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EDICOES DE OURO CULTURAIS


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versolivre (uma ou meis frases sôltas), seqüência dr
ímpares, versolivre (uma ou mais frases sôltas), ra
quência de ímpares:

Papel picadinho,
três quilos do malsr,
sorrs lirnas de cheito,
ttês cm cada mão, . .

Chiquinha danou-se Nrque su POESIA B VERSO


-
quobrci urrra nos peitot dela!
(Passoar a avalo cta a *duçáo) TT
A4ora o avalo ottla.,. ottia,
LJ Vf dia, ao começar a escrever um livro didático
chclando na poila dc mitúa Matia, ttZ sôbre literatura, tive que dar uma definição da
Ír'scaya o avalo, sltava @ chão. poesia e embâtuquei. Eu, que desde os dez anos
I de idade faço versos; eq que tantas vêzes sentira a
("Mcu Carnaval") poesia passar em mim como r.rma corrente elétrica e
Mas para que insistir nesses aspectos formais ? afluir sos meus olhos sob a forma de misteriosas lágri-
Aquêle "papel picadinho", aquelas ,,limas de cheiro,, mas de alegria; não soube no momento forjar já não
me restituíram agora, de chôfre, o Recife de minha digo uma definição racional, dessas que, segundo e
infância, o Recife que viverá para sempre, capibari- regra da lógica, devem convir a todo o definido e só
bemente, nos versos de Ascenso. Porque o poeta soubc ao deíinido, mas uma definição puramente empírica,
escolher, soube pôr nos seus poemes o detalhe certeiro artistica, literária. No apêrto me socorri de Schiller,
que evoca e fixa para sempre. . . em quem o crítico era tão grande quanto o poeta, e
disse com êle: 'jPoesia é a fôrç.a r['e atue da rraneira
alvincj-jnaPreendidc' €lém-ê-€€ims-de-€onsciêÃcig" .
Sebeis o que é atuar de maneira divina ? Confesso
lisamente que não sei. Mas conheço da poesia, por
erperiência própria, essa malreira inapreendida de ação:
ntúrca pude explicar, em muitos casos, a emoção que
gre assaltava ao ouvir ou ao ler certos ver§6, certe§
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combinações de palavras. A propósitq vou contar-vó rlueria referir-se àquele mundo do subconsciente que
uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriuno todoa trazemos dentro de nós. A poesia seria entáo
um hotel que se cham,ava Hotel Península Fernanclcr, rr ponte entre o subconsciente do poeta e o subconsciente
Tôda vez que eu passava por ali e via na tabok,llr «lo leitor. Se adotei no meu livro a definição de
aquêle nom.e Flotel Península Fernandes, sentia não nci Schilier, foi porque ela esclarece, a meu ver, a poesia
que pequenino alvorôço, alvorôço em suma cle qurrli urenos acessível, a que não ocorre no foco da consciên-
dade poética. E ficava -intrigadíssimo. Porque aqui'h. cia. Mas é evidente que a poesia pode nascer tamtÉm
hotel se chamava Península Fernandes ? IJma tardn cm pleno foco da consciência, e portanto atuar de ma-
meu primo Antônio Bandeira, igualmente invoctt«ür neira claramente apreensível , Em meu poema "Pa-
pelo estranho nome, não se conteve, subiu as escarlrrr
linódia" a estrofe central é perfeitamente inteligível .
e foi falar ao proprietário, que era um português terro'
Mas eu mesmo não saberia explicar as estrofes inicial
-a-terra e sem nenhuma fumaça de literatura.
e final . Elas pertencem a um poema que fiz durante
O sr. me desculpe a curiosidade, mas porqu! um sono. Ao despertar tentei r,ecompô-lo e não me
é que- o seu hotel se chama Península Fernandes ? foi possível f.azê-lo senão parcialmente. A estrofe
Muito simples, responcleu o homem. F'rnan- inteligível resultou de um trabaiho mental em pleno
des
-
porque é o meu nome, e P'nínsula porque é bonitol foco da consciência; as outras duas foram elaboradas
O nome est'ava realmente explicado, mas a emoçã«r de maneira inapreendida na franja da, consciência.
poética não: atuava de maneira inapreendida. tlenho a minha interpretação delas, mas não vo-Ia
E' assim que muitos fatos de rua atuam sôbre n comunicarei: é segrêdo profissional .
nossa sensibilidade. Dois automóveis colidem, ou umt
Nas mesmas condições de "Palinódia" está o meu
senhora desmaia, ou urn homem é assassinado, ou uÍna
sonêto t'O lutador", tamMm elaborado em sonho.
estrangeira em trânsito para Buenos Aires desembarce
nâ Praça Mauá em trajes pouco mais que menorer: Nêle a intervenção posterior em estado de vigília
forma-se logo um ajuntamento e os que vão chegando foi mínima. O sonêto, com título e tudo, é fielmente o
e aderindo ao grupo e os que olham de longe não sabem do sonho. Tive de o interpretar como se eu fôsse um
ainda o que se passou. Paira no ar um certo tumulto estranho a mim mesmo, como qualquer tun de vós o
emocional, criando luna como que atmosfera de poesia. poderia interpretai segundo as sugestóes do seu sub.
Pois bem, o poeta suscita a mesma coisa, só que mc- consciente estimulado. Para mim mensagem do
diante apenas uma colisão de palawas. -
meu subconsciente à minha cpnsciência, mensagem
Quando Schiller disse que a poesia é uma fôrçr muito vagamente apreendida por esta e de nôvo re-
que atua além e acima da consciência, parece qut frangida para o seu mun!;, original.
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Assentado gue a poeoia pode atuar dentro ou fora, Poema que é uma simples reprodução por imita'
eeima ou abairo da consciência, comecei a registrar çâo, pare eÍnpregar as velhas palavras de Aristótele*
tôdas es definições de poesia que fui encontrando ao Já o Dante acrescenta ao elemento ficçáo um nôvo
acaso de minhas leituras. Organizei assim uma peque- elemento a música, e dizz "Poesia é ficção retórica
na antologia do assunto. São numerosíssimas e o poeta -
posta em "Ínúsice". O elemento música vai aparecer
Carlos Drummond de Andrade depois de mim ainda em numerosâs outras definições. tA poesia", escrevêu
assinalou numa crônicâ uma porção deles que eu não Carlyle, "chemeremos pensamento musical". E Ruskitl
conhecia. Mas é possível redr.rzi-las a uma meie dúzia moralista, ensina que ela é "a apresentação, em forma
ile tipos, que lhes facilitam o exame. Senão vejamos: musical, à imgginação, de nobres fundarnentoe às nobrec
emoções".
Certos autores definem a poesia como ficção: '?oe-
ta", escreveu Jonson, gr,ande úamaturgo inglês, con- Não se pode negar que a música seja um elernento
temporâneo de Shakespeare e um dos homens maic da velha poesia, da poesia ao tempo em que ele foi
cultos do seu tem1rc, "é, não aquêle que Êcreve com assim definida. Hoje sebemos que pode haver poesia
rnétrica, mas o que finge e forma uma fábula, pois
sem música, e poesia da melhor. Sem mírsica, bem
entendido, no sentido de não procureÍ o poeta fazer
fábula e ficção são, por assim dizer, a forma e a alma
o v€rso cantar no Poemq.
de tôda obra poética ou poema". E' o mesmo conceito
de dois outros grandíssimos poetas inglêses seiscenti§.
Outro poete, e que poetal o grande românticp
Coleridge, definiu o poema "aquela espécie de compo'
tas: Donne, que disse "a poesia é como uma simili-
aição que se opõe às obras de ciência por yisar coao
-Criação e faz coisas que não existem, como se exir.
objeto imediato o prazer e não a verdade". O objeto
tissem", e Dryden, paÍe quem "a ficção é a essência
imediato, porque em profundidade êle é "a identidads
da poesia".
de todos os outros conhecimentoo, a ÍIor e o perfume
Pergunto eu agore: não haverá poesia quando de todo o humano conhecimentot'.
realizo em palavras uma trensposiçáo da realidade. E aqui entramos no conceito de poesia<onheci'
sem inventar nada, sem "fingir', nada ? Como nertc mento. ,IvÍuitos são os que o afirmam. Para Lautréa-
poeme: mont, ela antutcia as relaçóes existentes erntre os pri-
meiros princípios e as verdadec secrurdárias da vida.
O attanha-céu cobc ,@ at puto quc loi lavdo pcla chuta Novalis já dissera que ú'â poesia é o real absoluto".
I? desce reÍletido na poga dc lana do pátlo. E o moderno Maritain precisa: 'Poesia é o conheci'
Entrc a rcalidadc e a imeacm, tp chão úo que 4, *lr.ta, mento, incomparàvelmente: corúecimento-experiêncira
Quatrc pombas parrcianr. conhecimentÉÍnoçãg conhecimento aistencial. Ela é
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o fruto do contato do espírito com a realidade em cl cssa rhagia que consiste em despertar sensações por
mesma inefável e com a sua fonte; que acreditamoc rrreio de uma combinação de sons. . . êsse sortilégio
ser Deus". Braças ao qual idéias nos são necessàriamente comuni-
O epíteto "inefável" leva-noo a um grupo de defi' cadas, de uma maneira certa, por meio de palavras
nições, onde culmina o conceito na definição de Edwin <1ue todavia não as exprimem".
Arlington Robinson, grande poeta norte'americano: Comentando largamente a definição de Banville,
"Poesia é a linguagem que nos diz, em virtude duma
conreça Gide pelos vocábulos "magia" e "sortilégio"
reação mais ou menos emocional, alguma coisa que
(sorcellerie) : "Valéry, de maneira voluntàriamente
náo pode ser dita".
rrn'rbígua, dirâ charme. . . O verdadeiro poeta é um
Devo esclal.ecer que tôdas essas definições ê
,nago. Não se trata tanto para êle de ser comovido,
muitas outras que coligi, aparecem em contextos onde rnas de induzir o leitor a comover-se: "por meio de
se procr.rra apreender a essência do fenômeno poético: rrma combinação de sons", que são palavras. Que a
não foram apresentadas isoladamente como definição significação dessas palavras importa, não será preciso
no sentido lógico da palawa, e de isoláJas como fiz, tlizer; não, porém, independentemente da sonoridade
resulta uma certa mutilaçáo do pensamento de seus
rleias. O verso delicioso d,e Racine, tão freqüente.
autores. Nad,a obstante, cada uma contém uma parcela
nrente citado como exemplo de encantaçáo harmoniosa:
de verdade, ilumina um ângulo do probiema, que é
Vous mourúfes au bord oú yous íúÍes Íaissée. Mudai
talvez insolúvel . Tôdas me parecem falar em têrmos
irs palavras, dizei: Tous éfes morte sur /e rivase oü
de poesia, com o seu vago' o seu mistério. Nenhuma
se refere ao que é a ínatéria-prima da poesia na arts
Ihéseé vous avait abandonnée. O significado continua
literária as palavrasr e tanto se podem aplicar à o mesmo, maso t'encantot' desaparece"
-
arte literária como à música e às artes plásticas. Paul Mallarmé tinha razão: "Náo é com idéias quei
Valéry menciona-as numa definição que é um peque- se fazem versos: é com palavras". Não que o sentido
nino poema: "Poesia é a tentativa de representar ou <lelas não importe. Importa, rnas não como advertiu
de restituir por meio da linguagem articulada aquelas Gide, independentemente da sonoridade delas. Natu-
coisas ou aquela coisa que os gestos, as lágrimas, as ralmente o sentimento está subentendido, é êle que faz
carícias, os beijos, os suspiros pÍocuram obscuramente achar as combinações de palavras suscitadoras da
exprimir". E André Gide foi desenterrar de um pre' cmoção poética.
fácio esquecido de Banville esta definição, que espanta
tenha saído da cabeça de um daqueles mestres quc A grande dificuldade, porém, está em que uns se
(:omovem diante de certos versos e outros não. Há pes-
Thibaudet chamou * T"TI:"s do Parnaso: "Poesia' "
soas guc acham intenra poeria nor verós de Mpril*
Mendes; outras não a acham nenhumã, encontram.na á
I podla rcrvír pâm a nolm língua e mais algumer outru
mar ró até o adrrento do verso-livre, Que deflniçlo
nos sonetos de Emílio de Menecês, onde os admiradores re pode der do verso, de modo que ela se apliquc a
de Murilo não vêem s€quer a combra dela. E tú aa qualquer idioma, vivo ou morto, e em qualquer tempo?
que não suportaÍn nem um nem outro; gostam é da Pedro Henríquez-Ureôa, o grande mestre dominicano,
suave música de'Olegário Mariano. Afinsl em poesia há pouco fatecido, têntou, a meu ver com êxito, ersa
tudo é relaüvo: a poesia não existe em si: eerá ume definição rnínims. Poesia, poesia no sentido formal,
relação êntre o mrurdo interior do poeta, com a Bua. ensinou êle, é linguagem dividida em unidadee rítmi-
mnsibilidade, a suâ cultura, âs suas vivências, e o muÍr. cas; prosâ é linguagem continuada. Sem dúvida, ng
do interior daquele que o lê. linguagem continuada da prosa há parágrafoo. Mar
Se passamos da definição de poesia para a defi-
o corte da prosa em parágrafos atende táo-sômmte
niçâo do verso, eB dificuldades diminuem, mas não
à necessidade de ordenação das idéias. O verco é a
unidade rítmica do poema. Ritmo, em suâ fórmula
decaparecem. Abri um tretado de versificação qual-
elementar, é repetição, O verso, em sua essência, é
quer, o de Bilac e Guimaraens Passos, por exemplq e
unidade rítmica porque sí repete c forma séries. Pare
ali vereic definido o verso como "o ajuntamento de formqr series podem'as unidades ser semelhantes ou
palavras, ou aindq uma ró palavra, com pausas obriga-
dessemelhentes. Podem ser unidades flutuantes. Mas
das e detetrminado núrnero de sílabas, que redundem em é necesúrio que cada verso seja uma como gue enti-
música". Em nota traduzem os dois autores o francêc dade, ou como disse Valéry "ume palavra total, vasta,
Quitard: "A etimologia latina das palavres "prosa" nativa, perfeita, nove e eetranha à língua".
e "verso" claramente indica a diferenga essencial da
sua significação: "prose" vem do adjetivo latino prooa
O gue diferencia os diversos tipos de versifioa-
ção através de todoc os idiomas e de todos os temp6
(aubentendendo-se o substantivo otatio, disctuso, ora-
são os expedientes de que se valeram os poctes para
ção) - otatio proea, discurso contínuo, seguido, e pôr em maior evidência o ritmo, Expedienter como:
reepeitando a ordern gramatical direta; "Verso" é de-
vatôres de sílabas (quantidade), aoentos de intenrida-
rivado de versuo, do verbo vottete, tornar ou voltar, de bem marcados, regulação dos tons ou diferenças de
porque, uma vêz esgotado um certo número de síla-
-bag a oração se interrompe e volta de nóvo ao ponto
altura musical entre as sílabas, número fixo de sílabar,
rirna, aliteraçãq encadeamento, paralelismo, acrórtico.
de partida, a fim de começaÍ outra evolução silábica". Na versificação portuguêsa os apoios rítmicos de que
A definiçáo de Bilac e Guimaraens Passos, gue t€mo! exemplos são o número fixo de sílabas, a Gclura,
é mais ou menoo a de todoe ú outros tratadistas, a rima, a alitcração, o encadeamento, o paralelirrno c
o acróstico. Talvez muitos de meus ouvintes não este.
jarn a par do significado de Lôclas essas palavras. Do Ondat do mat lctado,
Sc visáee tzlcu *rado!
encadeamento do paraleiismo, por exemplo. O enca-,
E ai, Deuo, se taná cedo!
deanrento consiste em repetir de ver--o a verso, ou de
estrofe a estrofe, fonemas, palavras e Írases. Foi, corn Se visÍes rrrcu aÍri&,
o paralelismo, muito usado na poesia hebraica, e dêle O por que eu euspiro!
se serve quase infàlivelmente em seus pcelnas o nosso E ai, Deus, so vertá cedo!
algo bíblico Augusto Frederico Schmidt:
I So virúcs olcu anado,
Potque clrolar ge o céu está tóseo, O por que ei lpan addedo!
Se as Í/ôres esÍão nas trepadeiras balançando, ao sôpro leve do E ai, Dcttt, o vetrá cedo!
Ívenco?
Porque chorat se IÁ íelicidaCs nos carnraÁos, I
Essa cantiga é paralelística porque as estrofes
Se áá ,ginos batendo nes aldaias da Partusal ?
pares repetem a idéja das estrofes ímpares com ligei-
l
ras alteraçóes de palavras para variar o timbre da
Nesse poema do CanÍo da Noite o poeta só aban- I

vogal tônica das rimas (i e ;r); é encadeada porque o


dona a interrogação "porque chorar" psra pâssar à segundo verso de cada estrofe ímpar se Íepete como
locução encadeadora "feliz como": primeiro verso da estrofe ímpar seguinte.
Potque çfi61st rlrteu Deus, se esÍou leliz e pobre,
Já a rima é apoio ritmico muito conhecido, mas
Feliz como os -pbreo desconâecidos dos hospitaiq só como igualdade de sons no fim das palavras a
Feliz cotno os ceúor paÍa quem a luz é mais bela do quo a luz, partir da vogal tônicd a chamada rima consoante.
Feliz como.,. etc- Muita gente ainda náo - sabe das rimas toantes, isto
é, aquelas em que só são iguais as vogâis a partir
O paral.elismo é a repetição ideológica. Encadearnento da tônica, como em ttasa" e "cad.a", ttvelho" e t'quero".
e paralelismo tiveram a sua fase de ouro em língua por- Raros sabem que no latim eclesiásüco, na poesia in-
tuguêsa no tempo dos cancioneiros. O que chamaram glêsa e na alemã basta, para haver rima, a repetição da
'tossante" era uma cantiga paralelística e encadeada. última ' sílaba átona e até da última vogal átona.
Assim esta "barcarola" de Martim Codax: Lembrai-vos do Veni, .SancÍe Spiriúus:

Ondas do mar de Vilo, Veni, Satrcte Spiritus,


Se visles zaneu qniéo! Et enitte coelitus
E ai, Deus, se vená cedo!
i

Lucis tuae ruditrrl.


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Todavia não é preciso ficar-se no mesmo m,etro parâ
Lcmbrai-vos de Shakcspeare, que no sonêto prc-
manter o mesmo ritmo. No poema de Gonçalves Dias
íaciador de Rorneu e tulieta rima ,dignity" com umu-
intitulado "Minha vida e ú€us ârnôres" ocorre uma
tiny"; de Milton que no sonêto ,,On Shakespearét, es-
mudança de metro muito interessante. O poeta vinha
6eveu:
versejando em decassílabos acentuados na sexta sílaba
Thou in our wondot and astonithmont oir na quarta e oitava:
H* built thy*lí a livelonl ntonrfiicntl
Outra vez que Iá lui, quc a vi, qua a mêdo
rimando "astonishment" com "monument" Lembrai- Tctna vot, lha e*utei: Sonâeí antiilo!
-, -
vos de Heine, que rima "Ich liebe dich,' com "bit- Inctávcl prazer banlou la:reu peito,
terlich": Senli delicias,' mas â s& omiso
Pcnsci talvcz! e iá túo pude ctô,\o.
- -
Doch wcnn du cpriclxt: "lch licbc dich!"
So rauss ich wcinen bittdlich, De súbito, nos versos 67 e 68, Íaz cair as pauses
na quarta e sétimas sílabas, aproximando o ritmo decas-
Finalmente pouca gente já terá refletido que a aütera- silábico do ritmo do verso de onze sílabas, que vai
ção é, no fim de contasl uma rima ao contrário, ou eparecer nos versos 7O e 7l t
seja, uma rima dos começos das palavras. S'ei bem
que não houve intenção, peto menos consciente, da Ela tb mçila c tão chcia de cn@alo,
parte de Gonçalves Dias em rimar por aliteração na Ela tão tava, tão pura o tão bcla...
segunda e terceira estrofe da "Canção do exílio'r, mas Amar-mc! Eu quc sort?
-
a verdade é que essas rimqs ao contrário dáo à peque- Mcus olltos onxcream, cnquanto duvida
na obra-prima não sei que inefável musicalidade: Mlnh'alma sGm crançr, de lôtça cr'autidt,
Já laAa da vida,
Nõo pctmita Dcut quc ou ,nofia Quc amot aão doitw,
Saa guc voltc pra \á;
Scra guc dqltutc os ptimotot O movimento rítmico de um verso pode sofrer a
Qu tú dqlruto pt 4; influência do verso antêrior ou do seguinte. E' sebido
Scrn gnc inda aYistc as au.lmcitlro,
que na poesia espanhola e na portuguêsa entige e
Ondo canta o sablá.
vogal iniciel de um verso pdia. embêbr-se no verso
O número fixo de sílabas, com pausas obrigadas, precedente. Gonçalves Dias, tão lido numa e noutre,
é rem dúvida o mais imperioso metrônomo do ritmo. também versejou assim. O que admira é que eté
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l3l
Alberto de Oliveira, mestre de uma esc.ola de rigorose Mas na última estrofe pôs o poeta I palavra "pálida"
métrica, haja procedido da mesma maneira, talvez no fim de dois versos:
inadvertidamente, qrundo em "O exame de Hercília"
e§creveu: Na valsa
Cansasú6,'
Suáiu ao Atlat de wn odlío Ficaste
E ao Ktlit.lc.tdjaro; lo§o Ptostrada,
De tão alto, Turbada!
Ao Barh-al-Abiah de álua clara Pe;rsavas,
Baitan e n saibto de toto Cismavas,
Do Saáara. E esÍayas
Tão pálitta
O quarto veÍso (í'Ao Barh-al-Abiah de água clara") Então;
tem oito sílabag mas a primeira ("ao") se embebe
na última sílaba do verso anterior, de sorte que no QuaI pálitla
contexto da estrofe se mentém o ritmo do heptassílabo. Rosa
Mlaose,
Há casc até em que é forçoso quebrar o veÍso
Àto vale
pare manter o ritmo. Como fêz Casimiro de Abreu
Do vento
na célebre'V'alsa". O poema está distribuído em versos
Cruento
de duss sílabas:
Batida,
Caída
Tu, ontom
Sem vitía
Na dang
No chão!
Quc canru,
Vouvaa
Co'at laeas O vocábulo proparoxítono obrigava o poeta a abrir
Em tosas o verso seguinte por uma palavra começando por
totttogg.s vogal ou a quebrâr o metro de duas sílabas para tuna.
De vivo, Casimiro valeu-se de um e outro recurso, um da pri-
Lg,ivo meira vez, o outro da segunda. Se ê1ê não tivesse
Ceraúm. atendido à interrelação dos versos e em lugar de
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tentão" dissesce (no instante,' prrêoe maia fâcil de farer do quc o vêrso metrifioedo.
e em vez de
êscrovêse "camétia',. o ritmo seria sacrificado: Mas é engano. Basta dizer que no verroüvre o
poeta tem de criar o seu ritmo eem atrxílio de Íora.
Pcnsaval, E' como o sujeito que sôlto ng recesso da floresta deva
Cisrnavas, achar o seu caminho e sem bírssola, sem vozes que
E csÍayas de longe o orientem, sem os grãozinhos de feijão da
Tão Pálida
história de João e Maria. Sem dúvida não custa
- lVo iasÍantc;
nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo
Qual páIi{a
Camélia cm linhas irregulares, obedecendo tão-sômente às
Mintosa, , . pauses do pensamento. Mas isso nunca foi verso-
-livre. Se fôsse, qualquer pessoa poderia pôr em verso
Foi em observação a êsse jôgo de ressonâncict até o último relatório do Ministro de Fazenda. Essa
de um verso etn outro que eu no poema ,,Boi morto,', engenosa facilidade é causa da superpopulação de poe-
egcrito em octossílabos, quebrei a medide no terceiro tas gue infestam agora es nossas letras. O modernismo
veruo da última estrofe. r,. teve isso de catastrófic§: tÍazendo pere a nossa l'rngua
Disse atrás que o encadeamentn é o principál o verso-livre, deu a todo o mundo a ilusão de que uma
apoio rítmico de que se serve Augusto FrederÍco sórie de linhas desiguais é poema. Resultado: hoje
Schmidt nos seus poemes. Adalgisa Nery, que tambêm qualquer subescriturário de autarquia em crise de dor de
emprege, ainda que mênos assiduamente que Schmidt, cotovelo, qualquer brotinho desiludido do namorado,
o encadeamento, começou a usar da rima em versos íãó qualquer balzaquiana desajr.rstada no seu ambiente fa-
metrificadoc, a partir, creio que do seu livro ár ão, miliar se julgam habilitados a concorrer com Joequim
Dxerto, que é de 1943 : Cardozo ou Cecílie Meireles.

À ndiaa guc o vazio no ftreu cotpo o@a, Por isso erâ sempre com delícia que eu lia as
Ctçcrr no mat apídto o sentido dat vidat acontccidrrt, t'títicas de Eloi Pontes no G/obo e é sempre com prazer
Balatryndo nos ,trc,tt or*idol. o pcnr*lrtTcnto qua aptuaoa rlue leio as de Berilo Neves no Jomal do Comércio,
Ot loh4g c a solidão daa dmrrç inbtilmcntc pttarldrr,. ,'ríticos sem contemplação para com a poesia que não
se exprime em versos medidos e rimados. O que me
Mas verso.livre cem por cento é aquêle que não cntristece é ver que êles nunca tenham tido influência
se socorre de nenhum sinat exterior senão a da volta lrastante para pôr um paradeiro nesse "babaréu de
ao ponto de partida à esquerda da fôlha do papel: rnedíocres", como costumava dizer o primeiro no seu
ver,ro derivado de vertere, voltar. A primeira vista,
curioso estilo.
t34 I35
Por isso tenho às vêzes uma grande tentação de
esquecer tudo o que aprendi com mestre
tlreffa e dizer
e jurar para tôda a gente que ,terso é
o ajuntamento
de palavras, ou ainda uma só palavra, com pausa§
obrigadas e determina.do número de sílabas,,,
como
ensinavam Bilac e Guirnaraens passos.
Isto g talvez
substituísse a palavra ,,ajuntamento',, que
me soa vaga-
mente a coisa ilícita. e acrescentasse a
obrigação da
rima e do duplo acróstico! Concordais ?

(Conferência pronunciada na Casa PRIMAVERA E POESIA


do
Estudante do Brasil.)
D.
Ilediram-me do Diário da Noite uma crfoica Para
êste número especial e ofereceram-me a escolha entre
dois temas perigosíssimoc a primavera ou as mulhe-
res, visto que a ediçáo é- consagrada à "estação mais
amena do ano" e às meninas mais lindas da cidade.
Senü-me desde logo "off-side". Nunca vi a pri-
mavera, nem dentro, nem fora de mim. A minha pri.
mavera foi, como a dos estudantes, de malfadada me-
mória, uma primavera de sangue. A doença redtrziu-
me, aos 18 anos, à condição de velho. Quando recupe-
rei um pouco as fôrças, já estava bem longe da "idade
risonha e bela dos vinte anos, não é?" Nunca tive vin-
te ano§.
E fora de mim. . . Aprendi na escola primária que
em nossa latitude a primavera é a estação que vai de
21 de setembro a 21 de dezembro. Naquele ano fiquei
esperando com impaciência a primavera. Quando ela
chegou, não vi diferença em nada. Foi a primeira de-
cepção grande da minha vida. Consolaram-me dizen-
do que vivemos numa perpétua primavera. Entre nóo
a primavera não "chega". O que chega é o verão. Sem
dúvida quem estiâ em São Paulo ou em Belo Hórizonte
nota que em setembro há maior abundância e esplendor
r3ó de roeas nos jardins. É tudo. A única ilusão de prima-

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