular e nacionalismo, integrando a ideia de
intelectual orgânico e da perspectiva política da ação intelectual (ROSSETTI, p. 29-30).

Em São Paulo, sua atuação frente ao MASP, inaugurado em 1947, e à revista


Habitat, ambas iniciativas junto a seu esposo Pietro Maria Bardi, já se orientava para
os estudos da cultura popular. No museu, por exemplo, Lina monta uma exposição
sobre o artesanato pernambucano ainda em 1949, e a revista, parte do projeto do
museu, abria cada vez mais espaço para ações culturais e para artistas atuantes no
Nordeste do país.

O respeito pela arquitetura tradicional e pelo saber fazer popular já vinha


sendo registrado desde as páginas de Habitat, que Lina Bo Bardi criou e
editou a partir de 1951, junto a Pietro Maria Bardi, e na qual os fundamentos
antropológicos estavam presentes lado a lado com as discussões das
vanguardas. (LIMA e MONTEIRO, 2012, p.12)

Mas foi na Bahia que Lina encontrou de fato terreno produtivo e fértil no
campo da cultura popular. Um povo impregnado de tradições, cultos e festas
populares, que guardava ainda a capacidade de lutar por suas raízes, em
contraposição aos paulistanos, que já haviam sido “demasiado contaminados pelo
vírus do progresso, da modernização industrial, da cultura de massa importada” (LIMA
e MONTEIRO, 2012, p.12).

É em Salvador, como afirma Silvana Rubino (2002, p. 94-95), “que Lina vai se
afastando gradativamente de seu papel de levar a ação civilizadora paulista,
emblematizada pelo museu na rua 7 de Abril, para a Bahia e o Nordeste” e isso se dá
ao começar a absorver do exotismo da cultura local. Ali, Lina experiencia uma relação
simbiótica com o lugar, num processo que passa de civilizatório a emancipador – para
o campo cultural e para a arquiteta. Naquela cidade, Lina pôde colocar em prática a

24
formação clássica e tradicional obtida em Roma, longe das amarras do
conservadorismo da esfera academicista romana, acrescentando a perspectiva do
olhar politizado para o nacional-popular (RUBINO, 2002, p. 89-90). Eduardo Rossetti
(2002, p. 29) ressalta como sua atuação naquele momento foi impactada pelas suas
leituras de Gramsci e como a arquiteta soube ponderar tais leituras com as
preocupações da esquerda brasileira.

Em sua dissertação de mestrado, Juliano Pereira1 trabalhou com a hipótese de


que Lina havia trazido de sua formação na Itália a postura frente ao popular que
orientaria a sua atuação em Salvador, mas o que se confirmou com sua pesquisa foi
que se a atitude da arquiteta teve raízes na Itália, passou ainda por transformações
quando se encontrou na Bahia, diante das particularidades da situação política e
social da época (PEREIRA, 2008, p. 13).

Antônio Risério (1995) esmiúça em seu livro Avant-garde na Bahia o processo


pelo qual passou Salvador entre as décadas de 1950 e 1960, tempos de uma ação
cultural ampla sob o influxo de informações internacionais principalmente vindas de
uma vanguarda estético-intelectual europeia, na qual se enquadrava Lina Bo Bardi.
Relata:

Aconteceu ali, numa circunstância histórica concreta, a feliz coincidência


espácio-temporal entre o desejo de fazer, a existência de condições objetivas
para desenvolver os trabalhos e a presença ativa de pessoas dispostas a
tripular - e capazes de pilotar - o barco. Mais ainda: a movimentação
aglutinava levas geracionais diversas, indo do reitor Edgard Santos ao
estudante universitário Glauber Rocha (RISÉRIO, 1995, p. 14)

Foram tempos de efervescência em que a Universidade da Bahia, na figura do


então reitor Edgard Santos, investia no campo estético criando pontes entre
universidade e cidade. Em torno disso projetou-se uma vanguarda: Lina Bo Bardi,
Koellreutter, Diógenes Rebouças, Clarival Valladares, Glauber Rocha, Martin

1
A Dissertação de mestrado de Juliano Pereira junto ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo da USP em São Carlos resultou no livro referenciado neste trabalho: PEREIRA, Juliano
Aparecido. Lina Bo Bardi: Bahia, 1958-1964. EDUFU, 2008.

25
Gonçalves, Agostinho da Silva, Mario Cravo, Pierre Verger, entre outros nomes que
movimentaram o cenário cultural e estético da Cidade do Salvador nessas duas
décadas, tendo sido esse movimento interrompido pelo Golpe de 1964 (RISÉRIO, 1995,
p. 23-24).

Diante desse momento de efervescência cultural é que Risério compreende os


impactos causados na cidade e em quem ali atuou, afirmando que todos os
intelectuais ali presentes naquela época se transformaram diante do que
encontraram, mas que a transformação de Lina foi além, que ela foi a que mais se
transformou dentre todos:

No caso de Lina Bo Bardi, por exemplo, redesenhou-se pessoa e obra. Isa


Grinspum Ferraz, que acompanhou intimamente os últimos anos produtivos
de Lina, chamou a minha atenção, em particular, para duas coisas: cadeiras
e roupas. Está certo. A cadeira, na época do Palma, ainda é uma cadeira. [...]
Mesmo que moderno, ousado, da cadeira do Museu de Arte da 7 de Abril ao
“Bardi’s Bowl”, o modelo não fere o código. Pode atrair o olhar, mas não
surpreendê-lo verdadeiramente – e menos ainda desconcertá-lo. Uma
cadeira como a “girafinha” só vai ser concebida (e executada) anos mais
tarde, depois da experiência baiano-nordestina. (RISÉRIO, 1995, p. 123)

Não foi apenas seu modo de projetar que mudou. Para quem acompanhou
Lina de perto, mas também para quem observa seu acervo fotográfico hoje em dia, é
perceptível uma postura diferente entre a Senhora Bardi, italiana recém-chegada ao
Brasil, e Dona Lina, a arquiteta que vivenciou a Bahia daqueles anos.

Quando chegou em São Paulo, era uma jovem senhora elegante,


vestualmente acomodada, desfilando com desenvoltura em festas e reuniões
da aristocracia paulista e de imigrantes ricos. Na Bahia, desbundou. Sugeria
uma "artista", uma universitária chique-contestadora, "de esquerda", camisa
masculina (de punho dobrado) caindo por cima da calça, tênis (tênis!), e não
escarpim, nos pés. De madame a "beatnik", em suma [...] Lina exibia sua
identidade com a juventude universitária de esquerda, sua informalidade,
seu inconformismo, sua ruptura com o estereótipo da mulher "upper-class",
deixando que tais coisas se explicitassem no plano vestual. Ficavam de parte
a etiqueta, a exigência consumista, a aparência da pessoa "bem-sucedida", o
padrão bourgeois de elegância. Olhem fotos das filmagens de Deus e o Diabo
na Terra do Sol, no sertão baiano, ou de montagens de exposições no foyer
do Teatro Castro Alves. Lina agora se veste não como a primeira-dama Lavínia
Magalhães, mas como a turma do Glauber Rocha... Em poucas palavras, Lina
era mudável - e a Bahia mudou Lina. (RISÉRIO, 1995, p. 123)

Silvana Rubino (2002, p. 94) também comenta a transformação de Lina


argumentando sobre o modo como se vestia e passou a se portar, mas diferente de

26
Risério, Rubino não acredita que a Bahia daqueles tempos tenha transformado Lina
Bo, como em uma experiência de conversão, mas que tenha permitido que ela, ao se
ver longe de São Paulo, do marido Pietro Maria Bardi e da instituição civilizadora
MASP, tenha encontrado o ambiente possível para a negociação de sua identidade. A
arquiteta que trocou os vestidos e a alta sociedade pelas calças largas e trupes
estudantis, não se rebelou pela primeira vez, dado seu histórico, mas talvez pela
primeira vez tenha encontrado o espaço-tempo ideal para a concretização do seu
modo de ser, em sua totalidade, levando em consideração que a partir dos anos de
1960 certos comportamentos e estilos de vida passaram a ser aceitos para alguns
grupos sociais, o que teria possibilitado a conversão da clássica romana em
transgressora.

Não há consenso sobre a Bahia ter transformado Lina, ou a atmosfera baiana


da época, bem como o estilo de vida da esquerda brasileira daqueles anos de 1960,
terem apenas permitido que a arquiteta se reconectasse com o seu eu mais original.
O que tomamos como base nesta pesquisa é o fato de que houve uma mudança de
comportamento expressa por Lina Bo Bardi, seja através de seus escritos, sua obra
ou até pelo seu jeito de se vestir, e é se apoiando na premissa de que essa mudança
se deu mais fortemente a partir do momento em que passou a atuar em Salvador
naquele período de 1958 a 1964, que este trabalho aborda esse momento da vida de
Lina Bo Bardi.

LINA E A PALAVRA ESCRITA

Em conversas com sua editora, Shira Hadad, publicadas em livro, Amos Óz, após
ser questionado sobre o que move sua escrita, faz duas observações sobre o ato de
escrever. A primeira está relacionada à necessidade do registro, para que os fatos,
sentimentos e pensamentos não se apaguem nem “sejam como se não tivessem
sido”. Um desejo de “salvar alguma coisa das garras do tempo e do esquecimento”.
Um pouco mais a frente ele tenta explicar de onde vêm as histórias que escreve e
poderia se limitar dizendo que vêm do ato de observar, seja na fila do posto de saúde

27
ou na estação ferroviária, da captura de meias conversas, roupas, sapatos e
expressões por onde quer que vá e de quando as completa, mas ele vai além e diz:

Meu vizinho em Hulda, Meir Sibahi, dizia: toda vez que passo pela janela do
quarto em que o Amós escreve eu me detenho um momento, pego um pente
e me penteio, pois se eu entrar numa história do Amós, quero entrar
penteado. Tremendamente lógico, mas não é assim que funciona comigo.
Vamos dizer, sei lá... Uma maçã. Tome uma maçã. Do que é feita a maçã?
Água, terra, sol, uma macieira e um pouco de adubo. Mas ela não se parece
com nenhuma dessas coisas. É feita delas, mas não se parece com elas. Assim
é uma história, que com certeza é feita de uma soma de encontros e
experiências e atenções. (OZ, 2019. p. 11)

Amós Oz foi um escritor, um romancista, e nos faz refletir que a escrita que
narra uma história, independente de qual seja sua intenção, está sempre baseada
nos mesmos pilares, que seriam o espaço, a memória e a necessidade do registro.
Utilizando a metáfora da maçã para compreender o que compõe a narrativa, tem-se
a dimensão da narração não apenas como a pura caracterização do espaço, nem
como a perspectiva da vida das pessoas unicamente, ou uma memória exata, mas
como a junção e atravessamento dessas óticas, que resulta em uma imagem mais
complexa e completa da vida e seus elementos de representação (DÍAS, 2015, p. 10),
dos impactos do e no espaço e das construções sociais.

É a partir dessa visão que a trajetória de Lina Bo Bardi foi explorada como uma
composição narrativa que é registro, que fala do lugar, revela a pessoa por trás e a
cultura social em que a narrativa é contada. É desse atravessamento de óticas que se
constitui o discurso de uma arquiteta que se apoiou na linguagem escrita para contar
uma história, se inscrevendo nela.

A arquiteta que acata uma concepção de tempo pouco usual, revela uma
aproximação da sua arquitetura com uma estrutura narrativa quando diz que “o
tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem
ser escolhidos pontos e inventadas soluções sem começo nem fim” (BARDI apud
FERRAZ, 2018, p. 327).

Para Olívia de Oliveira (2006, p. 33), “cada obra e cada detalhe da arquitetura
de Lina podem ser percebidos como um conto, uma narração simbólica da vida

28
cotidiana, um relato conciso de uma situação dada”, tudo emaranhado num único e
“maravilhoso” nó. “Daí entendemos o adjetivo ‘maravilhoso’ utilizado por Lina, sobre
aquilo que a encanta. Daqui exala a característica lúdica e fabular onipresente em
sua arquitetura”.

Essa caraterística fabular, como diz Oliveira, pode ser algo próprio de Lina, o
que torna a sua leitura por vezes mais fluida, embora mais complexa, visto que ao
não apresentar as referências das bases sobre as quais escreve, acaba exigindo de
nós uma leitura mais atenta que nos impeça de atribuir à arquiteta conceitos que
não foram necessariamente desenvolvidos por ela.

Já o ato de escrever como parte do fazer arquitetônico é algo que se observa


desde a antiguidade clássica, a exemplo do Tratado de Vitrúvio, embora tenha se
manifestado largamente no século XX com o Movimento Moderno e pós-Moderno.

Boa parte dos debates acerca da arquitetura do século XX travou-se por


escrito. Pensemos em dois momentos cruciais, a emergência do chamado
movimento moderno nos anos 1910-20 e do pós-modernismo em meados
dos anos 1960, e não há como negligenciarmos a importância dos textos,
artigos e manifestos[...]: foi por escrito que parte dessa luta simbólica, que
forjou a trama da arquitetura dos últimos cem anos, foi tecida, reforçada ou
esgarçada (RUBINO; GRINOVER, 2009, P. 21).

A documentação escrita de Lina vai além quando não conta apenas a história
da arquitetura, mas permite que a gente se aproxime da sua própria história, e é
desse modo que se constitui como narrativa. Uma arquiteta que escreveu com
intensidade, deixando registrado por meio de publicações, mas também em folhetos
de exposições, cartas, e até anotações pessoais, suas impressões através do tempo
sobre variados temas que atravessam a arquitetura e moldaram seu modo de ver e
atuar neste campo.

Lina Bo Bardi era uma arquiteta identificada com o movimento moderno que,
como desenvolveu Maíra Pereira em sua tese As casas de Lina Bo Bardi e os sentidos
de habitar, tinha um entendimento específico de modernidade, “uma modernidade
que é o resultado do encontro dialético entre o erudito e o popular, entre o
internacional e o local, entre o antigo e o novo” (PEREIRA, 2014, p. 02). Indo um pouco

29
mais além, é possível afirmar que a arquitetura de Lina Bo Bardi rompe com as
dicotomias estimulando relações dialógicas. Uma arquitetura que nasce do diálogo,
do entendimento sobre o outro e da entrega de si, tornando-se, nesse aspecto, uma
arquitetura que se aproxima também da língua.

Moita Lopes (2013) se utiliza da metáfora do rizoma para pensar o que é uma
língua e acredita que ela se aproxima muito mais de uma “trama instável de fluxos
que só ganha vida quando as pessoas e suas subjetividades e histórias são
consideradas nas práticas sociais múltiplas e situadas de construção de significado
em que atuam” (MOITA LOPES, 2013, p. 104). Nessa perspectiva é possível também
refletir sobre a arquitetura de Lina Bo Bardi, quando pensada para o povo em todas
as suas nuances e que só encontra sentido quando palco das práticas sociais e suas
subjetividades.

A escrita foi um recurso amplamente utilizado por Lina Bo Bardi no Brasil na


intenção de fomentar uma crítica da arte e da arquitetura no país, mas também no
intuito de atiçar discussões, bem como divulgar projetos e ações culturais e fazer a
arquitetura tocar o povo em outras instâncias. E era por meio desses escritos, mas
também por meio de suas variadas manifestações artísticas, que a arquiteta
elaborava um discurso.

Para Foucault (2014, p. 50) “os discursos devem ser tratados como práticas
descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem”. Em
seguida, o filósofo lança um princípio de “não transformar o discurso em um jogo de
significações prévias; não imaginar que o mundo nos apresenta uma face legível que
teríamos de decifrar apenas”, segue:

A história (...) não se desvia dos acontecimentos; ao contrário, alarga sem


cessar o campo dos mesmos; aí descobre, sem cessar, novas camadas, mais
superficiais ou mais profundas; isola sempre novos conjuntos onde eles são,
às vezes, numerosos, densos e intercambiáveis, às vezes raros e decisivos.
(FOUCAULT, 2014, p. 52)

A fim de estabelecer um diálogo entre seus escritos para o Jornal Diário de


Notícias de Salvador e a sua atuação como Diretora do Museu de Arte Moderna da

30
Bahia, este trabalho revisita a trajetória de Lina Bo Bardi buscando compreender os
cenários e fatores que contribuíram/possibilitaram a construção da arquiteta, ao
mesmo tempo em que fundamenta suas análises nas experiências diretas de Lina,
registradas em seus escritos. Para o desenvolvimento deste trabalho, leva-se em
consideração que Lina Bo Bardi forjou uma ideia de arquitetura a partir de seus
registros escritos, e que essa ideia de arquitetura é um conjunto de pensamentos,
conceitos, um ideário, que respalda sua postura. Em consonância com o que disse
Foucault (2014, p. 50) “deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos
às coisas, como uma prática que lhes impomos (...); e é nesta prática que os
acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua regularidade”.

E foi seguindo esses princípios que se buscou uma aproximação com o


discurso de Lina Bo Bardi respeitando suas diversas fases e camadas, discurso esse
que forjou a sua ideia de arquitetura através de suas publicações em jornais e
periódicos, mas também de suas falas em conferências, entrevistas, croquis e
aquarelas, através de suas variadas representações.

31
1 O QUE EU QUERIA ERA TER HISTÓRIA
“Quando eu aqui cheguei, vi do navio o branco e
azul do Ministério da Educação e Saúde, navegando
sobre o mar em céu azul-claro. Era começo da tarde,
e eu me senti feliz...”

Lina Bo Bardi2

Lina Bo Bardi acabou escolhendo o Brasil como o país onde faria história. Viveu
na Itália um período de ruínas e aportou nos trópicos junto a Pietro Maria Bardi, seu
então esposo, para conhecer o país da liberdade. O casal trazia na bagagem uma
coleção de quadros e uma série de contatos com figuras tanto das artes quanto da
política da época, o que lhes rendeu uma série de exposições e a vontade de
permanecer naquele país com ares de renovação.

Figura 1: Lina em Copacabana, 1946 Em 1947, Pietro foi convidado a dirigir o


Museu de Arte de São Paulo e em 1953 tanto ele
quanto Lina naturalizaram-se brasileiros. O
contexto do país que Lina encontrou, como ela
mesma descreve, era de fertilidade. Um país pobre,
de gente pobre, mas com um potencial criativo
incrível e uma cultura popular rica.

Uma arquiteta que viveu quase todo o


século XX passando por variadas transformações

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 em contextos político, social, econômico, cultural e
estético, mostrou saber atravessá-las.

Levando em consideração que Lina teve seus anos de formação na Roma


fascista, iniciou sua prática profissional na Milão da resistência do final da
Segunda Guerra, chegou ao Brasil quando o país se redemocratizava e
inaugurou o MASP em 1968, para cair em relativo silêncio nos anos 70, temos
que a construção de sua trajetória implica o cruzamento de marcos

2
In: Arquitetura, cidade e natureza – Congresso Brasileiro de Arquitetos (out.-nov. 1991). São
Paulo: Ed. Empresa das Artes, 1993, pp. 19-21.

32
territoriais e temporais. Mais do que notarmos que ela atravessou parte
significativa do breve século XX, esse caso pode ser proveitoso para revermos
algumas periodizações correntes na história da cultura. (RUBINO, p. 4-5)

Silvana Rubino destaca os marcos históricos que foram acompanhados pelo


caminhar de Lina Bo Bardi, mas além de tomar esse caso como proveitoso para
revisitar a história, é importante destacar a arquiteta que é produto desse meio e
consegue vivenciá-lo de tal modo que o impacta, também produzindo-o.

Para entender o fenômeno Lina Bo Bardi, viu-se a necessidade de percorrer


essa trajetória costurando a vida da arquiteta no tecido da história, ao passo em que
destaca sua atuação no campo editorial como prática que compõe sua produção no
campo da arquitetura, sendo por vezes em sua trajetória a única forma possível de
atuar.

É PRECISO SABER VER PARA ESCOLHER

Lina Bo Bardi, nascida Achilina Bo, em 5 de dezembro de 1914, foi a filha mais
velha de Enrico Bo e Giovanna Grazia. Nasceu em uma época de grande guerra e num
momento político conturbado para a Itália, que caminhava para o fascismo. Em sua
casa vivia também sua irmã mais nova, Graziella, e uma prima.

Seu pai era engenheiro, proprietário de uma construtora, mas principalmente


um homem ligado às coisas sensíveis da vida, e isso pode ter causado grande impacto
na vida de Lina já desde criança. Rubino (2002) traça em sua tese uma linha que
desenha bem a influência de Enrico Bo no espírito inventivo e sensível da filha,
especulando até se ela não teria recebido uma educação diferenciada da irmã, sendo
tratada quase como um primeiro filho homem. Seu avô era médico, seu pai
engenheiro e morava em um bairro tido como nobre em Roma, isso aponta para uma
família que preza pelo investimento escolar dos homens e que vive bem
economicamente. Uma menina nascida nesta geração em meio a essa classe social,
seria educada para se tornar uma mulher culta, mas uma dona de casa com certo
refinamento artístico. Não foi o que aconteceu, Lina foi além e rompeu com padrões
de gênero estabelecidos pela época.

33
Maíra Pereira (2014, p.29) registra
Figura 2: Guache, 1926
declarações de Graziella Bo, irmã mais nova
de Lina, sobre sua infância, contando “que a
mente de Lina corria e sonhava mais rápido
que a dos outros, o que lhe gerava em alguns
momentos um certo constrangimento”. Não
há aqui a pretensão de lançar uma teoria
sobre algum tipo de genialidade de uma
criança que nasceu para ser o que se tornou,
mas, pelo contrário, apontar como um
estímulo dado a um indivíduo pode permitir Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
que ele trace um caminho próprio de
descobertas. Há registros muito claros sobre o interesse de Lina por pintura, cenários,
paisagens e até mesmo arquitetura. Pode haver o questionamento sobre esses serem
interesse inatos da arquiteta que se desenvolveram com o tempo, ou resultado da
influência direta do pai. O que temos de concreto nisso é a sua aproximação com a
figura dele desde a infância até o estabelecimento de sua vida profissional. Rubino
(2002, p. 41) destaca bem essa aproximação:

Lina aprendeu a desenhar com seu pai, que mais tarde a iniciaria no universo
da engenharia, do cálculo, da construção. Notamos no traço de Lina uma
semelhança com o de Enrico Bo, o apreço ao detalhe e a mesma paleta
cromática. O desenho era mais do que exercício lúdico que a vinculava a seu
pai: era uma maneira de, também introduzi-la no universo construtivo e
intelectual do século XIX, ao campo do protomodernismo, da tradição
pictórica italiana. Crescer desenhando junto a Enrico Bo, artista amador e
surrealista lhe conferia uma forte base artística da geração de seu pai, e mais:
a aquisição dessa habilidade no seio da família seria evidenciada
posteriormente por meio da aparente naturalidade com que Lina recordaria
suas escolhas profissionais, aparentemente conflitantes - Belas-Artes ou
Arquitetura, modernismo ou academicismo.

Esses levantamentos sobre o comportamento de Lina direcionado à apreciação


e envolvimento com as artes já na infância, bem como essa postura do seu pai de
inseri-la num universo intelectual desde cedo, evocam um certo distanciamento do

34
seu papel de gênero desde muito nova. Atividades que poderiam ter se dado de modo
mais lúdico, e que na prática, se não embasou, pode ter dado segurança para
determinados comportamentos e posicionamentos de Lina em suas escolhas
posteriores, em sua vida adulta como architetto.

Foi por conselho de seu pai que Lina frequentou o Liceu Artístico, onde teve
uma iniciação formal ao universo das artes e da arquitetura. Ao concluí-lo, decidiu
estudar arquitetura na Università degli Studi di Roma, em contraposição ao desejo de
sua família que esperava que a escolha da primogênita fosse pelas Belas-Artes.
Rubino (2014, p. 44-45) especula mais uma vez sobre esse ato de desobediência como
sendo também um fluxo natural para alguém que recebeu a educação de Lina para
aquele tempo, considerando seu processo de formação como architetto iniciado já
na infância.

A escolha

Lina estudou arquitetura em Roma. Segundo Cabral (2003, p. 10), a escola


Romana resulta de um debate iniciado já no final do século XIX com o surgimento
das escolas politécnicas. Com a implantação dessas escolas, há a formação dos
arquitetos civis em “oposição” aos arquitetos diplomados em Desenho Arquitetônico
nas Belas-Artes, que passaram a não poder exercer legalmente a profissão. Há
também a discussão acerca da possibilidade de engenheiros civis atuarem como
arquitetos, surgindo aí a necessidade da implementação de uma Escola Superior de
Arquitetura, centralizando a formação do arquiteto.

No começo do século XX as discussões passaram a girar em torno da


necessidade da formação de um novo profissional arquiteto que não fosse apenas
artista, mas que dominasse as dimensões técnicas capazes de sanar os problemas
da modernização das cidades italianas. Ainda segundo Cabral (2003, p. 10), é nesse
contexto que surge a Escola Superior de Arquitetura de Roma, propondo a formação
de um arquiteto-artista habilitado para intervir nas cidades, se adequando às
condições de vida e de produção modernas, com uma ampla bagagem humanística e

35
técnica. Essa formação romana está, assim, diretamente ligada ao conceito de
arquiteto integral, sobre o qual Ricardo Anelli (1998) evidencia:

Superando décadas de ensino dividido entre escolas politécnicas, que


formavam “arquitetos-civis”, e academias de belas artes, que formavam
“professores de desenho arquitetônico”, a Escola Superior de Arquitetura de
Roma, inaugurada em 1920, tinha como objetivo a formação de um arquiteto
que fosse capaz de intervir com competência técnica e artística nas
transformações pelas quais deveriam passar as velhas cidades italianas.
Ainda que a formulação do “arquiteto integral” apresentada por Gustavo
Giovannoni em 1916 tivesse alguns pontos em comum com as da Bauhaus de
Gropius, estavam ausentes da primeira qualquer interesse vanguardista. O
arquiteto integral italiano seria o agente de uma modernização pragmática,
fiel à tradição clássica e dentro das normas tratadistas.

A Cidade Universitária de Roma foi projetada em 1932 a pedido de Mussolini e


era um dos símbolos edificados do regime fascista. Lina atesta em seu Curriculum
Literário (BARDI, 2018, p. 9) a tendência da faculdade, com seus reitores Gustavo
Giovannoni e Marcello Piacentini, que tinha as disciplinas histórico-arquitetônicas
como as mais importantes do curso e sobre como o “fato do Roma ser um dos centros
da cultura clássica, fazia com que os alunos aplicassem a maior parte do tempo de
seu estudo à observação dos monumentos antigos”. Este seria um dos motivos que
levaria a arquiteta à Milão, logo após sua formatura. Rubino (2002, p. 45-46) destaca
o papel de Piacentini como arquiteto oficial do fascismo que adotava uma política de
não negar as tendências modernas, mas seguir apoiando as vertentes mais
tradicionalistas, e dessa forma se molda o curso de arquitetura na Universidade de
Roma no qual Lina Bo Bardi se formou.

É importante lembrar que no período anterior à Segunda Guerra e consequente


aliança com a Alemanha nazista, o fascismo era interpretado por muitos como um
campo político e ideológico próximo ao socialismo, engajando o apoio de muitos
intelectuais da época, que com o tempo acabaram por se tornar oposição. É o caso
de Giuseppe Pagano, que começou como fascista e acabou morto em um campo de
concentração em 1945 por se opor ao regime. Não diferente para Lina, que se
interessa ainda na faculdade por uma vertente moderna comprometida com o
fascismo, mas se organiza politicamente contra o regime nos anos posteriores
(RUBINO, 2002 p. 46-47).

36
A Itália fascista, como o Brasil do Estado Novo não constituíam exceções. A
virada do século lançou disputas estilísticas por quase toda a Europa (...) e a
revolução simbólica que ocorria no campo de tudo que dizia respeito à
visibilidade e espacialidade, especialmente com as chamadas vanguardas
modernas, estabelecia seus pares de oposição e disputa taxonômica:
moderno ou culturalista, passagem ou permanência, ornamento ou limpeza
etc. (RUBINO, 2002, p. 39)

Foi nesse contexto que a jovem aspirante a architetto – profissão sem flexão
de gênero ainda hoje na Itália – ingressou e concluiu sua formação. Um campo de
disputas político, ideológico, mas também de gênero, no qual a arquiteta se firmou
como mulher e como moderna, sem saber que sua trajetória estaria sempre em meio
a campos de disputas.

FUGI DAS ANTIGAS RUÍNAS RECUPERADAS


PELOS FASCISTAS
Figura 3: Ilustração e artigo de Lina e Pagani para
revista Gazia, 1941 Lina se forma em Roma em 1939 e
logo em seguida parte para Milão. Neste
mesmo ano tem início a Segunda Guerra
Mundial, e aquele passa a ser um
momento difícil para quem almejava
edificar. Relata em seu Curriculum
Literário que fugiu das antigas ruínas
recuperadas pelos fascistas, se referindo
a Roma em contraposição a Milão. Lá,
passou a trabalhar com Gió Ponti para
adquirir experiência, arquiteto que se
definia como “o último dos Humanistas”
e que era líder do movimento pela
valorização do artesanato italiano.
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

37
O contexto de Guerra tornava problemático o ofício de arquiteto, em virtude
dos bombardeios aéreos, e como alternativa à atuação direta no campo projetual e
construtivo da arquitetura, Lina passou a fazer ilustrações e escrever para revistas e
jornais milaneses importantes, entre eles Lo Stile (fundada por Gió Ponti), Tempo,
Grazia e Vetrina.

Ao se deslocar para Milão, Lina se distancia da Figura 4: Quaderni di Domus,


editada por Lina e Pagani,
atmosfera acadêmica regida por Gustavo Giovannoni e 1945-1946
Marcello Piacentini na Universidade de Roma, entrando em
contato com posturas renovadoras. Segundo Eduardo
Rossetti (2002, p. 23), ao trabalhar com Gió Ponti, Lina entra
em contato de modo mais aprofundado com as questões
do desenho industrial e da cultura popular. Com ele, Lina
trabalhou em diversas áreas, mas principalmente nas
revistas que ele editava. De acordo com Rubino (2002, p.
54) na revista Stile, escrevia também Pietro Maria Bardi e
havia uma série de capas e ilustrações que ela fazia a
várias mãos, tanto com Gió Ponti, Carlo Pagani, como
também com seu pai, Enrico Bo. Há algumas ilustrações
assinadas por “Gienlica”, se referindo a Gió Ponti, Enrico
Bo, Lina Bo e Carlo Pagani.

A atuação de Lina no campo editorial se intensificou


ao ponto de, em 1944, ser chamada por Giò Ponti para a
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.),
co-direção da revista Domus, onde escrevia sobre o 2018

panorama da arquitetura moderna na Itália. Desta revista derivou a série Quaderni di


Domus, com a qual também colaborou, como relata Silvana Rubino (2002, p. 55).

É importante destacar nesse período como desde a sua formatura, em 1939,


Lina ficou impossibilitada de trabalhar com arquitetura tal como se espera:
projetando e construindo; mas que isso não a impossibilitou de atuar dentro de sua

38
área se utilizando de outras linguagens, talvez as únicas possíveis para a época: a
escrita e os ilustrações.

Desta época, Rubino analisa dois desenhos de Lina destacando possíveis


sentimentos e perspectivas da arquiteta sobre a cidade a sua frente naqueles anos.

São desses anos dois desenhos pessoais de Lina. Em Camera dell'architetto,


recriou um repertório de monumentos da história da arquitetura sobre uma
mesa e uma cadeira antigas. Através da porta entreaberta de um armário
podemos ver o Coliseu, as pirâmides egípcias, a Torre de Pisa. Em um
aparador, uma casa corbuseana com uma torre de igreja do período anterior
ao fundo. No outro, uma vista do Hotel príncipe de Savoia nos indica que
talvez ela ainda residisse lá. Da janela a jovem architetto via um trecho da
Milão urbana e industrial, ao mesmo tempo tradicional, com uma piazzetta
defronte de um pequeno edifício eclético, e pessoas nas ruas. Desenhos mais
próximos de uma visão culturalista à la Camillo Sitte do que da moderna que
desafiou Piacentini. Ou que talvez exprimissem as ambiguidades exterior -
interior, suas referências no armário e a cidade na qual haveria de intervir,
pensar. (RUBINO, p. 55-56)

Figura 5: Camera dell’architetto Figura 6: Vista do Hotel Príncipe de Savoia, 1943

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

A essa altura Lina já havia passado por muita coisa. Já havia se organizado
politicamente junto ao Partido comunista e se reunido com outros arquitetos
milaneses, também na clandestinidade, para estudar os fundamentos de uma nova
organização sindical e profissional3. Se apresentava como uma arquiteta de fato

3
BARDI, Curriculum Literário, p. 10-11.

39
amadurecida, tanto pelo contexto, quanto pelas influências dos trabalhos que
desenvolveu junto a nomes ilustres da arquitetura da época.

Imediato pós-guerra

Em 1945 a Guerra acaba e Lina expressa a sua esperança em intervir no espaço,


em um novo mundo pela frente, e fala sobre a felicidade que a esquerda e centro-
esquerda sentia naquele momento de comemoração4. Sobre os dias que se seguiram,
relata:
Figura 7: Milão, 1945. Lina atuando como repórter em zonas tocadas pela
guerra

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

Poucos dias após o armistício, junto a um repórter e um fotógrafo, realizei


uma reportagem nas zonas tocadas pela guerra. Viajei recolhendo dados em
toda a Itália. Sentíamos que era preciso fazer alguma coisa para tirar a
arquitetura do pântano. Começamos a pensar, então, sobre uma revista ou
um jornal que estivesse ao alcance de todos e que pautasse sobre os erros
típicos dos italianos... Levar o problema da arquitetura ao viver de cada um,
de modo que cada um pudesse chegar a se dar conta da casa na qual deveria
viver, da fábrica onde deveria trabalhar, das ruas onde deveria caminhar.
(BARDI apud FERRAZ, 2018, p. 11)

4
Ibid., p. 11.

40
Dessa necessidade surge a revista A,
Figura 8: Revista Stile, Capa de Lina e Pagani,
1941 cultura della vita. Junto com Bruno Zevi e Carlo
Pagani, a arquiteta, buscando desenvolver uma
atividade crítica e questionadora, objetiva
ampliar o alcance dos problemas de arquitetura
para o cotidiano dos não-arquitetos, fazendo-os
conhecer os problemas que enfrentavam com a
reconstrução das cidades, tornando-os parte da
solução, ou do ato de pensar e questionar
soluções. A revista abordava “as cidades, as
condições de habitabilidade e apresentava
alternativas e soluções para os problemas
cotidianos do habitar” (ROSSETTI, 2002, p. 24).

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 Publicada quinzenalmente pela Domus


Editoriali, a revista A se apresentava como uma
Figura 9: Capa de A-cultura della vita, 1946
ruptura visual nos modos de publicar até então
vigentes. Representava uma ruptura gráfica e se
expressava por meio disso, apontando um novo
porvir:

mostrava a Itália desigual e destroçada do pós-guerra, com


ilustrações, a maioria em branco-e-preto, que
comungavam a visualidade característica do neo-realismo
italiano desses anos. Ao mesmo tempo, o periódico
manifestava uma sedução pela possibilidade de uma vida
cotidiana moderna, identificada com aspectos do American
way of life, expresso especialmente em objetos cotidianos
como eletrodomésticos. (RUBINO, 2002, p. 58)

A revista começou a circular apenas em


1946, ano em que também encerrou suas
atividades. Nesse mesmo ano a Democracia
Cristã toma o poder na Itália e os sonhos de uma
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 Itália reconstruída caem por terra junto com a

41
ascensão de figuras políticas de passados governos que acreditavam terem sido
derrotadas.

Em agosto de 1946, poucos meses após o fim da revista A, Lina casa-se com
Pietro Maria Bardi, por quem afirmava ter uma admiração desde o tempo do Liceu de
Artes, devido a sua atuação no campo das artes e da cultura, e com quem já havia
Figura 10: Fac-símile, A-cultura della vita trabalhado no meio editorial. Pouco
tempo depois de casados, os dois
embarcam em direção ao Brasil.
Carregavam na bagagem o desejo de
recomeçar a vida longe de antigos
fantasmas, em direção a uma nação
próspera onde ainda era possível
sonhar (PEREIRA, 2014, p. 89-90).

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

UM HORIZONTE INFINITO, AZUL, BONITO...

Lina Bo Bardi chegou ao Brasil em 1946.


Figura 11: Pietro e Lina a bordo do navio
Saiu da Itália pós-guerra, junto com Pietro Almirante Jaceguay, 1946

Maria Bardi, seu então esposo, para conhecer


o país sem ruínas. O casal trazia na bagagem
uma coleção de quadros que em pouco tempo
foi exposta no edifício do Ministério da
Educação, edifício este citado por Lina em
várias ocasiões como o marco das boas-vindas
quando primeiro apontaram na capital
brasileira.

Silvana Rubino (2002, p. 70-75) discorre


Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
sobre a chegada do casal ao Brasil e detalha a
rede de contatos e influências, levantando a possibilidade de que essa emigração

42
tenha acontecido de forma bem articulada previamente, e não como um rompante
aventureiro de um casal em busca de experiências em um país no Novo Mundo. Relata
uma recordação do próprio Bardi citando um bom relacionamento com o Embaixador
brasileiro Pedro de Moraes Barros, que o assegurou certas facilidades que acabaram
por convencê-lo a tentar uma viagem ao Rio de Janeiro, e destaca a recepção de Lina
e Pietro pelo jornalista Mário da Silva Brito, brasileiro que havia sido redator e
colaborado com revistas italianas como Lavoro Fascista e Quadrante, e que Bardi
havia conhecido em Berlim por volta de 1930.

“Brito já havia feito contato com Bardi, a respeito de um jornalista excêntrico


que tinha planos de montar uma galeria em um edifício em fase final de construção
em São Paulo” (RUBINO, 2001, p. 74), e foi também com a ajuda dele que o casal
conseguiu o salão nobre do edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública para
expor o acervo de obras de arte que trouxeram consigo. Ter acesso a um espaço nesse
nível para expor alimenta o argumento sobre uma rede muito bem relacionada e
influente que compunha o círculo do casal, sendo também uma garantia de
visibilidade e prestígio, estando locados em um ambiente extremamente bem
frequentado para quem almejava fazer contatos no campo cultural.

Além de expor no edifício do MEC, o Figura 12: Encantada com a vida da cidade,
Lina retrata o Largo Getúlio Vargas, RJ, 1946
casal seguiu com uma série de exposições
no Rio de Janeiro visando atingir um maior
público, chegando a expor no Hotel
Copacabana Palace, o que evidenciava uma
habilidade em montar exposições naquele
país ainda sem museus modernos (RUBINO,
2002, p. 74).

É desse período o primeiro texto de


Lina publicado em português, na revista Rio,
em fevereiro de 1947. Nele, Lina aborda os
reais valores de uma casa modesta, feita
Fonte: ILBPMB

43
para servir ao homem, e como a violência da guerra pode ter ensinado àqueles
europeus o que verdadeiramente importa ao lar nesse momento de reconstrução.

Rubino (2002, p. 74-76) levanta a possibilidade de que, embora encantados pelo


Rio de Janeiro, o casal percebia as possibilidades de se estabeleceram ali, no campo
da arquitetura, um tanto problemáticas. O grupo carioca, que teve início ao redor de
Lúcio Costa ainda na década de 30, se apresentava de modo muito consolidado e
coeso, e embora Lina não se opusesse à vanguarda já consagrada, não era jovem o
suficiente para se integrar como uma aprendiz, e ainda por cima era uma mulher
estrangeira, uma outsider. Além disso, o fato de o campo da arquitetura no Rio de
Janeiro estar mais vinculado ao estado e à política cultural oficial, dificultava a
inserção do casal. Em contrapartida, em São Paulo a arquitetura estava mais
vinculada a escritórios e à especulação, o que preconizava uma melhor recepção.

Figura 13: Croqui para Figura 14: Perspectiva elaborada por Lina da Sala Figura 15: Capa para a
suporte dos expositores de exposições do MASP da Rua 7 de Abril 1º edição da revista
do MASP Habitat

Fonte: ILBPMB Fonte: FERRAZ,


Fonte: FERRAZ, Marcelo
Marcelo (Org.), 2018
(Org.), 2018

O jornalista excêntrico citado por Mário Brito antes da chegada do casal ao


Brasil, era Assis Chateaubriand, um magnata das comunicações que tinha em São
Paulo a certeza do dinheiro proveniente do café. Em parceria com Pietro Maria Bardi,
rumam em direção a capital paulista a fim de abrir uma nova galeria de arte que seria
financiada pela burguesia da época. Ali, Bardi se estabeleceria como um grande
promotor cultural, e Lina, na posição de sua esposa, junto ao capital social conferido
pela proximidade de Chateaubriand e com um campo da arquitetura mais amigável,

44
composto por uma série de arquitetos italianos ou de formação italiana com carreiras
já estabelecidas na cidade, teria espaço para se estabelecer profissionalmente.

Em 1947, um ano após a chegada do casal no Brasil, é inaugurado o MASP,


Museu de Arte de São Paulo, na rua 7 de abril. Pietro como diretor e Lina como a
responsável por conferir a dimensão espacial do museu, incluindo o projeto
museográfico. É pelo MASP que o casal Bardi lança, em 1950, a revista Habitat, e
começa, assim, a ensaiar suas primeiras alianças nos campos da cultura e da
arquitetura no Brasil (RUBINO, 2002, p. 79).

Foi também o espaço para um certo "abrasileiramento" do casal que se


naturalizou em 1951, diante das acusações de que um importante museu
estaria entregue a estrangeiros. A publicação refletia o ponto de vista dos
Bardi nos campos da arquitetura, urbanismo, museologia, artes plásticas, ou
seja, no largo espectro no qual a ação civilizadora abrangente do MASP
pretendia atuar. Alguns dos princípios da revista eram: combater o
academicismo, promover o modernismo, influenciar a produção industrial e
visual. Os textos eram expostos em uma diagramação moderna e em uma
escrita que ia do acadêmico ao jornalístico, passando e se detendo
frequentemente no tom arrogante, agressivo e jocoso. Os Bardi assinavam
uma coluna sob o pseudônimo "Alencastro", que sempre vinha acompanhada
por um desenho de Lina mostrando dois olhos - segundo Tentori, eram os
olhos de Bardi. Também assinavam como o urbanista, Seraphim, o jornalista
e outros nomes fictícios, prática já adotada pelos editores do periódico A, de
Milão. (RUBINO, 2002, p. 79-80)

Logo após a fundação do MASP, em 1948, o casal Bardi criou um estúdio


dedicado ao desenho industrial, junto a Giancarlo Palanti, chamado Studio de Arte
Palma, que tinha como finalidade a produção de um novo mobiliário. Em 1951, dentro
do que Silvana Rubino (2002, p. 83) declara como “ação civilizadora do MASP”, o casal
funda o Instituto de Arte Contemporânea, que objetivava a preparação de
profissionais para atuar na até então emergente indústria nacional. A revista Habitat
era também um meio de divulgação das atividades e ideias compartilhadas por essas
instituições o que, para Fabiana Stuchi (2007, p. 1), indicava sua fundação como parte
de um ambicioso projeto de ação no campo cultural idealizado por Lina e Pietro.
Stuchi (2007, p. 12) destaca ainda que os primeiros anos do casal Bardi no Brasil, por
meio dessas instituições, representava um comprometimento com um projeto de
modernidade que havia sido idealizado ainda na Itália.

45
Lina Bo Bardi era uma das diretoras da revista e também a responsável pelas
questões gráficas, depositando no desenvolvimento da Habitat a experiência
acumulada na Itália no período em que viveu em Milão depois de formada,
trabalhando para grandes periódicos (STUCHI, 2007, p. 8). A Habitat foi uma espécie
de vitrine onde o casal podia divulgar as atividades culturais que desenvolviam na
cidade de São Paulo naquele momento. Ao discutir arte, arquitetura, desenho
industrial e cotidiano, Lina moldava seu lugar na sociedade e no campo da
arquitetura.

A arquiteta seguia utilizando com sabedoria a ferramenta que tinha em suas


mãos, mas além de escrever, Lina agora podia construir e teve sua primeira obra
realizada ainda em São Paulo, em 1950. A casa em que moraria com Pietro foi
construída no bairro do Morumbi, num dos pontos mais altos do novo loteamento.
Ao construir a Casa de Vidro, Lina se utiliza da Habitat para questionar as
regulamentações urbanísticas de uma cidade que detinha uns dos melhores
arquitetos do mundo, lembrando que para uma arquitetura boa são feitas cinco ruins,
e que isso deveria ser evitado ao máximo.

A Habitat nº 15, de 1951, clamava por uma regra urbanística para proteger a
área do mau gosto, no momento em que Lina, Warchavchik e Osvaldo Bratke
faziam projetos no novo loteamento. No “mais bonito bairro de São Paulo”
não se deveria permitir um destino como o dos bairros paulistanos
conhecidos como “jardins” – por serem um bairro-jardim inspirados nas
garden-citties inglesas – conhecidos, afirmava o texto, por seu dinheiro e por
seu mau gosto (RUBINO, 2002, p. 78)

Lina Bo Bardi chegou ao Brasil em 1946 e em poucos anos já tinha um currículo


extenso de atividades. Em 1955 deixou a Habitat e passou a lecionar como professora
substituta na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, até 1956. Um
ano depois tenta o concurso para professor permanente, quando elabora sua tese
Contribuição Propedêutica ao ensino de Teoria da Arquitetura, mas é impossibilitada
de seguir na disputa, segundo a versão oficial, por questões burocráticas relativas à
falta de documentação que comprovasse sua formação como arquiteta, visto que seu
escritório em Milão, onde guardava tais documentos, havia sido bombardeado
durante a Guerra (RUBINO, 2002, p. 88-89). A versão que Lina conta em entrevista à

46
Olívia de Oliveira5 é mais polêmica. A Figura 16: Lina em cadeira desenhada pelo
Studio Palma: “nós viramos São Paulo inteiro
arquiteta acredita que teve sua candidatura e não achamos ninguém que tivesse uma
cadeira moderna. Fomos obrigados a
barrada por ser “de esquerda, muito desenhá-la”
briguenta, e os professores daqueles anos
eram de engenharia; eram ótimos
professores, mas... Era uma tragédia.” (LINA
apud OLIVEIRA, 2002, p. 250). Segue contando
a história de que entrou com um mandado de
segurança, que a ordem para que a
inscrevessem chegou por um oficial de justiça
do Rio de Janeiro no último dia da inscrição,
quando então a FAUUSP tomou como medida
cancelar o concurso, mas contrataram “o
Eduardo Corona [...] Ele era contratado e
nunca fez concurso! Bonito, não? Divertido. Eu Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
dei tanta risada e disse: ‘Eu vou embora de Figura 17: Baile de carnaval do IAB, 1948
São Paulo!’, e resolvi ir imediatamente para
Salvador”.

Após uma temporada de pouco mais de


dez anos em São Paulo cunhando um projeto
cultural para um país em desenvolvimento
que se dava pela intensa exploração de
diversas linguagens artísticas, fosse na
arquitetura, na escrita, no design de móveis,
roupas e joias, ou na museografia, Lina parte
para Salvador.

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

5
Ver Entrevista com Lina Bo Bardi. In OLIVEIRA, Olívia de. Lina Bo Bardi Obra Construída. P. 230-255.

47
AÍ EU VI A LIBERDADE

Lina Bo Bardi ruma em direção a Salvador em abril de 1958 a convite do


professor Mendonça Filho, na época diretor da Escola de Belas Artes da Universidade
da Bahia, para proferir duas palestras, retornando depois de um tempo, em agosto
do mesmo ano, a convite do mesmo diretor para que colaborasse por um período de
três meses com o professor Diógenes Rebouças na disciplina de Teoria e Filosofia da
Arquitetura, do Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes da Universidade da
Bahia (PEREIRA, 2008, p. 67-68).

De acordo com Silvana Rubino (2002, p. 88-89), as relações de Lina com a Bahia
já vinham sendo traçadas desde o MASP e da revista Habitat. Para ela, ficam claras
as redes de conexões que se firmavam e como parte da agenda da vanguarda da
Bahia daqueles anos de 1950 eram não só divulgadas na revista, mas também parte
das atividades do museu. Mário Cravo, artista plástico baiano, não apenas teve suas
esculturas retratadas na Habitat, como também expôs no MASP, quando ainda locado
na Rua 7 de Abril, em 1950. Houve nota elogiosa assinada por Alencastro (pseudônimo
utilizado pelo casal Bardi em suas publicações na revista) sobre livro lançado por
José Valadares, diretor do Museu Histórico da Bahia, publicação de ilustrações de
Caribé, entre outras manifestações, na revista e no museu. A relação com Pernambuco
também começou a ser construída quando, ainda em 1949, Lina monta uma exposição
sobre o artesanato feito naquele estado.

O trabalho que desenvolvia, ainda em São Paulo, sobre as manifestações


populares de seu país de escolha, e as redes de relações criadas com a vanguarda
que estava a atuar na Bahia naqueles anos de 1950, bem como a estreita relação com
Assis Chateaubriand podem ser elementos que culminaram no convite da
administração estadual, na pessoa de Juracy Magalhães, para ajudar a criar o Museu
de Arte Moderna da Bahia.

O projeto de ação cultural do MAMB tinha um cunho didático muito forte, assim
como o MASP, e é impossível dissociar a experiência de Lina com o museu da Rua 7

48
de abril, da sua atuação no Museu de Arte Figura 18: Exposição de Mário Cravo Júnior no
MASP, 1950
Moderna da Bahia. Para Juliano Pereira
(2008, p. 112), “é possível notar a
continuidade de uma experiência
pedagógica que se inicia no MASP e se
prolonga até o MAMB”.

Assim como no MASP, o projeto de


ação cultural que Lina tinha para a Bahia,
mais precisamente Salvador, também não
se limitava à estrutura do museu, nem ela
o construiria sozinha. Ainda em setembro
de 1958, um mês após iniciadas suas Fonte: MASP
atividades como docente na Universidade
da Bahia, Lina Bo Bardi é convidada por Figura 19: Fac-símile, Habitat. Artigo sobre ex-votos
Odorico Tavares para dirigir a página Fonte: MASP

dominical Crônicas de Arte, de História, de


Costume, de Cultura da Vida no Jornal
Diário de Notícias de Salvador. A página
contava com artigos de Lina, mas também
de outros representantes da vanguarda
artística da época, como o maestro
Koellreutter, o escultor Mário Cravo, o
professor da Escola de Teatro da Bahia
Martim Gonçalves e o cenógrafo Gianni
Ratto. Esta página dominical dirigida e
editada por Lina Bo Bardi foi também um
ponto de encontro e aproximação da
arquiteta com a os artistas
comprometidos com a produção cultural
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
da cidade e ainda que cada um se

49
expressasse artisticamente de formas diferentes, seja pela música, pelas artes
plásticas, cênicas ou pela arquitetura, todos defendiam um ponto em comum: “a
importância de se considerar as bases populares tradicionais para a constituição de
uma sociedade legítima do ponto de vista artístico e cultural” (PEREIRA, 2008, p. 69-
70).

Sobre a atuação de Lina no periódico baiano, Juliano Pereira afirma:

Não foi esta a primeira vez que Lina Bo Bardi se ocupou, em um periódico
sob sua responsabilidade, da crítica de costumes ou dos hábitos de uma
sociedade. (...) Este tipo de crítica, tão comum em jornais e revistas, que se
realiza na maioria das vezes em tom de fofocas em colunas sociais, para Lina
Bo Bardi terá uma outra intenção, que será a de avaliar entre as pessoas de
uma comunidade, digamos, a sua cultura social. Se Lina discute o que pode
ser a arquitetura, as artes e a cultura moderna, também se interessará por
saber como vivem as pessoas diante dessas situações, desses contextos,
extrapolando um discurso que poderia se limitar apenas aos primeiros
elementos citados (PEREIRA, 2008, p. 81).

A página dominical que ficou Figura 20: Fac-símile da Página dominical do Jornal
Diário de Notícias de Salvador, editado por Lina
sob sua responsabilidade foi uma
ferramenta utilizada por Lina para se
inserir na sociedade e levantar
questões importantes para o
desenvolvimento da cidade de
Salvador, se não do Nordeste. O
convite feito por Odorico Tavares
tinha um claro objetivo de promover
uma ação a favor da instalação de
um Museu de Arte na cidade, tendo
Lina Bo Bardi como porta-voz desta
medida modernizadora, mas Lina
sempre se colocou de modo
independente e se utilizou desse
recurso da escrita, das publicações
em periódicos que alcançam grandes
parcelas da sociedade, para conectar Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

50
as massas a discussões mais aprofundadas, compondo uma experiência pedagógica,
como deixa claro em artigo publicado no Diário de Notícias de Salvador 6:

Por que então a imprensa não se ocupa, com mais assiduidade, dos
problemas de arquitetura, da arte, de todas as artes? Não é a construção de
um Mercado, um Teatro, uma Escola, um acontecimento público de interesse
geral imediato? Um projeto de arquitetura divulgado em tempo útil nos seus
detalhes técnicos, plantas cortes poderia provocar discussões e polêmicas
construtivas e muitos danos poderiam ser evitados. Poder-se-ia objetar que
falta no público a consciência crítica e a capacidade de julgamento, mas esta
consciência crítica necessita ser criada e alimentada, e enquanto os
problemas de cultura forem relegados à terceira página e aos suplementos
especiais e não entrosados no noticiário cotidiano, de público interesse, a
maioria dos leitores continuará ignorando estes problemas. A civilização
moderna ainda não utilizou este meio poderoso, a propaganda, para os fins
desinteressados da cultura, em favor das grandes questões culturais: a
construção de um edifício de uso coletivo, as grandes exposições de artes
plásticas, os congressos, os espetáculos continuam sendo monopólio dos
poucos eleitos e a massa está excluída e continua na ignorância a respeito
da arte. (BARDI apud RUBINO, GRINOVER, 2009, p. 93-94)

Lina Bo Bardi dirigiu essa página


Figura 21: Perspectiva da Antiga Capela
dominical no Diário de Notícias por apenas dois do Solar do Unhão que passou a Aula
Magna da Escola de Desenho Industrial
meses, lançando nove volumes. A exemplo do
que foi feito com a Habitat para o MASP, Lina
pretendia lançar um periódico de baixo custo
que apresentasse elevada qualidade editorial,
mas que não chegou a ser lançado. “O periódico
[...] dedicaria-se, segundo sua idealizadora, a
pensar os hábitos da sociedade de Salvador – BA.
Se dedicaria a sociologia, política, filosofia,
economia, literatura, poesia, teatro, cinema,
música, artes plásticas e assuntos gerais”
(PEREIRA, 2008, p. 26). Lina não conseguiu lançar
a revista B – Brasiliana, Arte e Natura, mas usou
com sabedoria o espaço obtido no Diário de Fonte: ILBPMB

6
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida. Arquitetura, Pintura. Escultura.
Música. Ares Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias (Salvador – BA), n. 3, 21 set, 1958.

51
Notícias de Salvador na busca da ampliação do debate cultural na cidade, apontando
principalmente para a criação de instituições culturais renovadas.

Lina Bo Bardi dedicará artigos à discussão sobre instituições, como escola e


o museu. Para estes, Lina defenderá não apenas a necessidade de uma
melhoria quantitativa, mas, sobretudo, qualitativa. Apontará, principalmente
para a instituição museu, novas diretrizes de atuação, indicando a
necessidade do desenvolvimento, paralelamente ao seu papel de
conservação da arte e da cultura, de um caráter vivo, ligado a uma atividade
de divulgação e de educação para a sociedade, configurando-se como um
veículo para se atingir as massas urbanas. (PEREIRA, 2008, p. 111)

O Museu de Arte Moderna da Bahia foi inaugurado pouco mais de um ano após
a sua última publicação de Crônicas, e para endossar o seu projeto de conectar o
museu ao maior número de pessoas possível, especialmente às camadas populares,
Lina faz uso da relação de proximidade que tinha com Odorico Tavares, diretor do
Diário de Notícias, e mantém publicações constantes na mídia impressa defendendo
e divulgando as atividades do Museu de Arte Moderna da Bahia. A palavra escrita é
mais uma vez uma grande aliada de Lina Bo Bardi, como seria sempre. Ela não é um
registro puro e simples, mas parte imprescindível do projeto cultural sempre em
desenvolvimento.

A ação de aproximação do museu às massas não se limitava a exposições


didáticas na pinacoteca, mas contava também com uma série de atividades dinâmicas
como cursos ligados ao teatro, à música, às artes plásticas, entre outros, que só foram
possíveis graças à aproximação do Museu à Universidade da Bahia. Essa integração
entre as duas instituições se afirmava principalmente pelo trabalho junto à Escola de
Teatro, que tinha como diretor Martim Gonçalves, considerado a maior parceria de
trabalho de Lina Bo Bardi na Bahia.

Além dele, outras parcerias importantes foram traçadas com artistas e


intelectuais nordestinos, a exemplo de Francisco Brennand, que nessa época ocupava
o cargo de Chefe da Casal Civil do governo de Miguel Arraes em Pernambuco, e Lívio
Xavier, que trabalhava no Museu da Universidade do Ceará. A relação de Lina com
artistas e intelectuais da esquerda que “experimentavam frequentando o exótico em
sua própria terra, presente nas ruas do Pelourinho, nas feiras de São Joaquim e Água

52
de Meninos” começa a realizar um Figura 22: Promenade au Soir, Van Gogh, exposição no
MAMB
afastamento gradativo do seu
papel de civilizadora,
emblematizado pelo MASP, e leva
a arquiteta a acreditar e pensar
em um projeto original para o
Nordeste (RUBINO, 2002, p. 94).

Após o restauro do Solar do


Unhão, se inicia o
desenvolvimento do Museu de
Arte Popular (MAP), também neste
espaço. O MAP visava o registro e
a valorização do pré-artesanato
primitivo como base para um
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
desenho industrial genuinamente
brasileiro, visto a “fartura cultural ao alcance das mãos”, de “uma riqueza
antropológica única” (BARDI apud Risério, 1995, p. 119). A arquiteta não considera os
objetos produzidos no Nordeste nem como arte, nem como artesanato, e sim como
fatos populares, uma produção decorrente da miséria da população, suportes para
uma vida que acontece em condições adversas. Para Lina, o MAP era também uma
ação que poderia garantir o aproveitamento desse modo de fazer popular, e não o
seu apagamento diante de um processo inevitável de evolução tecnológica e
industrialização, sendo as ações do Museu de Arte Popular pensadas para
“estabelecer uma ligação entre modernização da sociedade e a sua identidade
cultural” (PEREIRA, 2008, p. 196).

É nesta sua primeira passagem por Salvador, principalmente frente a sua


atuação no Museu de Arte Popular, que Lina Bo Bardi amadureceria um conjunto de
conceitos influenciados diretamente pelas leituras de Gramsci, como, por exemplo,
as ideias de povo, de popular, de folclore e de artesanato, como afirma Juliano Pereira
(2008, p. 192).

53
Figura 23: Exposição Nordeste, Museu de Arte Popular, Salvador-Bahia, 1963

Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

Naqueles anos, a cidade de Figura 24: Filmagem de Deus e o Diabo na terra do sol,
de Glauber Rocha
Salvador se viu sendo o berço de
duas instituições museológicas de
caráter revolucionário para a época,
com direção da arquiteta
transgressora e estrangeira Lina Bo
Bardi que havia se identificado com
a vanguarda baiana e os
movimentos estudantis.
Infelizmente, esses anos que foram
de efervescência cultural também
acabaram sendo anos de tensões
políticas conservadoras que
culminaram no Golpe Militar de
1964. Os museus subversivos de Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

54
Lina Bo Bardi acabaram sendo alvos da repressão e a arquiteta teve que se retirar da
cidade de Salvador, retornando a São Paulo no mesmo ano do golpe.

Foram anos de efervescência com polo na cidade de Salvador emblematizados


pelo Museu de Arte Moderna da Bahia. Anos de um forte influxo de informações
internacionais principalmente vindas de uma vanguarda europeia, e de uma ação
contundente da Universidade da Bahia, indo do reitor Edgar Santos aos grupos
estudantis em atividade. A vanguarda que atuou na Salvador daqueles anos, a qual
pertencia Lina Bo Bardi, movimentou o cenário cultural e estético da região, sendo
por eles também movimentados, modificados, transformados, amadurecidos. Essa
movimentação foi interrompida, mas Lina seguiu defendendo as bases populares de
uma cultura genuinamente brasileira até os seus últimos dias.

AQUELES QUE DEVERIAM TER SIDO ANOS DE SOL

De volta a São Paulo, Lina dá seguimento ao projeto do MASP da avenida paulista e


tenta articular, ainda em novembro de 1964, a Exposição Nordeste em Roma, a mesma
que inaugurara o MAP, mas a mostra é inviabilizada pelo governo brasileiro, rendendo
uma publicação de Bruno Zevi tanto aqui no Brasil quando na Itália, intitulada A arte
dos pobres apavora os generais, na qual o arquiteto sai em defesa da força de uma
exposição de arte popular, de seu caráter subversivo, que revela a realidade do País
Figura 25: Lina posa em um MASP em construção, ao lado e demonstra sua indignação
do cavalete de vidro projetado por ela para expor as
obras no museu contra governos autoritários.

Em 1968 Lina inaugura o


MASP da Avenida Paulista com a
exposição A mão do povo
brasileiro, a mesma que tentou ir
para Itália, mas com artefatos de
outras regiões do país. Neste
momento há o seu apogeu como
arquiteta, se inscrevendo na
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018

55
história da arquitetura moderna brasileira (RUBINO, 2002, p. 98). Naquele momento
já não era a esposa de Pietro Maria Bardi, mas a arquiteta que inscreveu a liberdade
e o povo – pela arquitetura e pela exposição, respectivamente - no ponto mais
importante da cidade de São Paulo, urbanisticamente, e no museu mais importante
do país, ficando assim conhecida no meio dos arquitetos e não-arquitetos.

É neste mesmo período que retoma também seu trabalho editorial com a
revista Mirante das Artes, publicação em colaboração com Pietro Maria Bardi que
estava para o MASP da Avenida Paulista como a Habitat estava para o MASP da rua 7
de abril. O contexto ditatorial pedia um corpo editorial diferente da antiga revista,
contando com figuras como Roberto Schwarz e Flávio Império, intelectuais
comprometidos com a luta democrática.

Marina Grinover (2010, p. 18) classifica a postura de Lina diante de seu trabalho
editorial em duas fases. Uma primeira, que iria de 1940 até o momento em que
começa a escrever na Mirante das Artes, quando a arquiteta estava diretamente ligada
à direção e curadoria geral das publicações, e um segundo momento, a partir da
Mirante das Artes até a publicação do livro catálogo Lina Bo Bardi, organizado por
Marcelo Ferraz com intensa participação de Lina, quando sua maior preocupação era
encontrar o veículo que melhor abraçasse suas ideias.

Depois desse momento de consagração, Lina Bo Bardi não deixa de lado suas
raízes transgressoras e se envolve na luta pela redemocratização por meio da Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o que acaba
lhe rendendo, devido a uma reunião em sua residência, uma noite na cadeia em 1968.
Após este acontecido, Lina experimenta um discreto autoexílio intermitente na Itália
e cai em um relativo silêncio, que só viria a ser rompido com os ares de
redemocratização por volta dos anos de 1980 (RUBINO, 2002, p. 102-103).

Durante estes anos de silêncio arquitetônico, que marcaram a década de 1970


na trajetória da arquiteta, ironicamente o período de milagre econômico em que
tanto se construía, Lina Bo Bardi abandonou arquiteturas e arquitetos, atuando
bastante junto ao teatro e ao cinema, desenvolvendo figurinos e cenografias.

56
Ainda no final da década de 1970, em 1976, Lina inicia o projeto para o SESC
Pompéia e entra em um processo de reinvenção da sua figura pública.

Glaucia Amaral7 relata que impressionada pela recuperação do Unhão,


procurou o prof. Bardi e Lina, que estava “bem escondida, apagada mesmo
por conta do problema político” e que ela se entusiasmou pelo projeto ao
ver que seu usuário final seria o trabalhador (RUBINO, 2002, p. 104)

Na década de 80, com Figura 26: Montagem de layout de desenhos para publicação na
revista Mirante das Artes – vista do MAMB
o processo de
redemocratização, Lina
retoma a sede de projetar e
em 1984 inicia um projeto
para a sede do Teatro
Oficina, a pedido de José
Celso Martinez Correia,
diretor da companhia de
teatro com quem Lina
estreitou laços durante a
época da ditadura. Em 1986 é Fonte: ILBPMB

convidada a retornar a
Figura 27: Croqui para o Teatro Oficina, 1984
Salvador para desenvolver o
projeto de recuperação do
centro histórico da cidade,
mas também da
recuperação de uma “Era
Edgar Santos”, tempos
dourados da cidade.

Neste mesmo período


Fonte: ILBPMB
projeta as reformas do Museu de

Glaucia Amaral é uma artista e curadora que trabalhava no Sesc em São Paulo, participando
7

do processo de restauro e adaptação da antiga Fábrica de tambores em SESC Fábrica de Pompéia.

57
Arte Moderna do Ibirapuera e para o Palácio das Indústrias, que viria a ser a nova
sede da Prefeitura de São Paulo, reforma não executada em sua totalidade.

O projeto de recuperação para o


Figura 28: Aquarela do balcão de bebidas do
centro histórico de Salvador também restaurante do SESC Pompéia
encontrou seus problemas e teve
apenas alguns de seus elementos
projetados de fato. Emblemático nesse
caso é o projeto para a Ladeira da
Misericórdia, que foi pensado como “o
projeto piloto e orientativo no modo de
intervir no conjunto arquitetônico
degradado do Centro Histórico de
Fonte: ILBPMB
salvador”, isso porque naquele
pequeno trecho continha “os três tipos de situação recorrentes em toda a área
tombada: casas semidestruídas com perigo de desabamento, ruínas e terrenos
baldios” (OLIVEIRA, 2014, p. 150). Ironicamente este projeto acabou sendo piloto em
tudo. Concluído, foi abandonado pela administração municipal que sucedeu a que
apoiou o projeto de Lina Bo Bardi, e cedeu à ruína novamente.

Embora os últimos anos de atuação de Lina tenham sido marcados por


algumas descontinuidades projetuais e a arquiteta tenha passado por um relativo
silêncio ainda na década de 1970 dados os rumos políticos do país, em duas
conferências das quais participou em seus últimos anos de vida, Lina Bo Bardi seguiu
falando de esperanças e liberdades. Diante das dificuldades do presente, a arquiteta
defendia a liberdade de criar, argumentando ainda que “para tudo isso é preciso ter
uma posição política, socioeconômica e uma formação técnica decentes” (BARDI apud
RUBINO; GRINOVER, 2009, p. 166). Talvez essa postura esperançosa se justifique diante
da trajetória de uma arquiteta que viveu entre guerras e ditaduras, tendo sido menos
da metade de sua vida em regimes democráticos. Talvez essa vivência da arquiteta
explique sua necessidade do registro de seus posicionamentos acerca dos campos
da política, da arquitetura e da cultura.

58
De que modo esses posicionamentos foram elaborados pela arquiteta em sua
obra escrita e como essas elaborações dialogaram com a sua atuação, especialmente
a do período em Salvador entre 1958 e 1946, é o que veremos nos capítulos seguintes.

Figura 29: Aquarela para o projeto de recuperação do Centro Histórico de Salvador

Fonte: ILBPMB

59
60
2 HÁ OLHOS E OLHOS
“Por isso, também, é que o momento do trânsito
pertence muito mais ao amanhã, ao novo tempo
que anuncia, do que ao velho. E que ele tem algo
nele que não é dele, enquanto não pode ser do
amanhã.”

Paulo Freire

A escrita sempre esteve presente na vida Lina Bo Bardi, seja quando era
arquiteta em um momento em que não se podia construir e se tornou personagem
ativo do corpo editorial de importantes revistas de arquitetura na Itália da década de
1940, seja quando se utilizou do recurso da escrita para endossar projetos que
desenvolvia na prática, paralelamente, como quando lançou a revista Habitat, que
funcionava como uma espécie de vitrine do que se produzia no MASP e era também
um instrumento de inserção no meio social e cultural da cidade de São Paulo.

No caso dos escritos para o Diário de Notícias de Salvador foi diferente, pois
não havia ainda ação prática para se divulgar, nem no campo da cultura, nem da
arquitetura, o que não impediu que a arquiteta fizesse bom uso da ferramenta que
tinha em mãos, abordando temáticas pertinentes para o momento que vivia a Bahia
daqueles anos e se inserindo em canais e discussões importantes.

Em 1958, quando em Salvador, Lina Bo Bardi foi convidada por Odorico Tavares,
então editor do Jornal Diário de Notícias, para escrever e editar uma página dominical
que ela nomeou Crônicas de Arte, de História, de Costumes, de Cultura da Vida, onde
escreveu semanalmente de setembro a novembro daquele ano.

A arquiteta não apenas escrevia, como era responsável pela diagramação da


página e contava com publicações de outros artistas e intelectuais que atuavam na
Bahia daqueles anos. O que a arquiteta tinha em comum com essa vanguarda
intelectual que atuava em Salvador naqueles anos era, antes de tudo, a defesa das
bases populares para a constituição de uma sociedade legítima do ponto de vista
artístico e cultural, e isso ficava expresso na composição da página semana a semana,

61
independente da expressão artística que defendiam (música, teatro, arquitetura ou
artes plásticas).
Figura 30: Capas das nove edições de Crônicas de Arte, de História, de Costumes, de Cultura da Vida,

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958

62
Figura 30 – Esquema de utilização da página por Lina Bo Bardi que destaca a presença do texto da
seção Olho sobre a Bahia (vermelho) em comparação com o espaço destinado ao Texto Principal
(amarelo)

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958. Editado pela autora.

Nessa página, Lina costumava publicar dois textos de sua autoria, que eram
posicionados lado a lado na parte superior da página, como introduzindo a coluna.
Um texto sempre à esquerda, que aqui consideramos como “texto principal”
(marcação amarela na figura 30) em que a arquiteta abordou temas gerais
relacionados à cultura, avanços tecnológicos, desenho industrial, habitação, arte,
educação, entre outras temáticas relevantes para o momento em que não somente a
Bahia, mas o país estava vivendo. E posicionado à direita do texto principal (marcação
em vermelho na figura 30) ficava a seção “Ôlho sôbre a Bahia”, que embora contasse
com textos menores e tenha ocupado lugar de menor relevância nas republicações
ao longo do tempo, era a parte de maior destaque na coluna editada pela arquiteta,
estando não somente numa posição privilegiada, mas também ocupando uma grande
parcela da página, cerca de 30% desta, apesar de geralmente dividir espaço com
outros cinco textos que eram sempre acompanhados por imagens.

63
Além das duas seções citadas, eventualmente a arquiteta escrevia algumas
outras notas explicando alguma intenção, refutando algum comentário ou incitando
algumas revoltas, como nas seções antologia e documentos, em que se utilizava do
espaço para elaborar certas críticas sociais, e ,desse modo, a página como um todo
parecia uma composição de ideias, de um quadro de atuação, por assim dizer:
enquanto no texto principal Lina abordava temas gerais num raio de impacto
universal, chegando a citar a ida do homem à Lua, por exemplo, existia um movimento
que direcionava a análise geral do texto principal para uma prática ou realidade local,
baiana, na seção “ôlho sôbre a Bahia”.

Figura 31: Capa da 2ª edição de Crônicas, 1958

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958. Edição da autora.

Um exemplo claro do que foi analisado acima é a composição da segunda


edição desta página dominical, em que no texto principal, Lina comenta uma
publicação de Oscar Niemeyer em que ele fala sobre a superação de uma "crise moral
arquitetônica", e faz uma crítica à postura do arquiteto enquanto levanta a questão

64
do papel da arquitetura diante dos valores humanos e como ferramenta de combate
às injustiças sociais, rechaçando a arquitetura pela arquitetura, em paralelo à arte
pela arte. Nesta mesma edição, Lina se utiliza da seção “ôlho sôbre a Bahia” para
reforçar os argumentos utilizados no texto principal desta mesma semana e defender
o sentido real da arquitetura e o papel dos arquitetos e técnicos planificadores no
que se refere a pensar cidades. Para isso, introduz seu texto com uma foto de uma
rua de Cachoeira, cidade baiana, favorecendo a escala humana, corroborando com
um desenho de sua autoria, e em contraposição à uma foto da maquete do Palácio
do Congresso Nacional em Brasília, duas imagens complementares do texto principal,
como é possível observar na Figura 31.

Esta temática que envolve o papel da arquitetura e dos técnicos planificadores


é bastante recorrente nas nove edições da página, o que indica uma preocupação da
arquiteta, mas não a única relevante. Temáticas variadas foram abordadas no
conjunto de textos da página de Crônicas, e este capítulo busca identificá-las, a fim
de compreender as bases teóricas que pautaram a atuação de Lina Bo Bardi em seus
primeiros anos na Bahia. Para tanto, a análise da contribuição editorial da arquiteta
no Diário de Notícias de Salvador foi dividida em três eixos centrais (dimensões), que
seriam: os homens (letrados e iletrados - a força imaterial), a casa (necessidades
básicas representadas pela casa, mas também pela escola, pelo saneamento – força
material) e o museu (cultura popular, ação didática e prática - o “projeto”). As três
bases necessárias à mudança do estado das coisas.

Essas três dimensões foram identificadas por serem eixos de discussões


centrais recorrentes nos nove textos principais analisados, pertencentes à coluna
Crônicas de Arte, de história, de costume, de cultura da vida, o que ficou claro
principalmente após a utilização do método de Modelagem de tópicos com LDA,
demonstrado na Introdução deste trabalho de pesquisa. O eixo Homem é
contemplado pelos nove textos principais, confirmando a premissa de que o homem
é ponto central na atuação de Lina. O eixo Casa é contemplado pelos textos
intermediários, como se a arquiteta tivesse percorrido antes um caminho de
preparação do debate em que o homem é passivo e ativo no processo, para poder

65
então debater as condições necessárias para que este homem se torne sujeito de si.
Estes seriam os textos das 4ª, 5ª e 6ª edições, respectivamente, A escola e a Vida,
Casas ou Museus?, e A invasão. Por fim, a dimensão Museu foca na desmistificação
da arte e numa ação didática para as massas, e é contemplada com dois textos: Casas
ou Museus?, na quinta edição, e Arte Industrial, último texto principal publicado pela
arquiteta, na oitava edição.

Nesta sequência, Lina deixa a impressão de inserir a temática do museu num


momento intermediário de sua contribuição, para arrematar a finalização daquele
editorial debatendo aquilo que seria o objeto de sua atenção nos anos posteriores:
o Museu e o seu papel não só para com a cultura, mas para com o Desenho Industrial
e a sociedade de modo abrangente.

OS HOMENS

A primeira edição da página dominical inicia uma série de discussões


pertinentes relacionadas ao papel do homem. No texto principal desta primeira
edição, a arquiteta discute o que é cultura e de que forma é vista a cultura numa
sociedade elitista, e afirma que as bases de uma nova ação cultural devem ser
pautadas na força latente que há em abundância no Brasil, por parte dos homens
“abaixo economicamente da média normal”, estes que formam uma civilização
primitiva, no sentido de serem compostos pelos elementos essenciais, reais e
concretos ao desenvolvimento de uma nova e verdadeira cultura. Estes homens a que
se refere, não foram tomados pela pseudo-cultura e se encontram à margem da
sociedade. A inquietação da arquiteta acerca de uma mudança no quadro social vê
nos direitos básicos dos homens um primeiro passo a ser dado e acredita que esses
direitos básicos vão além de uma casa. É necessário que os homens enriqueçam
culturalmente, e deixa claro que é necessário que aqueles que detém conhecimento
técnico encontrem a solução para tal:

66
Treze anos depois de Segunda Guerra Mundial, passada a ilusão de se poder
mudar logo, por meio de uma imposição violenta, o estado de coisas que
parecia anacrônico, na frente da ciência e da lúcida capacidade crítica, nós
perguntamos ainda, como encontrar uma solução para que a maioria dos
homens seja provida do mínimo necessário para viver, possua uma casa não
ria em face de um quadro ou de uma escultura moderna, não proteste contra
a música, a poesia, arquitetura, não demonstre a sua incompreensão em face
da máquina, expressão da nossa época, servindo-se apenas dela como de
uma necessidade imposta, zombar da figura do filósofo, sinônimo de
isolamento e estravagância. (BARDI, 1958a)

Ainda nesta edição, na seção “ôlho sôbre a Bahia”, Lina retoma a abordagem
sobre o papel dos arquitetos e urbanistas. Afirma ser responsabilidade dos técnicos
planificadores “impedir que os valores da cultura sejam destruídos pela indiferença
à Humanidade, à História, à Tradição”, mas que de nada adianta um plano de
urbanização que não compreenda o profundo sentido espiritual da cidade, se
referindo à alma da cidade.

É interessante observar a composição da primeira edição desta página: no


texto principal a arquiteta discute o que seria a cultura e uma pseudo-cultura, para
então situar o homem comum, diferente dos intelectualizados, como um
representante do que seria uma nova e verdadeira cultura. Em seguida, na seção
“ôlho sôbre a Bahia”, Lina aborda o papel dos técnicos planificadores em combater
a especulação imobiliária e em compreender a "alma da cidade" a fim de não se
produzir um esforço estéril, colocando no centro da questão aquele mesmo homem
comum e suas necessidades básicas, bem como a sua instrução.

Talvez por acreditar que este homem deva ser visto, tome seu lugar de
protagonista na história e passe a fazer e se sentir parte ativa no processo de
alteração do “estado das coisas”, Lina Bo Bardi abre nesta página mais duas seções
construídas com a colaboração da população. Em uma delas, disponibiliza o endereço
da sede do Jornal Diário de Notícias para que o povo envie fotos antigas, emprestadas,
a fim de “levantar, em nossas páginas, um passado que ainda não morreu de tôdo e
que tanto pode servir para manter um presente vivo e um futuro melhor”, e uma outra

67
seção chamada “Antologia”, em que Figura 32: Segunda edição de Crônicas, 1958

passa a publicar “crônicas, cartas,


bilhetes e tantos outros documentos
da vida, nos quais encontramos vez
ou outra a chamada alma popular,
procurada muitas vezes em vão pelos
escritores profissionais”. Finaliza a
introdução desta seção com o
questionamento “Não é isso que
vemos na carta abaixo, através do
emaranhado saboroso da ortografia,
a humanidade transpirando em cada
linha?”.

A composição desta edição da


página dominical Crônicas de Arte, de
História, de Costumes, de Cultura da
Vida desenha uma introdução tanto Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958

do que se seguiria nas próximas oito edições, como das intervenções da arquiteta na
cidade de Salvador. Já neste primeiro momento lança referências importantes para o
desenvolvimento de ações no plano urbanístico, arquitetônico e cultural: ela fala de
civilização primitiva, do conceito de alma da cidade, ou espírito da cidade, que é de
tradição romana e posteriormente foi reforçado por Christian Norberg-Schulz (1980),
evoca um passado no sentido de se pensar o presente e futuro, algo que pode ser
relacionado ao conceito de presente histórico e cita Antônio Gramsci, quando finaliza
o texto principal dizendo “sobretudo será útil lembrar as palavras de um filósofo da
praxe ‘não se curvem ao falar com as massas senhores intelectuais, endireitem as
costas’”. Nesse último caso há um fechamento da discussão sobre cultura e pseudo-
cultura e um alerta sobre a importância de dialogar com as massas de igual para
igual, respeitando-as.

68
A arquiteta começa sua primeira publicação desvendando a força latente do
homem comum e em sequência passa a levantar questões como habitação e
planificação urbana, mas vai inserindo imagens isoladas de homens e crianças com
legendas que funcionam quase como um lembrete de qual o principal foco da grande
questão. Na terceira edição (Figura 33), por exemplo, Lina Bo Bardi aborda, tanto no
texto principal, quanto na seção “ôlho sôbre a Bahia” a questão da conservação do
patrimônio arquitetônico, mas bem no meio da página lança a imagem de um menino
na calçada tocando corneta e vendendo bugigangas, com a legenda:

GENTE: Apesar de tudo, apesar de minha casa ser um barraco, apesar de ter
de ganhar a vida, apesar... vocês, enfim, sabem..., mas apesar de tudo isto, eu
gosto das grandes árvores verdes; e espero que um dia alguém se aperceba
de mim, quero dizer também de minha existência (CRÔNICAS, 1958l)

Figura 33: Capa da terceira edição de Crônicas, 1958 Figura 34: Capa da quinta edição de Crônicas, 1958

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958

Novamente, duas edições à frente, na quinta publicação de Crônicas (Figura


34) quando Lina Bo Bardi se aprofunda na temática das casas e museus, evoca mais
um lembrete com a imagem de três crianças com a legenda “Senhores arquitetos e

69
urbanistas, por favor, não se esqueçam de nós”. Um apelo-sugestão para o que
verdadeiramente importa.

Ainda na quinta edição de crônicas, num pequeno pedaço da página, Lina abre
uma seção para destacar a impressão do diretor do Departamento Histórico e
Artístico Nacional de São Paulo, o arquiteto Luís Saia, sobre a Semana de Arquitetura
da Bahia, em que ele diz:

A impressão que levo da segunda Semana Bahiana de Arquitetura é de que


existe na Bahia, entre os estudantes, os arquitetos e os professôres, além
daquele calor humano tão indispensável para legitimar as verdadeiras
expressões de cultura, condições favoráveis para um amplo movimento de
progresso no campo do preparo profissional do arquiteto e no campo da
participação do arquiteto na vida social e artística.
Os problemas que existem, longe de representar sinais de insuficiência,
revelam a presença do fermento da creação artística sem o qual a apatia, o
academismo e a superficialidade assumem o comando (CRÔNICAS, 1958n)

Neste momento, Lina Bo Bardi faz uma chamada nos lembrando da


importância dos técnicos, e das qualidades dos homens intelectualizados.
Componente fundamental na mudança do estado das coisas junto aos homens
comuns, que poderiam, ou deveriam formar o grupo de atuação na Bahia daqueles
anos.

A arquiteta segue trazendo o homem ao centro da página por meio da


fotografia na sétima edição, embora a discussão dos textos publicados por ela
aborde, num primeiro olhar, outras questões. No texto principal a arquiteta começa
um tanto pessimista quanto aos rumos da humanidade que se moderniza
cientificamente, mas segue vivendo "à antiga", culturalmente atrasada. Compara o
esforço da ida à Lua à falta de empenho em resolver problemas terrenos de ordem
urgente, como a questão habitacional e a postura da sociedade diante da instrução
da população como um todo, afirmando haver uma profunda cisão entre o
desenvolvimento técnico e a capacidade humana de pensar que leva a humanidade
ao caminho da falência, cenário o qual a arquiteta acredita poder evitar com alteração
de posturas que sugere ao final do texto.

(...) deixar a “política” pelos estudos dos problemas humanos, no deixar a


filantropia pelo reconhecimento dos direitos, na aquisição de uma base

70
técnica que lhe permita dominar o mecanismo pôr êle mesmo criado e que
ameaça destruí-lo. Como uma cobra que larga a velha pele êle procurará
despir-se de sua “antiguidade”, para incorporá-la ao patrimônio da sua
cultura, numa continuidade histórica nunca esquecida. (BARDI, 1958p)

Já na seção “ôlho sôbre a Bahia”, Lina Bo Bardi aborda a preservação de


aspectos históricos das cidades sem negar o moderno: “Somos modernos, as casas
que construímos são bem da hoje, mas nós continuaremos publicando a Bahia, a
fazer a ‘resistência’ pela Bahia” defendendo que a expressão da modernidade,
quando executada com qualidade, enriquece e se adapta muito bem às cidades na
forma como elas se encontram, reafirmando a consciência e resistência de uma Bahia
rica em humanidade. E então, na nona edição, finaliza sua última publicação
montando uma composição de imagens de homens em diferentes manifestações
culturais junto a imagens de paisagens baianas, sendo o destaque da página uma
fotografia de vários homens empoleirados numa cerca de madeira, como quem
assiste e espera. Um tributo à alma - popular - da cidade.

Figura 35: Capa da sétima edição de Crônicas Figura 36: Capa da sétima edição de Crônicas

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958

71
A CASA

Lina Bo Bardi deixa claro já em um primeiro momento que a força latente dos
homens, essa “matéria-prima imaterial”, nada pode alcançar enquanto a maioria da
população não tiver acesso ao mínimo necessário para viver, sendo este mínimo,
tanto no discurso da arquiteta como nesta análise, representado pela casa. Por casa
compreende-se todo patrimônio material necessário ao funcionamento pleno da vida
na cidade: mercado, escola, correios, hospitais, enfim, todo tipo de equipamento
coletivo.

Já no texto principal da primeira página, a arquiteta levanta a questão da casa


como primeiro ponto a se pensar no que se trata de solucionar o problema das
necessidades básicas dos homens, mas não a isola como único elemento relevante,
quando segue com “possua uma casa não ria em face de um quadro (...) não proteste
contra a música, a poesia, a arquitetura, não demonstre incompreensão em face da
máquina”, e só nesse trecho é possível identificar elementos como a escola, o museu
e a indústria.

A casa é um direito básico e um primeiro passo para elevar o homem à


condição consciente de seu papel no desenvolvimento de uma nova e verdadeira
cultura. O homem que não tem onde morar, não tem como se aprofundar em
questões de outra natureza, como afirmou Lina em “Cultura e não cultura”: “a parte
dos homens (...) abaixo economicamente da média normal, não se pode preocupar
com um problema que não está no raio de suas necessidades imediatas e do qual
não suspeita da existência”.

Neste texto, Lina reforça o papel do homem comum no processo de


planificação, mas deixa claro também que este mesmo homem não pode ser
personagem ativo nesse processo se não tiver acesso aos direitos básicos necessários
à existência.

As necessidades humanas, começam onde acabam a limpeza, a ordem, o


mínimo necessário a que todos têm direito. Lutar, assegurar êste mínimo
necessário, é problema urgente. Êste mínimo é representado pela Casa, mas

72
precisa necessàriamente salvaguardar o patrimônio espiritual do povo que
não é a chamada “côr local”, mas a essência mesma da cultura, da dignidade
de um país, de um povo, representado pelo conjunto de seus hábitos e de
suas tradições, estritamente ligadas ao desenvolvimento moderno e atual da
vida. (CRÔNICAS, 1958a)

Lina Bo Bardi tangencia essa abordagem em quase todos os textos ou notas


que escreveu na página de Crônicas, mas há dois textos específicos em que ela
discute tais questões em maior profundidade: “A escola e a vida” e “A invasão”, textos
da quarta e sexta edições respectivamente.

Em “A escola e a vida”, Lina começa falando de um episódio de censura na


Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná para discutir então que papel a
escola deve desempenhar na sociedade.

Este ato, superando os limites das liberdades e da democracia, justamente


denunciado pela União Brasileira dos Escritores, atinge um problema bem
mais grave e urgente: o da Escola, fundamento da constituição de uma Nação
formada por cidadãos responsáveis, verdadeiros colaboradores, criadores da
vida democrática do País e não crentes desinteressados num Estado abstrato
que pensa e resolve por eles. (...) A igualdade de todos os cidadões (sic) em
face a instrução, a obrigação de uma educação igual para todos até o ponto
crucial da escolha da profissão, seja intelectual ou manual, é a tarefa do
Estado democrático, expressão viva da coletividade. (BARDI, 1958m)

Para a arquiteta, a escola é responsável pelo grau de civilização de uma nação,


ela é o recurso material necessário ao desenvolvimento pleno de uma sociedade e o
atentado à Universidade do Paraná representa um atentado à liberdade da escola,
“liberdade sem a qual, a Escola não poderá se organisar (sic) na forma que uma nação
democrática requer”.

No texto, Lina fala da escola no sentido teórico de sua construção, defendendo


a formação de uma nação de cidadãos responsáveis repletos do “espírito coletivo de
colaboração”, que deve ser estimulado desde a escola para a consolidação de um
país democrático. Para ilustrar seu escrito, a arquiteta faz uso de uma foto da seção
masculina da Escola Carneiro Ribeiro (Figura 37), projeto de Diógenes Rebouças “que
deu solução ao problema básico de trabalho coletivo dos alunos projetando um
grande ambiente único que somente os móveis dividem idealmente as diversas
seções”.

73
O Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi um marco na história da educação
brasileira, e também uma obra de projeção internacional, muito pelo seu projeto
pedagógico, mas também pelo modo como esse projeto foi incorporado em sua
arquitetura. Um Centro Popular de Educação de tempo integral idealizado pelo
educador Anísio Teixeira, um dos alvos da censura pela Universidade do Paraná, que
previa:

A organização da escola, pela forma prevista, daria ao aluno a oportunidade


de participar, como membro da comunidade escolar, de um conjunto rico e
diversificado de experiências, em que se sentiria: o estudante na escola-
classe, o trabalhador nas oficinas de atividades industriais, o cidadão nas
atividades sociais, o esportista no ginásio, o artista no teatro e nas demais
atividades de arte, pois todas essas atividades podiam e deviam ser
desenvolvidas, partindo da experiência atual das crianças para os
planejamentos elaborados com a sua plena participação e depois
executados por elas próprias.
Seriam experiências educativas, pelas quais as crianças iam: adquirir hábitos
de observação, desenvolver a capacidade de imaginar e ter idéias, examinar
como podiam ser executados e executar o projeto, ganhando, assim,
habilitação para a ação inteligente e eficiente em sua vida atual, a projetar-
se para o futuro.
Se a escola-classe se mantinha, em essência, a antiga escola convencional,
as condições de trabalho na escola-parque iriam facilitar sobremodo a
aplicação dos melhores princípios de educação moderna. (UFBA site)

Figura 37: Fotografia do Centro Educacional Carneiro Ribeiro Anísio Teixeira, além
de melhorar a qualidade
da escola primária,
pretendia fazer da escola
uma espécie de lar
daqueles filhos que não
possuíam lares capazes de
educá-los apropriada-
mente. Tínhamos aí na
prática uma escola que
verdadeiramente instruía
seus alunos para a vida,
materializada num espaço
Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958 de riqueza arquitetônica,

74
em que a ideia de escola e a arquitetura se fundem e se retroalimentam. Um ideal
bastante aproximado da visão que Lina tinha do papel da escola.

A escola é a cultura de um país: a escola que se tornou a antitese da vida


tem que ser a propria vida. Entre a escola e a vida não pode haver solução
de continuidade. Sobre uma escola obrigatória, igual para todos que vá até
os limites da especialisação (sic), que seja preparo à vida, criando o costume
da auto-disciplina intelectual e da autonomia moral, e em que se baseia a
esperança do novo humanismo. (BARDI, 1958m)

Mesmo sem discorrer sobre o projeto pedagógico de Anísio Teixeira, Lina Bo


Bardi ilustra, não apenas pelo uso da imagem, mas pelo exemplo, ainda que indireto,
a necessidade da presença da escola em mesmo grau de importância da casa, e de
escolas pensadas para as necessidades reais de toda a sociedade.

No texto principal da edição seguinte, "Casas ou Museus?", Lina Bo Bardi segue


a discussão em que equipara a casa a outros equipamentos coletivos que costumam
ser levados em menor consideração, questionando qual dos dois equipamentos
deveria vir primeiro, mas já responde que os dois devem vir ao mesmo tempo,
colocando na mesma classe de importância os equipamentos intelectualizados, como
museus e bibliotecas, e a casa, destacando a construção de novas casas como a
construção de bairros urbanizados e detentores de variados equipamentos coletivos
necessários à vida do homem na cidade.

Primeiro as Casas ou Museus? Tudo de uma só vez: as casas, as escolas, os


museus, as bibliotecas. Uma planificação urbanística não pode prescindir
dos problemas culturais se a construção de novos bairros, de novas casas, é
a base do projeto de uma cidade (nas casas queremos incluir mercados,
escolas, serviços coletivos, como saúde, correios, etc.) (BARDI, 1958n)

Embora no resto do texto a arquiteta se aprofunde mais sobre a importância


dos equipamentos como museus e bibliotecas, este trecho acima inspira uma
introdução às bases de uma planificação urbanística eficiente na defesa das casas
concomitantemente à defesa de equipamentos coletivos. Paralelamente à essa
discussão sobre como o planejamento urbano deve acontecer, Lina Bo Bardi vinha
trazendo na seção “ôlho sôbre a Bahia”, desde a quarta edição, questões relativas ao
desenvolvimento urbano da cidade de Salvador, para então, na sexta edição da

75
página de crônicas, se debruçar sobre a questão de assentamentos precários em
regiões da capital baiana.
Figura 38: Imagens ilustrativas de seções Ôlho sôbre a Bahia com diferentes tipos de moradias

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958

76
Na seção “ôlho sôbre a Bahia” da quarta edição de Crônicas, Lina fez crítica ao
tipo de cidade desenvolvida que Salvador vinha se tornado à época, alinhada aos
interesses da especulação e ao desenvolvimento do asfalto, que expulsa os
verdadeiros homens dos centros para as franjas das cidades. Nesta mesma seção da
quinta edição, a arquiteta se utiliza da imagem de uma casa antiga para argumentar
sobre a necessidade de se valorizar a história, a escala humana da cidade e não
esquecer do homem por uma "ideia" de desenvolvimento.

Lina Bo Bardi ilustra a quarta e quinta edições (Figura 38) com imagens de um
edifício multifamiliar moderno e uma casinha antiga de fachada bem conservada,
respectivamente, para então em "ôlho sôbre a bahia" da sexta edição (Figura 38)
lançar a imagem de habitações precarizadas enquanto relata o problema de invasões
em regiões periféricas da cidade, destacando a agonia daqueles que não têm onde
morar e acabam ocupando zonas sem infraestrutura, subindo casas o mais rápido
possível, ainda que precárias, e formando comunidades à margem da atuação do
Estado, antes que as forças policiais consigam desfazê-las.
Figura 39: Imagem complementar do texto principal da sexta edição de Crônicas

Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958


Já no texto principal da sexta edição, a arquiteta associa uma imagem de "casa
de invasão" à de um conjunto residencial num bairro popular de Rotterdam com o

77
questionamento "e nós quando?", na legenda. Neste texto, Lina levanta a questão da
habitação de interesse social no Brasil, evocando um plano nacional de habitação,
que pode ser também estadual, ou ainda menor, desde que o primeiro passo seja
dado o mais rápido possível. A arquiteta levanta nesta edição um problema concreto
não apenas de Salvador, mas do Brasil como um todo, e reafirma o papel do Estado
como ator principal diante do problema habitacional, devendo estar nele a garantia
de um projeto "técnico e não filantrópico".

A Casa Popular é um direito e não um presente. Ao Estado cabe o dever de


resolver a situação, cancelando, em primeiro lugar, os mitos e os
preconceitos, impostos pela iniciativa particular, pela especulação
imobiliária e pelos que costumam consolar-se das injustiças, com auto-
justificações, ao envés de enfrentar resolutamente os problemas. Precisa
eliminar: o otimismo abstrato, o ceticismo pelos empreendimentos do
Estado, a crença que as casas populares não resolverão os problemas das
habitações para todos, a crença que é o próprio pobre que cria os cortiços,
o costume de supervalorizar os próprios interêsses contra os interêsses da
coletividade. (BARDI, 1958o)

Depois de defender o papel do homem popular na produção cultural do país,


bem como o papel dos técnicos intelectualizados, Lina defende que o Estado seja o
provedor das condições básicas para o desenvolvimento daquele homem.
Começando pela casa, mas reforçando que a provisão dessas casas pode também ser
instrumento da manutenção da vida urbana, gerando qualificação, trabalho e,
consequentemente, renda. Embora não utilize as expressões autoconstrução e
autogestão, a arquiteta segue um raciocínio que lembra o que posteriormente
iríamos conhecer por essas expressões, quando sugere:

A construção de novos bairros de casas populares poderia em parte


concorrer para a solução do problema, empregando os futuros moradores
na mão de obra da construção, estabelecendo assim uma disciplina de
trabalho que poderá ser continuada, aplicada, depois, em outros locais. A
manutenção das casas, do terreno em redor e das próprias ruas, poderia ser
confiada às diversas famílias, com um pagamento que seria descontado no
preço da habitação. (BARDI, 1958o)

Nos textos em que discorre mais sobre a importância da casa e de todos os


equipamentos que são necessários ao habitar, Lina na verdade sugere os modos de
lidar com os problemas básicos da população, demonstrando que o alvo da sua ação

78
vai além do objeto cultura popular, ou da produção artesanal, mas foca no homem,
sendo este homem o ator principal do projeto pedagógico que se seguiria.

O MUSEU

Figura 40: imagem ilustra o texto Lina Bo Bardi passa a abordar o tema museu
“Casas ou Museus?” de forma mais aprofundada apenas na quinta
edição de Crônicas, quando em "Casas ou Museus?",
além de levantar a questão da importância deste
equipamento na planificação urbanística e no
desenvolvimento da sociedade, discute quais
seriam as bases do verdadeiro museu moderno: “O
complicado problema de um museu tem que ser
hoje enfrentado na base ‘didática’ e ‘técnica’. Não se
pode prescindir dessas bases, para não cair em um
museu petrificado, isto é, inteiramente inútil”. Neste
texto, Lina Bo Bardi explora a função social do
museu, defendendo o fato de que ele não deve ser
um expositor de peças isoladas, fora de contexto,
mas um instrumento que desperte em seus
Fonte: Diário de Notícias, Salvador,
1958 visitantes mais do que “mera curiosidade artística”,
e daí sua função didática.

O que é o museu? Correntemente, quando se quer designar uma pessoa, uma


coisa, uma ideia antiquada, inútil, fora de uso, costuma-se dizer: “é uma peça
de museu”. Querendo indicar com estas palavras o lugar que, no quadro da
cultura contemporânea, o museu ocupa, lugar poeirento e inútil. (...) O museu
moderno tem que ser um museu didático, tem que juntar à conservação a
capacidade de transmitir a mensagem de que as obras devem ser postas em
evidência, com uma função didática. (BARD, 1958n)

Neste artigo, Lina faz uma crítica da imagem que se tinha do museu naquela
época e reforça qual deveria ser o papel do museu na cidade, para a sociedade,
acabando por lançar ali também os ideais que orientariam posteriormente a sua

79
atuação frente ao MAMB, em Salvador. A arquiteta aproveita a crítica para dar indícios
de como fazer este museu didático na prática:

Em têrmos, quais serão êsses meios didáticos? Evidentemente, comentários


escritos, breves e sumarentos, acompanhados de fotografias com referências
não “doutorais”, uma espécie de comentário cinematográfico. Sómente,
satisfazendo tais necessidades didáticas, o Museu poderá ocupar um lugar
vital e ser dígno na gradação dos interesses humanos a ser satisfeitos logo,
de aparecer juntamente com as Casas. (BARDI, 1958n)

Aqui, Lina volta a colocar os museus


Figura 41: imagem da 6ª edição: após
no mesmo nível de importância das casas publicação sobre o museu de arte sacra, em
que se vê uma criança descalça em frente a
quando se trata da construção de uma uma monumental porta que lembra grandes
igrejas. Em caixa alta, escrito: FECHADO.
cidade, mas deixa claro que este museu
apenas atinge esse nível de importância
quando se apresenta como um instrumento
didático. A arquiteta finaliza o texto
ilustrando o exemplo palpável de um
museu prestes a ser inaugurado na cidade,
ao mesmo tempo em que expressa um
auspício, ou talvez uma crítica prévia:

Tais considerações são da


maior importância,
estando a Bahia no ponto
de criar, na iminência de
realizar o que poderá ser,
um dia, pela beleza e
fascinação poética do
edifício que o abrigará,
pela importância das obras
a serem nele expostas, o Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958
Museu mais importante do
país: Museu de Arte Sacra de Santa Teresa. Museu que deverá ter a sua
impostação didática para ser um museu “verdadeiro”, vivo, e não “museu” no
sentido mais superado da palavra. (BARDI, 1958n)

Após a quinta publicação, Lina volta a retomar a temática do museu apenas no


último texto principal escrito na 8ª edição de Crônicas, aprofundando ainda mais o
debate em “Arte Industrial”. Neste momento, a arquiteta discute o que é o artesanato
e o ofício do artesão, estimulando uma volta aos princípios de produção artesanal,

80
quando não havia cisão entre técnico e operário executor, e estimula a criação de um
museu que resgate esses princípios:

O assunto central poderia ser colocado na base da colheita imediata de todo


o material artesanal antigo e moderno existente em cada país, na criação de
um grande museu vivo, um museu que poderia se chamar de Arte e Arte
Industrial, e que constituisse a raiz da cultura histórico-popular do pais.
(BARDI, 1958q)
Figura 42: Imagem do texto “Arte
Ressalta a importância de que este seja Industrial”
um museu vivo que fosse também uma escola
na intenção de ser uma ferramenta de
aproximação entre técnicos e operários na
construção de uma nova realidade. Lina Bo
Bardi deixa claro também que embora esta
nova realidade esteja baseada numa lógica
produtiva do passado, ela é nova. Fala-se de
uma Arte Industrial.

Este museu deveria ser


completado por uma escola
de arte industrial (arte no
sentido de ofício, além de arte
que permitisse o contacto
entre técnicos desenhistas e
executores. Que expressasse,
no sentido moderno, aquilo Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958
que foi o artesanato,
preparando novas levas, não para futuras utopias, mas para a realidade que
existe e que todos conhecem: o arquiteto de prancha que desconhece a
realidade da obra, o operário que não sabe ler uma planta, o desenhista de
móveis que projeta uma cadeira de madeira com as características do ferro,
o tipógrafo que compõe mecanicamente sem conhecer as leis elementares
da composição tipográfica e assim por diante. Os primeiro fora da realidade
e dentro da teoria. Os outros, amargurados pelo trabalho mecânico de soldar
uma peça, apertar uma porca, sem conhecer o fim do próprio trabalho.
(BARDI, 1958q)

Este futuro, ou esta nova realidade, tem como base o trabalho coletivo, em que
há a substituição do artesão-dono por uma equipe de técnicos e operários que
trabalham em colaboração, sem distinção hierárquica, estando todos conscientes da
sua importância no processo produtivo e trabalhando para o mesmo fim: “Sómente
assim, poder-se-á voltar á felicidade de uma participação moral a uma obra. Uma

81
participação coletiva , não mais individual; o resultado técnico do artesanato dos
nossos dias: a indústria”.

Na seção “ôlho sôbre a Bahia” desta oitava edição, Lina Bo Bardi estampa um
exemplar arquitetônico de Nazaré das Farinhas, cidade do Recôncavo baiano,
reconhecida como centro de produção artesanal. Ali, a arquiteta retoma a discussão
sobre o perigoso conceito de artesanato “que precisa ser enfrentado sem espírito
romântico e sem conservadorismo (...) deixando de lado o sentimentalismo pseudo-
artístico, que, no campo artesanal, conduz ao ‘abôrto’”, se referindo ao que aconteceu
na Espanha e na Itália em 1938, auge do fascismo, ao mesmo tempo que pincela uma
discussão, embora não citando diretamente, sobre artesanato e folclore.

Também nesta Figura 43: Imagem central da 8ª edição


seção, Lina sugere a
criação de uma “moral
provisória” que permita
conectar a produção
familiar à produção
mecanizada industrial,
num sentido de renovação
desta produção familiar.
Diz ainda “manter de pé
uma época històricamente
superada e conservá-la
sòmente nas suas
aparências, é inútil e
danoso. Precisa-se libertar
os homens e não trazê-los
prisioneiros”. A atuação de
Lina é pautada no olhar
para o passado para Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958
modelar o futuro, mas um futuro atualizado.

82
Na imagem central da página desta oitava edição, Lina destaca a imagem de
uma mão ferida por uma flecha, com a legenda: “A mão trabalhando fez o Homem. A
Máquina que parece hoje ferir e aviltar, acabará destruindo-a? Sentimos que não. A
milenária experiência de trabalho da mão guiará a Máquina. Sem mexer em quase
nada, ainda é ela que dirigirá tudo”. Talvez um modo de reafirmar que ainda que a
caminhada se direcione para o modelo industrial, é sempre a mão do homem que
orienta o trabalho.

OLHOS QUE SABEM VER

O combinado de textos publicados por Lina no Diário de Notícias de Salvador


nesses três meses de 1958 parece uma pintura quando se pensa na quantidade de
camadas que compõem uma tela. Lina Bo Bardi traça uma linha de raciocínio quase
como quem desenha um caminho do homem em direção ao próprio homem, e vai
adicionando camadas para enriquecer o debate.

Para isso, ela se utiliza de elementos-chaves diferentes, mas que têm sempre
neste homem o seu ponto central: a casa, que representa as necessidades básicas à
sobrevivência do homem, e o museu que representa o acesso à cultura e instrução,
bem como o acesso a si mesmo, fazendo-o compreender o poder em suas mãos. Esse
seria o ponto de partida para uma nova ação cultural, e a escrita de Lina Bo Bardi em
Crônicas por vezes parece esboçar o projeto dessa nova ação, ainda que ele não
esteja completamente definido. Um projeto pautado na valorização e preservação dos
valores culturais pré-existentes, sendo esta uma postura essencialmente moderna.

Lina Bo Bardi finaliza sua contribuição editorial no Diário de Notícias de


Salvador sem escrever um texto principal, mas segue na seção “ôlho sôbre a Bahia”
dando um alerta sobre aspectos da realidade urbana da Bahia que não devem ser
deixados de lado:

Há olhos e olhos. Olhos que sabem ver e olhos que não sabem ver.
Procuramos apontar vários aspectos da Bahia: ruas, praças, igrejas barrôcas
e arquiteturas comuns de cada dia e que, por isso, não deixam de ser menos
interessantes. Aspectos que todos conhecem e que por ser de todos os dias

83
não se “vêem” e desaparecem no cotidiano. A transformação contínua da
vida e, por consequência, do urbanismo, fará desaparecer se não forem
“olhadas” em tempo, obras e conjuntos arquitetônicos que poderiam ser
salvos e integrados na cidade em desenvolvimento. Eis o sentido do nosso
“ôlho” um “ôlho” arquitetônico e urbanístico, um “ôlho” técnico, mesmo que
se expresse em linguagem comum. (CRÔNICAS… 1958i)

Diagrama nesta página uma composição de imagens que intercalam


manifestações culturais e paisagens baianas, fechando com letras miúdas em uma
legenda longa no canto inferior da página:

Esta seqüência da vida bahiana, a vida dos sêres e das suas coisas, a vida de
sua gente, de sua natureza, de sua arquitetura, de sua paisagem, esta
sequência de fotos que um mestre como Pierre Verger fixou, aqui acaba neste
pé de página, com êste recanto do São Francisco do Conde. A rápida visão
que vai da “bahiana“, no samba de roda expressão de sensibilidade e do
gôsto de viver até a serenidade secular do Recôncavo, pode muito bem
mostrar ao leitor o que se deve preservar e o que deve desaparecer. E o que
está aqui é o lado amorável, ameaçado e terrivelmente pelos amantes do
“progresso”. Progresso entre aspas. (CRÔNICAS… 1958i)

Em suas publicações, mas principalmente neste desfecho, a arquiteta ressalta


particularidades da cultura baiana, de uma cidade rica em humanidade, e deixa clara
a preocupação com um caminho de progresso que vá ao encontro da especulação
imobiliária, com o descarte das bases populares nessa atualização. Em contrapartida
a isto, Lina Bo Bardi acredita na criação de instituições culturais que se ocupem
também da formação cultural e educativa da população, como uma forma de alertar
e fomentar uma nova ação cultural. Seria essa, talvez, a forma encontrada pela
arquiteta para articular um projeto que já vinha se desenhando: o Museu de Arte
Moderna da Bahia.

84
85
3 CINCO ANOS DE ESPERANÇAS
COLETIVAS
“Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a
partir das habilidades que estão na mão do povo,
do olhar da gente com originalidade. Poderíamos
reinventar os talheres de comer, os pratos, a camisa
de vestir, o sapato. Havia toda uma possibilidade de
que o mundo fosse refeito. O mundo do consumo
como alguma coisa que tivesse ressonância em
nosso coração. Lina era uma pessoa que ajudava a
pensar nesse rumo, uma prosperidade que fosse de
todos, uma beleza que fosse alcançável, atingível”

Darcy Ribeiro8

As Crônicas de arte, de história, de costumes, de cultura da vida… foram um


instrumento de inserção de Lina Bo Bardi no ambiente e na cultura local de Salvador.
Sua atuação junto ao jornal, associada às aulas ministradas na Universidade da Bahia
possibilitaram um encontro, quase um estágio, rápido e aprofundado (dentro do
possível) com o ambiente baiano e as vanguardas intelectuais que convergiram para
aquela cidade naquele mesmo tempo.

Entender o Brasil da época da chegada e permanência de Lina Bo Bardi no país


e principalmente da época em que atuou em Salvador, é importante para
compreender não apenas a sua atuação, mas a arquitetura e as movimentações
possíveis para a época e o que aquele momento representava. Se quisermos usar
marcos políticos, é importante destacar que Lina chega ao Brasil num período de
redemocratização pós-Estado Novo, vive a República Populista, vai a Salvador no
período desenvolvimentista e tem seu trabalho ali interrompido pelo Golpe Militar
em 1964, quando cai num relativo silêncio arquitetônico, embora em pleno Milagre
Econômico, para retomar sua atuação no campo da arquitetura apenas nos anos que
vislumbravam a redemocratização.

8
In: RISÉRIO, Atônio. Avant-garde na Bahia, 1995, p. 121.

86
O momento da chegada de Lina ao Brasil até sua saída forçada de Salvador,
em 1964, compreende um período entre ditaduras, conhecido pelos historiadores
como democracia populista. Neste tempo, o país chegou a níveis de desenvolvimento
industrial e urbano que incentivaram outros setores, que não apenas o da esfera
política, a buscarem uma modernidade no plano artístico-cultural e a almejarem
transformações políticas e sociais mais radicais (PEREIRA, 2008, p. 58).

A fase desse período que compreende os governos de Juscelino Kubitschek


(1956-1960), de Jânio Quadros (1961) e de João Goulart (1961-1964) foi marcada pelo
desenvolvimentismo, política de governo que incentivava o desenvolvimento do país
por meio da industrialização. É nesse período desenvolvimentista, precisamente, que
Lina vai a Salvador em seu primeiro momento (houve um segundo momento, entre
1985 e 1988), mas é importante destacar que o Brasil da época do governo de Juscelino
Kubitschek, que compreendeu seus 3 primeiros anos em Salvador, era outro em
comparação com o período pós 1961, com João Goulart na presidência.

Com Juscelino, os ares eram de renovação, um período que possibilitou ao país


enxergar a possibilidade de transformações radicais, que se dariam tanto no campo
político e social, quanto no campo artístico e intelectual. Quando João Goulart
assumiu a presidência, no meio tempo do período de Lina em Salvador, a atmosfera
política era de tensão e as forças conservadoras passaram a agir em direção à
realização de um Golpe Militar em 1964, que colocaria por terra todos os anseios
progressistas, em qualquer campo de atuação.

É importante destacar que no Brasil deste período havia uma movimentação


intelectual que voltava seu olhar para os estudos sobre a cultura popular brasileira.
Marcelo Ridenti (2014) fala de uma utopia revolucionária romântica que unia os ideais
de esquerda às manifestações culturais, baseando a vontade de transformação da
sociedade na valorização do homem do povo, das raízes populares. Ainda segundo
Ridenti (2014, p. 9) essas ideias “já vinham de longe na cultura brasileira, mas traziam
especialmente a partir dos anos 1950 a novidade de serem mescladas com influências

87
de esquerda, comunistas ou trabalhistas”, um movimento que ele chamou de
Romantismo Revolucionário.

do fim dos anos 1950 ao início dos 1970, nos meios artísticos e
intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade
nacional e política do povo brasileiro; buscavam-se a um tempo suas raízes
e a ruptura com o subdesenvolvimento, numa espécie de desvio à esquerda
do que se convencionou chamar Era Vargas, caracterizada pela aposta no
desenvolvimento nacional, com base na intervenção do Estado. (RIDENTI,
2016, p. 01)

Para Antônio Risério (1995, p. 120), a vanguarda europeia que atuou no Brasil,
principalmente na Bahia, entre as décadas de 1950 e 1960 tomou parte, ou partido,
dessa visão brasileira de desenvolvimento pela via popular, e Lina Bo Bardi também
se aproximou destes movimentos de valorização da cultura popular, mas sem se
misturar diretamente com eles, pois embora este cenário descrito por Ridenti tenha
de fato favorecido a aproximação da arquiteta com a vanguarda intelectual brasileira
de esquerda, sua formação na Itália, bem como suas leituras de Antonio Gramsci no
imediato pós-guerra, fizeram-na manter um certo distanciamento do que a arquiteta
considerava “romantismos populistas”.

Esta vanguarda europeia da qual Risério fala, gerou na Bahia das décadas de
1950-60 um forte influxo de informações internacionais, especialmente nas áreas de
música, teatro, artes plásticas, arquitetura, dança e cinema. Além da movimentação
artístico-estética, despontava ali a formação de uma consciência socioantropológica
baiana, a partir da implantação do Centro de Estudos Afro-Ocidentais (CEAO), na
Universidade.

A produção universitária, os ateliês, o cineclubismo, os suplementos


jornalísticos, etc, configuravam uma teia elétrica de signos, injetando dados
e ideias novas no espaço cultural da província. O que significa que a
Universidade, embora fosse um locus fundamental, nada tinha de farol
solitário, "ilha da fantasia" ou bunker laboratorial de importância duvidosa.
Muito menos era o purgatório da pasmaceira, da preguiça mental mais
remansosa, como nos dias de hoje, quando segue completamente alheia ao
movimento da vida à sua volta. Pelo contrário, cidade e universidade não
eram, naquele período, compartimentos estanques. (RISÉRIO, 1995, p. 75)

Foram tempos de efervescência em que a Universidade da Bahia, na figura do


então reitor Edgard Santos, investia no campo estético criando pontes entre

88
universidade e cidade. Em torno disso projetou-se uma vanguarda: Lina Bo Bardi,
Koellreutter, Diógenes Rebouças, Clarival Valladares, Glauber Rocha, Martim
Gonçalves, Agostinho da Silva, Mario Cravo, Pierre Verger, entre outros nomes que
movimentaram o cenário cultural e estético da Cidade do Salvador nessas duas
décadas, tendo sido esse movimento interrompido pelo Golpe de 1964 (RISÉRIO, 1995,
p. 23-24).

Este é um resumo do cenário encontrado por Lina quando foi atuar em


Salvador, cenário que a arquiteta passou a compor e do qual conseguiu se aproximar
principalmente a partir do seu primeiro contato com a Universidade da Bahia, ao
ministrar um curso na Faculdade de Belas Arte em substituição e a convite de
Diógenes Rebouças, e também do seu movimento junto ao Jornal Diário de Notícias.
São essas algumas das circunstâncias, aliadas ao apoio político e econômico, que
explicam a abertura da Bahia para o desenvolvimento de projetos encabeçados por
uma vanguarda estético-intelectual que atuava ali naqueles anos, e a velocidade e
diversidade dos projetos, seja pela Universidade ou via Museu de Arte Moderna da
Bahia, que foi dirigido por Lina Bo Bardi, mas de certo modo construído com o apoio
direto ou indireto daquela vanguarda.

Este capítulo pretende explorar a produção de Lina Bo Bardi dentro desse


cenário de efervescência cultural pelo qual passou Salvador entre as décadas de 1950
e 1960, examinado sua atuação frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia, de modo
a estabelecer um diálogo entre as questões que vinha discutindo em seus escritos,
principalmente as que estamparam as seções da coluna de Crônicas, e suas ações
como Diretora do MAMB, bem como tudo o que aconteceu em decorrência disso
naqueles anos. Para isto, seguiu-se analisando textos escritos por Lina Bo Bardi, que
entre artigos, folhetos de exposições, cartas e anotações pessoais, resultaram num
total de 14 documentos escritos começando pelo folheto da Exposição Bahia,
assinado por Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves em 1959 e finalizando com Cinco anos
entre os brancos, publicado por Lina na revista Mirante das Artes, que embora seja
um texto pós-temporada em Salvador, visto que publicado em 1967, representa um

89
balanço geral do que foram aqueles anos entre 1958 e 1964, feito pela própria
arquiteta.

NÃO FOI UM PROGRAMA AMBICIOSO, ERA


APENAS UM CAMINHO

Quando Lina Bo Bardi foi convidada para editar a página de Crônicas de arte,
de história, de costume, de cultura da vida, ainda não havia um projeto oficial de um
Museu de Arte Moderna, apenas um desejo por parte de Odorico Tavares, jornalista
considerado também um mecenas, que impulsionou a colaboração de Lina Bo Bardi
na página dominical do Jornal Diário de Notícias de Salvador já com a intenção de
preparar o terreno para realização de um Museu de Arte. Um plano seu junto a Assis
Chateaubriand que previa instituições modernizadoras para a cidade de Salvador,
alinhados ao desenvolvimentismo promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek.

Lina já era àquela altura a representante de uma instituição cosmopolita, o


contato direto com o universo das artes da centralidade paulista e quem poderia
abrir as portas de Salvador para o sul pela via cultural, movimentando a cena artística
da cidade, a exemplo do que havia feito junto a Pietro Maria Bardi com o MASP. Sua
atuação no Jornal Diário de Notícias e sua movimentação pela cidade naquele
momento inicial permitiu que a arquiteta travasse um diálogo com outros intelectuais
que compunham uma vanguarda naqueles anos em Salvador, e pode-se dizer que
seu contato com Eros Martin Gonçalves ajudou a fundamentar seu destino junto ao
Museu de Arte Moderna da Bahia.

Após finalizado o período das aulas ministradas na UFBA e de sua colaboração


com o Diário de Notícias de Salvador, Lina volta a São Paulo, mas segue conectada à
movimentação cultural baiana. É nesse período que faz uso de seus contatos
paulistanos para ajudar Martim Gonçalves a firmar um acordo com a Fundação Bienal
de São Paulo para a execução de uma exposição paralela sobre arte popular da Bahia.
A mostra foi concebida por Martim Gonçalves, mas o apoio de Lina Bo Bardi foi
fundamental para a montagem da exposição, a aquisição de patrocínios, para o

90
desenho expositivo e no texto do folheto, sendo este movimento importantíssimo
para o desenvolvimento de Lina como arquiteta e curadora (LIMA, 2021, pp. 224 - 225).

Em 1959, Lina Bo Bardi monta em parceria com Martim Gonçalves a exposição


“Bahia no Ibirapuera”. No catálogo da exposição na V Bienal de São Paulo, escrito em
colaboração pelos dois, eles abrem uma discussão sobre o que seria arte e
questionam suas categorias, de certo modo explicando o porquê de aqueles artefatos
do dia-a-dia popular serem considerados arte. Falando de um direito à poesia, da
expressão estética do cotidiano, eles defendem que a arte é um direito do ser
humano e que aquela seria a época em que não se poderia mais negar ao homem o
direito de viver em plenitude. Já no início do texto, questionam:

Onde começa e acaba a arte? Quais suas fronteiras? Essa ‘terra de ninguém’,
que limita o homem na expressão de sua humanidade total, privando-o de
uma das manifestações mais necessárias e profundas, como seja a estética,
este limite entre Arte e arte, é que sugeriu esta Exposição (BARDI, 2018, p. 134)

Para além da crítica, essa exposição era também uma inauguração do que se
seguiria em Salvador nos próximos anos com Lina Bo Bardi a bordo da direção do
Museu de Arte Moderna da Bahia e o círculo de uma gama variada de intelectuais de
vanguarda focados na instituição de uma cultura genuinamente brasileira, de bases
populares.

Embora o público dessa mostra fosse aquele mesmo já banalizado por Lina Bo
Bardi, a burguesia com ar de superioridade, foi este público que permitiu que essa
exposição despontasse também como um ato didático: naquele momento, Martim
Gonçalves e Lina Bo Bardi levavam uma mostra de fatos populares para a
centralidade cultural “snob” paulista, fazendo uma crítica também às manifestações
de cultura (no sentido tradicional, como ela mesmo pontua), apostando em um tempo
“que não mais admite divisões em categorias ou compartimentos estanques, uma
época que não pode mais negar ao homem, em nome de nenhum credo e nenhum
mito, o direito de viver nessa plenitude”. Segue no catálogo:

Fora das ‘categorias’, não mais se terá receio de reconhecer o valor estético
numa flor de papel ou num objeto fabricado com lata de querosene. A grande
Arte como que cederá seu lugar a uma expressão estética ‘não-privilegiada’;

91
a produção folclórica, popular e primitiva, perderá seu atributo (mais ou
menos explícito, hoje) de manifestação consciente ou de transição para
outras formas, e significará o direito dos homens à expressão estética, direito
esse reprimido, há séculos, nos “instruídos”, mas que sobreviveu como
semente viva, pronta a germinar, nos impossibilitados de se instruir segundo
métodos inibitórios. (BARDI, 2018, p. 134)

Lina finaliza o catálogo citando Appia e incitando os interessados: sejamos


artistas, nós podemos!9

A Exposição Bahia ganha destaque no Jornal Diário de Notícias por uma nota
do próprio Odorico Tavares, em que ele diz que “Não me parece que os bahianos
estejam apercebendo da grande importância e do êxito excepcional da exposição, em
S. Paulo, que se denominou ‘A Bahia no Ibirapuera’”, e parte a elogiar o trabalho
desenvolvido por Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves, que destacaram a Bahia para o
resto do Brasil e para o mundo, visto o interesse internacional em torno da mostra.

Algumas semanas depois foi a vez de Vera Pacheco Jordão, escrever uma seção
na coluna “artes & letras” do Diário de Notícias onde descreveu e destacou a
exposição em mínimos detalhes, tanto da montagem quanto das peças expostas, ao
que finaliza dizendo

Por essa afirmação de talento criador, pela dignificação dos instrumentos


mais humildes, pela aura de poesia envolvendo o cotidiano, pela alegria de
viver que dali irradia, o pavilhão da Bahia merece ser visto por todos nós
brasileiros que ignoramos essa riqueza, e enviado ao estrangeiro como
testemunho de uma cultura rica, original, autêntica (JORDÃO, 1959)

A Exposição Bahia foi aclamada também por Jorge Amado, que a definiu:
“Documentário de uma cidade (...) esta exposição vai mais além do folclore, do
simples pitoresco, penetra fundo na realidade e no mistério da Bahia”. Esta exposição
foi um anúncio e uma preparação importante para o que aconteceria na Bahia nos
anos seguintes, e o sucesso dela naquele momento foi também uma validação. Mas
Lina Bo Bardi não queria apenas mostrar a Bahia, esta era uma movimentação
importante de divulgação e de ampliação da discussão no universo das artes, mas a

9
No original: “soyons artistes, nous le pouvons”.

92
arquiteta previa na verdade ações mais aprofundadas no sentido de uma mudança
estrutural no quadro sócio-cultural, e aqui se inclui também político.

As bases de sua atuação naquele recorte temporal frente ao Museu de Arte


Moderna da Bahia foram debatidas anos antes em suas publicações para o Diário de
Notícias de Salvador com a coluna Crônicas, e são essas bases, traduzidas em três
dimensões no capítulo anterior (o museu, a casa, os homens), que serão retomadas
a seguir, a partir de registros escritos da arquiteta, a fim de identificar de que forma
a sua atuação prática dialoga com o seu discurso.

O MUSEU - de Arte Moderna da Bahia

Em outubro de 1959, Lina volta ao Diário de Figura 44: Parte do texto publicado por
Lina em out. 1959
Notícias de Salvador na coluna “artes & letras”
para escrever sobre o Museu de Arte Moderna da
Bahia que estava para ser inaugurado no foyer do
Teatro Castro Alves e do qual ela acabava de ser
nomeada Diretora. Começa o texto retomando a
discussão sobre o que seria o museu nos moldes
tradicionais e levantando aspectos atualizados
de um museu que estava por vir:

A palavra museu é imprópria para


definir hoje o organismo cultural
a que se refere. Museu é,
sobretudo, conservação, vitrina,
salvar do tempo e do pó. É
conservar, reunir, expor; nascido
Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1959
das coleções privadas do século
XVIII, adquire sua máxima expressão no século XIX. O “museu” com os
quadros em quatro fileiras, cheios de estátuas e de obras escolhidas
segundo um critério não estritamente ortodoxo, o “museu-museu” é aquele
que deu origem à expressão corrente “peça de museu” para definir uma coisa
fora da vida, estática, que não vive mais. Tempo da sapiência e da
especialização, empoeirado horror de visitas escolares, destinado à
reverência e ao esquecimento. (BARDI, 1959a)

93
Em seguida questiona “O que há em comum entre êste tipo de museu com o
conceito moderno de museu? E por que êste novo acontecimento de cultura continua
a chamar-se museu?”. Não há mudança na palavra, a instituição cultural permanece
com seu nome de batismo, mas há um reforço imenso já nesse primeiro parágrafo,
que demarca uma nova fase para os museus de Lina:

a palavra museu veio hoje a significar uma atividade viva da cultura inteirada
de uma “conservação” de obras que não é mais conservação pura e simples,
mas que assume um aspecto didático de “documentação”, uma ponte
estendida entre o passado e o presente num único processo de continuidade
histórica ou, como é o caso dos museus de arte moderna, de uma tomada
de contacto “crítico” do desenvolver-se do processo artístico contemporâneo
(BARDI, 1959a)

Lina se utiliza de aspas o tempo inteiro para destacar conceitos tradicionais


que ela pretende reivindicar, como “museu” e cultura”, palavras que ela já vinha
recontextualizando desde o primeiro texto em Crônicas, e seguiu fortalecendo a
discussão numa tentativa de ressignificar esses conceitos já empedrados no
imaginário do povo, e que muitas vezes contribuem para um afastamento da
população.

Nesta publicação, Lina volta a reclamar o lugar da arte como necessidade


primária na vida do homem: “Estar no ponto de participar de um processo artístico,
de compreendê-lo, de criar-se uma própria riqueza espiritual (...) quer dizer apenas
não se estar privado de uma das partes vitais da personalidade humana”. Aproveita
também para reforçar a necessidade da construção de um projeto pedagógico para
o museu, e o compromisso com a valorização de uma cultura verdadeiramente
brasileira. Nesta nova perspectiva em que o museu deixa de ser uma vitrine e passa
a ser um equipamento ativo para a sociedade, Lina inaugura o Museu de Arte
Moderna da Bahia com um programa que pretendia inseri-lo na vida do país, e tornar-
se uma necessidade.

O MAMB foi inaugurado no dia 6 de janeiro de 1960 no foyer do Teatro Castro


Alves. No texto do folheto de inauguração, atribuído a Lina, a arquiteta avança a
discussão que iniciou em Crônicas e retomou no texto sobre o Museu de Arte Moderna

94
da Bahia no ano anterior, em que lança questionamentos acerca da função do Museu
e sua visão moderna. Neste folheto, a arquiteta parte para uma definição:

Este nosso não é um Museu, o termo é impróprio: o Museu conserva e nossa


pinacoteca ainda não existe. Este nosso deveria chamar-se Centro,
Movimento, Escola, e a futura coleção, bem programada segundo critérios
didáticos e não ocasionais, deveria chamar-se: Coleção Permanente. É neste
sentido que adotamos a palavra Moderno (BARDI, 2018, p. 138)

Dito isto, a diretora do Museu segue introduzindo a mostra de inauguração e


de que forma ela se constitui estabelecendo as bases do seu novo museu. Justifica a
exposição “Formas da Natureza” e afirma a necessidade de se expor obras do passado
contextualizando o momento em que foram criadas para que se entenda o antigo
como o caminho que resulta no Moderno, e não como a realidade dos dias atuais.
Finaliza comentando que a palavra Museu foi ressignificada para compreender o
Museu de Arte Moderna da Bahia, e anuncia as escolas que virão em seguida como o
que melhor definirá o caráter didático e útil da instituição.

Um mês antes de o Museu de Arte Moderna da Bahia completar 1 ano de


funcionamento, Lina publica na Revista Ângulos, ainda em 1960, um artigo intitulado
“Artes Menores”. Nele, a arquiteta abusa do uso de aspas para tratar de termos como
“artes menores”, “artes gratuitas”, “artes práticas”, “intelectual”, “mecânico”,
apontando dicotomias no mundo das artes.

O uso das aspas demonstra, mais uma vez, uma discordância da arquiteta com
os sentidos tradicionais dos termos, mas são os termos utilizados para descrever as
coisas e o meio prático que ela encontrou para demonstrar o seu ponto de vista. Artes
Menores, por exemplo, seria o termo utilizado nos manuais de História da Arte para
designar as atividades artísticas ligadas à vida “prática”, em contraposição às
manifestações artísticas “gratuitas”, não ligadas à esta vida prática, como seriam a
pintura e a escultura. “Artes Menores” seria o equivalente ao “Desenho industrial”, os
objetos de uso cotidiano. Ela coloca de um lado a arte industrial como a essência da
expressão estética da vida cotidiana do homem, e do outro lado a arte de requinte
decadente “ligada exclusivamente a problemas formais que excluem o lado humano”.

95
Para Lina Bo Bardi o Desenho industrial era a orientação moderna da arte,
“estreitamente ligada ao processo de humanização”.

Neste artigo, a arquiteta retoma Gramsci quando reafirma que “cultura não é
abstração, mas ‘sistema’, ‘meio’ para se conseguir viver no sentido pleno da palavra.
‘Meio’, portanto, que deve ‘servir’ ao homem”. Isto para introduzir um tema que já
havia abordado na oitava edição de Crônicas, no texto “Arte industrial”, em que
destaca a crise técnica da época que ainda separava “o homem que trabalha com as
mãos” do “homem que trabalha com a mente”. Com isso Lina encaminha a discussão
para demarcar uma nova época, de uma nova consciência social, a era do Desenho
industrial, o “novo ARTESANAL”, que

pode ser sem hesitação definido caráter marcante da nossa civilização. A


indústria que produz o objeto de cada dia, que acompanha o homem por
tôda vida, que lhe sugere um modo de viver e uma ética. A forma de arte por
excelência de nossa época, a única que não tem necessidade, entre as artes
herdadas da tradição, de ser hoje sustentada, imposta ou justificada. (BARDI,
1960b)

Este artigo é quase um manifesto que inaugura o que estaria por vir no Museu
de Arte Moderna da Bahia nos próximos anos. Lina Bo Bardi acreditava que aquele
momento que vivia o Brasil, de início do seu processo de industrialização, era crucial
no sentido de se estabelecer uma cultura própria, com uma abundante “matéria-
prima” de bases populares e um cenário que a favorecia, visto que havia uma grande
movimentação em todo o país nesse sentido de orientar e exportar a produção de
uma cultura genuína. Não se poderia perder aquela oportunidade.

O Brasil está conduzindo hoje, a batalha da cultura. Nos próximos dez, talvez
cinco anos, o pais terá traçado os seus esquemas culturais, estará fincado
numa linha definitiva: ser um país de cultura autônoma, construída sobre
raízes próprias, ou ser um país inautêntico, com uma pseudo-cultura de
esquemas importados e ineficientes. (BARDI, 1961b)

Esta é a introdução do artigo escrito por Lina na coluna “artes & letras” do
Diário de Notícias de Salvador em abril de 1961, quando promove no MAMB uma
exposição dedicada às cerâmicas de Francisco Brennand, artista plástico brasileiro
ligado à indústria. Neste artigo a arquiteta fala de uma aristocracia ligada ao mundo

96
popular e ressalta a importância do trabalho de Brennand como pertencente a essa
“aristocracia do popular”.

A sua pintura desenhada, lisa e despida foi julgada primitiva numa grande
exposição internacional sulina, e figurou entre os ingênuos; fala disso com
simplicidade, com uma ponta de ironia. Ligado a uma grande indústria, prêso
a uma realidade de cada dia, não pode deixar de transmitir esta realidade à
sua produção. Sua cerâmica simplificada: pratos e placas alinhados no chão
e nas mesas da grande e velha casa do engenho São João, em Pernambuco,
transmitem um sentido de austeridade medieval. Sentido estranho, quase
inoportuno numa terra tão longe dessa atmosfera. De repente, no verde das
plantas, nos animais lentos, na paisagem, êste estranho sentido de idade
média teve de marcante: a medida humana, o trabalho, a natureza perto dos
homens. E a sensação de estranheza deixa lugar a simples verdade da
natureza tropical e dos homens nela. (BARDI, 1961b)

Finaliza o artigo citando o arquiteto Henry Van de Velde, como a síntese de


uma perfeita intuição do rumo da arte moderna: “E o espetáculo da natureza
completa a lição da história”. De novo a referência da natureza como os limites da
arte moderna, já citado no folheto de inauguração do MAMB.

Em 1963, já com 3 anos de Museu de Arte Moderna em plena atividade no Foyer


do Teatro Castro Alves, Lina Bo Bardi inaugura o Complexo do Solar do Unhão com
projeto de restauro seu e onde funcionariam todas as atividades ligadas ao MAMB,
especialmente o Museu de Arte Popular e as Escolas destinadas ao eixo do Desenho
Industrial. Neste ano de 1963, Lina envia uma carta para Lomanto Júnior, então
Governador do Estado da Bahia, falando da necessidade da criação de um museu de
Arte Popular, projeto que Martim Gonçalves já havia expressado para a arquiteta
ainda em 1960, quando apresentou o Solar do Unhão à Lina (pelo qual ela não
demonstrou interesse naquele momento). Segue transcrição da carta:

Senhor Governador,
O Conjunto do Unhão é apenas uma “restauração”, mesmo se de grande
beleza. Agora é preciso ser realisado o plano de Artesanato Popular, para que
tudo não fique apenas numa programação bonita. mas sem fundamento pois
na vida da Cidade. Não é tanto questão de verba como duma iniciativa que
tenha o apôio “moral” e efetivo do Gôverno do Estado. Na fase do interesse
demonstrado pelo trabalho já realisado, queria ser recebida por V.Exa. para
expor nosso plano técnico. Acabo de voltar do sul e peço para incluir nosso
problema, não nos de “arte” requintada, mas entre os mais urgentes, sendo
o plano do Unhão não de “arte-lazer”, mas de trabalho Popular. Dada a
exiguidade do tempo escrevo pessoalmente a V.Exa. diretamente no Palácio

97
da Aclamação, (pelo que peço desculpa), pedindo permissão para mandar
saber posteriormente quanto V.Exa. poderá marcar-me uma entrevista.

Respeitosamente,
Lina Bardi.

É interessante observar, na carta, como Lina passa rapidamente pelo (f)ato de


restauração do complexo do Unhão, quase como expressando um desdém pela
materialidade do projeto, talvez resgatando a crítica que escreveu ainda na quinta
edição de Crônicas, quando falou que “às vezes, o museu é um mero palco para
exercícios exibicionistas dos arquitetos”, algo que ela pretendia combater. Lina aponta
ali para o que seria o verdadeiro interesse: as manifestações da cultura popular.

A diretora do MAMB não perdia a oportunidade de deixar documentado o


verdadeiro sentido de Museu, bem como não permitia distrações que a fizessem sair
do foco de seu projeto maior. O museu precisava ser vivo e precisava ser também
uma escola, pois uma ferramenta de aproximação entre técnicos e operários
produtores, mas também formador de novos produtores e novos artistas. Essa seria
a nova realidade e ela já havia afirmado isto na 8ª edição de Crônicas com o texto
Arte Industrial.

Havia um projeto e agora com um espaço físico propício para a implantação


dele, embora em tempos de tensões políticas, Lina seguia para a divulgação do Museu
de Arte Popular e para implantação de suas Escolas, o que colocaria o Museu,
definitivamente, como um equipamento necessário à vida. O museu passa a ser
também “casa”.

A CASA - Tudo de uma só vez: as casas, as escolas,


os museus, as bibliotecas

Uma das formas de inserir o Museu nas demandas práticas da vida na cidade
seria colocá-lo como ferramenta na produção da arte, arte como ofício, e assim fazer

98
com que ele desempenhasse também um papel formativo, algo para o que Lina já
havia esboçado uma ideia na oitava edição de Crônicas:

Este museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte
no sentido de ofício, além de arte) que permitisse o contacto entre técnicos
desenhistas e executores. Que expressasse, no sentido moderno, aquilo que
foi o artesanato, preparando novas levas, não para futuras utopias, mas para
a realidade que existe. (BARDI, 1958q)

Lina não objetivava o museu-monumento, isolado. Havia planos de um museu


inserido na vida cotidiana da cidade, numa associação construtiva também com a
universidade. É nesse sentido que o museu se enquadra na dimensão casa, quando
se faz parte do que é de fato necessário ao funcionamento pleno da vida prática da
cidade: os mercados, as escolas, os hospitais.

A arquiteta tinha planos para a escola da criança e uma escola de arte


industrial, as quais Glauber Rocha já havia divulgado em artigo para o Jornal Diário
de Notícias ainda em 1960. Lina acreditava que o Nordeste já tinha alcançado um
papel de destaque social no país com as iniciativas educacionais de Anísio Teixeira
com as escolas públicas, e de Paulo Freire, com os programas de alfabetização. Sua
contribuição neste sentido seria a de modernizar o ensino do desenho industrial
abrindo uma “universidade popular” que beneficiaria a população desfavorecida
economicamente. Para Zeuler Lima (2021, p. 233)

Ela acreditava no propósito pedagógico do museu, mas preocupava-se,


também, com a formação de artistas jovens e de novos públicos para a
cultura; queria criar uma Escola da Criança, produzir montagens teatrais com
Martim Gonçalves e sediar o Cineclube Bahia no auditório improvisado. ‘Do
museu-escola partirá a atenção para as coisas, o respeito por tudo o que o
homem representa, a sua escala, o seu autêntico humano’, anunciou, em
suas anotações visionárias”

Lina abandonou o termo Universidade Popular, mas seguiu com o


desenvolvimento do seu projeto e além de instalar o Museu de Arte Popular, instalou
o Centro de Estudos do Trabalho do Artesanato (CETA) e o Centro de Estudos Técnicos
do Nordeste, formatados para mapear e apoiar manifestações populares ameaçadas
e para funcionar como escola de desenho industrial, respectivamente.

99
Desde 1961 o país enfrentava uma mudança no quadro político, que feria
também o campo cultural, e Lina, que havia perdido o apoio de Martim Gonçalves
devido ao seu afastamento da direção da Escola de Teatro após a demissão do Reitor
Edgard Santos, também passa a contar menos com o apoio de Odorico Tavares e se
encontra, de certo modo, sozinha na capital baiana. Se envolveu pouco no universo
da arquitetura em Salvador, e o universo das artes ia se decompondo aos poucos
com o aumento das tensões políticas. Do apoio político que tinha, e que era
extremamente importante, restava apenas Juracy Magalhães que estava para concluir
seu mandato e não tinha pretensões de seguir carreira política na Bahia. No fim de
seu mandato, Lina é convencida por Mário Cravo Jr. a retomar o projeto de Martim
Gonçalves de fundar um Museu de Arte Popular no Solar do Unhão, complexo
arquitetônico que tinha sido apresentado por ele a Lina ainda em 1958 e pelo qual
ela não tinha nutrido interesse. Devido às obras da avenida do contorno, aquele seria
o único lugar em que Juracy Magalhães ainda investiria para a instalação do Museu
e, assim, mesmo que a contragosto, Lina abraçou e muito rapidamente (devido à
necessidade de concluir a obra enquanto Juracy Magalhães estava no poder)
desenvolveu um projeto de restauro inovador para os parâmetros da época.

Em 1962 o Solar do unhão “foi restaurado e transformado num Centro de


Documentação sobre Arte Popular e Centro de Estudos Técnicos do Nordeste, visando
a passagem de um pré-artesanato primitivo à indústria moderna” Lina escreveria
anos depois (apud FERRAZ, 2018, p. 152).

Sendo essa a concretização do seu projeto inicial que não vislumbrava um


museu nos moldes tradicionais, mas no lugar disso um Centro, um movimento, que
se constituísse como um equipamento necessário à vida, necessário à cidade, o
Museu seria a partir daquele momento também uma ferramenta em um momento de
transição crucial para o estabelecimento industrial do país.

Nos arquivos do MAMB é possível encontrar um documento que se acredita


datar do ano de 1963 e que Juliano Pereira reproduziu integralmente no anexo de seu
livro “Lina Bo Bardi: Bahia, 1958 - 1964”. Este documento é intitulado “Projeto da Escola

100
de Artesanato” e nele é possível encontrar uma série de informações sobre o
funcionamento do Conjunto Arquitetônico do Solar do Unhão, mas também das
atividades desenvolvidas pelo Museu de Arte Moderna da Bahia e pelo Museu de Arte
Popular do Unhão e suas escolas.

“Estão em atividades onze mestres e 44 discípulos previamente selecionados


dentro os 3000 do Centro Educacional Carneiro Ribeiro”, aquele mesmo Centro do
qual Lina se utilizou para ilustrar um exemplo em seu texto principal na quarta edição
de Crônicas, no texto A escola e a vida. Em seguida lista os setores aos quais as
oficinas se dedicam: “metais ferrosos e não-ferrosos; pintura; cerâmica; fornos e
estufas; vidros; pedras; madeira; tipografia; estamparia; tecidos e rendas em geral;
artigos de couro; palha”.

Neste documento, a diretora do MAMB discorre não apenas sobre o


funcionamento do museu e suas escolas, mas principalmente sobre seus objetivos.
Fala da importância do Museu de Arte Popular com função documentária histórica e
não paternalista, bem como da necessidade de se fazer exposições nacionais e
internacionais, e resume seus eixos:

1º) Escola de Artesanato e Desenho Industrial: criação da mentalidade


técnico-artística necessária à criação do desenho industrial, ligando o fator
teórico ao prático. Preparo à futura transformação do artesanato em I.D.
2º) Museu de Arte Popular, Exposições de Artesanato: lançamento no plano
nacional e internacional da p rodução artesanal nordestina, com as inerentes
vantagens econômicas das zonas artesanais.,
3º) Influência na produção Desenho Industrial dos fatores culturais
peculiares do país (BARDI, 2007, p. 246)

Lina Bo Bardi descreve como seriam as oficinas e quais seus objetivos, fala de
um cronograma de Bienais do MAMB ligados à indústria e estabelece o principal
objetivo da Escola: eliminar “a fratura Projeto-Execução que põe em compartimento
estanque projetista e operário” e complementa a seguir dizendo que “quer também
experimentar construir sobre bases técnicas e práticas uma ética sentimental e
poética, nova, não mais ligada aos velhos problemas idealísticos e espirituais”,
lembrando a discussão sobre o novo humanismo que ela levanta em Técnica e arte,
texto publicado no Diário de Notícias ainda em 1960 quando disse:

101
O novo humanismo tende à fusão, numa visão técnica do mundo, dos
problemas culturais. Tende sobretudo a um processo de simplificação.
Simplificação necessária ao enquadramento não somente da técnica (...), mas
da inteira vida humana (BARDI, 1960a)

Lina elaborou um projeto completo. Objeto, objetivos, descreveu o processo de


admissão, público alvo, a quantidade de alunos, que materiais seriam explorados,
quais disciplinas seriam ministradas e seus programas. Um controle total. Por fim,
conclui o documento:

O contato da Escola de Desenho com a realidade artesanal criará


indispensavelmente a atmosfera necessária a criação de novas formas,
acompanhando a inevitável transformação econômicas.
Do ponto de vista econômico social, o MAP e a Escola criarão o “interesse”
em volta da produção artesanal, criando em consequência a DEMANDA
econômicas, com o relativo desenvolvimento dum trabalho de inteiras zonas
artezanais. (BARDI, 2007, p. 252)

A arquiteta já havia deixado clara na quarta edição de Crônicas a sua visão de


que a escola é responsável pelo grau de civilização de uma nação, que ela é o recurso
material necessário ao desenvolvimento pleno de uma sociedade e que deveria vir a
existir em grau de igualdade com as casas, bem como os museus, as bibliotecas, os
hospitais, entre outros equipamentos coletivos. Ela também afirma na seção “olho
sôbre a Bahia” da primeira edição de Crônicas que seria responsabilidade dos
técnicos planificadores “impedir que os valores da cultura sejam destruídos pela
indiferença À Humanidade, à História, à Tradição”. Não se pode dizer que Lina não
deu os passos que pôde nesse sentido, e com a instituição do Museu de Arte Popular
do Unhão e suas Escolas, ela dá um novo grande passo em direção ao que pretendia
ser uma mudança na forma de pensar e existir no mundo. Parafraseando Paulo Freire:
um mundo de um povo sujeito de si, sujeito de sua história (FREIRE, 2021, p. 51).

OS HOMENS - um país cuja base é a cultura do povo


é um país de grandes possibilidades

Praticamente um mês após a inauguração do MAM da Bahia no foyer do Teatro


Castro Alves, em janeiro de 1960, Lina Bo Bardi faz uma publicação de duas páginas
na seção Tablóide do Jornal da Bahia, em que divulga as atividades do Museu. A
edição da página destaca dois aspectos da exposição: a crença no potencial da Bahia

102
em exportar uma arte genuinamente brasileira (movimento que falhou no eixo Rio-
São Paulo, segundo a arquiteta); e “a boa vontade e habilidade do operário baiano”,
devido à montagem da exposição no tempo recorde de 25 dias.

Em seguida relata de forma sensível a movimentação dos dias no museu:

Segurando as malêtas contendo suas ferramentas êles iam de Degas a


Antonio Bandeira, Mario Cravo e Portíinari. Olhavam muito para tudo, e talvez
mais ainda para a moça morena de Di Cavalcanti. O trabalho na obra
terminara às 5, e antes de voltarem para suas casas; escolheram ir vêr a
exposicão do MAMB. Entram com certo respeito de quem entra na igreja, de
chapeu na mão. Comentam pouco e reparam muito.
Crianças, funcionárias, donas de casa, operárias, brôtos e grã-finas, sucedem-
se diante das graciosas bailarinas de Degas, e vão seguindo, apreciando cada
quadro, cada escultura. (O BAIANO… 1960)

O relato acima é um indício da realização do objetivo de Lina Bo Bardi de que


o museu fizesse parte da vida de todos, não apenas de uma elite “pseudoculta”, e
introduz as considerações da arquiteta que viriam a seguir. Ao tomar a palavra, Lina
fala de um “ambiente” na Bahia, “o mais interessante para o movimento artístico
semelhante ao de certas cidades na Europa”. Afirma ter encontrado na Bahia, já
quando veio ministrar um curso na Faculdade de Arquitetura, um ambiente
extremamente promissor, essencialmente popular, diferente do que acontecia no Rio
e em São Paulo; uma sensibilidade artística.

Ela reúne neste tabloide uma série de fotografias do povo curioso que visita o
museu, e destaca: “a Bahia é a única cidade do Brasil que tem tradição cultural. Aqui
há ambiente, há uma sensibilidade mais apurada para os problemas da arte”.

A arquiteta admite neste escrito que temia que a exposição não aguentasse
uma semana, mas demonstra surpresa ao, 20 dias depois, seguir acompanhando a
enorme movimentação no museu: “dá prazer ver como o baiano de todas as camadas
olha com curiosidade e respeito todos estes quadros, gostem ou não”. A essa altura
a arquiteta já havia demonstrado certo ressentimento com a elite paulista em
algumas oportunidades, e destaca “note que não existe aqui aquela outra coisa de lá
que revolta: o ar de superioridade e os risos da burguesia quando olham obras que
não entendem”.

103
Zeuler Lima relata em sua biografia de Lina Bo Bardi recém publicada:

Lina lembrava-se, com entusiasmo, de um transeunte ocasional que, um dia,


entrara no prédio calçando chinelos, considerados na época um sinal de
pobreza. Tinha um orgulho especial de outro episódio em que um vendedor
ambulante deixou sua cesta de guloseimas, embrulhadas em um pano de
prato, na porta da frente do museu e se aventurou pelo salão de exposições.
Para ela, esses eram indicadores de interesse e curiosidade autênticos pela
arte, e lhe davam a sensação gratificante de que o museu estava alcançando
seu objetivo: levar arte ao povo. (LIMA, 2021, pp. 231-232)

É nesse contexto, com essa aceitação de seu museu e confirmação das suas
ideias que Lina segue com seu projeto de museu-didático e afirma a sua satisfação e
aposta no povo baiano: “Estou muito contente em vêr o entusiasmo do povo. Em São
Paulo, depois de 12 anos, via sempre no museu as mesmas caras. Aqui êle está sendo
frequentado pelo povo. O povo da Bahia é curioso, e a curiosidade é a mola de tudo”.

Lina já em Crônicas dava indícios de como fazer o museu ser mais dinâmico e
didático e atrair aqueles que cresceram achando que museu não era um lugar de
todos. Mesmo que na época em que colaborou com o Diário de Notícias ainda não
existisse o projeto para o Museu de Arte Moderna da Bahia, a sua experiência na
década anterior com o MASP e as discussões levantadas nos 9 volumes de Crônicas
deram as bases para o que seria feito no MAMB anos depois.

Assim como o homem estava no centro das discussões em Crônicas, também


este homem estava na centralidade do Museu de Arte. Lina tinha o objetivo de fazer
do MAMB um Museu de arte do povo para o homem do povo e traçou um caminho
pedagógico para que ele passasse a integrar a arte em seu dia-a-dia, não mais se
estranhar diante de um quadro, de uma escultura, para então poder passar a se sentir
parte e produtor daquela arte. Já havia adiantado na terceira edição de Crônicas:
“poder-se-ia objetar que falta no público e consciência crítica e a capacidade de
julgamento, mas esta consciência crítica necessita ser criada e alimentada” e
acreditando nisso a arquiteta propôs uma série de ações junto ao museu, como se
dispor a estar lá e diretamente tirar dúvidas, conversar sobre arte com quem
resolvesse aparecer e se deslumbrar.

104
O caminho escolhido por Lina Bo Bardi foi o da didática. Era necessário ensinar
o homem a se reconhecer para que ele, sujeito de si, passasse a produzir de forma
consciente. Era necessário também criar um meio em que a arte passasse a ser do
interesse cotidiano de todos.

Há um artigo da edição do Jornal Diário de Notícias de Salvador de 24 de abril


de 1961 que fala sobre uma Exposição Didática realizada no Museu de Arte Moderna
da Bahia sobre os caminhos da arte através da história. Ao que parece, há uma
amostra de um painel da exposição e seu texto introdutório, “amostra da linguagem
usada nas legendas”, diz a edição. O artigo reconhece esta exposição como uma aula
silenciosa “ministrada a todo aquele que visita a Exposição-Aula que pode se repetir
desde que se volte ao mesmo lugar, com a mesma disposição de ver e aprender”.
Explica:

No grande painel, o homem comum acompanha a evolução da arte, desde


os primitivos até os modernos e pode, inclusive, entende-la e, seus diversos
momentos como expressão dos respectivos tempos históricos. É desta forma
que o MAMB, sob direção da sra. Lina Bardi, continua prestando à Bahia um
inestimável trabalho cultural, fazendo com que o cidadão comum veja de
perto as grandes manifestações do espírito humano. A Mão que está no início
da amostra imprime a consciência do trabalho artístico como função
semelhante áquelas outras que são, no fundo, a luta homem para dominar
a natureza (EXPOSIÇÃO… 1961)

Segundo Sante Scaldaferri, artista plástico e assistente de Lina na época do


Museu de Arte Moderna da Bahia, havia uma série de “exposições didáticas” com
temas variados, e o maior objetivo de Lina sempre foi desmistificar a arte para o povo.
Um modo que a arquiteta encontrava para isso era fazer exposições de grandes
nomes da arte junto a nomes ainda desconhecidos, regionais, para atrair o mesmo
público. Em suas mostras, para fortalecer a imagem e presença do homem
restabelecendo a dimensão humana na obra de arte, Lina pede um testemunho aos
artistas que expunha no museu e monta um painel documentando suas vidas. Um
ato que parece uma tentativa de primeiro aproximar o homem-homem para que seja
possível se aproximar de sua arte.

Quando em 1963 Lina conseguiu abrir ao público o Museu de Arte Popular do


Unhão, inaugurou a “1ª Grande Exposição de Arte Popular e a Exposição Nordeste,

105
coletiva de artes plásticas dos artistas da Bahia, Ceará, Pernambuco e do Centro de
Cultura Popular do Recife”. Lina compreendia a Exposição Nordeste como uma
acusação:

Acusação de um mundo que não quer renunciar à condição humana apesar


do esquecimento e da indiferença. É uma acusação não-humilde, que
contrapõe às degradadoras condições impostas pelos homens, um esforço
desesperado de cultura. (EXPOSIÇÃO… 1961)

Anos depois, esta mesma exposição seria apresentada em Roma, quando foi
cancelada por movimentações da ditadura Militar, inspirando um texto-revolta de
Bruno Zevi em que ele reforça o raciocínio da arquiteta:

esforços desesperados de uma sociedade condenada à morte, que denuncia


a sua existência intolerável. Os economistas, os arquitetos, os jovens
progressistas estão convencidos de que o estudo destes documentos servirá
de estímulo a um processo de formação cultural radicado na trágica
realidade do País (ZEVI, 1994, p.48)

Essas duas passagens de “fins dos tempos” relembram o folheto da Exposição


Bahia no Ibirapuera, “início de tudo” escrito a quatro mãos por Lina bo Bardi e Martin
Gonçalves quando afirmam que “o homem ‘só’, precário em suas manifestações
artísticas julgadas ‘colaterais’, reivindica, hoje, seu direito à poesia”, e quando vão
adiante estabelecendo que “neste sentido apresentamos toda uma série de objetivos
comuns , carinhosamente cuidados, exemplo importante para o moderno desenho
industrial” (BARDI, 2018, p.134).

Para Lina Bo Bardi, a luta pelo reconhecimento e fortalecimento de uma


cultura genuinamente brasileira seria de bases populares e o recurso para alcançar
tal feito era predominante humano. Não somente por ser a mão do homem que
produz, mas porque a essência do que é produzido não está em abstrações
metafísicas, mas na realidade do dia a dia do homem que a produz. É neste sentido
que a arquiteta recorre ao termo civilização para apresentar o seu museu e para
apresentar a cultura brasileira ao mundo

106
Já no texto de apresentação da Exposição Nordeste, Lina afirma que ela deveria
se chamar Civilização do Nordeste (título que utiliza ao publicar novamente esse texto
em Tempos de Grossura, anos depois). Isto porque

Civilização é o aspecto prático da cultura, é a vida dos homens em todos os


instantes. Esta exposição procura apresentar uma civilização pensada em
todos os detalhes, estudada tecnicamente, (mesmo se a palavra “técnico”
define aqui um trabalho primitivo), desde a iluminação às colheres de
cozinha, às colchas, às roupas, bules, brinquedos, móveis, armas.
É a procura desesperada e raivosamente positiva de homens que não
querem ser “demitidos”, que reclamam seu direito à vida. Uma luta de cada
instante para não afundar no desespero, uma afirmação de beleza
conseguida com o rigor que somente a presença constante de uma realidade
pode dar. (BARDI, 2018, p. 158)

Esta exposição é a mostra de valorização da arte prática, mas antes de tudo da


condição humana. Aqui ela retoma o termo “não-gratuitas” referenciando a poética
das coisas humanas, dessa arte do útil. E então lança uma provocação-realidade-
determinação:

Chamamos este Museu de Arte Popular e não de Folclore por ser o folclore
uma herança estática e regressiva, cujo aspecto é amparado
paternalisticamente pelos responsáveis da cultura, ao passo que arte
popular (usamos a palavra arte não somente no sentido artístico mas
também no de fazer tecnicamente), define a atitude progressiva da cultura
popular ligada a problemas reais. (BARDI, 2018, p. 158)

Em Crônicas, Lina colocou o homem nas imagens, nos textos, nas cartas e nos
documentos. No museu, Lina documenta o homem e a arte do homem. Ela faz uso da
Exposição Nordeste como uma plataforma de divulgação da produção do Nordeste
do país, elevando as manifestações da cultura popular à arte popular. É um retorno
à discussão levantada ainda na primeira edição da página dominical em que a
arquiteta discute como é vista a cultura numa sociedade elitista e a necessidade de
afirmar as bases de uma nova ação cultural pautada na força latente que há em
abundância no Brasil, a força do povo de raízes populares. Ela fala naquele texto de
civilização primitiva no sentido de possuírem os elementos essenciais para o
desenvolvimento de uma nova e genuína cultura, já no folheto da Exposição ela fala
de Civilização Nordeste e trabalho primitivo: “a procura desesperada e raivosamente
positiva de homens que não querem ser “demitidos”, que reclamam seu direito à vida”,
para em seguida definir que aquilo é produto da necessidade básica pela

107
sobrevivência, “uma afirmação de beleza conseguida com o rigor que somente a
presença constante de uma realidade pode dar”.

Lina Bo Bardi buscava o estabelecimento industrial do Brasil a partir do pré-


artesanato. Ela via no modo de fazer dos homens comuns o caminho da
modernização em moldes originais e aderentes às necessidades reais. No centro do
seu trabalho: o homem. É ali na Salvador daqueles anos que a arquiteta começa a
dar sinais de uma abordagem antropológica do desenho industrial e da arquitetura.
Ao que Bruno Zevi arremata: “É necessário recomeçar pelo princípio, partir de onde a
arte funde-se com a antropologia e grita ou reprime a sua indignação” (ZEVI, 1994,
p.48).

É UM JEITO DE SER QUE SE ESTENDE À


MANEIRA DE OLHAR AS COISAS

Lina deixa Salvador de maneira forçosa quando foi deflagrado o Golpe Militar
de 1964, pois sua atuação frente ao MAMB era tida como subversiva. Travou algumas
disputas e deixou algumas intrigas, mas retornou para São Paulo livre muito
provavelmente devido aos contatos políticos que mantinha. Três anos após ter
deixado a Bahia, Lina rompe o silêncio com Cinco anos entre os brancos, publicação
para a Mirante das Artes em que lança um balanço geral do período em que atuou
intensamente na Bahia de 1958 a 1964. O texto é um tanto revoltoso e considerado
por muitos que trabalharam com ela na época até 1964, como uma demonstração de
ingratidão.

Esta publicação, carregada de ressentimento, denuncia entraves e problemas


encontrados pela arquiteta, mas demonstra ainda uma crença nas possibilidades
futuras de um país rico em seiva popular: “cinco anos também de esperanças
coletivas que não serão canceladas”, reforça a arquiteta ao final.

108
Lina Bo Bardi aproveita para reverenciar seu projeto de Museu, reafirmando as
bases que ainda acredita serem necessárias para “entrar no mundo de verdadeira
cultura moderna”:

O fenômeno Museu de Arte Moderna é típico de um país novo (os países de


velha cultura só criam museus na base de um importante acervo, não
existem museus de acervo reduzido ou de nenhum acervo), onde a palavra
Museu tem outra significação da de somente conservar. O Museu de Arte
Moderna da Bahia não foi ‘museu’ no sentido tradicional: dada a miséria do
Estado pouco podia ‘conservar’; suas atividades foram dirigidas à criação de
um movimento cultural que assumindo os valores de uma cultura
historicamente (em sentido áulico) pobre, pudesse lucidamente, superando
as fases ‘culturalística’ e ‘historicística’ do Ocidente, apoiando-se numa
experiência popular, (rigorosamente distinta do Folclore), entrar no mundo
de verdadeira cultura moderna, com os instrumentos da técnica, como
método, e a força de um novo humanismo (nem humanitarismo nem
‘Umanesimo’). Não foi um programa ambicioso, era apenas um caminho.
(BARDI, 2018, p. 161)

Neste escrito, Lina deixa claro também como o maior recurso que tinha à sua
disposição para estabelecer o que estabeleceu, era o recurso humano. Sejam as
pessoas que a apoiaram, sejam as que encontrou e tomaram partido de seus projetos,
seja o povo, objeto central de sua prática. A arquiteta deixa entender em vários
momentos, e também neste texto, que Salvador, ou pelo menos o Nordeste, seria o
único lugar que possibilitaria tais feitos:

Três fatores permitiam pensar em um possível desenvolvimento da Bahia


como centro nacional de cultura: a existência de uma Universidade em
expansão (cujo Reitor, embora não progressista, podia ter sido aproveitado
ao máximo se o corpo estudantil não tivesse tomado posições de
intransigência verdadeiramente opostas aos interesses políticos e
universitários), uma classe estudantil que, embora confusamente, e agindo
às vezes em sentido contrário aos próprios interesses, estava no caminho
mais certo para uma tomada de consciência política e cultural, mas
sobretudo o caráter profundamente popular da Bahia e de todo o Nordeste.
(BARDI, 2018, p. 161)

O movimento que Lina executou na Bahia daqueles anos foi indiscutivelmente


importante e memorável, e a interrupção brusca de seu projeto não esconde a
realidade de que ela conseguiu balançar as estruturas e inserir a arte moderna na
Bahia, fazendo a diferença no campo cultural não apenas da região onde estava
inserida, mas do país, ao inspirar gerações (não à toa o seu projeto foi considerado
subversivo).

109
Este trabalho é sobretudo uma documentação de um diálogo estabelecido pela
arquiteta entre seu discurso e sua prática naqueles anos, para além do seu desfecho
crítico. A arquiteta pretendia mudar o estado das coisas nos campos da cultura e
também da arquitetura, entrando na disputa que definiu em alguns textos como
batalha da cultura, em que o país deveria escolher instituir uma cultura autônoma
sobre raízes próprias, ou importar algum esquema ineficiente de culturas
estrangeiras. As três dimensões contempladas nesta análise compreendiam o que
seriam as três bases necessárias para que houvesse essa mudança no sentido de
produzir (e consequentemente exportar) uma cultura genuinamente brasileira, que
ela acreditava ser de bases populares: o homem, o eixo central; a casa, representando
as necessidades de primeira ordem para a existência do homem, e o museu, a
representação das manifestações de cultura muitas vezes relegadas, embora
fundamentais para a existência em plenitude.

Lina Bo Bardi alcança as três dimensões que aborda na sua atuação frente ao
Museu de Arte Moderna e ao Museu de Arte Popular e suas Escolas, mesmo que por
um curto período de tempo. A instituição Museu cumpre uma função de desmistificar
a arte, fazendo o povo se interessar por ela e se tornar consciente do seu potencial
produtor. A instância casa que, embora em crônicas a arquiteta debata medidas que
devam ser tomadas relacionadas à habitação de fato, engloba outros equipamentos
coletivos como hospitais, escolas e mercados nesta dimensão, para, na prática, fundar
as Escolas do museu com a função formadora e de inserção do povo no processo de
industrialização do país, um processo que considera a realidade deste povo. E por
fim a dimensão homem, que sendo o eixo central de sua abordagem, está inserido
em todos os processos e também em todas as dimensões, sendo o objeto central de
sua atuação. Pode-se dizer que a abordagem de Lina Bo Bardi passa nesse período a
tomar um caráter antropológico.

Lina acreditava que uma revolução cultural deveria necessariamente partir de


bases populares e, para isso era importante que o povo fosse instruído e tivesse
acesso aos instrumentos básicos à vida que os permitissem participar ativamente
deste processo. Sua atuação na Bahia daqueles anos foi introduzida com a discussão

110
dessas bases e foi finalizada com a concretização prática do que foi discutido, dentro
do contexto e com os recursos possíveis para a época. Seu trabalho bruscamente
interrompido pelas forças conservadoras que tomaram o poder em 1964 não deve
simbolizar um encerramento, mas uma provocação para se pensar os novos rumos. É
neste sentido que este trabalho se coloca: não como uma escrita para o passado,
mas como um passo, ainda que pequeno, para se pensar o futuro.

111
112
4 BALANÇOS INCERTOS
“O resultado final talvez não agrade a vocês, mas
ela é apenas o resultado de minha experiência
pessoal”

Lina Bo Bardi

Lina Bo Bardi sempre foi uma personagem controversa. Ela se expressou de


variadas formas e em variados tempos, aparentemente sem o medo que costuma
tolher as grandes ideias. Me parece controversa também a tentativa de inserir esta
arquiteta em qualquer definição.

Retomando o impasse proposto por Silvana Rubino e Antônio Risério ainda na


introdução deste trabalho, entre acreditar que Lina Bo Bardi apenas encontrou um
ambiente que retirava as amarras que não a permitiam ser quem verdadeiramente
era, ou acreditar que ela mudou radicalmente depois da experiência baiana entre
1958 e 1964, é preferível compreender que Lina fez o que deveria fazer e, como
consequência, foi se transformando no que deveria se transformar para conseguir se
inserir da forma como se inseriu. De todo modo, entre se transformar e se reconhecer
há pouca diferença quando se pensa que apenas existir já seria um ato de afirmação
para uma mulher, ainda por cima estrangeira, num ambiente extremamente
provinciano e conservador, embora reconhecido pelas vanguardas.

A Lina objetiva, que se admite também romântica em carta a Bruno Zevi


posteriormente, é a mesma que enxerga a poesia para promover novos caminhos de
industrialização. Não são os devaneios metafísicos os quais ela tanto critica, é a vida
no seu modo mais cru que ainda assim insiste em esbanjar beleza.

Há uma diferença entre os textos de Crônicas e os textos publicados durante


seus trabalhos frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia, principalmente nos
últimos anos, que se expressa de forma subjetiva, uma quase raiva. Com os anos, a
arquiteta passou a ser mais incisiva e a deixar mais claros os objetivos que tinha em
mente.

113
Se na Exposição Bahia no Ibirapuera (1959) a arquiteta fala de “direito à poesia”
e “direito do homem à expressão estética”, na Exposição Nordeste (1963) Lina fala de
uma “procura desesperada e raivosamente positiva dos homens que não querem ser
‘demitidos’, que reclamam seu direito à vida”, objetiva uma “atitude progressiva da
cultura popular ligada a problemas reais” e finaliza com uma acusação, falando de
“esquecimento e da indiferença”.

Se há uma busca por definir a atitude da arquiteta como romântica num


sentido de ingenuidade ou de devaneios alheios à realidade, esta pesquisa deve
discordar. A forma como Lina se expressa em 1959 e em 1963 demonstra um
amadurecimento frente aos problemas reais da região que tomou para si naqueles
anos. O Nordeste do país vivia uma situação muito discrepante em comparação ao
Sul-Moderno e ainda que inicialmente a arquiteta tivesse entrado no campo da
defesa e dos movimentos pela Cultura Popular por um “rompante romântico”, no
sentido daquilo que ainda não carrega as marcas da dureza da vida, não teria sido
esse o romantismo que a teria mantido na luta, embora não se mantenha numa luta
árdua, de vida, visando uma mudança estrutural, sem que haja romantismo,
esperança.

Em contraposição à Exposição Bahia no Ibirapuera em que a arquiteta reclama


o direito à poesia, depois de 5 anos imersa num projeto muito mais objetivo que
puramente romântico, a arquiteta defende a busca, dentro do humanismo técnico, de
uma poética. De um lado, uma poesia que fala muito mais de expressão estética, da
beleza do dia a dia, do romântico, e do outro, uma poética que exprime muito mais a
ideia de sistema, de sentido profundo de construção e organização. Há que se
defender os rompantes românticos que nos permitem sair de uma inércia ou de um
campo figurativo para um campo de ações objetivas.

As escritas de Lina para Crônicas demonstram um debate público de questões


cruciais para o desenvolvimento econômico-social de uma sociedade em ascensão,
num clímax de desenvolvimento industrial que deveria ter suas bases repensadas. Se
a arquiteta pousa na cidade e discute uma série de aspectos com bagagem de outros

114
tempos dialogando com a realidade encontrada a sua volta, seus 6 anos na Bahia e
o contato direto com outros intelectuais da própria região que estudavam e
desenvolviam projetos aderentes à realidade, como Anísio Teixeira, Paulo Freire,
Miguel Arraes, Lívio Xavier e Celso Furtado, além de outras figuras locais ou não, o
contato com o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, os projetos da Sudene
e Artene (subdivisão da Sudene que previa apoio financeiro à artesãos rurais),
afirmam sua graduação, descolando a sua atuação de idealismos românticos,
enquanto se aproxima de ações para um planejamento socioeconômico.

A arquiteta que finaliza seu conjunto de textos em Crônicas com uma série de
imagens de manifestações populares da Bahia daqueles tempos, afirmando que “o
que está aqui é o lado amorável, ameaçado e terrivelmente pelos amantes do
‘progresso’” demonstra que tinha consciência de que naquele momento era ainda
uma visitante com os olhos na superfície, embora com preocupações válidas.

Anos mais tarde, quando publica sobre a Exposição Nordeste na Mirante das
Artes, passados alguns anos de sua saída forçada de Salvador, Lina reafirma:
“insistimos na identidade objeto artesanal padrão industrial baseada na produção
técnica ligada à realidade dos materiais e não à abstração formal”. O objetivo de Lina
de fazer um levantamento do pré-artesanato brasileiro mirava numa noção de
progresso, de desenvolvimento pela via da emancipação de seu povo, sujeito de si e
ela seguiu defendendo essas bases enquanto debatia e propunha novos caminhos.

Anos depois de sua atuação ali e até mesmo de sua morte, ainda nos
perguntamos: a que passo estamos desta emancipação? Quais diálogos teremos que
travar em busca de uma revolução socioeconômica e cultural? É nesse sentido que
este trabalho se apresenta como uma documentação, mas relembrando a Lina da
primeira edição de Crônicas, buscando “levantar, em nossas páginas, um passado
que ainda não morreu de tôdo e que tanto pode servir para manter um presente vivo
e um futuro melhor”.

115
116
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casa do 1947 64-67
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homem ruiu
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BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Anotações Pedras contra
1986 - Carvalho (Org.). Instituto 40-42
pessoais brilhantes
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Casa Mário Diário de São Paulo,
1948 Carvalho (Org.). Instituto 126-133
jornal Cravo 22/08/1948
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.

123
"Uma cadeira
de grumixaba BARDI, Lina Bo. Lina Bo
e tabôa é Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Diário de São Paulo,
mais moral 1949 Carvalho (Org.). Instituto 60
jornal 13/11/1949
do que um Lina Bo e P. M. Bardi,
divã de 2018.
babados"
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo,
Habitat 1950 Carvalho (Org.). Instituto 64-66
revista out-dez. 1950, p. 1
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Casas de
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo, por escrito. Textos
Vilanova 1950 67-70
revista out-dez. 1950, pp. 2-16 escolhidos de Lina Bo
Artigas
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
O Museu de Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo,
Arte de São 1950 Carvalho (Org.). Instituto 46
revista out-dez. 1950, p. 17
Paulo Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em Habitat n. 2, São Paulo, por escrito. Textos
Bela criança 1951 70-73
revista jan,-mar. 1951, p. 3 escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
Duas GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em construções Habitat n. 2, São Paulo, por escrito. Textos
1951 73-75
revista de Oscar jan,-mar. 1951, pp. 6-9 escolhidos de Lina Bo
Niemeyer Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Primeiro: Habitat n. 4, São Paulo.
1951 Carvalho (Org.). Instituto 67
revista Escolas 1951, p. 1
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em Habitat n. 5, São Paulo, por escrito. Textos
Vitrinas 1951 75-79
revista out-dez. 1951, pp. 60-61 escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac
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BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Artigo em Habitat n. 5, São Paulo,
Palma 1951 Bardi. FERRAZ, Marcelo 57
revista out-dez. 1951, pp. 62
Carvalho (Org.). Instituto

124
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.

BARDI, Lina Bo. Lina Bo


Museu de Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Habitat n. 9, São Paulo.
Arte (Rio de 1952 Carvalho (Org.). Instituto 43
revista 1952, p. 7
Janeiro) Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
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1988 Urbanismo, São Paulo, n. 157-159
revista intensiva escolhidos de Lina Bo
18, jun.-jul. 1988, p. 37.
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
Polytheama,
RUBINO, Silvana;
uma Revista Projeto, São
Artigo em GRINOVER, Marina. Lina
restauração 1989 Paulo, n. 118. jan/fev. 160-162
revista por escrito. Textos
mais do que 1989, pp. 72-75
escolhidos de Lina Bo
necessária

128
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.

Duas linhas RISÉRIO, Antonio. Avant-


- sobre Pierre 1989 - garde na Bahia. Instituto 232
Verger Lina Bo e PM Bardi, 1995.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Revista Projeto, São
Artigo em Uma aula de por escrito. Textos
1990 Paulo, n. 133. 1990, pp. 162-177
revista arquitetura escolhidos de Lina Bo
103-108
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
In: Lina Bo Bardi. Marcelo GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em Carta ao Ferraz (org.). São Paulo: por escrito. Textos
1991 177-179
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Conferência
natureza - Congresso GRINOVER, Marina. Lina
no XIII
Artigo em Brasileiro de Arquitetos por escrito. Textos
Congresso 1991 180-184
revista (out.-nov. 1991). São escolhidos de Lina Bo
Brasileiro de
Paulo: Ed. Empresa das Bardi. São Paulo: Cosac
Arquitetos
Artes, 1993, pp. 19-21. Naify, 2009.

Tempos de BARDI, Lina Bo. Tempos BARDI, Lina Bo. Tempos


Grossura: o de grossura: o design no de grossura: o design no
Livro 1963-80
design no impasse. Instituto Lina Bo impasse. Instituto Lina Bo
impasse e PM Bardi, 1994. e PM Bardi, 1994.
BARDI, Lina Bo. BARDI, Lina Bo.
Contribuição
Contribuição Contribuição
propedêutica
propedêutica ao ensino propedêutica ao ensino
Livro ao ensino da 1957
da teoria da arquitetura. da teoria da arquitetura.
teoria da
São Paulo: Instituto Lina São Paulo: Instituto Lina
arquitetura
Bo Bardi, 2002. Bo Bardi, 2002.

129
ANEXO II: TEXTOS DE LINA BO BARDI NA
ÍNTEGRA
Este anexo é composto por alguns dos textos de Lina Bo Bardi (e também de outros
nomes), que foram coletados no Jornal Diário de Notícias de Salvador e Jornal da
Bahia, entre os anos de 1958 e 1961 (com exceção de uma publicação de 1975), a que
tive acesso na Biblioteca Central do Estado da Bahia. A ortografia está mantida como
no texto original. Este anexo é também um agradecimento em forma de intenção de
que esse registro possa ser útil a outros pesquisadores, como os anexos de outros
trabalhos acadêmicos foram fundamentais para o percurso desta pesquisa em plena
pandemia da COVID-19.

“artes & letras” – Terceiro caderno


Diário de Notícias (Salvador, BA), 18 de outubro de 1959

O Museu de Arte Moderna


A palavra museu é imprópria para definir hoje o organismo cultural a que se
refere. Museu é, sobretudo, conservação, vitrina, salvar do tempo e do pó. É conservar,
reunir, expor; nascido das coleções privadas do século XVIII, adquire sua máxima
expressão no século XIX. O “museu” com os quadros em quatro fileiras, cheios de
estátuas e de obras escolhidas segundo um critério não estritamente ortodoxo, o
“museu-museu” é aquele que deu origem à expressão corrente “peça de museu” para
definir uma coisa fora da vida, estática, que não vive mais. Tempo da sapiência e da
especialização, empoeirado horror de visitas escolares, destinado à reverência e ao
esquecimento. O que há em comum entre êste tipo de museu com o conceito
moderno de museu? E por que êste novo acontecimento de cultura continua a
chamar-se museu? As palavras mudam com o decorrer da vida e o seu significado
estrito, sua aderência a um fato, e a palavra museu veio hoje a significar uma
atividade viva da cultura inteirada de uma “conservação” de obras que não é mais
conservação pura e simples, mas que assume um aspecto didático de
“documentação”, uma ponte estendida entre o passado e o presente num único
processo de continuidade histórica ou, como é o caso dos museus de arte moderna,
de uma tomada de contacto “crítico” do desenvolver-se do processo artístico
contemporâneo.

É importante a criação de um museu? Que lugar ocupa o museu na escala de


necessidades de um país?

130
Primeiramente a casa, as estradas, os silos, o mercado, a escola, o centro de
saúde, o plano urbanístico regional e cívico e, depois, o museu. O meu, segundo uma
tradição ligada à concessão ocidental do “homem estético”, que é uma exceção na
normalidade do “homem teórico” é o “suprassumo” destinado aos privilegiados
capazes de compreendê-lo e frequentá-lo. A atmosfera de “elite” que rodeia ainda
hoje o museu é devida a esta concessão partidário da arte, a esta não inclusão da
necessidade artística entre as necessidades primárias do homem. Estar no ponto de
participar de um processo artístico, de compreendê-lo, de criar-se uma própria
riqueza espiritual não quer dizer que se seja Miguel Angelo ou Rafael, Picasso ou
Leonardo, quer dizer apenas não se estar privado de uma das partes vitais da
personalidade humana, não se ser diminuído em uma das mais completas
manifestações humanas: a estética.

O museu, centro de expansão de arte, ponto de reunião de atividades estéticas,


escola democrática apta a conservar no homem a necessidade estética que, viva
incondicionadamente na infância, é sistematicamente sufocada e definitivamente
suprimida no adulto, pelos métodos da chamada “cultura”, o museu é uma
necessidade vital em um país: do Museu-Escola partirá a atenção para as coisas, o
respeito por tudo que o homem representa, a sua “escala”, o seu “autêntico” humano
fora do que é a metafísica indiferente, as situações que escapam das mãos, as
místicas inúteis, as intoxicações, a guerra.

O Museu de Arte Moderna da Bahia, recém-nascido entre os museus


brasileiros, tem o grande privilégio de poder fazer suas as experiências precedentes.
No quadro da arte internacional (na formação da Pinacoteca como em sua atividade
didática) o novo museu procurará valorizar ao máximo aquilo a que se poderia referir
como “a verdade do país”, seus valores vitais, isto é a bela cultura brasileira, sem o
que nenhuma contribuição viva e real poderá a arte brasileira dar ao “concerto”
internacional da cultura. “Concêrto” formado pelo conjunto bem distinto e bem
definido das culturas de vários países.

Situar desde o princípio estas bases de orientação significa definir, claramente,


o rumo do novo Museu, que se esforçará para afastar-se o mais possível do
cosmopolitismo incolor e “snob” da pseudo cultura moderna, para começar a agir
construtivamente no novo mundo da verdadeira cultura moderna. Neste sentido o
Museu de Arte Moderna da Bahia, que em breve publicará seu programa de
atividades, procurará entrar, sem retórica, na vida do país. Procurará, acima de tudo,
tornar-se uma necessidade.

131
“artes & letras” – Terceiro caderno
Diário de Notícias (Salvador, BA), 23 – 24 out. 1960, pp. 1-2.

Técnica e arte
A um jovem pintor concretista que, no Museu e Arte Moderna da Bahia, em
frente aos painéis com diagrama de sinais Radar, perguntava por que chamamos
nossa exposição de motores e peças eletrônicas “Desenho Concreto”, e a outro jovem
que, sempre no museu, declarava estar “só pela técnica e não pela arte”, dedicamos
esta nota. Queremos lembrar aqui Antonio Gramsci, que no livro Gli Intellettuali e
organizzazione della cultura enfrentou com grande clareza, há mais de trinta anos, o
problema do humanismo técnico.

O Museu de Arte Moderna quis apontar na exposição que chamou de Desenho


Concreto¹ (não para ridicularizar os concretistas, mas para esclarecer uma
terminologia) um assunto de atualidade no Brasil: o “esticamento” até nossos dias de
alguns “ismos” e mais precisamente do concretismo. ² Os “ismos” foram, quarenta
anos atrás, profecia duma era a vir, adivinhação duma nova cultura. A validade desses
movimentos estava justamente nesta “adivinhação”, na “vanguarda” que via no futuro
um contato entre ciência e arte. O entusiasmo pelo progresso científico e o desespero
diante da perda irremediável dos valores sentimentais do humanismo literário
informaram os “ismos”. Movimento hilandês De Stijl, encabeçado por Theo van
Doesburg, que afirmou a necessidade dum futuro rigor, duma visão concreta da
cultura tradicional, ridicularizando-a e responsabilizando-a pela eclosão da maior
catástrofe histórica: a I Guerra Mundial.

Mas a realidade contemporânea anula qualquer posição de cientificismo


romântico e de revolta. Não existe nem pode existir “rigor”, nem “estrutura” ou “lógica
interna de desenvolvimento”, ³ em obras (Visuais) cujo problema de conteúdo e
representação não corresponde a m problema real, mas apenas a um problema
artificial, cuja arbitrária solução é dada a priori pelo próprio artista (não como solução
mas apenas como título romântico-técnico). Os temas adivinhados por Maliévitch,
Mondrian e Theo van Doesburg existem hoje na realidade. Reais enquanto a ciência

132
parece se identificar com a arte na necessidade estética e emotiva necessária ao
homem. Eis o problema apontado por alguns “ismos”. Este problema está hoje em
nossa frente como realidade: a emoção da ciência traduzida em técnica pelo homem
é a mesma comunicada por uma obra de arte. Equilíbrio, estrutura, rigor, aquele
mundo outro que o homem não conhece, que a arte sugere, do qual o homem tem
nostalgia. Assim a arte volta a identificar-se com a técnica como nos tempos
primitivos, quando os conhecimentos eram ligados à magia, a um mundo sugerido,
desconhecido e poético. A grande era humanístico-literária acabou. Velozmente os
homens são arrastados pelo mecanismo por eles mesmos criado, e com um fator
desconhecido às civilizações passadas, a capacidade crítica.

Um novo método se impõe, lúcido e seco. Na capacidade de aceitar ou


renunciar, enfrentar e dominar os problemas está delineado o caráter da nova
civilização. Problemas da arte também. Procurando compreender a dualidade ciência-
arte que tende à fusão e à unificação, na formação do novo intelectual ciente dos
novos problemas culturais, que condenam, seja o velho intelectualismo pernóstico-
literário, seja o limitado positivismo científico. O novo humanismo tende à fusão,
numa visão técnica do mundo, dos problemas culturais. Tende sobretudo a um
processo de simplificação. Simplificação necessária ao enquadramento não somente
técnica (que nos imediatos anteguerra e após-guerra tinha se tornado um círculo
vicioso com os inúmeros detalhes e excesso de organização, que a reduziam a um,
quase barroco, exemplo: os automóveis), mas da inteira vida humana. Neste sentido
de síntese técnica-arte e neste processo de simplificação ser homem totalmente
técnico ou totalmente estético, renovando assim a velha antítese: Ocidente-oriente
do homem exclusivamente teórico: o ocidental; e homem exclusivamente estético: o
oriental. É nesta capacidade de síntese que lembramos Antonio Gramsci.

133
Rosa dos Ventos (texto não de Lina) – sobre exposição Bahia no Ibirapuera
Diário de Notícias (Salvador, BA), 8 e 9 de novembro de 1959

Um sucesso
Não me parece que os bahianos se estejam apercebendo da grande
importância e do êxito excepcional da exposição, em S. Paulo, que se denominou “A
Bahia no Ibirapuera”. As notícias que nos chegam da capital bandeirante são de
causar orgulho a todos nós. E que não se regateiem aplausos aos seus organizadores
e responsáveis exclusivos: o arquiteto Lina Bo Bardi, diretor do Museu de Arte
Moderna da Bahia e professor Martim Gonsalves, diretor da Escola de Teatro da nossa
Universidade.

Estou vendo agora mesmo, em mãos de dona Lina Bardi, ofício do Itamaratí:
deseja o Ministério das Relações Exteriores levar oficialmente a exposição a Buenos
Aires. A Trienal de Milão convoca a mostra, pois Dorfles, um dos mais categorizados
críticos e pintores italianos, ficou deslumbrado com a mesma: insiste para que ela
seja um ponto alto da grande mostra, internacional italiana. Outros países estão
interessados em levar aos seus povos o espelho admirável da cultura nacional,
refletido com tanta beleza, com tanto carinho e com tanto rigor, em “A Bahia no
Ibirapuera”.

Por que só agora podemos oferecer uma exposição de tal magnitude, a ponto
de estar tendo o maior sucesso do que a própria Bienal de São Paulo? Exatamente,
por não se ter permitido nela nenhum amadorismo. Dois profissionais de alta
categoria idealizaram a mostra, escolheram o material, organizaram a equipe e, em
São Paulo, montaram o pavilhão “Nunca vi nada mais belo no gênero”, me disse
encantado o sr. José Gomes Sicre, representante da União Panamericana, na Bienal.
“Pudéssemos e levaria a exposição para Washington, acrescentou seria um sucesso
espetacular”.

Pois é, amadores improvisados em cultores de arte nunca dão certo,


Coloquem-se os entendidos no riscado e sem alarde e sem propaganda, vemos a
Bahia, na pujança da sua arte, da cultura de seu povo.

E para terminar com mais uma informação: o “Life” filmou em cores e em cores
vai publicar longa reportagem sobre “A Bahia em Ibirapuera”, - O.T.

134
“artes & letras” – sobre exposição Bahia no Ibirapuera, por Vera Pacheco Jordão
Diário de Notícias (Salvador, BA), 29 e 30 de novembro de 1959

A Bahia na bienal de São Paulo


RIO – Um mês após o acidente de automóvel que sofri, recomeço hoje esta
crônica, embora ainda não estando em condições de escrever diariamente. Tentarei
entretanto, retomar êste trabalho tão regularmente quanto possível, e tenho
esperança de, muito em breve, poder recomeçar a visitar as exposições a fim de
comentá-las aqui.

Enquanto isso não acontece, continuo contando com a preciosa colaboração


de Regina Daut Veiga e Geraldo Jordão Pereira, a jovem dupla de auxiliares dedicados
que, apesar de serus muitos afazeres, assumiu espontaneamente a responsabilidade
de manter esta coluna durante o meu impedimento, a fim de que artistas e público
não se vissem privados do noticiário de artes plásticas.

Pascemos agora a comentar o Pavilhão da Bahia na Bienal de São Paulo, uma


das mais interessantes apresentações da imensa exposição que espero ainda poder
visitar com o vagar que exige. Assistindo à inauguração da Bienal, tratei de saborear
os Van Gogh, saudar as obras premiadas, apreciar os trabalhos de Roberto Burle Marx
e a belíssima exposição das obras de Mies Van der Rohe, esgotando assim as poucas
horas de que dispunha.

Na noite seguinte, tencionava ver pelo menos a pintura brasileira, mas acabava
de se inaugurar o Pavilhão da Bahia, e entrar ali foi uma perdição: só consegui me
arrancar quando enxotada pelos guardas que fechavam as portas. Não pensem,
entretanto, que tivesse ali ficado prêsa pela sedução do extraordinário bailado que é
o jogo de capoeira, com seus passos e cabriolas obedientes ao toque do berimbau;
nem mesmo que tivesse esquecido as horas contemplando as projeções coloridas de
paisagem e arquitetura da Bahia, ou me relegando com o acarajé regado de môlho
de dendê com pimenta, que as baianas faceiras vendem ali. Nada disso: para me
absorver bastaram, de sobra, as fotografias e objetos ali expostos, tão ricos de sentido
humano e impregnados de senso artístico que exigiram um exame demorado e
embevecido.

Já num primeiro golpe de vista o pavilhão impressiona pela vivência do


conteúdo e pela vivacidade de apresentação — o que não é de admirar quando se
sabe que seleção e arranjo do material foram entregues a Martim Gonçalves — Diretor
da Es cola de Teatro da Universidade da Bahia — e ao bom gosto da arquiteta Lina Bo
Bardi.

135
O cimento do chão desaparece sob um tapête de folhas verdes, macias no
pisar, soltando um perfume fresco de mato, dando no ambiente o tom bucólico da
cidade do Salvador, ainda hoje entremeada de verde.

As paredes falam pela voz das mais extraordinárias fotográfias — de Gautherot,


Sílvio Robato e Enes Melo, mas, sobretudo, do baiano nascido em França por engano,
que é Pierre Verger - que nos contam os trabalhos e folganças do povo, o povo mais
bonito do Brasil, quer nos seus tipos mesclados, quer nos tipos africanos da mais
alita linhagem. Lá estão trabalhadores de engernho, estivadores, pescadores de
xaréu, que são Apolos de um negro Olimpo; mães de santo, quitandeiras, com o porte
senhoril e a fisionomia altiva de rainhas africanas. E as negras de Cachoeira de
Paraguaçu, altas e imponentes na severidade dos seus panos pretos que nem as
fieras de colares chegam a alegrar. E a velhinha de Canudos, uma das últimas
sobreviventes daqueles tempos heróicos, cabocla mirradinha, apoiada na janela em
atitude de expectativa, a mão em pala sôbre os olhos miúdos, como a perscrutar o
vulto de Antonio Conselheiro por entre os arbustos da caatinga ressequida.

Nesse rico documentário humano surgem as figuras singulares que se tornam


cacaracteristicas da vida local, como o Major Cosme de Farias que, todos os anos,
aproveita o desfile civico de 2 de Julho para fazer sua campanha contra o
analfabetismo, magrinho, já de cabeça branca, mas vibrante de ardor cívico-cultural,
o. major, cingindo faixa e agitando bandeira, ergue bem alto o letreiro vituperando o
analfabetismo. Não se trata de um maniaco, mas de um abnegado que vive
intensamente suas convicções: rábula, com licença no fôro, o major dedica-se à
defesa dos réus desvalidos, já tendo — ao que consta - defendido vinte e cinco mil
causas!

Mas, como há muito que comentar não nos deixemos absorver exclusivamente
pelo documentário fotográfico, por mais sedutoras que sejam as barracas do Rio
Vermelho enfeitadas para a festa da Mãe d'Água, as cerâmicas de Maragogipinho, na
Feira de Água de Meninos, a exuberância dos feixes de cana e pencas de banana nas
quitandas da rampa do mercado. Não será preciso encarecer a importância de
documentários como êsse, que constituem material precioso de estudo e captam ao
vivo uma realidade intensamente poética, fadada a amortecer-se pela ação
niveladora do chamado “progresso”. Queremos apenas deixar aqui o nosso aplauso
aos artistas-fotógrafos e àqueles que organizaram êsse documentário, e amanhã
prosseguiremos em nossa visita ao Pavilhão da Bahia.

—o—

Prosseguindo na visita ao pavilhvão da Bahia encontramos logo na estrada e


recebendo o destaque que merecem as “carrancas” dos barcos do rio São Francisco.
Pouco conhecidos fora da sua região de origem, na Bienal as carrancas revelam aos
artistas eruditos o senso plástico dos artistas anônimos que, seguindo antiga tradição

136
mediterrânea, talham em madeira, cabeças de dragão para erguê-las na proa dos
barcos, emprestando-lhes o poder mágico de afugentar da rota os perigos ocultos no
fundo das águas.

Sendo das mais belas, as carrancas são, entretanto, apenas uma das
contribuições do mais autêntico valor artístico que a Bahia apresenta, revelando
fabulosa riqueza quando, no resto do Brasil a pouca deferenciação em culturas
regionais e a ausência de tradições artesanais são responsáveis pela pobreza de
elementos folclóricos e de sua expressão artística.

A Bahia é, sem dúvida alguma, excepcionalmente favorecida pela contribuição


africana, que se manifesta em estado puro nos instrumentos de candomblé, em
objetos rituais da mais requintada beleza e perfeição de acabamento. Basta ver as
bandejas de madeira escura, com o rebôrdo talhado em motivos estilizados, usadas
na prática da advinhação: os BIRIS e XAXARÁR ERUKERÉSE e ABEBÊS, ou seja, báculos
cetros, penachos e leques, emblemas de dignidade de orixás, de reis e babalaôs.
Conforme tem observado Pierre Verger em suas viagens de estudo pela África —
sobretudo no Daomé e na Nigéria — os instrumentos de candomblé usados na Bahia,
onde conservam seu nome de origem, são idênticos aos que continuam em uso na
África, como são idênticos os cânticos e invocações, todo o ritual africano conservado
em sua pureza apesar do sincretismo cultural que, na Bahia, mascara os orixás em
santos da lgreja Católica.

É excelente a apresentação do material religioso, incluindo as roupas dos


diversos orixás, vestidas em manequins que são as célebres bonecas de pano baianas
em tamanho natural, com letreiros explicativos que muito bem redigidos, facilitam
aos leigos as explicações preliminares daquele mundo hermético.

Assim, o valor reivindicado para a contribuição cultural africana pelo precursor


Nina Rodrigues, por Artur Ramos e tôda a moderna escola de estudos sociológicos é
plenamente afirmado — direi mesmo proclamando — nesta exposição. Poderíamos
fazer um reparo quanto ao realce dado à contribuição africana, em confronto com a
portuguêsa, que rica como é, pouco aparece na exposição. É verdade que a
contribuição portuguêsa é de nível erudito, e, mesmo quando é de nível popular,
manifesta-se sobretudo em artes praticadas por grupos fechados, (conventos de
freiras solares aristocráticos), tais como os bordados, flores, recortes de papel,
confecção de sequilho, confeitos e licores. Ora, nada disso tem o caráter dinâmico da
religião africana, que abrange, além do sentido místico, o senso estético-lúdico
manifestado pela música, dança, vestimentas, objetos de culto tudo isso constituindo
uma vivência complexa e impregnada de poesia. É natural que Martim Gonçalves,
diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia como homem de teatro tivesse
sentido mais vivamente o interesse dramático da contribuição africana e lhe tivesse
dado primazia no pavilhão baiano da Bienal.

137
Um elemento dnâmico de origem portuguêsa que ali se apresenta é o que se
refere aos "Terfnos”, os grupos que cantando e dançando, festejam o Dia de Reis. Ali
estão os estandartes, de veludo luxuosamente bordado, ostentando em letras de
ouro seu título distintivo: “Terno da Sempre-Viva”, ou “Terno da Rosa Napoleão”,
carregados de medalhas outorgadas pelo juri reunido no adro do Senhor do Bonfim,
o local onde os empreendimentos públicos se iniciam e culminam todos ou
particulares. Esses estandartes, inspirados em modelos europeus de começos do
século tem a graça ingênua do tom provinciano, no qual a boa fé supera o mau-gosto
do modelo pretensioso.

Pondo de parte a questão das influências culturais, temos de admirar a riqueza


inventiva, o senso artístico, a habilidade manual do povo da Bahia, que se manifesta
em toda sorte de objetos, desde os mais humildes, elevados do nível simplesmente
funcional, ao prazer estético. Há uma graça natural que se revela nos pobres
candeeiros feitos com latas velhas, nas flores de papel, nas cortinas em que se
alternam as “Lágrimas de Nossa Senhora” e os canudinhos de papel. Há um sentido
de estilo, realmente notável, nas cabeças de madeira talhadas para ex-votos; nos
panos de retalhos de Cruz das Almas que são composições abstratas das mais
requintadas, com seus efeitos de assimetria e o desvio sutil de suas retas; um desses
panos, feito de retalhos estampados em desenhos miúdos, chega até a evocar o lavor
minucioso de certas telas de Paul Klee.

E não vamos esquecer os painés pintados para tiro ao alvo, provavelmente


para servir em barracas de diversões; divididos em faixas de pequenos losangos, ou
emoldurando-os com uma beira de retângulos, os painés de tiro formam
composições de cores tão bem distribuídas, com tal senso rítmico, que manifestam a
alegria criadora do artista anônimo sobrepujando a finalidade utilitária.

Por essa afirmação de talento criador, pela dignificação dos instrumentos mais
humildes, pela aura de poesia envolvendo o cotidiano, pela alegria de viver que dali
irradia, o pavilhão da Bahia merece ser visto por todos nós brasileiros que ignoramos
essa riqueza, e enviado ao estrangeiro como testemunho de uma cultura rica, original,
autêntica.

138
JB Tabloide – Lina Bo Bardi
Jornal da Bahia (Salvador, BA), 31 de Janeiro de 1960

O baiano e o museu de Arte Moderna da Bahia

- Arquiteta italiana que dirige o nosso Museu de Arte Moderna, D. Lina Bo Bardi,
acredita que da Bahia poderá sair o movimento brasileiro de exportação de arte, que
falhou no Rio e em S. Paulo.

- Admira a boa vontade e habilidade do operário baiano. Armaram a atual exposição


em 25 dias, o que é um recorde.

SENSIBILIDADE BAIANA

SEGURANDO as malêtas contendo suas ferramentas êles iam de Degas a


Antonio Bandeira, Mario Cravo e Portíinari. Olhavam muito para tudo, e talvez mais
ainda para a moça morena de Di Cavalcanti. O trabalho na obra terminara às 5, e
antes de voltarem para suas casas; escolheram ir vêr a exposicão do MAMB. Entram
com certo respeito de quem entra na igreja, de chapeu na mão. Comentam pouco e
reparam muito.

Crianças, funcionárias, donas de casa, operárias, brôtos e grã-finas, sucedem-


se diante das graciosas bailarinas de Degas, e vão seguindo, apreciando cada
quadro, cada escultura.

D. Lina Bardi, que com sua experiência de Rio e São Paulo, pensou que a
exibição não aguentasse 7 dias, e vê tamanha afluencia já na 3.º semana, se
entusiasma diante do que chama “a grande sensibilidade do baiano para as coisas
de arte”. E fala da sua esperança em se conseguir aqui o que ainda não se
conseguiu no Sul do país, isto é, criar uma arte brasileira, autêntica, sem imitação
europeia; uma arte brasileira que exporte, como acontece com a nossa arquitetura,
hoje famosa no mundo inteiro. E conta do que já fez do MAMB e de seus planos
futuros, deixando-nos entrever o que representa para a Bahia no setor artes
plásticas a criação do mesmo.

AQUI HÁ AMBIENTE

Vim dar um curso na Universidade da Bahia, Faculdade de Arquitetura, no


ano passado, e tive oportunidade de verificar o ambiente aqui, o mais interessante
do Brasil para o movimento artístico semelhante ao de certas cidades na Europa, o
que não sucede no Rio e em São Paulo, onde êstes movimento não é de ambiente
popular. Como trabalhei 12 anos no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde não

139
deu esse resultado que aqui nos primeiros meses já apresenta, porque havia
notado essa receptividade do povo baiano quis tentar aqui o que não consegui em
São Paulo. Eu pensei que esta exposição não aguentasse 7 dias. Hoje você vê, depois
de mais de 20 dias, como ainda está sendo enormemente visitada. E note que não
existe aqui aquela outra coisa de lá que revolta: o ar de superioridade e os risos da
burguesia quando olham obras que não entendem. Dá prazer ver como o baiano de
todas as camadas olha com curiosidade e respeito todos estes quadros, gostem ou
não. Explica-se: a Bahia é a única cidade do Brasil que tem tradição cultural. Aqui há
ambiente, há uma sensibilidade mais apurada para os problemas da arte.

CURSO ESPECIAL

Não temos ainda uma pinacoteca, que tem de se formar devagar. As


esculturas de Degas são emprestadas, e vou vêr se consigo outro empréstimo para
mostrar ao público que está tão interessado. Teremos sempre pequenas exposições
temporárias como esta de Bandeira (a próxima será de Tanaka), e pretendo fazer
duas ou três grandes exposições internacionais. As escolas do museu começarão a
funcionar em abril. Além dos cursos regulares sôbre arte, pretendemos formar um
curso especial para crianças, que acreditamos de muita importância para a arte
baiana e brasileira. O museu abranje hoje todos os lados da arte: música, teatro,
cinema, trajes. Penso em fazer uma exposição de trajes com desfile de modas.

O SUL FALHOU

O principal objetivo todavia é desenvolver o movimento artístico, para vêr se


se cria o movimento brasileiro de exportação de arte, que até hoje não se criou. Do
Sul, não saiu nada. Nas exposições internacionais mais importantes, mesmo nas
bienais, os trabalhos brasileiros que apresentam como novidades são coisas
copiadas da Europa de 30 ou 40 anos atrás. Os concretistas, que se acham muito
modernos, estão num atraso de 40 anos. É impossível que um país com um
substrato tão profundo como o Brasil, não tenha uma arte sua, de exportação, como
tem a arquitetura, e como é o caso da pintura mexicana. A arquitetura saiu, criou
fama, provoca discussões. As artes plásticas não provocam nada. Existem bons
artistas brasileiros, avulsos. São de um nível decente, mas não despertam interesse
em países como Itália, França ou mesmo Estados Unidos. E depois não exprimem o
espírito do Brasil moderno. Bandeira é um dos poucos que retrata êste espírito, e
porisso têve sucesso na Europa.

TEMPO RECORDE

A instalação é provisória e naturalmente como o prédio foi feito para teatro e


não para museu, não é adequada, (é muito quente e dentro de pouco tempo os
quadros estragam), embora o lugar seja muito bonito e fácil de se expor nele. Eu
tudo isto sozinha, em 25 dias. Encontrei uma colaboração maravilhosa da parte dos

140
operários, e daqueles que trabalham comigo, colaboração fantástica mesmo. Um
operário sozinho fez as cortinas, e assim por diante. Além de habilidosos, são de
uma boa vontade extraordinária. Eu nunca tinha encontrado nada igual.

O POVO É CURIOSO

Estou muito contente em vêr o entusiasmo do povo. Em São Paulo, depois de


12 anos, via sempre no museu as mesmas caras. Aqui êle está sendo frequentado
pelo povo. O povo da Bahia é curioso, e a curiosidade é a mola de tudo. No Sul eles
estão absorvidos pelas televisões e outras coisas, não há tempo para um pouco de
arte.

141
Ângulos – Lina Bardi
Revista Ângulos (Salvador, BA), Dezembro de 1960

Artes Menores
Alguns manuais de História da Arte definem ainda hoje como “Artes Menores”
a atividade artística ligada à vida “prática”. O conjunto das manifestações artísticas
não “gratuitas” (dizemos “gratuito” no sentido de afastado dos fins imediatamente
práticos) como a pintura e a escultura. “Artes Menores” seriam os objetos de uso
cotidiano, os pratos e os copos, os acessórios sacros e profanos, as cadeiras, os
tapêtes e as estalas, as tapeçarias e as jóias. Sob esta denominação, relegada às
últimas páginas dos manuais, gerações de estudantes têm desordenadamente
acrescentado como apêndice às suas noções de História da Arte, a imagem da cadeira
de Maximiniano, da Coroa de Ferro e das tapeçarias de Rafael. Hoje, as “Artes
Menores”, sob a denominação de Desenho Industrial, são reunidas criticamente, no
domínio da Arte Prática por excelência: a Arquitetura. Mas qual é o significado real,
na vida de cada dia, do “Desenho Industrial”, que, nos países sem estrutura industrial
é ainda artesanato? O que por tantos séculos foi no ocidente uma produção
destinada a classes privilegiadas, uma exceção ligada a uma liderança cultural, está
hoje tornando-se a maior expressão cultural da civilização contemporânea ocidental.
O Desenho Industrial desbancou a expressão “decorativo”, adjetivo desprestigiante,
usado especialmente por uma crítica de arte que encarava as artes plásticas em
função da “Arte” ligada exclusivamente a problemas formais que excluem o lado
humano, reduzindo a obra de arte a uma criação abstrata no espaço e no tempo. O
homem total, completo em cada uma de suas expressões, o homem não “alienado”
que vive plena e completamente a sua experiência humana, não poderá prescindir
do fato estético que o acompanha cotidianamente, não como uma forma de
“requinte” decadente, mas como explicação de um dos valores mais importantes de
sua totalidade humana: o estético. O objeto de uso comum “belo” (usamos a palavra
no sentido não filosófico), o amor no particular cuidado e simplificado, serão, para o
homem ocidental os novos valores de uma cultura prática, técnico-estética e
essencialmente anti-teórica (no sentido que a palavra teórico possui de “fendido” da

142
realidade e de nebuloso na cultura tradicional do ocidente). Um “belo” unido ao útil,
ao modesto, ao anti-retórico, ao cotidiano, como essencialmente se vê hoje na
arquitetura moderna anti-monumental. A orientação moderna da arte para o
fragmentário, o modesto, o passageiro, o não-eterno está estreitamente ligada ao
processo de humanização da arte. A destruição dos valores tradicionais feita pelos
“ismos” e a sucessiva negação de novos valores são um claro sinal da incapacidade
de satisfação estética que o homem moderno sente nas expressões de arte que já
tiveram uma grande função histórica. O ciclo da vida de São Francisco, narrado por
Giotto em Assis é hoje substituíod pelo Couraçado Potemkim ou pelos grandes
“Westerns” americanos, enquanto a atormentada solução que num quadro de
Mondrian busca desesperadamente “o insubstituível”, o absoluto, é a abstração
eterna e metafísica, distante da necessidade prático-poética e imediata que o homem
moderno ansiosamente procura.

As “Artes Práticas” tendem hoje a substituir a Arte como necessidade artístico-


social. Enquanto aquelas expandem-se cada vez mais numa necessidade artística
real, esta se restringe cada vez mais num círculo fechado em “igrejinha” de iniciados
em uma linguagem, em meios de expressão, extremamente restritos e
intelectualizados.

Um país jovem, sem bases de cultura que não as necessariamente importadas,


e ineficientes por desligadas da verdadeira realidade do País, não poderá construir
uma “verdadeira” cultura. Cultura não é nbstração, mas “sistema”, “meio” para se
conseguir viver no sentido pleno da palavra. “Meio”, portanto, que deve “servir” ao
homem. Centro de difusão da cultura de um país é a Universidade. As universidades,
especialmente nos países de grande tradição cultural, são ainda hoje organizadas
segundo uma herança “diletantística” (diletante no sentido mais elevado da palavra;
o homem do Humanismo, Leonardo, foi um diletante), que vem da Renascença. À
idéia do “porquê” das coisas, a abstração literária dominam a realidade e são
incapazes de resolver os problemas do homem, isolam-no em um “casulo” do qual
pouquíssimos, com esfôrço sobre-humano e na mais absoluta solidão conseguem
libertar-se. A técnica é considerada, sob o ponto de vista literário da cultura, como

143
inimiga da Civilização e o íntimo valor ético da técnica é desconhecido, aviltado, por
tôda uma literatura deteriorada. A posição literária de “casta”, dos iniciados,
evidencia, na maior parte dos países, a grande herança de cultura humanística.
Também nas faculdades universitárias de caráter técnico-científico. A Ciência então
aparece com vergonha de ser “prática”, não revestidas dos atributos da literatura e
da “pocsia”. Os valores profundos, éticos e poéticos, reais e humanos da técnica não
foram ainda descobertos. Continua, em pleno tempo das imensas realizações
técnicas, a valoração crítica literário-esnobística, ou o entusiasmo romântico pela
máquina. A êstes problemas de valoração “literária” estão ligados os da humanização
do trabalho, da dignidade do homem que trabalha “com as mãos”, para realizar a
idéia que outros têm produzido “com a mente”. A Indústria, que marca a nossa
civilização, reassume o “trabalho da mente que projeta” e o “trabalho da mão que
realiza”. Distingue o problema ético do trabalho “intelectual”; “assentado” e
reconhecido, do trabalho “mecânico” que realiza; anônimo, aviltante, executado
mecânicamente e não reconhecido. É a crise da técnica contemporânea, ainda não
humanizada, que não reconheceu ainda na máquina os valores humanos, que ainda
se prende ao conceito altamente intelectual humanístico do trabalho: o homem que
projeta, superior ao homem que executa. É Leon Battista Alberti afirmando que o
Arquiteto deve projetar e não ocupar-se da construção. O desenvolver violento da
indústria, a tecnicização através da máquina, encaminha-se para a sua completação
e, para uma nova civilização, deve-se adequar uma nova cultura. A época de hoje é
de novo ARTESANAL, as máquinas caminham para ser dominadas por poucos homens,
em breve por um só homem; as condições artesanais estão quase restabelecidas, o
caráter novamente “artesanal” do objeto produzido já se está delineando. Em vez do
martelo e dos instrumentos artesanais, os homens movem comandos mecânicos mas
o orgulho e a consciência do próprio trabalho devem ser de novo estabelecidos. A
nova consciência social e coletiva substituindo o artesão da Idade Média, “projetista
e executor”, criará o trabalho de equipe, que não aliena o homem, não o abate
moralmente, mas o enriquece com a experiência comum. E o “Desenho Industrial”
pode ser sem hesitação definido caráter marcante da nossa civilização. A indústria
que produz o objeto de cada dia, que acompanha o homem por tôda vida, que lhe

144
sugere um modo de viver e uma ética. A forma de arte por excelência de nossa época,
a única que não tem necessidade, entre as artes herdadas da tradição, de ser hoje
sustentada, imposta ou justificada.

145
“artes & letras” – sobre exposição no MAMB, por Clarival do Prado Valladares
Diário de Notícias (Salvador, BA), 2 de abril de 1961

“João Alves e Agostinho”


Foi excelente à iniciativa do Museu de Arte Moderna da Bahia em expor o pintor
primitivo paulista Agostinho Baptista de Freitas — (eletricista) — ao lado do pintor
primitivo bahiano João Alves — (engraxate) — da Sé.

O propósito não é o de comparar duas técnicas, duas qualidades, duas


atitudes.

A intenção do MAMB é revelar como pintores primitivos interpretam seu


ambiente e, doutro modo, como as qualidades de cala ambiente se projetam e se
expressam através de seus intérpretes imunes de academismo e de esnobismo.

Desta maneira podemos ver nos numerosos quadros de Agostinho como as


qualidadas da massa urbana de S. Paulo se traduzem para a consagração do trabalho
pictórico de seu artista ingênuo e, pela mesma razão, como os traços da cidade do
Salvador e de seus arredores chegam à composição de nosso êmulo.

Sendo o artista primitivo desprovido de maiores preocupações da


problemática sua obra interessa especialmente por seu conteúdo temático. Utiliza os
meios de desenhar e pintar nas soluções mais simples, mais fáceis, e empreende
todos os caminhos que possam levá-lo à realidade poética da representação.

Nem-um dos problemas que afligem o artista erudito, aquele que se sente
desgastado de possibilidade criativa antes de empreendê-la, consegue anemiar a
obra do primitivo. Antes de tudo êle não está em crise, porém em exaltação. Desenha
e pinta porque acha bonito o que vê, e o faz do modo que lhe fôr possível e lhe
parecer mais próximo de uma inesquívoca intensão consagratória.

O artista erudito nega o tema e valoriza o arranjo. O primitivo desconhece o


valor do arranjo e ama o motivo. Por isso é que tôda sua obra, mesmo quando não
se realize suficientemente, tende a monumentalizar-se enquanto a do seu antípoda
definha em fastio. Os dois primitivos escolhidos para a presente mostra do MAMB
merecem ser comentados em suas características pessoais.

Agostinho Baptista de Freitas, o eletricista de São Paulo, encontrou na


paisagem urbana de seu meio excelente coincidência de seu intento em testemunhar
um mundo de progresso, de grandeza feita pela mão do homem. Enquanto a capital
paulista nos entristece por sua anárquica absorção cultural, por sua voluntária e
completa anulação de um passado tetra-centenário e por sua negação de toda uma
série de valores nos quais ainda acreditamos, o seu retrato – aquele feito por seu

146
intérprete ingênuo – redime-a de tôdas as deformidades e excessos, a ponto de
recriá-la numa atmosfera de serenidade, até mesmo quando a representa em pleno
turbilhão de gentes atônitas e escravas do tráfego pesado.

O conglomerado informe dos arranha-céus se uniformiza em linhas e volumes


de equilíbrio. De suas janelas luzes resplendem numa vigília de progresso. Anúncios
luminosos se transferem de agressão para a ideia de ornatos naturais. A figura
humana surge na pintura das propagandas das grandes paredes cegas e assume
agradável presença de pessoas espiando as ruas. Os ônibus de tornam amigos, a
garoa e as nuvens tempestuosas domesticam-se. São Paulo deixa de ser um monstro
devorador e por magia de seu artista transfigura-se na casa de se descansar, no
prédio de se trabalhar, na rua de se passear, na viatura de se ir para o lar, na igreja
de se orar, e na paisagem de se contemplar – pouco importando, para os fins da obra
d’arte do ingênuo – que a realidade seja o oposto.

É intrigante verificar-se como as “vistas” capital paulista são vulgares e


indistintas nos cartões-postais e como surgem, quiçá por milagre, humanizadas e
autênticas nas pinturas de Agostinho.

Há, na exposição, quadros deste pintor que não são de paisagem urbana, mas
rural e geográfica. Muda apenas a periféria de sua temática pois a intencionalidade é
a mesma por isso servem de referência para a compreensão das anteriores.

Noutros termos: a qualidade mágica que Agostinho impõe nas “vistas” da


metrópole, da grande urbe, é a “mentira” da vida bucólica exatamente onde foi
negada, destruída e expelida. Em suas “vistas” campestres e rurais a vida é
reproduzida por êle em todo o seu natural bucolismo. De maneira que o seu núcleo
temático é o anseio de quietude, de domínio do homem sôbre todas as coisas a fim
de se poder viver apreciando o mundo.

Existem dois grandes quadros merecedores de acurada atenção. Um é a capital


ocupando todo o horizonte e espaço com a massa de seus prédios, asfalto, tráfego e
viadutos. É como se o quadro definisse um mundo fabricado numa arquitetura
monótona, entretanto lógica como uma colmeia. Não se pode negar a grandiosidade
do tema e de seu resultado. Num outro quadro, contraste do primeiro, toda a
paisagem é ocupada pela cachoeira das “Sete Quedas”. Neste, a diversificação dos
planos e a regularidade das cascatas recompõem a mesma organização de volumes
que se verifica naquele de paisagem urbana. E, através desta semelhança paradoxal
entre um e outro, a temática do autor se unifica.

Tal temática é a visão e a consagração do grandioso que o artista tertemunha


na natureza e almeja na construção.

–o–

147
Quanto ao primitivo bahiano João Alves, o engraxate da Sé, suas características
se situam em território estético diferente.

João é mais que primitivo. É primário. É rude. É, etnicamente, puro. A pintura


que faz, sem uniformidade de produção, sem consciência das qualidades que atinge
nem do impróprio em que oscila, não ser mensurada por um convencionalismo
criticista e muito menos por uma codificação arbitrária. É uma pintura-milagre, no
bom sentido do primeiro e do segundo termo.

E não é exclusiva de João Alves Oliveira da silva. Ao que tudo indica êste pintor
é apenas uma manifestação da arte popular bahiana, impressionantemente
generalizada entre os humildes desta terra. Lembro-me do “calôr” (não há certeza
sobre o uso dessa palavra) de José Valladares e dele citarei um trecho (página 112,
Artes Maiores e Menores, 1957, _____ da Um. Da Bahia) – que a sua voz está neste
assunto:

“Digamos, desde já e com a necessária ênfase: seja no passado, sejo no


presente tudo que tem saído das mãos do povo bahiano, o povo humilde
propriamente dito, revela um instinto plástico de boa categoria, tanto na forma como
na cor, tanto na composição como na expressão. Desde as casas populares aos
objetos de culto religioso ou de adorno pessoas, desde os ______ _lios que se
encontram nas feiras e ____ criações de um João Alves ou ______ _reno da pintura.”

Portando, a primeira qualidade _____ em João Alves é aquela apontada _____


generalidade da arte popular bahiana ____.

O que diferencia o pintor a pon_____ _____ _cá-lo no anonimato da produção


artística __ _lar e integrá-lo entre aqueles que _____ manifestação estética brasileira
________ interpretativa ______.

–o–

João Alves tem, em seu ambiente, ___ de ricos motivos para a sua realização
p____. Enquanto o eletricista de S. Paulo horna sua cidade, o engraxate bahiano exala
-_____ casario que serve a João Alves, que seja colonial de maior agrupamento, mais
sendo e monumental, quer seja o dos arraiais e bairro pobres, mais diluído, já é por
si uma organização pictórica favorável.

Mesmo assim o seu intérprete primitivo não o retrata morfologicamente.


Confere-lhe novas dimensões e aparências como se estivesse a imprimir sôbre todo
o conjunto as qualidades magnas dos principais elementos. Desta maneira doi que
João Alves fez o belo quadro da face principal de Salvador, hoje utilizado como fundo
de montagem propagandística do Banco da Bahia na TV Itapoan. Nêste exemplo todos

148
os edifícios do mau gôsto deste século se “vestem” de fisionomia barroca e daí resulta
a atmosfera romântica criada pela pintura.

Uma outra característica favorável ao confronto dos dois primitivos é a que diz
respeito ao modo como cada um deles trata a luz, componente dominante de toda
composição. Agostinho trata-a com geometricidade, isto é, indica-a na forma de
recorte (claro-escuro das nuvens, retângulos das janelas, feixes de holofotes, etc.), e
João Alves a dilui na atmosfera, plasma-a no envolvimento de todos os corpos. No
casario de Agostinho, frequentemente representado no meio-escuro, as janelas são
quadradas de jogo do claro-escuro num excepcional ritmo de qualidade geométrica.
Por êste motivo é de se crer que o desenho primitivo paulista seja mais realista. No
caso do pintor bahiano, uma vez que a luz envolvente dissolve a realidade figurativa,
seu desenho se tranforma em indicação despoja-se de veracidade e se realiza como
síntese das formas – (linhas sinuosas ______ beirais, toque rápidos indicando ____
etc.). – Ainda vale anotar que o desenho-síntese de João Alves é o seu poderoso
recurso de configurar a boa qualidade plástica dos modelos preferidos – os sobrados
e casas velhas da Bahia – como denominador comum de toda a paisagem.

Por fim desejamos também confrontar o modo como esses dois artistas
representam a figura humana.

Agostinho, dominando melhor o desenho linear, nô-la traz corretamente


situada na perspectiva, embora sem eliminar o agradável corte de “bonecos”.

João Alves, sem domínio do desenho utiliza-a em livre arbitrariedade de


proporção e de situação, entretanto reabilita-a por sua capacidade descritiva de
atitude.

Preocupa-nos, na conclusão dÊste escrito evitar a idéia de julgamento que se


poderia, por equívoco, desejar entre os dois primitivos.

Por serem ambos artistas surgidos ao nível da cultura primária, merecem, da


parte do _____tico, o mais verdadeiro respeito. Êles vêm que em estética se exige com
mais rigor a autenticidade. E eles se encaminham pela sen___ mais desejável para a
obra d’arte: a consagração do motivo. Falta-lhes, apenas, estigmas da valorização
discricionária os quais, por toda dimensão histórica da arte, nunca se firmara e nunca
chegaram a ser parentes. E é por causa desta razão contundente que a arte erudita
vai em busca da sua própria flagelação, enquanto a arte primitiva, válida a todos o
temp______ de suas origens magísticas e assume uma ___ atitude contemplativa
para salvar a São Paulo e eternizar a Bahia.

(Página de jornal rasgadas, muito manchada ou apagada nas partes faltosas)

149
“artes & letras” – sobre Francisco Brennand. Autoria de Lina Bo Bardi
Diário de Notícias (Salvador, BA), 9 de abril de 1961

Francisco Brennand
O Brasil está conduzindo, hoje, a batalha da cultura. Nos próximos dez, talvez
cinco, anos, o país terá traçado os seus esquemas culturais, estará fixado numa linha
definitiva: ser um país de cultura autônoma, construída sôbre raizes próprias, ou ser
um país inautêntico, com uma pseudo cultura de esquemas importados e ineficientes.
Um “ersatz” da cultura de outros países. Um país apto a tomar parte ativa no concerto
universal das culturas, ou um país saudoso de outros meios, mundos e climas.

O Brasil, hoje, está dividido em dois. O dos que querem estar a par, dos que
olham constantemente para fora, procurando captar as últimas novidades para joíá-
las, revestida de uma apressada camada nacional, no mercado da cultura, e o de que
olham dentro de si e em volta dêles procurando, fatigadamente, nas poucas heranças
duma terra nova e apaixonadamente amada, as raízes duma cultura ainda informe,
para construí-la com uma seriedade que não admite sorrisos. Procura fatigada, nos
emaranhados de heranças esnobisticamente desprezadas por uma crítica
improvisada que as definem drasticamente regionalismo e folclore.

Este mundo de ansiosos, que procura, se reconhece logo: no ar acabrunhado,


nas poucas palavras, na capacidade de trabalho e na timidez. Uma timidez que é uma
revolta contra outras seguranças, outras alegrias e outras foquacidades. É uma
aristocracia ligada ao mundo popular, a civilizações do litoral ou do sertão, uma
inteligência camponesa e artesanal que procura na terra e na condição humana a
sua expressão. A palavra “artesanal” provoca, em quem não tenha bem claros a
testura da sociedade contemporânea e os esquemas de desenvoivimento e produção
industrial modernos, uma revolta, quando não um sentido de diminuição, que pode
ser resumido na expressão: “artesanato-antigo”, “indústria-moderno”; “artesanato-
inferior', “indústria-superior”. Não existe, na realidade, diferença, hoje. O século XIX
viu na máquina uma inimiga. O entusiasmo romântico-maquinístico do começo do
século XX viu no artesanato uma forma superada. Na máquina que produz o objeto
padrão, pensado e desenhado num sentido de “artesanato-industrial”, está a
verdadeira síntese da arte aplicada moderna, o seu ponto final. A polêmica
artesanato-indústria é estéril e inútil no campo da projetacão, e da invenção. Subsiste
no campo sociológico contingente: na conversão do artesanato para a pequena
indústria e grande indústria. O moderno produto industrial poder-se-ia hoje, definir
como “artesanato-coletivizado”. O que no artesanato existiu de positivo: o objeto
cuidado, pensado, ligado ao homem, volta hoje a ser a base do moderno desenho
industrial. A estrutura social que o produz apenas mudou, como mudou o meio
produção. A máquina substituiu a mão, mas a estrutura “ética” e “estética” do objeto
subsiste.

150
Francisco Brennand pertence a aristocracia do popular, ao mundo da procura.
A sua pintura desenhada, lisa e despida foi julgada primitiva numa grande exposição
internacional sulina, e figurou entre os ingênuos; fala disso com simplicidade, com
uma ponta de ironia. Ligado a uma grande indústria, prêso a uma realidade de cada
dia, não pode deixar de transmitir esta realidade à sua produção. Sua cerâmica
simplificada: pratos e placas alinhados no chão e nas mesas da grande e velha casa
do engenho São João, em Pernambuco, transmitem um sentido de austeridade
medieval. Sentido estranho, quase inoportuno numa terra tão longe dessa atmosfera.
De repente, no verde das plantas, nos animais lentos, na paisagem, êste estranho
sentido de idade média teve de marcante: a medida humana, o trabalho, a natureza
perto dos homens. E a sensação de estranheza deixa lugar a simples verdade da
natureza tropical e dos homens nela.

A cerâmica de Brennand é importante. Por esta procura de simplificação


aristocrática e popular, concretizada numa técnica séria. Pratos e placas. Grandes
pratos e placas, ainda peças únicas; para ser penduradas ou incorporadas às paredes.

A ligação de Brennand com a indústria não o levou ainda à procura de formas,


à transferência de sua sensibilidade aristocrática e camponesa na produção do
objeto que acompanha o homem na vida de cada dia, como as grandes civilizações
orientais o fizeram. Mas Brennand chegará a isso; é um processo fatal. Vamos expor
no MAMB, aqui, na Bahia, as placas cerâmicas, Colocar os grandes pratos vegetais em
simples mesas de madeira. Não por acaso Brennand, num catálogo duma exposição,
citou o grande mestre do “Werkbund”, o arquiteto Henry Van de Velde, criador do
moderno desenho industrial. E ainda com as palavras dele queremos acabar esta
nota; são a síntese duma perfeita intuição do rumo da arte moderna: “E o espetáculo
da natureza completa a lição da história”.

151
EXPOSIÇÃO DIDÁTICA NO MAMB
Diário de Notícias (Salvador, BA), 24 de abril de 1961

Origens
Aula ao público: a Exposição Didática do Museu de Arte Moderna, através de
ilustrações e textos explicativos, encaminha ao povo um conhecimento didático da
arte através da história.

No grande painel, o homem comum acompanha a evolução da arte, desde os


primitivos até os modernos e pode, inclusive, entende-la e, seus diversos momentos
como expressão dos respectivos tempos históricos. É desta forma que o MAMB, sob
direção da sra. Lina Bardi, continua prestando á Bahia um inestimável trabalho
cultural, fazendo com que o cidadão comum veja de perto as grandes manifestações
do espírito humano. A Mão que está no início da amostra imprime a consciência do
trabalho artístico como função semelhante áquelas outras que são, no fundo, a luta
do homem para dominar a natureza.

Assim, uma verdadeira aula em silêncio é ministrada a todo aquele que visita
a Exposição-Aula que pode se repetir desde que se volte ao mesmo lugar, com a
mesma disposição de ver e aprender.

A foto ao lado é um exemplo da montagem dos painéis e o texto (que


corresponde à foto) amostra da linguagem usada nas legendas.

TEXTO:

Nada se sabe sobre os mistérios das origens. A arqueologia descobriu os


primeiros vestígios do homem na terra e o imagina caçando, se defendendo contra
os animais que mata ou procura domesticar, fabricando utensílios de pedra, depois
amuletos sugeridos pelas superstições. Nas cavernas onde primeiramente êle mora,
o homem grava histórias de caça, começando assim a história da pintura. São dezenas
de milhares de anos, divididos em Eras. Durante todo esse tempo ao que nós
chamamos da “Criação” até a data incerta do início da história, o homem organizou

152
sua vida material. Quando à espiritual, êle se agita numa confusão de ideias que o
natural instinto pelas fantasias multiplica criando mitos e mitos, irracionais e
poéticos, dos quais procuramos as explicações. Os únicos vestígios que ficaram são
os ídolos e os grafitos. O mundo mágico evidentemente completo nas várias
evoluções, é mesclado devido às migrações, às guerras entre tribos, à consolidação
dos povos e ao estabelecimento das leis. Continuadores da pré-história são os povos
primitivos, que ainda hoje encontramos em algumas regiões africanas, americanas e
oceânicas.

A vida dos homens se desenvolveu por inúmeros milênios: primeiro numa


caverna nua na montanha, depois em abrigo de pedra, de barro, de galhos de árvore,
e pouco a pouco em tugúrios mais complexos, mas sempre primitivos. O caminho da
arquitetura é o caminho da vida humana, desenhando, pintando, esculpindo. O
homem pré-histórico manifesta a sua constituição diferente da dos animais. Nenhum
animal fez isto, ao passo que o homem desenha e esculpe desde o seu primeiro
aparecimento. Desenha os animais que o cerca: A rena, o bisão. Representa cenas da
vida coletiva: a pesca, a caça e talvez a dança e os ritos religiosos. Desde o primeiro
utensílio, cunha em forma de amêndoa, lentamente. Nos milênios pré-históricos, se
constroem outros utensílios. Talvez o arado já fosse conhecido. Forma-se nesta época
obscura a família. O instinto sexual se desencadeia, como documentam as inúmeras
esculturas representando Vênus. Começam a sepultar os mortos. Enfim, o último
passo para a história é brilhar na mente do “homo primogenius” o fogo, a roda, a veia:
inicia-se a civilização dos homens: afirma-se sôbre o “homo sapiens”.

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Diário de Notícias – texto de Glauber Rocha
Diário de Notícias (Salvador, BA), 24 de abril de 1961

Cultura de cinema no MAMB

O Agora o público inteligente da Bahia não pode mais se queixar da ausência


de um programa de cultura cinematográfica organizado, programa que já teve seus
grandes momentos em fases felizes do Clube de Cinema da Bahia.

Razões de ordens várias fizeram com que o Clube não pudesse manter o nivel
daquelas exibições especiais dos grandes clássicos; local foi o mais grave dos
motivos. Agora, porém, a Sra. Lina Bardi fez um espécie de convénio com o critico
Walter da Silveira, cedendo o excelente, moderno e bem equipado auditório do MAMB
para que ali sejam realizadas as projeções de filmes escolhidos entre as mais
importantes obras da sétima arte.

O programa, que será iniciado no primeiro domingo de Maio, conta com


Norman MacLaren (o cineasta-pintor canadense, que não usa câmera), com
documentários inglêses (os mais importantes do mundo), com filmes russos, filmes
expressionistas alemães, clássicos de vanguarda do cinema francês, antologias do
cinema americano e outras atrações didática e criticamente escolhidas de comum
acôrdo com Embaixadas estrangeiras e com a Cinemateca Brasileira.

Desta forma, o público da Bahia assistirá aos domingos, em horários noturnos,


peças fílmicas que darão, entre nós, a medida exata da evolução, da importância
estética, social e humana do cinema. Estes, os grandes filmes, ou são antigos ou não
são comerciais.

Para o sucesso dêste programa, depende, principalmente da vontade real do


público em tomar providências no sentido de que as sessões não sejam frustradas.
Isto é: o público deve comparecer. O público universitário, o público de artistas e
intelectuais e o público em geral interessado em arte. O Museu de Arte Moderna,

154
mediante pequena contribuição mensal (50 cruzeiros), fornecerá carteiras aos
interessados. Por outro lado, os sócios do Clube de Cinema já poderão comparecer
com suas respectivas carteiras. Quem não quiser ser sócio do Clube, pode também
adquirir a carteira do MAMB, na secretaria do mesmo, durante o dia, no Teatro Castro
Alves, com o sr. Roberto Santana.

Esperemos que tamanho empenho da direção do MAMB e do sr. Walter da


Silveira seja correspondido, para que a cultura cinematográfica na Bahia deixe de ser
esta constante improvisação. O público, tendo agora um programa organizado à sua
disposição, não pode, nem deve recusá-lo. Esperemos, pois, que os mais inteligentes
e sensíveis adquiram logo suas carteiras.

155
JB Tabloide – Lina Bo Bardi
Jornal da Bahia (Salvador, BA), 2 de outubro de 1975

Bahia está descaracterizada culturalmente, diz Lina Bardi

A arquiteta Lina Bo Bardi, fundadora e ex-diretora do Museu de Arte Moderna


da Bahia e do Museu de Arte Popular, em recente visita a Salvador, após onze anos
de ausência, disse que “a Bahia perdeu a ocasião para ser o verdadeiro centro de
cultura do País”. Observou ainda a sra. Lina Bardi a destruição progressiva dos valores
culturais e arquitetônicos da Cidade do Salvador que segundo ela, “está seguindo o
mesmo perigoso caminho de outras cidades brasileiras, especialmente São Paulo:
falta de um plano diretor; entrega total à especulação financeira sem preocupação
pelos gravíssimos problemas sociais; ausência da intervenção de arquitetos e
urbanistas no desenvolvimento dos trabalho”.

Lina Bardi vê Cultura Baiana Descaracterizada

“A Bahia perdeu a ocasião para ser o verdadeiro centro de cultura do País”,


disse a arquiteta Lina Bo Bardi, fundadora e ex-diretora do Museu de Arte Moderna
da Bahia e do Museu de Arte Popular, de passagem por Salvador e ao retomar contato
com os diversos problemas culturais e urbanísticos da Cidade.

“Perdeu marcos importantes, desde a organização universitária até as


pesquisas sócio-antropológicas no campo da arte. O que existe hoje é um folclore
deteriorado, uma aparência de desenvolvimento que não passa de inchação cultural”,
acrescentou.

RECOMEÇO

156
“A nova geração, prosseguiu a sra. Lina Bardi, precisa começar tudo de novo,
depois de uma limpeza geral, e a tomada de consciência dos valores culturais válidos
de um passado recente, no campo da arte, está claro”.

“Precisa que a desunião das forças positivas não permita o acesso ao poder
de decisão da incompetência e da irresponsabilidade”.

Sobre a Cidade disse a sra. Lina Bardi que “a Bahia da classe média está
seguindo o mesmo perigoso caminho de outras cidades brasileiras, especialmente
São Paulo: falta de um plano diretor; entrega desordenada e total à especulação
financeira sem preocupação pelos gravíssimos problemas sociais; ausencia da
intervenção de arquitetos e urbanistas no desenvolvimento dos trabalhos.

INDUSTRIALIZAÇÃO

“A Bahia bem ou mal industrializou-se. É um processo irreversível e aquilo que


culturalmente teria sido possível 12 anos atrás, isto é a passagem gradual do processo
industrial com as características culturais do País não é mais possível hoje. Alguns
aspectos do corpo social nordestino acabaram de morrer, Conserva-los hoje seria
folclore e no campo do artesanato – lembrança para turistas – dado que um
verdadeiro artesanato nunca existiu no Brasil, e no Nordeste existe apenas um pre-
artesanato que poderia ter sido importante se aproveitado em tempo no quadro
cultural brasileiro”.

A sra. Lina Bardi acaba de montar no Museu de Arte de São Paulo uma
exposição de trabalhos das tecedeiras do Triângulo Mineiro, e para caracterizar a sua
posição frente aquilo que paternalisticamente se chama “artesanato” e “folclore”,
citou o seguinte trecho da sua apresentação para a exposição:

“Uma pequena contribuição à grande tomada de consciência coletiva que


transcende as fronteiras nacionais para entrar no debate internacional que denuncia
a perversidade de um sistema que acreditou no “industrial design”, como força
purificante e sabe que não pode voltar à apologia de Ruskin e Morris. Uma procura

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artística a nível antropológico, uma autocrítica a nível coletivo. Um depoimento sem
pieguice e falso populismo. Um contra-artesanato ciente de todas as possíveis
mudanças, marcado pelo esforço humano”.

PASSAGEM

A arquiteta Lina Bo Bardi, que de 1959 a 63 trabalhou na Bahia instalando e dirigindo


o Museu de Arte Moderna e o Museu de Arte Popular do Unhão, passou por Salvador
acompanhado dois arquitetos marroquinos, Assan Ababou, Ministro da Cultura do
Marrocos e Helie Azagury. Naquele país africano a sra. Lina Bardi realizou
recentemente alguns projetos. Aqui, em companhia do Prof, Vivaldo Costa Lima visitou
as obras de restauração do Pelourinho e as instalações da Fundação do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia.

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