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lorge de lima (União, Alagoas, 1893-Rio de laneiro,

1953), aÍirmou.se .na moderna Iiteratura brasileira


numa traietória de vocação extraordinária dotada
de uma não menos exlraordinária capacidade de se
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r€novaÍ. Parnasiano a principio, um dos seus
.- sonetos alexandrinos se celebrizaria em todo país: I 'cl tI
"O Acendedor de Lampiões". Mas não tardaria ele \,/ I
incorporar ao movimento modernista e se tornar,
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a se
com isso, um dos maiores poetas brasileiros do
seu tempo. A publicação de toda a sua obra poética,
bem como duma seleção dos seus ensaios possibilita
ao Ieitor acompanhar o desdobramento dessa obra.
O primeiro volume, além dos Sonetos e Alexandrinos,
inclui Poemas, Novos Poemas, Poemas Escolhidos
e Poemas Negros. Ai iá se pode veriÍicar a
versatilidade do poeta, atravês dos poemas em
que decanta o seu Nordeste ("Essa Negra Fulô" i
alcançou a maior popularidade) e temas aÍro-brasileiros.
l

POESIAS COMPLETAS
O segundo volume apresenta outras das suas Íacetas: o poeta mistico em
fernpo e fterniiiãiie e A Túnica Inconsúti!, o criador mágico no belissimo
VOLUME I

mito Aíunciação e Encontro de Mira-Celi, e o artista do Livro de Sonetos, -\§


em que, utilizando a imortal Íorma-fixa, mostrou o seu notável poder
de renová.la com uma certa impregnação do simbolismo.
Partiria dai para a sua maior criação: o longo e perturbador
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lnvenção de Orfeu, incluido no terceiro volume. Esse grande poema
tem merecido várias exegeses, mãfiã vãIiããÇpor mais penetrantes ,,i ,-1

que seiam elas, conitituirá sempre, pela sua riqueza e complexidade, ,ü!.
um desafio à argúcia dos críticos e à sensibilidade do leitor,
iá que se trata de obra proÍundamente original, sem qualquerputra que .'frr,-
a ela se possa assemelhar no modeÍnismo brasileiro.
No quarto volume, o Íamoso Castro Alves
- Vidinha, em que se revela outra
das JíãI-Íãõ-s. Conro ele próprio explicou, o poema se destina
a público não erudito, e narra a história do poeta baiano em
veÍsos ôo modo dos "cantores das Íeiras nordestinas". Seguem-se os
Poemas Dispersos, os ensaios Todos Cantam Sua Terra e as vidas de Anchieta
e Dom Vilal. Nesses quatÍo votumes está o principal do legado intelectual
dc forge. de Lima, iá que embora meÍeçam realce em sua individu,alidade tão
rlcn o Íom.rncirla e o ensaista, foi como poeta, e será como poeta, que
ro prolt lrxr s pcrmanecerá em posição destacada na lileratura brasileira.
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ESSA NEGRA FULÔ

OnÂ, se DEU que chegou


(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!

ô Fulô! ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
Vai forrar a minha cama,
-pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô


ficou logo pra mucama,
para vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

ó Futô! ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!

vem coçar minha coceira,


vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!


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"Era um dia uma princesa Essa negra Fulô!
que vrvra num castelo
que possuía um vestido Essa negra Fulô!
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato O Sinhô foi açoitar
.ul! 11.U_"qoa dum pinto sozinho a negra Fulô.
o Rei-Sinhô me maidou A negra tirou a saia
que Yos contasse mais cinco.', e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
Essa negra Fulô! nuinha a negra Fulô
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
óFulô? ó Fulô? Essa negra Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos. Fulô!
"\Ii_nha mãe me penteou ó Fulô? ó Fulô?
mrnha madrasta me enterrou Cadê, cadê teu Sinhô
pelos figos da figueira que nosso Senhor me mandou?
que o Sabiá beliscou.,, Ah! foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Fulô? ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
cha-mando a Negra Fulô.) SERRA DA BARRIGA
Cadê meu frascõ de cheiro
que teu Sinhô me mandou?

-Ah!Ah! Íoi você que roubou!


foi você que roubou!
Spnne da Barriga!
Barriga de negra-mina!
As outras montanhas se cobrem de neve,
O Sinhô foi ver a negra de noiva, de nuvem, de verde!
levar couro do feitor' E tu, de Loanda, de panos-da-costa,
A negra tirou a roupa. de argolas, de contas, de quilombosl
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu Serra da Barriga!
que nem a negra Fulô.) Te vejo da casa em que nasci.
Que medo danado de negro fujão!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! Serra da Barriga, buchuda, redonda,
ó Fulô? ó Fulô? do jeito de mama, de anca, de ventre de negri,r!
Cadê meu Ienço de rendas
Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeul
caoe meu crnto, meu broche, Cadê teus bumbuns, teus sambas, teus jongos?
cadê meu terço de ouro Serra da Barriga,
que teu Sinhô me mandou? Serra da Barriga, as tuas noites de mandinga,
Ah! foi você que roubou. cheirando a maconha, cheirando a liamba?
Ah! foi você <iue roubou. Os teus meios-dias: tibum nos peraus!
Tibum nas lagoas!
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Meu São Mangangá com óleo de andiroba, cada vez mais requebr:ado, mais impoluto c
Caculo transparente, as teclas fechando as válvulas de seu corpo banzciro,
Pitomba o canto se espraiando unânime, parece que tem carajuru na l'acc,
Gambá-marundu o funil do parelho está espraiado como sua boca branca, um estcn-
Gurdim derete só.
Santo Onofre Ciscar no murundu!
Custódio Chupar caxundé!
Ogum. Farrambambear por esse mundo!
Mulatear pelas senzalas brancas!
Minhas almas . Mocar com a ocaia dos outros!
santas benditas Tudo isso eram gritos sinceros, ln:rs scm maldaclc, porquc tudo
aquelas são estava peneirado, sessado pela água amandigada cla música.
do mesmo Senhor Pra donde que você me leva, poesia-uma-só? Pra donde que
todas duas você me leva, mãe-d'água de uma só cacimba, Janaína de um só
todas três mar, Pedra-Pemba de um só altar?
todas nove
o mal seja nela
casado com ele.
São Marcos, S. Manços MARIA DIAMBA
com o signo-de-salomão
com Ogum-Chila na mão Pane uÃo apanhar mais
com três cruzes no surrão falou que sabia fazer bolos:
S. Cosmel S. Damião! virou cozinha.
Credo Foi outras coisas para que tinha jeiÍo.
Oxum-Nila Não falou mais:
Amém. Viram que sabia fazer tudo,
até molecas para a Casa-Grande.
Depois falou só,
PRA DONDE QUE VOCÊ ME LEVA só diante da ventania
que ainda vem do Sudão;
falou que queria fugir
JurrÃo se apoderou da melodia às 10 horas da noite empleno jazz. dos senhores e das judiarias deste mundo
O tema é só pretexto porque o mágico Julião transformou o para o sumidouro.
- binário como
saxofone e está transformando a gente. Tudo é ritmo
as pernas, os braços, os olhos, os dois corações de Julião. Então o
ritmo e a melodia principiaram deveras organizando um chulear OLÁ! NEGRO
clc batuque e canto rotundo de cortar coração. No cume cla voz
está Gêge filha de Ogum deitada se balançando; nas outras partes
sonoras há- outros deuses aquentando uns aos outros. Nisso o canto Os Npros de teus mulatos e de teus cafuzos
esguincha do saxofone como urn repuxo vermelho. Julião dobra e a quartâ e a quinta gerações de teu sangue sofredor
o saxofone na pança confundindo-o com o esôfago, os olhos esbu- tentarão apagar a tua cor!
galhados, a alma inocente subindo a Escada de Jacó para dentro E as gerações dessas gerações quando apagarem
de Deus. Julião treme recebendo intuições, amolengando entre uma a tna tatuagem execrancla,
nota e outra o feitiço pendurado no pescoço. não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!
Pulam de dentro do escuro do saxofone mucamas lindíssimas Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
para cada um dos fulanos, porém o poder da música é tão lavado negro-fujão, negro cativo, negro rebelde,
c Íiro branco, ó tão estrela-d'alva que as ditas nem se atrevem a negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
sc amulherar com eles. Julião está reluzente que nem esfregado negro que foste para o algodão de U.S.A.
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