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Natal, RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ -CT
Membros da banca:
________________________________________________________
José Clewton do Nascimento
Orientador e Presidente da Banca (UFRN)
________________________________________________________
George Alexandre Ferreira Dantas
Coorientador e Examinador interno ao Programa (UFRN)
________________________________________________________
Heitor de Andrade Silva
Examinador interno ao Programa (UFRN)
________________________________________________________
Ana Carolina de Souza Bierrenbach
Examinadora externa à instituição (UFBA)
APRESENTAÇÃO
Eu apresentaria este trabalho formalmente, se não fossem os tropeços. Falaria
de seus objetivos, dos caminhos que trilhei para que eles fossem alcançados e sobre
o que me motivou a estudar tudo isso. O problema é que eu não consigo.
O tempo inteiro estabeleci a obra de Lina como uma narrativa, então houve
um desvio no meio do caminho e me encontrei sem chão. Tudo que ancorava minha
pesquisa e que tinha desenvolvido até então deveria ser deixado de lado, pelo menos
por um momento, para dar espaço a uma nova abordagem que eu não sabia bem
ainda qual seria. Aquilo me inquietou bastante, até eu perceber que, na verdade, nada
mudou. Sigo falando sobre narrativa e ela agora, mais do que nunca, é também a
minha, porque foi o meu caminhar nessa pesquisa que me trouxe aqui e permitiu
que eu adaptasse o que vinha fazendo para algo que fosse mais palpável num
contexto como esse, e que ainda assim falasse de mim.
A minha ida a Salvador foi que permitiu essa mudança quase natural. Revisitar
os caminhos que percorri por lá me fez entender esse momento de reestruturação
de pesquisa como um lugar mais de conforto que de agonia, visto que antes mesmo
de repensar o que vinha fazendo, eu já havia me proposto a olhar na direção que
venho escolhendo agora.
Alguns meses após retornar de Salvador, ainda numa fase pré-pandemia, fiz
um relato sobre aquela temporada de puro encanto e inquietações. Nele escrevi que
de tanto caminhar e olhar em volta, passei a refletir sobre todas as vistas que me
encantaram os olhos, tentando fazer um paralelo com as vistas de Lina Bo Bardi para
aquela cidade. Claro que eu transitei por um trecho de Salvador muito fácil de se
apaixonar. Claro que Lina Bo Bardi viveu em outra época. Porém o tempo inteiro eu
não queria apenas ver o que ela tinha feito por lá, mas também entender o que e
como ela tinha visto e, consequentemente, sentido aquele lugar. Fui a Salvador
encontrar com Lina através de suas obras, mas a cidade em sua essência acabou por
me conquistar inteiramente e me conectando ainda mais com a arquiteta.
Eu começo a agradecer aos meus pais, Rejane e Fernando, pelo incentivo mais prático
que me permitiu seguir pesquisando e também pelo apoio que me deram quando
quase desisti.
Sou grata aos meus orientadores, Clewton e George, que toparam o desafio de mudar
comigo de tema e área de concentração já com quase um ano de andamento dentro
do programa (e algumas outras mudanças também!). Eles que foram bronca e
consolo, parece que uma união perfeita na hora de cumprir o papel de orientadores,
mas também de apoio emocional. Sair sempre renovada das nossas reuniões foi um
presente que eu recebi mesmo quando tudo parecia desmoronar, e durante todo
esse tempo eu só conseguia pensar na sorte que tenho por ter tido a oportunidade
de topar com eles nesse processo.
Meu muito obrigada a João que não poderia ter sido um namorado mais ativo nesse
processo, me dando todo o apoio necessário, desde discussões até ajuda prática ao
revisar, sugerir e desenvolver um algoritmo para me ajudar nas análises. Também
devo agradecer pelos vários cafés enquanto estava no computador e os vários
almoços nas semanas turbulentas.
À Natália Miranda e Ana Carolina Bierrenbach, agradeço pelas contribuições dadas
em minha banca de qualificação. Os ânimos e discussões me deram um fôlego
importante para que eu chegasse até aqui.
Nada do que realizei seria possível se eu caminhasse sozinha. Meu sincero MUITO
OBRIGADA a todos por não desistirem de mim!
“Senhores arquitetos e urbanistas,
por favor, não se esqueçam de nós”
RESUMO
Caminhos de Lina Bo Bardi: uma trajetória escrita.
This research work analyzes the written documentation produced by the architect Lina
Bo Bardi in order to establish a dialog between her articles published in the Salvador
Daily Newspaper and her work ahead of the Museum of Modern Art of Bahia. Lina Bo
Bardi was an Italian architect who emigrated to Brazil in 1946, a country she chose to
live and work professionally. She is the author of a series of significant works for
cultural institutions, such as MASP, the Museum of Modern Art of Bahia, SESC Pompéia,
among others. Lina was an architect who has always worked through various artistic
languages, which this work aims to approach by highlighting the written language as
a way of doing architecture, often the only one possible, and through which Lina Bo
Bardi consolidated an idea of her own architecture, an ideal. This research focuses on
the period between 1958 and 1964, when Lina worked in Bahia and intensified her
studies on Industrial Design and Popular Culture. This work is conducted as follows:
throughout a bibliographical review, it aims at tracing Lina's trajectory, highlighting
the role of writing in different phases of her life; examine her contributions to the
Salvador Daily Newspaper when Lina directed the Sunday page called Chronicles of
Art, History, Behavior, and Life Culture, in search of the theoretical bases that guided
her work; establish a dialogue between Lina’ s theoretical and practical bases by
exploring the moment of cultural effervescence Salvador experienced between the
1950s and 1960s and Lina's production during this period, when she directed the
Museum of Modern Art of Bahia. The result was the materialization of the relationship
between Lina's writings and her work in Bahia in those years, as well as the
identification of a transition process in the architect's way of acting and, consequently,
of writing.
Keywords: Lina Bo Bardi; Salvador; NorthEast; Popular culture; Industrial Design; Daily
News; Editorial.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Lina em Copacabana, 1946 ............................................................................................. 20
Figura 2: Guache, 1926 ........................................................................................................................... 22
Figura 3: Ilustração e artigo de Lina e Pagani para revista Gazia, 1941 .................... 25
Figura 4: Quaderni di Domus, esitada por Lina e Pagani, 1945-1946 ......................... 26
Figura 5: Camera dell’architetto ...................................................................................................... 27
Figura 6: Vista do Hotel Príncipe de Savoia ............................................................................. 27
Figura 7: Milão, 1945. Lina como repórter em zonas tocadas pela guerra .............. 28
Figura 8: Capa da Revista Stile por Lina e Pagani................................................................. 29
Figura 9: Capa de A-cultura della vita ........................................................................................ 29
Figura 10: Fac-símile de A-cultura della vita ........................................................................... 30
Figura 11: Pietro e Lina a bordo do navio Almirante Jaceguay, 1946 .......................... 30
Figura 12: Lina retrata o Largo Getúlio Vargas, ....................................................................... 31
Figura 13: Croqui para suporte dos expositores do MASP ............................................... 32
Figura 14: Perspectiva da sala de exposições do MASP da Rua 7 de Abril ............. 32
Figura 15: Capa para a 1º edição da revista Habitat ............................................................ 32
Figura 16: Lina em cadeira desenhada pelo Studio Palma ............................................. 35
Figura 17: Baile de carnaval do IAB, 1948 ................................................................................... 35
Figura 18: Exposição de Mário Cravo Júnior no MASP ......................................................... 37
Figura 19: Fac-símile, Habitat. Artigo sobre ex-votos .......................................................... 37
Figura 20: Fac-símile da página dominical do Diário de Notícias de Salvador ... 38
Figura 21: Perspectiva da Antiga Capela do Solar do Unhão .......................................... 39
Figura 22: Promenade au soir, Van Gogh, exposição no MAMB ..................................... 41
Figura 23: Exposição Nordeste, Museu de Arte Popular, Salvador-Bahia, 1963 .... 42
Figura 24: Filmagem de Deus e o diabo na terra do sol ................................................... 43
Figura 25: Lina posa em um MASP em construção............................................................... 44
Figura 26: Montagem de layout para publicação – vista do MAMB ............................ 45
Figura 27: Croqui para o Teatro Oficina, 1984 .......................................................................... 46
Figura 28: Aquarela do balcão de bebidas do restaurante do SESC Pompéia ..... 46
Figura 29: Aquarela para projeto do Centro Histórico de Salvador ............................ 47
Figura 30: Capas das nove edições de Crônicas, 1958 ........................................................ 51
Figura 31: Capa da 2ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 53
Figura 32: 2ª edição de Crônicas, 1958 ........................................................................................ 56
Figura 33: Capa da 3ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 57
Figura 34: Capa da 5ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 57
Figura 35: Capa da 7ª edição de Crônicas, 1958 ..................................................................... 59
Figura 36: Capa da 9ª edição de Crônicas, 1958..................................................................... 59
Figura 37: Fotografia do Centro Educacional Carneiro Ribeiro ...................................... 62
Figura 38: Imagens ilustrativas de seçoes de Ôlho sôbre a Bahia ............................. 64
Figura 39: Imagem do texto principal da 6ª edição de Crônicas ................................. 65
Figura 40: Imagem ilustra o texto Casas ou Museus? ........................................................ 67
Figura 41: Imagem central da 6ª edição de Crônicas ......................................................... 68
Figura 42: Imagem do texto Arte Industrial .............................................................................. 69
Figura 43: Imagem central da 8ª edição de Crônicas ......................................................... 70
Figura 44: Parte de texto publicado por Lina, outubro de 1959 .................................... 81
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 16
2 HÁ OLHOS E OLHOS 61
OS HOMENS 66
A CASA 72
O MUSEU 79
OLHOS QUE SABEM VER 83
16
de Eduardo Rossetti e Marina Grinover foram de extrema importância na organização
desse acervo.
No primeiro capítulo (“O que eu queria era ter história”) abordamos a trajetória
de vida de Lina Bo Bardi em consonância com a pesquisa de Silvana Rubino (2002)
para a sua tese de doutorado, fazendo uma revisão bibliográfica apoiada em outros
importantes pesquisadores que contribuíram de modo contundente com o
desenvolvimento deste trabalho, como Juliano Pereira (2008), Eduardo Rossetti (2002)
e Antônio Risério (1995). Neste capítulo, organizado cronologicamente, o objetivo é
dar ênfase ao caminho editorial traçado pela arquiteta durante toda sua trajetória,
que teve o recurso da escrita muitas vezes como a única forma possível de fazer
arquitetura.
17
serem analisados. A metodologia utilizada será explicitada de modo detalhado no
subtópico seguinte.
18
hipóteses e da elaboração de indicadores (índices ou categorias, baseados na
repetição de termos e ideias a serem categorizadas);
19
latente de Dirichlet (LDA) — um método não supervisionado que identifica
automaticamente um conjunto de tópicos relevantes para um determinado texto e
atribui uma medida de importância para cada um desses tópicos.
20
O destaque dado automaticamente aos termos destacados na tabela acima,
além de corroborarem com as relações temáticas da análise feita a partir da leitura
flutuante da primeira fase, definiram os temas centrais sobre os quais a análise
textual se basearia: o HOMEM, o MUSEU (representando também os eixos cultura e
arte, como destacado na tabela, pois se correlacionam) e a CASA.
21
22
LINA NA BAHIA
Lina vem de uma geração de arquitetos e pensadores que viveu quase todo o
século XX. Nascida em 1914 em Roma, veio a falecer em 1992 em São Paulo, aos 77
anos. Italiana, naturalizou-se brasileira em 1953: “Eu não nasci aqui, escolhi este lugar
para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha ‘Pátria de Escolha’, e eu
me sinto cidadão de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades
do Interior e as da Fronteira.” (BARDI apud FERRAZ, 2018, p. 9).
Esta postura diz muito sobre o caminho percorrido pela arquiteta, que iniciou
sua vida profissional trabalhando com Gio Ponti, líder do movimento pela valorização
23
do artesanato italiano na época, e com quem Lina Bo Bardi entra em contato de modo
mais aprofundado com as questões do desenho industrial e da cultura popular.
Junta-se a isso as leituras de Antonio Gramsci, que Silvana Rubino (2002, p. 90)
acredita terem se dado no imediato pós-guerra quando seus escritos foram então
publicados, em um momento de intensa formação política da arquiteta, o que
permitiu que Lina Bo Bardi construísse um discurso pautado nas diferenciações entre
folclore e artesanato, entre nacional-popular e nacionalismo, integrando a ideia de
intelectual orgânico e da perspectiva política da ação intelectual (ROSSETTI, p. 29-30).
Mas foi na Bahia que Lina encontrou de fato terreno produtivo e fértil no
campo da cultura popular. Um povo impregnado de tradições, cultos e festas
populares, que guardava ainda a capacidade de lutar por suas raízes, em
contraposição aos paulistanos, que já haviam sido “demasiado contaminados pelo
vírus do progresso, da modernização industrial, da cultura de massa importada” (LIMA
e MONTEIRO, 2012, p.12).
É em Salvador, como afirma Silvana Rubino (2002, p. 94-95), “que Lina vai se
afastando gradativamente de seu papel de levar a ação civilizadora paulista,
emblematizada pelo museu na rua 7 de Abril, para a Bahia e o Nordeste” e isso se dá
ao começar a absorver do exotismo da cultura local. Ali, Lina experiencia uma relação
simbiótica com o lugar, num processo que passa de civilizatório a emancipador – para
o campo cultural e para a arquiteta. Naquela cidade, Lina pôde colocar em prática a
24
formação clássica e tradicional obtida em Roma, longe das amarras do
conservadorismo da esfera academicista romana, acrescentando a perspectiva do
olhar politizado para o nacional-popular (RUBINO, 2002, p. 89-90). Eduardo Rossetti
(2002, p. 29) ressalta como sua atuação naquele momento foi impactada pelas suas
leituras de Gramsci e como a arquiteta soube ponderar tais leituras com as
preocupações da esquerda brasileira.
1
A Dissertação de mestrado de Juliano Pereira junto ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo da USP em São Carlos resultou no livro referenciado neste trabalho: PEREIRA, Juliano
Aparecido. Lina Bo Bardi: Bahia, 1958-1964. EDUFU, 2008.
25
Gonçalves, Agostinho da Silva, Mario Cravo, Pierre Verger, entre outros nomes que
movimentaram o cenário cultural e estético da Cidade do Salvador nessas duas
décadas, tendo sido esse movimento interrompido pelo Golpe de 1964 (RISÉRIO, 1995,
p. 23-24).
Não foi apenas seu modo de projetar que mudou. Para quem acompanhou
Lina de perto, mas também para quem observa seu acervo fotográfico hoje em dia, é
perceptível uma postura diferente entre a Senhora Bardi, italiana recém-chegada ao
Brasil, e Dona Lina, a arquiteta que vivenciou a Bahia daqueles anos.
26
Risério, Rubino não acredita que a Bahia daqueles tempos tenha transformado Lina
Bo, como em uma experiência de conversão, mas que tenha permitido que ela, ao se
ver longe de São Paulo, do marido Pietro Maria Bardi e da instituição civilizadora
MASP, tenha encontrado o ambiente possível para a negociação de sua identidade. A
arquiteta que trocou os vestidos e a alta sociedade pelas calças largas e trupes
estudantis, não se rebelou pela primeira vez, dado seu histórico, mas talvez pela
primeira vez tenha encontrado o espaço-tempo ideal para a concretização do seu
modo de ser, em sua totalidade, levando em consideração que a partir dos anos de
1960 certos comportamentos e estilos de vida passaram a ser aceitos para alguns
grupos sociais, o que teria possibilitado a conversão da clássica romana em
transgressora.
Em conversas com sua editora, Shira Hadad, publicadas em livro, Amos Óz, após
ser questionado sobre o que move sua escrita, faz duas observações sobre o ato de
escrever. A primeira está relacionada à necessidade do registro, para que os fatos,
sentimentos e pensamentos não se apaguem nem “sejam como se não tivessem
sido”. Um desejo de “salvar alguma coisa das garras do tempo e do esquecimento”.
Um pouco mais a frente ele tenta explicar de onde vêm as histórias que escreve e
poderia se limitar dizendo que vêm do ato de observar, seja na fila do posto de saúde
27
ou na estação ferroviária, da captura de meias conversas, roupas, sapatos e
expressões por onde quer que vá e de quando as completa, mas ele vai além e diz:
Meu vizinho em Hulda, Meir Sibahi, dizia: toda vez que passo pela janela do
quarto em que o Amós escreve eu me detenho um momento, pego um pente
e me penteio, pois se eu entrar numa história do Amós, quero entrar
penteado. Tremendamente lógico, mas não é assim que funciona comigo.
Vamos dizer, sei lá... Uma maçã. Tome uma maçã. Do que é feita a maçã?
Água, terra, sol, uma macieira e um pouco de adubo. Mas ela não se parece
com nenhuma dessas coisas. É feita delas, mas não se parece com elas. Assim
é uma história, que com certeza é feita de uma soma de encontros e
experiências e atenções. (OZ, 2019. p. 11)
Amós Oz foi um escritor, um romancista, e nos faz refletir que a escrita que
narra uma história, independente de qual seja sua intenção, está sempre baseada
nos mesmos pilares, que seriam o espaço, a memória e a necessidade do registro.
Utilizando a metáfora da maçã para compreender o que compõe a narrativa, tem-se
a dimensão da narração não apenas como a pura caracterização do espaço, nem
como a perspectiva da vida das pessoas unicamente, ou uma memória exata, mas
como a junção e atravessamento dessas óticas, que resulta em uma imagem mais
complexa e completa da vida e seus elementos de representação (DÍAS, 2015, p. 10),
dos impactos do e no espaço e das construções sociais.
É a partir dessa visão que a trajetória de Lina Bo Bardi foi explorada como uma
composição narrativa que é registro, que fala do lugar, revela a pessoa por trás e a
cultura social em que a narrativa é contada. É desse atravessamento de óticas que se
constitui o discurso de uma arquiteta que se apoiou na linguagem escrita para contar
uma história, se inscrevendo nela.
A arquiteta que acata uma concepção de tempo pouco usual, revela uma
aproximação da sua arquitetura com uma estrutura narrativa quando diz que “o
tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem
ser escolhidos pontos e inventadas soluções sem começo nem fim” (BARDI apud
FERRAZ, 2018, p. 327).
Para Olívia de Oliveira (2006, p. 33), “cada obra e cada detalhe da arquitetura
de Lina podem ser percebidos como um conto, uma narração simbólica da vida
28
cotidiana, um relato conciso de uma situação dada”, tudo emaranhado num único e
“maravilhoso” nó. “Daí entendemos o adjetivo ‘maravilhoso’ utilizado por Lina, sobre
aquilo que a encanta. Daqui exala a característica lúdica e fabular onipresente em
sua arquitetura”.
Essa caraterística fabular, como diz Oliveira, pode ser algo próprio de Lina, o
que torna a sua leitura por vezes mais fluida, embora mais complexa, visto que ao
não apresentar as referências das bases sobre as quais escreve, acaba exigindo de
nós uma leitura mais atenta que nos impeça de atribuir à arquiteta conceitos que
não foram necessariamente desenvolvidos por ela.
A documentação escrita de Lina vai além quando não conta apenas a história
da arquitetura, mas permite que a gente se aproxime da sua própria história, e é
desse modo que se constitui como narrativa. Uma arquiteta que escreveu com
intensidade, deixando registrado por meio de publicações, mas também em folhetos
de exposições, cartas, e até anotações pessoais, suas impressões através do tempo
sobre variados temas que atravessam a arquitetura e moldaram seu modo de ver e
atuar neste campo.
Lina Bo Bardi era uma arquiteta identificada com o movimento moderno que,
como desenvolveu Maíra Pereira em sua tese As casas de Lina Bo Bardi e os sentidos
de habitar, tinha um entendimento específico de modernidade, “uma modernidade
que é o resultado do encontro dialético entre o erudito e o popular, entre o
internacional e o local, entre o antigo e o novo” (PEREIRA, 2014, p. 02). Indo um pouco
29
mais além, é possível afirmar que a arquitetura de Lina Bo Bardi rompe com as
dicotomias estimulando relações dialógicas. Uma arquitetura que nasce do diálogo,
do entendimento sobre o outro e da entrega de si, tornando-se, nesse aspecto, uma
arquitetura que se aproxima também da língua.
Moita Lopes (2013) se utiliza da metáfora do rizoma para pensar o que é uma
língua e acredita que ela se aproxima muito mais de uma “trama instável de fluxos
que só ganha vida quando as pessoas e suas subjetividades e histórias são
consideradas nas práticas sociais múltiplas e situadas de construção de significado
em que atuam” (MOITA LOPES, 2013, p. 104). Nessa perspectiva é possível também
refletir sobre a arquitetura de Lina Bo Bardi, quando pensada para o povo em todas
as suas nuances e que só encontra sentido quando palco das práticas sociais e suas
subjetividades.
Para Foucault (2014, p. 50) “os discursos devem ser tratados como práticas
descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem”. Em
seguida, o filósofo lança um princípio de “não transformar o discurso em um jogo de
significações prévias; não imaginar que o mundo nos apresenta uma face legível que
teríamos de decifrar apenas”, segue:
30
Bahia, este trabalho revisita a trajetória de Lina Bo Bardi buscando compreender os
cenários e fatores que contribuíram/possibilitaram a construção da arquiteta, ao
mesmo tempo em que fundamenta suas análises nas experiências diretas de Lina,
registradas em seus escritos. Para o desenvolvimento deste trabalho, leva-se em
consideração que Lina Bo Bardi forjou uma ideia de arquitetura a partir de seus
registros escritos, e que essa ideia de arquitetura é um conjunto de pensamentos,
conceitos, um ideário, que respalda sua postura. Em consonância com o que disse
Foucault (2014, p. 50) “deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos
às coisas, como uma prática que lhes impomos (...); e é nesta prática que os
acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua regularidade”.
31
1 O QUE EU QUERIA ERA TER HISTÓRIA
“Quando eu aqui cheguei, vi do navio o branco e
azul do Ministério da Educação e Saúde, navegando
sobre o mar em céu azul-claro. Era começo da tarde,
e eu me senti feliz...”
Lina Bo Bardi2
Lina Bo Bardi acabou escolhendo o Brasil como o país onde faria história. Viveu
na Itália um período de ruínas e aportou nos trópicos junto a Pietro Maria Bardi, seu
então esposo, para conhecer o país da liberdade. O casal trazia na bagagem uma
coleção de quadros e uma série de contatos com figuras tanto das artes quanto da
política da época, o que lhes rendeu uma série de exposições e a vontade de
permanecer naquele país com ares de renovação.
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 em contextos político, social, econômico, cultural e
estético, mostrou saber atravessá-las.
2
In: Arquitetura, cidade e natureza – Congresso Brasileiro de Arquitetos (out.-nov. 1991). São
Paulo: Ed. Empresa das Artes, 1993, pp. 19-21.
32
territoriais e temporais. Mais do que notarmos que ela atravessou parte
significativa do breve século XX, esse caso pode ser proveitoso para revermos
algumas periodizações correntes na história da cultura. (RUBINO, p. 4-5)
Lina Bo Bardi, nascida Achilina Bo, em 5 de dezembro de 1914, foi a filha mais
velha de Enrico Bo e Giovanna Grazia. Nasceu em uma época de grande guerra e num
momento político conturbado para a Itália, que caminhava para o fascismo. Em sua
casa vivia também sua irmã mais nova, Graziella, e uma prima.
33
Maíra Pereira (2014, p.29) registra
Figura 2: Guache, 1926
declarações de Graziella Bo, irmã mais nova
de Lina, sobre sua infância, contando “que a
mente de Lina corria e sonhava mais rápido
que a dos outros, o que lhe gerava em alguns
momentos um certo constrangimento”. Não
há aqui a pretensão de lançar uma teoria
sobre algum tipo de genialidade de uma
criança que nasceu para ser o que se tornou,
mas, pelo contrário, apontar como um
estímulo dado a um indivíduo pode permitir Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
que ele trace um caminho próprio de
descobertas. Há registros muito claros sobre o interesse de Lina por pintura, cenários,
paisagens e até mesmo arquitetura. Pode haver o questionamento sobre esses serem
interesse inatos da arquiteta que se desenvolveram com o tempo, ou resultado da
influência direta do pai. O que temos de concreto nisso é a sua aproximação com a
figura dele desde a infância até o estabelecimento de sua vida profissional. Rubino
(2002, p. 41) destaca bem essa aproximação:
Lina aprendeu a desenhar com seu pai, que mais tarde a iniciaria no universo
da engenharia, do cálculo, da construção. Notamos no traço de Lina uma
semelhança com o de Enrico Bo, o apreço ao detalhe e a mesma paleta
cromática. O desenho era mais do que exercício lúdico que a vinculava a seu
pai: era uma maneira de, também introduzi-la no universo construtivo e
intelectual do século XIX, ao campo do protomodernismo, da tradição
pictórica italiana. Crescer desenhando junto a Enrico Bo, artista amador e
surrealista lhe conferia uma forte base artística da geração de seu pai, e mais:
a aquisição dessa habilidade no seio da família seria evidenciada
posteriormente por meio da aparente naturalidade com que Lina recordaria
suas escolhas profissionais, aparentemente conflitantes - Belas-Artes ou
Arquitetura, modernismo ou academicismo.
34
seu papel de gênero desde muito nova. Atividades que poderiam ter se dado de modo
mais lúdico, e que na prática, se não embasou, pode ter dado segurança para
determinados comportamentos e posicionamentos de Lina em suas escolhas
posteriores, em sua vida adulta como architetto.
Foi por conselho de seu pai que Lina frequentou o Liceu Artístico, onde teve
uma iniciação formal ao universo das artes e da arquitetura. Ao concluí-lo, decidiu
estudar arquitetura na Università degli Studi di Roma, em contraposição ao desejo de
sua família que esperava que a escolha da primogênita fosse pelas Belas-Artes.
Rubino (2014, p. 44-45) especula mais uma vez sobre esse ato de desobediência como
sendo também um fluxo natural para alguém que recebeu a educação de Lina para
aquele tempo, considerando seu processo de formação como architetto iniciado já
na infância.
A escolha
35
técnica. Essa formação romana está, assim, diretamente ligada ao conceito de
arquiteto integral, sobre o qual Ricardo Anelli (1998) evidencia:
36
A Itália fascista, como o Brasil do Estado Novo não constituíam exceções. A
virada do século lançou disputas estilísticas por quase toda a Europa (...) e a
revolução simbólica que ocorria no campo de tudo que dizia respeito à
visibilidade e espacialidade, especialmente com as chamadas vanguardas
modernas, estabelecia seus pares de oposição e disputa taxonômica:
moderno ou culturalista, passagem ou permanência, ornamento ou limpeza
etc. (RUBINO, 2002, p. 39)
Foi nesse contexto que a jovem aspirante a architetto – profissão sem flexão
de gênero ainda hoje na Itália – ingressou e concluiu sua formação. Um campo de
disputas político, ideológico, mas também de gênero, no qual a arquiteta se firmou
como mulher e como moderna, sem saber que sua trajetória estaria sempre em meio
a campos de disputas.
37
O contexto de Guerra tornava problemático o ofício de arquiteto, em virtude
dos bombardeios aéreos, e como alternativa à atuação direta no campo projetual e
construtivo da arquitetura, Lina passou a fazer ilustrações e escrever para revistas e
jornais milaneses importantes, entre eles Lo Stile (fundada por Gió Ponti), Tempo,
Grazia e Vetrina.
38
área se utilizando de outras linguagens, talvez as únicas possíveis para a época: a
escrita e os ilustrações.
Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018 Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
A essa altura Lina já havia passado por muita coisa. Já havia se organizado
politicamente junto ao Partido comunista e se reunido com outros arquitetos
milaneses, também na clandestinidade, para estudar os fundamentos de uma nova
organização sindical e profissional3. Se apresentava como uma arquiteta de fato
3
BARDI, Curriculum Literário, p. 10-11.
39
amadurecida, tanto pelo contexto, quanto pelas influências dos trabalhos que
desenvolveu junto a nomes ilustres da arquitetura da época.
Imediato pós-guerra
4
Ibid., p. 11.
40
Dessa necessidade surge a revista A,
Figura 8: Revista Stile, Capa de Lina e Pagani,
1941 cultura della vita. Junto com Bruno Zevi e Carlo
Pagani, a arquiteta, buscando desenvolver uma
atividade crítica e questionadora, objetiva
ampliar o alcance dos problemas de arquitetura
para o cotidiano dos não-arquitetos, fazendo-os
conhecer os problemas que enfrentavam com a
reconstrução das cidades, tornando-os parte da
solução, ou do ato de pensar e questionar
soluções. A revista abordava “as cidades, as
condições de habitabilidade e apresentava
alternativas e soluções para os problemas
cotidianos do habitar” (ROSSETTI, 2002, p. 24).
41
ascensão de figuras políticas de passados governos que acreditavam terem sido
derrotadas.
Em agosto de 1946, poucos meses após o fim da revista A, Lina casa-se com
Pietro Maria Bardi, por quem afirmava ter uma admiração desde o tempo do Liceu de
Artes, devido a sua atuação no campo das artes e da cultura, e com quem já havia
Figura 10: Fac-símile, A-cultura della vita trabalhado no meio editorial. Pouco
tempo depois de casados, os dois
embarcam em direção ao Brasil.
Carregavam na bagagem o desejo de
recomeçar a vida longe de antigos
fantasmas, em direção a uma nação
próspera onde ainda era possível
sonhar (PEREIRA, 2014, p. 89-90).
42
tenha acontecido de forma bem articulada previamente, e não como um rompante
aventureiro de um casal em busca de experiências em um país no Novo Mundo. Relata
uma recordação do próprio Bardi citando um bom relacionamento com o Embaixador
brasileiro Pedro de Moraes Barros, que o assegurou certas facilidades que acabaram
por convencê-lo a tentar uma viagem ao Rio de Janeiro, e destaca a recepção de Lina
e Pietro pelo jornalista Mário da Silva Brito, brasileiro que havia sido redator e
colaborado com revistas italianas como Lavoro Fascista e Quadrante, e que Bardi
havia conhecido em Berlim por volta de 1930.
Além de expor no edifício do MEC, o Figura 12: Encantada com a vida da cidade,
Lina retrata o Largo Getúlio Vargas, RJ, 1946
casal seguiu com uma série de exposições
no Rio de Janeiro visando atingir um maior
público, chegando a expor no Hotel
Copacabana Palace, o que evidenciava uma
habilidade em montar exposições naquele
país ainda sem museus modernos (RUBINO,
2002, p. 74).
43
para servir ao homem, e como a violência da guerra pode ter ensinado àqueles
europeus o que verdadeiramente importa ao lar nesse momento de reconstrução.
Figura 13: Croqui para Figura 14: Perspectiva elaborada por Lina da Sala Figura 15: Capa para a
suporte dos expositores de exposições do MASP da Rua 7 de Abril 1º edição da revista
do MASP Habitat
44
composto por uma série de arquitetos italianos ou de formação italiana com carreiras
já estabelecidas na cidade, teria espaço para se estabelecer profissionalmente.
45
Lina Bo Bardi era uma das diretoras da revista e também a responsável pelas
questões gráficas, depositando no desenvolvimento da Habitat a experiência
acumulada na Itália no período em que viveu em Milão depois de formada,
trabalhando para grandes periódicos (STUCHI, 2007, p. 8). A Habitat foi uma espécie
de vitrine onde o casal podia divulgar as atividades culturais que desenvolviam na
cidade de São Paulo naquele momento. Ao discutir arte, arquitetura, desenho
industrial e cotidiano, Lina moldava seu lugar na sociedade e no campo da
arquitetura.
A Habitat nº 15, de 1951, clamava por uma regra urbanística para proteger a
área do mau gosto, no momento em que Lina, Warchavchik e Osvaldo Bratke
faziam projetos no novo loteamento. No “mais bonito bairro de São Paulo”
não se deveria permitir um destino como o dos bairros paulistanos
conhecidos como “jardins” – por serem um bairro-jardim inspirados nas
garden-citties inglesas – conhecidos, afirmava o texto, por seu dinheiro e por
seu mau gosto (RUBINO, 2002, p. 78)
46
Olívia de Oliveira5 é mais polêmica. A Figura 16: Lina em cadeira desenhada pelo
Studio Palma: “nós viramos São Paulo inteiro
arquiteta acredita que teve sua candidatura e não achamos ninguém que tivesse uma
cadeira moderna. Fomos obrigados a
barrada por ser “de esquerda, muito desenhá-la”
briguenta, e os professores daqueles anos
eram de engenharia; eram ótimos
professores, mas... Era uma tragédia.” (LINA
apud OLIVEIRA, 2002, p. 250). Segue contando
a história de que entrou com um mandado de
segurança, que a ordem para que a
inscrevessem chegou por um oficial de justiça
do Rio de Janeiro no último dia da inscrição,
quando então a FAUUSP tomou como medida
cancelar o concurso, mas contrataram “o
Eduardo Corona [...] Ele era contratado e
nunca fez concurso! Bonito, não? Divertido. Eu Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
dei tanta risada e disse: ‘Eu vou embora de Figura 17: Baile de carnaval do IAB, 1948
São Paulo!’, e resolvi ir imediatamente para
Salvador”.
5
Ver Entrevista com Lina Bo Bardi. In OLIVEIRA, Olívia de. Lina Bo Bardi Obra Construída. P. 230-255.
47
AÍ EU VI A LIBERDADE
De acordo com Silvana Rubino (2002, p. 88-89), as relações de Lina com a Bahia
já vinham sendo traçadas desde o MASP e da revista Habitat. Para ela, ficam claras
as redes de conexões que se firmavam e como parte da agenda da vanguarda da
Bahia daqueles anos de 1950 eram não só divulgadas na revista, mas também parte
das atividades do museu. Mário Cravo, artista plástico baiano, não apenas teve suas
esculturas retratadas na Habitat, como também expôs no MASP, quando ainda locado
na Rua 7 de Abril, em 1950. Houve nota elogiosa assinada por Alencastro (pseudônimo
utilizado pelo casal Bardi em suas publicações na revista) sobre livro lançado por
José Valadares, diretor do Museu Histórico da Bahia, publicação de ilustrações de
Caribé, entre outras manifestações, na revista e no museu. A relação com Pernambuco
também começou a ser construída quando, ainda em 1949, Lina monta uma exposição
sobre o artesanato feito naquele estado.
O projeto de ação cultural do MAMB tinha um cunho didático muito forte, assim
como o MASP, e é impossível dissociar a experiência de Lina com o museu da Rua 7
48
de abril, da sua atuação no Museu de Arte Figura 18: Exposição de Mário Cravo Júnior no
MASP, 1950
Moderna da Bahia. Para Juliano Pereira
(2008, p. 112), “é possível notar a
continuidade de uma experiência
pedagógica que se inicia no MASP e se
prolonga até o MAMB”.
49
expressasse artisticamente de formas diferentes, seja pela música, pelas artes
plásticas, cênicas ou pela arquitetura, todos defendiam um ponto em comum: “a
importância de se considerar as bases populares tradicionais para a constituição de
uma sociedade legítima do ponto de vista artístico e cultural” (PEREIRA, 2008, p. 69-
70).
Não foi esta a primeira vez que Lina Bo Bardi se ocupou, em um periódico
sob sua responsabilidade, da crítica de costumes ou dos hábitos de uma
sociedade. (...) Este tipo de crítica, tão comum em jornais e revistas, que se
realiza na maioria das vezes em tom de fofocas em colunas sociais, para Lina
Bo Bardi terá uma outra intenção, que será a de avaliar entre as pessoas de
uma comunidade, digamos, a sua cultura social. Se Lina discute o que pode
ser a arquitetura, as artes e a cultura moderna, também se interessará por
saber como vivem as pessoas diante dessas situações, desses contextos,
extrapolando um discurso que poderia se limitar apenas aos primeiros
elementos citados (PEREIRA, 2008, p. 81).
A página dominical que ficou Figura 20: Fac-símile da Página dominical do Jornal
Diário de Notícias de Salvador, editado por Lina
sob sua responsabilidade foi uma
ferramenta utilizada por Lina para se
inserir na sociedade e levantar
questões importantes para o
desenvolvimento da cidade de
Salvador, se não do Nordeste. O
convite feito por Odorico Tavares
tinha um claro objetivo de promover
uma ação a favor da instalação de
um Museu de Arte na cidade, tendo
Lina Bo Bardi como porta-voz desta
medida modernizadora, mas Lina
sempre se colocou de modo
independente e se utilizou desse
recurso da escrita, das publicações
em periódicos que alcançam grandes
parcelas da sociedade, para conectar Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
50
as massas a discussões mais aprofundadas, compondo uma experiência pedagógica,
como deixa claro em artigo publicado no Diário de Notícias de Salvador 6:
Por que então a imprensa não se ocupa, com mais assiduidade, dos
problemas de arquitetura, da arte, de todas as artes? Não é a construção de
um Mercado, um Teatro, uma Escola, um acontecimento público de interesse
geral imediato? Um projeto de arquitetura divulgado em tempo útil nos seus
detalhes técnicos, plantas cortes poderia provocar discussões e polêmicas
construtivas e muitos danos poderiam ser evitados. Poder-se-ia objetar que
falta no público a consciência crítica e a capacidade de julgamento, mas esta
consciência crítica necessita ser criada e alimentada, e enquanto os
problemas de cultura forem relegados à terceira página e aos suplementos
especiais e não entrosados no noticiário cotidiano, de público interesse, a
maioria dos leitores continuará ignorando estes problemas. A civilização
moderna ainda não utilizou este meio poderoso, a propaganda, para os fins
desinteressados da cultura, em favor das grandes questões culturais: a
construção de um edifício de uso coletivo, as grandes exposições de artes
plásticas, os congressos, os espetáculos continuam sendo monopólio dos
poucos eleitos e a massa está excluída e continua na ignorância a respeito
da arte. (BARDI apud RUBINO, GRINOVER, 2009, p. 93-94)
6
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida. Arquitetura, Pintura. Escultura.
Música. Ares Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias (Salvador – BA), n. 3, 21 set, 1958.
51
Notícias de Salvador na busca da ampliação do debate cultural na cidade, apontando
principalmente para a criação de instituições culturais renovadas.
O Museu de Arte Moderna da Bahia foi inaugurado pouco mais de um ano após
a sua última publicação de Crônicas, e para endossar o seu projeto de conectar o
museu ao maior número de pessoas possível, especialmente às camadas populares,
Lina faz uso da relação de proximidade que tinha com Odorico Tavares, diretor do
Diário de Notícias, e mantém publicações constantes na mídia impressa defendendo
e divulgando as atividades do Museu de Arte Moderna da Bahia. A palavra escrita é
mais uma vez uma grande aliada de Lina Bo Bardi, como seria sempre. Ela não é um
registro puro e simples, mas parte imprescindível do projeto cultural sempre em
desenvolvimento.
52
de Meninos” começa a realizar um Figura 22: Promenade au Soir, Van Gogh, exposição no
MAMB
afastamento gradativo do seu
papel de civilizadora,
emblematizado pelo MASP, e leva
a arquiteta a acreditar e pensar
em um projeto original para o
Nordeste (RUBINO, 2002, p. 94).
53
Figura 23: Exposição Nordeste, Museu de Arte Popular, Salvador-Bahia, 1963
Naqueles anos, a cidade de Figura 24: Filmagem de Deus e o Diabo na terra do sol,
de Glauber Rocha
Salvador se viu sendo o berço de
duas instituições museológicas de
caráter revolucionário para a época,
com direção da arquiteta
transgressora e estrangeira Lina Bo
Bardi que havia se identificado com
a vanguarda baiana e os
movimentos estudantis.
Infelizmente, esses anos que foram
de efervescência cultural também
acabaram sendo anos de tensões
políticas conservadoras que
culminaram no Golpe Militar de
1964. Os museus subversivos de Fonte: FERRAZ, Marcelo (Org.), 2018
54
Lina Bo Bardi acabaram sendo alvos da repressão e a arquiteta teve que se retirar da
cidade de Salvador, retornando a São Paulo no mesmo ano do golpe.
55
história da arquitetura moderna brasileira (RUBINO, 2002, p. 98). Naquele momento
já não era a esposa de Pietro Maria Bardi, mas a arquiteta que inscreveu a liberdade
e o povo – pela arquitetura e pela exposição, respectivamente - no ponto mais
importante da cidade de São Paulo, urbanisticamente, e no museu mais importante
do país, ficando assim conhecida no meio dos arquitetos e não-arquitetos.
É neste mesmo período que retoma também seu trabalho editorial com a
revista Mirante das Artes, publicação em colaboração com Pietro Maria Bardi que
estava para o MASP da Avenida Paulista como a Habitat estava para o MASP da rua 7
de abril. O contexto ditatorial pedia um corpo editorial diferente da antiga revista,
contando com figuras como Roberto Schwarz e Flávio Império, intelectuais
comprometidos com a luta democrática.
Marina Grinover (2010, p. 18) classifica a postura de Lina diante de seu trabalho
editorial em duas fases. Uma primeira, que iria de 1940 até o momento em que
começa a escrever na Mirante das Artes, quando a arquiteta estava diretamente ligada
à direção e curadoria geral das publicações, e um segundo momento, a partir da
Mirante das Artes até a publicação do livro catálogo Lina Bo Bardi, organizado por
Marcelo Ferraz com intensa participação de Lina, quando sua maior preocupação era
encontrar o veículo que melhor abraçasse suas ideias.
Depois desse momento de consagração, Lina Bo Bardi não deixa de lado suas
raízes transgressoras e se envolve na luta pela redemocratização por meio da Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o que acaba
lhe rendendo, devido a uma reunião em sua residência, uma noite na cadeia em 1968.
Após este acontecido, Lina experimenta um discreto autoexílio intermitente na Itália
e cai em um relativo silêncio, que só viria a ser rompido com os ares de
redemocratização por volta dos anos de 1980 (RUBINO, 2002, p. 102-103).
56
Ainda no final da década de 1970, em 1976, Lina inicia o projeto para o SESC
Pompéia e entra em um processo de reinvenção da sua figura pública.
Na década de 80, com Figura 26: Montagem de layout de desenhos para publicação na
revista Mirante das Artes – vista do MAMB
o processo de
redemocratização, Lina
retoma a sede de projetar e
em 1984 inicia um projeto
para a sede do Teatro
Oficina, a pedido de José
Celso Martinez Correia,
diretor da companhia de
teatro com quem Lina
estreitou laços durante a
época da ditadura. Em 1986 é Fonte: ILBPMB
convidada a retornar a
Figura 27: Croqui para o Teatro Oficina, 1984
Salvador para desenvolver o
projeto de recuperação do
centro histórico da cidade,
mas também da
recuperação de uma “Era
Edgar Santos”, tempos
dourados da cidade.
Glaucia Amaral é uma artista e curadora que trabalhava no Sesc em São Paulo, participando
7
57
Arte Moderna do Ibirapuera e para o Palácio das Indústrias, que viria a ser a nova
sede da Prefeitura de São Paulo, reforma não executada em sua totalidade.
58
De que modo esses posicionamentos foram elaborados pela arquiteta em sua
obra escrita e como essas elaborações dialogaram com a sua atuação, especialmente
a do período em Salvador entre 1958 e 1946, é o que veremos nos capítulos seguintes.
Fonte: ILBPMB
59
60
2 HÁ OLHOS E OLHOS
“Por isso, também, é que o momento do trânsito
pertence muito mais ao amanhã, ao novo tempo
que anuncia, do que ao velho. E que ele tem algo
nele que não é dele, enquanto não pode ser do
amanhã.”
Paulo Freire
A escrita sempre esteve presente na vida Lina Bo Bardi, seja quando era
arquiteta em um momento em que não se podia construir e se tornou personagem
ativo do corpo editorial de importantes revistas de arquitetura na Itália da década de
1940, seja quando se utilizou do recurso da escrita para endossar projetos que
desenvolvia na prática, paralelamente, como quando lançou a revista Habitat, que
funcionava como uma espécie de vitrine do que se produzia no MASP e era também
um instrumento de inserção no meio social e cultural da cidade de São Paulo.
No caso dos escritos para o Diário de Notícias de Salvador foi diferente, pois
não havia ainda ação prática para se divulgar, nem no campo da cultura, nem da
arquitetura, o que não impediu que a arquiteta fizesse bom uso da ferramenta que
tinha em mãos, abordando temáticas pertinentes para o momento que vivia a Bahia
daqueles anos e se inserindo em canais e discussões importantes.
Em 1958, quando em Salvador, Lina Bo Bardi foi convidada por Odorico Tavares,
então editor do Jornal Diário de Notícias, para escrever e editar uma página dominical
que ela nomeou Crônicas de Arte, de História, de Costumes, de Cultura da Vida, onde
escreveu semanalmente de setembro a novembro daquele ano.
61
independente da expressão artística que defendiam (música, teatro, arquitetura ou
artes plásticas).
Figura 30: Capas das nove edições de Crônicas de Arte, de História, de Costumes, de Cultura da Vida,
62
Figura 30 – Esquema de utilização da página por Lina Bo Bardi que destaca a presença do texto da
seção Olho sobre a Bahia (vermelho) em comparação com o espaço destinado ao Texto Principal
(amarelo)
Nessa página, Lina costumava publicar dois textos de sua autoria, que eram
posicionados lado a lado na parte superior da página, como introduzindo a coluna.
Um texto sempre à esquerda, que aqui consideramos como “texto principal”
(marcação amarela na figura 30) em que a arquiteta abordou temas gerais
relacionados à cultura, avanços tecnológicos, desenho industrial, habitação, arte,
educação, entre outras temáticas relevantes para o momento em que não somente a
Bahia, mas o país estava vivendo. E posicionado à direita do texto principal (marcação
em vermelho na figura 30) ficava a seção “Ôlho sôbre a Bahia”, que embora contasse
com textos menores e tenha ocupado lugar de menor relevância nas republicações
ao longo do tempo, era a parte de maior destaque na coluna editada pela arquiteta,
estando não somente numa posição privilegiada, mas também ocupando uma grande
parcela da página, cerca de 30% desta, apesar de geralmente dividir espaço com
outros cinco textos que eram sempre acompanhados por imagens.
63
Além das duas seções citadas, eventualmente a arquiteta escrevia algumas
outras notas explicando alguma intenção, refutando algum comentário ou incitando
algumas revoltas, como nas seções antologia e documentos, em que se utilizava do
espaço para elaborar certas críticas sociais, e ,desse modo, a página como um todo
parecia uma composição de ideias, de um quadro de atuação, por assim dizer:
enquanto no texto principal Lina abordava temas gerais num raio de impacto
universal, chegando a citar a ida do homem à Lua, por exemplo, existia um movimento
que direcionava a análise geral do texto principal para uma prática ou realidade local,
baiana, na seção “ôlho sôbre a Bahia”.
64
do papel da arquitetura diante dos valores humanos e como ferramenta de combate
às injustiças sociais, rechaçando a arquitetura pela arquitetura, em paralelo à arte
pela arte. Nesta mesma edição, Lina se utiliza da seção “ôlho sôbre a Bahia” para
reforçar os argumentos utilizados no texto principal desta mesma semana e defender
o sentido real da arquitetura e o papel dos arquitetos e técnicos planificadores no
que se refere a pensar cidades. Para isso, introduz seu texto com uma foto de uma
rua de Cachoeira, cidade baiana, favorecendo a escala humana, corroborando com
um desenho de sua autoria, e em contraposição à uma foto da maquete do Palácio
do Congresso Nacional em Brasília, duas imagens complementares do texto principal,
como é possível observar na Figura 31.
65
então debater as condições necessárias para que este homem se torne sujeito de si.
Estes seriam os textos das 4ª, 5ª e 6ª edições, respectivamente, A escola e a Vida,
Casas ou Museus?, e A invasão. Por fim, a dimensão Museu foca na desmistificação
da arte e numa ação didática para as massas, e é contemplada com dois textos: Casas
ou Museus?, na quinta edição, e Arte Industrial, último texto principal publicado pela
arquiteta, na oitava edição.
OS HOMENS
66
Treze anos depois de Segunda Guerra Mundial, passada a ilusão de se poder
mudar logo, por meio de uma imposição violenta, o estado de coisas que
parecia anacrônico, na frente da ciência e da lúcida capacidade crítica, nós
perguntamos ainda, como encontrar uma solução para que a maioria dos
homens seja provida do mínimo necessário para viver, possua uma casa não
ria em face de um quadro ou de uma escultura moderna, não proteste contra
a música, a poesia, arquitetura, não demonstre a sua incompreensão em face
da máquina, expressão da nossa época, servindo-se apenas dela como de
uma necessidade imposta, zombar da figura do filósofo, sinônimo de
isolamento e estravagância. (BARDI, 1958a)
Ainda nesta edição, na seção “ôlho sôbre a Bahia”, Lina retoma a abordagem
sobre o papel dos arquitetos e urbanistas. Afirma ser responsabilidade dos técnicos
planificadores “impedir que os valores da cultura sejam destruídos pela indiferença
à Humanidade, à História, à Tradição”, mas que de nada adianta um plano de
urbanização que não compreenda o profundo sentido espiritual da cidade, se
referindo à alma da cidade.
Talvez por acreditar que este homem deva ser visto, tome seu lugar de
protagonista na história e passe a fazer e se sentir parte ativa no processo de
alteração do “estado das coisas”, Lina Bo Bardi abre nesta página mais duas seções
construídas com a colaboração da população. Em uma delas, disponibiliza o endereço
da sede do Jornal Diário de Notícias para que o povo envie fotos antigas, emprestadas,
a fim de “levantar, em nossas páginas, um passado que ainda não morreu de tôdo e
que tanto pode servir para manter um presente vivo e um futuro melhor”, e uma outra
67
seção chamada “Antologia”, em que Figura 32: Segunda edição de Crônicas, 1958
do que se seguiria nas próximas oito edições, como das intervenções da arquiteta na
cidade de Salvador. Já neste primeiro momento lança referências importantes para o
desenvolvimento de ações no plano urbanístico, arquitetônico e cultural: ela fala de
civilização primitiva, do conceito de alma da cidade, ou espírito da cidade, que é de
tradição romana e posteriormente foi reforçado por Christian Norberg-Schulz (1980),
evoca um passado no sentido de se pensar o presente e futuro, algo que pode ser
relacionado ao conceito de presente histórico e cita Antônio Gramsci, quando finaliza
o texto principal dizendo “sobretudo será útil lembrar as palavras de um filósofo da
praxe ‘não se curvem ao falar com as massas senhores intelectuais, endireitem as
costas’”. Nesse último caso há um fechamento da discussão sobre cultura e pseudo-
cultura e um alerta sobre a importância de dialogar com as massas de igual para
igual, respeitando-as.
68
A arquiteta começa sua primeira publicação desvendando a força latente do
homem comum e em sequência passa a levantar questões como habitação e
planificação urbana, mas vai inserindo imagens isoladas de homens e crianças com
legendas que funcionam quase como um lembrete de qual o principal foco da grande
questão. Na terceira edição (Figura 33), por exemplo, Lina Bo Bardi aborda, tanto no
texto principal, quanto na seção “ôlho sôbre a Bahia” a questão da conservação do
patrimônio arquitetônico, mas bem no meio da página lança a imagem de um menino
na calçada tocando corneta e vendendo bugigangas, com a legenda:
GENTE: Apesar de tudo, apesar de minha casa ser um barraco, apesar de ter
de ganhar a vida, apesar... vocês, enfim, sabem..., mas apesar de tudo isto, eu
gosto das grandes árvores verdes; e espero que um dia alguém se aperceba
de mim, quero dizer também de minha existência (CRÔNICAS, 1958l)
Figura 33: Capa da terceira edição de Crônicas, 1958 Figura 34: Capa da quinta edição de Crônicas, 1958
69
urbanistas, por favor, não se esqueçam de nós”. Um apelo-sugestão para o que
verdadeiramente importa.
Ainda na quinta edição de crônicas, num pequeno pedaço da página, Lina abre
uma seção para destacar a impressão do diretor do Departamento Histórico e
Artístico Nacional de São Paulo, o arquiteto Luís Saia, sobre a Semana de Arquitetura
da Bahia, em que ele diz:
70
técnica que lhe permita dominar o mecanismo pôr êle mesmo criado e que
ameaça destruí-lo. Como uma cobra que larga a velha pele êle procurará
despir-se de sua “antiguidade”, para incorporá-la ao patrimônio da sua
cultura, numa continuidade histórica nunca esquecida. (BARDI, 1958p)
Figura 35: Capa da sétima edição de Crônicas Figura 36: Capa da sétima edição de Crônicas
71
A CASA
Lina Bo Bardi deixa claro já em um primeiro momento que a força latente dos
homens, essa “matéria-prima imaterial”, nada pode alcançar enquanto a maioria da
população não tiver acesso ao mínimo necessário para viver, sendo este mínimo,
tanto no discurso da arquiteta como nesta análise, representado pela casa. Por casa
compreende-se todo patrimônio material necessário ao funcionamento pleno da vida
na cidade: mercado, escola, correios, hospitais, enfim, todo tipo de equipamento
coletivo.
72
precisa necessàriamente salvaguardar o patrimônio espiritual do povo que
não é a chamada “côr local”, mas a essência mesma da cultura, da dignidade
de um país, de um povo, representado pelo conjunto de seus hábitos e de
suas tradições, estritamente ligadas ao desenvolvimento moderno e atual da
vida. (CRÔNICAS, 1958a)
73
O Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi um marco na história da educação
brasileira, e também uma obra de projeção internacional, muito pelo seu projeto
pedagógico, mas também pelo modo como esse projeto foi incorporado em sua
arquitetura. Um Centro Popular de Educação de tempo integral idealizado pelo
educador Anísio Teixeira, um dos alvos da censura pela Universidade do Paraná, que
previa:
Figura 37: Fotografia do Centro Educacional Carneiro Ribeiro Anísio Teixeira, além
de melhorar a qualidade
da escola primária,
pretendia fazer da escola
uma espécie de lar
daqueles filhos que não
possuíam lares capazes de
educá-los apropriada-
mente. Tínhamos aí na
prática uma escola que
verdadeiramente instruía
seus alunos para a vida,
materializada num espaço
Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 1958 de riqueza arquitetônica,
74
em que a ideia de escola e a arquitetura se fundem e se retroalimentam. Um ideal
bastante aproximado da visão que Lina tinha do papel da escola.
75
página de crônicas, se debruçar sobre a questão de assentamentos precários em
regiões da capital baiana.
Figura 38: Imagens ilustrativas de seções Ôlho sôbre a Bahia com diferentes tipos de moradias
76
Na seção “ôlho sôbre a Bahia” da quarta edição de Crônicas, Lina fez crítica ao
tipo de cidade desenvolvida que Salvador vinha se tornado à época, alinhada aos
interesses da especulação e ao desenvolvimento do asfalto, que expulsa os
verdadeiros homens dos centros para as franjas das cidades. Nesta mesma seção da
quinta edição, a arquiteta se utiliza da imagem de uma casa antiga para argumentar
sobre a necessidade de se valorizar a história, a escala humana da cidade e não
esquecer do homem por uma "ideia" de desenvolvimento.
Lina Bo Bardi ilustra a quarta e quinta edições (Figura 38) com imagens de um
edifício multifamiliar moderno e uma casinha antiga de fachada bem conservada,
respectivamente, para então em "ôlho sôbre a bahia" da sexta edição (Figura 38)
lançar a imagem de habitações precarizadas enquanto relata o problema de invasões
em regiões periféricas da cidade, destacando a agonia daqueles que não têm onde
morar e acabam ocupando zonas sem infraestrutura, subindo casas o mais rápido
possível, ainda que precárias, e formando comunidades à margem da atuação do
Estado, antes que as forças policiais consigam desfazê-las.
Figura 39: Imagem complementar do texto principal da sexta edição de Crônicas
77
questionamento "e nós quando?", na legenda. Neste texto, Lina levanta a questão da
habitação de interesse social no Brasil, evocando um plano nacional de habitação,
que pode ser também estadual, ou ainda menor, desde que o primeiro passo seja
dado o mais rápido possível. A arquiteta levanta nesta edição um problema concreto
não apenas de Salvador, mas do Brasil como um todo, e reafirma o papel do Estado
como ator principal diante do problema habitacional, devendo estar nele a garantia
de um projeto "técnico e não filantrópico".
78
vai além do objeto cultura popular, ou da produção artesanal, mas foca no homem,
sendo este homem o ator principal do projeto pedagógico que se seguiria.
O MUSEU
Figura 40: imagem ilustra o texto Lina Bo Bardi passa a abordar o tema museu
“Casas ou Museus?” de forma mais aprofundada apenas na quinta
edição de Crônicas, quando em "Casas ou Museus?",
além de levantar a questão da importância deste
equipamento na planificação urbanística e no
desenvolvimento da sociedade, discute quais
seriam as bases do verdadeiro museu moderno: “O
complicado problema de um museu tem que ser
hoje enfrentado na base ‘didática’ e ‘técnica’. Não se
pode prescindir dessas bases, para não cair em um
museu petrificado, isto é, inteiramente inútil”. Neste
texto, Lina Bo Bardi explora a função social do
museu, defendendo o fato de que ele não deve ser
um expositor de peças isoladas, fora de contexto,
mas um instrumento que desperte em seus
Fonte: Diário de Notícias, Salvador,
1958 visitantes mais do que “mera curiosidade artística”,
e daí sua função didática.
Neste artigo, Lina faz uma crítica da imagem que se tinha do museu naquela
época e reforça qual deveria ser o papel do museu na cidade, para a sociedade,
acabando por lançar ali também os ideais que orientariam posteriormente a sua
79
atuação frente ao MAMB, em Salvador. A arquiteta aproveita a crítica para dar indícios
de como fazer este museu didático na prática:
80
quando não havia cisão entre técnico e operário executor, e estimula a criação de um
museu que resgate esses princípios:
Este futuro, ou esta nova realidade, tem como base o trabalho coletivo, em que
há a substituição do artesão-dono por uma equipe de técnicos e operários que
trabalham em colaboração, sem distinção hierárquica, estando todos conscientes da
sua importância no processo produtivo e trabalhando para o mesmo fim: “Sómente
assim, poder-se-á voltar á felicidade de uma participação moral a uma obra. Uma
81
participação coletiva , não mais individual; o resultado técnico do artesanato dos
nossos dias: a indústria”.
Na seção “ôlho sôbre a Bahia” desta oitava edição, Lina Bo Bardi estampa um
exemplar arquitetônico de Nazaré das Farinhas, cidade do Recôncavo baiano,
reconhecida como centro de produção artesanal. Ali, a arquiteta retoma a discussão
sobre o perigoso conceito de artesanato “que precisa ser enfrentado sem espírito
romântico e sem conservadorismo (...) deixando de lado o sentimentalismo pseudo-
artístico, que, no campo artesanal, conduz ao ‘abôrto’”, se referindo ao que aconteceu
na Espanha e na Itália em 1938, auge do fascismo, ao mesmo tempo que pincela uma
discussão, embora não citando diretamente, sobre artesanato e folclore.
82
Na imagem central da página desta oitava edição, Lina destaca a imagem de
uma mão ferida por uma flecha, com a legenda: “A mão trabalhando fez o Homem. A
Máquina que parece hoje ferir e aviltar, acabará destruindo-a? Sentimos que não. A
milenária experiência de trabalho da mão guiará a Máquina. Sem mexer em quase
nada, ainda é ela que dirigirá tudo”. Talvez um modo de reafirmar que ainda que a
caminhada se direcione para o modelo industrial, é sempre a mão do homem que
orienta o trabalho.
Para isso, ela se utiliza de elementos-chaves diferentes, mas que têm sempre
neste homem o seu ponto central: a casa, que representa as necessidades básicas à
sobrevivência do homem, e o museu que representa o acesso à cultura e instrução,
bem como o acesso a si mesmo, fazendo-o compreender o poder em suas mãos. Esse
seria o ponto de partida para uma nova ação cultural, e a escrita de Lina Bo Bardi em
Crônicas por vezes parece esboçar o projeto dessa nova ação, ainda que ele não
esteja completamente definido. Um projeto pautado na valorização e preservação dos
valores culturais pré-existentes, sendo esta uma postura essencialmente moderna.
Há olhos e olhos. Olhos que sabem ver e olhos que não sabem ver.
Procuramos apontar vários aspectos da Bahia: ruas, praças, igrejas barrôcas
e arquiteturas comuns de cada dia e que, por isso, não deixam de ser menos
interessantes. Aspectos que todos conhecem e que por ser de todos os dias
83
não se “vêem” e desaparecem no cotidiano. A transformação contínua da
vida e, por consequência, do urbanismo, fará desaparecer se não forem
“olhadas” em tempo, obras e conjuntos arquitetônicos que poderiam ser
salvos e integrados na cidade em desenvolvimento. Eis o sentido do nosso
“ôlho” um “ôlho” arquitetônico e urbanístico, um “ôlho” técnico, mesmo que
se expresse em linguagem comum. (CRÔNICAS… 1958i)
Esta seqüência da vida bahiana, a vida dos sêres e das suas coisas, a vida de
sua gente, de sua natureza, de sua arquitetura, de sua paisagem, esta
sequência de fotos que um mestre como Pierre Verger fixou, aqui acaba neste
pé de página, com êste recanto do São Francisco do Conde. A rápida visão
que vai da “bahiana“, no samba de roda expressão de sensibilidade e do
gôsto de viver até a serenidade secular do Recôncavo, pode muito bem
mostrar ao leitor o que se deve preservar e o que deve desaparecer. E o que
está aqui é o lado amorável, ameaçado e terrivelmente pelos amantes do
“progresso”. Progresso entre aspas. (CRÔNICAS… 1958i)
84
85
3 CINCO ANOS DE ESPERANÇAS
COLETIVAS
“Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a
partir das habilidades que estão na mão do povo,
do olhar da gente com originalidade. Poderíamos
reinventar os talheres de comer, os pratos, a camisa
de vestir, o sapato. Havia toda uma possibilidade de
que o mundo fosse refeito. O mundo do consumo
como alguma coisa que tivesse ressonância em
nosso coração. Lina era uma pessoa que ajudava a
pensar nesse rumo, uma prosperidade que fosse de
todos, uma beleza que fosse alcançável, atingível”
Darcy Ribeiro8
8
In: RISÉRIO, Atônio. Avant-garde na Bahia, 1995, p. 121.
86
O momento da chegada de Lina ao Brasil até sua saída forçada de Salvador,
em 1964, compreende um período entre ditaduras, conhecido pelos historiadores
como democracia populista. Neste tempo, o país chegou a níveis de desenvolvimento
industrial e urbano que incentivaram outros setores, que não apenas o da esfera
política, a buscarem uma modernidade no plano artístico-cultural e a almejarem
transformações políticas e sociais mais radicais (PEREIRA, 2008, p. 58).
87
de esquerda, comunistas ou trabalhistas”, um movimento que ele chamou de
Romantismo Revolucionário.
do fim dos anos 1950 ao início dos 1970, nos meios artísticos e
intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade
nacional e política do povo brasileiro; buscavam-se a um tempo suas raízes
e a ruptura com o subdesenvolvimento, numa espécie de desvio à esquerda
do que se convencionou chamar Era Vargas, caracterizada pela aposta no
desenvolvimento nacional, com base na intervenção do Estado. (RIDENTI,
2016, p. 01)
Para Antônio Risério (1995, p. 120), a vanguarda europeia que atuou no Brasil,
principalmente na Bahia, entre as décadas de 1950 e 1960 tomou parte, ou partido,
dessa visão brasileira de desenvolvimento pela via popular, e Lina Bo Bardi também
se aproximou destes movimentos de valorização da cultura popular, mas sem se
misturar diretamente com eles, pois embora este cenário descrito por Ridenti tenha
de fato favorecido a aproximação da arquiteta com a vanguarda intelectual brasileira
de esquerda, sua formação na Itália, bem como suas leituras de Antonio Gramsci no
imediato pós-guerra, fizeram-na manter um certo distanciamento do que a arquiteta
considerava “romantismos populistas”.
Esta vanguarda europeia da qual Risério fala, gerou na Bahia das décadas de
1950-60 um forte influxo de informações internacionais, especialmente nas áreas de
música, teatro, artes plásticas, arquitetura, dança e cinema. Além da movimentação
artístico-estética, despontava ali a formação de uma consciência socioantropológica
baiana, a partir da implantação do Centro de Estudos Afro-Ocidentais (CEAO), na
Universidade.
88
universidade e cidade. Em torno disso projetou-se uma vanguarda: Lina Bo Bardi,
Koellreutter, Diógenes Rebouças, Clarival Valladares, Glauber Rocha, Martim
Gonçalves, Agostinho da Silva, Mario Cravo, Pierre Verger, entre outros nomes que
movimentaram o cenário cultural e estético da Cidade do Salvador nessas duas
décadas, tendo sido esse movimento interrompido pelo Golpe de 1964 (RISÉRIO, 1995,
p. 23-24).
89
balanço geral do que foram aqueles anos entre 1958 e 1964, feito pela própria
arquiteta.
Quando Lina Bo Bardi foi convidada para editar a página de Crônicas de arte,
de história, de costume, de cultura da vida, ainda não havia um projeto oficial de um
Museu de Arte Moderna, apenas um desejo por parte de Odorico Tavares, jornalista
considerado também um mecenas, que impulsionou a colaboração de Lina Bo Bardi
na página dominical do Jornal Diário de Notícias de Salvador já com a intenção de
preparar o terreno para realização de um Museu de Arte. Um plano seu junto a Assis
Chateaubriand que previa instituições modernizadoras para a cidade de Salvador,
alinhados ao desenvolvimentismo promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek.
90
desenho expositivo e no texto do folheto, sendo este movimento importantíssimo
para o desenvolvimento de Lina como arquiteta e curadora (LIMA, 2021, pp. 224 - 225).
Onde começa e acaba a arte? Quais suas fronteiras? Essa ‘terra de ninguém’,
que limita o homem na expressão de sua humanidade total, privando-o de
uma das manifestações mais necessárias e profundas, como seja a estética,
este limite entre Arte e arte, é que sugeriu esta Exposição (BARDI, 2018, p. 134)
Para além da crítica, essa exposição era também uma inauguração do que se
seguiria em Salvador nos próximos anos com Lina Bo Bardi a bordo da direção do
Museu de Arte Moderna da Bahia e o círculo de uma gama variada de intelectuais de
vanguarda focados na instituição de uma cultura genuinamente brasileira, de bases
populares.
Embora o público dessa mostra fosse aquele mesmo já banalizado por Lina Bo
Bardi, a burguesia com ar de superioridade, foi este público que permitiu que essa
exposição despontasse também como um ato didático: naquele momento, Martim
Gonçalves e Lina Bo Bardi levavam uma mostra de fatos populares para a
centralidade cultural “snob” paulista, fazendo uma crítica também às manifestações
de cultura (no sentido tradicional, como ela mesmo pontua), apostando em um tempo
“que não mais admite divisões em categorias ou compartimentos estanques, uma
época que não pode mais negar ao homem, em nome de nenhum credo e nenhum
mito, o direito de viver nessa plenitude”. Segue no catálogo:
Fora das ‘categorias’, não mais se terá receio de reconhecer o valor estético
numa flor de papel ou num objeto fabricado com lata de querosene. A grande
Arte como que cederá seu lugar a uma expressão estética ‘não-privilegiada’;
91
a produção folclórica, popular e primitiva, perderá seu atributo (mais ou
menos explícito, hoje) de manifestação consciente ou de transição para
outras formas, e significará o direito dos homens à expressão estética, direito
esse reprimido, há séculos, nos “instruídos”, mas que sobreviveu como
semente viva, pronta a germinar, nos impossibilitados de se instruir segundo
métodos inibitórios. (BARDI, 2018, p. 134)
A Exposição Bahia ganha destaque no Jornal Diário de Notícias por uma nota
do próprio Odorico Tavares, em que ele diz que “Não me parece que os bahianos
estejam apercebendo da grande importância e do êxito excepcional da exposição, em
S. Paulo, que se denominou ‘A Bahia no Ibirapuera’”, e parte a elogiar o trabalho
desenvolvido por Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves, que destacaram a Bahia para o
resto do Brasil e para o mundo, visto o interesse internacional em torno da mostra.
Algumas semanas depois foi a vez de Vera Pacheco Jordão, escrever uma seção
na coluna “artes & letras” do Diário de Notícias onde descreveu e destacou a
exposição em mínimos detalhes, tanto da montagem quanto das peças expostas, ao
que finaliza dizendo
A Exposição Bahia foi aclamada também por Jorge Amado, que a definiu:
“Documentário de uma cidade (...) esta exposição vai mais além do folclore, do
simples pitoresco, penetra fundo na realidade e no mistério da Bahia”. Esta exposição
foi um anúncio e uma preparação importante para o que aconteceria na Bahia nos
anos seguintes, e o sucesso dela naquele momento foi também uma validação. Mas
Lina Bo Bardi não queria apenas mostrar a Bahia, esta era uma movimentação
importante de divulgação e de ampliação da discussão no universo das artes, mas a
9
No original: “soyons artistes, nous le pouvons”.
92
arquiteta previa na verdade ações mais aprofundadas no sentido de uma mudança
estrutural no quadro sócio-cultural, e aqui se inclui também político.
Em outubro de 1959, Lina volta ao Diário de Figura 44: Parte do texto publicado por
Lina em out. 1959
Notícias de Salvador na coluna “artes & letras”
para escrever sobre o Museu de Arte Moderna da
Bahia que estava para ser inaugurado no foyer do
Teatro Castro Alves e do qual ela acabava de ser
nomeada Diretora. Começa o texto retomando a
discussão sobre o que seria o museu nos moldes
tradicionais e levantando aspectos atualizados
de um museu que estava por vir:
93
Em seguida questiona “O que há em comum entre êste tipo de museu com o
conceito moderno de museu? E por que êste novo acontecimento de cultura continua
a chamar-se museu?”. Não há mudança na palavra, a instituição cultural permanece
com seu nome de batismo, mas há um reforço imenso já nesse primeiro parágrafo,
que demarca uma nova fase para os museus de Lina:
a palavra museu veio hoje a significar uma atividade viva da cultura inteirada
de uma “conservação” de obras que não é mais conservação pura e simples,
mas que assume um aspecto didático de “documentação”, uma ponte
estendida entre o passado e o presente num único processo de continuidade
histórica ou, como é o caso dos museus de arte moderna, de uma tomada
de contacto “crítico” do desenvolver-se do processo artístico contemporâneo
(BARDI, 1959a)
94
da Bahia no ano anterior, em que lança questionamentos acerca da função do Museu
e sua visão moderna. Neste folheto, a arquiteta parte para uma definição:
O uso das aspas demonstra, mais uma vez, uma discordância da arquiteta com
os sentidos tradicionais dos termos, mas são os termos utilizados para descrever as
coisas e o meio prático que ela encontrou para demonstrar o seu ponto de vista. Artes
Menores, por exemplo, seria o termo utilizado nos manuais de História da Arte para
designar as atividades artísticas ligadas à vida “prática”, em contraposição às
manifestações artísticas “gratuitas”, não ligadas à esta vida prática, como seriam a
pintura e a escultura. “Artes Menores” seria o equivalente ao “Desenho industrial”, os
objetos de uso cotidiano. Ela coloca de um lado a arte industrial como a essência da
expressão estética da vida cotidiana do homem, e do outro lado a arte de requinte
decadente “ligada exclusivamente a problemas formais que excluem o lado humano”.
95
Para Lina Bo Bardi o Desenho industrial era a orientação moderna da arte,
“estreitamente ligada ao processo de humanização”.
Neste artigo, a arquiteta retoma Gramsci quando reafirma que “cultura não é
abstração, mas ‘sistema’, ‘meio’ para se conseguir viver no sentido pleno da palavra.
‘Meio’, portanto, que deve ‘servir’ ao homem”. Isto para introduzir um tema que já
havia abordado na oitava edição de Crônicas, no texto “Arte industrial”, em que
destaca a crise técnica da época que ainda separava “o homem que trabalha com as
mãos” do “homem que trabalha com a mente”. Com isso Lina encaminha a discussão
para demarcar uma nova época, de uma nova consciência social, a era do Desenho
industrial, o “novo ARTESANAL”, que
Este artigo é quase um manifesto que inaugura o que estaria por vir no Museu
de Arte Moderna da Bahia nos próximos anos. Lina Bo Bardi acreditava que aquele
momento que vivia o Brasil, de início do seu processo de industrialização, era crucial
no sentido de se estabelecer uma cultura própria, com uma abundante “matéria-
prima” de bases populares e um cenário que a favorecia, visto que havia uma grande
movimentação em todo o país nesse sentido de orientar e exportar a produção de
uma cultura genuína. Não se poderia perder aquela oportunidade.
O Brasil está conduzindo hoje, a batalha da cultura. Nos próximos dez, talvez
cinco anos, o pais terá traçado os seus esquemas culturais, estará fincado
numa linha definitiva: ser um país de cultura autônoma, construída sobre
raízes próprias, ou ser um país inautêntico, com uma pseudo-cultura de
esquemas importados e ineficientes. (BARDI, 1961b)
Esta é a introdução do artigo escrito por Lina na coluna “artes & letras” do
Diário de Notícias de Salvador em abril de 1961, quando promove no MAMB uma
exposição dedicada às cerâmicas de Francisco Brennand, artista plástico brasileiro
ligado à indústria. Neste artigo a arquiteta fala de uma aristocracia ligada ao mundo
96
popular e ressalta a importância do trabalho de Brennand como pertencente a essa
“aristocracia do popular”.
A sua pintura desenhada, lisa e despida foi julgada primitiva numa grande
exposição internacional sulina, e figurou entre os ingênuos; fala disso com
simplicidade, com uma ponta de ironia. Ligado a uma grande indústria, prêso
a uma realidade de cada dia, não pode deixar de transmitir esta realidade à
sua produção. Sua cerâmica simplificada: pratos e placas alinhados no chão
e nas mesas da grande e velha casa do engenho São João, em Pernambuco,
transmitem um sentido de austeridade medieval. Sentido estranho, quase
inoportuno numa terra tão longe dessa atmosfera. De repente, no verde das
plantas, nos animais lentos, na paisagem, êste estranho sentido de idade
média teve de marcante: a medida humana, o trabalho, a natureza perto dos
homens. E a sensação de estranheza deixa lugar a simples verdade da
natureza tropical e dos homens nela. (BARDI, 1961b)
Senhor Governador,
O Conjunto do Unhão é apenas uma “restauração”, mesmo se de grande
beleza. Agora é preciso ser realisado o plano de Artesanato Popular, para que
tudo não fique apenas numa programação bonita. mas sem fundamento pois
na vida da Cidade. Não é tanto questão de verba como duma iniciativa que
tenha o apôio “moral” e efetivo do Gôverno do Estado. Na fase do interesse
demonstrado pelo trabalho já realisado, queria ser recebida por V.Exa. para
expor nosso plano técnico. Acabo de voltar do sul e peço para incluir nosso
problema, não nos de “arte” requintada, mas entre os mais urgentes, sendo
o plano do Unhão não de “arte-lazer”, mas de trabalho Popular. Dada a
exiguidade do tempo escrevo pessoalmente a V.Exa. diretamente no Palácio
97
da Aclamação, (pelo que peço desculpa), pedindo permissão para mandar
saber posteriormente quanto V.Exa. poderá marcar-me uma entrevista.
Respeitosamente,
Lina Bardi.
Uma das formas de inserir o Museu nas demandas práticas da vida na cidade
seria colocá-lo como ferramenta na produção da arte, arte como ofício, e assim fazer
98
com que ele desempenhasse também um papel formativo, algo para o que Lina já
havia esboçado uma ideia na oitava edição de Crônicas:
Este museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte
no sentido de ofício, além de arte) que permitisse o contacto entre técnicos
desenhistas e executores. Que expressasse, no sentido moderno, aquilo que
foi o artesanato, preparando novas levas, não para futuras utopias, mas para
a realidade que existe. (BARDI, 1958q)
99
Desde 1961 o país enfrentava uma mudança no quadro político, que feria
também o campo cultural, e Lina, que havia perdido o apoio de Martim Gonçalves
devido ao seu afastamento da direção da Escola de Teatro após a demissão do Reitor
Edgard Santos, também passa a contar menos com o apoio de Odorico Tavares e se
encontra, de certo modo, sozinha na capital baiana. Se envolveu pouco no universo
da arquitetura em Salvador, e o universo das artes ia se decompondo aos poucos
com o aumento das tensões políticas. Do apoio político que tinha, e que era
extremamente importante, restava apenas Juracy Magalhães que estava para concluir
seu mandato e não tinha pretensões de seguir carreira política na Bahia. No fim de
seu mandato, Lina é convencida por Mário Cravo Jr. a retomar o projeto de Martim
Gonçalves de fundar um Museu de Arte Popular no Solar do Unhão, complexo
arquitetônico que tinha sido apresentado por ele a Lina ainda em 1958 e pelo qual
ela não tinha nutrido interesse. Devido às obras da avenida do contorno, aquele seria
o único lugar em que Juracy Magalhães ainda investiria para a instalação do Museu
e, assim, mesmo que a contragosto, Lina abraçou e muito rapidamente (devido à
necessidade de concluir a obra enquanto Juracy Magalhães estava no poder)
desenvolveu um projeto de restauro inovador para os parâmetros da época.
100
de Artesanato” e nele é possível encontrar uma série de informações sobre o
funcionamento do Conjunto Arquitetônico do Solar do Unhão, mas também das
atividades desenvolvidas pelo Museu de Arte Moderna da Bahia e pelo Museu de Arte
Popular do Unhão e suas escolas.
Lina Bo Bardi descreve como seriam as oficinas e quais seus objetivos, fala de
um cronograma de Bienais do MAMB ligados à indústria e estabelece o principal
objetivo da Escola: eliminar “a fratura Projeto-Execução que põe em compartimento
estanque projetista e operário” e complementa a seguir dizendo que “quer também
experimentar construir sobre bases técnicas e práticas uma ética sentimental e
poética, nova, não mais ligada aos velhos problemas idealísticos e espirituais”,
lembrando a discussão sobre o novo humanismo que ela levanta em Técnica e arte,
texto publicado no Diário de Notícias ainda em 1960 quando disse:
101
O novo humanismo tende à fusão, numa visão técnica do mundo, dos
problemas culturais. Tende sobretudo a um processo de simplificação.
Simplificação necessária ao enquadramento não somente da técnica (...), mas
da inteira vida humana (BARDI, 1960a)
102
em exportar uma arte genuinamente brasileira (movimento que falhou no eixo Rio-
São Paulo, segundo a arquiteta); e “a boa vontade e habilidade do operário baiano”,
devido à montagem da exposição no tempo recorde de 25 dias.
Ela reúne neste tabloide uma série de fotografias do povo curioso que visita o
museu, e destaca: “a Bahia é a única cidade do Brasil que tem tradição cultural. Aqui
há ambiente, há uma sensibilidade mais apurada para os problemas da arte”.
A arquiteta admite neste escrito que temia que a exposição não aguentasse
uma semana, mas demonstra surpresa ao, 20 dias depois, seguir acompanhando a
enorme movimentação no museu: “dá prazer ver como o baiano de todas as camadas
olha com curiosidade e respeito todos estes quadros, gostem ou não”. A essa altura
a arquiteta já havia demonstrado certo ressentimento com a elite paulista em
algumas oportunidades, e destaca “note que não existe aqui aquela outra coisa de lá
que revolta: o ar de superioridade e os risos da burguesia quando olham obras que
não entendem”.
103
Zeuler Lima relata em sua biografia de Lina Bo Bardi recém publicada:
É nesse contexto, com essa aceitação de seu museu e confirmação das suas
ideias que Lina segue com seu projeto de museu-didático e afirma a sua satisfação e
aposta no povo baiano: “Estou muito contente em vêr o entusiasmo do povo. Em São
Paulo, depois de 12 anos, via sempre no museu as mesmas caras. Aqui êle está sendo
frequentado pelo povo. O povo da Bahia é curioso, e a curiosidade é a mola de tudo”.
Lina já em Crônicas dava indícios de como fazer o museu ser mais dinâmico e
didático e atrair aqueles que cresceram achando que museu não era um lugar de
todos. Mesmo que na época em que colaborou com o Diário de Notícias ainda não
existisse o projeto para o Museu de Arte Moderna da Bahia, a sua experiência na
década anterior com o MASP e as discussões levantadas nos 9 volumes de Crônicas
deram as bases para o que seria feito no MAMB anos depois.
104
O caminho escolhido por Lina Bo Bardi foi o da didática. Era necessário ensinar
o homem a se reconhecer para que ele, sujeito de si, passasse a produzir de forma
consciente. Era necessário também criar um meio em que a arte passasse a ser do
interesse cotidiano de todos.
105
coletiva de artes plásticas dos artistas da Bahia, Ceará, Pernambuco e do Centro de
Cultura Popular do Recife”. Lina compreendia a Exposição Nordeste como uma
acusação:
Anos depois, esta mesma exposição seria apresentada em Roma, quando foi
cancelada por movimentações da ditadura Militar, inspirando um texto-revolta de
Bruno Zevi em que ele reforça o raciocínio da arquiteta:
106
Já no texto de apresentação da Exposição Nordeste, Lina afirma que ela deveria
se chamar Civilização do Nordeste (título que utiliza ao publicar novamente esse texto
em Tempos de Grossura, anos depois). Isto porque
Chamamos este Museu de Arte Popular e não de Folclore por ser o folclore
uma herança estática e regressiva, cujo aspecto é amparado
paternalisticamente pelos responsáveis da cultura, ao passo que arte
popular (usamos a palavra arte não somente no sentido artístico mas
também no de fazer tecnicamente), define a atitude progressiva da cultura
popular ligada a problemas reais. (BARDI, 2018, p. 158)
Em Crônicas, Lina colocou o homem nas imagens, nos textos, nas cartas e nos
documentos. No museu, Lina documenta o homem e a arte do homem. Ela faz uso da
Exposição Nordeste como uma plataforma de divulgação da produção do Nordeste
do país, elevando as manifestações da cultura popular à arte popular. É um retorno
à discussão levantada ainda na primeira edição da página dominical em que a
arquiteta discute como é vista a cultura numa sociedade elitista e a necessidade de
afirmar as bases de uma nova ação cultural pautada na força latente que há em
abundância no Brasil, a força do povo de raízes populares. Ela fala naquele texto de
civilização primitiva no sentido de possuírem os elementos essenciais para o
desenvolvimento de uma nova e genuína cultura, já no folheto da Exposição ela fala
de Civilização Nordeste e trabalho primitivo: “a procura desesperada e raivosamente
positiva de homens que não querem ser “demitidos”, que reclamam seu direito à vida”,
para em seguida definir que aquilo é produto da necessidade básica pela
107
sobrevivência, “uma afirmação de beleza conseguida com o rigor que somente a
presença constante de uma realidade pode dar”.
Lina deixa Salvador de maneira forçosa quando foi deflagrado o Golpe Militar
de 1964, pois sua atuação frente ao MAMB era tida como subversiva. Travou algumas
disputas e deixou algumas intrigas, mas retornou para São Paulo livre muito
provavelmente devido aos contatos políticos que mantinha. Três anos após ter
deixado a Bahia, Lina rompe o silêncio com Cinco anos entre os brancos, publicação
para a Mirante das Artes em que lança um balanço geral do período em que atuou
intensamente na Bahia de 1958 a 1964. O texto é um tanto revoltoso e considerado
por muitos que trabalharam com ela na época até 1964, como uma demonstração de
ingratidão.
108
Lina Bo Bardi aproveita para reverenciar seu projeto de Museu, reafirmando as
bases que ainda acredita serem necessárias para “entrar no mundo de verdadeira
cultura moderna”:
Neste escrito, Lina deixa claro também como o maior recurso que tinha à sua
disposição para estabelecer o que estabeleceu, era o recurso humano. Sejam as
pessoas que a apoiaram, sejam as que encontrou e tomaram partido de seus projetos,
seja o povo, objeto central de sua prática. A arquiteta deixa entender em vários
momentos, e também neste texto, que Salvador, ou pelo menos o Nordeste, seria o
único lugar que possibilitaria tais feitos:
109
Este trabalho é sobretudo uma documentação de um diálogo estabelecido pela
arquiteta entre seu discurso e sua prática naqueles anos, para além do seu desfecho
crítico. A arquiteta pretendia mudar o estado das coisas nos campos da cultura e
também da arquitetura, entrando na disputa que definiu em alguns textos como
batalha da cultura, em que o país deveria escolher instituir uma cultura autônoma
sobre raízes próprias, ou importar algum esquema ineficiente de culturas
estrangeiras. As três dimensões contempladas nesta análise compreendiam o que
seriam as três bases necessárias para que houvesse essa mudança no sentido de
produzir (e consequentemente exportar) uma cultura genuinamente brasileira, que
ela acreditava ser de bases populares: o homem, o eixo central; a casa, representando
as necessidades de primeira ordem para a existência do homem, e o museu, a
representação das manifestações de cultura muitas vezes relegadas, embora
fundamentais para a existência em plenitude.
Lina Bo Bardi alcança as três dimensões que aborda na sua atuação frente ao
Museu de Arte Moderna e ao Museu de Arte Popular e suas Escolas, mesmo que por
um curto período de tempo. A instituição Museu cumpre uma função de desmistificar
a arte, fazendo o povo se interessar por ela e se tornar consciente do seu potencial
produtor. A instância casa que, embora em crônicas a arquiteta debata medidas que
devam ser tomadas relacionadas à habitação de fato, engloba outros equipamentos
coletivos como hospitais, escolas e mercados nesta dimensão, para, na prática, fundar
as Escolas do museu com a função formadora e de inserção do povo no processo de
industrialização do país, um processo que considera a realidade deste povo. E por
fim a dimensão homem, que sendo o eixo central de sua abordagem, está inserido
em todos os processos e também em todas as dimensões, sendo o objeto central de
sua atuação. Pode-se dizer que a abordagem de Lina Bo Bardi passa nesse período a
tomar um caráter antropológico.
110
dessas bases e foi finalizada com a concretização prática do que foi discutido, dentro
do contexto e com os recursos possíveis para a época. Seu trabalho bruscamente
interrompido pelas forças conservadoras que tomaram o poder em 1964 não deve
simbolizar um encerramento, mas uma provocação para se pensar os novos rumos. É
neste sentido que este trabalho se coloca: não como uma escrita para o passado,
mas como um passo, ainda que pequeno, para se pensar o futuro.
111
112
4 BALANÇOS INCERTOS
“O resultado final talvez não agrade a vocês, mas
ela é apenas o resultado de minha experiência
pessoal”
Lina Bo Bardi
113
Se na Exposição Bahia no Ibirapuera (1959) a arquiteta fala de “direito à poesia”
e “direito do homem à expressão estética”, na Exposição Nordeste (1963) Lina fala de
uma “procura desesperada e raivosamente positiva dos homens que não querem ser
‘demitidos’, que reclamam seu direito à vida”, objetiva uma “atitude progressiva da
cultura popular ligada a problemas reais” e finaliza com uma acusação, falando de
“esquecimento e da indiferença”.
114
tempos dialogando com a realidade encontrada a sua volta, seus 6 anos na Bahia e
o contato direto com outros intelectuais da própria região que estudavam e
desenvolviam projetos aderentes à realidade, como Anísio Teixeira, Paulo Freire,
Miguel Arraes, Lívio Xavier e Celso Furtado, além de outras figuras locais ou não, o
contato com o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, os projetos da Sudene
e Artene (subdivisão da Sudene que previa apoio financeiro à artesãos rurais),
afirmam sua graduação, descolando a sua atuação de idealismos românticos,
enquanto se aproxima de ações para um planejamento socioeconômico.
A arquiteta que finaliza seu conjunto de textos em Crônicas com uma série de
imagens de manifestações populares da Bahia daqueles tempos, afirmando que “o
que está aqui é o lado amorável, ameaçado e terrivelmente pelos amantes do
‘progresso’” demonstra que tinha consciência de que naquele momento era ainda
uma visitante com os olhos na superfície, embora com preocupações válidas.
Anos mais tarde, quando publica sobre a Exposição Nordeste na Mirante das
Artes, passados alguns anos de sua saída forçada de Salvador, Lina reafirma:
“insistimos na identidade objeto artesanal padrão industrial baseada na produção
técnica ligada à realidade dos materiais e não à abstração formal”. O objetivo de Lina
de fazer um levantamento do pré-artesanato brasileiro mirava numa noção de
progresso, de desenvolvimento pela via da emancipação de seu povo, sujeito de si e
ela seguiu defendendo essas bases enquanto debatia e propunha novos caminhos.
Anos depois de sua atuação ali e até mesmo de sua morte, ainda nos
perguntamos: a que passo estamos desta emancipação? Quais diálogos teremos que
travar em busca de uma revolução socioeconômica e cultural? É nesse sentido que
este trabalho se apresenta como uma documentação, mas relembrando a Lina da
primeira edição de Crônicas, buscando “levantar, em nossas páginas, um passado
que ainda não morreu de tôdo e que tanto pode servir para manter um presente vivo
e um futuro melhor”.
115
116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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122
ANEXO I: QUADRO DA DOCUMENTAÇÃO
ESCRITA DE LINA BO BARDI UTILIZADA NA
PESQUISA
123
"Uma cadeira
de grumixaba BARDI, Lina Bo. Lina Bo
e tabôa é Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Diário de São Paulo,
mais moral 1949 Carvalho (Org.). Instituto 60
jornal 13/11/1949
do que um Lina Bo e P. M. Bardi,
divã de 2018.
babados"
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo,
Habitat 1950 Carvalho (Org.). Instituto 64-66
revista out-dez. 1950, p. 1
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Casas de
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo, por escrito. Textos
Vilanova 1950 67-70
revista out-dez. 1950, pp. 2-16 escolhidos de Lina Bo
Artigas
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
O Museu de Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Habitat n. 1, São Paulo,
Arte de São 1950 Carvalho (Org.). Instituto 46
revista out-dez. 1950, p. 17
Paulo Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em Habitat n. 2, São Paulo, por escrito. Textos
Bela criança 1951 70-73
revista jan,-mar. 1951, p. 3 escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
Duas GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em construções Habitat n. 2, São Paulo, por escrito. Textos
1951 73-75
revista de Oscar jan,-mar. 1951, pp. 6-9 escolhidos de Lina Bo
Niemeyer Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Artigo em Primeiro: Habitat n. 4, São Paulo.
1951 Carvalho (Org.). Instituto 67
revista Escolas 1951, p. 1
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em Habitat n. 5, São Paulo, por escrito. Textos
Vitrinas 1951 75-79
revista out-dez. 1951, pp. 60-61 escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Artigo em Habitat n. 5, São Paulo,
Palma 1951 Bardi. FERRAZ, Marcelo 57
revista out-dez. 1951, pp. 62
Carvalho (Org.). Instituto
124
Lina Bo e P. M. Bardi,
2018.
125
In: "Crônicas de arte, de
história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
Artigo em Inatualidade
1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal da cultura
Visuais". Página
dominical do Diário de
Notícias (Salvador, BA), n.
3, 21 set. 1958.
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história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
Artigo em A escola e a
1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal vida
Visuais". Página
dominical do Diário de
Notícias (Salvador, BA), n.
4, 28 set. 1958.
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história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
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1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal museus?
Visuais". Página
dominical do Diário de
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In: "Crônicas de arte, de
história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
Artigo em
A invasão 1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal
Visuais". Página
dominical do Diário de
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In: "Crônicas de arte, de
história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
Artigo em
A Lua 1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal
Visuais". Página
dominical do Diário de
Notícias (Salvador, BA), n.
7, 19 out. 1958.
126
In: "Crônicas de arte, de
história, de costume, de
cultura da vida.
Arquitetura. Pintura.
Artigo em Arte
1958 Escultura. Música. Artes - -
jornal industrial
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PEREIRA, Juliano
Projeto da
Descritivo Aparecido. Lina Bo Bardi:
Escola de 1963 arquivos do MAM-BA 241-252
de proejto Bahia, 1958-1964. EDUFU,
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de Nordeste 1963 116-118
Arte Popular do Unhão, escolhidos de Lina Bo
exposição
Bahia, 1963. Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
Na América
GRINOVER, Marina. Lina
do Sul: após Mirante das Artes, São
Artigo em por escrito. Textos
Le Corbusier, 1967 Paulo, n. 1, jan-fev. 1967, 118-122
revista escolhidos de Lina Bo
o que está pp. 10-11.
Bardi. São Paulo: Cosac
acontecendo?
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
O novo Mirante das Artes, São
Artigo em por escrito. Textos
Triano 1967 Paulo, n. 5, set.-out. 1967, 122-130
revista escolhidos de Lina Bo
1957|67 pp. 20-23.
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
127
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
Cinco anos Mirante das Artes, São
Artigo em por escrito. Textos
entre os 1967 Paulo, n. 6, nov.-dez. 1967, 130-136
revista escolhidos de Lina Bo
"brancos" encarte p. I.
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
OLIVEIRA, Olivia de. Lina
Sobre a
Artigo em L'architettura n. 226. Bo Bardi: obra
linguística da 1974 215-220
revista Roma, ago. 1974. construída. Gustavo Gili,
arquitetura
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RUBINO, Silvana;
Planejamento GRINOVER, Marina. Lina
Malasartes, Rio de
Artigo em ambiental: por escrito. Textos
1976 Janeiro, n. 2, dez.-fev. 136-141
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revista tecnologia de arquitetos paulistas. escolhidos de Lina Bo
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BARDI, Lina Bo. Lina Bo
Bardi. FERRAZ, Marcelo
Trecho de
Casa de praia 1983 Inteview n. 63 Carvalho (Org.). Instituto 99
entrevista
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Artigo em O projeto 1986, São Paulo: Instituto por escrito. Textos
1986 147-154
livro arquitetônico Lina Bo e P. M. escolhidos de Lina Bo
Bardi/SESC Pompeia, Bardi. São Paulo: Cosac
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RUBINO, Silvana;
A escada AU - Arquitetura e GRINOVER, Marina. Lina
Artigo em (Teatro Urbanismo, São Paulo, n. por escrito. Textos
1987 155-157
revista Gregório de 11, abr-maio 1987, pp. 25- escolhidos de Lina Bo
Matto) 27. Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina. Lina
AU - Arquitetura e
Artigo em Terapia por escrito. Textos
1988 Urbanismo, São Paulo, n. 157-159
revista intensiva escolhidos de Lina Bo
18, jun.-jul. 1988, p. 37.
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
Polytheama,
RUBINO, Silvana;
uma Revista Projeto, São
Artigo em GRINOVER, Marina. Lina
restauração 1989 Paulo, n. 118. jan/fev. 160-162
revista por escrito. Textos
mais do que 1989, pp. 72-75
escolhidos de Lina Bo
necessária
128
Bardi. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.
129
ANEXO II: TEXTOS DE LINA BO BARDI NA
ÍNTEGRA
Este anexo é composto por alguns dos textos de Lina Bo Bardi (e também de outros
nomes), que foram coletados no Jornal Diário de Notícias de Salvador e Jornal da
Bahia, entre os anos de 1958 e 1961 (com exceção de uma publicação de 1975), a que
tive acesso na Biblioteca Central do Estado da Bahia. A ortografia está mantida como
no texto original. Este anexo é também um agradecimento em forma de intenção de
que esse registro possa ser útil a outros pesquisadores, como os anexos de outros
trabalhos acadêmicos foram fundamentais para o percurso desta pesquisa em plena
pandemia da COVID-19.
130
Primeiramente a casa, as estradas, os silos, o mercado, a escola, o centro de
saúde, o plano urbanístico regional e cívico e, depois, o museu. O meu, segundo uma
tradição ligada à concessão ocidental do “homem estético”, que é uma exceção na
normalidade do “homem teórico” é o “suprassumo” destinado aos privilegiados
capazes de compreendê-lo e frequentá-lo. A atmosfera de “elite” que rodeia ainda
hoje o museu é devida a esta concessão partidário da arte, a esta não inclusão da
necessidade artística entre as necessidades primárias do homem. Estar no ponto de
participar de um processo artístico, de compreendê-lo, de criar-se uma própria
riqueza espiritual não quer dizer que se seja Miguel Angelo ou Rafael, Picasso ou
Leonardo, quer dizer apenas não se estar privado de uma das partes vitais da
personalidade humana, não se ser diminuído em uma das mais completas
manifestações humanas: a estética.
131
“artes & letras” – Terceiro caderno
Diário de Notícias (Salvador, BA), 23 – 24 out. 1960, pp. 1-2.
Técnica e arte
A um jovem pintor concretista que, no Museu e Arte Moderna da Bahia, em
frente aos painéis com diagrama de sinais Radar, perguntava por que chamamos
nossa exposição de motores e peças eletrônicas “Desenho Concreto”, e a outro jovem
que, sempre no museu, declarava estar “só pela técnica e não pela arte”, dedicamos
esta nota. Queremos lembrar aqui Antonio Gramsci, que no livro Gli Intellettuali e
organizzazione della cultura enfrentou com grande clareza, há mais de trinta anos, o
problema do humanismo técnico.
132
parece se identificar com a arte na necessidade estética e emotiva necessária ao
homem. Eis o problema apontado por alguns “ismos”. Este problema está hoje em
nossa frente como realidade: a emoção da ciência traduzida em técnica pelo homem
é a mesma comunicada por uma obra de arte. Equilíbrio, estrutura, rigor, aquele
mundo outro que o homem não conhece, que a arte sugere, do qual o homem tem
nostalgia. Assim a arte volta a identificar-se com a técnica como nos tempos
primitivos, quando os conhecimentos eram ligados à magia, a um mundo sugerido,
desconhecido e poético. A grande era humanístico-literária acabou. Velozmente os
homens são arrastados pelo mecanismo por eles mesmos criado, e com um fator
desconhecido às civilizações passadas, a capacidade crítica.
133
Rosa dos Ventos (texto não de Lina) – sobre exposição Bahia no Ibirapuera
Diário de Notícias (Salvador, BA), 8 e 9 de novembro de 1959
Um sucesso
Não me parece que os bahianos se estejam apercebendo da grande
importância e do êxito excepcional da exposição, em S. Paulo, que se denominou “A
Bahia no Ibirapuera”. As notícias que nos chegam da capital bandeirante são de
causar orgulho a todos nós. E que não se regateiem aplausos aos seus organizadores
e responsáveis exclusivos: o arquiteto Lina Bo Bardi, diretor do Museu de Arte
Moderna da Bahia e professor Martim Gonsalves, diretor da Escola de Teatro da nossa
Universidade.
Estou vendo agora mesmo, em mãos de dona Lina Bardi, ofício do Itamaratí:
deseja o Ministério das Relações Exteriores levar oficialmente a exposição a Buenos
Aires. A Trienal de Milão convoca a mostra, pois Dorfles, um dos mais categorizados
críticos e pintores italianos, ficou deslumbrado com a mesma: insiste para que ela
seja um ponto alto da grande mostra, internacional italiana. Outros países estão
interessados em levar aos seus povos o espelho admirável da cultura nacional,
refletido com tanta beleza, com tanto carinho e com tanto rigor, em “A Bahia no
Ibirapuera”.
Por que só agora podemos oferecer uma exposição de tal magnitude, a ponto
de estar tendo o maior sucesso do que a própria Bienal de São Paulo? Exatamente,
por não se ter permitido nela nenhum amadorismo. Dois profissionais de alta
categoria idealizaram a mostra, escolheram o material, organizaram a equipe e, em
São Paulo, montaram o pavilhão “Nunca vi nada mais belo no gênero”, me disse
encantado o sr. José Gomes Sicre, representante da União Panamericana, na Bienal.
“Pudéssemos e levaria a exposição para Washington, acrescentou seria um sucesso
espetacular”.
E para terminar com mais uma informação: o “Life” filmou em cores e em cores
vai publicar longa reportagem sobre “A Bahia em Ibirapuera”, - O.T.
134
“artes & letras” – sobre exposição Bahia no Ibirapuera, por Vera Pacheco Jordão
Diário de Notícias (Salvador, BA), 29 e 30 de novembro de 1959
Na noite seguinte, tencionava ver pelo menos a pintura brasileira, mas acabava
de se inaugurar o Pavilhão da Bahia, e entrar ali foi uma perdição: só consegui me
arrancar quando enxotada pelos guardas que fechavam as portas. Não pensem,
entretanto, que tivesse ali ficado prêsa pela sedução do extraordinário bailado que é
o jogo de capoeira, com seus passos e cabriolas obedientes ao toque do berimbau;
nem mesmo que tivesse esquecido as horas contemplando as projeções coloridas de
paisagem e arquitetura da Bahia, ou me relegando com o acarajé regado de môlho
de dendê com pimenta, que as baianas faceiras vendem ali. Nada disso: para me
absorver bastaram, de sobra, as fotografias e objetos ali expostos, tão ricos de sentido
humano e impregnados de senso artístico que exigiram um exame demorado e
embevecido.
135
O cimento do chão desaparece sob um tapête de folhas verdes, macias no
pisar, soltando um perfume fresco de mato, dando no ambiente o tom bucólico da
cidade do Salvador, ainda hoje entremeada de verde.
Mas, como há muito que comentar não nos deixemos absorver exclusivamente
pelo documentário fotográfico, por mais sedutoras que sejam as barracas do Rio
Vermelho enfeitadas para a festa da Mãe d'Água, as cerâmicas de Maragogipinho, na
Feira de Água de Meninos, a exuberância dos feixes de cana e pencas de banana nas
quitandas da rampa do mercado. Não será preciso encarecer a importância de
documentários como êsse, que constituem material precioso de estudo e captam ao
vivo uma realidade intensamente poética, fadada a amortecer-se pela ação
niveladora do chamado “progresso”. Queremos apenas deixar aqui o nosso aplauso
aos artistas-fotógrafos e àqueles que organizaram êsse documentário, e amanhã
prosseguiremos em nossa visita ao Pavilhão da Bahia.
—o—
136
mediterrânea, talham em madeira, cabeças de dragão para erguê-las na proa dos
barcos, emprestando-lhes o poder mágico de afugentar da rota os perigos ocultos no
fundo das águas.
Sendo das mais belas, as carrancas são, entretanto, apenas uma das
contribuições do mais autêntico valor artístico que a Bahia apresenta, revelando
fabulosa riqueza quando, no resto do Brasil a pouca deferenciação em culturas
regionais e a ausência de tradições artesanais são responsáveis pela pobreza de
elementos folclóricos e de sua expressão artística.
137
Um elemento dnâmico de origem portuguêsa que ali se apresenta é o que se
refere aos "Terfnos”, os grupos que cantando e dançando, festejam o Dia de Reis. Ali
estão os estandartes, de veludo luxuosamente bordado, ostentando em letras de
ouro seu título distintivo: “Terno da Sempre-Viva”, ou “Terno da Rosa Napoleão”,
carregados de medalhas outorgadas pelo juri reunido no adro do Senhor do Bonfim,
o local onde os empreendimentos públicos se iniciam e culminam todos ou
particulares. Esses estandartes, inspirados em modelos europeus de começos do
século tem a graça ingênua do tom provinciano, no qual a boa fé supera o mau-gosto
do modelo pretensioso.
Por essa afirmação de talento criador, pela dignificação dos instrumentos mais
humildes, pela aura de poesia envolvendo o cotidiano, pela alegria de viver que dali
irradia, o pavilhão da Bahia merece ser visto por todos nós brasileiros que ignoramos
essa riqueza, e enviado ao estrangeiro como testemunho de uma cultura rica, original,
autêntica.
138
JB Tabloide – Lina Bo Bardi
Jornal da Bahia (Salvador, BA), 31 de Janeiro de 1960
- Arquiteta italiana que dirige o nosso Museu de Arte Moderna, D. Lina Bo Bardi,
acredita que da Bahia poderá sair o movimento brasileiro de exportação de arte, que
falhou no Rio e em S. Paulo.
SENSIBILIDADE BAIANA
D. Lina Bardi, que com sua experiência de Rio e São Paulo, pensou que a
exibição não aguentasse 7 dias, e vê tamanha afluencia já na 3.º semana, se
entusiasma diante do que chama “a grande sensibilidade do baiano para as coisas
de arte”. E fala da sua esperança em se conseguir aqui o que ainda não se
conseguiu no Sul do país, isto é, criar uma arte brasileira, autêntica, sem imitação
europeia; uma arte brasileira que exporte, como acontece com a nossa arquitetura,
hoje famosa no mundo inteiro. E conta do que já fez do MAMB e de seus planos
futuros, deixando-nos entrever o que representa para a Bahia no setor artes
plásticas a criação do mesmo.
AQUI HÁ AMBIENTE
139
deu esse resultado que aqui nos primeiros meses já apresenta, porque havia
notado essa receptividade do povo baiano quis tentar aqui o que não consegui em
São Paulo. Eu pensei que esta exposição não aguentasse 7 dias. Hoje você vê, depois
de mais de 20 dias, como ainda está sendo enormemente visitada. E note que não
existe aqui aquela outra coisa de lá que revolta: o ar de superioridade e os risos da
burguesia quando olham obras que não entendem. Dá prazer ver como o baiano de
todas as camadas olha com curiosidade e respeito todos estes quadros, gostem ou
não. Explica-se: a Bahia é a única cidade do Brasil que tem tradição cultural. Aqui há
ambiente, há uma sensibilidade mais apurada para os problemas da arte.
CURSO ESPECIAL
O SUL FALHOU
TEMPO RECORDE
140
operários, e daqueles que trabalham comigo, colaboração fantástica mesmo. Um
operário sozinho fez as cortinas, e assim por diante. Além de habilidosos, são de
uma boa vontade extraordinária. Eu nunca tinha encontrado nada igual.
O POVO É CURIOSO
141
Ângulos – Lina Bardi
Revista Ângulos (Salvador, BA), Dezembro de 1960
Artes Menores
Alguns manuais de História da Arte definem ainda hoje como “Artes Menores”
a atividade artística ligada à vida “prática”. O conjunto das manifestações artísticas
não “gratuitas” (dizemos “gratuito” no sentido de afastado dos fins imediatamente
práticos) como a pintura e a escultura. “Artes Menores” seriam os objetos de uso
cotidiano, os pratos e os copos, os acessórios sacros e profanos, as cadeiras, os
tapêtes e as estalas, as tapeçarias e as jóias. Sob esta denominação, relegada às
últimas páginas dos manuais, gerações de estudantes têm desordenadamente
acrescentado como apêndice às suas noções de História da Arte, a imagem da cadeira
de Maximiniano, da Coroa de Ferro e das tapeçarias de Rafael. Hoje, as “Artes
Menores”, sob a denominação de Desenho Industrial, são reunidas criticamente, no
domínio da Arte Prática por excelência: a Arquitetura. Mas qual é o significado real,
na vida de cada dia, do “Desenho Industrial”, que, nos países sem estrutura industrial
é ainda artesanato? O que por tantos séculos foi no ocidente uma produção
destinada a classes privilegiadas, uma exceção ligada a uma liderança cultural, está
hoje tornando-se a maior expressão cultural da civilização contemporânea ocidental.
O Desenho Industrial desbancou a expressão “decorativo”, adjetivo desprestigiante,
usado especialmente por uma crítica de arte que encarava as artes plásticas em
função da “Arte” ligada exclusivamente a problemas formais que excluem o lado
humano, reduzindo a obra de arte a uma criação abstrata no espaço e no tempo. O
homem total, completo em cada uma de suas expressões, o homem não “alienado”
que vive plena e completamente a sua experiência humana, não poderá prescindir
do fato estético que o acompanha cotidianamente, não como uma forma de
“requinte” decadente, mas como explicação de um dos valores mais importantes de
sua totalidade humana: o estético. O objeto de uso comum “belo” (usamos a palavra
no sentido não filosófico), o amor no particular cuidado e simplificado, serão, para o
homem ocidental os novos valores de uma cultura prática, técnico-estética e
essencialmente anti-teórica (no sentido que a palavra teórico possui de “fendido” da
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realidade e de nebuloso na cultura tradicional do ocidente). Um “belo” unido ao útil,
ao modesto, ao anti-retórico, ao cotidiano, como essencialmente se vê hoje na
arquitetura moderna anti-monumental. A orientação moderna da arte para o
fragmentário, o modesto, o passageiro, o não-eterno está estreitamente ligada ao
processo de humanização da arte. A destruição dos valores tradicionais feita pelos
“ismos” e a sucessiva negação de novos valores são um claro sinal da incapacidade
de satisfação estética que o homem moderno sente nas expressões de arte que já
tiveram uma grande função histórica. O ciclo da vida de São Francisco, narrado por
Giotto em Assis é hoje substituíod pelo Couraçado Potemkim ou pelos grandes
“Westerns” americanos, enquanto a atormentada solução que num quadro de
Mondrian busca desesperadamente “o insubstituível”, o absoluto, é a abstração
eterna e metafísica, distante da necessidade prático-poética e imediata que o homem
moderno ansiosamente procura.
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inimiga da Civilização e o íntimo valor ético da técnica é desconhecido, aviltado, por
tôda uma literatura deteriorada. A posição literária de “casta”, dos iniciados,
evidencia, na maior parte dos países, a grande herança de cultura humanística.
Também nas faculdades universitárias de caráter técnico-científico. A Ciência então
aparece com vergonha de ser “prática”, não revestidas dos atributos da literatura e
da “pocsia”. Os valores profundos, éticos e poéticos, reais e humanos da técnica não
foram ainda descobertos. Continua, em pleno tempo das imensas realizações
técnicas, a valoração crítica literário-esnobística, ou o entusiasmo romântico pela
máquina. A êstes problemas de valoração “literária” estão ligados os da humanização
do trabalho, da dignidade do homem que trabalha “com as mãos”, para realizar a
idéia que outros têm produzido “com a mente”. A Indústria, que marca a nossa
civilização, reassume o “trabalho da mente que projeta” e o “trabalho da mão que
realiza”. Distingue o problema ético do trabalho “intelectual”; “assentado” e
reconhecido, do trabalho “mecânico” que realiza; anônimo, aviltante, executado
mecânicamente e não reconhecido. É a crise da técnica contemporânea, ainda não
humanizada, que não reconheceu ainda na máquina os valores humanos, que ainda
se prende ao conceito altamente intelectual humanístico do trabalho: o homem que
projeta, superior ao homem que executa. É Leon Battista Alberti afirmando que o
Arquiteto deve projetar e não ocupar-se da construção. O desenvolver violento da
indústria, a tecnicização através da máquina, encaminha-se para a sua completação
e, para uma nova civilização, deve-se adequar uma nova cultura. A época de hoje é
de novo ARTESANAL, as máquinas caminham para ser dominadas por poucos homens,
em breve por um só homem; as condições artesanais estão quase restabelecidas, o
caráter novamente “artesanal” do objeto produzido já se está delineando. Em vez do
martelo e dos instrumentos artesanais, os homens movem comandos mecânicos mas
o orgulho e a consciência do próprio trabalho devem ser de novo estabelecidos. A
nova consciência social e coletiva substituindo o artesão da Idade Média, “projetista
e executor”, criará o trabalho de equipe, que não aliena o homem, não o abate
moralmente, mas o enriquece com a experiência comum. E o “Desenho Industrial”
pode ser sem hesitação definido caráter marcante da nossa civilização. A indústria
que produz o objeto de cada dia, que acompanha o homem por tôda vida, que lhe
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sugere um modo de viver e uma ética. A forma de arte por excelência de nossa época,
a única que não tem necessidade, entre as artes herdadas da tradição, de ser hoje
sustentada, imposta ou justificada.
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“artes & letras” – sobre exposição no MAMB, por Clarival do Prado Valladares
Diário de Notícias (Salvador, BA), 2 de abril de 1961
Nem-um dos problemas que afligem o artista erudito, aquele que se sente
desgastado de possibilidade criativa antes de empreendê-la, consegue anemiar a
obra do primitivo. Antes de tudo êle não está em crise, porém em exaltação. Desenha
e pinta porque acha bonito o que vê, e o faz do modo que lhe fôr possível e lhe
parecer mais próximo de uma inesquívoca intensão consagratória.
146
intérprete ingênuo – redime-a de tôdas as deformidades e excessos, a ponto de
recriá-la numa atmosfera de serenidade, até mesmo quando a representa em pleno
turbilhão de gentes atônitas e escravas do tráfego pesado.
Há, na exposição, quadros deste pintor que não são de paisagem urbana, mas
rural e geográfica. Muda apenas a periféria de sua temática pois a intencionalidade é
a mesma por isso servem de referência para a compreensão das anteriores.
–o–
147
Quanto ao primitivo bahiano João Alves, o engraxate da Sé, suas características
se situam em território estético diferente.
E não é exclusiva de João Alves Oliveira da silva. Ao que tudo indica êste pintor
é apenas uma manifestação da arte popular bahiana, impressionantemente
generalizada entre os humildes desta terra. Lembro-me do “calôr” (não há certeza
sobre o uso dessa palavra) de José Valladares e dele citarei um trecho (página 112,
Artes Maiores e Menores, 1957, _____ da Um. Da Bahia) – que a sua voz está neste
assunto:
–o–
João Alves tem, em seu ambiente, ___ de ricos motivos para a sua realização
p____. Enquanto o eletricista de S. Paulo horna sua cidade, o engraxate bahiano exala
-_____ casario que serve a João Alves, que seja colonial de maior agrupamento, mais
sendo e monumental, quer seja o dos arraiais e bairro pobres, mais diluído, já é por
si uma organização pictórica favorável.
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os edifícios do mau gôsto deste século se “vestem” de fisionomia barroca e daí resulta
a atmosfera romântica criada pela pintura.
Uma outra característica favorável ao confronto dos dois primitivos é a que diz
respeito ao modo como cada um deles trata a luz, componente dominante de toda
composição. Agostinho trata-a com geometricidade, isto é, indica-a na forma de
recorte (claro-escuro das nuvens, retângulos das janelas, feixes de holofotes, etc.), e
João Alves a dilui na atmosfera, plasma-a no envolvimento de todos os corpos. No
casario de Agostinho, frequentemente representado no meio-escuro, as janelas são
quadradas de jogo do claro-escuro num excepcional ritmo de qualidade geométrica.
Por êste motivo é de se crer que o desenho primitivo paulista seja mais realista. No
caso do pintor bahiano, uma vez que a luz envolvente dissolve a realidade figurativa,
seu desenho se tranforma em indicação despoja-se de veracidade e se realiza como
síntese das formas – (linhas sinuosas ______ beirais, toque rápidos indicando ____
etc.). – Ainda vale anotar que o desenho-síntese de João Alves é o seu poderoso
recurso de configurar a boa qualidade plástica dos modelos preferidos – os sobrados
e casas velhas da Bahia – como denominador comum de toda a paisagem.
Por fim desejamos também confrontar o modo como esses dois artistas
representam a figura humana.
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“artes & letras” – sobre Francisco Brennand. Autoria de Lina Bo Bardi
Diário de Notícias (Salvador, BA), 9 de abril de 1961
Francisco Brennand
O Brasil está conduzindo, hoje, a batalha da cultura. Nos próximos dez, talvez
cinco, anos, o país terá traçado os seus esquemas culturais, estará fixado numa linha
definitiva: ser um país de cultura autônoma, construída sôbre raizes próprias, ou ser
um país inautêntico, com uma pseudo cultura de esquemas importados e ineficientes.
Um “ersatz” da cultura de outros países. Um país apto a tomar parte ativa no concerto
universal das culturas, ou um país saudoso de outros meios, mundos e climas.
O Brasil, hoje, está dividido em dois. O dos que querem estar a par, dos que
olham constantemente para fora, procurando captar as últimas novidades para joíá-
las, revestida de uma apressada camada nacional, no mercado da cultura, e o de que
olham dentro de si e em volta dêles procurando, fatigadamente, nas poucas heranças
duma terra nova e apaixonadamente amada, as raízes duma cultura ainda informe,
para construí-la com uma seriedade que não admite sorrisos. Procura fatigada, nos
emaranhados de heranças esnobisticamente desprezadas por uma crítica
improvisada que as definem drasticamente regionalismo e folclore.
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Francisco Brennand pertence a aristocracia do popular, ao mundo da procura.
A sua pintura desenhada, lisa e despida foi julgada primitiva numa grande exposição
internacional sulina, e figurou entre os ingênuos; fala disso com simplicidade, com
uma ponta de ironia. Ligado a uma grande indústria, prêso a uma realidade de cada
dia, não pode deixar de transmitir esta realidade à sua produção. Sua cerâmica
simplificada: pratos e placas alinhados no chão e nas mesas da grande e velha casa
do engenho São João, em Pernambuco, transmitem um sentido de austeridade
medieval. Sentido estranho, quase inoportuno numa terra tão longe dessa atmosfera.
De repente, no verde das plantas, nos animais lentos, na paisagem, êste estranho
sentido de idade média teve de marcante: a medida humana, o trabalho, a natureza
perto dos homens. E a sensação de estranheza deixa lugar a simples verdade da
natureza tropical e dos homens nela.
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EXPOSIÇÃO DIDÁTICA NO MAMB
Diário de Notícias (Salvador, BA), 24 de abril de 1961
Origens
Aula ao público: a Exposição Didática do Museu de Arte Moderna, através de
ilustrações e textos explicativos, encaminha ao povo um conhecimento didático da
arte através da história.
Assim, uma verdadeira aula em silêncio é ministrada a todo aquele que visita
a Exposição-Aula que pode se repetir desde que se volte ao mesmo lugar, com a
mesma disposição de ver e aprender.
TEXTO:
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sua vida material. Quando à espiritual, êle se agita numa confusão de ideias que o
natural instinto pelas fantasias multiplica criando mitos e mitos, irracionais e
poéticos, dos quais procuramos as explicações. Os únicos vestígios que ficaram são
os ídolos e os grafitos. O mundo mágico evidentemente completo nas várias
evoluções, é mesclado devido às migrações, às guerras entre tribos, à consolidação
dos povos e ao estabelecimento das leis. Continuadores da pré-história são os povos
primitivos, que ainda hoje encontramos em algumas regiões africanas, americanas e
oceânicas.
153
Diário de Notícias – texto de Glauber Rocha
Diário de Notícias (Salvador, BA), 24 de abril de 1961
Razões de ordens várias fizeram com que o Clube não pudesse manter o nivel
daquelas exibições especiais dos grandes clássicos; local foi o mais grave dos
motivos. Agora, porém, a Sra. Lina Bardi fez um espécie de convénio com o critico
Walter da Silveira, cedendo o excelente, moderno e bem equipado auditório do MAMB
para que ali sejam realizadas as projeções de filmes escolhidos entre as mais
importantes obras da sétima arte.
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mediante pequena contribuição mensal (50 cruzeiros), fornecerá carteiras aos
interessados. Por outro lado, os sócios do Clube de Cinema já poderão comparecer
com suas respectivas carteiras. Quem não quiser ser sócio do Clube, pode também
adquirir a carteira do MAMB, na secretaria do mesmo, durante o dia, no Teatro Castro
Alves, com o sr. Roberto Santana.
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JB Tabloide – Lina Bo Bardi
Jornal da Bahia (Salvador, BA), 2 de outubro de 1975
RECOMEÇO
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“A nova geração, prosseguiu a sra. Lina Bardi, precisa começar tudo de novo,
depois de uma limpeza geral, e a tomada de consciência dos valores culturais válidos
de um passado recente, no campo da arte, está claro”.
“Precisa que a desunião das forças positivas não permita o acesso ao poder
de decisão da incompetência e da irresponsabilidade”.
Sobre a Cidade disse a sra. Lina Bardi que “a Bahia da classe média está
seguindo o mesmo perigoso caminho de outras cidades brasileiras, especialmente
São Paulo: falta de um plano diretor; entrega desordenada e total à especulação
financeira sem preocupação pelos gravíssimos problemas sociais; ausencia da
intervenção de arquitetos e urbanistas no desenvolvimento dos trabalhos.
INDUSTRIALIZAÇÃO
A sra. Lina Bardi acaba de montar no Museu de Arte de São Paulo uma
exposição de trabalhos das tecedeiras do Triângulo Mineiro, e para caracterizar a sua
posição frente aquilo que paternalisticamente se chama “artesanato” e “folclore”,
citou o seguinte trecho da sua apresentação para a exposição:
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artística a nível antropológico, uma autocrítica a nível coletivo. Um depoimento sem
pieguice e falso populismo. Um contra-artesanato ciente de todas as possíveis
mudanças, marcado pelo esforço humano”.
PASSAGEM
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