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Organização, Revisão e Notas


de
FREDERICO JOSÉ DA SILVA RAMOS
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Prefácio do
Prof. ANTÔNIO SOARES AMORA
T ER integralmente, ler em profundidade um poeta, não é fácil. E não o é porque ler um
/ ^ poeta não se resume em soletrá-lo, em percorrer-lhe os poemas no intuito apenas de lhe
apreender os conceitos e as imagens. Ler um poeta é senti-lo, è simpatizar com sua alma
(e aqui simpatizar está no sentido etimológico), é refazer dentro de nós o seu espírito, tôdas
as inquietações e anseios de sua alma, as misteriosas vibrações de seu “estado lírico”. E
podemos estar convencidos de que não conseguimos ler um poeta, neste verdadeiro sentido,
quando nos faltam o conhecimento da técnica interpretativa dos poemas e o conhecimento de
tudo, ou de muito (porque o tudo é impossível) que constitui a “poesicé’ do poeta.

A poesia romântica, do ponto de vista da técnica poemática, é diversa da poesia


clássica e da poesia de 1880 para cá, isto é, da poesia realista, simbolista e modernista. O
romantismo, em consciente atitude de oposição ao classicismo, conquistou uma nova poética.
De modo geral dominou nos séculos clássicos a preocupação do “poema de forma fixa”
(soneto, sextina, rondó, rondei, etc.); a preocupação dos esquemas rítmicos regulares e fixos
(decassilabos de ictos na 6.“ e 10.'^ sílabas, ou na 4.^, 8.^ e 10.^; alexandrino de ictos na 6.“
e 12.^ sílabas; etc.); a preocupação de processos dialéticos racionalistas e da unidade temá­
tica ou conceituosa; enfim, dominou nos séculos clássicos, sobretudo na Renascença, a obses­
são do achado de uma Poética regular, absoluta e universal nas verdades estéticas.

0 romantismo, contra o princípio de uma poética universal, fundada em leis matemá­


ticas do ritmo e em leis da lógica racional, defendeu a liberdade poética, fundada nos direitos
da imaginação e da sensibilidade entregues a si mesmas. O poeta — e o mesmo assentou o
romantismo com respeito a todos os artistas, e porque não dizer logo, com respeito a tôdas as
manifestações do espírito, — não é o artista que busca a “beleza absoluta” da expressão, é o
artista que sente e logra fazer sentir intensamente a vida; e sendo a experiência vital, a vivên­
cia, uma realidade personalíssima, singular e feita de instantes fugazes de vibração psico-
somática misteriosa e imprevisível e involuntária, não tem sentido uma poética a-priori. Não
há leis poéticas: ritmos e estruturas lógicas nascem como realidades singulares e com a liber­
dade dos “estados líricos” espontâneos.

Êsse novo conceito de poesia e de poema explica, no romantismo, o desaparecimento


dos poemas de forma fixa (nesta edição contam-se raríssimos sonetos); explica a variedade
infinita dos esquemas rítmicos, obtidos pela liberdade na colocação dos ictos nos versos, e
pela liberdade na mistura das medidas; explica a prática constante dos cortes e dos enca­
deamentos, bem como o abandono frequente da rima ( que para a poesia medieval e clássica
foi obrigado estruturante rítmico e estrófico); explica a liberdade dialética.

[IX]
Mas a poética romântica diferencia-se da clássica não apenas pelo principio da liber­
dade e do individualismo formais; também por procurar (e isto se exemplifica fartamente
nesta edição) uma identificação com a poesia folclórica, subestimada nos séculos clássicos, mas
agora sobrestimada pela demofilia e pelo tradicionalismo nacionalista dos românticos, pois que
mais legítima como espontaneidade lírica e como expressão do espirito e da sensibilidade
nacionais. Desta busca de identificação com a poesia popular e tradicional resultou para a
poesia romântica estas duas caracteristicas: a) ritmo regular (poema isorrítmico) e predomi­
nantemente musical (acentuai), ritmo que dá ao poema quase o caráter de letra de cantiga
(Vejam-se a êste propósito, entre muitíssimos exemplos, a Canção do exílio e o Canto do
piaga, de Gonçalves Dias; Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, A flor do maracujá, de
Fagundes Varela); b) o repetitismo de vária forma (paralelismo, refrão), que é o adejar do
poeta em tôrno de uma idéia ou imagem-fôrça, que é o latejar de um tema no seu “estado
lirico” (Vejam-se como exemplos: Olhos verdes. Canção do exílio, Não me deixes, de Gon­
çalves Dias; Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo; A valsa, de Casimiro de Abreu;
A flor do maracujá, de Fagundes Varela; Boa noite e Tirana da escrava, de Castro Alves).

De dois tipos principais são, assim, do ponto de vista da poética, os poemas reunidos
nesta edição: a) poemas de arquitetura rítmica e dialética muito livre, espontânea e pessoal,
como: Se se morre de amor, de Gonçalves Dias; Cântico do Calvário, de Fagundes Varela;
Vozes d’África e O navio negreiro de Castro Alves; b) poemas de ritmo regular, acentuai, de
estrutura dialética simples, e frequentemente com repetitismo. Os poemas do primeiro tipo
constituem, dentro do romantismo, a poética de vanguarda, fruto de liberdade, de individua­
lismo e de plenitude lírica; os do segundo tipo, estão dentro da corrente da poesia tradi­
cional, pois que seus processos vêm das cantigas e dos romances medievais e ao romantismo che­
garam pela corrente da poesia popular.

Mas não creia o leitor que só isto basta para entrar no mundo dos poetas românticos.
É impossível a convivência com qualquer poeta, quando sabemos tão só a língua que fala e
os processos formais de que se socorre para expressar seu universo de emoções. Convivência
(como o próprio têrmo elucida) é identificação de “vivências”. Duas criaturas convivem entre
si, quando logram identificar-se em espirito e em coração, quando logram comparticipar do
mesmo drama humano, das mesmas inquietações, das mesmas alegrias e tristezas; enfim, quan­
do logram viver no mesmo diapasão espiritual, moral e sentimental.

Eu sei, por anos de experiência no ensino universitário da Literatura, que não é fácil
estabelecer essa convivência, essa comparticipação do leitor moderno, com poeta de outra
época histórica. As épocas históricas se diferenciam não tanto pelos fatos que nelas ocorrem,
como pelo modo de ser dos indivíduos que elas engendram, que elas, por forças infinitas e
indefiníveis, conformam. Uma época histórica é uma concepção do Criador e da Criatura; uma
concepção do Universo; é uma maneira de gozar e de sofrer a vida; é uma problemática vital
e um conjunto de soluções ou de tentativas de solução para essa problemática; é, enfim, uma
maneira de ser e de compreender, das criaturas humanas.

Com razão sentimos dificil conviver com espíritos de outra época, e neste caso presente,
com os poetas românticos, quando nos apetrechamos apenas do conhecimento de seus recur­
sos expressivos, de sua lingua e de seus expedientes estilisticos. O conhecimento da gramá-

[X]
üca, da retórica, da poética de uma época, pode-nos levar até ao conhecimento do sentido literal
da lingiia dos seus escritores; mas o que está além dêsse sentido, e que é todo o universo de
idéias, de emoções e de belezas da obra literária, êste só se alcança por simpatia, por identi­
ficação de nosso espirito com o espírito das épocas e de seus artistas.
O romantismo opôs ao classicismo não apenas uma teoria da expressão: também um
ideário artístico.
Contra o universalismo estético, ideal supremo dos clássicos, os românticos realiza­
ram uma arte de caráter individualista. O conceito de Verdade, de Bem e de Belo universais,
perfilhado pelos clássicos, mostrou-se ao espírito do homem romântico, descrente, se não cético,
de tôda a concepção, imediatamente passada, da Realidade, — um conceito teórico, puramente
racional, sem raízes na experiência sangrenta, na afetividade, no idealismo de cada indivíduo.
Para os românticos a Verdade, o Bem e o Belo são sempre concepções pessoais, individualís-
simas; e se não são legítimas para a razão universal, o são para a vida do “indivíduo”. Nestes
termos a obra de um poeta romântico não pretende expressar a Verdade, o Bem e o Belo da
razão pura, mas uma verdade, um bem e um belo emanentes da vivência do poeta. A obra de
um poeta é sua mensagem de experiência vital, é a decantação formal da sua vida, não como
“ser”, mas como “ente”.
Os românticos trouxeram, em arte, uma concepção nova da Realidade. A obra de
arte é, antes de mais nada, uma “supra-realidade”, como disse Fidelino de Figueiredo; é “ima­
gem da Realidade, imagem essa refletida pelo espirito e pela emoção do artista. O que um
poeta nos transmite, não é a imitação servir e impessoal da realidade objetiva e subjetiva —
é a realidade que está em sua alma, em sua vida interior, em seu estado li rico”. Contra a
preocupação clássica de expressar em arte uma Verdade coerente com as verdades racionais,
os românticos expressaram verdades do sentimento e da imaginação, inegàvelmente incoerentes
com as verdades da inteligência e dos sentidos; mas profundamente humanas, porque do senti­
mento e da imaginação vive o homem, e do sentimentalismo e da transbordante imaginação vive­
ram os românticos. Se é irreconciliável com nossa experiência sensível da Realidade e com
nossa Razão, o indianismo de Gonçalves Dias, o idealismo amoroso de Casimiro de Abreu, o
fantástico do byronismo de Álvares de Azevedo, e o liberalismo sentimental de Castro Alves
— é inegável que no mundo dêstes poetas, em que a realidade material e racional se deformou
pela hipertrofia do sentimento e pela alada imaginação, há inegável beleza e intensa emoção e
viva realidade moral. Para êstes poetas românticos, como para todos os românticos, a obra
de arte deve expressar a realidade que o sentimento e a imaginação do artista concebem, pois
que a arte de emoção e de imaginação se faz, á emoção e á imaginação se dirige, e nenhum
compromisso tem com a realidade sensível, nem com o que ante ela concebe a razão filosófica
e científica.
Esta nova concepção da arte, da poesia, não como expressão da equação Homem-
Universo, mas como expressão de UMA VIDA, de uma existência com seus personalíssirnos
dramas de espirito e de coração, teve implícita e inevitavelmente uma outra concepção — a da
liberdade criadora. Para os românticos não podia ter sentido o dogmatismo formal dos clás­
sicos, as suas preceptisticas estéticas. Não há regras para o poema, como não há regras para
os gêneros literários: ritmos, estruturas versicatórias, estróficas, rimicas e dialéticas (salvo
casos em que se deseja reabilitar formas poemáticas tradicionalmente nacionais) são achados
espontâneos, individuais, imprevisíveis da emoção lírica. Esta liberdade criadora que acentuada

[XI]
neste século e meio nos deu o individualismo hermético de muitos modernistas, não chega a tanto
no romantismo; quando muito libertou a linguagem da rigidez formal dos clássicos, e encon­
trou-lhe recursos novos de expressão, necessários a maneiras novas de sentir liricamente a
vida.

Finalmente, opôs-se o romantismo ao preceito clássico da '^imitação dos Antigos”.


Se a obra de arte, para os românticos, expressa a singular e inédita experiência do artista;
se 0 que o poeta transmite é sua mensagem de vida, — como pode o artista reconhecer fora
de si, fora da terra em que tem fincados os pés, fora das tradições de sua raça, das forças
nacionais do seu espirito e de sua sensibilidade — voz que entenda, realidade que sinta e
possa imilar? O mundo Antigo, que foi paro os clássicos a meta de todos os ideais de cul­
tura e arte, perdeu para os românticos todo e qualquer significado. A obra de arte, a poesia
romântica é fruto do individualismo e do nacionalismo. E se com isso a arte romântica _
como se pode ver destes nossos poetas — perdeu em sentido universal, naquele sentido uni­
versal que incontestavelmente tem a arte heleno-romana e a renascentista, ganhou em penetra­
ção na realidade próxima, individual e nacional.

Nesta nova concepção de arte, em gênese no século XVUI e já definida na segunda


década do século XIX, filiaram-se os nossos poetas românticos, desde Gonçalves de Magalhães
até Castro Alves.

No Brasil o romantismo coincidiu com a época mais dramática e mais decisiva de


nossa história e de nossa cultura: a época da formação de nossa consciência nacional. Depois
de três séculos de colonialismo, ao entrar do século XIX algumas circunstâncias históricas dina­
mizaram-nos para a independência: transferência da família real portuguêsa para cá; elevação
do Brasil à categoria de Reino Unido, a que se seguiram várias medidas necessárias a essa
mesma elevação: abertura dos portos ao contacto livre com todos os povos; liberdade de espi­
rito com relação a Portugal; organização de um ensino próprio e do ensino superior; instala­
ção de prelos e permissão de imprensa; em contraposição à maioridade do novo Reino, a mino-
ridade econômica e política de Portugal ocupado pelos franceses, o que sem dúvida concor­
reu para a crescente importância do Brasil, não tanto como realidade, senão como promessa.

A independência política de 1822 decorreu espontâneamente destas circunstâncias.

Feita a independência era necessário mantê-la e defini-la: mantê-la foi fácil, quando
é verdade que Portugal, por motivos que não importa agora recordar, desinteressou-se moral
€ materialmente da antiga colônia; defini-la foi obra de anos e de muito trabalho, pois que a
definição de nossa independência dependia da manutenção da ordem e da unidade interna, da
formação da consciência nacional e da participação na política internacional: e quem não mede
a dificuldade de uma obra política dessa natureza quando recorda que éramos um país de
terra imensa, de passado insignificante e mais promessa que realidade econômica e social!
Com os anos da definição da independência coincidiu o romantismo.

Para compreender o nosso romantismo não é assim suficiente o conhecimento do ideário


estético defendido por essa escola. De 1822 a 1870 tôdas as nossas fôrças morais e materiais
convergiram para êstes objetivos: manter a unidade interna do país; formar-lhe a consciência

[ XI I ]
nacional e integrá-lo no concêrto das nações livres e civilizadas. A unidade interna e a par­
ticipação na vida internacional foram obras da política administrativa, militar e diplomática; a
consciência nacional foi obra em grande parte dos nossos escritores românticos. Para nós, criar
consciência nacional era criar a consciência de uma realidade histórica, geográfica, social,
política moral e artística: enfim criar a consciência de uma realidade cultural. E não foi o
que obtiveram e conseguiram (não importa que com certos erros de nacionalismo extremo)
historiadores, jornalistas, oradores, romancistas, teatrólogos e poetas românticos?

A leitura em profundidade dêsíes poetas, agora reunidos nas obras completas, pela
erudição bibliográfica e critica de Frederico José da Silva Ramos, revela-lhes muita beleza de
inspiração, de sentimento, de imaginação e muita conquista de recursos expressivos, — mas
também nessas belezas, nessas plenitudes liricas, nesses ritmos novos, revela a obra dêstes
poetas o achado de uma realidade brasileira: o amor, a saudade, a melancolia brasileiras; a
natureza, a paisagem brasileira com suas côres, com seus cenários, com sua flora e fauna
poéticos, motivos de emoção lírica e de estesia, como era para franceses, inglêses, alemães, por-
tuguêses a natureza de seus países; o índio (idealizado embora) como expressão do nosso ame-
ricanismo; o negro como problema social, como objeto de simpatia humana e de exaltação
liberal; o caboclo e o caboclismo como expressão das três raças que formaram a etnia brasi­
leira; os mitos da história nacional: a rebelião nativa contra o conquistador luso, a evangeliza­
ção dos Índios, Guararapes, a Inconfidência mineira, o 2 de julho, a Independência, a guerra
do Paraguai.

Pelo verbo lírico, pela exaltação sentimental, pela intuição poética, Gonçalves Dias,
Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Castro Alves e os poetas menores
dêste parnaso romântico criaram momentos de eterna beleza e conseguiram, no momento mais
decisivo de nossa história política e cultural, instilar-nos no espirito e no coração a consciência
de uma realidade histórica, social, moral, sentimental e paisagística brasileira.

São Paulo, dezembro de 1949.

A ntônio S oares Amora

[ X III ]
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Introdução de
FREDERICO JO SÉ DA SILVA RAMOS
OM a presente edição, oferecemos ao público, num só volume, os esparsos completos
C de Manoel de Araújo Pôrto Alegre e Antônio Peregrino Maciel Monteiro e as obras
poéticas completas de Antônio Gonçalves Dias, Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Ca-
simiro José Marques de Abreu, Luís José Junqueira Freire, Luís Nicolau Fagundes Varela e
Antônio de Castro Alves, sem dúvida os maiores românticos brasileiros.

Coligimos tôdas as suas publicações poéticas encontradas em livros, jornais ou


revistas, com a indicação rigorosa, sempre, de onde foram extraídas. Transcrevemos todos
os frontispícios, prefácios e notas de cada livro, com exclusão das introduções feitas por
outrem em edições póstumas.
Mencionamos, nesse particular, as obras poéticas de Fagundes Varela, o mais sa­
crificado de todos os românticos em matéria de edições. Quase tôdas as coleções de versos
do poeta que correm impressas basearam-se nas “Obras Completas” da Livraria Garnier,
organizadas por Visconti Coaracy que, além de corrigir inúmeros versos, alterou profun­
damente a pontuação. Restituímos os textos primitivos das primeiras edições e publicamos
Anchieta ou O Evangelho nas Selvas à vista do manuscrito original, atualmente do patri­
mônio da Biblioteca Municipal de São Paulo.

Na execução do presente trabalho obedecemos o critério que nos pareceu melhor;


oferecer ao público textos seguros e autorizados. Para isso, tomamos por base, sempre que
possível, a melhor edição em vida do autor, ou seja a última corrigida por êle próprio, a
qual, não obstante, confrontamos com as publicações anteriores de forma a podermos cor­
rigir, com segurança, falhas tipográficas e erros de revisão. À falta de última edição correta
pelo autor, lançamos mão da primeira ou princeps.

Não se tratando portanto de uma edição crítica, não nos pudemos abster, mesmo
assim, de muitas notas explicativas, de permeio com as do poeta. Destinam-se àqueles que
cuidam da literatura nacional, servindo de ponto de partida para estudos críticos e filoló­
gicos especializados, e surgiram pela pontuação, grafia ou confronto.

PONTUAÇÃO: Conservou-se tal como se acha na edição tomada como base.


Tôda alteração havida foi apontada, resguardando ao leitor o texto original.
As reticências, com menos ou mais de três pontos, foram obedecidas, em vista da
freqüência e constância nos poetas transcritos. À primeira vista, poderia parecer falha tipo­
gráfica ou defeito de impressão. Porém tal não se verifica. No manuscrito de Varela que
compulsamos, deparamos, do próprio punho do poeta, com todos os tipos de reticências.

[ X V II ]
Ignoramos se êsse aspecto da pontuação romântica constituiu objeto de qualquer
explicação. Não lhe conhecemos outra finalidade a não ser a declamação, visando maior
ou menor pausa reticente.

ORTOGRAFIA: Foi modernizada, de acordo com o “ Pequeno Vocabulário Orto­


gráfico da Língua Portuguesa”, da Academia Brasileira de Letras. Assim:

1) as modificações que não decorrem das instruções ortográficas contidas naquele


Vocabulário, importando numa correção ao autor, foram indicadas, reconsti­
tuindo-se a grafia original.
2) as correções que se referem a trocas de s por z, ou vice-versa, como, exempli­
ficando, mesa por meza, conduzir por condusir; de u por o, como cúpula por
cúpola; o por u, como cobrir por cubrir, por inúmeras e freqüentes, não foram
assinaladas, salvo raríssimas exceções.

3) os casos de impossibilidade de mudança ortográfica, implicando alteração de


métrica ou de rima, foram designados.

4) os de variantes, como suberba e soberba, cubiça e cobiça, louro e loiro, dous


e dois, etc., foram todos conservados.

CONFRONTO: Procedeu-se com outras publicações, nos casos de grafias incorre­


tas, nos duvidosos e de erros tipográficos.

Cumpre-nos agradecer aos Professores Antônio Soares Amora e José Aderaldo Cas­
telo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, pelo va­
lioso auxílio ao plano inicial desta obra, pelo empréstimo de vários volumes e pela cola­
boração na bibliografia, sem o que nossa tarefa seria enormemente dificultada; a Edgard
Cavalheiro, Antônio Cândido, José de Barros Martins e Leven Vampré, pela cessão de vá­
rias obras, e, finalmente, a Maria de Lourdes da Silva Ramos, sem cuja dedicação no pre­
paro, no confronto e na revisão das provas não teríamos levado avante tal empresa.

F. J. DA S ilva R amos

[ X V III ]
m m u POETIS ROMÂNTICOS DO BRISIL
rto Alegre
Grande no trono e no despêgo insólito!.

an oel d e ARAÚJO PÔRTO a l e g r e - Barão de Santo Ângelo (São José do


M Rio Pardo, Rio Grande do Sul, 1806 - Lisboa, 1879). - Estudos fundamentais na terra
natal. No Rio formou-se em Belas Artes (aluno de Debret, 1827-1831). Em 1831 segue para
a Europa, em viagem de estudos (França, Itália, Inglaterra, Bélgica; colabora com Gonçal­
ves de Magalhães na Revista Niterói) ; seis anos de Europa foram decisivos na sua forma­
ção romântica e aperfeiçoamento artístico (pintura e arquitetura). De regresso ao Brasil
colabora ativamente no incipiente movimento romântico brasileiro, sobretudo na criação do
^‘teatro nacional”, para o qual escreve várias peças (Angélica e Firmino, A estátua amazônica,
O espião de Bonaparte, O sapateiro politicão — comédias). Ao lado da atividade literária,
desenvolve fecunda atividade artística. Vai publicando as poesias, que mais tarde reuniu
nas Brasilianas (1863). Em 1859 ingressa na carreira consular (Alemanha e Lisboa). De sua
bibliografia que é vasta e variada, destacam-se, além das comédias e dramas líricos:
Brasilianas (Viena, 1863) e Colombo, poema épico (Rio, 1866).

[5 J
E S P A R S O S .

RESPOSTA AO SR. J. NORBERTO DE S.S. 2

U E M deu ao rouxinol canoros hinos,


Nênias ao sabiá, perfume à rosa,
O mistério decifra de nossa alma
Quando precoz na lira um hino exalça
De insólita harmonia.

E ’ feliz o mortal em cuja frente O mirrado egoísmo em áureas vestes


Marcou do engenho 3 o sêlo a providência! Seu empório ^ na pátria altivo cria;
J á c’o dedo infantil ativa as molas Escudam-se traidores publicistas,
Da máquina melódica, que ovante Que ante as auras do ouro a fronte inclinam,
Prodígios mil engendra. Da corrupção apóstolos!

Homero e Galileu e Dante e Newton Com triplicada malha o peito aferram,


Gênios nasceram, não se fazem gênios: Co’o pincel da verdade a traição pintam,
Virgílio e Rafael e outras glórias Rolam impunes da mentira o carro
São mistérios p’ra nós; houve em suas almas Traficando a virtude. As lupercais
Mais que em nós um sentido. Nos clubes se inauguram.

E ’ jovem o teu corpo, adulta a mente. N ão; — a serpente invisível que êles nutrem.
Oh atleta infantil, que a lira d’ouro De tóxico infernal em áureos cíatos,
M ajestoso e preclaro já manejas, Um dia sibilando em tredo emboque
Como n m velho .guerreiro o márcio gládio, Os há de atassalhar! Não há relâmpago
O fim é teu princípio! Que ao raio não preceda.

Desdobra, águia brasüia, as amplas asas. Desm ’ronados p’ra sempre êsses colossos,
Devassa a imensidade, mede o espaço, Essas glórias de infâmia, o cinzel póstumo
E aos ouvidos mortais, aos meus ouvidos Gravará; “— Maldição! — ” Negro moimento
Vem modular dos anjos a harmonia. N arcóticos vapores exalando
Vem o céu retratar-m e! Será seu epitáfio.

Oh destro nadador, lança-te às ondas Como um vulcão extinto, recordando


Do oceano do mundo; o gênio é fôrça! As passadas desgraças dos humanos.
Co’êle pesam-se os sóis, vara-se a terra; Inglórios vivirão êsses proscritos.
Êle só o pousai da eternidade Filhos espúrios da moral eterna
Laureado penetra. De nossa cara pátria.

Levanta o reposteiro qu’inda encobre Tarde p’ra nós, porque, talvez, na terra
Do divino Brasil tanta m a g ia .......... Não possamos ouvir os sons da lira,
Alma de artista, borbulhando dúlias. Que num éter mais puro então vibrando
Paira no éter que perfume exala. O préstito farão de áureo triunfo
Oh deixa a baixa terraI Da sã prosperidade.

[7 ]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A LEG RE

Sim, tarde para nós, que deslizamos I I I.


O s cânticos de amor entre os soluços,
E a celeuma terrível da avareza, Pelasgos nossos pais, Fenicios foram!
Que os templos em mercados converteram Sôbre o dorso das ondas inconstantes
E a verdade em dinheiro. Tendo a proa no céu, na ursa os olhos
Toldaram de cem mares, com mil naves
Coragem, meu N orberto! Inda na arena As águas onde púnicas trirrem es
Do vasto anfiteatro, em que pelejam, As virgens ondas com seus rostros férreos
V itória não bradou essa auriflam a; Jam ais cortaram do oceano ignavo.
No altar asqueroso da impudência O T igre, o Gange, ^ o Prata, o Amazonas
Não é total o incenso. S Lavaram mais de vez as lusas quilhas.
Em balde em flechas, 1 0 dardos convertera
Em enda um êrro teu: — na taça d’ouro, O valente Tam oio estas florestas,
Onde o gênio divino o néctar liba. A sua independência, e paz, curvou-se
M edíocre licor não mais satures: Ao ferro e à bombarda n lusitana.
Gênio é um Buonarotti, um Tasso, um Vinci, Conquistando invadiram seus domínios.
E não mesquinho artista. Domínios cuja posse além remonta
Do uso da linguagem e do lume.
De um pródigo louvor nasce a ironia,
Nasce da profusão sempre a m iséria; I V.
No Olimpo não frui o deus Ridículo 6
D ’isis o néctar consagrado a Jo v e! Do reino do Tam oio, aqui outrora,
Modera os teus transportes. Só de vasos fragm entos testem unham ;
Rude esbôço da indústria primitiva.
Reflete o coração sons de nossa alma, O astro dos T oltecas e dos Incas
E ssa lira que Deus, parco entregou-te; Não transmontou seus raios sapientes
Nem sempre o homem d’armas é guerreiro: Além do Chimboraso e do Jorulho.
C’os astros confundir-se-ia o p’rilampo Desde a infância do mundo no seu leito
Si eterna luz tivesse. Jazeu a rocha imóvel, sem que o ferro
Em templos, em pirâmides, em pórticos
A sua rija m assa avassalasse.
O homem primitivo não profana
A ossadura da terra a ferro e fogo:
BRASILIANA. Êle a vida conhece transitória.
Seu espaço do berço à sepultura;
E os dias deslizando na inocência,
Dedicada ao Ilm . S r . I nácio D ias P ais L em e . ^
Como um anjo, da campa aos céus s ’éleva.

I.
V.
Quanto é grato, meu Lem e, nestas plagas Tu que infante escutaste a voz dum sábio,
Que o acaso e Cabral ao mundo deram, Do luso Montesquieu, lá onde o astro
No centro destas virgens serranias, Da diva sapiência, fulgurando
A natura adorar, inda inocente, Expande no universo o claro lume.
E o mundo primitivo perlustrando. Tu que outrora, sentado e pensativo
Ouvir da criação a voz intacta, No monte Palatino, crânio augusto
Fruir embebecido os sons divinos, Do histórico esqueleto dessa Roma,
Aqui em sonho elísio, em almo arroubo, 8 V iste as sombras errar d’herôis tão grândes.
Perfumando a existência, amáveis horas, Nesse império que outrora escravizara
A vida se desliza entre venturas. O mundo de E strabão e de A ristóteles!
Que viste dos humanos o almo apuro.
Quer no pego insondável do passado.
ÎI.
Quer na estrada do afã contemporâneo;
E ’ grato junto a um corgo cristalino, Que em várias regiões com pasmo viste
A sombra gigantesca dum vinhático Debaixo de raízes seculares.
Repensar nesse mundo, em cuja lápida Cidades de cidades alicerces,
O s séc’los exararam à porfia E a palavra dos séc’los esculpida
O pomposo epitáfio — A história humana No mármore, no bronze e nessas ruínas!
Desdobrar do passado o panorama, Que a trilha de teus passos confundiste
E do escuro sarcófago da morte Co’a trilha das coortes invencíveis,
A rrebatar c ’a mente o mundo antigo. Que o mundo avassalaram portentosos!
Aqui sem tradições vemos o berço Que viste, não menores, os prodígios
De M ênfis, de Persópolis, d’A tenas; Do séc’lo em que vivemos, que num dia
Aqui vemos o Drúida e o Cimério, Realiza o labor que anos custara.
Como o gênio do vate outrora vira Perfuradas montanhas, aquedutos,
Nas florestas d’Ausônia e da Britânia Onde o carro inflamado voa ovante;
Predizendo o futuro: estas montanhas O trajeto das pontes invertido.
O berço do universo representam. Os Alpes nivelados e os tufões

[8]
ESPA R SO S

À nave fumegante se curvarem 1_ Tens na c’roa do palmito,


Que no afã te encontrei da sapiência, Na raiz do mangarito.
E das artes a unção sagrada e bela Grato cibo salutar,
A fronte juvenil também ornarido! Que mais podes desejar?
Porque do turbilhão das capitais
Tão jovem te ausentaste, caro amigo ?1 Tens mil águas cristalinas.
As frutas as mais divinas,
Uma esposa de invejar,
V I. Que mais podes desejar?

Razão cabal na mestra da existência, Tens uns filhos, que delícias,


Na existência dos homens encoiitraste. Que te cercam de carícias;
Aqui não ergue a voz a vil calúnia, Tu és pai, sabes amar,
Impudicos troféus desenrolando; Que mais podes desejar?
Nem da intriga cochicha o lábio^ impuro.
Nem a férrea soecure 12 do egoísmo Tens um tronco virtuoso.
As flores da virtude fana e mirra. 13 Nobre pai e generoso.
O ruído das serpes nestas brenhas, Irm ãos de felicitar,
O bramido das onças, e o sibilo Que mais podes desejar?
Que da trompa feroz a Anta despede;
E o rufo temeroso d’ânc’ra ebúrnea A terra ouro te brota sôbre a messe;
Que ao bronco caititu l'i arma a queixada, Num tronco almo jati labora o néctar,
Tem acentos mais puros, mais suaves, E ainda p’ra assombrar na inculta selva,
Que os hinos lisonjeiros e traidores Alado lavrador cultiva a êsmo
Vibrados nos sofitos dos velabros Aqui, ali frondosas laranjeiras
Aonde o ceticismo, em hasta pública. C o s indígenos pomos contrastando!
Trafica Deus, a pátria e os humanos. Para ti pasta o veado, engorda a rôla.
Nutre-se a jacutinga e o macuco,
E nos ares pipita em atras nuvens
VII.
E ssa infinda nação que traja o íris:
O tônico pati, cevadas pacas,
Berço de teus avós foi esta terra;
Do triclínio dos reis não conhecidos,
De Batávia teu tronco nobre e puro
No teto hospitaleiro sup’rabundam-te-
Aqui a independência firmou próvido. Para erguer um palácio, um templo augusto.
A primeira esmeralda brasileira, Gigantescas colunas, rijas cordas.
Que adornara do luso a régia fronte,
Num minuto o machado colhe ovante
Da terra avita mão arrebatou-a Na frondente floresta, onde pulula
Lá onde o Sabará, o Rio Doce O ferro vegetal, a telha florida,
Por entre areias d’ouro, de diamantes. E de tudo que Deus fêz brinde aos homens.
J á desde a criação ao mar deslizam.
X.
VIII.
A h! como ao contemplar tais quadros sinto
Estas serras gigantes de granito, Num éter de delícias balançar-me.
Que os astros afrontando, as nuvens cardam Qual balança a taioba os verdes discos
Co’a grenha secular de augustos troncos; Se o hálito odoroso e sussurrante
Cujos flancos em sulcos profundíssimos Da brisa matutina enfia o bosque.
Misteriosas grotas, atras, formam; Minha alma aos céus remonta, qual remonta
Onde eterno crepûsc’lo se enclaustrara A mimosa urícana os seus penachos.
E a voz dos furacões, das tempestades
Eviterna murmura, brama e ronca. X I.
Ao som das catadupas que se garfam
Entre broncos penedos e raízes, Que pasmoso espetâc’lo, que beleza
Aqui destas alturas se divisam!
E que o Fiat supremo, o mando eterno.
O sublime firmou eterno império
Escutaram, informes, inda presos
Sôbre estas serranias gigantescas.
Nas entranhas do caos, da eternidade, Aqui em caracteres evitemos
São, meu Leme, mais caras, mais suaves Suas leis escreveu a providência.
Que as torres colossais que êsses zimbórios Estas pedras que suam mil regatos,
Erguidos entre as ruas e celeuma Êstes fossos medonhos, êstes campos,
Dêsse empório do sul, do novo mundo. O tinguá alcantil, o rude saxo,
E o magno Briareu destas florestas
I X. Jequitibá medonho na estrutura;
Êstes troncos que abraçam trinta homens,
Goza da independência que outorgou-te, Que o alvo ao caçador frustram n’altura!
Aquêle que ao rei disse em plena côrte; E sta procriação infatigável,
Quem vem para vos dar, pedir não deve. is E sta fênix eterna de verdura.

[9 ]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A L E ü R E

Tudo, tudo revela a voz potente, Êsse enorme gigante ressupino


Que c’um sôpro criara o moto e a vida. E m turquino filó amortalhado.
Zomba da fouce a natureza provida, Não mede a flecha do índio um de seus membros,
Um bosque secular, cai, d’improviso. Nem do caracará, nem do tucano
Ergue-se um novo bosque por encanto! A abalada longínqua o corpo alcança!
A voz da criação, êsse hino eterno, Nos seus flancos eternos bruxuleia
Noite, dia incessante em puro acordo T iro meridional, augusto empório.
A latente harmonia cadenceia Cujo pôrto sondado tem mil vêzes
N esta zona feliz. Éden celeste, As âncoras e as quilhas do universo.
Que a estação amorosa eterna habita! Salve, inveja do mundo, rei dos portos,
Asilo da bonança e paz dos m ares;
Que viste em tuas águas refletir-se
XII. Em frontes bragantinas — Só na Am érica —
Dez régios diademas, régias frontes!
Com vagas imóveis, como um pélago E m ti dormita em paz o palinuro
D ’ondas petrificadas, se distende Desprezando o pampeiro, e do equinócio
Vastíssim o horizonte, que se esfuma O m o rtífro tufão que hórrido sulca
Nesse azul oceano, que a meus olhos E n tre as vagas milhões de sepulturas.
A linha do infinito bruxuleia.
Aqui, ali, ao longe se recurvam
Rédes de estradas, rios e regatos X IV .
Como galhos argênteos que tremulam Tam bém daqui diviso a nobre rocha
E n tre os montes, os campos e as searas! O diurno farol do nauto ousado!
Que cena divinal! Se a luz da aurora Oh tu primor de Deus, mole sublime
Peneira no ambiente o roxo pólen Que toucas de trovões, raios e nuvens
Que colora nos céus os arrebóis. A tua alcantilada, alpestre cúpula;
Ou do poente rúbido incendeia Baliza tropical, meta luzente.
As orlas das montanhas, no horizonte Tron o de Capricórnio, a cujo mando
Inflamados fantasm as desdobrando, O eclíptico galope dos etontes
Que dilúvios de purp’ra à terra entornam ; P ára e recua no celeste circo.
Ou na hora em que voa o bacorau, Vedando o dardejar além das raias
E acende o pirilampo o círio, e cruza As sarissas em pino, abrasadoras.
P or entre tatibuias, e nos brejos Nesse do sul Edén, onde o Guaíba
Sua luz movediça refletindo Co’os braços diamantinos acalenta
Um triplo firmamento a vista fere! Magno berço de heróis, que temperaram
Que sublimes painéis, que majestade, No sangue do inimigo invictos gládios!
Que m ísticos encantos não desdobram Oh salve P ão d’Açùcar, salve, salve!
Tuas obras. Senhor, a mente artística! T u és do alquebrado nauta o astro
A tua onipotência assaz conculca Que as sirtes afugenta do naufrágio.
Os delírios do meu entusiasmo. T u a vista refresca a calma intensa.
Com meus lábios beijando o pó da terra, Aplaca a fome, dessedenta a sêde;
No teu altar. Senhor, fruo curvado Em teus pardos listões pende a esperança
As torrentes de am or que te consagro. Da saudade, do amor, e da amizade
As flores consolantes da existência.
XIII. Tu apontas nos tímpanos cansados
Do apito, vagalhões, ventos, balouços
Sorvei, meus olhos, sorve tu, minha alma, E ssa diva harmonia, som celeste,
Que desfere na proa a grossa amarra
Êstes raios de luz, êstes prodígios
Quando ao fundo do mar mergulha o ferro!
Que a história e a natura dadivosas
N est’hora de venturas me trasbordam.
Que horizonte meu Deus, que panorama?! XV.
À destra alveja Santa Cruz que outrora
O s filhos de A nchieta e de Bragança Neste ameno tapête de verdura.
Mais de vez hospedou! — Progênie heróica — Quer por centos de milhas se matiza
Que a cruz e as lusas quinas transplantaram De niveos aposentos, além vejo
Do G ólgota e do T e jo até a gruta D êsses undosos e azulados tanques
Onde erguera Camões co ’a mente diva Bordar de N iterói a leda margem
Monumento imortal a si e à pátria. As ridentes mansões que amor respiram.
Nessa bela mansão, régio domínio, B óia no centro movediço bosque
Se engorgita o Guandu d’ondas auríferas, De um mundo a outro mundo transplantado.
E as várzeas esmaltando expande ovante Brilha-lhe em vez da coma floriverde
V iço eterno na terra. Nos cerúleos Em vez de trepadeiras nas vergônteas
Sipários do horizonte avulta a serra Altivos pavilhões, largas antenas
Que o berço de Amador à vista encobre. E o maçame intrincado, que retrata
Recinto colossal, que cinge as plagas Das rijas creciúmas o ínvio crivo.
Aonde à voz de Pedro, no Ipiranga, Co’essas moles audaz traça piloto
Um império surgiu! Um Deus foi quase! De um cabo a outro cabo aérea ponte.
E m frente o céu recorta m ajestoso De um pólo a outro pólo breve estrada;

[10]
ESPA R SO S

Co’a bússola a sextante a Groenlândia De tôda a criação, da mente diva,


Do Cabo das Torm entas 20 dista um passo. Um mistério clausura: em cada ponto
Dos extremos da terra os homens falam-se, Se um astro procuramos, vemos trevas,
Nesse bosque Albion ao mundo envia Se o queremos tocar, êle recua!
Outro mundo que a indústria refundira. Arqueja a inteligência de cansaço,
Cravada de obeliscos colossais, E nos d’alma delíquios só vagueiam
Que parecem do céu suster 2i a cúpula E ssa luz que não vem lá do oriente,
Rompe os ares dos órgãos 22 serra enorme! Nem do seio da terra, nem dos astros,
Nem dos círios dos templos, mas que mostra
O raio jamais feriu Do Senhor a grandeza, a imensidade.
Seus celestes coruchéus;
Seus profundos botaréus XVIII.
Lambe o fogo dos volcõesl
Goza, contente goza, ilustre amigo.
Ali, proscênio ingente, outrora um vate Em teu modesto asilo essa ventura
A cena transplantou do Pélio e Ossa! Que o tredo ambicioso jam ais goza.
Ali titânea prole um novo assalto As bagas de suor que a fronte adornam
À sidérea mansão insana ousando São mais caras a Deus que láureas c’roas
De novo suplantara o braço elétrico Enastradas de prantos, de gemidos;
Do deus do paganismo, e sôbre as ondas Suas folhas espectros acobertam,
Ind’hoje de seus crânios bóiam restos E verdejam c ’o sangue que as regara.
Nessas ilhas ridentes que povoam Os calos nossas mãos mais puras tornam,
De Niterói sem par o lago ameno. Êles são da moral a unção sagrada.
Insígnias do labor, da independência;
X V I. As gemas mais brilhantes para os dedos
De um braço varonil, de um braço nobre.
Cala-se a voz da história se olho em retro, Fazenda de S. P edro, na serra de Santa Ana, 30 de
Mas surge da natura a voz potente. jan eiro de 1S44.
Graves assentos, hinos portentosos
Por tôda a parte exalça, que revelam
O dedo divinal, que num segundo
Os astros granizou no infindo espaço, O CAÇADOR.
E a órbita traçou das harmonias.
Prodígios de prodígios incessantes B rasiliana Dedicada ao Ilm . S r . S antiago
A cada passo nascem, desparecem! 23 Nunes R ibeiro. 2S
Em delírios a mente se enfraquece, O sono da madrugada,
Curva-se o intelecto e se acobarda, O sono querido e plácido
Como outrora no frígido Simplone Desprezas, e a lança limpas
Antes que a voz dTtália o despertasse! C’o odoroso pomo ácido. 26
Largos lustros errante, e incansável Qual será teu nobre intento.
Sobe e desce o tropeiro estas alturas. Caçador, neste momento?
Sertanejas cantigas modulando,
E no rancho do pouso o lote alija; O ferro da tua lança
Coa-lhe os membros o pesado sono; J á começa a abrilhantar-se;
Saúda mil auroras e mil tardes E os astros que estão nos céus
Sem jamais em sua alma esvoaçarem Vêm todos nela mirar-se.
Os êxtases divinos, os delírios Tu a lança, oh caçador,
Que a natura nos vates a alma insufla! Tem dos astros o esplendor.
P ’ra que levas a espingarda,
XVII. E ssa pontiaguda faca
De fina prata lavrada?
Nunca os olhos cansaram no exercício, Ninguém o teu rancho ataca:
Nem de ouvir os ouvidos se fatigam! A quem vás tu combater?
No cíato do amor nossa alma abreva-se, V ás a pátria defender?
Mas a taça do amor renova a sêde;
Insondável seu bôjo avaro guarda O canto do virabosta.
Das sensações as ondas variáveis, Núncio e precursor da aurora,
Que no moto da vida multiplicam-se! Inda os campos não inunda
E p’ra que, doce amigo, afã tão grande? De melodia sonora.
A vida converter num sumidouro Ilumina a escuridão
Onde o pomposo préstito das artes, O p’rilampo do sertão.
O colossal registro das ciências, 24
Os ridentes painéis d’almos prazeres, Teu cão mestiço 27 que tem,
Se submergem, jamais enchendo o âmbito! Que em roda das armas brinca,
Que fome insaciável! É nossa alma E o cabo da tua lança.
Um Tântalo no lago do universo; Saltando, nos dentes trinca;
Abrasada co’a sêde da verdade. E depois emboca a faca
Cada ponto que traça o circ’lo infindo E em face a ti firme estaca?

[11]
MAXOKIi D E ARAÚ.TO PO RT O A L E G R E

Não relincha à tua porta 28 Late o m estiço em delírio


O teu ginete fogoso. Vendo a paca em terra exangue,
Nem as louras botas calças E lambe a ferida funda
Que te fazem m ajestoso. Que distila banha e sangue.
Descalço tu não receias T o rce a roupa o caçador,
Que a cobra te pique as veias. Que goteja água e suor.

J á com eça a soluçar “ A mesa do rei é rica,


A luz do teu candieiro, “ É rica a do grão senhor,
J á não brilham, não coruscam “ Mas elas não têm a caça
Os raios do teu isqueiro. “ Da mesa do caçador.
Sòbre a ponta do Tinguá Contente, à casa voltando.
E is rouxeia a aurora já, D estarte 32 êle ia cantando.
E is-te na estreita picada, “ A mesa do fazendeiro
Na escuridão embrenhado. “ Tem toalhas de valor,
Subindo e descendo sempre “Mas nem sempre tem a caça
Com teu ar ligeiro, ousado. “ Da mesa do caçador.
Da cobra o teu pé incauto Contente à casa chegou,
Avisa o m estiço arauto. E ao descanso se entregou.
Batendo a estrada o teu cão F azenda de S. Ana, 1844.
Cava o chão, dá voltas mil,
Da caça procura o rasto
Com o seu faro sutil.
Que sentido, que finura, BRASILIANA.
Que prodígio da natura. 29
Ao F austíssimo C onsórcio da S ereníssima P rin ­
cesa I mperial a S enhora D. J anuAria com S ua
J á pisas na verde roça, Alteza R eal o S enhor D. Luís de B ourbon,
Que doura o saudável milho. C onde D’Aquila. 33
J á tua alma se enamora,
E da safra aplaude o brilho. Vergin di servo encomio
E di codardo oltraggio
Caçador, 30 teu cão latiu, Sorge or commosso al subito
E do caminho fugiu! Sparir d’un tanto raggio,
E scioglie alTurna un cântico
Segue, segue caçador, 30 Che forse non morrà.
Segue nesse labirinto, MANZONI
O teu cão trilha uma paca
Que pastou neste recinto. Com lágrim as de fogo a face adusta
E i-lo trilha sobranceiro. Graniza infernal m onstro, em fúria ardendo;
Acuando num madeiro. E com sangrentos lábios
As cadeias remorde estrebuchando.
Nesse tronco perfurado 3i Gemem nos antros infernais trombetas.
Tem a paca a toca e ninho. Gruda nos punhos fratricida alfange
Caçador tapa as janelas A hidrófoba anarquia;
E deixa-lhe um só caminho. Serpes de fogo pelo ar bofando.
Acua m estiço, acua, Insana, no danado arranco intenta.
Que a paca já ronca e sua! O s eixos perturbar onde a concórdia
A órbita descreve em áureas zonas.
E is que dum salto medonho.
Roncando a paca de mêdo, O anjo do Brasil librando as asas
Se precipita no rio Nos páramos sidéreos
C ’o fracasso dum rochedo. Do sol desprende um raio que de chôfre 34
As águas se suspenderam, ü covil desmorona, — e despedaça
E os altos troncos lam beram ! As tábuas infernais, nefando código,
M ergulha no fundo a fera, Onde a garra satânica arranhara
E qual M artim-pescador, E m tortos caracteres
Dum passo no rio cai Fado sinistro ao brasileiro império.
E co’a lança o caçador, — Guanabara vitória!
Que leva na ponta a morte. A brasília Donzela,
Dá na paca o m ortal corte. A estréia radiante de teus olhos.
As galas nupciais com pompa veste;
À vista dêste combate. Na fronte virginal gemas cintilam.
As aves cheias d’espanto Seu régio vulto m ajestade expande, 35
Na garganta represaram Seus pés, cujas pegadas são virtudes.
O seu mavioso canto. Os degraus do altar, mimosos tocam.
Só m etálica araponga Vertem -lhe os círios odoroso lume
Fugindo o seu grito alonga. De celeste fragrância.

[ 12]
ESPA R SO S

Com Deus no coração, com Deus na mente, Mente de semideus, fitando o mundo,
Dos lábios virginais adejam, cândidos. O destino dos povos num relâmpago,
Ascéticos perfumes, que alheados Como um gigante imenso sôbre o globo
Aos das aras turícremas, sagradas, O imortal genitor passou marcando
Um hino misterioso cadenceiam. Esteira luminosa que acoberta
Tão grato como as dúlias dos arcanjos. Dous povos em dous mundos!
Àquele cujas vistas, cuja destra. Na chama de seu gênio acrisolada
Penetram no infinito, e o espaço medem; A Fênix das nações regenerou-se!
A seu lado. Garboso, Augusto Príncipe, C’um brado no Ipiranga, outro no Douro
De S. Luís bisneto, aguarda ovante Do pó do aviltamento ergue dous mundos,
A conquista celeste de um tesouro, E no peito do grifo bragantino
Que invejara dos reis tôda a ambição. Quinto Império escreveu! Basta de glória!
Para a história imortal cabal renome
Perante a humanidade ovante 37 herdaste!
Dá-me, pátria, um sacrário onde clausure E que dote. Princesa, mais sublime?
Com chave diamantina
Êste dia de glória;
Antes que o manto tenebroso, eterno, Pupila do Brasil, eis teu morgado.
Do involuntário olvido Firmado no heroísmo, e para o espôso
No sepulcro me abafe os sons da lira. As maternas virtudes dessa deusa,
Antes que horrível bóreas Que em meu peito gravou saudade eterna,
Desfechado dos antros do silêncio E eterna aos Brasileiros.
Derroque a cúp’la d’ouro Tu a estirpe, sem par, domina e rege
De minha gratidão, e extinga a flama O globo retalhado
Que a meu ser aviventa entre os mais sêres. Pelas águas e terras, climas, línguas!
Paternos louros, glória perdurável
O berço te embalaram grandiosos.
Dá-me pátria um sacrário onde clausure Pupila do Brasil, colhe hoje um prêmio,
O padrão que um arcanjo burilara Que em vesúvios de amor donoso brota
Neste dia brasílio; No peito augusto, na ilustrada mente
E dá-lhe a duração da eternidade: Do filho de Partênope divina.
Fulgurem-lhe quais círios sacrossantos
Os astros sempiternos.
Qual turíb’lo de amor aromas soltem. Abunda-te a virtude, como um Deus
Os peitos brasileiros, A bondade infinita sup’rabunda!
E pendam de seus lábios Nos anais de meu peito, nos da mente
Hinos fagueiros, preces venturosas. Máxima gratidão em áurea página
Comigo descerá na sepultura.
Crescei, augustas plantas d’áureo tronco. A h! não ouso lembrar, não se entrelace
Portentosas raízes profundando. No mimoso festão que me orna a lira
Iguais aos gigantescos nobres rios Neste dia de júbilo, d’encan tos,
Que abraçam dêste império o áureo solo: O fúnebre cipreste.
Dêste império que aguarda no futuro Isento da catástrofe
A palma conquistar, colher os louros Meus braços mil delícias derramaram
Que ora a Gália e Britânia ovantes colhem. À Madre, à Espôsa, à filha,
E colheram de amor doces torrentes.
Com tripudio infernal o ceticismo O cego que recobra a luz da vista,
Se mergulha no caos vociferando! O náufrago que abraça o filho a salvo,
Voa nos ares calcinada em cinzas E o senho aterrador do mar contempla.
A oriflama sangrenta De cima dum penhasco, e enverga ainda
Que plantara nos Andes braço apóstata; O quqbrado baixei coalhando as ondas,
Que as águas sonorosas, diamantinas, O espôso que vê surgir das ruínas
Do Prata, do Amazonas, do Guaí^a Depois de um terremoto a terna espôsa
Com ferro fratricida tem toldado. Ou aquêle a que raio as vestes queima
Crescei augusta planta d’áureo tronco Só podem descrever essa alegria
No solo americano; Que assoma em turbilhões no peito humano.
Que o néctar de teus frutos prelibamos Enquanto um eco interno não desperta 38
Delirantes voando em plaustros d’ouro O quadro lutuoso do passado!
A meta das grandezas.
Oh tu. Princesa augusta,
Avulta à sombra augusta ao régio amparo Das filhas do Brasil a mais querida!
Do manto bragantino dêsse príncipe. Perm ite ao grato vate que transforme
Portento de prudência e de candura. A lágrima piedosa, que em teu rosto
Paládio brasileiro, 36 Deslizando estampou tua bondade.
Sagrado baluarte onde resvalam Em nobre monumento erguido às artes. 39
As ondas da ambição, onde se embotam Oh musa epitalâmica, '•0
Os gládios da anarquia, Colhe as flores do Edén,
E que do alto do trono a destra estende Sublima-te no vôo ardente e puro;
A um porvir grandioso, a um séc’lo d’ouro. Eleva a tua fronte,

[13]
MANOEL D E ARAÚJO P ôR TO A LEG R E

Ladeada da fé e da esperança, As lágrimas da dor correndo, súbito,


Entoando mil hinos de ventura Tudo desvaneceram para sempre!
P or Luís, Januária, Som brio nevoeiro, côr da noite.
Alegre vai beijar do Onipotente De meus olhos roubou teu porte augusto.
O pé, que ao firmamento o moto impele. Teu porvir gigantesco, e em vez de louros
T riste cipreste se balança e geme
Sôbre a gleba insensível que acoberta
O teu corpo gentil, êsse tesouro
Que tão breve encerrou de um A njo a imagem.
À SENTIDÍSSIMA MORTE DO SENHOR MAJOR
CARLOS MIGUEL DE LIMA. A Providência quis que do teu astro
A órbita incompleta se apagasse
E picédio Oferecido a seu S audoso Irmão, o E x m .° Nesse berço de bravos e de heróis!
S r . Marechal de Campo e S enador do Império Que teus dias tão curtos, tão saudosos,
C onde de Caxias. 4i Se submergissem nesse solo ovante.
Nessa terra invencível, de altos fastos,
E p’ra mais avultar-te a jovem glória
No vôo da esperança sonhadora,
Tuas cinzas mesclou na mesma terra
Nas ridentes visões da juventude, Onde dormem Abreus, M arques e Câmaras,
No meio do espetáculo mais pomposo
Onde os Cantos, M anecos e Bandeiras,
Que o amor germinara e prometia
Os Barretos, Medeiros e Fontouras
B ela natura, vigorosa, esplêndida,
Co’o insuperável gládio ao mundo deram
E um peito magnânimo
Mais de vez rude prova da ousadia
Que encerrava as virtudes do heroísmo,
Do braço brasileiro nos combates.
Um pano mortuário
Se ergue dos tûm ’los e afugenta as cenas
Dessas raças tu eras, brio avito
Onde ledos sorrisos se embalavam,
E m teus formosos membros circulava;
E em hórrido esqueleto transfigura
Em teus olhos um fogo sacrossanto
Aquele que nascera para ornato
O valor lampejava, e no teu peito
Da nossa juventude e seu orgulho!
A cândida modéstia, a bizarria
Brilhavam como brilha um sol sem nuvens.
Nunca mais te verei, honrado C arlos;
T ão belo que tu eras, meu amigo,
Nunca mais tua face radiante
Meu doce amigo Carlos, e tão moço.
Brilhará, como um astro, entre os guerreiros.
Talhado como Deus talha um herói!
Cem vêzes afrontaste com denôdo
Qual esbelta uricana em virgem mata,
A morte em cem maneiras disfarçada 1
Que a plumagem floreia, e nardo entorna
V enceste-a no talhar marouços hórridos,
Ao zéfiro fagueiro que a balança;
E nessas regiões de neve e trevas;
Assim tu avultavas........... fouce bárbara
Sôbre o dorso pujante de corcéis, “*2
O teu tronco gentil rompeu de um golpe!
Sôbre a crista hibernai de alpestres serras,
Nas fauces das crateras dos volcões,
E nesses turbilhões de estrondo e morte Da tua vida a estábil auriflama -
Onde duendes tétricos sibilam No mundo resplendeu só a virtude;
Granizo de pelouros e a êsmo talam Corações conquistou, palmas, troféus
Centos de bravos que lastima a pátria. De sincera amizade, amor sagrado.
Cem vêzes triunfaste como herói, T u eras o ideal da mocidade,
Co’essa fronte serena, bela, amável, O paradigma icónico, o protótipo,
Com essa galhardia que igualava Do amor filial, do laço mútuo
Aos heróis que voavam, conquistando, Que as almas prende no materno seio.
À voz do Corso, no Tabor, nos Alpes. Teu braço que era um raio na peleja,
Cem vêzes triunfaste como herói, Como fagueiro Jírio se curvava
P ’ra no leito da paz, inopinado. Ameigando o infeliz, caritativo;
M orreres como m orre um homem fraco! Nas chagas da indigência, do infortúnio.
T u a mão generosa, hospitaleira.
A traita do teu gênio parecia Mais de vez entornou saudável bálsamo.
Medir no vôo augusto o céu da glória; Nunca em teus lábios deslizaram gabos,
Ceifar na pugna a campeões ousados. Nunca a vaidade te fruiu no peito,
A rrancar estandartes encravados Nem a altiva soberba o pé te ergueu,
E n tre mil baionetas, e tranqüilo Ó filho de um Regente, irmão de heróis,
Aos pés do teu S ob’rano ir ofertá-los! P ara um homem pisar, para abatê-lo!
Sonhei ver-te m archar entre mil hinos, Sereno, sempre igual, lhano, risonho
E os marcos dêste império transplantares Entornavas no seio dos amigos
Nas margens que a natura lhe traçara! Celeste fluido, piedoso encanto.
Sonhei ouvir teu nome glorioso
De lábio em lábio percorrendo ufano, Quantas vêzes sonhando alegre ensejo,
Como de teu irmão percorre o nome! Meus braços preparei para abraçar-te
Mas agra sorte derramou seu tóxico Prelibando saudosos pensam entos!
Neste alegre delírio; e n ’àurea página Quantas vêzes sonhando esperançoso
Da falaz epopéia do meu peito E m plena luz, no centro dos humanos.

[14]
ESPA R SO S

Pena de ti não tenho, estás no céu.


Do borborinho sórdido do mundo,
Percorreste da terra um grande espaço.
Aguardava êsse dia venturoso
Viste as obras de Deus, viste as dos homens,
De a meu lado te ver, e reavivarmos
Os áureos quadros de um passado grato. Assaz sofreste na tão curta mora,
As emoções sagradas, quando errantes. Assaz penaste no cruel exício;
Em soberbos empórios, em cidades, Deus te purificou mesmo na terra!
Mil venturas colhemos delirantes
A par de um gênio, do fiel amigo, Mas quem minha saudade dolorosa
Que junta a sua voz ao côro lúgubre Poderá consolar; quem êste vácuo
Que te chora, meu Carlos, que saudoso No trono do meu peito, onde eras círio.
Sempre e sempre será, enquanto errarmos Poderá preencher? Amor de filhos.
Neste ergástulo escuro, neste exílio! De espôsa, mãe, doméstico sacrário.
De outras vestes se adornam no meu peito;
A vida é férrea cadeia Tu não eras meu sangue, sim minha alma;
Que doura um brilho ilusório; Eterno parentesco o céu enlaça
Quem mais vive, mais padece, Entre as almas na terra, e meigo forma
Tudo nela é transitório. Êsses vínculos sacros, perduráveis
Da mútua, da gratíssima amizade.
A vida é uma voragem
O amor é a luz de uma facho, que outros fachos
Que, às mil, ilusões devora,
Igualmente incendeia, a vida o nutre,
E em cujas margens florescem 43
E após penada vida a morte o extingue;
Ilusões de hora em hora. Eu sempre te amarei, querido Carlos,
Assaz no peito meu gravado estavas
É a vida estrela anômala, Para eterna memória consagrar-te.
Que tem falso brilhantismo,
Que erra constantemente Tu não morreste sôbre o márcio campo,
Sôbre as fauces de um abismo. Nem do imigo cruel a mão m ortífera
No teu corpo gentil abriu as fendas
É a morte um oceano Por onde do guerreiro a alma se escapa
No furor de tempestade, Envolvida de sangue: um braço impuro
Onde naufraga e se some Teu corpo não lançou em pasto aos corvos!
Noite e dia a humanidade. Como cristão morreste em berço amigo.
Teus últimos suspiros recolheram
A morte é a sazão real Um sábio, um gênio, e o fraterno herói!
Que amadura tôda a idade,
Um triunfo sôbre a terra,
A chave da eternidade.
Quantas batalhas e lauréis tu deras.
Os degraus da escada santa Nobre Conde, se acaso tu pudesses
Que nos guia ao paraíso, A vida conquistar do nosso Carlos?!
Um repouso eterno e plácido, Contra o braço da morte, disfarçada
Além do extremo juízo. E m volcânica febre, mil exércitos
Em vão pelejariam dia e noite:
O homem virtuoso nada teme; É surda a tua voz, teu braço imbele,
Que os juízos de Deus são infalíveis, Sôbre o leito da m orte; nem teu mando,
O seu ôlho esclarece o caos e as trevas. Nem o gênio do Corso poderiam
As montanhas aplana, e à flor suspende Transform ar um sudário em estandarte!
C’um fiat os profundos precipícios Nos conflitos da vida só combate
Os estragos da morte um frio sábio;
Que forram do oceano o leito escuro.
Êsse novo guerreiro que se abraça
De seus lábios celestes, como eflúvios Ante o leito co’a peste, c ’os flagelos,
Voam mil astros recamando o espaço; Que não pode fugir, que a vida oscila
Êle rege a missão do escaravelho, Entre a esperança e o contágio horrível;
O sono da serpente, e guia os passos Que um pé na sepultura, outro no mundo,
Do leão e do homem; um só átomo Com Deus no coração, amor no peito,
Não se move e se agrega sem seu mando, A palma do martírio em vez de louro
E do nosso incansável pensamento Se apraz em receber! oh! que heroísm o!!
Êle arquiva a volúvel romaria
Com eterna memória, em arca eterna. Quem diría que um fúnebre cipreste
Viria inda outra vez em tua fronte
Eras jovem p’ra nós, meu doce Carlos,
A par dos louros confundir seus ramos!
Mas Deus tua velhice, tua morte. E os arcos triunfais da tua glória
Havia decretado, libertando Cabrirem-se de dó pelo teu Carlos!
Essa alma pura do terreno estádio. Pelo Carlos brasílio, 44 o bravo, o belo,
Desta arena em que as armas mais sensíveis O amigo sensível?! Ah! meu Conde!
Em diurnos combates se definham. Na harpa vitoriosa, em vez de um hino.

[15]
MANOEL DE ARAÚJO PÔRTO A LEG RE

Grave nênia se entoa; a corda d’ouro aspecto poder-se-ia reputar jazerem ali há mais
Que vibrava a harmonia da esperança de um século.
Um dedo de esqueleto arrebentou-a, Segundo as tradições locais, o barão considerou
E a melódica nota esvoaçando aquelas ossadas, como pertencentes a uma tribo in­
F oi no céu se ocultar, donde descera. teiramente extinta pela guerra de extermínio.
Tu perdeste um irmão, a pátria um bravo, Em Maipures existia um Papagaio, que proferia
E eu perdi um amigo, um bom am igo; palavras desconhecidas, e cantigas, que ninguém
Choremos ambos com saudade eterna. compreendia; e diziam os índios do lugar, que aque­
la ave falava a língua dos Atures, cuja tribo tinha
R io de Jan eiro, 18 de F ev ereiro de 1846.
desaparecido, sem deixar um só parente.
E n tre as aves de vida secular, como a águia e
os corvos, os naturalistas compreendem também os
EPIGRAMAS. 45 papagaios, e destes apontam alguns fatos de gran­
de duração. Sôbre êste assunto tão novo e tão
Os camelos já não andam americano, o de conservar-se uma língua perdida
P or desertos descampados, por meio de uma ave, o professor Ernesto Cur-
No Brasil dançam, namoram, tius, fêz uma poesia, que ouvi ler pelo Sr. Dr. Ca-
Vivem nos salões dourados. panema, e da qual intentei dar uma fraca idéia.
Não é uma tradução, é uma paráfrase, que aqui
ofereço, mais com ânimo de despertar alguns dos
nossos talentos a verter do original esta bela ins­
Dizem, Fábio, que o teu bôlso, 46
piração, do que com o fim de m ostrá-la com tôda
Anda muito engorgitado? a pompa das idéias do autor. A língua do Cal­
— P or isso tantos fidalgos das e do M agalhães pode copiar com tôda a lou-
Nestes dias me hão saudado! çania, grandeza e fôrça, as imagens da língua de
W ieland e Goethe.

O Barão de Bacuri
Encontrou no seu brasão
Desarmado de unha e língua Nos sertões do Orinoco, solitário.
Um negríssim o leão! E m tronco anoso um papagaio pousa:
Disse à esposa: Isto é comigo. O sáxeo bico, as descoradas penas,
Quanto à língua, que não falo; O frio aspecto, a posição tristonha.
Quanto às unhas, é lisonja Talhada imagem na escalvada pedra
Do Rei d’Armas, e eu me calo. Ali semelha, SO tão antigo é êle.

P or entre os diques da fendida penha.


NUM ALBUM. 47 Em franjas de cristal, em catadupas,
Se atira a onda, refervendo a espuma,
A h! não penses que o peito do vate Trovejando, mil ecos concutindo.
É cratera de eterno volcão, Qual supino trovão; pendente, inflexa.
Que essas horas da vida são flores P or favônios odores embalada,
Que não pendem, não morrem no chão. A palma ondeia o m orrião virente.
Sorrindo ao lume zenital, que a doura.
A h! não penses que o lume em seus olhos
É planeta de eterno brilhar, Em vão se arroja à penedia a onda,
Que em uns olhos não pode uma lágrima Nunca a pode vingar, menos vencê-la;
V ir o brilho celeste empanar. P rêsa ao imo da terra inabalável
Do esfôrço zomba, coroada sempre
Ah! não penses que a eterna harmonia Dos eflúvios, que em nuvens se condensam:
Que a uns lá,bios form osa bai.xou. Seu fado lê nas eriçadas 51 fachas,
Será sempre suave, divina, Que o tórrido planeta aí descreve.
Como aquela que em Deus se criou.
Num escuro recanto, amplo, cavado,
Semideus, entre a terra e os céus. Que a onda ,b eija e não escala a entrada.
Duplo fado lhe deve tocar: E m noute eterna, desterrada, imóvel
Um sorriso no amor, na esperança. Ali repousa geração extinta.
Desenganos por onde passar. O garfo extrem o da finada prole,
Que piedoso guardara a estirpe amada,
Não em cêsto de junco, lá repousa
Ju nto ao chão alvejando a óssea imagem.
0 PAPAGAIO DO ORINOCO. 48
Como livres viveram se finaram
Nas cavernas formadas pelos rochedos, que fa­ Os Atures heróicos, sem que a flecha
zem as cataratas dos Atures e Maipures, no gran­ Do inimigo os curvasse ao cativeiro.
de rio Orinoco, encontrou o célebre barão d’Hum- E n tre os juncos da margem marulhosa
boldt 49 grande quantidade de esqueletos pintados Seu leito acharam ; na mudez do antro
de urucu e depositados em cestos, que pelo seu A natura ofertou-lhes columbário.

[16]
ESPA R SO S

Ali não vai sentar-se o viajante começa sempre pela mesma forma, por não po­
Evcrsor e profano! Ali não entra der fugir das leis absolutas do pensamento. São
O índio caçador; durante o dia êstes os versos:
A estrige os guarda e o vampiro esquálido,
Inimigos do sol, da terra e flores. “ À humana estirpe
“ Será segrêdo eterno essa linguagem
Testemunha 52 de um longo morticínio, “ Que só fôra da tribo d’esqueletos
De renhidas batalhas, de vinganças. “ Sentada na caverna.........”
Envolto em luto, dos Atures chora
Amigo papagaio. O bico afia E os que se seguem:
De hora em hora sôbre a pedra lisa,
“ Junto à gleba gelada, onde não medra
E o ar inunda com seu canto e falas.
“A palma d’ouro, se equilibram aves,
“Que à terra descem, que a serpente elevam
Tudo quanto vivente o circundara
“ À etérea plaga nas possantes garras,
Em era extinta, secular, finou-se! “ E o ninho cavam nas perdidas ruínas
Os meninos que a língua lhe ensinaram.
“ De um povo, que já foi, e cuja língua
Os jovens, que o nutriram, as matronas,
“Só ave secular fala nas campas.
Que seu ninho teceram, as donzelas,
“ Ao dialeto da morte,’’ .............
Que mil beijos lhe deram, mil carícias.
Os guerreiros, que em tôrno ao lar fumante
O ouviram gritar o guai 53 medonho,
E escutaram risonhos seus cantares,
Todos jazem na gruta, ou dispersados Conheço a minha fraqueza; mas sobeja-me a fé,
Na selva imiga, branqueando os ossos. de que um dia, quando melhor soubermos das nos­
Sem poder despertar aos seus reclamos. sas cousas, faremos poesias muito bonitas e genui­
namente americanas. Um mundo novo pede uma
Em vão às turmas brada, em vão envida nova poesia. E ’ triste o estado dos poetas, nos­
A infância aos jogos, à harmonia os jovens, sos vizinhos da América Setentrional, mesmo os
À guerra os fortes, ao prazer a todos. do México, que versejam como se estivessem na
Estranho é tudo o que rodeia essa ave. Europa, como representantes de Lam artine e V ic­
O pajé já não fuma, não evoca tor Hugo. A liberdade, de que êles tanto se ufa­
O passado e o futuro; a relva anosa, nam, não é real, porque existiria no pensamento:
A torrente, que brama, não a escutam! o poeta egoísta é imitador, é escravo, e não m ere­
Da voz humana, da perdida língua. ce êsse nome, se não fala com a pátria à huma­
Solitária, só ela a guarda e exerce: nidade.
Só Deus a entende. Deus somente agora.
O índio que a descobre, horripilado
Foge e nem bebe a cristalina onda! CANTO INAUGURAL. 54
Seu pé, qual flecha, que a devesa e ares
Veloz percorre, galga a estância oposta;
E em sangue d’ave, que renova o ânimo, Um hino à pátria! A gratidão aos lábios
Afouto busca deslembrar essa ave. Minha alma eleva, e no sagrado impulso,
Ungindo a fronte e coração, que anseia. Sôbre as asas do amor ufana adeja.
Mal lhe ouve o canto, volta a face c foge Transcursa o mar e em Guanabara pousa.
Como a espectro sinistro: é crença dêle, Ao respiro vernal da pátria edênea.
Que essa ave encerra o miserando espírito Erguida a fronte, já não sinto o bóreas
Do último Atur, e que essas vozes, Do deserto polar gelar-me a vida;
Êsse canto, êsses ais incompreensíveis. Nem triste e envolta no sudário algente
T é do sábio pajé não percebidos, Aqui mostrar-se a natureza morta
São agouros ultrizes e aziagos. Entre mádidas névoas, negrejando
Maldições do sepulcro à raça humana. O despido esqueleto. Aromas sinto!
E o lume tropical, que almo difunde
Celeste enlêvo, a minha mente aquece.

O barão d’Humboldt estando ali, lastimava- Peanha glacial, já te não piso;


se da ausência de seu irmão, que pertence à fa­ Ao brasílio concento agora unido,
mília de Court de Gibelin, dos arqueólogos, Saúdo a imagem do imortal Arauto
que restauraram as línguas perdidas. Seria um Que em dous mundos firmara a liberdade.
trabalho novo e inteiramente especial o da res­
surreição de uma língua morta, guardada por Quem mais fêz do que êle?! O vasto oceano
uma ave, e que não deixou vestígio algum na Do ligúrio e do luso avassalado,
pedra ou no papiro. Que as orlas beija de fronteiras plagas,
Aludindo a êste fato, escrevi aquêles versos, Inda reboa do seu feito a glória!
que se acham num fragmento de Colombo,
quando êle em sonhos vê bosques desconheci­ A palma do Ipiranga que passava.
dos e homens escravos, trajados como os primi­ Qual celeste cometa, à foz do T ejo,
tivos povos da Europa, a que dei tôda a simi- Inda verdeja na afanosa terra,
litude americana; tanto é certo, que o homem E espana ovante do passado as larvas!

[17]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A LEG RE

O mundo viu, (senhoreando azares!) Nem tu, Escurial, sacra aliança


Descer do trono às marciais fileiras Do altar e trono, em teu orgulho antigo
O soldado ostensor da liberdade, Ao mundo mostras, nos eventos vários.
Cujo vulto nos céus ora se estampa, Iguais virtudes às do herói brasílio?
E no espaço dos tempos se deifica. Nas cùp’las a que neve cobre o esmalte.
O mundo o viu, e o contemplou pasmado, De auroras boreais só encendidas.
Quando, fator do americano império, Vejo um Pedro pairar, tintas as vestes
Sólios erguia, libertava povos. De lume e sangue. Grandioso misto!
Tirava à fronte o diadema avito. Jano de inconhas faces, que rutilam
Despia esponte a purpura brasília, A auréola criadora, o sevo raio.
E co’a espada na mão sulcava os mares. Grande seria, se do sólio altivo
Unindo ao seio paternal a virgem, No granito do Neva espedaçasse
Que êle mesmo c ’roara, entronizando-a As cadeias do servo qual seu neto.
No chão antigo, que outro sol anima.
E nós o vimos, ao descer do trono. Em ti, grande Tamisa, que concentras
Feitura sua, respeitar o filho As gemas e os pendões da terra inteira.
E a lei que dera, quando em noite irada Só vejo um povo consagrando as plagas
Cedia o império à força do destino A quem a paz da liberdade almeja.
Que o chamava além-mar a novas lides. Em ti prófugos reis, proscritos príncipes.
Asilo encontram ao ruir dos tronos;
Grande no trono e no despêgo insólito! E os tribunos repousam foragidos
Junto ao tirano embriagado em sangue!
Transvôo do Kremlim ao ignífero Calpe,
Do Tamisa ao Danúbio, e dêste às orlas SS Vejo espadas pendentes, recruzadas.
Onde a mole titânea afronta as nuvens, Loiros surgindo de sangrentos campos;
Onde a múmia doirada aos evos fala; Disfarçada a ambição por modos vários
Atar ao jugo gerações vencidas.
Onde o epônimo arconte marca os anos,
Amimar o leão que a jaula abala,
Onde à fronte de Cícero a de Verres E dos olhos fulmina atroz vindita;
Nivelara o algoz no foro ingrato;
Vejo c’roas e cetros, vejo tronos
E iguais feitos não vejo! Oh! onde o mármor. De vário lustre matizados; vejo
Fronteiro à aurora do porvir contínuo, Grandes filhos de reis; mas em dous mundos
Que ao homem fale com igual grandeza? Firmando as plantas, qual colosso ignoto.
Eu, que de perto o vi, dizer não temo, Outro não vejo equiparado a este!
(Porque o vi no altar colhendo incensos,
E na lajem vulgar curtindo insídias) : Legislou; e nas aras da justiça
“Aos lampejos da ira, nunca o gládio A igualdade exarou-se; em seus rescritos
“ De Alexandre em seus olhos refletiu-se; Deu foro ao gênio, nivelando os berços;
“Nem dolo ultrice lhe estuou no peito; A virtude exaltou; ao pensamento
“Tinha nos lábios os transuntos d’alma.” Deu livre adejo às regiões da crença.
Foi homem; mas do homem nada resta E destarte exornando o cetro avito,
Ante a imagem do herói da liberdade. Novo Messias redimiu 56 seus povos.
No sugesto da morte a razão fala,
Da poeira da terra a idéia extrema, No ocaso dos tempos, retrospecto,
Pondera a vida, qual Pirômis sacro, Vejo Sesóstris, Fredegundas ímpias.
E o aresto eviterno ao tempo entrega. Braços armados pelejando o mando.
Frontes erguidas disputando c’roas,
No báratro do olvido se confunda Mas não vejo, oh! prodígio, um rei depô-las
Por amor da concórdia entre seus povos;
A lira profanada, que laureia
A fronte do carrasco, ou que polui Nem, ao trajar do peregrino as vestes.
A palma virginal na destra impura Unindo aos flancos paternais os filhos.
Da manceba infiel; afronta eterna Dizer ao mundo: — Libertei dous povos.
Ao sacrílego vate que se inquina E Lísia viu na brasileira virgem.
No invólucro sonoro da mentira. Vestal da lei que a liberdade asseia.
Por mim rasgada a túnica dos séculos. De rainha e de esposa as sãs virtudes!
Fale ao sol da verdade o tempo austero. E o Janeiro inda vê, preclaro exemplo
De piedade e de amor, no filho augusto,
Montanha artefatada pelo engenho. A ciência enlaçada à majestade;
E saber, por favor do céu que o ama.
De bronze e pedra Panteão das Artes, Reinar nos corações! Glória bem rara!
O ’ Louvre, asilo da grandeza e glória,
Onde estão teus anais? Trono e gemônia, Curvai-vos, Brasileiros, ante a imagem
No alternado destino em que vacilas. Da tríada imortal que o bronze anima:
Hão sido as régias do teu nobre assento! Rei, cidadão, soldado! Ali o vêdes!
Em vão à luz da história as campas alço O rei que aniquilara a prepotência.
E revoco teus reis? Qual em teus foros, Tornando o cetro em paternal cajado;
Que o bronze imortaliza, excede a este? O grande cidadão, firme atalaia

[18]
ESPA R SO S

Da justiça e da lei que êle outorgara; Vem, minha musa esquecida.


O soldado, que expôs a vida, e avante Dá-me a lira abandonada.
Combateu por amor da liberdade! Remoça est’alma quefcrada.
Ah! não dirão que fôste ingrata, ó pátria, Alenta-me o estro, a vida,
Pois que eterno lhe ergueste um monumento. Que eu não piso um solo hostil
Ao Império do Brasil.
Curvai-vos, Brasileiros, resumindo
Num só brado o herói e o grande feito: Piso a terra da ciência,
P ED R O P R IM E IR O —■ IN D EPEN D ÊN C IA A que a voz nossa acolheu,
[OU M O R T E! Que prima reconheceu
Berlim , 10 de Jan eiro de 1862. O verbo da Independência,
Que fundou noutro hemisfério
Nova nação, novo império.
AO DIA SETE DE SETEMBRO DE 1873.
Oh! não foi um voto dúbio,
Ao Dia Septe de Septembro de 1873.] Saudosa Foi a sanção generosa
Oblaçãol Recitada na Legação Brasileira) e offe- De um Pai à Filha amorosa;
recida) ao Exm° Senhor Barão de Porto Seguro,) Foi o abraço do Danúbio
Enviado Extraordinário e Ministro Plenipoten­ Ao Janeiro triunfante,
ciário) de S. M. o Imperador do Brasil,) e Vice E à Bahia militante.
Presidente da Commissão Brasileira) na Exposição
Universal) de Vienna) por) Manoel de Araujo Por­ Vindobonal irmã querida,
to-Alegre,) Secretario da mesma Commissão.) No teu sólio hospitaleiro
Vienna.) Imperial e Real Typographia. 1873.) Aceita de um brasileiro
Esta prece agradecida:
Do Senhor, rei das alturas
Que júbilo de amor, de santo enlevo. Sôbre ti desçam venturas.
Neste dia augustal saudar a Pátria;
Repassados de fé mandar nossa alma
Sôbre o místico adejo da saudade E o que era então est’Áustria? Era a atalaia
Ao berço em que vagimos, ao Elísio Da paz, e o zeloso sustentâc’lo
Onde folgamos junto ao seio amado Do direito dinástico, ab-rogado
De nossas boas mães, onde colhemos Pelo gládio e canhão do novo Átila,
Beijos vitais, amplexos de ternura, Que onde punha o pé um rei calcava,
E êsse amor, que endeôsa 57 a Brasileira. E nos tronos, dos evos respeitados.
Seus amoucos imbéceis assentava.
Eu que servo nasci na idade inculta,
Quando a planta real pisado o solo E o que era o Schõnebrunn, inda em restauros
Do imaturo Brasil inda não tinha; Dos horrores da guerra nesta Europa
Que na ardente puerícia ouvi o brado Dessangrada, abatida, recalcada
Do Príncipe expandir-se como o lume Pela planta do Corso, sepultado
Da sacra redenção; que vi a marcha Na rocha, em que furente o mar lançava
De briosas falanges ao combate. A seu pálido rosto e nua fronte
Tendo no braço da agressão a espada No mesmo vagalhão bissonos gritos
E no que escuda o coração, fulgindo De guais e salves, de martírio e glória!
Esta divisa: Independência ou Morte!
Quanto não devo ao memorar tal dia, O que era o velho trono, inda agastado
Abrasar-me de afeto e de saudades. Da pocema e tripúdio dos sequazes
Da falsa 59 liberdade, que ensoparam
Fundindo os corações num voto acorde, De sangue insonte o trono e o tugúrio;
Que ventura não é hoje reunidos E abrindo os diques da falácia ao povo.
Neste piso, que é pátria, asilo, e guarda. Seus direitos mostravam, ocultando
Igualmente saudar o berço augusto Adrede altos deveres, construindo
Em que as auras vitais fruiu a Virgem, Na própria elevação fôfo alicerce.
Que unida a Pedro, o lidador, nos dera
Aditando o Brasil, Pedro Segundo. Gratos sejamos, ponderando os fatos.
Ao grande genitor da Madre excelsa,
Salve! Filha da Panônia! D ’Aquêle a quem se deve a honra e glória
Eu te vi co’o Espôso ovante De vencer o Brasil na plaga infesta
Quando o Brasil radiante O sáfio repto do verdugo insano,
Bradou: Já não sou colônia! Que em vez de louros sôbre a terra pátria
E rompeu com heroísmo Deixou seu crânio num pendão rasgado.
O cetro do despotismo.
Quando o filho do sertão Nobre Império do Brasil,
Acorreu ao litoral; Já não és tímido infante;
E a Assembléia em Portugal Ao teu braço de gigante,
Nos votava à escravidão: A teu golpe varonil.
E nós lhe dissemos: 58 Basta; Morderam o chão mil bravos,
Não és irmã, és madrasta! Do monstro cegos escravos.

[19]
MAXOEL DE ARAÚJO PÔRTO ADEGRE

T erra de amor e clemência, A frígida Acarnar no céu se m ostra;


De porvir alto e fecundo, E n tra nas águas dessa estância elísia
Onde o bom Pedro Segundo Onde galopa a belicosa tribo
Rasgou a lei antinômica De invencíveis centauros; pára e acolhe-os.
Pela de Deus, pela harmônica. M ostra-lhes Poncheverde, o sangue inútil,
E o perdido denôdo em prol de um sonho,
Onde, oh diva Providência! Que encubava o deserto na anarquia.
Cândida mão de Princesa,
Sim b’lo de santa pureza; V olta ao pego, caminha, e pára intrépido
De Rio Branco a eloqüência. Fronteiro ao monte de infiel memória,
Rasgaram da escravidão Que ao ver-te, os dias de passadas ânsias,
O criminoso pendão! Se amor o ornasse, te seria grato.
Avante segue, e na achanada margem
Salve asilo perenal
Da odiosa Palerm o lembra o sangue
Da sagrada liberdade.
Generoso dos teus, quando expulsaram
Em que o homem na igualdade,
O feroz mazorqueiro, o algoz cruento,
Na harmonia fraternal.
Que a tetra escravidão, e o idiotismo
Disse ao hom em : Vem , Irm ão,
Firm aria, se tu lá não vencesses!
E o cingiu ao coração.

Agora, um só pensamento H oje que avultas sôbre a ingente cúpula.


Deve o Brasil dominar, Glória do P ráter, onde o mundo unido
Que é todo o povo educar; Arte e indústria estadeia, onde nós outros.
Dar-lhe na idéia o alento Modestos operários, ofertam os
P ara igualar a grandeza Da natura e do fabro o fruto esponte.
De sua alta natureza. Vem a teus servos nesta pátria estância.
N esta casa que é tua, e estende alegre
Palm a d’ouro amazônia, 60 hélia rainha O campo d’ouro em que resplende ovante
Que em meio orbe teu império assentas. No escudo sideral a cruz, a esfera,
Orlando a margem dêsse mar corrente. E o diadema de Pedro, o laço augusto
Voa ao céu do Cruzeiro, atrai mil astros, Da união, do poder, da liberdade.
E sidérea e fulgente adorna a fronte Segue o périplo em que colheu assombros
Do Nume tutelar dos B rasileiros; Do T e jo ao Sena, do Tam isa ao Nilo
Plantas virentes, que do etéreo assento Teu nobre vexilário. O que nos campos 61
Bivernal estação colheis, às auras Rio-grandenses venceu horda invasora;
Mil perfumes lançai; favônios, zéfiros, E calmo entre seu povo se m ostrara
Conduzi-os a Pedro, o pai da pátria, Na côrte, em face da agressão estranha;
Que vela em Guanabara almo futuro! E onde a P átria reclamou seu braço!
Vem com Êle a nós outros, que o amamos.
Cedro, que elevas tua copa às nuvens, Rico do espólio de ovações do orbe.
E vós reis das florestas, milenários De am or e pasmo, de respeito e espanto,
Monumentos, assom bro da ciência, E de um nobre orgulho nossos peitos enche.
Correi ao mar talhados, pompeando
Sôbre aladas antenas a bandeira Teus filhos aqui estão: tu lhe derramas
Criada neste dia glorioso. Celeste lenitivo, bafejando
De teu alto esplendor o grande insuflo
Auriverde pendão! Voai às plagas Que em santo arroubo o coração dilata,
Onde outrora cedeu ímpia falange, E leva a mente à carinhosa Pátria.
Deixando em P irajá orgulho e arm as;
Vai onde Sigismundo o gládio ousado Um voto ao dia de hoje, — um brinde, amigos,
Perdeu, e sôbre a serpe de rochedos Dia de vida, de memória excelsa,
Que o mar de Olinda furioso encobre, E de ingente porvir, glória da América.
Fulge de novo, e com (bondoso aspecto De um surto vingue o azulado pélago
Desvenda a gente ousada, une seus peitos. Nossa grata oblação, bradando todos:
V eleja às regiões em que nitente “Pedro Segundo; Independência ou Morte.”

[20]
Monteiro
Quem pode amar-te, sem morrer de amôres?!.

n t ô n io p e r e g r in o d e MACIEL MONTEIRO — Barão de Itamaracá (Recife,


A 1804 — Lisboa, 1868). Completado em Olinda o curso fundamental, tirou, na Uni­
versidade de Paris, os diplomas de bacharel em letras, em ciências e em medicina (1826).
Em Paris, onde se demorou até 1829, recebeu as primeiras e diretas influências do roman­
tismo. De regresso ao Brasil, começou por exercer a medicina (Recife), passando depois à
vida política e ao desempenho de várias funções públicas (Recife, Rio de Janeiro, 1836-1853).
Em 1853 ingressa na carreira diplomática: Ministro Plenipotenciário em Lisboa, onde morreu.
Além de discursos políticos, colaboração em vários jornais, e de uma dissertação médica (Paris,
1829), deixou poesias, reunidas postumamente (Poesias, Recife, Imprensa Industrial, 1905).

[23]
E S P A R S O S .

HINO AO 7 DE SETEMBRO

UAO risonho no horizonte


Surge o Deus da claridade!
Exultai, ó Brasileiros,
Triunfou a Liberdade.

Do Brasil nas lindas plagas Nossas vestes n ã o ... não tinge


Sorri d’ouro a nova idade! O sangue da Humanidade;
Liberdade o Norte grita, Da Virtude e não de alfanges
Responde o Sul: Liberdade! Nasce a nossa Liberdade!

Ao som dos nossos queixumes Do Brasil nas lindas plagas.


Despertou a Divindade;
Abrasou-se a tirania Avessa ao pranto, ao gemido.
No fogo da Liberdade. Aos grilhões, à crueldade,
Só co’ a glória simboliza
Do Brasil nas lindas plagas. Nossa doce Liberdade!
Do Brasil nas lindas plagas.
Contra nós bramiu debalde
Da traição a tempestade; O ’ Brasil, caminha ovante
Ela feriu o traidor. A tua prosperidade;
Respeitou a Liberdade. O céu vela em teus destinos.
Vela em tua Liberdade!
Do Brasil nas lindas plagas.
Do Brasil nas lindas plagas
Sorri d’otiro a nova idade!
Já no céu americano Liberdade o Norte grita,
Luz alma serenidade; Responde o Sul: Liberdade!
Enfeita já nosso solo
A planta da Liberdade! R ecife. 1831.

Do Brasil nas lindas plagas.


[25]
ANTÔNIO P ER EG R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

Se eu fôra a flor querida, a flor mais bela


De quantas brilham no matiz, na gala;
POSTURAS MUNICIPAIS. Se o meu perfume fôra mais suave
Que êsse que a rosa no Oriente exala;
EPIORAMA
Se em volta a mim os zéfiros traidores
Se há posturas de galinhas. Sussurrando viessem bafejar-me,
Também há municipais; E com moles blandícias, brandos mimos
Aquelas produzem ovos, Tentassem de minh’haste arrebatar-me;
Estas sono e nada mais!
R ecife, 1S36. Se o vário beija-flor tão feiticeiro.
Desprezando uma a uma as demais flores.
Em meu virgíneo, delicado seio
Depusesse seus beijos, seus amores;

ÀS PERNAMBUCANAS BARONISTAS. Num vaso de esmeralda eu não quisera


Os aposentos decorar brilhantes
Cançoneta Do soberbo Nababo de Golconda,
Que pisa em pér’las, topa nos diamantes.
Lindas jovens baronistasl
Sois imagens da ternura. Tão pouco eu cubiçara ornar o seio
Sois os tipos da candura. Dessa jovem britânica princesa;
Sois da pátria o mimo, a flor. Em quem o brilho do diadema augusto
Luz menos que os encantos da beleza.
Um celeste entusiasmo
Brote em vossos corações: Pousar, senhora, fôra o meu desejo
Patrióticas canções Em vossa fronte tão serena e bela,
Exultai cheias de ardor. E fazer que em seu vôo o tempo rápido
Para vós pròdigamente, A asa impura não ouse roçar nela.
O fugaz Capibaribe,
E o limoso Beberibe, Como um raio da vossa formosura
Mil conchinhas hão de dar. Refletiria em mim seu fogo santo
Como a fragrância dos cabelos vossos
Ah! voai às brancas margens, Dera a minha fragrância novo encanto!
Recolhei as conchas belas,
Lindas jovens, e com elas Aí como vaidosa eu ostentara
Vossas tranças vinde ornar. Todo o meu esplendor. E qual rainha
Não busqueis mais outro esmalte! Num trono de ouro ousara disputar-me
Ornamento da beleza Minh’alta condição e a glória minha?
É a simples natureza
Que singela conheceis. Mas já que a flor não sou apetecida
(Que o não consentem fados meus adversos)
A inocência é formosura: Não recuseis, senhora, a flor silvestre
O que é simples faz o belo; Que o bardo vos oPrece nestes versos.
Não fujais deste modelo, R ecife, 1846.
E nem doutro careceis.
Da ridente, e doce Olinda
Sois a mais terna porção;
Vós prendeis um coração,
Que a virtude sempre quis.
Lindas jovens baronistasl AOS ANOS D E---
Sois da pátria almo luzeiro,
E do solo Brasileiro, Cellini sourirait à votre grâce pure,
Sois a graça e sois matiz. E t, dans un vase grec sculptant votre figure.
Il vous ferait sortir d’un beau calice d’or,
R ecife, 1846. D ’un lys que devient femme en restant fleur encore.
Ou d’un de ces lotus, que lui doivent la vie.
Étranges fleurs de l’art que la nature envie.
V IC T O R HUGO. — Voix intérieures.

UM VOTO. ODE

Enfin, pauvre feuille envolée, Ao nascerdes, senhora, um astro novo


Je viendrais, au gré des mes voeux.
Me poser sur son front, mêlée Vos inundou de luz, que inda hoje ensina,
Aux boucles de ses noir cheveux. No fogo dêsses vossos olhos belos
V IC T O R HUGO. Orientales. Vossa origem divina.

[26]
E SPA R SO S

O ar que respirastes sôbre a terra, Eis a religião do pio Bardo,


Foi um sôpro de Deus embalsamado Eis como, minha Lília, êle arde, êle ama;
Entre as flores gentis que vos ornavam Eis como, minha Lilia, eu amo, eu ardo.
O berço abençoado. (S/d ata).

Ao ver-vos sua igual, no empíreo os anjos


Hinos de amor cantaram nesse dia;
E o que se escuta, se falais é o eco
Da angélica harmonia.

Gerada para o céu, que o céu somente


Da criação a pompa e o brilho encerra, A UMA JOVEM.
Das mãos do criador vos escapastes;
Caístes cá na terra.
Enfant 1 si j ’étais roi, je donnerais l’empire.
Et mon char, et mon sceptre, et mon peuple à genoux.
Um anjo vos seguiu para guardar-vos; Et ma couronne d’or, et mes bains de porphyre.
E, quais gêmeos, um noutro retratado, Et mes flottes, à qui la mer ne peut suffire.
Quem pode distinguir o anjo que guarda Par un regard de vous!
Do anjo que é guardado? V IC TO R HUGO.

SÓ um raio do céu ardc perene


Sem que o tempo lhe apague o furor santo I Eu gosto de ver
Uns olhos gentis;
Por isso os vossos dons são sempre os mesmos, Mas, quando os teus vejo.
O mesmo o vosso encanto. Seu doce lampejo
Me faz tão feliz!
Em vós é tudo eterno. E, se na fronte Meu Deus, como uns olhos,
(Tão bela sempre em tempos tão diversos) Uns olhos sòmente.
Uma c’roa murchar-vos, é decerto Tal fogo derramam
A coroa de meus versos, No peito, na mente!

Dos meus versos! Ah! Não! Que inextinguível Eu gosto de ver


E ’ o incenso queimado à divindade: Um meigo sorriso;
Mas, se em ti floresce.
E ao canto que inspirais, vós dais, senhora. Então me parece
Vossa imortalidade. Ver o paraíso.
R e c if e , 1846. Ah! Como é possível
Qu’ um riso entre tantos
Aos olhos debuxe
Um éden de encantos?!

Eu gosto de ver
Feiticeiro andar;
Mas, se o teu contemplo.
AMOR IDEAL. Cuido ver num templo
Um anjo a voar.
Quem verá jamais
Non: Je ne rougis plus du feu qui ne consume Prodígios assim.
L ’amour est innocent, quand la vertu l’allume. Andar uma virgem
LAM ARTIN E. Como um serafim?!

Eu gosto de ouvir
Amar, amar um anjo de candura. Uma voz macia;
De tôda a Criação a obra-prima. Mas, se és tu que falas
Render-lhe o culto, que está inda acima No ouvido me inalas
Do culto, que a Deus rende a criatu ra... Celeste harmonia.
É isso magia.
Dar-lhe quanto há no peito de ternura, Ou do Céu favor.
Que a paixão enobrece e legitima: Falando cantares
D’alma que ao céu se eleva e se sublima Um hino de amor?!
O perfume votar-lhe em ara pura:
Eia, Fada, ou Anjo,
Verdade ou Quimera!
Desejos mil queimar em casta chama; Anda, fala, ri,
E a c’roa do martírio, em prêmio tardo, Que o mundo sem ti
Na fronte receber qu’ela orna e enrama; Graça não tivera;

[27]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

Mas guarda, acautela Eia pois, ó Anjo!


Teus dons, teus primores; Hinos mil a Deus
Que as brisas das selvas Entoa, e também
Arrancam tais flores. Ora pelos teus.
(S /d a ta ).

F ace E sq u er d a do C e n o t á f io

FORMOSA.
Qual flor matinal,
Que morre ao nascer
Formosa, qual pincel em tela fina Tu nasceste, ó Virgem,
Debuxar jamais pôde ou nunca ousara; P ’ra logo morrer.
Formosa, qual jamais desabrochara
Na primavera rosa purpurina; O orvalho da aurora
Abriu-te o botão;
Formosa, qual se a própria mão divina A brisa da tarde
Lhe alinhara o contôrno e a forma rara; Lançou-te no chão.
Formosa, qual jamais no céu brilhara
Astro gentil, estréia peregrina; Dormiste na terra,
No Céu acordaste;
Formosa, qual se a natureza e a arte, Foi a vida um sonho
Dando as mãos em seus dons, em seus lavores Qu’ entre nós passaste.
Jamais soube imitar no todo ou parte;
Não chores, ó Pai,
Mulher celeste, oh! anjo de primores! Por mágoas tamanhas:
Se uma flor tu perdes
Quem pode ver-te, sem querer amar-te? Um anjo tu ganhas.
Quem pode amar-te, sem morrer de amôres?!
(S / d a t a ) . R ecife, 1847.

10

A LILIA.
NO CENOTÁFIO DE D. LUlSA DE FRANÇA
(Inédita)
ARCANJO FERREIRA.

Vi, ó Lília, astro simpático


De amaciado fulgor:
Cuidei ver um teu olhar,
Mas olhar cheio d’amor.
F ace D ir e it a do C e n o t á f io
O concerto ouvi das aves,
Da aurora saudando o alvor:
De greda formada, Pareceu-me ouvir-te a voz,
A carne perece, Quando tu falas d’amor.
Mas a alma no céu
Eterna esplendece.
Delicioso perfume
Aspirei em linda flor:
Por isso da Virgem Era qual êsse que exalas,
Só o pó nos resta, Quando te inflamas d’amor.
E o Pai interroga
Minha filha é esta? Tudo quanto a natureza
Tem de graça e de primor
E Deus lhe responde Tu resumes, minha Lília,
Com brando sorriso: Se te namoras d’amor.
Isto é pó, — Luísa
Stá no Paraíso. (S /d a ta )

[28]
ESPA RSO S

1 1 Da espécie humana a esfera comprimida


Se expandiu té a empírea sumidade;
E na cadeia hierárquica dos sêres
SONÊTO. Sois o anel que nos prende à Divindade.
(Inédito) Qual o orvalho da aurora anima a rosa,
E o frescor e o perfume lhe acrescenta,
Sonhei que, nos teus braços reclinado, A luz dos serafins, que em nós reflete.
Teu rosto encantador, oh! Deusa, eu via, Vossa auréola de encantos aviventa.
Que mil ávidos beijos eu fruia
No níveo colo teu, ao mais sagrado. Se olhais, raios do céu a terra aclaram.
Se rides, anjos mil espargem flores;
Sonhei que era feliz, por ser ousado; Ao contemplar. Senhora, tais prodígios,
Que a fôrça, a voz, a côr e a luz perdia. Dir-se-ia que por vós Deus sente amores.
Em êxtase suave, em que bebia
O néctar, nem por Jove inda libado... Favorita do Céu! Que importa o tempo
Ao sexo vosso mova crua guerra?
E no mais doce e no melhor momento. O sol é sempre no zenite o mesmo;
Exalando um suspiro de ternura. A mesma vós sereis sempre na terra.
Acordo, acho-te só no pensamento! R ecife, 1847.

Oh! destino cruel, oh! sorte dura,


Nem me perdura um vão contentamento,
Nem me perdura em sonhos a natura.
(S/data).
13

MOTE.

12 (Inédita)

AOS ANOS DE. No colo de Anália bela


Só Jove deve deitar-se.
Or! vous faites rêver de Poète le soir!
Souvent il songe à vous lorsque le ciel est noir. Com mistério e com cautela
Quand minuit déroulé ses voiles; Quis Amor, mudo e sozinho,
Car l’âme du Poète, âme d’ombre et d’amour.
Est une fleur des nuits que s’ouvre après les jours Procurar mimoso ninho
Et d’épanouit aux étoiles. No colo de Anália bela.
V IC TO R HUGO. — Feuilles d’automne Mas, Jove que se desvela
De em todos sítios achar-se
Com êle vai encontrar-se
Eis-me outra vez da Criação no templo. E diz, detendo-lhe os passos:
Adorando, Senhora, os seus primores, De Anália bela nos braços
E no altar que ocupais, augusto, esplêndido. Só Jove deve deitar-se.
Queimando incenso, derramando flores. (S/data)

D’harpa d’ouro, em que outrora o rei salmista


Desprendia torrentes de doçura,
Nos dedos do poeta as cordas vibram, 14
Se canta, do que existe, a formosura.
AOS ANOS DE Melle.
A terra tinha flores, o céu astros,
O éter era puro, azul o oceano,
Tudo estava criado, mas faltava A 20 DE N o v e m b r o de 1847
O arquétipo do belo soberano.
Elle! tout dans un mot, c ’est dans ma foide brume
De Eva no molde o Criador pensando, Une fleur de beauté que la bonté parfume!
Novas graças juntou-lhe com destreza... D ’une double nature hymen mystérieux!
Vós nascestes. Senhora, e a voz de um anjo La fleur est de la terre et le parfume des cieux.
Tais palavras cantou: Eis a beleza. V IC TO R HUGO.

Éter, mar, astro, flor, tudo eclipsou-se Nasce a rosa no jardim


Em presença da nova criatura; Que esmaltam mimosas flores:
Prendeu-se a terra ao céu, e contemplou-se Ninguém lhe sente o perfume.
Do Universo a sublime arquitetura. Ninguém lhe vê os primores.

[ 29
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

Pouco a pouco almo bafejo Ao vê-la, ao ver seus olhos matadores,


De fecunda criação Voou meu coração aos lábios dela,
Lhe alinha a forma e lhe imprime Minh’alma ardente se banhou de amores.
A delicada feição. (S/data)

O cálix já se desdobra
Com viço, com louçania;
Prende-se a uma outra pétala 16
Com ordem, com simetria.

O doce aroma que entorna R. S. A.


Por entre a verde folhagem.
As auras vêm procurá-lo (Inédita)
Com sinal de homenagem.
Também no bosque,
Eis a flor em todo o brilho, Na selva escura,
Ei-la tudo namorando, Existem tipos
Ei-la desejos sem conta De formosura.
Casta e inocente excitando.
Talvez ai.
Mas o fado que escarnece Aí sòmente,
Da ventura dos mortais. D ’alta (beleza
Dá à aragem nova força. Nasce a semente.
Dá ao sol ardor demais.
Ah! foi teu berço,
Da glória, pois, no apogeu Mulher divina,
E ’ a infeliz desfolhada; A flor do campo.
Pelo sôpro de àsp’ra brisa Alva bonina.
Ou pelo sol é crestada.
Mas quão depressa
Como a rosa do jardim Elas murcharam
Tu nasceste, oh! virgem lindai E as tuas graças
Como ela cresceu nos dotes. Desabrocharam!
Tu cresceste e mais ainda.
Ah! praza aos céus
Mas praza ao Céu que o seu fado Qu’elas, ativas.
Não, não seja o fado teu! Vivam, perdurem
E que tu não emurcheças Quais semprevivas.
Como a rosa emurcheceul (S/data).

Nem que na taça da vida


Sorvas a negra amargura,
Que é tantas vêzes no mundo 17
O prêmio da formosura.
R ecife, 1X47
NUM ÁLBUM.

15 À Mlle.

(Inédita)
SONÊTO.
Ainsi qu’on choisit une rose
Era já pôsto o sol. A natureza Dans les guirlandes de sarons.
Em ondas de perfume se banhava; Choisissez une vierge éelose
Parmi les lis de vos vallons.
Aqui pendia a rosa; além brilhava
LA M A R TIN E.
Alguma flor de virginal pureza.

Nuvem sutil de pálida tristeza Em nossa alma existe às vêzes


Pelo cândido rosto lhe vagava; Emoção tão singular,
Nas negras tranças do cabelo estava Que descrever não se pode
Murcha e mais triste uma saudade prêsa. Na escassa língua vulgar:
Para amizade é mui viva,
Oh! pintor que a pintasse! Era mais bela Para amor é muito fria;
Que a lua deslumbrante de fulgores Estima não é; porque êste
Surgindo dentre as sombras da procela! Não nasce da simpatia.

[30]
ESPA R SO S

Balançando-se n’hastes voluptuosas.


Eis, ó Virge’, o sentimento
Que por ti me abala e inflama; Quão linda gala trajam hoje as flores!
Dir-se-ia, para glória de enfeitar-vos, _
Eu sei bem exp’rimentá-lo,
Qu’orvalhou-as na aurora a mão d’amôres.
Mas não sei como se chama.
Qualquer porém que êle seja,
Tão vago e misterioso, As aves, que na selva a alva saudam
Crê, ó Virge’, êle é mui puro, Com seus moles cantares a porfia,
E ’ mui nobre, é generoso. O perfume nas rosas aspirando
Os ares embalsamam de harmonia.
Nem quer que o fogo de Vesta
Arda na pira d’amor; O sol tem mais fulgor, a flor mais mimos,
Que o dever num peito grande A ave mais doçura em seu trinado;
E ’ sábio regulador. Ah! como a Criação dobrou seu fausto
Antes faz votos ardentes Neste dia. Senhora, abençoado!
P ’ra que no altar de Himeneu
Aches, sim, um peito livre, Tudo, tudo obedece a voz do Eterno
Mas sensível, como o meu. Rendendo cultos a beleza tanta!
R ecife, IS47.
Só o bardo na lira, envolta em crepe,
Se empreende cantar, geme, não canta!

Muda a lira, na qual sagrei outrora


18 Tantos hinos de amor à formosura,
Se do prazer dedilho as cordas d’ouro.
Vibrar a corda sinto da amargura.
NUM ÁLBUM.
Mas já que em vos.so gineceu risonho
(Inédita) Não pode o canto meu ser hoje ouvido;
Dai, senhora, que aos ecos da alegria
Ao menos se misture um meu gemido.
O tempo com suas asas
Tudo roça e tudo estraga, A h! se em pomposo altar a divindade
E as graças da formosura Incenso, flores, cânticos aceita,
São as primeiras que esmaga; O orar do infeliz também acolhe
Em ti, porém, bela dama, E as lágrimas do aflito não rejeita.
O tempo não pode tanto;
Ao volver de cada hora A mesma urna que no Tabernáculo
Surge em ti um novo encanto. Recebe o ouro farto da opulência.
(S /d a ta ). Tam bém , modesta aos votos da humildade,
A oblação recolhe da indigência.

Pequeno é meu tributo: ei-lo qual posso.


Qual me é dado pagar-vos reverente:
19 Não é o dom opimo do opulento,
E ’ sim a escassa ofrenda do indigente.
R ecife, 1849.
AOS ANOS DE.

A 25 DE Março de 1849
20
Lyre longtemps disive, éveillez-vous encore!
11 se lève, et nos chants le salûront toujours.
Ce jour que son doux nom décore.
Ce jour sacré parmi les jours! MOTE
V IC TO R HUGO. — Ode

Deixa beijar-te, meu bem!


Troa 0 canhão terríbil, que apregoa
Os pátrios foros em marcial linguagem, GLOSA
Eis o dia. Senhora, de pagar-vos
O ânuo feudo de minha vassalagem.
Suspende, Anália divina,
Do teu recato o pudor;
Mais uma vez o astro soberano
Não beija o zéfiro a flor?
Seus domínios correu no firmamento;
Hoje assente em seu trono, ei-lo que espalha Não beija a aurora a bonina?
Graças de luz ao vosso nascimento. Quando o sol meigo se inclina.

[311
ANTÔNIO PER E O R IN O I>E M A CIEL MONTEIRO

Não beija as ondas também? A pompa da harpa sublime


Se ao terno pombo convém Nêle brilha, enleva, encanta;
Beijar a rôla inocente, Nêle o som da frauta humilde
Se a natureza o consente, Também, Senhora, vos canta.
Deixa beijar-te, meu hem!
(S /d a ta ). Mas quanta vez na Harpa excelsa.
Em que o Bardo altivo harpeja.
Falta o fogo da verdade,
Que na écloga lampeja?
21
Ê meu canto igual da frauta
Ao som silvestre e singelo;
AOS ANOS DE UMA DONZELA. Porém nêle há um mistério,
Que o torna mais alto e belo.
Madrigal
Êsse mistério é a unção
(Inédito) Da alma ingênua do cantor,
Que cante aqui da amizade.
Ou além cante do amor.
Qu’importa, Filde adorada,
Que a mão do tempo iracundo Um raio, que se desprende
Mude, gaste, altere, estrague Dêste foco de afeição,
Tudo que é belo no mundo? Não deslumbra os olhos pasmos,
Mas adoça o coração.
Qu’importa que o prado ameno.
Cheio de viço e frescura, Não recuseis, pois. Senhora,
Em breve sinta crestar-se Meu canto e sua humildade,
Sua pomposa verdura? Que um tributo é sempre digno,
Se o sagra a mão da amizade.
Qu’importa, que a flor mimosa R ec ife, 1850
Que os jardins enfeita e adorna,
E, entre a folhagem virente.
Gratos aromas entorna?

V eja em pouco sua gala 23


Desmaiar, empalecer,
E as auras no cálix doutra
Nova fragrância beber? SONÊTO.

Qu’importa, Filde, se as graças


Do teu rosto encantador, À C andiani.
A ternura é que as anima,
Quem lhes dá realce amor?
Em que fonte de canto e de doçura
Deixa pois correr sem susto Bebeste, ó Candiani, a voz divina,
Do tempo o carro fugaz, Que arrebata a quem sente e meiga ensina
Que os teus encantos triunfam
A sentir té amar a penha dura?
Da sua lima voraz.
(S/data)
Qual anjo da sagrada, empírea altura
N’harpa d’ouro os teus sons concerta e afina?
Qual doce aura do céu a d e ja ... trina
Nos teus lábios co’as graças de mistura?
22
De ferro armado, armada de verbena,
NO ÁLBUM DA EXMA. SRA. VISCONDESSA DE Quem de Norma infeliz o canto exprime
BOA VISTA, NO DIA DE SEUS ANOS, A 4 DE Como tu a paixão, á mágoa, a pena?
NOVEMBRO DE 1850.
Se delinqües de amor, ama-se o crime!
Se te ameigas a amor, quanto és amena!
É, Senhora, o vosso Álbum
Se te imolas a amor, quanto és sublime!
Um vaso de ouro fulgente, (S /d a ta ).
Que recebe o dom do rico
E o dom também do indigente.

[32]
E SPA R SO S

24 Vem o amante com passos cuidosos.


Ei-la ali a dormir descuidada!
Ei-lo ali com su’ alma abrasada!
AMANHÃ.
O que mais se passou ninguém viu.
Sabe-o a lua que estava no céu;
Extremoso mancebo adorava Só do amante um suspiro se ouviu. . .
Gentil moça, feitiço de amor; E um ai terno que a moça gemeu. . .
Era dama que em graças primava, E depois que algum tempo passou
E primava também no rigor; Todo em fogo o mancebo exclamou:
Que esperanças constante acendia,
Mas que nunca um favor concedia. Ah! é p ou co... Não basta um favor
Para a chama que ardendo em mim vês?
Dia c noite o manccbo gastava Dizei quando, p’ra glória de amor.
Em provar terno amor pela bela. Dormireis no jardim outra vez!
Dia e noite o mancebo chorava E vermelha, qual flor de romã,
Por deleites gozar ao pé dela! _ Ela disse outra vez: Amanhã!
Mas, tão fera, quão linda e louçã, R io de Jan eiro, 1851.
Ela sempre dizia: Amanhã!

Ah! senhora, exclamava o amante,


Até quando quereis ver-me assim? 25
Nem sequer o favor de um instante,
Nunca, nunca tereis dó de mim?
Quando, pois, pagareis tanto afã? UM SONHO.
E a cruel respondia: Amanhã!

Amanhã! esta frase do inferno, _ Ao E mbarque e P artida de uma S enhora.


Já mil vêzes de vós tenho ouvido.
Já mil vêzes amor louco e terno Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
Abrasado vos tenho pedido, N’asa veloz da brisa sussurrante,
Mas, tão fera, quão linda e louçã. Que ufana do tesouro que levava.
Vós dizeis rindo sempre: Amanhã! I a . . . c o rria ... e como vai distante!

Do horizonte limite afastado, Voava a .brisa e no atrevido rapto


Que debalde se quer conhecer. Frisava do Oceano a face lisa:
De uma flor o botão desbotado, Eu que a brisa acalmar tentava insano,
Que jamais flor aberta há de ser. Com meus suspiros alevantava a brisa!
Ironia, ilusão, frase vã,
Eis o que é êsse vosso: Amanhã! No horizonte esconder-se anuviado
Eu a vi; e dois pontos luminosos
Basta enfim de zombar. Eu vos amo, Apenas onde ela ia me mostravam:
Como ama um favônio uma flor; Eram êles seus olhos lacrimosos!
Por gozar-vos ardente me inflamo.
Junto a vós morrer quero de amor! Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
Quando, pois, pagareis tanto afã? Que me sorria lá dos olhos seus;
E a cruel respondia: Amanhã! E dalém ondulando uma aura amiga
Aos meus ouvidos repetiu adeus!
E o mancebo esperava, esperava
Que chegasse essa hora de amor; Nada mais via eu, nem mesmo um raio
Cada dia mais terno voltava Fulgir a furto d’esperança bela;
A pedir da ternura o penhor; Mas meus olhos ilusos descobriam
Mas, tão fera, quão linda e louçã, Numa amável visão a imagem dela.
Ela sempre dizia: Amanhã!
Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
Ao bafejar da vespertina aragem;
Chega um dia (era noite formosa), Se aos olhos eu perdia a imagem sua,
Tudo em doce sossego jazia, No meu peito eu achava a sua imagem.
Stava a lua no céu radiosa.
Bela dama entre flores dormia. Ela fo i-s e !... E com ela foi minh’alnia
No jardim foi do sono apanhada. Na asa veloz da brisa sussurrante,
Pelas auras da noite embalada. Que ufana do tesouro que levava.
I a . . . c o rria ... e como vai distante!
Junto dela ninguém ’stá velando, R io de Jan eiro, 1851.
Mas, por entre os arbustos viçosos.
Os raminhos co’a mão afastando.

[33]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

26 Na pujança do vôo a águia soberba


Tenta o céu devassar, exausta pára:
Nas asas do lirismo, tu de Jeóva
INSPIRAÇÃO SÚBITA. Ao templo chegas, e te prostras n’ara.

Tão só, Aí, c’roada de fulgente auréola,


Tão bela, No concêrto dos anjos te misturas;
Tão triste, E se cantas na terra, são teus hinos
’Stá ela, Harmonias que ouviste nas alturas;
Que ao vê-la
Assim,
Dir-se-ia Aí aspiras o lustrai perfume,
Alfim Que das urnas sagradas se evapora:
Que a luz Eis porque tua voz parece ungida
Do Céu Dos olores da flor, que orvalha a aurora.
Empana
Um véu. Aí do coração na harpa animada,
Ou que As cordas descobriste de ouro estreme,
Também Que se vibram de amor, ateiam n’alma
Os Anjos Paixão que goza e sofre e canta e geme.
J á têm
Amôres Aí o idioma típico aprendeste,
E dores. Que entendem todos e que tudo exprime:
R ecife, 1852. E ’ assim teu olhar o verbo vivo,
E ’ teu gesto a linguagem mais sublime.

27 Mistério augusto que do Eterno ao fiai


Surgiste, qual visão que atrai, fascina;
Se da mulher teu corpo veste a forma.
Arde no gênio teu chama divina.

Mulher ou anjo! Cumpre a missão tua!


Como a brisa aqui sussurra Seja a crença deleite, a fé doçura;
Entre a folhagem orvalhada! Tóda a terra ame ao céu nos seus prodígos.
Dir-se-ia que são suspiros Adore o Criador na criatura.
De alguma alma apaixonada.
R io de Jan eiro, 1852.
Como a luz no céu dos astros
Brilha com mole fulgor!
Parece olhares de alguém
Cujo peito arde de amor! 29

Como o perfume das flores


Suave aqui se d erram a!... SONÊTO.
Assim a loura madeixa
Sôlta ao ar tudo embalsamai Não se minere só ouro fulgente,
Que a vista ofusca, faz a paz e a guerra;
A brisa, o astro, o perfume.
Falam, Lília, ao coração, Nem só as minas da fecunda terra
Da natureza a linguagem Sagaz mineiro lavra diligente.
E ’ linguagem de paixão!
R ec ife, 1852 Voluptuoso olhar concupiscente
Crava na urna que em tesouro encerra;
Nela corveja, nela as garras ferra,
Para a veia caudal achar fluente.
28
Processo metalúrgico aplicando
INSPIRAÇÃO SÚBITA. Ao labor burocrático, sem asco
Ouro em pó do escrutínio vai tirando.
A R osina S toltz em uma R epresentação
Coragem! Dobra o cabo, ousado Vasco,
DA “F avorita”
Que se fores a pique miserando.
Oh! meu Deus, que apupada, oh! que fiasco!
Gênio! G ê n io !... inda mais! Supremo esfôrço
R ecife, 29 de novem bro de 1582-
Da mão de Deus no ardor do entusiasmo!
És anjo ou és mulher, tu que nos roubas
Do culto o amor, o êxtase do pasmo?

[34]
ESPA R SO S

Breve tornarás a ver;_


30 Tens do exílio o perdão:
Mas eu, que o não hei de ter,
Sinto no peito gemer
E EU FICO!. O meu triste coração.

Ao MEU V elh o e B om A migo A. J. de M. I- a lc ã o Que aquelas terras amenas,


Com seu belo céu de anil.
Cheio de estréias serenas
Oh saudade! Como de prata açucenas.
Mágico nume que transportas a alma Só nas terras do Brasil.
Do amigo ausente ao solitário amigo.
GARRET.
De novo acharás ali
Doce prazer d’amizade,
Ir por estes longos mares Que nunca se encontra aqui
Após de terras estranhas Num povo, que só de si
Deixando da pátria os lares. Cuida e da sua vaidade.
Custa mágoas e pesares.
Custa saudades tam anhas...
O fácil trato da vida
Lá o tornarás a ter
Que só quem ao doce ninho Na nossa língua querida,
Inda não disse um adeus Que esta raça presumida
Por êsscs mares sòzinho, Não quer nem pode entender.
Não conhece o que é o espinho
Duma saudade dos seus.
Os amigos aibraçando
Sentirás terna emoção;
Mas não deixas, caro amigo, E eu! Não sei até quando
A tua terra natal; Aqui ficarei penando
Procuras o pátrio abrigo, Sem essa consolação!
Queres do berço o jazigo
Lá nas terras de Cabral. Sem ver as terras amenas
Com seu belo céu d’anil.
Não é um golpe ferino. Cheio de estréias serenas
Oh não maldigas a sorte, Como de prata açucenas,
Que eu também sou peregrino Nossas terras do Brasil.
Companheiro de destino...
Aqui nas terras do Norte. Muito me custa deixar-te;
Mas quanto te invejo a dita!
Aquéles que hão de abraçar-te
Também já por longos mares Hão de as mágoas adoçar-te
Após de terras estranhas Naquela terra bendita.
Eu deixei da Pátria os lares.
Cheio de mágoas e pesares
Não é um golpe ferino.
E de saudades tam anhas...
Oh! não maldigas a sorte,
Que eu também sou peregrino,
Também ao meu doce ninho Companheiro de destino
Eu já disse um triste adeus; E fico em terras do Norte.
Não sulquei mares sòzinho,
Mas já sei o que é o espinho Nem tu vais por ésses mares
Duma saudade dos meus. Após de terras estranhas.
Vai buscar da pátria os lares.
Vai findar mágoa e pesares.
Nem estas terras do Norte Matar saudades tam anhas!...
São nossa pátria querida;
Que não lhes tocou em sorte
Senão o frio da morte E eu não posso ver o ninho
Sem as delícias da vida. A que já disse um adeus,
Fico agora aqui sòzinho.
Transido de acerbo espinho
Aquele clima mimoso, De uma saudade dos meus.
Aquêle céu tão azul. New York, 7 de setem bro de 1853.
Tão sereno e tão formoso,
Onde surge radioso
Nosso Cruzeiro do Sul.
[3 ü J
ANTÔXIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

31 O teu talento, divinal Laborda,


No céu de artista se apresenta agora;
Tal como o dia seguirá seu brilho.
O POEMA "CAMÕES" DE GARRET. Colhendo as rosas que teu gênio inflora.

Invocação E quando o astro, que do mundo é rei.


Ao seu zênite lá chegar mais tarde,
A luz brilhante surgirá então.
Se o cantor de Camões, em estro ardendo, Seguindo o fogo que em teu peito arde.
A saudade pintou com mão tão fina,
Que ora as suas doçuras vai bebendo.
Ora sorve o amargor que ela propina, Formosa página te destina a arte
O que faria se, de amor gemendo. No livro de ouro que lhe encerra a história;
Vivera so por ti, mulher divina? Prossegue e estuda, p’ra que um dia voltes
Ah! só então pintara com verdade A aurea fólha da luzente glória.
O que eu sinto por ti, o que é saudade. L isboa, s/data.

S intra

Quanto é feliz o coração amante, POESIAS TRADUZIDAS.


Que de Sintra às montanhas transportado,
Das auras ao bafejo sussurrante
Os acintes esquece de ímpio fado!
Ah! mísero de mim que um só instante
De ti me não esqueço, ó bem-amado;
E antevejo nos prados, fontes, flores. O LAGO.
Memórias do meu bem, dos meus amores! Lamartine.

G ruta de Macau Errando, sem cessar, de plaga em plaga,


Da noite eterna o golfão demandando,
Qual nas margens do Ganges caudaloso Não poderemos nós no mar dos evos
Suspirava de amor o bardo ausente. Ancorar um só dia?
Enamoradas queixas cauteloso
As grutas confiando docemente;
Quantas vêzes, meu bem, terno e queixoso, ô lago, um ano é findo! e em tuas margens
Tão queridas, que inda Ela ver quisera.
Do pátrio rio à plácida corrente,
Minhas mágoas contei, meus dissabores. Repara: eis-me hoje só sôbre esta penha
E, em ti pensando, suspirei de amores! Em que a viste sentada!

O T empo e a B eleza Assim fremias tu nas cavas rochas;


Assim no embate o seio lhes rompias;
Assim também de espumas salpicavas
Carregada a fronte, carrancudo o aspecto, Os seus pés adorados.
Na destra sustentando a lima aguda,
O voraz tempo procurava inquieto
A beleza de horror gelada e muda; Ihna noite em silêncio nós vagávamos;
Eis que movido de profundo afeto O rumor só se ouvia, não te lembras?
T e o lh o u ... e disse em voz, mas não sonhada. Dos remos, que cadentes te talhavam
As harmônicas vagas.
Em ti poder não tenho, que és divina,
E teus dotes guardar amor me ensina.
(S /d a ta )
Eis súbito das ribas encantadas
Ignoto acento vibra e os ecos fere:
A vaga emudeceu: da voz amável
Caíram tais palavras:

32 ‘•Pára, ó tempo, o teu vôo, horas propícias,


“ Suspendei vosso curso,
“ Gostar deixai-nos as delícias gratas
A ROSI NA LABORDA. “ Dos nossos belos dias.

A ’strêla d’alva lá no céu desponta “ Não poucos desgraçados vos imploram;


E logo a aurora nos sorri gentil; “Correi, correi p’ra êles.
Sucede o dia, cuja luz derrama “ Levai os dias seus, as suas mágoas,
Por sôbre os campos seus encantos mil. “ Esquecei os felizes.

[36]
ESPA R SO S

No porvir? desmaiado e frio intérprete!


“Mas debalde inda peço alguns instantes; Espelho baço, qual do Norte a linfa,
“O tempo escapa e foge;^^ E seu prisma e fulgor qu’importa ao vate,
“Digo à noite: “sê mais pausada” ; e a aurora; Se a Morte é seu reflexo?
“Vem dissipar a noite.
Mas num peito sensível contemplar-se.
“Amemos, pois, amemos! Fugaz tempo, Nuns castos olhos, que a afeição acende,
“Eia, aproveitemo-lo 1^ A furto descobrir o olhar amante,
“O homem não tem pôsto à idade têrmo, Como a noite uma estréia!
“Êle corre e passamos!”
Dizer; no meio das humanas lides
Há um ponto de luz no imenso espaço,
Pois é crível que instantes tão suaves. Onde contra a calúnia, a inveja, a sanha
Em que amor de delícias nos inunda. Tem meu nome um abrigo!
Fujam velozes, tempo ingrato, como
Os dias da desgraça?
Minha lira num peito vibra ao menos,
Que os meus ais como o céu mudos entende,
Pois quê! nem seus vestígios permanecem? Onde minha voz soa e a alma se expande
Quê! passados já são! já são perdidos! Ah! do .bardo eis o prêmio!
Nem o tempo que os deu, que os arrebata,
No-los dará de novo! Embora o canto meu no olvido expire.
Tu és o asilo meu, a glória minha!
Viver mesmo ignorado nos teus sonhos.
Nada, passado, eternidade, abismos! T er um eco em tua a lm a ...
Os dias que tragais, que é feito dêles?
Acaso pagareis sublimes êxtases
Que nos roubais, dizei-nos? Discreta testemunha do teu pranto.
Sentir-te os ais no peito encarcerados;
Nas tuas emoções fiel ter parte.
Oh! Lago! Oh! selva! Oh! grutas! Oh! rochedos! Ser chamado em teus lábios. . .
Vós que o tempo respeita ou que remoça
Desta noite guardai, guardai vós todos De dia na solidão seguir-te os passos,
Ao menos a lembrança! De noite vigiar-te à luz da lâmpada;
Ser quem amas e a sombra com que sonhas. . .
Viva ela em teu repouso, em teus marulhos. Eis minha eternidade!
— 1S46.
Belo lago, e nos teus vergéis risonhos;
Nesses rudes penedos, negros troncos,
Que p’ra ti se debruçam!

Viva nas auras que murmuram, fogem


No crebro estrepitar de tuas ondas.
Nesse astro que prateia as tuas águas
Com seus moles fulgores! INVOCAÇÃO.
Lamartine.
E a aragem que suspira, a haste que geme,
Do teu ar perfumado o alado aroma, Oh! tu que eu vi surgir neste deserto.
Tudo enfim que se vê, ouve ou respira Habitante do céu aqui ’strangeira!
Repita: êles amaram! Oh! tu que aos olhos meus brilhar fizeste
IS46 De amor um raio nesta noite inteira.
Eia, mostra-te tôda, oh! maravilha.
Dize teu nome, pátria e teu destino:
És daqui da terra filha?
Ou és um sôpro divino?

Pretendes tu volver ao firmamento?


Ou no luto, na dor e na miséria
A MADEMOISELLE MICHATOWSKA.
Entre nós prosseguir teu curso lento?
Seja qual fôr teu nome, pátria ou fado.
Lamartine. Ante na terra ou lá no céu gerado.
Quanto eu viver concede-me o indulto
De te dar meu amor, dar-te meu culto.
Vê o cisne no lago a sua imagem;
Na própria luz debuxa-se o relâmpago; Se entre os mortais findar tua carreira.
No oceano o Céu se vê. Deus no universo, Sê meu amparo e em todos os lugares
E no porvir o homem. Sofre que eu beije a terra, que pisares;

[37]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO

Mas, se aos astros voando sobranceira, Gozai seus dons transitórios,


Dos anjos na mansão, anjo, pousares, Que as auras tentam roubar;
Na terra ama-me, enquanto nela fores,^ Esgotai no cálix ledo
No céu toca cm lembrança os teus amores. O aroma que vai findar.
1S47.
A beleza fugitiva
E ’ qual flor d’alva, que alfim
Em a fronte do conviva
Se esfolha antes do festim.

O RAMO DE AMENDOEIRA. Um dia cai, outro se ergue,


A primavera já cessa;
Lamartine. Cada flor, que o vento leva,
Nos diz: gozai-a depressa.
Tu és, ó haste florida,
O emblema da formosura; E já que as rosas também
Como tu, a flor da vida Sofrem da morte o rigor.
Floresce e cai prematura. Ao menos não emurcheçam
Senão nos lábios do amor.
Quer colhida em nossa fronte. 1847.
Ou nas mãos de amor, quer fora,
Ela escapa fôlha a fôlha,
Como o prazer d’hora em hora.

[38]
ion^alves Dias
Minha terra tem palmeiras,. . .

n t ô n io Go n ç a l v e s d ia s (Maranhão, Caxias, 1823 — Maranhão, 1864). Passou


A sua infância em Caxias, onde fêz as primeiras letras e iniciou os estudos secundá­
rios. Órfão, segue para Coimbra (1838), onde completa os estudos secundários e ingressa na
Faculdade de Direito (1840). Começa então sua produção literária {Inocência; Memórias de
Agapito Goiaba, romance inacabado; Canção do exílio; iniciação dramática: Patkul, Beatriz
Cenci). Em 1844 completa o curso de Direito regressando no ano seguinte ao Brasil (no
Maranhão escreve o poema Meditação). Em 1846 está no Rio, publicando em 1847 os Pri
meiros Cantos, quando começa a trabalhar nzs Sextilhas do Frei Antão e nos Timbiras, ingres­
sa no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1848 publica as Sextilhas e os Segun­
dos Cantos. É nomeado professor de Latim e História do Brasil do Colégio de Pedro II.
Em 1851 publica os Últimos Cantos. Segue para as províncias do Norte com a incumbência
de estudar aí a situação da instrução primária, secundária e profissional. Em 1852 casa-se
com D. Olimpia da Costa. Em 1854 segue para a Europa, a fim de estudar em alguns países
os métodos de instrução pública (Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha e Espa­
nha). Em 1857 publica em Leipzig: Cantos, Dicionário de língua tupi e os Timbiras. Em
1858 regressa ao Rio, partindo no ano seguinte para o Norte, como membro da Comissão
Cientifica de Exploração (Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas, 1859-1861). Em 1862, bas­
tante doente parte para a Europa em busca de saúde (França, Alemanha, Bélgica, Portugal).
Em setembro de 1864 embarca no Havre, de volta ao B rasil; durante a viagem agravou-
se-lhe o estado de saúde; à vista do Maranhão morre no naufrágio do Ville de Boulogne.

[4 1 ]
C A N T O S . 63

Cantos./ Collecção de Poesias/ de/ A. Gonçalves Dias./


Quarta edicção./ (Dois tomos) Leipzig:/

F. A. Brockhaus./ 1865./

Ao SEU Amigo o Dr . G. S. de Capanema oferece

ESTA E dição dos seus Cantos o Autor.

S I R V A DE P R Ó L O G O .

C O L E Ç Ã O de poesias, que agora reimprimo, vai ilustrada com algum as'


linhas de A- Herculano, a que devo a maior satisfação que tenho até hoje
experimentado na minha vida literária.
Merecer a crítica de A. Herculano, já eu consideraria como bastante
honroso para mim; uma simples menção do meu primeiro volume, rubricada
com o seu nome, desejava-o de certo; mas esperá-lo, seria de minha parte
demasiada vaidade.
Ora, em vez da crítica inflexível, que eu devera, mas não ousava recear; em vez da simples notí­
cia do aparecimento de um volume, que não seria de todo ruim, pois que teria merecido ocupar a sua
atenção; o ilustre escritor pôs por alguns momentos de parte a severidade que tem direito de usar para
com todos, quando é tão severo para consigo mesmo, — e, benevolamente indulgente, dirigiu-me algu­
mas linhas, que me fizeram compreender quão alto eu reputava a sua glória, na plenitude de contenta­
mento, de que as suas palavras me deixaram possuído.
O escritor conhecia-o eu há muito, mas de nome e pelas suas obras: essas obras que todos
nós temos lido, e êsse nome que eu sempre ouvira pronunciar com admiração e respeito.
Se pois, naquela ocasião, me fôsse dado escolher autor para êsse artigo, não podia recair em outro
a minha escolha. H oje, com mais razão. Tive ensejo de o conhecer pessoalmente, e a fortuna de encon­
trar nêle um daqueles poucos, d’alta inteligência, que não perdem em serem admirados de perto, e cuja
amizade se pode ambicionar como um tesouro: fortuna, digo, porque 6“* o é decerto, quando se admira
o escrito, que se possa ao mesmo tempo estimar o escritor; e ainda maior fortuna, quando queremos
manifestar o nosso reconhecimento, que nos não remorda a consciência, prevenindo-nos, 65 de que ainda
quando digamos mais do que a verdade, ficaremos sempre aquém do que devemos.
Aí vai o artigo tal qual o transcreveu e remeteu-me de Lisboa o meu bom amigo Gomes de
Amorim.
Dresde 30 de Março de 1857.

[4 3 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

FUTURO LITERÁRIO DE PORTUGAL E DO BRA SIL 66

P or Ocasião da L eitura dos P rimeiros Cantos : P oesias Do


S r . a . G onçalves Dias.

Bem como a infância do homem a infância das nações é vivida e esperançosa; bem como a
velhice humana a velhice delas é tediosa e melancólica. Separado da mãe pátria, menos pela série de
acontecimentos inopinados, a que uma observação superficial lhe atribui a emancipação, do que pela
ordem natural do progresso das sociedades, o Brasil, império vasto, rico, destinado, pela sua situação,
pelo favor da natureza, que lhe fadou a opulência, a representar um grande papel na história do novo
mundo, é a nação infante que sorri; Portugal é o velho aborrido e triste, que se volve dolorosamente
no seu leito de decrepidez; que se lamenta de que os raios do sol se tornassem frouxos, de que se
encurtassem os horizontes da esperança, de que um crepe fúnebre vele a face da terra. Perguntai, porém,
ao povo infante, que cresce e se fortifica além dos mares, que se atira ridente pelo caminho da vida, se é
verdade isso que diz o ancião na tristeza do seu vegetar inerte, e que, encostado na borda do túmulo,
deplora, pobre tonto, o mundo que vai m orrer!
Em Portugal, os espíritos que o antigo poeta designou pelo epíteto de bem nascidos; aqueles que
ainda tentam esquivar-se no santuário da ciência ou da poesia ao pego da podridão dissolvente que os
cerca, no meio dos seus generosos esforços chegam a iludir a Europa com essas aspirações do futuro,
que também nêles não são mais do que uma ilusão. As suas tentativas quase fazem acreditar que
para esta nação moribunda ainda resta uma esperança de regeneração; que nas veias varicosas dêste corpo
semi-cadáver de novo se vai injetar sangue puro; que temos ainda algum destino a cumprir antes de nos
amortalharmos 67 no estandarte de D. Jo ão I ou na bandeira de Vasco da Gama, e de irmos enfim repousar
no cemitério da história. O desengano chega, porém, em breve. O talento que forcejava por fugir do
letargo febril que nos consome, retrocede ao entrar no templo, e volve ao lodaçal onde agonizamos. E ’
que a turba que aí se debate, ou o apupa, ou lhe arro ja adiante tropeços, ou o corrompe com dádivas e
prom essas; e falando-lhe âs paixões más, às am bições insensatas, lhe clam a: vem refocilar-te no lôdo. E,
desanimado ou tentado, o talento despenha-se, e atufando-se no charco, aceita as lisonjas ou o oiro imundo,
que lhe atiram, embriaga-se com os outros perdidos, e renega da missão sacrossanta, que se lhe destinara
no céu.
Que é feito de tantos engenhos, que despontaram nesta nossa terra, desde que a imprensa liber­
tada chamou os que sentiam cham ejar em si um espírito não vulgar ao convívio das inteligências? Que
é feito dessas três ou quatro épocas em que, nos últimos quinze anos, a mocidade parecia querer deixar
inteiramente aos pequeninos homens grandes do país, o agitarem-se, o morderem-se, o devorarem-se acêrca
dos graves interêsses, das profundas questões das bolhas de sabão políticas? Que é feito dessa falange
ardente, ambiciosa de uma glória pura, que principiava a exercitar-se nas lides do entendimento? De tudo
isso; de tôda essa mocidade brilhante e esperançosa, que resta? Algum crente solitário que deplora em
silêncio a queda de tantos arcanjos. Os outros sacerdotes, apostatando da religião das letras, atiraram-se
à arena das facções, e manchados pela baba dos ódios civis, cobertos da lama das praças, arroxeados e
sangüentos pelas punhadas do pugilato político, desbaratando em esforços estéreis a seiva interior, lá
vão disputando no meio de homens, gastos como a efígie da velha moeda, sôbre qual há de ser a forma
de ataúde, e como se talhará a mortalha, em que o cadáver de Portugal deve descer à sepultura. Que
outra coisa, de feito, há aí sôbre que se dispute ainda?
P or isso, quando vejo com eçar a surgir entre nós um novo poeta; quando oiço a primeira har­
monia que sussurra nas cordas de lira noviça, quisera poder chegar-me escondidamente ao descuidado
e inexperiente cantor, e dizer-lhe ao ouvido: Cala-te, alma virgem e bela, cala-te, que estás num prostí­
bulo! Olha que êles não te ouçam! Se o teu hino reboar por essas torpes alcovas, sabe que pouco tar­
dará a hora de te prostituíres.
O poeta português d’hoje é a avezinha que, enlevada nos seus gorjeios, se balança depois do
pôr do sol no ramo do ulmeiro pendente sôbre o rio. As outras voaram para os seus ninhos, e ela
deixou vir a noite, e ficou ali, triste, só, desconsolada, soltando a espaços um doloroso pio.
Poeta, nesta terra é noite! Porque não te acolheste ao teu ninho? A gora o que te resta é
morrer. Vai abrigar-te entre os orbes; vai derramar em canções a tua alma no seio imenso de Deus. Aí
é que sempre é dia.

[4 4 ]
CANTOS

NÓS soinos hoje o hilota embriagado, que se punha defronte da mesa nas filitias de Esparta,
para servir de lição de sobriedade aos mancebos. O Brasil é a moderna Esparta de que Portugal é a
moderna Helos.
Estas amarguradas cogitações surgiram-me na alma, com a leitura de um livro impresso o ano
passado no Rio de Janeiro, e intitulado: Primeiros Cantos: Poesias por A. Gonçalves Dias. Naquele
país de esperanças, cheio de viço e de vida, há um ruído de lavor íntimo, que soa tristemente ca, nesta
terra onde tudo acaba. A mocidade, despregando o estandarte da civilização, prepara-se para os seus
graves destinos pela cultura das letras; arroteia os campos da inteligência; aspira as harmonias dessa
natureza possante que a cerca; concentra num foco todos os raios vivificantes do formoso céu, que^a
alumina; prova forças enfim para algum dia renovar pelas idéias a sociedade, quando passar a geração
dos homens práticos e positivos, raça que lá deve predominar ainda; porque 68 a sociedade brasileira,
vergôntea separada há tão pouco da carcomida árvore portuguesa, ainda necessariamente conserva uma
parte do velho cêpo. Possa o renovo dessa vergôntea, transplantada da Europa para entre os trópicos,
prosperar e viver uma bem longa vida, e não decair tão cedo como nós decaímos!
E ’ geralmente sabido que o jovem imperador do Brasil dedica todos os momentos que pode
salvar das ocupações materiais de chefe do Estado ao culto das letras. Mancebo, prende-se à mocidade,
aos homens do futuro, por laços que decerto as revoluções não hão de quebrar; porque o progresso social
não virá acometê-lo inopinadamente nas suas crenças e hábitos. Quando a idéia se encarnar na realidade,
o seu espírito como as outras inteligências que o rodeiam, ter-se-á alimentado dela, e saudará como os
seus mais alumiados súditos o pensamento progressivo. Não notais nestas tendências do moço príncipe
um símbolo do presente, e uma profecia consoladora acêrea do porvir do Brasil?
A imprensa na antiga América portuguêsa, balbuciante há dois dias, já ultrapassa a imprensa da
terra que foi metrópole. Às publicações periódicas, primeira expressão de uma cultura intelectual que se
desenvolve, 69 começam a associar-se as composições de mais alento — os livros. Ajunte-sc a. êste fato
outro, o ser o Brasil o mercado principal do pouco que entre nós se imprime, e será fácil conjeturar que
no domínio das letras, como em importância e prosperidade, as nossas emancipadas colônias nos vão
levando rapidamente de vencida.
Por si sós êsses fatos provariam antes a nossa decadência, que o progresso literário do Brasil.
E ’ um mancebo vigoroso que derriba um velho caquético, demente e paralítico. O que completa, porém,
aprova é o exame não comparativo, mas absoluto, de algumas das modernas publicações brasileiras.
Os Primeiros Cantos são um belo livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa
Cruz que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho.
O autor, não o conhecemos; mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritor ainda pouco
amestrado pela experiência: imperfeições de língua, de metrificação, de estilo. Que importa? O tempo
apagará essas máculas, e ficarão as nobres inspirações estampadas nas páginas dêste formoso livro.
Quiséramos que as Poesias Americanas que são eomo o pórtico do edifício ocupassem nêle maior
espaço. Nos poetas transatlânticos há por via de regra demasiadas reminiscências da Europa. Êsse Novo
Mundo que deu tanta poesia a Saint-Pierre e a Chateaubriand é assaz rico para inspirar e nutrir os poetas
que crescerem à sombra das suas selvas primitivas.
Como argumento disso, como exemplo da verdadeira poesia nacional do Brasil citarei aqui dous
trechos das Poesias Americanas: o Canto do Guerreiro e um fragmento Morro do Alecrim.
(Aqui vem transcrita por inteiro a poesia intitulada “ O Canto do Guerreiro e as últimas
estrofes do “ Morro do Alecrim”.)
Abstendo-me de outras citações, que ocupariam demasiado espaço, não posso resistir â ten­
tação de transcrever das Poesias Diversas uma das mais mimosas composições líricas, que tenho lido na
minha vida.
(Aqui vem transcrita a poesia intitulada “ Seus olhos .)
Se estas poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem os mares, receba o autor dos
Primeiros Cantos o testemunho sincero de simpatia, que a leitura do seu livro arrancou a um homem,
que o não conhece, que provàvelmente não o conhecerá nunca, e que não costuma nem dirigir aos outros
elogios encomendados, nem pedi-los para si.
Lisboa (Ajuda) 30 de Novembro de 1847.
A. H E R C U L A N O

[4 .5 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

P R I M E I R O S C A N T O S .

PRÓLOGO DA PRIMEIRA EDIÇÃO.

Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não serão as
últimas.
Muitas delas não têm 71 uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera con­
venção; adotei todos os ritmos da m etrificação portuguesa, e usei dêles como me pareceram quadrar
melhor com o que eu pretendia exprimir.
Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas — debaixo
de céu diverso — e sob a influência de impressões momentâneas. Foram compostas nas margens viçosas
do Mondego e nos píncaros enegrecidos do Gerez — no Doiro e no T e jo — sóbre as vagas do Atlântico,
e nas florestas virgens da América. Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei, se agra­
darem; e se n ã o ... é sempre certo que tive o prazer de as ter composto.
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sóbre a nossa arena política para ler
em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso,
e as idéias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano — o aspecto enfim da natureza.
Casar assim o pensamento com o sentimento — o coração com o entendimento — a idéia com a paixão
— colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo
com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia — a Poesia grande e santa a Poesia como
eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.
O esforço — ainda vão — para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor; talvez seja êste
o só merecimento dêste volume. O Público o ju lg ará; tanto melhor se êle o despreza, porque oAutor
interessa em acabar com essa vida desgraçada, que se diz de Poeta.
Rio de Janeiro — Julho de 1846.

POESIAS AMERICANAS. Minha terra tem primores, ^


Que tais não encontro eu cá;
Em cism ar — sozinho, à noite
L e s in fo rtu n es d ’ un obscu r habitan t d es bois au ra ien t-el­ Mais prazer encontro eu lá;
le s m oins d e d ro its à n os p leu rs q u e celles d es a u tres hom m es?
Minha terra tem palmeiras,
C H A T E A U B R IA N D
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra.


Sem que eu volte para lá;
CANÇÃO DO EXÍLIO. Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Kennst du das Land, wo die Citronen blühen, Onde canta o Sabiá.
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen? C oim bra — Ju lh o 1S43
Kennst du es wohl ? — Dahin, dahin!
Möcht’ i c h . . . . ziehn.
G O ETH E.

O CANTO DO GUERREIRO.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam , I.
Não gorjeiam como lá.
Aqui na floresta
Nosso céu tem mais estréias,
Nossas várzeas têm mais flores, Dos ventos batida.
Nossos bosques têm 72 mais vida, Façanhas de bravos
Nossa vida mais amóres. Não geram escravos,
Que estimem a vida
Em cismar, sozinho, à noite. Sem guerra e lidar.
Mais prazer encontro eu lá;
— Ouvi-me, Guerreiros,
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá. — Ouvi meu cantar.

[4 6 ]
CANTOS

I I. VIII.
Valente na guerra E o Piaga se ruge
Quem há, como eu sou? No seu Maracá,
Quem vibra o tacape 73 A morte lá paira
Com mais valentia? Nos ares frechados, 76
Quem golpes daria Os campos juncados
Fatais, como eu dou? De mortos são já :
— Guerreiros, ouvi-me; Mil homens viveram,
— Quem há, como eu sou? Mil homens são lá.

I I I. I X.
Quem guia nos ares E então se de novo
A frecha 74 implumada. Eu toco o B oré;
Ferindo uma prêsa, Qual fonte que salta
Com tanta certeza, De rocha empinada,
Na altura arrojada Que vai marulhosa,
Onde eu a mandar? Fremente e queixosa,
— Guerreiros, ouvi-me, Que a raiva apagada
— Ouvi meu cantar. De todo não é.
T a l êles se escoam
IV . Aos sons do Boré.
— Guerreiros, dizei-me,
Quem tantos imigos — T ão forte quem é?
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou? O CANTO DO PIAGA. 77

V. I.
Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?! ó Guerreiros da Taba sagrada,
A onça raivosa ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Meus passos conhece, Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O imigo estremece, ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
E a ave medrosa
Se esconde no céu. E sta noite — era a lua já morta —
— Quem há mais valente, Anhangá 78 me vedada sonhar;
— Mais destro do que eu? Eis na horrível caverna, que habito.
Rouca voz começou-me a chamar.
V I.
Se as matas estrujo Abro os olhos, inquietos, medroso,
Co’os sons do Boré, 7S Manitôs! 79 que prodígios que vil
Mil arcos se encurvam, Arde o pau de resina fumosa,
Mil setas lá voam, Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
E is rebenta a meus pés um fantasma,
Eis surgem, respondem
Um fantasma d’imensa extensão;
Aos sons do Boré!
Liso crânio repousa a meu lado.
— Quem é mais valente,
Feia cobra se enrosca no chão.
— Mais forte quem é?

VII. O meu sangue gelou-se nas veias,


Todo inteiro — ossos, carnes — tremi.
L á vão pelas matas; Frio horror me coou pelos membros.
Não fazem ruído: Frio vento no rosto senti.
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido E ra feio, medonho, tremendo,
Duma ave a cantar, Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
São êles — guerreiros, Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Que faço avançar. ô Guerreiros, meus cantos ouvil

[4 7 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

I I. Vossos Deuses, ó Piaga, conjura.


Susta as iras do fero Anhangá.
Porque dormes, ó Piaga divino? M anitôs já fugiram da Taba,
Começou-me a Visão a falar, Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!
Porque dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.

Tu não viste nos céus um negrume


Tôd a a face do sol ofuscar; O CANTO DO ÍNDIO
Não ouviste a coruja, de dia.
Seus estrídulos tôrva soltar?
Quando o sol vai dentro d’água
Tu não viste dos bosques a coma Seus ardores sepultar,
Sem aragem — vergar-se e gemer, Quando os pássaros nos bosques
Nem a lua de fogo entre nuvens. Principiam a trinar;
Qual em vestes de sangue, nascer?
Eu a vi que se b a n h a v a ...
E tu dormes, ó Piaga divino! E ra bela, ó Deuses, bela,
E Anhangá te proíbe sonhar! Como a fonte cristalina,
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes, Como luz de meiga estréia.
E não podes augúrios cantar?!
Ó Virgem , Virgem dos Cristãos formosa,
Ouve o anúncio do horrendo fantasma. Porque eu te visse assim, como te via.
Ouve os sons do fiel M aracá; Calcara agros espinhos sem queixar-me,
M anitôs já fugiram da T ab a! Que antes me dera por feliz de ver-te.
ô desgraça! ó ruína! ó Tupá!
O tacape fatal em terra estranha
Sôbre mim sem temor veria erguido;
I I I. Dessem-me a mim sòmente ver teu rosto
Nas águas, como a lua, retratado.
Pelas ondas do mar sem limites
B asta selva, sem folhas, i vem; E is que os seus loiros cabelos
H artos troncos, robustos, gigantes; Pelas águas se espalhavam.
Vossas matas tais monstros contêm. Pelas águas, que de vê-los
T ão loiros se enamoravam.
T raz embira dos cimos pendente
— Brenha espessa de vário cipó — E la erguia o colo ebúrneo,
Dessas brenhas contêm vossas matas. Porque melhor os colhesse;
Tais e quais, mas com folhas; é só! Níveo colo, quem te visse,
Que de amôres não m orresse!
Negro monstro os sustenta por baixo.
Brancas asas abrindo ao tufão, Passara a vida inteira a contemplar-te,
Como um bando de cândidas garças, ó Virgem , loira Virgem tão formosa.
Que nos ares pairando — lá vão. Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto, 80
Sem que o som do Boré que incita à guerra
O h! quem foi das entranhas das águas, Me infiltrasse o valor que m ’hás roubado,
O marinho arcabouço arrancar? Ó Virgem , loira Virgem tão formosa.
Nossas terras demanda, f a r e ja ...
Êsse m o n stro .. . — o que vem cá buscar? Às vêzes, quando um sorriso
Os lábios seus entreabria,
Não sabeis o que o m onstro procura? E ra bela, oh! mais que a aurora
Não sabeis a que vem, o que quer? Quando a raiar principia.
Vem m atar vossos bravos guerreiros.
Vem roubar-vos a filha, a mulher! Outra vez — dentre os seus lábios
Um a voz se desprendia;
V^em trazer-vos crueza, impiedade — T ern a voz, cheia de encantos,
Dons cruéis do cruel Anhangá; Que eu entender não podia.
Vem quebrar-vos a maça valente.
Profanar M anitôs, M aracás.
Que importa? Êsse falar deixou-me n’alma
Vem trazer-vos algemas pesadas, Sentir d’amôres tão sereno e fundo,
Com que a tribo Tupi vai gem er; Que a vida me prendeu, vontade e fôrça.
H ão de os velhos servirem de escravos. A h! que não queiras tu viver comigo,
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser! Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!

Fugireis procurando um asilo, Sôbre a areia, já mais tarde,


T riste asilo por ínvio sertão; E la surgiu tôda nua;
Anhangá de prazer há de rir-se, Onde há, ó Virgem, na terra
\'^endo os vossos quão poucos serão. Form osura como a tua?

[4 8 ]
CANTOS

E a terra em que pisam, e os campos e os nos


Bem como gôtas de orvalho Que assaltam, são nosso_s; tu és iiosso Deus:
Nas folhas de flor mimosa,
Por que lhes concedes tão alta pujança,
Do seu corpo a onda em fios
Se os raios de morte, que vibram, são teus?
Se deslizava amorosa.

A h ! que não queiras tu vir ser rainha Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Aqui dos meus irmãos, qual_sou rei dêles! Com denso velamcn de penas gentis;
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa. E jazem teus filhos clamando vingança^
Odeio tanto aos teus, como te adoro; Dos bens que lhes deste da perda infeliz.
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo. Teus filhos valentes, temidos na guerra,
Trocar a maça do poder por ferros No albor da manhã quão fortes que os vi!
E ser, por te gozar, escravo dêles. A morte pousava nas plumas da^ frecha,
No gume da maça, no arco Tupi!

E hoje em que apenas a enchente do rio


Cem vêzes hei visto crescer e b a ix a r ...
CAXIAS. 81 J á restam bem poucos dos teus, qu’inda possam
Dos seus, que já dormem, os ossos levar.

Quanto és bela, ó Caxias! — no deserto.


Teus filhos valentes causavam terror.
Entre montanhas, derramada em vale
Teus filhos enchiam as bordas do mar.
De flores perenais. As ondas coalhavam de estreitas igaras.
És qual tênue vapor que a brisa espalha
De frechas cobrindo os espaços do ar.
No frescor da manhã meiga soprando
À flor de manso lago.
J á hoje não caçam nas matas frondosas
Tu és a flor que despontaste livre A corça ligeira, o trombudo c o a ti...
Por entre os troncos de robustos cedros. A morte pousava nas plumas da frecha,
Forte — em gleba inculta; No gume da maça, no arco Tupi!
És qual gazela, que o deserto educa,
No ardor da sesta debruçada exangue O Piaga nos disse que breve seria,
A margem da corrente. A que nos infliges cruel punição;
E os teus inda vagam por serras, por vales,
Em mole sêda as graças não escondes, Buscando um asilo por ínvio sertão!
Não cinges d’oiro a fronte que descansas
Na base da montanha;
És bela como a virgem das florestas, Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto:
Que no espelho das águas se contempla. Bastante sofremos com tua vingança!
Firmada em tronco anoso. Já lágrimas tristes choraram teus filhos.
Teus filhos que choram tão grande tardança.
Mas dia inda virá, em que te pejes
Dos, que ora trajas, símplices ornatos Descobre o teu rosto, ressurjam os bravos,
E amável desalinho: Que eu vi combatendo no albor da manhã;
Da pompa e luxo amiga, hão de cair-te Conheçam-te os feros, confessem vencidos
Aos pés então — da poesia a c ’roa Que és grande e te vingas, qu’és Deus, ó Tupã!
E da inocência o cinto.

0 SOLDADO ESPANHOL.
DEPRECAÇÃO.

Un soldat au dur visage.


Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
V. HUGO.
Com denso velamen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz! I.

Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre: Oh! qui révélera les troubles, les mystères
Que ressentent d’abord deux amants solitaires
Bastante sofremos com tua vingança! Dans l ’abandon d’un chaste amour?
Já lágrimas tristes choraram teus filhos. A m ou r et F o i.
Teus filhos que choram tão grande mudança.

Anhangá impiedoso nos trouxe de longe O céu era azul, tão meigo e tão brando,
Os homens que o raio manejam cruentos, A terra tão êrma, tão quieta e saudosa.
Que vivem sem pátria, que vagam sem tino Que a mente exultava, mais longe escutando
Trás do ouro correndo, voraces, sedentos. O niar a quebrar-se na praia arenosa.

[4 9 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

O céu era azul, e na côr semelhava 82 I I.


Vestido sem nódoa de pura donzela;
Ainsi donc aujourd’hui, demain après encore,
E a terra era a noiva que bem se arreava, II faudra voir sans toi naitre et mourir l’aurore 1
De flores, m atizes; mas vária, mas bela. V . HUGO.

E la era brilhante. E O e s p a n h o l v ir il, n o b r e e fo r m o s o .


Qual raio do sol; No bandolim
E êle arrogante. Seus amôres dizia mavioso,
De sangue espanhol. Cantando assim :

E o espanhol muito amava “J á me vou por mar em fora


A virgem mimosa e bela; Daqui longe a mover guerra.
E la amante, êle zeloso J á me vou, deixando tudo,
Dos amôres da donzela; Meus amôres, minha terra.
Êle tão nobre e folgando “J á me vou lidar em guerras,
De chamar-se escravo dela! Vou-me à 83 India ocidental;
H ei de ter novos a m ô r e s ....
E êle disse: — V ês o céu? — De g u e r r a s .... não temas al.
E ela disse: — V ejo, sim ;
Mais polido que o polido “ Não chores, não, tão coitada,
Do meu véu azul cetim. — Não chores por t ’eu deixar;
Torna-lhe ê l e . . . (oh! quanto é doce Não chores, que assim me custa
Passar-se uma noite assim !) O pranto meu sofrear.

“ Não chores! — sou como o Cid


— Por entre os vidros pintados
Partindo para a campanha;
D ’igreja antiga, a luzir
Não ceifarei tantos louros,
Não vês luz? — V ejo. — E não sentes
Mas terei pena tam anha."
De a veres, meigo sentir?
— E ’ doce ver entre as sombras E a amante que assim o via
A luz do templo a luzir! Partir-se tão desditoso,
— Vai, mas volta; lhe dizia:
— E o mar, além, preguiçoso Volta, sim, vitorioso.
Não vês tu em calmaria?
— E ’ belo o m ar; porém sinto. “ Como o Cid, oh! crua sorte!
Só de o ver, melancolia. Não me vou nesta campanha
— Que mais o teu rosto- enfeita Guerrear contra o crescente.
Que um sorriso de alegria. Porém sim contra os d’Espanha!

“ Não me aterram ; porém sinto


—• E eu também acho em ser triste Cerrar-se o meu coração.
Do que alegre, mais prazer; Sinto deixar-te, meu anjo,
Sou triste, quando em ti penso, Meu prazer, minha afeição.
Que só me falta m orrer;
Mesmo a tua voz saudosa “ Como é doce o romper d’alva,
É-m e doce o teu sorrir.
Vem minha alma entristecer.
Doce e puro, qual d’estrêla
Da noite — o meigo luzir.
— E eu sou feliz, como agora,
Quando me falas assim ; “ Eram meus teus pensamentos.
Sou feliz quando se riem Teu prazer minha alegria,
Os lábios teus de carm im ; Doirada fonte d’encantos.
Quando dizes que me adoras, Fonte da minha poesia.
Eu sinto o céu dentro em mim. “ Vou-me longe, e o peito levo
Rasgado de acerba dor,
— És tu só meu Deus, meu tudo. Mas comigo vão teus votos.
És tu só meu puro amar. Teus encantos, teu am or!
É s tu só que o pranto podes
Dos meus olhos enxugar. — “ J á me vou lidar em guerras,
Com ela repete o am ante: Vou-m e à 83 India ocidental;
Hei de ter novos am ôres-----
— És tu só meu puro am ar! —
De g u e r r a s .... não temas al."

E o céu era azul tão meigo e tão brando E sta era a canção que acompanhava
E a terra tão êrma, tão só, tão saudosa No bandolim.
Que a mente exultava, mais longe escutando T ão triste, que de triste não chorava
O mar a quebrar-se na praia arenosa! Dizendo assim.

[5 0 ]
CANTOS

1 I I. E o ginete que esporas atracam,


Nitre e corre sem nunca parar;
O Conde deu o sinal da partida; Já o sol se escondeu, cobre a terra
— A caça! meus amigos. Belo manto de frouxo luar.
BURGER.
V.
“ Quero, pajens, selado o ginetc,
Quero em punho nebris e falcão, Dc rosée
Qu’ é promessa de grande caçada Arrosée,
Fresca aurora d’amigo verão. La rose a moins fraîcheur.
H EN R IQ U E IV .
“ Quero tudo iuzindo, brilhante
— Curta espada e venâb’lo e punhal, Silêncio grato da noite
■ Cães e galgos farejem diante Quebram sons duma canção,
Leve odor de sanhudo animal. Que vai dos lábios de um anjo
Do que escuta ao coração.
“ E ai do gamo que eu vir na coutada.
Corça, onagro, que eu primo avistar! Dizia a letra mimosa
Que o venâb’lo nos ares voando Saudades de muito amar;
Lhe há de o salto no meio quebrar. E o infanção enleado.
Atento, pôs-se a escutar.
“ Eia, avante! — Dizia folgando
O fildalgo mancebo, loução: E ra encantos voz tão doce.
— Eia, avante! — e já todos galopam Incentivo essa ternura.
T rás do moço, soberbo infanção. Gerava delícias n’alma
Sonhar d’havê-la a ventura.
E partem, qual do arco arranca e voa
Nos amplos ares, mais veloz que a vista, Queixosa cantava a esposa
A plúmea seta da entesada corda. Do guerreiro que partiu.
Longe o eco reboa; — já mais fraco. Largos anos são passados.
Mais fraco ainda, pelos ares voa. Missiva dêle não v i u . .. .
Dos cães dúbio o latir se escuta apenas,
Dos ginetes tropel, rinchar distante P a r o u !... escutando ao perto
Que em lufadas o vento traz por vêzes. Responder-lhe outra ca n çã o !..
Já som nenhum se e s c u ta .... Quê! — latido E ra terna a voz que ouvia.
De cães, incerto, ao longe? Não, foi vento Lisonjeira — do infanção:
Na tôrre castelã batendo acaso,
Nas seteiras acaso sibilando “ Tenho castelo soberbo
Do castelo feudal, deserto agora. Num monte, que beija um rio.
De terras tenho no Doiro
Jeiras cem de lavradio;
IV .

Vois, à l ’horizon
“ Tenho lindas haquenéias.
Aucune maison ? Tenho pajens e matilha.
^ Aucune. Tenho os melhores 84 ginetes
V. HUGO. Dos ginetes de Sevilha;

Já O sol se escondeu; cobre a terra “ Tenho punhal, tenho espada


Belo manto de frouxo luar; D ’alfageme alta feitura.
E O ginete, que esporas atracam, Tenho lança, tenho adaga.
Nitre e corre sem nunca parar. Tenho completa armadura.

Da coutada nas ínvias ramagens “Tenho fragatas que cingem


Vai sozinho o mancebo infanção; Dos mares a linfa clara,
Vai sozinho, afanoso trotando Que vão preando piratas
Sem temores, sem pajens, sem cão. Pelas rochas de Megara.

Companheiros da caça há perdido, “ Dou-te o castelo soberbo


H á perdido no aceso caçar: E as terras do fértil Doiro,
Há perdido, e não sente receio Dou-te ginetes e pajens
De sozinho, nas sombras trotar. E a espada de pomo d’oiro.

Côrno ebúrneo embocou muitas vêzes, “ Dera a completa armadura


Muitas vêzes de si deu sinal; E os meus barcos d’alto-mar,
Bebe atento a resposta, e não ouve Que nas rochas de Megara
Outro som responder-lhe; — inda mal! Vão piratas cativar.

[51]
ANTÔKIO GONÇALVES D IA S

“ Fala de amores teu canto, VII.


Fala de acesa paixão-----
Ah! senhora, quem tivera L ’époux, dont nul ne se souvient,
Dos agrados teus condão! Vient;
Il va punir ta vie inf.âme.
Femme!
“ Eu sou mancebo, sou Nobre, V. HUGO.
Sou nobre moço infanção;
Assim pudesse o meu canto
E ra noite hibernal; girava dentro
Algemar-te o coração,
Da casa do guerreiro o riso, a dança,
ó Dona, que eu dera tudo
E reflexos de luz, e sons, e vozes,
P or vencer-te essa isenção!"
E deleite, e prazer: e fora a chuva,
A escuridão, a tempestade, e o vento,
Atenta escutava a esposa Rugindo sôlto, indômito e terrível
Do guerreiro que partiu. E n tre o negror do céu e o horror da terra.
Largos anos são passados. Na geral confusão os céus e a terra
Missiva dêle não viu; Horrenda simpatia alimentavam.
Mas da letra que escutava
Delícias n ’alma sentiu.
Ferve dentro o prazer, reina o sorriso,
E fora a tiritar, 85 fria, medonha.
M archa a vingança pressurosa e tôrva:
V I.
T raz na destra o punhal, no peito a raiva,
Nas faces palidez, nos olhos morte.
Si tu voulais, Madeleine,
Je te ferais châtelaine;
Je suis le comte Roger: — O infanção extrem oso enchia rasa
Quitte pour moi ces chaumières, A taça de licor mimoso e velho,
A moins que tu ne préfères Da usança ao brinde convidando a todos
Que je me fasse berger. Em honra da esposada: — À noiva! exclama.
V . HUGO.
E a porta range e cede, e franca e livre
E noutra noite saudosa Introduz o tufão, e um vulto assoma
Bem junto dela sentado, Altivo e colossal. — Em honra, brada,
Cantava brandas endechas Do espôso deslembrado! — e a taça empunha,
O gardingo namorado. Mas antes que o licor chegasse aos lábios.
Desmaiada e por terra jaz a espôsa,
“ Careço de ti, meu anjo. E a destra do infanção m aneja o ferro,
Careço do teu amor, Por que tão grande afronta lave o sangue.
Como da gôta d’orvalho Pouco, bem pouco para injúria tanta.
Carece no prado a flor. Debalde o fêz, que lhe golfeja o sangue
D ’ampla ferida no sinistro lado,
E ao pé da espôsa o assassino surge
“ Prazeres que eu nem sonhava Co’o sangrento punhal na destra alçado. 86
Teu amor me fêz gozar;
Ah! que não queiras, senhora,
Minha dita rematar. A flor purpurea que matiza o prado,
Se o vento da manhã lhe entorna o cálix.
Perde aroma talvez; porém mais belo
“ O teu marido é já morto.
Colorido lhe vem do sol nos raios.
N otícia dêle não soa;
As fagueiras feições daquele rosto
Pois desta gente guerreira
Assim foram tam bém ; 87 não foi do tempo
Bastos ceifa a morte à toa.
F atal o perpassar às faces lindas.

“ Ventura me fôra ver-te


Nota-lhe êle as feições, nota-lhe os lábios.
Nos lábios teus um sorriso. Os curtos lábios que lhe deram vida,
Delícias me fôra amar-te. Longa vida de amor em longos beijos.
Gozar-te meu paraíso. Qual jam ais não provou; e as iras tôdas
Dos zelos vingadores descansaram
“ Sinto aflição, quando choras; No peito de sofrer cansado e cheio.
Se te ris, sinto prazer; Cheio qual na praia fica a esponja,^
Se te ausentas, fico triste, Quando a vaga do mar passou sôbre ela.
Que só me falta morrer.
Num relance fugiu, minaz no vulto:
“ Careço de ti, meu anjo. Como o raio que luz um breve instante,
Sôbre a terra baixou, deixando a morte.
Careço do teu amor,
Como da gôta d’orvalho
Carece no prado a flor.”

[52]
CANTOS

A MINHA MUSA.
POESIAS DIVERSAS.
Gratia, Musa, tibi; nam tu solatia praebes.
A LEVIANA. OVIDIO.

Souvent femme varie, Minha Musa não é como ninfa


Bien fol est qui s’y fie. Que se eleva das águas — gentil —
FRANCISCO I. Co’um sorriso nos lábios mimosos,
Com requebros, com ar senhoril.

És engraçada e formosa Nem lhe pousa nas faces^ redondas


Como a rosa, Dos fagueiros anelos a côr; ^
Como a rosa em mês d’Abril; Nesta terra não tem uma esp’rança.
És como a nuvem doirada Nesta terra não tem um amor.
Deslizada,
Deslizada em céus d’anil. Como fada de meigos encantos,
Não habita um palácio encantado.
Quer em meio de matas sombrias.
Tu és vária e melindrosa. Quer à beira do mar levantado.
Qual formosa
Borboleta num jardim, Não tem ela uma senda florida.
Que as flores tôdas afaga, De perfumes, de flores bem cheias,
E divaga Onde vague com passos incertos,
Em devaneio sem fim. Quando o céu de luzeiros se arreia.

És pura, como uma estréia Não é como a de Horácio a minha Musa;


Nos soberbos alpendres dos Senhores
Doce e bela,
Não é que ela reside;
Que treme incerta no m ar; Ao banquete do grande em lauta mesa,
Mostras nos olhos tua alma Onde gira o falerno em taças d’oiro,
Terna e calma, Não é que ela preside.
Como a luz d’almo luar.
E la ama a solidão, ama o silêncio.
Tuas formas tão donosas, Ama o prado florido, a selva umbrosa
Tão airosas, E da rôla o carpir.
E la ama a viração da tarde amena,
Formas da terra não são; O sussurro das águas, os acentos
Pareces anjo formoso, De profundo sentir.
Vaporoso,
Vindo da etérea mansão. D ’Anacreonte o gênio prazenteiro,
Que de flores cingia a fronte calva
Assim, beijar-te receio, Em brilhante festim.
Tomando inspirações à doce amada,
Contra o seio
Que leda Ih’enflorava a ebúrnea lira;
Eu tremo de tc apertar; De que me serve, a mim?
Pois me parece que um beijo
E ’ sobejo Canções que a turba nutre, Jnspira, exalta
Para o teu corpo quebrar. Nas cordas magoadas me não pousam
Da lira de marfim.
Mas não digas que és só minha! Correm meus dias, lacrimosos, tristes,
Como a noite que estende as negras asas
Passa asinha
Por céu negro e sem fim.
A vida, como a ventura,
Que te não vejam brincando,
E ’ triste a minha Musa, como é triste
E folgando
O sincero verter d’amargo pranto
Sôbre a minha sepultura. D ’órfã singela;
E ’ triste como o som que a brisa espalha,
Tal os sepulcros colora Que cicia nas folhas do arvoredo
Bela aurora P or noite bela.
De fulgores radiante;
Tal a vaga mariposa E ’ triste como o som que o sino ao longe
Brinca e pousa Vai perder na extensão d’ameno prado
Da tarde no cair,
Dum cadáver no semblante.
Quando nasce o silêncio envolto 88 em trevas,
Quando os astros derramam sôbre a terra
Merencório luzir.

[53]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

E la então, sem destino, erra por vales. DESEJO.


E rra por altos montes, onde a enxada
E poi morir.
Fundo e fundo cavou;
E pára; perto, jovial pastôra M E T A ST A SIO .
Cantando passa — e ela cisma ainda
Depois que esta passou. A h! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Além — da choça humilde s ’ergue o fumo Amor igual ao meu!
Que em risonha espiral se eleva às nuvens Dá, Senhor Deus, que eu sôbre a terra encontre
Da noite entre os vapores; Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Muge sôlto o rebanho; e lento o passo, Que sinta o meu sentir;
Cantando em voz sonora, porém baixa. Um a alma que me entenda, irmã da minha,
Vêm andando os pastores. Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Outras vêzes também, no cemitério. Que em laço estreito unidas, juntas, prêsas,
Incerta volve o passo, soletrando Deixando a terra e o lôdo, aos céus remontem
Recordações da vida; Num êxtase 89 de amor!
R oça o negro cipreste, calca o musgo,
Que o tempo fêz brotar por entre as fendas
Da pedra carcomida.

Então corre o meu pranto muito e muito SEUS OLHOS.


Sôbre as úmidas cordas da minha Harpa,
Que não ressoam ;
Oh! rouvre tes grands yeux dont la paupière tremble,
Não choro os mortos, não; choro os meus Tes yeux pleins de langueur;
[dias Leur regard est si beau quand nous sommes ensemble!
T ã o sentidos, tão longos, tão amargos, Rouvre-les; ce regard manque à ma vie, il semble
Que tu fermes ton coeur.
Que em vão se escoam.
TU RQ U ETY.
Nesse pobre cemitério
Quem já me dera um lugar! Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros.
E sta vida mal vivida De vivo luzir.
Quem já ma dera acabar! E stréias incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;
Tenho inveja ao pegureiro,
Da pastôra invejo a vida, Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros.
Invejo o sono dos mortos T êm 90 meiga expressão.
Sob a laje carcomida. Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Se qual pegão tormentoso, Quebrando a soidão.
O sôpro da desventura
V ai bater potente à porta Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De sumida sepultura; De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Um a voz não lhe responde, Brincando a sorrir.
Não lhe responde um gemido,
Não lhe responde uma prece, São meigos infantes, brincando, saltando
Um ai — do peito sentido. Em jô g o infantil.
Inquietos, travessos; — causando tormento,
J á não têm voz com que falem. Com beijos nos pagam a dor de um momento,
J á não têm que padecer; Com modo gentil.
No passar da vida à morte
F oi seu extrem o sofrer. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros.
Assim é que são;
Que Ih’importa a desventura? As vezes 9i luzindo, serenos, tranqüilos.
E la passou, qual gemido Às vêzes vulcão!
Da brisa em meio da mata
De verde alecrim florido. Às vêzes, oh! sim, derramam tão fraco.
T ão frouxo brilhar,
Quem me dera ser como êles! Que a mim me parece que o ar lhes falece,
Quem me dera descansar! E os olhos tão meigos, que o pranto umedece.
Nesse pobre cemitério Me fazem chorar.
Quem me dera o meu lugar,
E co’os sons das Harpas d’anjos Assim lindo infante, que dorme tranqüilo.
De minha Harpa os sons casar! Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

[54]
CANTOS

Nas almas tão puras da virgem, do infante, PEDIDO.


Às vêzes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste, Ontem no baile
Um vago desejo; e a mente se veste Não me atendias!
De pranto co’um véu. Não me atendias,
Quando eu falava.
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor; De mim bem longe
Eu amo seus olhos que choram sem causa
Teu pensamento!
Um pranto sem dor. Teu pensamento.
Bem longe errava.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harrnonia, Eu vi teus olhos
Que falam de amores com tanta poesia, Sôbre outros olhos!
Com tanto pudor. Sôbre outros olhos,
Que eu odiava.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros.
Assim é que são; Tu lhe sorriste
Eu amo êsses olhos que falam de amores Com tal sorriso!
Com tanta paixão. Com tal sorriso,
Que apunhalava.

Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
INOCÊNCIA. Com voz tão doce,
Que me matava.
Sans nommer le nora qu’il faut bénir et taire.
O h! não lhe fales,
S. B EU V E. Não lhe sorrias,
Se então só qu’rias
Ó meu anjo, vem correndo. E xp ’rimentar-me.
Vem tremendo
Lançar-te nos braços meus; O h! não lhe fales,
Vem depressa, que a lembrança Não lhe sorrias,
Da tardança Não lhe sorrias,
Me aviva os rigores teus. Que era matar-me.

Do teu rosto, qual marfim.


De carmim
Tinge um nada a côr mimosa;
E ’ belo o pudor, mas choro,
E deploro O DESENGANO.
Que assim sejas tão medrosa.
J á vigílias passei namorado.
Por inocente tens mêdo Doces horas d’insonia passei.
De tão cedo. J á meus olhos, d’amor fascinado.
De tão cedo ter amor; Em ver só meu amor empreguei.
Mas sabe que a formosura
Pouco dura,
Pouco dura, como a flor. Meu amor era puro, extremoso,
E ra amor que meu peito sentia.
Corre a vida pressurosa, Eram lavas de um fogo teimoso.
Como a rosa, Eram notas de meiga harmonia.
Como a rosa na corrente.
Amanhã terás amor? Harmonia era ouvir sua voz,
Como a flor, E ra vez seu sorriso harmonia;
Como a flor fenece a gente. E os seus modos e gestos e ditos
Eram graças, perfume e magia.
H oje ainda és tu donzela
Pura e bela,
Cheia de meigo pudor;
Amanhã menos ardente
De repente E o que era o teu amor, que me embalava
Talvez sintas meu amor. Mais do que meigos sons de meiga lira ?
Um dia o decifrou — não mais que um dia
Fingimento e mentira!

[55]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

T ão belo o nosso am or! — foi só de um dia, Aquela outra sorria tristemente,


Como um anjo no exílio, ou como o cálix
Como uma flor!
De flor pendida e murcha e já sem brilho.
Porque tão cedo o talismã quebraste
Humilde flor tão bela e tão cheirosa,
Do nosso amor?
No seu deserto perfumando os ventos.
— Eu morrera feliz, dizia eu d’alma,
Porque num só instante assim partiste Se pudesse enxertar uma esperança
E ssa anosa cadeia? Naquela alma tão pura e tão formosa,
De bom grado a sofreste! essa lembrança E um alegre sorrir nos lábios dela.
Inda hoje me recreia.
A fugaz borboleta as flores tôdas
Quão insensato fui! — busquei firmeza, Elege, e liba e uma e outra, e foge
Qual em ondas de areia movediça, Sempre em novos amôres enlevada;
Na mulher, — não achei! Neste meu paraíso fui como ela.
E da esp’rança, que eu via tão donosa Inconstante vagando em mar de amôres.
Sorrir dentro em minha alma, as longas asas O amor sincero e fundo e firme e eterno,
Doido e néscio cortei! Como o mar em bonança meigo e doce,
Do templo como a luz perene e santo,
E tu vás caprichosa 92 prosseguindo Não, nunca o senti; — sòmente o viço
E ssa esteira de amor, que julgas cheia T ão forte dos meus anos, por amôres
De flores bem gentis;
Podes ir, que os meus olhos te não vejam ; T ão fáceis quanto indi’nos fui trocando.
Longe, longe de mim, mas que em minha alma Quanto fui louco, ó Deus! — Em vez do fruto
Eu sinta qu’és feliz. Sazonado e maduro, que eu podia
Como em jardim colhêr, mordi no fruto
Podes ir, que é desfeito o nosso laço, Pútrido e amargo e rebuçado em cinzas,
Podes ir, que o teu nome nos meus lábios Como infante glutão, que se não senta
Nunca mais soará! A mesa de seus pais.
Sim, vai; — mas êste amor que me atormenta,
Que tão grato me foi, que me é tão duro. Dá, meu Deus, que eu possa amar.
Comigo m orrerá! Dá que eu sinta uma paixão.
Torna-m e virgem minha alma,
T ã o belo o nosso am or! — foi só de um dia E virgem meu coração.
Como uma flor!
O h! que bem cedo o talismã quebraste Um dia, em qu’eu sentei-me junto dela.
Do nosso am or! Sua voz murmurou nos meus ouvidos,
— Eu te am o! — ó anjo, que não possa eu crer-te!
Ela, certo, não é mulher que vive ^
Nas fezes da desonra, em cujos lábios
Só m entira e traição eterno habitam.
Tem uma alma inocente, um rosto belo,
M IN HA V!DA E MEUS AMÔRES. E amor nos o lh o s ... — mas não posso crê-la.

Mon Dieu, fais que je puisse aimer! Dá, meu Deus, que eu possa amar.
S. B E U V E . Dá que eu sinta uma paixão;
Torna-m e virgem minha alma,
Quando, no albor da vida, fascinado E virgem meu coração.
Com tanta luz e brilho e pompa e galas,
V i O m u n d o s o r r ir - m e e s p e r a n ç o s o : Outra vez que lá fui, que a vi, que a mêdo
— Meu Deus, disse entre mim, oh! quanto é doce. T ern a voz lhe escutei: — Sonhei contigo!
Quanto é bela esta vida assim vivida! — Inefável prazer banhou meu peito.
Agora, logo, aqui, além, notando Senti delícias; mas a sós comigo
Um a pedra, uma flor, uma lindeza, Pensei — talvez! — e já não pude crê-la.
Um seixo da corrente, uma conchinha 93 E la tão meiga e tão cheia de encantos,
A beira-mar colhida! E la tão nova, tão pura e tão b e la ...
A m ar-m e! — Eu que sou?
Foi esta a infância m inha; a juventude Meus olhos enxergam , enquanto duvida
Falou-me ao coração: — amemos, disse, Minha alma sem crença, de fôrça exaurida.
Porque amar é viver. J á farta da vida,
E esta era linda, como é linda a aurora Que amor não doirou.
No fresco da manhã tingindo as nuvens
De rósea côr fagueira;
M algrado meu, crer não posso.
Aquela tinha um quê de anelos meigos
Malgrado meu que assim é;
A rtífice sublime;
Queres ligar-te comigo
Feiticeiro sorrir dos lábios dela
Sem no amor ter crença e fé?
Prendeu-me o coração; — julguei-o ao menos.

[56]
CANTOS

Néscia de ruim futuro; ou queixa amarga


Antes vai colar teu rosto,
Do decrépito velho, enfêrmo, exangue,
Colar teu seio nevado
Nem do mancebo os ais doídos, prêso
Contra o rosto mudo e frio,
Contra o seio dum finado. Ao leito do sofrer na flor da vida.

Ou suplica a Deus comigo Aqui reina o silêncio, o religioso.


Que me dê uma paixão; Morno sossêgo, que povoa as ruínas,
Que me dê crença à minha alma, E o mausoléu soberbo, carcomido,
E vida ao meu coração. E o templo majestoso, em cuja nave
Suspira ainda a nota maviosa,
O derradeiro arfar d’ôrgâo solene.

Em puro céu a lua resplandece.


Melancólica e pura, semelhando 9S
RECORDAÇÃO. Gentil viúva que pranteia o extinto,
O belo espôso amado, e vem de noite.
Ncssun maggior dolore.. . . Vivendo pelo amor, malgrado a morte.
DANTE.
Ferventes orações chorar sôbre êle.

Eu amo o céu assim, sem uma estréia,


Quando em meu peito as aflições rebentam Azul sem mancha, — a lua equilibrada
Eivadas de sofrer acerbo e duro; Num céu de nuvens, e o frescor da tarde,
Quando a desgraça o coração me arrocha E o silêncio da noite adormecida,
Em círculos de ferro, com tal fôrça, Que imagens vagas de prazer desenha; 96
Que dêle o sangue em borbotões golfeja; Amo tudo o que dá no peito e n’alma
Quando em minha alma de sofrer cansada, Tréguas ao recordar, tréguas ao pranto,
Bem que afeita a sofrer, sequer não pode A v’emência da dor, à pertinácia
Clamar; Senhor piedade; — e que os meus olhos Tenaz e acerba de cruéis lembranças;
Rebeldes, uma lágrima não vertem Amo estar só com Deus, porque nos homens
Do mar d’angústias que meu peito oprime; Achar não pude amor, nem pude ao menos
Sinal de compaixão achar entre êles.
Volvo aos instantes de ventura, e penso
Que a sós contigo, em prática serena,
Melhor futuro me augurava, as doces M enti! — um inda achei; mas êste em ócio
Palavras tuas, sôfregos, atentos Feliz descansa agora, enquanto aos ventos
Sorvendo meus ouvidos, — nos teus olhos E ao cru furor das verde-negras ondas
Lendo os meus olhos tanto amor, que a vida Da minha vida a barca aventureira
Longa, bem longa, não bastara ainda Insano confiei; em céu diverso
Porque de os ver me s a c ia s se !... O pranto Luzem com luz diversa estréias d’ambos.
Então dos olhos meus corre espontâneo, Ai! triste, que houve tempo em que eu julgava
Que não mais te verei. — Em tal pensando As duas uma só, — co’o mesmo brilho
De martírios calar sinto em meu peito Uma e outra nos céus meigas brilhavam!
Tão grande plenitude, que a minha alma H oje cintila a dêle, enquanto a minha
Sente amargo prazer de quanto sofre. Entre nuvens, sem luz, se perde agora.
Meu Deus, foi bom assim! No imenso pego
Mais uma gôta d’amargor que importa?
Que importa o fel na taça do absinto.
Ou uma dor de mais onde outras reinam?

TRISTEZA.

Que leda noite! — Êste ar embalsamado,


Êste silêncio harmônico da terra 0 TROVADOR.
Que sereno prazer n’alma cansada
Não espreme, 94 não filtra, não difunde?
A brisa lá sussurra na folhagem Êle cantava tudo o que merece de ser cantado; o que
D’espêssas matas, d’àrvores robustas, há na terra de grande e de santo — o amor e a virtude. —
Que velam sempre e sós, que a Deus elevam
Misterioso côro, que do Bardo
Numa terra antigamente
A crença quase morta inda alimenta.
Existia um Trovador;
E ’ esta a hora mágica de encantos.
Na Lira sua inocente
Hora d’inspiraçôes dos céus descidas,
Só cantava o seu amor.
Que em delírio de amor aos céus remontam.

Aqui da vida as lástimas infindas, Nenhum sarau se acabava


Do mirrado egoísmo a voz ruidosa Sem a Lira de marfim,
Não chegam; nem soluços, risos, festas, Pois cantar tão alto e doce
— Hilaridade vã de turba incauta, Nunca alguém ouvira assim.

[57]
ANTÔNIO OONÇALVES D IAS

E quer donzela, quer dona, “ Teu peito por amor, Donzel, suspira,
Que sentira comoção “ Que é de jovens amar a formosura;
Pular-lhe n’alma, escutando “ Mas sabe que a mulher, que amor te jura,
Do Trovador a canção; “ Dos lindos lábios seus cospe a mentira!

De jasm ins e de açucenas “ J á frenético amor cantei na lira,


A fronte sua adornou; “ Delícias já sorvi num seu sorriso,
Mas só a rosa da amada “ J á venturas fruí do paraíso,
Na L ira amante poisou. “ Em terna voz de amor, que era mentira!

E o Trovador conheceu “ O amor é como a aragem que murmura


Que era traído — por fim; “ Da tarde no cair — pela folhagem;
Pôs-se a andar, e só se ouvia “ Não volta o mesmo amor à formosura
Nos seus lábios: ai de mim! “ Bem como nunca volta a mesma aragem.

Enlutou de negro fumo “ Não queiras amar, não; pois que a ’sperança
A rosa de seu amor,
“ Se arroja além do amor por largo espaço.
Que meia oculta se via
“Tens, brilhando ao sol, a forte lança,
Na gorra do Trovador;
“ Ten s longa espada cintilante d’aço.
Como virgem bela, morta
Da idade na linda flor, “ T ens a fina armadura de Milão,
Que parece, o dó trajando, “ T ens luzente e brilhante capacete,
Inda sorrir-se de amor. “ T ens adaga e punhal e bracelete
“ E, qual lúcido espelho, o morrião.
No meio do seu caminho
Gentil donzela encontrou: “Tens fogoso corcel 98 todo arreado,
Canta — disse; e as cordas d’oiro “ Que mais veloz que os ventos sorve a terra;
Vibrando, o triste cantou. “ Tens duelos, tens justas, tens torneios,
“ Que os fracos corações de mêdo cerra;
“ Teu rosto engraçado e belo “ Tens pajens, tens variétés e escudeiros
“ Tem a lindeza da flor; “ E a m archa afoita, apercebida em guerra
“ Mas é risonho o teu rosto: “ Do luzido esquadrão de mil guerreiros.
“ Não tens de sentir amor!
“O h! não queiras am ar! — Como entre a neve
“ Mas também 97 por êsse dia “ O gigante volcão borbulha e ferve
“ Que viverás, como a flor, “ E sulfúrea chama pelos ares lança,
“ Mimosa, engraçada e bela, "Q u e após o seu cair torna-se fria;
“ Não tens de sentir amor! “ Assim tu acharás petrificada,
“ Bem como a lava ardente do volcão,
“ Oh! não queiras, por Deus, homem que tenha “ A lava que teu peito consumia
“ Tingida a larga testa de palor; “No peito da mulher — ou cinza ou nada —
“ Sente fundo a paixão, — e tu no mundo “ Não frio, mas gelado o coração!”
“ Não tens de sentir am or!
E o Trovador despeitoso
“ Sorriso jovial te enfeita os lábios, De prata as cordas quebrou,
“Nas faces de jasm im tens rósea cô r; E nas de chumbo seu fado
“ Fundo amor não se ri, não é c o ra d o ... A lastim ar começou.
“ Não tens de sentir am or;
“ Que triste que é neste mundo
“ Mas se queres amar, eu te aconselho, “ O fado dum Trovador!
“ Que não guerreiro, escolhe um trovador, “ Que triste que é! — bem que tenha
“ Que não tem um punhal, quando é traído, “ Sua Lira e seu amor.
“Que vingue o seu am or.”
“ Quando em festejos descanta,
Do Trovador pelo rosto “ Rasgado o peito com dor,
Tôrva raiva se espalhou, “ Mimoso tem de cantar
E a Lira sua, tremendo. “ Na sua L ira — o amor!
Sem cordas d’oiro ficou.

Mais além no seu caminho “ Como a um servo vil ordena


“ Um orgulhoso Senhor,
Donzel garboso encontrou:
Canta — disse; e argênteas cordas “ Canta, diz-lhe; quero ouvir-te:
“ Quero descantes de amor!
Pulsando, o triste cantou.

“ Aos homens da mulher enganam sempre “ Diz-lhe o guerreiro, que apenas


“ O sorriso, o am or; “ Lidou em justas de amor:
“ E ’ êste breve, como é breve aquêle “— Minha dama quer ouvir-te,
“ Sorriso enganador. “ Canta, truão trovador! —

58]
CANTOS

“ Manda a mulher que nos deixa Do arvoredo frondoso, na harmonia


“ De beijos murchada flor: Dos astros inefável; — o seu nome!
“__ Canta, truão, quero ouvir-te, Nos fugitivos sons de alguma frauta,
“Um terno canto de amor! Que da noite o silêncio realçavam,
Os ares e a amplidão divinizando.
Ouviam meus ouvidos; e de ouvi-lo
“ Mas se a mulher, que êle adora
Arfava de prazer meu peito ardente.
“ Atraiçoa o seu amor;
“ Embalde busca a seu lado
“ Um punhal — o Trovador! Ah! quantas vêzes, quantas! junto dela
Não senti sua mão tremer na minha;
Não lhe escutei um lânguido suspiro,
“ Se escuta palavras dela,
“ Que a outros juram amor; Que vinha lá do peito à flor dos lábios
Deslizar-se e m orrer?! Dos seus cabelos
“Embalde busca a seu lado
“Um punhal — o Trovador! A mágica fragrância respirando,
Escutando-lhe a voz doce e pausada,
Mil venturas colhi dos lábios dela,
“ Se vê luzir de alguns lábios Que instantes de prazer me futuravam.
“Um sorriso mofador;
Cada sorriso seu era uma esp’rança,
“ Embalde busca a seu lado E cada esp’rança enlouquecer de amores.
“Um punhal — o Trovador!
E eu amei tanto! — Oh! não! não hão de os homens
Saber que amor, à ingrata, havia eu dado;
“ Que triste que é neste mundo Que afetos melindrosos, que em meu peito
“O fado dum Trovador! Tinha eu guardado para ornar-lhe a fronte!
“ Pesar lhe dá sua Lira, O h! — não, — morra comigo o meu segrêdo;
“ Dá-lhe pesar seu amor!” Rebelde o coração murmure embora.
E o Trovador neste ponto Que de vêzes, pensando a sós comigo,
A corda extrema arrancou; Não disse eu entre mim: — Anjo formoso,
E num marco do caminho Da minha vida que farei, se acaso
A Lira sua quebrou: Faltar-m e o teu amor um só instante;
Ninguém mais a voz sentida —• Eu que só vivo por te amar, que apenas
Do Trovador escutou!
O que sinto por ti a custo exprimo?
No mundo que farei, como estrangeiro
Pelas vagas cruéis à praia inóspita
Exânim e arrojado? — Eu, que isto disse,
Existo e penso — e não morri, — não morro
AMOR! DELÍRIO — ENGANO. Do que outrora senti, do que ora sinto.
De pensar nela, de a rever em sonhos,
Y el llanto que en su cólera derrama, Do que fui, do que sou e ser podia!
La hoguera apaga dei antiguo araorl
ZORRILLA. E xisto ; e ela de mim jaz esquecida!
Esquecida talvez de amor tamanho.
Amor! delírio — engano......... Sôbre a terra Derramando talvez noutros ouvidos
Amor também 99 fruí; a vida inteira Frases doces de amor, que dos seus lábios
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre. Tantas vêzes ouvi, — que tantas vêzes
Amei! — dedicação, ternura, extremos Em êxtase divino aos céus me alçaram,
Cismou meu coração, cismou minha alma, — Que dando à terra ingrata o que era terra
— Minha alma que na taça da ventura Minha alma além das nuvens transportaram.
Vida breve d’amor sorveu gostosa. E xisto! como outrora, no meu peito
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata Férvido o coração pular sentindo,
Oásis, paraíso, éden ou templo Todo o fogo da vida derramando
Habitamos uma hora; e logo o tempo Em queixas mulheris, em moles versos.
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto. E e l a ! ... ela talvez nos braços doutrem
Doce encanto que o amor nos fabricara.
Com sua vida alimenta uma outra vida,
E eu sempre a v ia !., quer nas nuvens d’oiro, Com o seu coração o de outro amante,
Quando ia o sol nas vagas sepultar-se, Que mais feliz do que eu, inferno! a goza.
Ou quer na branca nuvem que velava Ela, que eu respeitei, que eu venerava
O círculo da lua, — quer no manto Como a relíquia santa! — a que meus olhos.
D’alvacenta neblina que baixava Receando ofendê-la, tantas vêzes
Sôbre as folhas do bosque, muda e grave, De castos e de humildes se abaixaram!
Da tarde no cair; nos céus, na terra, Ela, perante quem sentia eu prêsa
A ela, a ela só, viam meus olhos. A voz nos lábios e a paixão no peito!
Ela, ídolo meu, a quem o orgulho,
Seu nome, sua voz — ouvia eu sempre; A fôrça d’homem, o sentir, vontade
Ouvia-os no gemer da parda rôla, Própria e minha dediquei, — sujeita
No trépido correr da veia argêntea, Â voz de alguém que não sou eu, — desperta,
No respirar da brisa, no sussurro Talvez no instante em que de mim se lembra.

[59]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

P or um ósculo frio, por carícias Choras! tu c h o r a s !... P ara mim teus braços
P or força irresistível
Devidas dum e s p o s o !...
Oh 1 não poder-te, Estendem -se, procuram -m e; procuro-te
Em delírio afanoso.
Abutre roedor, cruel ciúme.
T u a funda raiz e a imagem dela Fatídico poder entre nós ambos
No peito em sangue espedaçar raivoso! Ergueu alta barreira;
Êle te enlaça e p re n d e ... mal r e s is te s ...
Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora, Cedes e n fim ... acordo!
Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe
Um quebrado suspiro do imo peito, Acordo do meu sonho tormentoso,
Que d’eras já passadas se recorda. E choro o meu sonhar!
H ás de escutá-lo, e ver-lhe a côr do rosto E fecho os olhos, e de novo intento
Enrubecer-se ao deparar contigo! O sonho reatar.
P rêsa serás também d’atros cuidados. Em balde! porque a vida me tem prêso;
T erás ciúme, e sofrerás qual sofro; E eu sou escravo seu!
Nem menor que o meu mal quero a vingança. Acordado ou dormindo, é triste a vida
Dês que o amor se perdeu.
Há contudo prazer em nos lembrarmos
Da passada ventura,
Como o que educa flores vicejantes
d e l ír io . E m triste sepultura.

Quando dormimos o nosso espirito vela.


É SQ U IL O .
EPICÉDIO.
A noite JOO quando durmo, esclarecendo
Passa la bclla donna e par che dorma.
As trevas do meu sono,
U m a etérea visão vem assentar-se TA SSO .
Ju nto ao meu leito aflito!
Anjo ou mulher? não sei. — A h! se não fôsse Seu rosto pálido e belo
Um qual véu transparente, J á não tem vida nem côr!
Como que a alma pura ali se pinta Sôbre êle a morte descansa,
Ao través do semblante, Envôlta 101 em baço palor.
Eu a crera m u lh e r... — E tentas, louco,
Recordar o passado. Cerraram -se olhos tão puros,
Transform ando o prazer, que desfrutaste, Que tinham tanto fulgor;
E m lentas agonias?! Coração que tanto amava
J á hoje não sente amor.
Visão, fatal visão, porque derramas
Sôbre o meu rosto pálido Que o anjo belo da morte
A luz de um longo olhar, que amor exprime A par dêsse anjo baixou!
E pede compaixão? Trocaram brandas palavras,
Porque teu coração exala uns fundos. Que Deus somente escutou.
Magoados suspiros,
Que eu não escuto; mas que vejo e sinto Ventura, prazer, ledice
Nos teus lábios m orrer? Duma outra vida contou;
Porque êsse gesto e mórbida postura E o anjo puro da terra
De macerado espírito, Prazer da terra enjeitou.
Que vive entre aflições, que ja nem sabe
D esfrutar um prazer? Depois co’as asas candentes
O formoso anjo do céu
T u falas! tu que dizes? êste acento, Roçou-lhe a face mimosa.
E sta voz melindrosa. Cobriu-lhe o rosto co’um véu.
Noutros tempos ouvi, porém mais leda;
E ra um hino d’amor. Depois o corpo engraçado
A voz, que escuto, é magoada e triste, Deixou a terra sem vida.
— Harm onia celeste, De tênue palor coberto,
Que à noite vem nas asas do silêncio — Verniz de estátua esquecida.
Um edecer as faces
Do que enxerga outra vida além das nuvens. E bela assim, como um lírio
E sta voz não é sua; M urcho da sesta ao ardor.
E ’ acorde talvez d’harpa celeste. Teve a inocência dos anjos.
Caído sôbre a terra! Tendo o viver duma flor.

Balbucias uns sons, que eu mal percebo. Foi breve! —• mas a desgraça
Doridos, compassados. A testa não lhe enrugou,
Fracos, mais fracos; — lágrim as despontam E aos pés do Deus que a criara
Nos teus olhos b rilh a n te s... Alma inda virgem levou.

[60]
CANTOS

Sai da larva a borboleta. VISÕES.


Sai da rocha o diamante,
De um cadáver mudo e frio I.
Sai uma alma radiante.

Não choremos essa morte, PRODÍGIO.


Não choremos casos tais;
Quando a terra perde um justo,
Conta um anjo o céu de mais. Naquele instante em que vacila a mente
Do sono ao despertar, quando pejada
Vem doutros mundos de visões etéreas;
Quando sôbre a manhã surge brilhante
A luz da madrugada, — eu vi ! . . . nem sonhos
SOFRIMENTO.
E ra a minha visão, real não era;
Mas tinha d’ambos o talvez. — Quem sabe?
Meu Deus, Senhor meu Deus, o que há no mundo Foi capricho 102 falaz da fantasia.
Que não seja sofrer? Ou foi certo aventar d’eras venturas?
O homem nasce, e vive um só instante,
E sofre até morrer! A ira do Senhor baixou tremenda
Sôbre uma vasta capital! — em pedra
flor ao menos, nesse breve espaço Tornou-se a gente impura. Muitos homens
Do seu doce viver, Às portas 103 férreas, largas, vi sentados.
Encanta os ares com celeste aroma. Melhor do que um pintor ou statuário
Querida até morrer. A morte, que de súbito os colhera
No ardor, no afã da vida, conservou-lhes
E ’ breve o romper d’alva, mas ao menos A ação — partida em meio, com tal força,
Traz consigo prazer; Que a mente seu malgrado a completava.
E o homem nasce e vive um só instante : Um tinha os lábios entreabertos; outro
E sofre até morrer! Parecia sorrir; mais longe aquele
Derramava um segredo, baixo, a mêdo,
Meu peito de gemer já está cansado, Nos ouvidos do amigo; austero o guarda
Meus olhos de chorar; Com o rosto carregado e barba hirsuta,
E eu sofro ainda, e já não posso alívio Nas mãos calosas sopesava a lança.
Sequer no pranto achar! Dos mercadores na comprida rua
Passavam muitos compradores; — este
Já farto de viver, em meia vida, Contava montes d’oiro; — à luz aquêle
Quebrado pela dor, Expunha a sêde do Indostao, de Tiro
Meus anos hei passado, uns após outros. A púrpura brilhante, a damasquina
Sem paz e sem amor. Custosa tela entretecida d’oiro.
Cortês sorrindo, o mercador gabava
O amor que eu tanto amava do imo peito, A s côres vivas, o tecido, o corpo
Que nunca pude achar, Do estôfo que vendia. Nos serralhos
Que embalde procurei, na flor, na planta, E ra o Eunuco imperfeito; das Mesquitas
No prado, e terra, e mar! Bradava à prece o M uezim . . .
— Num largo,
E agora o que sou eu? — Pálido espectro, Fôfo e vasto divã sentado, um velho
Que da campa fugiu; Os versos lia do A lcorão; — só êle
Flor ceifada em botão; imagem triste Dentre tanto punir ficara ileso.
De um ente que existiu. . .

Não escutes, meu Deus, esta blasfêmia;


Perdão, Senhor, perdão!
Minha alma sinto ainda, — sinto, escuto
I I.
Bater-me o coração.

Quando roja meu corpo sôbre a terra, A CRUZ.


Quando me aflige a dor,
Minha alma aos céus se eleva, como o incenso,
Como o aroma da flor. E ra um templo d’arâbica estrutura,
Majestoso, elegante; — além das nuvens
E eu bendigo o teu nome eterno e santo. Se entranhava nos céus sutil a agulha;
Bendigo a minha dor, Sôbre o zimbório retumbante e vasto
Que vai além da terra aos céus infindos Ondas e ondas de vapor cresciam.
Prender-me ao criador. Dentro corriam três compridas naves
Sôbre dois renques de colunas, onde
Bendigo o nome teu, que uma outra vida Baixos-relevos da sagrada história
Me fêz descortinar, Da base ao capitel se emaranhavam.
Uma outra vida, onde não há só trevas, Ardia a luz na alâmpada sagrada;
E nem há só penar. No sagrado instrumento o som dormia.

[61]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Junto à cruz — da fachada egrégia pompa — Da morte o cru torpor nos membros frios
Muitos homens eu vi de tôrvo aspecto; Pouco e pouco s’espalha; mas teimoso
Muitos outros, servis, com mão armada Da vida o amor debate-se nas ânsias
Profundos golpes entalhavam nela. Dêsse passo f a t a l ...
Um daqueles no entanto assim falava: — Eis nisto à porta
Um Padre assoma, — dentre as mãos erguidas
“ Quando esta humilde cruz rojar por terra, Da hóstia santa resplendor luzia;
“ Levando a crença de Jesu s consigo, 10^ E palavras de paz, de amor, divinas,
“ Nós outros, da verdade Sacerdotes, Que nos lábios do justo Deus entorna.
“ Nós Doutores do mundo, nós Luzeiros Abundantes soltava. Longos anos
“ Que desvendamos a impostura, o êrro, De piedoso sofrer o corpo enfêrmo
“ A mentira sagaz, a crença louca, Alquebraram por fim ; as cãs nevadas
“ Entrada fácil da razão no templo Raras tremiam sôbre a testa, como
“ Terem os todos; e de então no trono, Trem ia na garganta a voz cansada.
“ Do néscio vulgo imparciais sob’ranos, Dizia o bom do velho: — “ Irm ão, nas ânsias,
“ Santos juizes da verdade santa, “ No extrem o agonizar da morte amiga
“ Pregarem os o justo, a paz, concórdia “ Ergue os olhos ao céu; — do céu te venha
“E os seus deveres que dimanam fáceis “Êsse divino amor, que só lá mora,
“ Do amor do lucro e do interêsse; todos — “ Que filtra por nossa alma, que nos deixa
“— Vassalos da razão, nossos vassalos — “ Mais celeste prazer, mais doce arroubo,
“ Um éden terreal farão do mundo.” “ Do que a terra sói d a r . . . ” 106
“ Infam es, tredos,
No entanto aos crebros golpes do machado “ Bufarinheiros de palavras, corvos
A cruz pendia oblíquia sôbre a terra. “ De negro, feio agoiro, que evoaçam
Criando novas forças com tal vista. “ Com grito grasnador por sôbre o campo,
Os operários mais freqüentes golpes “ Onde a peleja de reinar com eça;
Repetem, vibram, continuam; — soa “ Dizes-me tu — a mim! — a mim que ao foro
P or tôda a parte o eco, — o som, mais longe, “ Caminho inda hoje entre alas de clientes,
Retumba, morre — e novamente ecoa. “ Que só me visto de veludo e d’oiro,
Nisto a cruz — geme — estrala; um grito sobe “ Enquanto vives de burel coberto.
Uníssono e g e r a l!... “ Co’os lábios sôbre o pó mordendo a terra!
Como sois grande. “ Dizes-me tu — a mim ! . . . ”
Senhor, Senhor meu Deus! — Eu vi morrendo E rg u e u -s e ... e o corpo
Os obreiros cair; e a cruz erguer-se, Caiu de fraco sôbre o leito; o velho
Como aos raios do sol a flor mimosa No entanto humilde orava, que alma santa
Que a raiva do tufão vergara insana. Do mal cabido insulto não se ofende.

Jeová, que entre miríadas


Vives de estréias formosas,
I I I . Que das flores melindrosas
Da terra — os anjos form aste;
PASSAMENTO. Jeová, que pela água
Lustrar quiseste o Messias,
Que ao beato, ao santo Elias
E ra um quarto espaçoso; — ali se viam
Nas chamas purificaste;
R o jar no pavimento, há pouco, as sêdas.
Ricos tapetes multicor bordados, Jeová, que a mente apuras
E franjas complicadas dum céu d’oiro No fogo do sofrimento,
Pendentes, — vastos rases narradores Que divino, alto portento
De lenda pia ou de briosos feitos. Deste fazer a Moisés,
Mas de tanto luzir, de tanto ornato Quando a negra rocha dura
O ra por mãos avaras depredado Tocando co’a tênue vara.
O vasto d’área revelava aos olhos. Rebentou a linfa clara.
Tendo num canto escuro um leito apenas.
Lambendo-lhe mansa os pés;
Do leito alguém rasgara o cortinado.
E da curva arm ação polida e bela Jeová, que eterno existes.
Aqui, ali, pendia a sêda em fios. Cujo ser em si se encerra,
Bem como tranças de mulher formosa Que formaste o céu e a terra,
Por sôbre o seio nu. — Ali no leito Que te chamas — o que é, 10 8
Jazia um moribundo; em tôrno os olhos — Faz, Senhor d’altos prodígios,
Cheios de pasmo e de terror volvia, Com que a mente empedernida
Bebendo pelos sôfregos ouvidos Não se aparte desta vida
Mal sentido rumor doutro aposento.
Sem sentir a santa fé.
Confusas vozes, altercar ruidoso,
E o tinir de metal ouvia apenas!
E ntão por vêzes três no leito aflito E tu. Cristo, que sofreste
Erguer-se maquinou de raiva insano! M artírios por nosso amor.
P or três vêzes caiu, gemendo, sôbre Tu que fôste o Salvador,
O leito que da queda se sentia. Salva-o, Senhor, por quem és.

[62]
CANTOS

Rápido rodava; a terra e tudo,


Dá que em palavras piedosas Como aos soluços dum vulcão tremendo.
Se derrame contristado, As forças lhe tolhiam.
Como o rochedo tocado
Pela vara de Moisés.
E o orgulhoso que feliz vivera.
Movendo a seu bom grado mil escravos.
E o confuso rumor do outro aposento Querendo a terra dominar co’um gesto;
Crescia mais e mais. — Do moribundo Ora mesquinho, solitário e louco.
Os cúpidos herdeiros dividiam Face a face lutando com seus crimes.
Por si a vasta herança; os torvos olhos Morria impenitente.
Iam de rosto a rosto, fuzilando
Ameaças de morte.

No entanto o velho exânime e sem forças


Curtia amargos transes, que^ avarento, IV .
E tendo a vida inútil presa à terra
Com tôda a força d’alma, — agora cm ânsias Era o vulto de um homem morto que afastando o su­
dário se ia erguer do túmulo para revelar alguns dos te­
Sentia o hálito vital fugir-lhe, merosos mistérios, que encerra a aparente quietação dos se­
E a terra abandoná-lo. pulcros.
O P R E SB ÍT E R O .
Estuava-lhe a dor no peito aflito !. . .
Só não chorava, que do pranto a fonte O negrume da noite avulta; e cresce
Jazia extinta; mas pensava triste: Mais feia a escuridão
— Não tinha alguém que lhe cerrasse os olhos  luz da sacra pira que derrama
Nem quem chorando lhe abrandasse o amargo Frouxo e tíbio clarão.
Do extremo agonizar.
Calou-se o canto, a prece, — é mudo o templo;
E a mente, já medrosa, em feio quadro Apenas fraco soa
Lhe pintava os seus feitos; — a vingança, Da tôrre o bronze, que a noturna brisa
Que tão grande prazer lhe tinha sido. De rumores povoa.
Ora em martírios se tornava; a chusma
Dos homicídios seus crescia tôrva, Mas eis que de um sepulcro a pedra fria
E no leito o cercava. S ’ergue e sôbre outras cai.
Não se escuta rumor! — da campa livre
Crença infantil! dizia; loucos, cegos Medroso espectro sai.
Prejuízos do vulgo; — e assim dizendo
Os vãos fantasmas repelir buscava. O rosto ossificado em tórno volve.
Mas a crença infantil, os prejuízos Volve a suja caveira;
Do néscio vulgo, ríspidos tornavam, Do liso crânio os longos dedos varrem
Como inseto importuno. A fúnebre poeira.

Debalde por não ver cerrava os olhos, Mas inda inteiro o coração se via
Sôbre os olhos debalde as mãos cruzava, Do peito nas cavernas,
Que as sombras nos ouvidos lhe falavam, Inda sangrento lágrimas chorava
E mais distintas se pintavam n’alma De negro sangue eternas.
— Também, 109 molesta, qual se pinta o corpo
Do espelho no polido. E caminhando, qual se move a sombra.
Ao órgão se assentou!
E do seu passamento o caso infando J á não dormem os sons, não dormem eco s..
Narrava uma após outra, sôbre o peito — O triste assim cantou:
Mostrando o golpe fúnebre e cruento;
Sorvendo o fel da taça amarga o enfermo “ Onde estás, meu amor, meus encantos.
Parecia s o r r ir !... era qual louco Por quem só me pesava morrer.
Que sofre e um riso finge. Doce encanto que à vida me prendes,
Que inda em morto me fazes sofrer?
E das visões indo a fugir se arroja
De sôbre o leito delirante; as sombras “ Doce amor, minha vida no mundo,
Voam sôbre êle, e em círculo se ordenam. Dêsse mundo em que parte serás;
O moribundo a esta, a aquela, a tôdas Em que cismas, que pensas, que fazes,
Volve o pávido rosto, no mover-sc Onde estás, meu amor, onde estás?
Progressivo, incessante.
“ Ah! debalde na campa gelada
E prêso ao duro embate da vertigem. Fria morte me pôde deitar!
As mestas sombras ao redor com êle Foi debalde, — que eu sinto, que eu ardo;
Fugir sentia; o pavimento, a casa Foi debalde, que eu amo a penar.

[63j
ANTANIO GONÇALVES D IAS

A h! se eu triste no mundo pudesse V.


Como outrora viver, respirar. . . .
Não soubera dizer-te os ardores A MORTE.
Que o sepulcro não pôde apagar.

Onde estás? — J á da morte o bafejo Dans -sa douleur elle se trouvait malheureuse d’être
immortelle.
Por teu rosto divino roçou;
Já na campa descansas finada, F é N/cLO N .
Que o teu corpo sem vida tragou?
Da aurora vinha nascendo
“ Mas a morte não pôde impiedosa O grato e belo clarão;
Crua foice vibrar contra ti! Eu sonhava! já mais brandos
A h! tu vives, que eu sinto, que eu sofro Eram meus sonhos então.
Crus ardores quais sempre sofri.
Condensou-se o ar num ponto.
“ E eu não posso o teu nome à noitinlia Cresceu o sutil vapor;
Entre as fôlhas saudoso cantar, Vi formada uma beleza,
Nem seguir-te nas asas da brisa, Cheia de encantos, de amor.
Nem teu sono de sonlios doirar.
Mas na candura do rosto
“ Nem lem brar-te os queridos instantes Não se pintava o carmim;
Que a teu lado arroubado passei. Tinha um quê de cera junto
Sem cuidados de incerto futuro, À nitidez do marfim.
Sô cuidoso da vida que amei.
— Quem és tu, visão celeste,
“ Não te lembras da noite homicida Belo Arcanjo do Senhor?
E m que um ferro meu peito varou, Respondeu-me: — Sou a Morte,
Quando a fácil conversa de amôres Cru fantasma de terror!
Teu marido cioso quebrou?!
— Ah! lhe tornei: És a morte.
Tão formosa e tão cruel!
“ Desde então hei penado sòzinho. — Correndo o mundo sòzinha
V erte sangue meu peito — de então;
No meu pálido corcel. —
Pôde a morte acabar-m e a existência,
Mas delir-me não pôde a paixão!
Assim dizia — “Tu julgas
Que não tenho coração,
“ Nosso adúltero afeto no mundo Que executo os meus deveres
Não se acaba; — assim quis o Senhor! Sem pesar, sem aflição?
Não se a c a b a ... — qu’importa? — hei gozado
Teus encantos gentis, teu amor.
— Que inda em flor da vida arranco
Ao jovem, sem compaixão,
“ P or te amar outras fráguas sofrerá. À donzela pudibunda
Outros transes e dor e penar; Ou ao longevo ancião?
O h! poder que eu pudesse outra vida
E outro inferno sofrer por te am ar!” — Oh! não, que eu sofro martírios
Do que faço aos mais sofrer.
Mas da aurora já raiava Sofro dor de que outros morrem.
Macio e brando clarão; De que eu não posso morrer;
M acia e branda a canção
Do negro espectro soava. — Mas em parte a dor me cura
Um pensamento, que é meu, —
E medroso se colava Lembro aos humanos que a terra
Ao órgão seu negro véu, E ’ só passagem p’ra o céu.
Que imiga não se ajuntava
Ao seu vulto a luz do céu. — Faço ao triste erguer os olhos
Para a celeste mansão;
Pouco a pouco se perdia Em lábios que nunca oraram
O negro espectro; a canção Derramo pia oração.
Pouco a pouco enfraquecia,
Do dia ao tênue clarão; m — E ’ meu poder quem apura
Os vícios que a mente encerra.
E ra o cantar um soido Ao fogo da minha dor;
Fraco, incerto e duvidoso; Sou quem prendo aos céus a terra,
E ra o vulto pavoroso Sou quem ligo a criatura ID
Duma sombra vão tremido. Ao ser do seu Criador.

[6 4
CANTOS

E h o je ! ... em nosso exílio erramos tristes,


— Mas qu’importa? Sem descanso
Mimosa esp’rança ao infeliz legando,
É-me forçoso marchar, Maldizendo a soberba, o crime, os vícios,
Abater ímpias frontes, E o infeliz se consola, e o grande treme.
Régias frontes decepar. Damos ao infante aqui do pão que temos,
__ Passar ao través dos homens E o manto além ao mísero raquítico;
Somos hoje Cristãos.
Como um vento abrasador:
Como entre o feno maduro
A foice do segador.

— E prostrar uma após outra À MORTE PREMATURA


Geração e geração,
Como peste que só reina
Em meio da solidão.” — Da Il MA. S ra. d .........

Desponta o sol radioso (No álbum de seu Irmão Dr. j. D. Lisboa Serra.)
Entre nuvens de carmim;
Cessa o canto pesaroso, II semble que le ciei aux coeurs les plus magnanimes
Como corda áurea de Lira, H“* Mesure plus de maux.
Que se parte, que suspira LAM ARTIN E.
Dando um gemido sem fim.
Perfeita formosura em tenra idade
Qual flor, que antecipada foi colhida.
Murchada está da mão da sorte dura.
O VATE.
CAMÕES, Soneto.
No ÁLBUM DE UM PoETA.
Lá, bem longe daqui, em tarde amena,
M o i... j ’aimerai ta victoire; Gozando a viração das frescas auras,
Pour mon coeur, ami de toute gloire, Que do Brasil os bosques brandamente
Les triomphes d’autrui ne sont pas un affront.
Poète, j ’eus toujours un chant pour les poetes. Faziam balançar, — e que espalhavam
Et jamais le laurier qui pare d’autres tetes No éter encantado odor, pureza —
Ne jeta d’ombre sur mon front. Do que a rosa mais bela, — meiga e casta,
V. HUGO. Como as virgens do sol,
Que de vêzes não foi ela pendente
Vate! vate! que és tu? — Nos seus extremos Dos braços fraternais em meigo abraço;
Fadou-te Deus um coração de amôres,
Como mimosa flor prêsa, enlaçada
Fadou-te uma aima acesa borbulhando
A tenro arbusto que a vergôntea débil
Ardidos pensamentos, como a lava Lhe ampara docemente ! . . .
Que O gigante Vesùvio arroja às nuvens.
Vate! vate! que és tu? — Fôste ao princípio E o Irm ão que só nela se revia,
Sacerdote e profeta; O Irm ão que a adorava, qual se adora
Eram nos céus teus cantos uma prece, Um mimo do Senhor;
Na terra um vaticínio. Que a tinha por farol, confôrto e guia,
E êle cantava então: — Jeová me disse. Os seus dias contava por encantos;
Majestoso e terrível. E as virtude co’os dias pleiteavam.
E ela morreu no viço de seus anos ! . . .
“ Vês tu Jerusalém como orgulhosa E a lajem fria e muda dos sepulcros
“ Campeia entre as nações, como no Líbano Se fechou sôbre o ente esmorecido
“Um cedro a cuja sombra a hissope cresce? Ao despontar de vida
“ Breve a minha ira transformada em raios T ão rica de esperanças e tão cheia
“ Sôbre ela cairá; De formosura e g r a ç a s !...
“Um fero vencedor dentro em seus muros
“Tributária a fará; Campa! campa! que de terror incutes!
“ E quando escravos seus filhos, sôbre pedra Quanto êsse teu silêncio me horroriza!
“ Pedra não ficará.” E quanto se assemelha a tua calma
À 118 do cruel malvado que impassível
E os réprobos de saco se vestiam, Contempla a sua vítima torcer-se
Em pó, em cinza envoltos; Em convulsões horríveis, desesp radas;
E colocando co’a terra os torpes lábios, Cruas vascas da m o r te !...
E açoitando co’as mãos o peito imbele. Quem tão má te criou?
Senhor! Senhor! — clamavam. Tu que tragas o ente que esmorece
E o vate entanto o pálido semblante Ao despontar de vida
Meditabundo sôbre as mãos firmava. T ão rica de esperanças e tão cheia
Suplicando ao Senhor do interno d’alma. De formosura e graças?!

Foram santos então. — Homero o mundo O farol se apagou! a luz sumiu-se 1


Criou segunda vez, — o inferno o Dante, — Como o fugaz clarão do meteoro,
Milton o paraíso, — foram grandes! Extinguiu-se a esperança; — e o malfadado

[65]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Sobre a terra deserta em vão procura V estia rotos andrajos,


T raços dessa que amou, que tanto o am ara; Que o seu corpo mal cobriam;
Da jovem companheira de seus brincos, Por vergonha os olhos dela
Pesares e alegrias. Sôbre ela se não volviam.
Êle a p r o c u r a !... o viajor pasmado
Nos campos de Pompéia, alonga a vista Pelas costas descobertas
Pela amplidão do praino. Cortador o frio entrava;
Destroços e ruínas encontrando, Tinha fome e sêde, — e o pranto
Onde esperava movimento e vida. Nos seus olhos borbulhava.

Não poder eu a trôco de meu sangue E qual vemos dos céus descendo rápido
Poupar-te dessas lágrimas metade! Um fugaz meteoro, vi descendo
O h! poder que eu pudesse! — e almo sorriso, Um anjo do Senhor; — parou sôbre ela,
Que tanto me compraz ver-te nos lábios, E mudo a contemplava. — Um a tristeza
Inda uma vez brilhasse! Simpática, indizível pouco e pouco
E essa existência, Do anjo nas feições se foi pintando;
Que tão cara me é, ta visse eu leda, Qual tristeza de irmão que a irmã mais nova
E feliz como a vida dos A rcanjos! Conheee enfêrma e chora. — E la no peito
Infeliz é quem chora; ela finou-se, Menor sentiu a dor, e humilde orava.
Porque os anjos à terra não pertencem ;
Mas lá dos imortais sôbre os teus dias
I I.
A suspirada irmã vela incessante.
De um vasto edifício nas frias escadas
Vinde, cândidas rosas, açucenas, Eu vi-a sentada; — era um templo, diziam
Vinde, roxas saudades; Secreto concilio de sócios piedosos,
Orvalhai, tristes lágrimas, as c ’roas, Que o bem tinha juntos, que bem só faziam.
Que hão de a campa adornar por mim depostas
Em holocausto à vítima da morte. Defronte um palácio soberbo se erguia,
Inocência, pudor, beleza e graça E dêle partia confuso rumor;
Com ela nessa campa adormeceram. — A dança girava, e a orquestra sonora
A njo no coração, anjo no rosto. Cantava alegria, prazeres e amor.
Devera o amor chorar sôbre o teu seio,
Que não grinaldas fúnebres tecer-te;
Devera voz d’espôso acalentar-te E quando ao palácio um conviva chegava,
O sono da inocência, — não grosseira Rugindo se abria o ruidoso portão;
Canção de trovador não conhecido. Eflúvios de incenso nos ares corriam
Da rua esteirada com vivo clarão.
C oim bra, Ju n h o de 1S41.
E a triste mendiga ali ’stava ao relento,
Com fome, com frio, com sêde e com dor;
E eu vi o seu anjo, mais triste no aspecto.
Mais baço, mais turvo da glória o fulgor.
A MENDIGA.
E â porta do vasto sombrio edifício
Donnez:— Um vulto chegou.
Et quand vous paraîtrez devant le juge au.stèrc. — Senhor, uma esmola! — bradou-lhe a mendiga;
Vous direz: J ’ai connu la pitié sur la terre,
Je puis la demander aux cieux!
E o vulto parou.
TU RQ U ETY.
E rude no acento, no aspecto severo.
Lhe disse; — O teu nome? —
I. Tornou-lhe a mendiga; — Senhor, uma esmola,
Que eu morro de fome.
Eu sonhei durante a noi t e. . .
Que triste foi meu sonhar! — Não dizes teu nome? — lhe torna o soberbo.
E ra uma noite medonha. — Sou órfã, sozinha;
Sem estréias, sem luar. Meu nome qu’importa, se eu sofro, se eu gemo,
Se eu choro mesquinha!
E ao través do manto escuro — Em vis meretrizes não cabe êsse orgulho.
Das trevas, meus olhos viam Tornou-lhe o Senhor,
T riste mendiga formosa, Que à noite, nas trevas, contratam no crime,
Q u’infortùnios consumiam. Vendendo o pudor.

E ra uma pobre mendiga. E à 120 porta do templo — erguido à piedade


Porém cândida donzela; Com fôrça batia;
Pudibunda, afável, doce. Co’o pêso do insulto acrescido à 120 crueza
Amorosa, e casta, e bela. A triste gemia.

66]
CANTOS

Uma voz de ternura, um mimo, um gesto


III.
Cubiçavam rivais; — e ali com ela,
Como um raio do sol por entre as nuvens
Ouvi depois um rodar que a todo o instante
Lá na quadra hibernai penetra a custo
Mais distinto se ouvia; e logo um forte,
Quase sem vida, sem calor, sem fôrça.
Fascinador clarão por tôda a rua
Menos brilhante vi seu anjo belo.
Se derramou soberbo. — Infindos pajens
Nos curtos lábios da feliz rnendiga
Ricas libres trajando, mil archotes
Passava rápido um sorriso às vêzes.
Nos ares revolviam; — fortes, rápidos,
Fumegantes corcéis, sorvendo a terra. Outras chorava, no volver do rosto,
Na taça do prazer sorvendo o pranto.
Tiravam rica sege melindrosa.
Encontradas paixões sentia o anjo;
Sôbre a terra saltou airosa e bela
Parecia chorar co’o seu sorriso.
.A. dona, em frente do festivo paço;
E a mendiga bradou : — Senhora minha. Parecia sorrir co’o o chôro dela.
Dai uma esmola, dai! — A voz dorida
Volveu-se o rosto d’anjo, porém d’anjo
Não era o coração; — foi-lhe importuno.
Mais que im portuno... da mesquinha o grito! A ESCRAVA.
E da mendiga o protetor celeste
Parecia falar em favor dela; Oh bien qu’aucun bien ne peut rendre.
E a rica dona o escutava, como Patrie, doux nom que l’exiï fait comprendre!
Se ouvisse a interna voz que dentro mora. MARINO FA LIER O .
E eu dizia também: — O ’ bela Dona,
Dai-lhe uma esmola, dai; — de que vos serve Oh! doce 123 pais de Congo,
Um óbulo mesquinho, que não pode Doces terras dalém-mar!
Sequer um dixe 121 sem valor comprar-vos? O h! dias de sol formoso!
Ah! bela como sois, que vos irnportam Oh! noites d'almo luar!
Custosas flores, com que ornais a fronte?
Para a salvar do vórtice do crime, Desertos de branca areia
O preço delas, de uma só, da coisa, De vasta, imensa extensão.
Quem sem valor julgardes, é bastante. Onde livre corre a mente.
Sabeis? — Além da vida, além da morte, Livre bate o coração!
Quando deixardes o oiropel na campa,
Quando subirdes do Senhor ao trono. Onde a leda caravana
Sem andrajos sequer, também mendiga, Rasga o caminho passando,
Onde bem longe se escuta
Ali tereis as lágrimas do pobre, As vozes que vão cantando!
A bênção do afligido, a prece ardente
Do que sofrendo vos bendisse, — ó Dona. .. Onde longe inda se avista
O turbante muçulmano,
Fechou-se a porta festival sôbre ela! O latagã recurvado,
E a donzela se ergueu, corou de pejo. Prêso à cinta do Africano!
Lançando os olhos pela rua escusa,
E segura no andar, e firme, 122 à porta Onde o sol na areia ardente
Do palácio bateu — entrou — sumiu-se. Se espelha, como no mar;
O h! doces terras de Congo,
Doces terras daléni-mar!
E o anjo, como aflito sob um pêso,
Um gemido soltou; era uma nota
Melancólica e triste, — era um suspiro
Mavioso de virgem, — um soido
Quando a noite sôbre a terra
Sutil, mimoso, como d’Harpa Eólia,
Desenrolava o seu véu, ^
Que a brisa da manhã roçou medrosa.
Quando sequer uma estrela
Não se pintava no céu;
I
Quando só se ouvia o sôpro
Dos muros ao través meus olhos viram De mansa brisa fagueira,
Soberba roda de convivas, — todos Eu o aguardava — sentada
Veludos, sedas, e custosas galas Debaixo da bananeira.
Trajavam senhoris. — Reinava o jógo
.Avaro e grave, leda e viva a dança Um rochedo ao pé se erguia,
Em vórtices girava, a orquestra doce Dêle à base uma corrente
Cantava oculta; condensados, bastos. Despenhada sôbre pedras.
Em redor do banquete estavam muitos. Murmurava docemente.
A mendiga ali estava, — não trajando
Sujos farrapos, mas delgadas telas. E êle às vêzes me dizia;
Choviam brindes e canções e vivas — Minha Alsgá, não tenhas mêdo;
A Deusa airosa do banquete; todos Vem comigo, vem sentar-te
Um volver dos seus olhos, um sorriso. Sôbre o cimo do rochedo.

[6T]
AïfTôN IO GONÇALVES D IA S

E eu respondia aniniosa: Escuta, ó meu am igo: da minha alma


— Irei contigo, onde fores! — Foi uma lira outrora o instrum ento;
E tremendo e palpitando^ Cantava nela amor, prazer, venturas,
Me cingia aos meus amôres. Até que um dia a morte inexorável
T riste pranto de irmão veio arrancar-te!
Êle depois me tornava As lágrimas dos olhos me caíram,
Sôbre o rochedo — sorrindo: E a minha lira emudeceu de mágoa!
— As águas desta corrente Então aventei eu que a vida inteira
Não vês como vão fugindo? Do bardo era uni perene sacerdócio
De lágrimas e dor; — tomei uma H arpa:
T ão depressa corre a vida, Na corda da aflição gemeu minha alma,
Minha A lsgá; depois morrer F oi meu primeiro canto um epicédio;
Só nos r es t ai . . . — Pois a vida Minha alma batizou-se em pranto amargo,
S eja instantes de prazer. Na frágua do sofrer purificou-se!
Lancei depois meus olhos sôbre o mundo.
Os olhos em tôrno volves
Espantados — A h! também 124 Cantor do sofrimento e da am argura;
A rfa o teu peito a n s ia d o !... E vi que a dor aos homens circundava,
Acaso temes alguém? Como em roda da terra o mar se estreita;
Que apenas desfrutamos, — miserandos!
Não receies de ser vista, Desbotado prazer entre mil dores,
Tudo agora jaz dormente; — Um a rosa entre espinhos aguçados,
Minha voz mesmo se perde Um ramo entre mil vagas combatido.
No fragor desta corrente. Voltou-se então p’ra Deus o meu esp’rito,
E a minha voz queixosa perguntou-lhe:
Minha Alsgá, porque estrem eces? '2S
— Senhor, porque do nada me tiraste.
Porque me foges assim?
Ou porque a tua voz onipotente
Não te partas, não me fujas,
Não fêz secar da minha vida a seve,
Que a vida me foge a mim!
Quando eu era princípio e feto apenas?
Outro beijo acaso temes. Outra voz respondeu-me dentro d’alma:
E xpressão de amor ardente? — Ardam teus dias como o feno, — ou durem
Quem o ouviu? — o soni perdeu-se Como o fogo de tocha resinosa,
No fragor desta corrente. — Como rosa em jardim sejam brilhantes.
Ou baços como o cardo montesinho,
Assim praticando amigos Não deixes de cantar, ó triste bardo. —
A aurora nos vinha achar!
O h! doces terras de Congo, E as cordas da minha harpa — da primeira
Doces terras dalém-mar! À extrem a — da maior à mais pequena,
Nas asas do tufão — entre perfumes,
Um cântico de amôres exaltaram
Ao trono do Senhor; — e eu disse às turbas:
— Êle nos faz gemer porque nos am a;
Do ríspido Senhor a voz irada, Vem o perdão nas lágrim as contritas,
Rábida soa. Nas asas do sofrer desce a clem ência;
Sem o pranto enxugar 126 a triste escrava Sôbre quem chora mais êle mais vela!
Pávida voa. Seu amor divina! é como a lâmpada,
Na abóbada dum templo pendurada.
Mas era em mora por cismar na terra, Mais luz filtrando em mais opacas trevas.
Onde nascera,
Onde vivera tão ditosa, e onde Eu o conheço: — o cântico do bardo
M orrer devera! E ’ bálsamo ao que morre, — é lenitivo,
Mas doloroso, mas funéreo e triste
Sofreu tormentos, porque tinha um peito, A quem lhe carpe infausto a morte crua.
Qu’inda sentia; Mas quando a alma do justo, espedaçando
M ísera escrava! no sofrer cruento, O envólucro 127 de lôdo, aos céus remonta,
Congo! dizia. Como estrada de luz correndo os astros.
Seguindo o som dos cânticos dos anjos
Que na presença do Senhor se elevam;^
C h o ro ., também 1 2 8 Jesus chorou a Lázaro!
Mas na excclsa visão que se me antolha
AO DR. JOÃO DUARTE LISBOA SERRA. Bebo consolações, — minha alma anseia
A hora em que também 128 há de asilar-se
23 d e A gosto. No seio imenso do perdão do Eterno.

Cliora am igo; porém quando sentires


Mais um pungir de acérrim a saudade.
O pranto nos teus olhos condensar-se,
Mais um canto de lágrimas ardentes.
Que já não pode mais banhar-te as faces,
O h! minha Harpa — oh! minha Harpa desditosa.

[68]
CANTOS

“ Não ver mais a cara pátria,


Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora, Não ver mais o que deixava,
Onde o orvalho se cria, onde parece Não ver nem filhos, nem filhas,
Que a tímida esperança nasce e habita. Nem o casal, que h a b ita v a !...
E se eu __ feliz! — puder inda algum dia
Ferir por teu respeito na minha harpa “ Oh! que é má pena de morte,
A leda corda onde o prazer palpita, A pena de prescrição;
A corda do prazer que ainda inteira, Traz dores que martirizam.
Que virgem de emoção inda conservo. Negra dor de coração!
Suspenderei minha harpa dãlgum tronco
Em of’renda à fortuna; — ali sozinha. “ Pobre velho! — longe, longe
Tangida pelo sôpro só do vento, Vás sustento mendigar;
Há de mistério conversar co’a noite. Tens de sofrer novas dores,
De acorde estreme perfumando as brisas; Novos males que penar.
Qual Harpa de Sião prêsa aos salgueiros
Que não há de cantar a desventura, “ Não t ’há de valer a idade,
Tendo cantos gentis vibrado nela. Nem a dor tamanha e nobre;
Tens de tragar vis afrontas,
— Insultos que sofre o pobre!

“ Nada acharás no degrêdo,


O DESTÊRRO DE UM POBRE VELHO. Que fale dos filhos teus;
Ninguém sente a dor do p o b re ...
Só te fica a mão de Deus.
Et (íulces moriens reminiscitur Argos.
VIRG.
“O sol, que além vês raiando
O! schwer ist’s, in der Fremde sterben «nbeweint! Entre nuvens de carmim,
SC H ILLER . Noutros climas, noutras terras
Não verás raiar assim.
A aurora vem despontando,
“ Não verás a rocha erguida,
Não tarda o sol a raiar;
Onde t’ias assentar;
Cantam aves, — a natura
Nem o som bem conhecido
J á começa a respirar.
Do teu sino hás de escutar.
Bem mansa na branca areia “ Há de cair sóbre as ondas
Onda queixosa murmura. O pranto do teu sofrer,
Bem mansa aragem fagueira E nesse abismo salgado.
Entre a folhagem sussurra. Salgado, se há de perder.”
E ’ hora cheia de encantos, Já chegou junto à fragata.
E ’ hora cheia de amor; J á na escada se apoiou.
A relva brilha enfeitada. Já com voz intercortada
Mais fresca se mostra a flor. Último adeus soluçou.
Esbelta joga a fragata, Canta o nauta, e solta as velas
Como um corcel a nitrir; Ao vento que o vai guiar;
Suspensa a amarra tem prêsa. E a fragata mui veleira
Suspensa, que vai partir. Vai fugindo sóbre o mar.
Em demanda da fragata. E o velho sempre em silêncio
Leve barco vem vogando; A calva testa dobrou,
Nêle um velho cujas faces E pranto mais abundante
Mudo chôro está cortando. O rosto senil cortou.

Quem era o velho tão nobre, Inda se vê branca a vela


Que chorava. Do navio, que partiu;
Por assim deixar seus lares, Mais além — inda se avista!
Que deixava? Mais além — já se sumiu!

“Ancião, porque te ausentas?


Corres tu trás de ventura?
Louco! a morte já vem perto. O ORGULHOSO.
Tens aberta a sepultura.

“ Louco velho, já não sentes Eu o vi! — tremendo era no gesto.


Bater frouxo o coração? Terrível seu olhar;
Oh! que o sentei — E ’ lei d’exilio E o cenho 129 carregado pretendia
A que o leva em tal sazão! O globo dominar.

[69]
ANTÓNIO GONÇALVES OTAS

Trem endo era na voz, quando no peito Se na marcha veloz encontra um mundo,
Fervia-lhe o rancor! O mundo em mil pedaços se converte;
E aos demais homens, como um cedro à relva, Mil centelhas de luz brilham no espaço
Se cria sup’rior. A ésmo, como um tronco pelas vagas
Infrenes combatido.
E o pobre agricultor, junto a seus filhos,
Dentro do humilde lar. Se junto doutro mundo acaso passa.
Quisera, antes que os dêle, ver de um Tigre Consigo o arrastra e leva transform ado;
Os olhos fuzilar; A cauda portentosa o enlaça e prende,
E o astro vai com êle, como argueiro
Que a um filho seu talvez quisera o nobre Em turbilhão levado.
P ara um E xecu tor;
Ou para o leito infesto alguma filha Como Leviatã perturba os mares,
Do triste agricultor. Êle perturba o espaço; — como a lava,
Êle marcha incessante e sempre; — eterno.
Marcou-lhe largo giro a lei que o rege,
Quem ousaria resistir-lhe? — Apenas
— Às vêzes 131 o infinito.
Algum pobre ancião
Já sôbre o seu sepulcro, desejando
A morte e a salvação. Êle carece então da eternidade!
E aos homens diz — e m ajestoso e grande
Que jam ais o verão; e passa, e longe
Se entranha em céus sem fim. como se perde
Um barco no horizonte!
Alguns dias apenas decorreram ;
E eis que êle se sumiu!
E a lajem dos sepulcros fria e muda
Sôbre êle já caiu.

E o bárbaro tropel dos que o serviam O OIRO.


E xulta com seu fim!
E a turba aplaude; e ninguém chora a morte
De homem tão ruim. Oiro, — poder, encanto ou maravilha
Da nossa idade, — regedor da terra,
Que dás honra e valor, virtude e fôrça,
Que tens ofertas, oblações e altares, —
Em bora teu lovor cante na lira
O COMETA. Vendido Menestrel que pôde insano
Do grande à porta renegar seu gênio!
Outro, sim, que não eu. — Bardo sem nome,
Ao S r . F rancisco S utero Dos R eis
Com pouco vivo; — sôbre a terra, à noite,
Meu corpo lanço, descansando a fronte
Non est potestas, quae comparetur ei qui factus est
Num tronco ou pedra ou mal nascido arbusto.
ut nullum tiraeret.
Sou mais que um rei co’o meu dossel de nuvens
JO B .
Que tem gravados cintilantes mundos!
Com a vista no céu percorro os astros.
Eis nos céus rutilando ígneo com eta! Vagueia a minha mente além das nuvens.
A imensa cabeleira o espaço alastra, Vagueia o meu pensar — alto, arrojado
E o núcleo, como um sol tingido em sangue, Além de quanto o olhar nos céus alcança.
Alvacento luzir verte agoireiro
Sôbre a pávida terra. Então do meu Senhor me calma n’alma
D ’amor ardente enlevos indizíveis;
Poderosos do mundo, grandes, povo, Se tento às gentes redizer seu nome,
Dos lábios removei a taça ingente, Queimadoras palavras se atropelam
Que em vossas festas gira; eis que rutila Nos meus lábios; — profética harmonia
O sangüíneo com eta em céus in fin d o sl... Meu peito anseia, e em borbotões se expande.
Pobres mortais, — sois verm es! Grandes, Senhor, são tuas obras, grandes
Teus prodígios, teu poder imenso:
O Senhor o formou terrível, grande; O pai ao filho o diz, um sécTo a outro,
Como indócil corcel que morde o freio. A terra ao céu, o tempo à eternidade!
Retinha-o só a mão do Onipotente.
Alfim lhe disse: — Vai, Senhor dos Mundos,
Senhor do espaço infindo. Do mundo as ilusões, vaidade, engano,
Da vida a mesquinhez — prazer ou pranto —
E qual louco temido, ardendo em fúria, Tudo êsse nome arrastra, prostra e some;
Que ao vento solta a coma desgrenhada, Como aos raios do sol desfeito o gêlo,
E vai, néscio de si, livre de ferros. Que em ondas corre no pendor do monte.
De encontro às duras rochas, — tal progride 130 Precipite e ruidoso, — arbustos, troncos
O cometa incansável. Consigo no passar rompidos leva.

[70]
CANTOS

A UM MENINO. Divino — do seu dormir;


Que nada hâ como a Donzela
Pensativa, doce e bela,
Oferecida à E xma. S ra. D. M. L. L. V. E a comparar-se com e la . . .
Só de um infante o sorrir.
I.
V II.
Gentil, engraçado infante
Nos teus jogos inconstante, Mas de repente chorando
Que tens tão belo semblante, Despertas do sono brando
Que vives sempre a brincar, Assustado e soluçando...
— Dos teus brinquedos te esciueces Foi uma revelação!
À noitinha, — e te entristeces Esta vida acerba e dura
Como a bonina, — e adormeces, Por um dia de ventura
Adormeces a sonhar! Dá-nos anos de amargura
E fráguas do coração.
I I.
V III.
Infante, serão as côres
De várias, viçosas flores. Só aquele que da morte
Ou são da aurora os fulgores Sofreu o terrível corte,
Que vêm 132 teus sonhos doirar? Não tem dores que suporte,
Foi de algum ente celeste, Nem sonhos o acordarão;
Que de luzeiros se veste, Gentil infante, engraçado,
Ou da brisa é que aprendeste, Que vives tão sem cuidado.
Que aprendeste a suspirar? Serás homem — mal pecado!
Findará teu sonho então.
í I I.

Tens no rosto afogueado


Um qual retrato acabado
De um sentir aventurado, O PIRATA
Que te ri no coração;
( E p is ó d io )
E ’ talvez a voz mimosa
De uma fada caprichosa,
Que te promete amorosa Nas asas breves do tempo
Algum brilhante condão! Um ano e outro passou,
E I-ia sempre formosa
I V. Novos amores tomou.

Ou porventura és contente, Novo amante mão de esposo,


Porque no sonho, que mente, De mimos cheia, Ih’ o fre ce ;
Fantasiaste inocente E bela, apesar de ingrata,
Algum dos brinquedos te u s!.. Do que a amou Lia se esquece.
Senhor, tens bondade infinda!
Fizeste a aurora bem linda. Do que a amou que longe pára,
Criaste na vida ainda Do que a amou, que pensa nela.
Um ’outra aurora dos céus. Pensando encontrar firmeza
Em Lia, que era tão bela!

Nesse palácio deserto


O som da corrente pura, Já luzes se vêem luzir,
A folhagem que sussurra, Que vêm 133 nas sêdas, nos vidros
Um acento de ternura. Cambiantes refletir.
De ternura divinal;
A indizível harmonia Os ecos alegres soam.
Dos astros no fim do dia, Soa ruidosa harmonia.
A voz que Memnon dizia,
Que dizia matinal; Soam vozes de ternura,
Sons de festa e d’alegria.
V I.
E qual ave que em silêncio
Nada disto tem o encanto, A face do mar desflora.
Nada disto pode tanto A noite bela fragata
Como o risonho quebranto. Chega ao pôrto, amaina, ancora.

[71]
ANTÔNIO GONÇALVES DtAS

Cai da pôpa e fere as ondas Nada m a is !... que lh’importava


Inquieta, esguia falua, De no mundo só se achar?
Que resvala sôbre as águas Inda muito lhe ficava —
Na esteira que traça a lua. Agua e céus e vento e mar.
Assim pensava, mas nisto
J á na vácua praia toca;
Um vulto em terra saltou, Descortina o seu rival,
Não visto; — a mão na cintura
Que na longa escadaria
Pressago e tôrvo enfiou. Cingiu raivosa o punhal!
Mas p e n so u ... — não, seja dela,
Malfadado! por que aportas E tenha zelos como eu! —
A êste sítio fatal! Larga o punhal, e um retrato
Queres o brilho aumentar Na destra mão estendeu.
Das bodas do teu rival?
Porém sentiu que inda tinha
Não, que a vingança lhe range Mais que branda compaixão;
Nos duros dentes cerrados, Miserando! inda guardava
Não, que a cabeça referve Seu amor no coração.
Em maus projetos danados!
Infeliz! não foi culpada;
Não, que os seus olhos bem dizem Foi culpa do fado meu!
O que diz seu coração; Nada mais de pensar nela;
Terríveis, como um espelho, Finjam os que ela morreu.
Que retratasse um vulcão.
Por entre a turba que alegre
Não, que os lábios descorados No baile — a sorrir-se estava.
Vociferam seu rival; Mudo, triste, e pensativo
Não, que a mão no peito aperta Surdamente se afastava.
Seu pontiagudo punhal. De manhã — quando o sarau
Apagava o seu rumor.
Não, por Deus, que tais afrontas Chegava Lia à janela.
Não as sói deixar impunes, Mais formosa de palor.
Quem tem ao lado um punhal,
Quem tem no peito ciúmes! Chegou-se; — e além — no horizonte
Uma vela inda avistou;
Subiu! — e viu com seus olhos E co’a mão trêmula e fria
E la a rir-se que dançava. O telescópio buscou!
Folgando, infame! nos braços
P or que assim o assassinava. Um pavilhão viu na pôpa,
Que tinha um globo pintado;
E êle avançou mais avante, E no m astro da mezena
E v i u ... o leito fatal! Um negro vulto encostado.
E viu. . . e cheio de raiva
Cravou no meio o punhal. Eram chorosos seus olhos.
Os olhos seus enxugou;
E a v a n ço u ... e à janela E o telescópio de novo
Sozinha a viu suspirar, Para essa vela apontou.
— Saudosa e bela encarando Quem era o vulto tão triste
A imensidade do mar. Parece reconheceu;
Mas a vela no horizonte
Como se vira um espectro. Para sempre se perdeu.
De repente ela fugiu!
T al foge a corça nos bosques
Se leve rumor sentiu.
A VILA MALDITA, CIDADE DE DEUS.
Que foi? — Quem sabe dizê-lo?
Foram vislumbres de dor; Ao SEU Q uerido e Afetuoso Amigo
Coração, que tem remorsos. A. T . DE Carvalho L eal.
Sente contínuo terror!
Peccata peccavít Jerusalem, et propter ea instabilis
Êle à janela chegou-se. facta Còt; omnes qui glorificabant cam, spreverunt illam,
Horrível nada en co n tro u ... quia viderunt ignominiam eju s; ipsa autem gemens conversa
est retrorsura.
Som ente, ao longe, nas sombras.
Sua fragata avistou. LAM EN T.

E n tão pensou que no mundo I.


Nada mais de seu contava!
Nada mais que essa fragata! O imenso aposento a luz alaga
Nada mais de quanto amava! Com soberbo clarão.

[72]
E as mesas do banquete se devolvem
CANTOS

I I I.
I
Pelo vasto salão; E a mortífera peste lutuosa
Do inferno rebentou,
E os instrumentos palpitantes soam E nas asas dos ventos pavorosa
Frenética harmonia; Sôbre todos passou.
E o côro dos convivas se levanta
Pleno d’ébria alegria! E o mancebo que via esperançoso
Longa vida futura.
Doido sentiu quebrar-lhe as esperanças
Ali se ostenta o nobre vicioso
Rebuçado em orgulho, — o rico infame, Pedra de sepultura.
Cheio de mesquinhez, — o envilecido. E a donzela tão linda que vivia
Imundo pobre no seu manto envolto 137 Confiada no amor.
Dc misérias, torpeza e vilanias; ^ Entre os braços da mãe provou bem cedo
— A prostituta que alardeia os vícios. Da morte o dissabor.
Menosprezando a castidade e a honra.
Sem pejo, sem pudor, d’infâmia eivada. E o trêmulo ancião qu’inda esperava
Alorrer assim
E o livre ditirambo, a atroz blasfêmia. Como um fruto maduro destacado
Os cantos imorais, canções impudicas, 138 D ’árvore enfim,
Gritos e orgia envolta em negro manto
De fumo e vinho, — os ares aturdiam; Sentiu a morte esvoaçar-lhe em torno,
E muito além, no meio d’alta noite, Como um bulcão,
Nos ecos, ruas, praças rebatiam. Que afronta o nauta quando avista a terra
Da salvação.
E ra deserta a vila, a casa, o templo —
I I.
Ar de morte soprou!
Mas a casa dos vis nos seus delírios
Depois, ainda suja a bôca, as faces, Ébria continuou!
D ’imundo vomitar,
Com vacilante pé calcando a terra “ E Deus maldisse a terra criminosa,
Os viras levantar. “ Maldisse os homens dela,
“ Maldisse a cobardia dos escravos
A larga porta despedia em turmas “ Dessa terra tão bela.”
A noturna coorte;
Ouvia-se depois por tôda a parte I V
Gritos, horror de morte!
E is o aço da guerra lampeja,
E ninguém vinha ao retinir de ferro, Do fogoso corcel o nitrido,
Que assassinava; E is o brônzeo canhão que rouqueja,
Porque era dum valente o punhal nobre, Eis da morte represso o gemido.
Que as leis ditava.
J á se aprestam guerreiros luzentes.
J á se enfreiam corcéis belicosos.
Outra vez a cair se emaranhavam Já mancebos se partem contentes.
Da porta pelo umbral: Augurando a vitória briosos.
Tinham tintas de sangue a face, as vestes.
Em sangue tinto o punhal. Brilha a raiva nos olhos; — nas faces
O interno rancor podes ler;
E vinha o sol manifestar horrores Eia, avante! — clamaram os bravos.
Da noite derradeira; Eia, avante! — ou vencer ou morrer!
E a morte vária revelava a fúria
Da turba carniceira. Eia, avante! — briosos corramos
Na peleja o imigo bater;
E o sacrílego padre só vendia Crua morte na espada levamos!
O túm’lo por dinheiro; Eia, avante! — ou vencer ou morrer!
Vendia a terra aos mortos insepultos,
O vil interesseiro! Eis o aço da guerra lampeja,
Do corcel belicoso o nitrido,
Ou lá 139 ficavam, como pasto aos corvos. Eis o brônzeo canhão que rouqueja
Por sôbre a terra nua; E da morte represso o gemido.
E ninguém de tal sorte se pesava,
Que ser podia a sua! V.

“ E Deus maldisse a terra criminosa, E a selva vomitou homens sem conto


“ Maldisse aos homens dela, A 1^0 voz do onipotente,
“Maldisse a cobardia dos escravos Como a neve hibernai que o sol derrete.
“ Dessa terra tão bela.” Engrossando a corrente.

[73]
ANTÔNIO GONÇAT.VES D IAS

E em redor dessa vila se estreitaram, E a donzela tremeu, da mãe nos braços


Cingidos d’armadura; Não salva ainda,
E a vila se doeu no íntimo seio Que incitava os prazeres do soldado
De tão acre amargura. A face linda.

E o fido amante, que de a ver tão bela


Mas os fortes bradaram : — Eia, avanteI Sentiu prazer.
Prontos a batalhar; Sente m artírios porque ^'*2 a vê formosa
Mas o braço e valor ante os imigos No seu morrer.
Se vieram quebrar.
Coisa alguma escapou! — J á tudo é cinzas,
E um ano inteiro sem cessar lutaram. Tudo destruição:
Cheios de bizarria, A coluna, o palácio, a casa, o templo,
Como dois crocodilos que brigassem O templo da oração!
Dum rio a primazia 1
Meninos, homens e mulheres, — todos
J á rojam sôbre o pó;
E renderam-se enfim, mas de famintos. Mas o Deus, o Deus bom já está vingado.
De sequiosos; P or ela já sente dó.
Valentes lidadores foram êles,
Se não briosos. E a vila d’outrora mais ruidosa.
L á ressurgiu cidade;
Porque o Deus da justiça, o das armadas,
V I. O Deus é de bondade.

E o exército contrário entra rugindo


Na vila, que as suas portas lhe franqueia;
Rasteiro corre o incêndio e surdamente
O custoso edifício ataca e mina. QUADRAS DA M INHA VIDA.
E is que a chama roaz am ostra as fendas
Das portas que se abrasam ; descortina R ecordação e D e s e jo .
O tôrvo olhar do vencedor — apenas —
L á dentro o incêndio só, fora só trevas! Ao meu bom amigo o Dr. A. Rêgo.
U rros de frenesi, de dor, de raiva
Escutam dos que, às súbitas colhidos. Sol chi non lascia eredità d’affetti
Contra os muros em brasa se arrem essam ; Poca gioia ha dell’urna.
Dos que, perdido o tino, intentam loucos FOSCOLO.
Achar a salvação, e a morte encontram.
L á dentro confusão, silêncio fora! I.
São carrascos aqui, vítimas dentro.
Geme o travejam ento, estrala a pedra. Houve tempo que os meus olhos
Cresce horror sôbre horror, desaba o teto, Gostavam do sol brilhante,
E o fumo enegrecido se enovela E do negro véu da noite,
Co’o vértice sublime os céus roçando. E da aurora cintilante.
Como o vulcão que a lava arroja às nuvens,
Como ígnea coluna que da terra Gostavam da branca nuvem
Hiante rebentasse, — tal se eleva. Em céu de azul espraiada,
T al sobe aos ares, tal se empina e cresce Do terno gemer da fonte
A labareda portentosa; e baixa, Sôbre pedras despenhada.
E desce à terra, e o edifício enrola,
E o sorve inteiro, qual se foram vagas Gostavam das vivas côres
Que a dura rocha do alicerce abalam, De bela flor vicejante,
Que a enlaçam, como a preia, — e ao fundo pego E da voz imensa e forte
Levam, deixando o mar branco d’espuma. Do verde bosque ondeante.
No horror da noite, sibilando os ventos.
Línguas piramidais do atroz incêndio. Inteira a natureza me sorria!
Fum osas pelas ruas estalando. A luz brilhante, o sussurrar da brisa,
Tingem da côr do inferno a côr da noite. O verde bosque, o rosicler d’aurora.
Tingem da côr do sangue a côr do inferno! E strelas, céus, e mar, e sol, e terra,
D ’esperança e d’amor minha alma ardente.
— O ar são gritos, fumo o céu, e a terra fogo.
De luz e de calor meu peito enchiam.
Inteira a natureza parecia
VII. Meus mais fundos, mais íntimos desejos
Perscrutar e cum prir; — almo sorriso
E aquêles que inda sãos e imunes eram. Parecia enfeitar co’os seus encantos,^
Os que a peste enjeitou, Com todo o seu amor compor, doirá-lo,
Que fome e sêde e privações s o fre ra m ... l ’orque os meus olhos deslumbrados vissem-no.
A espada decepou. Porque minha alma de o sentir folgasse.

[74]
CANTOS

Oh! quadra tão feliz! — Se ouvia a brisa Gostavam de um gesto brando.


Nas folhas sussurrando, o som das águas, Que revelasse pudor;
Dos bosques o rugir; — se os desejava, Gostavam de uns olhos negros.
— O bosque, a brisa, a fôlha, o trepidante Que rutilassem de amor.
Das águas murmurar prestes ouvia.
E gostavam meus ouvidos
Se o sol doirava os céus, se a lua casta.
De uma voz — tôda harmonia, —
Se as tímidas estréias cintilavam.
Se a flor desabrochava envolta 144 em musgo, Quer pesares exprimisse.
Quer exprimisse alegria.
— E ra a flor que eu amava, — eram estréias
Meus amores somente, o sol brilhante, E ra um prazer, que eu tinha, ver a virgem
A lua merencória — os meus amores! Indolente ou fugaz — alegre ou triste.
Oh! quadra tão feliz! — doce harmonia. Da vida a estreita senda desflorando
Acordo estreme de vontade e fôrça. Com pé ligeiro e ânimo tranqüilo;
Que atava minha vida à natureza! Irnpróvida e brilhante parecendo
Ela era para mim bem como a esposa Seus dias desfolhar, uns após outros.
Recém-casada, pudica 145 sorrindo; Como fôlhas de rosa; — e no futuro —
Alma de noiva — coração de virgem. V er luzir-lhe sòmente a luz d’aurora.
Que a minha vida inteira abrilhantava! E ra deleite e dor vê-la tão leda
Quando um desejo me brotava n’alma. Do mundo as aflições, angústias, prantos
Ela o desejo meu satisfazia; Afrontar co’um sorriso; era um descanso
E o quer que ela fizesse ou me dissesse, Interno e fundo, que sentia a mente.
Êsse era o meu desejo, essa a voz minha, Um quadro em que os meus olhos repousavam.
Êsse era o meu sentir do fundo d’alma. Ver tanta formosura e tal pureza
Expresso pela voz que eu mais amava. Em rosto de mulher com alma d’anjol

I I. IV .
Houve tempo em que os meus olhos
Agora a flor que m’importa. Gostavam de lindo infante,
Ou a brisa perfumada. Com a candura e sorriso
Ou o som d’amiga fonte Que adorna infantil semblante.
Sôbre pedras despenhada?
Gostavam do grave aspecto
Que me importa a voz confusa De majestoso ancião.
Do bosque verde-frondoso. Tendo nos lábios conselhos.
Que m’importa a branca lua. Tendo amor no coração.
Que m’importa o sol formoso?
Um representa a inocência.
Outro a verdade sem véu;
Que m ’importa a nova aurora.
Ambos tão puros, tão graves.
Quando se pinta no céu;
Ambos tão perto do céu!
Que m ’importa a feia noite.
Quando desdobra o seu véu? Infante e velho! — princípio e fim da vida! —
Um entra neste mundo, outro sai dêle.
Estas cenas, que amei, já me não causam Gozando ambos da aurora; — um sôbre a terra,
Nem dor e nem prazer! — Indiferente, E o outro lá nos céus. — O Deus, que é grande,
Minha alma um só desejo não concebe. Do pobre velho compensando as dores,
Nem vontade já t e m !... O h! Deus! quem pôde O chama para si; o Deus clemente
Do meu imaginar as puras asas Sôbre a inocência de contínuo vela.
Cercear, desprender-lhe as níveas plumas. Amei do velho o majestoso aspecto.
Rojá-las sôbre o pó, calcá-las tristes? Amei o infante que não tem segredos,
Perante a criação tão vasta e bela Nem cobre o coração co’os folhos d’alma.
Minha alma é como a flor que pende murcha; Amei as doces vozes da inocência,
E ’ qual profundo abismo: — embalde estréias A ríspida franqueza amei do velho,
Brilham no azul dos céus, embalde a noite E as rígidas verdades mal sabidas,
Estende sôbre a terra o negro manto: Só por lábios senis pronunciadas.
Não pode a luz chegar ao fundo abismo.
Nem pode a noite enegrecer-lhe a face;
Não pode a luz à flor prestar mais brilho. V.
Nem viço e nem frescor prestar-lhe a noite!
Houve tempo, em que possível
Eu julguei no mundo achar
Dois amigos extremosos.
I I I.
Dois irmãos do meu pensar;

Houve tempo em que os meus olhos Amigos que compr’endessem


Se extasiavam de ver Meu prazer e minha dor,
Agil donzela formosa Dos meus lábios o sorriso,
Por entre flores correr. Da minha alma o dissabor;

[75]
ANT6 K I0 GOKÇALVES D IA S

Amigos, cuja existência Concluí que a amizade era um fantasma,


Vivesse eu co’o meu viver: Na velhice prudente — hábito apenas,
Unidos sempre na vida, No jovem — doudejar; em mim lembrança;
Unidos — té no morrer. Lem brança! — porém tal que a não trocara
Pelos gozos da terra, — meus prazeres
Foram só meus amigos, — meus amôres
Amizade! — união, virtude, encanto
Hão de ser neste mundo êles sòmente.
Consórcio do querer, de fôrça e d’alma
Dos grandes sentimentos cá da terra
Talvez o mais recíproco, o mais fundo! V II.
Quem há que diga: Eu sou feliz! — se acaso
Um amigo lhe falta? — um doce amigo, Houve tempo em que eu sentia
Que sinta o seu prazer como êle o sente, Grave e solene aflição,
Que sofra a sua dor como êle a sofre? Quando ouvia junto ao morto
Quando a ventura lhes sorri na vida, Cantar-se a triste oração.
Um a par doutro — ei-los lá vão felizes;
Quando um sente aflição, nos braços do outro Quando ouvia o sino escuro
A aflição, que é só dum, carpindo juntos. Em sons pesados dobrar,
Encontra doce alivio o desditoso E os cantos do sacerdote
No tesouro que encerra um peito amigo. Erguidos junto do altar.
Cândido par de cisnes, vão roçando Quando via sôbre um corpo
A face azul do mar co’as níveas asas A fria lousa cair;
E m deleite am oroso; — acalentados Silêncio debaixo dela.
Pelo sereno espreguiçar das ondas. Sonhos talvez — e dormir.
Aspirando perfumes mal sentidos.
P or vespertina aragem 1^6 bafejados, Feliz quem dorme sob a lousa amiga.
E ’ jôgo o seu viver; — porém se o vento Tépida talvez com o pranto amargo
No frondoso arvoredo ruge ao longe, Dos olhos da aflição; — se os mortos sentem,
Se o mar, batendo irado as êrmas praias, Ou se almas têm 147 amor aos seus despojos,
Cruzadas vagas em novêlo enrola, Certo dos pés do Eterno, entre a aleluia,
Com grito de terror o par candente E o gôzo lá dos céus, e os coros d’anjos.
Sacode as níveas asas, bate-as, — fogem. H ão de lem brar-se com prazer dos vivos,
Que choram sôbre a campa, onde já brota
O denso musgo, e já desponta a relva.
V I.
Lajem fria dos mortos 1 quem me dera
Houve tempo em que eu pedia Gozar do teu descanso, ir asilar-me
U m a mulher ao meu Deus, Sob o teu santo horror, e nessas trevas
U m a mulher que eu amasse, Do bulício do mundo ir esconder-me!
Um dos belos anjos seus. O h! lajem dos sepulcros! quem me desse
No teu silêncio fundo asilo eterno!
Em que eu a Deus só pedia Aí não pulsa o coração, nem sente
Com fervorosa oração M artírios de viver quem já não vive.
Um amor sincero e fundo,
Um amor do coração.

Q u’eu sentisse um peito amante


Contra o meu peito bater, H I N O S .
Sòm ente um d ia ... som ente!
E depois dêle morrer. Singe dem Herrn mein Lied, und du, begeisterte Seele,
Werde ganz Jubel dem Gott, den alle Wesen bekennen!
Amei! e o meu amor foi vida insana! W IELA N D .
Um ardente anelar, cautério vivo,
P ôsto no coração, a remordê-lo. Mesquinho T ributo de P rofunda Amizade ao
Não tinha uma harmonia a natureza Dr . J. d . L isboa S erra.
Comparada a sua voz; não tinha côres
Form osas como as dela, — nem perfumes
Como êsse puro odor qu’ela esparzia
D ’angélica pureza. — AÎeus ouvidos 0 MAR.
O feiticeiro som dos meigos lábios
Ouviam com prazer; meus olhos vagos
De a ver não se cansavam ; lábios d’homens Frappé de ta grandeur farouche
Je tremble......... est-ce bien toi, vieux lion que je touche,
Não puderam dizer como eu a amava! Océan, terrible océan!
TU RQ U ETY.
E achei que o amor mentia, e que o meu anjo
E ra apenas mulher! chorei! deixei-a! Oceano terrível, mar imenso
E aquêles, que eu amei co’o amor d’amigo, De vagas procelosas que se enrolam
A sorte, boa ou má, levou-mos longe. Floridas rebentando em branca espuma
Bem longe quando eu perto os carecia. Num pólo e noutro pólo.

[70]
CANTOS

E n fim ... enfim te vejo; enfim meus olhos IDÉIA DE DEUS.


Na indômita cerviz trêmulos cravo,
E êsse rugido teu sanhudo e forte Gross ist der Herr! Die Himmel ohne Zahl
Enfim medroso escuto! Sind seine Wohnungen!
Seine Wagen die donnernden Gewölke,
Und Blitz sein Gespann.
Donde houveste, ó pélago revolto, K L E IS T .
Êsse rugido teu? Em vão dos ventos
Corre o insano pegão lascando os troncos,
E do profundo abismo I.
Chamando à superfície infindas vagas,
Que avaro encerras no teu seio undoso; À VOZ de Jeová infindos mundos
Ao insano rugir dos ventos bravos Se formaram do nada;
Sobressai teu rugido. Rasgou-se o horror das trevas, fêz-se o dia,
Em vão troveja horríssona tormenta; E a noite foi criada.
Essa voz do trovão, que os céus abala,
Não cobre a tua voz. — Ah! donde a houveste, Luziu no espaço a lua! sôbre a terra
M ajestoso oceano? Rouqueja o mar raivoso,
E as esferas nos céus ergueram hinos
O ’ mar, o teu rugido é um eco incerto Ao Deus prodigioso.
Da criadora voz, de que surgiste:
Seja, disse; e tu fôste, e contra as rochas Hino de amor a criação, que soa
As vagas compeliste. Eternal, incessante,
E à noite, quando o céu é puro e limpo. Da noite no remanso, no ruído
Teu chão tinges de azul, — tuas ondas correm Do dia cintilante!
Por sôbre estrelas mil; turvam-se os olhos
Entre dois céus brilhantes. A morte, as aflições, o espaço, o tempo,
O que é para o Senhor?
Da voz de Jeová um eco incerto Eterno, imenso, que Ih’importa a sanha
Julgo ser teu rugir; mas só, perene. Do tempo roedor?
Imagem do infinito, retratando
As feituras de Deus. Como um raio de luz, percorre o espaço,
Por isto, a sós contigo, a mente livre E tudo nota e vê —
Se eleva, aos céus remonta ardente, altiva, O argueiro, os mundos, o universo, o justo;
E dêste lôdo terreal se apura. E o homem que não crê.
Bem como o bronze ao fogo.
Férvida a Musa, co’os teus sons casada. E êle que pode aniquilar os mundos.
Glorifica o Senhor de sôbre os astros T ão forte como êle é,
Co’a fronte além dos céus, além das nuvens, E vê e passa, e não castiga o crime,
E co’os pés sôbre ti. Nem o ímpio sem fé!

O que há mais forte do que tu? Se eriças Porém quando corrupto um povo inteiro
A coma perigosa, a nau possante. O Nome seu maldiz,
Extremo de artifício, cm breve tempo Quando só vive de vingança e roubos.
Se afunda e se aniquila. Julgando-se feliz;
És poderoso sem rival na terra;
Mas lá te vás quebrar num grão d’areia. Quando o ímpio comanda, quanto o justo
Tão forte contra os homens, tão sem força Sofre as penas do mal,
Contra coisa tão fraca! E as virgens sem pudor, e as mães sem honra,
E a justiça venal;
Mas nesse instante que me está marcado.
Em que hei de esta prisão fugir p’ra sempre, Ai da perversa, da nação maldita.
Irei tão alto, ó mar, que lá não chegue Cheia de ingratidão,
Teu sonoro rugido. Que há de ela mesma sujeitar seu colo
Então mais forte do que tu, minha alma. À justa punição.
Desconhecendo o temor, o espaço, o tempo.
Quebrará num relance o circ’lo estreito Ou já terrível peste expande as asas.
Do finito e dos céus! Bem lenta a esvoaçar;
Vai de uns a outros, dos festins conviva,
Então, entre miríadas de estréias, Hóspede em todo o lar!
Cantando hinos d’amor nas harpas d’anjos, Ou já tôrvo rugir da guerra acesa
Mais forte soará que as tuas vagas. Espalha a confusão;
Mordendo a fulva areia; E a esposa, e a filha, de terror opresso,
Inda mais doce que o singelo canto Não sente o coração.
De merencória virgem, quando a noite
Ocupa a terra, — e do que a mansa brisa, E o pai, e o esposo, no morrer cruento.
Que entre flores suspira. Vomita o fel raivoso;
— Milhões de insetos vis que um pé gigante
Enterra em chão lodoso.

[77]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

E do povo corrupto um povo nasce Às nuvens se elevou com fúria insana;


Esperançoso e crente, Enoveladas vagas se arrojaram
Como do podre e carunchoso tronco Ao céu co’a branca espuma!
H ástea forte e virente. Raivando em vão se encontram soluçando
Na base d’êrma rocha descalvada;
Em vão de fúrias crescem, que se quebra
I I. A fôrça enorme do impotente orgulho
O h! como é grande o Senhor Deus, que os mundos Na rocha altiva ou na arenosa praia.
Equilibra nos ares; Da tormenta o furor lhe acende os brios,
Que vai do abismo aos céus, que susta as iras Da tormenta o furor Ih’enfreia as iras,
Do pélago fremente, Que em teimosos gemidos se descerram ;
A cujo sôpro a máquina estrelada Da quieta noite despertando os ecos
V acila nos seus eixos, Além, no vale humilde, onde não chega
A cujo aceno os querubins se movem Seu sanhudo gemer, que o dia abafa.
Humildes, respeitosos.
Cujo poder, que é sem igual, excede Mas a brisa sussurrando
A hipérbole arrojada! A face do céu varreu.
O h! como é grande o Senhor Deus dos mundos, Tristes nuvens espalhando,
O Senhor dos prodígios. Que a noite em ondas verteu.

Além, atrás da montanha.


I I I. Branda luz se patenteia,
Que d’alma a dor afugenta,
Êle mandou que o sol fôsse princípio, Se dentro sentida anseia.
E razão de existência,
Que fôsse a luz dos homens — ôlho eterno Branda luz, que afaga a vista.
Da sua providência. De que se ama o céu tingir,
Quando entre o azul transparente
Mandou que a chuva refrescasse os membros. Parece alegre sorrir;
Refizesse o vigor
D a terra hiante, do animal cansado Como és linda! — como dobras
E m praino abrasador. Da vida a fôrça e do amor!
— Que também luz dentro d’alma
Mandou que a brisa sussurrasse amiga. Teu luzir encantador!
Roubando aroma à flor;
Que os rochedos tivessem longa vida, No teu ameno silêncio
E os homens grato amor! A tormenta se perdeu,
E do mar a forte vida
O h! como é grande e bom o Deus que manda Nos abismos se escondeu!
Um sonho ao desgraçado,
Que vive agro viver entre misérias. Porque assim de novo agora
De ferros rodeado; Que o vento o não vem toldar.
Parece que vai queixoso
O Deus que manda ao infeliz que espere M ansamente a soluçar?
Na sua providência;
Que o justo durma, descansado e forte Porque as ramas do arvoredo.
Na sua consciência! Bem como as ondas do mar.
Sem correr sôpro de vento.
Que o assassino de contínuo vele, Começam de murmurar?
Que trem a de m orrer;
Enquanto lá nos céus, o que foi morto. Sôbre o tapiz d’alta relva,
Desfruta outro viver! — Rocio da madrugada —
Destila gôtas de orvalho
O h ! como é grande o Senhor Deus, que rege A verde fôlha inclinada.
A máquina estrelada,
Que ao triste dá prazer; descanso e vida Renascida a natureza
A mente atribulada! Parece sentir am or;
Mais brilhante, mais viçosa
O cálix levanta a flor.
0 ROMPER D'ALVA. P or entre as ramas ocultas.
Docemente a gorjear.
Quand ta corde n’aurait qu’un son. Acordam trinando as aves.
Harpe fidèle, chante encore Alegres, no seu trinar.
Le Dieu que ma jeunesse adore.
Car c’est un hymne que son nom.
LA M A R TIN E.
O arvoredo nessa língua
Que diz, porque assim sussurra?
D o vento o rijo sôpro as mansas ondas Que diz o cantar das aves?
Varreu do imenso pego, — e o mar rugindo Que diz o mar que murmura?

[78]
CANTOS

— Dizem um nome sublime, Mas nessa escuridão, nesse silêncio


O nome do que é Senhor, Que ela consigo traz, há um quê de horrível
Um nome que os anjos dizem, Que espanta e desespera e geme n’alma;
O nome do Criador. Um quê de triste que nos lembra a morte!
No romper d’alva há tanto amor, tal vida,
Também 150 eu. Senhor, direi H á tantas cores, brilhantismo e pompa,
Teu nome — do coração, Que fascina, que atrai, que a amar convida;
E ajuntarei o meu hino Não pode suportá-la homem que sofre,
Ao hino da criação. órfãos de coração não podem vê-la.

Quando a dor meu peito acanha. Só tu, feliz, só tu, a todos prendes!
Quando me rala a aflição. A mente, o coração, sentidos, olhos,
Quando nem tenho na terra A ledice e a dor, o pranto e o riso.
Mesquinha consolação; Folgam de te avistar; — são teus,^— és dêles.
Homem que sente dor folga contigo,
Tu, Senhor, do pêso insano Homem que tem prazer folga de ver-te!
Livras meu peito arquejante. Contigo simpatizam, porque és bela,
Secas-me o pranto que os olhos Qu’és mãe de merencórios pensamentos.
Vertendo estão abundante. Entre os céus e a terra êxtase doce.
Entre dor e prazer celeste arroubo.
Tu pacificas minha alma.
Quando se rasga com pena. I I.
Como a noite que se esconde
Na luz da manhã serena. A brisa que murmura na folhagem.
As aves que pipitam docemente,
Tu és a luz do universo, A estréia que desponta, que rutila,
Tu és o ser criador. Com duvidosa luz ferindo os mares,
Tu és o amor, és a vida. O sol que vai nas águas sepultar-se
Tu és meu Deus, meu Senhor. Tingindo o azul dos céus de branco e d’oiro;
Perfumes, murmurar, vapores, brisa,
Direi nas sombras da noite. Estréias, céus e mar, e sol e terra,
Direi ao romper da aurora; Tudo existe contigo, e tu és tudo.
— Tu és o Deus do universo,
O Deus que minha alma adora.
I I I.
Também 150 eu. Senhor, direi Homem que vive agro viver de corte.
Teu nome — do coração, Indiferente olhar derrama a custo
E ajuntarei o meu hino Sôbre os fulgores teus; — homem do mundo
Ao hino da criação. Mal pode o desbotado pensamento
Revolver sôbre o pó; mas nunca, oh nunca!
H á de elevar-se a Deus, e nunca há de êle
Na abóbada celeste ir pendurar-se,
Como de rósea flor pendente abelha.
A TARDE. Homem da natureza, êsse contemple
De purpura tingir a luz que morre
As nuvens lá no ocaso vacilantes!
Ave Maria! blessed be the hour!
The time, the clime, the spot where I so oft
Há de vida melhor sentir no peito.
Have felt that moment in its fullest power.. . Sentir doce prazer sorrir-lhe n’alma,
Sink o’er the earth so beautiful and soft. . . . E fonte de ternura inesgotável
BYRON. Do fundo coração brotar-lhe em ondas.

Hora do pôr do sol! — hora fagueira,


Oh tarde, oh bela tarde, oh meus amores. Qu’encerras tanto amor, tristeza tanta!
Mãe da meditação, meu doce encanto! Quém há que de te ver não sinta enlevos,
Os rogos da minha alma enfim ouviste, Quem há na terra que não sinta as fibras
E grato refrigério vens trazer-lhe Tôdas do coração pulsar-lhe amigas,
No teu remansear prenhe de enlevos! Quando dêsse teu manto as pardas franjas
Enquanto de te ver gostam meus olhos. Soltas, roçando a habitação dos homens?
Enquanto sinto a minha voz nos lábios. H á i prazer tamanho que embriaga,
Enquanto a morte me não rouba à vida, Há i prazer tão puro, que parece
Um hino em teu louvor minha alma exale. Haver anjos dos céus com seus acordes
Oh tarde, oh bela tarde, oh meus amores! A mísera existência acalentado!

I. I V.

E ’ bela a noite, quando grave estende Sócia do forasteiro, tu, saudade.


Sôbre a terra dormente o negro manto Nesta hora os teus espinhos mais pungentes
De brilhantes estréias recamado; Cravas no coração do que anda errante.

[79]
ANTÔNIO ÜONÇALVES D IAS

Só êle, o peregrino, onde acolher-se, Não continha minha alma tôda amôres!
Não tem tugúrio seu, nem pai, nem ’spôsa. Esperanças e amor, que é feito dêles?
Ninguém que o espere com sorrir nos lábios Um dia me roubava uma esperança,
E paz no coração, — ninguém que estranhe, E sòzinho, uma e uma, me deixaram.
Que anseie aflito de o não ver consigo! M orreram tôdas, como fôlhas verdes
Cravas então, saudade, os teus espinhos; Que em princípios do inverno o vento arranca.
E êles, tão pungentes, tão agudos,
Varando o coração de um lado a outro, E o am or! — podia eu senti-lo ao menos;
Nem trazem dor, nem desespero incitam ; Quando eu via a desdita de bem perto
Mas remanso de dor, mas um suave Co’um sorri.so infernal no rosto squálido,
Recordar do passado, — um quê de triste Com fome e frio a tiritar demente.
Que ri ao coração, chamando aos olhos. Acenando-me infausta, — quando vinda
T ão espontâneo, tão fagueiro pranto, Minha hora já sentia, em que os meus lábios.
Que não fôra prazer não derramá-lo. Trem endo de vergonha, soluçassem
Ao f’liz com que eu na rua deparasse.
E quem — ah tão feliz! — quem peregrino De mãos erguidas: Meu Senhor, piedade!
Sôbre a terra não foi? Quem sempre há visto E is porque sofro assim, porque assim gemo,
Sereno e brando deslizar-se o fumo Porque meu rosto pálido se encova,
Sôbre o teto dos seus; e sôbre os cumes Porque sòmente a dor me ri nos lábios,
Que os seus olhos hão visto à luz primeira Porque meu coração já todo é cinzas.
Crescer branca neblina que se enrola,
Como incenso que aos céus a terra envia? Menti, Senhor, menti! — porque te adoro.
T ão feliz! quando a morte envôlta 151 cm pranto No altar profano de beleza esquiva
Com gelado suor Ih’enerva os membros, Não queimo incenso vão; — tu só me ocupas
Procura inda outra mão co’a mão sem vida, O coração, que eu fiz hóstia sagrada.
E o extrem o cintilar dos olhos baços. Apuro de elevados sentimentos,
De um ente amado procurando os olhos. Que o teu amor sòmente asilam, nutrem.
Sem prazer, mas sem dor, ali se apaga. Quando ao sopé da cruz me chego aflito.
O exilado! êsse não; tão só na vida, Sinto que o meu sofrer se vai minguando.
Como no passamento êrmo e sòzinho. Sinto meu coração arder em chamas.
Sente dores cruéis, torvos pesares Arder meus lábios ao dizer teu nome.
Do leito aflito esvoaçar-lhe em tôrno. Assim a cada aurora, a cada noite.
Roçar-lhe o frio, o pálido semblante, Virei consolações beber sedento
E o instante derradeiro amargurar-lhe. Aos pés do meu Senhor; — virei meu peito
Porém , no meu passar da vida à morte. Encher de religião, de amor, de fogo,
Possa co’a extrem a luz destes meus olhos Que além de infindos céus minha alma exalte.
T ro car último adeus com os teus fulgores! I I.
A h! possa o teu alento perfumado,
Do que na terra estimo, doccmente Quem me dera nas asas dêste vento,
Minha alma separar, e derramá-la Que agora tão saudoso aqui murmura.
Como um vago perfume aos pés do Eterno. Agitando as cortinas, que me encobrem
Do teu rosto o fulgor, que me não cegue.
Subir além dos sóis, além das nuvens
Ao teu trono, ó meu D eus; ou quem me desse
O TEMPLO. Ser êste incenso que se arroja em ondas
A subir, a crescer, em rôlo, em fumo,
....Jé h o v a h déploie autour de nos demeures A té perder-se na amplidão dos ares!
Le linceul de la nuit, et la chaîne des heures
Tombe anneau par anneau. Não qu’ria aqui viver! — Quando eu padeço.
TU RQ U ETY.
Surdez fingida a minha voz responde;
Não tenho voz de amor, que me console.
Corre o meu pranto sôbre terra ingrata,
E dor m ortal meu coração fragoa.
Estou só neste mudo santuário, Só tu. Senhor, só tu, no meu deserto
Eu só, com minha dor, com minhas penas! Escutas minha voz que te suplica;
E o pranto nos meus olhos represado, Só tu nutres minha alma de esperança;
Que nunca viu correr humana vista, _ Só tu, ó meu Senhor, em mim derramas
Livrem ente o derramo aos pés de Cristo, Torrentes de harmonia, que me abrasam.
Que também 152 suspirou, gemeu sòzinho, Qual órgão, que ressoa mavioso,
Que também padeceu sem ter confôrto, Quando segura mão lhe oprime as teclas.
Como eu padeço, e sofro, e gemo, e choro. Assim minha alma, quando a ti se achega.
Hinos de ardente amor desfere 154 grata:
Rem orso não me punge a consciência. E , quando mais serena, inda conserva
Vergonha não me tinge a côr do rosto, Eflúvios dêsse canto, que me guia
Nem crimes perpetrei; — porque assim choro? No caminho da vida áspero e duro.
E direi eu por quê? — Antes meu berço, Assim por muito tempo reboando
Que vagidos de infante vivedouro, 153 Vão no recinto do sagrado templo
Os sons finais de um moribundo ouvisse! Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta.
Que esperanças que eu tinha tão formosas,
Que mimosos enlevos de ternura.

[80]
CANTOS

TE DEUM. Generoso corcel, que sente as cruzes


Agudas de teimosos acicates
Lacerarem-lhe rábidas o ventre.
Nós, Senhor, nós te louvamos, Inda uma vez. Adeus! Curtos instantes
Nós, Senhor, te confessamos.
De inefável prazer — horas bem curtas
De ventura e de paz fruí convosco:
Senhor Deus Sabaó, três vêzes santo, Oásis que encontrei no meu deserto.
Imenso é o teu poder, tua força imensa. Tépido vale entre fragosas serras
Teus prodígios sem conta; — e os céus e a terra Virente deramado, foi a quadra
Teu ser e nome e glória preconizam. Da minha vida, que passei convosco.
Aqui de quanto amei, do que hei sofrido.
E o arcanjo forte, e o serafim sem mancha,
De tudo quanto almejo, espero, ou temo
E o côro dos profetas, c dos mártires
A turba eleita — a ti, Senhor, proclamam, Deslembrado vivi! — O h! quem me dera
Senhor Deus Sabaó, três vêzes santo. Que entre vós outros me alvejasse a fronte,
E que eu morresse entre vós! Mas força oculta
Na inocência do infante és tu quem falas; Irresistível me persegue e impele.
A beleza, o pudor — és tu que as gravas Qual fôlha instável em ventoso estio
Nas faces da mulher, — és tu que ao velho Do vento ao sôpro a esvoaçar sem custo;
Prudência dás, — e o que verdade e força Assim vou eu sem tino, — aqui pègadas
Nos puros lábios, do que é justo, imprimes. Mal firmes assentando — além pedaços
De mim mesmo deixando. Na floresta
És tu quem dás rumor à quieta noite. O lasso viandante extraviado
És tu quem dás frescor à mansa brisa, Por todo o verde bosque estende os olhos,
Quem dás fulgor ao raio, asas ao vento, E cansado esmorece, — cai, medita.
Quem na voz do trovão longe rouquejas. Respira mais de espaço, cobra alento,
E nas soidões 15S de novo ei-lo se entranha.
És tu que do oceano à fúria insana
Pões limites e côbro, — és tu que a terra Vestígios mal seguros sopra o vento.
No seu vôo equilibras, — quem dos astros Ou nivela-os a chuva, ou relva os cobre:
Governas a harmonia, como notas Talvez que folhas ásperas de arbusto
Acordes, simultâneas, palpitando Mordam velos da íúnica, e denotem
Nas cordas d’Harpa do teu Rei Profeta, (Duvida o viajor que os vê com pasmo)
Quando êle em teu louvor hinos soltava, Que errante caminheiro ali passasse.
Qu’iam, cheios de amor, beijar teu sólio.
E eu parti! — Não chorei, que do meu pranto
Santo! Santo! Santo! — teus prodígios
São grandes, como os astros, — são imensos, A larga fonte jaz de há muito exausta;
Como areia delgada em quadra estiva. Piá muito que os meus olhos não gotejam
O repassado fcl d’acre amargura;
E o arcanjo forte, e o serafim sem manchas, E o pranto no meu peito represado
E o côro dos profetas, e dos mártires Em cinza o coração me há convertido.
A turba eleita — a ti. Senhor, proclamam É assim que um vulcão se torna fonte
Senhor Deus Sabaó, três vêzes grande. De linfa amarga e quente; e a fonte em êrmo,
Onde não crescem profundas flores,
Nem tenras aves seus gorjeios soltam,
Nem triste viajor encontra abrigo.
ADEUS AOS MEUS AMIGOS DO MARANHÃO.

Meus Amigos, Adeus! Já no horizonte Rasgado o coração de pena acerba.


O fulgor da manhã se empurpurece: Transido de aflições, cheio de mágoa,
É puro e branco o céu, — as ondas mansas, Miserando parti! tal quando réprobo,
— Favorável a brisa; — irei de novo Adão, cobrindo os olhos co’as mãos ambas.
Sorver o ar puríssimo das ondas, Em meio a sua dor só descobria
E na vasta amplidão dos céus e mares Do Arcanjo os candidíssimos vestidos,
De vago imaginar embriagar-me! E os lampejos da espada fulminante,
Meus Amigos, Adeus! — Verei fulgindo Que o Éden tão mimoso lhe vedava.
A lua em campo azul, e o sol no ocaso
Porém quando algum dia o colorido
Tingir de fogo a implacidez das águas;
Das vivas ilusões, que inda conservo.
Verei hórridas trevas lento e lento
Sem força esmorecer, — e as tão viçosas
Descerem, como um crepe funerário •
Em negro esquife, onde repoisa a morte; E sp ’ranças, que eu educo, se afundarem
Verei a tempestade quando alarga Em mar de desenganos; — a desgraça
As negras asas de bulcões, e as vagas Do naufrágio da vida há de arrojar-me
Soberbas encastela, esporeando A praia tão querida, que ora deixo.
O curto bôjo de ligeiro barco, Tal parte o desterrado: um dia as vagas
Que geme, e ruge, e empina-se insofrido Hão de os seus restos rejeitar na praia.
Galgando os escarcéus, — bem larga esteira Donde tão novo se partira, e onde
De fósforo e de luz trás si deixando: Procura a cinza fria achar jazigo.

[81]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

S E G U N D O S C A N T O S

P R Ó L o G o. 156

O volume de poesias que agora submeto às provas públicas, é dividido em duas partes. Nada
direi sôbre a primeira que não é senão a continuação dos Primeiros Cantos; c ainda o mesmo estilo, —
0 pensamento dominando em todo o verso, mas que seja menosprezada a m etrificação, — e a rima que
naturalmente se lhe sujeita, — e o m etro que se dobra em todos os sentidos, — e o verso que se acomoda
a todos os tons como instrumento harmonioso, que sempre agrada, mesmo tangido por mãos inexperientes.
A segunda parte é um ensaio filosófico, — são sextilhas, em que adotei por meus a frase e o pensa­
mento antigo, procurando tornar o estilo liso e fácil que não desagradasse aos ouvidos de hoje, e dar ao
pensamento a côr forte e carregada daqueles tempos, em que a fé e a valentia eram as duas virtudes cardeais,
ou antes as únicas virtudes. Coloquei-me no meio daquelas épocas de crenças rígidas e profundas talvez
de fanatismo, — e esforcei-m e por simplificar o meu pensamento, por sentir como sentiam os homens de então,
e por exprimi-los na linguagem que melhor os pode traduzir — a dos Trovadores, linguagem simples
mas severa, — rimada mas fácil, — harmoniosa e valente sem ser campanuda nem guindada. Variei o
ritmo das sextilhas para que não cansasse; quis ver enfim que robustez e concisão havia nessa linguagem
semiculta, que por vêzes nos parece dura e mal soante, e estreitar 157 ainda mais, se fôr possível, as duas
literaturas — Brasileira e Portuguesa, — que hão de ser duas, mas semelhantes 158 e parecidas, como irmãs
que descendem de um mesmo tronco e que trajam os mesmos vestidos, embora os trajem por diversa
maneira, com diverso gôsto, com outro porte, e graça diferente.
Sei que ao maior número dos meus leitores não agradará esta segunda parte; era essa a minha
convicção, então quando a escrevia, e agora que a vou publicar. Escrevi-a contudo, porque aceito a ins­
piração quando e donde quer que ela me venha; — da imaginação ou da reflexão, da natureza ou do
estudo, — de um argueiro ou de uma crônica é-me indiferente: publico-as, se me agradam, rasgo-as, se
me desprazem.
A aqueles 159 críticos porém que se comprazem com o nascimento de um autor, que o seguem
passo a 150 passo durante a sua vida literária — animando-o pelo que nêle vêem de bom, reprovando o
que lhes parece mau, franca e imparcialmente — sem amor como sem ódio, mas só pelo amor das artes,
e talvez porque 161 lhes não desagradará ver a luta do autor que começa, — tenacidade do que porfia
— a modéstia do que triunfa, — para êstes, digo, todo o volume é significativo tôda a obra característica
— todo o trabalho proveitoso.
Numeram os volumes, classificam as obras, apreciam o trabalho; de tôdas as idéias formu am
um só pensamento — de tôdas as côres formam um só quadro — de todos os traços uma só fisionomia.
Quando pois aparece um novo volume de um autor qualquer, muito ou pouco conhecido, todo
o seu trabalho é confrontá-lo. Se o pensamento se enerva, se as côres desbotam, se a fisionomia se de­
compõe, — a morte vem próxim a; a árvore vingou e deixa de vingar, — cresceu e torna-se raquítica,
produziu e torna-se estéril. Mas se pelo contrário o pensamento se vai tornando mais firme como um
nó que se aperta, — se o quadro reluz como que o retocassem de novo, — se a fisionomia se expande como
que m ostra ledice, e contentam ento, — a vida será longa; a árvore vingou e continua a vingar, floresceu e
dará novas flores, produziu e dará novos frutos.
P ara êstes não será sem atrativo esta minha publicação, não como árvore de esperançosos rutos,
mas como arbusto pouco conhecido, que na sazão das flores se metamorfoseia, que toma novo aspecto, e
porventura agrada pela sua estranheza.
Sôbre o título que dei à primeira parte, bem se vê que não é um verdadeiro título, mas um
simples número: são hinos, visões, poesias líricas e americanas, composições diversas e variadas, que eu
irei publicando enquanto m erecerem o favor do público, se é que se dá o público destas coisas.
Quanto ao da segunda parte, só tenho a dizer que era minha intenção publicáda com o pseudô­
nimo de Frei A ntão de Santa Maria de Neiva, cuja vida poderão ler os curiosos na História de S. Domingos,
P. 2•^ L. 3.°, C. 4.°. Mudei de resolução, conservando-lhe todavia o título, porque 162 sem ele muitas das
sextilhas seriam ininteligíveis.
Rio de Janeiro. Fevereiro de 1848.

[82]
CANTOS

CONSOLAÇÃO NAS LÁGRIMAS. Tenho alaúde polido


Em que antigos Trovadores,
Em tom de guerra atrevido,
Las lágrimas puras que entónces se vierten, Cantavam trovas de amores.
Acaso divierten, Mas chegando a Santa Cruz,
En vez de doler.
De volta do meu destêrro,
ZORRILLA.
Cortei-lhe as cordas de ferro.
Cordas de prata lhe pus.
Como é belo à meia-noite
O azul do céu transparente. Tenho também 163 uma lira
Quando a esfera d’alva lua De festões engrinaldada,
Tôda se cala dormente, Onde minha alma afinada
Quando o mar tranqüilo e brando Melindres d’amor suspira.
Na areia chora fremente! Nas grinaldas, nos festões,
Nas rosas com que s’inflora.
Como é belo este silêncio Goteja o orvalho da aurora
Da terra todo harmonia, Dictamno 164 dos corações.
Que aos céus a mente arrebata
Cheia de meiga poesia! Eis o que tenho, ó Donzela,
Como é bela a luz que brilha Só harpa, alaúde e lira;
Do mar na viva ardential Nem vejo sorte mais bela,
Êste pranto como é doce Nem coisa que lhe eu prefira.
Que entorna a melancolia! Votei assim ao meu Deus
A minha harpa religiosa,
E sta aragem como é branda A ti a lira mimosa,
Que enruga a face do mar, O grave alaúde aos meus!
Que na terra passa e morre
Sem nas folhas sussurrar!
Os sons d’aérco instrumento
Quisera agora escutar, LIRA.
Quisera mágoas pungentes
Neste silêncio olvidar! Coeur sans amour est un jardin sans fleur.
L. H A LEV Y.
O azul do céu, nem da lua
A doce luz refletida, Se me queres a teus pés ajoelhado.
Nem o mar beijando a praia, Ufano de me ver por ti rendido.
Nem a terra adormecida, Ou já em mudas lágrimas banhado;
Nem meigos sons, nem perfumes, Volve, impiedosa.
Nem a brisa mal sentida, Volve-me os olhos;
Nem quanto agrada e deleita, Basta uma vez!
Nem quanto embeleza a vida;
Se me queres de rôjo sôbre a terra,
Nada é melhor que êste pranto Beijando a fímbria dos vestidos teus.
Em silêncio gotejado, Calando as queixas que meu peito encerra.
Meigo e doce, e pouco e pouco Diz-me, ingrata.
Do coração despegado; Diz-me: eu quero!
Não sôro de fel, mas santo Basta uma vez!
Frescor em peito chagado;
Não espremido entre dores, Mas se antes folgas de me ouvir na lira
Mas quase em prazer coado! Louvor singelo dos aniôres meus.
Por que minha alma há tanto em vão suspira;
Diz-me, ó bela.
Diz-me: eu te amo!
Basta uma vez!
CANÇÃO.

Yo no soy más que un poeta,


Sin otro bien que mi lira. AGORA E SEMPRE.
ZORRILLA.
Pone me pigris ubi nulla campis
Arbor aestiva recreatur aura,
Tenho uma harpa religiosa, Dulce ridentem Lalagen amabo,
Tôda inteira fabricada Dulce loquentem.
De madeira preciosa HORACIO. OD.
Sôbre o Líbano cortada.
Foi o Senhor quem ma deu. Ponham-me embora na crestada Libia,
De santas palmas coberta, Ou lá nas zonas em que o gêlo mora,
Que as notas suas concerta Ali tua alma viverá comigo,
Aos sons do saltério hebreu! Ali teu nome!

[83]
ANTÔNIO GONÇAI.VES D IAS

Ponham-me em terras que leões só criam, Ê como um lago de marmóreo leito


Nas altas serras que o condor habita; Sua alma ingênua e bela:
AH ainda viverá contigo No fundo não se enxerga o verde limo,
Minha alma ardente. E a lisa face nos amostra os astros.
E onde o humilde pastor só vê luzeiros.
Fam into e triste na região deserta, Os anjos lá dos céus contemplam mundos.
Co’os pés em sangue de esfarpada estilha,
Cortado o rosto de gelado vento, E se eu a vejo nos saraus ruidosos,
Mádida a com a: C’roada de beleza,
E a sombra da tristeza irresistível
Ali aos urros do leão sedento, Tingir-lhe o rosto, e desbotar-lhe o riso;
Aos crebros gritos do condor alpestre. Na mulher, que outros vêem, descubro o anjo,
Ardendo em chamas dêste amor sem termos. Que as asas d’oiro, que perdeu, lamenta!
D irei: Eu te amo!

Duros ferrolhos de prisão medonha Então como que sinto arrebatar-me


Sim pática atração!
Escute embora sepultar-me em vida;
Quisera doces carmes de ternura
Em bora sinta roxear-m e os pulsos
Nas mais delgadas cordas da minha Harpa
Férreas algem as;
Cantar-lhe, e assim dizer-lhe: “Um canto ao menos
Em bora malhas de tortura infame O acerbo exílio teu torne mais brando!”
Quebrem-me os ossos no medroso ecúleo;
Agudos dentes de tenaz raivosa Baldado empenho! Começado apenas,
Mordam-me as carnes: Afrouxa-se-m e o canto;
Debaixo dos meus dedos mal palpita
Nas feias sombras de cruel masmorra, A corda melindrosa da minha H arpa;
Nos duros tratos da tortura bruta, E como em espaço, que até d’ar carece.
Quer só comigo, quer em meio às gentes, Tangida, o extremo som morre sem eco!
D irei: Eu te amo!

Mas nunca o gêlo, nem a frágua ardente,


Nem brutas feras, nem crueza humana
Farão que eu sofra mais agudas dores,
Nem mais penadas! ROSA DO MAR!

Reclina-se outro em teu nevado seio,


Cinge-te o corpo em divinais carícias. Rosa, rosa de amor purpúrea e bela,
Quem entre os goivos te esfolhou da campa!
B eija-te o colo, beija-te o sorriso.
Goza-te e vive! G A RR ET.

E eu no entanto estorço-m e com dores! 166 P or uma praia arenosa,


Praguejo o inferno que nos pôs tão longe. V agarosa
Louco bravejo, mísero s o lu ç o ... Divagava uma Donzela;
D esejo e m orro! Dá largas ao pensamento.
Brinca o vento
Nos soltos cabelos dela.

Leve ruga no semblante


A VIRGEM. Vem num instante,
Que noutro instante se alisa;
— TIene más de vaporosa sombra, Mais veloz que a sua idéia
De inefable vision que de mujer. Não volteia,
Z O RR ILLA . Não gira, não foge a brisa.

No virginal devaneio
Linda virgem semelha 167 a linda rosa
A rfa o seio.
Que se abre ao romper d’alva;
Pranto ao riso se mistura;
Encapelam -se as pétalas mimosas.
Doce rir dos céus encanto.
Lacradas de pudor com rubro sêlo:
Leve pranto,
Cego m ortal só lhe respira o incenso; Que amargo não é, nem dura.
Mas dela a abelha extrai seu mel mais puro.
Nesse lugar solitário,
Seu nobre coração é como um templo,
— Seu fadário. —
Onde e só Deus habita;
Ali reina o mistério envolto 168 em sombras, De ver o mar se recreia;
E maga placidez envolta em cantos: De o ver, à tarde, dormente.
Só vê isto o profano; mas o antiste Docemente
De Deus a sombra vê, e a voz lhe escuta. Suspirar na branca areia.

[84]
CANTOS

Agora, qual sempre usava, Aos quais não basta a natureza humana;)
Divagava •Simpática atração d’almas sinceras
Em seu pensar embebida; Que unidas pelo amor, no amor se apuram.
Tinha no seio uma rosa Por quem suspiro, serás nome apenas?
Melindrosa,
De verde musgo vestida. A inútil chama ressecou meus lábios,
Mirrou-me o coração da vida em meio,
Ia a virgem descuidosa, E à terra fêz baixar a mente errada
Quando a rosa Que entre nuvens, amor, por ti bradava!
Do seio no chão lhe cai: Não te pude encontrar! — em vão meus anos
Vem um’onda bonançosa, No louco intento esperdicei; gelados,
Qu’impiedosa Uns após outros a cair DO precipites
A flor consigo retrai. Na urna do passado os vi; eu triste,
Amor, por ti clamava; — e o meu deserto
A meiga flor sobrenada; Aos meus acentos reboava embalde.
De agastada,
A virge’ a não quer deixar! Em vão meu coração por ti se fina.
Bóia a flor; a virgem bela. Em vão minha alma te compr’ende e busca.
Vai trás ela. Em vão meus lábios sôfregos cubiçam
Rente, rente — à beira-mar. Libar a taça que aos mortais of’reces!
Dizem-na funda, inesgotável, meiga;
Vem a onda bonançosa. Enquanto a vejo rasa, amarga e dura!
Vem a rosa; Dizem-na bálsamo, eu veneno a sôrvo:
Foge a onda, a flor também. 1^9 Prazer, doçura, — eu dor e fel encontro!
Se a onda foge, a donzela
Vai sôbre ela!
Mas foge, se a onda vem. Dobrei-me às duras leis que me impuseste.
Curvei ao jugo teu meu colo humilde.
Muitas vêzes enganada. Feri-m e aos teus ardentes passadores,
De enfadada Prendi-me aos teus grilhões, rojei por terra. ..
Não quer deixar de insistir; E o lu cro ?., foram lágrimas perdidas,
Das vagas menos se espanta, Foi roxa cicatriz qu’inda conservo.
Nem com tanta Desbotada a ilusão e a vida exausta!
Presteza lhes quer fugir.
Celeste emanação, gratos eflúvios
Nisto o mar que se encapela Das roseiras do céu; bater macio
A virgem bela Das asas auribrancas dalgum anjo,
Recolhe e leva consigo; Que roça em noite amiga a nossa esfera.
Tão falaz em calmaria, Centelha e luz do sol que nunca m orre;
Como a fria És tudo, e mais do qu’isto: — és luz e vida.
Polidez de um falso amigo. Perfume, e vôo d’anjo mal sentido.
Peregrinas essências trescalan d o l..
Nas águas alguns instantes. Tam bém passas veloz, — breve te apagas,
Flutuantes Como duma ave a sombra fugitiva.
Nadaram brancos vestidos: Desgarrada voando à flor de» um lago!
Logo o mar todo bonança,
A praia cansa
Com monótonos latidos.

Um doce nome querido SEMPRE ELA.


Foi ouvido.
Ia a noite em mais de meia: Per noctem quaesivi, quam diligit anima mea et non
Tôda a praia perlustraram, inveni illam.
Nem acharam CANT. CANT.
Mais que a flor na branca areia.
Eu amo a doce virgem pensativa.
Em cujo rosto a palidez se pinta,
Como nos céus a matutina estréia!
A dor lhe há desbotado a côr das faces,
O AMOR. E o sorriso que lhe roça os lábios
Murcha ledo sorrir nos lábios doutrem.
.Amarc amabara.
S. AGOST. Tem um timbre de voz que n’alma ecoa,
Tem expressões d’angélica doçura,
Amor! enlevo d’alma, arroubo, encanto E a mente do que as ouve, se perfuma
Desta existência mísera, onde existe? De amor profundo e de piedade santa,
Fino sentir ou mágico transporte, E exala eflúvios dum odor suave
(O quer que seja que nos leva a extremos. De aloés, de mirra ou de mais grato incenso.

[ 85 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

E nessas horas, quando a mente aflita, I I.


De dor oculta remordida, anseia
Desabrochar-se em confidência amiga, Quando um penar aflitivo.
“ Neste mundo o que sou? — triste clamava; Sem motivo,
“Pérsica envolta em pó, entre rumas, D ’improviso
“ Êrm a e sòzinha a resolver-me em pranto 1 Tu a alma ocupa e entristece,
Que padece,
“ Flor desbotada em hástea já roída, Que esmorece
“ De cujo tronco as outras amarelas Com aquêle im aginar;
“ J á rojam sôbre o pó, já murchas pendem! Aumenta a tua beleza
“ E ’ sentir e sofrer a minha vida!" Lânguido véu de tristeza,
M erencória dizia, erguendo os olhos Palor de quem sabe amar.
Aos céus dum claro azul, que lhes sorriam.
I II.
Nada o mudo alcion por sôbre os mares
E próximo a seu fim desata o canto;
Assim murcha a sensitiva.
A rosa do Sarão lá se despenha
Sempre viva.
Nas águas do Jo rd ão : e como a rosa,
Sempre esquiva;
Como o cisne, do m ar entre os perfumes.
Assim perde o colorido
Aos sons duma H arpa interna ela m orria!
P or um toque irrefletido.
Mal sentido:
E como o pastor que avista a linda rosa Assim vai o nenúfar,
Nas águas da corrente, e como o nauta Como que sofre e tem mágoas.
Que vê, que escuta o cisne ir-se embalado Esconder-se em fundas águas.
Sôbre as águas do mar, cantando a m orte; T é que o sol torne a brilhar.
Eu também a segui — a rosa o cisne,
Que lá se foi sumir por clima estranho. 173
I V.
E depois que os meus olhos a perderam,
Como se perde a estréia em céus infindos. Mas também D4 a flor brincada.
E rrei por sôbre as ondas do oceano. Perfumada,
Sentei-m e à sombra das florestas virgens, Debruçada
Procurando apagar a imagem dela, Sôbre a tranqüila corrente, 175
Que tão inteira me ficara n’alm a! Logo sente
V ir a enchente
Embalde aos céus erguendo os olhos turvos Longe, longe a rouquejar,
Meu astro procurei entre os mais astros, Que a probrezinha desfolha.
Qu’outrora amiga sina me fadara! Sem lhe deixar uma fôlha.
Sem deixá-la em seu lugar.
Com brilho embaciado e lua incerta
Nos ares se perdeu antes do ocaso.
Deixando-me sem norte em mar d’angústias. V.

Não consintas pois que as mágoas,


Como as águas,
Que das fragas
MIMOSA E BELA. Furiosas vêm 176 tombando.
Vão tomando.
Vão levando
Num á lbu m
A flor do teu coração!
H á na vida u’amor sòmente,
De ano em ano se torna mais formosa. Um só amor inocente,
E novo brilho, novas graças cria.
Um a só firme paixão.
CALDAS.

V I.
I.

T ão bela és, tão mimosa. Sê antes flor bem-fadada.


Qual viçosa Suspirada,
F resca rosa, Bafejada
Que em serena madrugada. Pela brisa que a namora.
Despontada, Pela frescura da aurora,
Rorejada Que a colora:
F oi pelo orvalho do céu; À luz do sol se recreia,
E a aurora que tudo esmalta. E de noite se retrata
Brilha reflexos de prata Da fonte na lisa prata,
No orvalho que ali prendeu. Quando o céu de luz se arreia.

[86]
CANTOS

AS DUAS AMIGAS. SONHO.

........................... Vivamos juntas Ah! frown not, sweet lady, unbend your soft brow.
Num só lugar! Nor deem me too happy in this!
Num só lugar, ou sejam mansos ares, I f I sin in my dream, I atone for it now,
Se ali te exaltas; Thus doom’d but to gaze upon bliss,
Ou sejam campos, se é ali que a relva
De pranto esmaltas. BYRON.
V. HUGO. Trad.
Sonhava esta noite. Donzela formosa.
Já vistes sôbre a flor de manso lago Já quando as estréias tombavam no mar,
Duas aves brincando solitárias. Que eu via a meu lado uma esbelta figura
Já pousadas na lisa superfície, Divina e m im osa.. . .
J á levantando vôo? Sonhar é ventura;
Deixai-me sonhar!
Já vistes duas nuvens no horizonte,
Brancas, orladas com listões de fogo, Divina e mimosa, co’um véu se cobria
A deslumbrante alvura cambiando D ’estrêlas fulgentes de brilho sem par;
Ao pôr de sol estivo? O rosto era vosso, era vossa a estatura,
E o anjo d iz ia ....
Já vistes duas lindas mariposas. Sonhar é ventura;
Abrindo ao romper d’alva as longas asas, Deixai-me sonhar!
Onde reflete o sol, como em 177 um prisma.
Belas, garridas cores?
E o anjo dizia co’um jeito celeste:
“Afetos que em outro não pude encontrar
Nem as pombas que vagam solitárias,
“P or fim me renderam, — paixão lisa e pura,
Nem as nuvens do ocaso, nem as vagas
Borboletas gentis que adejam livres “ Que tanto s o fr e s te ..." i^o
Em vale ajardinado: 178 Sonhar é ventura;
Deixai-me sonhar!
Tanto não prazem, como doces virgens,
Airosas, belas, com sorrir singelo. “ Pois tanto sofreste, não devo impiedosa
Da vida negra e má duros abrolhos “ Fineza tão grande por fim mal pagar!"
Impróvidas calcando. Eis sinto um abraço estreitar-me a cintura,
E uns lábios de r o s a ...
Quanto há no mundo d’ilusoes fagueiras.
De perfume e de amor, guardam no peito. Sonhar é ventura;
Quanto há de luz no céu mostram nos olhos. Deixai-me sonhar!
Quanto há de belo — n’alma.
E uns lábios de rosa cobrirem-me a fronte
Como um jardim seu coração se mostra. Com tépidos beijos de férvido amar!
Seus olhos como um lago transparente, Prazer tão subido após tanta amargura,
Sua alma como uma harpa harmoniosa. Não sei como o c o n te !...
Seu peito como um templo!
Sonhar é ventura;
Mas um fraco arruído espanta as aves, Deixai-me sonhar!
Uma brisa ligeira as nuvens rasga,
E uma gôta de orvalho ensopa as asas Não sei como o contei — nos lábios de rosa
Das leves mariposas. Vivi encantado sem ver, nem pensar.
Enquanto apertava a ligeira cintura.
Desgarradas voando as aves fogem, Cintura m im osa. . . .
Dos castelos dos céus perdem-se as nuvens, Sonhar é ventura;
Nem mais adejam borboletas vagas
Deixai-me sonhar!
Sôbre o esmalte das flores.

Pois quem resiste ao perpassar do tempo? Cintura mimosa! — depois vos tecia
Depois que derramou grato perfume Grinalda que a fronte vos fôsse adornar,
Sôbre as asas dos ventos que a bafejam, E um cinto de amôres com broche esmaltado
A flor também definha. De meiga p o e sia !...
Quem tão bem fadado
Mas um nobre sentir que se enraiza Vivera a sonhar!
No peito da mulher, que menos ame,
E ’ como essência preciosa e grata,
Que se lacrou num vaso. De meiga poesia, meu bem, minha amada.
Já pago de quanto me fazeis penar.
Repassa-o; depois embora o esgotem 179 Então vos tangia descantes na lira,
Leves emanações, gratos eflúvios Na lira afinada!
Há de eterno verter da mesma essência. O sonho é mentira;
Talvez porém mais doces. Não quero sonhar!

[87]
ANTÔNIO GONÇALVKS DTAS

SOLIDÃO. Não tem doçura o deserto,


Não têm harmonia os mares,
Solo e pensoso i piú deserti canipi
Como o rugir dos palmares
Vo misurando, a passi tardi e lenti, No correr da viração!
E gli occhi porto per fugire intenti
Ove vestígio human 1’arena stampi. Tu verás como a luz brinca
PETR A R C A . Sonetti. Nas folhas de côr som bria;
Como o sol, pintor mimoso.
Se queres saber o meio Seus acidentes varia;
P or que às vêzes me arrebata Como é doce o romper d’alva,
Nas asas do pensamento Como é fagueiro o luar!
A poesia tão grata; Como ali sente-se a vida
P or que vejo nos meus sonhos Melhor, mais viva, mais pura.
Tantos anjinhos dos céus; Naquela eterna verdura.
Vem comigo, ó doce amada, Naquele eterno gozar!
Que eu te direi os caminhos.
Donde se enxergam anjinhos. Vem comigo, oh! vem depressa,
Donde se trata com Deus. Não se esgota a natureza;
Mas desbota-se a inocência.
Fujam os longe das vilas, Divina e santa pureza,
Das cidades populares, Que dá vida aos objetos.
Do vegetar entre as vagas Feituras da mão de Deus!
Destas cortes enganosas; Vem comigo, ó doce amada,
Fujam os longe, bem longe, Que são êstes os caminhos.
Dêste viver cortesão! Donde eu enxergo os anjinhos,
Fujam os desta impureza. Que tu vês nos sonhos meus.
Só vês cordura por fora;
Mas nunca o vicio que mora
Nas dobras do coração!

Fu jam os! que nos importa A UM POETA EXILADO.


Rodar do carro que passa,
E sta orgulhosa vangloria, -8i II accuse et son siècle, et ses chants, et sa lyre.
Que se resolve em fumaça? Et la coupe enivrante où, trompant son délire,
E stas vozes, êstes gritos, La gloire verse tant de fiel.
Êste viver a mentir? Et ses voeux, poursuivant des promesses funestes.
Et son coeur, et la Muse, et tous ces dons célestes.
Fujam os, que em tais lugares Hélas! qui ne sont pas le ciel!
Não há prazer inocente. V. HUGO.
Só alegria que mente.
Só lábios que sabem rir!
Tam bém 184 vaguei. Cantor, por clima estranho,
Fujam os para o deserto; V i novos vales, novas serranias,
Vivamos ali sòzinhos, 182 Vi novos astros sôbre mim luzindo;
Sozinhos, mas descuidados E eu só! e eu triste!
Destes cuidados mesquinhos;
T u o azul do espaço olhando Ao sereno Mondego, ao Doiro, ao T e jo
E eu só a rever-me em ti! Pedi inspirações, — e o Doiro e o T ejo
Quando depois nos tornarmos Do mísero proscrito repetiram
À terra serena e calma. Sentidos carmes.
Aqui acharei tua alma,
E tu me acharás aqui. Repetiu-mos o plácido Mondego;
Talvez em mais de um peito se gravaram.
Ou corram os o oceano Em mais de uns meigos lábios murmurados.
Que d’imenso a vista cansa; Talvez soaram.
Dorm irei no teu regaço
Quando o tempo fôr bonança, Os filhos de Minerva, novos cisnes,
Quando o batei fôr jogando Que a fonte dos amores meigos cria,
Em leve ondular sem fim. E alguns de Lísia sonorosos vates.
Mas nos roncos da procela, 183 Sisudos m estres;
Nossos olhos encontrados,
Nossos braços enlaçados, 183 Ouvindo aquêle canto agreste e rudo
Hei de cantar-te, inda assim ! Do selvagem guerreiro, — e a voz do piaga
Rugindo, como o vento na floresta,
Ou se mais te praz, zombemos Prenhe d’augûrios;
Das setas que arroja a sorte;
Vivamos nas minhas selvas, Benignos me olhart.m, e aos meus ensaios
Nas minhas selvas do norte, Talvez sorriam ; porém mais prendeu-me,
Que gemem nênias sentidas Quem sofrendo como eu, chorou comigo, 18S
No seio da escuridão. Quem me deu lágrimas!

[88]
CAKTOS

Eu pois, que nesta vida hei aprendido Se pois sentistes compaixão amiga
Só cantar e sofrer, não vejo embalde A cair gôta a gôta dos meus lábios
Ao canto a dor unida, — e os repassados No que eu supunha cicatriz recente,
Versos de pranto. E que era úlcera funda;

Do triste poleá choro a desdita. Se me vistes os olhos incendidos.


Choro e digo entre mim; “ Pobre Canário Sangrar-me o coração no peito aflito
Que fado mau cegou, porque soltasse Ao fel das vossas dores, que azedáveis
Mais doce canto; Co’o pranto refalsado: 191

Pobre Orfeu, nestes tempos mal nascido. Ouvi! — não éreis bela, — nem minha alma
Atrás dum bem sonhado pelo mundo Vos amou, que um modelo de virtudes,
A vagar com lira — um bem que os homens — Um sublime ideal — amou somente;
Não podem dar-te! V ós o não fôstes nunca.

Sequer 18 6 esta lembrança a dor te abrande; Que uma alma como a vossa, já manchada.
A vida é breve, e o teu cantar semelha 187 Aos negros vícios mais que muito afeita.
Vagido fraco de menino enfermo, J á feia, já corrupta, já sem b r ilh o ....
Que Deus escuta.” Amá-la eu. Senhora!

Deitar-me sob a copa traiçoeira,


Que ao longe espalha a sombra, o engano, a morte;
PALINÓDIA. Recostar-m e no seio onde outros dormem,
Que por ninguém palpita!
O céu não te dotou de formosura. B eijar faces sem vida, onde se enxerga
De atrativo exterior, e a natureza
Teu peito inficionou co’a vil torpeza Visgo nojento d’ósculos comprados;
D’ingrata condição falaz e impura! Crer no que dizem olhos mentirosos.
BOCAGE. Em prantos de loureira!

Se SÓ por vós. Senhora, corpo e alma, Antes curvar o colo envilecido


Apesar da aversão que tenho ao crime. Ao jugo vil da escravidão nefanda;
Inteiro me embucei nos seus andrajos. B eijar humilde a mão que nos ofende,
Em tremedal de vicios; Que nos cobre de opróbrio!

Se só por vós descri do que era nobre, Antes, possesso dhmprudência estúpida.
Porque envolto 188 em torpeza imunda e feia. Brincando remexer 192 no açafate,
As vestes da virtude imaculada Onde por baixo de mimosas flores,
Rebolquei-as no lôdo; O áspide se esconde!

Se só por vós persegue-me o remorso, Mas eu, nos meus acessos de delírio.
Que os dias da existência me consome, Voz importuna de contínuo ouvia.
E entre angústias cruéis minha alma anseia, Cá dentro em mim, a repr’ender-me sempre
— Ludibrio dos meus erros: De vos a m a r ... tão pouco!

Consenti que a moral os seus direitos Assim o cego idólatra se culpa,


Reivindique 189 uma vez, e que a minha alma Nos espasmos d’ascética virtude.
Das lições que bebeu na pura infância De não amar assaz o vão fantasma.
Uma hora se recorde! De suas mãos feitura.

Agora, agro censor, hão de os meus lábios. Porém se luz melhor de cima o aclara.
Duras verdades trovejando em verso, Cospe afronta e desdém, e à chama entrega
Fazer de vós, o que a razão não pôde, O cêpo vil, que não merece altares.
— Mulher ou estátua! Nem d’ofrendas é digno!

Mentistes quando amor tínheis nos lábios. Releva-se a imprudência feminina,


Mentistes a compor meigos sorrisos. Inda um êrro, uma culpa se perdoa,
Mentistes no olhar, na voz, no g e s to ... Se a desvaira a paixão, se amor a cega
Fôstes bem fa ls a !... No mar de escolhos cheio.

Falsa, como a mulher que em bruta orgia O Deus, que mais perdoa a quem mais ama.
Finge extremos de amor que ela não sente Talvez da vida a negra mancha apaga
E o rosto o frece a 190 ósculos vendidos. A quem as asas de algum anjo orvalha
Ao sigilo da infância. De lágrimas contritas.

Quantas vêzes. Senhora, não caístes Mas não àquela, 193 em cujo peito mora
Humilhada, a 190 meus pés, desfeita em pranto. Torpeza só, — onde o amor se cobre
Chorando — e que choráveis? — a jurar-m e. De vícios — a nutrir-se d’impurezas,
— Que juráveis então? Como vermes de lôdo.

[89]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Se porém te aproveita o meu conselho, Suspirar, ó doce virgem,


A quem, 1^4 mais cio que a mim, tens ofendido, E ’ da alma a voz primeira,
Que entre os risos do mundo, vê tua alma A expressão mais verdadeira
E lê teus pensamentos; Da sina e do fado teu!
Vago, incerto, indefinido,
Se não crês noutra vida além da morte. Tem um quê de inexplicável,
R oga sequer a Deus, que te não rompa Como um desejo insondável,
À luz do sol divino da Ju stiça Como um reflexo do céu.
A m áscara d’enganos!
Eu amo ouvir teus suspiros,
Que a rainha da terra inamolgável, ó doce virgem mimosa,
— A DS dura opinião — te não entregue. Como nota harmoniosa,
Sozinha, e nua, e d’irrisao coberta, Como um cântico de am or;
À popular vindita! Mais do que a flor entre as vagas
Sem destino flutuando.
Folgo de os ver expirando
Em lábios de rubra côr.
OS SUSPIROS.
Mais que a longínqua harmonia,
Que o alento fraco, incerto,
Mucha pena iverdad? mucha amargura
Guardaba allá en sus senos escondida Que o diamante coberto.
A despedir-te el alma dolorida, Cintilando almo fulgor;
Hijo de su carino y su ternura? Folgo de ouvir teus suspiros,
ROM EA. ó doce virgem mimosa,
Como nota harmoniosa,
Muitas vêzes tenho ouvido, Como um cântico de amor!
Como lânguidos gemidos.
Frouxos suspiros partidos
Dentre uns lábios de coral;
A fina tez lhes deslustram.
Bem como o alento que passa QUEIXUMES.
Sôbre o candor duma taça
De transparente cristal.
I.
Ouvido os tenho mil vêzes,
Do coração arrancados, Onde estás, meu senhor, meus amores?
Sôbre lábios desmaiados A que terras — tão longes! — fugiste?
Sussurrando esvoaçar! Onde agora teus dias se escoam?
Como flor submarinha P or que foi que de mim te partiste?
Da funda gleba arrancada.
De vaga em vaga arrastada. I I.
Correndo de mar em mar!
Não te lem bras! quando eu te rogava
Ouvido os tenho mil vêzes. Não te fôsses de mim tão asinha.
Enquanto a lua fulgura, Prom eteste-m e breve ser minha
Quando a virgem d’alma pura Tu a vida, que o mar me roubava.
Fita seus olhos no céu;
Notas de mundo longínquo
Repassadas de harmonia. I I I.
Diamante que alumia
A tela de um fino véu! T ão amigo do mar fôste sempre,
Porque 197 amigos talvez não achaste!
Tu, virgem, por que suspiras? Nem carinhos, nem prantos te ameigam?
Quando suspiras que cismas? Nem por mim, que te amava, o deixaste?
E m que reflexões te abism as?
— Do passado ou do porvir; IV .
Mas não tens p assad o ainda,
Tudo é flores no presente. V ejo além o lugar onde estava
Brilha o porvir docemente, Tu a esbelta fragata ancorada.
Como do infante o sorrir. Mal sofrida jogando afagada
Do galerno que amigo a chamava.
Tu, virgem, 196 por que suspiras?
— Murmura trépida a fonte,
De relva se cobre o monte. V.
As aves sabem cantar;
O ditoso tem sorrisos, Da partida era o fúnebre instante.
O desgraçado tem pranto, Breve instante de aflitos terrores,
A virgem tem mais encanto Quando o mar traiçoeiro, inconstante.
No seu vago suspirar! Me roubava meus puros am ores!

[90]
CANTOS

VI. XV.

Inda choro essa noite medonha, Quando vires passar a Andaluza


Longa noite de má despedida! Pelos montes, com ar majestoso.
Teu amor me deixaste nos braços, Decantando nas modas de que usa
Nos teus braços levaste-me a vida! As loucuras do Cid amoroso;

VII. XVI.

Oh! cruel, que então fôste comigo, Quando vires a mole Odalisca
Que te hei feito que punes-me assim? De beleza e de extremos fadada.
Teu navio que tantos levava, Respirando perfumes da Arábia,
Não podia levar mais a mim? Em sericos 199 tapizes deitada;

VIII. XVII.

Mas a mim! — que importava que eu fôsse? Quando a vires co’a fronte bem cheia
Não me ouvira a tormenta chorar, De riquezas, de graças ornada.
E morrer me seria mais doce Pelo andar do elefante embalada,
Junto a ti, — que o meu triste penar! Que alta escolta de eunucos rodeia;

IX . XVIII.

Junto a ti me era a vida bem cara. Quando vires a Grega vagando


Oh! bem cara! — se ledo sorrias, Pelas Ilhas de Cós ou Megara,
Se pensavas sozinho e profundo, Em sua língua, tão doce, cantando
Se agras dores contigo curtias; Seus amôres que o Turco roubara;

X. X IX.

Eu te amava, senhor! — Nem podia Quando a vires no Carro de Homero,


Dentro em mim, convencer-me que fôsse Bela e grave e sisuda lavrando,
Outra vida melhor, nem mais doce, Pelos montes melífluos do Himeto
Nem que o amor se acabasse algum dia! A parelha de bois aguilhando;

X I. XX.

Mas o mar tem lindezas que encantam, Não te esqueçam meus duros pesares,
Tem lindezas, que o nauta namora. Não te esqueças por elas de mim.
Também DS dizem que vozes descantam Não te esqueças de mim pelos mares,
No silêncio pacato desta hora! Não me esqueças na terra por fim!

X I I. XXI.

São de ninfas os mares pejados. Se eu fôsse homem, também 200 desejara


Também 198 dizem, que sabem magia. Percorrer êstes campos de prata,
Que suscitam cruel calmaria. E êste mundo, na tua fragata,
Só d’em tôrno dos seus namorados. Co’uma esteira cingir d’onda amara.

XIII. XXII.

Alta noite, bem perto, aparece, Qu’ria ver a andorinha coitada


Como leiva juncada de flores. Nos meus mastros fugida poisar,
Ilha fértil em fáceis amôres, E achar no convés abrigada,
Onde o nauta da vida se esquece! Quando o vento começa a reinar!

X I V. XXIII.

Não te esqueças de mim! — Por Sevilha Ver o mar de toninhas coberto.


Quando o peito de branco marfim Ver milhares de peixes brincar.
Perceberes na preta mantilha. Ver a vida nesse amplo deserto
Sombreado por leve carmim; Mais valente, mais forte pular!

[91]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Oh! que o homem fôsse eu, mulher tu fosses, Compridos anos e folgados viva
Ou fôsse tempestade ou calmaria, Neste ditoso clima,
Ou fôsse m ar ou terra, Espanha ou Grécia, E veja a par 20 2 dos filhos seus queridos
Só de ti, só de ti me lem braria! Crescer do espôso a estim a!

O mar suas ondas inconstante volve. Possa eu também do seu feliz consórcio
Sem que o seu curso e mesmo rumo leve. De novo em cada ano
Assim dos homens a paixão se move, Soltar um hino de amizade estreme,
Falaz e vária, assim no peito ferve! U m canto mais que humano!
24 d e Março.
Meditados enganos sempre encobre
O mesmo que ao princípio ardente am ava;
O xalá não diga eu que me enganava,
Que teu peito julguei constante e nobre! CANTO INAUGURAL.
O h! que o homem fôsse eu, mulher tu fôsses. À Memória do Cônego J anuário
Ou fôsse tempestade ou calmaria.
Ou fôsse mar ou terra, Espanha ou Grécia, DA C unha B arbosa.
Só de ti, só de ti me lembraria!
Onde essa voz ardente e sonorosa,
E ssa voz que escutamos tantas vêzes.
Polida como a lâmina dum gládio,
E ssa voz onde está?
AO ANIVERSÁRIO DE UM CASAMENTO.
No rostro popular severa e forte,
A Mrs. a . N. V. DA G. No púlpito serena, amiga e branda.
Pelas naves do templo reboava,
Como oração piedosa!
A filha d’Albion benvinda seja
Ao solo brasileiro! E a mão segura, e a fronte audaciosa,
Benvinda seja às margens florescentes Onde um vulcão de idéias borbulhava,
Dio Rio hospitaleiro! E o generoso ardor de uma alma nobre
— Onde param também? 203
Qu’importa que te acene a P átria ao longe,
Que vejas incessante Novo Colombo audaz por novos mares,
As memórias, os templos, os palácios A sonda em punho, os olhos nas estréias
D a Cidade gigante? Co’as brónzeas quilhas retalhando as vagas
Do inóspito elemento;
A pátria é onde quer a vida temos
Sem penar e sem dor; Porfioso e tenaz no duro empenho,
Onde rostos amigos nos rodeiam, No manto do porvir bordava ufano.
Onde temos am or; Sob os troféus da liberdade sacra.
Os destinos da P átria!
Onde vozes amigas nos consolam
Na nossa desventura, Noturno viajor que andou vagando
Onde alguns olhos chorarão doridos A noite inteira, a revolver-se em trevas,
Na êrma sepultura; Onde te fôste, quando o sol roxeia
Nuvens de um céu mais puro?
A pátria é onde a vida temos prêsa: Secou-se a voz nas fauces ressequidas,
Aqui também 20i há sol!
Parou sem fôrça o coração no peito,
Tam bém a brisa corre fresca e leve
Quando somente um pé firmava a custo
Da manhã no arrebol!
Na terra prometida!
Aqui também a terra produz flores. E a mão cansada fra q u e jo u ... pendeu-lhe,
Tam bém os céus têm côr; Inda a vejo pendente, sôbre as páginas
Tam bém mumura o rio, e corre a fonte, Da pátria história, onde gravou seu nome
E os astros têm fulgor! T arjado em letras d’oiro.

Aqui também se arrelva o prado, o monte. P e n d eu -lh e... quando a mente escandecida
De mimoso tapiz; Talvez quadro maior lhe afigurava
Nas asas do silêncio desce a noite Que a luta acerba do T itã brioso,
Tam bém sôbre o infeliz! Últim a prole de Saturno.

A filha d’Albion benvinda seja Inveja Claudiano pincel válido,


Ao solo brasileiro; Que nos retrata o cataclismo horrendo,
Benvinda seja às margens florescentes Que êle — poeta — não achou nos combros
Do Rio hospitaleiro! Da ignívoma Tessália!

[92]
CANTOS

In v eja ., mas às formas do Gigante Andei, por vós somente, em vossas matas.
Sorri-se o grande Homero; — e o cego Bardo Colhendo agrestes flores na floresta,
Da verdade Erin, entre os heróis famosos Não respiradas nunca.
Prazenteiro o recebe! Singelas, como vós, — como vós, belas,
Enastrei-as em forma de grinalda
Fino, extremoso amante!
Não vivem muito as flores: são meus versos
Efêm eros como elas; côr sem brilho.
Dorme, ó lutador, que assaz lutaste!
Ou perfume apagado.
Dorme agora no gélido sudário;
Ou trino fraco d’ave matutina.
Foi duro o afã, aspérrima a contenda.
Ou eco de um baixei que passa ao longe
Será fundo o descanso.
Com descante saudoso.
Dorme, ó lutador, teu sono eterno;
Mas sôbre a lousa do sepulcro humilde,
Como na vida foi, surja o teu busto
Austero e glorioso. TABIRA.

Coluna inteira em combros derrocados ( P o e s ia A m e r ic a n a .)


Rôlo encerado, que já beija as praias
Do remoto porvir, — seguro e salvo
Les peaux rouges, plus nobles, mais plus infortunées
Dos naufrágios dum século; que les peaux noires, qui arriveront un jour à la liberté par
l’esclavage, n’ont d’autre recours que la mort, parce que leur
Dorme! — não serei eu quem te desperte, nature se refuse à la servitude.
Meus v e rs o s... não serão: — palmas sem graça - X - X -
Ou pobre rama d’àrvore funérea,
Piramidal cipreste. I.
E ’ Tabira guerreiro valente.
São flores que desfolha sôbre um túmulo Cumpre as partes de chefe e soldado;
Singelo, entre um rosai, quase fagueiro. E ’ caudilho de tribo potente,
Piedosa mão de peregrino estranho, — Tobajaras 205 — o povo senhor!
Que ali passou acaso! Ninguém mais observa o tratado.
Ninguém menos de p’rigos se aterra.
Ninguém corre aos acenos da guerra
Mais depressa que o bom lidador!
TABIRA.
I I.

D ed ic a tó r ia a o s P e r n a a ib u c a n o s .
Seu viver é batalha aturada,
Dos contrários a traça aventando;
E ’ dispor a cilada arriscada,
Salve, terra formosa, ó Pernambuco, Onde o imigo se venha meter!
Veneza Americana, transportada Levam noites com êle sonhando
Boiante sôbre as águas! Potiguares, 206 que o viram de perto;
Amigo gênio te formou na Europa, Potiguares, que asselam por certo
Gênio melhor te despertou sorrindo Que Tabira só sabe vencer!
À sombra dos coqueiros.
I I I.
Salve, risonha terra! são teus montes
Arrelvados, inúmeros teus vales. Mil enganos lhe têm já tecido,
Cujas veias são rios! Mil ciladas lhe têm preparado;
Doces teus prados, tuas várzeas férteis, Mas Tabira, fatal, destemido,
Onde reluz o fruto sazonado Tem feitiço, ou encanto, ou condão!
Entre o matiz das flores! Sempre o plano da guerra é frustrado.
Sempre o 207 bravo fronteiro aparece,
Outros, pátria d’herôis, teus feitos cantem, Que os enganos cruéis lhes destece.
E a bela história de colônia exaltem Face a face, arco e setas na mão.
E os nomes forasteiros;
Não eu, que nada almejo senão ver-vos. I V.
Tu e Olinda, ambas vós, co’os olhos longos.
Espraiados 204 no mar! J á dos Lusos o trôço apoucado.
Paz firmando com êle traidora.
Ambas vós, sôbre tudo americanas. Dorme ileso na fé do tratado,
Doces flores dos mares de Colombo, Que Tabira é valente e leal.
Filhas do norte ardente! Sem Tabira dos Lusos que fôra?
Virgens irmãs, que vão de mãos travadas Sem Tabira que os guarda e defende,
Sorrirem d’inoeêneia à própria imagem, Que das pazes talvez se arrepende
Que luz em claro arroio. Já feridas outrora em seu mal!

[93]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

V. X I.

Chefe stulto dum povo de bravos, Vêm soberbos, — o sol luz apenas!
Mas que os piagas vitórias te fadem, Confiados, galhardos, lustrosos.
Hão de os teus, miserandos escravos. Vêm bizarros nas armas, nas penas.
Tais triunfos um dia chorar! Atrevidos no acento e na voz!
Caraíbas tais feitos aplaudem, Um dentre êles, dos mais orgulhosos.
Mas sorrindo vos forjam cadeias, Sobe à pressa nas aspas dum monte;
E pesadas algemas, e peias, Dali brada, postado defronte
Que traidores vos hão de lançar! De Tabira — com jeito feroz:

V I. X I I.

Chefe stólido, insano, imprudente. “ O ’ Tabira, Tabira! aqui somos


Sangue e vida dos teus malbaratas?! A provar nossas forças contigo;
Míngua as forças da tribo potente. Dizes tu que vencidos já fomos!
Vencedora da raça Tupi! Di-lo tu, não no diz mais ninguém.
Hão de os teus, acoçados nas matas Ora eu só a vós todos vos digo:
Mal feridos, sangrentos, ignavos, Sois cobardes, irmãos de Tabira!
Não podendo viver como escravos. Propagastes solene mentira,
Dar o resto do sangue por ti! Que vencer não sabemos também. 208

VII. XIII.

Vivem homens de pel’ côr da noite “Para o vosso terreiro vos chamo.
Neste solo, que a vida embeleza; Contra mim vinde todos, — sou forte:
Podem, servos, debaixo do açoite, Acorrei ao meu nobre reclamo!
Nênias tristes da pátria cantar! Aqui sou, nem me parto daqui!
Mas o índio que a vida só preza Vinde todos em densa coorte:
Por amor dos combates, e festas Travaremos combate sangrento,
Dos triunfos sangrentos, e sestas Mas por fim do triunfo cruento
Resguardadas do sol no palmar; Direis vós, se fui eu quem menti.”

VIII. X I V.

Ocioso, indolente, vadio. Disse o arauto: eis a turba ufanosa


Ou ativo, incansável, fragueiro. Lhe responde, arco e setas brandindo.
Já nas matas, no bosque erradio. Pés batidos, voz alta e ruidosa:
Já disposto a lutar, a vencer: — Bem falado, ó guerreiro, mui bem!
Ama as selvas, e o vento palreiro. Assim é; mas Tabira rugindo.
Ama a glória, ama a vida; mas antes Ressentido de ofensas tamanhas,
Que viver amargados instantes. O rancor mal encobre das sanhas,
Quer e pode e bem sabe morrer! Que não lava no sangue de alguém.

I X. X V.

Eia, avante! ó caudilho valente! Raso outeiro ali perto se of’rece:


Potiguares lá vêm denodados: Vinga-o prestes, ardido, 209 açodado!...
Tão cerrado concurso de gente. Como leiva de pálida messe.
Ninguém viu nestas partes assim! Já madura, tremendo no pé;
Poucos são, mas briosos soldados; Todo o campo descobre ocupado
Não são homens de aspecto jocundo! Por guerreiros, — no extremo horizonte
Restos são, mas são restos dum mundo; Não distingue 210 nas faldas do monte,
Poucos são, mas soldados por fim! O que é gente, o que gente não é.

X. XVI.

Os seus velhos disseram consigo. Não se abala o preclaro guerreiro,


Discutindo os motivos da guerra: Do que vê seu valor não fraqueia;
“ E ’ Tabira — cruel, inimigo. Diz consigo: “Um só golpe certeiro
Já nem crê, renegado, em Tupâ!” Vai de todo esta raça apagar!
Pés robustos lá batem na terra, Juntos são, mas são meus!” — Já vozeia;
Pó ligeiro se expande nos ares. Logo os seus lhe respondem gritando.
Era noite! milhar de milhares Tais rugidos, tais roncos soltando
São armados, mal rompe a manhã. Que aos seus próprios deveram turbar!

[94]
CANTOS

XVII. XXIII.
E com fúria tão grande arremetem,
Diz a fama que então de assustadas Com despêgo tão nobre da vida;
Muitas aves que o espaço cruzavam. Tantos golpes, tão fundos repetem,
De pavor subitâneo tomadas, Que senhores do campo já são!
Descaíam pasmadas no chão; Potiguares lá vão de fugida,
Já com silvos e atitos voavam Inda à fera mais tôrva c bravia
Muitas outras, que o triste gemido Disputando guarida dum dia
No conflito, abafado e sumido. No mais fundo do vasto sertão!
Talvez deram, — mas fraco, mas vão!
XXIV.
XVIII.
Potiguares, que a aurora risonha
Viu nação numerosa e potente,
Eis que os arcos de longe se encurvam,
Não já povo na tarde medonha,
Eis que as setas aladas já voam,
Mas só restos dum povo infeliz!
Eis que os ares se cobrem, se turvam.
De frechados, de surdos que são.
Insepultos na terra inclemente
Muitos dormem; mas há quem Ih’inveja
Novos gritos mais altos reboam.
Entre as hostes se apaga o terreno.
Essa morte do bravo em peleja,
Já tornado apoucado e pequeno.
Quem a vida do escravo maldiz!
Já coberto de mortos o chão!
XXV.
X I X. “ Êste o conto que os índios contavam,
“A desoras, na trite senzala;
Peito a peito encontrados afoutos. “ Outros homens ali descansavam,
Braço a braço, travados briosos. “ Negra pel’ ; mas escravos também. 212
Fervem todos inquietos, revoltos, “ Não choravam; sòmente na fala
Qu’indecisa 2U a vitória inda está. “ Era um quê da tristeza que mora
Todos movem tacapes pesados; “ Dentro d’alma do homem que chora
Qual resvala, qual todo se enterra “ O passado e o presente que tem!"
No imigo que morde na terra,
Que sepulcro talvez lhe será.
H I N O S .
XX.
A LUA.
“ Mas Tabira! Tabira! que é dêle?
“ Onde agora se esconde o pujante?” Figlia dei ciei, sei bella!
— Não no vêdes?! — Tabira é aquêle Me verra nette ancor, che tu, tu stessa
Cadrai per sempre, e lascierai nel cielo
— Que sangrento, impiedoso lá vai! II tuo azzurro sentier!
— Vê-lo-eis andar sempre adiante,
C ESA RO TTI.
— Larga esteira de mortos deixando
— Trás de si, como o raio cortando Salve, ó Lua cândida,
— Ramos, troncos do bosque, onde cai. — Que trás dos altos montes
Erguendo a fronte pálida,
XXI. Dos negros horizontes
As sombras melancólicas
“ Foge! foge! leal Tobajara; Vens ora afugentar!
“ Quantos arcos que em ti fazem m ira?!” Salve, ó astro fúlgido,
— Muitos são; porém mêdos encara Que brilhas docemente.
— Face a face, quem é como eu sou! Melhor que o lume trêmulo
Muitas setas cravejam Tabira: D ’estrêla inquieta, ardente.
Belo quadro! — mas vê-lo era horrível! Melhor que o brilho esplêndido
Porco-espim que sangrado e terrível Do sol ferindo o mar!
Duras cerdas raivando espetou!
Salve, ó reflexo tênue
Da eterna luz preclara
XXII. Nas nossas noites hórridas;
Qual sol que em linfa clara
Tem um ôlho dum tiro frechado! Desponta os raios vividos.
Quebra as setas que os passos lh’impedem, Em tarja multicor;
E do rosto, em seu sangue lavado, És como a virgem púdica, 213
Frecha e ôlho arrebata sem dó! Que amor no peito encerra;
E aos imigos que o campo não cedem, Mas só, mas solitária.
Olho e frecha mostrando extorquidos Vagando aqui na terra.
Diz, em voz que mais eram rugidos; Triplica 214 o sêlo místico
— Basta, vis, por vencer-vos um só! Do não sabido amor!

[95]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Eu te amo, ó Lua cândida, Salve, ó astro fúlgido,


No giro sonolento, Que brilhas docemente.
E o teu cortejo mádido Melhor que o lume trêmulo
De estrelas, e do vento D ’estrêla inquieta, ardente.
O sôpro merencório, Melhor que o brilho esplêndido
Que à noite dá frescor. Do sol ferindo o mar.
P or teus influxos mágicos Eu te amo, ó Lua pálida.
Minha alma aos sons do canto Vagando em noite bela.
Rompendo as nuvens túrbidas
Revive; e os olhos úmidos
Da ríspida procela;
Gotejam triste pranto, Eu te amo até nas lágrimas
Que orvalha a chaga tépido, Que fazes derramar.
Que míngua a antiga dor!

Em gélido sudário
De neve alvinitente.
P or terras vi longínquas. A NOITE.
Durante a noite algente,
A tua luz benéfica
Luzir meiga do céu. Noite, melhor que o dia, quem não te ama!
Quem não vive mais brando em teu regaço!
Nos mares solitários F IL IN T O .
Tam bém 215 a vi! — nas vagas
Brincava o lume argênteo,
Cantava o nauta as magas Eu amo a noite solitária e muda,
Canções, no voluntário. Quando no vasto céu fitando os olhos,
Cansado exílio seu! Além do escuro, que lhe tinge a face.
Alcanço deslumbrado
Tam bém 215 a vi na límpida Milhões de sóis a divagar no espaço,
Como em salas de esplêndido banquete
Corrente vagarosa;
Tam bém 215 nas densas árvores Mil tochas arom áticas ardendo
En tre nuvens d’incenso!
De selva m ajestosa.
Coando os raios lúbricos
No lôbrego palmar. Eu amo a noite taciturna e quêda!
E eu só e melancólico Amo a doce mudez que ela derrama,
Sentado ao pé da veia, E a fresca aragem pelas densas folhas
Que a deslizar-se tímida Do bosque murmurando;
Então, malgrado o véu que envolve 2 1 6 a terra,
B eijava a branca areia;
A vista do que vela enxerga mundos,
Ou já na sombra tétrica
E apesar do silêncio, o ouvido escuta
Da m ata secular;
Notas de etêreas harpas.
Em devaneio plácido
Velava, enquanto via Eu amo a noite taciturna e quêda!
Então parece que da vida as fontes
Ao longe — os altos píncaros
Mais fáceis correm, mais sonoras soam.
Da negra serrania, Mais fundas se abrem ;
— Disformes atalaias, Então parece que mais pura a brisa
Que sempre ali serão! Corre, — que então mais funda e leve a fonte
No rórido silêncio Mana, — e que os sons então mais doce e tristf
Minha alma se exaltava; Da música se espargem.
E das visões fantásticas,
Que a lua desenhava. O peito aspira sôfrego ar de vida,
Seguia os traços áureos. Que da terra não é ; qual flor noturna,
Trem endo em negro chão! Que bebe orvalho, êle se embebe e ensopa
Em êxtase de am or:
Mais direitas então, mais puras devem.
Pensava ledo, impróvido,
Calada a natureza, a terra e os homens.
Até que de repente Subir as orações aos pés do Eterno
D a minha vida mísera P ara afagar-lhe o trono!
Se me antolhava à mente
A quadra breve e rápida
Assim é que no templo m ajestoso
Do malfadado amor. Reboa pela nave o som mais alto,
En tão fugia atônito Quando o sacro instrumento quebra a augusta
O bosque, a selva, a fonte, Mudez do santuário;
E as sombras, e o silêncio; Assim é que o incenso mais direito
Bem como o cervo insonte, Se eleva na capela que o resguarda,
Que às setas foge pávido E na chave da abóbada topando,
Do fero caçador! Como um dossel, se espraia.

[96]
CANTOS

Eu amo a noite solitária e muda; Abrindo-as, paira majestoso e horrendo:


Como formosa dona em régios paços, Assim o negro ponto avulta e cresce,
Trajando ao mesmo tempo luto e galas E a cúpula dos céus de côr medonha
Majestosa e sentida; Tinge, e os céus alastra, e o espaço ocupa.
Se no dó atentais, de que se enluta, A abóbada de trevas fabricada
Certo sentis pesar de a ver tão triste; Descansa em capitéis de fogo ardente!
Se o rosto lhe fitais, sentis deleite
De a ver tão bela e grave! De quando em quando o vento na floresta
Silva, ruge, e morre; e o vento ao longe
Considerai porém o nobre aspecto, Rouqueja, e brama, e cava-se empolado,
E o porte, e o garbo senhoril e altivo, E aos píncaros da rocha enegrecida
E as falas poucas, e o olhar sob’rano, De iroso e mal sofrido a espuma arroja!
E a fronte levantada: Raivoso turbilhão consigo arrastra
No silêncio que a veste, adorna e honra. O argueiro, a fôlha em vórtice espantoso;
Conhecendo por fim quanto ela é grande; No vale arranca a flor, sacode os troncos,
Com voz humilde a saudareis rainha. Na serra abala a rocha, e move as pedras,
Curvado e respeitoso. No mar os vagalhões incita e cruza.

Eu amo a noite solitária e muda, I I.


Quando, bem como em salas de banquete
Mil tochas aromáticas ardendo. Os sons da tempestade ao longe escuto!
Giram fúlgidos astros! Concentra a natureza os seus esforços
Eu amo o leve odor que ela difunde, Primeiro que entre em luta; não lampeja
E o rorante frescor caindo em pér’las, ínvio fogo nos céus; não sopra o vento:
E a mágica mudez que tanto fala, E ’ tudo escuridão, silêncio e trevas!
E as sombras transparentes! Sòmente o mar de soluçar não cessa,
Nem de rugir as ramas buliçosas,
Oh! quando sôbre a terra ela se estende, Nem de soar confuso borborinho,
Como em praia arenosa mansa vaga; Incompr’ensível, como que sem causa.
Ou quando, como a flor dentre o seu musgo, Imenso como o eco de mil vozes
A aurora desabrocha; No céu de extensa gruta repulsando.
Mais forte e pura a voz humana soa,
E mais se acorda ao hino harmonioso, Silêncio! perto vem a tempestade!
Que a natureza sem cessar repete, Grávidas nuvens de fatais coriscos.
E Deus gostoso escuta. Sem rumo, como nau em mar desfeito.
Em muda escuridão negros fantasmas.
Indistintos, sem forma, — ondulam, jogam.
Logo poder oculto impele as nuvens.
Atraem-se os castelos tenebrosos.
A TEMPESTADE. Embatem-se nos ares, —• brilha o raio,
E o ronco do trovão após rimbomba!
Fervesccrc faciet, quasi ollam profundura mare.
JO B. 41,22. I I I.

I. Ruge e brame, sublime tempestade!


Desprende as asas do tufão que enfreias,
De côr azul brilhante o espaço imenso Despega os elos do veloz corisco
Cobre-se inteiro; o sol vivo luzindo E as nuvens rasga cm rúbidas crateras.
Do bosque a verde coma esmalta e doira, Os fuzis da cadeia temerosa
E na corrente dardejando a 217 prumo Desfaz e quebra; e o espaço e as nuvens
Cintila e fulge em lâminas doiradas. Do teu açoite os látegos bramindo.
Tudo é luz, tudo vida, e tudo cores! Ocupem de pavor os céus e a terra.
Nos céus um ponto só negreja escuro! Ruge, e o teu poder mostra rugindo;
Que assim por teus influxos me comoves,
Eis que das partes, onde o sol se esconde. Que todo me eletrizas e me arroubas!
Brilha um clarão fugaz pálido e breve:
Outro vem após êle, inda outro, muitos; Qual foi Mazeppa no veloz ginete
Sucedem-se freqüentes, — mais frequentes. Por desertos, por sirtes arenosas
Assumem côr mais viva, — inda mais viva, Jungido e prêso e atônito levado;
E em breve espaço conquistando os ares Assim minha alma sobe e vai contigo,
Os horizontes co’o fulgir roxeiam. E vinga os teus palácios mais subidos.
Contempla os teus horrores, e dos astros
Qual mancha d’óleo em tela acetinada No prazer, que lhe dás, tôda embebida.
Que os fios todos lhe repassa e embebe; Malgrado teu horror, folga contigo!
Ou qual abutre do palácio aéreo Parece que ali tem a régia c’roa
Tombando acinte, — no descer sem asas Que o feliz condenado achou na Ucrânia. 218
Um ponto só, — até que em meia altura Ruge, ruge embora, ó tempestade!

[97J
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

IV. Feliz então quem tua lei guardando.


Seus passos graduou nos teus caminhos;
Enfim descendo a chuva copiosa Quem dia e noite revolveu consigo,
Nuvens, bulcões desfaz; os rios crescem, Como aplacar-te.
De pérolas a relva se matiza,
O céu de puro azul todo se arreia.
Sorri-se a natureza, e o sol rutila!

V. NOVOS CANTOS
Assim, meu Deus, assim será no dia
Do final julgam ento, quando o anjo
Soprar a trompa que desfez os muros O HOMEM FORTE.
De Jerico soberba!
Iinpavidum f e r i e n t ...
O mar sobrepujando os seus limites,
Com roncos temerosos, nunca ouvido. HORAT.
Virá para sorver, com fúria brava.
Ilhas e continentes. O modesto varão constante e justo
Pensa e medita nas lições dos sábios
O sol, perdendo o brilho e a natureza, E nos caminhos da ju stiça eterna
Não luz, mas puro fogo, há de acender-se, Gradua firme os passos.
Como o fogo sagrado, que se prende
Nas cortinas do templo. O brilho da sua alma não mareia
A luz do sol, nem do carvão se tisna;
Os orbes dos seus eixos desmontados, M orre pelo dever, austero e crente.
No abismo hão de cair com grande estrondo, Confessando a virtude.
E , redomas de vidro, hão de partir-se
Em pedaços sem conto. Pode a calúnia denegrir seus feitos.
Negar-lhe a inveja o mérito subido;
Do abismo as solidões hão de acordar-se! Pode em seu dano conspirar-se o mundo
Flam ívom os vapores condensados. E renegá-lo a pátria!
T é nós, e além de nós, hão de elevar-se
Em pavoroso incêndio. T ão modesto nos paços de Luculo, 22 2
O ar há de acender-se, a terra em fogo Como encerrado no tonel do Grego,
Tornar-se, como o ferro ardendo em frágua, 219 Nem o transtorna a aragem da ventura,
Coalhar-se o mar e em áspera secura Nem a desgraça o abate.
Converterem-se as ondas.
A tiranos preceitos não se humilha.
E nesta confusão de fumo e chamas. Ante o ferro do algoz não curva a fronte,
Neste caos, que a mente mal alcança, Não faz calar da consciência o grito,
Quando nada existir de quanto existe. Não nega os seus princípios.
Será vencida a morte.
Antes, seguro e firme e confiado
Logo, a 220 uixi só dizer do Onipotente,
No tempo, vingador das injustiças,
O pó segunda vez há de animar-se,
E os mortos, mal sofrendo a luz da vida. Co’os pés na cadafalso e a vista erguida
Atônitos, pasmados; Se m ostra imperturbável.

H ão de erguer-se na campa, inteiros, vivos, Sofre m ártir e expira! A pátria em tôrno


E como Adão, a tatear os membros. Do seu sepulcro o chora, onde a virtude.
Estranhos à 2 2 1 existência já vivida. Afeita ao luto e à dor, de novo carpe
Perguntarão: Quem somos? Do justo a flébil m orte!
Então, Senhor, então, — tu o disseste —
Virás cheio de glória e m ajestade.
Em sólio de luzeiros resplendente,
E em celeste cortejo! DIES ÍRAE.
Virás, sol de justiça, em fins do mundo
Acalm ar a procela, e quando aos mortos Jaz o mundo corrupto! — a terra ingrata
Disseres tu, quem és, — lembrar-nos-emos. Frutos de maldição produz som ente;
Senhor, do que já fomos. E enquanto os homens ao mercado afluem.
Vazio o templo do Senhor se enluta.
Feliz então quem só viveu contigo, Em poeira-se o altar, e pelas naves.
Quem n ’âncora da fé prendeu sua alma, Gretadas, rôtas pela mão do tempo.
Quem só em ti fundou sua esperança. De cânticos e preces deslembradas,
Pequeno e humilde! A voz de Deus já não reboa imensa!

[98]
CANTOS

Tudo porém conserva o mesmo aspecto: O homem sofre, blasfema e desespera,


O sol girando, e na aparência o mesmo, E vendo os mundos desabar precipites,
Do ano as quadras compassado alterna; Um grito solta d’horroroso transe,
E os astros, seus irmãos, gravitam sempre Como de nau, que em alto mar s afunda
D ’abôbada celeste. A terra é a mesma; E rola os restos n’amplidâo das aguas.
As águas pelos vales se deslizam.
Ou d’alpestres montanhas se despenham Satisfez-se o Senhor. Que resta? — O caos,
Co’os mesmos sons, co’a mesma queda: as brisas O horror, a confusão, o vulto enorme
Inda conversam nos soturnos bosques; Do tempo, que escurece o fundo abismo,
A mulher, a mais bela criatura. Onde por todo o sempre jaz cativo;
Nas suas próprias perfeições compraz-se. E da morte o cadáver gigantesco
Como quando, no Edén, as pulcras formas Quase ocupando a superfície inteira
Pasmou de ver representadas n’àgua, Dum mar de chumbo, escuro e sem rumores.
E de as ver se ufanou. Inda conserva Da glória do Senhor um raio apenas,
O mesmo orgulho e inteligência o homem, L á dos confins do espaço despedido.
O rei da criação, o deus criado. Fere da morte o rosto macilento.
De quando vinham, por pedir-lhe os nomes. De tudo quanto foi, é quanto existe! 2 2 S
Cetáceos, aves e os reptis e aquelas
Criaturas-montanhas, que passaram
Entre Adão e Noé à flor da terra!
ESPERA!
Tudo o mesmo se m ostra; mas a alma,
Êsse mundo interior, êsse outro templo.
Onde gravara o próprio Deus seu nome. Quem há no mundo que aflições não passe,
Como os templos de pedra, jaz sem lume, Que dores não suporte?
Jaz como o prédio a desfazer-se em ruínas. Mais ou menos d’angùstias cabe a todos,
Onde um guarda solícito não mora, A todos cabe a morte.
E entregue às 223 aves más, que em chilros pregam.
Que ali na ausência do senhor imperam. A vida é um fio negro d’amarguras
Da divina bondade cheio o vaso E de longo sofrer;
Já transborda de cólera e justiça Semelha 226 a noite; mas fagueiros sonhos
E o largo rio do perdão saudável. Podem de noite haver.
Que mais não corra, empece: 224 Santas águas
Por que então maldiremos êste mundo
Por cuja causa os séculos já viram.
E a vida que vivemos,
Sem justa punição, ofensas graves; Se nos tornamos do Senhor mais dignos.
Que o Senhor consentisse persistirem Quanto mais dor sofremos?
Os maus no mal, à espera d’emendá-los;
Que triunfasse a malvadeza; e o crime. Quantos cabelos temos, êle o sabe;
Vexando os bons, senhoreasse a terra. Êle pode contar
As folhas que há no bosque, os grãos d’areia
Mas Deus, que fôra outrera pai clemente. Que sustentam o mar.
Dando comêço ao reino da justiça,
Em austero juiz se há convertido. Como pois não será êle conosco
Como um carro, que vai d’encontro ao abismo. No dia da aflição?
Perfaz o sol precipite o seu giro. Como não há de computar as dores
Do nosso coração?
Indo a tocar a temerosa meta
Prevista dos profetas. Um arcanjo
Como há de ver-nos, sem piedade, o rosto
Com mão robusta inda retém os elos Coberto d’amargura:
Da cadeia do tempo, enquanto a outra Êle, senhor e pai, conforto e guia
Da vida o livro volumoso sela Da humana criatura?
Com sete brônzeos selos. Deus ofeso
Tira os olhos do mundo, e o mundo há sido! Se o vento sopra, se se move a terra,
Se iroso o mar flutua;
Quem pudera pintar as discordâncias Se o sol rutila, se as estréias brilham,
Em que labora a natureza! Crescem Se gira a branca lua;
Da terra ígneos vapôres, sufocando
O que respira, o que tem vida: os montes Deus o quis. Deus que mede a intensidade
Em crateras se rasgam, que vomitam Da dor e da alegria,
Fumo e lava incessante; o mar s’empola Que cada ser comporta — num momento
E em fúria ardendo, arroja aos altos cimos D ’arroubo ou d’agonia!
Cruzados vagalhões, qual se tentara
Sorvertê-los; os ventos se contrastam! Embora pois a nossa vida corra
Novos prodígios, novos monstros surgem! Alheia da ventura!
O mar se torna em sangue, o sol em fogo, Além da terra há céus, e Deus protege
O Universo em mansão d’aflitas dores. A tôda criatura!

[99]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

V iajor perdido na floresta à noite. Em que plagas inóspitas e duras


Assim vago na vida; Não me tens sido companheira e amiga?
Mas sinto a voz que me dirige os passos Em que hora, em que instante
E a luz que me convida. De folga ou de fadiga
J á deixei de sentir o penetrante
Espinho teu, a repassar-me todo
Dum prazer melancólico e suave?

Pois nasces nos desertos da tristeza,


A SAUDADE. Ó Saudade, ó rainha do passado!
Quando te falte gleba, onde tu cresças.
Vem, vem ter com igo;
Saudade, ó bela flor, quando te faltem Deixa os que te não seguem.
Coração ou jardim, onde tu cresças; T erás em peito amigo
Vem, vem ter com igo; Lágrim as, que te reguem.
D eixa os que te não seguem, Espaço, em que floresças!
T erás em peito amigo
Lágrim as, que te reguem. En tra em meu coração, ocupa-o todo.
Espaço, em que floresças. Fibra por fibra enlaça-te com êle.
Desce com êle à sepultura; e quando
Das pègadas da ausência tu despontas. Jazer eu na eternidade,
Entre as memórias cresces do passado, Minha flor, minha saudade.
Quando um objeto amado, Tu procura a aura celeste.
Quando um lugar distante, Rompe a terra, transform a-te em cipreste,
Noite e dia, Qu’enlute o meu jazigo;
Nos enluta e apoquenta a fantasia. E ao meneio das ramas funerárias,
Vem, ó Saudade, vem Meu derradeiro amigo.
A mim também Descanse morto quem viveu contigo.
Consolar de gemidos suspirosos
E de partidos ais!
O h! seja a punição dos insensíveis
Não te sentir jam ais!
NÃO ME DEIXES!
Propícia Deusa, e se não fôsse a esperança,
Deusa melhor da vida; quMnsensato,
A quem mitigas túrbidos pasares Debruçada nas águas dum regato
H averá tão ingrato A flor dizia em vão
A corrente, onde bela se m ir a v a ....
Que te não queime incenso em teus altares?
“ Ai, n ã o me deixes, n ã o ! 229
O presente o que é? — Breve momento
D ’incômodo ou desgraça
“ Comigo fica ou leva-me contigo
Ou de prazer, que passa “ Dos mares à amplidão,
Mais veloz que o ligeiro pensamento. “ Límpido ou turvo, te amarei constante;
Véu escuro, 227 “ Mas não me deixes, não!”
Que nem sempre a ilusão nos adelgaça,
Nos encobre os caminhos do futuro. E a corrente passava; novas águas
O que nos resta pois? — R esta a saudade, Após as outras vão;
Que dos passados dias E a flor sempre a dizer curva na fonte:
De mágoas e alegrias “ Ai, não me deixes, não!"
Bálsam o santo extrai consolador!
R esta a saudade, que alimenta a vida E das águas que fogem incessantes
À luz do facho que adormenta a dor! A eterna sucessão
Dizia sempre a flor e sempre embalde:
“ Ai, não me deixes, não!"
H era do coração, memória dêle,
ó Saudade, ó rainha do passado.
P or fim desfalecida e a côr murchada.
Semelhas 228 a rom ântica donzela
Quase a lamber o chão,
De roupas alvejantes
Buscava inda a corrente por dizer-llie
Nas ruínas de castelo levantado:
Que a não deixasse, não.
Grinaldas flutuantes,
Que das fendas brotaram.
Movem-se do nordeste A corrente impiedosa a flor enleia.
Ao sôpro agudo e frio; Leva-a do seu torrão;
Enquanto vendo-o ao longe o senliorio. A afundar-se dizia a pobrezinha:
De posses decaído, “ Não me deixaste, n ão!”
D ’invernos alquebrado.
Recorda triste os anos que passaram !

[100]
CANTOS

ZULMIRA. Outro louve os seus cabelos,


Cante a luz dos olhos belos
Que fascina;
Sonhar-te eu na veiga de Granada, E o leve sorrir donoso
Tapetada de flores e verdura, Que irradia o rosto airoso
Onde o Darro e Xenil no lento giro D ’Angelina!
Volvem a linfa pura.
Os dotes diga que apura,
Ali te vejo em leda comitiva Quando em lânguida postura
Dos gentis cavaleiros do oriente, Se reclina;
Quando, deposta a malha do combate. Que s’ergue, se acaso passa
Vestem da paz a sêda reluzente. Sussurro que aplaude a graça
D ’Angelina!
Ali te vejo num balcão sentada.
Grande preço da maura arquitetura. Que de amor quando suspira
Pejando as asas das noturnas brisas O bardo quebrara a lira.
Dum canto de ternura. De mofina;
Que jamais puderam 23i cantos
Ali te vejo, sim; mas mais me agrada Pintar ao vivo os encantos
O que se m ’afigura noutro instante, D ’Angelina.
Ver-te em vistosa tenda d’ouro e sêdas.
Levantada no dorso do elefante. Que da sua alma a pureza
Equipara-se à beleza
E em roda, ao largo, o séquito pomposo Peregrina;
D’eunucos a teu gesto vacilantes Que amor seu trono tem pôsto
Em cujas frontes negras se destacam N ’alma, no talhe e no rosto
Alvíssimos turbantes. D ’Angelina.

E pergunto quem és? — Então me dizem Eu que não sei descrevê-la.


Ciosos de guardar o seu tesouro. Só sei que me arrouba o vê-la
Nome tão doce aos lábios, que parece T ão divina;
Escrever-se em cetim com letras d’ouro. A lira seus cantos cesse,
Mas minha alma não s’esquece
D ’Angelina I

A UMA POETISA.

— Donde vens, viajor? — RÔLA.


— De longe venho.
— Que viste?
— Muitas terra. Dês que amor me deu que eu lesse
— E qual delas Nos teus olhos minha sina.
Mais te soube agradar? Ando, como a peregrina
— São tôdas belas; Rôla, que o espôso perdeu!
Fundas recordações de tôdas tenho. Seja noite ou seja dia,
Eu te procuro constante:
— E admiraste o quê? 230 Vem, oh! vem, ó meu amante.
— Ah! onde as flores Tua sou e tu és meu!
Cada vez a manhã tornam mais linda,
Onde gemeu Paraguaçu de amores Vem, oh vem, que por ti clamo;
E os ecos falam de Moema ainda; Vem contentar meus desejos.
Vem fartar-me com teus beijos.
Ali, Safo cristã, virgem formosa, Vem saciar-me de amor!
A vida aos sons da lira dulcifica: Amo-te, quero-te, adoro-te.
D’escutar a sereia harmoniosa Abraso-me quando em ti penso,
Ou de vê-la, a vontade prêsa fica! E em fogo voraz, intenso,
Bahia — 1852 Anseio louca de amor!

Vem, que te chamo e te aguardo.


Vem apertar-me em teus braços.
ANGELINA. Estreitar-m e 232 em doces laços.
Vem pousar no peito meu!
E ’ gentil e linda e bela, Que, se amor me deu que eu lesse
E eu sei que m’arrouba o vê-la Nos teus olhos minha sina.
Tão divina: Ando, como a peregrina
A lira seus cantos cesse; Rôla, que o espôso perdeu.
Mas minha alma não s’esquece
D ’Angelina!

[101]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

AINDA UMA VEZ — ADEUS ! VII.

O h! se lu te i!... mas devera


I.
Expor-te em pública praça,
Enfim te vejo! — enfim posso, Como um alvo à populaça,
Curvado a teus pés, dizer-te, Um alvo aos dictérios seus!
Que não cessei de querer-te. Devera, podia acaso
Pesar de quanto sofri. T al sacrifício aceitar-te
Muito penei! Cruas ânsias, Para no cabo pagar-te,
Dos teus olhos afastado. Meus dias unindo aos teus?
Houveram-me acabrunhado,
A não lembrar-me de ti! VIII.

I I. Devera, sim ; mas pensava,


Que de mim t ’esquecerias,
Dum mundo a outro impelido. Que, sem mim, alegres dias
Derramei os meus lamentos T ’esperavam; e em favor
Nas surdas asas dos ventos, De minhas preces, contava
Do mar na crespa cervizl Que o bom Deus me aceitaria
Baldão, ludibrio da sorte O meu quinhão de alegria
Em terra estranha, entre gente, Pelo teu quinhão de dor!
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
I X.
I I I.
Que me enganei, ora o vejo:
Louco, aflito, a saciar-me Nadam-te os olhos em pranto.
D ’agravar minha ferida. A rfa-te o peito, e no entanto
Tom ou-m e tédio da vida. Nem me podes encarar;
Passos da morte senti; Êrro foi, mas não foi crime,
Mas quase no passo extremo, Não te esqueci, eu to ju ro :
No último arcar da esp’rança. Sacrifiquei meu futuro.
Tu me vieste à lem brança: Vida e glória por te amar!
Quis viver mais e vivi!
X.
IV .
Tudo, tudo; e na miséria
V ivi; pois Deus me guardava Dum m artírio prolongado,
P ara êste lugar e hora! Lento, cruel, disfarçado,
Depois de tanto, senhora. Que eu nem a ti confiei;
V er-te e falar-te outra vez; “ E la é feliz (me dizia)
Rever-m e em teu rosto amigo. “ Seu descanso é obra minha.”
Pensar em quanto hei perdido, Negou-me a sorte m esquinha...
E êste pranto dolorido Perdoa, que me enganei!
D eixar correr a teus pés.
X I.
V.
Tantos encantos me tinham.
Mas que tens? Não me conheces?
Tanta ilusão me afagava
De mim afastas teu rosto?
De noite, quando acordava,
Pois tanto pôde o desgosto
De dia em sonhos talvez!
Transform ar o rosto meu?
Tudo isso agora onde pára?
Sei a aflição quanto pode.
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Sei quanto ela desfigura,
Tantos projetos risonhos,
E eu não vivi na v e n tu r a ....
Tudo êsse engano desfez!
Olha-me bem, que sou eu!

X I I.
V I.

Nenhuma voz me d ir ig e s !... E n g a n e i-m e !... — Horrendo caos


Ju lgas-te acaso ofendida? Nessas palavras se encerra,
Deste-m e amor, e a vida Quando do engano, quem erra,
Que ma darias — bem sei; Não pode voltar atrás!
Mas lem brem -te aqueles feros Amarga irrisão! reflete;
Corações, que se meteram Quando eu gozar-te pudera.
E n tre nós; e se venceram, M ártir quis ser, cuidei qu’e r a ...
Mal sabes quanto lutei! E um louco fui, nada mais!

[102]
CANTOS

X I I I . O SONO.

Louco, julguei adornar-me


Com palmas d’alta virtude! Nas horas da noite, se junto a meu leito
Que tinha eu bronco e rude Houveres acaso, meu bem, de chegar.
Co’o que se chama ideal? Verás de repente que aspecto risonho
O meu eras tu, não outro; Que toma o meu sonho,
Stava em deixar minha vida Se o vens bafejar!
Correr por ti conduzida.
Pura, na ausência do mal. O anjo, que ao sono preside tranqüilo.
Ao anjo da terra não ceda o lugar;
Mas deixe-o amoroso chegar-se ao meu leito.
X I V. Unir-me a seu peito,
D ’amor ofegar.
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fôra. As notas que exalam as harpas celestes.
Pensar que te vejo agora. Os gozos, que os anjos só podem gozar.
Por culpa minha, infeliz;
Talvez também frua, se ao meu peito unida
Pensar que a tua ventura
T ’encontro, ó querida,
Deus ab eterno a fizera,
No meu acordar!
No meu caminho a pusera..
E eu! eu fui que a não quis!

X V.

És doutro agora, e p’ra sempre! SE EU FÔSSE QUERIDO!


Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu êrro.
Quase descrendo dos céus! Se eu fôsse querido dum rosto formoso,
Dói-te de mim, pois me encontras Se um peito extremoso — pudesse encontrar,
Em tanta miséria pôsto, E uns lábios macios, que expiram amores
Que a expressão dêste desgosto E abrandam as dores — de alheio penar;
Será um crime ante Deus!
A tantos encantos minha alma rendida.
XVI. Votara-lhe a vida — que Deus me quis dar:
Constante a seu lado, seus sonhos divinos
Dói-te de mim, que t ’imploro Aos sons dos meus hinos — quisera embalar.
Perdão, a teus pés curvado;
P erd ão !., de não ter ousado Depois, quando a morte viesse impiedosa
Viver contente e feliz!
Da amante extremosa — meus dias privar.
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito, De funda saudade minha alma rendida
E se do mal que te hei feito. Votara-lhe a vida — que Deus me quis dar.
Também do mal que me fiz!

XVII .
Adeus qu’eu parto, senhora; A FLOR DO AMOR.
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo.
Ter sepultura entre os meus; J á lento o passo, no cair da tarde.
Negou-me nesta hora extrema. L á nos desertos d’abrasada areia,
Por extrema despedida.
Que o vento agita, porém não recreia,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus! Da caravana o condutor parou.
Armam-se à pressa tendas alvejantes.
Rumina plácido o frugal camelo;
XVIII. Porém a nuvem d’àrabes errantes
Lerás porém algum dia Se achega à prêsa, que de longe olhou.
Meus versos, d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados, E já, tomada a refeição noturna.
Com sangue escritos; — e então Junto a fogueira, que derrama vida.
Confio que te comovas, Descansam todos da penosa lida
Que a minha dor te apiade, À voz canora, que o cantor alçou!
Que chores, não de saudade, Confuso o ouvido um borborinho alcança.
Nem de amor, — de compaixão. As armas toma o árabe prudente;
Mas logo pensa, rejeitando a lança:
“ Foi o grunhido que o chacal soltou.’’

[103]
ANTÔNIO OONÇALVKS D IAS

Ouvidos todo e curioso enlevo, E , nado o sol, aquêle que passava


Torn a de novo a retomar seu pôsto; Pelos desertos d’abrasada areia,
Pela fogueira alumiado o rosto, Que o rubro sangue de cruor roxeia,
Bebendo as vozes que o cantor soltou; A um lado o rosto, pálido, voltou!
Semelha 233 a terra, quando aberta em fendas Ninguém as mortes lastimáveis chora.
D a noite o orvalho sequiosa espera; Ninguém recolhe os restos insepultos,
E o corcel árabe encostado às tendas E o mesmo orvalho, que goteja a aurora.
Os sons lhe escuta, e de os ouvir folgou. Sem borrifá-los, no areai ficou!

“ Algures cresce (o trovador cantava) Quem saberá do seu destino agora?


Sempre fresca e virente e sempre bela. Ninguém! Som ente em climas apartados
P or influxo e poder de maga estréia, Miseranda mulher lastima os fados
Mimosa, pura e delicada flor! De filho ou espôso, que jam ais tornou!
Jazendo em sítio escuso e solitário. Talvez porém, trás de montões d’areia,
Esforços é m ister p’ra conhecê-la, Nobre corcel sem cavaleiro assoma,
Que diz a forte lei do seu fadário E alonga a vista, de pesares cheia.
Que a não descubra acaso o viajor. T é onde a vida seu senhor deixou!

“ Alva do albor dos lírios odorosos,


Tem a modéstia da violeta esquiva,
E o pronto retrair da sensitiva,
Que parece vestir-se de pudor!
A SUA VOZ.
Assim, à luz da cambiante aurora.
Mudando um pouco a resplendente alvura. Por que ficasse a vida
De uns toques de carmin s ’esmalta e cora Por 0 mundo em pedaços repartida.
A graciosa e pudibunda flor. CAMÕES. Canç. X.

“ Faz-se mais puro o ar, mais brando o clima, Ouvi-a! A sua voz me despertava
Onde cresce; amenizam-se os lugares, Tudo quanto de bom conservo n’alma.
Tornam -se menos agros os pesares Retratado o pudor tinha 234 no rosto,
E menos viva, e quase nula a dor; E um suave dizer, um timbre doce
F resca e branda alcatifa o chão matiza, De voz, uma piedade estreme e santa,
Com doce niurmurio as águas correm, Que as mais profundas chagas amimava,
E o leve sôpro do correr da brisa D ’ambrosia e de mel lhe ungia os lábios.
Volúpia embebe em mágico frescor!
“ Feliz aquele que a encontrou na vida, Ouvi-a! A sua voz era mais branda.
Que onde ela nasce tímida e fagueira Mais impressiva que o cantar das aves!
Não s ’enovela a mó d’atra poeira. A aragem qu’entre flores se desliza
Tangida pelo súmiu’ abrasador! E mal remexe 235 a tímida folhagem,
Ali sorri-se oásis venturoso. A veia de cristal que triste soa,
Q u’entre deleites o viver matiza, O saudoso arrulhar de mansas pombas.
E ao que vai triste, aflito e sem repouso As próprias notas dum cantar longínquo
Chama a descanso do comprido error! Ou de instrumento a conversar co’a noite,
Menos que a sua voz impressionavam!
“ Feliz e mais que se, perdido, achara
Conforto e auxílio no catá, seu guia, Menos que a sua voz! — Os dois mais fortes.
Que o leva a fonte perenal e fria Os dois mais puros sentimentos nossos
Onde se apaga o sitibundo ardor. .— A saudade e o amor, — as mais profundas
T ã o feliz, qual talvez se o precedesse Das m erencórias solidões da terra
Nos desertos a bênção do profeta, — As florestas e o mar, — um cisrnar vago,
Que por fanal noturno lhe acendesse Um devaneio, uns 236 êxtases sem térmo
M aga estréia de límpido fulgor. D ’alma perdida por um céu de amôres,
Tan to como a sua voz não arroubavam!
“ A i! porém do que a vê, e a não conhece,
Do que a suspira em vão, e a em vão procura. Tanto como a sua voz! — sòmente o foram
Ou que achando-a, desiste da ventura Dulces notas de místicos saltérios
Por não entrar no oásis sedutor. T é nós de um astro em outro repetidas.
E ssa flor descoberta por acêrto F oi isto o que senti, quando a escutava,
Nunca mais a verás! colhe, insensato, Fluente, harmoniosa, 237 discorrendo
Colhe abrolhos da vida no deserto; E m prática singela, sôbre assuntos
Pois desprezaste a que produz o amor! Diversos, sôbre flores, menos belas
Do que o seu rosto, e céus, como ela,^ puros.
Assim cantava o trovador; e todos Mas quem na ouvira conversar de amôres
Ouvem-no com prazer de dor travado,
Trouxera n’alma como uma harpa eólia.
Que mais do que um talvez terá dei.xado
D ia e noite vibrando,
A trás de si a pudibunda flor! Como um cantar dos anjos
No entanto a nuvem d’àrabes errantes Do coração a estremecer-lhe as fibras!
Chega-se à prêsa, que avistou de longe;
E dos corcéis, que alentam ofegantes.
Precede a marcha túrbido pavor!

[104]
CANTOS

SE SE MORRE DE AMOR! Que será do que fica, e do que longe


Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio? 238
Pode o raio num píncaro caindo.
'■ Meere und Berge und Horizonte zwischen den Lieben- Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
' en — aber die Seelen versetzen sich aus dem staubigen Kerker Pode rachar o tronco levantado
, nd treffen sich im Paradiese der Liebe.
E dois cimos depois verem-se erguidos,
! SCH ILLER. Die Räuber.
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
ie se morre de amor! — Não, não se morre, Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
f.guando é fascinação que nos surprende Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
De ruidoso sarau entre os festejos; Se aparência de vida, em mal, conservam;
,2uando luzes, calor, orquestra e flores Ânsias cruas resumem do proscrito,
^\ssomos de prazer nos raiam n’alma, Que busca achar no berço a sepultura!
,Que embelezada e sôlta e_m tal ambiente
j^o que ouve, e no que vê prazer alcança! Êsse, que sobrevive à 239 própria ruína.
Ao seu viver do coração, — às gratas
rSimpáticas feições, cintura breve, Ilusões, quando em leito solitário.
Graciosa postura, porte airoso, Entre as sombras da noite, em larga insônia.
Uma fita, uma flor entre os cabelos, Devaneando, a futurar venturas.
Jm quê mal definido, acaso podem M ostra-se e brinca a apetecida imagem;
.Mum engano d’amor arrebatar-nos. Êsse, que à dor tamanha não sucumbe.
Mas isso amor não é; isso é delírio. Inveja a quem na sepultura encontra
Devaneio, ilusão, que se esvaece Dos males seus o desejado têrmo!
\o som final da orquestra, ao derradeiro
Zlarão, que as luzes no morrer despedem:
òe outro nome lhe dão, se amor o chamam,
; D ’amor igual ninguém sucumbe à perda.
A MORTE É VÁRIA.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos.
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos, ( T radução)
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade, A morte é vária e multiforme, e muda
E a natureza e Deus; gostar dos campos, De trajes e de máscaras mais vêzes
D’aves, flores, murmúrios solitários; Qu’uma cansada atriz;
Buscar tristeza, a soledade, o êrmo, Nem sempre é, qual se pinta, o negro espectro
E ter o coração em riso e festa; D ’irônico sorriso e brancos dentes,
E à branda festa, ao riso da nossa alma E d’hôrrido cariz.
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
Nem todos seus vassalos são poeira
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
No ressalto de pedra adormecidos
O ditoso, o misérrimo dos entes:
P or sob as arcarias;
Isso é amor, e dêsse amor se morre!
A pálida libré nem todos vestem,
Amar, e não saber, não ter coragem Nem sôbre todos jaz murada a porta
Para dizer que amor que em nós sentimos; Nas criptas sombrias!
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida Diversa a natureza é doutros m ortos:
Se concentra; onde avaros recatamos Nestes que a sânie e podridão consomem.
Essa fonte de amor, êsses tesouros Vê-se o nada palpável;
Inesgotáveis, d’ilusôes floridas; Vê-se o enôjo, o horror, a sombra espêssa
Sentir, sem que se veja, a quem se adora, E o esfaimado esquife, abrindo as fauces.
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos. Qual monstro insaciável!
Segui-la, sem poder fitar seus olhos.
Amá-la, sem ousar dizer que amamos, Cabe a outros porém que sem dor vemos
E, temendo roçar os seus vestidos. Passar, girar no turbilhão dos vivos.
Arder por afogá-la em mil abraços: De carne inda vestidos,
Isso é amor, e dêsse amor se morre!
O nada inda encoberto; cabe a interna
Morte, que ninguém sabe, nem chora,
Se tal paixão porém enfim transborda,
Nem mesmo os mais queridos!
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois sêres, duas vidas se procuram. Pois, se vamos a ver nos cemitérios 240
Entendem-se, confundem-se e penetram As campas, ou ilustres ou sem nome.
Juntas — em puro céu d’êxtases puros: De mármore ou torrão;
Se logo a mão do fado as torna estranhas, Ou tenhamos ali amiga pálpebra.
Se os duplica e separa, quando unidos Ou não, — do teixo à sombra descansada.
A mesma vida circulava em ambos; Quer choremos, quer não!

[105]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

“ Jazem ” dizemos. Os nomes desparecem Dava o rey huma batalha,


Sob a relva; o verme nesses olhos Deos lhe acudia do céo;
Enreda a teia crua! _ _• Quantas terras que ganhava.
P or entre as pranchas do caixão despontam Dava ao Senhor que lhas deo,
H irtos cabelos, e em pó funéreo envôlta E só em fazer mosteyros
Branqueja a ossada nua. Gastava muito do seo.

Se havia muitos Iffantes,


Os herdeiros não temem que mais volte; Torneyo não se fazia;
Esqueceram -no já : seus cães se lembram, He esse o estilo de Frandres,
Soltando uivos de dor! Onde anda muita heregia;
Acama-se a poeira em seus retratos: P ara os armar cavalleiros
J á não tem mais rivais, não tem amigos, A armada se apercebia.
Nem ódios, nem am or!
Chamava el-rey seos vassallos
Da morte o anjo, em lágrimas de pedra E em cortes logo os reunia:
Vemos sòzinho e mudo a pranteá-lo. Vinha o povo attencioso.
Estátua da aflição: Vinha muita cleregia.
A cova toma o corpo, o olvido o nome, Vinha a nobreza do reyno.
Tem por lençóis seis pés d’úmida te rra ----- Gente de muita valia.
M ortos, bem mortos são!
Quando o rey tinha-los juntos
Começava a discursar:
E dos olhos talvez se vos deslize
“ Os Iffantes já são homens,
O pranto sôbre a relva, pelo orvalho
Vou-me ás terras d’alem-mar
E chuva umedecida;
Armal-os hy cavalleiros;
Que na triste mansão os regozije,
Deos Senhor m ’ha de ajudar.”
E por essa oblação enternecidos
Um resto achem de vida.
Não concluia o pujante
Rey — de assi lhes propor, 243
M ortos do coração ninguém os chora. Clamavão todos em grita
Ninguém, se a um dêstes vê, lhe diz piedoso: Com vozes de muito ardor:
“ S eja o Senhor contigo.” “ Seremos nessa folgança.
Curam do morto, lavam-lhe as feridas; Honra de nosso Senhor!"
Mas a alma estala sem que alguém se doa,
Nem mesmo o mais amigo! E logo todos em sembra,
Todos gente mui de bem,
H á contudo pungentes agonias Na armada se agazalhavão.
Nunca sabidas, dores horrorosas Sem se pezar de ninguém;
Mais do que se não crê; E os Padres de Sam Domingos
Almas há que têm 241 cruz e passamento, Hião com elles também.
Sem auréola d’oiro e a mulher pálida
E desgrenhada — ao pé. Hião, si, os bentos Padres:
E que assi fosse, he resão,
Que o sancto em guerras dTgreja
Foy hum bom sancto christão:
Queimou a muitos hereges
SEXTILHAS DE FREI ANTÃO. 242 No fogo da expiação!

Quando depois se tornava


J ’ai fait de ma chambre la cellule d’un cloître, j ’ai béni Toda a frota pera cá,
et sanctifié ma vie et ma pensee; j ’ai raccourci ma^ vue et j ai Prim eiro se perguntava,
éteint devant mes yeux les lumières de notre âge; j ’ai fait mon
coeur plus simple, et l ’ai baigné dans le bénitier de la foi “Que terras temos por lá?"
catholique; je me suis appris le parler enfantin du vieux Quem em Deos tanto confia.
temps: et j ’ai é c r it !... Sempre Deos por si terá.
ST E L L O .
El-rei tornava benino,
Como coisa natural:
“ Tem os Ceita, Arzilla ou Tangere,
“ Conquistas de Portugal!"
LOA DA PRINCEZA SANCTA. E todos, a voz em grita,
Clamavão: real! real!
Bom tempo foy o d’outr’ora
Bom tempo foy o d’outr’ora Quando o reyno era christão.
Quando o reyno era christão; Os moços davão-se á guerra.
Quando nas guerras de mouros
As moças á devação:
E ra o rey nosso pendão, Aquella terra de mouros
Quando as donas consumião Vivia em muita afflicção.
Seos teres em devação.

[ 106]
CANTOS

Deo-nos Decs tantas victorias, Oco bronze fumo e fogo


E tanto pera louvar, J á começa a despejar;
Que os Padres de Sam Domingos Acordão alegres echos
J á não sabião resar; Os sinos a repicar;
Todo-lo tempo era pouco Grita e folgança na terra.
Pera louvores cantar! Celeuma e grita no mar!

Sendo tantas as batalhas, Vinde embora mui depressa, 246


Nem recontro se perdeo! Senhores da capital!
Aquelles Padres coitados Vinde ver Affonso quinto,
Não tinhão tempo de seo; Rey, senhor de Portugal;
Levavão todo cantando Vem das terras africanas
Louvores ao pay do céo. Dar-vos festança real.

Nossos reys forão outr’ora


Louvores ao pay do céo, Fragueiros de condição;
Que eu inda possa trovar, Dormião quasi vestidos.
Quando não vejo nos mares Espada nua na mão;
Nossas quinas tremolar; Nem repoisavão de noite
Mas somente o templo mudo. Sem fazer sua oração.
Sem guarnimentos o altar!
Empresa não commettião
Sem primeiro commungar.
Vejo os sinos apeados
Dos campanarios subtiz, Sem fazer voto á algum sancto
De tenção particular;
E a prata das sacristias.
Porém victorias houverão;
Servida em misteres vis,
E ante os leões de Castella Que são muito de espantar!
Dobrada a Luza cerviz!
Os vindouros esquecidos
Da protecção divinal.
Cant’eu, em bem que sou Padre, Conhecerão os poderes
Digo 244 que sou Portuguez: Da benção celestial,
Arço de ver nossas coizas Se contarem os mosteyros
Hirem todas ao revez, Das terras de Portugal!
Arço de ver nossa gente
Andar comnosco ao envez. Nossas capellas que temos,
Nossos mosteyros custosos,
Mercê de Deos! minha vida São obras sanctas de Sanctos,
He vida de muita dura! Obras de reys mui piedosos;
Vivo esquecido dos vivos São brados de pedra viva,
Que prégão feitos briosos.
Na terra da desventura;
Vivo escrevendo e penando
Alguns já agora escarnecem
N’um canto de cella escura.
Dos templos edificados;
Dizem que foram mal gastos
Do meo velho breviairo 245 Os bens com elles gastados:
Só deixarei a leitura Eu creio (Deos me perdôe)
Pera escrever estes carmes, Que são incréos disfarçados!
Remedio á nossa amargura;
O corpo tenho alquebrado. E mais prasmão dos feitios
Vive minha alma em tristura. De pedra, que Memphis tem.
Sem ter olhos pera Mafra,
Pera Batalha ou Belem !
Oh! se a estes conheceras.
Meo Frey Gil de Santarém !
Que armada de tantas velas,
Que armada he essa qu’hy vem? N’aquella villa deserta
Vem subindo T ejo acima, Ainda se me afigura
Que fermosura que tem! Ver elevar-se nas sombras
Nas praias se apinha o povo, Tua válida estatura,
E as cobre todas porém. E ouvir a voz que intimava
Ao rey a sentença dura!
Dão signays as fortalezas. E mais a tacha que tinha
Respondem signays de lá: E ra ser fraco, e não mais!
Vem el-rey victorioso! Tu, meo Sancto, que fizeras,
Quem de gáudio se terá? Se ouviras a estes tais,
O mar he todo bonança, Que nos assacão motejos
O céo mui sereno está! As nossas obras reais!

[107]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Mas V Ó S , quem quer qu’isto lerdes, 247 Emfim, dizer quanto vimos
Revelai-me esta tardança; Não cabe neste papel;
Vinhão muitas alimarias,
São achaques da velhice:
Como achadas a granel;
Vivemos de remembrança
Vinha o iffante brioso.
E em longas fallas fazemos
Montado no seo corsel.
De tudo commemorança.
Vinhão pagens e varletes,
Vinhão muitos escudeiros,
Vinhão do sol abrazados
Nossos robustos guerreiros;
J á el-rey Affonso quinto
Nas suas terras pojou: Vinha muita e boa gente,
Alegre o povo o recebe. Muitos e bons cavalleiros!
Alegre el-rey se m ostrou:
Abrio-se em alas vistosas,
El-rey entre ellas passou.
A Princesa Dona Joanna
Vem os muzicos troando Sahio dos Paços reais;
Nos atabales guerreiros. E ra moça, e muito airosa,
Tangem outros istromentos E dona de partes tais,
Desses climas forasteiros, Que todos lhe qu’rião muito,
E traz elles vêm marchando. Estranhos e naturais!
Passo a passo, os prisioneiros.
Foy requerida de muitos
E muito grandes senhores.
São elles mouros gigantes P or fama que delia tinhão,
De bigodes retorcidos. E por copia de pintores.^
Caminhão a passos lentos,
Que muitos vinhão de fóra
Com sembrantes de atrevidos. Ao cheiro de seos louvores.
Causa medo vêl-os tantos,
Tam membrudos, tam crescidos!
E diz-se d’hum rey de França,
Ludovico, creio eu:
São homens de fero aspeito. Hum pobre frade mesquinho
Homens de má condição, Só trata em coisas do céo;
Que vivem na lei nojenta Sabe elle que muito sabe,
Do seo nojento alkorão, Sc a bem m orrer aprendeo.
Que — vinho? nem querem vêl-o.
Só por que o bebe hum christão! Pois diz-se do rey de França,
O onzeno do nome seo,
V êm as moiras depois delles. Que vendo hum retrato destes
Rostos cobertos com véos; Pera si logo entendeo,
Bem que filhas d’Agarenos, Qu’era prodigio na terra
São também filhas de D eos; Quem tanto tinha do céo.
Se forão christans ou freiras,
Serião anjos dos céos. E logo sem mais tardança
Cahio, giolhos no chão,
No feltro traz arreliquias,
Luzião os olhos dellas,
Como pedras muito finas; Assi uza hum rey cristão;
Devião ser finas bruxas, O seo feltro poz diante,
E fez hy sua oração!
Inda qu’erão bem meninas,
Que estas moiras da mourama
Nascem já bruxas cadimas! 248

Huma dellas que lá vinha Sahio a real Princeza,


Olhou-me á travez do v é o !.. Sahio dos Paços reais
Foy aquillo obra do demo. Nos pulsos ricas pulseiras,
Quasi, quasi me rendeo! Na fronte finos ram ais;
Pensei nella muitas vezes. De longe seguem-lhe a trilha
Valerão-m e anjos do céo! Muitos bons homens segrais.

Traçava hum mantéo vistoso


V ia as largas pantalonas, Sobolas suas espaldas,
E o pesinho d elica d o ... E as largas roupas na cinta
Como póde pensar nisto Prendia em muitas laçadas,
Hum pobre frade cançado. Seos olhos valião tanto
Hum padre da Observância, Como duas esmeraldas.
Que sempre come pescado?!

[108]
f
CANTOS

Tinha elevada estatura H oje leigos de nonnada


E meneyo concertado, (He lhes o demo caudel)
Solto o cabello em madeixas, Praguejão a meza escaça
Pelas costas debruçado: E as arestas do burel;
Cadeixo de fios d’oiro. Querem mimos e regalos,
Franjas de templo sagrado. E jejuns a leite e mel.

Vinha assi a regia Dona,


Vinha muito pera ver: Lá caminha Dona Joanna,
O povo em si não cabia, Regente de Portugal;
Quando a via, de prazer; Traz sobre si muitas joias
E ra ella sancta ás occultas Do thesouro paternal;
" E anjo no parecer! Deos lhe pôz graça divina
Sobre a graça natural.
Debaixo das telas finas
E dos brocados luzidos. Acostou-se a comitiva,
Trazia á raiz das carnes Muito senhora de si:
Duros cilicios cozidos Perante el-rey se agiolha.
E humas crinas muito agras, Disse-lhe el-rey: não assi!
Tudo extremos mui subidos. E ao peito a cinge dizendo:
Não a meos pés, mas aqui! 250
Passava noites inteiras
No oratorio a rezar. “ Sois hum bom pay. Senhor rey.
Dormia despois na pedra Tornou-lhe a sancta Princeza:
Sem ninguém o suspeitar: Eu que sou vassalla vossa
Extrem os tais em princeza E filha por natureza.
Quem n’os ha de acreditar? Peço mercê como aquella,
Como esta peço fineza.”
No dia de lava-pés
Ordenava ao seu Vedor, Ficarão logo suspensos
Trazer-lhe doze mulheres; Todolos que erão aly,
E depois, com muita dor. Ficarão como enleiados,
Chorando os pés lhes lavava, Enlcio tal nunca vi!
Honra de nosso Senhor! Eis que a Princeza medrosa
Começa a propor assi.
E depois de os ter lavado,
El-rey não lhe respondera;
Não perdia a occasião.
Que lhe havia responder?
Despedia a todas juntas
Boa filha Deos lhe dera.
Com sua esmola na mão:
Que lhe havia defender?
Dizia que era humildade,
Sorrio-se, o bom rey quizera
E obra de devação.
Muito por ella fazer.
E as mendigas prasmadas A Princeza disse entonces:
Sahião de tal saber, “ De alguns capitães antigos
E perguntavão, quem era Tenho lido, Senhor rey,
Aquella sancta mulher?! Que, vencidos os imigos,
Máos peccados que ella tinha Tornavão, a Deos fazendo
Só pera assi proceder! Sacrificios mui subidos.
O mesmo Vedor foy quem “ Vião as coisas melhores
Isto depois revelou, Que dos seos reynos havião,
Quando aquella humanidade E logo Ih’as offertavão;
Em o Senhor descançou; E mercês também fazião,
Dona Joanna era já morta, No dia do sco triunfo
Elle porém m ’o contou. A los que justas pedião.

Mas sendo tanto o resguardo “Deslembrar a usança antiga


Que guardava em coisas tais, Fôra de grande estranheza;
Sahião algo os estranhos Agora sobre maneira.
Por muitos certos signais, Perfeita tamanha empreza.
Que o ar he todo perfume, De tanto lustre aos do reyno.
Se a terra he toda rosais. De tal honra a vossa Alteza.

He coisa de maravilha “ Digo pois a vossa Alteza,


Que me faz scismar a mi, E digo com muita fé.
Que as donas d’hoje pareção Deve a offerta ser tamanha
Huns camafêos d’alfini, 249 Quammanha foy a mercê,
Não donas de carne e osso; Não do nobre rey pujante,
As donas d’outr’ora — si. Mas do sancto rey qual he.

[ 109 1
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

“ A offerta que vós 251 fizerdes, Depois n’hum dia formoso,


Será m ercê paternal: E ra no mcz de Janeiro,
Se quereis que corresponda Houve huma scena vistosa
Ao favor celestial, Dentro de hum pobre m osteyro;
Deve ser coisa mui alta. Fundou-o Brites Leytoa,
Deve ser coisa real. Dona mui nobre d’Aveiro.

“ Ao Deos que vence as batalhas Huma princeza jurada.


Dai-lhe a filha muito amada; Sobrinha d’altos Iffantes,
Dai-lhe a só filha que tendes Filha de reys soberanos.
E m tantos mimos criada: Senhora das mais pujantes,
Será a offerta bem quista E ra a primeira figura.
E do Senhor acceitada. Espantava os circunstantes.
“ E eu a quem mais custou
Aly humilde e curvada,
De medos, esta jornada,
Pezar de todos os seos,
Que muitas noites orando
Giolhos sobre o ladrilho
Passei em pranto banhada,
E as mãos erguidas aos céos,
Sou eu. Senhor, quem vos peço
Ouvi — exigua mortalha
Ser a hóstia a Deos votada.”
Pedir polo amor de Deos.
Que sancta que era a Princeza,
Que extrem os de devação! Cantemos todos louvores.
Nos sembrantes dos presentes Louvores ao Senhor D eos:
Vio-se, e não era razão, Os anjos digão seo nome.
Que a nenhum delles prazia Rostos cobertos com véos;
D eferir tal petição. Leião-n’o os homens escripto
No liso campo dos céos.
Sobr’esteve um pouco e mudo,
El-rey, por que muito a amava: Bom tempo foy o d’outrora
Aquelle dizer da filha Quando o reyno era christão,
Todo o prazer lhe aguava, Quando nas guerras mouriscas
Aquelle pedir sem dó E ra o rey nosso pendão,
Todo o ser lhe transtornava. Quando as donas consumião
Encostou-se ao hombro delia Seos teres em devação.
O pobre velho cançado.
Chorou o triunfo breve
E o prazer mal rematado,
Não como rey valeroso, “ Isto escreveo Frei Antão
De vida mui alongada,
Mas como pay anojado. Nossa Senhora da Escada
O teve por Capellão. ”
E l-rey despois mais tranquillo
Rompeo o silencio alfi’ ;
E entre afflicto e satisfeito
Disse á filha: S eja a s s il..
Velhos guerreiros vi eu GULNARE E MUSTAPHÁ.
Chorarem também aly.
Cant’eu perdido entre o vulgo Deos Senhor foy quem nos céos
Não sei que tempo gastei, Pendurou milhões de estrellas,
Nem sei de mim que fizerão, Foy quem matisou a terra
Nem tam pouco se chorei;
De frôles varias e bellas,_
F oi traça da providencia: Quem ao mar por ser pujante
Nisto commigo assentei. Areias deo por cancellas.
Foy Jep h té corajoso,
O forte rey de Ju d á; Mandou mais qu’arvoles fortes
V olta coberto de loiros, Das sementes germinassem,
Quem primeiro encontrará? Que déssem frôles mimosas,
Sente a filha, torce o r o s to .. . Que perfumes trescalassem,
Nada ao triste valerá. E mais fez que em tempo azado
As frôles fructificassem.
Qual d’estes dois sacrificios
Soube a Deos mais agradar? Pois aquelle anjo das trevas,
Vai a Flebrea constrangida Im igo da humanidade,
Depor o collo no altar. Nas arvoles poz carcoma,
Vai a christã jubilosa! Poz na frol muita ruindade,
São ambas pera pasmar. Poz nos céos a nuvem negra,
Poz no mar a tempestade.

[110]
CANTOS

Nem só nas coisas terrenas Levar traz si tanta gente


Damna, e faz mal o tredor, Nunca a ninguém vi assi;
A alma também por mil modos Nem folias, nem cantares
Tenta com geito e sabor, V i com tal cauda apoz si,
Que troca o prazer celeste Bôdo, nem festa d’orago,
Em penas d’eterna dor! Bufão, e nem bolati’. 252

Mas não foy jamais que Deos Mas quem vio acaso as turbas
Em tal feito consentisse. Correrem traz algum bem?
Senão porque suas posses Vão todas apoz engodos,
O homem bem claro visse; Apoz maldades também;
Que sem elle fôra o mundo Mas seguir a Deos por gosto
Maldade só e sandice. Nem as vi, nem vio ninguém.
Mas que mal ha hy na terra Com estes mouros descridos
Que não venha pera bem? Vierão também aquellas
Os d’aqui desta amargura Moiras, filhas da Mourama,
Dão coyta, e gloria porém; Donas, creio, muito bellas;
Dos outros que traz o demo No trato e no galanteio
Deos o remedio lá tem. Outras que tais Magdanellas.
Do mal que me foy commigo
Vinha também a menina,
Acontecido, al não sei.
Senão que por amor delle Aquella moira fatal,
Que nas ruas de Lisboa
Muito má vida levei,
V i no cortejo real:
Que me dá coyta mui grave
Cortejo del-rey Affonso
Do mal que me comportei.
Vi-o eu, só por meo mal!
Como já fiz penitencia.
Ora farei confissão; Quantas coisas que trazia,
Tal será, qual foy o escanddo Is’^ulla rem lhe estava mal;
De que fui occasião: Dizião que tudo nella
Não me tomem por modelo, Tinha graça natural,
Mas tomem de mi licção. E ra coisa preciosa,
Como coisa oriental.
Não he pera honra minha,
Mas pera honra dos céos, Aquella abelha sem dardo,
Que eu direi publicamente Aquella pomba sem fel
Os feios peccados meos; Passava noites inteiras
Toda a vergonha foy minha, Tangendo n’hum arrabel.
Toda a honra cabe a Deos. Coando vivas saudades
Dos lábios, em leite e mel.
He uso assi na milicia
Celeste, e mais na d’aqui: E , alta noite, nas trevas
Dá batalha o cabo experto. Ouvindo na solidão
Desses muitos que ha per hy; Aquelle triste instromento,
Toda a preza aos seos concede. Al não disseras, senão
Só lôa quer pera si. Que o mesmo demo voltado
E ra n’aquella feição.

A Princeza Dona Joanna Zagales porém da serra


Já vive dentro d’Aveiro; Mil vezes, no fim do dia.
Comsigo trouxe os escravos, Polos montes não buscava
Que lhe trouxe o rey fragueiro; A sua ovelha erradia;
O que ás terras africanas Mas no bordão apoiado.
Passou, e voltou primeiro. De si mesmo se esquecia.

Vierão aquelles feios Cant’eu vendido e prasmado


Netos d’Agar, inda mal! De todos e mais de mi,
Traçando vastas roupagens Mil vezes fugi da cella.
A maneira oriental; T é das matinas fugi.
Larga faxa na cintura, Mil vezes, durante a noite,
Na faxa largo punhal. Aquelle instromento ouvi.

Era pasmo vel-os juntos Mil v e z e s !... e não sei como


Polas ruas passear. Isto foy, que o não sentia,
Passo á passo — graves, mudos, Quando mal me precatava.
Com doairos d’espantar. Dava commigo que ouvia
Profundas rugas na fronte. Dilatar-se polos valles
Rugas de máo meditar. Aquella doce harmonia.

[111]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Assi todo embevecido Dizião meos bentos Padres:


Bons sonhos que então sonhei, “Que he feito de Frei Antão?
Boas venturas que tive, Negra dor o tem por certo.
Bons scismares que scismei! Negra dor de coração:
Esqueci-m e de ser frade! O demo o fez, porque visse
Como isto foy, já não sei. Turbada tal perfeição.

E se ás vezes me lembrava “ Parece já de esquecido


Do juram ento que dei, Que nem de si tem lembrança!
Do encargo que me tomára, A taboa se achega apenas,
E das vestes que eu tomei. Não toma a sua pitança;
Chorava; e não sei bem como T é nos officios divinos
Em pranto não me afundei. Perdeo a sua trigança.

Derram ei n’aquellas brenhas “ Sahe á noite muitas vezes.


Cheio d’extranha afoiteza. Diz o bom do Guardião:
Palavras dadas ao vento Sahir á noite, á deshoras,
Com muito feia crimeza. Certo não he devação:
Contra mi e contra todos. Que faz de noite nas ruas
Contra toda a natureza. Hum padre, ou frade ou christão?”
Polas serras, polos matos. Com tudo alguns dos mais velhos
Polas voltas dos caminhos Dizião: “ Que ha hy de mal?
R ojei nas sarças mordentes O quer que he que o perturba,
E nos cardos montesinhos. Coisa não he natural:
Rasgando os brancos vestidos Deve ser condão divino
N ’aquellas matas d’espinhos. Ou graça celestial!
E não sei, oh I não sei como
“ Pois hum sancto como aquelle!
Todo eu não fiquei aly,
Quem he que o ha de tentar?”
Como eu que por tantas vezes
E is senão quando começa
R osto nas rochas feri,
Voz, não sei donde, a zoar
Não perdi o ser de todo,
Que Frei A ntão já não sabe
Nem siquer ensandeci.
No seu rosairo rezar!
En tão ao Senhor clamava:
“ Cegueira, Senhor, me dás! E o caso foy que hum noviço
Cinge-me os rins larga zona Tirou-m o só de matreiro.
De ferro, e bem me não traz; Tendo-o fechado comsigo
T rag o cilicios mordentes, P or novena ou mez inteiro;
Usando burel mordaz. E eu d’outro me não provera.
Sendo que tinha dinheiro!
“ Abro e vejo o livro sancto,
E vejo que não sei ler! Todolos meos defensores
Aquelles sanctos dictames Voltarão-se contra mi;
J á n’os não sei compr’hender; Dizião que era mal feito
E n o jo occupa minha alma. Hum sancto mentir assi:
Hei pavor de me perder!” Seja-m e Deos testemunha,
Nem sancto sou, nem menti.
Donde pois me vinha a mi
No proprio 253 bem ver o mal? Logo em Communidade
Conheci no meo exemplo, Propoz-me o Provincial:
Que m ’era do ser fatal: “ Dizei p e c c a v i, meo Padre,
Senhor, teo sancto remedio Que vos 254 havedes tão mal,
H e triaga cordial. Que não rezades as rosas
Da virgem celestial!”
Bem como o ferro na fragoa,
No soffrer a alma se apura, Ouvido que foy por mi
Assi que disse eu commigo T ã o solemne mandamento,
Que a triaga também cura. Ä mi, que primara sempre
Quanto mais amarga e punge. Adentro do meu convento,
Poder de sua amargura. Não sei que pejo maldicto
Acorreo-me ao prensamento.

Não era feio o peccado,


Aquella negra peçonha Mas confessal-o; e assi
Lavrando foy pouco e pouco; Fiquei de pavor tranzido.
Rohia coyta d’amores Mal que tal preceito ouvi:
M iôlo cavado e ôco. Homem não era de carne.
J á era o mal dentro d’alma, M ontanha de pedra — si.
E eu delle rendido e louco.

[112]
CANTOS

Torvado, calado e mudo A princeza Dona Joanna


Nada não soube dizer; Mandou ao nosso Convento:
Nem confessar meo peccado, Qu’eu prestes vá ter com ella
Nem ao menos responder: Manda por seo mandamento;
Ficarão como suspensos Não quer demora, nem falta.
Os que erão aly a ver. Negocio diz de momento.

O grave Provincial Qual seja o negocio urgente


Rompe o silencio, e “Azinha Não m ’o diz a mensageira;
Trazei, disse elle, o hyssope. Não sabe coiza de certo,
Mais a benta caldeirinha; Não dirá coisa certeira:
Ver demo em corpo de frade O habito à pressa enfio.
Coisa não he comezinha!" Tomando-lhe a dianteira.

Corre afanado o Sacrista E logo, chamada á grade.


Pera a sua sacristia. Veio a Princeza real:
Traz prestes a caldeirinha “ Meo Padre, disse-me entonces,
Banhada inteira na pia; He fóra do natural
Rezava mil rezas suas, Qu’eu tenha escravos, e mouros.
Mil esconjuros dizia. Rainha de Portugal. 255

Do Sacrista amedrontado “ Ide vós porém chamal-os


Recebe o Provincial Pera o rebanho christão;
O hyssope todo molhado. Cazade-os vós muito embora,
Dizendo sacerdotal: Que bem dahy haverão:
“ Fugide, partes adversas, Eu lhes darei corpo livre,
Demonio, esprito do mal. Deos Senhor a salvação.”

“ E mais deixa a criatura Siquer huma só palavra


Por amor de quem Jezus Não tive n’aquelle ensejo,
Soffreo marteyro affrontoso, Sustou-m’a já na garganta
E morte vil n’huma cruz; Não sei que mesquinho pejo;
Em nome do Padre e Filho Por confessar meo peccado
E Esprito, que sempre luz!” Em vão trabalho e forcejo.

Ouvido aquelle exorcismo. Vergonha foy o que eu tive.


Cego de toda a razão, Vergonha que todos têm ;
Larguei-me do refeitório. Ultimo frueto colhido
Fugindo como hum ladrão: N ’aquellcs jardins do Eden;
Clamarão todos em grita: O Demo o tocou primeiro:
“ Chantou-se nelle o Legião!” Todo o seo mal dahy vem!
Enfiei os claustros todos. Como está no fundo lago
Passei pola portaria. O verde limo acamado,
Achei-me em logar, de noite, Assi deitado e mimoso
Que eu mesmo não conhecia: Brilha lustre avelludado;
Os sons do arrabel mourisco T al é aquella vergonha,
Somente daly se ouvia. Que vem apoz o peccado.
No entanto os Padres prudentes Mas remechei nas raizes
Discursavão entre si, Do limo que he tão viçoso,
Dizião dos esconjuros E vereis como se prendem
Que mal «abião em mi, No fundo impuro e lodoso:
Que era grande sacrilégio Aly com ellas se abraça
Usarem commigo assi. O feio verme asqueroso!
Ai! sacrilego era o homem Aly mil serpes occultas
Que ao inferno se vendia, Vivem, cruzando laçadas,
Era o christão que adorava Muitos sapos bufadores,
As filhas da idolatria, Muitas rãs esverdinhadas;
Que dentro em si tinha o Demo, Humas coizas de má sina.
E o Demo em si não sentia; Outras coizas mal fadadas.
Era o Padre que trocára
O amor de seo Senhor
He força fallar a moira!
Por amor d’huma Donzella,
Filha d’aquelle impostor, Disse commigo, e assi
Andava curtas passadas
Mafoma, falso propheta,
Por não chegar; ai de mi!
Mafoma, judêo tredor!
Tem termo toda a jornada.
Cheguei! porque não morri?

[113]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Já d’aquelles outros mouros, E ra menina e formosa,


T ão feros, não se me dava; Nunca lhe vi sua igual!
Mas de suor de maleitas Coiza assim tam primorosa
O corpo se me banhava, E tanto celestial.
Quando d’aquella menina Ou era filha dos anjos.
M oirisca, me recordava. Ou filha do pay do mal.

Lançado em covil de feras Deos Senhor, entre luzeiros,


E o demo em sua cegueira,
Foy o sancto Daniel,
Fui eu no covil lançado Fazem quasi as mesmas coizas
Mas por diversa maneira;
D ’aquella gente infiel;
E ra elle experto em tais lutas, O Demo como quem he,
Deos como luz verdadeira.
Eu em tais lutas novel.
Pois este pôz a virtude
En trei no quarto da moira Entre afflicções dolorosas.
Leixando a mais gente vil. Qual frol de rosa entre espinhos;
Ardia doce perfume Em ledices enganosas
Em transparente viril; Poz o demo o seu peccado.
Sobre um bofete lavrado Qual feia serpe entre rosas.
V i hum lavrado gomil.

Tinha o quarto huma só porta


Que hum reposteiro cobria, Quanto o sol mais se abaixava.
E hum pano de seda verde Tanto mais alto gemia
Sobre a estreita gelosia, Aquella moira mimosa,
E mais hum denso tapete, Que as suas magoas carpia:
Que o som dos passos comia. He hora que espalha enlevos
A hora do fim do dia!
Trazia a moira mimosa
V estes de branco setim O passaro então das ramas.
Entreteladas parece Louvor a nosso Senhor!
De coiza de bocachim, U ltim o vôo desprega
E humas largas pantalonas. E hum doce grito de am or;
Respirando benjoim. Nas pennas esconde o bico,
Nem teme o visgo tredor.
Trazia hum jubão mui justo
De seda azul anilado, As frôles do sol viuvas
Com longas mangas perdidas. Definhão, só de tristura; 257
De carmim todo forrado, 256 O mar soluçando geme.
Como se fôra hum alfange, Mais alto a fonte murmura.
Na cintura recurvado. Reina o silencio que falia.
B afeja a doce frescura.
Coifa branca auri-bordada
A negra coma apertava; “ V istes vós meo bem amado,
Que doces anneis brincados (D izia a filha d’Allah)
A negra como formava, “ V istes vós meo bem amado,
Quando por vezes no collo “ O meo senhor Mustaphá?
De neve — se debruçava! “ Se o vistes, dizei-me onde!
“ P or alma vossa, onde está?
Sob as largas pantalonas “A noite o deixou fechado
Hum pesinho delicado “ Portas a dentro do harem:
Sahia nusinho e bello. “ Sorvia aquelles perfumes,
Mimoso e branco e nevado; “ Que lá d’Arabia nos vem;
Em chapins dos mais pequenos “ T rajava os reais vestidos,
Parecia andar folgado. “ Que lhe cahião tão bem.
Em cada hum dos seos dedinhos “ J á era sobre-manhã
Trazia a moira hum annel; “ Quando de mi se apartou;
Meio deitada, á desleixo. “ Seo negro corsel d’Arabia
T angia no arrabel; “ D ’um pulo só cavalgou,
Tangia-o com tanta graça, “ E o sol que vinha raiando
Nem que fôra hum menestrel. “ L á na montanha o topou.

A lettra que ella cantava “ Vio daly seos bons guerreiros,


E ra de lingoa algem ia; “ Em alas promptos estão;
E ra qual trinar das aves “ De fronte mal enxergava
As notas em que gemia “ O troço do rey christão;
Saudades de longes terras “ Disse o crente musulmano:
Em peregrina harmonia! “ Allah m ’os trouxe, meos são!

[114]
CANTOS

“Allah! lhes grita o guerreiro, E ra elle quem nos meos hombros


“ Respondem-lhe os seos: Allah! Pezava co’o pezo seo,
“ Gritão Christãos: Sam Tiago! Quando a moira espavorida
“ E o meo senhor Mustaphá Do vasto leito se ergeo;
“ Desceo então da montanha, Vendo-me ally de giolhos.
“ Que nunca mais subirá. Baixou de medrosa o véo.

“ Desceo elle da montanha O véo baixou de corrida,


“ Qual rocha descommunal, Mas antes seos olhos vi;
“ D ’agudo cimo tombando, Aquelles olhos fermosos
“Arrazando o pinheiral; Lavar-me o rosto senti.
“ Mas a rocha em fundo valle Tocar-m e no fundo d’alma.
“ Faz-se pedaços, em mal! Tirar-m e todo de mi.

“ Desceo elle ao fundo valle, Luz que vi d’aquelles olhos!


“ Como o tufão queimador; Ora bem se me afigura
“ Polos christãos inimigos A lua rasgando as trevas
“ Cortou sem pena e sem dor; Em meio de noite escura!
“Raio d’esforço na guerra Vi Diana, a caçadora,
“ Foy Mustaphá, meo Senhor! N ’aquella hardida postura.

“ Mas o vento do dezerto


“ Depois de médas formar Mas a moira de repente
“ Das areias que agglomera, Hum grito franzino dá!
“ Onde he que vai acabar? De mi se parte voando,
“Mafoma e Allah que mo digão, iSenhor Deos, o que será?
“Que eu não sei senão chorar! Volto prestes a c a b e ç a ...
V ejo o mouro Mustaphá!
“Allah quebrou teo orgulho,
“ Meu bom senhor Mustaphá! Em roda do seo pescoço
“Allah quebrou teo orgulho, A moira os braços prendeo;
“ Mas quando se acabará Arfa-lhe o peito açodado;
“Vida que vives de escravo, Pera traz roja o seu véo,
“ Vida que levas tam má? O ff’rece o rosto mimoso
Aos beijos d’aquelle incréo!
“Doces Huris do Propheta,
“ Lá do palacio de Allah, E ra assi qual amorosa
“ Olhavão cá pera baixo Hera que hum robre vingou;
“ Só pera ver Mustaphá! Ligou-se estreita com elle,
“ Guerreiro não foi como elle, Do tope se debruçou.
“Como elle ninguém será. Folha metteo pelas folhas.
Vida com vida cazou.
“ De ser elle o meu amado,
“ Ai que já fui bem feliz! “ Gulnare, disse-lhe o mouro,
“De ser e!le o meo amado Gulnare, meo doce amor,
Melhor que a rosa da Pérsia,
“Tinhão-me inveja as huris;
Que arabio incenso melhor,
“ Ora não há quem m’inveje!
“ Foy Al!ah que assim o quiz. Frol dos jardins do propheta,
Que dás mate a minha dor!”
“Ora não ha quem m’inveje! Responde a moira mimosa:
“Tenho no peito afflicção; “Dizes bem, meo Mustaphá;
“ Escrava sou d’hum escravo, O fogo chegou-se ao incenso,
“ Escravo d’hum vil christão! O incenso eff!uvios dará;
“ Mesquinha, que ainda o amo; O so! scintilla na rosa,
“Trago-o aqui no coração!” A rosa resurgirá."
Então pera junto delia Abelha, tornou-lhe o mouro,
Cheguei-me sem ser sentido; Que susurras de agastada;
Fallei-lhe em som cavernoso. Herva, que as folhas constringes.
Medonho e baixo no ouvido: De estranho corpo tocada;
iP o r que assi amas o escravo? Quem tocou na minha abelha,
Disse eu, do meo mal vencido. Quem na herva delicada?

Foy certo o esprito malvado Ella entonces de malquista


Quem pera ally me arrastou, Deo-lhe d’olhos pera mi;
Quem nos meos castos ouvidos Sancto Jezus! em que apertos
Palavras tais derramou, N ’aquelle ensejo me vi.
Quem aos pés da moça moira Prendera-me força occulta,
O velho padre acurvou. Foy porém que não fugi!

[115]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Trazia o moiro atrevido Ouvindo aquellas blasfêmias,


Adaga no boldrié; Senti arrojo dos céos;
Deixar a moiros com armas, H ia fallar, mas o mouro
Gente de baixa ralé, Tornou-m e: “ Só Deos he Deos,
Em que escravos de Princeza, “ E M afoma o seo Propheta,
He certo extranha m ercê! “ Em que pêze isto aos incréos!

A mão no punho da adaga, “ O que penso, sem resguardo


A passo, vem sobre m i; “ D ir-t’o-hei, christão, alfim ;
Trinca as pontas do bigode. “ Não uza como vós outros,
Quais cerdas de javali; “ Mahometano Muezzin,
A barba toda se erriça, “ Não vai á caza dos crentes,
Que feio rosto lhe vil “ Não leva tenção ruim.

Os olhos que me lançou, “ Não rója, não, de giolhos


Jam ais não vi seos iguais; “ Aos pés de christã donzella;
Devião ser puro fogo, “ Mas lá dentro da Mesquita
Senão faiscas fatais “ Vive sempre e sempre vela,
D ’aquelle sol do deserto, “ Ou do alto minarete
Que abraza e funde areiais. “ Â prece os crentes appella.

Negros olhos de panthera, “ Portas á dentro do templo,


Luzindo em feia spelunca; “ Im agem da crença pura:
Olhos, que o gyro do 258 sangue “ Do 260 alto do minarete,
Nas veias demora e trunca; “ A imagem d’Allah figura,
Olhos cheios de carniça “Bradando incessante e sempre
E delia não fartos nunca. “ Aos homens, daquella altura.”
“ He assi entre vós outros,”
Tornei-lhe, “ que entre nós não.
A mi chegou-se, inquirindo, “ Queremos em cada caza
“ Que vieste aqui fazer?" “ Hum templo de devação,
Fiquei deslogo tremendo. “ Em cada peito hum sacrario,
Sem lhe poder responder: “ Hum padre em cada christão.’
“ S e n h o r ,... em nome do c é o !..
Disse eu; que havia dizer?
Sobresteve mudo e quedo,
“ Em nome das très pessoas E como que reflectia
“ Da trindade, em huma só, O moiro, que me parece
“ Eu vos rógo, senhor mouro, A graça já presentia:
“ Que siquer tenhades dó A graça que o céo nos manda,
“ Da alma vossa arriscada, Como orvalho em noite fria.
“J á não do corpo, que he pó."
Mas não era inda chegado
N ’aquelle ensejo apertado Aquelle ensejo feliz,
De sancto ardil me vali; Que passado curto prazo.
Lem brou-m o o exemplo sagrado Severo o moiro me diz:
Da forte hebréa Judith! “ O que Deos faz he bem feito:
Ser isso influxo divino “ Mouro nasci, não me fiz!
Sabendo fiquei daly.
“ Deixemos pois tal assumpto,
Tornou-m e o mouro descrido:
“ Delle não quero tratar;
“ E a mi que m ’importa mais
“ Ou antes dizei, bom Padre,
“ Que viver entre valentes,
“ Qu’hides carreira tomar,
“ Em gozos 259 celestiais,
“ Adoptando novo ensino,
“ E n tre jardins prazenteiros,
“ Novo modo de pregar.
“ E n tre fagueiros rosais?
“ Andai por essas estradas
“T u me fallas dos teos D eoses!
“ H a outros sem ser Allah? “ E dizei á vossa gente:
“ Allah, que o vôo dirige “A vós que mal vos hão feito
“ Do bem fasejo K ath á! “ O homens lá do oriente,
“ Christão, dos teos falsos Deoses “ Que vos livrárão dos godos,
“ Bem pouco a mi se me dá. “ E do servir inclemente?

“ Digo-te eu, que elles não podem, “ .A.S vossas artes que tendes
“ Mais que digas que são trinos, “ Cujo as havedes? — de quem?
“ Suster no ar do propheta “Donde vêm ás vossas terras
“ Os sanctos restos divinos, “ Campos de lavra que têm,
“ Que a M eca chamão por anno “ E as torres acastelladas,^
“ Milhares de peregrinos.” “ E as mesquitas, donde vêm?

[ 116]
f

CANTOS

“ Quem nos vossos negros montes “ Vás as terras da Moirama,


“As alcáçovas plantou, “ Ou fiques em Portugal,
“Como cândido turbante, “Senhor serás do teu corpo,
“ Que na fronte se enrolou “ Vida terás natural:
“ De hum homem da côr da noite, “ Vê 262 se Gulnare formosa
“ Que a Nubia ardente engendrou? “ O teo propheta não vai!

“ Ou s’isto melhor te praz; “ A moira que não foy feita


“ São obras de reys pujantes, “ Pera servir a senhor,
“Tendas ricas e pomposas “Que de bella e de mimosa,
“ No dorso dos elefantes; “ Parece que o mesmo amòr
“ C roas de pedra lavrada “ O corpo tem de quebrar-lhe,
“ Na fronte d’altos gigantes.” “ E de apagar-lhe o candor.

Estes mouros na verdade^ “ A moira doce nascida,


Qu’esprito e graça que têm? “ Doce creada; perol
Quando vos dizem mentiras, “Que só sabe apavonar-se
Sabem dize-las tão bem, 26 i “ Da manhã polo arrebol,
Que havemos de perdoar-lhes, “ Não nos jardins destas partes,
E em cima querer-lhes bem. “ Mas onde mais queima o sol.
Mas andão tanto enfrascados “ A moira bella e mimosa!
No seo maldicto alkorão, “ Avezinha pipitante,
Que era de ser o primeiro “Qu’ama ar puro, espaço livre,
A soffrer condemnação “ E céo de cor deslumbrante,
N’aquelle sancto concilio, “ Que o vôo fugaz desprega,
Honra do nome christão. “ Quando o sol he mais brilhante!
Se d’algo me peza a mi, “ Ai! não guardes a avezinha
Hé só polos não ver mais; “ Dentro de estreita prisão,
Fazião prompta justiça “ Não mudes a frol mimosa,
Destes e d’outros que tais: “ Que bem está no seo torrão:
Ardião com seos authores “ Vai ás terras da Moirama;
Em bons applausos gerais. “ Se queres hir, sê christão."
Se delles houvesse agora. Huma lagrima brilhante,
De que pró nos não seria? Como que a furto luzia
Vive tal livro entre gabos, Nos olhos da moça rnoira,
Que ally no fogo arderia, Que o moço moiro cingia,
Com pasmo de seos authores, Em que nada lhe dicesse, 263
Que os têm por coiza mui pia. Muitas coisas lhe pedia.
E d’outros que só por artes Em que algo não lhe escutasse,
Fruem da voga que têm, O mouro bem compr’endia
Que não sei onde he seu preço,
Que mudas fallas fallaya
Nem donde apreço lhe vem.
O pranto que ella vertia:
Senão por vias occultas,
Saudades erão da Patria,
Que as não descobre ninguém! Que o mouro em sonhos só via.
Mas deixemos estas coisas,
Que não são de boa avença! Como havia resistir-lhe,
O livro que eu reprovára Se ella pedia chorando;
Por muito justa sentença Se o mal por que ella passava,
Trouxera-me coyta grave Também ’stava elle passando;
Com mais grave malquerença. Se o bem, que Ih’ella pedia,
Lhe estava dentro fallando?
Deixemos pois estas coisas;
Bem qu’eu não saiba fallar. Mas quando os vi abraçados
Senão com longos rodeios: E aquelle amor entendi,
(Vem-me o séstro de pregar) Do effeito das minhas vozes
Quando me julgo no cabo. Eu mesmo me arrependi;
Mais longe estou de acabar. Cravei as unhas no peito,
Pezar de morte senti.

“ Mouro, n’aquella batalha”. T é cheguei a ter desejos


Disse eu, “ouvidos me dá, De ouvir-lhes hum não revel,
“Quando o reyno teo perdeste, E que então a moça moira,
“ Não chamaste por Allah? E mais o mouro donzel
“ Não te ouvio! — chama por Christo, Parassem no fundo inferno.
“ E Christo, Deos, te ouvirá. Provassem, como eu, seo fel.

[117]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Mas n’hum coração sincero Madres d’aquelle convento


Que poder que o pranto tem, Dizem que a virão rezar.
Quando no peito o sentimos, Em extasis jubilosas.
Quando de huns olhos nos vem, Suspensa, erguida no ar;
Que fôra m orrer por elles Favor do esposo divino.
P razer e mui grande bem! Milagres do muito am ar!
Pedido tam gracioso Ouvindo aquelles extremos,
O mouro agreste rendeo; Commigo logo assentei
De leixar o seu M afoma Que eu fôra hum pastor perdido,
Logo desly prometteo, Que nas sombras divaguei.
Deixando a avença do demo, T é qu’huma ovelha esgarrada.
E os ritos do culto seo! M ercê de Deos, encontrei!
J á me não sinto enleiado
Se o padre Adão manducou E a moira que eu tanto amára,
Aquelle fructo do Eden; Desly se me figurou
Foy Eva quem Iho offertou, Candida lã d’ovelhinha,
Eva, mulher e sozinha, Que a sarça agreste cardou;
A qu’elle primeiro amou. Ficou na sarça prendida.
Ao vento se meneou.
Mas quem tem visto mulheres,
E tem a sua mulher, E alguém que ally divagava,
Ceder-lhe do seo proposto Felpas de lã recolheo,
P or mero condescender ! Bateo-as na fonte pura,
Se não he coisa do demo, E em branca tela as teceo;
Não sinto o que possa ser. Depois no altar consagrado
Ao Senhor Deos o ff’receo.
Mas fez mais a linda moiral
Que sem me fazer pedido, A mão de Deos poderoso
Entendi que por amores Bem claro se vê então,
Não devia andar perdido; Quando o torpe ismaelita
Quando por outro era amada. Faz-se devoto christão:
P or outro delia querido. Só elle hum bom diamante
Póde fazer do carvão.
Hum pobre frade coitado
Bem sabe que nada tem Mudar o vicio em virtude,
N esta vida mal passada, E a fraqueza em valor,
Onde quitou todo o bem ; E o calor em frescura,
Ninguém que vele por elle. E a frescura em calor,
Sobre quem vele — ninguém! E tudo assi por davante.
Só elle, que é Deos Senhor.
Curar da may infermada
Bem pode o homem segral;
Louvor a Deos nas alturas!
H a sempre casta donzella,
E aos homens de bom talante
Que se dôa do seo m al;
Na terra paz e ventura;
O frade só, despojado
Vive do fôro humanai. Paz e ventura constante.
Senão na vida que passa,
Na vida que sempre dura.

Viverão aquelles mouros


Depois desta oceasião,
Muitos annos bem logrados.
Em amor e devação;
Louvor ao sancto baptismo! SOLÁO DO SENHOR REY DOM JOÃO.
Louvor ao nome christão!
Ora pois direi hum feito
Mas quando foy que nos veio
Do senhor rey Dom João,
Aquella peste primeira.
Segundo que foy do nome,
Seta que o alvo attingia
De bem talhada e certeira. Prim eiro na devação,
Chegou ao christão novato Prim eiro mais que o primeiro.
H ora vital derradeira. Mais que nenhum rey christão.

E a moira por este evento. Nem sempre rezar no côro,


Cheia de muita afflicção, Nem sempre velar convem;
Recolheo-se irmã noviça He m ister algum descanço.
No convento d’Azeitão, Alguma folga também.
Onde viveo muitos annos Entre o labor já passado
E m aturada oração. E o novo, que perto vem.

[118]
CANTOS

Ao duro mal que passamos Não foy por odio ou vingança,


Algum remedio he mister: Mas por dinheiro trahido!
E se a nenhum conhecemos, Por hum homem refalsado.
Que mais nos ha de valer Por hum discipdo querido;
Que recordar o passado Trahido por meio in fa m e !...
E contos delle fazer? Hum falso beijo vendido!

He assi que no mar alto Foy mister por mór tormento,


O cançado mareante Que morresse polos seos!
Luta em vão contra a tormenta Entregue por hum eleito
E contra o vento inconstante; Nas garras dos Fariseos,
Negras vagas se encapellão, Homem morreo polos homens,
Negra morte tem diante. Morreo judeo por judeos.

Quando n’aquelle deserto C roou a fronte sagrada tj


Languidos olhos estende. C’roa d’espinhos tecida.
Vê mar que ferve revolto Correrão dados infames
E chuva que o céo pende; Em taboa vil, denegrida;
Como deixou seu alvergue. Em hastea foy rematada
O triste não compreende! Túnica em sangue tingida.
ï
Sembrão-lhe então formidáveis Tormentos, baldões e mófa
Os p’rigos que elle affrontou; Quem mais do qu’elle soffreo? 11)
Figura risonhos quadros Quem mais comprido marteyro,
Dos gozos que já gozou,
Do que na terra o convida.
Quem mais
T al foy que
affronta e labéo?
o homem divino
(
Dos que na terra deixou. O rosto ao calix torceo.
Do que outrora foy passado T al foy que o Deos humanado
E mais do que vai passando, Disse ao Deos, que era seu pay:
Medonho e máo parallelo “ Senhor Deos, s’inda he possível,
Vai o mesquinho traçando; Do vosso intento tornai;
Dôr de espinhos penetrantes E ste calix de amargura
O peito lhe está varando. Dos lábios meos affastai!"
Dias lembrar já passados
E já passada ventura, Carpindo males alheios.
Quando o viver he tormento, Quantos não vemos per hy,
Tormento que sempre dura, Que nem siquer se recordão
He certo desdita grande De quanto soffreo por si.
E muito grande amargura. Hum Deus na cruz affixado,
Mil dores soffrendo ally!
Mas vede o que vai a vida!
He aquella aventurada, Ante esta victima augusta
Se dizemos verdadeiros: Da mais feroz crueldade.
Houve hum dia, huma hora, hum nada, Cala quanto o homem soffre.
Não do pezar combatida, Quanto soffre a humanidade:
Mas do prazer bafejada. Torm ento não foy como elle,
Não foy como ella impiedade.
Simelha quem pola calma
O dia inteiro vagou. E comtudo alguns increos
Depois no marco da estrada E refalsados atheos,
Cançado e triste quedou; Guardão n’as extasis todas
Ally thesouro sem dono. E mais os transportes seos,
Ventura sua, encontrou. Pera Socrates que morre,
Que não pola dor de hum deos!

E não vê a cega gente,


Era na sancta semana.
Semana de devação! Imiga de toda luz,
Que longe que vai do Grego
Com jejuns e penitencias
Apresta-se o bom christão Ao Nazareno Jezus,
E da masmorra ao calvario,
Pera os mysteriös mais altos
E da cicuta a huma cruzi
Da mais alta religião.
Quantas coizas que nos fallão E aos effeitos da morte
N’aquelle passo sagrado Não attenderão também:
D ’aquelle homem divino, Se emparelhamos ideas
D ’aquelle Deos humanado, As coizas que corpo tem;
Que por amor de seos filhos. Entre elles vai mór distancia,
Ingratos, foy maltratado! Que vai da Grécia á Belem.

[119]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

M orre o Grego, e não dá fruitos; “Em bem do pastor sagrado,


M orre Jezus por nos dar Que por mercê divinal
A ley do céo pera a terra; Vive no ermo escondido,
Ley que só pôde lavrar Como hum singelo zagal;
O sangue do bom cordeiro Cúra pastor de pastores,
Dos falsos Deoses no altar. Não de pessoa real.

Vivem algozes d’aquelle, “ He facil o seo encargo.


E huns homens apenas são; P ejo, nem dor lhe não traz;
Em quanto os algozes deste, Não he assi nos palacios,
Em que povo de eleição. Onde só vejo disfraz:
Sumirão-se, como argueiro Vêm logo as razões de estado.
Nas azas d’hum furacão. Inventos de Satanaz.
“ Vêm logo as leys cá da terra
Contrapor-se ás leys dos céos:
E ra na sancta semana. Sêde christãos, reys senhores.
Semana de devação; Ou então de todo incréos!
Comsigo mesmo propunha Leys dos homens não se cazão,
O senhor rey Dom Jo ã o : Não seguem ás leys de Deos.
“ Confessarei minhas culpas,
“ Não ligueis n’hum só consorcio
Que alem de rey sou christão.
T erra feia e céo luzente:
“Ao Senhor, pay de nós todos, Leys da terra a terra buscão,
Meos erros confessarei; Como a raiz da semente;
Que me dê força indomável Leys do céo os céos procurão,
Pera guardar minha ley, Como flor que o sol presente.”
P era punir os culpados;
Que alem de christão, sou rey."
Azinha chamando hum pagem E ra aly na pedra raza
Lhe diz, e lhe ordena assi: O senhor rey Dom Jo ã o ;
“ Hide aos Padres Dominicos Ante o velho sacerdote
(M elhor lhes quero que a mi) Fazia a sua oração.
Dir-lhes-heis que sou lá prestes, As mãos em cruz sobre o peito,
Que vou commungar ally.” Giolhos postos no chão.

Veio logo o mensageiro Armas que sempre cingia,


Com a mensagem real; Todalas tinha despido;
Recado qu’el-rey lhe dera. Não tinha sedas, nem joias,
Dá elle ao Provincial. Mas peito d’aço batido:
“ He certo mercê mui grande. E ra qual homem vivente
Responde, — tenho-a por tal.” Em ferrea prizão mettido.

Ao Padre Thom az da Costa Curva-se hum rey poderoso


Chama n’huma A ve-M aria; Perante hum homem de pé;
Sabia o bom do Prelado Perante hum Padre coitado,
O muito qu’el-rey lhe qu’ria: Que nada tem, nada he:
De tam lisongeiro acerto Licção profunda e subida.
Comsigo mesmo sorria. Preceitos da nossa fé!

Demais que o bom do Prelado Portas á dentro do templo,


Dizia com bem justeza: Onde Deos eterno habita,
“ Prazer aos Reis cá da terra, Onde aquelle amor sem zelos
Não he nenhuma vileza; Somente os peitos agita,
Praz a Deos que lhes prazamos, Nas differenças do mundo
Pois vem delle a realeza.” Fiel christão não cogita.

Apresta-se com trigança Foy assi na antiga Roma


Tudo quanto era m ister: Polas festas saturnais,
Sabia o Padre Thomaz Folgavão, senhor e servo,
Encargos do seo dever; Como se forão iguais;
“ V ergar colossos, dizia, Mas o que lá foy licença.
Quem tem posses de o poder? Aqui são leys divinais:

“ Sob as mãos do jardineiro Aqui são todos curvados,


T o rto arbusto lá se ageita; Todos — o servo, o senhor;
Mas onde existe essa força Aquelles que a vida fruem,
Que hum rudo tronco sugeita, E aquelles que só tem dôr;
Se a força he balda no tronco, Pobres, que alm ejão a morte.
Se o tronco a força regeita? Ricos, que á morte hão pavor.

[120]
CANTOS

Nem he por vil comezaina, E ra então fresca a memória


Que ally reunidos estão; De hum caso máo, miserando:
Mas sim, porque a Deos importa De noite se ergueo a forca;
Que não haja distincção Mas quando o sol foy raiando,
Entre irmãos, no pátrio abrigo. Não vio ninguém mais a forca,
Rezando a mesma oração. Nem mais ao duque Fernando!

Sóbe assi aquella prece Comtudo o bravo guerreiro


Da multidão apinhada. Sanhas do rey não quiz ver;
Qual lisongeiro perfume Não ha que lhe ponha embargos,
Das flores d’huma grinalda; Nem que lhe possa empecer:
Tem huma odor, outra espinhos. “ Senhor, sou Padre Tavares!”
Outras tem côr, outras nada. Fita-o el-rey sem querer.

Depois lhe diz (que tal nome


Quebrára a furia re a l):
Era aly na pedra raza “ Em bem, meo bravo guerreiro!
O senhor rey Dom Jo ão ; Mas esse trem, de que vai?
Já disse as culpas que tinha. Somos em terras d’Hespanha,
J á fez a sua oração: Ou somos em Portugal?"
O Padre vai ministrar-lhe
A hóstia da communhão. — “ Senhor, não uzo brocados:
Vedes-me assi, e he razão, i
Tem no rosto grave e serio Que havedes os meos haveres
Expressão nobre e subida; Sem me deixardes, senão
Maneiras cheias de brio Armas comidas no peito.
Em postura commedida. Armas gastadas na mão.
Parece que vão mostrando
Quanto vai o pão da vida. — “ Fui ter ao vosso palacio.
Ninguém me não conheceo;
Parece que mostra quanto Quantos ally são comvosco,
Por vil e baixo se tem. Eu vos direi, senhor meo:
Merecendo honra tamanha, Nunca os eu vi nos combates,
Que a não merece ninguém; Nunca na guerra os vi eu!
Dahy lhe vem ser humilde.
Nobreza dahy lhe vem. — “Voltei d’ally, protestando
Jam ais não voltar ally;
Perfez-se o rito sagrado.
Conheceis as minhas armas,
Vai ser dado o sacramento.
Se não conheceis a mi;
Principia el-rey — c o n fite o r , —
Vesti-me á modo de guerra.
Quando n’aquelle momento
Vim ter comvosco, — eis-me aqui!
Surge ao pé delle um guerreiro
De marcial hardimento.
— “ As minhas alcaydarias
Tinha feroz catadura. De P o rt’alegre 265 e Assumar,
Só aço e ferro vestia; 264 Senhor rey, vós m ’as tirastes,
Polas grades da vizeira O que se chama tirar;
Raios de luz despedia: Ficavão perto da raya,
Medonho e fero apparato Máo azo de guerrear.
Nas sombras da sacristia.
— “ Das minhas alcaydarias
Era o rey brioso e forte, Eu tinha as rendas reais;
Homem de muito valor, As guerras já são passadas,
Mas olhos lançou á espada Porque ora m’as não tornais?
A fu r t o !... seja o que for, Mal cabe em reys a cubiça.
Não creio que homens d’aquelles Senhor, se m’as cubiçais.
Possão jamais ter pavor.
— “ Nem porque o velho guerreiro
Em voz carregada e forte J á nada vos presta e vai,
Assi começa o guerreiro: Vos deveis portar com elle.
“ Em nome do Senhor Deos, Qual dono pouco leal,
Meo Padre, aqui vos requeiro; Que o seo corsel de batalha
O senhor rey não commungue, Despreza no almargeal.
Pois que não he justiceiro.”
A hóstia das mãos do Padre — “ Assi que. Senhor, vos digo
Cahio do calix no fundo; Que vos não peço m ercê;
El-rey carrega os sobr’olh os.. Aquillo que me he devido.
Certo não era jocundo Só peço que se me dê! — "
Affrontar de rosto a rosto Prouve ao rey aquelles ditos
As sanhas de João segundo. E mais o geito que vê.

[121]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Depois a mão estendendo Jam ais não foy esse o estilo


Ao seo leal lidador: Do moço em armas novel.
“ Nós vos faremos justiça, Em que o experto dedilhasse
Assi como justo for; Na lyra do menestrel,
Tendes a nossa palavra, No tempo em que, não domada.
Seja-vos ella penhor!” Lutava a gente inEel.

Alegre o Padre Thom az P or mais que amores amasse,


O seo mister rematou; P or mais que fosse gentil.
H óstia tomada do calix Ninguém n’o vira a deshoras,
Aos lábios do rey chegou, Como homem de tenção vil,
El-rey d’hum copo doirado Como hum ladrão que de medo
Hum gole d’agoa tomou. Vai passo e manso e subtil.

Mimoso tempo d’outrora Não pedia manto ás sombras,


Qual nunca mais o verei, Nem ao silencio mercê,
Nem tam inteiros sugeitos. Nem do sol se arreceiava,
Hum ao outro dando a ley: Como homem que pouco vê,
No Paço o rey ao vassallo, Nem da lua appellidada
Na Ig reja o vassallo ao rey! A casta, não sei porquê.

Mas antes no amphitheatre,


Coberto de espectadores,
Onde mais povo corria.
Mais bellas e justadores,
SOLÁO DE GONÇALO HERMIGUEZ. Na arena se apresentava
Com lettra e tenções d’amorcs.
Não ha mais d’aquelle tempo. No meio d’aquella chusma
Em que era tudo lhaneza! D ’arautos e passavantes.
A cções e vida e costumes Mantenedores do campo
Desta gente portugueza. Reys d’armas e circunstantes.
P or tal geito se trocárão, Feixes d’armas resplendentes.
Que he hoje tudo impureza. Ondas de plumas brilhantes:

Não trato d’este ou d’aquelle, Entrava o novel guerreiro


Pois ha em tudo exeições; No cerco dos justadores!
Mas trato da grande lépra De alguma dona sizuda
Que vejo hy nos corações: Na charpa trazia as cores;
Desprêso do amor da gloria Tinhão amores ás claras.
E apêgo ás ruins tenções. P or que erão nobres amores.

Outrora, sabeis vós como Silencio! que sôa a trompa,


Garboso Donzel se havia A ju sta vai com eçar!
P or captar nobres extremos E n tre si ferem mil lutas
Da moça que requeria. Guerreiros a par e par:
Sempre grave, honesto e brando. Da lança feita pedaços
Sempre uzando cortezia? Voão estilhas ao ar.

Não trescalava pivetes. Levão logo mão da espada;


F itas, nem laços comprava, Que feios golpes se dão!
Nem toda a manhã divina Abolão-se capacetes,
Seos enfeites concertava, Talhão-se arnezes; e a mão
Nem nos chapins se revia, Certeira ao travez da malha.
Nem nos cabellos primava. Vai direita ao coração.

Não corria seca e meca L á sôa de novo a trompa,


T raz de mimosa donzella, Proclam a-se o vencedor,
Que nas ruas lobrigava; Que aos pés da bella entre as bellas
E por ver mais perto a bella O seo trophéo vem depor:
Não hia ao templo sagrado. Ao mais valente a mais bella.
Som ente por amor delia. Ao mais gentil mais amor.

Nem as noites janeirinhas E ra a ley — e até parece


Mais compridas e mais frias. De acordo co’a natureza,
Levava mofino amante. Que se compraz no consorcio
P or baixo das gelozias, Da força co’a gentileza;
Desenfiando hum rosairo Mais alma com mais coragem.
De trovas e ninharias. Mais brio com mais nobreza.

[122]
CANTOS

A abelha construe seos favos E ra assi que n’outras eras


Em troncos alevantados; Garboso donzel se havia
Por captar nobres extremos
E eis a hera graciosa,
Que em abraços apertados Da moça que requeria,
Não cinge mesquinho junco, Â ponta de fina espada
Mas carvalhos alentados. E arrojos de valentia.

Boa era a leyl — mas eu creio No tempo de Alphonso Henriques,


Que lhe descubro hum senão;
Que foy nosso rey primeiro,
Quem nos diz que o mais valente
Havia na sua côrte,
Deva de ter mais razão, Côrte de rey mui fragueiro.
Porque seja a sua dona Hum tal Gonçalo Hermiguez,
Como hum vaso d’eleiçâo?
Destemido cavalleiro.
Seria coiza de ver-se, E ra moço e mui donoso.
E coiza de mui folgar. De mui boa nomeada:
Ver um dragão de mulher. Fiava el-rey muito delle,
Chamada a bella sem par, E a raynha Mafalda
A pura força de espada. Folgava de ouvir-lhe os cantos
Sem mais pôr, nem mais tirar! Aos sons da lyra afinada.
He bella: e al não digais, Portas a dentro do Paço
Sob pena d’hum fendente, Não tinha nemhum rival
Que vem do céo, como hum raio. Em compor trovas mimosas;
13
Provar ao villão que mente, E no campo e no arrayal
Co’os dentes que tem na bocca, Não n’o havia mais valente.
Como hum perro maldizente! Mais forte, nem mais leal.

Fosse o caso como fosse, Quanta sanha que elle tinha,


He certo que d’ahy vem Votára a gente infiel,
Ás nossas donas de agora, Porque o pay lhe haviâo morto,
Aquelle sestro que têm E ra elle ainda novel;
De amarem a militança Vel-os porém não podia,
Melhor do que a nemhum bem. Nem pintados no papel.

Qual não gosta de ser bella. E ra o mesmo ver a hum destes


Ao menos de o parecer? E entrar logo em sanha tal,
Em quanto m u ita s... Deos meo, Que era força ter mão d’elle.
Eu me sei compadecer, Ou saltava-lhe ao gorjal
Soffro o mal que os outros passão, Pera torcer-lhe o gasnate,
Mais talvez que o meu soffrer. Como se fôra hum pardal.
Mas se tinhão tento n’elle,
Muitas ha hy, que eu conheço,
E ra outro conto ruim!
Que aqui na terra não são. Cahia 266 logo em desmaios,
Senão porque as vós mandastes. Que era hum desmaio sem fim!
Meo Deos, por occasião
Dó era ver tal sugeito
De tedio e nojo ao peccado, Prostrado e defuncto assi.
E morte da tentação.
Andava sempre occupado
T é os moços, que as namorão, Em perpetua correria
Dirão no confessional. Polas terras do mourisco,
Jurando por Deos eterno E muito mal lhes fazia:
E pola vida eternal, Dava porém mór realce
Que se fallão delle e delia, Ao nome que já trazia.
He puro aleive e não al.

Vede pois qual não seria Como fosse e os companheiros


O pasmo dessa donzella. Em hum saráo folgazão.
Proclamada ao meio dia Lembrou-se que perto vinha
Fermosa como huma estrella. A noite de Sam João,
Sem que houvesse ahy no mundo Azado ensejo de aos Mouros
Coiza melhor, nem mais bella! Fazer-se affronta e lezão.

Logo no fraco bestunto Cheio de bello hardimento,


Julgára, sem mais razão, Aquella nobre nobreza
Que n’este mundo mesquinho Por amor de seos amores
He tudo engano e buzão, Commette tam grande empreza.
E té que a propria belleza Qual a de hir terras de Mouros
He coiza de convenção! Com feros, ronco e braveza.

[ 123 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Qual apresta o seu ginete, Os que por terra a demandão


Qual a fita dependura Vão em procura d’almada,
No collo nunca domado; Alcáçova dura e forte,
Qual a pesada armadura Em rija pedra assentada,
Inverga, e ahy se recolhe, Como pedra preciosa
Como em arce mui segura! Em ferrea c ’roa engastada.
Qual a Deos por testemunha Outros lá vão T ejo arriba!
Tom a da sua tenção, ó T ejo , quanto me he grata
Qual aos pés da sua dona E ssa placida corrente,
Requer-lhe extrem o condão, Quando a lua se retrata.
Extrem o volver dos olhos. Chovendo chuva de raios,
Extrem o apertar da mão! No teo chão de lisa prata!

Qual desly toma algum nome Que doce que he teo remanso,
P or grito de accom m etter, Quando manso o vento gyra,
Que nas lidas e pelejas Que nas folhas rumoreja,
Saberá fazer valer! E como que ally suspira
Qual sente o nojo futuro. Melindres d’amor suave,
Em mal, que lá vai m orrer! Que nem tangido na lyra!

Mas nunca será que o rosto Que arroubos que infiltras n’alma,
M ostre o que n’alma lhe m ora: Quando vai ao som das agoas
Quem vio a morte passar-lhe Navegando o passageiro;
De perto, já não descora Já , se as tem, não sente as fragoas,
P or hum presagio funesto. Que no peito a dôr derrama,
Sendo ella coiza d’huma hora. Como huma enchente de magoas!
Mas talvez dos cavos olhos
Aquelles bons cavalleiros Polas faces a correr
Azinha promptos estão; Sinta o pranto represado
L á se partem de Coimbra, Polo seo muito soffrer:
M ontes alem já lá vão! Corra embora, qu’esse pranto
Ninguém vio mais escolhido, D ôr não he, senão prazer!
Nem mais luzido esquadrão.
Que neste vai’ de amarguras,
En tre elles por mais robusto Onde viemos penar,
Gonçalo Hermiguez campeia; Por cada dia hum m arteyro
Diz seo porte sublimado, P or cada instante hum pezar,
Que de nada se arreceia, H e bem feliz quem só passa
Mas antes que a todos repta. Dores que fazem chorar!
De tanto que o collo alteia!
Não sei ledice o que seja,
Caminho vão de Lisboa Nem o que seja prazer;
Com todo apercebim ento! Nunca os senti n’esta vida,
Não convem que se aprecatem Nem n ’os posso conhecer;
D ’aquelle accom m ettim ento Que não sou dos bemfadados,
Mouros que vivem na regra E nunca o não hei de ser!
Do seo alkorão nojento!
Mas o pranto extravasado
Sabeis a regra qual seja? Não he quem nos dá morrer,
He viver dentro do harem. Nem quem o viço dos annos
Dizendo mal do toicinho Faz seccar e emmurchecer;
E mais do vinho também. He antes aquelle pranto
Sem que lhe pêze este mundo. Que não sabemos verter.
Sem que lhe pêze ninguém!
He vegetar entre flores,
He viver vida folgada. L á vão hindo T e jo acima,
Aspirando incenso e odores Olhos longos polo mar.
Em molleza effeminada, L á onde enchergâo Lisboa
Nem que fosse huma odalisca. Com fogueiras de espantar;
Ou mulher alambicada. Fogo accendido na terra
Sóbe em centelhas ao ar!

Pozerão todos a mira D ’aquelles fogos accesos


E m Alcacere do Sal, Em roda os velhos estão,
Covil de feras humanas, E as donzellas feiticeiras
Não de cordeiros curral; Com sorriso folgazão,
Nó gordio do vil mourisco, Cantando coytas de amores,
O ferro o corta, não al! Quites de coytas então.

[m ]
CANTOS

He a noite milagrosa Eis n is to ... estranho arruido!


Do Bautista milagroso, Rouca trompa abala o ar;
T é dos mouros da mourama I.ogo assomão cavalleiros
Havido por glorioso: Com figuras de espantar;
Folgão nobres e senhores, .A.llah nos valha, mofinas!
Folga o villão descuidoso. Dizem moiras a chorar.

Horas de noite folgada Allah! repetem n’os mouros,


Não tardão, não têm vagar: Vendo o pendão protuguez;
A noite assi do Bautista E do alfange recurvado
Vai serena a escorregar, Levão mão sem pavidez!
Como areia da ampulheta. Feios golpes se preparão.
Hum grão e outro a tombar! Outra folgança outra vez!

Vai assi como o perfume Retine o ferro no ferro,


Respirado d’uma frol, Talhão-se cotas e arnezes;
Que não vemos, mas sentimos; O fino alfange mourisco
Que sentimos no arrebol Abre o elmo aos portuguezes;
Da manhã, que pola terra E a espada que bem degola.
Se espalha em antes do sol! Bem multiplica os revezes.

Vai assi como o rocio L a chega o alarma á Cidade!


De serena madrugada, L á vem mouros descançados
Rorejado gota a gota Em descançados ginetes:
De branca nuvem prenhada Cavalleiros esforçados,
Sobre o calice musgoso Que por Christo Deos pelejâo,
De huma flor avelludada. Não têm de que ter cuidados.
Vai assi, qual sóe prender-se. Gonçalo Hermiguez, o cabo.
Em quem de amores não cura. Avante! brada, e não al:
Doce peçonha de amores: Brilha o valente nas lides,
Donzella de vida pura, Que ally não acha rival,
Quando ha temores de havel-o,
.A.quelle cabo entre todos
He qu’elle já não tem cura. Sanhudo e forte e fatal.

M aneja tam facilmente


Do Alcácer as lindas filhas, O seu pesado montante,
J á era nascida a aurora. Que Alcides com sua clava,
Pera ver uma corrida E nem o Titan gigante.
Sahirão portas a fóra, Serra a serra sobrepondo
E mais pera colher flores. Não tinha aquelle semblante.
Persuadidas da hora.
Eilo vai per entre os mouros.
Logo sahidas no prado Abre entre elles larga estrada;
Forão, qual sohem de ser Quem fica em prisão de guerra,
Mansas agoas d’hum regato Quem lá foge em debandada!
Em chão sem leito a correr. Ficão moiras prisioneiras,
Cada qual por seo caminho, Mulheres — gente coitada!
Cada qual a seo prazer!
Gonçalo Hermiguez ein tanto
Desly pulando e cantando Vio que longe lhe fugia
Vão nas matas de alecrim. Linda moira desmaiada,
Colhem a rosa corada Que hum moço mouro cingia.
E a branca flor do jasm im ; Dando d’esporas ao bruto,
Brincão brinquedos contentes, Que mais que o vento corria!
Folgão folguedos sem fim!
Vai sobre elles sem tardança:
Oh! que festas! que alegrias! Com quanto de arremeção
Que arruido vai no prado!
Matal-o também poderá,
Que bem cantado rimance,
Certo o fizera, senão
Que soláo tãobém cantado! Temesse que a moira bella
Não têm as aves atito,
Morresse de sua mão.
Nem gorgeio mais brincado!
Oh! que vozes melindrosas, Mais logo que foy com elle,
Que accentos encantadores D ’hum golpe que despedio,
N’aquelle prazer d’huma hora! Cerce o cortou pelo meio:
As moças vão colher flores, Golpe assi nunca se vio!
E os moços que vão com ellas 267 E a moira tomando em braços,
Vão lá por colher amores. Azinha daly fugio.

[125]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Passou terrível com ella E os companheiros aos ventos


P or meio da gente fera; Desfraldão velas e panos,
Quem no vira tam sanhudo, Deixando as praias tingidas
Leão raivoso dissera, Em sangue por muitos annos;
Passando a travez dos homens Quantos bastem, porque chorem
Com a preza que fizera. Seo dezar os musulmanos.

E is nasce novo combate,


Aos alegres companheiros
Nova peleja m aior!
Disse o guerreiro feliz:
Muitos homens contra hum homem. “ Das prezas, que nos fizemos,
Contra hum forte lutador;
Quero tam só a que eu fiz,
Mas hum só que a todos vence
A moira que por seo nome
Em força, esforço, e valor!
Fatima em Turco se diz!"
Então aquelle seo canto
Mal podia a mão sinistra Principiou a compor:
V ibrar a sangrenta espada, Cant’eu, por vergonha minha.
Co’o pejo d’aquella moira Em bem que o saiba de cór.
Disputada e desmaiada. Digo que sal lhe não acho,
Cujo corpo em dois pendia, Nem sei de coiza pior.
Como huma frexa quebrada.
Mas era o soláo por certo
Mas inda assi despedia Aos tempos accommodado,
Hum golpe e outro cruel; Que de outro cantar não acho
E de encontro á este, â aquelle Que fosse mais decantado,
Mandava o seo bom corsel, Nem Figueiral Figueredo,
Que a turba multa alastrava Nem o Ficade coitado.
Aos pés do nobre donzel.
E a moira já bautizada
Quando a ventura he incerta. Pertenceo ao lidador,
A certa em aventurar Duas vezes conquistada
Quem a empreza disputada Pelo donzel, seo senhor,
Tem desejos de acabar: Primeiro á força de espada.
Só elle demóra em terra, Depois á força de amor.
Que os seos já são sobre o mar!

T o rce as redeas ao ginete. Era assi n’aquelle tempo


L arga carreira arrepia. Coiza sabida e seguida,
L arga estrada co’o montante Remanso depois da gloria.
P or entre os mouros se abria. Descanço depois da lida,
Despedia muitos golpes, E a fé que espera e milita
Muitos estragos fazia. Nos actos todos da vida!
Vede vós quamanho 269 he o lucro,
Chega a praia, os seos avista; 268 Que lucra a moira pagã,
Mas os mouros perto vêm! Desposando o cavalleiro.
Como isto vio, torce o rosto. Tornada e feita christã;
Medonho como ninguém; He vida e sangue de hum homem,
Tem em -se mouros de o verem ; Não de infiéis barregã!
Párão, como elle, tam bém !
He como tropheo ganhado
V ão assi feros monteiros
Em guerras de religião
Traz d’hum urso mal sangrado, Por algum peito devoto,
Que de repente a carreira Que por sua devação
Prometteo dependural-o
Revira, e volta agastado:
Dentro de templo christão.
Parão monteiros ao vel-o
Raivoso e mal assombrado. O canto aqui finaliso!
Não devo d’hir por diante,
E a fera d’aquelle pasmo. Narrando casos da vida
Sabendo, em seo bem, valer-se. Per natureza inconstante.
Vai a passos descançados Trabalhos que sempre durão,
Em densa m ata esconder-se. Prazer que dura hum instante!
Sem temor da montaria.
Sem dos monteiros tem er-se. Foy o cabo dos amores
A moça moira acabar
T a l o forte Traga-m ouros E sobre hum covão aberto
Salta dentro do baixei; Hum homem posto a chorar.
Na praia ficão pasmados Hum homem de dó coberto,
Mouros, do feito novel. A carpir-se, a prantear!
Tam anho, que nem sonhado
Foy jam ais por menestrel.

[126]
CANTOS

Ú L T IM O S CANTOS.

Ao Meu Caro e S audoso Amigo o Dr. Alexandre T eófilo de Carvalho Leal


Oferecendo-lhe êste V olume de P oesias, Quando P ela P rimeira
Vez F oram Impressas . 270

Eis os meus últimos cantos, o meu último volume de poesias sôltas, os últimos harpejos de uma
lira cujas cordas foram estalando, muitas aos balanços ásperos da desventura, e outras, talvez a maior
parte, com as dores de um espírito enfermo, 271 _ fictícias, mas nem por isso menos agudas, - pro­
duzidas pela imaginação, como se a realidade já não fôsse por si bastante penosa, ou que o espirito,
afeito a certa dose de sofrimento, se sobressaltasse de sentir menos pesada a costumada carga.
No meio de rudes trabalhos, de ocupações estéreis, de cuidados pungentes, - - inquieto do presen­
te incerto do futuro, derramando um olhar cheio de lágrimas e saudades sobre o meu passado — Per-
cJrri êste primeiro estádio da minha vida literária. Desejar e sofrer — eis tôda a minha vida neste período;
e êstes desejos imensos, indizíveis, e nunca satisfeitos, — caprichosos como a imaginaçao — vagos como
o oceano, — e terríveis como a tempestade; e êstes sofrimentos de todos os dias, de todos os instantes,
obscuros, implacáveis, renascentes, - ligados a minha existência, reconcentrados em minha alma, devo­
rados comigo, umas vêzes me deixaram sem fôrça e sem coragem, e se reproduziram em pálidos reflexos
do que eu sentia, ou me forçaram a procurar um alívio, uma distraçao no estudo, e a esquecer-me a
lealidade com as ficções do ideal.
Se as minhas pobres composições não foram inteiramente inúteis ao meu país; se algumas vezes tive
o maior prazer que me foi dado sentir — a mais lisonjeira recompensa a que poderia aspirar, — de as saber
estimadas pelos homens de arte, daqueles, que segundo o poeta, porque a entendem, a estimam, e repetidas
por aquela classe do povo, que só de cor as poderia ter aprendido, isto é, dos outros que a compreen­
dem, porque a sentem, porque a adivinham - paguei bem caro esta momentânea celebridade com de­
cepções profundas, com desenganos amargos, e com a lenta agonia de um martírio ignorado.
Melhor que ninguém o sabes; podes a teu grado sondar os arcanos da minha consciência, e nao
te será difícil descobrir o segredo das minhas tristes inspirações. Os meus primeiros, os meus u timos
cantos são teus: o que sou, o que fôr, a ti o devo, - a ti, ao teu nobre coração, que durante os melhores
anos da juventude bateu constantemente ao meu lado, - à 272 aragem benfazeja da tua amizade solicita
e desvelada, - a tua voz que me animava e consolava, - a tua inteligência que me vivificava — ao pro­
dígio de duas índoles tão assimiladas, de duas almas tão irmãs, tão gêmeas, que ^ rematav
pensamento apenas enunciado da outra, e aos sentimentos uníssonos de dous corações, que mutuamen e
se falavam, se interpretavam, se respondiam sem o auxílio de palavras. Duplicada a mm a existenc ,
não era muito que eu me sentisse com forças para abalançar-me a esta emprêsa, e agora que ern parte a
tenho concluído, é um dever de gratidão, um dever para que sou atraído por tôdas as potências a min
alma, escrever aqui o teu nome, como talvez seja o derradeiro que escreverei em minhas obras, o ultimo
que os meus lábios pronunciem, se nos paroxismos da morte se puder destacar inteiramente do meu coraçao.
Ser-me-ia doloroso não cumprir os teus desejos, — não satisfazer as esperanças, que em mim tinhas
depositado, — não realizar a expectação da tua desinteressada amizade. Entrei na luta, e procurei ^isputar
ao tempo uma fraca parcela da sua duração, não por amor do orgulho, nem por amor da g ona, mas
para que, depois da morte de ambos, uma só que fôsse das minhas produções sobrenadasse no o vi o,
por mais uma geração estendesse a memória tua e minha. Assim passa a onda sôbre um navio que so
çobra, e atira a praias 273 desconhecidas os destroços de um mastro embrulhado nas vestes dos navegantes.
Entrei na luta, e por mais algum tempo continuarei nela, variando apenas o sentido dos meus can­
tos. A fé e o entusiasmo, o óleo e o pábulo da lâmpada que alumia as composições do artista, vao-se-me
esfriando dentro do peito; e eu o conheço e o sinto se pois ainda persisto nesta carreira, é por teu respeito,
continuarei — até que, satisfeito dos meus esforços, me digas: bastai Então, já to hei dito, voltarei gostoso
à obscuridade, donde não devera ter saído, — e como um soldado desconhecido contarei os meus
triunfos pelas minhas feridas, voltando à habitação singela, onde me correram, não felizes, mas os primei
ros dias da minha infância.

[ 127]
AXTôNIO GONÇALVES DIAS

Minha alma não está comigo, não anda entre os nevoeiros dos Órgãos, envolta 274 em neblina,
balouçada em castelos de nuvens, nem rouquejando na voz do trovão. L á está ela! — lá está a espregui­
çar-se nas vagas de S. Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, a sussurar nos leques das palmeiras;
lá está ela nos sítios que os meus olhos sempre viram, nas paisagens que eu amo, onde se avista a pal­
meira esbelta, o cajazeiro coberto de cipós, e o pau-d’arco coberto de flores amarelas. Ali sim, — ali está
— desfeita em lágrimas nas folhas das bananeiras — desfeita em orvalho sôbre as nossas flores, desfeita
em harmonia sôbre os nossos bosques, sôbre os nossos rios, sôbre os nossos mares, sôbre tudo que eu
amo, e que em bem veja eu em breve! Aí, outra vez remoçado e vivificado de todos os anos que csper-
dicei, poderei enxugar 275 os meus vestidos, voltar aos gozos de uma vida ignorada, e do meu lar tran-
aüilo ver outros mais corajosos e mais felizes que eu afrontar as borrascas desencadeadas no oceano, que
cu houver para sempre deixado atrás de mim.
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1850.
A. GONÇALVES DIAS.

E lá na montanha, deitado dormido


Campeia o gigante, — nem pode acordar I
Cruzados os braços de ferro fundido,
POESIAS AMERICANAS. A fronte nas nuvens, os pés sôbre o mar!

I I.
I.
Banha o sol os horizontes.
0 GIGAN TE DE PEDRA. 276 Trepa os castelos dos céus.
Aclara serras e fontes.
O g u e r r i e r s ! n e la is s e z p a s m a d é p o u ille a u c o r b e a u !
Vigia os domínios seus:
E n se v e liss e z -m o i p a rm i d es m o n ts su b lim e s, J á descai p’ra o ocidente,
A f in q u e l ’ é tr a n g e r c h e rc h e , e n v o y a n t le u r s c im e s. E em globo de fogo ardente
Q u e lle m o n ta g n e e s t m on to m b e a u !
Vai-se no mar esconder;
V. HUGO. L e Géant. E lá campeia o gigante.
Sem destorcer o semblante.
I. Imóvel, mudo a jazer!
Gigante orgulhoso, de fero semblante.
Vem a noite após o dia.
Num leito de pedra lá jaz a dormir!
Vem o silêncio, o frescor,
Em duro granito repousa o gigante,
E a brisa leve e macia,
Que os raios somente puderam fundir.
Que lhe suspira ao redor;
Dormido atalaia no serro empinado E da noite entre os negrores,
Devera cuidoso, sanhudo velar; Das estrelas os fulgores
O raio passando o deixou fulminado, Brilham na face do m ar:
E à aurora, que surge, não há de acordar! Brilha a lua cintilante,
E sempre mudo o gigante.
Co’os braços no peito cruzados nervosos. Imóvel, sem acordar!
Mais alto que as nuvens, os céus a encarar.
Seu corpo se estende por montes fragosos. Depois outro sol desponta,
Seus pés sobranceiros se elevam do m ar! E outra noite também.
Outra lua que aos céus monta.
De lavas ardentes seus membros fundidos Outro sol que após lhe vem:
Avultam im ensos: só Deus poderá Após um dia outro dia,
Rebelde lançá-lo dos montes erguidos. Noite após noite sombria.
Curvados ao pêso, que sôbre lhe ’stá. Após a luz o bulcão,
E sempre o duro gigante.
E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes Imóvel, mudo, constante
São velas, são tochas, são vivos brandões, Na calma e na cerração!
E o branco sudário são névoas algentes,
E o crepe, que o cobre, são negros bulcões. Corre o tempo fugidio.
Da noite, que surge, no manto fagueiro Vem das águas a estação.
Quis Deus que se erguesse, de junto a seus pés, Após ela o quente estio;
A cruz sempre viva do sul no cruzeiro. E na calma do verão
Deitada nos braços do eterno Moisés. Crescem folhas, vingam flores.
Entre galas e verdores
Perfumam-no odores que as flores exalam. Sazonam-se frutos m il;
Bafejam -no carmes de um hino de amor Cobrem-se os prados de relva.
Dos homens, dos brutos, das nuvens que estalam, Murmura o vento na selva,
Dos ventos que rugem, do mar em furor. Azulam-se os céus de anil!

[1 2 8 ]
CANTOS

Tornam prados a despir-se, Depois em naus flamívomas


Tornam flores a murchar, Um trôço ardido 284 e forte.
Tornam de novo a vestir-se. Cobrindo os campos úmidos
Tornam depois a secar; De fumo, e sangue, e morte.
E como gôta filtrada Traz dos reparos hórridos
De uma abóbada escavada D ’altissimo pavês:
Sempre, incessante a cair. E do sangrento pélago
Tombam as horas e os dias, Em míseras ruínas
Como fantasmas sombrias, Surgir galhardas, límpidas
Nos abismos do porvir! As portuguêsas quinas.
Murchos os lises cândidos
E no féretro de montes Do impróvido gaulês!
Inconcusso, imóvel, fito.
Escurece os horizontes
O gigante de granito: V.
Com soberba indiferença
Sente extinta a antiga crença Mudaram-se os tempos e a face da terra.
Dos Tamoios, dos P ajés; 277 Cidades alastram o antigo paul;
Nem vê que duras desgraças, Mas inda o gigante, que dorme na serra,
Que lutas de novas raças Se abraça ao imenso cruzeiro do sul.
Se lhe atropelam aos pés!
Nas duras montanhas os membros gelados
I I I. Talhados a golpes de ignoto buril.
Descansa, ó gigante, que encerras os fados,
E lá na montanha deitado dormido Que os términos guardas do vasto Brasil.
Campeia o gigante! — nem pode acordar!
Cruzados os braços de ferro fundido, Porém se algum dia fortuna inconstante
A fronte nas nuvens, e os pés sôbre o m ar!. Puder-nos a crença e a pátria acabar.
Arroja-te às ondas, ó duro gigante.
Inunda êstes montes, desloca êste mar!
IV.
Viu primeiro os íncolas
Robustos, das florestas.
Batendo os arcos rígidos.
Traçando homéreas festas, II.
À luz dos fogos rútilos,
Aos sons do murmuré! 278
E em Guanabara esplêndida 279 LEITO DE FÔLHAS VERDES.
As danças dos guerreiros,
E o guau cadente e vário 280
Porque tardas, Jatir, que tanto a custo
Dos moços prazenteiros,
À voz do meu amor moves teus passos r
E os cantos da vitória
Da noite a viração, movendo as folhas.
Tangidos no boré.
Já nos cimos do bosque rumoreja.
E das igaras côncavas 2 8 1
A frota aparelhada. Eu sob a copa da mangueira altiva
Vistosa e formosíssima Nosso leito gentil cobri zelosa
Cortando a undosa estrada. Com mimoso tapiz de fôlhas brandas,
Sabendo, mas que frágeis. Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Os ventos contrastar:
E a caça leda e rápida Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco.
Por serras, por devesas, Já solta o bogari mais doce aroma!
E os cantos da janúbia 282 Como prece de amor, como estas preces,
Junto às lenhas acesas, No silêncio da noite o bosque exala.
Quando 283 q tapuia mísero
Seus feitos vai narrar! Brilha a lua no céu, brilham estrelas.
Correm perfumes no correr da brisa,
E o germe da discórdia A cujo influxo mágico respira-se
Crescendo em duras brigas. Um quebranto de amor, melhor que a vida!
Ceifando os brios rústicos
Das tribos sempre amigas, A flor que desabrocha ao romper d’alva
— Tam oi a raça antigua, Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Feroz Tupinambá. Eu sou aquela flor que espero ainda
Lá vai a gente impróvida. Doce raio do sol que me dê vida.
Nação vencida, imbele,
Buscando as matas ínvias. Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Donde outra tribo a expele; Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Jaz o pajé sem glória. Vai seguindo após ti meu pensamento;
Sem glória o maracá. Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

[ 129 ]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Meus olhos outros olhos nunca viram, Acerva-se a lenha da vasta fogueira.
Não sentiram meus lábios outros lábios, Entesa-se a corda da embira 29i ligeira.
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas Adorna-se a maça com penas gentis: 292
A arazóia na cinta me apertaram. 28S A 293 custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Tim bira, que a turba rodeia.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta. Garboso nas plumas de vário matiz.
Já solta o bogari mais doce aroma;
Tam bém meu coração, como estas flores. Entanto as mulheres com leda trigança.
Melhor perfume ao pé da noite exala! Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
Não me escutas, Ja tir! nem tardo acodes A coma lhe cortam, os membros lhe tingem.
A voz do meu amor, que em vão te chama! Brilhante enduape no corpo lhe cingem, 294
Tupâ! lá rompe o sol! do leito inútil Sombreia-lhe a fronte gentil canitar. 293
A brisa da manhã sacuda as folhas!

II.

Em fundos vasos d’alvacenta argila


III. Ferve o cauim;
Enchem -se as copas, o prazer começa.
Í-JUCA-PIRAMA. 286 Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam.


I. Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
No meio das tabas 287 de amenos verdores. Jam ais verá!
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; A dura corda, que lhe enlaça o colo.
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes. M ostra-lhe o fim
Tem íveis na guerra, que em densas coortes Da vida escura, que será mais breve
Assombram das matas a imensa extensão. Do que o festim!

São rudos, severos, sedentos de glória. Contudo os olhos d’ignóbil pranto


J á prélios incitam, já cantam vitória. Secos estão;
Já meigos atendem à voz do cantor: Mudos os lábios não descerram queixas
São todos Tim biras, 288 guerreiros valentes! Do coração.
Seu nome lá voa na bôca das gentes.
Condão de prodígios, de glória e terror! Mas um martírio, que encobrir não pode.
Em rugas faz
As tribos vizinhas, sem fórças, sem brio. A mentirosa placidez do rosto
As armas quebrando, 289 lançando-as ao rio, Na fronte audaz!
O incenso aspiraram dos seus m aracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem. Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
Custosos tributos ignavos lá rendem. No passo horrendo?
Aos duros guerreiros sujeitos na paz. Honra das tabas que nascer te viram.
Folga morrendo.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concilio guerreiro Folga morrendo; porque além dos Andes
Da tribo senhora, das tribos servis: Revive o forte,
Os velhos sentados praticam d’outrora, Que soube ufano contrastar os medos
E os moços inquietos, que a festa enamora. Da fria morte.
Derramam-se em tôrno dum índio infeliz.
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva.
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto. Lá murcha e pende:
Sua tribo não diz: — de um povo remoto Sòm ente ao tronco, que devassa os ares.
Descende por certo — dum povo gentil; O raio ofende!
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano Que foi? Tupã mandou que êle caísse,
As linhas corretas do nobre perfil. Como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado
P or casos de guerra caiu prisioneiro Esm oreceu!
Nas mãos dos Tim biras: — no extenso terreiro
Assola-se o teto, 290 que o teve em prisão; Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
Convidam-se as tribos dos seus arredores, Revive o forte,
Cuidosos se incumbem do vaso das côres, Que soube ufano contrastar os mêdos
Dos vários aprestos da honrosa função. Da fria morte.

[ 130 ]
CA N TO S

I I I. E os meigos cantores.
Servindo a senhores,
íím larga roda de novéis guerreiros Que vinham traidores,
Ledo caminha o festival Timbira, Com mostras de paz.
A quem do sacrifício cabe as honras.
Na fronte o canitar sacode em ondas, Aos golpes do imigo
O enduape na cinta se embalança, Meu último amigo.
Na destra mão sopesa a iverapeme, Sem lar, sem abrigo
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo Caiu junto a mi!
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra, Com plácido rosto.
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme, Sereno e composto,
Como que por feitiço não sabido O acerbo desgosto
Encantadas ali as almas grandes Comigo sofri.
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d’imigos feros. Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
“ Eis-me aqui, diz ao indio prisioneiro; De penas ralado,
“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família, Firmava-se em mi;
“As nossas matas devassaste ousado, Nós ambos, mesquinhos.
“Morrerás morte vil da mão de um forte.” Por ínvios caminhos.
Cobertos d’espinhos
Vem a terreiro o mísero contrário; Chegamos aqui!
Do colo à cinta a muçurana desce:
“ Dize-nos quem és, teus feitos canta, O velho no entanto
“ Ou se mais te apraz, defende-te." Começa Sofrendo já tanto
O índio, que ao redor derrama os olhos, De fome e quebranto.
Com triste voz que os ânimos comove. Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
IV. Nas matas me embrenho,
Das frechas 296 que tenho
Meu canto de morte, Me quero valer.
Guerreiros, ouvi;
Sou filho das selvas, Então, forasteiro.
Nas selvas cresci; Caí prisioneiro
Guerreiros, descendo De um trôço guerreiro
Da tribo tupi. Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Da tribo pujante, Do pai fraco e cego.
Que agora anda errante Enquanto não chego.
Por fado inconstante, Qual seja, — dizei!
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte, Eu era o seu guia
Sou filho do Norte; Na noite sombria,
Meu canto de morte, A só alegria
Guerreiros, ouvi. Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava.
J á vi cruas brigas. Em mim se firmava.
De tribos imigas, Em mim descansava,
E as duras fadigas Que filho lhe sou.
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces Ao velho coitado
Senti pelas faces De penas ralado.
Os silvos fugaces J á cego e quebrado,
Dos ventos que amei. Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
Andei longes terras. O giro tão breve
Lidei cruas guerras, Da vida que teve.
Vaguei pelas serras Deixai-me viver!
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos! Não vil, não ignavo,
De estranhos ignavos Mas forte, mas bravo.
Calcados aos pés. Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
E os campos talados, Guerreiros, não coro
E os arcos quebrados, Do pranto que choro;
E os piagas coitados Se a vida deploro.
Já sem maracás; Também sei morrer.

[131]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

V. Nem para novo golpe espaço intacto


Em nossos corpos resta.
Soltai-o! — diz o chefe. Pasma a turba; — Mas tu tremes!
Os guerreiros murmuram: mal ouviram, — Talvez do afã da c a ç a ...
Nem pôde nunca um chefe dar tal ordem! — Oh filho caro!
Brada segunda vez com voz mais alta, Üm quê misterioso aqui me fala,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede, .^qui no coração; piedosa fraude
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo. Será por certo, que não mentes nunca!
— Timbira, diz o índio enternecido, Não conheces temor, e agora temes?
Sôlto apenas dos nós que o seguravam: Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
És um guerreiro ilustre, um grande chefe. E contra o seu querer não valem brios.
Tu que assim do meu mal te comoveste, Partam os!... —
Nem sofres que, transposta a natureza, E com mão trêmula, incerta
Com olhos onde a luz já não cintila. Procura o filho, tateando as trevas
Chore a morte do filho o pai cansado, Da sua noite lugubre e medonha.
Que sòmente por seu na voz conhece. Sentindo o acre odor das frescas tintas,
— És livre; parte. Uma idéia fatal correu-lhe à m e n te ....
— E voltarei. Do filho os membros gélidos apalpa,
— Debalde. E a dolorosa maciez das plumas
— Sim, voltarei, morto meu pai. Conhece estremecendo: — foge, volta.
— Não voltes! Encontra sob as mãos o duro crânio.
E ’ bem feliz, se existe, em que não veja, Despido então do natural o rn a to !....
Que filho tem, qual chora: és livre; parte! Recua aflito e pávido, cobrindo
— Acaso tu supões que me acobardo, Âs mãos ambas os olhos fulminados,
Que receio morrer! Como que teme ainda o triste velho
— És livre; parte! De ver, não mais cruel, porém mais clara.
— Ora não partirei; quero provar-te Daquele exício grande a imagem viva
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem, .■ \nte os olhos do corpo afigurada.
Da morte o passo glorioso afronta. Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
— Mentiste, que um Tupi não chora nunca, Êle o via; êle o tinha ali presente;
E tu choraste!., parte; não queremos E era de repetir-se a cada instante.
Com carne vil enfraquecer os fortes.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Sobresteve o Tupi: — arfando em ondas Ali no coração se concentrava,
O rebater do coração se ouvia Era num ponto só, mas era a morte!
Precipite. — Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensam ento... — Tu prisioneiro, tu?
Já n ã o ... que na enlutada fantasia, — \^ós o dissestes.
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo, — Dos índios?
Do velho pai a moribunda imagem — Sim.
Quase bradar-lhe ouvia: — Ingrato! ingrato! — De que nação?
Curvado o colo, taciturno e frio.
— Timbiras.
Espectro d’honiem, penetrou no bosque!
— E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a m a ç a ....
— Nada f i z . . . . aqui estou.
VI.
— Nada! —
Emudecem;
— Filho meu, onde estás?
Curto instante depois prossegue o velho:
— Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões: tomai-as. — Tu és valente, bem o sei; confessa,
As vossas forças restaurai perdidas, Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
E a caminho, e já!
— Tardaste muito! — Nada fiz; mas souberam da existência
Não era nado o sol, quando partiste, De um pobre velho, que em mim só v iv ia ....
E frouxo o seu calor já sinto agora!
— E depois?...
Eis-me aqui.
— Sim, demorei-me a divagar sem rumo, — Fica essa taba?
Perdi-me nestas matas intrincadas,
— Na direção do sol, quando transmonta.
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já! — Longe?
— Que novos males — Não muito.
Nos resta de sofrer? — que novas dores, — Tens razão: partamos.
Que outro fado pior Tupã nos guarda? — E quereis ir?..
— As setas da aflição já se esgotaram. — Na direção do ocaso.

[132]
CANTOS

VII. “ Não encontres doçura no dia,


Nem as côres da aurora te ameiguem,
“ Por amor de um triste velho, E entre as larvas da noite sombria
Que ao têrmo fatal já chega, Nunca possas descanso gozar:
Vós, guerreiros, concedestes Não encontres um tronco, uma pedra.
A vida a um prisioneiro. Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos.
Ação tão nobre vos honra, Padecendo os maiores tormentos,
Nem tão alta cortesia Onde possas a fronte pousar.
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, — e mais foram “ Que a teus passos a relva se torre;
Senhores em gentileza. Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre.
“ Eu porém nunca vencido,
Mais te acenda o vesano furor;
Nem nos combates por armas,
Suas águas depressa se tornem,
Nem por nobreza nos atos;
.A.O c o n t a c to d o s lá b io s s e d e n to s .
Aqui venho, e o filho trago. Lago impuro de vermes nojentos,
Vós o dizeis prisioneiro.
Donde fujas com asco e terror!
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício “ Sempre o céu, como um teto incendido.
E a muçurana ligeira: Creste e punja teus membros malditos
Em tudo o rito se cumpra! K o oceano de pó denegrido
E quando eu fôr só na terra, Seja a terra ao ignavo tupi!
Certo acharei entre os vossos, Miserável, faminto, sedento,
Que tão gentis se revelam. Manitôs lhe não falem nos sonhos,
Alguém que meus passos guie; E do horror os espectros medonhos
Alguém, que vendo o meu peito Traga sempre o cobarde após si.
Coberto de cicatrizes.
Tomando a vez de meu filho, “ Um amigo não tenhas piedoso
De haver-me por pai se ufane!” Que o teu corpo na terra embalsame.
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Mas o chefe dos Timbiras, Arco e frecha e tacape a teus pés!
Os sobrolhos encrespando. Sê maldito, e sòzinho na terra;
Ao velho Tupi guerreiro Pois que a tanta vileza chegaste,
Responde com tôrvo acento: Que em presença da morte choraste.
Tu, cobarde, meu filho não és.”
— Nada farei do que dizes:
E ’ teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo IX .
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue: Isto dizendo, o miserando velho
Êle chorou de cobarde; A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Nós outros, fortes Timbiras, Já nos confins da vida reservara.
Só de heróis fazemos pasto. — Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Do velho Tupi guerreiro Palpando. — Alarma! alarma! — O velho pára!
A surda voz na garganta O grito que escutou é voz do filho.
Faz ouvir uns sons confusos, Voz de guerra que ouviu já tantas vêzes
Como os rugidos de um tigre, Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!
Que pouco a pouco se assanha! — Êsse momento só vale apagar-lhe
Os tão compridos transes, as angústias,
VIII. Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: — vale, e de sobra.
“ Tu choraste em presença da morte? Êle que em tanta dor se contivera.
Na presença de estranhos choraste? Tomado pelo súbito contraste.
Não descende o cobarde do forte; Desfaz-se agora em pranto copioso,
Pois choraste, meu filho não és! Que o exaurido coração remoça.
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros, A taba se alborota, os golpes descem.
Implorando cruéis forasteiros, Gritos, imprecações profundas soam,
Sêres prêsa de vis Aimorés. Emaranhada a multidão braveja.
“ Possas tu, isolado na terra. Revolve-se, enovela-se confusa,
Sem arrimo e sem pátria vagando. E mais revolta em mor furor se acende.
Rejeitado da morte na guerra. E os sons dos golpes que incessantes fervem.
Rejeitado dos homens na paz. Vozes, gemidos, estertor de morte
Ser das gentes o espectro execrado; Vão longe pelas êrmas serranias
Não encontres amor nas mulheres. Da humana tempestade propagando
Teus amigos, se amigos tiveres, Quantas vagas de povo enfurecido
Tenham alma inconstante e falaz! Contra um rochedo vivo se quebravam.

[133]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Era êle, o Tupi; nem fôra justo Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
Que a fama dos Tupis — o nome, a glória, “Teus olhos são garços.
Aturado labor de tantos anos. Responde anojado; “ mas és M arabá:
Derradeiro brasão da raça extinta, “ Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
De um jacto e por um só se aniquilasse. “Uns olhos fulgentes,
“ Bem pretos, retintos, não côr d’an ajá!”
— Basta! clama o chefe dos Timbiras,
— Basta, guerreiro ilustre! assaz lutaste, — E ’ alvo meu rosto da alvura dos lírios,
E para o sacrifício é mister fôrças. — — Da côr das areias batidas do m ar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
O guerreiro parou, caiu nos braços — Não têm mais alvura, não têm 299 mais brilhar. —
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando: Se ainda me escuta meus agros delírios:
“ Êste, sim, que é meu filho muito amado! “ És alva de lírios.
“ E pois que o acho enfim, qual sempre o tive, Sorrindo responde; “ mas és M arabá:
“ Corram livres as lágrimas que choro, “ Quero antes um rosto de jambo corado,
“ Estas lágrimas, sim, que não desonram.” “ Um rosto crestado
“ Do sol do deserto, não flor de cajá.”
X. — Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus 200 em flor;
Um velho Timbira, coberto de glória. — Mimosa, indolente, resvalo no prado,
Guardou a memória — Como um soluçado suspiro de am or! —
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava “ Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Do que êle contava. “ Qual duma palmeira.
Dizia prudente: — “ Meninos, eu vi! Então me respondem; “ tu és M arabá:
“ Quero antes o colo da ema orgulhosa,
“ Eu vi o brioso no largo terreiro “ Que pisa vaidosa,
Cantar prisioneiro “Que as flóreas campinas governa, onde está”.
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo; — Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
Parece que o vejo, — O oiro mais puro não tem seu fulgor;
Que o tenho nest’hora diante de mi. — As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os v ef tão formosos como um beija-flor! 20 i
“ Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo; Mas êles_ respondem: “ Teus longos cabelos,
Valente e brioso, como êle, não vi! “ São loiros, são belos,
“ Mas são anelados; tu és M arabá:
E à fé que vos digo: parece-me encanto
“ Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
Que quem chorou tanto.
“ Cabelos compridos,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
“Não côr d’oiro fino, nem côr d’anajá.”
Assim o Timbira, coberto de glória. E as doces palavras que eu tinha cá dentro
Guardava a memória A quem nas direi?
Do moço guerreiro, do velho Tupi. O ramo d’acácia na fronte de um homem
E à noite nas tabas, se alguém duvidava Jam ais cingirei:
Do que êle contava.
Tornava prudente: “ Meninos, eu vi!” Jam ais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sòzinha, chorando mesquinha,
Que sou M arabá!

IV.
V.
MARABÁ. 297
CANÇÃO DO TAMOIO.
Eu vivo sòzinha; ninguém me procura! (N a t a l Ic i a ).
Acaso feitura
Não sou de Tupá? 298 I.
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
Não chores, meu filho;
— Tu és, me responde, Não chores, que a vida
— Tu és Marabá! E ’ luta renhida:
Viver é lutar.
— Meus olhos são garços, são côr das safiras, A vida é combate,
— Têm luz das estréias, têm 299 meigo brilhar; Que os fracos abate,
— Imitam as nuvens de um céu anilado, Que os fortes, os bravos.
— As côres imitam das vagas do marl Só pode exaltar.

[134]
CA N TO S

I I. VIII.

Um día vivemos! Porém se a fortuna,


O homem que é forte Traindo teus passos,
Não teme da morte; T e arroja nos laços
Só teme fugir; Do imigo falaz I
No arco que entesa Na última hora
Tem certa uma prêsa, Teus feitos memora.
Quer 302 seja tapuia, Tranquilo nos gestos.
Condor ou tapir. Impávido, audaz.

I I I. IX.

O forte, o cobarde E cai como o tronco


Seus feitos inveja Do raio tocado.
De o ver na peleja Partido, rojado
Garboso e feroz; Por larga extensão; 303
E os tímidos velhos Assim morre o forte!
Nos graves concelhos. No passo da morte
Curvadas as frontes, Triunfa, conquista
Escutam-lhe a voz! Mais alto brasão.

IV. X.
Domina, se vive;
As armas ensaia,
Se morre, descansa
Penetra na vida:
Dos seus na lembrança.
Pesada ou querida.
Na voz do porvir.
Viver é lutar.
Não cures da vida! Se o duro combate
Sê bravo, sê forte!
Os fracos abate.
Não fujas da morte,
Aos fortes, aos bravos.
Que a morte há de vir!
Só pode exaltar.

V.

E pois que és meu filho,


Meus brios reveste;
V I.
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro.
A MANGUEIRA.
Robusto, fragueiro.
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
Já viste cousa mais bela
Do que uma bela mangueira,
VI. E a doce fruta amarela,
Sorrindo entre as folhas dela,
Teu grito de guerra E a leve copa altaneira?
Retumbe aos ouvidos Já viste cousa mais bela
D ’imigos transidos Do que uma bela mangueira?
Por vil comoção;
E tremam d’ouvi-lo Nos seus alegres verdores
Pior que o sibilo Se embalança o passarinho;
Das setas ligeiras. Todo é graça, todo amores.
Pior que o trovão. Decantando seus ardores
A beira do casto ninho:
Nos seus alegres verdores
V I I.
Se embalança o passarinho!
E a mãe nessas tabas.
Querendo calados O cansado viandante
Os filhos criados A sombra dela acha abrigo;
Na lei do terror; Traz-lhe a aragem sussurrante,
Teu nome lhes diga, Que lhe passa no semblante.
Que a gente inimiga Talvez o adeus dum amigo;
Talvez não escute E o cansado viandante
Sem pranto, sem dor! A sombra dela acha abrigo.

[135]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V K S D IA S

A sombra que ela derrama “ São seus lábios entreabertos


Tôdas as dores acalma; Semelhantes 306 a romã;
Seja dor que o peito inflama, Tem ares duma princesa,
Ou voraz, nociva chama E no entanto é tão m ed ro sa!...
Que nos mora dentro d’alma, Inda mais que minha irmã.
A sombra que ela derrama Olha, mãe, sabes quem é
Tôdas as dores acalma. A bela moça formosa,
Que dentro d’àgua se vê?”
O mancebo namorado
Para ela se encaminha; — Tem -te, meu filho; não olhes
Bate-lhe o peito açodado, Na funda, lisa corrente:
Quando chega o prazo dado, A imagem que te embeleza
Quando ao tronco se avizinha, E ’ mais do que uma princesa,
E o mancebo namorado E ’ menos do que é a gente.
Para o tronco se encaminha.
— O h! quantas mães desgraçadas
Sob a copa deleitosa Choram seus filhos perdidos !
Mil suspiros se entrelaçam, Meu filho, sabes porquê?
E duma hora aventurosa Foi porque deram ouvidos
Guarda a prova a casca anosa À leve sombra enganosa,
Nas cifras que ali se abraçam: Que dentro d’àgua se vê.
Sob a copa venturosa
Mil suspiros se entrelaçam. — O seu sorriso é mentira,
Não é mais que sombra vã;
Grata estação dos amôres. Não vale aquilo que eu valho,
Abrigo dos que o não têm, 304 Nem o que vai tua irm ã:
Deixa-me ouvir teus cantores. E ’ como a nuvem sem corpo.
Admirar teus verdores; De quando rompe a manhã.
Presta-me abrigo também.
Grata estação dos amôres. — E ’ a mãe d’àgua traidora,
Abrigo dos que o não têm! 304 Que ilude os fáceis meninos,
Quando êles são pequeninos
E obedientes não são;
Olha, filho, não a escutes.
Filho do meu coração:
O seu sorriso é mentira,
A MÂE D'ÂGUA. 305 E ’ terrível tentação. —

“ Minha mãe, olha aqui dentro,


Olha a bela criatura,
Junto ao rio cristalino
Que dentro d’àgua se vê!
Brincava o ledo menino.
São d’ouro os longos cabelos.
Molhando o pé;
Gentil a doce figura,
O fresco humor o convida.
Airosa, leve a estatura;
Menos que a imagem querida,
Olha, vê no fundo d’àgua
Que n’àgua vê.
Que bela moça não é!
Cauteloso de repente.
“ Minha mãe, no fundo d’àgua Ouve o conselho 307 prudente,
Vê essa mulher tão bela! Que a mãe lhe dá;
O sorrir dos lábios dela, Não é anjo, não é fada;
Inda mais doce que o teu, Mas uma bruxa malvada,
E ’ como a nuvem rosada, E cousa má.
Que no romper da alvorada.
P assa risonha no céu. E la é quem rouba os meninos
P ara os tragar pequeninos.
“ Olha, mãe, olha depressa! Ou mais talvez!
Inclina a leve cabeça E para vingar-se n ’àgua
E nas mãozinhas resume Da causa de 308 tanta mágoa.
A fina trança mimosa, Rem exe 309 os pés.
E com pente de m a rfim !...
Olha agora que me avista Turba a fonte num instante.
A bela moça formosa, J á não vê o belo infante
Como se fêz tôda rosa, A sombra vã,
Tôd a candura e jasmim! E as brancas mãos delicadas
Dize, mãe, dize: tu julgas E as longas tranças douradas
Que ela se ri para mim! Da sua irmã.

[136]
CA N TO S

O menino arrependido Entanto o menino se curva e se inclina


Diz consigo entristecido: Por ver mais de perto a donosa visão;
— Que mal fiz eul A mãe, longe dêle, dizia: — Meu filho,
Minha mãe, bem que indulgente, Não oiças, não vejas, que é má tentação.
Só por não me ver contente.
Me repr’endeu. ^lO “Vem meu amigo, dizia
A bela fada engraçada.
Era figura tão bela! Pulsando a harpa dourada:
E que expressão tão singela, — Sou boa, não faço mal.
Que riso o seu! Vem ver meus belos palácios,
Oh! minha mãe certamente Meus domínios dilatados,
Só por não me ver contente, Meus tesouros encantados
Me repr’endeu! — No meu reino de cristal.

Espreita, sim, mas duvida “Vem, te chamo: vê a linfa


Que a bela imagem querida Como é bela e cristalina;
Torne a volver; V ê esta areia tão fina,
E na fonte cristalina Que mais que a neve seduz!
Para ver todo se inclina Vem, verás como aqui dentro
Se a pode ver! Brincam mil leves amores,
Como em listas multicores
Acha-se ainda turbada, Do sol se desfaz a luz.
E a bela moça agastada
Não quer voltar; “ Se não achas borboletas
Sacode leve a cabeça. Nem as vagas mariposas,
Enquanto o pranto começa Que brincam por entre as rosas
A borbulhar. Do teu ameno jardim ;
Tens mil peixinhos brilhantes.
Mais luzentes e mais belos
E de triste e arrependido
Que o oiro dos meus cabelos,
Diz consigo entristecido:
Que a nitidez do cetim.”
— Que mal fiz e u ! ...
— Leda ao ver-me parecia,
— E ra boa, e me s o rria .. . .
— Que riso o seu!”
Entanto o menino se curva e se inclina
Por ver de mais perto a donosa visão;
E a mãe, longe dêle, dizia: Meu 3il filho,
Não oiças, não vejas, que é mã tentação.
As águas no entanto de novo se aplacam,
A lisa corrente se espelha outra vez;
E a imagem querida no fundo aparece
Com mil peixes vários brincando a seus pés. “ Vem, meu amigo, tornava
A bela fada engraçada,
Do colo uma charpa trazia pendente. Vem ver a minha morada,
Cortando-lhe o seio de brancos jasmins, O meu reino de cristal:
Um iris nas côres, e as franjas bordadas Não se sente a tempestade
De prata luzente, de vivos rubins. Na minha espaçosa gruta,
Nem voz do trovão se escuta,
Uma harpa a seu lado frisava a corrente. Nem roncos do vendaval.
Gemendo queixosa da leve pressão,
Como harpas etéreas, que as brisas conversam. “Aqui, ao findar do dia,
Achando-as perdidas em mesta soidão. Tudo rápido se acende,
E o meu palácio resplende
Sentida, chorosa parece que estava, De vivo, etéreo clarão.
E o belo menino, sentado, a chorar Mil figuras aparecem,
“ Perdoa, dizia-lhe, o mal que te hei feito; Mil donzelas encantadas
Por minha vontade não hei de tornar!” Com angélicas toadas
De ameigar o coração.
A harpa dourada de súbito vibra,
A charpa se agita do seio ao través; “ Quando passo, as brandas águas
Das franjas garbosas as pedras refletem Por nie ver passar se afastam,
Infindos luzeiros nos úmidos pés. E mil estréias se engastam
Nas paredes do cristal.
Os peixes pasmados de súbito param Surgem luzes multicores,
No fundo luzente de puro cristal; Como dêsses pirilampos, 312
Fantásticos sêres assomam às grutas Que tu vês andar nos campos.
Do nítido âmbar, do vivo coral! Sem contudo fazer mal.

[137]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D IA S

“ Quando passo, mil sereias, Morreste! como aurora sem poente,


Deixando as grutas limosas. Como flor, que perfume inda exalava,
Form am ledas, pressurosas Como o sôpro da brisa recendente,
O meu séquito real: Como a onda, que apenas se formava!
V em ! dar-te-ei meus palácios,
Meus domínios dilatados, M orreste! como a fôlha verde e bela
Meus tesouros encantados Num tronco forte a despontar louçã,
E o meu reino de cristal.” Não arrancada à sanha da procela,
Mas leve sôlta aos beijos da manhã.

M orreste! como lâmpada brilhante,


Entanto o menino se curva e se inclina Inda virgem, sem dar mística luz;
Para a visão; Ou turib’lo d’incenso crépitante.
E a mãe lhe dizia: Não vejas, meu filho, Esquecido nos braços de uma cruz.
Que é tentação.
M orreste! e os anjos da eternal morada
E o belo menino, dizendo consigo: — Levaram entre palmas e capelas
Que bem fiz eu! Tu a alma, como uma harpa não tocada.
P or ver o tesouro gentil, engraçado, Àquele, cujo trono é sôbre estréias.
Que já é seu:
M orreste! como aurora sem poente,
Atira-se às águas: num grito medonho Como flor que perfume inda exalava,
A mão lastimável — Meu filho! — bradou: Como o sôpro da brisa recendente,
Respondem-lhe os ecos; porém voz humana Como a onda que apenas se formava.
Aos gritos da triste não torna: — aqui estou!
Nenhum bulcão toldou a aurora maga,
Enquanto no horizonte apavonou-se,
A brisa em vendaval não transformou-se,
POESIAS DIVERSAS. A fôlha em cinza, nem a onda em vaga.

I I.
NÊNIA À MORTE SENTIDÍSSIMA DO SERENÍSSIMO Não ouviste, ó belo anjinho, 313
PRÍNCIPE IMPERIAL 0 SENHOR D. PEDRO. Na hora do passamento
Para abrandar teu tormento
Do berço teu ao redor,
Dos teus irmãos a falange
À S ua M a je s t a d e o Im p e r a d o r . Com opas de luz brilhante,
Nas harpas de diamante
Cantar hosana ao Senhor?

I. Teu espírito inocente,


Tocado da luz divina,
M orreste, como a fôlha verde e linda, Que a fraca mente ilumina
Que não viu murcho o esmeraldino encanto; Dos resplendores de Deus,
Bem como um ai que melindroso finda. Não anteviu outros gozos,
Enquanto as faces não roreja o pranto! Não correu nos frouxos ares,
Não foi roçar nos palmares,
Bem como a flor inda em botão cortada. Nas rosas puras dos céus?
Enquanto aromas recendia pura;
Bem como a onda quando mal formada, Viste-os, sim ; porém voltando
Nos brancos frisos do areal murmura! Outra vez à vida escassa.
Tu a alma triste esvoaça
Bem como a aurora tímida que morre. Sôbre os teus restos m ortais;
Enquanto os céus de rosicler m atiza; E entre os rostos que divisas,
Bem como o sôpro de ligeira brisa, Que a tua vida pranteiam.
Que entre os olores da manhã discorre! Entre quantos te rodeiam.
Tu não enxergas 314 teus pais!
Mimosa esp’rança do Brasil, batendo
Às férreas portas da existência, viste Corres então a trazer-lhes
O mundo aflito e a humanidade triste Nas meigas asas brilhantes
Seu negro fado e sua dor sofrendo! Dos teus últimos instantes
O teu alento final;
Cheio de compaixão atrás voltaste E em redor dêles choraste
Do horrífico espetáculo, tapando De não ter deixado a vida.
Com as asas do anjo o rosto brando, Por extrema despedida.
E no seio do Eterno te asilaste. Num aniplexo paternal!

[1 3 8 ]
CA N TO S

Vai, ó anjo, sobe, voa, Uns olhos por que morri;


Deixa a terra ingrata e rude; Que ai de mi!
Vai onde mora a virtude, Nem já sei qual fiquei sendo
E prêmio a inocência tem; Depois que os vi!
Mas nos divinos prazeres,
Mas no celeste cortejo.
Terás o materno beijo, Como duas esmeraldas.
Não serás órfão também? Iguais na forma e na côr.
Têm 316 luz mais branda e mais forte.
Diz uma — vida, outra — morte;
I I I. Uma — loucura, outra — amor.
Mas ai de mi!
Desprega tuas asas de córes suaves. Nem já sei qual fiquei sendo
Adeja no espaço, procura o teu Deus: Depois que os vi!
O aroma das flores, o canto das aves,
O que há de mais puro se entranha nos céus.
São verdes da côr do prado.
Oh! foge da terra: bem como a neblina Exprimem qualquer paixão.
Que em rolos de neve, que espuma figura, Tão facilmente se inflamam.
Mais frouxa, mais leve, na luz matutina. T ão meigamente derramam
Qual nuvem d’incenso, do céu se pendura. Fogo e luz do coração;
Mas ai de mi!
Mas quando a balança dos nossos destinos, Nem já sei qual fiquei sendo
Na grávida concha dos nossos pecados Depois que os vi!
Sumir-se no abismo — dos raios divinos
Os golpes apara nos contos dourados.
São uns olhos verdes, verdes,
Não caia do Eterno a justa inclemência Que podem também brilhar;
No povo, que soube teu berço guardar; Não são de um verde embaçado,
Ampara-o nas asas da tua inocência, Mas verdes da côr do prado,
Que os prantos de um anjo nos podem salvar. Mas verdes da côr do mar.
Mas ai de mi!
Desdobra tuas asas de côres suaves.
Adeja no espaço, procura o teu Deus: Nem já sei qual fiquei sendo
O aroma das flores, e o canto das aves Depois que os vi!
E o que há de mais puro se perde nos céus.
Como se lê num espelho, 317
IV. Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
SEN H O R , se na aflição que te consome,
Que as ondas postas em calma
Na dor imensa, que teu peito acanha,
Pode erguer-se do bardo a voz sentida Também refletem os céus;
E aos teus soluços misturar seu pranto; Mas ai de mil
Se a dor do pai não absorve inteiro Nem já sei qual fiquei sendo
O peito augusto do Monarca excelso. Depois que os vi!
Enxuga as tristes lágrimas que vertes!
Melhor, talvez, que o trono é ver chorando
Dizei vós, ó meus amigos,
Um povo inteiro em tôrno de um sepulcro,
Um vácuo berço de seu pranto enchendo! Se vos perguntam por mi,
À sorte pois te curva e à lei daquele Que eu vivo só da lembrança
(Envolta 315 em seus recônditos desígnios) De uns olhos côr de esperança,
A quem aprouve nivelar, cortando De uns olhos verdes que vi!
Co’o mesmo golpe as esperanças de ambos, Que ai de mi!
— A dor de um pai e as aflições de um povo! - Nem já sei qual fiquei sendo
Ja n eiro 10, de 1850. Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!


Deixou-se de amor finar!
OLHOS VERDES.
Viu uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos da côr do mar:
Êles verdes são:
E têm por usança, Eram verdes sem esp’rança.
Na côr esperança, Davam amor sem amar!
E nas obras não.
Dizei-o vós, meus amigos,
C A M ., Rim .
Que ai de m i!
Não pertenço mais à 318 vida
São uns olhos verdes, verdes,
Depois que os vi!
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos côr de esperança.

[139]
A N T Ô N IO O O N Ç A L V B S D IA S

CUMPRIMENTO DE UM VOTO. LIRA QUEBRADA.

F e it o à s S e n h o r a s d e I t a p a c o r á , q u e A h! ya agostada
A b r il h a n t a r a m a F e s t a do I l m o . S r . Siento mi juventud, mi faz marchita,
A n t ô n io J o s é R o d r ig u e s T ô r r e s . Y la profunda pena que me agita
Ruga mi frente de dolor nublada.
P o r to das C a ix a s — 25 d e agosto 1850. H ER ED IA .

Se ao mísero cantor vos praz mandar-lhe


Cantar voltas de amor, a 319 graça tanta Pede cantos aos ledos passarinhos.
Será mudo o cantor, nem há de aos ecos Pede clarão ao sol, perfume às flores.
Às brisas suspirar, murmúrio aos ventos.
A citara incivil falar de amôres?
Mandais, que sois, senhoras, minhas musas; Doces querelas ao correr das fontes;
Quando a senhora manda, o escravo cumpre
E o sol, a ave, a flor, a brisa, os ventos
E às súplicas da musa o vate cede!
E as fontes que murmuram docemente,
Afinada por vós a lira humilde.
Na festa da tua alma hão de seguir-te,
J á desafeita aos sons que o peito abrandam,
Como um som pelos ecos repetido.
A nova esfera se remonta agora.
O frescor juvenil dos vossos anos,
Mas não peças à lira abandonada
E as, que vos ornam, deleitosas graças.
Um alegre cantar, — já murchas pendem
Hão de ameigar-lhe as cordas, perfumá-las.
As grinaldas gentis, de que a toucaram,
Ditar-lhe os fáceis, inspirados carmes.
Donzéis louçãos enamoradas virgens.
A estréia, que fulge no céu anilado,
H oje mal partem roucos sons dos nervos,
Com plácido brilho de noite s’inflama;
Que amargo pranto distendeu sem custo;
Na fonte e no prado
Quem há que se não dói de ouvir cantados
Reflexos luzentes esparge e derrama.
Uns versos de prazer entre soluços?
Nos ramos cobertos de ameno rocio
Não peças pois um hino ao triste bardo!
As aves descantam à luz da alvorada,
Verde ramo duma árvore gigante
E a meiga toada
O raio no passar queimou-lhe o viço.
Repetem aos ecos do bosque sombrio.
Deixando-o por escárnio 320 entre verdores.
Na gleba virente, do sol bafejada.
Uma febre, um ardor nunca apagado,
Recende perfumes a flor matutina,
Um querer sem motivo, um tédio à vida
Que à luz da alvorada
Sem motivo também, — caprichos loucos,
Ao sôpro da brisa de leve s ’inclina.
Anelo doutro mundo e doutras coisas;
A flor que trescala perfumes suaves,
D esejar coisas vãs, viver de sonhos.
A estréia que brilha no céu anilado,
Correr após um bem logo esquecido.
E o canto das aves,
Sentir amor e só topar frieza,
Que soa no bosque virente e copado;
Cismar venturas e encontrar só dores;
Se cantam, perfumam, despedem fulgores,
Fizeram -m e o que vés: não canto, sofro!
E ’ tal o seu fado: —• vós sois qual são elas.
Lira quebrada, coração sem fôrças, 321
Sois como as estréias,
De poético manto os vou cobrindo.
Na graça e no canto, sois aves, sois flores.
P or disfarçar desta arte o mal que passo.
Como elas, pagai-vos de ver quão fugaces
Mas se inda tens prazer à luz da aurora,
Encurtam -se as horas de nosso viver.
De ver como as faces, Se te ameiga fitar longos instantes,^
Sentada à beira-mar, na paz de um érmo,
Que tendes em tôrno, ressumbram prazer.
Uma flor, uma estréia, os céus e as nuvens;

Pede cantos aos ledos passarinhos,


Êstes versos na mente sussurravam À brisa, ao vento, à fonte que murmura;
Do vate, cuja lira merencória Mas não peças canções ao triste bardo,
Foi por vós de festões engrinaldada; A quem té para um ai já falta o alento.
Por vós, cujo sorriso mavioso
Melhor perfume exala, do que as notas
Concertadas com arte; dai um riso
Dos vossos, um volver dos brandos olhos. A PASTÔRA.
Aos alegres convivas; e um reflexo
Do vosso meigo olhar e brando riso Foram as trevas fugindo,
Venha morrer na lira do poeta, E luzindo
Como do astro-rei, quando no ocaso Nasce o sol sóbre o horizonte;
Doura no campo as folhas mais humildes. Quando a pastôra formosa
E mimosa
J á caminho vai do monte!

[140]
!

CA N TO S

A relva tenra e molhada, Triste de ti, se assim fôra,


Orvalhada, O ’ pastôra.
Que de noite despontou, Triste de ti sem amor!
Se levanta melindrosa, Fôras alvo dos festejos,
Mais viçosa Dos motejos,
Depois que o sol a afagou! E do canto mofador!
Nos ramos cantam, trinando Cheia de pudico mêdo.
E saltando, Ao folguedo
As aves seu casto amor; Do domingo festival,
Aqui, ali, cintilante Não irias, ó formosa,
E brilhante V’^ergonhosa
Desabrocha a linda flor. Dos olhos duma rival!
E a pastorinha engraçada. Para as serras do Gerez
Bem fadada, Toca a rês,
Na fresca manhã de abril. Toca a rês, gentil pastôra;
Vai cantando maviosa, Lá te aguarda o bom pastor.
E saudosa Teu amor,
Pensando no seu redil. Que te chama encantadora!
Geres.
Para as serras do Gerez
Toca a rês,
Toca a rês, gentil pastôra;
Lá te aguarda o bom pastor. A INFÂNCIA.
Teu amor,
Que te chama encantadora. A M l l e J . P ic o t .

Vai, pastôra, vai depressa. I.


Já começa
O sol no vale a brilhar; Belo raio do sol da existência.
Vai, que as tuas companheiras, Meninice fagueira e gentil.
Galhofeiras, Doce riso de pura inocência
Lá ’stão com êle a folgar! Sempra adorne teu rosto infantil.
Pela aldeia entre os pastores Sempre tenhas, anjinho 322 inocente,
Vão rumores Quem se apresse a teus passos guiar,
De que tens uma rival. E uma voz que o teu sono acalente,
Nessa Altéia, a tua antiga. E um sorriso no teu acordar.
Doce amiga,
Que te quer hoje tão mal! Enlevada nos sonhos jucundos.
Voz etérea te venha falar,
Tu não sabes que os amores E visão doutros céus, doutros mundos.
São traidores, Venha amiga tua alma encantar.
Que o homem não sabe amar;
E que diz: Esta é mais bela;
Mas aquela
E ’ que me sabe agradar! Leda infância gentil! e quem não te ama?
Quem tão de pedra o coração não sente
Tenho d’Altéia receios, Aos teus encantos meigos mais tranqüilo?
Que tem meios Quem não sente memórias doutras eras
De prender um coração; Travarem-lhe da mente, ao recordar-se
E ’ viva, bela, engraçada. .^quêle gôzo puro e suavíssimo
Festejada De vida, que jamais não tem logrado?
Nos cantares do serão. Recordações de um mundo adormecido
Lá lhe estão dentro d’alma esvoaçando,
Como a neve em seus lavôres, Como harpejos de música longínqua!
Nos amores E a mente nos seus quadros embebida.
Que caprichosa não é! Por mágica ilusão enfeitiçada,
Zomba dêle quando o topa, Como outrora, talvez somente veja
E o provoca Na terra — um chão de flores estrelado,
De mil maneiras, à fé! E nos céus — outro chão de flores vivas!

Té dizem — será mentira — II.


Que lhe atira
Seus motetes muita vez; Afagada e bem-vinda e querida.
Dizem mais, que há prendas dadas Travessuras cismando infantis,
E trocadas:........ Nos caminhos floridos da vida
Não sei; mas será talvez! Vai mimosa, imprudente e feliz!

[141]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S

E ’-lhe a vida contínuo festejo, IV.


Sonhos d’oiro só sabe sonhar,
Tôda ela um afã, um desejo Porém tu, afagada e querida,
Doutros jogos contente brincar. Com requebros donosos, gentis.
Vai contente caminho da vida.
Belo anjinho, 325 mimoso e feliz!
Puro riso o semblante lhe adorna,
Logo pranto começa a verter,
E depois outro riso lhe torna, E do bardo a canção magoada,
E depois outro pranto a correr. Quando a possas um dia escutar,
H á de ser como rôta grinalda,
Que perfumes deixou de exalar!

E esta mão talvez seja sem vida,


E êste peito talvez sem calor,
T ão perto jaz a fonte da amargura E memória apagada e sumida,
Da fonte do prazer! — porém tão doces Talvez seja a do triste cantor!
Essas lágrimas são! • — tão abundantes.
T ão sem causa e simpáticas gotejam
Numa tez de carmim, num rosto belo!
Quem as vê, que sorrindo as não enxuga? 323 URGE 0 TEMPO.
Mas não todo consumas o tesouro
Único e triste, que ao infeliz sobeja
Move incessante as asas incansáveis
Nas horas do sofrer; no tempo amargo, O tempo fugitivo;
No qual o rosto pálido se enruga, Atrás não volta !
E os olhos secos, áridos, chamejam. A. D E GUSMÃO.
Será talvez bem grato refrigério
Um a lágrima só, em que arrancada Urge o tempo, os anos vão correndo.
A força da aflição dos seios d’alma. Mudança eterna os sêres afadiga!
Mas tu, feliz, sorri, enquanto a vida, O tronco, o arbusto, a fôlha, a flor, o espinho,
Como um rio entre flores, se desliza. Quem vive, o que vegeta, vai tomando
Macio, puro e recendendo aromas. Aspectos novos, nova forma, enquanto
Gira no espaço e se equilibra a terra.

I I I. Tudo se muda, tudo se transform a;


O espírito, porém, como centelha,
Belo raio do sol da existência. Que vai lavrando solapada e oculta,
F lo r da vida, mimosa e gentil. A té que enfim se torna incêndio e chamas,
Fonte pura de meiga inocência. Quando rompe os andrajos morredouros.
Leve gôzo da quadra infantil! Mais claro brilha, e aos céus consigo arrasta
Quanto sentiu, quanto sofreu na terra.
Quem fruir-te outra vez não deseja,
Quando vê sôbre a veiga formosa Tudo se muda aqui! somente o afeto,
A menina travêssa e ruidosa. Que se gera e se nutre em almas grandes,
Borboleta, que alegre doudeja? Não acaba, nem muda; vai crescendo,
Co’ o tempo avulta, mais aumenta em forças,
A menina é uma flor de poesia, E a própria morte o purifica e alinda.
Um composto de rosa e jasniim, Semelha 326 estátua erguida entre ruínas.
Um sorriso que Deus alumia, Firm e na base, intacta, inda mais bela
Um amor de gentil serafim ! Depois que o tempo a rodeou de estragos.

SÔBRE O TÚMULO DE UM MENINO.


Folga e ri no comêço da existência. 25 de Outubro de 1848.
Borboleta gentil! a flor dos vales,
Da noite à viração abrindo o cálix, O invólucro de um anjo aqui descansa.
O puro orvalho da manhã te guarda; Alma do céu nascida entre amargores,
Inda perfumes dá, que te embriagam; Como flor entre espinhos! 327 — tu, que passas,
Inda o sol quando aquece os vivos raios, Não perguntes quem foi. — Nuvem risonha,
Nas asas multicores cintilando, Que um instante correu no mar da vida;
Com terno amor de pai, em tôrno esparge Romper da aurora que não teve ocaso.
P ó sutil de rubins e de safiras. Realidade no céu, na terra um sonho!
Folga e ri no com êço da existência. Fresca rosa nas ondas da existência.
Humano serafim, que êsse perfume Levada à plaga eterna do infinito,
São das asas do anjo, que s ’impregnam Como of’renda de amor ao Deus que o rege;
Dos aromas do céu; 324 quando atear-se, Não perguntes quem foi, não chores: passa.
Roaz fogo de vida começando.
Quanto havemos de Deus consome e apaga.

[142]
CA N TO S

MENINA E MOÇA. Como se ama das aves o gemido,


Da noite as sombràs e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Ma bienvenue au jour me rit dans tous les yeux! Um canto quase em lágrimas sumido;
C H E N IE R .

Como se ama o crepúsculo da aurora,


E ’ leda a flor que desponta A mansa viração que o bosque ondeia,
Sobre o talo melindroso, O sussurro da fonte que serpeia,
E O arrebento viçoso Uma imagem risonha e sedutora;
Crescendo em flôreo tapiz;
E ’ doce O romper da aurora, Como se ama o calor e a luz querida,
Doce a luz da madrugada. A harmonia, o frescor, os sons, os céus.
Doce o luzir da alvorada. Silêncio, e cores, c perfume, e vida.
Doce, mimoso e feliz! Os pais e a pátria e a virtude e a Deus: ^28

E ’ bela a virgem risonha


Com seus músicos acentos,
Com seus virgens pensamentos
Com seus mimos infantis; Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Como quanto enceta a vida, Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale
Que à luz sorri da existência,
Que tem na sua inocência Cantar a voz do trovador cansada:
Da mocidade o verniz. O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. — Por tudo quanto sofro.
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Vinga a flor a pouco e pouco.
Cada vez mais bem querida, Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
Tem mais encantos, mais vida, O que espero, cobiço, almejo, ou temo
Tem mais brilho, mais fulgor: De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
De cada gôta de orvalho Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Extrai celeste perfume, Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
E do sol no raio assume Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Cada vez mais viva côr. Que não vês, não supões, nem te eu revelo.
Só pode no silêncio achar consolo,
Assim à virgem mimosa, Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.
Pouco e pouco, noite e dia.
Mais viva flor de poesia
Do rosto lhe tinge a côr;
E um anjo nos meigos sonhos,
Do seu peito na dormência
De mim não saberás como te adoro;
Derrama o odor da inocência,
Um doce raio de amor! Não te direi jamais,
Se te amo, e como, e a quanto extremo chega
Esta paixão voraz!
Porque tudo, quando nasce.
Seja a luz da madrugada.
Seja o romper da alvorada. Se andas, sou o eco dos teus passos;
Seja a virgem, seja a flor; Da tua voz, se falas;
Tem mais amor, tem mais vida, O murmúrio saudoso que responde
Como celeste feitura, Ao suspiro que exalas.
Que sai melindrosa e pura
Dentre as mãos do criador. No odor dos teus perfumes te procuro.
28 de julho. Tuas pegadas sigo;
Velo teus dias, te acompanho sempre,
E não me vês contigo!

COMO EU TE AMO. Oculto e ignorado me desvelo


Por ti, que me não vês;
Aliso o teu caminho, esparjo flores,
Como se ama o silêncio, a luz, o aroma, Onde pisam teus pés.
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma; Mesmo lendo êstes versos, que m’inspiras,
— Não pensa em mim, dirás;
Imagina-o, se o podes, que os meus lábios
Como se ama o clarão da branca lua, Não to dirão jamais!
Da noite na mudez os sons da flauta.
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua;
[143]
AXTÔNIO GONÇALVES DIAS

Sim, eu te amo; porém nunca Se eu fôra rei, não te dera


Saberás do meu amor; Quinhão na régia amargura;
A minha canção singela Nem te qu’ria, virgem pura.
Traiçoeira não revela Sentada sob o dossel,
O prêmio santo que anela Onde a dor tão viva anseia.
O sofrer do trovador! Tão cruel, tão funda late,
Como no peito que bate
Sim, eu te amo; porém nunca Sob as dobras do burel.
Dos lábios meus saberás,
Que é fundo como a desgraça, Não te quisera no trono,
Que o pranto não adelgaça. Onde a máscara do rosto.
Leve, qual sombra que passa. Cobrindo o interno desgosto.
Ou como um sonho fugaz! Ser alegre tem por lei;
Manda Deus, sim, que o rei chore;
Aos meus lábios, aos meus olhos Mas que chore ocultamente,
Do silêncio imponho a lei; Porque, se o soubera a gente.
Mas lá onde a dor se esquece, Ninguém quisera ser rei!
Onde a luz nunca falece,
Onde o prazer sempre cresce. Mas o vate, quando sofre.
Lá saberás se te amei! Modula em meigos acentos.
Seus doridos pensamentos,
E então dirás: “ Objeto A sua interna aflição;
Fui de santo e puro amor: E das lágrimas choradas
A sua canção singela, Extrai um bálsamo santo,
Tudo agora me revela; Que vale estancar o pranto
Já sei o prêmio que anela Nos olhos do seu irmão.
O sofrer do trovador.
Se eu fôra rei, não quisera
“ Amou-me como se ama a luz querida, Roubar-te à senda florida,
Como se ama o silêncio, os sons, os céus. Onde corre doce a vida
Qual se amam côres e perfume e vida. No matutino arrebol;
Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!” Gozas o sôpro das brisas
E o leve aroma das flores,
E as nuvens, que mudam côres
No nascer, no pôr do sol.
AS DUAS COROAS.
Gozam disto as que repousam
Herraosa, en tu linda frente
Em tábuas de vis grabatos;
El laurel sienta mejor, Não quem vive entre os ornatos
Que con su regio esplendor Dum trono d’ouro e marfim!
Corcna de rey potente. No sólito triste, sentada,
G. y S.
Não viras um rosto amigo,
Há duas c’roas na terra, Nem mais viveras contigo,
Uma d’ouro cintilante Fôras escrava — por fim!
Com esmalte de diamante,
Na fronte do que é senhor; Vive tu teu viver simples,
Outra modesta e singela, Mimosa e gentil donzela.
C ’roa de meiga poesia, Dentre tôdas a mais bela.
Que a fronte ao vate alumia Flor de candura e de amor!
Com a luz dum resplendor. C ’roa melhor eu t’ofreço,
D ’ouro não, mas de poesia,
C ’roa que a fronte alumia
Ante a primeira se curvam Com a luz dum resplendor!
Os potentados da terra:
No bôjo, que a morte encerra,
Sôbre a líquida extensão.
Levam naus os seus ditames HARPEJOS.
Da peleja entre os horrores;
Vis escravos, crus senhores, Sweetest music!. . .
Preito e menagem lhe dão.
SH A K SPE A R E .

E quando o vate suspira Da noite no remanso


Sôbre esta terra maldita. Minha alma se extasia,
Ninguém a voz lhe acredita, E praz-me a sós eomigo
Mas riem dos cantos seus: Pensar na solidão;
Os anjos, não; porque sabem Deixar arrebatar-me
Que essa voz é verdadeira, De vaga fantasia,
Que é dos homens a primeira. Deixar correr o pranto
Enquanto a outra é de Deus! Do fundo coração.

[144]
CANTOS

Tudo é silêncio harmônico Ai, foram como a virgem


E doce amenidade, Que cm sítio solitário
Acaso um dia vimos
E uma expansão suave
Sozinha a divagar!
Do mais fino sentir;
Memória benfazeja,_
Existo! e no passado Que o gélido sudário,
Só tenho uma saudade, Que a morte em nós estende,
Desejos no presente. Só vale desbotar.
Receios no porvir!

Como licor que mana


De cava, úmida rocha, TRISTE DO TROVADOR.
Que o sol nunca evapora,
Nem limpa amiga mão; E ela era esbelta e bem proporcionada; sua alma era
A dor que dentro sinto como a sensitiva, e suas palavras eram doces e tinham um
perfume, que se não pode comparar.
Minha alma desabrocha;
(D uas n oites de lu ar.)
Que livre o pranto corre
Da noite na soidão!
E ela era como a rosa matutina
Formosa e bela,
Atendo! ao longe escuto Como a estrela que à noite ao mar se inclina,
Duma harpa os sons queixosos, Saudosa era ela.
Atendo! e logo sinto
Minha alma se alegrar! Seus olhos negros, vivos e rasgados,
Atendo! são suspiros E ra delícias vê-los;
De sêres vaporosos, E co’ a alvura do rosto contrastava
Que mil imagens vagas A cór dos seus cabelos.
Me fazem recordar!
Quando alguém lhe falava, então falava
Tu que eras minha vida. Com voz macia,
Que fôste os meus amores, Que triste dentro d’alma nos filtrava
Doce alegria.
Imagem grata e bela
Dum tempo mais feliz,
Que tens, que assim chorosa E o seu timbre de voz movia as fibras
Suspiras entre as flores? Do coração,
Como sons que a mudez da noite quebram
Teu sou, — do juramento
Na solidão.
Me lembro, que te fiz.
Seu mais leve sentir patenteava
Te vejo, te procuro, No rosto ameno;
Teus mudos passos sigo. Nuvenzinha da tarde, que se enxerga •'^29
Enquanto, leve sombra. Em céu sereno.
Fugindo vais de mi!
Unido às notas da harpa Topou-a acaso pensativa, errante,
Percebo um som amigo, O trovador:
Que me recorda o timbre “ Feliz, disse êle, quem gozara os mimos
Do seu am or!”
Da voz que já te ouvi!
E ela deu-lhe do seio uma saudade
Na brisa que soluça, Murcha, e no entanto bela;
Na fonte que murmura, E êle um culto votou, cismando extremos,
Nas folhas que se movem À pálida donzela.
Da noite à viração,
Ainda escuto os ecos Como fôsse, porém, breve a sua vida
Duma fugaz ventura, Como uma flor.
Que assim me deixou triste Em breves dias era mudo e triste
Em mesta solidão. O trovador.

Prossegue, harpa ditosa,


Nas doces harmonias,
Que da minha alma sabes Se alguma vez cantava, — então dizia
A mágoa adormecer; Ao seu anjo do céu, que lá morava,
Prossegue! e a doce imagem Que de ter junto dêle só pedia
Dos meus primeiros dias A vida sua, que tão êrma estava.
Veja eu ante os meus olhos
De novo aparecer 1

[1 4 5 ]
AKTÔNIO GONÇALVES D IAS

VELHICE E MOCIDADE. “ O mundo era então luz — hoje é só trevas!


O céu de puro azul via tingido.
Eu levo à sepultura, uns após outros, Via a terra de côres adornada,
A donzela gentil, o velho enfermo E na imensa extensão d’àgua salgada
E o mancebo que folga de.scansado Via a esteira de luz do sol luzido!
A sobra da ventura.
“ Breve as horas passei de ser ditoso
Aqui, neste lugar, ledo escutando
T ão amável tua mãe, tão carinhosa.
Qu’instantes curtos me teceu falando!
“ Minha filha, mais depressa,
Mais depressa um pouco andemos, “ H oje existo somente porque existes.
E da aurora que desponta Desfruto outro viver que não vivia,
Saudável frescor gozemos! Quando escutam-te a voz os meus ouvidos,
Como sons de celeste melodia.
“ Senta-me em baixo do chorão, que dobra
A verde rama sôbre a campa nua “Oh fala, fala sempre. — E ’ doce ao velho
De um ser de peito bom, de rosto belo, Som d’argentina voz, que as fibras todas
Que foi minha mulher, que foi mãe tua! Do semivivo coração abalam,
Como duma harpa antiga
“ O sol, nascendo apenas, vem primeiro As deslembradas cordas,
Seus raios nessa campa dardejar, Que à mão experta e amiga
E à cansada velhice é bem fagueiro Do trovador, num canto alegre estalam.
Êsses restos da vida desfrutar.”
“ E ’ doce ao solitário a voz de um anjo
Na sua solidão;
E ao velho pai a voz da casta filha,
Que fala ao coração.
Um cego e triste velho que tremia
À força dos invernos que passaram, “ E ’ doce, qual perfume matutino,
À filha nova e bela, assim dizia, Que a flor exala,
À filha que os amores cubiçaram. Que pelo peito da mulher amante
S ’interna e cala;
E tinha o velho pai nos ombros dela E ’ doce, como a luz que se derrama
A mão crestada e m orta e já rugosa, Pela face do mar,
E ela ao pai, solícita, extremosa,
Quando brando luar, da noite amigo.
Guiava com um anjo e alva e bela. Vem nêle se espelhar.
“ Fala, bem sei que amarga é tua vida,
Que amargo é teu penar;
No silêncio da noite tenho ouvido
“ Nem sempre o que ora vês teu pai tem sido. Teu peito a soluçar!
Oh filha da minha alma, oh meu tesouro.
Tam bém um tempo foi que entretecido “ Oh fala, tu bem vês que se a tormenta
Tive o fio vital de sêda e d’oiro! T étrica soa, 331
Ao ninho de seus pais o passarinho
“ Tam bém meus olho.s se espraiaram 330 longe. Rápido voa.”
Pela vasta extensão destas campinas;
Tam bém segui a tortuosa veia
D esta linda corrente que se perde
Além, por entre penhas; — Oh meu pai, como eu quisera
E a esmeraldina côr, de que se arreia Meus pesares te esconder;
A relva dêstes prados, destas brenhas, Mas tua filha, coitada.
Meus olhos juvenis encheu de gôzo, Em breve tem de morrer!
Que agora os olhos teus também recreia!
— Sinto que alento mc falta,
“ E que prazer tão grande! o sol nascia Que longe foge de mim;
Num mar de luz brilhante! Sinto minha alma rasgar-se
Levantava-se mais, brilhava, ardia, Por te deixar só assim;
No prado verdejante, Meu bom pai, como está breve
Na fonte e na devesa; Da tua filha o triste fim!
E o mundo e a natureza
De puro amor enchia! — Alta noite, ouvi em sonhos,
Destoucavam-se os montes de neblina, A chamar-me um serafim;
Que meiga e adelgaçada Tinha alegria no rosto,
Pendia, como um véu de gaza fina Mas chorava sôbre mim;
Da celeste morada, Meu bom pai, como está breve
Quando num mar formoso o sol nascia! Da tua filha o triste fim!

[146]
CA N TO S

— E tu cá ficas sozinho, AS FLORES.


E tu cá ficas sem mim!
Oh que n’alma só me pesa Ao Snr. Jo sé Praxedes Pereira Pacheco, incansá­
Por te deixar só assim; vel Botânico-florista, a quem devemos a introdu­
Meu bom pai, que é já chegado ção no país das mais belas e curiosas espécies de
Da tua filha o triste fim!
flores, que jamais aqui se viram.
E o velho, baixo falando,
Simples tributs du coeur, vos dons sont chaque jour
Tristemente assim dizia: Offerts par l’amitié, hasardés par l ’amour.
“Já fui feliz, já fui novo, D E L IL L E .
L e s Ja rd in s.
Já fui cheio de alegria!

“ Eu tive pais extremosos. Tu que com tanto afã, com tanto custo.
Irmãos que m’idolatraram, Estudando, inquirindo, e meditando.
Eu tive castos amores, De estranhos climas transplantaste aos nossos
Que antes de mim se acabaram! As flores várias no matiz, nas formas.
Modesto horticultor, dos teus desvelos
Êste só galardão recebe ao menos!
“ Eu tive tantos no mundo
Recebe-o: também eu gosto das flores.
Quantos se pode chorar;
Folgo também de as ver num campo estreito
Perdi todos, tudo; ai, triste,
De estranhas terras revelando os mimos
Só eu não pude acabar!
E as galas doutros céus : — aqui^ perfumam
Nossos jardins de peregrina essência!_
“Ao sôpro da desventura Melhoram-se talvez, que as não contristam
Só eu me não abalei, Raios tíbios do sol, nem turvos ares,
Que a todos — novos e velhos Nem do inverno o furor lhes cresta o brilho.
À campa todos levei!
Meigas flores gentis, quem vos não ama?
“ Minha filha me restava! Em vós inspirações o bardo encontra.
Eu já fantasma impotente, Devaneios de amor a ingênua virgem,
Sôbre os torrões tropeçava A abelha o mel, a humanidade encantos.
Da cova aberta recente! Odores, nutrição, bálsamo e côres.
Meigas flores gentis, quem vos não ama?
“Anjo de amor e bondade,
Porque me deixaste assim! Linda virgem no albor da vida incerta,
Tu morta, e na sepultura No meio das vivaces companheiras.
Que eu tinha aberto p’ra mim! Em forma de capela as vai tecendo
Para cingir com ela a fronte e a coma,
“Deus, Senhor, quanto foi longo Que os anos no passar não enrugaram,
O vaso em que fel traguei! ^^2 Nem as cãs da velhice embranqueceram.
Findo o julguei; restam fezes. Resplendor d’inoeêneia, onde casados
As fezes esgotarei.” h açucena, e os jasmins aos brancos lírios
Um só perfume grato aos céus envia;
Meiga c’roa d’angélica pureza.
Ornamento da vida — que se rompe
Ou quando os membros delicados vestem
E sôbre a rósea face, ora amarela, O grosseiro burel da penitência.
A aurora sempre bela radiava, Ou do noivado as galas! — lá se acaba 334
E o pai, ancião, que a dor rasgava, Por fim aos pés do tálamo ou num túmulo!
Cingia ao corpo seu o corpo dela. Meigas flores gentis, quem vos não ama?

Nem pranto nos seus olhos borbulhava, Quantas vêzes, nas horas da ventura,
E nem nos lábios seus a dor gemia, A falaz sensação dum peito ingrato
E sua alma, qual vaso em calmaria. Não julgamos eterna, imensa, infinda!-----
Entre vida e morrer num ponto estava. Ali nossos anelos se concentram,
Nossa vida ali jaz: — cifra-se inteira
O beijo paternal, por fim, lhe estampa Num brando volver d’olhos, num acento,
Na filha, que prazeres só lhe dera; Que a ternura repassa, inspira, exala!
E filha e pensamento — alguém dissera Um gemido, um suspiro, um ai, um gesto.
Ter juntos sepultado a mesma campa! Valem tronos, e mais, — o mundo e a vida!
Mas esvai-se a paixão!----- que fica? Apenas
Nos céus não tens. Senhor, bastantes anjos, Um saudoso lembrar d’eras passadas.
Porque 333 os venhas assim buscar à terra? De cismadas venturas, não fruídas.
Prilhe a virtude, quando reina o erime, As vêzes uma flo r!. . . — Flor dos amôrcs,
O crime impune e vil, que às tontas erra. Quando extinta a paixão, porque inda existes?
Espinhos de uma rosa emurchecida,
Porque sobreviveis às folhas dela?

[ 147]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

Mais firme, mais leal, mais vivedoura Os motivos mais justos,


Que a volúvel paixão, a flor mimosa Nem como se deslustra o melhor feito,
Tal vez irrita a dor, tal vez 335 a acalma. A mais alta façanha!
Emblemas do prazer, do sofrimento.
Mensageiras do amor ou da saudade. Não! o que mais dói não é sentir-se
Meigas flores gentis, quem vos não ama? As mãos dum ente amado
Nos espasmos da morte resfriadas,
Geme a fresca odalisca entre ferrolhos. E os olhos que se turvam,
Importuna presença a voz lhe tolhe E os membros que entorpecem pouco e pouco,
Do não piedoso eunuco; — e estátua negra E o rosto que descora!
Respeitosa e cruel lhe espreita os gestos:
Chora a gusla mourisca ao som dos ferros. Não! não é o ouvir daqueles lábios.
Lastima-se a cadeia ao som dos passos, Doces, tristes, compassivas,
E a humana flor definha entre as mais flores; Sóbre o funéreo leito soluçadas
Mil ouvidos a voz lhe escutam sempre, As palavras amigas,
E cingidos de ferro, crus soldados Que tanto custa ouvir, que lembram tanto,
D ’em tôrno 336 ao mesto harém velam sanhudos! Que não s’esquecem nunca!
Ruge, fero soldão! triplica 337 os bronzes
Da masmorra cruel: — a planta humilde, Não! não são as queixas amargadas
E a escrava que recatas tão cioso. No triunfar da morte;
Zombam dos feros teus! Muda e singela. Que, se se apaga a luz da vida escassa,
Ao través das prisões, dos teus soldados. Mais viva a luz rutila;
Passa a modesta flor! Vai noutro peito. Luz da fé que não morre, luz que espanca
Mistérios não sabidos relatando, As trevas do sepulcro.
Contar do infausto amor as provas duras.
Os martírios da ausência, as tristes lágrimas O que dói, mas de dor que não tem cura,
Que chora — ao reiterar protestos novos! O que aflige, o que mata,
Bem-fadadas do sol, do amor benquistas, Mas de aflição cruel, de morte amara,
O orvalho as cria, as lágrimas as murcham: E ’ morrermos em vida
Meigas flores gentis, quem vos não ama? No peito da mulher que idolatramos,
No coração do amigo!
Quem tem o coração a amor propenso,
Quem sente a interna voz que dentro fala, Amizade e amor! — laço de flores,
Delicado sentir dum brando peito. Que prende um breve instante
Alma virgem que os homens não mancharam; O ligeiro batei à curva margem
Quem sofre ou tem prazer, ou ama, ou espera De terra hospitaleira;
E vive e sente a vida, êsse vos ama: Com tanto amor se enastra, e tão depressa,
Encantos da existência enquanto vivos, E tão fácil se rompe!
Do revés, do triunfo companheiras,
No berço, no dossel, no mudo esquife. Â mais ligeira ondulação dos mares.
Sempre amigas fiéis vos encontramos. Ao mais ligeiro sôpro
Meigas flores gentis, quem vos não ama? Da viração — destrançam-se as grinaldas;
O baixei se afasta.
Modesto horticultor, dos teus desvelos Veleja, foge, até que em plaga estranha
Êste só galardão recebe ao menos; Naufragado soçobre!
Paga-te sequer de ver mais bela.
Mais vaidosa, melhor, do sol na terra, Talvez permite Deus que tão depressa
A flor modesta, produção sublime Êstes laços se rompam.
De estranhos climas transplantada ao nosso. Por que nos pese o mundo, e os seus enganos
R io, 29 de jan eiro de 1S49. Mais sem custo deixemos:
Sem custo assim a brisa arrasta a planta,
Que jaz sôlta na terra!
0 QUE MAIS DÓI NA VIDA.

I cannot but remember such things were, FLOR DE BELEZA.


And w'ere most dear to me.
SH A K E SP E A R E .
Não v e ja s !... se a vires. — Eu sei porque o digo:
Tu morres de amor.
O que mais dói na vida não é ver-se MACEDO.
Mal pago um benefício,
Nem ouvir dura voz dos que nos devem Se fôsse rainha aquela
Agradecidos votos, Em cuja fronte singela,
Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato, Como em tela delicada
Que as devera beijar! Luz da beleza o condão,
Fôras rainha adorada;
Não! o que mais dói não é do mundo Mas rainha sedutora,
A sangrenta calúnia, Que exige preitos numa hora,
Nem ver como s’infama a ação mais nobre. E noutra hora adoração.

[1 4 8 ]
CANTOS

Fôras rainha! e ditosos Sensações menos doces, menos vagas,


Teus vassalos extremosos, Desperta o barco leve, que se avista
Que a renderem-te seus preitos Ao pôr do sol, na extrema do horizonte,
Beijaram-te a nívea mão. Quando num mar de luz nos foge à vista.
Pedes amor e respeitos!
Quem não ama a formosura, Das aves o cantar é menos fresco,
Quem não respeita a candura E ’ menos triste a fonte que serpeia.
Dum sincero coração? Menos queixoso o mar, que enternecido.
Beija na praia a cintilante areia.
Mas antes que nos curvemos
Ante a beleza que vemos. Vagas na terra, suspiroso arcanjo.
Tua angélica bondade Derramando torrentes de harmonia
Conquista a nossa afeição: Sôbre as chagas mortais, — bálsamo santo
Não és mulher, mas deidade, Que as mais profundas mágoas alivia.
Uma fada sedutora,
Que nos pede amor agora. Vagas na terra, merencória e bela;
Logo mais — adoração. Mas quando deste mundo ao céu tornares.
Juntarás teus terníssimos acentos
Quando pois, cheia de graças, Aos puros sons dos místicos altares.
Entre a turba alegre passas.
Entre a turba sequiosa E os anjos na mansão das harmonias.
De beiJar-te a nívea mão; Encostados às harpas diamantinas.
Dizem uns: quanto é formosa! Folgarão de te ouvir celestes carmes
Eu, ^^8 porém, sei que és mais bela Deduzidos em notas peregrinas.
Nos dotes da alma singela,
Nas prendas do coração. E dirão: — Nunca às plagas do infinito
Subiu mais terna voz, mais fresca e pura!
Passa rápida a beleza, Se o corpo é de mulher, sua alma é vaso,
Como flor que a natureza Onde o incenso de Deus se afina e apura.
Cria em jardim melindroso,
Ou num agreste torrão:
Passa como um som queixoso,
Como felizes instantes, A HISTÓRIA.
Como as juras dos amantes,
Como extremos da paixão. The flow and ebb of each recurring age.
BYRON.
Mas d’alma a vida é mais fina.
Exala essência divina, Triste lição de experiência deixam
Que avigora e fortifica Os evos no passar, e os mesmos atos
O dorido coração; Renovados sem fim por muitos povos.
Morto o corpo, ainda fica, Sob nomes diversos se encadeiam:
Como em rosai arrancado. Aqui, além, agora ou no passado.
Leve aroma derramado, Amor, dedicação, virtude e glória.
Dos espaços na extensão. Baixeza, crime, infâmia se repetcin.
Quer gravados no soco de uma estatua.
Quer em vil pelourinho memorados.
Eis a história! — rainha vcneranda.
0 ANJO DA HARMONIA. Trajando agora sêdas e veludos,^
Depois vestindo um saco desprezível,
D ’imunda cinza apolvilhada a fronte,
Respira tanta doçura Se as virtudes do pobre não têm 339 preço,
O teu canto, que por certo
Abranda a penha mais dura. Também dos vícios seus a nódoa exígua
BOCAGE. Não conspurca as nações; mas ai dos grandes,
Que trilham senda errada, a cujo têrmo
S^e levanta a barreira do sepulcro,^
Revela tanto amor, tão branda soa
Onde se quebra a adulação sem força.
tua doce voz canora e pura,
Que o homem de a escutar sente no peito Se virtuoso, as gerações passando
As cinzas lhe beijaram ; se malvado.
Infiltrar-se-lhe um raio de ventura.
Cospem-lhe afrontas na vaidosa campa,
Jam ais de amigas lágrimas molhada.
Solta-se a alma das prisões terrenas,
O mundo, a vida, o sofrimento esquece, E qual do Egito nos festins funéreos.
E embalada num éter deleitoso, Maldizem bons e maus sua memória.
Como Alcion nas águas, adormece! Lançando à face da real múmia
Dos crimes seus a lacrimosa história.
•a noite a placidez é menos grata Talvez, porém, um infortúnio grande,
quem sozinho e taciturno vela, Um exemplo sublime de virtude.
!uando, perdido noutros mundos, nota Cobre dourada página, que aos olhos
■ meiga luz de fugitiva estréia. Pranto consolador sem custo arranca.

[149]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

E is a história! um espelho do passado, Porém, que fôsse minha, e que eu soubesse


Fôlhas do livro eterno desdobradas Que os lábios que beijei são meus sòmente,
Aos olhos dos m ortais; — aqui sem mancha, Nem pensa em outro, nem de mim se esquece.
Além golfeja sangue e sua crimes.
T al foi, tal é : retrato desbotado, Nem vai de pronto derramar demente
Onde se mira a geração que passa. Noutros ouvidos a palavra, o acento,
Sem côr, sem vida, — e ao mesmo tempo espelho, Que em êxtase de amor criei fervente.
Que há de ser nova cópia à gente nova,
Como os anos aos anos se sucedam. Nem corre o seu volátil pensamento,
Ondas de mar sereno ou tormentoso. Quando falo, a pensar noutros amores.
As mesmas na aparência, que se quebram Noutra voz, noutros sons, noutro momento.
Sôbre as d’areia flutuantes praias.
Demais, acostumado a teus rigores,
Não me queixo, bem vês, mas despedaço
A prisão vil, embora oculta em flores.

A CONCHA E A VIRGEM Se entro furtivo, onde outro mais de espaço


Como senhor campeia — ao mais querido
Cedo 342 o ingresso, ao mais ditoso o passo.
Linda concha que passava.
Boiando por sôbre o mar. Não me contenta um coração partido,
Junto a uma rocha, onde estava Um só amor que a dous pertence, — um peito,
T riste donzela a pensar, 341 Que bate por dous homens, fementido.
Perguntou-lhe: — Virgem bela, Se eu unico não sou, — vil, não aceito
Que fazes no teu cismar? Ser segundo em amor, — inteiro é nobre.
— E tu, pergunta a donzela, Vale um trono; — partido, é dom tão pobre,
Que fazes no teu vagar? Qu eu pobre, como sou, de altivo enjeito.
Responde a concha: — Formada
P or estas águas do mar,
Sou pelas águas levada, AMANHÃ.
Nem sei onde vou parar!
Amanhã! — é o sol que desponta,
Responde a virgem sentida,
E ’ a aurora de róseo fulgor,
Que estava triste a pensar:
E ’ o pomba que passa e que estampa
— Eu também vago na vida,
Leve sombra de um lago na flor.
Como tu vagas no m ar!
Amanhã! — é a fôlha orvalhada,
— Vais duma a outra das vagas,
E ’ a rôla a carpir-se de dor,
Eu dum a outro cism ar;
E ’ da brisa o suspiro, — é das aves
Tu indolente divagas,
Ledo canto, — é da fonte o frescor.
Eu sofro triste a cantar.
Am anhã! — são acasos da sorte;
— Vais onde te leva a sorte,
O queixume, o prazer, o amor,
Eu, onde me leva Deus:
O triunfo que a vida nos doura.
Buscas a vida, — eu a m orte;
Ou a morte de baço palor.
Buscas a terra, — eu os céus!
Am anhã! — é o vento que ruge,
A procela d’horrendo fragor,
E ’ a vida no peito mirrada.
Mal soltando um alento de dor.
SEI AMAR.
Amanhã! — é a fôlha pendida,
Amor aniore. E ’ a fonte sem meigo frescor,
P ro v érb io . São as aves sem canto, são bosques
J á sem fôlhas, e o sol sem calor.
Sei amar com paixão ardente e fida, Amanhã! — são acasos da sorte!
Como o nauta ama a terra, como o cego E ’ a vida no seu amargor.
A luz do sol, como o ditoso a vida. Amanhã! — o triunfo, ou a m orte;
Am anhã! — o prazer, ou a dor!
Sim, sei am ar; porém do imenso pego
Duma existência mísera e cansada, Amanhã! — o que vai’, se hoje existes!
Quero uma hora, um instante de sossêgo. Folga e ri de prazer e de amor;
H oje o dia nos cabe e nos toca.
Dera a vida a uma alma apaixonada, De amanhã Deus sòmente é Senhor!
A um peito de mulher que me entendesse,
Onde eu pousasse a fronte acabrunhada.

[150]
CANTOS

POR UM Al. Basta-me um gesto, um aceno,


Uma só prova, — e verás
Minha alma, prêsa em teus lábios,
Se nic queres ver rendido, Como de amor se desfaz!
De joelhos, a teus pés.
Por um olhar que me deites. Ver-me-ás rendido e sujeito.
Por um só ai que me dês; Cativo e prêso à tua lei.
Mais humilde que um escravo.
Se queres ver o meu peito Mais orgulhoso que um rei!
Rugindo como um vulcão.
Estourar, arder em chamas,
Ferver de amor e paixão;

Se me queres ver sujeito. PROTESTO.


Curvado e prêso à tua lei.
Mais humilde que um escravo. I m it a ç ã o d e u m a P o e sia J a v a n e s a .
Mais orgulhoso que um rei;

Meus olhos sôbre os teus olhos, Ainda quando os homens te odiassem,


Meu coração a teus pés; E anât’ma contra ti bradasse o mundo,
Por um olhar que me deites. Por ti sentira amor, te amara sempre,
Por um só ai que me dês: T e amara eternamente.

Oiça, feliz, dos teus lábios Êste afeto jamais há de alterar-se;


Esta só palavra — amor! - Em bora gêmeos sóis ardani no espaço.
Estréia cortando os ares. Ou gêmeas noites, em cegueira eterna,
Abelha sôbre uma flor. Me roubem o prazer de ver teus olhos.

Entranha-te na terra, hei de afundar-me;


Então verás dos meus olhos, Passa ao través do fogo, irei contigo;
Que o pesar me não cegou. Aos céus remonta, hei de seguir-te sempre.
Rebentarem de alegria Ver-me-ás sempre a teu lado.
Prantos, que a dor estancou;
De ti não pode a fôrça desprender-me,
Então verás o meu peito Nem separar-me o fado. Em ti só vivo;
Como outra vez se incendia: E quem dos dias teus souber o têrmo,
Era a fôlha verde e fresca, Que a vida me deixou também conheça.
Onde o sol se refletia!
Quando nas asas da esperança corro,
Murcha e triste pende agora; Onde me acenas, onde amor me aguarda.
Caiu, jaz sôlta, está só: Parece-me que vôo aos ledos campos,
Exposta ao fogo, arde em chamas, Onde a esperança mora.
— Deixai-a, desfaz-se em pó!
Não há que possa comparar-se aos êxtases, 343
Hei de sentir outra vida. Que tanto ao vivo meu amor revelam;
Outra vez meu coração Um gesto, um som dos lábios teus mimosos
Escutarei palpitando Mil vêzes na minha alma se repete.
De amor, de fogo e paixão.
Quer irritada contra mim te mostres.
Quer do teu seio irosa me repilas, 344
Lascado tronco sem graça. Teu rosto na minha alma se retrata.
Tal fui, tal me vês agora! E eu te amo sempre!
Mas venha o orvalho celeste.
Venha o bafejo da aurora; Quer durma, quer descanse, ou vele ou sofra.
Em tudo quanto sinto, em quanto vejo.
Venha um raio de alegria Risonha tua imagem me aparece,
Dar-lhe às raízes calor; E eu julgo sempre que te falo e escuto.
Revive de novo, e brota
Fôlhas, galhos e verdor. Seja eu longe da pátria infindas léguas,
A distância de um mundo entre nós corra.
Do cimo erguido e copado Enquanto além divago, prêso fica
Outra vez se dependuram Meu coração contigo.
Mil flores, — ali mil aves
Nos seus gorjeios se apuram. Se pois souberes que os meus dias findam,
Não creias que o destino inexorável
Não quero palavras falsas, Mos corta — antes me tem, antes me julga
Não quero um olhar que minta, Morto por ti de amores!
Nenhum suspiro fingido,
Nem voz que o peito não sinta.

[151]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

FADÁRIO. Assim quando jazendo


Me achar na campa fria.
Talvez tenhas remorsos
Procura o ímã sempre Da tua ingratidão;
Do pólo a firme estréia, Talvez que por mim sintas
De viva luz o inseto Alguma simpatia;
Se deixa embelezar; Que em lágrimas desfeita
E a nave contrastada Me dês amor então.
Das fúrias da procela,
Procura amigo pôrto,
No qual possa ancorar.

O ímã sou constante, O ASSASSINO.


A nave combatida,
O inseto encandeado Pero una sola lágrima, un gemido
Com fúlgido clarão; Sobre sus restos a ofrecer no van,
Que es sudario d’infames el olvido.. .
E tu — a minha estréia, Bien con su nombre en su sepulcro están!
A luz da minha vida,
ZO RRILLA .
O pôrto que me acena
P or entre a cerração.
E i-lo ! seu rosto pálido se encova;
Incerto, mais que os vôos dum morcego.
Assim, por desgostar-me, Seu andar, ora lento, ora apressado.
Severa no semblante, Profunda agitação revela aos olhos.
No olhar, na voz — debalde
Me oprime o teu rigor; Crespos os cenhos, enrugada a fronte,
Se fujo dos teus olhos, Semelha 347 luz de tocha mortuária
Se mostro-me inconstante, A luz que os olhos seus despedem torvos.
Na ausência e no destêrro H á momentos em que seu rosto fero
Me vai crescendo o amor! De tal arte s’enruga e se transtorna,
Que os seus próprios amigos o fugiram
Assim o inseto volta E a própria mãe temera uni-lo ao seio!
À luz que o já queimara, Quando os lábios descerra, só murmura
E o ímã na tormenta Frases, cujo sentido não se alcança.
Procura o norte seu; Ou blasfêmias a Deus, que o sofre em vida!
Assim a nave rôta, O que amou noutro tempo, agora odeia;
Que o vento contrastara, Despreza o que estimou, evita, foge
Entrando o pôrto, esquece Quanto afanoso procurava outrora; 348
Que males já sofreu. Receia a luz do sol, da noite as trevas,
A voz do crime, da inocência o grito!

Debalde, pois, tua alma, A cólera de Deus caiu tremenda


Que a minha dor enxerga, 345 Sôbre o seu peito, e o coração lhe oprime.
Se m ostra áspera e dura De cuja interna chaga em jorros salta
À voz do meu penar; O sangue e a podridão: horrendo e fero,
Aquêle verde ramo, A vítima das fúrias do remorso.
Que facilmente verga. Terrível e cobarde, e ao mesmo tempo
Resiste ao pêso, enquanto Rebelde contra a mão, que o vexa e pune.
Não torna ao seu lugar. Enquanto a Deus maldiz, blasfema, irrita.
Duma voz, duma sombra se amedronta.
Se, pois, te irrita e cansa Não pode suportar seus pensamentos
De o ver revel contigo, A sós consigo, e aborrecendo os homens.
Do tronco seu vircnte De os ver e de os não ver sofre martírios.
Separa-o de uma vez; Na cidade, suspeita espôsa, amigos,
Mais qu’êle venturoso A mãe e os filhos; — um terror, um pasmo.
Me julgo, se consigo Cuja causa recôndita se ignora,
M orrer vendo os teus olhos. Na voz, no rosto e gesto o denunciam
Cair junto a teus pés. Como escravo do crime ou da miséria.

Mas, inda assim, não creias, No êrmo a própria voz o sobressalta!


Se finda o meu tormento, O som dos passos, do seu corpo a sombra,
Que nem lembrança minha Das fontes o correr por entre as pedras,
T erás de conservar; 346 Da brisa o suspirar por entre as fôlhas.
A nave, que não toca Quanto vê, quanto escuta o intimida.
No pôrto a salvamento. Minaz lhe brada a natureza inteira.
Talvez os rotos mastros Soluça um nome, que lhe eriça 349 a coma
Atira à beira-mar. E o frio do terror Ih’imerge n’alma.

[152]
CANTOS

O mar nas ondas crespas, que se enrolam, QUANDO NAS HORAS.


Batidas pelo açoite da procela,
T ro v e ja o m esm o n o m e; as vag as dizem -no,
And dost thou ask, what secret woe
Quando passam , cuspindo-lhe o sem b la n te ; Ibear, corroding jo y and youth?
E Deus, o próprio Deus no espaço o grava A n d w ilt thou v ain ly seek to know
Nos fuzis que os relâmpagos centelham. A pang e ’ en thou m ust fa il to soothe?
BYRON.
Tem pavor, quando sonha e quando vela.
Deixando o leito em seu suor banhado, I.
No silêncio da noite — a 350 horas mortas,
Levanta-se medonho à voz do crime! Quando nas horas que contigo passo,
Nas mãos convulsas um punhal aperta Do amor mais casto, do mais doce enlêvo.
E a lâmina buída e os olhos torvos Sentindo um raio d’esperança amiga,
Agoureiro clarão despedem juntos. Que as densas trevas da minha alma aclara;
Soltando roucos sons com voz sumida.
Apalpa cauteloso as densas trevas, Teus meigos olhos sôbre os meus se fitam,
E v a i... cam in h a... aten d e... de repente Sorvo o perfume que tua alma exala.
Apunhala um fantasma! — solta um grito. Gozo o sorriso que os teus lábios vertem
Larga o punhal, convulso e arrepiado! E as doces notas que o prazer m’entranham;
Num ferrete de sangue lê seu fado,
Um ferrête, que a dor não 351 desfaz nunca,
Tu me perguntas por que um riso amargo.
Nem lava o pranto, nem consome o tempo. Fúnebre e triste me descora os lábios;
Miserável, provando o fel da morte. Por que uma nuvem de pesares grávida
Ante o passo medonho se horroriza; Tolda o meu rosto;
Odeia o mundo que fugir não pode.
Rejeita a religião que o não consola.
Odeia e teme a Deus, — teme a justiça Por que um suspiro de abafada angústia,
Um ai do peito, que exalar não ouso,
De quem na fronte vil do fratricida
O meigo encanto dos teus sonhos quebra
Nódoa eterna gravou do crime infando.
Num breve instante!

Raio de amor, que sôbre mim resplendes,


Ou sol que bates num profundo abismo,
E a verde-negra superfície tinges
A UNS ANOS. De côr chumbada com reflexos d’oiro;
14 — Janeiro.
Se vês luzente a superfície amiga,
No segredo da larva delicada E à luz que espalha aclarar-se o abismo,
A borboleta mora, Sol benfazejo, que te importam fezes,
Antes que veja a luz, que estenda as asas, Se lá no fundo adormecidas jazem?
Que surja fora!
Talvez se as viras, encobrindo os olhos.
A flor, antes de abrir-se, se recata; De horror fugindo ao temeroso aspecto.
No botão se resume. Os brandos lumes, donde amor distilas
Antes que mostre o colorido esmalte, Breve apagaras.
Que espalhe o seu perfume.
Não me perguntes por que sofro triste.
E a flor e a borboleta, após a aurora Por que da morte o negro espectro invoco.
Breve — da curta vida. Por que, cansado desta vida, almejo
Encontram nas manhãs da primavera A paz dos túmulos.
A luz do sol querida.
Nem ver procures a cratera hiante
De graças cheia, a delicada virgem Do peito meu, qu’inda fumega em cinzas,
Da vida no verdor, Do peito meu, onde cruéis travaram
Semelha a borboleta melindrosa, Pleitos, não crimes, mas paixões que abrasam.
Semelha a linda flor.
Dá que nas horas que contigo passo
Tudo se alegra e ri em torno dela, Do amor mais casto e do mais doce enlêvo.
Tudo respira amor, Durma o passado e do porvir m’esqueça,
Que é a virgem formosa semelhante E o meu presente de te amar se ameigue.
A borboleta e à flor.

Mas para estas o sol breve se esconde. I I.


Passam prestes os dias;
Enquanto a cada sol e nova quadra Se algum suspiro de abafada angústia,
Tu novas graças crias! Se um ai do peito que exalar não ouso,
O meigo encanto dos teus sonhos quebra;
Tu me perdoa.

[153]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Cansado e triste de viver sofrendo, Nada percebo nos confusos roncos


Da morte amiga o negro espectro invoco, Do mar, que bate as solitárias praias;
Afiz-me às 352 dores, e só tôrva idéia Nem nos gemidos da frondosa selva,
Me apraz agora. Que o sôpro amigo de uma aragem move.
Talvez na pedra dum sepulcro frio Conviva infausto dum festim, que odeio.
Melhor folgara de me ver deitado, Às próprias galas que vaidosa ostenta
Sentir nos olhos estancado o pranto A natureza — não se ri minha alma,
E amodorrado o padecer no peito. Nem de as notar meu coração se alegra.
Talvez folgada minha sombra triste. E sinto o mesmo que sentira o frio.
Vagando em tôrno duma campa lisa. Mudo cadáver dos festins do Egito,
De ver-te as formas, de contar teus passos, Se ver pudesse, contemplando o nada
E de escutar tua oração piedosa. Das vãs grandezas.

Talvez folgara, quando pranto amargo Mas já que os olhos sôbre mim pousaste.
Dos olhos teus me rorejasse a campa, Teus meigos olhos, donde o amor lampeja;
Dos meigos lábios, onde amor temperas, Pois que os teus lábios para mim se abriram.
Meu nome ouvindo! Teus meigos lábios;

O h! sim, folgara de sentir a brisa. J á que o perfume da tua alma d’anjo


Correndo em tôrno ao moiniento meu, Embalsamou-me o coração de aromas;
E tu sòzinha no sepulcro humilde, J á que os prazeres da eternal morada
Guardando os tristes deslembrados ossos! De longe, em sonhos, antevi contigo:

Já posso a vida suportar, já devo


Ju nto ao meu corpo guardarei teu leito,
Sofrer o pêso da existência inútil;
Onde os teus restos junto aos meus descansem;
J á do passado e do porvir me esqueço,
E o mesmo sol. e a mesma lua e brisa
E o meu presente de te amar se ameiga.
Juntos nos vejam.

E quando o anjo espedaçar as campas


Ao som da trompa de fragor horrendo,
Que há de o letargo despertar dos mortos RETRATAÇÃO. 354
Na vida eterna;
S on reo, non mi difend o;
Prim eiro em ti se fitarão meus olhos: P u n iscitn i, se v u o i!
H ei de alegrar-me de te ver comigo, M E T A S T A S IO .
E as nossas almas subirão reunidas
À eterna face do juiz superno.
Perdoa as duras frases que me ouviste:
Vê que inda sangra o coração ferido.
E deste amor, por que ambos nós passamos,
V ê que inda luta moribundo em ânsias
O galardão lhe pediremos ambos,
En tre as garras da morte.
Viver unidos na mansão dos justos.
Ou nos tormentos da eternal geena! Sim, eu devera moderar meu pranto,
.Sofrear minhas iras vingativas,
I II. Deixar que as minhas lágrimas corressem
Dentro do peito em chaga.
No entanto a vida suportar já devo.
Sofrer o pêso da existência inglória, Sim, eu devera confranger meus lábios.
E revolvendo o coração chagado, Mordê-los té que o sangue espadanasse.
Nos seus estragos numerar meus dias. Afogar na garganta a ultriz sentença.
Apagá-la em meu sangue.
Na terra existo, como um som queixoso,
Sim, eu devera comprimir meu peito.
Um eco surdo, que entre as fragas dorme.
Conter meu coração, que não pulsasse.
Ou como a fonte, que entre as pedras corre.
Apagado volcão, que inda fumega,
Ou como a fôlha sob os pés calcada.
Que faz, que jorra cinzas?
Uma alma em pena, que procura os restos Que m ’importava a mim teu fingimento,
Não sepultados, — uma flor que murcha. Se uma hora fui feliz quando te amava,
Duma harpa a corda, que por fim rebenta. Se ideei breve sonho de venturas.
Ou luz que morre. Dormindo 355 em teu regaço;

Prazer não acho de avistar a 353 lua Luz mimosa de amor, que te apagaste.
Pálida e bela na soidão do espaço; Ou gôta pura de cristal luzente
Nem vivos astros, nem perfumes gratos Filtrando os poros de uma rocha a custo.
Me dão consôlo. Caída em negro abismo!

[154]
CANTOS

Devera pois meu pranto borrifar-te Em sua alma, onde uma harpa melindrosa
Amigo e benfazejo, como aljôfar Noite e dia seus cânticos afina.
De branco orvalho em pérolas tornado Hei de a vida entornar em doces carmes,
Num cálice de flor; Onde imagens do céu somente brilham.
Não converter-se em pedras de saraiva, Que outra c ’roa melhor, que outra mais pura,
Em chuva de granizo fulminante. Que uma c ’roa d’amor em fronte virgem?!
Que em chão de morte as pétalas viçosas Não pesa sôbre a fronte, não esmaga,
Desfolhasse entreabertas. Não punge o coração, — é tôda amores!

Que outra c’roa melhor, que outra mais bela


Feliz o doce poeta. Que a auréola, que Deus concede aos vates?
Cuja lira sonorosa Com sorriso de amor, talvez com pranto.
Ressoa como a queixosa, Cede-a o vate à mulher, que mais o inspira!
Trépida fonte a correr;
Que só tem palavras meigas. E ta cedo, eu ta dou! C’rôo-te imagem
Brandos ais, brandos acentos. Resplendente, invejada entre as mulheres;
Cuja dor, cujos tormentos Um beijo só de amor tu me concedas,
Sabe-os no peito esconder! Um suspiro sequer do peito exales.
Feliz o doce poeta,
Que não andou em procura
De terrena formosura,
Nem as graças lhe notou!
Que lhe não deu sua lira, QUE ME PEDES.
Que lhe não deu seus cantares,
Que lhe não deu seus pesares,
Nem junto dela quedou! Tu pedes-me um canto na lira de amôres,
Um canto singelo de meigo trovar?!
Antes na mente escaldada Um canto fagueiro já — triste — não pode
Forma um composto divino Na lira do triste fazer-se escutar.
De algum ente peregrino.
De algum dos filhos dos céus; Outrora, coberto meu leito de flores,
E ante essa imagem criada, Um canto singelo já soube trovar;
Que vê sempre noite e dia. Mas hoje na lira, que o pranto umedece.
Dobra as leis da fantasia, As notas d’outrora não posso encontrar!
Acurva os desejos seus.
Outrora os ardores que eu tinha no peito
E ’ dela quando se carpe, Em cantos singelos podia trovar;
E ’ dela quando suspira, Mas hoje, sofrendo, como hei de sorrir-me,
E ’ dela quando na lira Mas hoje, traído, como hei de cantar?
Entoa um canto feliz:
Dela acordado ou dormido.
Não peças ao bardo, que aflito suspira,
Dela na vida ou na morte.
Uns cantos alegres de meigo trovar;
Tenha alegre ou triste sorte.
À lira quebrada só restam gemidos,
Seja Laura ou Beatriz!
Ao bardo traído só resta chorar.
Que talvez a doce imagem,
A cismada fantasia
Há de o poeta algum dia
Junto de Deus encontrar;
E que havendo-a produzido 356 O CIÚME.
Antes do mundo formado.
Dê-lhe um sonhar acordado
Por um viver a sonhar! O h! quanta graça e formosura adorna
Teu rosto eloqüente e vivo!
Se a sombra de um sorrir te afrouxa os lábios.
Prestes outro sorrir dos meus rebenta;
ANELO. Se vejo os olhos teus, que chorar tentam,
Debalde o pranto meu represso engulo;
No lago interior dum peito virgem, Se do teu rosto as rosas se esvaecem,
Que os ventos das paixões não agitaram. Eu sinto de temor bater meu peito;
Hei de em cifras de amor gravar meu nome, E quando os olhos teus nos meus se fitam,
Onde as nuvens do céu desenham côres. Nem pesares, nem dores me dominam;
Mas sinto que o meu peito se enternece.
Nos meigos olhos, que embeleza o mundo. Sinto o meu coração bater mais^ livre.
De corrosivas lágrimas enxutos, Sinto o sorriso, que me ri nos lábios.
Meu pensamento gravarei num beijo, Sinto o prazer, que me transluz no rosto.
Onde as luzes do céu refletem brilhos. Sinto delícias n’alma!

[155]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Quanta beleza tens! — quer dessas graças, Quero fogo sentir contra o meu peito,
Que o amor inveja — num sarau brilhante Quero um corpo cingir que eu sinta arder,
No meio de belezas, que suplantas. Quero beijos só teus, carícias tuas,
Prazer e galas de as mostrar ressumbres; Que dão morrer!
Quer estejas sozinha e pensativa,
Quer viva e folgazã prazer incites: Que importa ao edifício que cintila.
De roaz fogo tomado,
Ou num corcel 357 em páramos extensos. Se por um raio abrasado
Correndo afoita e louca, e o pé mimoso Ou por ignóbil favila?
Da carreira no afã por sob as vestes
Transparecer deixando; E ’ sempre ardor, sempre fogo.
Sempre d’incêndio o clarão.
Ou balançada num ligeiro barco, Sempre o amor que estua e ferve
Que de um lago tranqüilo as águas frisa, Como um gigante vulcão.
Soltando a voz às brisas namoradas,
Que de te ouvir suspiram;

Ou numa bronca penha descalvada A NUVEM DOIRADA.


O mar e os céus contemples pensativa,
E as rédeas sôltas do pensar divagues (N um Album )
Nos campos do infinito;
A nuvem doirada se espraia 361 no ocaso.
És sembre bela: já teus olhos brilhem Roçando co’as franjas o trono de Deus;
Luz que fascina, ou mórbidos reflexos. A águia arrojada seus vôos levanta.
Teus lábios entreabertos sempre exalam Traçando caminhos nos campos dos céus!
Calor, que incêndio ateia.
E xala perfumes a flor do deserto,
O h! que bela tu és, quando assentada Em bora dos ventos o sôpro fatal
No teu balcão, ao refulgir da lua. Em bace-lhe as cores, — e o mar orgulhoso
Manso te apoias em coxins de sêda, Suspira queixoso — no extenso areai.
E o belo azul dos céus triste encarando
Pensas em Deus, — talvez no teu futuro. E os bardos mimosos nos cantos singelos
Talvez nos teus pesares, — que na fonte Im itam as nuvens no incerto vagar:
De linfa pura, cristalina e fresca, 358 Vão sós como as águias, — exalam perfumes.
Aquática serpente usa ocultar-se. Suspiram queixumes — das vagas do mar.
Mas como és bela assim ! co ’a mão sem força
Tirando sons perdidos, sons que encantam. P or isso quem ama, quem sente no peito
Sons qu’infundem prazer, sons d’harpa tristes! Cantar-lhe das liras a lira melhor, 362
Mas como és bela assim! — quando o teu peito Os Carmes lhes ouve, que os bardos só cantam
Entre a gaza sutil de leve ondeia! Saudades, perfumes, enlevos e amor!
Como a onda do mar pausada e fraca
Se abaixa, e empola, e mais e mais se achega
À doce praia, onde os seus ais se quebram;
Assim teu peito bate, e nos teus lábios SONHO DE VIRGEM.
Do extremo palpitar morre um suspiro.
Como d’harpa afinada a corda soa.
Mal desfere seus sons outro instrum ento; A D. A, C. G. A.
Assim também minha alma se entristece.
Assim também meu peito arqueja e pula!

E is porque amor me liga aos teus destinos, Que sonha a donzela.


Porque sou teu escravo, — bem que saiba T ão vaga, tão linda,
Que se a tua alma a beleza Benquista e benvinda
Tem de um anjo, 359 a formosura, Na terra e no céu?
Não tens de um anjo a candura, Que cisma? que pensa?
Nem tens dêle a singeleza! Que faz? que medita,
Que o seio lhe agita
T ão bravo escarcéu?
E is porque ardo por ti, porque padeço
Do inferno crus torm entos; 360
Que faz a donzela,
Porque dos zelos o fel mancha minha alma
Se lágrimas quentes
De negros pensamentos!
Das faces ardentes
Lhe queimam a tez?
Mas que importa este amor que me consome? Que sonha a donzela,
Eu quero sentir dor; Se um riso fagueiro,
Quero lábiosí que entornem nos meus lábios Donoso e ligeiro
Alento escaldador! Nos lábios lhe vês?

[136]
CANTOS

Que faz a donzela, Sonhas talvez, mas inocente Armida,


Que cisma, ou medita? Passar a fácil quadra dos amôres.
Talvez lá cogita Tendo em laço de flores
Fruir algum bem; Prêso de quem mais amas peito e vida!
Então porque chora?
Se curte agras dores IV.
D ’ingratos amores,
O riso a que vem? Quem me dera saber quais são teus sonhos?
Aventar teus mais íntimos desejos,
Semelha a donzela, E ser o gênio bom que tos cumprisse!
Que ri-se e que chora,
À límpida aurora,
Que orvalha dos céus; V.
Não luz mais brilhante,
Não chora mais prantos, Nem só prazeres medita,
Não tem mais encantos, Nem só pensa em belas flores;
Que um riso dos seus. Muitas há que almejam dores,
Como outras buscam amor;
E ’ que as punge atra amargura,
I I. Que o peito anseia e fatiga;
Quem me dera saber quais são teus sonhos. E ’ sêde que só mitiga
Talvez aflição maior.
Aventar teus angélicos desejos.
Saber de quantas ledas fantasias.
Quase gozam, quando vertem
De quantos melindrosos pensamentos
Um suspiro se nutre, um ai se gera. Um pranto cansado e lento;
Virgem, virgem de amor, que vais boiando Quando um comprido tormento
À flor da vida, como rósea fôlha, Lhes derrete o coração:
Que aragem branda sacudiu nas águas; Não é martírio de sangue,
Que gênio bom a mágica vergasta Como nas eras passadas;
Em trôco de um sorriso te concede? Mas há lágrimas choradas,
Que poderosa fada te embalsama Que também martírio são.
A vida e os sonhos? — que celeste arcanjo
Embala, agita as criações que idéias, H á dores que melhor ralam
Como em raio do sol dourados átomos Que provas d’àgua ou de fogo,
Com que invisível ser brincar parece! Que ver apinhado o povo
Virgem, virgem de amor, quais são teus sonhos? Num banquete canibal;
Que sentir no anfiteatro
As vivas carnes rasgadas
III. Pelas prêsas navalhadas
De um fero lôbo cerval.
Talvez quando o sol nasce, lá divisas
Na líquida extensão do mar salgado
Correr com mansas brisas V I.
Um ligeiro batei aparelhado.
Quem me dera saber quais são teus sonhos.
As velas de cetim brancas de neve Aventar teus mais fundos pensamentos,
Rutilam dentre as flâmulas e côres, E ser o gênio bom que tos cumprisse,
E o barco airoso e leve Quando fôssem de amor teus meigos sonhos!
Nos remos voga de gentis amôres.

Não formam rijos sons celeuma dura, VII.


Nem a companha entre bulcões desmaia;
Aragem fresca e pura Mas donde mana essa fonte
Doces carmes de amor conduz à praia. De inexplicável ternura,
Que os golpes da desventura
Sonhas talvez nas orlas do ocidente. Não podem nunca estancar;
De um regato sentada à branda margem. Essa vida tôda extremos,
Ver surgir de repente Esse ardor de todo o instante,
De uma cidade a caprichosa imagem! Esse amor sempre constante,
Que nunca se vê minguar?
Soberbas construções fantasiando,
Vês agulhas sutis cortando os céus, Quisera, virgem donosa.
E a luz do sol doirando Saber a origem divina
Rútilos tetos, altos coruchéus. Dessa fonte peregrina
De tanta luz e calor;
Sonhas talvez palácios encantados. Então pudera em meus cantos 363
Espaçosos jardins, fontes de prata, T ratar dos teus meigos sonhos.
Vergéis de sombra grata, Form ar uns quadros risonhos
Onde a alma folga, isenta de cuidados. De quanto sentes de amor.

[157]
A N T Ö N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Roubando as cores do íris, Amo a lágrima que chora


Das estréias os fulgores, Terna virgem que descora,
O aroma que têm ^64 as flores, Prêsa d’interna aflição;
O vago que tern o m ar; Amo um riso, um gesto vivo,
Talvez pudera os mistérios. Um olhar honesto, esquivo,
As douradas fantasias. Que alvoroça o coração.
As singelas alegrias
Dum peito virgem cantar. Porém mais que o olhar honesto.
Mais que o riso e brando gesto,
Mais do que o pranto a correr.
Mais que a voz, quando amor jura,
MEU ANJO, ESCUTA. Que um suspiro de ternura,
Que vem aos lábios m orrer;
L e m al dont j ’ ai s o u ffe rt s ’ est en fu i comm e un rê v e .
Je n ’ en puis com parer le lontain souvenir Amo o leve som de um beijo,
Q u ’ à ces brou illard s lé g e rs que l ’ aurore so u lève Quando rompe o véu do pejo.
E t q u ’ avec la rosée on v o it s ’ évanouir. Mal sentido a murmurar:
M U SSET. E ’ viva flor de esperança,
Que nos promete bonança,
Meu anjo, escuta: quando junto à noite Como a flor do nenúfar. 365
Perpassa a brisa pelo rosto teu,
Como suspiro que um menino exala; Mente o olhar, mesmo em donzela.
Na voz da brisa quem murmura e fala Mente a voz que amor asseia.
Brando queixume, que tão triste cala Mente o riso, mente a dor;
No peito teu? Mente o cansado desejo;
Sou eu, sou eu, sou eu! Só não mente o som de um beijo,
Prim ícias de um longo amor!
Quando tu sentes lutuosa imagem
D ’aflito pranto com sombrio véu. Beijos que são? Duas Andas,
Rasgado o peito por acerbas dores; São duas almas unidas,
Quem murcha as flores Que o mesmo fogo consume:
Do brando sonho? — Quem te pinta amores São laço estreito de am ores;
Dum puro céu? Porque são os lábios flores
Sou eu, sou eu, sou eu! De que os beijos são perfume!

Se alguém te acorda do celeste arroubo, Beijos que são? — Ai do peito,


Na amenidade do silêncio teu, Sêlo breve, laço estreito
Quando tua alma noutros mundos erra, Dum cansado bem querer;
Se alguém descerra Saibo dos gozos divinos,
Ao lado teu Que nos lábios femininos
Fraco suspiro que no peito encerra; Quis Deus bondoso verter.
Sou eu, sou eu, sou eu!
J á por feliz me tivera,
Se alguém se aflige de te ver chcrosa, T riste de mim! se eu pudera
Se alguém se alegra co’um sorriso teu, Dizer o que os beijos são:
Se alguém suspira de te ver formosa Sei que inspiram luz e calma.
O mar e a terra a enamorar e o céu; Sei que dão remanso à alma,
Se alguém definha Que trazem fogo à 366 paixão.
Por amor teu,
Sou eu, sou eu, sou eu! Sei que são flor de esperança, 367
Que nos prometem bonança,
Como a flor do nenúfar:
Quem fruiu um ledo beijo.
T er não pode outro desejo.
OS BEIJOS.
Nada já pode gozar.

Amo uns suspiros quebrados Sei que dêles não se esquece


Sôbre uns lábios nacarados T riste velho, que esmorece
A gemer, a soluçar; Â míngua de coração:
Como a onda bonançosa, Viva estréia em noite escura.
Que numa praia arenosa Viva brasa em cinza pura.
Vem tristem ente expirar! Em neve algente um vulcão.

Amo ouvir uma voz pura, Sei que fruí-los uma hora
Uns acentos de ternura, De ventura sedutora,
Que trazem vida e calor; E ’ subir em vida aos céus,
Que se derramam a mêdo, E ’ fugir da vida escassa.
Como temendo o segredo Roubar ao tempo que passa
Revelar do oculto am or! Um dos momentos de Deus.

[158]
CANTOS

Sei que são flor de esperança, Vai assim a medrosa donzela.


Que nos prometem bonança, Pura e casta na ingênua beleza,
Como a flor do nenúfar! Buscar luz à remota capela.
Quem os fruiu, o que espera? Branca cera na pálida mão:
Já gozou, já não tem era, Tudo é sombra, silêncio e tristeza!
Já não tem mais que esperar. Mas ao toque do fogo sagrado.
Arde em chamas o círio apagado,
Já rutila brilhante clarão.

DESESPERANÇA.

SE QUERES QUE EU SONHE.


A n tes d ’ espirar el dia, S u r mon front, où peut-être s ’ achève
V i m orir a mi esperanza. U n songe noir qui trop longtemps dura.
ZA RA TE. Q ue ton regard comme un astre se lève.
Soudain mon rêve
Rayonnera.
Que m’importa do mundo a inclemência V . HUGO.
E esta vida cruel, amargada?^
Dês que os olhos abri à existência
Um vislumbre de amor não achei! Tu quercs que eu sonhe! — que ao menos dormido
Nem uma hora tranqüila e fadada, Conheça alegrias, desfrute prazeres,
Nem um gôzo me foi lenitivo; Que nunca provei;
Mas no mundo maldito, em que vivo, Que ao menos nas asas de um sonho mentido
Quantas ânsias, meu Deus, não provei! Perdido — arroubado, também diga: amei!

Já bastante lutei com meu fado! Tu queres que eu sonhe! — não sabes que a vida
Quando outrora corri descuidoso Me corre penosa, — que amarga por vêzes
Trás de um bem, não real, mas sonhado. A própria ilusão!
Transbordava de sonhos gentis : No pálido riso duma alma afligida,
Eu julgava que a um peito brioso^ Qu’envida 368 — ser leda, que dores não vão!
Ou que a uma alma, que fácil s’inflama
Por virtudes, por glória, ou por fama, Se o pranto, que os olhos cansados inflama,
Era fácil aqui ser feliz. Nos olhos de estranhos simpático brilha;
Mais agro penar
Via o mundo ao través dos meus prantos Do triste o sorriso nos peitos derrama,
A sorrir-se p’ra mim caroável. Se a chama — revela, que almeja ocultar.
Refletindo celestes encantos,
Que era visto dum prisma ao través:
Sonhando, percebo na mente agitada
Hoje trevas em manto palpável
Me circundam, — nem já por acêrto Um mar sem limites, areias fundidas
Aos raios do sol;
Vejo triste nos prantos, que verto.
Luz do céu refletida outra vez! E um marco não vejo perdido na estrada
Cansada, — não vejo longínquo farol!
Que me resta na terra? — Estas flores.
Afagadas no sopro da brisa. E queres qu’eu sonhe! — Nas águas revoltas
Disputando do sol os fulgores, O nauta, ludibrio d’horrenda procela,
Balançadas no débil hastil! Se pode dormir.
Estas fontes de prata, que frisa As vagas cruzadas, em sustos envoltas, 369
Brando vento, — estas nuvens brilhantes, Às 370 soltas — escuta raivosas bramir.
Estas selvas sem fim, sussurrantes,
Estes céus do gigante Brasil; Talvez porém sonha que as ondas mendaces
O levam domadas à terra querida,
Nada já me renova a esperança,
Que jaz morta, qual flor ressequida; Qu’entrou em seus la r e s !...
Só me resta a querida lembrança E triste desperta, que os ventos fugaces
Que o martírio se acaba nos céus: Nas faces — a espuma lhe atiram dos mares.
Foge pois, ó minha alma, da vida;
Foge, foge da vida mesquinha. Se queres que eu sonhe, — que alguma alegria
Leva tímida esp’rança, caminha. Dormido conheça, — que frua prazeres
Té parar na presença de Deus! Dum plácido amor;
Vem tu como estréia da noite sombria,
Qu’êstes gozos de etéreos prazeres, Que enfia — seus raios das selvas no horror.
Que esta fonte de luz que ilumina,
Que êstes vagos fantasmas de sêres,
Que cismando só posso enxergar; Brilhar nos meus sonhos. — Então sossegado.
Que os amores de essência divina, Cismando prazeres, que n’alma s’entranham, 371
Que eu concebo e procuro e não vejo, Dum riso dos teus
Que êste fundo e cansado desejo. Coberto o meu rosto, — fugira o meu fado
Deus sòmente tos pode fartar. Quebrado — aos encantos de um anjo dos ceus.

[159]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Vem junto ao meu leito, quando eu fôr dormido, Nem um sorriso


Que eu sinta os perfumes que exalas passando; Verdadeiro, inocente!
Não sofro — direi: Nem um sincero raio de alegria,
E ao menos nas asas de um sonho mentido. Nem um peito contente
Perdido — arroubado, talvez diga: — amei! — Neste mar de perfumes e harmonia!

Então digo entre mim: — Talvez aquela,


Que tem melhores côres,
0 BAILE. Que mais leda se mostra,
Que mais feliz no gesto se revela.
Sente mais finas dores;
Sonem os gozando O íntimo desgosto,
F o rtu n a tan van a,
Y el sol de m anana A febre que a devora
Q u e v ea al sa lir Lhe dá calor ao rosto,
Q u e al son de la orquesta E no silêncio chora, 373
D an zan do en la fiesta,
N o es carg a fun esta Prêsa de uma aflição devoradora.
L a v id a feliz.
Z O R R IL L A . Uma tristeza funda, inexprimível
O coração me anseia;
As salas vão-se enchendo, as luzes brilham E triste e solitário num recanto,
Nos prismas de cristal repercutidas. Nunca mais solitário, nem mais triste
Enquanto as flores Do que entre a multidão que me rodeia,
Dos bufetes nas jarras coloridas Não encontro maior, mais doce encanto
Acres odores Que deixar-me arrastar por uma idéia,
Soltam ; ao mar de luzes misturando Que me avassala a mente.
D ’inocente perfume outro mar brando. Que m ’ importa esta gente,
Com requebros e amor gentis donzelas. Êstes rostos que vejo e não conheço,
Em riso e festa. E o riso a que mil outros dão apreço?
Medindo os passos E sta fingida alegria,
Aos sons da orquestra. E sta ventura que mente,
Pendem dos braços Que serão delas ao romper do dia?
Do namorado, lépido galã! Destas virgens louças as mais mimosas
E sta risonha, aquela pensativa. M ortas serão talvez antes que murchem
Outra menos esquiva. Do branco rosto as encarnadas rosas!
Atenta às vozes, que o prazer lhe entranham, Grinaldas festivais, que a morte espalha
E à frase cortesã, No lugubre terreiro;
Que lhe entorna a lisonja nos ouvidos O pó as enxovalha.
Vão descuidosas, Murchas aos pés do esquálido coveiro!
Nos lábios risos,
Nas faces rosas.
Dando fé a protestos fementidos.

Triunfo às belas! o prazer com eça: DESALENTO.


Correm nas taças os vinhos espumosos.
Gratos licores;
W ith o u t a hope in life .
Tangida pela mão dos Trovadores
CRABBE.
Desfaz-se a lira em sons melodiosos.
Em cânticos de amores.
Soltam mais viva luz as brancas velas. Nascer, lutar, sofrer! — eis tôda a vida:
Melhor perfume as flores. D ’esperança e de amor um raio breve
Ativa-se o prazer; triunfo às belas! Se mistura e confunde
As cruas dores dum viver cansado,
Aqui, ali, além, mil rostos meigos, 372 Como raio fugaz que luz nas trevas
Da valsa ao giro rápido se mostram. Para as tornar mais feias!
De gemas enastrados os cabelos;
E o peito que anelante Da verde infância os sonhos melindrosos.
Palpita entumecido Nobres aspirações da juventude.
Nas ondas do prazer ebrifestante. Amor de glória estulto,
Dum leve colorido Com que mais alto a mente se extasia;
Banha o semblante, São vãos fantasmas, que produz a febre,
Que mais e mais co’a noite se enrubece: São ilusões que mentem!
Triunfo às belas, — o prazer recresce!
São as fôlhas virentes arrancadas
Perdido entanto neste mar de luzes. Dum arbusto viçoso, antes que brotem
Mar de amor, de perfumes, que me inunda. Da primavera as flores;
Contemplo indiferente A penugem que nasce antes das asas,
Quanto em redor diviso; Um estéril botão, que não dá flores.
E entre tanto ruído e tanta gente. Ou flor que não dá frutos!

[1 6 0 ]
CANTOS

Foge, mancebo, lá te espreita o mundo! A QUEDA DE SATANAZ.


Como areias dum páramo deserto,
(T radução ).
Ressequido, abrasado;
Provoca o teu sofrer, teu pranto espreita.
Sedento almeja as lágrimas, qu’entornas Eis que tomba da abóbada celeste
Nos areais da vida. O arcanjo audaz, o serafim manchado.
Desenrolando o corpo volumoso,
S ’inda tens coração, hão de esmagar-te; Despenhado precipite, — qual mundo^
As setas da calúnia irão cravar-to
Dos eixos arrancado, — como um vivo
Na parte mais sensível:
Dos céus fragmento enorme, ei-lo caindo!
Se tens alma, se elétrico palpitas
Caía lá daqueles céus brilhantes.
De pátria e de virtude aos nomes santos,
Donde inda seus iguais lançavam raios;
Foge outra vez ao mundo.
Caía! — e a cerviz no espaço ardendo
Não queiras, num acesso doloroso. As esferas dos sóis de côr de sangue.
Às mãos ambas ferindo o peito crédulo Passando, avermelhava.
Exclam ar delirante:
“Minha pátria onde está? — Onde êstes homens, Ei-lo, o maldito, o arcanjo da blasfêmia.
“Que a par de meus irmãos amar devera, Rival do criador! — té o imo peito >f
“Da mesma pátria filhos? Pelas frechas da anátema 375 varado,
Como num turbilhão, desce rodando;
“ E a virtude também, onde hei da achá-la? Ondas dum mar de fogo o vem cercando,
“ Se é mais que nome vão, onde é que existe? E êle oculta a cabeça,
“ Onde é que se pratica? Como que procurasse
“ Se os modernos Catões a graça esmolam Nas entranhas da noite
“ Do rei — ou, cortesão da populaça, Esconder seu desdoiro.
“ Rojam por terra ignóbeis!
“Se a mão do poderoso, a mão dourada Clamavam — longe — os mundos com voz forte;
“Do crime impune — esbofeteia as faces “ Que insensato! onde vai? Nesse arrojado.
“ Do homem vil, que a beija! Frenético voar, que vento o impele,
“ Oh! meus irmãos não são, não são os filhos Que de astro em astro vai, dum céu em outro?
“ Desta pátria, que eu amo; — torce o rosto Vêde como é sombrio!
“ De os ver a humanidade.” O h! quão outro que está daquele arcanjo
De tão belo semblante,
Despe-se a vida então dos seus encantos, Lucifer radiante.
E o homem na lembrança revivendo Cujo sôpro era como o romper d’alva,^
O percorrido estádio, Que as portas da manhã nos céus abria.
Tem por marcos de estrada o monumento, Trazendo consigo a aurora,
Com que os mais fortes laços se desatam, Que o seu alento acendia!
— A pirâmide e a campa! Acaso o reconheceste?
E ra ontem brilhante, novo e belo;
Do sonho juvenil murchas as côres. E hoje é feio e nu c descalvado,
Sem ilusões, sem fé — nublado, escuro Nas asas da tonnenta balouçado,
O presente e o porvir, Nas asas dos bulcões;
No crepe d’abortadas esperanças E os seus olhos fulminados
S ’envolve 374 — os olhos tesos no sepulcro, J á sem pupilas fumegam.
A tarda morte aguarda! Quais crateras de vulcões!”
Mas eu, qual viajor, vago perdido
Pela face da terra! — amigo lume O arcanjo os escutava, ameaçando-os
Não me convida ao longe; Co’o olhar fulminante;
E ao sentar-me na mesa dos estranhos. Que cheio d’ímpio orgulho já sentia
Digo: — longe serei antes do ocaso; — Uma c ’roa de rei cingir-lhe a fronte.
E a divagar prossigo. Todos os astros que no espaço giram
Seus olhos d’irritados fascinavam;
Mal aceito conviva me despeço!.. E os astros todos de terror tremiam.
As calúnias que sofro, a dor que passo, Saudando a coruscante realeza.
Não me ferem profundas; E já os céus sem fim, estréias, mundos
Bem como a rôla, que das matas desce, Trás dêle se perderam;
E nas asas recebe o pó da estrada, E nas profundas solidões do espaço
Que voando sacode. O arcanjo abandonado apenas^ via
A noite, e sempre a noite!
Minha hora derradeira soe em breve, Tem mêdo, olha, procura----- — Um astro! um
A só esperança que aos mortais não falha! [astro!
Morrerei tranqüilo;
Transviado nos céus! — O arcanjo o avista!
Bem como a ave, ao pôr do sol, deitando
Estende a mão convulsa arrepelando-o:
Debaixo d’asa a tímida cabeça,
Segura, arrasta-o, e dum só pulo ardido 376
Da noite o sono aguarda.
Trá-lo potente ao limiar do inferno.
Alentando açodado.

[161]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

O errante cometa duas vêzes E a fonte já mais não correi


Ao tetro boqueirão levou consigo, Sente a verdura sumir-se
E duas vêzes, como um negro abutre. A palmeira, e contrair-se
Lutando corpo a corpo, de cansaço A palma sua ao redor,
Sentiu-se esmorecer. Que de cabelos dava ares.
Duas vêzes também o astro vítima. De c ’roa tendo o ’splendor.
Suplicando medroso, as ígneas asas
Bateu, sublime grito aos céus mandando.
O nome do Senhor por duas vêzes D ’Hispaniola, 381 ó branca filha.
O rebelde venceu, — ele sozinho Tem e por teu coração;
Caiu no fundo abismo. Tem e a força do vulcão
Que vai breve rebentar!
Que, depois, amplo deserto
Só poderás contemplar!

CANÇÃO DE BUG-JARGAL. Talvez que então te arrependas


De me haveres desdenhado,
( T radução ). Porque houveras encontrado
Salvação no meu amor;
Maria, porque me foges, Como o catá leva à fonte
Porque me foges, donzela? O sedento viajor.
Minha voz! o que tem ela,
Que te faz estrem ecer? 377 Porque assim tu me desdenhas,
T ão temível sou acaso? Não, Maria, não o sei;
Sei amar, cantar, sofrer. Que dentre as frontes humanas.
En tre as frontes soberanas.
E quando ao través dos troncos Levanto a fronte; sou rei.
Descubro d’altos coqueiros.
Ju nto às 378 margens dos ribeiros,
Sou prêto, sim, tu és branca;
A sombra tua a vagar;
Mas qu’importa? Junto ao dia
Ju lgo ver passar um anjo,
A noite o poente cria
Que os meus olhos faz cegar.
E cria a aurora também,
Que mais luzentes belezas.
E dos lábios teus se escuto Mais doces do que ambos tem.
Deslizar-se a voz, Maria,
Cheio de estranha harmonia
Pulsa o peito meu queixoso,
Que mistura aos teus acentos.
Tênue suspiro afanoso.
AGAR NO DESERTO.
Tua voz! eu quero ouvir-ta
Mais do que as aves cantando, E t abiit, seditque e regione proeul quantum potest arcus
Que vêm 379 da terra voando. ja c e re ; d ix it enim : non videbo m orientem pu erum : et sedens
E m que eu a vida provei; con tra, le v a v it vocem suam et fle v it.
Da terra onde eu era livre, G ênesis, cap. 21, 16.
Da terra onde eu era rei!
Pálido 0 rosto e queimado
Liberdade e realeza, Pelo sol do Egito ardente.
Hei de perder da lem brança; Saía a escrava inocente
Família, dever, v in g a n ç a ... Co’ o filho inocente ao lado
T é a vingança m ’esquece. Da tenda patriarcal.
Fruto amargo e deleitoso, A pobrezinha chorava!
Que tão tarde amadurece! Alguns pães c um frasco d’àgua
E um peito cheio de m á g o a !...
És, Maria, qual palmeira. V ê, contempla, ó triste escrava.
Altiva, esbelta, engraçada, Teu sepulcro no areai.
No tronco seu balançada
P or leve brisa fagueira; Abraão se compadece;
No teu amante a rever-te, Mas debalde o solicita
Como na fonte a palmeira. Piedade santa, •— de aflita
Sem queixar-se, lhe obedece
Mas não sabes? — Do deserto A triste escrava do amor.
A tempestade valente Quisera talvez d e tê -la ...
Corre às 380 vêzes de repente Porém quê? — Sara 382 Ih’implora,
Por acabar apressada Deus lhe ordena: — vai-te embora.
Com seu hálito de fogo Vai-te, escrava; e a tua estréia
A palmeira, a fonte amada! T e depare outro senhor.

[162]
CANTOS

o sol brilhante nascia Dorme e sonha, ó triste escrava.


Deus senhor sôbre ti vela!
Sôbre as tendas alvejantes;
E noutros pontos distantes Dorme e sonha: — a tua estréia
Combros d’areia feria, Nasce como um romper d’alva
Outrora leito dum mar; Sôbre os netos d’Ismael.
Êsse caminho procura, Esquece a sorte mesquinha,
Que nas ondas do deserto Que te vexa, — esquece tudo;
Talvez ache por acerto Deus senhor é teu escudo;
Pátria, abrigo, amor, ventura J á não és serva, és rainha
A prole infausta d’Agar. Doutro reino d’Israël.

Vai, caminha; mas ao passo


/■ Que no deserto s’entranha.
Arde o sol com fúria estranha. Como quando elevados nas alturas
Racha a areia o pé descalço. Descobrimos incógnitas paisagens.
Cresta o vento os lábios seus; Densas florestas, áridas planuras ff'
E ao lado o filho inocente E de rios caudais virentes margens;
Soltava tristes gemidos,
Co’os olhos umedecidos Assim da vida o sonho te arrebata.
Fitando a mãe ternamente, Rasgando o véu do tempo e do infinito,
Que os olhos tinha nos céus! E uma cena vistosa te retrata,
Que vai da Arábia ao portentoso Egito.
Procura terras do E gito;
Porém debalde as procura; Vê como o filho teu, feroz guerreiro,
Vai a triste, sem ventura. Nos prainos do deserto eleva as tendas,
Lento o passo, o rosto aflito. E , pôsto a seus irmãos sempre fronteiro.
Pela inculta Bersabé. Provoca e trama aspérrimas contendas!
Seu Ismael desfalece;
No deserto imenso, adusto, São doze os filhos — doze reis potentes
Não enxerga ^83 um só arbusto: Com êles Ismael tudo avassala;
Jeová dêles s’esquece! Sua espada é a lei das outras gentes.
Cresce a dor, e míngua a fé. Seus decretos os campos da batalha.

A sorte seus desígnios favoneia.


Pede sombra o triste infante: Segue seus passos a benção 385 divina.
Não há sombra, — água suplica; Povoa-se Farã, surge d’areia
Exaurido o vaso fica. De Meca o templo, os paços de Medina.
Pede mais d’instante a in stan te...
Pobre escrava, oh! quanto dói Crescem, dominam: largo reino ingente
Pudesses rasgar as veias. Mesquinha habitação presta a seus netos,
Tornar águas inocentes Covertida em nação a grei potente,
Tuas lágrimas ardentes; Que oprime a cerviz móbil dos desertos.
Mas só vês dum lado areias,
D ’outro lado areias só. Mas entre os filhos seus de nomeada,
Sup’rior dos heróis à grande altura,
Pois não há quem o proteja. Na sinistra o alcorão, na destra a espada,
Diz a escrava lá consigo. A efígie tôrva de Maomé fulgura.
Vendo o fado seu imigo,
Curva-se a Arábia entanto, a Palestina
Meu filho morrer não veja.
A sua lei, da Pérsia o reino antigo;
Bem qu’eu tenha de morrer.
Escutam Asia e África a doutrina
A um tiro d’arco distante Do embusteiro que em Meca achou jazigo:
Se arrasta com lento passo.
Tomba o corpo enfermo 384 e lasso, Mensageiro divino se declara
E amargo pranto abundante Aquêle que iludido o mundo adora;
Deixa dos olhos correr. Agar é mãe, — pela vergôntea cara.
Entre orgulhosa e triste, a Deus implora.
Deus porém ouvira a prece
Da escrava, da mãe coitada, Pecou; porém da glória que o circunda
E da celeste morada A roxa luz, que o meteoro imita,
Librado um arcanjo desce De vivo resplendor a fronte inunda,
Nas asas da compaixão. Comove o peito à 386 mísera proscrita.
Expira em tôrno ar de vida,
Um aroma deleitoso, Curvado ao jugo seu todo o oriente,
E num sonho aventuroso Inda cubiça a Europa o Ismaelita;
Agar seus males olvida. E em frente à cruz, o pálido crescente
Olvida a sua aflição. Aparece nas tôrres da mesquita.

[163]
AKTÔNIO GONÇALVES DIAS

O h! quanto humano sangue derramado! Debalde o afeto encobres


Que de prantos e lágrimas vertidas! Do refalsado peito,
Entre irmãos o combate é porfiado, Se vais furtivo ao leito
A raiva intensa, as lutas mal feridas. Da virgem, que se mostra
Rebelde ao teu amor:
De avistar êsse quadro tão medonho, Qu’és gôdo e rei t ’esquecesl
Em bora no porvir todo escondido, E o nobre ressentido
A escrava tenta orar; porém no sonho Da ofensa que há sofrido,
Resume a prece em lânguido gemido. No teu exemplo aprende
A ser também 391 traidor.
Geme de ver em fúria carniceira
A esposa de Maomé desrespeitada, Enquanto pois devassas,
E do seu genro a dinastia inteira Com torpes pensamentos.
Por duro azar de guerra contrastada. Os régios aposentos
Da nobre moça, — a c ’roa
Sucedem-se os Omíades valentes; 387 T e cai da fronte ao chão;
Do seu último rei, oh dor! se coalha E o pai, que a afronta punge.
O sangue na mesquita: entre essas gentes Turbado, ardendo em ira.
Vinga o punhal a sorte da batalha. Aos pés do mouro a atira.
O rei, que planta crimes.
Recolha vil traição.
O vencedor então, não poucas vêzes.
Chegando à bôca a taca corrompida,
E x p ’rimenta os tristíssim os reveses. Sus, ó rei, às arm as!
De quem sòbre os troféus exala a vida! Empunha a larga espada,
E a fronte sombreada
Co’o negro elmo — deixa
Tudo é silêncio e luto: — um só evita
Tingir-se em nobre pó:
O negro olvido, — ao templo da memória
D ’encontro às 392 alas densas
Voa Al-Reschid, — unindo à glória avita Do bárbaro inimigo
O louro da ciência e o da vitória.
Debalde, ó rei Rodrigo,
T e arrojas! — vence a 393 fôrça.
Com seu vizir à noite, pelas ruas Foges vencido e só!
Escuta dos estranhos mercadores
A glória doutros reis, menor que as suas,
E espreita do seu povo ocultas dores! Vai só; mas ocultando
No manto dum soldado
O rosto demudado.
Se ouviu a narração duma desgraça, Enquanto passa o campo.
Se o pobre vê curvado à 388 prepotência, Escasso leito aos seus:
Se o convidam a entrar, quando êle passa,' Ai! triste rei caido!
No abrigo do infortúnio e da inocência. Na solitária ermida,
Que abriga a inútil vida,
Entrou e viu! mas o fulgor crastino 389 No pó colada a fronte.
Ri-se mais brando aos peitos sofredores; Lem bra-te enfim de Deus.
Passa o rei, como orvalho matutino,
E , por onde passou, recendem 390 flores! Lem brem -te os muitos erros
E o crime grave, enquanto
Mudado o sonho, a fugitiva escrava As mães gôdas em pranto
Estranhos povos nota, estranhas terras, O nome teu maldizem,
Que o Darro ensopa e o Guadalete lava. E ao céu clamando estão.
Nadando em sangue de cruentas guerras. Enquanto pela Ibéria
O árabe audaz e forte 394
Espalha o susto, a morte.
P or onde quer que solta
Ao vento o seu pendão.

Quem foi que as altas portas Passam avante, calcam


Abriu d’Espanha aos mouros; Dos Pireneus as serras.
Que pôs os verdes louros, Levando cruas guerras
Dos reis gôdos conquista. Ao dilatado império
As plantas do infiel? Do intrépido gaulés.
De tantos males causa Debalde o grande Carlos
Tu fôste, ó rei Rodrigo, Opõe-se-lhes, — que a história
Tornando infesto, imigo, Nos traz inda à memória
O nobre conde, outrora Dos tristes Roncesvales
Vassalo teu fiel. O mísero revés.

[ 164]
CANTOS

Porém do largo império HINO.


De Córdova e Granada
A c’roa cai pesada o MEU SEPULCRO.
Na fronte amolecida
Do moço Boabdil. E ’léve-toi, mon âme, au-dessus de toi-même,
O fraco teme os ecos Voici l ’épreuve de ta foi!
Ouvir da acesa guerra, Que l’impie, assistant à ton heure suprême.
E perde a nobre terra Ne dise pas: Voyez, il tremble comme moi!
LAM ARTIN E — Harmonies.
Ganhada em mil batalhas
Com pranto feminil.
Quando, os olhos cerrando à luz da vida,
Depois, inda outros quadros O extremo adeus soltar às esperanças,
Enxerga no futuro; Que na terra nos guiam, nos confortam
Mas é um ponto escuro, E espaçam do porvir a senda estreita;
Quando, isento de míseros cuidados.
São formas vagas, postas
Disser adeus às ilusões douradas,
Em duvidosa luz. Mas com elas também às dores cruas
Já naves são, já hostes. Da existência — aos espinhos pontiagudos,
Tropel de vária gente, Com que a verdade o coração nos roça;
Que parte do ocidente. Quando tocada não sentir minha alma
Em cujos peitos brilha Da luz, dos sons, das côres, das magias,
De Cristo a roxa cruz. Que a natureza pródiga derrama
No regaço da terra — mais ditoso
Agar enfim acorda! Serei acaso então? — Quando o meu corpo
Sustendo o filho caro. A terra, mãe comum, pedindo abrigo
Pelo deserto avaro 395 Dos sepulcros no vale em paz descanse;
Hei de ser mais feliz porque mo cobre
S ’entranha novamente.
Pomposo mausoléu, em vez da pedra
Mais sôlto o coração. Sem nome, em vez do túmulo de céspedes,
Parece que já sente Que s’ergue junto à estrada, e ao viandante,
No rosto ao belo infante Ao que ali passa, uma oração suplica?
A glória radiante, O h! não! — ao encalmado é grata a sombra;
Que espera os descendentes Grato descanso aos membros fatigados
Da forte geração. Presta igualmente a relva das campinas
E os torrões pelo sol enrijecidos.
E como Deus lhe há dito. Como o trabalhador que a sesta aguarda,
Seus filhos são guerreiros, O meu têrmo fatal sem mêdo espero!
Que a seus irmãos fronteiros Eu então pedirei silêncio à morte,
E fresca sombra à sepultura humilde,
Cruentos prélios movem:
Que me receba, — e a cuja superfície
Temidos são; porém Morram sem eco da existência as vagas.
As filhas dêsses bravos, 396
Da vida sequestradas. Humilde seja embora! Que m ’importa
Escravas são coitadas, Que a mão d’hâbil artista me não talhe
Que da materna origem Mentiroso epitáfio em prêto mármor!
Recordam-se no Harém. O moimento faustoso, que se erige,
Arranco da vaidade, sôbre a campa
De um corpo transitório, acaso empece
Aos que ali pascem, vermes esfaimados
De roerem-lhe as vísceras?! — Solenes
Vai, caminha, oh triste escrava. São da campa os mistérios; mas terrível
Deus Senhor sôbre ti vela; E ’ da morte a rasoura, que nivela
Vai, caminha: a tua estrela
O rico ao pobre, e os berços diferentes
Nasce como um romper d’alva
Sôbre os netos dTsmael. Torna um féretro, um leito de Procusto,
Esquece a sorte mesquinha Capaz de quanta dor os homens sofrem:
Que te vexa, esquece tudo. Tão depressa o cadáver se corrompe
Deus Senhor é teu escudo: Nas amplas dobras do veludo envolto, 397
— Já não és serva, és rainha Como embrulhado na mortalha exígua,
Doutro reino dTsrael. Que a religiosa caridade amiga,
O pudor dos sepulcros venerando.
Lança do pobre aos restos desprezados.

[ 165]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Os felizes do mundo, acobardados A fôlha já mirrada, a pedra sôlta,


Ante a imagem da morte, que os assalta. A flor agreste, a fonte que murmura
Tem em deixar a terra, onde tranquila.
E as cantoras do céu, as ledas aves
Quase livre de dor, entre delícias,
Como um rio caudal lhes corre a vida. De variado esmalte, e as suspirosas
Horrorizam -se tímidos, — suplicam Brisas da noite e as do romper da aurora,
À cruel, que os não leve, que os não roube A estréia, o sol, o mar, o céu, a terra,
À senda matizada, onde os seus passos A planta, os animais, tudo então vive,
Deslizam-se macios — às carícias Tudo conosco simpatiza, — tudo,
Dum seio, que lhes presta brando encosto. Como orquestra afinada por nossa alma.
O fio da esperança os liga forte Acorde aos nossos sentimentos vibra.
A um corpo que declina, como os lios Revelando ao que morre os fins da vida.
De enrediça tenaz prendida à copa
Dali melhor compr’ende-se a existência.
Duma árvore comida: amedrontados,
Como das fauces negras dum abismo, Mais vasta perspectiva se desdobra
Do pavoroso túmulo recuam. Ante os olhos, que a extrema vez lampejam:
E as cenas que a ilusão junca de flores,
Mas eu, que vago sôlto, como a folha, Que o desejo nos mostra, que nos pinta
Como o fumo sutil; que não limito Cubiçoso, irisante, — que a esperança
Nos términos da terra os meus desejos, Fugaz de vários modos nos matiza;
Folgo de ver os renques dos sepulcros Glória, ambição, prazer, falaz ventura,
No chão da morte largamente esparsos! Tudo se olvida e apaga — semelhante
Quase me alegra vê-los. T al no exílio À fugitiva estréia ou clarão breve
Contempla à beira-mar o degradado
Devolverem-se as vagas, — e saudoso Dum relâmpago estivo, que um momento
D a pátria sua tão distante — as conta; Se m ostra e fulge, logo imerso em trevas.
Uma por uma as interroga, e pensa
Qual daquelas será que o leve e atire. Que importa que eu não tenha uma só c ’roa,
Náufrago embora e seniimorto, às praias. Um mirrado laurel, uma só fôlha,
P or que 398 choram seus olhos. — No desterro Que às novas gerações diga o meu nome
Me contemplo também, — como êle, choro E solicite as atenções futuras?
A pátria, o ímã dos meus sonhos gratos. Sou como o passarinho, quando passa
Abra-se funda a cova ante os meus passos: À flor de um lago e a sombra vacilante
Um só dêles da morte me sep a re!.. No líquido cristal debalde estampa.
E êsse passo andarei, como quem pisa. Ou semelhante ao viajor que bate
Depois de viajar remotos climas,
Da vida a estrada pulvurenta, 400 e nota
O pátrio solo, e as auras perfumadas
Como os seus rastos mal impressos cobre
Do bosque, amigo seu na leda infância.
O pó que de seus passos se levanta.
Bebe de novo, e de as gozar se aplaude.
Ah! que dos louros me não dói a ausência
Mas de lágrimas, sim, que me orvalhassem
H ora do passamento! és da existência A sepultura humilde, — a 40i cujas gôtas
O momento mais santo, o mais solene: Meus ossos de prazer estremecidos
Assim o rubro sol, quando no ocaso De as sentir se a leg ra ssem ... — mas em trôco
E m turbilhões de purpura se afunda, Dessa pia oblação, que tantas vêzes
Nos morredouros, despontados raios
Mente ao finado, que as espera eterno.
Saudoso, extremo adeus à terra envia.
As lágrimas terei da noite fria,
T a l o esposo se aparta suspiroso
O fresco humor da chuva, que me eduquem
E nas asas da brisa manda um beijo
A esposa, que de o ver partir se enluta, A agreste flor, que a natureza obriga
R ôla que vaga na amplidão das selvas. A despontar na solitária campa.
Ninguém virá com titubantes passos
Cheio de melancólica incerteza, E os olhos lacrimosos, procurando
D ir-te-ei: bem-vinda, — ó m orte! quando os olhos O meu jazigo; e em falta de epitáfio,
“Êle aqui ja z !” o coração lhe diga,
V oltar atrás na percorrida estrada; E ali se curve então, fundos suspiros
E chorarei talvez, como quem deixa Dando aos ecos do fúnebre recinto.
O cárcere medonho, onde engastada Envoltos “^02 na oração que alegra os mortos.
Nas escam as da dor gemeu sua alma Certo, ninguém virá; porém tampouco
Largos anos de antigo sofrim ento; Ouvirei maldições, onde escondido.
O cárcer qu’inda as lágrimas lhe verte J á pasto aos vermes, jazerá meu corpo.
Das úmidas paredes, cujos ecos Se deixo sôbre a terra alguma ofensa,
Inda parecem, na soidão da noite. Se alguma vida exacerbei, se acaso
Repetir seus tristíssim os acentos. Alguma simples flor trilhei passando;
Essas, depois d’eu morto, convertidos
O h! quão formosa a vida se revela Os ódios em piedade — “ Em paz descansa”
A quem já bate às 399 portas do infinito. Dirão ante o meu túmulo, e voltando
Encostado aos umbrais da eternidade, A um lado o rosto, — deixarão dos olhos
A vez extrem a contemplando o mundo! Compassiva uma lágrima fugir-lhes!

[ 166]
CANTOS

Tu, Senhor, tu, meu Deus, tu me recebe I I.


Na tua santa glória: alarga as asas
Do teu santo perdão, que ao teu conspecto Perderam-te os meus olhos um momento!
Humilhado me sinto, como a grama, E na volta o meu rosto transtornado.
Que o pé do viajor sem custo abate. As vestes lutuosas, que eu trajava,
A ti volvo, ó Senhor, — bem como o filho O mudo, amargo pranto que eu vertia.
Que ao sôpro de paixões soltando as velas Anúncio triste foi de uma desdita.
Da juventude ardente, foge ao teto Qual jamais sentirás: teus tenros anos
E ao lar paterno, onde por fim se acolhe Pouparam-te essa dor, que não tem nome.
Consumido o tesouro da inocência, De quando sôbre as bordas de um sepulcro
Com rubor dos andrajos da pobreza, Anseia um filho, e nas feições queridas
Que o vexa, — para ver do pai o rosto, Dum pai, dum conselheiro, dum amigo
Para escutar-lhe a voz, embora tenha O sêlo eterno vai gravando a morte!
Sôbre a cabeça a maldição pendente. Escutei suas últimas palavras.
Repassado de dor! — junto ao seu leito.
De joelhos, em lágrimas banhado,
Recebi os seus últimos suspiros.
E a luz funérea e triste que lançaram
SAUDADES. Seus olhos turvos ao partir da vida
De pálido clarão cobriu meu rosto,
No meu amargo pranto refletindo
A AtiNHA I r m ã . O cansado porvir que me aguardava!

/. A. de M.
Tu nada viste, não; mas só de ver-me.
I. Flor que sorrias ao nascer da aurora
No denso musgo dos teus verdes anos,
Eras criança ainda; mas teu rosto A procela iminente pressentiste.
De ver-me ao lado teu se espanejava Curvaste o leve hastil, e sôbre a terra
À luz fugaz de um infantil sorriso! Da noite o puro aljôfar derramaste.
Eras criança ainda; mas teus olhos
De uma brandura angélica, indizível.
De simpáticas lágrimas turbavam-se I I I.
Ao ver-me o aspecto merencório e triste;
E amigo refrigério me sopravam, O encanto se quebrara! — duros fados
Um bálsamo divino sôbre as chagas Inda outra vez de ti me separavam.
Do coração, que a dor me espedaçava! Assim dois ramos verdes juntos crescem
A luz de uma razão que desabrocha. Num mesmo tronco; mas se o raio os toca.
As leves graças, que a inocência adornam. Lascado o mais robusto cai sem graça
Os infantis requebros, as meiguices De rôjo sôbre o chão, enquanto o outro
De uma alma ingênua e pura — em ti brilhavam. Da primavera as galas pavoneia!
Eu, gasto pela dor antes de tempo. J á não há quem de novo uni-los possa,
Conhecendo por ti o que era a infância. Quem os force a vingar e a florir juntos!
Remoçava de ver teu rosto belo.
Pouco era vê-lo! — em ti me transformava;
Bebendo a tua vida em longos tragos,
Todo o teu ser em mim se transfundia: Parti, dizendo adeus à minha infância.
Meu era o teu viver, sem que o soubesses. Aos sítios que eu amei, aos rostos caros,
Tua inocência, tuas graças minhas: Que eu já no berço conheci, — àqueles
Não, não era ditoso em tais momentos, De quem, malgrado ^03 a ausência, o tempo, a morte
Mas de que era infeliz me deslembrava! E a incerteza cruel do meu destino,
Não me posso lembrar sem ter saudades.
Sem que aos meus olhos lágrimas despontem.
P arti! sulquei as vagas do oceano;
Nas horas melancólicas da tarde.
Tinhas sôbre mim poder imenso. Volvendo atrás o coração e o rosto,
Indizível condão, e o não sabias! Onde o sol, onde a esp’rança me ficava.
Assim da tarde a brisa corre à terra. Misturei meus tristíssimos gemidos
Embalsamando o ar e o céu de aromas: Aos sibilos dos ventos nas enxárcias!
Enreda-se entre flores suspirosa.
Geme entre as flores que o luar prateia,
E não sabe, e não vê, quantos queixumes
Apaga — quantas mágoas alivia! Revolvido e cavado o negro abismo,
Assim, durante a noite, o passarinho Rugia indômito a meus pés: sorvia
Em moita de jasmins derrama oculto No fragor da procela os meus soluços.
Merencórias canções nos mansos ares; Vago triste e sòzinho sôbre os mares,
E não sabe, o feliz, de quantos olhos — Dizia eu entre mim, — na companhia
Tristes, mas doces lágrimas, arranca! De crestados, de ríspidos marujos.

[ 167]

1
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Mais duros que o seu côncavo madeiro! Sim, amei; fôsse embora um só momento!
Ave educada nas floridas selvas, Meu sangue, requeimado ao sol dos trópicos.
Vim da praia beijar a fina areia. Em vivas labaredas conflagrou-se.
Subitâneo tufão arrebatou-me, Feliz naquele incêndio ardeu minha alma,
Perdi a verde relva, o brando ninho, Um ano, talvez mais! Qual foi primeiro
Nem jam ais casarei doces gorjeios A soltar, a romper tão doces laços
Ao saudoso rugir dos meus palmares; Não pudera dizê-lo, em que o quisesse.
Porém a branca angélica mimosa, T ão louco estava então, — dores tão cruas.
Com seu candor enamorando as águas. Mágoas tantas depois me acabrunharam,
Floresce ^*04 às margens do meu pátrio rio. Que dêsse meu passado extinta a idéia.
Deixou-me apenas um sofrer confuso,
Como quem de um mau sonho se recorda!
I V. Assim, depois de arder um denso bosque
Dos ventos à 409 mercê revoa a cinza
Largo espaço de terras estrangeiras Num páramo deserto! Nada resta;
E de climas inóspitos c duros Nem sequer a vereda solitária,
Interpôs-se entre nós! — Ao ver nublado
A cuja extremidade o amor velava!
Um céu d’inverno e as árvores sem fôlhas,
De neve as altas serras branqueadas,
E entre esta natureza fria e morta V.
A espaços derramados “^05 pelos vales
Triste oliveira, ou fúnebre cipreste. Rotos na infância os laços de família.
Arrasados de lágrimas os olhos. Os fados me vedavam reatá-los.
Segui no pensamento as andorinhas, T e r a meu lado uma consorte amada.
Nos invejados vôos! — procuravam, Rever-me na afeição dos filhos caros.
Como eu também nos sonhos que mentiam, Viver nêles, curar do seu futuro
A terra que um sol cálido vigora, E neste empenho consumir meus dias;
E em frouxa languidez estende os nervos. Mas ao menos, pensava, — ser-me-á dado
Pátria da luz, das flores! — nunca eu veja Amimar e suster nos meus joelhos
O sol, que adoro tanto, ir afundar-se Da minha irmã querida a tenra prole.
Nestes da Europa revoltosos m ares; Incliná-la à 410 piedade, e ao relatar-lhe
Nem tíbia lua, envôlta 406 em nuvens densas, Os sucessos da minha vida errante.
Luzindo mortuária sôbre os campos Inocular-lhe o dom fatal das lágrimas!
De frios suis queimados. — A i! dizia. E ssa mesma esperança não me ilude;
Ai daquele que um fado aventureiro. Ave educada nas floridas selvas,
Qual destrôço de mísero naufrágio, Um tufão me expeliu do pátrio ninho.
A longínqua e remota plaga arroja! As tardes dos meus dias borrascosos
Ai daquele que em terras estrangeiras Não terei de passar, sentado à porta
Corta nas asas do desejo o espaço. Do abrigo de meus pais, — nem longe dêle.
Enquanto a realidade o vexa em tôrno Verei tranqüilo aproximar-se o inverno,
E opresso o coração de dor estala! E pôr do sol dos meus cansados anos!
Onde a pedra, onde o seio em que descanse?
Que arbusto há de prestar-lhe grata sombra
E olentes flores derramar co’a brisa OS TIMBIRAS.
Na fronte encandecida? Peregrino,
Em tôda a parte forasteiro o chamam!
Os Tym biras. / Poema Americano / por / A. Gon­
Insensível à 407 dor, na sua marcha,
çalves Dias. / Leipzig: / F. A. Brockhaus. / 1857. /
Não, não atende ao termo da jornada;
Mas volta atrás o rosto, — e entre as sombras
Confusas do horizonte — enxerga 408 apenas
O débil fio da esperança têso, À M a j e s t a d e do M u i t o A l t o e M u i t o P o d e r o s o
E da ingrata distância adelgaçado! P r í n c i p e o S e n h o r D . P e d r o II I m p e r a d o r C o n s ­
t i t u c i o n a l E D e f e n s o r P e r p é t u o do B r a s i l

E todavia amei! pude um momento


V er perto a doce imagem debruçada INTRODUÇÃO.
Nas águas do Mondego, — ouvir-lhe um terno
Suspiro do imo peito, mais ameno. Os ritos semibárbaros dos Piagas,
Mais saudoso que as auras encantadas, Cultores de Tupã, e a terra virgem
Que entre os seus salgueirais moram loquaces! Donde como dum trono, enfim se abriram
Foi um momento só! — talvez agora Da cruz de Cristo os piedosos braços;
Nas mesmas águas se repete imagem As festas, e batalhas mal sangradas
Dos meus sonhos de então! — talvez a brisa, Do povo Americano, agora extinto.
Nas fôlhas dos salgueiros murmurando, Hei de cantar na lira. — Evoco a sombra
Meu nome junto ao seu repete aos ecos, Do selvagem g u e rre iro !... Tôrvo o aspecto.
Que eu, triste e longe dela, escuto ainda! Severo e quase mudo, a lentos passos.
Caminha incerto, — o bipartido arco
Nas mãos sustenta, e dos despidos ombros

[1 6 8 ]
os t im b ir a s

Pende-lhe a rôta a lja v a .... as entornadas, C ria -s e ... e em que não crê o povo estulto?
Agora inúteis setas, vão mostrando Que um velho piaga na espelunca horrenda
A marcha triste e os passos mal seguros Aquele encanto, inútil num cadáver.
De quem, na terra de seus pais, embalde Tirara ao pai defunto, e ao filho vivo
Procura asilo, e foge o humano trato. Inteiro o transmitira: é certo ao menos
Que durante uma noite juntos foram
Quem pudera, guerreiro, nos seus cantos O moço e o velho e o pálido cadáver.
A voz dos piagas teus um só momento
Repetir; essa voz que nas montanhas Mas acertando um dia estar oculto
Valente retumbava, e dentro d’alrna Num denso tabocal, onde perdera
Vos ia derramando arrojo e brios. Traços de fera, que rever cuidava.
Melhor que taças de cauim fortíssimo?! Seta ligeira atravessou-lhe um braço.
Outra vez a chapada e o bosque ouviram Mão d’imigo traidor a disparara.
Dos filhos de Tupã a voz e os feitos Ou fôra algum dos seus, que receoso
E as pocemas de morte, levantadas Do mal causado, emudeceu prudente.
Dentro do circo, onde o fatal delito
Expia o malfadado prisioneiro, Relata o caso, irrefletido, o chefe.
Qu’enxerga ‘♦n a maça e sente a mussurana Mal crido foi! — por abonar seu dito.
Cingir-lhe os rins a enodoar-lhe o corpo: Redobra d’imprudência, — mostra aos olhos
E só de os escutar mais forte acento A traiçoeira frecha, o braço e o sangue.
Haveríam de achar nos seus refolhos A fama voa, as tribos inimigas
O monte e a selva e novamente os ecos. Adunam-se, amotinam-se os guerreiros
E as bôcas dizem: o Tim bira é morto!
Como os sons do boré, soa o meu canto Outras emendam: Mal ferido sangra!
Sagrado ao rudo povo americano: Do nome do Itajuba se despega
Quem quer que a natureza estima e preza O mêdo, — um só desastre venha, e logo
E gosta ouvir as empoladas vagas Êsse encanto vai prestes converter-se
Bater gemendo as cavas penedias, Em riso e farsa das nações vizinhas!
E o negro bosque sussurrando ao longe — Os manitós, que moram pendurados
Escute-me. — Cantor modesto e humilde, Nas tabas d’Itajuba, que as protejam:
A fronte não cingi de mirto e louro. O terror do seu nome já não vale.
Antes de verde rama engrinaldei-a. Já defensão não é dos seus guerreiros!
D ’agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso, Dos Camelas um chefe destemido.
Nem vi correr a linfa da Castália. Cioso d’alcançar renome e glória.
Cantor das selvas, entre bravas matas Vencendo a fama, que os sertões enchia.
Áspero tronco da palmeira escolho. Saiu primeiro a campo, armado e forte,
Unido a êle soltarei meu canto. Guedelha e ronco dos sertões imensos.
Enquanto o vento nos palmares zune, Guerreiros mil e mil vinham trás êle.
Rugindo os longos encontrados leques. Cobrindo os montes e juncando as matas.
Com pejado carcaz de ervadas setas
Nem só me escutareis fereza e mortes: Tingidas 414 d’urucu, segundo a usança
As lágrimas do orvalho porventura Bárbara e fera, desgarrados gritos
Da minha lira distendendo as cordas. Davam no meio das canções de guerra.
Hão de em parte ameigar e embrandecê-las.
Talvez o lenhador quando acomete Chegou, e fêz saber que era chegado
O tronco d’alto cedro corpulento. O rei das selvas a propor combate ^
Vem-lhe tingido o fio da segure Dos Timbiras ao chefe. — “ A nós só caiba
De puro mel, que abelhas fabricaram; (Disse êle) a honra e a glória; entre nós ambos
Talvez também nas folhas qu’engrinaldo 412 Decida-se a questão do esforço e brios.
A acácia branca o seu candor derrame Êstes, que vês, impávidos guerreiros,
E a flor do sassafraz se estrele amiga. São meus, que me obedecem; se me vences,
São teus; se és o vencido, os teus me sigam:
Aceita ou foge, que a vitória é minha.”

Não fugirei, responde-lhe Itajuba,


CANTO PRIMEIRO. Que os homens, meus iguais, encaram fito
O sol brilhante, e os não deslumbra o raio.
Sentado em sítio escuso descansava
Dos Timbiras o chefe em tronco anoso, “ Serás, pois que me afrontas, torna o bárbaro,
Itajuba, o valente, o destemido Do meu valor troféu, — e da vitória,
Acoçador das feras, o guerreiro Qu’hei de certo 415 alcançar, despojo opimo.
Fabricador das incansáveis lutas. Nas tabas em que habito ora as mulheres
Seu pai, chefe também, também Timbira, Tecem da sapucaia as longas cordas,
Chamava-se o Jaguar: dêle era fama Que os pulsos teus hão de arrochar-te em breve;
Que os musculosos membros repeliam E tu vil, e tu prêso, e tu coberto
A frecha sibilante, e que o seu crânio 413 D ’escárnio 416 e d’irrisão! — Cheio de glória,
Da maça aos tesos golpes não cedia. Além dos Andes voará meu nome!”

[ 169]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

O filho de Jaguar sorriu-se a furto: O fero vencedor um pé alçando.


Assim o pai sorri ao filho imberbe, M orre! — lhe brada — e o nome teu contigo!
Que, desprezado o arco seu pequeno. O pé desceu, batendo a arca do peito
Talhado para aquelas mãos sem forças. Do exânime vencido: os olhos turvos.
T en ta doutro maior curvar as pontas, Levou, a extrem a vez, o desditoso
Que vêzes três o mede em tôda a altura! Àqueles céus d’azul, àquelas matas.
Doce cobertas de verdura e flores!
Travaram luta fera os dois guerreiros.
Prim eiro ambos de longe as setas vibram;
Depois, erguendo o esquálido cadáver
Amigos manitôs, que ambos protegem,
Sôbre a cabeça, horrivelmente belo.
Nos ares as desgarram. Do Gamela
Aos seus o m ostra ensagüentado e torpe;
Entrou a frecha trêmula num tronco
Então por vêzes três o horrendo grito
E só parou no cerne; a do Tim bira,
Do triunfo soltou; e os seus três vêzes
Ciciando veloz, fugiu mais longe.
O mesmo grito em côro repetiram.
Roçando apenas os frondosos cimos.
Encontram -se os Tacapes, lá se partem ; Aquela massa enfim voa nos ares;
Porém na destra do feliz guerreiro
Ambos o punho inútil rejeitando.
Estreitam -se valentes: braço a braço. Dividem-se entre os dedos as melenas.
De cujo crânio 418 marejava o sangue!
Alentando açodados, peito a peito.
Revolvem fundo a terra aos pés, e ao longe
Rouqueja o peito arfado um som confuso. Transbordando ufania do sucesso
Inda recente, recordava as fases
Cena vistosa! quadro aparatoso! Orgulhoso o guerreiro! Ainda escuta
Guerreiros velhos, à vitória afeitos. A dura voz, inda a figura avista
Tam anhos campeões vendo n’arena, Dêsse, que ousou atravessar-lhe as sanhas:
E a luta horrível de terror transidos. Lem bra-se! e da lembrança grato enlêvo
Qual daqueles heróis há de primeiro Lhe coa n ’alma em fogo: longos olhos.
Sentir o egrégio esforço abandoná-lo? Enquanto assim medita, vai levando
Perguntam ; mas não há quem lhes responda. Por onde o céu e as selvas se confundem.
P or onde o rio em tortuosos giros.
São ambos fortes: o Tim bira ardido, '♦'7
Queixoso lambe as empedradas margens.
Esbelto como o tronco da palmeira.
Assim o jugo seu não escorjassem
Flexível como a frecha bem talhada.
Ostenta-se robusto o rei das selvas; Tredos Gamelas co’ 419 a noturna fuga!
Seu corpo musculoso, imenso e forte Pérfidos! o herói jurou vingar-se;
É como rocha enorme, que desaba T rem ei! qu’há de o valente debelar-vos 1
De serra altiva, e cai no vale inteira. E enquanto segue o céu, e o rio, e as selvas.
Não vale humana força desprendê-la Crescem-lhe brios, fôrça, — alteia o colo.
Dali, onde ela está: fugaz corisco F ita orgulhoso a terra, onde não acha,
Bate-lhe a calva fronte sem parti-la. Nem crê achar quem lhe resista; eis nisto
Reconhece um dos seus, que pressuroso
Separam-se os guerreiros um do outro, Corre a encontrá-lo, — rápido caminha;
Foi dum o pensamento, — a ação foi d’ambos. Porém d’instante a instante, d’enfiado
Ambos arquejam ; descoberto o peito V olta o pávido rosto, onde se pinta
Arfa, estua, eleva-se, comprime-se, O susto vil, que denuncia o fraco.
E o ar em ondas sôfregos respiram.
Cada qual, mais pasmado que medroso,
Se estranha a fôrça que no outro encontra, “ ó filho de Jaguar — de longe brada.
A mal cuidada resistência o irrita. Neste apêrto nos vale, — ei-los se avançam
Itaju ba! Itaju ba! — os seus exclamam. Pujantes contra nós, tão bastos, tantos,
Guerreiro, tal como êle, se descora Como enredados troncos na floresta.” 420
Um só momento, é dar-se por vencido.
O filho de Jagu ar voltou-se rápido. Tu sempre tremes, Jurucei, tornou-lhe
Donde essa voz partiu? quem no aguilhoa? Com voz tranqüila e m ajestosa o chefe.
Raiva de tigre anuviou-lhe o rosto O mel, que em falas sem cessar distilas.
E os olhos côr de sangue irados pulam. Tolhe-te o esfôrço e te enfraquece a vista:
Amigos são talvez, amigas tribos.
“ A tua vida a minha glória insulta! Algum chefe, que tem conosco as armas.
Grita ao rival, e já de mais viveste.” Em sinal d’aliança, espedaçado:
Disse, e como o condor, descendo a prumo Vem talvez festejar o meu triunfo,
Dos astros, sôbre o lhama descuidoso, E os seus cantores celebrar meu nome.
Pávido o prende nas torcidas garras,
E sobe audaz onde não chega o r a io ...
Voa Itajuba sôbre o rei das selvas, “ Não! não! ouvi o som triste e sonoro
Cinge-o nos braços, contra si o aperta Das igaras, rompendo a custo as águas,
Com fôrça incrível: o colosso verga, Dos remos manejados a compasso,
Inclína-se, desaba, cai de chôfre, E os sons guerreiros do boré, e os cantos
E o pó levanta e atroa forte os ecos. Do com bate; parece, d’irritado.
Assim cai na floresta um tronco anoso, T ão grande pêso agora a flor lhe corta,
E o som da queda se propaga ao longe! Que o rio vai sorver as altas margens.”

[1 7 0 ]
o s TIMBIRAS

E são Gamelas? — perguntou-lhe o chefe. Vem depois Jacaré, senhor dos rios,
“Vi-os, tornou-lhe Jurucei, — são êles!” Ita-roca indomável, — Catucaba,
O chefe dos Timbiras dentro d’alma Primeiro sempre no combate, — o forte
Sentiu ódio e vingança remordê-lo. Juçarana, — Poti ligeiro e destro,
Rugiu a tempestade, mas lá dentro; O tardo Japeguá, — o sempre aflito
Cá fora retumbou, mas quase extinta. Piaíba, que espíritos perseguem:
Começa então com voz cavada e surda: 421 Mojacá, Mopereba, irmãos nas armas.
Sempre unidos; ninguém não foi como êles!
Irás tu, Jurucei, por mim dizer-lhes: Lagos de sangue derramaram juntos;
Itajuba, o valente, o rei da guerra, Filhos e pais e mães d’imigas tabas
F ab ricad or das in can sáv eis lu tas. Odeiam-nos chorando, e a glória d’ambos.
Enquanto a maça não sopesa, enquanto Assim chorada, mais e mais se exalta:
Dormem-lhe as setas no carcaz imóveis, Çamotim, Pirajá, e outros infindos.
O f’rece-vos liança e paz; — não ama, Heróis também, aos quais faltou sòmente
Tigre repleto, espedaçar mais prêsas, Nação menor, menos guerreira tribo.
Nem quer dos vossos derramar mais sangue.
Três grandes Tabas, onde heróis pululam. Japi, o atirador, quando escutava
Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos, Os sons guerreiros do membi troante,
Caídas a seus pés, a voz lhe escutam. Na tesa corda a frecha embebe inteira,
Vós outros, atendei, — cortai nas matas E mira um javali que os alvos dentes.
Troncos robustos e frondosas palmas, Navalhados, remove; pára, e s c u ta ...
E construí cabanas, — onde o corpo Volvem-lhe os mesmos sons: bate-lhe o peito.
Caiu do rei das selvas, — onde o sangue Os olhos pulam, — solta horrendo grito.
Daquele herói, vossa perfídia atesta. Arranca e roça a f e r a !... a fera atônita.
.àquela briga enfim de dois, tamanhos, Aterrada, transida, treme, eriça 425
Sinalai; porque 422 estranho caminheiro. As duras cerdas; tiritante, pávida,
Amigas vendo e juntas nossas tabas, Esgazeando os olhos fascinados.
E a fé, que usais guardar, sabendo, exclamem: Recua: um tronco só lhe embarga os passos.
Vejo um povo de heróis e um grande chefe!” Por longo trato, de si mesma alheia.
Disse: e vingando o cimo d’alto monte, Demora-se, lembrada: a custo o sangue
Que em roda largo espaço dominava, 423 Volve de novo ao costumado giro.
O atroador membi soprou com força. Enquanto o vulto horrendo se recorda!
0 tronco, o arbusto, a moita, a rocha, a pedra.
Convertem-se em guerreiros; — mais depressa, “ Mas onde está Jatir? pergunta o chefe,
Quando soa o clarim, núncio de guerra, Que debalde o procura entre os que o cercam:
Não sopra, e escava a terra, e o ar divide Jatir, dos olhos negros, que me luzem.
Co’as crinas flutuantes, o ginete. Melhor que o sol nascendo, dentro d’alma;
Impávido, orgulhoso, em campo aberto. Jatir, que aos chefes todos anteponho.
Cuja bravura e temerário arrojo
Da montanha Itajuba os vê sorrindo. Folgo em reger e moderar nos prélios;
Galgando vales, combros, serranias. Êsse, porque não vem, quando vós vindes?”
Coalhando o ar e o céu de feios gritos.
E folga, por que os vê correr tão prestes — Corre Jatir no bosque, diz um chefe.
Aos sons do cavo búzio conhecido. Bem sabes como: acinte se desgarra
Já tantas vêzes repetidos antes Dos nossos, — anda só, talvez sem armas.
Por vales e por serras; já não pode Talvez bem longe; acordo nêle é certo.
Numerá-los, de tantos que se apinham; Creio, de nos tachar assim de fracos! —
Mas, vendo-os, reconhece o vulto e as armas
Dos seus: “Tupã sorri-se lá dos astros. Pai de Jatir, Ogib, entrara em anos;
Diz o chefe entre si, — lá, descuidosos Grosseiro cedro mal lhe firma os passos.
Das folganças de Ibaque, heróis timbiras Os olhos pouco vêem; mas de conselho
Contemplam-me, das nuvens debruçados: Valioso e prestante. Ali, mil vêzes.
E porventura de lhes ser eu filho Havia com prudência temperado
Enlevam-se, e repetem, não sem glória. O juvenil ardor dos seus, que o ouviam.
Os seus cantores d’Itajuba o nome.” 424 Alheio agora da prudência, escuta _
Vem primeiro Ju cá de fero aspecto. A voz que o filho amado lhe crimina.
Duma onça bicolor cai-lhe na fronte Sopra-lhe o dizer acre a cinza quente.
Viva, acesa, antes brasa, — o amor paterno:
A pel’ vistosa; sob as hirtas cerdas,
Como sorrindo, alvejam brancos dentes, Amor inda tão forte na velhice,
E nas vazias órbitas lampejam Como no dia venturoso, quando
Cendi, que os olhos seus só viram bela.
Dois olhos, fulvos, maus. — No bosque, um dia,
Sorrindo luz de amor dos meigos olhos.
A traiçoeira fera a cauda enrosca
E mira nêle o pulo: do tacape Carinhosa Iho deu; quando na rêde
Jucá desprende o golpe, e furta o corpo: Ouvia com prazer as ledas vozes
Dos companheiros seus, — e quando absorto,
Onde estavam seus pés, as duras garras
Olhos pregados no gentil menino.
Encravam-se enganadas, e onde as garras
Bem longas horas, sim, porém bem doces
Morderam, beija a terra a fera exangue
Levou cismando aventuradas sinas.
E, morta, ao vencedor tributa um nome.
[1 7 1 ]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

AH O tinha, ali meigo e risonho CANTO SEGUNDO.


Aqueles tenros braços levantava;
Aqueles olhos límpidos se abriam Desdobra-se da noite o manto escuro:
À luz da vida: cândido sorriso, Leve brisa sutil pela floresta
Como o sorrir da flor no romper d’alva.
Enreda-se e murmura, — amplo silêncio
Radiava-lhe o rosto: quem julgara,
Reina por fim. Nem saberás tu como
Quem pudera aventar, supor ao menos
E ssa imagem da morte é triste e tôrva,
Haverem de apertar-se aqueles braços
Se nunca, a sós contigo, a pressentiste
T ão mimosos, um dia, contra o peito
Longe dêste zunir da turba inquieta.
Arquejante e cansado, — e aqueles olhos
No êrmo, sim ; procura o êrmo e as selvas..
Verterem pranto amargo em soledade?
Escuta o som final, o extremo alento,
Incrível — porém lágrimas cresceram-lhe
Que exala em fins do dia a natureza!
Dos olhos, — lá tombou-lhe uma, das faces O pensamento, que incessante voa.
No filho, em cujo rosto um beijo a enxuga.
Vai do som à mudez, da luz às sombras
E da terra sem flor, ao céu sem astro.
Agora, Ogib, alheio da prudência, Semelha 429 a fraca luz, qu’inda vacila
Que ensina, imputações tão más ouvindo
Quando, em ledo sarau, o extremo acorde
Contra o filho querido, acre responde.
No deserto salão geme, e se apaga!
“ São torpes os anuns que em bandos folgam,
São maus os caititus, 426 que em varas pascem. E ra pujante o chefe dos Timbiras,
Som ente o sabiá geme sozinho, Sem conto seus guerreiros, três as tabas,
E sozinho o Condor aos céus remonta. Opimas, — uma e uma derramadas
Folga Ja tir de só viver consigo: Em giro, como dança dos guerreiros.
Em bem, que tens agora que dizer-lhe? Quem não folgara de as achar nas matas!
Esm aga o seu tacape a quem vos prende, T rês flores em três hastes diferentes
A quem vos dana, afoga entre os seus braços, Num mesmo tronco, — três irmãs formosas
P or um laço de amor ali prendidas
E em quem vos acomete, emprega as setas.
F raco ! não temes já que te não falte No êrm o; mas vivendo aventuradas?
O primeiro entre vós, Jatir, meu filho?” Deu-lhes assento o herói entre dois montes.
Em chã copada de frondosos bosques.
Despeitoso Itajuba, ouvindo um nome, Ali o cajazeiro as perfumava,
Em bora o de Jatir, apregoado O cajueiro, na estação das flores.
Melhor, maior que o seu, a testa enruga De vivo sangue marchetava as folhas:
E diz severo aos dois qu’inda argum entam: 427 As mangas, curvas à feição de um arco.
Beijavam -lhes o teto; a sapucaia
Mais respeito, mancebo, ao sábio velho, Lam bia a terra, — em graciosos laços
Q u’éramos nós crianças, manejava Doces m aracujás de espêssas ramas
A seta e o arco em defensão dos nossos. Sorriam -se pendentes; o pau d’arco
Tu, velho, mais prudência. En tre nós todos Fabricava um dossel de cróceas flores,
O primeiro sou eu: Jatir, teu filho, E as parasitas de matiz brilhante
É forte e bravo; porém novo. Eu mesmo A úsnea das palmeiras estrelavam!
Gabo-lhe o porte e a gentileza; e aos feitos
Novéis aplaudo»: bem m aneja o arco. Quadro risonho e grande, em que não fôsse
Vibra certeira a frecha; m a s ... (Sorrindo Em granito ou em mármore talhado!
Prossegue) afora dêle inda há quem saiba Nem palácios, nem torres avistaras,
Mover tão bem as armas, e nos braços Neiji castelos que os anos vão comendo,
Robustos, afogar fortes guerreiros. Nem grimpas, nem zimbórios, nem feituras
Ja tir virá, s e n ã o ... serei convosco, Em pedra, que os humanos tanto exaltam !
(D isse voltado para os seus, que o cercam) Rudas palhoças só! que mais carece
E bem sabeis que vos não falto eu nunca. Quem há de ter sòmente um sol de vida.
Jazendo negro pó antes do ocaso?
Altercam êles nas ruidosas tabas. Que mais? T ão bem a dor há de sentar-se
Enquanto Jurucei com pé ligeiro E a morte revoar tão sôlta em gritos
Caminha: as aves docemente atitam. Ali, como nos átrios dos senhores.
De ramo em ramo — docemente o bosque T ão bem a compaixão há de cobrir-se
A mêdo rumoreja, — a mêdo o rio 428 De dó, limpando as lágrimas do aflito.
Escoa-se e murmura: um borborinho. Incerteza voraz, tímida esp’rança.
Confuso se propaga, — um raio incerto Desejo, inquietação também lá moram:
Dilata-se do sol doirando o ocaso. Que sobra pois em nós, que falta nêles?
Último som que morre, último raio
De luz, que treme incerta, quantos entes De Itaju ba separam-se os guerreiros;
O h! quantos! hão de ver a luz de novo Mudos, às portas das sombrias tabas.
E o romper d’alva, e os céus, e a natureza Imóveis, nem que fossem duros troncos.
Risonha e fresca, — e os sons, e os ledos cantos Pensativos meditam: Já da guerra
Ouvir das aves tímidas no bosque Nada receiam que Itaju ba os manda:
Outra vez ao surgir da nova aurora?! O encanto, os manitôs inda o protegem.
Vela Tupã sôbre êle, e os santos piagas
Comprida série de floridas quadras

[1 7 2 ]
o s TIMHIRAS

Ver lhe asseguram: nem de há pouco a luta, Os sons finais da lúgubre toada
Melhor disseras de renome ensejo, Na plácida mudez da noite amiga
Os desmentiu, que nunca os piagas mentem. De longe, em côro ouvir: “ Sôbre nós outros
Mêdo, certo, não têm ; são todos bravos! Os sonhos desçam, quando o orvalho desce.”
Porque meditam pois? Também não sabem!
Calou-se o piaga, já descansam todos!
Sai o piaga no entanto da caverna, Almo Tupã os comunique em sonhos,
Que nunca humanos olhos penetraram; E os que sabem tão bem vencer batalhas,
Com ligeiro cendal os rins aperta. Quando acordados malbaratam golpes.
Cocar de escuras plumas se debruça Saibam dormidos figurar triunfos!
Da fronte, em que se enxerga em fundas rugas
O tenaz pensamento afigurado.
Cercam-lhe os pulsos cascavéis loquazes. Mas que medita o chefe dos Timbiras?
Respondem outros, no tripúdio sacro, Bosqueja porventura ardis 430 de guerra.
Dos pés. Vem majestoso, e grave, e cheio Fabrica e enreda as ásperas ciladas,
Do Deus, que o peito seu, tão fraco, habita. E a olhos nus do pensamento enxerga
E enquanto o fumo lhe volteia em tôrno, Desfeita em sangue revolver-se em gritos
Como neblina em tôrno ao sol que nasce, Morte pávida e m á?! ou sente e avista,
Ruidoso maracá nas mãos sustenta, Escandecida a mente, o Deus da guerra
Solta do sacro rito os sons cadentes. Impávido Aresqui, sanhudo e forte.
Calcar aos pés cadáveres sem conto,
Na destra ingente sacudindo a maça.
Donde certeira como o raio, desce
“Visita-nos T u p i, quando dormimos, A morte, e banha-se orgulhosa — em sangue?
É só por seu querer que então sonhamos;
Escute-me Tupã! Sôbre vós outros. Al sente o bravo; outro pensar o ocupa!
Poder do maracá por mim tangido. Nem Aresqui, nem sangue se lhe antolha,
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce. Nem resolve consigo ardis 430 de guerra,
Nem combates, nem lágrimas medita:
“O poder de Anhangá cresce co’a noite; Sentiu-calar-lhe n’alma um sentimento
Solta de noite o mau seus maus ministros: Gelado e mudo, como o véu da noite.
Caraibebes na floresta acendem Jatir, dos olhos negros, onde pára?
A falsa luz, que o caçador transvia. Que faz? que lida? ou que fortuna corre?
Caraibebes enganosas formas T rês sóis já são passados: quanto espaço.
Dão-nos aos sonhos, quando nós sonhamos. Quanto azar não correu nos amplos bosques
Poder do fumo, que lhes quebra o encanto. O impróvido mancebo aventureiro?
De vós se partam; mas Tupã vos olhe. Ali na relva a cascavel se esconde,
Descendo os sonhos, quando o orvalho desce. Ali, das ramas debruçado, o tigre
Aferra traiçoeiro a prêsa incauta!
“Tristonhos pios a acauã desata, Reserva-lhe Tupã mais fama e glória,
Quando ao guerreiro prognostica males; E voz amiga de cantor suave
Tristonhos bandos de urubus vorazes C o s altos feitos lhe embalsame o nome!
Os sonhos turbam das vencidas hostes:
Cheios de mêdo os manitôs desertam Assim discorre o chefe, que em nodoso
As tabas mudas, que hão de ser ealcadas. Tronco rudo-lavrado se recosta:
Já cinza fria, pelo imigo fero. Não tem poder a noite cm seus sentidos,
Não fujam Manitôs as nossas tabas! Que a mesma idéia de contínuo volvem.
Urubus, acauãs nos vossos sonhos. Vela e treme nos tetos da cabana
Virtude e fôrça dêste meu tripúdio, A baça luz das resinosas tochas.
Não se vos pintem; mas Tupã vos olhe Acres perfumes recendendo; — alastram
Descendo os sonhos, quando o orvalho desce! De rubins côr de brasa a flor do rio!

“0 sonho e a vida são dois galhos gêmeos; “ Ouvira com prazer um triste canto.
São dois irmãos que um laço amigo aperta:
Diz lá consigo; um canto merencório,
A noite é o laço; mas Tupã é o tronco Que êste presságio fúnebre espancasse.
E a seve e o sangue que circula em ambos. Bem sinto um não sei quê aferventar-se-me
Vive melhor quem da existência ignaro,
Nos olhos, que vai prestes expandir-se:
Na paz da noite, novas fôrças cria.
Não sei chorar, bem sei; mas fôra grato.
0^ louco vive com afêrro, enquanto
Talvez bem grato! à noite, c a sós comigo.
N’alma lhe ondeiam do delírio as sombras.
Sentir macias lágrimas correndo.
De vida espúrias; Deus porém lhas rompe,
E na loucura do porvir nos fala! O talo agreste de um cipó sem graça
Tupã vos olhe, e sôbre vós do Ibaque Verte compridas lágrimas cortado;
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce.” O tronco do cajá desfaz-se em goma.
Suspira o vento, o passarinho canta,
Assim cantava o piaga merencório, O homem chora! eu só, mais desditoso.
f angia o maracá, dançava em roda Invejo o passarinho, o tronco, o arbusto,
Dos guerreiros: pudera ouvido atento E quem, feliz, de lágrimas se paga.”

[1 7 3 ]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Longo espaço depois falou consigo, Colhêr-lhes frutos, — descansados folgam


Mudo e som brio: “ Sabiá das matas, Nas nossas tabas: Itajuba mesmo
Croá (diz êle ao filho d’Iandiroba), O f’rece abrigo ao palrador tapuia!
As mais canoras aves, as mais tristes Hóspedes são, nos diz; Tupã os manda:
No bosque, a suspirar contigo aprendam. Os filhos de Tupã serão bem-vindos,
Canta, pois que trocara de bom grado Onde Itajuba impera! — Ai que não eram,
Os altos feitos pelos doces carmes Nem filhos de Tupã, nem gratos hóspedes
Quem quer que os escutou, mesmo Itaju ba.” ^3i Os vis que o rio, a custo, nos trouxera;
Antes dolosa resfriada serpe
Emudeceu: na taba quase escura, Que ao nosso lar criou vida e peçonha.
Com pé alterno a dança vagarosa, Quem nunca os vira! porém tu, Coema,
Aos sons do maracá, traçava os passos. Leda avezinha, que adejavas livre.
Asas da côr da prata ao sol abrindo,
“ Flor de beleza, luz de amor, Coenia, A serpente cruel por que fitaste,
Murmurava o cantor, onde te fôste. Se já do olhado mau sentias pejo?!
T ão doce e bela, quando o sol raiava?
Coema, quanto amor que nos deixaste! ^32 “ Ouvimos, uma vez, da noite em meio.
E ras tão meiga, teu sorrir tão brando. Voz de aflita mulher pedir socorro
T ão macios teus olhos! teus acentos E em tom sumido lastimar-se ao longe.
Cantar perene, tua voz gorjeios. Orapacém ! — bradou feroz três vêzes
Tuas palavras m el! O romper d’alva, O filho de Jag u ar: clamou debalde.
Se encantos punha a par dos teus encantos, Sòm ente acode o eco à voz irada,
Tentava embalde pleitear contigo! Quando êle o malfeitor no instinto enxerga.
Não tinha a ema porte mais soberbo, E m sanhas rompe o chefe hospitaleiro,
Nem com mais graça recurvava o colo! E tenta com afã chegar ao têrmo.
Coema, luz de amor, onde te fôste? Donde as querelas míseras partiam.
Chegou — já tarde! — nós, mais tardos inda.
“Amava-te o melhor, o mais guerreiro Assistimos ao súbito espetáculo!
Dentre nós: elegeu-te companheira,
A ti sòmente, que só tu achavas “ Queimam-se raros fogos nas desertas
Sorriso e graça na presença dêle. M argens do rio, quase imerso em trevas:
Flor, que nasceste no musgoso cedro. Afadigados no labor noturno.
Cobravas páreas de abundante seiva. Os traiçoeiros hóspedes caminham.
Tinhas abrigo e proteção das r a m a s .... Pejando à pressa as côncavas igaras.
Que vendaval te despegou do tronco, Longe, Coema, a doce flor dos bosques,
E ao longe, em pó, te esperdiçou no vale? Com voz de embrandecer duros penhascos.
Coema, luz de amor, flor de beleza, Suplica e roja em vão aos pés do fero,
Onde te fôste, quando o sol raiava? Caviloso tapuia! Não resiste
Ao fogo da paixão, que dentro lavra,
“ Anhangá rebocou estreita igara O bárbaro, que a viu, que a vê tão bela!
Contra a corrente: Orapacém vem nela,
“ Vai arrastá-la, — quando sente uns passos
Orapacém, Tupinambá famoso.
Rápidos, breves, — volta-se: — Itaju ba!
Conta prodígios duma raça estranha.
G rita; e os seus, medrosos, receando
T ão alva como o dia, quando nasce.
A perigosa luz, os fogos matam.
Ou como a areia cândida e luzente,
Mas, no extremo clarão que êles soltaram.
Que ás águas dum regato sempre lavam.
Viu-se Itajuba com seu arco em punho.
Raça, a quem os raios prontos servem,
Calculando a distância, a fôrça e o tiro:
E o trovão e o relâmpago acompanham.
E ra grande a distância, a fôrça im e n s a ...”
J á de Orapacém os mais guerreiros
Mordem o pó, e as tabas feitas cinza “ E a raiva incrível, continua o chefe,
Clamam vingança em vão contra os estranhos. A antiga cicatriz sentindo abrir-se!
Talvez doutros estranhos perseguidos. Ficou-m e o arco em dois nas mãos partido,
E m punição talvez d’atroz delito. E a frecha vil caiu-me aos pés sem fôrça.”
Orapacém, fugindo, brada sempre: E assim dizendo nos cerrados punhos
M air! M air! Tupã — T erro r que mostra. De novo pensativo a fronte oprime.
Brados que solta, e as derrocadas tabas.
Desde Tapuitapera alto proclamam “Sim, tornava o Cantor, imenso e forte
Do vencedor a indômita pujança. Devera o arco ser, que entre nós todos
A i! não viesse nunca às 433 nossas tabas Só um achou, que lhe vergasse as pontas,
O tapuia mendaz, que os bravos feitos Quando Jagu ar morreu! — partiu-se o arco!
Narrava do M air; nunca os ouviras. Depois ouviu-se um grito, após ruído,
F lo r de beleza, luz de amor, Coema! Que as águas fazem no tombar de um corpo;
l3epois — silêncio e t r e v a s ...” 435
“ A cega desventura, nunca ouvida,
Nos move à com paixão: prestes corremos “ Nessas trevas.
Com ledo gasalhado a restaurá-los Replicava Itajuba, — inteira a noite,
D a vil dureza do seu fado: dormem Louco vaguei, corri d’encontro às 436 rochas,
Nas nossas rêdes, diligentes 434 vamos Meu corpo lacerei nos espinheiros.

[174]
o s TIMBIRAS

Mordi sem tino a terra já cansado: Enquanto o velho dorme, não me expulsa
Soluçavam porém meus frouxos lábios D ’ao pé do lar;
O nome dela tão querido, e o n o m e ... Dou-lhe a mensagem, que me deu a morte,
Aos vis Tupinambás nunca os eu veja, Quando acordar!
Ou morra, antes de mim, meu nome e glória Eu vi a morte; vi-a bem de perto
Se os não hei de punir ao recordar-me Em hora má!
A aurora infausta que me trouxe aos olhos Vi-a de perto, não me quis consigo.
O ca d á v e r...” Parou, que a estreita gorja Por ser tão má.
Recusa aos cavos sons prestar acento. Só não tem coração, dizem os velhos,
E é bem de ver;
“ Descansa agora o pálido cadáver Que, se o tivera, me daria a morte,
(Continua o cantor) junto à « ó corrente Que é meu querer.
Do regato, que volve areias d’ouro. Não quis matar-me; mas é bem formosa;
Ali agrestes flores lhe matizam Eu vi-a bem:
0 modesto sepulcro, — aves canoras É como a virgem, que não tem amôres,
Descantam tristes nênias ao compasso Nem ódios tem.
Das águas, que também nênias soluçam. O fogo c bom, o fogo aquece muito.
Quero-lhe bem !”
“ Suspirada Coema, em paz descansa
No teu florido e fúnebre jazigo; Remexe, assim dizendo, as frias cinzas
Mas quando a noite dominar no espaço, E mais e mais conchega-se ao borralho.
Quando a lua coar úmidos raios O velho entanto, erguido a meio corpo
Por entre as densas, buliçosas ramas, Na rêde, escuta pávido, e tirita
Da cândida neblina veste as formas, De frio e mêdo, — quase igual delírio
E vem no bosque suspirar co’a brisa: Castiga-lhe as idéias transtornadas. 438
Ao guerreiro, que dorme, inspira sonhos,
E à virgem, que adormece, amor inspira.” “Já me não lembra o que me disse a m o r te !...
Ah! sim, já sei!
Calou-se; o maracá rugiu de novo — Junto ao sepulcro da fiel Coema,
A extrema vez, e jaz emudecido. Ali serei:
Mas no remanso do silêncio e trevas, Ogib emprazo, que a falar me venha
Como débil vagido, escutarias Ao anoitecer! —
Queixosa voz, que repetia em sonhos:
O velho Ogib há de ficar contente
“Veste, Coema, as formas da neblina,
Co’o meu dizer;
Ou vem nos raios trêmulos da lua
Cantar, viver e suspirar comigo.” Talvez que o velho, que viveu já muito,
Queira m orrer!”

Emudeceu: alfim tornou mais brando: 439


Ogib, o velho, pai do aventureiro
Jatir, não dorme nos vazios tetos:
“ Mas dizem que a morte procura mancebos;
Do filho ausente prendem-no cuidados;
Vela cansado e triste o pai coitado. Porém tal não é:
Lembrando-se desastres que passaram Que colhe as florinhas abertas de fresco
Impróvidos, no bosque pernoitando. E os frutos no p é ? !...
E vela, — e a mente aflita mais se enluta. Não, não, que só ama sem folhas as flores,
Quanto mais cresce a noite e as trevas crescem! E sem perfeição;
E os frutos perdidos, que apanha gulosa, 440
Já tarde, sente uns passos apressados. Caídos no chão.
Medindo a taba escura; o velho treme. Tam bém me não lembra que tempo hei vivido,
Estende a mão convulsa, e roça um corpo Nem por que razão
Molhado e tiritante: a voz lhe f a lt a ... Da morte me queixo, que vejo, e não vê-me.
•A.tende largo espaço, até que escuta Tão sem compaixão.”
A voz do sempre aflito Piaíba,
Ao pé do fogo extinto lastimar-se:
As ânsias não vencendo, que o soçobram, 441
Salta da curva rêde Ogib aflito;
“O louco Piaíba, a noite inteira,
Trêmulo as trevas apalpando, topa,
.^ndou nas matas; miserando sofre;
E roja miserando aos pés do louco.
O corpo tem aberto em fundas chagas,
E o orvalho gotejou fogo sôbre elas:
Como o verme na fruta, um Deus maligno “ O h! dize-me, se a viste, e se em tua alma
Lhe mora na cabeça, oh! quanto sofre! Algum sentir humano inda se aninha,
Jatir, que é feito dêle? Disse a morte
Enquanto o velho Ogib está dormindo, Haver-me cubiçado o moço imberbe,
Vou-me aquecer; A cara luz dos meus cansados olhos?
O fogo é bom, o fogo aquece muito; Oh dize-o! 442 Assim o espírito inimigo
Tira o sofrer. Folgados anos respirar te deixe!”

[175]
ANTôXIO GONÇALVES DIAS

O louco ouviu nas trevas os soluços Amavam contemplar-te os de Itajuba


Do velho, mas seus olhos nada alcançam: Impávidos guerreiros, quando as tabas
Pasma, e de novo o seu cantar começa: Imensas, que Jaguar fundpu primeiro
“Enquanto o velho dorme, não me expulsa Cresciam, como crescem gigantescos
D ’ao pé do lar.” Cedros nas matas, prolongando a sombra
— “ Mas expulsei-te eu nunca? Longe nos vales, — e na copa excelsa
Tornava Ogib a desfazer-se em pranto. Do sol estivo os abrasados raios
Em ânsias de transido desespero. Parando em vasto leito de esmeraldas.
Bem sei que um Deus te mora dentro d’alma;
E nunca houvera Ogib de espancar-te As três formosas tabas de Itajuba
Do lar, onde Tupã é venerado. Já foram como os cedros gigantescos
Mas fala! oh! fala, uma só vez repete-o: Da corrente empedrada: 446 hoje acamados
Vagaste à noite nas sombrias m a ta s ...” Fósseis que dormem sob a térrea crusta,
Que os homens e as nações por fim sepultam
“Silêncio! brada o louco: não escutas?! No bôjo imenso! — Chame-lhe progresso
E pára, como ouvindo uns sons longinquos. Quem do extermínio secular se ufana;
Depois prossegue: Piaíba 443 q louco Eu modesto cantor do povo extinto
Errou de noite nas sombrias matas; Chorarei nos vastíssimos sepulcros,
O corpo tem aberto em fundas chagas, Que vão do mar ao Andes, e do Prata
E o orvalho gotejou fogo sôbre elas. Ao largo e doce mar das Amazonas.
Geme e sofre e sente fome e frio, Ali me sentarei meditabundo
Nem há quem de seus males se condoa. Em sítio, onde não oiçam meus ouvidos
Oh! tenho frio! o fogo é bom, e aquece. Os sons frequentes d’europeus machados
Quero-lhe bem !”
Por mãos de escravos Afros manejados:
Nem veja as matas arrasar, e os troncos.
“Tupã, que tudo podes. Donde chorando a preciosa goma.
Orava Ogib em lágrimas desfeito, Resina virtuosa e grato incenso
A vida inútil do cansado velho A nossa incúria grande eterno assolam;
Toma, se a queres; mas que eu veja em vida Em sítio onde os meus olhos não descubram
Meu filho, e só depois me colha a morte.” Triste arremêdo de longínquas terras.
Aos crimes das nações Deus não perdoa;
Do pai aos filhos e do filho aos netos,
Porque 447 um dêles de todo apague a culpa.
CANTO TERCEIRO. Virá correndo a maldição — contínua,
Como fuzis de uma cadeia eterna.
Era a hora em que a flor balança o cálix Virão nas nossas festas mais solenes
Aos doces beijos da serena brisa, Miríadas de sombras miserandas, 448
Quando a ema soberba alteia o colo. Escarnecendo, secar o nosso orgulho
Roçando apenas o matiz relvoso; De nação; mas nação que tem por base
Quando o sol vem doirando os altos montes, Os frios ossos da nação senhora,
E as ledas aves à porfia trinam, E por cimento a cinza profanada
E a verde coma dos frondosos cerros Dos mortos, amassada aos pés de escravos.
Move o perfume, que embalsama os ares; Não me deslumbra a luz da velha Europa;
Quando a corrente meio oculta soa Há de apagar-se, mas que inunde agora:
De sob o denso véu da parda névoa; E n ó s!. . . sucamos leite mau na infância,
Quando nos panos das mais brancas nuvens Foi corrompido o ar que respiramos.
Desenha a aurora melindrosos quadros Havemos de acabar talvez primeiro.
Gentis 444 orlados com listões de fogo;
Quando o vivo carmim do esbelto cáctus América infeliz! — que bem sabia,
Refulge a 445 mêdo abrilhantado esmalte. Quem te criou tão bela e tão sozinha,
Doce poeira de aljofradas gôtas. Dos teus destinos maus! Grande e sublime
Ou pó sutil de pérolas desfeitas. Corres de pólo a pólo entre os dois mares
Máximos do globo: anos da infância
Era a hora gentil, filha de amores, Contavas tu por séculos! que vida
Era o nascer do sol, libando as meigas. Não fôra a tua na sazão das flores!
Risonhas faces da luzente aurora! Que majestosos frutos, na velhice,
Era o canto e o perfume, a luz e a vida, Não deras tu, filha melhor do Eterno;
Uma só coisa e muitas, — melhor face América infeliz, já tão ditosa
Da sempre vária e bela natureza: Antes que o mar e os ventos não trouxessem
Um quadro antigo, que já vimos todos, A nós o ferro e os cascavéis da Europa?!
Que todos com prazer vemos de novo. Velho tutor e avaro cubiçou-te,
Desvalida pupila, a herança pingue
Ama o filho do bosque contemplar-te. E o brilho e os dotes da sem par beleza!
Risonha aurora, — ama acordar contigo; Cedeste, fraca; e entrelaçastes os anos
Ama espreitar nos céus a luz que nasce, Da mocidade em flor — às cãs e à vida
Ou rósea ou branca, já carmim, já fogo. Do velho, que já pende e já declina
Já tímidos reflexos, já torrentes Do leito conjugal imerecido
De luz, que fere oblíqua os altos cimos. À campa, onde talvez cuida encontrar-te!

[ 17 6 ]
OS TIMBIRAS

Tu, filho de Jaguar, guerreiro ilustre, O aparato elétrico das armas.


E os teus, de que então vos ocupáveis, Enlevam-se; e, mordidos pela inveja.
Quando nos vossos mares alinhadas Discorrem lá consigo: Quando havemos,
As naus de Holanda, os galeões de Espanha, Nós outros, d’empunhar daqueles arcos,
As fragatas de França, e as caravelas E quando levaremos de vencida
E portuguesas naus se abalroavam. As hostes vis do pérfido Gamela!
Retalhando entre si vosso domínio.
Qual se vosso não fôra? Ardia o prélio. Vem por fim Itajuba. O piaga austero.
Fervia o mar em fogo à meia-noite, 449 Volvendo o maracá nas mãos mirradas.
Nuvem de espesso fumo condensado Pergunta: “ Foi o espírito convosco;
Toldava astros e céus; e o mar e os montes O espírito da fôrça, e os ledos sonhos.
Acordavam rugindo aos sons troantes Ministros de Tupã, núncios da glória?”
Da insólita peleja! — Vós, guerreiros. — Sim, foram, lhe respondem, ledos sonhos.
Vós, que fazíeis, quando a espavorida. Correios de Tupã; mas o mais claro,
Fera bravia procurava asilo É duro nó que o piaga só desata.
Nas fundas matas, e na praia o monstro “ Dizei-os pois que vos escuta o piaga.”
Marinho, a quem o mar, já não seguro Disse, e maneja o maracá: das bôeas
Reparo contra a fôrça e indústria humana. Do mistério divino, em puros flocos
Lançava alheio e pávido na areia? De neve, o fumo em borbotões golfeja.
Agudas setas, válidos tacapes
Fabricavam ta lv e z !... ai n ã o . . . capelas.
Capelas cnastravam para ornato Diz um que 454, divagando em matas virgens,
Do vencedor; — grinaldas penduravam Sentira a luz fugir-lhe de repente
Dos alindados tetos, porque 450 vissem Dos olhos, — se não foi que a natureza,
Õs forasteiros, que os paternos ossos P or mágico feitiço transtornada.
Deixando atrás, sem manitôs vagavam. Vestia por si mesma novas galas
Os filhos de Tupã como os hospedam E aspectos novos, — nem as elegantes.
Na terra, a que Tupã não dera ferros! Viçosas trepadeiras, nem as rêdes
Agrestes do cipó já divisava.
Em lugar da floresta, uma clareira
Relvosa descobria, em vez das árvores
Tão altas, de que havia pouco o bosque
Rompia a fresca aurora, rutilando Parecia ufanar-se, — um tronco apenas,
Sinais de um dia límpido e sereno. Mas tronco tal que os resumia a todos.
Então vinham saindo os de Itajuba
Fortes guerreiros a contar os sonhos AH sozinho o tronco agigantado
Com que Tupã amigo os bafejara, Luxuriava em fôlhas verde-negras.
Quando as estrelas pálidas tombavam. Em flores côr de sangue, e na abundância
Já de clarão maior esmorecidas. Dos frutos, como nunca os viu nas matas;
Vinham ledos ou tristes na aparência, T ão alvos como a flor do mamãozeiro.
Timoratos ou cheios de ardimcnto, 451 De macia penugem debruados.
Como o futuro evento se espelhava
Nos sonhos, bons ou maus; mas acordá-los
“ Estático de os ver ali tão belos
Disparatados, e o melhor de tantos
Coligir, era missão mais alta. Tais frutos, que eu algures nunca vira,
O bárbaro dizia, fui colhendo
Não fôsse o piaga intérprete divino,
O melhor, porque 455 o visse de mais perto.
Nem os seus olhos penetrantes vissem
O porvir, ao través do véu do tempo, Pesar de não saber se era salubre.
Como ao través do corpo a mente enxergam; 452 Ansiava gostá-lo, e em dura lida
Lutava o meu desejo co’a prudência.
Não fôsse, e quem há i que se afoutasse
Venceu aquêle! ai não vencesse nunca!
Em campo de batalha a expor a vida,
A vida nossa tão querida, e tanto Nunca, ludibrio vão dos meus desejos.
Da flor a vida breve semelhando: 453 Mordessem-no meus lábios ressequidos.
Roaz inseto a vai traçando em giro, Contá-lo me arrepia! — Mal o toco.
Nem mais revive uma só vez cortada! Força-m e a rejeitá-lo um quê de oculto,
Que os nervos me estremece: a causa inquiro..
Mande porém Tupã seus gratos filhos. Eis que uma cobra, uma coral, de dentro
Rogados sonhos, que os decifra o piaga: Desdobra o corpo lúbrico, e em três voltas.
E Tupã, de benigno os influi sempre Mal grata armila, me circunda o braço.
Em vésp’ras de batalha, como as chuvas Da vista c do contacto horrorizado.
Descem, quando a terra humores pede. Sacudo o estranho ornato; em vão me agito:
Ou como, em sazâo própria, brotam flores. Com quanto mais afã tento livrar-me.
Mais apertado o sinto. — Nisto acordo.
Postam-se em forma de crescente os bravos: Úmido o corpo e fatigado, e a mente
Avida turba mulheril no entanto Molesta ainda do combate inglório.
O rito sacro impaciente aguarda. O que é, não sei; tu sabes tudo, ó piaga:
Brincam na relva os folgazões meninos. Há i talvez razão que eu não alcanço,
Enquanto, os mais crescidos, contemplando Que certo isto não é sonhar batalhas.”

[177]
AXTÔXIO GONÇALVES DIAS

“ H aja sentido oculto no teu sonho, “ Eu vi,” diz Japeguá (e assim dizendo,
(D iz ao guerreiro o piaga) eu, que levanto Sacode vêzes três a fronte adusta,
O véu do tempo, e aos mortais o mostro, Onde gravara da prudência o sêlo
Dir-to-ei por certo; mas cu creio e tenho Contínuo m editar). “ V i altos combros
Que algum gênio turbou-te a fantasia, De mortos já polutos, — vi lagoas
Talvez angüera de traidor Gamela; Brutas de sangue impuro e negrejante;
Que os Gamelas são pérfidos em morte, Vi setas c carcaz espedaçados,
Como em vida.” ^56 — Assim é, diz Itajuba. Tacapes adentados, ou partidos
Ou já sem fio! — v i . . . ” Eis Catucaba
Outro sonhou caçadas abundantes,
Mal sofrido intervém, interrompendo
Tem íveis caititus, ‘♦57 pacas ligeiras.
A narração do sonhador de males.
Coatis e jabotins, — té onça e tigres,
Bravo e ardido ‘♦60 como é, nunca a prudência
Tudo em rimas, em feixes; ‘♦58 outro em sonhos
Nada disto enxergou; porém cardumes Lhe foi virtude, nem por tal a aceita.
De peixes vários, que o timbó prestante Nunca o niembi guerreiro em seus ouvidos
Trazia quase à ‘♦SS mão, se não fechados Troou medonho, inóspito combate,
E m mondés espaçosos! — gáudio imenso! Que às ‘♦61 armas não corresse o valeroso.
De os ver ali raivando na estacada Intrépido soldado; mais que tudo
T ão grandes serubins, trauíras tantas. Amava a luta, o sangue, vascas, transes,
Ou boiando sem tino à flor das águas! Convulsos arrepios, altos gritos
Do vencedor, imprecações sumidas
“ Outros não viram nem mondés, nem peixes, Do que, vencido, jaz no pó sem glória.
Nem aves, nem quadrúpedes; mas grandes Sim, ama e quer o tráfego das armas
Çamotins transbordando argêntea espuma Talvez melhor que a si; nem mais risonha
Do fervente cauim; e por três noites Imagem se lhe antolha, nem há coisa
Girar em roda a taça do banquete. Que tenha em mais aprêço ou mais cubice.
Enquanto cada qual memora em cantos O p’rigo mesmo, o leite dos combates,
Os feitos próprios; reina o guau, que passa (Cauim das almas fortes o chamava)
Dêstes àqueles com cadência alterna. E ra sorte e condão que o eletrizava:
Um p’rigo que aventasse era feitiço,
“ O piaga exulta! Eu vos auguro, ó bravos Que em delírio de febre o transtornava.
Do herói Tim bira (clam a entusiasta) Fanático de si, ébrio de glória.
Leda vitória! Nunca em nossas tabas L á se arrojava intrépido e brioso,
Haverá de correr melhor folgança, Onde pior, onde mais negro o via.
Nem ganhareis jam ais honra tamanha.
Bem sabeis como é de uso entre os que vencem Não eram dois na esquadra de Itajuba
F estejar o triunfo: o canto e a dança De gênios em mais pontos encontrados:
Marcham de par, — banquetes se preparam, P or isso em luta sempre. Catucaba,
E a glória da nação mais alta brilha! Fragueiro, inquieto, sempre aventuroso.
Oh! nunca sôbre as tabas de Itajuba Em cata de mais glória e mais renome.
Haverá de nascer mais grata aurora!” Sempre à mira de encontros arriscados,
Sempre o arco na mão, sempre embebida
Soam festivos gritos, e as pocemas Na corda têsa a frecha equilibrada.
Dos guerreiros, que sôfregos escutam Ninguém mais sôlto em vozes, mais galhardo
Do piaga os ditos, e o feliz augúrio No guerreiro desplante, ou que mostrasse
Da próxima vitória. Não dissera,
Atrevido e soberbo e forte em campo
Quem quer que fôsse estranho aos usos dêles,
Quer pujança maior, quer mais orgulho.
Senão que por aquela densa pinha
De vulgo, se espalhara a fausta nova
Japeguá, corajoso, mas prudente.
De gloriosa ação já consumada,
Evitava o conflito; via o risco.
Que os seus, validos da vitória, obraram.
Media o seu poder e as posses dêle
E o azar da luta e descansava em ócio.
Entanto Japeguá pôsto de parte.
Sua própria indolência revelava
Enquanto lavra em todos o contágio
Ânimo grande e não vulgar coragem.
Da glória e do prazer, — bem claro m ostra
Se fôsse lá nos páramos da Líbia,
No rosto descontente o que medita.
“Prazer que em altos gritos se propala, Deitado à sombra da árvore gigante
Discorre lá consigo o Americano, O leão da Numídia bem pudera
É como a chama rápida correndo Trilhar por junto dêle os movediços
Nas folhas da pindoba: é falso e breve!” Combros de areia, — amedrontando os ares
Com aquêle bramir agreste e rudo,
Atenta nêle o chefe dos Tim biras, Que as feras sem terror ouvir não sabem.
Como que interno, igual pressentimento O indio ouvira impávido o rugido.
Rejeita, seu malgrado, a voz do piaga. Sem que o terror lhe destingisse as faces;
“ Que pensa Japeguá? Acaso em sonhos E ao rei dos animais voltando o rosto.
Tremendo e tórvo se lhe antolha o êxito Som ente porque mais a jeito ‘♦62 o visse.
Da batalha? ou seja, ou não conosco. Viram ambos, sombrios, majestosos.
Que tarda em nos dizer seu pensamento?” Contemplarem-se a ‘♦65 espaço, destemidos;

[178]
o s TIMBIRAS

D ’estran h eza o leão os seus rugidos De cujo centro gira os torvos olhos
Na g o r ja su focar, e a n o bre cauda, O herói, e só de olhar lhe estende as raias.
Entre mêdos e assomos de ardimento, *6^ .Assim de altivo píncaro descamba
Mover de leve e irresoluto aos ventos! Enorme rocha, obstruindo o leito^
De um rio caudaloso: as fundas águas.
Um — era a luz fugaz fácil prendida Latindo em vão na rocha volumosa.
Nas plumas do algodão: luz que deslumbra Separam-se, cavando novos leitos.
E que em breve amortece: outro — faísca, Enquanto o antigo se resseca e abrasa.
Que, surda, pouco e pouco vai lavrando
Não vista e não sentida té que surge Silêncio, disse; e em tôrno os olhos gira,
Dum jacto só, tornada incêndio e fumo. Fúlgidos, negros: orgulhosas frontes,
Que aos golpes do tacape não se dobram
“ Que viste, diz-lhe o êmulo brioso.
Em tôrno sôbre o peito vão caindo
Só eoalheiras de sangue inficionado.
Uma após outra: altivo um só apenas
Só tacapes e setas bipartidas,
E corpos já corruptos?! Eia, ó fraco, Rebelde arrosta o olhar! — rápido golpe.
Embora em ócio ignavo aqui descanses, Rápido e forte, como o raio, o prostra
E nos misteres feminis te adestres! Na arena em sangue! Mosqueado tigre,
Ninguém te chama à vida dos combates, Se cai no meio de preás medrosos.
Não te almeja ninguém por companheiro, Talvez no primo impulso algum aferra;
Nem há de o sonho teu acobardar-nos. Mas vê que foge a turba espavorida,
É certo que haverá mortos sem conto, Vulgacho imbele! — ao mísero que prende
Mas não seremos nós; — setas partidas. E torce ainda nas compridas garras,
As nossas, não; tacapes am olgados... Longe, sem vida, desdenhoso o arroja.
Mas os nossos verás mais bem talhantes,
Quando houverem partido imigos crânios. ■♦66
Assim o herói. Por longo trato mudo,
Soberbo e grande alfim mostrando o rio.
“ Herói, não em façanhas, mas nos ditos, Quedou sem mais dizer; o rio ao longe
Lidador que a vileza d’alma encobres As águas, como sempre, majestosas
Com frases descorteses, — já te viram. Na gorja das montanhas derramava.
Pendentes braço e armas, contemplando Caudal, imenso. “T rás daqueles rnontes.
Os feitos meus, pesar que sou cobarde. Diz Itajuba, não sabeis quem seja?
Essa infame tarefa que me incumbes, Afronta e nome vil haja o guerreiro,
É minha, sim; mas por diverso modo: Que ousa lutas ferir, travar discórdias,
Não ministro cauim às ^67 vossas festas; Quando o imigo boré tão perto soa.”
Mas na refrega o meu trabalho é vosso.
Da batalha no campo achais defuntos.
Vossa glória e brasão, corpos sem conto. Acorre o piaga em meio do conflito ♦72
Cujas feridas largas e profundas. “ Prudência, ó filho de Jaguar, exclama;
De largas e profundas, denunciam Nem mais sangue timbira se derrame,
A mão que as sói fazer com tanto efeito. Que já não basta por pagar-nos dêste,
Não tenho espaço, onde recolha os ossos, Que derramaste, quanto houver nas veias
Não tenho cinto, onde pendure os crânios, ^68 Dos pérfidos Camelas. O que ouviste,
Nem colar onde caibam tantos dentes. Que o forte Japeguá diz ter sonhado.
De quantos venci já ; por isso inteiros Asseia o que Tupã me está dizendo
Eá vo-los deixo, heróis; e vós lá ides. Cá dentro em mim nos decifrados sonhos,
Em que me não queirais por companheiro, ^69 Depois que os funestou propínquo sangue.”
Rivais dos urubus, fortes guerreiros.
Fácil triunfo conquistar nas trevas.
Aos vorazes tatus roubando a prêsa.” “ Devoto Piaga (M ojacá prossegue)
Que vida austera e penitente vives
Í3os rochedos na lapa venerada.
Calou-se. . . e o vulgo rosna em tôrno d’ambos,
Tu, dos gênios do Ibaquc bem fadado.
Dêste ou daquele herói tomando as partes.
“Pois 470 quê ? . . . há de ficar tamanha afronta Tu face a face com Tupã praticas^
Impune, e não haveis levar das armas, E vês nos sonhos meus melhor qu’eu mesmo.
Porque o sangue a desbote e apague inteira? Escuta, e dize, ó venerando piaga,
(Benévolo Tupã teus ditos oiça)
Diziam, — e a tais ditos mais fermenta Angüera mau turbou-te a fantasia.
A raiva em ambos; fazem-lhes terreiro. Aflito Mojacá, teu sonho mente.”
Já verga o arco, já se entesa a corda.
Já batem pés no solo pulvurento: Palavras tais no índio circunspecto,
Correra o sangue de um, talvez o de ambos, Cujos lábios em vão nunca se abriram.
Que sôbre os dois a morte abrira as asas! Guerreiro, cujos sonhos nunca foram,
Nem mesmo cm risco estreito, pavorosos;
Silêncio! brada o chefe dos Timbiras, No vulgo frio horror vão trescalando,^
Interposto severo em meio de ambos;
Que entre a crença do piaga, e a deferência
De um lado e outro a turba circunfusa
Devida a tanto herói flutua incerta.
Emudece, — divide-as largo espaço.
[179]
A N T Ô X IO G O N Ç A L V E S D I A S

“ Eu vi, diz êle, vi em taba imiga “ Cede-me, estulto, cede ao meu tacape
Guerreiro, como vós, comando e hirsuto! Que nunca ameaçou ninguém debalde.”
A corda estreita 473 do cruento rito E assim dizendo vibra crebros golpes,
Os rins lhe aperta: a dura tangapema Co’ 476 a bruta fólha retalhando os ares!
Sobrestá-Ihe fatal; — cantos se entoam Um coiro de tapir, em vez de escudo.
E a turba dançatriz em tôrno gira. Rijo e piloso lhe guardava os membros.
Sonho não foi, que o vi, como vos vejo; Jatir, do arco seu curvando as pontas.
Mas não vos direi já quem fôsse o triste! Sacode a seta fina e sibilante,
Se visseis, como eu vi, a fronte altiva, Que vara o couro e o corpo e surge fora.
O olhar soberbo, — aquela força grande. Tomba de chôfre o índio, e o som da queda
Aquele riso desdenhoso e fu n d o ... Remata o som que a voz não rematara.
Talvez um só, nenhum talvez se encontre, Vista a pel’ do tapir, que o resguardava,
Que seja para estar no passo horrendo Japi, mesmo Japi lhe inveja o tiro.”
Tão seguro de si, tão descansado!”
Todo o campo se aflige, todos clamam: 477
Acaso um tronco volumoso e tôsco “ Jatir, Jatir! o forte entre os mais fortes.”
De escamas fortes entre si travadas Ordem não há; mulheres e meninos
Ali perto jazia. Ogib, o velho. Baralham-se em tropel: o planto, 478 os gritos
Pai do errante Jatir ali sentou-se, Confundem-se: do velho Ogib entanto
Ali triste pensava, até que o sonho Mal se percebe a voz “ Jatir” gritando.
Do aflito Mojacá veio acordá-lo. ,
“ Tupã! que mal te fiz, que assim me colha
Do teu furor a seta envenenada? Itajuba por fim silêncio impondo
Com voz chorosa e trêmula clamava. À turba mulheril, e à dos guerreiros
Escuto os gabos que só cabem nêle, Mesta batalha: “ Consultemos, disse.
Vejo e conheço o costumado ornato Consultemos o piaga: às 479 vêzes pode
Do filho meu querido! isto que fôra, O santo velho, serenando o ibaque
A quem tão infeliz como eu não fôsse. Amigo bom tornar o Deus malquisto.”
Ventura grande, me constringe o peito!
Conheço o filho meu no que disseste, 474 “ Mas 480 ora não! — responde o piaga iroso.
Guerreiro, como a flor pelo perfume, Só quando ruge a negra tempestade,
Como o espô.so conhece a grata espôsa Só quando a fúria d’Anhangà fuzila
Pelas usadas plumas de arazóia, Raios do escuro céu na terra aflita
Que entre as folhas do bosque a espaços brilha. Do piaga vos lembrais? Tarda lembrança.
Ai! nunca brilhe a flor, se hão de roê-la Tarda e fatal, guerreiros! Quantas vêzes
Insetos; nunca vague a linda espôsa Não fui, eu mesmo, nos terreiros vossos
No bosque, se hão de as feras devorá-la!” Fincar o santo maracá? Debalde,
Debalde o fui, que à noite o achava sempre
A dor que mostra o velho em todo o aspecto, Sem ofertas, que aos Deuses tanto prazem!
Nas vozes por soluços atalhadas, Nu e despido o vi, como ora o vêdes,
Nas lágrimas que chora, os move a todos (E assim dizendo mostra o sacrossanto
A triste compaixão; mas mais àquele, Mistério, que de irado pareceu-lhes
Que, antes do pobre pai, já todo angústias, Soltar mais rouco som no seu rugido)
Da própria narração se enternecia. Quem de vós se lembrou que o santo Piaga
Na lapa dos rochedos se mirrava
As 475 querelas de Ogib volta o rosto
À pura míngua? Só Tupã, que ao velho 481
O fatal sonhador, — que, seu malgrado,
Deu não sentir os dentes aguçados
As setas da aflição tendo cravado
Da fome, que por dentro o remordia,
Nas entranhas de um pai, quer logo o suco.
E mais cruel, passada entre os seus filhos!”
Fresco e saudável, do louvor, na chaga
Verter-lhe, donde o sangue em jorros salta.
“ Cegou-nos 482 Anhangá, diz Itajuba,
“Tal era, tão impávido (prossegue, Fincado o maracá nos meus terreiros.
Fitando o velho Ogib) o seu desplante Cegou-nos certo! — nunca o vi sem honras!
Qual foi o de Jatir naquele dia, Que se o vira, bom p ia g a ... oh! não se diga
Que um homem só, dos meus, perece à míngua,
Quando, novel nas artes do guerreiro,
(Quem quer que seja, quanto mais um Piaga)
Circundado se viu à nossa vista
Quando campeiam tantos homens d’arco
D ’imiga multidão: todos o vimos;
Todos da clara estirpe deslembrados. Nas tabas de Itajuba, — tantas donas
Na cultura dos campos adestradas.
Clamamos tristes, pávidos: “ É morto!” Hoje mesmo farei que ao antro escuro
Êle porém que o arco usar não pode. Caminhem tantos dons, tantas ofertas, ^
O válido tacape desprendendo. Que o teu santo mistério há de por fôrça.
Sacode-o, vibra-o: fere, prostra e mata Quer o queiras, quer não, dormir sôbre elas!”
A êste, àquele; e em volumosos feixes
Acerva a turba vil, lucrando um nome.
Tapir, caudilho seu, que não suporta “ Talvez a rica of’renda aplaca os Deuses,
Que um homem só e quase inerme, o cubra E saudável conselho a noite inspira!”
De tamanho labéu, altivo brada: Disse e sem mais dizer se acolhe à gruta.

[ 180]
os T IM B IR A S

“ A 483 caça, ó meus guerreiros, brada o chefe; Nascia a aurora: do Gamela as hostes
Ledas donzelas ao cauim se apliquem. Em pé, na praia, o mensageiro aguardam
Os meninos à pesca, a roça as donas, Sisudos, graves. Um caudal^ regato.
£ia!” 484 — Ferve o labor, reina o tumulto, Cujo branco areai a prata imita.
Que quase tanto vai como a alegria, Sereno ali volvia as mansas águas,
Ou antes, só prazer que o povo gosta. Como que triste de as levar ao rio,
Que ao mar conduz a rápida torrente
Já deslembrados do que ausente choram Por entre a selva umbrosa e broncas penhas.
(Favor das turbas que tão leve passas!) Esta a praia! — em redor troncos gigantes,
Ledos no peito, ledos na aparência Que a folhagem no rio debruçavam,
Todos se incumbem da tarefa usada. Onde beber frescor os galhos vinham,
Luxuriando em viço! — penduradas
Trabalho no prazer, prazer que moras Trepadeiras gentis 486 da coma excelsa.
Dentro de tanto afã! festa que nasces Estrelando do bosque o verde manto
Sob auspícios tão maus, possa algum gênio. Aqui, ali, de flores cintilantes,
Possa Tupã sorrir-te carinhoso, Meneavam-se ao vento, como fitas.
E das alturas condoer-se amigo De que se enastra a coma a virgem bela.
Do triste, órfão de amor, e pai sem filho! Era um prado, uma várzea, um taboleiro
Com mimoso tapiz de várias flores.
Agrestes, sim, mas belas. Gênio amigo
Chegou-lhe só a mágica vergasta!
CANTO QUARTO. Ei-las a prumo ao longo da corrente
Com requebros louçãos a enamorá-la!
Bem-vindo seja o fausto mensageiro,
O melífluo Timbira, cujos lábios A nós de embira aos troncos amarradas
Distilam sons mais doces do que os favos, Quase igaras sem conto figuravam
Que errado caçador na brenha inculta Ousada ponte no correr das águas
Porventura topou! Hóspede amigo. Por força mais qu’humana trabalhada.
Ledo núncio de paz, que o território
Pisou de imigas hostes, quando a aurora
Despontava nos céus — bem-vindo seja! ^ Vê-as e pasma Jurucei, notando
Não luz mais brando e grato o romper d’alva O imigo poderio, e seu malgrado
Que o teu sereno aspecto; nem mais doce Vai lá consigo mesmo discorrendo:
A fresca brisa da manhã cicia “ Muitos e fortes são nossos guerreiros;
Pela selvosa encosta, que a mensagem Muitos, certo, e as nossas tabas fortes,
Que o chefe imigo e fero anseia ouvir-te. Itajuba invencível; mas da guerra
Melífluo Jurucei, bem-vindo sejas É sempre incerto o azar e sempre vário!
Dos Gamelas ao chefe, Gurupema, E . . . quem sabe? talvez... mas nunca, oh! nunca!
Senhor dos arcos, qucljrador das setas, Itajuba! Itajuba! — onde há no mundo
Das selvas rei, filho de lerá valente. Posses que valham contrastar seu nome?
Assim consigo as hostes do Gamela; Onde a seta que valha derribá-lo,
Consigo só, que a usada gravidade E a tribo ou povo que os Timbiras vençam?!”
Já na garganta, a voz lhes retardava.
Não veio Jurucei? Pôsto de fronte. Entre as hostes que a si tinha fronteiras
Arco e frecha na mão feito pedaços, Penetra! — tão galhardo era o seu gesto.
Certo sinal do respeitoso encargo. Tão sereno e guerreiro o seu desplante,
Por terra não lançou? — Que pois augura
Que os Gamelas em si também 487 disseram:
Tal vinda, a não ser que o audaz Timbira
Melhor conselho toma; e porventura — “ Missão de paz o traga, que se os outros
De Gurupema receando as forças. São tão feros assim, Tupã nos valha.
Amiga paz lhe ofrece, e em sinal dela Sim, Tupã; que o não pode o rei das selvas!”
Do vencido Gamela o corpo entrega?!
Em bem! que a tórva sombra vagarosa Hospedagem sincera entanto of’recem
Do outrora chefe seu há de aplacar-se.
A quem talvez não tardará buscá-los
Ouvindo a mesta voz das carpideiras,
E vendo no sarcófago depostas Com fina seta no leal combate.
As armas, que no ibaque hão de servir-lhe, Às igaras o levam pressurosos.
Servem-lhe o piraquém na guerra usado,
E junto ao corpo, que foi seu, as plumas.
E os loiros dons do colmeal agreste.
Enquanto vivo, insígnias do mando. Servem-lhe amigos suculento pasto
Embora ostente o chefe dos Timbiras Em banquete frugal; servem-lhe taças
O ganhado troféu; embora à cinta (A ver se mais que a fome o instiga a sede)
Ufano prenda o gadelhudo crânio, 485
De espumoso cauim, — taças pesadas
Aberto em c’roa, do infeliz Gamela. Na funda noz da sapucaia abertas.
Embora; mas porém amigas quedem Sem temor o timbira vai provando
Do Timbira e Gamela as grandes tabas; O mel, o piraquém, as iguarias;
E largo em roda na floresta imperem,
Mas dos vinhos coíbe-se prudente.
Que o mundo em pêso, unidas, afrontaram!

[ 181]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Em remoto lugar forma conselho “ Embora, dizem uns; 492 outros murmuram,
O rei das selvas, Gurupema, enquanto Que de tão grande herói qualquer que seja
Restaura o mensageiro os lassos membros. A oferta expiatória, em bem, se aceite.
Chama primeiro Caba-oçu valente; Outros porém, e a maior parte, incertos
As ríspidas melenas corredias Vacilam no conselho. A injúria é grande.
Cortam-lhe o rosto, — pendem-lhe nas costas, Bem fundo a sentem, mas bem grande é o risco.
Hirtas e lisas, como o junco em feixes
Acamados no leito ressequido “ Se o orgulho desce a ponto no Timbira,
D ’invernosa corrente. O rosto feio Que pazes nos propõe, diz Itapeba
Aqui, ali, negreja manchas negras Com dura voz e cavernoso acento.
Como da bananeira a larga fôlha. Já está vencido! Alguém pensa o contrário
Colhida ao romper d’alva, qu’uma ^^88 virgem (E com despeito a Gurupema encara)
Nas mãos lascivas machucou brincando. Alguém, não eu! Se havemos de barato
Dar-lhe a vitória, humildes aceitando
Valente é Caba-oçu; mas sem piedade! O triste câmbio (a idéia só me irrita)
Como sedenta fera almeja sangue De um morto por um arco tão valente.
E de malvada ação cruel se paga. Aqui as armas vis faço pedaços
Apressou em combate um seu contrário, Em breve trato, e vou-me a ter com êsse,
Que mais imigo tinha entre os imigos: Que sabe leis ditar, mesmo vencido!”
Da guerra os duros vínculos lançou-lhe
E a 489 terreiro o chamou, como é de usança Como tormenta, que rouqueja ao longe
Para o triunfo bélico adornado. E som confuso espalha em surdos ecos;
Fizeram-lhe terreiro os mais d’em tôrno: Como rápida frecha corta os ares.
Êle do sacrifício empunha a maça. Já perto soa, já mais perto brame.
Impropérios assaca, vibra o golpe, Já sobranceira enfim roncando estala:
E antes que tombe o corpo, aferra os dentes Nasce fraco rumor que logo cresce,
No crânio 490 fulminado: jorra o sangue Avulta, ruge, horríssono rimbomba. 493
No rosto, e em gorgolhões se expande o cérebro, Oquena! Oquena! o herói nunca vencido,
Que a fera humana rábida mastiga! Com voz troante e procelosa exclama.
E enquanto limpa à desgrenhada coma Dominando o rumor, que longe ecoa: 494
Do servo pasto o esquálido sobejo,
Bárbaras hostes do Gamela torcem, “ Fujam tímidas aves aos lampejos
A 491 tanto horror, o transtornado rosto. Do raio abrasador, — medrosas fujam!
Mas não será que o herói se acanhe ao vê-los!
Vem Jepiaba, o forte entre os mais fortes, Itapeba, só nós somos guerreiros;
Taiatu, Taiatinga, Nupançaba, Só nós, que a olhos nus fitando o raio,
Tucura o ágil, Cravatá sombrio, Da glória a senda estreita a par 495 trilhamos.
Andira, o sonhador de agouros tristes, Tens em mim quanto sou e quanto valho.
Que êle é primeiro a desmentir co’as armas, Armas e braço enfim!”
Pirera que jamais não foi vencido,
Itapeba, rival de Gurupema, Eis rompe a densa
Oquena, que por si vale mil arcos. Turba que d’em tôrno d’Itapeba
Escudo e defensão dos seus que ampara; Formidável barreira alevantava.
E outros, e muitos outros, cuja morte
Não foi sem glória no cantar dos bardos.
Quadro pasmoso! os dois de mãos travadas.
Sereno o aspecto, plácido o semblante,
Guerreiros! Gurupema assim começa. À fúria popular se apresentavam
Antes de ouvir o mensageiro estranho De constância e valor somente armados.
Consultar-vos me é força; a nós incumbe Eram escolhos gêmeos, empinados,
Vingar do rei da selva a morte indigna. Que a fúria de um vulcão ergueu nos mares.
Do que morreu, em que lhe seja eu filho. Eterno ali serão co’os pés no abismo,
Estende-se o desar sòbre nós todos, Co’os 496 negros cimos devassando as nuvens,
E a todos nós da gloriosa herança Se outra força maior os não afunda.
Compete o desagravo. Se nos busca Ruge embalde o tufão, embalde as vagas
O filho de Jaguar, é que nos teme; Do fundo pego à flor do mar borbulham!
A nossa fúria porventura intenta
Voltar a mais amigo sentimento. Estranha a turba, e pasma o desusado
Talvez do vosso chefe o corpo e as armas Arrojo, que jamais assim não viram!
Com larga pompa nos envia agora: Mas mais que todos Caba-oçu valente
Basta-vos isto? Enleva-se da ação que o maravilha;
E de nobre furor tomado e cheio.
Guerra! guerra! exclamam. Clama altivo: 497 “ Eu também serei convosco,
Eu também, que a só mercê vos peço
Notai porém quanto é pujante o chefe, De haver às mãos o pérfido Timbira.
Que os Timbiras dirige. Sempre o segue Seja, o que mais lhe apraz, invulnerável,
Fácil vitória, e mesmo antes da luta Que d’armas não careço por vencê-lo.
As galas triunfais dispõe seguro. Aqui o tenho, — aqui comigo o aperto.

[ 182 ]
os T IM B IR A S

Estreitamente o aperto nestes braços Alquindar, que talvez já não exista,


(E os braços mostra e os peitos musculosos) Iperu, Jepipó de Mambucaba,
Há de medir a terra já vencido, E Coniã, rei dos festins guerreiros;
E orgulho e vida perderá co’o sangue, E outros, e outros mais. Pois eu vos digo.
Arrã soprada, que um menino espoca!” Ação, que eu saiba, de tão grandes Cabos,
Como a vossa não foi, — nem tal façanha
Fizeram nunca, e sei que foram grandes!
E bate o chão, e o pé na areia enterra, Itapeba entre os seus não encontraras,
Orgulhoso e robusto: o vulgo aplaude. Que não pagasse com seu sangue o arrojo
De prazer c rancor soltando gritos De tanto às 501 daras pôr-se-lhes contrário.
Tão altos, tais, como se ali tivera Mas quem do humano sangue derramado
Aos pés, rendido e morto o herói Timbira. Porventura se peja? — em que lugares
A glória da peleja horror infunde?
Ninguém, nenhures, ou sòmente aonde.
Por entre os alvos dentes que branquejam. Ou só aquêle 502 que já viu tingidas
Ri-se o prazer nos lábios do Gamela. Cruas vagas de sangue; e os turvos rios
Ao rosto a côr lhe sobe, aos olhos chega Mortos por tributo ao mar volvendo.
Fugaz clarão da raiva que aos Timbiras Vi-as eu, inda novo; mas tal vista
Votou de há muito, e mais que tudo ao chefe, Do humano sangue saciou-me a sêde.
Que o espólio paternal mostra vaidoso. Ouvi-me, Gurupema, ouvi-me todos:
Da sua tentativa o rei da selvas
Teve por prêmio o lacrimoso evento:
Com gesto senhoril silêncio impondo E era chefe brioso e bom soldado!
Alegre aos três a mão calosa of’rece. Só não pôde sofrer que alguém dissesse 503
Rompendo nestas vozes: “ Desde quando Haver outro maior tão perto dêle!
Cabe ao soldado pleitear combates A vaidade o cegou! ardida 504 emprêsa
E ao chefe em ócio vil viver seguro? Cometeu, mas por si: de fora, e longe
Guerreiros sois, que os atos bem no provam; Os seus o viram deslindar seu pleito.
Mas se vos não apraz ter-me por chefe. Vencido fo i... a vossa lei de guerra.
Guerreiro também ‘»99 sou, e onde se ajuntam Bárbara, sim, mas lei, — dava ao Timbira
Guerreiros, hão de haver lugar os bravos! Usar, como êle usou, do seu triunfo.
Serei convosco” , 500 — disse. E aos três se passa. A que pois fabricar novos combates?
Por que empreendê-los nós, quando mais justos
Soam batidos arcos, rompem gritos Os Timbiras talvez mover puderam?
Do festivo prazer, sobe de ponto Que vos importa a vós vencer batalhas?
O ruidoso aplaudir. Só Itapeba, Tendes rios piscosos, fundas matas.
Que ao seu rival deu azo de triunfo. Inúmeros guerreiros, tabas fortes;
Mal satisfeito e quase irado rosna. Que mais vos é mister? Tupã é grande:
De um lado o mar se estende sem limites.
Pingues florestas doutro lado correm
Um Tapuia, guerreiro adventício. Sem limites também. Quantas igaras.
Filhado acaso à tribo dos Gamelas, Quantos arcos houvermos, nas florestas,
Pede atenção, — prestam-lhe ouvidos todos. No mar, nos rios caberão às largas:
Estranho é certo; porém longa vida Por que então batalhar? porque insensatos,
A velhice robusta lhe autoriza. Buscando o inútil, necessário aos outros.
Muito há visto, sofreu muitos reveses, Sangue e vida arriscar em néscias lutas?
Longas terras correu, aprendeu muito; Se o filho de Jaguar trazer-nos manda
Mas quem é, donde vem, qual é seu nome? Do chefe desditoso o frio corpo.
Ninguém o sabe: êle o não disse nunca. A ceite-se... se n ã o ... voltemos sempre.
Que vida teve, a que nação pertence, Ou com êle, ou sem êle, as nossas tabas.
Que azar o trouxe à tribo dos Gamelas? Às nossas tabas mudas, lacrimosas,
Ignora-se também. Nem mesmo o chefe Que hão de certo enlutar nossos guerreiros.
Perguntar-lho se atreve. É forte, é sábio, Quer vencedores voltem, quer vencidos.”
É velho e experiente, o mais que importa?
Chamem-lhe o forasteiro, é quanto basta. Do forasteiro, que tão sôlto fala
Se à caça os aconselha, a caça abunda; E tão livre argumenta, Gurupema
Se à pesca, os rios cobrem-se de peixes; Pesa a prudente voz, e alfim responde:
Se à guerra, ai da nação que êle indigita! “Tupã decidirá.” — Oh! não decide,
Valem seus ditos mais que valem sonhos, (Como consigo diz o forasteiro)
E acerta mais que os piagas nos conselhos. Não decide Tupã humanos casos,
Quando imprudente e cego o homem corre
D ’encontro ao fado seu: não valem sonhos,
“ Mancebo (assim diz êle a Gurupema)
Nem da prudência meditado aviso
Já vi o que por vós não será visto. Do atalho infausto a desviar-lhe os passos!”
Imensas tabas, bárbaros imigos,
Como nunca os vereis; andei já tanto,
Que o não fareis, andando a vida inteira! O chefe dos Gamelas não responde;
Estranhos casos vi, chefes pujantes! Vai pensativo demandando a praia,
Onde o Timbira mensageiro o aguarda.
Tabira, o rei dos bravos Tobajaras,
[183]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Reina o silêncio, sentam-se na arena, Esta a mensagem que por mim vos manda:
Jurucei, Gurupema e os mais com êles. Três grandes tabas, onde heróis pululam.
Amiga recepção, — ali não viras Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos.
Nem pompa oriental, nem galas ricas, Caídas a seus pés a voz lhe escutam.
Nem armados salões, nem côrte egrégia, Não quer dos vossos derramar mais sangue:
Nem régios paços, nem caçoilas fundas, Tigre cevado em carnes palpitantes.
Onde a cheirosa goma se derrete. Rejeita a fácil prêsa; nem o tenta
Era tudo singelo, simples tudo, De perjuros haver troféus sem glória.
Na carência do ornato — o grande, o belo, Enquanto pois a maça não sopesa, 508
Na própria singeleza a majestade. Enquanto no carcaz dormem-lhe as setas
Era a terra o palácio, as nuvens teto. Imóveis — atendei! — cortai no bosque
Colunatas os troncos gigantescos, Troncos robustos e frondosas palmas
Balcões os montes, pavimento a relva. E novas tabas construí no campo,
Candelabros a lua, o sol e os astros. Onde o corpo caiu do rei das selvas,
Onde empastado inda enrubesce 509 a terra
Sangue daquele herói que vos infama!
Lá estão na branca areia descansados. Aquela briga enfim de dois, tamanhos, 510
Como festiva taça num banquete, Sinalai; porque estranho caminheiro
O cachimbo 505 de paz, correndo em roda. Amigas vendo e juntas nossas tabas,
De fumo adelgaçado cobre os ares. E a fé que usais guardar, sabendo, exclame:
Almejam, sim, ouvir o mensageiro, Vejo um povo de heróis, e um grande chefe!”
E mudos são contudo: não dissera,
Quem quer que os visse ali tão descuidosos. Enquanto escuta o mensageiro estranho,
Quer ardor inquieto e fundo os ansiava. Gurupema, talvez sem que o sentisse.
Vai pouco e pouco erguendo o corpo inteiro.
O forte Gurupema alfim começa A baça côr do rosto é sempre a mesma,
Após côngruo silêncio, em voz pausada: O mesmo o aspecto, — a válida postura
Saúde ao núncio do Timbira! disse. A quem de longe o vê, sòmente indica
Tornou-lhe Jurucei: “ Paz aos Gamelas, Vigor descomunal, e a gravidade
Renome e glória ao chefe seu preclaro!” 506 Que os próprios índios por incrível notam.
— A que vens pois? Nós te escutamos: fala. Era uma estátua, exceto só nos olhos,
“ Todos vós, que me ouvis, vistes boiantes,
Que por entre as em vão caídas pálpebras
A 507 niercê da corrente, o arco e as setas
Clarão funéreo derramava em tôrno.
Feitas pedaços, por mim mesmo inúteis.”
“ Quero ver que valor mostras nas armas,
“ E de to ver folguei; mas quero eu mesmo (Diz ao Timbira, que a resposta aguarda)
Ouvir dos lábios teus quanto imagino. T u que arrogante, em frases descorteses,
Acata-me Itajuba, e de medroso
Guerra declaras, quando paz of’reces.
Tenta poupar aos seus tristeza e luto?
Quebraste o arco teu quando chegaste,
A flor das Tabas suas talvez manda
Trazer-me o corpo e as armas do Gamela, O meu te of’reço! O quebrador dos arcos
Vencido, em mal, no desleal combate! Nos dons por certo liberal se mostra,
Pois seja, que talvez não queira eu sangue; Quando o seu arco ofrece: julga e pasma!”
E do justo furor quebrando as se ta s...
Mas dize-o tu prim eiro... Nada temas; E o arco empunha! outro não foi como êle!
É sagrado entre nós guerreiro inerme, Artífice de nome em seus lavôres
E mais sagrado o mensageiro estranho.” Mais de um ano gastara em fabricá-lo.
As pontas levemente recurvadas
Treme de pasmo e cólera o Timbira, Cabeças de bicéfala serpente
Ao ouvir tal discurso. — Mais sorprêso Figuravam, — iguais no pêso e forma:
Não fica o pescador, que mariscando Melhor que nenhum outro equilibrado.
Vai na maré vazante, quando avista Lavrados os desenhos com tal arte,
Envolto em lôdo um tubarão na praia, Que sem tirar-lhe a força, mais flexível.
Que reputa sem vida; passa rente, Mais pesado o tornavam com mais graça.
E co’ as malhas da rêde acaso o açoita
E a desleixo: — feroz o monstro acorda, Do pejado carcaz tira uma seta,
E escancarando as fauces mostra nelas Na corda a ajeita, — o arco entesa e curva.
Em sete filas alinhada a morte! Atira, — soa a corda, a frecha voa
Tal ficou Jurucei, — não de receio, Com silvos de serpente. Sôbre a copa
Mas de sorprêsa atônito; — o contrário, Duma árvore frondosa descansava
Que de o ver merencório não se agasta, Há pouco um cenembi, — frechado agora
A que proponha o seu encargo o anima. Despenha-se no rio, sopra iroso,
A cortante serrilha embora eriça, 5il
“ Não ignavo temor a voz me embarga; Co’a dura cauda embora açoita as águas;
Emudeço de ver quão mal conheces A corrente o conduz, e em breve trato
Do filho de Jaguar os altos brios! O hastil da frecha sobrenada a prumo. 512

[184]
O U T R A S P O E S IA S

Pudera Ju ru ce i, alçand o o b raço, OUTRAS POESIAS. 5ie


Poupar ação tão b aixa àqueles bosqu es,
Onde os guerreiros de Itajuba imperam.
FANTASMAS. 517
Imóvel, mudo contemplou no rio
De chôfre o cenembi cair frechado.
Lutar co ’a m orte, ensangüentand o as águas, T h ere are more things in heaven and earth, Horatio,
T han are dream t o f in your philosophy.
D esparecer, — a voz por fim le v an ta:
Hamlet.

“Ó rei das selvas, Gurupema, escuta: la a lua pelos ares


Tu, que medroso em face dTtajuba Docemente equilibrada.
ífão ousaras tocar o pó que o vento Qual linda concha embalada
Nas folhas dos seus bosques deposita; Pela corrente dos mares.
■Senhor das selvas, que de longe o insu ltas,
Era tudo amor; — dormente
.1 Porque 513 me vês aqui sozinho e fraco, Era a mesta solidão, —
l|Fraco e sem armas, onde armado imperas; Porém eis que de repente
! Senhor das selvas (que antes frecha acesa Corre de vento um pegão.
Sôbre os tetos houvesses arrojado,
Onde as mulheres tens e os filhos caros) Morrendo a luz feiticeira
Nunca miraste um alvo mais funesto Morre o brilhante do céu,
Nem tiro mais fatal vibraste nunca. 514 Que da lua a face inteira
Cobre denso, opaco véu.
Com lágrimas de sangue hás de chorá-lo,
' Maldizendo o lugar, o ensejo, o dia, Das trevas o véu rasgando
0 braço, a força, o ânimo, o conselho Fuzila breve clarão,
; Do delito infeliz que vai perder-te! No escuro espaço rolando
Eu, sòzinho entre os teus que me rodeiam. Rouqueja horrível trovão.
Sem armas, entre as armas que descubro.
Sem mêdo, entre os medrosos que me cercam. Ruge ao longe o mar raivoso.
Em tanta solidão seguro e ousado. Perto — o vento no arvoredo;
No cemitério medroso
Rosto a rosto contigo, e no teu campo. Surgem fantasmas de medo.
Digo-te, ó Gurupema, ó rei das selvas,
Que és vil, qu’es fraco!” 51S Passando ao través dos muros,
Que do mundo os separava.
Sibilante frecha Penetram no templo escuro:
Rompe da turba-multa e crava o braço Mudo e triste o templo estava.
Do ousado Jurucei, qu’inda falava.
Do templo nas paredes caminhavam
As mestas sombras dos que foram; outros,
“É seguro entre vós guerreiro inerme, Como que da vigília se pesassem,
E mais seguro o mensageiro estranho! Nos ossos mal seguros se arrastavam.
Disse com riso mofador nos lábios.
Aceito o arco, ó chefe, e a treda frecha, Como sôbre as couceiras se revolvem
Que vos hei de tornar, ultriz da ofensa As portas emperradas, tal do templo
Infame, que Aimorés nunca sonharam! As frias pedras sepulcrais se dobram.
Ide, correi, quem vos impede a marcha? Finados mil e mil das campas surgem.
Vingai esta corrente, não mui longe Incertas sombras pelos ares voam.
Os Timbiras estão! — Voltai da empresa Amalgama-se o pó formando nuvens,
E as nuvens pairam n’amplidâo sagrada.
Com este feito heróico rematado; Só um sepulcro permanece inteiro,
Fugi, se vos apraz; fugi, cobardes! E um espectro ao pé dêle; — os longos dedos
Vida por gôta pagareis meu sangue; Correndo pela testa, tremebundo
Por onde quer que fordes de fugida Carrega sôbre a turba o rosto irado.
Vai 0 fero Itajuba perseguir-vos
Por água ou terra, ou campos, ou florestas; “ Não poder descansar! — dizia^ o triste -—
Tremei!...” 515 “ Não poder descansar! — Era este um grito
D ’interno sofrimento amargo e duro.
“ Ó Morte enganadora, que eu julgava
E como o raio em noite escura “ O infinito visão, — além dos mundos
Cegou, despareceu! De timorato “ Outro mundo não via, — além da vida
Procura Gurupema o autor do crime, “ Minha alma apenas descobria... o nada.
autor lhe não descobre; in q u ire ... cmbalde! “ De que nos serve o teu poder, traidora?
■nguém foi, ninguém sabe, e todos viram. “ Se a vida tiras, mais penosa a tornas;
“ Se tiras o sofrer, mais delicado,
“ Mais apurado, mais sutil, mais fundo
“ Fazes, cruel, brotar do horror da campa.

[185]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

“ Estólido que cu fui! — da terra filho, Rápida foge a multidão dos mestos.
“ Julguei-me prêso à terra, prêso ao nada, Sem arruído, sem rumor, — qual fumo
“ Julguei-me sem porvir além da vida, Levíssimo e sutil que se desenha
“ Sem acerbo penar na campa acerba!” Ao reflexo da luz nos brancos muros.

Como sentisse a sepultura intacta.


Raivoso empurra a pedra, que serena
Sôbre outras pedras se desliza fácil,
Como o barco veloz cortando as ondas, LÁGRIM AS SEM DOR — E DOR COM
Que a mão calosa do barqueiro impele. LÁGRIMAS. 518

Ah! certo, eu vi! — um pútrido cadáver,


Amarelento, ensanguentado e feio, Sumin-sc além o sol envolto cm raios,
Pávido erguer-se no sudário envolto. E do lado fronteiro a branca lua
Volveu pasmado em tôrno os olhos turvos, Levanta a fronte pálida entre montes,
E as pupilas sem luz que estranham, sentem E nas águas do límpido regato
Agudíssima dor da luz mal vista Estampa a face inteira.
Da alâmpada velada. — Nos ouvidos
Mesmo dos mortos o bulício incerto E eu irei sentar-me junto às margens
Com hórrido fragor rimbomba, estoura! Do límpido regato;
Irei cismar sòzinho, a sós co’a noite,
Nas minhas penas cruas.
— Não julguei acordar! — disse afligido.
Mas do finado, que o chamara à vida. Quero sentir da tarde o fresco orvalho
Correu nos lábios mofador sorriso: Nos meus cabelos;
“ Não julgaste acordar, insano?! — a mente Quero escutar nas folhas o sussurro
“ Perdida não sentiste além dos ares Da mansa brisa;
“ Voar além dos céus, além das nuvens?”
Dizia o espectro: — “ Insano, tu cobriste-a Quero escutar o som da linfa clara
“ De lôdo terrai, cortaste as asas Por sôbre as pedras;
“ Dêsse amigo adejar, de prece amiga Quero escutar do pássaro o gemido
“ Que vai, que sobe, perfumado incenso, De sob as ramas;
“ Beijar do eterno ser o trono excelso.”
Quero vê-la também, que há tempos ando
Eis do recém-finado a voz rebrama Cismando nela;
No recinto do templo; — estoura e ferve Que, há tempos, sempre a encontro triste e muda
No estreito espaço da garganta, como Junto à ribeira.
Neve que o sol derrete, que nas orlas
Do raso leito de regato humilde Ei-la sentada ali entre os salgueiros.
Rebenta em borbulhões de argêntea espuma.
Pálida a fronte.
Loiros cabelos sôbre testa ebúrnea.
“ Nas trevas. Senhor Deus, direi teu nome,
“ Cantarei teus louvores do sepulcro, Cândida a veste.
“ Cantarei teu poder dentre a gelada
“ Mortalha funeral, e sempre e eterno. — encanto — mulher, que es tu na terra?
“ Senhor Deus, Senhor Deus, quando os meus lábios Quem n’alma te gravou cismar tão triste?
“ Se ressequirem teu louvor cantando, Tão triste palidez quem te há gravado
“ Quando rouco meu peito arfar cansado, No semblante formoso?
“ Minha alma, além dos sóis voando afoita,
“ Irá, Senhor meu Deus, beijar-te as plantas, Oh! se minha alma aflita inda prazeres
“ Nutrir-se palpitante da tua glória Sentir pudesse, — se inda amar amasse,
“ E à luz do teu fulgor, do teu conspecto Se os meus olhos pisados não vertessem
“ Derramar-se queixosa e a flita ...” A fio agra corrente;
— É tarde! — encanto — mulher, fôras meu nume,
O espectro lhe bradou. — Misericórdia! — Fóras meu sangue, meu prazer, minha^ alma,
Clamava a triste sombra que aterrada Minha estréia de amor, meu anjo e vida.
Procurava juntar as mãos rebeldes. Pensamento e querer.
Foi debalde o querer; debalde as forças
Concentra o miserando por juntá-las; Na flor da mocidade, quando a vida
Debalde intenta orar! — a voz lhe falta, Por entre flores, recendendo aromas.
Do mutilado tronco os braços fogem, Risonha e festival, sem mêdo corre
Fogem do templo na amplidão perdidos.
D ’agoireiro futuro;
Mútua força os atrai, mútua os repele.
Fatídico poder os leva a ambos,
E alonga o templo mais e mais com êles. Porque em vez de nutrir brandos amôres
Dos ares a soidão quebrando irado Definhas sem brilhar em festa, em jogos.
Da tôrre soa o sino; o som d’agoiros Sem um meigo sorrir nos curtos lábios.
Estoura — ruge — vibra — míngua e morre. Sem côr nas alvas faces?

[ ^80 ]
O U T R A S P O K S IA S

Aiijo — encanto — mulher, porque o teu pranto Mas quando o desengano, qual tormenta
Corre agora espontâneo sôbre as aguas Que por desertos só valente reina,
Do límpido regato, como lágrimas Do quente coração arranca, esmaga
De Náiade gentil? Esp’ranças, que o amor esfeitiçava.
Em vão a natureza ufana brilha.
Em vão de puro orvalho a flor se arreia.
Porque choras assim? — Traída amante Em vão dardeja o sol seus quentes raios.
Vens de enganado amor as penas cruas Em v ã o !... que o coração jaz frio e murcho,
Curtir na soledade? E não mais viverá ! — que a alma sentida
Mas quem tão negro feito perpetrara? Conhece que o amor é só mentira,
Quem há que se os teus olhos lhe sorrissem, Que é mentira o prazer, mentira tudo!
Não morrera de amores?

Não o fizera, não, — que tal façanha


Não a faz coração d’homem, que sente,
Que vê tais graças; Um dia apareceu um recém-nado,
Que visse uma só vez, qual vejo agora, Como a concha que o mar à praia arroja.
Co’as estréias do céu pleitear brilho Cresceu; — qual cresce a planta em terra inculta.
Teus olhos tão mimosos. Que ninguém educou; — a chuva apenas.
Infante — viu de roda sepulturas.
Morreu-te acaso a mãel — Êrma e sozinha. Em que não atentou; — sonhos mimosos,
Vens d’amor filial durante a noite Acordado ou dormindo, lhe doiravam
Pagar tributo amargo? A infância leve, d’inocência rica.
Mas ei-la que ali vem terna, ansiada. Viu belo o ar, e terra, e céus, e mares.
Por te ver, por te ouvir, por êsse pranto Viu bela a natureza, como a noiva
Secar co’um doce beijo. Sorrindo em breve dia de noivado!
Então sentiu brotarem na sua alma
Ah! chora sempre e sempre; — corre o pranto Sonhos de puro amor, sonhos de glória;
Espontâneo e fagueiro nessa idade, Sentiu no peito um mundo de esperanças.
Como orvalho da noite; Sentiu a força em si — patente o mundo.
Enquanto o mau blasfema o bom soluça; Forte se levantou! correu fogoso,
Alma do céu folga em chorar sòzinha E qual águia que nas asas se equilibra.
Neste exílio da terra. Começou a trilhar da vida a senda.
Um monte além topou; mais vagaroso
Subiu, — vingou mais lento! — Inda mais outro
Ah! chora sempre e sempre, que êsse pranto Colossal — descalvado — íngreme e liso.
No seio maternal hoje se entorna, Costeou, mas cansou, que era sòzinho!
Que não em terra sáfara; Sentou-se, e mudo, e fraco, e pensativo,
Doido por muito amar, por ser amado. Â borda do caminho; e sôbre o peito
Gentil mancebo, há de amanhã sorver-to A cabeça inclinou, cruzando os braços.
Num ósculo de amor. Minha mãel — soluçou; e um eco ao longe
Minha mãe! — respondeu. — Sentiu que a fome
Mas eu quando em silêncio as fontes abro Dolorosa as entranhas lhe apertava,
Déste meu coração, embalde os lábios E sêde intensa a ressequir-lhe as fauces;
Donzela ou mãe soluçam; Fome e sêde curtiu como num sonho.
Pelo meu rosto em fio se desliza Do rosto nas maçãs descoloridas
Meu triste pranto, e alvíssimo se expande — Filtro do coração — sentiu que o pranto
Na pedra dum sepulcro. Ardente escorregava a tez queimando.
Muda era a sua dor, — d’homem que sofre,
Que chora isento de vergonha ou crime.
Encontrou mais além no seu caminho.
Bela na sua dor, sòzinha e fraca.
MISERRIMUS. 519 Figura virginal que ali jazia.
Esqueceu-se de si pensando nela;
Nova fôrça criou, — novo incentivo.
Quando o inverno chegou, — por sôbre a terra Coragem nova o seu amor criou-lhe.
O robre secular espalha a coma, Lavou-lhe os curtos pés, contra o seu peito
Que o rábido tufão cortou de morte. Do frio a protegeu, — tomou nos braços
Despida e nua jaz a flor mimosa, A carga tão mimosa! — E ela co’os olhos,
Agora hástea somente; e o sol brilhante Que o amor vendava um pouco, agradecia.
Despede a custo a luz que mal penetra E ela pôde viver; — disse que o amava,
As nuvens trovejadas que o circundam. Que era o seu coração dêle — e só dêle; —
Disse, e mais que uma vez, com peito e lábios
Mas o inverno passou De novo assume No peito e lábios dêle; — era mentira!
Virente rama o robre gigantesco,
A flor formosa e bela vem brotando, E êle o conheceu! por precipícios
E o sol, rei do horizonte, já rutila Descrido se arrojou, sentindo a morte.
Em céu de puro azul auribrilhante. Seu berço entre sepulcros procurando.

[187]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Aqui — ali — além — eram sepulcros; Velhos que a vida viveram,


E o nome de sua mãe, sequer não pode Que já não sabem viver,
Dos nomes conhecer de tantos mortos. Que sôbre a terra dos vivos
Não têm de que ter prazer,
E só no seu morrer, qual só na vida,
Na terra se estendeu; nem dor, nem pranto Uns aos outros se perguntam,
Tinha no coração que era já morto! Quando em paz descansarão!
Já vivestes vossa vida.
E alguém, que ali passou, vendo um cadaver Já não tendes coração!
De sânie e podridão comido e sujo,
Co’o pé num fôsso o revolveu; — e terra Tendes o corpo alquebrado.
Caída acaso o sepultou p’ra sempre. Tendes morto o coração.
Tendes a alma desmaiada,
Amizade! — ilusão que os anos somem; Nem sentis uma afeição.
Amor! — um nome só, bem como o nada,
A dor no coração, delícias n’alma, Afeição, ledice, am ôres...
Nos lábios o prazer, nos olhos pranto Sôbre as cãs não vinga o amor,
— Tudo é vão, tudo é vão, exceto a morte. Como sôbre a rocha dura
Não cresce mimosa flor.

0 DONZEL. 520 IV.

O nde v a is, ó cavaleiro ? Mais além — gentis donzelas


— V e r quem de am or me matou. Brincando se divertiam.
— V ê s este c ad áv er? — V e jo .
— E v a is à en trevista ? — V ou. Embebidas nos folgares
FR E IR E DE SERRA. Lúbricas danças teciam.

I. — Onde vais, gentil mancebo,


— Nesse correr afanoso?
Já tremula sôbre o ocaso — Onde vais? detém-te, espera;
Do sol o disco fulgente: — Não nos fujas pressuroso!
Já se ergueu a lua inteira
Lá das partes do oriente; “ Vou-me longe inda esta noite,
Ergueu-se a brisa fagueira. “ Vou rever os meus amôres;
Ergueu-se a voz da corrente. “ Já de mais hei sopeado
“ Meu desejo e meus ardores.
Ergueu-se tênue e macio
Perfume de linda flor; “ A vossa vida é ventura,
Ergueram as densas matas “ Vosso sorriso inocência,
O seu leve arfar de amor; “ Vossa alma formosa e pura
Ergueu a voz do oceano “ Não sofre de crua ausência!
O seu hino ao Criador.
“ Vosso amor, e só desejo
II. “ É o sorriso da aurora,
“ O arbusto, e a flor do prado,
Eis que donoso mancebo “ E a corrente sonora.” 521
Que brancas telas vestia.
Por senda patente e clara Disse e passou: eis renascem
Em seu ginete corria. Leves danças na clareira.
Ledos gritos pelo bosque.
Não vê no trepido ocaso Leda cena feiticeira!
Do sol o disco fulgente,
Nem da lua alvinitente
O deleitoso fulgor; V.
Não escuta o arfar dos bosques,
Nem das aves o carpido, E não pára, e prossegue, e devora
Nem das vagas o rugido, Tôda a senda o fogoso corcel; 522
Nem da tarde almo frescor Aos reflexos da lua brilhante
Sentir pode! — Corre a brisa. Vê-se o vulto do nobre Donzel.
Ouve-se estranha harmonia;
Mas na acesa fantasia Entrevê-se os vestidos luzentes.
Ferve inquieto, imenso amor! Entrevê-se o corcel a fugir;
Aos reflexos da lua brilhante
Vê-se a pluma da gorra luzir!
I II.
Praticando noutros tempos Que Ih’importa que a noite o convide
Alguns velhos encontrou: A sereno e tranqüilo pensar?
Louco! louco! — murmuraram. Que Ih’importa o frondoso arvoredo,
Sorriu-se o moço e passou. Que Ih’importa agoureiro piar?

[188]
O U T R A S P O E S IA S

Que Ih’importa a beleza da terra, S egunda V oz.


Que Ih’importam estréias ou mar?
Que Ih’importa? — o mancebo não pode Eu porém no peito amante
Mais que a ela no mundo enxergar. Sou quem fomento a paixão.
Amor na virgem mimosa,
Ela é pura, é celeste, é mimosa, No jovem dedicação.
É feitiço do nobre Donzel;
Ela o ama, assim disse, ela o espera... Quem lhes ponho risos n’ahiia,
Ledo o moço esporeia o corcel! Quem falo nos sonhos seus.
Prazeres envergonhados
Temerário, onde vais pressuroso. — Tão puros, como nos céus.
Por que buscas na terra prazer?
Insensato, prazer neste m undo... Dou-lhes palavras sublimes
Só no triste que almeja morrer! Nunca ouvidas por ninguém,
E gozos nunca fruídos,
Porque 523 afetos, ledice e ventura, E prantos que fazem bem.
Porque extremos de acesa paixão,
São delirios que o tempo consome, Dou-lhes extremos e arrojos.
São caprichos de amarga ilusão! Talvez subida amargura.
Donde sai o amor provado
É veneno de flor que não cheira, À prova da desventura.
Que a existência amargura cru el!...
Esta vida é festejo de amores,
É de flores — clamava o Donzel! P rimeira Voz.

E não pára, e prossegue, e devora 524 E eu dessa paixão nobre e singela.


Tôda a senda, e se apeia, — inda mal! Ao meigo jovem, que de amor doudeja.
Eis um vulto, ei-lo corre — já sente Dou-lhe fastio, que nem mais deseja
Penetrar-lhe no peito um punhal! Que apagar seu amor nos braços dela.
Nesse instante de acerba agonia. Eu os conduzo mais falaz que humano,
Nesse instante de louca paixão, Ela adornada de beleza e flores,
Nesse instante... pesou-se de extremos Êle mal sufocando seus ardores.
Tão mal pagos, de tanta traição. Ao tempo, onde os espera o desengano!

V I. Satisfeita a paixão, vem logo o frio,


O gêlo que lhes lavra em todo o peito;
Virgem! virgem! que o amor recompensas Já se nota um defeito, e outro defeito,
Por tal arte, tão dura e cruel, Já cresce em ambos o pesar tardio!
Nunca sintas amor em tua vida, 525
Nunca extremos de nobre Donzel! S egunda V oz.
Nunca escutes a meiga linguagem
De sincera, infinita paixão; Talvez ambos se arrependem,
E nas vascas da morte impiedosa Talvez se nota o defeito.
Do que estimas te colha a traição! 526 Tardo pesar que não dura
Talvez lavra em todo o peito;
Mas soando a desventura
Dar-lhes-ei nova paixão,
— Centelha viva, não cinza
HARMONIAS. 527 Na frágua do coração.

P rimeira V oz. Sou eu que o sono afugento


Quando vela a casta esposa
Junto ao leito, onde repousa
Quando da noite o denso véu se estende, O esposo que mal padece;
E a lua pálida entre nuvens gira,
Quisera ser em vez dele,
E dentre as folhas uma voz suspira Quando a morte o ameaça;
Que diz prazer e doce amor acende;
Té de si mesma se esquece,
Ao par amante, que inocente vaga, Té de quanto sofre e passa.
Sou eu quem prendo em derretido enleio:
— Secura ou fogo, ardente devaneio P rimeira Voz.
Que dá morte à 528 paixão, que sempre afaga.

Sou eu que às folhas dou verter frescura, Vela meigo-sorrindo a casta espôsa.
Que falo amôres no correr da brisa, Vela no leito, onde 529 a aflição descansa,
Que deslustro a paixão sincera e lisa Mas talvez lhe sugiro uma lembrança
Aos torpes beijos da lascívia impura. Triste, importuna que expulsar não ousa.

[189]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Se compõe um sorriso honesto e brando, Quando êste encargo de reinar me deixa


Se ameiga a voz, a doce coma esparsa. Mais livre respirar, — sôbre mil praças
Sorriso e voz fino punhal disfarça, Dêste palácio meu lançando os olhos,
Que vai no peito incauto a furto 530 entrando. O doce canto da vossa harpa escuto,
E o longo aplauso palpitante, e os ecos
Ah! quantas vêzes! quantas! não transuda Do forte sussurrar de amor, de enlevos,
O leito conjugal banhado em sangue, Que a turba eleva com p ra z e r.... Auxílios
E êle ou ela, atraiçoado, exangue. Não vos posso prestar, que o erário tenho
Já quase morto, a traição vil desnuda?! Exausto e pobre! —

“ Oh! nem de mim vos falo,


S egunda V oz. Nem por mim, rei senhor! — Que vos hei dito?
Que a moral, crença, e fé, e amor dos povos
Talvez ciumenta esposa. São altos fustes, que têm mão do trono. 534
Talvez cioso marido. Sois dêste o criador, porém daqueles
Irado, o punhal buído Incumbe o lustre a nós. Se a nossa vida
L evan ta... mas nesse instante Nisto gastamos, se mais crente o povo
Mostro-lhe o meigo semblante Depois de nós a nosso exemplo fica,
Do filho seu que descansa, É justo, senhor rei, que o trono cure
Como que o sono lhe traga De quem sôbre êle de contínuo vela.
Sonhos que traz na lembrança. Somos do mundo sem saber do mundo;
Aprouve ao senhor Deus lançar-nos nêle.
A tal vista se enternece, Sem vida para nós, com tanta vida,
A suposta injúria esquece, Com tanta fôrça de querer p’ra os outros.
A coragem lhe falece,
E o punhal lhe cai da mão; Não sabemos ganhar! — Com fome ou frio.
E onde o ferro traiçoeiro Lemos o nome do Senhor nos astros;
Devera d’entrar primeiro. Sonhamos ilusões, lançando os olhos
Beijando por derradeiro Sôbre a terra florida, ou sôbre o campo
Pede chorando o perdão. Liso, imenso dos céus, — vagando sempre
Do passado ao futuro! — Somos loucos.
Bem loucos, senhor rei! — Enquanto a vida
Em proceloso mar corre sem têrmo,
Até que a morte um dia nos afunde
O BARDO. 531 Cantamos sempre; nem de auxílio estranho
Havemos de mister, que o melhor canto
(V isão.) De soluços e lágrimas se embebe! —
Mas se hospícios haveis para os que sofrem,
Nós sofremos também, — também 535 mendigos.
M u st all the fin e r thoughts, the th rillin g sense, Trocamos, como outrora o velho Homero,
T h e electric blood w hich th eir a rte rie s run. Celestes carnies por um pão de azima!” 536
T h e ir b o d y’ s self-tuned soul w ith the intense
F e e lin g o f th at w h ich is, and fa n c y of
T h a t w h ich should be, to such a recom pense — Falais do mundo sem saber do mundo,
C onduct? S h all th eir brigh t plum age on the rough
S torm be still sc a tte r’ d? — Y e s , and it m ust be! E do vosso mister sem saber dêle, 537
BYRON. Tornou-lhe o rei com rosto carregado.
Sou injusto e c ru el!... vós o dissestes!
Era uma sala de rei comprida e larga Mas quem sois? — que fazeis? — Ao povo estulto
De primores vestida. — Nos tapetes Co’a branda lira efeminais; no canto
Hábil artista desenhara a história Vil peçonha entornais em néscias mentes;
Dos anos decorridos; — das janelas De perversa moral lições na cena
Pendia a sêda multicor, — rojavam Dais em verso pomposo; — loucos, cegos,
No liso pavimento as franjas d’oiro Profetas vos d izeis... — Meu trono acaso
Do brilhante espaldar. — Sentado nela Sustentas tu co’a lira? — Se o sustentas,
O rei, já velho, em roda de ministros Retira o braço, quero-o ver por^ terra,
Num canto do salão retinha os olhos. Quero crer na tua crença; e se és profeta,
Segui-lhe a vista, e v i . . . Era_ um mancebo Eu to suplico, do porvir me fala! —
Modesto e belo; tinha um quê nos olhos
De pudor virginal, de meigo encanto, Como de sob os pés vos foge o bando
Que prendia a atenção. — Em pé, cruzadas De sussurrantes passarinhos, quando
Sôbre uma harpa singela as mãos nevadas Pensativo calcais na densa mata
Em voz segura e baixa ao rei falava; 532 As sêcas fôlhas, rugidoras, sôltas;
“ Por isto, senhor rei, vim ter convosco!. . . ” Como sobem confusas, pipilantes.
Ouvindo o estranho som que as amedrontam,
Isto apenas lhe ouvi; sutil sorriso Da Harpa as notas soam, vibram, fogem;
Do monarca passou nos roxos lábios, Lá se perdem nos ares, lá renascem,
Que hipócrita e sarcástico dizia; Já de novo ressoam, como abelhas, 538
— Que vos posso eu fazer? — Sois bardo! — Ãs 533 Que sôbre vivas flores descansadas.
[vêzes Quase filhas do sol, se erguem ruidosas.

[190]
OUTRAS POESIAS

“Reis da terra, o que sois? Oh! quase um nada, À DESORDEM DE CAXIAS. 548
Em mãos de infantes caprichosos 539 — brinco,
Autômatos de orgulho, atores tristes (Ano de 1839)
Em público tablado:
Um que em dia aziago entre os clamores Le crime est immortel!
Da multidão falaz entrou no templo; — Ainsi que le remords.
Era o templo adornado, — ali soldados, A. BARBIER.
AH densos convivas.
Resplandecente d’oiro, e sêda, e jóias; I.
Ali morno silêncio qual precede
Da batalha o fragor — troava o sino, Que feios sons de surda e rouca trompa!
E foi c’ro a d o ... escravo! Ecoa a brônzea tuba as duras vozes.
“Mas 540 quando o Senhor Deus um bardo cria. Que hão de os vales cobrir de miserandos,
Funde-lhe a mente de trovões, de raios. Insepultos guerreiros!
De nobre fogo Ih’incendeia 541 o peito
De cólera e de amor! Sôbre as cordas da tua Harpa
E o manda sobre a terra ingrata e nua, Pousa, ó Musa, a nívea mão.
Que voe sôbre os astros, que a sentença, Que com tais sons se não casam
Que Baltasar temeu, grave nos muros Os sons do teu coração!
D’impudico festim!
Que suspire, que gema, que soluce, Que triste soluçar, que triste pranto.
Que se lembre dos céus cantando a terra, Que amargas queixas, que doridas preces!
Que um amigo não tenha, 542 que a sua vida Penosas vascas de sangrenta morte
É sofrer e cantar! No extremo agonizar!

“Mas ai do triste que não sente enlcvos Musa minha desditosa,


De ouvir um doce canto ao som da lira: Dos cabelos despe o loiro,
Mas ai do rei, que não suspira aflito Da tua Harpa malfadada
De aflito suspirar! Despedaça as cordas d’oiro!
Mas ai do triste rei! que nunca o bardo
Nos versos divinais 543 dirá seus feitos, Ó 549 Musa, Musa minha! os sons que ouviste
Nem o seu nome se lerá na pedra l'oi perpassar dos teus, — dos teus que amavas,
De gelado sepulcro. Agora sombras vãs, que inultas vagam
Vai com êle a lisonja à 544 sepultura, A desoras na terra!
Do mísero Cantor que êles amaram.
Com ele o seu palácio irá por terra,
Talvez em vida, — possa agora ao menos
Não será pedra sôbre pedra. 545
O triste canto, a suspirada nênia
Inteira a mole cairá!”
Simpático aplacá-las!

Fôste até qui linfa pura


Que mansamente serpeia.
Entre flores e verdura, 550
Por sôbre um leito d’areia.
Calou-se mas cupriu-se o vaticínio:
Morreu sem nome o rei, — a mole inteira
E o sol do inverno derreteu-lhe a neve
Por terra jaz — uma coluna atesta
Lá da nascente;
Seu primeiro esplendor.
Eis o regato que já corre undoso,
Como a torrente!
Que é do bardo porém? — Ninguém pergunta:
O modesto pastor que a dura calma Acorda, acorda, ó 551 Musa! assaz cantaste
Passou à 546 sombra da frondosa copa, Teu doce amor.
Quando sem graça a vê, pergunta acaso Serena, em ócio, como ao pé da fonte
Que impiedoso tufão levou-lhe as folhas? Descansa a flor.
A virgem que em passeios solitários
Respira o aroma de uma flor singela. I I.
Pergunta acaso no verão torrado
Se a melindrosa flor ainda existe. Como, quando o vulcão prepara a lava
Ou existindo, em que lugar se esconde? Nas entranhas da terra, e à noite lança.
Assim do bardo os feiticeiros versos! Pela sangrenta rúbida cratera.
Ressoam, como nota harmoniosa, Mais viva chama em turbilhão de fumo;
Como suspiro d’inocente virgem Encandece-se o ar, cala-se a terra,
placidez da noite adormecida; Nem gira a brisa, ou só tufão de vento
Ressoam, mas também 547 se extinguem prestes, Com hórrido fragor sacode os troncos:
Como nota de uma harpa vaporosa, Assim também, 552 quando abafadas rosnam
Como o perfume que uma flor exala, Sanhas do povo, antes que em fúrias rompam.
Como o suspiro que uma virgem solta! Propaga-se confuso borborinho.
Cresce a agitação naquele e neste,
E um quê de febre lhe transtorna o siso.

[ 191]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Trêm ulos todos, homens e mulheres, Tim orato pavor vos encha o peito,
Infantes e anciãos — de mãos travadas. E farpado punhal a cada instante
Turvado o rosto, os olhos lacrimosos. Sintais no coração fundo morder-vos.
L á vão terras do exílio demandando! Dos que matastes se vos mostre em sonhos
Um passo apenas dão, que os alumia A chusma triste, suplicante, in e r m e ....
Do vulcão popular a lava ardente. Sereis clem entes. . . mas que a mão rebelde
Sob os trépidos pés soluça a terra, Brandindo mil punhais lhes corte a vida;
Sôbre as cabeças pávidas volteia E que então vossos lábios confrangidos
Ou rocha em brasa, ou condensada nuvem Se descerrem sorrindo! — cru sorriso
De pó desfeito, que resseca os ares. Entre dor e prazer, — qu’entâo vos prendam
E dentre aquêle fumo e aquelas chamas. A 559 poste vergonhoso, e que a mentira
Naquele horror c mêdo, estátuas vivas. O vosso instante derradeiro infame!
Sinistro lampejar d’armas descobrem: Bradem : Não fomos nós! — e a turba exclame:
Descobrem longe os tetos abrasados, Covardes, fôstes vós! — e no seu poste
A pouco e pouco esmorecendo em cinzas; De vaias e baldões cobertos morram.
Escutam gritos de uma voz querida.
De um ser que expira, e que em socorro os chama!
V.
E ali pregados no terreno ingrato
Nem da morte impiedosa fugir sabem, Mas cantar tão cruel e tão feio.
Nem fôrça têm 553 que lhes escude a vida. Donde parte soando ruidoso?
São ali sem ação, sem voz, sem fôrça Da minha Harpa nas cordas quem veio
Como que má sezão 554 Hies tolhe os membros. Sons tão rudes, tão roucos tirar?
Ou que os sufoca horrível pesadelo. Pode acaso o cristão impiedoso
Mudos, fracos, sem luta os colhe a m orte; Do que sofre avivar o tormento,
E nus, sangrentos, insepultos jazem ! Pode acaso dizer-lhe cruento:
Teu suplício não quero acabar?
I II. Pode acaso com tôrva alegria
Sôbre os restos do triste finado
Túrbida reina a bacanal de sangue! Levantar a cruel voz impia:
E rei do atroz festim, brinco do vulgo, Homicida feroz, maldição?
Um só campeia! um só, que mal se achega Não tem êle sequer um pecado?
A lauta mesa, onde se enfrasca o vulgo Como pois poderá penitente
De carniça e ralé, tocando apenas Exclam ar noutra vida: ó clemente
O sangue e o vinho, que alimenta o bródio; Senhor Deus, tem de mim compaixão?
Derruba-o logo a popular vindita, 555
E folga ultriz em tôrno aos vis despojos, Réu não sou da cruel impiedade.
Que nem de amigas lágrimas se molham, Bem que o sangue por êles vertido
Nem de talhadas lápidas se cobrem. Fôsse meu; bem que amarga saudade
Sinta eu dêsses, que a morte ceifou!
Não irei ao sepulcro esquecido
IV . Insultar o mesquinho finado;
Miserando! foi duro o seu fado,
Malditos sejais vós! malditos sempre Que um amigo sequer não deixou!
Na terra, inferno e céus! — No altar de Cristo,
Outra vez a 556 paixões sacrificado, Mas as vítimas tristes, cruentas,
ímpios sem crença, e precisando tê-la. Que hoje dormem na campa florida
Assentastes um ídolo doirado Nas funéreas mortalhas sangrentas
E m pedestal de movediça areia; Envolvidas, 560 jrei visitar:
Uma estátua incensastes — culto infame! — Lindas flores na aurora da vida!
Da política, sórdida manceba Murchas flores p’ra terra inclinadas!
Que aos vestidos, outrora reluzentes. A h! por tôdas no pó desfolhadas
Os andrajos cerziu da vil miséria! Ao Senhor compassivo hei de orar!
No antropófago altar, mádido, impuro
Em holocausto correu d’hôstia inocente V I.
Humano sangue, fumegante e rubro.
Insensível à dor, 557 ao pranto, às preces. E como aparecem num sonho ditoso
Insensível às 558 cãs, à verde infância, Fantásticas formas, composto formoso
Tudo sorveu a rábida quadrilha! Da noite que morre e do sol a raiar; 561
A treda mente maquinou suplícios. Eu vi muitas sombras, com ar magoado
Torpe vingança! meditou cruenta Chorando e passando: eu estava acordado,
Nos requintes da dor ébria fartar-se, E vi; mas par’ceu-me que estava a sonhar!
E lascívia imoral dos lábios dêles
Em frontes virginais cuspiu veneno. Passavam mostrando no peito a ferida,
Afrontas caiam sôbre tanta infâmia! E a celeste ventura no rosto envolvida 562
E se a vergonha vos não tinge o rosto. Se lia da morte ao cruel padecer!
T in ja o rosto do ancião, do infante E desta e daquela, de quantas eu via
Que em qualquer parte vos roçar fugindo! O nome, as feições e a voz co n h e c ia !...
Da consciência a voz dentro vos punja. Meu peito arquejava co’o interno sofrer.

[ 192]
OUTRAS POESIAS

Com triste sorriso nos lábios pousado, Mas Deos que lhes deparava
Chamavam-me tôdas ao tûm’lo gelado, Em sua alta providencia
E à paz dos sepulcros, e à vida do céu! Tal fereza nos algozes.
ô anjos, sofrestes martírio ansiado; Dava-lhes tal paciência,
Ao céu remontastes, ficastes ao lado Que havião em pouco o trato.
Do mártir divino que à terra desceu; Havendo o trato em clemencia.

Como hei de seguir-vos no etéreo caminho, H oje d’aquella virtude


Se prêso a esta vida, cansado e mesquinho, Só a licção nos ficou;
O meu longo martírio não posso acabar?^ O tempo nos foy comendo
Não posso seguir-vos, mas vós, meus amores, O corpo, que assi leixou,
Da noite nas sombras, do sol nos fulgores E té no esprito roido
Ah! vinde meus sonhos de flores juncar. De vez a fé desbotou.

Não pasmo disto, mas antes


De ver em povo d’increos,
Quem tema o fogo devino,
LENDA DE SAM GONÇALO. 563 Quem torne a caza de Deos,
Quando o pasmoso cometa
Alarga as azas nos céos.
Agora de hum grande Sancto
Embora lhe cabe a vez; Cegos! se todos fosseis
Bom Sancto foy Sam Gonçalo, Criados na escuridade,
Pezar que foy Portuguez, 564 Que farieis lobrigando
Que sanctos ditos que disse! Deste sol a claridade.
Que sanctas obras que fez! Deste sol que sempre luze,
E pera vós 56S luze embalde?
Bom tempo foy o d’outrora!
Não lhe quero outra resão: Como insectos esmagados.
Criava a terra gigantes. Alastrando longe o chão.
Havia Sanctos então. Tontos de pasmo e de medo
Havia paz e liança Ficarieis vós então.
Nos reys do reyno christão. Os olhos do corpo cegos,
Mas dentro d’alma o clarão.
He coisa de maravilha
E ainda mais — éque farieis
E de louvar o Senhor,
Vendo aquelle sol divino,
Ver na terra homens d’aquelles
Que cega os olhos do esprito,
De tanto esforço e valor,
Como de corpo franzino,
Como Gonçalo da Maya
Se vendo este, q’inda he terra,
Ou Gyraldes sem pavor!
Ficades tontos, sem tino?
Mas destes tratar não quero, Antes, Senhor, que me esqueça
Que são mui perto de nós; Quanto fisestes por mi.
D ’ outros digo tam pujantes Lavai-me dos meos pecados,
E de aspecto tam feroz, Que eu como gallas vesti, 566
Que hum sancto martyr trincavão, Levai-me desta amargura.
Como quem trinca huma noz. Levai-me, Senhor, daqui!
Quando a fé ’stava mais pura Levai-me, si, que eu não veja.
Melhor se mostrava Deos; Mal de mi! com tanta dor
Rézão disto as Escrituras, Vossos preceitos divinos.
Escuza pois ditos meos: Vossa doutrina d’amor
Começa do fim ditoso Trocada em uzos de feros,
Dos sete irmãos Machabeos. Na religião do terror!

Nada conta o livro sancto Mas se isto vos não mereço.


Do rey que se ouve assi, Já vos não peço, senão
O corpo nos não descreve; Que eu veja da minha vida
Mas eu tenho pera mi, Extinto e cego o clarão.
Que devia ser taludo, Antes que eu veja maldicta
Como huns cafres que já vi! Esta mesma religião.

Que sete irmãos como aquelles. Antes que eu veja crianças


Cada qual como hum Sansão. Pregarem ás cans nevadas,
Não he coisa que por brinco A correr de noite as ruas
Se frite n’hum cangirão, Com folias e toadas.
Que se retalhe em fatias Por ver azas de cometa
Delgadas, como de pão. Immensamente alongadas.

[ 193]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Cant’eu, de mi o confesso, Corrão com toda a despeza.


São veloccs caminheiros, Elles coitados que vivem
Que por ordem lá de cima, Em mais que parca estreiteza!
De más novas mensageiros.
Vão batendo d’astro em astro, Mas Deos he o sancto dos sanctos.
Como divinos romeyros. Elle nos hade acudir;
Assi fôra eu Sam Gonçalo,
Se comtudo hum Portuguez Que logo faria vir
AI dos cometas sentir, Brocados d’altos recamos
Se esta desgraça presente Pera a Senhora vestir.
Nelles não vio reluzir,
Dir-lhe-hei que elle não sente E huns paramentos ricos,
O dó de Alcacer-quibir. Como nunca os vio ninguém;
E lampada como aquella
D ir-lh e-h ei... mas nada digo! Que em Bem fica os Padres têm,
Eu alquebrado ancião Huns castiçais de pé alto.
Hei mister sancto descanço Humas galhetas também.
Pera a minha devação:
Sei que ser Portuguez hoje Mas do Sancto Sam Gonçalo
He crime d’alta treição. E ra outra a devação;
Todolo próe dava aos pobres
Agora torno ao meu Sancto; Com tam largo coração,
A lenda aqui principia: Que não tomavam um adarme
Dai-me, ó Sancto milagroso. De quaqto tinha na mão.
Ajuda em tenção tam pia,
Que hum Sancto, mesmo por ende. Vivia como se fôra
Deve de usar cortezia. Dos seos pobres dispenseiro,
Tudo com elles gastava,
Que não somente dinheiro;
Fiava que Deos iria
Compondo o sco mealheiro.
Frei Sam Gonçalo era Abbade
De Sam Payo na Abbadia;
Trazia guerra travada
E ra mancebo nos annos,
Co’o Demo, que o não deixava.
Mas como sancto vivia;
Os acicates da carne
Com toda a renda que tinha
Com jejuns os despontava;
Aos pobres seos acudia.
E tinha tam sancta vida,
E ra pingue o beneficio. Que Deos o communicava.
Bons benesses que elle tinha!
Bons portuguezes antigos, 567 Isto não he coiza nova.
Boa prata comezinha! Antes coiza mui provada,
Já disso não vejo ha m u ito ,... Que Deos não quer ser vencido
Em cortezia extremada;
Deve ser cegueira minha.
Seja a prova aquelles Monges
Do dezerto da Thebaida;
Cegueira, si; que se o reyno
E ra rico de pobreza.
Que se forão commettidos
Cavados tantos thesoiros
Do inimigo malino.
Em cada huma fortaleza.
Vestido em pel' d’alimaria,
Tanto arcaz de feição moura
Como de um urso ferino,
Cheios de tanta riqueza;
Tam bem do céo, como orvalho,
Ehes vinha o favor divino.
Porque então não vejo agora
Senão grosseiros ceitis, Mas se hum incréo me pergunta
E esses mesmos não tantos
P or que hoje disso não ha:
Que se messão por candis.
Pergunto: ;— por que o dezerto
Ou então pezos d’Hespanha,
Flores, nem fruetos não dá?
Só bem acceitos por vis? Por que não corre a corrente,
Se a fonte exhaurida está?
Mas he tal nossa mofina
Que na minha sacristia,
O céo he sempre benino.
Sommados todos no cabo
Agua não leixa de haver;
Os fruitos de cada dia, Se a terra pois não produze,
Não dão pera o oleo sancto, Se a fonte não quer correr,
Que a may de Deos alumia! He terra, he fonte damnada;
Penso que al não póde ser.
He certo miséria grande,
E muito grande extranheza,
Que o povo leixe que os frades

[ 194]
n

OUTRAS POESIAS

Ora liuma noite cjue o Sancto A sua esposa divina,


Rezava as suas matinas, E andar caminho da vida.
Ouvio huns doces acordes Vivendo vida mofina!
Como das harpas divinas,
Que os anjos tangem cantando  aquelles pobres, seos filhos.
Louvor ás pessoas trinas. Em vida seos bens legou!
Que mais fez aquelle Padre,
D ’aquelle mar d’harmonia Que o livro sancto louvou,
Voz que não era daqui, 568 Que ao filho dá bondadoso
De quanto, em bem, lhe ficou?
Despega-se, e diz ao Sancto:
— Gonçalo, que fazes hy?
Quem ha hy que hoje se arrisque
“ Oro, Senhor, lhe responde,
A perfazer tal empreza?
“ Por todos e mais por m i!”
Aquelle ardor atrevido,
Aquella sancta affoiteza
“ He muito, a voz lhe tornava. Foy timbre d’homens antigos.
He muito, mais tudo não; Homens de lhana rudeza.
Faze-te prestes romeyro.
Tom a a vieira, o bordão. Não hoje, que o homem nasce
Esmola polas estradas. Franzino e fraco, inda mal!
Caminho recto a Sião. Sem forças pera a virtude;
Só com valor infernal.
“ Pascem no monte Oliveto Pera as torpezas do crime
As cabras do Galaath; E pera o vicio carnal.
Retumba no templo augusto
A voz medonha de — Allah; Não hoje, quando o pecado
Ferve aly muita aravia, Uza de tanto disfraz,
Muito homizio vai lá. Que só por artes malinas
E manhas de Satanaz,
“ Se entre os máos hum bom existe. Póde o homem fazer tanto,
Poupa Deos a quantos são; Como hoje em dia se faz!
Porém carreira arrepia:
Caminho vai de Sião, Já vi em caza de hum rico
Na boca o nome divino. Tal meza com tal guizado,
Minguada esmola na mão.” Com cheiro tam penetrante
E adubo tam con certad o...
Eu creio que só da vista
O bom sancto alvoroçado Ficava o jejum quebrado.
Apresta-se com trigança:
Cumpre divino preceito. E vi também humas ca m a s...
Só nelle tem confiança, Délias não quero tratar:
Que vagar por longes terras Cahi na conta que o Demo
Prazer não he, mas provança. Foy só quem n’as pôde armar:
Senti vertigens de somno.
He nada o trem d’hum romeyro; Sem o poder dominar.
O Sancto se apresta azinha.
Chama hum parente lidimo. Fugi do engodo malino
Portas a dentro o mantinha; Clamando por Deos Jezus,
E entrega-lhe o seu rebanho Na boca o sancto exorcismo,
Com as ovelhas que tinha. Na fronte o signal da cruz.
Braços crusados no peito.
Dá-lhe a prebenda avultada, Fronte mettida em capuz.
E os mais benesses também,
Tudo com termos polidos. Então acabei commigo
Ou só de hum sancto, ou de quem De crer no que disse Deos
Só quer da vida o marteyro Ao bando dos seus descip’los
E os prêmios que Deos lá tem. E á turba dos phariseos,
Não ser azado que hum rico
Possua o reyno dos ceos.
E mui leal lhe encomenda
Seos pobres por derradeiro:
Ora lá vai caminhando E entrando na minha cella.
Aquelle sancto romeyro. Vista a penúria que eu vi:
Clamei que Deos fôra grande
Pedindo a Deos em sua alma
Que lhe depare o marteyro! E muito bom pera mi;
Qu’esta probreza em que vivo,
Certo, lli’a não mereci.
Que acção que trescala a graça!
Que façanha peregrina!
Deixar o esposo prelado
[ 195]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Partira pois Sam Gonçalo, Muitos annos são passados,


Partira, mas não sem dor: (Diz catorze a tradicção)
No seo amado rebanho Quando o divino romeyro,
Leixando, em vez de pastor, Feita a sua devação.
Aquelle falso parente, Torna do bento sepulcro,
Que foy hum lobo tredor. Gasto e quebrado ancião.
Olhos outrora do falso Alva e rara cabelleira,
Baixados humildemente; Como 569 prata, reluzia.
Ditos e fallas de sancto, Rosto de rugas cortado.
Meneyo e gesto consente, Barba que ao peito descia:
Fizerão-no ter por sancto: Homem de carne não era.
Julgava assi toda a gente. Senão pura notomia.
Aleive não ha que dure,
Sem que se descubra alfim; Dos annos e da moléstia
Logo de posse do bollo O corpo todo alquebrado,
Mostrou-se o villão ruim; Nos trajes pouco luzido.
Mostrou-se, qual sempre fôra, Ou roto ou mal concertado;
Padre não já, mais chatim. Â porta do novo abbade
Batia o velho prelado.
Intruso que não rezava
Nem siquer seo breviairo; Ergueo em voz já sumida
Gastava dos bens dos pobres Hum triste e piedoso brado,
Com boa sombra e doairo, Pedindo magra pitança
Pera si com mãos de rico, Com modesto gazalhado,
Pera os outros — de usurairo. Que vem o pobre romeyro
M orto de fome e cançado.
Gastava em mulas possantes.
Em caça de altaneria. Aquelle pio reclamo
Em ter matilha adextrada Acode medonho cão,
E bem provida ucharia. A cauda enrosca, e d’hum salto
Em ter vestidos mui finos Investe ao sancto ancião;
Barrados de pedraria. Rompe-lhe os rotos andrajos,
E arranca-lhe o seu bordão.
Trem real como elle tinha.
Por certo o não vio ninguém: Acode o dono soberbo
Cavallos de boa raça. Disendo: Vai-te mendigo!
Falcões, açores também, “ Senhor, retrucava o Sancto,
Criados e meza larga, “ Primeiro ouvide o que digo:
Como hoje aqui poucos têm ! “ Morro de fome e cansaço,
“ Não tenho lar, nem abrigo!”
Quando sahia a passeio
Todo garboso e lusido, — Não me praz ouvir-te agora.
Ninguém diria ser Padre, Tornava o abbade indino.
Senão duque esclarecido. Mais que depressa esquecido
Ou senhor d’altos estados. Que a opa do perigrino
Ou infanção destemido. Ou que a murça do romeyro
Que o seo ginete mandava Esconde hum ente divino.
Com tal arte e bizarria,
Que ao passar no povoado —• Sei, dizia, que na capa
Donas de muita valia. De piedoso romeyro.
Lindos olhos concertavão Vem gente de feio trato
Nas grades da gelozia. E muito vil calaceiro:
Bem he de crer, como eu creio,
E muitas vezes passando Que és delles — por derradeiro.
Ju nto á mourisca seteira.
M orrer aos pés do ginete — Desse teo rosto medonho,
Vinha a seta mui certeira, Que boas novas não traz.
Com letra e primor de amores. Digo que o vi nos milhanos
De amores máus mensageira. Das serras de M onsarraz;
És predador das estradas:
Assi vivia este abbade. Ju ro por Sam Satanaz! —
Em quanto que o verdadeiro.
Sem lar, sem tecto, sem meza, Ouvido que foy tal nome,
Como pobre forasteiro. Como de sancto christão.
Vagava por longes terras. Ao sancto abbade romeyro
Vivendo com hum romeyro. Cahio-lhe o rosto no chão!
Dor que lh’entrara no peito.
Ficou-lhe no coração.

[ 196]
OUTRAS POESIAS

Que se elle era assi tratado, Acção tam vil commetter,


Elle, vigário e senhor, E Sancto tal affrontado.
Que não seria dos pobres, Sem Deos lhe poder valer.
Que em vez de terem pastor,
Tinhão por guarda e vigia Mas o Sancto milagroso
Faminto lobo tredor. Que pôde tornar do pão,
j á não digo azima 571 feia.
O sancto ficou penado Senão massa de carvão
E cheio de contricção, Triste, negro e inficionado,
Que ao seu parente talvez Que nem era pera cão;
Foy meio de perdição,
E ao seo rebanho de magoa, Que moveo rochedo enorme
E a si de muita afflicção. ju n to á ponte d’Amarante,
Chegando-lhe hum dedo apenas,
Alfim tornado do espanto. Como se fôra gigante;
Disse severo de si, Rocha que esforços baldára
Com voz e tom d’agastado: De muita gente possante:
“ Gonçalo sou, eis-me aqui!
“ Venho ora tomar-vos contas Que fez e lle ? ... oh! nada fez!
“ Do que fisestes por m il” D isse: “ Deos o quer assi;
Sou eu creatura sua.
As frias mãos escarnadas Bem he que elle mande em mi;
No seo bordão ajuntou: Não seja feito o que eu quero,
Espera resposta delle. Mas o seu talante — si.
Rosto nas mãos inclinou:
Prosegue; fundo suspiro “É vossa a força que eu tenho.
Do peito o velho arrancou. Disse elle: em uzo a não puz,
Que também sobre o calvario.
Vós, Senhor meo, bom Jezus,
“ Certo que as vossas palavras
Nem o calvario afundastes,
“ Mal dizem com o que dissestes,
Nem sovertestes a cruz.
“ Quando de vós me apartei;
“ Co’o que vós 570 me promettestes,
“ Porque se eu, filho do barro.
“ Co’ as licções que vos eu dei,
Ser mesquinho, ou verme, ou nada.
“ Com a fé que me vós destes!
Tenho em mi força divina
He pera ser empregada
“Dissestes: na tua ausência,
No que he mister, porque seja
“ (Disseste-lo em hora má)
A gloria vossa exaltada.”
“ Qual quer das tuas ovelhas
“ Em mi abrigo achará; Assi discorria o Sancto
“ Qual quer dos pobres que leixas
No seu profundo juizo;
“Aqui mantido será. Ora descança no meio
Das glorias do paraizo:
“Ora eis-me a q u i!... e a mim proprio Louvor a Deos! — e com isto
“ Negas hum pouco de pão, A lenda aqui finalizo.
“ Que só he de ser negado
“ Ou a precito ou a cão;
“ Negas-me té gazalhado,
“ E o fogo do meu fogão!
Conto as coizas como forão,
“Levar daqui! sou Gonçalo; Não como devião ser;
“ Dá-me pois o meu logar, Hum Sancto, mesmo porende.
“ Dá-me as ovelhas coitadas, Merece menos soffrer:
“ Que eu não devera leixar, Julgo assi: Digão-n’os sábios
“ D á -m e ...” — Não pôde o Sancto, Qual he o seo parecer.
Não pôde, não, rematar!
Cant’eu — sabença da terra
Sobre a fronte, calva e núa Tenho por coiza ruim,
Vio descer grave pancada; Que serve só pera gloria, ^
A testa de romania Que he só vangloria; e assi
Ficou em sangue lavada; Que como he coiza de orgulho,
Aquelle sangue bemdito No fundo inferno tem fim!
Regou a terra damnada.
O homem que for prudente
Só pelos frades se reja;
Creia no Papa e nas Bullas,
Certo que os anjos no inferno E na sancta Madre Ig reja:
Sentirão muito prazer. O mais he coiza de fumo,
Vendo aquelle máo prelado Não sei de quem valor seja.

[ 197]
ANTôîvTO GONÇALVES DIAS

Que reze o sancto rozairo, Quem pudesse acabar entre os delíquios


Dou de conselho também; De um puro e doce amor! — fazer pedaços
Que assi viverá na gloria, Desta vida misérrima as cadeias.
E vive-se lá mui bem, Morrer primeiro que se esgote a fonte
Cantando hozannas eternos Duma ilusão doirada, — e entre suspiros.
Por tempos sem fim: amen. Entre as notas de um ai mal rematado.
Chegar de Deus ao trono, como um canto,
Que a brisa leva ao céu entre perfumes!

Mal distintas palavras murmuraram:


Não voz, porém acentos mal formados.
ANÁLIA. 572 Quase grito e rugidos, que passavam
De um peito a outro sem roçar nos lábios;
PoEMETO. Frases do coração que ao destacar-se
Levavam após si o melhor dêle.
Aquela tempestade enfim se amaina.
A vida do homem com todos os seus projetos se eleva como Já menos fortes sensações tão vivas
uma tòrre cuja coroa é a morte. Podem têrmos achar com que s’exprimam.
S. PIERRE.
— “ Não sentes, doce bem, quanto é penoso
Lutar em vão co’a sorte? — quanto punge
O prazer que fruir nos fôra dado,
E não fruído se converte em penas!
Canto P rimeiro. Pensar que a minha vida, a sós contigo,
Decorrera feliz, tranqüila e pura!
Noite propícia aos tímidos amantes. Sentir que este desejo assim nutrido
Consolação dos tristes que, suspiram, Há de esvair-se, e não mui tarde, um dia,
Que não podem sofrer do sol os raios, Como ao romper do sol se esvai a sombra!
Êsse manto de estréias não recolhas, É vida de martírios que enlouquecem,
Que os olhos chama aos céus, e a Deus a mente D ’ ansiedade, que mata! — Oh muito amada.
E em plácido remanso a dor abranda Luz desta alma, que a dor me vai gastando,
De quem maior alívio não procura Como viver sem, ti num êrmo triste.
Que sentir sempre aberta a chaga antiga, Sem qu’eu te escute a voz, sem que os teus olhos
híoite não era já, não era dia; Me falem da tua alma a cada instante?
Porém a fresca, matutina brisa Nunca t ’eu vira, nem me viras nunca.
Começava a correr, prenhe de aromas. Menos agra talvez nos fôsse a vida.”
Por entre as verdes folhas dos olmeiros,
Como o suspiro que remata o sono Com voz que os seios d’alma penetrava
De uma virgem que dorme. Dentre as ramas Respondia a donzela: — “O fado às vêzes
Em desafio as aves entornavam Cansa de ser cruel! — Quem sabe? — Um dia
As notas várias do seu hino eterno, Êste pesar será, que ora passamos.
A cujos sons a natureza acorda Grato de ser lembrado: espera ainda.”
E o coração se alegra; da neblina — “ Espero, — oh! inda espero; mas a esp’rança,
Os densos rolos — dos profundos vales Ao passo que meus dias se devolvem.
E dos cimos erguidos — procuravam, De tanto se alongar me vai fugindo.
■Atraídos do sol, mais alta esfera! Rico e nobre é teu pai; seus feitos voam
De bôea em bôea — em longa série ilustre,
Anália, oh bela filha dos amores, Não denegrida, não cortada: o orgulho
Porque tremes assim? porque t’encobres? De rico e d’infançâo, que tanto o exalta.
Porque essa palidez? êsse agitado Ergueu alta barreira entre nós ambos.”
Pulsar do seio, êsses modestos olhos,
Perlustrando em redor té onde alcançam? — “Qu’importa! o nosso amor é mais valente:
Ninguém te espreita ou vê; ninguém te segue: Iremos ambos a seus pés lançar-nos,
Sob o avito solar descansam todos. Dizer que a nossa vida pende agora
Teu nobre e velho pai te crê dormida! Do nosso amor. — Há de escutar-me afável,
E tu do leito virginal te ergueste, A mim que mais que a vida estima e preza.
Quando a noturna alâmpada brilhava Último alívio dos seus curtos dias.”
Incerta, frouxa luz nas brancas telas, Eis nisto sobrevêm o pai turbado,
Como nos brancos muros de um mosteiro A quem roaz suspeita rouba o sono;
Estampa a lua os pálidos reflexos. Mal vê o arrojo do mancebo, e a filha,
“Anália!” oculta voz entre suspiros Que mancha os seus brasões, prorrompe irado:
Duvidosa murmura: volta o rosto
A donzela gentil, descora, treme. — “Mal haja o vil, o sedutor corrupto,
Vacila, cai nos braços de um mancebo. Que tantos anos de honradez deslustra.
Qual palha sôbre o alambre, ou como fibra Cobrindo a virgem de vergonha; e ao velho
De magnética força comovida! D ’oprôbrio e negra infâmia!” Assim dizendo.
Não tem voz, não tem côr, — pálida rosa Leva a trêmula mão da clara espada.
Semelha num jardim cortada há pouco! Lampeja o aço aos olhos do mancebo.

[ 198 ]
1
OUTRAS ROKSIAS

Que sobre o peito inerme cruza os braços, - “ Não sabes! por te amar daria a vida,
E não descora, nem recua: a virgem, Até a gôta extrema, que em meu peito,
Que um amável terror empalidece. Qu’inda em meu coração girar sentisse;
Cobrindo com seu corpo o corpo dêle, E quando a própria vida me faltara,
Não teme a fôlha trêmula, que oscila Minha alma, e o que me espera além da morte.
Na mão Que os muitos anos ja cansaram. Daria por te amar. — É fraca a prova
A vida of’rece a quem lhe dera a vida, De sofrer doce pêso algumas horas
Que a amava tanto! — seu amor confessa. Por viver em delícias longos anos.”
Fineza dêle, que a vencera amando,
Extremos de ambos que viver não podem, Anima-se, prossegue mais brioso,
Não sabem desunidos. Rude o velho Sorvendo sob os pés a senda ingrata.
Medita e cisma, e conhecer intenta Imensa multidão, a quem tal caso
O amor do jovem ; quer talvez prová-lo, Ali reúne, e tem como suspensa.
Talvez do estranho arrojo quer puni-lo. Aplaude entusiasta, brada, clama,
Ergue-se perto um monte de granito Da base da m on tan ha... — infindos rogos
Altivo, colossal, — no cimo erguido Eleva, exalta ao céu: — “ Coragem!” grita;
Nenhuma flor brotou, nenhum arbusto “ Gentil mancebo, alento!” Fraca, incerta.
Prestou-lhe grata sombra, onde asilado Chegava ao par amante a voz ruidosa,
Canoro rouxinol soltasse o canto. O mancebo feliz todo se embebe
Com gesto brusco e breve o mostra ao jovem, No futuro gozar dos seus amores.
E diz-lhe em voz, donde o furor transpira; Bagas e bagas de suor cresciam
— “ Se dêste monte o píncaro vingares, No fronte afogueada; o rosto aceso
Tendo nos braços a mulher que adoras.
Ao desejado fim dos seus trabalhos
Sem que descanses...” — “ Se o vingar?...” — É tua;
Volvia; a casta virgem, desprendendo
Mas ai de ti, ai dela, se esmoreces,
A loura trança, avelutada e longa.
Se a oferta iludes, se tua alma fraca
Aos teus desejos inferior se m o s t r a !...” Tentou limpar-lhe o rosto; mal sentira
A fragrância, o contacto, o sangue em ondas
Correu-lhe ao coração, — a côr das faces
É tua! — Estas palavras no mancebo Sumiu-se de relance. — “ Sofres! sofres!”
Coaram grato enleio; — gôta amiga Inquieta a virgem perguntava. O triste
D ’orvalho no Saará, clarão nas trevas. Começou de correr com novo alento.
Brando calor nos pólos. — “ Minha! minha!”
Como louco bradava, e nos seus braços — “ A trança, a loura trança me eletriza,
Requeima o sangue e a pele, inflama e cega!
Tomou, correndo, a virgem delicada!
Querida, amada, mais que tudo amada.
Luz da minha alma, norte meu, feitiço
Desta existência, que sem ti é morte.
Oh! não queiras, por Deus, tirar-me as forças!”
C anto S eg u n d o .
Bradava assim, correndo; já mais fraco,
Inda mais fraco sente-se, — caminha.
Oh! que ditoso par! os corpos de ambos, — “ Ouves?” a bela virgem lhe dizia;
Que o amor ligara, estreitamente unidos.
Lá vão, como um só vulto, indivisíveis. “ Quando assentares que vencer não podes
Prende o mancebo nos nervosos braços E sta íngreme costeira, não mo digas;
O leve corpo dela, doce, ebúrneo. Porém ao fundo abismo negrejante,
Elástico e tão m e ig o !... Oh! que não possa Que a nossos pés terrífico se cava.
Linguagem d’homem retratar ao vivo Leva-me, por Deus, prêsa em teus braços,
O arroubo estreme, os êxtases divinos. E esta vida contigo ali se acabe.”
De quando a vez primeira, entre delíquios.
Unimos contra o peito, arfando ardente,
Uns peitos que se elevam, que se abatem, __ “Que falas em morrer, tão nova ainda!”
Que suspiram por nós! — Os olhos d’ambos Soluçava o mancebo!” “ Oh! não, mais dias
Cintilavam de amor! hálito ardente Nos restam, mais felizes, — outros anos,^
Crestava os lábios d’ambos, derramando Outros tempos de amor, que êstes não sejam.”
Mais do que vida, do que amor, nas faces Já se apressa, já corre! — O povo amigo
Que em vivo fogo ardiam. Amorosa, __ “ Coragem!” com mais força lhe gritava.
Porque mais leve se tornasse, a virgem. Açodado correu por longo espaço.
Lançando ao colo dêle os níveos braços. Saltando d’àsp’ra senda as pedras soltas;
Meia suspensa lhe dizia: Porém, do afã, por fim, quase vencido,
— “ Amado, Com voz, louca de amor, bradava o triste:
Não tenhas nímio ardor; sê mais prudente.
Calcula os passos, mede-os; ouço as pedras
— “ Oh! como é doce êste romper da aurora!
Rolar-te sob os pés: mais vagaroso
Caminha; — a queda é morte, o afã, a pressa A brisa da manhã, como é suave!
S e ca -m e as b ag as de suor do ro sto ,
Quebra o arrojo, enfraquece; — alcantilado
U m ed ece-m e os láb io s ressequidos,
É dêste monte o cume, — falta muito.
E outra vida melhor m’influi no peito.
E do rosto o suor te corre em fios.”

[ 199]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

E após instantes, prosseguiu mais baixo: Caiu gemendo; a mísera donzela,


— “ Quebrou-me êste lutar co’a sorte ingrata, — “O h! vinde! socorrei-m e!” repetia;
Quase vencido arquejo, os membros lassos “ Oh! vinde, que êle expira!” A turba entanto
Movo a custo arrastados; mas e s p e ro ... Enchia os ares de aplaudir ruidoso.
O h! inda espero de chamar-te minha. — “ Socorrei-m e!” bradava enlouquecida;
De haver-te em prêmio dêste afã penoso!” Bradava a turba: — “ A noiva, a bela noiva!
O h! como os cabelos esparzidos
Volvendo ao cimo da montanha os olhos. C ’o resplendor do sol pleiteiam brilho?!
Murmurava a donzela: — “ O h! Deus, tão alta!” É bela, ardido o noivo, ambos felizes!”

— “Bem alta, sim, porém vingá-la é força: Lindas capelas de mimosas flores
O amor é forte e compassivo; os brios. Fabricavam no entanto — um padre chamam,
De que preciso, mos dará; mas dize. Porque em laço de amor juntasse a ambos;
Dize-me tu que serás minha, tudo Mas as capelas definharam tristes
Que eu perderei, que eu lucrarei contigo, Em lutuoso esquife, — a mesma campa
E certo vencerei; — dize-me as doces. Sorveu — leito nefasto — os dois amantes!
Meigas frases de amor com que eu soía
Esquecer-m e da vida agra e pesada, Som ente o velho pai do nobre orgulho
Qu’hei passado sem ti: que em te escutando No enterro filial o arranco extremo
E sta fadiga esquecerei, lembrado Soltar medita, transformado em pompa.
Do que me resta de prazer, de enlevos, Não querendo feliz a filha em vida.
D ’almas venturas a fruir ditoso. Ao menos quer no mármore brunido
Assim, assim ; crava nos meus teus olhos. M ostrar poder, nobreza, e o esquartelado
Teus lindos olhos de um azul tão puro, Lutuoso brasão em campo negro.
Como a cerúlea côr do céu, das ondas.
Por noite estiva e bela. Da tua alma
Leio nêles a tímida esperança,
E como êles espero. — Um beijo, um beijo!
Êsse macio dos teus lábios causa CAXIAS. 57.3
Frenesi que transporta, que enlouquecei
Guarda-os por ora, — êles sufocam, roubam Ao Aniversário da sua Independência.
O alento, a razão, — como um cautério
De fogo, inflamam, — o ardor, a vida,
Que prestam, — são delírio, raiva insana, 1 DE Agôsto.
E nutrem como a febre!”
E is que o mancebo Caxias, bela flor, lírio dos vales.
Os passos multiplica nessa estrada, Gentil senhora de mimosos campos,
Que mais se estreita, empina e cresce. Como por tantos anos fôste escrava,
Enfim despareceu! não tôda, resta Como a indócil cerviz curvaste ao jugo?
Curta distância, que vencer é fácil; O h! como longos anos insofríveis.
Fácil, mas a membros não cansados, Rainha altiva, destoucada e bela.
Não exauridos de vigor, em luta R ojaste aos pés de um régulo soberbo?
Perigosa e vital. — “ Meu Deus, não posso!” A míngua definhaste em negro cárcer,
Murmurava entre si, a mêdo, e quase Onde um raio de sol não penetrava;
Reflexo interior do pensamento. Em masmorra cruel, donde não vias
— “ Um passo m ais!” bradava-lhe a donzela. Cintilar o clarão d’amiga e s tr é ia ...
Em ânsias de transido desespêro. O h! não, que a luz da esp’rança tinhas n’alma,
“ H esitas! desfaleces! pois morramos! E o sol da liberdade um dia viste.
Plácido asilo a campa nos o f’rece, De glória e de fulgor resplandecente.
Da morte o estreito umbral passemos juntos.” Em céus sem nuvens no horizonte erguido.
Freqüentes sons, agudos, nos ouvidos
Sente o mancebo, — transtornado o rosto. E is o som do tambor atroa os vales,
Mal firme sôbre os pés, semelha o tronco O clangor da trombeta, os sons das armas,
Nutante, cerceado, que procura A terra abalam, despertando os ecos.
O cimo undoso equilibrar nos ares. — E ia ! oh bravos, erguei-vos, — à peleja,
Nada ouviu, nada viu, — nem mesmo o pranto, À fome, à sêde, às privações, — erguei-vos!
O adeus extremo soluçado à vida Tu, Caxias, acorda, — tu, rainha.
Risonha e bela e súbito cortada. Lâm ina d’aço puro, envolta em ferro
Quase ao romper da aurora. O pranto ardente Ao sol refulgirás; — flor que esmoreces
Caiu no peito do m ancebo: — “ Choras! À mingua d’ar, em cárcere de vidro.
Tenho os olhos vendados, mas sentido Em ar mais livre cobrarás alento.
Hei sôbre o peito um requeimar de fogo; Graça, vida e frescor da liberdade.
Choras, tu choras!”
Delirante o moço Antemural do lusitano arrojo.
De um pulo ardido vinga o resto infando Último abrigo seu, — feros soldados.
Da senda malfadada: — “ És minha! és m inha!” Veteranas coortes nos teus montes
Clama em delírio, mas a morte o colhe, Cravam bélicas tendas! — Um guerreiro,
E dentre os braços da que amava, o arranca! O nobre Fidié, que a antiga espada

[ 200 ]
OUTRAS PO ESIA S

Do valor português empunha ardido, I I I.


No seu mando as retém : debalde, ó forte.
Expões teus dias! teu esforço inútil E as aves trinando,
Não susta o sol no rápido declive. E as feras rugindo,
Que imerge aquém dos Andes orgulhosos E os ventos zunindo
D’Africa e d’Asia os desbotados louros! Da noite no horror.
Também são concertos;
Eia! — o brônzeo canhão rouqueja, estoura. Mas êsses rugidos
Ribomba o férreo som dum eco em outro. E tristes gemidos
Nuvens de fumo e pó lá se condensam ... E incerto rumor,
Correi, bravos, correi!. . . mas tu és livre. — Quem ouve? — O poeta
És livre como o arbusto dos teus prados. Que imita e suspira
Livre como o condor que aos céus se arroja; Nas cordas da lira
És livre! — mas na acesa fantasia Mais doce cantar.
Debuxava-me o espírito exaltado
Fráguas cruas de morte, o horror da guerra
Descobrir, contemplar. — Oh! fôra belo IV .
Arriscar a existência em pró da pátria,
Regar de rubro sangue o pátrio solo, E as iras medonhas
E sangue e vida abandonar por ela. Do mar alterado.
Ou manso e quebrado
l.onge, delírios vãos, longe, fantasmas Sem rumo a vagar.
De ardor febricitante! Também são concertos;
À glória dêste dia comparar-se Mas essa harmonia
Pode acaso visão, delírio, ou sonho? De tanta poesia,
Ao fausto aniversário Quem sabe escutar 1
Da nossa independência?
— Quem sabe? — O poeta
Aclamações altíssimas
Que os tristes gemidos
Corram nos ares da imortal Caxias:
Seja padrão de glória entre nós outros Concerta aos rugidos
Santificada aurora. Das vagas do mar.
Que os vis grilhões de escravos viu partidos.
V.

E os meigos acentos
A HARMONIA. 574 Duma alma afinada
E a voz repassada
D ’interno chorar.
I.
Também são concertos;
Os cantos cantados Mas essa harmonia,
Na eterna cidade Que Deus nos envia
À só potestade No alheio penar,
Da terra e dos céus. Quem sente? — quem sofre,
São ledos concertos Que a dor embriaga,
D ’infinda alegria; Que triste se paga
Mas essa harmonia D ’interno pesar.
Dos filhos de Deus
— Quem ouve? — Os arcanjos.
Que ao rei dos senhores V I.
Entoam louvores.
Que vivem de amar.
Se a meiga harmonia
Do céu vem à terra,
II. Um cântico encerra
De glória e de amor;
E o giro perene
Mas quando remonta,
Dos astros, dos mundos
Dos eixos profundos Dos homens, das aves,
No eterno volver; Das brisas suaves,
Do caos medonho Do mar em furor,
A triste harmonia, São tímidas queixas,
Da noite sombria Que aflitas murmuram,
No eterno jazer, Que o trono procuram,
— Quem ouve? — Os arcanjos Do seu criador.
Que os astros regulam.
Que as notas modulam
Do eterno girar.

L201]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

A TEMPESTADE. 575 Estilham -se como as velas


Que no alto mar apanha.
Ardendo na usada sanha.
Quem porfiar contigo. . . ousara Subitâneo vendaval.
Da glória o poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro, Bem cojgip serpentes que o frio
Turbar-se o claro rio?
A. HERCULANO.
Em nós emaranha, — salgadas
As ondas s’estanham, pesadas
Batendo no frouxo areai.
Um raio Disseras que viras vagando
Fulgura Nas furnas do céu entreabertas
No espaço Que mudas fuzilam, — incertas
Esparso, Fantasm as do gênio do mal!
De luz;
E trêmulo E no túrgido ocaso se avista
E puro Entre a cinza que o céu apolvilha,
Se aviva. Um clarão momentâneo que brilha.
S ’esquiva, Sem das nuvens o seio rasgar;
Rutila, Logo um raio cintila e mais outro,
Seduz! Ainda outro veloz, fascinante.
Qual centelha que em rápido instante
Vem a aurora Se converte d’incêndios em mar.
Pressurosa,
Côr de rosa, Um som longínquo cavernoso e ouco
Que se cora Rouqueja, e n’amplidâo do espaço m orre;
De carm im ; Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
A seus raios Que alpestres cimos mais veloz percorre,
As estrelas, Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Que eram belas, Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
T êm desmaios, Devorador incêndio alastra os ares,
J á por fim. Enquanto a noite pesa sôbre os mares.

Nos últimos cimos dos montes erguidos


O sol desponta
Já silva, já ruge do vento o pegão;
L á no horizonte,
Estorcem -se os leques dos verdes palmares,
Doirando a fonte,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
E o prado e o monte
Até que lascados baqueiam no chão.
E o céu e o m ar;
E um manto belo Rem exe-se a copa dos troncos altivos.
De vivas cores Transtorna-se, tolda, baqueia tambérn;
Adorna as flores, E o vento, que as rochas abala no cêrro.
Que entre verdores
Os troncos enlaça nas asas de ferro,
Se vê brilhar.
E atira-os raivoso dos montes além.
Um ponto aparece, Da nuvem densa, que no espaço ondeia.
Que o dia entristece, Rasga-se o negro bôjo carregado,
O céu, onde cresce, E enquanto a luz do raio o sol roxeia,
De negro a tingir; Onde parece à terra estar colado,
O h! vêde a procela Da chuva, que os sentidos nos enleia,
Infrene, mas bela, O forte pêso em turbilhão mudado,
No ar s’encapela Das ruínas completa o grande estrago.
J á pronta a rugir! Parecendo mudar a terra em lago.

Não solta a voz canora Inda ronca o trovão retumbante,


No bosque o vate alado, Inda o raio fuzila no espaço,
Que um canto d’inspirado E o corisco num rápido instante
Tem sempre a cada aurora; Brilha, fulge, rutila, e fugiu.
É mudo quanto habita Mas se à terra desceu, mirra o tronco.
D a terra n’amplidâo. Cega o triste que iroso ameaça,
A coma então luzente E o penedo, que as nuvens devassa,
Se agita do arvoredo, Como tronco sem viço partiu.
E o vate um canto a mêdo
Desfere lentamente. D eix a n d o a p a lh o ça sin g ela.
Sentindo opresso o peito Humilde labor da pobreza,
De tanta inspiração. Da nossa vaidosa grandeza.
Nivela os fastígios, sem dó;
Fogem do vento que ruge E os templos e as grimpas soberbas.
As nuvens aurinevadas, Palácio ou mesquista preclara,
Como ovelhas assustadas Que a foice do tempo poupara.
Dum fero lôbo cerval; Em breves momentos é pó.

[ 202 ]
V ERSO S PÓSTUMOS

Cresce a chuva, os rios crescem, VERSOS PÓSTUMOS,


Pobres regatos s’empolam,
E nas turvas ondas rolam
Grossos troncos a boiar!
O córrego, qu’inda há pouco
No torrado leito ardia, Entusiasmo ardente m’arrebate; 577
É já torrente bravia, Eleve-se o meu estro, e a minha lira,
Que da praia arreda o mar. Que obscura até ’qui, gemia opressa
Sob o pêso d’angùstias, só ressoe
Mas ai do desditoso, Com sons festivos, ecos de meu peito.
Que viu crescer a enchente — Peito, que há pouco frio, agora 578 pulsa
E desce descuidoso Fogoso, e se dilata, qual o incêndio,
Ao vale, quando sente Que de centelha apenas duvidosa
Crescer dum lado e doutro Erguido num momento abrasa os bosques.
O mar da aluvião! Um viva meu s’eleve, e se misture
Os troncos arrancados A tantos vivas vossos, penetrados
Sem rumo vão boiantes; — D ’esperança, d’amor, d’entusiasmo! — . . .
E os tetos arrasados, Também um voto meu! que em prol do Povo
Inteiros, flutuantes. Independente já, malgrado a infância.
Dão antes crua morte, De Deus se eleve ao trono, como a prece
Que asilo e proteção! Humilde, e ardente d’amoroso filho,
Que a ventura do Pai suplica a mêdo.
Porém no ocidente Atente Deus propício nesse voto.
S ’ergue de repente De ventura, e de paz p’ra o novo Império,
O arco luzente. De ventura, e de paz para o Monarca,
De Deus o farol; Que tão jovem no sólio toma assento,
Sucedem-se as côres, A disfarçado pêso sotoposto
Qu’imitam as flores, D ’àurea c ’roa te sujeite um povo inteiro. —
Que sembram primores Mancebo! tuas mãos vão calejar-se
Dum novo arrebol. Em sofrear as iras do teu povo! 579
Tu gemerás c’o pêso do teu cetro 580
Nas águas pousa; E os teus te invejarão a tua sorte!
Feliz!, se no declive de teus anos
E a base viva
De luz esquiva, O encontrares então moral, e puro —
E a curva altiva Feliz — que passarás à eternidade!
Sublima ao céu; E , qual o sol brilhante ao meio-dia,
Inda outro arqueia. Que depois de manhã escura, e feia.
Mais desbotado. Ressentia de noite trovejada,
Quase apagado, E nuvens carregadas prometendo.
Como embotado Acesos raios majestosos vibra.
De tênue véu. Tal o Brasil de paz eni Céu dourado
Da glória no zénith 581 tocando altivo.
Pasmo difundirá no mundo inteiro.
Tal a chuva 1841.
Transparece,
Quando desce
E ainda vê-se
O sol luzir; A ESMERALDA.
Como a virgem,
Que numa hora
Ri-se e cora. Vêde a soberba divinal criatura
Depois chora Na Côrfe dos M ilagres milagrosa!
E torna a rir. A caterva brutal estrepitosa
Estranha e pasma tão gentil figura.
A fôlha
Luzente Encobre a peregrina formosura.
Do orvalho Tão estranha de si — tão graciosa,
Nitente A mente inda mais bela e mais formosa,
A gôta E inda mais pura do que a neve pura.
Retrai:
Vacila, Ao ver a cortesã face mentida
Palpita; Dêsse que te salvou, que tanto amaste.
Mais grossa. Perdeste o coração — perdeste a vida.
Hesita,
E treme Não quebrou teu amor cruel tortura,
E cai. Com êle inda no cárcere cismaste,
Foi dêle o teu pensar na morte escura.
C oim bra — 1844.

[ 203 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S

A CLÁUDIO FROLLO. EPÍSTOLA.

Descrição de P itões .
Na mente renegando o altar sagrado
P or seguires do século a demência,
Quiseste consumir tua existência Ao Pinheiro imortal — ao doce filho
Km busca do segrêdo em vão buscado. Da cândida Minerva, que de loiros
Tem um ramo abichado 585 pequenino
Já hoje tens o rosto descorado Neste ano — todo em férias engrolado.
Nas vigílias da acesa inteligência, Envio meu saudar — meu canto envio.
Que intentaste, rival da Providência,
Do saber divinal fazer achado. Queres vir-te sepultar
Numa terra malfadada
Êsse raio do sol, tua obra d’oiro, Onde não há que gozar
O sábio — já o vês — produz o amor — A não ser triste queijada
O amor, coisa melhor que o teu tesoiro, Que é pior que o rosalgar?
O amor — a só ventura dos humanos. Quem disto se agradará?
Prazer celestial — ardente flor, Dêste aborto da natura,
Que não pousa nas cãs dos tardos anos. E do que se faz por cá
C oim bra — 1844. Vou-te fazer a pintura,
E se te agrada, vem já.

Em sinal de religião.
AO QUASÍMODO. Conquanto com grande mágoa
Êste bom Povo Cristão
A disforme 582 cabeça lhe descia Resolveu não chegar água
Nem aos pés — nem ao carão.
Entre dois ocos m ontes; na achatada
Fronte por fulva coma sombreada
Da língua lusa coitada
Um ôlho de ciclope aparecia.
E do imundo galego
Um tetraedro por nariz trazia, Fazem tal moxinifada
E da nojenta bôca desdentada De que tu terias mêdo
Por entre a dentadura feia e usada Sem poderes pescar nada.
Bem raro a rouca voz se desprendia.
Pelas ruas mansamente
Tinha braços e pernas mui calosos, Passeia o novilho, a vaca,
E ra todo seu corpo um calo inteiro, E durante a noite algente
Um composto de calos monstruosos! Pela serra o lôbo ataca
A um cristão civilmente.
E dêle se dizia: É vesgo infame.
Corcunda — torto e coxo e feiticeiro, Que êrro tão saliente
Sineiro atroador de Notre-Dame. Da extraviada natural
Coimbra — 1844. Que a gente fuja da gente,
E que o lôbo mais prudente
Ame tanto a criatura!
E aqui o vinho é tal,
A NOTRE-DAME DE V. HUGO.
Quando o há, que é alcatrão,
E Baco dá-se tão mal
Satanás passeando — veio um dia Que aos da sua devoção
Ao mundo sublunar e viu criada Faz ter jejum natural.
A formosa Esm eralda — doce fada. E a Deusa Poesia
Vivo sonho de viva fantasia. De tisnada rubra tez
Ora o diabo tem queda p’ra a ironia. Levanta a cabeça fria
— Hei de pregar, disse êle, caçoada 583 Dentre as caldas do Gerez,
No padre eterno, que não sabe nada, Que é do povo a simpatia.
Se não sabe o que é bom em poesia.
O Deus Apoio é baldado,
Falou desta maneira o Sr. Diabo, Não têm 586 seus raios calor,
Escoucinhando no ar como um jumento, Não hà’qui verão torrado.
Coçando a fula orelha e alçando o rabo. Porém o inverno gelado
Domina como senhor.
E foi o resultado dêste evento
Parir ao Quasimodo 584 — que no cabo E chove tanta geada
C’o anjo do Senhor fêz casamento. Durante a fria estação,
P itõ es — 15 de S etem b ro d e 1844.
Que se não pode ver nada,
Nem se pode ter entrada
Em qualquer habitação.

[ 204 ]
VKRSOS PÓSTUMOS

Cobre a terra a neve dura, velho, sabes porque


Corre o ar frio que estafa, Noutros tempos — tua mente
E do côlmo à dependura Por tiido que era criado
Caída neve — figura Nobre amor sentiu ardente,
Imensa gruta de Staffa! Porque amou do mar as vagas,
E as folhas da linda flor?
Não reinam fados também Foi porque ainda recente
Neste Pitões — tão amigo, Na dura escola da vida
Que amigo não tem ninguém, De amores se alimentava;
Não me lembra mais — que digo, Era alma — há pouco — saída
E se isto te agrada vem. Formosa, cândida e pura.
Dentre as mãos do Criador.
Estás aqui — estás na Galiza,
Isto vai — em note bem; nós inda em nossa pátria
E quem de carne precisa Longe — longe — viveremos.
Come enfurnado presunto Mesmo ali — agra saudade
Ou mata em casa e faz bem. Um do outro curtiremos;
P itõ es — Setem bro de 1844. Mas acaso pode a ausência
Nossa amizade quebrar?!
Não o creio — que mais bela
Se fará de dia em dia —
Como suave perfume,
EPIGRAMA. Como celeste harmonia,
Que no silêncio da noite
Nós gostamos de escutar.
A UM Acadêmico da E scola Médico-C irúroica
DO PÔRTO. tudo pois sofrimento,
Tudo penar nesta vida,
Tudo o talvez ansiado —
Olha, doutor, a poesia Martírio d’alma afligida?
É donzela melindrosa Pois o riso acaba em chôro
Que aborrece a mal cheirosa E o prazer em aflição?
— A nojenta anatomia. Assim é — só dura o pranto
P orto — 1 d ’Outubro de 1844. Corrosivo — amargo — e lento.
Dura o pesar dentro d’alma.
Dentro dela o sofrimento,
Como a lava sempre estua.
Sempre ferve — no vulcão.
NO ÁLBUM DE MEU AMIGO P itõ es 1 d'O utubro de 1844

JOSÉ HERMENEGILDO XAVIER DE MORAIS.

Pelo monte agreste c duro


Vai a ovelhinha coitada, ORGULHO E AVAREZA.
E da lã mais alva e fina
A porção mais delicada
Ali fica entre as giestas. Vêde o inculto novilho em liso plaino!
Entre o tojo cardador. Orgulhoso senhor de vastos campos
Tal o homem vai deixando Troa irado e fogoso,
Prêso em laço feiticeiro E o bosque atroa e o pó sutil expande 590
Seu pensar — seu peito — e alma, Com as unhas bipartidas — e nos troncos
Mas no instante derradeiro Ensaia os fortes galhos.
Lá se parte mutilada, 587
Pungida — d’acerba dor. Embalde o afago o agricultor que o chama.
Embalde esconde o jugo poderoso;
A. nossa idade não pensa Êle pára — e recua —
No porvir — na sepultura; Dos olhos — côr de sangue — as iras pulam
À 588 vida se liga, como Que a indómita cerviz não sói curvar-se
Se fôra eterna a ventura, A mansa voz traidora.
Como se ao pó ter a mente
Devesse profundo amor. Assim, fui eu também no albor da vida
Mas na velhice prudente. Orgulhoso, como êle, e forte d’alma
Em cismando no passado, 589 Dizia eu entre mim: “Que fôrça humana
Quê? dizemos — pois eu velho. Há i capaz de me vergar escravo?
Já sôbre a campa inclinado, Que braço — que poder — ou que potência
Como sôfrego respiro Neste mundo, em que eu sou — pode curvar-me,
Do que foi na murcha flor? E assentar-me no colo o jugo escravo?

[ 205 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Ninguém — ninguém o pode! Assim na terra Que mais longe de ti — meu pensamento
Hei de a vida passar co’a fronte erguida Mais luto veste e vive como o inferno
A todos 591 sup’rior — maior que os grandes Na hora do penoso passamento.
Hei de entre êles sentar-me ébrios na vida,^ Como é triste a minha vida,
Hei de sentar-me — e crente — e bardo — n harpa Como é triste o meu penar,
Cantando o nome do Senhor, que pune, Como é triste andar no mundo
Da vida nos festins cantando a morte. Qual fantasma — a tropeçar!
Foi Deus — que me puniu — acaso o orgulho Como é triste o céu sem luzes
Em nós pode caber — em nós abortos Depois que a lua 593 brilhou.
De incompleta feitura — uns quase vermes É bem triste o dia de hoje,
Que sôbre a lama — e pó — nos arrastamos? Foi bem triste o que passou.
Foi Deus que me puniu; co’a fronte baixa.
Coberto o rosto de vergonha —; e tímido Definha — emurchece e morre
Como aos pés do senhor um vil escravo Ó meu pobre coração,
Subi de um rico a escada — suplicante. _ Como a flor durante a calma
Vilão mesquinho! dentre os frouxos lábios Do bem calmoso verão.
Sorriso frouxo despontou; — e a testa
Se o sono me fecha os olhos,
Baixa, e curva, e calva, e as faces
Cheias de ruga — de palor, — e o rosto Da saudade — o pavoroso
Vidrado — e baço — eram ruim composto Fantasm a consumidor —
D ’avarento feliz......... c ’os pés no féretro. Torna-m e o sono penoso.
Ah! quero sonhar contigo,
Teu nome — não direi — que fôra e t e r n o .... Quero ter meu coração
Fôste sem êle em vida, em morte — o sejas! Como no céu uma estréia,
Como a fresca viração.
A h! que se eu não quebrei naquele instante
A minha harpa — inda então desconhecida — Quero ouvir a tua voz
Foi porque ainda queria confessar-te, Que me diga: — És meu amor!
Ó meu Deus — que foi grande o teu castigo, Qu’enxerte dentro em meu peito
Foi porque ainda queria ao mundo inteiro Da esperança a bela flor,
P or mor vergonha minha — confessar-me Que me entorne dentro d’alma
Baixo — infame — e vil — quando essa escada Alento consolador.
Do avarento subi! — que não esmola,
Mas um favor pedindo! Quanto eu seria feliz
P itõ e s — 5 d e N ovem bro d e 1S44
Se me pudesse esquecer
Que fôra tirar-te a vida
Doar-te o meu padecer!
Mas vive feliz — e alegre
Que eu triste bem sei morrer.
AUSÊNCIA. P itões — D etem bro de 1844.

Se triste a minha vida decorria


Bem junto ao lado teu, que eu tanto amava.
VISÕES.
Ouvindo a tua voz que me encantava.
Teu doce suspirar que me prendia,

Que mais triste não sou, do que soía,


Nos solitários dias que ora passo! O ÍN D IO .
Meu anjo, meu amor, a fantasia
Finge o teu rosto em vão no etéreo espaço! E noutro quadro da minha alma os olhos
Mais distinta visão me figuraram.
Nesta ausência — que a morte me retrata — Pareceu-m e voar por sôbre montes.
V ejo sempre o teu rosto tão formoso P or sôbre altivas matas seculares.
Que a pureza dos anjos cobre, esmalta Por sôbre ínvios desertos — onde o tigre
Como luzindo em templo m ajestoso! Perdendo o faro da spelunca, os ventos
Inquire — e anda e ruge e se extravia!
És belíssima assim — como a pintura
Que Rafael nos céus desenharia. E eu voava docemente, como
Querendo idealizar-te a formosura. 592 Vaga doce no céu a lua amiga,
E pareceu-me acordar! — Um a clareira _
Se estendia a 594 meus pés; meus olhos debeis
Mas tão grata visão não me extasia;
Que, se brada minha alma pela tua, Desafeitos da luz — volvi medroso
E m tôrno — em busca de uma esperança: embaldel
F ica sempre pintura e muda e f r i a ...
Que eu só, no bosque, no rugir das fôlhas,
Então bravejo contra a sorte crua Na vaga ondulação que rumoreja,
Que tão longe de ti pôs meu tormento, Da brisa ao sôpro — entre folhagem espessa
E minha alma de paz despida e nua. Casos de feio azar me futurava.

[ 206 ]
V ERSO S PÓSTUMOS

Mas de repente se me oferece aos olhos O ÍNDIO .


Um vulto quase nu — deitado ao longo
Sôbre o verde tapiz de relva e flores; “ Em 599 verdade és Cantor, és dêsses meigos
Tinha os olhos no céu — cruzados tinha Filhos do sol, amigos do silêncio.
Os braços sôbre o peito hercúleo e largo; Aos quais almo Tupã visita em sonhos.
Era um jovem tupi — galhardo e nobre, Ah! vem. Cantor, sentar-te a 500 sós comigo.
De presença gentil — e tinha aquilo Falemos doutros tempos — doutras coisas,
Nos olhos negros e no rosto franco Que a voz dos teus de melhor grado escuto,
Que a não vulgar estirpe indica e nota. Do que o fagueiro sussurrar da brisa.
De tarde ou de manhã — por entre as flores!
Salve! lhe disse ao índio. Êle sisudo Ah! feliz o cantor 1 quando êle fala
No idioma vulgar tornou-me: — Salvei A voz dos Manitôs 501 se escuta, e a língua
— Sois índio, prossegui. — “Sou índio” , 59S disse. De nossos pais, que além dos Andes moram.
— E donde houveste êsse falar tão puro? A Tribo dos tupis — também num tempo
Sentando-me inquiri. Nos olhos dêle Foi rica de cantores, que ora o povo
Breve clarão luziu de escárnio 596 g dg ira. Luta contra Anhangá — prófugo e fraco,
“ Homens de branca pel’ são como as gralhas; E mais que feitos — ou vitórias cisma
Perguntam — falam sempre e sempre, e tornam A fuga do vencido sem com bate!. . .
Sem pausa, e tanto que me fôra pasmo Já cantores não tem — nem ter precisa,
Vencê-los a mulher que eterno fala!” 597 Que, deves de o saber, não solta o canto
O terno sabiá — nos ermos onde
O fúnebre urubu desata o grasno;
O Cantor. Mas entre as flores da amorosa acácia.
Derramando o trinado entre perfumes,
Não me colhas rancor. Tupi — falei-te Compraz-se — amigo e m a v io s o ...” O Índio
Porque o acento que soar não usa Co’a fronte baixa emudeceu — tornando
Na voz de teus irmãos — me encheu de assombro. Após instantes com mais triste acento,
Como o que sente dor — mas d’al pratica.
O ÍNDIO.
“ Foi meu pai dos Tupis — último chefe,
Daqui^ há muitos sóis — vivi! — Há muito E quando o búzio atroador soprava
Que êsse tempo passou, que mais não volte! Três mil guerreiros concorriam prestes
Ao guerreiro festim! — Ora num dia
De mau agoiro e trovejado — ouviu-se
O Cantor.
Um rouco estrondo — que do ocaso vinha:
Perdoa o meu falar — que de mor pasmo Não era a raiva do tufão, que açoita
O peito me povoas! Que viveste E prostra — e lasca os troncos — nem dos ventos
Outra vida melhor para voltares Era o bravo lutar co’as êrmas praias,
Ao teu viver primeiro — mal pensaste! Nem a voz do trovão — que rola forte
Não somos nós irmãos — a tua pátria No vasto imenso espaço: — era um ribombo
Não é a pátria minha? Ali marcada Que fazia tremer os pés na terra
Não tinhas outra vida — outro futuro? Como sôbre o batei cortando as águas.
— Fomos aos Piagas, perguntar que males
Nos futurava o arcano — embalde o fomos!
O ÍNDIO. Disseram todos não poder sondá-lo,
Mas que era augúrio de tremer — o augúrio
És_ dos grandes também — tu que assim falas, Que sobrestava ao seu saber divino!
Dêsses que aos índios têm 598 ^o rol de escravos? No entanto — um dêles — ancião, pintava
Irônico sorrindo me inquiria. Outro mistério estranho sôbre a areia,
E aos sons do maracá cantando disse.
Lançando raios no volver dos olhos.
O Cantor.
Figurando o trovão na voz troante: 502
Oh! não — sou como tu — tenho na terra
Livre o passo — tenho a mente livre — Trem e — ó povo Tupi — já não és povo
Tenho a imensa extensão dos céus, dos mares, Eleito de Tupã,
E o verde escuro das compridas matas, Sumiu-se o teu poder como uma sombra
E a fonte e o rio — e o bosque — e a terra — e tudo No luzir da manhã.
Que a vista alcança e vê — tudo que a mente
Ardente poetiza além do espaço.
Não vês que ao fero Deus do mal cultiva
A tribo Cramecrã?
O ÍNDIO. Por êste novo culto não trocaste
Tu mesmo ao Deus Tupã?
És acaso Tupã? bradou-me o índio.
Não vês que vida efeminada e mole
O Cantor. Vive o Tupinambá,
Na tribo Cramecrã buscando espôsa
Não, não sou Tupã — Cantor me chamam. — Na tribo d’Anhangà?

[ 20 7 ]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

Não vês que negra infâmia cinge a tribo D ’hino piedoso que no templo ecoa.
Dos tredos Aimorés, O crime é cego e surdo — êle, só êle.
Que aos rios fogem por fugir aos fortes Tais encantos não vê, não sente enlevos.
Dentes dos jacarés? Consigo do Senhor avilta as obras,
E a alma enegrecida, e suja e feia,
Tupã não vos quer ver — que vos fizestes Como os restos de uma harpa harmoniosa
Escravos d’Anhangàl Sôbre o pó terreal manchando arrastra.
Trem e, nação Tupi: — soluça, geme.
Povo que foi já! Vai sob a mata um cavaleiro, e deixa
— Pensativo que vai! — pender as rédeas
Mas um dia virá, bem longe d’hoje, Do seu corcel 603 que se embalançam livres.
E os teus livres serão: Roçando o peito eqüino. — Cavaleiro,
Mas êsse dia — não verás, ó povo. Que negro fado é o teu que a tais desoras
Teus filhos — também não! T e obriga a viajar? — Talvez que um tigre
Saltando sôbre ti co’as férreas unhas
T e aferre os dentes — e ao teu rubro sangue
Disse o Piaga e m orreu!” Tornara o índio
Misture a espuma das sanguíneas fauces.
Depois de um breve descansar arfado!
Oh! que homem és tu? donde vieste?
“ Ah! bem feliz é o que, morrendo, evita
Tu que sem armas por aqui viajas.
Ouvir a voz dos seus — gemendo — escravos..
Por sítios, — onde vela de contínuo
Adeus, Cantor — adeus! que a minha pátria
O crime infesto — a sórdida vingança?
Não é a tua, não — mas este vasto
Assim vais, porque imigos 604 não conheces?
Frondoso praino — estes vestidos serros,
Mas tu não sabes que é perdida a conta
E o imenso azul dos céus. — E a minha vida
Dêsses que assim viviam, que morreram
É ver a nuvem cambiando côres,
Às mãos cobardes do assassino — quando
E os cabelos do sol por sôbre a terra,
Talvez julgassem de abraçar amigos?
E tranqüilo escutar o ledo sôpro
Tu pensas?.. Em que pensas?.. Na tua casa
Da brisa que murmura — e o som das águas
Risonha e festiva — num êrmo oculta;
Trépido sôbre as pedras — o confuso
Pensas na cara espôsa que te aguarda.
Rum orejar das matas — o contínuo
Ou nos teus filhos — teu pensar contínuo?
Pavoroso lutar co’as bravas feras!”
(fOu no rico vilão — a quem tua alma
Altiva, e nova e grande — há pouco irada
Fêz humilde vergar? Ah! néscio! néscio!
A mente do que é vil inveja à nobre;
A inveja do que é vil ou mancha ou mata.
E is nisto um tigre na floresta ruge, Quebrou-se a estrada aqui — o cavaleiro
O índio atento escuta — e logo — a senda Vai dando volta — e sente-se ferido.
Precipite invade — e vai sôbre êle. Varou-lhe o coração a bala infame,
P itões — 25 de Dezem bro de 1844. E o ôco 605 som tocou — e a chama breve
Nos olhos — turvos, baços — nos ouvidos —
Cheios de um longo retinir confuso.

I I

O SATÉLITE. Corria a noite em meio — a lua a pino


Um raio seu de amor por entre as ramas
Enfiava custoso — o morto e o vivo
E ra uma noite dc luar formosa — Quais dois amigos — que um só leito encerra
Das belas noites do B rasil; mil astros Dormiam juntos! O corcel mais longe,
O meigo azul dos céus brilhando arreiam ; Do sangue indo a fugir — tosava a relva,
Vai a vista perdida além das nuvens, Co’o freio acanhador — rasgando a terra.
E cansada se volve sôbre a terra; P itões — 1844
Pela imensa extensão do verde-escuro
Vasto praino frondoso se derrama —
V ê sôbre as fôlhas o luar dormente.
M elancólico e puro — não sussurra
Da noite a viração — não ruge o tigre. NO ÁLBUM DE MEU AMIGO
Vai a noite calada — ao longe apenas ANTÔNIO CARDOSO AVELINO.
Trépida veia de cristal murmura.

Nesta doce mudez, neste silêncio Como sentimos no peito


Mais grato aroma a flor agreste exala — Penosa melancolia,
Vaga a mente mais livre, e pensamentos Quando o sol vai sôbre o ocaso,
Mais singelos, mais puros, mais sublimes
Quando morre um belo dia.
Nutre mimosa — e este enlêvo d’alma
Sobe ao trono do Senhor — qual sobe T al é a saudade amarga
O perfumado incenso — o grato eflúvio Que eu sinto por te deixar.

[ 208 ]
V E R S O S PÓ STU M O S

Será eterna? quem sabe! O terno sabiá desata o canto, 610


Escuto o mar que rouqueja, 606 Apenas o sentir lhe aperta e oprime
Sôbre a extrema do horizonte O estreito coração. — Exulta, ó Vate!
Vejo a nuvem, que negreja, É tempo — acorda — o teu cantar desfere
E as ondas, que bravas lutam, Como a enchente — profundo; e meigo, como
E a imensa extensão do mar. Trinar do sabiá!

Nesta vida transitória Anos e anos padeceu mesquinho


Onde tudo é passageiro, 606 O Rio Grande — uma província inteira
Quem soluça o Adeus de um dia Aparelhada de horror — tristeza — e luto —
Não soluça o derradeiro? Envolta em maldições — envolta 611 em pranto!
O real que há neste mundo Ali — negra discórdia — o facho aceso
É sofrer, penar, morrer. Vibrou sanguinolenta; ali sentou-se,
Vou-me pois de ti saudoso, E soberba reinou por longo espaço.
Vou rever a minha terra. A raiva se ateou; quem tinha braço
Esperanças dum futuro E espada que vibrar, vibrava a espada —
Brilhante, meu peito encerra: Quem tinha dores que sofrer — sofreu-as,
Mas que dores lá me esperam? Quem olhos tinha que vertessem pranto.
Mas o que hei de lá sofrer? Pranto amargo verteu! — Assim cansou-se
O braço — e o coração; mais pura a vista,
quando triste pensares Porque 6 12 se adelgaçava o véu das lágrimas,
Na nossa pura amizade Quando pode enxergar — descortinava...
Que nunca sofreu desconto, O quê? — destruição — incêndios — mortes!
Certo que a triste saudade Ruínas fum egantes.. . — Com tal vista
Na tua alma bela e pura Criou a nova dor lágrimas novas —
Seus espinhos gravará. Criaram nova fôrça arfados peitos
Mas passe um lustro — se o acaso Que há tantos anos de sofrer viviam!
Nos levar a 607 estranha gente,
Se em mim primeiro atentares
Não cuidoso — indiferente Então por sôbre os combros derrocados.
Farás a cruel pergunta: Por sôbre os feixes d’armas bipartidas.
iÊ ste homem — quem será? Entre montãos — de extintos insepultos —
Errava o incerto pé da mãe, da esposa —
Esse homem — foi tua alma, Tremendo de encontrar feições queridas
Na face envolta 613 em pó — colada ao sangue!
Foi dêle o teu pensamento,
Tua foi sua alegria, Aqui chorava a filha, e contra o peito
Dêle foi o teu tormento. Mil e mil vêzes apertava o exangue
Chorastes ambos pensando Paterno rosto de palor tingido,
Na longa separação. Na delirante dor julgando-o vivo.
Fostes amigos sinceros.
Extremos ambos cismastes. 608 E a espada caiu do braço armado,
Foi êle — que te amou tanto, E o canhão não soou rugir de morte.
Foi a quem tanto amastes, Eram todos irmãos — sofriam todos!
Que de ti — tão longe vive, 609
Tão perto — no coração!
Porto — Jan eiro de ÎB45.
Nós, Caxienses, nós — também sofremos.
De fraterno lidar o fcl amargo
Provado hemos também. — Assim mais leda,
— Irmãos na mesma dor — será nossa alma —
Mais intenso o prazer, mais alto os vivas.
À RESTAURAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL E AO
NASCIMENTO DO HERDEIRO PRESUNTIVO. Mas vêde! Como o sol, brilhante e claro
No frescor da manhã — doirando as nuvens, 614
A prole de Bragança — ei-la que nasce,
Acorda — acorda — ó Vate! — Eis que a alegria E a discórdia civil — raivando ulula,
Do profundo cismar vem distrair-te, E o civil batalhar soberbo — infrene
E — cheio de prazer — em meio às turbas O extremo arranco soluçou raivoso.
Palpitantes de amor — arremessar-te.
Exulta, ó Vate, exulta! ergue o teu canto, Acorda! acorda! — ó V ate; eis que a alegria
Esse teu canto recendendo aromas, 6io
Do profundo cismar vem despertar-te,
Sereno — como a brisa, e tão suave,
Como orvalho do céu. E cheio de prazer — em meio às turbas
Palpitantes de amor — arremessar-te.
Não vês? — Se a grande enchente arrasa o leito Caxias — 9 de Maio de IS45
Do mesquinho regato — as ondas fervem
Contra a riba impotente, e longe cobrem
A esmeraldina côr dos vastos campos!

[ 209 ]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

AO ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA E êsse brado passou! — depois silêncio.


Depois lidar aceso — mortes — prantos,
DO MARANHÃO. E a alegria por fim, que a tôrva morte
Aflições e prazer remata em breve.

Avante! avante! ó Bravos. — Do Ipiranga Mas do tempo que foi — que resta agora?
Soou do nobre peito altivo grito, Memória apenas — recordar de males.
— Independência ou M orte! — H eróico brado Suave, quando o tempo os tem quebrado.
De sublime sentir, que nobres sentem. Agora resta amor ao pátrio solo.
Por vis não compreendido; um Povo inteiro. Amor à liberdade — à Independência
Uníssono responde — à voz excelsa — Do Brasileiro Império em mundo novo.
Ruidoso e forte — Independência ou M orte! Erguido em verdes prainos vicejantes:
Agora — amor à prole de Bragança,
A Pedro — Imperador.
Arrochados grilhões suporte o escravo,
Caxias 618 — 28 de Julho de 1845.
Não desponte sequer nos lábios dêle
A prece humilde do que implora a vida.
Suporte afrontas vis — o ente infame
Às injúrias, baldões, escárnio afeito. HINO AO DIA 28 DE JULHO.
Em cujas faces o pudor não brilha.
Em cujas veias já não gira o sangue. (P ara S er Cantado).
Em cujos lábios não borbulham vozes
De raiva — de rancor — d’honra ofendida. Fom os servos — noutros tempos.
Mas o que tal não fôr — o que no peito Curvados à prepotência;
Sente gravado em firmes caracteres De estrangeiros soberanos
— Amor e P átria — e Liberdade e H onra — Mendigamos a clemência.
Sopese a lança e leve a mão da espada,
E venha a 615 campo apercebido em guerra. Diziam que a liberdade
Nos podia ser fatal
A P átria chama aos seus — ou morte ou vida. Como nas mãos de um menino
Ou luz ou trevas da batalha pende — Buído e fino punhal.
Liberdade ou m orrer! Avante! ó Bravos.
Diziam que nossos olhos
Ê grato ao Lidador a lide acesa,
Afeitos à escuridão
O pó do campo — o estrépito das armas,
Suportar não poderiam
Da bala o sibilar; — fértil o sangue Da liberdade o clarão.
Do que procura a liberdade santa.
Honrosa a morte que liberta a Pátria. E nós — Homens — Brasileiros,
A Pátria chama aos seus. — Maldito o filho Nós sujeitos — nós curvados,
Que ao prantear da mãe não verte pranto. Fom os servos largos anos.
Maldito o cidadão —• que não tem braços. Largos anos — negregados!
Sangue nem coração, que tributar-lhe
Quando ela em dia aflito — aos seus convoca. Mas enfim lá do Ipiranga
Altivo grito soou:
Somos livres — longe o eco
Terras do M aranhão — terras ditosas.
Somos livres — reboou.
De galas, de primores revestida,
Que o avaro Holandês tanto alm ejava; 6 16 Êsse grito — foi princípio
A bela França cubiçou teus mimos, De existência vigorosa,
E ufanas de se ver sobre os teus mares Como incêndio erguido em breve
As flores três de lírios — assumiram De centelha duvidosa.
Fulgor mais vivo — no teu céu brilhante!
E as quinas que 617 de ver o fero aspecto Êsse grito foi em todos
Do negro Adamastor — quase temeram — Um só braço, um só querer.
No cabo das procelas combatido — Voz de mil vozes acordes:
Amavam pelos ares deslizar-se Independência ou morrer.
Da tua mansa brisa ao leve sôpro,
Como depois de um sonho tormentoso E do norte ao sul — do ocaso
Ama o triste acordar à luz da aurora. Do sol até ao nascer
Festivo grito responde:
Independência ou morrer.
Terras do M aranhão — terras viçosas!
E o estrangeiro há de colhêr teus frutos. E a liberdade,
Calcar-te o solo — espedaçar-te as flores, E ssa donzela
E tu êrma serás — escrava e muda, Cândida e bela
E tu sem filhos — sem valor — sem alma. Filha dos céus.
O h! não — que o brado excelso do Ipiranga Entre nós outros
Elétrico voou por montes — vales — Sem crua guerra
Do mar nos altos Andes repulsando Desceu à terra
Do P rata às férteis margens do Amazonas. Das mãos de Deus.

[ 210]
V E R S O S PÓ STU M O S

Já somos livres, Pavorosa,


Oh! não cismemos Que não goza
Do que sofremos Dèste mundo
Em nos vingar. Senão quando
Irmãos — amigos Escuta o grito
Todos sejamos, Miserando
Que respiramos E profundo
O mesmo ar. De um aflito
Sem delito,
Pois que seguimos Que geme,
O mesmo norte E suspira,
Co’a mesma sorte, E delira
Co’o mesmo azar. Em masmorra
Maldito aquele Cruel.
Caxias — 1 d ’agôsto de 1845.
Que ousar primeiro
O nó fagueiro
Despedaçar.
Caxias 619 — 1845.
TRISTES RECORDAÇÕES!

Meus amigos d’infância, onde são êles?


A CERTA AUTORIDADE QUE AMEAÇOU OS Digo em redor de mim volvendo os olhos.
MÚSICOS POR TEREM TOCADO NO ANIVERSÁRIO Asinha mos roubaram
DA INDEPENDÊNCIA DE CAXIAS. A fortuna — ambição — prazer ou glória.
Longe — bem longe são; eu no meu êrmo
Procuro-os, mas embalde!
Eu julguei que o fausto dia
Desta nossa independência E a ventura se me foi, qual linfa
Merecesse mais clemência, Que se escoa das mãos sem ter molhado
Quando não simpatia, Os lábios ressequidos,
l3esta nossa fidalguia Foi como o viajor que à grata sombra
De Caxias! Se abriga da palmeira — onde seus passos
Mas por minha alma que não, Não mais o guiarão.
E não sei
Por que pecados; E essa que tanto amei — que amou-me tanto,
Mas é certo que um coitado Cuja presença me escaldava a mente.
Coronel Cuja voz me encantava.
Presunçoso, Cujo silêncio me falava n’alma,
E medroso, Essa mulher — tão terna — e amante, e pura,
E cruel, Essa mulher deixei-a ! . . .
Que só sabe pintar letras.
Ordenou à nossa orquestra Deixei-a por não dar-lhe em recompensa
De ser muda neste dia. Um tálamo de espinhos — uma taça
Ou do contrário a faria De fel e de amargores.
Recrutar, Deixei-a porque horrível é meu fado,
Ou tocar Minha vida penada, e eu não quisera
Nas masmorras do quartel! Assassiná-la comigo.
Certamente
E agora, que me importa que a flor brilhe,
Nunca vi
Bentevi Que o sol nos céus — splêndido cintile,
O mundo que m’importa;
Tão demente!
Certo que a flor não me dará, que eu espere,
Pois, coronel tresloucado, Nem o sol novo amor — nem o universo
Queres meter na enxovia Me pode dar ventura!
Os filhos da Melodia,
Só por haverem tocado Serei julgado ingrato — e logo o tempo
Em tão majestoso dia? Da mente dela — varrerá meu nome,
Não o creio — mas parece Dos seus olhos meu rosto;
Que ouvi-los te aborrece, Eu porém guardarei — o que era d’ambos
Que ouvi-los te não recreia. — A lembrança de amor tão malogrado,
Ou que amigo, ou que parente. Minha vida na terra.
Amado mui ternamente
Tens prêso lá na cadeia. E quando a morte rematar meus dias.
Realmente, Nesse instante em que a alma tudo esquece
Coronel, Dela me lembrarei:
Tens uma alma Foi ela quem me deu algum alívio.
Bem cruel, Dela a ventura que fruí na terra.
Tens uma alma Dela — vida e morrer.

[ 211]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

É triste a vida do homem descuidoso, Já nem sei que bem vos queira,
Que vive só na terra — e nunca eleva Nem que mais querer vos possa;
O pensamento aos céus; Sêde antes vossa que dêle,
Porque a vida é breve como flor da terra, Sêde antes minha que vossa.
Só a esperança que o infinito almeja
R io, 24 d’Outubro de 1846.
Não pode perecer.
Caxias — 9 de Agosto de l$ i5 ,
às 3 horas da manhã.
I I
Não posso dizer que não,
Não posso dizer que sim.
AO ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DE S. M. I.
G losa.
. ... heroum laudes et facta parentis Dizem que o amor é vendado,
•••............................................. legis Que tem feros passadores,
Aspice veiituro laetentur ut omnia soeclo. Com que aos próprios servidores
VERG. Egl. IV. Tem por vêzes desgraçado:
Porque hei de ter êsse fado,
Pudesse eu, triste vate, semelhando 620 Que tem sempre a dor por fim?
O ronco do trovão, que ruge irado. Amais ao amor, não a mim;
A lçar — entusiasta — ingente brado Pois se a êle só amais.
Dum pólo — noutro pólo, repulsando. Por mais que vós me digais,
“Não posso dizer que sim”.
Pudesse, além das nuvens remontando.
De mil astros brilhantes rodeado. Não p o s s o .... e bem desditosa!
Derram ar — sôbre o globo eletrizado Conheço que a só ventura
Seu nome, entre mil nomes fulgurando. Que desfruta a criatura.
Vem duma afeição mimosa:
Pudesse — a um brado tal o doce encanto Eu que sou bem extremosa,
Ju ntar de um terno cisne moribundo Que já sinto a ingratidão,
Que o alento final transform a em canto. Vou sofrendo esta paixão:
Se sois meu por amor dela,
Teu nome, sem cessar, dissera ao mundo. Eu que amo a vós, não a ela,
Tu que és nosso Paládio Sacrossanto, “ Não posso dizer que não”.
Augusto Imperador — Pedro Segundo.
Assim vivo descontente
C axias — 2 de D esem bro de 1845. Sem saber o que farei,
Nem sequer ao menos sei
O que seja mais prudente
Com êste fado inclemente
VOLTAS E MOTES GLOSADOS. Qual será meu pensamento.
D izer-vos: n ão; é tormento;
Dizer-vos — sim — é loucura!
Assim que, já sem ventura
Não posso dizer que não, Vivo neste sofrimento.
Não posso dizer que sim.
F ô ra brando o meu viver
A não vos ter conhecido.
Porque então um bem perdido
Não me fizera sofrer.
V olta.
Dizei-me o que hei de dizer;
Senhora, pois que podeis Brada-me sim a paixão,
Dizer que não, ou que sim, Minha alma grita-me não:
A ambos não magoeis: Nesta dura alternativa
Dizei — sim, mas não a êle; Sinto dor sempre tão viva,
Dizei — não, mas não a mim. 621 Que merece compaixão.
Rio 1 de novembro de 1846.
Outra V olta.
Senhora, que amor é êsse.
Ou que nova sem-razão! P ergunta.
Que se eu vos pergunto — sim? Quisera eu saber notícias
Respondeis-me sempre — não! A 622 respeito de um tal sim,
Que foi numa volta, aonde
Senhora, é isso paixão? Devera não ir sem mim.
O h! que o é, mas não por mim;
Que quando vós dizeis — sim, 6 de Novembro de 1846.
Um não quisera eu então!

[ 212]
V K R SO S PÓ STU M O S

Mas se heróis no chão rojaram,


I I I Dir-vos-ei que os não prostraram
Finos cabelos; mas antes
Não quisera ser tão firme, Renderam provas constantes
Para ser mais venturosa. “ Pulsos que ferros quebraram.”
O que outras ganham por falsas tS46.
Perco eu por ser constante.

G losa.
E ’ porventura razão
Que aquelas que são volúveis Não soa fera, sou humana!
Tenham, sós, indissolúveis Sinto amor e sei amar!
Amores por galardão? _
Assim pois minha paixão
(Que se queira Deus ouvir-me) Volta.
Nunca tem de permitir-me
Gozar sequer um instante Dizeis vós que não sois fera,
O prêmio de eu ser constante, E certo mereceis fé;
“ Não quisera ser tão firme.” Que o vosso rosto formoso
Rosto de fera não é.
Bem me diz o coração
Que a constância cansa a ingratos Mas dizeis que sois humana!
De volúveis nunca fartos, Qu’importa que seja assim,
(Que volúveis tôdas são) ; Se humana sois para outros.
Sentir constante paixão Desumana para mim!
E ’ de uma alma melindrosa,
Mas a mulher que é formosa, Sentis amor! bem o creio:
Que em amores se retrata. Tem perfume a linda flor.
Oh! não é falsa! é cordata Ledas aves têm 625 gorjeios,
“Para ser mais venturosa.” Mulher bela tem amor.

É bom de ser inconstante; Mas a flor só tem perfume;


Ama a lua ao sol esquivo, Só sabe a ave cantar;
Ama a flor ao fugitivo Sois como a flor, como a ave.
Vento que sopra um instante. Sabereis acaso amar?
Assim tu, alma constante,
Quando as asas despedaças
Dò amor, que jamais de lassas
Se não poderão mover.
Ignara — queres perder AO ANIVERSÁRIO DE D. F. S. R.
“ O que outras ganham por falsas.”
Quem se atreve a cantar hinos à flor
Só me queixarei de mim, 623 No denso musgo do botão fechada!
Se ora sofro o meu sofrer; Ou leda e viva, e rutilando em côres.
Porque nunca quis eu ser. Im ersa 626 em luz, e de prazer banhada!
Ou fingir que eu era assim.
Perderei, Senhor, por fim Quem se arroja a cantar hinos aos anjos
O meu amor tão brilhante, Num dos anos sem fim da eternidade,
Muito embora nova amante Se o seu viver é poesia e cantos,
Dêsse amor, que despedaças. Ledice, amor e luz, e amenidade?
Lucre retalhos por falsas,
“ Perca eu por ser constante.” Nem anjos, nem a flor nos pedem versos,
Rio de Janeiro - U46. Que sendo o seu viver tão só poesia,
Um hino eterno, melindroso e belo,
Sòmente bem cantá-los poderia.

Não basta, não, terrena melodia,


IV
Nem rudo canto pouco duradoiro,
Finos cabelos prenderam Nem voz de trovador — cansada e fria,
Pulsos que ferros quebraram. Nem lira de marfim cravada d’oiro.

Não tenho voz de trovador sonora,


G losa. Nem d’oiro a lira ebúrnea cravejada,
A 624 Alcides, de quem tremeram Nem vos canto. Senhora; só vos digo,
Feros gigantes outrora, Que sois di’na de ser melhor cantada.
D ’Onfale — altiva senhora — Rio de Janeiro — I de maio de 1S47.
“Finos cabelos prenderam” :
Esta a razão, que nos deram.

[213]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S

SONETOS. Pensas tu, bela Anarda, que os poetas


Vivem d’ar, de perfumes, d’ambrosia,
Que vagando por mares d’harmonia
Baixei veloz, que ao úmido elemento São melhores que as próprias borboletas?
A voz do nauta experto afoito entrega,
Demora o curso teu, perto navega Não creias que êles sejam tão patetas,
Da terra onde me fica o pensamento! Isso é bom, muito bom mas em poesia,
São contos com que a velha o sono cria
Enquanto vais cortando o salso argento. No menino que engorda a comer petas!
Desta praia feliz não se desprega
(Meus olhos, não, que amargo pranto os rega) Talvez mesmo que algum desses brejeiros
Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento. T e diga que assim é, que os dessa gente
Não são lá dos heróis mais verdadeiros.
Baixei, que vais fugindo despiedado.
Sem temor dos contrastes da procela, Eu que sou pecador, — que indiferente
Volta ao menos, qual vais tão apressado. Não me julgo ao que toca aos meus parceiros,
Julgo um beijo sem fim cousa excelente.
Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
E o pranto qu’ora verto amargurado. R io de Jan eiro — 1848.
Possa eu verter então nos lábios dela!
Rio de Jan eiro — 17 de Ju n ho de 1847,
Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas.
Afronto a tempestade, o vento, o frio.
Qual se fôra ambulante corropio.
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.
Doce Amor — a sorrir-se brandamente
Do meu engenho e arte gasto as molas
Em sonhos me falou com tal brandura,
Em suspiros quebrar que à luz envio;
Que eu só de o escutar vida mais pura
E , já por teima só, render porfio
Senti coar-me n’alma fundamente.
A cabeçuda, por quem rompo as solas.
Depois tornou-se o tredo fogo ardente E a amo, ela me adora com loucura,
Que o instante, o ano, a vida me tortura. Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Bem longe de gozar tanta ventura, 627 Paga-m o a té ; se insisto. . . adeus ternura!
Cresta-me o rosto agora o pranto quente.
Do matrimônio a estátua se levanta.
Homem, se homem és no sentimento, Negro espectro! ela torna-se brandura,
Não zombes, não, de mim tão desditosa, Eu a imagem do horror que me aquebranta.
Nem seja o teu alívio o meu tormento. R io de Jan eiro — 28 de Setem bro de 1848

Deixa-me a teus pés cair chorosa.


Soltar no extremo pranto o extremo alento,
Que eu morrendo a teus pés serei ditosa. A VIDA. 630
R io de Jan eiro — 6 de novem bro de 1847,
No Album do Ilmo. S r. A. F. Colin.
Não existe o passado, pois só deixa
T riste recordação, que n’alma escreve;
Cobre-nos o porvir o véu do tempo,
Apenas oiço dar Ave-Maria, Onde apenas cintila esp’rança breve.
Quer seja tempo bom, quer trovoada.
L á vou eu nesta vida malograda Só existe o presente, mas inquieto,
Ao pão-nosso, que espero em cada dia! Mas a fugir-nos preparado e pronto;
É pois a vida em seu mistério estranho
Uma saudade, uma esperança, um ponto!
De crianças me assalta uma algarvia,
E a velha a pespegar-me aparelhada R io de Jan eiro, 27 de fev ereiro de 1848.
Contos da eterna sedução malvada
Da quadrilha de heróis que a perseguia!
À PARTIDA DA ATRIZ.
O campo de Santa Ana atravessando,
— Meu Deus, isto é 628 que é não ter miolo! — S audades de um Diletante à S nra. C. Merea.
Para ver uns nenês que estão mamando!
O s filhos de S . P edro a ausên cia dura
V ê por fim se me dás ou não do bôlo: 629 L o n go tem po escrevendo m em oraram ,
E por lem brança em tim id a brochura
Se sim, nada direi; se não, bradando A s grin ald as tecidas tran sform aram ;
Jurarei terra e céus não ser mais tolo! O nome lhe puseram sem ven tu ra
D os triu n fo s da a triz que já passaram :
R io de Jan eiro — 1848. Q u e fresco o liv ro ta l! que frescas flo re s:
V e rso s sem graça, palm as sem verdores!
P A R Ó D IA DE CAM Õ ES.

[214]
V E R S O S PÓ STU M O S

__ “ Que tanta tristeza é esta?” Porém a áurea menina


Pequenina
“ Não sabeis o que há de novo!
Nem de um santo quer ter dó.
"Anda aflito todo o p o v o ...”
— “ Santo Deus! por que razão?!” 631 “ Adeus, lhe diz, sou cantora,
“ Sedutora, 633
“Aquela boa menina
“Vou-me embora;
Pequenina,
“ Mas vós me dareis razão.
A Merea sedutora
Vai-se embora
Mar em f o r a . .. ” “ Bem sabeis, porteiro amigo,
— “ Santo Deus, por que razão?” 631 “ Minha mãe mora comigo,
“ Nem eu, nem ela o sabe; “ E meu padrasto também. 634
São cousas de bastidores; “ Sou m e n o r ...” ( E bem se via
Choveram versos e flores, Que a menina não mentia
Foi solene mangação! Quando menor se dizia:
Porém a doce menina E ra menor que ninguém!) ^
Pequenina, “ Bem vêdes que sou menina,
A Merea sedutora “ Pequenina:
Vai-se embora “ Adeus, meu guarda-portão!
Mar em fora. “ Bem sabeis que sou cantora
Santo Deus! sem ter razão!” " Sedutora,
“Vou-me embora;
“ São Pedro que adivinhara “Mas vós me dareis razão.”
Os manejos da menina.
Cinco contos lhe ofertara __ “ Dar-vos razão! grita o santo:
Pela sua voz divina. Quem foi que êste mundo fêz?
Cinco contos! — passa fora! Não fôstes 635 vos. Deus prudente?
A Merea sedutora Quando três quartos de gente
Vai-se embora Pede ordenado de três!
Mar em fora: Bem sei eu que uma menina.
Sim, senhores: vai-se embora, Pequenina,
Porque não” ? Tem razão em a não ter;
Mas se a vós, minha cantora
Cinco contos! bagatela! Sedutora,
Qualquer ministro de estado São Pedro vos manda embora,
Talvez outro tanto tem; Com São Pedro, inda alguma hora
E do mesquinho ordenado Vireis de certo aqui ter.” —
Nunca lhe coalha vintém!

Pois passem bem, que a menina


Pequenina,
A Merea sedutora HINO DOS REIS MAGOS.
Vai-se embora
Mar em fora!
Sim, senhores, vai-se embora! Entre pobreza e miséria.
Tem razão. Em singela habitação
É nascido o Deus-Menino
Pois uma artista que tem Para a nossa salvação.
Bilhetes que repartir,
E vestidos de veludo
Povos e reis, adorai-o,
Que vestir;
É nascido o Redentor:
Tendo multas, tendo ensaios
Vem viver, sofrer na terra.
Com mantilhas de c e tim !...
Vem morrer por nosso amor.
É de r ir ? ...
Cinco contos! essa é boa!
Mais vale cantar à-toa, 632 Deixou a córte celeste
Que jamais cantar assim: E as galas ricas dos céus,
Pois passem bem, que a menina Quem entre os homens é Homem,
Pequenina, Quem entre os anjos é Deus.
A Merea sedutora
Vai-se embora Povos e reis, adorai-o, &.
Mar em fora.
Sim, senhores, vai-se embora,
Porque não?! Lá das partes do Oriente,
Deixando os domínios seus, ^
Vêm 636 os Magos pôr as c’roas
São Pedro, triste porteiro, Aos pés do Menino-Deus.
Das pobres economias
Não pode partir fatias
Tão grandes, de pão de ló, Povos e reis, adorai-o, &.

[215]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Vêm 636 o frecer os presentes Ai! nunca as águas dêsse lago tolde
Que a Arábia Feliz produz. Raivoso furacão,
Louvor a Deus nas alturas, Nem se desgarrem pelo undoso espaço
Louvor na terra a Jesus. As naus que juntas vão.

Povos e reis, adorai-o, &. Como festivos se partiram, cheguem


Venturosos também
E strela — jan eiro de 1S50. À mansão, onde o órfão tem família,
E o triste risos tem ;

Ao lugar onde os laços de amor puro


Ledo abençoa Deus,
A VIOLETA. Onde as plantas da terra se convertem
No perfume dos céus.
(No ÁLBUM DE A. G. O. C.)
Entanto os homens, quando passem, digam:
■—• Que aventurados são!
Mulheres há que à rosa semelhantes 637 E dos espaços sôbre vós se entorne
Das suas louçanias fazem gala; A celeste benção. 641
São gentis! — elas próprias o conhecem, R io de Jan eiro — 1 de m arço de 1851.
E sabem que outra flor as não iguala.

Outras como a açucena campesina


Menos vaidosas são; porém mais belas: CON5ENTE-ME ESCREVER AQUI MEU NOME!
Da brisa ao sôpro entregam-se inocentes
Que vem dos céus por conversar com elas. Ao teu livro uma página roubando.
Consente-me escrever aqui meu nome.
Aquela na garbosa formosura, É talvez quanto resta de um amigo,
Nos espinhos, que a cercam, se confia: Quando a terra o seu corpo já consome.
E sta armada de púdica 638 inocência
Evita o sol estivo e a noite fria. Isto apenas! que o homem — frágil barro,
A vida frui apenas um momento.
Tu, que a modesta violeta imitas, Bem feliz quando lega uma saudade.
T e escondes no silêncio da folhagem, Ou deixa atrás de si um pensamento!
No abrigo do pudor misterioso
Que teme o sol e o bafejar da aragcm. Vive tu, vive feliz, enquanto
O meu destino sigo caprichoso.
Aquela no perfume se revela. F ará tua ventura a de um amigo,
Tu nas singelas graças que revestes: E a dita de ambos me fará ditoso.
Ocultas ambas — sem as ver sentimos R io de Jan eiro — 17 de m arço de 1851.
O aroma puro dos jardins celestes.
R io de Jan eiro — 1851.

NO ÁLBUM DE D. LUfSA AMAT.

Amizade — am or! laço de flores


AO CASAMENTO DA FILHA DO SR. NORRIS.
Que prende um breve instante
O ligeiro batei à curva margem
Da terra hospitaleira;
São felizes os laços que amor trama, Com tanto amor se enastra, e tão depressa,
E que abençoa Deus; E tão fácil se rompe!
Que têm 639 na mulher a delicada origem,
E uma c ’roa nos céus! A mais ligeira ondulação dos mares.
Ao mais ligeiro sôpro
Dizem na terra os homens, quando os vêem : D ’escassa brisa — destrançam-se as grinaldas;
— Que aventurados são! O baixei se afasta.
Enquamo das alturas cai sôbre êles V eleja, foge, até que em plaga estranha
A celeste benção, 640 Naufragado soçobre!
São dois numa só alma, duas flores Talvez permita Deus, que tão depressa
Prêsas numa haste só, Êstes laços se rompam,
Duas aves que vagam pelo espaço P rque 642 nos pese a vida, e os seus enganos
Sem ver terreno pó. Mais sem custa deixemos:
Sem custo assim a brisa arrasta a fôlha,
Dois navios que juntos — de conserva. Que jaz sôlta na terra!
Cortam o salso mar. R io de Jan eiro — 1852.
Dois cisnes que à flor de um manso lago
São vistos a brincar.

[216]
A'^ERSOS PÓSTUMOS

TU NÃO QUERES LIGAR-TE COMIGO. NO ÁLBUM DE D. AMÉRICA P. R. LOPES.

Tu não queres ligar-te comigo, Bela flor que despontaste


Que me fôsses mulher t ’in fam aral... Junto à margem do meu rio;
É tua casa no sangue tão clara, Que viço e graça criaste
Que eu me honrasse de unir-me con tig o?!.. Ao desfrutar o cicio
Duma aragem tropical;
És acaso tão pura lindeza, Quem foi que dos pátrios* climas
Que eu não possa tua mão a p erta r?... T e transportou — melindrosa:
Mas teus olhos com menos pureza Se aqui levemente inclinas
Outros olhos já vi afagar! A fronte bem como a rosa
Longe da gleba natal!
E êsses lábios que jura de esposa
Para mim não darias no altar. Como tu peregrinando
Nesses lábios alguém já não ousa Choro a pátria dos meus sonhos.
Algum beijo de amor estampar? Aves que folgam em bando,
E aqueles bosques risonhos
Já me ouviste falando de amores, Cobertos de fruto e flor;
Um carinho dos teus mendigar? Mas tu, anjo e flor, desterra
Já me ouviste cantar dissabores Êsse véu d’agra tristeza.
Que o amor me fizesse passar? Floresce a flor, onde há terra,
Cintila e cresce a beleza
Pobre louca, que o orgulho atormenta. Onde há céus, e vida, e amor.
Despe a bronca vaidade que tens,
Nem a mim teu amor me contenta,
Nem me ferem teus falsos desdéns!

Sei amar, mas a t i i . . . não soubera;


Sei sofrer, mas por t i . . . também não; FRAGMENTO.
De te amar nenhum gôsto tivera.
De perder-te — nenhuma aflição!
Quando a morte nos colhe, o que nos resta
0 meu nome que enjeitas vaidosa, A não ser das virtudes grato aroma?
Que de ilustres avós não herdei. Então àquele tronco semelhamos,
Cobre ao menos pobreza orgulhosa, Que o ferro abriu, a desfazer-se em goma.
Que eu contigo jamais partirei 1
Se no fogo se abrasa, se enovela
Não te assuste êsse fado tristonho, O odoro incenso, remontando aos céus,
Não te deixes vencer da aflição. — Perfume grato de oblação terrestre
Vive em paz!. . . que eu não quero, não sonho, Que nas alturas abençoa Deus.
Ter a posse do teu coração.

Mas se acaso uma sorte medonha


Violentar-me por ti a dar ais!
Possa ao menos morrer de vergonha, ESTÂNCIAS.
Quem de amor não morrera jam ais!
Bahia — Maio de 1852 I

o nosso índio errante vaga;


Mas por onde quer que vá.
AS ARTES SÃO IRMÃS. Os ossos dos seus carrega;
Por isso onde quer que chega
As artes são irmãs, e os seus cultores Da vida n’amplo deserto,
Do fogo criador nas mesmas chamas. Como que a pátria tem perto,
Perante o mesmo altar, coroam-se, ardendo. Nunca dos seus longe está!
A mesma inspiração, que acende o estro,
Guia a mão do pintor quando debuxa 643
I I
Do rosto nas feições o brilho interno.
Dá linguagem sublime à estátua muda.
Tem para si que a poeira
Ou lânguida na lira se transforma
Daquele que choram morto,
Em sons cadentes, que derramam n’alma
Quando a alma já descansa
Idéias do prazer — do mal no olvido!
Da eternidade no pôrto,
O mesmo entusiasmo as vivifica,
Nenhures está melhor
São iguais, são irmãs no amor do belo!
Do que na urna grosseira
4 de Junho de 1852. Que a cada momento enxergam, 645
Que de instante a instante regam
Com seu prantear de amor!

[217]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

I I I VIII

Ando como êle incessante, Bem sabe êle quanta glória


Forasteiro, vago, errante. Sente o pai, que um anjo tem!
Sem próprio abrigo, sem lar. Julgará que, pois perdida
Sem ter uma voz amiga Teve uma filha na vida,
Que em minha aflição me diga Não a perca lá também!
Dessas palavras que fazem Manaus — 1." de M aio de 1861.
A dor no peito abrandar!

QUE COUSA É UM MINISTRO.


E sei que morreste, filha!
Sei que a dor de te perder
Enquanto eu fôr vivo, nunca,
Nunca se há de esvaecer! O Ministro é a fênix que renasce
Das cinzas de outro, que lhe a vez cedeu:
Mas qual teu jazigo? e onde Nasce num dia como o sol que nasce.
Jazem teus restos m o rta is? ... Morre numa hora como vil sandeu!
Êsse lugar que te esconde,
Não vi: — não verei jam ais! Se nódoas tem, uma excelência as caia;
Mortal sublime, que não sabe rir,
Do vulgo inglório não pertence à laia.
IV Dará conselhos, se se lhe pedir!
Não sei se aí nasce a relva, Um bípede de pasta, não de barro,
Se algum arbusto s’inflora Nos pés se firma por favor de Deus!
A cada nova estação; Dois fardas-rôtas trotam trás do carro
Se a cada nascer da aurora Em ruços magros como dois lebréus. 647
O orvalho lágrimas chora
Sôbre êsse humilde torrão! Agora, sim : temos a pátria salva,
Se aí nasce o triste goivo, Não fará êste o que já o outro fêz!
Ou só espinhos e abrolhos, Grande estadista! basta ver-lhe a calva,
Ou se também de alguns olhos D ’homem assim não há dizer — talvez!
Recebes pia oblação.
Vêde-lhe a pasta, que de cheia estala
V Só de projetos que farão feliz
A pátria ingrata, que seus feitos cala.
Sei que o pranto, que se verte Ou mais que ingrata, o nome seu maldiz!
Longe do morto, não basta:
Ê pranto que a dor não gasta, Vêde-lhe o saco — carga de um jumento,
Que nenhum alívio traz! Com borlas d’ouro e verde! — No costal.
Sei que ao partir-me da vida, Castigo do ordenança, lê-se atento
Minha alma andará perdida Projetos mil! secretaria tal!
Para saber onde estás!
Cansai-vos pois! — Quem veste aquela farda
H á de fazer o que mui bem quiser!
VI Vem-lhe com ela uma sabença em barda!
Por isso acerta, quando Deus lá querl
Irei beijar teu sepulcro.
Chorar meu último adeus. Se lhe lanças baldões na própria cara
Depois, remontando aos céus. Diz alguém que o defenda, e chega a si
Direi a Deus: “ Aqui estou!” Com intrínseco amor a pasta cara,
Tu, dentre o côro dos anjos, E exclam a: “ ó pátria, morrerei por ti!”
— Dos Serafins resplendentes —
Então — as asas candentes, ó Codros, Cúrsios, Fábios, Cincinatos,
Que a vida não maculou, Carunchosos heróis da antiga história.
Desprega! — e meiga, humilhada. Vinde-me aqui, e ponde-vos de rastos
Ao trono do Eterno vai, Junto dêste que vence a qualquer glória!
E na linguagem dos anjos.
Dize a Jesu s: “ É meu pai!” Pois que farieis vós? V erter do peito
O melhor s a n g u e .... pela pátria a c a b a r !...
V I I Im becis! — pois mais vale com proveito
Da pátria à custa a vida flautear!
Êle humanou-se! — quis ser
Filho também de mulher; Ou se não, vêde-me êste que anafado,
Mas d’homem, não; porque os céus Nédio, de cara alegre, ânimo audaz,
Não têm 646 espaço bastante Faz de si quando quer um deputado.
Para um homem — pai de Deus! Ministro quando quer! Mas que mal faz?

[2 1 8 ]
V ERSO S PÓSTUMOS

Notas-lhe a fronte de cuidados cheia, Dizem também, 650 mas não o dou por certo,
Nuvens e nuvens vêdes i passar, Que um dêsses lesmas, já assim falou —
Como na praia turbilhões de areia, Foi um discurso de zurrar aberto,
Como em tormenta os vagalhões no m ar! Do senado um taquígrafo o tomou: 651

Grande homem! dize: que temor te afronta? “ ó tu que tens de humano o gesto e o peito,
A nau do Estado salvarás talvez! . . . Se de humano é matar um bicho 652 feio
Qual nau do Estado?! é a horrorosa conta Só porque o costado tem sujeito
Dos ruços magros, que alugou por mês! A quem lhe soube pôr o sujo arreio,
A estas mataduras tem respeito, 653
Pois te não move a rigidez do freio!
I I

Basta enfim, que é mortal feito com pasta. “Põe-me onde se use tôda a crueldade.
Fardado, com tetéias, com galão! Entre leões e tigres, e verei
Trata-se de comer — nada lhe basta; Se nêles achar posso a piedade,
Mas dizem que é sujeito à indigestão! Que em peito de ministros não achei!
Ali co’amor intrí’seco e vontade
Trata-se de f a la r !... Aplaude-o junta. No capim por que morro, viverei!
Em pêso a maioria, — homem feliz!
Mais modesto que o Grego não pergunta, “ Pois de algum deputado a resistência
Tem a certeza de que asneira diz! Sabes domar, sem ser com fogo ou ferro.
Sabe também dar vida com clemência
Trata-se de e scre v e r!... Vêde em que espaço A quem para perdê-la não fêz êrro.”
Folhas e folhas de papel encheu!
Cem vêzes mil em ruim papel de almaço
Mais ia por diante o monstro horrendo
Soberbo assina o nome ilustre seu!
Com o sermão, que ninguém lhe encomendara, 654
Mas num dia nefasto, a turba-multa Quando inimiga mão lhe foi batendo
Irosa vai-se à estátua do imortal, Com o chicote estalador na cara!
Com duro esparto o ilustre colo insulta Manaus — Maio de 1861.
Té dar com êle em fundo lodaçal!

Logo, farda, florete, pendrucalhos


Vão para um canto a criar môfo lá!
Limpa-se o carro! pensam-se os cavalos.
Memento, hom o! 6^8 — Está bem morto já ! OH! QUE ACORDAR!

Mesmo os sendeiros dos dois fardas-rôtas,


Na rua empacam, sem querer seguir! Se o que somos, se o que temos sofrido
Debalde os tosam co’o tacão das botas. Não fôsse mais que um sonho!
Deitam na rua a papelada: é rir! A despedida sem adeus, a ausência,
O destêrro medonho!
Agora, pois, que não há dessa gente.
Vão nossas cousas caminhar a s ó s !.. O viver sem família, sem ventura.
Mas que poeira vê-se de repente Sem esperanças m a is ....
Lá no horizonte em direitura a nós!? Êste penar eterno, êste sofrer sem crime,
Êste descrer dos mais;
Inda um m inistro!., grande Deus bendito!
Doirado d’inda agora, e fresco, e assim
Vem tão contente de se ver bonito, E aquêle ver-te qual t ’eu vi, co’o pranto
No olhar parece que vos d iz ... Eu sim! Nos olhos a brilhar,
E nos lábios sorrisos porque 655 vias
Eia, depressa! meus dois fardas-rôtas, Qual era o meu penar!
Toca de novo pasta e saco a encher.
Dá-lhe que dá-lhe co’o tacão das botas Se êsse fingir que a vida te esgotava
Trás do ministro largando a correr! Do pobre coração,
Se tudo fôsse um pesadelo horrível,
E ei-lo que passa o homem doutro barro! Um sonho vão;
Que tem dois pés, mas por favor dos céus!
E os dois fardas-rôtas lá vão trás do carro, Se outra vez amanhã meiga sorrindo
Nos rocins magros, como dois lebréus! Me viesses contar
Teu sonho mau, durante a noite, e o ledo
Venturoso acordar!
I I I

Bípede, sim; mas a cair de bruços, E que de ver-te se me fôsse d’alma


Não poderia ter-se em pé jamais. 649 D ’angùstia o sentimento,
Por isso marcham na vanguarda os ruços. Como visão noturna, como um traço n’àgua.
Sem terem culpa, pobres animais! Nuvem que tange o vento!

[219]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

Se em nossos peitos desses caos surgissem Como a do viajor que pelas trevas
Os êxtases de amor, Sem tino vai,
Como aves mil, que no romper do dia E , errado o trilho, se embrenhou nas matas,
Voam de um ramo em flor! Nem delas sai!

Neste viver sofrendo, errante, louco.


E a vida entre nós franca! o amor possível,
M ísero Jó ,
E o paraíso ali!
Que amigos e inimigos à porfia
Oh! que acordar!___ Venham dizer-me agora
Pungem sem dó!
Depois do que sofri,
Às vêzes, da amargura no remanso.
Que o mundo é vasto, que não devo amar-te, Ao Criador
Que renuncie a ti! Minha alma eleva cânticos de graças,
Fazei-o vós, se sois capaz de tan to ----- Plinos de amor!
Não o peçais de mi.
Que se estivesse em mim renascer hoje.
Qual o horrendo porvir que após nos guarda Sofrer o que s o f r i .. ..
Não o sabeis, eu sei! Eu quisera viver para ainda amar-te
É ser morto por dentro, é dizer d’alma E amado ser por ti!
Jam ais feliz serei! M anaus — l ó de Junho de 1861.

É criar tédio à vida! — um só receio


Ter-se — que seja eterno
Êste viver, êste descrer de tudo,
Êste penar do inferno! NO JARDIM!
Ma7taus — 30 dc Maio de 1S61.

Lem bra-te o Jardim , querida!


Lem bra-te ainda da vida
Aquela quadra florida,
Que ali passamos e n tã o !...
SE MUITO SOFRI JÁ , NÃO MO PERGUNTES. — Duas salas, um terraço.
Poucas flores, muito espaço,
Se muito sofri já, se ainda sofro Muita luz; mas a melhor,
Por teu am or?! — A flor do teu coração,
Não mo perguntes! que do inferno a vida A luz do teu santo amor!
Não é p io r !...
Não tinha a casa pintura,
E u ! vegetar da terra entre os felizes! O chão não tinha cultura;
Que faço aqui? Paredes nuas, ladrilho,
Sonhos de amor, de glória, — lá se foram Tudo singelo, sem b r ilh o ....
Atrás de ti! Ninguém diria a ventura
Que ali se pudera achar!
íi porque ninguém sabia
A ver se encontro d’esperança um raio
Que tu ali vinhas ter
Olho em redor,
A cada romper do dia
E nada vejo, e mais profunda sinto Como um raio de alegria!
No peito a dor! É que o sol no seu morrer
Seus raios ali mandava,
Que faço aqui? Dias cansados, anos Como que nos céus fixava
Sem fim — durar! A história do amanhecer!
Depois que te perdi, viver ainda. — Que o ciclo da nossa vida
Viver! p e n a r !... Da terra oscilava aos céus, 656
Na luz do amor teu, querida,
Eu, não! Quem fôr feliz que preze a vida. Na luz mandada por Deus!
Tem a perdê-la!
Por mim não tenho horror, nem tédio à morte, E depois, se vinha a noite,
Clamo por ela! Fôssem trevas ou luar,
— Como em sonhos prazenteiros,
Bendita seja pois a que mandada Como em mágicos luzeiros,
Me fôr — por Deus. Do infinito pelos campos
Matar-me, não; que quero ver-te ainda Se ia minha alma a vagar!
Feliz nos céus! — São menos os pirilampos
No bosque — à noite! — as estréias
Mas no pego da dor, em que me abismo, Nem tantas são, nem tão belas
— Nesta aflição Como os doces devaneios.
Negra como a do cego que na estrada Desejos, temor, receios.
Esmola o pão! Daquele ameno cismar!

[ 220 ]
V ERSU S PÓSTUMOS

Vivia! estava desperto! E no consórcio de amor


Eu contigo me entretinha; — Nesse divino existir —
Tu ali estavas — bem perto, Que os prende, vai-lhes a vida.
A voz te ouvia que vinha De uma só seiva nutrida.
De amor minha alma inundar! Cada vez mais a subir!
Mais formoso que tal sonho
Era só meu acordar, Se o verme a raiz lhe ataca,
Vendo teu rosto risonho. Se o raio o cimo lhe ofende.
Vendo nêle do meu sonho Cai a palmeira, e contudo
A imagem se desenhar! Inda a baunilha recende! ^57
— Ouvindo-te a voz macia
Baixinho pronunciar Um dia só! — que mais tarde.
Frases de amor, de poesia. Exausta a fonte do amor.
Que ninguém pudera achar! Também a baunilha perde
Vida, graça, encanto, olor! ,
Crê-me! a infanta portuguêsa.
De Inglaterra a princesa, Eu sou da palmeira o tronco.
Laura, Elvira, Beatriz. Tu — a baunilha serás!
Nos cantos de ilustres bardos Se sofro, sofres comigo,
Só — foram grandes: tu, não! Se morro — virás atrás!
Distinta por natureza.
No sentimento rainha, Ai! que por isso, querida,
A poesia te vinha Tenho aprendido a sofrer!
Sublime, estreme, feliz. Porque sei que a minha vida
Traduzida em gesto brando. É também o teu viver.
Ou d’alma plena brotando Manaus — Í7 de Junho de 1861.
Do abundante coração.
Ampla, caudal como um rio.
Como pérolas em fio
A granizarem no chão!

Aquelas vivem eterno SE TE AMO, NÃO SEI!


Na história do seu amor!
Em trono de luz sentadas,
Amar! se te amo, não sei.
Croadas de resplendor!
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Mas, quem dirá o que fôste! Que não sei o que é amar.
O que és ainda — talvez!
Se estas pobres folhas sôltas Se amar, é sonhar contigo,
Nem chegarão a teus pés?! Se é pensar, velando, em ti,
Manaus — 17 de Junho de 1861. Se é ter-te n’alma presente
Todo esquecido de mi!

Se é cubiçar-te, querer-te^
Como uma bênção dos céus
A ti sòmente na terra
A BAUNILHA. Como lá em cima a Deus;

Se é dar a vida, o futuro,


Vês como aquela baunilha Para dizer que te amei:
Do tronco rugoso e feio Amo; porém se te amo
Da palmeira — em doce enleio Como oiço dizer, — não sei.
Se prendeu!

Como as raízes meteu


Da úsnea no musgo raro,
Como as folhas — verde-claro —
Espalmou! Sei que se um gênio bom rae aparecesse
Como as bagas pendurou E tronos, glórias, ilusões floridas,
Lá de cima! como enleva E os tesouros da terra me oferecesse
O rio, o arvoredo, a relva E as riquezas que o mar tem escondidas;
Nos odores,
Que inspiram falas de amores! E do outro lado — a ti sòmente, — e o gôzo
Dá-lhe o tronco — apoio, abrigo. Efêmero e precário — e após a morte;
Dá-lhe ela — perfume amigo. E me dissesse: “ Escolhe” — oh! jubiloso.
Graça e olor! Exclamara, senhor da minha sorte! —

[2 2 1 ]
ANTÔNIO GONÇALVKS D IAS

“ Que tesouro 659 na terra há i que a iguale? Porém procura esquecer-te, 661
Quero-a mil vêzes, de joelhos — sim! Das venturas no regaço.
Bendita a vida que tal preço vale, De mim, dos votos que faço.
E que merece de acabar assim !” De quanto pedi aos céus
Manaus *— 25 de Junho de 1B6Í.
Ver êste d i a . .. . mas choro!
V ai! sê feliz! adeus!
Manaus 25 de Junho de 1861.

COMO! ÉS TU.?

Como! és tuF! essa grinalda REVELAÇÃO. 662


De flores de la ra n je ira !...
Branco véu, nuvem ligeira
Sôbre o teu rosto a ondear! Quem é maior do que os Anjos,
Pálida, pálida a fronte Mais radiante que a luz?
E os olhos quase a chorar! Quem amar Deus nos ensina,
Na doutrina mais divina?
És tu! bem v e jo ... não fales!
Cala-te! já sei o que é!
A mão vais dar, vida e fé J esu s!
A o u tro !.. Vais te casar.
Pálida, pálida a fronte, Tecem coroas de glórias
Olhos em pranto a nadar! As alvoradas do dia.
Enaltecem -na os Arcanjos
E vais! e és tu mesma? — e vais!. Em divina melodia?
Fui eu quem te dei o ex em p lo ...
Sei que te aguardam no templo.
Maria!
Deixa-me aqui a chorar:
Fazes somente o que fiz,
Não fazes mais que imitar! Quem soube honrar o trabalho,
A paciência, a humanidade.
Ensinando a humildade
Mas eu quis ver-te feliz, E em Deus despertar a fé?
Não dar-te e x e m p lo !... pensava
Que ileso e firme ficava
O teu amor — a guardar J o sé !
A fé, que eu mesmo, insensato!
Fui o primeiro a quebrar! Seja, pois, esta trindade.
Vosso guia e vosso norte,
Contradições d’alma humana! Não receies os horrores,
Fui, sim, quem te dei o exemplo, Que se nos pintam da morte,
Isso quis, e ora contemplo Se os invocardes com fé:
E ssa grinalda — a chorar, Jesus, Maria, Jo sé!
A fronte pálida, pálida, (_Sem data.)
E o branco véu a ondular!

E há de o mundo inda algum dia


Do olvido o véu tenebroso A M INHA ROSA.
Estender por tanto gôzo.
Tanto crer, tanto esperar!
Vai que te aguardam: já tardas:
A mim! foi a mim que o ouviste?
Deixa-me aqui a chorar!
E u ! — chamá-la minha r o s a !...
De certo que é bem formosa.
V ai! e que os anjos derramem En tre criança e mulher!
Sôbre ti flores, venturas, Se a vejo tão jovem inda,
Que as alegrias mais puras T ão simples, tão meiga e linda,
Floresçam 660 dos passos teus: Da vida no rosicler;
E que entres na casa estranha
Como uma bênção dos céus! Podia chamá-la — rosa.
De musgo ou de Alexandria,
Que a fortuna — de veludos Rosa de amor, de poesia.
Aleatife os teus caminhos, Mais lhe não dava que o seu;
Que o orvalho dos teus carinhos Porque se essa flor mimosa.
A êsse faça feliz J á chegaste ao seu retrato,
Com quem te casas — que te ame H avias ver como a rosa
Como te amei e te quis! De repente esmoreceu!

[ 222 ]
V ER SO S PÓSTUMOS

Porém teu amor, querida, Vês tu? — É como quem sobe


Teu amor que é minha vida, Altivo monte. Primeiro
Que é meu cismar, que é só meu; Vê formar-se o nevoeiro.
Êsse que te faz formosa Vê-o da terra a surgir!
Entre tôdas as mulheres,
Onde achá-lo?! — Minha rosa----- Mais alto sobe! — Das nuvens
Minha és t u !., como sou teu. Vê os castelos formados,
Torvos, feios, trovejados,
Não nego que é meiga e linda. E a tempestade a rugir,
Entre mulher e criança. E a terra como sumida
Tão jovem, tão meiga, e ainda E os céus como a luz roubados!
Da vida no rosicler; Convém mais alto subir,
Mas tu vales mais do que ela, Muito mais alto, querida!
Não conheces bem teu preço. Mais alto, que de lá vês
Acho-te muito mais bela, Os céus sem nuvens — por cima —
Como és, — entre anjo e mulher. E a tempestade a teus pés.

Ali já não há negrumes,


O dia ali não tem véus;
Ai! só na terra há ciúmes,
CIÚMES. E o teu amor é dos céus.

Ciúmes! Pois tens ciúmes!


Porquê?! — porque a ^^3 esta, àquela
Contemplo e digo que é bela. TENS MAIS POESIA.
Ciúmes daí te vêm? 664
Que te direi?! — Em ti mesma
Mas sabe! — desde que te amo,
Lê;
Tudo me agrada e recreia!
Tenho esta vida tão cheia. Que aí melhor poesia.
Sinto que vivo tão bem! Crê,
Hás de achar que em versos meus.
Que tudo me arrouba e enleva.
Mar e terra, nuvens, céus. Poesia que vem d’alma.
Estréia, flor, planta e relva, Fé
Tudo quanto vem de Deus, Que a vida ilumina e doura
Quanto nos olhos reluz. Té
Quanto o mundo exterior Que vai se prender a Deus.
Do belo em formas traduz;
Quanto um peito amante cisma Ê tal a tua poesia,
É
Vejo eu ao través da luz.
Ao través do claro prisma Qual de flor mimosa e oculta
Do teu santo, imenso amor! Pé
Que em densa moita se cria!
Amo tudo quanto sinto.
Quanto a minha vista vê; Respira-lhe o doce aroma
Teu reflexo vejo em tudo, Quem
E tens ciú m e s!... Porquê?! Passa ali, nem sabe donde
Vem
O aroma que todo o arrouba!

Como se vêem pinturas.


Estátuas belas, — assi
Vejo-as também. Formosuras POEMA AMERICANO.
Sejam, que eu só amo a ti!
F ragm en to.
Há três amôres, querida.
O amor da terra — vulgar. Fértil a terra produzia outrora
Outro em região mais subida, Deleitosa abundância: em tôda a quadra
Mais inda fácil de achar. Lourejava o caju, pendia o milho
— Outro por fim a pairar Das verdes hastes — uberosas glebas
Longe do mundo e da vida. Aqui, ali, rachavam-se, mostrando
Em luz de mais clara esfera. A macaxeira, o aipi — da vida esp’rança.
Sem borrascas, sem negrumes, Piscoso o rio, as margens povoadas,
Ali já não há ciúmes; Pingue a floresta, semelhante à fera
O teu julguei que assim era! Que ao recém-nado filho as têtas duras

[ 223 ]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S

Cópia de leite incômodo apresenta, Dizem, fazem-no assi, prestam-lhes armas


Tal se mostrava a natureza — outrora. O mar, o rio, as árvores e arbustos,
Foi isso outrora — o homem de insensato Nem lhas refusa a planta, o rude galho
Do bem que tinha desgostou-se em breve, Pasm a de ver-se unido à dura pedra.
Novo prazer buscando em males novos! Fácil por mãos robustas manejado.
Guarda-os o couro do tapir — a forte escama
Eis qu’entre os de Tupã filhos revoltos. Do jacaré sanhudo — a arraia, o peixe
Prodígio estranho — de melenas brancas. A farpoada seta lhes aguçam.
Alvo o semblante, venerando o aspecto. Fibras do gravatá vergam sem custo
Forasteiro ancião se mostra súbito; Do ipé e da braúna os arcos duros.
Mas válido e robusto envelhecera Arma-os a canarana e a voragica,
Como envelhece o ipé. Deram-lhe os anos E ervada de finíssimo veneno
Mais cerne ao tronco — m ajestade às ramas. Nas plumas dos voláteis silva a morte.

Traz mau conselho a frouxidão do ócio, Na posse do tacape lhes foi dada
O velho assim se exprime: os dons do Ibaque, Da terra a posse — invadem conquistando.
São do Ibaque outra vez, já não são vossos; Imperam, mas de sangue se embriagam,
Mas tendes franca a terra, livre a escolha E o bravo outrora, hoje cruel se chama!
Da sorte (eu vo-la dou) que mais vos praza, Que vale resistir-lhes? — Tudo cede,
Podeis rasgar-lhe o seio, fecundá-la Tudo ao seu poder se aeurva e humilha.
Com ímprobo trabalho: as louras messes, Férteis ilhas perdidas no oceano
Que ora vicejam, sós virão a custo 66S Do seu nome se chamam: foi debalde
Do parco agricultor em prêmio à lide; O trato que as divide — infindas hostes
Talvez porém malsazonadas murchem. Para defesa armadas — brandos ventos
Ou no verdor das fôlhas mentirosas Os levam — no fronteiro continente
Poreis esp’rança vã de larga ceifa. Surgem, tranqüilo o mar, na estranha igara.
J á senhores, nas tabas opulentas
Detém-se o velho aqui — turvos semblantes Folgam de ouvir mesclados dialetos.
Contempla em tôrno a si; porém mais turvos Estranhos sons na feminil loqüela.
Nota que são depois que a voz lhe ouviram.
Loucos, que rejeitais de um Deus a oferta. Aguas da corrente assoberbada
Mal sabeis quanto é grato ver a planta Pela fúria do inverno, que vencendo
Crescer, vingar à força de cuidados, Com ímpeto fremente as altas margens.
H oje verde e viçosa — amanhã triste Árvores prostram, selvas de liâmes
E murcha um pouco — já retoma o viço. Boiantes após si ao pego arrastam —
Alarga os ramos — copa-se frondosa. Novos leitos forçando.
Matiza-se de flores que embalsamam, T al dos heróis a fúria se revela;
E enfim de frutos carregada verga. Mas ai dos malfadados, que já travam
Combates entre si! — Um Deus, que vale? 666
Que prestam seus avisos, quando o ódio
Crava raiz na terra ensangüentada,
E à vingança o guerreiro excita e impele?
Outra sorte quereis? prossegue o velho.
Outra sorte vos dou. — Quereis na vida
Aspérrima e cruel de acesos prélios
A terra conquistar, e em duras festas. Qual fôsse a causa da fatal zizânia,
Enquanto os hinos da vitória soam, Lem brai-m a vós, espíritos beni’nos,
Com langor celebrar cruentas lutas? Que na voz da acauã gemeis sentidos.
Guerra quereis enfim? — “ Queremos guerra. Ai, 667 nesse mesto canto inda suspiram
E da terra o labor ingrato e duro Almas fortes de heróis, — inda lamentam
A turba mulheril fique e se guarde.” Da discórdia os fatais e ruins efeitos,
Da selva as ramas fremem compassivas
— Guerras tereis, lhes torna merencório. Nos ecos murmurosos — nós, seus netos.
Sem descanso as tereis; e nisto arroja Prestam os surdo ouvido à voz plangente. 668
No solo pulvurento a bruta maça.
Com arma igual sereis nunca vencidos —
D isse; mas ai de vós — de vossos netos,
Dos últimos vindouros, se rebentam
Discórdias entre irmãos. — T ristes! se acaso Crangé, filho de Imbé, guerreiro ilustre.
Não pondes côbro ao mal! Há de o contágio De ser dos chefes o maior s’ufana.
Lavrar por todos vós — té que vos faça. Graças à turba infinda que o rodeia.
Dominados de atroz vingança infausta, Mais rico de troféus — Taoba ostenta
A estranhos fins servir em dano próprio! Colar que cinco vêzes sôbre o peito
Frouxo e às largas lhe cai, e a lunar forma
Mal atendem aos últimos conselhos — Cinco vêzes crescendo multiplica:
“ À guerra! à guerra, amigos — todos bradam. Rico de igarités, de remos fortes,
Nesse viver de aspérrimas contendas Que a seu querer do mar as ondas rasgam,
Fama, troféus se lucra, e nome ilustre.” D ’espalhar o espanto, e o susto e a morte

[ 224 ]
V E R S O S PÓ STU M O S

Ao longe se contenta — a 669 uma ilha c à outra, A nota senda, qual jaguar sanhudo
Do seu nome o terror levam as ondas. Que ao antro leva a corça esmorecida —
Crangé propõe-lhe um dia: “Ilustre chefe Pasto abundante à fome que o devora.
D igarités sem conto — eu de soldados
Cópia infinda governo — nossas forças Prêsa infeliz! funesto encontro aquele,
Unamos pois, e os maracás se ajuntem, Zvlal entra no arraial, vendo-a tão bela
A ti e a mim cabendo igual império, Rudos e feros os corações se enlevam.
Em firme, eterna aliança; e como o vento Porém de Imbé com mais violência a chama
Quando revolto nestas ilhas sopra. Se lhe ateia no peito — tudo olvida.
Vamos à terra oposta, ali teu nome, Cedendo ao impulso de fatais desejos,
Guerreiro ilustre, e o de Crangé se escutem!” 670 A emprêsa começada, a própria glória,
Guerras, conquistas — tudo — desde essa hora.
Taoba aceita, inúmeras igaras Daquele ser na posse os seus anelos
Rasgam do mar o seio entumecido. Concentra; e fora dêle o mundo é nada.
Três sóis — e ao quarto sol a fôfa espuma “ Dêsse mimoso achado em câmbio aceita,
Cospem de Marajó nas brancas praias. Venturoso Taoba, o arco, as setas.
Armas, troféus de Imbé — e os seus guerreiros
Grato descanso após penosa lida Sigam do teu cocar mescladas plumas,
Presta-lhes amiga terra, — ovantes folgam Benquistas da ventura: eu dessa jóia
De ver, examinar, correr a praia. Contente e pago, às pátrias ilhas volvo.”
Frutos colher, a discutir quais sejam
Da terra inculta os íncolas; que sorte “Verde nefrito achei, lhe diz Taoba,
Lhes oculta o porvir. Taoba entanto Que me podes tu dar da pedra em trôco?
Vai só •— quase sem armas — ínvias matas Se doutrem fôra, — eu pola haver servira
No ardor que cego o arrasta prescrutando. 671 Quantos anos do ipé têm 676 visto as flores.
Trocá-la não — dá-la tampouco — é minha.
Súbito os bosques rasgam-se — aparece Com zêlo a guardarei — feitiço e risos
Ao longe o mar — e próxima arenosa Do triste alvergue meu — depois que a morte
Branca praia cintila ao sol do ocaso, Órfã minha Peri deixou comigo.” —
E aqui, além, dos muricis nas moitas
Em juvenil folguedo descuidadas “ Dá-ma, lhe diz Im bé: cabe a mais bela
Brincam donzelas mil; a mais airosa, 672 Ao mais valente, e a ninguém cedo — o s a b e s !..
Meigo feitiço d’olhos que surprende
— “Exceto a mim sòmente”, — lhe replica
Vontade e corações — por anos quinze
O selvagem guerreiro alçando a fronte,
Escassos, vira em flor o cajueiro.
E a voz ao gesto; freme-lhe no peito
Nasceu com ela o juçaral no brejo.
O ominoso co la r!.................................................
Mal no porte gentil e airoso a iguala,
Mas fruto inda não deu, inda não tinge
De roxa e viva côr os longos cachos. 673

Tolhida pela súbita presença AO GRANDE LITERATO HOMEOPÁTICO


Do bárbaro guerreiro — desfalece.
DR. VELUDO.
Desmaia a triste, qual se horrendo tigre
Tivesse em frente a represar-lhe a vida
Dizem que o velho Diógenes
No coração. Taoba, que mal pensa.
De novo ao mundo voltou
Por quanto lhe revolve e agita o seio.
Com sua lanterna acesa,
Ter ante os olhos seus humana forma,
E a Guanabara chegou. 677
Quem seja inquire e de que pais nascida.
Da sazão de terror tornada apenas, 674 “ Quem é, pergunta êle, aqui
A mísera responde: — “ Não conheço. Um doutor pilha-bonito,
Bendiga-me Tupã, nem pai nem tribo, Panegirista quand-même
A mim tapera os cariris me chamam.” De Frei Bernardo de Brito?”

— “Tapera a ti?! já não no és, se o fôste; — “E cce hom o!” — lhe dizem.
Nas surdas tabas a andorinha folga “ D o u to r .... aquilo? — “ Oh se é!
Prendendo os ninhos seus aos ermos tetos, Faz plágios, copia, imprime
Mas tu, que para adorno do guerreiro Volumes que ninguém lê.
Nasceste, 675 ave gentil, guará soberbo.
“ É o moderno Tostado,
Virás comigo — onde Peri mimosa,
E em finanças não Zote,
Na idade igual a ti — talvez mais bela.
Noiva de seu bom pai te abrace amiga. Grande home’ em tudo e por tudo,
In iitroque, utraque, utroque!”
Pasmados te contemplem meus guerreiros
O rosto e o porte, — a minha escolha aplaudam, “Eureka! interrompe o Grego;
E de Taoba o xerimbabo invejem !” — Dava p’ra o ver uma perna!
Disse e não mais, travando-lhe do braço. Achei um asno às direitas.
Ela, qual mimosa sensitiva. Posso apagar a lanterna.”
Desmaia ao toque rude; êle a sopesa
E nem lhe sente o pêso, recorrendo

[ 225 ]
AN TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S

AO DOUTOR DOS MANUSCRITOS. Destas cujas suplicantes?!


E eis as razões por que
P e t iç ã o . (F o ra mil outras razões
Que ofendem a cortesia)
Parecem indiscrições
Senhor! umas pobres traças O que vossa senhoria
Dos fundos do Garnier, Disse ao senhor Garnier.
Que lá estavam certo dia,
Quando sua senhoria
L á foi fazer não sei quê.
Maldizem sua m á sina
Ao lembrar seus doutos ditos
De ir vender seus manuscritos D. EMÍLIA.
Ao imperador da China;
E i s t o . . . . oh vergonha! oh! dor!
Já mimosas as flores desabrocham,
J á mais ledos os pássaros gorjeiam ;
Porque de quantos governos
Mas nem aves nem flores
H á neste mundo de Cristo,
Nos dizem sós que a Prim avera chega,
O nosso, já está bem visto,
Que já freme na fôlha envilecida
Que é de todos o pior.
Do inverno aos crus rigores.

Pois as sobreditas traças, Que também tu. Musa gentil, despertas!


Com o respeito devido. Aura d’amor sussurra-te na lira
Lhe pedem seja servido Dulcíssima canção!
Revogar tais ameaças. Ridente arbusto, quando o vento o agita
Atendendo ao seu direito, Do perfumado orvalho de mil flores
Que humildes passam a expor! Cobre e matiza o chão.

D’abord, parece mal feito Canta, Musa gentil, que a poesia


Que um tão inteiro sujeito, Nos lábios da mulher soa mais doce.
Como é vossa senhoria, Mais espontânea vem
Homeopata e doutor. No albor da vida: em coração de virgem,
Honra e glória da Bahia, Que sonha amor e d’ilusôes se nutre.
E brasileiro como é. Seu próprio ninho tem.
Revele dêsses segredos,
Que nos dão sustos e mêdos,
Canta, Musa gentil! H á nos teus versos
Em casa do Garnier!
Um mimo tal que a pátria nos recorda,
Que enternece, que apraz
Eis que França e Inglaterra Como o pudor da sensitiva, a queixa
E americanos também Da casuarina, da baunilha o aroma,
Ligam -se e em larga súcia O olor do sassafraz!
Por m ar em fora lá vêm 678
A esta terra de mouros, O céu faz dom da lira aos que mais ama.
E perguntam: “ Quem os tem Feliz quem pode a dor lenir cantando,
Êsses divinos tesouros? Mas inda mais feliz
Venha aqui o doutor Plágio Quem da existência os arrebóis, com ela.
A no-los v e n d e r... God-Dam!” Dissolve nas mil faces dêsse prisma
E apenas aqui chegados, Que vida e amor se diz.
Ficam todos endiabrados,
E soco velho, armas, fogo.
Canta, e verás que aceitos são teus cantos.
Murros e queixos quebrados,
Verás também que mesmo entre soluços
Guerra e sangueiras fa ta is ...
Aplaudem-te os mesquinhos!
E de tantos males causa
De rosas festivais cingem-te a fronte.
Sereis, ó Marcos M irais! Invejam -te! mas tu no entanto sofres,
Mas se isto não acontece, 679
Que há nessa c ’roa espinhos!
Estas muitas suplicantes
Não podem sofrer caladas
Epigramas fulminantes Qu’importa? Na miséria dêste mundo
Contra êste pobre govêrno! À dor, que surda lavra por nossa alma,
Ê um govêrno paterno. O rosto mal condiz!
Senhor doutor, — pai e amigo Estala o coração, riem-se os lábios!
Do povo traça — modêlo In v ejam -te?.. Pois bem! Ser invejada
De quantos governos há! É quase ser feliz!
Pois qual outro ajuntará Lisboa 22 de F evereiro de 1S64.
Com cuidados incessantes
E ssa imensa papelada,
Que é pasto, cama e morada

[ 226 ]
V ERSO S PÓSTUMOS

É ALEGRE A FLOR QUE BROTA. É como a luz do sol, como o perfume


De missiva d’amor, ou semelhante 681
É alegre a flor que brota Ao silêncio da noite, à luz do dia,
Sôbre o talo melindroso, Ao pipitar dos pássaros no bosque.
E o arrebento viçoso Ao murmurar da fonte em quadra estiva.
Crescendo em flóreo tapiz:
É doce o romper da aurora, E ’ da cidade eterna o nome santo,
Doce a luz da madrugada. E ’ o meu talismã, é o meu nume,
Doce o luzir da alvorada. O astrOfc a glória, o símbolo, o segrêdo
Doce, mimoso e feliz. Desta vida cansada, o sol dos pólos
Bordando os céus num círculo de fogo!
É bela a virgem risonha Seu nome só direi nalgum momento
Com seus músicos acentos, D ’extrema dor, como em baixei que afunda
Com seus virgens pensamentos, Em alto mar, em noite tormentosa.
Com seus mimos infantis. Ou nos últimos bocejos da existência.
Como quanto enceta ^80 a vida,
Que à luz sorri da existência, O seu nome é a luz, o amor, a vida,
Que tem na sua inocência A felicidade, o paraíso, o signo
Da mocidade o verniz. Do rei que desfazia encantamentos,
— O signo dos milagres e prodígios
Vinga a flor a pouco e pouco. E ’ o seu nome; pois que a amei, e vivo!
Cada vez mais bem querida, Lisboa — 186i
Tem mais encantos, mais vida,
Tem mais brilho, mais fulgor.
De cada gôta de orvalho
Extrai celeste perfume,
E do sol num raio assume AMOR DE ÁRABE.
Cada vez mais viva côr.
De cava rocha musgosa
Assim à virgem risonha Serena fonte caía.
Pouco a pouco, noite e dia. Caía por entre pedras.
Mais viva flor de poesia P or entre flores corria.
Do rosto sente na côr;
E um anjo nos meigos sonhos A essa fonte querida.
No peito — da sua essência — Amor do seu coração.
Derrama o odor da inocência Vinha, sempre, à tarde, a jovem
— Um doce raio de amor. Bela filha do Sultão.

Porque tudo quanto nasce. E sempre junto da fonte


Seja a luz da madrugada. Via ela de cada vez
Seja o romper da alvorada. Um moço d’olhos ardentes.
Seja a virgem, seja a flor, Coberto de palidez.
Tem mais amor, tem mais vida,
Como recente feitura. Um dia — não se conteve;
Caindo formosa e pura Vai-se-lhe a êle veloz: 682
Dentre as mãos do Criador. “ Dize quem és, eu to ordeno,
Que estás aqui sempre a sós.”
Lisboa — 186i,
— Escravo sou — diz-lhe o moço,
E mais e mais perde a côr;
— Sou duma tribo d’Arâbia
SEU NOME. Que morre, em sentindo amor. —

(I mitação).

MINHA TERRA!
O som do nome seu é doce aos lábios.
Macio se desliza e flui risonho,
Como entre flores um regato corre, Quanto é grato em terra estranha.
Como entre as faces de pulido prisma Sob um céu menos querido.
A luz ostenta um íris luminoso. Entre feições estrangeiras.
Ver um rosto conhecido;
É como a aurora boreal seu nome,
Como êsses meteoros, que em uma noite Ouvir a pátria linguagem
De sereno luar, cortando as nuvens, Do berço balbuciada.
Deixam nelas um traço de luz branca, Recordar sabidos casos
Qu’afaga os olhos, e o prazer semelha! Saudosos — da terra amada!

[ -^27 ]
AXTÔNIO GONÇALVES D IAS

E em tristes serões d’inverno, A h! porque d’ora avante 686 não soframos


Tendo a face contra o lar, Mágoas cruas,
Lem brar o sol que já vimos, Como eu, cria raiz, — ou presta-mc asas,
E o nosso ameno luarl Como as tuas.
Certo é grato; mais sentido 683
Se nos bate o coração,
Que para a pátria nos voa,
P ’ra onde os nossos estão! Ou rosa ou borboleta, ■— a morte cedo
Nos vem buscar,
Depois de girar no mundo Não a esperemos, não: vivamos juntas
Como barco em crespo mar. Num só lugar.
Amiga praia nos chama
L á no horizonte a brilhar. Num só lugar, ou sejam mansos ares,
Se ali te exaltas;
E vendo os vales e os montes Ou sejam campos, se é ali que a relva
E a pátria que Deus nos deu. De pranto esmaltas!
Possamos dizer contentes:
Tudo isto que vejo é meu! Não importa o lugar! — o quer que sejas,
Alento ou côr.
Ou corola orvalhada, ou borboleta.
Ou asa ou flor.
Vivamos juntas, onde mais te agrade:
Meu este sol que me aclara, Pouco importa o lugar:
Minha esta brisa, estes céus;
Que ou seja terra ou céu, estando juntas,
Estas praias, bosques, fontes,
Nos havemos de amar.
Eu os conheço — são meus!

Mais os amo quando volte,


Pois do que por fora vi,
A mais querer minha terra, PROFECIA DO TEJO.
E minha gente aprendi.
Paris — 1864.
(T rad. do E spanhol)

Folgava el-rei Rodrigo


Com a formosa Cava — na ribeira
POESIAS TRADUZIDAS. Do Padre T e jo amigo!
O rio — a sobranceira
A TRISTE FLOR. Fronte eleva, e lhe diz desta maneira: 687

“ Em hora infausta gozes


(V ictor Hugo) Do roubo injusto, ó rei! que o arruído
Escuto já, e as vozes
E as armas e o bramido
A linda borboleta alibrilhante De Marte, — de furor e armas cingido!
A flor dizia assim :
Que diferentes somos! Vês que eu fico, “ A h! quanto essa alegria
E tu foges de mim! De prantos está c h e ia !... E essa formosa
(Nascida em triste dia),
Nós vivemos contudo sem os homens. Â Espanha, ai! quão custosa!
Sem êles nos amamos, Quanto ao cetro dos Gôdos lastimosa!
E ambas formosas, ambas flores, dizem
Que nós nos semelhamos. 685 “ Chamas, e luto e guerras.
M ortes e assolações e duros males
Mas o ar te co n d u z!., e eu fico p rê s a !.. Nos braços teus encerras!
Que fado o meu! Trabalhos imortais
Com meu perfume antes soprar quisera A ti, e a teus vassalos naturais;
No céu — o vôo teu.
“Aos que em Constantina
Mas não, que longe v a is !., por entre as flores Rompem o fértil solo, — a quantos banha
Me vais fugindo. O Ebro, e à vizinha
E eu fico a ver-me a sombra que na terra Sansuenha, e à Lusitânia
Se está bulindo. E a tôda triste e dilatada Espanha!
“J á lá de Cádiz chama
Vais e voltas e foges para longe O injuriado Conde (que à vingança
Mais caprichosa: Atende, e não à fama)
Assim m ’encontras sempre a cada aurora A bárbara pujança
Tôda chorosa. De quem para teu mal não tem tardança!

[ 228 ]
V ERSO S PÓSTUMOS

“Ouve que o céu já toca TENS JÓIAS E DIAAAANTES,


Com temeroso som a trompa fera,
(H e i n e )
Que em África convoca
Os moiros à bandeira,
Que livre ao ar desdobra-se ligeira! Tens jóias e diamantes.
Quais não têm tuas rivais,
Tens os mais belos dos olh os...
“A lança já maneja Amor, que desejas mais?
O árabe cruel, e fere os ventos.
Incitando à peleja
E sôbre êsses olhos belos
Inumeráveis centos
Já de carmes imortais
D ’esquadras juntas em alguns momentos!
Tenho composto volumes-----
Amor, que desejas mais?!
“A gente cobre o solo!
Já debaixo das velas desparece E com êsses olhos belos,
O mar, — a voz ao pólo Até não quereres mais.
Confusa e vária cresce: Tens-me pôsto à dependura.. . .
O pó encobre o dia e o escurece! Amor, que desejas mais?!

“Ai, que já pressurosos


Sobem as largas naus! — ai que já tendem
Os braços vigorosos VEM, Ó BELA GONDOLE IRA.
Aos remos, — e já rendem
Os crespos mares, que robustos fendem! (H e in e )

“O Éolo direito Vem, ó bela gondoleira!


De pôpa enfuna 688 a vela; e larga entrada Ferra a vela, — junto a mim
D’Hércules pelo estreito. Te a s se n ta .... — Quero as mãos dadas,
Em hora malfadada, E conversemos assim.
O grão Padre Netuno of’rece à armada.
Põe no meu peito a cabeça,
Não tens de que recear,
“Ai, triste! inda te prende Que sem temor, cada dia,
O regaço ominoso?! — nem chamado Te fias do crêspo mar!
Ao grande mal que pende
Acodes! — Pois tomado Minha alma semelha o pego,
Não vês o pôrto a Hércules sagrado?! Tem maré, tormenta e onda;
Mas finas perlas encontra
“Oh! corre sem demora! Nos seus abismos a sonda.
Desce da serra altiva, ocupa o plano:
Não perdoes à espora.
Foge ao ócio tirano,
Qu’ora convém brandir o ferro insano! NÃO TE DIZ MEU ROSTO PÁLIDO.

(H e i n e )
“Ai! quão dura fadiga!
Ai! quanto de suor vê-se iminente
A quem veste loriga. Não te diz meu rosto pálido
Ao infante valente. Que eu morro de amor por t i? ! ...
Aos homens e aos cavalos juntamente! Queres que a bôea o proclame.
Quebre orgulhosa por s i!..
“E tu, Betis divino. Oh! que esta bôea mal sabe
De sangue alheio e teu todo manchado. Beijar, sorrisos compor.
Quanto ao mar vizinho Dizer sardónicos ditos
Vais dar d’elmo quebrado. Enquanto eu morro de dor!
Quanto corpo de nobres destroçado!

“O furibundo Marte TENHO VENENO NOS VERSOS.


Cinco vêzes as sortes desordena.
Iguais de parte a parte: (H e in e )
Na sexta, ai! te condena,
ó cara pátria, a dura e servil pena!” Tenho veneno nos versos!.
Pois que menos pode ser?
Era eu quase uma criança,
Quando mo deste a beber.

[ 229 ]
ANTôNTO 60N Ç A I.V K S D IAS

Tenho veneno nos v e r s o s !.... Tu, meu anjo fiel, desce do Em píreo:
Pois seja: veneno têm. Traze-m e a c ’roa do triunfo egrégio!
Tam bém tenho serpes n’alma Será mais doce o ar por ti movido.
E a ti, amada, também. Mais breve ao céu m ’exalçarei contigo!

Quem desta vida inquieta já transido


 ridente mansão fôsse convosco!
Quem já convosco ajoelhado, ó anjos.
AMBOS SE AM AVAM !. De Cristo redentor beijasse o trono!

(H e in e )

Ambos se amavam, contudo A CAMISA ENCANTADA.


Nenhum ao outro o dizia.
Viam-se como in im ig o s!... ( U h lan d )
E um por outro morria.

“Tenho d’ir-me aos combates, filha cara,


Separam-se e n fim !... nos sonhos “ E o influxo dos astros me é contrário;
Talvez um ao outro via; “ P or isso um encantado vestuário
Já tinham morrido n’a lm a .... “ Tu, virgem, co’a mão débil me prepara.”
Nenhum do outro o sabia!
— Como é, pai meu, que vestes de batalhas
— De mim, fraca mocinha, te prometes?
Aço não sei bater, não forjo malhas.
Apenas fio e teço em meus retretes. —
LÍRIO E ROSA.
“ Sim, fia; mas na santa noite seja;
(H erd er) “ Dedica a trama ao inferno, e, quando urdida,
^^Longa camisa talha-me e comprida,
“ Que nos sangrentos prélios me proteja.”
De amor ó rosa, ó lírio da inocência,
Como belas irmãs vos vejo unidas,
Na noite santa, à lua cheia, cedo
Mas quanto sois diversas! E i-la sòzinha a trabalhar, e logo
“ S eja em nome do inferno!” diz a 690 mêdo,
Tu, da inocência flor, tens própria c ’roa! E o fuso gira em círculos de fogo.
Sem adorno de flores, n’hástea nua,
T e susténs a ti mesma. Já , sentada ao tear, o fio atira
Ao ordume fatal, — tempo não sobra;
Tu co’o sangue do amor tingida, ó rosa. Murmuroso o tear silva e respira.
Qual se demônios dessem pressa à obra!
De seus farpões cruéis rasgado o seio.
Mostras em tôrno espinhos!
As hostes prestes são; delas na frente,
O duque em traje singular campeia.
Em opa longa, larga, alvinitente,
D ’imagens vãs, d’estranhos signos cheia.

FORTIFICA-A/E, ó DEUS!
Como ante um ’spectro, o imigo cede o passo,
( T rad . Do A l e m ã o )
Não se lhe atreve alguém, ninguém o afronta;
Contra êle não tem força o melhor aço,
A mais aguda seta se desponta.
Fortifica-m e, ó Deus, por tuas chagas
Fundas de morte, quando a venturosa Eis que um donzel em frente dêle pula!
Doce hora, que do céu nos m ostra as palmas. — Alto, assassino, diz: além não passas!
Ao meu leito de morte te aproxime. — J á não te valerão do inferno as traças,
— Desfez-se o encanto, — essa obra negra é nula.-
Tu, me bafeja então co’as mansas asas.
Sossegado descanso! — Espectros feios Ardem os dois em fúria carniceira;
Dos rneus pecados maus, fugi, parti-vos Rasga-se a opa ao duque: tinge o chão
Do leito da aflição, onde cansado 689 Seu sangue, — volvem-se ambos na poeira
Meu turvo olhar em lágrimas se apague! E um do outro amaldiçoa a mão!

[ 230 ]
VKRSOS PÓSTUMOS

Escuta a filha o lamentoso evento; SONÊTO.


“ Aonde o duque jaz, êsse homem forte?”
Descobre os dois a porfiar co’a morte, (R olli)
E vendo-os solta horrífico lamento.
— Dize-me tu, pastorzinho,
“ Filha, és tu?! desgraçada criatura! Se aqui estás desde manhã.
“ Como o traidor vestido me teceste? Viste passar, — sabes onde
“Pois d’invocar o inferno te esquecestes, Está minha Egéria louçã?
“ Ou já não tinhas mão de virgem pura?”
“Anda aqui o seu rebanho,
— Sim, o inferno invoquei; mas já não era Mas há pouco, além, eu vi-a.
— Virgem, quem teceu teu vestuário; Tão certo que por sinal
— Êsse, que ao lado tens, me co n h e c e ra .... Seu cordeirinho a seguia.
— O que fiz, ai de mim! foi teu sudário. -

— Ia só com seu cordeiro?


“ Não, — ia mais um pastor.”
— E ra Sílvio? — “ Êsse mesmo;
O AMÉM DAS PEDRAS.
(K oseoarten) “ Mas que tens? Mudas de cô r!”
— Feliz de ti, pastorzinho:
Não sabes o que é amor. —
Bem que de velho e cego, o santo Beda
De pregar não cessava a alegre nova.
Por cidades, aldeias, povoados
Ia por mão de um moço o pio velho
SÔBOLOS RIOS.
Com fogo e zêlo juvenil pregando.
(LoPE DA VEOA)
Eis de uma vez o moço a um vale o guia
De grandes pedras soltas semeado; Junto às margens dos rios.
Mais leviano, que mau, então lhe fala: De Babilônia — a descantar, 692 sentados.
“Reverendo senhor, aqui reunidos Passados desvarios.
“ Stão muitos homens do sermão à espera.” Escravos, afligidos e cansados.
Choramos ternamente
Ergue-se o bom do velho incontinente. Com a memória de Sião ausente.
Escolhe um texto logo, explana-o, aplica-o.
Ameaça, consola, exorta, anima
Os doces instrumentos,
Com tanto zêlo e devoção, que as lágrimas Que o Senhor das batalhas lá louvaram
Caem-lhe em fios pelas brancas barbas. Em tempos mais contentes,
E que nossas vitórias celebraram, 693
Quando êle concluindo, o Padre-Nosso, Quando presos ficamos.
Aos salgueiros estranhos penduramos.
Qual convém, recitava, proferindo:
“Teu é o reino. Senhor, é tua a glória,
“Bendito o nome teu seja p’ra sempre!” Nossos donos, por dita.
Ou por curiosidade, ou por vingança.
Eis que em redor no vale infindas vozes: Ou porque em tal desdita
— Amém, bendito Padre, amém! — respondem. Também piedade ao vencedor alcança:
“ Cantai, cantai” disseram;
De remorso e pavor tomado o moço Com que mais nossas lágrimas cresceram.
Ajoelha e confessa a culpa grave!
“Filho, torna-lhe o velho, pois não leste: E os que conduziam
“Hão de as pedras falar, se os homens calam? 691 Cativos — nossos filhos e mulheres.
“ Nem mais, para o futuro, ó filho, zombes Os hinos nos pediam,
Que aumentavam por lá nossos prazeres,
“ Da palavra de Deus ! É forte, e viva, E, em casos tão adversos.
‘ E mais que um gládio de dois gumes corta Os cantos de Sião, os tristes versos!
“ Essa palavra; e se, para afrontá-la
Humanos corações se empedernissem, Mas em resposta, nós
‘ Pedras em corações se converteram.” A 694 seus rogos, chorando, respondemos:
“ Como pretendeis vós
Que a rojar ferros, míseros cantemos
Nesta infeliz cadeia.
Versos da pátria amada em terra alheia?

[231]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS

“ Se de ti me olvidar. Tôda a noite um adejo suave


Doce Jerusalém , agora ou logo, Me acalenta com meigo frescor:
E de ti longe cantar,
Mirre-se, pois cedeu à força ou rôgo, Vem, meu anjo dos cílios retintos.
A mão que as cordas toca, Vem levar-me nas asas do amor.
Quando tal sorte lágrimas provoca.
Passo a noite, se acaso repouso.
“ E se, cantando, der Sempre a ver-te nos meus sonhos d’oiro —
Sinal de que perdi tôda a memória. Alva a tez, breve a bôca rosada.
Enquanto assim viver.
Cidade santa, ausente dessa glória, Sob o véu escondido um tesouro.
A língua se me apegue
Na garganta, e respirar me negue. Numa rêde de encantos me prendes
Com grinaldas de místico olor:
“ Nem justo é que se diga Vem, meu anjo dos cílios retintos.
Que eu possa haver jam ais contentamento Vem levar-me nas asas do amor.
Entre gente inimiga:
Antes prefiro a todo o sentimento,
E até à 695 vida cara Bela fada que doiras meus sonhos,
Ver-te feliz, Jerusalém preclara! Que simpática a vida me fêz.
J á não és ilusão mentirosa,
“ No entanto, ó rei divino, Eu te vejo acordando talvez.
O castigo prepara ao Idumeu,
Que sendo-nos vizinho, Belo anjo de uma alma celeste,
Não acudiu-nos, — antes ao Caldeu Que és resumo de graça e pudor:
Auxiliou, no dia 696
Vem, meu anjo dos cílios retintos.
Em que a triste cidade nos rendia.
Vem, m’arrouba d’extremos de amor.

“E com voz arrogante.


Mostrando em nosso mal seu ódio injusto.
Ia a bradar diante:
— Arrasai, destruí, sem dó, sem susto; FRAGMENTO DA D IV IN A CO M ÉD IA .
Nem deixe a vossa espada Purgatório — Canto Vi.
Pedra, que torne a ser edificada!

“Tu, Babilônia, agora M ostrar-vos um atalho talvez possa


T r iu n fa !... Deus m arcará o dia!
Abençoada a hora O Espírito que vês — além sentado
Em que pagues tão bárbara ousadia; Com os olhos sôbre nós. — Assim Vergílio 697
Ditoso quem viver, E nós ao pé do Espírito — chegamos.
E o capitão, que tal vingança houver! O h! como eras ali — alma lombarda,
No rosto — desdenhosa — e altiva — tanto
“ E qual já nos fizestes, Como dos olhos no volver — tardia!
Das mães os tenros filhos arrancando. Viu-nos sem pasmo — m ajestosa e muda —
H ão de fazer a êstes Deixando-nos passar nos encarava
Que tendes caros, — hão de, os pais olhando. Semelhante 698 ao Leão, que em paz descansa.
Travar das louras tranças, Pediu-lhe o guia meu, que nos dissesse
Para arrojá-los contra agudas lanças.”
De subir o rochedo a melhor via.
Foi muda ao responder — mas perguntou-nos
Qual era a nossa pátria, e os nossos nomes,
E o meu doce Vergílio — começava:
0 ANJO DOS OLHOS NEGROS. Em M â n tu a .... e a sombra comovida e alegre
Ergue-se do lugar — em que era dantes —
(E mílio Adet) Clamando: Ó Mantuano — eu sou Sordelo,
Da tua pátria sou. — De pátria ao nome,
Quando o sono me pesa nos olhos. Nela pensando, se abraçaram ledos.
Revoar sinto em tôrno de mim Itália — Itália — do sofrer albergo.
Vaga sombra, que ameiga os meus sonhos Frágil batei em vagas tormentosas.
Talvez forma de algum serafim. Sem piloto — e sem leme — ó serva Itália,

[ 232 ]
VERSO S PÓSTUMOS

Não dona de províncias — não rainha, De costumes — de leis —, d’oficios — d’usos —


Mas tributária vil — mas prostituta, Não tens refeito — e feito — e renovado?
Não ouviste? a gentil alma penada És tal — que és similhante àquela enfêrma
Afeita aos pátrios sons — afeita à doce Que sôbre o leito aflito — se revolve,
Concórdia já passada — ergueu-se prestes E só com o se mudar — de dores muda.
Porque abraçasse — da sua pátria ao filho •
E hoje os teus que vivem — mútua guerra
Se fazem — dos que encerra o mesmo valo
Um cruamente despedaça o outro.
Sôbre o teu litoral — os olhos baços POSSÊIDON. 700
Mísera estende — no teu seio os fixa
E um só recanto — não verás pacífico! (H e in e )

ò Alberto, alemão, que a abandonaste Sôbre o mar que sem fim se desdobrava
Trem ia a luz do sol; no pôrto, ao longe
Branquejava o navio
Justa punição dos céus descendo Que transportar me deveria à Pátria.
Caia sôbre os teus — e tal seja ela
Que o rei, teu sucessor, tema imitar-te!
Não era o vento de feição. Tranqüilo
Pois que tu e teu pai — haveis querido.
Sentava-me eu nas dunas alvejantes
Por quererdes reinar — além dos Alpes,
Na solitária praia
Que do Império o Jardim ficasse inculto;
A ler os cantos da Odisséia, os carmes
Ora vem ver Montechi e Cappelletti,
Antigos, mas eternamente belos
Monaldi e Philippeschi — divididos —
D ’imortal juventude, e dessas fôlhas
Que são escravos — ou que temem sê-lo;
Do salitre das ondas salpicadas
Verás, como te chora a tua Roma
Subia-me risonho
Viúva e triste e só — de noite e dia
O hálito dos Deuses,
Entre amargos soluços repetindo;
A primavera esplêndida da vida,
Õ César meu, porque de mim te fôste?!
E do Helas o céu resplandecente.
E vendo por que modo a gente se ama.
Ou sente compaixão — ou tem vergonha
Da imerecida fama — e do teu nome. Meu nobre coração acompanhava
E se lícito me é. Senhor superno Nos seus errores e aflições o filho
Prudente de Laerte; 701 de tristezas
Que sofreste por nós cruel martírio —
Porque de sôbre nós tiraste os olhos? Cortado, e cabisbaixo, junto dêle,
Ou porventura no profundo abismo No lar hospitaleiro,
Do teu alto pensar — melhor futuro Onde as rainhas púrpura fiavam.
Sentava-me, ajudando-o nas mentiras,
A nós mortais oculto nos preparas?
E a esquivar ditoso
Que as províncias da Itália — já se encheram.
Braços de ninfas, covas de gigantes
Já fervem, já transbordam de tiranos,
-Acompanhava-o na ciméria noite
Que altos Marcelos — de vilões se fazem.
Por entre tempestades e naufrágios,
E sofria misérias indizíveis!
E tu — Florença minha — sê contente
Com teu povo sutil — que a ti não chega E suspirei: — Quanto és cruel, Possêidon!
Da mente o mau errar — pois não és rica, Tremenda é tua cólera!
Pois não gozas de paz — pois não tens fastos E a mim próprio me anseia
Com que aos incréd’los provarias isto? O meu retorno à Pátria!
Lacedemônia, Sparta — e Roma e tôdas
Do bom viver civil — profícuas mães — Mal proferira estas palavras, quando
Não o foram menos — do que o és agora? O mar de luz espuma,
Menos o foram — do que tu, que forjas E dentre as brancas ondas vai surgindo
Decretos tão sutis — que a meio Outubro Do Deus do mar a fronte
Não chegam — se em Setembro os fabricaste. C roada de caniços,
No tempo ainda lembrado ah! quantas vêzes __ E diz-me zombeteiro:

[ 233 ]
AKTÔNIO GONÇALVES D IAS

De mim nada receies, poetastro, E nunca sobretudo protegeu-te 702


Em caso algum injuriar desejo Rica de bons conselhos
O teu pobre chaveco, Palas Atene, Deusa da Prudência!
Nem ansiar teus preciosos dias
Com balanços por demais medonhos; Assim falou Possêidon,
Pois tu, meu bom poeta, E assim falando se afundou nos mares;
Nunca contra ti me encheste d’ira,
Mas às grosseiras chufas do marujo
Nem uma tôrre só, nem a somenos
Por debaixo das ondas
De Príamo aluíste,
Aníitrite, a divina regateira,
Nem trepaste de T ró ia os sacros muros,
Nem um só cabelinho sapecaste E as párvoas filhas de Nereu — se riram!
Dos cílios de meu filho Polifemo, L isb o a , 3 d e M aio de 1S64

[ 234 ]
Ivares de Azevedo
Foi poeta — sonhou — e amou na vida. — ..

ANOKL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO — Nasceu na cidade de São Paulo,


M em 12 de seteml)ro de 1831. Aos dois anos foi levado para o Rio de Janeiro onde fêz
quase a totalidade de seus estudos primários e secundários, bacharelando-se no Colégio de
Pedro II, em 1847. No ano seguinte matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo.
Quatro anos acadêmicos foram de fecunda atividade literária, de invulgar aplicação aos
estudos e de alguns atos de estúrdia e boêmia, muito do gôsto de sua geração, impregnada
de ceticismo e de desesperação byroniana. No comêço de 1852 (5 de abril), acometido de
um mal súbito (enterite, com perfuração do intestino, resultante de uma operação a que
fôra submetido quarenta dias antes) veio a falecer. Álvares de Azevedo aparece em nosso
romantismo quase ao mesmo tempo que Gonçalves Dias. A publicação póstuma de sua
melhor obra poética. Lira dos vinte anos (1853), deu-lhe imediata glória nacional. Em
1862 publicam-se suas obras completas (ed, B. L. Gamier). O tempo só tem aumentado
o prestigio dêste extraordinário poeta de vinte anos. O melhor de sua produção literária
nasceu dos momentos de crise moral e de imaginação no campo do epicurismo e do fantástico.

[ 237 ]
r

P o E s t Á s

Poesias / de / Manoel / Antonio Alvares de Azevedo. /


Rio de Janeiro / Typ. Americana, de J. J. da Rocha, /
Rua da Alfandega n. 2 1 0 . / 1 8 5 3 .

LIRA DOS VINTE ANOS.


Cantando a vida, como o cisne a morte.
BOCAGE.

Dieu, amour et poésie sont les trois mots


que je voudrais seuls graver sur ma
pierre, si je mérite une pierre.
LAM ARTIN E.

ÀO OS primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes


do sabiá não têm 703 a doçura dos seus cânticos de amor.
É uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma
coroa de fôlhas, mas sem viço.
Cantos 704 espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna
que agitava um sonho, notas que o vento levou, — como isso dou a lume
essas harmonias.
São as páginas despedaçadas de um livro não lido.........
E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão,
agora que ela vai seminua e tímida por entre vós, derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu
coração — ó meus amigos, recebei-a no peito, e amai-a como o consolo que foi de uma alma esperançosa,
que depunha fé na poesia e no amor — êsses dous raios luminosos do coração de Deus. 70S

Se a terra é adorada, a mãe não é mais digna de


veneração. PRIMEIRA PARTE DA LIRA DOS
Digest o f hindu taw.
VINTE ANOS
Como as flores de uma árvore silvestre
Se esfolham sôbre a leiva que deu vida
A seus ramos sem fruto,
0 minha doce mãe, sôbre teu seio
NO MAR.
Dei.xa que dessa pálida coroa
Les étoiles s’allument au ciel, et la brise du soir erre
Das minhas fantasias doucement parmi les fleurs; rêvez, chantez et soupirez.
Eu desfolhe também, frias, sem cheiro.
GEORGE SAND.
Flores da minha vida, murchas flores
Que só orvalha o pranto!
Era de noite — dormias,
Do sonho nas melodias.
Ao fresco da viração;

[ 239 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Embalada na falua, Não corras na areia,


Ao frio clarão da lua, Não corras assim!
Aos ais do meu coração! Donzela, onde vais?
A h! que véu de palidez Tem pena de mim!
Da langue face na tez!
Como teus seios revoltos A praia é tão longa! e a onda bravia
T e palpitavam sonhando! As roupas de gaza te molha de escuma;
Como eu cismava beijando De noite — aos serenos — a areia é tão fria.
Teus negros cabelos soltos! T ão úmido o vento que os ares perfuma!
Sonhavas? — eu não dormia; Ês tão doentia!
A minh’alma se embebia Não corras assim!
Em tua alma pensativa! Donzela, onde vais?
E tremias, bela amante, Tem pena de mim!
A meus beijos, semelhante
Às folhas da sensitiva! A brisa teus negros cabelos soltou,
E que noite! que luar! O orvalho da face te esfria o suor;
E que ardentias no mar! Teus seios palpitam — a brisa os roçou.
E que perfumes no vento! Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Que vida que se bebia Teu pé tro p e ç o u ....
Na noite que parecia Não corras assim!
Suspirar de sentimento! Donzela, onde vais?
Minha rôla, ó minha flor, Tem pena de mim!
Ó madressilva de amor!
Como eras saudosa então! E o pálido mimo da minha paixão
Como pálida sorrias Num longo soluço tremeu e parou;
E no meu peito dormias Sentou-se na praia; sozinha no chão
Aos ais do meu coração!
A mão regelada no colo pousou!
E que noite! que luar! Que tens, coração,
Como a brisa a soluçar Que tremes assim?
Se desmaiava de amor! Cansaste, donzela?
Como tôda evaporava Tem pena de mim!
Perfumes que respirava
Nas laranjeiras em flor!
Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Suspiravas? que suspiro! Imóvel e branca na praia dormia;
Ai que ainda me deliro Mas nem os seus olhos o sono fechou
Sonhando a imagem tua E nem o seu colo de neve tremia.
Ao fresco da viração, 706 O seio g e lo u ? ....
Aos ais do meu coração. Não durmas assim!
Embalada na falua! ó pálida fria,
Tem pena de mim!
Como virgem que desmaia, ?06
Dormia a onda na praia! Dormia — na fronte que níveo suar!
Tua alma de sonhos cheia Que mão regelada no lânguido peito!
E ra tão pura, dormente,
Não era mais alvo seu leito do mar,
Como a vaga transparente Não era mais frio seu gélido leito!
Sôbre seu leito de areia! Nem um r e s s o n a r !....
E ra de noite — dormias, Não durmas assim!
Do sonho nas melodias. ó pálida fria,
Ao fresco da viração; Tem pena de mim!
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua. Aqui no meu peito vem antes sonhar
Aos ais do meu coração! Nos longos suspiros do meu coração;
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar.
Teu colo, essas faces, e a gélida mão!
Não durmas no mar!
SONHANDO. Não durmas assim.
Hier, la nuit d’été que nous prêtait ses voiles. Estátua sem vida,
Était digne de toi, tant elle avait d’étoiles! Tem pena de mim!
V. HUGO.
I^a praia deserta que a lua branqueia, 707 E a vaga crescia seu corpo banhando.
Que rnimo! que rosa, que filha de Deus! As cândidas formas movendo de leve!
1 âo pálida — ao vê-la meu ser devaneia. E eu vi-a suave nas águas boiando
Sufoco nos lábios os hálitos meus! Com soltos cabelos nas roupas de neve!

[ 240]
PO E SIA S

Nas vagas sonhando Que por um olhar, donzela,


Não durmas assim; Eu poderia morrer
Donzela, onde vais? Dos teus olhos pela luz?
Tem pena de mim! Que morte 1 que morte bela!
Antes seria viver!
E a imagem da virgem nas águas do mar Ai Jesus!
Brilhava tão branca no límpido véu!
Nem mais transparente luzia o luar Que por um beijo perdido
No ambiente sem nuvens da noite do céu! Eu de gôzo morrería
Nas águas do mar Em teus níveos seios nus?
Não durmas assim! Que no oceano dum gemido
Minh’alma se afogaria?
Não morras, donzela.
Espera por mim! Ai Jesus!

ANJINHO.
CISMAR.
And from her fresh and unpolluted flesh
Fala-me, anjo de luz! és glorioso May violets spring!
À minha vista na janela à noite. Hamlet.
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos
Do homem que se ajoelha para vê-lo Não chorem! que não morreu!
Quando resvala em preguiçosas nuvens E ra um anjinho do céu
Ou navega no seio do ar da noite. Que um outro anjinho chamou!
Romeu. E ra uma luz peregrina,
Era uma estréia divina
Ai! quando de noite, sozinha à janela, Que ao firmamento voou!
Co’a face na mão eu te vejo ao luar,
Porque, suspirando, tu sonhas, donzela? Pobre criança! dormia:
A noite vai bela, A beleza reluzia
E a vista desmaia No carmim da face dela!
Ao longe na praia Tinha uns olhos que choravam.
Do mar! Tinha uns risos que encantavam!
Ai meu Deus! era tão bela!
Por que essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva a cheiroso jasmim? Um anjo d’asas azuis,
Na cisma que anjinho te conta segredos? Todo vestido de luz.
Que pálidos mêdos? Sussurrou-lhe num segredo
Suave morena. Os mistérios de outra vida!
Acaso tens pena E a criança adormecida
De mim? Sorria de se ir tão cedo!

Donzela sombria, na brisa não sentes T ão cedo! que ainda o mundo


A dor que um suspiro em meus lábios tremeu? O lábio visguento, imundo.
E a noite, que inspira no seio dos entes Lhe não passara na roupa!
Os sonhos ardentes, Que só o vento do céu
Não diz-te que a voz IJatia do barco seu
Que fala-te a sós As velas d’ouro da poupa! ^08
Sou eu?
Tão cedo! que o vestuário
Levou do anjo solitário
Acorda! não durmas da cisma no véu!
Que velava seu dormir!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Que lhe beijava risonho
Um beijo, donzela! Não ouves? no céu
A brisa g e m e u .... E essa florzinha no sonho
As vagas murmuram. . . Tôda orvalhava no abrir!
As folhas sussurram: Não chorem! lembro-me ainda
A m ar! Como a criança era linda
No frio da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Al JESUS! Como de morta andorinha!

Ai Jesus! não vês que gemo, Pobrezinho! o que sofreu!


Que desmaio de paixão Como convulso tremeu
Pelos teus olhos azuis? Na febre dessa agonia!
Que empalideço, que tremo, Nem gemia o anjo lindo.
Que me expira o coração? Só os olhos expandindo
Ai Jesus! Olhar alguém parecia!

[2 4 1 ]
M A N O E L ANTÔ N IO Á L V A R E S P K AZEVEDO

E ra um canto de esperança E quando nas águas os ventos suspiram, ^09


Que embalava essa criança? São puros fervores de ventos e mar:
Alguma estrela perdida, São beijos que q u e im a m .... e as noites deliram,
Do céu c’roada donzela, E os pobres anjinhos estão a chorar!
Tôda a chorar-se por ela
Que a chamava doutra vida? Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Não chorem, que não morreu! Porque não consentes, num beijo de amor,
Que era um anjinho do céu Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?
Que um outro anjinho chamou!
E ra uma luz peregrina,
E ra uma estréia divina
Que ao firmamento voou! I.

E ra uma alma que dormia Tenho um seio que delira


Da noite na ventania, Como as tuas harmonias!
E que uma fada acordou! Que treme quando suspira,
E ra uma flor de palmeira Que geme como gemias!
Que um céu d’inverno murchou!
I I.
Não chores, abandonada
Pela rosa perfumada! Tenho músicas ardentes,
Tendo no lábio um sorriso Ais do meu amor insano,
E la foi-se mergulhar Que palpitam mais dormentes
— Como pérola no mar — Do que os sons do teu piano!
Nos sonhos do paraíso!
I I I-
Não chores! chora o jardim
Quando murchado o jasmim Tenho cordas argentinas
Sôbre o seio lhe pendeu? Que a noite faz acordar,
E pranteia a noite bela Como as nuvens peregrinas
Pelo astro, pela donzela Das gaivotas do alto mar!
M orta na terra ou no céu?

Choram as flores no afã, I V.


Quando a ave da manhã
Como a teus dedos lindinhos
Estrem ece, cai, esfria?
O teu piano gemeu.
Chora a onda quando vê
Vibra-me o seio aos dedinhos
A boiar uma irerê
Dos anjos loiros do céu!
M orta ao sol do meio-dia?

Não chores! que não morreu! V.


E ra um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou! Vibra à noite no mistério,
E ra uma luz peregrina, Se o banha o frouxo luar,
E ra uma estréia divina Se passa teu rosto aéreo
Que ao firmamento voou! No vaporoso sonhar!

V I.

Como tremem teus dedinhos


ANJOS DO MAR. O saudoso piano teu.
Vibram-me n’alma os anjinhos.
Os anjos louros do céu!
As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de lu z ...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d’escuma revolvem-se nus! A CANTIGA DO SERTANEJO.
E quando de noite vem pálida a lua Love me and leave me not.
Seus raios incertos tremer, pratear, SH A K E SP E A R E . M erck, o f Vcnice.
E a trança luzente da nuvem flutua.
As ondas são anjos que dormem no mar! Donzela! se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que dormem, que sonham — e o vento dos céus Que tenho no coração!
Vem tépido à noite nos seios beijar! E se ouviras o desejo
São meigos anjinhos, são filhos de Deus, Do amoroso sertanejo
Que ao fresco se embalam do seio do mar! Que descora de paixão!

[ 242 ]
PO ESIA S

Se tu viesses comigo Junto às águas da torrente


Das serras ao desabrigo Sonharias indolente
Aprender o que é amar Como num seio d’irmâ!
— Ouvi-lo no frio vento, — Sobre o leito de verduras
Das aves no sentimento, O beijo das criaturas
Nas águas e no luar! Suspira com mais afã!
E da noitinha as aragens
— Ouvi-lo nessa viola, Bebem nas flores selvagens
Onde a modinha espanhola
Efluviosa fresquidão!
Sabe carpir e gemer! Os olhos têm 7H mais ternura,
Que pelas horas perdidas
E os ais da formosura
Tem cantigas doloridas,
Se embebem no coração!
Muito amor! muito d o er!...
E na caverna sombria
Pobre amor! o sertanejo Tem um ai mais harmonia
Tem apenas seu desejo E mais fogo o suspirar!
E as noites belas do vál! Mais fervoroso o desejo
Só — o ponche adamascado, Vai sôbre os lábios num beijo
O trabuco prateado Enlouquecer, desmaiar!
E o ferro de seu punhal!
E da noite nas ternuras
E tem — as lendas antigas A paixão tem mais venturas
E as desmaiadas cantigas E fala com mais ardor!
Que fazem de amor gemer! E os perfumes, o luar,
E nas noites indolentes E as aves a suspirar,
Bebe cânticos ardentes Tudo canta e diz amor!
Que fazem estremecer!
Ah! vem! amemos! vivamos!
Tem mais — na selva sombria O enlêvo do amor bebamos
Das florestas a harmonia, Nos perfumes do sertão!
Onde passa a voz de Deus, Ah! virgem, se tu quiseras
E nos relentos 711 da serra Ser a flor das primaveras
Pernoita na sua terra, Que tenho no c o ra ç ã o !...
No leito dos sonhos seus!

Se tu viesses, donzela. Dreams! dreams! dreams!


Verias que a vida é bela
W. COW PER.
No deserto do sertão!
Lá têm 712 rnais aromas as flores
E mais amor os amores Quando à noite no leito perfumado
Que falam no coração! Lânguida fronte no sonhar reclinas,
No vapor da ilusão porque te orvalha
Se viesses inocente Pranto de amor as pálpebras divinas?
Adormecer docemente E, quando eu te contemplo adormecida
À noite no peito meu! Sôlto o cabelo no suave leito,
E se quisesses comigo Porque um suspiro tépido ressona
Vir sonhar no desabrigo E desmaia suavíssimo em teu peito?
Com os anjinhos do céu!
Virgem do meu amor, o beijo a furto
É doce na minha terra Que pouso em tua face adormecida
Andar, cismando, na serra Não te lembra no peito os meus amôres
Cheia de aroma e de luz. E a febre do sonhar de minha vida?
Sentindo tôdas as flores.
Bebendo amor nos amores Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio
Das borboletas azuis! O meu peito se afoga de ternura
E sinto que o porvir não vale um beijo
Os veados da campina E o céu um teu suspiro de ventura!
Na lagoa, entre a neblina,
São tão lindos a beber! Um beijo divinal que acende as veias,
Da torrente nas coroas Que de encantos os olhos ilumina.
Ao deslizar das canoas Colhido a mêdo como flor da noite
É tão doce adormecer! Do teu lábio na rosa purpurina,

Ah! 713 se viesses, donzela. E um volver de teus olhos transparentes,


Verias que a vida é bela Um olhar dessa pálpebra sombria.
No silêncio do sertão! Talvez pudessem reviver-me n’alma
Ah! morena! se quiseras As santas ilusões de que eu vivia!
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração!

[ 243 ]
M A X Ü E L A ^ 'T Ô N I O Â L Y A R E S D E A Z E V E 3 ) 0

O POETA. Riríeis das esperanças,


Das minhas loucas lembranças,
Un souvenir heureux est peut-être sur terre Que me desmaiam assim?
Plus vrai que le bonheur! Ou então, de noite, a mêdo
A. D E M U SSET . Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim?
E ra uma noite — eu dormia
E no.s meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado s e n t i .... Dorme, meu coração! em paz esquece
Meu Deus! porque não morri? Tudo, tudo que amaste neste mundo!
Porque do sono acordei? Sonho falaz de tímida esperança
Não interrompa teu dormir profundo!
No meu leito — adormecida, T radu ção do ü r . O tavi
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor! Fui um doudo em sonhar tantos amores,
Os cabelos recendendo Que loucura, meu Deus!
Nas minhas faces correndo Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato,
Como o luar numa flor! Todos os sonhos meus!
Senti-lhe o colo cheiroso E ela, triste mulher, ela tão bela,
Arquejando sequioso; Dos seus anos na flor,
E nos lábios, que entr’abria Porque havia sagrar pelos meus sonhos
Lânguida respiração, Um suspiro de amor?
Um sonho do coração
Que suspirando morria! Um beijo — um beijo só! eu não pedia
Senão um beijo seu,
Não era um sonho mentido; E nas horas do amor e do silêncio
Meu coração iludido Juntá-la ao peito meu!
O sentiu e não sonhou:
E sentiu que se perdia
Numa dor que não s a b ia ....
Nem ao menos a beijou!
Foi mais uma ilusão! de minha fronte
Soluçou o peito ardente. Rosa que desbotou,
Sentiu que a alma demente Um a estréia de vida e de futuro
Lhe desmaiava a trem er: Que r i u ... e desmaiou!
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio Meu triste coração, é tempo, dorme.
Pensou que êle ia m orrer! Dorme no peito meu!
Do último sonho despertei, e n’alma
Que divino pensamento, Tudo! tudo morreu!
Que vida num só momento
Dentro do peito s e n t iu .... Meu Deus! porque sonhei, e assim por ela
Não s e i . . . . Dorme no passado Perdi a noite ardente,
Meu pobre sonho d o ira d o .... Se devia acordar dessa esperança,
Esperança que mentiu! E o sonho era d e m e n te ? ....
Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
As lágrimas que eu chorei!
Contem do vale as florinhas Eu nada lhe pedi — ousei apenas
Êsse amor das noites minhas! Junto dela — à noitinha
Elas s i m . . . . eu não direi! Nos meus delírios apertar tremendo
A sua mão na minha!
E se eu tremendo, senhora.
Viesse pálido agora
Adeus, pobre mulher! no meu silêncio
Lem brar-vos o sonho meu,
Sinto que m orrerei-----
Com a fronte descorada
Se rias dêsse amor que te votava.
E com a voz sufocada
Deus sabe se te amei!
Dizer-vos baixo — Sou eu!
Se te amei! se minha alma só queria
Sou eu! que não esqueci
Pela tua viver,
A noite que não dormi,
No silêncio do amor e da ventura
Que não foi uma ilusão!
Nos teus lábios morrer!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de v iv e r.. . .
Que o sinto no coração! —

[ 244 ]
P O E S IA S

Mas vota ao menos no lembrar saudoso Oh! nunca em fogo teu ardente seio
Um ai ao so n h a d o r.... A meu peito juntei que amor definha;
Deus sabe se te a m e i!... Não te maldigo, A furto apenas eu senti medrosa
Maldigo o meu a m o r !.... Tua gélida mão tremer na m inha!-----

Mas n ã o ... inda uma v e z ... Não posso ainda Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta
Dizer o eterno adeus Num beijo esta minh’alma enlouquecer
K a sangue-frio renegar dos sonhos E que eu viva de amor nos teus joelhos,
E blasfemar de Deus! E morra no teu seio o meu viver!

Oh! fala-me de amor — eu 715 quero crer-tc Sou um doudo, meu Deus! mas no meu peito
Um momento sequer! Tu sabes se uma dor, se uma lembrança
esperar na ventura e nos amores, Não queria calar-se a um beijo dela,
Num olhar de mulher! Nos seios dessa pálida criança!

Se num lânguido olhar, no véu do gôzo


Os olhos de Espanhola a furto abrindo
Eu não tremia — o coração ardente
Só um olhar por compaixão te peço, No peito exausto remoçar sentindo!
Um olhar, mas bem lânguido, bem terno.
Quero um olhar que me arrebate o siso. Se no momento efêmero e divino
Me queime o sangue, m’escureça os olhos. Em que a virgem pranteia desmaiando
Me torne delirante! E a c ’roa virginal a noiva esfolha,
ALMEIDA FREITAS. Eu queria a seus pés morrer chorando!

Sur votre main jamais votre front ne se pose. Adeus! rasgou-se a página saudosa
Brûlant, chargé d’ennuis, ne pouvant soutenir Que teu porvir de amor no meu fundia,
Le poids d’un douloureux et cruel souvenir;
Votre coeur virginal en lui-même repose. Gelou-se no meu sangue moribundo
TH. GAUTIER. Essa gôta final de que eu vivia!

Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!


Ricorditi di me. Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente;
DANTE. P u rg a tó rio .
Sinto que m orrerei___ tu dorme e sonha
No amor dos anjos, pálida inocente!
Quando falo contigo, no meu peito
Esquece-me esta dor que me consome: Mas um 716 d ia .. . se a nódoa da existência
Talvez corre o prazer nas fibras d’alma: Murchar teu cálice orvalhoso e cheio.
E eu ouso ainda murmurar teu nome! Flor que não respirei, que amei sonhando,
Tem saudades de mim, que eu te pranteio!
Que existência, mulher! se tu souberas
A dor de coração do teu amante,
E os ais que pela noite, no silêncio,
Arquejam no seu peito delirante!
NA MINHA TERRA.
E quanto sofre e padeceu, e a febre
Como seus lábios desbotou na vida, Laisse-toi donc aimer! Oh! l’amour c’est la vie.
E sua alma cansou na dor convulsa C’est tout ce qu’on regrette et tout ce qu’on envie.
E adormeceu na cinza consumida! Quand on voit sa jeunesse au couchant décliner.
La beauté c’est le front, l’amour c’est la couronne,
Talvez terias dó da mágoa insana Laisse-toi couronner!
Que minh’alma votou ao desalento, V. HUGO
E consentira a virgem dos amores
Descansar-me no seio um só momento! I.

Sou um doudo talvez de assim amar-te. Amo 0vento da noite sussurrante


De murchar minha vida no d e lír io .... A tremer nos pinheiros
Se nos sonhos de amor nunca tremeste E a cantiga do pobre caminhante
Sonhando meu amor e meu martírio! No rancho dos tropeiros;

— E não pude, febril e de joelhos, E os monótonos sons de uma viola


Com a mente abrasada e consumida, No tardio verão,
Contar-te as esperanças do meu peito E a estrada que além se desenrola
E as doces ilusões de minha vida! No véu da escuridão;

Oh! quando eu te fitei, sedento e louco. A restinga d’areia onde rebenta


Teu olhar que meus sonhos alumia, O oceano a bramir,
Eu não sei se era vida o que minh’alma Onde a lua na praia macilenta
Enlevava de amor e adormecia! Vem pálida luzir;

[ 245.]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

E a névoa e flores e o doce ar cheiroso No luar junto à sombra recendente


Do amanhecer na serra, De um arvoredo em flor,
E o céu azul e o manto nebuloso Que saudades e amor que influi na mente
Do céu de minha terra; Da montanha o frescor!

E o longo vale de florinhas cheio E quando à noite no luar saudoso


E a névoa que desceu, Minha pálida amante
Como véu de donzela em branco seio. Ergue seus olhos úmidos de gôzo,
As 717 estréias do céu. E o lábio palpitante. . . .

I I. Cheia da argêntea luz do firmamento


Orando por seu Deus,
Não é mais bela, não, a argêntea praia E n t ã o ... eu curvo a fronte ao sentimento
Que beija o mar do sul, Sôbre os joelhos seus___
Onde eterno perfume a flor desmaia
E o céu é sempre azul; E quando sua voz entre harmonias
Sufoca-se de amor,
Onde os serros fantásticos roxeiam E dobra a fronte bela de magias
Nas tardes de verão Como pálida flor,
E os suspiros nos lábios incendeiam
E pulsa o coração!
E a alma pura nos seus olhos brilha
Em desmaiado véu,
Sonho da vida que doirou e azula
Como de um anjo na cheirosa trilha
A fada dos amores,
Respiro o amor do céu!
Onde a mangueira ao vento que tremula
Sacode as brancas flores,
Melhor a viração uma per uma
E é saudoso viver nessa dormência Vem as folhas tremer,
Do lânguido sentir, E a floresta saudosa se perfuma
Nos enganos suaves da existência Da noite no m o r re r...
Sentindo-se dormir;
E eu amo as flores e o doce ar mimoso
Mais formosa 718 não é; não doire embora Do amanhecer da serra
O verão tropical E o céu azul e o manto nebuloso
Com seus rubores a alvacenta aurora Do céu da minha terra!
Da montanha natal,

Nem tão doirada se levante a lua


Pela noite do céu,
Mas venha triste, pensativa — e nua ITÁLIA.
Do prateado véu •—

Que me importa? se as tardes purpurinas Ao MEU Amigo o Conde de F é .


E as auroras dali
Não deram luz às diáfanas cortinas Veder Napoli e poi morir.
Do leito onde eu nasci?
I.
Se adormeço tranqüilo no teu seio
E perfuma-se a flor
L á na terra da vida e dos amores
Que Deus abriu no peito do poeta,
Eu podia viver inda um momento;
Gotejante de amor?
Adormecer ao sol da primavera
Sôbre o colo das virgens de Sorrento!
Minha terra sombria, és sempre bela,
Inda pálida a vida
Como o sono inocente da donzela Eu podia viver — e porventura
No deserto dormida! Nos luares do amor amar a vida;
Dilatar-se minh’alma como o seio
No italiano céu nem mais suaves Do pálido Romeu na despedida!
São da noite os amores,
Não tem mais fogo o cântico das aves Eu podia na sombra dos amores
Nem o vale mais flores! Trem er num beijo o coração sedento:
Nos seios da donzela delirante
Eu podia viver inda um momento!
I I I.
Quando o gênio da noite vaporosa ó A njo de meu Deus! se nos meus sonhos
Pela encosta bravia Não mentia o reflexo da ventura,
Na laranjeira em flor tôda orvalhosa E se Deus me fadou nesta existência
De aroma se inebria. Um instante de enlêvo e de ternura.

[ 246 ]
POESIAS

Lá entre os laranjais, entre os loureiros, Ô Anjo do meu Deus, se nos meus sonhos
Lá onde a noite seu aroma espalha A promessa do amor me não mentia.
Nas longas praias onde o mar suspira, Concede um pouco ao infeliz poeta
Minha alma exalarei no céu da Itália! Uma hora da ilusão que o embebia!

Ver a Itália e m o r re r!... Entre meus sonhos Concede ao sonhador, que tão somente
Eu vejo-a de volúpia adormecida: Entre delirios palpitou d’enleio,
Nas tardes vaporentas se perfuma Numa hora de paixão e de harmonia
E dorme à noite na ilusão da vida! Dessa Itália do amor morrer no seio!

E, se eu devo expirar nos meus amores, O h! na terra da vida e dos amores


Nuns olhos de mulher amor bebendo. Eu podia sonhar inda um momento,
Seja aos pés da morena Italiana, Nos seios da donzela delirante
Ouvindo-a suspirar, inda morrendo. Apertar o meu peito macilento!
Maio, 1851. — .S. Paulo
Lá na terra da vida e dos amores
Eu podia viver inda um momento.
Adormecer ao sol da primavera
Sóbre o colo das virgens de Sorrento!

A T ____
I I.

A Itália! sempre a Itália delirante! No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus.
E os ardentes saraus, e as noites belas! PROPÉRCIO.
A Itália do prazer, do amor insano,
Do sonho fervoroso das donzelas!
Amoroso palor meu rosto inunda.
E a gôndola sombria resvalando Mórbida languidez me banha os olhos,
Cheia de amor, de cânticos, de flores, Ardem sem sono as pálpebras doridas.
E a vaga que suspira à meia-noite Convulsivo tremor meu corpo vibra:
Embalando o mistério dos amores! Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejo
Ama-te o sol, ó terra da harmonia, E nos meus sonhos desmaiando passa
Do Levante na brisa te perfumas: A imagem voluptuosa da v e n tu r a ....
Nas praias de ventura e primavera Eu sinto-a de paixão encher a brisa.
Vai o mar estender seu véu d’escumas! Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar do colo.
Vai a lua sedenta e vagabunda Cheirosas flores desparzir sorrindo
O teu berço banhar na luz saudosa. Da mágica cintura.
As tuas noites estrelar de sonhos Sinto na fronte pétalas de flores.
E beijar-te na fronte vaporosa! Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.
Mas flores e perfumes embriagam,
Pátria do meu amor! terra das glórias E no fogo da febre, e em meu delírio
Que o gênio consagrou, que sonha o povo, Embebem na minh’alma enamorada
Agora que murcharam teus loureiros Delicioso veneno.
Fôra doce em teu seio amar de novo:
Estréia de mistério, em tua fronte
Amar tuas montanhas e as torrentes Os céus revela, e mostra-me na terra,
E êsse mar onde bóia alcion dormindo, Como um anjo que dorme, a tua imagem
Onde as ilhas se azulam no ocidente, E teus encantos onde amor estende
Como nuvens à tarde se esvaindo; Nessa morena tez a côr de rosa.
Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!
Aonde à noite o pescador moreno O fogo de teus olhos me fascina,
Pela baía no batei se escoa, O languor de teus olhos me enlanguesce, 719
E murmurando, nas canções de Armida, Cada suspiro que te abala o seio
Treme aos fogos errantes da canoa; Vem no meu peito enlouquecer minh’alma!

Onde amou Rafael, onde sonhava Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
No seio ardente da mulher divina, De quem morre por ti, e morre amando.
E talvez desmaiou no teu perfume Dá vida em teu alento à minha vida.
E suspirou com éle a Fornarina! Une nos lábios meus minh’alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
E juntos, ao luar, num beijo errante Na tua alma infantil; na tua fronte
Desfolhavam os sonhos da ventura, Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
E bebiam na lua e no silêncio Sentir as virações do paraiso;
Os eflúvios de tua formosura! E a teus pés, de joelhos, crer ainda

[ 247 ]
M A N O E L A N T Ô N IO A LVARES DE AZEVED O

Que não mente o amor que um anjo inspira, Que nau cheia de glória e d’esperanças.
Que eu posso na tua alma ser ditoso, Floreada ao vento a rúbida bandeira,
Beijar-te nos cabelos soluçando Na luz do incêndio rebentou bramindo
E no teu seio ser feliz morrendo! Na vaga sobranceira?
Descm hro, 1S51.
Porque ao sol da manhã, e ao ar da noite
Essa triste canção, eterna, escura
Como um treno de sombra e de agonia,
Nos teus lábios murmura?
CREPÚSCULO DO MAR,
É vermelho de sangue o céu da noite
Que rêves-tu plus beau sur ces lointaines plages Que na luz do crepúsculo se banha:
Que cette chaste mer qui bagne nos rivages? Que planeta do céu do rôto seio
Que ces mornes couverts de bois silencieux.
Autels d’où nos parfums s’élèvent dans les deux? Golfeja luz tamanha?
L A M A R T IN E .
Que mundo em fogo foi bater correndo
Ao peito de outro mundo — e uma torrente
No céu brilhante do poente em fogo De medonho clarão rasgou no éter
Com auréola ardente o sol dormia: E jorra sangue ardente?
Do mar doirado nas vermelhas ondas
Purpúreo se escondia. Onde as nuvens do céu voam dormindo, 720
Que doirada mansão de aves divinas
Como da noite o bafo sôbre as águas Num véu purpúreo se enlutou rolando
Que o reflexo da tarde incendiava. Ao vento das ruínas?
Só a idéia de Deus e do infinito
No oceano boiava!

Como é doce viver nas longas praias


Nestas ondas e sol e ventania! CREPÚSCULO DA5 AAONTANHAS.
Como ao triste cismar encanto aéreo
Nas sombras preludia! Pálida estréia, casto olhar da noite, diamante luminoso
n.a fronte azul do crepúsculo, o que vês na planície?
O painel luminoso do horizonte OSSIAN.
Como as cândidas sombras alumia
Dos fantasmas de amor que nós amamos I.
Na ventura de um dia!
Além serpeia o dorso pardacento
Como voltam gemendo e nebulosas. Da longa serrania.
Brancas as roupas, desmaiado o seio, Rubro ílameia o véu sanguinolento
Inda uma vez a murmurar nos sonhos Da tarde na agonia.
As palavras do e n le io !....
No cinéreo vapor o céu desbota
Num azulado incerto;
Aqui nas praias onde o mar rebenta No ar se afoga 72i desmaiando a nota
E a escuma no morrer os seios rola. Do sino do deserto.
Virei sentar-me no silêncio puro
Que o meu peito consola! Vim alentar meu coração saudoso
No vento das campinas.
Sonharei — lá enquanto, no crepúsculo, Enquanto nesse manto lutuoso
Como um globo de fogo o sol se abisma Pálida te reclinas,
E o céu lampeja no clarão medonho
De negro cataclism a; E morre em teu silêncio, ó tarde bela,
Das folhas o rumor
Enquanto a ventania se levanta E late o pardo cão que os passos vela
E no ocidente o arrebol se ateia Do tardio pastor!
No cinábrio do empíreo derramando
A nuvem que r o x e ia ....
I I.
H ora solene das idéias santas Pálida estréia! o canto do crepúsculo
Que embala o sonhador nas fantasias, Acorda-te no céu :
Quando a taça do amor embebe os lábios Ergue-te nua na floresta morta
Do anjo das utopias ! Do teu doirado véu!

Oceano de Deus! Que moribundo, Ergue-te! eu vim por ti e pela tarde


Do nauta na canção que voz perdida Pelos campos errar.
Tão triste suspirou nas tuas ondas Sentir o vento, respirando a vida,
Como um adeus à vida? E livre suspirar.

[ 248 ]
POESIAS

E ’ mais puro o perfume das montanhas DESALENTO.


Da tarde no cair:
Quando o vento da noite ruge as folhas, Porque havieis passar tão doces dias?
É doce o teu luzir I
A. F . D E SERPA P IM E N T E L .

Estréia do pastor no véu doirado


Acorda-te na serra, Feliz daquele que no livro d’alma
Inda mais bela no azulado fogo Não tem folhas escritas,
Do céu da minha terra! E nem saudade amarga, arrependida,
Nem lágrimas malditas!

I 11. Feliz daquele que de um anjo as tranças 722


Não respirou sequer.
Estréia d’oiro, no purpúreo leito E nem bebeu eflúvios descorado
Da irmã da noite, branca e peregrina Numa voz de mulher!
No firmamento azul derramas dia
Que as almas ilumina! -, E não sentiu a mão cheirosa e branca
Perdida em seus cabelos,
Nem resvalou do sonho deleitoso
Abre o seio de pérola, transpira
A reais pesadelos!
Êsse raio de luz que a mente inflama!
Êsse raio de amor que ungiu meus lábios Quem nunca te beijou, flor dos amores.
No meu peito derrama! Flor do meu coração,
E não pediu frescor, febril e insano,
IV. Da noite à viração!

Lo bel planeta che ad amar conforta Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Faceva tutto rider l’oriente. Da huri dos amores,
D A N TE. Purgatório. Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores,
Estrelinhas azuis do céu vermelho. E pôde vê-la morta ou esquecida
Lágrimas d’oiro sobre o véu da tarde, Dos longos beijos seus.
Que olhar celeste em pálpebra divina Sem blasfemar das ilusões mais puras
Vos derramou tremendo? E sem rir-se de Deus!

Quem à tarde, crisólitas ardentes. Mas, nesse doloroso sofrimento


Estréias brancas, vos sagrou saudosas Do pobre peito meu.
Da fronte dela na azulada c ’roa Sentir no coração que à dor da vida
Como auréola viva? A esperança m o rreu !.. . .

Foram anjos de amor que vagabundos Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros
Com saudades do céu vagam gemendo Nem geme a viração,
E as lágrimas de fogo dos amores E dentro — no deserto do meu peito
Sôbre as nuvens pranteiam? Não dorme o coração!

Criaturas da sombra e do mistério.


Ou no purpúreo céu doireis a tarde.
Ou pela noite cintileis medrosas.
PÁLIDA INOCÊNCIA.
Estréias, eu vos amo!

E quando exausto o coração no peito Cette image du ciel innocence et beauté!


Do amor nas ilusões espera e dorme. L A M A R T IN E .

Diáfanas vindes lhe doirar na mente


A sombra da esperança! Porque, pálida inocência.
Os teus olhos em dormência
Oh! quando o pobre sonhador medita A mêdo lanças em mim?
Do vale fresco no orvalhado leito. No apêrto de minha mão
Inveja às águias o perdido vôo, Que sonho do coração
Para banhar-se no perfume etéreo, Tremeu-te os seios assim?
E nessa argêntea luz, no mar de amôres
Onde entre sonhos e luar divino E tuas falas divinas
A mão eterna vos lançou no espaço. Em que amor lânguida afinas.
Respirar e viver! Em que lânguido sonhar?
E dormindo sem receio
Porque geme no teu seio
Ansioso suspirar?

[ 24 9 ]
M A N O K L A N T Ô N IO Á LVARES DE AZEVED O

Inocência! quem dissera E que silêncio então pelas campinas!


De tua azul primavera A flor aberta na manhã mimosa,
As tuas brisas de amor! E que os estos do sol d’estio murcham.
O h! quem teus lábios sentira Cerra as folhas doridas e procura
E que trêmulo te abrira Da grama no frescor doentio leito.
Dos sonhos a tua flor! E ’ doce então das folhas no silêncio
Penetrar o mistério da floresta.
Quem 7 2 3 te dera esperança Ou reclinado à sombra da mangueira
De tua alma de criança, Um momento dormir, sonhar um pouco!
Que perfuma teu dormir! Ninguém que turve os sonhos de mancebo.
Quem dos sonhos te acordasse Ninguém que o indolente adormecido
Que num beijo t ’embalasse Roube das ilusões que o acalentam
Desmaiada no sentir! E do mole dormir o chame à vida!

Quem te amasse! e um momento E é tão doce dormir! é tão suave


Respirando o teu alento Da modôrra no colo embalsamado
Recendesse os lábios seus! Um momento tranqüilo deslizar-se!
Quem lera, divina e bela. Criaturas de Deus se peregrinam
Teu romance de donzela Invisíveis na terra, consolando
Cheio de amor e de Deus! As almas que padecem, certamente
E ’ um anjo de Deus que toma ao seio
A fronte do poeta que descansa!

ô florestas! ó relva amolecida,


A cuja sombra, em cujo doce leito
SONÊTO.
É tão macio descansar nos sonhos!
Arvoredos do vale! derramai-me
Pálida à luz da lâmpada sombria, Sôbre o corpo estendido na indolência
Sôbre o leito de flores reclinada, O tépido fresc<v e o doce aroma!
Como a lua por noite embalsamada. E quando o vento vos tremer nos ramos
Entre as nuvens do amor ela dormia! E sacudir-vos as abertas flores
Em chuva perfumada, concedei-me
Que encham meu leito, minha face, a relva
E ra a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada! Onde o mole dormir a amor convida!
E ra um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia! E tu, Ilná, vem pois: deixa em teu colo
Descanse teu poeta: é tão divino
Sorver as ilusões dos sonhos ledos
E ra mais bela! o seio p alp itan d o...
Sentindo à brisa teus cabelos soltos
Negros olhos as pálpebras a b rin d o ...
Meu rosto encherem de perfume e gôzo!
Form as nuas no leito resvalan d o ...
Tudo dorme, não vês? dorme comigo.
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Pousa na minha tua face bela
P or ti — as noites eu velei chorando,
E o pálido cetim da tez m o re n a ...
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!
Fecha teus olhos lân g u id o s... no sono
Quero sentir os túmidos suspiros,
No teu seio arquejar, morrer nos lábios
E no sono teu braço me enlaçando!

A N IM A MEA. ó minha noiva, minha doce virgem,


No regaço da bela natureza.
E como a vida é bela e doce e amável! A njo de amor, reclina-te e descansa!
Não presta o espinhal a sombra ao leito Neste berço de flores tua vida
Do pastor do rebanho vagaroso, Límpida e pura correrá na sombra,
Melhor que as sêdas do lençol notuino Como gôta de mel em cálix branco
Onde o pávido rei dormir não pode?
Da flor das selvas que ninguém respira.
SH A K ESPEA R E. H en r. V I , 3 .* p.

Além, nas árvores tranqüilas


Quando nas sestas do verão saudoso Um a voz acordou como um suspiro.
A sombra cai nos laranjais do vale São ais sentidos de amorosa rôla
Onde o vento adormece e se perfuma, Que nos beijos de amor palpita e geme?
E os raios d’oiro, cintilando vivos, A h! nem tão doce a rôla suspirando
Como chuva encantada se gotejam Modula seus gemidos namorados,
Nas folhas do arvoredo recendente. Não trina assim tão longa e molemente.
Parece que de afã dorme a natura, Em argentinas pérolas o canto
E as aves silenciosas se mergulham Se exala como as notas expirantes
No grato asilo da cheirosa sombra. De uma alma de mulher que chora e canta.

[ 250 ]
POKSIAS

E ’ a voz do sabiá: êle dormia Oh! Santa Malibran! fôra tão doce
Ebrioso de harmonia e se embalava Pelas noites suaves do silêncio
No silêncio, na brisa e nos eflûvios Nas lágrimas de amor, nos teus suspiros,
Das flores de la ra n ja ... Ilná, ouviste? Na agonia de um beijo, ouvir gemendo
É o canto saudoso da esperança, Entre meus sonhos tua voz divina!
É dos nossos amores a cantiga
Que o aroma que exalam teus cabelos. Oh! Paganini! quando moribundo
Tua lânguida voz talvez lhe inspiram! Inda a rabeca ao peito comprimias,
Se o hálito de Deus, essa alma d’anjo
Que das fibras do peito cavernoso
Vem, Ilná: dá-me um beijo — adormeçamos. Arquejava nas cordas entornando
A cantilena do sabiá sombrio Murmúrios d’esperança e de ventura,
Encanta as ilusões, afaga o s o n o ... Se a alma de teu viver roçou passando
Oh ! minha pensativa — descuidosa, Nalgum lábio sedento de poesia,
Eu sinto a vida bela em teu regaço. Numa alma de mulher adormecida,
Sinto-a bela nas horas do silêncio Se algum seio tremeu a concebê-lo,
Quando em teu colo me reclino e durmo, Esse alento de vida e de futuro,
E ainda os sonhos meus vivem contigo! Foi o teu seio, Malibran divina!

Ah! vem, ó minha Ilná: sei harmonias Ah! se nunca te ouvi, se teus suspiros,
Que a noite ensina ao violão saudoso D esdêm ona sentida e moribunda,
E que a lua do mar influi na mente; Nunca pude beber no teu exílio,
E quando eu vibro as cordas tremulosas, Nos sonhos virginais senti ao menos
Como alma de donzela que respira. Tua pálida sombra vaporosa
Coa nas vibrações tanta saudade. Nesta fronte que a febre incandescera
Tanto sonho de amor esvaecido, Depor um beijo, suspirar passando!
Que o terno coração acorda e geme,
E os lábios do poeta inda suspiram! Meu Deus! e outrora se um momento a vida
De poesia orvalhou meus pobres sonhos
Anjo do meu amor! se os ais da virgem Foi nuns suspiros de mulher saudosa,
Têm doçuras, têm 724 lágrimas divinas, Foi abatida, a forma desmaiada,
É quando no silêncio, e no mistério Uma pobre infeliz que descorando
Sôbre o peito do amante se derramam Fazia os prantos meus correr-me aos olhos!
No sufocado alento os moles cantos.
Pobre! pobre mulher! êsses mancebos
Cantos de amor, de sêde e d’esperanças
Que choravam por ti quando gemias,
Que nos lábios febris afoga um beijo!
Quando sentias a tua alma ardente
No canto esvaecer, pálida e bela,
Ouves, Ilná? meu violão palpita: E teu lábio afogar entre harmonia
Quero lembrar um cântico de amôres; — Almas que de tua alma se nutriam,
Fôra doce ao poeta, ao teu amante Que davam-te seus sonhos, e amorosas
Nos ais ardentes das maviosas fibras Desfolhavam-te aos pés a flor da vida.
Ouvir os teus alentos de mistura, Ai quantas não sentiste palpitantes,
E as moles vibrações da cantilena Nem ousando beijar teu véu d’espôsa,
Êste meu peito remoçar um pouco! Nas longas noites nem sonhar contigo!
Virgem do meu amor, vem dar-me ainda
Um beijo! — um beijo longo transbordando E hoje riem de ti! da criatura
De mocidade e vida, e nos meus sonhos Que insana profanou as asas brancas,
Minh’alma acordará — o sôpro errante Que num riso sem dó, uma per uma,
Da alma da virgem tremerá meus seios Na torrente fatal soltava rindo,
E a doce aspiração dos meus amôres E as sentia boiando solitárias.
No condão da harmonia há de embalar-se! As flores da coroa, como O fé lia !...
Que iludida de amor vendeu a glória
E deu seu colo nu a beijo im p u ro ....
Eles riem de ti — mas eu, coitada,
Pranteio teu viver e te perdôo!
A HARMONIA. Fada branca de amor, que sina escura
Manchou no teu regaço as roupas santas?
Porque deixavas encostada ao seio
Meu Deus! se às vêzes na passada vida A cabeça febril do libertino?
Eu tive sensações que emudeciam Porque descias das regiões doiradas
Essa descrença 725 que me dói na vida, E lançavas ao mar a rôta lira
E, como orvalho que a manhã vapora. Para vibrar tua alma em lábios dêle?
Em seus raios de luz a Deus me erguiam, Porque fôste gemer na orgia ardente
Foi quando às vêzes a modinha doce A santa inspiração de teus poetas,
Ao sol de minha terra me embalava, Perder teu coração em vis amôres?
E quando as árias de Bellini pálido Anjo branco de Deus, que sina escura
Em lábios de Italiana estremeciam! Manchou no teu regaço as roupas santas?

[251]
MANOEL ANTÔNIO ÂliVARES DE AZEVEDO

Pálida Italiana! hoje esquecida, I I I.


O escárnio 726 do plebeu murchou teus louros:
Tua voz se cansou nos ditirambos, Vem comigo ao luar — amemos juntos
E tu não voltas com as mãos na lira Neste vale tranqüilo.
Vibrar nos corações as cordas virgens De abertas flores e caídas folhas
E ao gênio adormecido em nossas almas No perfumado asilo.
Na fronte desfolhar tuas c o r o a s !...
Aqui somente a rôla da floresta
Da sesta no calor
O tremer sentirá dos longos beijos
E verá teu palor.

VIDA. À noite encostarei a minha fronte


No virgem colo teu;
Terei por leito o vale dos amores.
Oh! laisse-moi t’aimer pour que j ’aime la vie! P or tenda o azul do céu!
Pour ne point au bonheur dire un dernier adieu.
Pour ne point blasphémer les biens que l’homme envie
Et pour ne pas douter de Dieu! E terei tua imagem mais formosa
A LEX. D U M A S.
Nas vigílias do vai;
Será da vida meu suave aroma
Teu lírio virginal.
I.
O h! fala-me de ti! eu quero ouvir-te IV.
Murmurar teu amor;
Que importa que o anátema do mundo
E nos teus lábios perfumar do peito
Se eleve contra nós,
Minha pálida flor.
Se é bela a vida num amor imenso
Na solidão — a sós?
De tua letra nas queridas folhas
Eu sinto-me viver, Se nós teremos o cair da tarde
E as páginas do amor sôbre meu peito E o frescor da manhã;
Fazem-me estremecer! E tu és minha mãe, e meus amôres
E minh’alma de irmã?
E , quando à noite delirante durmo,
Deito-as no peito meu: Se teremos a sombra onde se esfolham
Nos delíquios de amor, ó minha amante, As flores do retiro —
Eu sonho o seio teu, E a vida além de ti — a vida inglória —
Não me vale um suspiro?
A alma que as inspirou, que lhes deu vida
E o fogo da paixão, Bate a vida melhor dentro do peito
E derramou as notas doloridas Do campo na tristeza
Do virgem coração! E o aroma vital, ali, do seio
Derrama a natureza:
Eu quero-as no meu peito, como sonho
E , aonde as flores no deserto dormem
Teu seio de donzela,
Com mais viço e frescor.
Para sonhar contigo o céu mais puro Abre linda também a flor da vida
E a esperança mais bela! Da lua no palor.

I I.
A nós a vida em flor, a doce vida
Recendente de amor!
Oh! não tremas! que este olhar, este abraço te
Cheia de sonhos, 727 d’esperança e beijos digam o que é inefável — abandonar-se sem receio,
E pálido languor! inebriar-se de uma voluptuosidade que deve ser eterna
GOETHE. F a u s t.
A tua alma infantil junto da minha
No fervor do desejo, Sim — coroemos as noites
Com as rosas do himeneu;
Nossos lábios ardentes descorando
Entre flores de laranja
Comprimidos num beijo,
Serás minha e serei teu!

E as noites belas de luar, e a febre Sim — quero em leito de flores


Da vida juvenil, Tuas mão dentro das m inhas..
E este amor que sonhei, que só me alenta Mas os círios dos amôres
No teu colo infantil! Sejam só as estrelinhas.

[ 252 ]
POESIAS

Por incenso os teus perfumes, O PASTOR MORIBUNDO.


Suspiros por oração,
E por lágrimas, somente
As lágrimas da paixão! Cantiga de Viola.

Dos véus da noiva só tenhas A existência dolorida


Dos cílios o negro véu; Cansa em meu peito: eu bem sei
Basta do colo o cetim Que morrerei!
Para as Madonas do céu! Contudo da minha vida
Podia alentar-se a flor
Eu soltarei-te os ca b elo s... No teu amor!
Quero em teu colo sonhar!
Hei de em b alar-te... do leito
Seja lâmpada o luar! Do coração nos refolhos
Solta um ai! num teu suspiro •
Sim — coroemos as noites Eu respiro!
Da laranjeira co’a flor; Mas fita ao menos teus olhos
Adormeçamos num templo, Sôbre os meus: eu quero-os ver
Mas seja o templo do amor. Para morrer!

É doce amar como os anjos Guarda contigo a viola


Da ventura no himeneu: Onde teus olhos c a n te i...
Minha noiva, ou minh’amante E suspirei!
Vem dormir no peito meu! Só a idéia me consola
Que morro como v iv i...
Dá-me um beijo — abre teus olhos Morro por ti!
Por entre êsse úmido véu:
Se na terra és minha amante. Se um dia tu’alma pura
És a minha alma no céu! Tiver saudades de mim,
Meu serafim!
Talvez notas de ternura —
Inspirem o doudo amor
NO TÚMULO DO MEU AMIGO JOÃO BATISTA Do trovador!
DA SILVA PEREIRA JÚNIOR.

E pitáfio.

Perdão, meu Deus, se a túnica da vida TARDE DE VERÃO.


Insano profanei-a nos amores!
Se a coroa dos sonhos perfumados
Eu próprio desfolhei as róseas flores! Viens! ............................................
Que l’arbre pénétré de parfums et de chants,
No vaso impuro corrompeu-se o néctar, Êt j ’ombre et le soleil, et l’onde et la verdure.
A argila da existência desbotou-me! Et le rayonnement de toute la nature
O sol de tua glória abriu-me as pálpebras,
Fassent épanouir comme une double fleur
La beauté sur ton front, et l’amour dans ton coeur!
Da nódoa das paixões purificou-me!
V. HUGO.
E quantos sonhos na ilusão da vida,
Quanta esperança no futuro ainda! Como cheirosa e doce a tarde expira!
Tudo calou-se pela noite e te rn a ... De amor e luz inunda a praia bela:
E eu vago errante e só na treva in fin da... E O sol já roxo e trêmulo desdobra
Um iris furta-côr na fronte dela.
Alma em fogo, sedenta de infinito,
Num mundo de visões o vôo abrindo, Deixai que eu morra só! enquanto o fogo
Como o vento do mar no céu noturno
Da última febre dentro em mim vacila,
Entre as nuvens de Deus passei dormindo! Não venham ilusões chamar-me à vida.
De saudades banhar a hora tranqüila!
A vida é noite: o sol tem véu de sangue:
Tacteia a sombra a geração d escrid a...
Acorda-te, mortal! é no sepulcro Meu Deus! que eu morra em paz! não me coroem
Que a larva humana se desperta à vida! De flores infecundas a agonia!
Oh! não doire o sonhar do moribundo
Quando as harpas do peito a morte estala, Lisonjeiro pincel da fantasia!
Um treno de pavor soluça e voa:
E a nota divinal que rompe as fibras Exaurido de dor e d’esperança
Nas dulias angélicas ecoa! Posso aqui respirar mais livremente.
Sentir ao vento dilatar-se a vida,
Como a flor da lagoa transparente!

[ 253 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Se ela estivesse aqui! no vale agora O P oeta.


Cai doce a brisa morna desmaiando:
Nos murmúrios do mar fôra tão doce Não sabes o quanto dói
Da tarde no palor viver amando! Uma lembrança que rói
A fibra que ad orm eceu ?...
Uni-la ao peito meu — nos lábios dela Foi neste vale que amei,
Respirar uma vez, cobrando alento; Que a primavera sonhei.
À divina visão de seus amores Aqui minha alma viveu.
Acordar o meu peito inda um momento!
A S audade.
Fulgura a minha amante entre meus sonhos, Pálidos sonhos do passado morto
Como a estréia do mar nas águas brilha;
É doce reviver mesmo chorando.
Bebe à noite o favônio em seus cabelos A alma refaz-se pura. Um vento aéreo
Mais suave o aroma que a baunilha.
Parece que de amor nos vai roubando.
Se ela estivesse aqui! jam ais tão doce 0 P oeta.
O crepúsculo o céu embelecera,
E a tarde de verão fôra mais bela Eu vejo ainda a janela
Brilhando sôbre a sua primavera! Onde à tarde junto dela
Eu lia versos de a m o r ...
Da lânguida pupila de seus olhos Como eu vivia d’enleio
Num olhar a desdém entorna amores, No bater daquele seio,
Como à brisa vernal na relva mole Naquele aroma de flor!
O pessegueiro em flor derrama flores. Creio vê-la inda formosa,
Nos cabelos uma rosa.
Arvore florescente desta vida, De leve a janela a b r ir ...
Que amor, beleza, e mocidade encantam. T ão bela, meu Deus, tão bela!
Derrama no meu seio as tuas flores Porque amei tanto, donzela,
Onde as aves do céu à noite cantam! Se devias me trair?

Vem ! a areia do mar cobri de flores. A S audade.


Perfumei de jasm ins teu doce leito;
Podes suave, ó 728 noiva do poeta. A casa está deserta. A parasita
Suspirosa dormir sôbre meu peito! Das paredes estala a negra côr.
Os aposentos o ervaçal povoa.
A porta é fr a n c a ... Entrem os, trovador!
Não tardes, minha vida! no crepúsculo
Ave da noite me acompanha a li r a ...
É um canto de a m o r ... Meu Deus! que sonhos! O P oeta.
E ra ainda ilusão — era mentira! Derramai-vos, prantos meus!
Dai-me prantos, ó meu Deus!
Eu quero chorar aqui!
Em que sonhos de ebriedade
No arrebol da mocidade
TARDE DE OUTONO. Eu nesta sombra dormi!
Passado, porque murchaste?
Un souvenir heureux est peut-être sur terre Ventura, porque passaste
Plus vrai que le bonheur. Degenerando era saudade?
ALF. DE MUSSET. Do estio secou-se a fonte.
Só ficou na minha fronte
A febre da mocidade.
O POETA.
A S audade.
Oh ! musa, porque vieste,
E contigo me trouxeste Sonha, poeta, sonha! Ali sentado
A vagar na solidão? No tôsco assento da janela antiga,
Tu não sabes que a lembrança Apóia sôbre a mão a face pálida,
De meus anos de esperança Sorrindo — dos amôres à cantiga.
4 q u i fala ao coração?
0 P oeta.
A S audade. Minha alma triste se enluta,
Quando a voz interna escuta
De um puro amor a lânguida saudade Que blasfema da esperança.
É doce como a lágrima perdida Aqui tudo se perdeu,
Que banha no cismar um rosto virgem. Minha pureza morreu
Volta o rosto ao passado, e chora a vida. Como o enlevo de criança!

[ 254 ]
POESIAS

Ali, amante ditoso, CANTIGA.


Delirante, suspiroso.
Eflúvios dela sorvi.
No seu colo eu me deitava..
E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi! Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela;
Na sombra dêste arvoredo Nasceu — e vive dormindo
Oh! quantas vêzes a mêdo — Dorme tudo junto dela.
Nossos lábios se tocaram!
E os seios onde gemia
Uma voz que amor dizia, Adormeceu-a sonhando
Desmaiando me apertaram! Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
Foi doce nos braços teus, As rosas do coração.
Meu anjo belo de Deus,
Um instante do viver! > Dorme a lâmpada argentina
Tão doce, que em mim sentia Defronte do leito seu:
Que minh’alma se esvaía Noite a noite a lua triste
E eu pensava ali morrer! Dorme pálida no céu.

A S audade. Voam os sonhos errantes


Do leito sob o dossel, 730
É berço de mistério e d’harmonia E suspiram no alaúde
Seio mimoso de adorada amante. As notas do menestrel.
A alma bebe nos sons que amor suspira
A voz, a doce voz de uma alma errante. E no castelo, sozinha.
Dorme encantada donzela:
Tingem-se os olhos de amorosa sombra. Nasceu — e vive dormindo
Os lábios convulsivos estremecem, — Dorme tudo junto dela.
E a vida foge ao peito. . . apenas tinge
As faces que de amor empalidecem.
Dormem cheirosas abrindo
Parece então que o agitar do gôzo As roseiras em botão,
Nossos lábios atrai a um bem divino: E dormem no seio dela
Da amante o beijo é puro como as flores As rosas do coração!
E a voz dela é um hino.

Dizei-o vós, dizei, ternos amantes. I I.


Almas ardentes que a paixão palpita.
Dizei essa emoção que o peito gela A donzela adormecida
Ê a tua alma santinha,
E os frios nervos num espasmo agita.
Que não sonha nas saudades
Vinte anos! como tens doirados sonhos! E nos amôres da minha
E como a névoa de falaz ventura
Que se estende nos olhos do poeta — Nos meus amôres que velam
Doira a amante de nova formosura! Debaixo do teu dossel, 730
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel!
O P oeta.
Que gemer! não me enganava! 729 Acorda, minha donzela!
E ra o anjo que velava Foi-se a lua — eis a manhã
Minha casta solidão? E nos céus da primavera
São minhas noites gozadas, A aurora é tua irmã!
As venturas tão choradas
Que vibram meu coração? Abriram no vale as flores
Sorrindotlia fresquidão:
É tarde, amôres, é tarde; Entre as rosas da campina
Uma centelha não arde
Abram-se as do coração.
Na cinza dos seios m e u s ...
Por ela tanto chorei,
Que mancebo m o rrerei... Acorda, minha donzela.
Adeus, amôres, adeus! Soltemos da infância o v é u ...
Se nós morrermos, num beijo.
Acordaremos no céu!

[ 255 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S DE A ZEVED O

SAUDAD£S. 731 Eu sonhei tanto amor, tantas venturas.


Tantas noites de febre e d’esperança!
Mas hoje o coração desbota, esfria,
’T is vain to struggle — let me perish young! E do peito no túmulo descansa!
BYRON.
Pálida sombra dos amores santos.
Foi por ti que num sonho de ventura Passa, quando eu morrer, no meu jazigo;
A flor da mocidade consumi, Ajoelha-te ao luar e canta um pouco,
E às primaveras digo adeus tão cedo E lá na morte eu sonharei contigo!
E na idade do amor envelhecí! 12 d e s e te m b r o , 1851.

Vinte anos! derramei-os gôta a gôta


Num abismo de dor e esquecim ento...
De fogosas visões nutri meu p eito ... ESPERANÇAS.
Vinte a n o s !... não vivi um só momento!
Oh! si elle m’eût aimé!
Contudo no passado uma esperança ALF. DE VIGNY. C h a tterto n .
Tanto amor e ventura prometia,
E uma virgem tão doce, tão divina Se a ilusão de minh’alma foi mentida,
Nos sonhos junto a mim adorm ecia!... E, leviana, da árvore da vida
As flores desbotei;
Se por sonhos do amor de uma donzela
Quando eu lia com ela — e no romance Imolei meu porvir, e o ser por ela
Suspirava melhor ardente nota, Em prantos esgotei;
E Jocelyn sonhava com Laurence
Ou Werther se morria por Carlota, Se a alma consumi na dor que mata,
E banhei de uma lágrima insensata
Eu sentia a tremer, a transluzir-lhe A última esperança.
Nos olhos negros a alma inocentinha, Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
E uma furtiva lágrima rolando Como dos mares pela noite infinda
Da face dela umedecer a minha! A estréia da bonança!
E quantas vêzes o luar tardio Como nas folhas do Missal do templo.
Não viu nossos amores inocentes? Os mistérios de Deus em ti contemplo
Não embalou-se da morena virgem E na tu’alma os sinto!
No suspirar, nos cânticos ardentes? Às vêzes, delirante, se eu maldigo
As esperanças que sonhei contigo.
E quantas vêzes não dormi sonhando Perdoa-me, que minto!
Eterno amor, eternas as venturas,
E que o céu ia abrir-se, e entre os anjos Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
Eu ia me acordar em noites puras? Como do peito a aspiração infinda
Que me influi o viver,
Foi êsse o amor primeiro — requeimou-me E como a nuvem de azulado incenso;
As artérias febris de juventude. Como eu amo êsse afeto único, imenso
Acordou-me dos sonhos da existência Que me fará morrer!
Na harmonia primeira do alaúde!
Rompeste a alva túnica luzente
Que eu doirava por ti de amor demente
E aromei de ab u sõ e s....
Meu Deus! e quantas eu a m e i!... Contudo
Deste-me em troco lágrimas acérrimas. . .
Das noites voluptuosas da existência
Ah! que morreram a sangrar misérrimas
Só restam-me saudades dessas horas
As minhas ilusões!
Que iluminou tua alma d’inocência!
Nos encantos das fadas da ventura
Foram três noites s ó ... três noites belas Podes dormir ao sol da formosura
De lua e de verão, no vai saudoso.. . . Sempre bela e feliz;
Que eu pensava e x is tir... sentindo o peito Irmã dos anjos, sonharei contigo:
Sôbre teu coração morrer de gôzçl A alma a quem negaste o último abrigo
C h o ra... não te maldiz!
E por três noites padeci três anos,
Na vida cheia de saudade infinda... Chora — e sonha — e espera; a negra sina
Três anos de esperança e de m artírio ... Talvez no céu se apague em purpurina
Três anos de sofrer — e espero ainda! Alvorada de a m o r...
E eu acorde no céu num teu abraço:
A ti se ergueram meus doridos versos. E repouse tremendo em teu regaço
Reflexos sem calor de um sol intenso: Teu pobre sonhador!
Votei-os à imagem dos amores
P ’ra velá-la nos sonhos como incenso!

[256 ]
POESIAS

VIRGEM MORTA. E tu, vida que amei! pelos teus vales


Com ela sonharei eternamente,
Nas noites junto ao mar, e no silêncio,
Oh! make her a grave where the sun beams rest, Que das notas enchi da lira ardente!-----
When they promise a glorious morrow!
They’ll shine o’er sleep, like a smile from the West,
From her own lov’d island of sorrow. Dorme ali minha paz, minha esperança,
TH. MOORE. (732) Minha sina de amor morreu com ela,
E o gênio do poeta, lira eólia
Que tremia ao alento da donzela!
Lá bem na extrema da floresta virgem.
Onde na praia em flor o mar suspira, Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora
E, quando geme a brisa do crepúsculo, Se inunda em tanto sol no céu da tarde!
Mais poesia do arrebol transpira; Acorda, co ração !... Mas no meu peito
Lábio de morte murmurou — É tarde!
Nas horas em que a tarde moribunda
As nuvens roxas desmaiando corta, É tarde! e quando o peito estremecia
No leito mole da molhada areia Sentir-me abandonado e moribundo!
Manso repousem a beleza morta. É tarde! é tarde! ó ilusões da vida.
Morreu com ela da esperança o m undo!...
Irmã chorosa a suspirar desfolhe
No seu dormir da laranjeira as flores,
Vistam-na de cetim, e o véu de noiva No leito virginal de minha noiva
Lhe desdobrem da face nos palores. Quero, nas sombras do verão da vida.
Prantear os meus únicos amores,
Vagueie em tôrno, de saudosas virgens. Das minhas noites a visão perdida!
Errando à noite, a lamentosa turma;
Nos cânticos de amor e de saudade Quero ali, ao luar, sentir passando
Junto às ondas do mar a virgem durma. Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro.
À brisa da saudade suspirando Os sonhos de sua alma inocentinha.
Aí na tarde misteriosa e bela.
Entregarei as cordas do alaúde E quando a mágoa devorar meu peito,
E irei meus sonhos prantear por ela! E quando eu morra de esperar por ela,
Deixai que eu durma ali e que descanse,
Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe Na morte ao menos, junto ao seio dela!
E de amorosos prantos perfumá-la,
E a essência dos cânticos divinos,
No túmulo da virgem, derramá-la.

Que importa que ela durma descorada, HINOS DO PROFETA. ” 3


E velasse o palor a côr do pejo?
Quero a delícia que o amor sonhava,
Nos lábios dela pressentir num beijo. U m C anto do S é c u l o .

Desbotada coroa do poeta, Spiritus meus attenuabitur, dies mei breviabuntur, et


Foi ela mesma quem prendeu-te flores. solura mihi superest sepulchrum...
Ungiu-as nos sacrário de seu peito JÓ .
Inda virgem do alento dos am ores...
Debalde nos meus sonhos de ventura
Na minha fronte riu de ti passando Tento alentar minha esperança morta
Dos sepulcros o vento peregrino... E volto-me ao porvir;
Irei eu mesmo desfolhar-te agora A minha alma só canta a sepultura,
Da fronte dela no palor divino!... E nem última ilusão beija e conforta
Meu suarento dorm ir...
E contudo eu sonhava! e pressuroso
Da esperança o licor sorvi sedento!
Ah! que tudo passou! só tenho agora Debalde! que e.xauriu-se o desalento:
O sorriso de um anjo macilento! A flor que aos lábios meus um anjo dera
Mirrou na solidão.. . .
Do meu inverno pelo céu nevoento
Ó minha amante, minha doce virgem, Não se levantará nem primavera
Eu não te profanei, e dormes pura: Nem raio de verão!
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar apenas na ventura. Invejo as flores que murchando morrem,
E as aves que desmaiam-se cantando
Bem cedo ao menos eu serei contigo E expiram sem so frer...
— Na dor do coração a morte le io .. . . As minhas veias inda ardentes correm,
Poderei amanhã, talvez, meus lábios E na febre da vida agonizando
Da irmã dos anjos encostar no s e io ... Eu me sinto morrer!

[ 257 ]
M A N O E L AN TÔ N IO A L V A R E S D E A Z E V E D O

Tenho febre — meu cérebro tran sb o rd a... Vivi na solidão — odeio o mundo,
Eu morrerei mancebo, inda sonhando E no orgulho embucei meu rosto pálido
Da esperança o fulgor! Como um astro n u blad o...
O h! cantemos ainda! a última corda Ri-me da vida — lupanar imundo
Inda p a lp ita .... morrerei cantando Onde se volve o libertino esquálido
O meu hino de amor! Na tr e v a ... profanado!
Meu sonho foi a glória dos valentes, Quantos hei visto desbotarem frios, 736
De um nome de guerreiro a eternidade Manchados de embriaguez da orgia em meio
Nos hinos seculares: Nas infâmias do vício!
Foi nas praças, de sangue ainda quentes. E quantos morrerão inda sombrios
Desdobrar o pendão da liberdade Sem remorso dos negros devaneios. . .
Nas frontes populares! Sentindo o precipício!
Meu amor foi a verde laranjeira Quanta alma pura, e virgem menestrel
Cheia de sombra, à noite abrindo as flores Que adormeceu no tremedal sem fundo,
Melhor que ao meio-dia; 734 No lôdo se manchou!
A várzea longa — a lua forasteira Que liras estaladas no bordel!
Que pálida como eu, sonhando amores. E que poetas que perdeu o mundo
De névoa se cobria. Em Bocage e Marlowe!

Meu amor foi o sol que madrugava, M orrer! ali na sombra — na taverna
O canto matinal dos passarinhos A alma que em si continha um canto aéreo 737
E a rosa p red ileta... No peito solitário!
Fui um louco, meu Deus! quando tentava Sublime como a nota obscura, eterna,
Descorado e febril manchar nos vinhos Que o bronze vibra em noites de mistério
Meus louros de poeta! No escuro campanário!

Meu amor foi o sonho dos poetas Ó meus amigos, deve ser terrível
— O belo — o gênio — de um porvir liberto Sôbre as tábuas imundas, inda ebrioso,
A sagrada utopia. Na solidão morrer!
E à noite pranteei como os profetas. Sentir as sombras dessa noite horrível
Dei lágrimas de sangue no deserto Surgirem dentre o leito p av o ro so ...
Dos povos à agonia! Sem um Deus para crer!

Meu a m o r !... foi a mãe que me alentava, Sentir que a alma, desbotado lírio,
Que viveu e esperou por minha vida Dum mundo ignoto vagará chorando
E pranteia por m im ... Na treva mais e s c u ra ...
E a sombra solitária que eu sonhava E o cadáver sem lágrima, sem círio,
Lânguida como vibração perdida Na calçada da rua, desbotando,
De rôto b an d o lim ... Não terá sepultura!

E agora o único a m o r .. . o amor eterno Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida


Que no fundo do peito aqui murmura Nas artérias inflama o sangue em lava
E acende os sonhos meus, E o cérebro v a r ia ...
Que lança algum luar no meu inverno, O século na vaga enfurecida
Que minha vida no penar apura, 733 Mergulha a geração que se aco rd av a...
É o amor de meu Deus! E nuta de agonia!

É só no eflúvio dêsse amor imenso São tristes dêste século os destinos!


Que a alma derrama as emoções cativas Seiva 738 mortal as flores que despontam
Em suspiros sem dor: Infecta em seu abrir —
E no vapor do consagrado incenso E o cadafalso e a voz dos Girondinos
Que as sombras da esperança redivivas Não falam mais na glória e não apontam
Nos beijam o palor! A aurora do porvir!

Eu vaguei pela vida sem conforto. Fôra belo talvez, em pé, de novo
Esperei minha amante noite e dia Como Byron surgir — ou na tormenta
E o ideal não v e io ... O homem de W aterloo:
Farto de vida, breve serei m o r to ... Com sua idéia iluminar um povo,
Não poderei ao menos na agonia Como o trovão da nuvem que rebenta
Descansar-lhe no seio! E o raio derramou!
Passei como Don Juan entre as donzelas. F óra belo talvez sentir no crânio 739
Suspirei as canções mais doloridas A alma de Goethe, e resumir na fibra
E ninguém me escutou. . . Milton, Homero e Dante
Oh! nunca à virgem flor das faces belas — Sonhar-se num delírio momentâneo
Sorvi o mel, nas longas d esp ed id as.... alma da criação e o som que vibra
Meu Deus! ninguém me amou! A terra palpitante!

[ 258 ]
P O E S IA S

Mas ah! o viajor nos cemitérios Cinzas, c in z a s ... Meu Deus! só tu podias
Nessas nuas caveiras não escuta À alma que se perdeu bradar de novo:
Vossas almas erra n tes... Ressurge-te ao amor!
Do estandarte medonho nos impérios Macilento, das minhas agonias
A morte, leviana prostituta, Eu deixaria as multidões do povo
Não distingue os amantes! Para amar o Senhor!
Do leito aonde o vício acalentou-me
Eu, pobre sonhador — eu, terra inculta O meu primeiro amor fugiu ch o ra n d o ....
Onde não fecundou-se uma semente, Pobre virgem de Deus!
Convosco dormirei: Um vendaval sem norte arrebatou-me,
E dentre nós a multidão estulta Acordei-me na t r e v a .... profanando
Não vos distinguirá a fronte ardente Os puros sonhos meus!
Do crânio que a n im ei...
Oh! se eu pudesse a m a r !... — Ê impossível! --
Mão fatal escreveu na minha vida;
Ó morte! a que mistério me destinas? A dor me envelheceu.
Êsse átomo de luz que inda me alenta, O desespêro pálido, impassível
Quando o corpo morrer, Agoirou minha aurora entristecida.
Voltará amanhã aziagas sinas De meu astro descreu.
Na terra numa face macilenta
Esperar e sofrer? Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora
Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Meu Deus! antes, meu Deus! que uma outra vida, Quero na cruz sanguenta
Com teu braço eternal meu ser esmaga Derramá-los na lágrima que implora,
E minha alma aniquila: Que mendiga perdão pela agonia
A estréia de verão no céu perdida Da noite lutulenta!
Também às vêzes teu alento apaga
Numa noite tran qü ila!... Quero na solidão — nas êrmas grutas
A. tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto:
As pálpebras doridas nunca enxutas
Q u eim arei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.
LÁGRIAAAS DE SANGUE.
De meus dias a lâmpada se apaga:
Roeram meu viver mortais venenos;
Taedet animam meam vitae meae.
Curvo-me ao vento forte.
Jó . Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estréia oriental me guie ao menos
T é o vale da morte!
Ao pé das aras no clarão dos círios
Eu te devera consagrar meus dias;
No mar dos vivos o cadáver bóia
Perdão, meu Deus! perdão
— A lua é descorada como um crânio,
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
Êste sol não reluz:
E um canto de enganosas melodias
Quando na morte a pálpebra se engoia,
Levou meu coração!
O anjo se acorda em nós — e subitâneo
Voa ao mundo da luz!
Só tu, só tu podias no meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda Do vai de Josafá pelas gargantas
E uma saudade calma; Uiva na treva o temporal sem norte
Ao sol de tua fé doirar meu leito E os fantasmas m urm uram ...
E de fulgores inundar ainda Irei deitar-me nessas trevas santas.
A aurora na minh’alma. Banhar-me na friez lustral da morte
Onde as almas se apuram!
Pela treva do espírito lancei-me,
Das esperanças suicidei-me rin d o ... Mordendo as clinas do corcel ^“*1 da sombra.
Sufocado, arquejante passarei
Sufoquei-as sem dó.
Na noite do infinito.
No vale dos cadáveres sentei-me
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
E minhas flores semeei sorrindo Dos lábios de minh’alma entornarei
Dos túmulos no pó. O meu cântico aflito!

Indolente Vestal, deixei no templo Flores cheias de aroma e de alegria,


A pira se apagar — na noite escura Porque na primavera abrir cheirosas
O meu gênio descreu. E orvalhar-vos abrindo?
Voltei-me para a v id a ... só contemplo As torrentes da morte vêm 742 sombrias.
A cinza da ilusão que ali murmura: Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Morre! — tudo morreu! Vos rebentar bramindo.

[ 2 59 ]
M A N O EL A NTÔ NIO Á L V A R E S D E A Z E V E D O

M orrer! morrer! É voz das sepulturas! Como rugindo a chama encarcerada


Como a lua nas salas festivais Dos negros flancos do volcão rebenta
A morte cm nós se estampa! Golfejando nos céus,
E os pobres sonhadores de venturas Entre nuvem ardente e trovejada
Roxeiam amanhã nos funerais M inh’alma se erguerá, fria, sangrenta.
E vão rolar na campa! Ao trono de meu D eu s___

Que vale a glória, a saudação que enleva Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Dos hinos triunfais na ardente nota, Nos desesperos em que a mente abrasas
E as turbas devaneia? Não o arrojes p’lo crime!
Tudo isso é vão, e cala-se na treva Se eu fui um anjo que descreu demente
— Tudo é vão, como em lábios de idiota E no oceano do mal rompeu as asas.
Cantiga sem idéia. Perdão! arrependi-me!

Que importa? quando a morte se descarna,


A esperança do céu flutua e brilha
Do túmulo no leito:
O sepulcro é o ventre onde se encarna A TEMPESTADE.
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito! {Fragmento.)

Não chorem! que essa lágrima profunda


Profeta escarnecido pelas turbas
Ao cadáver sem luz não dá con fôrto___
Disse-lhes, rindo, adeus!
Não o acorda um momento!
Vim adorar na serrania escura
Quando a treva medonha o peito inunda.
A sombra de meu Deus!
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,


O céu enegreceu — lá no ocidente
Numa noite sem lua arqueja e c h o r a ...
Rubro o sol se apagou
O t ê r m o .... é um sigilo!
E galopa o corcel 743 da tempestade
O meu peito cansou da vida insana;
Nas nuvens que rasgou!
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora
Eu dormirei tranqüilo!
Da gruta negra a catarata rola.
Alaga a serra bronca,
Dorme ali muito a m o r .. . muitas amantes.
Esbarra pelo abismo, escuma uivando
Donzelas puras que eu sonhei chorando
E pelas trevas ronca.
E vi adormecer.
Ouço da terra cânticos errantes,
O chão nu e escalvado 744 p’ias torrentes
E as almas saudosas suspirando,
Trêm ulo se fendeu —
Que falam em m o rre r.. . .
Da serrania a lomba escaveirada
O raio enegreceu.
Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor e rg u ia ...
E gelaram tão cedo! Cede a floresta ao arquejar fremente
Meu pobre sonhador! aí descansas, Do rijo temporal.
Ribomba e rola o raio — nos abismos
Coração que a existência consumia
Sibila o vendaval.
E roeu em s e g re d o !...

Quando o trovão romper as sepulturas. Nas trevas o relâmpago fascina,


Os crânios confundidos acordando A selva se incendeia;
No lôdo tremerão. Chuva de fogo pelas serras hirtas
No lôdo pelas tênebras impuras Fantástica serpeia.........
Os ossos estalados tiritando
Dos vales surgirão!

[ 260 ]
P O E S IA S

LEMBRANÇA DE MORRER.
Amo a voz da tempestade,
Porque agita o coração,
E o espírito inflamado No more! o never more!
SH ELLEY.
Abre as asas no trovão!

Quando em meu peito rebentar-se a fibra


A minh’alma se devora Que o espírito enlaça à dor vivente,
Na vida morta e tranqü ila... Não derramem por mim nem uma lágrima
Quero sentir emoções. Em pálpebra demente.
Ver o raio que vacila!
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Enquanto as raças medrosas Não quero que uma nota de alegria
Banham de prantos o chão, Se cale por meu triste passamento.
Eu quero erguer-me na treva.
Saudar glorioso o trovão.! Eu dei.xo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Jeová! derrama em chuva Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Os teus raios incendidos.
Tua voz na tempestade Como o desterro de minh’alma errante,
Reboa nos meus ouvidos! Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é dêsses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
É quando as nuvens ribombam
E a selva medonha está, ^45
Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que no relâmpago surge Que eu sentia velar nas noites m inhas. . .
A face de Jeová! De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!
A tuba da tempestade
Rouqueja nos longos céus. De meu p a i... de meus únicos amigos.
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
De joelhos na montanha
Quando, 746 em noite de febre endoudecido,
Espero agora meu Deus! Minhas pálidas crenças duvidavam. 747

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,


Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que so n h e i... que nunca
O caminho rasgou-se. — Mil torrentes Aos lábios me encostou a face linda!
Rebentam bravejando.
Rodam na espuma as rochas gigantescas Só tu à mocidade sonhadora
Pelo abismo tombando. Do pálido poeta deste flo r e s ...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amôres.
Como em noite do caos, os elementos
Incandescentes lutam. Beijarei a verdade santa e nua.
— Negra a terra — o céu rubro — o mar vozeia Verei cristalizar-se o sonho a m ig o ....
E as florestas e s c u ta m .... Ó minha virgem dos errantes sonhos.
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Tudo se escureceu — e pela treva Descansem o meu leito solitário
No chão sem sepultura Na floresta dos homens esquecida,
Os mortos se revolvem tiritando À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
À longa noite escura. — Foi poeta — sonhou — e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha


Que minh’alma cantou e amava tanto.
Profeta escarnecido pelas turbas Protegei o meu corpo abandonado,
Disse-lhes rindo, adeus! E no silêncio derramai-lhe canto!
Vim fitar ao clarão da tempestade
A sombra de meu Deus! Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa.
Arvoredos do bosque, abri os ra m o s...
Deixai a lua prantear-me a lousa! 748

[ 261]
M A N O E L AN TÔ N IO Á L V A R E S D E A Z E V E D O

SEGUNDA PARTE DA LIRA DOS VINTE ANOS.

PREFÁCIO.

Cuidado, leitor, ao voltar esta página!

Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantás­
tica, verdadeira ilha Baratária de D. Quichote, onde Sancho é rei, e vivem Panúrgio, sir John Falstaff,
Bardoiph, Figaro e o Sganarello de D. João Tenório: — a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakspeare.

Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.

A razão é simples. E ’ que a unidade dêste livro funda-se numa binômia. Duas almas que
moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira meda­
lha de duas faces.

Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado
ao menos que o sentimentalismo tão fashionable desde Werther e Réné.

Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas, pre­
ferem um conto de Boccáccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de
Shakspeare, um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a tôdas as ternuras elegíacas des­
sa poesia de arremedo que anda na moda, e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ào trôco
de cobre, divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma há o Carnaval.

Há uma crise nos séculos como nos homens. E ’ quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se
no misticismo, e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro.

O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem, Homo sum, como dizia o célebre Romano.
Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem
fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E,
digam o que quiserem, sem êsses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há
poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trêmula e ressoante
da febre do sangue, a alma que ama e canta porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o
poema dos amôres da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natu­
reza, e que sem ser obsceno pode ser erótico sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem. Todo
o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem
amamos.

O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo brilhando sôbre a vida como a
tarde sôbre a terra. A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.

Depois a doença da vida, que não dá ao mundo objetivo côres tão azuladas como o nome britâ­
nico de blue devils, descarna e injeta de fel cada vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava
a monodia amorosa, vem a sátira que morde.

E ’ assim. Depois dos poemas épicos Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de
Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Gain e Don Juan — Don Juan
que começa como Gain pelo amor^ e acaba como êle pela descrença venenosa e sarcástica.
Agora basta.

Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses essas páginas, destinadas a não ser
lidas. Deus me perdoe! assim é tudo! até os prefácios!

[ 262 ]
POESIA S

UM CADÁVER DE POETA. A poesia é de certo uma loucura;


Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no c é re b ro ... Que doidos!
Levem ao tumulo aquele que parece um cadáver! Tu não É um grande favor, é muita esmola
pesaste sóbre a terra: a terra te seja leve! Dizer-lhes bravo! à inspiração divina,
L. UHLAND. E, quando tremem de miséria e fome.
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos-----
Quando é gelada a fronte sonhadora.
I. Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto.
De tanta inspiração e tanta vida Ou pagar os salários do coveiro?
Que os nervos convulsivos inflamava A bôlsa esvaziar por um misérrimo,
E ardia sem conforto. . . Quando a emprega melhor em lôdo e vício!
O que resta? uma sombra esvaecida, E que venham aí falar-me em Tasso!
Um triste que sem mãe agonizava...
Culpar Afonso d’E st — um soberano! —
Resta um poeta morto! Por não lhe dar a mão da irmã fidalga!
Um poeta é um poeta — apenas isso:
Morrer! e resvalar na sepultura, Procure para amar as poetisas!
Frias na fronte as ilusões — no peito Se na França a princesa Margarida,
Quebrado o coração! De Francisco primeiro irmã formosa.
Nem saudades levar da vida impura Ao poeta Alain Chartier adormecido
Onde arquejou de fo m e ... sem um leito! Deu nos lábios um beijo, é que esta moça,
Em treva e solidão! Apesar de princesa, era uma douda,
E a prova é que também rondós fazia.
Tu fôste como o sol; tu parecias Se Riccio o trovador obteve amores
Ter na aurora da vida a eternidade — Novela até bastante duvidosa —
Na larga fronte e s c rita ... Dessa Maria Stuart formosíssima,
Porém não voltarás como surgias! E ’ que ela — sabe-o Deus! — fêz tanta asneira,
Apagou-se teu sol da mocidade Que não admira que a um poeta amasse!
Numa treva maldita!
Por isso adoro o libertino Horácio.
Tua estréia mentiu. E do fadário Namorou algum dia uma parenta
De tua vida a página primeira Do patrono Mecenas? Parasita,
Na tumba se ra sg o u ... Só pedia dinheiro — no triclínio
Pobre gênio de Deus, nem um sudário! Bebia vinho bom — e não vivia
Nem túmulo nem cruz! como a caveira Fazendo versos às irmãs de Augusto.
Que um lôbo d ev o ro u !...
E quem era Camões? Por ter perdido
Um ôlho na batalha e ser valente.
I I. Às 750 esmolas valeu. Mas quanto ao resto.
Por fazer umas trovas de vadio.
Morreu um trovador — morreu de fome. Deveríam lhe dar, além de glória,
Acharam-po deitado no caminho: — E essa deram-lhe à farta — algum bispado.
Tão doce era o semblante! Sôbre os lábios Alguma dessas gordas sinecuras
Flutuava-lhe um riso esperançoso. Que se davam a idiotas fidalguias?
E o morto parecia adormecido.
Deixem-se de visões, queimem-se os versos.
Ninguém ao peito recostou-lhe a fronte O mundo não avança por cantigas.
Nas horas da agonia! Nem um beijo Creiam do poviléu os trovadores
Em bôca de mulher! nem mão amiga Que um poeta não vai meia princesa.
Fechou ao trovador os tristes olhos! Um poema contudo, bem escrito.
Ninguém chorou por é l e ... No seu peito Bem limado e bem cheio de tetéias,
Não havia colar nem bôlsa d’oiro; Nas horas do café lido fumando.
Tinha até seu punhal um férreo p u n h o ... Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Pobretão! não valia a sepultura! Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
Todos o viam e passavam todos. Mas não passe dali do vate a mente.
Contudo era bem morto desde a aurora. Tudo o mais são orgulhos, são loucuras!
Ninguém lançou-lhe junto ao corpo imóvel Faublas tem mais leitores do que H om ero..
Um ceitil 749 para a c o v a !... nem sudário! Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de g a io la ...
O mundo tem razão, sisudo pensa, E ’ prazer de um momento, é mero luxo.
E a turba tem um cérebro sublime! Contente-se em traçar nas folhas brancas
Ue que vale um poeta — um pobre louco De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Que leva os dias a sonhar — insano Nem faça apelações para o futuro.
Amante de utopias e virtudes O homem é sempre o homem. Tem juízo:
E, num tempo sem Deus, ainda crente? Desde que o mundo é mundo assim cogita.

[ 263 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Nem há negá-lo — não há doce lira O rei passou — com êle a companhia.
Nem sangue de poeta ou alma virgem Só ficou ressupino e macilento
Que valha o talismã que no oiro vibra! Da estrada em meio o trovador defunto.
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, êsse eletrismo,
A ardente vibração do som m e tá lic o .... IV .

Meu Deus! e assim fizeste a criatura? Ia caindo o sol. Bem reclinado


Amassaste no lôdo o peito humano? No vagaroso côche madornando.
Ó poetas, silêncio! é este o homem? Depois de bem jantar fazendo a sesta.
A feitura de Deus! a imagem dêle! Roncava um nédio, um barrigudo frade:
O rei da c r ia ç ã o !... Bochechas e nariz, em cima uns óculos.
Que verme infame! Vermelho solidéu__ enfim um bispo,
Não Deus, porém Satã no peito vácuo E um bispo, senhor Deus! da idade média.
Uma corda prendeu-te — o egoísmo! Em que os bispos — como hoje e mais ainda
O h! miséria, meu Deus! e que miséria! Sob o pêso da cruz bem rubicundos.
Dormindo bem, e a regalar bebendo.
Sabiam engordar na sinecura;
I I I. Papudos santarrões, depois da Missa
Lançando ao povo a bênção — por dinheiro!
Passou E l-R ei ali com seus fidalgos.
Iam a degolar uns insolentes
Que ousaram murmurar da infâmia régia, O cocheiro ia bêbado por certo;
Das nódoas de uma vida libertina! Os cavalos tocou p’lo bom caminho
Iam em grande gala. O Rei cismava Mesmo em cima das pernas do cadáver.
Na glória de espetar no pelourinho Refugou a parelha, mas o sota
A cabeça de um pobre degolado. — Que ao sol da glória episcopal enchia
E ra um rei bon-vívanf, e rei devoto; De orgulho e de insolência o couro inerte.
E , como Luís X I , ao lado tinha Cuspindo o poviléu, como um fidalgo —
O bôbo, o ca p e lã o ... e seu carrasco. Que em falta de miolo tinha vinho
Na cabeça devassa, deu de esporas:
O cavalo do Rei, sentindo o morto. Como passara sôbre a vil carniça
Trêm ulo de terror parou nitrindo. Reléu de corvos negros —■ foi por c im a .. .
Deu d’esporas leviano o cavaleiro Mas desgraça! maldito aquêle morto!
E disse ao capelão: D e s g r a ç a !... não porque pisasse o côche
“ E não enterram Aquêles magros ossos, mas a roda
Êsse homem que apodrece, e no caminho Na humana resistência deu e s ta lo ...
Assusta-me o corcel?” 7Si E acorda o fradalhão. . .
Depois voltou-se “ O que sucede?
E disse ao camarista de semana: — Pergunta bocejando: — é algum bêbado?
“ Conheces o defunto? E ra inda moço. Em que bicho pisaram?”
Faria 752 certamente um bom soldado. “ Senhor bispo,” 754
A figura é esbelta! Forte pena! Diz o servo da Igreja, o bom cocheiro
Podia bem servir para um lacaio”. Ao vigário de Cristo, ao santo Apóstolo
Isto é — dessa fidalga raça nova
Descoberto, 753 o faceiro fidalgote Que não anda de pé como S. Pedro,
Responde-lhe fazendo a cortesia: Nem estafa os corcéis 755 de S. Francisco:
“Pelas tripas do Papa! eu não me engano. “ Perdoe Vossa Excelência Em inentíssim a;
Leve-me Satanás se êstc defunto E ’ um pobre diabo de poeta,
Ontem não era o trovador Tancredo!” Um homem sem miolo e sem barriga
Que lembrou-se de vir morrer na estrada!”
“Tancredo!” murmurou erguendo os óculos
Um anfíbio, um barbaças truanesco. “Abrenúncio! — rouqueja o Santo Bispo —
Alma de Triboulet, que além de bôbo Leve o Diabo essa tribo de boêmios!
E ra o vate da côrte — bem nutrido. Não há tanto lugar onde se morra?
Farto de sangue, mas de veia pobre.
Maldita gente! inda persegue os Santos
Caídos beiços, volumoso abdômen.
Grisalha cabeleira esparramada. Depois que o Diabo a l e v a ! . .. ”
Tremendo narigão, mas testa curta; E foi caminho.
Em suma um glosador de sobremesas,
Leve-te Deus! Apóstolo da crença,
“Tancredo! — repetiu imaginando — Da esperança e da santa caridade!
Um asno! só cantava para o povo! Tu, sim, és religioso e nos altares
Uma língua de fel, um insolente! Vem cada sacristão, e cada monge
Orgulho desm edido... e quanto aos versos Agitar a teus pés o seu turíbulo!
Morava como um sapo n ’àgua d o c e ... E o sangue do Senhor no cálix d’oiro
Não sabia fazer um tr o c a d ilh o ....” Da turba na oração te banha os lábios.

[ 264 ]
PO ESIA S

Leve-te Deus, Apostolo da crença! Cheia outrora de eternas fantasias.


Sem padres como tu que fôra o mundo? De idéias a valer um mundo in te iro !...
E ’ por ti que o altar apóia o trono! Porque lançar esmolas ao cadáver?
E teu olhar que fertiüza os vales Leva-as, fidalga — tuas jóias belas!
Fecunda a vinha santa do Messias! O orgulho do plebeu as vê sorrindo.
M is sa s ... bem sabe Deus se neste mundo
Leve-te D e u s ... ou leve-te o Demônio! Gemeu alma tão pura como a dêle!
Foi um anjo, e murchou-se como as flores.
Morreu sorrindo como as virgens morrem!
V. Alma doce que os homens enjeitaram.
Caiu a noite, do azulado manto, Lírio que profanou a turba imunda.
Como gôtas de orvalho, sacudindo O h! não te mancharei nem a lembrança
Estrelas cintilantes. — Veio a lua Com o óbolo dos ricos! Pobre corpo.
Banhando de tristeza o céu noturno: És o templo deserto, onde habitava
Derrama aos corações melancolia. O Deus que em ti sofreu por um momento!
Derrama no ar cheiroso molemente Dorme, pobre Tancredo! eu tenho braços:
Cerúlea chama, dia incerto e pálido Na cova negra dormirás tran qü ilo ...
Que ao lado da floresta junta as sombras Tu repousas ao m enos!............... —
E lança pelas águas da campina
Alvacentos clarões que as flores bebem. No entanto sofreando a custo a raiva.
A galope, de volta do noivado. Mordendo os lábios de soberba e fúria.
Passa o Conde Solfier, e a noiva Elfrida. Solfier da bainha arranca a espada.
Seguem fidalgos que o sarau reclama. Avança ao moço e brada-lhe:
“ Insolente!
E lfrida. Cala-te, doudo! Cala-te, mendigo!
Não vês quem te falou? Curva o joelho.
— Não vês. Solfier, ali da estrada em meio Tira o gorro, vilão!”
Um defunto estendido? —

SoLFIER. 0 Desconhecido.
— Ó minha Elfrida, — Tu vês: não tremo.
Voltemos dêsse lado: outro caminho Tu não vales o vento que salpica
Se dirige ao castelo. É mau agouro Tua fronte de pó. Porque és fidalgo,
Por um morto passar em noites destas. Não sabes que um punhal vale uma espada
Dentro do coração? —
Mas Elfrida aproxima o seu cavalo.
Mas logo Elfrida:
E lfrida. “ Acalma-te, Solfier! O triste moço
— T a n cre d o !... vêde! é o trovador Tancredo! Desespera, blasfema e não me insulta.
Perdoa-me também, mancebo triste;
Coitado! assim morrer! um pobre moço!
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram? Não pensei ofender tamanho orgulho.
Neste mundo não teve um só amigo? — Tua mágoa respeito. Só te imploro
Que sôbre a fronte ao trovador desfolhes
Essas flores, as flores do noivado
“ Ninguém, senhora! — respondeu da sombra De uma triste m u lh er... E quanto às jóias.
Uma dorida voz: — Eu vim, há pouco. Lança-as no la g o ... Mas quem és? teu nome?”
Ao saber que do povo no abandono
Jazia como um cão. Eu vim, e eu mesmo
Cavei junto do !ago a cova impura” . O Desconhecido.

E lfrida. — Quem sou? um doudo, uma alma de insensato,


Que Deus maldisse e que Satã devora;
—• Tendes um coração. Tomai, mancebo. Um corpo moribundo em que se nutre
Tomai essa p u lseira... Em oiro e jóias Uma centelha de pungente fogo,
Tem bastante p’ra erguer-lhe um monumento, Um raio divinal que dói e mata,
E para longas missas lhe dizerem Que doira as nuvens e amortalha a te r r a !...
Pelo repouso d’a lm a ... — Uma a!ma como o pó em que se pisa;
O moço riu-se. Um bastardo de Deus, um vagabundo
A que o gênio gravou na fronte — anátema!
O Desconhecido. Dêsses que a turba com o dedo ap o n ta...
Mas não; não hei de sê-lo! eu juro n’alma.
— Obrigado. Guardai as vossas jóias. Pela caveira, pelas negras cinzas
Tancredo o trovador morreu de fome; De minha mãe o ju r o ... agora há pouco
Passaram-lhe no corpo frio e morto. Junto de um morto reneguei do gênio.
Salpicaram de lôdo a face dêle. Quebrei a lira à pedra de um sep u lcro ...
Talvez cuspissem nesta fronte santa Eu era um trovador, sou um mendigo----- —

[ 265 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVAEES DE AZEVEDO

Ergueu do chão a dádiva d’Elfrida; IDÉIAS ÍNTIM AS. 757


Roçou as flores aos trementes lábios;
Beijou-as. Sôbre o peito de Tancredo F ragm en to .
Pousou-as lentam ente. . . La chaise où je m’assieds, la natte où je me couche,
— Em nome dele, La table où je t ’écris, ..............................................................
Agradeço estas flores do teu seio, Mes gros souliers ferrés, mon bâton, mon chapeau.
Anjo que sôbre um túmulo desfolhas Mes livres pêle-mêle entassés sur leur planche

Tuas últimas flores de donzela! — De cet espace étroit sont tout l ’ameublement.
LA M A RTIN E. Jocelyn.
Depois vibrou na lira estranhas mágoas,
Carpiu à longa noite escuras nênias, I.
Cantou: banhou de lágrimas o morto.
Ossian O bardo é triste como a sombra
De repente parou — vibrou a lira Que seus cantos povoa. O Lamartine
E ’ monótono e belo como a noite,
Co’as mãos iradas trê m u la s... e as cordas Como a lua no m ar e o som das ondas. . .
Uma per uma rebentou ca n ta n d o ... Mas pranteia uma eterna monodia,
Tinha fogo no crânio, e sufocava. Tem na lira do gênio uma só corda.
Passou a fria mão nas fontes úmidas. Fibra de amor e Deus que um sôpro agita:
Se desmaia de amor a Deus se volta,
Abriu a mêdo os lábios convulsivos. Se pranteia por Deus de amor suspira.
Sorriu de desespêro — e sempre rindo Basta de Shakspeare. Vem tu agora.
Quebrou as jóias e as lançou no a b is m o ... Fantástico alemão, poeta ardente
Que ilumina o clarão das gôtas pálidas
Do nobre Johannisberg! Nos teus romances
V I.
Meu coração d eleita -se... Contudo
No outro dia, na borda do caminho. Parece-m e que vou perdendo o gôsto,
Vou ficando blasé, passeio os dias
Deitado ao pé de um fôsso aberto apenas, 7.'>6
Pelo meu corredor, sem companheiro.
Viu-se um mancebo loiro que m o r ria ... Sem 1er, nem poetar. Vivo fumando.
Semblante feminil, e formas débeis,
Mas nos palores da espaçosa fronte Minha casa não tem menores névoas
Uma sombria dor cavara sulcos. Que as dêste céu d’in v ern o .. . . Solitário
Corria sôbre os lábios alvacentos Passo as noites aqui e os dias longos;
Dei-me agora ao charuto em corpo e alma;
Uma leve umidez, um ló d’escuma, Debalde ali de um canto um beijo implora,
E seus dentes a raiva con strin g ira.. . Como a beleza que o Sultão despreza,
Tinha os punhos c e rra d o s ... Sôbre o peito Meu cachimbo alemão abandonado!
Acharam letras de uma língua e s tra n h a ... Não passeio a cavalo e não namoro;
Odeio o la s q u e n e t... 758 Palavra d’honra!
E um vidro sem lic o r ... fôra v e n e n o !... Se assim me continuam por dois meses
Os diabos azuis nos frouxos membros.
Ninguém o conheceu; mas conta o povo Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso. 759
Que, ao lançá-lo no túmulo, o coveiro
Quis roubar-lhe o gibão — despiu o m o ç o ... I I.
E v iu ... talvez é fa ls o ... níveos s e io s ...
Um corpo de mulher de formas p u ra s ... Enchi o meu salão de mil figuras.
Aqui voa um cavalo no galope,
Um roxo dominó as costas volta
VII. A um cavaleiro de alemães bigodes,
Um prêto beberrão sôbre uma pipa.
Na tumba dormem os mistérios d’ambos;
Aos grossos beiços a garrafa aperta. . .
Da morte o negro véu não há erguê-lo! Ao longo das paredes se derramam
Romance obscuro de paixões ignotas. Extintas inscrições de versos mortos,
Poema d’esperança e desventura, E mortos ao n a s c e r ... Ali na alcova
Quando a aurora mais bela os encantava. Em águas negras se levanta a ilha
Romântica, sombria à flor das ondas
Talvez rompeu-se no sepulcro dêles! De um rio que se perde na flo re s ta ...
Não pode o bardo revelar segredos Um sonho de mancebo e de poeta,
Que levaram ao céu as ternas som bras; El-Dorado de amor que a mente cria
Desfolha apenas nessas frontes puras Como um Éden de noites d eleitosas.. . .
E ra ali que eu podia no silêncio
Da extrema inspiração as flores m u rc h a s... Junto de um a n jo ... Além o romantismo!
Borra adiante folgaz caricatura
Com tinta de escrever e pó vermelho

[ 266 ]
PO ESIA S

A gorda face, o volumoso abdômen, E um passado de lág rim as... A terra


E a grossa penca do nariz purpúreo Tremeu ao sepultar-se o Rei de Roma.
Do alegre vendilhão entre botelhas Pode o mundo chorar sua agonia
Metido num to n e l... Na minha cômoda E os louros de seu pai na fronte dêle
Meio encetado o copo inda verbera Infecundos d ep o r... Estréia morta.
As águas d’oiro do Cognac fogoso. Só pode o menestrel sagrar-te prantos!
Negreja ao pé narcótica botelha
Que da essência de flores de laranja V I.
Guarda o licor que nectariza os nervos.
Ali mistura-se o charuto Havano Junto a meu leito, com as mãos unidas,
Ao mesquinho cigarro e ao meu cachimbo. Olhos fitos no céu, cabelos soltos.
A mesa escura cambaleia ao pêso Pálida sombra de mulher formosa
Do titânio 760 Digesto, e ao lado dêle Entre nuvens azuis pranteia orando.
Childe-Harold entreaberto ou Lamartine E ’ um retrato talvez. Naquele seio
Mostra que o romantismo se descuida Porventura sonhei doiradas noites:
E que a poesia sobrenada sempre Talvez sonhando desatei sorrindo
Ao pesadelo clássico do estudo. Alguma vez nos ombros perfumados
Êsses cabelos negros, e em delíquio
Nos lábios dela suspirei tremendo.
I I I. Foi-se minha visão. £1 resta agora
Reina a desordem pela sala antiga. Aquela vaga sombra na parede
Desce a teia de aranha as bambinelas —• Fantasma de carvão e pó cerúleo.
A estante pulvurenta. A roupa, os livros Tão vaga, tão extinta e fumarenta
Sôbre as cadeiras poucas se confundem. Como de um sonho o recordar incerto.
Marca a fôlha do Faust um colarinho
E Alfredo de Musset encobre às vêzes VII.
De Guerreiro ou Valasco um texto obscuro.
Como outrora do mundo os elementos Em frente do meu leito, em negro quadro
Pela treva jogando cambalhotas, A minha amante dorme. E ’ uma estampa
Meu quarto, mundo em caos, espera um Fiat! De bela adormecida. A rósea face
Parece em visos de um amor lascivo
De fogos vagabundos acen d er-se...
IV . E com a nívea mão recata o s e io ...
Na minha sala três retratos pendem. Oh! quantas vêzes, ideal mimoso,
Ali Victor Hugo. Na larga fronte Não encheste minh’alma de ventura,
Erguidos luzem os cabelos loiros Quando louco, sedento e arquejante,
Como c’roa soberba. Homem sublime, Meus tristes lábios imprimi ardentes
O poeta de Deus e amôres puros No poento vidro que te guarda o sono!
Que sonhou Triboulet, Marion Delorme
E Esmeralda a C ig a n a ... e diz a crônica V I I I .
Que foi aos tribunais parar um dia
Por amar as mulheres dos amigos O pobre leito meu desfeito ainda
E adúlteros fazer romances vivos. A febre aponta da noturna insônia.
Aqui lânguido a noite debati-me
Em vãos delírios anelando um b e ijo ...
E a donzela ideal nos róseos lábios,
No doce berço do moreno seio
Aquêle é Lamennais — o bardo santo,
Minha vida embalou estrem ecendo...
Cabeça de profeta, ungido crente.
Foram sonhos contudo. A minha vida
Alma de fogo na mundana argila
Se esgota em ilusões. E quando a fada
Que as harpas de Sion vibrou na sombra.
Que diviniza meu pensar ardente
Pela noite do século chamando
Um instante em seus braços me descansa
A Deus e à liberdade as loucas turbas.
E roça a mêdo em meus ardentes lábios
Por éle a George Sand morreu de amôres,
Um beijo que de amor me turva os olhos.
E dizem q u e ... Defronte, aquêle moço
Me ateia o sangue, me enlanguesce 761 a fronte,
Pálido, pensativo, a fronte erguida,
Um espírito negro me desperta,
Olhar de Bonaparte em face Austríaca,
O encanto do meu sonho se evapora
Foi do homem secular as esperanças.
E das nuvens de nácar da ventura
No berço imperial um céu de Agosto
Rolo tremendo à solidão da vida!
Nos cantos de triunfo despertou-o...
As águias de W agram e de Marengo
Abriam flamejando as longas asas I X.
Impregnadas do fumo dos combates,
Na purpura dos Césares, guardando-o. Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
E o gênio do futuro parecia A ventura de uma alma de donzela!
Predestiná-lo à glória. A história dêle? E sem na vida ter sentido nunca
Resta um crânio nas urnas do estrangeiro.. Na suave atração de um róseo corpo
Um loureiro sem flores nem sem en tes... Meus olhos turvos se fechar de gôzo!

[ 267 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO

Oh ! nos meus sonhos, pelas noites minhas Relesse as minhas cartas de namôro!
Passam tantas visões sobre meu peito! Quero-te muito bem, ó meu comparsa
Palor de febre meu semblante cobre, Nas doudas cenas de meu drama obscuro!
Bate meu coração com tanto fogo! E num dia de spleen, vindo a pachorra.
Um doce nome os lábios meus suspiram, Hei de evocar-te num poema heróico
Um nome de m u lh e r... e vejo lânguida Na rima de Camões e de Ariosto
No véu suave de amorosas sombras Como padrão às lâmpadas futuras!
Seminua, abatida, a mão no seio.
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida X I I.
Passar d e lic io s o .... Que delírios!
Acordo p alp itan te... inda a procuro; Aqui sôbre esta mesa junto ao leito
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas Em caixa negra dous retratos guardo.
Banham meus olhos, e suspiro e g e m o ... Não os profanem indiscretas vistas.
Imploro uma ilu s ã o ... tudo é silêncio! Eu beijo-os cada noite: neste exílio
Só o leito deserto, a sala muda! Venero-os juntos e os prefiro unidos
Amorosa visão, mulher dos sonhos, — Meu pai e minha mãe. — Se acaso um dia
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto! Na minha solidão me acharem morto,
Nunca virás iluminar meu peito Não os abra ninguém. Sôbre meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos? Lancem-os em meu túmulo. Mais doce
Será certo o dormir da noite negra
Tendo no peito essas imagens puras.
X.
XIII.
Meu pobre leito! eu amo-te contudo!
Havia uma outra imagem que eu sonhava
Aqui levei sonhando noites belas; No meu peito na vida e no sepulcro.
As longas horas olvidei libando Mas ela não o q u is ... rompeu a tela
Ardentes gótas de licor doirado, Onde eu pintara meus doirados sonhos.
Esqueci-as no fumo, na leitura Se posso no viver sonhar com ela,
Das páginas lascivas do ro m a n ce ... E ssa trança 762 beijar de seus cabelos
E essas violetas inodoras, murchas,
Nos lábios frios comprimir chorando,
Meu leito juvenil, da minha vida Não poderei na sepultura, ao menos.
És a página d’oiro. Em teu asilo Sua imagem divina ter no peito.
Eu sonho-me poeta, e sou ditoso,
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! O h! quantas vezes X I V.
Do levante no sol entre odaliscas
Momentos não passei que valem vidas! Parece que c h o r e i... Sinto na face
Quanta música ouvi que me encantava! Uma perdida lágrima ro la n d o ...
Quantas virgens amei! que Margaridas, Satã leve a tristeza! Olá, meu pajem.
Que Elviras saudosas e Clarissas Derrama no meu copo as gótas últimas
Mais trêmulo que Faust eu não beijava, Dessa garrafa n e g r a ...
Mais feliz que Dom Juan e Lovelace E ia! bebamos!
És o sangue do gênio, o puro néctar
Não apertei ao peito desmaiando!
Que as almas de poeta diviniza,
O condão que abre o mundo das magias!
ó meus sonhos de amor e mocidade, \7em, fogoso C ognac! É só contigo
Porque ser tão formosos, se devíeis Que sinto-me viver. Inda palpito,
Me abandonar tão c e d o .. . e eu acordava Quando os eflúvios dessas gótas áureas
Arquejando a beijar meu travesseiro? Filtram no sangue meu correndo a vida.
Vibram-me os nervos e as artérias queimam.
Os meus olhos ardentes se escurecem
X I. E no cérebro passam delirosos
Assomos de p o e sia ... Dentre a sombra
Junto do leito meus poetas dormem V ejo num leito d’oiro a imagem dela
—• O Dante, a Bíblia, Shakspeare e Byron Palpitante, que dorme e que suspira,
Na mesa confundidos. Junto dêles Que seus braços me e ste n d e ...
Meu velho candieiro se espreguiça Eu me esquecia:
E parece pedir a formatura, Faz-se noite; traz fogo e dous charutos
ó meu amigo, ó velador noturno. E na mesa do estudo acende a lâm p ad a...
Tu não me abandonaste nas vigílias.
Quer eu perdesse a noite sôbre os livros.
Quer, sentado no leito, pensativo

[ 268 ]
P O K S IA S

BOÊMIOS. Um céu mais glorioso, ali com Tasso,


Com Dante e Ariosto eu hei de ver-me.
Se eu fizer um poema, certarnente
Ato de U ma Comédia Não E scrita. No Panteon da fama cem estátuas
Cantarão aos vindouros o meu gênio!
Totus raundus agit histrionem.
Provérbio do tempo de SH AKSPKARE. PUFF.
Em estátua, meu Níni! Estás zombando!
A cena passa-se na Itália no século XVI. Uma rua É impossível que saias parecido.
escura e deserta. Alta noite. Numa esquina Que mármore daria a côr vermelha
uma imagem de Madona em seu nicho alumiado Dêste imenso nariz, destas melenas?
por uma lâmpada.
P uff dorme no chão abraçando uma garrafa. NIni Níni.
entra tocando guitarra. Dão 3 horas. 763. Estás bêbado, Puff. Tresandas vinho.

Níni. PUFF.
Olá! que fazes, Puff? dormes na rua? O vinho! és uma bêsta; só um parvo
Pode a beleza desmentir do vinho.
P uff , acordando. Tu nunca leste o Cântico dos Cânticos
Onde o rei Salomão, como elogio.
Não durm o... Penso. Dizia à noiva: — Pulchriora sunt
Ubera tua vino!
Níni. Níni.
Estás enamorado És sempre um bôbo.
E deitado na pedra acaso esperas
O abrir de uma janela? Estás cioso P u ff .
E co’a botelha em vez de durindana
Aguardas o rival? E tu és sempre êsse nariz vermelho
Que ainda aqui na treva desta rua
PUFF. Flameja ao pé de mim. Quando te vejo.
Penso que estou na Igreja ouvindo Missa
Ceei à farta Dita por Cardeal.
Na taverna do Sapo e das Três-Cobras.
Faço o quilo; ao repouso me abandono. Níni.
Como o Papa Alexandre ou como um Turco, És um devasso.
Me entrego ao far niente e bem a gôsto
Descanso na calçada imaginando. P u ff .
Respondo-te sòmente o que dizia
Níni. Sir John Falstaff, da noite o cavaleiro:
Embalde quis dormir. Na minha mente “Se Adão pecou no estado de inocência,
Fermenta um mundo novo que desperta. Que muito é que nos dias da impureza
Escuta, Puff: eu sinto no meu crânio Peque o mísero Puff?” Tu bem o sabes:
Como em seio de mãe um feto vivo. Tôda a fragilidade vem da carne,
Na minha insônia vela o pensamento. E na carne se eu tanto excedo os outros.
Os poetas passados e futuros Vícios não devem meus causar espanto.
Vou todos ofuscar........ Aqui no cérebro Minha alma dorme em treva completíssima
Tenho um grande poema. Hei de escrevê-lo, Pela minha descrença... E tu, maldito,
É certa a glória minha! Porque sempre não vens esclarecer-me
Com êsse teu farol aceso sempre.
Cavaleiro da lâmpada vermelha.
PUFF. Às trevas de minh’alma?
A idéia é boa:
Toma dez bebedeiras — são dez cantos. Níni.
Quanto a mim tenho fé que a poesia Que leproso!
Dorme dentro do vinho. Os bons poetas
Para ser imortais beberam muito.
P u ff .
Níni. Sou um homem de pêso. Entendo a vida;
Tenho riiuito miolo, e a prova disto
Não rias. Minha idéia é nova e bela. É que não sou poeta nem filósofo,
A Musa me votou a eterna glória. E gosto de beber, como Panúrgio.
Não me engano, meu Puff, enquanto sonho: Se tu fôsses tonel, como pareces,
Se aos poetas divinos Deus concede Eu te bebera agora de um só trago.

[ 269 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO

N ín i . Ga.mbioletto.
Quero-te bem contudo. Amigos velhos, 764 Vou à pressa
Deixemo-nos de histórias. Meu p o e m a ... Ao doutor Fossuário.
PUFF.
PUFF. Acaso agora
Se falas em poema, eu logo durmo. O carrasco fugiu?
Níni.
Níni.
Quem agoniza?
Uma vez era um rei.
G ambioletto.
P u ff . O Reverendo e Santo Sr. Cônego,
Deitando-se a dormir depois da ceia
Não vês? eu ronco.
No colo de Madona la Zaffeta,
Uma dores sentiu pela barriga.
Níni. Caiu estrebuchando 765 sôbre a s a la ...
Morre de apoplexia.
Quero a ti dedicar minha obra-prima;
Irás junto comigo à eternidade. Níni.
Teu retrato porei no frontispício. O diabo o leve!
Meu poema será uma coroa
Que as nosssas frontes engrinalde juntas. Gambioletto.
E o médico, S r s .!
PUFF.
Pensei-te menos doudo. O teu poema (Sai correndo.)
Seria uma sublime carapuça.
Mas, já que sonhas tanto, olha, meu Níni, PUFF.
Tu precisas de um saco. Venturoso!
Sempre é C ô n e g o ... Níni, diilce et decus
Níni. Pro patria m o ri. .. Ê doce e glorioso
M orrer de apoplexia! Quem me dera
Im pertinente! M orrer depois da ceia, de repente!
Não vem o confessor contar novelas,
PUFF. Não soam cantos fúnebres em tôrno,
Nem se força o medroso moribundo
Dá-me aqui tua mão. Sabes, amigo? A rezar, quando só dormir quisera!
Passei ontem o dia de namoro; Venturosos os Cônegos e os Bispos,
Minhas paixões votei à nova esposa E os papudos Abades dos conventos!
Do velho Conde que ali mora em frente. Êles podem morrer de apoplexia!
Estou adiantado nos amores. E se morrem 766 pensando — coisa nova! -
A cozinheira, outrora minha amante, Quem nunca no viver cansou-se nisso;
Meus passos guia, meus suspiros leva. Se êles morrem pensando, ante seus olhos,
Mas preciso com pressa de um soneto. No momento final sem ter pavores,
Prometes-me fazê-lo? Inda corre a visão da bela mesa!
A não m orrer-se como o velho Píndaro,
Níni. Cantando, sôbre o seio amorenado
De sua amante Grega, oh! quem me dera
Se me ouvires Cair morto no chão, beijando ainda
Recitar meu poema.
A botelha divina!

PUFF. Níni.
Eu me resigno. Que maluco!
Declama teu sermão, como um vigário. A estas horas da noite, assim no escuro
Mas o sono ao rebanho se permite? Não temes de lembrar-te de defuntos?
Beijarias até uma caveira,
{Entra um criado correndo.) Se espumante o Madeira ali corresse!

Roa-me o diabo as tripas, se não vejo PUFF.


Ali correr com pernas de cabrita
O criado do cônego Tansoni. Os cálices doirados são mais belos;
Inda porém mais doce é nos beicinhos
Da bela moça que sorrindo bebe
Níni.
Libar mais terno o saibo dos lic o r e s ....
Onde vais, Gambioletto? Eu prefiro beijar a tua amante.

[ 270 ]
PO ESIA S

Níni. Níni.
Tens niêdo de defuntos? Santo Rei!
P u ff .
PUFF.
E demais é bem sabido
Um bocado.
Que E l-R ei só reina à mesa e nas caçadas.
Sinto que não nasci para coveiro.
Contudo, no domingo, à m eia-n oite...
Pela força passei, vi nas alturas, Níni.
Do luar sem vapor à luz formosa.,
Um vilão pendurado. Era tão feio! Nunca perde um veado quando atira.
A língua um palmo fora, sôbre o peito.
Os olhos espantados, bôca lívida, PUFF.
Sôbre a cabeça dêle estava um c o rv o ...
O morto estava nu, pois o carrasco ^ Ele caça veados! Má fortuna!
Despindo os mortos dá vestido aos filhos, Não o cacem também pela ramagem!
E deixa à noite o padecente à fresca.
Eu senti pelo corpo uns arrep io s... Níni.
Mas depois veio o â n im o ... trepei-me
Pela escada da força, fui acima, Com lingua tão comprida e viperina
E pintei uns bigodes no enforcado. Irás parar na fôrca.

Níni. PUFF.
Bravo como um Vampiro! Níni, escuta.
Assisti esta noite a um pagode
PUFF. Na taverna do Sapo e das três Cobras.
E ra já lusco-fusco, e eu entrando
Oh! antes d’ontem Dou com Frei São José e Frei Gregório,
Passei pelos telhados sem ter mêdo, O Prior do convento dos Bernardos
Para evitar um pátio 767 onde velava E mais uns dous ou três que só conheço
Um cão — que enorme cão! — subindo ao quarto De ver pelas esquinas se encostando,
Onde dorme Rosina Belvidera. Ou dormidos na rua a sono s ô lto .. .

Níni. Que soberbo painel! Faze uma idéia!


Um banquete! fartura! que presuntos!
Ousaste ao Cardeal depor na fronte Que tostados leitões que recendiarn!
Tão pesada coroa? Numa enorme caldeira enormes peixes.
Recheados capões fervendo ainda.
PUFF. Perus, olhas podridas, co ste le ta s...
Esgotara o talento a cozinheira!
A mitra cobre.
Abertos garrafões; garrafas cheias;
Dizem que a santidade lava tudo;
Vinho em copos imensos transbordando;
D ep o is... o Cardeal estava bêbado........
Na toalha, já suja, debruçados
A propósito, sabes dos amôres
Aquêles religiosos cachaçudos
Do capitão Tybald? O tal maroto
De bôca aberta e de embotados olhos.
Não sei de que milagres tem segredo
Gastrônomos! ali é que se via
Que deu volta à cabeça da rainha.
Que é ciência comer, e como um frade
Goza pelo nariz e pelos olhos.
Níni. Pelas mãos, pela bôca, e faz focinho
E bate a língua ao paladar gostoso
Por isso o pobre Rei anda tão triste! Ao celeste sabor de um bom pedaço!

PUFF. Depois! era bonito! Frei Gregório


Co’a bôca de gordura reluzente,
Spadaro, o fidalgote barba-ruiva. Farto de vinho, esquece o reumatismo.
Contou-me que espiando p’la janela Esquece a erisipela já sem cura,
Do quarto da rainha os v iu ... Caluda! Canta rondós e dança a ta ra n te la ...
Arrasta-se caindo e se babando
Níni. Aos pés da taverneira. De joelhos
Faz-lhe a côrte cantando o Miserere,
E o Rei que faz? Não tem lá na cozinha Principia sermões, engrola textos,
-Mgum pau de vassoura ou um chicote? E a gorda mão estende ao nédio seio
Da bela m oceton a... a mão lhe beija,
A mão que o cetro cinge de v asso u ra...
PUFF. Chora, soluça e cai, estende os braços,
El-R ei Nosso Senhor então ceava. Ainda a chama, e cantochão e n to a ...

[ 271]
MANOEL ANTÔNIO ALV A RES DE AZEVEDO

E ra de rir! os velhos amorosos, I I.


Uns de joelhos no chão, outros cantando Vagabundo uma vez junto das ondas
Estendidos na mesa entre os despojos. O Príncipe encontrou na areia fria
Outros beijando a moça, outros dormindo. Uma branca donzela desmaiada,
E la no meio deslambida e fresca Que um naufrágio na praia arremessara.
Excita-os mútuamente e os rivaliza. Revelavam-lhe as roupas gotejantes
Passa-lhes pelo queixo a mão g o rd u ch a... O belo talhe níveo, o melindroso
Das bem moldadas formas. — O mancebo
Corre o Prior a sôco um Barbadinho,
Nos braços a tomou, e foi com ela
Atracam-se, blasfemam, esconjuram,
Esconder-se no bosque.
Um agarra na barba do contrário.
Outro tenta apertar o papo a lh e io ...
Quando a bela
Suspirando acordou, o belo Príncipe
Abraçam-se na luta os dous volumes
Aos pés dela velava de joelhos.
E rolam como pipas. No oceano
Assim duas baleias ciümentas
Amaram-se. É a vida. Êles viveram
Atracam-se na lu t a ... Que risadas!
Dêsse desmaio que dá corpo aos sonhos,
Que risadas, meu Deus! arrebentando
Que realiza visões e aroma a vida
Soltou o pobre Puff vendo a comédia!
Na sua primavera. A lua pálida.
As sombras da floresta, e dentre a sombra
NÍNI. As aves amorosas que suspiram
Viram aquelas frontes namoradas.
Ouve agora o poema.
Ouviram sufocando-se num beijo
Suspiros que o deleite evaporava.
PUFF.
Espera um pouco. I I I.
A taverna do canto não se fecha.
O Rei tinha um truão. O caso é visto;
E stá aberta. Compra uma g a rra fa ...
É muito natural. — Se reis sombrios
Bom v in h o ... tu bem sabes! Tenho a goela
Gostam de bobos na doirada corte,
Fidalga como um rei. Não tenho dúvida:
Não admira de certo que um risonho
Mentiu a minha mãe quando contou-me
Em vez de capelão tivesse um bôbo.
Que nasci de um prosaico m atrim ô n io ...
Eu filho de e s c riv ã o !... Para criar-me
Loriolo — o truão do Rei — acaso
E ra — senão um Rei — preciso um Bispo!
Um dia atravessando p’la floresta,
Foi dar numa cabana de folhagens.
NÍNI. Ninguém estava ali, porém num leito
{V a i à ta v e r n a e v o lt a . ) De brandas fôlhas e cheirosas flores
Êle viu estendidas roupas alvas
E is aqui uma bela empada fria, — E roupas de mulher! — e junto um gorro,
Uma garrafa e copo. Que pelas jóias e flutuantes plumas
E pela firma no veludo negro
P uff { q u e b r a n d o o c o p o ) . Denunciava o Príncipe.

O Demo o leve! Loriolo,


Eu sou como Diógenes. Só quero Apesar de na côrte ser um Bôbo,
Aquilo sem o que viver não posso. Não era um zote. Foi-se remoendo.
Deitado nesta laje, preguiçoso, Jurou dar com a história dos namoros,
Olhando a lua, beijo esta garrafa, E para andar melhor em tal caminho,
E o mundo para mim é como um sonho. Êle que adivinhava 768 que as Américas
Creio até que teu ventre desmedido Sem proteção de rei ninguém descobre.
Como escura caverna vai abrir-se, Madrugou muito cedo — inda era escuro —
Mostrando-rne no seio iluminado E convidou E l-R ei para o passeio.
Panoramas de harém. Sultanas lindas
E longas prateleiras de bom vinho!
IV .
NÍNI. Ora, por uma triste desventura,
O rei entrando na Cabana Verde
Dou começo ao poema. Escuta um pouco.
Achou só a mulher. — Adormecida
No desalinho descuidoso e belo
I.
Com que elas dormem, soltos os cabelos,
“ Havia um rei, numa ilha solitária, A face sôbre a mão, e os seios lindos
Um rei valente, cavaleiro e belo. Batendo à sôlta na macia tela
O rei tinha um irmão. — E ra um mancebo Da roupa de dormir que os m o d e la v a ....
Pálido, pensativo. A sua vida Não digo m ais.........
E ra nas serras divagar cismando. Loriolo pôs-se à espreita.
Sentar-se junto ao mar, dormir no bosque O Rei de leve despertou a bela.
Ou vibrar no alaúde os seus gemidos. Acordou-a num b e ijo ...

[ 272 ]
PO ESIA S

V. Loriolo
Trocou de guizo o boné sonoro
A linda moça — Muito leve chapéu! — pela co ro a...
Se havia ali raivosa apunhalar-se, Só teve uma desgraça o Rei novato:
Fazer espalhafato e gritaria, Foi que um dia fugiu-lhe do palácio
Por um capricho, voluptuoso assomo. A tal moça volante nos amôres.
Entregou-se ao amor do R e i ....
X.
V I.
“Maldito!” Muitos anos passaram. Loriolo
Bradou-lhe à porta uin vulto macilento. Era um sublime rei. De rei a bôbo
“Maldito! meu irmão, aquela moça Já tantos têm 771 caído! Não admira
É minha, minha só, é minha amante Que um Bôbo sendo Rei primasse tanto.
E minha esposa fô ra .. . . ” Governava tão bem como governam
O Rei sorrindo Os reis de sangue azul e raça antiga.
Lhe estende a régia mão e diz alegre; Demais gastava pouco, e, se não fôsse
“A culpa é tua. Eu disto não sabia; Seu amor pelas alvas formosuras.
Se do teu casamento me falasses, De certo que na lista dos monarcas
Eu respeitara tua........ ” Êle ficava sendo o Rei Sovina.
Enfim era um Monarca de mão cheia.
“ Basta, infame! Tinha só um defeito — vendo sangue
Não acrescentes zombaria ao crime. Tinha frio no ventre; e desmaiava
Hei de punir-te. É solitário o bosque; Ao luzir de uma espada... era nervoso'
Aqui não és um rei, porém um homem, Ninguém falava nisso. — Até a giba,
Um vil em cujo sangue hei de lavar-me. A figura de anão, a pele escura.
Oh! sangue! quero sangue! eu tenho sêde!” Aquela bôea negra escancarada
(E que nem dentes amarelos tinha
V I I. P ’ra ser de Adamastor), as gâmbias finas.
Despiu tremendo a reluzente espada. Eram tipo dos quadros dos pintores.
O mesmo fêz o Rei. — Lutaram ambos. Se pintavam Adônis ou Cupido,
Feminae sacra famés, quantum peciora Copiavam o Rei em corpo inteiro.
Mortalia cogis! E embalde a moça. E o oiro das moedas, que trazia
Ajoelhando seminua e pálida. A ventosa bochecha, os beiços grossos,
Vinha chorando, mais gentil no pranto, O porcino perfil e a cabeleira,
Entre as espadas se lançar gemendo. Era beijado com fervor e culto.
Embalde! Longo tempo encarniçado
A peleja durou... Enfim caíram ... X I.
Rolaram ambos trespassados, frios,
E, na treva de morte que os 769 cegava, Loriolo envelhecia entre os aplausos.
Inda alongando os braços convulsivos Dando a mão a beijar à fidalguia.
Que avermelhava o fraticida sangue, Demais um sabichão fizera um livro
Procurando no sangue o inimigo! 770 Em vinte e tantos volumões in-fólio.
Obra cheia de mapas e figuras
V I I I . Em que provava que por linha reta
O Bôbo fêz as covas. Na montanha De Hércules descendia Loriolo
Enterrou os irmãos. — E quanto à moça. E portanto de Júpiter Tonante.
Pelo braço a tomou chorosa e fria, E apresentou as certidões em cópia
Foi ao paço, e na gótica varanda. De óbito e nascimento e batistério,
De coroa real e longo manto. E até de casamento, e para prova
Falou à plebe, prometeu franquezas. De que nas veias puras do Monarca
Impostos levantar e dar torneios. Não correra a mais leve bastardia.
— Falou aos guardas: prometeu-lhes vinho. É inútil dizer que os tais volumes
— Falou à fidalguia, mas no ouvido, Nada contavam sôbre o Pai, porqueiro
E prometeu-lhe consentir nos vícios Como o do Santo Papa Sixto Quinto,
E depressa fazer uma lei nova E sôbre a mãe do Rei, a velha Mória
Pela qual, se um fidalgo assassinasse Que vendera perus. Deus sabe o resto!
Algum torpe vilão, ficasse impune Nos tempos folgazões da mocidade!
E nem pagasse mais a vil quantia
Que era pena do crime — e alto disse
Que havia conquistar países novos. X I I.
Um dia o reino cem navios tocam.
I X. São piratas do Norte! são Normandos!
A história infelizmente é muito vista. Infrene multidão nas praias corre.
Não sou original! E ’ uma desgraça! Levando tudo a fe rro ... até os frades.
Mas prefiro o caráter verdadeiro Matam, queimam, saqueiam, furtam nmças.
De trovador cronista. — E a infrene turba corre até aos paços.

[ 273 ]
MAXOKL .ANTÔNIO ÁLVARKS OK AZEA'EDO

X I I I . XVII.
Enquanto vem a campo a fidalguia Loriolo suspira. O povo espera.
Armada pied en cap, espada em punho, Pela face do Bôbo corre a furto
Loriolo, sem fala, nos apertos Uma lágrima trêmula. — Ê desgraça
Nas adegas se esconde. Tendo subido a Rei v o lt a r ....
Embalde o chamam, Nem ousa
Embalde corre voz que dos Normandos O nome proferir de sua infâmia.
Em issário de paz o Rei procura.
E l-R ei suou de susto a roupa inteira. De repente uma idéia o ilu m in a ....
Nem era de admirar, que a Reis c povo, Deu uma das antigas gargalhadas,
Como ao bicho-da-sêda a trovoada. Inda em trajes de rei graceja e pula.
Camisas de onze varas apavoram
E fazem frio a aparições de fôrca. 772 Foi uma dança cômica, fantástica,
Um riso que doía — tão gelado
Coava ao c o r a ç ã o !... Estava d o u d o ...
XIV.
Dançou a g a rg a lh a r... caiu exausto.
Um soldado Normando que buscava Caiu sem movimento sôbre o l ô d o ....
Nas adegas reais alguma pinga. Escutaram -lhe o peito. Estava morto.
Mete a verruma numa velha pipa.
Um grito sai dali, mas não licores. O ra o pirata, o invasor Normando,
O soldado feroz destampa o nicho; E ra filho da nossa conhecida,
Agarra um vulto dentro, mas somente Que, pôsto não pudesse com acêrto
Sente nas mãos vazia c a b e le ir a .... Dizer quem era o pai de seu boêmio.
Descmbainha a tôrva durindana. Afirmava contudo afoutamente
Nas cavernas da pipa, e nas cavernas Que, em todo o caso, tinha jus ao trono.
Do coração do Rei reboa o golpe.
Reina pela cidade a bebedeira,
Estala-se o tonel de meio a meio.
E bebendo à saude do bastardo
Entretanto o bom Rei que não falava.
O Bôbo que foi rei ninguém s e p u l t a ....”
Sujo da lia da ruinosa pipa.
Mais morto do que vivo (já pensando
Que seu reino acabava num espeto
Como o reino do galo), às cambalhotas Bem vês, amigo Puff, que neste conto
Rola aos pés do soldado, chora e treme. Em poucos versos digo histórias longas:
Gagueja de pavor nos calafrios — Amôres, mortes, e no trono um bôbo
E pelo amor dc Deus perdão implora. E sôbre o lôdo um rei que não se enterra. —
Muito embora a mulher as roupas façam,
Eu provo que o burel não faz o monge,
XV.
E um bôbo é sempre um bôbo. Mostro ainda
O soldado, maroto e bom gaiato, De meu estro no vário cosmorama
Agarra às costas o real trambolho, Um rei que numa pipa o trono perde,
Como um vilão que à feira leva um porco, E um bastardo que o pai dizer não pode
E no meio do pátio, entre os despojos. E em nome de dous pais, ambos em dúvida.
De pernas para o ar e cara suja Vem na sangueira reclamar seu nome.
Atira o B ô b o ...
— E l-R ei! clama um fidalgo. Um outro só com isso dera a lume
Um poema em dez cantos. Sou conciso;
Não ouso tanto: dou sòmente idéias.
XVI. Esboço aqui apenas meu enrêdo.
Porém o Rei não f a l a ... Sua e treme.
M a s ... Puff! olá, meu P uff! E stás dormindo.
“ Singofredo o pirata aqui me envia. Prosaico beberrão! Acorda um pouco!
(Diz ao Rei o pacífico Mercúrio, Bebeu todo o meu vinho — a empada fo i-s e .. .
O Arauto de paz que vem de bordo:) — Não resta-me esperança! Este demônio
Eu venho aqui propor-vos um tratado. De um poeta como eu nem vale um murro!
P or direito de espada e por herança
Singofredo é senhor destes países. U m Homem da P latéia (interrompendo).
Êle vem reclamar sua coroa.
Se o Rei não se opuser, não corre sangue; Silêncio! fora a peça! que massada!
Senão hão de fazê-lo em sarrabulho. Até o ponto dorme a sono sôlto!
Puxado 773 p’lo nariz o encher de lôdo
E espetar-lhe a careta sôbre um mastro. Levanta-se o pano até o meio. Passa por de­
Singofredo o feroz exige apenas baixo e vem até a rampa o
Que o Rei deixando o cetro dêste reino
Seja sempre na côrte Rei da Lua. PRÓLOGO,
Loriolo virá ao seu caminho
Trajando seu gibão amarelado velho de cabeça calva, camisola branca, carapuça
Com remendos de côr, e campainhas. frigia coroada de louros. Tem um ramo de oli­
Meias roxas e gorro afunilado”. veira na mão. Faz as cortesias do estilo e fala:

[ 274 ]
PO ESIA S

Dom Quixote! 774 sublime criatura! Com mais amantes que um Sultão vivia,
Tu sim fôste leal e cavaleiro, Mandava ao Aretino- amáveis letras,
O último herói, o paladim extremo Um colar d’oiro com sangrentas línguas,
De Castela e do mundo. Se teu cérebro E dava-lhe pensões. O Vaticano
Toldou-se na loucura, a tua insânia Viu o Papa beijando aquela fronte.
Vale mais do que o siso destes séculos^ Carlos V o nomeia cavaleiro.
Em que a Infâmia, Dagon cheio de lôdo. Abraça-o e — inda mais — lhe manda escudos
Recebe as orações, mirras e flores, O Duque João Médicis o adora.
E a louca multidão renega o Cristo! Dorme com êle a par no mesmo leito.
Tua loucura revelava brio. É um tempo de agonias. A arte pálida,
No triste livro do imortal Cervantes Suarenta, moribunda, desespera
Não posso crer um insolente escárnio E aguarda o funeral de Miguel Ângelo
Do Cavaleiro andante aos nobres sonhos. Para com êle abandonar o mundo
Ao fildalgo da Mancha — cuja nódoa E angélica 776 voltar ao céu dos Anjos.
Foi só ter crido em Deus e amado os homens,
E votado seu braço aos oprimidos. Agora basta. Revelei minh’alma.
Aquelas folhas não me causam riso, ^ A cena descrevi onde correra
Mas desgosto profundo e tédio à vida. Inteira uma comédia em vez de um ato,
Soldado e trovador, era impossível Se o poeta, mais forte, se atrevesse
Que Cervantes manchasse um valeroso A erguer nos versos a medonha sombra
Em vil caricatura, e desse à turba, Da loucura fatal do mundo inteiro.
Como prêsa de escárnio e de vergonha,
Êsse homem que à virtude, amor e cantos Boas noites, platéia e camarotes;
Abria o coração!----- O ponto já me diz que deixe o campo.
O primeiro galã todo empoado.
Estas idéias Cheio de vermelhão, já dentro fala:
Servem para desculpa do poeta. Estão cheios de luz os bastidores.
Apesar de bom moço o autor da peça
Tem uns laivos talvez de Dom Quixote.
E nestes tempos de verdade e prosa Uma última palavra: o autor da peça.
— Sem Gigantes, sem Mágicos medonhos Puxando-me da túnica romana.
Que velavam nas tôrres encantadas Diz-me da cena que eu avise às Damas
As donzelas dormidas por cem anos — Que desta feita os sais não são precisos;
Do seu imaginar esgrime as sombras Não há de sarrabulho haver no palco.
E dá botes de lança nos moinhos. É uma peça clássica. O perigo
Que pode ter lugar é vir o sono;
Mas não escreve sátiras: — apenas Mas dormir é tão bom, que certamente
Na idade das visões — dá corpo aos sonhos. Ninguém por êsse dom fará barulho.
Faz trovas, e não talha carapuças.
Nem rebuça no véu do mundo antigo, O assunto da Comédia e do Poema
P ’ra realce maior, presentes vícios. E ra digno sem dúvida. Senhores,
Não segue a Juvenal, e não embebe De uma pena melhor; mas desta feita
Em venenoso fel a pena escura Não fala Shakspeare nem Gil Vicente,
Para nódoas pintar no manto alheio. O poeta é novato, mas promete.
Pôsto que seja um homem barrigudo
O tempo em que se passa agora a cena E tenha por Talia o seu cachimbo.
É o século dos Bórgias. O Ariosto Merece aplausos e merece glória.
Depôs na fronte a Rafael gelado
Sua c ’roa divina, e o segue ao túmulo.
Ticiano inda vive. O rei da turba
É um gênio maldito — o Aretino
Que vende a alma e prostitui as crenças. SPLEEN E CHARUTOS.
Aretino! essa incrível criatura.
Poeta sem pudor, onda de lôdo
I.
Em que do gênio profanou-se a p é ro la ...
Vaso d’oiro que um óxido sem cura
Azinhavrou de m o rte ... homem terrível S o lid ã o .
Que tudo profanou co’as mãos imundas,
Que latiu como um cão mordendo um século,
E, como diz um epitáfio antigo. Nas nuvens côr de cinza do horizonte
Só em Deus não mordeu, porque o não vira. A lua amarelada a face embuça;
Como êle, foi devasso todo o século. Parece que tem frio, e no seu leito
Os contos 775 de Boccáccio e de Brantôme Deitou, para dormir, a carapuça.
São mais puros que a história dêsses tempos.
Tasso enlouquece. O Rei que se diverte Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
— O herói de Marignan e de Pavia Sem chale, sem camisa e sem mantilha.
Que num vidro escrevera do palácio Vem nua e bela procurar amantes;
“Femme souvent varie", mas leviano É douda por amor da noite a filha.

[ 275 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

As nuvens são uns frades de joelhos, Ando rôto, sem bolsos nem dinheiro;
Rezam adormecendo no oratório; Mas tenho na viola uma riqueza:
Todos têm 777 o capuz e bons narizes, Canto à lua de noite serenatas,
E parecem sonhar o refeitório. E quem vive de amor não tem pobreza.

As árvores prateiam-se na praia. Não invejo ninguém, nem ouço a raiva


Qual de uma fada os mágicos retiros. Nas cavernas do peito, sufocante,
Ò lua, as doces brisas que sussurram Quando à noite na treva em mim se entornam
Coam dos lábios teus como suspiros! Os reflexos do baile fascinante.

Falando ao coração que nota aérea Namoro e sou feliz nos meus am ores;
Deste céu, destas águas se desata? Sou garboso e ra p a z ... Uma criada
Canta assim algum gênio adormecido Abrasada de amor por um sonêto
Das ondas mortas no lençol de prata? Já um beijo me deu subindo a e s c a d a ....

Minha alma tenebrosa se entristece, Oito dias lá vão que ando cismado
É muda como sala m o r tu á ria .... Na donzela que ali defronte mora.
Deito-me só e triste, e sem ter fome E la ao ver-me sorri tão docemente!
V ejo na mesa a ceia solitária. Desconfio que a moça me n am o ra!..

ó lua, ó lua bela dos amores, 778 Tenho por meu palácio as longas ruas;
Se tu és moça e tens um peito amigo, Passeio a gôsto e durmo sem temores;
Não me deixes assim dormir solteiro, Quando bebo, sou rei como um poeta,
A meia-noite vem cear comigo! E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,


I I. Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
M eu A njo. E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Meu anjo tem o encanto, a maravilha Escrevo na parede as minhas rimas.


Da espontânea canção dos passarinhos; De painéis a carvão adorno a rua;
Tem os seios tão alvos, tão macios Como as aves do céu e as flores puras
Como o pêlo sedoso dos arminhos. Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

T riste de noite na janela a vejo Sinto-me um coração de lazzaroni;


E de seus lábios o gemido escuto. Sou filho do calor, odeio o frio;
E ’ leve a criatura vaporosa Não creio no diabo nem nos s a n to s ...
Como a frouxa fumaça de um charuto. Rezo a Nossa Senhora, e sou vadio!

Parece até que sôbre a fronte angélica 779 Ora, se por aí alguma bela
Um anjo lhe depôs coroa e n im b o .... Bem doírada e amante da preguiça
Form osa a vejo assim entre meus sonhos Quiser a nívea mão unir à minha
Mais bela no vapor do meu cachimbo. Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.

Como o vinho espanhol, um beijo dela


Entorna ao sangue a luz do paraíso. IV .
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorriso! A L agartixa .
A lagartixa ao sol ardente vive
Mas quis a minha sina que seu peito
E fazendo verão o corpo espicha:
Não batesse por mim nem um minuto,
O clarão de teus olhos me dá vida.
E que ela fôsse leviana e bela
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
Como a leve fumaça de um charuto!
Amo-te como o vinho e como o sono.
I I I. Tu és meu copo e amoroso l e i t o ....
Mas teu néctar de amor jam ais se esgota.
Travesseiro não há como teu peito.
V agabundo.
Posso agora viver: para coroas
Eat, drink and love; what can the rest avail us? Não preciso no prado colhêr flores;
BYRO N . Don Juan,
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano. Vale todo um harém a minha bela.
Fumando meu cigarro vaporoso; Em fazer-me ditoso ela capricha;
Nas noites de verão namoro estréias; Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso! Como ao sol de verão a lagartixa.

[ 276 ]
PO ESIA S

Antes mil vêzes que dormir com ela,


Que dessa fúria o gôzo, amor e te rn o ...
Se ali não há também amor de velha,
Luar de V erão. Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno!

O que vês, trovador? — Eu vejo a lua No inferno estão suavíssimas belezas,


Que sem lavor a face ali passeia; Cleópatras, Helenas, Eleonoras;
No azul do firmamento inda é mais pálida Lá se namora em boa companhia,
Que em cinzas do fogão uma candeia. Não pode haver inferno com Senhoras!

O que vês, trovador? — No esguio tronco Se é verdade que os homens gozadores.


Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira... Amigos de no vinho ter consolos,
Além se entorna a luz sôbre um rochedo Foram com Satanás fazer colônia.
Tão liso como um pau-de-cabeleira. Antes lá que do Céu sofrer os tolos! —

Nas praias lisas a maré enchente O ra! e forcem um’alma qual a minha
S ’espraia cintilante d’ardentia.. . . Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça
Em vez de aromas as doiradas ondas A cantar ladainha eternamente
Respiram efluviosa maresia! E por mil anos ajudar a Missa!

O que vês, trovador? — No céu formoso


Ao sôpro dos favônios feiticeiros
Eu vejo — e tremo de paixão ao vê-las — É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!
As nuvens a dormir, como carneiros.
Ê ela! é ela! — murmurei tremendo,
E vejo além, na sombra do horizonte, E o eco ao longe murmurou — é ela!
Como viúva moça envolta em luto. Eu a vi — minha fada aérea e pura —
Brilhando em nuvem negra estréia viva A minha lavadeira na janela!
Como na treva a ponta de um charuto.
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Teu romantismo bebo, ó minha lua, Eu a vejo estendendo no telhado
A teus raios divinos me abandono. Os vestidos de chita, as saias brancas;
Torno-me vaporoso, e só de ver-te Eu a vejo e suspiro enamorado!
Eu sinto os lábios meus se abrir de sono.
Esta noite eu ousei mais atrevido
V I. Nas telhas que estavalam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono.
O P oeta M oribundo. Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Poetas! amanhã ao meu cadáver Como dormia! que profundo s o n o !...
Minha tripa cortai mais so n o ro sa i... Tinha na mão o ferro do engom ado...
Façam dela uma corda, e cantem nela Como roncava maviosa e p u r a !...
Os amôres da vida esperançosa! Quase caí na rua desmaiado!
Cantem êsse verão que me alen tav a... Afastei a janela, entrei medroso;
O aroma dos currais, o bezerrinho. Palpitava-lhe o seio adormecido. . .
As aves que na sombra suspiravam, Fui b e ijá -la ... roubei do seio dela
E os sapos que cantavam no caminho! Um bilhete que estava ali m etid o ...

Coração, porque tremes? Se esta lira Oh! de c e r to ... (pensei) é doce página
Nas minhas mãos sem fôrça desafina. Onde a alma derramou gentis amôres;
Enquanto ao cemitério não te levam. São versos d e la ... que amanhã de certo
Casa no marimbau a alma divina! Ela me enviará cheios de flo r e s ....

Eu morro qual nas mãos da cozinheira Trem i de febre! Venturosa fôlha!


O marreco piando na ag on ia.. . Quem pousasse contigo neste seio!
Como o cisne de o u tro ra ... que gemendo Como Otelo beijando a sua esposa,
Entre os hinos de amor se enternecia. Eu beijei-a a tremer de d ev a n eio ....

Coração, porque tremes? Vejo a morte, E ’ ela! é ela! — repeti tremendo;


Ali vem lazarenta e desdentada... Mas cantou nesse instante uma c o r u ja ...
Que n oiva!.. E devo então dormir com ela?. Abri cioso a página s e c r e ta ....
Se ela ao menos dormisse mascarada! Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Que ruínas! que amor petrificado! Mas se W erther morreu por ver Carlota
Tão antediluviano e gigantesco! Dando pão com manteiga às criancinhas,
Ora, façam idéia que ternuras Se achou-a assim mais bela, — eu mais te adoro
Terá essa lagarta posta ao fresco! Sonhando-te a lavar as camisinhas!

[ 277 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEAí^EDO

E ’ ela! é ela! meu amor, minh’alma, O CÔNEGO FILIPE.


A Laura, a Beatriz que o céu re v e la ...
E ’ ela! é ela! — murmurei tremendo,
O cônego Filipe! ó nome eterno!
E o eco ao longe suspirou — é ela! — 780
Cinzas ilustres que da terra escura
Fazeis rir nos ciprestes as corujas!
Porque 786 tão pobre lira o céu doou-me
Que não consinta meu inglório gênio
SONETO. 781 Em vasto e heróico poema decantar-te?

Voltemos ao assunto. A minha musa


Um mancebo no jôgo se descora, Como um falado Imperador Romano
Outro bêbado passa noite e dia, Distrai-se às vêzes apanhando móscas.
Um tòlo pela valsa vivería, P or estradas mais longas ando sempre.
Um passeia a cavalo, outro namora. Com o cônego ilustre me pareço,
Quando êle já sentia vir o sono,
Um outro que uma sina má devora Para poupar caminho 787 até a vela,
Faz das vidas alheias zombaria.
Sôbre a vela atirava a carapuça.
Outro toma rapé, um outro e s p ia .... Então no escuro, em camisola branca
Quantos moços perdidos vejo agora! Ia apalpando procurar na sala —
Para o queijo flamengo da careca 788
O h! não proíbam pois ao meu retiro
Dos defluxos guardar — o negro saco.
Do pensamento ao merencório luto
A fumaça gentil por que suspiro.
À ordem. Musa! Canta agora como
O poeta Ali-Moon no harém entrando
Numa fumaça o canto d’alma escuto.
Como um poeta que enamora a lua.
Um aroma balsâmico respiro,
Ou que beija uma estátua de alabastro.
O h! deixai-me fumar o meu charuto!
Suando de c a lo r ... de sol e a m ô r e s ...
Cantava no alaúde enamorado,
E como êle saiu-se do namôro.
Assunto bem moral, digno de prêmio,
SONÊTO. E interessante como um catecismo, 789
Que tem ares até de ladainha!
Ao sol do meio-dia eu vi dormindo
Na calçada da rua um marinheiro, Quem não sonhou a terra do Levante?
Roncava a todo o pano o tal brejeiro As noites do Oriente, o mar, as brisas,
Do vinho nos vapores se expandindo! Tôda aquela suave natureza
Que amorosa suspira e encanta os olhos?
Além um Espanhol eu vi sorrindo
Saboreando um cigarro feiticeiro. Principio no harém. Não é tão novo.
Enchia de fumaça o quarto inteiro. Mas esta vida é sempre deleitosa.
Parecia de gôsto se esvaindo! As almas d’homem ao harém se voltam —
Ser um dia sultão quem não deseja?
Mais longe estava um pobretão careca
De uma esquina lodosa no retiro Quem não quisera das sombrias fôlhas
Enlevado tocando uma rabeca! Nas horas do calor, junto do lago, 790
As odaliscas espreitar no banho
Venturosa indolência! não deliro E mais bela a sultana entre as formosas?
Se morro de p r e g u iç a .... o mais é seca!
Desta vida o que mais vale um suspiro? Mas ah! o plágio nem perdão merece!
Digam — pega ladrão! — Confesso o crime,
Não é Ovídio só que imito e sonho,
Quando pinta Acteon fitando os olhos
Tôda aquela mulher tem a pureza 782 Nas formas nuas de Diana virgem!
Que exala o jasmineiro no perfume. Não! embora eu aqui não fale em ninfas,
Lam peja seu olhar, nos olhos negros Essa idéia é do cônego Filipe!
Como em noite d’escuro um vagalu m e.. 783

Que suave moreno o de seu rosto!


A alma parece que seu corpo inflama. 784
Ilude até que sôbre os lábios dela TERZA RIMA.
Na côr vermelha tem errante cham a___ 785
E ’ belo de entre a cinza ver ardendo
E quem dirá, meu Deus! que a lira d’alma Nas mãos do fumador um bom cigarro.
Ali não tem um som — nem de falsete! Sentir o fumo em névoas recendendo,
E sob a imagem de aparente fogo
E ’ frio o coração como um sorvete! Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E a t é .. . p erd o em ... respirar-lhe o sarro!

[ 278 ]
r PO ESIA S

Porém o que há mais doce nesta vida, O cavalo ignorante de namoros


O que das mágoas desvanece o luto Entre dentes tomou a bofetada,
E dá som a uma alma empobrecida, Arripia-se, pula, e dá-me um tombo
Palavra d’honra, és tu, ó meu charuto! Com pernas para o ar, sôbre a calçada.

Dei ao diabo os namoros. Escovado


Meu chapéu que sofrerá no pagode
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
RELÓGIOS E BEIJOS E berrando de raiva como um bode.

— T ra d u zid o d e H e n r iq u e H e in e — Circunstância agravante. A calça inglesa


Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Quem os relógios inventou? De certo Em paga do amoroso devaneio!...
Algum homem sombrio e friorento.
Numa noite de inverno tristemente
Sentado na lareira êle cismava
Ouvindo os ratos a roer na alcova
E o palpitar monótono do pulso.
O EDITOR
Quem o beijo inventou? Foi lábio ardente,
Foi bôca venturosa, que vivia
Sem um cuidado mais que dar beijinhos. — A poesia transcrita é de Torquato,
Era no mês de maio. As flores cândidas Dêsse pobre poeta enamorado
A mil abriam sôbre a terra verde. ^ Pelos encantos de Leonora esquiva.
O sol brilhou mais vivo em céu d’csmalte Copiei-a do próprio manuscrito
E cantaram mais doce os passarinhos. E para prova da verdade pura
Dêste prólogo meu, basta que eu diga^
Que a letra era um garrancho indecifrável,
Mistura de borrões e linhas tortas. 794
Trouxe-me do Arquivo lá da lua
NAMÔRO A CAVALO E decifrou-ma familiar demônio.
Demais — infelizmente é bem verdade
Que Tasso lastimou-se da penúria
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça De não ter um ceitil para a candeia.
Que rege minha vida malfadada
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
Provo com isso que do mundo todo
O sol é êste Deus indefinível.
Alugo (três mil réis) por uma tarde Ouro, prata, papel, ou mesmo cobre.
Um cavalo de trote (que esparrela!) Mais santo do que os Papas — o dinheiro!
Só para erguer meus olhos suspirando
À 791 minha namorada na ja n e la .... Byron no seu Don Juan votou-lhe cantos,
Filinto Elíseo e Tolentino o sonham,
Todo o meu ordenado vai-se em flores Foi o Deus de Bocage e d’Aretino,
E em lindas folhas de papel bordado Aretino, essa incrível criatura
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso, 792 Lívida e tenebrosa, impura e bela.
Algum verso b o n ito .... mas furtado. Sublime. . . e sem pudor, onda de lôdo.
Em que do gênio profanou-se a pérola.
Morro pela menina, junto dela Vaso d’ouro que um óxido terrível
Nem ouso suspirar de acanham ento.. . . Envenenou de morte, alma poeta
Se ela quisesse eu acabava a história Que tudo profanou com as mãos imundas,
Como tóda a Comédia — em casamento. E latiu como um cão mordendo um século.
Ontem tinha ch o v id o .... que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Quem não ama o dinheiro? Não me engano
Mas lá vai senão quando uma carroça
Se creio que Satã à noite veio
Minhas roupas tafuis encheu de la m a ....
Aos ouvidos de Adão adormecido
Eu não desanimei. Se Dom Qui.xote
Na sua hora primeira, murmurar-lhe
No Rocinante erguendo a larga espada Essa palavra mágica da vida,
Que vibra musical em todo o mundo.
Nunca voltou de mêdo, eu, mais valente, 793
Fui mesmo sujo ver a n am o rad a....
Se houvesse o Deus-vintém no Paraíso
Mas eis que no passar pelo sobrado Eva não se tentava pelas frutas,
Onde habita nas lojas minha bela Pela rubra maçã não se perdera;
Por ver-me tão lodoso ela irritada Preferira de certo o louro amante
Bateu-me sôbre as ventas a ja n e la .... Que tine tão suave e é tão macio!

[ 279 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Se não faltasse o tempo a meus trabalhos TERCEIRA PARTE DA LIRA DOS


Eu mostraria quanto o povo mente
Quando diz — que a poesia enjeita, odeia
VINTE ANOS.
As moedinhas doiradas. — E ’ mentira!

Desde Homero (que até pedia cobre),


Virgílio, Horácio, Calderon, Racine,
Boileau e o fabuleiro Lafontaine MEU DESEJO
E tantos que melhor de certo fora
Dos poetas copiar algum catálogo, Meu desejo? era ser a luva branca
Todos a mil e mil por êle vivem, Que essa tua gentil mãozinha aperta:
E alguns chegaram a morrer por êle! A camélia que murcha no teu seio, 800
Eu só peço licença de fazer-vos O anjo que por te ver do céu d e s e r ta ....
Uma simples pergunta. Na gaveta
Se Camões visse o brilho do dinheiro —
Malfilâtre, Gilbert, o altivo Chatterton Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile e n c e r r a ....
Se o tivessem nas rôtas algibeiras
Acaso blasfemando morreriam? A esperança que sonhas no futuro.
As saudades que tens aqui na terra. . . .

Meu desejo? era ser o cortinado


DINHEIRO Que não conta os mistérios do teu leito;
E ra de teu colar 80l de negra sêda
Ser a cruz com que dormes sôbre o peito.
Oh! argent! Avec toi on est beau, jeune, adoré; on
a consideration, honneurs, qualités, vertus. Quand on n ’a
point d’argent, on est dans la dépendance de toutes cettes Meu desejo? era ser o teu espelho
choses et de tout le monde. Que mais bela te vê quando deslaças
CH ATEAU BRIA N D. Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!
Sem êle não há cova — quem enterra
Assim grátis, a Deo? 795 o batizado Meu desejo? era ser dêsse teu leito
Tam bém custa dinheiro. Quem namora De cambraia o lençol, o travesseiro
Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio? Com que velas o seio, onde repousas,
Demais, as Danais 796 também o adoram. Sôlto o cabelo, o rosto fe itic e ir o ....
Quem imprime seus versos, quem passeia,
Quem sobe a Deputado, até Ministro, Meu desejo? era ser a voz da terra
Quem é mesmo Eleitor, embora sábio, Que da estréia do céu ouvisse amor!
Em bora gênio, talentosa fronte. Ser o amante que sonhas, que desejas
Alma Romana, se não tem dinheiro? Nas cismas encantadas de languor!
Fora a canalha de vazios bolsos! 797
O mundo é para t o d o s .... Certamente,
Assim o disse 798 Deus — mas êsse texto
Explica-se melhor e doutro modo.
Houve um érro de imprensa no Evangelho: PORQUE MENTIAS? »02
O mundo é um festim — concordo nisso,
Mas não entra ninguém sem ter as louras.
Porque mentias leviana e bela?
Si minha face pálida sentias
Queimada pela febre, 802 e se minha vida
M INHA DESGRAÇA Tu vias desmaiar, porque mentias?

Acordei da ilusão, a sós morrendo 804


Minha desgraça, não, não é ser poeta, Sinto na mocidade as agonias.
Nem na terra de amor não ter um eco, Por tua causa desespero e m o rro ....
E meu anjo de Deus, o meu planeta Leviana sem dó, porque mentias?
Tratar-m e como trata-se um b o n e c o ....
Sabe Deus se te amei! sabem as noites
Não é andar de cotovelos rotos. Essa dor que alentei, que tu nutrias!
T e r duro como pedra o tra v e s s e iro .... Sabe êsse pobre coração que treme 805
Eu s e i . . . . O mundo é um lodaçal perdido Que a esperança perdeu porque mentias!
Cujo sol (quem mo dera!) é o d in h e iro ....

Minha desgraça, ó cândida donzela, Vê minha palidez — a febre lenta, 806


O que faz que o meu peito assim blasfema, Êsse fogo das pálpebras so m b rias....
E ’ ter para escrever todo um poema, Pousa a mão no meu peito! Eu morro! eu morro!
E não ter um vintém para uma vela. Leviana sem dó, porque mentias?

[ 280 ]
r
PO ESIA S

AMOR Que eu te beijava tremendo,


Que teu rosto enfebrecendo
Desmaiava a palidez!
Quand la mort est si belle, Tanto amor tua alma enchia
II est doux de mourir. E tanto fogo morria
V. HUGO Dos olhos na languidez!
E d ep o is... dos meus abraços,
Amemos! quero de amor Tu caíste abrindo os braços
Viver no teu coração! Gélida — dos lábios m e u s ...
Sofrer e amar essa dor Tu parecias dormir,
Que desmaia de paixão! Mas debalde eu quis ouvir
Na tua alma, em teus encantos O alento dos seios te u s ...
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos E uma voz, uma harmonia
Suspirar de languidez! No teu lábio que dormia
Desconhecida acordou;
Falava em tanta ventura.
Quero em teus lábios beber
Tantas notas de ternura
Os teus amores do céu,
No meu peito derramou!
Quero em teu seio morrer
No enlêvo do seio teu! O soido harmonioso
Quero viver d’esperança, Falava em noites de gôzo
Quero tremer e sentir! Como nunca eu as senti.
Na tua cheirosa trança Tinha músicas suaves
Quero sonhar c dormir! Como no canto das aves
De manhã eu nunca ouvi!
Vem, anjo, minha donzela,
Parecia que no peito
Minha alma, meu coração!
Nesse quebranto desfeito
Que noite, que noite bela! Se esvaía o coração.
Como é doce a viração! Que meu olhar se apagava,
E entre os suspiros do vento Que minhas veias paravam,
Da noite ao mole frescor E eu morria de paixão. . .
Quero viver um momento.
Morrer contigo de amor! E d ep o is... num santuário.
Junto do altar solitário, 808
Perto de ti me senti,
Dormias junto de m im ...
E um anjo disse 809 assim:
FANTASIA. “ Pobres amantes, dormi!”
Tu eras inda mais bela —
Quanti doici pensier, quanto disio! O teu leito de donzela
DANTE. E ra coberto de flo r e s ...
C’est alors que ma voix
Tua fronte empalecida,
Murmure un nom tout b a s ... c’est alors que le vois Frouxa a pálpebra descida,
M’apparaitre à demi, jeune, voluptueuse. Meu Deus! que frio p a lo r !...
Sur ma couche penchée une femme amoureuse 1
Dei-te um beijo — despertaste.
Teus cabelos afastaste
Fitando os olhos em m im ...
Oh! toi que j ’ai rêvée.
Femme à mes longs baisers si souvent enlevée. Que doce olhar de ternura!
Ne viendras-tu jamais? ................................ Eu só queria a ventura
CH. DOVALLE. De um olhar suave assim!
Eu dei-te um beijo, sorrindo
À 807 noite sonhei contigo, Trem este os lábios abrindo.
E o sonho cruel maldigo Repousaste ao peito m e u ...
Que me deu tanta ventura. E senti nuvens cheirosas,
Uma estrelinha que vaga Ouvi liras suspirarem.
Em céu de inverno e se apaga Rompeu-se a n é v o a ... era o céu!.
Faz a noite mais escura! Caía chuva de flores
E luminosos vapores
Eu sonhava que sentia Davam azulada lu z ...
Tua voz que estremecia E eu a co rd ei... que delírio!
Nos meus beijos se afogar! Eu sonho findo o martírio
Que teu rosto descorava, E acordo pregado à cruz!
E teu seio palpitava,
E eu te via a desmaiar!

[2 8 1 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES D E AZEVEDO

LÁGRIMAS DA VIDA Um sorriso tão angélico! tão santo!


E nos olhos azuis cheios de vida
Lânguido véu de involuntário pranto!
On pouvait à vingt ans le clouer dans la bière
— Cadavre sans illusions.........
E ’ êsse o talismã, é essa a Armida, 8ii
T H é OPH. G A U TIER. O condão de meus últimos encantos,
A visão de minha alma distraída!
Je me suis assis en blasphémant sur le bord du chemin.
Et je me suis dit: je n ’irai pas plus loin. Mais je suis
bien jeune encore pour mourir, n’est-ce pas, Jane?
GEORGE SAND, Aldo.
LEMBRANÇA DOS QUINZE ANOS

Si tu souberas que lembrança amarga, E t pourtant sans plaisir je dépense la vie;


Que pensamentos desflorou meus dias. E t souvent quand, pour moi, les heures de la nuit
O h! tu não creras meu sorrir leviano S ’écoulent sans sommeil, sans songe, sans bruit.
Il passe dans mon coeur de brillantes pensées.
Nem minhas insensatas alegrias! D’invincibles désirs, de fougues insensées!
CH. DOVALLE.
Quando junto de ti eu sinto às vezes
Em doce enleio desvairar-me o siso, . . . Heureux qui, dès les premiers ans,
A senti de son sang, dans ses veines stagnantes.
Nos meus olhos incertos sinto lá g rim a s.. . . Couleur d’un pas égal les ondes languissantes;
Mas da lágrima em trôco eu temo um riso! Dont les désirs jamais n ’ont troublé la raison;
Pour qui les yeux n ’ont point de suave poison.
O meu peito era um templo — ergui nas aras ANDRÉ CH ÉNIER.
Tua imagem que a sombra p e rfu m a v a ....
Mas ah! emurcheceste as minhas flores. Nos meus quinze anos eu sofria tanto!
Apagaste a ilusão que aviventava! Agora enfim meu padecer descansa;
Minha alma emudeceu — na noite dela
E por te amar, por teu desdém —■p erd i-m e... . Adormeceu a pálida esperança!
Tresnoitei-m e nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh’alma Já não sinto ambições, e se esvaíram
Tentei me suicidar no esquecimento! As vagas formas, a visão confusa
De meus dias de amor — nem doces voltam
Como um corcel 810 abate-se na sombra Os sons aéreos 8 1 2 da divina Musa!
A minha crença agoniza e d e s e sp e ra ....
O peito e lira se estalaram juntos, Porventura é melhor as brandas fibras
E morro sem ter tido primavera! Embotadas sentir nessa d o rm ê n cia ....
E viver esta v i d a .... e na modôrra
Como o perfume de uma flor aberta Repousar-se na sombra da existência!
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh’alma podia em teus amores E que noites de sôfrego desejo!
Que pressentir de uma volúpia ardente!
Como um anjo de Deus sonhar ventura!
Que noites de esperança e desespêro!
E que fogo no sangue incandescente!
Não peço o teu a m o r .... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio,
Minha alma juvenil era uma lira,
E teus cabelos respirar medroso Que ao menor bafejar estrem ecia-----
E a teus joelhos suspirar d’enleio! A triste decepção rompeu-lhe as cordas-----
Só vibra num prelúdio d’agonia!
E quando eu durmo, e o coração ainda
Procura na ilusão a tua lembrança. Quanto, quanto sonhei! como velava
Anjo da vida passa nos meus sonhos Cheio de febre, ansioso de ternuras!
E meus lábios orvalha de esperança! Como era virgem o meu lábio ardente!
A alma tão santa — as emoções tão puras:

Como o peito sedento palpitava


Ao roçar de um vestido, à voz divina
SONÊTO De uma pálida virgem! — ao murmúrio
De uns passos de mulher pela campina!

Os quinze anos de uma alma transparente, E como t’esperei, anjo dos sonhos,
O cabelo castanho, a face pura, Ideal de mulher que me sorrias,
Uns olhos onde pinta-se a candura E me beijando nesta fronte pálida
De um coração que dorme, inda inocente. A um mundo belo de ilusões me erguias!

Um seio que estremece de repente O meu peito era um eco de m urm urios.. . .
Do mimoso vestido na brancura, De delírio vivi como os insanos!
A linda mão na mágica cintura, Nos meus quinze anos eu sofria tanto!
E uma voz que inebria docemente. Ardi ao fogo dos primeiros anos!

[ 282 ]
PO ESIA S

O F a n ta sm a
Agora vivo no deserto d alma.
Um mundo de saudade aí dormita.
Não o quero a c o rd a r.... oh! não ressurjam Sou o sonho de tua esperança.
Aquelas sombras na minh’alma aflita! Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de m atar!.
Mas porque volves os teus olhos negros
Tão langues sôbre mim? Ilná, suspiras?
Porque 8H derramas tanto amor nos olhos?
Eu não posso te amar e tu deliras. TRINDADE 817

Também a aurora tem neblina e sombras, A vida é uma planta misteriosa


E há vozes que emudece a desventura, Cheia d’espinhos, negra de amarguras,
Há flores em botão que se desfolham, Onde só abrem duas flores puras,
E a alma também morre prematura. — Poesia e a m o r ... 818

Repousa no meu peito o meu passado, E a mulher... é a nota suspirosa


Minh’alma adormeceu por um m o m e n to .... Que treme d’alma a corda estremecida,
Sou a flor sem perfume em sol d’inverno.. . . — E ’ fada que nos leva além da vida
Uma lousa que en cerra ?... o esquecimento!. Pálidos de languor!
Não me fales de am or----- um teu suspiro A poesia é a luz da mocidade —
Tantos sonhos no peito me d esp erta!... O amor é o poema dos sentidos, 819
Sinto-me reviver, e como outrora A febre dos momentos não dormidos
Beijo tremendo uma visão in c e r ta .... E o sonhar da ven tu ra...

Ah! quando as belas esperanças murcham Voltai, sonhos de amor e de saudade!


E o gênio dorme, e a vida desencanta, Quero ainda sentir arder-me o sangue.
D’almas estéreis a ironia amarga Os olhos turvos, 820 © meu peito langue
E a morte sôbre os sonhos se levanta, E morrer de ternura!

Embora fundo o sono do descrido


E o silêncio do peito e seu retiro,
Inda pode inflamar muitos amores SONÊTO
O sussurro de um lânguido suspiro!
Já da morte o palor me cobre o rosto, 821
Nos lábios meus o alento desfalece.
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
MEU SONHO
Do leito embalde no macio encôsto
Eu Tento o sono r e t e r !... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esq u ece...
Eis o estado em que a mágoa me tem pôstc!
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Com a espada sangüenta na mão? Fazem que insano do viver me prive
Porque 814 brilham teus olhos ardentes E tenha os olhos meus na escuridade.
E gemidos nos lábios frementes
Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Vertem fogo do teu coração?
Volve ao amante os olhos por piedade,
Cavaleiro, quem és? o remorso? Olhos por quem viveu quem já não vive!
Do corcel 815 te debruças no d o r s o ....
E galopas do vale a tra v é s...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras MINHA AMANTE
E morder-te o fantasma nos pés? 816
Coração de mulher qual Filomcla,
Onde vais pelas trevas impuras, E ’ todo amor e canto ao pé da noite.
Cavaleiro das armas escuras. JOAO DE LEM OS.
Macilento qual morto na tu m b a?...
Tu e s c u ta s .... Na longa montanha Fulcite me floribu s... quia amore langueo.
Um tropel teu galope acompanha? Cant. Canticorum .
E um clamor de vingança retumba?
Ah! volta inda uma vez! foi só contigo
Cavaleiro, quem és? — que mistério, Que à noite, de ventura eu desmaiava,
Quem te força da morte no império F. só nos lábios teus eu me embebia
Pela noite assombrada a vagar? De volúpias divinas!

[ 283 ]
MANOEI^ ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Volta, minha ventura! eu tenho sêde Mas antes de partir, antes que a vida
Dêsses beijos ardentes que os suspiros Se afogue numa lágrima de dor.
Ofegando interrompem! Quantas noites Consente que em teus lábios num só beijo
Fui ditoso contigo! Eu suspire de amor!

E quantas vêzes te embalei tremendo Sonhei muito! sonhei noites ardentes


Sôbre os joelhos meus! Quanto amorosa Tu a bôea beijar eu o primeiro! 823
Unindo à minha tua face pálida A ventura n eg o u -m e... até mesmo
De amor e febre ardias! O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso, 824


Oh! volta ainda uma vez! ergue-se a lua
Em teus olhos sentir os lábios meus!
Formosa como dantes, é bem noite,
Eu morro de ciúme e de saudade;
Na minha solidão brilha de novo,
Adeus, meu anjo, adeus!
Estrela de minh’alma!

Desmaio-me de amor, descoro e tremo.


Morno suor me banha o peito langue,
PANTEÍSMO
Meu olhar se escurece e eu te procuro
Com os lábios sedentos! M editação
O h! quem pudera sempre em teus amores
o dia descobre a terra; a noite descortina 82S os céus.
Sôbre teu seio perfumar seus dias,
B eijar a tua fronte, e em teus cabelos M ARQUÊS D E MARICA.
Respirar ebrioso!
Eu creio, amigo, que a existência inteira
És a coroa de meus breves anos. E ’ um mistério talvez; — mas n’alma sinto
És a corda de amor de íntima lira, De noite e dia respirando flores.
O canto ignoto, que me enleva em sonhos Sentindo as brisas, recordando aromas
De saudosas ternuras! E êsses ais que ao silêncio a 826 sombra exala
E enchem o coração de ignota pena
E tu és como a lua: inda és mais bela Como a íntima voz de um ser amigo,
Quando a sombra nos vales se derrama, Que essas tardes e brisas, êsse mundo
Astro misterioso à meia-noite Que na fronte do moço entorna flores,
T e revela a minh’alma. Que harmonias embebem-lhe no seio
Têm 827 uma alma também que vive e s e n te .. .
O h! minha lira, ó viração noturna.
Flores, sombras do vale, à minha amante A natureza bela e sempre virgem
Dizei-lhe que esta noite de desejo Com suas galas gentis na fresca aurora,
E de ternuras morro! Com suas mágoas na tarde escura e fria,
E essa melancolia e morbideza
Que nos eflúvios do luar ressumbra —
Não é apenas uma lira muda
DESPEDIDAS À ____ Onde as mãos do poeta acordam hinos
E a alma do sonhador lembranças v ib r a ...
Se entrares, ó meu anjo, alguma vez
Por essas fibras da natura viva, 828
Na solidão onde eu sonhava em ti,
Nessas folhas e vagas, nesses astros.
Ah! vota uma saudade aos belos dias
Nessa mágica luz que me deslumbra
Que a teus joelhos pálido vivi!
E enche de fantasia até meus sonhos —
Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando. Palpita porventura um almo sôpro.
Sinto o peito doer na despedida... Espírito do céu que as reanima,
Sem ti o mundo é um deserto escuro E talvez lhes murmura em horas mortas
E tu és minha v id a ... Êstes sons de mistério e de saudade,
Que lá no coração repercutidos
Só por teus olhos eu viver podia
O gênio acordam que enlanguesce 829 e canta !
E por teu coração amar e crer, 822
Em teus braços minha alma unir à tua Eu o creio, Luís, também às flores
E em teu seio morrer! Entre o perfume vela uma alma pura.
Tam bém o sôpro dos divinos anjos
Mas se o fado me afasta da ventura. Anima essas corolas cetinosas,
Levo no coração a tua im a g em ... No murmúrio das águas no deserto,
De noite mandarei-te os meus suspiros Na voz perdida, no dolente canto
No murmúrio da aragem! Da ave de arribação das águas verdes,
No gemido das fôlhas na floresta,
Quando a noite vier saudosa e pura. Nos ecos de montanha, no arruído
Contempla a estrela do pastor nos céus, Das fôlhas sêcas que estremece o Outono,
Quando a ela eu volver o olhar em prantos Há lamentos sentidos, como prantos
Verei os olhos teus! Que exala a pena de subida m á g o a ...

[ 284 ]
P O K S IA S

E Deus! — eu creio nêle como a alma O que sofres? que dor desconhecida
Que pensa e ama nessas almas tôdas, Inunda de palor teu rosto virgem?
Que as ergue para o céu, e que lhes verte, Porque 835 tu’alma dobra taciturna
Como orvalho noturno em seus ardores, Como um lírio a um bafo d’infortûnio?
O amor, sombra do céu, reflexo puro Porque 835 tão melancólica suspiras?
Da auréola das virgens de seu peito!
Essa terra, êsse mundo, o céu e as ondas. Ilusão, ideal -— a 836 ti meus sonhos
Flores, donzelas, essas almas cândidas Como os cantos a Deus se erguem gemendo!
Beija-as o senhor Deus na fronte límpida. Por ti meu pobre coração palpita.
Arreia-as 830 de pureza e amor sem nódoa.. Eu sofro tanto! meus exaustos dias
E à flor dá a ventura das auroras. Não sei por que logo ao nascer manchou-cs
Os amores do vento que suspira. De negra profecia um Deus irado.
Ao mar a viração, o céu às aves. Outros meu fado in v e ja m .... Que loucura!
Saudades à alcion, sonhos à virgem, Que valem as ridículas vaidades
E ao homem pensativo e taciturno De uma vida opulenta, os falsos mimos
A criatura pálida que chora — De gente que não ama? Até o gênio
Essa flor que inda murcha tem perfumes, Que Deus lançou-me à doentia fronte.
Êsse momento que suaviza os lábios, 831 Qual semente perdida num rochedo,
Que eterniza na vida um céu de en leio ... Tudo isso que vale, se padeço!
O amor primeiro das donzelas tristes.
Nessas horas talvez em mim não pensas —
São idéias talvez. . . Embora riam Pousas sombria a desmaiada face
Homens sem alma, estéreis criaturas: Na doce mão, e pendes-te sonhando
Não posso desamar as utopias. No teu mundo ideal da fantasia. .
Ouvir e amar à noite entre as palmeiras 83? Se meu orgulho, que fraqueia agora,
Na varanda ao luar o som das vagas. Pudesse crer que ao pobre desditoso
Beijar nos lábios uma flor que murcha, Sangravas uma idéia, uma saudade —
E crer em Deus como alma animadora Eu seria um instante ven tu roso !...
Que não criou somente a natureza,
Mas que ainda a relenta 833 em seu bafejo Mas n ã o ... ali no baile fascinante,
Ainda influi-lhe no sequioso seio Na alegria brutal da noite ardente,
De amor e vida a eternal centelha! No sorriso ebrioso e tresloucado
Daqueles homens que p’ra rir um pouco
Por isso, ó meu amigo, à meia-noite Encobrem sob a mascara o semblante,
Eu deito-me na relva umedccida. Tu não pensas em mim. Na tua idéia
Contemplo o azul do céu, amo as estrelas. Se minha imagem retratou-se um d:a
Respiro aromas, e o arquejante peito Foi como a estréia peregrina e pálida
Parece remoçar em tanta vida. Sôbre a face de um la g o ..-..
Parece-me alentar-se em tanta mágoa.
Tanta melancolia, e nos meus sonhos.
Filho de amor e Deus, eu amo e creio!

O LENÇO DELA

DESÂNIMO Quando a primeira vez, da minha terra


Deixei as noites de amoroso encanto, 837
A minha doce amante suspirando
Estou agora triste. Há nesta vida Volveu-me os olhos úmidos de pranto.
Páginas tôrvas que se não apagam.
Nódoas que não se lav am .. . . se esquecê-las Um romance cantou de despedida,
De todo não é dado a quem padece. Mas a saudade amortecia o canto!
Ao menos resta ao sonhador consolo í .ágrimas enxugou nos olhos belos. . . .
No imaginar dos sonhos de mancebo! E deu-me o lenço que molhava o pranto.

Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto! Quantos anos contudo já passaram!
Meus sonhos, 834 consolai-me! distraí-me! Não olvido porém amor tão santo'
Anjos das ilusões, as asas brancas Guardo ainda num cofre perfumado
As névoas puras, que outro sol matiza. O lenço dela que molhava o pranto-----
Abri ante meus olhos que abraseiam
F. lágrimas não têm que a dor do peito Nunca mais a encontrei na minha vida,
Transbordem um m o m en to .... Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
E , tu, imagem. O lenço que eu banhei também de pranto!
Ilusão de mulher, querido sonho,
Na hora derradeira, vem sentar-te,
Pensativa, saudosa, no meu leito!

[ 285 ]
M A N O E I. A N T Ô N IO Á L V A R E S D K A Z E V E D O

PÁLIDA IMAGEM O h! quem pintara o cetim


Desses limões de marfim.
Os leves cerúleos veios,
J ’ ai cru que j ’ ou blierais; m ais j ’ a va is m al sondé
L es abimes du coeur que rem plit un seul re v e :
Na brancura deslumbrante
L e souvenir est là, le souvenir se lè v e l ^ E o tremido de teus seios?
F lo t toujours renaissant et tou jo u rs déborde.
TURQUETY. Quando os vejo, de paixão
Sinto pruridos na mão
No delírio da ardente mocidade De os apalpar e c o n te r ...
Por tua imagem pálida vivi! Sorriste do meu desejo?
A flor do 838 coração do amor dos anjos Loucura! bastava um beijo
Orvalhei-a por ti! Para nêles se m orrer!

O expirar de teu canto lamentoso Minhas ternuras, donzela.


Sôbre teus lábios que o palor cobria, Votei-as 840 à forma bela
Minhas noites de lágrimas ardentes Daqueles frutos de n e v e ...
E de sonhos enchia! Aí duas cândidas flores
Que o pressentir dos amores
Foi por ti que eu pensei que a vida inteira Faz palpitarem de leve.
Não valia uma lágrima — siquer,
Senão num beijo trêmulo de n o ite ... Mimosos seios, mimosos,
Num olhar de mulher! Que dizem voluptuosos:
“ Amai-nos, poetas, r.mai!
Mesmo nas horas de um amor insano, “ Que misteriosas venturas
Quando em meus braços outro seio ardia, “ Dormem nessas rosas puras
A tua imagem pálida passando E se acordarão num a i!”
A minh’alma perdia.
Que lírio, que nívea rosa.
Sempre e sempre teu rosto — as negras tranças, 839 Ou camélia cetinosa
Tua alma nos teus olhos se expandindo Tem uma brancura assim?
E o colo de cetim que pulsa e geme Que flor da terra ou do céu,
E teus lábios sorrindo! Que valha do seio teu
Êsse morango ou rubim?
Nas longas horas do sonhar da noite
No teu peito eu sonhava que dormia; Quantos encantos sonhados
Pousa em meu coração a mão de n e v e ... Sinto estremecer velados
T r e m e ... como tremia P or teu cândido vestido!
Sem ver teu seio, donzela,
Como palpita agora se afagando Suas delícias revela
Na morna languidez do teu olhar; O poeta embevecido!
A.ssim viveu e morrerá sonhando
Em teus seios amar! Donzela, feliz do amante
Que teu seio palpitante
Si a vida é lírio que a paixão desflora, Seio d’espôsa fizer!
Meu lírio virginal eu conservei; Que dessa forma tão pura
Somente no passado tive sonhos Fizer com mais formosura
E outrora nunca amei! Seio de bela mulher!

Foi por ti que na ardente mocidade Feliz de m im ... porém não!


Por uma imagem pálida vivi! Repouse teu coração
E a flor do coração no amor dos anjos Da pureza no rosai!
O rv a lh e i... só por ti! Tenho eu no peito um aroma
Que valha a rosa que assoma
No teu seio v irg in a l?...

SEIO DE VIRGEM

Q uand on te voit, il v ien t à m aints


U n e envie dedans les m ains M INHA MUSA
D e te tâ ter, de te t e n i r . . . .
CLÉM EN T M AROT.
Minha musa é a lembrança
0 que eu sonho noite e dia Dos sonhos em que eu vivi,
O que me dá poesia E ’ de uns lábios a esperança
E me torna a vida bela, E a saudade que eu nutri!
O que num brando roçar E ’ a crença que alentei.
Faz meu peito se agitar, As luas belas que amei,
E ’ o teu seio, donzela! E os olhos por quem morri!

[ 286 ]
P O K S IA S

Os meus cantos de saudade O teu seio que estremece


São amores que eu chorei: Enlanguesce-me 843 de gôzo.
São lírios da mocidade Há um quê de tão suave
Que murcham porque 841 te amei! No colo voluptuoso,
As minhas notas ardentes Que num trêmulo delíquio
São as lágrimas dementes Faz-me sonhar venturoso!
Que em teu seio derramei!
Descansar nesses teus braços
Do meu Outono os desfolhos, Fôra angélica ventura:
Os astros do teu verão, Fôra morrer — nos teus lábios
A languidez de teus olhos Aspirar tua alma pura!
Inspiram minha canção. Fôra ser Deus dar-te um beijo
Sou poeta porque 841 és bela, Na divina formosura!
Tenho em teus olhos, donzela,
A Musa do coração! Mas o que eu peço, donzela,
Meus amores, não é tanto!
Basta-me a flor do seio
Se na lira voluptuosa Para que eu viva no encanto,
Entre as fibras que estalei E em noites enamoradas
Um dia atei uma rosa Eu verta amoroso pranto!
Cujo aroma respirei,
Foi nas noites de ventura Oh! virgem dos meus amores.
Quando em tua formosura Dá-me essa fôlha singela!
Meus lábios embriaguei 1 Quero sentir teu perfume
Nos doces aromas d e la ...
E se tu queres, donzela. E nessa malva-maçã
Sentir minh’alma vibrar, Sonhar teu seio, donzela!
Solta essa trança 84? tão bela,
Quero nela suspirar! Uma fôlha assim perdida
Descansa-me no teu seio. De um seio virgem no afã
Ouvirás no devaneio Acorda ignotas doçuras
A minha lira cantar; Com divino talismã!
Dá-me do seio esta fôlha
— A tua malva-maçã!

Quero apertá-la a meu peito


MALVA-MAÇÃ E beijá-la com te rn u ra ...
Dormir com ela nos lábios
A P ___ Dêsse aroma na frescu ra...
Beijando-a sonhar contigo
E desmaiar de ventura!
De teus seios tão mimosos
Quem gozasse o talismã! A fôlha que tens no seio
Quem ali deitasse a fronte De joelhos p ed irei...
Cheia de amoroso alã! Se posso viver sem ela
E quem nêle respirasse Não o c r e io !... oh! eu não sei!.
A tua malva-maçã! Dá-ma pelo amor de Deus,
Que sem ela m o rre re i!...
Dá-me essa fôlha cheirosa
Que treme no seio teu! Pelas estréias da noite.
Dá-me a fô lh a.. hei de beijá-la Pelas brisas da manhã.
Sedenta no lábio raeui Por teus amôres mais puros.
Não vês que o caloi d i seio Pelo amor de tua irmã,
Tua malva em urcheceu... Dá-me essa fôlha cheirosa,
— A tua malva-maçã!
A pobrezinha em teu colo
Tantos amôres gozou.
Viveu em tanto perfume
Que de enlevos expirou!
Quem pudesse no teu seio PENSAMENTOS DELA
Morrer como ek- murchou!
Talvez à noite quando a hora finda
Teu cabelo me inebria. Em que eu vivo de tua formosura, 844
Teu ardente olhar seduz; Vendo em teus olhos, nessa face linda
A flor de teus olhos negros A sombra de meu anjo da ventura.
De tua alma raia à luz, Tu sorrias de mim por que 845 não ouso
E sinto nos lábios teus Leve turbar teu virginal repouso,
Fogo do céu que transluz! A murmurar ternura.

[ 287 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S D E A Z E V E D O

Eu sei. Entre minha alma e tua aurora LÉLIA 849


Murmura meu gelado coração.
Meu enredo morreu. Sou triste agora,
Estrela morta em noite de verão! Passou talvez ao alvejar da lua,
Prefiro amar-te bela no segredo! Como incerta visão na praia fria: 850
Se fôras minha tu verias cedo Mas o vento do mar não escutou-lhe
Morrer tua ilusão! Uma voz a seu D e u s !... ela não cria! 8Si

Uma noite aos murmúrios do piano


Eu não sou 846 o ideal, alma celeste.
Pálida misturou um canto a é r e o .... 852
Vida pura de lábios recendentes
Parecia de amor tremer-lhe a vida
Que teu imaginar de encantos veste
Revelando nos lábios um mistério!
E sonhas nos teus seios inocentes.
Flor que vives de aromas e luar. Porém quando expirou a voz nos lábios
O h! nunca possas 1er do meu penar Ergueu sem pranto a fronte descorada.
As páginas ardentes! Pousou a fria mão no seio imóvel, 853
Sentou-se no d i v ã .... sempre gelada!
Se em cânticos de amor a minha fronte
Engrinaldo por ti, amor cantando, Passou talvez do cemitério à sombra, 853
Com as rosas que amava Anacreonte, 847 Mas nunca numa cruz deixou seu ramo;
E ’ que — alma dormida — palpitando Ninguém se lembra de lhe ter ouvido
No raio de teus olhos se ilumina. Numa febre de amor dizer: “eu am o!”
Em ti respira inspiração divina
E ela sonha cantando! Não chora por n in g u é m .... e quando à noite
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias,
Não a acordes contudo. A vida nela Não procura seu anjo à cabeceira
Como a ave no mar suspira e c a i . . . . E não tem orações, mas ironias! 854
Às 848 vezes teu alento de donzela
Nunca na terra uma alma de poeta
Sôbre teus lábios o morrer de um ai,
Chorosa, palpitante e gemebunda
Na magia de fada, num instante
Achou nessa mulher um hino d’alma
Estremecem-na, embalam-na expirante
E uma flor para a fronte moribunda.
E lhe dizem: “ sonhai!”
L ira sem cordas não vibrou d’enlêvo:
Mas quando o teu amante fôsse esposo - As notas puras da paixão ignora,
E tu, sequiosa e lânguida de amor, Não teve nunca n’alma adormecida
O embalasses no seio voluptuoso O fogo que inebria e que devora!
E o beijasses dos lábios no calor.
Quando tremesses mais, não te doera Descrê. Derrama fel em cada riso —•
Sentir que nesse peito que vivera Alma estéril não sonha uma u to p ia ....
Murchou a vida em flor? Anjo maldito salpicou veneno
Nos lábios que tressuam de ironia.

E ’ formosa contudo. Há nessa imagem


No silêncio da estátua alabastrina
POR MIM? Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.

Teu negros olhos uma vez fitando Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Senti que luz mais branda os acendia. Na voz que faz tremer e que apaixona
Pálida de languor, eu vi-te olhando — O gênio de Satã que transverbera,
Mulher do meu amor, meu serafim, E o languor pensativo da Madona!
Esse amor que em teus olhos r e fle tia ....
Talvez! — era por mim? E ’ formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minha alma suspira a sombra dela,
Pendeste, suspirando, a face pura. E sinto que podia nessa vida
Morreu nos lábios teus um ai p e rd id o .... Num seu lânguido olhar morrer por ela.
T ão ébrio de paixão e de ventura!
Mulher de meu amor, meu serafim^
Por quem era o suspiro amortecido?
Suspiravas por mim? MORENA

M a s . .. . eu s e i ! . . . . ai de mim? Eu vi na dança
O ’ T e re sa , um outro b eijo ! e abandona-me a meus sonhos
Um olhar que em teus olhos se f i t a v a .... e a m eus suaves delírios.
Ouvi outro s u s p ir o .... d’esperança! J A C O P O O R T IS .
Mulher do meu amor, meu serafim.
Teu olhar, teu suspiro que m a ta v a ....
E ’ loucura, meu anjo, é loucura
O h! não eram por mim!
Os amores por a n jo s .... eu sei!
Foram sonhos, foi louca ternura
Esse amor que a teus pés derramei!

[ 288 ]
P O E S IA S

Quando a fronte requeima e delira, I I I


Quando o lábio desbota de amor,
Quando as cordas rebentam na lira Tenho febre — meu cérebro transborda,
Que palpita no seio ao cantor, Eu morrerei mancebo — inda sonhando
Da esperança o fulgor.
Quando a vida nas dores é morta, 855 Oh! cantemos inda: a última corda
Ter amores nos sonhos é crime? Treme na li r a ... morrerei cantando
E ’ loucura: eu o sei! mas que importa? O meu único amor!
Ai! morena! és tão b e la !... perdi-me!
IV
Quando tudo, na insônia do leito, Meu amor foi o sol que madrugava
No delírio de amor devaneia O canto matinal da cotovia
E no fundo do trêmulo peito E a rosa p red ileta...
Fogo lento no sangue se ateia; Fui um louco, meu Deus, quando tentava
Descorado e febril nodoar na orgia
Quando a vida nos prantos se escoa, Os sonhos de p o e ta ...
Não merece o amante perdão?
Ai! morena! és tão bela! perdoa!
Foi um sonho do meu coração!
Meu amor foi a verde laranjeira
Foi um s o n h o .... não cores de pejol Que ao luar orvalhoso entreabre as flores
Foi um sonho tão p u ro !... ai de mim! Melhor que ao meio-dia
Mal gozei-lhe as frescuras de um beijo! As campinas — a lua forasteira,
Ai! não cores, não cores assim! Que triste, como eu sou, sonhando amores
Se embebe de harmonia. —
Não suspires! porque 856 suspirar?
Quando o vento num lírio soluça, V I
E desmaia no longo beijar,
E ofegante de amor se debruça, Meu amor foi a mãe 857 que me alentava,
Que viveu e esperou por minha vida,
Quando a vida lhe foge, lhe treme, E pranteia por m im ... 858
Pobre vida do seu coração, E a sombra solitária que eu sonhava
Essa flor que o ouvira, que geme, Lânguida como vibração perdida
Não lhe dera no seio o perdão? De rôto ban d olim ...

Mas não cores! se queres, afogo V I I


No meu seio o fogoso anelar!
Calarei meus suspiros de fogo Eu vaguei pela vida sem conforto.
E êsse amor que me há de matar! Esperei o meu anjo noite e dia
E o ideal não v e io ...
Morrerei, ó morena, em segredo 1 Farto de vida, breve serei m orto. . .
Um perdido na terra sou eu! Não poderei ao menos na agonia
Ai! teu sonho não morra tão cedo Descansar-lhe no s e io ...
Como a vida em meu peito morreu!
VIII
Passei como Don Juan entre as donzelas.
12 DE SETEMBRO Suspirei as canções mais doloridas
E ninguém me escu to u ...
I Oh! nunca à virgem flor das faces belas
Sorvi o mel nas longas despedidas...
O sol oriental brilha nas nuvens. Meu Deus! ninguém me amou!
Mais docemente a viração murmura
E mais doce no vale a primavera I X
Saudosa e juvenil e tôda em rosa
Como os ramos sem fôlhas Vivi na solidão — odeio o mundo
Do pessegueiro em flor. E no orgulho embucei meu rosto pálido
Como um astro na tr e v a ...
Ergue-te, minha noiva, ó natureza! Senti a vida um lupanar imundo —
Somos sós — eu e tu: — acorda e canta Se acorda o triste profanado, esquálido
No dia de meus anos! — A morte fria o le v a ...
I I X

Debalde nos meus sonhos de ventura E quantos vivos não caíram frios.
Tento alentar minha esperança morta Manchados de embriaguez da 859 orgia em meio
E volto-me ao p o rv ir... Nas infâmias do vício!
A minha alma só canta a sepultura — E quantos morreram inda sombrios
E nem última ilusão beija e conforta Sem remorsos dos loucos devaneios...
Meu ardente d o rm ir... — Sentindo o precipício!

[ 289 ]
MAMOEL ANTÔNIO ALA?'ARES DE AZEA^EDO

X I SOMBRA DE D. JU AN
Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida
Nas artérias ateia o sangue em lava A dream that w as not at all a dream.
E o cérebro v a r ia ...
O século na vaga enfurecida LO RD B Y R O N , Darkness.
Levou a geração que se acordaA^a...
E nuta de ag o n ia .. .
X I I
São tristes dêste século os destinos! Cerraste enfim as pálpebras sombrias
Seiva 860 mortal as flores que despontam E a fronte esverdeou da morte à sombra
Infecta em seu abrir — Como lâmpada exausta!
E o cadafalso e a voz dos Girondinos E agora no silencio do sepulcro
Não falam mais na glória c não apontam Sonhas o amor — os seios de alabastro
A aurora do porvir! Das lânguidas amantes?

X III E Haidéia virgem pela praia errando


F ô ra belo talvez em pé, de novo Aos murmúrios do mar que lhe suspira
Como Byron surgir, ou na tormenta Como incógnito desejo —
O herói de W aterloo Te sussurra delícias vaporosas,
Com sua idéia iluminar um povo, E o formoso estrangeiro adormecido
Como o trovão nas nuvens que rebenta Entrebeija tremendo?
E o raio derramou!
Ou a pálida fronte libertina
X I V Relem bra a tez, o talhe voluptuoso
F ôra belo talvez sentir no crânio Da Oriental seminua?
A alma de Goethe, e reunir na fibra Ou o vento da noite em teus cabelos
Byron, Homero e D ante; Sussurra, lembra do passado as nódoas
Sonhar-se num delírio momentâneo No túmulo sem letras?
A alma da criação, e o som que vibra
A terra p alp itan te... Ergue-te, libertino! eu não te acordo
Porque 861 nas orgias te avermelha a face
XV Que morte am arelo u ...
Mas ah! o viajor nos cemitérios Nem pelo jôgo, e noites delirantes,
Nessas nuas caveiras não escuta Nem do ouro a febre, e da perdida os lábios
Vossas almas errantes, E a convulsão noturna!
Do estandarte da sombra nos impérios
A morte — como a torpe prostituta — Não, belo Espanhol! Venho sentar-me
Não distingue os amantes. À borda do teu leito, porque 862 febre
Minha insônia devora;
X V I Porque não durmo quando o sonho passa
Eu pobre sonhador — em terra inculta E do passado o manto profanado
Onde não fecundou-se uma semente Me roça pela face!
Convosco dormirei,
E dentre nós a multidão estulta Quero na sombra conversar contigo,
Não vos distinguirá a fronte ardente Quero me digas tuas noites breves:
Do crânio que a n im e i...
As febres e as donzelas
XVII Que ao fogo do viver murchaste ao peito!
Ergue-te um pouco da mortalha branca.
O h! morte! a que mistério me destinas? Acorda-te, Don Ju an!
Esse átomo de luz que inda me alenta,
Quando o corpo morrer —
Voltará amanhã — aziagas sinas Contigo velarei: do teu sudário
Da terra sôbre a face macilenta Nas dobras negras deporei a fronte,
Esperar e sofrer? Como um colo de m ãe:
E como leviano peregrino
XVIII
Da vida as águas saudarei sorrindo
Meu Deus, a n te s-m e u Deus - que uma outra vida Na extrem a 863 (Jo infinito!
Com teu sôpro eternal meu ser esmaga
E minha alma a n iq u ila...
E quando a ironia regelar-se
A estréia de verão no céu perdida
E a morte me azular os lábios frios
Tam bém às vêzes teu alento apaga
E o peito emudecer,
Numa noite tranqüila!. . . No vinho queimador, no golo extremo, 864
Num riso — à vida brindarei zombando
E dormirei contigo!

[ 290 ]
P O E S IA S

II “ E não tremem as folhas no sussurro,


E as almas não palpitam-se de afã, 868
Mas não: não veio na mortalha envolto Quando entre a chuva rebuçado passa
Don Juan seminu com rir descrido Saciado de beijos Don Ju an?”
Zombando do passado —
Só além — onde as folhas alvejavam,
Ao luar que banhava o cemitério IV
Vi um vulto na sombra.
Como virgem que sente esmorecer
Cantava: ao peito o bandolim saudoso Num hálito de amor a vida bela,
Apertava: qual nu e perfumado Que desmaia, que treme:
A Madona seu filho; Como virgem nas lentas agonias
E a voz do bandolim se repassava, Os seus olhos azuis aos céus erguendo
Mais languidez bebia ressoando Co’as mãos níveas no s e io ...
No cavernoso peito.
Pressentindo que o sangue lhe resfria
Do som brero despiu a fronte pálida. E que nas faces pálidas a beija
Ergueu à lua a palidez do rosto O anjo da a g o n ia ...
Que lágrimas en ch iam ... Exala ainda o canto harm onioso...
Cantava: eu o e scu te i... amei-lhe o canto, Casuarina 869 pendida onde sussurra
Com êle suspirei, chorei com êle — O anoitecer da vida!
— O vulto era Don J u a n l...
Assim nos lábios e nas cordas meigas
III Do palpitante bandolim a mágoa
Gemia como vento,
A C an ção d e D on J uan Como o cisme que bóia, que se p e rd e ... *70
Na lagoa da morte geme ainda
“ó faces morenas 1 ó lábios de flor. O cântico saudoso!
Ouvi-me a guitarra que trina louçã,
Eu trago meu peito, meus beijos de amor, Mas depois no silêncio uma risada
Ó lábios de flor, Convulsiva arq u ejo u ... rompeu as cordas
Eu sou D. Juan! Das ternas assonias.
Rompeu-as e sem dó. . . e noutras fibras
“ Nas brisas da noite, no frouxo luar, Corria os dedos descuidoso e frio
Nos beijos do vento, na fresca manhã. Salpicando-as d’escàrn io ...
Dizei-me: não viste num sonho passar,
No frouxo luar, 865
Febril — Don Juan? V
“Acordem, acordem, ó minhas donzelas! “Os homens semelham as modas de um dia,
A brisa nas águas lateja de afã! E ’ velha e passada
Meus lábios têm 866 fogo e as noites são belas, A roupa manchada:
ó minhas donzelas, Porém quem diria
Eu sou Don Juan! Que é moda de um dia,
Que é velho Don Juan?!
“Ai! nunca sentistes o amor d’Espanhol!
Nos lábios mimosos de flor de romã “ Os anos que passem nos negros cabelos:
Os beijos que queimam no fogo do sol! Branqueiem de neve
Eu sou o Espanhol: As c’roas que teve!
Eu sou Don Juan! Dizei, anjos belos
“ Que amor, que sonhos no febril passado! De negros cabelos, 87i
Que tantas ilusões no amor ardente! Se é velho Don Juan!
E que pálidas faces de donzela
Que por mim desmaiaram docemente! “ E quando no seio das trêmulas belas
De noite suspira
“ Eu era o vendaval que às flores puras E nuta e delira
Do amor nas manhãs o lábio abria! Que digam pois elas
Sq murchei-as depois — é que espedaça As trêmulas belas
As flores da montanha a ventania! Se é velho Don Juan!

“ E tão belas, meu Deus! e as niveas pérolas “ Que o diga a Sultana, a violenta Espanhola, 871
Mergulhei-as no lôdo uma per uma, 867 A loura Alemã
De meus sonhos de amor nada me resta! E a Grega 872 louçã!
Em negras ondas só vermelha escuma! Que o diga a Espanhola
Que a noite consola,
“Anjos que desflorei! que desmaiados Se é velho Don Juan!
Na torrente lancei do lupanar!
Crianças que dormiam no meu peito
E acordaram da mágoa ao soluçar!

[ 291]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

V I Entorna-se da flor o doce aroma,


Inda mais doce em matutino orvalho,'
E ra longa a c a n ç ã o ... Cantou, e o vento — Nas tranças negras da donzela pálida,
Nos ciprestes com êle escorrecia! 873 Mais bela que o diamante se aveluda
Pendeu a fronte — os lábios Camélia fresca, inda em botão, tingida
Emudeceram como cala o vento De neve e de coral — no seio dela
Do trópico na podre calm aria. . . Não reluz o colar — em negro fio
Cismava Don Juan. A cruz da infância melhor guarda o seio
Que o amor virginal beija tremendo
E os ais do coração melhor p erfu m a...

Vem comigo, mancebo — aqui sentemo-nos:


NA VÁRZEA E la dorme: a janela inda cerrada
Se encheu de rosas e jasm ins à noite,
E as flores virgens com o aberto seio
Como é bela a manhã! Como entre a névoa Um beijo da donzela ainda imploram.
A cidade sombria ao sol clareia
E o manto dos pinheiros se aveluda!
E o orvalho goteja dos coqueiros
Mais doce o canto foge de mistura
E dos vales o aroma acorda o pássaro,
Co’as doces notas do violão divino.
E o fogoso corcel 8^^* no campo aberto
A njo da vida te verteu nos lábios
Sorve d’alva o frescor, sacode as clinas.
O mel dos serafins que a voz serena
Respira na amplidão, no orvalho rola.
Que a transborda de encanto e de harmonia
Cobre em leito de folhas novo alento
E faz ao eco sem pulsar meu peito!
E galopa nitrindo!
Suspire o violão: nos seus lamentos
Agora que a manhã é fresca e branca
Murmura essa canção dos meus amôres,
E o campo solitário e o vai se arreia, 875
Que este peito sangrento lhe votara,
Ó meu amigo, passeiemos juntos
Quando a seus pés ardente a fantasia
Na várzea que do rio as águas negras
Em doce engano derramei minh’alma!
Umedecem fecundas:

Quando a brisa seus ais melhor afina,


O campo é só — na chácara florida
Quando a frauta no mar branda suspira, 883
Dorme o homem do vale, e no convento
Com mais encanto as folhas do salgueiro
Cintila a 876 mêdo a lâmpada da virgem,
Debruçam-se nas águas solitárias,
Que pálidas vestais no altar acendem!
E deixam gôta a gôta no argênteo orvalho
Como prantos nas folhas deslizar-se.
Tudo acorda, meu Deus, nessas campinas! 877
Os cantos do Senhor erguem-se em nuvens
Como o perfume que evapora 878 o leito Quando a voz de cantor perder-se à noite
Na margem da torrente ou nas campinas.
Do lírio virginal!
Ou no umbroso jardim que flores eobrem —
Mais doce a noite pelo céu vagueia.
Acorda-te, ó amigo — quando brilha M elhor florescem as noturnas flores,
Em tôda a natureza tanto encanto. E o seio da mulher, que a noite embala
Tanta magia pelo céu flutua Pulsa quente e febril com mais ternura!
E chovem sôbre os vales harmonias —
E ’ descrer do Senhor dormir no tédio,
Se o anjo de meus tímidos amôres
E ’ renegar das santas maravilhas
Pudesse ouvir-te os cândidos suspiros
O ardente coração não expandir-se,
Que a minha dor de amante lhe revelam!
E a alma não jubilar dentro do peito!
Se ela acordasse, nos cabelos soltos
Inda o semblante sonolento e pálido
L á onde mais suave entre os eoqueiros E o seio seininu e os ombros níveos
O vento da manhã nas casuarinas 879 E as trêmulas mãos cobrindo o s e io ...
Cicia mais ardente suspirando, Se esta janela num instante abrisse
Como de noite no pinhal sombrio A fada da ventura — embora apenas
Aéreo 880 canto de não vista sombra, Um in s ta n te ... um s ó . . . Meus pobres sonhos
Que enche o ar de tristeza e amor transpira. Como saudosos vos murchais sedentos!
L á onde o rio molemente chora Flores do mar que um triste vagabundo
Nas campinas em flor e rola triste — Arrancou de seu leito umedecido,
Alveja à sombra habitação ditosa. E grosseiro apertou nas mãos a rd e n te s...
Coroa os frisos da janela verde 881 Eu morro de saudade e só me nutre 884
A trepadeira em flor do jasmineiro Inda nas tristes, desbotadas veias
E pelo muro se avermelha a rosa. O sangue do passado e da esperança!
Ali quando a manhã acorda a bela —
A bela que eu sonhei nos meus amores.
Ao primeiro calor do sol d’aurora

[ 2 92 ]
PO ESIA S

OH! NÃO MALDIGAM! PÁGINA RÔTA

Oh! não maldigam o mancebo exausto Et pourtant que le parfum d’un pur amour est suave!
Que nas orgias gastou o peito insano, GEORGE SAND.
Que foi ao lupanar pedir um leito
Onde a sêde febril lhe adormecesse! Meu pobre coração que estremecias,
Suspira a desmaiar no peito meu:
Não podia dormir! nas longas noites Para enchê-lo de amor, tu bem sabias, 888
Pediu ao vício os beijos de veneno: Bastava um beijo teu!
E amou a saturnal, o vinho, o jôgo
E a convulsão nos seios da perdida! Como o vale nas brisas se acalenta,
O triste coração no amor dormia;
Na saudade, na lua macilenta
Misérrimo! não c r e u l... Não o maldigam,
Sequioso ar bebial
Se uma sina fatal o arrebatava:
Se na torrente das paixões dormindo Se nos sonhos da noite se embalava
Foi naufragar nas solidões do crime. Sem um gemido, sem um ai sequer,
E ’ que o leite da vida êle sonhava
Oh! não maldigam o mancebo exausto Num seio de mulher!
Que no vício embalou, a rir, os sonhos
Que lhe manchou as perfumadas tranças 885 Se abriu tremendo os íntimos refolhos,
Nos travesseiros da mulher sem brio! Se junto de teu seio êle tremia,
E ’ que lia ventura nos teus olhos,
E que dêles vivia!
Se êle poeta nodoou seus lábios
E ’ que fervia um coração de fogo, Via o futuro em mágicos espelhos.
E da matéria a convulsão impura Tua bela visão o enfeitiçava,
A voz do coração emudecia! Sonhava adormecer nos teus jo e lh o s ... 889
Tanto enlêvo sonhava!
E quando p’la manhã da longa insônia Via nos sonhos dêle a tua imagem
Do leito profanado êle se erguia Que de beijos de amor o recendia:
Sentindo a brisa lhe beijar no rosto E de noite nos hábitos da aragem
E a febre arrefecer nos roxos 886 lábios; Teu alento sentia!

E o corpo adormecia e repousava ó pálida mulher! se negra sina


Na serenada relva da campina, Meu berço abandonado me embalou,
E as aves da manhã em tôrno dêle Não te rias da sêde peregrina
Os sonhos do poeta acalentavam; Dessa alma que te amou.
Que sonhava em teus lábios de ternura
Vinha um anjo de amor uni-lo ao peito, Das noites do passado se esquecer;
Vinha uma nuvem derramar-lhe a sombra, T er um leito suave de v e n tu r a ....
E a alma que chorava a infâmia dêle E a m o r .... onde morrer!
Secava o pranto e suspirava ainda!

POESIAS DIVERSAS,
ADEUS, MEUS SONHOS!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro! GLÓRIA MORIBUNDA.


Não levo da existência uma saudade!
E a tanta vida que meu peito enchia Une filie de joie attendait sur la borne.
Morreu na minha triste mocidade!
T H é OPH. GA UTIER.

Misérrimo! votei meus pobres dias I.


A sina douda de um amor sem fruto,
E 887 minha alma na treva agora dorme E ’ uma visão medonha uma caveira?
Como um olhar que a morte envolve em luto. Não tremas de pavor, ergue-a do lôdo.
Foi a cabeça ardente de um poeta,
Que me resta, meu Deus? morra comigo Outrora à sombra dos cabelos loiros.
A estréia de meus cândidos amôres Quando o reflexo do viver fogoso
Já que não levo no meu peito morto Ali dentro animava o pensamento,
Um punhado sequer de murchas flores! Esta fronte era bela. Aqui nas faces
Formosa palidez cobria o rosto;
Nessas órbitas — ôcas, denegridas! —
Como era puro seu olhar sombrio!

[ 293 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEA^EDO

Agora tudo é cinza. Resta apenas Na aparição balsâmica dos anjos


A caveira que a alma em si guardava, Porventura enlevei a mocidade.
Como a concha no mar encerra a pérola, Das virgens no cheiroso travesseiro
Como a caçoula a mirra incandescente. Porventura d o rm i... Meu Deus! que sonhos!
Em seios que a inocência adormecia
Tu outrora talvez desses-lhe um beijo; Repousei minha fronte embevecida.
Porque répugnas levantá-la agora? Amei, mulher! amei!
Olha-a comigo! Que espaçosa fronte! ^91
Quanta vida ali dentro fermentava, Que sêde intensa!
Como a seiva ^^2 nos ramos do arvoredo! Secou-se-me a torrente do deserto
E a sede em fogo das idéias vivas Que as folhas de frescura borrifava.
Onde está? onde foi? Essa alma errante Tudo! tudo p a sso u ... A m e i... Em bora!
Que um dia no viver passou cantando, Quero agora dormir nos teus joelhos.
Como canta na treva um vagabundo. Nessa esponja da vida inda uma gôta
Perdeu-se acaso no sombrio vento, Talvez reste a meus lábios anelantes
Como noturna lâmpada apagou-se? Que me dê um assomo de ventura
E a centelha da vida, o eletrismo E um leito onde morrer amando ainda.
Que as fibras tremulantes agitava
Morreu para animar futuras vidas? E que vida, mulher! que dor profunda.
Fam inta como um verme aqui no peito!
Sorris? eu'sou um louco. As utopias. Murcha desfaleceu a flor da vida
Os sonhos da ciência nada valem. E cedo m o rre rá ... E vós, meus anjos,
A vida é um escárnio sem sentido. ó Virgem Santa, que eu amei, na lira
Comédia infame que ensangüenta o lôdo. A quem votei meu canto deliroso;
H á talvez um segredo que ela esconde; Amantes que eu sonhei, que eu am aria
Mas êsse a morte o sabe e o não revela. Com todo o fogo juvenil que ainda
Os túmulos são mudos como o vácuo. Me abrasa o coração, porque fugistes.
Desde a primeira dor sôbre um cadáver, Brancas sombras, do céu das esperanças?
Quando a primeira mãe entre soluços
Do filho morto os membros apertava O h! riamos da vida! tudo mente!
Ao ofegante seio, o peito humano Os meus versos gotejem de ironias!
Caiu tremendo interrogando o tú m u lo .. . Êsse mundo sem fé merece prantos?
E a terra sepulcral não respondia. A orgia! na saturnal entre a loucura
Derrama o vinho sono e esquecimento.
Levanta-me do chão essa caveira! Vinde, belezas que a volúpia inflama!
Vou cantar-te uma página da vida Bebam os ju n to s ... Cantarei de novo:
De uma alma que penou, e já descansa. A minha alma nas asas do improviso,
Como as aves do céu, voe can ta n d o ...
I I. Todos caíram é b r io s ? ... só eu resto?
Em bora! em minha 893 mão a lira pulsa,
— P or quem esperas trêmula a desoras, Meu peito bate, a inspiração agora
Mulher da noite, na deserta rua? Cânticos imortais ao lábio inspira.
A miséria venceu os teus orgulhos, Voai ao céu — não morrereis, meus cantos!
E vens na treva contratar teu leito?
Vem pois. És bela. Tens no rosto frio V.
A imagem das Madonas descoradas.
Vagabunda de amor, és bela e pálida. A glória! a glória! meu am or foi ela,
Será doce em teu seio de morena Foi meu Deus, o meu sa n g u e ... até meu gênio.
Um momento sentir os meus suspiros E a g o r a !... Além os sonhos desta vida!
Estuantes nos lábios doloridos. Quando eu morrer, meus versos incendeiem!
Se inda podes amar, ergue-te ainda. Apague-se meu nome — e ao cadáver
Une teu peito ao meu, pálida sombra! — Nem lágrimas nem cruz o mundo vote.
Sou um ímpio (disseram -no!) pois deixem-me
Descansar no sepulcro!
I II.
E ra uma fronte olímpica e sombria, Porque choras,
Nua ao vento da noite que agitava Descorada mulher? Sabes acaso
As loiras ondas do cabelo sôlto; Quem é o triste, o malfadado obscuro
Cabeça de poeta e libertino Que delira e desvaira aqui na treva
Que fogo incerto de embriaguez corava. E tuas mãos aperta convulsivo?
Na fronte a palidez, no olhar aceso Eu não te posso amar. Meu peito morto
O lume errante de uma febre insana. E ’ como a rocha que o oceano bate
E branqueia de escuma — ali não pode
Medrar a flor cheirosa dos en lev o s...
IV .
Teu a m o r ... Eu descri até dos s o n h o s ....
— Mancebo, quem és tu? Demais dentro em tua alma eu vejo trevas,
Uma estréia de Deus não a ilumina.
— Que importa o nome? Quem pudera nas ondas do passado.
Um poeta de santas harmonias Ditoso pescador, erguer no lôdo
Que a Musa obscena do bordel profana. O ramo de coral de teus amores?

[ 2 94 ]
PO ESIA S

V I. VIII.
Amei! amei! no sonho, nas vigílias — Fatalidade!
Êsse nome gemi que eu adorava! E ’ pois a voz unânime dos mundos,
Votei amor a tudo quanto é belo! Das longas gerações que se agonizam,
E s c u ta ... A rua é quêda. A noite escura Que sobe aos pés do Eterno como incenso?
E ’ negra como um túmulo. Durmamos Serás tu como os bonzos te fingiram?
No leito dos amores do perdido. Sublime Criador, porque enjeitaste
Vês? nem lua no c é u !... tudo é medonho! A pobre criação? porque a fizeste
Nem estrela de lu z !... — Silêncio! Em bora! Da argila mais impura e negro lôdo,
Escuta, anjo da noite! no meu peito E a lançaste nas trevas errabunda
Não ouves palpitar o som da vida? Co’a palidez na fronte como anátema.
Deixa encostar meus lábios incendidos Qual lança a borboleta a raça d’oiro
No teu seio que bate. Vem, meu anjo! No pântano e no sangue?
A alma da formosura é sempre virgem!
Minha virgem — irmã — meu Deus! contigo Tudo é sina:
Oh! deixa-me viver! Eu sinto bela O crime é um destino — o gênio, a glória
A tua alma acordando refletir-te São palavras mentidas — a virtude
Nesses olhos tão negros d’Espanhola. E ’ a máscara vil que o vício cobre.
Quero amar e viver — sonhar — em fogo O egoísmo! eis a voz da humanidade.
Meus frouxos dias exaurir num beijo. Fôste sublime. Criador dos mundos!
Derramar a teus pés os meus amores,
Minhas santas canções a ti erguê-las,
A ti, e só a ti! — IX .
V I I. Tudo morre, meu Deus! No mundo exausto
— Que tens? desmaias? Bastardas gerações vagam descridas.
Que tens, mancebo? E a arte se vendeu, essa arte santa
Que orava de joelhos e vertia
— Nada. É cedo ainda. O seu raio de luz c amor no povo,
Não é ela inda não. Chamei por e la ... E o gênio soluçando e moribundo
Foi em v ã o ... d elirei... Olvidou-se da vida e do futuro
— Por quem? E blasfema lutando na agonia.
Agonia de morte! Só em tôrno
— A morte. No leito do morrer as almas gemem.
— Morrer! pobre de ti, ó meu poeta! E o fantasma da morte gela tudo.
Porque um ardente amor não mais suspira
— Se a morte é sofrimento, eu sofro tanto, Notas do coração pelo silêncio
Que a mudança do mal será consolo; Da noite enamorada? A chama pura
Se a morte é sono, meu cansado corpo Porque das almas se apagou nas cinzas?
No descanso eternal deixai que durma. E a lira do poeta, se murmura
— Eu também s o fr o ... mas a morte assusta. As ilusões de um mundo visionário,
Eu mísera mulher nas amarguras Porque estala tão cedo? Vagabundo
Descorei e perdi a formosura. Adormecí das árvores na sombra
No amor impuro profanei minh’a lm a ... E nos campos em flor errei sonhando, 894
E nesta vida não amei contudo! Coroando-me dos lírios da alvorada.
Não sou a virgem melindrosa e casta Arvore prateada da esperança.
Que nos sonhos da infância os anjos beijam Sombra das ilusões, ó vida bela
E entre as rosas da noite adormecera E sempre bela, e no morrer ainda,
Tão pura como a noite e como as flores; Porque pousei a fronte sôbre a relva
Mas na minh’alma dorme amor ainda. À sombra vossa, delirante um dia?
Levanta-me, poeta, dos abismos
Até ao puro sol do amor dos anjos! Oh! que morro também! na noite d’alma
Ó minha vida, minha vida pura, Sinto-o no peito que um ardor consome,
Porque foram tão breves da inocência No meu gênio que apaga-se nas orgias,
Das crenças virginais os belos dias? Que foge ao 895 mundo, e o sepulcro te m e ...
Chamei por Deus em vão. Sôbre meu leito Exilei-me dos homens blasfemando.
Em vez do anjo do céu senti gelada Concentrei-me no fundo desespêro,
Sombra desconhecida vir sentar-se. E exausto de esperança e zombarias
Em beijos frios roxear meus lábios. Como um corpo no túmulo lancei-me.
Em abraços de morte unir-me ao seio. Suicida da fé, no vício impuro.
Douda! chamei por Deus! a meu reclamo
Veio o tôrvo S a t ã ... Oh! não maldigas X.
A mísera que os seios inocentes
Entregou sem pudor a mãos impuras: E o mundo? não me entende. Para as turbas
Eram taças de D e u s .... eu bem sabia! Eu sou um doudo que se aponta ao dedo.
Mas todo o pesadelo do passado A glória é essa. P ’ra viver um dia
Foi uma horrenda s in a ... tudo aquilo Troquei o manto de cantor divino
Escrevera S a t ã ... — Pelas roupas do insano. — Os sons profundos

[ 295 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Ninguém os aplaudia sôbre a terra. Eu tenho amôres para encher de encantos


Para um pouco de pão ganhar da turba, Um a alma de m u lh er.. . Porque sorriste?
Como teu corpo no bordel profanas, Sou um louco. Maldita a fôlha negra
— Fiz mais ainda! — prostituí meu gênio. Em que Deus escreveu a minha s in a ...
O h! ditoso Filinto! êle sim pôde Maldita minha mãe, que entre os joelhos
Na miséria guardar seu gênio puro; Não soubeste apertar, quando eu nascia,
Nunca infame beijou a mão dos grandes: O meu corpo infantil! M a ld ita !....
Morreu como Camões, morreu sem nódoa!
Mas eu! A voz do vício arrebatou-me. XIII.
Fascinou-me da infâmia o rev erb ero ... 896 E scu ta: 899
Maldições sôbre mim! Abre-te, ó campa! Sinto uma voz no peito que suspira.
Ali obscuro dormirei na t r e v a .... E ’ a alma do poeta que desperta
E canta como as aves acordando.
XI. O h! cantemos! até que a morte fria
Gele nos lábios meus o último canto!
Ó santa inspiração! fada noturna, Um cântico de amor, ó minha lira!
Porque a fronte não beijas do poeta? Anália! Armia! aparições formosas!
Porque não lhe descansas nos cabelos Eu amei sôbre a terra as vossas sombras.
A coroa dos sonhos, e rebentam-lhe O ideal que vos anima e eu buscava.
Entre as lívidas mãos uma per uma Vive apenas no céu! vou entre os anjos.
As cordas da alaúde no vibrá-las? Entre os braços da morte amar com êles! —
ó santa inspiração! porque nas sombras
Não escuta o poeta à meia-noite
XIV.
Os sons perdidos da harmonia santa
Que o pobre coração de amor lhe enchiam? O poeta a tremer caiu no lôdo.
A perdida tomou-lhe a fronte branca.
Eu fui à noite da taverna à mesa Pô-la ao colo — era lívida — inda o fogo
Bater meu copo à taça do bandido, L á dentro vacilava agonizando,
Na louca saturnal beber com êle. Como flutua a claridão da lâmpada
Ouvir-lhe os cantos da sangrenta vida Apagando-se ao vento.
E as lendas de punhal e morticínio.
De vinho e febre pálido deitei-me E quando a aurora
Sôbre o leito venal de uma p erd id a... Nos céus de nácar acordava o dia,
Comprimi-a no meu exausto peito. E nas nuvens azuis o sol purpúreo
Falei-lhe em meu amor, contei-lhe sonhos, Se embalava no eflúvio de ventura
Do meu passado a flor, as glórias murchas Das flores que se abriam, dos perfumes,
E os longos beijos da primeira am ante. . . Da brisa morna que tremia as fôlhas.
Macilenta a mulher no chão da rua
Am or! amor! meu sonho de mancebo! Sentada, a fronte curva, sôbre os seios
Minha sêde! meu canto de saudade! Embalava cantando aquêle morto.
Amor! Meu coração, lábios e vida
A ti, sol do viver, erguem-se ainda, Na manta o encobriu. Medrosa a furto
E a ti, sol do viver, erguem-se embalde! A infeliz o beijou — o pobre amante
Que uma só noite pernoitou com ela
Ouvi, ouvi no leito da miséria Para aos pés lhe morrer — e sem ao menos
A pálida mulher junto a meu peito Nas faces dela estremecer um beijo.
Contar-me seus amôres que passaram. Alguém que ali passou, vendo-a tão pálida
Falar-m e de purezas, d’esperanças......... Sentada sôbre a laje, e tão ardente,
E soluçava a triste, e ardentes, longas. Chegou ao pé — ergueu ao malfadado
As lágrimas em fio deslizando A manta.
Eu vi caindo sôbre o seio d e la ... Como súbito acordando
O h! suas emoções, úmidos beijos, Disse a moça a trem er:
Dos seios o tremor, aquêles prantos, — Deixa-o agora.
E os ofegantes a i s ... eram m entira!___ Êle penou de febre tôda a noite.
Deitou-se descansando sôbre o le ito ...
XII. O h! deixa-mo dormir.
Ah! vem, alma sombria que .pranteias. — Mulher, no peito
Por quem choras? Por mim? Em vez de prantos Sabes quem te dormiu?
Deixa-me suspirar a teus joelhos.
Tu sim és pura. Os anjos da inocência — “ Que importa o nome?’
Poderiam amar sôbre teu seio. Assim falav a-m e...
Aperta minha mão! Senta-te um pouco — Ai de ti, misérrima!
Bem unida a minha alma em teus 897 joelhos; Um poeta morreu. Fronte divina,
Assim parece que um abraço aperta Alma cheia de sol, fronte sublime
Nossas almas que sofrem. Revivamos! Que de um anjo devera no regaço
O passado é um sonho — o mundo é largo. Amorosa v i v e r .... Morreu Bocage! —
Fugiremos à 898 pátria. Iremos longe
Habitar num deserto. No meu peito

[ 296 ]
PO ESIA S

NO ÁLBUM DA EXMA. SRA. D. O. Tinha sêde de vida e de futuro;


Da liberdade ao sol curvou-se puro
Era uma flor a embalsamar-me a vida, E beijou-lhe a bandeira sublinhada;
Era urn astro a doirar meu firmamento, Amou-a como a Deus, e mais que a vida!
Era um ser ideado em sonhos d’oiro Perdão para essa fronte laureada!
Angélico 900 a sorrir ao meu tormento; Não lanceis à matilha ensangüentada
A águia nunca vencida!
E essa flor, e êsse anjo, e essa estrela
De límpido fulgor tão peregrina Perdoai-lhe, Senhor! Quando na história
Éreis vós tão somente que eu sonhara Vêdes os reis se coroar de glória
Qual anjo melancólica e divina; 901 Não é quando no sangue os tronos lavam
E envoltos no seu manto prostituto
E sentimento foi que não tem nome, Olvidam-se das glórias que sonhavam!
Que não é — não — amor, nem amizade. Para êsses — maldição! que o leito cavam
Afeto que se sente e não se exprime, Em lodaçal corrupto!
Mas olente do odor da castidade;
Nem sangue de Ratcliffe 904 o fogo apaga
E êsse meu sentir nasceu bem santo Que as frontes populares embriaga,
Como vós repassado de pureza Nem do herói a cabeça decepada, 905
E bem cândido vive, bem suave Imunda, envolta em pó, no chão da praça,
Como da lua a mórbida tristeza! Contraída, amarela, ensangüentada.
Assusta a multidão que ardente brada
E tronos despedaça!
PEDRO IVO 902
O cadáver sem bênçãos, insepulto.
Tristes coroas, sob as quais às vêzes
Lançado aos corvos do ervaçal inculto,
Está gravada uma inscrição d’infâmia! A fronte varonil do fuzilado
A LEXAN D RE HERCULANO.
Ao sono imperial co’os lábios frios
Podem passar no escárnio desbotado —
Perdoai-lhe, Senhor! êle era um bravo! Ensangüentar-te a sêda ao cortinado
Fazia as faces descorar do escravo E rir-te aos calafrios!
Quando ao sol da batalha a fronte erguia,
E o corcel 903 gotejante de suor Não escuteis essa facção impia
Entre sangue e cadáveres corria! Que vos repete a sua rebeld ia.. . .
O gênio das pelejas p arecia.. . . Como o verme no chão da tumba escura
Perdoai-lhe, Senhor! Convulsa-se da treva no mistério:
Como o vento do inferno em água impura
Onde mais vivo em peito mais valente Com a bôea maldita vos murmura:
Num coração mais livre o sangue ardente “ M orra! salvai o império!”
Ao fervor desta América bulhava? Sim, o império salvai! mas não com sangue!
Era um leão sangrento que rugia: Vêde — a pátria debruça o peito exangue
Da guerra nos clarins se embriagava — Onde essa turba corvejou, cevou-se!
E vossa gente — pálida recuava Nas glórias, no passado êles cuspiram!
Quando êle aparecia! Vêde — a pátria ao Bretão ajoelhou-se.
Beijou-lhe os pés, no lôdo mergulhou-se!
Era filho do povo — o sangue ardente Êles a prostituíram!
Às faces lhe assomava incandescente
Quando cismava do Brasil na s in a .. . . Malditos! do presente na ruína
Ontem — era o estrangeiro que zombava. Como torpe, despida Messalina
Amanhã — era a lâmina assassina, Aos apertos infames do estrangeiro
No cadafalso a vil carnificina Traficam dessa mãe que os embalou!
Que em sangue jubilava! Almas descridas do sonhar primeiro
Venderíam o beijo derradeiro
Era medonho o rubro pesadelo! Da virgem que os amou!
Mas nas frontes venais do gênio o sêlo
Gravaria o anátema da história! Perdoai-lhe, Senhor! nunca vencido,
Dos filhos da nação a rubra espada Se em ferros o lançaram foi traído!
No sangue impuro da facção inglória Como o Árabe além no seu deserto,
Lavaria dos livres na vitória Como o cervo no páramo das relvas, 906
A mancha profanada! Ninguém os trilhos lhe seguira ao perto
No murmúrio das selvas!
A fronte envolta em fôlhas de loureiro
Não a escondemos, n ã o !... Era um guerreiro! Perdão! por vosso pai! que era valente,
Despiu por uma idéia a sua espada! Que se batia ao sol co’a face ardente.
Alma cheia de fogo e mocidade, Rei — e bravo também! e cavaleiro!
Que ante a fúria dos reis não se acobarda, Que da espada na guerra a^luz sabia
bonhava nesta geração bastarda E ao troar dos canhões entumecia 907
G ló r ia s .... e liberdade! O peito de guerreiro!

[ 2 97 ]
MANOEL ANTÔNIO Â LV A llES DE AZEVEDO

Perdão, por vossa mãe! p o r ,vossa glória! Mas não irei turvar as alegrias
Pelo vosso porvir e nossa história! E o júbilo da noite sussurrante.
Não mancheis vossos louros do futuro! Só porque a mágoa desnuou meus dias,
Nem lisonjeiro incenso a nódoa exime! E zombou de meus sonhos delirantes.
Lava-se o poluir de um leito impuro —
Lava-se a palidez do vício escuro — Tu bem sabes, meu Deus! eu só quisera
Mas não lava-se um crime! Um momento sequer lhe encher de flores.
R io d e Ja n e ir o . N o v e m b r o d e 1850.
Contar-lhe que não finda a primavera,
A doirada estação dos meus am ôres;

Desfolhando da pálida coroa


Do amor do filho a perfumada flor
À M INHA MÃE. 908 Na mão que o embalou, que o abençoa,
Uma saudosa lágrima depor!
És tu, alma divina, essa Madona Sufocando a saudade que delira
Que nos embala na manhã da vida, E que as noites sombrias me consome,
Que ao amor indolente se abandona O nome dela perfumar na lira.
E beija uma criança adormecida; De amor e sonhos coroar seu n o m e !....
No leito solitário és tu quem vela
Trêm ulo o coração que a dor anseia,
Nos ais do sofrimento inda mais bela
Pranteando sôbre uma alma que pranteia;
SONÊTO.
E se pálida sonhas na ventura
O afeto virginal, da glória o brilho, Passei ontem a noite junto dela.
Dos sonhos no luar, a mente pura Do camarote a divisão se erguia
Só delira ambições pelo teu filho! Apenas entre nós — e eu vivia
No doce alento dessa virgem b e la .. . .
Pensa em mim, como em ti saudoso penso,
Quando a lua no mar se vai doirando:
Pensamento de mãe é como o incenso Tanto amor, tanto fogo se revela
Que os anjos do Senhor beijam passando. Naqueles olhos negros! só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Criatura de Deus, ó mãe saudosa, Aspirando nessa alma de donzela!
No silêncio da noite e no retiro
A ti voa minh’alma esperançosa Como era doce aquêle seio arfandol
E do pálido peito o meu suspiro! Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!
Oh! ver meus sonhos se mirar ainda
De teus sonhos nos mágicos espelhos! Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
Viver por ti de uma esperança infinda E ’ sentir todo o seio p a lp ita n d o ....
E sagrar meu porvir nos teus joelhos! Cheio de am ôres! e dormir solteiro!

E sentir que essa brisa que murmura


As saudades da mãe bebeu passando!
E adormecer de novo na ventura
Aos sonhos d’oiro o coração voltando! TERESA.
Ah! se eu não posso respirar no vento,
Que adormece no vale das campinas, Je l’ayme tant que je n’ose l’aymer.
A saudade de mãe no desalento, C L É M E N T M A RO T.
E o perfume das lágrimas divinas.
Quando junto de mim Teresa dorme.
Ide ao menos, de amor meus pobres cantos,
Escuto o seio dela docemente:
No dia festival cm que ela chora,
Exalam -se dali notas aéreas,
Com ela suspirar nos doces prantos.
Não sei que de amoroso e de inocente!
Dizer-lhe que também eu sofro agora!

Se a estréia d’alva, a pérola do dia, Coração virginal é um alaúde


Que vê o pranto que meu rosto inunda, Que dorme no silêncio e no r e t ir o ....
Meus ais na solidão lhe não confia Basta o roçar das mãos do terno amante,
E não lhe conta minha dor profunda, Para exalar suavíssimo suspiro!

Que a flor do peito desbotou na vida Nas almas em botão, nesse crepúsculo
E o orvalho da febre requeimou-a; Que da infante e da flor abre a corola.
Que nos lábios da mãe na despedida Murmuram leve os trêmulos sentidos,
O perfume do céu aban d on ou -a!... Como ao sôpro do vento uma viola.

[ 298 ]
PO ESIA S

Diz — amor! — essa voz da lira interna, AO MEU AMIGO J. F. MOREIRA NO DIA DO
E ’ suspiro de flor que o vento agita,
Vagos desejos, ânsia de ternura, ENTÊRRO DE SEU IRMÃO.
Uma brisa de aurora que palpita.
A vida é uma comédia sem sentido,
Como dorme inocente esta criança! Uma história de sangue e de poeira,
Qual flor que abriu de noite o níveo seio, Um deserto sem lu z ...
E se entrega da aragem aos amores, A escara de uma lava em crânio a rd id o ....
Nos meus braços dormita sem receio. E depois sôbre o lô d o ... uma caveira,
Uns ossos e uma cruz!
O que eu adoro em ti é no teu rosto
O angélico 909 perfume da pureza; Parece que uma atroz fatalidade
São teus quinze anos numa fronte santa A mente insana no porvir alenta
O que eu adoro em ti, minha Teresa! E zomba da iludida!
O frio vendaval da eternidade
Apaga sôbre a fronte macilenta
São os loiros anéis de teus cabelos, A lâmpada da vida.
O esmêro da cintura pequenina,
Da face a rosa viva, e de teus olhos
Não digas, coração, que a alma descansa
A safira que a alma te ilumina!
Quando as idéias no prazer enfurda
O escárnio zom beteiro...
E ’ tua forma aérea e duvidosa Que lo u cu ra !... amanhã o peito c a n s a ...
— Pudor d’infante e virginal enleio; Resta um e n te rro ... e uma reza su rd a ...
Corpo suave que nas roupas brancas E d ep o is... o coveiro!
Revela apenas que desponta o seio.
Fermente a seiva 910 juvenil no peito.
Eu sei, mimosa, que tu és um anjo Vele o talento numa fronte santa
E vives de sonhar, como as Ondinas, Que o gênio em palidece...
E és triste como a rôla, e quando dormes Embalcle! à noite, ao pé de cada leito
Do peito exalas músicas divinas! O fantasma terrível se le v a n ta ...
E seu bafo entorpece!
Ah! perdoa êste beijo! eu te amo tanto!
Eu vivo de tua alma na frag rân cia.. . E contudo essa morte é um segrêdo
Deixa abrir-te num beijo as flores d’alma. Que gela as mãos do trovador na lira
Deixa-me respirar na tua infância! E escarnece da crença;
Um pesadelo — uma visão de m êdo__
Verdade que parece uma mentira
Não acordes tão cedo! enquanto dormes E inocula a descrença!
Eu posso dar-te beijos em seg red o ...
Mas, quando nos teus olhos raia a vida, E quem sabe? é a dúvida medonha!
Não ouso te f i t a r .... eu tenho mêdo! Quem os véus arregaça do infinito
E os túmulos destampa?
Enquanto dormes, eu te sonho amante. Quem, quando dorme, ou vela, ou quando sonha.
Irmã de serafins, doce donzela; Ouviu revelações no horrendo grito
Sou teu n o iv o ... respiro em teus cabelos A rebentar da campa?
E teu seio venturas me re v e la ...
E quem sabe? é a dúvida terrível;
D eliro ... junto a mim eu creio ouvir-te E ’ a larva que aos lábios nos aperta
O seio a suspirar, teu ai mais brando. Entreabrindo o sudário!
A realidade é um pesadelo incrível!
Pouso os lábios nos teus; no teu alento
Semelha um sonho a lápida deserta
Volta minha pureza suspirando! E o leito mortuário!

Teu amor como o sol apura e nutre; E quando acordarão os que dormitam?
Exala fresquidão e doce brisa; Quando estas cinzas se erguerão tremendo
E uma góta do céu que aroma os lábios Em nuvens se expandindo?
E o peito regenera e suaviza. Perguntai-o aos ciprestes que se agitara.
Ao vento pela treva se escondendo, 9li
Nas ruínas bramíndo!
Quanta inocência dorme ali com ela!
Anjo desta criança, rae perdoa!
E contudo parece um desvario.
Estende em minha amante as asas brancas, Blasfêmia atroz o cântico atrevido
A infância no meu beijo abandonou-a! Que rugem os ateus; 912
Sem a sombra de Deus é tão vazio
O mundo — cemitério envilecido!.. .
Oh! creiamos em Deus!

[ 299 ]
M ANOEIi ANTÔNIO A L V A R E S D E A ZEV ED O

Creiamos, sim, ao menos para a vida SONÊTO. 917


Não mergulhar-se numa noite e scu ra .. .
E não enlouquecer... O h! páginas da vida que eu amava.
Utopia ou verdade, a alma perdida Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!..
Precisa de uma idéia eterna e pura Ardei lembranças doces do passado!
— Deus e C é u ... para crer! Quero rir-me de tudo que eu amava!

Consola-te! nós somos condenados E que doudo que eu fui! como eu pensava
À noite da amargura: o vento norte Em mãe, amor de irm ã! em sossegado
Nossos faróis a p a g a ... Adormecer na vida acalentado
Iremos todos, pobres naufragados. Pelos lábios que eu timido beijava!
Frios rolar no litoral — da morte, 913
Repelidos da vagai Em bora — é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência fin d a ...
S . P a u lo , 2 d e N o v e m b r o , 1851 Pressinto a morte na fatal d o e n ç a !...
A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem c r e n ç a ...
Perdoa, minha mãe — eu te amo ainda!
SONÊTO.

Perdoa-me, visão dos meus amores, SE EU MORRESSE AMANHÃ!


Se a ti ergui meus olhos su sp iran d o !...
Se eu pensava num beijo desmaiando Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Gozar contigo uma estação de flores! Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
De minhas faces os mortais palores, Se eu morresse amanhã!
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que peno e morro de amorosas d o r e s .... Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Morro, morro por ti! na minha aurora Se eu morresse amanhã!
A dor do coração, a dor mais forte,
A dor de um desengano me d e v o ra ... Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Sem que última esperança me conforte, Não me batera tanto amor no peito
Eu — que outrora vivia! — eu sinto agora Se eu morresse amanhã!
M orte no coração, nos olhos morte!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido a f ã . ..
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
A M INHA ESTEIRA. 914

Aqui do vale respirando à sombra


Passo cantando a mocidade in te ir a ... 915 O POEMA DO FRADE. 9is
Escuto no .arvoredo os passarinhos
D o n Ju a n .
E durmo venturoso em minha esteira.
Ce que je crois?
Respiro o vento, e vivo de perfumes
No murmúrio das folhas da mangueira; Sg a n a r e l l e .
Nas noites de luar aqui descanso Oui.
E a lua enche de amor a minha esteira.
D o n Ju a n .
Aqui mais bela junto a mim se deita
Je crois que deux et deux sont quatre, Sganarelle,
Cantando a minha amante feiticeira; et que quatre et quatre sont huit.
Sou feliz como as ternas andorinhas M O L IÈ R E .
E meu leito de amor é minha esteira!

Nem o Árabe Califa, adormecendo CANTO PRIMEIRO.


Nos braços voluptuosos da estrangeira,
Foi no amor da Sultana mais ditoso Man being reasonable must get drunk
Que o poeta que sonha em sua esteira! The best of life is intoxication....
Don Juan.
Aqui do vale respirando à sombra
Passo cantando a mocidade inteira; I
Vivo de am ores; morrerei sonhando E ia! acorde-se a glória aos meus lamentos
Estendido ao luar na minha esteira! 916 Com as faces de sangue salpicadas!
Trem am nos cantos meus da lide aos ventos
As gotejantes lúcidas espadas!

[ 300 ]
PO ESIA S

Revolvam-se raivando macilentos Ou d’harpa aérea 924 tenteando a co rd a ..,


Os cavaleiros das nações passadas! Ao luar a lasciva Italiana
Brilhem as multidões ao sol ardente Co’as roupas de veludo desatadas
Com as nuvens douradas do poente! E a madeixa em torrentes perfumadas.

11 VIII

Nessas lividas mãos rompa-se a lira! Quero a orgia que à noite desvaria
Além canções cheirosas como o nardo Quando fresco o luar no céu flutua
Que nos festins da noite o vinho inspira! E a vaga se prateia de ardential
Não vêdes que da guerra aos sonhos ardo? Perfumes, flores, a vertigem sua
Não vêdes que meu cérebro delira Vertendo no festim que me inebria!
E arqueja em fogo o coração do bardo, Lasciva dança voluptuosa e nua
E como um rei trocara o meu laurel, Nas rosas que desfolho trepidando!
Meu reino — por um ferro e um corcel? 919 Pajens louros as taças 925 co ro an d o !...

I X
11 I
E as roupas onde o seio transparece.
Como das grutas de Fingal na bruma As formas cristalinas desenhando, 926
Do norte a ventania se derrama; Colos onde o suor límpido desce
Como roda o tufão no mar que espuma, 920 Nos seios como pérolas rolando,
Como a cratera do volcão se inflama, E as trêmulas madeixas ondeando,
Como a nuvem de fogo no ar se apruma, 921 E a valsa que se agita e que resvala
Assim no peito meu o estro em chama E entre perfumes lúbricos se embala.
Agita-me, afogueia o peito langue
E como as águias, só anela sangue!
X

IV Trovas cheias de amor, que afogam beijos


E o afã a ondular os níveos seios,
Mas em que mar cavado eu me perdia! O colar que na alvura se paleja;
De errante pescador leve canoa, E o olhar que enlanguesce 927 nos enleios;
Que rajada nas águas te impelia Vestes sôltas ao fogo dos desejos
Por entre essa tormenta que reboa? E respirando os lábios desvaneios;
Minha alma é um balão: na calmaria Amantes e o Xerez em taças belas
Bóia plácido no ar, gentil se escoa, 921 E a embriaguez mais louca em meio delas!
Embala-se voando molemente
Mas teme a trovoada que o rebente! X I
E após ébrio de amor no frouxo leito
V Entre os aromas de esfolhadas flores
Quero dormir co’a loura peito a peito,
Olá, sofreia-te, corcel selvagem! 922 No lábio o lábio dela — as vivas côres
Porque banhas-te em sangue entre a peleja Quero-as ver desmaiar num ai desfeito!
E nos espinhos roças da folhagem? Amá-la no luar, viver de amores!
Não vês o tressuar que te poreja ó noite! da ilusão que a vida esquece
No abafado calor dessa bafagem? Que mais doce tremor nos enlanguesce? 928
Não sentes que a peituga te lateja?
E a onda louca da sangüenta raiva X I I
As tuas crinas cândidas enlaiva?
Amo nas tardes de verão correndo
A viração dos laranjais em flor,
VI Na praia solitária, a sós gemendo, 929
Além! além! e tu, lira mimosa, A pensativa lânguida o palor
— Que do lago nas selvas esquecida Entre as mãos melindrosas escondendo!
Eu votei a uma fada vaporosa Amo no baile a incendida côr
Que nas folhas estende-se dormida, — Da donzela na dança estremecida
Vem, minha lira, canta-me saudosa Como uma borboleta à luz da vida!
Alguma nênia pálida, sentida, 923
Algum sonho que as folhas balouçando XIII
Te gemesse nas cordas expirando!
Mas eu amo inda mais sentir no seio
A alma cheia de febre e de esperanças,
V I I E a timida donzela de receio
Pender a fronte nas cheirosas tranças;
Ou enquanto meu cálice transborda Amo inda mais no lábio ardente e cheio
Coralino licor, e um puro Havana De amor que passa e aroma-lhe as lembranças,
Sonhos da vida no vapor me acorda. — E quando o olhar afoga-se em desejo —
Venha o rosto gentil da Sevilhana, Implorar ilusões, pedir um beijo!

[3 0 1 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES D E AZEVEDO

X IV E se quando se dorme nódoa impura


Nem os lírios do amor amarelece,
Escutai-me, leitor, a minha história, E a estrela não mergulha-se na tr e v a ....
E ’ fantasia sim, porém amei-a. Assim meu pensamento — um sonho o leva!
Sonhei-a em sua palidez marmórea
Como a ninfa que volve-se na areia
Co’os lindos seios n u s ... Não sonho glória; X X I
Escrevi porque 930 a alma tinha cheia Quando a lágrima sinto que tressua
— Numa insônia que o spleen entristecia — Numa pálpebra roxa e desbotada.
De vibrações convulsas de ironia! Então minha alma tem na lira sua
Uma corda por ela perfumada!
XV E quando eu amo ao clarão da lua
Num olhar de morena desmaiada
Mas não vos pedirei perdão contudo: E o lábio em sêde férvida me inflama,
Si não gostais desta canção sombria 931 O meu peito canções de amor derrama!
Não penseis que me enterre em longo estudo
Por vossa alma fartar de outra harmonia!
Se vario no verso e idéias mudo XXII
E ’ due assim me desliza a fa n ta sia .. . Quando gelou-se moribundo o peito
Mas a crítica, n ã o ... eu rio d e la ... Que um amor insensato consumia
Prefiro a inspiração de noite bela! No deserto lodaçal, em frio leito.
Houve por êle o ai de uma harmonia:
X V I Num coração às lágrimas afeito,
A crítica é uma bela desgraçada Um adeus à flor que se perdia,
Que nada cria nem jamais criara; Um adeus à lembrança do passado!
Tem entranhas de areia regelada: Uma saudade em chão abandonado!
E ’ a esposa de Abrão, a pobre Sara
Que nunca foi por Anjo fecundada: X X I I I
Qual a mãe que por ela assassinara
Por sua inveja e vil desesperança Frouxo o verso talvez, pálida a rima
Dos mais santos amores a criança! Por êstes meus delírios cambeteia, 933
Porém odeio o pó que deixa a lima
XVII E o tedioso emendar que gela a veia!
Quanto a mim é o fogo quem anima
O meu imaginar é um navio De uma estância o calor: quando formei-a, 934
Que entre as brisas da noite se perfuma, Se a estátua não saiu como pretendo:
Que à plácida monção do morno estio Quebro-a — mas nunca seu metal emendo.
Resvala pelo mar à flor da escuma!
E da noite no fresco e no arrepio
XXIV
Das vagas a gemer uma per uma
Sôbre a quilha que lânguida se escoa Meu herói é um moço preguiçoso
Os marinheiros vão dormir na proa. Que viveu e bebia porventura
Como vós, meu le ito r .... se era formoso
X VIII Ao certo não o sei. Em mesa impura
E dorme o capitão: e dorme e sonha Esgotara com lábio fervoroso
Aos fumos do charuto recendente, 932 Como vós e como eu a taça escura.
E do rum nos vapores vem risonha Era pálido s im .... mas não d’estudo:
Nas cismas lhe dançar alegremente. No m a is .... era um devasso e disse 935 tudo!
Esquecer-lhe a viagem enfadonha
A Andaluza gentil de lábio ardente: XXV
E embala-se em monótono descante Dizer que era poeta — é cousa velha:
Sonhando os seios da morena amante! No século da luz assim é todo
O que herói de novelas assemelha.
X I X Vemos agora a poesia a rôdo! 936
O marujo a dormir no chão imundo Nem há nos botequins face vermelha,
Sonha o riso da nédia taverneira, Amarelo caixeiro, alma de lôdo,
Da terra a folga, o vinho rubicundo Nem Bocage d’esquina, vate imundo,
E nas mesas da tasca a bebedeira! Que não se creia um Dante vagabundo!
Ai! coitados de nós! todo esse mundo
Não vale do sonhar a huri faceira! XXVI
— Diz-lo o nauta no mar, o rei no trono: O meu não era assim: não se imprimia,
Da vida tudo' o mais não vai o sono! Nem versos no teatro declamava!
Só quando o fogo do licor corria
X X Da fronte no palor que avermelhava,
E que durmam! se a lânguida ventura Com as convulsas mãos a taça enchia.
No regaço cheiroso os adormece! Então a inspiração lhe afervorava
E que M
durmam!
u i i i i t i i i i : se cé u
muito
i u u u ifresca e ppura^
ic b c a e E do vinho no eflúvio e nos ressábios
A noite de sonhar que a vida esquece Vinha o fogo do gênio à flor dos lábios!

[ 302 ]
rO E S IA S

XXVII E a sua filosofia ex e cu ta v a ....


Como Alfredo Musset, a tanta asneira
Se era nobre ou plebeu, ou rico ou pobre
Acrescento p o r é m .... juro o que digo!
Não direi-vos também: que importa o manto
Não se parece Jônatas comigo.
Se é belo o cavaleiro que êle cobre?
E que importa o passado, um nome santo
De pútridos avós? plebeu ou nobre X X X IV
Somente a raiva lhe acordava o pranto.
Embuçada no orgulho a fronte erguia Prometi um poema, e nesse dia
E do povo e dos reis escarnecia! Em que a tanto obriguei a minha idéia
Não prometi por certo a biografia
XXV III Do sublime cantor desta Epopéia.
Consagro a outro fim minha h a rm o n ia ....
Não se lançara nas plebéias lutas, Por favor cantarei nesta Odisséia
Nem nas falanges do passado herdeiras, De Jônatas a glória não s a b id a ....
No turbilhão das multidões hirsutas, Mas não quero contar a minha vida.
Não se enlaivou da pátria nas sangueiras,
Nem da praça no pó das vis disputas!
Sonhava sim em tradições guerreiras, X X X V
Nos cânticos de bardo su blim ad o....
Basta! foi longo o prólogo! confesso!
Mas nas épicas sombras do passado.
Mas é preciso à casa uma fachada,
X XIX A fronte da mulher um aderêço,
No muro um lampião à torta escada!
O presente julgava um mar de lama E agora dêsse canto me despeço
Onde vis ambições se debatiam, 938 Com a face de lágrimas banhada.
Ruína imunda que lambera a chama: Qual o moço Don Juan no cnjôo rola
Cadáver que aves fétidas roíam! Chorando sôbre a carta da Espanhola. 939
Tudo sentiu venal! e ingrata a fama!
Como torrentes trépidas corriam
As glórias, tradições, coroas soltas
De um mar de infâmias às marés revôltasl
CANTO SEGUNDO
XXX
Não quisera mirar a face bela A n d h e r head d ro o ’d a s w hen th e lily lie s
Nesse espelho de lôdo ensanguentado! O ’e r c h a rg e d w ith ra in .
D on Ju an .
A embriaguez preferia: em meio dela
Não viriam cuspir-lhe o seu passado! I
Como em nevoento mar perdida vela
Nos vapores do vinho assombreado Dorme! ao colo do amor, pálido amante.
Preferia das noites na demência Repousa, sonhador, nos lábios dela!
Boiar (como um cadáver!) na existência! Qual em seio de mãe, febril infante!
No olhar, nos lábios da infantil donzela
X X X I Inebria teu seio palpitante!
O murmúrio do amor em forma bela
Uma vez o escutei: todos dormiam — Tem doçuras que esmaiam no desejo
Junto à mesa deserta e quase escura: Dos sonhos ao vapor, na onda de um beijo!
Lembranças do passado lhe volviam;
Não podia dormir! Na festa impura
Fôra afogar escárnios que d o ía m .... I I
Não o pôde: dos lábios na amargura
Ouvi-lhe um m u rm u ra r.... Eram sentidas Que importa a perdição manchasse um dia
Agonias das noites consumidas! A alvura virginal das roupas santas
E o mundo a êsse corpo que tremia
X X X II Rompesse o véu que tímido alevantas?
E à noite lhe pousasse a fronte fria
Olvidei a canção: só lembro dela Nesse leito em que trêmulo te encantas
Que d’alma a languidez a estremecia: E ao bafejo venal murchasse flores.
Como um anjo num sonho de donzela Flores que abriam a infantis amores?
Sôbre o peito a guitarra lhe gemia!
E quando à frouxa lua, da janela.
Cheia a face de lágrimas erguia, I I I
Como as brisas do amor lhe palpitavam
Os lábios no palor que bafejavam! Que importa? se o amor teu rosto beija,
Se a beijas nua e sôbre o peito dela
X X X I I I Teu peito juvenil ama e lateja!
Se tua langue palidez revela
Amar, beber, dormir, eis o que amava: Que tua alma febril sonha e deseja
Perfumava de amor a vida inteira, Desmaiar-lhe de amor, gemer com ela,
Como^ o cantor de Don Juan pensava Ébrio de vida, a soluçar d’enleio.
Que é da vida o melhor a bebedeira.. . . Pálido sonhador morrer-lhe ao seio!

[ 3 03 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

IV X
Que importa o mundo além? teu mundo é êsse E ra alta noite. Jônatas saíra —
Onde na vida o coração te alegra! Precisava frescor — enfebrecida
Teu mundo é o serafim que às noites desce A fronte na descrença sucumbira.
E que lava no amor a mancha negra! 940 Maldizia no tédio a negra vida,
É a névoa de luz onde não lê-se Até as ilusões que êle sentira!
E scrita à porta vil a infame regra Curvava a testa mórbida, abatida.
Que assinala o bordel à mão poluta Sempre sedento, sempre libertino.
E diz nas letras fundas — prostituta! Blasfemando do amor e do destino!

V X I
A essa pobre mulher na fronte bela Ele viu — não foi sonho — era sentada
Anátema escreveu a turba fria! À sombra, no balcão de uma janela
Banhe o remorso o travesseiro dela. Angélica mulher: luz embaçada
Corram-lhe a mil da pálpebra sombria De um estrelado céu nas faces dela
Prantos do coração, não há erguê-la Branqueava-lhe a face descorada
A eterna maldição. E quem diria E os seios níveos que o cetim revela.
A solitária dor, da noite ao manto Além imagens vãs! a oitava finda:
Que lavra o seio à cortesã em pranto? Só posso vos dizer, que ela era linda.

VI X I I
Ah! Madalenas míseras! ardentes Nem tão aérea 942 Jocelyn passando
Quantos olhos azuis se não inundam Vira Laurence pálida, abatida.
Nos transes do prazer em prantos quentes Nem tão bela a sentira suspirando
Quando os seios febris em ais abundam, Abafando a saudade emurchecida!
Que o amante nos ósculos trementes Com a face na mão — muda, cismando
Crê sonhos que do amor no mar se afundam! T ão branca era a gentil desconhecida!
Que suspiros no beijo que delira Nos cabelos a noite recendia!
Que são lágrimas só! que são mentira! E ra tão bela a s s im ... e ela dormia 1

V I I XIII
E quantas vêzes na cheirosa sêda Esperavam alguém? A porta aberta
Da longa trança 941 desatada, sôlta,
Bem essa idéia despertar podia.
Onde o moço de gozos embebeda
A fronte à febre juvenil revôlta; Entrou. Do lampião a luz incerta
Quando a vida, o frescor, a imagem leda Entre as sombras alentos e x a u ria ...
De esp’rança que morreu ao leito volta; Êle subiu — a sala era deserta.
As lágrimas na dor ferventes c o rre m ... Passando p’la cabeça a mão — sentia
Como em céu de verão estréias morrem? Não sei que atropelar de mil idéias,
Que frio ignoto a comprimir-lhes as veias.
VIII
X IV
A h! não chores! que valem perfumadas
Do Oriente as manhãs e céus e lua E que cisma! que insano devaneio
E a natureza a vir entre alvoradas Na mente exausta repassar-lhe vinha!
E a láurea do porvir que sangue sua, Do vício e do bordel tinha receio?
O vai deserto, as noites estreladas
Volvia à fé que desbotado tinha?
Quando lânguida a vida em ais flutua!
Quando um suspiro as lágrimas apaga Doía-lhe ao coração de um torpe enleio
E o lábio treme, e em beijos se embriaga? — Como no lôdo as asas a andorinha —
Do leito profanado às sombras densas
Um per uma ter manchado as crenças?
I X
Amar uma perdida! que loucura! X V
Mas tão bela! que seio de Madona!
Nunca amara tão nívea criatura Não! revoava-lhe um outro pensamento.
Como aquela mulher que ali ressona! Mais duro e positivo e verdadeiro:
A idéia do devasso macilento
A^ lâmpada no leito que murmura Lhe doía no cérebro a lta n e iro ...
Sôbre a amante que nua se abandona, Pensava que amanhã o seu sustento
Envôlta nos seus lúcidos cabelos Findaria por míngua de d in h eiro ...
Semelha um querubim, pálido ao vê-los! Poucas moedas viu na bôlsa fin d a ...
Porém bastantes para amar ainda!

[ 304 ]
PO ESIA S

XVI XXII

Amar! amar e sempre! eternamente! Consuelo despertou (era o seu nome)


Como da infância os trêmulos desejos! E tão doce volveu os olhos santos,
Amar, porque a alma se alimente Que êle sentiu que a febre que consome
Na seiva do prazer que manam beijos! Humano imaginar em sonhos tantos,
Amar! como aos crepúsculos do Oriente Que delira coroas e renome.
A sultana das noites aos bafejos! Desmaia da mulher ante os encantos,
Amar! porque 944 das convulsões do peito Quando entreabre-se o peito ao ar da vida
A hora mais divinal se esvai no leito! — Como ao sol do verão romã partida!

XVII

Amar! porque 944 esta vida se desfolha X X III


Entre aromas no lábio que desmaia! Do mais eu nada sei. Senti somente
E seu orvalho o coração nos molha À 946 noite duas almas suspirando:
Como a escuma do mar a fria praia! Ouvi na brisa um hálito fremente.
E treme-se ao prazer, qual treme a fôlha Qual de um seio em prazer se dilatando:
Quando influxo vital o amor espraia! Ouvi a jura efêmera, demente
Quando o êxtase ao espasmo preludia Passar como um suspiro desmaiando,
E o peito arqueja e a bôca balbucia! Vi a lua celeste e vagarosa
Num leito derramar a luz saudosa!
XVIII
XXIV
Amaria esta noite: e quando exausto
Acordasse amanhã — como um mendigo Depois o véu do leito estremecendo
Levara a vida, peregrino infausto, V i duas criaturas soerguidas
Dos relentos 945 da noite ao d esabrig o... Como dois anjos, pálidas gemendo!
— Ai! do ardente prazer quando holocausto Invocavam as virgens consumidas
Nas aras tremeleou o fogo amigo, Em desejos de amor, a Deus se erguendo:
E só restam as cinzas da fogueira, As fólhas que se beijam recendidas,
Que importa a cinza fria, a vil poeira? Que palpitam à luz, e em fogo lento
Murcham de gôzo ao hálito do vento!

X I X
XXV
Misérrimos de nós! nossa existência Místico beijo se escoou sentido
O hoje abrange só, vermes de um dia! Como de pombos cândidos que adejam
Ontem foi de um anelo a impaciência O sussurro do vôo estremecido!
Um desejo fogoso que incendia! E sôbre os peitos que febris latejam
E que importa amanhã seja a inclemência Sufocava-se o túmido gemido
À intempérie do ar, à noite fria? Como donzelas que de amor se beijam!
Peregrinos! no barco adormeçamos! Almas cheias de vida! pareciam
Em mar desconhecido navegamos! Que as vidas numa vida confundiam!

X X XXVI

O mancebo passou um reposteiro D ’aurora a doce luz, as brisas calmas


De purpúreo veludo arregaçando. A lhes passar nos úmidos cabelos
Passou, bem como passa o caminheiro E ra o sôpro de Deus! As duas almas
Da floresta os folhedos afastan d o ... De suave himeneu nos doces elos
Entrou lento na sala o estran g eiro ... Tremiam como no deserto as palmas
Tinha um riso nos lábios deslizando... Quando à noite nos cachos amarelos,
Na sacada onde o vento se expandia Entre os florões o vento 947 perfumado
Cândida e bela mulher aí dormia! Do pólen lhes derrama o pó doirado!

X X I XXVII
Êle chegou-lhe ao pé: era tão pura, Si quereis, meu leitor, saber agora
Que de leve osculou-lhe a fronte nua! O que a isto seguiu-se — eu não o digo,
Era uma estátua de marmórea alvura! Porque 948 senão minha leitora cora:
Melancólica e bela como a lua: E obro nisto por certo qual amigo:
E tão bela a madeixa a sombra escura E também porque a musa me descora
Derramando-lhe ao colo que flutua! Quando nestas visões a idéia sigo.
Leve passou a mão no seu cabelo Demais findou-se de licor meu copo,
E ternamente murmurou — Consuelo! — E a sêco poetar jamais eu topo!

[ 305 ]
MANOEJ. ANTÔNIO ALVAKES DE AZEVEDO

XXVIII V I I

Importa-vos porém saber que a cena Um frade! no convento envelheci-me,


Que descrevi primeiro neste Canto Do mundo ao lôdo fui viver bem longe,
Veio desta ao depois. — A Madalena Nem minha fronte rebucei no crime!
P or quem ali eu desatei em pranto Mas apesar das orações do monge
Foi a presente criatura amena, Gosto assaz do prazer, gosto do vinho,
Que, certo, é digna, que eu fizesse tanto! Na ceia faço inveja a um barbadinho.
E pois que a meus heróis Morfeu namora
Também cansado vou dormir agora! VIII
Lancei-me ao desviver: gastei inteira
Na insânia das paixões a minha vida.
CANTO TERCEIRO Qual da escuma o fervor na cachoeira
Quebrei os sonhos meus n’alma descrida.
O ’ gracioso primor de natureza E do meio do mundo prostituto
Atrativa, donosa variedade!
Que tudo quanto tocas formoscias! Só amôres guardei ao meu charuto!
F IL . ELÍSIO.
IX
I E que viva o fumar que preludia
De certo o Criador na tal semana As visões da cabeça perfumada!
Em que o mundo surgiu da escuridade E que viva o charuto regalia!
E sobre o mundo a luz e a raça humana. Viva a trêmula nuvem azulada,
P or lei estab’leceu a variedade, 949 Onde s’embala a virgem vaporosa!
Teve muita razão: com todo o siso Viva a fumaça lânguida e cheirosa!
Atesto que mostrou muito juízo.
X
I I
Cante o bardo febril e macilento
B o fé! que se uma atroz monotonia Hinos de sangue ao poviléu corrupto.
De um elemento a vida compusera, Em briague-se na dor do passamento.
O homem até morrer bocejaria, Cubra a fronte de pó e traje luto:
E em morna estupidez se cmbrutecera. Que eu minha harpa votei ao esquecimento:
Quanto a mim, eu adoro a variedade Só peço inspirações ao meu charuto!
E amo até no verão a tempestade!
X I
I I I
Oh! meu Deus! como é belo entre a fumaça
Por gostar das galhofas da comédia No delicioso véu que as anuvia 952
Da alegria folgaz de Molière, Ver as formas lascivas da donzela
Nem por isso me esqueço da tragédia Entre o véu transparente que esvoaça.
E desamo o sombrio M iserere! 950 Nadando nesse vaporoso dia, 953
Quando Hamieto findou sua agonia Bailando nua, voluptuosa e bela!
Do Falstaff bon-vivant vinha a folia!
X II
I V
Acho belo o Oceano quando vôo E como é belo no perfume aéreo 954
Pelo seu verde-mar num barco à vela. Sentir morno suor do abatimento
Porém odeio as aflições do enjôo Pelas lânguidas faces orvalhar!
E o vento do alto mar que me r e g e la ... Como é doce nas cismas do mistério
Amo a lua no mar e o mar sem lua, Sentir como um alcion à flor do mar
A starte vaporosa e Lolah nua. As lembranças boiar 955 no esquecimento!

V XIII
Como varia o vento — o céu — o dia, E quando os lábios o charuto finda
Como estréias e nuvens e mulheres. E a lânguida visão num beijo passa,
Pela regra geral de todos sêres, 95i E o perfume os cabelos nos repassa,
Minha lira também seus tons varia, Como é belo no azul da nuvem linda
E sem fazer esforço ou maravilha Entre vapores madornar, e ainda
T roca as rimas da oitava p’la sextilha. À vida renascer noutra fumaça!

V I X IV
E agora tem lugar duas palavras E ’ belo ao fresco da relvosa espalda
Que o autor mostrem nu dêste poema: Os serenos beber à flor pendente.
Quem o arado levou por essas lavras. . . Do Reno o vinho em taças d’esmeralda
O marujo que nesse bote r e m a ... E sôbre o campo adormecer contente!
Falemos sem rodeio e com verdade: E ’ bela a noite que a volúpia escalda
Êsse livro escreveu um pobre frade. E acorda aos seios um suspiro ardente!

[ 306 ]
POESIAS

X V X X III
E ’ belo o escumar da catadupa, E vós bardos nutridos de amargura
A margem verde que a torrente ocupe, Que de prantos banhais a lira santa,
Beijar na sombra o colo palpitante Se ainda o peito não trazeis corrupto.
Que ofega e bate à descorada am ante... Vinde chorar a minha desventura
E' de um corcel 956 à trêmula garupa Que no frio pavor de mágoa tanta
Correr a mão ao pêlo gotejante! Veio até apagar o meu charuto!
X V I
Mas nem o Johannisberg, úmidas flores, XXIV
A relva fôfa da campina verde, Eu não rio-me, não! a voz do peito
E a noite que vem quente de amores Nos versos meus inânida se exala!
E a torrente do vai que além se perde, E quantas vêzes quando em ai desfeito,
Nem o seio que nuta e que se inflama Como uma fibra que no peito estala,
Desmaia o tédio meu que o spleen derramai A mente de tristezas nos repassa...
Não desvanece tudo uma fumaça?
XVII
E 0 amor muita vez aos lábios mente: XXV
Tem côres de maçã — e dentro infecta, E quantas vêzes no cismar perdido
E cinza aos lábios deixa-nos somente! No seio o cancro dói de uma saudade,
Além o seio, o coração corrupto E alento das internas agonias
Que desmentem os sonhos do poeta! Nas cordas de alaúde enternecido
Só tu não mentes não, ó meu charuto! Não anseia, não arfa de ansiedade
Que esvai-se em teu vapor em melodias?
XVIII
X X VI
Só tu és sempre belo como a lua
E sempre virginal e perfumado. E então qual geme a rôla de mistura
És o lírio do céu nunca murchado! O arroio moleniente, co’as areias,
Como a virgem de amor, cândida e nua. E qual se escoa pelas mornas veias
Evaporas no aroma essa alma tua Os hálitos vernais da formosura,
E tens um lábio nunca profanado! — Como nas cordas de harmonia cheias
A mêdo uma infantil canção murmura!
X I X
XXVII
Só tu não mentes, não! e tu sòmente
Na taça da ilusão não deixas lia! E nos lábios derrama-se a lembrança,
E quando a mesma realidade mente, 957 Do passado o sorrir nos prantos d’hoje!
Quando a virgem, a fé, de noite e dia Cobre-me o coração a vaga mansa
Veremos amanhã que ontem mentia, De uma saudade que suspira e foge!
Inda contigo dormirei contente! E lembro às vêzes o palor da vida
Do gélido cadáver do suicida!
X X X X V III
Porque 958 nessa ilusão que a amar convida E ’ o canto dos lânguidos amores
Revelas a morena adormecida Perdido como o céu na escuridade:
A quem banha palor os doces traços. Do íntimo seio peregrinas flores
Trêmulo o seio, a pálpebra abatida! Abertas ao sereno da saudade.
E sinto em teu vapor anjos da vida Mas triste'— como a dor em rosto insano...
Entre as nuvens tremendo os róseos braços! Como a noite nos ermos do Oceano!
X X I X X IX
Meu charuto caiu, ei-lo se esfria: Ah! quando enfim a lâmpada apagou-se
A!ém nas ondas vi-o mergulhar, Do leito sepulcral na pedra fria,
Como o sol no crepúsculo do dia, Quando a palmeira ao florescer murc!iou-se
Como um cadáver arrojado ao mar! E a ave d’ouro que do sol vivia
Misérrimo! só resta cinza fria! Caiu morta na relva recendida,
No céu da vida estréia a desmaiar! Gotejante das lágrimas da vida!
XXII XXX
Tua vida apagou-se e eu perdi-tc! E tudo se acabou! e terra escura
Vai, conta às ninfas o meu mal tamanho! Cobriu-te a face roxa desbotada,
Nos lábios de Netuno ou de Anfitrite E tu fôste da cal na sepultura
Descreve minha dor, minha agonia, Sufocar-te nas tênebras do nada.
Meu íntimo sofrer quando eu te via — Agora sim virei ■— e solitário —
Como Safo — morrer tomando um banho. Na solidão cliorar o teu fadário!

[ 307 ]
MANOEL, ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

XXXI Rira d’escárnio ao laurel das glórias!


Gomo uma taça onde o fervor transborda
Virei tecer de moribundas flores Tinha na harpa do gênio uma só corda.
A pálida coroa do finado,
Lembrá-los, reviver os teus ardores
E as puras ilusões do teu passado! X X X I X
Quero chorar meu desgraçado amigo,
E ra um seio de n e v e ... o brilho langue
Na lousa tua inda sonhar contigo!
De uns olhos onde o azul se umedecia:
Da face no rubor tépido o sangue. . .
X X X I I Onde o lábio sonhava e se embebia
Num êxtase de amor — no ébrio desejo
Ah ! quando as noites num viver perdido
De vida e alma lhe votar num beijo!
lam -m e longas anelando amores,
Do teu peito no sonho recendido,
Como cisne a boiar entre vapores. X L
Vinha sorrir-te loura e perfumada
A angélica visão de tua amada! E o anjo? não o amou? quando êle em fogo
Ardente a fronte pálida pendia,
E como um ai de solitário afôgo
X X X I I I O peito sufocado lhe gemia,
Poeta! eras feliz — a mão divina Não bateu-lhe jam ais qual numa lira
Quando passa na fronte sublimada Êsse vento de amor que nos delira?
Os seus lânguidos olhos ilumina,
E ante uma sombra de mulher amada XLI
Revela os hinos, que murmura o vento,
E sussurra à donzela o sentimento! E ra uma estátua — sim: um deus a erguera
Num rir d’escárnío e dó — de lôdo cheia,
Nem sol de amor e peito lhe acendera,
X X X I V
O morto coração era de areia!
E no Oceano do amor entre harmonia Como o céu, nos crepúsculos do dia,
Da tarde a languidez embala os sonhos No vapor da vaidade ela dormia!
E perfuma o palor ao róseo dia
Entre as canções dos serafins risonhos! XLII
Ao poeta orvalhos das cecéns mais puras !
A êle — a taça das místicas venturas! Porque 959 tanto sonhar? tão belas flores
No esmêro lhe sagrar dentro do peito?
X X X V Anátem a! ela riu-se dos am ôres:
Que mulher! não sentiu em ai desfeito
Senhor! foi belo o sonho da esperança! Êsse alento de bôea enfebrecida
E quem sentiu-as, impressões, tamanhas. De um beijo no calor perdendo a vida!
Tantas lágrimas deu a uma lembrança?
Noites e luas, brisas das montanhas, X LI I I
E vós, flores do vai, pálidas flores.
Não lembrais a canção de seus amôres? Desgraçado! a insônia do martírio
O cérebro lavoso delirou-te!
X X X V I E o vórtice das águas do delírio
Das insônias da febre ao sol queimou-te!
Não ouvíeis do lábio as melodias F ôste afogar as ilusões da vida
Que vibrava a paixão? não as ouvíeis? Na taça de mistério do suicida!
No murmurar das moles assonias
Amorosos eflúvios não sorvíeis?
Não arfáveis também, pálidas flores, XLI V
A trêmula canção dos seus amôres?
“ Quando a morte nos dentes nos rompera
“ As taças do viver, quem discrimina 960
X X X V I I
“ Do sábio ou do insensato qual a sina?
E que sonhos de amor que amou na vida! “ Se quem tôda a bebeu qual Deus a enchera,
Perguntai-o à estrela que divaga. “ Ou quem a rejeitou — enfrebrecida
Ao vento na lagoa adormecida. “ Da morte aos sonhos imolando a vida?” 961
Ao círio que no túmulo se apaga.
Perguntai-o da insônia aos arrepios. X LV
De W erther o suicida aos lábios frios!
Tens razão, Jocelyn! e ao Deus perfeito
XXXVIII Porventura dirão êsses perdidos
Que vão da morte se esconder no leito:
E ra só ela seu pensar — por ela Porque 962 as aspirações, os ais sentidos,
Do porvir esqueceram-lhe vitórias, E alma em fogo ao céu um sonho erguia
E pelo amor da cândida donzela E o sonho a e n le v o u .... se êle m e n tia ?...

[ 308 ]
PO ESIA S

X L V I L I I I

Não te maldigam pois! Ignora o mundo E que sonhos, meu Deus! e que ventura!
O que dói êsse verme da desgraça: E que vento de amores palpitava
E da irrisão 963 maldita o corvo imundo Na escuma do batei a vaga pura
Que no escárnio do fel nos despedaça! E lascivos suspiros lhe arru lh ava!...
E em tôrno mar e céu — a noite bela,
Não sabem não — de Prometeu no leito
O sangue e dor que rolam-nos 964 do peito! Nos meus braços a inânida donzela!

LI V
X L V I I Ah! virgem das canções, aos brancos lírios
Porque 967 tão cedo me chover na infância
Mas eu sei: que senti o amor ardente O mágico sereno dos delírios
Convulsivo bater num peito exausto! Que adormece, embalsama na fragrância?
Sei: que senti a lágrima tremente E do amor entre os lânguidos conselhos
Como na insana palidez o Fausto! 965 Minha fronte embalar nos teus joelhos?
Quando o sono fugia às noites minhas
Como às nuvens do inverno as andorinhas. L V
Porque 967 tão cedo o vinho da harmonia
X L V I I I Nos beiços infantis correu-me aos sonhos.
Entornou-me essa nuvem que inebria,
Bcbi-a essa tristeza, essa doença Que gela o riso aos lábios meus risonhos?
Que nos escalda lágrimas sombrias, Tão quêdo o sono meu, porque 968 turvá-lo,
Que nos revolve sós na vaga imensa E de ilusões esplêndidas povoá-lo?
Do Oceano das internas agonias!
Que empalidece a face e morte lenta L V I
Nos estampa na fronte macilenta.
E tão cedo! porque encher meu leito
Destas sombras suaves, delirantes?
X L I X E na harpa adormecida de meu peito
Suspirarem-me sons tão ofegantes?
Ah! virgem das canções, entre vapores E porque 969 não deixar o meu sentir
És pura e bela sim, porém teus lábios Da infância d’oiro nos frouxéis dormir?
Me fazem delirar como licores
Que afervoram-nos tépidos ressábios! L V I I
Quando em teu colo vou deitar-me agora E assim eu morrerei: co’a sêde ainda
Teu palpitar as faces me descora! Amargosa no lábio ressicado!
Cansando os olhos na extensão infinda.
Perguntando se a crença do passado
Também verei no lôdo rev o lv id a ....
E com.o tu sufocarei a v id a !...
E cedo morrerei: sinto-o, nas veias
O meu sangue se escoa vagaroso
L V I I I
Como um rio que seca nas areias,
Como donzela, que desmaia em gôzo! E quem sabe? é a dúvida do Hamleto
Teus lábios, fada minha, me queimaram, 966 E o — ser e o não ser — que toma o passo:
E as lânguidas artérias me esgotaram! O mundo é lodaçal, é leito infecto,
E a turba é sempre a que se riu do Tasso!
Mas o que é o morrer? e a sepultura
LI Que mistérios contém na noite escura?

Mas que importa nas sombras da existência L I X


Se mentiu-me o sonhar quando eu sentia
Um dos pálidos anjos de inocência Ah! mistérios! não rias, ceticismo,
Do agoureiro terror que a morte fria
Pousar-me a face ao peito que gemia,
Do banho do cadáver no batismo
Se num sonho de amor, em noite bela
Os regelados nervos arripia!
Nos suspiros do mar amei com ela!
Sono de chumbo, tálamo de terra,
Que nódoa negra teu sudário encerra?
L I I
LX
Era uma lua pálida e sombria E tu dormes, su icid a?... E à noite infinda
Que seu leito nas ondas embalava: Que sonhos roçam-te o livor sombrio?
Na mão de neve a face lhe pendia, A mágica visão te passa ainda
E nos sonhos a virgem se enlevava! Com a urna dêsse amor que te mentiu?
E, que estréias no céu! e que ardentia! Inda sorves nas ávidas lembranças
Que perfume seu véu estremecia! O perfume de amor das loiras tranças? 970

[ 3 09 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES B E AZEVEDO

LX I E além um corpo que nas águas bóia!


L^m cadáver! um rosto 972 corrompido
E o pai, não sonhas n ê le ? ... e as cãs tão puras Que até fôra da mãe desconhecido!
Daquela que embalou teu berço infausto,
E na mágoa das suas desventuras
Nem te pôde beijar o corpo exausto? LX I X
Misérrima anciã! que só vivia
O cadáver na praia se estendia
Por ti — e por ti desce à noite fria!
Enjeitado p’lo m ar: — as roupas úmidas
— O cabelo a correr de areia fria —
LX I I As faces roxas, — mãos geladas, túmidas —
E o filho? essa criança que palpita Mais alvo ainda que Don Juan dormido.
Nos seios que um insano amor consome, De fome, sêde e frio embranquecido!
Que profanado amor gerou maldita,
Que virá amanhã pedir seu nome! LX X
E que não saberá que sepultura
Guarda o pai e o segredo em terra impura! Porém não vinha Oriental donzela, 973
Envolto o colo em pérolas, correndo,
LX I I I Nos ombros níveos a madeixa bela,
Que o mimoso Espanhol na praia vendo
E a pátria que entre as lágrimas d’escrava E ao vê-lo nu e pálido, ao relento, 974
Co’a face bela gélida, pendida. Beijou a face ao belo macilento!
Salpicada de lôdo em ti sonhava
Como o sol da manhã de uma outra vida? LX X I
A pátria! que a infâmia prostituta
Tenta vender no lupanar poluta! Com o seio a bater em sêda incerta
Não veio Haidéia, não, ao naufragado.
LX I V Ninguém passou: a praia era deserta,
E o mar adormecia sossegado,
E não erguem-te ai os gritos dela? Só a maré que as ondas tremulava
Não vês que a forçam, que seus lábios tapam? A nênia à podridão lhe rouquejava!
E , desgrenhada, rompem-lhe à donzela
Os vestidos que às 971 frias mãos se escapam?
Não ouves o tinir de vil dinheiro L X X I I
E a lúbrica risada do estrangeiro?
“O h! quando os hinos virginais da lira,
E as delícias do amor, que a noite ouvia,
LX V E as harpas do porvir que nos sorrira
Dorme pois, desgraçado! no futuro E a esperança e os anjos da harmonia,
Além — no meu viver — quando a minh’alma E o esplêndido sol — se e sv a e ce re m ....
Cândida se despir do manto impuro: E as convulsões do peito a rre fe c e re m ....
E quando a noite que o sofrer acalma
Nas pálpebras pesar-me o sono amigo LX X I I I
Do — nada — ao leito irei dormir contigo!
“ E o cadáver lançado em chão d’areia
Não ter o belo abraço derradeiro,
LX VI
Nem amante a chorar, que a m ágoa anseia,
Onde vou? onde vou? O h! quão diversos Nem o adeus! do poento caminheiro!
Do meu trilho meus passos desvariam! E ninguém lhe escutar essa tristeza
Onde correis, meus desgraçados versos! Que do túmulo exala a n a tu r e z a ....” 975
A tempo os açaimei! onde corriam !
No fantástico pó que êles pisavam LX X I V
Entre nuvens ardentes galopavam!
Deve n’alma doer. deve ser duro
LX V I I Êsse abandono ao pobre m alfad ad o !...
E nem sentir no seu lençol impuro
Além, minhas canções! além as flores A lágrima a cair de urn rosto amado,
Que essa nênia saudosa n’alrna abria! E sôbre êle da noite à monodia,
Quero cismar o canto dos amôres A amante confundir sua a g o n ia ....
E do amor a confusa melodia!
Ouvi! quero sonhar! quero senti-las LX X V
Visões do céu nas ilusões tranquilas!
E quem sabe? nos lábios amarelos
L X V III Do morto não desliram-se lembranças?
E o verme nos seus úmidos cabelos
Harmonias de a m o r !... é tarde! é tarde! Não ri — mortas com êle — às esperanças?
V ejo a morte num peito que se e n g ó ia .... E ao peito nessa névoa do dormir,
Da saudade o chorar, que os olhos arde........... Pode inteiro calar-se-lhe o sentir?

[310]
PO ESIA S

LX X V I CANTO QUARTO
E quem sabe? é d o rm ir.... e tão somente
E m il ia .
— E ’ o sono que as pálpebras lhe chumba?
E êle não sente a lágrima demente Dead ! dead !
Que orvalha de saudade a fria tumba?
E se alma foge à podridão impura,
Nunca lhe vem gemer na sepultura? Oth ello .

She turned to folly and she was a whore.


L X X V II Othello.

Nunca chora no pó que ela acordara, F a lsta ff.


Onde ela derramou a luz etérea,
O crânio que incendeu, que afervorara, 976 ’S blood! I am as melancholy as a gib cat, or a
lugged bear.
Que lavara do lôdo na matéria —
O corpo que a seu hálito tremia P r in c e H e n r y .
Que a essência de Deus nela bebia? Or an old lion, or a lover’s lute.
F irst part o f Henry IV .
LXXVIII
I come no more to make you laugh.
Alta noite porém: eu não s o n h a v a .... ....................... Those that can pity here
Achegava-se a luz de uma lanterna, May if they think it well let fall a tear.
E cândida mulher se d eb ru çav a.... The subject will deserve it.
E nos lábios a voz chorava terna SH A K SPE A R E , King Henry V I I I ; prol.
Em dorida canção, cortada e rouca
Dizia à treva o padecer da louca!
Porque 977 és tão bela, ó pálida Consuelo?
LXXIX Porque 977 és tão bela assim nas noites minhas,
E as ondas do teu lânguido cabelo
A lo u c a !... ao vê-lo aí enlouquecera M ’embriagam de perfume — e as puras linhas
Junto ao amante a mísera Consuelo: Das faces, do teu colo voluptuoso
Das flores da restinga entretecera O coração afogam-me de gôzo?
A coroa da fronte no cabelo.
Ria, ria porém com dor tamanha! I I
Como a onda do mar que os pés lhe banha.
Foram sonhos, mulher! porém na sombra
Eu te via febril e delirante,
LX X X Como dormida dos haréns na alfombra
Dos amores do Oriente a bela amante!
Pôs ao colo o cadáver: repassou-lhe Como em sonhos eu senti a vida
Por sôbre a fronte a mão que estremecia, Na lousa de minh’alma ressurgida!
E nos cansados braços embalou-lhe
A cabeça qu’inda ontem lhe fe r v ia .... I I I
E cantava beijando os lábios d ê le ....
Coitada! adormeceu pensando néle! Que amores insensatos! que delírios 978
Me acenderam as fontes consumidas!
E ra no sono o perfumar dos lírios,
LX X X I E ra o vinho das orgias desabridas!
E ra a febre, o tremor, o beijo a rd en te...
Por que era morto aí o libertino — Como nas rochas bate o mar fremente!
Jônatas o cantor da vida impura,
Não o posso explicar ao peregrino. IV
Creio a morte porém caverna escura,
Mais fria que o deserto cemitério — Mulher! e quem te não sonhara um dia
Onde o corpo resvala no mistério. No mórbido palor das faces tuas,
Dos olhos nesse fogo que inebria.
As formas alvas, transparentes, nuas,
LX X X I I E êsse teu colo em palpitar desfeito.
Os véus macios a tremer do leito?
Sôbre o túmulo pois os braços cruzo
E dobro tiritando os meus joelhos!
Não sacudo à mortalha o pó escuro
E quem te não sonhou? dêsses perdidos
E nem leio da campa nos esp elhos....
Que o gênio a suspirar beijou em fogo;
Da morte no fatal despenhadeiro
Poetas que de amor enfebrecidos 979
Desfolho apenas uma flor sem cheiro!
Se volvem das paixões no desafôgo?
Em cujas noites se perfuma o vento
Das lágrimas do amor no sentimento?

[311]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

VI X IV
Mulher! e quem és tu? que mão divina O h! sonhava talvez! vi-as tremendo,
O teu sono quebrou de um céu de amores? — Qual de colar em seio voluptuoso.
Que fada loura; que suave ondina Pérolas soltas — lágrimas correndo!
Deu-te o olhar de lânguidos fulgores? E nos seus lábios como som mimoso
Que flor do mar se abriu morna d’enleio De arroio d’água límpida ao bafejo
Para assim te alvejar no terno seio? Os ais tremiam ao cismar de um beijo! —

V II XV

F ôra a vida viver em sonho — incerta — E ra o vento da noite que passava


— Como embebida a mente nos alouras ^80 Da magnólia a pender no mole seio?
No eflúvio fresco de magnólia aberta — Criatura de amor que ao sono em meio
Amar-te de joelho! as formas puras, Vaporosos suspiros emanava?
Beijar-te as alvas mãos, o colo belo. E ra a lua que inânida gemia
Beijar-te a face, ó pálida Consuelo! Quando entre nuvens pálidas se erguia?

VIII X V I
Fôra viver, como em um sonho, a vida Que pensamento, que desejo incerto,
Ao sentir-te a nuez do níveo seio. Que saudades e amor a palpitavam?
Ao apertar-te lânguida, abatida, Flores ou anjos, nuvens do deserto
Com êsses lábios a queimar de enleio! Entre a névoa dos sonhos que a roçavam?
Num beijo teu os sonhos esquecer. Ou da Ju lieta pálido, risonho
Em teus lábios inânidos morrer! P or seu belo Romeu ardia em sonho?

I X XVII
És muito bela sim! anjo agoureiro E la dorme. Silêncio! ó noite bela!
Como estátua de amor ergueu-te um dia! Fresco e perfume só derrame o vento
Talvez sonhou contigo êsse estrangeiro — Nos cabelos da lânguida donzela!
O bardo altivo de canção sombria! E da noite ao frescor o sangue lento
E por ti v iv e re i... que me revela Corra nas suas azuladas veias
Porvir de gozos tua imagem bela! Como a onda no mar sôbre as areias!
X X VIII
Vem, rainha da noite! quero amar-te Mas ah! minhas visões! num céu escuro,
Com os lábios molhados nos licores, Nas trevas minha nuvem dissipou-se:
No teu seio de fogo derramar-te A capela viçosa do futuro
A m ística ilusão dos meus am ores!
No outono da desgraça amarelou-se.
A h! vem, repousa, embala-te em meus braços, Solitário fiquei nos sonhos m e u s ...
Quero viver, morrer nos teus abraços! Às ilusões só resta-me um — adeus! —

X I X
X I
E la dormia; a rosa desmaiada, Adeus! — é o prantear do marinheiro
Que a noite serenou, nem é tão pura, À pátria que desmaia em mar doirado!
Nos moles véus da névoa mergulhada! Aos ais do peito gotejar primeiro
Dos sonhos no frescor, na santa alvura Da lágrima nas faces do soldado.
E ra mais bela que de luz divina Aos abraços da mãe que geme e chora
A palidez em nuvem peregrina. E aos gemidos da amante que o demora!

X I I X X
E tão pálida e bela! semi-nua — Suspiros de Romeu na despedida,
As pálpebras do sono em véu sombrio. A sua Julieta desmaiada!
Lânguida como vagarosa lua Blasfêm ias do Rei Lear, beijo sem vida
Quando voga no mar de um céu d’estio, Nos lábios de Cordélia inanimada!
E o seio palpitante como a vaga E ’ a mágoa da dor que afoga, oprime
Que a praia da soidão de noite alaga! E na agonia faz sonhar no crime!

XIII X X I
Do cabelo nas ondas a donzela Sonhar-te, Consuelo, em minha noute,
— Inda mais alva a face — adormecia: Em teus prantos, o peito suspiroso,
Que fria morbidez nas faces dela! E sentir que nos seios estalou-te
Rosa que as fôlhas cândidas despia E ssa fibra gentil que acende o gôzo,
Dos amores do vento nos delírios, Que fala aos olhos, no hálito suspira,
No frio orvalho de prateados lírios! E nos transes do amor num beijo expira.

[ 3 12 ]
PO ESIA S

XXII Para n ós. . . é a gaivota que esvoaça.


Êsse raio do Edén, de flor divina Vagabundo batei que ao longe p a s s a ...
Emanação balsâmica e celeste, Irrefletido beijo entre amargores!
Reflexo de uma alâmpada argentina
Que êsse lôdo mortal de luz reveste, X XX I
Que em nós vive, em nós ama e sonha e sente, Tu és a fada que os verões tempera.
E que chama-se a alma do vivente! Raio de luz da eterna primavera!
És o sonho da flor, o amar da brisa.
X X III És o néctar que a taça purpuriza
Sentir-te no morrer volver sombria Do triste sonhador que ainda espera
— Tateando o negro chão — os olhos baços. E nos vapores do viver desliza!
Os olhos que a paixão de pranto enchia!
Ver-te depois, convulsa erguendo os braços. X X X I I
Ansiando no ester tor, na praia fria
Acorda-te, ó poeta macilento!
Arquejar e torcer-te de agonia!
Acorda-te, meu peito, ao sentimento.
XXIV Revive as esperanças que nutrias.
Refresca a mêdo as pálpebras sombrias.
Bebe seiva 982 de vida nesse vento,
E dorme como o sol entre harmonias!

X X X I I I
.................................................. e par che dorma!
Tasso. Acorda-te, meu peito moribundo.
XXV Às visões juvenis de um outro mundo!
Sonha! mas não blasfemes do destino
Nunca a viste na lúbrica nueza
Quando amanhã topar o peregrino
A brisa enlouquecendo de beleza,
Teu crânio lívido, amarelo, im u nd o...
Sôlto o cabelo, o róseo véu desfeito.
Teu cadáver no lôdo ressupino!
Trêmula como do himeneu no peito
Noiva cheia de amor, de m orbidezza
Aos longos beijos no convulso leito? X X X I V
Se o nada não engole a criatura,
XXVI
Se inda sente o não ser da sepultura,
Tarde! quem não te amou, minha sultana? Se além arqueja o desespêro errante,
Quem tão árido eivou a mente insana Se há uma eternidade delirante,
Em claustro que os alentos assassina, E dói sentir morder na carne impura
Quem não te amasse em nuvem purpurina, O verme da saudade dévorante!
Como ardente de amor a Americana
Que pálida, entre flores se reclina? X X X V
XXVII Tarde! quando eu morrer, e desprezado
E sempre virginal e vaporosa Ao corvo dêem meu corpo desbotado.
Pensativa de amor, voluptuosa! Derrama sôbre mim teus mornos estos!
Sorrindo às virações que te bafejam, Talvez reviva o fogo do passado
À 981 claridão das nuvens que lampejam, Nas fibras rôtas, nos infaustos restos
A lua, à pomba, à selva suspirosa. Do cadáver no campo abandonado!
Às flores que na morte se entrebeijam!
XXVIII
Que te importa que as raças dêste mundo
Blasfemando as canções que a Deus ergueram CANTO QUINTO
Vaguem no tédio, em lodaçal imundo,
Onde as brisas de Deus se corromperam, I
Onde amor crepuscula moribundo,
E os anjos d’esperanças se perderam? Era uma tarde — mas a chuva fria
Dos úmidos ciprestes gotejava,
XXIX Além no céu escuro o sol morria
Como és fresca no céu, entre fulgores Como rola na terra a rubra lava,
Na túnica de rosa transparente. E o vento além no farfalhar funéreo
Mística rosa abrindo ao sol de amores Gemia no ervaçal do cemitério!
Que anjo te embala a fronte recendente,
Quando a estréia da noite vem ardente I I
Doirar o teu palácio de vapores? E ra o campo onde brota a erva inculta
Sôbre o corpo do ancião e da donzela.
XXX
Aonde o verme a forma nívea insulta
Ai dorme! o sonho na cheirosa vida E o mármore dos seios amarela!
Para ti é bromélia umedecida. E aonde ao apagar de uma esperança
Sempre cheia de chuva e de frescores! Dos amigos enterra-se a lembrança!

[313]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

I I I X I

E ’ o campo da morte — aí gemidos E ra um fôsso que abria — eterno leito


Não busques, solitário: foge o mundo. A um cadáver de mais. Quando o sentiu
Os miasmas da campa, os ais sentidos Profundo e longo — do caixão estreito
Vai antes sufocar num peito imundo! No sudário tomou um corpo f r i o ...
Filho da dor! para esquecer a vida. Ia la n ç á -lo ... As nuvens se entreabriram,
Bastam os seios da mulher perdida! Frouxos os raios do luar so rrira m ...

IV X I I
Deu no corpo o luar. E ra alva imagem
Ninguém que vá chorar! ninguém! a campa
Reflexo branco de mulher divina!
E ’ solitária e muda. — O apodrecido .^s tranças 983 negras à noturna aragein
Se volve no m is té rio .,. Só se estampa Trem iam como um lírio que se inclina!
A lua no seu túmulo esquecido!
T ão bela! parecia ad orm ecid a!...
E nem filhos — nem m ã e !.. . Da dor no cúmulo
E ra o s o n o ... porém não o da vida!
O homem no lupanar esquece o túmulo!
XIII
V
Assim a noiva de Romeu dormia —
P or entre as sombras uma luz espanca A pálida Julieta regelada —
A treva que no chão o véu re p a ssa ... Quando nos lábios, nessa face fria
Roça nas folhas uma forma b r a n c a ... Êle sonhava os beijos d’alvorada,
No sombrio ervaçal um vulto passa. Das noites breves o celeste encanto,
Como de ave agoureira o longo pio O ai da ventura, o amoroso pranto!
Escutou-se um gemer no campo frio.
X I V
VI
E ra tão bela! a palidez sorria!
Quem g e m e ? ... errante cão que a lousa escarva E a forma feminil tão alvacenta
Para cevar em podridão a fome? No diáfano véu transparecia!
Ou sob a cova se debruça a larva, Pendeu o homem da morte macilenta
A sombra que uma eterna dor consome? A cabeça no peito — em vil desejo
E ra um morto no túmulo acordando. Longo, mui longo profanou-lhe um beijo!
Ou corvo negro no dormir grasnando?
X V
V I I “ T ão formosa e m orrer!” e murmurando
E ra um canto sombrio — era coveiro O coveiro deitou-a na jazida:
Que nas urzes, cantando, um fôsso abria: Encobriu-a de c a l .. . e sussurrando
E no lábio o sarcasmo zombeteiro Da noite à sombra uma canção descrida.
Na cantiga fatal estremecia! Erguendo na mão pálida a lanterna
Cantava e ria — e contração nervosa Foi da morte olvidar-se na taverna!
Agitava-lhe a bôca tremulosa.

VIII
X V I
Os monótonos sons da cantilena E ’ sombrio, confesso-vos, meu canto:
Corriam doces como essência pura: E obscuro demais, o que é defeito!
E ra o canto de amor — a voz serena. Mas é um sonho apenas que recanto, 984
Mas aí, junto ao lar da sepultura. Que em noite longa me gelou no leito —
Dessa bôca nervosa na ironia, Sonho de febre, insano pesadelo
D ’alma nos seios a canção doía! Que à fronte me deixou pálido sêlo!
I X XVII
E cantava — também o marinheiro Não teve o Dante mágoa mais profunda
Canta e sonha Albion se a vaga uiva: Quando na sombra ergueu o condenado, 985
Se lhe escuma no rosto sobranceiro De um crânio carcomido a bôca imunda
E molha em flocos a melena ruiva! E enxugou-a em cabelo ensangüentado:
Tam bém dos brancos seios que desbotam, E contou sua lívida vingança
Da virgem que morreu, violetas brotam ! Na mansão da eternal desesperança!

X X VIII
Era m oço: mas já envelhecido Nem mais estremeceu quando o passado
No avezado calcar na terra sôlta Do túmulo na sânie rev iv ia...
Do cadáver o ventre entumecido, Quando o velho rugindo sufocado
Sem pela fronte lívido e revolta De fome e raiva ainda se to r c ia ...
Sentir a fria mão do passamento Como quando as crianças se mordiam,
Fria, tocar-lhe o rosto macilento! E ardentes, moribundas, pão! pediam!

[3 1 4 ]
PO ESIA S

X IX XXVII
Quando contou as noites regeladas Que prantos! que suspiros sufocados!
E o ar da podridão... e a fome impura Se eu gostasse dos versos eloquentes,
Saciando nas carnes desnervadas Como eu descreveria bem rimados
De seus filh o s ... de sua criaturaI Do meu peito os anélitos frementes!
Como a pantera emagrecida come Porém nos seios eu sufoco tudo,
Os filhos mortos p’ra cevar a fome! Porque 988 (ja mágoa o serafim é mudo.

X X X X V III
Acordei ao tremer de calafrios Silêncio, coração que a dor inflama!
Com o peito de mágoas transbordando; Além do escárnio, sons! quero o meu leito
Enxuguei com a mão suores frios Das lágrimas banhar que a dor derrama!
Que sentia na face porejando! Quero chorar! quero chorar! meu peito!
E um dia o pesadelo que eu sentira Dizer adeus ao sonho que eu sentira,
Mesclou-se aos moles sons de minha lira. Sem profanar as ilusões na lira!
X X I XXIX
Mesclou-se como ao vinho um ditirambo, Eu não as profanei! guardo-as sentidas
Ao farfalhar de Pança 987 um velho adágio, Nas longas noites do cismar aéreo.
As alvas flores se mistura o jambo Guardo-as na esperança, nas doridas
E um ósculo de amor em um naufrágio. Horas que amor perfuma de mistério!
— Creio que vou dizer alguma a s n e ira ... — Sem remorso, nem dor, aos sonhos meus
Como o nome de Deus à bebedeira! Eu posso ainda murmurar — adeus!
XXII XXX
Escrevi o meu sonho. Nas estâncias Ah! que na lira se arrebente a corda
Há lágrimas e beijos e ironias, Quando profana mão os sons lhe acorda!
Como de noite muda nas fragrâncias E o pobre sonhador a fantasia, 989
Perde-se um ai de ignotas agonias! O sonho que ama e beija noite e dia
Tudo é assim —■ no sonho o pesadelo, Não saiba traduzir, quando transborda
— Em almas de Madona quanto gêlo! Seu peito dos alentos da harmonia!
X X III X XX I
E ’ assim o viver. Por noite bela Que não possa gemer a voz saudosa
Não durmas ao relento na janela Como o sôpro dos ventos avendiços,
Contemplando o luar e o mar dormente. Como a noite que exala-se amorosa!
Poderá apanhar-te de repente Como o gemer dos ramos dobradiços!
Fria constipação, febre amarela, Para exprimir os pensamentos meus
Ou alguma prosaica dor num dente! Nos cantos melancólicos do adeus!
XXIV X X X I I
Vai, co’a mão sôbre o peito macilento A d e u s !... é renunciar numa agonia
Curvado como um velho peregrino. A esperança que ainda nos palpita;
Vai, tu que sofres, implorar — sedento Sentir que os olhos cegam-se, que esfria
Um remédio de amor a teu d e stin o !... O coração na lágrima maldita!
Um doutor sanará o teu tormento Que inteiriçam as mãos, e a alma aflita
Com três chícaras d’óleo de ricino! Como Agar no deserto era 990 sombria!

XXV XXXIII
Eu vi, eu vi um tipo de Madona Sentir que tudo em nós se gela e chora,
Que os ares perfumava de beleza; E o coração de lágrimas se vela!
Que suave mulher! ah! não ressona E a natureza além revive agora,
Uma virgem de Deus com tal pureza! E a existência por viver, mais bela
Era um lago a d o rm ir... na flor sereno! Novas delícias, novo amor revela
Porém sua água azul tinha veneno! Do luzente porvir na roxa aurora!
XXVI X X X IV
E agora — boa noite! eu me despeço Sentir que se era p o e ta ... à brisa errante
Desta vez para sempre do poema: Bebendo eflúvios que ninguém respira.
Como soberbo sou, perdões não peço. Pressentindo à donzela palpitante
Mas como sou chorão, deixai que gema, Os enlevos, os ais, e o sonho amante
Que dê largas a est’alma entumecida Que nos brisa 991 no berço sussurrante,
Na dor de tão solene despedida! E o perfume que a música transpira!

[315J
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

X X X V X L I 11
Adeus! é uma gôta de mistério E vós, águas do mar, que me embalava
Que Deus nos orvalhou como sereno! Ao som dos remos da gentil falua!
E ’ a dor voluptuosa ■— o bafo aéreo Onde a fronte de escumas se banhava,
Que derrama perfumes e veneno! E à morta luz da vagabunda lua
E ’ a cisma que ro!a, que resvala, 993 Cismava como a nuvem que flutua
Que os pensamentos no desejo embala! Do escravo à nênia estranha que soava!

X X X V I X L I V

Saibo do céu que aviva na lembrança O h! minha terra! oh! tarde recendente
Que é um filho de Deus o moribundo Que embalsamando vens com teus cabelos
A quem se fana a tímida esperança! Derramados à luz! ó sol ardente
Que é dos anjos irmão e que é no fundo Como os lábios do am or! luares belos
Do Oceano do viver, que o vagabundo Como das flores de laranja o cheiro
A pérola do amor talvez alcança. Que perfumam da noiva o travesseiro!

X X X V I I X L V
E adeus, vós que eu amei, que inda sentidas
E ’ as crenças sentir uma per uma
As ilusões me acordam na tristeza!
Que se ad orm ecem ... e o batei da vida
Que inda choro nas minhas despedidas!
No Oceano escuro cobre-se d’escuma
Belas dos sonhos! anjos de beleza!
E se afunda no m a r ... e dolorida Morenas a quem banha a morbideza!
A alma do marinheiro empalecida
Como as rosas da noiva empalecidas!
Ao arrebol da morte se perfuma!
X L V I
X X X V I I I
A i! 994 todos vos sonhei! cândidos seios
Adeus! tudo que amei! o vento frio Onde amor pranteara delirante!
Sôbre as ondas revoltas me arrebata, Onde gemera em derretido enleio
Além a terra p e rd e -se ... o navio Como em seios de mãe sedento infante!
Trilha nos mares sôbre um chão de prata! Aguas místicas aonde estréias santas
Adeus! tudo que amei, que me retrata Deixaram trilhos das argênteas plantas!
Inda a saudade ao terno desvario!
X L V I I
X X X I X
Como o triste Alcion vagueia errante
Meu céu! minhas montanhas verdejantes! Nas frias primaveras do Oceano
Cetim azul da lânguida baía! E ama as alvas, a noite sussurrante.
Manhãs cheias de brisas sussurrantes, Tardes, ondas e sol e leviano
Noites cheias de estrelas e ardentia! Na leviana afeição embriaga insano
O h! noite de luar! oh! melodias A existência nos seios o inconstante:
Que nas folhas gemeis, ventos errantes!
XLVl I I
X L Eu todos vos amei! cri no mistério
Vales cheirosos onde a infância minha Que o libertino Don Juan levava,
Virgem peregrinou entre mil sonhos! Nas noites profanadas do adultério,
Noites, luas, estrelas da noitinha Quando a alma sedenta evaporava!
Que os lábios entreabristes-me risonhos, E a vida como um alaúde aéreo 995
E orvalháveis de morno sentimento A todos os alentos entregava!
A aberta flor do coração sedento!
XLIX
X L I T erra do am or! ó minha mãe! na vida
Sc o fado me levar em mágoa lenta —
Silêncio que eu amei, que eu procurava
Sempre nesta saudade esmorecida
Na varanda romântica e sombria.
Que de tristes lembranças se alimenta! —
Sorvendo dentro em mim ar que sentia
Na morte a minha fronte macilenta,
Na fresca viração que se acordava!
Inda a ti volverei qual flor à vida!
Suspirando a cismar nessa atonia
Que de amor minhas pálpebras banhava!

X LI I Viverei do que foi — dos sonhos meus! —


Da seiva 996 do passado hei de essa flor
Sôbre as colunas o luar batendo Regar das quentes lágrimas do amor!
E nas palmeiras úmidas tremendo E quando a luz apague-se nos céus
Filtrava-me sossego, e o mole engano E o frio coração à dor sucumba
Em que se abisma o pensamento insano, Inda murmurarei — adeus! — da tumba!
Que empalece da noite os sons bebendo
E harmonias escuta no Oceano!

[316]
C O N D E L OP O

O / Conde Lopo / Poema / (Inédito) / por / M. A. Alvares de Azevedo / Rio de Janeiro / Typ. G.
Leuzinger & Filhos Rua d’Ouvidor 31 / 1886 /

Les poètes sont ainsi. Leur plus beau poème est celui qu’ils n’ont pas écrit; ils emportent dans la bière plus de
poèmes qu’ils n’en laissent dans leur bibliothèque

— J ’emporterai mon poème avec moi.

— Et moi le mien — Qui n’en a fait un dans sa vie? Qui est assez heureux ou assez malheureux pour n’avoir
composé le sien dans sa tête ou dans son co e u r?...
TH. G A U TIER

PREFACIO.

0 fim da poesia é o belo.

Belo material, belo moral; do belo por assim dizer mimoso, até êsse belo arrebatador que se chama
sublime — desde o belo cálix da flor alvazinha a branquear ao bando de irerês marinhas deslizando gar­
rido na safira das águas — como a nuvenzinha irisada da tarde na limpidez do céu — até ao belo da
catarata mugidora a despenhar-se das quebradas negras da montanha, em lençóis d’água, e a bramir lá
em baixo no despenhadeiro com suas vagas de escuma — desde o belo da estátua de mármore da Vénus
Calipigia até ao belo do Júpiter Capitolino, desde a estrela até ao rugir do trovão, — sempre é o belo
— Pois o que é o sublime senão o grau mais ardente do b elo ?...

O fim da poesia é portanto o belo ou, se melhor se quiser, — a poesia é o belo. —

A missão do poeta é pois o apostolado da beleza, o dever de esfolhar coroas sobre tôdas as qua­
dras da vida, enfeitá-las, enfeitiçá-las; e aí desses jardins da natureza colher as flores perfumosas da capela
de sua lira, de sua harpa de trovador.

Como as aves do céu, como as flores da selva, como os clarões das noites, é sua missão dar cantos,
perfumes, fulgores — espalhar recendências, derramá-lo gôta a gôta êsse vaso de bálsamo que se chama
a alma — como a Madalena — para perfumar essa passagem na terra que se chama — a vida. —

Assim pois o mérito ou demérito de um poema é — ser ou não belo.

Pode-se perdoar ao Triboulet do Rei diverte-se — êsse sangrento epigrama de um poeta sublime,
aba de manto de veludo reluzente de pedrarias rôta pela mão do gênio, mostrando quanto de infame lá
embaixo se escondia — pode-se pois perdoar a Triboulet sua vida à frente da sua agonia, e ante aquela
cabeça de homem estalada nas pedras da calçada esquecer os remoques infames do truão — mas nem
por isso a peça deixa de ser imoral.

Qual é a imoralidade de uma peça?

Não é a apresentação de quadros contra a moral?

E constituirão alguma cena edificante, algum quadro digno das santíssimas paredes de uma Igreja
essas duas cenas do rei-sedutor com a donzela enganada — o estupro, uma, e a outra o sacrifício dela
por aquéle que ora dorme nos braços da barregã das ruas?

Não é êsse o lugar para sustentar teorias de moralidade. — O que dissemos do Rei diverte-se
diríamos de Marion Delorme 997 — citaríamos essa cena em que ela entra com as faces ainda ardentes
e avermelhadas dos beijos — no último ato, — o mesmo de Ruy Bias, o mesmo em geral do teatro e até

[317]
MANOEL ANTÔNIO Á Í.T A R ES DE AZEVEDO

dessa obra sublime do cantor das Orientais — Nossa Senhora de Paris — vasta e sombria concepção
como a catedral gótica avultando negra na escuridão da noite avermelhada pela luz dos fachos sacudi­
dos, __ no ataque dos Boêmios — idéia imensa, jó ia de facetas tão diversas, fresco giganteu da ima­
ginação de Miguel Angelo, — onde de um lado do quadro dança a ligeira e suave Zíngara com os cres­
pos soltos nos ombros morenos, batendo o seu adufe, e enlevado de tão bela feiticeira nos passos
leves, a vista do belo capitão, a mirá-la de cima do fogoso ginete com olhos acesos de volúpia — e lá de
cima da tôrre prêso, pelas mãos convulsas, à pedra das frestas, o monge lívido com os olhos cm fogo c
os dentes cerrados, imóvel e terrível como o jaguar do Oriente com os olhos na preia, — essa Nossa
Senhora de Paris, enfim, ora clara e bela como as vidraças multicores das ogivas rendadas, ora ligeira
como as colunas delgadas de mármore branco, ora sonora e ruidosa, alegre e bacante, ébria de orgias
como êsse monge entalhado no portal da catedral de M aiença; ora voluptuosa e lasciva como os beijos da
Cigana desatada nos braços de Febo na taverna das bordas do Sena — mas no meio dessas flores, desses
cantos de orgia, dêsse frêmito de beijos em lábios sôfregos — dêsse ansiar de colos apertados — lá surde
tôrva como uma djim na crença oriental — como uma serpente junto da mangueira onde descantam as
aves, como a fera de olhos de fogo junto da relva onde dorme a criança perdida, essa sublime e medo­
nha figura de monge, êsse homem cuja história, cuja crença, cuja esperança — era uma palavra A/VATA'//
— Cláudio F r o llo !...

Se há poeta francês a que votemos decidida afeição por suas obras, a quem rendamos dos fundos
d’alma culto como é de render-se ao gênio — é êsse mancebo louro, de olhos límpidos e azuis, sonhador
de pesadelos onde sorri satânico e infernal sempre na forma incarnada de gênio do mal — quer seja Han
d’Islândia o bebedor de sangue e água do mar, ou Habibrah o anão, ou Triboulet o bufão, em opo-
s:ção a essas cândidas criaturas de Esmeralda e Branca, Ethel e Maria Ncubourg. 999
Como eu dizia, pois, acho cá de mim para mim que o fim não torna moral uma obra da qual cada
capítulo seja imoral. — Assim acabasse Byron o seu Don Juan, êsse primor da palhêta multicor do B re ­
tão sarcástico e desesperançado, fazendo eremita com barbas a caírem-lhe longas sôbre o peito e as faces
ressequidas pelos jejuns, êsse tão invejado gozador da vida que não se poderia dar como nenhum mo-
dêlo de moral em ação sua Odisséia — brilhante, porém sumamente imoral. E ’ a razão por que 1000
não achamos a moralidade do nebuloso Faast do poeta Alemão, dêsse gênio sublime representante c
chefe da literatura nova — da escola romântica, como a chamam, tal qual se acha ela instituída — ape­
sar da apoteose da última p á g in a .. . .

Eis aí pois a primeira razão.

Quanto à segunda — foi porque não quis.

E que ladrem critiqueiros — Que importam êles?

Pobres mulheres estéreis que com olhos chamejando de inveja devoram as crias rosadas das outras
— Serpes rojadoras e impotentes a insultarem os vôos das águias que vão perder-se nas nuvens, que
importam êles? H á de a mulher esmagar seu filho entre os joelhos pelas invejas delas, há de a águia
desvairar-se do vôo só porque a víbora vomitou-lhe a bava do insulto? N ão! ei-la se pende com as asas
abertas, a rainha dos ares — que lhe importam sarcasmos do verme estúpido? R i dêles, e se baixa-se
a ouvi-lo é para esmagá-lo. A sátira de Byron e o fundo do painel do Caravaggio fizeram-lhes justiças
a essas audácias Ipucas.

Qual Homero que não tivesse o seu Zoilo?

Qual poeta grande ou pequeno que não tivesse um dêsses escrevedores de regras, L a H arpes asso­
biados nos teatros, pífios rimadores, como dizia Gilbert, tombés de chute cn chute au throne académique,
que lhes profanasse os sonhos?

E pois consolar-me-ei de ótima mente com as críticas. — Se os grandes as ouviram, porque quei­
xar-me? Não é dos jasmineiros chamar os reptis? Não é das doçuras chamar os insetos?

A missão do poeta como eu disse no começar êsse preambulo é o beto.

[318
o CONDE LOPO

Assim pois — o único juízo dc que damos ao leitor competência sôbre êsses versos soltos c
rimados que aí vão, é sôbre sua beleza ou não.
Se achá-los conforme com o fim da poesia — bom será — Senão.................
Poucas coisas há aí no mundo que olhadas de certo modo não tenham o seu qilê de poético: se
ainda aí há tanta flor solteira de poeta — é que êle ainda virá, o seu vate, para descantar-lhe as belezas.
A vós — clássicos como Horácio, Anacreonte e Ovídio, e a vós Românticos como Byron — per­
guntarei, das noites de gôzo monstruoso das lupercais, das orgias e turtólias da Grécia e de Roma, dêsses
cantos infames que marearam as liras dos três poetas da antiguidade que entre tantos aí cito, não por
falta, porque fôra-me fácil incluir nêles o casto Vergílio lOOl com sua Écloga de Aléxis, e Tibulo com
seus hinos ternos ao mancebo formoso de seus amôres, cândido como os fulgores da Latônia lua
— dêsses meus cantos seja-lhes cena o salão do banquete, com o seu refulgir de copos cheios de licores
e sua música de loucas alegrias e alegres amôres, sôbre chão cheiroso dc rosas, respirando o ar volú­
pias e lascívias — quais mais imorais, quais menos puros?
Não falarei de Byron. — Repito, não é essa uma obra de Moral, e para mim que quando leio é para
apreciar o belo da imaginação do poeta, Don Juan é um primor.
A razão por que 100^ comparei os Cantos do meu poema â devassidão dos poetas clássicos foi úni-
mente para lembrar que há uma diferença entre o imoral e o torpe.
O imoral pode ser belo — As visões nuas do juízo derradeiro de Miguel Ângelo — Antony,
Ângela, Teresa, quase todo o teatro enfim, quase tôdas as obras de Alexandre Dumas são imorais. —
Aquela alma de poeta quem negará contudo glórias e louros? quem poderá não achar belas essas pági­
nas do romancista-rei do século?
Jacques Rolla e Franz.
Eis aí pois — Antony é belo — mas algumas odes imorais de Horácio, não o são. — Se tem seu
quê debelo o Aléxis do cantor da Eneida, se os amôies dc Ovídio são tão cheios de beleza — às vêzes
outros quando essa alma depoeta desce à torpeza, como o cisne branco atolado no charco do pantanal,
nem há lê-los, êsses cantos prostituídos!
Do sublime ao ridículo há um passo, disse um grande pensador e um grande guerreiro — do imo­
ral ao torpe também vai um passo.
Dos cantos de Byron, ardentes como o tremor do enlévo no sorver dos beijos — vai um passo
talvez a êsses poemas infames, corrompidos e corruptores imputados ao grande sonetista de Portugal. —
Mas êsse passo é por sôbre um abismo.
O que ali era belo — aqui nada tem disso — foi um passo sòmente, mas foi uma queda da mon­
tanha esmeraldina e purpúrea de rosas ao paul do brejo. Foi um passo sim — mas um passo do sêrro
ao precipício de entulho e lôdo onde só habitam os vermes da podridão.

O belo manifesta-se por três diversos modos, por três fontes, o que faz dizer que há três espécies
de belo.
Outros mais ilustrados poderão achar defeituosa minha classificação — é contudo a que adoto em
falta de melhor. — Belo ideal, belo sentimental, e belo material.
Diga-se o que sc quiser — nem em Homero nem em Vergílio, '0^4 em uma palavra em nenhum
dos poetas antigos aparece a primeira classe que apresentamos.
Dizem os poetas idealistas que isso pende de duas causas — da filosofia e das tendências do clima
voluptuoso das terras do Sul.
Não é nosso empenho tratar disso.
Talvez o sol oriental chame os homens à realidade, e a bruma e as nuvens cinzentas dos luares
boreais levem-no ao idealismo. — Seja como quiserem.
A literatura Européia, humilde discipula dessa velha arrebicada de Horácio, dessa lira acostumada
a soltar suas notas amorosas no trepidar das saturnais de Roma a Sibarita, dessa lira que deixara as

[319]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEA^EDO

cntesadas cordas metálicas dos tempos épicos para nos soltos nervos, no acompanhamento das flautas lídias
e dos plectros cretenses, transpirar aromas de banquete, levaram-na em França as orgias da regência e do
reinado de Luís X V ao último aperfeiçoamento da imoralidade.
O blasfemo cantor da guerra dos deuses levou o materialismo poético até aonde Horácio — o
vate das orgias romanas regadas dos vinhos de Falerno e Massico — nem se atrevera a pensá-lo.
A culpa é da filosofia materialista do século!
A revolução Francesa levou consigo êsse cortejo de bacantes lânguidas e ébrias, com seus brindes
de gôzo e seus beijos de lábios de brasa — essa carrêta morna e voluptuária de Téspis a que sucedera
fria e sangrenta a carrêta dos Girondinos. Com a renascença da poesia em França houve então uma reação
total, de Zênite a Nadir, sôbre a poesia.
Em lugar da poesia dos olhares trêmulos de gosto, dos seios quentes, ansiosos, a se elevarem
em suspiros afogados, em lugar dos contornos das linhas ondeantes, do esmêro das cadeiras arredondadas e
das pernas cheias, macias e róseas como a flor de Vênus, dessas ninfas meio deitadas, os membros de
madrepérola, com a cabeça sôbre um braço arredondado e lácteo, e de cabelos soltos em chuva sôbre o
aveludado das costas nuas. Antílope ou Clítias nos requebros voluptuários do sono à sombra das florestas,
que o cinzel dos estatuários antigos, os lascivos pincéis de Zêuxis e Fídias, os versos dos poetas pagãos
traduziram a êsses homens novos, — veio a poesia nebulosa e Ossiânica, — em lugar das roupas roça-
gantes, das trêmulas sêdas Séricas, das transparentes escomilhas purpúreas de Cós, perfumadas de nardo
Assírio e dos incensos da Arábia escrava — vieram os longos véus brancos, as criaturas dos poetas se trans­
formaram em névoas, deixaram a terra com suas belezas ardentes para irem sonhar à lua, um anjo, uma
Sílfide em cada neblina alvacenta pousada nas ramagens das florestas — em lugar dêsses bosques falantes
povoados de Dríadas, onde cada gemido de brisa parecia um anelo de ninfa, onde cada sussurro das linfas do
rio era o chamado de uma bela criatura por algum H ilas formoso, vieram os ciprestes esguios e escuros, com
suas sombras alongadas, movendo-se com a lividez sepulcral das luzes da lua, e além, nas sombras, as for­
mas incertas das virgens chorosas dos bardos boreais.
Foi uma terrível reação. Os poetas modernos riam-se dos antigos por terem misturado a teogonia
pagã com a teologia cristã, culpavam o Homero português por essa mistura de Afrodite 1005 e a Virgem
Maria, Mercúrio e Jeo v á; e contudo acharam muito bonito misturarem-se os anjos do Livro das crenças
sagradas com as Sílfides, os Gnomos, Elfos, Gigantes e anãos, 1006 dos sonhos dos poetas rúnicos do Norte,
as tradições Bíblicas dos serafins com as superstições não menos pagãs que as romanas e gregas, dos
clãs de Morven e Erin, e dos caçadores de focas e ursos, 1007 dos gelos dessa Islândia de pescadores que
se estendera à Groenlândia, 1008 e da tríplice Escandinávia.
íamos-nos desviando das teses da nossa classificação. — Voltemos a elas. Vimos pois como apa­
receu a poesia do belo ideal, com suas visões vaporosas e nevoentas, com seus anjos de cabelos loiros des­
maiados e rostos ovais, com olhos azuis-lânguidos e uma lágrima sempre nas faces e um sorriso triste nos
lábios descorados — e seus silfos aéreos, 1009 seus Triblys vagabundos e galhofeiros, seus Gobelinos de
asas de borboleta, e seus duendes malignos vagando nos pauis para desviar e perder os viajantes.
A poesia do belo sentimental é para nós a mais bela: são êsses hinos que exalam-se do coração
como os perfumes da redoma quebrada de cristal onde se guarda o bálsamo, como o aroma das flores
abertas ao Sol — é o coração enternecido e embalado ao som dos cantos, desfeito em harmonias, aves
côr de neve voando em céu de sonhos.
Porém se somos tão apaixonados dêsse belo. se o achamos talvez o mais doce de todos três, con­
tudo não somos daqueles que deixam o belo material.
O que ha aí de mais poético do que uma mulher bela, com os cabelos soltos entrelaçados de flores
e pérolas, e dentre as roupas meio abertas o colo de chamalote branco a lhe ondear com reflexos de ce­
tim, com os lábios rosados entreabertos num sorriso, mostrando como grãos lOiO de uma romã verde os
dentes tão alvos, tão prateados que melhor os dissêreis pérolas?
E ante um dêsses olhares de úmido fulgor, de uma pupila lânguida de eflúvios de gôzo, ante um
dêsses volveres de enfeitiçado condão de uns olhos negros cheios de amor, prometendo amor, quem há ai
que não sinta a alma no peito estremecida, anelante, desmaiando de anseios, sequiosa de orvalhos de
beijos, e a correr-lhe nas veias o sangue com ardor mais suave, os olhos enfraquecidos de uma nuvem
de prazer, sem luz, sem côr, sem vida, embriagados de cnleio, — e os lábios imóveis, entreabertos, sem

[ 320 ]
o CONDE LOPO

hálito, — quem há que não a sinta a sua alma exânime, esvaecida, quase morta num suspiro, nessa morte,
na expressão de Bocage — “ de uns brancos olhos desmaiados, morte, morte de amor, melhor que a vida” ?
E há na terra sensação de belo mais forte, mais cheia de poesia que essa?

Porém como os perfumes das flores são mais belos quando misturados no ramilhete que traz no
colo voluptuoso a donairosa donzela no baile, como as cores são mais belas quando bem combinadas no
íris do céu, ou nesses matizes dos crepúsculos de outono e verão, e os sons são mais doces ao ouvido
quando reunidos na orquestra, combinados com arte e gôsto nessas peças de Bellini e Donizetti, assim
também mais se lhes realça o valor a êsses três gêneros de belo, quando se reúnem num objeto.
É êsse, ou pretende sê-lo ao menos, o fim da poesia romântica.
Talvez se notasse não ter eu nesses três gêneros de belo falado do belo-sublime, ter corrido das
cordas da prima do violão em diante parando no bordão. — Fi-lo de propósito.
Há dous gêneros de belo — Há o belo doce e meigo, o belo propriamente dito — e êsse outro
mais alto — o sublime.
A águia no seu ninho afagando as suas avezinhas, carregando-as nas antenas poderosas das asas,
beijando-as, aquentando-a ao peito — eis o belo da primeira divisão, o belo meigo e doce; — mas suba a
águia a perder-se nas imensidades do céu nubloso, entre o rugir sôlto dos ventos e o rouquejar precur­
sor 1011 da borrasca, ou lance-se ela de lá ao seu ninho atacado, vejam-na lutar com garras e bico, lutar
até morrer, vejam-na com as asas molhadas de sangue e a cabeça abatida, os olhos já vidrados cobrir
ainda suas crias, e morrer ainda amparando-as como um escudo — eis aí o sublime.
Agora quereis ver o sublime ideal, o sublime sentimental e o sublime material?
Abri as fôlhas do Livro Santo, nos Sálmos, nos Trenós, ou nas Profecias, ou nas Lamentações de
Jó sôbre o primeiro — vêde aí a imagem de Jeová, nesses sonhos tenebrosos e sombrios dos poetas da
Judéia, êsses velhos profetas de fronte altiva, e calvas coroadas de cãs prateadas, ouvi a voz troveja-
dora do Deus do Sinai, e depois dizei-me, sentistes já emoção mais forte vibrar-vos as fibras tôdas da
harpa de vossa alma abalar-vos com um choque tão poderoso como o da pilha Voltaica?
Eis o sublime ideal — mais belo mil vêzes, mais elevado e mais forte que tôdas essas visões do
bardo sublime das montanhas brumosas dos Highlands.
Quereis ver o sublime sentimental? Vinde comigo — dai-me a mão. — A noite vai tenebrosa, e
a ventania se levanta rija nas montanhas, o céu de espaço a espaço se entreabre alumiando com vislum­
bres de clarões ondeantes de incêndio a terra convulsada. — Vêdes aquêle monte de crista negra, escal-
vada e nua? À luz do relâmpago da tormenta não vistes ali a forma de um cadáver pregada a um ma­
deiro? Nos intervalos do trovão não ouvistes soluços que exalaram-se de ao pé? Ide lá, ide sorrindo
que eu não ousara lá ir, tanto é solene o sacrifício que lá se consuma. — Ide e perguntai a essas mulhe­
res por que 1013 choram, por que gemem, por que lhes estala o peito em soluços no ansiar atropelado
do coração......... Ide, ainda é tempo e cada som quebrado da garganta do agonizante da cruz, cada con-
vulsar de uma angústia intensa dessas pobres mulheres que abraçam o madeiro repassado de sangue e
lágrimas, dir-vos-á mais do que eu vos pudera dizer.

Eis aí o sublime sentimental.

Cada suspiro de uma daquelas formas brancas c desgrenhadas, cada voz soluçada por aquela trin­
dade santa de mártires dir-vos-á o que palavras não sabem ressumbrar.

E o sublime material, — dizei, nunca o sentistes no estalar das florestas sob o pêso gigante do bul-
cão, no nutar das vagas hirtas e verde-negras que o braço da tormenta eleva e atira em lençóis de ferve-
doura escuma, no cheiro abafador e sulfúreo dos ares cortados pelo raio? Dizei, nunca assististes a um
desses dramas da natureza em que o vento infrene luta com o mar que esbraveia, e o mar parece querer
invadir nuvens e terras, que o raio afogueia? Essa cena tremebunda do dia final, tão sublime sempre,
apesar de tão vista, tão abaladora ainda no descrever dos cantos soltos dos poetas, quando não há um
so que com a lembrança dela não estremecesse as cordas de ferro de sua harpa?

l 321 ]
MANOEIy ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

FRONTISPÍCIO Mas se à terra saudades não deixara


Não levou-as também — do peito o orgulho
Qui peut dire les rêves du puête avant qu’il se soit Que ninguém quis amar, ninguém amou.
refroidi à nous les raconter? — Foi-lhe quimera o amor, não mais lembrou-o.
G. SAND.
Tentou-o ao menos. — E que importa um morto? -
Doido é quem geme em lagrimar estéril —
Quando o luto findou e alegre o baile
O POEMA DE DM LOUCO Corre entre flores no valsar, quem lembra
O defunto que é podre no ja z ig o ?...
There is something which I dread — Morrera-lhe o sonhar — porque chorá-lo?
It is a dark, a fearful thing.

E morreu sem amor! E êle contudo


Tinha no peito tanto amor e vida!
That thought comes o’er me in the hour
Of grief, of sickness, of sadness Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!
’Tis not the dread of death! ’tis more E anelante do amor do peito — em outro
It is the dread of madness. Em horas ternas efundir em beijos!
L U C R flT IA DAVIDSON.
E às vêzes quando a fronte pela febre
I Pesada e quente sôbre as mãos firmava,
Quando êsse delirar febril da insônia
Foi poeta: cantou, o estro eni fogo Em vertigens travava de sua alma,
Crestou-lhe o peito, devorou seus dias Um negro pensamento lhe passava
E a febre ardente desbotou-lhe a fronte Como um fuzil no cérebro fervente.
Em dores sós, cm delirar insano. E pensava dos loucos no delírio,
Na escura treva da vertigem tonta;
Foi poeta: cantou, sonhou: a vida Temia — a morte não — mas — a loucura.
Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória
Cora asas brancas viu sorrindo em vòos. Oh! livra-se o Senhor que após das mágoas
Foi-lhe vida sonhar: e ardentes sonhos Que o seio lhe hão crestado em agonias
A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram Da doudice viesse a névoa escura
Mágico da existência o firmamento. Mergulhar-lhe o espírito! —
Antes, antes
Cantou, sonhou — amou: cantos c sonhos Da agonia mortal o torpor gélido!
Em amor converteu-os. De joelhos Antes a morte fria — o cemitério
Em fundo enlevo êle esperou baixasse Êrmo e isolado, com seu chão de lousas.
Alguma luz do céu, que amor dissesse lOlt — Antes o sono do úmido ja z ig o ...

Meu Deus! e após de tanto sofrimento.


Anjo ou mulher! embora que êle a amara De tantas baldas lágrimas vertidas,
C o lOlS fogo queimador que o consumia De tanto fcl bebido em taça amarga.
Com o amor de poeta que o matava! De plebe estulta no hospital ser inda
Anjo ou mulher — embora! e em longas preces Triste ludibrio de insolente escárnio!
Noite e dia o esperou — Mísero! embalde.
Foi poeta — cantou — sonhou. — Mas hoje
Sonhou — amou — cantou: em loucos versos Era-lhe morta a inspiração no peito.
Evaporou a vida absorta em sonhos — Fugira a poesia, a insônia sua
E debalde! ninguém chorou-lhe os prantos Seca das lágrimas a esponja nêle. —
Que sôbre as mortas ilusões já findas
Pálido derramara —
Amou! E um peito I í
Junto ao seu não ouviu bater consoante O poeta enlouqueceu — A alma sublime
C’os aniôres do seu! Ninguém amou-o Perdera o siso — Como uma águia cm trevas
E nem as mágoas lhe afogou num beijo! — — Tropeçava e caía — Pobre moço!
Foi-lhe palácio o hospital, a êsse
E morreu sem amor — Bateu-lhe embalde Cuja fronte era um trono à poesia!
O pobre coração cm loucas ânsias.
Passou ignoto, solitário e triste I I I
Entre os anjos do amor, só viu-lhes risos
Em braços doutros — e invejosa mágoa Ei-lo nas palhas do seu duro leito,
Essa alheia ventura só lhe trouxe. Lívido e frio co’um sorriso idiota
Nunca a mão dêle de uma fronte branca A arregaçar-lhe o ressequido lábio,
A alva coroa fêz cair da virgem — Desvairado o olhar — de olheiras roxas —
Jovem, solteiro, sem consórcio d’alma Com empanada luz no fundo escuro,
Entre as rosas da vida — mas nenhuma E entre o sorrir dos lábios lhe parava
Nem deu-lhe um riso — nem do moço pálido Nas sêcas faces derradeira lágrima.
No imo d’alma guardou uma saudade! Hirsutas as melenas, negras, ásperas

[ 322 ]
o CONDE LOPO

Caíam-lhe na fronte. — O movimento Substituí versos meus a linhas dêle


Abrira-lhe a camisa. Ao magro peito Que eu não soubera traduzir. — Contudo,
Os ossos se contavam a mostrarem Por querê-lo não fiz — e a muitas outras
Dos cáusticos ainda as queimaduras. Embora achasse mal torneado o verso
E sôlto o estilo em liberdade extrema,
Não quis levar-lhes minha mão profana
Velava um guarda junto dêle como Dos sonhos dêle às expressões selvagens
De brava fera na gaiola aos pulos De inspiração febril. Pus-lhe igual título —
A rugir, movimentos se vigiam. Do Conde Lopo o nome: o herói do canto
O confessava o trovador anônimo.
IV
VIII
Extenuado das lutas arquejava
Êsse fantasma de homem sôbre o leito. Não maldigam o fcl dos cantos dêle!
Súbito estremeceu, ficou mais alvo, 1016 Foi um Tasso sem risos de Leonora!
Inteiriçado se estendeu convulso. E pois descreu — e pois maldisse tudo
Mas breve foi-lhe a convulsão; quebrado No catre do hospital, na luz escassa —
Um aflito soluço na garganta A vida e os sonhos e esperanças belas!
Lhe rouquejou — o derradeiro — e o frio
Da noite extrema endureceu-lhe os membros. Co’a negra dor simpatizei do louco,
Com seu cantar de coração dorido,
E amei-lhe essa altivez d’alma quebrada
Que lhe ressumbra no poetar amargo.
Veio depois da caridosa casa
Algum homem talvez — Pô-lo nos ombros
E em mal cavada cova donde os ossos. PRIMEIRA PÁGINA
Desenterrados do primeiro dono
Dêsse leito de lôdo o chão juncavam. Mes vers sont les tombeaux tout brodés de sculptures.
Atiraram-lhe o corpo brutalmente, Ils cachent un cadavre, et sous leurs fioritures.
Das cavernas do peito lhe estalando Ils pleurent bien souvent en paraissant chauter.
Os calcinados ossos — uns punhados THÉOPH. GA UTIER.
De terra apodrecida — obra mui pia.
Lar de misericórdia certo é êsse I
Onde tal se pratica. — A eterna bênção
De inteiras gerações no andar dos séculos Do campo santo onde o letargo dormem
Desça sôbre êsses benfazejos te to s !... Fundo e sem fim os que viventes foram.
No silêncio das sombras — estendida
Jaz muito lousa enegrecida e úmida.
V I Por cujas fisgas escorrega o musgo
E a cicuta das ruínas.
Por sôbre as palhas do colchão do louco
Achou-se um livro. — Mal escritas letras. I I
Ninguém soube entender — Então eu vi-o.
Levado apenas de curioso instinto O peregrino vagador dos ermos.
Livrei-o à destruição. — Chegando à casa Entre essas tôdas nunca viste, mudo.
Abri-o e pus-me a decrifrar-lhe o escrito. Sem letra em cima, sem sequer madeiro
De simples cruz que te dissesse o dia
Em que a morte levou êsse que i dorme.
Coberta do ervaçal tôsco lajedo?
Era um grosso caderno. As toscas linhas
Eram versos. — Nem título escrevera I I I
Na frente ao livro seu cantor ignoto. — Repousa aqui muita ilusão desfeita,
Nem seu nome sequer! — Muita leitura Muita áurea nuvem arrarada em chuva
Mostravam nódoas que imprimiram nêle E muita flor pulverizada em cinza.
As mãos sujas do louco. — A letra às vê/.cs Como outros d’homens são — de sonhos d’alma
Embranquecida descoraram gôtas De lembranças da vida, é êste um túmulo.
De copiosas lágrimas. O morto
Talvez gravasse aí idéias caras
I V
Do passado da vida! Fôsse embora
Qual a razão — as lágrimas caídas E como a laje que a indiscretas vistas
Nas fôllias do papel vi-as no livro. Guarda o segrêdo seu em treva espêssa,
Que não há vê-lo — Como as pedras negras
V I I Onde calou seu erguedor um nome
P ’ra que o mistério seu não venham lê-lo
I’oi-me insana tarefa o decifrá-las Na página de pedra do sepulcro,
As mal escritas linhas. — Parecia Quando na solidão das horas mortas
Que se esmerara por fazer difícil Virem-no erguer-se dêsse chão ervoso
bua leitura o autor. — Algumas vêzes Com olhos cegos do inundar das lágrimas;

r 323
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

Assim meu livro deixá-lo-ei sem firma. Amemos! que na terra a vida é o gôzo!
Leiam-no embora curiosas vistas Ternuras n’alma, embriaguez nos lábios
Que estudam o sofrer com almas frias! Sorria o coração! que importa o escárnio
Vejam a autópsia d’agonia funda Da voz fria dos sábios?
Que o peito me lavrou. — Enquanto ao nome
Do padecente, para que sabê-lo?
Gema no campo em, que apodrecem mortos.
Da treva o sonhador, falando aos ventos
V Durma co’a face em lágrimas na terra
Que nem lhe ouve os lamentos.
E só eu poderei nas érmas horas
.Volhar-lhe em pranto as páginas — bem como
Ao cadáver que rói a cal no fôsso Que eu a vida amarei, hei de cantar-lhe
O único sabedor da história dêle. Entre os beijos de lânguida donzela,
Na fronte rosas, com a taça em punho
Doces mistérios dela.

O fresco do luar vertigens varre,


Idéias de suicídio em negra mente.
Vem pois comigo — sonharemos juntos
D. Cantando alegremente.

O. A.

11
PRIMEIRA PARTE A George S and

1
CANTOS I e II Lélia ou Consuelo? Espírito de Byron
Eat, drink and love: what can the rest avail us? Em formas belas de mulher ardente.
BYRON . Don Juan. Alma de brasa a estremecer contornos
De voluptuosos, arquejantes seios,
Voz de mágico cisne em róseos lábios
OUVERTURA Que vivos acendeu da orgia a febre.
Gênio sublime d’ideais romances
Sê bem-vinda minha amada, Cheios de sangue e de blasfêmia acerba,
Tôda em perfumes banhada,
Tòda alegria e frescor; Como essa tela do pintor flamengo
Quero cingir-te em abraço, De sombrios painéis — Rembrandt o pálido
E depois no teu regaço — Onde no claro escuro em ar trevoso
Adormeça o Trovador.
JOAO DE LEM O S. Aurea réstia de luz descai na fronte
De cândida visão.
Mulher sublime
OUVERTURA De poemas infernais, d’alma descrida
Em corpo etéreo — Jorge Sand, na terra
(S infonia) Que peito d’homem que te lesse os cantos
E alma de poeta que entender pudesse
Tremem as folhas no correr da aragem
Do teu sonhar as harmonias — negras
Com seus perfumes enlevando mágoas,
Como no escuro temporal o vento
E à noite bela sonharei cantando
A ulular nos pinheirais quebrados,
Como o cisne das águas.
Nas ribas negras onde o mar rebenta
Num grito de agonias, oh! e que alma
Cala-te, louco bardo! é doce a vida! Que não sonhasse-te, em ardentes sonhos.
— E em que delírios d’alma imaginaras Sequer sentir o ardor dêsses teus lábios,
Um céu mais límpido, um luar mais puro?. Dos olhos teus de cintilar soberbo.
Poeta, onde os sonharas? De viva inspiração e anelos ígneos,
E teu seio a ansiar com ondas turvas
No além do alto mar, por sob o dêle,
Que visão bela de enevoadas formas.
Mulher! qual dêsses pálidos mancebos
De romântica face entristecida
D ’almas de lavas que o condão do gênio 1019
Que valha o riso que perfuma os lábios
Do meu anjo da vida? Trazem escrito na descor sombria
Da fronte erguida — corações que enleva
O talismã de arrebatada idéia —
De loucos sonhos que ternuras ébrias Que de joelhos no fervor do anelo
Que valham-lhe o tremor do níveo seio Co’os olhos cegos do orvalhar das lágrimas
E o amortecido olhar, úmido, lânguido Os lábios trêmulos e a voz cortada
De feiticeiro enleio? Não te sonhasse amores?

[ 324]
0 CONDE LOPO

Que rosas abertas em fresca manhã


Molhadas da noite, de face lasciva —
Fada ou mulher, anjo ou demônio, és bela! Que valham-te o nácar de ninfa louçã
Que eu daqui te sonhei huri do Oriente Que a bôca te aviva?
De langue olhar e abrasadores lábios
E seio abalador de enlace ardente! E quando na terra soa Ave Maria,
Que estréia nascendo do céu no azular,
E pois que a sina me vedou venturas Que nuvem morrendo na vaga sombria
No peito viverei co’a imagem dela! Que valha-te o olhar?
D’irresistível talismã és deusa.
Fada ou mulher, anjo ou demônio, és belat De Tasso ou de Dante que glória, que loiros,
Que amores, que sonhos de alhearem o siso.
De uns seios de neve que argênteos tesoiros
Que valham-te um riso?
Tem sons que abalam trêmulas as fibras
Tôdas do hiante coração, tua harpa. Que sílfides, que anjos fingidos nos sonhos
Tens olhares que vibram como raios De uma alma de poeta num férvido ansejo
Clareando a escuridão, — p’lo peito a dentro Que valham-te um beijo?
Êsses teus olhos de divino fogo —
O correr da torrente em brancas ondas
De fervedoura espuma, tens no colo
Quando nas horas do prazer se agita
E em suspiros desfeitos morre e mata!
Vem, pois, minha sultana! a noite é bela!
Corre a lua no céu entre perfumes,
Tudo fala de amôres, o ar, as sombras
Vem! Rainha da noite, eu quero amar-te
Das fôlhas ao luar, e o azul das águas.
Co’os rubros lábios úmidos de vinho!
Trêmula em vida quero-te mais longe Amemo-nos portanto — a noite é bela!
Êsse olhar que inebria, Mais bela a tornem nossos longos beijos —
E que não rende essa embriaguez dos risos Vem pois — formosa, que o Sultão escravo
Ao som de cantos o passar de um beijo — Pede-te ansioso um’hora de volúpia.
Nos lábios fogo, o coração sedento
No sussurrar da Orgia?

Co’a face bela no meu quente seio


Que fazes, muda assim? dormes. Sultana?
E pois que o meu desejo é na loucura — Fraqueou-te o vinho, de cansada — a mente
Vem, ó pálida bela, 10 2 0 E dormes da embriaguez imensa idéia
Quero-te os beijos de mais alma e fogo., Dos têrmos do viver?
E hei de amar-te por ela. . . O h! como és bela!
Dormida assim com entreabertos lábios,
I I I Como rubins de uma romã partida
Pelo estalar da madurez — purpúreos.
1 Chamando beijos no sonhar da vida?

Vem, ó Valquíria, vem co’as faces róseas


Da febre do prazer! transborde a taça
Os líquidos rubins de doces vinhos I
Bebe, primeiro! pousa os lisos lábios Dorme, ó anjo de amor, teu quêdo sono
Nas bordas do cristal! Fiquem mais doces Pelo ansiar de meu peito acalentada;
Co’aroma de teu hálito de fada — Maus sonhos não virão pousar-te n’alma
O Siciliano primoroso néctar. — Em dor de coração! Tépida a aragem
Dá-mo agora — beberei-te um brinde! Fagueira corre nas abertas flores.
Onde minha guitarra? dêem-ma, eu quero
Um raio de luar por entre os vidros,
Um cântico dizer, ébrio de amôres!
Da janela coado vem pousar-te
Sôbre a fronte nevada — dorme! e entanto
Nesses teus lábios que um sorrir descerra
Como rosa à manhã, purpúreos, breves,
Pousa-me a neve de teu braço em tôrno Eu sonharei uns visos de ventura,
Do colo meu, no meu olhar se fixem E cá dentro do peito a dor da vida
Lânguidos, mui lânguidos, bem cheios Também me dormirá! dorme, meu anjo!
De feiticeiro enlouquecer teus olhos!
Hei de afagar-te o sono, hei de dourá-lo
Como hinos mui sentidos, muito d’alma.

[ 325 ]
MAÎ^OEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO

Dorme, ó anjo de amor, teu quedo sono I I I


Aqui no peito meu! dorme que eu velo!
Cerrem-se tuas pálpebras de jaspe! Úmido olhar de enlanguescidos olhos
Eni mole ressonar arfe-te o colo! Furtiva lágrima enevada dentre
Que os suspiros que exalam-se-te nos lábios O véu dos cílios que o pudor abaixa.
Êsse dos seios teus tremor suave Intenso beijo ao frêmito dos lábios
Sonhe meu coração, e uma lágrima E um seio que palpita e em ais se afoga
De gôzo role-me do ardido cérebro Sob peito ardente — eis a única ventura
Que a dor na solidão me tem crestado! Real e santa —
Além a brisa as casuarinas 1 0 2 1 frenie, E o que mais na terra, 10 2 6
Gemedoras suspiram as ramagens O que mais de ilusões, que como a névoa
Num lânguido soar — a lua frouxa Do desengano o sol esvai e apaga.
A face te clareia — tudo dorme, Mentidos risos que perfumam alma.
I'udo é silêncio em tôrno! só eu velo, 1*^22 Em sonhos ébrios que o acordar esmaga
Só eu — junto de ti. — Dorme, dorme, E do fel rega de um chorar que queima,
Que vela-te o cantor a hora dos sonhos! Que mais da vida ao coração sofrido
De saudade de fel merece lágrimas?

CANTO I I
VIDA DA NOITE E ra um quarto suntuoso; o chão rojavam
Lúcidas telas de aveludadas sêdas
Do Pérsico tapête. — Luz o mármore
And none did love him. No lavor dos portais ■
— quando engrinaldam
Cbilde Harold. Com cheirosos festões de novas flores.
O aberto reposteiro deixa a vista
Pela varanda a lua desvairar-se
CANTO 1 T é que perde-se além entre os matizes
De viçosos jardins. —■
I E ’ noite, é bela,
E as pilastras branqueia a brisa fria.
S0 NÊT0 P ’ios bordados reflexos do damasco
E das grinaldas ao olor influem-se
Um beijo ainda! os lábios teus, donzela,
O do ar cheiroso do luar tardio.
Nos meus se pousem — junto de teu seio
Que treme-te e palpita em doce enleio
Beba eu o amor que teu olhar revela. —
I I
Vem ainda uma vez! és pura e bela.
Em rico leito, no veludo negro
Arfa-te o seio, amor n’ollios te le io ...
Que importa o mais? vem, 1023 anjo, sem receio! Embuçado do manto palideja
De uma sinistra morbidez eivada
Um beijo em tua face! ind’outro nela!
A fronte alta do Conde, os olhos negros
.\perta-me ao teu colo — assim — um beijo Que das olheiras no azular se afundam
Dêsses em que ao céu um’alma se transporta!... Sinalam noite perpassada em gozos.
— “E o m undo?... Tem a fronte na mão e mudo pensa.
— “Um louco. Sentada às bordas do macio leito
— “E o crime? Uma bela mulher —
— “Só te vejo. Inda lhe luta
Das faces na descor desfeita rosa;
— “Mas quando a vida em nós gelou-se morta Sorri suave. — Em ondas os cabelos
— “E o inferno?... Correm-lhe negros nos nevados ombro.s
— “Contigo eu o desejo. E no colo de jaspe — a mão mimosa
— “E Deus? Pousa na do mancebo — e os olhos nêle.
— “Meu Deus és tu. 1024 Dissêreis uma estátua, imóvel, bela
— “E o céu? Como da Grécia as pétreas criaturas;
— “ Que importai Nunca uma Vênus de adestrado scopro
Saiu tão alva assim — oh! nunca um talhe
I I Em transparentes roupas mal velado,
Quero-te um beijo mais! que num só beijo Nunca tão lisas desvestidas formas
Exala-se uma vida em uns risonhos Tiveram vida assim — e a mente ardida
Cismar gozos — e o lábio teu me abrasa, 1025 Do moço Rafael a Fornarina
Me prende e mata o coração em sonhos! Com tal vida de côres nunca pôde
Dentre seus sonhos desenhar na tela,
Deixa que a fronte eu pouse-te no seio! E ao mundo revelar imos segredos
— E ’ mole o sono em tão suave leito Do seu vivo ideal.
E alma esquecida do sofrer, se embebe O h! que se a visse
E dorme em paz sem leve dor no peito! Dir-te-ia o coração — vê-la é amá-la!

[ 326 ]
0 CONDE LOPO

I I I Não! que viram


Os penhascos do mar quando a desoras
E nunca ouviste, por aí, na vida. Por escuro luar vagava — o crino
Falar de umas mulheres que a flor d’alma Do silêncio das noites isentando, —
Prostituem por ouro? nunca o peito O pálido estrangeiro as faces cheias
Abalou-te um rugir ouvindo os cantos De queimadoras lá g rim a s... e o peito
De tanta perdição? — Quase em soluços a estalar co’a destra
Mas talvez viste Comprimir arqu ejando...
Um dia à porta — ao bruxulear da tarde E pois que digam
C os seios descobertos vir sentar-se O que quiserem. — Mau ou bom o chamem,
Cum forçado sorrir nos secos lábios Espírito perdido — arrebatado
Do abjecto lupanar à porta infame Pela imaginação como o Profeta
Desgrenhada mulher. No carro chamejante — ou mesmo chamem
E então o nojo Alma louca v arrid a... isso que importa?
Quiçá do peito teu apoderou-se-----
Pois essas vis que a perdição enloda
Em charco apodrecido — e a êsse nome
De vendida mulher — de prostituta
Ligaste o nojo e o desprezo — apenas. E ra êle rico pois — nascera nobre
Mas como poucos nascem, nobre n’alma
Porém se a meretriz visses tu bela E por velhos brasões d’encoscorados
Como os anjos de Deus e à luz das noites Pergaminhos que os tempos apagaram.
Em estrelado céu, rósea sorrindo Porque a pátria deixou, mudando o nome, '029
Qual cravo entre rubins vazando orvalho — Ninguém soube dizer-mo. — A côr dos olhos
A não amá-la e o coração inteiro E dos negros cabelos anelados,
Não vazares-lho aos pés como áureo vaso A doçura da voz, ríspida às vêzes,
De essência preciosa — ao menos n’alma, — Poucas é certo — c o nariz delgado
Não doera-te uma fibra, e compassiva E de talhe aquilino — o abrir dos lábios
Não te caíra aos lábios uma lágrima — Mil outras cousas que ninguém define.
Num soluçar quebrado? Dizem-no filho de um ardente clima, '030
Quiçá do sol d’Espanha; — bem irmanam
Suas feições co’as das valentes raças
IV Dos cavalheiros Árabes fundidas
No sangue Visigodo. — Mas de certo
Era pois a mulher uma perdida, 1027 Eu nada afirmarei — e pois ignoto
O mancebo um poeta — alma quebrada Do meu poema o nobre herói desenho.
Em fráguas do sonhar — que fôra às noites
De gôzo queimador pedir repouso
Para a fronte febril. Amara as orgias VI
Pois das taças à luz, ao som de cantos
Como as amava o grande-rei de Byron Ergueu-se a linda, a lânguida mulher,
(O mestre do viver — Sardanapalo — ) Uma e uma vibrou as cordas áureas
Entre flores e beijos e perfumes Da harpa melodiosa, e co’a mão breve
— Três cousas em que cifra-se a ventura As madeixas lançou por sôbre as costas
Que não de louco sonhador — na terra — Que mais alvas ficaram p’lo negrume
Dormia às vêzes embalado e quêdo Das reluzentes, copiosas ondas. —
No peito seu o recordar dos sonhos —
Na mente a dúvida e o fel nos lábios. Cantou; — da noite adormecidos ecos
Da viração nas asas ressoaram
Chamaram-no talvez pródigo e louco O harmônico languor dos lábios dela.
De orgias vivedor — e perdulário —
Virtuosos do mundo. . . V II
Êle era rico —
Nas abertas gavetas às mãos cheias E ra um cantar de delirante gôzo —
Tirava o ouro. — Em deleites uma alma a transbordar-se
Amigos — não os tinha P ’ias sôltas cordas d’harpa estremecida
Como o Childe de Byron — mas ainda Num único trem or; eram delícias
Desgosto amargo do viver — tão fundo De mavioso trovar, às vêzes, lânguido —
Não lhe roera o coração — ainda, E ra um som feiticeiro que prendia,
Embora êle o calasse, adormecidas E ra de gôzo embevecida, cheia
Eram-lhe n’alma, apenas, essas fibras A vida a palpitar, alma a partir-se
Que estremecem de amor. — Numa harmonia, numa voz fugindo.
Se o fel do escárnio
Os desvairados lábios lhe secava, Porém às vêzes férvidas vibravam
Se a ironia passava-lhe contínua Sob os dedos de neve as duras cordas,
Nas frias expressões — não é que gêlo E indômito rugir corria livre
Jazesse nêle o coração — nem que êle Como a brisa do mar nas crêspas vagas -
Fôsse como Timon de Atenas — êsse Ou noroeste que balança as árvores
Misantropo dos bosques — Em fantástica dança, e voa envolto

[ 327 J
MANOEL ANTÔNIO ALVAJIE8 DE A2EVEDO

Em seu manto de pó zunindo bravo, “Muito pranto chorei e cada gôta


Varrendo da floresta as verdes folhas 1032 Ao tombar-me no seio endureceu-mo!
Muito soluço de agonia insone
Espedaçou-me o peito! — E longa vida.
Pendeu a face — suspirou •— calou-lhe Em breve espaço me correu! — bem longa!
No descerrado lábio a voz aérea — 1033 E se os cabelos não branquearam todos
E a fronte envolta nos cabelos negros No ardor febril da fronte — aqui no peito
Pousou na trave de sua harpa muda. Gelou de velho o coração já rôto.

VIII
“ Não chores — bem o vês — não posso amar-te!
Disse-lhe o moço entre um sorrir:
“ Que cisma
Minha bela? O soido então gelou-te 1034 “ E andei por êsse mundo a sós co’a mágoa
Das cordas no pulsar? que idéia veio A doer-me nos seios como um cancro.
Tua mente enlevar, roubar, levá-la D escri; — pálido riso desmaiado
No seu vôo sem fim junto com ela, Franziu-me os lábios que estalara a febre.
— Como a nuvem no Céu, que enlaça e prende
Uma outra — e voa, aos desabridos ventos “ Ninguém quisera amar-me — e endurecida
Abrindo as largas asas no horizonte? 103S A alma se me cerrou da vida aos sonhos.

“ E aí na vida quantas, quantas vêzes


“ Choras! Longa uma lágrima te corre Eu não vi esvaecer-se descorada
No carmesim das f a c e s ... Porque choras? Em meus beijos de fogo a imagem rápida
Lembrou-te acaso o descantar do gôzo Dos meus sonhos do céu — e após ao sonho
Algum primeiro — quase findo sonho A visão doce suceder gelada
De sacrossanto viso? T riste realidade? — que em meus braços
O anjo tornava-se mulher — e apenas
A minha Deusa — esvaecida nuvem.

“ Porque olhas-me assim? porque te oscila


No veludo dos olhos uma lágrima? “ Descri — como eu te disse — e quando veio
Uma alma virgem p’ra vazar na minha
Seus tesouros de amor e de carícias.
Irm ã de meu sentir — desconheci-a.
"Porque olhas-me assim? Gemes, suspiras? Matei-lhe a flor do sonho — e ri-me dela.
Sonhaste acaso meu am or?”
— “ Sonhei-o
“ E sonho foi do coração”. “ E quantas flores desmaiadas, frias,
— “ Esquece-o Não caíram-me aos pés, sem côr, nem vida!
Que foi mentido sonho, idéia louca Como rosa que o vento desflorara!
Que negra te pousou na flor dos seios. Quanta alma bela no íntimo do seio
Anelante e ardente como o estio
Não gelou meu sorrir? Eu ri-me delas
Com escárnio de fel — e tristes, pálidas
Morreram como pombas — como flores
“ Ouve — corri a vida em longas dores. Que um louco esperdiçou. — E não chorei-as
A desoras vaguei nos mares negros Nem choro-as hoje que melhor lhes fôra
Da noite à escuridão abrindo as velas O amor dos s e ra fin s ... pois eram santas!
Do rápido batei — fitei sòzinho “ E pois tu vês, mulher, não posso am ar-te!
Da proa solitária o céu e os mares O sentimento cândido não posso
E os rochedos de além — nem alga ou lenho, Dar-to, bela — mirrou-mo aqui no peito
Nem afastada luz, nem vulto branco O gélido sarcasmo e o fel do escárnio".
Nas rochas e no mar — nem um luzido
De desmaiada estrela em céus de tinta!
Tudo deserto — terra e céu — sombrios Toniou-a pela mão — junto com ela
Como o meu coração, mudez e trevas. Caminhou por salões iluminados.
Tapetados de flores. — T ra ja roupas
De arroxeado 1036 veludo — e quando o manto
No movimento se Ih’entreabre, ao peito
Sob a cambraia da camisa leve
“ Não amou-me ninguém! deixaram que No livre respirar, se lêem anseios.
Mirrasse uma existência em sonhos gasta!
Não amou-me ninguém! nem veio quem Rum or confuso nos salões ressoa
As minhas mágoas soluçasse — B astai Em brindes de festim, em gargalhadas
De gargantas de neve e frescos lábios.

[ 328 ]
o CO NDE LO PO

Do reposteiro de damasco afasta,


O lavrado matiz de rósea sêda Sòmente às vêzes sôbre a fria lousa
A mão alva do Conde. — Êle e a moça Ruidosa passe a delirante orgia!
Entraram ambos com geral aplauso Se mortos sentem — o rumor dos brindes,
Dos corados convivas. Dos beijos o estalar, louca alegria
Hão de me ao peito despertar lembranças
De vida gasta em risos de m u lh e r!...
E aí que mais que valha uma saudade,
Um suspiro sequer?”
Soam brindes,
Reboam nas abóbadas das salas, E alegra-se o festim na vozeria
Mil saúdes ao Conde e à bela dama. Da infrene bacanal. Alaga os peitos
Estremecida embriaguez suave —
Coberta a fronte de cheirosa c’roa E ’ mais lânguido o olhar quando licores
Dc madressilvas e jasmins tecida, A idéia enleiam da mulher formosa.
Com a taça na mão e olhar em fogo E ’ mais tremido o seio quando o aperta
Um mancebo se ergueu. Correm-lhe soltos Uma trêmula mão, quando disfarces
Sob os perfumes da grinalda airosa O anelo do gozar desfaz em risos.
Anéis castanhos refulgindo às luzes
Dos lustres de cristal — a fronte larga
De candidez de neve, inda mais bela
Por sob as flores resplendendo erguida — Vai louca a festa, os cantos se desatam
Tem altivez no olhar, risos nos lábios, Cheios de febre, de anelar ardente.
E doce a voz no traduzir idéias. Cheiram mais os perfumes. — São mais belas
Co’as faces vivas, e os cabelos soltos
Cobrindo a neve ao colo, e a rosa ao ombro,
1 São mais lindas assim com olhos turvos
E lábios anelantes — as belezas.
“ Deusa da noite, perfumada ninfa.
De estremecido colo e olhos belos.
Salve! formosa de ademã sereno
E na hora dos beijos, dos amores Soam vozes na rua, cantos roucos
E o seio a palpitar em terno enleio Falam de morte e de agonia extrema.
Do vinho no vapor, vague-me em sonhos Fúnebre lividez de tochas plácidas
Na mente o devaneio! E confuso murmúrio — e passos lentos
Soando nas calçadas — o cortejo
Negro d’em tôrno de um caixão aberto
E dentro branco e frio como mármore
Coberto do sudário, as mãos unidas
Inteira a vida hei de sagrar-te, ó bela. Onde o peito bateu — mas hoje é mudo.
Cantos de religião só tu me inspiras! As pálpebras grudadas — a figura
Que importam côres de arrebóis sem nuvens? Alongada p’la morte — vai deitado
Se eu vivo apenas quando tu deliras No apêrto do ataúde um corpo d’homem.
E hei de rir e beber cantando à noite. 1037
Quero essa vida perpassá-la em flores!
Quero o alaúde perfumado em rosas.
Chegaram todos à janela a vê-lo
Com rir blasfemo sôbre os ímpios lábios,
E a todos regelou no louco cérebro
A embriaguez da orgia o saímento
Qu’importa àquele que exalou nas noites E o medonho clarão que leva à cova
De blasfêmia febril o ardor dos lábios Aquêle que m orreu. . .
Vaporoso sonhar, versos insípidos. Só um mais louco
De sonhos juvenis mornos ressábios? Quis reprimir o sentimento fundo —
E quando a morte me estender gelado, — “ Um entêrro! que admira? nunca vistes
O sono irei dormir da noite imensa, Gelar-se ao homem o calor da vida?
E se sonhar — hão de sorrir-me idéias Deixai o morto que se estire longo
De gôzo à treva densa. Pelo lençol da cal que fria o enlaiva.
Morreu! que importa mais? matéria apenas!
Ei-lo só podridão. Porque gelar-vos,
E os cálices vermelhos sôbre a mesa
E lá me estendam no torrão do campo Nas horas do festim, deixá-los virgens?
— Mas sem soluços, nem pranteadas dores Eia, mancebos, empunhai as taças!
Co’as frescas rosas do festim na fronte Um brinde, um brinde, a êsse que dormiu
Ainda turva ao saibo dos licores! Sono fundo da morte em leito frio!
Na lájea negra que pesar-me ao corpo Um brinde à hora dos torpores úmidos!
Nenhuma letra cravem, ignorada À morte! aos m ortos!”
No seu leito de pedra — minha vida
Durma o sono do nada.

[ 329 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

AGONIA NO CALVÁRIO. O h! qual há coração que dizer possa


Quanto ela chorou?
Vos omncs qui transitis per viam, attendite et videte Oh! qual alma, senão de mãe, entende
si est dolor sicut dolor meus. Do pranto êsse gemido,
JE R E M IA S . Que lhe queimava os desluzidos lábios
E o suspiro doído
I Que o seio lhe estalava em férreas ânsias?
O ’ doce mãe de Deus!
Escura a tarde e fria — o vento rijo Perdoa ao ímpio que chorar não pode
Correndo pelos ares, 1038 Ao ver os prantos teus!
Pelo céu negro o vendaval ressoa
Uivando nos palmares.
E afogueado listão de luz sangüenta VI
A bruxulear incerto,
Além pousa nos longes do horizonte Tôda a noite lá ’stêve • — ouviu-os todos
Queimadores suspiros exalados
Nos prainos do deserto.
E o livor 1039 no relâmpago azulado Dos roxos lábios do divino mártir.
L á brilha e morre além No estranhar de agonizantes ânsias
No rápido ondular branqueando os tetos Ouviu-os todos e a cada um gemido
Da ímpia Jerusalém. No inio seio cstalava-lhe uma fibra,
E rápida nas faces lhe escorria
Ardente lágrima — e a noite tôda.
I I Sem o vento sentir que as asas frias
Além — um monte desrelvado e ermo, 1040 Pairava negras pelo ar toldado,
Frio como um sudário! E a gelada saraiva e os relâmpagos
E em tôrno cruzes, podridão, caveiras. Com luz dc inferno desbotando os muros
Sem túmulo — o Calvário! Da cidade culpada — a noite tôda
Lá jazeu ao relento — e em tôrno dela
O braço do Senhor quebrara as campas,
III
E os lívidos fantasmas à luz crebra
E numa cruz pesada, áspera e dura, 1040 Do fuzil infernal vagueavam torvos
Um corpo frio e pálido! Nas mortalhas sangrentas embuçados!
Sangue negro em suor corre-lhe os membros,
Prantos o rosto esquálido — E a noite tôda — em lágrimas passara.
E os longos negros crespos 1041 — que a poeira Em duras preces a penar em dores
Das ruas polvilhara Que em durso morso 1042 descarnavam fibras
D ’espinhos — com irônico diadema Do corpo nu, de regelado sangue!
A turba coroara! Que os olhos baços lá da cruz infame
Com descerrada bôca e a fronte pensa
IV Rasgada pelas pontas dos espinhos
Do zombador diadema do m artírio!
Junto ao madeiro — e arrosada em prantos
No véu d’ouro das tranças envolvida —■ V II
Pálida a rosa que lhe ornava as faces,
Desmaiado o azul do olhar sem vida E o vento soluçava regemendo
Que ardente pranto cega — Nas rôtas fôlhas do palmar bravio!
L á está Madalena — a flor impura E com prantos de leão em roucas vozes
Que o sôpro do Senhor tornara santa! Carpidor — o trovão bramava negro —
E essa outra de joelhos, quem é ela E a terra convulsada estremecia,
Que o rosto oculta sob a negra manta E o som dos ventos e o troar das nuvens,
E o chão de pranto rega? E o convulsar do terremoto ao longe
Silêncio! a mãe de Deus é quem lá chora! Eram ao mundo d’agonia um treno
Olhos cansados do prantear alçando. De negro desespero em frios lábios!
Ansiosa por ouvir a voz suave
Que em suspiros se corta — ainda orando VIII
Pelo povo infiel!
Oh! santa Virgem ! flor que hálito infame E Madalena nas madeixas úmidas
Do mundo não manchou! Santa Maria Repassadas de pranto, o rosto frio
Das virgens d’Israël o anjo mais belo! Envolvia gemendo —■ e quando os olhos
Porque te afoga assim mar de agonia A cruz erguia, às vezes, vendo o corpo
A alma cheia de fel? Da criatura divina, dêsse outrora
T ão formoso Jesus — cortado e frio
E úmido todo de suor de sangue,
E os olhos frios — já vidrados — fixos
E ela inda lá está, imóvel, triste. Onde gelaram lágrimas, alçados,
Pálida, em mudos prantos, À escuridão do céu, ora baixados
Fervem-lhe os olhos solitárias lágrimas À cidade maldita — Madalena
Ao ver que êsses encantos Gemebunda, em soluços afogada.
Do filho amado, lívido, sangrento, Trem ia e ardentes olhos lhe queimava
A morte os desbotou! Um pranto de cegar —■ em nuvem rubra!

[ 3.10 ]
o CONDE LOPO

I X Por alabastro que olhos vai matando —


Das rêdes d’oiro qual Ceréia messe
E às vêzes o relâmpago das cintas As soltas louras tranças transbordando.
Do deserto alvejando Ou longos crespos negros no andar leve.
No calvo cêrro iluminava as cruzes Ondulando nos ombros côr de neve.
E as mulheres chorando!
E era medonha a lividez das faces Cantos doces de amor que afogam beijos
Na agonia da cruz! D ’ardentes lábios — e nevados seios
E essas estátuas de mulher, marmóreas, Rociados de suor tremendo ansejos.
Branqueadas da luz! Lânguidos olhos transbordando énleios.
Vestes sôltas no ardor d’ébrios desejos.
X Abertos lábios a matar receios —
Mulheres e a embriaguez das taças belas
Em afogado soluço um ai quebrado Que não há a escolher a melhor delas.
Da aberta bôca do divino mártir
Com a vida fugia! E após ébrio de vinho e amor num leito
E a última voz no derradeiro alento Mole e juncado de macias flores
Pelos algozes e descrida gente Jazer com a mais querida — peito a peito
Perdão ao Pai p ed ia... No lábio o lábio dela — as vivas côres
Ver desmaiar-lhe num beijar desfeito,
X I No seio dela respirar a m o re s...
E lá ficaram elas tôda a noite Vida, ó mádido sonho, de teus gozos
No horror das trevas, no gemer dos ventos. Quais mais fortes, mais longos, mais formosos?!

I I
E às vêzes uma gôta despegava-se “ Eu amo em luzes sem fim
De sangue — do cadáver e escorria O deslumbrante festim;
Pelo áspero madeiro umedecido, Uma voz a descantar
E as frontes rociava gni frio orvalho Por uns lábios de grenalda;
Dessas duas mulheres lá sòzinhas —. Nas frontes róseas grinalda —
— Cheias taças d’esmeralda
De Johannisberg a brilhar!
CANTO II
“ E entre requebros da dança
Quando o peito ofega e cansa
FE BR E Da valsa ao longe soar,
E o chão lastra-se de flores
Dos beijos entre os ardores
You are merry, mylord. Sorver do vinho os fervores
Who; I? Do cristal a transbordar!
Ay, my lord,
Oh your only gig-maker. What
should a man do, but he merry ? . . . “ E eu amo ter nos meus braços 1045
Em voluptuosos abraços
SH A K ESPEA R E.
Uma lânguida mulher!
Beber-lhe os trêmulos beijos.
Vê-la mórbida em ansejos.
CANTO II Quase morta de desejos,
O colo arfar-lhe e tremer.
I
Hark I the lute. “Amo em vertigens da mente
The lyre, the timbrel, the lascivious twinklings or heeling Sentir a mágoa dormente
instruments, the softening voices of women. No imo d’alma a rre fe c e r...
BYRON — Sardanapalus. Eu amo a louca alegria, 1046
Danças, cantos e folia,
I E num beijo que inebria
Vinho e amor — de amor m orrer!”
Corre alta a noite. E no auge vai a orgia;
Do mar na escuridão se abisma a lua I I I
A pratear as águas que alumia.
Perfumes, flores, a vertigem sua Com a taça na mão e a fronte alçada
Nos salões a espalhar — reina em folia D ’ entusiasmo febril, co’as faces vivas
Lasciva a dança, voluptuosa e nua — De báquico rubor cantou um jovem
Nos floridos tapêtes se agitando Essa canção de orgia. — E ra formoso
— Servos na mesa as taças coroando. C o s olhos negros cintilando ardentes
Dentre as pálpebras; nos lábios,
Leves roupas que o corpo transparece. Que o fogo dos licores lhe crestara, 1047
As róseas formas quase a nu mostrando. Nadava-lhe um sorrir — a fronte pálida
Úmidos colos do suor que desce Descoberta, alvejava-lhe sem rugas.

[331]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO

Como o seio de um lago — era formoso V I


Com o negro bigode a sombrear-lhe
Dos lábios o vermelho! Fôra-se há muito a lua — mas a noite
Atentos, fixos O cintilar do céu tornara clara
Pousava os olhos negros no mancebo De límpido fulgor — caído o manto
Cândida forma de mulher — sorria, —i Com as dobras na mão saíra-se êle,
E o descerrado purpurear dos lábios O Conde Lopo a passear ao fresco
Mostrava lindas feiticeiras pérolas Do ar livre dos campos.
De úmido reluzir; — as ondas negras O silêncio
Dos cabelos prendiam-lhe luzentes Se em derredor quebrava o som da aragem
Límpidos fios de diamantes trêmulos. Ou o acordado pássaro fugindo
Brilhando multicores, como estréias Nos ramos sussurrantes — ou ao longe
Em noite de verão — co’as mãos unidas Às vêzes o estridor rouco dos galos
Olhava p’ra o mancebo e nuns olhares A perturbar o sono ao fiel guarda
Mui lânguidos, a vida parecia Do quedado casal — o cão doméstico.
Em gôzo, inteira lhe expirar no peito —
Bem como a sol dourado o seio aberto
Arfar-lhe patenteia em seus languores
Perfumosa e suave a flor sedenta.
“ No estremecer da orgia fui sentar-me
Vivendo enlevos nos olhares úmidos
E nos tremidos seios de mulheres
IV Anelantes de gôzo — a ouvir os beijos.
Sorvendo os lábios que o Xerez molhava
Adormeceu-lhe, num, cansado beijo Com orvalho rubíneo — os ares cheios
Inda abertos os lábios, no seu peito De luz, cantos e odor — o soalho róseo
Ao mancebo cantor a moça bela. — Das coroas de flores por mãos trêmulas
E ela era triste; e a lividez firmava Sôltas das frontes no ferver do enlace! —
Pesada e quente sôbre a mão — voltara-lhe E nada me escaldou por muito a fronte
A mente e infindo relembrar de agravos. 10^8 Rápida •— a embriaguez, a idéia funda
Do meu fundo pensar de si varria!
“ O corpo de suicida.desalmado!
Quanta alma a transbordar de unção poética
Ansiosa e cheia de um amor, na terra “ Não mais! não mais! prostituí meus lábios
Não estalou-se com o ar do mundo Em frios beijos de mulher sem alma.
Como o férreo vibrar de uma harpa as cordas! Cortei eu mesmo o fio da ventura
Que derradeiro ao céu prendia-me inda.
Amizade! onde a viste? foi acaso Em lascívias de olhar exalei tôda
No escuro cemitério de joelhos Uma ardente poesia d’alma virgem!
Sôbre o torrão que abriu a pá de fresco, Ardor e vida — e sonhos que eu criava
A regá-lo de lágrimas? Nos refolhos do peito e uma e uma
M en tira! Da crença e do amor mirrara as flores!
Do campo frio a relva se umedece
Do orvalho e chuva e do urinar do negro
“ Não mais! as luzes trêmulas da festa 1050
Tarpi-alo 1049 morcego e dos imundos
Frios reptis que passam lá — e apenas! Quando envôltas no chão cansadas jazem
Moças e flores — e repletos dormem
Não peças-me êsses cantos — que é loucura! De amor e vinho — como cães — os ébrios.
Pede antes ao ciumento um riso terno. Descorados convivas, negros sonos —
Ao desprezado um descantar alegre. Quando a mesa é deserta e úmida tinge-se
Aos tigres um trinar, ao rouco abutre A toalha do festim de nódoas rubras
Cevado em corrupção os ais da rôla.” Dos copos derramados — quando os lustres
À luz da madrugada oscilam pálidos;
Calou-se — em tôrno emudeceram todos.
Então cansado adormecer se pode,
Meu doente coração. — Quedou-se um pouco
Aqui no fundo d’alma a dor infinda
V
E êsse ardor, que em suspiros me queimava
Olhou-os e sorriu — todo o desprezo Os beiços meus, arrefeceu-me n’alma
Que um olhar conter pode êle lançou-o Que o vinho em brutecera.. . E após gelou-se!
A êsses dormidos ébrios parasitas. — Gelou-se! e hoje ao despertar do sono,
Inânime e cansada — as faces pálidas —
E sem um sonho já nas noites d’alma.
Mais feliz que Timon — não fôra nênia Sem já uma esperança perfumada.
P ’ra crer-lhes no dizer — rira-se dêles Qual um morto me achei!
Ao ouvi-los jurar — sentir infindo
Fundíssima afeição de eterna d u ra .. .

[ 332 ]
o CONDE LOPO

“Não mais, 1051 minh’alma! SEGUNDA PARTE


Descerremos à vida êsse meu peito
Qual flor à viração — talvez que ainda
Alguma brisa fresca perpassando CANTOS 111 e IV
Co’as faces cândidas me roce a fronte
E alguma perla que o rocio 1052 nela Our life is twofold.
Deixasse acaso — aqui me chova n alma!

Sonhar! em ilusões a mergulhar-se


Como no verde azul do mar o Eider
Do colo a candidez,
“Ainda uma vez! abre-te minh’alma, Como nas luzes do coral da tarde
Como a silvestre flor do escuro brejo. O astro do anoitecer — um’alma inteira
Quanta estréia no céu! à fresca noite Em doce embriaguez,
Prateia-se a coroa; o campo é verde; E após do aroma embalador dos lírios
Desmaiado sorri o azul do empíreo. Das névoas do luar, das sombras trêmulas
Eia! ainda uma vez! do monte as flores Dos risos de anjo belo ■—
Pesadas pendem c ’os serenos frios. O estrebuchar da convulsão e o peito
Ao ar da vida entreabre-te, meu peito! Arfando sob o enlace do demônio
Talvez a 1053 alguma sílfide passando, Febril do pesadelo!
Vestindo névoas, que banhou no lago
As neves do seu corpo donairoso —
Acorde compaixão a chaga tua! INVOCAÇÃO
Talvez que num roçar da mão finíssima
A tu’alma se acorde inda à ventura V a r ia ç õ e s e m tô da s as C o rd a s
Teu duvidar se vá!
Abre teus seios I
Minh’alma! A noite é pura, — amores fala,
A aragem fresca — tudo dorme em roda. Alma de fogo, coração de lavas.
— Talvez possas c h o r a r !... E é tão doce Misterioso Bretão de ardentes sonhos
Tépida lágrima verter agora! Minha musa serás — poeta altivo
Talvez desperte a lágrima no peito Das brumas de Albion, fronte acendida
Um sonho melancólico! Inda triste Em túrbido ferver! — a ti portanto.
E ’ tão doce sonhar! Errante trovador d’alma sombria,
Do meu poema os delirantes versos!
“ Sonhar idéias 1054 I I
Deliradas além! além! meus prantos!
Porque mais chorarei? pudera acaso Fôste poeta, B)'ron! a onda uivando
Embalou-te o cismar — e ao som dos ventos
Um cadáver se erguer? morreu-me o peito, 1055
Das selváticas fibras de tua harpa
Não mais se acordará — e pois que durma
Exalou-se o rugir entre lamentos!
O eterno ressonar aí — e quando
Gelar-me de uma vez o ardor do peito I I I
Que envolto no sudário do sepulcro
Sem sonhos, sem lembranças, nem saudades. De infrene inspiração a voz ardente
Repouse para sempre!” Como o galope do corcel da Ucrânia
Em corrente febril que alaga o peito
A quem não rouba o coração — ao ler-te.^
Fôste Ariosto no correr dos versos,
Fôste Dante no canto tenebroso,
Na relva se estendeu no manto envolto Camões no amor c Tasso na doçura,
Co’a cabeça a cobrir — talvez o corpo Fôste poeta, Byron!
Pesado lhe d orm ia... Foi-te a imaginação rápida nuvem
O pobre moço Que arrasta o vento no rugir medonho —
Falou, mas desvairou. — Sabeis, qué o vistes Foi-te a alma uma caudal a despenhar-se
Com a taça nos lábios, ledos brindes Das rochas negras em mugido imenso.
Lhe fizeram sorver em largos tragos Lêste no seio, ao coração, o inferno.
Muito vinho Madeira. — Mas preciso Como teu Manfred desfraldando à noite
Dir-vos-ei — êle estava um tanto a le g re ... O escurecido véu. — E riste, Byron,
Não direi — que vertigens o levavam Que do mundo o fingir merece apenas
Por idear sombrio; — as beberagens Negro sarcasmo em lábios de poeta.
Lhe geraram na mente muitas larvas. . . Fôste poeta, Byron!
Estava um tanto bêbado — a palavra IV
Se é poética não sei — é expressiva
— E tanto basta — sabeis pois — de tonto A ti meu canto pois — cantor das mágoas
(Mas pouco) — apenas lhe vagueava o siso. De profunda agonia! — a ti meus hinos.
Poeta da tormenta — alma dormida
Ao som do uivar das feras do oceano.
Bardo sublime das Britânias brumas!

[ 333 ]
MANOEL ANTÔNTO ÁLVARES DE AZEVEDO

1 Se fôste sobranceiro na peleja


Como o fôras nos cantos —
Foi-te férreo o viver — enigma a todos Se o grego litoral e o mar que o banha
Foi o teu coração! P or ti beberam prantos? —
Da fronte no palor fervente em lavas Se do levante as virações correndo
Um gênio ardente e fundo: Nos mares orientais
O mundo não te amou e riste dele Deram-te nênias no sussurro trêmulo,
— Poeta — o que era-te o mundo? Byron, se o nome teu lembra um espírito
Fôste, Manfred, sonhar nas serras êrmas Das glórias decaído,
Entre os tufões da noite — E fêz-te o coração os teus poemas
E em teu Jungfrau — a mão da realidade De coração perdido,
As ilusões quebrou-te! Se co’a dor de teus hinos simpatizam
Como um gênio perdido — cm rochas negras Duma alma os turvos imos
Paraste à beira-mar E o teu sarcasmo queimador consola
Do escuro céu falando às nuvens, — sôlto E contigo sorrimos?
O negro manto ao ar!

O mar bramiu-te o hino da borrasca


E em pé — no peito os braços — Vem, pois, poeta amargo da descrença,
O riso irônico — vinha o azul relâmpago Meu L ara vagabundo —
T ’esclareccr a espaços. E co’a taça na mão e o fel nos lábios
A fronte nua o rorejar da noite Zombaremos do mundo!
Frio — te umedecia
E acima o céu — e além o mar te olhava
C’os olhos da ardentia!

CAN TO lil

As volúpias da noite descoraram-te FLO RES DO LU A R


A fronte enfebrecida
Em vinho e beijos — afogaste em gôzo
Os teus sonhos da vida.
E sempre sem amor, vagaste sempre Brancas no céu acendem-se as estrelas,
Pálido Dom Jo ão ! Doce a aragem perde-se entre as flores - 1057
Sem alma que entendesse a dor que o peito Sonha! canta! e suspira, ó meu poeta!
T e fizera em volcão!
Aldo (De G. SAN D ).

Da absorta mente os sonhos te quebrava


Do mundo o sussurrar. PRELÚDIOS
E fôste livre refazer teu peito
Dreams! dreams! dreams!
Ao ar livre do mar.
E quando o barco <l’alta noite aos ventos W. COW PER.
Entre as vagas corria
E d’astro incerto o alvor te prateava Eu sonhei tanto amor e tanta glória!
A palidez sombria. A minha fronte de lauréis cingida
Era-te amor o pleitear das águas E uma auréola de luz, sublimes versos, 1058
Nos rochedos cavados — Amôres e ventura aqui na vida!
E amargo te franzia um rir de gôzo
Os lábios descorados!
E amaste o vendaval, que as fôlhas trêmulas
Das florestas varria —
E o mar — alto airugir — que a ouvi-lo, a fronte E ela, o anjo do céu que eu sonhei tanto,
Altiva se te erguia! E la junto de mim sorrindo amôres!
E amaste negro o céu, — o mar — a noite Aérea 10S9 música a soar — balsâmicos
E entre a noite — o trovão. Os ares de mil flores!
Num crânio zombador brindaste aos mortos, 1056
Cantor da destruição!

E ela, o anjo do céu que sonhei tanto,


A contar-me seus sonhos de outra vida —
E um dia as faces desbotou-te a morte Nós dous sòzinhos em viver deserto
De alvor, frio e letal — Com alma a tudo mais ensurdecida!
Deram-te em prêsa aos vermes —•Mas que importa
Se é teu nome imortal?

1 334]
o COKDK LOPO

E ela perto de mim, longe do mundo, CANTO III


Em campinas de flores junto a um lago;
E ela perto de mim, no céu, nos sonhos, I
Na vida — em beijo mago!
Balança-se no céu como dormida.
Que belos sonhos! que de amores santos! 1060 Vertendo chuva de clarões fulgentes.
Que êstases mágicos em que eu vivi! Pálida a lua no dossel 1064 argênteo
E êsse amor de visões, de reza e lágrimas Das limpidas estréias — qual na fronte
Minha vida de sonhos, — só por ti! De formosa rainha cintilante
Furta-côres diadema adamantino!
Quanto, quanto te amei! olha-mc a face Véu de noiva, a prender, sôlto a cair-lhe
Queimada pelos prantos que eu verti! Em flores de lavor no mago colo.
Vê o meu peito que matou-se em sonhos, 10 6 1 Canta a brisa no vale enflorescido
Anjo ou mulher! — por ti. E estendida na vaga transparente
Do manso córrego de areias d’ouro
Oh! desce lá do céu, anjo da vida Parece suspirar. —
Só visto em sonhos, só amado em prantos! Ninguém nos campos — tão sòmente um vulto
E tu serás na terra — aqui — minh’alma. Do lago às margens — num baixei imóvel
Em meu penar meus últimos encantos! Do felpudo gibão na lã envolto
Bom sono a ressonar.
E em troca do teu céu dar-te-ei meu peito, 1062
Amor e sonhos de que só vivi!
Poeta — acordarei meus hinos d’alma
Os mais ternos — por ti! E em cada fôlha do arrelvado plaino
Da noite na umidade mira a lua
E eu sonhei tanto amor e tanta glória! Um pálido fulgor; em cada volta
Tantas visões de pensativas belas, Do encrespado arroio, em cada ruga,
E tanto olhar de languidez divina, Do seio manso que estremece a brisa
E tanto amor de pálidas donzelas! — Com seus beijos —■do lago adormecido
Uma fita de prata se d esd obra...
No azul dos olhos entrevi-te lágrimas,
E a água do lago que se move leve
Da fronte na descor sonhei-te dores,
Ao quebrar-se no barco se branqueia
E nos palpites de teu colo d’anjo
De prateado ferver —
Sentir — como das flo re s ... Que noite bela!
Oh! descesses do céu que eu fôra vate
Como nem Dante nem Camões sonharam! II
Soberba a fronte sobranceira erguida
Glórias e nobres louros me ensombraram! Eu amo a lua pálida passando
Na fulgência do céu por entre alvores
Dos serafins nem os amores puros Qual entre névoas
Êsse igualam que n’alma eu acendi, De assombrado jardim — desliza, envolto
E amor — sonhos — a vida — a eternidade, 1063 Em roupas níveas, um fantasma à noite!
Tudo! tudo por ti! Alma de virgem, no dizer do povo,
Voltando sempre ao descair das sombras
Oh! desce lá do céu e hei de amar-te. Cândida e fria com os lábios alvos
Ser teu como nem sonha-se na vida! Estremecidos num falar mimoso.
Com alma e vida inteira e de joelhos As sombras desflorando aérea 106S e leve.
Com a mente de amor endoudecida!

E se é mister que eu morra, diz-m’ó anjo!


E quebro a vida que por ti vivi!
Se é preciso penar venha a tortura, Eu amo a lua pálida, sòzinha
O inferno — só por ti! A s’escoar entre a mudez dos astros
Aqui e ali oculta em véu de névoas
Que o hálito das brisas adelgaçam.
Melancólica sempre — qual sentada
E eu sonhei tanto amor e tanta glória! No solitário barbacã ^066 cie pedra
Beijos de puros talismãs tão cheios. Do gótico torreão, loura donzela
Tantos lauréis de mencstrel sublime Saudades a cismar, ouvindo ao longe
E a vida exausta num cismar enleios! De erradio cantor as trovas soltas
Que a viração da noite 1067 esvai, confunde,
Co’os suspiros do vale. —
Eram son h o s... não mais! — Porém embora!
Sonho é sempre o prazer, sempre mentira! Eu amo a lua pálida nascendo
E pois sonhemos té que estalem tôdas Ou morrendo no mar, listando as vagas
Eibras do coração, cordas da lira! D ’áuri-argênteo clarão — ou entre as fólhas
Da floresta sombria s’escondendo
Partindo — sem adeus e sem saudade.

[ 335 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S D E AZEVED O

Eu amo a lua pálida, alta noite, Em manhã de verão, porque descerra-os.


Quando tudo é silêncio — e desgarrado Tristíssim o sorrir, que o alvor enfeita
Vago dos campos na mudez, sozinho. De teus dentes de pérola? em que cismas?
Ao lânguido palor das luzes dela;
Sentindo o peito se enlevar sorvendo “ Pensas acaso no morrer da lua
Os hálitos da aragem que me envolve Que além se esconde e argenta as folhas negras
Como braços de virgem: — Amo a lu a ... Dos silvosos cabeços da montanha?
Alvíssima passando entre o silencio Bem como ela a morrer caindo em leito
Na fulgência do céu límpido e claro De névoas suavíssimas, acaso
Semeado d’estrêlas! Morreu-te n ’alma uma ilusão criada
Com teu amor de virgem? algum sonho
I I I Mui querido e sonhado entre sorrisos
E perfumes de flores?
Além, lá muito além, na cumiada “ Em que cismas, 1070
De um monte que o luar de luzes banha Cândida aparição, pousando imóvel
Alveja um vulto — a face lhe esclarece Da úmida relva na folhagem fria,
A estremecida luz da lua a pino. Como um tapiz macio os pés mimosos;
No negro dos cabelos lhe reluzem Como estátua de jaspe refletida
Pérolas de sereno — a face pálida No azul das águas, que o fulgor semeia
À lua pálida se volve absorto Das estréias do céu e dos extremos
Em profundo cismar! Raios de luz da morrediça lua
Co’um tremido luzir de alvor de prata?
Que alma de trovador foi lá sentar-se
Nas rochas da montanha erma e varrida “E no que cismas, anjo meu?
Pelos caudais do tormentoso inverno,
A vida
Na pedra nua onde não brotam verdes?
Vês-la tôda poesia, danças, flores,
D ’erguida, sobranceira forma altiva
A nuvem do arrebol leva-te em sonhos
Destacando-se à luz do céu — da lira
No cheiroso regaço adormecida.
Pulsando a fibra mais sublime e agreste
Sozinha à noite pelo céu vagueias
Que alma de trovador?
Quando sem nuvens o luar desliza
Com tua harpa na mão. —
I V Anjos somente
E a estréia a cintilar ouvem-te os cantos
Passo a passo desceu — no céu os olhos Que os lábios te evaporam. — Só as brisas
Entre as cordas do aspérrimo penhasco E os sussurros da vaga te acompanham
Do monte o sonhador — O Conde Lopo. E de tardio barco, o remo às vêzes,
A desoras quebrando as águas lisas
De cada flor que ao pé se debruçava Da noite na mudez. — Aos pés te dormem
Cheirosa e pura a estremecer molhada As cidades que o som do oceano embala.
Do trilho seu — cortava, e a reunia Em mar de prata negro promontório
Ao ramalhete de selvagens flores Aqui e além, da lua embranquecido.
Que guardava no peito. — E tudo dorme — nas folhagens úmidas
E além das sombras Que o orvalho de aljôfares branqueara
Do arvoredo sombrio branqueava As aves sonham . . . E visão suave
Nebulosa visão de aéreas 1068 formas Com tua harpa na mão voas cantando.
Como visão de cérebro — poeta
Em sonho incerto, imaginado apenas. —•
Ela se adiantou — mostrou-a a lua “ E no que pensas, anjo meu? Se a vida
Cândida aparição de níveos ombros Pode ser mel aos lábios cá na terra,
Que alagam, doiram, ondeadas tranças A quem mais do 1071 a ti? Aéreas vozes
Do áureo — sôlto cabelo: tênue e leve Falam -te as flores — a linguagem terna
Co’os encruzados braços côr de jaspe Das aves da soidão é-te uma língua
Postos sôbre o ansiar dos seios virgens Que tu entendes só — e cada estréia
Que elevam-se, arfam, só o alvor das roupas Que te fita do céu fala-te, e n’alma
Das estréias à luz, no céu da noite Decifras-lhe o falar — e os raios úmidos
Fitando a lua — junto a um lago argênteo Do seu virgem luzir c ’roam-te a fronte.
Imóvel como estátua. —
Viu-a o Conde
E os esvaecidos sonhos lhe adejaram
De romântico amor em tôrno à mente “ E no que cismas? viste aí na terra
Uns amores de sílfide mui ternos Alguma face pálida embebida
Muito cheios do céu, sonhou gozá-los — Em amargo pensar que te acordasse
Sonhou a aparição um anjo níveo Do amor no seio teu alguma fibra?
Que baixara do Éden — num suspiro Amaste? amas acaso? O h! então chora!
Essas vozes soltou — O h! muitas, muitas lágrimas te corram
“ A h! no que cismas. Nas faces descoradas pela mágoa!
Serafim do luar? Teus lábios puros No aberto lábio teu, quebrem-se e morram
Como o rubor do anêmone 1069 entreaberto Tristíssim os suspiros! — Chora! chora!

[ 336 ]
o C O N D E L O l’ 0

“Ah! não deixes que amor de impura chama Barqueiro


Com seu febril queimar te mate as rosas
Que luzem-te nas faces! Nunca uns lábios Mas se o colar é tão precioso
Num beijo a delirar murchem-te as flores — Rica é a pedraria reluzente
Alvíssimas da c’roa de candura Como a Vênus da noite — recebê-lo
Que a mão de Deus te perfumou na fronte! Hei eu mêdo. Senhor, porque d’inveja
Não digam que o roubei.

LoPo
“ Não te deixes amar de amor infame —
Não te deixes amar! Sê anjo sempre! O conde Lopo
Virgem e casta em teu sonhar sem mancha! Dize — foi quem to deu. —
Guarda-te como a flor aberta n’água
De regato mimoso d’orlas verdes — Barqueiro
Como estrela no esmalte a luzir trêmula
Do céu d’estio — O Conde Lopo!
Nos teus sonhos, dorme! Êsse mancebo pálido que a vida
Em roxas nuvens d’ilusão sorrindo Leva alegre em festins, ardendo em noites
Olhe-te sempre o teu porvir! Não queiras, O herdado cabedal?
Não te deixes amar, que amor na terra
E ’ sonho falso e vão — que amor é como L opo
Aureo sol de verão que estala os vínculos
Da virgindade à flor — abre-a, perfuma-a.
Cala-te! E ’ êle.
Beija-lhe o seio róseo — e a flor coitada
Adormece em volúpias embebida
Dêsses beijos de a m o r ... e treme, e tôda
Abalam-se-lhe n’alma as tênues fibras!
“ E 1072 demora-se após e pende a fronte E o barco escorregou por sôbre as águas
Voltada para o chão, murcha-se e m o rre ... Como a gaivota branca no mar alto.
E uma e uma empalecidas 1073 pétalas
Do regaço lhe caem, como esp’ranças V I
Fugindo ao infeliz — e ao sol que importa
Que inteira a flor se desfolhasse pálida Oh! quem dissera o exprimir imenso
Dos seus beijos no a rd o r? ... Do fixo e mudo olhar, que a êles ambos
“ E no que cismas, 1074 Em um enleio só — arrebatava?
Meu anjo d’oiro? porque assim imóvel Quem na aridez das línguas traduzisse
Do teu olhar o azul nos céus parado O quanto devaneio lhes corria
Então na idéia d’ouro da ventura?
Com as estréias conversar parece? Quem definisse o estremecer mimoso
Sonhar, enlevos, na mudez do campo Das mãos da virgem alva nas mãos dêle,
Da noite no regaço, porque vieste? E o condão do sorrir nos lisos lábios
Porque êsse meigo, lânguido suspiro Da nívea criatura pensativa?
Dos'seios de cristal fugiu-te aos lábios
Perfumoso morrer?
Da noite às névoas à solidão calada
Cantando arcanos de escondidas mágoas?” Fundira-se-lhe o gêlo da descrença
No peito ao Conde Lopo ao sol dos olhos
Do anjo enternecido — a febre intensa
V Que lhe roía o desvairado cérebro
Plácida lhe calmou — no peito exausto
A visão não falou — Levou os passos Os pulmões livremente lhe arquejaram !...
Para o moço poeta, a mão divina
Na mão dêle depôs — disse baixinho
Aos seus ouvidos murmuradas vozes.
O que foi eu não sei — E foram-se ambos Fundira-se-lhe o gêlo da descrença!
Do lago à borda do baixei escuro Amava — e amar é crer — já não pensava
Ao dormido patrão — êle acordou-se... Nessas fugidas ilusões mentidas
Que em chumbo ardente lhe tornaram a alma.
E cria pois e ansioso respirava
LoPo Pelos sôfregos lábios o ar da vida —
Pareceu-lhe que a noite era mais bela, 1076
Solta a barca, patrão! A noite é bela, 1075 Mais cintilante o céu — mais doce o bafo
Quero me ir deslizar por êsse vidro Das aragens do ar girando em volta. —
Do lago adormecido. — Quanto à paga, De novo parecia-lhe que a vida
Não trago bólsa — Êsse colar contudo Começava a viver — tudo era gôzo,
Vale dinheiro qual jamais contaste — Tudo amor junto dela — o ar do lago,
Toma-o. O véu da névoa a repousar nas águas.

[ 337 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á LVARES DE AZEVED O

O azulejar do empíreo dentre os ramos Ansiando apenas perfumar um seio


Do arvoredo ciciador da margem, De sílfide do céu co’essa fragrância 1079
E esse silencio que de noite estende-se Que sentia de mais dentro do peito;
Pelas várzeas dormentes, só quebrado V er um lânguido olhar de fixos olhos
Pelo escoar da brisa — em cada fôlha Sob o véu leve dos dourados cílios
A murmurar um som de canto a é r e o ... Parado sôbre o seu, e co’as mãos postas
O h! tudo era tão belo! a alma — poeta Co’os joelhos nos chão amá-la e a ver-lhe
Num canto lhe acordou também ness’hora Mil e mil vêzes o candor — à bela
E as campinas atentas o escutaram. Imagem lá do céu — morrer de anelosl?

V I I
Qual êle foi não o direi — não podem
Pálidas rimas traduzir enlevos A sílfide correu nos róseos lábios
D ’alma divinizada. — Só os anjos Em mágico adejar um riso doce —
Co’a voz suave no frescor do empíreo E o trovador sentiu todo embeber-se
Sabem hinos assim soar nos lábios! O fundo peito nesse mel de um riso.

E ra um cantar como êsse que nos sonhos


Ressoa às vêzes no arroubado ouvido,
Poetizado em não sabidos metros Tomou-lhe a harpa das mãos, os dedos níveos
Dos homens cá na t e r r a ... só os ecos Sôbre ela deslizou nas cordas d’oiro
Do verde Paraíso onde a ventura E no melódico soar das fibras
Assim lhe deslizou dizer puderam E das brisas do ar soltou dos lábios
Quanto era o enfeitiçar cheio d’encantos Um canto como soem alta noite
D ’enlevada magia! Em êrmo descampado aonde as árvores
Em cada fôlha acendem um luzeiro
De côr esmeraldina, as fadas louras
Com transparentes roupas — balançando-se
Co’as verdes asas do luar nos raios
Em que mar d’ilusôes não divagou-lhe
Entre o sorrir das feiticeiras danças
Em ébrios cantos que exalou sentida Que não há a homem vê-las, como soem
A sua transbordada fantasia! Então as fadas descantar alegres
Que sonhos de poeta d’alta fronte,
Os seus gorjeios mágicos — durou-lhe
Envolta em louros — em visão querida
Longo o soido nos floridos lábios.
De ardente poesia*

Como as nuvens do céu regadas d’ouro


Lhe não devanearam no delírio? A água do lago azul calou-se a ouvi-la.
Em gôzo — aberta a tremular-lhe vida. As ramagens das ribas se estenderam.
Num quebranto a sorrir nos lábios sôfregos As alvas nuvens se baixaram leves
E ra alma em flores divagar perdida E a brisa emudeceu para escutá-la.
Tendo no seio o empíreo!
E num rapto de gôzo cega a vista
Que lágrimas turvavam — o mancebo
De joelhos a ouvia —
Oh! que sonhos! que sonhos! que delícias! Nem um palpite no elevar do peito,
Trêm ulo o coração a derreter-se Nem um arfar ao soluçar dos lábios
Em quebrantos do céu! tépido o peito Abafado fugia!
Com a aragem dos sonhos! que harmonias! ’ 0^7
Que delícia, meu Deus! d’embevecer-se
A cismá-la, desfeito
Em amor, em desejo, em mil ternuras VIII
O cérebro embalado e delirante!
Que cântico de amor! (anjos que o ouviram Foi um sonho — não mais — e como um sonho
Foram contá-lo ao crisocal 1078 da tarde Súbito esvaeceu-se a forma aérea
De nuvens côr de rosa — e elas s o r r ir a m !...) Da branca aparição — risos e cantos,
— Que vida num instante! Tudo isso se findou bem como a névoa
Aos clarões da m a n h ã ... a bela imagem
A estátua bela do seu lago d’alma
F u g iu -lh e ... Foi um sonho, mas qu’importa?
O h! que anjo de asas brancas nessa hora Em bora fôsse num mentido gôzo
Que lhe pousasse em frente e não sentisse Se o peito lhe gozou, se inda por pouco
Umedecer-lhe o azul dos olhos límpidos O pulmão respirou-lhe um ar mais puro
Uma suave lágrima Que o da peste da terra — um ar d’influxos
A ouvir-lhe a melodia — e n’alva fronte Doces como o do céu?
Sob véu de palidez lhe não sonhasse
Uma alma arder-lhe em borbotões de gênio.

[ 338 ]
o CONDE LOPO

CAN TO IV — E como o vento a ultrapassar ligeiro


Montes e vales — como um pétrel n’àgua
Do Oceano frio a galopar tão rápido
F A N T A S M A G O R IA S Como no praino dos compridos vales.

III
P erh ap s th a t sku ll so h o rrid to view E a cada volta vinha um companheiro
W a s som e f a i r m a id ’s . . . Com êle emparelhar — d’alvor luzente
T h e s e hollow so ck ets tw o b rig h t o rb s co n tain ed
W h e re th e lo v es sp o rted an d in triu m p h reig n ed E juntos caminhavam em fileira
H e re g low ’d th e lip s ; th e re w hite a s "T urian ston e Em louco disparar saltando os rios,
T h e te e th d isposed in beau teo u s o rd e r s h o n e .. . E fuzilando no passar as rochas
M OORE (o/ Cornwall). Dos alvos dorsos dos escuros serros.
H ow now , H o r a tio ? you tre m b le , and look p a le :
I s not th is so m eth in g m o re th a n fa n ta s y ? IV
W h a t th in k you o f i t ?
Hamlet — A c t. I . E ra num largo deservado campo —
Perde-se a vista sem lhe achar limites —
Aqui e ali — nos montes — cada píncaro
Tinha um rubro volcão por c ’roa régia
A cingir-lhe o cabeço — clarão feio
CANTO IV De sangüíneo fulgir treme nos ares
Ofuscador; — e o céu além é negro
A ch an g e cam e on th e s p ir it of my d ream . De túrbido esfumar. —
BYRON . Compridas horas
A w ay 1 A w a y ! Correram pelo campo entre as fogueiras
B. M AZEPPA . 1081 Que a mão do inferno colocou no tôpo
Dos negros serros nus — e a tropa cresce
Dos rápidos corcéis varrendo o espaço
Em infinda fileira. — O olhar não pode
E 0 sonho transformou-se-llie — Quantos sejam dizer; que o têrmo perde-se
Corria De cada lado no estridor dos passos
Num rápido corcel 10 8 2 cuja brancura E na alvura das sombras que cavalgam
Reluzia nas trevas, entre a densa Os tétricos corcéis. 1084
Escuridão da noite, como fósforo, E sempre e sempre
Como um fulgir de sêda tremulante. Como se Deus ou se Satã dissesse-lhes:
“ Correi sem mais parar!” — os gigantescos
Dos olhos do corcel 10 8 2 partiam lumes Lívidos animais voam ao longe
De vermelho fulgor; as largas ventas O espaço a devorar co’os largos membros.
Fumavam ressoando — As longas clinas
Sôltas ao vento, floreadas, trêmulas
Refulgiam nas tênebras, mas pálidas
Parecia êsse um cavalgar de mortos, 1085
Como um perfil de morto. — E êle corria
A largo galopar faiscando as pedras Tanto era o silêncio — Os cavaleiros
Com centelhas de fogo — e o pó em tórno Dos pálidos cavalos envolviam
Como uma nuvem lhe seguia o rasto, Longos brancos vestidos, que a violência
Trazendo ao fantasiar idéias tôrvas Da corrida arrastava longe dêles.
De espíritos dormidos no caminho, Comprido denso véu lhes encobria
Que o piso férreo do cavalo fôra (Bem como o lenço que se lança à face
Do sono despertar, e como lôbos Daquele que morreu e jaz na cova
Nos gelos da Sarmácia — enfurecidos Antes da cal o vulto embranquecer-lhe)
Seguem-lhe os passos rápidos — uivando! As formas do semblante, mas o vento
Que as dobras lhe fixava sóbre o rosto
Só descarnados ossos desenhava,
II Como saliências de caveira sêca
N ’alvura dêsse véu. —
E o ginete corria sem cansaço Os cavaleiros
Sem que morno suor do branco pêlo Eram — certo — fantasmas — que um mau cheiro
Gotejasse sequer — mas frio sempre! Como de sepulturas baforava
Tão frio que o mancebo quando às vêzes Às 108 6 faces do mancebo. —
No insano galopar chegava às curvas
P ’ra segurar-se nêle — pelos ossos
Sentia gêlo lhe e sco rre r... V
E sempre Era num campo
O lívido corcel 1083 por entre as sombras Cujo verdor luzia como as côres —
Saltando os precipícios — como um gamo Do sol transparecendo entre esmeraldas
A escalar rochedos — como uma ave Saía a luz das côres da campina;
Na infinda rapidez cortando os ares E nem se via o céu — dossel 1087 imenso

[ 339 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S DE AZEVED O

De flóreas trepadeiras enlaçadas De assombrada flo r e s ta ... E sôbre o peito


Inteiro o encobria, salvo — às vêzes Sentia êle pesarem — como pedras
Em alguns intervalos dessa tenda Roladas por demônios — os cavalos
De floridos verdumes: — E dentr’essas Correndo a galopar — e lhe estrugiam
Abertas — se estendia o céu corado As estaladas frias gargalhadas
Com reluzir de fogo em denso esmalte. Dos cobertos fantasmas cavaleiros
As estrelas pendiam, fracas, trêmulas, No ouvido atordoado. —
E mortas no rubor do céu — ou vivas Longas horas
Semelhavam carbúnculos vermelhos — Gastou para passar a turba-multa
Olhos de serpe lá de cima olhando Dos cavalos gigantes — Mal volvia-se
O cintilar do vale! — Para um lado o mancebo e vinha um sôlto
Ao Conde Lopo Desenfreado bruto desvairado
Pouco medroso embora e, cavaleiro A passar-lhe por cima — Nas vertigens
A montaria desprazia um tanto — Da idéia a intensidade desmaiou-lhe.
Esse correr em animais de gêlo E êle jazeu no chão sem movimento,
Assombrava-o um pouco e mais ainda Como um cadáver não, pois lhe era quente
A muda companhia que levava. Ainda o coração, mas como um bêbado
Estendido na quina enlameada
De tortuoso beco — bem dormido.
O vento frio em frente lhe soprando
Parecia arrancar-lhe à fronte os crespos. 1088 V I I
Mal podia pensar, — o nunca findo
Disparar dos cavalos lhe tolhia Sentiu êle que as pernas lhe puxavam
A voz nos lábios — e demais quando êle Com um saco p’la bôca — o corpo todo
Quisesse conversar, ninguém lhe ouvira Parecia-lhe cobrirem — grãos de chumbo
E não lhe respondera — Que os fantasmas Que andassem sobre pés como besouros.
Imóveis nos selins bem semelhavam Abriu os olhos turvos — viu em tôrno
A não serem de pedra, serem mudos — Um batalhão de folgazões espíritos, 1091
Calou-se êle portanto. Nem por isso Diabinhos pigmeus d’olhos brilhantes
Em sossêgo maior julgou a mente. Como faíscas de fogueira acesa
P or noite de S. Jo ão — ou qualquer outra.

Desabrido voava (que êsse passo Ergueu-se maldizendo a noite aziaga


Nada tinha de andar nem de corrida) O atropelado moço e com a capa
Sempre o frio corcel! 1089 Quis atirar-se O encarniçado batalhão-du en de
Abaixo dêle — e se estender na estrada Pretendeu afastar, mas vinham sempre
A descansar fadigas — mas a altura Trepando-lhe no manto os tais gaiatos.
Do monstruoso animal tornou-lhe árdua Azoado p’los brincões dos galhofeiros
A arriscada descida. E além disso Atirou-lhes a capa — Uma risada
Voltando a face à pálida garupa Aguda restrugiu de mil formada.
Do maldito demônio viu ao longe,
À esmeraldina luz e ao fusco brilho
Do campo que tremia, inda outras filas
Das vistas no perder seguirem rápidas VIII
A primeira em que êl’ia. — E ra pois árduo Era longe — Num campo branqueado
E arriscado descer — talvez pisassem-no Da geada da noite era sentado
As rápidas parelhas que atrás vinham — Junto a um aberto fôsso, tiritando
Ou lhe tostasse as fatigadas costas A bater as queixadas pelo frio,
A alta relva que em fogo parecia. Que mal resguarda-lhe o lençoUroído
Do manchado sudário — alvo fantasma.
V I
Absorto no pensar — A fera infrene, E ra bem limpa a noite — o céu enchiam
Que como o Ucrânio potro de Mazeppa, Desmaiadas estréias de luz baça
O arrebatava tanto pelos ares Alvejando por entre a baixa névoa
Aos verdes o arrojou. — Estendida no campo —
Caiu em terra E como sôlto no ar desabrigado
Atordoado — 1090 o moço mal-caído Frio vento hibernai com lábios gélidos
Co’a idéia turva a lhe voltear na mente Que dão beijos de mármore!
Em ébria contradança — qual de inglêses Ao mancebo
No frenesi de um baile, o acanhamento Co’os membros pelo frio inteiriçados
Pelo ponche à romana esvaecido. Estrem eciam na medula os ossos.
Vão as ruivas Myladies requebradas Sentia as carnes lhe arrepiar o frio
Desfeitas em momices. — Tudo em tôrno E um secreto temor. —
Parecia mover-se em roda viva A voz do vulto
Como a volta afinal de longa dança Sentado no seu fôsso veio dar-lhe
Dos gnomos careteiros nas liseiras Razão a seu terror. —

[ 340 ]
0 CON DE LO PO

O F a n ta sm a Em quarto agasalhado — aqui apenas


Tenho um grabato de tijolos frios
Olá, amigo, Com cortinas de pedra — se quiseres
Sentes frio também? Certo é que o vento Dormir hoje comigo, aceita a oferta”.
Corre bem rijo aí por êsse campo —
E geada vai na terra como orvalho! IX
Egoísmo foi decerto aqui marcarem
Lugar p’ra cemitério. Melhor fôra Era essa a alma de um valente nauta
— Não o pensas assim? — darem-nos leitos Que as névoas da Inglaterra logo ao berço
Nos muros das Igrejas. — Lá ao menos Saudara como pátria. — Quanto ao nome
Se a cal tem umidez, não sopra o vento Fôra-lhe: Trelawney. — Longas viagens
E não roçam na ossada assim gelada O levaram com Byron. — E o conviva
Entumecidos vermes que a frieza Das orgias febris do Lord sombrio
Da noite regelou. Não pensas, dize, 10^2 Lá jazia a gelar no cemitério. —
Meu forasteiro, assim?
E porque vagas
Por alta noite aí correndo os montes? X
Tomas acaso o“ ar da noite fria O Conde Lopo abotoara ao peito
Como receita médica? As roupas que vestia. — O humor sombrio
Na vida — Que a- vida lhe esfriava — o spleen que sempre
Na outra que eu vivi — tinha eu riqueza Que o tédio o entristecia lhe fizera
Bastante p’ra comprar colchões de penas Luto sempre trajar. — Vestia negro
E felpudas cobertas pelo inverno, Pois o Conde tristonho —■ Abotoara
Quando eu vivia no país da pátria. — Como eu dizia — o nosso herói ao peito
Mas causava-me tédio o frio e a bruma As roupagens escuras. — Caminhava
E fui terras correr. — Amei, nos mares E nessa distração que a idéia sempre
Nas noites mornas de verão, na proa Lhe fazia vaguear sem rumo fixo,
Solitária do barco adormecer-me — Como barco sem leme entregue aos ventos
— Aquelas brisas tépidas correndo Com as velas abertas — como a grimpa
No ar se espreguiçando me agradavam. Que a inconstante brisa agita, varre
No caprichoso sôpro — já nem pensa —
No fantasma de há pouco e nem no frio
Que lhe estremece os membros. —
Vivi na Itália em doce fa r niente
Sempre em braços de amor — lugar que sabes
E ’ de grato calor. — Como to digo X I
Amei sempre o calor. — Quer do Oriente Caminhava
Sentindo a languidez amolecer-me O Conde distraído — e em sua marcha
Os frouxos membros no divã macio Topou uma parede. — Despertado
Com a face num colo voluptuoso Do negro meditar olhou em tôrno.
De Georgiana de ademãs ardentes. Viu tudo escuridão. — Co’a mão gelada
E ra num seio ao pêso resistente Os muros apalpou: sentiu-os ásperos
Da cabeça jpesada — adormecer-me. De salientes relevos enredados —
Amei sempre o calor! — No céu da Grécia Desviou-se e bateu numa coluna.
O que mais me agradava era essa ardência Recolhendo-se na mente imaginava
Do sol oriental. — Que entrara sem saber nalgum palácio
— Se era de reis ou templo — não podia
E se não fôssem
Explicá-lo éle então. —
Umas velhas que em negras bruxarias
Vêm às vêzes vagar por êsses ermos. Soou nas trevas
De crânios infantis roendo os ossos Nos gemedores sinos meia-noite!
De fresco sepultados, — eu de certo E ra pois uma Igreja. — Orientando-se
Gelaria de frio entorpecido Pelo correr do muro acompanhou-se.
Como a água empedernida da montanha.
X I I
Hoje vieram elas — mas tão feias
No hediondo sorrir que lhes abria Pouco e pouco êle via esclarear-se
Os lábios negros amostrando as covas .Ao longe o fim de um corredor. — Seguindo
Das gengivas desertas — eu a ch ei-a s... A luz que pelas frestas da cerrada
E demais eram tantos os defuntos, 1094 Porta 1095 brilhava pálida — no têrmo
Alguns ainda com os restos fétidos Do longo corredor fôra êle sempre.
Das carnes sôbre os ossos — apinhados
Junto ydo fogo das medonhas bruxas —
Que preferi gelar — à noite ao frio
E às rajadas do Norte inteiriçado Chegou à porta — repeliu-a. Entrando
Do que lá me sentar. — Os olhos estendeu em tôrno. — Lívidos
Olá, mancebo! Sentados num festim viu lalvas sombras
Já não me escutas mais? Quando era eu rico De esqueletos co’os crânios embuçados
Pudera dar-te hospitalidade quente Na alvura das mortalhas. — A uma fronte

[ 341 ]
M A N O E L A N T Ô N IO A L V A R E S D E AZEVED O

Cingia o ouro de real coroa, 10^6 U m F a n ta sm a


A outros um diadema a entrelaçar-se
Nos cabelos roídos, ressecados — “ E ia! 1098 nieu poeta! nos teus braços hoje
A correrem-lhe o tórax demudado Hei de ébria adormecer! Cavado fundo
Pelo dente dos vermes. — Foi-m e em jaspe o sepulcro — e lá tirito.
Dentre todos Vem pois comigo, num abraço unidos.
Com mofador sorriso na caveira Menos gelada a solitária pedra
Mirrada c ’roa de secados louros Porventura será — bem ébria e louca
Na larga fronte a circundar-lhe o crânio, Dos ossos no tremor irá-te a noite.
Nos finos ossos dos escuros braços Lembra-me ainda, muita voz mentida,
O queixo a repousar, sobressaía Muito suspiro falso, muito beijo
Um fantasma de pé — na mão direita Que hei de te dar co’os descarnados lábios.
Não tinha a taça — não — tinha-a vazia;
E olhava-os com dó esses convivas — 1097 Vem, pois, durmamos num amplexo juntos
Reis per nascença ou pelo gume d’acha Formando um corpo só — tôda a lascívia
Em combate feroz — que aí sentavam-se Que dous cadáveres gozar puderem
Com o poeta à mesa. — No limbo da mortalha, hemos gastá-la
O Conde Lopo T é esgotar-se a fôrça em nossos peitos.
Olhou-os todos e sorriu. — Estranha Que pensas, meu poeta, que sombrio
E ra de certo a cena, mas à mente Nem respondes sequer? — ”
Gasta a volver monótona existência
Agradou-lhe o fantástico banquete. E ra um fantasma
De macilento crânio enegrecido
Aqui e ali por fios de cabelos. 1099
Tinha na fronte a reluzir — embora
O empanasse a podridão na tumba —
Tomou na mesa coroada taça Um diadema d’oiro. — O tenebroso
De vermelho licor láuri-ornado Fantasm a pensador que dera ao Conde
Pensativo fantasma — o Conde Lopo A taça rósea de licor sangüíneo
Nos lábios a sentiu. — Mas era fria ISÍa caveira um sorrir, ergueu a fronte
Como os beiços de um morto — e o denso vinho Enramada de louros ressequidos
Deu-lhe no paladar sabor de sangue! E respondeu-lhe em zombeteiro escárnio:

Repeliu. — Caiu no chão de pedra “ O que eu pensava? Na verdade a idéia


A taça derramada — um longo grito Que me levava a mente era bem digna
No lajedo soou como um soluço De tu ma perguntares. — Eu dizia
D ’agonia final, quando nos lábios Que tu — outrora barregã — rainha.
Num último tremor gela-se a vida. — Caprichosa mulher de ardentes gozos.
Prostituta, sentaras-te num trono;
Um fantasma de cão que adormecera E davas como leito aos favoritos
Da mesa do festim roendo os ossos Teus tálamos doirados e macios.
Que os convivas lhe davam despertou-se,
E os^ descarnados ossos das queixadas
No liquido molhou, bebendo sôfrego “ H oje te apodreceu a rósea carne
O vinho dos finados. Que os ossos te cobria, e eis-te aí nua
O mancebo Como nunca te 'viram teus amantes.
Cada vez mais atônito jazia — E is-te aí nua prostituída ao verme
E ra em verdade pavorosa a cena! Que só te morde com seus agros beijos
T ão gélidas risadas nunca ouviram O alvo lugar onde em cetim macio
Ouvidos de mortais, nem mesmo quando Dos seios tanta fronte repousara
Co um duro rir se deita o pesadelo No ébrio trem or de enlouquecido gôzo.
No peito do que dorme. —
E êsses olhares
Fuzilando do fundo pardo-escuro
Dessas caveiras nuas, essas vozes
Agudas como o retinir do aço Eis aí pois, rainha, o que eu pensava.
A zunirem fatais — essa bebida Idéia singular, não o confessas?
De sangue rubro em nodoadas páteras — Prostituta real o amor lascivo
Tudo isso um calafrio lhe acordava De um voluptuoso rei alçou-te ao leito
Pelo gélido suar das carnes úmidas! E do tálamo ao trono — hoje, coitada!
Só o verme te quer quando nas covas
Não acha sânie onde perpasse os lábios
XIII E p’ra fome iludir morde-te o fêm ur!” noo

Continuava a conversa dos convivas


E os brindes loucos das geladas vozes.

[ 342 ]
o CONDE LOPO

Confusa ressoou em tôrno em risos TERCEIRA PARTE


Ruidosa vozeria dos fantasmas,
Era tanto o estridor que reboava
Nas côncavas abóbadas das salas
Que Lopo nada o u v ia...
Voz aguda C A N T O S V , V I, V II e VI I I
Como tigre a uivar cobriu as outras.

“A dança! à dança!” A n d th o u fr e s h b re a k in g D a y , and you , ye M o u n ta in s,


“ A dança, à dança” — todos W h y a r e y e b e a u tifu l? I ea n n o t lov e y e !
Em côro repetiram — longo círculo BYRON M anfred.
Dadas as frias mãos formaram todos
Em tôrno ao Conde Lopo — com tal fôrça
Ante êle a voltear — que só lhe ouvia
O confuso tropear rangendo a pedra,
E o frio rir e o retinir dos ossos! CAN TO V

NO MAR
O círculo infernal com fôrça infinda
Corria como em vórtices a tromba
Sôbre as águas do mar sorvendo vagas
— Bebedoiro de nuvens. ■ — A n d now C h ild e H a ro ld w as so re sie k a t h e a rt.
A vertigem A n d fro m h is fello w b a c c h a n a ls w ould f l e e ; 1 1 0 2
Do Conde se apossou — Também volvia
No geral turbilhão ...................................................
A n d fro m h is n a tiv e la n d resolv ed to go.
•............................................................ As coloridas A n d v is it s c o rc h in g c lim e s beyond th e s e a ;
Vidraças multicores reluziam W ith p le a su re d ru g g ’d , h e alm o st lo n g ’d f o r w oe.
A n d e ’en f o r ch a n g e o f sce n e w ould seek th e sh ad es below .
Com luz escassa, como sói em horas
Em que a aurora vai sair nos montes. Childe Harold. I — V I .

E como trevas que dissipa o brilho


Do avermelhado facho — ou como um bando CANTO V
De negros corvos que o ruído acorda
Na escuridão do campo e as longas asas
B u t I , w ho am o f lig h te r m ood.
Abrindo com estridor em tôrva nuvem
W i ll la u g h to fle e aw ay.
Vai desfazer-se no azul celeste —
A êsse raio primeiro os esqueletos (Childe Harold).
Sem um leve falar se dissiparam. —
1
Além se azulam no matiz fundidas
E ouviu-se em tôrno o estrondar das lajes Da luz crepuscular as serras últimas
Caindo sôbre as entreabertas bôeas Da terra que se perde no Oceano.
Dos fétidos sepulcros. —

Co’as velas brancas pelo vento cheias


E ra um sonho Das águas no embater garrido joga
Como o outro já fôra — sôbre as relvas Um leve brigue a esvoaçar ligeiro
Da úmida campina onde dormia Como uma ave do mar. —
O poeta a sonhar — êle volveu-se Entre o sussurro
Inda ansiado do passado peso.
Do rápido batei, na vozeria
Dos marinheiros desfraldando as velas,
Na stirpe sêca de enfesado arbusto
Brotado no alcantil ao ar das águas
Com o abalo de mão mimosa e nívea
Repousando do vôo — ou como a nuvem
Que como a luz que as tênebras espanca —
Que do alto mar se vê a deslizar-se
Como anjo de fulgor clareando sombras.
Lhe vinha dissipar o ansiado sono Branca de neve no horizonte imenso.
Entre o sussurro pois e a vozeria
E o abafado respirar pesado
Do rápido batei, co’a mão na face
Do toldado vapor do pesadelo...
Os viajantes, com molhados olhos
Cheios de prantos se alongavam inda
Nesse listão azul que o leme às vêzes

[ 343 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO

Do barco no jogar, galgando vagas Sem 110'* letras — embora — que túmulo imenso
No céu fulgente do arrebol da tarde O meu não seria no bôjo do mar!
Mal distinto se via. — Outros mais fracos Que fúnebres cantos nas vascas da morte
Entre as vertigens do pesado enjôo Ouvida gigantes da vaga no uivar!
Na amurada do brigue se arrimavam
Com os olhos no mar (longe contudo
De poético idear que lhe inspirasse
O verde mar dourado pela tarde
Entre vagas d’escuma enfurecido
IV
Atirando-se às costas, negras, longas,
Do brigue voador) — co’a face pálida
Descera a noite tenebrosa e fria
Em gélido suor banhada tôda
Sôbre o navio a navegar entregue
Lançando carga ao mar, como zombando
Ao hálito dos ventos, embalado
Dizem homens de barco.
Nos embates do mar — atrás deixando
De prateada escuma lista branca
11 De luzente ardentia.
E lá na proa,
Com um braço no peito e as duras cordas E sôbre cabos encostado ao mastro,
A prender-se com o outro, um vulto imóvel Nas dobras negras de amplo manto envolto.
Volta às vêzes para o lado aonde Ressonava o sombrio viajante
Desparccera a terra — mas sem lágrimas. Que víramos cismando ali sòzinho
Sem gemido sequer que lhe tremesse Ao embuçar-se o sol em sombras negras
Do lábio a superfície. — O jogar louco Na escuridão do mar.
Do batei a bom vento discorrendo,
Cortando um sulco de fervente escuma Do leitor certo o atilado senso
Com a pontuda proa — o embalava. Adivinhou H05 quem era o pensativo —
Sagaz embora não lhe pode a mente
E êle sorria quando ouvia em tôrno Seguir a adivinhação. — Direi portanto
Abalado do choque algum novato Breve como até aí — o que embarcara
Agarrando-se a um cabo ir estender-se Longe do lar o Conde. —
Nas pranchas do convés — por entre o estrondo
De objetos que rolavam de mistura
V
Co’os mal caídos de tonteados passos.
Vimos como no braço adormecera
I I I Do Conde, no festim, a moça bela,
E cada vez que no jogar do brigue Com as cerradas cristalinas pálpebras
A proa se elevava — a fronte altiva Imagens leves a lembrar de arcanjos
Dormidos sôbre nuvens. •— O mancebo
Alegre se lhe erguia purpurada
Ao livrar dos lânguidos abraços
P ’ios adeuses do sol —
Da fada adormecida, lhe pousara
Imóvel, mudo, A face sôbre a mesa, sôbre a sêda
Movia os lábios como se quisesse
Abri-los p’ra falar. — A mente dêle De uma almofada do divã da sala.
Embebida no doce dessas horas Deixara-a êle assim — A alma descrida
Em que a meio no mar esconde rubra Pensou-lhe que o dormir à moça fôra
A ardente face o sol — lhe ia bem longe T ào macio — talvez mais inda — posta
Do navio e do mar — pensava e um canto Sôbre um coxim que sôbre o peito dêle. —
Gerado n’alnia lhe tremia aos lábios. Demais — vira-a libar por tantas vêzes
Em brinde a êle o cálice purpúreo
De vividos licores, cheio a ponto
De derramar-se em coralinos fios,
A ouvir-lhe o rebramir e os uivos soltos Que lhe supunha bem profundo o sono.
Como um tropel de monstruosas feras
A erguer-se espumando, bramidoras V I
Do fuzilar com afogueadas cores —
Os cabeços envoltos. —
Nos candelabros, nos cristais dos lustres.
Esmoreciam pálidas as luzes
E em tôrno jazem todos sepultados
Nos cantos de leão do mar bravio Em pesado letargo. — Quem nas mesas.
Sulcado pelo raio em listas rubras — Quem nos moles tapetes do soalho,
Rasgando o seio ao tresloucar dos ventos; Quem do terraço nos marmóreos bancos.
— No abafador bafejo da tormenta Dormiam todos pois. — E além os ares
Ao livor dos relâmpagos — sem junto Co’o dia clareavam, às montanhas
T er um peito de fraco a desfazer-se Purpuream-se os verdes, nas campinas
Em estúpidas lágrimas — que doce Das urzes no ervaçal, nas verdes balsas
Que me fôra morrer! Rosicler da manhã tinge de rosas.

[344]
0 CONDE LOPO

E lá nas sombras que a alvorada açouta Ia pálida e cândida — e absorta


Inda uma estrela brilha, uma somente Num profundo idear — não lhe doíam
Como na despedida o lindo bando As ramas que o alvo colo lhe batiam
De donzelas se aparta, e uma inda fica No rápido correr! — Pálida e cândida
Com olhos úmidos fitando o que ela Com os seios a arquejar e os olhos fitos
Tão bem q u ererá... De desmaiado cinto — azul envoltos
A estréia d’alva ainda Que mais tristonha e pálida a tornava,
Por um pouco brilhou no descorado C o s cabelos soltos pelos ombros
Azul do céu da noite, ei-la branqueia. Cândido serafim assemelhava.
Perde os luzidos mil, e pouco e pouco Anjo inocente que o embaciar do sôpro
— Como donzela a que desmaiam cores Não pôde d’homens empanar ainda
No rosto frio, e a vida se e^^apora No vítreo coração — e o peito cheio
Dentre uns gelados desc’loridos lábios — De afogadoras mágoas vai correndo
Em aflito tristor.
Apaga-se no céu — e entre a alegria
Dos cantos da manhã, doída n’alma
Se esvai no azul celeste.
Depois de muito ;desvairar-se à toa
Pelos molhados ervaçais viu ela
Um manto negro sôbre o chão lançado.
Clareia-se o salão — é dia — a brisa Chegou-lhe ao perto — p’ra tomá-lo e vê-lo
Frescumes coa nas tremidas sedas Se era acaso o do Conde. — Levantou-o
Do ondante reposteiro — E ainda em tôrno
E viu ansiado a revolver-se em sonhos
Dormem turvo ressonar ruidoso.
Qual sob um pêso abafador aquele
Tudo — oh! não! lá despertou co’o brilho
Da matutina luz a nossa bela. Que tanto tempo embalde p ro cu rara...
Acorda e seu primeiro olhar procura
O olhar do Conde. — Não o viu — Ergueu-se V II
Com a tristeza n’alma e o peito cheio
De atro temor — pressentimento quase. O dia se passou e o dia inteiro
Doiram-se as mesas no ansiar do jô g o :
Soa o tinir das moedas, pressurosos
Jogam mancebos com olhar ardente
E face avermelhada. — Só o Conde
Ergueu-se — um por um corre êsses rostos Pálido e frio permanece à mesa
De ébrios — dormidos — pálidos convivas, Ou ganhe ou perca — em turbilhão luzente
Os montes d’ouro chame a si do centro
E todos perpassou co’a face pasma. —
Ou a bôlsa esvazie sôbre o verde
Da alcatifa da mesa, nem um riso
D ’ansioso prazer lhe acende os olhos,
Nem um ranger dentre cerrados dentes
E saiu pelos campos — O costume De invejoso sofrer a confranger-lhe
Sabia-o ela do sombrio moço, A fronte pálida com fundos sulcos;
Ou propícia ou avêssa lhe sorria
D ’ir-se às noites pedir repouso à febre Amôres ou escárnios a fortuna. —
Sob orvalhos do céu. — E solitária Homem que já no amor jogou as ditas
Dissêreis essa pálida donzela Mores do coração; que entre os rugidos
De romântica dor que o vate lísio H06 Do mar nunca tremeu, e pouco à vida
Sonhou ensandecida pela mágoa. Dá de amor e esperança, que lhe importam
Luzidos de metal, se falsos gozos
Nas negras tranças que soltara o vento Que êle lhe faz nascer nem lhe adormentam
E o roçar das ramagens — uma rosa Cancros do coração?
De fria candidez inda a sorrir-lhe, E pois a perda
Mas morta e fria como o rir que a ela Nem os lucros lhe davam mais abalo
Que o embater das vagas ao penhasco
Gélido sôbre os lábios se pousara.
Que o tempo en egreceu ...
E o cetim que guardava-lhe as mimosas Pálido e frio
Plantas — dos seixos da áspera vereda Seguia o Conde com atentos olhos
Rotos nos espinhais se destingia A ressaca do jôgo, sem anelos. —
Das alvuras de neve pelo sangue E quando a noite veio e as mesas verdes
Se esclareceram co’o luzir dos lustres
Dos mal feridos pés em róseo orvalho
Perdera o Conde uma fortuna imensa,
Que regelava a umidez da ervagem. À vista parte — e parte sob palavra.

“Ültimo lance” ? — disse — “os meus palácios


Contra isso tudo que eu perdi — quereis-lo” ?

[ 345 ]
MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO

Hesitaram parceiros, tão de louco  vida errante que me resta agora


A aposta parecia — e o Conde Lopo Não te venhas unir — talvez que ainda
Ouviu um arquejar, e uma lágrima Tu a resolução fraqueie exausta
Quente cair-lhe sôbre a mão.
Voltou-se. E arrependas-te e n tã o ... Quando me viste
E ra a pálida Inês, a pobre moça P ’la primeira vez, ao ver-me sôbre a face
Dos amores da noite — o primoroso Êsse frio palor, nunca pensaste
Anjo da orgia, criatura bela Que não de orgias, mas de causa interna
Que o dia inteiro o delirar do jôgo
E o abismar-se da fortuna inteira Me vinha essa descor? quando dormias
Do Conde Lopo vira, embranquecida Junto de mim, junto a meu peito, nunca
A púrpura da face, o olhar parado Me ouviste em sonhos com a voz tremenda
E descorados os abertos lábios. — Gemedora a queixar-se? então na mente
“ Conde! por Deus, por nosso amor, se acaso Não te lembraste que um mistério havia
À coitada da Inês guardaste n’alma Incógnito segrêdo, negro e fundo
Um resquício de amor, não precipites Como o despenhadeiro dos abismos
Tua fortuna assim! — Conde, não jogues Onde — de longe — rugidora soa.
Êste lance terrível! — ”
— “ Inês, cala-te. Ao som d’água na pedra, a voz da fera?
Se ganhar, ganharei o que hei perdido
E como dantes ficarei. — Perdendo, H08 A minha vida, Inês, é um m istério!
J á que tanto existi em luxo imerso, Ai de ti se pudesses decifrar-lhe
Irei também exp’rimentar o gosto
Do pão d’ázimo ........................................................ ” Uma sombra sequer — que então fugiras
Dos braços meus, espavorida e fria.
Tudo perdeu êle ..............................
Queres ligar a tua sina à minha?
Voltou-se e viu Inês, banhada em prantos, Pobre pomba que anseia amor das águias!
Co’os joelhos de neve em chão de terra Gazela meiga que os afetos pede
Com os olhos em lágrimas. — Da onça dos juncais! —
“ Que queres? Continuou o Conde
Inês, tu sabes, eu tornei-me pobre: Como antes seu andar. Pálida, atônita.
O Conde Lopo já morreu — eu hoje Caída nos joelhos ela ainda
Sou um pobre vivente sem amigos. Por muito tempo lhe seguiu co’a vista
Sem travesseiro ao menos para a fronte, Os passos sempre iguais. —
Que não as lajes de enlameadas ruas. E parecia
Tu és formosa, Inês, talvez encontres Uma estátua de pedra que se erguesse
Algum rico fidalgo que te queira. — De sôbre um túmulo. — No andar pausado
Podes ser venturosa a in d a ... Choras? Idéia negra lhe turvava os sonhos;
Tu bem sabes, Inês, fôra egoísmo E caminhava sempre, a fronte pálida
Do desgraçado associar-te à sina Num véu sombrio de pensar envôlta
Arida e êrma da miséria sua.” H09 Com esgares no olhar.
Talvez, quem sabe?
In ês Lem brança rubra de passado crime
Com sangrento zombar lhe ria amarga
Ah! Conde, Conde! que tão mal me entendes! Sarcástica no peito. — O Conde Lopo
Escuta-me, eu te amei! Sob êsse gêlo Ninguém o conhecia — era um mistério
De tu’alma de fel eu te sonhava Sua passada vida — negro abismo
Uma flor virgem que ninguém soubera O seu imaginar — ninguém pudera
Com desvelados m o mimos perfumosa Obter-lhe história dos transatos anos.
Em beijos entreabrir. — Conde, eu amei-te — A frieza do olhar ninguém lha vira
E a ti só nesta v id a ... Que me importam Escaldar uma lágrima fervendo
Prazeres de riqueza, luxo e sêdas, A tombar-lhe nas faces. — Não, que ao moço
Se eu te sonhar em horas, alta noite, Como ao Childe de Byron a altiveza
Co’as fauces ressequidas pela fome? Lha gelara nas p álp eb ras...
Que importa a vida delirada, tépida Dos lábios
Para mim, se eu pensar-te entregue ao frio Sòmente às vêzes quando o vinho a fronte
No marco do ca m in h o ... Lhe enturvava de sono •— e êle dormia
Co’a taça inda na mão — no pesadelo
Um gemido saía-lhe quebrado
C onde Das cavernas do seio — mal ouvido
Minha sina Nome soava que o arquejar cobria —
E ’ um mistério — como o mar — profundo; Do fundo ressonar. — A vida dêle
F ô ra de loucos intentar erguer-lhe E ra um mistério negro — um mar sem fundo
O véu que ma sombreia. — Inês, és bela. E assim o seu pensar em que abismado
Sorri-te ainda gôzo aqui na vida. A alma lhe e scu re cia ...

[ 346 ]
o CONDE LOPO

VIII À luz da lua que sorriu suave


Limpa de nuvens no azular do empíreo
Vai escura Vê-se belo o mancebo ali da praia.
Caindo úmida a noite; o céu se alastra Louros lhe correm pela roupa escura
De nuvens negras aqui e ali abertas, Anelados cabelos, transbordados
No seu escassear mostrando brilhos Do espêsso gorro de veludo negro;
De perdidas estrelas. — Sopra o vento, Tinge-lhe a face palidez — gelada
E rápidas as nuvens vão correndo Como o sorrir dos entreabertos lábios.
Em escura cadeia; o mar na praia
Soluça e quebra-se como um gemido.
Ao ver-lhe o fino das feições mimosas
Dissêreis uma virgem — dessas alvas
Visões aéreas i m que transluzem breves
No delírio dos sonhos — era belo
Que triste que é ouvir correr os ventos O pálido mancebo. — Qual pudera
Na escuridão dos palmeirais da serra!
Coração da donzela não render-se
Que triste que é o arfar das rôtas vagas
Dos seus olhos de azul às côres lânguidas.
Nos abrolhos da costa em noite negra! Qual não sonhara em devaneios doces
E o céu, sem um fulgor de estrela amiga, Roçar-lhe a rosa dos purpúreos lábios.
A terra sem um som que não as vozes
Sequer em leve beijo? Idéia era essa
Dos ventos e do mar entre silêncio
Que de vencida levaria a todos
Que apenas turba o acariciar da onça
A não deixar de c r ê - la ... E êle contudo
Aos famulentos filhos na floresta...........
Tinha nas faces lágrimas de fogo!
Arquejava-lhe o p e ito ... e agros gemidos
Da dor no soluçar vinham quebrar-se
Nos lábios que febris lhe estremeciam!
Soam as pedras do caminho escuro
Ao veloz galopar faiscando os seixos
Os passos de um ginete. — Ei-lo que estaca Não falava porém. Dores há fundas
Açaimado do frio, junto à praia. Que a voz embargam no exprimir dos lábios!
Copiosa escuma de mar lhe alveja Um nome apenas de njulher às vêzes
A reluzente escuridão do pêlo; Nos lábios murmurado lhe passava.
Respira ardente, porém não cansado —
As clinas longas sacudindo ansioso
Ao vento que do mar se eleva fresco. Como levado por idéia firme
O rosto serenou — as quentes lágrimas
Não lhe correram mais p’ias brancas faces.
Somente um riso lhe franzia frio
Embuçado no manto, apeou-se dêle De sombrio pesar a flor dos lábios.
Um vulto negro. — Com as rédeas sôltas Negro como o sorrir do desespêro.
O cavalo deixou — que espera imóvel;
Que o filho dos desertos não precisa.
Generoso, como é, de mais que a ordem Lançou por terra o manto e o gorro escuro —
Do nobre cavaleiro. — Voltou ao seu corcel, convulso os braços
Encaminhou-se Ao pescoço apertou-lhe e pranto os olhos
O vulto a um alcantil. — Ei-lo parado Umedeceu-lhe uma vez mais. —
Com os braços no peito e o manto sôlto. “ Coitado! 1113
Aos caprichos do vento tremulando. Meu amigo foi êle — aqui na terra
Foi-me êle só — ninguém, ninguém amou-me,
Pois ela! e la ... a quem e u ... Além lembranças
De mentida esperança, doudos sonhos
De traidora ilu s ã o !... Pudera amá-la!
Ei-la alveja no céu a flor das noites, Havia erguer-lhe um santo altar no peito!
Magnólia alva que abriu — a argêntea lua Que amores que eu lhe d e r a !...
Dentre o manto das nuvens olha cândida Prantos, prantos,
Para a terra dormida ao som dos mares. A lé m !... não quero mais chorar! secai-vos! m s
E ’ negro o mais do céu — correndo feias E porque c h o ra re i? ...”
As sombras o escurecem — outras vêzes
Luz-lhes em meio aparecendo nívea
Em breve fundo azul, como uma pérola Que idéias negras
No cobalto vivo do mar.
Volvi no idear não sei dizê-lo.
Co’os olhos nela Não falou m a is ...
Vê-la a fulgir e se afundar em trevas Encaminhou-se às rochas
O vulto imóvel do penhasco negro. Erguidas beira-mar, galgou de tôdas
Ruge-lhe em baixo o mar, quebrado, altivo. A que mais sobranceira negrejava
Em férvidas espumas, saraivando-lhe Coroada de cardos e anãs plantas.
Do amargo chuvisqueiro as roupas negras.

[ 347]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO

A lua esclareceu-se, uni vulto negro Que tanto perfume que mal me cabia
Do rochedo caiu. — Soou nas vagas Nos vasos do seio! que virgens amores,
O ruidoso fragor de rude peso Que sonhos fulgentes de terna poesia,
Batendo n’água — e azul o mar fechou-se Que céu! que ar! que flores!
Sôbre o corpo do moço como a pedra
Que cobre ao fôsso o abafado leito......... E essa alma de sonhos tão ébria — tão cheia.
Na terra não quis amar-ma — ninguém!
Os peitos que amei, achei-os de areia
— Que pulso não tem!
Ouviu-se n ’água um ciciar bem como
O do nadar de monstruoso peixe — E pois a alma crente dos cantos de amor
E após um corpo negro deslizou-se Gelou para o mundo, e riu, e descreu!
Sulcando as vagas. — Somente uma lágrima da face a descor
E ra uma canoa — Quente — umedeceu!
Ouvira o homem que a regia estrondo
Dêsse tombar no mar — rápido o barco Porém uma só! mais! e paguei
A êsse lugar chegou. — Viu debater-se Os risos com risos e o gêlo com fel.
Em convulsa agonia de afogado Dos elos do mundo co’as plantas quebrei
O suicida desperto à voz do instinto O último anel.
Ansiando viver. — Lançou-se às águas. —
Breve reapareceu nadando, prêso E hoje é meu sonho na sombra habitar
Pelos cabelos louros desmaiado Dos montes silvosos. — Ouvir — só o vento
O formoso mancebo. — Nesse tempo Das aves da selva o agudo lamento
Levado p’la ressaca o barco dêle Das feras o u iv a r...
Na areia encalhava, e êle sentia
Lhe enfraquecerem já os lassos membros E ver só o céu — azul dentre o verde
No porfiado lutar com o Oceano Das densas folhagens — sem nódoa, sem véu,
Para salvar-lhe a prêsa. — Último esforço E o mar reluzente que ao longe se perde
Do afouto nadador levou-os ambos Nas sêdas do céu!
 praia — um vivo — e um gelado corpo.
Viver lá sòzinho co’os ventos e as flores
Sem ver cá da terra um falso sorrir,
E à noite, ao luar, nos moles verdores
Das gramas dormir, m s
C A N T O VI
Serei solitário na selva esquecido
Dos falsos do mundo entre aves e feras
........... “In faith t ’was strange, t ’was passing strange;
“T ’was pitiful, t ’was wondrous p itifu l... A ouvir dentre as folhas o surdo rugido
Das ruivas panteras.
SH A K E SP E A R E .

Mulher, mulher, que és tu? mentira ou sonho,


Uma palavra, fugidia sombra,
Criaram-te poetas, teu fantasma
Dorme no céu talvez — Pensei-o às vêzes
Em minhas nuvens a correr em sonhos 1 I
Doudo que eu fui de assim baixar-me à terra
Para a vi.são do imaginar buscá-la. E ra silvestre rosa friazinha
E pálida — e gelada,
A ldo (De GEORGE SAND.
Pendida a refletir na flor das águas
Trad, do A .). A face desmaiada!

Em triste palidez esmorecida


No campo êrmo e sòzinha,
PRELÚDIOS Exausta de viver, já sem aroma,
Sem amores que tinha.
Amores e g ló r ia s !... sonhei-vos! e quanto! A falar-nos do céu, e em morte doce
Que digam as nuvens do frouxo luar L á d’alma angustiada
As vêzes que viram-me em cismas de — pranto E branca tôda, e aberta ao frio e ao vento
As faces molhar! De noite de geada.
Que sonhos! que sonhos! que eu tive acordado! Absorta em seu sofrer, trêmula à brisa
Que olhares — que beijos, que vôos ao céu! Que o seio lhe gelara
Que ansiados apertos de um seio nevado E mudo o vale que um nevoeiro frio
Batendo no meu! Como um lençol branqueara —

Que sonhos! que anseios! que luz no porvir! Parecendo exalar a fraca vida
Que flores na vida! que aéreas visões! Em gêmito cansado;
Que lábios abertos, em flor, num sorrir! De uma descor letal, mas tão suave
Meu Deus! que ilusões! Que eu a vi ajoelhado.

[ M8 ]
ü CONDE LOPO

E nela era uma pér’la de sereno Foi uma flor que prostituiu seu brilho,
Docemente tremida, Que da brisa enjeitou amores puros
— Doído pranto de saudade amarga P ’lo beijar ébrio da noturna orgia
Em face enfebrecida! No chão do lupanar.

I I I
E era qual virgem morta em fins de um baile Amei-a! e muito! — Disse-lhe perfumes
Cândido o lábio frio Que no santuário d’alma eu lhe queimara; H23
Alegre inda a sorrir — que o anjo pálido Contei-lhe sonhos. — Coração e vida
P ’la manhã extinguiu! Dera tudo por ela;
Vestindo branco, n’alva fronte rosas,
No seio inda uma flor Rojei-m c aos joelhos seus, falei-lhe em prantos
Que da valsa ao findar sentiu a face Com o peito a soluçar e a voz cortada
Esfriar-lhe o palor. E riu deitando-me inclemente olhar!
Nem lamentou-me a bela!

E a rosa que aos meus tímidos amores


E era qual astro que antes de sumir-se Do coração aos desvelados rnimos
Trás do véu da nebrina De extremoso querer negara — a virgem
Ou afogar-se em luz nascendo a Aurora Deu-a que não a amor.
Em onda purpurina
Deixou-me ao peito o coração sem fibras,
Ainda verte empalecido raio H2l À lira as cordas estaladas, mudas,
De tão suave encanto, E foi vendê-las, as nevadas formas,
E êle tão triste que parece — ao vê-lo No leito do impudor!
Umedecido em pranto.

I V
E era qual andorinha amortecendo-se Fada no rosto, serafim no riso
De saudades e amores, 1 1 2 2 De lábio coralino!
Muda e silenciosa imersa em mágoas. Visão de trovador na forma cândida,
Em um mar de amargores. Huri no olhar divino!

E tão infame! lírio aberto em lôdos.


Era uma rosa desluzida e pálida. Agua argêntea — corrupta
Tão alvazinha e fria, Pelos charcos do pântano — tão bela
De um languor tão aéreo — tão suave, Meu Deus! — e prostituta!
Se chorar parecia
Tão puro lábio a acordar no peito
A pensar em morrer chorando a vida, A embriaguez do desejo,
Que tão mísera a fêz, Mas que o pousar de libertinas noutes
Com a face no chão, n’alma a tristeza Nodoou em torpe beijo!
— De morta palidez —

Que eu senti de meus olhos escoar-sc Tão níveo o seio — mas cansado e exausto
Uma lágrima ao vê-la; Da convulsão da orgia —
Ante ela m’ajoelhei, amei-a em prantos Luz-te nas faces palidez romântica
E em prantos sonhei nela. — — E dentro___ a alma é fria.

O h! quem te visse sôbre a mão dormida


A face descorada
No outro dia eu voltei. Era êrma a planta E não te cresse uma visão de neve
E mirrada e sem côr, desfeita a rosa, Ao luar deslizada?
— O vento a desfolhara.
E ao vê-la assim — chorei lágrimas longas
Todo um porvir de amores e esperanças E quem te visse assim com teus cabelos
A sós m’abandonava! Esparsos te ondeando
P ’los brancos ombros nus e não te cresse
Anjo em sonhos passando?
I I
Além a alegoria! era uma moça Mas olhos dêle se afundar pudessem
Linda embora — perdida em gôzo infame, Êsse profundo mar
Um anjo que cortou as asas brancas Que chamam coração, e êle te lesse
E atirou-as ao mar. Estátua, o idear —

[349]
MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO

E visse lôdo o coração da imagem, Reluzem como d’àrvores de prata


Veneno e beijo impuro Ümidas folhas nas sonhadas vistas
Que do louco ansejou no peito ardido De mil e uma noites H27 em contos Arabes.
Em sonhos de futuro.
O Conde Lopo os olhos divagava
Diz que desprezo, que cuspir nas faces Sôbre tanto fulgor; sentia gôzo
Impuras — te bastara, H2S Passar-lhe n’alma num correr suave,
Que valesse a ilusão que tua infâmia Como dos ventos no mar alto, quando
No peito lhe matara? Traz a brisa do mar odor de flores

T ão bela! e tão perdida! Albor de estréia E perfumes de terra; — inda mentido


Em lagoa corrupta — O sentir seja que embriaga o peito
Na face um anjo, n’alma lôdo — a um tempo Com encanto falaz que doce, que alma
Sílfide e prostituta! E ’ abrir-se-lhe então semeando eflúvios
No livre respirar dêsse ar mais puro!

E pois o coração lhe tremulava


C A N T O V II Alegre palpitar em gôzo doce,
Como bandeira branca à brisa sôlta
Floreada a correr batendo alegre.
I

Voltemos ao poema. — O Conde Lopo


No seu devanear sentira a areia
Das praias lhe estalar por sob as plantas;
Como que despertou então das cismas — E ra deserta a praia — entre uns rochedos
Olhou em tôrno. — A tarde descaía Viu amarrada uma canoa leve, H28
Auripurpúrea sob céus de outono. Barco gentil de pescador. — O Conde
E ra doirada a luz, lustrando as vagas Amava o andar nas águas. A barquinha
Com reflexos de fogo auriluzente. — Sem dono parecia, o curso breve
Nas ramagens das árvores coada Pretendia fazer e pois entrou-lhe
Entre oiro e rosa a luz estremecia. No umedecido bôjo — a mão ligeira
As serras do horizonte em purpura parecem Soltou a amarra e com a pá do remo
D ’azul-rôseo crisol sob céus d’oiro. Como um leviano cisne, o barco leve
Arfando deslizou na flor das águas
A rebentar escumas, na ardentia
Tinham mais cheiro os campos — e nas fôlhas
Do mar da noite prateando sulcos.
Dos arvoredos beira-mar brincava
Tépida a viração. — E ra a hora bela
Fadada aos sonhos do porvir: — Venturas
I I
Quem não sonha-as então entre essas côres
Do matizado céu rindo feitiços
A terra enflorescida, e ao mar corado O Conde êsse pois era que o mancebo
Como clarão bruxulcador da tarde — O suicida formoso — salvar fôra.
Do furta-côres áuri-azul celeste?
Quem não sente também encher-se o peito
Ao ver as rosas do poente aceso I I I
Roxeadas 1126 murcharem nos escuros
Do véu de sombras que lhes cobre as galas? Chegaram pois à praia, êle e o mancebo
E essas nuvens luzentes deslizadas As roupas d’ambos gotejantes, cheias,
Em mar de anil, como castelos áureos Das areias da riba —
De errantes ilhas onde riem Armidas O moço louro
Cobrirem-se de negro, e em mágoa e luto Pálido como Don Juan lançado
No escuro anoitecer morrerem pálidas? Pela vaga da praia — na Odisséia
E quem não sente então em vaga mansa Dêsse guerreiro — trovador errante,
Lago de sonhos o inundar e meiga Que à Grécia amou o mármor das ruínas
Flor de melancolia abrir-lhe n ’alma E foi as flores orientais colhêr
Com pálido sorrir — de aroma triste P ’ias ilhas do M ar Jôn io as cordas áureas
Mas de encantos tão cheia? Para com elas perfumar da lira —
Faz-se — noite Co’a fria palidez das faces mortas
E o cume — além — dos denegridos serros Parecia afogado. — Só a Haidéia
Alveja um raio da nascente lua — Faltava para o Don Juan formoso;
Inda a luzir como um crescente d’oiro Porém não veio oriental donzela
Ei-la que s’ergue e pouco a pouco sobe Envôlta em raras pérolas, e soltos
Como um orbe de prata, já perdido Cobrindo as costas os cabelos negros,
O primeiro doirar — ei-la clareia Com o roupão de cachemira aberto,
O mar e os campos, e as folhagens verdes Da musselina sob o véu cioso

[ 350]
o CONDE LOPO

Mostrando as ânsias dos nevados pomos, O menino das ruas que ri dela
Com lábios virgens num sorriso abertos. E a desama e lhe dá só apedrejos,
Não veio pois ninguém, e assim o Fado Eu não o afirmarei — Contudo o creio.
Poupou-me o ter de abandonar a pena
Para embeber-me no idear dos sonhos
Que frios versos exprimir não podem —
Que não de alma de Byron.
A alva filha Então abriu-lhe o coração o Conde;
Do pirata descrido e a grega serva, 1 1 2 9 Mostrou-lhe a chaga a lhe sangrar, inteira
A discreta Zoé, supria o Conde Que trazia no peito a alma descrida;
E — êsse brioso corcel de negro lustro Odiava a vida renegando os risos —
Escorrendo suor d’impaciência E a ironia lhe voltou aos lábios
Que co’a rédea ao pescoço aí ficara Atroz, acerbo, do viver, dos homens,
Na pedregosa solitária praia A rir desprezadora. — A mágoa funda.
Esperando o senhor. — Desgosto do existir que mal cobriam
Em breve o moço Volúpias d’alta noite, ao som dos beijos.
Aos cuidados do Conde despertara. Dormidas horas com mulher que o peito
Vendo-se à vida revolvido, aflito Gasto nem faz um palpitar de gôzo
Cerrou os punhos e o ranger dos dentes Do saciado coração nos trêmulos
Mostrou-lhe a aflição. Calmou-o o Conde — Anelos da matéria em febre infame.
Cético embora, consolou-lhe as mágoas — E loucas convulsões de torpes ansias
Com palavras tentou, como êsses padres Mostrou-lhas num sorrir, deu-lhas patentes
Do agonizante à cabeceira dizem Do gélido sarcasmo em negras falas.
O decorado sermonar; falou-lhe Como o Szaffie do romancista amargo
Em consolos da esperança, em céus abertos. — Do fuzilado ao filho — convidou-o
De olhares de donzela — até na vida Sua vida a viver, a ir com êle
Dos preguiçosos frades, na mentira Pelas terras do mundo a rir-lhe a insânia.
De repousar na religião profunda
Dos mosteiros de h o je ... o que mais disse
Nem eu dizê-lo sei. — Lá dentro d’alma O Mancebo
Ria de certo o Conde recordando
De alguma confissão, conselhos frios, Para quê? Se morreu aqui na terra
Batidas expressões que entre bocejos A minha última flor — se nada espero
Em tédio confessional diário escuta E não quero viver sem esperanças
De sacerdote que avezou de há muito E morrerei portanto?! — O salvamento
Exemplo e hipocrisia a ditos vácuos. Que me deste mal te haja — foi-te baldo
O esforço do nada! H oje o suicídio
E ’ o único desejo meu — a morte,
Quem o ouvisse contudo pensaria Derradeira das minhas esperanças.
Todo o calor de convicção ness’alma,
Que importa o gôzo do sofrer dos homens.
Que tais cousas dizia talvez mesmo
De ouvir-lhes o gemer quebrado em lábios
Ao ardente exprimir dobrassem nêle
Nas horas de agonia! — Sofri muito!
— Falto de outros ouvidos — os sentimentos
Nem alegrias nem penar de angústias
De profundo descrer. — E jesuítas
Há aí na terra que me adoce as penas.
Certo que o bradar se ouvir pudessem
E morrerei portanto — o mar é fundo — *123
Angariá-lo haviam para frade,
Guardar-me-á o segrêdo. — A dor intensa
Convencedor de turbas, visionário.
Que assim me quebra todo o apêgo à vida
De hipócritas virtudes — como os outros.
Não hão de homens sabê-la!
Bem dormido
IV Descansarei na terra — aonde as vagas
Encalharem-me os restos corrompidos.
Não, o mancebo que lançara à morte H22 Não irão lágrimas de amante falsa
No marulhar das vagas o desespêro O corpo me orvalhar; não hei de ouvi-las
Se longo o sono não lhe houvesse turvo Queixas de hipocrisia em bôeas ímpias
Do cérebro travado tanto tempo A profanarem a mudez sagrada
Dormiría de certo. Mas agora Do aposento dos mortos — nem cabelos.
Ao pregador achou melhor pagar-lhe De fingido prantear umedecidos
Por conselho os conselhos — e portanto No pérfidio roçar de infames lábios,
Disse-lhe há pouco a mossa que faziam-lhe Hão de correr-me pelo rosto frio,
Consolos de palavras. — Riu-se o Conde No féretro nas horas de partida
Se era de escárnio dos conselhos mornos Na extrema despedida!
De tediosos monges, — ironia Disseste — a mágoa
Portanto essas palavras dêsse jovem Roeu-te inteira o coração — afetos
De orgias vivedor do vinho e gôzo Foram-te d’alma p’lo sorrir das flores —
Tão amante e da vida tão descrido E falas-me em viver? Covarde, sentes
A zombar dela com sarcasmos sempre Desfalecer-te ante o gelar da campa?
Como da prostituta vil e podre Trem es transes da morte?

[351]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO

C onde L opo Levantou-se o mancebo — a mão do Conde


Tomou, e caminhando pela praia
Rio dela De brancas penhas erriçada, cheia
Como rio da vida, e disso tudo De cardos e aloés, t'36 pausado o moço
Que ainda amas, mancebo, sem que o penses! Contou-lhe a história da passada vida.
Talvez traído no mais puro afeto Horas de sonhos que o desgôsto e o pranto
Vens a vida cortar p’Io desespero E apenas — ao depois seguiram. — E ra
De pérfida tr a iç ã o ... Pobre mancebo! Êsse um romance como os outros todos.
Viesse agora essa perjura ingrata, H34 Cheio de amor e de paixões duma alma
Viesse com suas lágrimas ardentes. De virgem anelar, dourada ainda.
Mentirosas embora, a encher-lhe as faces, Contos de amor, de mal extinta chama
Que havias de prostrar-te aí n’areia Quem inda os não ouviu? Fôra mui longo
E adorá-la e pedir-lhe perdão inda! Contar o que êle disse ao Conde Lopo —
Em pouco se resume essa novela:
Amara e às juras lhe sorria a imagem
Também muito chorei: e fui à noite De uma deusa na terra — ouviu-lhe as falas
Nas sombras do nevoeiro arfar as mágoas Ao louro moço, que poema d’alma
Pedindo ao fresco do gear calmasse T ão moça ainda, foi sagrar-lha inteira
A febre dévorante das insônias! Em devaneios de ideador, às plantas
Fui infeliz — Sofri — Férrea desgraça Dessa amada mulher. — Eram delícias
O coração mo espremeu em vascas A clarear-lhe a mente, a luz, as nuvens,
De delirante dor. Sofri, mancebo, A terra e a vida, o mar, o céu, as flores
Como pode sofrer um peito de homem! Tudo amava por ela, só por ela!
Se não morri foi porque a dor não mata! Era-lhe a bela sua estréia argêntea,
Se não lancei-me ao mar foi que aventuras A sua flor azul crescida às bordas
De desvairada vida me levaram Dos espelhos do arroio, borrifada
Aí, por êsse mundo, como o errante De pérolas de escuma — era-lhe a bela
Hebreu do mito da idade média. Sua brisa da noite; sons que ouvia
Tudo em vida tentei! Rico, em orgias De enlevadora música; falavam
Parte esbanjei de amontoados cofres Dela e dos risos dela. Era-lhe a vida,
Pejados d’oiro que os avós me herdaram. Pois, ao pobre mancebo, amor insano
Parte o jôgo levou-me. Ontem ainda Mas suave como o rosicler das alvas
Eu possuia milhões — mas hoje apenas De tépida estação.
Um miserável sou, que se os andrajos E após de tantos.
De mendigo não traz e não se prostra De tão doirados sonhos do iludido, H37
Ao caminheiro a perpassar na estrada, Alheado imaginar, que lhe restara?
E ’ que n’alma lhe sobra inda riqueza E pois ess’alma dTlusões desfeita
De indomável orgulho. — A vida tôda Desentendida pTo gelado peito
Sei-lhe peso e valor — Passei-a inteira. Dessa que tanto amou cerrou-se em trevas
Senti uma por uma as flores dela. E vertigem insana apoderou-se
Da mancenilha venenosa à sombra Do cérebro cansado em doudos p ra n to s...
Deitei-me e adormecí, e as flores tôdas
Eram mentidas — mancenilha a p e n a s !...
Ou então frias como ao lago à noite.
Insípidas papoulas côr de rosa. V I
Estrelas de teatro, nuvens belas
Cá dos longes da terra; mas ao perto Cada palavra que dizia o moço
Agua em chuveiros frios condensada. Ao Conde Lopo no amargo peito
Exalações dos pântanos, pousadas Sorria alegre o coração de orgulho.
Nas alturas de além, de um céu mentido. Adivinhara D38 o descredor a mágoa
Em lugar de matarem-me e dar à terra Que derrubara ao mar, cheio de vida
Ou às águas de um lago um corpo frio O mancebo gentil. — Desencontrados
Para os vermes, os peixes ou abutres. Corriam-lhe contudo os sentimentos:
Preferi continuar a vida ainda. Nas idéias do cérebro — pensava
Porquê? eu nem o s e i .. . Mancebo, escuta — Com dó nesse infeliz; alma-poeta,
Ainda és moço, sobra-te no peito
Ébria imaginação de virgem terna;
Muito fogo de vida. — Ensaia os gozos,
Pobre mancebo debulhado em lágrimas!
O enfebrecer da embriaguez das festas. Com o peito a estalar-se entre volúpias,
Os beijos de mulher nas faces róseas, E ao mesmo tempo a imagem dessa ingrata
De Siracusa o néctar, vinhos gregos De fel o enchia, a imaginar a insânia
Em coroadas cristalinas taças! Dessa louca donzela que tesouros
Talvez que possas tu voltar ainda De tão suave amor menosprezava
Ao amor, à vida; com ardência pura E tanta flama arrefecer deixava
Se não puder-lo ser, com ânsia ao menos. — Na frialdade d’água!
E ’ uma receita como qualquer outra, Finda a história
Prática dura de lidar com mágoas Cobriu a face com as mãos o triste,
Me deu êsse saber. — Ensaia ao menos! — ’’ E desatou em prantos, apoiando
Do Conde Lopo sôbre o ombro a fronte.

[ 352 ]
o CONDE LOPO

Despcdiram-se. — Apartam-se os dous moços.


Volta no seu corcel o cavaleiro. —
V I I O Conde Lopo — aonde foi ter êle?
Que n’água não se ouviu o som do barco
C onde L opo
A resvalar quebrando a onda em sulcos
Do mar que infindo a soluçar rebenta
Mancebo, inda não disse a um peito d’homem
Nos areais da riba? —
— Amigo te serei — isso de há muito. — Num penhasco
Hoje to digo — a amizade queres No manto negro se envolveu deitado. —
De um homem que sofreu? Dormia? quem dissera-o? a alma dêle
Não havia o sondá-la. — Abertos olhos
Fixava êle no céu. — Escuras nuvens,
O M o ço L ouro
E frio chuvisqueiro e o vento rijo
Sou teu amigo. Levantado do mar — e a luz às vêzes
No escurecido céu de um meteoro
Teu nome? Entre as nuvens caindo — pareciam
O C onde
Ameaçar tormenta. O Conde Lopo
Com a face na mão, olhando as trevas
O Conde Lopo, foi-mo.
Estendido na rocha ali se mostra.
Hoje — Ricardo — o — menestrel me chamo.
Nasci poeta, tirarei pois vida
Dos cantos meus. — Agora qual teu nome?
— Cavaleiro Gastão — Meu pai é nobre. C A N T O VI I I 1144
Dado à marinha, êle cingiu de louros
Nas pelejas navais, ganhos à espada, UM TÚ M U LO A BERTO
O brasão nobre do feudal castelo.
Segui-lhe a vida. — Cavalheiro dei-me
Aos amores do mar. — O amor da ingrata. Combien de fois avez-vous aimé?
Dessa fria mulher me demorara Antony.
Aqui, longe da pátria em ócio infame. Demandez à un cadavre combien de fois il a v é cu ...
Esquecido de glórias. — Embriagado A LEX . DUMAS.
De dor e ciúme quis morrer. — Vieste
Então, amigo meu. — Viverei ainda,
Pois o queres, se a vida tem requebros CANTO VIII
P ’ra o desprezado peito sem venturas
Mal amado amador. — E ’ fria a noite no areai das costas
Sorriu o Conde Quando é sem luz o céu entre negrumes
Com amigo sorrir, travou-lhe franco E de a escuridão avultam negras
Da destra ao cavaleiro. As rochas onde uivando o mar estala.

E ’ fria a noite quando o Norte escuro


C avaleiro G astão Das águas no estendal repousa frio.
E as areias da praia se umedecem
Conde Lopo — Das escumas que a vaga irada cospe.
Estás pobre, disseste. Vem comigo, H“*!
Tenho pousada, dar-te-ei abrigo.
O que tenho terás. Escura a noite vai. Dous negros vultos
Por sôbre a areia que no escuro alveja
Sombrios passam como feias nuvens
C onde L opo Par a par escorrendo em fundo lívido.

Eu to agradeço — Além na areia arremessara frio


Disse o soberbo Conde — vim num barco O fluxo da maré — deixado em sêco
Que eu aluguei de uma pescador na praia, Um estendido corpo. Os vultos negros
Que além da esquerda fica. Hospitaleiro Ao irem-lhe de ao pé paravam vendo-o.
O bom do velho ofereceu-me pouso — E ra um cadáver, mas ninguém pudera
P ’ra lá volvo-me. Decifrar-lhe as feições, tão corrompido.
Aí o lançara o mar, desfeito e podre.
C avaleiro O louro cavaleiro (pois era êle
E o Conde Lopo, êsse outro, que aí vinham)
Adeus, pois. Se ainda Passeando na praia ao companheiro
Quiseres-me encontrar, junto à cidade, Falou assim:
Ao entrar na floresta há uma quinta Misteriosos fados
Entre verdores a alvejar; ondeia-lhe Dêsse cadáver, H46 quem dissera-o? Triste
Um lago ao pé. — A qualquer dize Suicidou-se talvez — quiçá covarde
— Cavaleiro Gastão — e hão de ensinar-te Um assassino o arremessou às á g u a s ...
O caminho que leva à minha casa. Negros arcanos encoberta a morte.
Fôra uma história singular a dêle
Se volvessem finados a contá-la.

[ 353 ]
MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO

O C onde O C onde
J á muitas vêzes encarei semblantes Cavaleiro,
Que a morte inteiriçava e ouvi gemidos De um castelo feudal na tôrre negra
Na aflição de um soluço em lábios frios, Do perpassar do tempo, nasci nobre. —
Turvados se q u eb ra r... O ar de Itália perfumou-me o berço
Com seus eloendros e cheirosas murtas.
O C avaleiro Nas fraldas do Apenino em rochas negras
De pico inacessível por um lado,
Entre a peleja
P or outro unido à verdejante serra,
Nos combates do mar à luz do incêndio
De meu pai — nobre Conde — se assentava
Muitos eu vi também, H48 mas então a alma
O invencível solar. — Dissêreis ninho
O perfume das trovas vertiginava
D ’águia voadora na garganta escura
Em feroz alegria entre as bombardas
De um sêrro não trilhado por humanos: —
Quando brame o canhão e as naus se abalam
L á de cima o olhar corria livre
No móvel chão do mar, então delira
Os campos da Toscana. — E ssa morada
Ardente o imaginar e agrada o sangue
Fizera meus avós reis dos terrenos
Ao resfolgar dos arcos.
Que à vista se estendiam — reis de fato
Porém quando
Se de direito não. — Mas brando jugo
Fora do chão vermelho do combate
E ra aos servos da baixa da planície
V ejo trazido p’la maré boiando
Cultivadores das amenas várzeas
Amarelo cadáver, sinto o peito
Que devassavam os potentes donos
Confrangir-me o horror e então ignoto
Do soberbo castelo das montanhas.
Frio sentir no coração me passa.
Correu-me a infância aí alegre e bela
Como a rosa levada p’la corrente
C on d e Do rio d’águas vítreas, como as garças
Pois eu, mancebo, já os vi gelados Nadando brancas, deslizando abertas
P ’lo frio do punhal juncando a terra! — Ao vento asas de sêda, ou em Veneza
Minha história, donzel, é cheia dêles A luz que nas vidraças resplendece
Das casarias do canal, ou antes
Como um sombrio pesadelo. — A idéia
Aos clarões do luar, — aí tão belos;
Não te pintara mais escuro que ela
Resvala a gôndola ao correr das águas
Um medonho romance. — E ’ um mistério
Que tremeras, mancebo, de escutá-lo, Do barqueiro aos descantes melancólicos.
Alumiado de clarões de mortes, Assim era-me a infância — ora a açucena,
No vale aberta, debruçada n’água
Cheio de brilho de punhais — o solo
Que vivia a amar, ora era a nuvem
De sangue roxeado — e além — no fundo,
Estira-se o cadáver sôbre a t e r r a ... Com seu dossel 1^51 Je rosa onde eu sonhava
U ns palácios doirados, ora a pomba
Branca a poisar-me sôbre a mão, sorrindo
C avaleiro Entre os suspiros seus, ora doirada
Conde, vosso descrer, vossas palavras. Uma azul borboleta que eu seguia
Me revelam que uma história negra P or entre as fôlhas úmidas do parque.
Vos doía no passado. — D ’indiscreto
Cri dar-vos mostras de querer sabê-lo Mas a infância passou; bem como passa
Êsse vosso segrêdo — e pois calei-me. O arrebol da manhã e vem a ardência
Quando após do banquete adormecíeis Do meridiano sol. —
V i agitados sonhos vos travarem Um dia, às horas H52
Do imaginar pela sulcada fronte. Que desperta no Céu a madrugada,
Sofreste, Conde! — Se a amizade pura No meu cavalo eu percorria os campos.
Crês — na do peito meu, contai-me os fatos Nesses sonhos imerso que aos mancebos
Dêsses passados peregrinos dias. Embalam tanto a mente. Ouvi uns passos
Dessas horas de sangue. — Atro mistério Como o tropear de algum ginete — e cedo
Abafa o peito se o recalca aí dentro Num cândido corcel H53 eu vi montada
Desconfiança d’homem. — Se indiscreto De azulado vestido e longas roupas
Meu pedido julgais — se êsse passado Um a alegre donzela — galopando.
Juram ento ou querer, faz-vos mistério O garrido corcel, as brancas sêdas
Para olhares profanos; se uma causa Das clinas reluzentes sacudia___
Enfim deverdes. Conde, de ocultar — calai-mo Cada vez mais de mim se aproximava.
Que não me ofenderei — ” .
Pude-lhe então melhor notar as formas.
A amazona sedutora e bela
O que passou-sc E ra uma rósea virgem fresca e pura
No cérebro do Conde a tais escutas Como a sultana do rosai. — Os crespos U54
E ’ difícil dizer. — Calou-se. — Apenas Que o movimento do corcel HSS soltara
Frio sorriso lhe franziu os lábios. — Desfeitos lhe caíam sôbre o colo
Satânico porém como a tormenta De transparente neve, reluzindo
Que lhe lastrava p’las cavernas d’alma, tiSO Sob as abas azuis, a pluma trêmula
A lhe bramir lá dentro. Meio — caía do chapéu mimoso.

[ 354]
o OONDK LOPO

Na mão esquerda as rédeas segurava, Lustrosas de rocio, as flores pensas


Noutra um ramo de flores. — Quanto às faces Sob o pesar do orvalho e a aura suave
Rosava-as o prazer e da corrida As verduras do campo, amava-as ela
Talvez a agitação. — Quando passou Sozinha a discorrer. — O peito virgem
Junto a mim o corcel, ^*56 caiu-lhe o ramo; Lhe ansiava mais sereno entre os frescores
Quis ela demorar-se, mas o fogo Dessas almas saudosas.
Do brioso ginete arrebatou-a — Chegou breve
Embalde a nívea mão tentou-lhe as rédeas A reunir-se com ela a companhia.
Por um pouco suster, corria sempre 1 “Meu pai”, disse ela a um garboso velho,
“Um cavaleiro aqui vos apresento
Com a mente cheia ainda dessa imagem “ Que ensinou-me o caminho do castelo —
Que assim tão bela me correra adiante, “Agradecei-lho.”
Eu perguntei-me se visão não era No castelo entramos
Isso tudo que eu vira. O lindo ramo Em alegres conversas. Ao saberem
Levantei-o do chão. Eram violetas Quem eu era, por meu pai, maiores
As flores dela, entre elas reluzia Favores recebi de todos êles. —
Uma branca rosinha. Tive idéia Não há contar-vos que prazer, que encanto,
De a donzela ir levá-lo, e assim ainda Êsse dia gravou-me na memória.
Mais uma vez podê-la ver. — A rédea
Ao cavalo soltei e disparado
A todo o galopar corri p'ios campos.
Primores de pincel nunca igualaram
Saltando os valos e o espinhal das cercas.
A perfeição da formosura dela.
Quadros de Rafael ou de Ticiano
No cimo de um outeiro a forma bela Nem chegavam-lhe aos pés. — Se brilha nêles
Azul lhe divisei a destacar-se O ardente colorido em róseas formas, H60
Sôbre o oiro do céu da madrugada. H57 F ôra essa vida, êsse olhar de chama ardente
O ar da brisa lhe agitava os crespos H58 Que me queimava n’alma — essa frescura
De castanho fulgor. — E ela imóvel Do lábio aberto patenteando pérolas
Parecia esperar. Todo embebido De feiticeira alvura. — Quando à noite
Nessa visão do céu correu-me breve Volvem-me às vêzes encantados sonhos,
O caminho até ela. — Um sentimento E ’ bela assim que ma desenha a mente.
Que até hoje ignorara me acordava Em sombras d’oiro, d’azuladas roupas,
Em frêmitos no seio. — À bela moça E a pluma branca a lhe prender no colo H62
As flores entreguei. — Ela sorriu-me Os desfolhados tremulantes flocos.
E no sorriso carmesim ficaram Êsses anéis desfeitos, onde a brisa
As rosas do semblante dela. Ia aromas beber, e êsses olhares
Mudos De límpido fulgor e negras tintas,
Nós ficamos assim, nem eu ousava E o castanho das tranças reluzindo
Uma palavra lhe dizer, nem ela Com reflexo doirado e a fronte e os lábios
Os olhos baixos levantar. E a face cheia de rubor, tão bela
Confusa Como eu sei-a sonhar, mas não dizê-lo.
Murmurou ela, enfim. — Eu agradeço
Vosso obséquio. Senhor. — Mas, cavaleiro, Aí parou o Conde. — Longo tempo
Tenho um outro a pedir-vos. — Por acaso Ficou imerso numa idéia, imóvel,
Do solar da montanha qual a estrada Com os olhos no céu —
E ’ dessas duas que de além se cruzam.
Sabereis me dizer? —
“ Sou do castelo, Amei-a e ela,
Formosa dama, ser-me-á ventura O anjo, amou-me também. — Corações puros
P ’ios desvios da estrada ser-vos guia.” De amor, dos mesmos sonhos embebidos
Nada me respondeu. Partimos ambos^ Juraram mútuo a m o r ....
Porém sem galopar. Co’a rédea ao colo O h! quantas vêzes
Andava meu corcel HS9 a par do dela. — Enquanto aos outros distraía a festa
De tantas cousas que eu sentira n’alma Não vaguei pelo campo, a sós com ela!
Nada podia-lhe dizer. Olhava-a Oh! quantas vêzes não lhe disse falas
E ao vê-la me sorria a idéia n’alma 1 De profundo sentir! E ela sorria.............
Doce e breve nos foi êsse trajeto — Mais apertadas mãos, o olhar mais terno,
Cedo chegamos ao portão dos muros. Voltávamos ao baile.
Amei-a, amou-me!
Foram duas pérolas no amor fundidas
Ai nos apeamos. — A donzela Numa pérola só, foram dois anjos
Disse queria que chegassem todos Unidos lá no céu. Numa só nuvem
P ’ra com êles entrar. — Deixara-os ela Duas nuvens ligadas lá no empíreo —
Por seu prazer de galopar ao fresco Nossos dois corações eram tão puros!
Da madrugada azul que em céus tão puros Os nossos olhos um aberto livro
Sem véu de neve se arraiava leda Onde ambos liam sentimentos mútuos.
De matizes purpúreos. As folhagens Eram um lago de cristal tão claro

[ 355 ]
MA^■OK^ ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEA'EDO

Que d’água a limpidez mostrava ao fundo Ia límpido o m ar; arfava o barco


A areia argêntea dos corais purpúreos. Ao flácido embater das mansas vagas
Cortando escumas com aguda proa;
Um dia separamo-nos mais tristes, As velas cheias resvalando alegre
Em pranto os olhos. — Mas amarga e longa Das águas pelo azul. E is o gajeiro
Foi essa despedida — então pressago Do alto dos mastaréus bradou-nos - “ T e rra !” H69
Parece o coração nos futurava
As nuvens do p o r v ir ....
Parti. As ordens Além, lá no Oriente acalorado
De meu pai o queriam. — Quanta lágrima P ’lo róseo cinto do arrebol rosado
Banhou-me os olhos ao deixar a casa Como caída nuvem, ou qual alvo
Onde primeira a viração brincara Goelando do mar a adormecer nas águas,
Em tôrno ao berço meu. Êsse castelo Um a cinzenta lista se levanta
Erguido no alcantil em fundo verde Nos longes do h o riz o n te... E ra a Itália.
De florestas luzentes — e mais alto
L á no horizonte a reatarem-se alvos
Dos Apeninos os nevados cumes. Ao chegar ao castelo idéia turva
Quando tudo isso que eu amara tanto De segregado pressentir me vinha
Perdi de vista e quando o nevoeiro O espírito enervar. — Escura a noite
Senti lá do horizonte desmaiado Se desdobrara nos calados campos —
Perder-se a terra dessa bela pátria Mas que importava? s’eu sabia a estrada,
E aos montes verdes da risonha Itália Se os olhos vagos eu volver pudesse
O perdido arrular de infindas águas A êsse castelo donde há tanto tempo
A confundir-se com o céu — é fácil Inda n’infância, meus sonhares todos
A ti que a pátria pelo mar trocaste Em amor se tornassem?
Dentro do peito imaginar. T rês anos Alegria
Correram-me em viagens. Vi a França, >’ <^7 Da surprêsa dos servos, das carícias
D ’Alemanha corri as frias terras, De meu ir m ã o ... e minha mãe e amores
V i a Espanha, a Itália do Ocidente, Da virgem dos meus s o n h o s ... esperanças
Com seus campos de vinhas, e Sevilha Inda a lutar-me co’a idéia amarga
A mirar-se louçã no azul das águas. Do coração pressago, distraíam-me.
Fôra-m e longo descrever-te a história
Dêsse meu viajar, dizer-te casos
De aventuras de então. — Havia festa no solar antigo:
Estava em Cádiz Os vidros das janelas reluziam
Quando uma carta recebi da pátria — Como olhares de fogo, devassando
Falecera meu pai. Dos campos a amplidão. Vão mil rumores
Eu me esquecera Aí dentro ao castelo. Riem, dançam,
De vos contar que tinha mais idoso E o silêncio da noite quebram músicas
Um irmão. — O castelo era, pois, dêle; Ressoando na m o n tan h a...
Longa a ausência, porém, lhe parecia Ia alta noite
E saudades de mãe que eu lá deixara; Quando ao castelo entrei. — Um velho servo
Por letras dêle desejavam breve À porta conheceu-me. — “ Vinde, vinde” ,
Volta minha ao solar. — A minha vida O bom velho bradou — “o cavaleiro
Fora té i um sonho — e um só desejo — Dom Lúcio, ei-lo de volta” . Quis embalde
Vê-la ainda uma vez, poder-lhe ainda Perguntas lhe fazer, o velho em lágrimas
Ouvir-lhe a doce voz e repetir-lhe Só sabia me olhar, juntar ao peito
De joelhos — eu te amo. E ra essa idéia Meus trêmulos joelhos. — Acudiram
De meus dias e noites. Minha vida Dos salões cavaleiros — é sabida
E ra beijar um ressequido ramo A bem aceita nova. — O irmão e agora
Que ao despedir-me ela pusera ao peito. Minha tão boa mãe beijam-me e abraçam-me.
Retrato dela não o tinha — embora! —■ Mas ela? —
Que era-me ela gravada aí no seio Entrei — embora lhes notasse
Com tanta vida e côres que sobejo Que impróprios trajes meus eram p’ra o baile.
Me fôra um’outra imagem. Madalena — Não quiseram m ’ouvir —
Chamava-se ela assim, — ela so m e n te ... O irmão deixou-me
Nos saudosos sonhares me alentava. >1 6 S Mas em breve tornou. P ’la mão trazia
Uma virgem de branco, o véu de rendas
Da coroa de rosas brancas pende-lhe
Caído sôbre a face — a mão lhe treme
Voltei pois: cada dia eu maldizia
Na mão de meu irmão.
Do meu barco o vagar; embora sempre
D ’aura favorecido velejasse Velada embora
O coração ma conheceu — tremeu-me
Como um açor a esvoaçar garrido
O ligeiro navio. . . E desvairou-me o cérebro — A donzela, U70
A Madalena dos sonhos meus — o anjo
E ra uma tarde — Do saudoso le m b ra r...
Parece-me inda vê-la — A aragem pura
Mais tépida sussurrou-nos pela pôpa.

[ 356]
o CONDK LOPO

O I rm ão Que idéias várias de correr ardente


— Irm ã te seja Como o zig-zag do raio perpassavam
Essa meiga donzela. — Porque tremes, Nestes instantes de loucura, agora
O ’ minha noiva, assim? Êle há de amar-te, Não pudera eu dizê-lo — O suicídio
Tem bom coração — Foi-me último desejo — Imaginei-me
Ergueu-lhe a renda Quando ouvissem tombar meu corpo frio,
Quando eu jazesse aí sôbre o soalho
De véu branco —
Fitei-a. E ra ela mesma, Já sem respiração no rôto peito,
Mas pálida e a tremer, o rosto frio No rosto sem calor, lívido e frio
E os lábios descorados... E no peito sangrento mergulhada
Despertei-me A lâmina de ferro ainda — do estrondo
Do desvairar da mente. Cortejei-a. Correndo todos do castelo, os donos
E ela com êles — e o remorso intenso
“Amam-se! E ela traiu-me! — _Ela tão bela Que lhe plantara aí no seio pérfido
Que eu nunca o p en saria... Anjos mentidos! Meu lívido cadáver — e o tardio
Baldado arrependimento! — Idéias negras
Que importa? Partirei — amem-se — vivam Me riam na vingança! — Soaram passos
Em ditoso gozar, — sejam felizes. E o roçar de vestidos nas paredes
Embora eu sofra, e meu penar qu’importa? Do escuro, estreito corredor. — Calmei-me,
Amanhã p a rtire i... porque não hoje? Calei o peito meu — nem ânsia ou lágrima,
Porque não partirei agora mesmo? Nem soluço ou tremor — nada! Ardente
Hei de esquecê-la, tentá-lo-ei ao menos Quedou-me o coração. —
be vivo o não puder, há de trazer-mo Mancebo, escuta!
O sono de olvido êsse p u n h al... A olhos profanos a secreta mágoa
P artam os. . . Não vás mostrá-la, não. — Hão de rir dela,
Seja-me um pesadelo êsse presente — Hão de zombar-te às falas! Fecha-a antes
Um sonho o meu passado — O mar agora A chaga de teu peito co’as mãos ambas.
Sobeja aos meus amores. — Cobre-lhe a cicatriz — nem lhe transude
Pobre louco! Gôta de suor ou sangue •— . . .
Sonhaste um peito de mulher constante Soaram passos
Em firme e terno a m o r ... Mil vêzes louco! Alguém entrou. Eu me voltei — era ela!

Eu
Nada me resta enfim! Eis-m e lançado
“ Vós, Senhora Condêssa!”
Deserto à vida. — Nada mais ficou-me! E ela pálida, U78
Morreram tôdas as esperanças d’alma Abatida e sem côr e os olhos mortos
Ao pobre son had or... Que noite horrível!
E os lábios descorados, os cabelos
Sinto ar faltar-me! Ferve-me a cabeça!
Co’as flores inda do noivado infame,
Que febre ard en te!., e ainda não é ela, 1D3
Da rôta c’roa entrelaçados — alva
Ela! a morte!
Como estátua sem vida! —
Que noite amaldiçoada! Ela calou-se —
Como correu-me le n ta !... Deram horas —
Ou que a voz na garganta lhe gelasse,
Mas eu nem pude ouvi-las. . . Escutei
Ou temesse falar — enfim me disse:
Passos e vozes; músicas resso am ... — “ Lúcio — porque, como antes. Madalena
Que tormento infernal! Lá p a ssa m ... ela,
Não me chamas sequer?” —
Ela a pérfida v i l ... Meu Deus! piedade!
Eis-me aqui de joelhos, oh! piedade!
Tirai-me essa tortura dante os olhos — Eu
Êsse inferno aqui d’a lm a ...
Eu ouço passos Madalena
Aí vêm ■ — L evantem o-nos... Se acaso P ’ra mim morta é de há muito. — Foi um sonho
Alguém me visse assim, que amargo escárnio! Cheio de flores e clarões etéreos.
Haviam rir de m im !... Mas ninguém viu-me. Mas não há sonho sem ter fim, só dêsse
Enxuguem-se essas lá g rim a s... Não quero, lii'S Eu vo-lo juro, nobre Dama, foi-mo
Não quero mais chorar. Mas se ela ouvisse? Tenebroso e horrível como o inferno!
Oh! porque gemo assim? porque soluço?
Cale-se o peito meu! estale em bora!”
Vieste, 1179 Madalena — eu to ag rad eço ...
Perdão se vos chamei por êsse nome
Em loucos turbilhões assim idéias Do anjo que outrora amei, da virgem pura
Me levaram em trépido delírio. Que não mentiu fa la z ...
Foi a hora acerba de agonias longas Agradeço-vos, "80
Essa que aí passei pensando nela — Senhora Condêssa, o terdes vindo.
Té na morte pensei — olhei o ferro Ainda há pouco eu desejei falar-vos.
De aço reluzente que apertava trêmula Dizer ainda uma vez adeus! a essa
Minha destra convulsa e fria — cri-me, Dos sonhos de mancebo — inda a n te s ...
Que eu achara o segrêdo do rep o u so ... De morrer!

[ 357 ]
M A N O E L ANTÔ NIO Á L V A R E S D E A Z E V E D O

E la Sofrer, na fronte
O fado m ’escreveu! Morrer, tão moço, 1184
Oh! m orrer! Lúcio, tão m oço. Como isso é duro! — Porém mais ainda
E ’ sofrer o que sofro — e o pobre louco
Eu Imaginar-se que ninguém na vida
Quando na tumba rebolcar-lhe o corpo
H á uma hora, senhora, era eu ditoso. H á de ainda ficar a dar-lhe prantos
Com ardências de moço galopava Ao passado cruel! Ninguém! Ainda
Para encurtar estradas, anelante E ’ essa idéia que a mulher, o anjo
De ver-vos, de tornar a ver ainda Que o pobre tanto amou — há de sorrir-lhe
A Madalena do passado. — Riso de infame escárnio sôbre a c a m p a l...
E la
O h! Madalena — escuta, aí na vida
Lúcio. Como a ti nada amei! ouve-me e seja
Castigo à tua ingratidão a história
Eu Do meu puro sentir! O h! Madalena, U8S
Nunca os anjos no céu assim amaram!
O h! não me interrompais. — Deixai que eu fale. E ra um amor que me queimava o peito,
Será curto o viver do desgraçado. Que matava-me os sonhos, era um afeto
Deixai-o pois que êle evapore em queixas Sonhado de joelhos, entre prantos.
O último alento do e x is tir .. . O h! Madalena, H86 que eu sentia imenso!
Eu vinha Que amores, que te dei! que sonhos magos
Então rico de vida e d’esperanças, Que sagrei-te no seio! Que aras santas
Além no têrmo de viajar sorria Que perfumei-te de poesia e flores.
Ao pobre peito meu doirada H 82 cisma! Cada hora, cada instante, noite e dia,
Quem me falasse então de morte e inferno Nas terras e no mar, à luz dos astros,
Eu chamara-o de louco. . . No meu passado a te rever a imagem,
Porém quando Sonhos a recordar, depois amores
Neste castelo entrei, neste palácio, Que tão breve correram ! Madalena,
Que tanto tempo foi-me um céu da vida. Que amores que te dei votados no íntimo
Cheio de amor e sonhos; oh! maldito! H83 De uma alma p u r a !...
O h! maldito mil vêzes êsse instante! E vós sabeis, senhora,
Selara o inferno aqui quebradas juras Quem foi essa mulher, essa perjura
D ’alma infame e sem f é . . . Madalena sem a lm a ? ...
Perdão, senhora;
Tudo isso há uma hora foi — e cada instante
Decorrido de então parece à alma
Um. delírio mais n e g r o ... Cavaleiro,
O h! antes isso! Um beijo dela me calou o insulto.
A loucura mil vêzes! — São felizes. E la chorava, e gemebunda a face,
Dizem ao menos, êsses que a doudice Eu lhe inundava a negridão das tr a n ç a s ... H87
De algum passado recordar desvia. De uma alma p u r a !...
Foi fraco Lúcio!
Na verdade morrer tão m o ç o ... é duro! Perdoem-lhe a traição — antes ainda
Mas qu’importa? nasci em dia aziago — Que desculpasse a ela. E o amor que outrora
A stro de maldição clareou-me o berço E ra tão puro — se verteu em crime!
E demônios no inferno me saudarão
Com escárnio ao m o r r e r ...

[ 358]
ásimiro de Abreu
M inh’a lm a é triste co m o a flo r q u e m o r r e .

ASIMIRO JO SÉ MARQUES DE ABREU — (Indaiaçu, 1839 — Indaiaçu, 1860).


C Fêz parte dos estudos secundários em Nova Friburgo. Com o curso de Humanidades
incompleto, começou a trabalhar no comércio (Rio, 1852). Em 1853 vai para Lisboa, onde
passou cinco anos a adquirir prática comercial e onde escreveu grande parte de sua obra.
Regressa ao Rio (1857) e se emprega numa casa de Consignações. Em 1859 publica suas
Primaveras, onde reúne o que reputa o melhor de sua produção poética. Tuberculoso, morre
com vinte e dois anos incompletos na fazenda de Indaiaçu.
/
É dos poetas mais populares do nosso romantismo. Conhecedor de técnica versifica-
tória e dos recursos do verso melódico, cultivou sobretudo dois temas românticos ; o amor e
a saudade. Em vida publicou apenas duas obras: Camões e o Jau (drama, Lisboa, 1856) e
Primaveras (poesias. Rio, 1859). Postumamente tem saído o restante de sua obra: Livro
Negro (poesias elegíacas), A Virgem Loura, Camila e Carolina (ensaios novelescos).

[ 3üi J
P R I M A V E R A S “ «s

As/ Primaveras/ de/ Casimíro J. M. de Abreu/


Natural da Província do Rio de Janeiro/ 1855-1858/
Rio de Janeiro/ Typ. de Paula Brito/ 1859.

F. OTAVIANO.

São as flores das minhas primaveras


Rebentadas à sombra dos coqueiros.

T E IX E IR A D E MELO. — Som bras e Sonhos*

M dia — além dos órgãos, na poética Friburgo — isolado dos meus compa­
nheiros de estudo, tive saudades da casa paterna e chorei.
Era de tarde; o crepúsculo descia sôbre a crista das montanhas e
a natureza como que se recolhia para entoar o cântico da noite; as sombras
estendiam-se pelo leito dos vales e o silêncio tornava mais solene a voz
melancólica do cair das cachoeiras. Era a hora da m erenda em nossa casa
e pareceu-me ouvir o eco das risadas infantis de minha mana pequena! As
lágrimas correram e fiz os primeiros versos da minha vida, que intitulei —
Ave-Maria : — a saudade havia sido a minha primeira musa.
Era um canto simples e natural como o dos passarinhos, e para possuí-lo hoje eu dera em troca
este volume inútil, que nem conserva ao menos o sabor virginal daqueles prelúdios!
Depois, mais tarde, nas ribas pitorescas do Douro ou nas várzeas do Tejo, tive saudades do meu
ninho das florestas e cantei; a nostalgia me apagava a vida e as veigas risonhas do Minho não tinham
a beleza majestosa dos sertões.
Eu era entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra duma esperança que
nunca pude ver realizada. Numa hora de desalento rasguei muitas dessas páginas cândidas e quase que
pedi o bálsamo da sepultura para as úlceras recentes do coração; é que as primeiras ilusões da vida,
abertas de noite caem pela manhã como as flores cheirosas das laranjeiras!
Flores e estréias, murmúrios da terra e mistérios do céu, sonhos de virgem e risos de criança,
tudo o que é belo e tudo o que é grande, veio por seu turno debruçar-se sôbre o espelho mágico da minha
alma e aí estampar a sua imagem fugitiva. Se nessa coleção d’imagens predomina o perfil gracioso duma
virgem, fàcilmente s explica: — era a filha do céu que vinha vibrar o alaúde adormecido do pobre
filho do sertão.
Rico ou pobre, contraditório ou não, êste livro fêz-se por si, naturalmente, sem esforço, H89 e os
cantos saíram conforme as circunstâncias e os lugares os iam despertando. Um dia a pasta pejada de

L 363 ]
CASIM IRO JO S É MARQUES DE ABREU

tanto papel pedia que se lhe desse um destino qualquer, e foi então que resolvi a publicação das —
Primaveras; depois separei muitos cantos sombrios, guardei outros que constituem o meu — livro íntimo
— e no fim de mudanças infinitas e caprichosas, pude ver o volume completo e o entrego hoje sem receio
e sem pretensões.
Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e
de estudo: é o coração que se espraia sôbre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso
ao luar melancólico das nossas noites.
Meu Deus! que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da
crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério e de preferirmos
uma moeda de cobre a uma página de Lamartine.
De certo, tudo isso são ensaios; a mocidade palpita, e na sêde que a devora decepa os louros
inda verdes, e antes de tempo quer ajustar as cordas do instrumento, que só a madureza da idade e o
trato dos mestres poderão temperar.
O filho dos trópicos deve escrever numa linguagem — pròpriamente sua — lânguida como êle,
quente como o sol que a abrasa, grande e misteriosa como as suas matas seculares; o beijo apaixonado
das Cclutas deve inspirar epopéias como a dos — Timbiras — e acordar os Renés enfastiados do
desalento que os mata. Até então, até seguirmos o vôo arrojado do poeta de — I-Juca-Pirama — nós,
cantores novéis, somos as vozes secundárias que se perdem no conjunto duma grande orquestra; há o
único mérito de não ficarmos calados.
Assim, as minhas — Primaveras — não passam dum ramalhete das flores próprias da estação,
— flores que o vento esfolhará amanhã, c que apenas valem como promessa dos frutos do outono.

Rio — 20 de A gosto — 1859.


C a s im ir o d e A b r e u .

Tu, que fôste a vestal dos sonhos d’ouro,


O anjo tutelar dos meus anelos.
Estende sôbre mim as asas b ran cas...
Desenrola os anéis dos teus cabelos!
Falo a ti — doce virgem dos meus sonhos.
Visão dourada dum cismar tão puro, Muito gêlo, meu Deus, crestou-me as galas!
Que sorrias por noites de vigília Muito vento do sul varreu-me as flores!
Entre as rosas gentis do meu futuro. Ai de mim — se o relento de teus risos
Não molhasse o jardim dos meus amôres!
Tu m’inspiraste, oh musa do silêncio,
Mimosa flor da lânguida saudade! Não t’esqueças de mim! Eu tenho o peito
Por ti correu meu estro ardente e louco De santas ilusões, de crenças cheio!
Nos verdores febris da mocidade. — Guarda os cantos do louco sertanejo
No leito virginal que tens no seio.
Tu vinhas pelas horas das tristezas
Sôbre o meu ombro debruçar-te a mêdo, Podes ler o meu livro: — adoro a infância,
A dizer-me baixinho mil cantigas, Deixo a esmola na enxerga do mendigo.
Como vozes sutis dalgum segrêdo! Creio em Deus, amo a pátria, e em noites lindas
Minh’alma — aberta em flor — sonha contigo.
Por ti eu me embarquei, cantando e rindo,
— Marinheiro de amor — no batei curvo. Se entre as rosas das minhas — Primaveras —
Rasgando afouto em hinos d’esperança Houver rosas gentis, de espinhos nuas;
As ondas verde-azuis dum mar que é turvo. Se o futuro atirar-me algumas palmas
As palmas do cantor — são tôdas tuas!
Por ti corri sedento atrás da glória; A g osto 20 — 1SS9.
Por ti queimei-me cedo em seus fulgores; C.
Queria de harmonia encher-te a vida,
Palmas na fronte — no regaço flores!

[ 364 ]
PRIM AVERAS

La vie du vulRaire n’est qu’un vague et sourd murmure Distante do solo amado
du coeur; la vie de l’homme sensible est un cri; la vie du — Desterrado —
poète est un chant! A vida não é feliz.
L a m a r tin e . Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!
Lisboa — ÍÍ55.

LIVRO PRIMEIRO
Heureux ceux qui n’ont point vu la fumée des fêtes
de l ’étranger, et que ne se sont assis qu’aux festins de leurs I I
pères!
C h a tea u b ria n d . MINHA TERRA.

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá.
G. D ia s.

CANÇÃO DO EXÍLIO. Todos cantam sua terra.


Também vou cantar a minha,
Oh! mon pays sera mes amours Nas débeis cordas da lira
Toujours. Hei de fazê-la rainha;
C h a tea u b ria n d . — Hei de dar-lhe a realeza
Nesse trono de beleza
Em que a mão da natureza
Eu nasci além dos mares: Esmerou-se em quanto tinha.
Os meus lares,
Meus amores ficam lá!
— Onde canta nos retiros Correi pr’as bandas do sul:
Seus suspiros, Debaixo dum céu de anil
Suspiros o sabiá! Encontrareis o gigante
Santa Cruz, hoje Brasil;
— E ’ uma terra de amores
Oh! 1192 que céu, que terra aquela. Alcatifada de flores,
Rica e bela Onde a brisa fala amores
Como o céu de claro anil! Nas belas tardes de Abril.
Que seiva, que luz, que galas,
Não exalas, H93
Tem tantas belezas, tantas,
Não exalas, meu Brasil!
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
Oh! que saudades tamanhas E nem as canta um mortal!
Das montanhas, — E ’ uma terra encantada
Daqueles campos natais! Mimoso jardim de fada • —
Daquele céu de safira Do mundo todo invejada,
Que se mira, Que o mundo não tem igual.
Que se mira nos cristais!
Não, não tem, que Deus fadou-a
Não amo a terra do exílio, Dentre tôdas — a primeira:
Sou bom filho, Deu-lhe êsse campos bordados.
Quero a pátria, o meu país, Deu-lhe os leques da palmeira,
Quero a terra das mangueiras E a borboleta que adeja
E as palmeiras, Sôbre as flores que ela beija,
E as palmeiras tão gentis! Quando o vento rumoreja
Na folhagem da mangueira.
Como a ave dos palmares E ’ um país majestoso
Pelos ares Essa terra de Tupá,
Fugindo do caçador; Desd’o Amazonas ao Prata,
Eu vivo longe do ninho. Do Rio Grande ao Pará!
Sem carinho. — Tem serranias gigantes
Sem carinho e sem amor! E tem bosques verdejantes
Que repetem incessantes
Debalde eu olho e procuro... Os cantos do sabiá.
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim! Ao lado da cachoeira,
Falta a luz do lar paterno Que se despenha fremente,
Doce e terno. Dos galhos da sapucaia
Doce e terno para mim. Nas horas do sol ardente.

365 ]
CASIMIRO JO S É MARQUES DE ABREU

Sóbre um solo d’açucenas, Quis cantar a minha terra,


Suspensa a rêde de penas Mas não pode mais a lira;
AH nas tardes amenas Que outro filho das montanhas
Se embala o índio indolente. O mesmo canto desfira,
Que o proscrito, o desterrado.
Foi ali que noutro tempo De ternos prantos banhado.
A sombra do cajazeiro De saudades torturado.
Soltava seus doces carmes Em vez de cantar — suspira!
O Petrarca brasileiro;
E a bela que o escutava Tem tantas belezas, tantas,
Um sorriso deslizava A minha terra natal,
Para o bardo que pulsava Que nem as sonha um poeta
Seu alaúde fagueiro. E nem as canta um mortal!
— E ’ uma terra de amores
Quando Dirceu e Marília Aleatifada de flores
Em terníssimos enleios Onde a brisa em seus rumores
Se beijavam com ternura Murmura: —• não tem rival!
Em celestes devaneios;
Da selva o vate inspirado, Lisboa — 1856.
O sabiá namorado,
Na laranjeira pousado
Soltava ternos gorjeios.
I I I
Foi ali, foi no Ipiranga,
Que com tôda a majestade SAUDADES.
Rompeu de lábios augustos
O brado da liberdade; Nas horas mortas da noite
Aquela voz soberana Como é doce o meditar
Voou na plaga indiana Quando as estrelas cintilam
Desde o palácio à choupana. Nas ondas quietas do mar;
Desde a floresta à cidade! Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Um povo ergueu-se cantando Como donzela vaidosa
— Mancebos e anciãos — Nas águas se vai mirar!
E, filhos da mesma terra,
Alegres deram-se as mãos;
Foi belo ver êsse povo Nessas horas de silêncio.
Em suas glórias tão novo. De tristezas e de amor,
Bradando cheio de fogo; Eu gosto de ouvir ao longe.
— Portugal! somos irmãos! Cheio de mágoa e de dor,
O sino do eampanário
Que fala tão solitário
Quando nasci, esse brado Com êsse som mortuário
Já não soava na serra Que nos enche de pavor.
Nem os ecos da montanha
Ao longe diziam — guerra!
Mas não sei o que sentia Então — proscrito e sozinho —
Quando, a sós, eu repetia Eu solto aos ecos da serra
Cheio de nobre ousadia Suspiros dessa saudade
O nome da minha terra! Que no meu peito se encerra.
Êsses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
Se brasileiro eu nasci — Saudades — dos meus amores,
Brasileiro hei de morrer, — Saudades — da minha terra!
Que um filho daquelas matas 1856.
Ama o céu que o viu nascer;
Chora, sim, porque tem prantos,
E são sentidos e santos
Se ehora pelos encantos
Que nunca mais há de ver. IV

Chora, sim, como suspiro CANÇÃO DO EXÍLIO.


Por êsse campos que eu amo.
Pelas mangueiras eopadas Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
E o canto do gaturamo; Meu Deus! não seja já;
Pelo rio caudaloso, Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Pelo prado tão relvoso, Cantar o sabiá!
E pelo tiê formoso
Da goiabeira no ramo!

[ 366 ]
P lilM A V K R A S

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro V


Respirando êste ar;
Faz que eu viva, Senhor I dá-me de novo MINHA MÃE.
Os gozos do meu lar!
Oh! 1’amour d’une mère! — amour que nul n’oublie!
O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria D9S não tem; V. H ugo.
E êste mundo não vai um só dos beijos
Tão doces duma mãe! Da pátria formosa distante e saudoso.
Chorando e gemendo meus cantos de dor.
Dá-me os sítios gentis onde eu brincava Eu guardo no peito a imagem querida
Lá na quadra infantil; Do mais verdadeiro, do mais santo amor:
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria, — Minha Mãe! —
O céu do meu Brasil!
Nas horas caladas das noites d’estio
Se eu tenho de morrer na flor dos anos, Sentado sozinho co’a face na mão,
Meu Deus! não seja já! Eu choro e soluço por quem me chamava
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, — “Oh filho querido do meu coração!” ■—
Cantar o sabiá! — Minha Mãe! —

No berço, pendente dos ramos floridos, ^197


Em que eu pequenino feliz dormitava:
Quero ver êsse céu da minha terra Quem é que êsse berço com todo o cuidado
Tão lindo e tão azul! Cantando cantigas alegre embalava? ,
E a nuvem côr de rosa que passava — Minha Mãe! —
Correndo lá do sul !
De noite, alta noite, quando eu já dormia
Quero dormir à sombra dos coqueiros. Sonhando êsses sonhos dos anjos dos céus,
As folhas por dossel; Quem é que meus lábios dormentes roçava.
E ver se apanho a borboleta branca, Qual anjo da guarda, qual sôpro de Deus?
Que voa no vergei! — Minha Mãe! —

Quero sentar-me à beira do riacho Feliz o bom filho que pode contente
Das tardes ao cair, Na casa paterna de noite e de dia
E sòzinho cismando no crepúsculo Sentir as carícias do anjo de amores,
Os sonhos do porvir! Da estréia brilhante que a vida nos guia!
— Uma Mãe! —
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já ; Por isso eu agora na terra do exílio,
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Sentado sòzinho co’a face na mão.
A voz do sabiá! Suspiro e soluço por quem me chamava:
— “Oh filho querido do meu coração!” -
— Minha Mãe! —
L isb oa — 1S55.

Quero morrer cercado dos perfumes


Dum dima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias VI
Do meu berço natal!
ROSA MURCHA.
Minha campa será entre as mangueiras, 1^96
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo Esta rosa desbotada
A sombra do meu lar! Já tantas vêzes beijada.
Pálido emblema de amor;
As cachoeiras chorarão sentidas E ’ uma fôlha caída
Porque cedo morri, Do livro da minha vida,
E eu sonho no sepulcro os meus amores Um canto imenso de dor!
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,


Meu Deus! não seja já; Há que tempos! Bem me lembro.
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Foi num dia de Novembro:
Cantar o sabiá! Deixava a terra natal,
L isboa — IS57. A minha pátria tão cara,
O meu lindo Guanabara,
Em busca de Portugal.

[ 367 ]
CASIMIRO JO S É MARQUES DE A BREU

Na hora da despedida A juriti suspira sôbre as folhas secas


Tão cruel e tão sentida Seu canto de saudade;
P ’ra (lucm sai do lar fagueiro; Hino de angústia, férvido lamento,
Duma lágrima orvalhada, Um poema de amor e sentimento,
Esta rosa foi-me dada Um grito d’orfandade!
Ao som dum beijo primeiro.
D ep ois... o caçador chega cantando,
Deixava a pátria, é verdade, À pomba faz o tir o ...
Ia morrer de saudade A bala acerta e ela cai de bruços,
Noutros climas, noutras plagas; E a voz lhe morre nos gentis soluços,
Mas tinha orações ferventes No final suspiro.
Duns lábios inda inocentes
Enquanto cortasse as vagas. E como o caçador, a morte em breve
Levar-me-á consigo;
E hoje, e hoje, meu Deus?! E descuidado, no sorrir da vida,
— Hei de ir junto aos mausoléus Irei sòzinho, a voz desfalecida.
No fundo dos cemitérios, Dormir no meu jazigo.
E ao baço clarão da lua
Da campa na pedra nua E — morta — a pomba nunca mais suspira
Interrogar os mistérios! À beira do caminho;
E como a juriti, — longe dos lares —
Carpir o lírio pendido Nunca mais chorarei nos meus eantares
Pelo vento desabrido... Saudades do meu ninho!
Da divindade aos arcanos L is b o a — 1857.
Dobrando a fronte saudosa.
Chorar a virgem formosa
Morta na flor dos anos!
V III
Era um anjo! Foi p’ro céu
Envolta em místico véu MEUS O ITO ANOS.
Nas asas dum querubim;
Oh! souvenirs! printemps! aurores!
Já dorme o sono profundo,
E despediu-se do mundo V. H ugo.
Pensando talvez em mim! Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Oh! esta flor desbotada.
Que amor, que sonhos, que flores.
Já tantas vezes beijada,
Naquelas tardes fagueiras
Que de mistérios não tem!
À sombra das bananeiras.
Em troca do seu perfume
Debaixo dos laranjais!
Quanta saudade resume
E quantos prantos também!
Como são belos os dias
Lisboa — 1S55.
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
V I I O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
JURITI. A vida — um hino d’amor!

Na minha terra, no bulir do mato, Que auroras, que sol, que vida,
A juriti suspira; Que noites de melodia
E como o arrulo dos gentis amores, Naquela doce alegria.
São os meus cantos de secretas dores Naquele ingênuo folgar!
No chorar da lira. O céu bordado d’estrêlas,
A terra de aromas cheia.
De tarde a pomba vem gemer sentida As ondas beijando a areia
À beira do caminho; E a lua beijando o mar!
— Talvez perdida na floresta ingente —
A triste geme nessa voz plangente Oh! dias da minha infância!
Saudades do seu ninho. Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Sou como o pomba e como as vozes dela Nessa risonha manhã!
E ’ triste o meu cantar; Em vez das mágoas de agora,
— Flor dos trópicos — cá na Europa fria Eu tinha nessas delícias
Eu definho, chorando noite e dia De minha mãe as carícias
Saudades do meu lar. E beijos de minha irmã!

[ 368 ]
PRIM AVERAS

Livre filho das montanhas, Era pátria e família e vida e tudo,


Eu ia bem satisfeito, Glória, amores, mocidade e crença,
Da camisa aberto o peito, F., todo em choros, vim beijar as praias
— Pés descalços, braços nus Por que chorara nessa longa ausência.
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras. Eis-me na pátria, no país das flores,
Atrás das asas ligeiras — O filho pródigo a seus lares volve,
Das borboletas azuis! E concertando as suas vestes rôtas,
O seu passado com prazer revolve!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas, Eis meu lar, minha casa, meus amores,
Trepava a tirar as mangas, A terra onde nasci, meu teto amigo,
Brincava à beira do mar; A gruta, a sombra, a solidão, o rio
Rezava às Ave-Marias, Onde o amor me nasceu — cresceu comigo.
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo Os mesmos campos que eu deixei criança.
E despertava a cantar! Árvores novas. . . tanta flor no prado ! . . .
Oh ! como és linda, minha terra d’alma,
— Noiva enfeitada para o seu noivado! —

Oh! que saudades que tenho Foi aqui, foi ali, a lé m ... mais longe,
Da aurora da minha vida, Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
Da minha infância querida — I.á vejo o atalho que vai dar na várzea.
Que os anos não trazem mais! Lá o barranco por'onde eu su b ia!...
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras .Acho agora mais sêca a cachoeira
A sombra das bananeiras. Onde banhei-me no infantil cansaço...
Debaixo dos laranjais! — Como está velho o laranjal tamanho
L is b o a — 1857. Onde eu caçava o sanhaçu a la ç o !...

Como eu me lembro dos meus dias puros!


Nada m’esquece — . . . e esquecer quem há d e ? ...
I X —• Cada pedra que eu palpo, ou tronco, ou fôlha.
Fala-me ainda dessa doce idade!
NO ÁLBUM DE J. C. M.
Eu me remoço recordando a infância,
E tanto a vida me palpita agora
Nestas folhas perfumadas Que eu dera oh! Deus! a mocidade inteira
Pelas rosas desfolhadas Por um só dia do viver d’outrora!
Dêsses cantos de amizade.
Permite que venha agora
Quem longe da pátria chora E a casa?., as salas, êstes m óveis... tudo,
Bem triste gravar: — saudade! O crucifixo pendurado ao m uro...
L is b o a . O quarto do oratório. . . a sala grande
Onde eu temia penetrar no escu ro!...

E a li... naquele can to ... o berço armado!


E minha mana, tão gentil, dormindo!
X
E mamãe a contar-me histórias lindas
Quando eu chorava e a beijava rindo!
NO LAR.
Oh! primavera! oh! minha mãe querida!
Terra da minha pátria, abre-rae o seio Oh! mana! — anjinho que eu amei com ânsia —
Na morte — ao menos ........................ Vinde ver-me, em soluços — de joelhos —
G a rrett. Beijando em choros êste pó da infância!

I. I I.

Longe da pátria, sob um céu diverso Meu Deus! eu chorei tanto lá no exilio!
Onde o sol como aqui tanto não arde. Tanta dor me cortou a voz sentida,
Chorei saudades do meu lar querido Que agora neste gôzo de proscrito
— Ave sem ninho que suspira à tarde. — Chora minh’alma e me sucumbe a vida!

No mar — de noite — solitário e triste Quero amor! quero vida! e longa e bela
Fitando os lumes que no céu tremiam, Que eu. Senhor! não vivi — dormi apenas!
-Avido e louco nos meus sonhos d’alma Minh’alma que s’expande e se entumece
Folguei nos campos que meus olhos viam. Despe o seu luto nas canções amenas.

[ 369 ]
CASIM JRO JO S É MARQUES DE A BREU

Que sêde que eu sentia nessas noites! Quando tu passas n’aldeia


Quanto beijo roçou-me os lábios quentes! Diz o povo à bôea cheia;
E , pálido, acordava no meu leito — “Mulher mais linda não há!
— Sozinho — e órfão das visões ardentes! “Ai vejam como é bonita
“ Co’as tranças prêsas na fita,
Quero amor! quero vida! aqui, na sombra, “ Co’as flores no samburá!” 1200 —
No silêncio e na voz desta natura;
— Da primavera de minh’alma os cantos Tu és meiga, és inocente
Caso co’as flores da estação mais pura. Como a rôla que contente
Voa e folga no rosai;
Quero amor! quero vida! os lábios a rd e m ...
Envolta nas simples galas,
Preciso as dores dum sentir profundo 1
Na voz, no riso, nas falas.
— Sôfrego a taça esgotarei dum trago
Morena — não tens rival!
Em bora a morte vá topar no fundo.
Quero amor! quero vida! Um rosto virgem, Tu, ontem, vinhas do monte
— Alma de arcanjo que me fale amores, E paraste ao pé da fonte
Que ria e chore, que suspire e gema A fresca sombra do til;
E doure a vida sôbre um chão de flores. Regando as flores sozinha,
Nem tu sabes, Moreninha,
Quero amor! quero amor! — Uns dedos brancos O quanto achei-te gentil!
Que passem a brincar nos meus cabelos;
Rosto lindo de fada vaporosa Depois segui-te calado
Que dê-me vida e que me mate em zelos! Como o pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
O h! céu de minha terra — azul sem mancha — Mas tão pura ias brincando.
Oh! sol de fogo que me queima a fronte. Pelas pedrinhas saltando,
Nuvens douradas que correis no ocaso. Que eu tive pena de ti!
Névoas da tarde que cobris o m onte;
E disse então: — Moreninha,
Perfumes da floresta, vozes doces.
Se um dia tu fôres minha,
Mansa lagoa que o luar prateia, Que amor, que amor não terás!
Claros riachos, cachoeiras altas.
Eu dou-te noites de rosas
Ondas tranqüilas que morreis na areia; Cantando canções formosas
Aves dos bosques, brisas das montanhas, Ao som dos meus ternos ais.
Bentevis do campo, sabiás da praia,
—• Cantai, correi, brilhai — minh’alma em ânsias Morena, minha sereia,
Trem e de gôzo e de prazer desmaia! Tu és a rosa da aldeia,
Mulher mais linda não há;
Flores, perfumes, solidões, gorjeios. Ninguém t’iguala ou t ’imita
Amor, ternura — modulai-me a lira! Co’as tranças prêsas na fita,
— Seja um poema este ferver de idéias Co’as flores no samburá!
Que a mente cala e o coração suspira.
Tu és a deusa da praça,
O h! mocidade! bem te sinto e vejo! E todo o homem que passa
De amor e vida me transborda H99 o p e ito ... Apenas v iu -te... parou!
— Basta-m e um a n o !., e d ep o is... na som bra.. Segue depois seu caminho
Onde tive o berço quero ter meu leito! Mas vai calado e sòzinho
Porque 1201 sua alma ficou!
Eu canto, eu choro, eu rio, e grato e louco
Nos pobres hinos te bendigo, oh! Deus! Tu és bela, Moreninha,
Deste-me os gozos do meu lar q u erid o ... Sentada em tua banquinha
Bendito sejas! — vou viver c ’os meus! Cercada de todos nós;
Indaiaçu — 1857. Rufando alegre o pandeiro,
Como a ave no espinheiro
Tu soltas também a voz:
X I
— “ Oh! quem me compra estas flores:
BRASILIANAS. “ São lindas como os amores,
“Tão belas não há assim;
“ Foram banhadas de orvalho,
“ São flores do meu serralho,
MORENINHA. “ Colhi-as no meu jardim.” —

Moreninha, Moreninha, Morena, minha Morena,


Tu és do campo a rainha. És bela, mas não tens pena
Tu és senhora de mim; De quem morre de paixão!
Tu matas todos d’amôres. — Tu vendes flores singelas
Faceira, vendendo as flores E guardas as flores belas.
Que colhes no teu jardim. As rosas do coração?!..

[ 370 ]
P R IM A V E R A S

Moreninha, Moreninha, Dormia e sonhava — formosa embebida


Tu és das belas rainha, No doce sonhar,
Mas nos amores és má; E doce e sereno num mágico anseio
— Como tu ficas bonita Debaixo das roupas batia-lhe o seio
Co’as tranças presas na fita, No seu palpitar!
Co’as flores no samburá!
Dormia e sonhava — a bôca entreaberta, 12 0 2
Eu disse então: — “ Meus amores, O lábio a sorrir;
“ Deixa mirar tuas flores, No peito cruzados os braços dormentes.
“Deixa perfumes sentir!” Compridos e lisos quais brancas serpentes
Mas naquele doce enleio. No colo a dormir!
Em vez das flores, no seio,
No seio te fui buliri Dormia e sonhava — no sonho de amores
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Como nuvem desmaiada
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
Se tinge de madrugada
De algum bandolim!
Ao doce albor da manhã;
Assim ficaste, querida,
Dormia e sonhava — de manso cheguei-me
A face em pejo acendida.
Sem leve rumor;
Vermelha como a romã!
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido.
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Tu fugiste, feiticeira, Falei-lhe de amor!
E de certo mais ligeira
Qualquer gazela não é; Ao hálito ardente o peito p alp ita...
Tu ias de saia c u r t a .... Mas sem despertar;
Saltando a moita de murta E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
Mostraste, mostraste o pé! A virgem na rêde corando e so rrin d o ...
Beijou-me — a sonhar 1
Ai! Morena, ai! meus amores, Junho — 1858.
Eu quero comprar-te as flores,
Mas dá-me um beijo também;
Que importam rosas do prado
Sem o sorriso engraçado XIII
Que a tua boquinha te m ? ...
A VOZ DO RIO.
Apenas vi-te, sereia.
Chamei-te — rosa da aldeia — Num álbum.
Como mais linda não há.
— Jesus! Como eras bonita Nosso sol é de fogo, o campo é verde,
Co’as tranças prêsas na fita, O mar é manso, nosso céu azul!
Co’as flores no samburá! — Ai! porque deixas este pátrio ninho
Indaiaçu 1857.
Pelas friezas dos vergéis do sul?

Lá nessa terra onde o Guaíba chora


Não são as noites, como aqui, formosas,
X I I E as duras asas do pampeiro iroso
Quebra as tulipas e desfolha as rosas.
NA RÈDE.
A lua é doce, nosso mar tranquilo.
Mais leve a brisa, nosso céu a z u l!...
Nas horas ardentes do pino do dia — Tupá! quem troca pelo pátrio ninho
Aos bosques corri; As ventanias do vergéis do sul?!
E qual linda imagem dos castos amores.
Dormindo e sonhando cercada de flores Lá novos campos outros campos ligam
Nos bosques a vi! E a vista fraca na extensão se perde!
E tu sozinho viverás no exílio
Dormia deitada na rêde de penas — Garça perdida nesse mar que é verde! -
— O céu por dossel.
De leve embalada no quieto balanço Nossas campinas como doces noivas
Qual nauta cismando num lago bem manso Vivem c’os montes sob o céu azul!
Num leve batei! — Há vida e amores neste pátrio ninho
Mais rico e belo que os vergéis do sul!
Dormia e sonhava — no rosto serena
Qual um serafim; Essas palmeiras não têm 1203 tantos leques,
Os cílios pendidos nos olhos tão belos, O sol das Pampas mareou seu brilho,
E a brisa brincando nos soltos cabelos Nem cresce o tronco que susteve um dia
De fino cetim! O berço lindo em que dormiu teu filho!

[371]
C A S IM IR O JO SÉ M A R Q U E S D E A B R E U

Nossas florestas sacudindo os galhos I I.


Tocam c ’os braços este céu azul ! . . .
— Se tudo é grande neste pátrio ninho Anos correram ; — no torrão fecundo
Porque deixá-lo p’ra viver no sul?! Ao sol de fogo dêste novo-mundo
A semente brotou;
Embora digas: — essa terra fria E franca e leda, a geração nascente
Merece amores, é irmã da minha — A copa altiva da árvore frondente
Quem dar-te pode este calor do ninho, Segura se abrigou !
A luz suave que o teu berço tinha?!
A 1205 roda da bandeira sacrossanta
Eu — Guanabara — no meu longo espelho Um povo esperançoso se levanta
Reflito as nuvens dêste céu azul; Infante e a sorrir!
— O ’ minha filha! acalentei-te o sono, A nação do letargo se desperta,
Porque me deixas p’ra viver no s u l? !.. E — livre — marcha pela estrada aberta
Às glórias do porvir!
I.á, quando a terra s’embuçar nas sombras
E o sol medroso s ’esconder nas águas. O país, na alegria todo imerso,
Teu pensamento, como o sol que morre, V’elava atento à roda só dum b erço ..
H á de cismando mergulhar-se em mágoas! E ra o vosso, Senhor!
Vós do tronco feliz doce renovo,
Mas se forçoso t’é deixar a pátria Vêde agora, Senhor, na voz do povo
Pelas friezas dos vergéis do sul, Quão grande é seu amor!
O ’ minha filha! não t ’esqueças nunca Rio iS 5 i
Destas montanhas, dêste céu azul.

Tupá bondoso te derrame graças. XV


Doce ventura te bafeje e siga,
E nos meus braços — ao voltar do exílio —
CÂNTICOS.
Saudando o berço que teu lábio diga:

“ Volvo contente para o pátrio ninho,


“ Deixei sorrindo esses vergéis do sul;
“ Tinha saudades dêste sol de fo g o ...
POESIA E AMOR.
“ Não deixo mais êste meu céu a z u l ! .. . ” 12 0 4
A tarde que expira,
R io — 1S5S. A flor que suspira,
O canto da lira,
Da lua o clarão;
Dos mares na raia
XIV A luz que desmaia,
E as ondas na praia
Lambendo-lhe o chão;
SETE DE SETEMBRO.
Da noite a harmonia
A D. P edro 11. Melhor que a do dia,
E a viva ardentia
Das águas do m ar;
I. A virgem incauta.
As vozes da flauta,
Foi um dia de glória! — O povo altivo E o canto do nauta
Trocou sorrindo as vozes de cativo Chorando o seu lar;
Pelo cantar das festas!
O leão indomável do deserto Os trêmulos lumes,
Bramiu soberbo, dos grilhões liberto, Da fonte os queixumes,
No meio das florestas! E os meigos perfumes
Que solta o vergei;
L á no Ipiranga do Brasil o Marte As noites brilhantes,
Enrolado nas dobras do estandarte E os doces instantes
Erguia o augusto porte; Dos noivos amantes
Cercada a fronte dos lauréis da glória Na lua-de-mel;
Soltou tremendo o brado da vitória:
— Independência ou morte! Do templo nas naves
As notas suaves,
O santo amor dos corações ardentes E o trino das aves
Achou eco no peito dos valentes Saudando o arrebol;
No campo e na cidade; As tardes estivas,
E nos salões — do pescador nos lares. E as rosas lascivas
Livres soaram hinos populares Erguendo-se altivas
À voz da liberdade! Aos raios do sol;

[ 372 ]
P R IM A V E R A S

A gôta de orvalho Do trono d’ouro que circundam anjos


Tremendo no galho Sorrindo ao mundo a Virgem-Mãe s inclina
Do velho carvalho, Ouvindo as vozes d’inoeêneia bela
Nas folhas do ingá; Dos lábios virginais duma menina.
O bater do seio,
Dos bosques no meio Da tarde morta o murmurar se cala
O doce gorjeio Ante a prece infantil, que sobe e voa
Dalgum sabiá; Fresca e serena qual perfume doce
Das frescas rosas de gentil coroa.
A órfã que chora,
A flor que se cora As doces falas de tua alma santa
Valem mais do que eu valho, 1206 oh! querubim!
Aos raios da aurora,
Quando rezares por teu mano, à noite,
No albor da manhã;
Não t ’esqueças — também 1207 reza por mim!
Os sonhos eternos.
Os gozos mais ternos. Rio — 185S.
Os beijos maternos
E as vozes de irmã;
XVII
O sino da tórre
Carpindo quem morre,
E o rio que corre BÁLSAMO.
Banhando o chorão;
O triste que vela Eu vi-a lacrimosa sôbre as pedras
Cantando à donzela Rojar-se essa mulher que a dor ferira!
A trova singela A morte lhe roubara dum só golpe
Do seu coração; Marido e filho, encaneceu-lhe a fronte,
E deixou-a sozinha e desgrenhada
A luz da alvorada, — Estátua da aflição aos pés dum túmulo! -
E a nuvem dourada O esquálido coveiro p’ra dois corpos
Qual berço de fada Ergueu a mesma enxada, e nessa noite
Num céu todo azul; A mesma cova os teve!
No lago e nos brejos E a mãe chorava,
Os férvidos beijos E mais alto que o chôro erguia as vozes!
E os loucos bafejos
Das brisas do sul;

Tôda essa ternura No entanto o sacerdote — fronte branca


Que a rica natura Pelo gêlo dos anos — a seu lado
Soletra e murmura Tentava consolá-la.
Nos hálitos seus, A mãe aflita
Da terra os encantos, Sublime dêsse belo desespero
Das noites os prantos, As vozes não lhe ouvia; a dor suprema
São hinos, são cantos Toldava-lhe a razão no duro trance.
Que sobem a Deus!
“ Oh! padre! — disse a pobre s’estorcendo
Os trêmulos lumes, Co’a voz cortada dos soluços d’alma —
Da veiga os perfumes, “ Onde o bálsamo, as falas d’esperança,
Da fonte os queixumes, “ O alivio à minha dor?!”
Dos prados a flor, Grave e solene,
Do mar a ardentia, O padre não falou — mostrou-lhe o céu!
Da noite a harmonia, Rio — 1858.
Tudo isso é — poesia!
Tudo isso é — amor!
Indaiaçn U57.
XVIII

DEUS!
XV I
Eu me lembro! eu me lembro! — E ra pequeno
ORAÇÕES. E brincava na praia; o mar bramia
1208 erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.

A alma, como o incenso, ao céu s’éleva E eu disse a minha mãe nesse momento;
Da férvida oração nas asas puras, “Que dura orquestra! Que furor insano!
E Deus recebe como um longo hosana “ Que pode haver maior do que o oceano,
O cântico de amor das criaturas. “ Ou que seja mais forte do que o vento?!’’ —

[ 373 ]
C A S IM IR O JO SÉ M A R Q U É S D E A B R E U

Minha mãe a sorrir olhou p’r ’os céus Na primavera — na manhã da vida —
E respondeu: — “ Um 12 0 9 Ser que nós não vemos Deus às tristezas o sorriso enlaça,
“ E ’ maior do que o mar que nós tememos, E a tempestade se dissipa e passa
“ Mais forte que o tufão! meu filho, é — D eus!” — À voz mimosa da mulher querida.
D ezem bro — 185S.
Na mocidade, na estação fogosa.
Ama-se a vida — a mocidade é crença,
E a alma virgem nesta festa imensa
LIVRO SEGUNDO. Canta, palpita, s’extasia e goza.
1 .* de Julho 1858.
L a chanson la plus charm ante
E s t la chanson des am ours !
V. Hugo.
XX

X I X CENA ÍNTIMA.

PRIMAVERAS.
Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
P rim a v e ra ! ju v en tu d del anno, Só p’ra mim!
M ocidad! prim avera della vita.
— Ora diz-me: êsses queixumes,
M etastásio. Êsses injustos ciúmes
Não têm 1 2 1 1 fim?
I.
Que pequei eu bem conheço,
A primavera é a estação dos risos. Mas castigo não mereço
Deus fita o mundo com celeste afago. Por pecar;
Trem em as folhas e palpita o lago Pois tu queres chamar crime
Da brisa louca aos amorosos frisos. Render-se à chama sublime
Dum olhar!
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
Porventura te esqueceste
E doce e bela no tapiz das flores
Quando de amor me perdeste
Melhor perfume a violeta exala.
Num sorrir?
Agora em cólera imensa
Na primavera tudo é riso e festa.
Já queres dar a sentença
Brotam aromas do vergei florido,
Sem me ouvir!
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
E depois, se eu te repito
A natureza se desperta rindo, Que nesse instante maldito
Um hino imenso a criação modula, — Sem querer —
Canta a calhandra, a juriti arrula, Arrastado por magia
O mar é calmo porque o céu é lindo. Mil torrentes de poesia
Fui beber!
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga. Eram uns olhos escuros
Murmura a brisa: — Como é linda a veiga! Muito belos, muito puros,
Responde a rosa: — Como é doce o orvalho! Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos
Mostrando gozos infindos.
I I. Só dos céus!
Mas como às vêzes sôbre o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia. Quando os vi fulgindo tanto
Tam bém a lira alguma vez sombria Senti no peito um encanto
Solta gemendo de amargura um treno. Que não sei!
Ju ro falar-te a v erd ad e...
São flores murchas; — o jasmim fenece, Foi de certo — sem vontade —
Mas bafejado s’erguerà de novo Que eu pequei!
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce. Mas hoje, minha querida,
Eu dera até esta vida
Se um canto amargo de ironia cheio P ’ra poupar
Trem e nos lábios do cantor mancebo. Essas lágrimas queixosas,
Em breve a virgem do seu casto enlevo Que as tuas faces mimosas
Dá-lhe um sorriso e lhe entumece o seio. 12 10 Vêm molhar!

[ 374 ]
P n iM A V K R A S

Sabe ainda ser clemente, “— Eu juro sôbre estas tranças,


Perdoa um êrro inocente, 1 2 1 2 “ E pelas chamas que lanças
Minha flor! “ Desses teus olhos divinos;
Seja grande embora o crime, “ Eu juro, minha inocente,
O perdão sempre é sublime, 1213 “ Em balar-te docemente
Meu amor! “ Ao som dos mais ternos hinos!

Mas se queres com maldade “Pelas ondas, pelas flores,


Castigar quem — sem vontade — “ Que se estremecem de amores
Só pecou; “ Da brisa ao sôpro lascivo;
Olha, linda, eu não me queixo, “ Eu juro, por minha vida,
A teus pés cair-me d e ix o ... “ Deitar-rne a teus pés, querida, I2is
Aqui ’stou! “ Humilde como um cativo!

Mas se me deste, formosa. “Pelos lírios, pelas rosas,


De amor na taça mimosa “ Pelas estréias formosas,
Doce mel; “ Pelo sol que brilha agora,
Ai! deixa que peça agora “— Eu juro dar-te, Maria,
Êsses extremos d’outrora “ Quarenta beijos por dia
O infiel: “ E dez abraços por hora!”

P ren d e-m e... nesses teus braços O juramento está feito,


Em doces, longos abraços Foi dito co’a mão no peito
Com paixão; Apontado ao coração:
Ordena com gesto a ltiv o ... E agora — por vida minha.
Que te beije êste cativo Tu verás, 1 2 1 6 oh! moreninha,
E ssa mão! Tu verás se o cumpro ou não ! ..
Rio — 1857.
Mata-me s im ... de ventura,
Com mil beijos de ternura
Sem ter dó,
Que eu prometo, anjo querido, XXII
Não desprender um gemido,
Nem um só! PERFUMES E AMOR.

N a P r im e ir a F ô l h a dum álbum.

X X I A flor mimosa que abrilhanta o prado


Ao sol nascente vai pedir fulgor;
JURAMENTO. E o sol, abrindo da açucena as folhas.
Dá-lhe perfumes — e não nega amor.
Tu dizes, oh Mariquinhas, 1214
Que não crês nas juras minhas, Eu que não tenho, como o sol, seus raios,
Que nunca cumpridas são! Em bora sinta nesta fronte ardor,
Mas se eu não te jurei nada, Sempre quisera ao encetar teu álbum
Como hás de tu, estouvada. Dar-lhe perfumes — desejar-lhe amor.
Saber se eu as cumpro ou não?!
Meu Deus! nas folhas dêste livro puro
Tu dizes que eu sempre minto, Não manche o pranto da inocência o alvor,
Que protesto o que não sinto, Mas cada canto que cair dos lábios
Que todo o poeta é vário, Traga perfumes — e murmure amor.
Que é borboleta inconstante;
Mas agora, neste instante, Aqui se junte, qual num ramo santo,
Eu vou provar-te o contrário. Do nardo o aroma e da camélia a côr,
E possa a virgem, percorrendo as fôHias,
Vem cá, sentada a meu lado Sorver perfumes — respirar amor.
Com êsse rosto adorado
Brilhante de sentimento. Encontre a bela, caprichosa sempre,
Ao colo o braço cingido, Nos ternos hinos d’infantil frescor
Olhar 1)0 meu embebido. Entrelaçados na grinalda amiga
Escuta o meu juramento. Doces perfumes — e celeste amor.

Espera: — inclina essa fro n te ... '^''alvez que diga, recordando tarde
Assim! — Pareces no monte O doce anelo do feliz cantor:
.A.lvo lírio debruçado! — “Meu Deus! nas folhas do meu livro d’alma
— Agora, se em mim te fias, Sobram perfumes — e não falta am or!”
Fica séria, não te rias, Junho — 1858.
O juramento é sagrado:

[ 375 ]
C A S IM T R O J O S É M A R Q U E S 1>E A B R E U

XXIII X XIV

SEGREDOS. CLARA.

Eu tenho uns amores — quem é que os não tinha Não sabes, Clara, 1219 que pena
Nos tempos antigos? — Amar não faz mal;
Eu teria se — morena
As almas que sentem paixão como a minha Tu fôsses em vez de clara!
Que digam, que falem em regra geral. T a lv e z ... Quem s a b e ? ... não digo.
— A flor dos meus sonhos é moça e bonita
Mas refletindo comigo
Qual flor entr’aberta do dia ao raiar, Talvez nem tanto te amara!
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero, não posso, não devo contar! A tua côr é mimosa,
Brilha mais da face a rosa,
Seu rosto é formoso, seu talhe elegante. Tem mais graça a bôca breve.
Seus lábios de rosa, a fala é de mel. O teu sorriso é d e lírio ...
As tranças compridas, qual livre bacantc, És alva da côr do lírio.
O pé de criança, cintura de anel; És clara da côr da neve!
— Os olhos rasgados são côr das safiras, 1217
Serenos e puros, azuis como o mar; A morena é predileta,
Sc falam sinceros, se pregam mentiras, Mas a clara é do poeta;
Não quero, não posso, não devo contar! Assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
Oh! ontem no baile com ela valsando Mas a morena é da terra
Senti as delícias dos anjos do céu! Enquanto a clara é dos anjos!
Na dança ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu! Mulher morena é ardente:
— Que noite e que baile! — Seu hálito virgem Prende o amante demente
Queimava-me as faces no louco valsar. Nos fios do seu cabelo;
As falas sentidas que os olhos falavam — A clara é sempre mais fria,
Não posso, não quero, não devo contar! Mas dá-me licença um dia
Que eu vou arder no teu gêlo!
Depois indolente firmou-se em meu braço.
Fugimos das salas, do mundo talvez! A côr morena é bonita,
Inda era mais bela rendida ao cansaço, 1218 Mas nada, nada te imita
Morrendo de amores em tal languidez! Nem mesmo sequer de leve.
— Que noite e que festa! e que lânguido rosto — O teu sorriso é d e lírio ...
Banhado ao reflexo do branco luar! És alva da côr do lírio.
A neve do colo e as ondas dos seios És clara da côr da neve!
Não quero, não posso, não devo contar!
Rio nss.
A noite é sublime! — Tem longos queixumes.
Mistérios profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os gemidos, do prado os perfumes.
XXV
De amor me mataram, de amor suspirei!
— Agora eu vos ju r o ... Palavra! — não minto! A VALSA.
Ouvi-a formosa também suspirar;
Os doces suspiros que os ecos ouviram
A M. •**
Não quero, não posso, não devo contar!
Tu, ontem,
Então nesse instante nas águas do rio Na dança
Passava uma barca, e o bom remador Que cansa.
Cantava na flauta; — “Nas noites d’estio Voavas
O céu tem estrelas, o mar tem amor!” — Co’as faces
— E a voz maviosa do bom gondoleiro Em rosas
Repete cantando: — “viver é amar!” — Form osas
Se os peitos respondem à voz do barqueiro... De vivo,
Não quero, não posso, não devo contar! Lascivo
Carmim;
Trememos de m êd o ... a bôca emudece Na valsa
Mas sentem-se os pulos do meu coração! T ão falsa,
Seu seio nevado de amor se entum ece... Corrias,
E os lábios se tocam no ardor da paixão! Fugias,
— Depois... mas já vejo que vós, meus senhores, Ardente,
Com fina malícia quereis me enganar. Contente,
Aqui faço ponto; — segredos de amores Tranqüila,
Não quero, não posso, não devo contar! Serena,
R io — U57. Sem pena
De mim !

[ 376 ]
P R IM A V E R A S

Quem dera Quem dera


Que sintas Que sintas
As dores As dores
De amores De amores
Que louco Que louco
Senti! Senti!
Quem dera Quem dera
Que sin ta s!.. Que sin ta s!..
— Não negues, — Não negues,
Não m in tas... Não m in ta s...
— Eu v ü ... — Eu v i l .. .

Calado,
Valsavas: Sozinho,
— Teus belos Mesquinho,
Cabelos, Em zelos
Já soltos. Ardendo,
Revoltos, Eu vi-te
Saltavam, Correndo
Voavam, T ão falsa
Brincavam Na valsa
No colo Veloz!
Que é meu; Eu triste
E os olhos Vi tudo!
Escuros Mas mudo
Tão puros. Não tive
Os olhos Nas galas
Perjuros Das salas,
Volvias, Nem falas,
Tremias, Nem cantos,
Sorrias Nem prantos, 12 21
P ’ra outro Nem voz!
Não eu!
Quem dera
Que sintas
Quem dera As dores
Que sintas De amores
As dores Que louco
De amores Senti!
Que louco Quem dera
Senti! Que sin ta s!..
Que dera — Não negues,
Que sin ta s!.. Não m in ta s...
— Eu v ü . ..
— Não negues,
Não m in ta s... Na valsa
— Eu v ü . . . Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Meu Deus!
Turbada!
Eras bela
Pensavas,
Donzela,
Cismavas,
Valsando, E estavas
Sorrindo, T ão pálida
Fugindo, Então;
Qual silfo Qual pálida
Risonho Rosa
Que em sonho Mimosa
Nos vem! 12 2 0 No vale
Mas êsse Do vento
Sorriso Cruento
Tão liso Batida,
Que tinhas Caída
Nos lábios Sem vida
De rosa. No chão!
Formosa,
Tu davas. Quem dera
Mandavas Que sintas
A quemPl As dores

[ 377]
C A S IM IU O JO SÉ M A R Q U E S D E A D K E U

De amores Tu também, 1222 minha inconstante,


Que louco Tens tido mais dum amante
Senti! E nunca amaste a um só!
Quem dera Êles morrem de saudade,
Que sin ta s!.. Mas tu na variedade
— Não negues, Vais vivendo e não tens dó!
Não m in ta s...
— Eu v ü . .. Ai! és muito caprichosa!
Rio 1858. Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te a m a m ...
XXVI P or isso todos te chamam:
— Borboleta dos amôres!
BORBOLETA.
R io - 1858.
Borboleta dos amores,
Como a outra sôbre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa, X X V II
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim? QUANDO TU CHORAS.
Pois essa alma é tão sedenta Quando tu choras, meu amor, teu rosto
Que um só amor não contenta Brilha formoso com mais doce encanto,
E louca quer variar? E as leves sombras de infantil desgosto
Se já tens amores belos, Tornam mais belo o cristalino pranto.
P ’ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Oh! nessa idade da paixão lasciya, 1223
Não sabes que a flor traída Como o prazer, é o chorar preciso:
Na débil haste pendida Mas breve passa — qual a chuva estiva —
Em breve murcha será? E quase ao pranto se mistura o riso.
Que de ciúmes fenece
E nunca mais estremece E ’ doce o pranto de gentil donzela,
Aos beijos que a brisa d á ? ... E ’- sempre belo quando a virgem chora:
— Semelha a rosa pudibunda e bela
Borboleta dos amôres, Tôda banhada do orvalhar da aurora.
Como a outra sôbre as flores,
Porque és volúvel assim? Da noite o pranto, que tão pouco duia.
Porque deixas, caprichosa, Brilha nas fôlhas como um rir celeste,
Porque deixas tu a rosa E a mesma gôta transparente e pura
E vais beijar o jasm im ?! Trem e na relva que a campina veste.
Tu vês a flor da campina,
Depois o sol, como sultão brilhante,
E bela e terna e divina.
De luz inunda o seu gentil serralho,
Tu dás-lhe o que essa alma tem ;
E às flores tôdas — tão feliz amante! —
Depois, passado o delírio.
Esqueces o pobre lírio Cioso sorve o matutino orvalho.
Em troca duma cecém!
Assim, se choras, inda és mais formosa.
Mas tu não sabes, louquinha, Brilha teu rosto com mais doce encanto:
Que a flor que pobre definha — Serei o sol e tu serás a r o s a ...
Merece mais compaixão? Chora, meu anjo, — beberei teu pranto!
Que a desgraçada precisa, R io — 1858.
Como do sôpro da brisa.
Os ais do teu coração?

Borboleta dos amôr<?s,


XXVIII
Como a outra sôbre as flores,
Porque és volúvel assim?
CANTO DE AMOR.
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasm im ?! A M. ***

Se a borboleta dourada I.
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor; Eu vi-a e minha alma antes de vê-la
E la — a triste, molemente Sonhara-a linda como agora a vi;
Pendida sôbre a corrente. Nos puros olhos e na face bela,
Falece à míngua d’amor. Dos meus sonhos a virgem conheci.

[ 378 ]
PRIMAVERAS

Era a mesma expressão, o mesmo rosto, Do morto peito vem turbar a calma.
Os mesmos olhos só nadando em luz, Virgem, terás o que ninguém te dá;
E uns doces longes, como dum desgosto. Em delírios d’amor dou-te a minha alma,
Toldando a fronte que de amor seduz! Na terra, a vida, a eternidade — lá!
E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso
Como a palmeira que se ergue ao ar, I V.
Como a tulipa ao pôr-do-sol saudoso,
'dole vergando à viração do mar.
Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas.
Era a mesma visão que eu dantes via, Oh! não me tardes, não me tardes, — vem!
Quando a minha alma transbordava em fé; Da fantasia nas douradas asas
E nesta eu creio como na outra eu cria, Nós viveremos noutro mundo — além!
Porque é a mesma visão, bem sei que é!
De belos sonhos nosso amor povôo.
No silêncio da noite a virgem vinha Vida bebendo nos olhares teus;
Soltas as tranças junto a mim dormir; E como a garça que levanta o vôo,
E era bela, meu Deus, assim sozinha Minha alma em hinos falará com Deus!
No seu sono d’infante inda a s o r r ir !...
Juntas, unidas num estreito abraço.
As nossas almas uma só serão;
I I. E a fronte enfêrma sôbre o teu regaço
Criará poemas d’imortal paixão!
Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo.
Tal como a brisa ao perpassar na flor,
O h! vem, formosa, meu amor é santo,
Mas nesse instante resumi um mundo
E ’ grande e belo como é grande o mar,
De sonhos de ouro e de encantado amor.
E doce e triste como d’harpa um canto
O seu olhar não me cobriu d’afago, Na corda extrema que já vai quebrar!
E minha imagem nem sequer guardou.
Qual se reflete sôbre a flor dum lago Oh ! vem depressa, minha vida foge. . .
A branca nuvem que no céu passou. òou como o lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio que inda é tempo hoje!
A sua vista espairecendo vaga. Orvalha o lírio que morrendo v a i !...
Quase indolente, não me viu, ai, não! Rio — 1858.
Mas eu que sinto tão profunda a chaga
Ainda a vejo como a vi então.

Que rosto d’anjo, qual estátua antiga


No altar erguida, já caído o véu! X X IX
Que olhar de fogo, que a paixão instiga!
Que níveo colo prometendo um céu! 12 24
VIOLETA.
Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente
Em longos sonhos a sonhara assim; Sempre teu lábio severo
0 ideal sublime, que eu criei na mente, Me chama de borboleta!
Que em vão buscava e que encontrei por fim! — Se eu deixo as rosas do prado
E ’ só por ti — violeta!
I I I.
Tu és formosa e modesta.
P ’ra ti, formosa, o meu sonhar de louco
As outras são tão vaidosas!
E o dom fatal, que desde o berço é meu; Embora vivas na sombra
Mas se os cantos da lira achares pouco.
Amo-te mais do que às rosas.
Pede-me a vida, porque tudo é teu.
Se queres culto — como um crente adoro, A borboleta travessa
Se preito queres — eu te caio aos pés, Vive de sol e de flo r e s ...
Se rires — rio, se chorares — choro, — Eu quero o sol de teus olhos,
E bebo o pranto que banhar-te a tez. O néctar dos teus amores!
Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro,
E desses olhos um volver, um só; Cativo de teu perfume
E verás que meu estro, hoje rasteiro, Não mais serei borboleta;
Cantando amores s’erguerá do pó! — Deixa eu dormir no teu seio.
Vem reclinar-te, como a flor pendida, Dá-me o teu mel — violeta!
Sôbre êste peito cuja voz calei: 4 de Abril.
Pede-me um b e ijo ... e tu terás, querida,
1 oda a paixão que para ti guardei.

[ 379 ]
CASIMIRO JOSÆ MARQUES DE ABREU

XXX Sonhando mesmo acordada.


Pendida a fronte adorada
Num cismar vago e sem fim;
O QUE? Do olhar o fogo tão vivo,
A voz, o riso lascivo,
Em que cismas, poeta? Que saudades O pensamento é — por mim?!
T e adormecem na mágica fragrância
Das rosas do passado já pendidas?
I I.
Nos sonhos d’alma que te lembra?
— A infância! Quando tu dormes tranqüila.
Cerrada a negra pupila
E o lábio doce a sorrir;
Que sombra, que fantasma vem banhado Então o sonho dourado
No doce eílúvio dessa quadra linda? Nas dobras do cortinado
E a mente a folhear os dias idos Vem esmaltar teu dormir!
Que nome te recorda agora?
— Arinda! O h! sonha! — Feliz a idade
Das rosas da virgindade,
Mas se passa essa quadra, fugitiva, Dos sonhos do coração!
Qual no horizonte solitária vela, — Puro vergei de açucenas
Porque cismar na vida e no passado? Ou lago d’águas serenas
E de quem são essas saudades? Que estremece à viração!
— Dela!
Feliz! Feliz quem pudera
Colhêr-te na primavera
E se a virgem viesse agora mesmo De galas rica e louçã!
Surgindo bela qual visão de amores. Feliz, 1228 oh! flor dos amores,
Tu, p’ra saudá-la bem do imo d’alma, 12 2 5 Quem te beber os odores
Diz-me, poeta — o que escolhias? Nos orvalhos da manhã!
— Flores. Rio — 1858.

E se ela, farta dos aromas doces


Que tem achado nos jardins divinos.
T ão caprichosa machucasse as r o s a s ... XXXII
Diz-me, meu louco, o que mais tinhas?
— Hinos! ASSIM!

E se, teimosa, rejeitando a lira, A M. • **


A fronte virgem para ti pendida,
Dum beijo a paga te pedisse altiva... V iste o lírio da campina?
O que lhe davas, meu poeta? L á s’inclina
— A vida! E murcho no hastil pendeu!
— Viste o lírio da campina?
Ria 1858.
Pois, divina,
Como o lírio assim sou eu!

Nunca ouviste a voz da flauta,


X X X I A dor do nauta
Suspirando no alto mar?
SONHOS DE VIRGEM. — Nunca ouviste a voz da flauta?
Como o nauta
A M. **•
E ’ tão triste o meu cantar!

Não viste a rôla sem ninho


I. No caminho
Gemendo, se a noite vem?
Que sonhas, virgem, nos sonhos — Não viste a rôla sem ninho?
Que à mente te vêm 12 2 6 risonhos Pois, anjinho.
Na primavera inda em flor? Assim eu gemo, também!
No celeste devaneio,
No doce bater do seio, Não viste a barca perdida.
Que sonhas, 1227 virgem? — amor? Sacudida
Nas asas dalgum tufão?
Que céus, que jardins, que flores, — Não viste a barca fendida?
Que longos cantos de amores Pois, querida, 1229
Nos lindos sonhos te vêm? 1226 Assim vai meu coração!
E quando a mente delira, Rio — 1858.
E quando o peito suspira.
Suspira o peito — por quem?

[ 380 ]
PRIMAVERAS

XXXIII Por ela eu deixaria a voz das turbas


E esta ânsia infeliz de glória vã;
QUANDO?!. Na vida que nos corre tão sombria
Eu seria, meu Deus, seu doce guia,
Não era belo, Maria, E ela — minha irmã!
Aquêle tempo de amores,
Quando o> mundo nos sorria, Eu velara, Senhor, pelos seus dias,
Quando a terra era só flores Como a mãe vela o filho que dormiu:
Da vida na primavera? Se um dia ela soltasse um só gemido,
E ra! Eu iria saber porque ferido
Seu seio assim buliu!
Não tinha o prado mais rosas,
O sabiá mais gorjeios, Como à sombra das árvores da pátria
O céu mais nuvens formosas, S ’embala a doce filha dos tupis,
E mais puros devaneios À 1232 sombra da ventura e da esperança
A tua alma inocentinha? Embalara, meu Deus, essa criança
— Tinha! Nos cantos juvenis!

E como achavas, Maria, Como o nauta olha o céu de primavera,


Aqueles doces instantes Eu, sentado a seus pés, ébrio de amor.
De poética harmonia Espreitara tremendo no seu rosto
Em que as brisas doudejantes A sombra fugitiva dum desgôsto,
Folgavam nos teus cabelos? A nuvem duma dor!
Belos!
Eu lhe iria mostrar nos hinos d’alma
Como tremias, 1230 oh! vida, Outro mundo, outro céu, outros vergéis;
Se em mim os olhos fitavas! Nossa vida seria um doce afago,
Como eras linda, querida, Nós — dois cisnes vogando em manso lago,
Quando d’amor suspiravas — Amor — nossos batéis!
Naquela encantada aurora!
Ora!

E diz-me: não te recordas Se eu tivesse, meu Deus, santos amôres,


— Debaixo do cajueiro — Eu deixara êste amor da glória vã;
Lá da lagoa nas bordas Nesse mundo de luz, doce e risonho,
Aquêle beijo primeiro? A pudibunda virgem do meu sonho
Ia o dia já findando... Seria minha irmã!
— Q uando?!.. 1858.
Rio 1858.

X X X IV X X X V
SEMPRE SONHOS!. . . O QUE É — SIMPATIA.
Se eu tivesse, meu Deus, santos amôres,
Eu m’erguera cantando essa paixão, A U ma M enina.
E atirara p’ra longe — sem saudade —
Êste véu que me cobre a mocidade Simpatia — é o sentimento
De tanta escuridão! Que nasce num só momento.
Sincero, no coração;
Eu que sou como o cardo do rochedo São dois olhares acesos
Quase morto dos ventos ao rigor, Bem juntos, unidos, presos
Encontrara de novo a minha vida, Numa mágica atração.
O sol da primavera e a luz perdida,
Nos braços dêsse amor! Simpatia — são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Minha fronte, que pende sofredora, I23i Nas mangueiras do jardim;
Acharia, meu Deus, inspirações, Bem longe às vêzes nascidos,
E o fogo que queimou Gilbert e Dante Mas que se juntam crescidos
Correria mais puro e mais constante E que se abraçam por fim.
Na lira das canções!
São duas almas bem gêmeas
No mundo tão gentil dos devaneios Que riem no mesmo riso,
Minh’alma mais feliz saudara a luz, Que choram nos mesmos ais;
E apagara. Senhor, num beijo puro São vozes de dois amantes,
A dor imensa da perda do futuro Duas liras semelhantes,
Que à morte me conduz. Ou dois poemas iguais.

[381]
OASIMIRO JO S É MARQUES DE ARREU

Simpatia — meu anjinho, Minh’alma é como o pombo inda sem penas


E ’ o canto do passarinho, Sozinho a pipilar;
E ’ o doce aroma da flor; — Vem tu, Pepita, visitá-lo ao ninho;
São nuvens dum céu d’Agosto, As asas a bater, o passarinho
E ’ o que m ’inspira teu r o s to ... Contigo irá voar.
— Simpatia — é — quase amor!
Jndaiaçu — 1S57. Minh’alma é como a rocha tôda estéril
Nos plainos do Sará;
Vem tu — fada de amor — dar-lhe co’a v a ra ...
X X X V I — Qual do penedo que Moisés tocara
O jôrro saltará.
PALAVRAS NO MAR.
Minh’alma é um livro lindo, encadernado,
Se eu fôsse a m a d o !... Co’as folhas cm cetim;
Se um rosto virgem — Vem tu, Pepita, soletrá-lo um d ia ...
Doce vertigem Tem poemas de amor, tem melodia
Me desse 1233 n’alma Em cânticos sem fim!
Turbando a calma
Que me enlanguecc!. . .
O h! se eu pudesse Minh’alma é o batei prendido à margem
H oje — sequer — Sem leme, em ócio vil;
Fartar desejos — Vem soltá-lo. Pepita, e correremos
Nos longos beijos — Sôltas as velas — desprezando remos,
Duma m u lh e r!.. , Que o mar é todo anil.
Se o peito morto
Doce conforto Minh’alma é um jardim oculto em sombras
Sentisse agora Co’as flores em botão;
Na sua dor; — Vem ser da primavera o sopro louco.
Talvez nest’hora Vem tu. Pepita, bafejar-me um pouco
Viver quisera Que as rosas abrirão.
Na primavera
De casto amor! O mundo em que eu habito tem mais sonhos,
Então minh’alma. A vida mais prazer;
Turbada a calma, — Vem, Pepita, das tardes no remanso,
— Harpa vibrada Da rêde dos amores no balanço
P or mão de fada — Comigo adormecer.
Como a calhandra
Saúda o dia.
Em meigos cantos Oh! vem! eu sou a flor aberta à noite
Se exalaria Pendida no arrebol!
Na melodia Dá-me um carinho dessa voz lasciva,
Dos sonhos meus; E a flor pendida s’erguerà mais viva
E louca e terna Aos raios desse sol!
Nessa vertigem
Amara a virgem Bem vês, sou como a planta que definha
Cantando a D e u s !... Torrada do calor.
Avon — 1S57. — Dá-me o riso feliz em vez da m ágoa...
O lirio morto quer a gôta d’àgua,
— Eu quero o teu amor!
X X X V I I R io — I85S.

PEPITA.

A toi ! toujours à toi 1


XXXVIII
V. Hugo.
VISÃO.
M inh’alma é mundo virge’ — ilha perdida —
Em lagos de cristais;
Vem, Pepita, — Colombo dos amores, — Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Vem descobri-lo, no país das flores P or entre as galas, no fervor da dança,
Sultana reinarás! Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.
Eu serei teu vassalo e teu cativo
Nas terras onde és rei; Sorri-m e; — era o sonho de minh’alma
À 1234 sombra dos bambus vem tu ser minha; Êsse riso infantil que o lábio tinha:
Teu reinado de amor, doce rainha, — Talvez que essa alma dos amôres puros
Na lira cantarei. Pudesse um dia conversar co’a minha!

[ 382 ]
PRIM AVERA S

Eu olhei, ela o lh o u ... doce mistério! Ai! se eu pudesse, formosa.


Minh’alma despertou-se à luz da vida, Roçar-te os lábios de rosa
E as vozes duma lira e dum piano Como às flores
Juntas se uniram na canção querida. — Seus amores —
Faz o louco colibri;
Depois eu indolente descuidei-me Esta minh’alma nos hinos
Da planta nova dos gentis amores, Erguera cantos divinos
E a criança, correndo pela vida, Por ti! Por ti!
Foi colher nos jardins mais lindas flores.
Ai! assim viver não posso!
Morrerei, meu Deus, bem moço,
Não voltou; — talvez ela adormecesse — Qual n’aurora
Junto à fonte, deitada na verdura, Que descora,
E — sonhando — a criança se recorde Desfolhado bogari;
Do moço que ela viu e que a procura! Mas lá da campa na beira
Será a voz derradeira
Corri pelas campinas noite e dia Por ti! Por ti!
Atrás do berço d’ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do cam in h o... A i! não m’esqueças já morto!
Cansei-me a procurar e não vi nada! A minh’alma dá conforto,
Diz na lousa:
— “ Êle repousa,
Agora como um louco eu fito as turbas
“ Coitado! descansa aqui!” —
Sempre a ver se descubro a face lin d a ...
Ai! não fesqueças, senhora,
— Os outros a sorrir passam cantando. Da flor pendida n’aurora
Só eu a suspirar procuro a in d a !... Por ti! Por t ü . . .
Junho 185S.
Onde fôste, visão dos meus amores!
Minh’alma sem te ver louca suspira!
— Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lir a ? !...
Setembro 1S5S.
X I.

AMOR E MÊDO.

♦ ♦ *
XXXIX
I.
QUEÍXUMES.
Quando 1235 eu te fujo e me desvio cauto
0 !h o e v e jo ... tudo é gala, Da luz de fogo que te cerca, oh! bela.
Tudo canta e tudo fala. Contigo dizes, suspirando amores:
Só minh’alma “— Meu Deus! que gêlo, que frieza aquela!”
Não se acalma.
Muda e triste não se ri! Como te enganas! meu amor é chama
Minha mente já delira, Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro Jo u c o ...
E meu peito só suspira És bela — eu moço; tens amor — eu mêdo!. 1236
Por ti! Por ti!
Tenho mêdo de mim, de ti, de tudo,
Ai! quem me dera essa vida Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Tão bela e doce vivida Das folhas sêcas, do chorar das fontes,
Nos meus lares Das horas longas a correr velozes.
Sem pesares
No sossêgo só dali! O véu da noite me atormenta em dores,
Não tinha-te visto as tranças, A luz da aurora me entumece 1237 os seios,
Nem rasgado as esperanças E ao vento fresco do cair das tardes
Por ti! Por ti! Eu me estremeço de cruéis receios.

E ’ que êsse vento que na várzea — ao longe,


Perdi as flores da idade, Do côlmo o fumo caprichoso ondeia.
E na flor da mocidade Soprando um dia tornaria incêndio
E ’ meu canto A chama viva que teu riso ateia!
— Todo pranto —
Qual a voz da juriti! Ai! se abrasado crepitasse o cedro.
No teu sorriso embebido Cedendo ao raio que a tormenta envia.
Deixei meu sonho querido Diz: — que seria da plantinha humilde
Por ti! Por ti! Que à sombra dêle tão feliz crescia?

[ 3S3 ]
C A S IM IR O JO S É M A R Q U E S D E A B R E U

A labareda que se enrosca ao tronco Choraste?! — E longe não pude


Torrara a planta qual queimara o galho, Sorver-te a lágrima pura
E a pobre nunca reviver pudera, 1238 Que banhou-te a formosura!
Chovesse embora paternal orvalho! Ouvir-te a voz de alaúde
A lamentar-se sentida!
Humilde cair-te aos pés.
I I.
O ferecer-te esta vida
No sacrifício mais santo,
Ai! se eu te visse no calor da sesta,
Para poupar êsse pranto
A mão tremente no calor das tuas.
Que te rolou sôbre a tez!
Amarrotado o teu vestido branco.
Soltos cabelos nas espáduas n u a s !... Choraste?! — De envergonhada,
No teu pudor ofendida,
Ai! se eu te visse. Madalena pura, Porque minh’alma atrevida
Sôbre o veludo reclinada a meio, No seu palácio de fada,
Olhos cerrados na volúpia doce, — No sonhar da fantasia —
Os braços frouxos — palpitante o seio ! . . . Ardeu em loucos desejos.
Ousou cobrir-te de beijos
A i! se eu te visse em languidez sublime, E quis manchar-te na orgia!
Na face as rosas virginais do pejo.
Trêm ula a Tala a protestar b a ix in h o ...
Vermelha a bôca, soluçando um b e ijo !...
I I.

D iz: — que seria da pureza d’anjo, Perdão p’r ’o pobre demente


Das vestes alvas, do candor das asas? Culpado, sim, — inocente —
— Tu te queimaras, a pisar descalça, Que se te amou, foi demais!
— Criança louca, — sôbre um chão de brasas! Perdão p’ra mim que não pude
Calar a voz do alaúde,
No fogo vivo eu me abrasara inteiro! Nem comprimir os meus ais!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro Perdão, ^239 oh! flor dos amôres,
As pobres flores da grinalda virgem! Se quis manchar-te os verdores,
Se quis tirar-te do hastill
Vampiro infame, eu sorveria em beijos — Na voz que a paixão resume
Tôda a inocência que teu lábio encerra, Tentei sorver-te o p erfu m e...
E tu serias no lascivo abraço E fui covarde e fui v il! . . .
A njo enlodado nos pauis da terra.

D e p o is ... desperta no febril delírio, I I I .


— Olhos pisados — como um vão lamento.
Tu perguntaras: — qu’é da minha c’r o a ? ... Eu sei, devera sozinho
Eu te diria: — desfolhou-a o v e n to !... Sofrer comigo o tormento
E na dor do pensamento
Devorar essa agonia!
— Devera, sedento algoz.
Em vez de sonhos felizes.
O h! não me chames coração de gêlo!
Cortar no peito as raízes
Bem vês: traí-me no fatal segrêdo.
Dêsse amor, e tão descrido
Se de ti fujo é que te adoro e muito.
Dos hinos matar-lhe a voz!
És bela — eu moço; tens amor, eu — n iê d o !...
— Devera, pobre fingido.
Outubro — 1S5S.
Tendo n’alma atroz desgôsto.
M ostrar sorrisos no rosto.
Em vez de mágoas — prazer,
E mudo e triste e penando,
X L I Como um perdido te amando.
Sentir, calar-me e — morrer!
PERDÃO!

I.
Não pude! — A mente fervia,
Choraste?! — E a face mimosa O coração transbordava, 1240
Perdeu as côres da rosa Interna voz me falava,
E o seio todo tremeu?! E louco ouvindo a harmonia
Choraste, pomba adorada?! Que a alma continha em si.
E a lágrima cristalina Soltei na febre o meu canto
Banhou-te a face divina E do delírio no pranto
E a bela fronte inspirada M orri de amôres — por ti!
Pálida e triste pendeu?!

[ 384]
PRIM AVKRAS

IV . Amemos! — tudo vive e tudo c a n ta ...


Cantemos! seja a vida — hinos e flores;
Perdão! se fui desvairado De azul se veste o c é u ... vistamos ambos
Manchar-te a flor d’inocência, O manto perfumado dos amores.
E do meu canto n’ardência
Ferir-te no coração!
— Será enorme o pecado, Doce filha da lânguida tristeza, 1244
Mas tremenda a expiação Ergue a fronte pendida — o sol fulgura!
Se me deres por sentença — Como a flor indolente da campina
Da tua alma a indiferença, Abre ao sol da paixão tua alma pura!
Do teu lábio a maldição!. .. Setembro 1858.

Perdão, se n h o ra !... Perdão!.


Junho 1858 X L I I I

NOIVADO.

X LI I Filha do céu — oh flor das esperanças,


Eu sinto um mundo no bater do peito!
MOCIDADE. Quando a lua brilhar num céu sem nuvens
Desfolha rosas no virgíneo leito.
Ninon, Ninon, que fais tu de la vie?
L ’heure s’enfuit, le jour succède au jour.
Rose ce soir, demain flétrie. Nas horas do silêncio inda és mais bela!
Comment vis-tu, toi qui n’as pas d’amour?!
Banhada do luar, num vago anseio.
Musset. Os negros olhos de volúpia mortos, 1245
Por sob a gaze te estremece o seio!
Doce filha da lânguida tristeza, 1241
Ergue a fronte pendida — o sol fulgura! Vem ! a noite é linda, o mar é calmo.
Quando a terra sorri-se e o mar suspira Dorme a floresta — meu amor só, vela;
Porque te banha o rosto essa amargura?! Suspira a fonte e minha voz sentida
E ’ doce e triste como as vozes dela.
Porque chorar quando a natura é risos,
Quando no prado a primavera é flores? Qual eco fraco de amorosa queixa
— Não foge a rosa quando o sol a busca, 1242 Perpassa a brisa na magnólia verde,
Antes se abrasa nos gentis fulgores. E o som magoado do tremer das folhas
Longe — bem longe — de vagar se perde.
Não! — Viver é amar, é ter um dia
Um amigo, uma mão que nos afague; Que céu tão puro! que silêncio augusto!
Uma voz que nos diga os seus queixumes, Que aromas doces! que natura esta!
Que as nossas mágoas com amor apague. Cansada a terra adormeceu sorrindo
Bem como a virgem no cair da sesta!
A vida é um deserto aborrecido
Sem sombra doce, ou viração calmante; Vem ! tudo é tranqüilo, a terra dorme,
— Amor — é a fonte que nasceu nas pedras Bebe o sereno o lírio do v aiad o ...
E mata a sêde à caravana errante. — Sozinhos, sôbre a relva da campina,
Que belo que será nosso noivado!
Amai-vos! — disse Deus criando o mundo.
Amemos! — disse Adão no paraíso. Tu dormirás ao som dos meus cantares, 1246
Amor! — murmura o mar nos seus queixumes. O h! filha do sertão! sôbre o meu peito.
Amor! — repete a terra num sorriso! O moço triste, o sonhador mancebo
Desfolha rosas no teu casto leito.
Doce filha da lânguida tristeza, 1243
Tua alma a suspirar de amor d efin h a...
1858.
— Abre os olhos gentis à luz da vida.
Vem ouvir no silêncio a voz da minha!

Amemos! Este mundo é tão tristonho!


A vida, como um sonho — brilha e passa; X LI V
Porque não havemos p’ra acalmar as dores
Chegar aos lábios o licor da taça? DE JOELHOS.

O mundo! o mundo! - E que te importa o mundo? Qual reza o irmão pelas irmãs queridas.
— Velho invejoso, a resmungar baixinho! Ou a mãe que sofre pela filha bela,
Nada perturba a paz serena e doce Eu — de joelhos — com as mãos erguidas.
Que as rôlas gozam no seu casto ninho. Suplico ao céu a felicidade dela.

[ 385 ]
OASIMIRO .TOSft MARQUES DE ABREU

— “ Senhor meu Deus, que sois clemente e justo, D e p o is... na quadra ditosa,
Que dais voz às brisas e perfume à rosa. Nos dias da juventude,
O h! protegei-a com o manto augusto Quando o peito é um alaúde,
A doce virgem que sorri medrosa! E que a fronte tem calor;
A alma que então se expande
Lançai os olhos sôbre a linda filha. Ardente, fogosa e bela —
Dai-lhe o sossego no seu casto ninho, Idolatrando a donzela
E da vereda que seu pé já trilha Soletra em trovas: — amor!
Tirai a pedra e desviai o espinho!

Senhor! livrai-a da rajada dura Mas quando a crença se esgota


A flor mimosa que desponta agora; Na taça dos desenganos,
Deitai-lhe orvalho na corola pura. E o lento correr dos anos
Dai-lhe bafejos, prolongai-lhe a aurora! Envenena a mocidade;
Então a alma cansada
A doce virgem como a tenra planta Dos belos sonhos despida.
Nunca floresce sôbre terra ingrata; Chorando a passada vida —
— Bem como a rôla — qualquer fôlha a espanta, Só tem um canto: — saudade!
— Bem corno o lírio — qualquer vento a mata. Fevereiro 1S5S.

E la é a rôla que a floresta cria.


E ia é o lírio que a manhã d escerra ...
Senhor, amai-a! — a sua voz macia X L V I
Como a das aves, a inocência encerra!
ILUSÃO.
Sua alma pura na novel vertigem
Pede ao amor o seu futuro in te iro ... Quando o astro do dia desmaia
— Seiihor! ouvi o suspirar da virgem, Só brilhando com pálido lume,
Dourai-lhe os sonhos no sonhar primeiro! E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixumc;
A mocidade, como a deusa antiga,
Na fronte virgem lhe derrama flo r e s ...
— Abri-lhe as rosas da grinalda amiga, Quando a brisa da tarde respira
Na mocidade derramai-lhe am ores! O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta da pátria afastado;
Cercai-a sempre de bondade terna.
Lançai orvalho sôbre a flor querida;
Fazei-lhe, 1247 oh Deus! a primavera eterna, Quando o bronze da tôrre da aldeia
Dai-lhe bafejos — prolongai-lhe a vida! Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Depois de joelhos — eu direi: 1248 sois justo, Bebe louco essa grave harmonia;
Senhor! mil graças eu vos rendo agora!
Vós protegestes com o manto augusto Quando a terra, da vida cansada.
-A doce virgem que a minh’alma adora! — Adormece num leito de flores
Dezembro — 1S58. Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;

Eu de pé sôbre as rochas erguidas


LIVRO TERCEIRO. Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Nascer, lutar, sofrer — eis tòda a vida! 1249 Que murmuram as ondas co’a brisa.
Gonçalves Dias.
E ’ então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente.
X L V Me desperta saudade profunda.
TRÊS CANTOS.
Julgo ver sôbre o mar sossegado
Quando se brinca contente Um navio nas sombras fugindo,
Ao despontar da existência E na pôpa êsse rosto adorado
Nos folguedos de inocência, Entre prantos p’ra mim se sorrindo!
Nos delírios de criança;
A alma, que desabrocha Compreendo êsse amargo sorriso,
Alegre, cândida e pura — Sôbre as ondas correr eu q u isera ...
Nessa contínua ventura E de pé sôbre a rocha, indeciso,
E ’ tôda um hino: — esperança! Eu lhe brado: — não fujas, — espera!

[ 386 ]
P R IIIA V K R A S

Mas O vento já leva ligeiro X L V I I I


Êsse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro, LEMBRANÇA.
Êsse rosto de tanta p o e sia !...
Num á lbu m .
E d ep ois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada, Como o triste marinheiro
Julgo ver essa fronte divina Deixa em terra uma lem brança,
Sôbre as vagas cismando, inclinada! I.evando n’alma a esperança
E a saudade que consome.
E d epois... vejo uns olhos ardentes Assim nas folhas do álbum
Em delírio nos meus se fitando, Eu deixo meu pobre nome.
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um — adeus — soluçando! E se nas ondas da vida
Minha barca fôr fendida
E meu corpo espedaçado.
Ao ler o canto sentido
Ilu s ã o !... que a minha alma, coitada. Do pobre nauta perdido
De ilusões hoje em dia é que vive; Teus lábios dirão: — coitado!
E ’ chorando uma glória passada, Junho 1858
E ’ carpindo uns amores que eu tive!
Lisboa 1856.

X L I X

o BAILE!
X L V I I
Sc junto de mim te vejo
SONHANDO.
Abre-te a bôea um bocejo.
Só pelo baile suspiras!
Um dia, oh linda, embalada Deixas amor — pelas galas,
Ao canto do gondoleiro. E vais ouvir pelas salas
Adormeceste inocente Essas douradas mentiras !
No teu delírio primeiro,
— Por leito o berço das ondas, Tens razão! Mais valem risos
Meu colo por travesseiro! Fingidos, desses Narcisos
— Bonecos que a moda enfeita —
Eu, pensativo, cismava Do que a voz sincera e rude
Nalgum remoto desgosto. De quem, prezando a virtude.
Avivado na tristeza Os atavios rejeita.
Que a tarde tem, ao sol-pôsto,
E ora mirava as nuvens. Tens razão! — Valsa, donzela,
Ora fitava teu rosto. A mocidade é tão bela,
E a vida dura tão pouco!
Sonhavas então, querida, No borborinho das salas.
E prêsa de vago anseio Cercada de amor e galas.
Debaixo das roupas brancas Sê tu feliz — eu sou louco!
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço E quando eu seja dormido
A flor dos lábios te veio! Sem luz, sem voz, sem gemido,
No sono que a dor conforta;
Ao concertar tuas tranças
Tremeste como a tulipa No meio das contradanças
Batida do vento f r io ... Diz tu sorrindo: — “ Qu’importa?.
Suspiraste como a fôlha
Da brisa ao doce c ic io ... “ E ra um louco, em noites belas
E abriste os olhos sorrindo “Vinha fitar as estréias
Âs águas quietas do rio! “ Nas praias, co’a fronte nua!
“ Chorava canções sentidas
Depois — uma vez — sentados “ E ficava horas perdidas
Sob a copa do arvoredo. “ Sozinho, mirando a lua!
Falei-te dêsse soluço
Que os lábios abriu-te a m êdo.. “Trem ia quando falava
— Mas tu, fugindo, guardaste “ E — pobre tonto — chamava
Daquele sonho o se g rê d o !... “ O baile — alegrias falsas!
Agosto — 1858. “— Eu gosto mais dessas falas
“ Que me murmuram nas salas
“ No ritornelo das valsas. — ”

[ 387 ]
(3ASIM1K0 JO S É MARQUAS DE A BREU

Tens razão! — Valsa, donzela, E como a rôla que em sentida queixa


A mocidade é tão bela O bosque acorda desde o albor da aurora,
E a vida dura tão pouco! M inh’alma em notas de chorosa endeixa 1251
P ’ra que fêz Deus as mulheres, Lam enta os sonhos que já tive outrora.
P ’ra que há na vida prazeres?
Tu tens r a z ã o ... eu sou louco! Dizem que há gozos no correr dos a n o s !...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
Sim, valsa, é doce a alegria, — Pobre ludibrio de cruéis enganos,
Mas ai! que eu não veja um dia Perdi os risos — a minh’alma é triste!
No meio de tantas galas —
Dos prazeres na vertigem,
I I I.
A tua coroa de virgem
Rolando no pó das salas! . . . M inh’alma é triste como a flor que morre
Ju lho — 1S58. Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem boijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato!

E como a flor que solitária pende


Sem ter carícias no voar da brisa,
M IN H'ALM A É TRISTE. M inh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!
Mon coeur est plein — je veux pleurer!
Lamartine. Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
I. Outro tirou a virginal capela.
M inh’alma é triste como a rôla aflita
O h! quantas vêzes a prendi nos braços!
Que O bosque acorda desde o albor da aurora,
Que o diga e fale o laranjal florido!
E em doce arrulo que o soluço imita
Se mão de ferro espedaçou dois laços
O morto espôso gemedora chora.
Ambos choramos mas num só gemido!
E , como a rôla que perdeu o espôso,
Dizem que há gozos no viver d’amôres.
Minh’alma chora as ilusões perdidas,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
E no seu livro de fanado gôzo
— Eu vejo o mundo na estação das flores.
Relê as fôlhas que já foram lidas.
Tudo sorri — mas a minh’alma é triste!
E como notas de chorosa endeixa 1250
Seu pobre canto com a dor desmaia, IV .
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia. M inh’alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
Como a criança que banhada em prantos E como o nauta sôbre o mar sanhudo.
Procura o brinco que levou-lhe o rio, Longe da praia que julgou tão perto!
M inh’alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio. A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
Dizem que há gozos nas mundanas galas, —■ Pulava o sangue e me fervia a vida.
Mas eu não sei em que o prazer consiste. Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
— Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque — mas a minh’alma é triste!
De tanto fogo tinha a mente c h e ia !...
No afã da glória me atirei com â n s ia ...
I I. E , perto ou longe, quis beijar a s’reia
Que em doce canto me atraiu na infância.
Minh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sôbre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino. A i! loucos sonhos de mancebo ardente!
Ou como a prece ao desmaiar do dia. E sp r’anças a lt a s ... Ei-las já tão r a s a s !...
— Pombo selvagem, quis voar co n te n te ...
Sc passa um bote com as velas soltas, Feriu-me a bala no bater das asas!
M inh’alma o segue n ’amplidâo dos m ares;
E longas horas acompanha as voltas Dizem que há gozos no correr da v id a ...
Das andorinhas recortando os ares. Só eu não sei em que o prazer consiste!
— No amor, na glória, na mundana lida.
As vezes, louca, num cismar perdida, Foram -se as flores — a minh’alma é triste!
M inh’alma triste vai vagando à toa, M arço 12. — 185S.
Bem como a fôlha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!

[ 388 ]
PllIM AVKRA S

L I E ’ triste como um gemido,


E ’ vago como um lamento;
PALAVRAS A ALGUÉM. — Queixume que solta o vento
Nas pedras duma ruína
Tu folgas travessa e louca Na hora em que o sol se apaga
Sem ouvires meu lamento, E quando o lírio s’in c lin a !...
Sonhas jardins d’esmeralda
Nesse virgem pensamento, Grito de angústia do pobre
Mas olha que essa grinalda Que sôbre as águas se afoga.
Bem pode murchá-la o vento! Cadáver que bóia e voga
Longe da praia querida.
Ai que louca! abriste o livro Grito de quem n’agonia
Da minh’alma, livro santo, — J á morto — se apega à vida!
Escrito em noites d’angústia.
Regado com muito pranto, Vozes de flauta longíqua
E . . . quase rasgaste as folhas Que as nossas mágoas aviva,
Sem entenderes o canto! Soluço da patativa,
Queixume do mar que rola,
Agora corres nos charcos Cantiga em noite de lua
Em vez das alvas areia s!.. Cantada ao som da v io la !...
Deleita-te a voz fingida
Dessas formosas s e re ia s... Saudades do pegureiro
Mas eu te falo e te aviso: Que chora o seu lar amado,
— “ Olha que tu te enlameias!” - — Calado e só — recostado
Na pedra dalgum cam in h o...
Tu és a pomba inocente, Canção de santa doçura
Eu sou teu anjo-da-guarda. Da mãe que embala o filh in h o !...
Devo dizer-te baixinho:
— “ Olha que a morte não tarda! Meu n o m e !... E ’ simples e pobre
“ Mariposa dos amores, 1252 Mas é sombrio e traz dores,
“ Deixa a luz, embora arda. — Grinalda de murchas flores
Que o sol queima e não co n so m e...
— S in h á !... das folhas do livro
“A chama seduz e brilha
E ’ bom tirar o meu n o m e !...
— “ Qual diamante entre as gazas
“ E tu no fogo maldito Setembro 1858.
“Tão descuidosa te abrasas!
“ Mariposa, mariposa,
“Tu vais queimar tuas asas!” L I I I
Conchinha das lisas praias, 1253 À MORTE DE AFONSO DE A. COUTINHO
Nasceste em alvas areias,
Não corras tu para os charcos MESSEDER.
Arrebatada nas ch eias!..
— Os teus vestidos são brancos.. E s t u d a n t e da E sc o l a C e n t r a l .
Olha que tu te en lam eias!...
— 1S5S. Who hath not lost a frie n d ? ...
M.

E ’ triste ver a flor que desabrocha


Ou quer no prado, ou na deserta rocha,
L I I
Pender no fraco hastil!
E ’ bem triste dos anos nos verdores
FÔLHA NEGRA. Morrer mancebo, no brotar das flores,
Na quadra juvenil!
Sinhá,
Um outro mancebo Meu Deus! tu que és tão bom e tão clemente,
Alegre, poeta e crente. P ’ra que apagas. Senhor, a chama ardente
Soltara um canto fervente Num crânio 1254 de volcão?
De amor talvez! — de alegria, P ’ra que poupas o cedro já vetusto
E aqui nas folhas do livro E, sem dó, vais ferir o pobre arbusto
Deixara — amor e poesia. As vêzes no em b riã o ?!...

Mas eu que não tenho risos Pois não fôra melhor vivesse a planta
Nem alegrias tampouco, Cujo perfume a solidão encanta
Nem sinto êsse fogo louco No sossego do v a i? ...
Que a mocidade consome, — Não veriamos nós neste martírio
Nas brancas folhas do livro Desfalecer tão belo o pobre lírio
Só posso deixar meu nome! Pendido ao vendaval !

[ 389 ]
(JASIM IRO JO S É MARQUES DE ARREU

Pobre mancebo! Nesse peito nobre LI V


E nessa fronte que o sepulcro cobre
E ra fundo o sentir! BERÇO E TÚMULO.
Agora solitário tu descansas,
E contigo êsse mundo de esperanças No ÁLBUM DUMA MENINA.
T ão rico de porvir!
Trago-te flores no meu canto amigo
O h! lamentemos essa pura estréia — Pobre grinalda com prazer tecida —
Sumida, como no horizonte a vela E — todo amores — deposito um beijo
Nas névoas da manhã! Na fronte pura em que desponta a vida.
A sepultura foi há pouco a b e r ta ...
Mas o dormente já se não desperta E ’ cedo ainda! — quando moça fôres
à voz de sua irmã! E percorreres dêste livro os cantos.
Talvez que eu durma solitário e mudo
E ’ mudo aquele a quem irmão chamamos, — Lírio pendido a que ninguém deu prantos! —
E a mão que tantas vêzes apertamos
Agora é fria já ! Então, meu anjo, compassiva e meiga
Não mais nos bancos êsse rosto amigo Depõe-me um goivo sôbre a cruz singela,
H oje escondido no fatal jazigo E nesse ramo que o sepulcro implora
Conosco sorrirá! Paga-me as rosas desta infância bela!
Junho — 1S58.
Mancebo, atrás da glória que sorria.
Sonhou grandezas para a pátria um dia,
E a ela os sonhos deu;
M ártir do estudo, na ciência ingrata
Bebeu nos livros êsse fel que mata L V
E pobre adormeceu!
INFÂNCIA.
E ra bem cedo! — na manhã da vida
Chegar não pôde à terra prometida
Que ao longe lhe sorriu!
Em bora desta estrada nos espinhos
O ’ anjo da loura trança,
Feliz tivesse os maternais carinhos.
Que esperança
Cansado sucumbiu!
Nos traz a brisa do sul!
— Correm brisas das m ontanhas..
E ra bem cedo! — T an ta glória ainda Vê se apanhas
O esperava, meu Deus, na aurora linda A borboleta de a z u l!...
Que a vida lhe dourou!
Pobre mancebo! no fervor dessa alma
O ’ anjo da loura trança.
Ao colhêr do futuro a verde palma
Na cova tropeçou! És criança,
A vida começa a rir.
— Vive e folga descansada.
Dorme pois! Sôbre a campa mal cerrada, Descuidada
Nós que sabemos que esta vida é nada Das tristezas do porvir.
Choramos um irmão;
E d’envolta c’os prantos da amizade
Aqui trazemos, nos goivos da saudade. O ’ anjo da loura trança,
As vozes da oração! Não descansa
A primavera inda em flor;
Por isso aproveita a aurora
Eu que fui teu amigo inda na infância,
Pois agora
Quando as almas das rosas na fragrância Tudo é riso e tudo amor.
Bendizem só a Deus —
H oje venho nas cordas do alaúde
Sentido e grave, à beira do ataúde O ’ anjo da loura trança,
Dizer-te o extremo adeus! A dor lança
Em nossa alma agro descrer.
Descansa! se no céu há luz mais pura. — Que não encontres na vida, 1255
De certo gozarás nessa ventura Flor querida.
Senão contínuo prazer.
^ Do justo a placidez!
Se há doces sonhos no viver celeste.
Dorme tranqüilo à sombra do c ip re ste ... O ’ anjo da loura trança,
— Não tarda a minha vez! A onda é mansa, 1256
O céu é lindo dossel;
M aio — 1S58
E sôbre o mar tão dormente.
Docemente
Deixa correr teu batei.

[ 3í)0 ]
PRIM AVKRAS

O ’ anjo da loura trança, L V I I I


Que esperança
Nos traz a brisa do s u l!..
A J. J. C. MACEDO-JÚNIOR.
— Correm brisas das m ontanhas..
Vê se apanhas
A borboleta de azul ! . . . Poète, prends ta lyre; aigle, ouvre ta jeune aile;
R io — 1858. Étoile, étoile, lève-toi!
V. H u g o .

Como 0 índio a saudar o sol nascente,


LV I Co’o sorriso nos lábios, franco e ledo
Aperto a tua mão:
Cantor das açucenas, crê-me agora,
A UMA PLATÉIA. Êste canto que a lira balbucia
E ’ pobre, mas de irmão!

Quando se sente como eu sinto e sofro,


O cedro foi planta um dia. A mente ferve e o coração palpita
Viço e fôrça o arbusto cria, De glórias e de amor:
Da vergôntca nasce o galho; Se ouço Artur ao piano eu me extasio,
E a flor p’ra ter mais vida, Mas ouvindo teus hinos me arrebato
E pasmo ante o cantor!
Para ser — rosa querida —
Carece as gôtas de orvalho.
Na juventude, no florir dos anos,
Não sei que vozes nos entornam n’alma
Com o talento é o mesmo: Canções de querubim!
Quando tímido êle adeja Uns perdem, como eu, cedo os verdores,
— Qual ave que se espaneja — Mas outros crescem no primor das graças
E tu serás assim!
Como a flor, também precisa
Em vez do sôpro da brisa
Oh! mocidade! como és bela e rica!
O sôpro da simpatia
Hinos de amôres neste séc’lo bruto!
Que lhe adoce os amargores, Louvor ao menestrel!
Para em horas de cansaço Palmas a ti, cantor das açucenas!
Na estrada que vai trilhando Quatorze primaveras nessa fronte
Semelham-te um laurel!
Encontrar de quando em quando
Por entre os espinhos — flores.
Quando tão moço, no raiar da vida.
Já doce cantas como o doce aroma
E vós que acabais de ouvi-lo Das lânguidas cecéns,
A suspirar nesse trilo Podes, criança, erguer a fronte altiva!
No seu gorjeio primeiro; Como André-Chénier, no crânio 1258 augusto
Vós, que viste’ o seu começo, 12S7 Alguma cousa tens!
Dai-lhe essas palmas de apreço
Que é artista e . . . brasileiro! Não desmintas, irmão, êste profeta,
Sibarita indolente, sôbre rosas
Sftrm hro 1858.
Não queiras tu dormir,
Se ao longe já te brilha amiga estréia
Aproveita o talento — estuda e pensa —
E ’ belo o teu porvir!
L V I I

NO TÚMULO DUM MENINO. Não faças como nós; na infância apenas


Solta, poeta, o gorjear de amôres, 1259
Que é doce o teu cantar.
Um anjo dorme aqui; na aurora apenas. Seja a vida p’ra ti só riso e galas
Disse adeus ao brilhar das açucenas E adormeças a cismar quimeras
Sem ter da vida alevantado o véu. Da noite no luar.
— Rosa tocada do cruel granizo —
Cedo finou-se e no infantil sorriso Não faças como nós; não desças louco
Passou do berço p’ra brincar no céu! A buscar sensações na bruta orgia
Das longas saturnais;
M aio — 1S5S. Se a lama impura salpicar-te as penas.
Sacode as asas, 12 6 0 minha pomba casta,
E foge dos pardais.

[ 3 !)1 ]
CASIM IRO JO S É MARQUES DE A BREU

Não manches, 1 2 6 1 meu poeta, as vestes brancas E a rosa dizia à brisa:


No mundo infame; mira-se a grinalda — “ Não precisa
E vão-se as ilusões! Meu seio dos beijos teus;
A crença se desbota e o nauta chora Não te a d o ro ... és in con stan te...
Desanimado no vai-vem teimoso Outro amante.
Dos grossos vagalhões I Outro amante aos sonhos meus!
Foge do canto da gentil sereia
Que engana com sorriso de feitiços Tu passas de noite e dia
— T ão pálida Raquel! Sem poesia
Não encostes na taça os lábios s ô fre g o s ... A repetir-me os teus ais;
O vaso queima e beberás nos risos Não te a d o ro ... quero o Norte
Da amargura o fel! Que é mais forte,
Que é mais forte e eu amo m ais!”
Conserva na tua alma a virgindade,
E tenha o coração na rica aurora
Das rosas o matiz;
Se a donzela cuspir nos teus amores
Chora perdida essa ilusão p rim e ira ... No outro dia a pobre rosa
Mas vive e sê feliz! Tão vaidosa
No hastil se debruçou;
Se a dor fôr grande não te vergues fraco. Pobre dela! — Teve a morte
Oh! não escondas no sepulcro a fronte Porque o Norte, 1266
Aos raios dêste sol; Porque o Norte a desfolhou!...
Não vás como Azevedo — o pobre gênio — N ovem bro 1858.
Em brulhar-te sem dó na flor dos anos
Da morte no lençol!

Vive e canta e ama esta natura,


A pátria,i o céu azul, o mar sereno, LX
A veiga que seduz;
E possa, meu poeta, 12 6 2 essa existência NO LEITO.
Ser um lindo vergei todo banhado
De aromas e de luz!

O h! canta e canta sempre! êsses teus hinos, 1263 Se eu morresse amanhã!


Eu sei, terão no céu ecos mais santos A . d e A zevedo.
Que a terra não dará;
O h! canta! é doce ao triste que soluça
Ouvir saudoso no cair da tarde I.
A voz do sabiá!
Eu sofro; — o corpo padece
Canta! e que teus hinos d’esperança E minh’alma se estremece
Despertem dêste mundo de misérias Ouvindo o dobrar dum sino!
A estúpida mudez; Quem sabe? — A vida fenece
E dos prelúdios dessa lira ingênua Como a lâmpada no templo
Em poucos anos surgirá brilhante Ou como a nota dum hino!
Millevoye — talvez!
M aio 1858. A febre me queima a fronte
E dos túmulos a aragem
Roçou-me a pálida face;
L I X Mas no delírio e na febre
Sempre teu rosto contemplo,
UMA HISTÓRIA. E serena a tua imagem
Vela à minha cabeceira.
A brisa dizia à rosa: Rodeada de poesia.
— “ Dá, formosa. T ão bela como no dia
Dá-me, linda, o teu amor; Em que vi-te a vez primeira!
Deixa eu dormir no teu seio
Sem receio,
Sem receio, 1264 minha flor! Teu riso a febre me acalma;
— Ergue-se viva a minh’alma
De tarde virei da selva Sorvendo a vida em teus lábios
Sôbre a relva Como o saibo dos licores,
Os meus suspiros te dar; E na voz, que é tôda amores,
E de noite na corrente Como um bálsamo bendito.
Mansamente, 1265 Ouvindo-a, eu pobre palpito,
Mansamente te em balar!” — Sou feliz e esqueço as dores.

[ 392 ]
PRIM AVERA S

I I. Dormirei no meu sepulcro,


Embalado em harmonia
Se a morte colhêr-me em breve, Ao som do piano teu!
Pede ao vento que te leve
O meu suspiro final; I V.
— Será queixoso e sentido,
Como da rôla o gemido Que tem a morte de feia?!
Nas moitas do laranjal. — Branca virgem dos amores,
Toucada de murchas flores,
Quisera a vida mais longa Um longo sono nos traz;
Se mais longa Deus ma dera, E o triste que em dor anseia
Porque é linda a primavera, — Talvez morto de cansaço —
Porque é doce êste arrebol, Vai dormir no seu regaço
Porque é linda a flor dos anos Como num claustro de paz!
Banhada da luz do sol!
Mas se Deus cortar-me os dias O h! virgem das sepulturas.
No meio das melodias, Teu beijo mata as venturas
Dos sonhos da mocidade, Da terra, mas rasga o véu
Minh’alma tranqüila e pura Que a eternidade nos vela;
À beira da sepultura E nós — os filhos do êrro —
Sorrirá à eternidade. Libertos dêste destêrro,
Vamos contigo, donzela,
Tenho p e n a ... sou tão moço! No branco leito de pedra,
A vida tem tanto enlêvo! Onde a miséria não medra.
Oh! que saudades que levo Sonhar os sonhos do c é u !...
De tudo que eu tanto amei!
Há tantas rosas nas campas!
— Adeus, 1267 oh! sonhos dourados.
Tanta rama nos ciprestes!
Adeus, oh! noites formosas.
Tanta dor nas brancas vestes!
Adeus, futuro de rosas Tanta doçura ao luar!
Que nos meus sonhos criei!
— Que ali o morto poeta
Nos seus íntimos segredos,
Ao menos, nesse momento À sombra dos arvoredos
Em que o letargo nos vem Pode viver a sonhar!
Na hora do passamento,
No suspirar da agonia
Terei a fronte já fria V.
No colo de minha mãe! Assim, — se amanhã, se logo.
Sentires na face amada
Passar um sôpro de fogo
Que te queime o coração,
I I I. E uma mão fria e gelada
Comprimir a tua mão
Mas eu bendigo estas dores, Frisando os cabelos teus;
Mas eu abençoo o leito — Não tenhas tu vãos temores,
Que tantas mágoas me dá, Pois é minh’alma, querida,
Se me jurares, querida, Que ao desprender-se da vida
Que meu nome no teu peito — Tôda saudade e amores —
Morto embora — viverá! Vai dizer-te o extremo — adeus!.
— Que às vêzes na cruz singela Agosto — 1858.
Tu irás pálida e bela
Desfolhar uma saudade!
LX I
— Que de noite, ao teu piano,
Na voz que a paixão desata. POIS NÃO É?!
Chorarás a — Traviata
Que eu dantes amava tanto Ver cair o cedro anoso
Nas ânsias do meu amor! Que campeava na serra.
— E que darás compassiva Ver frio baixar à terra
Uma gôta do teu pranto O pobre velho bondoso
À memória morta ou viva Que procurando repouso
Do teu pobre sonhador! Tropeçou na sepultura;
E ’ triste, sim, é verdade,
Bendita, bendita sejas, Mas não tão grande a saudade
Se nas notas benfazejas Nem a dor tão funda e dura,
Tua alma falar co’a minha Pois que ao velho e ao cedro altivo
Nessa linguagem do céu Partido à voz da procela,
Que o pensamento adivinha! No mundo — jardim lascivo —
Eu — o filho da poesia — A vida foi longa e bela.

[ 393 ]
C A S n iIR O JO S É MARQUES DE A BREU

Mas ver a rosa do prado O homem de m etal embevecido


Que a aurora deu côr e vida, 1268 Em sonhos de milhões, por junto à pedra, 1270
De manhã — flor do vaiado, Sem responder, passou!
De tarde — rosa p en d id a!... O pobre recolheu a mão v a z ia ...
O anjo tutelar velou seu rosto
Mas — Satanás folgou!
Mas ver a pobre mangueira
R io — 1H5X.
Na primavera primeira
Crescendo tôda enfeitada
De folhas, perfume e flor.
Ouvindo o canto de amor LX I I I
No sôpro da viração;
Mas vê-la depois lascada
NO JARDIM.
Em duas cair no c h ã o !...

Mas ver o pobre mancebo C en a D o m é s t ic a .


Em quem a seiva reluz,
No sonho cândido e puro, 1269 Téte sacrée! enfant aux cheveux blonds!
Nas glórias do seu futuro V. H ugo
Dourando a vida de luz;
Mas vê-lo quando a sua alma E la estava sentada em meus joelhos
Ao som d’ignota harmonia E brincava comigo •— o anjo louro,
Se derramava em poesia; E passando as mãozinhas no meu rosto
Quando junto da donzela Sacudia rindo os seus cabelos d’ouro.
— Cativo dos olhos dela —
Na voz que balbuciava E eu, fitando-a, abençoava a vida!
De amores falava a mêdo; Feliz sorvia nesse olhar suave
Quando o peito transbordava Todo o perfume dessa flor da infância.
De crenças, de amor, de fé. Ouvia alegre o gazear dessa ave!
Vê-lo finar-se tão cedo,
Como as vozes dum segrêdo. . . Depois, a borboleta da campina
E ’ dor de mais — pois não é ?!. Tôda azul — como os olhos grandes dela —
I n d a ia ç u — 1S57. A doudejar gentil passou bem junto
E beijou-lhe da face a rosa bela.

— O h! como é linda! disse o louro anjinho


No doce acento da virgínea fala —
L X II Mamãe me ralha se eu ficar cansada
Mas — dizia a correr — hei de apanhá-la 1 —

NA ESTRADA. Eu segui-a chamando-a, e ela rindo


Mais corria gentil por entre as flores,
E a — flor dos ares — abaixando o vôo
C en a C o n tem po râ n ea .
Mostrava as asas de brilhantes côres.

Eu vi o pobre velho esfarrapado Iam, vinham, à roda das acácias.


— Cabeça branca — sentado pensativo Brincavam no rosai, nas violetas,
Dum carvalho ao pé; E eu de longe dizia: — Que doidinhas!
Esmolava na pedra dum caminho, Meu Deus! meu Deus! são duas b o rb o le ta s!... —
Sem família, sem pão, sem lar, sem ninho, D ezem bro — I S iS .
E rico só de fé!

E ra de tarde; ao toque do mosteiro


L X I
Seu lábio a murmurar rezava baixo,
— Ao lado o seu bordão;
E o sol, no raio extremo, lhe dourava RISOS.
Sôbre a fronte senil a dupla c ’roa
De pobre e de ancião! Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
E o homem de m etal vinha sorrindo D e p o is ... o cipreste esguio
M ostra a cova ao viandante!
Contando ao companheiro os gordos lucros
Na usura de judeus; A vida é triste — quem nega?
O mendigo estendeu a mão mirrada, — Nem vale a pena dizc-lo.
E pediu-lhe na voz entrecortada; Deus a parte entre seus dedos
— Uma esmola, por Deus! Qual um fio de cabelo!

[3 9 4 ]
PRIM AVERA S

Como O dia, a nossa vida Os outros, — os felizes dêste mundo.


Na aurora é •— tôda venturas, Deleitam-se em saraus;
De tarde — doce tristeza. Eu solitário sofro e odeio os homens,
De noite — sombras escuras! P ’ra mim são todos maus!

A velhice tem gemidos, Eu olho e v e jo ... — a veiga é de esmeralda,


— A dor das visões passadas — O céu é todo azul.
A mocidade — queixumes. Tudo canta e s o r r i... só na minh’alma
Só a infância tem risadas! O lôdo dum paul!

Ri, criança, a vida é curta,


Mas se ela — a linda filha do meu sonho,
O sonho dura um instante.
A pálida mulher
D ep o is... o cipreste esguio
Das minhas fantasias, dos seus lábios
Mostra a cova ao viandante!
Um riso, um só me der;
R io IS5S .

Se a doce virgem pensativa e bela,


— A pudica vestal '
Que eu criei numa noite de delírio
L I V R O N E GR O. Ao som da saturnal;

Se ela vier enternecida e meiga


HORAS TRISTES. Sentar-se junto a mim;
Se eu ouvir sua voz mais doce e terna
Que um doce bandolim;
I.

Eu sinto que esta vida já me foge Se o seu lábio afagar a minha fronte
Qual d’harpa o som final, — Tão férvido volcâo!
E não tenho, como o náufrago nas ondas, 1271 E murmurar baixinho ao meu ouvido
Nas trevas um fanal! As falas da paixão;

Eu sofro e esta dor que me atormenta Se cair desmaiada nos meus braços
E ’ um suplício atroz! Morrendo em languidez,
E p’ra contá-la falta à lira cordas De certo remoçado, alegre e louco
E aos lábios meus a voz! Sentira-me ta lv e z !...

Às vêzes, no silêncio da minh’alma,


Da noite na mudez,
Eu crio na cabeça mil fantasmas Talvez que eu encontrasse as alegrias
Que aniquilo outra vez ! Dos tempos que lá vão,
E afogasse na luz da nova aurora
Dói-me inda a bôca que queimei sedento A dor do coração!
Nas esponjas de fel,
E agora sinto no bulhar da mente Talvez que nos meus lábios desmaiados
A tôrre de Babel! Brilhasse o seu sorrir,
E de novo, meu Deus, tivesse crença
Sou triste como o pai que as belas filhas Na glória e no porvir!
Viu lânguidas morrer,
E já não pousam no meu rosto pálido
Os risos do prazer! Talvez minh’alma ressurgisse bela
Aos raios dêsse sol,
E nas cordas da lira seus gorjeios
Trinasse um rouxinol!
E contudo, meu Deus! eu sou bem moço.
Devera só me rir, Talvez então que eu me pegasse à vida
E ter fé e ter crença nos amores, Com ânsia e com ardor,
Na glória e no porvir! E pudesse aspirando os seus perfumes
Viver do seu amor!
Eu devera folgar nesta natura
De flores e de luz, P ’ra ela então seria a minha vida,
E, mancebo, voltar-me p’r’o futuro, 1272 A glória, os sonhos meus;
Estréia que seduz! E dissera chorando arrependido:
— Bendito seja Deus! —
Agora em vez dos hinos d’esperança,
Dos cantos juvenis. A b r il — 1858.

Tenho a sátira pungente, o riso amargo,


O canto que maldiz!

[ 39Ü ]
OASIMIRO JOSÉ MARQUES DE ABREU

DORES. O h! ninguém sabe como a dor é funda.


Quanto pranto s’engole e quanta angústia 1274
A alma nos desfaz!
I I, Horas há em que a voz quase b la sfe m a ...
E o suicídio nos acena ao longe
Há dores fundas, agonias lentas, Nas longas saturnais!
Dramas pungentes que ninguém consola.
Ou suspeita sequer! Definha-se a existência a pouco e pouco,
Mágoas maiores do que a dor dum dia, E ao lábio descorado o riso franco
Do que a morte bebida em taça morna Qual dantes, já não vem;
De lábios de mulher! Um véu nos cobre de mortal tristeza,
E a alma em luto, despida dos encantos.
Doces falas de amor que o vento espalha. Amor nem sonhos tem!
Juras sentidas de constância eterna
Quebradas ao nascer;
Murcha-se o viço do verdor dos anos.
Perfídia e olvido 1273 de passados b e ijo s ...
Dorme-se moço e despertamos velho.
São dores essas que o tempo cicatriza Sem fogo para amar!
Dos anos no volver.
E a fronte jovem que o pesar sombreia
Vai, reclinada sôbre um colo impuro.
Se a donzela infiel nos rasga as folhas Dormir no lupanar!
Do livro d’alma, magoado e triste
Suspira o coração;
Ergue-se a taça do festim da orgia.
Mas depois outros olhos nos cativam,
Gasta-se a vida em noites de luxúria
E loucos vamos em delírios novos
No leito dos bordéis,
Arder noutra paixão.
E o veneno se sorve a longos tragos
Nos seios brancos e nos lábios frios
Amor é o rio claro das delícias Das.lânguidas Frinés!
Que atravessa o deserto, a veiga, o prado,
E o mundo todo o tem! Esquecim ento! — mortalha para as dores —
Que importa ao viajor que a sêde abrasa,
Aqui na terra é a embriaguez do gôzo,
Que quer banhar-se nessas águas claras.
A febre do prazer;
Ser aqui ou além?
A dor se afoga no fervor dos vinhos,
E no regaço das Mareôs modernas
A veia corre, a fonte não se estanca, E ’ doce então morrer!
E as verdes margens não se crestam nunca
Na calma dos verões; ■
Depois o mundo diz: — Que libertino!
Ou quer na primavera, ou quer no inverno,
A folgar no delírio dos alcouces
No doce anseio do bulir das ondas
As asas empanou! —
Palpitam corações.
Como se êle, algoz das esperanças.
As crenças infantis e a vida d’alma
Não! a dor sem cura, a dor que mata, Não fôsse quem m a to u !...
É, moço ainda, e perceber na mente
A dúvida a sorrir!
E ’ a perda dura dum futuro inteiro
O h! há dores tão fundas como o abismo.
E o desfolhar sentido das gentis coroas,
Dramas pungentes que ninguém consola
Dos sonhos do porvir!
Ou suspeita sequer!
Dores na sombra, sem carícias d’anjo.
E ’ ver que nos arrancam uma a uma Sem voz 'de amigo, sem palavras doces.
Das asas do talento as penas de ouro, Sem beijos de m u lh e r!...
Que voam para Deus!
R io — 185S.
E ’ ver que nos apagam d’alma as crenças
E que profanam o que santO! temos
Co’o riso dos ateus!

E ’ assistir ao desabar tremendo.


Num mesmo dia, d’ilusões douradas.
I I I.
T ão cândidas de fé!
E ’ ver sem dó a vocação torcida
P or quem devera dar-lhe alento e vida Pobre criança que te afliges tanto
E respeitá-la até! Porque sou triste e se chorar me vês,
E que borrifas com teu doce pranto
E ’ viver, flor nascida nas montanhas, Meus pobres hinos sem calor, talvez;
Para aclimar-se, apertada numa estufa
À falta de ar e luz! Deus te abençoe, querubim formoso.
E ’ viver, tendo n’alma o desalento. Branca açucena que o paul brotou!
Sem um queixume, a disfarçar as dores Teu pranto é gôta de celeste gôzo
Carregando a cruz! Na úlcera funda que ninguém curou.

[ 396 ]
PRIMAVERAS

Pálido e mudo e do caminho em meio Teu rosto puro restitui-me a calma.


Sentei-me à sombra sofredor e só! Ergue-me as crenças, que já vejo em pé;
Do chôro a baga umedeceu-me o seio, E teus olhares me derramam n’alma
Da estrada a gente me cobriu de pó! Doces consolos e orações de fé.

Meus tristes cantos,comecei chorando, Não serei triste; se te ouvir a fala


Santas endechas, 1275 doloridos a i s ... Trem o e palpito como treme o mar,
E a turba andava! Só de vez em quando E a nota doce que teu lábio exala
Lânguido rosto se volvia atrás! Virá sentida ao coração parar.
E a louca turba que passou sorrindo
Julgava um hino o que eu chamava um ai! Suspenso e mudo no mais casto enlevo
Alguém murmura: — Como o canto é lindo! Direi meus hinos c’os suspiros teus,
Sorri-se um pouco e caminhando vai! E a ti, meu anjo, a quem a vida devo
Hei-de adorar-te como adoro a Deus!
Bendito sejas, querubim de amores. 1H5S.
Branca açucena que o paul brotou!
Teu pranto é gôta que mitiga as dores
Da úlcera funda que ninguém curou!
FRAGMENTO.

IV .
Há na minh’alma alguma cousa vago.
Desejos, ânsias, que explicar não sei;
Talvez — desejos — dalgum lindo lago, O mundo é uma mentira, a glória — fumo,
— Ânsias — dum mundo com que já sonhei!. A morte — um beijo, e> esta vida um sonho
Pesado ou doce, que s’esvai na campa!
E eu sofro, oh anjo; na cruel vigília
O pensamento inda redobra a dor,
O homem nasce, cresce, alegre e crente
E passa linda do meu sonho a filha, 1276
Entra no mundo c ’o sorrir nos lábios.
Sôltas as tranças a morrer de amor!
Traz os perfumes que lhe dera o berço.
E louco a sigo por desertos mares. Veste-se belo d’ilusôes douradas,
Por doces veigas, por um céu de azul; Canta, suspira, crê, sente esperanças,
E um dia o vcndaval do desengano
Pouso com ela nos gentis palmares
à beira d’água, nos vergéis do s u l!... Varre-lhe as flores do jardim da vida
E nu das vestes que lhe dera o berço
E a virgem fo g e .. . — e a visão se perde Trem e de frio ao vento do infortúnio!
Por outros climas, noutro céu de luz; Depois — louco sublime — êle se engana.
E eu — desperto do meu sonho verde — Tenta enganar-se p’ra curar as mágoas,
Acordo e choro carregando a cruz! Cria fantasmas na cabeça em fogo.
De novo atira o seu batei nas ondas,
Pobre poeta! na manhã da vida Trabalha, luta e se afadiga embalde
Nem flores tenho, nem prazer também! Até que a morte lhe desmancha os sonhos.
—^ Rôto mendigo que não tem guarida — Pobre insensato — quer achar por fôrça
Tímido espreito quando a noite vem! Pérola fina em lodaçal 1277 imundo!
— Menino louro que se cansa e mata
Bendito sejas, querubim de amores. Atrás da borboleta que travessa
Branca açucena que o paul brotou! Nas moitas do mangai voa e se p erd e!..
Teu doce pranto me acalenta as dores
Da úlcera funda que ninguém curou!

D ezem bro 1858

A minha vida era areai despido


De relva e flor e na estação louçã!
Tu fôste o lírio que nasceu, querido. ANJO!
Entre a neblina de gentil manhã.
M.
Em ondas mortas meu batei dormia,
Chorava o pano a viração sutil, V.
Mas veio o vento no correr do dia
E, leve, o bote resvalou no anil. Sub umbra alarum tuarum.

Eu era a flor do escalavrado galho Eu era a flor desfolhada


Que a tempestade no passar quebrou; Dos vendavais ao correr;
Tu fôste a gôta de bendito orvalho Tu fôste a gôta dourada
E a flor pendida a reviver tornou. E o lirio pôde viver.

[ 397 ]
CASIM IRO JO SÉ MARQUES DR ABREU

POESIAS AVULSAS. 1280


Poeta, dormia pálido
No meu sepulcro, bem só;
Tu disseste: — Erguc-te, 1278 Lázaro! —
E o morto surgiu do pó!
A AMIZADE 1281
Eu era sombrio e triste . . .
A
Contente minh’alma é;
Eu duvidava... sorriste. Já farto da vida dos anos na flor,
Já no amar tenho fé. O peito me rala pungente saudade;
Traído nas crenças, traído no amor,
Meu canto recebe, 12 8 2 celeste amizade.
A fronte que ardia em brasas
A seus delírios pôs fim Poeta e amante, eu um mundo sonhei
Sentindo o roçar das asas, Repleto de gozos, um mundo ideal,
O sôpro dum querubim. Quando terna outrora a mulher que eu amei
A mim me jurara ser sempre leal.

Um anjo veio e deu vida O ’ tu, 1283 meu amigo, permite que um pouco
Ao peito de amores nu: A fronte recline num peito d’irmão;
M inh’alma agora remida Enxuga, se podes, o pranto do louco
Que em paga de afetos só teve a traição!
Adora o anjo — que és tu!
Ju lh o — IS 5 8 . Em tempos felizes, num dia formoso,
Na relva sentados, bem juntos, unidos,
No peito encostado seu rosto mimoso
A ingrata me dava s o rris o s ... fingidos!

ÚLTIMA FÓLHA. Ai! crente eu beijava seus lábios corados


Com beijos ardentes, com beijos de amor,
E Laura jurava que quando apartados
V I. Viver não queria, morrería de dor!

Meu Deus! Meu P ai! Se o filho da desgraça Partir foi p re c is o ... abracei-a ch o ran d o ...
Tem jus um dia ao galardão remoto. E Laura c h o r o u !... eu de dor so lu ce i...
Mas tempos depois que contente voltando
Ouve estas preces e me cumpre o voto Julgava beijá-la, já não a encontrei!
— A mim que bebo do absinto a taça!
Mulher enganosa, quebraste essas juras
— “ Feliz serás se como eu sofreres, Que em prantos me deste diante de Deus!
“ Dar-te-ei o céu em recompensa ao pranto” — Mas tu não te lembras que as faces impuras,
Que os lábios corados roçaram os m eu s?!..
Vós o dissestes. 1279 — E eu padeço t a n t o !...
Que novos transes preparar me queres? Poeta e amante eu um mundo sonhei
Repleto de gozos, um mundo id e a l...
Tudo me roubam meus cruéis tiranos: Fugiram os sonhos que eu tanto afaguei,
Amor, família, felicidade, tu d o !... Como flor tombada por um vendaval!
Palmas da glória, meus lauréis do estudo,
Errante vagando por vales sombrios
Fogo do gênio, aspiração dos a n o s !... Co’a mente em delírio, em cruel ansiedade;
A morte buscando nas águas dos rios.
Mas o teu filho já se não rebela Me disse uma voz: inda resta a amizade!
Por tal castigo, pelas mágoas duras;
— M inh’alma o f’reço às provações fu tu ra s ... “ Esquece êsse fogo, êsse amor, um delirio
“ Que aqui te cavava profundo jazigo;
Venha o m a rtírio ... mas — perdão p’ra e l a ! . . . “ Ao mundo de novo, termina o martírio,
“ A fronte reclina num peito de amigo”.
A doce virgem se assemelha às flo r e s ...
O vento a quebra no seu verde ninho. — Ao mundo voltei, esqueci os amores
— Velai ao menos pelo pobre anjinho, No peito apagando uma forte paixão;
Agora a amizade mitiga-me as dores.
— Pagai-lhe em gôzo o que me dais em dores! Sê tu meu amigo, serei teu irmão!
M a io — 6. A g o s to — 1855.

398 ]
PÜKSIAS AVULSAS

ELISA 1284 A fronte nua


Mostra na sua
O rouxinol Face tão lisa.
Que na balscira Retrata — Elisa.
Do rio à beira, E minha lira
Canção fagueira Também suspira
Que tão bem soa, Por — Elisa — bela,
Cadente entoa Dos olhos dela
Ao pôr do sol Por um volver;
E no arrebol Em seus sorrisos
Duma manhã Mil paraísos
Fresca e louçã; Eu sonho ver.
No doce canto
Cheio d’encanto
Que eu amo tanto
Soletra — Elisa. Aos pés dum anjo
E a mansa brisa Um homem chora.
Que beija as flores Perdão im p lo ra...
Falando amores, Ria-se o mundo.
E seus odores Ria-se — embora,
Trazer-nos vem. E ’ a mulher
Diz-me também Que o poeta adora.
Mas muito a mêdo. Dá-lhe seus cantos.
Quase em segredo, Risos e prantos,
Que — Elisa é bela. E uma alma ardente.
E mesmo a estréia
Que em noite escura
No céu fulgura
Radiante e pura. Quando eu morrer
Dizer parece Da minha campa
Na pedra lisa,
Na fala muda O ’ venha a brisa
Que daquele anjo, Dizer — Elisa! —
A voz d’arcanjo Que venha ela.
Maviosa canta Meiga donzela.
Triste e chorosa
Beleza tanta.
Dizer saudosa
Também espanta Em voz sentida:
Que a mesma rosa — Aqui descansa
Que é tão vaidosa. O meu cantor. —
Conheça ènfim Talvez que então
Pela sua dor
Coradas rosas Chamado à vida.
Bem melindrosas, Repita — amor!
Muitas, infindas, O u tu bro 1855.
Nas faces lindas
Dum serafim!
E a corrente
Que brandamente. LEMBRAS-TE? 1285
Quase indolente.
Por sôbre o prado
Bem matizado Diz-me, 1286 Júlia, não te lembras
Já se d esliza... Da nossa aurora de amor,
Daquele beijo primeiro
Murmura — Elisa.
Dado com tanto temor;
E o quieto lago. Palavras apaixonadas
Espelho mago De beijos entrecortadas,
Que com afago E tuas faces coradas
Da branca lua De virgindade e p u d o r?...

[ 399 J
CASIM IRO JO S É MARQUES DE A BREU

Como era belo êsse tempo Como coraste de pejo


Em que tudo nos sorria! Ao matar êsse d e s e jo ...
Os campos tinham mais vida, Como foi longo êsse beijo,
As tardes mais poesia, Primeiro beijo de a m o r !...
As noites eram formosas,
As brisas voluptuosas,
O jardim tinha mais rosas,
O bosque mais harmonia!

Os dias eram mais curtos, Diz-me, 1288 Júlia, não te lembras


As h o r a s ... essas fugiam. Daquela tarde de Abril
Os regatos murmuravam. Em que eu mirava gostoso
As fontes já não gemiam; Êsse teu rosto g e n til? ...
O porvir era brilhante. Daquela tarde formosa
De sonhos, embriagante, Em que a brisa era amorosa,
E lá na praia distante Em que a fonte era saudosa.
As mesmas ondas dormiam! Em que o céu era d’a n il? ...
Março — 1856.
E ra vida, mocidade,
E ra amor, era ternura.
Em cada hora — uma esperança.
Cada dia — uma ventura. A ROSA 1289
Cada rosa — uma ilusão;
Nos lábios — uma canção,
Aqui no peito — um vulcão. Como ostentas sedução!
Em ti, 1287 Júlia, — a formosura! O h! como és linda e formosa,
Como és bela e caprichosa, 1290
Mas diz-me: tu não te lembras Minha florinha mimosa
Daquela tarde de Abril Em tão virginal botão!
Em que eu mirava gostoso Sôbre as águas da corrente
Êsse teu rosto gentil? Que murmura mansamente,
Daquela tarde formosa Como te inclinas contente
Em que a brisa era amorosa. Ao sôpro da viração!
Em que a fonte era saudosa. O teu perfume tão brando
Em que o céu era d’a n il? ... O ares embalsamando.
De gozo embriagando, i29i
Num jardim todo florido Como fala ao coração!
No mesmo banco sentados, O h! como falas de amor, 1292
Não te lembras dos olhares Mimosa, purpúrea flor!
Ardentes, apaixonados? Mas eu não te colho, 1293 n ã o ! ...
Como eu sorvia anelante. Quando te vir outra vez.
Quase louco, delirante Amanhã mesmo — talvez,
O sorrir interessante J á não inspires 1294 paixão.
De teus lábios tão co ra d o s? ... J á estarás desbotada.
Pálida, murcha, coitada,
Os teus olhos eram — chamas, Com. tua fronte inclinada,
A tua bôca — um portento, Com tuas folhas no c h ã o !...
As tuas faces — mimosas, E eu direi: ela v iv ia ...
Tua expressão — sentimento; Longa vida prometia
Eu olhava extasiado, E ssa rainha dum dia; 1295
Eu sofria calado Depois veio o furacão
Êsse sentir abrasado, E ai ! deixou-a caída.
Êsse amor que era — tormento! De suas galas despida, •
Sem brilho, sem côr, sem vida!.
Os olhos então falavam — Uma rosa, uma ilusão.
Uma sublime linguagem. Abril 2, 1856.
Modulada pelas queixas
Que soltava a branda aragem.
Embalando docemente
Ora as águas da corrente.
Ora uma rosa indolente. SUSPIROS 1296
Ora do choupo a folhagem.

Pouco a pouco embriagado À minha terra formosa


Dos teus olhos no fulgor. Que eu amo do coração,
Uni meus lábios aos teus Quero enviar uns suspiros
Que abrasavam de calor. Nas asas da viração.

[ 400]
PO ESIA S AVULSAS

Corre, *297 brisa, pressurosa Não vistes depois a rosa


Sôbre êsses plainos de anil. Tôda garrida e louçã.
Vai brincar pelas campinas. De Abril em fresca manhã
Pelos vergéis do Brasil. Pompeando lindas côres.
Pelo zéfiro embalada,
Lá verás um céu mui lindo Sôbre a linfa debruçada.
Como tão lindo não há; Formosa falando amôres?
Lá ouvirás os gorjeios, 1298
Os cantos do sabiá. Não vistes depois à tarde
E quando o sol já não arde,
Lá verás belas palmeiras. Como a flor está tão triste
Lindas flores com perfumes, Co’a bela fronte pendente
O regato que murmura, E como a tépida aragem
A fonte que diz queixumes.
Que sussurra na folhagem
A vem beijar docemente?
L á verás a minha bela
Sentada no seu jardim.
Na. mão encostada a face. E depois, no outro dia,
Saudosa, pensando em mim. Essa flor que se sorria
Cheia de graça e de vida,
O ’ brisa linda e travessa. Não a vistes vós pendida
No teu mais doce bafejo Co’a viva côr já perdida,
Em seus lábios côr de rosa E que a brisa caprichosa
Bem de manso, dá-lhe um beijo. Dessa tão pálida rosa
Uma a uma as fôlhas tôdas
Se uma lágrima furtiva As arrancava sorrindo,
Nos olhos lhe b alo u çar... E no regato sonoro
Traz-me êsse pranto d’amor, Assim as ia lançando,
Que quem chora, sabe amar. E que essas fôlhas boiando,
Com a corrente fugindo.
Diz-lhe que o amante fiel Lá ao longe se perd iam ?...
Só por ela suspirava,
E que nas brisas da tarde
Seus suspiros enviava. Olhai, assim é a vida!
Na infância somos felizes.
Temos da rosa os matizes
Diz-lhe que o filho extremoso
O mesmo afeto inda tem, Quando se abre em botão;
E que contrito e fervente E as puras gôtas de orvalho
Orava por sua mãe. Que a rosa no seio tem,
Não sabeis vós que elas são
Diz-lhe que o pobre proscrito, Os prantos de nossa mãe
Da noute na majestade. Que caem silenciosos.
Chorava por sua terra Eloquentes, amorosos,
Longos prantos de saudade. Quando no berço deitados,
Com nossos olhos cerrados,
Diz-lhe que o triste poeta E la nos vem contemplar
Cantava cantos de dor. Como um anjo que o bom Deus
Que sua lira gemendo Enviasse lá dos céus
Dizia: — Brasil e amor! — Para o nosso sono v e la r? ...
Abril 1S56.

A nossa infância querida


— A primavera da vida,
Quando alegres e contentes,
A VIDA 1299 Descuidosos, inocentes,
Nós saltamos as correntes,
Nós trepamos as colinas,
Nunca vistes uma rosa
Primeiro abrindo mimosa Nós corremos pelo prado
O seu botão purpurino. Colhendo as frescas boninas
Mostrando depois vaidosa Que vegetam no vaiado.
Aos vivos raios do sol Comparai-a vós à rosa
Do rocio matutino Corada e bela a florir
Essas gôtas tão brilhantes Quando as auras vespertinas
Que semelham diamantes? D ’afagos a vêm 1200 cobrir.

[401]
C A S IM IK O J O S É MARQUAS DE A R R E U

Esse sol que anima a flor I I


De tarde no vale ameno
P or entre os choupos anosos, Sonhei que o mundo era um prado
E ’ êsse brilho sereno Lindo, lindo, matizado
Cheio de mago fulgor Das flores do meu jardim ;
Dos olhos negros formosos Sonhei a vida uma estrada
Da virgem de nossos sonhos, De gozos entrelaçada.
Quando seus lábios risonhos De gozos que não têm fim.

Nos dizem falas d’amor, Esses sonhos de magia


E as folhas que a rosa deixa Criei-os na fantasia
Do seu seio desprendidas, A meiga luz do luar,
São as nossas ilusões E quando conta segredos
Que pouco a pouco perdidas. Na rama dos arvoredos
Vão uma a uma caindo A brisa que beija o mar.
E na corrente dos anos Sonhei-os assim brilhantes
Coitadas, vão-se sumindo! Naqueles doces instantes
De silêncio e de oração;
Assim como a linda rosa Quando as estréias seduzem,
Murcha e cai no seu rosai E quando os lábios traduzem
Não resistindo — mimosa, I30i As vozes do coração.
Ao sôpro do vendaval,
A vida também se extingue Sôbre o peito reclinada
Quando estala o coração Eu tinha a fronte inspirada
Pela perda duns a m o r e s ... Duma formosa mulher,
— A derradeira ilu s ã o !... E fraco um raio da lua
Beijando-lhe a face nua
Dava-lhe brilho e poder.

De certo a lua serena


OS MEUS SONHOS 1302 Um rosto como o de Helena
Nunca, nunca iluminou;
E nunca ouvirei na vida
Voz mais terna e mais sentida
Dizer-m e: — sou tua, sou!
Como era belo êsse tempo
De tão doces ilusões. Numa noite mui fagueira,
De tardes belas, amenas. Como visão prazenteira.
De noites sempre serenas, Por entre beijos de amor
De estréias vivas e puras; Eu vi surgir uma estrela
Quadra de riso e de flores Linda, linda, muito bela,
Com doce e meigo fulgor.
Em que eu sonhava venturas,
Em que eu cuidava de amores
Na perdida fantasia.
De luz, de amor, d’alegria
A h! minha infância saudosa. Abrilhantei o porvir,
Que me mostravas à mente E segui qual mariposa
Nesse viver inocente. Aquela chama formosa
T ão verdejante e florida Que eu via ao longe luzir!
A longa estrada da vida
Que é tôda, tôda escabrosa!
E eu, inexperta criança,
Que tinha fé no porvir I I I
Por ver o mar em bonança
Mentira, tudo mentira!
E minha mãe a s o r r ir !... Üs meus s o n h o s ... ilusões!
E julguei que era verdade! As cordas da minha lira
E acreditava nos sonhos J á não soletram canções,
Feiticeiros e ris o n h o s !... A mente já não delira,
E se louco num momento
Revolvo no pensamento
Ilusões da mocidade
Esse passado de a m ô r e s ...
Cheias de terna magia. Se triste o peito su sp ira ...
Nascem doiradas e belas Eu ouço um eco da terra
Como o fulgor das e s tré ia s ... Bradar-me com voz que aterrs
E morrem no mesmo d ia !... — Mentira, tudo mentira!

[ 402 ]
P O E S IA S A V U L S A S

I'oram sonhos. Eram lindos, Se a fronte pura c serena


Eram lindos. . . mas passaram ! Brilhasse d’inspiraçâo,
E desses sonhos já findos Se o tronco fôsse flexivel
Só lembranças me ficaram. Como a rama do chorão,
Só lembranças bem saudosas Se tivesse os lábios rubros.
Pé pequeno e linda mão;
Dessas noites tão formosas
Em que os sonhos despontaram,
Só lembranças desses sonhos, Se a voz fôsse harmoniosa
Desses sonhos que p assaram !... Como d’harpa a vibração.
Suave como a da rôla
Que geme na solidão.
Hoje vivo, se é que é vida Apaixonada e sentida
Andar co’a fronte pendida Como do bardo a canção;
Calado e triste a cismar;
E nessa imensa tristeza,
Nessas horas d’incerteza E se o peito lhe ondulasse
Em suave ondulação.
Em que adormece o luar.
Ocultando em brancas vestes
Em que tôda a natureza
Na mais branda comoção
Tesouros de seios virgens.
E ’ silêncio, amor c paz, DOS Dois pomos de tentação;
Eu sinto a alma saudosa
Perguntar com voz queixosa:
E se essa mulher formosa
— Lindos sonhos, onde estais?! Que me aparece em visão.
Então um eco medonho Possuísse uma alma ardente,
Responde por cada sonho Fôsse de amor um vulcão;
C’um g em id o... e nada mais! Por ela tudo d a ria ...
— A vida, o céu, a razão!
A minha sina cumpriu-se,
A sina que Deus me deu!
O eco responde triste:
A linda estréia — sumiu-se!
A tua Helena — morreu! MEU LIVRO NEGRO do 7

A G o nçalves B raga

DESEJOS D 06 I

Se eu soubesse que no mundo Eu sei que é santo e bom e de almas grandes


Existia um coração, Dar às glórias um hino, a Deus um canto.
Que só por mim palpitasse Ao culpado perdão;
De amor em terna expansão; Dar ao vício conselho, ao cego luzes,
Do peito calara as mágoas. À velhice respeito, arrimo à infância
Bem feliz eu era então! E aos mendigos o pão!

Sc essa mulher fôsse linda Obrigado! obrigado! eu beijo a esmola


Como os anjos lindos são, Do teu canto de fé! Mas não te iludas,
Se tivesse quinze anos, Não te posso seguir.
Se fôsse rosa cm botão, Eu me assento nas pedras do caminho
Se inda brincasse inocente E pergunto aos que passam: — “ Inda é longe,
Descuidosa no gazão; Muito longe o porvir?”

Se tivesse a tez morena, Obrigado! obrigado! tu respondes,


Os olhos com expressão. E queres que eu descubra no horizonte
Negros, negros, que matassem, O que é nuvem talvez!
Que morressem de paixão. Obrigado, cantor! rico de crenças,
Impondo sempre tiranos Que repartes comigo os teus vestidos,
Um jugo de sedução; P ’ra cobrir-me a nudez!

Se as tranças fôssem escuras. L.evanto à pressa a tenda do descanso,


Lá castanhas é que não, E, como não prossigo, eu te convido
E que caíssem formosas A porta do meu lar;
Ao sôpro da viração, Depois que eu te disser a lenda triste
Sôbre uns ombros torneados. Do meu livro sem luz, do — Livro'N egro —
Em amável confusão; Tu podes caminhar.

[ 403 ]
C A S IM IK O JO SÉ M A R Q U E S D E A B R E U

I I Obrigado! obrigado! E ’ doee ao menos


Receber na desgraça o aperto amigo
E scuta: — Tu que tens na voz perfumes, Do braço fraternal!
Chamas sempre ao meu canto — primaveras, A lágrima a cair se muda em riso,
Aos goivos — um jardim ! E pode a mão tecer na corda frouxa
— Talvez que na charneca, por descuido. Um hino festival!
Entre os juncos brotasse à beira d’água
O tronco dum jasm im !
Feliz, tu que me acenas p’r’o futuro
— Na fronte a inspiração, nas mãos a lira,
É verdade, na mente deslumbrada. E no teu peito o ardor!
Borbulhou noutro tempo alguma cousa Adeus! eu não te sigo, é longa a estrada.
De vago e de ideal! Assusta-me a tormenta e a noite e s c u r a ...
Eram centelhas! mas dormindo às soltas, Sou fraco lutador!
Eu deixei consumir-se o fogo santo
— Estúpida vestal!
Podes ir; eu te abraço e te abençoo!
Volta e traze contigo as verdes palmas
Agora em vão procuro aqueles cantos. Que o futuro te der;
As rosas do jardim e o sonho amigo
Adeus! eu não te s ig o ... eu não p e rju ro ...
Que tanto me embalou!
A glória é uma mulher, e tu bem sabes
A minha alma, deserta de esperanças. Eu amo outra mulher!
J á não pode sonhar! Meu Deus, é tarde!
A vida já passou!
A glória, quanto a mim, é a Messalina
P ’ra mim, que me perdi no desencanto, Que vende sem pudor a face e os beijos
Não tem o pátrio céu estrelas vivas, Na praça, à luz do sol!
Nem lírios as manhãs. Ama um dia e abandona o favorito
Eu por cada ilusão vivi dez anos! No leito do hospital, por cama — a vala.
O fruto da ilusão nasceu p re c o c e ... Por mortalha — o lençol!
Sou moço e tenho cãs!
Não quero a glória, não! a glória mente,
Ai! bem cedo o tufão despiu-me os galhos! O fogo queima, a cicatriz não fecha,
E os galhos todos nus ao céu se elevam E sangra o c o r a ç ã o !...
Na súplica de dó! Não quero a glória: — eu peço ao céu sossego,
No campo a primavera estende os mimos, Um bocado de amor, flores no campo,
Tudo é verde no monte e na c o lin a ... E um ninho no sertão.
Mais ai! no inverno eu só!
L á eu posso viver na sombra escura.
Na testa trago a ruga prematura, Cercado das acácias perfumadas,
E do lábio na prega desdenhosa Sòzinho e bem feliz!
Não há ódio, mas fel! P or noites de luar o sertanejo
— Ruínas dum castelo não completo. Suspira na guitarra cantilenas
Aqui descubro um trôço de coluna, Que a lira nunca diz!
— Mais longe um capitel!

H á tristezas no chôro das cascatas,


Houve galas contudo no edifício
H á mistérios nas vozes das florestas.
Em dias venturosos de banquetes.
Piá silfos pelos céus!
Por noites de festim !
As ogivas tremiam com mil luzes, E a mente embevecida, absorta e pasma.
O parque tinha caça, a sala — amores. Em voz baixa ergue os hinos de ventura,
Perfumes — o jardim ! E baixo adora a Deus!

Cuspiram-me na fronte e na grinalda. Da mulher adorada a fronte santa


Vergaram-me a cabeça ao despotismo. Sentira no sagrado dos colóquios
As garras da opressão; Como é fundo o sentir!
E ao contacto do mármore e do gêlo Do seu amor — que é pérola sem preço
A lira emudeceu, penderam flores. Eu farei meu presente e meu passado,
Extinguiu-se o vulcão! Meu sonho e meu porvir!

P or cada canto eu tive ofensas duras. A vida no deserto é lago plácido,


Pelos sonhos — o escárnio que apunhala. No mar raivoso que sacode a escuma
Insultos por cantar! E que sepulta a nau!
Deitaram-me na taça o fel que amarga, — Eu lá serei feliz; das murchas palmas
Mas a raça dos vis campeia impune Apenas guardarei lembrança vaga,
Porque eu sei perdoar! Como de um sonho mau.

[ 404 ]
P O E S IA S A V U L S A S

Creio em Deus, e meu lábio inda murmura À J. 1310


Essa mesma oração rezada à noite
Pela quadra infantil; A tua voz vem d’alma, fresca e pura
Beijo a mão que embalou meu berço quente, Como um bafo de infante adormecido:
Creio no amigo; sei que o amor é santo Se cantas — dás um raio de ventura,
E sei que a glória é vil! Se choras — tudo chora ao teu gemido!

Quando me deixas, longo tempo ainda


Ouço-te a fala — música divina,
Bem vês, eu não me animo às vozes tuas! Que sai sorrindo dessa bôea linda.
Ai! é tarde, cantor! não p o ss o ... é tarde, Harpa mimosa que só Deus afina.
Não me embala a ilusão!
Retomo a lira, balbucio um canto. A tua voz me alegra e me embriaga;
Sacudo o gêlo p’ra dizer-te d’alma: Assim a brisa, de perfumes rica.
“ Oh! obrigado, irm ão!” Sussurra nos rosais, suspira e a fa g a ...
Passa, é verdade; mas o aroma fica.
I I I Jan eiro, 1860.

Eu da porta da tenda tc abençoo!


Podes ir, bom romeiro do p ro g resso...
Eu deito-me a dormir!
O caminho tem neve, o lar tem fogo, ONTEM À NOUTE 13H
— Oh! o amor da mulher por quem se chora
Vale mais que o porvir! Ontem — sòzinhos — eu e tu, sentados,
1859. Nos contemplamos, quando a noute veio:
Queixosa e mansa a viração dos prados
Beijava o rosto e te afagava o seio,
Que palpitava como — ao longe — o mar,
E lá no céu êsses rubins pregados
A J . . . 1308 Brilhavam menos, que teu vivo olhar!

Minh’alma dorme, indolente Co’a mão nas minhas, no silêncio augusto.


A tudo 1309 o que é grande e belo. Tu me falavas sem mentido susto,
Ai! não sei que pesadelo E nunca a virgem, que a paixão revela, 1312
Assim me pousou na mente! Passou-me em sonhos tão formosa assim!
Debalde agora procuro Vendo a noute pura, e vendo a ti tão bela,
Os sonhos do meu futuro Eu disse aos astros: — dai o céu a ela!
De amor e glória tão cheios, Disse a teus olhos: — dai amor p’ra mim!
Na quadra dos devaneios
E das longas ilusões!

Mas se dócil a teus dedos


O teu piano palpita, NO ÁLBUM DE NICOLAU VICENTE
Se derramas teus segredos PEREIRA 1313
Nessa harmonia infinita,
Nessa queixa vaga e incerta.
Tudo muda com os anos:
Então minh’alma — desperta A dor — em doce saudade,
Dêsse fatal pesadelo — Na velhice — a mocidade,
Sacode o manto de gêlo. A crença — nos desenganos!
Banha-se em novo fulgor, — Tudo se gasta e se afeia,
Ama a luz que o sol exala, Tudo desmaia e se apaga
E em cada nota que fala Como um nome sóbre a areia
Soletra um hino de amor! Quando cresce e corre a vaga.

Mas se também indolente Feliz quem guarda as memórias,


O teu piano se cala, As lembranças mais queridas,
No livro d’alma esculpidas.
Minh’alma é só languidez.
Gravadas fundas em si!
— Como a criança dormente, — Essas duram; mas que vale
Que os olhos súbito abrira. Um nome desconhecido,
Queixosa e triste suspira, Se há de ser logo esquecido
E — sem ti — dorme outra vez! O nome que eu deixo aqui? 1314
1859. 1860.

[405 ]
C A S U ÍIR O JO SÉ M A R Q U É S OK AR R U U

A FAUSTINO XAVIER DE NOYAIS 131S Aproveita estes bons tipos.


Há-os aqui com fartura,
E salte a caricatura
Bem-vindo sejas, poeta,
A estas praias brasileiras! Nos traços do teu pincel:
Na pátria das bananeiras Ou quer na prosa ou no verso,
As glórias não são de mais: Dá-lhes bem severo ensino.
Bem-vindo o filho do Douro! Ressuscita o Tolentino,
A terra das harmonias, Embeleza o teu laurel.
Que tem Magalhães e Dias,
Bem pode saudar Novais. Pinta êste Rio num quadro.
As letras falsas dum lado.
As discussões do senado,
Vieste a tempo, poeta.
Trazer-nos o sal da graça, As quebras, os trambulhões;
Pois c’os terrores da praça Mascates roubando moças,
E lá no fundo da tela
Andava a gente a fugir:
Desenha a febre amarela.
Agora calmando o mêdo,
E ao bom humor dando largas, Vida e morte aos cachações.
A comprimir as ilhargas
Agora vão todos rir. O h! canta! o povo te aplaude,
E os louros p’ra ti são certos!
Acharás braços abertos
Entre todos os paquetes No meu paterno torrão:
Que o velho mundo nos manda, Se és português lá na Europa,
Eu sustento sem demanda Aqui, vivendo conosco
Tam ar foi o mais feliz; Debaixo do côlmo tôsco.
Os outros trazem cebolas. Aqui serás nosso irmão!
Vinho em pipas, trapalhadas,
Êste trouxe gargalhadas,
Sem ser fazenda em barris. Bem-vindo, bem-vindo sejas
A estas praias brasileiras!
Na pátria das bananeiras
Venha a sátira mordente. As glórias não são de mais.
Brilhe viva a tua veia. Bem-vindo o filho do Douro!
J á que a cidade está cheia A terra das harmonias,
Dêsses eternos M anéis: Que tem Magalhães e Dias,
Os barões andam às dúzias, Bem pode saudar Novais.
Como os frades nos conventos.
Comendadores aos centos.
Viscondes a pontapés.

[ 406 ]
unqueira Freire
Ai — cla u s tr o s , c la u s tr o s ! — s e fa ta r p o d é s s e i s . .

UÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE — Nasceu em Salvador, em 31 de dezembro de


L 1832. Fêz os estudos secundários no Liceu Provincial de sua cidade. Em 1851 uma
crise moral levou-o a procurar paz de espírito no seio da Ordem Beneditina, onde tomou o
nome religioso — Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire. Em 1854, nova crise
moral levou-o a pedir o Breve de secularização perpétua, não estando ainda iniciado em
Ordens. Em 1855, pouco antes de morrer (cardíaco), vê publicadas as suas Inspirações do
claustro (Bahia, 1855). Morre em 24 de junho de 1855. Postumamente saíram suas Obras
poéticas, em dois tomos: I — Inspirações do claustro, e II — Contradições poéticas (Rio de
Janeiro, Garnier, s. d.). Poeta de valor, admirado por espíritos como Antero de Quental,
inspirou-se sobretudo nas suas tragédias morais.

[ 409 ]
-J
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO.

Inspirações/ do/ Claustro./ Por/ Junqueira-Freire./ Bahia/


Typographia de Camillo de Lellis Masson & Cia./
Largo de Santa Barbara n. 2./ 1855/

o que entenderdes 1316 que é útil, podeis sem receio publicá-lo.

C O U R IE R .

natureza desta publicação exige de si algumas palavras de explicação. Êste


prólogo é filho da necessidade tão somente. Longe de mim a vaidade dos
discursos ociosos.
As poesias presentes agradarão a bem poucos: agradarão apenas a
algumas almas fortes, que não puderam ainda ser eivadas nem do cancro
do ceticismo, nem da mania do misticismo: agradarão apenas a alguns ho­
mens completamente livres, que não sujeitaram-se ainda, sinão às luzes da
razão. Ora, êstes homens são bem raros na sociedade atual, porque a hi­
pérbole dos sistemas e das crenças traz em si não sei que talismã, que arrasta todos os espíritos, por
bem formados que sejam. O ecletismo nas opiniões, que não são essencialmente filosóficas, repugna ain­
da aos ânimos, e é crismado de absurdo.
Eu tenho, portanto, a maioria dos homens por meus inimigos.
Pela mão indizível da Providência fui arrojado há três anos para o coração do claustro. Por
essa inclassificável ação, de que hoje me espanto, tive as bênçãos de uns e os escárnios 1^17 de outros.
Eram ainda os homens místicos e os céticos que louvavam-me ou vituperavam-me. Pela mão invisível da
Providência fui arrojado outra vez para o torvelinho da sociedade. Por isso tive a maldição de quase
todos. Eram ainda os místicos, que não pejavam-se de cantar a palinódia dos louvores, que me haviam
magnificamente dispensado, — eram os céticos, que compunham dêste acontecimento um marciálico epi­
grama.
Hoje, entretanto, venho oferecer ao público o complemento de meus pensamentos durante meu
triénio claustral.
Serei recebido pelos mesmos homens: — portanto, muito mal.
Não importa.
Nos países eminentemente ilustrados não aguarda-se mais pelo juízo da posteridade. Vivendo-se,
goza-se já do nome, que antigamente depositava-se nas aras misteriosas do porvir. No Brasil, porém, não
é ainda assim. Eu tenho, — graças a Deus, — o consolo de poder esperar pelo futuro em minha pátria!
Neste sonho sedativo da consciência, — seja uma ilusão embora, — adormecerei tranqüilo.
Entretanto, — fervam os pensamentos da paixão. Os escritos poéticos, que apresento, não foram
formados em delírio. Entusiasma da raivai — que tenho eu contigo?

[ 411]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E

A hora da inspiração é um mistério de luz que passa inapercebível. Contudo, eu tenho cons­
ciência de que, por mais etéreo que seja aquele momento, cantei tão somente o que o imperativo da ra­
zão inspirava-me como justo. Não excluí, na verdade, o sentimento nestas composições a que presidia
a solidão, porque ninguém o pode, — mas também não sou cabalmente um poeta. H á em mim alguma
cousa de menos para completar o anjo das harmonias terrestre. Ilá , porventura, a reflexão gelada de
Montaigne, que apaga os ímpetos, que mata às vêzes a mesma sublimidade. Klopstok, eu não posso
acompanhar teus vôos!
Pelo lado da arte, meus versos, segundo me parece, aspiram a casar-se com a prosa medida dos
antigos.
Sabe-se que os latinos modulavam os períodos do discurso. Sabe-se que os italianos, em seu sé­
culo clássico, imitaram miúdamente aqueles, de quem tinham herdado a literatura. Sabe-se que os pri­
meiros escritores portugueses cadenciavam igualmente suas construções. Sabe-se que, atingindo a música
prosaica a uma perfeição absurda, desterrou-se completamente do discurso todo o artifício. A versificação
triunfou sôbre as ruínas da prosa. Bocage deixa de ser poeta, para ser músico. A prosa tinha expirado.
Começa-se então a procurar um acôrdo. O módulo dos latinos, estudado e seguido pelos italia­
nos, quase aperfeiçoado pelos portuguêses, tinha algum tanto de justo e de belo. A prosa recobrou os
seus direitos.
Tudo isto traz consigo algumas perguntas necessárias:
Até onde irá a melodia da prosa? Será a prosa um dia tão acabada de melodia, de ritmo, de har­
monia mesma, que venha a ser inútil a música da form a poética? Chegará um dia a literatura a um tal
grau, que distinga a prosa e a poesia tão somente pelo nuance dos pensamentos? Nascerá um dia destas
duas expressões mais ou menos belas uma forma intermediária, que espose tanto da singeleza da prosa,
quanto do artifício da versificação? Será o futuro o mesmo que o passado, — e a prosa, em um círculo
constantemente vicioso, voltará para a poesia, e a poesia de novo para a prosa? O Telêm aco de Fenelon,
os M ártires de Chateaubriand, os Dramas modernos, os Romances mesmos de agora, que são porventura
arremedos de epopéias, não se levantam, como brados m ajestosos, contra esta última hipótese? Teremos
de viver continuamente no giro desesperador que descreveu o Eclesiastes? O que foi será o mesmo que
há de ser em tôda a sua amplitude, — ou aquêle axioma sagrado admite restrições? Meu Deus! o vosso
Cristo, descendo de vosso eterno e fecundo seio, não trouxe à humanidade alguma idéia nova, algum fato
que inda não tivesse sido?
Presentemente, — cuido eu, — nem uma resposta pode dar-se a estas questões, sinão uma dúvida.
Pois bem: — meus versos representam esta hesitação, segundo penso. Procuram, a pesar meu, a natura­
lidade da prosa, e receiam desprezar completamente a cadência bocageana.
Além disto, a quem canta pela razão, e pouco talvez pelo sentimento, esta forma singela, quase
não trabalhada, porventura mais severa, é que melhor lhe pode convir.
O aspecto social, que parecem ter estas composições, obrigam-me ainda a não finalizar de súbito
êste prólogo.
O que cantas? — perguntar-me-ão.
O que podia eu cantar, encerrado í319 nas m uralhas solitárias de um claustro, ouvindo a cada
hora os toques continuados de um sino que chama à oração, vendo uma turma de homens com ves­
tidos talares negros, que levavam-me à recordação dos costumes dos tempos antigos, passeando sempre
sôbre um chão povoado de sepulcros, conversando com o silêncio do dia e a solidão da noute?
Cantei o monge e a morte.
Cantei o monge, porque êle sofre, — sofre muito.
Cantei o monge, porque 1^ 2 0 o mundo o despreza. Cantei o monge, porque êle é hoje uma cousa
inútil e ociosa, em conseqüência de suas instituições anacrônicas. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle não
tem culpa de ser mau, nem pode por si só ser bom. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle poderia ser uma
personagem quase necessária, dando-se-lhe as leis comuns da humanidade.
Cantei o monge, porque 12 2 0 êle é infeliz. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle é escravo, não da cruz,
mas do arbítrio estúpido de outro homem. Cantei o monge, porque 12 2 0 não há ninguém, que se ocupe
de cantá-lo.
E por isso que cantei o monge, cantei também a morte. É ela o epílogo mais belo de sua vida:
é seu único triunfo.

[412]
I N S P IR A Ç Õ E S DO C L A U S T R O

Na verdade, ao homem sincero amante de sua pátria, dói-lhe dentro da alma ver tanta gente es­
tacionada, sem nada fazer, podendo produzir tanto bem. Não! a caridade que o Cristo ensinou, 1321 não
é egoísta: — imagem real do pelicano, que arranca o coração para dá-lo aos filhos!
Muitos, a quem tomam o cuidado de chamar — ímpios, — censuram o monge no monge. Eu
deploro-o somente, porque 1322 êle não é criminoso. A instituição, a instituição é que, depois de lhe tirar
o trabalho, hoje em dia ja não preciso, de rotear montanhas, não lhe forneceu outro qualquer em ordem
as necessidades da epoca, mas antes convidou-o a uma espécie de ócio, no qual êle não pode ser mais,
que mau e desgraçado.
Eu falo com o coração entre as mãos acêrca de tôdas essas cousas, — de todos esses padeci­
mentos.
Quorum pars magna fui.
Como êsse Enéias, desenhado pela imaginação de Virgílio, saindo do boqueirão das chamas, que
ainda lavram, posso, — graças a Deus! — falar de Tróia, sem correr seus riscos.
Oh monges, — feitos assim como estais, constituídos dêste modo, — que sois mais que estas
árvores infrutíferas, de que fala o evangelho, que não servem, sinão para o fogo?
Si o homem Deus passasse por vós, como passou pela figueira estéril, não vos destruiria pela
raiz, com o raio fulminante da maldição eterna?
Sêde jesuítas, como sois, sêde-o: mas sêde-o também, como os Anchietas, 1323 os Nóbregas,
os Vieiras. Por que não?
Olhai: — aí estão nossos sertões, nossas florestas seculares, sombreando imenso gentio, acober­
tando 1324 um culto infame, defendendo bárbaros costumes, balouçando de terror e de esperança. Ide,
apóstolos do Unigénito do Eterno, atirai-vos a essas matas, pregai o evangelho, civilizai! Não é esta a
vossa missão?
A civilização do mundo ainda carece de vós. Os Tom és ainda são necessários.
Ide, atletas da caridade, marchai para a conquista do pensamento cristão. Que vos falta?Vosso
mestre vos enviava 1325 às nações — munidos tão somente da palavra.
Os Nóbregas não tinham mais do que vós, — e nós, — não nos envergonhamos, 1326 — fomos
civilizados por êles.
Eis aqui por que a memória dos filhos de Loiola me é cara, eis aqui por que eu os canto também
a êles, pelo que fizeram, — como vos canto a vós, pelo que podíeis fazer.
Cometeram erros, êles: mas não é um dos axiomas da história — que os que empreendem 1327
grandes cousas, cometam igualmente grandes erros?
Por essas convicções, — não escureço, — achar-me-ão sem dúvida em contradição nos meus can­
tares.
Meditai, porém, examinai o fundo, e lá encontrareis 1328 a unidade, o foco, o centro, o princípio
da luz, embora o prisma represente raios de diversas côres.
O século passado para mim é sempre um século magnânimo de crimes: mas nem um século
escoou-se debalde no percorrer dos tempos: o século passado é também um século inteligente e pro­
gressista. Remontando-me algumas vêzes ao seio dêle, eu, com a alma fundida na educação do século
dezenove, arripio-me de horror, e canto a caridade cristã, que lá encontro 1329 menoscabada. Procuro então
revestir-me com os ademães dos homens católicos daquela época, esqueço-me exteriormente de mim, de­
testo-lhe a moda absurda de impiedade, e maldigo aquêle círculo de ferro, em que circunscreveu-se aquêle
período de torpeza. Os meus — Claustros — e algumas composições mais assumiram esta côr. Quan­
do, porém, limito-me ao meio-século, em que tenho aparecido, e deparo com tudo o que me cerca, digo;
Respeitemos nossos pais. — Si êles olharam para a caridade cristã, para a fé evangélica, como para
estátuas de irrisão, — colocaram todavia em um altar a liberdade. A liberdade também é filha do Cristo.
O meu poemeto — O monge — representa principalmente êste estado.
Eis aí, pois, a definição de meu trabalho. Ju!gai-o por essa maneira, — e sêde rigorosos, sim, —
porém justos.
A despeito de tôda esta minha confissão, eu sinto, como por instinto, que muitos, lendo êste livro
segundo seus próprios gostos, e não segundo o espírito que por todo êle domina, dirão que é uma cole­
ção de orações e blasfêmias. Não! eu não direi isto. Lembrarei sòmente que esta é a obra de um jo ­
vem educado no seio de uma corporação religiosa. É esta tôda a minha apologia.

[413]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E

Não posso concluir este prólogo sem cumprir com o dever sagrado de agradecimento para com o
Rvm. Sr. cônego Jo sé Joaquim da Fonseca Lima, e padre mestre Domingos Jo sé de Brito, pelas lison­
jeiras expressões de animação e benevolência, que me dirigiram por vêzes nas colunas do N otíciador C ató­
lico. O ilustrado publicista Sr. Jo sé Pedro Xavier Pinheiro é também para comigo credor de muita estima
e gratidão, pelo modo distinto e acoroçoador, com que tratou-me em sua Revista no periódico Justiça.
O Sr. Dr. Ricardo Gumblcton Dunt penhorou-me igualmcnte com as palavras de alento, que dispensou
largamente comigo, na Aurora Paulistana. Julgo preencher um compromisso bem difícil, estampando nesta
página a abundância de minha gratidão, muito mais ainda quando os liames da amizade não me estrei­
tam a nem um dêles.

PORQUE CANTO? Porque procura — sequiosa, arfando —


Encher êsse vazio indefinível.
Vai e clam a. Qual para lábios tórridos, queimados.
(P alavra do Senhor a Jerem ias) Enche-se um cálix de cristal suave?
Porque procura um coração estranho.
Porque se me extasia a mente às vêzes, Qualquer embora, — mas que o seu não seja,
E vaga, e vaga, alígera e perdida. P ara nêle fundir-se inteiro, inteiro,
Pelas soidões do firmamento etéreo, Como vários metais de várias sortes
Bem como o serafim que esguarda os mundos, Ao mesmo fogo, idênticos se ligam?
Livre os celestes paramos percorre?
Porque penetra, às vêzes arrojada, Porque ,Deus — saber eterno —
Nos mistérios recônditos do Eterno, Tais a nós nos quis form ar:
E tôda entorna-se 1330 a seus pés, — bem como Quis a era unida ao tronco.
O alabastro de nardo aos pés do Cristo? Quis a terra unida ao mar.
Porque se abraça em incorpóreo amplexo
Co’os angélicos sêres de além-astros, Porque se me extasia a mente às vêzes,
E, como a chave das eternas portas. E vaga pelo mundo, e julga os homens.
Abre os tesouros do poder do Altíssimo, Qual severo juiz, e os escarnece,
E nêles bebe inexauríveis gozos? E compondo um sarcasmo às frases suas
Com o riso de Demócrito os insulta?
Porque Deus — substância eterna — Porque descrê das afecções, que mostram.
Donde minh’alma baixou. Francos, singelos, como o rir do infante?
Quer às vêzes que ela suba Porque despreza um coração de amigo,
Às delícias, que deixou. Que o foi por tempos, na aparência ao menos,
E falsário, traidor, demônio o chama.
Porque se me extasia a mente às vêzes, Por um assomo de suspeita ou cólera?
E por entre delíquios exaltados. Porque da criação blasfema às vêzes,
Desce às fatais, exteriores trevas. E tem por maus os sentimentos de homem,
Aos insondáveis boqueirões do inferno. E a natureza dos mortais exprobra
Bem como o anjo da suberba outrora Ante o Senhor, que no-la deu tão justa?
Pela invisível destra fulminado?
Porque prova um prazer terrível, forte, Porque Deus também às vêzes
Em ver a imagem dêsse horror tremendo. O braço de nós retira,
Em ver a face dêsse caos torvado. Para vermos os perigos,
Em ver o orgulho do pecado infindo? Em que noss’alma se atira!
Porque no fundo da geena ardente
Sentir procura as emoções mais bárbaras, Porque se me extasia a mente às vêzes,
Gostar deseja sensações de fogo, E num enlêvo 1331 mentiroso sonha,
Como procura a fátua mariposa E dá no seio de um prazer sem têrmos.
Chamas de luz, que há de, talvez, queimá-la? Esbarrando no amor, como na imagem
Da ventura maior que o mundo oferta?
Porque Deus também às vêzes Porque se abraça neste amor terrestre,
Para os abismos nos lança, E as emoções mais físicas apura,
Para vermos seus castigos. E as quer, e as busca, e tresloucado as ama
Seus tesouros de vingança! Co’a mesma devoção, que aos céus dedica?
Porque em tal modo o espírito embrutece, 1332
Porque se me extasia a mente às vêzes, E vai sua alma estúpida tornando,
E sente em si um vácuo desmedido, Que às plantas da mulher, que dêle zomba.
Uma infinita inanição ignota, Chega a prostrar-se, e jura-lhe perverso
Como talvez o espaço, o qual se estende, Paixão eterna, além da campa; — e o corpo
Se derrama e se perde a nossos olhos? Dar ao martírio por amor promete?

[414]
IKSi-'iîlAÇr.ES DO CLAUSTRO

Porque Deus deixa a matéria Rezou, rezou fervorosa.


Ter também sua vitória, Beijando seu relicário.
Para que, — quando a alma vença, - Arfou, — qual luz matutina
Brilhe maior sua glória! Tremendo no alampadário.

Porque se me extasia a mente às vêzes, E um sorriso 1^33 descorado


— E quanto fui beber no céu, no inferno, Descerrou-lhe lábio e lábio,
Ko mundo, em tudo, que medito ou vejo. Como o palor que desenha
Por meus lábios de vate se derrama A fronte vasta do sábio.
Em torrentes de harmônica linguagem?
Beijou a laje da campa,
Porque Deus pôs em meu peito
— Da campa, que há de ser dela.
Um tesouro de harmonia:
E vai cismar merencória
Deu-me a sina de seus anjos. Na gelosia da cela.
Deu-me o dom da poesia.

Cantarei o céu, o inferno, Por simpleza arreceando


O mundo, — o que me aprouver: Que algum fantasma não venha,
Cantarei a Deus, o homem. A correr, aos ares dava
Os amores da mulher: Suas vestes de estamenha.
Cantarei, enquanto vivo,
Porque Deus assim o quer! Que as trevas do claustro e as tumbas
Bafejam temor sagrado.
E as virgens sempre imaginam
Erguer-se um morto a seu lado.
O REMORSO DA INOCENTE.
I I I.
À M in h a Ir m A M aria A u g u s t a .

Alma de serafim, prenda do Eterno, Cisma a virgem mansamente


Ai! quem te despenhou do céu à terra? Em pensamentos do céu.
Mais cândida que as rolinhas.
Mais cândida que seu véu.

Pelo sinete do crime E cismava: — A i! que eu não seja


Não é que está desbotada. T ão pura no meu amor:
Não chora. Suspira apenas. Tão pura — como êste raio
Por seus ais entrecortada. Da lâmpada do Senhor! —

Tristezinha corre os claustros, E cismava: — Ai! que eu não seja


Tristezinha a suspirar. J á para Deus menos bela,
Vai junto à lousa das freiras Como a bonina que murcha,
Ajoelhar-se a rezar. Que eu arranco da capela! —

Reza orações de finados.


Reza a seu anjo da guarda: E cismava: — Ai! que eu não tenha
E da flor dos lábios dêle Um crime, sem eu saber!
Perdão aos erros aguarda. Qual será? — Ontem de noute
Eu não pude adormecer! —
Não sabe o nome dos crimes.
As paixões não dobra o dorso. E cismava: — Ai! que eu não seja
Mas naquele peito ingênuo Menos linda ao meu Senhor!
Mora inquieto um remorso! J á hoje eu corri do claustro:
Dos mortos tive te m o r ... —
Como relíquias sagradas.
Conserva os primores seus.
Mas dói-lhe não ser ainda E cismava: — Ai! que eu não seja
Tôda, tôda — só de Deus. Ré de um crime que eu não sei.
Bem como o inseto escondido
I I. Na rosa qu’ontem cortei! —

Ei-lo, o remorso da virgem, Ei-la, a cisma da donzela,


O remorso da inocência, Da filha da solidão.
Que, como a idéia do Eterno, Ei-lo, o remorso que esconde
Ameiga na consciência. Nas dobras do coração.

[415]
I.U ÍS JO SÉ JUN QU EIRA F R E IR E

I V. E si eu quisera, disfarçando angústias,


Cantar suave a tua bela Armia,
O remorso do malvado Jovem 1 — de todos eu teria em paga
E ’ desespero e loucura, Um riso de ironia.
E a reminiscência dêle
O coração lhe tortura.

Mas o remorso da virgem


Lhe cala na consciência, MEDITAÇÃO. 1336
Como a placidez do justo,
Como a visão da inocência.
Isto pensava, isto escrevo: isto tinha n’alma, isto vai
no papel: que doutro modo não sei escrever.
(G A R R ET).

PEDIDO. I.
Não c verdade que possa-se bem escrever, quando se sofre.
Gosto de meditar de noute, às vêzes,
(C H A TEA U BR IA N D ). Como um infante,
Espasmado no olhar, fitando o corpo,
Belo jovem, tu vagueias Que tem diante.
Por campinas de esmeralda.
Adormentas sôbre as flores Gosto de meditar de dia, às vêzes,
O doce amor que te escalda. Como o ancião,
A quem idéias se erguem do passado
Ainda o céu te aparece Em borbulhâo.
Vasta abóbada de anil.
A teus olhos não há nuvem
Nem furacão, nem fuzil. O infante, o ancião 1 — os dous extremos
Da existência:
Ilida levantas os olhos Um à vida, outro à morte, iguais amostram
À tua estréia feliz. Igual tendência.
Lês cada noute em seus raios
Mil esperanças gentis. Êste é planta mimosa, delicada.
Esperançosa:
Depois das visões ditosas Aqueloutro hasteada e quase murcha.
De teu dourado dormir. Colhida rosa.
Acordas falando amores
Com prazenteiro sorrir. 133S Êste promete e cheiro e viço e ramas.
Flores ao cento;
Ao ardor meridiano Aqueloutro esgalhar espera as fôlhas
Ouvem-te ainda cantar. A certo vento.
Não vês a mágoa estampada
Na face crepuscular. E muita vez o sol cresta a plantinha.
Dénuda e m ata:
Pela escada da ventura E vinga a planta antiga, — e quase morta
Sobes cad’hora um degrau. Revive intacta.
Tua existência mimosa
E ’ um contínuo sarau.
O velho então é como o infante estúpido,
Belo jovem, — no teu peito Que nasce agora:
Não tocou a mão da dor. Magina mil visões: sem causa ri-se.
Teu espírito inocente Sem causa chora.
Pode bem pensar de amor.
Si fui infante estúpido e pasmado.
Belo jovem, — só tu podes Adulto louco:
Co’os sentimentos na mão. Si hei de ser velho, sem sentir, sem alma,
Falar palavras ardentes. Daqui a pouco, 1337
Labaredas de paixão.
Antes quisera ser infante, — quase
Eu que tenho lutado contra a vida.
Bebido noutro cálice de dores. Sem sensações:
Jovem ! — não posso meditar doçuras, Não fôra ao menos cônscio de remorsos,
Cantar ternos amôres. Nem decepções.

Eu que nunca senti nos olhos d’alma Fôsse por tôda a vida infante néscio.
O traspassar dos olhos da donzela. Sem consciência:
Jovem ! — não posso te pintariardores Morresse alfim apenas circunscrito
Que não senti por ela. Em minha essência.

[416 1
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

I I. Torne-se o coração lâmpada extinta.


Cinza no lar.
For que 1^38 e para que rompeu meu corpo E deixe que a razão veleje livre
Do embrião? Em largo mar.
Que melhor que não fôra me abafasse
A compressão? Creia num Deus, — e dos dulçores goze
De almo ascetismo.
Fôra melhor. E o ôlho vil do hipócrita Não mais lhe roa as vísceras o cancro
Não me veria: Do ceticismo.
Franzindo-me o nariz atrás das costas,
Não se riria. A dúvida infernal, batendo as asas.
Perdendo as côres,
Precipite-se súbito nas chamas
Fôra melhor. E a seiva de amargores
Exteriores.
Não me coara,
E a precoce estação das dores inda
Não me chegara. Sepulte-se a descrença em negras trevas
De negro inferno.
Creia a razão convicta nas justiças
Fôra melhor. E o estigma da tristeza Do Deus eterno.
Não me selara.
Melancólica ronha os rins sensíveis Sim : o viburno pequenino, humilde
Não mos gastara.
No prado agreste.
Vegeta ao pé da realeza enfática
O coração não fôra um grosso livro De alto cipreste.
De negras laudas.
Não me açoutara a hidra dos remorsos E Deus, que vivifica o alvar pinheiro
Co’as férreas caudas. E a tenra planta:
Que os suberbos calcina, e que os humildes
Não me fôra sem flores a existência Do pó levanta:
Contínuo inverno.
Não me fôra êste mundo um campo estéril, De minha vil baixeza, como os homens,
Páramo eterno. Ah! — não se peja;
Que êle mão-cheia de mil dons em todos
Onde só nascem, crescem e vicejam Largo despeja.
Males sem conto.
Donde se ceifa antecipado pranto, Mas si té’qui parece deslembrado.
Enôjo pronto. T riste! — de mim:
Si não manda aguardar minh’alma dúbia
Um querubim:
Por que e para que rompeu meu corpo
Do embrião?
Pela miséria, e para a morte interna Si nunca se lembrar que um ente existe
Do coração! Nessa amargura.
Melhor não fôra me gelasse o sangue
A morte dura?
E o Deus, que tem por escabelo nuvens
De ouro e marfim. Em sala, onde mil luzes por mil lâmpadas
De ofendido, parece deslembrado, Reparte o gás.
— Triste! — de mim! Delas a mais pequena que se apague
Que mal que faz?
Deus! para que tiraste-me do inio
Do embrião? IV .
P ’ra vida de minha alma, — ou para a morte
Do coração? Qual rápido relâmpago no espaço
Sói discorrer.
Tal, sem deixar pegadas de seu vôo.
I I I.
Foge o prazer.
Oh! morra o coração, — germe fecundo
Foge o prazer como a andorinha leve
De mil tormentos.
Os ares corta:
Desfaleçam-lhe as fibras, — espedacem-se Como o primeiro feto — esp’ranças suas —
Os filamentos.
A espósa aborta.

Isenta 1340 paixões, — de amor, ou ódio. Foge o prazer, qual seta que dispara 1341
Surja a razão. índio sagaz:
Não obedeça escrava aos sentimentos Qual no deserto a voz, que um eco apenas
Do coração. Nos vales faz.

[417]
L U Í S JOStó J U N Q U E I R A F R E I R E

A li — bem vejo — ali pompeia esplêndida Sorri também: e seu sorriso 1246 — escárnio
A cena aberta, Da natureza.
E da platéia os vácuos atacados Seu sorriso — um prelúdio concebido
O povo aperta. De malvadeza.

Jubilosas menções, palmas soantes Quanta vez viração tépida e fresca


Rompem, murmuram. Serena os ares,
Melíflua orquestra, tímpanos sonoros E procela depois revolta horrenda
A dor lhes curam. Terras e mares!
Os vates das paixões enamorados,
Como possessos. Quanta vez mil delícias lá desmancha
Trovam, filtrando em todos o requinte Vaivém da sorte!
De seus acessos. Quanta vez o prazer da vida incauta
Precede à morte!
Fugazes fadas no ademã fantástico
Cisnes gorjeiam. Assim sorri o hipócrita um sorriso
Depois, prendendo-se a audição aos cantos, De fúria má.
Todos pranteiam. Mentiras, manhas ímpias seu demônio
Grato lhe dá.
Arrebatam-se as almas, — magnetizam-se
Os sentimentos. Hipócrita, que pisas o palácio
Mudam de sua ação inda os mais frígidos E a palhoça e a cela,
T emperamentos. Deixa de teus furores esquecida
Uma parcela.
Letargia fatal! — ao outro dia
Calmos acordam.
Não me toques na orla dos vestidos
E , sonâmbulos quase, — aéreas D43 formas
Co’a férrea mão:
Só lhes recordam.
Deixa-me entregue 1247 na soidão da noute
À reflexão.
A miséria da vida se lhes m ostra
17 dc novembro de 1851
Então real.
Catam novos prazeres: nem um dêles
De mais lhes vai.

Qual rápido relâmpago no espaço o APÓSTOLO ENTRE AS GENTES.


Sói discorrer.
Tal, sem deixar pegadas de seu vôo. A A n t ô n io G o n ç a l v e s D ia s . i 24s
Foge o prazer.
— Fôste ao princípio
Sacerdote e profeta:
V. Eram nos céus teus cantos uma prece,
Na terra um vaticínio.
Hora da noute, — hora solene e sacra (GONÇALVES D IA S).
À reflexão:
Quando do mesmo sono o pobre e o rico
Dormindo estão. I.

Gosto de vós, sombras da noute queda. Como o brado do anátema gravado


Morte do dia, Sôbre a frente do réprobo, — nas terras
Que nie amparais dos cálidos esgares Pejado de baldões, envilecido 1249
Da hipocrisia. Pelos filhos dos homens, que o repelem,
Que não concebem a grandeza d’alma,
Que não escutam o pulsar dos peitos,
Posso então retrair-me em minha essência.
Que não atingem ao sublime e ao santo,
Viver comigo.
— O ministro dc Deus, — entregue 1250 ao mundo,
Não me rodeia do traidor a máscara
A senda do viver percorre breve,
Com côr de amigo.
Como o rocio, que no albor do dia
Salpica as flores, e ao calor se estanca.
Profundo o olhar do hipócrita, — profundo E dorme o eterno sono em campa escura.
Como o oceano. Plácido, — como o espírito do justo:
Na retina lhe luz das trevas cegas E inda no olvido dessa mesma campa
O anjo insano. Penetra o riso mofador dos homens,
E o motejo do cálido filósofo.
Sorri também. — Êste sorriso 1^44 estrídulo. Presumido de si, — como a ignorância,
Oh ente vil, Que lhe preside aos erros e aos sofismas.
Por dá-lo mesmo assim fazes, empregas — Nem se queixa: — que é findo o seu martírio.
E sf rços mil! Única herança, que ao nascer lhe coube!

[ 418
IX SrjU .V C õK S DO CDAUSÏKO

I I. I V.

O varão do Senhor, — Moisés, _o justo. Êle descreu dos homens e da terra,


Pulsou primeiro os nervos do saltério. i^si 1352 para alçar mais livre aos céus os olhos.
E- o estro virgem ressumbrou-lhe aos lábios, Subiu também aos coruchéus altivos
Como a torrente, — impetuoso e santo. Das colunas do Egito, que campeiam
Subiu aos céus, nas asas dos arcanjos, Aqui, ali, a recontar às eras
Um hino a Deus, que lhe acendera a mente. Em seus gastos lavores hieroglíficos
E o tipo então de sua onipotência A vaidade dos reis e a falsa crença.
Em dcrredor o viajor parava.
Ao ser finito transmitiu-se. — O povo
Fixava nêle os curiosos olhos,
Ouviu na terra a incógnita linguagem, E tremia de ouvir-lhe a voz profética.
— A linguagem do Eterno. Ouviu-a extático E em tôrno à fronte lhe brilhava um disco
O mundo inteiro, no estupor do espanto, De fogo mais que santo, — como alquando
Como a explosão volcânica primeira. Moisés descendo do Sinai co’as tábuas.
Estreme que era o fogo do profeta, Mas os homens, alfim o escarneceram.
E a voz e os olhos e o acento e o ccnho! Escarneceram do pregão do apóstolo.
Justiça do Senhor! — Após os tergos Escarneceram do poder do Eterno.
Sepultado o cavalo e o cavaleiro
Nas águas do mar-rubro: — e dante os olhos
Êsses vergéis da intacta Palestina, V.
Prometendo delícias suavíssimas,
Como os olhos da noiva espreguiçados Êle escondeu-se na soidão das lapas,
Nas expansivas, rutilas pupilas Nas desertas montanhas do Cassino,
Do paraninfo, que lhe assiste às bôdas Fugindo Roma, — a dona dos triunfos,
Ao mando do Senhor, e à noute e ao toro Roma, — a senhora das nações da terra,
Lhe profetiza trêfegos amores. E os bailes dela e as cívicas delícias
Êsses sublimes alcantis e cerros. E os áulicos salões, onde reinavam
Donde desciam por quebradas trêmulas. A mentira, a traição, o vício, e o crime.
Lambendo os troncos de copudos cedros. Disfarçados nos risos dos hipócritas,
Beijando as hásteas de mimosas flores. Nos ademães dos cortesãos imundos.
Entre os convulsos silices de gemas. Êle escondeu-se. — E os homens o seguiram,
E o viram co’a cabeça reclinada
De mel e leite os trépidos arroios.
Em pedra rígida, — e deitado em tálamo
De urtigas. — Mas alfim o escarneceram.
Oh Palestina, oh virgem dos mistérios! Escarneceram do pregão do apóstolo.
Quem assentado em teus alpestres píncaros. Escarneceram do poder do Eterno.
Sentindo o vendaval soprar-lhe a grenha,
E o cedro secular rompendo as nuvens,
Como um gigante, — e ao sopé dos montes V I.
O rio a murmurar, como a donzela
Junto do amante a desfazer-se em queixas, Hoje, porém, êle não mais assoma
E ao longe a voz dos vagalhões bramindo Severo e forte às portas da cidade,
Horrenda mais que a confusão do inferno, Como o bramido do leão das selvas.
— Quem poderá deixar de ser poeta Não mais remonta aos coruchéus altivos
Ao menos uma vez, — oh pátria de anjos. Das colunas do Egito hieroglífico,
Oh Palestina, oh virgem dos mistérios! Co’o disco em tôrno do semblante aceso.
Não mais asila-se ao deserto e às lapas,
Não foge Roma, — a dona dos triunfos,
I I I. Roma, — a senhora das nações da terra.
Mas os filhos dos homens o escarnecem,
Inda escarnecem do pregão do apóstolo,
Ali foi educado, entre as palmeiras
Inda escarnecem do poder do Eterno.
E o cedro e o múrmur do regato e as penhas
E o rugido dos mares e as procelas,
— O gênio entusiástico do apóstolo. V I I.
Êle entre as tribos assomou severo
Às portas de Sion, co’a voz constante, Oh destinos do céu! — porque não somos
Ainda agora os índios das florestas?
Com o rugido do leão das selvas.
Porque degenerado em nossas veias
Vinha vestido de sinistro saco, Gira tão raro o sangue do Tamoio?
E predizia a vinda do Homem-santo, Porque êsse fogo irrequieto e vivido,
Do máximo dos vates: — mas as tribos. Como o corisco a recortar o éter,
— Porque êsse fogo, que acendia os olhos,
As ímpias tribos, e os rabis fanáticos
E o peito imenso do Tupi guerreiro,
Escarneceram do pregão do apóstolo. Nos olhos e no peito de seus filhos
Escarneceram do poder do Eterno. Estanque e frio e gélido volveu-se?

[419]
L U ÍS JO SÉ JU X Q U E IR A F R E IR E

Bárbaros eram. — Mas em ranchos longos, Coberto 1358 de baldÕes a par do réprobo.
Nos tejupás pendido das embiras Ante o mundo ao martírio o colo curva,
Desamparando o vibrador tacape, E aos céus cantando um hino sacrossanto,
Como as notas finais do órgão do templo.
E meneando os colos enlaçados 1^54 Confessa a Deus, e — confessando — morre.
Das correntes das pérolas do rio,
E assuberbando as pequeninas testas
Co’o variegado canitar nutante,
E cingindo ao redor do esbelto corpo
As multicores lindas arazóias, 0 JESUÍTA.
Das araras à púrptira roubadas,
— Demandavam as ocas tenebrosas (S É C U L O X V lll.)
Dos severos e ascéticos piagas.
Deus é que dirige estas cousas: êle permite que exis­
E os consultavam nas empresas 1^55 árduas, tam imperadores e algozes para que hajam santos e már­
E decoravam seus orác’los santos, tires: êle eleva os impérios para que haja lágrimas, eastiga
para regenerar.
E decantavam seus poemas místicos,
LACORDAIRE.
Como o primeiro beijo da donzela
Dado furtivo entre o amor e o pejo E ra longe — bem longe: e eu vim primeiro
Nos lábios caldos do donzel, que a vida Cindindo as ondas dêsse mar profundo.
Expandir-se-lhe sente em moles pulsos. E por amor da Cruz vaguei sòzinho
Nas ínvias matas dêsse novo mundo.
— Oh! que não somos os briosos tapes.
Filhos da virgem da guerreira Am érica! O tamoio gentil ervava as setas,
Quando pelos vergéis, tão seus, me via:
E ra o supremo Deus onipotente E co’os olhos fosfóricos ardendo
Tupá — o sábio autor da linda lua, A taquara fatal a mim tendia.
Do sol vermelho e das montanhas de ouro
E dos búzios marinhos, e dos cardos E tendia a taquara, — mas ao ver-me
Que o viajor nos areais saciam, Quão sem temor e quão inerme estava.
E do azulado beija-flor das veigas Trocando em doce o seu olhar fogoso,
Que trebelha, brinca 1356 entre os arbustos O arco e a seta pelo chão rojava.
Como os desejas sôfregos do amante.
De mim as tribos bárbaras, indômitas.
De mim o verbo do evangelho ouviram.
Que tinha? — Deus é Deus! — vozes não
E ergui a cruz nos píncaros dos montes,
[mudam E após o verbo os povos me seguiram!
O ser do Eterno — idêntico, — imutável,
Nos planetas do céu — si mundos fôrem —
Eu disse às tribos: — Tôdas vós sois ricas,
Ou só na terra, si ela é só no imenso.
—• Que o ouro e a prata o solo vosso esmalta.
Jeová, que expedia o arcanjo etéreo
Sois ricas tribos, — mas não sois felizes,
Em vante dos exércitos hebraicos Porque uma crença de um só Deus vos falta.
Co o facho aceso cm fogo inextinguível:
Brama, que transmitiu a luz celeste, E eu dei às tribos uma crença doce.
E o puro espírito e a energia c a forma. Qual uma chuva de maná celeste:
De que é princípio, — aos fabulosos índios: E as tribos foram desde então felizes.
Theos, que deu aos Gregos mitológicos Qual flor pomposa que os jardins reveste.
Um vasto olimpo arcado de miríadas
De lindos deuses, — símbolos dos gostos: E quando os reis da terra se esqueceram
Tupá, que engendra 1357 no infinito espaço Das tribos dadas a seu cetro forte,
O trovão co’os bulcões vertiginosos Eu levantei-mc, e disse aos reis da terra,
E os chuveiros de pedra e o raio e a m orte: — O povo geme: transmudai-lhe a sorte. —
Tudo é Deus, tudo é Deus! — o mais são nomes.
Eternos templos eu ergui sòzinho,
Eternos como a duração da terra.
VIII. E sòzinho sagrei altares tantos
Ao Deus que aos ímpios c’o trovão aterra.
Nos áditos do místico pagode
O ministro de Bram a aspira incensos. Eu dei às tribos uma crença doce,
O áugure de Théos, assentado Eu levantei alcáceres eternos.
Na trípode tremente, auspícios canta. Deram-me os homens proscrição e morte,
O piaga de Tupá, severo e casto, Deram-mc cm prêmio as fezes dos infernos.
Nas ocas tece os versos dos oráculos.
E o sacerdote do Senhor, — sòzinho.

[ 420 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

A FLOR MURCHA DO ALTAR. Leva a modéstia na fronte.


Leva no peito a oração.
Leva seu livro dourado.
A P edido de F r . F rancisco da N atividade
Leva pura devoção;
Leva a rosa, — a linda rosa
C arneiro da Cunha.
Nos dedos da breve mão.
— Quem não sabe ser Erasmo é que deve pensar em Rezou; — e depois ergueu-se.
ser Bispo.
Dirigiu-se ao santuário.
LA B R U Y ÈRE.
Modesta, — qual sua prece.
Qual a luz do alampadário;
I. E depôs a linda rosa
Ao pé do santo Calvário.
E stá murcha: — assim nos foge
A brisa que corre agora.
E stá murcha: — assim o fumo I I I.
Cresce, cresce, — e se evapora.
E stá murcha; — assim o dia Os anjos depois vieram.
Em raios afoga a aurora. Respiraram sôbre a flor.
A flor cobrou mais beleza.
Mais gala e mais esplendor.
E stá murcha: — assim a morte Ali ao pé do calvário
Do mundo as glórias desfaz: Deu mais expansivo odor.
Assim um’hora de gôsto
Mil horas de dores traz;
Ali parecia aos olhos
Assim o dia desmancha Crescer, c re s c e r... Mas agora?
Os sonhos que a noute faz.
Agora murcha — tão murcha —
Não tem a gala de outrora.
Está m u rch a ... Ainda agora — Assim o fumo do teto
— Eu a vi — não era assim. Cresce, cresce, — e se evapora.
Era linda, era viçosa.
Acesa como o rubim. Assim as horas do tempo
Reinava, como a rainha, Correndo, correndo vão.
Sôbre as flores do jardim. Assim passou inda há pouco
O matutino clarão.
Assim ontem fôste infante,
I I. Assim hoje és ancião.

Foi a donzela mimosa, Murcha, murcha! — não expande


Foi passear entre as flores. Jam ais seu odor intenso.
Foi conversar co’as roseiras. Flá de secar — feliz dela —
Foi-lhes contar seus amores. Junto à Cruz do Deus imenso.
Julgando que sôbre as rosas Há de aspirar sôbre as aras
Não se reclinam traidores. O cheiro do grato incenso.

Ela foi c ’os pés formosos Feliz! — seu leito de morte,


Deixando mimoso rastro. Sôbre as aras, ela tem.
Qual no céu passou de noute. A prece que vai ao céu,
Correndo, fulgindo, um astro. Sôbr’ela primeiro vem.
E esta rosa foi cortada A mirra que a Deus incensa.
Com seus dedos de alabastro. Incensa a ela também.
(1 85i).
A rosa ficou mais bela
Naquela virgínea mão.
Encheu de perfume os ares.
Talvez com mais expansão. O INCENSO DO ALTAR.
Mas a virgem teve pena
De pô-la em seu coração.
I.

Entrou no templo a donzela Os sons do fácil órgão;


Coberta 1159 co’o véu de renda. A voz dos corifeus:
— Teme que aos olhos dos homens As orações dos crentes;
Sua modéstia se ofenda: O susto dos ateus:
Como a cortina das aras, Tudo apregoa e prova:
Que aos ímpios se não desvenda. — Aqui domina Deus! —

[421]
L U ÍS JO S É JUNQUBTRA BRKTRK

Silencioso esteve, Si não te mente, oh ímpio,


H á pouco, — o santuário: Esse sistema teu:
Qual a mudez, que guarda Si não é como o riso
Jazigo mortuário: De ambíguo fariseu:
Qual o terror do nauta Como o falar do hipócrita,
Em mar tumultuário. Que também é ateu:

As almas dos finados Que inferno de torturas


Erguiam-se do pó: A mente não te coa!
Chocando-se torvadas. Ao doce som do órgão,
Cruzando as naves só: Que pelos vãos reboa!
Contando às colunatas Aos cânticos sagrados,
As ânsias de seu dó. Que o povo e o côro entoa!

Às preces do ministro,
Fugiram já, — fugiram Que ao Cristo, por ti, ora!
Dos sacros penetrais: À face dêsse templo,
Qual foge de repente, Que os lábios te descora!
Da mente dos mortais, Qu’ao Deus, — que negas, ímpio, —
Do mal a triste idéia E louva e reza e adora!
Com a dos bens reais.
Compunge-te — e conhece
Purificou-se o éter: De Deus a justa mão.
Espectros mais não há. Vem comungar do cálix
Sôb r’êles cai a campa, Dos gozos do cristão;
E um ôco baque dá. Que sentirás arroubos,
Sumiram-sc no abismo: Que terás alma então!
Deus não nos ouve já.
V ê como sobe o incenso.
Quais globos de um bulcão!
I I. E pelo teto rompe.
Quais lavas de um vulcão!
E aos céus leva a fragrância,
Agora entoa 1^60 o côro — Veloz, qual um pegão!
Hinos de compunção.
Levanta a voz dos crentes Vê como sobe o incenso,
Altívola oração. Que aromatiza o altar:
Ateu! — medita: é tempo .Suave, — qual a brisa
De ainda haver perdão. Entre o fervor do m ar:
Suave, — qual dos anjos
Não te comovem a alma O doce respirar.
Os cantos dos cristãos?
As notas, que produzem
I I I.
Do organista as mãos?
As notas, que percorrem Ai! — praza a Deus que breve.
Do templo pelos vãos? Tão breve como a flor.
Ardendo o incenso, — ardendo.
Nem das nuvens de incenso Qual virginal rubor.
O quente recender? 1361 Transponha aos céus a alma
Que vão, nas mãos das auras, Do triste trovador!
No teto esvaecer?
— ím pio! tu não tens alma.
Ou não na queres ter?
O MISANTROPO.
Vê como sobe o incenso.
Quais globos de um bulcão. Ao M e u A migo L u p é r c io O ahagem C h a m p l o n i .
Vê como cresce a reza,
Quais lavas de um volcão. I.
Vê como encanta 1^ 6 2 a orquestra,
Qual voz de um furacão. Debalde procuro
O campo, as florestas:
V ê tanto entusiasmo Imagens funestas
Na face dêsses crentes. Me seguem té lá.
Vê tanta confiança Nas lapas, nas rochas.
Em almas tão tementes. Debaixo da terra,
Vê tanta fé em Deus, Um busto me aterra,
— No Deus que não consentes! Um homem está.

[ 422 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Co’os olhos brilhantes, Maldigo as estréias.


Co’as faces formosas, As nuvens, a aurora,
Co’os lábios de rosas. A queixa sonora
Sorri-se 1^65 p’ra mim. Das aves do céu.
Debalde lhe amostro Maldigo êsse encanto 1370
Medonho o semblante: Que abismos encobre,
Co’um gesto galante — Mulher que se cobre
Responde que — sim. Co’as dobras de um véu.

Na areia da fonte, Maldigo a ciência


Nas urnas do rio, Que os homens tortura,
Meu rosto sombrio — Formosa loucura
Se encontra 1366 co’o seu. De face louçã;
Ajunta seus lábios. Procela da insânia.
Bebendo comigo, Pegão de sofismas.
— Fatal inimigo Montanhas de prismas.
Que o fado me deu. Figura de Pã.

Correndo assombrado Maldigo a virtude


Do vulto gravoso. Instável cad’hora,
Veloz, pressuroso. Demócrito agora,
Demando a soidão. Agora Catão:
Mas, inda correndo. Fantasma versátil.
Si volto co’os olhos. Estranho, não visto,
Encontro 1367 os sobrolhos, Que ri-se no Cristo,
Da eterna visão. Que chora em João.

E sempre a sorrir-se, 1368 Sedento da raiva


Qual moça inocente, Que nunca me finda.
Co’um modo contente Mais válido ainda
Dizendo-me adeus. Maldigo meus pais.
Renego-te, oh anjo Depois, elevando
b'atal, sempiterno. A vista ao superno,
Ou venhas do inferno. Maldigo do Eterno,
Ou venhas de Deus! Por ser dos mortais.

I I. I I I.

Nos raios da aurora, E sempre êsse busto


Nos trinos das aves, De homem que odeio,
Nas brisas suaves, Me vem, sem receio.
Na voz da manhã. Constante, escutar.
Em pé, sóbre os montes, E a cada discurso,
Co’ um brado que aterra. Que franco improviso.
Maldigo essa terra Responde co’ um riso,
Tão ampla, tão vã. E põe-se a calar.

Os homens odeio, No seio das rochas


Com ódio profundo, Debalde me amparo,
Com ódio, que o mundo Que sempre o deparo
Não pode entender. 1369 Co’ um riso dos seus.
Então, quanto quero. Castigo infinito,
Derramo do peito Tantálico, eterno,
O fel, que, desfeito, Que veio do inferno
Não posso conter. Por ordem de Deus!

E clamo em discursos. Em cima da rocha


Em odes atrozes, Me assento ferino
E os brutos ferozes Com gesto assassino
Me temem de ouvir. Buindo um punhal.
Dos raios, que atiro, Mas êle desata.
Feridas as selvas, Deixando-me em pasmo,
De folhas, de relvas Com rude sarcasmo.
Se fazem despir. Risada brutal.

[ 423 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE

E corro demente Mais tarde — quando acordava


Por ínvias devesas, Quando a aurora despontava.
Co’as faces acesas, Erguia-me sua mão.
Co’o ferro na mão. Falando pela voz dela,
E o busto sinistro Eu repetia singela
Recua voando, Uma formosa oração.
De frente me olhando
Co’ um riso brincão. Minha mãe era mui bela,
— Eu me lembro tanto dela.
E sempre a sorrir-se, De tudo quanto era seu!
Qual moça inocente, Minha mãe era bonita,
Co’ um modo contente E ra tôda a minha dita,
Dizendo-me adeus! E ra tudo e tudo meu.
Castigo infinito,
Tantálico, eterno, Êstes pontos que eu imprimo,
Que veio do inferno Estas quadrinhas que eu rimo,
Por ordem de Deus! Foi ela que me ensinou. 1377
As vozes que eu pronuncio.
Os cantos que eu balbucio,
F oi ela que mos formou.
A ÓRFÃ NA COSTURA.
Minha mãe! — diz-me esta vida,
Diz-me também esta lida,
Ela lhe ensinou 1372 a levantar suas mãos puras e inocen­ Êste retroz, esta lã:
tes para o céu, a dirigir seus primeiros olhares a seu Criador.
Minha m ãe! — diz-me êste canto,
(F L Ê C H IE R ). Minha mãe! — diz-me êste pranto,
— Tudo me diz: — minha mãe! —
Minha mãe era bonita,
E ra tôda a minha dita, Minha mãe era mui bela,
E ra todo o meu amor. — Eu me lembro tanto dela.
Seu cabelo era tão louro, De tudo quanto era seu!
Que nem uma fita de ouro Minha mãe era bonita,
Tinha tamanho esplendor. E ra tôda a minha dita,
E ra tudo e tudo meu.
Suas madeixas luzidas
Lhe caíam tão compridas, 1373
Que vinham-lhe os pés beijar.
Quando ouvia as minhas queixas.
Em suas áureas madeixas
E la vinha me embrulhar. 1374 MEU FILHO NO CLAUSTRO.

Tam bém quando tôda fria C anção M a t er n a .


A minha alma estremecia,
Quando ausente estava o sol, Eu não sou tua mãe que te preza?
Os seus cabelos compridos, 1375 Tu não vês meus cuidados maternos?
Como fios aquecidos. E me escondes as dores que sentes?
Serviam-me de lençol. Não sei eu teus desgostos internos?

Minha mãe era bonita, Eu te disse, meu filho, eu te disse


E ra tôda a minha dita, Que jam ais te apartasses de mim.
E ra todo o meu amor. Tu quiseste, meu filho, tu fôste,
Seus olhos eram suaves, Tu agora padeces assim.
Como o gorjeio das aves
Sôbre a choça do pastor.
Tu deixaste meu seio materno,
Tu deixaste teu pai tão doente!
Minha mãe era mui bela, Vê teu pai, como, gasto de angústias,
— Eu me lembro tanto dela. Chora e geme — perdido e demente.
De tudo quanto era seu!
Tenho em meu peito guardadas
Suas palavras sagradas Tu deixaste os lugares da infância.
Co’os risos que ela me deu. Mais as flores do nosso jardim.
J á não brotam, não cheiram as flores.
Os meus passos vacilantes J á não deitam perfumes assim.
Foram por largos instantes,
Ensinados 1376 pelos seus. Já não deitam botões as roseiras.
Os meus lábios mudos, quedos Já não deitam siquer uma flor.
Abertos pelos seus dedos. Elas sentem, percebem — eoitadas —
Pronunciaram-me: — Deus! Que perderam também seu cultor.

[ 424 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Eu beijei teu fantil jasmineiro, Blasfemei dêsse Deus que arrancava


E pedi-lhe em teu nome um jasmim, De meus braços meu filho querido:
Veio a brisa, moveu-lhe a folhagem. Que despia-lhe os trajos de sêda,
Percebi que negava-mo assim. Para dar-lhe um funéreo vestido.

Tuas plantas bem sabem — coitadas — Blasfemei dêsse Deus que lhe impunha
Que perderam seu lindo cultor. t'érreos votos, eternos, sem fim:
Elas sabem também que tu vives Que seus filhos por vítimas conta:
Sepultado no abismo da dor. Que quer tantos martírios assim!

Teu presente, meu filho, é tão triste!


Que será teu futuro e teu fim? E ’ mentira. Essa lei violenta
E quem pode esperar mais horrores Não foi feita por Nosso Senhor.
Quem começa com tantos assim! Nosso Deus não nos prende com ferros,
Mas com laços de dócil amor.
Tu quiseste ser monge, tu fôste,
Tu saiste da casa paterna. Não inveja da mãe os prazeres,
Insultaste os maternos pedidos, Como rosas ornando o festim.
Mais a queixa infantil e fraterna. Não lhe dá inocentes filhinhos,
Para em vida arrancar-lhos assim.
Teus irmãos levantaram mil vozes
Com seus lábios de ardente rubim. Blasfemei! — e no reino das chamas
E clamaram, — coitados — chorando, Dos demônios ouviu-me a coorte:
Que não há, como o teu, gênio assim! E rompeu numa horrível orquestra.
Digna festa dos filhos da morte!
Tu cortaste os anéis dos cabelos,
— Teus cabelos, que eu tanto estimava. A minh’alma riscou-a em seu livro
Eu por êles c h o r e i.... tu sorriste, De meu Deus o cruel querubim.
Tu mais fero que a fera mais brava! Não faz m al: foi por ti que perdi-a.
Oxalá que eu ganhasse-te assim!
Eu por êles chorei: — que êles eram
Lindos fios de prêto cetim.
Mas tormentos oprimem teu peito
Para seus tua irmã os queria,
Mais terríveis talvez que êste inferno.
Que os não tinha tão belos assim.
Sim : tu sofres, — eu sei, — mais angústias
Do que sofre meu peito materno.
As mãozinhas da irmã que te chora
Teus cabelos, brincando, alisavam.
Quantas vêzes meus lábios sedentos J á não brinca o prazer em teus olhos
Teus cabelos, meu filho, beijavam! Mais travessos, que vivo delfim.
As tristezas, que afeiam teu rosto,
Não há delas nos homens assim.
Hoje — que é de teus lindos cabelos.
Tão corridos, qual prêto cetim?
Hoje tens desnuada a cabeça, Não me escondas, meu filho, estas penas.
— E que frio não sentes assim? De pesares comuns não me prives.
Eu bem sei que sem mim — entre estranhos
Mas eu tive coragem p’ra ver-te E ’ difícil a vida que vives.
Adornado de crepe feral.
E te vi revestido a cadáver, Vem, descerra, meu filho, êstes lábios,
Como a face do gênio do mal. Onde vi transpirar-te o carmim.
Fôste ingrato, é verdade: mas sabe
Eu a Deus perguntei: — Pois ao mundo Que eu te estimo, meu filho, inda assim.
Para as dores somente é que eu vim?
Para ver e sentir que meu filho
Entre a febre teu pai se revolve
Dá-me tantos martírios assim?
Nesse leito que outrora foi teu.
Grita, clama, tateia, procura
Nos degraus dos altares ao longo Só por ti — primogênito seu.
Te prostraste co’a face no chão.
E juraste ao Eterno ante os homens
Que meu filho não eras mais não. Fôste ingrato! — deixaste teus lares.
Teus irmãos, mais teu pai, mais a mim.
Tu quiseste ser monge, — meu filho.
Blasfemei nesse instante do Cristo Tu agora padeces assim!
Nos assomos do meu frenesim.
— Os amores de pai não são nada.
Os extremos de mãe são assim!

[ 425 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIEA FRKIRE

MILTON. 1380 Cromwell no sólio venerou tal homem.


Depois um déspota acatou-lhe o orgulho.
Ao J ovem P oeta Odorico Otávio Odilon. Pobre inda é livre, — como cego e velho
Inda tateia inspirações e carmes.
Fòra devida ao gênio outra homenagem:
Mas a ofrenda do pobre agrada ao sábio. Limpa-lhe a filha as lágrimas com ósculos.
Sustém-lhe o corpo co’ um abraço a espôsa.
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses, Lá vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses.
Dobrai a curva ante o moderno Homero. Dobrai a curva ante o moderno Homero.
Nos campos de Albion, tremente e cego,
Inda tateia inspirações e carmes.
Vêde-o: — cansado lá se arrima à esposa,
Que num abraço lhe sustenta o corpo.
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses, POBRE E SUBERBO.
Dobrai a curva ante o moderno Homero.
— A pobreza orgulhosa explica o cinismo de muita
Co’a pupila sem luz procura embalde gente.
Fitar o sol, onde um arcanjo habita. (M ARQ UÊS D E M ARICA).
Vate divino, — êle enxergara 1381 outrora
Nos raios dêste sol descendo os anjos.
Num de seus raios êle ainda espera I.
Que um anjo venha, e lhe esclareça a vista.
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. Ali naquele alvergue derrocado
Dobrai a curva ante o moderno Homero. Pela sanha do norte
Um velho existe, — que libara um dia
Em vão a filha que escreveu-lhe os cantos Os ósculos da sorte.
Dirige os olhos do cantor do Empíreo.
Em vão a incerta e trêmula retina Às portas lhe bateram os prazeres
Crava-se imóvel no luzente raio. Dourados de ventura.
Não mais o anjo, que êle vira outrora. Sorriam-lhe os amôres encantados.
Desliza lá do sol, baixando à terra. Sorriso de doçura. 3383
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses.
Dobrai a curva ante o moderno Homero. Infindo pelotão de amigos nobres
Subia-lhe as escadas.
Não mais o Éden, como dantes, flore, Co’ esgares de paixão lhe olhavam ternas
Não mais o cedro vai topar co’as nuvens. As damas afetadas.
Não mais o homem, pelos prados livre,
Medita Deus, medita amor, — e dorme.
Tocou-lhe um dia na intonada fronte
Não mais essa mulher perfeita e nua
O dedo da desgraça.
Sonha inocências, e inocências fala.
E , qual fumo disperso pelos ares.
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses.
Seu fastígio esvoaça.
Dobrai a curva ante o moderno Homero.

Milton, Milton não vê o céu que canta, Despareceu, — qual vento, a chusma inúmera
Não vê a terra cujas cores pinta. De tanto e tanto amigo.
A esposa, a espôsa é-lhe invisível mesmo: E os filhinhos ao peito, a espôsa ao lado,
Só pelo espinho reconhece a rosa. — Chorava sem abrigo.
Chora entre os cantos, rouxinol celeste:
Só pelos prantos reconhece os olhos. Dominando a montanha, — ontem viçava
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. Pinheiro alevantado.
Dobrai a curva ante o moderno Homero. Rugiu de madrugada o sul teimoso:
Ei-lo no chão prostrado!
Mesmo entre prantos mavioso canta
O céu e a terra e o lôbrego do inferno.
Talvez da providência a mão piedosa
Abrem-lhe Homero as alvas mãos da espôsa.
Mostrou-lhe esta choupana.
Vai-lhe a filhinha transcrevendo os carmes.
Em meio do labor correm-lhe as lágrimas, Pelo aceno de Deus talvez a alçaram
Que a espôsa e a filha enxugam-lhe 3382 com O colmo e a agreste cana.
. . ^ [ósculos.
L a vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. I I.
Dobrai a curva ante o moderno Homero.
Vegeta o velho ali. Si dorme, acorda-o
Dorme depois, — e no dormir ressonha Dos filhos o lamento.
Co’os lindos anjos, que pensou de dia. Si acorda, — escuta a espôsa repassada
Antes do sol acorda, — e vai co’a espôsa De dor, fome e tormento.
Ao som de cantos despertar a aurora.
E sempre espera que num raio acaso Muito cedo a cabeça encaneceu-lhe 3384
Desça algum anjo e lhe ilumine a vista. Miséria e dissabor.
Lá vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. Não sabe trabalhar: — estava afeito
Dobrai a curva ante o moderno Homero. À paz, ao sono e amor.

[ 426 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Problema incrível lhe parece ao menos V.


Tão veloz decadência.
E não sabe suster o azar da sorte Ai! — que entrasse do pobre na guarida
Com constância e prudência. Benfeitor generoso,
Que na tripeça lhe deixasse adrede
E não sabe buscar, — de tonto e fátuo, Montão de ouro abundoso!
Em Deus consolação.
E não sabe incensar os pés do Eterno Vê-lo-ias — o velho, remoçado.
Co’ os fumos da oração. Desamparar a choça;
Na ventura olvidar essa tristeza,
I I I. Qne o coração lhe roça.

Ontem de tarde ergueu-se. — A esposa e os filhos Tal em lindo jardim roseira ,débil,
Em tôrno se ajuntaram; Que o inverno desnudara,
E, como ecoa um frêmito de espectros, Na primavera já pimpolha ovante,
— Fom e, fom e! — gritaram. Como si não murchara.

E pegou do bordão: — qual temulento, Porém talvez ao benfeitor nas costas


Foi caminho d’aldeia. Embebera 1387 um punhal:
Pedinchando, — era um grande que imperava Ou em dourada taça propinara-lhe
Com voz ingente e cheia. Um tóxico fatal.

O passageiro olhou-lhe os vis andrajos Sôbre suberbo, — ingrato! Ei-la do velho


E o sobrecenho horrível. Inteira a apologia.
Meneou-lhe a cabeça, — e escarneceu-lhe Hão de sê-lo também os inocentes
A nobreza risível. Filhinhos que êle cria.

Avezado a mandar — um potentado Os leõezinhos dos leões aprendem


Não deve pedir nunca; Sanha e sêde de sangue:
Embora os rins sensíveis lhe comprima Vão gostando de ver os pais sedentos
A mão da fome adunca. Tragar a preia exangue.

Chamam-lhe a isso nesse mundo os homens E rarissimo caso, — que entre os trances
— Constância e pundonor. — E os sofrimentos seus,
E, dos nomes co’ a côr, cuidam que apagam Uma só vez os lábios do velhinho
Da suberbia a côr. Não invocaram Deus!

O nome do que só, — de seu espírito


IV . Deu alma aos céus e à terra,
Quem sabe si no peito o velho, tímido,
0 velhinho voltou: — injusto e testo — Como um tesouro, o encerra? 1388
Maldiz o céu e a terra.
E torrentes de afrontas e blasfêmias Ou nado em ouro e pér’las, — e educado
Do peito desencerra. 1385 Em luzido salão.
Porventura seus pais não lhe ensinaram 1389
Assim como um tirano, que aguardava Siquer uma oração!
Da turba a sujeição;
Mal-sofrido se assanha, quando escuta Ai! — que vida o velhinho irá vivendo,
Ao seu ditame um “ não”. — Que vida de miséria.
Té que se lhe desprenda o lasso espírito
E grave entrou no alvergue: — os olhos torvos, Das peias da matéria!
A catadura má.
1 vai falar, — e a voz, que a raiva engasga, 1386
Rouco mugido dá. V I.

Nos olhos lhe adivinham os filhinhos Mancebos, que passais, — deixai o velho
O bem, ou mal, que traz. Viver na paz da morte:
Fisionomistas por preciso instinto Que um dia êle já foi, — como vós outros.
A natureza os faz. Rico dos dons da sorte.
E a mãe co’ os filhos um funéreo pranto Mancebos, que passais, — deixai o velho
Rntão do peito arrancam. Chorar ao pé da porta.
Só não chorava o velho, — que co’a raiva Não no insulteis, — já que a desgraça dêle
As lágrimas se estancam. Tão pouco vos importa.
Pranto e pranto de morte alevantaram Sêde, oh jovens brincões, — mais generosos,
Os filhos, — recordando — E não no escarneçais.
Que sustento malsão, — erva dos campos Mas 1390 antes venerai nas cãs do velho
Ainda irão catando. As cãs de vossos pais.

[ 427 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

Bem vêde-Io transido. — A m agra fome E ssa abstração de espírito quimérica,


As vísceras lhe esfola. Êsse suposto coração de amigo,
Não lhe olheis a arrogância, — oh bons mancebos, E xiste algures? — M orará no peito
Mas dai, — dai-lhe uma esmola. Da pombinha, que afaga entre os arrulhos
1851. A coleira do esposo, — e abandonada.
Deixando-o no pombal beijando os filhos.
Deita a correr trás os casais vizinhos?
— Ou morará, talvez, no adunco bico
OS CLAUSTROS. Do pelicano, que estrangula as vísceras
Para dar a beber seu sangue aos filhos,
(SÉCULO XVIII). E sendo adultos, desconhece-os todos?
— Êste ser ideal, tipo dos anjos —
A F rei Arsênio da Natividade Moura. Quem concebeu-o, escarneceu dos homens, 1393
Ou foi um parto de traição dos íncubos
Tu, que sabes chorar a crença exangue, Para mais tratear a mente aos vivos.
— Crente 1 — desamarás os ais de um crente? Desesperar, — ganhar a si mais almas.
Si é certo que existe um tal fantasma,
I. — Ou vive lá com Deus, além dos mundos,
Ou foi tolhido ao bardo igual tesouro. •—
Dorme, dorme teu sono, oh vã cidade.
Dorme teu sono sensual e podre:
Antes sòzinho ser. Si num despenho.
Que as estrelas e a lua, — de ofendidas,
De ignorante, cair, — nêle pereça
O inútil brilho em negro véu trocaram.
De vez p’ra sempre. Assim lascado o seixo
Carranca enorme de chumbadas nuvens
Das penedias da( fragosa costa
A côr dos céus trocou na côr do abismo.
Com ruído sonoro ao mar descendo
E ’ noite: e noite de pavor é ela.
Do gravitar nas asas necessárias.
Sacra aos mistérios de esquecidos túmulos.
As vagas perfurando, — achou.no pego
Sozinho o bardo aqui, — co’a noite e as trevas!
E paz e olvido e sepultura eterna:
Só êle aqui: — que o mundo é morto agora
— Não no arranques de lá, braço de ferro,
Nos braços do letargo, — irmão do nada.
Para dar-lhe depois em trôco a morte,
— E que morte? — o morrer do renegado! —
Só êle aqui co’ as campas dos finados No amargo travo da traição primeiro.
Na latidão dos claustros solitários, Depois no ecúleo de calúnia torpe,
Que apontando co’ o índice da morte No vasquejar, alfim, do desespêro.
Aos carcomidos dísticos das lápidas.
Sorrindo-se, 1391 lhe solvem o problema,
— Arduo problema, — do que monta o mundo I I.
E a vida e os homens e a vaidade dêles.
Que aí não haja uma alma, qual a sua, Tam bém agora, o céu está despido
Que ria-se da guerra e paz do mundo, Dos astros seus. — Nuvens de cinza o toldam,
— Ai! que difere a paz da guerra dêle? — E os amigos da noute o desamparam.
E, — qual vigia no arraial do exército, Tam bém agora os claustros estão mudos,
A noute vele entre o dormir das armas, E parecem dormir um sono eterno.
E a sós co’o trovador, co’os seus enlevos 1392 Quais solitários páramos infindos,
Venha, arroubada, comungar dos saibos Onde não há ouvir humano acen to ..
Do absíntio amaro, — que chamaram — vida? E ’ tudo m orte: — e só de quando em quando
Quebra um tufão das naves a calada,
Não: sòzinho — é melhor. Sozinho o cisne E vem dizer que a natureza vive.
No vazio dos céus mais livre adeja.

Aqui não há mister de alma bastarda. Oh quanta e quanta vez nestas desoras
Impura, — como os vermes do sepulcro, — Não viram elas levantar-se os monges,
Que lhe imole a inocência dos pensares, A transitar nos vácuos corredores,
— Como' de meigas turturinas aves
Quando na mente se fermentam inda
Tumultuosos, — qual do ninho escasso Compacto bando a revoar nos ares, — ,
Recatados e tímidos e graves.
O bando das alcíones garridas
Murmurando baixinho um salmo lindo.
Desprega o vôo pelo vão dos ares.
Aqui não há mister de alma bastarda,
Que as emoções mais íntimas lhe insulte. A cantar do Senhor as maravilhas!
Antes que saltem as idéias fora Quanta vez em silêncio respeitoso
Do cérebro, que apenas as continha, Não ouviram tôda grave e doce,
De pequenino, — e pelos lábios francos — Grave como o pensar de ancião idoso.
Em simples forma rápidas ressumbrem: Doce como o falar de virgem pura, —
Tal ao sereno exposta, — inteira a noute, De hinos e salmos e canções proféticas.
Anfora cheia do licor mais puro. Perdendo os ecos na expansão dos ares.
Lá por antemanhã, fervendo ao frio, Subindo em fumos à mansão do Eterno?
— Aventou com fragor, — e a linfa clara H o j’em dia — esqueleto do deserto, —
Se expandiu pelo chão, que a foi sorvendo. Que mais há i? — o túmulo do nada!

[ 428 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Agora só na negridão das rochas, Pediu a Deus inspiração, — incerto


Um talismã risível meneando, No que faria então. E após um breve
Algum aluno, que sobeja ainda, Fitar nos céus e meditar consigo.
Do fanatismo do caduco Egito, Perdão balbuciou sôbre os sacrílegos,
Evocando os espíritos do inferno E quêdo foi dormir na crença sua.
Nas extorsões do lívido semblante, Êle escutou também, uns dias antes,
— Murmurará ensalmos de demônios. — Qual voz do Eterno ensurdecendo I39s as vagas,
Quem se erguerá do marroquino leito, O salmear dos monges alta noute,
Abroquelado de oração piedosa, Que lhe acordou do sono, que dormia,
— Bem como invicto campeão da pátria — Desceu do leito e foi rezar nas contas.
Que a pátria vinga ao embraçar U94 do escudo, — Cuidoso alevantou-se ao romper d’alva,
Para aplicar um valioso antidoto No solitário templo entrou, — benzendo-se, —
As sinistras tenções do anjo das trevas, Encostou-se 1^99 ao festão de uma coluna
E debelar-lhe os cálculos de sangue? Co’os olhos no portão da sacristia.
— Nem um siquer! — os claustros estão quedos, Esperava que a mão e a voz do preste,
Como os sepulcros negros, que os povoam, — Bem como unção divina derramada
Como as colunas alvas, que os sustentam, Na cabeça do rei pelo profeta, —
— E nem um estalar de órgão saudoso Por entre o incenso da oblação mais santa
Na terra um hino a Jeová desfere. 1^95 Lhe abençoasse a encanecida fronte.
Esperou, esperou. Não mais os monges
Êles, depois — os cenobitas pios — Ouviu descer a lisa escadaria,
Também nas asas de orações devotas Nem subir os degraus das aras santas.
Baixavam à rudeza destas claustras, Qual vaporosa nuvem no horizonte
E um responso feral e difundido. Pela sanha dos nortes impelida,
Qual expansivo recender U96 de rosas. — Despareceram num relance. — E ’ morto
Caía sobre a campa dos finados, Nos claustros o pudor, no templo o canto.
E do pecado lhes roubava a pena. E o bom do velho soçobrado e tímido,
Então — óleo de unçâo — a reza santa. — Como si a vista e o siso lhe torvasse
Em lábios puros, — quais candentes brasas, ■
— O súbito clarão de um raio ao perto.
Fervendo, — deslizava enternecida. U97 Tornou aos lares, — foi narrá-lo à esposa,
Hoje — que resta do fervor antigo? E pelos olhos deslizando o pranto
— Pálidas preces, a desleixo, e mornas, As faces lhes encheu, — como o oceano!
Bem como a. voz do indiferente hipócrita.
Calam na laje, e ficam sepultadas. E os monges — onde iriam? — Os que unidos,
Como nos céus os anjos entre os anjos,
Na paz das celas, na soidão dos claustros,
III. Não sabiam viver, sinão consigo,
Modesto velho de mais longes eras, — Ôdio dos povos em países bárbaros.
Escárnio das nações, — hoje divagam
— Modesto como os olhos da donzela, —
Assentado ao luar a sós comigo A vastidão do mundo — e seus errores.
Nos degraus do vestibulo da igreja,
Fazendo prantos, me contou que houvera E vós que do solar benquisto dêles
Arvorado acolá junto do alpendre Os expelistes, — lhes tolhendo a pátria,
O dorido suplício do Deus-Homem. E nela o resguardar a muda crença,
Os monges co’os devotos, —•co’as velhinhas, E o sossego da vida e os pais e amigos,
E as trementes velhinhas conduzindo — Vencestes. — Triunfai, entes descridos!
Pela mão os netinhos inocentes, Esse monstro do inferno — êsse homicida
— Vinham beijar-lhe o pé, todos os dias, Ri-se co’o sangue da imolada vítima.
Recitar-lhe uma antífona eloqüente, Vossa vitória é tal: — folgai com ela.
A qual, a humanas ouças passageira. Folgai enquanto é tempo, — enquanto a morte
Vistosa aos anjos e formosa ao Eterno, Os vermes seus não ceva à custa vossa:
Lá no tope da cruz resplendecia, Enquanto os anjos de Lusbel treitentos
— Como cheiroso e lindo ramalhete Não vos arrojam de uma vez p’ra sempre
De mil corimbos de distintas flores As eternais, exteriores chamas;
Tecido pelas mãos alfeninadas Onde não há mais luz que o caos das trevas,
Das meninas donosas da campina. Onde não há mais paz que o desespêro,
Onde não há mais couto que a geena,
Hoje — que é dela — a cruz? — era um escândalo,
Onde não há mais redenção que o inferno!
Era, — inda mais, — um fanatismo estúpido,
Era vergonha aos sábios dêste século,
— E foi calcada aos pés, lançada ao fogo! I V.

O velho viu ainda a cruz do alpendre, Feliz e vêzes mil feliz aquêle,
— Teve êsse gôzo: — inda abraçou-lhe as travas. Que nos braços de irmãos, nos ósc’los dêles
E quando os maus e os ímpios, quais possessos. Deu aqui seu arranco derradeiro!
Entre sanha e blasfêmia a espedaçavam, Que em mortuária procissão solene
- - Êle os olhou choroso e compassivo. Desceu de lá da pequenina cela,
E alçando aos montes os quebrados olhos E veio aqui jazer entre os finados

[ 429 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

Sob a campa deserta há tanto século! Nessa idade vilã, — pela qual passo,
E , ao romper d’alva uma oração formosa Como a fumaça que o galerno extingue,
Caía, — como o gotejar do orvalho, —• Eu me consolo. — Do cantor mesquinho,
Na laje, — e vinha lhe ameigar as penas. Q ’aos homens não, a Deus ergue seus hinos,
— Na bastecida turma dos poetas,
E os filhos dos altares, deserdados, Que os tronos, os saraus, o amor celebram.
H oje depararão um só no mundo, Qual o pranto se esquece entre delícias,
Que a sêca pedra do sepulcro ignoto — Assim dêle também, — vate dos lutos, —
Vá borrifar co’a lágrima da prece? Há de memória se perder. — Ao menos
Meu Deus! — não há siquer uma alma pia! —• Que ninguém saiba a envilecida 1403 pátria,
Filósofos — cristãos, si o bem fizeram, Que o abortou, para que visse acinte
Não antolhavam recompensa dêle. Sua miséria e dó: — torrão estéril,
O prêmio e a c ’roa e a glória a seus martírios Onde emurchece H04 q inocente e o justo,
Deus Ihos guarda nos céus, entre os arcanjos. Como a roseira em tremedal plantada,
E o mau e o ímpio a florescer 1405 nas hásteas,
J á lá passaram as virtudes dêles, Como o cedro alteando o cimo às nuvens.
Como ciiuveiro de ouro em dia breve.
Porém as vastas colunatas góticas Que ninguém saiba o século maldito,
Dêsse edifício gigantesco e excelso Que o viu — nas urzes, pulular da túnica,
Sobejarão para atestar às eras, Que o viu — nas urzes, vegetar do tronco,
Com brado eterno, — os benefícios dêles. Que o viu — nas urzes, definhar das ramas.

Nossos pios avós chamando os netos Ei-lo o final tesouro de ventura,


Ao adro do casal, — e os reclinando Que a par da salvação — ansia o bardo,
Por sôbre a grama, no luar de prata, — M isérrim o! — que já não mais amima
E em tôrno as netas dedilhando os bilros Na terra um sonho de bonança e glória:
Nas almofadas, — ou girando o fuso. A quem os lábios rubros da esperança
Entre longo serão, — lhes vão contando Não mais sorriem seu sorrir 1406 de graças.
As lendas, que da bôca autorizada
Dos pais beberam : — recitando a história N ão: — que lhe sobra uma esperança: — o
Dêsses heróicos mártires da crença,
[túmulo!
Que os velhos guardam a-la-par da vida, — Similhante à bonina das campinas,
— Como na mente casta a virgem ama Que, abrindo o cálix, entre nova e murcha.
O fagueiro sonhar do amor primeiro, Saúda a tarde e profetiza a noute,
— Assim dos justos a memória vive E a morte sua ao avançar do dia.
No recordar das gerações passadas, Ei-la a flor derradeira de ventura,
Como a nauta conserva o ensejo augusto Que produz, moribunda, a débil árvore
Da salvação nas vascas do naufrágio. Dos enlevos 1407 do bardo, — melancólica,
Como o silêncio e a negridão dos claustros.
V.

Quando êste séc’lo de egoísmo e vícios. V I I.


Entre o rugido e o horror do passamento
Derradeiro, ansiar, — bem como o dia Ai — claustros, claustros! — si falar pudésseis
Cede, morrendo, ao trêmulo crepúsculo, Aos séculos por vir — que testemunho, 1408
E o crepúsculo à noute, — então que herança Que não darieis, das virtudes altas
Que legará nas vésperas da morte Dêsses heróis, que um dia vos alçaram!
Aos filhos seus, — aos séculos por vir? Materiais de pedernal, — sois mudos!
E qual será seu testamento? — O h! êsse, Não podeis levantar um brado ingente
— Obra de sangue e parto dos infernos, — Para fazer ouvir ao mundo inteiro
H á de selá-lo o anjo dos terrores! A defensa de vossos fundadores
E só três nomes conterá: — três nomes Caluniados, pobres e proscritos!
Que hão de no mundo reboar malditos,
Como o trovão arrebentando os pólos. Sim: foram maus: — muito de mais amaram,
Em férreas letras hão de ler-lhe os filhos: Com puro amor, — religião e pátria.
F A T U ID A D E E S A C R IL É G IO E S A N G U E ! Sim: foram maus: — obedeceram, livres,
Os netos do futuro, — os nossos netos No mundo a Deus, — na pátria a seu monarca.
Hão de amaldiçoar com mão de fogo Sem rojarem-se às plantas enlodadas 1409
Aos livres do presente, — e ao patrimônio De usurpadores, nem vilões tiranos.
De infâmia, que os avós lhes assinamos. Sim: foram maus: — compreenderam, sábios,
O espírito sublime do evangelho,
V I. — Da majestade dessa crença nova,
A qual, — na voz e nas ações do Verbo —
Eu, entretanto, — o bardo, que não vivo, Co’a regeneração, — nos deu profusa
Mas duro apenas nessa férrea idade, — Dons não gostados pelo velho mundo, —
A qual minha não é, — como do nauta — A liberdade co’o saber gozá-la,
Não são as vagas, que singrando trilha, — E a caridade e o igualar os homens.

[ 430 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

V I I I . X I.

Oh perseguidos mártires da crença Talvez eu tenha de sobrar ainda


De nossos pais! — eu, pequenino bardo, Para ver o remate iníquo e torpe
Sentei-me ao pé dos túmulos dos vossos, Dos planos sestros que maquina o ímpio.
Arredio dos vivos, e cortado Vê-lo-ei arrojar-se, blasfemando,
Vos mando meu saudar por entre angústias! Como as .hostes na sanha da matança.
Às clausuras da paz do eremitério,
— Sêlo da contrição dos meus e minha:
IX . Entrar, fulo de raiva, o sacro templo,
— Qual suberbo invasor de alheios muros, —
E vós outros, — oh sábios dêste século. Combalir, derribar a cruz das aras,
Talvez agora, — entre o dormir torvado, — —■Penhor, que herdamos de mais longes eras,
Sonhais na perdição dos servos crentes, Da fé dc nossos símplices maiores,
Dos servos do Senhor, que restam inda. — Testamento da crença assinalado
Adejando co’ as asas estanhadas Co’o sangue dêles, em cachoes ijorrado,
Por sôbre o leito cômodo e felpudo Como precipitosa catadupa.
Os enviados de Lusbel vos pintam, Cristais golfando, — vastas chãs alaga!
— Como num quadro enérgico e falante
Da ceifadora guerra e seus horrores, —
Vários desenhos de maldade vária X I I.
Contra a mal firme fé da Cruz divina.
O h! — si rolar por terra a cruz do claustro.
Expire o bardo seu nos braços dela!
X. Mas ai de vós, — varões da nova idade.
Mais sábios do que Deus, mais fortes que êle!
Sim: — quereis reformar, oh filantropos, Tramai, tramai co’a fúria dos demônios.
A natureza e a índole dos homens, Tram ai contra o Senhor e os crentes nêle;
E o sentimento inato e a fé co’a crença, Balda loucura; — a cruz espezinhada
Há de erguer-se maior noutro calvário!
— Que em vosso vago e túmido vasconço
1B51.
Nomeais — ignorância e prejuízo. —
Reformai, reformai: — mas os fenômenos
Das mãos do Eterno penderão, quais dantes.
No aceno d’Êle as leis da natureza
Se librarão, — como nos dedos destros SÓROR ÂNGELA.
Do menestrel as notas do saltério.
(E ra de 1823.)
E surdo a vosso mando presunçoso
O trovão rugirá — tremendo os ímpios.
Canção Dedicada às V irgens da S oledade.
O raio baixará queimando o éter.
Por sôbre o ovante vértice do hipócrita. Com fervor os guerreiros vitoriosos
Ao prasme do que rege os céus e a terra. As de primor subido, ufanos, colhem,
Capelas imurcháveis, 1413 era que noutes
E como Deus os quis na mente excelsa. Lidaste, e inteiro um dia, Angela egrégia.
Tais os homens serão, — até que um dia P AR AG U AÇU.
Na voz dos querubins disser — não quero! —
Para levar ao cabo a vossa empresa, 1412 Foi Deus — e não outrem — que os braços dos
[nossos
Torná-la digna do pensar de um sábio,
Regeu no conflito, — regeu na vitória.
E ’ preciso sustar as leis constantes, Foi Deus — e não outrem! bendito o seu nome,
Que o mundo em seu volver resguarda inteiras, Que aos nossos deu honra, deu fama, deu glória!
Como o pobre cristão na mente adora
Do benfeitor, que o arrancou do abismo, Capelas formemos das vestes das aves,
A voz e o riso e o apertar da destra, Das penas das lindas araras rubentes.
Capelas formemos p’ra as frentes sublimes
Quando, modesto, lhe fugiu dos olhos
Dos nossos guerreiros, dos nossos valentes.
— Anjo de luz entre o terror das trevas.
Malgrado vosso, — a onipotência d’Ële E os nossos valentes por Deus, — pela pátria
Será provada na impotência vossa, Façanhas obraram de eterna memória.
Como entre os dedos de afanoso artífice Foi Deus que inspirou-as: — bendito o seu nome,
No crisol, que não mente, o ouro impuro. Que aos nossos deu honra, deu fama, deu glória!
Mudai, — si podeis tanto, — a natureza.
Capelas formemos das folhas da pátria,
Arrematai perfeita a obra vossa.
Das folhas virentes do quente c a f é ...
Arrebatai das mãos de Deus o cetro, — Que cachos 1414 tão rubros, que flores tão alvas,
— E cantareis vitória, — oh filantropos! Que as virgens colheram-lhe agora do pé!

[431]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

Irm ãs, trabalhemos, concordes e sempre A FREIRA.


Durante esta vida fictícia, — ilusória.
Deus ama, Deus manda. Deus benze o trabalho. Crescei e multiplicai-vos.
Deus.paga o trabalho co’os prêmios da glória.
(PALA VRA DE D E U S).
Os jovens guerreiros entrando em triunfo
As testas adornem co’as nossas capelas. Eu jovem freira, bem triste choro
As nossas capelas são verdes, bem verdes, Aqui cosida co’a cruz de Deus.
São feitas por dedos de castas donzelas. Aqui sozinha, ninguém não sabe
Dos meus desejos, dos males meus.
Os jovens guerreiros que venham cingidos
Das folhas da pátria, — da pátria vanglória. Qual no deserto se praz a rôla.
— Que venham ao templo do Deus infinito, Cuidam que a freira seja feliz.
Que deu-lhes triunfos e cantos de glória. E a pobre freira, dentro da cela.
Ninguém não sabe que se maldiz.
Ao templo, oh guerreiros! — ao templo do Eterno,
Que aos povos opressos liberta num dia! Enquanto a vida não se desdobra,
Joelhos em terra! — que vão nossas vozes E apenas rompe, róseo botão,
Unir-se co’as vossas em doce harmonia! A freira insone prateia de astros.
Povoa de anjos sua soidão.
Louvores Aquele que humilha os senhores,
Que os servos humildes levanta da escória: Uma palavra que ela profere
Que os cetros arranca de altivos monarcas, E ’ sempre um ente que ela criou.
Que ao povo escolhido deu honra, deu glória! Uma florzinha que colhe acaso
E ’ uma amiga que ela encontrou.
O Deus das batalhas nos dias antigos
Viu servos seus filhos, — e servos de estranhos: Conversa à noute co’a estrela vésper.
Viu servos seus filhos, — olhou seu opróbrio. Ama o opaco de seu clarão.
Olhou-os carpindo seus males tamanhos. E sente chamas que julga dores,
E o peito aperta co’a nívea mão.
E o Deus das batalhas fechou seus imigos
Em urna insondável, marítima, equórea! Ela não sabe que a estréia vésper
— Louvores, guerreiros! ao Deus das batalhas, Influi nas almas lascivo ardor:
Que deu-vos triunfos e cantos de glória! — Que, não sem causa, no tempo antigo,
A estrela vésper chamou-se — Amor.
— Assim nós diremos aos nossos guerreiros,
Quando êles entrarem nos templos sagrados. A estrela vésper produz nas virgens
Hosana, oh donzelas! — o Cristo remiu-nos: Estranho incêndio, volcão fatal:
Não mais nossos templos serão profanados! Quer seja freira — do Cristo filha.
Quer seja antiga pagã vestal.
A face medonha dos bárbaros crimes
Não mais será vista na brásila história.
A estréia v ésp er... Fugi, meninas,
Os crimes fugiram c ’os homens da guerra,
Fugi dos raios do seu candor.
Na pátria ficou-nos o cetro da glória.
A estréia vésper influi volúpia,
A estréia vésper chama-se — Amor.
P or arcos de folhas e flores da pátria
Os nossos guerreiros terão de passar.
E nós, das janelas mais altas do côro. E a casta freira, co’a mão na face.
Mais flores havemos sôbr’êles jogar. Por longas horas demora ali.
É os tredos raios da estréia vésper
Não somos romanos: — troféus não erguemos, Ela inocente recebe em si.
Nem louros, nem pompas de fútil vanglória:
Só folhas da pátria — cafés e pitangas — E quando o sino tocou matinas,
Tais são nossos arcos, — tal é nossa glória! Ela tremia de seu fragor.
E a pobre moça — da vez primeira —
A pátria saudemos! — e o nome de pátria Das rezas quase sentia horror.
Juntem os, guerreiros, ao nome de Deus.
Não sentem, não sabem, não dizem tal nome E os olhos dela ficaram meigos,
Os ímpios sòmente, — sòmente os ateus! Como quem sofre doce pesar.
Não mais pulavam, delfins nas ondas,
Irmãs, trabalhem os: — formemos capelas E mal podiam brando oscilar.
P ’ra as testas dos filhos da nobre vitória.
— Tam bém seus triunfos, seus cantos são nossos.
Tam bém nos pertence metade da glória!
E os lábios dela — cravina há pouco —
Não mais vestiam carmínea côr.
E só nas faces lhe assomam rosas,
Mas não são rosas de almo pudor.

[ 432 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Então a freira em vão se abraça, A estréia vésper tem certos raios


Em vão se cose co’a cruz de Deus. Que traiçoeiros voltam p’ra lá.
Então a freira procura em tudo Fugi, meninas, da estréia vésper.
A causa, o alívio dos males seus. Temei dos gostos que ela vos dá.

Mas ela o sabe. Não é o Cristo Há certos raios da estréia vésper


De que ela espera algum sinal. Que são vampiros de argéntea côr:
O Cristo deu-nos remido o mundo: De nossos lábios — com vítreos beijos
E o bem que há néle supera o mal. E.xtraem, sugam todo o rubor.

O mundo, o m undo... eu freira aflita, Aos mornos raios da estréia vésper


Eu vejo o m un d o... como é gentil! Minha inocência tôda perdi.
Ah! eu preciso dessa palavra Mas a inocência, que sai da infância.
Que arrasta os homens aos mil e aos mil! Ai! não se perde somente ali!

Palavra imensa, divina e santa, A estréia vésper, ânfora sôlta.


Que inspira aos homens tanto labor! Bóia de prata em mar de anil.
Palavra fértil, fecunda e grande. Clama incansável — Amai, donzelas,
Mistério, influxo, talvez, de amor! E as fibras lavra flama sutil.

Porém as velhas, que me aconselham, Então lá dentro da aflita virgem


E que se dizem cheias de Deus, Salta um desejo, ferve um pesar.
Clamam, — não cessam — clamam que o mundo Tenta um alívio, acha uma angústia,
E ’ todo feito de vãos ateus. Linfa em brasido, volcão no mar.

Mas ah! quem sente chamas no peito Mas a inocência que a moça imola
Por uma bela palavra só: No altar sagrado de um peito igual.
Quem à porfia corre por ela. Mata o desejo, forma o remanso.
Rompendo globos de grosso pó: Oferta um gôzo sempre real.

Quem verte prantos na mão do pobre, Quando a virgínea côr se esvaece.


Que a Deus e à sorte reproches dá: Murcho o carmíneo, róseo botão,
Quem trava o braço de outrem, que passa. A estréia vésper que fêz o estrago,
Temendo o abismo, que vê mais lá: A estréia vésper não basta não.

Quem toma ao seio mulher, que firme O mundo, o m u n d o ... eu freira aflita,
No seio dêle deixa o pudor: Eu vejo o m u n d o... como é gentil!
Quem entre beijos lhe ensina aos lábios Não, não lhe enxergo 1^19 aberto o abismo,
Caudais palavras de áureo licor: Não lhe deparo volcões aos mil.

Ah! não, não pode — como elas dizem — O mundo, o m u n d o ... só néle eu posso
Ser insensível, ser vão ateu. Achar a parte a quem faltei.
O ateu não sente, não verte prantos. Eu devo, eu devo pagar ao homem
O amor não entra no peito seu. Esse pedaço que lhe arranquei.

O mundo, o m u n d o... eu freira aflita, Seu coração — nobre fragmento —


Eu vejo o m undo... como é gentil! Sente um vazio, que há de doer.
Não, não lhe enxergo aberto o abismo. Mesmo sua alma geme incompleta.
Tu mentes, mentes, alma senil! Quase roubei-lhe todo o seu ser.

Sim; velhas santas, velhas ufanas, O paraninfo — anjo o mais belo, —


Que vos dizeis cheias de Deus, Anjo das núpcias, feito por Deus,
Não! — êste mundo que Deus remiu Por Deus guiado, conduz as virgens
Não é composto de vãos ateus. Para os pedaços que são mais seus.

O mundo, o m u n d o... eu freira aflita, Leva-me, oh anjo, — que é tempo: — eu quero


Eu vejo o m u n d o... como é gentil! Achar a parte a quem faltei.
Mas eu fechada na estéril cela Eu devo, eu devo pagar ao homem
Existo prêsa num ócio vil! Esse pedaço que lhe arranquei.

Aos mornos raios da estréia vésper Ao mundo, ao m u n d o ... Leva-me, oh anjo.


Minha inocência tôda perdi. Abre estas asas: vou sôbre ti.
Inteiras noutes de acerba cisma Interno impulso me diz, meu anjo,
Eu, néscia amante, passei ali. Que não vás longe, — que basta ali.

[ 433 ]
T.UfS JO S É JUNQUKIRA F R E IR E

Minha sangüínea côr se esvaece, P or isso ao cruzeiro levantas os olhos,


Perdi as rosas de almo pudor. Co’a baça pupila nas córneas imota:
A estrela vesper — com vítreos beijos — Por isso acarinhas um só pensamento,
Sugou-me aos lábios todo o rubor. — A imagem do Eterno, — velhinha devota!

Leva-me, oh anjo. Tenho no peito A imagem do Eterno, — qual canto brasido.


Que me trasborda — vasta porção. Qual tocha das aras, — te brilha no aspeito.
À estrela vesper que fêz-me o estrago, A imagem do Eterno, — que o mundo repele.
Nem cruz, nem claustro, não bastam não. Adora, — qual mimo de amores, no peito.

E o chão do cruzeiro co’os nortes, que zunem.


Soprando os cabelos da velha tremente:
E a noute co’as larvas medonhas, — tão feias,
A DEVOTA. E o éter cerrado de névoa sòmente:

A suma perfeição consiste em vagar o espirito para E as aves noturnas co’os cantos de agouro,
Deus. Nos vãos do cruzeiro, — nos seus coruchéus:
(S . TO M A S). Lhe falam de um Ente, — que os homens esquecem.
Lhe falam na terra de um Deus que há nos céus!
Que rezas, que rezas, — tremendo co’ os lábios,
Co’a baça pupila nas córneas imota? Oh — beija fervente mil vêzes, velhinha.
Batendo nos peitos co’ as mãos descarnadas, Sim, — beija os emblemas de teu relicário.
Co’as mãos no rosário, — velhinha devota? Recita, — tremendo, recita essas rezas.
Correndo nos dedos o grosso rosário.
Coitada da velha, — que ou sinta pesares.
Ou sinta dulçores, não sabe chorar! E vós — oh donzelas gabadas de lindas,
Que o sorvo da vida, — de acéticos travos, Que tanto vos rides da velha — coitada?
O pranto nos olhos Iho pôde estancar! Deixai-a que suas camáldulas gire,
No frio ladrilho da cruz assentada.
Agora só reza nas contas benditas.
Só reza contrita, — que pode mais al? E ’ calvo o cruzeiro, — tão alto, tão alvo.
Que o tempo, que as rugas, que os anos que foram. Qual de caramelos lucente alcantil:
Contínuo lhe falam da lousa final. E ’ como um espectro: — fugi, oh donzelas,
Do espectro, que topa co’o arco de anil!
Que a vida, que vivem os homens na terra,
E ’ sonho, que a infância sonhou, a cismar. E todo êste quadro de horrenda poesia.
Feliz quem mais soube dormir êste sono, De assombros, — não trava de seu coração.
Quem soube este sonho mais longo sonhar! Sua alma não teme fantásticosí trasgos,
Sustida nas asas de linda oração.
Ai! — quem me pudera sondar os arcanos
Do peito da velha! — Que rica seara, E ’ seu gôzo todo: — prostrar-se nas lajes,
Que messe tão vasta de tanta verdade, Nas lajes marmóreas daquele calvário:
Que o jovem não sega, não rega, não ara! Liberta das vistas vipérias do mundo
Rezar mais devota no bento rosário.
Qual vôo do tempo nas asas das eras.
Tal é da ciência do velho o condão: Um dia, — era jovem, mimosa dos homens, —
Que quantos mais dias de vida lhe escorrem, H2l Os homens lhe deram um trono real.
Mais largas verdades crescendo lhe vão. Mas hoje, — velhinha, — co’os pés do cruzeiro
Se abraça contrita, — que pode mais al?
Velhinha, — é tão noute! — no chão do cruzeiro
Que rezas, — sustendo dos nortes o açoute?
Oh — não te arreceias das ruas desertas.
Oh — não te amedrontam as larvas da noute?
FREI BASTOS.
Não sentes, devota, — pressões nem arfagens, Anjo de luz, porque te despenhaste no inferno? — A
Quais vagas dos mares, — no peito torpente? história escrevia o teu nome na página das bênçãos: tu
O mau sobrecenho da morta velhice mesmo o riscaste, e o fôste escrever na página das mal­
Torrou-tc os sentidos desta alma fervente? dições.
(A LEX A N D R E HERCULANO.)
Oh—sim:—como a estrada que os séc’Ios trilharam,
Está calejado teu bom coração: Porque te afogas, Bossuet brasílio,
E das penedias na sílice alpestre No imundo pego da lascívia impura?
Tornou-se-te a tua senil sensação. Porque teus louros triunfais nodoas
Co’as roxas fezes do azedado vinho?
Que braço tão forte de ferro abismou-te Porque contínuo tua glória assopras
Das penas no fogo, — dos males no fundo? Nos leves bafos do charuto ardendo?
Quem nesta tristura, — volcão que devora, — Porque te afogas, Bossuet brasílio,
Quem nesta tristura lançou-te? — êste mundo! No imundo pego da 1^23 lascívia impura?

[ 434 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Desces do altar à crápula homicida, O RENEGADO. 1427


Sobes da crápula aos fulmíneos púlpitos.
Ali teu brado lisonjeia os vícios, C a n ç ã o do J u d e u .
Aqui atroa, apavorando os crimes.
E os lábios rubros dos femíneos beijos
Disparam raios que as paixões aterram. I.
Porque te afogas, Bossuet brasílio,
No imundo pego da lascívia impura? Vai, ímpio bastardo.
Vai, monstro sem crença!
E ’ vasta, é imensa
No alcouce infame que assassina o gênio
A estrada que vês.
As horas passas que a ciência chora. Pendida se inclina
No fôfo leito que os instantes mancham Por lúbrica esteira.
Os céus insultas co’o burel que estendes.
Suave ladeira
Nos torpes versos que o prazer te inspira P ’ra as chamas, talvez.
O inferno evocas, — e os demônios brincam.
Porque te afogas, Bossuet brasílio,
No imundo pego da lascívia impura? Teu pai te renega
Na voz do profeta
Co’a bôca repleta
Para as canções que celebraram Milton
De atroz maldição.
Deu-te o Senhor poética ardentia. Coberto 1428 de cinza,
Para êsses dons que Bossuet vestiram Co’o saco vestido,
Deu-tc o Senhor o fúlmen da eloqüência. Com pranto dorido
Duas coroas te entrançava ^425 a glória: Se prostra no chão.
Duas coroas desmanchou teu gênio.
Porque te afogas, Bossuet brasílio,
No imundo pego da lascívia impura? A mãe, que te amava
Com tanta ardentia.
Maldiz de teu dia
Lá sôbre os astros Bossuet te amava. Co’os carmes de Jó .
Ao escutar-te os êxtases 1426 primeiros. Hebréia formosa.
Tirava o resplendor da argêntea fronte. De rosto engraçado, 1429
Donde a Turenne a convicção partira. Por ti, malfadado,
Ia c’roar a testa igual à dêle, Se cobre de dó.
Que o novo mundo produzia quase.
Porque te afogas, Bossuet brasílio,
No imundo pego da lascívia impura? Com pena de ferro
Teu nome riscado
Do livro sagrado,
O cego de Albion também te olhava Da lei de Moisés!
Co’os novos olhos que no céu lhe deram. Teu nome famoso,
Êle esperava — e os serafins com êle — Das tribos querido,
Um Paraíso incógnito, mais belo. Agora espremido 1430
Depois, te achando sepultado em lama, Debaixo dos pés!
A Lamartine reservou seus louros.
Porque te afogas, Bossuet brasílio, Oh tu, desgraçado,
No imundo pego da lascívia impura? Mesquinho perjuro,
Que abraças impuro
Ah! Bossuet sôbre as estréias pára. Uns erros fatais!
Quanto é difícil a subida aos montes! Que ensino 1431 a teus filhos,
Voltaire abriu um boqueirão na terra. Que exemplo que legas!
Oh! como é fácil o pendor do abismo! Na lei que renegas.
Mas tu subiste a Bossuet um tempo, Renegas teus pais!
E ao mesmo tempo té Voltaire descias.
Porque te afogas, Bossuet brasílio,
I I.
No imundo pego da lascívia impura?
Talvez mais que os nossos.
Salve, poeta, que teus vícios cantas, Irás vagabundo
Que a noute e a plebe e a crápula desejam! De rastros no mundo
Salve, orador, que os púlpitos respeitam, Sem têrmo, sem fim !
Que anátemas irônicos desferes! Nas selvas, nas côrtes
Mescla atrevida de sublime e baixo, Os homens com gôsto
Bossuet com Voltaire, três vêzes salve! Lerão em teu rosto
Salve por mim, — oh malfadado gênio, Sinal de Caim.
Onde as cidades nem os claustros cabem!
Tu, poeta, orador, — porque te afogas Na jura que quebras,
No imundo pego da lascívia impura? No crime que atentas.
Excitas, aumentas
Dos nossos a dor.

[ 435 ]
L U ÍS JO SÉ JU IíQ U E IE A F R E IR E

Pisando nas tábuas, Não basta que Tito,


Que foram-te entregues, i ‘*32 Que Roma viessem,
Afrontas, persegues Que até desfizessem
Ao mesmo Senhor. O templo de Deus.

Errantes, dispersos,
I I I. — Castigo que pasma! —
Andamos fantasmas
Outrora no Egito P or tôda a nação.
Nascemos escravos. H á mais de mil anos
Valentes e bravos. Sofremos calados
Sofrendo sem dó. P or crimes passados
Contentes nos tratos. De abominação.
Vivendo em penúria.
Cuspimos na fúria E vamos correndo.
Do mau Faraó. Correndo na terra
De encontro co’a guerra
Depois nos erguemos Terrível, cruel.
No meio da praça. E vamos correndo,
Em rude ameaça Nós povo escolhido,
Batendo co’os pés. Nós povo querido
E o rei por dez vêzes Do Deus de Israel.
Tremeu contemplando
Um Deus pelejando Ah! foram mui grandes
Na mão de Moisés. Os erros passados.
Os altos pecados
Depois nossos crimes. Do povo imortal!
Qual chuva de setas. A voz dos profetas
Malgrado aos profetas. Perpétua se cala:
Encheram o ar. Não clama, não fala
Castigo do Eterno, Nem mesmo de mal.
Sentimos na frente
O alfange furente Do vate dos trenós,
De Salmanazar. Do filho de Helcia
A crua elegia
E o campo três vêzes Faria-nos bem.
Vestiu-se de ossadas. Choráramos juntos
Ao longo espalhadas Com santa saudade
Por Nabuzardan. A vídua cidade
E , farto de crimes. De Jerusalém .
Tornou-se demônio
O rei babilônio, Mas sempre nas eras
Progênie de Can. Paternas que lemos.
Lutamos, vencemos
Sofrendo, esperamos, As perseguições.
Dos tempos no giro, Talvez que bem cedo
O nome de Ciro, Tenhamos completas
Sorriso de Deus. Dos nossos profetas
Previsto, ansiado As áureas visões.
Na voz do vidente.
Chegou de repente. E agora no mundo.
Livrando os hebreus. De há tanto previsto.
Assome êsse Cristo,
Messias real.
Ao jugo dos Gregos E ajunte num ponto
Curvando-nos quase. Com frases de brasas
Beijam os a base Debaixo das asas
Do ídolo Amon. O povo imortal.
Depois adoramos
Co’ um mêdo mais feio E venha co’ um cetro
O monstro que veio
Mais belo, mais novo
De lá de Escalon. T irar o seu povo
Do abismo de dó.
Não basta, não farta E cumpra-se à letra
Ao céu irritado O carme jucundo
O sangue espalhado Que, já moribundo,
Dos bons Macabeus. Nos disse Jacó.

[ 436 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

IV . Ah! réprobo infame,


Nem mesmo compunto,
E agora meu filho, No nosso conjunto
Nas tábuas cuspindo, Não podes entrar!
Nos deixa, sorrindo, ^“*^5 Já leio em teu rosto
— Meu filho! que dor! O estigma candente,
E vai treloucado Que te há de na frente
Seguindo, adorando Perpétuo ficar.
Um ídolo infando,
Um Cristo impostor. Nem pátria conservas,
Nem nome paterno,
E o povo do Eterno
Escuta, meu filho, Teu povo não é.
O brado materno, Vai, ímpio! — e que, ao ires.
E ao rosto paterno. Em meio à viagem,
Vem, tira-lhe o dó. T e engula a voragem
Si o Cristo que abraças Que abriu-se a Coré.
Não fôra loucura,
Seria impostura
A voz de Jacó.

O Cristo que abraças. 0 MONGE. 1438


Os erros que arrogas.
Por mil sinagogas (SÉCULO XIX).
Danados estão.
Há mais de mil anos I.
Que são reprovados
Por sábios sagrados Do embate aos sinos, pelos vãos da tôrrc.
Da crença de Abraão. Noturnas aves correm. Surdo dôbro
E ra quase seu choque incerto e vago
Têm sido julgados Nos ocos bronzes. A soidão profunda
Por santos doutores, Aumentava o pavor, crescendo a noute.
Profundos leitores Ali a mente, em êxtases prendida.
Da lei de Moisés. Prolongava êstes sons, pensando nêles.
E os nossos rabinos,
Ninguém vivia: a profundez do sono
Co’a , raiva do velho,
O falso evangelho Tinha co’os mortos irmanado os vivos.
Pisaram aos pés.
Eu te saúdo, viração da noute.
Frescor suave e triste! As tuas penas
Escuta, meu filho, São duras setas de gelado ferro,
O brado materno, Que, os cabelos riçando, entra por êles,
E ao rosto paterno. E nulifica o cérebro, passando,
Vem, tira-lhe o dó. E vai ao coração que pensa angústias.
O Cristo dos nossos Fácil não toca a neve aqui no peito.
Não vem perseguir-nos, Não toca? — Sim : mas não enrija 1439 as fibras,
Vem antes unir-nos Mas não extingue o sentimento nunca.
Num povo, num só. Vem recolher-se aqui, fugindo ao gêlo.
Inteiro, inteiro espírito, — de fraco.
Ah! volta, meu filho, Eu te saúdo, viração da noute!
À mãe que te chora. Que som me trazes de pesados passos.
Ao pai que te adora, Quebrando esta soidão! Nestas desoras
Que geme por ti. Podem viver somente o louco e o vate.
Ah! entra de novo
No nosso conjunto, Não! nem um dêles. Viração da noute.
E canta compunto Transporta-me seu nome. O louco e o vate
Os ais de Davi. Não amam só as trevas e o silêncio.
Também o desgraçado estima a noute.

I I.
Mas ah! renegado.
Bastardo, descrente. Bela aragem da noute! uns lábios de anjos
Mais ímpio que a mente Não é que te respiram? Teus anelos
Do ímpio Caim! Não são de um gênio bom que Deus nos manda?
Riscou-se, apagou-se O teu sereno arfar alembra aos homens
Teu nome execrado Quase um gôzo do céu. Lá noutras eras
Em pleno, sagrado. Alguém sentiu-te assim, desfez-se em lágrimas.
Geral Sinedrim. Pensou poeta e plácido em teu seio.

[ 437 ]
liU íS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E

Sôbre teu dorso esperdiçou seus males, Eu mesmo, eu vejo arrepiar-se a terra.
Consolou-se talvez, — e crente e altivo Si um golfada dêste sangue a ensopa. 1442
Chamou-te quase um Deus. — Mentiu-te ao todo? Tudo reprova o sacrifício estéril!
Donde o consolo que nas asas libras
Tácito e santo assim, descer-nos pode, Deus! teu filho deixou teu seio eterno
Sinão de lá do céu? Dentro em minh’alma Para salvar a humanidade, — e eu sofro
Eu sinto, eu sinto o impulso de adorar-te Debaixo de teu nome inúteis penas!
Sê minha musa, oh viração da noute!
Leva-me, pois, extasiado e livre Déspotas d’alma, déspotas do peito
Aos lares do infeliz. Si alguém se queixa, Sujeitaram à dor, à raiva, ao crime
Quero co’os dêle compartir meus males. Os símplices do Cristo. A natureza.
Norma por Deus nos corações plantada
Aquém e além da vida, em rudos tratos,
I I I. — Não, não morreu, — mas transformou-se ao
[todo.
V ejo uma cruz: entrelaçado nela
Férreo cilício com sangüíneas manchas.
O livro do cristão na tôsca mesa Nas praças de Sião, montões de povo
Os queixumes de Jó mostrava aos olhos. De vário modo entre clamor seguiam
Esplêndidas de pranto as próprias letras O herói da redenção. Falando aos homens
Estavam inda, — e a página molhada Co’ êsse estilo aos Demóstenes ignoto,
Das torrentes de dor de alguém que leu-a Pronunciou uma palavra, — e as selvas.
Quase por si imprecações falava. As solidões, os leoninos antros
Quase bramia, ao ver-se. A luz, tremendo, Pareceram gemer co’o pêso de homens.
De espaço a espaço a crepitar, gemia, As cidades cristãs, co’a mão na face,
Como entendendo a voz que enchia outrora Com redomas de sangue em tôrno aos olhos,
O flébil grito de Raquel sem filhos
De maldições, de lágrimas, de preces
Os campos de Hus. Levantaram de novo. Órfãs mesquinhas
Aos altos da montanha em ânsias sobem.
Oh plaga que geraste Clamam de lá pelo cantor dos trenós.
Uma alma pura de poeta e de anjo. Cansam em breve, — e descansar procuram
Salve por mim! Tu pelo Eterno fôste Sôbre o tronco do cedro. O espectro n e g r o ...
Abençoada um dia, antes que livre Seu nome — A s S oLAÇÃo — . . . co’a imensa mole
A mão de Satanás te ardesse a terra. Surgiu de um boqueirão que abriu o inferno.
Segunda vez abençoou-te o Eterno, Seu colo reclinou lá no oriente,
E deste a grama e o ciparisso 1441 g 3 5 flores. E co’a ponta de um pé bateu no ocaso,
P or mim, solo imortal, três vêzes salve! Onde inclinado o sol tremeu três horas.
E as cidades cristãs, co’a mão na face,
Talvez pensava assim, cruzando a cela, Com redomas de sangue em tôrno aos olhos,
Extasiado, um monge. Eu vi seu rosto, Espavoridas, por seus filhos clamam,
E li seu coração, seu pensamento. — Clamam, fugindo e lamentando ernbalde.
Eram -lhe as faces maceradas, lívidas
Com os livores da dor. Forçados sulcos Voltai, voltai das solidões, das selvas.
Cavou-lhe fundo o percorrer do pranto. Piedosos cristãos. Alguém mentiu-vos.
Não foi o tempo que encolheu seus visos. Alguém vos disse o que não disse o Cristo.
De enorme vastidão — dos Gregos cópia — Deus não é misantropo: estima a todos,
Parecia-lhe o cérebro um gravame, Como outrora os formou nos campos de Ásia.
Que apenas sustentava. Os cílios grossos
Dos olhos o fuzil lhe escureciam. P or seus dedos miríficos formado
Mais do que a nuvem que não cobre o raio, Foi a família o molde do universo.
Conselho aos anjos — não liame eterno —
E passeava em rápidas pegadas. Foi do Cristo a palavra. ímpios devotos.
Falando às vêzes, e parando a instantes. Piores que os ateus, mancharam tudo.
T é com seu Deus hipócritas sofismam.
IV . Deus não é misantropo: estima os homens,
Como outrora os formou nos campos de Asia.
Cristo — exclamou — tu padeceste um dia
Quanto, milhões de séculos vivendo, — Não sofismamos, não. Essa palavra
Não podia sofrer sòmente um homem: Lêde-a no livro eterno: intacta existe.
Porém remiste a humanidade inteira. Ninguém, ninguém pôde aumentar-lhe um ápice.
Eu, parte dela, sou remido, — e sofro São imutáveis sempre as letras dêle.
Debaixo de teu nome. O meu martírio. Lêde outra vez, e meditai mais sério,
Férreo fantasma que pesado marcha E depois concluí. —
Co’o vagar do que vai degrau da fôrca Sim ! que eu conclua
Que mãos de infames lá no céu prenderam, O opróbrio a vós ou a blasfêmia ao Cristo!
E ’^ vão, é vão. O sangue, que destilo O h! que infames que sois! Co’a face em risos
Gôta por gôta das rasgadas veias. Podeis guardar tão atro fel no peito!
Cai inútil no chão. Regada dêle Quereis a conclusão? tomai-a, hipócritas.
A linda ervinha, horripilando, expira. Tom ai-a em mim.

[ 438]
I N S P IR A Ç Õ E S D O C E A U S T R O

Não vêdes nos meus olhos Que vejo? — aquela


Fervendo a insânia? — e exasperado o monge Pasta de lama escurecendo os ares.
Té o meio da fronte alçava os cílios. —
Não vêdes manchas de livor de ferro Amas o céu?
No côncavo das faces, onde outrora
Pintou-me a natureza ardentes rosas? E por que não, bom velho?
Não ouvis minha voz? profunda e rouca, Não é tão belo o céu? O anil que o pinta
Como encontrando 1^43 espedaçados órgãos, Não é melhor de perto? A estréia d’alva,
No peito forma-se e lá mesmo expira. Que vem correndo assim antes da aurora,
Quereis saber a causa? ouvi-me, hipócritas. Não é, talvez, um pássaro de prata,
Que eu poderei prender, chegando a êle?
Não é um berço tão bonito a lua,
V.
Que sempre, e sem que pare, embala 1447 a infantes!
Não posso um dia, de manhã, sòzinho.
Em bagas de suor banhado o rosto Sem acordar ninguém, chegar-lhe à beira.
Estava ao monge. Os cncrespados cílios Algumas gôtas aparar de orvalho.
Ora emendavam-se ao topete acima, Lavar-lhe aquelas nódoas, — e mais bela
Ora desciam ocultando os olhos, Torná-la depois disto? — Ah velho, escuta:
Como dous fachos móveis, suspendidos Eu quero o céu: mas dizem que p’ra tê-lo
Na vastidão da palidez da fronte E ’ preciso morrer?
Por uma oculta linha. As mãos, o corpo Pobre inocente,
T re m ia m ... que abismei-me! Não é preciso, não. Querê-lo basta.
Querer sòmente e entrar. Não vês, infante?
Estanque e mudo Vai-se p’ra lá por terra: — a porta dêle
Algum tempo ficou. Depois olhando Ei-la visível acolá bem franca.
Em derredor de si, qual ante o povo
Lá na tribuna o orador prepara, Tão feia, velho? — a porta dêle — aquela
Para romper, os ademães co’a idéia. Pasta de lama escurecendo os ares?
Abriu de novo os ressequidos lábios
Co’ um gesto que punhal cortou-me as fibras. P or fora, in fa n te.. .

Antes de abrir-se-me a paixão no peito, E , velho, é só por fora?


Quando em botão as afecções me estavam. Mas ah! por fora eu vejo o céu tão lindo!
Fui arrojado aos cárceres eternos.
Inda incerta a razão, tímida e néscia. E tôda a tarde me chamava o velho,
Balbuciava apenas. Tenra infante E me apontava o céu, — qual no deserto.
Pronunciava, arremedando os homens. Querendo Satanás tentar ao Cristo,
Qualquer primeira voz que ouvia acaso: Subindo ao alto lhe amostrava o mundo.
Perdido viajor, no campo à noute
Ao longe divisando a luz que a terra E acostumou-me: — e eu já chamava aquela
De seus hálitos pútridos acende. Pasta de lama escurecendo os ares
Lá vai, lá corre em ânsia após ela, Co’o nome, oh! sim, de céu. Infante ainda
E chega, e topa co’a ilusão, co’o nada. Blasfemei, blasfemei co’os lábios do ímpio.
Fantasia infantil era-me tudo.
Julgava o pirilampo estrela em terra. Tu fôste criminoso, ó velho indigno.
Anjos do mar a rútila ardentia. De meus nefandos obrigados atos.
Palácio de ouro o sol, estofo as nuvens. Ks réu, és réu. — Atroador remorso,
Mágica fada a virgem que eu amava, Si és um suplício, vinga-me daquele.
Que eu temia depois, fugindo dela
Co’o peito aceso de paixões ignotas, V I.
Que parecia-me aguçadas dores, '"*45
Tanto que eu cria na justiça humana. Tu, anjo aterrador, que o sono travas ’ 448
Tanto que eu respeitava a Deus e aos velhos! Do mau, que apenas adormece, e acorda
E um v e lh o ... um v e lh o ... — atroador remorso. Anxio, torvado nas visões que inspiras,
Si és um suplício, vinga-me daquele, — À minha justa voz das trevas surge.
Um velho me falou. Qual no deserto. Corre, vem com teu séquito de fúrias.
Querendo Satanás tentar ao Cristo, Tu, ministro das cóleras do Eterno.
Povoa o leito seu de horríveis serpes.
Subindo ao alto, lhe amostrava o mundo.
Tal sequioso me agarrara o velho De visões, de tortor: — vinga-me dêle.
Para apontar-me ao céu. Depois tremendo
Basta-lhe só na vida êste castigo,
— ímpio! nem o porvir falta ao remorso, — O mais tenha-o depois no inferno mesmo.
Mostrou-me o templo, não — mostrou-me hor-
[ rendo E vim depois, — e num furor sagrado.
Um edifício negro, erguido e vasto. Louco religioso, entrei num templo.
Manchando o azul do céu. Com lágrimas de amor — devota insânia! —
Prostrei-me soluçando aos pés das aras,
Que vês, infante? No jaspe dos degraus. Ali co’o choque
Êle mo perguntou. Do corpo ardente em flamas de delírio

[ 439 ]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E

Sôbre o frio do chão, s e n ti... Quem pode E ’ pouco ainda êste sofrer tão duro
V erter esse mistério em língua de homem? Feito por vós, hipócritas sagrados?
Não! ali, sem ação, caído ao longo, Não basta aqui a conclusão das dores?
Não, não morri. M inh’alma tão somente Vossos troféus, que em lágrimas se ensopam, 1451
Sem idéias parou: pensar não pôde. Enegrecidos, úmidos de sangue,
Sumiu-se, aéreo pó, a inteligência. Cruor gotejam dos rasgados peitos,
Ficou-me o coração fervendo em sangue, Que lancinados dos seus topes pendem,
Volcão represso, — e congelado o corpo — E a glória vossa não se farta iníqua,
Unido ali co’a pedra. Estátua em terra, E não vos pode encher vítima tanta?
ídolo gêsseo que do altar caíra, Polifemos cruéis, milformes hidras.
Não sei que mundo foi, não sei que abismo Monstros piores que os horríveis monstros
Que confuso habitei. Súbito estrala Que a mão de Homero bosquejava a mêdo.
Funéreo canto que evocou-me à vida. Portentos de terror — quereis mais pasto?
Dizendo — morto — em destroçadas vozes. Pois sim! — Abri as leoninas garras,
Depois alguma destra ergueu-me o corpo, E destampai vosso infernal sarcasmo!
E v i . . . Não sei que v i . . . Cegou-me os olhos De vosso instinto a furiosa insânia
Vou talvez saciá-la. Ouvi-me ainda.
O vítreo grosso das sangüíneas lágrimas.
Pulvérea sombra de sutil memória
Faz-me pensar que li. Prece ou contrato VII.
Não sei que foi. Um juram ento eterno
Fiz ao Senhor sôbre os altares dêle? M armóreo cárcere apertou-me os ossos
Não lembra-me, não sei. Som ente o dizem Carcomidos, esquálidos, sem forma,
Estranhos homens, de negror vestidos, — E o dom que extrema os animais e os homens
— Homens? quem sabe si demônios eram? Aqui perdi-o. Oh tu, filho do Eterno,
Serafins infernais, do inferno falam, Ouve meu brado acrisolado e puro
E seu irmão, satânicos, me chamam! No lar do coração — que aflito o amaste!
Co’a voz tremenda, ameaçando as fúrias. Uma palavra te pulou dos lábios,
Dizem que fiz um imortal protesto, Gládio de fogo, onipotente e santa,
Que há de seguir-me ao céu que ouviu-me as vozes, — E nela voa a liberdade aos povos.
Que há de seguir-me aos penetrais do abismo. Uma palavra também salta em chamas,
Clamam — infames! — que co’as próprias unhas Gládio de súlfur, peçonhenta e grande,
Rasguei, abri o coração ao Cristo, Dêsse rival que Tântalo te emula,
E com seu sangue borrifei meus lábios, — E nela voa a escravidão aos povos.
E com seu sangue sigilei meu pacto, Filho do Eterno que impossíveis podes.
T é quando em burla deixarás teu reino?
Quando, esgotada essa visão terrível. Cai debaixo do inferno o mesmo Em píreo!
Visão que a dor me realiza e a raiva. Deus! em teu nome Satanás impera!
Olhei-me a mim, desconheci-me quase. Aqui nos claustros os demônios moram,
E ’ bem real, 1449 Pitágoras, teu sonho! — E o monge verga ao desespêro o colo,
O Dêmon que inspirava-te era um anjo. E julga mão divina a mão que o toca,
Dos arcanos do céu alguns tiveste. E blasfema do Cristo, e as aras cospe,
As almas dos mortais transmigram, passam E a cruz e a Bíblia entre delírios pisa.
De corpo em corpo, ou duma essência em outra. A crença augusta que no peito aperta,
Corpo nem alma os mesmos me ficaram. Que no leite materno haurira infante,
Homem que fui não sou. Meu ser, meu todo Que nos cristais da dor sair procura.
Fugiu-me, esvaeceu-se, transformou-se. Disse — Sois livres — indistinta aos homens,
Vivo, mas acabei meu ser primeiro. E diz ao monge — Escravo! — E o monge insano
Lábil reminiscência inda me antolha P isa mais uma vez a cruz e a Bíblia.
Fugazes sombras da passada vida.
Para maior suplício, aqui num quadro T al o furor que a escravidão excita!
Êsses dous tempos comparados vejo
Ante mim sempre, que os refuso embalde. T al sou, tal é o monge, — ente não-homem
A quem privou-se a liberdade, — e nela
Eu te creio, Pitágoras, nos sonhos! Privada topa a consciência em nada.
As almas dos mortais transmigram, passam O crime e a raiva no seu peito habitam.
De corpo em corpo, ou duma essência em outra. Cobrem-lhe a face máscaras de louça,
Onde um sorriso 1452 angélico se imprime
Si eu não morri, sou trânsfuga da vida. Nos templos e nas praças. Em sua alma
Dista, dista de mim minh’alma antiga. Contínuo instigações malvadas fervem.

A toga férrea que estreitou-me os artos, Que celerados, 1453 espantosos planos
Como azinhavre devorou-me as carnes. Não têm nascido aqui! Frontais anosos.
Osso, esqueleto, pelas fibras prêso, Tetos sombrios, seculares muros.
Vou caminhando, — e caminhando rinjo. Respondei-me, falai. Em vosso espaço
Folga, Loiola: — eu preenchí teu mando. Co’o dia emenda-se a mudez da noute.
Até te entrego 14S0 o teu supérfluo “ quase.” Oh! quanto prova êste silêncio eterno!
Eu sou cadáver, sou! — Olha-me e julga. Si eu fôra ao mundo arremessado acaso.

[ 440 ]
I N S P IR A Ç Õ E S D O C L A U S T R O

Em qualquer pólo, no torrão, no gêlo, 0 APÓSTATA.


A estas horas meditara em crimes?
Blasfemara de Deus perante a lua. C anção do C a t ó l ic o .
Cujo orvalho me queima? O leito, o sono
Ser-me-ia travado à meia-noute? Não sentes por sôbre a face,
Como um raio inopinado,
Mais aflitivo que o lavor de escravo, Êsse anátema sagrado,
Ócio infamante, eu te renego embalde! Essa férrea excomunhão?
Geram-se os vícios em teu mole seio, Não sentes a espada nua
E te beijando, e te cingindo o colo, De Roma no teu semblante.
Boceja, estira-se a lascívia, — e dorme. De Roma, — eterno gigante,
Trucida as almas solidão forçada, Sustendo infernos na mão?
Barbariza, asselvaja. As pandas asas
Bate a virtude, e nas famílias pousa. Ah! triste, perjuro infame,
Tenra plantinha, nos desertos nasce Que esqueces êsse legado.
Um certo amor que abandonado expira. Santa herança do passado.
Ou torrentes de tóxicos dimana. Santa crença de Jesus!
Aqui o coração se volve em raio, Que a negras voragens desces,
Os ossos em punhais, a mente em fúria. E julgas que ao céu te elevas!
Aqui em fel a inspiração se embebe. Que por turbilhões de trevas
Aqui de opróbrio a candidez se mancha. Trocas um reino de luz!
Aqui converte-se a virtude em crime.
Ah! triste, que te abismaste
Mas ah! lá chama às orações o sino! Num precipício insondável
Um sacrilégio mais! Senhor! perdoa! Com êsse orgulho execrável
Vou emendar imprecações com salmos. Que Lusbel inspira aos seus!
Vai em teu templo reboar meu brado, Que duas vêzes perdeste
Que aos céus não sobe, cavernoso e rouco. Êsse domínio sagrado.
Minha voz, minha voz conspurca as aras. Paraíso resgatado
Irônica e gelada. Em atro cofre Co’o sangue puro de Deus!
Ardem-me dentro renegados gritos.
Cada palpite maldições me clama. Ah! triste, que espedaçaste,
Blasfêmia pulsam-me as artérias tôdas. Com sacrilégio altanado,
O juramento prestado
Senhor! eu não sou réu, — tu bem o sabes, Junto à fonte batismal!
De sacrilégio tal! Perdoa ao ímpio, Co’o perjúrio que fizeste.
— Ao ímpio feito por mais ímpios que êle. Tu, infante estremecido.
Cravaste um punhal buído
Agora ride, hipócritas sagrados! No coração paternal!
Eis aqui vossa obra. Algozes, vêde-a!
E ’ cruel, como vós; mirai-vos nela. Ah! triste, que te desgarras.
Não mais clameis que edificou-a o Cristo. De queda em queda passando,
Contumélia infernal! — Senhor! teu filho Como do monte rolando
Fôra teu filho, si criasse os males? Costuma a pedrinha vir.
Ah! onde, cristão perjuro.
Parará teu baque infindo?
VIII. Ou irás sempre caindo
De um em outro nadir?
Na tôrre havia-se calado o sino,
E o eco apenas ressoava ao longe. 1455 Ah! triste, que insano clamas,
Também o monge emudeceu com êle. Com teus sofismas cruentos,
Fechou a cela, e caminhou soturno Que de livres pensamentos
Pelas naves afora. Um som compresso. Precisa o espírito teu!
Quase carpido, na abafada cela, E com Lutero te abraças.
Ficou ainda a refletir-lhe as vozes. Tu, apóstata ignorante,
Na convicção protestante.
E eu ali, embevecido 1456 em ânsias, Prelúdio certo do ateu!
Fiquei chorando, — e lamentei-lhe a sorte.
Aos montes do Senhor ergui meus olhos, Vai, apóstata, perjuro,
E disse uma oração. Rezando ainda. Com êsse raio gravado,
Senti nas veias afluir-me a calma, Êsse anátema sagrado,
— E cri que o monge a conseguiu comigo. Essa férrea excomunhão!
Não sentes a espada nua
Inda corria a viração da noute De Roma no teu semblante.
Com fresca madidez. Pedi-lhe as asas, De Roma, — eterno gigante,
E fui saudoso a meditar meus carmes. Sustendo infernos na mão?

[441]
lÆ 't S .TOSÍ: .rUNQUEIRA FRKTRE

0 CONVERSO. H57 Rasguei-te, sim, do coração mais imo


Um véu cerrado de inocência fátua.
C an ção do L ib e r t in o . Mas não te nodoei: quis que ficasses
Casta assim mesma, — e sábia.
Templo, abismo cie Deus, abre-nic o seio.
Quero arrojar-m e a dédalos de trevas, T al na floresta a cândida pombinha
A dédalos de luz. Precisam homens Penetra o ninho do amoroso pombo:
Dêsses mistérios que a razão fascinam. E como dantes, nos rosais florentes,
Ainda que depois se cerre em noute, Vai arrulando ainda.
A face de um crepúsculo me agrada.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio.
Não, não temo de ti. O amor que sentes
Salve, Religião, sublime idéia, Não é da terra não, — nem segue o corpo.
Que tanto encantas 1^58 feiticeira as almas! O amor que sentes nem contigo expira.
Sôbre teu inventor mil bênçãos caiam! E ’ mais que imorredouro.
Profeta do Senhor! seja o teu nome
Ainda além dos séculos bendito! H ás de amar-me na terra, — e além dos astros.
Deste numa ilusão um gôzo aos homens. Eu te ensinei um sentimento eterno.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio. Malgrado a mim, a ti, ao mundo, aos anjos.
O h! hás de amar-me sempre!
Em meu orgulho esmigalhei-te insano,
Pisei-te aos pés, encantadora crença!
Julguei achar na liberdade um muro. Não te forcei, nem te prendi com ferros.
Achei poeira, mais que a tua, etérea. Tua vontade é, como dantes, livre.
Tu, minha crença, tu somente és firme. Mas voluntária nem coacta podes
Espancas um remorso aos pés de um padre. Amar a outro amante.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio.
Um vate, um vate coligou-te aos seios.
Mil santos teus, co’os corações de fora, Tu deste-lhe o perfume de teus lábios.
Aos repulsos de Deus consolam mesmo. O nó do abraço te estreitou seu corpo.
Sempre seguro estou co’a crença minha. O mais foi um poema.
Tenho, em falta de Deus, quem chame ainda.
Com áureos serafins, .gentis arcanjos.
Tu, minha crença, os erros me rodeias. Tu recebeste os hálitos de um vate.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio. Tu lhe bebeste a inspiração aos trago.s.
O fogo que do céu lhe desce em línguas,
Levado em turbilhões de excclsos crimes. M ulher! também ardeu-te.
T é ’gora estive em báratros de inferno.
Não me lembra o que vi: mas sei que errava Para os homens de Deus fòste sagrada.
P or lagoas de asfalto, ares de enxofre. Pudeste ser-lhes dos mistérios cônscia.
Tu, de lá me arrancaste, oh crença minha. És, oh vestal, a cúmplice divina
Mais belos são teus insondáveis erros! Dos celestes oráculos.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio.
Estás agora iniciada eterno.
Sou cristão outra vez: sou teu: venceste. Am aste-m e: eu te quis. Julguei-te digna
Quero arrojar-m e a dédalos de trevas, De sêres-me a Sibila de meus cantos,
A dédalos de luz. Precisam homens O anjo de meus versos.
Dêsses mistérios que a razão fascin.qm.
Ainda que depois se cerre em noute,
Hás de amar-me na terra, — e além dos astros.
A face de um crepúsculo me agrada.
Eu te ensinei um sentimento eterno.
Templo, abismo de Deus, abre-me o seio. Malgrado a mim, a ti, ao mundo, aos anjos.
O h! hás de amar-me sempre!

ELA. Eu sei que um negro, espantador fantasma


Co’as asas bronzeas te aparece à noute,
E u lhe queria tanto, quanto o.s desgragados (lutrcm aos E te deixando a palidez manchada,
que os estimam.
T e grita — Monge! — e passa.
(E U G Ú X rO S U E .)

Eu sei, virgem, que em teu peito inócuo Eu sei que envolto 1462 na pancada aérea
Tenho palpites, lá. Sei que tua alma Do meio-dia te rovoa um silfo,
Ficou pensando co’as idéias altas, Que no côncavo d’alma se te enrola, 146-1
Que te inspirei profundo. Tam bém dizendo — Crime! —

Inda em teus olhos reconheço ao longe Listras de sangue, de manhã, te cortam


Todo o meu pensamento. Alto gracado O brando anil que nada-te nos olhos.
Em tua mente a minha mente existe. E assim mais bela, temerosa e pávida.
Pertences-me p’ra sempre. Pensas em mim, — e choras.

[ 442 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Em presença da aurora, aos raios dela, Co’os olhos longos ao porvir que vemos
Lá do trêmulo seio em que me escondes. Nobre tortor sofrestes.
Arrancas as canções que me inspiraste E os louros imortais que não cingistes,
Travado co’as delícias. Olhai aqui, — são êstes.

Meus versos cantas para o sol que nasce, Novos Batistas, na soidão clamastes.
Para o gorjeio matinal dos pássaros, Clamastes na cidade.
E de minh’ harpa as harmonias casas E a vosso brado os cárdines, rangindo,
Co’o cicio das árvores. •Soaram — Liberdade!
Depois um riso te assombreia a face,
Limpa-te o sangue dos aníleos olhos, Honrosa luta, sublimado anelo
E co’o nome de — Vate — as.soletrado Foi tôda a vossa vida.
Desíazem-se-te as nódoas. Mas não entrastes, ai! Moisés modernos,
Na terra prometida.
Os alvos braços — êmulos do jaspe —
Cá para o sul onde eu habito estendes, Assistiu-vos cruel o desespêro
E nas asas da aurora um beijo ardente A última extorsão.
Envias a meu cárcere. Destes ainda o derradeiro expiro 1466
Nas mãos da escravidão.
Então — que passe o tétrico fantasma,
E grite embora — Monge! — e troe o sino Não pudestes pisar o bronzeo colo
Que toca o meio-dia, e nêle envolto De déspotas colossos.
Proclame o silfo — Crime! —
Mas armas de outra têmpera forjastes
Para os vindouros vossos.
Que céu te pode anuviar um riso!
Que espectro pode sustentar-te o canto!
Que silfo não desmancha-se nos ares Êsse fantasma atroz — vestido a crimes.
Ao s pro de meus versos! Seu n o m e ... Assolação, —
Caiu depois de vós, — e livre assoma
Do Cristo a redenção.
Guarda no seio o talismã que dei-te.
Diante das visões meus carmes canta.
Insulta os gritos de sinistra inveja, Ressuscitai; vosso ideal sublime
Que dizem — Monge, e Crime! — Venceu, triunfa agora.
E o semblante dos déspotas que restam
Malgrado aos mundos, serás minha agora. Aterra-se, descora. . .
Eu te ensinei um sentimento eterno.
Hás de amar-me na terra, — e além dos astros. I I.
Oh! hás de amar-me sempre!
Este século ditoso
Resume os bens do passado.
Bebe a seiva dos arbustos
Que mi! campinas têm dado.
SAUDAÇÃO AO NATALÍCIO DO MEU AMIGO
OLÍMPIO MÁXIMO CHAVES. Tem a ciência dos tempos
Junta com outro ideal,
O mundo antigo está às ga rras com o moderno. Como um tope variado
(LACORDAIRE). De um jardim universal.

I. Tem um futuro mimoso


Visão de felicidade.
Quebrai a lousa impura que vos fecha. Tem dous verbos incarnados
Fantasmas do passado. — O Progresso e a Liberdade.
Surgi da cinza, oh séculos de outrera,
Ouvi, ouvi meu brado. I I I.

Deixai na campa êsse sudário imundo, E foi. Olímpio, um século tão grande
Essa toga da morte. Que te deu o Senhor.
Tomai da vida, do prazer, das galas Deu-tc com êle um coração altivo.
O sobranceiro porte. Cheio de pátrio amor.

Vinde saudar a obra que sonhara Deu-te a vida num século de vida.
Vosso espírito ardente. De luz e de verdade.
Vinde baixar a frente respeitosa Deu-te a missão de atleta denodado
Ao século presente. Da santa Liberdade.

[ 443 ]
L U ÍS JO SÉ J Ü N Q U E IE A F R E IR E

Encheu-te o coração de amor da pátria Deixas-me em mar de ansiedade infinda,


No mais subido excesso. Tímido nauta — duvidoso, incerto:
Encheu-te o coração das simpatias Deixas-me n’alma o vácuo da existência,
Dos crentes do Progresso. Deixas-m c um vão deserto.

Assim teu peito inteiro apenas basta


Para tão grande Nume.
Ali não cabe mais. Tudo o que sobra
Extingue-se em seu lume. À PROFISSÃO DE FREI JOÃO DAS
MERCÊS RAMOS.
Mas si acaso em seus íntimos refolhos
Um vácuo ainda existe. — E n tretan to o céu se levan ta sereno e pomposo como
Grava-lhe ali co’a pátria o pobre nome para um dia de festa.
Do trovador tão triste. ( C A R L O S L A C R E T E L L E .)

O trovador também ama o progresso. Eu também antevi dourados dias


Respeita o pátrio amor. Nesse dia fatal:
Si não queimasse-lhe esta chama o peito, Eu também, como tu, sonhei contente
Não fôra trovador. Uma ventura igual.

Eu também ideei a linda imagem


Da placidez da vida:
D E IX A S - A A E. H67 Eu também desejei o claustro estéril,
Como feliz guarida.
Ao M e u A migo e C olega F r a n k l in A m é r ic o de
Eu também me prostrei ao pé das aras
M e n e s e s D ó ria . i 4ó8
Com júbilo indizível:
Eu também declarei com forte acento
MontSerrate, 29 de novembro de 1852. O juram ento horrível.

Estas alpestres rochas, que se apartam, Eu também afirmei que era bem fácil
Deixam vazia a insaciável vista: Êsse voto imortal:
A dura ausência do prazer de vê-las Eu também prometi cumprir as juras
A mente me contrista. Dêsse dia fatal.

Este sussurro das travêssas vagas Mas eu não tive os dias de ventura
Causa saudades vividas e ternas: Dos sonhos que sonhei:
P or tôda a vida — e além da morte deixam Mas eu não tive o plácido sossêgo
Memórias quase eternas. Que tanto procurei.

Estes sofás de acolchoada 1469 relva Tive mais tarde a reação rebelde
Deixam no peito sensações de menos. Do sentimento interno.
Deixam a falta do prazer mais puro, Tive o tormento dos cruéis remorsos
Dos gostos mais amenos. Que me parece eterno.

E stas serenas brisas salitradas Tive as paixões que a solidão formava


Frisando a face das cerúleas águas, Crescendo-me no peito.
Adormecem um pouco a dor no peito. Tive, em lugar das rosas que esperava.
Esquecem negras mágoas. Espinhos no meu leito.

Mas nada disso em meu ardente peito Tive a calúnia tétrica vestida
Tantos volcões ateia de saudade, P or mãos a Deus sagradas.
Como esta ausência necessária e dura Tive a calúnia — que mais livre abrange
Da dócil amizade. Oh Deus! vossas moradas!

E tu, bardo feliz do sentimento. Iludimo’-nos todos! — Concebemos


Gentil cantor das afecções suaves, Um paraíso eterno:
— Doce, bem como o gorjear sonoro E quando nêle sôfregos tocamos,
Das inocentes aves: Achamos um inferno!

Tu, que sabes cantar tão santos hinos, Virgem formosa entre visão fantástica
Como dos anjos as canções supernas. Que tão real parece!
Deixas-me n’alma férvidas saudades, Mas quando a mão chega a tocá-la quase.
Saudades sempiternas. L á vai, lá se esvaece!

[ 444 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Sonho da infância que nos traz aos lábios Eis do futuro o prazenteiro quadro,
Um riso mais que doce: O quadro consumado,
Mas uma voz, um s o m ... — some-se o sonho, Que pela mão segura dêstes jovens
Como si nunca fôsse. Terá de ser pintado!

Tu, filho da esperança! — tu juraste Eis o futuro enevoado 1^71 g negro,


O que também juramos. Que já tememos tanto.
Tu acreditas, inocente! — ainda Convertido em hosana de alegria.
O quanto acreditamos! Em jubiloso canto!

Oh! que não sofras as dores que nos ferem Si nossos pais fizessem no passado.
Teu jovem coração! Quanto agora fazemos:
Que o futuro que esperas não se torne Si em nós, seus filhos, cressem, — como agora
Terrível ilusão! Nesses filhinhos cremos:

Que sôbre nós — os filhos da desgraça — Não seria o presente uma palavra
Levantes um troféu: De luto, mágoa e dó:
E que não aches, — como nós achamos — Nem o futuro um cálculo provável,
Inferno em vez de céu! Uma esperança só!
24 de outubro de 1852. Não! — êste longo exército de jovens
Atletas da ciência.
Malgrado a muitos nos imprime n’alma
O sêlo da evidência.
CANTO OFERECIDO AOS JOVENS ALUNOS DO
COLÉGIO DE S. VICENTE DE PAULO, POR Os filhos do porvir, na mesma taça,
O mesmo leite bebem:
OCASIÃO DE FESTEJAREM O MESMO A mesma nutrição no mesmo prato
SANTO, A 23 DE JULHO DE 1853. Seus corações recebem.
L o uvai, meninos, ao Senhor.
Este sustento igual, na flor dos anos,
( S A L M O .) Na infância da ciência,
Há de lhes dar às inocentes almas
Duas fileiras de brilhantes jovens Uma uniforme essência.
Co’ um doce rir nos lábios, 1^70
Abatendo co’os raios da eloqüência Essência — como aquela que se forma
Os presumidos sábios: Lá no seio materno:
Essência, — que jamais há de mudar-se,
Que há de existir eterno!
A voz modesta do cristão convicto.
Sem ódio, sem vaidade.
Despindo os erros do sofisma ornado. Assim a vida inteira dêstes jovens.
Laureando a verdade: Atletas da ciência.
Será dêstes princípios, que recebem,
A certa conseqüência.
Os olhos limpos do divino atleta.
Imóvel, inspirado.
As luzes da ciência mais profunda
Descortinando a negridão da infâmia
Serão seu elemento:
Do século passado:
A crença pura do evangelho santo
Será seu complemento.
A turba dos filósofos, submersa
Nas vagas mais impuras.
Não é, portanto, uma esperança apenas
Abismando no inferno, onde bebeu-as.
A visão do futuro:
As sóficas loucuras: E ’ um verso profético e sagrado,
Um cálculo seguro!
Parecendo tornado o mundo inteiro
Um plano infindo, imenso: Eia, pois, — guerreiros
Só pelas duas alas dominado Do saber brilhante.
De exército tão denso: Eia, pois, — atletas
Da cruz triunfante.
De um resplendor de arcanjos e de luzes Levantai um brado,
Num trono divinal — O brado de — avante! —
A cruz sublime, — como o sol que expande
A luz universal: O brado de — avante —
Retumbe nos ares:
Curvados todos ao sagrado aspecto Transponha seguro
Do símbolo cristão: As terras, os mares:
Todos, na fé do crente, murmurando Penetre nos bosques,
Um hino, uma oração: Nos ínvios lugares!

[ 445 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIKA PRETRE

O brado de — avante — Nas nuvens tintas de sanguíneas listras


Aterre os descrentes, Lágrimas verto que sobr’elas mando.
— Os homens, que a vossos Partem , — porém do caminhar cansadas
Desejos ardentes Descaem no oceano.
Apenas têm risos,
Escárnios mordentes.
Desesperado então, maldigo o espaço.
Maldigo o céu e a terra, o vácuo e o pleno.
O brado de — avante — Km cada criação deparo um êrro,
Revele aos países Nem acho Deus tão sábio.
Os vossos trabalhos.
Fadigas e crises.
Os vossos triunfos E na minh’alma se desenha ao vivo
Sublimes, felizes! Melhor, mais belo, mais ditoso um mundo.
T iro do nada, sem ausência e males,
O brado de — avante, — Um orbe todo novo.
Qual bálsamo santo.
Qual doce palavra. O amor da pátria que os tiranos banem
Qual férvido canto. Não choraria maldições e sangue.
Aos crentes console, Nem tu nem eu seríamos cortados
Enxugue l'*72 seu pranto. Por divisões de abismos.
O brado de — avante —
Retumbe nos ares: Mas quando ainda não acabo o sonho.
Transponha seguro Diviso armadas que vão mar em fora.
As terras, os mares: Desperto, e caio nos aéreos braços
Penetre nos bosques, Da quimera sublime.
Nos ínvios lugares!
E mais amargo te lamento a sorte.
Avante, oh jovens! — que os esforços vossos Tu, m ártir feito pelas mãos dos bonzos.
Deus os coroa. O herói da caridade, Invoco o céu que entornará 1^77 sôbr’êles
Vicente, o santo, o amante da ciência. Alabastros de anátema.
Filósofo também, que soube outrora
Confundir a filósofos, — estende
Seus olhos para vós. Lindo futuro Ligando a 1^78 rnim teu coração dorido,
Impetrou para vós do Onipotente. Que a teus amigos em penhor deixaste.
Eu vejo-o mesmo sôbre acesa nuvem Tateio nêle as emoções tão vivas,
Baixar aqui, e abençoar-vos todos! Que em teu destêrro sofres.

“ Sêde seguros do porvir, meus filhos, Conheço as aflições que te salteiam.


Que eu vo-lo guardo cá. Nobre proscrito. O sol, a lua, os astros
O Senhor inclinou a vista imensa: Cruzam teu ponto, e trazem-me sinceros
Compadeceu-se já .” Tuas ingênuas dores.

Foi êle, sim, que nos falou: ouvimos


O oráculo divino. E ia! o futuro Sim ! para os claustros não nasceu tua alma.
Vosso não pode ser visão que foge! Teu coração não te palpita — Monge.
Nem tão baixo teus ímpetos serpeiam,
Que um cárcere os contente.

Nesse vasto palor que te orna a fronte,


SAUDADE. 1474 — Sinal dos homens de profundo gênio,
Eu leio a grande e destemida idéia,
Ao M e u A migo F r ei B e n t o da T rin dade C o r t e z , Que não cabe nos claustros.
A t u a l m e n t e no M o s t e ir o do R io de J a n e ir o .
Deserta, oh gênio, do covil imundo,
. . . porque lá grim as também são amor. Onde o leão dos vícios se alaparda.
Ah! esta cela, onde a indolência dorme,
(D R . J . J . B. D E O L I V E I R A .)
Não pode, não, ser tua.

En> minhas horas de noturna insônia,


Co’os olhos fitos no porvir longínquo, Coral guardado nas flumíneas urnas,
Eu penso em mim, — e na segunda idéia Quem há de te arrancar do equóreo fundo?
Encontro-m e 1475 contigo. Não serias mais belo, em áureo engaste, 1479
No colo de uma virgem?
Eu te pranteio no arrebol da aurora, Bahia 5 de agosto de 1S54.
Que em teu exílio meditando esperas.
Envolto 1476 num crepúsculo te enxergo
A deplorar teus fados.

[ 446 ]
I N S P IR A Ç O K S D O C D A U S T R O

AOS TÚMULOS. Aqui se encontra 1482 inesgotável messe


De sólidas idéias.
Pobre, grosseiro, não numeroso, que im porta isso? P ara Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande:
pregar as tábuas de um ataúde qualquer pequena fo rça — Sagremo’-nos à morte.
basta. Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!
(ALEXANDRE HERCULANO).

Aos túmulos, aos túmulos, minha harpa! Sim : fiquemos aqui. — Aquele arbusto,
Choremos sôbre a lápida esquecida Que das frestas da lápida desponta.
Dos homens que já foram. Nasceu talvez do peito de um cadáver.
O céu aceita o pranto dos pequenos. A seiva humana em suas hásteas corre.
Não te acobardes, não. Vamos, minha harpa. Aquela flor inda transpira sânie.
Depor também na lousa dos finados, Lá para o meio da soidão noturna
Como a viúva, um óbolo mesquinho, Talvez fale do céu, talvez do inferno.
Mesquinho só na terra. Além das nuvens Sim : fiquemos aqui. Daquelas folhas
Um tesouro se torna aos pés do Eterno. Talvez saia uma voz precisa ao mundo.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: Talvez algum recado aos vivos traga.
— Sagremo’-nos à morte. Talvez de nós careçam.
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa! Sim : fiquemos aqui soturnos ambos.
Esperando seu brado.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande:
Da grimpa do mosteiro atroa o bronze, — Sagremo’-nos, à morte.
E de fúnebres sons os ares pejam, Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!
Como a tremenda voz da eternidade,
Que às l'fSO nuvens baixa, e perde-se no imenso.
Bem! — êste som diz — morte! — e apraz aos Não te apavore o aspecto das tumbas.
Esta bôea sarcófaga que a terra
[tristes,
Apraz a nós, minh’harpa! Aqui a nossos pés abriu medonha
Não te assuste, portanto, a voz amiga, Não é para engolir-nos. 1483
Que há de chorar por nós, malgrado aos vivos, O nosso cálix de abundantes dores
Quando não formos mais! Não trasbordou ainda.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande:
— Sagremo’-nos à morte. Sagrem o’-nos à morte.
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa! Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!

Pobre instrumento, — as tuas áureas cordas,


Onde pulsavas o prazer e a vida.
Estalaram por si! — Estas que sobram
A MORTE NO CLAUSTRO. 1484
Sejam sagradas à tristeza e ao luto.
Mágoas sòmente restam-te. Emudece, 1481
Ou canta, soluçando, as mágoas mesmas. P or O casião da M o r t e do V en era n d o A n ciã o ,
Estás cansada de chorar tão jovem?
F r ei M a n o el da P iedade B orba .
Ja não são tua essência as grandes dores.
Teu alimento as lágrimas?
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: Eu não sou ura historiador das cousas humanas.
— Sagremo’-nos à morte. ( B O S S U E T .)
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!
I.
Não vês aqui êste sepulcro aberto,
Eu vi-o, eu vi-o, — e o coração transido
Como si a terra se estivesse rindo,
Retalhou-se-me então nas fibras íntimas.
Para abraçar seus filhos?
Eu vi-o, eu vi-o, — escancarando a bôea.
Vamo’-nos juntos debruçar sôbr’êle.
Nossos primeiros pais, cheios de susto. Roncava na garganta engasgo 1485 horrendo.
Templos aos manes levantaram quase. Eu vi-o, eu vi-o, — em contorsões, em ânsias,
Tinham razão, talvez. Cristãos mais sábios Estrebuchando i486 os membros impotentes.
Amemos com recato a tumba ao menos. Não lhe era aspecto nas feições mudadas,
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: E a voz apenas lhe restava rouca.
Sagremo’-nos à morte. Êle pedia — o velho agonizante —
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa! Pedia ainda do prelado a bênção.
Tu só, consolo certo dos aflitos.
Assim, minh’harpa, a nossa vida inteira Tu só religião, preciso culto.
Devêramos passar, cantando em trenós Tu lhe ministras varonil conforto,
Esse jazigo, onde se esconde a ossada E os paroxismos agros lhe minoras.
Dos séculos que passam. O h! porque 1487 vem tão tarde, irremissivel,
Aqui também na podridão, nos vermes Esse momento necessário e certo,
Há de o futuro em esqueleto imenso Em que teu brilho fascinante assoma.
Cair, esvaecer-se. Fatal verdade aterradora, — eterna!
Aqui também inspirações se bebem Como fulmíneo meteoro súbito,
No hálito dos mortos. A fronte esmagas, quando leve a roças!

[ 447 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE

Trem er fazia os íntimos dos ossos De joelhos em terra involuntário!


O grave som do compassado sino, Interna violência e fôrça ignota
Que do dioso, encanecido velho Obrigou-te a ser homem por momento,
A agonia fatal anunciava. Deixar de bruto a condição que ostentas!
Ungido foi co’o óleo sa-^rossanto;
E em volta ao leito súplices murmuram Não achas não sei quê sonoro e místico
Preces ardentes, orações piedosas, No recitar monótono dos salmos?
Que seus irmãos sinceros lhe repetem, Não achas não sei quê triste e patético
— Pedindo a Deus e à Virgem mais que pura, — Um merencório eflúvio de dor terna,
Pedindo aos santos mártires celestes, Do miserável Jó nas próprias pragas?
Pedindo aos agora divinais pontífices, Segue êsse não sei quê — por Deus soprado,
Aos confessores do afrontado Cristo, Que em teu íntimo fôro apenas sentes,
Às puras virgens, e às mulheres castas, Mas que indizível definir n.ão .sabes.
— Guardem-no pios da perpétua morto. Segue êsse não sei quê da consciência,
Que é certo a voz ingênita do Eterno.
Eu vi-o, eu vi-o, — em convulsão serena, Aprende aqui, — oh ente depravado,
— Quanto do justo o passamento é doce, — A ter fé no Senhor que te criara.
Desprender seu espirito cansado Serás então feliz, — si olhar quiseres,
Da cadeia que o liga à vil matéria, Além da vida efêmera da terra.
E voar, e voar, com leves asas. Outra vida nos céus, — que não se acaba.
Em anação de Deus, — de Deus ao seio.
Ouve-as agora — as derradeiras preces,
A derradeira paz — fraternos ósculos O salmo dos degraus, que um rei profeta.
De seus irmãos já recebia o triste: Sonoro dedilhando o decacordo.
O h! fantasmas da vida! como passas Insuflado por Deus, cantara um dia.
Rápido tanto! oh tempo mentiroso “ Do imo de meu peito (ei-los que dizem)
De existência falaz e momentânea! A ti. Senhor, clamei no mesmo abismo;
Homem há i tão vão que inda confie Os meus prantos. Senhor, — meus rogos ouve!”
Nesses teus ouropéis de podre glória?
H á i quem seja de razão tão fátua, Pouco depois passasses porventura
Que eterno julgue teu brilhar efêmero, Pelo extenso salão e mudas crastas.
Que a tuas breves decepções se abrace? Em solene calada distinguiras
H á i quem seja em seu olhar tão cego, O pisar do pilão pesado e ôco
Que pretenda esquivar-se à natureza? Por estóicos coveiros manejado.
Loucos m ortais! onde esconder-vos "489 Hvres, Depois o baque da sonora lápida,
Que não vejais o querubim da morte. Que fecha — esmaga o pútrido cadáver.
Galopando em alígero ginete, Depois talvez uma oração ainda
Co’a fouce em riste, às fauces apontando? Dos lábios do cristão baixou sôbr’êle.
Depois mais nada ali — fora o silêncio.
II.
Pelos claustros soturnos estrugia I I I.
0 grave e compassado andar dos monges.
Eu te quisera ter presente agora Nestes claustros, aqui, talvez, — quem sabe?
A ti, vaidoso ateu, nas horas mortas. Talvez neste sepulcro imundo mesmo.
Eu quisera notar com línceos olhos Após alguns minutos mais escassos
De rasgo a rasgo os visos de teu rosto. Dêsse meu vegetar insulso e morno.
Eu quisera apanhar, uma por uma, Me pilarão — triturarão meus ossos
As contorsões doridas, — as angústias, Desumanos tumbeiros. — Eu contigo.
Que por tuas feições reverberassem. Podre cadáver, dormirei eterno,
Tom ara a consciência acovardada Feito meu corpo em terra e cinza e nada.
Sondar-ta sim, — porern prová-la, nunca! 1851.

Não vês, não vês? — silenciosos, quedos,


Em dous extensos renques se dividem:
Talvez disseras que êstes homens eram CANTO FÚNEBRE RECITADO NA OCASIÃO DE
Negras estátuas, que entblemassem morte! SEPULTAR-SE O CADÁVER DO MEU AMIGO LUÍS
DA FRANÇA REBOUÇAS A 16 DE ABRIL DE 1853.
Sonora voz levanta-se dentre êles.
Convidando-se a virem contentíssimos
Prostrar-se aos pés de Jeová potente. A alm a foi feita para v ia ja r no céu.
“ Vinde, — cantavam, — vinde, e adoremo-lo.” (Y O U N G ).
Caíram todos, debruçados, curvos.
Ante a face de D eus......... Tu, ente infame, O h! porque não? — porque não posso agora
1 orpe ilusor dos próprios sentimentos, Chorar-lhe a morte? — Que poder tão forte
Não te curvas, — susténs de Deus a vista? Há i que pare a um coração de amigo
Ah! perdoa-me o excesso, irmão em Cristo, No derramar as emoções que o partem?
Ateu não és, — que não nos há no mundo! Que mão há i tão férrea que comprima
fu te prostras também — também caíste T ão dentro em mim meus sentimentos de homem?

[ 448 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Quem manda à idéia que não pense angústias, Não chorarei: — que essa terrena vida
Quem manda ao peito que não sofra mágoas, E ’ um crisol que as sensações apura,
Quem manda à voz que não se expanda em queixas, Para chegar a Deus, mais casto, o espírito.
Quem manda ao pranto que não corra cm fios? Não chorarei: — que a ocasião da morte
Oh! porque não — porque este gôsto extremo E ’ o degrau mais alto para o Eterno.
Em lhe chorar a morte hão de tolher-me? Antes devo pedir ao céu que apresse
Oh! porque não? — Hei de chorar-lhe a morte. Meu momento também. Quero ir bem cedo
Bem como outrora lhe cantava a vida. A Deus e a êle unificar-me eterno.

Reminiscéncia atroz! que vário quadro


Vens a meus olhos destampar agora!
Como os anéis de uma cadeia extensa.
Presos, cosidos, incarnados, firmes. POEMA FÚNEBRE DEDICADO A MEU IRMÃO
Os meus dias estão co’os dias dêle. FREI HENRIQUE DE SANTA ROSA RIBEIRO,
Um só minuto dessa vida instável
Que vivo ainda, não correu na terra
P o r O c a s iã o da M o r t e d e s e u I r m ã o R a im u n d o
Sem um minuto dessa vida inócua
ÁLVARES R ib e ir o , S u ced id a a 2 3 d e A b r il d e 1 8 5 3 .
Que êle viveu, — e que findou tão cedo!
Entre êle e mim era partida a vida: Chorarr.m Gciínãnico até os desconhecidos.
Meia vida perdi co’a morte dêle. (TÁ CITO .)
Si adulto apenas, eu olhei ao mundo,
E achei-o infame, e escarneci-lhe as pompas,
E co’ alma feita a um ceticismo inato I.
Descri do amor que os homens divinizam,
— Não descri da amizade! — Êle provou-ma. Choremos todos um amor de menos.
Êle foi meu amigo! — oh nome augusto, Si uma flor, que murchou, sentimos tanto,
Que sabe os homens remontar aos anjos! E ’ que faltou-nos seu odor suave,
Quem sabe ser amigo em si resume Que nos dizia — amor — quando exalava.
As virtudes do céu e os bens divinos. Choremos todos um amor de menos.
Êle foi meu amigo — único e último — Si lá se esconde 1492 no oceano a lua,
Que tinha uma alma conformada à minha. E si nos parte o coração saudoso,
Era-lhe brasa o coração fervente: E ’ que sem luz os olhos nos ficaram.
Assimilava a si minhas angústias, Sem êsse amor que ela inspirar-nos sabe.
E , como o fogo, as consumia lento, Choremos todos um amor de menos.
E as minhas sensações purificava. Si algum farol não vemos na tormenta,
Êle sabia compre’nder profundo E si nos fogem da esperança os raios,
O coração fosfórico do vate. E ’ que visamos o naufrágio urgente,
Êle era vate! — Em flóridos poemas. E a perda amarga da visão da pátria,
Em suaves canções, em ternas liras Que delícias de amor nos predizia.
Correu seu estro merencório ou lindo. Choremos todos um amor de menos.
Corria agora sossegado e triste, Si a morte crua nos arranca o amigo.
Como um regato em áridos desertos: Si damos prantos à memória dele,
Corria agora mais travêsso e alegre, E ’ que de nós p’ra sempre separou-se
Como um barquinho velejando esbelto. Um coração que concluia o nosso,
Nos áureos fastos da poesia pátria E o gozado prazer não mais gozamos,
Há de seu nome se inscrever eterno. E doutro amor o nosso amor falece.
Desse-lhe Deus mais dias de existência, Choremos todos um amor de m enos!
— Fôra seu nome o sol para os mais astros! Choremos todos o mancebo, o amigo,
Que aos nossos braços nos arranca a morte.
Reminiscéncia atroz! que vário quadro Choremos todos uma flor crestada,
Tu vieste pintar ante meus olhos? Que não dá mais odor: a linda lua,
Que vale uma lembrança, uma saudade? Que se escondeu 1493 nas ondas do oceano,
Êle m o rre u !... a sua glória é morta! Que mais não luz: êsse farol brilhante,
Que se apagou nas vascas da tormenta,
Oh! que eu não possa lhe chorar a morte. E a pátria desviou-nos: êsse amigo,
Que doutro amor o nosso amor enchia.
Bem como outrora lhe cantava a vida!
Choremos todos sua perda infausta.
Choremos todos o passado gôzo.
Ah ! não devo chorar. Além dos mundos Choremos todos um amor de menos!
Eu vejo o céu, vejo o infinito, o imenso:
E ’ o trono sem fim do D eus-Etcrno:
E a Deus lá em cima vão juntar-se os justos. II.
E ’ lá que a vida parará perpétua,
E ’ lá que os tempos, sem correr, imóveis, Era um dia formoso. — O sol brilhante
Não sucedem-se mais, — são sempre eternos. Mais esplêndidos raios difundia,
Lá — êle, o justo, o virtuoso, o amigo E mais ardentes júbilos mostrava.
A vida que de Deus tomou, nascendo, Como do infante as faces que enrubecem 1494
Foi a Deus entregá-la, 1491 e unir-se a êle. A mais e mais, quando a alegria aumenta.

[ 449 ]
L U ÍS JO S É JUNQUKIRA P R E IR E

Num vaporoso sonho de poeta — Crê-me, oh donzela! a onipotente destra


T rês formosas visões eu vi — tão novas — Formou meu coração p’ra ser contido
Que mais ao céu que à terra pertenciam. Bem dentro do teu peito — qual se esconde '504
Séria matrona erguia-se a primeira Tesouro imenso em urna pequenina.
Com majestoso porte e honesto riso. Tua alma pura, cândida, inocente,
Gentil donzela erguia-se a segunda Como o gemer de solitária rôla.
Co’o tímido pudor nos olhos ternos, Tam bém foi feita para unir-se à minha.
— Anjo inefável de modéstia altiva! Somos dous corações fundidos ambos
Estava ante elas um loução mancebo Num coração que um sentimento iguala:
Co’os vivos olhos alongados, fixos. Duas felizes almas derramadas
Respirando prazer, amor e pejo, Numa alma só que um pensamento ajunta.
Como num templo a vista indefinida Quando teus olhos — como ardentes fachos —
Do crente que no peito as rezas volve. Chamas de puro amor, em mim se fitam,
Enternecido '495 em amoroso arroubo, Não encontras '505 também meus olhos quentes
Fita a 1496 donzela, que, em pudor e riso, Fitos nos teus em fogo de ternura?
No chão a vista envergonhada '497 crava. Quando, depois de instantes de silêncio,
E ra um anjo de luz entre dous anjos, Depois de um lindo e passageiro arroubo,
Que dêle a luz primeiro recebiam, A ponto os nossos lábios se desprendem,
E seus raios depois comunicavam, Não temos dito tanta vez num brado
Como a destra do Eterno a graça infunde. As mesmas expressões, as mesmas frases?
E onde era o centro fecundante e vivo, Não pensamos também na mesma idéia?
E onde era ação do mobile primeiro, Quando um incerto e vago sentimento
A humana vista distinguir não pôde. De amor, de timidez, de zêlo ou mágoa.
E cada qual destas imagens vagas Ambos os nossos corações comprime,
E ra foco de luz, fonte de brilhos: Não temos arrancado ao mesmo tempo
Bem como o sol — vivificante fogo — Poridos ais ou tépidos suspiros?
Seus próprios raios, circulando, espalha Dous corações e duas almas somos,
Na vastidão do espaço, — e a luz que o cerca, Que um sentimento e um pensamento ajuntam.
Vai refletir pelo etéreos corpos, Deus quer-nos juntos, porque assim formou-nos;
Pelos astros do céu — e o firmamento Seremos juntos, venturosos, lindos,
Com estranho clarão pompeia à noute. Como as aves do céu no espaço livre.
Deus quer-nos juntos — porque assim formou-nos.
Eram assim minhas visões formosas, Quer-nos ditosos, venturosos, lindos!
As três imagens de meu vago sonho,
Que mais ao céu que à terra pertenciam! Não carecemos de riqueza imensa,
Para gozarmos nossa imensa dita.
I I I. Não carecemos de um solar vetusto.
De um castelo feudal, de um régio alcáçar,
O mancebo falou. O norte intenso, Nem de um palácio de riqueza imensa,
Que ia cruzando enfurecido '498 os ares, Que nos deva/ conter a imensa dita.
Foi transformar-se em zéfiro saudável, Não carecemos do poder do mundo,
De um diadema excelso de rainha.
Quando o mancebo desprendeu seus lábios. De um cetro forte de riqueza imensa,
O terreno vapor, que ao éter sobe, Que nos venham ornar a imensa dita.
Do chão, dos mares, tórrido ou aquoso,
Não carecemos de renome ou fama,
Que vai no espaço assimilar-se em nuvens, Dêsses prestígios frívolos de glória,
Que o céu em crepe mortuário enlutam, '499 Dessa vaidosa voz, geral, inútil,
Parou também a aspiração que tinha, Que nos venha espalhar a imensa dita.
Quando o mancebo desprendeu seus lábios. Templo maior mais digno, mais sublime
As lindas flores dos jardins da terra, E ’ nosso coração: — imenso alcáçar,
Que, '500 pelo sol crestadas, estuavam. Onde pode habitar o amor somente!
Tentando em si desnatural esforço, '50i Chegamos nêle: — que êle é amplo, extenso.
A seiva tôda do âmago chamaram Capaz, bastante a concluir num foco
Ao cálix globuloso — e cheiro e bálsamo, '502 Duas vidas irmãs, iguais, fundidas.
Mais novo e ativo respiraram tôdas, E ’ só no coração que a dita existe,
Quando o mancebo desprendeu seus lábios. E ’ nêle só que ser feliz se pode.
O sol também, mais orgulhoso e altivo. Só do seu centro partem-se, despedem-se,
Subiu ao seu zenith '503 — seu trono etéreo — Brilhantes raios de imortal ventura.
Para mirar na direção dos raios, E si meu coração co’o teu se iguala.
Na baixa terra a imagem da inocência, Si juntos somos pela mão do Eterno,
A incarnação do espírito dos anjos, E ’ que a ventura em nós também se dobra,
Quando o mancebo desprendeu seus lábios. E duas vêzes mais felizes somos.
— O vento forte e as nuvens se sumiram, Deus nos quer juntos — porque assim formou-nos,
Não exalaram mais o mar e a terra. — Quer-nos ditosos, venturosos, lindos! —
Bálsamo novo as flores respiraram,
O sol subiu ao seu zenith '503 sublime; Assim falava o férvido mancebo:
Parada, estanque, a natureza atende, Seu coração pulsava arrebatado.
E o mancebo loução desprende os lábios. Forte, ansioso, irrequieto, ardente.

[ 450 ]
IN Sl'lK A Ç ôES DO CLAUSTRO

Como O oceano em vagalhões revolto, Que teu olfato peregrino ou próprio,


— E parecia, entre os arfantes pulsos. Do moribundo os hálitos perceba.
Querer pular no coração da virgem. Assim como formou-te a voz horrível
Para dizeres lôbregos lamentos.
E as pupilas da virgem rutilavam
Saltantes, doudas, como incertos fogos Então a voz de uma verdade amarga
No mar à noute co’o ferver das ondas. A meus ouvidos ressoou tremenda,
E do prazer a lágrima correu-lhe Como o ribombo do trovão rolante 1
Do lado esquerdo pela face quente,
E foi por ela trêmula caindo, Então o lindo zcfiro saudável
Como um regato de cristal ao longe, Transformou-se outra vez em norte intenso.
E muito tempo lhe pendeu da face, O mar e a terra respirou vapores,
Qual pende em flocos do penhasco o gêlo, Que subiram ao ar formando nuvens,
— E a tez ardente resfriou-lhe um pouco, Que o céu em crepe fúnebre enlutaram. 1509
E pelas veias circulou-lhe o sangue, Então as flores dos jardins da terra
Que todo havia concorrido ao rosto. Esgotaram a seiva e a fôrça e a vida,
E a seu estado natural volvida E o cheiro ativo e o bálsamo perderam.
Era a donzela uma visão celeste, E o sol formoso, que eu sonhava há pouco.
Que vê-se em sonho, e se dizer não pode. Contra o nosso hemisfério a face tinha.

Então a voz de uma verdade amarga


E a matrona sorriu. 1506 E os fracos olhos A meus ouvidos ressoou tremenda,
Lágrimas raras de prazer manaram. Como o ribombo do trovão rolante! '
Bem como gôtas de ligeira chuva.
E levantando a vista ao céu sereno,
V I.
E erguendo a destra sôbre a filha e o jovem,
E os abraçando em apertado amplexo,
Torvos os olhos, trêmulos os lábios.
— Sublime, excelsa, qual no templo assoma
Do sacerdote o divinal semblante, — Pálida a face em lágrimas banhada,
De Deus a bênção derramou por êles.
Rugada a testa juvenil — tão linda, l
Caída pelo colo a espêssa coma,
Um lugubre ululado ao ar desata
I V. Uma triste mulher. Chamou-se esposo
Num instante sòmente, — e noutro instante
E um disco enorme de ventura e glória Da viüvez a sorte e as dores prova.
Cobriu minha visão. E as três imagens
Eram três centros de brilhantes raios. V II.
De mistérios de luz. Então meus olhos
De tamanho clarão feridos, cegos, — Êle, meu Deus! o esposo da minh’alma
Não viram mais esta visão distinta. Aqui no coração viveu té’gora,
Perante a vista inda restou por horas Como num templo. — Êle morreu p’ra sempre
Um turbilhão de luz no mesmo estado. — E resta o coração que êle habitava.
Depois de grau em grau foi-se apagando, Qual fica o templo a que se tira o Santo.
E se extinguiu. — Um vórtice de trevas. E resta o c o ra ç ã o ... que é êste agora?
Enrolando 1507 no ar, veio envolvê-la.
T aça vazia do licor divino,
Que outrora a encheu e a perfumou tão doce!
V. Amplo jardim de arbustos decepado.
Sem flores mais que embelecê-lo 1510 possam!
Então a voz de uma verdade amarga Tais para mim os meus amôres eram!
A meus ouvidos ressoou tremenda, Doce licor que o peito me embebia, 15H
Como o ribombo do trovão rolante I Flores que a fronte ornavam-me em grinalda.
Santo que tinha na minha alma um templo!
Um grito extenso, quereloso, trêmulo, Ah! meu amor se consumou tão c e d o !...
Nos ares se partiu. — Como um rangido
De ferro em ferro, o guincho desatou-se. A minha vida se acabou co’a dêle.
Depois subindo lamentosa escala, Qual murcha a planta quando o pé lhe arrancam.
Era de um doudo a gargalhada bruta. — Tirai-m e aqui, levai-me longe, amigas.
De vivo incêndio o crepitar nas matas, Levai-me longe as vestes do noivado.
O som de um raio no escachar o tronco. Esta capela, que cingiu-me a testa,
Por fim descendo em gradação medonha. Que eu tenho aqui tão natural, tão nobre,
Já muito ao longe terminou-se o guincho Foi êle que ma deu. Seus próprios dedos
Na querelosa voz que começara. Foram que em mim esta capela ataram.
Depois, de mim três passos afastou-se
Ave sinistra! — incrédulos ou sábios Para mirar-me assim, — e achou-me bela
Teus mortuários cânticos não temam! Como sua alma, e me chamou “ Divina,
Eu não! que sei temer-te. — Instinto ou alma “ Visão de Deus, ou serafim, ou fada.
Existe em ti que profetiza a morte. “ És bela, oh minha irmã, — então me disse,
Talvez o Eterno te formou de modo 1508 “ Como os anjos do céu, — quanto te adorna

[451 ]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U EIRA F R E IR E

“ A fronte esta capela. — Em nossas bôdas E com meu pranto copioso e ardente
“ Irás ovante, presunçosa, altiva, A lamentá-lo ensinarei 1519 a todos.
“ De teu brilhante rcsplendor cercada.” Choremos todos um amor de menos.
Levai-mc longe esta infeliz capela.
Levai-me longe este presente, amigas,
Levai-me longe as vestes do noivado.

Tirai-m e as jóias que este colo enfeitam. 1512


De que me ornei para agradar-lhe os olhos. NÊNIA À FILHA DE S. VICENTE DE PAULO,
Não mais eu tenho o meu amor tão belo, FALECIDA NA CIDADE DE MARIANA.
P ’ra quem me enfeite 1513 de luzidas jóias.
Levai tais jóias para longe, 15U amigas, Si ela fora mais afortunada, sua história seria mais
Levai-me longe as vestes do noivado. pomposa: mas suas obras seriam menos cheias, e com titulos
suberbos teria talvez aparecido vazia diante de Deus.
(B O SSU E T ).
De meus dedos, aqui, vinde arrancar-me
Estes anéis de rútilos brilhantes,
Estes ornatos de alegria e luxo.
Mas este anel, que vêdes mais pomposo.
Mais fulgurante aqui — bem como um astro — Olhai nos ares: lá sobem.
Por compai.xão! não mo tireis, amigas, Brilhando dc acesas listras.
Que foi de meu amor sinal eterno. Esferas áureas de nuvens
Impresso pela mão do amante espôso. Form osas, porém sinistras.
Os mais enfeites 1515 nie arrancai, amigas,
Levai-me longe as vestes do noivado. Sinistras, sim: que na terra
T al espetáculo existe,
Fatal doença, que poder tiveste Que é alegre para os anjos,
Que de meus braços o levaste à morte! Que para os homens é triste.
Tão jovem inda o meu espôso! Agora,
— Viver, agora, começava apenas, E ’ assim aquêle aspecto
Pois agora sòmcnte era que amava. De nuvens de ouro e safiia:
Quando lhe urgia o passamento extremo, T ão prazenteiro que é êle!
Lutand.o já entre mortais transidos, Não sei que pesar inspira. 1520
Essas tocantes frases lhe escutamos:
“ M orrer tão cedo! — e o serafim que eu tenho, Olhai nos ares: lá sobem.
“ E sta esposa infeliz, que amo extremoso, Brilhando de acesas listras,
“ Único anelo à vida ao pé da morte, Esferas áureas de nuvens
“ E sta esposa infeliz tão cedo a deixo!” Form osas, porém sinistras.
Fui eu, fui eu seu pensamento extrem o!
E nessa convulsão que ultima a vida, E lavas de ardentes hinos
Quando a pálida bôea abriu forçado, Rebentam dos bojos seus:
Quando lançou seu derradeiro expiro, — São anjos lindos que entoam 1521
Inda tentou articular meu nome, Mistérios santos de Deus.
Que entre-partido lhe ficou nos lábios,
E o fim, e o resto — transportou-o à campa! São músicas de outra pátria,
— São do céu, — são anjos, sim:
Campa cruel, que o meu amor encerras, 3516 A voz das virgens da terra
Não lhe comprimas o mimoso corpo, Não tem harmonia assim.
Que eu já cuidei para entregar-te 1517 agora.
J á que não podes reverter-lhe a vida. Que beleza não refletem
Dá-lhe um sossego plácido na morte, Os ares, a terra, o mar!
Campa cruel, que o meu amor encerras! 1518 — Mas que silencio que guardam
Tão próprio para chorar!
Êle não era para mim sòrnente
Amor inútil, isolado, ou fátuo. Olhai nos ares: lá sobem.
Co’o seu amor vivífico e fecundo Brilhando dc acesas listras.
Queria a todos, como a si queria. Esferas áureas de nuvens
Choremos todos um amor de menos. Formosas, porém sinistras.

Choremos todos: que partiu tão breve Entes do céu! — quem inspira
Da terra aos céus um coração de amigo. Vossa linguagem canora?
Mas foi unir-se àquela Essência eterna. Perdestes outrora um anjo,
Donde seu puro espírito partira. Que vindes buscar agora?
Entre os anjos nos céus êle revoa;
Que um anjo êle era cândido e formoso. Talvez que baixasse ao mundo
Isto consola: — mas enquanto a vida Algum de vossos irmãos:
Na terra me durar, — contínuo e sempre Talvez que o céu nos mandasse
Chorarei pelo amor que dêle tive. Algum de seus cidadãos.

[ 452 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

E completasse entre os homens 11 I.


Sua divina missão:
E suba, em nuvens douradas, Parai, ímpios, parai, — enquanto eu firo
De novo à 1522 sua mansão. As cordas do alaúde.
Mudos ouvi-me o cântico de morte,
Olhai nos ares: lá sobem, A nênia da virtude.
Brilhando de acesas listras,
Esferas áureas de nuvens Virgem cristã! — um trovador mesquinho
Formosas, porém sinistras. Na terra ainda existe,
Que entorna 1525 sôbre a campa, que te encerra,
Uma palavra triste.
I I.
Não é um canto sobranceiro — como
Águia que os céus devassa:
Quem és, virgem cristã? — qual é teu nome?
E ’ a quérula voz de homem afeito
Por pátria tua — que nação te cabe?
Aos hinos da desgraça.
Porque sobem-te ao céu esferas de ouro?
— Dentre os homens ninguém, — ninguém o sabe
Virgem cristã! — tu que enxugaste 1526 em vida
As lágrimas do pobre.
Fôste — qual chuva argêntea que, passando,
Aceita agora as lágrimas do bardo
Fecundação pelos vergéis acorda:
Na laje que te cobre.
Mas à vista do sol ninguém na terra
Das cristalinas gôtas se recorda.
Tu hás de ouvir no céu, onde subiste,
Meu lutuoso canto.
Assim, cristã, passaste pela terra. A linguagem das lágrimas é tua:
Estranha ao mundo, e plácida, e quieta: Entenderás 1527 meu pranto.
Nem a laje que cobre o teu cadáver
Molhou-a co’o seu pranto algum poeta. Abaixo os olhos: — sôbre o teu sepulcro
Curvado está um homem:
Nem caiu-te no féretro uma lágrima, Lágrimas verte, — e dessas que, caindo.
— Nem uma só de sentimento grato: Secando, se consomem.
Lágrima a '523 preço de ambição comprada
Não na tiveste dêsse povo ingrato. Sou eu, — sou eu, — co’a lira nos joelhos,
Co’a voz tremente e prêsa:
Não te adornaram a virgínea frente
Co’os vagos dedos afinando incerto
Inúteis louros de Stael famosa.
A corda da tristeza.
Não manejaste as áulicas intrigas,
Que celebraram Main tenon vaidosa. Dá-me, dá-me uma lágrima sòmente.
Oh virgem, — que eu preciso:
Não te coube o poder da grande Aspásia Uma lágrima, não! — lá não há delas.
Pelos altivos sofos decantada. Dá-me, dá-me um sorriso. 1528
De Catarina o formidável cetro
Não te pesou na destra delicada. Parai, ímpios, parai, — enquanto eu firo
As cordas do alaúde.
Fôste — qual chuva argêntea que, passando. Mudos ouvi-me o cântico da morte,
Fecundação pelos vergéis acorda: A nênia da virtude.
Mas à vista do sol ninguém na terra
Das cristalinas gôtas se recorda.
I V.
Nem elegias ternas de saudade
Sôbre o túmulo teu disse um poeta. Oh virgem! — na campa que tem teu cadáver
Do ministro de Deus a voz apenas Estive inclinado, — joelhos no chão.
Pôde-se ouvir monótona e quieta. Co’o triste alaúde coberto de crepe
Tentei entoar-te 1529 funérea canção.
Mas Deus, que lê nas vísceras dos homens,
Minh’alma em sublime delírio voava,
Fêz abaixar do céu esferas de ouro.
Minh’alma voava, saía de mim.
Tua alma pura, circundada de anjos,
Meu triste alaúde coberto de crepe
Foi levada ao Senhor, como um tesouro.
Ficou numa estátua de duro marfim.
Os cantores seráficos te entoam 1524 Minh’alma voava suspensa no espaço,
Nênias, que nunca os homens escutaram: Minh’alma voava — por onde — não sei.
Saudosas nênias, inauditas, novas, Aos lados e acima sòmente o infinito.
Que os poetas da terra te negaram. Por baixo sòmente sepulcros achei.

Quem és, virgem cristã? — qual é teu nome? E tudo deserto, — silêncio de tumbas.
Por pátria tua que nação te cabe? Vastíssimo aspecto de imensa soidão:
Porque sobem-te ao céu esferas de ouro? £ tudo espirava belezas horríveis
— Dentre os homens ninguém, — ninguém o sabe. De um mundo que de homens não pode ser não.

[ 453]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA P R E IR E

Então repentina no vago do espaço Como as tábuas da lei dentro da arca.


Não sei que harmonia que ouvi que rompeu; Caridade! — entre o mármore e o côlmo
Não sei si partia de vozes estranhas, Acepções diferentes não marca.
Não sei si partia do espírito meu.
Caridade ! — evangelho em resumo —
Entre os homens não faz distinção.
V.
Ama o pobre — que acima dos ricos
Dêsse amor tem maior precisão.
O cadáver que jaz nesta campa
Vale menos um cetro p’ra ela:
Esse mundo o não teve entendido. 1530
Vale mais do mendigo o bordão.
Esse mundo não deu o seu pranto,
— Esse pranto comprado e vendido.
E ’ dos céus o cadáver da virgem, Caridade! — evangelho em resumo —
Que esvoaça do mundo mentido. Nem senhores nem servos conhece.
— Como o servo estremece, morrendo,
Dêste modo o senhor estremece.
O cadáver que jaz nesta campa E a nobreza comprada no berço
Sentimentos dos anjos conteve. Numa campa co’o pobre fenece.
Salamandra que vive nas chamas.
Neste mundo esta virgem estêve.
Neste mundo os preceitos do Cristo Assim foi esta virgem. — Mil vêzes
Em sua alma ela sempre os reteve. Os feridos colheu da batalha.
Os mendigos tomou pelas ruas.
Consolou na casinha de palha.
O cadáver que jaz nesta campa Envolveu 1533 os infantes expostos
Esse mundo o tratou com desprêzo: Em fibrosa e macia toalha.
Que êsse mundo escarnece as virtudes,
Quando delas se sente surpreso.
L á nos antros escuros do peito Porém hoje o seu corpo é cadáver,
Da verdade o louvor fica prêso. Tem sua alma a celeste mansão.
O Senhor a chamou por seus anjos,
— Que completa viu sua missão.
Perguntais sua pátria qual era? E partiu dentre n ó s ... E da virgem.
— Perguntai-o aos dous pólos da terra: Ninguém dela se lembra mais não.
— Flor eterna que em todo o universo
As raízes profundas aferra;
Nos semblantes de enfermos, 1534 de pobres,
— Povo de homens cristãos que nos orbes
Nunca um déspota enorme os desterra. Da ventura já brilha o retrato.
O menino que a vida lhe deve,
ü seu nome quereis? — Con.sultai-lhe Êsse mundo ao depois fê-lo ingrato:
Porque 1535 o homem no leito de estofo
Que palpites seus peitos tiveram.
Sentireis, no cadáver gelado, Julga infâmia o que lembra o grabato.
Que valentes, que sôfregos eram.
— Caridade! — seus peitos palpitam: E partiu dentre n ó s . . . E não teve
— Caridade! — seus lábios disseram. A canção funeral do poeta,
— Do inspirado de Deus para o inundo,
Foi seu astro êsse nome divino, Do escolhido — terrestre profeta.
Êsse nome que o Cristo ensin.nn. 1531 Do profeta divino somente
Para os cárdines longes d.'; trrra E la teve uma prece quieta.
E ssa virgem cristã se atirou.
Co’ êsse nome do Cristo nos lábios, R partiu dentre n ó s . . . E seus anjos 1536
Mil ferozes nações arrostou. — Seus irmãos — uma nênia entoaram. 1537
E no ar assombrado e tranqüilo
Esses mártires loucos da guerra Harmonias do céu ressoaram.
Exumou do cruor da batalha. E de nuvens esferas douradas
Foi pensar a família do pobre Para os altos de Deus a levaram.
Na modesta casinha de palha.
Foi as chagas limpar do mendigo E perante êsse aspecto de glória
Com fibrosa e macia toalha. Tôda a terra quedou-se serena:
Como o triste, ante os risos alheios.
Pelos trívios desertos da estrada. Sente mais aumentar-se-lhe a pena:
Pelos sórdidos cantos das ruas. Como a taça de néctar do rico
Recolheu os infantes expostos As artérias do pobre envenena. 1538
Pelas mães desumanas e cruas;
Envolveu 1532 em felpudas mantilhas Mas a terra reflete belezas,
Suas carnes geladas e nuas. E ssa terra, êsse vácuo, êsse mar!
Porém tudo — mudez e silêncio, —
Porém nunca prostrou-se nos tronos — Atalaia que põe-se a espiar:
Nem rojou pelos pés do monarca. Porém tudo assombrado e tranqüilo,
Caridade! — êste nome sagrado, Como quem preludia chorar.

[ 454 ]
INSPIRAÇÕKS DO CLAUSTRO

E partiu dentre n ó s ... E seus anjos, E V Ó S , filhos do mundo, — e vós, que tendes
— Seus irmãos — uma nênia entoaram. 1539 Menoscabado, ironizado os claustros,
E de nuvens esferas douradas Vêde aquele sepulcro. Ali na pedra
Para os altos de Deus a levaram. Lereis vossa loucura, alfim vencida
E essa terra, êsse vácuo, esses mares De pejo e confusão, — indo esconder-se
Na mudez da tristeza ficaram. Por entre as nossas orgulhosas palmas
De fúnebre vitória.
Tu, oh céu, na escritura dos anjos, E êsse quadrado, povoado ao longo
Mais um anjo em teus coros registras. De cadáveres mil, atesta aos ímpios
Tu mandaste-o buscar por teus anjos Que esta insânia da cruz não cai ainda.
Sôbre nuvens de fúlgidas listras. Vinde estudar na lápida dos túmulos
Mas a terra ficou merencória, A sorte do porvir. Aqui se enastram
Qual gigante co’as faces sinistras. Nas flores do martírio imensos nomes
Que figuram no céu. Aqui lançamos
V I.
Ao mundo inteiro uma solene prova
Tal foi repentina no vago do espaço Do que êle chama — as ambições do monge.
Aquela harmonia que ouvi que rompeu. Inclinai vossa fronte em nossas campas.
Não sei si partia de vozes estranhas, Oh ímpios, — e aprendei! Aqui se escondem
Não sei si partia do espírito meu. Do monge as ambições mortas com êle.
Perguntai, perguntai às mesmas campas
1 d c f e v e r e i r o d e 1S54.
— Quais elas foram? — Uma prece humilde
Depois de sua morte.

Tais do monge ancião, rjue inda choramos.


OS DOUS CA DÁVERES.
As ambições na vida e além dos túmulos.
A o s M a n e s do V en era n d o A ncião — o D r . F r . Foram cumpridas, elas. Seu cadáver
J o sé de S anta E sc o lá stic a e O liveira , F alecido a Entre as preces de morte aqui trouxemos.
22 DE M arço , e do m e u J ovem A migo F r . H e n r iq u e
DE S anta R osa R ib e ir o , F alecido a 24
do M e s .mo M ê s . I V.

Felizes, — não só pcI."» honradez da vida, como pela Tinha troado lutuoso o bronze
oportunidade da morte. Gravosos sons de morte.
De dobres e orações os ares pejam.
(TA CITO ). Da dor o espectro, o gênio dos lamentos
Nos tetos pousa, em lágrimas folgando.
I.
E o campanário emudeceu: 15-13 nas auras
As lamentáveis orações que escuto De todo em todo o lúgubre ruído.
Dizem que é tempo de chorá-los inda. Voando, esperdiçou-se em tênues ecos.
Precisam certas dores longa ausência Somente as orações crebras sussurram
Para tornar-se fortes. Nem no tempo Pela extensão dos solitários claustros.
E ’ que se enxugam 1540 lágrimas de amigos. E tudo o mais era silêncio e nada, 1544
E as lamentáveis orações que escuto Quando outra vez o acostumado bronze
Dizem que é tempo de chorá-los inda. Mais outra morte clama!

I I.
V.
Em dous dias sòmente à terra demos Era um jovem que um passo apenas dera
Dous cadáveres nossos. E essa terra
No caminho da vida. Uma pegada
Duas fauces abriu para engoli-los, i54i
Marcou sòmente nos degraus do mundo:
— Duas fauces terríveis. Parecia Desceu, — e deu no túmulo a segunda.
Por duas bôeas horrorosa rir-se Um momento parara ante os altares
Com sardônico aspecto. Cantando o Eterno em maviosos hinos:
Foi tôda a vida sua êsse momento:
III. E remontou-se ao céu, findando o canto.
Quando de tarde enternecida 1545 e meiga
Entre as preces de morte aqui trouxemos Fala entre as folhas dos rosais a brisa,
Primeiro um ancião. Vivera um dia. Um som — quase canção — se expande ao longo.
Mas um dia completo. A sua aurora Melodioso, sim: porém mais belo
Fôra risonha: o seu zenith 1542 mais belo: Era o seu hino harmonioso e brando.
Mais belo o seu ocaso. Quando sôbre a montanha aérea orquestra
De sua história as páginas douradas De altivos rouxinóis em fortes trinos
Tôdas num verbo apenas se resumem. De música atrevida os ares enchem,
— No verbo da virtude. Para os ouvir o camponês deserta

[ 455 ]
L U IS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

O inocente tugúrio, — e as feras bravas Era cedo, talvez. Ainda as faces


E as torrentes caudais e os nortes param: Alardeavam mocidade e vida.
Mas nada disso a sua voz copia.
Nem a harpa imortal tangida outrora Na fronte ainda o ébano luzente
Pelo jovem Davi nos régios paços, Entremeava a prata.
Do possesso Saul calmando as fúrias, Rija, sonora, da tribuna eterna,
Traduz o seu cantar. Já para a terra A voz ainda estremecia as turbas.
Era de mais ouvi-lo.
Tinha excedido há muito o ser de humano, Apavorava os grandes.
E já tocava à perfeição dos anjos. Podias espalhar mais bem no mundo.
Talvez que precisasse o etéreo trono Si fôsses mais um dia.
Mais de um cantor, qual êle. Porque 1546 deixaste o teu mosteiro, oh monge,
Ou dentre os coros seus — Deus, por momentos;
Deixaste a tua cela?
Tirara um anjo que viesse ao mundo
Cantar canções do céu, — dizendo aos homens
Como se adora a Deus na pátria eterna. Fóras um homem necessário agora.
Precisavam de ti vítimas tantas.
V I. Ai! tantos desgraçados!
A mão iníqua de sagrados ódios
Cantor, cantor do céu! tu não morreste, Sôbre o colo inocente alçou de novo
Nem mudaste de pátria. A secure de Herodes.
Não pode, não, ser teu nem um dos orbes. Co’a garganta infantil cosida ao cêpo,
Si na terra passaste, oh sim, — viagem. Do algoz romano pávidos ouviram:
Missão de Deus foi isso em nossa esfera. — Obediência ou morte! —
A pátria tua é tão somente o Eterno! Obedeceram. — A tortura, o açoute,
Tu gemias, eu sei, eu vi-te, eu mesmo, — O ergástulo, o patíbulo, as panteras,
Gemias, circunscrito em teu segredo, Dos ímpios Neros foram.
Com saudades de lá. Cuidando às vezes Hoje há Neros cristãos mais brutos que êles.
A sós contigo e tua idéia estares. São de tôdas as épocas os tipos
Em quentes preces ao Senhor pedias De crime, de ferócia.
Sua mensagem concluir contigo. Não há, porém, anfiteatro e feras.
Lá no Gólgota assim, na cruz suspenso. Conhecem mais o sofrimento, as dores,
Entre dores ao Pai rogava o Cristo O que mais dana os homens.
Que lhe passasse o cálix. Dão-nos apenas cárcere e desterro!
Deus enfim te atendeu, cantor sagrado. Ah! o d estêrro !... prolongada estátua
Almas dignas de Deus — Deus sempre as ouve. De morte que do céu se prende ao inferno,
— De morte que não finda!
Ai! para tantos míseros agora
Não choremo-lo, não. Um pranto estéril Que necessário fôras!
Sôbre os manes de um anjo — insulto fôra. Porque 1546 deixaste o teu mosteiro, oh monge,
Gravemos só em sua campa um nome, Deixaste a tua cela?
E o mais em nossos peitos.
22 de abril de 1854.
Não viste as salas úmidas do pranto
Dos míseros proscritos.
Não viste o pano dos sagrados muros
Al! Transudando de lágrimas.
Não viste o coruchéu do templo anoso
P elo F alecimento do Venerando Ancião — F rei — Testemunha da dor, — curvar-se a ela.
Marcelino do Coração de J esu s , Acontecido em Em respeito à desgraça.
J unho de 1854 no Mosteiro do Rio de J aneiro. Não viste à noute nos soturnos claustros.
De par em par fendendo-se os sepulcros,
S ão velhos que batalharam , Rangindo os ossos, levantar-se os mortos
£ que jam ais ren egaram Brandindo maldições em férreos carmes
A su a d iv isa e fé.
Sôbre os filhos sacrílegos.
M U N IZ B A R R E T O .
Mui agra fôra a teus provectos anos
Porque 1546 deixaste o teu mosteiro, oh monge, Uma cena de sangue.
Deixaste a tua cela? Ah! tanto horror te causaria infernos!
Para o báculo ainda um dia tinha, Fôste feliz: — morreste.
Um dia para a mitra! Quando os pequenos, tão do Cristo amados,
Não tinham mais que performar no mundo? Fôssem visto de ti, — pálidos, tristes,
Esgotaste da vida o vário cálix, Co’as faces cavas do sofrer profundo.
Onde, a par do prazer que à tona sobe. Castigados sem crime, em hóstia à raiva
Assentam mágoa e fezes? De fariseus hipócritas...
Saciaste-te bem de dor, de gozos! Uma lágrima tua, um gesto, um brado,
Fartaste-te da vida? De bálsamo lhes fôra.
Porque 1546 deixaste o teu mosteiro, oh monge, Porque 1546 deixaste o teu mosteiro, oh monge,
Deixaste a tua cela? Deixaste a tua cela?

[456]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO

Também fôste proscrito. A dor do exílio E alabastros de preces.


Não era-te ignota. Cantemos sempre os males que se findam
Ah! quantas vêzes desejaste em ânsias No liminar da morte.
Voltar à pátria cara! Merece cantos uma dor que expira.
Na pedra tumular da avita glória, Quem hoje desce à profundez do nada
Sôbre o pó dos troféus, pobre, aviltado. Foi infeliz, — foi monge.
Seus maus destinos Portugal pranteia,
E pranteando dorme.
Ossada de nação co’os pés em terra, I I.
Co’as mãos a custo sustentando o crânio, 1547
A cada sôpro do suão vacila. Mas ah! que imagem me arrebata estranha
Mas inda assim amavas-lhe os destroços! A tétricos abismos!
Lá o teu berço estava. Quem és? — arcanjo ou fada? — As longas vestes
Mas ah! os toques matinais não soam Vítreas, tão de cristal, os ares quebram
Nas cúpulas da Arrábida. E refrangentes choques!
Jazem seus claustros pavorosos êrmos. Que côr, que face transparente, anílea,
Murmura ainda nas extensas naves Qual índigo de louça!
O ruído de sangue. Que côr, que face, que platíneos olhos.
Nas vácuas celas estampado impera
Quais pálidas estrelas !
O crime de seus filhos.
Só esta idéia te rasgava as veias, Onde me arroubas, ai! que caos, que abismos, 1550
Te amargurava o peito. Que gelos glaciais, que móveis plagas,
Receaste, avistando-lhe as ruínas. Que campos flutuantes!
Desfalecer chorando. Quantas campas aqui quebram-se e correm!
Mas êsses prantos que o sublime excita Quantos crânios, — que horror! — de sânie sujos.
Contêm suave gôzo. Surgem medonhos delas!
Porque 1548 deixaste o teu mosteiro, oh monge, Eis! de um lado levantam-se, frangendo.
Deixaste a tua cela? De negras togas adornados todos.
Altivos esqueletos!
Hoje de lá do céu a vista inclina Ah! estoutros, porém, forcejam, lutam.
Para a dor dos pequenos. Tremendos uivam, por querer debalde
Uma prece de ti merecem, querem Transpor-se do sepulcro.
Tão inocentes almas. Algum grilhão, talvez, lhes prende as plantas
Roga por êles ao Senhor que os ama. Lá na raiz da rocha.
Prostra-te ainda dante o sólio eterno, Anjo, demônio, deusa, encanto, 1551 ou fada,
Orando pelos ímpios. Ah! dize-me o que vejo!
Talvez o Cristo lhes perdoe o crime.
Dizendo ainda ao Pai, qual disse outrora; Que crânio imundo em desespero apontas.
— Não sabem o que fazem. Demônio, deusa, arcanjo!
Talvez subiste ao céu por ímpios tantos. Não reconheço-o não. A pátria minha
Seria lá precisa a prece tua, Não é aqui. A região dos mortos,
Para abrandar-se a cólera divina, Zona do céu, do inferno, elísio, averno,
Que já baixava em lâminas de fogo
Gúrgite infindo, tenebroso ou claro.
Nas mãos do arcanjo que assolara o Egito,
Pegos de luz ou turbilhões de trevas,
Sôbre a cabeça grávida de crimes
Não me pertencem inda.
Dos fariseus modernos.
Porque, 1548 senão por isto, ao céu subiste? Outra nação, aqui, de essência estranha,
Porque 1548 deixaste o teu mosteiro, oh monge, Êste lugar ocupa.
Deixaste a tua cela? Deixa-me, pois, voltar, 1552 demônio ou anjo.
Transporta-me outra vez ao ser que tinha.
Não tenho ainda o meu dever completo.
Minha missão me chama.
Concede-me um instante, um verso, um canto,
MAIS UM TÚMULO. Uma improvisa nênia.
Quem hoje desce à profundez do nada
P elo F a l e c im en to do V en eran do A ncião — F rei Foi infeliz, — foi m onge...
J o sé de S . B en to D a m á sio , a 10 de S e t e m b r o
DE 1854.
I I I.

I. “Não cantarás”, aterradora brada


A meu ouvido a fúria.
Mais um um túmulo aberto! Amada lira, “Não cantarás” me repetiu, inchando,
lempera as cordas de tristeza e luto. E rebentou, tinindo.
Ah! não te esqueça teu dever funéreo!
Nossa missão é esta.
Entornemos 1549 na pedra um ai, um carme.

[ -1Ú7 J
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

CONTRADIÇÕES POÉTICAS.

Obras Posthumas/ de/ L. J. Junqueira Freire/ Quarta edição/ Correcta e accrescentada com um juizo
critico/ por/ Franklin Doria/ Tomo II/ Contradicções Poéticas/ H. Garnier, Livreiro-Editor/ 71, Rua
Moreira-Cesar, 71/ Rio de Janeiro/ 6, Rue des Saints-Pères, 6/ Pariz

PRÓLOGO.

Êste livro é a história de minha vida.


Minha vida tem sido a continuidade de circunstâncias tôdas contrárias, tôdas variadas, tôdas re­
pugnantes quase.
Meu livro, pois, sendo a expressão destas circunstâncias, é todo contrário, todo variado, todo re­
pugnante quase, como tem sido minha vida.
Eis aqui a razão de minhas Contradições poéticas.
Uma educação cristã, porém livre, que minha mãe soube dar-mc, imprimiu-me entre seus ósculos
maternos o sentimento religioso lá bem no âmago de meu coração.
As minhas poesias ortodoxas, portanto, pertencem à minha mãe. São sua inspiração.
O ardor da juventude, a ambição da ciência, a sociedade corrompida, degeneraram em mim o
homem feito por minha mãe. Â 1553 proporção que estudava, ia-me tornando mais filósofo, — isto é,
mais vaidoso, mais ignorante, mais incrédulo.
As minhas poesias filosóficas pertencem a êsscs acessos de loucura.
Entrou-me quase nesse tempo essa visão encantada, essa alucinação febril, que mata o coração e
o espírito, depois de tê-los bem gasto. O amor!
As minhas poesias eróticas pertencem a êsses segundos acessos de loucura.
Depois desses errores, a mão da doença, prelúdio do castigo eterno, arrojou-me por várias vêzcs
às aprazíveis paisagens do nosso belo recôncavo, — e vi a pastorinha singela correndo no campo lá pela
madrugada, e as cabanas inocentes dos pescadores, — e tudo isso encantou-me. Foi um segundo amor,
— porém mais puro.
As minhas poesias campestres pertencem a essas fases de desgraça, sim, — mas de inocência.
Hoje — que se me têm desvanecido êstes momentos tão doces de loucura juvenil, como uma noite
misteriosa num palácio de fadas, — assento-me tranqüilo em cima de um cômoro de folhas sêcas, que de
quando em quando caíram da árvore, e deíxaram-a por fim só com seu tronco e suas galhas mirradas.
Aqui — separo as mais verdes das mais sêcas, as maiores das menores, para fazer uma camada,
c plantar sôbre ela um nome pobre e mesquinho, que talvez não nasça.
Pois bem? se eu não tiver um futuro, ao menos tenho um passado saudoso.
E posso olhar para êsse passado com a suavidade das reminiscências, ainda quando amargas.
Não ouso, portanto, cuspir-lhe na face, nem escarnecê-lo.
Porque minha mãe considerava com respeito os anciãos, os templos envelhecidos, os edifícios
alçados pela mão de nossos pais, os monumentos de nossos avós. E seu exemplo ensinou-me tudo isso.
Estes cantos são meus dias antigos, são minha vida vivida, 1554 são todo o meu passado.
Eu amo todos êsses tempos, como um pai ama os esqueletos de seus filhos, que já não são, mas
que foram uns mais bonitos, outros mais feios.
Eu amo todos êsses tempos, porque custaram-me suores e sangue.
Eis aqui por que 1555 eu conservo intactas as minhas Contradições poéticas. — Nem as reduzo a
um sistema, a um pensamento uniforme, constante, único. Apresento-as quais são.
Nunca poeta foi hipócrita.
Acho-me obrigado a publicá-las, porque escrevi-as.
Se não há aí belezas, se não há aí acertos que possam servir a alguém, — ao menos sirvam meus
erros.

[ 458 ]
CONTRADIÇõKS POÉTICAS

IN V O C A Ç Ã O Mas despertando do sonho,


Que aos homens não se revela,
Achei comigo a donzela.
Formosa virgem dos vales,
Me apertando o coração,
Visão dos tempos de Deus, E ainda prêsa a meus lábios.
Vem, corre, transforma, alimpa
Meus pensamentos ateus. Entre um riso, entre um gemido.
Murmurou-me ao pé do ouvido
Preciso das tuas vozes. — Que não era um sonho, não. —
De teu inocente ardor.
Vem, bela virgem dos vales. E não mais, enquanto vivo,
Vem me falar do Senhor. Deixarei esta espessura,
— Mitológica pintura
Sai dêsse ninho de grama, Que o romantismo não faz.
— Lavor das mãos de teu pai. Era um sítio tão formoso,
Vem, bela virgem dos vales. Que nem o pincel romano,
Vem ver a manhã que cai. Nem Rubens, nem Ticiano
Copiariam assaz.
Formosa virgem dos vales.
Visão dos tempos de Deus,
Vem, corre, transforma, alimpa
Meus pensamentos ateus.
A C H E l-T E
De rude algodão vestida.
Qual nas eras pastoris.
Vem, bela virgem dos vales. Já na linha dos felizes
Ensinar-me a ser feliz. Eu posso erguer meu troféu:
Achei-te por fim na terra.
Saltando co’ os alvos socos. Achei-te, ó anjo do céu.
Pisando em combros de flor.
Vem, bela virgem dos vales. Tenho um amor neste mundo,
Convencer-me do Senhor. Tenho já por quem sentir;
Tenho um rosto que me anima.
Formosa virgem dos vales. Tenho já por quem sorrir.
Visão dos tempos de Deus,
Vem, corre, transforma, alimpa
Meus pensamentos ateus. Tenho um pranto p’ra meu pranto,
Uma dor p’ra minha dor:
Tenho um peito p’ra meu peito,
Um amor p’ra meu amor.

SONHO Tenho uns olhos que me encantam.


Tenho uma alma que me entende.
Era um bosque, um arvoredo, Tenho uns lábios que me chamam, 1556
Uma sagrada espessura, Tenho um beijo que me acende.
— Mitológica pintura
Que o romantismo não faz.
Já posso mostrar aos homens
Era um sítio tão formoso,
A fronte de vencedor:
Que nem um pincel romano,
Nem Rubens, nem Ticiano Completei a minha vida.
Copiariam assaz. Tenho já o meu amor.

Ali pensei que sonhava Já na linha dos felizes


Co’ a donzela que me inspira, Eu posso erguer meu troféu:
Que põe-me nas mãos a lira, Achei-te por fim na terra.
Que põe-rne o estro a ferver; Achei-te, ó anjo do céu.
Que me acalenta em seu colo,
Que me beija a vasta frente,
Que me obriga a ser mais crente
No Deus que ela julga crer.
QUE TEM ES?
Sonhei co’ a visão dourada,
Que todo o poeta sonha,
— Idéia gentil, risonha. Temes e tremes, anjinho, 1557
Tão poucas vêzes real! Como as vergônteas do arbusto?
Que só, co’ o peito abafado, Temes o quê? êsse mundo?
Sc vai de noite em segredo Temes o público injusto?
Contar no denso arvoredo Temes, anjinho, 1557 êsse espectro,
Ao cipreste sepulcral. Êsse fantasma de susto?

[ 459 ]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E

Temes que os homens conheçam NÃO FUJAS COM A FACE


Que és tu só meu serafim?
Temes que os homens nos vejam Não fujas co’ a face com tanto receio,
Tão abraçados assim? Não clames, não grites, não queiras correr:
Temes que os homens invejem — Não é uma serpe letal, venenosa,
Nossa ventura por fim? Que vai teu semblante manchar nem morder.

Não temas! êsse fantasma Não fujas co’ a face: — que ardente corisco,
Existe sim, mas é vão. Que assombra, que acende, 1558 não vai te acender;
Não digas quando eu tc beijo, Não vai por teu rosto vulcão flamejante
Não digas — o que dirão? — As lavas sulfúreas romper, estender.
Não digas; — porque não sabes
Quantas dores sofro então.
Não fujas co’ a face: — que o ar dos sepulcros
Não vai-te os sentidos, a vida tolher:-
Não digas — porque não sabes Não vai um veneno de enérgica fôrça
Que me transe o coração, As côres de prata fazê-las perder.
—•Qual seta que vara o peito
E cai tremendo, no chão: Não fujas co’ a face: — que um negro vampiro
Não digas — porque me agito Não vai o teu sangue sugar nem beber:
Em horrível contorsão. Um monstro sangrento das ínvias florestas
Não vai os teus membros rasgar nem romper.
Não temas! vem dar-me um beijo
Co’ os teus lábios de carmim: Não fujas co’ a face: — que abismo profundo
Deixa que os homens murmurem, Não vai-te nos seios das trevas sorver:
Como a fusão de um festim; Não fujas co’ a face com tanto receio,
Deixa que os homens invejem Não clames, não grites, não queiras correr.
Que sejas meu serafim.
Não fujas co’ a face: — que são tão sòmente
Uns lábios de bardo falando a ferver:
São lábios de bardo, são lábios sagrados,
Que sabem os cantos dos anjos dizer.,
A UM NATALÍCIO
Não corras de um beijo de lábios de bardo,
Baixai, baixai dos céus cândidos anjos, Que os lábios do bardo não têm que temer;
Sôbre as asas da férvida alegria: São lábios que cantam poemas celestes,
Vinde vós mesmos entoar um canto Que podem teus dotes eternos fazer.
Palpitante de amor e de harmonia.
Não penses que os lábios do bardo fervente
Virgens da terra — virgens mais formosas São serpes nojentas que sabem morder:
Que o rir dos anjos, que um sonhar de amores: Não temas, donzela, meu beijo de bardo,
— Vinde lhe atar na frente majestosa Não clames, 1559 não grites, não queiras correr.
Linda grinalda de inocentes flores.
Não sabes o bardo
E vós, ó flores dos jardins, dos campos. Que beijos que dá!
Ornai também os versos de meu hino: Recendem, qual nardo.
Respirai vosso aroma deleitoso, Quais flores formosas,
Enchei o ar de bálsamo divino. Quais célicas rosas
Dos mundos de lá!
Infantes, vós, efeitos tão formosos
Dos mistérios de amor, por entre sonhos! Não sabes que beijos
Co’ o rir nos lábios, co’ o prazer nos olhos. São êsses os seus!
Hoje brincai mais lindos e risonhos! Resumem desejos.
Resumem no fundo
Os homens e o mundo.
Vós, anjos santos — como o céu — alegres:
Os anjos e Deus!
Vós — virgens como os anjos — tão brilhantes:
Vós — como as virgens — tão cheirosas flores:
Vós — como as flores — tão gentis infantes: Os homens e o mundo
Tais beijos não são:
Mas sendo no fundo
Todos acordes entoai um hino Unidos co’ os anjos,
Palpitante de amor e de harmonia. Com Deus e os arcanjos.
Virgens, infantes, serafins e flores, Tais beijos serão.
Cantai vós mesmos tão ditoso dia.
O céu, mais o mundc,
E o que nêles há:

[ 460 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS

O belo, o jucundo, Serão os meus olhos


E o todo do gôsto: Um quadro de horror?
Só êsse composto Demônios, ou fúrias
Tais beijos dará, De imenso terror?

Só tais elementos Serão — quais fantasmas


Sublimes, gentis: De arábicos sonhos?
Só tais complementos, Que têm os meus olhos,
Se iguais se comprazem. Que são tão medonhos?
Os beijos perfazem
Do bardo feliz. Mentir! — meus olhos
Medonhos não são!
Idéias tão altas Meus olhos — sòmentc —
Mistérios que são! Têm nova expressão.
— Se já não te assaltas.
Cedendo às carícias. Exprimem a luz,
Vem ver que delícias Que os céus alumia:
Meus beijos te dão! — A luz dos mistérios
Da sã poesia.

Que são os meus olhos,


MARTÍRIO Que ainda te espantam?
— São Deuses que inspiram!
São anjos que cantam!
Beijar-te a fronte linda:
Beijar-te o aspecto altivo:
Beijar-te a tez morena:
Beijar-te o rir lascivo:
A MINHA VIRGEM
Beijar o ar, que aspiras:
Beijar o pó, que pisas: Quero uma virgem co’ uma tez bem alva.
Beijar a voz, que soltas: Pálida e pálida, amorosa e mole:
Beijar a luz, que visas: Quero uma virgem, que convide os lábios
A beberem-lhe o amor gole por gole.
Sentir teus modos frios: 1560
Sentir tua apatia:
Sentir até repúdio: Quero uma virgem, co’ um olhar bem doce,
Sentir essa ironia: Que nos seus lanços diga-me: — descanso:
Quero uma virgem co’ uma voz pausada,
Que fale ao coração de manso e manso.
Sentir que me resguardas:
Sentir que me arreceias:
Sentir que me répugnas: Quero uma virgem co’ as feições bem nobres,
Sentir que até me odeias: Que saibam-me inspirar um certo mêdo:
Quero uma virgem co’ uma fronte altiva,
Eis a descrença e crença, Que pense, como eu penso, em bem segrêdo.
Eis o absinto e a flor,
Eis o amor e o ódio, Quero uma virgem pensativa e queda,
Eis o prazer e a dor! Que goste bem da solidão amiga;
Quero uma virgem que demonstre uma alma,
Eis o estertor de morte, Que mais pense e mais sinta do que diga.
Eis o martírio eterno,
Eis o ranger de dentes, Quero uma virgem co’ um semblante sério,
Eis o penar do inferno! Como quem cisma em prolongada pausa:
Quero uma virgem que derrame às vêzes
Sòzinha e muda lágrimas sem causa.

Quero uma virgem que receie ainda


MEUS OLHOS
Quebrar co’ um ai o fio dos pensares:
Quero uma virgem que me entenda todo
Que vês nos meus olhos, Por um volver de místicos olhares.
Que tanto te espantam?
Que mostram de estranho,
Que assim te quebrantam? Quero assim minha virgem: pela terra,
Louco, deito-me enfim a procurá-la;
Um ente assim, — Deus tê-lo-á formado;
Um monstro as pupilas Guia-me, anjo do amor: — que eu hei de achá-la.
No fundo terão?
Espelhos do inferno
As alvas serão?

[4 6 1 ]
J.UfS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE

ACORDA A SULTANA

Se eu pudera dormir na vida ao menos ( C anção O r ie n t a l )


Uma só vez, como ela dorme agora!
Se eu pudera abafar co’ as mãos do sono Sultana! — porque teus olhos
Êsse vulcão que o peito me devora! Pululam chôro tão triste?
No vôo de ave sinistra
Se eu pudera dormir, como ela dorme. Algum mau agouro viste?
Levar minha alma às regiões sidéreas! Ou dos lábios do teu mago
Vagar, sem têrmo, de órbitas, em órbitas, tS6l Más profecias ouviste?
Boiar num mar de vibrações aéreas!
Que tens que choras, sultana,
Se eu pudera estancar na infinda fonte Co’ as mãos no queixo — tão bela?
Minha torrente amplíssima de dores! Tanto palor nestas faces,
Se eu pudera dormir, como ela dorme, Que foram côr de canela?
No virgem seio dos gentis amores! Desalinhada a madeixa.
Sentada junto à janela?
Se eu pudera dormir, como ela dorme,
No Ictargo feliz da consciência!
Sultana! — porque dedilhas
Ela, — e só ela o pode. Eu sofi'o, eu ardo:
Os bilros nesse tear?
Ela jaz na doçura da inocência.
Os dedos correm e correm,
A 1562 toa, sem acertar!
Tréguas da vida! — eu só não posso ter-vos
Os dedos erram pontos
Sequer um lance, um átomo perfeito!
Bem fora de seu lugar!
Contínuo pensamento de meus males
Mora-me n’alma, mora-me no peito.
Sultana! — que dor tamanha
Tudo sossêgo, escuridão, pavores, Que te esmaga o coração?
Tudo qual morte, — e eu penso nela ainda! Que te pode armar nas faces
Minha torrente amplíssima de dores Tão estranha contração?
Corre caudal, impetuosa, infinda! Que pode arrojar-te a mente
Em tão vaga distração?
Ela dorme pensando que seu sono
Sacia a todos, como agreste cardo: — Meu senhor hoje chamou-me:
Dorme, — e não pensa que seu sono infausto Quando mais me chamará?
Arranca o sono às pálpebras do bardo. Meu senhor hoje falou-me;
Quando mais mc falará?
Dorme, — e não sabe que ao pé dela o bardo Meu senhor hoje abraçou-me:
Os seus bafejos de inocência engole; Quando mais me abraçará?
Dorme, — e não sabe que êle exaure nêles
Do desespêro o derradeiro gole. Naquele colchão macio
Eu junto dêle dormi;
Dorme, — e não sabe que um demônio horrendó. Eu vi o céu do profeta,
Em seu disco infernal de trevas feias. O céu verdadeiro eu vi:
Adeja sôbre, e os hálitos lhe apara, Oh! que bela a noite de ontem!
E eivados inocula-mos nas veias. — Não terei mais noite assi!
Nem saiba nunca, nem desperte agora;
Que de seu crime se arrependa infindo; Beijou-me co’ a sua bôea
Que encontre, ao acordar, cosido ao peito Macia como o cetim:
O cadáver de amor, que fêz, dormindo. Abraçou-mc com seus braços
Mais lindos do que o marfim:
Que saiba então êsse terrível drama, Reclinou minha cabeça
Que ela compôs e deslindou em sangue: Em cima de seu coxim.
Que leia então seu nome escrito em fogo
Sôbre êste coração extinto, exangue. Eu ficava tôda fria,
Sc êle se achegava a mim:
E que se espante e fuja, — e ache em tudo Minhas faces palejavam,
O fantasma de amor hora por hora: Como cândido jasmim:
Se não quer reviver o bardo a tempo, — E depois... ficava ardente.
Se não quer acordar agora, agora. Vermelha — como um rubim.
Virgem! — se queres acordar agora.
Dessa inocência angélica e quieta, Eu lhe ouvi a voz sonora,
Como a voz de um querubim:
— Se queres ser, ao despertar, mais pura, —
Acorda aqui nos braços do poeta. Que doce roçar de beijos
Macios como o cetim!
Que dedos tão delicados,
Que se imprimiram em mim!

[ 462 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS

Julguei eterna a ventura, Unificou-se nossa alma


— Fui louca — pobre de mim! Por um impulso magnético;
Não luzem mais de uma noite Nosso ser purificou-se
As lâmpadas do festim! Por um êxtase patético;
— Revelai-me, ó grã profeta, Nosso amor assimilou-se
Se terei mais noite assim! Entre um delírio frenético.

Meu senhor tem mil mulheres Foi peito e peito a pulsarem


Tão doces como o maná; Em simpática união.
Amante de cousas novas, Foi vida e vida a sentirem
As novas chamando irá; Como elétrica atração;
Meu senhor — de mim, coitada, Que não pode dividir-se
De mim não se lembrará! Pelas leis da repulsão,
Como um laço inextricável
Nas fibras do coração.

MEIO-DIA

( I m itação de O vídio )
MEDROSA
O sol espargia fosfóricos raios.
Torrava nos campos as tímidas flores. Lá corre a nuvem negra,
Os mares cobria de rutila prata, Lá cobre a face ao céu.
A terra pintava de lúcidas côres. Qual lutuoso crepe.
Qual mortuário véu.
Secavam as fontes dos trépidos rios.
Arfavam de ardores os grávidos ares;
Subiam vapores de ignífera massa E a chuva se despenha
Da íntima terra, dos túrgidos mares. Dos bojos dos bulcões,
E varre e lava a terra
Quem sabe se agora vulcânicas lavas Co’ os fortes aquilões,
Ardentes rebentam da íntima terra!
Quem sabe se o nauta nos túrgidos mares — E a terra vácua e nua.
Co’ a morte peleja magnânima guerra! Qual foi o caos informe,
Quando hórrida caligem
Quem sabe do mundo, — se tórrida calma Cerrava a massa enorme.
Dos homens acesos os ânimos mata!
— Que sol que dardeja fosfóricos raios, Eis o terror, — a morte,
E os mares acende de rútila prata! Que manda, reina e aterra,
Como um franger de campas,
Não sei desta terra, — se tórrida vive, Como um bradar de guerra.
Se vive, _— ou se cm lavas mais tórrida morre;
— Só sei desta virgem, que em lânguidos gestos,
Sorrindo, a meus braços mais lânguidos corre. Não temas, não, donzela,
O estrépito do raio;
Comigo esta virgem mil êxtases sente. Não te esmoreça o peito
Comigo delírios novíssimos passa; Em tímido desmaio.
— Agora eu não sinto fosfóricos raios,
Não sinto vapores de ignífera massa. Mas antes vem, donzela.
Medrosa muito embora.
Perder comigo o mêdo
Que as faces te descora.
0 ABRAÇO •Mas antes vem, correndo.
Qual pávida criança.
Foi um abraço ligado, 1563 Saltando leve e leve,
Como nas leis da atração, Como o girar da dança.
Que não pode dividir-se
Pelas leis da repulsão, Vem aninhar-te à pressa
Como um laço inextricável Cá dentro de meu peito;
Nas fibras do coração. — Aqui não entra o gêlo
Dêsse pegão desfeito.
Abriu-me seus braços alvos.
Quais asas de um serafim;
Senti seu peito em meu peito. Embora neve o éter,
Entre palpites sem fim; Palor a terra embora;
Senti seu peito a roçar-me Embora! — aqui no peito
Macio como o cetim. Calor constante mora.

[ 463 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E

Vem aprender comigo Sofia! — és inocente,


Como se adora o Eterno; Como o sorrir do infante,
Quer arda o sol formoso, Como o expandir dos peitos,
Quer sopre o frio inverno; Como o jurar do amante.
Quer seja dia ou noite, Não sabes, inocente.
Quer seja mar ou terra, Trair quaisquer paixões,
Quer seja calma ou brisa. Como êsse mundo infame,
Quer seja paz ou guerra. Sentina de abjeções.
Que belo é ver o éter
Cortado pelo raio, Hipócrita! — nos templos
E um coração de virgem De rôjo a Deus confessa:
Estanque entre o desmaio! Hipócrita! — nas salas
Moral de ateus professa!
O ’ Deus! — eis como queres
Que se te adore e ame: Não, virgem, — tu não sabes
Não és, não és tirano, Fingir uma emoção:
— Pesar do ímpio infame. — E ’ o tremor dos lábios
Tremor do coração.
Pesar de vãos devotos.
Pesar de vãos ateus.
Ou és clemência e amor. Sim, reza. — E ’ tua prece,
Ou já não fôras Deus. Como um aroma intenso,
Como o cair do orvalho,
Teu rosto lindo, ó virgem. Como a expansão do incenso,
Prova o saber superno:
Por mim — eu hei de amar-te, Que entorna uns sons divinos.
Lavor das mãos do Eterno. Qual doce harpejo terno,
Que vibra, e sobe, e chega,
Hei de cingir-te, ó virgem, E toca os pés do Eterno.
Na fronte de minha alma.
Qual cívico laurel. Por quem ao céu dedicas
Qual triunfante palma. Tão mística oblação?
— Sofia! — eu bem conheço
Hei de apertar-te, ó virgem. Por quem tua oração!
Aos pulsos de meu peito,
— Onde não entra o gêlo
Dêsse pegão desfeito. Por quem rezar puderas.
Por quem rezar assim?
Embora estejas fria, Por quem tão linda prece.
Embora temerosa, Por quem, senão por mim?
Hás de adornar-me o peito,
Como um botão de rosa. Por quem mais saberíam
Tremer teus lábios lindos?
Que importa o céu nublado, Por quem êstes suspiros.
Que importa o éter denso, Tão crebros, tão infindos?
Que importa o caos medonho,
Que importa o raio intenso?
Por quem o arfar do peito.
E ’ belo p’ra meu gênio Por quem tremer assim?
Nos céus ver tanta guerra, Por quem rezar tão pio.
E te abraçar, ó virgem. Por quem, senão por mim?
Em paz aqui na terra!
Por mim — que sei beijar-te
O colo, a face, os lábios!
Por mim — que sei amar-te
Com êste amar dos sábios!
POR QUEM REZA S?

Sofia! — por quem rezas.


Embevecida 1564 assim?
Será por teus parentes,
— Será talvez por mim? SÓ A SSIM

Será por mim que tremes Estás tão bela — que a luz do dia
Tão férvida oração? Ah! ter não pode maior encanto!
Será por mim que bate Estás tão bela — que a flor do prado
Teu virgem coração? Não tem mais graça, não brilha tanto!

[ 464 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS

Como estás linda, faceira,^ alegre, Minha terna amada


Qual onda sôlta volvendo à ^565 areia! Assim era, assim;
Vens tão aérea, tão flutuante. Como rosa em matos.
Qual pena leve que o ar meneia! Matos de capim.

Não quero ver-te mais recatada, Eu amava muito,


Com vãos pudores ao pé de mim; Muito, e muito, a bela;
Não quero ver-te mais vergonhosa; Dia e noite, e sempre,
Não quero ver-te, senão assim! Eu pensava nela.

Os teus vestidos de cassa fina Porém ela, a bela,


Sóbre cambraia de azul celeste;
Ela me enganou;
O teu comprido, bordado lenço, Reparai, pastores;
Que teu trigueiro colo reveste;
Eu morri: não sou.
Êstes enfeites, êstes ornatos,
Tão afetados, como o pudor, Eu a vi bem vista,
São dessas damas, que, nas cidades. Eu a vi assim:
Aos homens vendem o seu amor. Ela sai da choça
Sem ninguém, sem mim.
Não quero ver-te tôda artifícios,
— Mãos de brilhante, — pescoço de ouro; Bem de longe e longe
Quero que mostres que em ti somente Eu, não visto, — eu ia;
Tens mais riquezas, maior tesouro. Ela foi banhar-se
Na torrente fria.
Não quero ver-te com tais vestidos,
Com tais ornatos ao pé de mim; Não me engano: eu vi.
Não quero ver-te mais vergonhosa, Descobriu as carnes,
Não quero ver-te, senão assim! Foi banhar-se ali;
Eu a vi sem vestes;

Povo da torrente
O BANHO Vi correndo a flux;
Lá no fundo da água
Também entra a luz.
C anção R ú stic a

Eu amava muito, Povo da torrente


Muito, e muito, a bela; Sabe olhar — e bem;
Dia e noite, e sempre. Gente tão lasciva
Só pensava nela. Ali há também.

Ela tinha a testa. Certos gênios, — dizem.


Tinha a testa altiva; Lá no fundo estão;
Co’ uma côr ardente, Certos gênios viram
Como a hora estiva. Sua perfeição.
Ela tinha a testa
Para um diadema; Foi sair do banho.
Tinha a testa altiva Já não era altiva,
De beleza extrema. Como quando tocam
Numa sensitiva.
Era em nossa aldeia
Linda tabaroa, Já não li na testa, 1566
— Ela que mostrava Testa de coroa;
Testa de coroa. Já não era altiva.
Nobre tabaroa.
Muita flor mimosa
Nasce no capim;
Muita grama agreste Está vista e vista
Nasce no jardim. Sua perfeição;
Já não quero aquela,
Assim era a bela, Já não quero, não.
Linda tabaroa,
— Ela que mostrava
Testa de coroa.

[ 465 ]
L U IS JO S É JU N Q U EIRA E R E IR E

FOGE! TAMBÉM ELA

Estas selvas tão cerradas, E la também ouviu o som das vagas


Estas árvores tão densas, Sôbre os rochedos — e talvez dissesse:
Que asilam serpes famosas, — O som das vagas que embelece os outros,
Que asilam feras imensas; Não me embelece.

Estas pastagens agrestes, E la também sentiu a fresca aragem


Estas lagoas profundas, Sôbre os cabelos — e talvez dissesse:
Que os jacarés espanejam, 1567 — A fresca aragem que adormece os outro«.
Com as suas serras imundas; Não me adormece.

Êste chão tão duro e seco, E la também deitou-se no sereno


Estas areias tão soltas, S ôb r’ estas relvas — e talvez dissesse;
Onde corre, como os liomens. — Êste sereno que empalece os outros,
As virgens tão desenvoltas; Não me empalece.

Êste sítio assim formado E la também olhou estas montanhas


Pelas mãos da natureza, Sôbre as campinas — e talvez dissesse:
Onde lê-se em férreas letras A vista delas que embevece os outros,
Estupidez e rudeza; Não me embevece.

Não pode, não pode aos peitos E la também andou ao sol ardente
Inspirar um doce amor; Sôbre as planícies — e talvez dissesse:
Não pode ensinar às almas — O sol ardente que enrubece os outros,
Nem o prazer nem a dor. Não me enrubece.

Arranca, destrói, extingue E la também provou dos cardos frescos


As sensações delicadas: Sôbre as areias — e talvez dissesse:
Almas que nascem no lôdo — O gôsto dêles que arrefece os outros,
Morrem no lôdo afogadas. Não me arrefece.

São monstros de imenso corpo E la também sentou-se neste muro


Que vivem só para a terra; S ôb r’ estas pedras — e talvez dissesse:
Que não sabem, entre os homens, Êste quadro gentil que encanta os outros.
Fazer a paz nem a guerra. Já me aborrece.

São feras de humano aspecto. Êste quadro gentil agrada aos outros,
De forças descomunais; E ’ belo todo — ela talvez dissesse:
Que arrostam no mato as feras Porém tão longe o meu amor! — oh! tudo,
Que têm as forças iguais. Tudo falece!

São brutos feios, terríveis, Sim : ela o disse merencória e amante:


Que não têm uma expressão; ímpios, não duvideis que ela o dissesse:
Que dão em resposta aos homens 1 ão longe dêle assim ! sem vida tudo,
Um bramido de leão. Tudo parece!

Foge, ó virgem inocente. ALDEANA


Dessa aldeia tão brutal;
Não te mistures com êles, .Sôbre o torrão inculto,
Não queiras ser tal e qual. Sôbre a grosseira leiva
A flor vegeta às vêzes
Já tens a face tostada, Com mais vigor e seiva.
Não sei que mau na expressão;
Foge, foge dessa aldeia, Por entre o vale e o monte,
Não queiras ser fera, não. No prado e na colina.
Mais inocente vive
Vem comigo, vem: que eu posso A virgem da campina.
Cousas belas te ensinar;
Eu sou da cidade, ó virgem;
Eu posso ensinar-te a amar. Mais inocente e pura
Que o beija-flor das veigas;
Mais terna, e franca, e simples,
Do que as rolinhas meigas.

[ 466 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS

FÁTUA!
Meneia o colo esbelto,
— Faceira e soberana:
E gira o seu cajado ( C anção R ú st ic a )
De agreste e leve cana.
O cidadão formoso
Chamou-me agora, agora.
E vai, sorrindo doce, Mui bela!
— Vai pela fina areia, Chamou-me estréia d’alva,
E o nome só do amante, Que o sol e o brilho e o dia
— Aíeu nome — delineia. Revela!

Meu nome à flor da areia, Chamou-me os seus encantos.


Meu nome entre os rosais; Chamou-me a obra-prima
— Nos lábios em seus gritos, De Deus!
No peito entre seus ais. Ah! quanto os vossos modos,
Pastôres, — são diversos
Se um dia não me avista. Dos seus!
Vai, — corre pelo mato:
E vai, depois de achar-me. Não quero mais, 1370 pastôres.
Bradando: — ingrato, ingrato! — Os vossos modos brutos.
Grosseiros!
Vós não sabeis falar-me
Se então lhe dou na face Com seus urbanos gestos
Um ósculo inocente, Fagueiros.
— Então — já pranto estanque,
Então — já peito ardente, 1368
Vós divagais nos matos
Por entre as caiporas
Então — pesar dos olhos, Infestas,
Que lágrimas gotejam. Das quais os nossos velhos
Já trêmulos sorrisos Nos contam tantas cousas
Os lábios lhe farejam. 1369 Funestas !

Recôndito mistério Vós apanhais a pomba,


De humano coração! Que andava descuidada
— Raiar de sol rompendo Nos trilhos;
Por entre a cerração! Que andava procurando.
Coitada! — o alimento
Dos filh o s ...
Por isso é que eu te abraço.
Por isso é que eu te beijo; Vós pelejais co’ as ondas
— Que apraz-me ver-te as faces Do mar encapelado
Lidando amor e pejo. Na costa;
Vós tendes sempre a carne
Sim: — gosto de teus modos, Ao sol, à chuva, aos ventos
O ’ virgem da campina; Exposta. 1371
— Co’ a natureza nua
Meu gênio só combina. Fazeis a vossa pele
Espêssa, grossa, baça.
Eu amo em ti, ó virgem, Terrena;
Esta simplicidade, Fazeis a vossa fala
Tão fera, que faz mêdo, 1372
Que desertou p’ra sempre Faz p e n a ...
Do seio da cidade;
Seguis o rei dos peixes,
Que foi morar nos campos. — A grande e monstruosa
Corrida de despeito; Baleia;
Que achou aqui abrigo E ’ dela que aprendestes
Bem dentro de teu peito; A vossa moda impura.
Tão feia!
Que co’ um abraço chora,
Vós não sabeis chamar-me
Co’ um beijo ri-se já;
Virgem do vosso encanto
Que um beijo agora nega, Mui bela!
— Mil beijos logo dá. Nem linda estréia d’alva,
Que o sol e o dia e o brilho
Revela!

[ 467 1
L U IS JO SÉ JU N Q U EIRA F R E IR E

Eu quero o cidadão, Êsse veneno tremendo


Que tem 1573 seus modos fáceis, Do zèlo que nos tortura.
Fagueiros; Vai aqui se convertendo
Não quero mais, 1574 pastores. Numas rosas de ternura.
Os vossos gestos brutos,
Grosseiros! O mundo do sentimento
E ’ maior e menos forte;
Desvanecida assim cantava a moça, Goza-se mais um momento.
Procurando fingir um nobre entono, Vem mais negligente a morte.
Que nunca lhe souberam. 1575
Mas os pastores, que a escutavam rindo, Esta mesma natureza
Moüiado o peito de vingança e lástima, Em muda simplicidade
— Fátua! — disseram. Representa a singeleza.
Emblema a suavidade.

Tímidos, 1577 ternos e moles


A CAMPINA Os prazeres duram mais;
Bebidos assim aos goles
São sempre menos fatais.
Que campina tão bonita,
Que de angélicas cheirosas! Sem a chama dos desejos,
Que laçozinhos de fita O peito que sabe amar 1578
Entre as flores, tão mimosas! Bate com brandos latejos.
Palpita mais de vagar.
Que mato todo de flores,
Que cheiro exalam de si! Não voa em rápido instante
Que planície de verdores Essa afeição passageira;
Tão bela se estende aqui! Vai em cada peito amante
Durando uma vida inteira.
Pelo céu os passarinhos,
Bem como os anjinhos 1576 seus. Que campina tão bonita.
Vão cantando inocentinhos Quantas selvas tão cheirosas!
Vários poemas a Deus.
Que laçozinhos de fita
Entre as flores tão mimosas!
Nestes campos, nestes prados.
Nestas flores pelo chão.
Que mato todo de flores,
Os amores delicados
Que de angélicas tão belas!
Em ócio dormindo estão.
Ter a morte dos amores
Joga a onda espreguiçada. E ’ morrer no seio delas.
Ciciando com brandura;
A praia branca, alongada
Reflete vasta candura.
O CANTO DO GALO
A paixão que se respira
E ’ sono inocente e grato:
( C a n çã o R ú s t ic a )
E ’ um peito que suspira.
Voz que se perde no mato. Io triumphe!

Êsse gênio dos amores


Não acorda enfurecido: Co’ as penas hirtas para mim avança,
Dorme em cima destas flores. — Que eu não deslumbro à tua acesa vista:
Indolente, enternecido. Hei de ensopar meu triunfante bico
Nas crêspas rendas dessa rubra crista.
Reclinado sôbre o leito Afia embora os esporões agudos,
Das angélicas mimosas. — Que hei de vencer-te, ó rude antagonista:
Ensina sòmente ao peito Hei de montar sôbre o teu colo altivo,
As impressões maviosas. Ensopar-te de sangue a régia crista.
Bem como um côro de fadas Provocaste-me à liça, a mim fidalgo.
Por estas relvas amenas. Tu, ó galo peão de casta mista!
Vão correndo descuidadas Hás de pagar bem caro essa arrogância,
As pastorinhas morenas. Hás de ficar sem tua régia crista!
Esta côr, pálida ainda, Fora de minha estirpe de fidalgo
Não fala aos olhos — ardor: Sangue real jamais há i que exista;
Pala — uma inércia mais linda. Arrogaste o poder! — Rei te saúdo,
Inércia doce de amor. — Rei das galinhas! — ficarás sem crista!
[ 468
CONTRADIÇÕES POÉTICAS

Quando eu passar pelo cercado ao longe As pastôras inocentes


Abaixarás humilde o bico e a vista: Cravam seus olhos nos meus,
Que eu sou o rei das mais gentis galinhas, Como na festa do templo
Que eu sei erguer a minha régia crista. O povo contempla Deus;
Como vai o amante ao longe
Dizendo seu triste: Adeus.
Há de seguir-te em tôda a parte o espectro
De minha nobre e célebre conquista:
Será manhã, — não 1579 cantarás teu hino, Então no meio das belas
Nem jamais erguerás a régia crista. Canto, canto os meus amores, 1582
Mais belos que os nossos matos.
Mais gentis que as nossas flores.
Hás de, ó galo peão de casta ambígua. Mais lindos que os nossos astros.
Sentir que eu fui valente antagonista; Mais fortes que seus fulgores.
— Eu cantarei meu hino de triunfo.
Tu correrás de minha nobre vista:
— Tu, infamado, marcharás humilde, De vergonha, as pastorinhas
Eu erguerei a minha régia crista! Baixam seus olhos ao chão,
Como vagos pirilampos
Que brilham na escuridão,
Como estréias que não podem
Suster do dia o clarão.
0 MENESTREL DO SERTÃO
Cada um que forma a roda.
Eu toco em minha viola Cada um é meu rival;
Sonâncias de meu país: Cada um pensa vinganças
Eu canto as minhas cantigas, No coração infernal;
Que fui eu mesmo que fiz: Tôda a roda, tôda a aldeia
Eu danço ao som dos pandeiros Arde em ciúme fatal.
Entre as pastôras gentis.

Eu canto em minhas cantigas Todos da aldeia me invejam,


Os matos, que eu percorrí; Todos têm raiva de mim:
Eu canto as onças ferozes, Raiva tomada em segredo.
Que eu arrostei 1580 e venci; Muda sempre até o fim;
Eu canto as cobras astutas, Como a raiva do covarde,
Que eu enganei e prendi. 1581 A sua raiva é assim.

Canto a jaqueira, que cobre Mas seus olhos me respeitam,


Minha casa, antes de mim; Sua voz me diz — amor;
Canto os peixes de meu rio. Como um escravo obrigado,
As flores de meu jardim; Que reconhece o senhor;
Canto a rosa, que se enastra Como um homem, que venera
Na candura do jasmim. Um anjo superior.

Canto os prados matizados Ninguém canta como eu canto.


De verde e rubro café; Ninguém luta como eu luto;
Canto as altas sucupiras, Nos dedos, na voz, nos braços.
Como gigantes de pé; Ninguém há mais resoluto;
Canto o lago negro e fundo, Eis aí por que 1583 me pagam
Onde mora o jacaré. Êsse custoso tributo.

Canto tudo quanto vejo Eis aí o meu domínio.


Nos sertões da minha terra; Domínio de coração:
Canto o belo, canto o feio, Eu toco a minha viola,
Canto a paz, e canto a guerra; Eu canto a minha canção;
Canto tudo que me inspira, Eu domino, — e como cu posso,
Que me encanta, ou que me aterra. Meus rivais não podem, não.

Nos cantos, como na luta Assim seus lábios de raiva


Ninguém outro aqui me avança; Me dizem somente — amor;
Quando eu canto estas cantigas Como um escravo obrigado,
Por entre rodas de dança. Que reconhece o senhor:
Os homens guardam silêncio, Como um homem, que venera
O mato pára e descansa. Um anjo superior.

[ 409 ]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E

E a bela dos meus amores Mas a que vim? — tampouco o sei! — existo.
No meio da roda está; Como o penedo existe:
Como um anjo feminino Não veio o raio a cercear-lhe a planta:
Entre as donzelas de cá; Um pouco inda resiste.
Como a estátua mais bonita
No altar do Senhor de lá. Pergunto ao céu, à terra, ao .mar imenso:
— Que vim fazer no mundo?
E o céu, e a terra, e o mar — só me repetem
E a bela dos meus amores
O eco — mais profundo.
Sabe rir dos meus rivais;
Aplaude as minhas cantigas
Porque, porém, ao céu, ao mar, à terra
Com seus lábios virginais;
Perguntar — o que sou?
Deita-me em roda da testa
O céu não fala aos homens, mente a terra,
Verdes cafés triunfais.
E o mar sempre enganou!

Todos que formam a roda, Eis o que sou? a pêndula das horas,
Murmuram, ardem então; Que de contínuo oscila:
Mas eu vou, cantando ainda, Eis o que sou! — a dúvida encarnada, 1585
Com ela só pela m ão; Que perenal vacila.
Morrei, pastores! — eu vivo
Com ela e minha canção. Eis o que sou! — um ente errôneo, absurdo.
Sem fé no coração!
Errando estranho e forasteiro o mundo.
Sem conhecer missão!

O h! quão feliz não fôra — se morresse,


AO MEU NATALÍCIO Quando fui embrião!
Não sentiria agora a imensa ausência
Da fé no coração!
1852
Não quereria conhecer debalde
Porque não pereci no mesmo instante Qual é minha missão;
Em que fui embrião? Não dissera jamais — que bela morte,
Porque deu hoje ao mundo mais um homem Se fôsse inda embrião!
O Rei da criação?
Não perguntara à natureza inteira
Ou porque separai-me das moléculas Em minha imprecação:
Da universal matéria? — Porque deu hoje ao mundo mais um homem
Porque desceu, para animar-me o barro, 1584 O Rei da criação?
A partícula etérea?

Para alimento cevador dos vermes


Em meu próximo fim?
Para engrossar com meu enfermo corpo LOUCO
A terra, donde vim?
(H ora de D e l ír io )
Para ao depois voltar — pequena parte —
Ao todo dessa argila? Não, não é louco. O espírito somente
Para ao depois com este suco pútrido E ’ que quebrou-lhe um elo da matéria.
Inda melhor nutri-la? Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
Não quero blasfem ar: — ignota destra
Lançou-me neste mundo: Achou pequeno o cérebro que o tinha:
E xisto nêle, — e não sei mais! — o resto Suas idéias não cabiam nêle;
E ’ um mistério fundo! Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquêle.
Donde vim eu? — do coração da terra,
Como o rasteiro arbusto, Foi uma repulsão de dous contrários:
Como a florzinha que desenha o prado, Foi um duelo, na verdade, insano:
Como o cipreste augusto. Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater co’ o humano.

Mas onde vou? — também não sei! — na terra Agora está mais livre. Algum atilho
Apenas vejo a campa, Soltou-se-lhe do nó da inteligência:
A qual só vermes e poeira mostra Quebrou-se o anel dessa prisão de carne.
Àquele que a destampa. Entrou agora ern sua própria essência.

[ 470 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S

Agora é mais espírito que corpo: Eu quero ver se encontro ali no abismo
Agora é mais um ente lá de cima; Um tormento invencível:
E ’ mais, é mais que um homem vão de barro: — Dêsses que achá-los na existência tôda
E ’ um anjo de Deus, que Deus anima. Jam ais será possível!

Agora, sim, — o espírito mais livre Eu quero ver se encontro alguns suplícios,
Pode subir às regiões supernas: Que o coração me domem;
Pode, ao descer, anunciar aos homens Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:
As palavras de Deus, também eternas. — Chora por fim, — que és homem!
E vós, almas terrenas, que a matéria
Ou sufocou ou reduziu a pouco, Que, de arrostar as dores desta vida.
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas, 1586 Quase pareço eterno!
E zombando o chamais portanto: — um louco! Estou cansado de vencer o mundo,
Quero vencer o inferno!
Não, não é louco. O espírito sòmcnte
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
TRISTEZA

Brilha o sol, brilham as nuvens.


DESEJO Os montes de ouro se coram:
Porém minha alma se aperta,
(H ora de D e l ír io ) Meus olhos dormentes choram:

Se além dos mundos êsse inferno existe, Depois o céu se transforma.


Essa pátria de horrores, De negros bulcões se touca;
Onde habitam os tétricos tormentos. Porém minha alma se expande,
As inefáveis dores; E solta risada louca.

Se ali se sente o que jamais na vida


O desespêro inspira: Depois o baile, — onde tudo
Se o suplício maior, que a mente finge, Um tope de gostos é;
A mente ali respira; E eu fico imóvel olhando,
Como um cadáver de pé.
Se é de compacta, de infinita brasa
O solo que se pisa: Talvez no ar, que bebemos.
Se é fogo, e fumo e súlfur, e terrores Às vêzcs um anjo voa,
Tudo que ali se visa; Como a pancada de um sino
Que pelos mortos ressoa. 1587
Se ali se goza um gênero inaudito
De sensações terríveis; Talvez nos assiste um anjo,
Se ali se encontra êsse real de dores Que nos inspira a tristeza,
Na vida não possíveis;
Como um anjo nos assiste
No relance da defesa.
Se é verdade êsse quadro, imaginam
As seitas dos cristãos;
Se êsses demônios, anjos maus, ou fúrias, De cólera num lampejo
Não são uns erros vãos; Talvez a mão do Senhor
Arrojou minha alma ao barro
Eu — que tenho provado neste mundo Só para o gózo da dor.
As sensações possíveis;
Que tenho ido da afecção mais terna Porém um anjo propício
As penas mais incríveis; Co’ a sua vista louçã
Hoje prepara meu peito
Eu — que tenho pisado o colo altivo Para as dores de amanhã.
De vária e muita dor;
Que tenho sempre das batalhas dela Salve, ó anjo da tristeza.
Surgido vencedor; Salve, ó imagem fatal!
Tu que me dizes que espere,
Eu — que tenho arrostado imensas mortes, Que espere sòmente o mal. 1587
E que pareço eterno;
Eu quero de uma vez morrer p’ra sempre.
Entrar por fim no inferno!

[471]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E

NÃO POSSO NEM SEMPRE

Olha-me, ó virgem, — a fronte, H ora de D e l ír io


Olha-me os olhos sem luz;
A palidez do infortúnio
Por minhas faces transluz; Bem sei que te sorris com rir angélico,
Olha, ó virgem, —■ não te iludas, - Como as aves do céu e a flor dos bosques:
Eu só tenho a lira e a cruz. Porém dêste sorrir, — por mais donoso,
Nem sempre gosto.
Foge, ó virgem, — não descubras
As trevas a tua luz: Olhas-me, — eu sinto, com olhar tão terno,
Longas trevas! —■luz tão linda Que, como um talismã, quebranta os ânimos;
Nas trevas pouco transluz; Porém de teu olhar, — tão doce embora,
Reflete apenas tremendo Nem sempre gosto.
Nas traves roxas da cruz. 1587
Coa-te as faces candidez lucente.
E ’ linda, — mas é profana, Nítida e vítrea, — como a flor do jaspe;
— Não pode arder junto à cruz: Porém dêsse palor, — tão lindo embora,
Maldição! — ei-la no templo! Nem sempre gosto.
E ’ fraca, — porém transluz:
Transluz aqui; — mas no fundo, Falas com som melodioso e harmônico,
— No fundo não chega a luz. Com som tocante, — como etéreas harpas;
Porém dêsse falar, — por mais sonoro,
Foge, ó virgem, dessas trevas, Nem sempre gosto.
Dêsse mistério da cruz;
Na gleba não nasce a rosa, Andas com passos breves e calados.
Astro em nuvens não transluz; Soturnos, — como o divagar da noite:
O fermento do cadáver Porém dos passos teus, — por mais mimosos,
Asfixia e mata a luz. Nem sempre gosto.

Foge, ó virgem, — inda é tempo, - De um rir irado, estrídulo e sardônico,


Não queiras perder a luz; Que, como a seta, mc transpasse as fibras;
Tu a luz faz mal aos mortos, De um rir danado, que me inspire fúrias.
Aos mortos asila a cruz; As vêzes gosto.
A cruz extingue a beleza
Que nas donzelas transluz. De olhar fogoso, trépido e fosfórico,
Como o luzir e o crepitar do raio;
Ao aspecto de um finado De olhar raivoso, que me acenda o gênio.
Escondas bem tua luz; As vêzes gosto.
Não queiras fanar as graças
Ju nto dos cravos da cruz; De um rubro afoguear de acesas faces,
— Só nos tálamos dourados — Sintoma de colérico transporte;
Da vida o prazer transluz. De um rubro afoguear, — como um incêndio.
Às vêzes gosto.
Que para luzir aos mortos
Não é que tens essa luz; De um tom vibrante, rápido e precipite,
Êsse amuleto de graças, Como a voz do oceano entre as procelas;
Que em tuas faces transluz, De um tom de voz, que me afigure a raiva.
Não é feito para um morto, As vêzes gosto.
— Sepultado aos pés da cruz.
De um passo nobre, arrebatado e válido,
Inocente! — que não sabes Como os impulsos da paixão nos peitos;
Que meus olhos não têm luz; De um passo forte, que vacile a terra.
Inocente! — olha que a morte Às vêzes gosto.
Em minhas faces transluz;
Que as emoções de meu peito A mole imagem da apatia inerte
J á expiraram na cruz. J á me basta de vê-la em teu semblante;
Da guerra das paixões, do horror da cólera
Não posso: — a morte tolheu-me; Às vêzes gosto.
Não posso: — apagou-se a luz;
Bem vejo: — ainda a beleza Ao menos uma vez quisera, ó virgem.
Em tuas faces transluz; Ver em teu rosto a contração da raiva;
— Mas eu sòmente co’ a lira Que do terno languor, que te define,
Estou suspenso da cruz. Nem sempre gosto.

[ 472 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S

À AM IZADE Que sou tão triste e desgraçado?... — E o mundo


Me respondeu assim: — Sozinho, ó bardo! —
(H ora de D e l ír io ) E eu repeti — sozinho: — e olhei-me em tôrno,
E vi ao pé de mim o débil junco
Elástico enrolando-se no tronco.
........... Amigos
E vi de rôjo a pérfida serpente
Em um momento ligou, solta um momento
Unificar-se ao vacilante arbusto.
J. M. D A C O S T A E S I L V A . E vi o arbusto, titubando ao vento,
Encarnar 1589 a raiz na gleba firme,
Im agem falsa, duvidosa, incerta, E vi a gleba se agarrar no fundo
Não mais minha alma iludirás em sonhos. Âs camadas mais íntimas de argila.
Não mais me mostrarão ventura oculta E vi a argila se internar mais ínfima
Teus ademães risonhos. Nos estrados de ferro e prata e ouro.
E vi ainda os últimos estrados
Ao coração da terra assimilarem-se.
Cândido espectro de falaz doçura,
E vi depois a terra — o globo inteiro
Não mais meus olhos te olharão saudosos;
Não mais por ti decorrerão perenes Girando em de redor ao sol formoso.
Meus prantos tão gostosos. E eu disse então: —

Nutante grimpa, furta-côr, travessa, Sou desgraçado c triste,


Não mais meus passos guiarás na vida; Porque meu coração — novel e néscio —
Não mais.verás minha alma vacilante Não achou para unir-se em uma essência
De teu volver pendida. Um coração igual na dor, no gôzo.

Mentiroso farol em mar-tormenta, Eis-aqui o que disse, — e que al diria? —


Não mais crerei em tua luz instável; Eis o que disse a natureza inteira,
Não mais a ti dirigirei meu rumo Quando me respondeu: — Sozinho, ó bardo! —
Com peito inabalável.
E em tôrno a mim eu procurei ansioso
Ambíguo e vago e doudo pirilampo, Um coração ■para sentir comigo.
Não mais teus lumes seguirei constante;
Não mais me enganará por ínvios trilhos E eu tive um dia uma visão donosa:
Teu fósforo brilhante. — E ra um rosto sereno — que trazia
A placidez divina da virtude,
Idéia vã, — fantástica Amizade, A simples face da inocência angélica,
A tempo conheci que eras mentira; — Reminiscência da primeira vida
Sarcástico, irrisor demônio, ou fúria, Que já vivemos lá no céu co’os anjos.
Que pelo mundo gira. — E as lindas flores que os jardins pintavam,
E as seculares árvores dos bosques,
E as namoradas ondas do oceano,
E eu cri um dia em teu olhar mentido. E a branda lua e as vividas estréias,
Irônica Amizade! — e néscio e fátuo E o céu, e a terra, e a natureza inteira
Julguei teu riso um paraíso eterno. Pareceram dizer-me: — Achaste: é êle! —
Julguei as vozes que me davas doce,
Do coração mais íntimo arrancadas.
Julguei tua alma um trono sacrossanto, E eu tive um dia uma visão terrível;
Onde reinava majestoso, excelso, — Êste rosto sereno — que trazia
0 gênio bom das afecções mais puras. A expressão da virtude e da inocência.
Julguei teu peito, ó pérfido fantasma, Continha um coração de brasa e ferro!
Um tesouro de angélicas virtudes.
Julguei que estava em tua bôca ambígua
Do mar extenso a plana superfície
A expressão da franqueza e da verdade. Também às vêzes assossega o nauta.
Julguei que só moravam nos teus olhos
Os sinais da candura e da constância. Enquanto lá na urna das procelas
Julguei-te um anjo que dos céus descias, A tempestade horrenda se prepara.
— És um demônio que do abismo surges!
E pus-me a repetir: — Sozinho, ó bardo!
E eu cri um dia em teu olhar mentido. E muitas vêzes increpei injusto
Irônica Amizade! — e alucinado Da natureza o vaticínio equívoco,
Abracei um demônio em vez de um anjo! Que os olhos da paixão — cegos ou loucos —
Não me deram a 1er no próprio espírito.
Olhei um dia para o mundo absurdo,
Que me cercava, deslumbrado, — e disse: Reneguei-te, portanto, ó vão fantasma,
— Quantos homens i vão contentes, 1588 lindos, Para sempre, de mim, que alucinado
Felizes, juntos! — que me falta entanto. Um anjo vi, — mas vejo-te um demônio.

[ 47;i j
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E

Mas há outro sentimento, Nunca te dei uma fouce


Ainda que mais mundano, Dura, fina e recurvada;
Verdadeiro; Nunca chamei-te inimiga,
Onde o prazer se desfruta, ímpia, cruel, ou culpada.
Como a torrente perene
De um ribeiro. Amei-te sempre: — e pertencer-te quero
1’ara sempre também, amiga morte.
Mas há outro sentimento. Quero o chão, quero a terra, — êsse elemento
Mais doce, mais prazenteiro, Que não se sente dos vaivéns da sorte.
Mais real;
Que não é mais — Amizade, — Para tua hecatombe de iim segundo
Que não é mais essa imagem Não falta alguém? — Preenche-a comigo.
Ideal. Leva-me à região da paz horrenda.
Leva-me ao nada, leva-me contigo.
E ’ de essêncúi diferente
O físico sentimento
Do am or; Miríadas de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda.
Sentimento necessário,
Para nutrir-se de meu suco impuro.
Que não pode ser fingido,
Nem traidor. Talvez me espera uma plantinha linda.

Neste sentir — todos sentem Vermes que sôbre podridões refervem,


Do modo que a natureza Plantinha que a raiz meus ossos ferra.
Manda e quer; Em vós minha alma e sentimento e corpo
Nem sabe ser contrafeita, Irão em partes agregar-se à terra.
Quando tôda unida ao homem,
A mulher. E depois nada mais. Já não há tempo,
Nem vida, nem sentir, nem dor, nem gôsto.
Eu quero este amor do mundo, Agora o nada, — êsse real tão belo
Êste belo sentimento Só nas terrenas vísceras deposto.
Natural;
Quero: — que é êle somente Facho que a morte ao lumiar apaga,
O sentimento da vida Foi essa alma fatal que nos aterra.
Mais real. Consciência, razão, que nos afligem.
Deram em nada ao baquear em terra.

Única idéia mais real dos homens.


Morte feliz, — eu quero-te comigo.
MORTE Leva-me à região da paz horrenda.
Leva-me ao nada, leva-me contigo.
(H ora de D e l ír io )
Tam bém desta vida à campa
Pensamento gentil de paz eterna. Não transporto uma saudade.
Amiga morte, vem. Tu és o têrmo Cerro meus olhos contente
De dous fantasmas que a existência formam, Sem um ai de ansiedade.
— Dessa alma vã e dêsse corpo enfermo.
E como autômato infante
Pensamento gentil de paz eterna. Que inda não sabe sentir.
Amiga morte, vem. Tu és o nada. Ao pé da morte querida
Tu és a ausência das moções da vida, Hei de insensato sorrir.
Do prazer que nos custa a dor passada.
Por minha face sinistra
Pensamento gentil de paz eterna. Meu pranto não correrá.
Amiga morte, vem. Tu és apenas Em meus olhos moribundos
A visão mais real das que nos cercam, Terrores ninguém lerá.
Que nos extingues as visões terrenas.

Nunca temi tua destra, Não achei na terra amores


Não sou o vulgo profano: Que merecessem os meus.
Nunca pensei que teu braço Não tenho um ente no mundo
Brande um punhal sobr’humano. A quem diga o meu — adeus.

Nunca julguei-te em meus sonhos Não posso da vida à campa


Um esqueleto m irrado: Transportar uma saudade.
Nunca dei-te, p’ra voares, Cerro meus olhos contente
Terrivel ginete alado. Sem um ai de ansiedade.

[ 474 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S

Por isso, ó morte, eu amo-te, e não temo: O VELHO


Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
I,eva-me à região da paz horrenda,
I.eva-me ao nada, leva-me contigo.
Vi-te soltando longo vagido
Sem causa, pranto, dor nem sentido.
Não conhecias nem mesmo o rir.
Por entre os olhos que não me viam
À MORTE DE GARRETT Cristais de angústia não te corriam.
Tinhas 1591 apenas forte bramir.
No doce arranco
Que o céu lhe abria, Ao pé do berço que te embalava
Garrett ouvia Beijei-te a face que não corava.
Seu próprios carmes Achei teus olhos fitos nos meus.
De terno amor. Mas tua imóvel, 1592 tensa retina
E aos brancos lábios Não te brilhava co’ a luz divina.
Franco, improviso. Tocha acendida por mãos de Deus.
Lhe veio um riso
Em vez de angústias, Depois lembrei-me dos vaus do mundo,
Em vez de dor. No teu futuro pensei profundo.
Tu não sabias mais que vagir.
Morreu poeta, Meu pranto mesmo lavou-te o rosto.
Ledo e gostoso: Mesmo o bebeste, talvez com gôsto.
Morreu ditoso, Fui-me, e deixei-te livre bramir.
Cingido, ornado
Dos cantos seus.
Lá foi co’ os anjos, I I
Que o inspiraram,
Que o sublimaram, Achei-te, à volta, linda donzela,
Cantar saudades Prudente e sábia, completa e bela.
Ao pé de Deus. Guardei teus rasgos sempre de cor:
Estás somente mais bela agora.
Cantai, donzelas Os áureos raios da tua aurora
Da pátria dêle, Co’ o sol mais alto brilham melhor.
Cantai aquele
Hino de amôres. Estás mais nobre: teu rosto vivo
Hino gentil. Tornou-se agora severo, altivo.
Ouvi que entoam Já nos teus olhos, rasgado o véu,
Seu hino etéreo Lampejam chamas, de quando em quando.
Em som funéreo Teus altos seios, que vão pulando.
As belas virgens Mais te levantam a fronte ao céu.
Do meu Brasil.
Mais livre apenas um têrmo agora
Brasílias, 1590 Lusas, As faces ambas te acende e cora.
Gentis donzelas, Mesmo teu riso contém pudor.
Cantai singelas Também nem tanto, mulher formosa!
Ao pé da tumba Essa reserva cruel, forçosa.
Do bom Garrett. Excita os homens até furor.
Cantai o vate
Que vos amava,
Que vos cantava I I I
Com tanto fogo,
Com tanta fé. No entanto envelheci. Senosas rugas
Cortaram-me o semblante.
Cantai, donzelas, Na minha fronte transformou-se em branco
Cantai seu hino Meu ébano brilhante.
Doce, divino.
Cheio de pranto. O mesmo tempo que arrancou-te a infância.
Cheio de amor, Deu-me a velhice a mim.
Como na rocha Também sou outro na estação da vida;
Que o mar batia, Mudamo-nos assim.
Triste gemia
ü desgraçado. Talvez andamos por diversos planos.
Terno amador. Por climas desiguais :
Tu nos jardins da primavera, — eu sempre
Nas plagas hibernais.

[475]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E

Dei-te na face outrora um beijo, — quando Passa por junto do mancebo ardente.
Um berço te continha: 1593 Atira-lhe no ar um beijo, — e corre.
Nesse beijo, talvez, leguei-te em fogo E ’ essa a imagem de um amor de jovem.
A juventude minha. Num vôo nasce, e numa queda morre.

H oje — quando te lembro o berço, a infância. Vai ter ao pé do velho que medita.
Os olhos te enrubecem. Mira-lhe os olhos que a ciência ardeja.
Trem es e coras, — e depois as faces Deixa-lhe ainda meditar um pouco.
Desfazem-se, falecem. Corta-lhe o pensamento, e as cãs lhe beija.
Podes agora te enraivar perpétuo.
Corar de eterno pejo. Então venceste: e num amor eterno
Tens em teu rosto para sempre impresso Descansa e dorme, tímida donzela,
Meu inocente beijo. Contínua luz, não rápido relâmpago,
Dêle terás a sensação mais bela. 1595

IV Depois se vires um mancebo ardente.


Dá-lhe inda um riso de sarcasmo, — e corre.
Mas quê? tu choras? A leve imagem de um amor de jovem
P or quem deploras? Num vôo nasce, e numa queda morre.
Será por mim?
A h!
P or
eu rejeito
meu respeito
VI
Um pranto asssim. Mas quê? teu braço me rodeia o corpo!
Ofereces-me a face, um beijo aceitas!
Ah! que me falas, Ah! quem pode pensar — mancebo ou velho
Que tanto estalas Ligado assim nessas prisões estreitas?
Minha senez?
Repete, ó bela. Há pouco vi-te criancinha infante
Por Deus, donzela. Chorando à toa co’ uma voz canora.
Dize outra vez. H oje nem és a mesma nesses lábios:
Tam bém sou outro no beijar-te agora.
No peito em breve
Fugiu-me a neve Ah! deixa-me pensar na sorte ao menos.
Dura, senil. J á me pedes de mais, já muito aceitas.
J á sinto a vida Ah! quem pode pensar — mancebo ou velho -
Mais confluída. Ligado assim nessas prisões estreitas?
Mais juvenil.

A h! que palavra
Que tanto lavra
VAI
Meu coração!
Que faz-me n ’alma
Romper da calma Vai, maldita, vai, víbora sangrenta,
T al reação! Mulher impura, e ávida de infâmias!
O mundo é amplo: arroja-te em seu gúrgite.
Mereces bem seu lôdo.
A h! que me falas,
A h! quanto exalas, 1594
Que animação! Eu, iludido por teus brandos olhos,
Onde gravaste pérfida inocência.
A h! que palavra
Temendo os homens, receando o mundo,
Que tanto lavra
Eu te escondi comigo.
Meu coração!
Levei-te em braços, ao cair da tarde,
Dize a palavra
Para o mais denso coqueiral sombrio.
Que assim me lavra.
Lutei ali co’ as brisas que queriam
Dize-a por dó.
Levar os teus cabelos.
Dize, ó donzela.
Repete, ó bela,
Uma vez só. Antes que o sol galvanizasse as nuvens,
Quando as estréias matinais caíam,
Eu te deitava à copa das mangueiras,
V Que enchiam-te de flores.

Ouvi-te bem agora. — Amor — disseste. Ao meio-dia, eu, te abraçando as formas,


Queres amor: achá-lo-ás por certo. T e dirigia ao cristalino rio,
Mas se procuras depará-lo à pressa, Que contemplando os membros que banhava.
Eu te direi onde o terás mais perto. Quase parava o impulso.

[ 476 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S

O mais do tempo, sossegada e alegre, E a brisa que lhe vinha


Passaste-o no meu colo, entre os meus beijos. Do som do coqueiral,
Eu, inquieto, não deixei um’ hora Nas faces lhe batia.
Sem renovar-te um gôzo. Quais ondas de metal.

Que mais querias? — Diademas, tronos? A tez mimosa e branca


Não! conheci que essa ambição não tinhas. Cavava-se ao tufão.
Era teu sonho a infâmia. E de meus braços Qual fica o mar aos sopros
Fóste cair no crime. Do rígido pegão.

E eu que julguei-te um serafim tão puro! E a face, e a bôca, e os olhos


Oh! sarcasmo do inferno! — E eu te abraçava, Transiram-se de dor.
Mulher nojenta, e acreditei tão forte E ouvi-lhe um ai não terno,
Que estavas inocente! Que não dizia — amor.

Fugiu, fugiu co’ os lábios


Vai, desgraçada, vai. Extensa estrada Abrindo-se a gemer,
Te junca o mundo de paixões ascosas. E eu maldisse a brisa,
Vai, vai de rastros adorando a monstros, Que veio lhe ofender.
Que hão de tragar-te um dia.

Vai, desgraçada, vai. Farta-te em crimes.


Sacia as garras, cobre-te de sangue. TEMOR
E ’ esse o gênio teu. Corre, — que eu vejo
Teu exemplar castigo. Ao gôzo, ao gôzo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Vai, desgraçada, vai. Riso da plebe. Pisemos devagar. Olha que a terra
Indigna até de maldições severas. Não sinta o nosso pêso.
Hei de ver-te amanhã pedindo um óbolo.
Errando pelas praças. Deitemo-nos aqui. Abre-mc os braços.
Escondamo-nos um no seio do outro. 1597
Não há de assim nos avistar a morte,
E adornada de fétidos andrajos, Ou morreremos juntos.
A mão leprosa estenderás, ao A'cr-me,
E a bôca túmida abrirás mendiga. Não fales muito. Uma palavra basta
Pedindo-me uma esmola. Murmurada, em segrêdo, ao pé do ouvido.
Nada, nada de voz, — nem um suspiro,
E eu co’ o nobre olhar que já receias. Nem um arfar mais forte.
Hei de talvez passar sereno e alegre.
Ou, temendo tocar-te as mãos Imundas, Fala-me só co’ o revolver dos olhos.
Jogar-te algum dinheiro. Tenho-me afeito à inteligência dêles.
Deixa-me os lábios teus, rubros de encanto,
Tal é minha vingança. A ouvir-me agora, Sòmente p’ra os meus beijos.
Um riso, um riso estólido desprendes.
Ah! tu não crês ainda na justiça Ao gôzo, ao gôzo, amiga. O chão que pisas
Do Deus que nos escuta! A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olha que a terra
Não sinta o nosso pêso.
Ri-te outra vez de minhas frases duras!
Sim: tens razão, incrédula. — Mas corre.
Corre depressa, — que amanhã teu riso
Já não será tão grande.
O ARRANCO DA MORTE
Vai, maldita, vai, víbora sangrenta,
Mulher impura, e ávida de infâmias! Pesa-me a vida já. Fôrça de bronze
O mundo é amplo, arroja-te em seu gúrgite. Os desmaiados braços me pendura.
Mereces bem seu lôdo. Ah! já não pode o espírito cansado
Sustentar a matéria.

Eu morro, eu morro. A matutina brisa


Já não me arranca um riso. A rósea tarde
À TARDE Já não me doura as descoradas faces
Que gélidas se encovam.
Ainda a vi à tarde O noturno crepúsculo caindo
Pensando sempre ali. Só não me lembra o escurecido bosque,
Qual sábio que embebido Onde me espera a meditar prazeres
Se esquece até de si. A bela que eu amava. 1598

[ 477 ]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E

A meia-noite já não traz-me em sonhos Eu tenho cingidos na fronte, ó guerreiros,


As formas dela — desejosa e lânguida — S e is d en tes de ch e fe s de im ig as c o o rte s :
Ao pé do leito, recostada em cheio — Na paz os meus dedos desfiam amores,
Sobre meus braços ávidos. Na guerra os meus dedos disparam mil mortes!

A cada instante o coração vencido São seis as vitórias que cingem-me a testa,
Diminui um palpite; o sangue, o sangue — Não vêdes, ó tapes? meus louros — são seis!
Que nas artérias férvido corria Quem cinge na testa seis louros de glória,
Arroxa-se e congela. — Não teme essas tropas compradas dos reis.

Ah! é chegada a minha hora extrem a! As rainhas façanhas espantam aos tapes,
Vai o meu corpo dissolver-se em cinza; — Invejam-me todos as altas façanhas:
J á não podia sustentar mais tempo Só elas são como penhascos gigantes.
O espírito tão puro. Só elas são como brasílias l^óo montanhas!

Só elas não cur vam-se ao mando dos homens.


E ’ uma cena inteiramente nova. S ó ela s in cu lca m d esp ó tica s le is ;
Como será? — Como um prazer tão belo, Só elas humilham a fronte aos tiranos.
Estranho c peregrino, e raro e doce. Só elas abalam os tronos dos reis!
Vem assaltar-me todo!
Meus membros são débeis, — qual junco flexível,
E pelos imos ossos me refoge Meu pé tão mimoso — dizeis — tão maneiro!
Não sei que fio elétrico. E is! sou livre! Mas pé tão mimoso — sabei que êle esmaga
O corpo que foi meu! que lôdo impuro! O colo possante do vil estrangeiro!
Caiu, 1599 uniu-se à terra.
Sou índia, — sou virgem, — sou débil, — sou fraca,
— Só isso vós, tapes injustos, dizeis:
Sabei, bravos tapes! — que eu sei com destreza
Cravar minhas setas no peito dos reis.
0 HIN O DA CABOCLA

Canção Nacional
SONÊTO
Sou índia, — sou virgem, — sou linda, — sou débil,
— E ’ quanto vós outros, ó tapes, dizeis!
Sabei, bravos tapes! — que eu sei com destreza Jovens filhos da pátria, em vossos peitos
Cravar minhas setas no peito dos reis! Depõe a pátria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal memória,
Sabei que não canto sòmcnte prazeres. Adejando inquieta em vmssos leitos.
Sabei que não gemo somente de am ôres:
Sabei que nem sempre vagueio nos bosques, De vós espera sublimados feitos,
Sabei que nem sempre me adorno de flores. P ’ra ornar de palmas a futura história;
Espera em vós, como esperava em Dória,
Dória tão jovem, como vós, nos pleitos.
Meus lábios não beijam os lábios do amante,
Meus lábios combatem tirânicas leis:
Atletas do porvir, marchai seguros
Meus lábios são como trovões estupendos,
Da liberdade à festa sacrossanta,
Que cospem coriscos na face dos reis!
A levantar-lhe mais altivos muros.
Quem viu-me nas liças, quem viu-me covarde. M archai: — que aos livres nem o céu suplanta,
Aos silvos da flecha — quem viu-me escorar? E o índio do Brasil, sem elmos duros,
Eu sou como a onça, pequena e valente, No olhar sòmente os déspotas espanta.
Eu sei os perigos da guerra afrontar!

Enchi meus carcases de agudas taquaras,


Que iguais nas florestas jam ais achareis;
E dessas taquaras fatais é que pendem SONÊTO
As vidas infames de todos os reis.

Sou índia, não nego: — meus finos cabelos Arda de raiva contra mim a intriga.
— Qual juba ferina — bem longos que são! M orra de dor a inveja insaciável;
Porém êsse peito, que férvido pulsa, Distile seu veneno detestável
E ’ másculo, ó tapes! — ou é de um leão! A vil calúnia, pérfida, inimiga.

Meu ânimo, ó tapes! — aqui vos conjuro Una-se todo em traiçoeira liga.
— Bem cedo meu ânimo ardente vereis: Contra mim só o mundo miserável;
Que eu já mc preparo co’ as setas melhores, Alimente por mim ódio entranhável
Que saibam cravar-se no peito dos reis! O coração da terra que me abriga.

[ 478 ]
CO N TRAD IÇÕK S P O É T IC A S

Sei rir-me da vaidade dos humanos; A côr da trigueirinha abisma os sábios.


Sei desprezar um nome não preciso; Transforma vossa essência.
Sei insultar uns cálculos insanos. Fugi da côr da trigueirinha, ó sábios,
Sc amais vossa ciência!
Durmo feliz sôbre o suave riso
De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais que os homens dão, desprezo e piso.
O REGATO

D e F o n ten elle
A TRIGUEIRINHA
(Tradução livre)
De F o n ten elle
Prado, meu prado! que viagem longa
Não fiz por ti! Porém cheguei. Recebe,
(Tradução livre) Recebe em ti minhas serenas águas,
Que vim banhar-te e murmurar contigo.
I
E só por isso, eu, trépido, indefesso,
Foi moreninha a donzela Deixei minha vertente. Ao ver-te as côres
Que perdeu a Salomão, Saltei rochedos, despenhei-me aos campos,
Que, lhe tocando na fronte. Corri por longos, sáíaros terrenos.
Deu co’ a ciência no chão. Precipitado repassei mil prados,
V'^! mil regatos a brincar com êles.
E ’ como um filtro no peito, Mas não parei, nem invejei seus gostos.
E ’ como um anjinho 1602 mau, Contigo estava minha vida inteira.
Que inspira as almas dos sábios E mais de um prado desejou-me as ondas,
Para abismá-las num vau. E para receber-me abriu-me as veias.
Mas eu fugia em súbitos adeuses.
Ah! quem destruiu a Grécia, Ah! tudo rejeitei por ti, meu prado!
Quem perdia os sábios seus?
Quer fôssem firmes estóicos.
Quer fôssem epicureus? Prados que eu percorrí! que sois com êste?
Vossas flores que são a par das dêle?
Quem lhes travava as idéias, De acesso fáeil, sem desdém, sem mimos.
Quem lhes calava as razões? Qualquer regato vos inunda ou singra.
Quem lhes dourava os sistemas, Quereis ter muitos de uma vez e sempre;
Como se fôssem visões? Mas entre muitos eu me perco e sumo.
Amais o sol, quereis sentir seus raios;
Ah! eram virgíneos rostos Mas eu só gosto de deitar-me à sombra.
De côr trigueirinha assim, Ah! tu meu prado, que diferes dêles!
Co’ os olhos negros, brilhantes, Nasceste para mim, sou teu: vivamos.
Pulando como um delfim. Mas não recebas em teu seio aos outros:
Porque, sou regato, também ardo em zelos.
Belas virgens que diziam
Finezas cm grego aos cem! Nada temas de mim, fora os ciúmes.
Co’ a voz helênica e branda, Tenho virtudes mil, a qual mais santa.
Que as outras línguas não têm! Não me estanco jamais, — e em prova disto
Desafio os verões da África adusta.
I I Bem sei que a prados, como tu, não bastam
Regatos, como eu. Precisam, querem
Trigueirinha, — que me queres Torrentes amplas que rolando espantem.
Com êste riso louçâo? Mas tais torrentes quanta vez não secam!
Eu sou filósofo, — entendes?
Sou homem só da razão. Tranqüilo e doce, embevecendo as plantas,
E ’ sempre o mesmo, sempre igual meu curso.
1'rigueirinha, — foge, foge, Minha água é pura, meu cristal suave.
— Vê que eu não sou trovador. Eis o presente que ofertar-te venho.
Eu sou filósofo, — ouviste? Vosso tapête mil florinhas bordam.
Eu não entendo de amor. Vossas florinhas regarei com gôsto.
Com minhas águas vos cercando os flancos,
I I I Farei que nasçam mais gentis arbustos.
Descansa sôbre mim, meu lindo prado.
Vós que curvais sôbre a ciência os ombros.
Filósofos austeros! Que não farei por ti, que és meus amôres?
Vós que bebeis pensadas vossas noites, Olha! — que já me vou cindindo em braços,
Geômetras severos! Para abraçar-te, e te gozar mais amplo.

[ 479 ]
L U ÍS JO SÉ .JU N Q U EIRA P R K IR E

Não, não receies. Ficarei contigo, O V iajante


Dentro de ti me revolvendo à douda.
Em labirinto infindo. A ti, meu prado, Ah! nem só o ser supremo 1604
A ti eu sempre voltarei contente, E ’ que habita a imensidade!
Por mil giros que dê. Só em teu seio Que vão parece êste mundo!
Quero perder-me, se perder-me posso. Que vasta inutilidade!

Ah! que me matas de prazer, meu prado! O Velho


Mais devagar: por nosso amor, — so sse g a .. . .
Que sinto já, que sinto? A h! fervem, pulam, Minha filha à tua angústia
Saltam, fogem de mim as águas minhas! Deu um ai tão doloroso!
Ai! já me canso, já me falta a fôrça! Meus anos ela mitiga.
L á vão, lá v ã o . . . que? tu não vês, meu prado? Vem comigo, e sê ditoso.
Nem me socorres, nem conter-me podes?
L á vão de foz em fora as águas rainhas!
O V iajante
Não é m.ais tempo. Adeus! tardaste tanto! Será Deus que nestas trevas
Meus amores, adeus, — adeus, meu prado! Guia, ó velho, os passos meus?
Mas que vai que um Deus exista,
Se não vivemos p’ra Deus?

O VIAJANTE
O Velho
( C a n çã o T raduzida de B é r a n o e r .) E is teu leito, eis tua casa:
Longe um sonho tão gravoso.
O Velho Faze as vêzes de meu filho.
Vem comigo, — e sê ditoso.
Que amargura, viajante, 1603
Murcha tua bela idade? Fica o moço entre os amores,
De açucenas coroado:
O Viajante J á esposo e pai, correndo.
Diz a mais de um desgraçado:
A h! bom velho! é que eu me abismo
Nas procelas da cidade. “ Sim : o fado é sempre injusto,
“ Mas nem sempre é rigoroso:
O Velho “ Deus depara-te um amigo:
“ Vem comigo, — e sê ditoso.”
Sim : o fado é sempre injusto,
Mas nem sempre é rigoroso.
Deus depara-te um amigo.
Vem comigo, — e sê ditoso. O SUICÍDIO
O V iajante C a n ção de B ér a n g e r s ô b r e a M o r te dos J o v en s
Dos deuses daqui da terra E sc o u sse e A u g u sto L e b r a s, em F e v e r e ir o de 1832
Meus males o prêmio são.
Quê! mortos ambos! nessa escura câmara
Os crimes já buscam templos:
Onde o carvão inda gravita em ondas!
Palácios não bastam, não.
A i! sua vida ia-se abrindo apenas.
O h! suicídio, espanto dos humanos!
O Velho Talvez disseram: lá naufraga o mundo:
Tom a o braço, triste jovem. Pálido o Palinuro e os nautas pálidos
Teu caminho é pedregoso. De mêdo, olhai-os! e o bai.xel tão velho.
Eu vaguei, como tu vagas; Pelo embate das vagas consumido,
Vem comigo, — e sê ditoso. Abism a-se: salvemo-nos a nado.
E para o céu, abrindo-se um caminho.
Dando-se as mãos, partiram.
O V iajante
Invoquei o Deus que dizem Infantes! inda o eco, inda murmura
As procelas calma e some: O ar que aos sonos vos soprou na infância.
Mil punhais me procuraram. Se alguma nuvem lhes toldava a aurora,
Burilados com seu nome. — Esperai pelo sol — dizer-lhes vinham.
Mas êles impassíveis respondiam:
O V elho Que nos importa a nós que a seiva suba
E os campos enriqueça onde passamos?
Eis-te aqui na minha ermida, Arvores, flores, messes — nada temos,
Tom a um vinho generoso. E ’ por nós que êste sol desperta e brilha?
Pareces tanto meu filho! E para o céu, abrindo-se um caminho,
Vem comigo, — e sê ditoso. Dando-se as mãos, partiram.

[ 480 ]
CO N TR A D IÇ Õ ES P O É T IC A S

Infantes! insultar assim a vida! Quêdo assentado, no solar campestre.


Somente os velhos por inveja a insultam. Única herança da guerreira sorte.
Vossa alma entusiástica de jovens, Dizia às vêzes: “ O nascer não basta:
Esvaziando a taça dos prazeres, Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
Não viu o amor no fundo? — Um sonho de anjo,
— Respondiam 1605 também. — Amor! debaldc, Mas que percebe? a caixa que ressoa:
Debalde nossa voz cantou seus mimos. Distingue um esquadrão passar lá fora:
Só um altar restou de tanto culto. Sobe-lhe o sangue à fronte que goteja:
Tocá-lo? não! — que o ídolo é de areia. Velho corcel 1607 inda sentia a espora.
E para o céu, abrindo-se um caminho, Ai! de repente, com tristeza exclama:
Dando-se as mãos, partiram. “ Bandeira alheia, e de estrangeira cortei
Sim, p’ra vingardes esta pátria um dia,
Infantes! quando as penas vos cobrissem. Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
Águias um dia, abandonando o ninho.
Passando as nuvens, arrostando os raios. “ Essa turma de heróis que à voz da pátria
Talvez chegásseis ao zénith 1606 da glória. A Flêurus, a Jemapa, ao Reno acode.
Respondiam ainda: — O louro é cinza. De heróis quais a República nos dava,
Cinza que aos ventos arremessa a Inveja. Quem, 1608 depois dela, dar-nos-á? quem pode?
Muito embora subissemos às nuvens. Sem pão, descalços, sem ouvido aos mêdos.
Pisando os raios e abraçando a glória. Marchavam sempre em ávido transporte:
Ao pó, ao pó descêramos um dia. O Reno só retemperou-lhc as armas.
E para o céu, abrindo-se um caminho. Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
Dando-se as mãos, partiram.
“A farda azul pelas vitórias gasta
Infantes! qual a dor, por mais amarga. Lá entre os prélios que gentil brilhava!
Que não se acalma ao preencher deveres? E por sôlta metralha a Liberdade
Na pátria às vêzes melhor mãe se encontra. Ferros e cetros nos canhões socava.
Co’ as dobras do estandarte ela nos cobre. De flores as nações por nós libertas
Respondiam ainda: Êsse estandarte, A fronte ornavam dessa audaz coorte:
Que do chefe na cúpula tremula. Feliz quem nessas ovações morrera!
Protege-lhe somente o largo sono. Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
Tinto do sangue hostil, guardando a porta.
Vela, vela o soldado, e à fome expira. “ Para ser nobres lá desertam chefes:
E para o céu, abrindo-se um caminho. Cobriu tanto valor funéreo pano!
Dando-se as mãos, partiram. E negra ainda do cartucho a bôea
Abre-se a bendizer qualquer tirano.
Infantes! quem de sombras pavorosas Já extinto o pudor, de trono a trono
Vos povoou o íntimo das almas? Vendem o braço do Francês tão forte;
Mas brilha um Deus em nossas densas trevas: A glória, a glória, medern-nos por lágrimas.
De pai a sua voz deve acalmar-vos. Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
Êste sulco de luz, — em si disseram, —
Sigamo-lo, voando, antes que seja Aqui a filha interrompeu-lhe as queixas
1 eu nome, ó Deus, que se arremessa aos ares Fiando ainda, e murmurou-lhe a mêdo
A par do nome do mortal que passa. Um dêsses cantos que aterrando os sólios 1609
Letra à letra, apagado de noss’ alma. Despertaram outrora os reis tão cedo.
E para o céu, abrindo-se um caminho. “ Renova êste cantar, ó povo: é tempo.”
Dando-se as mãos, partiram. Disse em voz baixa, e relevando o porte,
E aos netinhos que dormem, vai dizendo:
Deus criador, perdoa-lhes a demência. “ Buscai, meus filhos, uma bela m orte!”
De um louco entusiasmo os sons seguindo,
No anel do mundo, infantes, não sabiam
Que não só para nós nascemos nêle.
Segui a lei da humanidade, ó filhos:
DERTINCA
Faltam na terra apóstolos que o digam.
Amar, amar, é ser a si profícuo;
Fazer-se amar, é ser profícuo aos outros. P oem a B ra sileiro
E para o céu, abrindo-se um caminho.
Dando-se as mãos, partiram. (Fragm ento.)

C anto 1

Tépida ainda a viração bafeja,


O VELHO SARGENTO
Travêssa amante, as árvores beijando.
(T rad . de B ér a n g e r )
Inteiro o dia, o vendaval sublime,
Tirano infrene dos tranquilos ares,
Velho sargento, a distrair seus males Na terra dominou: cada vestígio,
Com essa mão que amortecera a bala. Que de passagem imprimiu na terra,
Ao pé da roca da filhinha amada, Foi um estrago. A viração medrosa
A dous netinhos, se sorrindo, embala. Lá dos astros descer não pôde, a triste.

[481]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E

Sumiu-se entanto o vendaval agora; Não era vindo um homicida, monstro,


Sumiu-se o sol nas vagas do oceano: No qual um Deus os símplices aeharam;
Sumiu-se quase a luz que despedia. E ra um demônio vomitando raios.
Somente agora a viração furtou-se Sim : não havia êsse superbo templo
Ao regaço do sol, onde dormia, Por mão de velhos começado apenas,
E vem rompendo os turbilhões aéreos. Inda incompleto e derrocado quase.
Beijando as flores, aquecida e morna. Ossada de gigante afigurando.
Êles, — os velhos sós, — capazes eram
Vem, hora do crepúsculo tão terna! Para erguer pelo céu tamanha mole.
Vem, hora singular! porque minh’alma Êles, porém, passaram: — sua idéia.
P or ti anseia, e para ti foi feita! Seu ardor, seu poder passou com êles.
Hora, que inspiras pensamentos santos. H oje — não mais se elevará completo. 1617
Vem, recendendo aromas e tristeza. És gigante em cima da montanha.
Qual de òrfãzinlia o pálido semblante. Imenso, negro, descarnado e sêco.
Hora de amor! — o dia me deslumbra, Restará esqueleto em pé, medonho,
Claro de mais para quem sente mágoas: No meio da cidade, escarnecendo-a!
A noite é negra, — e suas sombras teme
Quem teme exagerar suas desditas! Povo, que passa, todo o dia aponta
Alas tu, hora de amor, tu sempre agradas Co’ o dedo da irrisão para as paredes
Ao merencório espírito do bardo: Da ruína sublime. Um só de muitos
Tu és dos tristes só: tu é que és minha! Arrancará talvez dos olhos pios
E ’ só em ti que eu sinto-me librado Uma lágrima santa, — e cm voz cortada.
Na balança em que sou: nem mais nem menos Cheio de zêlo, exclamará doído:
Que um desgraçado que descreu da vida “ Suor de nossos pais, eu te saúdo.
Bem cedo ainda: que escarnece o mundo, M osteiro de São B en to !” O h! se tal homem
Porque em seus risos confiou primeiro. E xiste aí na multidão do povo,
Que saiba assim também cismar comigo.
Teus risos, como os seus, não são traidores. Venha abraçar-me, sim : que dêsse amplexo
Hora de amor, hora querida minha, 1612 De irmão careço, — e muito! Ah! neste século
Por isso eu amo a viração que trazes: Espírito cristão não há que chore
Por isso eu amo a nuvem que te pinta: O chôro da saudade, e dêle regue
Por isso eu amo a languidez que vertes. A lousa augusta que em si guarda as cinzas
Em ti penso melhor, porém mais triste: Da glória do passado. E o estrangeiro.
Sinto mais fundo então, porém mais doce; Depois que o povo de si mesmo riu-se,
Porque tu és a hora da elegia! Quando, arfando, galgar essa montanha
O h! vem, hora de amor! porque minh’alma íngrem e e torta, — e ao levantar os olhos.
Por ti anseia, 1613 e para ti foi feita! Topar, como em remate, em cima dela
Essa irrisória, mutilada, informe, 161S
Das puras afeições, em nós inatas, Tradicional ruína, e majestosa.
E ’ a melhor a sólida amizade: Chamada — Templo, — inda imperfeita e nua,
Tôdas as mais o mundo, que educou-me. H á de rir-se de nós, da majestade
Consigo mas levou: — esta sòmente Fátua que aí se lhe apresenta à vista.
Deixou-ma viva o déspota comigo. Ludibrio das nações seremos sempre!
E sta afeição, ó Quadros, te pertence. Quando Holandeses quase nos chamamos,
E ’ tua, sim. Recebe-a por escrito. Edificamos sólidos castelos:
Quando, por fado, Portuguêses fomos,
Vem assentar-te aqui, jovem amigo. Alevantamos templos, fortalezas:
Tu, das cousas da pátria estudioso: Dessas eras de infâmia nos restaram
Vem assentar-te aqui: sentir comigo Moimentos imortais de estranha mole.
A viração já fria que volteja 1614 Agora em todo Brasileiros somos,
Nas asas do crepúsculo macio, E não deixamos nem sequer um rastro
Como um anjo de dó, cantando mágoas Que os nossos passos no futuro marque.
Vem assentar-te aqui: quero contar-te Realidade de vergonha e opróbrio!
Uma história bonita. E ’ flor singela
P or mão furtiva de medroso bardo Quais nos têm sido as eras do passado?
Colhida acaso nos jardins imensos Foram de infâmia, ou di-las-ei de glória?
Da nossa bela pátria. H á de agradar-te! Para serem de g ló r ia ... inda nos resta
De servos o labéu na fronte escrito.
Êsse lugar, onde pousamos hoje, Para serem de in fâm ia.., aí nos gritam
Não te lembra o que foi? — foi outro tempo Por nossas mãos escravas construídos
Só gleba desigual, torrão inculto. Alcáceres imensos. Povo hebraico.
Não se via hasteada a cruz ainda Filhos de Jeová, livres quais éramos.
Nesses excelsos píncaros da América. Em nosso próprio Egito, os pulsos demos
Não era vindo um estrangeiro intruso, A cadeias de ferro. O h! mais que muito
Um bárbaro 1615 da Europa às nossas terras. Sofremos já ! Que Faraós tivemos!
Às 1616 nossas possessões, para usurpá-las. E nos mandaram carregar às costas

[ 482 ]
C O N TR A D IÇ Õ E S P O É T IC A S

Tijolo e barro, — consumidos servos. Falai, falai por mim, se acaso eu minto!
Mas ésse Egito, — que íamos erguendo, Inda não cresce a erva que em vós nasce.
Era nosso, por fim. Também um dia Horripilado e rubro o vosso barro
Um Moisés redentor tivemos nosso. Das vítimas transuda o sangue, — e fala
E fomos livres. Mas a velha pátria. De sangue, — e só de sangue, aos nossos olhos.
Velha ficou qual nos deixaram êles. Quem vos pode pisar, campo sinistro.
Realidade de vergonha e opróbrio! Sem que sinta um horror coar-lhe os membros?
Quem vos pode pisar, sem que desmaie
Vês acolá também outro gigante Ao surgir-lhe a fatal reminiscência
Pendendo ao mar sôbre inclinada esteira? De nossa infame barbarez de há pouco?
— E ’ o teatro. Ainda sua o sangue Realidade de vergonha e opróbrio!
De nossos pais, que outrera o levantaram.
Suor de sangue as obras grandes custam.
Valera mais nesta cidade inteira.
Paradoxal Rousseau! na funda lousa
Cheia de tradições de sangue e morte,
Ferve, ferve de cólera, ou anima O deserto dos bárbaros imenso.
De novo as cinzas, ergue-te mais forte,
Como Lázaro outrora à voz do Cristo, Ao menos, eram bárbaros. Não tinham,
Rompe o sudário e a lápida, — e assombroso Como nós temos, a ciência e a crença.
Espectro do passado, um brado imenso
Dos eixos cadavéricos desprega, Nesta montanha um tejupá sòmente
E sustenta uma vez teus paradoxos! Valera mais que os torrões dos grandes!
Não podes, não. A geração presente Não vês? — passou-se a minha hora amiga,
Cospe nas faces das idéias tuas. A hora do crepúsculo tão terna.
Morreste. Mas dirás: — meu livro existe; — Qual de òrfãzinha o pálido semblante.
Existe, sim, para orgulhar meninos, Adeus, hora de amor! corres tão breve,
E para o riso dos varões mais sábios. Como o colibri que estremece e foge.
Malgrado teu, o drama triunfante, Aceita meu adeus. Talvez que seja
Para ser coroado, exalça a fronte. O derradeiro que escutar-me possas.
Qual general do povo, excita aplausos,
Recebe louros, 1^19 ovações romanas.
Não é Medéia já com seus terrores, Quatro séculos há, — e ainda o contam,
Com seus prestígios mágicos e horrendos, Como um prelúdio inspirador de sono,
Que se apresenta ao povo. O infame Jove Nossas boas avós nas tabas longes.
Não mais assume as formas, o caráter 1620 Acalentando no regaço os netos,
De Anfitrião valente, e ataca a espôsa — Quatro séculos há que neste sítio.
Casta e fiel, e desonrada a deixa. Desde o cair do sol e o dúbio assomo
Vénus lasciva já não baixa aos ares, Das horas do crepúsculo suave,
No incrédulo carrinho recostada Cantando aniôres em saltantes versos.
Eni atitude escandalosa e mole. Só e poeta, aparecia um índio.
As pombas enfreando e os amorinhos. Como um fantasma em meio do deserto,
Sobe sòmente à cena, em sério traje,
Como um anjo de amor, de poesia,
A grave história, a mestra dos costumes.
Ele, a tais horas, único vivente,
Ouve, Rousseau, — se é que na campa ainda
Ouvi-lo podes, do universo o brado. Êste cabeço povoava inteiro.
— E ’ o teatro da moral a escola, — A tal assunto, na inocente taba
Continua a dizê-lo o mundo inteiro. Fábulas várias cada qual tecia.
E os sábios atuais acorrem todos. Êste pensava que Anhangá doloso
Bem a despeito da eloquência tua, Espiritava ou árvore ou rochedo,
Para julgar do coração dos homens, E a voz lhe dava e os namorados cantos.
Para ver das paixões a guerra insana, Dizia aquêle que formosa fada.
Para saber como a razão triunfa. Donzela de além-Andes, vinha à noite.
Ou cai vencida ali. Ferve da cólera Lá das mãos de Tupá precipitada,
De que ferveste tantas vêzes vivo. Na terra obedecer a seu fadário.
E ’ tarde. O povo em torvelinho enfia
Pelos francos portões do grande alcáçar! E o mais valente dos valentes índios,
Que em volta ao cóbreo colo pendurasse
E quem o construiu por nosso braço Dúzias e dúzias de inimigos dentes.
Foi um senhor despótico, execrando. Belo, como Torquato em Roma outrora,
Sufocou no berço a liberdade, Jam ais ousara demandar o vulto,
A liberdade pura que nascia. E ra o vulto de um Deus, ou de um demônio:
Homem contraditório em si! Foi êle E com tais entes que mortal se atreve?
Quem do progresso um testemunho eterno
Nesse edifício deu. Como Tibério,
Foi homem grande, sim, — mas foi tirano. Oh! não riamos, não, das fúteis crenças.
Idólatra dos reis, fêz tantos mártires Das vãs superstições dos pobres índios.
De amor da pátria! E, campo de Santana, Civilizados, sofos, progressistas,
Úmido ainda de inocente sangue. Nós as temos iguais, talvez piores.

[ 48,f ]
L U ÍS JO S É JU N Q U E IR A P R E IR E

Cerrada estava a noite. O índio bardo Outra voz


Cantava ainda, amedrontando as tabas.
Ia alterada a voz, — e o peito ardente “ Não ta r d a r e i...”
Soçobrar parecia. Esteve a ponto
De lhe tolher a língua os sons saltantes. O índio
Aguardava, — quem sabe? — uma entrevista
“ Quem és? dize, e prepara-te!”
De americana bela? ou tinha acaso
Franco duelo co’ um rival ditoso?
De ambos a voz troou aterradora,
Não, 1 6 2 1 que o índio mais fraco, inda na infância,
Que se não distinguia. Em mãos do índio
Nunca tremeu da mão do antagonista!
Molho de setas retiniu na aljava,
Nascido apenas, no possante colo.
Que de novo pousou pendente ao lado.
Sem moles beijos, sem femíneos mimos,
Prêso o arco entre os pés e as mãos aduncas.
O pai o deita, e varonil o cria. Vergaram juntamente o arco e o índio.
As primeiras palavras, que articula
Pela bôea do pai, são: — guerra e morte!
O seio mulheril, os vãos carinhos. O índio
Os maternais extremos amorosos.
Os brandos gestos, as felizes frases, “ Dize quem és, — e eu te pcrdôo, ou morre.”
Não os souberam nunca em sua infância.
Mas, sentimento inato, o amor assoma Outra voz
Na idade das paixões, estranho e novo,
Porque nunca sabido: — altivo e forte, “ Quero poupar-te um sacrilégio apenas;
Porque sempre em seu seio represado. Porque eu não morro. Sou Tikim a: sabes?”
Então lhes cresce o coração, — e a mente.
Alheada de si, aspira excêntrica Convulso abalo sacudiu de súbito
Para um foco gentil, não seu, — e louca Do índio trovador os fortes membros.
Foge de si, dos homens, — como agora As mãos e os pés, que o arco seguravam.
O índio bardo, decantando amores. Desprenderam-se dêle enfraquecidos,
E deu por terra inopinado o corpo.
Sim, são amores, são, que o 16 2 2 trazem louco,
Que o mostram — fada, espectro, — ao ver das
[tabas. Tikim a

Num vórtice espessíssimo de trevas. “ Eu sou Tikim a, sim, rei dos profetas,
Perto do índio, um vulto não distinto Piaga santo de Tupá celeste.
Mover-se pareceu, de leve e leve. Homem não morre aqui sem meu anúncio.
As sêcas fôlhas, que alastrara o vento Eis-aqui por que vim, rompendo as trevas.
Pelo chão desnuado, crepitaram Eis a palavra de Tu pá; escuta:
Debaixo de seus pés. Evaporou-se As cousas de além-Andes desprezaste.
No ar o , cheiro da resina intensa, Tu, índio arrebatado, e mais que cedo
Que ensopa o corpo, as penas, os cabelos Tom ou-te o amor as faculdades santas.
Dos elegantes índios. Na cintura Parcelas de Tupá, que grande, imenso.
Brincaram-lhe em murmúrio as leves asas Mais que êsse mar infindo que nos cerca,
Das araras gentis. Num brando lance. De si tirou para as partir co’ os homens.
Pendentes das orelhas, lhe tiniram Tom ou-te o amor, — essa loucura estúpida
Anéis do melhor pau que as matas criam. Do invejoso Anhangá, — partilha pobre
Dêsses entes bastardos que perfilha
O índio estremeceu, falou. Filhos da perdição. Pois sim: pertences,
Não mais a nós, nem a Tupá benéfico,
Mas aos furores de Anhangá doloso.
O índio
Os benefícios seus de ti retira
“ Dertinca, O Senhor do trovão. Nesta só lua
Desde o cair do sol aqui te aguardo, T u a alma imunda deixará teu corpo.
E a noite longa vai. Cantei tão forte! Tu vais m orrer; prepara-te. O piaga,
Esvaiu-se-me a força, — e a língua trêmula O varão de Tupá, é quem to afirma,
Articular — amor — podia apenas. E o varão de Tupá não mente nunca.”
O h! não tardes assim, virgem celeste,
Não tardes mais a s s im ... A cada lance,
O índio
A cada brando vórtice de vento,
Eu percebia o teu andar divino,
“ Que me importa morrer? — Mas tu, piaga.
Eu ouvia o voar dos teus cabelos,
Tu, varão de Tupá, que lês tão certos
Eu sentia o perfume do teu corpo.
O presente e o porvir, como o passado,
Até, pesar da noite, eu vi-te, eu vi-te,
Tu, que sabes de tudo aqui na terra.
Tupânico milagre! em áureo sonho.
Tu só tirar-me dêsse inferno podes!
Só não te ouvi, bem como agora. O h! fala-me P or teu Deus, por Tupá, por teu maracá.
Por Tupá, por amor. Não tardes tanto.” Por quanto é santo e teu, — dize-me claro,
Porque não veio aqui Dertinca ainda?”

[ 484 ]
C O N TRA D IÇ Õ ES P O É T IC A S

T ikima Não pensarás de amor, embora o queiras,


Porque as chamas de lá são de outro fogo
“Tu, filho de Anhangá, perverso, estúpido, Mais forte que o vulcão, e mais que o raio!
Porque não cuidas nessa lua urgente? Como visão de infâmia, há de assombrar-te
Inda pensas de amor ao pé da m orte?” Os torvos olhos a infiel Dertinca.
Hás de ver as traições, que usou contigo.
Em quadro negro de perfídia torpe.
O índio Hás de encontrá-la então nua de encantos,
Como encontras nos campos de batalha
“ Inda penso de amor, — só penso nela. O esqueleto mirrado do inimigo.
Só nela pensarei além dos Andes, Hás de igualá-la a uma jaqueira anosa,
Além da morte. E se Tupá benéfico Que lindos bagos, mas insossos dando.
Não me enviar para a mansão dos justos. Aos estos do verão secou p’ra sempre
Crê-me, ó piaga, — entre infernais tormentos Mostrando o tronco e os ramos esfolhados,
Eu não hei de sentir senão de amores. E o pé e o cimo de áspides cobertos.
Quem sente amores, mil infernos vence, Hás de olhá-la mulher comum e torpe.
Se mil infernos que penar lhe dessem. Sem beleza, sem flor, — prostituída
Meu coração acostumado às chamas, Com os niancebos da taba, entre prazeres,
Há de gostar de achá-las mais ardentes, Entre gostos brutais, folgando e rindo.
Se mais ardentes as de lá me forem. Cuspindo em teu sepulcro, e festejando
Ministro de Tupá! manda-me aos Andes, No vil regaço dos leões amantes
E lá nos Andes pensarei só nela!” As tuas cinzas palpitantes, quentes.
Hás de sentir então, sentir por ela
T ikima Amôres, não, — mas um milhão de infernos!
Prepara-te melhor, Dinju, prepara-te
“Tu, filho de Anhangá, Dinju mesquinho, Para tantos in fern o s... Surge a lua,
Escuta minha voz. Não te aborreço. E o sol não tarda no oriente. Eu parto.
Fui teu amigo, sim: amei-te, — e muito! Por despedida do piaga aceita
Quando por tuas mãos firmaste louco A santa maldição que êle te lança.”
De tua perda a rígida sentença,
Eu, que não choro, te chorei. Molharam Vinha, em verdade, a soberana lua.
A face minha as lágrimas primeiras! Reclinada em seu tálamo de prata,
E quando o gênio de Tupá benéfico Espairecendo os merencórios olhos
Pronunciou a meus ouvidos santos Lá de cima do céu, como quem sente
Sòbre tua cabeça a voz de morte, Profundíssimo dó de ver tão triste
Como um corisco entre os bulcões 1623 descendo, A terra, amada sua. A estréia d’alva
Eu prostrei-me a seus pés. Em vão foi tudo! Vinha após ela, pálida e formosa,
Então, por entre a escuridão da noite. Como a pastôra símplice correndo
Vim dar-te pressuroso a irrevogável De madrugada por virentes prados.
Palavra de T u p á . . . ” Um diáfano véu de azul suave
Cobria todo o céu. Lá das colinas
Da parte do oriente, imensa barra
Dinju De um áureo descorado se estendia.
Sòbre o coqueiro os sabiás trinavam
“Tupá benéfico Como notas de flauta. Em volta ao índio
Te pague o seu serviço: — e eu to agradeço.” Tiniam sòbre a relva em sons garridos
As carriças gentis, como quem busca
Despertar um amigo a tons de orquestra.
Tikima
O piaga ancião, chovendo anátemas.
“Sarcástico Dinju, essa linguagem
Açodado partiu. A lua argêntea
Mal cabe em ti, mesquinho moribundo.
Com seu casto clarão mostrara ao índio
De um fátuo é ela, — o qual ao pé do túmulo
A longa barba do piaga santo,
Ri -se dos Andes, de Tupá, da morte.
Que, de tão alva, lhe brilhava aos olhos.
Em vez de apaziguar com dó, com lágrimas.
Os ofendidos gênios. Desafias Qual lenço de cetim, pendente e sôlto.
A cólera tupânica. Insultando De lentejoulas rútilas fiado.
O ministro de Deus, a Deus insultas! Respeitável, austero impunha o cenho,
Bem me custa o dizer-te: estão contados Que parecia a estátua da verdade.
Por êle os dias teus, como os teus dedos. Era-lhe altiva e larga a fronte, — e em meio
A^ maldição do céu baixou acesa T rês fundos sulcos de expressão severa
Sóbre tua cabeça. Em breves horas, Ao longo lhe corriam. Quem o visse.
A imensidade da vingança eterna. Resguardaria nêle um homem sábio.
Tu, filho de Anhangá, hás de prová-lal Capaz de ter o pensamento eterno.
Quando sair a lua, em vê-la farta-te, Mais européias as feições mostrava,
barta-te, sim: que derradeira a gozas. Que americanas. Nos carbés compactos,
Prepara-te melhor, Dinju, prepara-te Quando um assunto grave os índios chama.
Para entrares no inferno, a pátria tua. Juntos na praça, decidindo a guerra.

[ 485 j
L U ÍS .TOSÉ JU N Q U E IR A F R E I R E

Sua figura nobre entre os caciques, Brilham de espumas, refletindo os raios


Ou entre seus iguais se destacava, Do sol formoso, em prata convertidos.
Conio um coqueiro entre os cafés humildes. Vêde os bosques da terra: altivos, belos.
Como o rumor das palmas do coqueiro, Ao matutino sôpro se balançam
Rugia sua voz, quando opinava. Como, de tarde, a dança da donzela.
Como os cafés ao sôpro do nordeste, Tudo desperta. Erguei-vos ao trabalho,
A seu aceno se curvava a taba. O ’ crentes de Tupá, filho da guerra.
Tupá marcou-o para seu, na terra.
E se não fôra a côr acobreada. Que moleza vos entra os membros fortes?
Outro disseras ser, que não um índio. Que sono indigno as pálpebras vos cerra?
Tais são suas feições dos mais diversas. Que véu pesado vos encobre o dia?
E quando o sacro louco abandonava, Inteira a natureza está desperta:
Deixando a oca tenebrosa e funda, O céu, a terra, o mar — tudo revive.
Sobraçando o maracá, ia passando Exceto vós. Erguei-vos ao trabalho,
Dos índios pelo meio, — em seu aspecto O ’ crentes de Tupá, filhos da guerra.
Sério e terrível procuravam todos
L er contra si uma fatal sentença.
O h! quantas vêzes esperaram tantos O céu — a fronte de Tupá — nos mostra
Que no brilhante espelho de seu cérebro, Movimento e prazer na imensa face.
Onde um incêndio de visões celestes. Entremeada de inquietas nuvens,
Ou ardor de pensar contínuo e grande Como o rosto senil, austero e belo,
Devoraram-lhe as cãs, — ali tão alto Embrulhado nas cãs de sôlta prata.
Refletisse Tupá sinistra idéia, Tudo desperta. Erguei-vos ao trabalho,
Que pelos lábios lhe rompesse horrível, O ’ crentes de Tupá, filhos da guerra.
E lhes fizesse ouvir; — desgraça, ou m orte! ■
—•
Tais o piaga e seus prestígios eram. A terra, — o corpo de Tupá, se move
Pasmo ficara o índio. Os negros olhos Co’ os arbustos, co’ as árvores, co’ os pássaros,
Inda estendia ao longo, — inda os fitava Co’ os brutos da floresta: à flor do solo
Na dúbia sombra do varão tupânico, Mais suaves deslizam seus ribeiros.
Que, pequenina já, lá se escondia Veias do corpo seu; parece um homem
No extremo do caminho. Que se levanta, recobrando as forças.
Tudo desperta. Erguei-vos ao trabalho,
Após a lua. Ü ’ crentes de Tupá, filhos da guerra.
Surgia o sol co’ os raios inflamados.
A casta sua irmã perdeu seu brilho O mar, o peito de Tupá — respira
Nos ardores do irmão. Ficou mais pálida, Com mais ardência nas douradas margens.
Qual impolido círculo de prata. Desenvolto cavando abismos de água,
Parecia que, ao ver tantos fulgores No centro imenso e nas cruzadas ondas,
Em seu astro fraterno, ia caindo Nas louras praias, que o circulam todo,
Em vágado suave. Assim costuma Derretido beijando a solta areia.
Desfalecer de gôsto a dama linda Bem como pula, férvido e valente.
Ao ver triunfador o herói amante. Junto da amada, o coração do jovem,
Mas o índio sentiu nos vivos olhos E entanto os lábios melindrosos, breves,
Do sol os raios. Despertou de súbito Maciamente a face lhe procuram.
Do espasmódico estado. Ergueu-se, — e os olhos Tudo desperta. Erguei-vos ao trabalho,
Travessos voltejou por vários lados, O ’ crentes de Tupá, filhos da guerra.
Como esperando ainda alguém que vinha.
Um suspiro, depois, do seio d’alma Um dia — o sol raiava no oriente
Arrancou dolorido, — e a passo lento Coberto um pouco de sanguíneas nuvens,
Foi caminho da taba. E no caminho E os senhores da terra, — os quinimuras —
De quando em quando os olhos revirava Não acordavam: — nas vergadas rêdes
Para o sítio de amor, — e outro suspiro Quedos estavam, como estais agora.
De.spregava do peito, — e soluçando. Antemanhã os bárbaros tapuias
Após um ai que entremecia os ares, Acordaram entanto: e armados todos.
Murmurava saudoso: Ferozes como os ursos, penetraram
“ E ela não veio!” Nestas tabas então adorm ecidas...
No regaço da esposa não cuidosa
C anto II Foi apanhado o esposo imprevidente;
Os inocentes filhos, que choravam.
Já doura o sol o cimo das montanhas; Pela destra fatal dos invasores
Tudo desperta. Erguei-vos ao trabalho, Foram bàrbaramente esquartejados.
O ’ crentes de Tupá! Vinde fervendo. Voou a taba pelo ar em fogo,
Vinde, guerreiros, adorar seu nume. E restaram aqui montões de cinza.
Vêde as nuvens do céu: ligeiras, brancas. Mas a justiça de Tupá não dorme,
Vão pelo ar correndo com mais pressa. Como um liomem de barro; ambos os olhos
Bem como um bando de argentinas garças. Traz sôbre o mundo de contínuo abertos.
Vêde as águas do m ar: travêssas, nítidas. Assim sôbre os montões de cinza tépida.

[ 486 ]
PO ESIA S ESPA RSA S

Beni como sôbre um leito de triunfo, POESIAS ESPARSAS


Cansados de vencer, os invasores
Dormiram sono de vitória longo.
Embalde o sol surgia no oriente; O NOVIÇO 1624
Embalde as aves no palmar trinavam;
Embalde iroso rebramia o armento; Noviço, noviço, que sono que dormes,
Embalde tudo: as lassas faculdades. Que sono que dormes! não ouves o sino,
Qual mão de ferro, lhas prendia o sono. A que não desperta, ferindo os ouvidos,
Nem abriram jamais os torvos olhos. Um som de garrida tão crebro, tão fino!
Senão p’ra ver última vez o dia.
Em leito te deitas tão áspero e duro.
Tão plácido sonhas, dormitas benino.
Que espetáculo horrível! — despertaram.
Bem como, se sendo magnate da terra.
Cada qual arrancando das entranhas
Curvasse teu corpo colchão marroquino.
Ervadas frechas, que cortar-lhes foram
O sopor triunfal. Em tôrno a éles Retumba na grimpa cansada a garrida.
Os tupinás guerreiros, que entoavam Convocam-se os monges ao som matutino.
Odes agrestes de infernal sarcasmo Noviço, noviço, tu ris-te, tu dormes.
Insultando o transir dos moribundos. Tu dormes, não ouves o toque do sino.
Mas nós também — Tupinambás valentes —
Antes do sol um dia despertamos, Com ciuem sonhavas tu, com quem sonhavas.
E em cima de uma pedra, um jovem nosso Rindo-te assim?
Arrojado subiu, e aí vibrando Tu sonhavas com teu — anjo terreno,
Palavras santas de vingança e guerra, Teu serafim?
Imperou, como um Deus, em nossas almas.
Depois marchou : marchamos após ele.
Combatemos aqui: guerreiros bravos, A h! tu sonhavas com prazeres castos.
Como leões lutamos e vencemos. Tão inocentes!
Essa terra feliz, qu’ ora pisamos, Vias, revias outros mais amados.
Mais caros entes.
E ’ nossa a custo de suor e sangue.
órfão, perdeste tua mãe p’ra sempre
Dêste arredor os Tupinás fugiram
Na tua infância:
Ligeiros, leves, qual veloz galerno.
Que, pois, te sobra, que tão ledo vives?
Só na taba do mar ficou incólume Só a constância!
A toca de Dinjul. — Os vencedores E tu a vias lá dos céus baixando
Sabemos o perdão para os vencidos. Em nuvem branca:
A taba de Dinjul é um asilo, Ela carpindo, ló dos seios d’alma
Um templo santo, — e os habitantes dela Que de ais arranca!
São para nós um símbolo de glória. Pêso nos olhos, palidez nas faces,
Essa taba inimiga existe intacta, E soluçava:
Como um hino eloquente, eternizando E com voz tênue: — Filho das entranhas
Nossa clemência grande a par da guerra. Minhas! — clamava.
E qual o raio por seus lábios corre
Dinjul também, o velho dos conselhos. Sorriso breve.
Pai da família dos poetas santos, Oh! que sorriso mau! que não lhe cora
Progênie de Tupá, irmão dos gênios. Do rosto a neve.
Centelha viva da divina essência. Ei-la nos braços cai do filho amado,
De nós tais cultos mereceu bastante. No seu regaço:
Essa taba inimiga ali — tão longe — Nunca sentira em sua vida o pobre
Depois do dia aos Tupinás horrível. Igual abraço.
Vai despertar o sol, no fundo berço. E la falava — sua fala plácida,
Entre a neblina escura da montanha. Mas triste e fria:
Ele em que a ela fôsse todo ouvidos
Entanto vós — Tupinambás valentes, — Não entendia.
Inda depois do sol, imóveis, quedos.
De seus vestidos se exalava o cheiro
Vos conservais nas vergonhosas rêdes. — Do alecrim.
E nem sentia o pobre — da garrida
Que moleza vos entra os membros fortes? O retintim.
Que sono indigno as pálpebras vos cerra? Da torre grande o sino, de afrontado.
Que véu pesado vos encobre o dia? Zunindo pára.
Inteira a natureza está desperta: De sono tanto o pobre do noviço
O céu, a terra, o mar — tudo revive. Não esp ertara...
Exceto vós. Erguei-vos ao trabalho, Que vulto ao pé da cruz bento do côro
Ali prostrado!
O’ crentes de Tupá, filhos da guerra.
Longo em cabelo, longo em negra veste.
Tão contristado!
Que vida vives, e que triste sorte
A tua sorte!

[ 487 ]
L U IS JO SÉ JU N QU EIRA P R E IR E

O h! antes que a vergonha, pede a Eloha, Eu por mim chorarei sempre meu chôro
l ’ede-lhe a morte! De almos dulçores:
Invoca as negras sombras do sepulcro Que não posso aplicar melhor mezinha
Quai novo Jô . A minhas dores.
Amaldiçoa o sol com que surgiste
Triste do pó. Dobre-se o coração em seus invólucros.
Vive quem vive ao mando alheio sempre Chore consigo:
Obediente? Consigo se concentre, como um morto
Em seu jazigo.
Opção, nem alma tu não tens, noviço,
Não és um ente!
Sempre serão felizes junto o siso
Que vida vives, ó noviço mísero. E o coração:
T ão negra sorte! Ao coração o sentimento e ao siso
Oh! antes que a vergonha, pede a Eloha, A reflexão.
Pede-lhe a m o r te !...
Oh decepção! — que o coração co’o siso
Não quer-se unido:
Guerra haverá de m orte: oh Deus! qual dêles
Será batido?
PÁGINAS DO CORAÇÃO 1625
I lá i no coração um sentimento
V I Doce e tocante:
Que impera nêle, como em trono de ouro
Reflexão, reflexão, que preguiçosa Rei triunfante:
Que sempre vens?
Como ronceira nau de carga em lastro Sentimento de amor d’alta justiça
Prenhe de trens. Misto de dores:
Ardor de sensações, conto de mágoas.
Que não venhas mais cedo, — que teu lume Céu de dulçores:
Logo não luza!
Não desvairara tanto o homem co’a mente Cândido, como um bando de alvas garças.
Dúbia, confusa. Voa nos ares.
Catando ínscios peixinhos na lisura
Alheio da verdade, não servira Dos vítreos mares.
A vis paixões:
Não o sabem os maus: — é-lhes fechado
Qual criminoso atado às ferropéias
T ão santo asilo:
De acres prisões.
Que não podem librar de um sofrimento
Manso e tranqüilo.
Que monta a vida irrefletida e basta
De desatinos? Qualidade das almas escolhidas
ü m barco sem arrais, — vai onde o empurram E ’ o remorso:
Vagos destinos. Dêle aos instintos os varões mais fortes
Dobram o dorso.
Que monta ao homem, que em seu fim marcado
Nunca medita? Covardes não Iho dobram: fogem dêle
Que no caos do passado e do futuro Com arte e esm êro:
Olho não fita? Só lhes toca em quinhão porção sobeja
De desespero.
Que em desoras gentis de noite velha
Não despertou, Não se arrependem nunca: assim disseras
E que sôbre si mesmo, um só minuto Corcel 1626 sem brida
Não pranteou? No anteposto despenho esbarrondando-se
Na ágil corrida.
Que u’a vez não torrou em chama acética
O cândido remorso em tôrno às asas
Maus planos seus?
Libra no ju sto:
Que não se prosternou aniquilado
No seio o acolhe o justo e o acoberta
À cruz de Deus?
Sem frio susto.
Os maus, os maus — que as lágrimas a face Será de ânimo vil moldar-se às normas
Não lha assombreiam: Da natureza?
Que o sainete do cálix dos remorsos Em homem amostrar essência de homem
Não saboreiam. Será fraqueza?

H á i mais belo enfeite em belos olhos, Não quero o coração, que um só remorso
Que um doce chôro, Nunca sentiu:
Quando pulula súbito dos folhos Não quero a bôea, que dorida frase
Do íntimo fôro? Não exprimiu:

[ 488 ]
rO K SIA S KSPARSAS

Talvez religião nunca bebera Virgens castas que bebiam


Tal coração: Mas que nunca se saciam
Talvez tal bôca nunca articulara Dos frutos da salvação,
U ’a oração. Do cipreste de Sião
Nos dulçores se embebiam,
Da vida que sós viviam.

Si não quando corre a fama


MONÁSTICA Qu’esta verdade derrama:
Que sopesado caixão
Do largo mar na amplidão
(Ao dia da minha profissão) A fluxo boiava, qual rama
De moita, qu’o monte acama.
Ao cabo amanheceu: — e o céu mostrou-se
Mais puro e lhano: Aíistério inda não cantado.
— Ao cabo amanheceu: foi longa noite Per mortais não decifrado!
— Noite cie um ano! Homens lá correram cento
Forçando seu todo alento;
Sono comprido e tenebroso c triste Qu’o valor mais sublimado,
O sono da saudade! Tudo, — tudo foi baldado.
Coado em dores, exprimido em prantos 1*527
De ansiedade. Nem cabo, nem alavanca,
Nem férrea comprida tranca
Também a imunda larva espreita um ano Pôde empurrar o caixão
A mariposa: Da primeira posição:
Também eu fui assim: — e qual cadáver Que dali nada o arranca
Em torpe lousa. Nem desaba, nem desbanca. 1630

E ’ tempo, é tempo: — e a larva espedaçou-se E se conservava quêdo


— E revoei: Que nem imóvel penedo,
Quebrou-se alfim a laje do sepulcro O caixão, que visos dava
— Ressuscitei. De que um sopé o calcava:
Mas alfim se atinou cedo
Ressuscitei após comprida noite, Todo o latente segredo,
Negra e tardia:
Oh! — que seja tão longa, qual foi ela E ’ que surgiu em monção
Tão belo dia! Dentre a chusma um ancião,
Que sem cabo e sem lavanca,
Porque — meu Deus! — é rápida, tão súbita, Nem férrea comprida tranca
A hora do prazer? Vem puxando pela mão
Porque assim voa, — e a memória fica, O sopesado caixão.
Para mais nos morder?
Deslizava, qual desliza 1631
Não ser, — meu Deus! não poder ser eterno Do mar pela esteira lisa
O gôzo dêsse dia! Batei inglês mastreado
Mas, ah! — não seja essa canção saudosa Pelo galerno assoprado.
Qual fúnebre alegria! Ei-lo 1632 — o caixão desta guisa
Toca do pôrto a balisa.

Após a incredível vinda


Tenteia a gentalha infinda,
JESUS DAS MISERICÓRDIAS Ajuntando-se em cardume.
Alçar da caixa o pesume:
Mas então ninguém a guinda,
L enda P opular
A não ser o velho ainda:
O Senhor do casto Abel, O caixão limpou-se inteiro,
O Deus forte de Israel, 1628 E em face do tabuleiro:
Fundava para reserva “ Meu interior encêrro 1633
Das servas de sua serva E ’ da Virgem do D estêrro.”
Monacal firme quartel E brunido êste letreiro
Em honra de Emanuel. D ’ouro puro e verdadeiro

E pois na cima de um cêrro Alça a custo o ancião


Por conselho e não por êrro O sopesado caixão:
Se plantavam as felizes Mas de velho a força escassa
Únicas suas raizes. Agora lhe falta lassa:
Chamou-se o vedado encêrro 1629 E com frouxa e débil mão
Da Senhora do Destêrro. Trêmulo o repôs no chão.

[ 489 ]
L U ÍS .TOSÉ JUNQUKIRA FR E IR K

Mas levado triunfante Só seus olhos lacrimejam,


Em procissão mui brilhante — Paixão lhe os lábios retrai:
Foi ao bendito convento
Com grande acompanhamento Quis falar, — arfou seu peito.
Do clero sàlmicamente, Palavra nem u’a sai:
Da população aclamante. F orseja u’a frase, — estala.
Desprendendo dorido guail
Mas quem é êste ancião
Com sopesado caixão? E sta guaia melancólica
Caixão de tantos assombros E ’ sempre e sempre o seu canto:
Quem o carregou nos ombros?
Quem? — das virgens de Sião Não é lamento excessivo,
Êles enviados são. Nem desesperado pranto:
Tem seu tanto de tristeza,
Que o tal caixão milagroso —■ Tem de prazeres seu tanto. 1637
De obstinado ou alvidroso,
Rejeita, desama 1^34 e odeia Ai — lhe estão dizendo as flores,
I-evar-se per mão alheia Que recendendo, 1638 o rodeiam:
Que não seja a do pod’roso
Povo do convento anoso. Ai — lhe estão dizendo os ventos,
Que a fôlha as flores meneiam:
E i-la 1635 a santa procissão Ai lhe estão dizendo os astros,
Toca ao soberbo portão: Que declinando, o pranteiam.
E dentro no monastério
Abriu-se e n tã o ... oh m istério!. Ai lhe está dizendo tudo,
Abriu-se co’ admiração — Astros e ventos e flores:
O milagroso caixão.
Morre, morre, oh jovem triste,
E não se contar-se-á isto Com tantos ais, tantas dores:
Que lá no caixão foi visto? Ai de ti jovem coitado.
A lira não terá fôrça? Ai de ti — de teus amores!
Pois que se torça e re to r ç a ...
Foi o glorioso aquisto
Divina imagem do Cristo!
À M INHA IRMÃ
Divina imagem perfeita,
Tanto que ninguém suspeita ± sorte menina,
Predita por Deus,
Que seja de mão humana Que esquecidos fiquem
Produção tão soberana: Sempre os anos teus.
Que todo o mundo a respeita
Qual obra por anjos feita. O sol porque surge tão belo, tão belo,
Quando nos mais dias surgira tão feio?
Que tais bondades recorde-as, Porque tão formosa, tão linda que assoma
Que tais que não desacorde-as Aurora tão prenhe de graça e de enleio?
O povo das castas flores
Que apelidou seus amores Porque a natureza sorri-se garbosa,
P or suas misericórdias Porque mais que sempre, roseiras vicejam?
Jesus das Misericórdias. 1636 Porque êstes canários cantando e voando
Alegres, — alegres tal dia festejam ?
Cantai, virgens de Sião,
Os cantos de Salom ão: Porque êste céu nosso, tão limpo, tão limpo.
“ Deus antes de fazer al, T ão puro, sem manchas, sem nuvens está?
“ J á vos fêz primordial: Porque tanto gôsto por tudo esparzido,
“ Inda não havia o vão, Porque tanto gôsto, tamanhos será?
“ Os abismos inda não.”
Que diga êste dia, que diga esta aurora,
Que digam roseiras que tanto vicejam :
Que diga o céu puro, que digam canários,
0 CÔRO DOS AIS Que alegres, voando, tal dia festejam.

( I m it a çã o do “ C anto dos Ais ” de L. C h a m p l o n i ) Que digam sòmente, diga a natureza,


Porque ela sòzinha que pode saber:
T ão jovem, — e já tão triste, Que os homens, que a gente tal dia contente.
Co’a mão na face cismando! T al dia souberam sòmente esquecer.

— Mudo e quêdo entr’abre os olhos. Maninha, não tenhas desgosto 1639 nem pena
Mudo e quêdo está chorando. De não ser teu dia por nós celebrado:
De quando em quando suspira. Teu dia formoso por tôda natura
Solta um ai de quando em quando. Não pôde, — não pôde ser mais festejado.

[ 490 ]
PO ESIA S ESPA RSA S

Os homens não devem de te fazer caso Meu Lulu, o que fará?


Nem conta em su’alma, oh! reminiscência: Que mais poderá dizer
Porque, quando os homens de ti mais carecem. A não ser qu’és meu xará.
Então que te esquivas com mais violência.
Nada de ti cantar pode,
Não tenhas, maninha, — não tenhas pesares, Que seja digno, que nobre:
Maninha, não fiques zangada com isso: Já corrida envergonhada
Não culpes teu mano mas sua memória, Eis a cara co’as mãos cobre:
Não culpes teu mano de frouxo e remisso. Musa, dize, ao menos canta
Que eu sou pobre, que êle é pobre.
Não culpes teu mano, — mas sua memória.
Sim, — essa a crimines de bem deslembrada:
De não ser teus anos por nós festejados Musa, dize, ao menos canta
Só nossa memória que é ré mais culpada. Qu’eu sou poeta, êle o é;
Mas que cara esta que fazes
Não tenhas, maninha, não tenhas pesares. Qual criminosa, qual ré?
Maninha, não fiques zangada com isso: Ah! sim: que nuance achaste,
Que da deslembrança dos homens te vinga Qu’êle é gran’vate, eu chué.
Natura tão cheia de amores e viço.
Atrevida semelhança,
21 de Novembro de ISSO. Que dêle comigo fiz;
J. F. Se acaso erros não dissemos.
Musa, al fim nada se diz:
Repete que xarás 1641 somos,
Qu’êle é Luís, eu Luís.
AO BATISMO DE GERTRUDES
Musa, canta algu’a 1642 cousa.
Tomaste a celeste bênção, Põe em praxe teu intento;
O sal da religião: Não somos iguais em tudo?
Que deste o mergulho santo — Disse d’asneiras um cento — ;
Na pia da salvação. Ai! tens razão, musa minha.
Diferimos 1643 no talento.
Despiste o vestido imundo
Que te fazia pagã:
Lavaste o carnal pecado. Pois canta se quer, oh musa,
És feliz, — pois és cristã. A nuance entre êle e mim;
Repete o que já disseste;
Gertrudes, anjo divino. Tens pudor — não é assim?
Recebe os meus parabéns: Exclam a qu’êle é Virgílio,
Tens de Deus a graça viva, Qu’eu só sou Bavio ruim.
Tens do céu todos os bens.
A ti musa, fica-te quêda,
Mimoso anjinho do céu Que não és para o cantar
Em tua signa não cismo Infeliz, não me apareças, 1644
Que bebeste almas venturas, Vai-te asinha bugiar:
No sal do grato batismo. Mas em dia de seus anos
Devemos de nos calar?
Alegra-te, oh mãe ditosa,
Na filha do coração: Não devemos, não havemos,
Na filha, que mergulhou-se Não se te diz de andar chocha:
Nas águas da salvação. E sempre lampeira em vante,
Não fiques de face roxa:
Gertrudes, anjo donoso. Canta lá tua cantiga
Trilha a senda das virtudes: Seja lá sublime ou chocha.
Folga, oh mãe, qu’anjo mimoso
E ’ tua filha Gertrudes.
Canta seu afável gênio,
5 de Jan eiro de 1851. Canta seu corrente engenho, 1645
Canta a amizade sincera
Que com tal vate mantenho;
Não tens a dizer mais nada,
COISINHA A dizer mais nada tenho.

A Luís DA F rança R e b o u ç a s em D ia Canta o amor da verdade,


DE SEU A n iv e r sá r io . Que nêle sempre encontraste;
Canta a devoção sagrada,
Meu Deus que Musa tão chocha. Que nêle a nós sempre achaste;
Não sabe que cantará Canta já seus dons sem conto,
Em teu louvor, em teus anos. Canta •— mas como esb arraste!...

[491]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E

De ti tenho dó já, musa. Que os de Roma ou de Veneza:


Bem vejo que tens razão: Que tem góticas janelas
És desgraçada, coitada, Mas ninguém há de sob elas.
Nunca falas de feição;
Deixas-me, pois, sem ventura, Encantado 1653 e nobre alcáçar
Um vazio ao coração. De paredes amarelas,
Que dentro em leito de flores
O h! nunca te vi tão fria. L á me encerra meus amores!
Sem de fogo bocadinho: Que formosas as janelas!
Ora vou dar-te mezinha. Meu amor não chegar nelas!
Vamos ver se adivinho:
Ao menos terás mais estro; 1646 Quatro janelas abertas.
Musa vamos beber vinho. Quatro cortinas singelas.
As quatro umbreiras cinzentas.
Deixa qu’o vate sublime. As vidraças alvacentas:
Bom Champloni o vá cantar; Quatro janelas tão belas!
Que solte em lira afinada Meu amor não chegar 1654 nelas!
Bem saudoso gorjear:
Nós, musa, neste comenos
Vamo-nos embebedar. ^647

Nós, musa, neste comenos


Gritamos: — “ E v o é !” 1648
A FOLGA
Desenruga 1649 a testa, musa.
Cara de danada ré! Os dias de folga são nossos suores.
Pois, musa, bebendo vinho, Custaram um ano de côro estirado.
Inda serás tão chué? — Sòm ente um minuto do tempo presente
Im porta semanas do tempo passado.
Nós, musa, neste comenos
Beberemos um almude;
Os dias presentes custaram fa d ip s,
Diremos neste comenos:
Com ela perdemos metade da vida:
“ L á vai, lá vai a saúde
Sequer u’a hora tão caro comprada
De quem tão amigo é nosso.
Não pode, não deve jam ais ser perdida.
De quem tem tanta virtude.”

J . F. E cada grãozinho de areia ligeira,


Que cai da ampulheta do tempo fatal,
P ie d a d e , 25 de A g o s to de 1S50 — Nos vale um arranco da curta existência,
Nos vale u’a gôta de sangue vital.

A custo das nossas angústias de outrora


Ganhamos a palma da santa alegria:
QUATRO JANELAS Agora das horas, que fogem tão breves,
Jam ais u’a hora deixamos vazia.

Quatro janelas abertas, Os dias passados de nossa existência


Meu bem em nem u’a delas; 1650 No côro, nos claustros, nas celas perdemos.
Quatro cortinas de cassa 16S1 Tais dias agora — no seio dos gostos —
Pendem de cada vidraça. Tais dias, amigos, aqui recobremos.
Contrastando-se mui belas
Co’ as paredes amarelas. Sim : recobremos os passados dias,
E as horas vãs de nossa estéril sorte:
Quatro cortinas voando, Vamos a vida dilatar nos gostos.
Mas desertas as janelas: Vamos nos gostos triunfar da morte.
As quatro umbreiras cinzentas.
As vidraças alvacentas: Vamos depressa: — que êstes dias fogem,
Quatro janelas tão belas, 1652 Como um sonho feliz entre desgraças:
Meu bem em nem u’a delas. Vamos depressa: — que depressa morrem
Da juventude as namoradas graças.
São modernas, arqueadas,
São góticas as janelas: As horas de prazer depressa passam,
O parapeito pintado Como a fugir da viração suave:
De azul celeste animado: Mas as horas de dor — em mal dos homens —
Quatro cortinas tão belas Marcham com passo preguiçoso e grave.
Mas ninguém há de sob elas.
Vós, oh dias de sol tão bonito,
Encantado 1653 e nobre alcáçar Que raiais, refletis nesse mar!
De paredes amarelas Suspendei vosso leve galope.
Que tem muito mais riqueza Caminhai com mais tento e vagar.

[m ]
POKSIAS ESPARSAS

VÓS, oh noites de fresco sereno, São dois luzeiros,


Vós, oh noites de claro luar! São dois faróis:
Não piseis vossas nuvens com força, Dois claros astros.
Caminhai com mais tento e vagar. Dois vivos sóis.
Vós, oh fluxo e refluxo contínuos. Olhos que roubam
Vós, oh férvidas vagas do mar, A luz de Deus:
Moderai esta ação repetida, Só êstes olhos
Enrolai com mais mimo e vagar. Podem ser teus.
Vós, oh astros luzentes do espaço. Olhos que falam
Globos de ouro suspensos no ar! Ao coração:
Percorrei vosso giro mais lento. Olhos que sabem
Caminhai com mais tento e vagar. Dizer paixão.
Dilatai-nos as horas do gôsto Têm tal encanto
Neste ameno, encantado lugar! Os olhos teus!
Dai-nos mais e maiores delícias, — Quem pode mais?
Dai-nos mais sensações devagar. 1653 Eles ou Deus?
Aqui as horas conservam
Mais duração de prazer;
Aqui a vida terrena
Maior, melhor sabe ser.
À JOAQUINA
Aqui são belos, são puros,
São mais fragrantes os ares:
As brisas são salitradas Somente por dois versinhos
Pelos suspiros dos mares. Comigo te zangas tanto?
Vida minha, tu me queres
Aqui o peito sensível Causar mais dor e mais pranto?
Menos sente a sua dor: Ai não te zangues comigo,
Aqui o peito do amante Meu anjo do meu encanto.
Sente mais o seu amor.
Mas se só por dois versinhos
Aqui a face da virgem, Irada, jovem te achei;
Que o bardo viu outro dia. Mezinha, que dar-te posso
Também assume mais gala. E ’ que mais dois mil farei;
Inspira mais poesia. Teus mimos e teus donaires.
Malgrado teu, cantarei.
Aqui o homem levanta
Sóbre a desgraça um troféu: 1656 Te zangas porque dois versos
Aqui a vida da terra Em honra tua compus,
Tem as belezas do céu. Cantando perfeições tuas,
Cantando teu brilho e luz:
Da vida breve da terra Menina tu não és anjo,
As horas aproveitemos: — Es demo, que tenta: — Cruz!
Das dores, que sempre ficam
Agora nos deslembremos: Que dirias tu, menina,
A dos prazeres, que fogem, 1657 Se eu pedisse o que desejo?
Estes momentos gozemos. Bem sabes; — Queres to diga?
Monserrate, 28 de novembro de 1852 E ’ mister muito despejo:
Vidinha, que me dirias,
Se eu te pedisse um beijo?

Dar-mo-ias? nem por sombra!


TEUS OLHOS Tu não mo darias não:
E qu’a mim me vigiasse —
Me responderas então;
Que lindos olhos Se na cara com gran’fôrça
Que estão em ti! Não me assentasses a mão.
Tão lindos olhos
Eu nunca v i... Mas porque não me darias
Um beijinho? — que tem isto?
Pode haver belos Já não digo um beijo; — um ósculo,
Mas não tais quais: Que é mais decente; está visto:
Não há no mundo Os doze santos discípulos
Quem tenha iguais. Beijavam seu mestre Cristo.

[ -193 ]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E

Bem vejo que me respondes Num mesmo assomo, — mais rápido do que o raio,
Que’spere: vou to’sperando Da cólera divina,
Dar-mo-ás um dia: — logo? Que as estréias paleja e os orbes treme
Sim : vai-me sperança dando, 1658 E as esferas tintina:
Teus dons celestes entanto,
Vida minha, irei cantando. Sim : — num assomo de celestes iras
1850. Quis o senhor assim :
Porque eu bem sei que não nasceste, oh virgem!
Não nasceste p’ra mim!

MEDITAÇÃO Quem os celestes, eternals conselhos


Compreende ou adivinha? 1661
Deus o quis: — tu disseste-me: Sou tua!
Quando em arroubo insuperável d’alma
Eu te afirmei: — És minha! —
Eu te estreitar no peito:
Quando eu me espreguiçar sôbre teus membros
Em teu divino leito:

Quando eu libar o néctar de teus lábios Inocente! — não sabes as angústias,


Mais rubros que o delírio: Que em minha alma pelejam:
Quando eu beijar-te os pululantes seios E nem sabes que as asas do infortúnio
Mais cândidos que o lirio: Em tôrno a mim voltejam !

Quando da terra vil — ambos unidos — Ah virgem ! — eu também fui inocente,


Form os longe — bem longe: Como tu és agora:
Virgem ! — não lembres o horror do inferno, Eu cri no amor recíproco dos homens
Não me digas: És monge! Ao menos u’a hora.

Oh frase dos demônios, que envenena E entrei no templo: e nos degraus das aras
A taça dos am ôres: Expandiu-se minha alma:
— A taça estreme, onde ferver deviam E apalpei-a: — e ante Deus e as aras
Delícias e dulçores! Eu encontrei — a calma.
Virgem ! — não abras teus miúdos dentes, E entrei: — vi dominando sôbre tudo
No meio do delírio. O nu materialismo.
Si, dentre êles, desferes, 16S9 como o raio, Sim, crê-m e: — quem me ditou estas verdades
A seta do martírio! Não foi o ceticismo.
Apalpa os cancros, que me roem n’alma,
Que o coração me comem: Eu mesmo vi nos lábios a calúnia
Apalpa, oh virgem, o meu seio ao menos, Fervendo como o inferno:
— Que me dirás: — És homem! Eu mesmo vi sôbre fraternos peitos 16 6 2
Arder ódio fraterno.
Sim : apalpa-me as fístulas internas, 16 6 0
Vem ver como negrejam ! Eu mesmo vi de meus irmãos, que amava,
Como de sangue tépido, em golfadas — De meus irmãos a ira:
Palpitando gotejam ! E a consciência me bradou terrível:
— Seu amor é mentira! —
Ah! não, não venhas: as cecens e as rosas
No ceno fanariam: Eu mesmo vi reinando o interêsse.
E as exalações de um peito infecto Qual valido gigante:
De certo te asfixiam I Eu mesmo vi quão fino era o tormento
De um coração amante.

Eu mesmo vi o gênio das intrigas


Quantas vêzes pensando em ti, oh virgem. Levantar-se tirânico:
Pensando em teus primores, E pelas fibras íntimas coou-me,
Extasiado clamo: — ah não sou digno — Coou-me um terror pânico!
De ti, de teus am ôres! —

Oh rosa do deserto, •
— quem cortou-te Eu mesmo vi erguer-se sôbre tôdas
Dos ramos verdes teus? A fronte do traidor:
Quem te pôs sôbre o peito do poeta, E eu murmurei bem dentro de meu peito:
Sinão a mão de Deus? — Aqui não há amor! —

Tarde pousaste: — quando o meu momento E veio o teu amor, — que me faltava.
De morte estava dado: Veio durar-me a vida:
E pousaste: — e não vias que pousavas Veio acender-me o entusiasmo e o gôsto
No peito de um finado. Nesta alma enfraquecida.

[ 494 ]
J’OESIAS ESPARSAS

E veio O teu amor, — qual sol ardente Aqui — oh quantas v ê z e s l... eu a tive
Após noite hibernai: Unida a mim — a derreter-se em ais:
E veio o teu amor, — qual astro novo. Aqui — ela ensinou-me a ter mais vida.
Qual lúcido fanal. Sentir melhor e mais.

Veio dizer-me doce: — Ainda és vivo, Aqui — oh quantas v e z e s !... eu a tive


A morte está bem longe: — Em acessos de amor desfalecida!
Mas outra voz horrenda, como a guerra, Lasciva e nua — a me exigir mais gostos
Veio dizer-me: — És monge! — Por sôbre mim caída!

Não mo digas jamais, oh virgem pulcra, Mas lá talvez ela se esquece entanto
Quando eu cingir-te ao peito: Dos nossos lindos tempos já passados:
Quando eu me espreguiçar sôbre teus membros Agora folga entre os enredos torpes
Em teu divino leito. Dos falsos namorados!

Quando eu contigo unificar-me em corpo


Algumas horas mais:
Quando penderem de teus doces lábios
Minhas forças vitais:

Quando eu cair inerte e fraco e morto Eu que te amo tão deveras,


Em pálido delirio: A quem tu, louro moçolo,
Quando já não puder libar-te os seios Me fazes chiar e amolas,
Mais cândidos que o lírio. Qual canivete em rebôlo;
Eu que, qual anjo, te adoro.
Ao menos uma vez olha-me, oh virgem, Então, menino, eu sou tolo?
Co’os olhos, que me cegam.
Ao menos uma vez dá-me a ventura, Quem te venera e te serve,
Que os homens me denegam! T e serve de coração;
Quem a nada mais atende.
Senão a sua paixão;
Quem sustém por ti a vida.
AQUI Tolo não pode ser, não.

Quem te olhando a áurea face.


Talvez agora entre os convivas ébrios,
Lá se queda enamorado,
Nas turmas dos mentidos namorados,
T e olhando os olhos ferventes.
Ela se esquece dos meus puros gostos
Permanece endeusado;
Por nós aqui passados.
Ésse que chame-lo tolo,
Êsse sim — vai enganado.
Aqui — já era n o ite ... eu reclinei-me
Nas moles formas do virgíneo 1^63 seio:
Aqui — sôbre ela eu meditei amôres Quem tanto por um só perde,
Em doce devaneio. Que a ninguém quer antepô-lo,
Que vê-lo só quer num trono.
Aqui — inda era n o ite ... eu tive uns sonhos Num trono só de ouro pô-lo;
De monstruosa, de infernal luxúria: Que êsse que tolo xinga-lo,
Aqui — sôbre ela estremecí, sonhando Êsse sim — êsse é que é tolo.
Em amorosa fúria.
Quem ia em ver seu queixinho
Aqui — quase m a n h ã ... eu contemplei-a Bipartido se mantém;
A resfolgar com agradável ânsia: Quem embebido em seu todo
Aqui bebi seu hálito em torrentes. Horas, dias, gasto tem;
Torrentes de fragrância. Quem no cárcere do corpo
A alma por êle sustém;
Aqui — era m a n h ã ... vi-a sentada
Sôbre o sofá — voluptuosa um pouco: Avanço axioma certo, —
Aqui — prostrei-me a lhe beijar os rastros Que êsse não é tolo, não;
Alucinado e louco. Que êsse ama angèlicamente
Fora da contagião;
Aqui — ardia o s o l ... ela beijou-me, Que êsse que tolo xinga-lo,
Para aplacar-me a fervorosa calma; Ésse sim — é toleirão.
Aqui — meus hinos sensuais cantando,
Ela embalou minha alma. E tu me xingaste tolo,
Meu moço, anjinho >664 feliz!
Aqui — era ta r d e ... eu pude ouvir-lhe Só porque amar-te deveras
Protestos firmes de um amor eterno: Meu Deus, minha sina quis.
Aqui — ela selou-me êstes protestos Só porque certo bem maus
Com um beijo mais que terno. Dois versos te dei que fiz.

[ 495 ]
I.Ü ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E

Meu anjo me olha e despreza Junto ao sopé do teu tronco


Com mirar tão íuribundo! Hei de ansioso cair: 1667
Já não hei mais esperança Noturno ladrão não há de
De ter serafim jucundo, As tuas frutas fruir.
Que aos Céus me leve risonho,
Quando me fôr dêste mundo. Irei nas noites de escuro
Beber a tua frescura,
Mas se tolo é admirá-lo, Qu’o tipo de meu mau gênio
A todo o mundo antepô-lo. O ’ merencória tristura.
Querer lá vê-lo num trono.
Num leito dourado pô-lo, Da manhã no albor fulgente
Alfim beijá-lo e gozá-lo. Irei ver qual amanheces:
Então, sim, quero ser tolo! Se já estás mais crescida,
Se mais e mais já floresces.

Ao pino do meio-dia,
À tua lânguida sombra,
A 16 6 8 teus pés irei deitar-me
AO NATAL DO ILMO. SNR. J. T. M. DA SILVA Da relva na mole alfombra.

Em tanto os pomos formosos


Linda barquinha de amor A fé — que não tocarei:
Onde is cora tal louçania
A u’a viagem: é ela Mais que os dois no paraíso
Da vida tôda a poesia. Cumprirei tão santa lei.
G. B. O. C. Só de olhar-te co’os meus olhos
Tendo inefável prazer:
P arábola Cresce, viçosa mangueira.
Cresce, cresce a bom crescer.
Cresce, viçosa mangueira. Pedirei a Deus que nunca
Cresce, cresce a bom crescer. Ronque rouco furacão,
Ascende dos céus os topos. Que tuas profundas plantas
Ascende a bom crescer. Desarraígue 1669 ao chão.

Dos jardins e das florestas Viverás vida de amôres.


Sê, mangueira, alta rainha: Viverás vida imortal:
A árvore mais sublime Verão para ti não haja,
Para ti seja mesquinha. Não haja quadra hibernai.
Floresce em chão de lindezas,
O pinheiro alvar comprido Dos prazeres na sazão:
De ganhar-te que desista: Para ti que nunca ronque
Do monte Líbano o cedro Ronquejante furacão.
S eja nada à 1^65 tua vista.
Galerno macio e fresco
Cresce, viçosa mangueira. Tuas fôlhas vá m orrer;
Cresce, cresce a bom crescer: Cresce, viçosa mangueira,
Só brisa refrigerante Cresce, cresce a bom crescer.
As fôlhas te vá mover.
Até que te veja um dia
Verão para ti não haja, Topetar 1670 dos céus o cimo:
Não haja quadra hibernai: 1666 Sobranceira às demais árvores, 1671
Vivas sempre em primavera Árvore de tanto mimo.
De ledice divinal.
Só se fale em tôda terra
Avezinhas encantadas Em tua grã formosura, 1672
Nas galhas pousem-te aos mil: Em tua verde folhagem.
Trinem -te doces trinados Em tua amável frescura,
Os canários do Brasil. E tua cima altaneira
Aos céus de amôres erguer:
Papa-capim alvacento
Cresce, viçosa mangueira.
T e vá seus cantos trem er: Cresce, cresce a bom crescer.
Cresce, viçosa mangueira.
Cresce, cresce a bom crescer. (Im itado)
. P ie d a d e , 21 d c d e s e m b r o d e 1850.
Do teu chão na grama agreste
Em noites de almo luar J. F.
Teus pomos açafroados
A fé quêdo irei guardar.

[ 496 ]
PO ESIA S ESPA RSA S

A MINHA BANDEIRA 1673 Julguei-o do povo atleta


Que pelo povo morreu:
Si um dia esta Pátria Instintos do povo eu tenho, 1674
Pisar sôbre os reis, Eu tenho o sangue plebeu.
Si um dia êste povo
Fizer suas leis: Mostrava em rubros pedaços
O coração todo aberto
Si um dia a montanha Co’ o chumbo ardente do tiro
Gritar — liberdade! — De cinza e sânie 1675 coberto.
E o mar, respondendo,
Bramir — igualdade! Eu respeitava em minha alma
O nobre silêncio seu:
Instintos do povo eu tenho, 1676
Não temas! — Teu timbre
Eu tenho o sangue plebeu.
Será sempre tal:
Bandeira da Pátria,
Mostrando o peito rasgado
Tu és imortal!
Êle me disse: Não vês?
Eu maldisse — e o céu comigo
Teu fundo somente
Os ferros do intruso inglês.
E ’ que há de mudar:
Que a c ’roa de um homem
Gomes Freire! — eu disse, ardendo,
Não te há de manchar. És-tu, êste rasgo é teu;
Instintos do povo eu tenho,
Eu tenho o sangue plebeu.

Num raio de luz mais clara


A7\EU SAVEIRO Eu vi mais outra visão.
O longo ébano cabelo
Corria — beijava o chão.
Tu, agora, tu és brasileiro,
Com essas cores da nossa Nação: Eu conheci nos seus olhos
O barbárico e rude africano Que era alguém do povo meu: 1677
Não governa o teu leme mais não. Instintos do povo eu tenho,
Eu tenho o sangue plebeu.
Tu agora já tens outro orgulho,
Como tens igualmente outra côr: E ra uma virgem das selvas
Meu saveiro, espaneja estes mares. Desta América gentil
Nada temas; — que eu sou teu senhor. Abraçando o herói da lira
Mais herói neste Brasil.
Nada temas; que eu sou brasileiro,
Sou da tua floresta natal: “ Gratidão; dizia ao homem
Não te temas dos mares comigo, Que a meus filhos defendeu”. 167S
Meu saveiro; — que eu sou teu igual. Instintos do povo eu tenho,
Eu tenho sangue plebeu.

E o altivo herói e a virgem


Sublimes as mãos se deram
E dentro de um brando riso
Consagro ao canto do povo Juntos, juntos me disseram:
A lida que Deus me deu.
Instintos do povo eu tenho,
Eu tenho o sangue plebeu. “ Este sangue que em nós corre
Corre pelo corpo teu”. 1679
Instintos do povo eu tenho,
Eu sinto, eu sinto da pátria Eu tenho sangue plebeu.
Fervendo-me a inspiração.
Ouve, oh povo, os meus cantares.
Ouve: que eu sou teu irmão. E uma lira me ofertaram
De aço puro e refulgente
Como um alfange afiado
Vaidosa comprada insígnia
Dos guerreiros do crescente.
Não adorna o peito meu:
Instintos do povo eu tenho,
Eu tenho o sangue plebeu. Disseram-me: “ Canta o povo.”
“ Canto, sim”, — disse-lhes eu.
Eu vi de noite em meus sonhos Instintos do povo eu tenho,
Imagem tôda cruenta Eu tenho sangue plebeu.
Co’os olhos boiando em chamas,
Co’ a bôca e a face sangrenta.

[ 497 ]
L U ÍS JO SÉ JUN QUEIRA F R E IR E

FRAGMENTOS DO PADRE ROMA


Não vêdes lá essa montanha ingente
E o sangue nosso — há séculos de ferro — Que sai gentil do gúrgite das vagas?
Inundou, inundou o chão da pátria, Vêde-a lá — como é bela! ao longo, ao longo
— E não nasceu a liberdade ainda! Vai-se estendendo recurvada, airosa,
Em vão pelas escadas do patíbulo, Meneando seu colo. Está vestida
— Das férreas mãos do bárbaro carrasco De verdenegra toga, espêssa e vasta.
Rolou, rolou, entre o sorrir dos déspotas. Matizam-na por cima alvos lavores
Entre as palmas sonoras dos monarcas. Aqui, ali, simétricos e lindos.
De Xavier a intrépida cabeça Veias de gema de esmeralda e ouro
Rolou, — e vivido e férvido seu sangue Pela corada face — e róseos braços
Salpicou e tingiu a face ao povo, Serpenteando vão sem fim, sem ordem.
— A êsse povo entusiasta e fraco, Parece, ao longe, uma visão de sonhos.
Que vê seus filhos a morrer por êle, Idéia de poeta à meia-noite,
Que vê algozes a torcer-lhe os pulsos, Um fantasma dormindo à flor das águas.
Que vê estranhos a roubar-lhe o próprio,
— E cúmplice espontâneo em seu suicídio, Assim é minha pátria. Assim é ela.
Como um infante temeroso e estulto. Sabei, nações dos cárdines do mundo!
Prantos apenas feminis levantai Única linda para mim é ela,
Em tôda a terra. Encantos e donaires
Deu-me a Bahia! — pródigo tesouro. Nenhuma as tem aí em cópia tanta.
De que somente me compete a chave, Mais arte mostrarão outros países.
Onde se escondem cabedais incríveis, Mais arte, sim — mais natureza, nunca.
Minas profundas de metais custosos, Esta selvátiva eloqüente e simples.
Que êsse resto de mundo embalde inveja: Visível expressão do belo eterno.
Deu-me a Bahia! — abismo de grandezas. Só minha terra a tem. Eu quero nela
Em cujo seio alguma fada estende Um pedaço de chão onde repouse,
Seus domínios de místico prestígio. Não quero estátuas, túmulos nas outras.
Seus encantos de mágica riqueza. Assim é minha terra! Assim é ela,
Deu-me a Bahia! — a terra milagrosa, A soberba cidade da montanha!
Que de ouro fino e lúcidos brilhantes Só ela é bela para mim: só ela
Me estofa as bordas do macio leito. Fala-me encantos, fala-me primores.

[ 498 ]
iiagundes Varela
r4

C o rrei , c o r r e i , o h ! lá g r im a s s a u d o s a s . . .

UÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA (1841-1875) — Nasceu no município de Rio


L Claro, província do Rio de Janeiro. Depois dos estudos básicos na província natal,
matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo (1862), casando-se no mesmo ano.
Daqui por diante a vida foi-lhe um rosário de boêmias, de infelicidades, de intemperança
alcoólica, mas de fecundidade poética e de extraordinária inspiração. Um ano passou em
Recife (1865) continuando o curso de Direito (3.° ano). Em 1866 está de volta a São Paulo,
matriculando-se no 4.° ano. Os sofrimentos morais levam-no a abandonar o curso e todos os
compromissos sociais: só duas realidades o consolam — a poesia e a natureza. Com trinta
e quatro anos morre de apoplexia, deixando uma espôsa (segundo matrimônio), duas filhi-
nhas e uma obra poética de fulgurações de gênio: Noturnas (São Paulo, 1861); O estandarte
auriverde (São Paulo, 1863); Vozes da América (São Paulo, 1864); Cantos e fantasias (Paris,
1865); Cantos meridionais (São Paulo, 1869); Cantos do êrmo e da cidade (Paris, 1869);
Anchieta ou o Evangelho nas selvas (Rio, 1875); Cantos Religiosos (Rio, 1878) e Diário de
Lázaro (Rio, 1880). Publicaram-se as Obras Completas em três volumes (Havre, 1886?),
editadas pela Livraria Garnier,

[ 501
N O T U R N A S . 1680

A V ISO .

D IF IC U L D A D E e demora das publicações em S. Paulo, não permitiam que


tão cedo aparecesse a coleção completa de meus versos, entretanto as instâncias
e pedidos cresciam de dia em dia, e fazia-se mister aceder aos benévolos desejos
do público. Tomei por isso a deliberação de publicar em — séries — o meu
livro, das quais apresento hoje a primeira, e empenhando-me a continuar com
pequenos intervalos de tempo. Peço desculpas por isso aos Snrs. subscritores
desta minha grande porém involuntária falta.

S. Paulo, l.° de Outubro de 1861.

L. N. F. V A R E L A .

À M IN H A MÃE.

Nas férteis regiões da Ásia a árvore da mirra e do incenso inundam de perfumes a gleba onde
vicejam; — o cisne do Eurotas desfaz-se em harmonias ante a natureza que o cerca; — o Jordão desen­
rola cadente suas lâminas de cristal sôbre as areias de oiro da terra abençoada. Eu não tenho porém can­
tos, — nem perfumes — nem harmonias para vos dar, oferto-vos apenas êste pálido ramalhete das fana-
das flores de minha mocidade; — aceitai-o porque são saudades que vos envio através dos mares e das
montanhas, — são lágrimas cristalizadas na febre das insônias, — são os primeiros lampejos de minh’alma
doentia que se volvem para vós. Aceitai-o.

N ÉVOAS. Na forma de neve — puríssima e nua —


Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Nas horas tardias que a noite desmaia, Seu pálido peito de amores tremia.
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Nos mares derrama seu pranto de luz, Das verdes, — cheirosas roseiras do céu.
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes sorrindo, das nuvens no véu?
Eu vi entre os flocos de névoas imensas
Que em grutas extensas se elevam no ar, O orvalho das noites congela-te a fronte.
As orlas do monte se escondem nas brumas,
— Um corpo de fada, — serena dormindo, E quêda repousas num mar de neblina.
Tranqüila sorrindo num brando sonhar. Qual pérola fina no leito de espumas!

[ Õ03 ]
1 - U í S ^U C O LA U F A G U N D E S V A E E L A

Nas suas espáduas, dos astros dornientes, Oh tem pena de mim! deixa-me ao menos
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar? Desfrutar 1683 um momento de prazer,
E as asas de prata do gênio das noites, Pois que é meu fado despontar n’aurora
?:m tíbios açoites a trança agitar? E ao crepûsc’lo m o r r e r !...

Ai! vem que nas nuvens te mata o desejo Brutal amante não lhe ouviu as queixas,
Nem às 1684 suas dores atenção prestou,
De um férvido beijo gozares em v ã o !...
Os — astros sem alma — se cansam de olhar-te, E a flor mimosa retraindo as pétalas
Não podem amar-te, nem dizem paixão! Na tige se inclinou.

Surgiu n’aurora, não chegou à tarde.


E as auras passavam, — e as névoas tremiam, Teve um momento de existência só;
— E os gênios corriam — no espaço a cantar, A noite veio, — procurou por ela,
Mas ela dormia tão pura e divina Mas a encontrou no pó.
Qual pálida ondina nas águas do mar!
Ouviste, oh virgem, a legenda triste
Imagem formosa das nuvens da Ilíria, Da flor do outeiro e seu funesto fim,
— Brilhante Valquíria — das brumas do norte, — Irm ã das flores, à mulher às vêzes — 1685
Não ouves ao menos do bardo os clamores, Tam bém sucede assim.
Envolta cm vapores, — mais fria que a morte! 5. Paulo — 1861.

O h! vem! vem, I68l minh’alma! teu rosto gelado.


Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido, A R Q U É T IP O .
— Contar-te ao ouvido paixão delirante! . . .

Assim eu clamava tristonho e pendido. Êle era belo; na espaçosa fronte


Ouvindo o gemido da onda na praia, O dedo do Senhor gravado havia
Na hora em que fogem as névoas sombrias, O sigilo do gênio; em seu caminho
— Nas horas tardias que a noite desmaia. — O hino da manhã soava ainda,
E os pássaros da selva gorjeando
Saudavam-lhe a passagem neste mundo.
E as brisas d’aurora ligeiras corriam,
No leito batiam da fada divina;
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem Sim, era uma criança, e no entanto
E a pálida imagem desfez-se em — neblina! Friez de morte lhe coava n’alma!
O seu riso era triste como o inverno,
Santos — 186Í.
E dos olhos cansados, nem um raio
Nem um clarão, nem pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam!

V ID A DE FLOR. Era-lhe a vida uma comédia insípida.


Estúpida e sem graça, — êle a passava
Com a fria indiferença do marujo
Porque vergas-me a fronte sôbre a terra? Que fuma o seu cachimbo reclinado
— Diz a flor da colina ao manso vento — Na proa do navio olhando as vagas,
Se apenas das manhãs o doce orvalho —■ Vivia por v i v e r .... porque vivia.
Hei gozado um momento!
Em nada acreditava; há muito tempo
Tím ida ainda, nas folhagens verdes Que a idéia de Deus soprara d’alma
Abro a corola à quietação das noites, Como das botas a poeira incômoda.
Ergo-m e bela, me rebaixas triste O Evangelho era um livro de anedotas, 1686
Com teus feros açoites! Beethoven torturava-lhe os ouvidos,
A Poesia provocava o sono.
O h! deixa-me crescer, lançar perfumes.
V icejar das estrelas à magia, Muita donzela suspirou por êle,
Que minha vida pálida se encerra Muita beleza lhe dormiu nos braços,
No espaço de um só dia! Mas frio como o gênio da descrença.
Após um’hora de gozar maldito.
Mas o vento agitava sem piedade Saciado as deixou, como o conviva
A fronte virgem da cheirosa flor, A mesa do festim, — farto e cansado.
Que pouco a pouco se tingia, triste.
De mórbido palor. E ra mais caprichoso, — mais bizarro
Do que um filho de Albion, mais volúvel
Não vês, 1682 oh brisa? lacerada, — murcha. Que um profundo político; uma tarde
Tão cedo ainda vou pendendo ao chão, Após haver jantado, recordou-se
E em breve tempo esfolharei já morta Que ainda era solteiro; pelo Papa!
— Sem chegar ao verão? — E ’ preciso tentar, disse consigo.

[ 504 ]
NOTU RN AS

Quatro dias depois tinha casado. Não há mais uma voz nestes êrmos,
Escolhera uma noiva descuidoso, Um gorjeio das aves no vai.
Como um brinco chinês — um livro in-fólio, Só a fúria do vento retroa
Ao altar conduziu-a, distraído, Alta noite agitando o ervaçal!
E as juras divinais do casamento
Repetiu bocejando ao sacerdote. Ruge, oh 1690 vento gelado do norte.
Torce as plantas que brotam do chão,
Como tudo na vida, o matrimônio Nunca mais eu terei as venturas
Bem cedo o aborreceu; após três meses Desses tempo de paz que lá vão!
Disse Adeus à mulher que pranteava,
Nunca mais dêsses dias passados
E acendendo um cigarro, a passos lentos
Uma luz surgirá dentre as brumas!
Dirigiu-se ao teatro onde assistiu As montanhas se embuçam nas trevas,
Um drama de Feuillet, — quase dormindo. — .As torrentes se vendam de espumas!

Por fim de contas, uma noite bela, 1687 Corre pois vendava! das tormentas,
Depois de ter ceado entre dous padres. H oje é tua esta morna soidão!
Em casa de morena Cidalisa, Nada tenho, que um céu lutulento
Pegou numa pistola e entre as fumaças E uma cama de espinhos no chão!
De saboroso — Havana — à eternidade
p-oi ver si divertia-se um momento. Ruge, voa, 1691 que importa! sacode
S ão P au lo — 1S61. Em lufadas as crinas da serra.
Alma nua de crença e esperanças
Nada tenho a perder sôbre a terra!

Vem, meu pobre e fiel companheiro,


O FO R A G ID O . Vamos, vamos depressa, 1692 meu cão,
Quero ao longo perder-me das selvas
(C a n ç ã o .) Onde passa rugindo o tufão!
C an tareira — U 61.
Minha casa é deserta; na frente
Brotam plantas bravias do chão,
Nas paredes limosas — o cardo —■
Ergue a fronte silente ao tufão. FRAGM EN TOS.

Minha casa é deserta. O que é feito


Dêsses templos benditos d’outrora,
Quando em tôrno cresciam roseiras, 1688 Por ela me despi dos áureos sonhos
Onde as auras brincavam n’aurora? Que a flor da mocidade abrilhantavam;
Por ela reneguei meu Deus e crenças.
Por ela abandonei meus pátrios lares,
Hoje a tribo das aves errantes E nas fráguas do amor e da saudade
Dos telhados se acampa no vão, Vi minha vida desfazer-se em fumo!
A lagarta percorre as muralhas,
Canta o grilo pousado ao fogão.
Como o perfume que transpira à noite
Da margem da lagoa — a flor mimosa
Das janelas no canto, as aranhas Vai deleitar o viajor que a névoa
Leves tremem nos fios dourados. Desorienta da campina extensa.
As avenças pululam viçosas Vinham amenizar — lembranças dela
Na umidade dos muros gretados. A sombria tristeza de minh’alma!

Tudo é tredo, 1689 meu Deus! o que é feito De plaga em plaga como o hebreu maldito
Dessas eras de paz que lá vão, Refugiei-me em vão, buscando d’alma
Quando junto do fogo eu ouvia Expulsar o pesar que me roía!
As legendas sem fim do serão? Mendiguei um alívio ao céu de Itália;
Aos cantos do barqueiro errei à 1693 noite
No curral esbanjado, entre espinhos. — Nas ondas perfumadas de Sorrento; —
Já não bala ansioso o cordeiro, Adormecí na encosta do Vesúvio,
— Nem desperta-se ao toque do sino — E visitei as lúcidas paragens
Onde Laura e Petrarca suspiraram.
— Nem ao canto do galo ao poleiro. —
Mas era em b ald el... nem o céu brilhante,
Nem o meigo sorriso, — o olhar de fogo
Junto à cruz que se eleva na estrada Da bela Italiana, nem os cantos,
Sêco e triste se embala o chorão, Nem os festins ruidosos de Veneza,
Não há mais o esfumar das acácias, Sanar puderam de meu seio a mágoa,
Nem do crente a — sentida oração. E a dor pungente que ia fundo n’alma!

[ 505 ]
L U ÍS N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A

À loira Grécia dirigi meus passos, — De mim mesmo, um profundo esquecimento.


Adormeci à sombra dessas ruínas Pedi a Deus — um existir de bruto, —
Onde envolto em seu manto de descrença Matéria impura sem pensar nem dores.
Lorde Byron vagou. Abri meu peito Mas nem um gôzo iluminou-me a vida,
As vozes divinais de antigas eras, Nem uma fonte límpida e serena
E no sôpro das brisas que passavam Rebentou — pelo Sáara — de minh’alma!
Ouvi o côro de — milhões de deuses —
Que das balsas floridas levantavam-se Errei nessas paragens encantadas
À minha invocação; de Tempe ao vale Onde à sombra de um bosque de palmeiras
Fui aos ecos pedir ■ —■ os doces cantos — Regatos correm de serenas águas:
Que ali ditosa repetira Safo
Nos braços de Faon; e no entanto Ouvi ave sonora se embalando,
Em vão minh’alma se engolfar buscava À morredoura luz de amenas tardes
No livro do passado, — em vão meus lábios Lançar gorjeios de saudade infinda;
Murmuravam canções de seus poetas! O céu de azul me iluminava a fronte
O pesar me seguia — mudo, ■ — frio — Com torrentes de luz, as flores tôdas
Horrível como um plúmbeo pesadelo! Me incensavam de aromas suavíssimos.
Mas — o riso da flor — o som das brisas —
Deixei a Grécia. As regiões ardentes A criação pejada de perfumes
Onde nuvens de areia o ar percorrem Contando aos astros em linguagem doce
— No sólio do zenite — 1694 o sol nublando, Suas legendas de amôres e sorrisos,
Onde lenta caminha a caravana
Abrasada de sede e de cansaço,
Não podiam siquer matar-me n’alma
— Fugindo o tédio de uma vida eivada,
O negro viso de uma dor sem têrmos!
De deserto em deserto se acampando
Como — Harold ou René — lancei-me triste
Os pastores da Arábia a vida passam;
Cercada a fronte de trevosas nuvens.
Como êles vagabundo, — eivado o seio.
De dor em dor com vagarosos passos
Descansei sob as tendas do deserto Atravesso os desertos da existência!
Matei a sêde de meu peito em fogo
— Nas águas lamacentas das cisternas,
E após deixando os areais sem têrmos
Embrenhei-mc nas selvas seculares
L á onde à sombra de soberbos cedros Cansado de lutar sôbre esta vida.
Dormia a solidão seu sono imenso! Senti um dia esmorecer no crânio
— Mas as canções dos árabes errantes, — A centelha da crença e da esperança.
Os urros do sim oun, — o murmurio Por altas noites, na mansão dos mortos
Da folhagem da selva, — o mundo todo — Quando a terra dormia, mergulhado
Dêsse vasto poema do deserto — Em negro pesadelo, errei sombrio
Falavam-me de dor e de amarguras. Os mistérios da campa interrogando.
Negra saudade me acordavam n’alma! Haverá outra vida?... Após a morte
Irei eu habitar um novo mundo
Onde não sinta os desprazeres dêste?
Vaguei nos mares à tormenta exposto, 1695 Eu filho da matéria e escravo dela
V i diante de meus pés — o oceano e a morte, Serei em breve reduzido a lôdo.
E meu frágil baixei arrebatado Após haver tragado em brônzea taça
— Ora no dorso de espumosas vagas — Tanto fel e absinto?., assim clamava
Ir doudejando topetar nas nuvens, Colando sôbre a terra dos sepulcros
— Ora no abismo se afundar gemendo! — Minha fronte incendida pela febre.
Abrindo as asas negras sôbre os mares Mas lá de longe, — lá do céu quem sabe.
Corria o furacão rugindo em fúrias Vinha uma voz ungida de saudades,
Como o anjo da m orte! No infinito A harmonia da fé lançar-me n’alma,
— A orquestra da tormenta — ribombava E a flor das esperanças — moribunda —
H orrível e sublime! O céu rugia. Alimentar com tímidas promessas !
As serpentes de fogo se enroscavam Era ela! ela sempre! à noite, — ao dia
No espaço abraseado, — as ardentias No sono — ou na vigília!... amiga sombra.
Referviam no abismo escancarado Incessante visão da felicidade.
Como os lumes que em breve me esperavam Presente sempre a meus cansados olhos
Na tumba imensa de revoltas águas! Na penosa jornada dêste mundo!
E enquanto os mastros a estalar caíam
Ao roçar da tormenta, enquanto os nautas
Prostrados no convés — a Deus clamavam Anjo de meu amor! — filha de Deus!
Ante a agonia — a tempestade — e a morte. Porque me inflinges o cruel suplício
Pedindo às 1696 vagas, olvidando tudo, De ver-te sempre, — de abraçar-te nunca!
O nome dela eu murmurava em prantos.
Ligeiras nebulosas que habitais
Dos abismos à flor, como Manfredo, Sôbre os mares de éter, — róseas nuvens,
Os gênios invoquei — vertiginoso — Fúlgida estréia que à manhã nascendo,
P ’ra que lançassem de minh’alma aos êrmos Desperta o viandante nas estradas,

[ 506 ]
NOTURNAS

Astros gigantes, — espantosos mundos De eivado seio no profundo abismo.


Que girais no infinito!-----oh em vós todos Paixões repousam num sudário eterno;
Eu parecia vê-la! — ora divina Não há canto nem flor, — não há perfumes,
Num oceano de névoas flutuando, A mulher sem amor é como o inverno.
— Ora adejando na região das luzes, —
Ora no espaço que a razão apenas Su’alma é um alaúde desmontado
Só pode co n ce b e r!... em meu caminho Onde embalde o cantor procura um hino;
Ela se erguia sempre; nos meus sonhos — Flor sem aromas, — sensitiva morta, —
Ela passava pensativa, — meiga — Batei nas ondas a vagar sem tino.
Como um gênio de Óssian; nos meus versos
Seu doce nome ressoava sempre!
Debalde procurei riscar da mente Mas se um raio do sol tremendo deixa 1699
Essa imagem divina, — parecia Do céu nublado a condensada treva,
Que o destino a ligava à minha vida! A mulher amorosa é mais que um anjo,
— É um sôpro de Deus que tudo eleva!
Tódas as taças de um viver sem gôzo
Traguei descrido. De minh’alma as flores Como o árabe ardente e sequioso
No lôdo mergulhei, e inda tão cedo Que a tenda deixa pela noite escura,
Me perdi em profundos desvarios! E vai no seio de orvalhado lírio
Fui no recinto em que circula o vício, Lamber a mêdo a divinal frescura:
Ao clarão da candeia fumarenta.
Pender à 1697 negra mesa — empalecido — O poeta a venera no silêncio.
Gastando as noites no fervor do jôgo! Bebe o pranto celeste que ela chora.
Tonto de vinho, — desvairado em febre, — Ouve-lhe os cantos, — lhe perfuma a vida,. . . .
Elevei minha taça transbordando — A mulher amorosa é como a aurora!
Entre blasfêmias e obscenos cantos! S ã o P aulo — 1861.
E nos gritos da orgia, — e no delírio —
Uma voz sonorosa me acordava
Do longo pesadelo de minh’alma,
— E eu soluçava me lembrando dela!
SÔBRE UM TÚM ULO.
Coberto de tristeza e de saudades,
Quebrei a ausência, atravessei os mares. Torce-te aí na sepultura fria
Vim a vida buscar ante seus olhos. Onde passa rugindo o furacão.
Após tão longo exílio, ardendo em gôzo, Seja-te o orvalho das manhãs negado.
O coração pulsando de alegria. Soe em teu leito a voz da maldição!
Aos lares dela dirigi meus passos. Teu castigo será gemer debalde
Mas silê n cio !... um véu negro, impenetrável. Buscando o sono que o sudário deixa.
Cubra êsse quadro que meus olhos viram; Ouvir nas trevas de uma noite horrenda
Durma na sombra de um olvido eterno De errantes larvas a funérea queixa!
Esse mistério fúnebre, banhado Pese-te a terra qual um fardo imenso.
De lágrimas de sangue! E tu, 1698 minh’alma, Infecta podridão cubra teus olhos.
E tu, pobre infeliz, manchada — fria — Seque o salgueiro que sombreia a lousa
Abafa no teu seio essas lembranças, E em seu lugar estendam-se os abrolhos!
Nem um sonho siquer dêsse passado Roam-te o ódio, — a maldição, — o olvido,
Venha turbar teu pesadelo imenso! E quando as turbas levantar-se um dia,
R io Claro — 1861. — Aparências de Deus, — para afundar-se
No seio d’Êle, ardentes de alegria.
Surdo sejas aos ecos da trombeta
Em teu leito de pedra enregelada;
Findem-se os mundos, e a existência tua
A M ULHER. Fria se apague na soidão do nada!
S ã o P au lo — 1861
(A C ......... )

A mulher sem amor é como o inverno,


Como a luz das antélias no deserto, T R IST E Z A .
Como o espinheiro de isoladas fragas,
Como das ondas o caminho incerto.
Minh’alma é como o deserto
A mulher sem amor é — Mancenilha — De dúbia areia coberto.
Batido pelo tufão;
Das êrmas plagas sôbre o chão crescida. É como a rocha isolada
Basta-lhe à sombra repousar um’hora, Pelas espumas banhada,
Que seu veneno nos corrompe a vida. — Dos mares na solidão. —

[ 507 ]
L U ÍS K IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A

Nem uma luz de esperança, A ENCHENTE.


Nem um sôpro de bonança
Na fronte sinto passar! E ra alta noite. Caudaloso e tredo
Os invernos me despiram,
E as ilusões que fugiram Entre barrancos espumava o rio,
Nunca mais hão de voltar! Densos negrumes pelo céu rolavam,
Rugia o vento no palmar sombrio.
Roem-me atrozes idéias, Triste, batido pelas águas tôrvas
A febre me queima as veias, Girava o barco na caudal corrente.
A vertigem me to r tu r a !... Lutava o remador — e ao lado dêle
O h! por Deus! quero dormir.
Deixem-me os braços abrir Uma virgem dizia tristem ente:
Ao sono da sepultura!
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Despem-se as matas frondosas.
Caem as flores mimosas
Da morte na palidez:
Tudo, tudo vai passando,
Mas eu pergunto chorando
— Quando virá minha vez? E são jovens, bem jovens! na cabana
Dormiam calmos sem pensar na sorte; 1701
Vem, oh virgem descorada, 1700 A enchente veio, e no agitar infrene
Com a fronte pálida ornada De um sono meigo os conduziu à morte!
De cipreste funerário. A f’licidade é um sonho n ebu loso ,...
Vem ! oh quero nos meus braços A vida neste mundo é sempre assim,
Cerrar-te em meigos abraços
Sôbre o leito mortuário! Do gôzo em meio a veladora eterna
Nos arranca da mesa do festim!
Vem oh m orte! a turba imunda. Como ao rijo soprar das ventanias
Em sua miséria profunda,
T e odeia, te calunia, Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
— Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No têrmo da romaria.
— Rema, rema V02 barqueiro; olha, — lá em baixo
Quero morrer, que este mundo
Com seu sarcasmo profundo À luz vermelha do fuzil que passa,
Manchou-me de lôdo e fel; Não vês o vulto de um rochedo escuro
Porque meu seio gastou-se, Que a correnteza estrepitando abraça?
Meu talento evaporou-se — Oh se o vejo, D03 senhora; eu bem o vejo!
Dos martírios ao tropel!
Diz o barqueiro com sinistra voz;
Quero m orrer: não é crime Pedi à Virgem que os perigos vela
O fardo que me comprime Que tenha ao menos compaixão de nós!
Dos ombros lançar ao chão,
Do pó desprender-me rindo Como ao rijo soprar das ventanias
E as asas brancas abrindo Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Lançar-m e pela amplidão!

Oh! quantas loiras crianças


Coroadas de esperanças
Descem da campa à f r ie z !... Eis dentre as vagas de caligem densa
Os vivos vão repousando Vem macilenta se mostrando a lua,
Mas eu pergunto chorando: Como à luz dela a natureza é morta,
— Quando virá minha vez? — Como a planície é devastada e nua!
Perto, tão perto se levanta a margem
M inh’alma é triste, pendida,
Como a palmeira batida Onde fagueira a salvação sorri,
Pela fúria do tufão; E nós rolamos, e rolamos sempre
É como a praia que alveja; E não podemos aportar ali!
Como a planta que viceja
Nos muros de uma prisão! Como ao rijo soprar das ventanias
S ã o P au lo 1S61. Os mortos bóiam sôbre as águas frias!

[ 508 ]
KOTURNAS

Duro, insofrido o vendaval soergue À ESTÁTU A EQUESTRE.


Da onda a face em convulsão febril;
— Barqueiro, 1704 alento! e chegando em terra. Ergue-te ousado sôbre o chão da praça, 1706
Hei de cobrir-te de riquezas mil. Homem de bronze, — imagem de monarca,
Simulacro fatal!
Porém no dorso do dragão das águas
Pisa inda as turbas humilhadas, como
Lutava o barco — mas lutava em vão, As duras patas do corcel que montas 1707
E a pobre moça desvairada em prantos O chão do pedestal.
Pedia à Virgem que lhe desse a mão!
Cansadas nunca de opressores ferros.
Como ao rijo soprar das ventanias Livres de um jugo, — de outro jugo escravas, 1708
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! As massas enervadas
Do pó resgatam seus tiranos mortos,
E à luz do sol inundam de louvores.
Por terra debruçadas!
— Ouve, 1705 barqueiro, que rugido é êsse
Profundo e surdo que lá em baixo soa? Raça de Ilotas, que fizestes pois
Da férvida centelha que no seio
Parece o ronco de um trovão medonho
Vos pôs a Divindade?
Que dos abismos pelo seio ecoa! Porque reledes o passado escuro,
— O h!, ’stou p erd id o!... abandonando os remos Quando deveras derribar os tronos
Clama o infeliz a delirar de mêdo. Cantando a liberdade?
Oh é a morte que nos chama, horrível,
No fundo escuro de feral rochedo! Vota-se à treva o busto dos Andradas,
Some-se a glória de ferventes mártires
Como ao rijo soprar das ventanias Na lama do ervaçal!
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! Mas fria a estátua pisa a turba, como
As duras patas do corcel de bronze
O chão do pedestal!

Oh terra do Brasil; — diamante vivido


Ia o batei. Ao sorvedouro imenso
Da coroa soberba de Colombo,
Era impossível se esquivar então. — Bela estréia do sul, —
Dentro sentado — o remador chorava, Porque tão cedo declinais a fronte
E a donzela dizia uma oração. E a fímbria do vestido enegreceis
Já diante dêles entre véus de espuma No limo do paul?
Treda — a voragem com furor rugia,
E uma coluna de ligeiro fumo Porque tão cedo enregelais o seio
Do centro escuro para o céu subia. Nessas frias geadas que predizem
A morte das nações,
Como ao rijo soprar das ventanias E os pulsos presos, e a vontade escrava,
Do mártir a memória e a voz dos bardos
Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Cobris de maldições?

Erguei-vos dêsse lívido marasmo.


Afrontai o negrume das tormentas,
Súbito o barco volteou rangendo. O horror da tirania!
Tremeu em ânsia — se estorceu, recuou, — Se agora em bronze eternizais — senhores.
Deu a virgem um grito — outro o barqueiro Gravai nos bronzes o brasão dos livres.
E o lenho na voragem se afundou! Saudai um novo dial
Tudo findou-se. O vendaval sibila
Correndo infrene na planície nua, Embora o mundo me proclame louco.
Embora à fronte com furor me gravem
O rio espuma e nas revôltas ondas
Estigma infernal!
Descem dois corpos ao clarão da lua. Não posso calmo ver pisar-se as turbas,
Como o corcel de levantada estátua
Como ao rijo soprar das ventanias O chão do pedestal!
Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
S . P aulo — Outubro 1861.
S etem bro - 1S61.

[ 509 ]
L U Í S N I C O L A U F A G U N D E S A ^A EE LA

O ESTANDARTE A U R I V E R D E 1^09

C A N T O S SÔBRE A Q U E STÃ O A N G L O -B R A SIL E IR A

o Estandarte Auri-Vercle/ Cantos/ sobre/ a questão anglo-brazileira/ por/ L. N. Fagundes Varella./


JRAM/ S. Paulo/ Typ. Imparcial, de J. R. de A. Marques,/ 49-Rua do Rosario-49/ 1863./

AOS B R A SIL E IR O S.

Creio que Deus é Deus e os homens livres!

A QUEM LER.

Não há coração Brasileiro que não transborde de ódio e indignação, à leitura das exigências insul­
tantes e continuadas do governo Inglês, para com esta bela terra da Am érica!
Desde suas piratarias e saques nos mares territoriais, até o bill Aberdeen que a reduziu à posição
de uma máquina passiva, — a insolente Bretanha nada poupou para calcar aos pés esta plaga bendita,
que, se tivesse um pouco mais de audácia e cobiça, ocuparia um dos primeiros lugares entre as potências
do globo.
A infância passa depressa. — A despeito de número, — Deus colocou no peito de cada Brasileiro
um coração que bate por cem!
A terra de Cabral aviventou-se num sagrado repouso como o leão à sombra das cavernas, —
como o condor na grimpa das cordilheiras!
Cresceram-lhe hoje as penas e as garras, — hoje ela se levanta soberba, — ai! dêsse que se
atrever a 1710 provocá-la.
Um a das mais tristes temeridades da Inglaterra, — a última, pensamos nós — e que fêz conhecer
que a plaga de Santa Cruz não é mais a criança frágil e medrosa que dorme à sombra de seu palmeirais,
— entre as vivas demonstrações de patriotismo, — os eloqüentes discursos, — as poesias coraenioradoras
da dignidade de nosso país; — deu lugar a êste ramalhete inodoro de cantos que damos ao público.
E scritos ao correr da pena, — segundo a leitura dos acontecimentos do dia; — bebidos na exal­
tação geral, — na indignação de nosso coração de Brasileiro, — embora saibamos que seu mérito é pouco
e seu sucesso nenhum, contudo arrojam o-los tranqüilo à luz da publicidade, — restando-nos a consola­
ção de que, se Deus não nos outorgou a divina centelha do gênio, ao ménos gravou-nos no peito uma
cega dedicação à justiça — e um amor sem limites à terra que nos viu nascer.
S. Paulo — janeiro de 1863.
O A utor.

AO B R A S IL A Rússia fria, — Mastodonte eterno


Cuja cabeça sôbre os gelos dorme,
Bela estréia de luz, — diamante fúlgido E os pés ardem nas fráguas,
Da coroa de Deus, — pérola fina A Bretanha insolente que expelida
Dos mares do ocidente.
Oh! como altiva sôbre nuvens de oiro De seus planos estéreis, se arremessa
A fronte elevas afogando em chamas Mordendo-se nas águas.
O velho continente!
A Espanha túrbida, — a Germânia em brumas,
A Itália meiga que ressona lânguida A Grécia desolada, — a Holanda exposta
Nos coxins de veludo adormecida Das ondas ao furor,
Como a escrava indolente, Uma inveja teu céu, — outra teu gênio,
A França altiva que sacode as vestes
Entre o brilho das armas e as legendas Esta a riqueza, — a robustez aquela,
De um passado fulgente. E tôdas o valor!

[510]
o E S T A N D A R T E A U R IV E R D E

Oh! terra de meu berço, — oh pátria amada, Em rios de ouro teu país ingrato!
Ergue a fronte gentil ungida em glórias Procuraste lançar um véu de sombras
De uma grande nação! Sôbre essa terra que fascina o globo
Quando sofre o Brasil, os Brasileiros .Ao clarão dos diamantes, e piedosa
Lavam as manchas ou debaixo morrem Teus irmãos agasalha junto ao peito!
Do santo p av ilh ão!...
Basta de h um ilhações!... dize a teus amos
Que a terra de Cabral está cansada
De ultrajes suportar! — Que a 1718 seus clamores
AO POVO No seio das florestas ressuscita
Um mundo de guerreiros que não teme
Não o u v is?... Além dos mares O troar dos canhões, — que um povo ardente
Braveja ousado Bretão! Se levanta inspirado à voz dos bardos
Vingai a pátria ou valentes Do pendão auriverde à sombra amiga!
Da pátria tombai no chão!
Erguei-vos, 1^12 povo de bravos. Quereis ouro e riq u eza?... Ah! nós vos damos,
Erguei-vos, Brasílio D13 povo, E ’ em nome da Irlanda miserável
Não consintais que piratas Que sucumbe de fome! — E ’ por piedade
Na face cuspam de novo! Dos filhos do Levante que se estorcem
O que vos falta? Guerreiros? Entre sangue e veneno! — E ’ pelos tristes
Oh! que êles não faltam, não. Que soluçam nos ferros, — pelos gênios
Aos prantos de nossa terra Que morrem na miséria e no abandono.
Guerreiros brotam do chão! Pela virtude sem defesa e am p a ro !...
Mostrai que as frontes sublimes
Os anjos cercam de luz, Vai, — teu país é poderoso e ousado.
E não há povo que vença Teus vasos cobrem a amplidão dos mares.
O povo de Santa Cruz! Teus soldados são célebres e fortes, 1719
Sofrestes ontem, — criança Teus canhões são medonhos, — ferem certo.
Contra a força o que fa z e r? ... A nós isto que importa? — se atrevidos
Se nada podeis, — agora A nossas praias aportarem, loucos.
Podeis ao menos m orrer!. Cada província é um povo de guerreiros.
Oh! morrei! — a morte e bela Cada guerreiro um destemido Anteu!
Quando junto ao pavilhão
Se morre pisando escravos
Que insultam brava nação!
Quando nos templos da fama A D. PEDRO II
Nas áureas folhas da história.
Gravado revive o nome Tu és a estrela mais fulgente e bela
Por entre os hinos da glória! Que o solo aclara da Colúmbia terra,
Quando a turba que se agita A urna santa que de um povo inteiro
Saúda a campa adorada, Arcanos fundos no sacrário encerra!
— Foi um herói que esvaiu-se
Nos braços da pátria amada! Tu és nos ermos a coluna ardente
Que os passos guia de uma tribo errante,
E ao longe mostras através das névoas
A plaga santa que sorri d ista n te !...
A W IL L IA M C H R IST IE
Tu és o gênio benfazejo e grato
Diplomata insolente! — ave maldita Poupando as vidas no calor das fráguas,
Entre as brumas do norte aviventada E à voz das turbas, — do rochedo em chamas
A 1715 quem a pátria recusou bafejos Desprende um jôrro de benditas águas!
E o sol um raio que aquecesse o rosto!
Dize, 1716 filho da sombra, — onde aprendeste Tu és o nauta que através dos mares
A voar como as á g u ia s?... Em que terras O lenho imenso do porvir conduz,
Te cresceram as penas borrifadas E ao pôrto chega sossegado e calmo
Nas lagoas impuras da Bretanha? De um astro santo acompanhando a luz!
Que céu dourado, — que estações benditas, Oh! não consintas que teu povo siga
Que meigas flores, — que harmonias santas Louco, — sem rumo, desonroso trilho!
Alentaram-te o cérebro? — Que sonhos Se és grande, — ingente, se dominas tudo, 1720
Te passaram na mente? — Que riquezas, Também das terras do Brasil és filho!
O teu berço natal mostrou-te aos olhos?
Que doce inspiração roçou-te n’alma Abre-lhe os olhos, — o caminho ensina
E deu-te crenças, te cobriu de orgulho, 1717 Aonde a glória em seu altar sorri.
Do santo orgulho que revela o mérito? Dize que vive e viverá tranqüilo.
Dize que morra e morrerá por ti!
Pisaste uma nação, — nação tão grande
Que a loucura perdoa-te! — Cuspiste
Na face dessa que afogara em vagas.

[5 1 1 ]
I.UfS KICOLAU FAGUNDES V A R E L A

HINO Eia! — Caminha, o Partenon da glória


Te guarda o louro que premia os bravos!
Soldados valentes, — soldados briosos, 1 ^ 2 1 Voa ao combate repetindo a lenda,
Soldados da terra bendita da Cruz, — Morrer mil vêzes que viver escravos!
Às arm as! erguei-vos, a aurora desponta
Vertendo nos prados torrentes de luz!

A guerra não tarda! — já brilham nos campos


Espadas lustrosas do sol ao fulgor. CANTO DO SERTANEJO
Misturam-se os brados ao som das cornetas
E ao rufo ruidoso de rouco tambor! Salve, oh florestas sombrias,
Salve, oh broncas penedias, 1729
Não vêdes? — ao longe na praia sem têrmos Onde as rijas ventanias
Os lenhos aportam de horrendo pirata! Murmuram fera canção,
As a r m a s !... às arm as! torrentes de sangue Nas sombras dêste deserto
Misturem-se às 1722 ondas raivosas do Prata! Do norte ao rude concerto.
Sentado de Deus tão perto, 1730
O dia é dos grandes, — o dia é dos bravos Quem é que teme o Bretão?
Que a pátria defendem ou tombam no chão!
Lavai as campinas da pátria querida
Das fundas pisadas de ousado Bretão! Cobre-se a selva de flores.
Brincam voláteis cantores
Quem há que vos vença? quem há que atrevido Bebendo os langues odores
Vos roube a bandeira que ardente reluz, Que passam na viração,
Soldados valentes, soldados briosos, 1723 Rugem cavernas frementes.
Soldados da terra bendita da cruz! Silvam medonhas serpentes.
Bradam raivosas torrentes, 1731
Avante, 1724 guerreiros! o gênio das lutas Quem é que teme o Bretão?
Seus cantos tremendos nos ares espalha,
Resvalam as balas, — relincham cavalos, A h! correi filhos das matas,
Retumbam, — ribombam bombarda e metralha! Através das cataratas.
Entre suaves cantatas
O dia é dos grandes, o dia é dos bravos, Ao gênio da solidão.
Que a pátria defendem ou morrem no c h ã o !... Cuspi nos dias escassos.
Soldados briosos, — soldados valentes, 172S Rompei os imigos laços. 1732
Lavai as ofensas de ousado Bretão! Não tendes dous fortes braços, 1733
Quem é que teme o Bretão?

A S. PAULO Loucos! nas fundas clareiras.


Aos urros das cachoeiras
T erra da liberdade! Nas brenhas das cordilheiras.
Pátria de heróis e berço de guerreiros, Feia morte encontrarão!
Tu és o louro mais brilhante e puro, Quem tem do êrmo as grandezas, 1734
O mais belo florão dos Brasileiros! As serras por fortalezas
Não teme as loucas bravezas
Foi no teu solo, em borbotões de sangue
Do temerário Bretão!
Que a fronte ergueram destemidos bravos.
Gritando altivos ao quebrar dos ferros,
Antes a morte que um viver de escravos! Daqui decide-se a sorte.
Daqui troveja-se a morte, 1735
Foi nos teus campos de mimosas flores, Daqui se extingue a coorte
À voz das aves, ao soprar do norte, Que insulta, a brava n a ç ã o !...
Que um rei potente às multidões curvadas Gritos das selvas, — dos montes,
Bradou soberbo — Independência ou m orte! Dos matagais e das fontes
Foi de teu seio que surgiu, sublime. Retumbam nos horizontes. 1736
Trindade eterna de heroísmo e glória. Quem é que teme o Bretão?
Cujas estátuas, — cada vez mais belas
Dormem nos templos da Brasília 1726 história! Salve, oh florestas sombrias.
Salve, oh broncas penedias, 1737
Eu te saúdo, 1727 oh! m ajestosa plaga. Onde as rijas ventanias
Filha dileta, — estréia da nação, Perpassam varrendo o chão.
Que^ em brios santos carregaste os cílios Neste profundo deserto
A 1728 voz cruenta de feroz Bretão!
De negros antros coberto.
Pejaste os ares de sagrados cantos. Sentado de Deus tão perto, 1738
Ergueste os braços e sorriste à guerra. Quem é que teme o Bretão?
Mostrando ousada ao murmurar das turbas.
Bandeira imensa da Cabrália terra!

[512]
A'OZES DA AMÉRICA

CANÇÃO Que além caminha.


Cravando os olhos
Nunca viste à madrugada, Na linfa pura
De níveo manto através, Que se despenha
Uma linfa branca e pura Da selva escura.
Saltando da serra escura
Qual um cabrito montês? — Nunca viste-a?.. Não importa,
Deixa os tristonhos palmares. . . .
Em tôrno, tudo Vês agora êsse gigante
São negras penhas. Que se espreguiça arrogante
Névoas ligeiras, 1739 No leito imenso dos mares?
Grutas e brenhas.
E o sol despeja. Em tôrno, tudo
Rasgando as brumas, 1740 São vozes, cantos.
Torrentes de oiro Virgens florestas
No véu de espumas! De eternos mantos.
Plagas, — savanas.
Eis uma garça alvejante Montes sombrios.
Que abandona as cordilheiras, Curvam-se humildes
E vai molhada de orvalhos Ao rei dos rios!
Perder-se nos moles galhos
De uma selva de palmeiras! Salve! Amazonas soberbo!
Salve! das águas Titão!
Assim murmura Teu povo brada arrogante:
De manhãzinha — Quem vive ao pé de um gigante
O viajante Não tem receio ao Bretão!.

VOZES DA A M É R I C A 1^41

O autor dêste insignificante volume conhece bastante o triste papel e a nenhuma importância
do homem que se dedica ao culto das musas, principalmente na terra de Santa Cruz, para almejar a coroa
de poeta.

Contudo, sendo ainda moço, e tendo materialmente algumas de suas impressões, debaixo da for­
ma escrita, às instâncias continuadas de amigos, assentou de publicá-las, não tomando entretanto nenhu­
ma responsabilidade sôbre si.

Qual é o estadista, o homem de negócios que não se sentiu alguma vez na vida poeta, que os
ouvidos de uma pálida Madalena ou Julieta, esquecendo-se dos algarismos e da estatística, não se lembrou
que haviam brisas e passarinhos, ilusões e devaneios?

O haver produzido alguns cantos dissonantes, não proíbe ninguém de dedicar-se a estudos mais
sérios, e ocupar-se de cousas mais úteis.

A bem poucos agradarão as produções que hoje aparecem. Os literatos divididos entre a des­
crença de Alvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, a escola de morrer moço, e os tacapes e borés do
sr. Gonçalves Dias, sentir-se-ão enojados dêste versejar incorreto, e destas composições sem sabor. A
critica nada tem que fazer com elas, não merece sua atenção.

O autor, lançando de parte tôda a modéstia, porque a modéstia, neste ponto seria a hipocrisia do
orgulho, está intimamente convencido da nulidade de seus escritos, e nada espera como nada deseja; —
decepção ou sucesso, ser-lhe-á tudo a mesma cousa.

— Então porque os lança à publicidade? — perguntar-lhe-ão.

[513]
L U ÍS ÍSUCOLAU FAGUNDES V A R E L A

Por duas razões, a primeira já foi apontada, — instâncias e pedidos de amigos; a segunda é por­
que, publicadas, ou extraviadas ao correr da vassoura pela sala, vem a dar no mesmo resultado.

À medida que os anos vão se adiantando, c a areia corre mais apressada na ampulheta do tempo,
o homem semelhante a êsses saltimbancos que ao correr do cavalo principiam a despir-se, a despir-se
que parece nunca chegarem ao fim, vai também se desfazendo de muitas quimeras, e atirando por terra
êsses vestuários incômodos que tolhem-lhe os movimentos.

É preciso então ocupar-se de cousas mais sérias; menos que não queira passar por um ente fútil,
um songe-creux — como dizem os franceses; abandonar a lira, instrumento fabuloso que apenas diz bem
a um Apoio pagão, ou ao lado de uma estátua de Orfeu.

O mundo não caminha por cantigas, disse um escritor; todos aqueles que se entusiasmam pelas
musas no Brasil, devem lembrar-se que o inverno há de chegar, c prevenirem que não lhes suceda o
mesmo que à 1743 cigarra de Lafontaine.

Tendes razão de abandonar a poesia — disse alguém ao autor — os poetas são sempre des­
graçados.

M ajestosa sentença! P or que razão o homem que escreve versos padece e o usurário não?

Haverá alguma lei fatal, inexorável, algum destino cego que pese sôbre a cabeça dos descendentes
de Homero e Virgílio?

O poeta sofre, porque o poeta perdido nas névoas de um mundo fantástico desconhece as leis da
humanidade; e em vez de contentar-se com o sossego da família, a calma da mediocridade, a paz do cora­
ção, verdadeiras e únicas felicidades na terra, sonha uma vida a seu modo, e não podendo realizá-las mal-
diz-se e se consome.

O poeta sofre porque o seu elemento é a ociosidade, c por ela sacrifica todos os seus deveres c
necessidades.

O poeta sofre (eis o lugar-comum de suas lam entações) porque as turbas não o compreendem, e
cospem o sarcasmo e as ironias às mais fundas agonias de su’alma.

Ah! graciosa acusação! Querem que os honestos pais de fam ília; os homens incumbidos de di­
rigir o Estado e felicitar o país; os comerciantes e laA^radores; o mercenário ocupado em ganhar o seu pão
quotidiano, abandonem os seus trabalhos, deixem seus filhos com fome para aplaudir-lhes as loucuras e
tecer-lhes coroas de ouro!

Não querem (os poetas) que se riam quando o povo dizendo nossas searas são arrasadas,
nossos filhos precisam de instrução, êles respondem

Mimoso passarinho que vagueias,


ou
Minha bela eu tc a m o ...
E outras iguais?

Dizem que a humanidade começou pela poesia, e que pela poesia começam todos os povos; é falso.
A poesia deve ser a última palavra do desenvolvimento e civilização de uma nacionalidade. A poesia é o
luxo, e o luxo é o mais vivo sinal de próxima decadência de tudo.

Escrevendo estas linhas, e dando à publicidade êste volume, o autor pede e espera que as musas
lhe favorecerão com a ausência de sua divina inspiração, e o deixem viver tranquilo e sossegado como
(lualquer vendilhão retirado do comércio, desenvolvendo-lhes êle como indenização qualquer nome ou re­
putação, ganhos nos colégios ou reuniões acadêmicas.

S. Paulo. — Outubro de 1861.

L. N. Fagundes Varela.

[ 511 ]
VOZES DA AMÉRICA

MAURO, O ESCRAVO Roberto curvou-se. O pai se afastando


Sentou-se, e, os sobrolhos fatais carregando.
(F ragmentos de um P oema) Em cisma profunda perdeu-se outra vez.

A Sentença VIII

Momentos passados, um surdo ruído


I Ergueu-se da escada, por entre o tinido
De férreas cadeias batendo no chão,
Na sala espaçosa, cercado de escravos E os servos de volta, trazendo o culpado
Nascidos nas selvas, robustos e bravos, Tristonho, olhos baixos, o dorso arqueado,
Mas presos agora de infindo terror; No centro pararam do antigo salão.
Lotário pensava, Lotário o potente,
Lotário o opulento, soberbo e valente.
De um povo de humildes tirano e senhor. I X

Silêncio profundo! nem um movimento


I I Se via no grupo, que trêmulo e atento 1747
A voz esperava que alçasse o senhor;
Nas rugas da fronte fatídica e rude Lotário media severo o cativo,
Não tinham-lhe as rosas de longa virtude E as faces do filho tirânico e altivo
Do tempo os vestígios lavado em perfumes; Cobriam-se aos poucos de vivo rubor.
Mas ah! fria nuvem de horror as cobria.
Nublava-lhe o rosto, mais negros fazia X
Dos olhos ardentes cs férvidos lumes.
— Escravo, aproxima-te. Ao mando potente.
I I I Moveu-se o inditoso brandindo a corrente,
E erguendo a cabeça fitou seu juiz;
No inverno da vida, dos tempos passados Que traços distintos! que nobre composto!
Ninguém lhe sabia. Boatos ousados Que lume inspirado saltava do rosto,
Erguiam-se às 1744 vêzes; mas ah! que diziam? Dos olhos doridos do escravo infeliz!
Lotário era grande; seus bosques passavam
Das serras além; seus campos brotavam X I
Riquezas imensas, que a tudo cobriam.
Oh! Mauro era belo! Da raça africana
IV Herdara a coragem sem par, sôbre-humana,
Que aos sopros do gênio se torna um volcão.
Depois, é tão fácil na sombra noturna Apenas das faces um leve crestado,
O inseto esmagar-se, de voz importuna, Um fino cabelo, contudo anelado.
Que o ouvido nos enche de tédio e de nojo! Traíam do sangue longínqua fusão.
Um g e sto .. . uma esp era.. . na estrada uma cruz.
Só sabem-no as selvas, os fossos sem luz X I I
E as serpes que a plaga percorrem de rôjo.
Trinta anos contava; trinta anos de dores
V Do estio da vida secaram-lhe as flores
Que a aurora banhara de orvalhos e luz.
Na sala espaçosa Lotário pensava. Deixando-lhe apenas um ódio sem têrmos,
Roberto seu filho de um lado esperava E d’alma indomável, nos cálidos êrmos,
Tremente, ansioso, que o pai lhe falasse. A chama vivace que a força traduz.
A turba de servos imóveis, silentes.
Os braços cruzados, as frontes pendentes, XIII
A voz aguardava que as ordens ditasse.
Mas isto que importa? dos mares no fundo,
V I No lôdo viscoso do pântano imundo,
Tem brilhos o ouro, cintila o diamante?
— Conduzam-me o escravo! — Lotário bradou; E a testa cingida de etéreo laurel
O bando de humildes a sala deixou Tem vida se o mundo nodoa-a de fel
As torvas palavras do tôrvo senhor. E curva aos martírios de um jugo aviltante?
Lotário sombrio voltou-se a 1745 seu filho.
De quem, dos olhares, corria, no brilho, X I V
A chama sinistra de um gênio traidor.
— Conheces teu crime? — gritou o senhor. —
V I I — Não! — Mauro responde com frio amargor,
O tigre encarando que em raiva o media.
— Sossega, Roberto; — lhe disse — é forçoso — Pois que, desgraçado! — fremente exclamou,
Que eu puna o africano feroz, revoltoso, E erguendo-se rubro, Lotário avançou
Que ousou levantar-se da lama a 1746 teus pés. Ao servo impassível que ao raio sorria.

[515]
L U ÍS ÍÍÍCOI.AU FAGUNDES V A R E L A

XV X XII

— Pois que, desgraçado! tu zombas de mim! — Não creias que eu tema! não creias que escravoi^'*^
E ousado, insolente contemplas-me assim! Suplícios me curvem, ai! não, que sou bravo!
A mão levantando I.otário bramiu. Porque me condenas? que culpa me oprime.
Mas frio, tranquilo, sereno o semblante. Senão ter vedado que um monstro cruento.
Sem dar nem um passo, mover-se um instante, De fogos impuros, lascivos, sedento.
O escravo arrogante de novo sorriu. Lançasse a inocência nas lamas do crime?

X V I XXIII

Conteve-se o bárbaro. — M ísero cão! Oh! sim, sim, teu filho, 1750 no lúbrico afã.
Humilha-te, abaixa-te, é tempo, senão Tentou à 17S1 desonra levar minha irmã!
Com férreos açoutes arranco-te a vida! Ai! ela não tinha que um mísero ir m ã o !...
— Conheces teu crime? Ergui-me em defesa, teus ferros esmagam.
— Ignoro, senhor; Humilham, rebaixam, porém não apagam
Minh’alma é tranqüila, só tenho uma dor, Virtudes e crenças, dever e afeição!
E essa é de funda, secreta ferida.
X XIV
X V I I
Fiz bem! Deus me julga! Tu sabes meu crime,
— T u ’alma é tranqüila! Tu nada fizeste? O fero delito que a fronte me oprime.
Tu contra meu filho brutal não te ergueste, As faltas nefandas, os negros horrores;
Nem duros insultos lançaste-lhe às faces? Agora prossegue, prossegue, estou mudo.
— Não nego, é verdade. Condena-me agora que sabes de tudo,
— Confessas? Abafa-me ao peso de estólidas dores!
— Confesso!
E o escravo agitou-se, do ódio no excesso.
Lançando dos olhos centelhas fugaces. XXV

E Mauro calou-se. Mais frio que a morte.


X VIII Mais trêmulo que os juncos ao sôpro do norte,
À viva ironia Lotário abalou-se.
Lotário tremeu. Nas luzes febrentas — A fa ste m -n o !... Afastem-no! ergueu-se rugindo,
Daquelas faíscas, passaram sedentas D48 E a turba dos servos, 1752 o escravo impelindo,
As fúrias medonhas de eterna vingança. Em poucos instantes da sala afastou-se.
Calou-se um momento, sombrio, engolfado
Num pego de idéias, talvez despertado
Ao súbito choque de viva lembrança. X XV I

X I X A h! mísero Mauro! passados momentos.


Terrível sentença 1753 dos lábios sedentos
Mas logo de novo raivoso, incendido, Baixou o tirano, que em fúrias ardia:
Voltou-se ao cativo: — Cativo atrevido, — Amarrem-no, e aos golpes de rábido açoite,
Porque ultrajaste teu amo e senhor? Lacerem -lhe as carnes de dia e de noite,
— Porque? — disse M auro; porque? vou dizer; Até que lhe chegue final agonia.
Porque? eu repito que assim é m ister:
Teu filho é um cobarde, teu filho é um traidor!
XXVII

X X Mas quando a alvorada no espaço raiava,


E os bosques, e os campos, risonha inundava
— S eg u re m -n o !... branco, de cólera arfando, Das longas delícias do etéreo clarão,
Rugiu o tirano, convulso, apontando O escravo rebelde debalde buscaram.
O escravo rebelde que os ferros brandia. Cadeias rompidas sòniente encontraram,
— Segurem-no! e aos golpes de rábido açoite, E a porta arrombada da dura prisão.
Lacerem-lhe as carnes de dia e de noite,
Até que lhe chegue final agonia!
O S uplício
X X I
I
O bando de servos lançou-se, ao mandado.
— Ninguém se aproxime! — bradou exaltado Na hora em que o horizonte empalidece.
O moço cativo sustendo a corrente. Em que a brisa do céu vem suspirosa
A turba afastou-se medrosa e tremendo De úmidos beijos afagar as flores,
E Mauro sublime, seu ódio contendo. E um véu ligeiro de sutis vapores 1754
Falou destemido do déspota à frente: Baixa indolente da montanha umbrosa;

[516]
VOZES DA AMÉRICA

I I Logo? estais doudo? a criatura há muito


Que sacudiu as asas.
Na hora em que as estréias estremecem — S im !. . . é pena.
Lágrimas de ouro no sidéreo manto, — Apalpai-a e vereis.
E o grilo canta, e o ribeirão suspira, — Com mil diabos!
E a flor mimosa que ao frescor transpira Ide ao amo falar, — responde o outro.
Peja os desertos de suave encanto; Limpando na parede a mão molhada.

I I I V II

Na hora em que o riacho, a veiga, o inseto, Os que êste ofício lúgubre cumpriam
A serra, o taquaral, o brejo e a mata Era um branco robusto, olhar sinistro,
Falam baixinho, a cochichar na sombra, Cabeça de pantera; o outro um negro
E as moles fêlpas da campestre alfombra Possante e gigantesco; as costas nuas
Molham-se em fios de fundida prata; Deixavam ver os músculos de bronze
Onde o suor corria gôta a gôta.
I V
Na hora em que se abala o santo bronze
Da igrejinha gentil no campanário, V T TT
Uma voz lacerada, enfraquecida. — Meu se n h o r...
Levantava-se amarga e dolorida
— O que queres? fala e deixa-me.
Da sombria morada de I-otário. Lotário respondeu voltando o rosto
Ao servo hercúleo que da porta, humilde, 1^56
Lhe vinha interromper nas tredas cismas.
— A mulata morreu.
— Pois bem, que a deixem
Eu vou morrer, meu Deus! já sinto as trevas. E enterrem-na amanhã.
As trevas de outro mundo que me cercam! A esta resposta
Já sinto o gêlo me correr nas veias, Decisiva e lacônica, o africano
E o coração calar-se pouco a pouco! Retirou-se a buscar seu companheiro,
Deixando o potentado, que de novo
11 Mergulhou-se nas fundas reflexões.
Eu vou morrer, meu Deus! minh’alma luta,
E em breve tempo deixará meu c o rp o ...
Tudo em tôrno de mim fo g e ... se a fa s ta ... I X
Já estas dores não me pungem tanto!

11 T Ao vivo encanto de uma aurora esplêndida


Voltando o rosto a noite despeitada
N ã o ... meus sentidos se entorpecem. Belo Cedeu-lhe a criação, e foi ciosa
O meu anjo da guarda me contempla; Esconder-se em seus antros. As florestas
Meu seio bebe virações mais puras. Sacudiam a coma embalsamada,
Creio que vou d o rm ir... sim, tenho sono. Onde ao lado da flor o passarinho
Se desfazia em queixas amorosas.
IV Tudo era belo, radiante e puro.
Minha m ã e !... meu ir m ã o !... eu não vos vejo! Palpitante de vida; a natureza
Vinde abraçar-me, que padeço muito! Como a noiva feliz, tinha trajado
Mas debalde vos ch a m o ... A d eu s... ad eu s... As mais soberbas galas, e estendia
Eu vou m o rre r... eu m o rro ... tudo é fin d o ... Os seus lábios de rosa ao rei dos astros,
Que ansioso tremia no oriente
V
Para libar-lhe seu primeiro beijo.

E a voz debilitava-se, fugia, X


Como o gemido flébil de uma rôla
Nos complicados dédalos da selva, Mas através do manto vaporoso,
Até que em breve se escutava apenas Que leve e tênue para o céu se eleva
estalo do azorrague amolecido, Nas madrugadas festivais do estio,
Sôbre as feridas do coalhado sangue Um grupo silencioso caminhava
Da pobre irmã do desditoso Mauro. Pela encosta do monte, conduzindo
Um fardo estranho e dúbio; era uma rêde
V I
Nodoada de sangue! um corpo longo.
Rijo, estendido, desenhava as formas
— Basta! — bradou um dos algozes — basta! Sôbre o sórdido estófo. A madrugada
Deixai-a agora descansar um pouco, Que tão linda ostentava-se no espaço,
Bepousenios também; meu braço é fraco. Tristonha e temerosa, parecia
Inunda-me o suor! lo g o ... mais tarde Das vestes alvas afastar a fimbria
Acabaremos a tarefa de hoje. Desta cena sinistra e ensanguentada!

[517]
L U ÍS NICOLAU FA6UN DKS VARELA

X I XV

Chegando ao tôpo da montanha, os vultos Não era o seu trajar o de um escravo,


Pararam, descansando sôbre a terra Nem também de um senhor. Sombria capa.
O pêso mortuário. A natureza Grosseira, embora, lhe cobria os ombros
Que provida lançara o encanto e a vida E deixava entrever pendente à cinta
Ao redor dêste sítio, parecia Uma faca ou punhal; largo chapéu
Ter-lhe tudo negado. O solo ingrato De retorcidas abas inclinava-se
Revolto, sêco nem sequer mostrava Mostrando a vasta fronte; uma espingarda
Uma gôta de orvalho; desde a relva Trazia à mão direita. Onde encontrara
Macia e vigorosa até a urtiga 1757
O escravo êstes recursos? Não se sabe.
Nada crescia ali! Triste, solene,
Dera-lhe alguém, ou os roubara? Mauro
Sôbre um monte de pedras, levantava-se
Apenas uma cruz em cujos braços E ra nobre de m ais: desde criança
Dous pássaros beijavam-se gemendo. Bebera as leis de Deus dos santos lábios
De velho missionário, e aprendera
A decifrá-las nos sagrados livros,
X II Em bora a furto, a mêdo, 1758 que ao cativo
E ’ crime levantar-se além dos brutos.
— Pega na enxada e cava; disse o homem
Que presidira ao bárbaro suplício
Da pobre irmã de Mauro — abre uma cova XVI
Aqui neste lugar, e bem depressa.
— M a u r o !... de novo estupefato, trêmulo.
Oito palmos de fundo e três de largo.
Atira dentro o corpo da mulata. Ao aspecto do trânsfuga sinistro
Cobre de terra e calca. Estas palavras O negro murmurou:
Foram ditas ao negro gigantesco — O h! sim, é Mauro!
Que à véspera sorria-se, rasgando Bradou aquêle adiantando-se; abre
As carnes da infeliz. Depois voltando-se E sta rêde depressa, quero vê-la.
Aos outros desgraçados: — venham todos, Vê-la ainda uma vez, d ep o is... vingá-la!
São horas dos trabalhos! E partiram. — E ’ tua ir m ã .. •
— Bem sei. Abre essa rêde,
Abre essa rêde, digo-te!
XIII O africano
Deixou a enxada e foi abri-la. O h! Deus!
Em breve tempo os golpes compassados Não era um corpo humano, era um composto
De uma enxada pesada, começaram De carnes laceradas, roxas, fétidas.
A cair sôbre a terra, lentamente Inundadas de sangue! Massa informe
Abrindo o último leito da inditosa. De músculos polutos, negro emblema
O feroz africano prosseguia De quanto há de feroz, bárbaro, tétrico,
No seu lúgubre ofício sem ao menos Cruentamente horrível! O cativo
Levantar a cabeça. Alguns minutos
Exalou da garganta um som pungente,
Já tinham decorrido quando em frente
Uma voz retumbante levantou-se Tigrino, e tão selvagem, que o africano
Fazendo ouvir-lhe o nome, o brônzeo monstro Sentiu um calefrio; ergueu os olhos
Parou, volveu em tôrno o olhar selvagem, Abrasados ao céu, depois sem fôrças
E murmurou estremecendo: — M a u ro !... De joelhos caiu junto ao cadáver
E se desfez em lágrimas ardentes.
Em soluços doridos. Impassível,
X IV Frio como as estátuas indianas,
O negro contemplava êste espetáculo
Sim, era Mauro, e quão mudado estava! Que abalaria de piedade as pedras,
Dias sem luzes, noites sem descanso. E susteria as rábidas torrentes
Tinham dez anos lhe roubado a vida! Nas rochas escarpadas!
Naquela fronte cismadora e doce, — Bem ; é tempo, 1759
Onde luziu resignação outrora. Basta de inútil pranto! disse Mauro
Passavam nuvens de fatal vingança. Erguendo-se do chão; — e tu agora,
De planos infernais! Naqueles olhos
— Falou fitando o túrbido coveiro —
Donde incessante vislumbrava o gênio,
O gênio que o Senhor prefere às vêzes Cumpre com teu d e v e r!... De novo os olhos
Sôbre a choça lançar do que nos paços, Encheram-se de lágrimas. — Adeus!
O gênio que alimenta-se de dores Adeus! mísera irm ã! tu és ditosa!
E vive de amargor, naqueles olhos Deus te deu a coroa do martírio
Raios de sangue se cruzavam, rápidos! Para entrares no céu; a côrte angélica
A face descarnara-se, os cabelos. Espera-te sorrin d o .. . e eu inda fico,
Os cabelos, oh! Deus, negros, luzentes. E tenho de esgotar até às fezes
Em poucos dias alvejavam! Mauro A taça envenenada da existência!
E ra uma sombra apenas e uma idéia:
Sombra de dor, idéia de vingança!

[ 5bS ]
A'OZES DA AMERICA

As luzes vacilavam nos seus lustres,


E o cansaço abatia os seios todos;
Tu passaste na terra como as flores
Quando convulso o arco estremecia
Que a geada hibernal derriba e mata;
Nas cordas da rebeca, e os olhos lânguidos
Foram teus dias elos de teus ferros,
Percorriam os grupos fatigados,
E teus prazeres lágrimas!
Roberto palpitante de ventura.
Louco de amor, a fronte incandescente D60
II De abrasadas idéias, afastou-se
Negou-te a primavera um riso ao menos; Do meio dos convivas, e furtivo
Dos sonhos na estação, nenhum tiveste; Desceu ao campo a respirar as brisas
A aurora que de luz inunda os orbes Embebidas dos lânguidos perfumes
Te abandonou nas trevas! Das noites do verão. Tudo era calmo.
Sereno e sossegado; a natureza.
III Num leito de volúpias adormida.
Parecia sorrir-se desdenhosa
Alma suave a transpirar virtudes, Ao júbilo ruidoso que partia
Gênio maldito arremessou-te ao lôdo! Da casa de Lotário. Pensativo
Buscaste as sendas lúcidas do Empíreo, Roberto se sentou sôbre uma pedra
E apontaram-te o caos! A margem de um regato, abrindo o seio
Ao transpirar balsâmico das flores.
IV
A providência que os coqueiros une I i I
Quando a tormenta pelo espaço ruge,
Nas noites de noivado, quem se atreve
Até o braço de um irmão vedou-te.
A deixar o festim, antes que a aurora
Oh! planta solitária!
Não surja no horizonte? Assim o moço, 1761
Vendo inda longe a hora desejada,
Incendido de férvidos desejos
A morte agora te escutou, criança! Maldizia essa festa, êsses convivas,
Trouxe a alvorada que esperaste embalde, Essa ardente alegria, que adversa
E adormecida nos seus moles braços Levantava-se entre êle e a noiva amada.
Pousou-te junto a D e u s !...
I V
XVII
Longo tempo assim ’stêve, mergulhado
Assim Mauro falou. Pesada e surda Nas suas reflexões; quando se erguia
A enxada do coveiro retumbava, Para voltar à casa, um vulto escuro
Como o bater funéreo e compassado A passagem cortou-lhe. O moço, rápido.
Do quadrante do tempo. O foragido Volveu um passo atrás, e sossegado
Lançou inda um olhar piedoso e triste De seu primeiro susto, perguntou-lhe:
Sôbre os restos da irmã, depois ligeiro — Quem és tu? o que queres?
Afundou-se no dédalo das selvas. Impassível,
O estrangeiro afastou as largas abas
A Vingança De seu vasto chapéu.
— Oh! Deus! é Mauro!
I Mauro, o que queres? fala!
— Eis o que quero!
Três vêzes percorrido as doze casas O escravo respondeu vergando o moço
Tem o rei das esferas. E ’ um dia Com seus braços de ferro; — eis o que quero!
Brilhante e festival, cheio de júbilo — Bradou cruento, amiúdando os golpes
Nos imensos domínios de Lotário. Terríveis e certeiros sôbre o peito
A habitação transborda de convivas, Do mancebo infeliz; — Eis o que quero!
Retroa a orquestra, tudo ri-se e folga, Repetiu arrastando-o sôbre a relva,
E os próprios servos no terreiro juntos E despenhando-o sôbre um fôsso imundo.
Dançam contentes, sem lembrar-se ao menos Cheio de lama e apodrecidas plantas: 1762
Da escravidão pesada. O que há de novo? — Eis teu leito de bodas, boa noite!
Que fato estranho há transformado a face
Desta sinistra e túrbida morada? V
Não o sabeis? Roberto hoje casou-se,
Roberto, o filho amado de Lotário
Cujos domínios não abrangem a vista:
Feliz três vêzes a formosa noiva! A orquestra prosseguia, ardente, forte.
Seus ruidosos acordes; dos dançantes
I I Poucos se achavam do salão no meio,
A maior parte conversava aos cantos
A dança, o riso, os brindes c as cantigas Cansada e sonolenta. De repente
Até à noite vão; quando já débeis Uma escrava lançou-se alucinada

[5 1 9 ]
L U IS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Entre os grupos esparsos dos convivas! . . . Impenetrável manto de mistério


— Venham ! bradava, meu senhor ’stá morto, Cobria êsse segrêdo, e o único lume
Meu senhor já m o rre u !... venham, acudam! Que pudera surgir, o gêlo frio
Um raio que tombasse no edifício Tinha apagado para sempre! A campa.
Não produzira tanto horror! A orquestra Discreta confidente, esconde tudo!
Calou-se repentina; um calefrio
Correu nas veias tôdas, e nos rostos
A palidez do túmulo estendeu-se.
Levantaram-se trêmulos, medrosos.
Acompanhando a escrava, que apressada VISÃO
Ao quarto de Lotário os conduziu.

VI
I
Êle estava deitado no assoalho
Inundado de sangue; um surdo ronco É noite; da serrania
Partia-lhe do seio, e os olhos baços Na selva negra e sombria.
Uma janela aberta contemplavam, Bate rija a ventania
Como querendo descobrir nas trevas Com lufadas horrorosas;
Um profundo mistério. O quarto cheio. Cai a chuva estrepitando,
Repleto de convivas e de escravos, E pelas brenhas rolando.
Retumbou de questões: — onde foi êle? Tom ba a torrente espumando
Como foi? conheceram-no? seu nome? Nas cavernas tenebrosas.

V I I I I
Lotário apenas, já levado ao leito, Ruge no espaço o trovão;
Para a janela olhava, abria os lábios, Do raio o fulvo clarão
Uma palavra ia partir, depois Rasga o véu da escuridão
Vendo baldados os esforços todos. Com fúria descomunal,
Soltava um som pungente e cavernoso. E das frias sepulturas
Entre espuma sangrenta, da garganta. Erguem -se as larvas impuras,
Cantando nênias escuras
VIII Ao sôpro do vendaval.

Duas horas de angústias se passaram. I I I


A morte caminhava passo a passo,
E não tardava a vir sentar-se, lívida, Por esta noite de horrores,
Do leito do senhor à cabeceira. Da tempestade aos furores,
Quem se atreve sem temores
I X Pelos ermos se embrenhar?
Quem és tu, vulto descrido,
Tudo era em vão; cuidados e socorros Tredo espectro foragido,
Gastaram-se debalde. Um dos cativos, 1^63 Que em teu corcel destemido
Montado sôbre rápido cavalo. Cortas o plaino a voar?
Correra a ver o médico; era longe
A morada do filho da ciência; I V
E a sina de Lotário estava escrita!
Tens os olhos cncovados,
De fundos visos cercados.
Sinistros sulcos deixados
X Por atros vícios talvez;
A fronte escura e abatida.
Quando a sombra funérea de além mundo Roxa a bôca comprimida,
Começou a turbar-lhe o olhar e o rosto. A face magra tingida
Supremo esforço êle tentou; ergueu-se
Da morte na palidez.
Por uma estranha força, abriu os lábios
E murmurou com voz lúgubre e funda,
Com essa voz tão próxima dos túmulos, V
Que parece partir de negro abismo:
— Tam bém era meu filh o !. . . e extenuado Do fuzil à luz fremente
Caiu sôbre os lençóis, rígido, frio. Brilha-te à cinta, na frente.
Já domínio da campa! Lâmina fria e luzente
Em vão tentaram De retorcido p u n h al...
O sentido buscar dessas palavras Que dizes de quando em quando,
Que Lotário dissera ao pé da morte. Que teu corcel se alentando.
Em vão tentaram descobrir aquêle R asteja apenas, passando.
Que era também seu filh o! densas trevas. As folhas do matagal!

[520 ]
VOZES DA AMÉRICA

VI Abrem-se as flores
Vertendo odores.
Não te amedronta a tormenta Entre os frescores
Que pelas nuvens rebenta, Do laranjal.
E sóbrc as asas sustenta A brisa errante.
Dos raios a legião? Dúbia, inconstante
Nem te horrorizam gemidos Bebe ofegante
Dos espíritos, que unidos, Quentes perfumes.
Nos ares correm pendidos Depois se irrita.
Do sudário do tufão? Volteia e grita,
Na onda agita
V I I Férvidos lumes.

Quem sabe se a Divindade, Nos bosques


Em sua santa eqüidade, Tristonhos,
Te envia da eternidade Em sonhos.
Para no mundo vagar? Pendidas,
Quem sabe se é teu castigo Sentidas,
Transpor perigo e perigo. Gorjeiam
Sempre exposto ao desabrigo As aves;
Pelo deserto a penar! E as loucas
Falenas
Se abraçam,
VIII Se enlaçam.
Perpassam
V a i !... e se acaso és culpado. Em giros
Corre, corre, desgraçado. Suaves.
Cumprindo teu negro fado
Por vales e serranias 1 ...
O trovão ronca tremendo, Vagas,
Os cedros pendem rangendo. Plagas,
Os gênios pulam gemendo F ragas.
No embate das ventanias! Soltam
Cantos;
Cobrem
Montes,
F'ontes,
PREDESTINAÇÃO Tíbios
Mantos.
(Recitada na Sessão Magna do Culto à Ciência) Alva,
Nua,
A noite expira; as estrelas A lua
Mais sedutoras e belas Cai;
Desmaiam no céu azul; E triste.
Cobre-se a relva de prantos, Eivada,
A névoa desdobra os mantos Ao nada
Nas montanhas do Friul. Vai.
Tudo é tristonho e silente, Desponta
Mas nas raias do Ocidente A estréia
Um arco-íris fulgente D ’alva,
Se debruça n’amplidâo, Bela,
Enquanto que vacilante Audaz,
Nas campinas do Levante Vivaz,
A lua caminba errante Do monte
Com seu pálido clarão. Ao pé;
É a hora dos mistérios; E a terra, 1765
Ao longe nos cemitérios Em cantos.
Giram fantasmas funéreos Prantos 1766
Entre horrendas monodias; E ’.
Silfos correm nas campinas,
Rrincam no mar as ondinas.
Dançam fadas peregrinas
No tôpo das serranias. Descansa, pensador! já no oriente
Os corcéis da manhã pulam raivosos
Nas quêdas vagas Entre as nuvens azuis,
Miram-se as plagas E o rei das estações virá bem cedo
E o monte e as fragas Brilhar soberbo nas cerúleas plagas
A luz astral; Eim seu carro de luz.

[521]
L U fS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Descansa, pensador! tudo o que a noite Eras tu, eras tu que em minhas noites
No pálio tenebroso adormeceu, Entre sonhos febris ardente eu via!
Vai de novo se erguer; Pálida e bela como agora, — erguida
No brando sono aviventou-se a terra, Em mundos de harmonia!
E como a fênix surgirá mais bela
Ao grato amanhecer. Eras tu, eras tu! — no céu, na terra,
Na brisa da manhã, — no vai’, na f l o r ! ...
Porém, que fazes tu? pendido aos livros Eras tu minha única esperança,
Tentas, quem sabe, derribar as sombras Eras tu meu a m o r !...
De ignoto horizonte;
Na insônia suarenta ardem-te os olhos O h! não me dei.xes mais! vem a meu seio.
E um turbilhão de místicas idéias Vem teu destino partilhar comigo,
T e paira sôbre a fronte. Mas se o céu te reclama, ao céu nos braços
Ai! leva-rne c o n tig o !...
Ês moço a in d a ... que velhice é essa
Fria e sem gelos que te nubla a vida.
Enruga-te o semblante?
E fugindo do tempo a longos passos. — Tem erário mortal, cabeça louca
Cerra-te, ainda no verdor dos anos, Entre sombras e luzes desvairada.
No seio agonizante? Tu que és filho do pó, no pó nascido,
Porque tentas erguer-te à luz das luzes,
Poeta ou louco, sonhador ou sábio. E amôrcs mendigar a etéreos seres
Mineiro do passado, ou nauta ousado Que, í 767 aos pés do Criador, eternos tecem
Dos mares do porvir,
Basta de cism as! abandona o vôo A harmonia incessante das esferas?
De tu’alrna arrogante entre as esferas, Cala-te, doudo! meu Senhor, meu Deus
São horas de dormir! Enviou-me a teu mundo, é necessário
Que no livro sem fim 1768 mais uma fôlha
Se aumente no universo. Ergue-te e segue-me.

A luz da alâmpada frágil


Luta co'as trevas em vão.
Depois se estorce, soluça. Por arcano ignoto a madrugada
Lança um último clarão. Parece retardar-se.
O pensador se levanta, A luz suave que enrubesce 1769 as nuvens,
Busca o leito, estende a mão, E vai sempre a aumentar-se,
Mas um encanto sem termos F ica na tela azul paralisada,
Lhe prende os passos no chão! A estrela do pastor
Trem em -lhe os nervos convulsos Prossegue sempre no seu langue giro;
Sob estranha sensação; Passam as horas, mais compridas voltam,
Frio suor banha o rosto. E a alvorada não sai de seu retiro.
Bate em ânsia o coração.
Então das trevas no meio
Rebenta imenso clarão,
E entre o rumor de cem harpas No tôpo
Se levanta uma visão. De um monte
Que entesta
O horizonte,
Um templo arruinado se eleva nas sombras,
— Branca Virgem do céu! Divina Imagem E em tôrno
Entre lírios de luz sorrindo ao mundo, Caídas,
Ao pobre sonhador que novas trazes Estátuas
No retiro profundo? Partidas
Repousam da relva nas moles alfombras.
O teu rosto é mais puro do que a neve
À lua oriental sôbre o Himalaia; Os plátanos crescem.
Teus seios como as vagas preguiçosas As rosas florescem
Que suspiram na praia. E ao sôpro dos ventos em queixas se embalam,
E as águas
Teus olhos são mais doces que as estrelas Dormentes
Que se espelham nas ondas de Tarento; De tíbias torrentes
Mais perfumada a tez que as magnólias Nas pedras lustrosas chorando resvalam.
Da lânguida Sorrento.
O A rcanjo
Teus lábios são granadas; teus cabelos Divino
Rolam em vagas de cendrado louro, Que arrasta
Como a princesa de encantado reino Sem tino
O longo manto de ouro. Consigo o mancebo, no tôpo do monte

[ 522 ]
VOZES BA AMÉRICA

Deténi-se, Amei-te sempre! procurei debalde.


E tremendo Visão etérea, 1771 te apertar no seio!
Seus braços Transpus as plagas, visitei mil povos, 1772
Erguendo, Banhada a fronte de celeste enleio.
Sublime e inspirado lhe aponta o horizonte.
Nunca encontrei-te! mas agora, agora
Que tens-me prêso nos teus doces laços,
Mostra-me o mundo que sonhei colfítigo,
E ’ um quadro celeste! Além das flores Depois procura me fugir dos braços!
Que a aurora esparze do Oriente em fogo
No esplêndido arrebol, Oh! não me deixes! é divina a plaga
Aos olhares do moço um mundo imenso, Que me apontaste d’amplidâo no véu,
Palpitante de vida se levanta Não partas! fica, viveremos juntos
À luz de um outro sol. À luz etérea dêsse infindo céu!

No zimbório infinito do dia ardente


As estrelas misturam-se entornando
— Cala-te, louco! tu não vês que a fronte
Um divino clarão,
Cinge-me o louro de imortais venturas?
A terra pula nas carícias ígneas,
Não vês que ardente 1773 a eternidade em chamas
E as florestas adornam-se das pompas
Gravou-me o sêlo de infinitas glórias?
De um eterno verão.
Como posso te amar se aos pés do Altíssimo
As torrentes despenham-se cantando Minha harpa solitária se enrouquece
Em leitos de esmeralda, e aos céus enviam Esperando por mim? — Cala-te, louco.
Borrifos de diamantes; Segue teu rumo neste mundo estreito.
E das tendas sem fim que ao longe alvejam. Consuma teu destino até que a morte
Levanta-se a canção melodiosa Para junto de Deus te leve a essência.
De um povo de gigantes. 'Pu serás imortal, — as turbas doudas
T e adorarão na terra, e além no Empíreo
As mulheres são anjos que vagueiam O exército de Deus te espera ansioso.
Entre risos de amor à fresca sombra E n tã o .. . talvez. . . quem s a b e ? ...
De eternos palmeirais,
E dormem nuas sôbre um chão de flores, O Santo Arcanjo
E resvalam cantando as formas puras Bate três vêzes cristalinas asas
Nos líquidos cristais. E três vêzes se agita, após ligeiro
Se arroja n’amplidâo.
Um mundo inteiro de prazer e festas, 1770 — Oh! não me deixes!
Hinos, perfumes, saudações e beijos Murmura em prantos o infeliz mancebo.
Rola e bate no céu;
E o rio, a serra, as solidões e o homem
Se espreguiçam sorrindo ao sol divino Aleluia! Aleluia, ergue-se o dia,
Da volúpia no véu. Trinam as aves, desabrocham flores,
E a lâmpada dos séculos se balança
Entre jorros de luz no azul das nuvens;
Mas o moço sombrio e desolado
— O que vês, sonhador? Cobria a relva de amargoso pranto
— Oh! não perguntes! Buscando embalde nos cerúleos páramos
E ’ o império da luz, o Éden dos anjos, A virgem de seus sonhos, e na terra
A pátria dos eleitos I A plaga divinal que há pouco vira.
— Ela é tua.
Pisa os martírios, atravessa os mares.
Ergue-a da sombra e tu serás um deus.
Minha missão findou-se; agora eu parto. Sabeis quem era êsse mancebo pálido?
Sê ditoso e feliz. Era Colombo o Genovês, e a plaga
— Oh! não mc d e ix e s !... Que êle avistara ao longe — o Novo Mundo.

Sonhei contigo quando a flor da vida O PROSCRITO


Se abria aos poucos em meu frágil peito,
Quando em quimeras me perdia errante, ( F rag m en to )
Quando de prantos orvalhava o leito!

Criança ainda, de meu berço à borda


Via-te a imagem debruçar-se rindo; Se a luz d’aurora que enrubesce 1774 as nuvens
Depois mais tarde no rumor das cortes Trouxer-te um dia festival e belo,
Passar nas luzes de um fulgor infindo! Se o tênue arbusto de teus verdes anos

[ 523 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Erguer-se altivo e se cobrir de flores, Então se ouvires murmurar meu nome


Se a mágoa, o ódio, a maldição, o opróbrio Talvez envolto num cruel desprêzo.
O mundo e os homens, que mancharam impios Ninguém maldigas, pois; vai no silêncio,
As vestes alvas de meus puros sonhos, 1775 Quando a noite fôr calma e os ventos mudos.
Não te embargarem na jornada os passos, Orar em meu jazigo e com teu pranto
Vota, meu filho, um canto de tu’alma, O leito serenar. — Pobre dormente, 1778
Uma página branca e perfumada Não entendeu-me o mundo e inexorável
De teu dourado livro à pobre sombra Lavrou minha sentença, e sôbre a campa
De teu mísero pai; dá-lhe um lamento. No epitáfio do olvido ela se grava!
Lem bra-te dêle que adorou-te e muito.
*
♦ ♦
*
♦ ♦
O h! filho de minh’alma, último lume
Que neste céu nublado aparecia!
Tu és tão tenro ainda, ainda, tão débil, Minha esperança amargamente doce,
Inda sagrado dos divinos beijos Quando as aves passarem do ocidente
Dos Arcanjos do céu, e a fronte ungida Buscando um novo clima onde pousarem,
Da bênção do Senhor na despedida, 1776 Não mais te embalarei sôbre os joelhos,
No teu sono infantil teus irmâozinhos Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Filhos do éter e da luz se cruzam, Acharei um consôlo a meus tormentos!
Roçam 1777 e brincam sacudindo os sonhos. Jam ais! a areia tem corrido, e a fôlha
Os sonhos dessa plaga que deixaste De minha treda história está completa!
T ão bela, tão esplêndida, tão santa!
Eu os vejo, meu filho, eu os escuto, ♦
Eu sinto refrescar-me a fronte cálida * ♦
O sussurrar das asas, quando triste
Nas longas noites me debruço ouvindo Não proves nunca do existir na taça
Teu brando respirar, quando doudejo O fel que eu hei tragado, e a dor intensa;
Entre o gôzo e a esperança, o riso e a mágoa, As angústias mais íntimas do espírito
Alongando ao porvir fundos olhares. Nunca recebas o sarcasmo acerbo
Que ao leito da desgraça o mundo cospe!
Nunca vejas a lenda de teus dias
Salpicada de lama e de veneno
Como poluta vi passar-se a minha!

Ah! que eu não possa divisar no espaço ^ *
Tu a estréia f a t a l... e a veja fú lg id a ...
E não te leve como a minha ao orco Cresce, meu filho amado, inda te vejo,
De um contínuo c h o r a r !... A h! que eu não possa Inda me é dado te apertar ao seio.
Romper o muro dos vindouros tempos B eijar-te a rósea face! êste momento
E contemplar as cenas de teu drama, E ’ mais que a eternidade! Cresce, vive,
Que eu não possa as traçar! Mas não, é cedo! E se algum dia no meu livro escuro
Muito cedo, meu Deus! que lei sinistra E sta fôlha encontrares, vota ao menos
Me impele a povoar de treva e luto À fronte que a pensou um triste pranto.
Tudo o que há de mais belo e mais formoso Vê que teu pai sofreu e não mentiu.
No teu vasto poema? encher de espinhos
As mais suaves sendas da existência
E rodear de lívidos espectros
O mole berço onde o inocente dorme VINGANÇA
Lembrando-se do Empíreo e seus deleites?
O mato virgem dorme. As ondas de verdura
♦ Embebem-se de orvalho, desprendem dúbios cantos.
♦ ♦ Não há no céu um astro, tudo é tristeza e sombras,
Apenas lá bem longe, da relva nas alfombras.
Soluça uma luzinha das névoas entre os mantos.
Ah! não, meu pobre filho, o teu destino
E ’ lindo como a aurora e como as flores
Ali junto do brejo, aonde os nenúfares 1779
Banhadas de luar; sublime e grande
E os juncos rebentaram ao sôpro de cem noites,
Como o sol que levanta-se das ondas.
Do antigo caçador levanta-se a morada
Ondas de chamas derramando aos orbes. Exígua, denegrida, sòzinha e abandonada
Tu te erguerás robusto como o cedro Do vendaval sanhudo aos rábidos açoites.
A cuja copa se debruça a nuvem
Palpitante de am or; irás tão alto O limo verde-escuro se estende nas paredes.
Como o pássaro rei do Novo Mundo! As aves no telhado seu ninho fabricaram,
E os cardos solitários que crescem no terreiro
* Parecem repetir o drama todo inteiro
♦ * De fúnebres angústias e dores que passaram.

[ 524 ]
V O Z E S D A A M É R IC A

Há perto de dous anos que o caçador morreu, NAPOLEÃO


Traidores inimigos, 1^80 em hora êrma e sem luz.
Cortaram-lhe da vida a teia delicada.
Sôbre uma ilha isolada.
Seu corpo hoje repousa lá junto à 1781 encruzilhada
Por negros mares banhada.
Onde ergue-se entre pedras o vulto de uma cruz.
Vive uma sombra exilada.
A noite vai em meio; a pálida viúva De prantos lavando o chão;
Escuta as ventanias que no deserto rugem; E esta sombra dolorida,
O filho recostado num canto, junto ao muro. No frio manto envolvida,
De uma arma gigantesca areia o cano escuro Repete com voz sumida;
Manchado há muito tempo de sangue e de ferrugem. — Eu inda sou Napoleão.

Um velho cão, já cego, dormita junto ao fogo. Tremem convulvas as plagas,


Mexendo-se na cinza, roncando surdamente; Bravias lutam as vagas.
Antigo companheiro do caçador, no sono Solta o vento horríveis pragas
Talvez sonhe seguir os passos de seu dono, Nos sendais da escuridão;
Da funda mata virgem no dédalo florente. Mas nas tôrvas penedias
Entre fundas agonias.
Mirando o tôrvo filho, da velha nos olhares Eia diz às ventanias:
Sinistro raio passa de lúgubre esperança; — Eu inda sou Napoleão.
O rústico mancebo sorri-se, e lhe responde
Sombrio, carregando as sobrancelhas, onde
Se cruzam, se alvoroçam as sombras da vingança. — E serei! do céu da glória,
Nem dos bronzes da memória,
De súbito um ruído estranho e prolongado Nem das páginas da história
Ressoa junto à porta, se perde na campina, Meus feitos se apagarão;
E lá de bem distante, do seio dos desertos, Passe a noite e as tempestades,
Nas asas se aproxima dos furacões incertos Venham remotas idades.
Agudo e retumbante o som de uma buzina. Caiam povos e cidades,
— Sempre serei Napoleão.
O velho cão se eleva nas patas dianteiras;
O moço deixa em terra cair a arma funesta; Da coluna de Vendôme,
— Silêncio! diz a velha, medonha a noite vai, O bronze, o tempo consome.
E o espectro ensangüentado de teu defunto pai Porém não apaga o nome
Acorda os longos ecos do meio da floresta.
Que tem por bronze a amplidão.
Apesar de infausto dia,
Da infâmia que tripudia,
— Quem bate aí? Dos bretões a cobardia,
— Sempre serei Napoleão.
— Não temas, abre-me a porta, mãe,
A chuva me congela, e o frio faz tremer!
Louvado Deus! a velha se eleva sonolenta, Nos vastos plainos do Egito,
E volta sôbre a porta a chave ferrugenta Sôbre Titães de granito,
Que ao braço fraco e débil retarda por ceder. Eu tenho um poema escrito
Que deslumbra a solidão.
— Entra depressa, filho! Das Isis rasguei os véus.
Um turbilhão de vento Entre os altares fui deus,
Engolfa-se pejado de chuva na cabana; Fiz povos escravos meus,
Depois salta o mancebo tremente, gotejando. — A h! inda sou Napoleão.
Sacode as grossas roupas, e senta-se atiçando
O fogo vacilante do meio da choupana.
De muito longe vens? Desde onde o crescente brilha
Até onde o Sena trilha.
. . . — Oh! sim! de muito longe. Tive o mundo por partilha.
Andei o dia inteiro vagando no sertão.
— Caçaste? Tive imensa adoração;
— Sim. E de um trono de fulgores
Fiz dos grandes — servidores,
p. — E a caça puseste pois aonde? Fiz dos pequenos — senhores,
u moço se levanta sombrio, não responde,
E um fúnebre objeto atira sôbre o chão. — E sempre fui Napoleão.

A velha se aproxima, contempla, e horrorizada


Kecua dando um grito e doutro lado cai. Quando eu cortava os desertos,
Vinharn-rne os ventos incertos
Não fujas, mãe! não temas! vinguei nossa
De incenso e mirra cobertos
Eiz hoje a mais brilhante, a mais soberba caça, Lamber-me as plantas no chão;
As caravanas paravam,
trazendo a mão traidora que assassinou meu pail
E os romeiros que passavam
Às solidões perguntavam:
— E ’ êste o deus Napoleão?

[ 525]
JyU Í S N I C O L A U F A G U N D E S A 'A R E L A

E lá nas plagas fagueiras, Mas das sombras a espessura,


Onde as brisas forasteiras, A face da onda escura,
Entre selvas de palmeiras O salgueiro que murmura
Corre o sagrado Jordão; Tudo fala — Napoleão!
O lago dizia ao prado,
O prado ao monte elevado,
O monte ao céu estrelado:
— Vistes passar Napoleão? IN F Â N C IA E V EL H IC E

Dizei, auras do Ocidente,


Dizei, tufão inda quente O lírio é menos cândido, a neve é menos pura
Do bafejo incandescente 17^2 Que uma criança loura no berço adormecida;
Do não vencido esquadrão, Seus lábios entreabertos parece que respiram
Como é êle, c belo, ousado? Os lânguidos aromas e as auras de outra vida.
Tem o rosto iluminado?
Tem o braço denodado? O anjo tutelar que o sono lhe protege
Sempre é grande Napoleão? Não vê um ponto negro naquela alma divina;
Nunca sacode as asas para voltar ao céu,
E nem afasta ao vê-la a face peregrina.
E as águias no céu corriam,
E os areais se volviam, No seio da criança não há serpes ocultas,
E horrendas feras bramiam Nem pérfido veneno, nem ferventes lumes;
No imenso da solidão; Tudo é candura, oh! Deus! su’alma inda inocente
Mas as vozes do deserto E ’ como um vaso de ouro repleto de perfumes.
Se erguiam como um concêrto,
E vinham saudar-me perto: Cedo ela cresce e os vícios os passos lhe
— Tu és, senhor, Napoleão! [acompanham,
Seu anjo tutelar pranteia ou volta ao céu;
— Se sou! que Marengo o conte. O cálice dourado transborda de absinto,
De Austerlitz o horizonte, E a vida corre envolta num lutulento véu.
E aquela soberba ponte
Que transpus como o tufão! Depois ela envelhece, as ilusões se esvaem,
E a minha vila de Ajáccio, A calma vem, e a chama de seu viver se escoa;
E o meu sublime palácio, A fronte pende em terra coberta de geadas,
E os pescadores do Lácio E a mão rugosa e trêmula levanta-se e abençoa.
Que só dizem — Napoleão!
O infante e o ancião são dous sagrados sêres;
Se o sou! que digam as plagas, Um deixa há pouco o céu, o outro ao céu se volta;
Onde do sangue nas vagas. Um cerra as asas débeis e a Divindade adora,
Coberta de enormes chagas O outro adora a Deus e as asas níveas solta.
Dorme vil população;
Digam da Ásia as bandeiras. Do louro querubim na face rósea e bela
Digam longas cordilheiras, Ainda existe o traço do beijo dos anjinhos;
Que se abatiam, rasteiras. Na fronte alta e severa do ancião, cintila
Ao corcel de Napoleão! A chama que do Empíreo aponta-lhe os caminhos.

Nos tempos de desgraça, quando o existir é trevas,


Se o sou! diga Santa-Helena
E a dúvida se eleva do fúnebre ataúde,
Onde a mais sublime cena
Nos olhos da criança creiamos na inocência,
Fechou tranquila e serena
E nos cabelos brancos saudemos a virtude!
Minha história de T itão ;
Digam as ondas bravias.
Digam torvas penedias.
Onde rijas ventanias
Vêm 1283 murmurar: — Napoleão. SONÊTO

— E serei! do céu, da glória, Desponta a estréia d’alva, a noite morre.


Nem dos bronzes da memória, Pulam no mato alígeros cantores,
Nem das páginas da história E doce a brisa no arraial das flores, H85
Meus feitos se apagarão! — Lânguidas queixas murmurando, corre.
Assim na rocha isolada
Pelas espumas banhada, Volúvel tribo a solidão percorre
Disse a sombra desterrada. Das borboletas de brilhantes côres;
De prantos lavando o chão. Soluça o arroio; diz a rôla amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.
As névoas rolam nos céus,
Da noite escura nos véus Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Soltam grandes escarcéus As carícias d’aurora, ao céu risonho.
Rugidos de imprecação; Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

[ 526 ]
VO Z E S D A AM ÉRICA

Porém minh’alma triste e sem um sonho Não és tu quem eu amo, nem Laura
Repete olhando o prado, o rio, a espuma; Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês;
— Oh! mundo encantador, tu és medonho! A mulher que minh’alma idolatra
E ’ princesa do império chinês.

ILUSÃO D E IX A -M E !

Sinistro como um fúnebre segrêdo Quando cansado da vigília insana


Passa o vento do Norte murmurando Declino a fronte num dormir profundo,
Nos densos pinheirais; Porque teu nome vem ferir-me o ouvido.
A noite é fria e triste; solitário Lembrar-me o tempo que passei no mundo?
Atravesso a 1786 cavalo a selva escura
Entre sombras fatais. Porque teu vulto se levanta airoso,
Tremente em ânsias de volúpia infinda?
À medida que avanço, os pensamentos E as formas nuas, e ofegante o seio,
Borbulham-me no cérebro, ferventes, No meu retiro vens tentar-me ainda?
Como as ondas do mar;
E me arrastam consigo, alucinado, Porque me falas de venturas longas,
À casa da formosa criatura Porque me apontas um porvir de amôres?
De meu doudo cismar. E o lume pedes à fogueira extinta.
Doces perfumes a 1788 polutas flores?
Latem os cães; as portas se franqueiam
Rangendo sôbre os quícios; os criados Não basta ainda essa existência escura,
Acodem pressurosos; Página treda que a teus pés compus?
Subo ligeiro a longa escadaria, Nem essas fundas, perenais angústias.
Fazendo retinir minhas esporas Dias sem crenças e serões sem luz?
Sôbre os degraus lustrosos.
Não basta o quadro de meus verdes anos
No seu vasto salão iluminado. Manchado e rôto, abandonado ao pó?
Suavemente repousando o seio Nem êste exílio, do rumor no centro,
Entre sêdas e flores, Onde pranteio desprezado e só?
Tôda de branco, engrinaldada a fronte,
Ela me espera, a linda soberana A h! não me lembres do passado as cenas,
De meus santos amôres. Nem essa jura desprendida a êsmo!
Guardaste a tua? a quantos outros, dize,
Corro a seus braços trêmulo, incendido A quantos outros não fizeste o mesmo?
De febre e de p a ix ã o ... A noite é negra.
Ruge o vento no mato; A quantos outros, inda os lábios quentes
Os pinheiros se inclinam, murmurando: De ardentes beijos que eu te dera então,
— Onde vai êste pobre cavaleiro Não apertaste no vazio seio
Com seu sonho in sen sato ?... Entre promessas de eternal paixão?

Oh! fui um doudo que segui teus passos,


Que dei-te em versos da beleza a palma;
Mas tudo foi-se, e êsse passado negro
ID EA L
Porque sem pena me despertas n’alma?
Não és tu quem eu amo, não és! Deixa-me agora repousar tranqüilo.
Nem Teresa também, nem Ciprina; Deixa-me agora dormitar em paz,
Nem Mercedes a loura, nem mesmo E com teus risos de infernal encanto.
A travêssa e gentil Valentina. Em meu retiro não me tentes mais!

Quem eu amo, 1787 te digo, está longe;


Lá nas terras do império chinês.
Num palácio de louça vermelha
Sôbre um trono de azul japonês.
( I m it a ç ã o d e E s p r o n c e d a )
Tem a cútis mais fina e brilhante
Que as bandejas de cobre luzido; Fôste n’aurora cristalino arroio
Uns olhinhos de amêndoas, voltados, Por entre flores deslizando a 1789 mêdo;
Um nariz pequenino e torcido. Depois torrente de fervente espuma
Rompendo os flancos de ferai rochedo,
Tem uns p é s ... oh! que pés. Santo Deus! Por fim à noite lodaçal profundo
Mais mimosos que uns pés de criança, Cheio de lama e podridão no fundo!
Uma trança de sêda e tão longa
Que a barriga das pernas alcança.

[ 527 ]
l i U Í S N I C O L A U F A G U N D E S AMARELA

O V IZ IR V i-te; e nas chamas de fervor profundo


A teus pés afoguei a mocidade
— Não derribes meus cedros! — murmurava Esquecido de mim, de Deus, do mundo!
O gênio da floresta aparecendo
Adiante de um vizir, — senão eu juro Mas ai! cedo fu g is te !... da soidade,
Punir-tc rijam ente! E no entanto H oje te imploro dêsse amor tão fundo
O vizir derribou a santa selva! Uma idéia, uma queixa, uma saudade!
Alguns anos depois foi condenado
Ao cutelo do algoz. Quando encostava
A cabeça febril no duro cêpo
Recuou aterrado: — Eternos deuses! O VAGALUM E
Este cêpo é de cedro! E sôbre a terra
A cabeça rolou banhada em sangue!
( C a n t ig a )

Quem és tu, pobre vivente


Que vagas triste e sozinho,
NÃO TE ESQ UEÇA S DE M IM ! Que tens os raios da estréia.
E as asas do passarinho?
Não te esqueças de mim, quando erradia
A noite é negra; raivosos
Perde-se a lua no sidéreo m anto;
Os ventos correm do sul;
Quando a brisa estivai roçar-te a fronte
Não temes que êles te apaguem
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.
A tua lanterna azul?
Não te esqueças de mim, quando escutares
Quando tu passas o lago
Gemer a rôla na floresta escura,
De estranhos fogos esplende,
E a saudosa viola do tropeiro
Dobra-se a clícia amorosa,
Desfazer-sc em gemido de tristura.
E a fronte mimosa pende.
Quando a flor do sertão, aberta a >790 mêdo.
-Ãs folhas brilham, lustrosas
P ejar os ermos de suave encanto.
Como espelhos de esmeralda;
Lem bre-te os dias que passei contigo,
Fulge o íris nas torrentes
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.
Da serrania na falda.
Não te esqueças de mim, quando à tardinha
O grilo salta das sarças;
Se cobrirem de névoa as serranias,
Piam aves nos palmares;
E na tôrre alvejante o sacro bronze
Começa o baile dos silfos
Docemente soar nas freguesias!
No seio dos nenúfares.
Quando de noite, nos serões de inverno,
A tribo das mariposas,
A voz soltares modulando um canto.
Das mariposas azuis.
Lem bre-te os versos que inspiraste ao bardo,
Segue teus giros no espaço.
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.
Mimosa gôta de luz!
Não te esqueças de mim, quando meus olhos
Do sudário no gêlo se apagarem, São elas flores sem hástea;
Quando as roxas perpétuas do finado Tu és estréia sem céu;
Junto à cruz de meu leito se embalarem. Procuram elas as chamas;
Tu amas da sombra o véu!
Quando os anos de dor passado houverem,
E o frio tempo consumir-te o pranto. Quem és tu, pobre vivente
Guarda ainda uma idéia a teu poeta, Que vagueias tão sozinho,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto. Que tens os raios da estréia,
E as asas do passarinho?

SO N ÊTO E L E G IA

Eu passava na vida errante e vago A noite era bela, — dormente no espaço


Como o nauta perdido em noite escura, A lua soltava seus pálidos lumes,
Mas tu te ergueste peregrina e pura Das flores fugindo, corria lasciva,
Como o cisne inspirado em manso lago. A brisa embebida de moles perfumes.

Beijava a onda num soluço mago Do êrmo os insetos zumbiam na relva,


Das moles plumas a brilhante alvura, As plantas tremiam de orvalho banhadas,
E a voz ungida de eternal doçura E aos bandos voavam ligeiras falenas
Roçava 1791 as nuvens em divino afago. Nas folhas batendo co’as asas douradas.

[ 528 ]
VO ZES D A AM ÉRICA

O túrbido manto das névoas errantes Ligeira, essa noite de infindas venturas
Pairava indolente no tôpo da serra, Sòmente em minh’alma lembranças d eixo u ...
E aos astros, — e às nuvens — perfumes, — T rês meses passaram, e o sino do templo
[sussurros. À reza dos mortos os homens chamou!
Suspiros e cantos partiam da terra.
T rês meses passaram, — e um lívido corpo
Nós éramos jovens, — ardentes e sós. Jazia dos círios à luz funeral,
Ao lado um do outro no vasto salão; E à sombra dos mirtos, o rude coveiro
E as brisas e a noite nos vinham no ouvido Abria cantando seu leito fin a l!...
Cantar os mistérios de infinda paixão!
Nós éramos jovens, e a senda terrestre
Nós éramos jovens, — e a luz de seus olhos Trühávamos juntos, de amor a 1794 sorrir,
Brilhava incendida de eternos desejos, E as flores, e os ventos nos vinham no ouvido
E a sombra indiscreta do níveo corpinho Contar os arcanos de um longo porvir!
Sulcavam-lhe os seios em brandos arquejos!
Nós éramos jovens, e as vidas, e os seios,
Nós éramos jovens, — e as balsas floridas O afeto prendera num cândido nó!
O espaço inundavam — de quentes perfumes, Foi ela a primeira que o laço quebrando
E o vento chorava nas tílias do parque, Caiu soluçando das campas no pó!
E a lua soltava seus tépidos lumes ! . . .
Não são dos invernos as frias geadas,
Ah ! mísero aquêle que as sendas do mundo Nem longas jornadas que os anos apontam,
Trilhou sem o aroma de pálida flor, O tempo descora nos risos e prantos,
E à 1792 tumba declina, n’aurora dos sonhos, E os dias do homem por dores se contam!
O lábio inda virgem dos beijos de amor!
. ..I S 6 1 .

Não são dos invernos as frias geadas,


Nem longas jornadas que os anos apontam;
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por gozos se contam. T R IST E Z A

Assim nessa noite de mudas venturas. Eu amo a noite com seu manto escuro
De louros eternos minh’alma enastrei, De tristes goivos coroada a fronte.
Que importa-me agora martírios e dores Amo a neblina, que pairando 1795 ondeia
Se outrora dos sonhos a taça esgotei? Sôbre o fastígio de elevado monte.
Ah! lembra-me ainda! nem um candelabro Amo nas plantas, que na tumba crescem.
Lançava ao recinto seu brando clarão. De errante brisa o funeral cicio:
Apenas os raios da pálida lua Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Transpondo as janelas batiam no chão. Porque meu seio é de ilusões vazio.
Vestida de branco, — nas cismas perdida, Amo a desoras sob um céu de chumbo,
Seu mórbido rosto pousava em meu seio, No cemitério de sombria serra,
E o aroma celeste das negras madeixas O fogo-fátuo que a tremer doudeja
Minh'alma inundava de férvido anseio. Das sepulturas na revolta terra.

Nem uma palavra seus lábios queridos Amo ao silêncio do ervaçal partido
Nos doces espasmos diziam-me então: De ave noturna o funerário pio,
Que valem palavras quando ouve-se o peito Porque minh’alma, como a noite, é triste,
E as vidas se fundem no ardor da paixão? Porque meu seio é de ilusões vazio.

Oh! céus! eram m undos... ai! mais do que mundos Amo do templo, nas soberbas naves.
Que a mente invadiam, de etéreo fulgor! De tristes salmos o troar profundo;
Poemas divinos, — por Deus inspirados Amo a torrente que na rocha espuma,
E a 1793 furto contados em beijos de amor! E vai do abismo repousar no fundo.

No fim do seu giro, da noite a princesa Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
Deixou-nos unidos em brando sonhar; A voz da morte no fatal parcel;
Correram as horas, — e a luz d’alvorada Porque minh’alma só traduz tristeza,
Em juras infindas nos veios encontrar! Porque meu seio se abrevou de fel.

Não são dos invernos as frias geadas, Amo o corisco que deixando a nuvem
Nem longas jornadas que os anos apontam, O cedro parte da montanha, erguido.
O tempo descora nos risos e prantos, Amo do sino, que por morto soa,
E os dias do homem por dores se contam! O triste dobre n’amplidâo perdido.

[ 529 ]
LU ÍS KICO LAU FAGU N DES V A R E L A

Amo na vida de miséria e lódo, Triste é o drama dêste mundo ingrato.


Das desventuras o maldito sêlo; Gelado e tredo o bafejar da morte,
Porque minh’alma se manchou de escárnios, 1796 Mas há na vida uma estação mais negra,
Porque meu seio se cobriu de gêlo. Mais rija e fria que o soprar do norte.

Amo o furor do vendaval que ruge, Quando a velhice que apressada marcha
Das asas negras sacudindo o estrago; Vier cobrar-te seu pesado imposto,
Amo as metralhas, o bulcão de fumo. E ao toque impuro de nojentos lábios
De corvo as tribos em sangrento lago. Sem dó manchar-te a cetinez do rosto;

Quando essa fronte, cristalino lago


Amo do nauta o doloroso grito
Que de tu’alma reverbera o céu.
Em frágil prancha sôbre mar de horrores,
Crestar-se aos poucos, se cobrir de rugas.
Porque meu seio se tornou de pedra,
E dos invernos se enlutar no véu;
Porque minh’alma descorou de dores.
Quando as madeixas se fizerem brancas.
O céu de anil, a viração fagueira, Secas, despidas de sutis perfumes,
O lago azul que os passarinhos beijam ; E os olhos negros se tornarem, 1799 tristes,
A pobre choça do pastor no vale; Em mortas brasas de passados lumes;
Chorosas flores no sertão vicejam ;
Que dor pungente sentirás no seio!
A paz, o amor, a quietação e o riso Que filtro amargo tragarás, mulher!
A 1797 meus olhares não têm mais encanto, Tu, que da vida enlameaste a senda
Porque minh’alma se despiu de crenças, Sem te lembrares do porvir siquerl
E do sarcasmo se embuçou no manto.
Rainha, em terra vê partido o cetro,
O trono de ouro reduzido a 1800 pó!
E após uma era de opulência e mando
V er-se na vida desprezada e s ó ! . . .

V em !... uma aurora surgirá de novo;


Inda tem raios o teu sol futuro...
Porque te afogas, ó irmã dos anjos, Não mais te afogues, ó irmã dos anjos,
Nas ondas negras de um viver impuro, Nas ondas negras de um viver impuro!
E as santas formas do cinzel de Deus
Manchas do vício no recinto escuro? Vem! que me importa o murmurar das turbas,
O dúbio riso, o escarnecer das gentes...
Em pírea flor, ao perpassar dos ventos, Se as águas santas de um batismo pedes,
Porque te banhas em pauis medonhos, Eu de meu olhos verterei torrentes.
Quando existências de teus lábios brotam,
Quando teus olhos realizam sonhos? É tempo ainda; a viração sussurra.
Ergue-se a terra transbordando em flores.
É tempo ainda; nos salões da vida Vem, minha vida, na soidão ergamos
Rasga essas sêdas que predizem prantos, Nossa cabana sob um céu de amôres.
E à 1798 nova aurora, que te aguarda, eleva . . . IS61.
Como a florinha os divinais encantos.

É tempo ainda; a viração sussurra.


Ergue-se a terra em maravilhas m il...
ECOS DO CÁRCERE
Vem, minha fada, abandonemos juntos
Nosso barquinho pelo mar de anil.
Era uma noite plácida de estio;
Ohl vem minh’alma de teu riso escrava
O vento brando perpassava apenas
Sôbre o passado correrá um véu.
Sôbre a face dos mares que dormiam
Aos olhares da lua enamorada.
Então verás de teu viver, mulher.
As nuvens negras se afastar do céu.
Mas do seio das ondas sonolentas,
Do pego escuro no mais fundo ponto
Vem ! que me importa o murmurar das turbas, Uma voz levantou-se imensa e vaga
Dos homens todos o desdém profundo, Semelhante ao suspiro entristecido
Quando no êrmo a teus sorrisos, fada. Do gênio dos abismos, e de longe
Verei de novo rebentar um mundo? Uma outra voz ergueu-se atroadora
Até perder-se no horizonte infindo.
Vem ! tu serás minha Atalá formosa. E esta falava assim, lenta e solene;
Por quem na terra viverei de am ores; — Cobriam de grilhões meu pobre corpo.
Teu meigo sono velarei cantando. Porém minh’alma de seus ferros zomba,
Teu brando leito juncarei de flores. Minh’alma livre como o céu e os mares!.

[ 530 ]
V O Z E S D A AM ÉRICA

Ah! porque te adorei, oh minha pátria, Nem um desgôsto no passado havia,


Porque sonhei-te grande, amei-te bela, Nem uma sombra no futuro ao menos!
E votei-te o porvir, o sangue e a vida. Sempre noites de mel, dias de rosas,
Teus tiranos pisaram-me cruentos Sendas juncadas de dourada areia!
E me lançaram nos recintos úmidos Oh! minha pobre irmã! lembras-te ainda
Dos calabouços onde o sol não entra! Dêsses passeios ao romper d’aurora
Pelas campinas úmidas de orvalho?
Cobriram de grilhões meu pobre corpo. De nossos brincos nos pomares próvidos,
Porém minh’alma de seus ferros zomba, E dêsses ninhos de inocentes aves
Minh’alma livre como o céu e os mares! Que me pedias a 1803 tremer, deixasse
Sob as asas maternas? Não te lembras
Dêsse regato transparente e belo
Sim, ela é livre, ela é mais livre ainda Onde afundavas teus pèzinhos níveos?
No seio das prisões, onde desdenha E a choça, o lar tranquilo, os jasmineiros
Servos infames de ambição nojenta, Pendidos à janela, o cão à porta.
Tristes escravos de um terror infame! As pombas arrulhando no telhado?
Onde está seu poder? — em parte alguma;
Hoje um pouco de carne e de miséria, Ai! os anos passaram como as nuvens,
Um punhado de cinza à madrugada! E o espírito agitado entre os prazeres
E o triste núncio de ignotas dores,
Oh! meu amor! a escravidão e as dores Se erguia pouco a pouco a um 1084 mundo novo.
Podem prender meu pensamento eterno? E via aquêle 1805 desfazer-se em cinzas!
Podem vedar-me que transpondo os muros
O espírito imortal paire sorrindo Depois dos cantos festivais d’aurora,
Entre vós, meus irmãos? Minha existência Da juventude as esperanças áureas.
Não é vossa existência e vosso fado? Os deveres do homem sucederam,
E o combate gigante onde se vence
Quando sofreis, o dissabor partilho; Tombando sôbre o solo, e se revive
Quando lutais, eu surjo a vosso lado. Expirando no sangue dos guerreiros ! . . .
Um sôpro etéreo, divinal, sagrado,
Um hálito de Deus entre nós passa, O h! sim, caíram, mas caíram santos
E nossas almas numa só confunde. Aquêles que mil balas receberam.
Oh! cortem-lhe a passagem se puderem! Ou torceram-se em terra atravessados
Cativem-na, in sen sato s!... 1801 Pela espada traidora dos cobardes!

Cobriram de grilhões meu pobre corpo. Caíram! mas venceram também êsses
Porém minh’alma de seus ferros zomba, Que exaustos, frios, murmuravam inda
Minh’alma livre como o céu e os mares! 18 0 2 Da pátria o doce nome, ou sucumbiram
A dor insana de infernais suplícios
Sôbre a mísera palha dos ergástulos!
Houve um momento de silêncio. A noite
Prosseguia em seu giro, pensativa.
Molhando no sereno as plantas nuas. Falange heróica e brava, ah! ,eu a vejo
A voz continuou pausada e doce; Sempre junto de mim, ouço seus cantos
Lançando aos orbes que no espaço rolam
A epopéia soberba do futuro!
— Como tudo repousa! é mudo o vale,
A natureza calma e adormecida
No seu leito de pérolas e flores. Um raio ardente parte-lhe da essência,
Mas que sussurro sôbre-humano é êste E inunda o seio das nações e povos;
Que de minh’alma retumbou no fundo? Palpitam corações mais apressados.
Será de um’harpa divinal a nota. Brotam idéias, as esferas tremem,
Ou das asas de um gênio a tênue a ra g em ?... E um brado imenso faz-se ouvir ao lònge:
— Vai ter lugar uma justiça infinda!
Não sentistes roçar por vossas fibras
Enquanto a selva, o monte, o rio e as plagas O hálito de D e u s ? ...
Povoam-se de sonhos, que palpitam
De um mole sono aos sensuais abraços, Formosa e cândida
Voltam-me à mente idéias de outras eras. A aurora despontava no horizonte
Gratas lembranças de passados tempos. Coroada de luz; a voz calou-se,
Depois bradou de novo altiva e forte:
Como era belo o sol e a terra lúcida!
Como era santo e puro o doce júbilo — Cobriram de grilhões meu pobre corpo.
Da criança vivaz correndo os prados. Porém minh’alma de seus ferros zomba,
Ora nas veigas se perdendo em risos.
Minh’alma livre como o céu e os mares!
Ora saudando o bando de andorinhas
Que voavam num céu azul sem manchas,
Como à flor d’alma um turbilhão de sonhos!

[531]
L U IS NICOLAÜ FAGU NDES V A R E L A

O EXILADO Brandas aragens que roçais fagueiras


Das maravilhas nas cheirosas frontes.
ü exilado está só por tóda a parte! Aves sem pátria que cortais os ares, 1809
Irm ãs 1 8 1 0 na sorte do infeliz romeiro,
Passei tristonho dos salões no meio, A h! levai um suspiro à pátria amada.
Atravessei as turbulentas praças Último alento de cansado peito.
Curvado ao peso de uma sina escura; O exilado está só por tôda a parte!
As turbas contemplaram-me sorrindo,
Mas ninguém divisou a dor sem termos Quando nas fôlhas de lustrosos plátanos
Que as fibras de meu peito espedaçava. Novos luares descansarem gratos.
O exilado está só por tôda a parte! J á sôbre a estrada de meus pés os traços
O pegureiro não verá, que passa!
Quando, à tardinha, dos floridos vales M ísero! ao leito de final descanso
Eu via o fumo se elevar tardio Ninguém meu sono velará chorando.
Por entre o colmo de tranqüilo albergue. O exilado está só por tôda a parte!
Murmurava a chorar: — Feliz aquêle
Que à luz amiga do fogão doméstico, 1S06
Rodeado dos seus, à noite senta-se.
O exilado está só por tôda a parte!
AURORA
Onde. vão estes flocos de neblina
Que o euro arrasta nas geladas asas? Antes de erguer-se de seu leito de ouro
Onde vão essas tribos forasteiras O rei dos astros o Oriente inunda
Que à tempestade se esquivar procuram? De sublime clarão;
Ah! que me im p o rta ?... também eu doudejo, Antes de as asas desprender no espaço,
E onde irei. Deus o sabe, Deus sòmente. A tempestade agita-se e fustiga
O exilado está só por tôda a parte 1 O turbilhão dos euros.

Desta campina as árvores são belas, As torrentes de idéias que se cruzam,


São belas estas flores que se vergam O pensamento eterno que se move
Das auras estivais ao débil sôpro; No levante da vida,
Mas nem a sombra que no chão se alonga, São auras santas, arrebóis esplêndidos,
Nem o perfume que o ambiente inunda,
Que precedem à vinda triünfante
São dessa gleba divinal que adoro.
De um sol imorredouro.
O exilado está só por tôda a parte!
O murmurar profundo, enrouquecido,
Mole e lascivo no tapiz da selva Que do seio dos povos se levanta,
Serpeia o arroio, e o deslizar queixoso Anuncia a torm enta;
P eja de amor as solidões dormentes; Essa tormenta salutar e grande
Mas nunca o rosto refletiu-me um dia, Que o manto roçará, prenhe de fogo,
Nem foi seu burburinho enlangucscido 1807 Na face das nações.
Que embalou minha infância descuidosa.
O exilado está só por tôda a parte!
Preparai-vos, ó turbas! Preparai-vos,
Rebatei vossos ferros e cadeias,
— Porque chorais? — me perguntou o mundo Algozes e tiranos!
Contai-nos vossa dor, talvez possamos A 1811 hora se aproxima pouco a pouco,
Saná-la às gôtas de elixir suave; E o dedo do Senhor já volve a fôlha
Mas quando eu suspendi a lousa escura Do livro do destino!
Que o túmulo cobria-me da vida.
Riram -se pasmos sem sondar-lhe o fundo.
O exilado está só por tôda a parte! Grande há de ser o drama, a ação gigante.
M ajestosa a lição! Luzes e trevas
Lutarão sôbre os orbes!
Vi o ancião da prole rodeado
O abismo soltará seus tredos roncos,
Sorrir-se calmo e bendizer a Deus,
E o frêmito dos mares agitados
Vi junto à porta da nativa choça
Se unirá ao das turbas.
As crianças beijarem -se a braçadas;
Mas de filho ou de irmão o santo nome
Ninguém me deu, e eu fui passando triste. Os reis convulsarão nos tronos frágeis
O exilado está só por tôda a parte! Buscando embalde sustentar nas frontes
As úmidas c o r o a s ...
Quando verei essas montanhas altas D e b a ld e !... o vendaval na fúria insana
Que o sol dourava nas manhãs de agôsto? Os levará com elas, envolvidos
Quando, 18 0 8 junto à lareira, as fôlhas lívidas Num turbilhão de pó!
Deslembrarei de meu sombrio drama?
Douda esperança! as estações sucedem Vis, abatidos, o fidalgo e o rico
E sem um gôzo vou descendo à campa. Sairão de seus paços vacilantes
O exilado está só por tôda a parte! Nos podres alicerces;

[ 532 ]
V O Z E S D A A M É R IC A

E errantes sôbre a terra irão chorando Eu não detesto nem maldigo a vida,
Mendigar um farrapo ao vagabundo, Nem do despeito me remorde a chaga,
E um pedaço de pão! Mas ah! sou pobre, pequenino e débil
E sôbre a estrada o viajor me esmaga!
Estranho povo surgirá da sombra
Terrível e feroz cobrindo os campos Que faço triste no rumor das praças?
De cruentos horrores! Que busco pasmo nos salões dourados?
O palácio e a prisão irão por terra, Verme, do lôdo me desprezam todos,
E um segundo dilúvio, então de sangue, 1^ 12 O pobre, e os grandes de esplendor cercados!
O mundo lavará!
Fere-me os olhos o clarão do mundo.
O sábio em seu retiro, estupefato. Rasgam-me o seio prematuras dores,
Verá tombar a imagem da ciência. E à mágoa insana que me enluta as noites.
Fria estátua de argila, Declino à campa na estação das flores.
E um pálido clarão dirá que é perto
O estro divinal que às 1813 turbas míseras E há tanto encanto nas florestas virgens;
Conduz a redenção! Tanta beleza do sertão na sombra;
Tanta harmonia no correr do rio;
Como aos dias primeiros do universo Tanta delícia na campestre alfombra;
O globo se erguerá banhado em luzes.
Reflexos de Deus; Que inda pudera reviver de novo,
E a raça humana sob um céu mais puro E entre venturas flutuar minh’alma,
Um hino insigne enviará, prostrada Fanada planta que mendiga apenas
Aos pés do Onipotente! A noite, o orvalho, a viração e a calmai
Irmãos todos serão; todos felizes;
Iguais e belos, sem senhor nem peias,
Nem tiranos e ferros!
O amor os unirá num laço estreito, A LUCÍLIA 1816
E o trânsito da vida uma romagem
Se tornará, celeste! Se eu pudesse ao luar, Lucília bela.
Queimar-te a fronte de insensatos beijos.
A 1814 liora se aproxima pouco a pouco; Dobrar-te ao colo, minha flor singela.
O dedo do Senhor já volve a fôlha Ao fogo insano de eternais desejos;
Do livro do d e stin o !...
Ergue-se a tela do teatro imenso, Ai! se eu pudesse de minh’alma aos elos.
E o mistério infinito se desvenda Prender tu’alma enfebrecida e cálida.
Do drama do Calvário! Erguer na vida os festivais castelos
Que tantas noites planejaste, pálida;

Ai! se eu pudesse nos teus olhos turvos


AS SELVAS Beber a vida da volúpia ao véu.
Bem como os juncos sôbre as ondas curvos
Selvas do Novo Mundo, amplos zimbórios. A chuva bebem que derrama o céu;
Mares de sombra e ondas de verdura.
Povo de Atlantes soberano e mudo Talvez que as mágoas que meu peito ralam
Em cujos mantos o tufão murmura. Em cinzas frias se perdessem logo
Como as violas que ao verão trescalam
Salve! minh’alma vos procura embalde; Somem-se aos raios de celeste fogo!
Embalde triste vos estendo os b ra ç o s ...
Cercam-me o corpo rebatidos muros. Oh! vem, Lucília! é tão formosa a aurora
Prendem-me as plantas enreados la ç o s !... Quando uma fada lhe batiza o alvor,
E a madressilva que ao frescor vapora
Pátria da liberdade! antros profundos; Os ares peja de lascivo a m o r ...
Vastos palácios; eternais castelos.
Mandai-me os gênios das sombrias grutas Sou moço ainda; de meu seio aos ermos
De meus grilhões espedaçar os e lo s !... Posso-te louco arrebatar comigo;
De um mundo novo na soidão sem têrmos
Ah! que eu não possa-me esquivar dos homens. Deitar-se à sombra de amoroso abrigo!
Matar a febre que meu ser consome,
E entre alegrias me arrojar cantando Tenho um dilúvio de ilusões na fronte;
Nas sêcas folhas do sertão sem nome! Um mundo inteiro de esperanças n’alma,
Ergue-te acima 1817 de azulado monte.
Ah! que eu não possa desprender aos ermos Terás dos gênios do infinito a p a lm a !...
O fogo ardente que meu crânio 1 8 IS encerra;
Gastar os dias entre o espaço e Deus
Nas matas virgens da colúmbia terra!

[ 533 ]
L U ÍS NICOLAU FA GU N D ES V A R E L A

RECITATIVO Quem de si mesmo desterrar-se pode?


Quem pode a idéia aniquilar que o mata?
Se eu te dissesse, Madalena pálida, Quem pode altivo esmigalhar o espelho
Fundo mistério que meu peito oculta, Que a tôrva imagem de Satã retrata?
Se eu dissesse que amargura estólida
Em mar de prantos meu viver sepulta; Quantos encontram inefáveis gozos
Nesses prazeres, para mim tormentos!
Se eu te contasse que tristezas fúnebres Quantos nos mares onde a morte enxergo
Meu seio rasgam por febrentas 1 8 1 8 horas, Abrem as velas do baixei aos ventos!
Que chamas vivas, que delírios lúgubres
Cercam-me o leito de infantis auroras; O meu destino é vaguear e sempre!
Sempre fugindo, a funeral lembrança,
Ah! tu que aos males desconheces, pérfida, Férreo estilete que me rasga os músculos.
O saibro impuro, o lacerante anseio. Voz dos abismos que me brada: — Avança!
Erguendo os olhos sobre o véu da dúvida
Talvez disseras a 1819 sorrir: — Não creio! Que pesar me consome! ai! não mais tentes.
Espera a lousa de um pesar profundo.
E no entanto quantas horas pávido Somente a morte encontrarás nas bordas,
Passei fitando teu divino rosto! E o inferno inteiro a praguejar no fundo!
Que longas noites ao deixar-te, trêmulo,
Torci-m e em crises de infernal desgosto!
CANTIGA
Ah! tíbia estátua, na friez do márnior
Sequer um brôto de paixão se oculta!
A vida esvai-se de meu peito débil Viajante que deixaste
E junto à campa mais a dor se avulta. As ondas do Panamá,
Vela ao entrares no pórto
Dize, impiedosa, que rigor satânico Aonde o gigante está.
Fêz de minh’alma o pedestal da tua,
E a teus olhares me encadeia fátuo Ele dorme, dorme, dorme,
Bem como o lago refletindo a lu a ! ... Mas nem sempre dormirá,
Basta um bafejo, um sussurro
Se, o peito opresso, a teus joelhos, lívido. Que o gigante acordará!
Gemesse — eu te amo! em derradeiro anseio.
Sei que mostravas-me um sorriso irônico. Viste as montanhas e os vales
Sei que disseras a sorrir: — Não creio. Daquelas terras de lá.
Talvez as veigas da Itália
E as rosas de Bagdá.
Mas uma plaga como esta
CHILDE-HAROLD 1820 Nunca enxergaste quiçá,
\Tajante que deixaste
As ondas do Panam á!
(S Ô B R E U.MA P Á G IN A DE B y RO N)
Contempla os índios valentes
Não te rias assim, oh! não te rias, Das florestas do Pará,
Basta de sonhos, de ilusões fatais! Escuta os sons das cascatas
M inh’alma é nua, e do porvir às luzes E os cantos do sabiá.
Meus roxos lábios sorrirão jam ais!
Curva-te ao guarda soberbo
Que pesar me consome! ah! não procures Que junto da barra está.
Erguer a lousa de um pesar profundo, Mede as vagas do Amazonas
Nem apalpares a matéria lívida E os campos de Paraná.
E a lama impura que pernoita ao fundo!
Colhe do rio nas margens
As brancas flores do ingá.
Não são as flores da ambição pisadas,
Dorme à sombra majestosa
Não é a estréia de um porvir perdida
Do excelso jequitibá.
Que esta cabeça coroou de sombras
E a tumba inclina ao despontar da vida! Volta depois a teus lares,
Conta o que viste por cá,
É êste enôjo perenal, contínuo, VTajante que deixaste
Que em tôda a parte me acompanha os passos, As ondas do Panamá!
E ao dia incende-me as artérias quentes,
Me aperta à noite nos mirrados braços! Mas olha que junto ao pôrto
Soberbo gigante está,
São estas larvas de martírio e dores Ele dorme, dorme, dorme,
Sócias constantes do judeu maldito. Mas nem sempre dormirá!
Em cuja testa, dos tufões crestada,
Labéu de fogo cintilava escrito!

[ 534 ]
V O Z E S D A A M É R IC A

O SABIÁ Que acorda e vibra ao fraternal suspiro.


Seja nas noites de tormenta e sombras
(C ançoneta) A nênia da avezita abandonada
No fundo das florestas; seja o grito
Oh! meu sabiá formoso, De convulsa alegria que resvala
Sonoroso, De um arco enfebrecido; seja a dúlia
Já desponta a madrugada, Da criança que morre, inda sorrindo
Desabrocha a linda rosa Aos rosados fantasmas da existência,
Donairosa, Quem é que d’alma no sacrário imenso
Sôbre a campina orvalhada. Não tem um pranto que ofertar-lhe, um ramo
Das saudosas lembranças do passado,
Manso o regato murmura Uma queixa também, embora cerquem-lhe
Na verdura Da vida os esplendores e p razeres?...
Descrevendo giros mil.
Some-se a estréia brilhante. Mas a tarde expirava; à luz tranquila
Vacilante Da sombra o espectro sucedia aos poucos
No horizonte côr de anil. Estendendo terror co’as asas largas.
Da névoa aos mantos o traidor d isfarça-se...
Ergue-te, oh meu passarinho, 18 2 1
Negro combate entre o demônio e o homem
De teu ninho. Trava-se h orren d o ... o pensamento escalda!
Vem gozar da madrugada. Avante, lago! Cássio tomba e morre!
Modula teu terno canto. Que sons são êstes? é do vento a queixa.
Doce encanto Ou a cantiga do pastor nos v a le s? ...
De minh’alma amargurada. Não há martírio que ao martirio iguale
De uma lembrança perfumada e pura
Vem junto à minha janela, Nos dias lutulentos da desgraça!
Sôbre a bela
Verdejante laranjeira, >822 Quando porém a devorante chama
Beber o eflúvio das flores, Pela terceira vez passou queimando
Teus amôres, A fibra delicada, e já sem fôrças
Nas asas de aura fagueira. Ela cerrou no peito a harpa dorida,
A pobre moça pressentiu que o gênio
Desprende a voz adorada,
Pedia notas que não há na terra!
Namorada,
Num turbilhão de férvida harmonia
Poeta da solidão,
Perdida, arrebatada, o olhar febrento
Ah! vem lançar com encanto
Anos de vida arremessava ao nada!
Mais um canto
Oh Deus! findar-se assim tão bela e jovem!
No livro da criação!
Porém tudo cessou, terror, encantos,
Tudo fundiu-se em lágrimas de fogo!
Oh! meu sabiá formoso,
Sonoroso,
Já desponta a madrugada; Chora, oh filha de Deus! chora, criança!
Deixa teu ninho altaneiro. Deixa em teus olhos de doçura angélica
Vem ligeiro Rolar as gôtas trêmulas de pranto
Saudar a luz d’alvorada. Como as estréias que brilhando fogem!
Quanto infeliz que torce-se de angústias.
Ou entre os ferros da prisão delira,
Pediria por prêmio de seus males
HARMONIA Uma lágrima só dêsses teus olhos!

Quem uma vez no decorrer da vida


Como o barqueiro que ao luar dc outono Não sentiu êsse encanto irresistível
A mercê da corrente o lenho entrega Que impele o coração, prende-o nos laços
Todo embebido a contemplar o céu; De um mistério indizível e celeste,
Como a criança que nas veigas providas E o faz curvar-se num enleio etéreo
Esquece a choça paternal correndo Como ao fresco da noite as rosas ú m id as?...
Ao giro incerto da falena douda, Filha da dor, oh lânguida harmonia I
Ela seguia o pensamento místico Língua do gênio, da paixão sem peias.
Que agitava-lhe o espirito, e perdia-se Amplo caminho entre Satã e Deus!
Sôbre as ondas de um rio harmonioso Ah! quem pode saber a história eterna
Deixando a praia e namorando os astros 1 Que um’alma ardente em teus suspiros ouve?.
Que esplendor a cercava! Que perfumes Percebe-se um olhar, um movimento,
Ondeavam no tépido recinto Uma lágrima rápida e sentida,
Onde o cantar plangente se estendia É fundo arcano o resto, e tão vendado
Deixando um rasto de abrasadas notas! Como o da morte, d’amplidão do tempo!
Que sentimentos rebentavam n’alma
À vibração dorida desses trenós! Ah! se eu pudesse levantar o véu
Ah! cada nota tem no seio humano Que de teu seio escurecia o fundo,
Uma nota que dorme, irmã chorosa, E através dêsses vividos diamantes

[ 535 ]
L U fS NICOLAÜ FAGU N DES V A R E L A

Que molhavam-te o rosto como à aurora Quando das franjas do Ocidente róseo,
Na pálida camélia o orvalho frio, Um raio ainda me clareia o cárcere,
Descobrir êsses paramos sublimes, E um tom suave de tristeza e luzes
Mundos de maravilha, onde a harmonia Mistura o dia à palidez da noite,
Arrojou-a sorrindo, como as vagas Eu lembro-me de ti!
O nauta exausto num império esplêndido!

O canto prosseguia ousado e forte.


Pleno das pompas festivais do estio;
E ra depois da tempestade, a aurora
Cobrindo o globo de fulgor e glórias; Eu lembro-me de ti, porque teu seio
O rouxinol curvado e entristecido Guarda um tesouro de piedade santa,
Ergueu-se vivo e, 1823 sacudindo as plumas E nesse instante que o pesar duplica
Molhadas pela chuva, a voz desprende Faltam -m e as vozes de teus lábios meigos
E a terra inunda de sonoros quebros! E o doce orvalho de amorosos olhos!

M inh’alma debatia-se, arrastada


Entre a morte e a vida, a dor e o gôzo!
Todos os sonhos e ilusões da infância
Passaram-me na m e n te !... e eu via o mundo
Erguer-se como outrora, os campos verdes. Quando nas bordas de meu leito escuro
As serras azuladas, o barqueiro Fatais espectros de pavor se cruzam,
Cantàndo à beira d’àgua, e a fôlha prima E exausto, e livido, eu procuro embalde
De minha história se ostentar brilhante O grato sono que meus olhos deixa,
No pórtico da vida! Após no espaço Eu lembro-me de ti!
Vi passar uma nuvem pardacenta
E o sol escurecer no treno excelso:
Depois surgiu mais resplendente e belo,
E sôbre um prado de eternal frescura,
À 1824 margem de um ribeiro circulado
De tênues miosótis, levantou-se Eu lembro-me de ti, porque saudosa
Uma linda mulher que me sorria! Sonho-te a imagem soluçando ao longe,
E a fronte curva, e umedecidas pálpebras,
Tudo passou-se num minuto. O canto Meu nome dizes ao tufão que passa,
Tinha cessado. No salão deserto A brisa douda que te morde as tranças!
Ardia um círio apenas, e formosa, 1825
Coroada de amor e de promessas, *
E la fitava-me um olhar sem fundo! * *
Doudo, abrasado o coração e a mente, 1826
Arrojei-m e a seus pés!
Quando meu corpo se debate em febre,
A amendoeira E a lava ardente nas artérias corre;
Pejava o ar de eflúvios odorantes,
O vinho da volúpia fermentava Quando cruenta, de funéreos risos.
Nas entranhas do globo! Pressinto a morte levantar-se perto,
Eu lembro-me de ti!

ESTÂNCIAS

Quando à tardinha rumorejam brisas Eu lembro-me de ti que és minha vida,


Roubando o aroma das agrestes flores, Último alívio neste mundo insano,
E doce e grave, nas viçosas matas. Anjo-da-guarda que à minh’alma aflita
Mais triste canto o sabiá desata, Pudera as trevas espancar co’as asas.
Eu lembro-me de ti! Lavar-lhe as manchas num Jordão de lágrimas!


* *

Eu lembro-me de ti, porque tu’alma A i! tudo os homens entre nós quebraram,


É o sol de minh’alma e de meu gênio; A paz, o riso, as esperanças áureas;
E neste exílio que infernal me cerca. Mas de teu peito me arrancar não podem,
M ísera planta, 1827 desfaleço e morro
Nem a minh’alma desprender da t u a !...
Ao frio toque de hibernai geada!
Eu lembro-me de t ü . . .

♦ ♦

[ 5.S6 ]
VOZKS DA AMÉRICA

O MAR Brotaram continentes cujas grimpas


Iam bater n’abôbada cerúlea;
Sacode as vagas de teu dorso imenso, Teus paços de coral e de esmeraldas
Oh profundo oceano! Ergue-as altivas Encerravam princesas vaporosas,
Com seus frígios barretes! Em vão tentam I.ouras ondinas, encantados gênios,
Lutar contigo temerárias frotas, Soberbas divindades! Entretanto
Traçar-te raias a vaidade humana! Viste tudo cair! riscada a Atlântida
Tu és eterno c vasto como o espaço, Da face do universo, os brônzeos deuses
Livre como a vontade onipotente. Desterrados p’ra sempre, e só restou-te
Uma voz gemedora que chorava:
Régio manto do globo! povo infindo — Já não vive o deus Pan! oh! Pan é morto!
De soberbos T itãs! gênio da fôrça.
Salve três vêzes! . . . Das espáduas amplas Oceano sem fundo! vagas túmidas.
Derribas todo o jugo que te oprime. Abismo de mistério, ah ! desde a infância,
Tragas gigantes de carvalho e cedro, Prêso na teia da atração divina, 1831
E a fronte erguendo majestosa e bela Eu vos busquei sedento! sôbre as praias.
Diademas de pérolas atiras Curvas como os alfanges dos eunucos,
Às estréias do céu, e ao mundo cospes Eu me perdia nos dourados dias
A férvida saliva em desafio! Da santa primavera, ouvindo os brados
Dos marinhos corcéis, molhando as plantas
Na gase salitrosa que envolvia
Quantos impérios celebrados, fortes, 18 2 8 A areia cintilante! após mais tarde
Não floresceram de teu trono às bases. Sentava-me no cimo dos rochedos.
Sublime potestade! e onde estão êles? Suspirando de amor aos verdes olhos.
O que é feito de Roma, Assíria e Grécia, Aos moles braços cpe do salso leito
Cartago, a valorosa? As vagas tuas Erguiam-se tão meigos e ad o rad o s!...
Lambiam-lhe os muros, quer nos tempos
De paz e de bonança, quer na quadra Amo-te ainda, oh mar! amo-te muito,
Em que chuvas de setas se cruzavam Mas não tranqiiilo umedecendo a 1832 proa
A face tôrva das hostis falanges! Da gôndola lasciva, nem chorando
Tudo esb’roou-se, se desfez em cinzas. Às carícias da lua! Amo-te horrível.
Sumiu-se como os traços que o romeiro Arrogante e soberbo, repelindo
Deixa da Núbia na revolta areia! Os furacões que roçam-te nas crinas.
Só tu, oh mar, sem têrmos, imutável Quebrando a asa de fogo que das nuvens
Como o quadrante lúgubre do tempo. Procura-te domar, batendo a terra
Ruges, palpitas sem grilhões nem peias! Com teus flancos robustos, levantando
Triunfante e feroz no tredo espaço
Nunca na face dêsse azul sombrio, A cabeça vendada de ardentias!
Onde tranqüilas, ao chorar das brisas.
Poesias do céu, flores do éter. Amo-te assim, oh mar, porque minh’alma
As estréias se miram namoradas, Vê-te imenso e potente, desdenhoso
Nunca o fogo e a lava, a guerra e a morte, Rindo às quimeras da cubiça humanai
A armada dos tiranos há deixado Amo-te assim! ditoso no teu seio
Um vestígio sequer de seus destroços! Zombo do mundo que meu ser esmaga,
Tal como à tarde do primeiro dia Sou livre como as vagas que me cercam
Que ao orbe clareou, hoje te ostentas E só a 1823 tempestade e a Deus respeito.
Na tua majestade horrenda e bela!
Salve, oceano onipotente e eterno!
Espelho glorioso onde entre fogos Santo espelho de Deus, três vêzes salve!
Se mostra onipotente, nas tormentas, 1829
A face do Senhor! Monstro sublime
Cujas garras de ferro o globo abraçam
Até que um dia, quem o sabe? exausto ORIENTAL
Lance o último alento! ah! no teu seio
Talvez tremendo espírito se agite.
Virgem! minh’alma te adora
Misto sombrio de paixões sem freios.
Como a abelha de Misora
Cuja expressão vislumbra-te no rosto.
As flores prenhes de mel,
Ora hediondo de compressos músculos.
Como a sultana formosa
Ora suave como o louro infante A nota triste e amorosa
Sôbre o seio materno, ora cruento Da lira do menestrel.
Gotejando suor, escuma e raiva!
Anjo! minh’alma te busca
Níobe eterna! de teu ventre túmido Como o inseto que se ofusca
Os monstros dos abismos rebentaram, 1830 Dos círios à escuridão,
Em cujo dorso de argentadas conchas Como a clícia desmaiada
Os raios das estréias resvalavam; A carícia enamorada
De teu lôdo fecundo, inextinguível. Das asas da viração!

[ 537 ]
iiX :ís s r i c o i . A x ' fag u n d es v a e e t .a

Ai! vem, divina criança, Êle jovem romântico, deixava


Vem, minha douda esperança, Correr a vida como o índio à noite
Que eu aqui te espero em prantos; O lenho errante ao deslizar do rio;
Vamos errar nessas plagas. E la meiga e amorosa, ao braço dêle,
Aonde na praia as vagas Como a andorinha que da tôrre emigra.
Soluçam sentidos cantos! Ia pedir aos ares do deserto
Sôpro de vida a seus pulmões enfermos.
O h ! .. . lá, minha doce amada. Êle era louro e belo como a imagem
Plácida a lua encantada, De um deus erguido nos altares gregos;
No céu de azulada côr, E la era como a rosa linda e pálida
O grato aroma das rosas Que em noites de luar a fronte encosta
Nas veigas deliciosas Na haste umedecida pelo orvalho.
Tudo, tudo inspira a m o r !... Êle tinha no rosto o viço e a vida,
E la na face lânguida e saudosa
O Ganges dorme sonhando, De mórbido palor o véu sentido.
Meu batei se embala arfando
Sôbre as ondas de cristal;
Foram ; e a brisa de esperanças doces.
O rouxinol inspirado
Modula o treno adorado De seu batei arredondava as velas
Como de Esm irna a viração cheirosa
Nas sombras do laranjal!
T o ca o navio do maltes pirata
Carregado de cânfora e de incenso.
O h! ao pálido luar
Foram ; só Deus, a noite, o céu e os a.stros
Como é celeste pousar
Poderiam contar os róseos planos
A fronte num seio amado!
Que êles tinham na mente, e os sonhos de ouro
Trem er de amores um’hora
Que lhes passavam pelas frontes puras.
Como a bela de Misora
Nas maravilhas do prado!
As brilhantes canções das aves meigas.
A i! vem, divina criança. Aos eflúvios das flores campesinas
Vem, minha douda esperança, Na margem da floresta, em choça amiga,
Que eu aqui te espero em prantos; Um mês passaram de inefáveis gozos.
A noite aos poucos declina No leito mole de sombria relva
E sôbre o rio a neblina Dormiam juntos ao calor da sesta
Desdobra seus tênues mantos. Entre o sussurro de indolente arroio
E o perpassar de forasteiras brisas;
Se tu soubesses que chama Cantavam junto à porta à luz da tarde,
O teu olhar me derrama N ’aurora erravam pelos campos úmidos
Nas fibras do coração! Relendo a história dos primeiros beijos
Que belos mundos diviso, E o drama inteiro de um amor nascente.
Que gozos do paraíso E no entanto no ebriar do gôzo.
Eu sinto ao cerrar-te a mão! De dia em dia ela pendia a fronte
Como o salgueiro à margem das lagoas!
Se tu soubesses que dores,
Que medonhos dissabores
Eu sinto dentro do peito, Amaram-se e viveram como os anjos.
Ai! tu virias comigo Das harpas da ventura as cordas tôdas
Sonhar das veigas no abrigo, Em doces cantos desferiram rindo,
Das folhas verdes no leito! Até que um dia ao despontar d’aurora
Êle nos braços a sentiu gelada!
Tu verias que tesouro, Então ergueu-se lívido, sem prantos,
Que mistério imorredouro Sem uma queixa ao menos e um suspiro,
Eu te mostrara, q u e rid a !... E do sumo de plantas venenosas
O h! por um instante, virgem. Encheu a taça e a devorou de um trago.
P or uma doce vertigem Depois beijando-a sôbre os lábios roxos
T e daria minha vida! E unindo-a ao seio num enlêvo fúnebre,
Como um noivo deitou-se ao lado dela.

Vi-os partir ardentes de esperança;


POEMA
Tinham sonhos sem fim na mente ocultos
E um mundo inteiro de esperanças n’alma!
Na suave estação do grato estio
E no entanto os esperei debalde!
Quando as campinas vestem-se de flores,
O outono, a primavera, o estio, inverno
E os passarinhos sacudindo as plumas
Passaram sonolentos sôbre a terra
A natureza pejam de cantigas;
Mas êles não v o lta v a m !... Na romagem.
Quando os pomares vergam-se rangendo
Pude apenas, buscando-os, com meu pranto
Ao doce pêso de dourados frutos.
Regar a lousa fria de seus túmulos!
Vi-os deixar o turbilhão das turbas
Para perder-se além das sarranas
Como um casal de cândidas rolinhas.

[ 538 ]
VOZES DA AMÉRICA

A SERENATA Numa vida de luz, — de amor e cantos


Palpita a criação. Enquanto é dado
(U hi.and) Abrir as asas, — transpirar perfumes, 1838
São felizes a flor e o passarinho,
Oh minha mãe, que harmonias Até que aos ventos se desfolhe aquela,
\'êm meu sono interromper! E êste morra nas selvas!
Não o u v is?... ai! são tão belas
Que me sinto reviver! Mas o homem doudeja entre martírios.
— Dorme, filhinha, é o delírio Fecha os olhos às glórias do presente
Que te causa a febre ardente; E caminha, — e caminha! — Uma esperança
Quem tocará serenatas Douda e sem têrmos lhe alumia a estrada,
Na porta de um doente? Mas no fim da jornada acha um abismo.
— Não é música terrestre Entretanto é bem ta r d e !...
Que ao sono rasgou-me o véu;
Oh mãe! é o côro dos anjos Depois que o sangue se gelou nas veias,
Que me chamam para o céu! 1834 Depois que o coração calou seus estos,
Com o sangue e coração, a alma esvaiu-se!
E além da lousa fria de um sepulcro
So existe o silencio — a treva — os vermes,
FRA G M EN TO S O esquecimento e o nada!

Quem mais feliz? — O Imvelace pálido


Sóbre seios macios repousando
De epicurista a fronte, ou pobre monge
G U A LTER , O PESCA D O R Que em desejos ardendo à noite geme
Na cela rigorosa, e o chão inunda
De lágrimas de fogo?
FRAGA/iENTOS Êste espera a ventura, — aquêle a goza.
Exausto de prazer à tumba desce;
(A 1835 Antônio Manoel dos Reis ) Êste morre crivado de cilícios,
E a eternidade que esperava ardente 1839
Foge ao dobre do sino dos finados
E ao rasgar da mortalha!
A vida é uma jornada perigosa
Do berço à sepultura. Pobres dêsses Por mim que o mundo bafejou de escárnios.
Que abandonam as flores perfumadas Por mim que a sorte circundou de angústias.
Da margem do caminho, na esperança Creio na taça que meus lábios tocam.
Da eternidade que se perde ao longe Creio nos raios que meu rosto crestam.
Entre as sombras da dúvida! Creio nas sombras que meu ser envolvem,
E creio nos- sepulcros!
Pobres dêsses que os sonhos deleitosos.
Os dias de prazer, — as áureas noites Nas asas frias de irritados ventos
Deixam por gozos de existência dúbia, Doudeja a fôlha. O manacá cheiroso
E na terra correndo atrás das nuvens. Cai sóbre o rio, — a correnteza o leva,
Vão bem depressa tropeçar na campa O bote errante na soidão dos mares
Sem um riso sequer! Pula, — se estorce, — beija a onda e os céus
E quebra-se nas rochas!
Argonautas sem nau que em noite imensa
No mar da vida a tiritar vagueiam E como a fôlha, — o manacá cheiroso
Do velo de ouro da ciência em busca, E o bote errante, divaguei na vida!
Despidas frontes que a vaidade humana Por tôda a parte só topei martírios.
Cercou de louros, — coroou de glórias Espinhos sempre em miseráveis leitos,
E adora de joelhos! Fel e absinto pelas taças tôdas
Onde a bôea encostei!
Desvairados filósofos, — teólogos, Se à meia-noite, — suarento, — frouxo, 1840
Até quando quereis à turba estulta
Pedi um canto onde dormir pudesse,
Encobrir as verdades? — Até quando
Como ao leproso me apontaram ríspidos
Nas plagas nebulosas da quimera,
O campo imenso de pauis cobertos!
No dédalo confuso dos fantasmas
Caminha, me disseram, e outro Ashaverus,
A levareis de rasto?
O que havia eu fa z e r? ...
As tormentas do céu não duram sempre! Mas o meu corpo é gotejante e frio,
Apenas foge a bruma, — radiante Meus nervos tremem como as cordas sôltas
A estréia ressuscitai — No deserto De uma iiarpa abandonada, — meus puimões
O lótus, 1836 desmaiado ao sol ardente. Sorvem convuisos um vapor de morte,
As 1837 lágrimas da noite abre tremendo Ah! deixai-me dormir que já não p o sso ...
A lúcida corola! Não! caminha! caminha!

[ 539 ]
l iü íS NIOOLAU FAGUNDES V A R E L A

Que esperar mais do mundo? — Onde tranqüilo O lhai: lá em baixo, na arenosa praia
Um altar encontrar de amor e crenças, Onde a vaga indolente se espreguiça
Onde achar a virtude? Assim as rosas Bocejando na areia,
Um a por uma sôbre o chão caíram, E os manacás transbordam de perfumes,
E a fronte jovem se cobriu bem cedo E a viração nas pitangueiras úmidas
De pavorosas rugas! As folhagens meneia;

Como Fausto e Manfredo eu tive amigos, Junto à cabana, com a rêde aos ombros,
Fiz bem a muitos homens, — de joelhos O moço pescador contempla o céu
No silêncio da noite ergui meus cantos E se apresta a partir;
Ao Senhor das esferas, e no entanto De um lado a esposa busca em vão retê-lo,
De tudo o que tirei? — enôjo — tédio. E o louro anjinho que sustém no colo
Angústias e m artírios! Brinca c põe-se a sorrir.

Na enxêrga da miséria acaba o gênio. — Não partas hoje — diz a moça pálida.
Gasta-se o fogo que do céu descera, Em cujos olhos divinais se espelha
Mas a infâmia coroa-se de louro, A candura do céu; —
A intriga dorme em perfumados leitos. — Porque, minh’alma?
Repousa o vício ao fumegar do incenso, — Deus! não sei, mas sinto
E ao sussurro das harpas. Meu coração que anseia entristecido
Dos presságios no véu!
Não quero em nada crer! — a mim que importa
Que o homem desça à região das sombras — Que loucura! — Não vês? — o mar é calmo
Ou lá no Empíreo se inebrie em luzes? Como nossa filhinha que em teus braços
Tudo é dúbio, trevoso, — tudo é falso, Se balouça contente;
Uma coisa há real, — ninguém o nega —
E à flor das águas os peixinhos pulam,
E ’ a morte somente!
Reluzindo as escamas prateadas
À luz do sol nascente.

O mancebo calou-se. A madrugada


— Ah! G u a lte r!... Gualter, eu não sei que tenho,
Veio rompendo encantadora e bela.
Mas voz sinistra me murmura n’alma
Cobrindo o véu de flores. Os convivas
Que não deves partir!
Curvavam-se cansados sôbre a mesa,
Mas dêste estranho canto 1841 uma palavra — Não te aflijas, querida, — diz o moço
Sequer ninguém perdeu. Afagando-lhe a fronte — e os outros dias
Não se faz ela ouvir?

— Sim, — tôda a vez que nesse lenho estreito


V ejo-te ousado abandonar a pátria.
GUALTER, O PESCADOR
Tenho sempre terror!
Mas hoje mais que n u n c a !... oh! f i c a ... fica,
(A 1842 A n t ô n io M a n o e l dos R e i s ) Eu te imploro por mim, por nossa filha.
Por todo o nosso amor!
I
O mancebo concentra-se. Uma sombra
Sôbre as ondas de anil do mar profundo Parece a testa lhe enrugar de leve
Surge a esfera de luz banhando as plagas E os olhos enturvar.
De esplêndido clarão; Porém cedo sorri, ergue a criança
O mundo acorda, e a natureza escreve Do regaço materno, e entre carinhos
Um canto ainda sôbre o livro eterno A começa a beijar.
Da imensa criação.
— Então não p a r te s ? ... ■—■diz a espôsa alegre
E ’ dia. Agora nos sertões remotos A rêde lhe tomando.
O caçador embrenha-se cantando — O h! não, — não posso,
Da serra nos desvios, E ’ preciso ir ao mar.
O lenhador abala o mato virgem, — Meu Deus! — Que queres? amanhã, responde,
E a patativa se desfaz em trenós O que havemos comer? — A moça cala-se
Junto à beira dos rios. E se põe a chorar.

E ’ dia! — é dia! — E haverá quem durma A h! mísero daquele a quem no berço


Quando a terra palpita de volúpia O arcanjo da opulência abrindo as asas
Aos afagos da luz? A fronte não roçou!
Quando a abelha desmaia sôbre as flores. Pom os vedados são da vida os gozos,
As flores sôbre o vento, e o vento errante E a taça de hidromel torna-se em lúpulo
Sôbre as ondas azuis? Apenas a tocou!

[ 540]
VOZKS DA A M ÉRICA

Sonhar no ênno, — no palmar — quem sabe, Pesadas massas de profundas trevas


Ou sóbre as relvas esquecidas horas Vão pouco a 1845 pouco se ajuntando, e rolam
Em delícias de amor, Entre surdos rugidos!
E ter por sócia uma tristeza eterna, Os relâmpagos surgem, — passa o vento
E em vez de afagos que sonhara ardente Da selva escura arrebatando aos cedros
Suarento labor! Funerários gemidos!

Mais doce agora rumoreja a brisa, De mais a mais o espaço se escurece,


Das níveas flores dos ingás viçosos Repetem-sc os trovões, o mar inquieto
Juncando o branco chão; Fustiga as penedias,
O moço se prepara; — é belo o vento. Um dilúvio de queixas e bram idos
Rico e fértil o mar. — Ester, sossega, Percorre os ervaçais e vai perder-se
Não me detenhas, não! Nas longas serranias!

Chorosa e triste a meiga esposa o segue Ai! o moço não vem; trêmula a esposa
À longa praia, onde o batei esguio Corre à praia assustada e os olhos crava
Vai e vem sóbre a vaga. Ansiosos no mar!
Beija-lhe a fronte; diz-lhe adeus, c clama
Mas apenas divisa em fúria insana
Até que a vela abandonando a terra,
Vagas e vagas que, i®^^ encurvando o dorso,
No horizonte se apaga!
Vão aos céus topetar!

Então busca a choupana. Junto ao leito,


Uma imagem da Virgem se levanta
Em doce compunção. 1®'17
Ester acende um círio e de joelhos.
Põe-se o sol. Merencório o céu se tolda
Apertando a filhinha ao seio opresso.
Em véus de brumas, que deixando os montes
Murmura esta oração:
Desenvolvem-se aos poucos.
Ligeiras virações o mar escrespam,
E um cardume de pássaros se arroja — Oh branca rosa do céu.
No espaço em pios roucos. Oh bela estrela de amor,
Que no teu cândido véu
Sorris aos pés do Senhor;

Vós que vindes do sul, oh! níveas garças. Tu que dos anjos cercada, 1848
Beijando as ondas que o calor amorna. T.á no império da luz.
Dizei, — dizei o que anuncia o vento Beijas a fronte adorada
Que mais velozes vossas plumas torna? Do condenado da cruz;

Dizei que sombra funerária é essa Volve, — volve brandos olhos


Que as córes mancha da cerúlea tela, Sóbre os míseros que a sorte
E as fundas rugas que a tremer se cavam Por entre horrendos escolhos
Do salso império sóbre a face bela? Leva aos abismos da morte!

Oh! não mintais! — se a tempestade é perto Curva-se o mato gemendo.


E o mar à luta os vagalhões prepara, Cobre a terra escuro véu,
Quero contrita me prostrar chorando
O mar arroja tremendo
Aos pés da Virgem que os mortais ampara!
A fria saliva ao céu.

Dizei, dizei o que anuncia o vento


Mas ai! que talvez. Senhora,
Que mais velozes vossas plumas torna,
Quando o raio estronda e cai,
Ligeiras garças que do sul partistes.
Beijando as ondas que o calor amorna! A espósa viúva chora,
Chora a filhinha seu pai!

Oh branca rosa do céu.


Oh bela estréia de amor.
E a tribo errante que atravessa o espaço 1843 Tu que em teu cândido véu
Vai sóbre as asas de irritados ventos Sorris aos pés do Senhor;
Perder-se n’amplidâo; 1844
Sentada à porta contemplando as nuvens,
Ester mostra no rosto descorado Volve, volve brandos olhos
As sombras d’afliçâo! Sóbre míseros que a sorte
Por entre horríveis escolhos
Leva aos abismos da morte!

[ ó-U ]
L U ÍS K IC O LA U FA G U N D E S V A R E L A

Um momento o oceano, a terra, as nuvens Mas o mancebo desespera e clama,


Parece que emudecem, os tufões E nos seus olhos relampeja a chama
Abafam seu rugir, De lívida descrença!
O horizonte clareia, as brisas passam,
E uma réstia 1849 de luz rasgando o espaço O h! se há um Deus que o valha! — as penedias
Faz a onda sorrir! Erguem -se perto ríspidas — sombrias,
Do mar 1851 sanhudo ao desabrido açoite,
Santa Virgem do céu! eu te bendigo, Bulcão medonho sôbre o abismo desce,
Eu te bendigo, oh Deus, E o batalhão da morte aumenta e cresce
Que ouviste minhas preces e lamentos, Na caligem da noite.
Que ouviste m e u s ...

II O batei vai e vem ; — retalha a espuma.


Some-se às vêzes no lençol da bruma
E vai girando topetar no céu;
O temporal rebenta! escuras vagas E o moço exausto na vertigem louca
Pulam sem freios nas marinhas plagas Lança à praia uma queixa insana e rouca
Como nos ermos os corcéis bravios; Através do escarcéu.
Tom bam torrentes d’amplidâo do céu.
Os ventos berram do bulcão no véu
Em longos tresvarios! O h! p ie d a d e!... piedade! — exangue, fria.
Grita a infeliz nas sombras d’agonia —
Mas nesse instante ruge o furacão.
É tarde, — há muito nos ferais negrumes
Ergue-se um grito — horripilante — extenso,
O sol sangrento mergulhou seus lumes.
Um clamor dolorido, eterno, imenso,
Bem como um brigue devorado em chamas,
Dos mares n’amplidâo!
A terra anseia, — os pinheirais se abalam,
E das florestas os T itães estalam
Lacerados, sem r a m a s !.., E s t e r ! .. . Adeus p’ra sempre — o raio passa
E à luz vermelha que o oceano abraça
A h! mancebo, onde estás? ■— com que perigo En tre vozes de horror some o batei,
Nas altas vagas sem governo e abrigo E os ventos berram nas espumas frias,
Lutas ardente, mas talvez em v ã o ... E as vagas brigam funerais, — bravias, 1852
E os gênios surdem com tremendos laços, Nos ombros do parcel!
E a morte fria te sacode os braços
Nas asas do tufão! Tudo fin d o u -se!... sem calor, sem vida,
E i-la m ártir de amor no chão caída.
Trem ente, — em prantos, abatido o rosto, Na sôlta areia que a tormenta orvalha
No olhar a chama de cruel desgosto. A onda chega, — depois foge em prantos,
Corre a esposa infeliz à longa praia; Depois a leva com funéreos cantos
Mas ai! — é negro o céu, raivoso o mar, Na úmida m o rta lh a !...
E nesse caos que volve-se a 1850 bradar
Debalde a vista e s p ra ia !... I I I

— Meu Deus! Senhor meu Deus! tudo é perdido -


O A rcanjo de Deus que lá no Empíreo
Murmura a triste em túrbido gemido
O livro guarda do fatal destino,
E se arroja chorando sôbre o chão, E a morte de E ster decretado havia
O vento chora de a enxergar talvez
Com letras ígneas na sangrenta fôlha,
E a onda imensa vem beijar-lhe os pés
Ia gravando vagaroso e lento
Rasteira como um cão!
O nome do mancebo, mas de súbito
Um a idéia lhe surge, a mão vacila,
Mas silêncio! das vagas no conflito V olta ao com êço da funérea página
Súbito se ouve um pavoroso grito! E com trêmulo dedo apaga as letras
Ergue-se a moça qual ferida corça. Que tinha com eçado!..............................
Sacode as tranças, o vestido agita, Inda era cedo! no trevoso drama
E o louco impulso de su’alma aflita Inda uma cena de terror faltava!
P or comprimir se esforça. O mancebo está salvo! ai! quem dissera.
Poupando a vida, que amargor prepara,
É ê l e ! . .. é G u a lte r... — levantando à proa O negro gênio que desdobra a teia
Move aturdido a trêmula canoa E a vida tece dos humanos sêres!
Que anseia, e salta na fervente espuma
Que as ondas cospem sôbre o lenho ousado, Sim, o moço está salvo! — nos abismos,
E o vento envolve o pescador cansado Rôto, —■ em pedaços o batei repousa,
Na mortalha da bruma. Mas na luta infernal, — no douto giro
Em tôrno à penedia, — o acaso — a sorte
E i a ! . . . não temas! — reza a Deus e aos santos, Ao duro embate o pescador lançara
— Brada a consorte desvairada em prantos. Sôbre um tecido de marinhas plantas
Medindo em ânsias a distânsia imensa — Que as frias bases do rochedo enlaça.

[ 542 ]
VOZES DA AMÉRICA

Foi quando aos lábios lhe escapou tremendo E corre — e voa, e vai chegar sem fôlego
Aquele adeus final, o frágil lenho À porta da cabana.
Para nunca se erguer baixou em lascas — Ester! — exclama —
No seio imenso da cruel voragem. Porém nada responde; a ventania
Braveja no ervaçal, sacode as plantas
Longo tempo sem forças — desmaiado E da misera choça invade as frestas
O moço fica nessa móvel cama Em longos assobios! — O mancebo
Circulado de espuma e de ardentias. Faz um supremo esforço, impele a porta
Mas pouco a 1853 pouco a vida vem tornando E se arroja de um salto no aposento!
E com ela a razão, a calma, o ânimo:
E ’ forçoso pensar, — buscar a praia.
Ver a filhinha, sossegar a esposa Mas oh! quadro de h o rro r!... oh! negro quadrol
Ester não está. — Entorpecida — fria.
Que há poucas horas no terror da morte
Longe — perdidas para sempre cria! Cansada de chorar o pobre anjinho
Estremece no chão — molhada e nua!
Uma vela de cêra — amarelenta
Louca esperança!... iluminado sonho. Sob denso morrão crépita e chia
Miragem de ventura em céu de sangue.
Junto à imagem da Virgem que tranqüila,
Poucos instantes durarão teus brilhos! Olhos postos no céu, 1856 sorrir parece!
Como as lavas ferventes do Vesúvio,
Como os fogos do raio que rebenta.
Surges — clareias, e depois só deixas Santa esposa de D e u s!... mulher divina
Um rastilho de cinzas e betum e!... Que do abismo da morte esgueste o homem.
Consolo dos mortais, — doce refúgio
Gualter está na praia, as vestes rôtas, Das almas tristes, que o pesar lacera,
O corpo gotejante, os nervos trêmulos, Como agora és m edonha!... oh! como agora
Sacode-se ofegante, como a lontra Dêsse pálido círio à luz mortiça
Na borda da torrente, lança um grito Enches de horror e fúnebres angústias
De júbilo e triunfo, e acelerado Tudo quanto te cerca e te contempla!
Se arroja à habitação!
Hirtos cabelos, — convulsivos lábios,
Mas um triste chorar chega-lhe ao ouvido! O mancebo se arroja de joelhos
Um chorar de criança, — débil — fraco, E nos braços levanta a pobre infante
Repassado de angústia! Oh! fala! fa la !... desditoso anjinho.
— Oh! minha filha! Triste filha do amor e desventura,
Oh! filha de minh’alma! — grita o moço __ Onde está tua mãe? oh! f a la !... fala!
Mas nesse instante, 1854 do palmar no cimo.
Ave de morte desprendeu seu canto, Mas ao brando calor do peito amigo.
E as asas negras sacudiu na sombra! Ao doce bafo que lhe aquece o rosto
E a vida incute nas geladas veias.
O pescador se benze, e o calefrio Abre os olhos azuis a inocentinha
Uma por uma lhe percorre as fibras; E ri-se, — e brinca nos paternos braços!
Apressa o passo mais, a cada instante — Grande Deus do universo! tem piedade,
Tropeça e pára, respirando em ânsias — Exclama o pescador — e em frias ânsias
O quente bafo que a tormenta exala. Sai da cabana e se arremessa à praia
— Ester! vem, que aqui ’stou! — grita o mancebo Em altos gritos acordando os ecos!
Arquejante — cansado... — A ü . .. tudo é surdo!

As folhagens se agitam suspirando,


ooltam as aves desabridas queixas, Vai serenando o mar, — do céu as sombras
E nesse mundo que delira e clama. Fogem aos poucos, as estrelas surgem
De quando em quando ao perpassar do vento E brilham vivas como abelhas de ouro
Mais fraca e triste, — mais pungente ainda Nas fundas dobras do xerúleo manto.
Vem dolorida a voz da inocentinhal... A floresta se cala e o vento brando
Suspira a mêdo nas folhagens úmidas,
Onde está tua mãe que não te escuta? Como um povo de silfos que ressona!
Onde está tua m ãe?... Porém, oh! céus!
Um medonho trovão brame no espaço, A tormenta cessou, mais ai! na terra
O raio passa e vai morrer na onda. As tormentas do céu são as menores!
Tenaz, imensa, devorada em chamas Uma réstia de luz as doma e pisa
Que referve na espuma que a circula. Como ao bravo corcel que o freio abate;
Uma idéia sinistra e lutulenta, 1855 Mas as que surgem nos humanos peitos
Como essa frágoa que queimara a nuvem, E a vida cavam nos medonhos choques,
Roça n’alma do moço que se esforça; Essas são longas — eternais — sem luzes,
Vence a fraqueza que lhe vai no corpo Nem brisas, nem manhã, que a fúria apaguei

[ 543 ]
I.X’ Î S KTC'OIiAU FAOÜNDES VAKELA

Mas silên cio !... silêncio! a noite é calma, Depois tudo se cala. No infinito
O oceano cansado, e a natureza As estrelas despertam-se mais vivas,
Em seu leito de paz adormecida... O oceano se acalma, e junto às 1859 rochas
Porém que vozes doloridas — tristes. Uma onda indolente que se estende
Erguem-se agora lá da praia extensa Arroja aos pés do moço transviado
E os ecos pejam de agonia e morte? Alguma cousa de medonho — informe.
Pavoroso — infernal, que o faz de um salto
Levantar-se convulso — o olhar em brasa —
O h !... sim, que é ê le ... o pescador, não vêdes. Como impelido por um férreo braço!
Qual sombra foragida que alta noite — Ester ! . . . Ester ! . . .
De um ermo cemitério à lousa foge
E vem de horrores espantar as plagas?
O oriente aclara-se,
Uma réstia de luz inunda o céu,
Escutai — escutai ao som pungente As águas brincam, — balanceia o vento,
Dessa voz funeral — enrouquccida, Mas uma queixa imensa — uma blasfêmia
Não ouvis outra voz mais triste ainda. Embebida de fel, — de sangue e lôdo,
Bem que mais fraca, levantar-se aos ares Um grito de Satã se ergue da terra
Débil como o chorar da rôla exangue, Entre débil c h o ra r!...
Treda como o tufão em chão de campas Tudo findou-se!
Os chorões desfolhando, ou como a queixa As estréias desmaiam de agonia,
Que o sôpro de além-túmulo desprende Entoa o vento fúnebres sussurros,
Dentre a infância e a m o rte ?... oh! é medonho! E nas rochas escuras que se elevam,
Uma linha de sangue inda espumosa
Goteja e corre, e vai sumir no abismo.
Agora, ao cimo do rochedo erguido,
Ei-lo de pé, 1857 — convulso — desvairado. Mais bela ainda a natureza acorda,
Medindo o abismo c apostrofando as ondas; Tudo é silêncio e paz sôbre o universo.
O mistério da morte, êsse findou-se;
— Onde está minha esp osa?... onde está ela. O oceano é discreto, e o que êle encerra
Vagas profundas que dormis no abism o?... Dorme no sono de profundo olvido.
Dá-lhes voz, oh meu Deus! porque miniralma Dentre as grimpas azuis, entre neblinas
Se torce em ânsias de infernal martírio! A lua vem se erguendo branca e pura
Como a odalisca que se eleva pálida
Das banheiras de mármor do serralho!
Mas o mar não responde, em pranto apenas — Boa noite, belo astro! — ergue-te asinha!
Lança um manto de espumas no rochedo
E borrifa-lhe os pés, e no seu peito
Mais triste e fria a criancinha chora, I V
E os bracinhos de neve estende ao pego!
— Onde 1860 vais, an cião ?... que pranto é esse
O céu é puro e belo, — uma só nuvem Que dos olhos te corre e as cãs te orvalha?
Não turba o esmalte do zimbório etéreo. Que amargura te oprime?
— Ai! não indagues!
Tremem os astros, e a nev'ada estrada
Deixa que eu chore, que o chorar que, verto
Nas campinas de azul se estende bela
Sai das chagas da alma!
Como facha brilhante, — ou como a senda — Fala, velho;
Que os anjos leva ao venturoso Empíreo. Teu corpo treme; — teu falar é rouco.
Cortado de soluços, no entanto
O pescador se cala e nos seus olhos Os invernos gelaram-te os cabelos,
Chama sinistra transparece e brilha; E as tormentas de um século, quem sabe,
Contempla os astros e as tranquilas ondas Envergaram-te à terra, a fim que busques
E um sorriso satânico lhe passa O frio leito do final descanso!
Pelos gélidos lábios, — cerra ao peito Fala, ancião, — que mágoa te espedaça
A criança que cala-se inanida E reniorde-te assim?
E senta-se na ro ch a ... — Ai! não indagues!
Lança os olhos à praia e a Deus pergunta
Porque se apaga a estréia, a flor definha,
Mas, oh! céus! O arvoredo emurchece e a humana vida
De súbito no espaço — palejantes Entre sangue e loucura erra e desmaia.
As estréias se apagam, — dir-se-ia — Grande 1861 Deus do universo!... são dous corpos»
Que um dilúvio de sombras as devora, Um corpo de cria n ça !... oh! como o sangue
O oceano se abafa e em negros urros Os cobre e desfigura!... fala, v elh o ...
Meteoro de sangue abrasa o espaço F a la ... c o n ta ...
E se afunda fervendo no oceano. — Ah! tem piedade,
Um mundo inteiro de rugidos — gritos, 1858 A dor me despedaça, e em breves dias
Levanta-se do abismo, as vagas crescem Talvez minh’alma os seguirá bem cedo!
E em longas serranias vem correndo Amei-os mais que a mim! — desde criança
Da voragem fatal que o fogo abriu. Acalentei-a aos joelhos.

[ 544 1
CANTOS E FANTASIAS

Junto ao fogo Que o sertão embalsamam de perfumes.


Em noites hibernais unida ao colo Amaram-se e viveram puros, belos,
A fazia dormir entre cantigas! Mas tiveram por leito derradeiro
O fundo escuro de medonho abismo!
Vi-a crescer — crescer como a palmeira — Viajor que chegais, orai por êles!
Sempre junto de mim, até que a idade,
A afeição... o amor m’arrebatassem!
Conduzi-os à igreja — abençoei-os...
Mas a ü . . . êles não vivem, — nem tampouco O tempo corre e com seu manto imenso
O pobre anjinho que eu levei à pia, Varre o dia e a noite, o mês e o ano,
E embalava em meus braços! hoje mesmo Mas das ondas azuis o navegante
Desci a serrania, — vim buscá-los. Saúda a imagem de uma virgem santa
Vê-los ainda, que meus longos anos Que em seu nicho de pedra alveja ao longe,
Há muito tempo mos roubava aos olhos. Na crista do rochedo. Três vêzes santa!
Porém tudo findou-se... oh! tu d o... tudo! Donde êsse emblema de humildade veio.
Amaram-se e viveram como as flores, Oh! quem não sabe remontando à lenda
Como as aves do céu e as plantas meigas Do pobre pescador?...

CANTOS E FANTASIAS
Cantos e Phantasias/ por/ Luiz Nicoláo Fagundes Varella/ S. Paulo/ Garraux, de Lailhaear e Cia./
Livreiros-Editores/ Largo da Sé, 1/ 1865./ Todos os direitos de propriedade ficão reservados./

A MEU PAI
O
SR. DR. EMILIANO FAGUNDES VARELA

Êste livro é uma intenção, — só Deus pode conhecer-lhe o valor; — pouco me importa o juízo
dos homens.
Amanhã êle desaparecerá como as folhas arrebatadas pelo vento, como as cerrações da alvorada
aos primeiros raios do sol.
Mas a intenção ficará, porque é filha dos mais sublimes sentimentos liumanos — o amor e a
gratidão.
Se o coração produzisse epopéias, estas páginas seriam uma Ilíada, mas a inteligência raras vêzes
corresponde à vontade, e o espírito, prêso à sua contingência, tortura-se debalde em busca do impossível.
Aceite êstes cantos como êles são, o talento que os ditou é mesquinho, mas a intenção é ima­
culada e brilhante como um raio da Divindade.

PREFÁCIO

A presente coleção de versos que o público vai 1er pertence a um poeta, moço, criança ainda, em
quem fôra talvez permitido entrever apenas uma esperança, e que no entanto é já uma esplêndida
realidade na literatura do país.
O escritor destas linhas deverá desde já entrar, por força do costume, cm renhida discussão sôbre
escolas e pontos de estética; mas além de ser isso uma cousa tida por muitos como pedantesca, não a
poderia apresentar aos leitores por insuficiência.
A inspiração de Varela é a natureza em primeiro lugar, e em segundo os mestres.
A individualidade do seu talento, do seu pensar, dos seus sentimentos encontra-se em tôdas as
suas poesias, ainda naquelas que nada mais são do que o vivo reflexo das composições dos grandes poetas
dèste século.
Byron e Goethe, Victor Hugo e H. Heine, são os seus mais estimados modelos.
A outras vozes menos sublimes do que essas, as de Azevedo, Soares de Passes, Junqueira Freire,
^íusset e H. Moreau, casa êle as suas na mais doce das harmonias.

[ 545 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Ültimamente tem dedicado os seus momentos ao estudo dos poetas espanhóis, e dessa poesia
muito vestígio se encontra em mais de uma página dêste volume.
Chateaubriand, Béranger, Vigny e Delavigne também lhe têm sido inspiração e fecunda.
Longo seria enumerar as fontes em que tem ido beber o nosso poeta.
Foram êsses homens, homens oceanos, na expressão de Victor Hugo, os que lhe têm derramado
na fronte, a flux das inspirações, e batizaram-no 18 6 2 Poeta!
A mocidade das academias reconheceu-o como tal, e o pais inteiro há de em breve repetir o seu
nome, há de inscrevê-lo no livro de ouro das suas glórias.
Saudar um homem superior, qualquer que seja a sua especialidade, é uma satisfação para aquêles
que estimam e prezam as grandes cousas, adoradores do belo e da verdade.
Por isso, é também um dever não deixar em silêncio defeitos quando os h aja; Varela é por vêzes
descuidoso da forma, descuido que lhe vem por vontade e desprêzo das regras, o que é tanto mais de censurar.
Êsses defeitos porém são pequenos, insignificantes, passageiros, por isso que o poeta pode repa­
rá-los, fazer desaparecer, como o há de em futuras edições, como lhe é propósito.
P or muito graves que sejam êsses senões, não podem êles macular as inúmeras belezas desta e das
duas outras coleções já publicadas: As Noturnas e As Vozes da Am érica. Como disse em princípio. Varela
é ainda uma criança, apavorado muita vez do muito brilho, da muita inspiração que lhe vem à alma, débil
ainda para poder suportar o fardo do gênio.
Fatal é a missão dos homens de talento!
Quanto ânimo para subir até o Sinai, buscar as tábuas da lei, para explicá-las às multidões!
Quanta força não é precisa para as lutas de Jacó , lutas que sustenta o homem de gênio, em
cada noite de febre e de inspiração, contra o que sc chama o invisível, por deficiência de têrm o!
Quantos sucumbem, sem que possam expressar, realizar o que lhes dizem a noite e a manhã, o
rumor e o silêncio, o infinito e o limitado, a realidade e o sonho, o visível e o invisível, a dor e a alegria,
nessas horas de vertigem, horas de Sibila!
Varela é criança ainda, portanto imperfeito, defeituoso, muita sombra além de muito brilho; quando
porém êle entregar-se noite e dia ao estudo da história, quando aprofundar os mistérios da filosofia, quando
o seu olhar vencer as trevas que nos cercam a todos, e além das quais existe luz, como diz V. Hugo, ah!
então não posso vaticinar o que êle será, a minha inteligência não vai tão longe, só sei que muito alcan­
çará êle e muito ganharão as letras.
Quando êle, quando o seu engenho, depois de cogitar no verbo humano, quando depois de parar
ante os modelos gregos e orientais, depois de flutuar entre a resignação de Jó , o desespêro de Byron,
os sonhos de Ossian e do Dante, as facécias de Ariosto, a piedade de Chateaubriand e de Lamartine, e os
delírios de Hugo e dos poetas dos climas meridianos, êle fizer uma só síntese de tôdas essas poesias,
dando-lhe um cunho americano, certo que êle ou outro de igual fôrça, já que nos morreu o Azevedo, será
o mestre, o modêlo, o ídolo das gerações futuras do mundo de Colombo.
Não falsas, nem exageradas têm sido as nossas frases a propósito das poesias de F , V arela; o leitor
vai ter em breve as provas do que avançamos.
Os críticos o que dirão delas? O que dirão do humilde escritor destas linhas?
Deus sabei

Agora, duas palavras ao amigo.


Deste-me a maior e a mais solene prova de amizade pedindo-me uma palavra sóbre êste teu novo
livro de versos.
E ssa palavra não podia ser a do ensino, nem a da crítica, porque tão moço como tu, humdde e
incompetente, que ensino posso eu dar-te, que crítica fazer a teus versos, quando além de ser teu amigo
sou totalmente oposto à escola dos gramáticos e dos críticos de nenhum saber?

[ 546 ]
CANTOS E FANTASIAS

Essa palavra foi portanto a do amigo, em cuja alma tão gratas sensações têm produzido os teus
versos, e que não sabe qual deve mais estimar em ti, se o poeta, se o homem.
Não desvendei o segrêdo de muitas das tuas composições: se fôras morto, talvez o fizesse. Não
quis dizer ao publico que algumas delas não são meras fantasias, que o Cântico do Calvário é uma lagrima
vertida sôbre o túmulo de uma criança teu filho, cujo nascer eu saudei tão alegrei
A melhor parte do gênio está nas recordações, disse Chateaubriand, e prova-oo teu livro; foi meu
dever respeitar essas lembranças, ainda tão recentes.
Por muito tempo temos vivido juntos; conhecemo-nos crianças: lembras-te?
Foi em Angra dos Reis............................................................................................................................................
A casa do coronel B . . . , aonde eu estava hospedado, era de uma beleza sem par, naquela imensa
praia, aonde parecia banhar-se; tu moravas com tôda a tua família; inda me lembro; era numa casinha,
sem cal, debaixo de copados arvoredos, perto de um riacho que por ali passava, e aonde parecia mirar-se.
Eras, como hoje o és, o Jo sé da família.
Aquela praia como era extensa!
Quantos coqueirais, quantas rochas atiradas por ali, cujo cimo galgávamos alegres a colhêr o fruto
dos gragoatás, e as parasitas rubras.
Éramos ágeis e fortes; nós e nossos amigos atirávamos <às ondas que embalavam-nos, sacudiam-nos
como aos filhos das plagas marinhas.
À noite, reuníamo-nos todos: o que dizíamos? No que pensávamos? O que sonhávamos então?
Não sei, nem tu talvez o possas dizer.

Lembras-te, lembras-te das noites de luar naquelas paragens, em frente à vastidão sem fim dos
mares?
E quando após atirávamos às canoas, para ver estender as rêdes da pesca?
E o tom monótono das cantigas dos escravos pela manhã, quando partiam para as roçadas, e quan­
do voltavam......... que doce poesia, que tristeza naquelas rezas!
Um dia era ao entrar da noite, à luz duvidosa, tristonha do crepúsculo, vinhas a nos dizer adeus;
devias partir no dia seguinte; o que nos disseste, o que dissemos a ti? Saudades.................................................
Correram anos, vim encontrar-te em S. Paulo.
Já não eras a criança de outros tempos; eras o poeta cujos cantos a academia inteira repetia, re­
pete e repetirá sempre; eras já o sucessor das glórias daquele outro poeta que todos nós adoramos, em cujas
estrofes temo-nos todos inspirado; eras a ressurreição de Azevedo.
Unimo-nos; nossas almas pediram mutuais notícias, e pelas várzeas, e curvados sôbre a nossa mesa
de estudos, naquelas vigílias da nossa casinha do Braz, muito conversamos, muito sonhamos.
Todos os nossos estudos, tôdas as nossas vigílias, nossas práticas, nossas leituras, o que têm feito
de nós?
De ti, o poeta brilhante laureado; de m im ... não vale a pena falar-se.
Estas lembranças do nosso passado, tão cheias de poesia, cujos doces perfumes não pode rescen-
der a minha prosa, eram necessárias aqui, nesta primeira página do teu livro, página que deixaste em
branco, para que eu escrevesse nela o meu nome e o título da nossa amizade.
Em conclusão:
Saúdo o teu engenho, como hei saudado o de todos os nossos colegas e amigos; na minha tristeza
e humilde isolamento, já que não posso fazer parte da brilhante falange dos talentos de nosso tempo, res­
ta-me ao menos o doce e inestimável consolo de dizer mais tarde, se viver, aos que me perguntarem por
eles, eu os vi, e convivi com êles.
J . F e r r e ir a d e M e n e z e s .
S. Paulo, Janeiro de 1865.

[ 547 ]
L U ÍS NICOLAU PAGUNDKS VAR.KLA

LIVRO PRIMEIRO Quando a furto me falavas,


Ê meu ser embriagavas
Na febre da mocidade!

Como nas noites de estio.


JU V EN ILIA Ao sôpro do vento brando.
Rola o selvagem cantando
P oem a
Na correnteza do rio;

Assim passava eu no mundo,


I Nesse descuido profundo
Que etérea dita produzi
Lem bras-te, Iná, dessas noites Tu eras, Iná, minh’alma.
Cheias de doce harmonia, De meu estro a glória e a palma.
Quando a floresta gemia De meus caminhos a luz!
Do vento aos brandos açoites?
Que é feito agora de tudo?
Quando as estrelas sorriam, De tanta ilusão querida?
Quando as campinas tremiam A selva não tem mais vida,
Nas dobras de úmido véu? O lar é deserto e mudo!
E nossas almas unidas
Estreitavam -se, sentidas, Onde fôste, oh! pomba errante?
Ao languor daquele céu? Rela estréia cintilante
Que apontavas o porvir?
Lem bras-te, Iná? Belo e mago, 1863 Dormes acaso no fundo
Da névoa por entre o manto. Do abismo tredo e profundo,
Erguia-se ao longe o canto Minha pérola de O íir?
Dos pescadores do lago.
Ah! In á! por tôda parte
Os regatos soluçavam. Que teu espírito esteja,
Os pinheiros murmuravam M inh’alma que te deseja
No viso das cordilheiras, Não cessará de bu9car-tel
E a brisa lenta e tardia
O chão relvoso cobria Irei às nuvens serenas.
Das flores das trepadeiras. Vestindo as ligeiras penas
Do mais ligeiro condor;
Lem bras-te, Iná? E ras bela, Irei ao pego espumante,
Ainda no albor da vida. Como da Ásia o possante.
Soberbo mergulhador!
Tinhas a fronte cingida
De uma inocente capela.
Irei à pátria das fadas
E dos silfos errabundos,
Teu seio era como a lira
Irei aos antros profundos
Que chora, canta e suspira
Ao roçar de leve aragem; Das montanhas encantadas;
Teus sonhos eram suaves
Se depois de imensas dores,
Como o gorjeio das aves
No seio ardente de amores
Por entre a escura folhagem.
Eu não puder apertar-te.
Quebrando a dura barreira
Do mundo os negros horrores
Dêste mundo de poeira, ^865
Nem pressentias sequer;
Talvez, Iná, hei de achar-te I
Teus almos dias, mulher.
Passavam num chão de flores.

O h! primavera sem term os! I I


Brancos luares dos ermos!
Auroras de amor sem fim ! E ra à tardinha. Cismando,
Fugistes deixando apenas. Por uma senda arenosa
Por terra, 1864 esparsas as penas Eu caminhava. T ão brando
Das asas de um serafim! Como a voz melodiosa
Da menina enamorada,
A h! In á! Quanta esperança Sôbre a grama aveludada
Eu não vi brilhar nos céus. Corria o vento a chorar.
Ao luzir dos olhos teus,
A teu sorrir de criança! Gemia a pomba; — no ar
Passava grato e sentido
Quanto te amei! Que futuros! O aroma das maravilhas
Que sonhos gratos e puros! Que cresciam junto às trilhas
Que crenças na eternidade! Do deserto umedecido.

[ 548 ]
CANTOS E FANTASIAS

Mais bela que ao meio-dia, O céu d’ aurora risonho,


Mais carinhosa, batia A luz de um astro tristonho.
A luz nos canaviais; Os sonhos que à noite sonho,
E o manso mover das matas, Tudo me fala de ti.
O barulho das cascatas
Tinham notas divinais.
Tudo era tão calmo e lindo, I I I
Tão fresco e plácido ali, Tu és a aragem perdida
Que minh’alma se expandindo Na espessura do pomar,
Voou, foi junto de ti, Eu sou a fôlha caída
Nas asas do pensamento. Que levas sôbre as asas ao passar.
Gozar do contentamento Ah! voa, voa, a sina cumprirei:
Que noutro tempo fruí. T e seguirei.
Oh! como através dos mantos
Das saudades e dos prantos Tu és a lenda brilhante
Tão meigamente sorrias! Junto do berço cantada,
Tinhas o olhar tão profundo Eu sou o pávido infante
Que de minh’alma no fundo Que o sono esquece ouvindo-te a toada.
Fizeste brotar um mundo Ah! canta, canta, a sina cumprirei:
De sagradas alegrias. T e escutarei.

Uma grinalda de rosas Tu és a onda de prata


Brancas, virgens, odorosas, Do regato transparente,
Te cingia a fronte triste; Eu a flor que se retrata
Cismavas quêda, silente, No cristal encantado da corrente.
Mas ao chegar-me, tremente Ah! chora, chora, o fado cumprirei:
Te ergueste, e alegre, contente T e beijarei.
Sôbre meus braços caíste. Tu és o laço enganoso
Pouco a pouco, 1866 entre os palmares Entre rosas estendido,
Da longínqua serrania. Eu pássaro descuidoso
Sumia-se a luz do dia P or funesto prestígio seduzido.
Que aclarava êsses lugares; O h! não temas, a sina cumprirei:
As campânulas pendidas Me entregarei.
Sôbre as fontes adormidas
De sereno gotejavam, Tu és o barquinho errante
E no fundo azul dos céus, No espelho azul da lagoa,
Dos vapores entre os véus, 1867 Eu sou a espuma alvejante
As estréias despontavam. Que agita n’àgua a cortadora proa.
Ah! voga, voga, o fado cumprirei:
Éramos sós, mais ninguém Me desfarei.
Nossas palavras ouvia;
Como tremias, meu bem! Tu és a luz d’alvorada
Como teu peito b a tia !... Que rebenta n’amplidâo,
Pelas janelas abertas. Eu a gôta pendurada
Entravam moles, incertas. Na trepadeira curva do sertão.
Daquelas plagas desertas Ah! brilha, brilha, a sorte cumprirei:
As virações suspirosas, Cintilarei.
E cheias de mil desvelos.
Cheias de amor de anelos. Tu és o íris eterno
Lançavam por teus cabelos Sôbre os desertos pendido,
O eflúvio das tu b ero sasl... Eu o ribeiro do inverno
Ai! tu não sabes que dores, Entre broncos fraguedos escondido.
Que tremendos dissabores Ah! fulge, fulge, a sorte cumprirei:
Longe de ti eu padeço! Deslizarei.
Em teu retiro sozinha, Tu és a esplêndida imagem
Pobre criança mesquinha. De um romântico sonhar,
Eu cisne de alva plumagem
Cuidas talvez que te esqueço! Que falece de amor a te mirar.
A turba dos insensatos Ah! surge, surge, o fado cumprirei:
Entre fúteis aparatos Desmaiarei.
Canta e folga pelas ruas;
Mas triste, sem um amigo. Tu és a luz crépitante
Em meu solitário abrigo Que em noite trevosa ondeia,
Pranteio saudades tuas! Eu mariposa ofegante
Nem um minuto se passa, Que em tôrno à 1868 chama trêmula volteia.
Nem um inseto esvoaça, Ah! basta, basta, a sina cumprirei:
Nem uma brisa perpassa Me abrasarei.
Sem uma lembrança aqui;

[ 549 ]
I,U ÍS NICOLAU PAGUN BES VAKEj^A

I V O rochedo luzido, 1870 onde a torrente


Bate alta noite rápida e fremente.
Teus olhos são negros, — negros De teu prêto cabelo inveja a c ô r ...
Como a noite nas flo re s ta s ... E que aromas, meu Deus! o estio inteiro
Infeliz do viajante Parece que levanta-se fagueiro.
Se de sombras tão funestas Cheio de sombra e cânticos de amor!
T anta luz não rebentasse!
A aurora desponta e nasce Quando tu falas lembro-me da infância,
Da noite escura e tardia: Dos vergéis de dulcíssima fragrância
Tam bém da noite sombria Onde cantava à tarde o s a b iá !...
De teus olhos amorosos Ai! deixa-me chorar e fala ainda,
Partem raios mais formosos Não, não dissipes a saudade infinda
Que os raios da luz do dia. Que nesta fronte bafejando está!
Teu cabelo mais cheiroso Eu tenho n’alma um pensamento escuro.
Que o perfume dos vergéis, T ão tredo e fundo que o farol mais puro
Na brancura imaculada Que Deus há feito espancará jam ais!
Da cútis acetinada Debalde alívio hei procurado aflito,
Rola em profusos anéis: Mas quando falas teu falar bendito
Eu quisera ter mil almas, Abranda-lhe os martírios infernais!
Tôdas ardentes de anelos,
Para prendê-las, meu anjo, Dizem que a essência dos mortais há vindo
À luz de teus olhos belos, De outro mundo mais formoso e lindo
Nos grilhões de teus olhares, Que um santo amor as bases alimenta.
Nos anéis de teus cabelos! Talvez nesse outro mundo um laço estreito
A teu peito prendesse o triste peito
Que hoje sem ti nas trevas se lamenta!
V
És a princesa das brasílias 1871 terras,
Não vês quantos passarinhos A rosa mais balsâmica das serras,
Se cruzam no azul do céu? Do céu azul a estrela mais d ile ta ...
Pois olha, pomba querida. Vem, não te afastes, teu sorrir divino
Mais vêzes. É belo como a aurora, e a voz um hino
Mais vêzes te adoro eu. Que o gênio inspira do infeliz poeta.

Não vês quantas rosas belas


O sereno umedeceu?
Pois olha, flor de minh’alma, V I I
Mais vêzes.
Mais vêzes te adoro eu. Ah! quando face a face te contemplo,
E me queimo na luz de teu olhar,
Não vês quantos grãos de areia E no mar de tu’alma afogo a minha,
Na praia o rio estendeu? E escuto-te falar,
Pois olha, cândida pérola.
Mais vêzes. Quando bebo teu hálito mais puro
Mais vêzes te adoro eu. Que o bafejo inefável das esferas,
Ave, — flor, — perfume, — canto. E miro os róseos lábios que aviventam
Rainha do gênio meu, Im ortais primaveras.
Além da glória e dos anjos,
Mil vêzes, Tenho mêdo de t ü . . . Sim, tenho mêdo
Mil vêzes te adoro eu. Porque pressinto as garras da loucura,
E me arrefeço aos gelos do ateísmo, 1872
Soberba criatura!

V I O h! eu te adoro como adoro a noite


P or alto mar, sem luz, sem claridade.
És a sultana das brasílias 1869 terras, Entre as refegas do tufão bravio
A rosa mais balsâmica das serras, Vingando a imensidade!
A mais bela palmeira dos desertos;
Tens nos olhares do infinito as festas Como adoro as florestas primitivas
E a mocidade eterna das florestas Que aos céus levantam perenais folhagens,
Na frescura dos lábios entreabertos. Onde se embalam nos coqueiros prêsas
Porque Deus fêz-te assim? Que brilho é êsse As rédeas dos selvagens!
Que ora incendeia-se, ora desfalece
Nessas pupilas doudas de p a ix ã o ? ... Como adoro os desertos e as tormentas,
Quando as enxergo julgo nos silvados O mistério do abismo e a paz dos ermos,
Ver palpitar nos lírios debruçados E a poeira de mundos que prateia
As borboletas negras do sertão. A abóbada sem têrm os! . . ,

[ 550 ]
CANTOS E FANTASIAS

Como tudo o que é vasto, eterno e belo; E com êles se apagaram


Tudo o que traz de Deus o nome escrito! Tão lindos sonhos sonhados!
Como a vida sem fim que além me espera E a primavera tardia,
No seio do infinito! Que tanta flor prometia.
Só trouxe acerbos cuidados!

Inda revejo êsse dia.


V TTI Cheio de dores e prantos.
Em que tão puros encantos
Saudades! Tenho saudades Oh! sem saber os perdia!
Daqueles cerros azuis Lembra-me ainda; era à tarde,
Que à tarde o sol inundava Morria o sol entre os montes.
De louros toques de luz! Casava-se a voz das rôlas
Tenho saudades dos prados, Ao burburinho 1876 das fontes;
Dos coqueiros debruçados O espaço era todo aromas,
À margem do ribeirão, Da mata virgem nas comas
E o dobre de Ave-Maria Pairava um grato frescor;
Que o sino da freguesia As criancinhas brincavam,
Lançava pela amplidão! E as violas ressoavam
Na cabana do pastor.
O h! minha infância querida!
O h ! doce quartel da vida, Parti, parti, mas minh’alma
Como passaste depressa! Partida ficou também.
Se tinham de abandonar-me, Metade ali, outra em penas
Porque falsária enganar-me Que mais consôlo não têm!
Com tanta meiga promessa? O h! como é diverso o mundo
Ingrata, 1*^3 porque te fôste? Daquelas serras azuis.
Porque te fôste, infiel? Daqueles vales que riem
E a taça de etéreas ditas. Do sol à dourada luz!
As ilusões tão bonitas Como diferem os homens
Cobriste de lama e fel? Daqueles rudes pastôres
Que o rebanho apascentavam
Eu era vivo e travesso. Cantando idílios de amôres!
Tinha seis anos então,
Amava os contos de fadas Subi aos paços dos nobres.
Contados junto ao fogão, Fui aos casebres dos pobres,
E as cantigas compassadas, Riqueza e miséria vi,
E as legendas encantadas Mas tudo é morno c cansado,
Das eras que lá se vão. Tem um gesto refalsado
De minha mãe era o mimo, Nestes lugares daqui!
De meu pai era a esperança; O h! então chorei por ti,
Um tinha o céu, outro a glória Minha adorada mansão;
Em meu sorrir de criança; Chamei-te de meu destêrro.
Ambos das luzes viviam Os braços alcei-te em vão!
Que de meus olhos partiam. Não mais! Os anos passaram,
E com êles desbotaram
Junto do alpendre sentado Tantas rosas de esperança!
Brincava com 1874 minha irmã, Do tempo nas cinzas frias
Chamando o grupo de anjinhos 1875 Repousam p’ra sempre os dias
Que tiritavam sòzinhos De meu sonhar de criança!
Na cerração da manhã;
Depois por ínvios caminhos.
Por campinas orvalhadas,
Ao som de ledas risadas IX
Nos lançávamos correndo.
Um dia o sol poente dourava a serrania.
O viandante parava
Tão descuidosos nos vendo, As ondas suspiravam na praia mansamente,
O camponês nos saudava, E além nas solidões morria o som plangente
A serrana nos beijava Dos sinos da cidade dobrando Ave-Maria.
Ternas palavras dizendo. Estávamos sòzinhos sentados no terraço
Que a trepadeira em flor cobria de perfumes:
A tarde eram brincos, festas. Tu escutavas muda das auras os queixumes,
Carreiras entre as giestas. Eu tinha os olhos fitos na vastidão do espaço.
Folguedos sôbre a verdura;
Nossos pais nos contempla'.am, Então me perguntaste com essa voz divina
E seus seios palpitavam Que a teu suave mando trazia-me cativo,
De uma indizível ventura. Porque todo o poeta é triste e pensativo?
Mas ai! os anos passaram. Porque dos outros homens não segue a mesma sina?

[õ õ l]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

E ra tão lindo o céu, — a tarde era tão calma, Tu és, quem sabe, 1877 a gemedora endecha
E teu olhar brilhava tão cheio de candura. De um ente amigo que afastado chora,
Criança! que não viste a tempestade escura E ao som das fibras do saltério ebúrneo
Que estas palavras tuas me despertaram n’alma! Conta-me as dores que padece agora!

Pois bem, hoje que o tempo partiu de um golpe só A i! não te arredes, viração tardia,
Sonhos da mocidade e crenças do futuro, Zéfiro pleno da estivai fragrância!
Na fronte do poeta não vês o sêlo escuro Sinto a teus beijos ressurgir-me n’alma
Que faz amar as tumbas e afeiçoar-se ao pó? O drama inteiro da rosada infância!

Bem como a aurora faz brotar as clícias.


X Chama da selva os festivais cantores.
Assim dos tempos na penumbra elevas
À luz d’aurora nos jardins da Itália Todos os quadros da estação das flores.
Floresce a dália de sentida côr.
Conta-lhe o vento divinais desejos Sim, — vejo ao longe os matagais extensos,
E geme aos beijos da mimosa flor. O lago azul, — os palmeirais airosos,
A grei sem conta de ovelhinhas brancas
O céu é lindo, a fulgurante estrela Balindo alegre nos sarçais viçosos;
Ergue-se bela n ’amplidão do sul.
Pálidas nuvens do arrebol se coram. Diviso a choça paternal no outeiro.
As auras choram na lagoa azul. Alva, — gentil, — dos laranjais no seio,
Como a gaivota descuidosa e calma
Tu és a dália dos jardins da vida, Das verdes ondas a boiar no meio.
A estréia erguida no cerúleo véu,
Tens n’alma um mundo de virtudes santas, Sinto o perfume das roçadas frescas.
E a terra encantas num sonhar do céu. Ouço a canção do lenhador sombrio.
Sigo o barqueiro que tranqüilo fende
B asta um bafejo na inspirada fibra A lisa face do profundo rio.
Que o seio vibra divinais encantos,
Como no templo do Senhor, vendado O h! minhas noites de ilusões celestes!
O órgão sagrado se desfaz em cantos. Visões brilhantes da primeira idade!
Como de novo reviveis tão lindas
Pom ba inocente, nem sequer o indício P or entre as balsas da nativa herdade!
Do escuro vício pressentiste apenas!
Nunca manchaste na charneca impura Como no espaço derramais, suaves.
A doce alvura das formosas penas. T ão langue aroma, — vibração tão grata!
Como das sombras do passado, mesmo.
Tantas promessas o porvir desata!
LIVRO SEGUNDO
Exalte embora o insensato as trevas.
Chame o descrido a solidão e a morte,
Não quero ainda fenecer, é cedo!
LIVRO DAS SOMBRAS Creio na sina, tenho fé na sorte!

S. P aulo 1864 Creio que as dores que suporto alcancem


Um prêmio ainda da justiça eterna!
O h! basta um s o n h o !... o respirar de um silfo,
O amor de um’alma compassiva e terna!

Pensava em ti nas horas de tristeza Basta uma noite de luar nos campos,
Quando estes versos pálidos compus; O brando eflúvio dos vergéis do sul,
Cercavam-me planícies sem beleza. Dous olhos belos, — como a crença belos!
Pesava-me na fronte um céu sem luz. Fitos do espaço no fulgente azul!

Ergue êste ramo sôlto em teu caminho; A h! não te afastes, viração amiga!
Sei que em teu seio asilo e n c o n tra rá !... Além não passes com teu mole adejo!
Só tu conheces o secreto espinho Tens nas delícias que as torrentes vertes,
Que dentro d’alma me pungindo e s t á !... Tôda a doçura de um materno beijo!

Fala-m e ainda dêsses tempos idos,


CISMAS À NOITE Basga-m e a tela da sazão que vem.
Foge depois, e mais sutil, mais tênue
Doce brisa da noite, aura mais frouxa Vai meus suspiros repetir além.
Que o débil sôpro de adormido infante.
Tu és, quem sabe, 1877 a perfumada aragem
Das asas de ouro dalgum gênio errante.

[ 552]
CANTOS E FANTASIAS

SEXTILHAS As charnecas lamacentas


Exalam podres miasmas;
Amo o cantor solitário E os fogos fosforescentes 1879
Que chora no campanário Passam rápidos, frementes
Do mosteiro abandonado, Como um bando de fantasmas.
E a trepadeira espinhosa
E a razão vacila e treme.
Que se abraça caprichosa
Coalha-se o sangue nas veias,
À força do condenado. Mas as horas sonolentas 1880
Amo os noturnos lampírios Vão-se arrastando cruentas
Que giram, errantes círios, Ao som das brônzeas cadeias.
Sôbre o chão dos cemitérios,
Oh! essas horas tremendas
E ao clarão de tredas luzes Tenho-as sentido de mais!
Fazem destacar as cruzes E os males que me causaram.
De seu fundo de mistérios. Os traços que me deixaram
Amo as tímidas aranhas Não se apagarão jam ais!
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios,
E com seus leves tecidos.
Dos tugúrios esquecidos CÂNTICO DO CALVÁRIO 1881
Cobrem os muros sombrios.
À M e m ó r ia d e M e u F il h o
Amo a lagarta que dorme. M o rto a 11 de D ezem bro de 1863.
Nojenta, lânguida, informe.
Por entre as ervas rasteiras, Eras na vida a pomba predileta
E as rãs que os pauis habitam, Que sôbre um mar de angústias conduzia
E os moluscos que palpitam Ò ramo da esperança. — Eras a estréia»
Sob as vagas altaneiras! Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Amo-os, porque todo o mundo Eras a messe de um dourado estio.
Lhes vota um ódio profundo. Eras o idílio de um amor sublime.
Despreza-os sem compaixão! Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
Porque todos desconhecem O porvir de teu pai! — Ah! no entanto.
As dores que êles padecem Pomba, — varou-te a flecha do destino!
No meio da criação! Astro, — enguliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas.
HORAS MALDITAS Legado acerbo da ventura extinta.
Dúbios archotes que a tremer clareiam
Há umas horas na noite. A lousa fria de um sonhar que é morto!
Horas sem nome e sem luz, Correi! Um dia vos verei mais belas
Horas de febre e agonia Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Como as horas de Maria Fulgurar na coroa de martírios
Debruçada aos pés da cruz. Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Tredos abortos do tempo. Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
Cadeias de maldição. E à vossa luz caminharei nos erm os!
Vertem gêlo nas artérias, Estréias do sofrer, — gôtas de mágoa.
E sufocam, deletérias, Brando orvalho do céu! — Sêde benditas!
Do poeta a inspiração. Oh! filho de minh’alma! Última rosa
Nessas horas tumulares Que neste solo ingrato vicejava!
Tudo é frio e desolado; Minha esperança amargamente doce!
O pensador vacilante Quando as garças vierem do ocidente
Julga ver a cada instante Buscando um novo clima onde pousarem,
Lívido espectro a seu lado. Não mais te embalarei sôbre os joelhos,
Quer falar, porém seus lábios Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Recusam-lhe obedecer. Acharei um consôlo a meus tormentos!
Medrosos de ouvir nos ares Não mais invocarei a musa errante
Uma voz de outros lugares Nesses retiros onde cada fôlha
Que venha os interromper. F ra um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Se abre a janela, as planícies Dos suspirados tempos que se foram!
Vê de aspecto aterrador; Não mais perdido em vaporosas cismas
As plantas frias, torcidas, 1878 Escutarei ao pôr do sol, nas serras.
Parece que esmorecidas Vibrar a trompa sonorosa e leda
Pedem socorro ao Senhor. Do caçador que aos lares se recolhe!

[ 553 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Não mais! A areia tem corrido, e o livro Templos, altares de afeição sem têrm os!
De minha infanda história está completo! Mundos de sentimento e de magia!
Pouco tenho de andar! Um passo ainda Cantos ditados pelo próprio Deus!
E o fruto de meus dias, negro, podre, O h! quantos reis que a humanidade aviltam,
Do galho eivado rolará por terra! E o gênio esmagam dos soberbos tronos.
Ainda um treno, e o vendaval sem freio Trocariam a púrpura romana
Ao soprar quebrará a última fibra P or um verso, uma nota, um som apenas
Da lira infausta que nas mãos sustenho! Dos fecundos poemas que inspiraste!
Tornei-me o eco das tristezas tôdas
Que entre os homens achei! O lago escuro Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Onde ao clarão dos fogos da tormenta Do cantor infeliz lançaste à vida.
Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Arco-íris de amor! Luz da aüança.
Por tôda a parte em que arrastei meu manto Calma e fulgente em meio da tormenta!
Deixei um traço fundo de a g o n ia s !... Do exílio escuro a citara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
O h! quantas horas não gastei, sentado Lançou dilúvios de harmonia! — O gôzo
Sôbre as costas bravias do Oceano, Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Esperando que a vida se esvaísse Em desejos alados se mudaram.
Como um floco de espuma, ou como o friso Noites fugiam, madrugadas vinham,
Que deixa n’água o lenho do barqueiro! Mas sepultado num prazer profundo
Quantos momentos de loucura e febre Não te deixava o berço descuidoso,
Não consumi perdido nos desertos. Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Escutando os rumores das florestas, Nem de outros sonhos que dos teus vivia!
E procurando nessas vozes tôrvas
Distinguir o meu cântico de morte! Como eras lindo! Nas rosadas faces
Quantas noites de angústias e delírios Tinhas ainda o tépido vestígio
Não velei, entre as sombras espreitando Dos beijos divinais, — nos olhos langues
A passagem veloz do gênio horrendo Brilhava o brando raio que acendera
Que o mundo abate ao galopar infrene A bênção do Senhor quando o deixaste!
•Do selvagem c o r c e l? ... 1882 E tudo embaldc! Sôbre o teu corpo a chusma dos anjinhos, 1885
A vida parecia ardente e douda Filhos do éter e da luz, voavam.
Agarrar-se a meu s e r ! . .. E tu tão jovem. Riam -se alegres, das caçoilas níveas
T ão puro ainda, ainda n’alvorada. Celeste aroma te vertendo ao corpo!
Ave banhada em mares de esperança. E eu dizia comigo: — teu destino
Rosa em botão, crisálida entre luzes, Será mais belo que o cantar das fadas
F ôste o escolhido na tremenda ceifa! Que dançam no arrebol, — mais triünfante
Ah! quando a vez primeira 1883 em meus cabelos Que o sol nascente derribando ao nada
Senti bater teu hálito suave; ?vluralhas de n e g ru m e !... Irás tão alto
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados. A i! doudo s o n h o !... Uma estação passou-se,
Abismos de inocência e de candura, E tantas glórias, tão risonhos planos
E baixo e a mêdo murmurei: meu filho! Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Meu filho! frase imensa, inexplicável, Abrasou com seu facho ensangüentado
Grata como o chorar de Madalena .Meus soberbos castelos. A desgraça
Aos pés do R e d e n to r... ah! pelas fibras Sentou-se em meu solar, e a soberana
Senti rugir o vento incendiado Dos sinistros impérios de além-niundo
Dêsse amor infinito que eterniza Com seu dedo real selou-te a fronte!
O consórcio dos orbes que se enredam Inda te vejo pelas noites minhas.
Dos mistérios do ser na teia augusta! Em meus dias sem luz vejo-te ainda, 1886
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Creio-te vivo, e morto te p ra n te io !...
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de M aria! Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
Escuto em meio de confusas vozes.
E de meu êrro a punição cruenta
Cheias de frases pueris, estultas,
.Na mesma glória que elevou-me aos astros.
O linho mortuário que retalham
Chorando aos pés da cruz, 1884 hoje padeço!
Para envolver teu corpo! V ejo esparsas
Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, Do incenso das igrejas, — ouço os cantos
-A. voz mentida de rafeiros bardos. Dos ministros de Deus que me repetem
Torpe alegria que circunda os berços Que não és mais da t e r r a !.. . E choro embalde. i®87
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro, Mas não! Tu dormes no infinito seio
Clícia mimosa rebentada à sombra! Do Criador dos sêres! Tu me falas
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-tc. Na voz dos ventos, no chorar das aves.
Tiveste mais que os príncipes da terra! Talvez das ondas no respiro flébil!

[ 554 ]
CAKTOS E FANTASIAS

Tu me contemplas lá do céu, quem sabe, A madrugada esplêndida,


■Vo vulto solitário de uma estréia. No dia de amanhã.
E são teus raios que meu estro aquecem! Virá bela e louçã
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho! Quebrar da noite os véus.
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não te arrojes, lágrima da noite, Mas eu, ente maldito,
Nas ondas nebulosas do ocidente! Da criação no meio.
Brilha e fulgura! Quando a morte fria Tenho no frágil seio
Sôbre mim sacudir o pó das asas. Martírios infernais!
Escada de Jacó serão teus raios Hoje reflito, sinto,
Por onde asinha subirá minh’alma. 1887 Mas amanhã, caído,
Do lôdo apodrecido
Não surgirei jamais!

MADRUGADA À BEIRA-MAR
SOMBRAS!
O firmamento inteiro
Transborda de fulgores, Não me detestes, não! Se tu padeces,
Do sol aos esplendores. Também minh’alma teu sofrer partilha,
De Deus ao vasto olhar; E sigo em prantos do suplício a trilha.
Esparsas no infinito Curvado ao peso de tremenda cruz!
As nuvens cambiantes
Se espelham triünfantes Para nós ambos apagou-se a luz,
Na face azul do mar. Tudo é tristeza no deserto vário,
Inda está longe o cimo do C alv ário ...
A tribo das gaivotas, 1888 Não para t i . . . mas para mim, precito!
Abrindo as asas leves, Tenho na face o desespero escrito.
Descreve giros breves
Todos me odeiam! — Quanto toco é pó!
Das rochas ao redor;
Ai! neste mundo tu me amaste, só,
E além, 1889 na praia extensa.
E em paga dêsse amor tiveste o inferno!
Ao cântico das aves
Misturam-se as suaves Pálida rosa do alcaçar eterno!
Canções do pescador. Cândida pomba que a inocência nutre!
Melhor te fôra a sanha de um abutre
Nas ondas transparentes, Que estas profanas mãos que te roçaram!
D ’aurora os brandos lumes 1890
Prateiam os cardumes Aos céus os anjos teu chorar levaram.
Dos vividos peixinhos; Irmãos preparam-te amoroso abrigo,
E os botes descuidosos. E eu inda f i c o !... E tenho por castigo
Em prolongadas voltas. Sentir-me vivo quando tudo expira!
Correm de velas soltas Oh! quando à noite o vendaval se atira.
Nos páramos marinhos. Quebrando as vagas turbulentas, frias,
E lasca o raio as broncas penedias
Contudo entre as belezas Onde a chuva despenha-se escumando;
Dêste festim sublime
Eu sinto que me oprime Penso que Deus se abranda e vem chegando
A última cena de meu tôrvo drama;
Um íntimo pesar!
Mas do fuzil que passa à rubra chama
Porque não sou a concha
V ejo ainda longe o pouso derradeiro!
Que volve-se na praia?
E a espuma que desmaia? Andar e sempre andar! O globo inteiro
A onda azul do mar? Pendido atravessar como Caiml
Não achar um repouso, um têrmo, um fim
Porque não tenho eu asas A dor que rói, lacera e não descansa!
Assim como a andorinha,
Que se levanta asinha, E jamais antever uma esperança!
E voa n’amplidão? Uma réstia de luz na escuridão!
Se a inspiração procura Uma voz que me fale de perdão
Erguer-me pelo espaço, E parta o bronzeo sêlo de agonia!
Um rijo, estreito laço
Me prende os pés no chão! Ah! é cruento! Mas talvez um dia
Compreendas tão funda expiação,
O sol que hoje fulgura E o pobre nome que detestas hoje
E as vagas ilumina. Murmures entre lágrimas então!
De novo a luz divina
Derramará nos céus;

[ 555 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

A VÁRZEA As serpes que passaram,


A rosa envenenaram
Às luzes matutinas, De minha juventude!
Sorrindo entre neblinas,
A várzea como é linda! Mas ah! quando contemplo
Parece uma criança Teu majestoso templo,
Rosada, loura e mansa, A vasta criação.
No mole berço ainda. Sinto brotar de novo 1895
De crença inda um renovo
O arroio sonolento No exausto coração!
Desliza tardo e lento
Por entre os menufares,
E cada vez mais brando
QUEIXAS DO POETA
Se vai perder chorando
No seio dos palmares. Ao cedro majestoso que o firmamento espana
Ligou a mão de Deus a úmida liana;
Às lânguidas ninféias, 1892 Às amplas soledades arroios amorosos;
De fresco orvalho cheias, Às selvas passarinhos de cantos sonorosos;
Nas hásteas se balançam; Neblinas às montanhas; aos mares viraçÕes;
E , como doudas willis, Ao céu mundos e mundos de fúlgidos clarões;
Por sôbre as amarílis Mas prêsa de uma dor tentálica e secreta
As borboletas dançam. Sozinho fêz brotar o gênio do p o e ta !...
A aurora tem cantigas e a mocidade rosas,
Na teia de mil cores. O sono do opulento visões deliciosas;
Brilhante entre vapores, Nas ondas cristalinas espelham-se as estrelas,
A aranha se equilibra. E as noites desta terra têm seduções tão belas,
Fugindo 189“* de um argueiro Que as plantas, os rochedos e os homens eletrizam,
O toque o mais ligeiro E os mais dourados sonhos na vida realizam!
Que abala a sábia fibra. Mas triste, do martírio ferido pela seta.
Soluça no silêncio o mísero p o e ta !...
Depois leve, indolente, As auras do verão, nas regiões formosas
A névoa docemente Do mundo Americano, as virações cheirosas
Desdobra-se passando, Parecem confundidas rolar por sôbre as flores
E além, nos horizontes. Que exalam da corola balsâmicos odores;
P or entre os altos montes, As leves borboletas em bandos esvoaçam;
O sol vem despontando. Os reptis na sombra às árvores se enlaçam;
Mas só, sem o consôlo de um’alma predileta,
A grama, o rio, as flores. Descora no destêrro a fronte do p o e ta !...
Os tímidos cantores. O viajor que à tarde sôbre os outeiros passa 1896
Palpitam de alegria, Divisa junto às selvas um fio de fumaça
E o pobre em seu albergue Erguer-se preguiçoso da choça hospitaleira
Humilde cantos ergue Pousada alegremente de um ribeirão à beira;
Ao filho de Maria. Ali junto dos seus descansa o lavrador
Dos homens afastado e longe do rumor;
Meu Deus! a luz divina Mas no recinto escuro que o desalento infecta
Que os orbes ilumina Sucumbe lentamente o gênio do p o e ta !...
Rebenta de teus olhos, No rio caudaloso que a solidão retalha,
Santelmos de além-mundo Da funda correnteza na límpida toalha.
Que vêm no mar profundo Deslizam mansamente as garças alvejantes;
M ostrar-nos os escolhos I Nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes.
Embalam-se avezinhas de penas multicores
A h! que seria a vida. Pejando a mata virgem de cânticos de amôres;
T ão tétrica e dorida. Mas prêsa de uma dor tantálica e secreta
Sem teu saber sem termos? De dia em dia murcha o louro do p o e ta !...
Que quando o triste cansa.
Povoa de esperança
Os mais medonhos ermos?
RESIGNAÇÃO
Senhor! a podre argila
Abafa e aniquila Sòzinho no descampado,
Meu gênio s o litá rio !... Sòzinho, sem companheiro,
O h! nem mais forças tenho Sou como o cedro altaneiro
Para arrastar meu lenho Pela tormenta açoutado.
Ao combro do Calvário!
Rugi! tufão desabrido!
No meio da jornada Passai! temporais de pó! 1897
Vergou-me a mão pesada Deixai o cedro esquecido,
Da infâmia negra e rude! Deixai o cedro estar só!

[ 556 ]
CAUTOS E FANTASIAS

Em meu orgulho embuçado, De mais a mais se apertam nossos laços,


Do tempo zombo da le i. . . A au sên cia... oh! que me importa, estás presente
Oh! venha o raio abrasado, Em tôda a parte onde dirijo os passos.
— Sem me v e rg a r... tombarei!
Na brisa da manhã que molemente
Gigante da soledade, 1898 Junca de flores do deserto as trilhas
Tenho na vida um consolo: Ouço-te a fala trêmula e plangente.
Se enterro as plantas no solo,
Chego a fronte à imensidade!
Do céu carmineo nas douradas ilhas.
Vejo-te ao pôr do sol a grata imagem 1900
Nada a meu fado se prende.
Nada enxergo junto a mim; Cercada de esplendor e maravilhas.
Só o deserto se estende
A meus pés, fiel mastim. Da luz, do mar, da névoa e da folhagem,
Uma outra tu mesma eu hei formado.
A dor o orgulho sagrado Outra que és tu, não pálida miragem.
Deus ligou num grande n ó ...
Quero viver isolado, E coloquei-te num altar sagrado
Quero viver sempre só! No templo imenso que elevou talvez 1901
Meu gênio pelos anjos inspirado!
E quando o raio incendido
Roçar-me, então cairei Não posso te esquecer, tu bem o vês!
Em meu orgulho envolvido, Abre-me d’alma o livro tão vendado.
Como em um manto de rei. V ê se te adoro ou não, porque descrês?

PROTESTOS
DESEJO
Esquecer-me de ti? Pobre insensata!
Posso acaso o fazer quando em minh’alma Quando eu morrer adornem-me de flores.
A cada instante a tua se retrata? Descubram-me das vendas do mistério,
E ao som dos versos que compus carreguem
Quando és de minha vida o louro e a palma, 1899 Meu dourado caixão ao cemitério.
O faro amigo que anuncia o porto,
A luz bendita que a tormenta acalma? Abram-me um fôsso no lugar mais fresco,
Cantem ainda, e deixem-me cantando;
Quando na angústia fúnebre do horto Talvez assim a terra se converta
És a sócia fiel que asinha instila
De suave dormir num leito brando.
Na taça da amargura algum conforto?

Esquecer-me de ti, pomba tranqüila, Em poucos meses far-me-ei poeira.


Em cujo peito, erário de esperança, Porém que importa, se mais pura e bela 1902
Entre promessas meu porvir se asila! Minh’alma livre dormirá sorrindo
Talvez nos raios de encantada estréia.
Esquecer-me de ti, frágil criança!
Ave medrosa que esvoaça e chora E lá de cima velarei teu sono,
Temendo o raio em dias de bonança! E la de cima esperarei por ti.
Pálida imagem que do exílio escuro
Bane o pesar que a fronte te descora. Nas tristes horas de pesar sorri!
Seca as inúteis lágrimas no rosto,
Que pois receias se inda brilha a aurora? Ah! e contudo se deixando o globo
Ave ditosa eu não partisse só,
Ermo arvoredo aos temporais exposto Se ao mesmo sôpro conduzisse unidas
Tudo pode aluir, tudo apagar Nossas essências num estreito n ó l ...
Em minha vida a sombra do desgosto;
Se junto ao leito das finais angústias.
Ah! mas nunca teu nome há de riscar Da morte fria ao bafejar gelado
De um coração que te idolatra, enquanto Eu te sentisse junto a mim dizendo:
Uma gôta de sangue lhe restar I São horas de marchar, eis-me a teu lado.
E ’ teu, e sempre teu, meu triste canto.
De ti rebenta a inspiração que tenho. Como eu me erguera resoluto e firme!
Sem ti me afogo num contínuo pranto; Como eu seguira teu voar bendito!
Como espancara co’as possantes asas
Teu riso alenta meu cansado engenho, O tôrvo espaço em busca do infinito!
E ao meigo auxílio de teus doces braços
Carrego aos ombros o funesto lenho.

[ 557 ]
L U ÍS KICOLAU FAGUNDES VARELA

DESENGANO T ão dolorida e triste que espera as horas mortas


Para afogar seu brilho no pálio 1905 tenebroso.
Oh! não me fales da glória, T ão surda que ao rolar nas faces desbotadas
Não me fales da esperança, Talvez nem a pressinta o mísero inditoso.
Eu í 903 bem sei que são mentiras
Que se dissipam, criança! H á um pesar ainda mais bárbaro e cruento!
Assim como a luz profliga E ’ êsse que enregela as lágrimas nos olhos!
As sombras da imensidade, E queima a gôta fúlgida que a madre natureza
O tempo desfaz em cinzas Verteu como um consôlo, da vida entre os abrolhos!
Os sonhos da mocidade.
Tudo descora e se apaga, E ’ quando tudo dorme que êste pesar desperta!
E ’ esta do mundo a lei. O h! quanto desgraçado não curva-se à pressão
Desde a choça do mendigo Do rábido tirano do seio que padece
A té os paços do rei! E a vida amaldiçoa, e a morte chama em vão!
A poesia é um sôpro,
A ciência uma ilusão. Meu Deus! se isto é assim, bendita a voz amiga
Ambas tateiam nas trevas Que a seu exausto ouvido dissesse brandamente:
A luz procurando em vão. M isérrim o! se a dor magoa-vos a essência.
Caminham doudas, sem rumo, Mirai o céu da noite tão plácido e fulgente!
Na senda que à dor conduz,
E vão cair soluçando Porém se obstinado, com gélido desprêzo.
Aos pés de sangrenta cruz. Tenaz em refazer-se da desventura infinda,
O h! não me fales da glória, Olhasse com sarcasmo o divinal aviso.
Não me fales da esperança, O h! mais suave e meiga dissesse a voz ainda:
Eu bem sei que são mentiras ^904
Que se dissipam, criança! Podeis pensar acaso que a lua peregrine
Que me importa um nome impresso Nos páramos sidéreos tão cheia de fulgor,
No templo da humanidade, Se aqui sôbre êste mundo, ao lado (da tristeza,
E as coroas de poeta, Não mais restasse um viso de tanta paz e amor?
E o sêlo da eternidade?
Se para escrever os cantos Enquanto ao firmamento a côr azul fôr própria
Que a multidão admira, As trevas passarão e a chuva há de cessar,
É mistér quebrar as penas E junto do infeliz a mágica esperança
De minh’alma que suspira! Os sonhos que morreram virá ressuscitar.
Se nos desertos da vida.
Romeiro da maldição. Contudo o céu mais puro parece opaco e negro
Tenho de andar sem descanso A quem foge da luz obstinado e cego;
Como o Hebreu da tra d iç ã o !... À vista firme e clara esvaem-se os negrumes
Buscar das selvas o abrigo, Que turbam da existência a calma e o sossêgo.
A sombra que a paz aninha, T rará consôlo g,#lua, o sol calor e vida,
E ouvir a selva bradar-me: E a humana criatura, ligada a seu penar,
Ergue-te, doudo, e caminha! Se quedará tristonha quando a esperança vela
Caminha! -— dizer-me o monte. Nas sombras dêste mundo, arcanjo tutelar?
Caminhai — dizer-me o prado.
O h! mais não posso! — Caminha! Vossa alma é livre agora, despedaçai os ferros
Responder-me o descampado! Que os entes escravizam num padecer insano;
A h! não me fales da glória, Mirai o céu azul, sêde robusto e forte,
Não me fales da esperança, Além do desespêro não há pior tirano!
Eu bem sei que são mentiras
Que se dissipam, criança! O desespêro o que é? — Palavra estulta e louca!
O coração só vive às luzes da esperança.
Centelha ora indecisa, ora formosa e viva,
Que nunca desfalece, nem de brilhar se cansa.
REFLEXÕES DA MEIA-NOITE
As vêzes, por mais belo que o dia resplandeça.
T radução d e U m a P o esia de M . A u b e r t in , L á surge um ponto negro que avulta n’amplidâo.
Assim também no meio dos gozos e venturas
O fer ec id a ao A u to r. O dissabor se mostra e pede seu quinhão.
No céu da meia-noite a lua se equilibra. Ao dia segue a noite, mas esta se esvaece,^
As praças estão mudas e os homens repousando; E o globo aviventando desponta um novo dia,
Mas ai! sob êste encanto da abóbada cerúlea E os corações, que há pouco pulsavam tristemente.
Que multidão de sêres não vela soluçando! Dilatam-se imundados de amor e de alegria.

À calma semelhante, a dor é quêda e funda. Erguei acima os olhos, que linda vai a noite!
Seus íntimos gemidos quem poderá c o n ta r? ... Quão doce é seu aspecto e seu respiro ameno!
A tempestade foge, mais infeliz, da nuvem E vós pensais achar, sombrio e taciturno.
Que a lágrima secreta desprende em seu passar! Seu manto conspurcado da morte no veneno!

[ 558 ]
CANTOS E FANTASIAS

Assim ao desditoso pudera, no silêncio O OCEANO 1913


Celeste, oculta voz baixinho murmurar: 1906
São estas as verdades que a sã filosofia Tu és a idéia mais soberba e vasta
As lágrimas inúteis devera aconselhar. Que do gênio de Deus há rebentado.
Oh! mar nunca vencido! A Eternidade
Mas ai! a cada passo a vida nos demonstra, Revela-se em teus brados furibundos
Embora da esperança cintile a chama pura, Quando alta noite as vagas se abalroam
Que há dores tão profundas, pesares tão rebeldes. Coroadas de elétricas centelhas;
Assim como há moléstias mortíferas, sem cura! A Inteligência soberana e excelsa
Ostenta-se em teu rosto à madrugada
Quando a essência da luz profliga as sombras
E o globo inunda de esplendor e glórias. . .
LIVRO TERCEIRO Guarda o mistério de teu seio augusto!
Não serei eu — misérrimo! — quem busque
Solevantar-lhe o véu! — Dentro em minh’alma
Na dor que me consome te conceho.
MELODIAS DO ESTIO Basta-me ver-te das espáduas amplas
Sacudir as armadas dos tiranos.
Basta-me à noite pressentir-te ao longe
Atirando garboso às nebulosas
ASPIRAÇÕES
Diademas de pérolas nevadas.
Meu Deus! já que não posso no meio das florestas Basta-me apenas contemplar-te, altivo.
Ouvir da natureza as mais soberbas festas; Cuspindo aos homens que a teus pés rastejam
Já que não posso errante no esplêndido oceano A férvida saliva do desprêzo!
Sorver a longos tragos teu bafo soberano;
Quero escutar nas praças, ao vento das paixões.
Quantos impérios celebrados, fortes,
Erguer-se retumbante a voz das multidões!
Não floresceram 1914 de teu trono às bases.
Quero sentir. Senhor, que o fogo de teu gênio
Sublime potestade! E onde estão êles?
Abrasa-lhes as fibras do mundo no proscênio,
O que é feito da Grécia, Tiro e Roma,
E sabem responder do déspota à vontade:
Cartago a valerosa? As vagas tuas
— Aqui finda teu mando e surge a liberdade!
Lambiam-lhes os muros, quer nos tempos
Aos mares e aos desertos, aos povos e às feras De paz e de bonança, — quer na quadra
Deste uma lei somente nas primitivas eras. Em que chuvas de setas se cruzavam
O Gênesis dos orbes teve por letra prima À face tôrva das hostis falanges!
O emblema da igualdade que a independência Tudo aluiu-se, transformou-se em cinzas.
[arrima. Sumiu-se como os traços que o romeiro
A luz sacode as sombras e abraça a imensidade. Deixa da Núbia na revôlta areia!
Os escarcéus resistem ao horror da tempestade; Só tu, oh! mar sem têrmos, imutável
Mas ai! Senhor, os homens, 1907 na mais formosa Como o quadrante lúgubre do tempo.
[plaga, Ruges, palpitas sem grilhões nem peias!
Parece que afeiçoam-se ao jugo que os esmaga! Nunca na face dêsse azul sombrio,
Quando ouvirei nas praças 1908 ao vento das paixões Onde tranquilas, ao soprar das brisas.
Erguer-se retumbante a voz da multidões? Poesias do céu, flores do éter.
As estréias se miram namoradas,
Espanta-me a tormenta que as árvores derriba, Nunca o fogo e a lava, a guerra e a morte,
Mas o tufão que passa e a cerração fustiga 1909 As frotas dos tiranos hão deixado
E ’ útil e propício, porque descobre os montes Um vestígio sequer de seus ultrajes!
E deixa que eu contemple os vastos horizontes Tal como à tarde do primeiro dia
Onde ao clarão suave de um sol brilhante e puro Que o espaço desflorou, hoje te ostentas
Ostenta-se formosa 1910 a imagem do fu tu ro !... Na tua majestade horrenda e bela!
A raça entorpecida à sombra se acostuma
E nada enxerga além da condensada b ru m a !...
Venha o tufão bendito, e ao vento das paixões Espelho glorioso onde entre fogos
Quero escutar nas praças a voz das multidões! Se mira onipotente, nas tormentas,
A face do Senhor! Monstro atrevido
A escravidão não cinge-se unicamente aos ferros!... Cujas garras de bronze o globo abraçam,
Há uma inda mais negra, a escravidão dos erros! Até que um dia — quem o sabe! — exausto
Para privar-se ao pobre que seu caminho veja Lance o alento fin a l!... ai! no teu seio
Oh! não, não é preciso que êle atulhado seja. Talvez tremendo espirito se agite.
Basta roubar-lhe a luz, e o mísero nas sombras l9il Misto ignoto de paixões sem freios.
Se atirará da margem nas úmidas alfombras! Cuja expressão deslumbra-te nas faces.
Oh! mão pior mil vêzes!... trazei-lhe a claridade; 1912 Ora hediondas de compressos músculos.
Se o trilho está coberto, abre outro a liberdade! Ora doridas como a virgem morta
Quando ouvirei nas praças ao vento das paixões Na flor da juventude, ora risonhas
Erguer-se retumbante a voz das multidões? Como a loura criança que repousa
Sóbre o colo materno adormecida!

[ 559 ]
L U IS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Níobc eterna! de teu ventre túmido Cobrindo de ardentes rastros


Os gigantes do abismo apareceram, Os cerúleos alcaçares;
Em cujo dorso de argentadas conchas E a luz domina os espaços
Os raios das estréias resvalavam. Partindo da névoa os laços.
De teu lôdo fecundo, inextinguível, Rasgando da sombra os véus.
Brotaram continentes, cujas grimpas Então resoluto, ufano.
Iam bater na abóbada cerúlea; Corro às praias do oceano
Teus paços de coral e de esmeraldas Para mirar-te, meu Deus!
Encerravam princesas vaporosas. Quando às bafagens 1919 do estio
Louras ondinas, encantados gênios. Trem em os pomos dourados,
Soberbas divindades! Entretanto Sôbre os galhos pendurados
Viste tudo passar! Perdeu-se a Atlântida, Do pomar fresco e sombrio;
Sumiram-se na sombra os brônzeos deuses, Quando à flor d’água os peixinhos
E nem restou-te aquela que nascida Saltitam, e os passarinhos
De teus flocos de espuma 1915 deslumbrara Se cruzam no azul dos céus.
O Olimpo e a terra com seus olhos langucs! Então, procuro as savanas,
Me atiro entre as verdes canas
P ara sentir-te, meu Deus!
Oceano sem fundo! Antros sem nome! Quando a tristeza desdobra
Moradas da poesia e da tristeza! Seu manto escuro em minh’alma,
Emblema do in fin ito ... ai! desde a infância E vejo que nem a calma
Prêso na teia de atração divina, Desfruto, que aos outros sobra;
Eu vos busquei sedento! Sôbre as praias E do passado no templo.
Curvas como os alfanges dos Mouriscos Letra por letra contemplo
Eu me perdia nos dourados dias, A nênia dos sonhos meus.
Na santa primavera, ouvindo os rinchos Então me afundo na essência
Dos marinhos corcéis, 1916 molhando as plantas De minha própria existência
Na gaza salitrosa que envolvia Para entender-te, meu Deus!
A areia cintilante! Horas e horas
Passava no fastígio dos rochedos.
Fitos os olhos na planície imensa,
Como tentando compreender a história A UM ENJEITADO
Dêsse elemento indômito e te r r ív e l!...
Amo-te ainda, oh! mar! amo-te muito!
Mas não tranquilo umedecendo a proa Como a semente caída
D a gôndola lasciva, nem chorando Sôbre um ingrato terreno,
Aos olhares da lua! Amo-te ousado. Nasci;
Violento, estrondoso, repelindo E pobre planta esquecida.
Os vendavais que roçam-te nas crinas; Sem virações, sem sereno
Quebrando a asa de fogo que das nuvens Crescil
Procura te domar; batendo a terra
Com teus flancos robustos; levantando O meu primeiro momento
Triünfante e feroz no tredo espaço Eoi um momento maldito.
A cabeça vendada de ardentias! Bem sei;
Amo-te assim, oh! m ar! porque minh’alma Filho do vício cruento.
V ê-te imenso e potente, desdenhoso Sempre a nódoa de precito 1920
As humanas cobiças derribando! T erei!
Amo-te assim ; ditoso no teu seio.
Zombo do mundo que meu ser esmaga, De um porvir almo e dourado
Sou livre como as ondas que me cercam, Aquece as humanas frontes,
E só a 1917 tempestade e a Deus me curvo! A luz;
Mas triste ser malfadado.
Só vejo nos horizontes
A Cruz!
EM TÔDA A PARTE

Quando alta noite as florestas


Ao soprar das ventanias NO ÊRMO
Tenebrosas agonias
Trazem 1918 nas vozes funestas;
Salve! erguidas cordilheiras,
Quando as torrentes bravejam,
Brenhas, rochas altaneiras.
Quando os coriscos rastejam Donde as alvas cachoeiras
Na espuma dos escarcéus. Se arrojam troando os ares!
Então a passos incertos
Procuro os amplos desertos Folhas que rangem cmndo.
Para escutar-te. meu Deus! Feras que passam rugindo.
Quando na face dos mares Gênios que dormem sorrindo
Espelha-se o rei dos astros. No fresco chão dos palmares!

[ 560 ]
CANTOS E FANTASIAS

Salve! florestas sombrias, VOZES NO AR


Onde as rijas ventanias
Acordam mil harmonias Basta de luz. Senhor! Senhor, basta de afagos!
Na doce quadra estivai! Minhas retinas frágeis se cansam de esplendores!
Rôlas gentis que suspiram, Pi o fogo que me assopras sôbre as espáduas nuas
Louras abelhas que giram Desperta-me nas veias frenéticos ardores!
Sôbre as flores que transpiram
No seio do taquaral! Ah! sou tão nova ainda que sinto-me exaltada
Salve! esplêndida espessura. Das selvas verde-escuras ao caloroso eflúvio,
Mares de sombra e verdura E busco envergonhada na solidões sem têrmos
Donde a brisa etérea e pura Meu manto inda molhado das águas do dilúvio.
Faz brotar a inspiração,
Quando à luz dos vagalumes, Tenho no seio a vida e a liberdade n alma;
Da mariposa aos cardumes Aponta-me o caminho por onde devo andar;
Se casam moles queixumes Irei onde os condores seus ninhos penduraram?
Dos filhos da solidão! Ou bem onde desdobra seus vagalhões o mar?
Nas águas do Amazonas mirei meu rosto altivo,
Ahl que eu não possa me afastar das turbas, No Prata transparente banhei meus lindos pés;
Curar a febre que meu ser consome, Ungi os meus cabelos do aroma da baunilha,
E entre alegrias me atirar cantando Das palmas do coqueiro cobri minha nudez.
Nas sêcas folhas do sertão sem nome. I92i
Tenho cascatas de ouro, abismos de diamantes.
Ah! que eu não possa desprender aos êrmos Riquezas para um mundo se me aprouver comprar,
O fogo ardente que meu crânio encerra. Mas sinto-me indecisa, quero avançar, vacilo.
Gastar os dias entre Deus e os gênios Oh! mostra-me o caminho por onde devo andar!
Nas matas virgens da Cabrália terra!
Eu não detesto nem maldigo a vida;
Nem do despeito me remorde a chaga, COLMAL
Mas ai! sou pobre, pequenino e débil,
E sôbre a estrada o viajor me esmaga! P a r á fr a se O s s i Anica

Fere-me os olhos o clarão do mundo. Como é sentido o canto que murmuras,


Rasgam-me o seio prematuras dores, O ’ gênio dos rochedos solitários!
E a mágoa insana que me enluta as noites Assemelha-se à queixa dos arroios
Declino à campa na estação das flores! Entre a relva macia e vigorosa
Dos vales florescidos. 1^ 2 2 Muitas vêzes
E há tanto encanto nos desertos vastos. No silêncio da noite hei despertado
Tanta beleza do sertão na sombra, Procurando nas sombras, como outrora
Tanta harmo.nia no correr do rio. Da mocidade nos risonhos dias,
Tanta doçura na campestre alfombra, Aíinha lança esquecida; e no entanto
Sinto meu braço recair sem fôrça,
Que inda pudera se alentar de novo E choro amargamente a sós comigo.
E entre delícias flutuar minh’alma, Recusarás acaso, ó grato gênio.
Fanada planta que mendiga apenas Prestar ouvido aos cânticos de Ossian?
O orvalho, a noite, a viração e a calma! A inspiração rebenta-me na fronte
Abre-me os braços, ó fada. A lembrança das glórias do passado;
Fada do êrmo profundo, Minh’alma se ilumina, e mais formosos
Onde o bulício do mundo Brotam os sonhos da primeira idade,
Não ousa sequer bater! Como as flores do campo à luz d’aurora
Oh! quero tudo ,esquecer, Quando foge a tormenta, e a noite escura
Tudo o que aos homens seduz, Corre aos raios do sol que o espaço inundam!
Beber uma nova vida
E a fronte elevar ungida Não vês suspenso à cabeceira de óssian
De santas crenças à luz! Aquêle antigo escudo? seus relevos
Glória, fu tu ro ... o que valem Pistão gastos à fôrça de combates.
Futuro e glórias de pó. Seu brilho está perdido, e no entanto
Sem gratos sonhos que embalem E ’ o escudo do célebre Duntalmo.
O triste descrido e só? O ’ gênio dos rochedos solitários!
De que serve o ouro, a fama, Escuta a voz profética dos tempos!
Um nome, — pálida chama — E ra Ramor de Clutha ilustre chefe.
Quando à noite junto à cama Em seu palácio o fraco descansava
Só há martírios e dores? Sem receio dos fortes; o estrangeiro
Quando a aurora é sem belezas, Jamais achou fechada a vasta porta
Cheias de espinho as devesas, Dessa morada hospitaleira e rica.
E a tarde só tem tristezas Um dia apareceu Duntalmo o fero
Em vez de cantos e flores! E convidou Ramor para o combate;
O guerreiro aceitou, porém, na luta

[561]
L U ÍS XICOLAU t'A GU N nES VARELA

Duntalmo foi vencido. Dominado Trevas espêssas que meu corpo envolvem!
Por um ódio fatal, passados tempos Serás o filho de Langal? Outrora
Voltou Duntalmo, e colocado à frente No palácio de Clutha eu vi sentado
De numerosa tropa, às horas mortas Rsse ilustre g u e rre iro !... Tu me chamas.
Assassinou Ram or em seu palácio. O h! mas não posso abandonar nos ferros
Meu irmão infeliz, seria infame!
Filhos do morto, na mais tenra idade. Dá-me uma lança, voarei de pronto.
Colmar e Calthon descuidosos entram Partirei seus grilhões e iremos juntos.
Na triste habitação, e contemplando
Sôbre a terra atirado, envolto em sangue, — Guerreiros mil, responde-lhe a donzela.
O cadáver paterno, as frontes unem, Guardam Colmar. Que poderás sòzinho
F. seus prantos confundem abraçados. Contra força tão grande? Vem, fujamos.
As lágrimas doridas que derramam. Corramos a Morvém, seu rei piedoso
Aos suspiros sentidos que desprendem, De teus males ouvindo a triste história
O coração cruento de Duntalmo V irá salvar Colmar. Da noite as sombras
Abranda-se e comove-se; de pronto Aos poucos vão fugindo, e na planície
Manda levar as míseras crianças Verá Duntalmo de teus pés os traços,
A seu palácio esplêndido de Alteutha. E morrerás na flor da juventude.
Vem, não receies, inda é tempo. — O moço
Sob o teto opulento do inimigo Suspirando levanta-se; à lembrança
Os filhos de Ram or foram crescendo; Do irmão infeliz, rios de pranto
Já na presença do feroz guerreiro Escapam-lhe dos olhos. O caminho
Entesavam seus arcos; junto dêle Que vai dar a Morvém ligeiros trilham.
Já combatiam destemidos, fortes. O capacete escuro a face oculta
Da formosa Colmai; seu branco seio
Viram cobertos de espinhosas plantas O ar da noite a longos tragos bebe
Da morada paterna os altos muros; Sob a lisa armadura que o comprime.
E junto da lareira o verde limo, 192.3
Sob as asas de fúnebre silêncio. No palácio de Selma, entrando à volta
Estender-se e ganhar os aposentos; Da caça turbulenta, os dous mancebos
E choraram sozinhos nas montanhas, Fingal encontra; as desventuras ouve
E o pesar que sentiam transudava Que o filho de Ramor lhe conta, e volve
Das faces juvenis. Duntalmo em breve Seus olhares à tropa que o circunda.
Percebeu-lhes a dor, e receando Mil guerreiros levantam-se e reclamam
Que êles a morte de seu pai vingassem. A honra de levar a guerra a Teutha.
Os prendeu em dous antros pavorosos
Do Teutha escuro nas desertas margens. E também eu parti. Sôbre a planície
Nossos bravos marchavam semelhantes
Jam ais a luz do sol transposto havia As vagas do Oceano: os dous mancebos
Destas cavernas úmidas as bordas, Iam perto de mim. Logo Duntalmo
Jam ais da lua os sonolentos raios Nossa chegada prevenindo ajunta
Tinham beijado os fúnebres recantos No tôpo da colina os seus guerreiros.
Destas negras prisões onde os mancebos
Entre sombras espêssas soluçavam. A torrente de Teutha bravejava
Orgulhosa a seus pés. Um bardo envio
A filha de Duntalmo, airosa e linda, A convidar Duntalmo para a luta
Virgem de olhos azuis, louros cabelos. No meio da planície: um rir de mofa
Chorava no silêncio 1924 a desventura Foi a resposta do soberbo chefe.
De Calthon que prendera-lhe a vontade O turbilhão de seus guerreiros move-se
Do ardente amor nos laços feiticeiros. No tôpo da colina, semelhante
Uma noite ela ergueu-se resoluta, 1925 A nuvem negra que o tufão sacode
A formosa Colmai, reveste de aço E desdobra no céu. Duntalmo ordena
Seu corpo sedutor, agarra a espada Que o mísero Colmar trazido seja
Que a defunto guerreiro pertencera, A margem da torrente, e enfurecido
E transpondo a prisão do desditoso Embebe-lhe no seio a férrea lança.
Quebra-lhe os ferros, m ostra-llhe a passagem. O desditoso cai, rola por terra
Torcendo-se no sangue. Alucinado
— O h! filho de Ramor, a noite é negra. Calthon se arroja da torrente ao meio;
Levanta-te e caminha! O rei de Selma Eu vibro a minha espada, e ao lado oposto
Asilo nos dará; meu pai outrora Atiro-me das águas. O inimigo
Na casa de teu pai asilo achara. De mais a mais fraqueia a nossos golpes,
Vem pois comigo, de Langal sou filho. Mas a noite distende 1927 sôbre a terra
Seu manto tenebroso e nos separa.
E Calthon diz a mêdo: — O h! voz suave, 1926
Donde vens tu? Do cimo dos outeiros. Duntalmo se retira para o centro
Ou do seio das nuvens encantadas? De uma antiga floresta, aceso em raiva
Muitas vêzes sonhando enxergo as sombras Contra o mancebo cujo ardor guerreiro
Queridas de meus pais entre as profundas Não pudera extinguir. Calthon sentado

[ 562 ]
CANTOS E FANTASIAS

À sombra de um pinheiro 1928 pranteava E o viajante buscaria embalde


Seu irmão infeliz tão cedo morto. Seus túmulos nas sarças escondidos!
Vai alta noite, as sombras e o silêncio Apenas o lugar onde Duntalmo
Estendem-se no plaino; os combatentes Caiu aos golpes de óssian, e o jazigo
Mal resistem ao sono; mas ainda Onde o sono sem fim há muito dorme,
Aos ouvidos de Calthon rumoreja Aos fulgores da lua inda branqueiam!
A torrente de Teutha, e a triste sombra Tudo mais a tormenta há dissipado!
Do mísero Colmar ante seus olhos
Levanta-se funérea, ensanguentada, Prêso ao tronco rugoso de um carvalho
E com sinistra voz assim lhe fala: Calthon achei, cortei-lhe as duras cordas
“Ergue-te, Calthon, antes que a alvorada E da bela Colmai nos lindos braços
Apareça no céu, vinga a desgraça Atirou-se feliz. Junto de Teutha
De teu pobre Colmar! Duntalmo o fero Uma rica morada levantaram,
Irá seus restos insultar nas trevas!” E óssian, radiante da vitória,
Ãs terras de Morvém voltou de novo.
Assim dizendo a sombra se esvaece.

A tais palavras Calthon se levanta


E parte como um raio; ignota chama IRA DE SAUL
Incende-lhe os olhares; a tormenta
Convulsa-lhe no seio. Os inimigos F ragm en to
Estremecem de horror, porém passados
Os primeiros instantes, se condensam. A noite desce. Os furacões de Assur
Apertam-se ao redor do combatente. Passam dobrando os galhos à videira,
Prendem-no em breve e levam-no à presença Todos os plainos de Salisa e Sur
Do cruento Duntalmo. Alegres brados Perdem-se ao longe em nuvens de poeira.
Elevam-se nos ares, as colinas
Repetem-nos da noite no silêncio. Minh’alma se exacerba. O fel d’Arábia
Coalha-se todo neste peito agora.
Despertei assustado a tais rumores. Ohl nenhum magno da Caldéia sábia
Tomo da lança que a meu lado estava. A dor abrandará que me devora!
Chamo os guerreiros. Mais funesto e horrível
Que a própria morte, meu valor se torna! Nenhum! — Não vem da terra, não tem nome.
Só eu conheço tão profundo mal,
Não era assim que outrora se batiam. Que lavra como a chama e que consome
Oh! filhos de Morvém, nossos maiores! A alma e o corpo no calor fatal!
Quando de volta Fíngal divisar-nos
Sem ter vencido os feros inimigos, Maldição! Maldição! Ei-lo que vem!
Oh! mais não posso! A ira me quebranta!...
Que lhe diremos nós? Eia, guerreiros! Toma tu’harpa, filho de Belém,
Peparai vossas armas e segui-me! Toma tu’harpa sonorosa e canta!
Sôbre as ondas no Teutha a madrugada
Começava a lançar seus brandos lumes.
Canta, louro mancebo! O som que acordas
Colmai acompanhava-nos chorando, E ’ doce como as auras do Cedron,
Das mãos imbeles lhe escapou três vêzes Lembra-me o arroio de florentes bordas
A lança que levava. Esta fraqueza Junto à minha romeira de Magron.
Incitou minha cólera: “Mancebo
Covarde e pusilânime, lhe eu disse. Lembra-me a vista do Carmelo, — as tendas
Por acaso os guerreiros desta terra Brancas sôbre as encostas de Efraim,
Combatem soluçando? Segue as corças, E pouco a pouco apagam-se as tremendas
E os rebanhos que pascem junto ao Teutha, Fúrias do gênio que me oprime assim!
E deixa as armas, deixa-as aos valentes!”

Assim dizendo arranco-lhe do corpo


A lustrosa armadura, e um branco seio, VERSOS SOLTOS
Um seio de mulher, alvo e formoso,
Descoberto aparece! A minha lança Ao G en era l J u arez
Escapa-me das mãos, abaixo a fronte,
E desprendo um suspiro amargurado. Juarez! Juarez! Quando as idades.
Fachos de luz que a tirania espancam.
Tudo^ entendi! O grito do combate Passarem desvendando sôbre a terra
de n o v o !... O’ gênio dos rochedos, As verdades que a sombra escurecia;
O’ gênio dos rochedos solitários! Quando soar no firmamento esplêndido
Porque do velho bardo a voz já rouca O julgamento eterno;
Treme de relatar como morreram Então banhado no prestígio santo
Os guerreiros de Teutha? Hoje repousam Das tradições que as epopéias criam,
Em seus próprios países olvidados, Grande como um mistério do passado.

[ 563 ]
L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VAKELA

Será teu nome a mágica palavra Os brindes e,os folguedos continuam,


Que o mundo falará lembrando as glórias Mas a mão invisível do destino
Da raça Mexicana! Na sala do banquete austera escreve
Quem se atreve a medir-te face a face? O aresto irrevogável!...
Quem teu vôo acompanha nas alturas,
Condor soberbo que da luz nas ondas
Sacode o orvalho das possantes asas,
E lança um grito de desprezo infindo SETE DE SETEMBRO
Ao milhafres rasteiros?
Que destemido caçador dos ermos
Irá te cativar, ave sublime. Quando o gênio de Deus em santo arrôjo
Nessas costas bravias e tremendas, Batendo as sombras atirou no espaço
Onde o Grande Oceano atira as vagas, A hipérbole da luz,
E os vendavais sem peias atordoam E à matéria disforme que boiava
O espaço de rugidos? Sem destino e sem rumo í93i abriu a senda
Que sicário real, nas matas virgens Que à perfeição conduz;
Amplas, sem marcos, sem batismo e data,
Te apanhará, jaguar das soledades?... Os querubins calaram-se escutando
Ahl tu espreitas os volcões que dormem! A ode universal que retumbava
Quando a cratera encher-se, à luz vermelha Aos pés do Criador;
Rebentarás nas p ra ç a s!... E a natureza virgem dilatou-se,
Trarás contigo os raios da tormenta! E os mundos abalaram-se rugindo:
Da tormenta serás o sôpro ardente! Somos livres, Senhor!
Mas a tormenta passará de novo
E o golfo Mexicano iluminado
As gerações ergueram-se no tempo.
Refletirá teu vulto gigantesco,
De cada idéia levantou-se um povo.
O ’ águia do porvir!
De cada povo a lei.
As eras sucederam-se confusas;
Teu nome está gravado nos desertos Mas o canto divino orientava
Onde pés de mortal jamais pisaram! Das multidões a grei.
Quando pudessem deslembrá-lo os homens.
As selvas despiriam-se de folhas,
Para arrojá-las do tufão nas asas E ora entre névoas, ora entre fulgores,
Às multidões ingratas! Como a lua formosa em céu nublado,
Como as de um livro imenso elas compõem A liberdade andava,
Teu poema sublime; a pluma eterna E a cada passo a trânsfuga celeste
Do invisível destino, e não rasteira. Um rasto imenso de grilhões partidos
Mísera pena de mundano bardo. Como o raio d eixava!...
Nelas traçou as indeléveis cifras
De teu nome imortal! Mas tu, risonha plaga Americana,
Os pastôres de Puebla e de Xalisco, Ilha de amor nos mares do mistério,
As morenas donzelas de Bergara, Dormias a sorrir.
Cantam teus feitos junto ao lar tranqüilo Tão linda como o cisne de alvas penas,
Nas noites perfumadas e risonhas Tão pura como a virgem balouçada
Da terra Americana. Os viajantes Nos sonhos do porvir!
Que os desertos percorrem, — pensativos, í92y
Param no cimo das erguidas serras, Do vulto horrendo do voraz abutre
Medem co’a vista o descampado imenso,
A sombra intensa não toldou-te as faces,
E murmuram fitando os horizontes
Nem manchou-te, é mentira!
Vastos, perdidos num lençol de névoas; Anjo de asas de luz! não fôste escrava!
Juarez! Juarez! em tôda a parte Criança! inda era cedo, o canto eterno
Teu espírito v a g a !... Dormia-te na lira!

Falam de ti as fontes e as montanhas.


As ervinhas do campo e os passarinhos Dormia, mas o hálito de Deus
Que, 1930 abrindo as asas no azulado céu, Rugia-te nas fibras, inflamado
Como um bando de sonhos esvoaçam. Como um volcão no mar!
As nações esperavam-te ansiosas,
Mas êsse nome que ameniza o canto E no fórum dos povos avultava
Do tôrvo montanhês, — e mais suave Vazio o teu lugar!
Que um suspiro de amor, parte dos lábios
Da virgem sonhadora das campinas,
Faz tremer o tirano que repousa Apareceste enfim, mas não liberta, ^
Nos macios coxins do leito de ouro, Que nunca fôste escrava, apenas débil.
Como o brado do arcanjo no infinito Sem forças, vacilante;
Ao fenecer dos mundos! Se assim não é, onde estarão teus ferros?
Deixa que as turbas do terror escravas Onde o pó das prisões que derribaste?
Junto de falso trono se ajoelhem! Onde o jugo infamante?

[ 564 ]
CANTOS MEHIOIÜNAIS

É neste altar de esplêndido futuro, CANTOS MERIDIONAIS


Berço de outrora, trono do presente,
Que beijamos-te as plantas, Cantos / Meridionaes / por / Luiz Nicoláo Fagun­
E ao perfume do incenso, ao som dos hinos. des Varella / Rio de Janeiro / Publicado e á venda
Adoramos em ti 19^2 da liberdade em casa de / Eduardo & Henrique Laemmert / 68,
As glórias sacrossantas. Rua do Ouvidor, 68 / 1869 /

Filha augusta de Deus! Rosa banhada


Da Redenção nas lágrimas ardentes!
Mãe das raças opressas! ORAÇÃO
Pomba sagrada que rompendo as nuvens
Trazes ao lenho errante o verde ramo Oh! virgem das esferas sempiternas!
Ungido de promessas; Oh! meu anjo-da-guarda! Ohl minha musa!
Minha espôsa imortal!
Liberdade gentil, mil vêzes salve! Bate as trevas que enlutam meu caminho.
Salve sem peias devassando os ares. Protege na jornada dêste mundo
Espancando os bulcões! Minh’alma tua igual 1
Salve nos paços de opulentos sátrapas.
Salve na choça humilde do operário. Nos loiros dias da risonha infância
Salve até nas prisões! Desdobraste sôbre ela as vastas asas
Gotejante de luz-----
Dá-me hoje alento que meu ser fraqueia,
Enxuga-me os suores do suplício.
NOITE SAUDOSA Conforta-me na cruz!
S eren a ta P o s t a e m M ú sic a p e l o D is t in t o Eu vejo ao longe as sombras que se enrolam,
C o m p o s it o r A c a d ê m ic o O raio que flameja, ruge e passa
O S e n h o r V. J. G o m e s da C o s t a . Das nuvens através;
Meu seio é todo angústias, — a tristeza
Ah! como brilhas Como a boa voraz me arrocha os membros
No céu azul. Em seus rijos anéis!
Dourando os cerros.
Astro do Sul! Sacode as plumas, 1934 anjo do infinito!
Pisa os vermes do chão e os corvos negros
Quanta tristeza.
Quanta saudade Que folgam junto a mim!
Não consintas que o espírito das trevas
No seio expandes
Da soledade! Se assente nos debruns de teu vestido
E faça seu festim!
Ah! não, não fujas,
Não mais te escondas 1933 A tormenta do céu sacode as plantas.
Da névoa errante Fustiga das montanhas o costado
Nas brancas ondas! Tremenda em seu furor!
Mas os ventos da intriga e da calúnia
Vê como as aves Não deixam nos arbustos que açoitaram
Adormecidas Nem sombra de uma flor!
Soltam sonhando
Queixas sentidas. Êles passaram crebros e cruentos
Sôbre minha cabeça inda aquecida
Vê como as selvas, Da mocidade ao sol!
O prado, as flores. Na estação do prazer, eis-me sentado
Num só abraço Do mar da vida nas bravias costas.
Tremem de amores. Sem lume, sem farol!
Na sombra o rio
Chora e desmaia; Eu quero andar! Eu sei que no futuro
Mortas as vagas Inda há rosas de amor, inda há perfumes,
Gemem na p raia... Há sonhos de encantar!
Não, eu não sou daqueles que a descrença
Ah! fica, fica Para sempre curvou, e sôbre a cinza
No céu azul, Debruçam-se a chorar!
Não mais te afastes.
Astro do S u ll... Lança um raio de luz em meu caminho.
Protege na jornada dêste mundo
A luz que vertes Minh’alma tua igual.
Da pátria fala, Oh! virgem das esferas sempiternas!
E a dor abranda Oh! meu anjo-da-guarda! Oh! minha musa!
Que o seio ra la i... Minha espôsa imortal!

[ 565 ]
L X ; íS > i I C O L A U F A G U N D E S A ' A R E L A

O ESCRAVO Mas morreste sem lutas, sem protestos.


Sem um grito sequer!
A o S r . T o m a z d e A q u in o B o r g e s Como a ovelha no altar, como a criança
No ventre da mulher!
M orreste sem mostrar que tinhas n’alma
Dorme! — Bendito o arcanjo tenebroso Uma chispa do céu!
Cujo dedo imortal Como se um crime sôbre ti pesasse!
Gravou-te sôbre a testa bronzeada Como se fôras réu!
O sigilo fatal!
Dorm e! — Se a terra devorou sedenta Sem defesa, sem preces, sem lamentos.
De teu rosto o suor, 1935 Sem círios, sem caixão.
Mãe compassiva agora te agasalha Passaste da senzala ao cemitério!
Com zêlo e com amor. Do lixo à podridão!
Tua essência imortal onde é que estava?
Ninguém te disse o adeus da despedida,
Onde as leis do Senhor?
Ninguém por ti chorou!
Digam-no o tronco, o látego, as algemas
Em bora! A humanidade em teu sudário
E as ordens do feitor!
Os olhos enxugou!
A verdade luziu por um momento Digam-no as ambições desenfreadas,
De teus irmãos à grei: A cobiça fatal,
Se vivo fôste escravo és morto — livre Que a eternidade arvoram nos limites
Pela suprema lei! De um círculo mortal!
Digam-no o luxo, as pompas e grandezas.
Tu suspiraste como o hebreu cativo Lacaios e brasões.
Saudoso do Jordão, Tesouros sôbre o sangue amontoados.
Pesado achaste o ferro da revolta, Paços sôbre volcões!
Não o quiseste, não!
Lançaste-o sôbre a terra inconsciente Digam-no as almas vis da prostitutas,
De teu próprio poder! O lôdo e o cetim,
Contra o direito, contra a natureza O demônio do jogo, — a febre acesa
Preferiste morrer! Em ondas de ru b im !...
E no entanto tinhas um destino,
Do augusto condenado as leis são santas, Uma vida, um porvir,
São leis porém de amor: Um quinhão de prazeres e venturas
P or amor de ti mesmo e dos mais homens Sôbre a terra a fruir!
Preciso era o valor,
Eras o mesmo ser, a mesma essência
Não o tiveste! Os ferros e os açoites
Que teu bárbaro algoz;
M ataram-te a razão!
Foram seus dias de rosada sêda,
Dobrado cativeiro! A teus algozes
Os teus — de atro r e tr o z !...
Dobrada punição!
Pátria, família, idéias, esperanças,
Crenças, religião,
Porque nos teus momentos de suplício. Tudo matou-te, em flor no íntimo d’altna,
De agonia e de dor O dedo da opressão!
Não chamaste das terras Africanas
O vento assolador? Tudo, tudo abateu sem dó nem pena!
Êle traria a fôrça e a persistência Tudo, tudo, meu Deus!
À 1936 tu’alma sem fé, L teu olhar à lama condenado
Nos rugidos dos tigres de Benguela, 1937 Esqueceu-se dos c é u s !...
Dos leões de G u in é !... Dorm e! Bendito o arcanjo tenebroso —
Cuja cifra imortal.
Êle traria o fogo dos desertos, Selando-te o sepulcro, abriu-te os olhos
O sol dos areais, À luz universal!
A voz de teus irmãos viril e forte, 1938
O brado de teus pais!
Êle te sopraria às moles fibras A CIDADE
A raiva do suão
Quando agitando as crinas inflamadas
A M e u P r e d il e t o A m ig o o S r . D r . B e t o i .di
Fustiga a solidão!
A cidade ali está com seus enganos.
Então ergueras resoluto a fronte, Seu cortejo de vícios e traições.
E grande em teu valor Seus vastos templos, seus bazares amplos,
Mostraras que em teu seio inda vibrava Seus ricos paços, seus bordéis — salões.
A voz do Criador!
M ostraras que das sombras do martírio A cidade ali está, — sôbre seus tetos
Tam bém rebenta a luz! Paira dos arsenais o fumo espêsso.
O h! teus grilhões seriam tão sublimes. Rolam nas ruas da vaidade os côches
T ão santos como a cruz! E ri-se o crime à sombra do progresso.

[ 566 ]
CANTOS MCKIDIONAIS

A cidade ali está, sob os alpendres Depois o jôgo, — a embriaguez, o roubo,


Dorme o mendigo ao sol do meio-dia, A febre nos ladrilhos do prostíbulo,
Chora a viúva em úmido tugúrio. O hospital, a prisão---- Por desenrêdo
Canta na catedral a hipocrisia. A imagem pavorosa do patíbulo!
A cidade ali está, — com ela o êrro, Eis a cidade!... — Aqui a paz constante,
A perfídia, a mentira, a desventura... Serena a consciência, alegre a vida.
Como é suave o aroma das florestas! Formoso o dia, a noite sem remorsos.
Como é doce das serras a frescura! Pródiga a terra, nossa mãe querida!
A cidade ali está, — cada passante Salve, florestas virgens! Rudes serras!
Que se envolve das turbas no bulício Templos da imorredoura liberdade!
Tem a maldade sôbre a fronte escrita. Salve! Três vêzes salve! Em teus asilos
Tem na língua o veneno e n’alma o vício. Sinto-me grande, vejo a divindade!
Não, não é na cidade que se formam
Os fortes corações, as crenças grandes,
Como também nos charcos das planícies
Não é que gera-se o condor dos Andes! 0 CAVALO

Não, não é na cidade que as virtudes. Corre, voa, transpõe os outeiros.


As vocações eleitas resplandecem. Corta os charcos dc sombra cobertos.
Flores de ar livre, à sombra das muralhas Quebra as pedras, escarva as planícies.
Pendem cedo a cabeça e amarelecem. Vinga os cerros, — devora os desertos!

Quanta cena infernal sob essas telhas! Vamos, meu cavalo branco,
Quanto infantil vagido de agonia! Minha neblina veloz,
Quanto adultério! Quanto escuro incesto! Deixemos campos e prados,
Quanta infâmia escondida à luz do dia! Sarças, brejos e vaiados,
Ermos, vilas, povoados,
Quanta atroz injustiça e quantos prantos! E — os homens, atrás de nós!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada! Vamos, vamos, busquemos as terras
Quanta virgem vendida aos lupanares! Onde habitam meus doudos amores,
Onde espera por mim, ansiosa,
Quanto talento desbotado e morto! A mais lânguida flor, entre as flores.
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida Onde tudo é liberdade.
Num carinho de mãe ou de mulher! Vida, calor, gôzo e luz;
Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas, Onde as plácidas campinas
A lama, a podridão, a iniqüidade; Regurgitam de boninas
Aqui o céu azul, as selvas virgens, Às carícias peregrinas
U ar, a luz, a vida, a liberdade! De um sol que sempre reluz!

A!i, medonhos, sórdidos alcouces. Bebe a plenos pulmões as bafagens


Antros de perdição, covis escuros Desta noite sombria, mas pura;
nde ao clarão de baços candieiros Deixa as feras rugirem no mato,
r^assam da noite os lémures impuros; Deixa o inseto chilrar na espessura!
E abalroam-se as múmias coroadas, Deixa que gema nas rochas
^orpos de lepra e de infecção cobertos; O môcho embusteiro e vil,
CUJOS membros mordem-se raivosos Que as cobras no chão rastejem, 1939
s vermes pelas sêdas encobertos! Que o fogos fátuos doudejem,
Que as feiticeiras praguejem,
Aqui verdes campinas, a!tos montes,
Que pulem demônios mil!
Kegatos de cristal, matas viçosas,
üorboletas azuis, loiras abelhas,
Hinos de amor, canções melodiosas. Não és tu destemido e valente?
Não palpitas de seiva e de vida?
Ali a honra e o mérito esquecidos. Tantas vêzes por brenhas e gandras
Mortas as crenças, mortos os afetos; Não venceste o tufão na corrida?
Us lares sem legenda, a musa exposta
Aos dentes vis de perros abjetos! Bem poucos homens, bem poucos
Te igualam, nobre animal!
Presa a virtude ao cofre dos banqueiros, Raros na vivacidade...
A lei de Deus entregue aos histriões! Taívez alguns na amizade,
Em cada rosto o sêlo do egoísmo! Mas nenhum na lealdade!
Em cada peito um mundo de traições! Na intrepidez natural!

[ 567 ]
liU lS NICOLAU FAÜUNDKS VARELA

Como rasgas as trevas garboso! Agora o espaço, as sombras, a saudade,


Ah! como elas te lambem as ancas! O pranto e a r e fle x ã o ....
Como aos ventos sacodes ousado A alma entregue a si. Deus nas a ltu r a s ....
Essas crinas espessas e brancas! Nos lábios a oração!
T ristes idéias, pensamentos fundos.
A teus pés saltam centelhas,
Nublam-me a fronte descaída e fria,
Rebentam rubros fuzis,
Como êsses flocos de neblina errante
E os festões das amoreiras,
Que os cerros vendam quando morre o dia.
E as selvagens trepadeiras
Curvam-se humildes, rasteiras. Amanhã que verei? — Talvez o porto,
Beijam -te os cascos, servis. Talvez o s o l .. . não sei!
Brinco do fado, a dor é minha essência,
Mil figuras estranhas te espreitam. O acaso minha l e i ! . ..
Convulsivas, na margem da estrada.
Depois fogem silvando, e se escondem Que importai A pátria do poeta o segue
No remanso da mata cerrada. P or tôda a parte onde o conduz a sorte,
No mar, nos ermos, do ideal nos braços.
Mil muralhas, mil colunas, Respeita o sêlo imperial da morte!
Mil orgulhosos frontais,
Mil capitéis trabalhosos, Oceano profundo! Augusto emblema
Fustes, pilares pomposos Da vida universal!
Se levantam portentosos Leva um adeus ainda às alvas praias
A cada salto que dás! De meu torrão natal.

Novos mundos parece que vejo,


Novo solo parece que pisas,
A MORTE
Novos cantos escuto no espaço,
Novas queixas nas asas das brisas!
Tu não me curvarás sem resistência, 1941
Corre, meu bom companheiro. Divindade cruel!
Voa, meu bravo corcel. Tu não me abaterás impunemente
Somos livres como os ares. A cabeça revel!
As serras com seus palmares,
O sertão com seus jaguares. Podes chegar, não tem o-te: — aos escravos
Os astros com seu dossel! Voto extremo desdém!
Eis a m a té r ia ... — queres que te adore?
Corre, voa, transpõe os outeiros. V ê se passas além!
Corta os charcos de sombra cobertos.
Quebra as pedras, escarva as planícies. M ísera! A essência eterna, imaculada, 1942
Vinga os cerros, — domina os desertos! Insulta-te o poder!
Realeza de cinza e de poeira!
T riste escárnio do ser!
AO RIO DE JANEIRO Do cadáver à face apenas gravas
Adeus! Adeus! Nas cerrações perdida Teu gélido sinal,
E já de novo o anima em formas novas
V ejo-te apenas, Guanabara altiva,
A vida universal!
Mole, indolente, à beira-mar sentada
Sorrindo às ondas em nudez lasciva.
T u nada podes! Teu domínio louco.
Teu reinado falaz.
Mimo das águas, flor do Novo Mundo,
E m vez do nada ao peregrino apontam
T erra dos sonhos meus.
As glórias imortais!
Recebe asinha no passar dos ventos
Meu derradeiro adeus! E devo então temer-te? Vem, que importa
Teu pavoroso rir,
A noite desce, os boqueirões de espuma Se além da cova impura ardentes brilham
Rugem pejados de ferventes lumes, Os astros do porvir?
E os loiros filhos do marinho império
Brotam do abismo em festivais cardumes. Porém não, mentem os homens
Quando te pintam tão má!
Sinistra voz envia-me aos ouvidos Sentada entre brancos ossos,
Um cântico fatal! Contando os escuros fossos
Perm ita o fado que a teu seio eu volte, 1940 Do vale de Jo safá!
O h! meu torrão natal!
Quando te colmam de horrores,
Já no horizonte as plagas se confundem, E em doida exageração
O céu e a terra abraçam-se discretos. Dizem-te negra, sombria.
Leves os vultos das palmeiras tremem Nua, deslavada e fria, 1943
Como as antenas de sutis insetos. Coberta de podridão!

[ 568 ]
CAÎÎTOS MERIDIONAIS

Mentem, sim? — As dores fundas, Eu v i . . . . maravilha! Prodígio inefável!


Os estertores fatais. Um vulto adorável, primor dos primores!
As horas lentas, tardias. Sorrindo às 1951 estréias, no céu resvalando,
As cruentas agonias, Nas vagas boiando de tênues vapores!
Não és tu, anjo, que dás!
Nos membros divinos, mais alvos que a neve,
São as lutas da matéria, Que os astros, de leve, clareiam, formosos,
São da carne as convulsões, Nas tranças doiradas, nos lábios risonhos
São insensatos esforços, Os gênios e os sonhos brincavam medrosos!
São as setas dos remorsos,
São as fúrias ^^44 das paixões! Princesa das névoas! Milagre das sombras!
Das róseas alfombras, dos paços sidéreos.
Mas não tu! — Oh! quantas vezes Acaso rolaste, dos anjos nos braços,
Em súbito despertar 1945 Dos vastos espaços aos mantos etéreos?
Tenho-te visto fagueira.
De meu leito à cabeceira. Os prantos do inverno congelam-te a fronte.
Fitar-me um divino olhar! Os combros do monte se cobrem de brumas,
E quêda repousas num mar de neblina
Quantas vêzes alta noite Qual pérola fina num leito de espumas!
Nos delírios do festim 1946
Falas-me baixo aos ouvidos, Nas nuas espáduas, dos astros algentes,
Me envolves em teus vestidos O sôpro não sentes raivoso passar?
Todos de gaze e cetim! Não vês que se esvaem miragens tão belas?
A luz das estréias não vês se apagar?
Quantas vêzes sôbre os lábios
De uma adorada mulher 1947 Ai! vem que nas nuvens te mata o desejo
Meus lábios incendiados De um férvido beijo gozares em vão!
Em teus lábios descorados Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Repousam sem eu saber! . . , Nem podem amar-te, celeste visão!

Vem sem cortejo, vem sozinha, oh noiva E as auras passavam, e as névoas tremiam,
De meus últimos dias! E os gênios corriam no espaço a cantar,
Tu serás recebida como o arcanjo Mas ela dormia, gentil, peregrina.
Em casa de Tobias! Qual pálida ondina nas águas do mar!
fraze em teu seio o talismã da crença, Estátua sublime, mas triste, sem vida,
A paz sob teu véu. . . .
Sem^ voz, 1952 envolvida no hibérneo sudário.
-Nós subiremos devagar a escada
Verás, se me ouvires, trocado por flores.
Que vai bater ao céu!
Por palmas de amores teu véu mortuário!
Mas quebra-me certeira o imundo vaso
Que oculta o eterno ser; Ah! vem, vem minh’alma! Teus loiros cabelos!
Quebra-o de um golpe, toma-me nos braços, 1948 Teus braços tão belos, teus seios tão lindos,
Não me deixes sofrer! Eu quero aquecê-los no peito incendido.. . .
Contar-te ao ouvido meus sonhos infindos!
Na flor dos anos conheci da vida
Tôda a triste ilusão, Assim eu falava, nos amplos desertos
Embora os homens meu porvir manchassem, 1949 Seguindo os incertos lampejos da luz,
Não os detesto, não! Na hora em que as névoas se estendem nos ares,
E choram nos mares as ondas azuis.
Embora o sôpro ardente da calúnia
Crestasse os sonhos meus, As brisas d’aurora ligeiras corriam.
Nunca descri do bem e da justiça, As flores sorriam nas verdes campinas.
Nunca descri de Deus! Ergueram-se as aves do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblinas!
Bendita sejas, virgem do infinito.
Anjo consolador,
Que a triste foragida criatura
Restituis ao Senhor! À BAHIA

Sôbre coxins de verdura


Aos fogos do meio-dia
NÉVOAS 1950 Dorme a esplêndida Bahia
Reclinada à beira-mar;
Na hora em que as névoas se estendem nos ares, E como servas humildes
Que choram nos mares as ondas azuis, Sustendo-lhe o régio arminho
E a lua cercada de pálida chama As vagas falam baixinho
Nas selvas derrama seu pranto de luz; Medrosas de a despertar. 1953

[ 569 1
L U Í S N I C O L A U FAÍ t U N D E S V A R E L A

Os ventos que a furto beijam Se à fronte não te luzissem


De seus vergeis as mangueiras Aos diamantes misturados
Vão perfumar cem bandeiras Os prantos cristalizados
Que ondeiam no céu azul; De cativas multidões!
E relatam maravilhas
Dessa pérola do Norte,
Mais do que Cartago, forte,
Mais linda do que Estambul. A ENCHENTE 19S6

Estrangeiro que habitastes E ra alta noite, intumescido 1957 e negro


Mil cidades de outros mares. Roendo as margens espumava o rio.
Ao mirar estes palmares, Densos vapores pelo céu rolavam.
O que sentistes, dizei? Batia o vento o taquaral sombrio.
O que sentistes pisando
Sôbre o tapiz destas praias Leve piroga se agitava embalde
Pomposas, como as alfaias Prêsa nos elos da infernal corrente,
Do leito de um grande rei? Cantava um anjo, o remador lutava.
Linda virgem dizia tristem ente:
Ao contemplar êstes montes Como ao rijo soprar das ventanias
Ardentes de mocidade Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Por onde a dupla cidade
Se estende a seu bel-prazer; O h! são bem m oços! Do noivado apenas
E estas praças arrelvadas, Talvez saíssem nesta noite escura!
E estas árvores erguidas, Talvez ébrios de amor galgando o leito.
E estas rampas atrevidas Vissem à cabeceira a morte impura!
Que vão nas nuvens morrer.
A vida é uma cadeia de m entiras! . . . .
Sentistes saudade acaso Sempre o demônio ao pé do serafim!
Dos países que deixastes? A sombra da desgraça e do extermínio
Dos povos que visitastes Sempre toldando os lustres do festim!
Tivestes lembranças cá? Como ao rijo soprar das ventanias
O h! não, que a vossos olhares Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Não mostraram tal beleza
Rema, rema, 1958 barqueiro, olha, lá em baixo
Roma, Nápoles, Veneza,
À luz vermelha do fuzil que passa,
Cantão, Pequim, Calcutá!
Não vês o vulto de um rochedo horrendo
Que a correnteza estrepitando abraça?
Mas ah! Vêde, nesta pátria
De heróis, de gênios, de bravos. O h! se o vejo, senhora! Eu bem o vejo!
Vestígios de pés escravos Diz o barqueiro com sinistra voz,
Conspurcam tão nobre chão! Orai à santa que os perigos vela
E pelas noites tranqüilas. Para que tenha compaixão de n ó s !...
Aos ecos das serenatas. Como ao rijo soprar das ventanias
Casam-se as vozes ingratas Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Da mais cruenta opressão!
J á dentre as vagas de negrumes tredos
Estas praças e mercados, Vem pouco e pouco se mostrando a lua;
Êstes vastos edifícios Como à luz dela a natureza é triste!
Não são por certo os indícios Como a planície é devastada e nua!
De um povo calmo e feliz!
Não, que sôbre essas riquezas Perto, tão perto elevam-se os outeiros
Fundadas sôbre um delito Onde fagueira a salvação so rri-----
Geme o direito proscrito. E nós rolamos, e rolamos sempre,
Chora uma raça infeliz! E não podemos aportar a l ü ...
Como ao rijo soprar das ventanias
E ela dorme descuidosa, 1954 Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
Sem mêdo a filha do Norte,
Entregue à 1955 mísera sorte Duro, insofrido o vendaval sacode
Das outras delas irm ãs; Do rio a face em convulsão febril!
Dorme como as odaliscas Barqueiro, alento! Se me pões em terra
Nos palácios do Oriente Hei de colmar-te de riquezas mil!
Sob a guarda inconsciente
De comprados iatagãs. Mas ai! No dorso do dragão das águas
Lutava o lenho, mas lutava em vão!
Bahia, terra das artes! E a pobre moça, desvairada, em prantos.
Terra do amor e da glória! Pedia à Virgem que lhe desse a mão!
Quão grande fôras na História, Como ao rijo soprar das ventanias
Quão grande com teus brasões. Os mortos bóiam sôbre as águas frias!

[ 570 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS

Ouve, 15S8 barqueiro, que ruído é êsse, 1958 Pelo mar, pelo deserto.
Surdo, profundo, que nos ares soa? Pelas montanhas, sinhá!
Parece o estrondo de trovão medonho Pelas florestas imensas
Que dos abismos pelo seio ecoa! Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Deus poderoso! Abandonando remos Da flor do maracujá!
Brada o infeliz a delirar de medo.
Ai! é a morte, que nos chama, horrível, Por tudo o que o céu revela!
No flanco imenso de fatal ro ch ed o !... Por tudo o que a terra dá
Como ao rijo soprar das ventanias Eu te juro que minh’alma
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! De tua alma escrava está!!.
Guarda contigo êste emblema
Ia a piroga ao sorvedouro escuro, Da flor do maracujá!
Era impossível se esquivar então!
Dentro sentado o remador chorava, Não se enojem teus ouvidos
A donzela dizia uma oração! De tantas rimas em — a —
Mas ouve meus juramentos,
Já diante dêles, entre véus de espuma, 1958 Meus cantos ouve, sinhá!
Treda a voragem com furor rugia, Te peço pelos mistérios
K uma coluna de ligeiro fumo Da flor do maracujá!
Do seio horrendo para o céu subia!
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
0 ESPECTRO DE SANTA HELENA i960
.Súbito o barco volteou rangendo, 1958
Tremeu nas ondas, recuou, parou. Sôbre uma rocha isolada
Deu a virgem um grito, 1958 outro o remeiro Pelas vagas flagelada
E o lenho na voragem afundou! Pena uma sombra exilada
Que a sorte trucida em vão!
i udo findou-se! Os vendavais sibilam E aquela sombra gigante.
Correndo infrenes na planície nua, Cativa, mas arrogante.
O rio espuma, e nas barrentas vagas Mede o espaço triünfante.
Rolam dous corpos ao clarão da lua. Brada: — inda sou Napoleão!
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! A noite é negra, agoureiros,
No dorso dos nevoeiros
Os gênios traiçoeiros
Galopam pela amplidão!
Batem-se os ventos rugindo,
A FLOR DO M A RA C U JÁ Repta o mar o céu infindo,
Ela os escuta sorrindo
Pelas rosas, pelos lírios. E clama: — eu sou Napoleão!
Pelas abelhas, sinhá.
Pelas notas mais chorosas Oh! sim! Nos templos da glória,
Do canto do sabiá. Nos altares da memória.
Pelo cálice de angústias Os fastos de minha história
Da flor do maracujá! Para sempre fulgirão!
Passem embora as idades.
Pelo jasmim, pelo goivo. Abatam povos, cidades.
Pelo agreste manacá. Os homens e as tempestades.
Pelas gôtas de sereno Sempre hei de ser Napoleão!
Nas fôlhas do gravatá.
O fado, nume inconstante.
Pela coroa de espinhos
Bem poderá um instante
Da flor do maracujá!
Deixar que escarre insultante
Sôbre meu corpo o bretão.........
Pelas tranças da mãe-d’água Casta de torpes rafeiros,
Que junto da fonte está. H oje inflados, altaneiros.
Pelos colibris que brincam Já se curvaram rasteiros
Nas alvas plumas do ubá. Às plantas de Napoleão!
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá. Nos vastos marnéis do Egito,
Sôbre fôlhas de granito,
Pelas azuis borboletas Deixei meu poema escrito.
Que descem do Panamá, Grande como a criação!
Pelos tesouros ocultos De Ménfis sôbre as muralhas,
Nas minas do Sincorá, Dos Faraós das mortalhas
Pelas chagas roxeadas 1959 Gravei ao sol das batalhas
Da flor do maracujá! As lendas de Napoleão!

[571]
L U IS K IC O L A U FAGUN DES V A RELA

Quando eu cortava os desertos Diga-o minh’alma tranqüila!


Vinham-me os ventos incertos Diga-o a paz que se asila 1965
De nardo e mirra cobertos De meus olhos na pupila,
Trazer-m e d’Asia a oblação! Se inda não sou Napoleão!
As caravanas paravam,
E os romeiros que passavam Porém os ventos se calam, 1966
Às esfinges perguntavam: As ondas não mais se abalam
É êste o deus Napoleão? Raivosas, porém resvalam
Lambendo as rochas então.........
A noite entre hinos e flores, O gênio da noite chora,
Entre suaves odores Rósea luz as nuvens cora, 1967
As sombras dos reis pastores Cantam os anjos d’aurora:
Surgiam a ver-me então! Sempre serás Napoleão!
A voz dos padres antigos,
As múmias de seus abrigos.
Os heróis de seus jazigos
Vinham 1961 saudar Napoleão!
A SO N Â M BU LA

E lá, dessas chãs extensas,


Dessas planícies imensas Virgem de loiros cabelos
Onde banharam-se as crenças — Belos, —
Dos povos sôbre o Jordão; Como cadeias de amores,
O lago dizia ao prado, Onde vás tão triste agora
O prado ao monte elevado, — H ora —
O monte ao céu estrelado: De tão sinistros horrores?
Vêde, lá vai Napoleão!
Sob nuvem lutulenta,
Dizei, 1962 auras do ocidente. — Lenta, —
Dizei, 1963 tufão inda quente Se esconde a pálida lua;
Na sombra os gênios combatem;
Do bafejo incandescente
Do não vencido esquadrão; — Batem —
Dizei-nos, no olhar divino Os ventos a rocha nua.
Dêsse abôrto do destino
Brilha um clarão peregrino? Noite medonha e funesta
Brilha o sol de Napoleão? — E sta —
Fundos mistérios encerra!
Não corras, olha, repara,
E as águias no céu voavam.
— Para, —
As torrentes sussurravam.
Escuta as vozes da s e r r a !...
Os areais se agitavam
Convulsos na so lid ã o ...
O h! as vozes do deserto Dos furacões nas lufadas,
Uniam-se num concêrto — Fadas —
E vinham saudar-me perto: Traidoras passam nos ares!
Tu és, senhor, Napoleão! Cruentos monstros te espiam!
— Piam —
As corujas nos palmares!
Se o sou! Que Marcngo o conte!
De Austerlitz o horizonte!
Bela doida, 1968 se soubesses
E aquela soberba ponte
Que transpus como um tufão! — Êsses —
Responda o Nilo e o Sena, Êsses gritos o que dizem, ^
W agram, Malta, Cairo, lena, A h! por certo que me ouviras,
Mântua, Cádiz e Viena, — Viras —
Se ainda sou Napoleão! Que tredas coisas predizem!

Se o sou! Que digam as plagas Mas, infeliz, continuas!


Onde do sangue nas vagas — Nuas —
Crivada de enormes chagas As tuas espáduas são!
Dorme vil população! E sob teus pés mofinos,
Digam da Europa as bandeiras! — Finos, —
Digam serras altaneiras Prendem-se às urzes do chão!
Que se abatiam rasteiras
Ao corcel de Napoleão. O orvalho teu rosto molha;
— Olha —
Se o sou! Diga Santa-Helena, Como branca e fria estás!
Onde a mais sublime cena 1964 Virgem de loiros cabelos,
Fechou triste, mas serena, — Belos, —
Minha história de T itão! P or Deus! conta-me onde vás!

[ 572 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS

Nestes ervaçais sem termos, Eis a vida nas vastas planícies


— Ermos, — Ou nos montes da terra da Cruz,
Ninguém pode te a c u d ir.... Sôbre um solo só flores e glórias,
Toma sentido, sossega, Sob um céu só magia e só luz.
— Cega! —
Vê, 15*69 são horas de dormir! Belos ermos, risonhos desertos,
lÃvres serras, extensos marnéis,
Teus olhos giram incertos; Onde muge o novilho anafado,
— Certos — Onde nitrem fogosos corcéis;
Contudo teus passos vão!
Teu ser que a ilusão persegue Onde a infância passei descuidoso,
— Segue — Onde tantos idílios sonhei,
O impulso de oculta mão! Onde ao som dos pandeiros ruidosos
Tantas danças da roça dancei!
Ai! dormes! Talvez risonho
— Sonho — Onde a viva e gentil mocidade
Te chame a bailes brilhantes! Num contínuo folgar consumi,
Talvez vozes que te encantam Como longe avultais no passado!
— Cantam — Como longe vos vejo daqui!
A teus ouvidos amantes!
Se eu tivesse por livro as florestas,
Talvez teus ligeiros passos 1^70 Se eu tivesse por mestre a amplidão.
— Paços — Por amigos as plantas c as aves,
Pisem d’oiro construídos! Uma flecha e um cocar por brasão;
Talvez quanto há de perfume
— Fume — Não manchara minh’alma inspirada,
Para agradar teus sentidos! Não gastara meu próprio vigor,
Não cobrira de lama e de escárnios
Mas ah! Na cabana agora, Meus lauréis de poeta e cantorI
— Ora —
Tua pobre mãe por ti; Voto horror às grandezas do mundo.
E teu pai além divaga, Mar coberto de horríveis parcéis.
— Vaga — V ejo as pompas e galas da vida
Sem saber que andas aqui! De um sendal de poeira através.

Virgem de loiros cabelos Ah! nem creio na humana ciência,


— Belos — Triste acervo de enganos fatais,
Como cadeias de amores, O clarão do saber verdadeiro
Onde vás sozinha agora Não fulgura aos olhares mortais!
— Hora —
De tão sinistros horrores? Mas um gênio impiedoso me arrasta,
Me arremessa do vulgo ao vaivém,
E eu soluço nas sombras olhando
Minhas serras queridas além!
A ROÇA

O balanço da rêde, o bom fogo


A CRIANÇA 1973
Sob um teto de humilde sapé;
A palestra, os lundus, 1971 a viola,
O cigarro, a modinha, o café; E ’ menos bela a aurora, 1974
A neve é menos pura
Que uma criança loira
Um robusto alazão, mais ligeiro
No berço adormecida!
Do que o vento que vem do sertão.
Seus lábios inocentes,
Negras crinas, olhar de tormenta.
Meu Deus, inda respiram
Pés que apenas rastejam no chão;
Os lânguidos aromas
Das flores de outra vida!
h. depois um sorrir de roceira.
Meigos gestos, requebros de amor;
O anjo de asas brancas
Seios nus, braços nus, tranças *972 soltas. Que lhe protege o sono 1975
Moles falas, idade de flor; Nem uma nódoa enxerga
Naquela alma divina!
Beijos dados sem mêdo ao ar livre. Nunca sacode as plumas
Risos francos, alegres serões, Para voltar às nuvens,
Mil brinquedos no campo ao sol pôsto. Nem triste afasta ao vê-la
Ao surgir da manhã mil canções; A face peregrina!

[Õ 73]
L U Í S N IO O LA U F A tíU 2 sD E S V A R F J íA

No seio da criança Porque me falas de venturas longas?


Nfio há serpes ocultas, Porque me apontas um porvir de amores?
Nem pérfido veneno, E o lume pedes à fogueira extinta?
Nem dévorantes lumes, Doces perfumes a polutas flores?
Tudo é candura e festas!
Sua sublime essência Não basta ainda essa ignóbil farsa.
Parece um vaso de oiro Páginas negras que a teus pés compus?
Repleto de perfumes! Nem estas fundas, perenais angústias.
Dias sem crença e serões sem luz?
Mas ela cresce, os vícios Não basta o quadro de meus verdes anos.
Os passos lhe acompanham, Manchado, rôto, abandonado ao pó?
Seu anjo de asas brancas Nem êste exílio, do rumor no centro,
Pranteia ou torna ao céu, Onde pranteio desprezado e só?
O cálice brilhante
Transborda de absinto, ^976 A h! Não me lembres do passado as cenas!
E a vida corre envolta Nem essa jura desprendida a êsmo!
Num tenebroso véu! Guardaste a tua? A quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?
Depois ela envelhece.
Fogem os róseos sonhos, A quantos outros, inda os lábios quentes
O astro da esperança De ardentes beijos que eu te dera então,
Do espaço azul se escoa. Não apertaste no vazio peito
Pende-lhe ao seio a fronte Entre promessas de eternal paixão?
Coberta de geadas O h! fui um doudo que segui teus passos!
E a mão rugosa e trêmula Que dei-te, em versos, da beleza a palma!
Levanta-se e abençoa! Mas tudo foi-se, e êsse passado negro
Porque sem pena me despertas n’alma?
Hom ens! O infante e o velho
São dois sagrados sêres, Deixa-me agora repousar tranqüilo!
Um deixa o céu apenas, Deixa-me agora descansar em p a z !...
O outro ao céu se volta, Ai! com teus risos de infernal encanto
Um cerra as asas débeis Em meu retiro não me tentes mais!
E adora a divindade,
O outro a Deus adora
E as asas níveas solta!
A ESTRÊLA DOS MAGOS 1980
Do querubim que dorme
Na face alva e rosada Hino para a Noite de S. J oão
O traço existe ainda
A noite se adianta, as horas passam
Dos beijos dos anjinhos.
Mudas, solenes sôbre o globo imerso
Assim como na fronte
Nos mistérios do sono; — a tumba e o berço
Do velho brilha e fulge
Parece que se abraçam
A luz que do infinito
E neste instante iguais
Aponta-lhe os caminhos!
Somem no olvido as ambições mortais.
Nestas infaustas eras Salve, estação propícia aos pensadores!
Quando a família humana S a lv e !... Prodígio! Que luzeiro é êsse
Quebra sem dó, sem crenças, 1977 Que entre as sombras da noite resplandece
O altar e o ataúde, Ofuscando os fulgores.
Nos olhos da criança Apagando o clarão
Creiamos na inocência Dos círios imortais da vastidão?
E nos cabelos brancos
Saudemos a virtude! Donde vens, glória do espaço?
Bela estréia radiante
Que campeias triunfante
Sôbre as chans de Sennaar?
EXPIAÇÃ O 1978
Como és linda! Ao ver-te os astros
P or sôbre as nuvens revoltas
Quando cansado da vigília insana Rolam como pedras soltas
Declino a fronte num dormir profundo, De teu desfeito colar!
Porque teu nome vem ferir-me o ouvido.
Lembrar-me o tempo que passei no mundo? Que maravilha opera-se no espaço?
Que respirar de fogo agita os mundos?
Porque teu vulto se levanta airoso, Que vento abrasador dos céus profundos
Ébrio de almejos de volúpia infinda? Baixa sôbre o regaço
E as formas nuas, e ofegante o peito, 1979 Da terra que flutua
No meu retiro vens tentar-me ainda? Entre o dia e a noite incerta e nua?

[ Õ74 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS

Brisas prenhes de aromas deleitosos, PLECTRO


Quentes brisas da Arábia! Onde aprendestes
Êstes cantos sutis, mais que terrestres, O sumo do estramônio e da cicuta,
Essas vozes chorosas, As flores infiéis da dedaleira,
Essas queixas de amor O dente vil da víbora traidora,
Que aos pés soltais da amendoeira em flor? A sombra da fatal mancenilheira;

Brilha, sol da meia-noite! O cancro, a lepra, o tétano, a gangrena


Sol talvez de um belo dia Trazem da morte os rábidos martírios,
Que a sombra túrbida e fria Ora nas asas de aflitivo sono.
De nosso globo encontrou! Ora nas chamas de cruéis delírios: 1983

So! de p!agas mais felizes! Mas o veneno que da língua instilas, 1984
Sol que outros seres anima! Ente maldito consagrado à intriga,
Que sôbrc este pobre cüma Do corpo à alma a perdição transporta
De Deus a mão arrojou! Nas doces frases de uma voz amiga!

Borboletas do êrmo! Aves dos montes! Nasceste como a serpe da floresta,


Criaturas da noite! Que alegria Como a serpe tu vives, mas como ela
Estranha vos anima? O novo dia Não deu-te a providência o leve guiso
Que abeira os horizontes 1981 Que o mal oculto ao viajor revela!
Acaso nos trará
Inaudito favor de Jeová? Vendes, beijando, como o hebreu covarde!
Mordes, brincando, como o cão falsário!
Oh! certamente! Os astros não se abalam. E na sêde de aleives que te queima
Tão comovida a terra não palpita, Não poupas nem dos mortos o sudário!
A natureza tôda não se agita,
As solidões não falam, Na ruína alheia ergueste teu futuro,
Não exultam os céus Fizeste teu festim, riste e folgaste.........
Se os não roçasse o hálito de Deus! Terás por punição sorver de um trago
Tôda a peçonha e fel que derramaste!
Ah! sim, tu vens do oriente.
Passaste sôbre as cimeiras Já de teu leito há desertado o sono!
Das montanhas altaneiras Já o remorso se és mortal te abrasa!
Onde a luz seu trono tem! E na bôca mendaz, covil de enganos, 1985
Arde-te a língua como um ferro em brasa!
Trazes, quem sabe, em teus raios Não há virtude que teu pé não pise!
A palavra da v erd ad e!... Não há flor que teu hálito não mate!
Prodígio da imensidade. Não há charcos impuros neste mundo
Dize, o que sucede além? Que teu pérfido busto não retrate!

Mundo recém-nascido! Astro brilhante Misto de lama, 1986 de poeira e luzes!


Cujo clarão vivaz me entorna n’alma Criatura infernal com asas de anjo!
Doces lampejos de inefável calma! Cimento de ódio e raiva umedecido
Estrela radiante ! Nas lágrimas cruéis do negro arcanjo!
Glória da criação!
Aceita minha humüde adoração! Tu preparas tu mesmo o teu suplício!
Cavas tu mesmo o leito derradeiro!
As aldeias alegram-se, os pastores Tu mesmo lavras a sentença própria
Saem de seus casais cantando hosanas, E serves, sem saber, de pregoeiro!
Das tendas do deserto e das cabanas
Hinos, risos e flores
Se levantam a 1982 flux!
NOTURNO 1987
Tudo se vo!ta ao céu e brada — luz!
Minh’alma é como um deserto
Glória ao Senhor nas alturas 1
Por onde o romeiro incerto
Paz aos homens neste mundo!
Procura uma sombra em vão;
Gênios do abismo sem fundo. É como a ilha maldita
Torcei-vos, — nasceu Jesus! Que sôbre as vagas palpita
Queimada por um volcão!
E vós, fühos do pecado.
Quebrai, quebrai vossos ferros, Minh’alma é como a serpente
E üvres de escuros erros. Que se torce ébria e demente
Erguei-vos, saudai a luz! De vivas chamas no meio;
É como a douda que dança
Sem mesmo guardar lembrança
Do cancro que rói-lhe o seio!

[ 575 ]
L U Í S K IC O L A U PAÜUN DKS V A R ELA

Minlvalma é como o rochedo CANÇÃO PARA M Ú SIC A


Donde o abutre e o corvo tredo
M otejam dos vendavais; A M adrugada
Coberto de atros matizes, 1^88
Lavrado das cicatrizes
Surge o dia, as sombras correm
Do raio, nos temporais!
Como batido esquadrão;
Todo o espaço é luz e vida,
Nem uma luz de esperança, Deixa teu leito, 1992 querida,
Nem um sôpro de bonança Deixa o macio colchão.
Na fronte sinto passar! Vamos respirar nos campos
Os invernos me despiram, A frescura da manhã.
E as ilusões que fugiram Ver as garças nas lagoas
Nunca mais hão de voltar! Espreitar entre as taboas
Os brincos da jaçanã. 1993
Tom bam as selvas frondosas, Não alinhes teus cabelos.
Cantam as aves mimosas Teus ombros não cubras, não.
As nênias da viuvez; Concede que em seus anseios
Tudo, tudo, vai finando, Os ventos beijem-te os seios
Mas eu pergunto chorando; Em mal cerrado roupão.
Quando será minha vez? Que molhe teus pés de fada
O orvalho dos capinzais,
Que as borboletas te sigam, 1994
No véu etéreo, os planêtas; Que os colibris te persigam
No casulo as borboletas No meio dos matagais.
Gozam da calma final; Minha linda preguiçosa,
Porém meus olhos cansados Minha sultana, meu sol,
São, a mirar, condenados Não ouves junto à janela
Dos sêres o funeral! Das aves a voz singela
Saudando o mago arrebol?
Quero morrer! Êste mundo Não sentes o doce aroma
Com seu sarcasmo profundo Dos limoeiros em flor?
Manchou-me de lôdo e fel! Sonhas? Os gênios agora
Minha esperança esvaiu-se, Mesclam aos sonhos d’aurora
Meu talento consumiu-se Fios da mais viva côr!
Dos m artirios ao tropel! Levanta-te, vem, mimosa! 1995
Não mais durmas, eis-me aqui.
Tenho pressa de falar-te.
Quero m orrer! Não é crime Tenho tanto que contar-te,
O fardo que me comprime, Que esta noite não dormi!
Dos ombros, lançá-lo ao chão; Meu cavalo altivo e ledo
Do pó desprender-me rindo Rincha prêso a teu portão,
E as asas brancas abrindo Eu te espero impaciente,
Perder-me pela amplidão! Mas tu dormes, indolente.
Sem ouvir minha canção!
Vem, 1990 oh! M orte! A turba imunda
Em sua ilusão profunda
T e odeia, te calunia.
Pobre noiva tão formosa
OUTRA CANÇÃO PARA M Ú SIC A
Que nos espera amorosa
No têrmo da romaria!
O C ego

Virgens, anjos, e crianças


Coroadas de esperanças 1991 Eu sei modinhas tão belas
Dobram a fronte a teus pés! Que as estréias,
Os vivos vão repousando! Que as estrelas comovidas
E tu me deixas chorando! Param no céu quando as canto!
Quando virá minha vez? Choram tanto!
Lançam queixas tão se n tid a s!...
Sei tantos contos de fadas
M inh’alma é como um deserto Encantadas,
P or onde o romeiro incerto Tantas histórias bonitas
Procura uma sombra em vão; Que as meninas que me escutam
E ’ como a ilha maldita Se reputam
Que sobre as vagas palpita Princesas por Deus benditas!
Queimada por um volcão! Sei cantigas mais suaves
Do que as aves, 1996
Do que as aves da floresta!

[ 576 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS

Em tôda a parte que chego, É tempo ainda, nos festins da côrte


Pobre cego, Rasga essas sêdas que salpicam prantos,
As moças me fazem festa! E à nova aurora, 2003 que te aguarda, eleva,
Porém, 1997 ai! Das açucenas Como a florinha, os divinais encantos.
Sinto apenas
O perfume que embriaga! Sim, vem, minh’alma de teu riso escrava
Tenho n’alma um céu aberto, Sôbre o passado correrá um véu,
Mas incerto E tu verás como a esperança volta,
Nas sombras meu corpo vaga! E a nuvem negra desassombra o céu.
Virgem cuja voz divina,
Peregrina, 1998 Vem, que me importa o murmurar do vulgo?
Deu-me uma idéia da luz; Dos homens todos o desdém profundo?
C u j o s braços amorosos. Quaiido no êrmo a teu olhar sublime
Carinhosos, 1999 Verei das trevas rebentar um mundo?
Partilharam minha cruz!
O canto do desgraçado Vem, as florestas te darão riquezas
Deserdado Que o oiro e a prata comprarão jam ais!
Das glórias da criação Templos, palácios, os terás, tão belos,
Achou asilo em teu peito, Que os reis da terra nunca hão visto iguais!
Foi aceito
De teu santo coração; Tudo isto a lira do infeliz poeta
Dize, dize que me escutas! Só num harpejo alcançará de D eus___
Que nas lutas Riam-se os nécios 2004 com seu riso estulto.
Da vida achei um farol! Zombem os Midas dos enlevos meus.
Ah! tem dó de meus p esares...
Se falares
Triste é a farça desta vida ingrata,
Meus olhos verão o sol!
Tredo, infiel o bafejar da sorte:
Há sôbre o globo uma estação mais feia.
Mais seva e crua do que a própria morte!

OUTRA CANÇÃO PARA M Ú SIC A Quando a velhice que apressada marcha


Vier cobrar-te seu pesado impôsto,
E abrindo os braços onde o inverno dorme
Quando tu falas eu penso
Tôda a frescura te 2005 manchar do rosto;
Que livre da tempestade
Vejo o sol na imensidade
Nadando em vivo esplendor; Quando essa fronte, feiticeiro espelho
E sôbre um torrão bendito Que de tua alma as perfeições revela.
Salvo da fúria das vagas Toldar-se aos poucos, retratar o aspecto
Ouço da tormenta as pragas, 2000 De um mar na fúrias de fatal procela;
Ouço do raio o estridor.
Sim ! — Teu amor é o pôrto Quando essas tranças se tornarem brancas,
Onde minh’alma descrida Sêcas, despidas de sutis perfumes,
No naufrágio desta vida E os lindos olhos 2006 se mudarem, frios.
Asilo e calma encontrou; Em mortas brasas de passados lumes;
Praia amiga, ilha de fadas
Que a mão de Deus sôbre os mares Que dor pungente sentirás no peito!
Cobriu de eternos palmares, 2 0 0 i Que filtro amargo tragarás, mulher!
De areias de ouro cercou! Tu que da vida enlameaste a senda
Fala! Teu falar é grato Sem te lembrares do porvir siquer!
Como o vinho que embriaga,
Se n’alma a tristeza apaga Rainha, em terra ver partido o cetro!
Traz sonhos que não têm 2002 fim !. O trono de oiro reduzido a pó!
Ai! Se além na eterna glória F após um’era de opulência e mando
Também os anjos se falam, Ver-se no mundo desprezada e só!
Se não te entendem se calam
Ou senão falam assim! Vem, a manhã radiará de novo!
Inda teu astro n’amplidão fufgura!
Não mais te arrojes, êmula dos anjos.
As ondas negras dessa vida impura!

A UMA MULHER Vem, que me importa o murmurar do vulgo?


O dúbio riso? O escarnecer das gentes?
Não, não arredes da verdade os olhos, Se água precisas que teus erros lavem.
Ela foi sempre da beleza o trono. Oh! de meus olhos verterei torrentes!
Porque mentir? As ilusões se acabam
E a vida passa como um leve sono.

[ 577 ]
L U Í S îs IU O L A U UAGUA^DES V A R E L A

ESPERANÇA Gôtas do orvalho da vida


No seio de murcha flor!
L enda S elvagem Correi! Ao menos sois doces.
Trazeis-me consolo ao m e n o s ....
A 2007 HUASCAR, — LEMBRANÇA Quanto infeliz vos derrama
Roazes como os venenos!
Quereis ouvir minha história?
Pois bem, prestai-me atenção, I V
Puxai êsse duro cêpo.
Sentai-vos junto ao fogão: E ra na sazão bendita
Quando as florestas viçosas
Não há poltronas macias
Nem canapés no sertão. Aromas sutis respiram
E queixas melodiosas;
A porta está bem fechada, Quando as leves borboletas
Giram nas margens dos rios,
Tem os quentura de mais,
A lenha que estala 2008 fala E as rôlas mais ternas gemem
De calma, 2009 sossego e paz, Nos ermos vales sombrios.
Que importa que os ventos lutem À minha humilde morada
Rico viajor parou-----
L á fora nos matagais?
Tinha uma filha, — outro mimo
Que importa que a chuva caia, Como ela Deus não formou!
Que no céu ruja o trovão,
Que as enxurradas 2 0 10 engrossem V
As águas do ribeirão, 2 0 1 1
Se abrigados conversamos Eram seus cabelos — noite!
A 2 0 1 2 luz de amigo fogão? Os seus olhos eram — luz!
Como o céu e o mar — profundos,
Quereis ouvir minha história? Como o mar e o céu — azuis!
Não precisais 2 0 U pedir mais, Seu falar era 2 0 16 _ promessas.
E ’ triste, e de histórias tristes Seus sorrisos — recompensas
Quem sabe se não gostais? Onde o porvir se espelhava
Vou contar-vos, nenhum outro Rico de sonhos e crenças!
E chamava-se — Esperança! 2017
De mim a ouvirá jamais.
Que santo nome, meu Deus!
Nome que fala da terra
I Porém que nos mostra os céus!
Não, não foi sòmente o tempo
Com suas frias geadas VI
Que desnudou-me a cabeça, 2014
Fêz-m e as faces encovadas. Amei-a. E ra o impossível
Foram da vida as borrascas, Que eu buscava; amei-a mais!
Foram noites de agonia, Amor, o que és tu sem lutas.
Foram do fado as mentiras, Sem circunstâncias fatais?
Dos homens a aleivosia. Sem reveses, sem torturas.
Sem flagícios, sem cadeias
Que o homem transponha e qucíire
I I Como o corcel quebra as peias?
Nasci pobre, êste delito
Seguiu-me tôda a e x is tê n c ia .... V I I
Sob o teto de uma choça
De que serve a inteligência? Um poema de delícias.
De infindos planos, 2018 compus
Que vale uma alma robusta,
Um peito enérgico e forte Em dois meses que inspirou-mc
Ante o egoísmo das turbas De seus olhares a luz!
E os anátemas da sorte? Mas o destino cruento
Nasci pobre, e alçando os olhos De minha audácia se r i u . . . .
Da pobreza em que vivia. Inda eu folgava insciente
Me atrevi, 2015 como os condores, Quando Esperança partiu!
A fitar o rei do dia! Partiu para longes terras,
Foi ver estranhos lugares,
Como o pássaro que emigra
I I I Foi pousar noutros palmares. 2019
Foram -se os anos, sou velho,
Perdi tudo quanto amei, VIII
Deixai que chore um momento
Tantos sonhos que sonhei! Uma nuvem de amarguras
Cercou-me a existência então,
Correi, lágrimas saudosas.
T ristes pérolas de amor, O céu tornou-se a meus olhos

[ 578 ]
CANTOS M K R ID IO N A IS

O teto de uma prisão! Tão doce que eu despertava


Três noites, três longas noites E minh’alma estremecia,
Em vez de dormir gemi, Daquelas visões escrava!
Mas no fim dessas três noites Se eu caminhava, nos prados
Ergui-me, — também parti! Ou junto às fontes sentada
O que intentava? — Ignoro! Via-lhe o vulto sublime.
O que esperava? — Não s e i ! ... Via-lhe o corpo de fada!
Surdo à razão, surdo aos homens E me lembrava dos contos
Lancei-me do acaso à lei! Que me contaram criança.
Passava as mãos pelos olhos
I X E murmurava — Esperança!
Esperança era o meu norte!
Desta infanda romaria Esperança o meu porvir!
Não quero as penas lem brar.. . . Esperança a maga estréia
Dias de acerbas angústias. Que via no céu luzir!
Vigílias de delirar! 2020
Não quero lembrar as horas X I I
De desânimo cruel
Em que traguei té as fezes De tanto errar fatigado.
A taça de negro fel! Fatigado de sofrer,
Busquei nos ermos profundos
Um lugar onde morrer.
X Embrenhei-me no mais denso, 2 0 2 6
Dois anos que valem vinte. No mais negro das florestas,
Sem repouso, sem sossego Onde a natureza virgem
Passei vagando entre os homens, 2 0 2 1 Se ostenta cm contínuas festas;
Onde êste verme que pensa.
Doido, enfebrecido e cego!
Farto, inflado de vaidade
Dois anos a mesma imagem!
Sente as fibras se crisparem
Dois anos a mesma id é ia !....
Dous anos por tôda a parte Ao sôpro da liberdade.
Sente-se vil, pequenino.
Ébrio de amor procurei-a!
Cinza, lama, podridão
Pelas ruas, pelas praças.
E curva-se aniquilado
Pelos campos e desertos,
Perante o — Deus — Criação.
Buscando essa esquiva sombra
No seio de escuras selvas,
Levei meus passos incertos!
No cimo das serranias,
Quantos lábios me sorriram!
Dos grandes rios à margem,
Quanta beleza encontrei!
Deixei passarem meus dias.
A quanto amor puro e casto
Mas nesses ermos sem nome,
Voltei o rosto, — passei!
E no entanto pudera Na tormenta ou na bonança.
Entre místicos rumores
Sem frenesi, sem loucura, 2022
Ouvia a voz de Esperança.
Colhêr a flor perfumada
De modesta formosura.
Parar na febril carreira. XIII
Dizer: — basta, a vida é esta,
Quem foge ao 2023 comum dos sêrcs Uma noite, 2027 era bem tarde,
Segue uma estréia funesta! Sôbre um rochedo dormia,
A ventura é ver a prole. E em sonhos a imagem dela
Ver a paz sentada ao lar. Mais bela me aparecia.
Ver dos tetos 2024 o trabalho De repente um brado imenso
A miséria afugentar! Me acordou sobressaltado,
Ergui-me, e de estranhos sêres
Achei-me todo cercado.
X I E ra uma turba selvagem
De selvagens seminus
Mas a imagem de Esperança Cujos dorsos reluziam
Não me deixava um momento! Dos astros à tênue luz.
Era um consolo celeste Entre gritos e ameaças
Junto a um martírio cruento! Sôbre mim se arremessaram.
Via-lhe as formas divinas Lançaram-me rijas cordas
No céu, nas matas, nos campos. E consigo me levaram.
Quer ao clarão das estréias,
Quer à luz dos pirilampos! X IV
Se eu dormia, a nívea face
Sentia encostada à minha. A noite inteira marchamos; 202.S
Sentia-lhe as longas tranças 2025 Ao rebentar da alvorada
E a cabeça de rainha! Chegamos todos à aldeia
Ouvia-lhe a voz, tão doce. Sôbre um outeiro assentada.

[579J
L U ÍS N IC O LA U F A G U N D E S V A R E L A

T riste o primeiro espetáculo! Tarde o s o u !... — H á nesta vida


Quatro cabeças humanas Arcanos de endoidecer.
Se embalavam sôbre estacas Desgraçado o que procura
Ao derredor das cabanas! Seu fundo escuro entrever!

XV X I X
As mulheres ostentavam Muitas luas se passaram,
Ao sol as formas adustas, Muitas noiteç, muitos dias
Nuas, belas pela força, Em que o quadrante do tempo
Pelas proporções robustas. Marcou penas e alegrias.
E em tôrno de grandes fogos, 2029 Não para mim que sem crenças,
Entre ligeira fumaça, Sem gozos, sem esperança
Volviam sôbre os brasidos Não enxergava em meu fado
Pingues produtos da caça, A mais ligeira mudança!
Enquanto não muito longe
Reunidos os filhinhos 2030
X X
Jogavam no chão seus brincos
Feitos de brancos ossinhos. Um dia a filha do chefe.
Ou saltavam sôbre varas. M oça airosa, 2034 esbelta e forte.
Ou ágeis, fortes, lutavam Sentou-se triste a meu lado
E com alegres celeumas E me falou desta sorte:
Os espaços atroavam. — Tu 2035 sofres, pobre estrangeiro,
Sofres e eu sofro por ti,
XVI Perdi a paz de minh’alma
Depois que chegaste a q u i!..,
Levaram-me logo ao chefe Sou virgem, bela me chamam, 2036
Que me guardou junto a si: Tom a-m e pois por m u lh e r !...
Das palavras que disseram Segredos que só conheço
P o r Deus que nada entendi; Nem os pressentes siquer!
Mas entre esta rude gente. Serei tua companheira,
Sujeito a seu jugo e lei 2031 Dar-te-ei filhos valentes
Mais franqueza e mais verdade Que suplantem com seus feitos
Do que nas praças achei. Os mais bravos combatentes!
Assim falou-me aos ouvidos
XVII Aquela adusta criança,
Fitei-lhe um olhar dorido
E ra do chefe a morada E disse baixo — Esperança!
Maior do que as mais cabana.s,
Coberta de grossa palha, X X I
Cercada de verdes canas.
Atrás dela poucos passos — Aceitas-me por espôsa?
Entre palmeiras pousada — Pois bem, seja assim, — aceito!
Via-se — à parte — das outras Beijei-lhe as faces morenas, 2037
Outra cabana isolada. Cerrei-a contra meu peito:
Uma cêrca forte, unida, Mas tomarás outro nome,
De trepadeiras coberta. T e chamarás Esperança,
Guardava o âmbito triste T raz êsse nome aos que sofrem
Daquela casa deserta. Dias de paz e bonança!
Ninguém chegava-se a ela, E la sorriu-se. De novo
Dela todos se afastavam, Nossas cabeças se uniram,
A voz baixavam medrosos Mas duas lágrimas tristes
Se acaso dela falavam. Sôbre seu seio caíram.
A tarde um velho indiano Pobre filha das florestas, 2038
Junto à 2032 cêrca se postava, Tu creste no que eu falava!
E estranho, 2033 insípido canto Minh’alma pensava em outra,
Lentamente murmurava. Minha bôea te beijava!
E os mancebos, e as mulheres
Em chusmas se reuniam X X II
Seguindo o insípido canto
Cujas notas repetiam. Não tardou a hora infausta,
Dêsse infausto casamento!
XVIII Tôda a tribo pôs-se em festa, 2039
Tôda a aldeia em movimento;
Daquele asilo o mistério O dia inteiro dançaram
Tentei penetrar em vão! Junto de grandes fogueiras.
Que deus, que tesoiro oculto Ao som de instrumentos ledos.
Ali vendavam-se então? Ao som de canções fagueiras.

[ Õ80 ]
<’A XT O S M E R ID IO N A IS

Ao sol pôsto, em frente à taba XXVII


Serviu-se lauto fe stim ....
Feliz a virgem dos ermos De súbito um brado imenso
Sorria-se junto a mim! Pelo espaço restrugiu!
Sorria-se___ Ah! covardia! Adorai! O velho exclama.
Miséria! Traição escura! Com êle a tribo rugiu!
Meu espírito zombava Adorai! A larga tampa
No olhar ao ler-lhe a ventura! Do vaso sinistro alçou,
Depois do banquete agreste, E uma formosa cabeça
Da noite as sombras desceram, Pelas tranças 2043 levantou!
Levantaram-se os convivas. Adoremos! Gritam todos.
Grandes fachos acenderam. 2040 Moços, mulheres e velhos..
Soltei um gemido acerbo.
XXIII Cai no chão de joelhos!
Adornaram-me de acácias
A cabeça malfadada, XXVIII
E entre clamores levaram-me
À cabana abandonada. Era uma fronte celeste.
Então um velho da tribo Fronte de santa e c ria n ça ....
Dentre a multidão saiu, Ai! Essa fronte sem manchas
E nos chamando, silente Era a fronte de Esperança!
A tremenda porta abriu. No colo airoso uma tarja
Funda, horrível, negrejava,
Mas o rosto era tão branco.
XXIV Tão branco que deslumbrava!
— Alumiai, disse. Logo
Dois moços se adiantaram, X X IX
E à luz vermelha dos fachos
O recinto clarearam, Decerto bastante tempo.
E o velho mudo, curvado, Bastantes dias passaram
Fazendo um sinal entrou. Depois que os broncos levitas
Junto de um altar grosseiro Sem piedade a deceparam!
Ergueu os braços, parou. Porém, milagre! Prodígio!
Sôbre aquele altar grosseiro Essa fronte nobre, eleita.
Qual tripeça de sibila, Zombava da morte ainda!
No meio de sêcas palmas Estava ilesa e perfeita!
Estava um vaso de argila. Parecia rir-se! O sono
Nublava-lhe o olhar apenas;
Era calma a nívea testa.
XXV
Calmas as faces serenas!
Cantai, cantai! Brada o velho, 2041 Sem depressões e sem rugas.
A divindade aqui está! Sem aspecto funerário,
Ela ouvirá nossas vozes, Mas como o mármore antigo
Nossas preces ouvirá! Que eterniza o estatuário.
E todo o corpo agitou-lhe
Convulso, febril tremor. XXX
Estranhos gestos fazendo
Do tôsco altar ao redor. Que pensamento sublime,
Que mistério excelso, augusto, 2044
XXVI Pressentira a turba insonte
Naquele esplêndido busto?
À porta a turba dançava Veria de novas crenças.
Com selvagem frenesi. De um culto mais puro e belo
Dando gritos tão medonhos A vasta palavra escrita
Como jamais os ouvi ! Naquele riso singelo?
Aí eus olhos não se afastavam Veria de um Deus a imagem
Daquele vaso de argila; Mais viva, mais séria então
— Que segredo, que tesouro, Naquela airosa cabeça.
Que mistério ali se asila? Naquela altiva expressão?
Assim dizia comigo, Não sei! As sombras da morte
E o rumor crescia, — ia Sôbre minh’alma passaram,
Unir-se à voz das torrentes E vozes de um outro mundo
Em longínqua serrania! Por meus ouvidos soaram!
E aquele infernal tripudio Senti o frio das campas.
De mais a mais se aumentava! Caí sem forças no chão: 2045
rhiha um — quê — de horrendo e \ag Ao voltar de novo à vida
Que a loucura semelhava! 2042 Perdera a luz da razão!

[ ÕS!
L U Í S NIC OLAU P A (;U N D E S \ ARKLA

XXXI Quando voltam do exílio as garças brancas,


Quando as manhãs são ledas e sem brumas,
Por muito tempo na tribo Quando sôbre a corrente dos ribeiros
Sombrio e mudo vivi, Pende o canavial 2049 as alvas plumas.
Livre, depois, estas serras
Por meu asilo escolhi. Quando palram no mato os periquitos,
Meu espírito aclarou-se, 2046 Quando corre o tatu pelas roçadas,
Dos anos curvei-me à l e i . . . . Quando chilra a cigarra nos fraguedos
Mas ahl Sinto ainda o pêso E geme a juriti nas assomadas.
Dos males que suportei!
Quando os lagartos dormem no caminho,
Quando os macacos pulam nas palmeiras,
Quando se casa o grito da araponga
A triste e surda voz das cachoeiras.
M IM O S A
Então que de poemas nas florestas!
POEMA DA ROÇA Que de sonhos de amor pelas choupanas!
Que de selvagens, místicos rumores
Dos lagos pelas verdes espadanas!

Um brando véu de languidez divina


CANTO PRIMEIRO Paira sôbre a cabeça dos viventes.
Vergam -se as maravilhas sôbre as hásteas.
In tro du ção . Refrescam -se os cipós sôbre as torrentes,
O fer ec id o a Meu A migo P. C . C a s t r o . Quedam-se as borboletas nos pomares.
Gemem os sabiás pelos outeiros.
Censor autero, rígido analista. Chamam-se enamorados os canários,
Guarda zeloso de banais regrinhas, E os fulvos bentevis nos ingàzeiros.
Deixai vosso escalpêlo infatigável,
Poupai estas quadrinhasl O lavrador recolhe-se à palhoça.
Reclina-se na esteira e se espreguiça,
Cada esfera da humana inteligência E entre os folguedos da bendita prole
Tem milhões de degraus, milhões de faces, Se entrega ao doce vício da preguiça.
A musa é sempre musa, embora exalte
As mais humildes classes. O viandante pára nas estradas.
Abre os alforjes, e do mato à sombra
A idéia não tem marcas nem barreiras, Depois de cheio e farto fuma e sonha
F o pensamento, irmão da liberdade, 2047 Da mole grama na macia alfombra.
Quando as asas sacode abate e quebra
Mais de uma autoridade. A natureza inteira ama e soluça,
Ébria de afrodisíacos perfumes,
Tudo é nobre na terra, tudo é grande, E a mente solitária do poeta
Tudo se adorna de ideal beleza Se abrasa em chamas de insensatos lumes.
Quando o poeta há consagrado a lira
No altar da natureza. Foi quando vi Mimosa a vez primeira.
B eija-flor do deserto, agreste rosa,
Lançai vossos preceitos e tratados Gentil como a Dalila da Escritura,
As chamas vivas de voraz in c ê n d io .... Mais ingênua, porém, mais amorosa.
Alma que sente, que se inspira e canta
Não conhece compêndio. Punha-se o sol, as sombras sonolentas
Mansamente nos vales se alongavam,
Bebiam na taberna os arrieiros
N a rra ç ã o . K as bêstas na poeira se espojavam.
Gastei meu gênio, desfolhei sem pena O fogo ardia vivido e brilhante
A flor da mocidade entre os enganos, No vasto rancho ao lado do girau,
F. cansado das lidas dêste mundo Onde os tropeiros sôbre fulvos couros
Procurei o deserto aos vinte anos. Entregavam-se ao culto do pacau.

A cavalo, sem rumo, o olhar tristonho, A cachaça 2050 alegrava os olhos todos.
Na bôea o saibo de fatal veneno, As cuias de café se repetiam,
■Percorria as campinas e as montanhas E as fátuas baforadas dos cachimbos 2051
Da bela terra de Amador Bueno. Nos caibros fumarentos se perdiam.

E ra no mês de Agosto, o mês dos risos, A viola soava alegremente,


Das doces queixas, das canções sentidas, Que meigas notas! Que tanger dorido!
Quando no céu azul, êrmo de nuvens, 2048 Vida de sonhos, drama de venturas,
Passam as andorinhas foragidas. Não, vós não morrereis no mar do olvido!

[ 582 ]
CA N T O S i M S K lD lü N A IS

Mimosa estava em pé sobre a soleira Perdoai-me, leitor, se até agora


Da exígua entrada da mesquinha venda, Nada vos tenho dito a meu respeito; 2061
Saudosa, como à sombra do passado Quando esta história passa-se era moço
Um tipo de balada ou de legenda. E estudava a ciência do direito.
Saudosa, sim, cercada do prestígio Pode bem ser que livros não abrisse,
Dessa beleza vaga, indefinível, 2052 Que não votasse amor à sábia casta,
Cuja expressão completa em vão procura Mas tinha o nome escrito entre os alunos
O pobre pensador sôbre o visível! Da escola de S. Paulo, 2062 g g quanto basta.
Que faz lembrar o que existiu, é certo.
Porém, aonde e quando? Que tortura C o n t in u a ç ã o .
A memória impotente e em vez de um fato
Mostra ao poeta o abismo da loucura! Queres tu descansar? Ela me disse, 2063
Dos lábios retirando o cigarrinho,
Indeciso clarão de uma outra vida! Não faças cerimônias, minha casa
Fugitivo ondular, dobra ligeira Aí está sôbre a margem do caminho.
Do manto do ideal estremecendo
Entre bulcões de fumo e de poeira! Tenho boa aguardente, vinho e fumo.
Café bem forte, sempre aceso o fogo;
Raio de Deus na face da matéria! Se estás triste, doente ou namorado, 2064
Frouxo luzir do sol da poesia! Lá poderás cismar em desafôgo.
Eu vos contemplarei a pura essência?
Eu poderei gozar-vos algum dia? Vem pois comigo. E a segui pensando; 2065
Sombria a noite já ganhara a terra,
Nada de digressões. Minha heroína E ao longe ocultos nos pinhais soltavam
Fumava um cigarrinho branco, leve. A voz sentida os bacuraus da serra.
Delgado como um brinco de criança,
Como um torrão de açúcar ou de neve. Zumbia o inseto na espessura, os sapos
De seus recantos úmidos saíam,
F aos rumores do dia moribundo
E o vapor azulado lhe vendava
Os rumores das sombras sucediam.
De quando em quando as faces peregrinas: 2053
iârccia unis, fsds do Oriente,
As estréias brotavam vivas, belas, 2066
Uma visão do ópio entre neblinas.
Do céu azul na face transparente, 2067
Donde um ligeiro manto de vapôres
A saia de ramagens caprichosas Baixava sôbre os vales mansamente.
Caia-lhe em prodígios da cintura.
Entre os bordados da infiel camisa
Mais preguiçoso o arroio murmurava.
Tremiam dous delírios 2054 dg escultura.
Mais surdo o vento nos sarçais gemia.
Mais sedutora a imagem de Mimosa
Sôbre a direita, a perna esquerda curva, Dentre as balsas floridas me sorria.
Eapaz de enlouquecer Fídias o mestre.
Dava um encanto singular ao vulto
A casa era pequena mas bem feita.
Daquela altiva perfeição campestre.
Coberta de sapé, de paus cercada.
Aos lados gravatás, — flores na frente, 2068
Depois em tamanquinhos amarelos Uma cruz no terreiro levantada.
Pes de princesa, pés diminutivos.
Cutis morena revelando à 2055 vista
A porta respeitável confraria
Do pêssego e do jambo os tons lascivos.
De gatos brancos, pretos e vermelhos.
Gansos e frangos, patos e marrecos, 2069
Olhos ébrios de fogo, vida e gôzo. Magros rafeiros e molossos velhos.
Sombrias, 2056 palpitantes mariposas,
Tabelos negros, 2057 bastos, enastrados Cortiços à parede, — sôbre o teto
De roxos 2058 manacás e rubras rosas. Um bugio satírico e farsista,
Prêso à janela verde papagaio
Eis Mimosa! Seu corpo trescalava Grave e analisador como um legista.
O quente e vivo aroma da alfazema.
Perfume de cabocla e de roceira, 2059 Entramos. A salinha estreita e clara,
Porém que para mim vale um poema! A rêde ao canto, a corda atravessada
Cheia de saias brancas e vestidos.
P a r ê n t e s is . Camisas de morim, roupa engomada, 2070

Chamo-me Marcos Marques, e sou filho Grosseiros quadros de disformes santos,


De meu pai, minha mãe e mais ninguém; 2060 Duas mesas, — três bancos, — um pilão.
Perdi-os muito cedo, e vos declaro Caixas de pinho, cestos de taquara,
Que dêles não herdei nem um vintém. Esteiras de taboa sôbre o chão.

[ 583 J
L U Í S N IC O L A U U A G U N D K S V A R E L A

Tudo porém tão limpo e tão singelo, Ontem, cega, insensata, atravessava, 2072
Tão ordenado estava e bem disposto, Érm a de sonhos, a existência, como
Que me senti, se não contente, ao menos Cansado v ia jo r .. . .
Livre de meu fatídico desgosto. H oje só vejo flores e ouço cantos.
Conheço quanto valho neste mundo.
— Tira o casaco e senta-te na rêde; Por ti, por teu amor!
Como estás triste! — Disse graciosa.
— Achas-me triste? — Sim. — Como te chamas: Tu dissipaste a névoa de meus olhos.
— Francisca, o povo chama-me Mimosa. Mostraste-me um país de eternos gozos,
Além de um verde m ar;
— Moras aqui sozinha? — Só, 2071 criança E quando sinto a força, ensaio os passos,
\''i-me sem pai, sem mãe, sem um parente. E cheia de ambição fito o horizonte,
Alheios peitos me aleitaram, pobre Procuras me deixar!
Até hoje vivi, porém contente.
Não partas! Olha, em breve as matas virgens
— E que idade tens tu? — Dezesseis anos. Se tornarão em místicos palácios
T- Dezesseis anos, céus! E nesta vida Como nunca verás!
Nunca encontraste alguém que te amparasse, Em leitos de oiro correrão mil fontes,
Que te desse morada, pão, guarida? Mil maravilhas encherão a t e r r a ....
Tudo isto cantarás!
— Ninguém. Quem dá guarida às borboletas?
Quem dá sustento aos pássaros da serra? Tudo isto cantarás! Teus doces lábiosi
Foi êsse que amparou-me neste mundo, Sabem mistérios junto aos quais são poucos
F'oi êsse que ajudou-me sôbre a terra! Os tesouros de um rei!
Quando tu falas cerram-se-me os o lh o s ....
— Vives feliz? — Se vivo! Quantas ricas Parece que hei vivido um’outra vida,
invejam-me a pobreza e a liberdade! Quando e aonde, não sei!
Quantas, pelo dever, queimam de prantos
O h! não partas! Disseste que as cidades
A coroa vivaz da mocidade!
Tinham -te morto n’alma as esperanças 2073
E as flores do porvir;
Quantas se vendem pela vida inteira
Que só topaste corações sem crenças.
Aos beijos vis de um opulento esposo,
E nos seus braços torcem-se ofegantes Almas vazias, lábios deslavados
Afeitos a mentir!
Buscando em vão no desespero o gôzo!
Tenho um dilúvio de ilusões na fronte,
Eu não tenho ambições, amo e me entrego. Tu as geraste! As emoções devoram
Nenhuma lei me prende a quem o d eio !... Meu seio de m u lh e r!...
És belo e moço, dizem que sou linda, Tom a-m e por escrava! Meiga, humilde,
Queres tu repousar sôbre meu seio? Eu não te ocultarei, tanto te adoro!
Uma idéia sequer! —
Pobre Mimosa! Nos meus braços frouxos
Para junto de mim sorrindo a e rg u i.... Assim falou Mimosa, e suspendida
A noite adiantava-se, as estréias A meu pescoço, em lágrimas banhada, 207-1
Desmaiaram no céu, adormecí. Sorriu e se calou.
Beijei-lhe os braços nus, beijei-lhe o colo.
Beijei-lhe a rósea bôca, fiquei mudo.
Mas minh’alma fa lo u !...
CANTO SEGUNDO
J á sei, compadre, que acharás imprópria
Quando tentei partir, à madrugada. Nos lábios de Mimosa tanta pompa.
Mimosa me deteve. — Ah! não me deixes. T ão alta locução;
Murmurou a chorar. Não importa, atavio-lhe a linguagem
Nesta só noite que passei contigo. Sem lhe afogar a idéia — si discutes.
Tanto, tanto sonhei, que outra me sinto, Mando-te à Introdução.
A luz de teu olhar!
Voto horror aos retóricos e mestres
Não partas, fica, tenho dentro d’alma Que exigem copiada a natureza
vJm mundo que se forma pouco e pouco, T al e qual ela está:
Que em breve há de surgir.... Sem meias-tintas e artifícios finos
Porque rasgaste o véu que me ocultava Pinta-m e um quadro, tu verás se minto,
Tanta esperança, tantos resplandores, (Que monstro sairá).
Se tinhas de partir?
Escuta: — a teu falar estas campinas, As silhas desatei de meu cavalo.
Estas florestas, estes altos montes Tirei-lhe a sela, e o freio que insofrido
São novos para mim; Mascava com ardor;
iMinha vida, mais bela, é como um astro O formoso animal rinchou contente.
Que livre da tormenta em paz caminha Deu três saltos robustos, e espojou-sc
No céu de azul cetim! Da relva no frescor.

[ 584 ]
CANTOS MERIDIONAIS

— Mimosa, eu ficarei! Pouco me importa Pede emprestada ao cínico a lanterna.


O que os homens disserem! Desgraçados, Percorre as praças, entra nos palácios, 2084
Miseráveis de nós, 207S Devassa os camarins,
Se a cada passo neste ingrato mundo E dize-me depois, quantas mulheres.
Tomássemos por lei de nossos atos Virgens de corpo, achaste, agasalhando
Das multidões a voz! Almas de serafins?

Eu ficarei! Quem sabe se mais tarde Poucas, bem p o u ca s!... Muda de caminho,
Na hora extrema, meu viver revendo. Lança por terra o baço candieiro
Tivesse de chorar E calmo pensador
Alguns dias de gôzo verdadeiro, Contempla esta criança! Algo descobres
De calma e de sossêgo, que em teus braços Que não seja candura, paz, bondade, 2085
Não soube aproveitar? Inteligência e amor?

Tu és a flor do mato airosa e bela De novo as ilusões e os áureos sonhos


Aberta à noite, a 2076 mêdo bafejada Que o mundo afugentara me surgiram
Por ventos do sertão; Na viva fantasia!
Nunca a mentira te pousou nos lábios, O verdadeiro amor, o amor sagrado
Nunca um punhado de oiro há seduzido Que prende o sonhador à natureza
Teu livre coração! Numa estreita harmonia,

Sentindo as asas leves, perfumadas, Esse que a voz das aves interpreta,
Do gênio do prazer roçar-te 2077 o peito. Que inunda de clarões os mais profundos
Gozaste, sem a m o r .... Antros da Criação,
Na sarça escura a pomba também geme, Que a mentira dos homens não extinto,
E a corça meiga 2078 entrega-se nos ermos, Mas esfriado havia a lentos sopros
Dos seres ao 2079 pendor. Dentro do coração;

A pobreza que atira às espeluncas Êsse brotou mais forte e mais intenso!
Milhões de virgens, cujos corpos mata E eu me senti nas asas conduzido
Mercenário gozar. De aspirações sem fim
Deixou-te aqui vedada aos libertinos, Para o cimo das serras altaneiras,
Inda ignorante da fatal ciência Onde o arrebol semeia ilhotas de oiro
Que ensina o lupanar! Em lagos de carmim.
Nunca o astro das noites encantadas E eu invoquei os pássaros errantes
Deixou cair em faces mais formosas Que vêm 2086 (jg longes climas desenhando
Seu úmido clarão! As sombras nos sertões, 2087
Como teus olhos nunca hei visto estréias! A fim de que mostrassera-me nos ermos
Como teus lábios não tem côr a aurora 2080 Um remanso feliz onde soltasse
E rosas o verão! Minhas livres canções.
Eu ficarei contigo! Em teus carinhos E falei a 2088 Mimosa dos desertos,
Quero afogar, sonhando etéreos sonhos, Das plagas afastadas do bulício,
Da mocidade a flor! Do mundano rumor,
Quero morrer sentindo-te em meus braços, 2081 Onde nem traços de homem se estampassem
Chorar, gemer, estremecer sem fôrças Dos amplos chapadões sôbre as areias
Em delírios 2082 de amorl De deslumbrante côr.

Assim falei-lhe, e como ao leve corpo Falei de uma casinha à beira d’água.
De uma leve criança, em meus joelhos Oculta entre as folhagens verde-escuras
Brandamente a depus; Dos ricos laranjais;
Cerrei-a contra o peito, e largo tempo De um jardinzinho, — do arrulhar dos pombos,
Mudo assisti às festas de su’alma Da sesta no pomar, — de quanto almeja
De seus olhos na luz. Quem sonha e ama demais!

Responde-me, compadre, crês acaso Ela me ouvia, e por seus belos olhos
Que habita a virgindade só no corpo Eu via-lhe a voar o pensamento
De donzelas novéis? No espaço do ideal!
Que não há cortesãs por entre as virgens, Depois nossas cabeças se encostavam,
Como entre cortesãs virgens existem. Nossas almas fundiam-se num canto
Mesmo até nos bordéis? Sublime, sem igual!
Que do casto sacrário a fome lívida Três meses decorreram, em três meses
Não conduza aos alcouces, macilentas. Vivemos por três séculos. Mimosa
Puras, santas vestais. Se transformara então;
Enquanto o oiro esconde em véus pudicos 2083 Minhas idéias de poeta haviam
Ilesos corpos, cujas almas queimam I.he esclarecido o espírito dotado
Ardores infernais? Por celeste condão.

[ 585 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

À noite no terreiro eu lhe falava Aqui eram traidores, fundos fossos


Da harmonia dos astros, de seus giros Cobertos de pauzinhos, escondidos
E leis universais; Em branca e fina areia;
Da existência dos sêres que pululam Ali pesada pedra em frágil corda;
Na eterna criação; da natureza Além ponte infiel lançada adrede
Das almas imortais, Sôbre torrente feia!

Eu lhe contava a vida da florinha, Mimosa era um prodígio de bravura.


A formação do seixo, a íntima história De finura e de tática! Uma noite,
Das árvores titães; J á bem tarde era então,
E pouco a pouco as relações mostrando E la me despertou: — Ergue-te, disse,
Das cousas e de Deus, me levantava Incendiam a casa, não percamos
T é as idéias mães. Nem um minuto, não!

Narrava-lhe dos povos que passaram Fujam os! Levantei-me de um só pulo.


Tôdas as crenças, tôdas as legendas. Tom ei duas pistolas, — eis-me pronto,
Usos, religião; O que faremos nós!
E os prodígios da arte, e as maravilhas — Fujam os, repetiu, ainda é tempo,
Que se deram na terra à luz divina Êles não nos verão, todos entregues
Da santa redenção. A seu projeto atroz!

T rês meses decorreram, mas nem sempre, 2089 Assim dizendo, me lançou aos ombros
Como no céu azul a casta diva Um pesado capote e foi juntando
Das tradições pagãs, A roupa que encontrou;
Nossa existência deslizou tr a n q u ila .... Deu-me uma trouxa, encarregou-se de outra,
Parece que a tormenta ama e prefere E , 2096 à porta do quintal se dirigindo.
As mais belas manhãs! Abriu, e observou.
Mimosa tinha um círculo de ousados, 2090 — Nada suspeitam, vamos. — Quão formosas.
Cegos adoradores, broncos vates. Quão serenas luziam as estréias
Valentões comensais. No Céu sombrio-azul !
Paladinos de esperas e emboscadas Nem uma nuvem maculava o espaço!
Cujas noites contavam-se por brigas  nossa frente n ’amplidâo brilhava
E surdas bacanais; O Cruzeiro do Sul!
Logo aos primeiros dias, às visitas E caminhamos, caminhamos; frias
Dos Adônis boçais, indiferente Batiam -nos no rosto e nos cabelos
Mostrou-se e fria até; Da noite as virações;
Depois foi se esquivando a seus gracejos. O orvalho nos molhava os pés descalços:
P or fim negou-se por uma vez ao trato Os espinhos do mato nos cobriam
Dessa indigna ralé. 2091 As faces de arranhões.
Então feridos no brutal orgulho. Chegando ao cimo de um pequeno outeiro,
Calcados pelos pés de uma criança E la parou, — estou cansada, disse.
Que pensavam dobrar. Repousemos em paz.
Uniram-se esquecendo os mútuos zelos, Estendi meu capote sôbre a relva,
E ardendo em fúrias de despeito e raiva Sentamo-nos, voltando a vez primeira
Juraram se vingar. Os olhos para atrás.
Uma história de lutas improfícuas, 2092 Tudo estava tranqüilo. A várzea, o rio,
De dias sem repouso e inquietas noites A estrada solitária, os fundos vales
Começou para mim! Pareciam dormir;
Tornou-se a casa um forte sitiado, Nada turbava o plácido silêncio.
E a guerra declarou-se atra em seus meios, Senão de errantes cães soltos no campo
Cruenta no seu fim! 2093 O espaçado latir.

E ra Nho Láo o chefe dos guerreiros Mas pouco e pouco um rôlo de fumaça
Do exército inimigo, audaz roceiro, Denso, pesado qual medonha tromba
Como Ulisses sagaz; 2094 Suspensa em alto mar,
Ciladas que evitei dêste malvado, Do teto da cabana de Mimosa
Tram as que desmanchei, contar não posso. Ergueu-se lentamente e em ondas tôrvas
Tantas eram e tais! Desdobrou-se no ar!

Por duas vêzes escapei. Deus sabe 2095 Em breve a chama brilha, zune, estala.
Como, de horrenda surra de cacête Em rubras labaredas lambe os caibros
Dada por destra mão! E devora o sapé!
Muitas outras de laços e armadilhas As aves de redor fogem piando!
Erguidas no caminho que eu trilhava Torram -se as plantas, ardem se torcendo
Com tóda a precaução! E tudo em ruínas é!

[ 586 ]
CANTOS MKRIDIONAIS

Mimosa contemplou a última chispa Hei de encontrar-te. Mimosa,


Que do pobre casebre levantava-se Minha luz, minha esp eran ça!...
Voando para o céu, Serei outro D. Quixote,
E quando viu que tudo estava findo Só me falta um Sancho Pança!
Junto a mim se deitou sôbre o capote,
Cobriu-se e adormeceu. Arranjei um burro magro, 2 1 0 2
Manhoso como um poeta,
Quando acordei o sol no azul do espaço 2097 Mas talvez inteligente
Parecia entornar sôbre as campinas Como a bêsta do profeta;
Torrentes de oiro em p ó . . . . E procurando as montanhas
Sentei-me, olhei em roda, olhei de novo___ Que ao longe, ao longe azulavam
Mimosa se esvaíra como um sonho, Senti que em minh’alma aflita
E eu suspirava só! Meus sonhos ressuscitavam!
Senti que ainda era um homem,
Que tinha ilusões sem fim,
Que o anjo de minha guarda
Folgava por ver-me assim!
CANTO TERCEIRO
E cam inhei.. . . — Como gratas
V erd ad e!... Estúpida coisa! As florinhas me sorriam!
Consócia eterna do mal! “ Por onde andaste, poeta?”
Deidade nos desenganos! Parece que me diziam!
Inimiga do ideal! Os cantos dos passarinhos.
Verdade, porque nie obrigas Os brandos sopros da arageni.
A tristes cenas narrar, Falavam-me: — Sê bem-vindo! 2103
Quando pudera esta história Conta-nos tua viagem!
De outra maneira findar?
E os velhos cedros da mata,
Com gesto grave e sombrio.
Tu que apalpas as feridas Perguntavam-me severos:
Mais imundas dos mortais, — P or onde andaste, vadio?
Que não tens nojo de nada, — Como vens tão bem vestido!
Que sempre despida estás; Que lindo colête trazes!
Queres que um vate inspirado, Que tôlas palavras dizes!
Que um herói entre os sandeus, Que lindas momices fazes!
Se esquive aos vôos do gênio Perdeste 2104 a vista? Coitado!
E siga os ditames teus! Pobre, mísero poeta!
Partiu com olhos de lince
Já que não tenho remédio. Porém volta de lunetal
Já que me prendes assim, Aprendeste muito! Sabes
O resto de minha farsa De cor a legislação?
Vou contar tim por tintim. Conheces bem o Digesto?
Eu bem pudera, estou certo, Lêste as obras de Lobão?
Se te quisesse negar,
Fazer sucumbir Mimosa E riam-se, e tanto riam-se,
De moléstia pulmonar: Esses Titães da ciência,
Que receei um momento
E como Dumas o filho De perder a paciência!
Com quem brigaste, já sei. E por fim aborrecido
Por seis escarros de sangue De tanta mordacidade
T er a coroa de rei. 2098 Queimei à noite num rancho
Mas tu subornas-me a Musa, Minhas roupas de cidade!
Tentas curvar-me, pois bem!
Hei de acabar o poema Quinze dias se passaram.
Sem auxílio de ninguém! Sem descanso caminhava,
Quando avistei as paragens
Três anos, três longos anos Onde Mimosa morava.
De funda melancolia. Parei junto à mesma venda
Passei de novo sentado Que tinha o mesmo balcão,
Nos bancos da academia. A mesma portinha estreita,
E em vez de cantar as festas, O mesmo bom vendilhão;
E as belezas do sertão, As mesmas teias de aranha.
Traguei as purgas amargas Os mesmos barris vazios,
De Gaio e de Labeão! 2099 A mesma infiel balança,
O mesmo rol de vadios.
Mas um dia, resoluto, 2ioo Vi defronte o mesmo rancho.
Cobrando o antigo vigor. Em tôrno as mesmas colinas.
Queimei os livros bramindo: As mesmas côres nas plantas,
— Não sirvo para doutor! 2101 A mesma luz nas campinas!

[ 587 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Mas da casa de Mimosa Escutai: era uma noite,


Nem um esteio existia, Noite horrenda e tenebrosa,
E a Tróia de tantos sonhos Noite de trovões medonhos
Só em minh’alma vivia! E de chuva copiosa.
As árvores da floresta
Naquela noite funesta 2106
Cheio de mortal tristeza Tão fundamente gemiam
Dirigi-me ao taberneiro: Que às estações pareciam
— Preclaro negociante Dizer um último adeus!
Sem igual no mundo inteiro; Eu caminhava, — no espaço
Dizei-me, vós cuja fama De súbito luz sinistra, 2107
Foi sempre séria e honrosa, Sangrenta, sulfúrea listra
Dizei-me, por Deus vos peço. Flam ejou aos olhos meus!
Dizei-me, onde está M imosa! Um estrondo imenso, horrível
Ribombou pelo infinito!
Soltei um agudo grito,
O homem das meias quartas
Buscando ar pela amplidão;
Lançou-me um sentido olhar.
Minha razão desvairou-se,
Depois abaixando o rosto
Minhas veias se gelaram,
Começou a soluçar.
Meus joelhos fraquearam.
— M im o s a !... 2105 disse, — M imosa!
Caí sem forças no chão!
Buscas por ela também?
A h! depois que foi-se embora
Não ganho mais um vintém! Mas quando senti de novo
Estou perdido, arruinado. No seio a v i d a .... Portento!
Sem fregueses, meu amigo! Num esplêndido aposento
Nós somos dous infelizes: Me achei! Que móveis pomposos!
Deixa que chore contigo! Quantos painéis preciosos!
Que perfumes deleitosos!
Que prodígios me cercavam!
— Mas onde foi a traidora!
Com quem partiu? — Eu não sei!
— Vou in d a g a r .... — Nada alcanças. — Onde estou? — gritei erguendo 2108
Já de todos indaguei! A fronte dos travesseiros.
Sumiu-se como um demônio! Então um homem, 2109 contando
Não deixou nem um sinal! Talvez sessenta Janeiros,
Meu destino está traçado! Aproximou-se dizendo:
M orrerei num h o s p ita l!... — Amigo, esta casa é vossa;
Eu sou um homem da roça;
Dizem-me rico, importante.
— Pelas orelhas de Judas! E t coetera. Um viajante,
Bradei. — Se me fôr preciso Meu compadre e meu vizinho,
Descer aos negros infernos E sta noite no caminho
E subir ao Paraíso, Vos encontrou desmaiado.
Eu o farei! Porém juro Supomos ter sido o raio
Que hei de trazê-la comigo, Que a poucos passos caíra
Preclaro negociante, A causa dêsse desmaio.
Meu ilustre e nobre amigo. Não ’stais ferido, louvado
Dizendo assim, as esporas S eja Deus. Agora, amigo.
Enterrei em meu burrinho, J á disse, esta casa é vossa,
Que pôs-se a rinchar alegre E eu sou um homem da roça,
Não vos zangueis pois comigo
Trotando pelo caminho.
Se vos deixo. Minha esposa,
Desvelada e cuidadosa.
Junto de vós ficará. —
Assim dizendo, — Sinhá!
Gritou. Oh! cousa assombrosa!
Uma porta abriu-se e airosa,
EPÍLOGO Mais bela do que uma fada,
Mais bela que a madrugada,
No meu quarto entrou Mimosa!

Leitor, meu leitor querido,


Hornem da roça ou da praça,
Que tivestes a desgraça
l3e me prestar atenção;
Se não findo a história já,
Não sei como findará.
Leitor do meu coração,
Ouvi, falta quase nada
Para o fim desta embrulhada.

[ 588 ]
CAKTOS M E R ID IO N A IS

A N T O N ICO E C O R Á Ora bem, eis envolvido


Antonico um belo dia
HISTÓRIA BRASILEIRA No crime horrendo que chamam
Bigamia!
H o m e n a g e m ao G ê n io D e s c o n h e c id o , —
À P r im e ir a I n s p ir a ç ã o B r a s il e ir a , o S r . Mísero o gênio do homem!
T e n e n t e - C o r o n e l A n t ô n io G a ld in o d o s R e ie A diversão não o cansa!
Tem por lei dos atos todos
Corá tinha vinte anos, A mudança!
Antonico pouco mais;
Eram ambos dous pombinhos Dous anos mais são passados,
Sem iguais. E Antonico, quem diria!
De sua segunda esposa
Amavam-se; neste afeto Se enfastia!
Ninguém dúbios laços veja,
Êles estavam ligados......... Recorda-se dos encantos,
Pela igreja. Da figura alta e faceira,
Dos requebros, dos olhares
Corá na voz, nos requebros, 2110
Da primeira!
Era mesmo uma espanhola,
Antonico um Alexandre Maldiz o gênio versátil
Na viola. Que o fêz mudar de mulher;
Nem mais um beijo à segunda
Quatro anos de venturas Dá sequer!
Passaram os dous no êrmo;
Mas as ditas dêste mundo Jura, jura como jura
Têm um têrmo. Bom marido e bom cristão;
Sanar de antigos direitos
O nosso herói obrigado, A lesão.
Por uma questão urgente,
Teve de deixar a esposa Uma tarde se prepara,
De repente. E a pé, qual romeiro monge.
Põe-se contrito a caminho
Corá chorou por três noites. Para longe.
Por três noites lamentou-se;
Mas no fim dessas três noites. Chegando à mísera aldeia.
Consolou-se. Cumprindo o triste fadário.
Vai logo bater à porta
Aonde fôra Antonico? Do vigário.
Bem não sei, nem bem me lembro.
Findava-se o mês, suponho, E ra tarde, mas o padre.
De Setembro: Cheio de santo fervor,
Ouviu as queixas do aflito
Passou Outubro, Novembro, Pecador.
Dezembro e entrou Janeiro,
Antonico demorou-se Meu amigo, disse, é noite.
O ano inteiro! Vai dormir um poucachinho,
Volta amanhã, falaremos
Bem cedinho.
Corá, cujos róseos sonhos
Mudavam-se em pó e fumo, Passa revista em teus erros.
Tomou sem mais ceremônias Em todos, em todos, filho.
Outro rumo. Deus te lançará de novo
No bom trilho!
Mas onde estava Antonico?
Não sei, dessas longes plagas Assim falou, e Antonico,
Guardo apenas na carteira Fazendo uma reverência,
Notas vagas. Foi conversar com a pobre
Consciência.
O que sei é que, 2 1 1 1 no cabo
No dia seguinte, humilde,
De três ou de quatro meses, Nos largos peitos batendo.
Procurou quem lhe fizesse Voltou à casa do gordo
Dela as vêzes. Reverendo.
(Dela, previno-te, amigo, 2 1 1 2 Estava deitado o padre
Que me refiro a Corá, Sóbre um mundo de lençóis,
Como ao correr desta história Na cama em que repousaram
Se verá.) Seus avós;

[ 589 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Cama grande, forte, larga. E Corá logo mergulha.


Fabricada para dois. Antes que a luta apareça,
Cujo peso arrastaria No meio dos travesseiros
Trinta bois! A cabeça.

— Bom dia, senhor vigário. — O que é isto? O caso é grave,


— Bom dia, à confissão vem? Novo, intrincado, eu o creio!
— Sim, senhor, pode atender-me? Explica-te, 2120 filho, fala
— Muito bem: Sem receio.

—■ Não é mister levantar-me. — Quer que eu fale, que me explique,


Daqui o ouço, não acha? — Que esclareça o fato, quer?
Benzem-se e as rezas começam Não, dê-me sem mais rodeios 2121
Em voz baixa. A mulher!

Findas as rezas: — acuse-se. A mulher que me pertence


Murmura o bom reverendo, Que aí repousa a seu lado!
Antonico enxuga os olhos E ’ isto que eu chamo um feio,
E tremendo Vil pecado!

Principia: — Ah, 2113 padre, padre, O padre franze os sobrolhos.


Cometi um tal delito Esfrega as orelhas bentas.
Que sou de Deus e dos homens Passa a língua pelos lábios.
Maldito! Coça as ventas.

Dos hom ens... ah! se souberem E fala: — Sossega, filho,


Da ação tão negra e tão feia. Tudo, tudo arranjaremos.
Por certo que apodrecera Chega-te aqui para perto.
Na cadeia! Conversemos:
— Não tenhas mêdo, prossegue, 2114 — Que tal a tua segunda
Filho, em tua confissão. Mulher? Faceira? Garbosa?
Deus nunca nega aos culpados Clara ou morena? Morena?
O perdão. Graciosa?
Furtaste acaso? — Não, 2115 padre.
— Gorda? — Gorda, sim meu padre.
— Violaste algum penhor? 2116
— Olhos negros? — Lindos olhos!
— Não. — Caluniaste, fala!
— São ciladas à virtude 1
— Fiz pior! —
São escolhos!
—• Pior! Juraste então falso?
Feriste alguém? — Não, 2117 senhor. — S ã o ... quanto a braços, pescoço.
— Mataste, filho, mataste? C a b e lo s... — oh! lindos, belos!
— Fiz pior! — Que lindo colo! Que braços!
Que cabelos!
— Pior! Pior! Então conta
O que hás feito se quiseres — Bonitos, hein? Diz o padre
Que te absolva! — Ah! meu padre! Contente esfregando as mãos,
Casei com duas mulheres! — Pois obremos, filho, como
Bons cristãos:
— Casou com duas mulheres!
Com duas!! O padre exclama!
—• Traze-m a, pois, e contigo
E treme, agita-se, pula
Levarás esta, formosa.
Sôbre a cama.
Legítima, incontestável
E uma feminil cabeça. Boa esposa:
Ao som desta rude voz.
Surge dentre as vastas ondas — A carne de tua carne.
De lençóis; Mais o osso de teu osso;
E assim se expressando, a porta
E ardendo por ver o monstro M ostra ao moço.
Bi-casado, a erguer-se vai,
Quando um grito de seus lábios Como as cousas se passaram.
Rubros 2 1 1 8 sai! Leitor, não guardo memória-----
Concluí como quiserdes
— C orá!.. Exclama Antonico! E sta história.
— Com paixão!... Brada Corá.
— O 2119 que é isto? Indaga o padre,
— Que será?

[ 590 ]
CANTOS DO ÊRMO K DA CIDADE

CANTOS DO ËRMO E DA CIDADE Que fazer? De abismo escuro


Levanta-se um vulto impuro, 2125
Sinistra imagem do mal,
Tem a abundância de um lado,
Cantos / do Êrmo e da Cidade / por / Luiz N. Nas mãos um cofre dourado,
P'agundes Varella / Rio de Janeiro / B. L. Garnier, Canta um canto condenado,
Editor, 69, Rua do Ouvidor / Paris / E. Belhatte, Um canto de bacanal!
Editor, 14, Rua de L ’Abbaye /
E mostra-me seu tesouro
Repleto de pilhas de ouro.
PRIMEIRA PÁGINA De ouro de funesta luz!
Depois com astutas falas
Me aponta brilhantes salas.
Louras abelhas, leves borboletas,
Cheias de pompas e galas.
Volúveis beija-flores.
Cheias de flores e luz!
Rápidos gênios, hóspedes dos ares.
Solitários cantores,
E vejo pálidas sombras
Amantes uns das pompas das cidades,
Que dançam sôbre as alfombras.
Das galas e das festas,
Frio o riso, o olhar febril!
Outros amigos das planícies vastas
Tristes belezas manchadas!
E das amplas florestas;
Tristes múmias coroadas
Alado mundo, turbilhão volante.
De grinaldas profanadas
Bando de sonhos vagos.
Em noites de orgias mil!
Ora adejando em caprichosos giros.
Ora em doces afagos
Confusas vozes me chamam!
Pousando sôbre as frontes cismadoras,
Os demônios me reclamam,
Vêde, desponta o dia.
Que a miséria me vendeu!
Sacudi vossas asas vaporosas.
Cerro tremendo os ouvidos,
Exultai de alegria!
Mas inda escuto os gemidos
Ide sem mêdo, 2 1 2 2 lúcidas quimeras,
De meus filhos repelidos
São horas de p artir!........
Pela terra e pelo céu!
Ide, correi, voai, que vos desejo
O mais almo p o rv ir!...
Senhor! Senhor! êste mundo
Ávido, sórdido, imundo.
Faz-me descrer té de ti!
VIÚVA E MOÇA Minh’alma está branca e pura,
Mas cega-me a desventura,
E entre o crime, entre a loucura.
Cristo, onde estão as doutrinas, V a c ilo !... — Porque nasci!
Onde as máximas divinas
De caridade e de fé? Entregue aos vaivéns da sorte.
Caíram como as sementes Fraca, sozinha, sem norte,
Sôbre os rochedos ardentes Como poderei lutar?
De que falavas às gentes. Se às vêzes entre a caligem,
Sonhador de Nazaré! Meus passos anjos dirigem.
Bem cedo o véu da vertigem
Desde o romper d’alvorada Me impede de caminhar!
Ao lar deserto sentada.
Cristo, Cristo, choro em vão! 2123 A lei do dever é santa,
Tenho exausto a paciência, Mas a desdita a quebranta,
Mas a santa providência O mundo tem mais poder!
E ’ surda à minha indigência. O espírito arqueja e cansa,
Me deixa sem luz, sem pão! O mundo a vitória alcança,
Dos homens sôbre a balança
Debalde invoco teu nome! Mais pêso sempre há de ter!
O negro abutre da fome
Rói-me as entranhas. Senhor! Bati por tôdas as portas.
Estão áridos meus peitos! As virtudes estão mortas.
Sôbre seus úmidos leitos As crenças sem mais valor;
Meus filhos, tristes, desfeitos. Ai! perdi tôda a energia,
Vertem lágrimas de dor! Minha mente desvaria,
A multidão ruge e passa. Não tenho rumo nem guia.
Ninguém pensa na desgraça Deverei morrer. Senhor?
Desta pobre habitação!
As privações se acumulam Eu creio em ti, eu te adoro,
E os instintos estimulam, 2 1 2 4 Mas as lágrimas que choro
Selvagens corcéis que pulam Tu não vês das vastidões!
Quebrando o freio à razão! Deixas que eu sofra e padeça.

[ .591
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Que a virtude depereça, Sendal espesso me vendava os olhos.


Mas que altivo se engrandeça Doce veneno lhe molhava o n ó .........
O vício com seus brasões! Ai! minha estrela de passadas eras,
Porque tão cedo me deixaste só?
Cristo, em vão te cruciaste!
Em vão aos homens deixaste 2126 Sem ti procuro a solidão e as sombras
Preceitos de amor e fé! De um céu toldado de feral caligem,
Caíram como as sementes E gasto as horas traduzindo as queixas
Sôbre os rochedos ardentes Que à noite partem da floresta virgem.
De que falavas às gentes,
Sonhador de Nazaré! Amo a tristeza dos profundos mares.
As águas tôrvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
EU AMO A NOITE Da insana fúria dos tufões bravios.

Eu amo a noite quando deixa os montes. Tenho um deserto de amarguras n’alma,


Bela, mas bela de um horror sublime, Mas nunca a fronte curv'arei por t e r r a !...
E sôbre a face dos desertos quedos Ah! tremo às vêzes ao tocar nas chagas,
Seu régio sêlo de mistério imprime. Nas vivas chagas que meu peito encerra!

Amo o sinistro ramalhar dos cedros


Ao rijo sôpro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda A VOLTA
Mandam aos êrmos um adeus solene.
A casa era pequenina,
Amo os penedos escarpados onde Não era? — Mas tão bonita
Desprende o abutre o prolongado pio, Que teu seio inda palpita
E a voz medonha do caimã disforme Lembrando dela, não é?
P or entre os juncos de lodoso rio.
Queres voltar? eu te sigo,
Amo os lampejos verde-azul, funéreos, Eu amo o êrmo profundo;
Que às 2127 horas mortas erguem-se da terra, A paz que foge do mundo
E enchem de susto o viajante incauto Preza os tetos de sapê.
No cemitério de sombria serra.

Amo o silêncio, os areais extensos.


Os vastos brejos e os sertões sem dia, Bem vejo que tens saudades,
Porque meu seio como a sombra é triste, Não tens? pobre passarinho!
Porque minh’alma é de ilusões vazia. De teu venturoso ninho
Passaste à 2 1 2 8 dura prisão!
Amo o furor do vendaval que ruge
Das asas densas sacudindo o estrago. Vamos, as matas e os campos
Silvos de balas, turbilhões de fumo. Estão cobertos de flores.
Tribos dc corvos em sangrento lago. Tecem mimosos cantores
Hinos à bela estação.
Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo.
Depois raivosas carcomendo as margens E tu mais bela que as flores.........
Vão dos abismos pernoitar no fundo. Não co res......... aos almos cantos
Ajuntarás os encantos
Amo o pavor das soledades, quando De teu gorjeio infantil.
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba Escuta, 2129 filha, a estas horas
Lascando a cruz da solitária ermida. Que a sombra deixa as alturas.
L á cantam as saracuras
Amo as perpétuas que os sepulcros ornam. Junto aos lagos côr de anil.
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua. Os vagalumes em bando
Correm sôbre a relva fria.
Tenho um desejo de descanso, infindo. Enquanto o vento cicia
Negam-me os homens; onde irei achá-lo? Na sombra dos taquarais;
A. única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro ab alo !......... E os gênios que ali vagueiam.
Mirando a casa deserta.
Como a criança, do viver nas veigas. Repetem de bôea aberta:
Gastei meus dias namorando as flores. Acaso não virão mais?
Finos espinhos os meus pés rasgaram.
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

[ 592 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE

Mas nós iremos, tu queres, Tu não mais ouvirás os doces versos


Não é assim? nós iremos; Que nas várzeas viçosas eu compunha.
Mais belos reviveremos Ou junto das torrentes;
Os belos sonhos de então. Nem teus cabelos mais verás ornados,
Como a pagã formosa, de grinaldas
E à noite, fechada a porta. De flores rescendentes.
Tecendo planos de glórias,
Contaremos mil histórias. Verás tão cedo ainda esvaecida
Sentados junto ao fogão. A mais linda visão de teus desejos.
Aos látegos da sorte!
Mas eu terei de Tântalo o suplício!
Eu pedirei repouso de mãos postas
A DESPEDIDA E será surda a morte!

I. Adeus! Adeus! Não chores, que essas lágrimas


Coam-me ao coração incandescentes
Filha dos cerros onde o sol se esconde, Qual fundido metal!
Onde brame o jaguar e a pomba chora, Duas vêzes na vida não se as vertem!
São horas de partir, desponta a aurora. Enxuga-as pois, se a dor é necessária.
Deixa-me que te abrace e que te beije. Cumpra-se a lei fatal!

Deixa-me que te abrace e que te beije,


Que sôbre o teu meu coração palpite,
E dentro d’alma sinta que se agite
Quanto tenho de teu impresso nela. O VAGALUME 2i3i

Quanto tenho de teu impresso nela. Quem és tu, pobre vivente, 2132
Risos ingênuos, prantos de criança, Que passas triste, sòzinho,
E êsses tão lindos planos de esperança Trazendo os raios da estrela
Que a sós na solidão traçamos juntos. E as asas do passarinho?
Que a sós na solidão traçamos juntos.
Sedentos de emoções, ébrios de amores. A noite é negra, raivosos
Os ventos sopram do sul,
Idólatras da luz e dos fulgores
De nossa mãe sublime, a natureza! Não temes, doudo, que apaguem
A tua lanterna azul?
De nossa mãe sublime, a natureza,
Quando apareces, o lago
Que nossas almas numa só fundira,
E a inspiração soprara-me na lira De estranhas luzes fulgura.
Muda, arruinada nos mundanos cantos. Os mochos voam medrosos
Buscando a floresta escura.
Muda, arruinada nos mundanos cantos,
Mas hoje bela e rica de harmonias. As folhas brilham, refletem,
Banhada ao sol de teus formosos dias. Como espêlhos de esmeralda,
Santificada à luz de teus encantos! Fulge o íris nas torrentes
Da serrania na fralda.

II- O grilo salta das sarças.


Pulam gênios nos palmares.
Adeus! Adeus! A estréia matutina Começa o baile dos silfos
Pelos clarões d’aurora deslumbrada No seio dos nenúfares.
Apaga-se no espaço,
A névoa desce sôbre os campos úmidos, A tribo das borboletas,
Erguem-se as flores trêmulas de orvalho Das borboletas azuis.
Dos vales no regaço. Segue teus giros no espaço.
Mimosa gôta de luz.
Adeus! Adeus! Sorvendo a aragem fresca
Meu ginete relincha impaciente São elas flores sem hástea.
E parece ch am ar-m e... Tu és estrela sem céu,
Transpond oem breve o cimo dêste monte, 2U0 Procuram elas as chamas.
Um gesto ainda, e tudo é findo! O mundo Tu amas da noite o v é u !...
Depois pode esmagar-me.
Onde vais, pobre vivente,
Não te queixes de mim, não me crimines, Onde vais, triste, mesquinho.
Eu depus a teus pés meus sonhos todos, Levando os raios da estréia
Tudo o que era sentir! Nas asas do passarinho?
Os algozes da crença e dos afeto s
Em tôrno de um cadáver de ora em diante
Hão de embalde rugir.

[ 593 ]
IA7ÍS X IC O L A ü FAGUXDKS V ARE LA

CONFÔRTO Pálidas sombras de ilusão perdida,


Minh’alma está deserta de emoções.
Deixo aos mais homens a tarefa ingrata Passai, passai, não me poupeis a vida!
De maldizer teu nome desditoso,
Por mim nunca o farei.
Como a estréia no céu vejo tu’alma,
E como a estréia que o volcão não tolda, 0 CANTO DOS SABIÁS
Pura sempre a encontrei.
Serão de mortos anjinhos
Dos juízos mortais tôda a miséria O cantar de errantes almas,
Nos curtos passos de uma curta vida Dos coqueirais florescentes
Também, também sofri, A brincar nas verdes palmas,
Mas contente no mundo de mim mesmo, Estas notas maviosas
Menos grande que tu, porém mais forte, Que me fazem suspirar?
Das calúnias me ri.
São os sabiás que cantam
A turba vil de escândalos faminta, Nas mangueiras do pomar.
Que das dores alheias se alimenta
E folga sôbre o pó, Serão os gênios da tarde
Há de soltar um grito de triunfo Que passam sôbre as campinas,
Se vir de leve te brilhar nos olhos Cingido o colo de opalas
Uma lágrima só. E a cabeça de neblinas,
E fogem, nas harpas de ouro
Oh! não chores jamais! A 2133 séde imunda. Mansamente a dedilhar?
Prantos divinos, prantos de martírio,
Não devem saciar........ São os sabiás que cantam.
O orgulho é nobre quando a dor o ampara, Não vês o sol declinar?
E se lágrima verte é funda e vasta.
Tão vasta como o mar. Ou serão talvez as preces
De algum sonhador proscrito,
E ’ duro de sofrer, eu sei, o escárnio Que vagueia nos desertos.
Dos séres mais nojentos que se arrastam Alma cheia do infinito.
Ganindo sôbre o chão, Pedindo a Deus um consolo
Mas a dor majestosa que incendia Que o mundo não pode dar?
Dos eleitos a fronte, os vis deslumbra
Com seu vivo clarão. São os sabiás que cantam.
Como está sereno o mar!
Curve-se o ente imbele que, 2134 despido
De crenças e firmeza, implora humilde Ou, quem sabe, as tristes sombras 2133
O arrimo de um senhor, De quanto amei neste mundo,
O espírito que há visto a claridade Que se elevam lacrimosas
Rejeita todo auxílio, rasga as sombras. De seu túmulo profundo,
Sublime em seu valor. E vêm os salmos da morte
No meu destêrro entoar?
Deixa passar a douda caravana,
Fica no teu retiro, dorme sem médo, São os sabiás que cantam.
Da consciência à luz; Não gostas de os escutar?
Livres do mundo um dia nos veremos,
Tem confiança em mim, conheço a senda Serás tu, 2136 minha saudade?
Que ao repouso conduz. Tu, meu tesouro de amor?
Tu que às tormentas murchaste
Da mocidade na flor?
Serás tu? Vem, sê bem-vinda.
VISÕES DA NOITE Quero-te ainda escutar!
São os sabiás que cantam
Passai, tristes fantasmas! O que é feito Antes da noite baixar.
Das mulheres que amei, gentis e puras,
Umas devoram negras amarguras. Mas ah! delírio insensato!
Repousam outras em marmóreo leito! Não és tu, 2137 sombra adorada!
Não há cânticos de anjinhos,
Outras no encalço de fatal proveito Nem de falange encantada
P.uscam à noite as saturnais escuras, Passando sôbre as campinas
Onde empenhando as murchas formosuras Nas harpas a dedilhar!
Ao demônio do ouro rendem preito!
São os sabiás que cantam
Tôdas sem mais amor! sem mais paixões! Nas mangueiras do pomar!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!

[ 594 ]
C A N T O S DO ÊRMO E D A C ID A D E

O RESPLENDOR DO TRONO SERENATA


Que vale a pompa e o resplendor do trono! Em teus travessos olhos.
Triste vaidade! O alvergue de um colono Mais lindos que as estréias,
Mais encantos encerra e mais doçurp! Do espaço, às furtadelas.
De calma consciência à sombra amiga Mirando o escuro mar.
Floresce o riso e o júbilo se abriga, Em teu olhar tirânico,
Livre de enganos e visões escuras. Cheio de vivo fogo,
Meu ser, minh’alma afogo
Quem não aspira da grandeza aos combros De amor a suspirar.
Tem segura a cabeça sôbre os ombros,
E a vereda conhece onde caminha; Se teus encantos todos
Dorme sem mêdo, acorda sem pesares, Eu fôsse a enum erar!...
E vê, feliz, a prole junto aos lares
Vigorosa estender-se como a vinha. Dêsses mimosos lábios
Que ao beija-flor enganam.
Sob os dosséis 2138 dos sólios a mentira Donde perpétuos manam
Boceja e o corpo sensual estira Perfumes de enlear,
No tapête macio dos degraus........ Dêsses lascivos lábios.
São sempre incertos do reinante os passos! Macios, purpurinos.
Ame embora a verdade, ocultos laços Ouvindo os sons divinos
Prendem-o cego aos cálculos dos mausl Me sinto desmaiar.

Oh! ditoso mil vêzes o operário! Se teus encantos todos


Ama o trabalho, e o módico salário Eu fôsse a enu m erar!....
De prantos nem de sangue está manchado!
Combates não planeja em vasta liça! Tuas madeixas virgens.
Nem das vítimas ouve da injustiça Cheirosas, flutuantes.
A queixa amarga e o clamoroso brado! Teus seios palpitantes
Da sêde do gozar,
Não desperta alta noite em sobressalto! Tua cintura estreita.
Nem dos cuidados ao cruento assalto Teu pé sutil, 2139 conciso,
Sôbre o ouro e o cetim geme e delira! Obumbram-me o juízo.
Qual manso arroio sôbre a terra corre, Apagam-me o pensar.
E no meio dos seus tranquilo morre
Como a nota de um canto em branda lira! Se teus encantos todos
Eu fôsse a enu m erar!....
Não invejeis as pompas das alturas!
O raio deixa os vales e as planuras, Ai! quebra-me êstes ferros
A tempestade preza as serran ias!.... Fatais que nos separam.
Quereis saber da majestade a glória? Os doudos que os forjaram
Lêde nos régios túmulos a história Não sabem, não, amar.
Dos soberanos de passados dias! Dá-me teu corpo e alma,
E à luz da liberdade.
O h! minha divindade.
Corramos a folgar.
EM VIAGEM
Se teus encantos todos
A vida nas cidades me enfastia. Eu fôsse a enu m erar!....
Enoja-me o tropel das multidões,
C) sôpro do egoísmo e do interêsse
Mata-me n’alma a flor das ilusões.
A SOMBRA
Mata-me n’alma a flor das ilusões
Tanta mentira, tão fingido rir,
E cheio e farto de tristeza e tédio Longe, longe das águas marinhas,
Rejeito as glórias de falaz porvir! Sôbre vastas campinas pousada.
Sempre aos raios de um sol resplandente
Rejeito as glórias de falaz porvir. Se ostentava risonha morada.
Galas e festas, o prazer talvez,
E busco altivo as solidões profundas Nas planícies que a vista não vence
Que dormem quêdas do Senhor aos pés. Espalhadas pastavam cem reses.
Ora junto das fontes tranqüilas.
Que dormem quêdas do Senhor aos pés. Escondidas no mato outras vêzes.
Ao doce brilho dos clarões astrais.
Ricas de gozos que não tem o mundo. Ao portão, de manhã, reünidas.
Pródigas sempre de beleza e paz! Meio ocultas no véu da neblina,
O senhor esperar pareciam
Sempre amigo da luz matutina.

[ 595 ]
LU IS KICO LAU FAGU N DES V A R E L A

E depois que seu vulto bondoso E mugem, mugem debalde,


Da janela sorrindo as olhava, Tristonhas cavando o chão,
Se afastavam contentes, pulando Fitando doridos olhos
Sôbre a grama que o orvalho banhava. No astro rei da amplidão.

Quando além das montanhas o dia Mas o sol não as escuta,


Apagava seu raio final. Mas o sol caindo vai.
Acudindo do amo aos clamores Imagem de um deus cruento.
Todo o gado se achava no vai. Cruenta imagem de pai.

E em tôrno dêle um círculo formando. E o caminheiro que ao longe


Humildes e silentes. Das serras descendo vem,
Cada qual por sua vez se adiantando. Não passa perto das ruínas,
Vinham lamber o sal que apresentavam Procura outra senda além.
As mãos benevolentes.
As mãos benevolentes que adoravam.
E o manso gado as falas lhe entendia,
E os tenros bezerrinhos
Saltitavam trementes de alegria A DIVERSÃO
A seus meigos carinhos........
Talvez sondasse nesses pobres brutos. Escravo, 2141 enche essa taça.
Sob êsses pêlos ríspidos, 2140 hirsutos, Enche-a depressa, e canta!
Um oculto clarão. Quero espancar a nuvem da desgraça
Raio de encarcerada inteligência, Que além nos ares lutulenta passa,
Que a douda, pobre e mísera ciência. E meu gênio quebranta.
Trucidando sem pena a criação,
Procura sempre, mas procura em vão. Tenho n’alma a tormenta.
Tormenta horrenda e fria!
Passaram tempos e o vaqueiro é morto. Debalde a douda conjurá-la tenta.
Da velha habitação só muros restam, Luta, vacila e tomba macilenta
E às já despidas, murchas laranjeiras, Nas vascas da agonia!
Espinheiros entestam.
Pois bem, seja de vinho
Sôbre montões de pedra as lagartixas No delirar insano
Leves se arrastam sôbre o musgo vil. Que afogue minhas lágrimas m esquinho!...
Traidoras vêspas nos esteios podres Então envôlto em purpura e arminho
Formaram seu covil. Sei-ei um soberano!
O sol que outrora derramava em tôrno
Cresce, transpõe as bordas
Raios de luz, torrentes de alegria,
Hoje atira do espaço ao lar deserto De brilhante cristal.
Um riso de ironia. Torrente amada que o prazer acordas.. . .
Toma a guitarra, escravo, afina as cordas,
E viva a saturnal!
Não mais perfumes pelos ares giram,
Não mais os ventos suspirando passam,
Sòmente impuro odor, silvo de serpes Já corre-me nas veias
No ambiente perpassam. Um sangue mais v elo z...
A n jo s ... inspirações... mundos de idéias, 2142
Parece que ao pairar nesses lugares Sacudi-me da fronte as sombras feias
Todo o seu ódio o estrago sacudira, Dêste cismar atroz!
I'. o espírito do mal no chão gretado
A saliva cuspira. Que celestes bafagens!
Que lânguidos perfumes!
Que vaporosas, lúcidas imagens
Viajor, viajor, não te aproximes Dançam vestidas de sutis roupagens
Do êrmo sítio que o terror marcou, Entre esplêndidos lumes!
A mão de Deus talvez ardendo em iras
Pesada ali tocou. Tange mais brando ainda
Êsse mago instrum ento!...
Porém quando no ocidente M a is !... inda mais! Que maravilha infinda!
Vai baixando o orbe imortal. Que plaga imensa, luminosa e linda!
As reses sempre constantes Que de vozes no vento!
Se ajuntam tôdas no vai.
São as huris divinas
E nessa mesma paragem Que junto a mim perpassam.
Onde as chamava o senhor. Ou de Chiraz as virgens peregrinas,
Talvez do defunto à sombra Que cingidas de rosas purpurinas
Reúnem-se ao derredor. Choram Bulbul e passam?

[ 596 ]
C A N TO S DO ÊRMO K DA C ID A D E

Ohl não, que não são elas, Já perdendo de vista os Andes túrbidos
Mas ail meus sonhos são! Sôbre rochas pousei........
São do passado as vívidas estréias Sôbre rochas pousei, — as virgens cândidas.
Que a flux rebentam cada vez mais belas. Louras filhas do ar.
De mais puro clarão! Trocaram-me do corpo a etérea túnica
Por manto de cristal.
São meus prazeres idos! Cantaram-me ao ouvido um hino mágico
Minha estinta esperança! Que falava de amor.
S ã o ... Mas que nota fere-me os ouvidos? Tão meigo e triste como a voz da América
Escravo estulto, abafa êsses gemidos! Em seu berço de luz.
Canta o riso e a bonança! Cingiram-me a cabeça dos mais límpidos
Diamantes e rubins;
Canta a paz e a ventura, Das borboletas leves e translúcidas
O mar e o céu azul, Do verde Panamá
Quero olvidar minha comédia escura, Fonnaram-me sutil, brilhante séquito;
E a ledos sons as larvas da loucura Aspergeram-me os pés
Bater como Saul! Do perfume das flores mais balsâmicas
Das savanas sem fim,
Leva-me às densas matas LC me apontando da floresta os dédalos
Onde viveu Celuta; Pejados de frescor,
Faze-me um leito à margem das cascatas, Deram-me abraços mil, ardentes ósculos,
Ou nas alfombras úmidas e gratas E deixaram-me só ........
De recôndita gruta. E deixaram-me só; — nos vastos âmbitos
Sem rumo, me perdi,
A ssim ... assim! Fagueiras, Meus olhos inundaram-se de lágrimas.
Escuto já nos ares Quis aos montes voltar,
As vozes das donzelas prazenteiras, Mas o treno saudoso dos espiritos
Que dançam rindo ao lume das fogueiras A minh’alma falou,
No centro dos palmares. F' ao grato aceno dessas queixas misticas
De novo me alentei.
Mais vinho! Oh! filtro mago! Desci das brenhas pensativa, atônita,
Só tu podes no mundo Olhos fitos além;
Mudar os giros do destino vago, Meu manto sôbre a rocha um surdo estrépito
E fazer do martirio um doce afago. Desprendia ao roçar,
De uma taça no fundo! E meus cabelos borrifados, úmidos
De sereno estivai.
Oh! patriarca antigo! Salpicavam, ao sol, de infindas pérolas
Oh! bebedor feliz, O desnudado chão.
Do roxo sumo da parreira amigo! Os velhos cedros com seus ramos ásperos
Teu nome invoco, abraço-me contigo, Saudaram-me ao passar.
Vem, vem ser meu juiz! Os cantores das matas, em miriades.
Os coqueirais senis
Basta, servo, de cantos; Bradaram numa voz: oh! filha esplêndida
Quero dormir, sonhar. Da eterna criação.
Sinto do vinho os últimos en can tos.... Corre, que ao lado do soberbo tálamo
Molham-me as faces amorosos prantos, Por ti suspira o m ar!........
Vou reviver e amar! Ao meio-dia extenuada, mórbida
Pelo intenso calor.
De um mundo ignoto sob a imensa cúpula
Solitária me achei.
A LENDA DO AMAZONAS Argênteas fontes, sonorosos zéfiros.
Rumores divinais.
Quando vestido de brilhante púrpura Grutas de sombra e de frescura providas,
Surgiu o sol no céu, Multicores dosséis
Deixei a mêdo os majestosos pincaros A cujo abrigo um turbilhão de pássaros
Onde habita o condor, Cruzava-se a trinar,
E guardando do frio os seios trêmulos Um não sei quê de vago e melancólico, 2143
Nas dobras do brial, De infinito talvez.
Como errante cegonha, ou pomba tímida. Ascenderam-me ao seio a chama insólita
Às planícies voei. De estranha sensação!
Em meus cabelos ciciavam, lânguidos. Sentei-me ao lado de um rochedo côncavo
Os sopros da manhã. E procurei dormir........
Clarões e névoas, iriantes círculos. E procurei dormir, — as plagas túmidas,
Giravam-me ao redor, O indizivel amor
Mas sôbre um leito de tecidos flácidos. Que transudava dos sussurros épicos
Inclinada a sorrir. Dos sombrios pinhais.
Deixava-me rolar aos doces cânticos Em cujas grimpas ramalhavam séculos.
Dos gênios do arrebol. Dormia a tradição;

[ M)7 ]
L U Í S N I C O L A U ï 'A C f U N D K S V A R K L A

Da rôla do deserto as flébeis súplicas, Do abutre da tormenta à insana cólera,


A tênue, 2144 frouxa luz A floresta cair;
Coando entre os rasgados espiráculos Vi negras feras e serpentes pérfidas.
Dêsse zimbório audaz Demônios de furor.
Por mil colunas desmarcadas, ríspidas. Alastrarem a terra de cadáveres
Sustentado ante o céu. De pobres animais;
Vedaram-me o repouso, e a mente extática. E dêste solo de imundícias lúbrico.
Em santa reflexão Também vi se elevar
Senti volver-se as cenas de outras épocas. A própria vida de destroços pútridos!
Ah! que tudo passou! Meu Deus e meu Senhor,
Como o sol era belo e a terra lúcida! O que diz esta lei crua e fatídica?...
Como era doce a paz Sôbre o vale da dor,
Da família indiana em noite plácida Sôbre o vale da dor mirando as nuvens.
Junto ao fogo a dançar! Cismando no porvir,
Como era calmo e belo e vivo o júbilo Eu também moça sinto-me decrépita!
Das filhas de Tupã Vê-me a aurora nascer,
Depondo junto ao fogo os anchos cântaros, Mas ouve a noite meus cantares fúnebres!
E atrás dos colibris A alvorada outra vez
Correndo alegres nos relvosos páramos! Das cinzas de meus restos inda tépidas
E a voz do pescador Rediviva me v ê !...
Sobre as águas plangentes e diáfanas Eu murmurava assim triste e perplexa
De ameno ribeirão! Cortando a solidão.
E o rápido silvar das setas rápidas. As estréias surgiam belas, nítidas
Os urros do jaguar, No céu de puro anil,
A volta da caçada, os hinos férvidos O bando vagabundo das lucíolas
Nos festins anuais! Rastejando os pauis
Tudo findou-se! A mão cruel, mortífera. Derramavam clarões débeis e fátuos
De uma idade feroz Nas plantas ao redor.
Tantas glórias varreu, e nem um dístico Línguas de fogo verde-azul fosfórico
Deixou no chão sequer! Cruzavam-se no ar.
Apenas no deserto ermos sarcófagos A terra e os astros num sorrir recíproco
Sem mais cinzas nem pó, Pareciam se unir,
Negras imagens de figuras híbridas, 2415 Lm a para beijar o azul sidéreo,
Soltas aqui e ali. Outros 2147 para verter
Resistem do destino ao rijo látego, No seio que sofre um doce bálsamo.
Mas das eras de então A branca lua
Nada revelam no silêncio gélido!........ Pura se erguia na celeste abóbada,
Meu Deus e meu Senhor! Tudo era paz e amor.
Eu que vi construir o imenso pórtico Vozes e saudações, hinos angélicos!
Do edificio imortal Um tênue, langue véu.
Donde ao vivo luzir dos astros fúlgidos Senti passar-me pelos olhos ávidos;
Todo o ser rebentou, Um perfume feliz
Eu que pelas planícies inda cálidas Ungiu-me a fronte de venturas ébria.
De vosso bafejar, Pensei adormecer!
Vi deslizar o Tigre, o Eufrates célebre, Mas ah ! quando de novo abri as pálpebras.
O sagrado Jordão; Reclinado a meus pés.
Eu sem nome, sem glórias e sem pátria. Coroado de espuma e chamas vividas.
Entre os densos cocais. Prostrado estava o Mar,
Ia bem como as gerações sem número Como a noite era bela e a terra lúcida!
Absorta escutar
Dos santos querubins a voz melódica;
Eu que pobre e sem guia, 2146
Pobre e sem guia nos desertos áridos. ESTÂNCIAS
Teu poder, grande Deus,
Pressentia no ar, no céu, nos átomos, O que eu adoro em ti não são teus olhos.
Vi também sob o sol Teus lindos olhos cheios de mistério.
Afogarem-se os orbes no crepúsculo Por cujo brilho os homens deixariam
De uma noite fatal, Da terra inteira o mais soberbo império.
E à lareira da vida erguer-se impávido
O nada aterrador! O que eu adoro em ti não são teus lábios
Vi num combate pavoroso e tétrico, Onde perpétua juventude mora,
Tôrva, escura epopéia, E encerram mais perfumes do que os vales
O fantasma do estrago, a morte esquálida Por entre as pompas festivais d’aurora.
Vencer a criação.
Devorar-lhe sem penas as quentes vísceras. O que eu adoro em ti não é teu rosto
Dilacerar sem dó Perante o qual o mármor descorara,
Da madre natureza as fibras íntimas! E ao contemplar a esplêndida harmonia
Vi à luz dos fuzis. Fídias o mestre seu cinzel quebrara.

[ 598 ]
C A N T O S DO ÊRM O E D A C ID A D E

O que eu adoro em ti não é teu colo Ou murmurar aterrado


Mais belo que o da esposa israelita, Perante a suprema lei:
Tórre de graças, encantado asilo Porque tenho de apartar-me
Aonde o gênio das paixões habita. Da lama que tanto am ei?...
O que eu adoro em ti não são teus seios. Por mim, oh! deixa-me sempre
Alvas pombinhas que dormindo gemem, Nos meus sonhos adorados.
E do indiscreto vôo duma abelha Mais brilhantes que o prestígio
Cheias de mêdo em seu abrigo tremem. Dos crimes condecorados.
O que eu adoro em ti, ouve, é tu’alma Embora a prole de Midas
Pura como o sorrir de uma criança. E os levitas da mentira
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos. Desprezem-me, — vis, — que importa, 2149
Rica de crenças, rica de esperança. Não tenho acaso uma lira ? ...
São as palavras de bondade infinda Errarei entre as estréias.
Que sabes murmurar aos que padecem. Por Deus, que mais belas são
Os carinhos ingênuos de teus olhos Do que os silvos da calúnia,
Onde celestes gozos transparecem !... Do que a voz da adulação;
Um não sei quê de grande, imaculado, 2148 Do que as alcovas do vício.
Que faz-me estremecer quando tu falas, Sinistro, infernal painel.
E eleva-me o pensar além dos mundos De infelizes que soluçam
Quando abaixando as pálpebras te calas. Vertendo prantos de f e ll...

E por isso em meus sonhos sempre vi-te Oh! selvas de minha terra!
Entre nuvens de incenso em aras santas, Oh! meu céu de azul cetim!
E das turbas solícitas no meio Regatos de argênteas ondas!
Também contrito hei te beijado as plantas. Verdes campinas sem fim!

E como és linda assim! Chamas divinas Morenas virgens dos montes.


Cercam-te as faces plácidas e belas, Anjos de graças e amor,
Um longo manto pende-te dos ombros Que rejeitais mil diamantes
Salpicado de nítidas estréias! Por uma cheirosa flor!

Na douda pira de um amor terrestre Que entre risos feiticeiros


Pensei sagrar-te o coração dem ente... Contemplais vossa beleza,
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o ra io ... A sombra dos ingàzeiros,
Tinhas nos olhos o perdão somente! No espelho da correnteza!

Não vos tenho? que me importam


Glórias de cinza e de pó,
QUADRINHAS E entre as turbas que vozeiam
Viver desprezado e só?
Quando a fronte descorada Quero correr os desertos.
Pende o poeta a cismar. Devassar as cordilheiras.
Murmura o vulgo insensato: Matar a sêde e o cansaço
Ei-lo mundos a forjar. Nas águas das cachoeiras. 2150
Ei-lo errando entre as estréias. Quero ao descer as montanhas,
Roubando os raios ao sol. A luz que o luar espalha.
Beijando as fadas que dançam Ouvir no vale a viola
Sôbre mágico arrebol. Soar na choça de palha.
Pobre vulgo! Que destino Ver descer os lavradores
Dos dous é mais belo e puro. Pelas encostas dos montes.
Sonhar à luz das esferas Enquanto lindas, faceiras,
Ou dormir no vício escuro? Voltam as filhas das fontes;
Adorar o ser dos sêres E cantam 2151 trovas alegres,
Sôbre as aras do ideal. E folgam pelo caminho,
Ou beijar as frias plantas No ar bebendo ofegantes
De uma estátua de metal? O aroma do rosmaninho.
Dizer: — é curta esta vida. Quero nos ranchos à noite,
Floco de espuma falaz, A claridão das fogueiras.
Quero erguer minha alma aos astros, Ouvir contar os tropeiros
Deixarei a terra aos mais; Histórias aventureiras.

[ 599 ]
I^UÍS N I C O L A U F A G U N D E S V A R E L A

Quero paz, quero harmonias, No sangue negro de milhões de vítimas!


Liberdade, inspiração, Nem o tôrvo embusteiro
Que a poeira das cidades Que sentindo a coroa mal segura
Me atrofia o coração. Abalar-se na fronte,
O tino perde, e corre devastando
E quando o gêlo da morte Tudo quanto o circunda.
Sôbre meus olhos baixar.
Deixem-me à sombra dum cedro E nem tampouco o estólido ocupante
Junto às selvas repousar. De um aparente sólio.
Onde reluz a mica em vez do ouro,
E ganem os mastins
O GENERAL JUAREZ Sôbre os degraus molhados de saliva.
Porém tu, Juarez,
1'riste o dom da linguagem !... Que eu não possa Tu e a sublime plêiade de eleitos
Fundir meu pensamento Que na história dos povos
Em duro bronze ou mármore alvejante! Sôbre montões de algemas, triünfantes.
Vazar uma por uma Abrem aos seus os braços,
As sensações que fervem-me no peito E em vez de diadema a fronte cingem
Aos olhares do mundo! De ramos de oliveira.
Arrebatar às lúcidas esferas
A celeste harmonia!
Roubar à madrugada as áureas pompas! Quão enganada marcha a tirania!
.A,rrancar aos desertos Quão cego o despotismo
A mais audaz hipérbole que encerram Paira e volteia nestas virgens plagas!
Seus poemas gigantes!........ Há no seio da América
Um mundo novo a descobrir-se ainda:
Juarez! Juarez! sempre teu nome Senhores de além-mar,
Da liberdade ao lado! Quereis saber onde êsse mundo existe?
Sempre teus brados ao passar dos ventos! Quereis saber seu nome?
Sempre a lembrança tua Sondai o peito à raça americana,
A cada marulhar de humanas vagas! E nesse mar sem fundo,
Em que fonte sagrada Inda aquecido pelo sol primeiro.
Bebeste êsse valor e essa firmeza Vereis a liberdade!
Que os reveses não quebram?
Acaso viste, apareceu-te acaso Tu a encaraste, Juarez, de perto!
O espírito dos livres No mais fundo das matas, 2153
Nos cômoros de neve imaculada Onde a mãe natureza te mostrava
Das pátrias cordilheiras? Um código mais puro
Escutaste-lhe a voz? Viste-lhe o rosto? Do que os preceitos da infernal ciência
Osculaste-lhe as plantas? Cujas letras malditas
Tocaste-lhe os vestidos resplandentes?... Queimam do pergaminho a lisa face.
Assim devera-o ser: Aprendeste o segrêdo
Junto dos céus, 2152 nas vastas assomadas Que desde a hora prima do universo
Cingidas de neblinas. As torrentes murmuram!
Ouvindo o eterno estrépito dos mares E contemplando o êrmo, o céu, as águas.
Conheceste a ti mesmo. Choraste por ser homem!
Alto, mais alto que êsses altos píncaros.
Soletraste teu fado Mas dos volcões sorvendo o fumo espêsso,
No pavilhão sem fim que abriga os orbes, Transpondo os areais,
E na luz te sagraste! Buscando asilo nas florestas amplas.
Mediste a exígua estância da existência, Arrostando as tormentas
Viste que teu destino Entre um pugilo de guerreiros bravos,
Não era semelhante aos dos mais homens Pejaste de legendas
Que nascem na mentira. Todo o deserto que teus pés tocaram!
Crescem à sombra de interesses torpes. E as solidões sorriam.
Cevam-se de vaidades. Os abutres saíam de seus antros.
Furtam-se ao faro augusto do futuro, As turbas dos selvagens
E após ligeiro prazo Vinham sorprêsas se postar nos montes
De loucas ambições, de vícios negros. Para ver-te passar!
Legam à mãe comum
Um punhado de cinza e de misérias. O espírito de um povo nunca morre.
Inúteis té na tumba! Não, não foram os homens
Ah! se entre os filhos dêste ingrato tempo Que sôbre o globo prolongando a vista.
Pode algum reclamar Regiões escolheram,
De herói o nome, o nome de escolhido, E formaram nações, usos e crenças;
Não, não será decerto Não, uma oculta lei
O cruento levita do extermínio Disse: — ao Árabe as terras areno.sas.
Que as planícies ensopa Aos Germanos a neve;

[ 600 ]
CA N TO S DO ÊRMO E DA C ID A D E

Aqui O f o g o , a luz, ali neblinas; Mortal mais do que um gênio! se entre os brados
Nesta calmos pastores, De teus fortes guerreiros,
Ali fortes guerreiros; sonhos, crenças. Se entre os aplausos de teu povo grato.
Lhes servem de defesa. Escutares de longe
Os pobres cantos dum poeta obscuro,
A idéia cresce, avulta ou se concentra; Ah! perdoa-lhe o arrôjo!
A índole se expande. Cegou-lhe o resplendor da liberdade.
Ou no âmago d’alma ruge opressa. Sonhou irmãs e unidas
Prometeu sôbre o Cáucaso Tôdas as raças das colúmbias terras!
Tem por medida de seu nobre orgulho Cantou, aceita o canto.
O figado sangrento Aceita-o, no alcaçar dos potentados
Que o pássaro roaz lacera embalde. Jamais alguém o ouviu!
Encelado dormita,
Mas ao mover-se no abrasado leito
Derrama sôbre a terra
Uma golfada de betume escuro
E chamas dévorantes. A FILHA DAS MONTANHAS
De teu povo adorado a oculta chaga (E leg ia)
Tu a tocaste, herói!........
Quando ao ninho do pássaro soberbo
Que as alturas devassa Esta viveu no meio das montanhas.
Baixa e repousa o corvo deslavado, Foi seu passar um vôo de andorinha
E os condores implumes À flor de lago azul, — seus verdes anos
Piam de mêdo à sombra do inimigo. Contaram-se por flores.
Também no azul dos céus Desconheceu as sêdas e os veludos,
Solta um grito de raiva, as asas bate Finas alfaias, peregrinas jó ia s ...
E veloz como o raio Talvez pensando no clarão dos astros
Hirto se arroja o príncipe das aves Zombasse dos diam antes!....
Ao abrigo invadido. O coração polui-.se nas cidades:
Podem ser bons os homens isolados,
Como imperfeito esboço em tela imprópria, Mas se o nó social num corpo os liga,
Como pálida rima Meus Deus! tornam-se atrozes!
Sôbre confuso, insípido poema, Dobram à lei o colo, e astutos traçam.
A glória de uma raça Mesmo aos olhos da lei, planos do inferno;
Ninguém pode apagar no vasto livro Peste moral de rápido contágio
Que pertence ao porvir. Devora-lhes as vísceras!
Embora a escravidão, guerras, flagícios Fazem da negra intriga uma ciência.
O brilho lhe escureçam, Sabem mentir à sombra da verdade;
Não morre uma nação, nem se aliena! E entre palavras de virtude incensam
Antes no espaço O demo da calúnia!...
Mais fàcilmente um mundo se dissolve, Feliz a virgem que repousa agora!
E torna-se em poeira! Feliz mil vêzes, não pisou nas praças!
Misera flor, o hálito das turbas
Sombras ilustres dos guerreiros mortos A teria queimado!...
Na quadra lutulenta Inda florescem, vêde, os jasmineiros,
Em que a pátria limava os duros ferros Inda as rosas se embalam junto à choça
Das hispanas cadeias. Onde na sombra a triste mãe chorosa
Erguei-vos nesses campos celebrados Soluça amargamente!
Onde os tênues arbustos As trepadeiras curvam-se à janela.
Nas noites calmas relatar parecem Gemem no teto os pombos amorosos.
Vossos feitos sublimes; Suspenso à porta na prisão gorjeia
Vinde, a pátria vos chama, a pátria chora, O sabiá das serras.
A pátria vos invoca, Tudo isto ela adorava, e ela não vive!
A pátria mira Juarez, aflita. E ela passou ligeira como a névoa
Soluça e pensa em vós! Que o vento da manhã varre do outeiro,
E dissipa nos ares!
Bravos da liberdade mexicana! Tudo isto ela adorava! Ao sol poente.
Invicto general! Leda e risonha, coroada a fronte
Olhai, olhai, não vêdes a v itó ria ? .... De rubras maravilhas, leve, airosa.
Não, ao tronco gigante. Vinha regar as flores;
Glória das selvas, marco das idades, E em meio erguida a barra do vestido.
Não deixeis que se enlace Saltava como a corça, ora amparando
A parasita vil, e a seiva beba, A hástea pendida de viçosa dália.
E sôbre seu cadáver Outras vêzes solicita
Cheia de vida eleve-se nos ares! Bravias plantas arrancando em tôrno
Não deixeis que a serpente Dos pequenos craveiros, ou tranqüila
Sôbre o jaguar enrole-se esfaimada! Contemplando os botões que se entreabriam
E espedace-lhe os ossos! À frescura da tarde.

[601]
L U t S K IC O I.a u FAGUNDES V A R E LA

E que sentidos cantos que cantava! Tira depressa a criança


Que ingênuos versos! Que singelas rimas! Do frio asilo onde está,
Tudo era amor, saudades, esperança. Tem nos santos esperança,
Ventura c mocidade! Que teu amor voltará.
Depois a seu chamado as aves meigas
Vinham em bando lhe brincar em tôrno. Ainda é tempo, Chiquinha,
Ora pousando nos bem feitos ombros. Rôla minha,
Ora nas mãos mimosas Minha rosada ilusão!
Colhendo os alvos grãos que lhes guardava A divindade perdoa.
Sua inocente amiga, ora escondendo Terna e boa.
As cabecinhas lânguidas nas ondas Os erros do coração.
De seu basto cabelo!
Pobres filhos do ar! Ela está morta! Acende uma vela benta
Ela está morta, 2154 a virgem das montanhas! Junto ao santo que ofendeste.
Chorai, chorai, os gênios de além-mundo Lançando a mão violenta
Levaram-a consigo! Contra o pirralho celeste.
Olhai! Seu rosto como é belo ainda! I.eva-lhe linda toalha
Que suave expressão nos lábios calmos! Cheia de finos bordados.
Longe de amedrontar-se ao ver a morte Talvez a oferta te valha
Parece que sorrira! O olvido de teus pecados.
Ali junto à palmeira está seu leito.
Sem adornos, sem pompa e sem grandeza; Não te demores, Chiquinha,
A virgem dormirá livre do fardo T rigueirinha,
De um mármore pesado. Que tens por cetro a paixão!
A virgem dormirá sem o zumbido A divindade perdoa.
De torpes vates, de oradores torpes; Terna e boa,
Poderá descansada ouvir os cânticos Os erros do coração.
Dos anjos pelo espaço!
No silêncio da noite as nuvens brancas
Descerão sôbre a leiva consagrada; E quando alcançado houveres
O orvalho das manhãs será tão doce A remissão, minha vida.
Como o pranto fraterno. Mais formosa entre as mulheres.
Feliz a virgem morta nas montanhas! Vem, 2156 mimosa arrependida.
No êrmo despertou, dorme no êrmo! Vem que o santo receoso
O hálito empestado das cidades De novo furto, quiçá,
Não maculou-lhe a vida! Velará por teu repouso,
Como a límpida gôta que dos ares Nosso amor p rotegerá!...
Cai no seio da flor e aos ares volta.
Sua alma pura em santa luz banhada Não percas tempo, Chiquinha!
Volveu para o infinito. Glória minha!
Minha dourada v is ã o !...
A divindade perdoa.
Terna e boa.
Os erros do coração.
O FILHO DE S. ANTÔNIO

( C an çã o de U m D ev o t o )
AS LETRAS
Bem sei, criança estouvada,
Que por artes do demônio 2155
Na tênue casca de verde arbusto
Furtaste, à noite passada,
Gravei teu nome, depois parti;
O filho de Santo Antônio! Foram-se os anos, foram-se os meses.
E sem mêdo, sem piedade. Foram-se os dias, acho-me aqui.
Cheia de um ímpio alvoroço, Mas ai! o arbusto se fêz tão alto.
O mimo do pobre frade Teu nome erguendo, que mais não vi!
Correste a esconder no poço! E nessas letras que aos céus subiam
Meus belos sonhos de amor perdi.
Arrepende-te, Chiquinha,
Vida minha,
Minha linda tentação!
A divindade perdoa.
Terna e boa. O ARREPENDIMENTO
Os erros do coração.
Tens razão, já, soberana.
Ah! que fizeste, insensata? Viste-me curvo a teus pés!
Demo gentil, que fizeste? Alma que do mal se ufana.
Por causa de um’alma ingrata Tarde conheço quem és!
T u’alma pura perdeste! Mas a imagem que eu buscava.

[ 602 ]
C A N T O S D O ÊH M O E D A C I D A D E

Por quem meu ser suspirava, Meia-noite! Hora fúnebre e tremenda!


Nem pressentiste sequer, Férreo vibrar de ríspido martelo
Quando uma fada invocando Que os demônios acorda, e as larvas ergue
Me vergava soluçando. Nos dormitórios úmidos da morte.
Prestava culto à mulher. Lugar comum dos bardos da descrença!
Momento de terror, risos, facécias.
Tens razão, por grata estréia Remorsos e pesar! Instante augusto
Tomei teu brilho falaz. Em que Ela desce muita vez das nuvens
Sinistra luz da procela. E vem sentar-se de meu leito à b ord a!...
Círio das horas fatais!
Segui-te através de enganos. Quero chorar. Mas não, não, que meus olhos
Cheio de sonhos insanos. Têm pudor, não choram! E contudo
Cheio de amor e de afã! Sinto-os num mar de lágrimas perdidos!
Sombra de arcanjo caído! Sinto que o pranto sobe-me do seio!
Busto inda quente, incendído Sinto que o pranto desce-me do cérebro!
Pelos beijos de Satã! Sinto que o pranto escalda-me as retinas!
Sinto que fui feliz, e nessa quadra
Na fronte côr de açucena Nem tristezas cantei, nem amarguras,
Tinhas brilho sedutor, Mas Deus, a vida, a mocidade e a glória!
Mas eras qual essa flor. Detesto a escola fúnebre, e mentida.
Cujo perfume envenena! De gordos desditosos que padecem
Tinhas nos olhos brilhantes Os reveses da sorte em lauta mesa.
Os reflexos cambiantes Detesto os cantos céticos, descrentes.
De uma aurora de verão, De rosados ateus, sábios efêmeros,
Mas como a charneca escura ímpios provocadores da desgraça.
Só podridão, lama impura. Detesto-os, porque sofro, e sofro muito,
Guardavas no coração! Porque suporto um pêso de misérias.
Tão grande que roxeia-me as espáduas!
Na negra esteira dos vícios
Que os decaídos formaram. Da natureza às múltiplas facêtas
Teus funestos artifícios Tenho um plano pedido, onde, traçada, 2157
Iludido me arrojaram! Veja nova existência; ao belo, à arte.
Amei-te, amar foi perder-me! Mesma súplica hei feito; ao movimento,
Foi beijar da terra o verme Aos labores mais duros, aos trabalhos
Crendo-o Deus da vastidão... Mais ásperos da vida, hei mendigado
Em vez do sol que buscava. Uma nuvem de paz, um véu de olvido!
Louco afoguei-me na lava E tudo é mudo! O que me resta agora?
De medonho, atroz volcão! O sossêgo da morte, a cinza, o n ad a!...
Da vida estraguei por ti M orrer... c a ir ... m udar... deixar o asilo
Das quadras a mais risonha; De uma prisão de carne e de misérias
Mas hoje sinto a peçonha Por um mundo ignoto! Aos ventos soltos
Que nos teus lábios bebi! Desprender os andrajos derradeiros
Em meio de minha idade De uma sórdida veste, e desnudado
Tenho n’alma a soledade, Tiritar nos desertos do invisível!
Na fronte o gêlo eternal; Arrancar da esperança o último brôtol
Sinto a morte nas artérias, Deixar a própria dor que obstinada
E ao medir minhas misérias Há temido a razão milhões de v ê ze sl...
Me orgulho de ser mortal!
E no entanto eu tenho a noite n’alma!
E o descampado horrendo, estéril, vasto,
Há sucedido ao gênio que acendia
As fibras de meu crân io !... — Se contudo
ACUSMATA Uma réstia de luz brilhasse ao menos!
Se uma voz me falasse! Se uma gôta
(F ragm ento ) Das lágrimas que vertes por meu fado.
Anjo de piedade e de candura.
P oeta . Me tombasse no seio, então quem s a b e !...
Como se arrasta lentamente o tempo! Mentira! tudo é quêdo, imóvel, frio!
Como tarda o repouso! Como pesa O vento passa, os espinheiros gemem
Sôbre a lívida fronte do poeta Torcendo os galhos secos, dir-se-ia
Esta bronzea cadeia de agonias Que ameaçam as nuvens! Bem, morramos,
Que chamamos a vida! Êste motejo Tem belezas o pó, sonhos a tumba,
Lancinante da sorte que resume. E a morte que os estultos amedronta
Contraditória, atroz, inexorável. Brota a meus olhos pensativa e meiga.
Em dias contingentes de existência, Coroada de flores mais formosas
A eternidade de um sofrer sem nome! Que as tristes rosas dos jardins dos homens!

[ 603 ]
L U ÍS N ICO LAU FA G U N D E S V A R E L A

V ozRS NO E sp a ç o . Poeta, a trepadeira solitária


Que se enrosca lasciva ao duro tronco
Somos a idéia, o sentimento, a essência Do cedro secular; a flor guardada.
Da criação inteira; a íntima nota Entre os galhos do ipê, nas grossas folhas
De quanto brilha, corre, canta e chora; De alpestre parasita; a mole acácia;
Somos o íluido eterno, que circula. O manacá cheiroso que se ostenta
Envolve o globo, os sêres, e penetra-os A beira d’àgua, pensativo e triste;
De um infinito amor; somos a citara Os festões do ingàzeiro e as açucenas,
Onde o sôpro de Deus roça inflamado, Tòdas te amavam, te adoravam tôdas!
E sacode no espaço a paz aos homens
Num turbilhão de notas amorosas. Nunca fomos ciosas! Muitas vêzes,
Brutal, nos trucidaste sem piedade
P oeta . Para adornar as frontes suarentas
De grosseiras amantes! Muitas vêzes.
Quem o sentido revelar pudera Distraído vagando, nos pisaste,
Dêsse rumor confuso, imenso e vago, Como torpe animal! Porém que importa?
Que se eleva da terra, semelhante Se outras vêzes choravas debruçado
Ao ressonar dos gênios adormidos? Beijando-nos o seio? Se outras vêzes
É 2158 o prazer que fala ou a tristeza? Tinhas tanta poesia a repetir-nos?
Reflete, sente o globo, ou condenado
A cruento penar, delira e geme, Ai! um dia esperamos-te debalde!
E se desfaz em pragas horrorosas? 2159 Tinhas partido, ingrato! Abandonaste
Ah! mistério tremendo! Ah! fundo arcano! Nossa beleza cândida e modesta
Por essas sombras doentias, pálidas,
As ÁRVORES.
Que entre os lustres do baile se evaporam!
Por essas múmias sensuais que pejam
As alcovas de sórdidas pocilgas!
Porque te afliges, mísero poeta?
Pela morte encoberta e mascarada!
Não nos conheces mais? — Olha, contempla,
Pela lepra insanável de tua alma!
E nestes troncos ásperos, nodosos.
Verás feições amigas. Nesta queixa
Que de nossas folhagens se desprende. Se tivesses ficado, oh! cada noite
Escutarás de novo o meigo timbre Uma de nós se erguera embalsamada
De teus sócios de infância. Nesta sombra Para as lendas contar de nosso reino!
Que alongamos do chão, verás o leito, Não o quiseste, doudo, agora é tarde;
Onde, tantos momentos, repousaste. E se ainda voltasses, a amargura
Nos faria murchar, cair sem vida,
Ah! eras belo nesse tempo! A aurora A fim que o viandante nos toma.sse
Tinha-te pôsto tôda a luz nos olhos! Para tecer a c’roa derradeira,
Quando passavas, teu caminho ledo A c’roa derradeira que te restai
De frescura e de folhas alfom brávam os!...
E tu partiste, 2160 ingrato, e tu partiste!
E trocaste o sossêgo do deserto O R io .
Pelo fulgor das salas dos palácios !
Pelos fingidos risos da mentira! Sôbre dourada areia desenrolo.
1’ela voragem negra onde so lu ças!... Soberano do vai, meu régio manto;
Os passarinhos namorados cantam
As F lo r es.
Nas figueiras bravias; chora o vento
Nos densos taquarais... — Mas ah! poeta,
Não mais te vejo, nem te escuto ao menos
Somos dos astros amorosas noivas. Da loura Grécia as náiades chamando!
Cada noite uma estréia nos envolve Nem a meus flancos murmurando idilios!
Na teia luminosa, e nos transporta Nem sôbre as águas a guiar teu barco!
A seu fúlgido leito. À madrugada
Fugimos de seus braços, e medrosas
Que fizeste, infeliz! Gênio bendito,
Caímos sôbre os campos. Nossos seios
Eu te devera encaminhar no mundo!
Trazem ainda o aroma dos cabelos
Quando à tépida luz de amenas tardes 2i6l
Dos celestes esposos; nossas faces
Cantavas, sôbre as rochas inclinado.
Estão rubras ainda de seus beijos.
Quantas promessas te não fiz! Que planos
Andróginas do éter, a desgraça Desvendei a teus olhos cintilantes!
Nos dividiu nos primitivos tempos: Eu que te vi nascer e que te amava
Uma parte fulgura entre as estréias. Como a rôla ao deserto, à flor a abelha,
Outra desceu à terra, e suspirosa E os pintassilgos aos vergéis floridos!
Cada noite meneia a débil fronte,
Mirando o firmamento. Um doce pranto, E desprezaste a virgem que eu fadei-te.
Um pranto repassado de saudades. Pura, mais pura que as estréias tôdas!
Vem nos banhar o aveludado colo. Cortaste o fio do dourado drama
Que divina volúpia nessas lágrimas! Que no silêncio místico das noites.

[604 ]
CAN TO S DO ÊRMO E D A C ID A D E

Pensando em ti, tracei, esmando o espaço P o eta .


De um brilhante porvir! Lírios e rosas,
Tudo pisaste no delírio insólito Donde parte esta voz? De que recinto
De uma febre insensata! Desditoso! Misterioso, oculto, me dirige
O que te resta agora? O que te resta? 'iao suaves concentos? Porventura
Além do firmamento, além dos astros
A E st r ê l a V é s p e r . Uma plaga de paz e amor existe?
Onde está e la ? ... A mente se me abrasa!
Tudo repousa, as folhas da centáurea Por tôda a parte só matéria vejo.
Tremem de frio à beira do caminho, Luzes, vapores, ar, globos, esferas.
Dobram-se os juncos nas lagoas negras, Mundos e mundos, sempre cheio o espaço!
F. os vagalumes do deserto pasmam
À mansa luz que entorno sôbre os campos. Onde repousa o sólio do invisível?
Porque não vens inspirações pedir-me. Onde se abriga o sôpro imponderável
Sonhador de outras eras? Porventura Que anima os corpos dos mortais na te rra ? ...
Meu suave clarão não é tão belo Se as rédeas solto à fantasia ardente,
Como ao comêço de teus verdes anos? fc.la abandona o pó, transpõe as nuvens.
Vence as estrelas, deixa o sol e o éter.
Arroja-se atrevida no infinito,
N um a C hoça de P a lh a . E nada encontra além do eterno abismo!
Nada! e no lôdo engolfa-se de novo!
F.scutai os harpejos da viola,
São mais sentidos que o soprar do vento Perdão, perdão, meu Deus! Busco-te embalde
Peijando a mêdo os arrozais viçosos; Na natureza inteira! O dia, a noite,
Prestai ouvido à voz do sertanejo, 0 tempo, as estações, mudos sucedem-se,
Que ela fala de amor, e a patativa E se falo de ti mudos se escoam!
Nunca nos matagais gemeu tão triste! Mas eu sinto-te o sôpro dentro d’alma!
Filhas da serrania e das campinas. Da consciência ao fundo eu te contemplo!
Adornai-vos de rubras maravilhas. It movo-me por ti, por ti respiro.
Vinde, que a noite avança e o céu desmaia! Ouço-te a voz que o cérebro me anima,
L em ti me alegro, e choro, e canto e penso!
E s p ír it o s na At m o sf e r a .
p a natureza inteira que aviventas
1 odos os elos a teu ser se prendem,
Sacudi o sudário, errantes sombras, Tudo parte de ti, e a ti se volta;
Róseos espectros, lêmures da infância. Presente em tôda parte, e em parte alguma.
Fantasmas louros de ilusões perdidas! Intima fibra, espírito infinito.
Dançai, cantai nos planos luminosos Move, potente, a criação inteira!
Que o íris cerca de brilhantes côres! Dás a vida e a morte, o olvido e a glória.
Chamai as fadas, e as ondinas leves. Se não posso adorar-te face a face,
Despertai nos palácios encantados Ah! basta-me sentir-te sempre, e sempre.
As princesas que dormem por cem anos!
Vinde fazer a orgia da saudade! Eu creio em ti, eu sofro, e o sofrimento
Como ligeira nuvem se esvaece
P oeta . Quando repito teu sagrado nome!
Eu creio em ti, e vejo além dos mundos
Minha essência imortal brilhante e livre.
Oh! se não fôsse um sonho! Se das trevas Longe dos erros, perto da verdade.
Do sombrio passado inda pudesse
Branca dessa brancura imaculada
As almas evocar de tantos sêres!
Que os gênios inspirados, nesta vida, 2162
xf. esta prisão de argila e de misérias
Não vedasse-me o vôo! Se do livro Em vão tentaram descobrir nos mármores.
Onde flameja a lúgubre sentença
Eu pudesse rasgar uma só fôlha.
Urna só, grande Deus! Talvez lograsse
Todos os males apagar que hei feito!
A SÉDE
No E sp a ç o . 1810
Cumpre teu fado nesse mundo ingrato. I.
Eu também caminhei, hoje descanso Cada vez mais possante e mais robusta
Dos eleitos de Deus no vasto império! Bramia audaz a insurreição nascente
Não se afastam de ti meus olhos ternos. No coração do México. As colinas
Manchou-me o pó da terra, a luz das luzes Tornavam-se tremendas fortalezas.
Deu-me nova existência ao pé dos anjos. Transbordavam as selvas de guerreiros
Como te amei outrora, amo-te agora. E as grutas de armamentos. A alvorada
Furta ao lôdo tu’alma, olha as alturas, De dia em dia seu clarão furtava
E do empíreo no azul verás meu rosto 1 A milhares de sêres, e o silêncio

[ 605 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Das noites estivais não mais cobria “ E também eu, meu pai”, disse abraçando
A face desolada dos desertos, O resoluto chefe. “ Bem, agora
Onde vencido e vencedor rugiam Trata de os avisar, um só momento
Ensopando de sangue o chão revolto. Não devemos perder. O Rei das Sombras
As moças aldeãs tinham perdido Que venha ter comigo.” Os dous guerreiros.
Seu riso jovial, e recolhidas. Quais dous raios partiram. Triste o chefe
Em tórno ao triste lar, cheias de luto. Voltou-se à triste esposa, e lhe depondo
Deslembravam seus cantos prazenteiros Um frio beijo sôbre a fronte fria.
Para chorar a morte dolorosa Deitou-lhe ao lado o mísero filhinho.
Dos pais ou dos irmãos. O céu brilhante , “Minha pobre Evelina, que fadário
C> próprio céu da terra americana Lutulento é o nosso!” Disse, e a sócia
Não mais sorria aos campos devastados. De seu fundo sofrer, vendo-lhe os olhos
Num véu de acerbas lágrimas envoltos.
I I. Lançou-lhe ao colo os braços amorosos.
Chorou com cie o pranto do infortúnio.
Vinha descendo a noite, treda noite
De pavores e sustos. Na planície IV .
Que entre Anelo se estende e entre ^lonclova
Soam confusas vozes, brilham lumes, Também no seio dêste mundo virgem
Cruzam-se à chama rubra das fogueiras Há desertos terríveis, flagelados
Vultos inquietos. O rumor aumenta-se. Por um sol implacável. Vastos mares
Novas figuras erguem-se do solo; De areia movediça se desdobram
Tinem espadas; ameaças troam, Até perder-se além nos horizontes.
E um só clamor se estende pelo espaço Nem uma gôta d’àgua nesses ermos!
Os ecos acordando: “Temos sêde! A noite lhes negou seu fresco orvalho,
Dai-nos água por Deus!” Então da sombra E as chuvas do verão fugir parecem
Um homem se destaca; seus olhares A seu hórrido aspecto. Desditoso
São calmos e tristonhos, o .sorriso Do viandante que o roteiro perde
Forçado de seus lábios anuncia Nessas paragens lugubres, 2164 malditas!
Mal disfarçada mágoa, tem nos braços Contudo às vêzes junto a ingrata mouta
Uma tenra criança. “ Ouvi, meus filhos. De ressequido cáctus se levantam
Disse com voz serena, aqui vos deixo De uma cisterna os lábios: são lembranças
Este anjinho 2163 em penhor; se à madrugada Que deixaram, quem sabe, errantes hordas.
Não tiverdes matado a sêde ardente Ou mãos piedosas de piedosos sêres
Fazei o que pensardes. Sôbre a terra, Que nessas plagas muita vez sentiram
Único leito que ao guerreiro livre O martírio de Agar nas soledades.
O Senhor permitiu, sofre sem queixas Mas nem restava êste recurso ao menos
Ao desditoso chefe! as tropas bárbaras,
Minha esposa infeliz! E vós, guerreiros. Mais bárbaras que os bárbaros d’outrora,
Vós que lutais em prol da liberdade, Tudo entulhado haviam! Dias quatro
Que a pátria defendeis, vergais o colo. Da liberdade os bravos combatentes
Servos de vergonhoso desespêro!” O suplício da sêde suportavam!
Assim dizendo, sôbre a fria areia
A criança depôs. “ Não! não! bradaram V.
Enternecidas vozes, o inocente
Deve ao lado dormir da mãe que o adora! “ Eis-me aqui, general!” a poucos passos
Confiamos em vós, depressa a noite Uma voz murmurou rouquenha e surda,
A terra deixará.” E pouco a pouco E um vulto adiantou-se. “O Rei das Sombras?
Foi-se afastando a turba de seu chefe. — Sim.” Era um homem de estatura hercúlea,
Que a passos lentos se perdeu na sombra A dúbia frouxa luz que das fogueiras
Agasalhando ao seio o pobre filho. Mal clareava a cena, sôbre o dorso
Batia-lhe fugaz, como nos músculos
III. De uma estátua de cobre a claridade
Das solitárias lâmpadas de Brama.
Junto de estéril céspede inclinada, O Rei das Sombras........ atrevido nome,
Sôbre grosseiro manto, se desenha i. contudo feliz. Da selva os filhos.
Um vulto de mulher; ao lado dela Homens de rubra tez, negros cabelos.
Dous guerreiros vigiam. Pensativo Ágeis no jôgo da ligeira seta.
Vem se sentar o chefe a poucos passos. Amam da língua as pompas; o deserto
Após um meditar de instantes curtos, F ’’ seu vocabulário, e que belezas
“Valdívia, diz, encontrarás cem homens Não encerra o deserto! O Rei das Sombras
Dedicados e fortes, que nos sigam. Tinha nascido à sombra das folhagens
Entre essa pobre gente que delira? Das matas primitivas, como as aves
— Sim, responde Valdívia, o destemido. Livre, e como a amplidão; mais tarde o acaeo
Valente lutador, de brônzeos músculos. Fê-lo deixar seu paços de verdura
Alma de herói em corpo de granito; Para seguir o aventuroso ofício
Sim, e o primeiro sou!” A estas palavras De guiar no deserto os viajores.
O outro guerreiro levantou-se rápido. Tinha talvez de idade doze lustros.

[ 606 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE

Ninguém mais destro, mais sagaz, mais fino Da promessa cumprir.” Mas quando junto
Lm descobrir os rastos do inimigo. Chegaram do lugar onde a família
Vencer perigos, prevenir os fatos, Do chefe descansava, e em vez do chefe
E até, diziam, predizer aos homens Só encontraram Evelina aflita,
Os arcanos vendados do futuro. C' moço pensativo e a criancinha
Chorando fracamente, em altas vozes:
V I. “Traição! traição! bradaram, pague o filho
Pela infâmia do pai! — Sim, 2165 disse um índio
Ao Rei das Sombras dirigiu-se o chefe. De turvo olhar e feia catadura;
“ Disseste que a seis horas de caminho Vêde, o infame traidor levou consigo
Uma fonte acharíamos? — Eu disse, Cem traidores guerreiros; vêde, amigos.
General, mas um bando de inimigos Quantos de menos entre nós se contam!
Velam aí, traidores como as serpes! - - Traição! vingança!” vozeou a turba,
Em deserta fazenda, circundada E como a vaga infrene que se atira
De erguidos muros, seu quartel formaram; De uma ilha isolada às êrmas praias
A cada instante em torno as sentinelas -Avançou para as vítimas rugindo.
Gritam rondando. — Não importa, a morte “ Ninguém se chegue, escutem-me primeiro!”
Será menos cruel aos golpes dêles Disse o moço apontando os brónzeos canos
Do que nas ânsias desta sêde insólita Das armas que trazia à onda viva
Que as entranhas nos rói! Prepara as armas. Raivosa dos rebeldes. O silêncio
Consulta a noite e os ventos, e conduz-nos. Estendeu-se um momento onde soara
Já dos cavalos as passadas ouço.” Há pouco a tempestade. “Eu também juro
Sóbre minh’alma, sóbre minha vida,
VII. Que sereis satisfeitos. Bravos, ânimo!
Deixai que em meio céu o sol fulgure,
Partira o chefe e o grupo de guerreiros. Se meu pai não voltar........” Esta proposta
Por entre as nuvens as estrelas mórbidas Não contentou a turba; no entanto
Vertiam sóbre a terra sonolenta Ela calmou-se um pouco, e dispersada
Seus últimos clarões. Os horizontes Sóbre a areia dos êrmos esperava
De uma cór violácea se tingiam, Que fulgurasse o sol, o sol do meio-dia.
E amplos areais, tredos, imóveis. Êsse instante chegou, não veio o chefe!
Esperar pareciam tristemente
O dúbio riso de uma aurora enferma.
Tudo dormia; o lume das fogueiras I X .
Sob um sudário de ligeira cinza Mas entre nuvens de poeira ao longe
Parecia também, meio abafado. Assoma um cavaleiro; denso nimbo
Dormir sóbre os tiç õ e s... Oh! Deus! que alívio Que os aquilões fustigam pelo espaço
Não deste aos sêres nesta irmã da morte. Não corre mais ligeiro. Tem o corpo,
Rima da noite, que se chama o sono! Do valente animal pendido às crinas,
Evelina acordou sobressaltada: Mas o curvado e musculoso dorso
Escuta, disse ao filho que ficara Brilha aos raios do sol como os relevos
Por mandado do chefe; escuta, filho, De um escudo de ferro. “O Rei das Sombras!”
Disse ao moço guerreiro, tive um sonho. Todos bradaram prolongando a vista.
Cheio de horror e cheio de presságios! Em breve êle alcançara o acampamento.
Punha-se o sol, um turbilhão de fumo “ Filhos da liberdade! eia, 2 1 6 6 marchemos!
Cobria o descampado, em seu cavalo Ofegante exclamou, que nosso chefe
Galopava teu pai a tôda brida Luta como um herói por vossa causa!
Em direção a nós; e no entanto. Ah! de nossos irmãos apenas restam
Bem longe de alegrar-me, dentro d’alma Quarenta bravos, tudo o mais é morto
Uma pungente dor me lacerava! Aos golpes impiedosos dos tiranos
Depois vi-me a mim mesma, em meus cabelos Que laceram a pátria. Eia guerreiros!
O sangue gotejava, um véu de morte Sem vosso auxílio o general sucumbe!
Empanava-me os olhos desvairados, — Vamos! vamos! em marcha! grita o moço.
E corri a encontrá-lo; quando perto — Em marcha! diz a turba.” Num momento
üs braços lhe estendia, agudo grito A multidão moveu-se como as vagas
Escapou de meu peito, e sóbre a terra Por alto mar nas horas de borrasca.
Cai fria e sern fórças........ o inditoso E as carrêtas pesadas se abalaram
Wao tinha mais nos ombros a cabeça!” Sóbre as quentes areias, e o deserto
G mancebo pensava; nesse quadro Viu sem saudade os hóspedes partirem.
Confuso, incoerente, pressentira
iunistros laivos de uma atroz verdade.
X .
VIII. Tinha-se pósto o sol, mas o ocidente.
Tinto de rubra cór, sóbre as planícies
Em breve no oriente o rei dos astros Derramava um clarão sinistro e feio.
f oi-se mostrando aos poucos. Os guerreiros As altas rochas, os grosseiros cardos.
trgucram-se bradando: “O sol desponta, Erguiam-se fantásticos, imóveis.
' amos buscar o chefe; é vinda a hora Ora como sepulcros solitários.

[ 607 ]
LUÍS NIOOLAU FAGUNDES VAKELA

Monumentos estranhos de uma raça XII.


Que nunca os homens viram; ora um grupo
De informes criaturas imitando; Sombrias nuvens pelo espaço rolam.
Ora disperso turbilhão de espectros Ora vendando a face das estréias,
No vasto chapadão cismando quedos Ora deixando-as cintilar mais vivas.
À luz sangrenta de um volcão sem fundo. Mais fulgentes ainda, sôbre a espêssa.
Os guerreiros marchavam. Pouco a pouco Basta melena dos bulcões medonhos.
Menos estéril se mostrava o solo, Inquieta a noite vai, raivosos ventos
E as rochas mais escassas. Firme terra, 1'assam roubando às árvores as fôlhas,
Em vez de areia movediça, os passos E em tredos silvos vão perder-se ao longe
Dos corcéis repetia; os arvoredos No imenso da solidão. De instante a instante
Pareciam surgir como prodígios Um lampejo sulfúreo os ares corta
Aos olhares da tropa sequiosa. Aclarando o deserto que repousa
De repente um rumor confuso e vago Da branca areia no sudário imenso.
Fêz-se ao longe escutar. O Rei das Sombras O vulto tenebroso extenso e lugubre
Deteve-se e falou: “ Estamos perto. Da lugubre fazenda se levanta.
Esperai-me tranqüilos neste sítio, Ostentando as muralhas gigantescas
Vou ver o chefe, num relance d’olhos Aos olhares dos bravos combatentes.
De novo me acharei a vosso lado.” Bradam de instante a instante as sentinelas.
Inda bem não findara estas palavras Os inimigos velam ressentidos
Quando um ruído estranho, discordante. Da refrega 2 1 6 8 da tarde, talvez temem
Mistura de gemidos e blasfêmias. A sorpresa dos livres. “Bravos somos,
Galopar de corcéis, tinir dc espadas, Bravos e muitos, diz o moço chefe;
Soou na solidão. “Silêncio! clama Muitos e sequiosos; avancemos;
Prestando ouvido o índio valeroso; Vêdes êsse portão? E ’ necessário
Silêncio!” E mais veloz do que a pantera Fm pedaços fazê-lo; vamos, vamos,
Ao chão saltou, e as ramas afastando O momento é propício... — Não, reflete,
Cauto se adiantou. Nesse momento A distância medindo, o Rei das Sombras;
A 2167 pequena distância as folhas rangem Fique a metade aqui dos assaltantes,
Sob rude tropel, retumba o solo Busque a outra escalar os altos muros;
E um cavalo sc arroja esbaforido Quando dentro estiverem da fazenda
Junto à tropa ansiosa; sôbre os lombos Seja dado um sinal, então por terra
Sustentava um guerreiro, e êsse guerreiro Lançai vós outros o portão maldito
Era o mísero chefe. O desdítoso Aos golpes dos machados. Bravos somos,
Tinha do tronco a fronte separada! Há dito o chefe, bravos nos mostremes.
Dos cern valentes que levou consigo Libertemos a pátria! — Combatentes,
Nenhum, nenhum restara! Muitos dêles, Disse uma voz enérgica, mas doce.
A cauda dos cavalos amarrados, Acerba, mas sonora, a poucos passos
Deixavam no deserto atrás do chefe Erram vinte guerreiros, são soldados
Um rastilho de sangue sôbre o solo! De livre capitão, êles não tardam
Em reünir-se a nós, inda um momento
Retardemos o ataque.” Era uma estranlia.
X I. Contudo bela imagem de guerreiro, 2169
Quem assim se expressava; tinha aos ombros
As tropas do inimigo estavam perto! Uma curta espingarda, espada ao lado,
Estavam perto as tropas do inimigo! Mas de mulher as vestes cobriam
Pando feroz as vítimas seguira!
O corpo airoso, e nos fogosos olhos,
E riam-se e zombavam!........
Onde os prazeres habitar deveram,
A vingança brilhava: era Evelina!
Bravos da independência mexicana,
Não há palavras na mundana língua X I I I .
Que pinte a raiva dêsses homens livres
Vendo do chefe o mutilado corpo! “ México e liberdade! dentre as sombras
As massas monstruosas que rebentam Uma voz murmurou pausada e firme.
Das cimeiras dos Andes; as torrentes — México e liberdade! repetiram
Que no seio do abismo se despenham; Erguendo-se os guerreiros. — Vinde, vinde.
O furacão que arrasa as soledades; Disse Evelina apresentando ao filho
O raio, a tempestade, a própria morte. O novo companheiro. — Vinde, vinde.
Tão cruentos não são, não são tão negros, Repete o moço chefe adiantando-se,
Nem tanto estrago no deserto hão feito Há muitos dias que aqui estais? — Há quinze,
Como a explosão da fúria sanguinária O capitão responde. — Haveis sofrido?........
Daqueles bravos ébrios de vingança! — Perda de bravos, privações sem nome!
Duzentos homens sôbre o chão caíram — Pois bem, é hoje o dia da vingança.”
Sob a espada dos livres! “A fazenda! E assim dizendo o plano comunica
Ü filho do finado, o novo chefe. Do ataque da fazenda ao chefe amigo.
Gritou enfebrecido. — Sim! bradaram, “ Ocorre-me uma idéia, êste pondera,
à fazenda! à fazenda! E ’ morto o chefe, Tenho uma peça, munições e balas,
Conduza-nos o filho em lugar dêle!” Mas falta-me a carreta, se possível

[ 608 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE

Fósse trazê-la e descobrir um meio Disse com surda voz, c tudo é feito!
Desta falta sanar........ — E ’ grande a peça? Carregai-a sem mêdo até à bôea!”
Uma voz perguntou. — Não muito grande, O chefe obedeceu, a ígnea mecha
O chefe lhe responde. — Quantos homens Mais uma vez brilhou, partiu o raio,
São mister para erguê-la? — Cinco. — Vamos, O trovão retumbou, a grande porta
Prossegue a mesma voz grave e segura, Em pedaço caiu, e um grito agudo.
Eu farei a carrêta.” Era Valdivia, Atroz, pungente, fêz-se ouvir no espaço!
Que o morto chefe dispensado houvera O herói da noite se torcia em ânsias
Quando havia partido; era Valdivia, Debaixo do canhão! O último abalo
O hércules da tropa, quem falava. Tinha-lhe a espinha vertebral partido!
Dez minutos depois era um cadáver.
XIV.
Pouco tempo depois estava a peça X V.
No meio dos guerreiros. “Mãos à obra. “México e liberdade! Eia, avancemos!”
Disse o chefe mancebo, o Rei das Sombras Bradaram numa voz os assaltantes; 2172
À frente de cem fortes combatentes E como as vagas de caudal torrente
Busque os muros vingar e introduzir-se De erguida serra na garganta estreita
No pátio 2170 cia fazenda; e nós, amigos, Com pavorosos urros se engolfando.
Nós trataremos do portão; é tempo, Em confuso tropel se arremessaram
A peça examinemos sem demora.” À livre entrada que o canhão fizera.
Assim dizendo, 2171 à formidável porta Um granizo de balas sibilantes
Em vão tentaram do canhão mortífero Partiu dos sitiados, derribando
As fauces apontar; em vão, a terra Muitos dos invasores. “Vamos! vamos!”
Em tórno das muralhas levantada Bradava o chefe, e os ávidos guerreiros
Protegia o recinto, era forçoso Rompendo a densa nuvem de fumaça
Erguer do solo o bélico instrumento, No pátio 2173 da fazenda penetraram.
Pô-lo do ponto desejado ao nível.
Houve um momento de silêncio. “Agora
O que havemos fazer? diz o mancebo, XVI.
Que partido tomar? — Sempre o da luta.
Responde-lhe o colosso; o Rei das Sombras Então à dúbia luz dos astros raros,
Que siga seu destino com seus bravos. Que entre as nuvens condensas cintilavam.
Chamai dez homens, soerguei a peça, Houve uma cena horrível. Semelhantes
Eu serei a carrêta! — Tu, Valdivia! A dous bulcões medonhos que se enroscam.
— Eu sim, eu mesmo,” e sôbre o chão cravando Torcem-se unidos atroando o espaço.
Os joelhos e as mãos, falou de novo: Ao som de seus bramidos estrondosos.
“Tragam a peça e amarrem-ma nas costas!” Os guerreiros do forte e os assaltantes
Em breve dez guerreiros reforçados Numa só massa escura se fundiram.
Nos rijos lombos do robusto atleta Caos de sêres humanos consumido
O canhão colocaram, duras cordas Pelo fogo da raiva e da vingança!
Em tórno da cintura lhe passaram Ondas de desespêro e de loucura!
A fim de bem suster o enorme peso. Mistura de paixões e de martírios
O herói nem se moveu. “Agora, amigos. Patente à luz das tímidas estréias
Carregai êste monstro até a bôea. Na sombria nuez de seus horrores!
Apontai ao portão, fogo!” Os guerreiros
Que deviam seguir o Rei das Sombras XVII.
Tomaram seu caminho, e o moço chefe.
Ora fazendo-se inclinar a peça Enquanto isto passava-se no pátio, 2173
Nos ombros de Valdivia, ora elevando-a, Tendo os muros transposto o Rei das Sombras
Fêz carregá-la, examinou a mecha. Invadia o edifício onde açodado
Apontou ao portão, e resoluto O comandante ao lado de alguns homens.
Acendendo o morrão: “ E ’ tempo! disse. Bravo como um leão, se defendia.
Animo, bravo!” E a mecha incendiou-se, Debalde! A mão de Deus era visível,
Rugiu o bronze, vomitou seu raio, E o anjo tutelar dos entes livres
E levantando a fronte o homem-carrêta Batia as asas longas, inflamadas.
Sorriu-se e murmurou: “Mais outra bala. Em tórno de seus filhos prediletos.
Carregai-a de novo até a bôea!
Ah! maldito portão! portão maldito!” X V I I I .
Já entre os muros do sombrio forte
Começava o rumor da soldadesca. “México e liberdade!” os combatentes
Sons de clarins e rufos de tambores. Que lutavam no pátio repetiram
Anúncios de defesa e de combate. Sob a expansão de um júbilo indizívcl.
Segunda vez no dorso de Valdivia “México e liberdade!” das janelas
O canhão trovejou e a bala rápida Do sombrio edifício lhes responde.
Abalou o portão até seus gonzos. De seus bravos no meio, o Rei das Sombras.
O bravo levantou de novo a fronte “ México e liberdade!” e à luz de um facho
Suarenta, inflamada. “Um tiro ainda! Desenhou-se na porta do edifício

[609 ]
I.U1S NICOLAU FAGUNDES VAREUA

O vulto de Evelina. “Vencedores! O MESMO


Disse atirando às pedras da calçada
Uma sangrenta e livida cabeça, Desde a quadra a mais antiga
Eis ali meu quinhão! — O comandante!” De que rezam pergaminhos,
Atônitos bradaram contemplando Cantam a mesma cantiga
A fronte fria do inimigo chefe. Na floresta os passarinhos.

Está passada a sêde da vingança, Têm 2176 o mesmo aroma as flores,


Mas a sêde do corpo nos devora, Mesma verdura as campinas,
Às cisternas, guerreiros, às cisternas! A brisa os mesmos rumores.
Mesma leveza as neblinas.

Tem o sol as mesmas luzes,


Tem o mar as mesmas vagas,
ENÔJO
O deserto as mesmas urzes,
A mesma dureza as fragas.
Vem despontando a aurora, a noite morre.
Desperta a mata virgem seus cantores.
Medroso o vento no arraial das flores Os mesmos tolos o mundo,
Mil beijos furta e suspirando corre. A mulher o mesmo riso,
O sepulcro o mesmo fundo.
Os homens o mesmo siso.
Estende a névoa o manto e o vai percorre.
Cruzam-se as borboletas de mil côres,
E as mansas rôlas choram seus amores E neste insípido giro.
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre. Neste vôo sempre a êsmo.
Vale a pena, em seu retiro,
Cantar o poeta, mesmo?
E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minh’alma triste e sem um sonho 2174


Murmura olhando o prado, o rio, a espuma: A UM MONUMENTO
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!
Triste, negra vassalagem
Do mais baixo servilismo,
Negreja no espaço a imagem
LIRA Consagrada ao despotismo.

Quando me volves teus formosos olhos. E em tôrno dela agrupados.


Meigos, banhados de celeste encanto. Vergonha de nossa idade!
Rasgo uma fôlha da carteira, e a lápis Estão os vultos sentados
Escrevo um canto. Dos filhos da liberdade!

Quando nos lábios do rubim mais puro O povo curva-se e passa,


Mostras-me um riso sedutor, facêto. Porque não vê a ironia
Encomendo minh’alma às nove musas, Que encerra essa bronzea massa
Faço um sonêto. Indigna da luz do dia.

Quando ao passeio, no mover das roupas, Porque nunca leu a história


Deixas de leve ver teu pé divino. Das turvas eras passadas,
Sinto as artérias palpitarem túmidas. Fôlhas brilhantes de glória,
Componho um hino. Mas de sangue borrifadas.

Quando no mármor das espáduas belas 2175 Porque não conhece o drama
As negras tranças a tremer sacodes, Do mártir que ali morrera.
Ébrio de amor, sorvendo seus perfumes. Por zelar a sacra chama
Rimo dez odes. Que a liberdade acendera.

Quando à noitinha me falando a mêdo Pobre turba! Néscia e fátua


Elevas-me do céu à luz suprema. Na sua soberania.
Esqueço-me do mundo e de mim mesmo. Beija os pés à fria estátua
Gero um poema. Que há de esmagá-la algum dia!

[ 610]
CANTOS DO ÊBM O K DA CIDA DE

A PENA H oje sôbre o meu calvário.


Triste, mudo, solitário.
(F rag m en to de Um P oem a ín t im o ). Rasgo as dobras do sudário.
Mordo a cruz enfebrecido!.........
Humilhar-me ao sofrimento?
Nunca! Às rajadas do vento
Poucos instantes de vida O cedro jamais se dobra!
Me restam, oh! bem o sei! Tenho o orgulho da desgraça.
Fiquei vencido na lida, Quanto mais à dor se abraça
Seja assim, cumpra-se a lei! Mais fôrça minh’alma cobra!
Fui forte, com firmes passos
Transpus desertos espaços.
Afrontei mil temporais,
Sorri no dorso das vagas Oh! minha pena querida,
Da tormenta às surdas pragas, Não quero ensopar-te, não,
Da morte aos brados fatais! Na funda, negra ferida
Bebi de tôdas as taças, Que tenho no c o ra ç ã o !...
Provei tôdas as desgraças, Não quero, não posso! Ainda
Tôdas as dores sofri; Eu a vejo airosa e linda
Mortal, vergou-mc o martírio, Vir-se sentar junto a mim!
Nem a luz tenho de um círio. E não é mais que uma idéia!
Sinto na fronte o delírio, Fôlha de rôta epopéia!
Não passo além, durmo aqui. Fátua luz que bruxuleia 2178
Sôbre um deserto sem fim!
E não é mais que uma nota.
Triste, lânguida, remota,
Nas solidões do passado!
E no entanto que sonhos, Um monte de brancos ossos!
Que planos ledos, risonhos, Marco atirado entre os fossos
Minha mente não formou De medonho descampado!
À luz dêste céu brilhante, Oh! minha pena mimosa,
Sôbre este solo gigante Minha pena graciosa.
Que o Senhor abençoou! Companheira carinhosa
Quantas vezes reclinado. Dos festins da mocidade!
Mansamente balouçado Meu orgulho de criança!
Sôbre o regaço materno, Mais tarde loura esperança!
Não senti por minhas faces Maga estréia de bonança
Roçarem gênios falaces No meio da tempestade!
Que me apontavam mendaces Vou deixar-te! Está quebrada
Um porvir de gôzo eterno! Essa trindade adorada
Que tantos sonhos gerou!
E la partiu, nós ficamos!
Ingratos, não mais riamos.
O h! de lágrimas enchamos
Meu Deus! Porque me lanças O espaço que ela ocupou!
A mim, 2177 levita da dor,
Na terra onde derramaste
Tanta vida e tanto amor?
Porque à mágoa sem nome Mas não! Se te ordena a sina,
Que minhas fibras consome. Se o destino assim te manda,
Tanta luz antepuseste? De pé sôbre a própria ruína
E quando tudo folgava, Canta, oh! alma miseranda!
Quando tudo se alegrava, Pede ao inferno uma lira.
Porque chorar me fizeste? Tom a os guisos da loucura.
Porque me deste um destino? Dança, ri, folga e delira
Porque me deixas sem tino Mesmo sôbre a sepultura!
No meio da criação. Solta rudes harmonias.
Imagem de um mal acerbo, Brinda a morte e as agonias,
No teu poema soberbo Canta as cóleras bravias
Sangrento escuro borrão? Dos precitos eternais;
Sôbre túmulos e berços
Escreve ainda, e teus versos
Sejam banhados, imersos,
Nos prantos de Satanás!
Quantas flores hei plantado.
Quanto arbusto hei adorado,
O tempo tem derribado,
Tem o lôdo consumido!

[611]
L U ÍS N IC O LA U FA G U N D E S V A R E L A

LEVIANDADES DE CÍNTIA Entre tarjas de luto, em grandes letras, 2 1 8 O


D irão: “ Mais um talento há sucumbido
P anfílio, Anfilófio, Marculfo. Ao pêso das desditas! Mais um astro
Perdeu-se entre os negrumes da tormenta!
Noite. Um rio com uma ponte. Panfílio à margem Panfílio já não vive! J á não vive
esquerda. O terno sabiá que amenizava
Com seu canto sentido estas paragens!”
P anfílio. Talvez ao 1er a lúgubre notícia
A ingrata chore, e lá na eternidade
Círios da noite, vividas estrelas, Eu goze do prazer de ver meu nome
Apagai vossa luz! Veigas, campinas, Impresso em grossos tipos.
Onde tantos momentos palpitante
De poesia e de amor errei tecendo Anfilófio, descobrindo Panfílio.
Hinos à ingrata por quem tanto sofro. Não me engano,
Envolvei-vos num manto tenebroso!
Eu vejo alguém que fala e gesticula,
Furtai o turbilhão de vossas dríades Do outro lado do rio. Estou perdido!
De meu trágico fim à triste cena! Espreitam -m e talvez! Se porventura
E tu, 2179 cruel tirana de minh’alma. A cruel que arruinou-me, e por quem morro.
Tu que apagaste meus rosados sonhos,
Suspeitasse o projeto que acalento
Que afogaste meus planos de esperança Em silêncio há três dias! O h! mulheres!
No oceano sem fim de tua astúcia.
M ulheres!.........
Adeus! adeus! No seio destas águas
Quero ocultar meu drama de martírios, P anfílio, descobrindo Anfilófio.
Minha história de lágrimas e sombras!
Grande Deus! diviso um vulto
Aparece Anfilófio à margem direita. Sôbre a margem direita dêste rio!
Quem será? Quem será? Trem o de susto!
Anfilófio. Parece que me estuda! E ’ necessário
Meu mêdo disfarçar.
E is aqui o lugar êrmo e sinistro
Onde vou terminar minha existência. Anfilófio.
Deus me perdoe, sôbre êste vil planeta
Vale mais um defunto que um mendigo. O tal amigo
Ignoro a politica, estou pobre, Começa a incomodar-me! Eu sou valente,
H eranças não espero, acho-me velho, Mas a noite, o lugar, meu triste estado.........
E ’ preciso morrer. Examinemos
E sta líquida cama. Quando a aurora P anfílio.
Estender caprichosa os seus rabiscos
Na cúpula do céu, meu fim nefasto Ele tosse, aproxima-se da ponte,
Correrá, bem o sei, de bôca em bôca Volta, torna a tossir. Sejam os fortes,
Pela cidade tôda. “ E ra um bom homem, Falemos. — O h! vizinho do outro lado,
Os vizinhos dirão; morou dez anos O que faz o senhor aí sòzinho?
Junto de nós e nunca nos queixamos, Porque passeia, escarra e estende os braços
Nem tínhamos de quê; amava os pobres; Quando eu contemplo as águas sussurrantes
Nunca na vida alheia intrometeu-se, Dêste rio saudoso e merencório?
Nem fêz mal a seu próxim o......... somente Diga-me sem demora!
E ra amigo do vinho e das mulheres,
E voltando do jô g o às vêzes bêbado Anfilófio.
Punha tôda esta rua em movimento." Por S. Pedro!
Outros dirão: “ M atou-se? Aos sessenta anos E o senhor o que faz? Vamos, responda-me.
Um homem de juízo não se empenha Porque contempla as águas sussurrantes
Em conquistas venais. Teve sultana.
Dêste rio saudoso e merencório
Boa mesa, bom vinho e maus amigos; Quando eu passeio, escarro e estendo os braços?
Comprou sêdas, brilhantes, carros, móveis,
E cego por seu ídolo funesto P anfílio.
Fêz da burra um altar para adorá-lo.
Foi melhor que morresse; Deus o tenha.” A resposta é difícil, entretanto
Posso lhe asseverar que neste sítio
P anfílio. Tenho sérios negócios.

Negro destino! Abandonar o mundo, Anfilófio.


A esperança, o porvir, talvez a glória,
A fortuna, o prazer, na flor dos anos, A estas horas?
E buscar os desertos de além-túmulo. Neste lugar deserto? Não há dúvida, 2181
Cheio de desespêro! No entanto O homem tem os sapos por clientes.
Não posso mais v iv er!......... Pois bem, morramos! Ou é algum ladrão, mas não me assusto, ^
Amanhã os jornais desta cidade Não sou mais rico. — Pois também, amigo.
Num artigo de fundo acomodado Tenho sérios negócios.

[612]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE

Panfílio. Anfilófio.
Seja franco, Pois comigo
Somos aqui sozinhos, porventura Sucedeu o contrário. A minha deusa
Vem espreitar meus passos? Sugou-me à gorda burra o leite todo.
Deixou-me sem vintém. Dizia amar-me,
Anfilófio. E no entanto eu soube que passava.
Menos essa! Durante minha ausência, horas e horas
Eu não sou espião, nem o conheço! Entre os braços de um biltre empomadado.
F dê graças a Deus se nos separam Possessor de uma dúzia de bengalas,
As águas dêste rio, malcriado, Umas de pau com caras de cachorro
Senão lhe gravaria nas bochechas Ou patas cie peru, outras de chifre
Os princípios da sã civilidade Com cabeças de Chins, outras mais feias
E boa educação! Que o próprio frontispício do malandro
Que meus bens devorava em comandita,
P anfílio. Â sombra da velhaca! — Eia, morramos!
Quem pulará primeiro dentro d’água?
Paz, meu amigo, Sem dúvida, o senhor?
Paz; a desgraça me tornou grosseiro,
A dor me transviou! P anfílio.
Anfilófio. Oh! caro amigo,
A boa educação manda que eu ceda
A dor, entendo. E sta honra ao mais velho.
Entendo, vem aqui chorar seus males?
Eu também sofro; diga-me, precisa
De alívio e de consolo?
Anfilófio.
Nada, nada.
P anfílio. Nada de ceremónias, eu não gosto
Não; eu venho, De fôfas etiquêtas.
Eu venho aqui morrer! Não há consolo
Que abrandem minhas mágoas 1
P anfílio.
Pelos anjos!
Anfilófio. Eu cumpro o meu dever.
O que escuto?
Anfilófio.
Eu também vim aqui buscar a morte
No fundo destas águas! Deus louvado. Não, dêste modo
Morramos juntos como bons parceiros. Se gastamos o tempo a rasgar sêdas
Contentes, de mãos dadas, e fujamos E fazer cortesias um ao outro
Dêste mundo cruel como dous ébrios Nenhum se atirará. Bem, concordemos
À meia-noite de uma escura tasca. No que passo a propor: em voz bem alta
Mas conte-me primeiro seus pesares; Pronunciemos vêzes três o nome
Foram azares da fortuna? A morte De nossas infiéis, à vez terceira
De uma esposa querida? O vício? O crime? Arrojemo-nos juntos.
Erros da mocidade?
P anfílio.
Panfílio.
Seja, vamos.
Antes o fôsse!
De que me serve repetir-lhe a história
Ambos.
Das mais negras desditas que aniquilam
Cíntiaü!
O coração humano? As tristes lendas
De um amor infeliz?
Anfilófio.
Anfilófio. Por Deus, repita, sim, repita!
Bem o previa. Cíntia disse, não é?
^'Ua amante deixou-o.
P anfílio.
Panfílio. Sim, 2182 eu o disse.
Disse o senhor também!
Sim, deixou-me!
íogo. alma inspirada. Anfilófio.
Cheia de sonho e ilusões formosas.
Por um parvo, um sandeu endinheirado, Eu também disse.
Um chatim miserável, cuja bólsa E a sua namorada assim se chama?
alia mais aos olhos da traidora
Do que tôdas as odes e sonetos P anfílio.
Dos poetas da terra! Certamente.

[613]
L U ÍS N ICOLA U FA G U N D E S V A R E L A

Anfii.ófio. Marculfo.
E sua côr, sua estatura, De Cíntia eu escutei o nome,
Seu aspecto, seu ar, sua morada? Ouvi falar na rua das Estréias,
Trata-se dela, pelos santos! Calma!
P anfílio. Calma, meu coração!
Alta, morena, de aneladas tranças. Anfilófio.
Pés e mãos pequeninos, olhos negros,
Moradora na rua das Estrelas Viva em sossêgo,
Número quinze. Não amo a companhia em tais matérias.
Estou pobre, arruinado, eu o mais rico
Anfilófio. Capitalista desta terra. Agora,
Dado o caso que viva, o desespêro
É ela! É ela! Não há dúvida! Não deixará meus passos.

P anfílio. P anfílio.
Ela, quem?
Eu não posso
Anfilófio. Me olvidar da infiel! Por tòda a parte
Sinto o aroma sutil de seus cabelos,
Pois não vê? a minha amante. O hálito celeste de seus lábios,
O timbre mavioso de seus cantos!
P anfílio. Volto de novo à rua das Estréias,
Caio a seus p és.........
E ra o senhor o célebre papalvo?
E ra o senhor? Ah! deixe que me ria! Marculfo, gritando.
O h! que aventura! Vale a pena agora
V oltar de novo à vida! A h! monstros! Ah! perversos!
Eu inda vivo, esperem que lhes mostro
Anfilófio. Quanto penetra a ponta de uma faca!
J á lhe disse, Anfilófio, espavorido.
J á lhe fiz ver há pouco que não gosto
De certas brincadeiras, e mormente Fujam os, meu amigo! E ’ o marido!
Na hora de m orrer! Quem pensaria E ’ o marido que chegou, fu ja m o s !...
Que era o senhor o biltre, o peralvilho E i-lo ! Que brilho seu punhal e sp a lh a !...
Cúmplice 2183 da malvada! Eu lhe perdoo! Como é grande, meu Deus! como é terrível!
Corramos, que já sinto pelo ventre
Aparece Marculfo no fundo. O imperioso anúncio do p e rig o !...
Fica para outro dia o nosso plano!
Marculfo.
P anfílio.
Vou me arrojar às ondas dêste rio!
Quero morrer, meu plano está formado, Sim, fujamos, fujamos sem demora!
J á não há nem apêlo nem agravo!
Eu um homem de honra e probidade, (Saem correndo.)
Que há três anos padeço, trabalhando.
Longe da pátria, longe dos amigos, AUrculfo.
Acho ao voltar, depois de tantas penas, Não quero mais m orrer! Já descobri-os!
Minha mulher perdida e difamada, Hei de viver para vingar-me! Eu parto!
Meu nome escrito em vergonhosos versos Eu parto, e em breve há de saber o mundo
Nas esquinas das ruas! Se eu pudesse O que féz um marido indignado!
Dos dous marotos me vingar ao menos,
Do tal capitalista e do tal vate!
Mas os patifes hão fugido, e eu morro
Levando êste pesar na consciência! ORAÇÃO FÚNEBRE
Porém ouço falar, vejo dous vultos;
Escutemos. (R ig.-VEDA, V III, 14).
Segue o caminho antigo onde passaram
Neste ínterim Panfílio tem passado para a outra Outrora nossos pais. Vai ver os deuses
margem onde está Anfilófio. Indra, Yam a e Varuna.
P anfílio. Livre dos vícios, livre dos pecados.
Vivamos, companheiro, Sobe à eterna morada, revestido
A ingrata Cíntia, a estréia impiedosa De formas luminosas.
Da rua das Estréias, perseguida
Pelo remorso, chorará seus crimes, Volte o olhar ao sol, o sôpro aos ares,
Nos abrirá de novo os braços meigos, A palavra à amplidão, e os membros todos
E n ó s......... Às plantas se misturem.

[ 614]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Mas a essência imortal, aquece-a, oh! Âgnis, Aonde, branca Aurora?


E leva-a docemente à clara estância Filha também do Sol, a Noite escura
Onde os justos habitam, Tua estrada marcou.
Para que aí receba um novo corpo, Com as lágrimas que chora,
E banhada em teu hálito celeste A vasta senda da eternal planura
Outra vida comece........ Ao passar orvalhou.
Desce à terra materna, tão fecunda.
Tão meiga para os bons que a fronte encostam Unidas pelo berço.
Em seu úmido seio. Ambas iguais, eternas, sucessivas
Na marcha e na existência.
Ela te acolherá terna e amorosa
Como em seus braços uma mãe querida Percorreis o universo.
Acolhe o filho amado. Aurora e Noite, sempre redivivas.
Oposta na aparência.

Rósea filha do Dia,


AO DEUS CRIADOR Brilhante a nossos olhos apareces.
Cheia de glória e amor;
(R ig.-veda, V lll, 7).
E espalhas a harmonia,
O Deus da Luz apareceu, e apenas A vida, o gôzo, ao mundo que esclareces
Êle mostrou-se foi senhor do mundo, Com teu sacro esplendor.
E encheu o céu e a terra.
Glória ao Deus que há partido o ôvo de ouro! Segues a mesma senda
Que Deus receberá nosso holocausto? Das auroras passadas, e precedes
As que estão no futuro.
Dêle dimana a vida, a fôrça, o ânimo.
A lei que êle traçou todos os sêres Rasgas da Sombra a venda,
Submissos se curvam. E os negros planos previdente impedes
Glória ao Deus que há partido o ôvo de ouro! Do crime hórrido, escuro.
Que Deus receberá nosso holocausto?
Foi êle que formou estas montanhas, Há muito que passaram
E êste mar que rebrame sem descanso, Os que viram no céu luzir outrora
Os sábios o disseram. Teu fúlgido clarão.
Glória ao Deus que há partido o óvo de ouro!
Que Deus receberá nosso holocausto? Seus olhos se apagaram,
E nós por nossa vez também agora
E ’ por êle que o céu, a terra, os astros. Vemos-te n’amplidão.
Tremem de amor e tremem de desejos
Quando o sol aparece.
Glória ao Deus que há partido o ôvo de ouro!
Que Deus receberá nosso holocausto? ANCHIETA OU O
EVANGELHO NAS SELVAS 2'»"
Quando as túmidas ondas que conservam
A essência universal se revolveram,
Êle agitou-se nelas.
Glória ao Deus que há partido o ôvo de ouro! CANTO
Que Deus receberá nosso holocausto?
Que formosos são os teus pavilhões oh! Jacól
Que belas as tuas tendas oh! Israel!
Ah! proteja-nos êle, o Deus piedoso, . . . O seu Rei será rejeitado por causa de Agag, e o
O espírito das cousas invisíveis, reino lhe será tirado!
O Senhor do universo!
Eu o verei, mas não agora, eu o contemplarei mas não
Glória ao Deus que há partido o ôvo de ouro! de perto. Nascerá uma estrela de Jacó!
Que Deus receberá nosso holocausto? (Números X X IV , v. 5, 17)
2 d e D ez e m b r o d e 1871.
I
Arvore negra, 2185 pérfida, execranda!
HINO À AURORA Árvore infausta, 2186 cujos lisos pomos
Loirejando no fundo aveludado
(RlO.-VF.DA, 1, 8).
De macia espessura, seduziram
Ela mostrou-se enfim! A nobre essência dos primeiros sêres!
Ela mostrou-se enfim, a mais formosa, Cuja sombra sinistra e deletéria
A mais bela das luzes! Cobriu de luto e dor o leito ameno
Dos mais castos amôres do Universo!
Por êsse azul cetim Cuja seiva compõe-se das mais fortes
Laminhando tão linda e tão garbosa. Peçonhas 2187 conhecidas! Cujos galhos
Aonde nos conduzes? Representam os símbolos tremendos

[ 61 5 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Dos mais cruéis e lugubres suplícios O leito do infeliz, que mão traidora
Que hão inventado as tiranias tô d as!........... Feriu em noite escura, e o êrmo sítio
Arvore negra, pérfida, execranda. Onde caiu exausto o viageiro;
Arvore abrigo do maldito gênio! Que da rósea criança o berço guardas,
Não! Não és tu que vejo nos meus sonhos, E o seio da donzela, — e a régia fronte;
Abrindo os vastos, protetores ramos. O catre do operário; e a dura 2204 enxêrga
P or essas regiões azuis, 2188 serenas, 2189 Do mísero c a t iv o !.... Oh Cruz superna!
Onde o nome de Deus fulgura escrito Permite que o mais rude entre os cantores,
Em rutilantes, 2190 assombrosas letras! O mais rasteiro ser que te há beijado
Não és tu, não és tu em cujas frondes Dobre o joelho junto de teu soco,
Brincam os querubins de plumas de oiro, E travando de mísero instrumento
Ora ledos descendo, ora subindo. Celebre a vinda suspirada, e os atos
Tais como vira cm sonho milagroso Grandiosos, sublimes, — e os milagres, 2205
O neto de Abraão adormecido As egrégias doutrinas, — os martírios
Sôbre uma dura pedra no deserto! Atrozes, 2206 inauditos, e a sagrada
Não és tu que nos tempos de desgraça. Ressurreição de Jesus Cristo, o Filho
De cruas provações, 2191 os povos buscam Do Onipotente Deus! E contemplando
Qual asilo de paz e de ju s tiç a !......... O longo espaço que separa o berço
Árvore da ciência e do infortúnio. Humilde de Belém 2207 cio escuro cimo
Tu não nos dás os frutos da Esperança, Do pavoroso Gólgota, 2208 relate
E nem da F é o bálsamo suave, As maravilhas que aprendeu 2209 criança
P'- nem o puro mel da Caridade! Dos santos lábios de ministro santo,
Junto de ti a morte ergueu seu trono. Nas amplas solidões do Novo Mundo!
Em teus galhos fatais, em teus raminhos Que volva aos belos tempos que passaram,
Não geme a rôla, — o colibri não brinca, E desvende o painel das matas virgens,
Não poisa a abelha, o rouxinol não canta, E mostre as multidões das grandes praças
Nem adejam travêssas borboletas! O ajuntamento de selvagens tribos
Do Maná do Evangelho sequiosas.
Amam-te, apenas, lutuosos mochos.
Em frente da cabana hospitaleira
Larvas imundas, sanguinários corvos:
De sábio missionário, em idas eras,
Visco de maldição transpiras tôda!
Quando o colosso — América — 2 2 1 0 sorria
Não! não entoarei meus pobres hinos
A 2192 sombra tua que Satã protegei [2194 Apertando feliz nos meigos braços
A imagem de Jesus, — o Mestre, 2 2 1 1 e a Bíblia.
Nunca! N unca!........... Mas ai! como 2193 propícia.
Rodeada de glórias e esplendores, 2195
Estende no infinito os almos braços, 2196 I I I
Oh Arvore do Bem e da Verdade!
E tu, 2 2 1 2 mimosa flor dos santuários!
Oh Árvore da Vida e do Futuro!
Celeste Musa! Sócia imaculada
Como ao redor de ti revivem belos
Dos profetas hebreus! Vem, corre asinha!
Os justos que passaram, — as risonhas Rasga o pesado véu que a luz empírea
Chusmas de loiros anjos, e as falanges Furta a meus olhos ávidos de glória!
De claríssimas virgens que a inocência Liberta meu espírito medroso
De grinaldas cingiu, imarcescíveis! Das cadeias do tempo e da matéria.
Quantos gratos idílios, quantas odes. Leva meu gênio a lé m .. . . além da te r r a .. . .
Repassadas de amor e de ternura. Além das nuvens e dos sóis a r d e n te s ....
Quanta excelsa harmonia, não repete [2198 Além, a l é m .... onde o pensar apenas
Tudo o que existe, 2197 oh Cruz três vêzes Santa, Pode chegar, com milagroso auxílio!
À 2199 sombra de teu vulto abençoado! O h! de Milton e Dante augustas sombras!
Gênio de K é m p is !... Governai meu estro!
II
IV
Auri-flama divina! Insígnia eterna 1
Tu que espancando as sombras da mentira Sôbre os verdes oiteiros, sôbre os campos
Ao grande imperador mostraste outrora Meridionais das regiões brasílias, 2213
Do verdadeiro Deus o Santuário; A noite estende vagarosa e muda
Tu que do luso Chefe às hostes bravas O brando véu de estréias salpicado.
Apontaste a vitória contra os servos Bela como a princesa do Levante
Dos moiriscos heptarcas, e formosa Quando ao cair do dia ergue-se fresca
Nos céus ocidentais, entre as estréias, 2200 Das marmóreas banheiras de seus paços,
Brilhaste aos olhos do argonauta ilustre E pára em meio dos degraus lustrosos.
Mostrando a terra que tomou teu nome; Sacudindo da fronte peregrina
Tu que proteges 2 2 0 1 na soidão dos mares 2202 Um chuveiro de líquidos brilhantes
A triste nau batida pelos ventos Sôbre os finos tapêtes que a circundam;
E dos átrios de pobres presbitérios, Assim das alvas névoas do horizonte
Dos campanários de pomposos templos. Vem assomando a lua; e triste e bela
Consolas o cansado peregrino, 2203 Nas portas do Oriente equilibrada.
Quando os montes da pátria avista ao longe; Derrama sôbre as úmidas campinas
Tu que nos descampados santificas A feiticeira luz. Nas lisas pedras

[6 1 6 ]
CANTOS DO ÊRMO K DA CIDADli

Onde murmura trêmula e sentida Onde as brisas do estio ávidas libam


A fonte do Sertão, brinca e suspira Suavíssimos bálsamos; na frente
Alinhando os cabelos perfumados Cercada de jasmins e maravilhas,
A tímida Mãe-d’Âgua, seminua, Mimos das mariposas forasteiras.
A náiada das terras de Colombo. Qual um padrão da pátria em terra estranha,
Dormem na selva as aves descuidosas Ela ainda! Ela sempre! Sempre bela!
Do dia de amanhã, que a Providência A Cruz da Redenção protege os ermos!
Por elas velará, lentas volteiam
As aragens do estio sôbre os valos IX
Da próspera e feliz Piratininga.
Detêm-se os caminheiros e respiram,
V Sôbre a relva descansam as mulheres,
E as crianças alegres se espreguiçam.
Onde vão êsses livres caminheiros, Está finda a romagem: 2 2 19 um velho chefe 2220
Adustos filhos dos sertões? Que buscam. De voz autorizada e grave porte.
Por estas horas, tantos e tão fortes, Chama os da sua idade e se dirigem
Deixando as tabas, as aldeias mudas, Para o modesto e venerando asilo.
E as cabanas desertas? Que desejam? Batem, pronunciando o santo nome, 2 2 2 1
Novo céu? Outro clima? Ares mais puros? O nome augusto de Jesus, e logo
Campos mais férteis? Mais alegres p ra d o s ? .... Abre-se a estreita porta, e como outrora,
Não. A terra querida em que repoisam Nos belos tempos em que a fé suprema
Os restos de seus pais é vasta e rica! Prodígios operava, aos olhos ávidos
Nela nasceram, vivem, se conservam, Dos filhos das florestas, aparece
E nela hão de dormir o último sono. Formoso santuário, iluminado
O que procuram pois que assim caminham? De brancos círios da mais fina cêra
Que pensamento os guia? Porventura Que as abelhas silvestres produziram.
Dirigem-se às cabanas inimigas. Adornado de flores delicadas
Sequiosos de sangue, dominados E alfaias preciosas, nunca vistas
Pelo sombrio gênio da vingança? Das tribos do deserto. O grato fumo
Meditam planos de combate? Levam De odorosas resinas sobe em rolos
A desordem, a ruína, o horror, a morte Dos braseiros de argila, e pouco e pouco
Aos calados abrigos onde o povo 2234 Cerca o sagrado altar, onde poisada
Dorme, de seus trabalhos esquecido. O imagem do Senhor lívida e magra.
Entregue aos sonhos de um melhor destino? Coberta de feridas rubro-ardentes, 2 22 2
Pende de negra cruz. — Louvado seja
VI O Redentor do mundo! — exclamam todos.
Homens, mulheres, velhos e crianças, 2223
Oh não! a rude maça, — 2215 o arco infenso, Unindo as grossas mãos, baixando as frontes.
O grosseiro carcás prenhe de setas, — Louvado seja o Redentor do mundo!
Não lhes pendem dos ombros; em seus peitos Por tôdas as nações, povos e séculos — 2224
Não cai feio colar de humanos dentes, Responde então, 2225 no limiar da porta
Nem talismãs de estólido prestígio, Súbito aparecendo, o nobre vulto
Mas o divino emblema do Calvário, De austero missionário, moço e belo.
A Cruz da Redenção, a imagem santa, Mais triste como a estátua macilenta
Meu Deus, do lenho em que expirou teu Filho, De um mártir doutras eras, esquecida
Dando aos homens em troca do martírio Em vasta catedral da meia idade.
A liberdade, a salvação e a glória.

V II
Alma inspirada de Anchieta ilustre!
Caminha, ao lado do marido, a esposa, Espírito do apóstolo das selvas!
A esposa, que a palavra do Evangelho 2216 Sábio e cantor, luzeiro do futuro!
Tirou da condição cruel de escrava; Tu que nas solidões do Novo Mundo
Ampara o moço forte o velho enfêrmo; Sôbre as alvas areias borrifadas
Marcha silenciosa a criancinha Das escumas do mar, traçaste os versos
Seguindo de seus pais os lentos passos. Do — Poema da Virgem — e ensinaste
Aos povos do deserto a lei sublime
VIII Que ao Reino do Senhor conduz os sêres;
Ensina à 2226 rninha musa timorata
À 2217 esquerda margem de profundo rio. A linguagem celeste que falavas!
Em sítio ameno e plácido, coberto Dá-lhe a doce expressão, a graça infinda,
De transparente areia, matizado A fôrça, a eloqüência e a verdade
De formosas ilhotas de verdura. Dessas singelas narrações que à noite
Entre acácias virentes, moles palmas. Fazias nos oiteiros, nas florestas.
Alveja solitária e pobre ermida. Às multidões que ouvindo-te choravam
Silvestres flores, dos portais aos lados. E pediam as águas do Batismo!
Úmidas de sereno, abrem medrosas E tu, 2227 oh desditoso, exímio bardo, 2228
A 2218 luz da lua as cândidas corolas. Cujo leito final buscam debalde

[6 1 7 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S

As abelhas das verdes espessuras 2229 Irm ãos dos anjos, como os anjos puro.
Para seu mel depor, como as do Himeto, 2230 Jovem , feliz, imortalmente belo,
Do divino Platão sôbre o moimento, O Rei da Criação, — o espôso de Eva,
E cada novo estio o mar procuram, A glória, a vida, a luz da etérea côrte.
E zumbem sôbre as águas mugidoras Contra as ordens de Deus, voltou-se ingrato.
Que furtaram teu corpo ao pátrio solo! Rendeu preito a Satã! — Tudo perdeu-se!
Grande Gonçalves Dias! desses páramos Os Anjos, seus iguais, horrorizados
Onde viver sonhava e vive agora Apartaram-se dêle; o Paraíso
T u ’alma gloriosa, envia, oh Mestre, Tornou-se mudo e se cobriu de sombras:
Envia-me o segrêdo da harmonia Apagaram-se os astros: convulsiva
Que levaste c o n tig o !... Assim apenas A natureza estremeceu nas ânsias
Meu santo empenho vencerei contente. De doloroso p arto !......... A fria morte
Apareceu na face do U niverso!.........
X I Lavrando a justa e rígida sentença
O Juiz sossegou: o Pai clemente
Reina fundo silencio. Passo e passo Sentiu, porém, a queda de seus filhos,
O homem do Evangelho se encaminha E prometeu-lhes libertar um dia
Para o meio das gentes reunidas; Das cadeias da morte e do pecado.
Qual o astro que as veigas ilumina
E faz abrir a flor, — saltar o inseto. X IV
Romper-se a bela e nítida crisálida,
Cantar o passarinho, e a leve corça 2231 Punidos os revéis, seus descendentes
Pular pelas campinas orvalhadas. Pelo mundo espalharam-se assombrando
Assim rebenta a vida e o movimento As eras e as idades com seus crimes!
À medida que o M estre se aproxima. LTma lágrima, então, não de tristeza,
Sôbre grande fogueira a chama brilha. Mas de indignação, brilhou nas nuvens.
Robustas mãos arrastam duros cepos; Cresceu, cresceu, ganhou o firmamento.
Outras mais frágeis pelo chão estendem Caiu com surdo estrondo sôbre a terra.
Lisas, moles esteiras, ramas frescas; Juntou-se ao mar, vingou os descampados.
Ajoelham por fim, — e o missionário Selvas cobriu, avassalou montanhas,
Para a imagem de Cristo se voltando Tudo, tudo arrasara, se entre os homens 2234
Repete as santas orações da noite. Üm homem justo não vivesse! O Eterno,
Da noite as orações já terminadas, Inda uma vez, mostrou-se compassivo.
As gentes abençoa, e então começa Preservando Noé e mais seus filhos.
Da Redenção a H istória sacrossanta, Passada a horrenda convulsão das águas.
Que a musa do poeta ornou de flores.
Pelas imensas regiões, que ainda
Tristes flores sem viço e sem perfume. Exalavam os úmidos vapores,
Do sol brilhante aos protetores raios,
X I I
Se espalharam de n o v o .... — Mas, desgraça!
O h! não! Não morrereis, 2232 meus pobres cantos! Os filhos de Noé continuaram
Não passarás nas trevas, deslembrada. O que os filhos de Adão haviam feito!
Musa Cristã, que peregrina fôste E seu curso fatal seguia o tempo
Pedir a inspiração ao frio solo Volvendo ao nada séculos e séculos,
Do sombrio Jardim das Oliveiras! E nem santos avisos, nem promessas.
E do suor de sangue te molhaste! Milagres de clemência, atros castigos.
Que subiste contrita, de joelhos. Pragas medonhas, servidões cruentas,
Beijando as pedras, inundando a terra E horrores sôbre horrores, atalharam
De lágrimas de amor e de piedade, A progressão de abomináveis crimes!
A terrível montanha do Calvário!
Que entre os negrumes de sinistra noite, XV
Rôtas as vestes, os cabelos negros
Soltos aos frios ventos do infinito. J á tremenda sentença, e a derradeira,
Junto às 2233 santas mulheres pranteaste Ia lavrar o Eterno. Sôbre o globo, 22o5
Sôbre a lousa do Deus supliciado! Em vez da imensa lágrima d’outrora.
Que o viste erguer-se vencedor da morte,
Buscar o mundo, consolar os tristes. Imenso olhar f i t o u ! .... Raio seria
Prom eter-lhes voltar no fim das eras, Que a terra fulminara, si, poisando.
E remontar aos céus em nuvens d’oiro! Depois de atravessar os mundos todos,
Hão de te honrar os homens e as idades. Dos continentes na mais pobre nesga,
Senão por ti, por Êsse, cujo Nome Não caísse bondoso e compassivo
Santifica teus cantos maviosos! No casto seio de formosa Virgem !
Passarás ao porvir, oh! Casta Musa! Olhar onipotente! Olhar bendito!
Manancial de luz vivida e pura!
XIII Raio da Salvação, não da vingança!
Feitura do Senhor, senhor dos seres Tu levaste a verdade, o Verbo Santo,
Que os vergéis sempre verdes habitavam A invisível essência do increado.
Da região da paz e das delícias: Às entranhas puríssimas da Espôsa!

[6 1 8 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

X VI A espada flamejante, 2243 que guardava


Era ao sol pôsto, no modesto asilo, Do Paraíso a porta, cairía
Prostrada, humilde, o pensamento entregue Das mãos de austero Arcanjo, fulminando
Ao Deus de seus maiores, meditava A fronte mãe de um pensamento impuro!
A mais pura, a mais bela entre as mulheres, Neta de um rei, — mulher de um jornaleiro.
Mas estremece de repente e cora. Pobre, singela, humilde, mas senhora
Ergue os formosos olhos, radiantes De tóda a humanidade: desprezada
De inefáveis delícias, e sorprêsa Dos escravos dos Césares nefandos,
Vê um Anjo do Céu, todo esplendores, 2236 Mas forte, gloriosa, triunfante
De pé a poucos passos; — enleada Ao lado de seu Filho e de quem sofre:
Cruza os braços, suspira, a fronte abaixa; Eis a Mulher que soergueu os homens
O etéreo mensageiro 2237 se aproxima Do mundo abismo onde os lançara o êrro!
E fala dêste modo: — Ave! Maria! Eis a predestinada a quem o Eterno
Virgem cheia de graça, é Deus contigo. Enviara seu lúcido Ministro
Bendita és tu, entre as mulheres tôdas. A„nunciando a encarnação 2244 cio Verbo.
Bendito o fruto de teu santo ventre.
E como a Virgem 2238 pávida o mirasse. XVIII
Continuou assim: — Sôbre teu seio Província escrava do Romano Império
Há descido do Altíssimo a virtude. Era a judéia então, a pobre pátria
Terás um filho poderoso e forte Da formosa Maria; outrora forte, 2245
E que — Filho de Deus, 2239 será chamado. Afamado, opulento e grande reino.
— Eis a serva de Deus, — faça-se nela Berço de heróis, de iluminados sábios.
Sua santa vontade — diz a Virgem. De inspirados profetas, e ora triste, 2246
E o celeste enviado abrindo as asas Miserável quinhão de servos torpes
Volta, entre nuvens de brilhantes cores, 22<)0 De mais torpes senhores. Entretanto, 2247
À sidérea mansão. — Salvo era o mundo: Dos estandartes das nações, seus chefes
Tinha-se feito a luz que alumiava As tendas dos soldados fabricaram;
A matéria fecunda, ia fazer-se Seus reis ergueram majestosos templos
A viva luz que alumiar devera Onde as riquezas tôdas do Oriente
As almas imortais em seu caminho, Brilhavam misturadas; seus cantores
la chegar ao mundo o Prometido, Não tiveram iguais, nem nesses tempos,
Aquele que esperava que viesse, Nem hoje ainda, 2248 que saltério hebraico
Que trouxesse um consolo aos que chorassem, Jaz desmontado à sombra funerária
Que desse ao pobre um lar, ao triste um gôzo. Das brenhas de Sião. — Ai, 2249 nessa idade
Ao romeiro um bordão, ao nauta um leme. Todos os povos e nações do mundo
Ao cego a luz, ao moribundo a vida. Tinham os olhos fitos sôbre a terra
Aos povos a verdade! E ra já tempo. Onde corre o Jordão e rumorejam
Os altos cedros do soberbo L íb an o !...
XVII Alguma coisa de sinistro e grande
Da clara estirpe de Davi o grande, Agitava-se então naquelas plagas!
A glória de Israel, o Rei-profeta,
O Ungido do Senhor, o jleró i, o Sábio, X IX
0 mais nobre cantor que há visto o mundo, Por decreto fatal da Onipotência
Era a Eleita de Deus, dos Céus Princesa,
O sólio de Davi desfez-se em cinzas;
Dos homens esperança, — era Maria A hera fria, a vil parietária
Filha de Ana e de Joaquim, espôsa
Estenderam-se então nos velhos muros,
Do operário José. A nódoa infausta
Onde o veludo e a sêda recamados
Do vício original 2241 não maculava
De oiro e pedrarias encantavam
A esplêndida candura de seu rosto.
Os olhos do estrangeiro! As vastas praças
Norma sublime, divinal modélo
'Pornaram-se ervaçais, e as belas fontes
Da perfeição dos anjos. A inocência,
Onde ao sol pósto a filha do operário
A bondade infinita, radiavam Ia o cântaro encher, onde os mancebos
Iguais a duas fúlgidas estréias.
As noivas escolliiam, correm turvas
Em seu laurel de excelsa virgindade. Em turvo leito de sombrio lôdo!
Seus gestos graciosos, os seus passos Assim estava escrito! — Roma! Roma!
Mais leves e sutis, eram medidos Fôste fiel verdugo! Executaste
Por suave harmonia. Um — quê — de etéreo, 2242
Horrivelmente bem o mando eterno!
De indefinido e vago derramavam
Só tu, 2250 pátria cruel das Messalinas,
tóda parte seus olhares. Almas Dos Neros e Tibérios, tu somente
1 inham as rosas dos sarçais selvagens Tão nefário papel representaras!
Se as tocavam seus dedos: as palavras
Tu corrompida até vender teus filhos!
Que murmuravam seus divinos lábios
Eram guardadas pelos anjos, — nunca X X
Tão grata havia sido a voz humana!
1 anta consolação jamais vertera! Já de guerras inúteis enojado.
Jamais tantas promessas traduzira! Soberano do mundo, o grande império,
Bela e terrível! Ao mírar-lhe o rosto, N^ão no seio da paz, senão do gózo.

[6 1 9 ]
L U ÍS NIOOLAU FAGUNDES VARELA

Buscava repousar. Desde as planícies Outros graves, 2254 sisudos, 2255 cavalgando
Onde desliza o Eufrates venerando Tardos jumentos; prazenteiros outros
Até da Lusitânia os verdes campos; Sôbre pesados carros atulhados
Desde as ilhas remotas do Levante De negras arcas, de grosseiros sacos;
Até da Mauritânia 2251 às rudes serras, Êstes rindo e cantando os doces cantos
Tudo às 2252 águias romanas se curvara. De seu país natal, narrando aqueles
Era Senhor então César Augusto, Lendas singelas, inocentes casos
Volvendo um dia os olhos sobre o mapa As 2256 lindas companheiras de jornada.
Das nações que vencera e dominava Os anciãos silentes, as crianças
Quis conhecer o número das gentes Pulando alegres sem sentir ao menos
Que pagavam tributo à sua espada. Os rigores do inverno, caminhavam
Determinou então que o povo todo. Ao longo do deserto. Atrás, bem longe
Cada qual procurando a pátria terra, Da multidão ruidosa, lentamente
Se apresentasse logo ao magistrado Do bem marido aos ombros arrimada
Cujo dever e ofício era notar-lhes Maria viajava. Melindroso
As moradas, os nomes e a família. Era então seu estado, já na quadra
Governava os Judeus Cirino: logo Em que o tempo decreta a angustiosa
Fêz publicar o insólito mandado Dor da maternidade; mas seu rosto
Que recebera de seu amo Augusto. Pálido como a nívea magnólia
Que desabrocha ao luar; os lábios meigos,
X X I Onde um riso mais doce do que a aurora
Da sazão estival constante estava;
Pálido, em pleno inverno, raras vêzes E os olhos mais formosos que as estrelas
Rasgando os mantos de alvacentas névoas, Do céu meridional, reproduzidas
Deixava o sol cair furtivo raio Na face das lagoas do deserto;
Sôbre os cimos do Hcrmon, ou sôbre os lagos A cabeça mais linda e graciosa
-Azuis da Galiléia; frios ventos Que a da virgem primeira que da terra
Sopravam dos desertos, sacudindo Subiu aos pés de Deus, ganhando a palma
Os retorcidos galhos da videira Da bem-aventurança, — ao pensamento
E lançando por terras as folhas murchas -Acordavam idéias de outra vida.
Dos densos olivedos; as campinas Delícias 2257 de uma pátria que perdemos.
Onde sôbre macia e verde relva, 2253 Vagas saudades do infinito, e ainda........
No doce estio, os cordeirinhos brancos Oh! não posso explicar, mas creio e sinto:
Saltitavam contentes, se cobriam — A presença de um Deus clemente e justo! —
De camadas de neve; os passarinhos
Tinham buscado novo céu, as árvores XXIII
Nem gratos frutos, nem cheirosas flores
Ostentavam à vista tediosa Segundo a era nova que seguimos.
Dos viandantes trêmulos; apenas Onze meses e dias vinte e quatro
O grasnar dos abutres esfaimados, Tinha marcado no quadrante imenso
O ruído das lívidas queixadas O flamejante sol, desde o momento
Do chacal temeroso remoendo Em que o Santo enviado anunciara
De mortos animais os ossos frescos, A glória de Maria; seis jornadas, 2258
A luz medonha dos fuzis do inverno Seis jornadas apenas esperava
Correndo sôbre o gêlo, o silvo agudo A mão cruel e rábida do tempo
Das serpentes vorazes se agitando Para a lousa abaixar do ano extinto.
Danadas sôbre o chão, interrompiam Plantar um novo m a rco !... — Ingente marco!
A triste cena do infecundo quadro! Padrão sagrado! Hão de passar os séculos.
Hão de perder-se as gerações futuras
Do 2259 esquecimento nos profundos mares;
X X II
Há de abalar-se o globo nos seus eixos.
Nem uma voz humana pelo espaço! Sacudindo os colossos de granito,
De angústia ao menos ! . . . . Porém não, aos poucos E os mausoléus das dinastias tôdas,
Tropel confuso fêz-se ouvir nos ermos, E os povos e as nações! Um outro mundo
Gritos, clamores, tresloucados cantos. O Senhor c ria rá !... Mas, sobranceiro
Imprecações tremendas acordaram -Ao tempo, ao mundo, e aos povos, — os felizes
Û S ecos dissonantes; surdo estrondo
Dêsse mundo melhor hão de saudar-te, 2260
De duras patas, de pesadas rodas Padrão da eternidade! E penetrados
Abalaram o solo: dir-se-ia De respeito e de amor, dirão piedosos:
Que um poderoso exército voltava — Até ali a sombra, a barbaria,
De prolongadas, férvidas pelejas E. dali até nós a luz, — a glória!
Vencedor, mas cansado. Em pouco tempo
Grandes estradas, tortuosas sendas. XXIV
Atalhos desiguais eram cobertos
De buliçosas, palradoras turbas; As multidões hebréias caminhavam,
Velhos, mancebos, grandes e pequenos O triste véu da noite inda mais tristes
d'rajando vestes das mais vivas côres, Tornava as soledades; pavorosa
Uns a pé carregando ao ombro os filhos. A viagem seria, se a esperança

[ 020 ]
ANCHIETA OU O EA’ ANGELHO NAS SELVAS

De próximo descanso e abrigo próximo Entre grosseiras pedras, clareavam


Não alentasse os ânimos e as forças. O miserável, 2269 negro pardieiro!
Alguns passos ainda, e além dos campos Em breve o sono amigos as gratas asas
Frios, desabrigados, a cidade Estendeu sôbre os pobres viandantes.
Querida de Davi, a hospitaleira
F. singela Belém, por entre as sombras, XXVI
la mostrar-se com seus gratos fogos,
Consoladora como um pôrto amigo Calou-se o narrador, ergueu os olhos
Que do meio do pérfido oceano Para a celeste abóbada crivada
Lobriga esmorecido 2261 pobre nauta. De estréias rutilantes, depois triste
Tinham 2262 cessado a vozeria e os cantos! Abaixou a cabeça suspirando.
De quando em quando, apenas, um suspiro, Todo o auditório contemplava mudo
Um grito de mulher ou de criança, Aquela bela imagem do profeta;
Cujos mofinos pés, intumescidos Todo o auditório respirava a 2270 mêdo
Do muito caminhar, ou lacerados Temendo interromper-lhe os pensamentos. 2271
Dos espinhos e pedras do deserto, Por fim continuou: — Nas vastas terras
A neve entorpecia, ou brado forte Que no centro da Ásia se dilatam.
De impaciente, 2263 ríspido carreiro Tendo ao Setentrião tribos ferozes.
Os vagarosos brutos incitando. Povos sem lei, sem crenças, sem govêrno,
Erguiam-se dos ranchos abatidos E ao Meio-dia a Pérsia, a índia adusta;
Daquele povo ilustre e desgraçado. Ao Oriente a China impenetrável,
D epois... fundo silêncio. — Oh! quantas vezes, 2264 .Ao ocidente a áspera Tartária,
Nesse jornadear penoso e duro, Um poderoso império florescia;
Se lembrariam de Israel os filhos Grande no meio de inimigas hordas.
Da longa escravidão de seus maiores? Opulento entre reinos lacerados
Das estradas do Egito e Babilônia? Por discórdias e guerras, deslumbrava
E das promessas de seu D eu s?.. Quem sabe? Com seu fulgor os povos do Levante.
Nunca, segundo a tradição nos conta,
XXV Mais altos torreões, mais ricos templos.
Mais vistosos eirados, levantaram
Já de Belém as luzes bruxuleiam 2265 Braços humanos. Seus reais senhores
Pálidas através dos nevoeiros. Tinham acumulado nas cidades
Qual turbilhão de tênues vagalumes Esplêndidas, soberbas, os prodígios
Sôbre as sarças escuras lampejando. Das artes, das ciências, dos trabalhos
Um grito apenas expansivo e forte Em que mil gerações se afadigaram.
Pelos ares ressoa, — o passo dobram; Mas desgraça! loucura! os habitantes
Superam a fadiga. Estavam findas De tão brilhante e opulento império
As penas dêsse dia trabalhoso. Não guardavam de Deus e da verdade
Chegam por fim. Das estalagens vastas A mínima noção! — Monstros horrendos.
Os grosseiros portões rangem nos gonzos. Áureas, mas broncas, colossais estátuas,
Gritam os amos; os serventes correm A lua, — o sol, — as abusões falazes
De um lado e de outro; os viageiros entram Da louca fantasia, eram seus deuses!
Nos largos pátios, insistentes êstes Uma classe, contudo, ilustre classe.
Pedindo de comer, — fracos aquêles Classe temida, professava, 2272 é certo.
Suplicando um abrigo, — um leito ao menos; De vedada ciência os exercícios;
Chora a criança; o ancião tolhido Ela escrevia a lei, — ela dispunha
Implora brando lume a que se aqueça; Dos homens e das coisas, — dominava
Acalentam as mães os filhos; bradam O rei e o povo, o exército e o comércio:
Os condutores alijando os carros; Era a classe dos Magos. O seu livro
Pessoam na calçada as duras patas Tinha por fôlhas os azuis espaços.
Das mulas pacientes: — a desordem As estréias por letras. Longas noites.
Reina e a confusão por tôda parte. De enormes torreões 2273 sôbre os eirados,
Para tão grande número são poucas 2266 Olhos fitos no céu, acompanhavam
As pousadas, e poucos os alvergues; Dos claros astros os extensos giros.
O que chegou primeiro, o mais experto. Liam da natureza as maravilhas.
Ou traz mais cheio o cinto, ou prenhe a bôlsa, Os flagelos do tempo, — a sina, — o fado
Tem o lugar melhor; ficam os outros Do mais rasteiro ser que a terra habita,
Na cozinha ou no alpendre; outros apenas Na poeira de mundos cintilantes
'Aiesquinha enxêrga em que dormirem Que à noite argenta o firmamento escuro.
No frio pátio ao lume das fogueiras. A pedido do rei, que feias lutas.
Porém José o pobre carpinteiro. Iminentes perigos assombravam, 2274
Porém Maria a Santa, a imaculada, Reuniram-se os Magos: rubros fogos
So encontraram por abrigo o teto Brilharam logo nos terrados todos
De escura estrebaria, 2267 ou vil presepe! Dessas erguidas fábricas de pedra.
Por leito feixes de cevada 2268 e feno! Glória dos grandes e terror do vulgo;
lo r companheiros de hospedage os brutos! Rolos de espêsso, 2275 Je odoroso fumo
Nem uni velho candil de frouxo lume, Por um momento espalham-se nos ares;
■Nem ligeiros gravetos acendidos Estranhos cantos, — harmonias vagas.

[6 2 1 ]
L U ÍS NICOLAü FAGUNDKS VARELA

Como as de um sonho de alma enamorada Mais alvas, mais brilhantes do que a neve
Passam nas asas dos noturnos ventos. Incólume dos Andes refletindo
Amedrontado o povo, em vozes baixas A luz do sol nascente, eram as vestes
Repete então maravilhosos contos, Que as formas lhe envolviam; mais festivas
Fala de aparições de etereos gênios Do que as faixas do íris, 2 2 8 1 quando abraça
Habitantes dos astros, — de colóquios Depois da tempestade o céu e a terra.
Com as sombras errantes que das nuvens Eram as longas asas. Da cabeça,
Sentadas descem sôbre carros de oiro; Prodígio de beleza, uma torrente
De espantosas visões, negros sigilos. De fúlgidas madeixas desprendia-se.
Revelações de pavorosos sêres: Vinha tocar-lhe os pés; a eternidade
O segredo, porém, dessas alturas. Terrível, mas sublime; a glória excelsa,
Os arcanos profundos que decifram .Mas assombrosa, das celestes cortes.
Os Magos retinidos, ninguém sabe. Dominavam-lhe os gestos e a postura.
Ninguém tenta saber! Desventurado — Não tenhais medo, murmurou, erguei-vos,
Aquele que, de longe, procurasse Ajuntai as mais grátulas ofertas
Prcscrutar 2276 os mistérios dessas horas! E parti, caminhai: a mão do Eterno
À meia-noite, o tempo do preceito, Vai desvendar-vos os terrestres olhos.
Eram findos os mágicos trabalhos, Ide a Belém, o .Salvador do mundo
Eram sabidos os futuros casos; Entre os homens está. — Disse, e agitando
Guardam-se os tenebrosos instrumentos. .ós asas vigorosas, afastou-se
As lâmpadas apagam-se, os braseiros Deixando os Magos trêmulos, 2282 atônitos.
Onde a mirra e o incenso há pouco ardiam
Deixam de fumegar; — os Magos descem, XXVIII
Mudos, severos, arrastando os mantos Belém ........ Onde Belém? Quais os caminhos?
Pelas escadarias de granito. Quais os guias seguros? Quem pudera
Não SC fecha contudo a grande porta, Nessas horas caladas ensinar-lhes
Ficam alguns serventes, que três sábios. Da romaria o norte? Quantos povos
Doutos conhecedores das estrelas, 2277 Bárbaros de permeio, ou quanto tempo
Aguardam a manhã: o mais provecto De penosas jornadas e labores?
Chama-se Baltazar, nobre, opulento, 2278 Depois, quais os sinais? Quais os indícios,
Governa a terra onde abundantes brilham E o nome do que buscam? Como achá-lo?
.A.S auríferas minas: o segundo Em vão tentavam, ponderando o caso,
Domina a região das tamareiras Resolver estas dúvidas tremendas.
E das árvores altas que distilam Nada explicara o mensageiro augusto,
A cânfora saudável, o seu rosto Nenhum rumo apontara, — de que modo
Tem do ébano a côr lustrosa c negra, 2279 Obedecer às 2283 ordens soberanas?
E ’ Mclchior o seu nome, — o derradeiro, Porém, 2284 m ilag re!... nos sidéreos climas
Gaspar, vive entre as tribos do deserto Uma formosa estréia, 228S nunca vista
Donde a suave mirra, o brando incenso, 2280 Nas eras que passaram, fulgurante
O grato benjoim, descem, se espalliam Apareceu de súbito, inundando
Pelos grandes mercados do Oriente. O rio, os campos, os vergéis frondosos.
Os extensos jardins, e os elevados
XXVII Coruchéus dos palácios, da mais pura, 2286
Da mais serena luz que haja caído
Retirados os mais, os três sentados Das empíreas alturas! Tristes, pálidas, 2287
No derradeiro andar da imensa tôrre. As mil constelações se tresmalharam
Despertos, porém mudos, e absortos, Quais errantes lucíolas: a láctea
Buscam as horas iludir da noite. Banda, 2288 que o firmamento em dois divide,
Cada qual se entregando aos pensamentos Como um cinto de frágeis filigranas
Ledos ou tristes, graves ou ligeiros, Na vastidão perdeu-se! — Os grandes lagos.
Que o silêncio, o lugar, o acaso, o tempo Os tanques primorosos, as colinas
Soem chamar à inteligência humana. Coroadas de vinhas e oliveiras.
Êste, talvez, recorda-se da espôsa Transformaram-se em mares encantados, 2289
Ou da amante, dos filhos, dos amigos, Ilhas de nácar, mágicos pomares.
Da lareira querida que deixara; Grutas de fadas e amorosos gênios.
Aquêlc de negócios complicados
Ou dos pátrios destinos; aqueloutro X X I X
Nesse futuro que entrevira há pouco
Na face das estréias___ Mas, oh! numes! — Eis o sinal divino, caminhemos! —
Repentino clarão percorre o espaço! Exclamaram os Magos, — o luzeiro, 2290
Jôrro de luz rebenta do infinito Que aparece no céu, à terra Santa
Seguido de um horríssono estampido! Guiará nossos passos, faro amigo
O enorme torreão todo estremece. Nos mostrará propício o asilo, o berço
Depois um côro de celestes vozes. Onde repousa o Salvador! E logo
De instrumentos divinos, docemente Buscam os cofres de valores prenhes.
Nas nuvens faz-se ouvir, — e aos olhos turvos As áureas bôlsas, os compridos mantos
Dos Magos assustados aparece E, 2291 fitando os olhares penetrantes
De um Querubim a esplêndida figura. Na portentosa estréia, a tôrre deixam.

[ 622 ]
V
1.»

ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

XXX Procuramos o pouso abençoado


Onde o Rei dos judeus, recém-nascido, 2304
As horas passam como alados gênios. Descansa agora, — se o sabeis dizei-nos,
O deserto medonho se ilumina Se não, deixai-nos ir que sua estréia
De rutilantes fogos; — as montanhas Nos clareia o caminho. — Isto escutando
Aplainadas 2292 transformam-se em caminhes Turba-se Herodes, seus ministros chama.
Orlados de jasmins e heliotrópios, 2293 Convoca os anciãos, consulta áugures,
Lírios e rosas, 2294 dálias e tulipas. Faz estudar das aves as entranhas.
Os rouxinóis despertos 2295 preludiam As águas dos arroios, e a fumaça
Suavíssimos cantos: — a floresta, 2296 Das fogueiras ardentes. Os prudentes
O campo, a fonte, o rio, a sarça, a relva, Anciãos venerandos lhe repetem
O pequenino inseto que se aninha Dos antigos profetas as palavras:
No seio de uma flor, tremem tocados — Está escrito, dizem-lhe, que o Cristo
Pelo sôpro de Deus! Hinos celestes. Em Belém nascerá! 2305 — estais contente?
Melodiosos cânticos, percorrem, — Ide! — Herodes exclama, ide depress."'.,
Nas asas leves de chorosas brisas, Buscai o rei anunciado, e quando
A vastidão dos ares e ........ lá em cima, Souberdes o lugar onde se abriga.
Lá em cima, além das nuvens e dos astros. Vinde dizer-mo, pequenina oferta
Abrem-se do Infinito os santuários, Quero também depor junto a seu berço.
E os querubins de alvíssimas roupagens Ide depressa, os deuses vos protejam.
Junto ao trono do Eterno se debruçam
Derramando felizes sôbre o mundo XXXIII
Um dilúvio de flores. — Glória! Glória!
Glória ao Senhor Supremo nas alturas, Os romeiros prosseguem, mas o bárbaro,
E paz aos homens sôbre a terra! — cantam O apavorado rei logo reúne
Ao inefável som de etéreas harpas. Mil soldados cruéis, e lhes ordena
De invadir as cabanas e as herdades,
X XXI A casa do abastado e o vil tugúrio
Do infeliz, 2306 miserável proletário.
A luz tudo avassala. A festa imensa De derramar a morte onde encontrassem
Da natureza nessa noite santa Fecundos seios, puerícia inerme!
Dá vida às 2297 soledades; mas ao longe, 2298
Das bandas do Ocidente, em nuvem negra X X X IV
Um turbilhão de espectros macilentos.
Cobertos de farrapos purpurinos. Então um grito uníssono, terrível, 2307
Lentamente atravessa o céu sereno; Retroou pelo espaço! — Aflitas, cegas,
Sibila o vento e as ondas agitadas Olhos sanguentos, desnudado o corpo.
Atiram contra a sombra que projeta 2299 As jovens mães as praças percorriam,
A baya salitrosa. Um grande brado Como as leoas da abrasada Núbia, 2308
De pólo a pólo faz-se ouvir: — São m orto s!.. Defendendo os filhinhos! O heroísmo
São mortos os mil deuses, — é nascido Do maternal amor fêz-se loucura.
0 Filho de um só Deus! — E lentamente Renques de algozes recuaram frios
Desaparece a nuvem tenebrosa. Perante uma mulher! Rudes atletas
Afeitos aos mais ásperos trabalhos
X X X II Se estorceram no pó aniquilados
Por delicadas mãos, destras apenas
Jiibilosos, porém, crentes e firmes. No suave lidar de brandas sêdas!
Fitos os olhos na propícia estrela. Mais de uma vez os lúgubres verdugos
Os três Aíagos caminham pelos ermos; Viram o ente frágil, timorato.
A'^oam as horas; — as manhãs e as noites Objeto de luxo e de vaidade.
Em celeste consórcio se confundem; Tornar-se horrível, — espumar de raiva.
A voz do Eterno estreitam-se as distâncias, Às 2309 feras disputar o antro escuro
E chegam sem cansaço à nobre, à antiga, 2.:00 Para esconder a prole am eaçad a!...
Real Jerusalém. Seu jeito estranho. Um coração de mãe produz milagres.
Seus estranhos vestidos e seus modos.
Dão pasto ao ócio e ao gênio curioso X XX V
De um povo estulto e vão. — Donde vieram
Estes homens tisnados? Que procuram? Enquanto estas cruezas assombravam
T razem felicidade, ou semelhantes Aldeias e cidades, descuidosos
Aos pássaros sinistros 2301 pressagiam Caminhavam os Magos, precedidos
Desgraças, infortúnios? — A notícia Do luminoso guia, — e alfim chegando
Chega aos ouvidos do vaidoso Herodes, 2302 As portas de Belém, sôbre o telhado
Rei então e senhor. Chama-os e indaga: De mísero presepe, 2310 úmido e negro, 2311
— De 2303 que terra saístes? Que negócio Viram-na se deter. — Vozes suaves
'o s traz aqui? — Partimos do Oriente, Ledos hinos cantavam, — brando lume
Os Magos lhe respondem, — habitamos Clareava o recinto. — Entremos, vamos.
Alein do Eufrates e do Tigre, e somos Dizem volvendo para o céu os olhos:
Senhores, como vós, em nossos reinos. Já não brilhava a fulgurante estréia.

[ 623 ]
L U ÍS N ICO LAU FA G U N D E S V A R E L A

XXXVI Do hospitaleiro Egito, os 2316 dias negros


Do malfazejo Herodes são contados.
Sôbre grosseira, escura manjedoura, Quando a terra cobrir seus frios ossos
Em alvos panos envolvida estava Voltarás ao país de teus maiores.
Rósea criança; — à cabeceira um anjo Parte. — E dizendo assim volta de novo
Mudo e severo, — aos pés Maria a santa, Aos paços do Senhor donde baixara.
Predileta do Eterno, o esposo ao lado,
À roda pobres, tímidos pastores. X X X I X
Quando o indeciso olhar porém fitaram
No anjo que velava à cabeceira, À segunda vigília de atra noite
Reconheceram pasmos o enviado Calça as sandálias de jornada, empunha
Que os visitara na sombria tôrre! O bordão de romeiro 2317 o santo esposo,
Une ao seio o menino, e, acompanhado
Da virtuosa, cândida consorte, 2318
XXXVII Busca dos Faraós o vasto reino.
— Prostremo-nos! bradaram, e adoremos
Do Rei dos reis o Sacrossanto Filbo! X L
Louvemos o Senhor que nossa vida
Encheu de glórias, e espancou as sombras Calou-se o pio Mestre. A madrugada
Dos erros infernais que nos cercavam! Vinha nascendo lúcida e serena.
Glória ao único Deus, onipotente! Bela como a ilusão de um belo tempo,
E abrem os cofres recheados de oiro Como um sonho da infância entre as tristezas
Que aos pés colocam da criança augusta. De frios desenganos. O deserto
Derramam das navetas primorosas Que a noite povoara de duendes
Sôbre o fogo vivaz o incenso e a mirra. Festivo despertava. 2319 Um oceano
Lançam por terra os mantos e os adornos, De purpurina luz, enxameado
Curvam-se e adoram cheios de humildade De milhares de nuvens multicores, 2320
O Filho de Maria. Os pegureiros Ganhava o firmamento. A mata virgem
E os rudes camponeses que cercavam Enamorada do clarão celeste
A negra estala do divino Infante, As primícias das flores orvalhadas
Como se a voz de Deus soasse perto, 2312 Parecia ofertar-lhe. A loira abelha,
Ajoelham-se trêmulos e entoam O colibri mimoso, a borboleta
Religiosos cantos. — Ah! não foram Ligeira, 2321 amiga das silvestres flores.
Os sátrapas das Cortes do Oriente, Cruzavam-se volúveis, adejando
Cobertos de veludo e finas sêdas, Sôbre as folhagens úmidas de orvalho.
Nem do Ocidente os príncipes soberbos. Mais longe, à margem de pequeno lago,
Seguidos de pomposa comitiva. A garça branca, o tímido flamingo,
Os que desceram de seus áureos paços, A travêssa narceja 2322 se banhavam
E saudaram de Cristo o nascimento! Brincando entre as lustrosas espadanas.
Oh não! — Foram os pobres e os humildes.
Os simples corações, os gênios simples, X L I
Aquêles que êle amou, que procurava,
E sempre defendeu contra a injustiça, — Irmãos, é dia! — O missionário exclama — 2323

E a tirania indômita dos grandes! Adoremos o Eterno! — Obedientes
Curvam-se os filhos do deserto e oram
XXXVIII Repetindo em voz alta as santas rezas
Que lhes ensina o venerando Mestre.
Mas o tempo voraz que não descansa, Levantam-se depois e aos ecos soltam
Que embala os berços, que os sepulcros abre A saudação Cristã. — Ide tranquilos, ^
Em um relance d’olhos, implacável Ide em paz, meus irmãos, lhes diz afável
Seu giro continua. Aconselhados O amigo, o benfeitor; 2324 finda a semana,
Por celeste visão, voltam os Magos No dia do Senhor, voltai de novo.
Ãs regiões natais, menosprezando Guardai no coração e na memória
O astuto aviso e o pérfido conselho O nome de Jesus, — pronunciai-o
Do tenebroso Herodes, que esbraveja Quando a aurora raiar; quando mais alto
Vendo-se dêste modo postergado. Brilhar o sol no imenso firmamento,
Para o Deus Criador, justo, infinito, 23i,i E quando a noite entristecer os vales!
Não existe passado nem futuro, Que êste nome divino vos console.
Tudo é — hoje, hoje sempre. — A Eternidade Vossos atos inspire e vos proteja!
Forma o dia divino, mas o dia
Que não teve alvorada e não tem noite. XLII
Era chegado o Salvador, — o Verbo, —
.A. fecunda e suprema Inteligência, A multidão retira-se. Entretanto
A verdadeira luz: de novo o mundo Uma singela filha das florestas,
Ia sair das trevas que o cercavam. Uma criança tímida, mimosa.
O Santo mensageiro 2314 se apresenta Bela como a inocência, pensativa
Novamente a José. — Toma a criança, 2315 Senta-se â porta da tristonha ermida
Ampara a Virgem mãe, busca o caminho E considera atenta e longamente

[ 624 ]
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A K C H IK T A OU O E V A N G E L H O NAS SELV A S jj;!

A imagem do Senhor, onde repoisa


Como um olhar de amor e de piedade
I I lí
O suave clarão da madrugada. Mas os filhos das selvas não conhecem íi-
— Naida! — Padre, vos espero, vamos. Marmóreos torreões, 2331 sonoros bronzes.
— O que fazias, filha? — Me lembrava Áureos altares, santuários ricos;
Dessa criança que saudaram anjos A
Não têm jardins nem primorosos parques.
No pobre, escuro berço, c considero Calçadas ruas e adornadas praças.
Esta imagem sanguenta, descarnada, O deserto é o templo, — os astros círios;
Coberta de feridas horrorosas! Aras os montes, e sacrário o peito.
Responde a ingênua, cândida menina, 2325 Depois.............. a natureza e a liberdade! i
Ao caridoso Mestre. — Oh! que bem fazes!
Diz êste amargamente, os sábios todos I I I
Se assim pensassem quando os livros volvem,
E buscam monumentos no passado, Qual medonho leão da Líbia ardente I:
E perdem-se em audazes conjeturas, 2326
Mais felizes se ria m !.... Vamos, filha.
Quando deixa a caverna onde poisava,
E saindo às planícies requeimadas, 2332
I
Levanta-se Naida, e ambos caminham Pára, sacode a juba e mede o espaço.
Para a afastada, mísera choupana, 2327 Enquanto ao longe as tímidas girafas
Onde a mãe da inocente, cuidadosa, E os poldros aterrados, pressentindo i íi'
Grosseira refeição prepara e espera Das brenhas o senhor, bufam, relincham,
A delicada filha e o sábio Mestre. E arrojam-se velozes pelos ermos.
O sol nascente as selvas ilumina. Assim o sol na extrema do horizonte
Majestoso aparece e expele as sombras if
Filhas da noite, e do terror escravas.
LLn novo dia os sêres ilumina:
Belo, nos trouxe a claridade, belo
CANTO II Seria se as tormentas o obumbrassem!
Salve, dia sagrado! Branca fôlha,
Ê ste é o m esm o, de qu em eu d is s e : D ep o is de m im Macia, perfumosa e acetinada
vem um hom em que m e fo i p re fe rid o , po rqu e e r a a n te s de
m im : Do Calendário dos Cristãos! Sublime
E eu não o co n h ecia , m as po r isso eu o vim b a tiz a r Intermédio de paz e de repouso
cm água p ara ê le se r co n h ecid o em I s r a e l. Do poema brilhante do Universo!
( Jo ã o I , V . 3 0 , 3 1 ) .
Cada sol que te aclara é círio amigo
No altar da natureza, que recorda
O complacente olhar do Onipotente
Quando, formando a terra, o mar e os astros. 't
Das grandes catedrais nas altas torres Os pássaros do céu, do êrmo as feras.
0 sol Oriental bate festivo Os monstros dos abismos e o terrível
Doirando as primorosas esculturas Bruto que fala e pensa, concentrou-se
E as flechas atrevidas; jubilosos Na imensidade da divina essência!
Os sinos colossais o espaço abalam .Salve, bendito dia do Domingo!
Chamando o rico e o pobre, o fraco e o forte
Ao templo do Senhor. As oficinas I V
Tornam-se mudas, mudas as roldanas, 2328
A bigorna e a forja, a lima e a serra. Simples, formoso altar, limpo e coberto
Depõe a enxada o honrado jornaleiro, De alvíssima toalha, erguida à sombra
A menina do povo a agulha esquece. De graciosa tenda entretecida
Esquece o proletário as dores íntimas. De lianas sutis e verdes palmas,
Deixam os lares, correm às Igrejas, Avulta ao lado da pequena ermida.
-\os públicos jardins, às belas praças. Junto aos círios acesos, débil, frouxa
As risonhas campinas dos subúrbios. A brisa da manhã volteia e brinca;
Aqui à fresca sombra das nogueiras Sôbre o Missal fechado estende as asas
Dançam ao som de rústico instrumento Mimosa borboleta azul celeste, 2333
Guapos mancebos, vivas raparigas; Alada flor do mato; aos pés da imagem
Ali sentados sôbre toscos bancos Sanguenta de Jesus, voa e revoa
A porta da espaçosa hospedaria Esperto colibri. Cantam à roda
Os mais velhos praticam graveniente; Sonoros sabiás, e o manso vento.
Mais longe alegre chusma de crianças De quando em quando, suspirando, passa,
Retoiça-se na relva aveludada. E o chão alastra de cheirosas flores.
Tudo descansa, 2329 folga e se diverte O ministro de Deus medita e ora
No dia memorável do Domingo, Na sossegada ermida; um velho padre
1 udo, exceto o mesquinho encarcerado, De longa barba e descorado rosto.
Na fétida prisão, o pobre enfermo Antigo companheiro, hoje de volta.
Sôbre o leito de angústias e martírios, Sentado à porta, sôbre dura pedra.
O esquálido avarento fascinado Folheia grossa Bíblia; de joelhos
Pelo demônio do oiro, e o ente impuro, 2330 A seu lado, Naida atenta e muda
•Aleivoso, cruel, irmão da serpe, Considera as gravuras primorosas
Herdeiro de Caim, — sócio de Judas! Do mais belo entre os livros conhecidos.

[ 625 ]
L U f S K I C O L A U F A G U N D E S V A R K T jA

V VIII

Dos quatro pontos cardeais, 2334 aos poucos, Acabado o banquete farto e simples,
Vêm 2335 chegando os fiéis: — o velho imbele Depois de alguns momentos de descanso.
Pelo filho amparado, — o infante frágil Ergue-se o Missionário, avisa o povo,
Sôbre os ombros do pai, — tristes extremos! E continua do Senhor a H istória:
A mocidade alegre; — a meia idade — Quando 2340 da aurora a doce claridade
Série e calada. O caçador das brenhas, O passado serão interrompeu-nos,
O sagaz armador de finos laços, 2336 Ku vos contava, irmãos, deveis lembrar-vos,
Trazem para o banquete o mantimento. Da Sagrada Família a retirada
As matronas severas, doces frutos. 1'ara o famoso e celebrado Egito,
Saudáveis confeições; flores as virgens; Fugindo às 2341 iras do cruento Herodes.
Delicadas ofertas as crianças. Silêncio! E como sempre, ouvi-me atentos:
A multidão recrcscc, — a ordem reina. — E ’ morto Herodes. Archelau governa
O desgraçado povo Israelita:
Cessam as sanguinárias diligências
V I Que seu pai ordenara: estulto conto.
Sonho falaz, a plebe e o rei vaidoso
Mas, à porta da ermida, majestoso.
Trajando as sacrossantas vestimentas, Julgam dos sábios Magos as palavras.
O mundo está tranqüilo, a paz Romana, 2342
Sustendo o argênteo cálix, e seguido^
Do velho companheiro, — o Missionário P or Augusto instaurada, permanece
Deslumbrando as nações. Quem nesses tempos
Aparece, e caminha lentamente
Para o singelo altar. Longo sussurro. De festas triünfais, brilhantes feitos.
Ju stas do gênio, exaltação das artes.
Semelhante ao das ramas da floresta
Poderio supremo; quem voltara
As primeiras rajadas da tormenta.
De tanto luxo, e gala, e pompa, e glória.
Corre entre as turbas, as mais altas frontes
Curvam-se, como as hásteas da cecrópia, Os olhos receosos, timoratos,
Para ir buscar, 2343 no meio do vulgacho
Quando sopram do Norte os frios ventos.
Da mais pobre província, uma criança
Depois tudo emudece: ouve-se apenas
Que gentios boçais apregoaram
O brando ciciar da aragem mansa
Rei de Israel, — destruidor dos tronos.
Nos taquarais viçosos, — os queixumes
Do cristalino arroio entre pedrinhas, Inimigo dos Césares? — Tranqüila
E a voz grave, solene e vagarosa Volta pois a Família abençoada
Da terra estranha à suspirada pátria.
Do sábio do Evangelho repetindo
As palavras do Santo Sacrifício.
Quadro sublime! Encantadora cena! IX
Era assim, ao ar livre, à luz suave
Do céu da Galiléia, nas encostas Correm semanas, meses, correm anos,
De relvosas colinas, ou nas margens E o menino formoso e delicado, 2344
Verdes, risonhas, 2337 de serenos lagos A quem seus nobres Pais deram no exílio
Que o Homem do Martírio doutrinava 2338 O nome de Jesus, torna-se forte,
.»Xs multidões humildes que o seguiam! Avisado e gentil. A etérea calma,
Era à sombra dos altos sicômoros. A candura dos Anjos, resplandecem
Junto das fontes gemedoras, longe Em seu rosto adorável; a prudência,
Dos rumores das praças que os mais nobres, 2339 A graça, a discrição, em belas máximas
Dimanam de seus lábios. A doçura
Os mais santos preceitos resvalavam
Da palavra eloquente, — os gestos meigos,
De seus lábios divinos! Seus olhares
Prezavam as campinas e os oiteiros. -A. expressão inefável dos olhares
Cativam corações que ardentes buscam,
As cabanas dos vales sossegados,
Além daqueles dotes felicíssimos, 2345
O retiro dos bosques, e a beleza Uni — quê — de estranho e grande que pressentem
Do firmamento azul, vaga e profunda! E os enche de a lv o ro ço !.. . — Asas, quem sabe,
Era da Natureza nos altares I.igeiras, invisiveis, 2346 se recurvam
Que elevava su’alma ao Pai Celeste! Sôbre aquelas espáduas! — Misterioso,
Vedado aos olhos dos mortais, descansa.
V TI Talvez, o diadema do infinito
Sôbre aquela cabeça im acu lad a!...
Ardem fogueiras, terminada a Missa, Dois lustros tinha apenas e dois anos
Aviam as mulheres o banquete; Quando, 2347 em Jerusalém, seus pais zelosos,
De lado a lado correm as crianças Finda a festa da Páscoa, o procuravam,
Trazendo o musgo, as parasitas rubras Que a seu lado o não viam, assombrados,
Do cimo dos rochedos, e as mais lindas Foram achá-lo cm meio de doutores,
Frutas e flores das escuras matas, Dos livros de Moisés volvendo as folhas.
Que aos pés do Sábio Mestre depositam; Reduzindo ao silêncio os mais sagazes
Os homens reunidos junto à ermida F. velhos sacerdotes. Tão profunda, 2348
Discorrem sèriamente; as moças cantam, '1'ão vasta sapiência então mostrava!..........
Não as lendas das tabas belicosas, Dos serões estivais, — das quentes sestas,
Mas da Musa Cristã saudosos hinos. Dos folguedos do povo ingênuo e simples.

[ 626 ]
A^rCIIIETA OU O EVA N G ELH O NAS S E L V A S

Era Jesus o mimo, o encanto, a vida; Desceu pregando às turbas depravadas


As jovens mães paravam junto à porta A palavra de Deus, — chamando os homens
Do pobre Carpinteiro, e contemplavam As 2354 fontes do Batismo. Era mancebo.
Suspirosas 2349 a cândida criança; Entrava na estação próspera e bela
— Feliz aquela cujos seios puros Em que o farol brilhante da esperança
Te aleitaram, — diziam; outras vezes Clareia até o fundo dos abismos;
Traziam seus filhinhos inocentes Em que os prazeres, as paixões fogosas,
Para ouvirem o lindo companheiro. O vivo imaginar, a terra e as coisas.
Folgar com êle pelos verdes prados. Fáceis transformam num jardim de fadas;
Crendo, oh! divina fé! que a inteligência. Entretanto seu vulto e seu aspeito
A graça, a mansidão, a ingenuidade Eram a encarnação 2355 lúgubre e triste
Do afortunado, loiro Nazareno, De tudo quanto há rígido, severo.
Passassem a seus tímidos amigos. Acerbo e rigoroso neste mundo!
Longe, porém, de se entregar incauto Duro couro de velho dromedário
Aos loucos brincos dos primeiros anos. De manto lhe servia, — duro couro
Ou simular austeridade imprópria Encarquilhado, cru, prêso às ilhargas
Da ridente estação das esperanças, Servia-lhe de cinto. Era sozinho.
Êle enchia de amor e de alegria Não trazia sandálias, nem guardava
Tudo quanto o cercava! Seus olhares Dos rigores do sol a fronte altiva.
Faziam desbrochar na sombra os lírios, Tinha o rosto trigueiro, — o corpo magro.
Cantar os maviosos passarinhos, Crivado das picadas dos insetos,
Que, do basto arvoredo, vinham mansos Dos agudos espinhos dos silvados.
Poisar sôbre seus ombros! As torrentes. Flabitava os fraguedos e as cavernas,
As virações ligeiras e os rumores E passava seus dias meditando
Dos silvados espessos, a seu gesto Nas leis do Criador. Seu alimento
Das harpas e saltérios imitavam Era o silvestre mel, — e os gafanhotos
As harmonias ternas e saudosas. Que em densas nuvens, dos sertões da Síria, 2356
Baixavam da Judéia aos tristes campos.
X João Batista chamava-se. — Movidas
Pela cloqüente voz, pelas doutrinas 2357
Como as rosas de um dia, como as folhas Dêsse inspirado e ríspido mancebo,
Da anêmona do monte, os anos passam E mais ainda pelo santo exemplo
Da sonhadora infância; — o Justo, o Santo, 2350 Do santo proceder, de tôda parte
Curva-se à lei fatídica do tempo. Vinham as gentes confessar-lhe as culpas
Cede o lugar ao homem a criança. E receber as águas do Batismo.
Quinze anos havia que subira Era como o gigante dos profetas, 2358
Ao trono imperial Tibério César, Como o assombroso Elias. — Raça impura!
O abutre dos Romanos; — governava Raça de negras víboras! — dizia
Outro sinistro Herodes 2351 a risonha, Aos fariseus e saduceus perversos
A verde Galiléia; eram os grandes. Que divisava entre os humildes crentes,
Os príncipes, então, dos sacerdotes — Quem avisou-vos de fugir à cólera
Anás e Caifás, entes perversos. Prestes a rebentar? Produzi frutos
Mercadores sacrílegos do templo. De santa penitência, e não vaidosos
Cruel como o primeiro, e mais doloso, Vos julgueis de Abraão diletos filhos!
Nos vicios mais vezeiro, era o segundo. Oh! filhos de Abrahão serão as 2359 pedras,
Senhor da Galiléia, astuto Herodes: Se o Senhor decretar! D ’árvore ao tronco
Criatura sem crenças, sem virtudes. Vejo inclinar-se o gume do machado:
Quebrando a fé jurada a cada instante. A planta estéril cairá por terra.
Desprezara a prudente e fida esposa, 2352 Será lançada ao fogo! — O que faremos? —
Filha do rei da Arábia, e fascinado Perguntavam-lhe as turbas ansiosas.
Pelos encantos pérfidos, lascivos. — Sêde puros, humildes, compassivos;
Pelo amor criminoso de Herodias, Se duas vestes possuís, dai uma
Mulher de seu irmão Filipe, cego, A vosso irmão mendigo; — se estais fartos
Da casa do marido a arrebatara, Chamai-o à 2360 vossa mesa. Nunca poise
E com ela vivia em seu palácio. A mentira e a calúnia em vossos lábios,
Nem oprimais, se poderosos fordes, 2361
X I Os vossos semelhantes. Na verdade,
Com água vos batizo, mas não tarda
Ora, naquele tempo, dos desertos, Alguém, alguém maior, cujas sandálias
Das regiões incultas que se estendem Indigno sou de desatar, conheço!
Para o Setentrião, onde só vivem Êsse no Santo Espírito e no fogo
Sinistros corvos, esfaimadas águias. Vos há de batizar! — O povo insonte
Venenosas serpentes; — onde as pragas Enleado escutava estas palavras.
Das eras de ^Ioisés passam ainda
Pejando as soledades de terrores; X I I
Das estâncias fatais, onde 2353 nem poisam
Do velho mundo as tribos forasteiras. Um belo dia ao alvejar d’aurora.
Implacável censor, áspero Mestre, As verdes margens do Jordão sagrado.

[ 627 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Entre as turbas solícitas, zelosas, — Jesus de Nazaré, — olha, contempla


Que do Batista às vozes acudiam. Essas grandes nações, êsses impérios
Veio também Jesus. — Sorpreendido Que brilham a teus pés, como os desenhos
Turba-se aquele; — Quem sou eu! exclama, 23C2 De um mapa gigantesco, iluminado
Para esta glória merecer! — M inh’alma Por quantos sóis existem. Ao Levante
Devera ser por ti purificada. A portentosa China se dilata
Senhor! e tu me buscas!... — Não te inquietes, 2363 Pelas terras de Sem, maravilhando
Responde-lhe Jesus, — faze o que digo: Com sua profusão, 2367 luxo e grandeza
Quero plena ju stiça: é necessário Os estados do mundo, conhecidos.
Que de minha pessoa o exemplo parta. Não guarda o tempo a mínima lembrança
E stas razões ouvindo, Jo ão Batista De sua fundação, nem fala a história
Inclina-se e obedece. O h! mas apenas Das dúbias tradições de seu passado.
Das águas do Jordão as gôtas frias Calam-se os reis, os sábios emudecem
Molham a fronte santa, as nuvens róseas Considerando a antiguidade e a glória,
Afastam-se quais trêmulas cortinas O poder e a opulência dêsse povo
Que vendassem o Empíreo, os céus se entr'abrem, Fastoso e original. — Vê que províncias,
E o Espírito de Deus rasgando os ares Que cidades extensas! Que muralhas
Sob a corpórea forma de uma pomba R ijas e mostruosas! Que palácios
Desce até o Senhor! No imenso espaço Pomposos e soberbos! O granito, 2368
Faz-se ouvir uma voz altissonante: O alabastro e o mármore de mil côres
— Eis o meu Filho muito amado! Nêle Fulgem à luz do sol sóbre os zimbórios
Hei pôsto minha eterna complacência! — Dos templos colossais; o oiro, a prata, 2369
Os lúcidos cristais ornam as salas
X III Dos nobres alcaçares. Pelas praças,
O cetim, o veludo, o linho, a sêda.
Depois desta solene ceremônia, Os mais finos tecidos que o Ocidente
Jesus deixa o Batista, o povo deixa, 2364 Jam ais imitará, rolam sem preço.
Deixa os vales amenos, as campinas As angras desiguais, os fundos portos.
Das bordas do Jordão, e solitário, Os caudalosos rios são pejados
Im erso em pensamentos insondáveis, De guerreiros baixéis, juncos mercantes.
Busca o deserto, as solidões agrestes — Além — surge atrevido à flor dos mares
Que para as bandas de Em aús se estendem. O vaidoso Jap ão; três grandes ilhas
Jo ão continua as prédicas severas. Abrange seu domínio. Irm ão nos usos,
E rival no esplendor, não tem contudo
T ão vasto território e tanto povo
X IV Como a pátria das sacras tartarugas,
Quarenta dias e quarenta noites Dos alados dragões. Deixa a península
No seio estéril de profundos ermos Mais extensa do sul, transpõe o gôlfo
Passou o Filho augusto de Maria Sereno, azul sombrio de Bengala, 2370
Em jejum rigoroso, em longas preces, Eis a sublime Ofir dos patriarcas,
E vastas reflexões! Quarenta dias O berço de Vichnu, 2371 de Siva e Brama,
Gastou no isolamento, assim mostrando A índia adusta, a inesgotável fonte
Quanto o retiro e a paz, quanto o sossêgo. De etérea poesia, a grande mina
As preces e orações, são necessárias Das maiores riquezas do Universo.
Sempre ao comêço das missões pesadas. A seus pés, 2372 como a nítida esmeralda
Quarenta dias e quarenta noites Calda do colar de soberana,
Velou, sofreu, chorou, pediu o auxílio Jaz a verde Ceilão, mimo das águas, 2373
De seu Eterno Pai! D epois......... M istério! Paraíso dos nautas levantinos.
Semelhante aos mais homens sentiu fome! Agora considera a bela Pérsia,
Então da sombra de espinhosa sarça, 2365 O vergei de Bulbul, plumoso amante
Sinistra e pavorosa levantou-se, Da rosa purpurina; o doce asilo
Maculada de sangue e lôdo e cinzas. Das fadas e princesas encantadas,
Negra, hediondamente mutilada, 2366 O antigo reino de Dario e X erxes;
De Satanás a esquálida figura! T ão vistosos jardins, fontes tão frescas.
— Se és o Filho de Deus, zombando fala, Aves tão lindas, tão risonhas veigas
Ordena que estas pedras se convertam Não doira o sol O riental; — as graças,
Em outros tantos pães. — Jesus responde O gênio, o amor e a glória, abençoaram
Fazendo estremecer o negro gênio: Do velho Zoroastro a descendência...............
— Não só de pães os homens se alimentam Ali está Babilônia, — além a Pártia,
Mas também das palavras que procedem Depois a Média, — a tenebrosa Assíria,
Da bôca do Senhor! — Medonho riso A Caldéia sombria, a Batriana,
Partiu dos lábios do rebelde arcanjo. Abortos sociais, mesclas sinistras
Ouvindo esta sentença, pertinace De riqueza e poder, de luz e trevas.
Continua porém tentando o Justo, De esplendor e miséria! — Â roda giram, 2374
E por fim o conduz ao alto cimo Sôbre os mares de areia do deserto.
De escarpada montanha, onde descansa. Hostes errantes, indomáveis povos,
Estende para o espaço a mão tisnada, Torvos herdeiros dos cruentos S ita s.............
E com voz temerosa assim lhe fala: Ao Meio-Dia estende-se apertada

[ 628 ]
A N C H I E T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S

Pelo Vermelho-Mar e Mar da Pérsia No fastígio das lugubres pirâmides.


A rica, celebrada e livre Arábia. Delírios de grandeza, o feio abutre
Os suaves perfumes que vaporam Lança um grito de fero desafio
Os braseiros reais, — os finos óleos. Às serpentes do Nilo. — Não te agrada
Os bálsamos propícios, eficazes, Êste escuro painel? Bem, volve os olhos
Que os feios golpes de cortantes ferros, Para a ruidosa Europa, o ilustre berço
E as fundas chagas dolorosas curam. Dos filhos de Ja fé ........ — Oh! como airosas
Saíram de seus bosques; — os mais fortes. Surdem à flor das vagas transparentes
Mais ligeiros corcéis que conquistaram As verdes ilhas da formosa Grécia!
No campo da batalha, ou na carreira, 2375 São cestinhas de flores delicadas
A palma da vitória, por seus campos, Que em momentos de ócio e desenfado
Nitriram soltos, lestos e bravios.............. Soltara a Natureza sôbre as águas
Volta-te agora para o Norte, a Síria Nos tempos primitivos; são risonhas
Desdobra-se risonha, limitada Constelações de mundos pequeninos
Ao Oriente pelo ameno Eufrates, Sôbre a escuma dos mares flutuando.
Pelos montes de Elão, — ao Ocidente Matizados de vinhas e olivedos.
Pelo Mar Interior.......... desde o reinado Povoados de Sílfides lascivas
De teu avô Davi, cruentas guerras E fagueiros tritões. Naquelas praias,
Fêz sempre ao povo Hebreu. Em seu circuito Sôbre aquelas colinas coroadas
Levanta-se Antioquia a hospitaleira. De mirto e de açucenas, largas horas
Depois Damasco, a rosa do deserto. Cismaram Safo, Anacreonte e Mósco,
Tear imenso das mais finas sêdas. Teócrito e Bion, meigos cantores
Grande oficina de polidas armas; Amigos dos oiteiros e dos vales,
Ao longe Tadmor, a obra-prima Da vida pastoril. — Quios e Samos, 2378
Do sábio Salomão, 2376 deleita a vista Corcira, Paxos, ítaca, Zacinto,
Dos cansados romeiros; Heliópolis Pátrias de heróis preclaros, 2379 se derramam
A denominam hoje os peregrinos. 2377 Quais leves, graciosas borboletas,
Desde Abila até Cháleis, — desde as bordas Sôbre o sereno mar. Além avultam
Do Orontes cristalino, até os vales Citera, 2380 o asilo da mimosa Venus,
Que forma o grande Líbano, repara, Chipre, o lagar dos vinhos os mais puros,
Quantas lindas cidades, — quantas vilas, Creta, 2381 a prisão do Minotauro, — Egina,
Quantos casais e herdades derramados!............ Imbros, Siros, Eubéia e centenares
Ao lado Ocidental, próxima às ondas De perfumados, lúcidos abrigos.
Do buliçoso mar, ergue-se altiva Gratos aos olhos, ao prazer propícios.
A próspera Fenícia, o grande empório A terra gloriosa, a terra clássica
Do Comércio do Sul e do Levante. De Sócrates, Platão e de Aristóteles,
Foram seus filhos os primeiros nautas Inimitáveis sábios, se levanta
Que afrontaram as ondas do Oceano Vedando a luz ao Bisantino império.
E as colunas de Hércules vingaram; O farol das nações, o insigne templo
Foram seus filhos os primeiros mestres Da beleza real, — do gênio o berço,
Que o manejo das velas conheceram, A luminosa Atenas, lá descansa
E a direção dos ventos, e a maneira No meio de prodígios. A seu lado
De computar as horas e as distâncias. Esparta, 2382 a destemida, 2383 encara ufana
Em seus amplos depósitos e fábricas A férrea estátua de Licurgo, e zomba
Vão procurar ativos mercadores Dos povos do Universo. — Além agita
A púrpura que tinge os régios mantos, O manto de florestas viridentes 2384
E a madeira do Líbano, tão cara, A áspera Tessália: de seus montes
Para os tronos dos príncipes da Europa, Os fundos ecos abalados sempre
E para os templos de seus deuses mudos.......... Inda repetem de Alexandre o nome!........
Deixa o mundo de .Sem. — Prêso a seu flanco Filha e senhora, — imitadora e mestra.
Por uma nesga de terreno apenas, Ao flanco Ocidental da Grécia ilustre.
O patrimônio de Caim se estende, Espreita os gestos das nações vizinhas
E espanta os continentes. Nos rochedos Sequiosa de sangue a grande Roma.
De seus montes lavrados pelos raios, Tudo o que abrange seu olhar nefário
O epitáfio da glória e do progresso De negra escravidão conserva o sêlo!..........
Avulta em letras hórridas; nas bordas Mais longe a linha e deleitosa Ibéria, 2385
De seus rios malditos, se reúnem, Fértil em doces pomos, estremece
Sócios dos crocodilos e das boas. Como se alma tivera, pressentindo
Sinistros nigromantes, — rudes magos, Nos sucessos proféticos da história
— Ervanários fatais que a morte plantam, Da Lusitânia o esplêndido futuro............
E o desespero vendem. — Nos ladrilhos Além, vingando cerros que a limitam, 23.86
Dos caídos palácios de Sesóstris, Avulta a Gália transalpina, escrava
Latem anúbis, adorados perros; Outrora dos Gauleses e Ligúrios, 2387
Broncas esfinges de granito rubro Celtas e Volcos e dos Francos hoje;
Erguem dos areais a fronte morna, Quando o pesado ferro da charrua
E consideram mudas e sorprêsas Passar por êsses campos desprezados,
As gerações que passam.......... por seus lábios Quando o martelo, a serra e as alavancas,
Fala dos Faraós o gênio às vêzes. O cinzel e o malho ressoarem

[ 629 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES A'ARELA

Afugentando o ócio das cidades À beira das torrentes estendidas;


Será dos povos do Poente o mimo. E, qual no dia primo do universo,
Um lidador da têmpera de César,^ O mundo desbrochando à voz do Eterno, 2403
Do gênio de Alexandre o Macedônio, 238» Um novo mundo brota do Oceano.
Da tenda de soldado irá sentar-se A terra e o mar, o mar e o Firmamento,
No trono das antigas dinastias. Saúdam no seu berço de princesa
Tirano e popular, grande e mesquinho, 2389 A jovem filha da imortal Cibele.
Magnânimo e baixo, escuro misto Lança-lhe aos pés o mar pérolas finas,
De fereza e bondade, calma e raiva. O céu acende as lâmpadas dos trópicos,
Ódio e clemência, de seus paços áureos A terra esparze as flores mais cheirosas
Fará tremer o m undo!........... — Retalhada Que produzem as matas e os oiteiros.
Por imensos marnéis, valas imensas, Se uma ilusão não foi, não foi um sonho,
Da Gália ao Norte estende-se a Batávia: Nem de um grande poema o belo esboço,
Herdeira da Fenicia, 2390 seus pilotos Essa fecunda região chamada
Por virgens mares e remotas praias — Terra da promissão — descrita outrora
Desfraldarão audazes, denodados, Pelo exímio Moisés, oh, 2404 certamente,
O pátrio pavilhão......... — Mudas, nublosas, 2391 E ’ nesses climas sem iguais no globo
Ao lado ocidental da Gália forte, 2392 Que ela deve existir!........ A luz etérca
Surgem altivas das sombrias ondas Inspira os passarinhos maviosos;
As ilhas da Britânia. A liberdade, 2393 Acorda o reino mágico das flores
O poder, 2394 o comércio, a indústria, as artes. Irmãs dos colibris, que dão fagueiras
Terão ali seu pouso predileto À viva abelha o mel, o aroma ao vento;
Quando rôtas as bátavas bandeiras Beija os lagos de anil, e nas espumas
Dos mastaréus caírem. Seus governos Das torrentes raivosas do deserto.
Quebrarão as cadeias opressoras Serena transparece e amortecida
De milhares de servos: sua esquadra Como vendada pelas asas brancas
Será dos mares soberana............... — Ao longe De uma volúvel multidão de cisnes
Nos climas boreais entre neblinas Que adejassem às bordas dos abismos.
Ergue-se a Escandinávia, 2395 a rude filha Semelhantes aos príncipes fastosos
Das tormentas polares; depois dela Das histórias do Irã, por tôda parte
A terrível Sarm átia se prolonga Onde passam seus rios opulentos
Do norte ao M eio-Dia dominando Lançam de lado a lado oiro e diamantes.
A Europa O r ie n ta l.... — P or um momento A beleza, o prazer, a paz, o júbilo,
Guarda silêncio o gênio dos abismos, 2396 O ar festivo, — a juvenil frescura,
Volve rápido olhar ao mar profundo. O louçania dos primevos tempos,
Aos claros horizontes, e prossegue — Essa irradiação da Natureza! —
Mostrando Àquele a cujos pés os reinos Virgem ainda, ainda soberana,
Jazem como torrões onde se movem Não pelos homens profanada, — brilham
Os bichinhos do pó, as várias zonas. No azul do céu, na solidão das matas,
As regiões incultas, mas repletas Nos fastígios dos montes, nas correntes
De auríferos tesouros, os impérios Dos arroios queixosos, e amenizam
Fortes e populosos, explicando Os livres campos, as aldeias livres.
Sua origem, seus usos, seus costumes. Os livres lares de uma raça ingênua,
Seu lugar no porvir; depois se curva, 2397 Senhora das florestas. — Indulgente
Estende a mão tisnada e denegrida Jesus contempla o grandioso quadro.
Para as remotas linhas indecisas Meigo sorriso os lábios lhe dcscerra.
Onde as águas e as nuvens se confundem: Doce expressão de amor e de bondade
— Olha, — Rei dos Judeus — Rei sem coroa. Anima-lhe o semblante. — Considera,
Sem cetro e sem vassalos, olha! exclama. Prossegue Satanás, êsse prodígio
Oh! maravilha! O túmido Oceano Que dos seios das águas se levanta.
Torna-se firme, liso, alvinitente Igual aos sonhos das empíreas sestas.
Como se de seu rumo transviada. Nenhum rei dos antigos continentes
Longe do amigo sol, se congelasse Conhece-lhe a existência: — nenhum padre
Tôda a terráquea esfera! As sombras 2398 fogem, Das crenças tôdas que os mortais cativam
O horizonte ilumina-se: milhares Aí pregou as rígidas doutrinas; 2405
De delicadas, vaporosas insulas Mundo esplêndido e forte, ao longe dorme,
Pejam o azul puríssimo do espaço Feliz, desconhecido dos tiranos,
Quais flutuantes, primorosos ninhos E dos servos de Plútus, cobiçosos.
De brancos cisnes e alcions errantes, Entregue à eterna lei da Providência!
E além, além, na solidão dos mares, 2399 Pois bem, tudo o que viste e vês ainda.
Aparecem os píncaros formosos Reinos, impérios, territórios vastos.
De vastas serranias, os ligeiros, 2400 Regiões fecundíssimas, tesouros
Esbeltos vultos das palmeiras altas Para comprar os tronos do Universo. 2406
Cujas copas virentes, enlaçadas, 2401 A força, o poderio, a fama, a glória,
Balançam-se nos ares, como as plumas Tudo, tudo te dou, se engrandeceres
Vistosas dos pavões; — as verdes selvas, 2402 Zvleu nome pelos séculos maldito!
As campinas, e as praias alvejantes Se beijares meus pés, — se reverente.
Como as túnicas brancas das armênias Prostrado sôbre a terra, 2407 me adorares!

[ 630 ]
ANCHIETA ÜV: O EVANGELHO NAS SELV A S

Ruga severa apareceu na fronte Faz o sinal da Cruz e se ajoelha.


Serena do Senhor, — estranho lume Prostra-se o povo humilde e repetindo
Correu no santo olhar. — Impuro gênio! As palavras do Mestre pronunciam
Responde, e se levanta, — escrito existe: As santas orações da madrugada.
A Deus adorarás, — a Deus somente — Ide em paz, 2417 meus irmãos. Deus vos conduza,
Humilde servirás! — Então, ouvindo Fala depois se erguendo, — ide tranquilos:
Êste preceito memorando, eterno, No próximo Domingo vos espero
Que das sombras do tempo despertava 2408 Para seguir do Salvador a História.
Negras lembranças de medonha culpa, A bênção do Senhor vos acompanhe.
Sentindo ainda na cabeça horrenda 2409 Um momento depois, sozinho e mudo
Doerem as feridas incuráveis Retira-se ao modesto santuário.
Que os raios vingadores produziram;
Satanás emudece, abaixa os olhos.
Um momento depois, tomando alento.
Prossegue opiniático: — Sossega, 2410 CANTO I
Não mais te enfadarei mostrando o quadro
Das nações e dos povos, — se quiseres, Quão formosos são sôbre os montes os pés do que anuncia
Te levarei mais perto........... — Quero, vamos! e prega a paz, do que anuncia o bem, do que prega a salva­
ção, do que diz a Sião; O teu Deus está para reinar!
Lhe responde Jesus. Nos largos ombros
Satanás o sustém, — sacode as asas, (Isaías L II v. 7). (2418)
Eleva-se do chão e ganha o espaço. I
Atravessa veloz os densos ares.
Chega a Jerusalém, por fim, e páta Símbolo eterno! — Rutilante escudo
No fastígio do templo: — Precipita-te No pavilhão celeste suspendido,
Daqui ao chão, se do Senhor és Filho, Como um troféu divino! — Astro dos astros!
Também escrito está, diz motejando, Senhor das estações, glória do espaço!
Que as celestes, inúmeras falanges Fonte da luz, da vida e da esperança!
Te ampararão nos braços protetores Farol da Criação!........ Alfim te mostras
Para que não tropeces, nem molestes Nas raias do Levante, afugentando
Os pés nas duras pedras! — Ouve, escravo Da noite infausta os lívidos espectros,
Da mentira, 2411 do orgulho c da impureza; E as sombras vis, do crime protetoras!
Teu Deus não tentarás, — também foi dito! Oh Sol! Oh Sol brilhante, sê bem-vindo!
Afasta-te de mim! — Jesus ordena.
Forçado então a obedecer, vencido II
Por um poder maior. Satã se curva.
Lança medonho e furioso brado, Atra tormenta, inundação medonha,
E some-se entre lugubres negrumes Derribaram a mísera cabana
Deixando o ar infecto e o espaço turvo. Do Ministro de Deus. Pesados troncos
Mas de tôdas as partes do horizonte Bóiam ainda nas barrentas águas
Brilhantes legiões de anjos excelsos Represadas nos úmidos algares
Surdem batendo as asas alvejantes; Que as enxurradas 2419 do verão cavaram.
Deixam o Firmamento, e circulados Os arbustos vergados, encobertos
De etérea claridade, ao mundo descem, De lôdo e sôlta argila, restos guardam
E prostram-se, cantando augustos hinos, De pobres utensílios, móveis pobres
Aos pés do Salvador. Depois se ajuntam, Pelo furor da enchente arrebatados
Uns inclinam as cândidas espáduas Ao triste eremitério. Gralhos secos,
Onde Jesus repoisa; — outros, alegres, Combros de areia elcvam-se nos sítios
Abrem as amplas, perfumadas asas, 2412 Onde mais bela a relva vicejava;
Formando um grande pálio 2413 que protege Mas sôbre a fina areia e sôbre o lôdo
Dos rigores do tempo a fronte santa; 2414 Nem siquer um sinal de humanos passos!
Os outros em falanges divididos Senhor! que é feito do piedoso mestre?
Buscam a vastidão, rasgam velozes Porque no santo dia de teu nome,
As nuvens purpurinas do Oriente, Quando os ingênuos crentes se reúnem
Derramando às aldeias e cidades. Para ouvir tua história e teus preceitos,
Aos agrestes casais e às 2415 pobres choças Tudo está frio, desolado e morto?
As bênçãos do Senhor. — Por fim, serenos. Porventura............ Mas não: — como suaves
Baixam remoínhando, e ledos param Repassadas de' amor e de humildade
Da Galiléia nos ridentes vales. Sobem aos céus as maviosas preces
Dos singelos conversos! Ei-los juntos
X V No tópo de um oiteiro, ajoelhados
A 2420 roda do piedoso Missionário,
^las o clarão da aurora inunda o espaço, 2416 Cantando teus louvores! — Ruja o vento.
Apagam-se as estréias, — as neblinas Estale o raio, o temporal braveje.
Dei.xando os altos montes se desdobram Vingue a enchente voraz os altos montes,
Em véus ligeiros pelos fundos vales; Que importa! o zêlo vencedor do tempo,
Cantam os passarinhos, — desabrocham A crença viva que produz milagres
As flores odorosas dos silvados. Farão novos sacrários, novas aras,
Está findo o serão, cala-se o Padre, Onde as almas fiéis. Senhor, te adorem!

[(U.l ]
L U ÍS XIOOLAU FAGUNDES VARELA

I I I Da linda Galiléia os frescos vales.


Dois amigos de João, seguem-no logo,
Como bendito lenho, arca bendita, Depois Felipe o pescador, e o lhano, 2426
Depois da horrenda convulsão das águas, Meigo Natanael seu companheiro.
Sôbre risonha, plácida montanha. Foram êstes paupérrimos mancebos.
Leves, tênues vapores exalando. Paupérrimos dos dotes da fortuna.
Ao suave calor do sol propício. Porém ricos de amor e de esperança.
Pequena choça, sôbre verde cole Limpos de coração, mansos e crentes.
Tranquila se levanta. Ali não chegam Os primeiros discípulos de Cristo.
As escumas do rio intumescido,
Pode ali meditar, dormir sem mêdo
O Apóstolo feliz do Novo Mundo. V I I
O céu é todo paz, frescura o campo.
Sossego o bosque umbroso; — a tempestade
Como um sonho passou, — ei-lo, 2421 de novo
T riste como um sorriso compassivo.
Rodeado dos seus, 2422 o M estre ilustre
Entre prantos de amor e de saudade;
A sagrada missão continuando.
T riste como um olhar de despedida,
Como um Adeus de amigo que se ausenta,
IV Quando de longe 2427 de arenosa estrada
Pela última vez contempla as serras 2428
E as campinas natais: assim no espaço, 2429
Depois dos costumados exercícios,
Do sol quase a sumir-se o frouxo lume, 2430
Dos alegres folguedos, não vedados
Pelo pio varão, a cujos olhos Descansa merencório sôbre os tetos
Nunca o riso e o prazer foram delitos, Da tranqüila Canã, cidade humilde
Quando os preceitos da Moral não ferem, Da humilde Galiléia; — e nessas horas,
Quando as vagas lembranças agridoces
À voz do M estre ajuntam-se os conversos. 2423
Dos tempos que passaram 2431 tumultuam
Guardam silêncio, esperam ansiosos
No pensamento humano, e a voz das aves,
Da narração cortada o seguimento.
O murmurar das fontes solitárias,
O ciciar das auras na espessura
V Casam-se d’alma aos fugitivos sonhos;
Quando as brilhantes ilusões da infância
A divina jornada no deserto, Revoam pela mente do que sofre, 2432
Do sagrado Batism o a cerimônia. Como em tarde de estio, à flor dos lagos,
Os austeros jejuns, as penitências Um bando de andorinhas forasteiras;
Em triste soledade, e as execrandas Nessas horas de calma e de amargura.
Tentações de Satã, — deveis lembrar-vos. De aflição e prazer, de riso e lágrim as:
Irm ãos, repente o narrador, — contei-vos, Chusmas alegres de louçãs pastôras.
No passado serão, direi agora Camponeses gentis, zagais esveltos.
Como deixou Jesus o isolamento Em trajos festivais, brincam e dançam,
E apresentou-se aos homens ensinando Cantam e jogam do arvoredo à sombra.
Os preceitos da lúcida doutrina. 2424 Ou sôbre as alcatifas de verdura
Prestai-m e ouvidos, sabereis prodígios. Que a frente adornam de formosa granja.
E ’ dia de noivado. Pressurosas 2433
Acodem dos subúrbios e arredores
V I Dos maiorais mais ricos as famílias,
E as famílias dos pobres jornaleiros.
Aos folguedos das bôdas; vem entre elas
A filha de Joaquim e o santo espôso;
Não mais insiste o rígido Batista.
Chega também Jesus e seus amigos.
Ao povo israelita predizendo
A vinda do M essias; não, agora,
Agora que Jesus reconhecera VIII
Como o Filho de Deus, e anunciado
P or todos os profetas, o apresenta Os tangeres de simples instrumentos.
Às multidões sorprêsas: “ Vêde, exclama, Doces, 2434 melodiosos, e a toada
E is o cordeiro do Senhor que afasta Dos tamborins sonoros, algum tempo
Os pecados do mundo! Oh sim, é êle, Medem da mocidade as ágeis danças
De quem eu sempre disse, e em tôda parte: E dissipam as mágoas da velhice;
Depois de mim virá o Preferido! Os bons vinhos depois, os bons guisados,
V irá quem era, e é, — quem eu não via, A fartura da mesa do banquete
Quem batizei com água, aparelhando As condições confundem e as idades.
A grande estrada que trilha devera!” Os pais dos desposados, diligentes, 2435
E stas palavras escutando, o povo, 2425 Andam de lado a lado, as taças enchem,
Que o Batista respeita, corre, apinha-se Os criados incitam, e solícitos
À roda de Jesu s; modesto e simples Trazem novos manjares, novos pratos
Êle, porém, retira-se a outros sítios, Que aos convivas, afáveis, 2436 apresentam.
E procura mais tarde, finalmente. Tecem da noiva as cândidas amigas 2437

[ 632 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S

E OS amigos do noivo o epitalâmio X


Usado nessas eras. Entretanto
Da noite as horas infiéis e tredas, Ora, quando estas coisas sucediam
Que lentas esvoaçam sôbre a fronte A nuvem negra de ódios, suspendida
Do solitário pensador, que cercam Sôbre a fronte severa do Batista, 2445
A dura barra do infeliz cativo Rebentara terrível! Os senhores.
De pavorosas sombras, e prolongam Os magnatas de então, cujos defeitos
Do lívido, aterrado agonizante Eram püblicamente censurados
Os martírios cruéis, correm velozes Pelo implacável, 2446 rígido profeta.
Onde brilha o prazer, soam os risos, Uniram-se cruentos e o lançaram
Onde o júbilo agita as asas de oiro! Nas fundas e pestiferas masmorras
O dia se aproxima. A grande mesa De Macaur, sinistra fortaleza
Terceira vez coberta de iguarias. Nas terras de Magedo levantada.
Gostosos acepipes, doces frutos, Recebendo Jesus esta notícia,
Nâo mais alegra os olhos, — a tristeza Nas aldeias tranqüilas se demora 2447
Debu.xa-se no rosto dos convivas. Da pátria Galiléia, repetindo
Está findo o fe stim ?.... — Estão vazias O Evangelho de Deus ao povo humilde.
As ânforas e taças! — vinho, vinho!
Dai-nos mais vinho! — um dos amigos grita. X I
— Pois acabou-se o vinho? diz sorprêsa
A rainha da festa, — que desgosto! A fama de seu nome e das doutrinas 2448
Nem uma gôta ao menos acharemos: Santas e luminosas que professa,
Os odres estão secos. — Mais penoso Das sublimes ações, e da doçura
Mostra-se o enfado nos semblantes todos. Do trato, das palavras, voa, passa
Então Maria volta-se a seu Filho Além das cordilheiras que circundam
Que ao lado estava pensativo e mudo A província natal. As gentes simples, 2449
Sôbre um velho taburno recostado. Em cujos corações crentes ainda
— Vês? — murmura com gesto suplicante. Da velha Roma o hálito gelado
Não crestou a esperança, os lares deixam.
IX Correm a ouvir a voz consoladora
Do jovem sábio de Israel, — o amigo
Ora, no fundo da espaçosa sala Dos que gemem e choram neste mundo.
Sôbre tôsco alicerce ou rijo assento 2438
De forte alvenaria, colocadas X I I
Seis grandes talhas de granito estavam, 2439
Destinadas, segundo a lei antiga, 2440 Nas horas melancólicas da tarde
Às santas abluções; Jesus ouvindo Quando se esconde o sol entre as montanhas,
0 materno pedido se levanta. E a luz crepuscular povoa os vales
Acerca-se da mesa do banquete: De tristezas, de amôres, de saudades,
— Enchei aquelas talhas d’àgua pura! — Um dia vagueando pensativo
Fa!a com voz sonora, imperiosa. À 2450 verde margem de sereno lago.
— D’àgua?... todos exclamam. — Sim, 2441 responde Vê sôbre a areia dois batéis vazios,
A espôsa de José, êle não zomba, E a pouco espaço sôbre escuras rochas
Fazei o que vos diz, tereis o vinho. — Tisnadas e grosseiros pescadores
Num^ volver d’olhos servos e senhores, Lavando as finas rêdes. Ao mais velho,
Incrédulos, mas lhanos e corteses. Da Galiléia habitador antigo, 2451
Atendendo aos caprichos 2442 da amizade, Dirige-se 2452 Jesus: — Simão, que fazes?
Que inocente capricho o caso julgam, Puxa ao lago o teu barco e lança as rêdes,
Enchem, a transbordar, as grandes talhas. Quero te ver pescar. — Mestre, responde
Tomai agora os cântaros e jarras. Tristemente Simão, a noite inteira
Ordena o Salvador, — tomai os frascos, Eu ontem trabalhei, e hoje, debalde,
E as ânforas também: — estão repletas Nem um peixinho achei; porém tu mandas,
De vinho aquelas talhas. — Curiosos Cumpre-me obedecer. Ajunta as rêdes.
A 2443 roda de Jesus todos se apinham. Chama os sócios e desce, o lenho impele, 2453
1 rimeiro, enchem os servos grandes vasos. Toma o Senhor consigo e faz-se ao largo.
Depois os cangirões, depois os copos
Que a seus amos entregam......... Maravilha! XIII
Em vez d’àgua das fontes, clara e fresca,
la o grata aos caminheiros do deserto. Sôbre as águas serenas, lança, estende
Aos cabreiros das serras, — rubro vinho O tecido sutil de finas malhas.
Escuma e ferve nas vasilhas fundas Depois aos poucos, lentamente o tira,
Acordando o prazer e o regozijo Dos amigos robustos ajudado.
Entre os cansados, 2444 mudos bebedores. Mas o pêso excessivo as linhas quebra.
Uma grita estrondosa e prolongada Quebra as delgadas cordas; outros barcos
bauda o autor do portentoso feito; Do barco de Simão se acercam logo.
Jesus, porém, esquiva-se aos aplausos, Assombrosa fortuna! À tona d’água
como dantes, vai sentar-se calmo Reluzem, pulam turbilhões de peixes
oobre o velho taburno que deixara. Os mais estranhos no tamanho e forma.

[ 633 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Os mais apreciados nos mercados; Seu rosto empalidece, depois cora;


Uns agitando as barbas filiformes, Afogueiam-se os olhos, os tecidos
Encrespando as escamas de mil côres, Alisam-se e de pêlos se guarnecem;
Fazendo resvalar nas turvas ondas Nova circulação traz vida nova
O dorso boleado, úmido e pingue; Ao sangue arterial; a mocidade,
Outros dobrando o prolongado corpo A saúde, o vigor, o todo animam
Batendo as águas, como a lisa fôlha Daquele triste ser, que sôbre a terra 2459
De larga e forte espada damascena, Passava pelas fases tenebrosas
Lançando à roda inúmeros respingos; Da noite dos sepulcros! Tanto podem
Abrindo outros as asas matizadas A santa fé e a lúcida esperança!.............
De azuis lavores, de cetíneas manchas,
Procurando transpor o móbil circo. X V I
De instante a instante mais estreito ainda.
Depois se ajuntam, se misturam, rolam, Mas, o que são lauréis, coroas, palmas,
Ondas vivas represas por encanto Triunfos, glórias, ovações mundanas.
Nos limites de mágico desenho Flores que mata o hálito da inveja.
Feito por mão de fada caprichosa. 2454 Vítreas, brilhantes concreções das grutas,
Os barcos atulhados mal flutuam Que, ao rugir do trovão, estalam, partem-se.
Deixando apenas as delgadas bordas Em mil pedaços caem? que são elas
Fora das águas buliçosas, prestes Aos olhos do S e n h o r ? ..., Que pensamento
A passarem sôbre elas; entretanto Anima o rei do pó, quando se esbofa
 direita, à 2455 esquerda, à proa, à pôpa Em louvores prolixos, vãos discursos,
Os cardumes aquáticos pululam! E tenta, insano, com palavras frouxas
Celebrar de seu Deus a O nipotência?.............
X I V Evitando os aplausos e os encômios
Das turbas sequiosas de prodígios,
— Retira-te de m im i... Simão exclama, Todo entregue à missão que o trouxe à terra.
Retira-te de mim. Senhor, te digo! Afasta-se Jesus, busca repouso
Homem culpado sou, escuras nódoas Na pobre habitação de amigos pobres.
Minha vida enegrecem! — Não te assustes, Não o deixa, porém, o lhano povo.
Responde-lhe Jesus, meigo e risonho, * Segue-o, entra açodado, a casa ocupa.
F ôste até hoje pescador de peixes, Traz seus enfermos, pede-lhe conselhos,
Mas de homens pescador serás agora. — A verdade lhe pede e a luz celeste
Simão curva a cabeça e abaixa os olhos, Que ilumina o caminho do futuro.
Chegando à praia as rêdes abandona,
Deixa o barco na areia, e acompanhado
XVII
De Tiago e de João, 2456 fiéis amigos.
Em seguimento do Senhor 2457 caminham. Ao portão impedido, chegam, param 2460
Quatro moços robustos, conduzindo
XV No próprio leito, sócio de dez anos.
De dez anos de dores e amarguras,
Do sol do meio-dia à luz doirada Um infeliz, exangue paralítico.
Entram em pobre aldeia. O augusto M estre Falam à multidão. Instam. Suplicam
Em casa de Simão passara a noite. Que os deixe, até Jesus, levar o enfêrmo.
Ao vê-lo o povo insonte se alvoroça, Baldado empenho! A multidão é surda:
Deixa as ocupações, à rua corre, A multidão é cega ou ............. deslumbrada:
Saúda o Salvador. De vil tugúrio A multidão só tem um pensamento,
Ao lado esquerdo de viela imunda, Uma idéia, — um desejo: — ver o M e s tr e !.. . .
Um hediondo vulto, esfarrapado, O M estre o u v ir !... — O mais pouco lhe importa.
Levanta-se gemendo, cai; de novo Não descoroçoados, senão crentes,
Levanta-se, e caminha vacilante, Guiados pela fé, mãe dos milagres.
Fazendo recuar os curiosos, Removem para um canto 2461 o desgraçado 2462
Que, 2458 a seu aspeito, horrorizados fogem: Os amigos fiéis. — Escadas buscam:
Roxos tumores, pútridas feridas Contra a parede as firmam, cautelosos;
Cobrem-lhe os pés, as mãos, o peito e o rosto; Alçam o pobre leito e o pobre amigo;
Esverdeado pus, aguado sangue Ouvido escrutador às telhas unem,
Empastam-lhe os andrajos asquerosos; Soerguem-nas; — aos caibros desnuados
Não mais conservam pálpebras e lábios Cordas amarram, pelas cordas descem
As formas primitivas, ora, apenas, À sala baixa onde Jesus pratica 2463
Esponjoso tecido de tubérculos No pobre leito o mísero doente.
Mostram, oh D e u s ! .... os últimos, um riso Um grito de terror quebra o silêncio!
De escancarada ch ag a.. — as chagas riem! Olham o teto os circunstantes, — olham
Aos pés do Salvador chega esta coisa. As sombras vacilantes, nas paredes,
— Jesus de Nazaré! Si tu quiseres Olham para Jesus, para a mofina
Eu serei s ã o !.. Exclam a roucamente. E lívida figura do entrevado
Jesus guarda silêncio, encara o pobre: Imóvel, envolvida, em alvos panos, 2464
A multidão se agita, treme, espera. Semelhante ao cadáver macilento
— Quero! — ordena o Senhor. Ergue-sc o enfêrmo, Que levam a enterrar. — Senhor, curai-me!

[ 634 ]
ANCHIETA OU O ETANGELHO NAS SELVAS

Tende pena de mim, Senhor, murmura Estende-se, flameja, os seios ganha,


Com voz entrecortada de suspiros. E abrasa os corações. Todo o que sofre,
— Homem, Jesus exclama, os teus pecados Todo o que espera e crê, todo o que almeja
Perdoados estão! — Ouvis? cochicham Das sombras do presente alçar os olhos, 2469
Os fariseus e escribas, vis hipócritas, Perscrutar o futuro, 2470 se coloca
Que da lei zeladores 2465 se apregoam, Ao lado do Senhor. Já por milhares
Êle fala em perdão! êle se atreve São orçados prosélitos e ouvintes.
A competir com Deus! — Blasfêmia horrenda! Cada dia um milagre, um belo feito.
— Loucos! Jesus responde, o que mais custa. Firmam a sã doutrina, 2471 ao povo mostram
Dizer ao desditoso: os teus pecados Que sôbre o homem perecível brilha
Perdoados estão, ou ordenar-lhe: A grandeza de um Deus, de um Deus a glória.
Levanta-te, caminha? — Agora escuta. Ora, é um doutor da lei, distinto membro
Diz se voltando ao mísero doente: Do senado judeu que vem à noite
Ergue-te! mando eu, — toma teu leito, 2466 Cauteloso, solícito, implorar-lhe
Vai para casa de teus pais, ouviste?........... Dos sagrados preceitos a ciência,
— Oh! Cristo! Os povos todos te bendigam! E ’ Nicodemos que rejeita o êrro
Louvem as gerações teu santo nome E as verdades abraça do Evangelho;
Por séculos e séculos! — exclama. Ora, mesquinhos sêres que a doença
De um salto levantando-se, e caindo Furta ao trabalho e tolhe os movimentos, 2472
Aos pés do Salvador, o pobre moço! Que, 2473 à voz do Mestre, jubilosos andam
— Vai — Ordena Jesus. — Risonho, alegre. E seu divino Salvador bendizem;
Toma o raancebo a cama sôbre os ombros, Ora, 2474 desamparadas criaturas
E afasta-se, levando a Plicidade Em cujos corpos legiões do inferno
A seus aflitos pais. — Maravilhado Se agitavam raivosas, que, 2475 libertas
À 4267 roda de Jesus pondera o povo: Do tenebroso jugo, hinos entoam.
— Hoje vimos prodígios inauditos! — Volvem ao céu agradecidos olhos,
E o nome de Jesus prostradas louvam.
XVIII A Esperança e a Fé, anjos celestes,
Abrem as asas, e a tristeza expelem.
Por tôda a parte onde o Senhor caminha.
Deixando os fariseus e escribas mudos,
Mudos os assistentes, boquiabertos.
Afasta-se Jesus; na larga praça. X X
Bem junto do Telônio, ou grande mesa,
Onde estavam então os cobradores Uma bela manhã, clara e serena.
Dos dinheiros reais e dos tributos. Depois das santas orações, descansa
Vê, ao passar, sentado um publicano; Sôbre formoso céspede e, 2476 chamando
Detém-se, encara-o, fita-lhe no rosto Seus fiéis companheiros, doze escolhe
Um dêsses fundos, divinais olhares Que denomina — Apóstolos. — São 2477 êles:
Que aos seios d’alma rápidos penetram, Simão, que apelidou Cefas ou Pedro,
E laceram os véus da consciência. De todos o mais velho; — André, Tiago;
— Levanta-te, Levi, filho de Alfeu, João e Bartolomeu; Tomé, Filipe,
Que chamarei Mateus, e vem comigo. — Outro Tiago, outro Simão ainda
Mateus não titubeia e não vacila. Chamado o zelador; — Mateus, o antigo
Ergue-se, deixa tudo, ao chão arroja Levi o publicano; — depois Judas
O próprio manto que trazia aos ombros, Parente de Tiago, e finalmente
Guia o Senhor à casa onde reside, Judas de Kerioth que mais tarde
Faz apresentar esplêndido banquete. Veio a vender seu benfeitor e Mestre.
Chama os pobres à mesa, e alegres folgam Depois, notando que se ajunta o povo,
Por todo aquêle dia. — Os vis escribas. Que ansioso o rodeia, — se levanta,
Os invejosos fariseus lhe dizem: E pronuncia o lúcido discurso
Quê! Censurais os vícios e defeitos Que — Sermão da Montanha — hoje dizemos. 2478
Do vulgacho grosseiro, vós o Mestre,
E comeis, no festim do publicano.
X X I
Sentado entre rasteiros pecadores! —
O Senhor lhes responde: — Ouvi, malévolos.
Os que estão sãos, sabeis, não necessitam — Afortunados sois, pobres de espírito, 2479
Djjs socorros do médico, aos enfermos Pois o reino dos céus é vossa herança;
São êles destinados. Neste mundo Afortunados sois, brandos e mansos,
Não venho aos justos ensinar, mas, 2468 vêde. Que sem disputa possuís 2480 a terra;
Chamar à penitência os pecadores! — Afortunados sois, vós que chorando
E outras santas verdades repetindo Atravessais a estrada da existência
Os reduz ao silêncio, envergonhados. Porque tereis das mágoas lenitivo;
Afortunados vós que tendes fome
E sêde de justiça, — sereis fartos;
X IX Afortunados sois, oh compassivos,
Pois achareis também misericórdia;
O tênue lume que animava a essência Afortunados vós, que neste mundo
Ue diminuto número de crentes. Tendes os corações limpos e puros.

[ 635 ]
I.U Í8 NICOLAU FAGUNDES VARELA

Pois verão o Senhor os vossos olhos; Glória ao Filho de Deus! No mesmo instante,
Afortunados sois, sêres pacíficos, No sombrio aposento onde inda há pouco
Filhos de Deus vos chamarão os homens; Sob as garras da morte convulsava,
Afortunados vós que sem queixumes Ergue-se alegre sôbre o môrno leito.
Por amor da justiça e da verdade Lançando ao chão as grossas coberturas, 2487
Sofreis perseguições pois vos pertence O servo redivivo! — Um tal prodígio
O reino do Senhor; — afortunados Liga o centurião à nova crença.
Vós que gemeis ao pêso das injúrias,
Das calúnias cruéis por meu respeito, XXIII
Afortunados sois, pois largo prêmio 2481
Recebereis além na eterna pátria! Outros tristes, porém, outros enfermos.
Voltando-se depois a seus discípulos: Os enfermos do espírito, ansiosos,
— Vós sois o sol da terra e a luz dos povos. A presença do Mestre além imploram.
Como um farol suspenso nas alturas Ei-lo de novo percorrendo as choças.
Aclare vossa luz a humanidade; Os casais e as aldeias, ensinando
Vejam os homens vossas santas obras A palavra de Deus ao povo rude.
E glorifiquem vosso Padre excelso !......... Consolando os aflitos e oprimidos, 2488
Quem de mim se aproxima e atento escuta Derramando a benéfica esperança
As palavras que brotam de meus lábios, Nos corações de todos que o procuram;
Quem depois de as ouvir seguro as guarda Ei-lo trazendo escravo de seu gesto
E as põe por obra no lidar da vida, 2482 Um séquito que os reis jamais tiveram, 2489
E ’ igual ao varão prudente e sábio As portas de Naim transpondo agora.
Que nas cavas de rígido penedo
Prende da casa os alicerces fortes; XXIV
Quando os tufões correrem pelo espaço,
Quando as caudais torrentes se arrojarem rôrvo é o céu, — a terra inda mais tôrva,
Bravejando, no dorso das montanhas, Negros bulcões não rolam pelo espaço
Não terá que tem er! — Triste daquele, 2483 Nem raivoso tufão açoita as plantas
Triste daquele que os ouvidos cerra E nuvens de poeira aos ares ergue;
As profundas verdades que professo! Mas um lençol de baço nevoeiro
Qual insensato, em terra levadiça Furta aos campos molhados de saraiva
T erá pôsto da casa os fundamentos; As carícias do sol meridiano.
Quando as torrentes rábidas passarem Nem uma alegre rapariga brinca
Pelas chuvas do inverno intumescidas. Enquanto a fonte chora e enche a bilha.
Vorazes lamberão a areia sôlta Poucos, raros passantes atravessam
E o vaidoso edifício irá com ela! — As praças solitárias. Frio, agudo,
Depois dêstes santíssimos conceitos Sibila o vento nos pesados tetos.
Cala-se o Salvador, abre caminho A tristeza do céu as almas ganha...........
Por entre a multidão que amiga o cerca, Oh! dai-me um céu azul, um sol de maio,
E seguido dos seus desce do monte. Vergéis floridos, passarinhos ledos,
O sol do meio-dia abrasa os campos. E deixai-me sofrer! Almo consolo
Meu seio encontrará; não opulento, 2490
X X II Cheio de atividade e de esperanças, 2491
Me lanceis sôbre o gélido regaço
J á de Cafarnaum ao longe avista Da natureza muda, entorpecida!
As verdes eminências matizadas
De florentes arbustos, quando chega XXV
Ofegante ancião a seu encontro.
— Creio em vosso poder. Senhor, lhe fala. Ao dobrar de uma quelha infausto quadro
Por isso corro a vos buscar, ouvi-mc: A vista magoou dos peregrinos. 2492
Um bom centurião suspira aflito Era uma procissão de moços pobres
De moribundo servo à cabeceira, Que levavam silentes, lacrimosos.
Sabe quanto valeis......... se vós quiserdes......... Ao derradeiro asilo um corpo amigo.
E embaraçado cala-se. — Não temas. Em descoberto esquife, — macilento.
Responde-lhe o Senhor, que bem obraste. Pálpebras roxas, 2493 deprimidas faces,
M ostra-me a habitação de teu amigo, 2484 O mancebo dormia o sono imenso
Irei ver o doente. E segue o velho. Que não tem despertar 2494 sôbre êste mundo.
Mas o centurião, 2485 apenas sabe Ela tinha calcado muito e muito
Que Jesus se aproxima, envia logo Seu sinête real naquela fronte, 2493
Por alguns companheiros que o rodeiam A tenebrosa filha do pecado!
E sta humilde mensagem: — Não sou digno, 2486
Senhor, de entrares em meu pobre asilo. XXVI
Manda, e meu servo ficará curado.
— Oh! na verdade, o Salvador exclama. Único amparo de infeliz viúva.
Ao povo se voltando, longe estava Luz de seus olhos, sonho de su’alma.
De supor tanta fé por estas terras! Fio doirado que prendia à vida
Ide, — ordena aos atentos mensageiros, O batei de seus dias desditosos,
São achareis de vosso amigo o servo........... Êle ali estava!.... Lívida, sem prantos,

[ 636 ]
ANCHIKT.V OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Aceso o olhar, os lábios ressequidos, Naqueles tempos de vileza e opróbrio.


Desprendendo da trêmula garganta Vivia uma mulher, jovem, fastosa.
De quando em quando um soluçar convulso. Esplêndida de audácia e formosura.
Seguia a pobre mãe os frios restos A nobreza de então 2503 gemia escrava
Do que mais estimara sôbre a terra! Debruçada a seus pés; os magistrados
Aquela dor profética, sinistra, 2496 O fiel da balança quebrariam
Chegou até Jesus! A vista imensa Por um sorriso apenas! Muitos ricos
Do Filho de Maria 2497 vence o tempo, Adormeceram ébrios de volúpia
E vai cair no cimo do Calvário!......... Nas fôfas almofadas de seu leito;
Ai! se não fôra um Deus, talvez chorasse! M as.........despertaram 2504 pobres. — Desgraçada!
Sai do meio dos seus, abre passagem, Era como o arvoredo ameno e fresco,
I'’az parar o funéreo saimento. Que enfeitiça o cansado viajante,
Volta-se à triste mãe que ao vê-lo treme: E o convida a dormir, mas cuja sombra
— Oh! não te aflijas, 2498 que teu filho dorme! — Derrama a febre, o desespêro e a m orte!.............
Diz com voz maviosa e compassiva, Tinha visto Jesus e o tinha ouvido,
E depois, acenando ao frio corpo: A glória de seu nome a deslumbrara.
—• Levanta-te, mancebo, eu mando! — exclama. Sabia onde êle estava......... Horrenda, escura
Senta-se o moço, encara os assistentes, Tentação de Satã! Tartáreo sonho!.............
I.ança por terra os lúgubres adornos, T a lv e z !.... falou consigo; e pressurosa
E saltando do esquife, alegre e forte Das mais finas roupagens se reveste.
Aos pés do Salvador se prostra humilde! Adorna-se de jóias e de flores;
De aromas esquisitos se perfuma;
XXVII Solta os cabelos negros e profusos 2505
Sôbre as níveas espáduas descobertas,
A fama dêste caso portentoso E tomando uma límpida redoma
Corre tôda a Judeia, o ilustre nome De precioso bálsamo pejada.
Do inspirado profeta Nazareno Ganha ansiosa a rua, e se dirige
Passa de bôca em bôca, desde as salas Do fariseu à casa, a 2506 largos passos.
Do rico Israelita e do Romano,
Até ao vil tugúrio do mendigo. XXX
Entretanto, inflamado em santo zêlo, 2499
Do cárcere medonho onde definha, 2500 E ra findo o banquete. Junto à mesa,
O indomável Batista envia, ocultos, 2501 Sôbre toalha alvíssima, poisando.
Dois emissários a Jesus: — Acaso, Meio inclinado o corpo, o esquerdo braço.
Dizem êles, és tu quem vir devera. Praticava Jesus. Mudos, atentos,
Ou por — Êle — esperar nos cumpre ainda? — Das taças, inda cheias, esquecidos.
Mas o Senhor ao povo se dirige. Esquecidos, que os rádios encostavam
Dá vista aos cegos, — faz andar os coxos. Sôbre as frias relíquias do banquete.
Falar os mudos, — escutar os surdos, Os convivas ouviam. Era tarde,
Moverem-se as antigos entrevados, E ra fundo o silêncio, a hora solene.
E depois se voltando aos emissários: As palavras de Cristo penetravam
— Ide, lhes diz, contai o que hoje vistes, Como as revelações de um outro mundo
Contai que os cegos vêem, os coxos andam. Nas consciências tôdas. Nesse instante
Os surdos ouvem, os leprosos saram. De sagrado terror, na grande sala.
Ressuscitam os mortos, e a pobreza Cheia inda há pouco de arruído e vozes,
As palavras escuta do Evangelho. Se apercebera o farfalhar medroso
Eis a minha resposta, ide tranquilos. Das asas de noturna borboleta.

XXVIII X X X I
E partiram de João os mensageiros. 2502 Pé ante pé, ousada, e comovida;
Um fariseu do Mestre se aproxima: Corado o rosto, os olhos cintilantes;
Quero, Senhor, pedir-vos uma graça. A linda, rósea mão, quente, convulsa,
Mandei pôr mais um prato à minha mesa. A 2507 mêdo, os brandos seios comprimindo;
Encher de vinho velho um novo cântaro. Bela como a visão de um Elamita,
Venho buscar-vos; ceareis comigo, Que à noite dorme, junto às almenaras,
h. repouso achareis em minha casa; E, sonhando, pressente o airoso vulto
vossos discípulos convosco; De uma ditosa filha de Oromázis
Não me negueis o que vos peço, vinde.” Girando ao derredor: surde, detém-se
jesus encara o fariseu e o segue. No limiar da porta a pecadora.
Rápido olhar pelo recinto volve:
X XIX E s p r e ita .... convidados, mesa, alfaias,
Finalmente Jesus. Caso estupendo!
Ora, naqueles tempos ominosos, Uma luz divinal lhe fere os olhos!
Quando a — raça perjura, — abandonando Frio suor poreja-lhe no rosto
O ternplo de seu Deus, o altar da pátria, Onde se estende a lividez da m orte!...........
Desvairada e febril tripudiava . . . . O h ! nesse instante de inspirada angústia,
Nas orgias fatais dos vencedores; Tôda sua existência, e seu passado

[ 637 ]
T.UÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Esquecidos, ressurtem!......... — A cabana XXXIV


De seus honestos pais, os áureos sonhos Põe-se o sol dos oiteiros e dos vales.
Da descuidosa e santa meninice, Soltam as avesitas inocentes
O céu azul, as balsas florescentes, 2508 Maviosos reclamos: — Vinde, vinde.
Os serões da família, e . . . . sobretudo. Vinde alegres cantores da floresta.
A i!.... a inocência da primeira idade! Dizem com seu falar melodioso,
Crenças divinas que alimentam anjos!........... A noite desce e as virações fagueiras
Tudo isto apareceu! — de novo.... ao longe, Perfumam nossos ninhos delicados
A luz de um céu puríssimo, crivado Dos mais gratos odores do deserto;
De milhares de estréias refulgentes!......... Da estréia do pastor a luz suave
Depois, volvendo os olhos a si mesma. O êrmo encantará quando saudosas
Examinando as nódoas indeléveis Pelo clarão d’aurora suspirarmos! —
Que de su’alma o espelho embaciavam, Nas bordas dos regatos cristalinos
Viu do colar as pérolas mudadas Abrem-se docemente os grandes lírios
Em lágrimas de fogo, e as ametistas. E murmuram baixinho: — que mimoso,
Os graúdos rubis dos braceletes. Que peregrino, 2511 lisonjeiro silfo.
Em quentes gôtas de fervente sangue!....... Passa junto de nós, nos beija e foge?
Então sôbre as espáduas da perdida Ai! se voar pudéssemos, felizes
Rebentaram de novo as asas de anjo! Iríamos brincar nas moles sêdas
Em soluços desata, dolorosos, Onde repousa o beija-flor agora...........
Tança-se compungida aos pés de Cristo, Mais longe, um pouco, as borboletas negras.
De lágrimas e bálsamos os cobre, Boêmias vagabundas, pairam, giram
E os envolvendo nas madeixas negras. Descendo ao frio chão de espaço a espaço.
Os enxuga, 2509 prostrada, arrependida. Medrosas cochichando; — Estamos perto
Do lugar do festim? A loira fada, 2512
XXXII Cuja varinha nossas danças rege, 2513
Terá dado comêço ao grande baile?
— Oh! n ã o !.... murmura o fariseu consigo, Descansemos aqui, sôbre estas flores
Êste mancebo zomba de nós outros! Estendamos as asas de veludo,
Se êle fôsse profeta, bem soubera Banhemo-nos de orvalho e de ambrosia! —
Quanto é rasteira e vil a criatura .Além, de manso lago à superfície, 2514
Que pranteia a seus pés! — Jesus o encara, Na corola dos mornos nenúfares,
E diz estas palavras: — Ouve, amigo: Ajuntam-se ligeiros vagalumes.
Tinha um bom mercador dois devedores, De azulado clarão iluminando
Um, quinhentos dinheiros lhe pedira. As pétalas macias: — Como é belo
Outro, apenas cinquenta; — pobres ambos Nosso palácio mágico, — murmuram! —
Nunca puderam lhe pagar tais somas, E qual o cavaleiro armado de aço
Êle, porém, as remitiu sem queixas: Das finas hásteas dos compridos juncos.
Qual dos dois lhe devera ser mais grato? Mira o rijo besouro luzidio
— Oh? — certamente, o fariseu responde, O castelo brilhante. — Curiosa,
O que maior quantia recebera! — Como a criança que o perigo afronta.
— Julgaste bem: o Salvador prossegue, Fascinada debruça-se a lagarta
Estou sob teu teto, não me deste Da larga fôlha onde enroscada vive.
Para lavar os pés um pouco d’água, Mais longe ainda, nos sarçais oculto.
E nem me deste o ósculo fraterno, Bardo da solidão, tristonho canta 2515
E nem minha cabeça perfumaste O lamentoso grilo; e além, travessos
De bálsamos suaves; entretanto Pulam à flor do lago transparente
Ela banhou-me os pés com tristes lágrimas, Os cardumes de pávidos peixinhos.
Ela os cobriu de beijos incessantes, Ansiosos de ver nos céus tranqüilos
E os ungiu de perfumes preciosos!......... As primeiras estréias radiarem!.........
Por isso agora digo: os seus pecados Oh! nessas horas de poesia infinda,
Remitidos estão, amou, e muito! — Quem se despir da frívola ciência
E voltando-se à humilde pecadora. Das vaidosas escolas das cidades,
Lhe diz:^— Mulher, levanta-te, não chores, E, filho amante, repoisar a fronte
Pois a fé te salvou! — Assim falando No regaço feliz da Natureza,
Ergue-se e sai da sala do banquete. Üm mundo encontrará nunca sonhado!....
X X X V
XXXIII
Já, porém, muitas luas percorreram
Pura, como na infância, abençoada Os páramos azuis do firmamento,
Pelo Santo entre os Santos, Madalena, E mais bela estação à terra volta
Que êste era o nome da infeliz perdida. Trazendo aos sêres a abundância e a vida.
Foge de seus amantes opulentos. Depois da cura do mesquinho servo
Entrega aos pobres 2510 jóias e riquezas Do bom centurião, — da gloriosa
Que Satã deparara, e mais formosa. Ressurreição do filho da viúva,
Descoberta a cabeça, os pés descalços. E do caso da bela pecadora, 2516
Acompanha o Senhor por tôda parte. A humilde Madalena. Acompanhado

[ 638 ]
ANCHIKT.V OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Dos amigos fiéis, Jesus se arreda XXXVII


Dos sítios conhecidos, se dirige
Ao 2517 de Genesaré extenso lago,
E tomando uma barca, aos remadores
Ordena que os transportem sem tardança A luz do dia, — o gorjear das aves.
Do lado oposto às ribas verdejantes. As aragens ligeiras interrompem
Soltam a branca vela, e o lenho airoso O piedoso serão. Ergue-se o Mestre,
Qual engraçado cisne as ondas singra; A.visa a multidão. Prostram-se 2520 todos
Cantam os pescadores, e os discípulos 2518 E tecem ao Senhor ações de graças.
Ajuntam-se e conversam descuidosos; Despedem-se do Santo Missionário,
Passa Jesus à pôpa, e em fina esteira E penetrados da mais viva crença,
Estende os frouxos membros e adormece. V^oltam a seus labores costumados.
XXXVI
Mas pouco e pouco as nuvens nacaradas, 2519
Que no céu do Ocidente refulgiam, CANTO IV
Conglobam-se rugindo, e se transformam
Em grossos rolos de funéreo crepe.
Frias lufadas de raivoso vento Lembra-te de teu Criador nos dias da tua mocidade, antes
Correm dobrando as árvores dos montes. que venha o tempo da aflição, e cheguem os anos, de que tu
digas: Esta idade não me agrada:
Erguendo turbilhões de fôlhas sêcas Antes que se escureça o sol, e a luz, e a lua, e as
Do chão revolto e negro. Aves sinistras estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva;
Voam, soltando pios lamentosos.
Em busca de um abrigo. O escuro lago Antes que se rompa o cordão de prata, e se retire a fita
Encrespa-se, braveja, as ondas cerra. de oiro, e se quebre o cântaro sôbre a fonte, e se desfaça a
Joga de um lado e doutro o pobre lenho. roda sôbre a cisterna.

Sem leme, sem governo, a vela rôta.


Eclesiastes X I I , v. 1, 2, 6

Alagado o franzino cavername!


F. a noite estende lúgubre, medonha, I
Sôbre a face do abismo as amplas asas Quão aprazíveis são teus frescos vales, 2521
Retalhadas de rábidos coriscos!.... Terra de Santa Cruz! Quão majestosos
— Nossos esforços são inúteis! — bradam São os teus altos cerros e teus montes!
Tristemente os barqueiros, — e se agarram Quão belos os teus rios, e os alpestres, 2522
As tábuas vacilantes, esperando Fragosos alcantis das ribanceiras!
A sentença da sorte. Porém, calmo, Quais os painéis de um sonho fugitivo.
Como o que dorme sôbre um leito firme. Os diviso entre pálidos vapôres,
Ressona o Salvador deitado à pôpa! E revolvo a memória enfraquecida
— Levantai-vos, Senhor, que nos perdemos! — Buscando, o quê....... não sei! — Alguma coisa
Gritam seus aterrados companheiros. Que talvez existisse, ou inda exista.
Abre os olhos Jesus, boceja, e senta-se Aqui, além, na terra, ou no infinito,
Sôbre a molhada esteira, — olhar austero No seio impenetrável do futuro!
Lança aos medrosos, trêmulos amigos. Ai! sim, alguma coisa que me falta.
— Onde está vossa fé? — clama, e estendendo Alguma coisa que minh’alma espera
Para o nublado céu a destra santa: Como certa, infalível, necessária,
— Serenai! Eu ordeno! — exclama. — Os ventos E debalde procura e não encontra,
Param na vastidão do tôrvo espaço. E tenta dar um nome, e os frios lábios
Curvam-se as ondas bravas, irritadas, Não sabem que dizer! Meu Deus, acaso
E, quais humildes cães à voz severa Serás tu?.........— Como a nau incendiada
De severo senhor, o dorso abaixam, Que, meio oculta em turbilhões de fumo.
E lambem mansamente a escura barca; De vermelho clarão as ondas tinge.
Os negrumes dissipam-se, e as estrelas Tal das nuvens purpureas do Ocidente
Aparecem formosas, rutilantes, Dardeja o sol os raios derradeiros
Do céu azul nos páramos sublimes! Nas soledades dos sertões brasílios.
-- Oh!... Quem é êste que entre nós sentou-se, As campinas e as selvas clareadas
Como se nosso igual acaso fôra? — Pela mágica luz do cíntio globo
Dizem os remadores assombrados. Arreiam-se de galas, e parecem
Manda aos ventos e os ventos obedecem, Cobertas de oiro em pó, e finas pedras.
impõe silêncio às ondas, e vencidas
Abaixam-se gemendo; fala às nuvens, II
estende ao temporal a mão terrível,
E os bulcões se esvaecem, e os coriscos Sentado sôbre um céspede, no monte.
Apagam-se no céu, e o céu fulgura Contempla o solitário pensativo
Recamado de esplêndidos luzeiros? Os vastos descampados, resplendentes
Quem é êste que assim dispõe de tudo? — De cambiantes fogos; porém, quando
Mudos, depois, e de pavor tomados, Desaparece além a ígnea esfera
l-igeiros remam, aproando a barca A outras regiões levando a vida.
Dos Gerasenos às ridentes praias. Ajoelha-se e ora; depois toma
[ 639 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

O nodoso bordão que ao lado estava Arrojou-se no chão mordendo as pedras,


E desce da montanha. A seu encontro E nas convulsas mãos csfarelando
Corre a formosa e tímida Naída. Torrões calcáreos, carcomidos ossos!
Uma ligeira nuvem de tristeza Depois^ ergueu-se: gotejava o sangue
Empana os olhos da gentil menina. Dos pés, do peito, do inflamado rosto;
— Mestre, dizei-me, — balbucia, os sonhos Volveu à roda as hórridas pupilas
Alguma vez traduzem a verdade? Onde o fogo do inferno chamejava.
Guardam algum sentido? — O que perguntas, 2523 Rangeu com fúria os dentes, e avistando
Insensata criança! Porventura A poucos passos o Senhor: — Oh! vai-te,
Podem as ilusões loucas, 2524 falazes, 2525 Jesus Filho de Deus, não me atormentes! —
Da sôlta fantasia, apresentar-nos Gritou torcendo os braços macerados.
Alguma coisa mais do que mentiras? — — Qual é teu nome? o Salvador pergunta.
— Assim também o creio, porem, tremo! Responde, que te ordeno! — Uma voz rouca.
Esta noite sonhei, sim, foi um sonho, Feia e destemperada, não dos lábios,
Mas um sonho terrível!... — Vamos, conta Mas das entranhas fêz-se ouvir, e disse:
Êsse terrível sonho. — Não,... mais tarde. — Chamo-me — Legião — tua virtude
O padre não insiste. Vagarosos Reconheço, bem vês, e teu império,
Caminham para o novo eremitério Mas não me obrigues a voltar, te rogo,
Onde os espera o povo impaciente. À negra estância das eternas dores! —
Era uma multidão de infensos gênios
Que assim falavam numa voz apenas!
III Ora, a pouca distância, na planície.
Chegam. Um longo e jubiloso brado Suja manada de animais imundos
Grunhia revolvendo a verde relva,
Saúda o pio e venerando Mestre. Vendo-a Jesus, dirige-se aos demônios:
Correm os velhos, e os robustos moços. Deixai meu pobre servo, — ide alojar-vos
As jovens mães e os cândidos filhinhos Daqueles brutos nos nojentos corpos! —
A receberem a paterna bênção; No mesmo instante a cáfila tartárea
Os enfermos arrastam-se tardios Ganha, silvando, a sórdida manada,
E os orlas beijam da sombria veste. Que, 2527 enfurecida e cega, salta e corre,
— Salve! — Todos exclamam prazenteiros. Se encaracola, morde-se, esbraveja,
Um momento depois reina o silêncio, E galgando um rochedo íngreme, bronco,
E o santo narrador assim lhes fala: No mais fundo das águas se despenha. 2528
No passado serão, quando assomava
No céu azul a estréia matutina,
Eu acabava, irmãos, de relatar-vos V
O milagroso caso da tormenta,
O terror dos barqueiros, e a mudança Tinha baixado a noite. Alguns pastores
Operada no espaço à voz de Cristo; Que soíam dormir em pleno campo.
Eu vos dizia como alegres, salvos. Junto de grandes fogos; rudes servos
Saltavam no país dos Gerasenos. Fugidos dos casais da vizinhança;
Prestai ouvidos, mais pasmosos fatos. Vários barqueiros que arrastado haviam
Cheios de assombros, sabereis agora. 2526 Para a funda calheta os frágeis lenhos,
Foram dêste prodígio testemunhas.
Tomados de terror, erguem-se, partem,
IV E vão contar à gente da cidade
O sucesso inaudito. O povo simples.
Oh meus irmãos, por certo nunca vistes, Amigo das legendas milagrosas,
Nem Deus permita que vejais um dia, E os — semi-sábios — 2529 que de tudo zombam.
A figura sinistra de um possesso! Covardes fanfarrões que um nada espanta,
Se a tivésseis mirado, a vida inteira Ajuntam-se em magotes, tomam fachos.
Tremeríeis de horror!... — Apenas descem Descem à margem do sereno lago
O Salvador e os seus à lisa praia E vão verificar o estranho caso.
Quando um grito estridente e pavoroso,
Como rugir de fera em antro escuro. VI
De imigo sangue pressentindo o cheiro.
Abala o espaço e chega a seus ouvidos. Quadro 2530 sublime! Sôbre dura pedra.
—^^Céus! - - Não temais, — olhai à nossa destra; Qual primorosa estátua 2531 levantada
Vêdes aquêles densos ciparissos? — Por mãos agradecidas, radiava
Diz o Senhor, — é um cemitério, tristes Do divino Jesus a bela imagem;
Entre a espessura os túmulos alvejam; Prosternado a seus pés, tranqüilo, humilde.
Não distinguis?---- — Senhor! — Olhai de novo. Em muda adoração, fitos os olhos
Então da mesta sombra do arvoredo. Nos olhos do Senhor, donde caíra
Sanguentos membros, retorcida bôca. A luz da salvação sôbre su’alma,
Lábios cobertos de espumosa bava. O possesso de outrora descansava.
Cheios de lôdo e cinzas os cabelos, Aqui, ali, silentes, os discípulos.
Um homem seminu surdiu bramindo; Irmãos amados que uma idéia anima.
Lançou-se às plantas arrancando as folhas. De inefável amor embevecidos.
Lançou-se às tumbas levantando as lousas; Contemplavam sorrindo o grande Mestre.
[ 640 ]
ANCHÍETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S

V I I Dobrando — Ave Maria! — O viajante


Que vem de terra estranha, 2537 e a pátria busca.
A chusma curiosa pára e treme, Se ajoelha na beira do caminho,
Não crê nos próprios olhos; — entretanto, — Ave Maria! — suspiroso fala.
Êle ali está, sereno, manso, afável, O cabrciro que desce das montanhas, 2538
No olhar a fé, nos gestos a humildade, Ao redil conduzindo a grei singela.
Nos lábios a oração, — o tôrvo escravo Pára, levanta para os céus os olhos
Dos gênios infernais, — o horror das praças, E diz: — Ave Maria! — A mãe querida
A pantera indomável cujos pulsos Chama zelosa a prole abençoada
Grilhões partiam, rebentavam grades, Junto à lareira da tranquila choça,
Derribavam fortíssimas m uralhas!......... E lhe 2539 repete a saudação divina.
— Não sabemos quem és, mas o que vemos — Ave M a ria !.... Na solidão dos mares
Quanto és temível nos revela! O sangue Murmura o navegente; — Ave Maria!
Gela-se em nossas veias, ai! a morte Reza o triste mendigo nos alpendres
Nossas pobres cabeças ameaça! — Dos paços festivais. O rico e o pobre,
Fala em nome do povo um homem velho. O poderoso, o humilde, o rei e o povo,
— Perdoa-nos, mas deixa êstes lugares, — Ave Maria! — nessas horas d izem !....
Deixa esta triste gente em cujos peitos — Ave Maria! — Pálida e chorosa,
Lançaste o mêdo, a inquietação e a febre! Ela medita à porta da cabana,
Perdoa-nos e vai-te! — Desgraçado! A mais formosa e pura entre as mulheres,
O Salvador exclama, tranqüiliza Quando, volvendo à estrada os belos olhos,
Êsse povo infeliz que o bem assusta, À luz incerta e frouxa do crepúsculo
E a palavra de Deus enche de assombro! Avista o Filho amado e seus amigos.
Eu partirei, retira-te, não temas! —
Ao alvejar d’aurora do outro dia X
Pisa Jesus, de volta, as flóreas ribas
Da bela Galiléia, onde saudoso Cala-se o narrador. Alguns momentos
O rebanho fiel há muito o espera. Conserva-se indeciso e pensativo
Como buscando um fio que aproxime
VIII Dois afastados, diferentes fatos.
O penoso labor do entendimento
Da vinda do Senhor 2532 logo a notícia Nas austeras feições se manifesta.
Voa de casa em casa; num momento — Espírito dos tempos que passaram!
Correm de tôda parte, pressurosos. Diz, inclinando ao peito a nobre fronte.
Milhares de doentes, implorando Tu, que aviventas o cansado gênio
A cura de seus males. Nesse dia Dos bardos hodiernos, e propício, 2540
Salva pobre mulher, que abandonada Espancando das eras os negrumes.
De práticos e médicos 2533 gastara Os mistérios da história nos desvendas.
Tôda a fortuna em vão, e em vão 2534 chorava Inspira minha voz, — minh’alma inspira!..........
Há doze largos anos; ressuscita 2535 No doce clima da risonha estância,
Uma filha de Jairo, Hebreu potente. Onde correram da primeira idade
Chefe da Sinagoga; fala às turbas As belas estações e os belos dias,
Explicando os preceitos do Evangelho, Deixemos o Senhor, abençoando
E depois entre os seus põe-se a caminho Do honrado carpinteiro a pobre casa.
Para os cerros azuis da pátria terra. Volvamos ao Batista o pensamento.

IX X I

Ave M aria!... — Como um templo imenso Sóbre os tetos dos míseros tugúrios,
Depois das pompas de solene ofício. Dos palácios reais sóbre os eirados.
Majestoso, severo, inda fremente Estende a noite escura a sombra imensa
De cânticos divinos, quando tristes Que nem sempre derrama a paz e o sono.
Nos candelabros de oiro os círios dormem, Aves de Deus, as virgens e as crianças.
E a lâmpada sagrada a 2536 mêdo brilha Adormecem risonhas, ocultando
Entre nuvens de incenso, derramadas Nas asas da inocência as frontes santas.
Pelas naves sombrias; horas graves Voltam os velhos ao passado, em sonhos.
Em que muita oração, muito soluço. Em sonhos o futuro os moços galgam.
Soam atrás dos dóricos pilares, Mas os ímpios não dormem! Fulgurantes
ral nos parece a terra quando ao longe Ardam embora perfumados círios
Fenece o dia, e a noite se apropínqua............ Junto dos leitos de oiro: embora brilhem
■\ye M a ria !.... O pavilhão celeste Dos estucados tetos penduradas
Sóbre nossas cabeças se arredonda. Alâmpadas riquíssimas! Embora!
Puro como a ilusão de uma criança! Não há luz que afugente as trevas d'alma!
No pórtico sublime do Oriente Nos vapóres do vinho e nos banquetes,
Surge^ fagueira e estréia vespertina, Nas orgias febris, nos jogos loucos,
E, além, de nossas pobres freguesias Um momento se abranda e se entorpece
Nos altos, alvejantes campanários. O verme dos remorsos.......... — Mais faminto
Soa pausado e lento o velho bronze Acordará nas horas do silêncio.

[ 641]
L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VARELA

XII X IV
Os primores da Europa, o luxo d’Âsia, Os tangedores, avisados, rompem
O fausto desta, a profusão daquela Nas mais doces e ternas harmonias;
De Herodes o palácio aformoseiam. Os convivas levantam-se sorpresos;
Mil candeeiros, — transparentes tochas, Derramam servos nos braseiros ricos
Argênteos lampadários, iluminam Perfumes sem iguais. Senta-se Herodes,
As vastas arcarias marchetadas Estremece Herodias. Entretanto,
Dos mais lindos mosaicos do Oriente Escrava da cadência, mas senhora
E as colunas de mármore, as pilastras. Dos requebrados, lânguidos meneios,
Cobertas de lavores, e as paredes Sôbre as flores dos séricos tapêtes.
Ornamentadas de brasões pomposos. Mais ligeira que a leve borboleta.
Os gratos sons das harpas e doçainas, Mais bela que os espíritos errantes
Dos cítulos e frautas, repercutem Que à noite brincam nos rosais cheirosos,
Fora, na larga praça, onde confusa Ela volteia, a doida bailadeira!
Cochicha a multidão maravilhada. Na dança Égurada, aos ágeis passos
Celebra o rei vaidoso e dissoluto Mistura os mais garridos movimentos.
Seu dia natalício. As salas todas Os gestos mais lascivos. Arquejante,
Estão cheias de amigos e convivas, Às vêzes pára do salão no centro.
Ricos Hebreus, Latinos cavaleiros. Suspira e cerra os olhos......... vai, quem sabe.
Senhores do Ocidente e do Levante. Sucumbir de cansaço! Mas engano!
As mais belas Romanas da soberba, Reanima-se, — ri, — levanta os braços.
Mas depravada Corte do tirano. Flexível como a serpe encurva o corpo,
As mais airosas filhas da Circássia, E num rápido giro, se aproxima
E as ninfas mais gentis das ilhas Gregas, Do fascinado Herodes, sacudindo
 lauta mesa reclinadas ouvem Sôbre seus pés as rosas da grinalda,
Os torpes, 2541 desonestos galanteios Entre os aplausos mil dos assistentes.
Dos escravos de César. Petulante, Depois, qual passarinho caprichoso,
De loiro coroado e verde mirto, Que (Jas nuvens descendo, em tarde estiva.
Do amor emblema e símbolo da glória. Modera o vóo, quando a terra avista,
Em macia camilha repimpado, 2542 Ela os passos afrouxa, e segue a 2547 mêdo
Excita à ebriedade 2543 q rei da festa 2544 O mais lento tanger dos instrumentos.
Seus libertinos, 2545 cínicos parceiros. Imita a corça, quando alegre salta;
Bela, apesar do vício, a fronte esbelta Quando corre veloz, é viva abelha
Aos joelhos do amante repoisando, Sôbre os lírios dos vales adejando;
Herodias sorri. De espaço a espaço Mimoso colibri, quando descansa.
Gracioso escanção, ágil, travesso. Tão leve, que não dobra das alfombras
Demônio de malícia em tenra idade. A mais delgada flor! Por largo tempo
As taças de oiro, que a seus pés reluzem. Assim deleita a vista dos convivas;
De excitante falerno enche, dizendo Ofegante por fim, extenuada,
Imodestos gracejos. Nenhum pajem Faz um último esforço, e mansamente
Do mais devasso camarim do império Cai, pétala de rosa aos pés de Herodes.
O vencera em audácia e desvergonha!
Entretanto, meu Deus! é uma menina, X V
No albor da adolescência, rósea, loira,
Olhos azui.s brilhantes, lábios de anjo! — Oh!---- Pede o que quiseres, não vaciles!
E esta menina é filha de Herodias!......... Inda que sejam meu govêrno e erário.
Juro que tos darei! — Grita enlevado
O Romano Senhor, — eia, responde! —
X III Então do ódio escuro e escuro gênio
Aos ouvidos murmura de Herodias:
— Lembra-te do Batista! — Estranho lume
Mas pouco e pouco se entibia e passa Da régia libertina inflama os olhos.
O ardor da saturnal. Ébrios e fartos Vivo rubor lhe sobe ao lindo rosto.
Estiram-se e bocejam sonolentos Chama a filha imprudente, ao colo a estreita,
Os heróis do festim, — a vil preguiça E um conselho cruel lhe dá baixinho.
Vence a voraz e crassa intemperança....
Então, como entendendo os pensamentos XVI
Que da mãe tediosa a fronte nublam.
Corre a menina astuta, a sala deixa, — Oh rei! diz a volúvel dançarina,
Deixa os vestidos leves que trajava, Se a promessa que parte de teus lábios
Cinge de rosas a gentil cabeça. Um gracejo não fô sse.... — Pelos deuses,
Desnuda os seios, a cintura enfeita E deuses imortais! Herodes brada.
De perfumadas e vistosas faixas, 2546 Seja eu ludibrio do plebeu mais rude
Toma um cbúrneo tamboril, coberto Se alguma coisa te negar! — Desculpa,
Dos mais finos e artísticos lavores, Se duvidei de ti, — pois bem, atende:
E do espelho fiel se despedindo, Sabes quantas alrontas recebemos
Volta faceira à sala do banquete. Do protervo Batista, — diz a moça.

[ 642 ]
ANCHIKTA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Que punição lhe deste? Descuidoso E só vé dissabores c amarguras,


Nos terrados de vasta fortaleza, E talvez o suplício?........ — oh! não! a morte
Em risonha colina levantada, Não amedronta o rígido profeta!
Escarnece de ti!---- Agora escuta, O martírio........ não teme, antes o aspira
E cumpre como um rei o que juraste: E aguarda como a prova gloriosa
— Dá-me a cabeça do Batista! — Herodes De seu zélo e fervor, o m ais.. . . que im porta!...
Treme, os olhos abaixa, e não responde.
— H esitas?... E da mesa do banquete
X IX
A filha de Herodias se aproxima.
Lança mão de uma salva primorosa
Qual entre os nevoeiros do Oceano
Que ao tirano apresenta: — Nesta salva,
Some-se a vela que a remotas praias
Quero a cabeça do Batista. O bárbaro
Chama o chefe da guarda que o servia: Leva nossos amores e esperanças,
Tal entre a cerração desaparece
— Escutaste? — Escutei. — Parte e obedece!
A solitária estréia, a casta amiga
Eis meu anel, te servirá de senha.
O sinistro emissário a sala deixa. Das noites do profeta. Quebrantado
Pela longa vigília, João descansa
Sôbre a gélida mão 2551 a fronte ardente,
E cerra suspirando os turvos olhos............
XVII Mas uma luz esplêndida, divina,
Da sombria prisão clareia os muros,
E um Anjo do Senhor poisa tranqüilo
Vai alta a noite. Os ventos do deserto Entre os grilhões do pálido cativo.
Engolfam-se, gemendo, nas seteiras João estremece: a imagem do verdugo
De Macaur, o lúgubre castelo Ao pensamento acode-lhe. — Estou pronto,
Onde pena o Batista. As névoas passam São horas de partir? severo indaga
Sôbre as grossas ameias, semelhantes Sem levantar o rosto. — Sim! — responde
A soltos flocos de algodão silvestre O celeste enviado; ergue-te, e vamos
Dispersos pelo espaço. Nas cimalhas Para o seio de Deus! João abre os braços..
Que as borrascas e o tempo enegreceram O anjo do Senhor desaparece.
Agitam-se as estriges agoireiras,
As videntes da sombra. Ao lado ruge
Feia torrente em broncas penedias. X X

Um profundo rumor, triste, confuso.


XVIII Pelas negras abóbadas retumba;
Carregado de ferros, junto às grades, Rangem as chaves e as pesadas portas
Amortecido o olhar, livido o rosto, Movem-se sôbre os quícios, vagarosas;
João contempla uma estréia solitária, Surdo tropel e vozes misturadas
Que pouco a pouco apaga-se e se afunda Espalham-se nos longos corredores;
Nos véus caliginosos do Ocidente. Vivo clarão derrama-se nos cantos,
Nem um amigo, um sócio de infortúnio, E esverdeados, 2552 úmidos pilares.
Nem uma voz humana, as longas horas De sanguinosa côr tingindo as lájeas;
Amenizam do pobre encarcerado!............ Um magote de esquálidos esbirros
Do teto escuro e baixo, gôta a gôta E sequaces de Herodes 2553 se aproxima
Reçuma, estala e cai no chão lodoso 2548 E rodeia o profeta. — Ilustre mestre, 2554
Condensada umidade; nos recantos Grita um ébrio soldado niotejando.
Da cripta tenebrosa, livremente Rende graças à amásia de teu amo,
Passeia o escorpião, a osga brinca. Está findo o teu triste cativeiro!
Arrasta-se tranqüila a treda víbora.
Que pungentes lembranças, que saudades
Amargas e cruéis, que pensamentos
Sinistros e aflitivos não torturam Ai! O que então seguiu-se 2555 a língua humana
Do filho de Isabel a mente e o peito!.......... Não pode descrever! Meus lábios tremem,
Quem pudera saber o que se passa E minha voz não passa da g arg an ta!....
Naquela fronte heróica? — Porventura
A luz da bela estréia que cintila, 2549
Qual uma gôta de amoroso pranto X X I
No triste véu da noite, ao longe avista
As montanhas natais, 2550 frescas e umbrosas, A rósea luz, porém, da madrugada
O vale do Jordão, e os verdes bosques Furtiva e triste ganha os aposentos
Das encostas do Hermon? — Os lindos campos Do régulo cruel: — mais receoso
Dos terrenos de Dan, cheios de flores. Não entra olhar de virgem timorata
Cobertos de rebanhos? — Porventura De vil bordel no sórdido recinto.
Lembra-se de Jesus e seus amigos? Por novas libações estimulados,
Das santas penitências do deserto? Cantam loas nefandas, tripudiam,
Dos primeiros milagres do Batismo? Como tomados de delírio insano, 2556
Chora os tempos felizes que passaram? Cavaleiros e damas; — quanto a Herodes,
Ou, tomado de horror, mede o futuro. Ébrio, despido, à bacanal p resid e!....

[ 643 ]
L U Í S ^,'ICOJiAU F A C U ^ 'D E S V A R E L A

XXII XXV 2558


M as.... silêncio! Um sussurro temeroso Na terceira jornada, à hora sexta.
Soa nas ante-salas, — tinem armas, Chegam por fim ao desejado têrmo;
Batem pesados, numerosos passos De um lago a borda o Salvador encontram,
Sôbre o sonoro chão; os cantos cessam. E antes ainda de o saudar, assistem
Cessam as danças e os clamores loucos, A pasmos milagre. —- O 2559 Mestre excelso.
Voltam-se todos para a grande porta. Compadecido do esfaimado povo
—■ Vossas ordens, senhor, estão cumpridas! — Que o seguira escutando as santas prédicas,
Diz o chefe da guarda aparecendo Com cinco pães apenas, e dois peixes, 2560
À frente de seus lugubres sicários, Sacia a fome a cinco mil pessoas,
— Eis aqui a cabeça do Batista! — E restos deixa sôbre a relva, esparsos, 2561
Que doze cêstos volumosos enchem.
X X I I I Mas os pobres amigos do Batista,
Depois da refeição, tristes, 2562 humildes.
Horror!... H orror!.... — Um grito de sorprêsa Baixos os olhos, a expressão dorida,
Parte dos lábios todos. Boquiabertos, Se aproximam de Cristo: copioso
Deixam alguns cair as áureas taças O pranto lhes alaga o branco rosto.
Das esquecidas mãos; outros se agitam — ph! não chorei, — o Salvador lhes fala.
E saltam sôbre a mesa, espedaçando Mais feliz do que vós, eterno vive 2563
Os vasos de cristal, os belos pratos. Aos pés do Onipotente o amado mestre! —
As ânforas e jarras preciosas; — Pois quê! Senhor, 2564 sabeis?___— Ah! sei de
Outros se precipitam cegos, tontos. [tudo!
Tropeçando nos bancos e almofadas, Responde o Salvador, — ficai comigo.
E à roda do tirano se aglomeram.
XXVI
X X IV
As multidões, porém, maravilhadas
Esplêndida e festiva, a luz d’aurora Por tão altos prodígios, novo plano
Clareia a sala, então, e cai suave. Formam, ventilam, rápidas resolvem.
Carinhosa talvez, na argêntea salva, — Jesus de Nazaré! — logo exclamam, 2565
Onde, serena e calma, semelhante Tu és forte, potente, sábio e justo.
À fronte de uma estátua alabastrina Sê nosso rei! Liberta-nos do jugo
Jaz do Batista a pálida cabeça. Pesado e férreo do pagão Romano!.. —
As artérias e veias pouco sangue O Salvador sorri, afaga o povo,
Sôbre a luzida prata derramaram. Mas depois mansamente, se retira
Nem uma contração, nem uma ruga E entrega-se à oração em êrmo sítio.
Desfiguram o cândido semblante,
Onde, em vez do terror, deixou a morte
A placidez do sono da inocência! XXVII
Ligeira sombra lhe circula as pálpebras Meia-noite!... Hora lugubre e sinistra,
Docemente cerradas; meigo riso Quando entre a luz e a sombra, vacilante.
Parece lhe animar os frios lábios!......... Junto ao marco de bronze, pára o tempo,
E ’ 2557 que, no triste instante, a alma divina Fazendo à noite e ao dia esgares torvos!.........
Contemplava o infinito! Ouvia as harpas Meia-noite!... No seio das florestas
Dos anjos do Senhor, preludiando Repoisa o passarinho, a fera dorme,,
De sua exaltação os belos hinos! Suspira a viração. — E ’ mudo o campo.
Folgava, e os lábios riam !... — ’Stás contente? A lua desvendada, e mais formosa
Pergunta o rei à filha de Herodias. Do que nácar marinho, o céu percorre
Mas a jovem pantera não responde, Como um cisne alvejante em manso lago.
Como a pantera que uma luz espanta, Sôbre o tapiz da relva, sonolentos.
Olhos parados, suarento o rosto, Os companheiros de Jesus descansam;
— Prêsa a voz no laringe, anseia e treme; A poucos passos, entre verdes balsas.
Recua aos saltos; quer falar, não pode; Ora e medita o Mestre. Longas lioras
Quer afastar a vista fascinada De silêncio e terror sôbre êles passam.
Do pavoroso quadro e em vão se esforça! — Irmãos, diz um baixinho, — porventura
Por fim erguendo os braços convulsivos Dorme o Senhor? — Talvez, outro responde. —
Solta um grito pungente e angustioso, — Vejamos, fala Pedro, os outros chama.
E cai sôbre os coxins desfalecida. Erguem-se e cautelosos se aproximam
Do perfumado, 2566 verdejante abrigo:
Esta inaudita atrocidade assombra Mas ofuscados param, — débil grito
Os discípulos de João. Mudos, errantes, Em seus lábios fenece; apavorados
Chorando a ausência do inspirado mestre, Uns contra os outros cerram-se tremendo...........
E prevendo, talvez, igual destino, Que viva luz feriu-lhes as retinas?
Buscam as mais remotas soledades, Que flamejante gládio ergueu-se à frente
E depois de trabalhos excessivos. Dòs servos do Senhor? Que ferro em brasa
De amargos sofrimentos, se dirigem Lhes roçou pelas carnes?.... Pobres sêres!
Da Galiléia às plácidas campinas E ’ que o meigo Jesus, — o lliano amigo,
Procurando Jesus e seus amigos. O modesto e singelo companheiro.
[ 644 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Pela primeira vez se revelava Tôda a minha infinita complacência!.......


Em tôda a glória da divina essência!....... Erguem-se então os trêmulos amigos:
Ohl não há duvidar! E ’ cie, o Cristo! Mas Jesus está só e tudo é findo.
Mas seu corpo, seu rosto, os belos olhos,
O sorriso, a expressão, não são terrestres! XXIX
Da humanidade o sangue não anima
Aquelas formas lúcidas, etéreas, Descai a noite santa, — a fulva aurora
Onde a celeste perfeição fulgura, Dos umbrais do Levante expele 2570 as sombras.
Não à corpórea vista, mas à vista Lança um chuveiro de oiro nas campinas:
Sublime da razão!... — Loucos poetas! Cantam as aves; — sôbre os mansos lagos
De límpido cristal, de neve fúlgida, Brincam os martinetes e as cegonhas,
À luz do sol nascente refletindo E os búfalos robustos se refrescam
As pompas mil do primitivo mundo. Nas ondas transparentes; sôbre os vales,
Dirieis as brilhantes vestimentas; Sôbre os prados e bosques, desce a vida, 2571
Dirieis 2567 das mais nítidas estrelas, Leda filha da luz, da luz nos raios.
Nos primores do íris, semeadas. Busca o Senhor os campos orvalhados,
Formando o resplandor da fronte augusta! E detendo-se à margem de um ribeiro,
Fontes de luz, — auroras do infinito, 2568 Dos discípulos os doze que elegera 2572
Oceanos de graças inefáveis Chama junto de si e assim lhes fala:
Seus olhares dirieis!.... Vãs palavras! — Como a luz que rebenta do Oriente
Frias imagens de precário sonho! E alumia as nações e os povos todos,
Afadigoso esforço!.... • — Aves da terra, São da Lei os preceitos imutáveis,
Águias das brenhas, rasgareis o espaço, São as grandes verdades do Evangelho.
E o sol contemplareis na imensidade; Vai começar vossa missão penosa:
Copiareis do prisma as lindas cores; Ide por êsse mundo, e ao pobre, ao rico,
Da aurora boreal a refulgência Ao senhor e ao escravo, ao forte e ao fraco.
A vossos quadros passareis; — dos astros Anunciai de Deus o eterno reino.
Dareis a claridade a vossas obras....... O poder dos milagres vos transmito;
Mas a grandeza do Senhor....... — Loucura!.. Curai o enfermo, — esclarecei o indouto,
Aos pés do Salvador, em áurea nuvem, F, tríplice farol que vos inspire.
Mais leda que o arrebol da madrugada Sejam as mais sublimes das virtudes:
Os páramos polares clareando, — A Esperança — a Fé, e a — Caridade!
À destra, humilde e majestoso a um tempo, Caminhai sem cuidados, nem receios,
O nobre vulto de Moisés descansa, Não leveis sôbre vós, pelas jornadas, 2573
Como outrora no cimo da montanha, Pão, vitualhas, roupas, mantimento,
Sôbre as tábuas da Lei, ouvindo o Eterno; Nem valores em prata, oiro ou dinheiro;
Mas tomai um bordão, calçai sandálias.
à sinistra, o colosso dos profetas, Trajai apenas uma pobre túnica.
O espanto de Israel, grave e severo, Na casa hospitaleira onde parardes,
Como em seu ígneo carro triünfante, Nas aldeias, nas vilas, ou cidades,
Repoisa o ilustre e venerando Elias!........... Demorai-vos aí, não busqueis outra,
Uma luz implacável tudo envolve. Até o instante de marchar de novo.
Qual imenso bulcão, em cujo bôjo Se entre os homens alguns vos despedirem, 2574
Ruge 2569 e circula a férvida matéria Negando-vos repoiso em seus alvergues,
Donde procede o raio, a terra treme. Se zombarem de vós, menosprezando
E funda, e surdamente brama e ronca! Os sagrados preceitos que ora ensino.
O espírito de Deus abala o espaço. Retirai-vos sem ódio e sem queixumes,
E quando longe fôrdes de seus tetos.
XXVIII Sacudi a poeira das sandálias
Que vos há de servir de testemunha.
Os companheiros de Jesus recuam, Ide, e sêde fiéis ao que vos manda!
Voltam os olhos, — nada mais enxergam! Cheios de santo ardor e santas crenças.
Possuídos de mêdo, e refletindo Afastam-se os discípulos de Cristo,
Que a cegueira os tocara, ao chão se arrojam Buscando opostos rumos, e espalhando
E nas úmidas mãos o rosto ocultam. Por tôda parte onde seus passos levam
Quais infantes que sonham, quais enfermos As promessas divinas do Evangelho.
Cujo cérebro vário a febre escalda. Alguns dias depois, entre os que restam.
Soltam palavras êrmas de sentido, Setenta e dois o Salvador convoca.
Asssim falam, na relva debruçados. Dá-lhes as mesmas instruções que aos outros
Senhor, Senhor, contigo ficaremos! E, pobres de moeda, porém ricos
Exclama o velho Pedro, — cumpre agora De ciência e virtude, os abençoa
Levantarmos três tendas que protejam E os envia a pregar a Lei divina.
A vós, a Elias e a Moisés!... Apenas
Estas estultas expressões dissera, XXX
Que uma nuvem medonlia se desdobra
Tudo envolvendo no trevoso seio, — Cala-se neste ponto o Missionário,
E da nuvem terrífica rebenta E como sói fazer, despede as gentes,
Um brado atroador: — Êste é meu Filho Deixando para a próxima semana
■Ornado e predileto, — hei pôsto nêle O seguimento da Sagrada História.

[ 645 ]
L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VARELA

CANTO V São da sociedade honras e galas,


Imprimirei a minha lei nas suas entranhas, e a escreve-
E prêmios pueris! — Que montam festas,
rei nos seus corações........................ Que montam festas de vaidade e fumo
E não ensinará dai em diante varão ao seu próximo, nem Quando a esperança, o faro derradeiro
ao seu irmão dizendo: Que entre os parcéis da vida os sêres guia, 2578
Conhece ao Senhor: porque todos me conhecerão desde o
mais pequeno dêles até ao maior, e perdoarei a sua maldade, Perde-se em nevoeiros?... Tu, 2579 somente,
e não me lembrarei mais de seu pecado. -Nos alentas, fiel, inalterável!
Jeremias X X X I , 33, 34. -Novas idéias a nossa alma inspiras!
Novos, santos prazeres nos procuras,
E nos ensinas mais feliz linguagem, 2580
A linguagem de Deus e da verdade!___
Oh Natureza! Oh Glória do Universo!
I I
Musa da criação! Mãe compassiva
Dos simples corações, das almas puras! — Sôbre êsse escuro e carcomido tronco,
Quais são da vida as penas e desgostos Onde os velhos da tribo descansavam
Que teu condão sublimes não dissipe?......... Para os conselhos presidir d’outrora.
Nessas colmeias sociais, sem conto, Senta-te; — e enquanto diligente e sábia
Onde o frio egoísmo e a vil cobiça •Aos cuidados da casa a mãe acode,
Libam o grato mel, deixando as fezes Conta, Naída, o sonho pavoroso
Aos deserdados filhos da fortuna, De que alhures falaste, — assim ordena
Vi o pai de família, angustiado. Da porta da cabana, onde nascera
Fugindo à 2575 esposa, à prole, em cujas faces A formosa conversa, o ilustre mestre.
Plúmbeas nódoas lançara a fome horrenda. Obedece a donzela e assim começa:
Agitar-se raivoso, — entre as mãos frias
Convulsivo apertar o bronzeo tubo Eram horas da noite adiantadas.
De fatal instrumento, e . . . . r ir -s e !., e rir-se !......... Eram horas pressagas, horas mortas;
Vi à borda do abismo onde a pusera Já pela vez segunda a voz soltara
O delírio, 2576 a loucura, pobre moça. O galo, 2580 a voz rouquenha e feiticeira.
De escuro vaso em cristalina taça Nem eu dormia, nem desperta 2581 estava:
Gôta a gôta entornar o negro sumo 2577 Fundo terror tolhia-me os sentidos.
De venenosa planta, e muda, e triste Intentava gritar, porém meus lábios
Considerar a côr, sentir o aroma Recusavam mover-se, e minha língua,
Do líquido fu n e s to !... Junto aos muros Prêsa à garganta pelo nó da morte,
De vasta fortaleza, onde medonhos Parecia gelada em minha b ô ea!....
Cem canhões colossais desafiavam Fiz um supremo esforço: levantei-me.
As fúrias de inimigos sanguinários, Então.............— Calou-se a virgem do deserto,
Vi o velho guerreiro retalhado E nas mãos escondeu o lindo rosto.
De nobres, gloriosas cicatrizes, — Então? Que viste? — Lhe pergunta o mestre. —
Sacudir a cabeça, duvidoso. — Sôbre mim debruçado,... — a fronte horrenda
T irar da cinta a reluzente espada Qual horrendo rochedo escalavrado
Inda quente do fogo dos combates, Pelo fogo do céu....... — rubros os olhos;
E dirigi-la ao p e ito !... — Oh Natureza! A formidável mão pesada e fria.
Musa da criação! Mãe compassiva Fria e pesada qual medonha pedra
Dos simples corações, das almas puras! Do leito funerário de um precito,
Nessas horas de febre e desespero, Sôbre meu peito angustioso, estava.......
Quando os sábios dormiam, tu vieste Êle estava!.. — “Êle, quem? — O negro gênio
Em socorro dos tristes! Carinhosa Da perdição eterna! O anjo rebelde!
Sòbre êles estendeste o vasto manto, Tal como nos pintaste, sôbre o monte
O manto protetor. — Ao pai aflito Tentando o Salvador!.... — Um ledo riso
M ostraste a santa luz da Providência, Aos lábios assomou do missionário.
O lábaro divino, o céu, a terra, — Graças a Deus, Naída, estou tranquilo.
E fontes de riqueza em tôda parte, Algo mais sério acreditei que fôsse!
Em tôda parte fontes de esperança! Tiveste um pesadelo, mas, prossegue. —
A mulher desditosa os belos quadros. — Oh se eu então sonhava, sonho ainda!
Os lares da família, — os quentes ninhos Exclama a ingênua moça. — Mestre, ouvi-me.
Onde poisam as rôlas amorosas, Ossos, carnes, trem i!.... Então, ao longe,
Cantando junto aos filhos inda implumes Um grito ressoou, profundo, imenso,
As doces emoções que santificam Como a voz do trovão por sôbre os mares!
E tornam forte um coração materno! — Maldito! — E as selvas tôdas se abalaram,
Ao bravo postergado, sem amparo. E das grutas, 2582 das serras, e dos campos,
Sem galardão nem glória, o vale umbroso, E dos mais afastados horizontes:
O retiro das serras e os desertos — Maldito! os ecos todos repetiram!
Onde ao lado do pássaro e do inseto,
Da verbena e da faia, existe sempre — Vi depois um deserto, um mar de areias,
O pequeno lugar de uma choupana!......... Sem animais, sem plantas, sem regatos.
Oh Natureza! Oh Guarda vigilante Sem um indício que lembrasse a vida.
Dos pobres, dos a f l it o s ! .... Quão risíveis Porém milhares apontando a morte!.......

[ 646 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Por tôda parte amarelados ossos, Por aquêles sertões. Era distante.
Carnes corruptas, putrefatos restos! Bem distante o lugar donde partiam,
Restos de escravos, restos de senhores! Mas eu tudo escutava. Francos risos,
Restos de ovelhas, restos de panteras! Brados alegres, compassados cantos.
Restos de abutres, restos de serpentes! Longo tempo minh’alma apavorada
E o tigre e a prêsa agonizando juntos, Propícios distraíram. — Deus bendito!
O verdugo e a vítima esquecidos Murmurei suspirando, — ali, ao menos, 2585
Na mesma confusão, no mesmo c a o s ! .... Algum povo feliz habita e folga!
Um céu de ferro em brasa, um sol do inferno;
Um espaço sem nuvens, — sem neblinas. Desgraçada ilusão! O homem sinistro
Sem vendavais, sem r a io s !... Sempre calmo! Nas montanhas surdiu, medonho, enorme.
Horrendamente calmo e luminoso! Semelhante a um penedo alcantilado
E esta palavra escrita em tôda parte Que nas tardes de inverno as nuvens rasga!
— Caim! — Cerrei por um momento os olhos, — Caim! — Bradou a voz da imensidade!
Quando os abri de novo era mudada — Caim! — Tudo findou-se, atro negrume
A face do deserto: — irado vento Rolou do céu cobrindo as cordilheiras;
As montanhas de areia arrebatava Escutei um rumor profundo e mesto
Qual a brisa do estio as folhas sêcas. Semelhante ao das águas das torrentes
De rubro incendiado em flavo baço, Cavando o seio escuro dos abism os!...........
Mas ominoso ainda, o céu tornou-se! E êsse rumor crescia e atordoava
De instante a instante monstruosos galhos. Os vales, as rechãs e as serranias!
Arrancadas palmeiras, sibilavam E daquelas montanhas encobertas
Como flechas sutis, atravessando Precipitou-se um rio impetuoso.
Nas asas dos tufões o tôrvo espaço!......... Ganhou os areais, ganhou as praias,
Daquela imensa confusão no meio Vingou as vagas do Oceano irado.
Eu vi passar um homem: seu semblante Chegou a nossas terras, inundou-as,
Era grosseiro e negro como a rocha Chegou até aqui, até meu leito!
Que branqueiam de escuma as frias vagas: Ergui-me, — o lh e i.... — o rio era de sangue!
Seu corpo como o tronco de vinhático — Caim! — bradou a voz da im en sid ad e!....
Onde a chama brincou: sarça coberta Senti nas faces o suor da morte,
De pisado carvão a dura grenha. Volvi ao céu os olhos ansiosos.........
Mãos e braços de sangue eram manchados! Êle ali estava, 2586 o Filho de Maria,
De lado a lado olhava suspeitoso. Radiante, sublime! — Êle ali estava!
Parava aos sobressaltos, e tremia, De seu rosto divino, de seu corpo
Não pela tempestade sacudido Também caía sôbre a terra o sangue, —
P o r é m .... — Um brado assustador ergueu-se Mas dêsse puro sangue rebentavam
Daquela horrível solidão de areias: Rosas e lírios, palmas e grinaldas.
— Caim! — Como o jaguar atravessado Diamantes e rubins, e um povo imenso
Pelo dardo certeiro, urra, e volvendo Bradava jubiloso: — Liberdade!.............—
Nas órbitas os olhos chamejantes, E stá findo o meu sonho. — O missionário
O cauteloso atirador procura. Tinha a cabeça oculta entre os joelhos.
Assim êle ru g iu !... — Um véu de sombras Pouco tempo depois ergueu-se. — Vamos,
Tudo cobriu. Depois, qual nos abismos Disse enxugando os olhos lacrimosos,
Traidores e funestos do Oceano, Nossos irmãos esperam-nos inquietos.
Contém o respirar, calcula as fôrças
O audaz mergulhador, o destro búzio. I I I
Assim êle fic o u !.... Do pobre leito
Tudo eu via e sentia! O mar de sombras Rociada 2587 de orvalho, as plantas nuas.
Também caiu então sôbre minh’alma! Nuas as belas, cândidas espáduas,
Sobraçadas as vestes, desce a virgem
Mas o bulcão passou. Do vento as iras Dos climas tropicais juncando a terra
Acalmaram-se logo. O descampado, De goivos e saudades. — Salve, Noite!
Onde os montões de areia se moviam. Salve, 2588 Noite da América! Formosa,
Tornou-se liso e plano como um lago Pura, em tua nudez, deixas o espaço
Em tarde de verão. O homem sinistro E vens-nos visitar, não guardam névoas,
Se ali estivera sepultado estava. — Nem densas cerrações os teus encantos;
E Naída calou-se. O missionário Si à fria Escandinávia, à fria Escócia
Tinha a cabeça baixa e refletia. Baixas em longos mantos envolvida,
Está findo o teu sonho? — Oh, 2583 não aindal E triste, e muda, e tiritando passas,
A virgem respondeu cobrando alento, A nosso ameno céu chegas risonha,
Ouvi mais um instante: — Ao longe, ao longe, E nossas solidões buscas fagueira
Além dos areais, vi levantar-se Como a filha de um rei seus verdes hortos.
Uma cadeia de alterosos montes Salve, 2589 Noite propícia! — Reunidos
Cobertos de palmares graciosos. Estão há muito os filhos do deserto,
Leves colunas de ondulante fumo E a voz aguardam do zeloso Apóstolo.
Erguiam-se do meio das folhagens. É belo o céu, — a terra sossegada, 2590
Doces, 2584 ternas canções acompanhadas Brando e odoroso o vento do deserto
De tangeres estranhos, ressoavam Que nas folhagens úmidas farfalha.

[6 4 7 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

E volteia travesso e caprichoso Espclha-se nas águas sussurrantes


Sôbre o vermelho lume das fogueiras. Que lambem-lhe as muralhas. Nesses sítios
O ministro de Deus 2591 senta-se e fala Onde do mundo as ambições não chegam,
Continuando a H istória interrompida. E a doçura do clima, a luz macia
De um céu sempre sereno alegra as almas.
IV Demora-se o Senhor por algum tempo.
Surdos boatos, agoureiras vozes
— Além de muitos casos milagrosos, Chegam a seus ouvidos. Os sequaces
Irmãos, contei-vos no serão passado 2592 Dos grandes de Israel o povo iludem
Da transfiguração o alto prodígio, E açulam contra o Filho de Maria.
A eleição dos apóstolos; e as santas Buscam para o matar por tôda parte.
Instruções que lhes dera o amado mestre — E ’ cedo ainda, o Salvador murmura.
Fiel vos repeti. Ouvi-me, atentos. E descansa entre os seus calmo e tranqiiilo.
O Espírito de Deus nos ilumine,
E inspire minha voz: — em vossas almas VI
Caiam minhas palavras, semelhantes
Às sementes fecundas do Evangelho:
Firm e, incansável no divino empenho, O silêncio e a sombra a terra invadem.
Prossegue o Salvador; desde as vizinhas Calam-se as aves. Descoradas, frias,
Aldeias da Ituréia, até os montes Sôbre as hásteas inclinam-se as boninas.
Da Judéia escabrosa, agreste e sêca; Gemem as fontes nas escuras penhas,
Desde as praias do mar, té as campinas E no meio dos ásperos fraguedos
Centrais de Traconites, corre a fama Piam da noite os pássaros sinistros,
De seu grande poder e de seus feitos. l.ivre das multidões impacientes,
Entre soldados mil, nos fortes paços, E dos censores importunos livre.
Herodes estremece. — E ’ Jo ão Batista, Detém-se o Salvador do lago à borda:
Que mandei d e g o la r!... Medroso exclama. Explica aos seus os íntimos intentos,
— E ’ Jo ão B atista que deixou dos mortos E os manda a Bethsaída, ao lado oposto.
A sombria mansão, e volta ao mundo Quando juntos os vê, e o leve barco
Mais terrível a in d a !.. — Oh, não! respondem Ao compasso dos remos, pouco e pouco
Os perjuros Hebreus que humildes beijam Faz-se ao largo, singrando as ondas mansas,
Os degraus de seu trono, — é um profeta Busca o fastígio de escarpado monte,
Igual aos doutras eras! E ’, quem sabe......... E aí, sôbre um penedo enegrecido.
E ’ Elias que desce das alturas Largo tempo sòzinho ora e medita.
E traz consigo o raio da vingança! —
— Quê? — murmuram os mais, este mancebo
V II
Não nasceu entre nós? Não conhecemos
Porventura seus pais e seus parentes? Vai alta a noite. As pálidas estréias.
Que letras aprendeu? Aonde? Quando? Medrosas da manhã que se aproxima.
Como se atreve a professar doutrinas? Apagam-se no azul do firmamento.
Porém Jesus responde-lhes apenas: Tudo re p o isa ... — Não! Pelos caminhos
— Entre seus comarcãos e conterrâneos, Ingratos do deserto, erram perdidos
Na casa de seus pais, nenhum profeta Muitos pobres romeiros; muitos nautas
E ’ crido e bem aceito! — E imperturbável Vogam sem rumo na soidão dos mares!
Passa, e os ouvidos cerra a tais rumores. Muitas frontes vigiam suarentas
Sôbre a mesa do jôgo ou sôbre os livros,
V Sôbre o leito de angústia, ou sôbre o berço
Da infância inconsciente! O sono amigo,
Deixando os verdes prados e as campinas O sono irmão da morte, a poucos sêres
Da Galiléia superior, tristonho As doçuras concede do descanso!.........
Desce o Jordão, e em meio de seu curso Descem do espaço os brancos nevoeiros,
Perde em Genesaré, escuro lago, E sôbre o monte, o vale, a praia e o lago
O nome e a côr das águas celebradas, Espalham lentamente os véus fugaces.
Para depois seguir mais cheio e forte Esperando que a luz da madrugada
Até o leito impuro do M ar M orto Clareie a terra e os sêres reanime,
Em cujas ondas fétidas, sulfúreas, Os sócios do Senhor deixam os remos.
Segundo a tradição, jazem os restos Ateiam fogo sôbre um grande vaso
De Sodoma e Gomorra. — Às férteis bordas De argila recozida, e reclinados
Da banda ocidental, entre a frescura Sôbre as pranchas do barco flutuante,
Dos bosques florescentes, lindas veigas. Se aquecem conversando. Já , de longe,
Levantam-se choupanas de pastores. Nos pátios dos casais das verdes margens
Belos casais e aldeias apraziveis. Soltam a voz os vigilantes galos
Apriscos e currais, ledos retiros Anunciando a aurora que não tarda;
Onde saltam formosos cordeirinhos J á o cansaço e o sono os olhos turvam
E a voz dos pegureiros se mistura Dos singelos amigos e adormentam
Às singelas cantigas das zagaias. Os membros fatigados, quando um grito
Cafarnaum alveja entre as folhagens De assombro e de terror os chama à vida.
Das balsas odorosas, — Bethsaída Quem brada assim? Foi a ilusão de um sonho.

[ 648 ]
ANCHIKTA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Ou imprevisto mal que ao peito humano Tomam dos remos, a lagoa fendem,
Êsse grito arrancou?.. — Ah, 2593 és tu, Pedro! E sôbre as ondas resvalando asinha
Pedro! Pedro, que tens? — perguntam todos. Pouco tempo depois à 2597 praia abeiram.
Mas Pedro não responde, branco, imóvel.
Fixos os olhos, estendido o braço I X
Para o meio do lago, arqueja e treme.
Tôdas as vistas se dirigem logo A vinda de Jesus alegra o povo
Para o ponto indicado e todos soltam E as gentes alvoroça. Pressurosos
Um pavoroso grito. — Quê! amigos. Correm a vê-lo aflitos e doentes
Diz uma voz suave, porventura Que a fama de seu nome alenta e move.
Posso causar-vos mêdo? Ao frio susto Ninguém chora debalde, ninguém pede
A sorprêsa sucede: — M estre! M estre! Seu auxílio debalde, ninguém segue
Sois vós! — Eu sou, não receeis, quedai-vos. Debalde os rastros de seus pés divinos.
Ninguém aos lares volta sem c o n s ô lo !....
Qual em fino tapete ou verde relva, Ora, entre o povo humilde que se ajunta
Firme, de pé, o rosto resplendente, Para ouvir as verdades do Evangelho
Jesus caminha sôbre a lisa face Ou implorar do Mestre os benefícios.
Do lago adormecido. Ao vê-lo calmo. Os Fariseus e Saduceus avultam:
Meio vendado pelas brancas névoas. Sempre invejosos, refalsados sempre.
Dir-se-ia que as águas cristalinas Tecendo enredos, invertendo os fatos,
Tinham-sc congelado, ou braços d’anjos Buscam nos modos, nas ações, nas falas,
Invisíveis sustinham sôbre o abismo Na vida do Senhor e em seus princípios,
Seu puríssimo corpo. — As longas vestes A sombra de uma ofensa à lei, 2598 aos usos.
Na fria superfície enxutas 2594 roçam. Ou às ordens cruéis de seus tiranos.
Nem um respingo molha-lhe as sandálias — Mestre, fazei-nos ver algum milagre.
Que fundos frisos sôbre as águas deixam Dizem dolosamente, — as turbas contam
A cada movimento; auras suaves Que heis operado inúmeros prodígios.
Agitam-lhe os cabelos mansamente Nada porém sabemos, — atendei-nos, 2599
E nas dobras do manto alegres brincam; Pois creremos em vós. — Não há cegueira
Um meigo olhar, um cândido sorriso Como a daqueles que rebeldes cerram
Animam-lhe o semblante gracioso. As pálpebras à luz, responde o Mestre.
Abri os olhos, contemplai o mundo
VIII E milagres vereis por tôda parte!
Quando se esconde o sol, e o firmamento
— Se uma ilusão não és, exclama Pedro, De rubra e viva côr brilha e fulgura,
Se não és um espectro vagabundo Convosco murmurais: — Calmo e sereno
Que nos vem assombrar, senão o Mestre Será o dia de amanhã, pois rubro
Que servimos e amamos, manda, ordena E formoso é o céu; mas, quando a aurora
Que forte como estás sôbre estas águas Descorada aparece no Oriente
Eu mova-me também, também caminhe Entre nuvens vermelhas, porém tristes.
E me acerque de ti! — Vem pois, eu quero, 2595 Dizeis convosco: — H oje haverá tormenta.
Responde o Salvador, mas não duvides ! — Quê! Sabeis 1er no céu, mas neste mundo
Pedro agarra-se à borda, inclina o corpo. Não decifrais dos tempos os m istério s!...
Galga as tábuas delgadas, cauteloso Oh geração adúltera e perversa!
Estende os pés, e achando firme poiso Um milagre pedis em altas vozes,
Desembaraça as mãos, e ei-lo contente, Mas só tereis de Jonas o milagre,
Sorprêso caminhando sôbre as ondas!......... Que três dias passou no frio ventre
Mas, desgraça! Uma rápida lufada De monstro horrendo em tenebroso abismo,
De subitâneo vento silva e passa. E à luz voltou de novo! — Assim falando
Atirando lhe ao rosto a fria escuma Afasta-se o Senhor deixando-os pasmos.
Das águas agitadas; a lagoa, 2596
Até então serena e transparente. X
Torna-se negra, encrespa-se, sacode
Como um brinco infantil a frágil barca! Dos amigos fiéis acompanhado.
Pedro pára, estremece, enruga a fronte, Sequioso de paz e de sossêgo
E tomado de horror, sente se abrirem Para as santas doutrinas explicar-lhes,
Sob seus péus as vagas mugidoras, Busca Jesus os lúcidos retiros
E quase a perecer grita: — Salvai-me! De Cesaréia de Filipe. O tempo
Senhor! Salvai-me que me afogo! — e estende Corre veloz, e o prazo necessário
Iara Jesus os braços convulsivos. De seus dias na terra se restringe.
— Criatura sem fé! Por que duvidas? — Uma tarde, ao sol pôsto, refletindo
die diz o Salvador, — vem, não te assustes. — Sôbre a cegueira e perversão dos homens.
E trava-lhe a mão, põe-no a seu lado Volta-se aos companheiros e interroga:
E de novo caminham sôbre as águas — O que se diz de mim por essas vilas
chegar à barca. — Oh na verdade E por essas cidades? O que pensa
o Filho de D eu s!.. — Exclamam todos E fala o pobre povo a meu respeito?
wue este milagre viram; e aterrados, O que julgam aquêles que me cercam,
voz do Salvador, erguem-se prontos. E pedem meu auxílio, e atentos ouvem

[ 649 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Da Nova Lei as máximas fecundas? Sondar todos os mares da fortuna. —


— Dizem uns que és Elias, lhe respondem, Tristonho e pesaroso o pai os chama
Outros que és o Batista, outros ainda E com êles reparte os seus haveres.
Que és Jerem ias, mas ninguém duvida O mais velho tranquilo permanece
Que tu sejas do Eterno um mensageiro. 2600 No bendito solar de seus maiores:
— E tu, quem dizes que sou eu? — Pergunta O mais novo, porém, ave inconstante.
A Pedro o Galileu. — Tu és o Cristo, Bate as asas, volteia, o ninho deixa
O Filho de Deus vivo, — lhe responde E voa pelo mundo. — Os anos passam,
O velho pescador no mesmo instante. Passam da mocidade os vagos sonhos,
— Oh! 2 6 0 1 bem-aventurado és tu, pois creste, E o mancebo infeliz de êrro em êrro.
Não no que o sangue revelou e a carne. De vício em vício tropeçando, rola, 2604
Senão meu Pai que está no céu, exclama E cai no lodaçal medonho e fundo
Comovido Jesus, — e pois te digo Da mais feia miséria! Os sócios torpes.
Que — tu és Pedro e que serás a pedra Os parceiros de orgias e banquetes.
Sôbre a qual fundarei a minha Igreja, Vendo estancada a fonte dos prazeres.
E nunca poderão do inferno as portas Voltam -lhe as costas, cautelosos fogem.
Prevalecer contra ela! — Ouve, não trem as: Evitam encontrá-lo, arreceando
Do eterno reino te darei as chaves, Pedidos importunos. A tristeza,
E tudo o que ligares sôbre a terra A nudez e a fome o pobre c e r c a m !...
Será no céu ligado, e tudo aquilo Cansado de esperar melhor destino.
Que sôbre a terra desligado houveres Suplica a proteção de rico herdeiro
Desligado será no céu. — P or ora Que a distante casal o manda, e entrega
Cumpre sôbre o que ouvis guardar silêncio: De imundos porcos o cuidado e a guarda.
Os dias do martírio se aproximam. Ora, 2605 pesando as coisas, refletindo
Vai rebentar o temporal da ira Sôbre o mísero estado em que se achava.
Sôbre o Filho do Homem! Perseguido, Exclam a suspirando o desgraçado:
Prêso, julgado, condenado à morte. — Quantos criados, quantos jornaleiros
Aos verdugos entregue, o extremo alento Na casa de meu pai vivem à farta,
Soltará nas angústias do suplício! E aqui pereço à míngua! Irei, contrito, 2606
Mas, ao terceiro dia, triünfante. Prosternar-m e a seus pés; direi chorando:
Quebrando a dura lousa do sepulcro. Oh meu pai! Oh meu pai! Pequei, bem vejo.
Ressurgirá dos mortos. Necessário Contra Deus, contra ti! J á não mereço
E ’ que a vontade eterna se execute. De filho o doce nom e........... não me afastes
De teus olhos, 2607 senhor, muito hei sofrido.
X I Dá-me um pobre lugar entre os teus servos.
Ou entre os jornaleiros dá-me e m p rê g o !,..
Depois destas proféticas palavras. Firm e neste propósito, caminha.
Caminha o Salvador, anunciando. Caminha resoluto e o pai procura.
Pelas casas dos pobres e infelizes, — Q u ê !.. Tu voltas a mim? Oh sê bem-vindo!
O reino do Senhor e a lei divina. Diz o nobre ancião, e alegre cofre.
— Eis o homem de Deus, — eis o profeta. E streita o filho nos amigos braços.
Os Fariseus murmuram, eis o santo! Beija-lhe a fronte e lágrimas derrama
Censura os vícios, repreende os grandes, De júbilo e prazer. — Vinde, meus servos!
E se aquece ao fogão dos publicanos, Vinde depressa! — Ordena alvoroçado,
Dos pecadores se recosta à mesa! — — Tirai-lhe êstes andrajos e vesti-lhe
Jesus deixa-os falar, depois responde: Os mais belos vestidos que encontrardes!
— Quem possui cem ovelhas, mas um dia Lavai-lhe os pés molestos, e calçai-lhes 2608
Sabendo que uma corre desgarrada Macios borzeguins, — ponde em seu dedo
Nas grandes solidões, não deixa as outras Um precioso anel enriquecido
E voa a procurá-la? E quando a encontra Do mais fino la v o r !... — Ide, vós outros.
Não põe-na aos ombros, e não volta alegre, Escolhei, 2609 dentre o gado, o mais formoso,
E não folga, dizendo a seus vizinhos: O mais nédio novilho que retoiça
Julguei perdida minha pobre ovelha, P or êsses vastos campos, e matai-o.
Perlustrei o deserto, pressuroso, Trazei-o sem demora! O dia de hoje
E topei-a por fim, ei-la em meus braços!........ Será dia de folga e regozijo:
Oh! 2602 maiores serão do céu as festas E ra morto meu filho, e ei-lo que volta
Por um só pecador arrependido Redivivo a meus braços! Longas noites.
Que volte à santa grei, do que por justos Longas noites chorei crendo-o perdido,
Noventa e nove que ditosos vivem! E Deus mo restitui! Vamos, folguemos!
Ouvi-me ainda, o Salvador prossegue: E corramos um véu sôbre o p a s s a d o !....
Tinha dois filhos um varão preclaro, Ao descair da tarde, o irmão mais velho, 2610
O mais jovem dos dois, gênio versátil. Voltando do trabalho, os brindes ouve.
Louca imaginação, enfeitiçada 2603 Ouve os cantos alegres, vê festivas
Pelas glórias do mundo e seus deleites. A casa e as dependências. — Porventura
Chega-se ao nobre pai e assim lhe fala: Sonho, ou desperto 2611 estou? sorprêso exclama,
— Dá-me a parte dos bens que me compete. E pára, chama um servo, a causa indaga
Moço e robusto, rico de esperanças, Dessas doces canções, dêsses folguedos.
Quero trilhar da vida os mil caminhos. — Pois não sabeis? Correi! — lhe diz o servo.

[ 650 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S

E ’ vindo vosso irmão que longe andava, Não lhes embaraceis jamais os passos,
E vosso pai festeja-lhe a chegada. — Pois o reino dos anjos lhes pertence!
Ouvindo esta notícia, abaixa o moço Então um rico Hebreu se aproximando
A cabeça e suspira; tristemente Pergunta-lhe solícito: — Bom Mestre,
Volta sôbre seus passos. — Entretanto O que devo fazer sôbre êste mundo
O pai desce a buscá-lo, e roga, e pede Para alcançar 2618 a salvação e a glória?
Que o acompanhe à mesa do banquete. — Só Deus é bom, e sábio, e justo, e grande!
Êle porém responde: — Há tantos anos Responde-lhe Jesus. — Porque me louvas,
Que zeloso e fiel vos sirvo e ajudo, E me chamas de bom? — Dize-me, acaso
Nunca me destes um cabrito, ao menos, Desconheces os Santos mandamentos:
Que eu pudesse ofertar a meus a m ig o s!.... Não mates, nem cometas adultério,
Mas depois de uma vida vergonhosa, Não calunies teu irmão, nem furtes.
Nodoado de vícios, miserável. Preza e honra teus pais, e sobretudo
Vem meu irmão e o recebeis contente. Ama teu Deus, — teu Criador venera?
Matais, para o brindar, o mais nutrido, — Senhor, desde a mais tenra mocidade.
O mais belo novilho dêstes cam pos!... Prossegue o rico Hebreu, tenho guardado
Que prêmio pois mereço, eu que trabalho, Estes sacros preceitos. — Oh! 2619 não basta!
E nunca me afastei do bom caminho? Continua Jesus, falta-te ainda, 2620
Mas o pai lhe respondeu: — Em minha casa Para sêres melhor, alguma coisa.
Sempre viveste, e satisfeito vives, Vende quanto possuis, dá seu produto
Tudo o que tenho é teu, e nossos servos Aos pobres, teus irmãos; deixa teus lares;
Entre nós ambos distinção não fazem; Lança mão de um bordão e me acompanha. —
O que mandas eu mando: o que desejas Isto escutando, o Hebreu 2 6 2 1 torna-se triste,
Desejo que se cumpra. — O que te falta Que era senhor de cabedais imensos.
Que também não me falte? O que te sobra — Quanto é custoso! o Salvador pondera.
Que também não me sobre? Dize, filho! Quanto é difícil conquistar-se a posse
Mas teu irmão por morto eu reputava! Das delícias do céu, quando a riqueza
O Senhor o guardou e no-lo envia. Fascina a vista e o coração cativa!
Folguemos pois, nossa alegria é justa. Mais ampla entrada um dromedário achara
De fina agulha pelo estreito fundo
Que no reino dos céus um homem r i c o ! . .. .
X I I
— Quem poderá salvar-se, então? — perguntam
Alguns dos circunstantes. — Pobres cegos!
Continua Jesus propondo ainda
Exclam a o Salvador, — pensais acaso
Mais algumas parábolas singelas Que para o Deus Eterno haja im possíveis?...
Que resumem a lúcida doutrina. Depois disto, o Senhor chama de parte
Simples, mas palpitantes de verdade. Os doze companheiros, longo tempo
Sôbre a missão divina os aconselha,
Os contrários vencidos emudecem.
E abandonam de novo aquêles sítios.
Ora, entre o povo imenso que se ajunta
Ao redor do Senhor, trazem ©s pobres X IV
Os graciosos, inocentes filhos
Para que vejam seu divino rosto, As formosas parábolas ungidas
Da mais suave e doce poesia.
Para que aprendam seus preceitos santos, Os singelos painéis, onde 26 22 a verdade.
Para que toquem seus vestidos. — Basta, 2612 Simples como a expressão da natureza.
Se quereis ser felizes, bons e sábios, 2613 Os mais rudes espíritos cativa,
Que lhe beijeis do manto a escura fímbria, 2614 A linguagem concisa, porém bela
Do Divino Pastor, melhor ensinam
Dizem as mães às lindas criaturas. Do que das Sinagogas orgulhosas
As extensas lições 2623 e os vãos discursos.
XIII — Ouvi, diz o Senhor ao povo amigo
Que por tôdas as partes o acompanha: 2624
Qual formoso rebanho derramado — Havia um homem poderoso e grande.
Em denso matagal, procura unir-se, Grande no vício, e grande na opulência.
E surde aqui, ali, entre as folhagens, Vestia-se de purpura e de sêda,
E de novo se perde, assim loirejam De brilhantes e pérolas se ornava.
De quando em quando entre as cerradas turbas 2615 Em seu vasto palácio, dia e noite.
As airosas cabeças, incansáveis. Rodeado de torpes lisonjeiros
Daquela grei de anjinhos 2 6 16 curiosos. Folgava descuidoso. Em seus banquetes
— Que vêm 2617 aqui fazer parvos infantes Fortunas despendia, 2625 e mais felizes
Senão interromper a voz do Mestre, Que muitos filhos de Abraão, viviam
Ou estorvar o povo? Porventura Seus mastins e lebréus, cheios e fartos
Em brincos pueris nos entretemos? De manjares custosos e esquisitos.
Dizem do Salvador os companheiros Também havia um sórdido mendigo
Afastando as crianças. — Não! exclama Que Lázaro chamava-se, e coberto
Vivamente Jesus, deixai que venham, De pústulas e chagas, suspirava
Que se acerquem de mim as criancinhas! Faminto e esfarrapado sôbre as lájeas

[651]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Da porta do palácio do opulento; XV


De dia, enxames de nojentas moscas
O descanso vedavam-lhe, de noite
Vinham lamber-lhe as úlceras doridas A luz acorda o mundo. A natureza
Os vagabundos cães das vizinhanças. . . . De seu berço levanta-se formosa
Ora, o pobre morreu, e do infinito E saúda o Senhor. Sôbre as montanhas,
As falanges angélicas desceram
Nas grimpas do arvoredo, e sôbre as ondas,
E o levaram nos braços. O opulento O glorioso príncipe dos astros
Morreu, morreu também, mas dos infernos Feliz esparze 2630 as dádivas primeiras.
As legiões de Satanás surgiram Perdem-se ao longe nas viçosas matas,
E arrastaram-no às chamas. — Dos abismos Nos altos dos oiteiros e nos vales
Ergueu olhos febris, e viu, tranqüilo As turmas dos conversos. Triste, mudo,
No seio de Abraão, 26 26 Lázaro o pobre. O Apóstolo das Selvas se levanta
— Abraão! A braão! grita ansioso. Do escuro tronco onde passara a noite,
Dize ao ditoso Lázaro que molhe E se recolhe à sossegada ermida.
A ponta de seu dedo em água pura
E me refresque a língua incendiada:
O fogo eterno abrasa-me as entranhas!___
Abraão lhe responde: — Sôbre a terra
Viveste na abundância e o pobre Lázaro
CANTO VI
Só conheceu desgraças e m artírios!
E rasgai os vossos corações, e não os vossos vestidos, e
Goza por isso agora, e tu padeces. convertei-vos ao Senhor vosso D e u s . . .
— A b r a ã o !... A b ra ã o !.. Brada o precito. Joel I I , 13.
— Uma ponte infinita nos separa.
Diz o Santo Abraão, — nós não podemos I
Passar, e dar-te a mão. A eternidade
Assentou-se entre nós. Assim quiseste! — O rúbido clarão do sol no ocaso
Calou-se o Salvador, a passos lentos. Doira da serrania as eminências
Caminha, dos Apóstolos seguido, 2627 E as grimpas da floresta, e já formosa
E vai a Jericó , velha cidade. Em bora descorada se equilibra
Cujos pesados bastiões 2628 outrora No firmamento a lua. — Que sucesso
Caíram com estrondo, ao som da tuba Lutuoso e sinistro a mente ocupa
Do A rcanjo vingador, nos belos tempos E incita a diligência, a atividade
Quando inda Jeová sagrava as hostes Dos pobres sertanejos? — Que trabalhos
E depunha nas mãos de seus guerreiros São êsses que executam, pressurosos.
O gládio flamejante da vitória. Junto do eremitério, — sôbre as gandras
Chega Jesus, e o povo se atropela, E lezírias vizinhas? — Porventura
Ajunta-se e ,o rodeia. A uns incita Novos perigos e aflições aguardam?
A vã curiosidade; a outros guiam Longe, porém, nas úmidas campinas
A esperança e a fé. Um publicano Avultam, mudas, sôbre o chão revôlto
A quem chamam Zaqueu, homem de posses, As cruzes sepulcrais, — na terra fria
Mas de estatura pequenina, e frágil, Estendem -se os perímetros incertos
Não podendo de perto olhar o Cristo, De funerárias covas, — sôbre a relva,
Qual travessa criança aos galhos sobe Sôbre os torcidos galhos dos arbustos
De um alto sicômoro, e dentre as folhas Negrejam pastas de coalhado sangue;
Espreita cuidadoso......... Num relance E além, junto do rio, — o triste povo
O Salvador o vê. — Zaqueu, — lhe fala. Chora os filhos e irmãos sacrificados.
Desce e vem ter comigo, muito importa Enquanto reza o apóstolo dos ermos
Que na tua morada hoje eu pernoite. — As preces por finados. Vai-se a tarde,
Apressa-se Zaqueu, desce, e contente O céu desmaia, as aves emudecem,
Guia o Senhor à casa hospitaleira. E os fiéis se reúnem lentamente
Novas murmurações, novas censuras Junto do templo humilde do deserto.
Partem dos Fariseus e dos Escribas,
Vendo Jesus seguir um publicano II
E albergar-se debaixo de seu teto.
Zaqueu diz ao chegar: — Quero 2629 metade Medonha fôra a noite que passara!
Dar, Senhor, de meus bens aos infelizes, Medonho fôra o dia! — Infensas turbas
E quatro vêzes mais darei, se acaso De feros inimigos do Evangelho,
Meu próximo lesei em seus negócios. Rudes cabildas de remotas brenhas.
— H oje, exclama Jesus, em teu asilo As veredas cercaram das planícies
Entrou a salvação! Sôbre teus lares Onde soem passar os malfadados
Do Eterno Padre as bênçãos se espalharam! Para ouvirem as prédicas do sábio,
O seio de Abraão pulsou de júbilo, E uma luta travaram sanguinosa.
Pois o Filho do Homem veio ao mundo Desleal e covarde! — Sôbre o campo
Buscar o que nas sombras vacilava, Muitos ficaram, bravos combatentes;
E salvar o que havia p e re c id o !... Muitos também caíram, cujos pulsos
Não podiam vibrar ligeira flecha
Nem suster um carcás: débeis crianças

[ 652 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Que das míseras mães o doce nome Voltemos à Judéia. — Então sorprêso
Balbuciavam tímidas ainda! Ponderou Simão Pedro: — Vêde, 2633 Mestre,
Velhos inermes, — trêmulos enfermos, 2631 Os Judeus contra vós se declararam!
Que os prudentes conselhos do profeta Que pretendeis fazer? — Não tem o dia
As dores e os pesares mitigavam! Doze horas, dizei? — Quem anda à noite
Depois dêste nefário morticínio Pela falta de luz não anda às cegas?
Se espalharam, rugindo, pelas matas, F, quem anda de dia? Oh! não se perde, 2634
Sequiosos de sangue, — ébrios de raiva! Que sol brilhante aclara-lhe o caminho! —
Cruenta provação 1 — Fortes, embora. Mas depois destas místicas palavras.
Proibia a vingança a lei sagrada Qual um fraco romeiro deslembrado, 2635
Aos que da Cruz o lábaro seguiam, A quem súbito acode o pensamento,
F,ra a defesa o único partido E a consciência do dever acorda
Que cumpria tomar: para a defesa A memória infiel, diz em voz alta:
Preparavam-se pois infatigáveis — Lázaro dorm e!.........— Se êle dorme vive,
Se outras afrontas e agressões tentassem Se êle vive não s o fre i.. — atalha Pedro.
As hordas dos demônios vagabundos. — Expressão pueril de um gênio simples!
O estoicismo do Mestre assombra as tribos! Exclam a o Salvador, — nem sempre o sono
Nenhum guerreiro contemplara a morte A vida revelou: — Lázaro é morto!
Tão sereno, tão firme, e tão seguro Quis a fé conhecer que vos anima,
Como o homem da paz. — Quem recuara Deixei que sucumbisse; agora vamos,
Quando dêle partia o nobre exemplo? Vereis de perto a lúcida verdade. —
Porém, reina o silêncio entre os conversos. — Vamos, Tomé, murmura, vamos todos,
As fogueiras flamejam derramando E nós todos com êle morreremos! —
Na espessura das silvas odorosas Ver para crer! — Estólido provérbio!
Vacilantes clarões, — O missionário Depois, 2636 seguindo o soberano Mestre,
Levanta a voz suave e assim se exprime: O caminho tomaram de Betânia.
Deixemos repousar os lidadores.
Os heróis que morreram defendendo IV
A verdade e a fé: bravos cumpriram
O dever de Cristãos e de guerreiros. E chegaram enfim, tarde, 2637 bem tarde!
Destemidos como êles, neste solo J á quatro vêzes expelira o dia
Onde o sangue verteram, descansemos Os lémures da noite, e quatro vêzes
Confiantes no Deus das almas puras. A noite pavorosa desfraldara
Fiquem de parte as clavas formidáveis. O pavilhão de sombras pelo espaço!
Os finos dardos, — a cruel vingança, Já quatro vêzes sob o olhar de fogo.
O ódio que prepara ervadas flechas, Implacável olhar que tudo alcança 2638
E olhos fitos na estréia fulgurante Do árbitro da luz, sôbre si mesma
Que outrora protegia os velhos magos. Hidra cativa se volvera a terra,
Prossigamos de Cristo a santa história. Procurando romper o circo imenso
Das doze colossais brônzeas muralhas!
11 I E Lázaro dormia, e não sonhava
Em seu leito de pedra, hórrido leito
Ora, depois dos fatos mencionados Onde os vermes sòmente não repoisam !.........
No último serão, — fatos sublimes Quando, deixando o corpo, a alma divina
Que eternos viverão no pensamento Libra-se logo aos pés do Onipotente
Das gerações remidas no Batismo, Laureada de esplêndidas virtudes.
Perseguido o Senhor pelos tiranos Brilhante de inocência, — a morte é bela!
Retira-se a Betânia, aldeia humilde, Na face da matéria inanimada
Onde Marta e Maria aflitas choram Ficam ainda plácidos vestígios
Junto do pobre irmão. Lázaro, enfêrmo 2632 Daquela que passou. — E ’ belo sempre
Do mal terrivel que tomou seu nome. O cadáver do justo. — Embora 2639 triste,
Sabendo que Jesus próximo estava Um — quê — de inteligente, um — quê — de nobre
Mandam logo avisar-lhe as infelizes: Guarda estampado nas feições serenas
— Teu amigo perece, vem salvá-lo! — Onde o artista e o sábio acham mistérios
Amava o Cristo o cândido mancebo. Que a vida desconhece. O estatuário
Sócio de infância, ingênuo companheiro Na brancura dos túmulos se inspira.
De seus belos serões da mocidade; Mas, a dissolução tardia e lenta,
Se, Mestre, havia eleito outros discípulos A agonia terrífica das formas,
Para a grande missão, — nos seios d’alma A podridão das carnes, a mudança
A lembrança de Lázaro guardava De um corpo gracioso em feio monstro;
Como um favo de mel, como um perfume. De monstro em massa informe, escuro acervo
Ou como um talismã que o viandante De rôtas fibras, líquidos impuros.
Guarda zeloso em ásperos desertos. Enovelados pêlos, frias bôlhas,
Não se abalou contudo à triste nova! F. sôbre tudo, 2640 oh Deus! e sôbre tudo
Dois dias descansou no mesmo sítio, Êsse mundo de vermes asquerosos
De alheios casos se ocupou tranquilo, Cevando-se de sânie e de imundícia,
E por fim resolveu: — Bastante tempo Miséria! A morte então desperta o nojo.
Nestes almos retiros divagamos. Molesta o coração, derrama o tédio

[ 653 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Que aniquila a vontade e o pensamento Bem no fundo da lapa cavernosa.


No espírito asso m b rad o !... O h! porventura Frio abrigo das aves agoureiras,
Serás uma ilusão, serás um sonho, Avultava entre lúgubres rochedos
Fluido impalpável, — sôpro fugitivo. O túmulo de Lázaro. Na sombra,
Alma, celeste lu z !......... Musa, silêncio! Como um gênio cativo, murmurava
J á quatro dias decorrido haviam Oculto veio d’água; sôbre a loisa
Que Lázaro cerrara os olhos baços Cruzava-se agitando as asas froixas
Quando Jesus chegou. Cheia inda estava Um turbilhão de estriges e morcegos.
A pobre habitação fechada e muda Híbridos filhos dos trevosos antros.
De lembranças do m orto: o frio leito De lado a lado esverdeadas penhas.
Inda guardava as formas de seu corpo, Broncos pedaços de granito escuro.
Inda tingia as velhas coberturas Alongavam-se, rudes, como os dorsos
O sangue dos tumores lacerados. De feios crocodilos que guardassem
As sandálias no chão, no canto as roupas, Furna de pavorosos malefícios.
O nodoso bordão e os utensílios
Do trabalho usual no mesmo banco
V II
Onde os deixara à noite derradeira,
Tudo falava do infeliz mancebo! Porém, a vasta cúpula celeste.
Momentos antes, abrasada forja.
De pesada caligem se cobria;
Como o clarão de solitária estréia R ijas lufadas dos 2649 raivosos ventos
Entre os feios bulcões da tempestade Sibilavam das bandas do Mar Morto,
Consola os transviados navegantes Despindo os arvoredos seculares.
Na vastidão dos mares ominosos, Nuvens de areia erguendo pelo espaço.
O doce aspeito do divino M estre Deteve-se Jesus, — volveu os olhos
Reanimou as descaídas frontes Para a grosseira pedra que encerrava
Das lacrimosas, pálidas mulheres. Quem tanto amara neste ingrato mundo.
— Ah! se aqui foras, 2641 dizem suspirando, 2642 Abaixou suspirando a fronte augusta.
Não fenecera nosso irmão tão cedo. Inclinou-se e chorou. — Sorpreendidos,
Teu amigo. Senhor! Mas tudo podes, Viram correr seus fátuos companheiros
O que a teu Pai pedires será feito! — No belo rosto as lágrimas divinas.
— Não vos entristeçais, — responde o Cristo, Pérolas do sacrário da amizade,
Ele há de ressurgir. — No fim dos tempos, Que, 2650 no reino dos céus, fúlgidas brilham
No dia horrendo do juízo eterno, Na coroa imortal do pobre Lázaro!
Meu Deus, eu bem o sei! — Maria exclama. Quem, Anjo, ou Santo, mereceu tal prêmio?
— Sou a ressurreição, a excelsa glória, Vós, que passais alegres sôbre a terra.
Prossegue o Salvador, — fonte da vida, Diletos da fortuna, e inebriados
Quem ouve minha voz, sepulto, embora. Pelos fumos do incenso da lisonja.
Triunfará da M orte; o que respira, Ou pelos brilhos de falazes glórias,
E sente, e pensa, e crê, durma tranquilo, Não guardastes, 2651 no cofre dos afetos,
Jam ais perecerá! Onde puseste 2643 Uma pálida rosa, um triste goivo,
O frio corpo dêsse pobre amigo.? — Uma lembrança fugitiva ao menos
— Vem, e verás, — responde a ingênua Marta. De tão feliz, tão puro sentimento, —
Depois, 2644 chamando a irmã, 2645 silenciosa Desconheceis, vaidosos, a doçura,
Ouia o Senhor ao tumulo de Lázaro, 2646 E o valor dessas lágrimas s u b lim e s !....
Negro jazigo entre rochedos fundos. — Vêde, quanto o prezava o grande M estre! —
O povo murmurou. — Erguei a loisa!
VI Erguei a loisa que seus restos cobre! —
Ordena o Salvador aos circunstantes,
Nas nuvens inflamadas do Ocidente Numerosos então, — erguei-a, eu mando! —
Mergulhava-se o sol, — quente era a terra, — S e n h o r!.. J á quatro dias decorreram
E os píncaros dos montes escabrosos, Depois que faleceu, — fétido cheiro.
E as grimpas dos salgueiros e ciprestes 2647 Cheiro de podridão exala o corpo,
Ao purpúreo clarão do céu do estio Talvez coberto de asquerosos vermes!
Pareciam de sangue borrifados. Deixa que se consuma! — Disse Marta.
Um longínquo 2648 trovão, rouco, sinistro, — Não duvides, mulher, a fé sincera
Tredo como o bramir das grandes onças Abre do céu as portas luminosas!
Nas amplas furnas de fragosas serras. Eia, vós outros, levantai a lousa! —
Soava nas extremas do horizonte. Com soberano gesto ordena o Mestre.
Nem uma leve aragem pelos campos! Num volver d’olhos a pesada pedra, 2652
Nem o piar de um pássaro nas frondes Rangendo sôbre as bordas do sepulcro.
Dos bastos olivais! Nem o balido Descia ao chão da gruta funerária,
De uma ovelha medrosa nos o iteiro s!......... E à luz vermelha de fumoso archote
Então M arta parou, mostrando a gruta Que Maria acendera, muda, horrenda
Onde jazia o irm ão: — E is o sepulcro. Como a garganta de tartáreo monstro.
Senhor, de vosso amigo! — Ardente pranto Cheia de sangue e de polutas carnes
Corria-lhe dos olhos; — arredada, Mostrou a tumba escancaradas fa u c e s !...
Maria soluçava entre os arbustos. A seu eterno Pai volveu-se o Cristo

[ 654]
ANCHIETA OU O EVANGEEHO NAS SELVAS

Nesse instante solene: — Padre, Padre, Nas hórridas cavernas ressoaram


Por nie haveres ouvido eu te dou graças! — Furibundos mugidos. — Oh! miséria!
Depois, erguendo a mão sôbre o sepulcro, Bradou se retorcendo ébrio de raiva!
Essa mão invencível que aplacava — M iséria !.. — nas angústias do suplício
As convulsões do mar, do céu as iras. O Cristo morrerá. Porém que importa
Resoluto bradou: — Ergue-te, 2653 Lázaro! — Se perdoa, expirando, 2658 a seus verdugos!
Abalaram-se os rígidos penedos Se lava com seu sangue os crimes todos
Com terrível fragor! O chão lodoso E os perversos arranca-me das garras!
Talvez movido por secreta chama Se desce a meus domínios triünfante
Tremendo se fendeu! Correu nos ares Trazendo a luz, talvez, e almo conforto
Uma listra de fogo, e à luz sulfúrea, 2654 Onde jamais sorrira uma esperança!
Que rápida aclarou a funda gruta. Miséria! — E debatia-se convulso
Viu a gente mover-se o branco espectro No circo abrasador das próprias chamas.
Do desgraçado moço de Betânia,
Firmar as mãos nas bordas da jazida. I X
Sacudir o sudário, abrir os olhos,
E entrar de novo na mansão dos vivos! . . . . Jesus, porém, prevendo o fero intento
Como negar a esplêndida verdade? Dos pérfidos ministros, retirou-se
Rejeitar o prodígio? O povo humilde Para as bandas de Efrém , pobre cidade
Sentiu passar o hálito do Eterno Isolada no meio dos desertos.
Por aqueles rochedos, — prosternou-se Não temia o furor dos inimigos,
Aos pés do Deus que os mortos animava, Não fugia medroso, antes tranquilo
feendisse o Cristo, a aurora do Evangelho! Esperava seu fim. — Próxim a estava
Da Páscoa a grande festa: os sacerdotes, 2659
Escribas e doutores, agastados
VIII Pela ausência da vítima inocente.
Encheram de espiões os arrabaldes, 2660
Mas, a inveja roaz, o ódio cego. E prometeram pingues recompensas
Verdadeiros demônios, rebramaram A quem seu novo asilo descobrisse.
Nos corações dos fariseus protervos; Seis dias, entretanto, antes da Páscoa,
Todo o veneno da tartárea estância 2655 Volvendo Cristo aos ares de Betânia,
Verteu Satã nas veias dos escribas, Entrou na casa de Simão — leproso,
E no seio dos ímpios sacerdotes. Onde à noite ceou. Lázaro estava
— Em que pensamos nós? — dizem raivosos. Nesse tempo a seu lado, e a irmã querida,
Que deixamos em paz o Nazareno 2656 Marta, os servia na modesta mesa.
Pregar doutrinas, 2657 operar milagres, Discorria o Senhor sôbre o futuro,
E seduzir a plebe inconsciente? Sôbre o reino dos céus, — a glória eterna,
O que é feito de nossa autoridade? A beleza inefável da virtude,
Onde está nossa fôrça? Porventura, O brilho imaculado da inocência,
Seguindo a multidão que nos despreza. Quando, trazendo um vaso de alabastro
Iremos nós também beijar as plantas Cheio de essências finas, preciosas.
Do filho do mesquinho carpinteiro? — Chegou Maria, e, palpitante, 2661 ungiu-lhe
Então falou Caifás, hebreu soberbo. A fronte sacrossanta. — Desperdício!
Pontífice arrogante, ergue-se e disse: Esbanjamento inútil! — grita Judas.
— Nada entendeis. Obrais como insensatos. Não podias vender êsses perfumes
Desconheceis as práticas dos sábios. Dos pobres em favor? Oh! certamente
Não refletis que a salvação do povo São trezentos dinheiros que perdemos! —
De sangrenta lição depende apenas? E ra duro, mesquinho, interesseiro,
Que é necessário que pereça um homem? O taciturno hebreu; trazia a bôlsa
Que a nação abalada não sucumba? Da humilde companhia, e mais prezava
Que o tempo pede sangue, e a lei decreta Que a própria, inútil vida, êsse pecúlio
Que neste caso se derrame sangue? — Que de todos provinha, era de todos.
Disse........ e no pensamento de seus sócios — Judas, porque censuras e molestas
A morte do Senhor foi resolvida! Esta ingênua mulher! O Mestre exclama;
Tinha profetizado um dos algozes! O que ela fêz seu coração revela:
Cumpria que sofresse o grande M estre! Mostrou-se boa e crente. Neste mundo
Que esgotasse de um trago a taça negra Sempre tereis os pobres e infelizes.
Dos terrestres martírios! — Que gemesse Quanto a mim — . . . . leve sombra de tristeza
Ao pêso imenso da maldade humana! Nublou os olhos límpidos do Cristo,
Que beijasse, ferido, as duras pedras Que prosseguiu depois baixando o rosto:
Daquele escuro chão, — não pelo povo — Oh! ela ungiu meu corpo antes que desça
Ingrato de Israel, mas pelo mundo. À fria sepultura, e vos afirmo:
Pelo porvir das gerações cativas! Em tôdas as nações, em tôda parte
Pelo triunfo eterno da verdade!........... Onde se repetir êste Evangelho, 2662
Na região do infindo desespero Seu belo proceder será louvado I —
Satanas exultou. Ao feio riso. Como soia, se afastou da mesa
Porém, daqueles lábios requeimados Buscando um êrmo sítio, onde sòzinho
Sucederam esgares pavorosos! Pudesse meditar. Era alta noite...........

[ 655 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

X Decifrar das esplêndidas cantatas


Que enlevavam minh’alma suspirosa!
Era alta noite e os pobres campesinos, Só percebia os lúgubres soluços
E os mendigos da aldeia se apinhavam Que subiam do abismo, as vozes débeis,
Da casa de Simão no estreito pátio. E as queixas magoadas que diziam:
Muitos doutores, fariseus e escribas — Quando virás nos consolar, 2668 oh Cristo!
Vindos dos arredores, curiosos Quando virás quebrar os duros ferros,
Se acercaram de Lázaro, e aterrados Que nos vedam voar à pátria amada — . . .
Murmuravam baixinho: — Ei-lo! seu rosto Súbito um mar de pavorosas sombras
Conserva ainda a lividez das tumbas! Ergueu-se rebramando, — um sôpro ardente
Ei-lo, ressuscitou! — E ’ seu fantasma, — Pelas trevas correu............. — Sôbre meu corpo
Diziam outros, apalpai-lhe as vestes, De novo estava a loisa do sepulcro,
Tocai o frio corpo, e tênue fumo. E a voz do Mestre me chamava ao m u n d o !.. .
Ou branca névoa de invernosa aurora Credes agora, ou duvidais ainda?
Se desfará depressa. — Mais afoito Contemplai-me, aqui estou! — Qual de vós outros
Adianta-se e brada um velho escriba: Ousará rejeitar êste prodígio — . . .
— Lázaro, donde vens? Donde saíste? E Lázaro calou-se. Os circunstantes
Pelo Deus que adoramos te conjuro, Conservaram-se mudos, assombrados.
Deixa o mistério que te envolve, fala! — Muitos hebreus então se converteram ^
Houve um momento de mortal silêncio. À lei da Redenção, muitos escribas,
Ninguém ousava se mover, o mêdo E rudes publicanos, jubilosos.
Tolhia o respirar aos assistentes. Viram cair a venda enganadora
Então, 2663 qual muda estátua a cujos membros Que lhes furtava a luz, e se curvaram
Por milagre do céu descesse a vida, Ao sublime estandarte do Evangelho!
Voltou Lázaro o rosto descarnado Porém, negra loucura! os sacerdotes, 2669
Onde em cheio bateu a luz formosa Contumazes no êrro e na mentira.
De azinhavrado, 2664 antigo candeeiro. Concertaram, cruéis, tirar a vida
Aquele que o Senhor tinha salvado!
X I A tanto a inveja e o ódio se abalançam !
Porque me obrigas tu, velho insensato, 2665
X 11
A revelar mistérios de além-mundo?
Disse fitando amortecidos olhos I.onge, porém, ralada de saudades
Sôbre o ousado Judeu. — Me interrogaste Chorava no retiro a Virgem santa 2670
Em nome do Senhor, — cala-te e escuta: Do filho amado a prolongada ausência.
Eu jazia prostrado e sem conforto .A.njo de amor no vale das tristezas.
No leito da doença, e como a chama Pelo augusto mistério ao céu ligada,
Vacilante de um círio que se extingue E à terra pela dor; símbolo eterno
No silêncio da noite, pouco e pouco De inefável pureza e alma piedade.
Fugia-me da vida o froixo lume. Grande na compaixão e na doçura
No céu crepuscular, — no céu dos mortos, — Como o filho na glória e no martírio.
Eu via ao longe, turvas, indecisas. Via se apropinquarem no horizonte
Perderem-se do mundo as ribanceiras As trevas do suplício! — Era alta noite.
Como ilusões brumosas do deserto.............. Perto do antigo lar sòzinha e aflita,
Sumira-se o passado; instável gôta Volvia suspirando o pensamento
Pendida à borda de profundo abismo. As estações felizes do passado,
Quase a cair, librava-se o presente; Revia os prados e as risonhas veigas
E além, no seio horrendo do infinito. Cheias de flores, de frescura e sombra,
Avistava o futuro, — horrenda porta Onde Jesus brincava; os mansos lagos
Coberta de decretos insondáveis. Onde nas tardes lúcidas do estio
Negra, e sempre fech ad a!... Áspero inverno Vogavam contemplando o céu sereno.
Vertera o gêlo dos polares climas As verdes ilhas, — as formosas praias
Em minhas veias tú m id as.... As horas Cobertas de choupanas de barqueiros.
No quadrante do tempo se apagavam............ D epois......... descendo ao árido presente.
Como o cedro gigante das montanhas Vendo sumir-se a luz, toldar-se o espaço.
Range, estorce-se, estala, oscila e tomba, Erguer-se no porvir o vulto negro
Senti dentro em mim mesmo alguma coisa Do mais cruel e áspero infortúnio.
Estalar e c a i r ! .... — Alva sublime Inclinava a cabeça ao môrno seio
As trevas sucedeu do passamento: E rompia em soluços magoados.
Achei-me leve, cândido, impalpável O temporal do inverno sacudia
Como o éter sutil que me cercava! As ramagens dos fúnebres salgueiros.
E dessas regiões da eternidade, Dobrava os ervaçais, e nas gargantas
V'^i num canto da terra, inerte, mudo, 2666 Profundas das montanhas do deserto
O que fôra meu corpo: imundo andrajo Desfaziam-se em trêmulos gemidos.
Esquecido num antro de misérias!........ — Meu filho! — murmurou erguendo o rosto
Busquei debalde no meu novo estado A esposa de José, — meu pobre filho!
Contemplar 2667 as esferas fulgurantes E as doiradas madeixas sôltas, livres
Que sentia rolar no imenso fluido Nesse rápido gesto, se espalharam
Das supernas alturas, e as palavras Em profusos anéis no colo ebúrneo.

[ 656 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

XIII Onde todo o soluço encontra um eco!


Onde todo o martírio encontra um prêmio!
Mas, silêncio! Lá fora entre as rajadas Eu sou a confidente de teus sonhos!
Indômitas do vento, tristes queixas Eu sou a Caridade! — Assim falando
Se fizeram ouvir, depois no alpendre, Prostraram-se as celestes emissárias
Maviosas palavras ressoaram. E adoraram do Empíreo a soberana.
— Dá-nos abrigo, oh Virgem gloriosa, 2671 Mas, palpitante o seio, os lábios mudos.
Que saímos de longe e te buscamos ! — Cruzados sôbre o peito os níveos braços.
Maria estremeceu; era tão meiga, Cismava 2677 extasiada a mãe do Cristo.
Tão doce a flébil voz que lhe falava, Quando, porém, o enleio superando.
E tão medonha a noite, o céu tão negro. Levantou a cabeça, — os três Arcanos
Tão funda a escuridão, que levantou-se. Para junto de Deus tinham voltado.
Tomou o largo manto e abriu a porta.
Indizível sorprêsa! Excelsa glória! X IV
Três lúcidas irmãs, três mensageiras
Das regiões supremas, penetraram Calou-se o narrador. Vários romeiros
No hospitaleiro asilo da virtude. Habitantes das serras do Ocidente
— Anjos de meu Senhor! — Maria exclama Neste instante chegavam. Seus vestidos
Cheia de confusão e de respeito, Eram rotos, e úmidos de sangue.
Anjos de meu Senhor, sêde bem-vindos Úmidos pés e mãos, e as faces frias
Na mesquinha morada da humildade! Lívidas de terror. — Deus vos proteja.
— Estréia de Israel, — Farol dos justos. Sacerdote da paz! — disse o mais yelho
Rainha e Mãe das imortais falanges. Saudando o Missionário, — a Providência
Diz a primeira das irmãs, — não temas! Nossos passos guiou........ — Estais feridos?
Companheiras eternas de teu filho Estais feridos? — interroga o Sábio.
Ouvimos-te chorar, e pressurosas Que mal vos sucedeu? Donde viestes?
Voamos a teu lado. Ouve, Maria: Que sangue é êsse que vos mancha as roupas?
Eu sou a viva luz dos santuários, — O sol doirava nossos pátrios cerros,
A rosa imarcescível 2672 da pureza, O romeiro falou, — quando partimos
O gênio da verdade. Sábia e forte. Para vir adorar a Virgem Santa
Dou vida às brenhas, escravizo as vagas. Nesta tranquila ermida, e ouvir, humildes.
Domino os vendavais, desprezo os raios, Ministro do Senhor, vossas doutrinas. 2678
Vitoriosa encaro a morte horrenda! Era intenso o calor. Ao meio-dia
Sou a fonte da glória e do heroísmo! Procuramos abrigo à fresca sombra
Senhora, eu sou a Fé! Não me conheces? — De risonho palmar, onde queixoso
Calou-se a peregrina do infinito, Murmurava um arroio entre alvas pedras.
A segunda falou: — Quando a serpente Éramos mais de vinte, homens robustos,
Turvou do Paraíso o ameno lago Mulheres e crianças. — Reclinados
Onde o mais puro afeto se espelhava, Sôbre a relva macia, um dos amigos
E do jardim das célicas delícias Relatava os sucessos lastimosos
Lançou 2673 da terra aos pântanos lodosos Dêstes últimos dias, e nós outros,
A humanidade escrava, compassivo Que no conflito insólito perdemos
Formou-me o Criador. — Na tempestade Tantos fiéis e bravos companheiros.
Sou o íris, o núncio da bonança, Ouvíamos tristonhos. — De repente
A estréia do pastor, a roxa 2674 aurora; Uma chuva de setas aceradas
Sou nos vergéis a flor da primavera; Caiu a nossos pés. Um grito horrível,
Na moléstia a saúde; a luz nas trevas; Um grito só, perdeu-se pelos ares.
Nas prisões o perdão: no passamento De verdugos e vítimas: por terra
A clemência de Deus, a eternidade! Feridos mortalmente, estrebuchayam
Sou a Esperança, a êmula da vida! Nossos pobres irmãos! Os assassinos
Eis-me contigo, 2675 oh Virgem soberana! - Surdiam como insetos da espessura!........
Calou-se a peregrina do infinito. Eram êles. Senhor! Eram os mesmos
A terceira falou; — Passei a infância Que encheram de aflição vosso retiro!
Na tenda de Abraão, o pai dos povos, Conseguimos fugir nós que aqui somos,
O amigo do Senhor; tornei-me grande Os únicos talvez!........ Porém ao longe.
Ouvindo no deserto a voz do Eterno Bem no meio de aspérrimos rochedos
Aconselhando o exímio patriarca. Ouvimos uma voz sentida e triste
Tenho o condão sublime dos prodígios. Repetindo as endechas 2679 funerárias
Sou a pomba nas águas do dilúvio, Que os homens do Senhor cantam prostrados,
Sou a fonte de Agar nas soledades, Nos arraiais da morte. — Comovidos
A coluna de fogo nos fraguedos Nos dirigimos 2680 as sinistras penhas........
Das estrangeiras te rra s!... Virgem santa! Padre!.. Um servo de Deus, um sacerdote,
Anjo que tantas vêzes hei seguido Um missionário como vós, expira
No recinto da dor e da miséria Sem orações, sem luz e sem consôlo
Onde levas o pão, a luz e a calma! Na solidão de inóspitos fraguedos! —
Coração piedoso! Etéreo cofre, O romeiro calou-se. Resoluto,
Onde tôdas as lágrimas que rolam 2676 Firme como um guerreiro de outras eras,
Em riquezas subidas se transformam! O pastor do deserto ergueu-se e disse:

[ 657 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES A'^ARELA

— Quem dentre vós, soldados do Evangelho, Mimo do largo mar, — cesta de flores
Meus passos guiará? — M estre, partamos, Esquecida na rota dos Fenícios!
O romeiro responde. — Vamos todos! Do meu pio destêrro inda te vejo,
Corramos ao lugar do sacrifício! — Como sempre te vi nos belos sonhos
Bradaram cem mancebos valerosos. Da curta juventude! — As auras frescas
Um momento depois marchavam lestos Brincam talvez agora nas videiras
Ao longo das campinas orvalhadas. Do rústico solar de meus maiores.
As ondas espreguiçam-se nas praias
X V Curvas como os alfanges sarracenos,
O titão de granito ergue nos ares
Nublada e triste aparecia a aurora A fronte audaz e ríspida cingida
No chuvoso Oriente, ásperas brisas De um turbante de névoas sempiternas!
Silvavam nos sarçais 2 6 8 1 g nos oiteiros Nada mudou: nas penhascosas grutas
Estéreis do sertão, quando chegaram Poisam ainda os pássaros marinhos;
Ao teatro da lugubre tragédia. O possante albatroz estende as asas
— É ali, — disse o filho das montanhas Sôbre o verde oceano; os líbios ventos
Mostrando um monte de tisnadas pedras Trazem da terra firme as cantilenas
Coroadas de cardos verdoengos, Dos sanguinários, 2684 rudes fetichistas!.........
— E ’ ali! — Foi bastante esta palavra, Mas de meus pais......... só restam na jazida
Bastante o gesto que a seguia, — o Sábio Os carcomidos, 2685 alvacentos ossos!
E mancebos valentes escalaram Ali sumiu-se o nome de Anchieta! —
Num volver d’olhos o Calvário alpestre. Calou-se o sábio. O orvalho da saudade
Crostas calcáreas desligadas, soltas. Pelas pálidas faces deslizava.
Rolaram das escarpas nos rochedos. Mas, um estrondo horríssono e profundo
Os ecos acordando; — um feio abutre. Como o estalar de transviada esfera
Possante e gigantesco, abriu as asas, Nas regiões sombrias do infinito
E elevou-se grasnando pelos ares; Retumbou nas extremas 2686 do Oriente!
O horizonte aclarou-se, e um raio froixo O céu afogueou-se, — o mar bramiu;
Da fria madrugada, um flavo raio, Cruzaram-se os relâmpagos, rasgando
Um escárnio da luz, bateu medroso A tela dos negrumes condensados
No fastígio das penhas escabrosas. Sôbre a face da terra; o anjo da morte
O m ártir ali estava, — calmo e belo Sacudiu no levante as asas negras!
Como um jovem pastor adormecido Tomado de terror prostrou-se humilde
Sobre a relva do campo, entregue aos sonhos O sagrado pastor das soledades
De inocentes am ores; em seus lábios Invocando de Cristo o santo nome.
Inda restava a sombra de um sorriso.
Porém 2682 da morte as roxas 2683 violetas II
As pálpebras cerradas lhe tingiam;
Uma flexa veloz o derribara........... Sevo A lcáccr-Q uivir! Campo de opróbrio!
A fria destra sôbre um livro aberto Campo das gemonias lusitanas!
Marcava o santo ofício dos fin a d o s!... Quão sinistro negrejas no horizonte
Expirara adorando o Ser Supremo! Do novo Ezequiel aos olhos fátu o s!.........
A noite cobre de tristeza e sombras
Os vastos ermos das brasílias terras.
Longe, longe, porém, resplandecente
CANTO VII Sôbre o hemisfério oposto, o sol fulgura
Iluminando os areais medonhos
I Da Núbia requeimada. — Horrenda história
T raça convulso o gênio das batalhas
Branca vestal do templo da saudade! No bronzeo Arquivo dos humanos f e it o s ....
Musa da ausência, compassiva musa L á desfraldam-se aos ventos do deserto
Que desfolhas nos páramos do exílio Os formosos pendões alvi-cerúleos,
As rosas da esperança, borrifadas Da Mauritânia horror! Fulgem as lanças
De lágrimas de amor, e suavizas Senhoras do ocidente e do levante!
As vígilias do bardo forasteiro Ribombam os obuzes vencedores
Repetindo as canções dos pátrios lares! Dos filhos de Ismael, atordoando
Gênio das tradições! Que pensamentos As mesquitas do esposo de Cadija,
Inspiras nestas horas de tristeza E afogando no fumo das bombardas
Ao pastor do deserto? — Quão serena O brilho do crescente muçulmano!.........
Das altas cordilheiras do Ocidente Sôbre airoso corcel, alvo de neve,
Vem a noite ganhando os fundos Abales! Se arroja destemido o rei mancebo
Quão suspirosa a viração dos ermos No meio da peleja. Aos líbios tigres
Passa no seio escuro dos silvados! Os leões portuguêses se arremessam.
Quão gemedoras rolam das montanhas Os esquadrões, porém, dos circuncisos,
Por entre os véus de espuma as cachoeiras! Pérfidos como os gênios fulminados
— Oh meu plácido berço! Oh Tenerifa! — Das legendas hebréias, se distendem
Exclam a o solitário alçando os olhos De lado a lado em temerosa curva
Aos vastos céus azuis, — ilha querida, Que procuram fechar, prendendo os bravos

[ 658 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Defensores da Cruz. — Soam os gritos Cobrem de Guanabara as alvas praias!


Que distinguem as crenças e as bandeiras. A voraz ambição da velha França
Os cavalos relincham, devorando Infiltrou nas artérias dos selvagens
O espaço que separa os combatentes: O veneno da raiva. — O surdo estrondo
A terra treme; as solidões acordam; Das clavinas de bronze se mistura
O delírio 2687 do sangue abrasa as frontes; Ao silvo agudo das ervadas setas
O demônio da vil carnificina No espaço afogueado. As feias hordas
Tripudia entre corpos mutilados! Dos Tamoios cruéis 2690 se precipitam
Quem será vencedor?----- — Como a torrente Dos montes e dos cerros escabrosos
Que rola da montanha e se divide, E as planícies dominam. Destemidos
E, tornando a se unir, estreita os bosques Como leões resistem nossos bravos.
Nos líquidos anéis das turvas águas: Mais terrível em número, contudo,
Ou, como o incêndio das colúmbeas várzeas O inimigo fraqueia, que a vitória
Cresce, — estende-se, — ruge, — abraça os campos, Do soldado Cristão repoisa ao lado.
E os rebanhos incautos cinge, e mata Quando porém a lua vagarosa
Nas malhas infernais das labaredas. Doirava os verdes, 2691 plácidos oiteiros
Assim as hostes infiéis apertam Da linda Niterói, um brado horrendo
O exército Cristão! — Hora solene! Correu lançando a confusão e o susto
Hora de desespero e de heroísmo! Entre nossos valentes lidadores:
Hora de morte ilustre ou vida inglória!......... — E ’ morto o Chefe! — O gêlo do desânimo
Prodígios de bravura imortalizam Os braços enfraquece, esfria os peitos.
Os denodados terços portuguêses! Extingue o fogo ardente dos combates
Caem! O mundo beija-lhes os restos! Nos olhos dos guerreiros. — Os mais nobres
Hão de ressuscitar! Não tarda o d ia!......... E sábios campeões 2692 deixam as armas
Mas a fatal sentença estava escrita! E beijam soluçando as mãos geladas
O sol de Ourique se escondeu no Ocaso: Do ilustre moribundo!...........— Oh Deus eterno!
Um tufão de extermínio entrou rugindo Exclam a o comovido mensageiro,
Nos régios alcaçares, — e as ossadas Eu o vi, eu o v i . . . pálido e belo,
Dos sublimes heróis das eras priscas Transpassado de aguda, ervada flecha,
Moveram-se nas urnas funerárias! Sôbre o arenoso chão! De espaço a espaço
Uma sonora voz bradou sentida: Vendo seus denodados companheiros
Lísia! chora teus filhos insepultos Vencidos pela dor, movia os lábios,
Nas solidões das brenhas Africanas! Procurava f a l a r .... Baldado csfôrço!
Chora teu rei sem cetro e diadema. Uma golfada de espumoso sangue
Sem espada, sem cruz e sem jazigo. Do seio rebentava, estranho lume
L an çad o... — aonde?.. — De seu fim ncfário Incendia-lhe os olhos e de novo
Nem recebeste o estólido sarcasmo Caía extenuado! — A meia-noite
Que sói usar o pérfido inimigo Deixara de existir. — Fatalidade!
Quando nas mãos da infrene barbaria Murmura o Missionário. — O que me dizes, 2693
Põe o destino o gládio da vitória! Piedoso guerreiro! Estácio é morto!
Estácio, 2694 o fundador do grande empório
Mas a triste visão desaparece. Das riquezas do Sul! — No verde monte
A graciosa aurora, a virgem iônia Que mais se alonga no espumoso pego,
De loiras tranças, 2688 de rosados dedos E primeiro descobre a vasta barra,
Franqueia à luz as portas do Oriente. Nós abrimos do herói a sepultura;
Salve, etéreos clarões da madrugada! Os servos do Senhor, trajando luto,
Brilhantes arrebóis, aragens brandas, Cantaram junto ao corpo os hinos santos
Silfos travessos do deserto, salve! Do livro das divinas epopéias.
Depois, ao triste adeus da Artilheria
Que os vales atroava, o depusemos
I I I
No funerário leito. — À madrugada
Quem és tu, pensativo cavaleiro Seguindo as instruções de vossos freires
Que do escuro corcel te apeias mudo Parti a procurar-vos. — Eis a história
À soleira da ermida? O desalento Do lúgubre sucesso: eis o depósito
Altera-te as feições nobres e belas, Que tenho de entregar-vos. — O mancebo
E um profundo pesar não disfarçado Tira do seio um grosso manuscrito
Quebranta o brilho de teus olhos negros! Que ao ministro apresenta. — Cumpre agora
Quem és tu? Donde vens? — Tristes notícias Que descanses um pouco e te alimentes.
Trago a vosso retiro, exímio Padre. — Vamos — E entram na ermida um após outro.
Diz o moço avistando o Missionário.
— Bem-vindo sejas, servidor do Cristo, IV
Responde o sábio mestre, que desgraças
Vens tu me anunciar? Fala, não temas, Como desfeita está! Como caminha
Que tudo espero nesta quadra infausta. — A filha do sertão, triste e abatida
— Caminho há quinze dias sem descanso, 2689 Pela seva doença! Desbotaram
Diz o pobre emissário, hei-vos buscado No gracioso rosto as belas rosas, 269.3
Como o animal mordido da serpente Emblemas da viçosa mocidade.
A fonte salvadora. O sangue, o luto Acabou-se a frescura de seus lábios.

[ 659 ]
IjUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

E a luz suave dos fagueiros olhos Trouxeram sem trabalho e sem tardança
Sumiu-se para sempre! — Chora, chora, 2696 Os mansos animais. — Predito fôra
Desgraçada Naída! — O hibérneo vento Pelo antigo profeta este sucesso,
Da fronte juvenil sacode as flores! E as menores, mais leves circunstâncias.
Êrmo de anelos, de ilusões vazio Pondera o escrupuloso m issio n ário ... 2705
Bate teu coração, — e as asas cerras. Ouvi a predição: — Dizei à filha, 2076
Tímida rôla das florestas virgens, A filha de Sião, eis se aproxima
Deixando o mundo na estação dos r is o s !.. . . Sôbre rude jumenta, vagarosa,
Do limiar da porta o sábio a enxerga, 2697 O vosso grande rei. — Porém, chegados
E disfarçando com palavras meigas Os servos do Senhor, — os grossos mantos
A emoção que o domina, a mão lhe estende Ao dorso do animal prestes lançaram,
E a faz entrar no hospitaleiro alvergue. Onde sentou-se o Cristo, e pensativo
Seguiu caminho da cidade eterna.
V Vingava o sol na cúpula celeste
O meio de seu giro diüturno,
Ao meio-dia, reunida à sombra 2698 Quando a Jerusalém , não dos profetas,
A caridosa grei, o missionário Não de Davi o bardo soberano.
Ergue a voz eloquente, e continua De Salomão o sábio, — mas a triste
Da Redenção a história milagrosa. Jerusalém dos Césares, — ao longe
— Sinto-me enfermo 2699 e fraco, as tristes novas Apareceu na fímbria do horizonte
De uma luta cruel, o pensamento Aos olhos do Senhor; ondas de povo
De males e perigos que nos cercam, Corriam dos casais ao seu encontro.
A sinistra impressão, talvez, de um sonho, Ondas de povo se agitavam ledas
Mas de um sonho fatal, m inh’alma oprimem. Na pedregosa estrada que trilhava
Escutai-m e, contudo, sêde atentos. 2700 E seguiam cantando almos louvores.

V I V I I

Sobranceiro aos manejos da calúnia. Glória! os hebreus clamavam. 2707 Glória! Glória
Aos enredos da inveja, às ameaças Ao filho de Davi! Bendito seja
Dos desleais, 2701 protervos sacerdotes, O que em nome de Deus vem das alturas!
Na divina missão Jesus prossegue E estendiam por terra os seus vestidos
Arrostando os bulcões da tempestade Quais régios servos pérsicos tapetes
Que seus dias terrestres assoberbam. Na passagem dos príncipes. — Hosana!
E ra o Domingo consagrado à festa Gritavam as crianças e as donzelas
Com que celebra o povo israelita Desfolhando boninas odorosas.
As árduas provações de seus maiores Cobrindo o chão de verdejantes palmas.
Nas planícies do Egito. As verdes silvas. Glória ao Senhor, ao M estre! Glória ao Cristo!
As balsas florescentes dos oiteiros E o séquito engrossava, — os camponeses, 2708
Se arreavam de pérolas e opalas Romeiros e pastores se ajuntavam
A luz do sol nascente; alegres bandos A roda de Jesus, — os viandantes
De alvas cegonhas, de faisões travessos Saudavam-no de longe. — Dir-se-ia
Brincavam pelas margens dos arroios A entrada triunfal de herói preclaro
Encantados do aroma e da frescura Da pátria amada ao suspirado grêmio
Que as serenas campinas inundavam. Depois de longa ausência. — Glória! Glória!
Como as aves, contentes; como as flores Repetiam os ecos das montanhas.
Louçãs e donairosas, pelos vales Cedo em Jerusalém correu a nova
Corriam da Judéia as lindas filhas. Da brilhante ovação, e os sacerdotes
Cheia a imaginação de amores fáceis. Raivaram como as serpes peçonhentas 2709
E , como sem pre......... o coração vazio. Quando pressentem das imundas covas
Ora, naquele tempo, descansava O tropel das ovelhas. — Oh! bem vemos.
Rodeado dos seus o excelso Mestre, Os fariseus diziam disfarçando
Em soidoso retiro junto à 2702 fralda Os furores satânicos da inveja,
Da montanha das velhas Oliveiras; O vulgacho está cego! O nazareno
E como visse as buliçosas turbas Fascina as multidões. Outros, audazes.
Que atravessavam lépidas os prados Dirigem-se ao Senhor e assim lhe falam:
Demandando a cidade, — a dois amigos — Mestre, fazei calar vossos amigos! —
Disse apontando ao longe a aldeia humilde — Se os fizesse calar, responde o Mestre, 2710
Entre viçosos pâmpanos oculta: Clamariam talvez as próprias pedras! —
— Ide àquele 2703 lugar: vereis, entrando, Depois volvendo os olhos compassivos
A vossa destra, prêsa uma jumenta, 2704 Para as colinas áridas, fronteiras.
E ao lado dela um tenro jumentinho, Vendo, já perto, a célebre cidade
Trazei-m os sem receio. Se, contudo. Com seus velhos eirados, com seus muros
Alguém vos perguntar quem vos envia Pelo roçar 2711 do tempo enegrecidos,
Respondei — o Senhor, — no mesmo instante E os grossos bastiões, onde ociosos
Vos deixarão voltar. — Logo partiram Os soldados romanos palestravam,
Os sócios de Jesus a largos passos, .Abaixou suspirando a bela fronte
E o divino mandado executando, E disse estas palavras memoráveis:

[ 660 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

— Jerusalém! Jerusalém! Se ao menos Jesus parou relanceando os olhos


Pudesses conhecer o que te salva, Sôbre o povo sacrílego, avarento,
E te assegura a paz! Mas os teus olhos E não mais dominando a justa cólera.
Nada por ora enxergam 2712 no futuro! Salta, as caixas derriba, as mesas quebra,
Entretanto há de vir um dia infausto, Toma um rôlo de cordas retorcidas.
Um dia de terror! Teus inimigos Cai sôbre os detestáveis mercadores
Te apertarão num sítio pavoroso! E os expele 2718 do templo. — ímpios, falsários,
Por terra cairás, tu e teus filhos, Sabei que escrito existe: a minha casa
Tudo o que te pertence, e os porvindoiros A casa da oração será chamada!
Não acharão mais pedra sôbre pedra Não a mudeis em furna de bandidos.
Sôbre teu frio chão! Desconheceste Ou taberna de sórdidos negócios! —
O tempo em que teu Deus te visitava! — Calou-se o Mestre, e como serenasse
E as lágrimas sentidas enxugando, 2713 A nobre exaltação, viu que chegava
Chegou Jesus às portas da cidade. Grande cópia de míseros enfermos
Que vinham-lhe pedir saúde e vida.
VIII A todos, um por um, bondoso c meigo
Dirigiu-se Jesus; tirou a sombra
Quem se aproxima de Sião? Quem sobe. Que dêste escurecia os fundos olhos.
Precedido de cânticos festivos, 2714 Deu àquele vigor, deu àqueloutro 2719
Essas ladeiras íngremes? — Não vêdes? O movimento, a força, a atividade
E ’ Jesus o profeta diz o povo. — Que lhe roubara a lívida doença,
Olhai — que majestade no semblante! A todos a saúde, a paz a todos.
Que nobreza no gesto, e ao mesmo tempo
Que doçura no olhar e no sorriso! —
E as crianças gritavam — Glória! Glória! X I
Ao filho de Davi! — Q u ê !., murmuravam, Ora, Jerusalém na bela quadra
Na vaidade cruel mortificados Das festas anuais, pomposas festas.
Padres e fariseus, — éstes meninos Célebres entre os povos levantinos;
Repetem necedades e mentiras!
Jerusalém, 2720 a tela descorada,
Escutai o que dizem! — Bem escuto.
O esquecido jardim, o antigo paço
Responde o Salvador, — êles recordam Das delícias 2721 do Cântico dos Cânticos, 2722
Conceitos das antigas profecias.
Pois não lêstes alhures; E ’ dos lábios Tornava-se uma feira turbulenta,
Das tenras criancinhas que dimanam Onde se apinhoavam peregrinos
Os perfeitos louvores? Porventura E mercadores das mais longes terras.
Dos santos livros não volveis as folhas? — Muitos gentios, que êsse nome tinham
Cheios de confusão não replicaram, Os crentes de outra lei, ouvindo a fama
Jesus passou além buscando o templo. De tantas curas, de milagres tantos, 2723
Aos amigos do Mestre suplicaram
I X Que os levassem a vê-lo. Satisfeitos,
Lhes disse o Salvador: — Não tarda o dia
Eras de opróbrio, de ambições mesquinhas. Em que o Filho do Homem, vos afirmo.
De vil degradação! A grande idéia Será glorificado; o grão de trigo
De um Deus onipotente, eterno e justo Que não morrer, caindo sôbre o campo,
Perdia-se entre práticas profanas Sozinho ficará; mas, 2724 ao contrário,
E preconceitos vãos. — As velhas crenças. O vereis produzir propícios frutos
As tradições heróicas do passado. Se acaso perecer. Quem ama a vida
As lembranças dos santos patriarcas, Bem cedo a perderá; 2725 quem a despreza
Tudo se corrompia e se alterava. Mais feliz viverá na eternidade.
Mesclava-se por fim dos atros vícios Quem segue minha lei venha comigo.
E dos usos pagãos dos estrangeiros. Seja meu companheiro de jornadas,
Deixando as aras dos latinos deuses E, 2726 se alguém me servir, meu Pai celeste
E os festins dos soldados crapulosos. De glória o c e r c a r á !... Porém, minh’alma
Sentavam-se os judeus no vasto templo Tôda turbada está neste momento!
Expondo à venda jóias e brocado. Que poderei dizer? Livra-me, Padre, 2727
Mágicos talismãs, rudes abraxas.
Das angústias que sinto, e glorifica.
Amuleto grosseiros, e miséria! Senhor, teu santo nome! Então do espaço
Apregoando pombos e outras aves. Onde não pairam nuvens, e flamejam
Barganhando muares, e enganando
Do pobre povo a chã credulidade! Braseiros imortais, partiu solene
E filhos de Abraão se declaravam! Uma voz que dizia: — Entre os arcanjos
Eu o glorifiquei, mas glorifico
X Segunda vez, ainda! — O rude povo
Que se achava presente, amedrontado, 2728
Junto das brancas, 2715 lúcidas colunas, 2716 Murmurou entre si: — O céu é claro,
Cobertas de lavores primorosos, Como brame o trovão? — Nós bem ouvimos.
Onde, segundo as crônicas antigas, Dizem os anciãos, crede, meus filhos,
Adoniran sentava-se, o arquiteto 2717 Da tempestade os fúnebres rugidos
Do grandioso, esplêndido edifício. Não ecoam assim! Etéreo nume

[6C 1 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARBLA

Responde às tristes queixas do profeta! Lançá-las contra o manso nazareno!


— Não por mim, mas por vós, míseros cegos, Iam manchar-se no divino sangue,
Essa voz levantou-se do infinito! No sangue sacratíssimo do justo!
Continuou Jesus, — e pois agora Israel! Israel! que não fizeste!
A terra está julgada! Dentre os vivos
Vai ser expulso o príncipe do mundo!
— Nós sabemos, acode um publicano, 2729 XIII
Que eternamente permanece o Cristo, — Quem te deu o poder, a autoridade
O que dizeis então? — Por pouco tempo De censurar a lei, — fazer milagres,
Inda a luz se conserva entre vós outros, E reformar doutrinas? 2739 — Onde a norma
Aproveitai a luz, que não vos cerquem De teus atos achaste? — perguntaram
As enganosas trevas! Vêde, é tempo! Depois os fariseus, padres e escribas
Crede na luz enquanto a luz não foge! — Ao filho de Maria. — Respondei-nos!
Disse e afastou-se. Os fariseus rebeldes. — H ipócritas! Se tendes o direito
Os escribas e os néscios publicanos, 2730 De vir interrogar-me, também quero
Apesar de tão lúcidas verdades. Saber o que pensais, — nada de ambages!
De tão altos prodígios, se calaram E ra dos homens, ou de Deus provinha
Duvidando do filho de Deus vivo. O Batism o de Jo ão ? — Embaraçados, 2740
Assim devera ser, o grande gênio Consigo discorreram : — se afirmamos
Do sublime Isaías 2731 predissera
Que era do céu, acudirá, decerto:
Tôdas as circunstâncias dêste caso, 2732 — Porque não crestes 2741 nêle? — Se ao contrário
Quando exclamava lacrimoso outrora: Dissermos que dos homens, — todo o povo, 2742
— Quem prestou atenção e ouviu contrito Que a memória respeita do Batista, 2743
O que dissemos nós? A quem no mundo Se erguerá contra nós! O que faremos? —
O braço do Senhor manifestou-se?... E disseram depois de longa pausa:
Cobriu seus olhos de pesadas sombras — Grandes dificuldades hoje aventas!
E os frios corações tornou de pedra, Quem as pode solver? — Então calai-vos.
Que não vissem seus olhos, nem batessem 2733 Responde o Salvador, por minha parte
No seio os duros corações, medrosos
Não vos direi também donde dimana
Que eu lhes mostrasse a luz e desse a cura! A minha autoridade. — Dirigiu-se
Depois às multidões que não perderam
X II Uma palavra, só, dêste incidente:
Plantou um lavrador extensa vinha.
Arrendou-a a diversos camponeses,
Mas, em conselho oculto, reunidos. E depois se ausentou por largo tempo.
Tinham determinado os sacerdotes Num dia de verão, que repousavam
A morte de Jesus. Êles sabiam À sombra do arvoredo, chega um servo
Que dêsse povo estulto e leviano 2734 E em nome de seu amo pede os frutos
Nenhuma oposição, nenhum protesto Da vinha que deixara; enraivecidos
Se ergueria, sequer, contra a injustiça Pulam os vinhateiros e maltratam
Da nefária medida. — Longo trato. O desgraçado servo, que regressa
Fundo conhecimento das tendências, M olesto e ensangüentado; vem segundo.
Das propensões, da índole malvada Vem terceiro emissário, e a mesma sorte
Da sanguinária gente, asseguravam Sofrem, e o mesmo fero espancamento.
Um êxito propício ao plano horrendo — Cumpre-me agora, o lavrador pondera,
Dos verdugos hipócritas. — Infâmia! Uma vez que meus fâmulos repelem.
As turbas que nas grandes praças Mandar meu próprio filho, o filho amado, 2744
Saudavam de Davi o ilustre filho; Que os chame a seu dever. — Sem mais tardança
Que nos degraus do templo e nos alpendres Envia o primogênito. — De longe.
Das moradas campestres 2735 recebiam Avistando o mancebo, os vinhateiros
Daquele Deus da paz e da esperança Reúnem-se apressados e resolvem:
O consôlo, a saúde, o pão e a vida; — Não voltam mais os servos timoratos,
Que traziam-lhe as tenras criancinhas, Vem agora o herdeiro, assassinemos
E imploravam-lhe a bênção de joelhos; O importuno s e n h o r... a vinha é nossa! —
Que beijavam-lhe a mêdo a pobre túnica E lançaram-se à vítima inocente,
Pedindo a salvação, — ora 2736 folgavam E a deitaram por terra inanimada!
Vendo estender-se a sombra do suplício Que restará fazer? Que providência
Sóbre o Divino M estre!... Pressentindo Dará o lavrador? — Virá terrível.
Que forjavam-se os ferros do martírio! M atará sem piedade os vinhateiros
Que estava perto a morte, feia morte. E a outros mais fiéis e caridosos
Morte nefanda e crua! — Os mesmos braços A vinha entregará! — Deus não permita
Que se estendiam súplices e humildes. Que suceda tão feia atrocidade! —
As mesmas mãos que abriam-se convulsas Dizem os fariseus depois que o Mestre
Pedindo a esmola, o pão quotidiano, Concluíra a parábola agourenta.
O pão da Caridade que alimenta — E scrito está, — o Salvador prossegue,
O pobre corpo e o espírito indeciso. A pedra que os obreiros esqueceram
As mesmas mãos, ingratas e traidoras, 2737 Pedra angular será do grande templo;
Iam erguer as pedras do caminho, 2738 Quem sóbre ela cair, por muitos evos

[ 662 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

Ficará quebrantado, e o desditoso, 2745 A viúva passou para o segundo.


Sôbre quem despenhar-se, em mil pedaços Morto o segundo ao último se uniu,
No pó do escuro chão será desfeito! — Este morreu também, e como os 2753 outros.
Compreenderam bem os sacerdotes Herdeiros não deixou; por fim, mais tarde
E seus torpes asseclas 2746 o sentido Segue a mulher a sorte dos maridos.
Destas palavras temerosas, viram Quando a trombeta do medonho Arcanjo
De quem o Santo Mestre se ocupava! P..essoar pelos términos do mundo
O farpão da ironia entrou bem fundo Chamando os mortos ao juízo eterno,
Nos ímpios corações, exacerbando E abrirem-se os sepulcros vomitando
O ódio que lá estava. Houve um momento  luz do dia os homens redivivos.
Em que pensaram na medida extrema 2747 Qual dêsses três irmãos, esposos todos,
Que em secreto conselho resolveram. Todos senhores de um igual direito,
Convinha agora lançar mão do Cristo, Será julgado o verdadeiro esposo? —
Conduzi-lo à prisão? — Grave imprudência — Cegos! — Não conheceis as Escrituras,
Seria o praticar. E porventura Nem refletis de Deus na Onipotência! —
Consentiria o povo, o rude povo, Exclama o Salvador. — Findas as provas
O povo turbulento que o saudava Da terrestre jornada, a lei se acaba
Como um libertador? Que arrostaria. Que rege a Criação sujeita à morte!
Não talvez por amor, piedade ou zêlo. O que provém do tempo o tempo guarda,
Mas por vingança, ou desabafo, as iras O que se dá no espaço o espaço encerra.
De seus velhos tiranos e exatores? Aos olhos do Senhor quebram-se os laços
Era mister cautela. Antes, por isso. Da união secular, — só prevalecem
De arrebatar ao povo o seu profeta. Eternas leis, princípios imutáveis;
Cumpria procurar por mil maneiras Nem existem maridos, nem mulheres.
Que dêles se afastasse o próprio povo: Senão anjos benditos, engolfados
Foi dos pérfidos este o grande empenho. Na gloriosa luz do Paraíso! •—
Começa a obra de Satã. Farejam — A verdade manou de vossos lábios,
Por tôda parte os espiões indignos Como um profeta respondeste. Mestre! —
As pisadas do Mestre, urdem ciladas. Os escribas disseram. Confundidos
Acumulam embustes; — os doutôres Os fariseus rebeldes se afastaram.
E os escribas rodeiam-o propondo
Perigosas questões em cujos termos X IV
A serpente traidora está latente
Como entre as flores de um jardim formoso, Ao sol pôsto, chamando os companheiros
E ensinando a brandura e a caridade Retirou-se Jesus para a Betânia,
O Salvador caminha entre verdugos ! Tranquila estância, plácido remanso.
— Mestre, consulta um saduceu, 2748 conheço Propício à reflexão; passou a noite
Que és sábio, verdadeiro, pio e reto, Nessa querida aldeia, povoada
Que da virtude desbravas 2749 as trilhas De lembrança dulcíssimas da infância
Sem calcular futuras conseqüências. E ao romper d’alva regressou, de novo, 2754
Dize-me, 2750 é justo que se pague a César Ao teatro das áridas contendas.
O tributo exigido? — Ora, pensava Era brilhante o céu, calmoso o dia,
O fariseu astuto, ei-lo vencido. Tristonha a solidão; — não muito longe.
Se assevera que não, ao rei ofende: Pendida à margem do sereno arroio
Se assevera que sim, o povo irrita! — Divisou o Senhor bela figueira,
O Salvador sorriu, vendo a malícia A cem passos da estrada, e cujos galhos
Desta cruel proposta, — refalsada. Supôs cobertos de gostosos frutos;
Traidora como a faca de dois gumes. Aproximou-se, pois. Fátua esperança!
— Hipócrita! — exclamou, porque me tentas? I.ustroso estava o tronco, e as folhas verdes,
Deixa ver a moeda do tributo! — Mas nem sequer um figo. Mudo emblema
Então mostrou-lhe o pérfido um dinheiro Das falazes grandezas dêste mundo!
Onde a efígie de César ressaltava. Imagem da estultícia aparatosa!
Jesus leu a inscrição, e erguendo os olhos — Maldita sejas tu, árvore ingrata, 2755
Severo perguntou: — Quem representa Que não vales o orvalho que te molha,
Esta imagem que vejo? — César, Mestre. — E o calor que te alenta! — disse o Cristo.
— Pois bem, 2751 q que é de César 2752 dai a César, Nunca mais o cansado viandante.
E a Deus o que é de Deus! — Esta resposta Ou a frágil criança, encontrem frutos
Encheu de confusão quantos a ouviram; Em teus galhos mirrados! — Quando à tarde
Calou-se o fariseu. — Mas era o dia Os cabreiros voltavam da montanha
Do jôgo vil da astúcia e da maldade. A frondosa figueira, 2756 que deixaram
Chegou a vez dos saduceus, contrários Tão forte à madrugada, estava sêca.
Ao da Ressurreição divino dogma. Denegrida, sem folhas e lascada
— Mestre, um dêles falou, nos santos livros Como se o fogo abrasador do raio
Deixou Moisés escrito: — A lei ordena: A tivesse tocado. — Os camponeses.
Se algum varão morrer, logo a viúva Amigos de abusões e sortilégios, 2757
Ao seu segundo irmão deve ligar-se Ao rol extenso 2758 dos sinistros contos
Para dar sucessão ao falecido. De seus longos serões 2759 acrescentaram
Eram pois três irmãos, — morto o primeiro. A lenda escura da fatal figueira.

[ 663 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

X V Guardai-vos dos escribas que se cobrem


De pomposos vestidos e se orgulham
Mas em Jerusalém , de volta, o Cristo Das saudações do vulgo mentiroso!
Viu-se outra vez cercado dos escribas Que procuram nas mesas dos banquetes 2768
E doutores da lei. Aniquilados As melhores cadeiras, e disputam
Pelas duras lições, pelos exemplos O primeiro lugar nas sinagogas!
Aspérrimos dos dias precedentes, 2760 Que devoram as casas das viúvas
Os fariseus corridos se esquivavam E simulam orar! Sôbre êles pesa
De mais o interrogar, 2761 que bem sabiam Maior condenação, pena mais grave! —
Pronto a lhes responder, deixando ensejo E calou-se Jesus. — Muitos doutores, 2769
De seus rivais aos ódios e sarcasmos. Muitos juizes e anciãos do povo
Os saduceus contentes exultaram. Creram no Salvador, mas não ousaram
Eram pois os senhores do terreno Reconhecê-lo em público, temendo
Onde degladiavam-se os embustes Serem das Sinagogas despedidos.
E o pendão da impostura flutuava. T riste vaidade! Escrúpulo perverso!
Um dos seus campeões 2762 chegou-se ao Mestre
E assim principiou: — Qual o primeiro
De nossa lei sagrado mandamento? —
X V I
— Adorarás teu Deus, Jesus responde,
Sôbre tôdas as coisas, com pureza,
Com todo o coração, crença e humildade: Como crescesse o número de ouvintes,
Eis o primeiro mandamento, o outro E os fariseus e escribas se escondessem,
Grande como este, e dêste deduzido. Jesus continuou: ■—■ Porém, vós outros
Diz assim : — Amarás teu semelhante. Não cobiceis o título de — mestres!
Teu igual, teu irmão, como a ti mesmo. Tendes um M estre só, irmãos sois todos!
Estes dois mandamentos compreendem Ninguém chameis de Pai, um Pai só tendes
Tôda a lei de Moisés e dos profetas. — Que vos julga dos céus! O que se humilha
Os saduceus calaram-se, temendo Exaltado será, mas o soberbo
Que dêste ponto o Salvador passasse Ficará no lugar dos pobres servos!
Ao divino m istério que negavam. Ai! de vós, fariseus e escribas falsos!
Porém Jesus voltando a outro assunto A terra tôda percorreis e os mares
Perguntou, dirigindo-se 2763 aos escribas: Para formar apenas um prosélito,
— E quanto a vós, o que pensais do Cristo? Se o conseguis formar, ei-lo mais digno
De quem o credes filho? — Nós julgamos Do inferno que de vós! Míseros cegos
Que filho de Davi, — lhe responderam. Que um mosquito afastais, e descuidosos
— Como! O grande monarca, o rei piedoso Engulis um camelo! — O que transborda.
O chama seu Senhor, e humilde exclam a: Solícitos limpais da taça de oiro,
O Senhor glorioso e Onipotente Mas no fundo deixais as fezes negras,
Falou a meu Senhor: — À minha destra E a imundícia do vício! Eu vos comparo
Senta-te, que farei de teus contrários .A êsses brancos túmulos cobertos
Estrados de teus p é s ! ... — Cativo o povo De todo o luxo da vaidade humana.
Da maviosa voz e das palavras Por fora emblemas e inscrições brilhantes
Claras, distintas, 2764 do Divino Mestre, E dentro a morte e carcomidos ossos!
Conservava-se mudo e respeitoso. Ai! de vós fariseus e escribas feros
Não longe do lugar em que se achavam Que levantais moimentos aos profetas,
E ra o gazofilácio, o pio cofre E ornais dos justos a mortal jazida!
Onde lançavam grandes e pequenos Serpes traidoras, víboras danadas.
As desiguais ofertas, liveladas Arde por vós o fogo da Geena!
Pela santa intenção. Os opulentos Eu vos envio sábios e videntes
Faziam retinir áureas moedas. E vós os açoitais nas sinagogas.
Os indigentes o óbulo molhado Vós os pregais na cruz, para que volte
De viscoso suor, de amargo pranto; Sôbre vossas cabeças ominosas
Quando ninguém mais vinha adiantou-se O sangue da inocência que vertestes.
Uma infeliz viúva, a lentos passos, 2765 Sim, todo o sangue, desde Abel o justo
E erguendo a magra mão depôs na caixa Até o reto e nobre Zacarias
Duas moedas de valor mesquinho. Que entre o divino altar e o santuário
— Olhai, diz o Senhor aos assistentes, Assassinastes, bárbaros a lg o z e s !....
Mais do que todos, abastados, ricos, Jerusalém ! Jerusalém ! trucidas
Foi generosa a mísera viúva! Os profetas que Deus abençoara,
Do muito que sobrava os outros deram, E apedrejas seus justos enviados!
Mas ela, da desgraça e da pobreza, 2766 O h! 2770 quantas vêzes não tentei zeloso
Deu tudo quanto tinha, e que restava Teus filhos reunir, qual sob as asas
Para enganar a fome de alguns dias! — Ave caseira a prole tim orata!
E prosseguiu depois de breve pausa: 2767 Não o quiseste! sofrerá teu povo,
O h! guardai-vos daqueles que preferem F, ficarás deserta e envilecida! —
A ostentação à candida modéstia! Assim dizendo retirou-se o Cristo.

[ 664 ]
ANCHIETA OU 0 EVANGELHO NAS SELVAS

XVII Rebentarão volcões ! Gretado o solo.


Retalhado de fendas pavorosas.
O átrio do templo, alegre, iluminado Vomitará torrentes de betume,
Pelos raios do sol, naquelas horas Súlfur ardente, labaredas vivas!
Recordava uma festa. Os operários, 2771 As ossadas dos velhos megatérios,
Descansando dos áridos trabalhos Dos broncos, monstruosos mastodontes.
Sôbre os bancos de pedra, conversavam; Rudes leviatãs, dragões enormes,
Aqueciam-se os velhos friorentos Como a espuma dos vinhos fermentados
A.0 suave calor do astro propício; À flor da terra surgirão! Os mortos
As ingênuas mulheres, e as crianças Sacudirão as cinzas dos sepulcros,
Que saltavam risonhas nas calçadas. E ao clangor da trombeta atroadora
Vendo o Divino Mestre aproximar-se. Correrão tropeçando sôbre escombros
Abriam-lhe caminho, proferindo Ao negro vale do Juízo eterno,
Jubilosos louvores: — Salve, Mestre, O fundo Josafá! — Antes, contudo, 2779
Pai dos enfermos 2772 e dos pobres, salve! — Destas cenas finais, sereis de rastros
Cubra-te Deus de bênçãos incessantes, 2773 Levados às tremendas sinagogas,
Jesus de Nazaré, que participas Das sinagogas às prisões sombrias,
Das tristezas e mágoas de teu povo! Das prisões aos martírios inauditos ! . . . .
Toma nossa defesa, e nos protege, 2774 Não cogiteis respostas, nem defesas,
Enviado do Altíssimo! Os tiranos Que vos darei palavras e virtudes.
Tremem de ouvir teus lúcidos discursos! — Fortes, irresistíveis! — Sêde firmes
Assim a gratidão e o amor falavam, E nada perdereis: na paciência
E êste, não da lisonja, ameno incenso Tendes a Salvação, tendes a glória.
Aprazia ao Senhor. Quando se expande 2775 Então, sôbre uma nuvem radiante, 2780
Sincero o coração, celeste gênio Vosso libertador vereis, 2781 que desce
Dá sublime eloquência aos desgraçados. Cheio de luz, poder e majestade!
A fachada do templo, os grandes arcos, Refleti no que digo, — passa o tempo,
O pórtico espaçoso, obras soberbas Há de passar o céu, passar a terra.
De forte alvenaria, o enorme vulto Porém, como as verdades infinitas, 2782
Dêsse prodígio de cimento e pedra. Não passarão jamais os meus preceitos!
De novas reflexões tornou-se o assunto. Calou-se o Salvador, volveu tristonho
— Que portentosa fábrica! — exclamaram Um derradeiro olhar, olhar pressago, 2783
Os amigos do Cristo, — vêde. Mestre, Sôbre as ondas de povo que o cercavam,
Quão formidáveis são estas muralhas! Que humildes escutavam seus discursos
Êstes grossos portais, estas cornijas E que am anhã........... Logo, porém, chamando
Que parecem de bronze! O próprio tempo Os singelos amigos, retirou-se,
Não se atreve a manchar tantos primores! — E ao monte caminhou das Oliveiras,
— Que pensamentos vãos! — Jesus responde, Onde depois das prédicas diárias
— Como virá sentar-se a eternidade Soía descansar, longe das turbas.
Sôbre as obras dos homens? O futuro Proferindo estas últimas palavras
Há de mostrar os erros do presente. Também calou-se o narrador piedoso, 2784
O furacão do estrago, a noite horrenda. O profeta das turbas do deserto.
Passarão por alil Friso por friso,
Pilastras, coruchéus, muros espessos. XVIII
Maravilhas das artes, das riquezas, 2776
Cairão — para sempre! — Imundas serpes Cumpria então, 7285 as instruções seguindo
Se arrastarão tardias sôbre o solo Que lhe trouxera o moço mensageiro.
Onde se eleva agora o santuário! — Expor aos anciãos, contar aos chefes
Então lhe perguntaram seus amigos:
— Quando sucederão estas desgraças, Dos brasílios guerreiros, as desgraças
Estas calamidades assombrosas Que a nova Comunhão ameaçavam.
De que falais. Senhor? Quais seus princípios, Reunir os mancebos, instigá-los
E os sinais percursores? 2777 — Sêde firmes. A deixar o remanso das florestas
Responde o Salvador com voz solene,
E juntarem-se aos bravos lidadores
Não vos deixeis levar pela mentira
E aparências falazes, — nesse tempo Que o sagrado estandarte defendiam,
Muitos virão debaixo de meu nome Nas planícies da extensa 2786 Guanabara.
Dizendo: — Eu sou o Cristo! — Então o mundo Grande parte da noite 2787 em conferência
Será um campo imenso de batalha!
Armar-se-âo impérios contra impérios, Entre os chefes passou o ilustre Padre; 2788
Ao alvejar da aurora, eram de acôrdo
E reinos contra reinos! Como os tigres
Os povos rugirão se espedaçando! Sôbre o alvitre melhor, sôbre as medidas
Os rios secarão, e à luz sinistra Que o tempo e as ocorrências reclamavam.
Do esbraseado céu, as tôrvas ondas
E voltava de novo o mensageiro
Descobrirão os fundos dos abismos, 2778
Os vórtices de horrendos sorvedouros!.... As celebradas praias fluminenses.
Por tôda parte onde existir colinas.
Altas montanhas, escabrosos cerros.

[ 665 ]
LUÍS KICOLAU FAGUNDES VARKl.A

CANTO VI I I II
I F ô ra ocioso relembrar ainda
Os passos principais e as ocorrências
Longe, — na vastidão dos descampados Da narração passada; estou bem certo
Que se perdem no vago do horizonte, Que fiéis os guardais no pensamento.
Onde os almargeais e os frescos vales Como vos disse então, os sacerdotes, 2794
À luz crepuscular que envolve os ermos Escribas e doutores, procuravam
Propícia ocasião, meios propícios
Tomam do firmamento a côr cerúlea.
De condenar Jesus, e ao mesmo tempo
Longe desaparece a última turma Tem iam -se da cólera do povo.
Dos filhos do sertão que as alvas praias O espírito do mal veio em auxílio
Buscam de Guanabara. A pátria os chama, De seus nefários planos. Congregados
Correm a defender a pátria aflita. Alta noite na sala mais secreta
Foram -se. No fastígio dos rochedos Dos paços pontifícios, discorriam
Triste e sozinha a virgem do deserto Sôbre o bárbaro alvitre e a crua emprêsa,
Chora a partida do guerreiro amado. Quando um servente anunciou da escada
A presença de Judas. Resolvido
As virações da tarde, ásperas, frias.
Estava o tredo e pérfido problema:
Sacodem-lhe os vestidos, o sereno Satã lhes dera a chave. Alguns instantes
Umedece-lhe o rosto e as tranças negras, Sucederam 2795 de lugubre silêncio.
Mas a febre a consome, — o hálito ardente Depois abriu-se novamente a porta
Queima-lhe os lábios secos, descorados, E o sombrio judeu entrou na sala
E nas brilhantes, áridas pupilas. Com serenas feições, olhar sereno,
Cruzam-se estranhos lumes. Muitas vêzcs Adodos corteses e um sorrir tartáreo!
Viram-lhe fundo n’alma os sacerdotes.
De convulso ofegar ao vivo esforço, 2789
— Sabemos ao que vens, — fala e não temas.
Levando a débil mão à linda bôea.
Rejeitas os preceitos e as doutrinas
Volve-a manchada de purpúreo sangue! Do mestre nazareno? — Sim. Rejeito, —
E ’ a vida que vai-se lentamente, Judas responde com sinistro gesto 2796
Que foge a pouco e pouco, desfolhando Ao perverso doutor que o interroga.
As grinaldas louças da juventude. — Reconheces teu êrro e te arrependes?
As ilusões do amor, os sonhos de oiro, Voltas à santa lei? Porém, não bastam
E as esperanças tôdas do f u t u r o !.... Simples afirmações, — queremos obras! —
Oh M orte! Amas os lentos sacrifícios. —■ E quais são elas? — o traidor pergunta.
Saboreias as longas agonias, 2790 Mostrai-nias, por quem s o is !.. — Aqui tristonho.
Aqui turbado o narrador calou-se:
Diviiidade cruel! — No horror, lasciva.
Aqui também suspiras e emudeces.
Arrochas vagarosa a pobre prêsa. Pobre, singela musa! Onde acharias, 2797
Molhas-lhe o corpo de nojenta bava, •A.njo da solidão, formosa filha
Como a boa-constrictor dos fraguedos, Das florestas da terra do Cruzeiro,
Depois lambes-lhe as carnes laceradas Robustas expressões, fiéis palavras
E a devoras com lúbricos r e q u e b ro s !.... Para externar o horror do atroz conluio,
Porém, sumiu-se o dia, a plúmbea noite Da intriga infame, do nefando ajuste?
Domina as solidões; dos altos cerros Da ingratidão de Judas? Porventura
E das brenhas do Sul, partem rugidos Poderias baixar ao negro inferno.
De feras erradias, e entre as junças Molhar a pena no fervente pranto
Das profundas charnecas, agourentos Que, blasfemando, os réprobos derramam? ;
Gritam os jacarés. Horas sinistras Talvez a s s im .... — Ao alvejar d’aurora, '
De indizível terror! — Ergue-te e volta Servos de .Satanás em corpo e alma.
Para junto dos teus, anjo das selvas! Judas deixava os ímpios sacerdotes.
Não escutas ao longe a voz materna Tendo vendido o amigo, o Sábio Mestre, 2798
Que ansiosa te chama? Não distingues O santo benfeitor! — Trinta dinheiros
Entre as folhas dos plátanos lustrosos Fôra da perdição o justo prêmio!
A ondulação das trêmulas fogueiras? Trinta dinheiros! E devera o monstro
Vê, teus irmãos esperam-te, teu M estre Assinalar Jesus a seus verdugos
Aguarda-te silente e pensativo. Dando-lhe um beijo no divino rosto!
Ergue-te, pois, criança, enxuga 2791 o pranto A saudação fraterna! O meigo indício
E busca teu lugar junto do Sábio, De inalterável, 2799 cândida amizade!
Junto do amigo 2792 g protetor, N aída!___ Carícia d’alma, que, feliz, resume
A virgem se levanta, suspirando, Quanto a humana linguagem desconhece
F. deixa o alpestre sítio; no caminho De afetuoso, 2800 de eloquente e puro!
Encontra a pobre mãe, corre a seus braços.
Beija-lhe o frio rosto e se dirigem III
Ao piedoso serão do eremitério. 27'i3
Um momento depois o exímio padre Era chegado o dia dos pães asmos,
Alçando a voz sonora continua O dia em que os judeus principiavam.
A gloriosa história do Evangelho, Segundo as tradições e a lei antiga.

[ 066 ]
ANCHIETA OC ü EVANGELHO NAS SELVAS

Do pão não levedado a fazer uso; E um cutelo fatal cortar, ligeiro,


Era o dia da Páscoa. O povo e os grandes A corda salvadora! Ouvir ao longe
Soíam celebrar a velha data Os cânticos angélicos, as preces
Reünindo os amigos e os parentes Que aos pés do Criador erguem os justos.
Em uma alegre ceia, santa regra Repeti-las ao mundo, e em recompensa
De memorandas eras respeitada. Mostrar ao mundo o cedro que falqueja
Plácida e bela, nos tranqüilos campos Para formar a cruz! O ferro em brasa
h2stendia-se a tarde, — as lindas flores Para formar os c ra v o s !... e atrevido
Que se inclinavam murchas, abatidas, No pórtico do templo, em vez do Arcanjo
Nas bordas dos arroios, levantavam-se Que derrama lauréis, bênçãos e glórias,
Recendentes de aromas aos bafejos A figura do algoz lugubre e horrenda ! . . . .
Das aragens sutis; os passarinhos A ingratidão, mais dura que o suplício.
Despediam-se ao longe, nos silvados, 2801 Varava o imenso coração do Cristo!
Do dia que passava. — Sôbre um monte Por isso levantou-se triste, mudo,
Distante da cidade estava o Cristo F. acenando aos amigos que o cercavam.
Rodeado dos seus; funda tristeza Caminhou lentamente. — Alma divina!
Do claro rosto lhe alterava os traços. F.ra a última vez que te expandias 2806
Então, quebrando o místico silêncio Como a efêmera flor do olente cáctus
Das reflexões divinas, perguntaram No silêncio da noite, às auras livre
Seus singelos amigos; — Onde queres Nesses amados campos! Expirara
A Páscoa celebrar? Correm as horas Das cenas pastoris a bela quadra,
Sem pensarmos no santo cumprimento A estação das jornadas milagrosas,
Dêste antigo preceito. O que resolves? Dos prodígios da fé: cumpria agora
Onde iremos. Senhor? — E ’ tempo ainda Realizar as predições tremendas,
De atendermos à lei, — Jesus responde. Que, 2807 desde as margens do Jordão sagrado
Depois, chamando João e o velho Pedro: Até Jerusalém, troavam roucas
— Parti, — lhes disse, às portas da cidade. Como o remoto marulhar das vagas!
Virá ao vosso encontro um homem pobre.
Carregando uma bilha; acompanhai-o. V
Na casa onde êle entrar, entrai vós outros.
Falai ao morador: Ordena o Mestre Iluminada estava a bela sala,
Que nos mostres a sala destinada A sala do festim: servida a mesa:
Ao banquete da Páscoa. Oficioso Adornadas de palmas as pilastras,
Logo vos abrirá claro aposento Quando Jesus chegou. Mágico efeito
De alfaias adornado, lindos quadros Produzia o clarão dos brancos círios
E guirlandas de flores; bem no centro Sôbre as ricas alfaias e cortinas
Mesa patriarcal vereis coberta Das mais vistosas sêdas, que mudavam
De fina louça e ânforas lustrosas: As vivas côres sob a luz imprópria.
E ’ o lugar da ceia. Ide depressa, 2802 Suave aroma de resinas brandas
Procurai os manjares necessários, Embalsamava o ar; — vago mistério.
A tenra carne do pascal cordeiro, Secreto encanto que os altares cerca,
O vinho generoso e o pão macio; E banha os santuários, quando mudos
Esperai-nos depois. — Partiram logo No silêncio da noite refletimos
Os dois ingênuos, 2803 cândidos amigos. No templo do Senhor, e nosso espírito
Levando as instruções do augusto Mestre. Julga presente aquêle que invocamos;
Os eflúvios, talvez, de um outro mundo,
IV O claro espaço enchiam, consagrado
Da liberdade aos últimos momentos,
Bendizei o Senhor, filhos das selvas, Da Caridade às práticas sublimes,
Homens de natureza! Como as águas E da esperança às vívivas promessas!
Que deslizam em límpidos meandros Convidando os humildes companheiros,
Sôbre as loiras areias da planície, Sentou-se à mesa o Salvador; à destra
Vossos dias sucedem-se risonhos Tomou lugar o cândido discípulo
E vossos pensamentos sempre calmos. Filho de Zebedeu, à e sq u e rd a .... Judas!
Bendizei o Senhor! Nunca sentistes, Ocuparam os mais ambos os lados.
Nem jamais sentireis, 2804 q enorme pêso Como não fôsse o gôsto dos banquetes
Dêsse cismar incerto e angustioso. Nem a pai.xão das finas iguarias
Desse indizível borbulhar de idéias Que os reünira ali, mas o respeito
Que a mente escaldam por sinistras horas Das priscas tradições e os atrativos
Ao sábio lidador que arrosta os erros Da fraterna união, passava o tempo
Que as gerações e o tempo con sagraram !... F. os felizes consócios discorriam
Que sucessão de atrozes pesadelos! Sôbre as divinas leis. Silencioso
Que tecido de acerbos d esen g an o s!.... .•\té então Jesus se conservara, 2808
Levar aos lábios do sedento enfêrmo Mas elevando a voz grave e solene
O suave elLxir que a febre aplaca, Dêste modo falou: — Oh meus amigos!
E entre os lábios e a taça o bafo impuro Desejei. 2809 com afã, entre vós outros
Da morte pressentir! Lançar às 2805 ondas .A Páscoa celebrar antes da morte,
Propicia Corda ao náufrago cansado E crede, vos afirmo, 2810 doravante

[ 667 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Nenhum sustento levarei à bôca O da Nova Aliança ardente sangue


Até que ela se cumpra gloriosa Que por vossa intenção será vertido,
No reino de meu P ai! — Houve uma pausa Comei, pois, e bebei!....... Entre os convivas
De curta duração, o amado Mestre Dêste festim divino, entre os eleitos
Tomou então um cálice de prata Que o maná verdadeiro, a hóstia santa,
E m cujas faces primoroso artista O vinho milagroso recebiam.
Insculpira o sublime sacrifício Achava-se o precito que vendera
Do pio e manso Isaac, e lentamente A carne e o sangue do celeste amigo!___
O 2 8 0 1 encheu de rubro e generoso vinho. O Cristo suspirou baixando os olhos.
— Bebei, — disse entregando-o 2812 aos Depois assim falou: — Sombrio arcano!
[companheiros, Desgraça inevitável! No futuro, 2823
Que não mais provarei da vide o fruto Sem que a suprema lei domine os atos
Enquanto não vier o reino eterno! — Da liberdade humana, eu vejo claro
Depois ergueu-se e se afastou da mesa. O que há de suceder! Mesquinhos sêresi
Despiu as vestiduras e cingiu-se Sentados junto a mim, tratais-me agora
De alva toalha do mais fino linho. Com respeitoso amor, vossas palavras
Tomou uma bacia, encheu-a d’água, São da fidelidade a viva cópia.. . .
E voltando de novo, mudo e humilde E contudo um de vós há de trair-me!
Pôs-se a lavar os pés a seus discípulos. E contudo um de vós, pérfido, ingrato,
E sta insólita e nova cerimônia Há de entregar-me aos bárbaros verdugos
Lançou a confusão nas almas simples Que meu sangue reclama, 2824 como a herança
Dos simples aldeões; sorpreendidos De seus perversos pais! — Senhor, que dizes!
Olhavam para o Cristo e não ousavam •Serei eu ?... — Serei eu?.. — logo perguntam
Um gesto aventurar. Porém tranqüilo Os pobres aterrados. — Ora, vêde.
Prosseguia Jesu s; nas finas dobras Prossegue o Redentor, — dos que me cercam
D a macia toalha 2813 os pés molhados O que a meu prato leva a mão comigo,
Enxugava 2814 ao penúltimo. Entretanto Aquêle a quem eu der o pão molhado,
O velho Pedro esquivo se escondera, E ’ êle o delator. — Junto do Cristo,
E chegando-lhe a vez, o grande M estre À destra estava João, o mais discreto, 2825
Chamava-o com instância. — Em tal não penses! O mais moço também, e o mais formoso
O lhano galileu gritou medroso. Da caridosa grei; entristecido
— Lavar-me os pés. Senhor, a mim, 2815 teu servo! Ao ouvir estas lúgubres palavras.
Tu, meu M estre, meu Pai, meu Deus! Não quero, Escondera a cabeça graciosa
.Nem o deves querer! — Se te recusas. No seio de Jesus, e as loiras ondas
Responde o Salvador, não és comigo, Dos lustrosos cabelos anelados
Da santa Comunhão não fazes parte! Como um véu de áureos fios lhe ocultavam
— Não! Não me negarei, atalha Pedro, As abundantes lágrimas. Bem cedo
Lava-me os pés, Senhor, as m ã o s .... o r o s t o .... Cumpria-se o mistério: várias vêzes.
Lava-me o coração! Torna-m e puro Por simples distração ou grosseria
Como a luz, como o céu, como a verdade! No prato do Senhor tocara o ímpio.
—• Porém, disse Jesus, o que está limpo Mais claro ainda o caso ia tornar-se; 2826
Só deve os pés lavar, os pés sòmente, Já ninguém conversava: então o Mestre
E vós outros sois lim pos......... ah! não todos! — Cortou o pão, molhou-o, e deu a Judas!
Se os sócios do Senhor não conhecessem — Senhor! Senhor, que fazes! Porventura
A índole de Judas, bastaria Me julgas o traidor? — Tu o disseste.
Para entender a dúbia referência Tu o disseste. Judas! — lhe responde
Olhar para o traidor! — Tinha no rosto, 2816 O Cristo magoado. 2827 — o que receias?
Na fealdade horrenda de um demônio, 2817 Vai, as horas escoam-se ligeiras,
A sinistra expressão de um condenado! E o que tens de fazer, faze-o depressa!
Findo o humilde serviço, o M estre exímio Um momento depois em vão buscavam
P ôs de lado a toalha, e satisfeito, 2 8 18 Na sala do banquete o fementido:
Tomando as vestiduras, assentou-se Êle os tinha deixado e estava longe.
No lugar que deixara junto à mesa,
E assim continuou: — Pobres amigos! VI
Senhor e M estre me chamais, certo!
Que sou M estre e Senhor; — julgai agora Meia-noite! — Nos altos candelabros
Quando eu, 2819 Senhor e M estre, 2820 os pés vos Desmaiavam as luzes, a tristeza
[lavo Cerrava os corações. — Éramos doze,
O que deveis fazer? Seguir-me o exemplo, 2 8 2 1 Murmura um dos amigos assombrado.
Lavar os pés também, mas uns aos outros. — Éramos doze, sem contar o Mestre;
Então tomou o pão, lançou-lhe a bênção Judas se retirou e . . . . doze somos! —
E m nome de seu Pai, e erguendo o rosto Nesse momento um trêmulo gemido
Nesse momento esplêndido de graças. Soou junto da mesa, o santo cálice
Distribuiu aos mansos companheiros Oscilou lentamente desprendendo
O sagrado alimento: — Eis o meu corpo. Aguda vibração....... branca figura,
Dado por vosso am or; — Depois, enchendo Como a de Samuel na negra furna
O cálice de vinho, 28 2 2 apresentou-lhes: Da sibila de Êndor, bela e horrível
Eis o meu sangue, o sangue da inocência. Ergueu-se vagarosa junto ao Cristo.

[ 668 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

— Senhor! — falou, — Senhor, em idos tempos. Meu Deus! acompanhando-te nos transes
Por vossa vinda suspirei debalde! Dêsse penar imenso, onde empenhada
Entre rudes pagãos fui o primeiro A eternidade abraça-se à matéria!
Que a divina unidade expôs ao mundo, Jesus! dá-me valor! Lava minh’alma.
Que do Deus uno e trino a glória viu! Lava-me a lira, a inspiração, a pena,
Áíártir da fé baixei à sepultura Como lavaste os pés a teus amigos!
Sem receber as águas do Batismo!.... Faze que eu não fraqueic, não tropece!
Hoje, 2828 que dais a salvação e a vida Mas, se, embora de rastros, arquejante.
A humanidade escrava do pecado, Vencido pela dor e pela febre
Quebrei da morte o fúnebre sigilo. Eu tenha de seguir-te, oh! seja feita
Vim o sangue beber, comer a carne, 2829 A vontade de Deus, bendita sem pre!.........
A carne e o sangue do Cordeiro eterno!
Glória! Glória ao Senhor! Abertas vejo No monte das antigas Oliveiras,
Do Paraíso as portas luminosas! — Não longe do Cedron, em êrmo sítio.
— Piedoso varão, exímio Sócrates, Rude e saibroso como o frio leito
Sábio como Moisés, íntegro e justo De passada torrente, onde bravejam
Como o grande Abraão, — Jesus exclama. Das chuvas hibernais as águas turvas
Voa ao seio de Deus! Recebe o prêmio Parou Jesus e disse aos companheiros:
De teu sublime, heróico sacrifício! — — Ficai aqui, não caminheis mais longe.
Um fúlgido clarão de alva celeste Contrito, a 2838 sós comigo, ali na sombra
Iluminou a sala, e a sombra ilustre, 2830 Quero elevar minh’alma atribulada
Como outrora o Senhor, transfigurada, Ao Padre Onipotente; e vós, amigos.
Deixou a terra, os homens, e perdeu-se Orai, orai ta m b é m !... Sinto no peito
Nas regiões do éter............. — Levantai-vos, As angústias da morte e seus horrores! —
Disse Jesus aos frios companheiros, 2831 Nunca tanta tristeza revelara
As horas do martírio se aproximam!....... A voz suave do divino M estre!
Simão! Simão! continuou, fitando As angústias da m orte!___ Porventura
O velho pescador, — bem como o trigo Podemos nós medir a dor imensa
Satã pediu que joeirasse a todos, Das angústias de um Deus? Nós, miseráveis, 28,39
Mas eu roguei por ti, que não vacile Que o mais leve sofrer nos aniquila?...........
E nem te falte a fé! — Senhor, descansa, Porém, deixando os mudos companheiros
Pedro lhe respondeu, — onde estiveres Embrenhou-se Jesus pelos silvados
Eu estarei também constante e firme, Então cobertos de odorosas flores; 2840
E onde penares, meu divino Mestre, Chegando perto de uma lapa escura.
Eu penarei também; qual nesta vida, 2832 Lançou o manto às urzes, e prostrou-se.
Também na morte me verás contigo! — Cosido o rosto ao chão áspero, sêco.
— Ah! 2833 entretanto, o Salvador prossegue. Orando com fervor. — Desde êsse instante
Antes que^ solte a voz o galo esperto. O mistério sangrento começava.
Me negaras três vêzes, e hoje mesmo! —
E voltando-se aos outros companheiros: VIII
Quando vos disse: — viajai sem bôlsa. Turva-se o firmamento, — os frios euros
Sem sandálias e alforjes, porventura Silvam nos espinhais. — Velai, amigos! —
Alguma coisa vos faltou? — Não. Mestre, A fronte de Jesus no duro solo,
Lhe responderam todos. — Pois, 2834 agora. E ’ o céu que se abaixa, e atento escuta
Tome, quem os tiver, bôlsas e alforjes, A confissão do mundo! A terra treme
E quem não os tiver, venda os vestidos. E fende-se talvez ao sacro fogo
Compre logo uma espada!... — Uma não basta, Do respirar do Cristo: — a voz dos mortos, 2841
lemos duas, — disseram-lhe. — Calai-vos! Que as eras condensadas abafaram,
Continuou Jesus: não se alvorocem 2835 Dos negrumes do limbo se levanta,
Os vossos corações, as vossas almas; 2836 E pede a Redenção, pede o Batismo!
Credes no Deus eterno e onipotente? Tu os batizarás. Senhor! Teu sangue
Pois crede em mim_ também. Antes de todos Os lavará das manchas do passado,
^a casa de meu Pai vou preparar-vos Êles que não te viram, nem te ouviram,
Deliciosos cômodos, mais tarde E esperavam por ti; — menos felizes.
oltarei a buscar-vos. Oh! desgraça! Mais dignos do que nós, ingratas serpes!
Apropínquam-se as horas do martírio! Grande D e u s !... um terror fundo e secreto
Vao cumprir-se as palavras dos profetas! — Se apodera do Cristo, ânsias atrozes
Calou-se o Cristo, e lento retirou-se. O coração lhe apertam! — Padre! — Padre!
Clama com voz aflita e mal segura,
VII — Oh! se te apraz, afasta-me dos lábios
Êste medonho c á lic e !... Entretanto
Senhor! Lavaste os pés a teus amigos, 2837 Não a minha vontade prevaleça,
Deste-lhes fôrça e ânimo e virtude Mas a tua, 2842 Senhor! — E as mãos unidas,
Para seguirem da verdade as trilhas! Arrasados de pranto os belos olhos.
Quem meus pés lavará? Quem a meu gênio Soluçava beijando a terra fria.
Dará brilho e vigor? Quem da vertigem Erguendo-se depois, voltou-se a Pedro:
Preservará meu cérebro? — Eis-me fraco. — Simão, tu dormes! Não pudeste ao menos
Sem estro, sem saber, sem guia e mestre. Um momento velar! orar comigo!

[ 669 ]
liUíS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Vela, e ora, que a fôrça te não falte, Se nada fôras não sofrerá os transes
Que a tentação não entre no teu seio! — Dessa noite cruel! Se nada fôras
E sentindo outra vez a dor acerba Não assombrara o mundo e a imensidade
.Subir-lhe ao Coração, pediu de novo Com seu trágico exemplo e seu martírio!
A seu eterno Pai que retirasse
O cálice das sevas agonias! X I

I X Era, porém, bem tarde. As tôrvas horas


Da negra provação tinham passado;
O h! do infinito amor alto prodígio! O mistério do Horto se cumprira,
Uma etérea frescura, um sôpro ameno, E como o lavrador que os prados rega
Doce e consolador, de auras celestes, Onde deve lançar vivas sementes,
Roçou de manso as trêmulas folhagens, 2843 Jesus regara a terra; então ergueu-se
Perpassou pela fronte suarenta Dizendo aos sonolentos companheiros:
Do filho de Maria, — e mais suave. — Tudo está preparado! E , 2847 pois, agora
Mais brando ainda que as bafagens fi’escas Podeis dormir em paz, mas vos afirmo
Das auroras do estio, que volteiam Que não tarda o momento da vergonha!
Entre jasmins e rosas, distraindo O traidor anda perto, o Filho do Homem
No tênue vôo os leves beija-flores, Vai ser entregue aos ímpios! — Vêde, amigos! —
Passou, volveu de novo, lento e manso, Dolorosa verdade! As largas fôlhas
Agitando-lhe os úmidos cabelos! Das viçosas solâneas 2848 refletiram,
Jesu s! Eram as asas auri-brancas Como em noites de fúnebres agoiros,
Dos anjos de teu Pai que visitavam Mil vacilantes fogos; os arbustos
Teu sombrio retiro! Mensageiros Estalaram ao pêso das passadas
Que desciam do céu para servir-te. De cautelosos, pérfidos magotes;
E contigo sofrer, se assim quisesses! E assustados, os tenros passarinhos.
Criaturas divinas! Se a desídia, 2844 P or tão estranhos lumes, se arrancaram
Prendendo os companheiros sonolentos. Tomados de pavor 2849 dos ninhos quentes.
Furtou-lhes a visão dêsse milagre, Sacudindo das frondes do arvoredo
Meu Deus! Meu Deus! eu sinto que minh’alma Um a chuva de orvalho. A curto espaço
Guiada pela f c . . . — T riste vaidade! Assomavam por entre os leves ramos
As finas pontas das lustrosas lanças.
Compridas alabardas, longas varas,
E rubros fogaréus, depois, opróbrio!
A figura satânica de Judas
Porém, corria o tempo, duas vêzes Apareceu à frente dos sequazes, 2850
J á o Senhor chamara seus amigos Dos inimigos pérfidos do Cristo!
E os míseros dormiam! Pouco e pouco Manso como um irmão, como um amigo, 2851
Se aproximava o instante pavoroso. Aproximou-se o monstro, as mãos impuras 2852
À medida que a areia se escoava Da vítima infeliz lançou aos ombros,
No relógio fatal, recrudesciam Reijou-lhe o branco rosto, e com voz firme
As agonias dessa noite horrenda. Disse e afastou-se: — Deus te salve. M estre! —
O íntimo lutar cansara o peito — Judas! — Exclam a o Salvador, — não basta
Do Redentor do mundo, esmorecido Que me houvesses traído? E é por um beijo,
Inclinou a cabeça, e dos belos anjos E ’ por um beijo que me entregas, impio! —
De alvinitentes vestes, que o cercavam, 2845 E voltando-se ao povo que o cercava:
Amparavam-lhe o corpo. Um suor frio — Quem procurais? — Jesus o Nazareno — 2853
Como o suor da morte, — copioso Responde o chefe da sinistra escolta.
Como o do padecente que se estorce — Eu sou! — Diz o Senhor. A malta infame
Nas mais feias torturas que inventaram Recuou assombrada. Então, de novo
Sábios cogitadores de suplícios, Interrogou Jesus com voz severa:
Correu-lhe pelos membros doloridos! — Quem procurais aqui? — Jesus, o Cristo,
Os próprios imortais estremeceram Repete a multidão. — Sou eu, prendei-me.
Cheios de dó profundo, vendo o sangue Conheço vosso intento e vossos planos;
E as grossas gôtas d’àgua que manavam Livres, porém, 2854 deixai meus companheiros,
Dos poros de seu Deus, e lhes tingiam Que nenhum seduzi, nem fiz culpado! —
De púrpura sombria as alvas plumas, Calou-se o Redentor, mas Simão Pedro,
E que regava a terra, a terra ingrata, 2846 Simão Pedro o singelo e franco amigo,
Partilha de Satã, cujas misérias O lhano sócio, o dedicado servo.
Só reclamam eternos sacrifícios! As afrontas prevendo e os vis insultos
— Alma, sôpro do céu! Clara centelha Que o Mestre ameaçavam, — se enfurece.
Do espírito infinito da verdade! Puxa 2855 da espada que trazia e lesto
Vives, e eterna viverás! Sê forte! Como a chispa sutil da pederneira
O caminho do bem é teu caminho, Corta uma orelha a desgraçado assecla
Teu barco a Igreja, teu piloto o Cristo! Dos sanhudos tiranos. — Pedro, Pedro,
Levanta-te e não temas, se caíres Exclam a o Salvador, 2856 triste e sentido,
Êle te estenderá segura destra! — Cumpre esgotar o cálice de angústias
Se nada fôras, não viera ao mundo. Que me ofertou meu Pai! Guarda essa espada, 2857

[ 670 ]
T
>1-
A

A N C H I E T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S

Que O sangue nie horroriza! — E a mao levando Tomou-lhe as magras mãos, porém já frias,
Ao lugar da ferida, uniu a orelha E tirando do peito a santa efígie, 2864
E o servo ficou são qual dantes era. A efígie de Jesus hirta e sangrenta, t{
Então, 2858 feroz tribuno e vil coorte. Apresentou-a à mísera indiana.
Rudes e miseráveis quadrilheiros, Vendo prostrar-se o pio sacerdote
Bando voraz de pérfidos abutres, A multidão prostrou-se, — livre o pranto
Lançaram-se ao Senhor, — com duras cordas Correu dos olhos dêsses homens livres %
Arrocharam-lhe os pulsos. Seus amigos Que o maior dos suplícios não curvara!
Tomados de terror se dispersaram.............. Também nas selvas, nos sertões bravios,
Entre gentes boçais, tribos grosseiras,
X I I ']’em a virtude altares. A inocência
Quando sucumbe ao sôpro da desgraça
Silêncio, musa! Um grito angustioso, Também recebe lágrimas sentidas!
Um grito de suprema despedida. Nas matas virgens, nas cidades cultas,
Neste lugar da narração divina Nas choças negras, nos salões doirados,
Interrompeu a voz do Missionário. E ’ uma a Natureza, e sempre a mesma!
Os mancebos ergueram-se de um salto.
Os anciãos olharam-se aterrados. X IV
Quem dêste modo os corações abala?
Quem brada assim? — Correi, homens das selvas! Como a sedosa flor dos verdes campos,
Naída, a virgem dos sertões, 2859 exp ira!... Que pendente da haste, em áureos fios,
I
— Oh minha filha! Oh! minha pobre filha! — Flutua ao bafejar das auras mansas. ,V
Esta viva expressão da dor materna Esperando o clarão do sol brilhante
Vibrou n’alma do Mestre, como o fogo Para deixar o plácido envoltório
De elétrica centelha. — Quero vê-la! E voar pelo espaço em soltos flocos;
Quero vê-la! Onde está? — diz ansioso. Ou, semelhante à nítida crisálida
Volvendo à roda os lacrimosos olhos. Que a luz faz rebentar: a pura essência
— Aqui! Aqui, senhor! Vinde depressa! — Da mais pura das filhas das florestas 2865
Responde a pobre mãe banhada em pranto. Parecia esperar o alvor da aurora
Então, já piedoso sertanejo Para subir ao seio do infinito,
Tinha acendido um resinoso facho Como o perfume de um formoso lírio,
E aclarava o terreno. O peito aflito. Como um -eflúvio dos serenos prados,
Pálido o rosto, aproximou-se o Padre Como a canção de um pássaro mimoso,
Do lugar onde a moça agonizava. O vôo de uma abelha, o alegre riso
De uma loira criança que desperta.
Raiou a madrugada. O santo Mestre
XIII
Tomou a mão da cândida donzela,
Sóbre um leito de folhas de verbena A mão era gelada. A alma divina
E agreste rosmaninho, triste e bela Tinha voado aos pé.s do Onipotente!
Como um anjo terrestre que adormece
Para acordar no céu; a fronte airosa
No materno regaço descansada, 2860
A donzela esquecia-se da vida CANTO X
Como o inocente colibri das matas,
Que em mole alburno de viçosa planta
Crava o leve biquinho, os olhos fecha,
Deixando em meio o lírico poema Rubro como um baixei incendiado
Do risonho existir. Nunca tão puro No proceloso mar, como a cratera
Seu gracioso rosto se mostrara! De inflamado volcão na raia escura
Entretanto a brancura de outra vida De longínquo 2866 horizonte, ou como o vulto
Êsse — triste luar — que altera as formas, De condenada esfera que declina
E regela a expressão, dava-lhe o aspeito Para jamais surgir, o rei dos astros
De uma pálida estátua da piedade Esconde-se nos términos do ocaso.
Em pobre cemitério. Ao ver o Mestre Antes porém que a noite, a vária deusa, 2867
Um clarão de alegria e de esperança Mãe das áureas visões e dos remorsos.
Iluminou-lhe os olhos, belos olhos, Protetora do crime e da inocência, 2868
Onde o túrbido véu do passamento, 2861 Estenda sôbre a terra o plúmbeo manto, 2869
Como um fino sendal sôbre alva imagem Reúnem-se os fiéis no eremitério
Na penumbra de um templo solitário, 2862 Onde os chama o dever e a Caridade.
Começava a estender-se pouco a pouco. Fecha o Sábio Pastor a santa Bíblia
Tentou falar........ a lívida doença Que atento folheava, e os tristes olhos
Lhe arrebatara a voz. Outro recurso \'^olve ao caminho alpestre. Um viageiro
Para saudar o Mestre inda restava: Assoma na espessura das devesas.
Em vez de frases vãs, e vãs palavras, 286.1 Ja d ir !... Era o guerreiro do deserto
Um radiante, esplêndido sorriso Que ao deserto saudoso regressava.
Reanimou-lhe os lábios descorados. — Jadir, 2870 o que fizeste? O que procuras:
Junto da bela virgem do deserto Porque deixaste teus irmãos, teus chefes.
Ajoelhou-se o Padre, soluçando. Teu santo pavilhão? — E ’ certo. Padre,

[671 ]
I.U ÍS NICO LAU K A ü U ííD E S V A R E L A

Responde ao pio Mestre o audaz mancebo, Ilustres carniceiros revestidos


Sim, deixei tudo, que o destino ingrato De púrpura e de arminho. — Prossigamos.
A fonte envenenou de meu futuro! O horizonte se ob u m b ra.... desce a noite, 2875
Que nem força e valor, crenças e brios A noite mesta e lúgubre da H istó ria ....
Me restam neste mundo! Homem piedoso. Um orvalho sangrento alaga os campos........
Homem da mansidão, cujas doutrinas 2871 Dá-me forças. Senhor, que tenho mêdo!........
Minh’alma iluminaram, não me acuses!
Escuta-me, por Deus! No espaço ardente, I I
No torvelinho horrendo dos combates,
Uma voz magoada, triste, enfêrma, 2872 Jerusalém dormia. Entre os palácios.
Chegou a meus ouvidos: — Corre, amigo, As riquezas dos príncipes romanos.
Minha vida se extingue como o fumo As pontifícias galas, e a penúria,
Das choças do sertão, quando perpassam A vil degradação da ínfima plebe;
Os ventos da manhã! — Sócio da infância. Entre os vastos, — as lautas mesas,
Companheiro das lidas da floresta. Os belos camarins, os fofos leitos
Aos longes arraiais levou-me as queixas E os tugúrios fumosos, negros, frios.
Da desditosa irmã. Deixei as armas. Os farrapos nojentos, as lareiras
Os perigos, o pôsto, o acampamento; Apagadas, vazias; — ressonava
Voei como um tufão, como um pampeiro A geração de escravos e mendigos
Das regiões do S u l!........ Inda respira, Em cujas veias circulava ainda
Inda respira a rôla do deserto? O sangue dos austeros patriarcas!
Dize, dize, que mata-me a incerteza! — Jerusalém dormia. A raça impura, 2876
E_calou-se Jadir. O Mestre ilustre Que outrora livre e farta no deserto.
Não respondeu, porém; ergueu-se mudo. Chorava pelo duro cativeiro
Travou do braço do infeliz converso, Das regiões do Egito, e suspirosa
E afastou-se da ermida, lentamente. Lembrava-se das ôlhas abundantes,
No remanso de um vale ameno e fresco. E das amplas despensas 2877 e cozinhas
Perto de clara fonte onde as acácias Do grande Faraó, — a raça estulta.
Inclinavam-se trêmulas beijando Talvez feliz, em sonhos, se julgasse.
As águas gemedoras, avultava Por partilhar os restos e as migalhas
Uma grosseira cruz; o Missionário Que sobravam da orgia dos tiranos!
Parou, levou ao seio as mãos unidas. Jerusalém dormia. A voz pausada
Depois mostrando o chão da sepultura E rouca das latinas sentinelas
Disse abaixando a voz: — Ali, meu filho!___ Nas muralhas de escura fortaleza,
Naída dorme ali! — Singela musa. O pio das corujas agoureiras
Musa da solidão, anjo dos ermos Nos velhos bastiões, os longes ecos
Que descoram as áridas vigílias! Dos nefandos festins, de quando em quando
Não procures lembrar a mágoa extrema O silêncio da noite interrompiam.
Do mísero Jadir! Há sofrimentos Mas, nas habitações dos sacerdotes,
Como os segredos da famosa esfinge. Nos paços dos pontífices vaidosos.
Cumpre deixá-los no mistério e n v o lto s!.... Estranho movimento anunciava
No terreiro, porém, da pobre ermida Importante sucesso. As portas francas.
Já crepitam as vividas fogueiras, Os pátios e saguões iluminados.
Dardejando as vermelhas labaredas Guardas dobradas, confusão de servos,
No véu da noite escura, impetuosas Tudo, enfim, revelava que essa noite
Como os feios dragões de mil cabeças Era, não de prazeres e folguedos, 2878
Das legendas antigas. Triste e muda Mas de urgentes questões, graves negócios.
A multidão aguarda o amado Mestre.
Ei-lo por fim que chega acompanhado I I I
Do guerreiro infeliz. Lhano responde
As saudações benévolas do povo. Que sinistro clarão expele as sombras
Senta-se e alçando a voz distinta e clara Das ruas tortuosas, mal calçadas,
Continua a sagrada narrativa: E alumia os grosseiros edifícios
Da ceia do Senhor, tracei, meus filhos, Da cidade vetusta? Que luzeiros
O memorando quadro; então mostrei-vos Agitam-se nas trevas, numerosos
O Príncipe dos Céus, humilde, manso, 2873 Como as chamas fugazes que tremulam
Lavando os pés aos frágeis pecadores; Nos campos de batalha, às horas mortas,
Depois vimo-lo à mesa repartindo Quando o gélido orvalho se pendura
O maná verdadeiro, o pão dos Anjos, Das tendas dos guerreiros? Que rumores,
Com seus fiéis amigos, e mais tarde Que vociferações ímpias e feras
Nos silvados aspérrimos do Horto Turbam a quietação das êrmas praças
A morte prelibar, sentir nos membros Derramando o pavor pelas moradas
A fria exsudação 2874 d’àgua e de sangue Do miserando povo? — O que procuram
Porejar copiosa; enfim, vendido Êsses vultos incertos, macilentos, 2879
Por Judas o traidor, o sevo monstro, Armados de bastões e de alabardas?
Prêso e manietado, entregue à sanha Onde vão êsses rudes quadrilheiros.
Dos rancorosos padres e juizes. Cujas lanças delgadas 2880 e lustrosas
Embusteiros legais, nobres verdugos. Relampejam nas trevas? — Bravo e forte.

[ 672 ]
A N C H I K T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S

Nos horrores do crime endurecido, 2881 Dirigiu-se a Jesus com gesto altivo,
Deve de ser o malfeitor que arrastam E depois de mil pérfidas propostas.
Aos tribunais supremos. — Cautelosos, Depois de mil questões insidiosas.
Convém cercar o monstro, que não fuja. Enviou a Caifás o herói divino.
Zeladores sublimes da justiça!.............. Então coberto de baldões e injúrias.
Oh! divino Jesus! Manso cordeiro! Impelido e espancado como a fera
Gênio da Caridade e da doçura! Que arrancam do covil os caçadores.
Luminar da inocência!.... És tu que passas Aflito o seio, descorado o rosto,
Qual um facinoroso das montanhas Do palácio de Anás desceu o Mestre.
Acusado de atroces morticínios! Longe, dois vultos, cautelosos, mudos.
És tu, que triste e pálido caminhas Pelas espêssas trevas se esgueiravam,
Como um feroz jaguar das cordilheiras Um era Pedro, o galileu singelo,
Que os homens do sertão levam cativo O outro compassivo israelita,
Às aldeias remotas! — Salve, Cristo! Pobre e simples mancebo, iniciado
Teu reinado começa neste mundo! Da Nova Lei nas lúcidas doutrinas.
Viram-no os quadrilheiros e afanosos
IV Procuraram prendê-lo, — mas, ligeiro.
Veloz como um veado perseguido,
Emblema da ternura lutuosa, O moço, 2887 que trazia sôbre o corpo
Da beleza entre lágrimas, desmaia Miseráveis andrajos, esquivou-se
No plúmbeo céu a lua decrescente. E os deixando entre as garras dos protervos
Jerusalém acorda. Abrem-se as portas, Afastou-se a correr nu pelas ruas.
Pulam os curiosos faladores Pedro, porém, tardio e vagaroso
Dos aquecidos leitos, gira o povo Foi seguindo o Senhor, o povo, a guarda, 2888
E ajunta-se nas ruas e nas praças, Até ao paço de Caifás. Brilhantes
Onde sempre versátil, sempre vário. E nutridas fogueiras estalavam
Contos inventa, vaticínios forma, Aclarando o espaço e belo pátio;
E apesar do vigor com que assevera Grande cópia de fâmulos e servos,
Tão contrários juízos, enleado Sôbre largos taburnos, se aqueciam.
Pergunta: — O que há de novo?.. — Pobres turbas Conversando ao redor de vivo lume,
Que tomam por verdade a própria sombra! Pedro se aproximou; naquele instante
Mas um sudário de úmidos vapores Uma escrava da Núbia, esbelta e forte.
Cobre a cidade ilustre e desditosa, 2882 De bronzeado rosto e negros olhos.
Geme o vento nos grossos balaústres Descia prazenteira a longa escada;
Das erguidas sotéias; vacilante O velho pescador pediu-lhe humilde
Um lugar entre os outros; satisfeito.
Como infeliz marítimo que as ondas
Entrou e se assentou sôbre uma pedra, 2889
Jogam sôbre os agudos arrecifes Retirado dos grupos suspeitosos.
De tenebroso gôlfo, às horas mortas.
Depois das ânsias de fatal naufrágio.
Ao palácio de Anás, grande entre os padres, V
E sogro do pontífice, arquejando
O Salvador chegou. Dúbio sorriso No palácio do Sumo Sacerdote,
Aos lábios assomou do hebreu tigrino: No formoso salão de alvas colunas
Éle aguardava, impaciente, a prêsa, Onde os graves negócios se decidem
E a prêsa sob as garras lhe caíra! Concernentes à lei, — plácido e belo
Tardava o sacrifício! — Que preceitos 2883 Como o sereno, 2890 cândido luzeiro
Pregas às 2884 multidões? Quais teus princípios? Que precede a alvorada, entre os negrumcs
Quais as crenças que tens? — Nas sinagogas, Precursores 2891 fatais da tempestade.
Nas praças e no templo, à luz do dia, 2885 Apareceu Jesus; firme e seguro.
Minha voz elevei, lhe diz o Cristo, Radiante de graça e de inocência.
Não me envolvi nas sombras do mistério, Caminhou para o estrado, onde orgulhoso, 2892
Não procurei recintos escondidos A sombra de um dossel de rubra sêda.
Nem câmaras secretas, — interroga, Em doirada cadeira pontifícia
Se desejas saber, aos que me ouviram, Descansava Caifás. Fundo silêncio
E terás a verdade de seus lábios. — Reinava no sacrílego auditório.
Nesse momento, a mão de um quadrilheiro, Caso intrincado, sério e não previsto
A mão dura e calosa, e mais pesada Apresentou-se então ao pensamento
Que a pata do tapir, feriu cruenta Do príncipe cruel: — Só competia
O rosto suavíssimo do Cristo Ao govêrno de Roma e seus prepostos
Deixando impressa a nódoa purpurina Dar sentença de morte: a lei expressa
Da dor e da vergonha! — Inclina a fronte, Não deixava lugar a falso arbítrio.
E respeita ao pontífice! — acrescenta Que julgar? Que fazer? — Forjar um crime.
Dos vis senhores o mais vil cativo. Revesti-lo de horrendas circunstâncias,
Se mal falei, responde o augusto Mestre, O imputar ao Senhor! — Cem testemunhas, 2893
Se mal falei, 2886 convence-me do êrro, Malvadas umas, cobiçosas outras, 2894
Mas, se disse a verdade, o que te move Em auxílio dos ímpios acudiram.
ultrajares-me assim? Porque me feres? — Mas os 2895 pios varões, retos juizes.
Anás, porém, folgava intimamente. Pontífices ilustres que buscavam

[ 673 ]
L U Í S N iC O L A U F A G U N D E S V A R E L A

O justo condenar, — brandos agora, Entrei no seu batei, estou bem certo;
Por demais complacentes, despediam, 2896 Depois não mais o vi; por fim, 2903 nos campos,
Depois de convencidos da calúnia, E nas praças o achei unido aos sócios
Profanadores vis, monstros perjuros, Do filho de José. — Não é verdade!
Que zombavam de Deus e da justiça! Exclama Simão Pedro! — Então, prodígio!
Oh! cegueira da inveja! Oh mal sem cura! A poucos passos, num sombrio canto
Entretanto dois sáfios publicanos. Dos aposentos térreos do palácio.
Dois consócios de Judas o precito. Bateu o galo fortemente as asas
Dirigiram-se ao Sumo Sacerdote: E a voz soltou vibrante e prolongada.
— Nós o ouvimos. Senhor, junto do templo Simão estremeceu, — volveu os olhos
Dêste modo falar: — Tenho poderes Para as altas janelas, e entre as grades
Para arrasar o templo, se o quisesse, Viu, ao frouxo clarão da triste aurora, 2904
E depois em três dias, mais seguro, 2897 A figura serena e graciosa
Levantá-lo outra vez! — Nestas palavras, De seu divino Mestre. A consciência
Era a ressurreição que anunciava Abalada e ferida fundamente
O Redentor do Mundo; era seu corpo Despertou 2905 as cansadas faculdades
O templo que das sombras mortuárias Do singelo discípulo; os remorsos
Feliz ressurgiria! — A feia intriga Acerbos e pungentes, a vergonha
Silvava à sombra da verdade santa! De uma fraqueza quase que perfídia,
Então disse Caifás: — O que respondes^ A lembrança da culpa, o horror da pena,
Tu bem vês que te acusam. — Mas o Cristo Como agudos punhais dilaceraram
Sacudiu a cabeça tristemente, 2898 O coração do mísero: os soluços
Encarou suspirando os delatores, Embargaram-lhe a voz, e quentes lágrimas.
E conservou-se mudo. — Urgia o tempo, Lágrimas puras de alma arrependida, 2906
Convinha abreviar o atroz processo, Orvalharam-lhe o rosto e as barbas brancas.
Achar um vão pretexto, um qualquer meio
De consumar o infausto sacrifício. V II
Retirou-se Caifás. Desprotegido
Ficou Jesus, sozinho, exposto à sanha
Do vulgacho grosseiro, e às zombarias Amanhecera. Os pérfidos Doutores,
Os Anciãos do Povo, os Sacerdotes, 2907
Dos depravados, 2899 ímpios quadrilheiros. 2900
Em conselho secreto reünidos
Decidiram levar o Santo Mestre
VI Ao Romano Pretório. Era Pilatos
Então governador, homem sem crenças.
O fúlgido clarão da estréia d’alva Grande apenas no luxo e na vaidade.
Derrama-se no espaço, a rósca aurora No formoso vestíbulo, adornado
Pouco a pouco adelgaça o véu cinéreo De marmóreas pilastras, sobranceiro
Que flutua nas portas do Oriente; Os recebeu o príncipe latino, 2908
.áureos, fulvos listões, faixas purpúreas. Que aos filhos de Abraão a Lei proíbe
Brancas, argênteas franjas atravessam Dos recintos pagãos entrar no grêmio.
As regiões festivas onde assoma — De que delito é réu êste mancebo?
Cada dia mais forte em seus domínios Quem de vós o acusa, e quais as provas
O rei das estações. No grande pátio Do crime cometido? — Assim pergunta
Da casa de Caifás, sempre tristonho, Pilatos aos Pontífices nefários.
Meditabundo sempre, Simão Pedro Então Caifás responde: — Defensores
Vela perto do fogo; os ociosos Somos da Lei, — das tradições mosaicas
Continuam as práticas estultas, Dos foros nacionais: se delinqüente
Os soldados estiram-se rosnando Não fôra o que trazemos ao Pretório
Porque te buscaríamos? — Doloso,
Sôbre as lájeas do chão; mas uma escrava, 2901 Pregador de sacrílegas doutrinas.
Que desce nesse instante ao peristilo. Usurpador de títulos sagrados
Pára, sorprêsa, atenta considera E ’ êste que tu vês! — Mas o Romano
O pobre pescador: — Bem o conheço. Sorriu-se e respondeu: — Pois bem, julgai-o
Diz a vil criatura a seus parceiros, Pelo vosso direito e usos antigos.
E ’ êste um dos amigos, e o mais velho, 2902 — Não, atalhou Caifás, a Lei condena
Do mestre nazareno. — Oh! tal não digas! Os castigos de sangue! — Então Pilatos
Exclama o galileu amedrontado, Voltou-se para o Mestre nazareno.
Nunca lhe ouvi a voz nem vi-lhe o rosto! — Inquiriu cauteloso os pormenores
Porém Malco aí estava, o servo Malco De seu viver passado, — a norma, a essência
-A. quem Pedro ferira. — Quê! Tu negas? Das sublimes lições, e o fundamento
Pois não eras no Horto? Não te lembras Da feia acusação dos Sacerdotes,
Que me cortaste a orelha? — acode o ímpio. Satisfeito por fim ergueu-se e disse:
— Estranhas coisas, lhe responde Pedro, — Anciãos da Judéia, — em vão procuro
Falsas proposições dizes, amigo; Sorpreender a culpa a mais ligeira
Nada sei do que falas, nem do Mestre Neste infeliz mancebo; sou Romano,
Que os sacerdotes julgam! — Como treme Vossos velhos costumes desconheço:
O pescador astuto! Companheiros, Fazei o que entenderdes; entretanto
Informa um dos criados, muitas vêzes Pensai antes de obrar: — tenho o direito.

[C74]
ANCHIKTA OU O EVANGKUHO KAS SEUVAS

Usando de um antigo privilégio, 2909 I X


De soltar neste dia um criminoso; Era tard e!.. — Do ergástulo sombrio
Ora, pois, atendei: — nos calabouços Onde os castigos corporais se cumprem.
Dos cárceres Romanos, está prêso Circundado de guardas e verdugos, 2915
O cruel Barrabás, ousado monstro Jesus descia então a larga escada.
Cuja fama horroriza e assombra os campos, No centro da prisão, na sala negra
E — aqui — tendes Jesus, o pobre Mestre, Coberta de instrumentos de suplício.
Filho de inofensivo Carpinteiro. Alastrada de algemas e correntes.
A qual dos dois darei a liberdade? Rotos grilhões, ensanguentadas cordas.
_ A Barrabás! A Barrabás! exclamam
Os algozes pararam. — Tu soluças?
Os Doutores, Pontífices e Escribas. Tu escondes o rosto, 2916 ingênua musa?
— A Barrabás! responde o ingrato povo Oh! continua, e chora! — Então vergou-se
Acompanhando os bárbaros algozes! O corpo do Senhor ao férreo pêso
Das garras dos brutais executores.
VIII Caiu-lhe a pobre túnica, em pedaços, 2917
Nos doloridos pés! D e p o is .... os golpes
Não longe do Pretório, iluminada De amiüdados, rábidos açoites, 2918
Pelos flavos clarões do sol nascente. Ecoaram nos fundos calabouços!
Aparecia a casa de Pilatos, Era o primeiro quadro do martírio! .........
Alva, risonha, erguida entre ciprestes. Os bárbaros cansaram. Necessário
Coberta de cimalhas caprichosas, 2910 Era que ao sangue se ajuntasse o escárnio.
Frisos sutis, colunas de alabastro, Assim fôra predito. Então puseram
E arejadas sotéias. Tão festiva Sôbre a cabeça do Divino Mestre
Dir-se-ia a visão de alto castelo A coroa da glória e do infortúnio,
Pelos gênios da aurora edificado Um tecido de espinhos lacérantes!
Nas regiões longínquas 2911 do Oriente Entre as mãos uma cana verdoenga
Onde termina o mar e o céu começa. Colhida nos pauis, e sôbre as chagas,
Os mansos passarinhos gorjeavam Sôbre as vivas feridas, que as vergastas
A sombra dos vergéis, as auras frescas E os látegos abriram, — miseráveis!
Soerguiam as trêmulas cortinas Sórdido manto de grosseira crina!
Do belo camarim, onde entre flores. — Salve! Rei dos Judeus! gritavam rindo!
Mimosa flor também, sôbre almofadas F lançavam-lhe ao rosto o imundo escarro
Lânguida descansava a linda espôsa Do ódio e do desprêzo, e lhe atiravam
Do opulento pagão. Seus pensamentos Sôbre a sangrenta fronte descaída
Tristes deviam ser, que os rubros lábios O lôdo da prisão e as imundícias!
Cerrava convulsando, e dentre os cílios
Negros como a penugem luzidia
Das escuras abelhas da floresta X
Rebentavam as lágrimas, sentidas.
Filha airosa da Itália sonhadora! Outra vez no Pretório 2919 entrou cercado, 2920
Rôla saudosa das alegres veigas Depois de injúrias tantas e flagícios,
Dos campos de Lavínia! Que pesares Lividamente belo o Deus cativo.
Ferem-te o coração? — Mas de repente 2912 — Inda sustentas, — perguntou Pilatos,
Um profundo gemido angustioso 2913 Que és o Rei dos Judeus? — Tu o disseste! —
Os seios lhe agitou; a nobre dama Responde o Salvador, 2921 firme, e sereno.
Levantou-se de um salto, branca e fria Ora, o governador que recebera
Como a estátua de mármore poisada O triste aviso da querida espôsa
Em brônzeo pedestal junto da porta; Se esforçava em buscar propícios meios
Correu para a janela, as tranças soltas, De salvar o Senhor. Ao pensamento
O olhar afogueado. Então ruidosa Acudiu-lhe um arbítrio: era oriundo
Bramia a onda popular na praça, Jesus 2922 da Galiléia, essa província
Mil vozes discordantes repetiam: Ao domínio de Herodes pertencia.
— Desatai Barrabás! Deixai-o livre! — E pois mandou Jesus ao grande Herodes
Compreendeu a espôsa de Pilatos Que o ouvisse e que julgasse. — Curioso
sinistra questão. Chamou um pajem Õ rei o recebeu, — extensas 2923 horas
E o mandou ao Pretório a tôda pressa. .Atento o interrogou em seu palácio,
— Vai, — dize a teu Senhor: Ampara o justo! E ordenando, por fim, que lhe vestissem
Que revelou-me um sonho pavoroso Uma túnica branca, o despediu.
A pureza divina de seus atos, Nem mesmo Flerodes o julgou culpado!
Das intenções celestes a inocência, Então o Salvador voltou, de novo, 2924
A gloriosa origem de seu gênio! — Ao sinistro Pretório. O sol brilhava
O servo obedeceu. Nesse momento Doirando os altos cerros do Oriente,
Uma nuvem trevosa e carregada Pilatos reuniu logo os Doutôres,
Cobriu a luz do sol, — rijo nordeste Os Anciãos do Povo, os Sacerdotes, 2925
No ledo camarim entrou silvando. E estas palavras disse memoráveis:
Tremeu o pavimento, e as belas flores — Vós acusais o Mestre Nazareno
Que pendiam das jarras primorosas De fazer sedições, turvar do povo
Caíram desfolhadas 2914 no tapête............... O íntimo sosségo, a consciência.

[ 675 ]
L U ÍS I s 'I C O L A U F A G U N D E S VARELA

E violar da Lei os sãos preceitos; Como em Circo de feras! — Negra e rôta


Ora, o interroguei de mil maneiras E ra do Cristo a túnica mesquinha.
E não lhe achei o mínimo delito. — Não dêste modo um grande rei se traja!
Inquiri testemunhas que mentiram Disse um cabo da guarda, motejando.
De um modo vergonhoso. — Duvidando — Venha depressa um manto precioso! —
Da clareza e valor de meus juízos, O manto apareceu; o vil soldado
À decisão de Herodes sujeitei-me, Lançou sôbre Jesus as mãos profanas
E eis Herodes me envia o desgraçado E a túnica rasgou-lhe. Então sorpresos
Que declara inocente! Conseguistes Recuaram os bárbaros: os ombros,
Do feroz Barrabás o livramento: Os braços do Senhor estavam roxos, 2930
O que farei do Cristo? — Crucifica-o! Intumescidos, 2931 ásperos, cobertos
Respondem prontamente os Sacerdotes. De coagulado sangue e grossas bôlhas!
— Crucifica-o! — Vozeia o povo ignaro — Cobre-te, — diz o esquálido soldado
Apinhado no pátio e nas calçadas. Nas costas lhe estendendo o rubro manto.
Então Pôncio Pilatos levantou-se. Sábio Rei dos Judeus, — estás medonho!
Pediu um vaso d’água, e lento e mudo
Pôs-se a lavar as mãos; depois volvendo
Severo olhar aos padres que o cercavam: XIII
— Sou inocente dêste puro sangue
Que se vai derramar, não tenho parte Porém, ao lado oposto do Pretório, 2932
No martírio do justo; eu vo-lo entrego. No baixo alpendre de uma casa escura.
Disse, e afastou-se triste do Pretório. Lavra trigueiro e feio Israelita
— Reverta sôbre nós e nossos filhos Um pesado madeiro. Nos degraus
O sangue que a Lei pede, e persistente De antiga e larga escada, 2933 enegrecida
Procuraste poupar! — responde o povo. Pelas chuvas do inverno, se debruçam
A missão de Pilatos era finda. Duas formosas, 2934 pálidas crianças.
— Basta de trabalhar! — Diz a mais moça.
X I — Vem descansar, meu Pai. — E ’ cedo ainda, —
Responde o Carpinteiro, — agora mesmo
Musa Cristã! Desprende lacrimosa Devo entregar aos Anciãos do Povo
Sôbre o colo de neve as tranças de oiro! E sta pesada Cruz, e êles não tardam.
Arroja de teu seio as rosas brancas — Pois é isto uma Cruz? — Pergunta a 2935 mêdo
E as lindas amarílis das campinas A mais crescida das gentis meninas,
Que os Amôres colheram! Cinge a fronte — Que vão fazer da cruz? — Não sabes, louca?
De fôlhas de cipreste e roxos 2926 goivos; Murmura o tôrvo hebreu com dúbio riso,
Deixa o leve brial, envolve o corpo — Na cruz pregam-se os maus, os criminosos.
Em funerário crepe, e solitária Os que afrontam a Lei. — Assim falando
Debruça-te nas fragas do deserto! Limpa tranquilo o pó do horrendo lenho
Chora, e lembra as angústias assombrosas J á bem seguro e forte. — O h! Deus Eterno!
Da morte do Senhor....... Ah se puderas, 2927 Exclam a a pobre filha, — e porventura
Se puderas voar, transpor os mares. Vai alguém padecer? — Pois não conheces
Atravessar o Líbano e as montanhas O M estre Nazareno? — O Cristo! O Cristo! —
Rochosas de Ascalon; poisar no cimo Gritam os lindos anjos do operário.
Do Calvário sagrado, e compungida E Jesus repelido pelos homens
Beijar o duro solo onde caíram Teve as sagradas lágrimas da infância,
As lágrimas do M estre!... Se puderas A oblação da inocência. — Bem me lembro.
Um raminho apanhar das tristes plantas Diz a primeira irmã, sôbre a montanha
Que o sangue fecundou do Deus aflito, Onde ao sol pôsto descansava sempre,
Do Deus agonizante!... Oh! toma a lira, Um dia me poisou sôbre os joelhos.
Canta, como o pastor, 2928 que a Natureza Deu-me um beijo no rosto. Nesse dia
Afina a voz singela! Como o nauta Êle falou ao povo me apontando:
Que as saudades da pátria o estro acordam! — Deixai vir, deixai vir as criancinhas! —
Como o servo que aspira a liberdade! E vai morrer o Cristo! — Então de perto
Como _o formoso pássaro das selvas Um confuso rumor, tropel confuso.
Que não sabe por que, 2929 mas canta, e canta Passos precipitados, altos gritos.
E canta até que a morte a voz lhe roube! Ameaças cruéis, feias injúrias
Se fizeram ouvir ao mesmo tempo;
Depois em uma voz ligou-se tudo:
X II — A Cruz! A Cruz! — A multidão bradava.
— Pronta está, — respondeu o Carpinteiro.
A Coorte formou-se aparatosa, O Salvador chegava acompanhado
Meneando insolente os finos gládios, Da populaça infrene. — Grão Profeta,
A roda do Senhor; os Quadrilheiros Belo Rei dos Judeus, — preclaro Mestre,
Sacudiram as longas alabardas. Brada o Chefe cruel dos quadrilheiros,
Risonhos, como bravos combatentes — O teu cetro ali está, somos teus servos.
Que próxima batalha incita e move; Tom a aos ombros a Cruz e nos dirige! —
A multidão mendaz, grosseira e falsa — Ao Cálvário! Ao Cálvário! — Ruge o povo.
Apertava-se, ria, ou praguejava Então a turba iníqua e depravada

[ 676 ]
A N C H IE T A OU O E V A N G E L H O NAS SELV A S

V om itando doestos e im propérios E vossa descendência! ü m tempo infausto


Poisou, raivosa, nas espáduas san tas Virá, em que dirão da terra os povos:
O m adeiro fatal. O grande M á rtir — Venturosa a mulher cujas entranhas
Sentiu a luz fugir-lhe e um su or frio Fere a esterilidade 1 Venturosa
C orrer da fron te lívida e san g ren ta. Aquela a cujos peitos infecundos
V acilou um in sta n te : assim nos erm os Ninguém se alimentou! — Nesse momento
D obra-se e gem e o delicado arbu sto Jesus atravessava um passo estreito
Quando de árvore an tig a um velho galho Perto de fundo algar, parou sem forças,
V erg a e lhe oprim e os ram os flo re s ce n te s; Deu um grito de dor, tentou suster-se.
A ssim nas solidões se inclina o cervo, Porém caiu exausto: agudo espinho
Quando de funda gru ta a pedra sô lta Um dos pés doloridos lacerava.
R ola e o dorso lhe cu rva m acerado. — Levanta-te! — Bradou soez verdugo
— Ao Calvário! — vozeia a rude plebe. E brandindo uma vara que trazia
— Ao Calvário! — Repete a infame guarda! Rijamente o feriu. O Santo Mestre
E o caminho seguiram do Calvário. Três vêzes se moveu no estreito espaço,
Quando, porém , m olesto e v ag aro so E três vêzes cedendo à dor pungente 2939
D eixava o C risto as p o rtas da cidade. Voltou ao duro ehão, trêmulo e frio.
Judas entrava no Pretório. — Padres! — Quem lhe quer dar a mão? — Pergunta o chefe
Anciãos, Sacerdotes que votastes Da guarda desumana, o fardo é grande,
Minh’alma ao fogo eterno da Geena! O Calvário está longe. — Adiantou-se
Pequei, vendendo o sangue do inocente! Da multidão silente um homem forte
Disse elevando a voz áspera e rouca. De espáduas largas, vigoroso colo,
— Eis aqui o dinheiro da perfídia, E tisnadas feições; era seu nome
O preço da traição! Queimam-me os dedos Simão o Cireneu, — calado e sério
Estas fatais moedas! — Chegas tarde, — Ergueu o Cristo pelos froixos braços,
Responderam-lhe os sevos carniceiros, Pôs-lhe a cruz sôbre os ombros contundidos,
— Bem dévias saber o que fizeste. — E ajudou-o a subir a pétrea senda.
Judas não replicou: sôbre os ladrilhos Então dos verdes campos do Ocidente,
As moedas lançou, que, retinindo, 2936 Por extensa 2940 vereda tortuosa.
Aos pés caíram dos perversos Padres. Chegavam dois humildes caminheiros;
Pouco tempo depois, no monte, ao longe, Vinha na frente um camponês robusto
Dos grossos galhos de isolado roble. De franco e nobre aspeito; e não distante.
Pendia o corpo do Judeu maldito. Poucos passos atrás, mulher singela,
Horrendo o rosto, esbugalhados 2937 olhos. Esbelta, porém triste e descorada
Saída a língua remordída e negra Como saudosa e pálida princesa
Da pavorosa bôca! — Êrro nefasto! Que pisa aflita as regiões do exílio.
Expiação do crime pelo crime! Perto da negra estrada do Calvário
Reparação do mal no desespero! Pararam suspirando. — Estava escrito!
Nesse tempo outra vez caíra o Mártir
X IV Debaixo do madeiro, e a fera guarda
Dizia-lhe cruentos impropérios.
Jesus, porém, curvado ao peso enorme A formosa mulher ergueu os olhos.
Do tremendo madeiro, — imenso peso Fitou o Salvador, e um grito agudo.
Que era o pèso das culpas e delitos Sinistro como o grito da demência, 2941
Das gerações perversas que passaram, Escapou de seus lábios contraídos:
Que era o peso do mundo, tardo e lento — Meu Filho! — Os duros corações tigrinos
Trilhava a longa estrada do Calvário. Se abalaram dos ímpios carniceiros.
As lágrimas corriam copiosas Jesus se levantou. Seu belo rosto
Pelas faces dos pobres: tantas vêzes Sublime se fizera no martírio.
Lhes tinha o Cristo aliviado as mágoas Pela primeira vez a Virgem Santa
E saciado a fome! Tantas horas Viu cruzarem-se os fogos do Infinito,
De fundas aflições, de dores cruas, Os supremos clarões da Eternidade
Como o gênio da paz e da esperança, Nas pupilas do Justo preeleito!
Êle havia levado a luz e a calma, 2938 Os pobres, consternados, exclamaram:
O júbilo e o sossego a seus tugúriosl — Esmagai-nos, montanhas escarpadas!
Como os amava o Mestre! As criancinhas Oiteiros pedregosos, escondei-nos!
Gritavam, soluçando, dos alpendres Quando sucede assim ao lenho verde,
Das casas do caminho: — Oh! Santo amigo! Que destino terá o lenho sêco? —
Que sangue é este que te molha o rosto?
Onde essa gente bárbara te arrasta? — X V
Descalças as mulheres, desgrenhadas,
O seio descoberto, os olhos rubros Sólio de santo horror, de santa glória!
Do continuo carpir, atordoavam Pira da Redenção! Altar do mundo!
Os ares de gemidos. Compassivo Calvário soberano! — Quão medonha
Lhes disse o Redentor com voz pausada: Então a luz do sol doirava as balsas
— Oh de Jerusalém pálidas filhas! De teu cimo deserto! Quão tardios
Não pranteeis por mim que aos paços volvo Ramalhavam os ventos na espessura
De meu Divino Pai, mas por vós mesmas De teus velhos sarçais! — Quão maviosos

[ 677 ]
L U ÍS NICOLAU FAGU NDES VA RELA

Pelas sombras dos álamos carpiam Dos Doutôres da Lei, dos Sacerdotes, 2949
Os pássaros amigos do silêncio!.... Queria a execração além do sangue.
Chegara, enfim, o séquito de algozes Tinha sêde de opróbrio. Alguns momentos
E a vítima celeste ao têrmo infausto Depois do pavoroso sacrifício,
Da jornada ominosa. O grande Mestre Mais duas cruzes negras avultavam
Prostrou-se sôbre a relva amarelenta, Aos lados do Senhor, e dois perversos.
Nas mãos entorpecidas ocultando Dois audazes ladrões daquelas terras,
O rosto afogueado, e os tristes olhos Nelas se retorciam convulsando.
Arrasados de lágrimas ardentes. Sublime lei do exemplo! Os magistrados
Os Anjos imortais 2942 estremeceram Não queriam perder tão grato ensejo
Junto do trono eterno, e as frontes puras De servir à Justiça e à Humanidade!
Inclinaram chorosos. As estrelas — Se és o Filho de Deus, porque padeces?
Afrontaram no céu a luz do dia. Perguntou a Jesus um dos bandidos,
O sol abrasador, no espaço imenso, — Salva-te, pois, e salva-nos, se podes! —
Um momento parou....... e êsse momento — Nem nas provas cruentas do suplício
Era um evo de dores assombrosas! — Respeitas o Senhor! — Acode o outro.
— Pobre Rei dos Judeus! — disse um soldado De nossas grandes culpas recebemos
Contemplando o Senhor com ímpio gesto. A justa punição; porém, o Cristo
— Vamos te dar um vinho generoso, Que falta cometeu? — Depois fitando
Um suave elixir, grato aos sentidos. J'ristemente o Senhor, disse piedoso:
Propício ao coração. — Assim dizendo — Oh! lembra-te de mim quando subires
Apresenta a Jesus um bronzeo vaso Ao teu celeste e glorioso reino! —
Cheio de denso líquido, composto E Jesus respondeu-lhe: — Não te aflijas,
De esverdeado fel, grumosa mirra, .ô.firmo-te entre as sombras do martírio
E turvo, 2943 acerbo vinho. — Toma e bebe, Que hoje entrarás também no Paraíso!
Faze ao mundo o teu brinde derradeiro! —
Jesus tomou a taça, o justo emblema XVI
Das provações amargas da existência,
Ergueu-a tristemente aos roxos 2944 lábios, Reclinados, porém, no chão relvoso
E sentindo o licor viscoso e acre. Divertiam-se os bárbaros soldados
Longe arrojou-a sôbre as duras pedras. Entoando canções abomináveis,
— Companheiro, à obra! — Altivo ordena E sôbre a velha túnica do Cristo
O tôrvo chefe da tartárea turma............. Jogando incertos dados. O mistério
Pulam 2945 movidos de secreto fogo Divino se cumpria. Já três vêzes
Os levitas da morte, o Cristo assaltam. A sêde abrasadora, 2950 que acompanha
Cospem-lhe ao rosto, rasgam-lhe os vestidos. O suplício da Cruz, amargas queixas
Arrastam-no sem dó pelos espinhos Arrancara ao Senhor, mas os verdugos
E o deitam sôbre a Cruz. Torcem 2946 cruentos Atando à 2951 longa vara grossa esponja
Do mártir suspiroso os frágeis braços, Eimbebida de fel e de vinagre
E os pés dilacerados; prendem, cerram, Aos lábios incendidos lhe aplicavam.
Fazendo intumescer do colo as veias, 2947 Era atroz o martírio. À hora sexta
A cabeça divina ao vil madeiro!........ Uma celeste luz brilhou nos olhos
Tenebroso painel! Quadro do inferno! Do Redentor do Mundo, — últimos raios
Cena de execração! — Nas férreas garras Do sol na linha extrema do ocidente;
Dos escravos da inveja e da mentira. Convulsivo tremor correu-lhe as fibras;
Volteia horrendo o rápido martelo Uma nuvem pesada e lutulenta
Com sinistro fragor, e afunda os cravos Estendeu-se no céu. À hora nona
Nos pés e mãos do Filho de Deus v iv o!.... Lançou o Cristo um brado angustioso: 2952
A terra se deprime, o lenho estala, — Meu Deus! Meu Deus! Porque me abando-
Rúbidas gôtas de fervente sangue [naste! —
Borbulham das feridas hediondas Inclinou a cabeça ao frio peito, 2953
E deslizam em fios purpurinos Cerrou as roxas 2954 pálpebras cansadas,
Molhando a cruz e a relva da montanlia. Deixou de respirar. O santo corpo
Depois, ímpios verdugos, sôbre a fronte Da negra cruz pendia macilento
Do augusto condenado afixam rindo No sombrio Calvário, — a alma divina
Como um sarcasmo atroz êste letreiro: Entrava triünfante e gloriosa
— Jesus de Nazaré Rei dos Judeus. — De seu Eterno Pai no excelso Império.
Concluídos os lúgubres trabalhos
Erguem a cruz sagrada, e sôbre um fôsso XVII
Hasteiam-na de pedras rodeada.
— Se és o Filho de Deus, vem ter conosco. A morte horrenda e trágica do Cristo,
Desce do teu madeiro e então creremos Do Deus, Filho de Deus, assombra o mundo.
Nas escuras doutrinas que pregaste. — Cobre de luto o firmamento e os mares.
Assim falam zombando e escarnecendo Abala o próprio Inferno! — O Véu do Templo
Feros soldados. Fariseus impuros. Rasga-sc de alto a baixo como a névoa
Míseros servos dos tiranos Padres. Que o relâmpago etéreo despedaça;
Não bastava o suplício acompanhado Tinge-se o céu de negro, o sol medroso
De humilhações 2948 cruéis, o tôrvo gênio Lança um último raio sôbre os montes

[ 678 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

E mergulha-se frio e descorado X I X


No oceano de trevas que dominam
A vastidão do espaço. A terra treme, O sol doirava os píncaros das serras
E solta das entranhas requeimadas Quando as tristes mulheres, lacrimosas,
Denso vapor e rubras labaredas. Do Redentor ao túmulo voltaram.
Secam os rios, partem-se os rochedos. Vendo, porém, 2961 caída a negra pedra
Abrem-se as sepulturas dos Profetas, Correu aflita a pobre Madalena
E as jazidas dos Santos que ressurgem, A buscar Simão Pedro e seus amigos.
E erram chorando pelas êrmas praças! . . . . — Levaram do sepulcro o Santo M estre!
À tarde um rico e nobre Israelita, Lhes disse magoada. O velho Apóstolo
José de Arimatéia, estrênuo guarda Dirigiu-se e mais outro companheiro
Da novíssima Lei, sobe ao Calvário, Ao jazigo do Cristo, entraram mudos.
Manda descer por ordem de Pilatos Cheios de devoção e de respeito;
O triste corpo do divino Mestre, No chão viram as faixas e o sudário,
Leva-o piedoso à casa onde reside. O sudário, porém, dobrado e limpo.
Banha-lhe as chagas negras, embalsama-o Longe da sepultura, e a sepultura
Com preciosas, 2955 grátulas essências, 2956 Descoberta e vazia! — Amedrontados
Depois o envolve em faixas de alvo linho Fugiram do jazigo a passos largos.
E o deposita com sagrado zêlo Fora, entretanto, sôbre um velho tronco.
No túmulo dos seus, grande jazida Soluçava a formosa Madalena.
No seio escuro de profunda gruta. — Porque choras, mulher? — Então da sombra
Resguarda a entrada com pesada loisa Perguntou-lhe uma voz melodiosa.
E aos lares volta satisfeito e calmo. A bela arrependida levantou-se, 2962
Entretanto a formosa Madalena, 2957 Volveu os olhos para a gruta escura
Maria a meiga esposa de Cleófas, E divisou dois anjos colocados, 2963
E outras pias mulheres, largo tempo Um do fúnebre leito à cabeceira.
Ficaram pranteando junto às 2958 rochas Aos pés o outro, fulgurantes ambos.
Onde jazia o Mestre que adoravam; Ambos cingidos de lauréis divinos.
— Levaram meu Senhor! — a pobre exclama.
Depois se retiraram, e os Juizes
E não sei onde está! — Busca-o mais longe, 2964
Tiramos de Israel, e os Sacerdotes, 2959
Responde um dos sublimes veladorcs.
Temendo que os discípulos do Cristo
Lhe furtassem o corpo às horas mortas Madalena voltou o branco rosto
E viu de pé na entrada dos rochedos
E dissessem depois que ressurgira. Tranquilo o Salvador! — Divino Mestre! —
Perto da feia e lúgubre caverna Murmurou jubilosa. — Não me toques.
Uma guarda puseram vigilante. Procura teus irmãos, procura-os todos.
Dize-lhes que retiro-me do mundo
Para o seio do Padre Onipotente
XVIII Que é meu Senhor e teu! — Jesus ordena.
A pálida mulher se ergueu de um salto
Três dias c três noites pavorosas E rápida correu, levando a nova
Sôbre a loisa do túmulo passararn; Do celeste prodígio aos desgraçados.
Três dias e três noites de mistério À tarde, estando todos reünidos.
Os segredos cobriram de além-mundo. Distante da cidade, em pobre alvergue, 2965
A vida e a morte combatiam surdas Ferrolhadas as portas, que medrosos
No silêncio e nas trevas do sepulcro. Dos Judeus sanguinários se escondiam.
Mas ao último dia, quando os astros Ouviram de repente um leve estalo
Desmaiavam na cúpula sidérea, E o Redentor apareceu dizendo:
E os primeiros clarões tíbios e froixos — A paz seja convosco! — Apresentou-lhes
De uma sinistra aurora adelgaçavam O seio lacerado, as mãos rasgadas.
As nuvens pardacentas do Oriente, Depois volvendo aos céus o pensamento
Um estampido horríssono e medonho Repetiu bafejando-lhes as frontes:
Reboou nas abóbadas sombrias — Recebei o Espírito Divino!
Da funerária gruta; um vivo fogo. Assim como enviou-nic o Padre Eterno
Um jôrro imenso de brilhantes luzes Assim também ao mundo vos envio! —
Bateu na lisa face do rochedo. Prostraram-se os humildes companheiros,
Os Quadrilheiros hirtos, assombrados, Quando, porém, 2966 se ergueram, 2967 no recinto
Lívidos de terror no chão caíram Não mais estava o Cristo! Como um sòpro,
De viscoso suor molhando a relva; Como um floco de névoa matutina.
Agitaram-se os pássaros das brenhas Rápido e imponderável se afastara!
E tentavam fugir batendo as asas Tom é estava ausente, e quando os outros
Tíbias e sem vigor! Dois belos Anjos, 2960 Narraram-lhe o milagre, — duvidoso
Radiantes de graças inefáveis, Disse encolhendo os ombros: — Necessário
Desceram das esplêndidas alturas. Fôra que eu visse as chagas, que tocasse
Afastaram a pedra do sepulcro, Dos cravos os sinais nas mãos feridas
E o Cristo apareceu! O grande Cristo! E que apalpasse o peito lacerado.
O Cristo soberano e glorioso. Então pudera crer. — Passados eram
Filho de Deus e Salvador do Mundo! Oito dias, talvez. De novo, o Mestre

[ 679 ]
L U ÍS NICOLAU FACiUNDES VARELA

Apareceu entre êles; nesse tempo Em êxtase divino, — o grande Mestre


Presente estava o companheiro incrédulo. Sôbre êles estendeu as mãos brilhantes.
— Tom é, disse Jesus, — eis-me contigo, 2968 Volveu aos céus o rosto glorioso,
Tom a entre as tuas minhas mãos, repara E deixando, de manso, a terra e os homens
Em minha fronte lívida e sangrenta. Ergueu-se, ergueu-se pelos vastos ares,
Põe o dedo em meu seio! Inda duvidas Até librar-se no sidéreo espaço
Que eu tenha ressurgido e seja o Cristo? — Como longínqua 2971 estréia rutilante.
— Meu Senhor e meu Deus! — Tom é murmura Por fim perdeu-se além, na imensidade
Beijando os pés do M estre redivivo. Onde não chega o pensamento humano!
Meu Senhor e meu Deus! Não me condenes! — . Aqui termina a H istória do Calvário.
— Porque tu viste acreditaste logo,
E o testemunho de teus olhos frágeis
Antepuseste à glória de meu nome!
Mais felizes, Tom é, os que não viram CANTO X
E , 2969 apesar de não ver, seguros creram ! —
Disse, — e leve sumiu-se como a sombra E pílogo
Que a luz da aurora expele dos fraguedos.
Mais uma vez nas margens aprazíveis
Do lago azul dos ermos, onde outrora
Soía meditar nas belas tardes A Idolatria expira entre os gentios.
De calmoso verão, mostrou-se o Cristo O Oriente, o Ocidente, o Sul e o Norte
A seus então sagrados sucessores; Exultam repetindo os hinos sacros
Entre êles repoisou, ceou contente Dos bardos de Sião. Calam-se os ódios,
Sentado sôbre a areia, ouvindo as queixas Congraçam-se as nações; cessam as guerras;
Das águas boliçosas e os sussurros Surge o mundo civil do caos profundo
Das virações errantes nas folhagens Da velha barbaria! A lei triunfa.
Dos frondosos, 2970 antigos arvoredos. As montanhas coroam-se de altares;
Foi, porém, esta vez a derradeira. A Cruz domina os campos e o Evangelho
Sua missão na terra estava finda. Avassala os sertões! — Desde as ribeiras
Do m ajestoso e plácido Amazonas
X X Até às 2972 margens do opulento Prata,
Ressoam pelo espaço os belos cantos
Entre esplêndidas nuvens purpurinas Da Ig reja Universal! Sôbre os desertos
Mergulhava-se o sol, e os frescos vales Abre o Cristianismo o pálio 2973 augusto.
Abriam seus tesoiros de perfumes
Aos bafejos das auras suspirosas II
Que desciam dos montes do Ocidente.
Sôbre um risonho oiteiro reünidos Porém, depois dos últimos sucessos
Escutavam os homens do Evangelho Desta H istória de acérrimos labores, 2974
As predições supremas, as sentenças, Decorreram dez anos. As planícies
E as derradeiras instruções do Mestre. Cobrem-se de abundantes sementeiras, 2974
A sossegada aldeia de Betânia Muge o gado no campo, as ovelhinhas
Se estendia a seus pés, pobre, singela Brincam nos ervaçais, e sôbre o monte,
Como um plácido ninho de andorinhas No sítio ameno da saudosa ermida
No meio de um vergei. — Pobres amigos! Do servo do Senhor, alveja agora
O Redentor falou, — em vossas almas Entre as pobres cabanas dos conversos
Eu plantei as sementes da verdade. A tôrre estreita de um singelo templo. 2975
Não as deixeis morrer, tenham embora Põe-se o sol. Os clarões finais do dia
Em vez de orvalho lágrimas de sangue! Morrem ao longe nas remotas serras,
Deus vos dará valor. Eu parto e deixo Voltam os lavradores do serviço,
Em vossas mãos a sorte do Universo! E chamando os filhinhos se dirigem
Buscai os tristes, procurai os pobres, À casa do Senhor, os sons do sino
E o bálsamo divino da esperança Pela primeira vez ressoam crebros
Nas feridas vertei dos desgraçados. Naquelas solidões. Um pobre Padre, 2976
Voai à zona tórrida e às planícies De venerando rosto, ergue-se e canta
Onde perpétuos gelos se aglomeram; As preces melancólicas da tarde.
Ensinai aos mortais as leis do Eterno, O h! não é êle o Apóstolo das selvas!
A pureza celeste dos costumes, Musa dos ermos, o profeta é m o rto !.........
O perdão das mais ásperas ofensas! Não! Inda brilha, descorado embora,
E em nome do Senhor pregai ao mundo O astro das m issões! Inda derrama,
As mais belas das lúcidas virtudes: Bela estréia da Fé, a luz propícia
A Esperança, a Fé, e a Caridade! — Que as trevas espancou do Novo Mundo!
Falava o Salvador, seu santo rosto Espírito do amor e da saudade.
Fulgurante tornava-se, seus olhos Leva o gênio do bardo aos longes climas,
De inefáveis clarões se iluminavam, Onde os ecos acorda maviosa
E a túnica mesquinha e desbotada A doce voz que clama no deserto!
Da brancura da neve se cobria! Onde vagueia convertendo os povos
Os amigos prostraram-se embebidos O sucessor egrégio do Batista!

[ 680 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS

I I I O próximo descanso, — a glória excelsa


No seio de Abraão 1 — Deus se revela,
Ao norte das uberrimas campinas Brando e terrível, justiceiro e forte, 2985
Onde desliza o Nilo Brasileiro, Nas lívidas feições do moribundo
O grande Paraíba, a quinze léguas Melhor que no bramir das tempestades,
Da florescente aldeia consagrada Nas faces tôrvas dos revoltos mares.
Ao Espírito Santo, e aquém das selvas Ou no zimbório azul do firmamento
Banhadas pelas águas do Rio Doce, Semeado de fúlgidas esferas!
Estendem-se as choupanas pitorescas
De um arraial cristão. Formosa estância! V
Rerigbá feliz! Almo retiro
Onde das lidas repoisou do mundo O bronze flébil do sagrado templo
O sublime Anchieta! Eu te estou vendo Derrama pelo espaço os lentos dobres.
Com teus argênteos, 2977 lúcidos arroios, 2978 Os dobres de agonia. Os sacerdotes
Orlados de palmeiras, com teus vales Prostrados ao redor do pobre leito
Cobertos de baunilha e passifloras, Onde definha o sábio, o herói, o justo.
Com teu modesto e alegre Presbitério Repetem, pranteando, os belos trenós, 2986
Circundado de choças e de apriscos! Os belos trenós do Saltério antigo,
Com teu sábio Pastor! — Idade de oiro! E as orações da soberana Igreja,
Eras de singeleza e de inocência Depositária eterna da verdade.
Que jamais voltarão, senão nos sonhos Fonte da salvação. — Calmo e tranqüilo
E nas visões poéticas do b a rd o !... Como o Cristo entre as rábidas lufadas
Do temporal insano, o moribundo
IV Acompanha as endechas dolorosas
Dos aflitos irmãos. Sôbre seu peito
A noite passa. O astro da saudade Entre as pálidas mãos a cruz descansa,
Atufa-se nos mares. O Oriente A mesma cruz bendita que há dez anos
Arreia-se de flores purpurinas. Levara aos lábios trêmulos e frios
Surge, filha da luz! Última aurora Da desditosa virgem do deserto;
Da estação da inocência e da esperança! Prostrado aos pés do leito um moço adusto 2987
Oh! vem! Clareia o céu, anima os bosques, Soluça e beija as vestes do profeta.
Aviventa os sertões e as cordilheiras!........ Jadir! E ’ êle o lidador das s e lv a s !....
Mas, à beira do rio, deslembradas Como se ostenta altivo o cedro umbroso
As canoas estão dos pescadores; No seio da floresta! A massa enorme
Das cabanas abertas não se expande 2979 De pesado granito nas montanhas!
O fumo que anuncia a paz e a vida! O crocodilo dos juncais espessos
Os cantos virginais não se misturam Das charnecas da Líbia, equiparados
Ao burburinho 2980 trépido das fontes, Ao ente racional! Uma só noite
Nem as vozes vibrantes dos mancebos De mudo desespêro e angústias fundas 2988
Ao golpear sonoro dos machados Devora a mocidade, apaga os risos.
Nos grossos troncos dos ipês frondosos! Consome as forças e abrevia o espaço
Entretanto ao redor do pobre templo Que se estende entre o berço e a sepultura!
As mulheres soluçam; tristes Padres, 2981 Desgraçado Jadir! mísera sombra
Sócios e amigos do inspirado Mestre, 2982 De guerreiro valente, quando a tarde
Chegam de longas terras, incansáveis, Nos campos desdobrar o véu suave
E param nos degraus do Presbitério Borrifado de lágrimas celestes,
Receosos de entrar, falam baixinho Sòzinho te acharás nas soledades
Aos humildes conversos que os rodeiam, De um árido existir! — Lascado tronco
E penetram, por fim, no santo asilo Que o lavrador deixou no escuro vale
Onde o ilustre varão, prostrado, 2983 aguarda Sôbre os restos de esplêndida floresta!
O momento supremo. Quão serenas
São as feições do lúcido profeta! VI
Quão meigos seus olhares! Quão suaves
As palavras e os votos que dirige O sol oriental vence as alturas
Aos lacrimosos velhos com panheiros!... E dissipa das úmidas colinas
Homens que ledes êstes rudes cantos, Os véus do nevoeiro, os loiros raios
Viandantes de um vale de infortúnios Atravessando as frestas das janelas
Onde cada progresso deixa um marco Penetram no aposento lutuoso
Salpicado de sangue, e cada esforço Do sábio agonizante, onde crepitam
Ho gênio e da virtude, uma coroa Dois pardacentos, 2989 funerários círios.
Férrea, crivada de aguçados cravos! — Esta importuna claridade ofende
Não busqueis nas lições dos grandes sábios, As pupilas do Mestre, — alguém murmura.
Nem nos padrões da História, a luz brilhante Cumpre tolhê-la, e já. — Não, meus amigos! -
Que desvenda os mistérios de além-mundo! Exclama vivamente o moribundo.
Vêde o justo morrer! Fitai os olhos — Não me furteis o gôzo derradeiro
Nesses olhos, que 2984 os páramos celestes De ver a luz brilhante que aviventa
Radiantes devassam! Nesses lábios Êstes belos sertões! Pura e festiva
Onde seguro e plácido sorriso Deixai-a refletir sôbre meus olhos
Anuncia a certeza do infinito 1 E sustar um momento o frio sôpro

[6 8 1 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

Que eni minhas veias infiltrou a morte! E os anciãos da aldeia, possuídos


Arredai estas tochas pavorosas, Dessa fascinação da Eternidade
Abri depressa as portas e as janelas, Que paralisa as forças da matéria
Quero ver as campinas dilatadas. E purifica o espírito, contemplam
Os silvados em flor, os céus profundos, O semblante tranquilo e venerando
A luz, a luz, a imagem da esperança! Do exímio lidador em cujos traços
A eondição suprema da beleza! A beleza da estátua consagrada
A vida do Universo, o gênio, a glória Sucede à côr enfêrma, 2993 às feias rugas
Dêsse grande poema arremessado Herdadas do trabalho e das vigílias.
Pelo Deus Criador e Onipotente
Nos mistérios sublimes do Infinito! V I I
A luz! A luz no berço e no ataúde!
— Pátria querida, pátria gloriosa! —
A luz no coração, na inteligência!
Continua fitando os horizontes.
A luz no céu, na terra, no mais fundo — Se meu berço não foi teu grêmio ilustre.
Da consciência humana! — Assim dizendo.
As primícias te dei da mocidade, 2994
Senta-se, a custo, o pálido Profeta
Os labores do estudo, as flores d’alma,
Sôbre o leito mesquinho. Os seus desejos
O sentimento e a vida! Abre-me o seio.
São decretos sagrados nessas horas. Tu que foste a visão de meu futuro, 2995
Num volver d’olhos ergueni-se os amigos
Tu que serás o templo onde meu nome
E franqueiam à luz e às auras mansas
Triünfará do frio esquecim ento!.........
O tristonho e paupérrimo aposento.
Como 2996 através do tempo enxergo longe! —
— Como é límpido o céu! Como refulge, 2990
Mas um suspiro trêmulo e sentido
Ao dourado clarão do sol do estio.
Interrompeu-lhe a voz. — Oh! Santo M estre!
Ao longe o vasto mar! Como cintilam
O que tendes? — Perguntam seus confrades
As pérolas do orvalho penduradas Erguendo-se assustados. — Nada. E ’ cedo!
Das verdes folhas dos murtais viçosos! — Responde-lhes sorrindo; — é 2997 cedo ainda.
Exclam a o venerando Missionário. Depois, volvendo os olhos às campinas, 2998
— Oh ! não choreis, irmãos, que sinto n’alma Belas campinas que prezava tanto, 2999
A paz divina que precede a aurora
Assim continuou: — Não tarda o dia
Da verdadeira vida! Alva sublime.
Que êstes amplos sertões, êstes desertos
Alva celestial de eternos raios
Se cobrirão de granjas e de herdades.
Cobre os campos, os prados e as florestas De férteis plantações. Um povo livre
De riquezas e pompas inefáveis — .........
Será senhor das terras planturosas
Gênio da Natureza, eu te estou vendo! Onde, pobres romeiros, 2000 levantamos
Pensas, e teu pensar sustenta os orbes,
Nossas precárias, miseráveis tendas.
Conduz os ventos, equilibra os mares.
Não importa! Lançamos os primeiros
Alenta a humanidade sofredora
As sementes da fé por êstes ermos!
E a matéria sujeita à inteligência
Hasteamos o lábaro divino
Dos levitas felizes que te servem!
Sôbre êstes verdes montes, conquistamos
Sentes, e geme a rôla na espessura, 2991 Em nome de Jesus êstes desertos
Chora o mastim à porta de seu dono, E o deserto maior das consciências
A leoa e a pantera dos desertos Desta raça feliz! Oh meus amigos!
Sucumbem defendendo os tenros filhos, Não ouvis um rumor festivo e ledo
E a mulher do pastor esquece as mágoas No perpassar dos zéfiros suaves
Da trabalhosa vida, acalentando. Que sopram do Ocidente? Nos vapores
Pródiga de sorrisos e meiguices, 2992 Que o sol tinge de purpura brilhante
O fruto de seus cândidos a m ô r e s !.... Não vêdes o painel de um novo mundo.
Mandas, e o vendaval sacode as brenhas. Coberto, não de aldeias belicosas.
Abre-se a terra, somem-se as cidades, Porém de vastos templos e castelos.
O oceano se afasta, e deixa as praias, Ginásios e arsenais, belas estátuas,
E vai rugir a lé m !... Oh Natureza! E aquedutos soberbos? — Salve, ó gênios
Ninguém te viu como te vejo agora! — Que afastais as cortinas do futuro!
Seguem-se alguns momentos de repoiso O Senhor permitiu que, 2001 antes das sombras
Depois destas palavras. O Profeta Pavorosas da morte, se aclarassem
Contempla extasiado os vastos campos, Os olhos de seu servo! Hora suprema!
Os céus serenos, os palmares frescos, Hora da liberdade, sê bem-vinda! —
E a cinta azul dos mares sossegados
Nas solidões imensas do horizonte. VIII
Reina fundo silêncio, ao longe apenas
Canta à beira do rio a patativa, — Quão formosa e louçã, quão prazenteira 2002
E as aragens sussurram mansamente Reclina-se, 2003 entre fortes baluartes
Nas balsas odorosas. Nem um brado E risonhos vergéis, a nobre filha
De errante caçador nos ermos campos! Do argonauta cristão, a soberana
Nem um riso infantil, um débil grito, Dos encantados mares do Ocidente!
O latido de um cão junto das sarças! Ao gesto criador do herói preclaro
Tudo é mudo. Nas rústicas varandas Os broncos alcantis estremeceram,
Do triste Presbitério, o povo chora; E os gigantes horrificos do abismo
No retiro do sábio os Sacerdotes, Rasgaram, praguejando, as penedias

[ 682 ]
CANTOS RELIGIO SO S

Para dar-lhe um asilo! As verdes ondas Nóbrega exímio, cândido Aspicuelta,


Engolfaram-se alegres pelos vales, Paiva incansável, maioral querido
Osculando as colinas florescentes Do rebanho Cristão de São Vicente,
Que sôbre as águas plácidas avultam, Luís da Grã, Braz Lourenço, Antônio Pires,
Hoje amenos jardins, leitos de fadas. Todos belos e fortes, animados
Ninhos de amores e mimosos berços De zêlo fervoroso, e tão depressa
Enfeitados de lúcida escumilha. Arrebatados pela fria morte
Porém, cópia fiel, fiel transunto As tabas convertidas que os pranteiam!
Das tradições escuras dos Helenos, Oh! que felizes são! Que luz divina
Os titães atrevidos se amontoam Circunda-lhes as frontes enastradas
Ao redor do meandro cristalino De rosas imortais e lírios pulcros!
Erguendo as negras frontes requeimadas Que celestes amigos os rodeiam
Pelo fogo do céu, e as mãos tremendas Na suprema mansão! Eis o Batista, ^006
Armadas de rochedos monstruosos, O Cristo precursor 3007 cio Cristo eterno,
Procurando escalar o vasto O lim p o !.... Pedro, a pedra angular da santa Igreja!
Na larga entrada do soberbo empório Paulo, vencido pelo grande Arcanjo!
O Adamastor da América repoisa Quantos outros, meu D e u s !.. . — A voz sumiu-se
À luz do sol brilhante que lhe aquece No seio enfraquecido do Profeta,
A cabeça medonha, escaveirada, As pálpebras cerraram-se tranqüilas.
E o dorso horrendo onde resvala o raio Os lábios entreabriram-se, e um sorriso
Nos dias de tormenta: audaz colosso. Ditoso de criança que adormece
Robusto velador que ao longe assombra Deixou passar o alento derradeiro.........
Os gênios do Oceano, c brada ao mundo:
— Em nome do Direito e da Justiça, I X
Podeis entrar no templo do futuro. Volve a teu negro exílio de amarguras, 3008
Sacrificar ao Deus da liberdade! — Oh! desgraçada musa! As 3009 turvas ondas
Oh! como brinca mansamente o vento Do temeroso mar onde rebramam
Nos leves galhardetes dos navios As fúrias das procelas populares
Das mais longes nações que ávidas pedem Entrega o pobre esquife onde guardaste
À terra da abundância e da riqueza: Teus mais formosos e adorados so n h o s !...
— A pedra irmã da estréia radiante, Adeus! Nossa missão está completa!
O oiro que do sol o brilho imita;
A madeira que a púrpura rebaixa;
O fruto que alimenta e que deleita; CANTOS RELIGIOSOS
A raiz que entorpece os sofrimentos;
O mamífero, o inseto, a flor, a fôlha, Cantos Religiosos/ de/ L. N. Fagundes Varella/ e/
O pássaro de voz melodiosa. Ernestina Fagundes Varella/ Rio de Janeiro/ Em
De penas multicores; novos sêres, casa dos Editores/ Eduardo & Henrique Laem-
Novos primores que os tesoiros formam mert/ 1878/
Das artes, da ciência e do comércio,
E também da vaidade tantas v ê z e s !....
Ah! não é tudo, não é tudo ainda! À memória de minha querida mãe
O que minh’alma de delícias enche, ^004 D. Emilia de Andrade Varela
Nesta divina previsão da glória, E. F. V.
E ’ o império da Lei, — a majestade
Suprema da Justiça; a luz serena
E firme da verdade, clareando Estréias
A escola, os templos e os degraus do trono! Singelas,
A beleza moral! Que importam festas. Luzeiros
Pompas, folguedos, mentirosas galas, Fagueiros,
Quando as instituições precárias brilham Esplêndidos orbes, que o mundo aclarais!
Como as estátuas frias de Pompéia Desertos e mares, — florestas vivazes!
Que desfazem-se ao sôpro das aragens! Montanhas audazes que o céu topetais!
Mas entre o sólio e o povo resplandece Abismos
O sinal da aliança, a nívea pomba, ^005 Profundos!
Sustendo o verde ramo de oliveira. Cavernas
Descansa aos pés do Soberano Ilustre Eternas!
Que há de elevar o templo do futuro. Extensos,
Arca sublime das grandezas pátrias, Imensos
E reviver o século de Augusto Espaços
No ciclo de oiro da brasília h istó ria !... Azuis!
Oh! meus irmãos! A senha da partida, Altares e tronos.
O grito de Asrael, soa tremendo Humildes e sábios, soberbos e grandes!
A meus frágeis ou v id o s!... V ejo as sombras Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz!
Cloriosas dos justos que passaram! Só ela nos mostra da glória o caminho.
Ouço a voz de meus santos companheiros Só ela nos fala das leis de — Jesus!
Que do empireo me chamam jubilosos!
Francisco Xavier, mártir das índias,

[ 683 ]
LUfS N ICOIiAÜ FA G U N D E S V A R E L A

AOS PAIS DE FAMÍLIA

Êste colar de pérolas, estas clações que me foram confiadas pelo Dr. Emiliano Fagundes Varela,
para que as fizesse conhecidas do público, são primícias de dous talentos irmãos: — Os Cantos Religiosos
do laureado poeta Fagundes Varela e de D. Ernestina Varela, tenho íntima confiança, hão de ser lidos
no seio da família brasileira e portuguesa com a atenção a que têm ju s; tanto mais que a sua procura
encerra uma intenção generosa. Se os pais de família desejarem galardoar os infantis esforços intelectuais
de seus filhos, oferecendo-lhes como prêmio de animação êste livrinho, não só contribuirão para formar-lhes
o coração no amor de Deus, como também prestarão benéfico auxílio ao patrimônio das duas órfãs filhas
do malogrado autor e sobrinhas da poetisa, que em tão boa hora estréia, contribuindo com as mimosas
estrofes inspiradas pela crença de sua alma para enriquecer a literatura pátria.
Aos pais de família e ao público recomendo e peço a leitura dos Cantos Religiosos.

OTAVIANO HUDSON.

EM TÔDA A PARTE 3010 ORAÇÃO


Senhor! Lavaste os pés a teus amigos!
Quando alta noite as florestas. Deste-lhes fôrça, e ânimo, e virtude,
Ao soprar das ventanias. Para seguirem da verdade as trilhas!
Tenebrosas agonias Quem meus pés lavará? Quem a meu gênio
Traem nas vozes funestas; Dará brilho e vigor? Quem da vertigem
Quando as torrentes bravejam, Preservará meu cérebro? Eis-m e fraco.
Quando os coriscos rastejam Sem estro, sem saber, sem guia e mestre,
Na espuma dos escarcéus. Meu Deus! acompanhando-te nos transes
Então a passos incertos Dêsse penar imenso, onde empenhada
Procuro os amplos desertos A eternidade abraça-se à m atéria!
Para escutar-te, meu Deus! Je s u s !., dá-me valor! Lava minha alma!
Lava-me a lira, a inspiração, a pena,
Quando na face dos mares Como lavaste os pés a teus amigos!
Espelha-se o rei dos astros Faze que eu não fraqueie, não tropece!
Cobrindo de ardentes rastros Mas se, embora de rastros, arquejante.
Os cerúleos alcaçares, Vencido pela dor e pela febre,
E a luz domina os espaços Eu tenha de seguir-te, oh! seja feita
Partindo da névoa os laços. A vontade de Deus bendita se m p r e !...
Rasgando da sombra os véus. Do Evangelho nas Selvas
Então resoluto, ufano.
Corro às praias do Oceano
P ara mirar-te, meu Deus! AVE! MARIA!

Quando às bafagens 3011 do estio A noite desce, — lentas c tristes


Trem em os pomos dourados Cobrem as sombras a serrania,
Sôbre os galhos pendurados Calam-se as aves, — choram os ventos.
Do pomar fresco e sombrio, Dizem os gênios: — Ave! Maria!
Quando à flor d’água os peixinhos
Saltitam, e os passarinhos Na tòrre estreita de pobre templo
Se cruzam no azul dos céus. Ressoa o sino da freguesia.
Então procuro as savanas, Abrem-se as flores, — Vésper desponta,
Me atiro entre as verdes canas Cantam os anjos: — Ave! Maria!
Para sentir-te, meu Deus!
No tôsco alvergue de seus maiores,
Onde só reinam paz e alegria.
Quando a tristeza desdobra Entre os filhinhos o bom colono
Seu manto escuro em minh’alma, Repete as vozes: — Ave! Maria!
E vejo que nem a calma
Desfruto que aos outros sobra; E , longe, longe, — na velha estrada.
E do passado no templo Pára, — e saudades à pátria envia.
Letra por letra contemplo Romeiro exausto, que o céu contempla
A nênia dos sonhos meus; E fala aos erm os: — Ave! Maria!
Então me afundo na essência
De minha própria existência Incerto nauta por feios mares,
Para entender-te, meu Deus!! Onde se estende névoa sombria,
Se encosta ao mastro, descobre a fronte,
Reza baixinho: — Ave! Maria!

[ 684 ]
CANTOS RELIGIO SO S

Nas soledades, sem pão nem água, VOZ DO POETA


Sem pouso e tenda, sem luz nem guia.
Perdão, Senhor, meu Deus! Busco-te embalde
Triste mendigo, que as praças busca. Na natureza inteira! O dia, a noite,
Curva-se e clama: — Ave! Maria! O tempo, as estações, 3012 mudos sucedem-se,
Mas eu sinto-te o sôpro dentro d’alma!
Só nas alcovas, nas salas dúbias, Da consciência ao fundo te contemplo!
Nas longas mesas de longa orgia E movo-me por ti, por ti respiro.
Não diz o ímpio, — não diz o avaro, Ouço-te a voz que o cérebro me anima,
E em ti me alegro, e canto, e penso!
Não diz o ingrato: — Ave! Maria!
Da natureza inteira que aviventas
Ave! Maria! — No céu, na terra! Todos os elos a teu ser se prendem,
Luz da aliança! — Doce harmonia! Tudo parte de ti e a ti se volta;
Presente em tôda a parte, e em parte alguma,
Hora divina! — Sublime estância! íntima fibra, espírito infinito.
Bendita sejas! — Ave! Maria! Moves potente a criação inteira!
Dás a vida e a morte, o olvido e a glória!
Se não posso adorar-te face a face.
Oh! basta-me sentir-te sempre, e sempre!
AMMÃ Eu creio em ti! eu sofro, e o sofrimento
Como ligeira nuvem se esvaecc,
( I m it a ç ã o ) Quando murmuro teu sagrado nome!
Eu creio em ti! e vejo além dos mundos
Oh! primeiro som que exala Minha essência imortal brilhante e livre.
A infância, tôda pureza, Longe dos erros, perto da verdade.
Quando ainda bem não fala, Branca, 3013 dessa brancura imaculada
Quando ainda é singeleza! Que os gênios inspirados nesta vida
Instinto da natureza! Em vão tentaram descobrir no mármore!
Palavra que Deus envia
A débil voz que murmura,
Para mostrar a alegria, SALMO I
E para expressar a dor!
Verbo que tem a douçura Ditoso o justo que afastado vive
Das bênçãos do Criador! Do concilio dos maus e do caminho
Trilhado por perversos pecadores!
E que nunca ensinou, bem como o ímpio, 3014
Elixir, bálsamo eterno, Do negro vício as máximas corruptas!
Sôpro que o mundo equilibra
E as cordas sinceras vibra Ditoso o homem que fiel concentra
De bom coração materno! De seu Deus Criador na lei divina
Expressão cujas encantos Todo o seu penamento e seu afeto,
Enche os seios de almo gôzo E nela só medita noite e dia!
Estancando ardentes prantos Êle será qual árvore frondosa.
Que faz rebentar o esposo!. . .
Banhada por arroios cristalinos,
Que bons frutos produz na quadra própria,
Nem da brisa o rumorejo, E nunca perde o viço e a louçania.
Nem o gênio que suspira,
Quanto a sorte do ímpio é diferente!
Nem do poeta o desejo
Brinco do acaso, das paixões joguete.
Roçando as cordas da lira;
Assemelha-se ao pó que o vento agita
Nem o sussurro da linfa
E sôbre a terra desdenhoso espalha.
Que beija marmórea ninfa
No seu grego pedestal, No dia, pois, do santo julgamento
Nem glórias que reis outorgam; Perante o Deus severo, confundido.
Fulminado será, deixando ao justo
O prêmio prometido: a glória eterna!
E o gemer pausado do órgão
Em antiga catedral,
Nem as primícias ingênuas FRAGMENTO
De um talento virginal,
Nem as belezas extrênuas Se eu tivesse beijado a santa relva
De um pensador sem rival, Que nas tardes de outono se amolgavam
Nem o clarão da manhã Às níveas plantas da mulher divina,
Trazendo ao mundo a esperança, Quando pelas colinas pensativa
São como a voz da criança Levava a passear o tenro filho.
Quando murmura — mamã! Descendente de reis, dos reis arbítrio!
Se eu tivesse escutado a voz suave
Do celeste enviado, anunciando

[ 685 ]
L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VAKELA

Ao trono de Davi um novo herdeiro; Baixa sôbre o regaço


Se eu tivesse mirado o olhar profundo, De terra que flutua
Vasto, sem nome na palavra humana, Entre o dia e a noite, incerta e nua?
Que Maria cravou nas mãos sangrentas,
Nas faces maceradas de seu filho! Brisas prenhes de aromas, deleitosas.
Se eu a seguisse em seus pesares todos, Quentes brisas da Arábia! onde aprendestes
Se eu olhasse o Calvário, a Cruz, os Pregos, Estes cantos sutis, mais que terrestres,
As flácidas esponjas embebidas Estas vozes chorosas,
De fel e de vinagre; se caísse Estas queixas de amor,
Uma lágrima só daqueles olhos Que aos pés soltais d’amendoeira em flor?
Sôbre minha cabeça, eu desprezara
Glórias de Homero, de Virgílio e Dante, Brilha, sol da meia-noite!
De Tasso e de Camões! — laurel eterno Sol talvez de um belo dia,
Cingira minha fronte vacilante! . . . . Que a sombra túrbida e fria
Mas ai! em era tôrva e viciosa Do nosso globo encontrou!
Educou-se meu e s t r o ! . .. . A doce lira
Do mago Hebron, ou do Sinai amiga, Sol de plagas mais felizes!
O estilo dos profetas se g u iria !.. . . Sol que outros séres anima!
Que sôbre éste pobre clima
De Deus a mão arrojou!

PRECE Borboletas do êrmo! Aves do monte!


Criaturas da noite! que alegria
Estranha vos anima? O novo dia
Jesu s! Salva-me a fé, que abaixa os montes,
Que abeira os horizontes
Que faz parar o sol, achar piloto
Acaso nos trará
No mais tímido pássaro que traga
Inaudito favor de Jeová?
Um ramo de oliveira, no enviado
Que me arreda dos fundos precipícios! O h! certam ente! os astros não se abalam,
Salva-me a fé! — O ’ Cristo! das alturas T ão comovida a terra não palpita,
Tu meu único Deus, minha esperança, A natureza tôda não se agita.
Minha estréia polar, sol de meus dias. As solidões não falam!
De meu talento inspiração divina, Não exultam os céus
O ’ Cristo, a quem minha harpa hei dedicado,
Se os não roçasse o hálito de Deus!
O ’ Cristo! O ’ meu Senhor! faze que brote
De meus tímidos lábios a verdade! O h! Sim ! tu vens do Oriente,
Passaste sôbre as cimeiras
Das montanhas altaneiras
Onde a luz seu trono tem!
A ESTRÊLA DOS MAGOS 3015
Trazes, quem sabe, em teus raios
H in o p a r a N o it e do N a t a l .
A palavra da verdade!
A noite se adianta, as horas passam Prodígio da imensidade!
Mudas, solenes, sôbre o globo imerso Dize, o que sucede além?
Nos mistérios do sono; — a tumba e o berço
Parece que se abraçam, Mundo recém-nascido! Astro brilhante!
E neste instante iguais Cujo clarão vivaz me entorna n’alma
Somem no olvido as ambições m ortais! Doces lampejos de celeste calma!
E stréia radiante.
Salve, estação propícia aos pensadores! Glória da criação!
S a lv e !... Prodígio! Que luzeiro é êsse Aceita minha humilde adoração!
Que entre as sombras da noite resplandece.
Ofuscando os fulgores. As aldeias alegram-se, os pastôres
Apagando o clarão Saem de seus casais cantando hosanas!
Dos círios 3016 imortais da vastidão! Das tendas do deserto, e das cabanas.
Hinos, risos e flores
Donde vens, glória do espaço, Se levantam a flux!
Bela estréia radiante Tudo se volta aos céus, e brada — Luz!
Que campeias triünfante Glória ao Senhor nas alturas!
Sôbre as cãs de Sanaar? Paz aos homens neste mundo!
Gênios do abismo sem fundo!
Como és linda! Ao ver-te, os astros Torcei-vos, — nasceu Jesu s!
Por sôbre as nuvens revoltas
Rolam como pedras sôltas E vós, filhos do pecado.
De teu desfeito colar! Quebrai, quebrai, vossos ferros!
E , livres de escuros erros
Que maravilha opera-se no espaço? Erguei-vos! Saudai a — Luz!
Que respirar de fogo agita os mundos?
Que vento abrasador dos céus profundos

[ 686 ]
DTÁRIO DK LÁZARO

DIÁRIO DE LÁZARO Esse instante feliz, que ardente aguardo!


Terra de Santa Cruz, quanto és formosa!
L. N. Fagundes Varella/ Diário de Lazaro/ Poeme­ Quanto és formosa, altiva Guanabara!
to/ com estudo critico por Franklin Tavora/ Edi­ Como a noiva do rei, o sol do estio
ção da Revista Brazileira/ Rio de Janeiro/ Typo- Tisnou-te as belas faces, e o sereno
graphia Nacional/ 1880/ Molhou-te as tranças negras, e suspiras
Molemente inclinada à beira d’àgua!
As estréias namoram-te do espaço.
Lambem-te os pés as vagas gemedoras,
E, arredados de ti, velam atentos
FASE PRIMEIRA Os filhos do dilúvio, horrendos monstros.
Em cujos dorsos, êmulos do bronze,
Rio de janeiro, 12 de março. Do raio a chama há laborado embalde!

Predileta de Deus, augusta imagem Santos, 14 de março.


Da terra prometida, asilo e templo
Da eterna liberdade! Eis-me de novo Desponta a aurora. As ondas buliçosas
Em teu seio sagrado, ó minha pátria! Do céu brilhante as cores variadas
Oh! esplêndida América! — Dez anos Refletem prazenteiras. Calmo, airoso.
São decorridos que deixei teu cerros. Entre dois renques de verdura, corre
Dez anos de saudades, de amarguras, Pelo braço do mar o lenho escuro.
Mas também de esperanças! Filha esbelta Saudado pelo cântico das aves.
Dos sonhos de Colombo, abre-me os braços! Como gorjeiam elas! Encostado
Sim, eis-me aqui, não tímido, curvado À úmida amurada, escrevo às pressas
Ao peso da miséria e da insciência, Estas rápidas linhas. A meus olhos
Mas forte pela crença, enobrecido Das águas negras do sombrio pôrto
Por longos dias de trabalho e lutas. A cidade de Santos se levanta,
Rico pelo saber! Quando brilhante. Como um bando de garças, acampadas
Aos fulgores d’aurora, dentre as ondas. Às margens de um marnel. Salve três vêzes.
Ontem vi-te surgir nos horizontes, Ilustre berço dos Andradas; s a lv e !...
Minh’alma estremeceu de um gôzo imenso, Além, — mais longe, — entre cendais de névoa
Meu coração pulsou cheio de orgulho. Ergue-se audaz, tremenda cordilheira.
Quente de entusiasmo, e transportado Sorrindo ao vasto mar. O hino santo
Saudei chorando teus erguidos montes, Da santa liberdade de seus combros
Que me viram partir triste e abatido. Parece inda descer nas asas leves
Coberto de desprêzo e de fa rra p o s!... Das virações terrais, e misturar-se
Lucília! Minha mãe! Prados amenos, Aos rugidos das vagas espumosas.
Onde passei da infância os áureos tempos; Amanhã, amanhã daquelas grimpas
Em breve vos verei! Como se apagam Ver-te-ei a meus pés, mar atrevido,
De súbito as lembranças da desgraça E como a jaçanã ^017 que qs ermos busca
Em minha fronte, louca de ventura! Na sazão hibernai, lá, dentre as brumas, 3018
Sim, é agora que o porvir e a vida Dir-te-ei a canção da despedida!
Começam para mim; — quero por isso
Meu poema escrever; — seja esta fôlha Alto da Serra de Paranapiacaba, 15 de março.
Sua estrofe primeira. Si algum dia
Outros olhos o lerem, claro exemplo Meu coração dilata-se. Minh’alma
Nêle verão de amor e de constância. E ’ tôda inspiração, júbilo, enlêvo.
Ah! Lucilia! Lucília! A sorte vária Amor e entusiasmo! Que sussurros,
Fêz-te nascer cercada da opulência, Que bafejos suaves se levantam
Dos prestígios do nome, — e eu, deserdado. Das matas verde-negras! Dir-se-ia
Tive por berço o seio da miséria. A frescura das asas auri-brancas
Por título o infortúnio! Ah! no entanto. Dos gênios, que esvoaçam! Que prodígios,
Astro do céu, nas sombras de minh’alma Que maravilhas teu domínio abrange,
Lançaste um meigo olhar, um dêsses raios, O ’ Paranapiacaba! Audaz muralha.
Que só falam de amor e de esperanças! Erguida pelas mãos do Onipotente
Um dêsses raios, que não mentem nunca Contra as fúrias do mar! Contempladora
Nas promessas, que trazem! Ah! Lucília! Eterna do Oceano! Quantas horas,
A barreira fatal está por terra! Na quadra festival da mocidade,
Hoje somos iguais, e serás minha! Não consumi sentado em teus rochedos.
Eis-me de volta. Os prantos, as insônias Fitos os olhos na planície imensa,
Descoraram-me o rosto; as duras lidas Que se estende a teus pés! Que longos dias
Quebrantaram-me o corpo; mas o espírito Não gastei a seguir as doces voltas
Exulta em seu triunfo! Eis-me de volta, Dêsses meandros de fundida prata,
Eis-me aqui outra vez, após dez anos Que lá embaixo fulguram! Quantas tardes
De mágoas, de tristezas, de reveses. Não passei namorando as balsas verdes.
De agonias sem nome! Eis-me de volta; As lagoas serenas, as casinhas
Venho exigir o prêmio das fadigas, Erguidas no mistério da espessura,
Das dores, que sofri! Oh! como tarda O grupo das colinas, que fenecem

[ 687 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES V ARELA

Na linha azul do mar! O h! belos tempos! E sôbre a cruz humilde, que marcava
Tempos de ingenuidade e de candura, Da mais terna das mães o frio leito,
Passastes como as nuvens d’alvorada, Um sabiá cantava tristemente.
Que os ventos do sertão varrem do espaço, As rosas melancólicas da campa.
Quando o sol aparece! Aos róseos sonhos. As áureas sempre-vivas, que sorriam
Aos contos de princesas encantadas, Nessa paragem, onde apenas nascem
Sucederam cruentos desenganos. O cardo, a urtiga, 3020 o feto e o estramônio.
Paixões ardentes, ambições fu n e s ta s !... Traíam -m e os cuidados de Lucília!
Como seria a vida aqui ditosa! Sim, fôra ela que as p la n ta ra !... Triste,
Como se escoaria amena e leda Inundados de lágrimas os olhos.
Minha existência, longe do tumulto. Ajoelhei-me sôbre o chão revolto,
Mais próxima do céu, nestas alturas. E pus-me a soluçar! Sombria a noite,
Junto de um a n jo ! ... Avante! O sol flameja Sôbre o globo estendeu seu véu de treva,
Do firmamento em meio. Prossigamos E eu chorava a in d a !... Oh! alma humana!
A romagem feliz. E ’ necessário M escla tremenda de poeira e luzes!
Que meus sonhos de paz se realizem. Quem poderá sondar-te o seio v á r io ? !...
Si assim não fôra, oh! Deus, o que seria
Tua eterna b o n d ad e?!... Avante! Avante! Margens do Tietê, 24 de julho.
Eis-nos unidos. Só a morte agora
São Paulo, 16 de março. Pode a teia rasgar dos sonhos nossos.
Meu Deus! Senhor meu Deus! eu tenho mêdo.
Terra da liberdade e da ciência! Desta dita inefável, que derramas
Terra da poesia! Eu te saúdo! Sôbre minha existência, em almos dias.
Bela Piratininga! Reclinada Em noites sem iguais! Sim, quase sempre
Sôbre a grama vivaz dos teus outeiros. No romance da vida e desventura,
És como a tribo aérea, forasteira, Os desastres cruentos se anunciam
Das aves do deserto, que entre névoas Por um sublime p r ó lo g o !... Perdoa-me,
Em meio da romagem pára, e espera Perdoa-me, Senhor, si, audaz, bafejo
O despontar do sol! O céu é calmo. Meu hálito de dúvida na face
As virações sussurram mansamente Do liso espelho, que teus dons reflete!
Sôbre as murtas do campo; — o fogo, a vida, Perdoa-me! A desgraça murcha e verga
O amor universal pulam das várzeas; Da essência humana as mais singelas flores,
Que entre juncos murmuram, refletindo E quando, entre a tormenta, um raio amigo
O puro azul do céu! Rincham ao longe Do sol consolador vem aquecê-las,
As duras rodas dos pesados carros, Elas não têm perfumes, que ofertar-lhe!
Que a cidade demandam. Os tropeiros Perdoa-me, Senhor! Creio em teu nome!
Deixam os ranchos; o mendigo canta Creio em tua ju stiça! Tenho n’alma,
Atravessando a estrada; e lá bem longe N ’alma, que ressuscita ao grato sôpro
Sôbre a imensa planície, à beira d’água. Do amor e da ventura, um mundo inteiro
Sentam-se as lavadeiras, acendendo De perfumes, de cânticos, de flores,
O fogo da lascívia. Que harmonia! Que depor a teus pés! Ah! tu ouviste
Que atividade imensa em tôda parte! Minhas humildes preces, compassivo
Basta de devaneios. Meu cavalo Escutaste meus votos mais ardentes!
Pasta contente à margem do caminho. Duplicaste meu ser, minha existência
Enquanto aqui, sôbre um algar sentado, Na posse da mulher, que idolatrava!..
Estas linhas escrevo. São bastantes. A h! faze, grande Deus, que nossas vidas
Corram tranqüilas, como agora correm;
Margens do Tietê, 20 de março. Que benditos por ti, por ti sagrados,
Nossos dias unidos para sempre.
Que de acontecimentos! E stá finda Sejam em teu louvor um canto eterno!
E sta minha viagem. H á três dias
Que aqui cheguei. Meu Deus, como na terra Margens do Tietê.
Promiscuamente as dores e os prazeres O h! minh’alnia infeliz! oh! branca pomba
Na existência do homem se atropelam. Dos céus lançada aos areais da vida!
Como feliz pisara êstes lugares, Que mal fizeste por que tantas penas
Onde tudo a presença me festeja, Pesassem sôbre ti? Tudo sofreste!
Se ainda encontrasse minha mãe! Coitada! Lançaram sôbre o cofre de teus sonhos,
H á dois anos que é m o r ta !... Nem os risos, 3019 Na doce quadra da ilusão, das crenças.
Nem os meigos carinhos de Lucília, Os sete selos do sagrado mito!
Nem os cuidados de seu pai dissipam Da porta nos umbrais de teus desejos
A nuvem de remorsos que me oprime! Nefasta mão gravou a lenda horrível!
Pobre, inditosa m ã e !... Quem sabe! vítima Não há mais esperança aqui chegando!
De minha ingratidão, cerraste os olhos
No meio da tristeza e do ab an d o n o !... Fôrça, minh’alma! Tu não trepidaste
Fui ontem ver seu derradeiro abrigo. Quando do raio as asas inflamadas
E ra à tardinha. O vento da montanha T e roçavam raivosas! Não tremeste,
Gemia tristemente na espessura Não te cegou vertigem, quando o inferno,
Dos bastos ervaçais do cemitério. Prenhe de desespêro, horror e morte.

r 688 ]

\
DIÁRIO DE LAZARD

A teus pés bocejou, abrindo as fauces Lacrimosa escrever! Virgem divina.


Tôrvas, escancaradas! Não fugiste Musa a mais bela, que na lira humana
Quando sentiste o espírito da treva Seus dedos encostou. Mentem os vates
Sôbre a fronte estampar-te o sêlo em brasa, Quando a Esperança, tua irmã, proclamam
Que nesta vida te marcou p’ra sempre! Mais bela do que tu! Não, não há gênio
Fôrça, ó alma imortal, divina, eterna! Que contigo se ombreie, augusta diva!
Das asas próprias tira a pena insigne, Margens do Tietê.
Com que tens de escrever! Molha-a no sangue
Das chagas, que te roem! Coroada Eis-nos de volta. Os dias da viagem,
De cipreste e de louro, — escreve e canta. A mudança do ar, por algum tempo
Sentada sóbre a lousa dos sepulcros! Iludiram-me o mal; — hoje mais forte.
Mais intenso revela-se. Meus membros
Seis meses são passados: com seis meses Avermelham-se, inflamam-se; contudo
Um mundo inteiro aniquilou-se! Um mundo Parece-me que a chama devorante,
Todo de luz e de esperanças; — hoje Que as artérias queimava, se me abranda.
Um outro mundo para mim desponta, Mas a insônia, a tristeza, o desalento.
Mas um mundo de sombras! Escrevamos Torturam-me sem pena. Espero agora
A última cena da infeliz história Que os homens da ciência alívio busquem
Daquela vida, que passou; — nas trevas A tanto sofrimento. Poucos dias
Entraremos depois — larva sinistra, Há que o pai de Lucília, triste, aflito,
Entraremos depois, cantando a Morte, Se apressou em chamar dois dos mais sábios.
Nossa última noiva, a mais sincera! Pouco devem tardar. — Ah! tragam êles
O remédio eficaz, que, há tanto, aguardo!
30 de oitübro.
Sinto-me mal! Inquietação estranha. Margens do Tietê.
Vaga, indizível, tolda-me os sentidos. Os médicos chegaram. Virgem Santa!
Foge-me o sono. As veias se nie incendem Quanta resignação e paciência
De um fogo ardente. Negro abatimento, Não me foram precisas! Que de exames.
Com seu cortejo de pesares torvos, De frívolas questões, palavras vagas,
Todo o ser me domina. Deus eterno! Irresolutas, tímidas respostas.
Que sentimento desgostoso, amargo. Estéreis discussões! E ’ necessário
Afasta-me de tudo o que inda há pouco Que eu parta novamente, e só! Mesquinha,
Enchia-me de júbilo a ex istên cia ?... Triste ciência! Quando nada enxerga,
Oh! é debalde que Lucília busca. São seus recursos e remédios certos
Pobre Lucília, sempre boa e meiga. A mudança de clima, o ar, a vida
Distrair-me das fúrias aflitivas No meio das montanhas, tudo quanto.
Dêste pesar sem nome, que me oprime! Sem escolas, sem livros, sem doutôres,
— Meu Deus! meu Deus! que dores me reservas?!... A sábia natureza nos ensina!
E ’ preciso partir, só, sem Lucília!
6 de novembro. Meu Deus! meu Deus! que séculos de angústias
Minha moléstia aumenta-se. Meu corpo Não tenho eu de passar pensando nela!
Queima-se todo de um prurido estranho;
Dir-se-ia que as sêdas irritantes FASE SEGUNDA
Dessas lagartas cáusticas, roazes.
Cujo arrastar inflama, roçam quentes Cantareira.
Por meus ardentes músculos. O incauto,
Não! A resignação passa a fraqueza
Que, oprimido de sono, se atirasse
Quando, ofendidos no que mais amamos.
Sôbre um leito de urtigas, 3021 não sofrerá
Sofremos sem protestos e sem queixas!
Sensação tão atroz! Meus olhos ardem
Dois meses são passados. Que melhoras
Como os do viajor que um dia inteiro
Tenho em minha saúde? Que resposta
Perlustrou areais, do sol aos fogos.
Tem o pai de Lucília ao menos dado
Minh’alma é só tristeza, enôjo e tédio! A minhas justas exigências? — Digam-o
18 de novembro. As noites de martírio, os ermos dias,
Que passo aqui sòzinho! O isolamento
Cumpre partir. Os dias jubilosos Mata-me duplamente. Acaso pensam
De minh’alma fugiram. Voz sinistra Que por viver em sítio ameno e belo.
Murmura-me aos ouvidos tristemente Ao abrigo da fome e da miséria,
Que não mais voltarão! Quando a alvorada Nada a pedir mais tenho? Duas cartas
Pebentar amanhã, nos céus imensos, Escrevi té agora, e de nenhuma
Nós diremos adeus a êstes lugares. A mais leve notícia! Si pergunto
Tão felizes, tão belos, tão brilhantes Por Lucília, — respondem-me que vive
De legendas de amor e de venturas! Alegre, satisfeita, sem pesares!
Então, longe daqui, no vasto livro. Vou de novo escrever, e a carta d’hoje
Vasto, profundo, escuro, intraduzível, Será a derradeira! Quero vê-la,
Que espírito se chama, um novo canto. Quero tê-la a meu lado; — ninguém pode
Também profundo e vasto, há de a saudade Tão santos laços afrouxar impune!

[ 689 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES TA REEA

Cantareira.

Escreveram-me enfim. Não é possível Testemunha impassível das idades!


Fazer o que aconselham. Paciência, Sêlo augusto de Deus, ouve meus hinos
Paciência me dizem. — Ah! miséria! Como à flor, à torrente, à selva, ao monte;
Querem mais paciência! Não, não posso. Sê-me propício, aceita-me as plegárias!
Amanhã mesmo partirei. Coitada! Sôbre uma rocha negra e luzidia,
Pobre, infeliz mulher! Pobre Lucília! Como de aço brunido enorme peça.
Não é por ti que vivo neste exílio, Em cujos panos o passar das eras
Que sofro e peno, solitário e longe Gravara seus vestígios, nos sentamos.
De teus meigos carinhos! Quero ver-te. A nossos olhos, túrbidas, confusas,
Apertar-te em meus braços, conduzir-te Como esquadrão, que exército inimigo.
A essas regiões calmas e belas, Em passo estreito, à noite aperta e bate,
Onde tanta ilusão sonhamos juntos! E no doido pavor une-se tôrvo,
E rolam despenhando-se no abismo
Margens do Tietê. Tontos, sem luz, corcéis e cavaleiros.
Lucília aqui não está! M entira! Infâm ia! As águas misturavam-se rugindo
Traição nefanda e atroz! Onde está ela? Em negro boqueirão. Profundo estrondo.
Ninguém mo diz! Seu pai se esquiva e foge, Inaudita mistura de bramidos.
Evita de falar-m e! Pelo Cristo! Sons de trovão, rumor de ventanias,
Hei de encontrar a chave desta intriga! Talvez gemidos, cânticos, quem sabe.
Hei de tudo aclarar! O h! não se pisa Erguiam-se da lôbrega voragem!
T ão fria e cruamente a lei dos homens, Um véu de espuma e névoa, entremeado
A lei do coração, a lei do Etern o! De pérolas sutis, de áureos rebrilhos.
Maravilhas do íris, se estendia
Sôbre o mistério esplêndido das águas.
Aos lados, broncas, tôrvas penedias
Erguiam-se silentes; — em seus dorsos
E ra de mais! A cólera, o ciúme, ^^22 Sôbre as hásteas sutis das parasitas
Ferviam-me no seio. Dirigi-me Mil passarinhos ledos gorjeavam.
Um dia ao quarto de meu sogro; ainda A cem passos abaixo, cem acima
Achava-se em seu leito, mas desperto. Dêsse tremendo convulsar de vagas,
— Senhor, lhe disse, aonde está Lucília? Êle corria plácido e sereno
Quero vê-la, falar-lhe! Êle sentou-se, Refletindo a devesa, o céu, as nuvens,
Fitou-me um triste olhar e lentamente O rio majestoso.
Respondeu-me: — Im possível! — Im possível! Assim desliza
Bradei. — Sim, impossível; varre d’alma Aquém e além da campa a eterna vida!
A imagem de Lucília; é tudo findo
Entre vós neste mundo. — Céus! É m orta!
Exclam ei, recuando. — A Deus prouvera
Que tivesse m o rrid o !... — A h! inda vive! T rinta dias passaram-se. M inh’alma,
Inda vive, e a não v e jo ? ... O que me afasta Como a lagoa estagnada, impura,
Assim da minha esposa? Porque a furtam Si repouso fruía, era o repouso
Desta sorte a meus b r a ç o s ? ... Novamente Da podridão, da lama; era o sossêgo
Lançou-me um fundo olhar, e respondeu-me: Do que não pode se agitar, e existe
— E ’ p o rq u e... e calou-se. — P or piedade Porque o Nada é impossível, e na Morte
Concluí, exclamei. — Tu tens nas veias, A própria vida oculta-se sofistica,
Êle me disse lentamente, a M orte! E silente se incuba. Cada dia
O h! não! pior que a morte, o mais funesto, Um escravo 'depunha-me o alimento
O mal o mais tremendo, que se estampa Do meu negro covil à exígua porta,
Das misérias humanas no catálogo! E mudo se afastava. Meus vestidos.
A m o r fé ia !... Os trastes de meu uso eram puxados
Meu Deus! eu vi de perto Com asco e nojo à ponta de uma vara:
A fome, a peste, a febre, o desalento; Si novos me traziam, necessário
Senti soar-me nos ouvidos ébrios Me era buscá-los pelo chão, de rastos
O tinido dos guizos da loucura; Como um velho rafeiro. Nem um gesto,
Vi de perto o delírio, o suicídio, Uma palavra ao menos me diziam
O ateísmo e o nada; e firme e forte. Os meus austeros guardas — E Lucília?
Encarei-os sorrindo; mas o efeito E seu pai? — O silêncio dos sepulcros
Destas fatais palavras de meu sogro E ra a resposta única, que eu tinha!
Não as explica o raio! Um mar de angústias
Caiu sobre minh’alma; espêssa nuvem Eu dormitava um dia escuro sono
De sangue circundou-me os olhos turvos; Pesado, bestial, quando o contacto
Senti um turbilhão tomar-me o corpo. De frio e áspero corpo, acompanhado
Depois rolar, rolar como o precito De uma indizível sensação de nojo.
Fulminado por D e u s !... Acordou-me de súbito. Sentei-me,
Naquele instante Levei a mão à perna, onde sentira
Clara e viva intuição tive do inferno! O toque repulsivo, e entre os meus dedos

[ 690 ]
DIÁRIO DE LÁZARO

Senti correr a cauda grossa e lisa Sacrifícios forçados! Poucos dias


De volumosa cobra. Dei um salto, Me restam de existência; és moça e bela;
Tomei um pau. Sereno, voluptuoso. Quando eu tiver morrido, pressuroso
Molemente ondeando, o monstro enorme Teu pai procurará quem mais te adore,
Atravessava o chão, ledo dobrando Quem m a is ... Ela atirou-se ao meu pescoço.
As lustrosas escamas auriverdes. Reclinou em meu seio a fronte branca,
Como dois raios pela noite escura, E disse soluçando: — Eu não mereço
A memória surgiu e a inteligência Que me fales assim, não! Tu bem sabes
Nesta pobre cabeça, onde morava Quão fundo é o meu afeto! Volve os olhos
A morna estupidez. Deixei de novo A dez anos passados, a dez anos
O bastão, que tomara, e palpitante De constância, de amor e de firmeza!
De alegria feroz, arremessei-me Volve os olhos aos tempos inditosos.
De um salto ao réptil! — Oh! sê bendito! Em que nossa união seria um crime
Tu que apareces como a vela amiga Aos olhos de meu pai! .*ii! dize, dize.
Ao náufrago infeliz! bradei, tentando Porventura enganei-te?! Porventura
Retê-lo pelo colo, e no entanto Não era eu livre? não podia ao menos
Êle esquivou-se, sacudiu-se rápido, Teus votos rejeitar?! — Estas palavras
E, o canto procurando, introduziu-se Foram como o sereno da alvorada
Em funda, escura fresta. Ah! tu me foges! Sôbre um deserto ardente. A luz divina
Tu também, murmurei, e um negro piano Iluminou-me o cérebro, uma idéia
Passou-me pelo cérebro: — são rijos. Grande, sublime, apareceu-me n’alma,
Fortes êstes portais, disse comigo, E eu falei a Lucilia: — Anjo celeste,
E os ossos de meu crânio — débeis, frágeis. O tempo da ilusão passou-se; agora
V e ja m o s.... e passando as mãos ardentes Só temos a verdade fria, nua.
Sem atavios e brilhantes pompas.
Na fronte suarenta, contemplava Nossa estréia apagou-se; o laço estreito,
Cobiçoso os portais, quando uma sombra Que nesta vida nos prendia, é rôto;
Entre êles projetou-se. Dei um passo Nada mais tenho neste mundo, nada!
Ligeiro para trás. Uma figura Ai! a não serem as vividas lembranças,
A meus olhos mostrou-se: — era Lucilia! A dorida saudade dêsses dias
Era Lucilia, e quão mudada estava!
Tão belos que passamos! Ah! Lucilia,
Soltas as tranças, descorado o rosto, Como era lindo o campo e o céu sereno!
Os belos olhos úmidos de pranto. Como cada florinha nos sorria!
Cercados dessas orlas violáceas, E nossas almas ébrias de venturas
Que as vigilias denotam, me diziam Como identificavam-se brilhantes
Quanto havia sofrido! De joelhos Com tudo o que era belo! e tudo é findo!
•Arrojei-me a seus pés. — Anjo, perdoa-me! E êsse mundo sublime aniquilou-se
Murmurei entre lágrimas ardentes. Como a ilha formosa, que o Oceano
Ela estendeu-me tristemente os braços, No meio da tormenta ávido engole!
E disse suspirando: — Eu perdoar-te? De tanta maravilha, só tu restas.
O que me hás feito, dize? Antes perdoa-me O h! estátua formosa, como a deusa
Tu, que eu abandonei na desventura. Erguida no deserto, onde soberbo, ^023
Tu, que eu devera acompanhar nos transes Marmóreo templo levantou-se outrora!
Os mais negros da vida! — Ah! pobre mártir! Meu plano está traçado; um outro mundo
Exclamei, — também tu sofres as dores Começa para mim, mundo de sombras.
Dum cruciato horrendo! Também gemes! De poeira e de lô d o !... Ai! eu não quero
Banhas também de sangue a infausta senda, Arrastar-te co m ig o !... Assim falando,
Onde sorriam tão gentis outrora Eu soluçava am argam ente... Meiga,
As rosas sem iguais da mocidade! Terna como nos tempos tão chorados
Perdoa-me! perdoa-me! — Não sabes, De nossos dias, ela me apertava
Ela continuou, que de martírios No seio palpitante. De repente
Eu tenho padecido! oh! quantas vêzes Eu senti a tremer uma voz rude;
Não tentei vir falar-te?! Quantas súplicas Chamava por seu nome. Adeus, me disse;
Não empreguei para alcançar ao menos Adeus, meu pai me chama! — E num momento
A graça de te ver?! Agora m esm o ... De meus olhos sumiu-se. — Adeus, a aurora
— Basta! bradei. — Escuta: — neste instante, Que amanhã despontar neste recinto
Agora que aqui esta m o s... — Basta! Basta! Não mais me encontrará! Adeus p’ra sempre!
Eu sei de tudo! — Bem ! meu pai me veda,
Proíbe-me de ver-te e de falar-te. Um sôpro úmido e frio despertou-me
De te vir procurar! Saí a furto. Do profundo torpor em que eu jazia;
Enganei-lhe o cuidado, a vigilân cia... Abri os olhos, alonguei-os lentos,
— Não prossigas, lhe eu disse, quando a sorte Procurando saber onde me achava.
Colmou-me de favores e venturas, Grande Deus do Universo! A luz diurna
Quando a glória, a saúde me cercavam. Entrava a mêdo pela estreita fresta
Quanta dedicação! Quantos protestos De erguida, escura e lóbrega janela,
Da parte de teu pai! H oje que pesa Fundamente cavada em grosso muro
Sôbre minha cabeça a mão do Eterno Tapizado de limo; tão medrosa.
D eixa-m e!... parte tu também; não quero Tão cheia de aversão não entra a virgem.

[691]
LUÍS NICOI.AÜ FAGUNDES VARELA

Vestida de alvas roupas, no recinto Simbolizas os filhos do futuro.


De crapulosa e sórdida miséria! Os homens da esperança e da verdade,
O espírito da luz, tímido, incerto, Não tens de antigos o pensar escuro.
Sofraldar parecia as vestes cândidas. És só luz, pensamento e liberdade!
Receando manchá-las. Grossas vigas, Não te manchou o rosto o bafo impuro
Roídas de cupim e de carcomas, Das seitas infernais da média-idade!
Se estendiam no teto escuro e baixo, Dá gênio a teu cantor, lhe estende a mão.
Como o de uma prisão; a aranha, o grilo. Infunde-lhe na fronte a inspiração!
Os morcegos em bando, as lagartixas
Habitavam em paz, guardando à risca Quero-te sempre assim entre os palmares
A regra do respeito à liberdade, Robusta e bela, pensativa e airosa;
Que o rei da criação posterga sempre, Cheias de sangue as fortes jugulares.
E nas paredes úmidas, cobertas Beijando a naiadéia e não a rosa.
De avenças e de fetos, porejava América gentil! — Filha dos mares!
A água em fontes mil. O chão lodoso. Tu, 3025 que a manhã bafeja carinhosa.
Cheio de poças negras, semclhava Dá gênio a teu cantor, lhe estende a mão.
O chão de um calabouço, praticado Infunde-lhe na fronte a inspiração!
Nas velhas fortalezas, e onde as vagas
Entram em preamar. Um sapo enorme.
Cheio de lama e de amarelas nódoas.
Bem defronte de mim sentado estava A ESCRAVA
Com seus olhos medonhos, hediondo.s.
Fitos em meu semblante; a poucos passos Passava muda e cauta
Um africano velho, e mutilado Prestando atento ouvido,
Pelo atroz escorbuto, parecia Pela azinhaga estreita.
Dormir profundamente. E ra meu sócio Ao mínimo arruído;
Naquele novo mundo, que habitava! Farrapos asquerosos
Só tinha por vestido.
Serena, — vagarosa
Nada mais sinto; a dor tem seus limites A lua caminhava,
Além dos quais, talvez, estranho gôzo. E a luz das mais estrelas
Satânico prazer o seio inunde. Esplêndida o fu sca v a ...
Cerrei de novo os olhos. Sôbre a terra — Febe! clareia o rosto
O próprio sofrimento era-me um sonho. Dessa infeliz escrava! —
Talvez que das alturas
Alguém a voz me ouvisse,
Quando surprêso, aflito, 3026
POESIAS AVULSAS ^024 Estas palavras disse;
Talvez Satã no abismo, 3027
IN V O C A Ç Ã O Hirto, convulso, 3028 risse.

Eu te vejo sentada entre os palmares Da núbia a escura filha


Robusta e bela, pensativa e airosa; Parou. — Quanta agonia
Cheias de sangue as fortes jugulares. No gesto, no semblante, 3029
Beijando a naiadéia e não a rosa. M inh’alma d esco b ria !...
América gentil! — Filha dos m ares! Múmia de chagas vivas
Tu, que a manhã bafeja carinhosa. Seu 3030 corpo parecia!
Dá gênio a teu cantor — lhe estende a mao.
Golilha férrea, angusta, 3031
ínfunde-lhe na fronte a inspiração!
Prendia-lhe a garganta
— Sinistra parasita —
Pura em tua nudez, — sempre singela,
Que arroxa humana p la n ta !...
Da Gália mentirosa o luxo deixas.
Caía-lhe de um ombro,
És da Escritura a tímida gazela!
Rôta, nojenta manta.
Teus vestuários são tuas madeixas!
Do mundo conhecido és a donzela! O fogo da demência
Sempre perdoas e jamais te queixas! Os olhos lhe queimava,
Dá gênio a teu cantor — lhe estende a mao. Um estertor convulso
Infunde-lhe na fronte a inspiração! O peito lhe agitava.
— Cristão! — falou, tem pena
Hei de em minhas canções sempre invocar-te, Desta erradia escrava.
Pois creio que me atendes, que tens alma!
De teu cocar farei um estandarte — As chagas não curadas,
A cuja sombra tenha asilo e calma! O mêdo dos açoites
“ Se a tanto me ajudar engenho e arte” Fazem-me errar, sem alma.
Nada na terra meu talento esp a lm a !... Cristão, noites e n o ite s !...
Dá gênio a teu cantor — lhe estende a mão, A i! tr e m o !... sinto frio!
Infunde-lhe na fronte a inspiração! E o frio me co n so m e !...

[ 692 ]
POESIAS AVULSAS

Matam-me a febre, o s o n o ... Viúva e sem amparo


C ristã o I... Eu tenho fome! Me considero já,
— Mas o h i ... voltar não quero Um sono aflito e raro,
Ao tronco onde s o fr ü ... Meu Deus! me re s ta r á !...
Se meu senhor te m an d a... E tu, alma orgulhosa.
Não vou! Expiro aqui! Gênio dos temporais!
De Beatriz saudosa
— Tens frio? fome? s ê d e ? ... Cedo te esquecerás!
Deus meu pensar consagre!
Louco! sonhaste um mundo
Também tragou o Cristo
Pejado de ilusões!
O fel c o vinagre!
Um mar vasto e profundo
Eilha! Não tenhas medo,
Coalhado de tritões,
Achei-te por milagre!
Império das venturas.
Ninho de inspiração,
— Em meus alforjes rotos Pátria das almas puras,
Eu tenho pão e vinho, Terra da promissão!
Reccbe-os, desgraçada,
Sou como tu sozinho. E o sonho seduziu-te!
Assenta-te, não temas, E o sonho te cegou!
À beira do caminho. A demência feriu-te!
A febre te queimou! . . .
Sentou-se a miseranda, Oh! que fatal destino
Bendisse o C riad o r... Persegue-te, infeliz,
Mas eis ao longe soa Que descobrir intentas
Insólito ru m o r... Das fadas o país!
— Lá vem o meu verdugo!
Lá vem o meu senhor! - ~
SURPRÊSA

Ave, ou ferida corça. Se fôsses víbora me haverías mordido.


De súbito pulou,
Chegou a bela estação
À beira da azinhaga
Em que rebentam as flores.
A refeição deixou.
Também no meu coração
Depois, precipitada
Rebentam novos ardores.
Nas matas se embrenhou.
Busquei minha caprichosa
Na saia, alcova e cozinha:
— Foi colhêr alguma rosa
B E A T R IZ H E N R IQ U E S Talvez em lembrança m in h a ...
— Pois bem, — falei eu comigo,
(M u lh er de C r is t ó v ã o C olom bo ) Surprêsa quiseste, amor?
Vou mostrar como consigo
Negra, medonha sina Trazer a mais linda flor! —
Leio nos olhos teus,
Corro, corro a largos passos,
O brilho que fascina
Busco em vão b o g a rü ...
Faz abaixar os meus!
Mas ela voa a meus braços
Vai, foge, águia dos mares,
E diz alegre: — “ Eis-me aqui!”
Tens sêde de outros ares,
Pois bem! — Adeus! Adeus!
ELE G IA
Do céu de Andaluzia
As noites sem iguais, L e s dieu x vont vite ! . . .
A íntima alegria Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Dos lares festivais, Concede ao gênio o respirar ao menos!
O canto das serranas,
O eco das violas. Ontem era Azevedo o ardente bardo,
As tardes espanholas O mancebo ancião, que audaz abria
Não te deleitam mais! De nova inspiração as áureas portas;
Era Junqueira Freire, o preeleito,
Vai! — bonançosos ventos O severo cantor, correto e puro,
Conduzam teu baixei, Que da sombra dos claustros inundava
Meus timidos lamentos Profano mundo de harmonias santas;
Não ouvirás, c r u e l!... E ra o tímido Abreu, vítima imbele
Ai! que fatal destino Do prosaísmo estólido da vida,
Persegue-te, infeliz, — Coração de donzela e de criança, —
Que descobrir intentas Alma sentida como a rôla aflita! —
Das fadas o p a ís ? ... Aureliano Lessa o desditoso!

[ 693 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA

E ra o Laurindo, o filho da pobreza, Oh! tudo vai passando, e tudo morre!


Mas arrojado sempre, e sempre nobre! Tudo sufoca a vil mediocridade!
E ra Gonçalves Dias — o romeiro — O Panteon da pátria está deserto!
Das esquecidas tribos do Amazonas, ^032 Retraem-se os talentos hodiernos,
Sábio investigador de antigas lendas, E da fome o cruento despotismo
Mavioso cantor das soledades! Coloca pavorosa e sem piedade,
E ra Franco de Sá, débil mancebo Do mísero escritor, que o pão suplica,
Sôbre cujas espáduas avultavam A pena mercenária aos pulsos p r ê s a !...
As asas do condor alti-volante! Neste confuso quadro que desenha
— O que fizeste dêles? Onde ocultas Minha sentida musa lacrimosa.
Dêsses grandes talentos os tesouros. Quantos vultos não faltam? quantos vates
Comparsa horrendo da sombria morte? Cujos hinos o mundo encantariam
Não dormem deslembrados sob a relva
Do cemitério de remota aldeia!
Tempo, tempo voraz, pára um momento! E ninguém lhes guardou as flores d’alma!
Concede ao gênio o respirar ao menos! Ninguém julgou que o pobre pensativo, 3036
Fatal destino o dos brasílios vates! Que alta noite velava à luz fumosa
Fatal destino o dos brasílios sábios! De grosseira candeia, um bardo fôsse!
Fatal destino o dos brasílios m estres! Morto, à cova lançaram-lhe os escritos,
Política nefanda, horrenda e negra, Pois o papel, de velho, e amarelado.
Pestilento bulcão, abafa e mata Coberto de sinais, traços escuros, 3037
Quanto aos olhos de irônico estrangeiro Nem as próprias crianças cubiçavam!
Podia honrar o pátrio pensamento! Que mercador severo envolveria, 3038
Entre a Itália e a Grécia erguer-lhe um sólio! Nessas manchadas fôlhas, a canela,
A mostarda, a pimenta? O asseio 3039 é tudo.
Tempo, tempo voraz, 3033 pára um momento! O povo apenas guarda-lhes os cantos,
Concede ao gênio o respirar ao menos! E nos longos serões, muita donzela
Do pobre trovador modula as queixas!
Flores agrestes no deserto vivem.
Sucumbem no deserto, e nos seus leitos
Grande no nome, nas desditas grande; O deserto do olvido a glória espanta!
Descobridor também, onde repousam, 3034
O h! cantor do Uruguai, 3033 teus frios restos? Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Da criação brilhante de Colombo Concede ao gênio o respirar ao menos!
Cabral tirou a estrofe mais formosa.
Plantou a cruz do genovês nas terras:
E t u ? ... Criaste o mundo dos encantos, O passado e futuro são dous pontos
Das belas tradições, dos vagos sonhos, Que o presente examina, estuda e marca.
Nas ledas margens do profundo rio Bronzea cadeia de batidos elos
Que viu nascer a cândida Lindóia! Prende a sublime grei dos pensadores
E não tens um padrão, não tens um marco, Da sábia e velha Europa ao Novo Mundo!
Uma lousa singela que a assinale Porque cismar, velar, — mirar estréias.
De preclaro varão a última estância? Chamar inspirações? — Escravas turbas
Exigem que o cantor a pena ensope
Tempo, tempo voraz, pára um momento! Do coração nas túmidas auriculas.
Concede ao gênio o respirar ao menos! Depois a porta do hospital apontam!
Tem mais valor o mundo da matéria!
* *
Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Mancebos de ontem, e sepultados hoje! Concede ao gênio o respirar ao menos!
Moliêres das letras brasileiras. *
O h! Pena, o que fizeram do teu nome?! ♦ *
O que é feito de t i ? ! . . . — Nos fofos palcos E nós vamos também, musa querida,
A facécia francesa insulta o chiste Nós que não somos gêmeos, mas sentimos
Da nacional comédia ingênua e franca. Tudo o que o gênio tem de belo e santo!
T ão simples como a simples natureza! E nós vamos também, — triste verdade!
Dutra e Melo, cultor d’amenas letras, Amanhã, quando o sol trouxer aos campos
Onde foste também? Fria rajada Nova luz, novo ardor, novos encantos,
De frio temporal deixou em tiras O rico sonhará nos áureos leitos,
Vossas pobres e úmidas mortalhas! O avarento 3040 de esquálidos esbirros
Lhano Teixeira, — narrador sincero! Cercará da viúva o domicílio.
Manuel de Almeida, — pensador profundo! As Messalinas dormirão sorrindo
Newton Americano, exímio S o u s a !... Nos braços de seus míseros amantes;
— E quem de nós se lembrará, meu anjo?
Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Concede ao gênio o respirar ao menos! Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Concede ao gênio o respirar ao menos!

[ 694 ]
P O E S IA S A V U L S A S

SOLAU Arrulha a linda pomba, — zurra o asno.


Assobia o macaco e berra a cabra.
— Ruge o leão, — mas o corcel relincha!
— Venho de longe! — Caminho
Silva a serpente e o fradalhão se esgoela.
Arrostando a fome, o frio!
Sou pobre, triste, mesriiiinho. . . Compõe o mestre belas harmonias,
Podes tu dar-me pousio? — — Só o poeta as compreende e canta! —

— Donde caíste? O que buscas?


Precisas de pão e a b rig o ?...
Viajante! Tu me ofuscas! CANÇÃO L Ó G IC A
És um p ro fe ta ?... eu te sigo!
E u amo, tu am as, êle a m a . . .
— Como pudera um profeta
Sofrer tantas agonias! . . . Teus olhos são duas sílabas
Busco a tumba de um poeta, Que me custam soletrar.
Do grande Gonçalves Dias! Teus lábios são dous vocábulos
Que não posso,
— Pergunta aos mares profundos. Que não posso interpretar.
Pergunta ao destino, ao fado,
Ao Deus criador dos mundos Teus seios são alvos símbolos
Por êsse bardo inspiradc! — Que vejo sem traduzir;
São os teus braços capítulos
— Entra, pobre peregrino! Que podem,
Entra, refaz-te e descansa. Que podem me confundir.
De ver o cantor divino
Não tenhas mais esperança! Teus cabelos são gramáticas
Das línguas tôdas de amor.
Nem de orar onde repousam Teu coração — tabernáculo
Seus frios restos mortais! Muito próprio.
Quem lhe escreverá na lousa: Próprio de ilustre cantor.
“ O grande gênio aqui ja z ?”
O teu caprichoso espírito.
Lancem pilotos 3041 3 5 ondas! Inimigo do dever,
Afrontem os escarcéus! É um terrível enigma
Não podem achar nas ondas Ai! que nunca, 3042
Quem agora está nos céus! Que nunca posso entender.

Enfermo, exausto, cansado. Teus pèzinhos microscópicos,


Sofrendo um pesar insano, Que nem rastejam no chão,
De seu país exilado São leves traços estéticos
Teve outra pátria — o oceano. Que transtornam, 3043
Que transtornam a razão!
O mar! — o corcel sem freio!
Gênio severo do amor! Os preceitos de Aristóteles
Esconde o corpo no seio. Neste momento quebrei!
Envia o gênio ao S e n h o r!... Tenho tratado dos píncaros.
Oh! nas bases, 3044
Nas bases me demorei.
Folgai espíritos te falam.
Mestre da terra onde choro!
Teu corpo ondinas em balam ...
Lendo teus cantos te adoro! —
CANTO

HARMONICÓRDIO Jesus! Filho de Deus! Quero adorar-te


No céu, na terra, no universo inteiro!
O homem fala e a mullier cochicha, Vejo teu nome escrito em tôda a parte
O papagaio palra, — o corvo grasna, Onde vai meu olhar de forasteiro!
Cacareja a galinha, — a rã coaxa. Milagres de saber, — prodígios de arte.
Gorjeia o sabiá, — chilra a cigarra; Senhor e servo, artista e pegureiro,
Late o cão, — mia o gato e grunhe o porco, Todos repetem neste mundo vário
A raposa regouga, — o touro muge. O poema sublime do Calvário!

[ G95 ]
L ü íí? N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A

I I ARM AS

Os astros de mais luz, — orbes imensos,


Hipérboles lançadas sóbre os ares. — Qual a mais forte das armas,
Brilhantes a rolar em mares densos. A mais firme, a mais certeira?
Escarpados de angélicos colares; A lança, a espada, a clavina.
Gênios supernos, — querubins infensos,
Tudo, tudo. Senhor, cm teus altares Ou a funda aventureira?
São míseras ofertas que a desgraça A pistola? O bacamarte?
Logo transforma em pó, cinza e fumaça! A espingarda, ou a flecha?
O canhão que em praça forte
I I I Faz em dez minutos brecha?
— Qual a mais firme das armas?
A faixa 3045 branco-azul dos hemisférios,
Onde palpitam borboletas de ouro. O terçado, a fisga, o chuço,
Estrada excelsa dos salões sidéreos. O dardo, a maça, o virote?
M ostra a meus olhos imortal tesouro! A faca, o florete, o laço,
Ali vagueiam meus irmãos etéreos! O punhal, ou o ch ifa ro te ?...
Ali repousa meu sonhar vindouro!
Ali da glória resplandece a origem! A mais tremenda das armas.
Ali domina a sempiterna Virgem ! Pior que a durindana.
Atendei, meus bons amigos:
IV Se apelida: — a língua humana!

O h! Cristo! Se de um sangue sacrossanto


Banhaste a gleba vil onde pisaste,
Se jogaram soldados em teu manto
Quando da cruz as dores suportaste, CANÇÃO
Tudo mudou-se! Do divino pranto
Constelações sem número form aste! Santos. — 5 . Paulo. 1S70
Da túnica manchada por imundos
Fizeste o pavilhão que abriga os mundos!
Máquina de escrever e fazer versos, 3047
J á não sei mais cantar.
V 3046
As florestas deixei, — voei das serras
Nos belos tempos da saudosa infância. E vim cair no mar.
Quadra de louros sonhos, de esperanças.
Ouvia-te das balsas na fragrância: Onde o corcel robusto, belo e forte
— “ Vinde, vinde até mim, pobres crianças!”
Tu me deste a miséria e a abundância, Sempre o freio a mascar?
Quando chorei, me consolaste, oh! Deus! Deixei-o nas montanhas solitário,
Ao clarão imortal dos olhos teus! E vim cair no mar.

V I À sombra da graúna gigantesca


Sabia eu meditar,
Rujam embora as vagas do oceano
A graúna ficou, — perdeu as folhas,
Mandando aos alcantis navio incerto,
Corra o gládio de bárbaro tirano E vim cair no mar.
Transformando as cidades num deserto!
Passe da peste e morte o sopro insano, As tradições tão doces, as lembranças
Medonho, horrendo em boqueirão aberto!
De meu velho solar,
Flagele a humanidade a sêde, a fo m e ...
O hl Cristo! Creio em ti, creio em teu nome! E stão lá sob as mãos de indiferentes
E vim cair no mar.
V I I
O segrêdo perdi das melodias,
Jesus! H oje porém se os livros abre Agora é só rimar!
E o fruto colho da fatal ciência,
Tudo vejo em terrível descalabro! Saltei dos nobres cedros seculares
Nem crenças, nem razão, nem consciência! E vim cair no mar.
De velha planta tronco feio e glabro
Volve êste pobre mundo em decadência! Onde olhavam meus bons antepassados
Só tu podes verter aos homens luz.
Sem dor e sem pesar,
Árvore santa onde sofreu Jesu s!
Não posso eu mais olhar, perdi as asas
E vim cair no mar.

[ 696 ]
P O E S IA S A V U L S A S

Não mais a voz dos caçadores,


OUÇO Meditem os estadistas
Nas brenhas a cantar; Sôbre casos mal seguros.
Da choça do pastor fugi medroso Trato de cousas mais leves,
E vim cair no mar Não sou desses gênios duros.

Nem as festas alegres dos roceiros Discurse o padre na igreja


Posso mais p a rtilh a r!... Batendo uma seita esquiva,
Trouxe minh’alma apenas por bagagem E volte à 3048 casa alta noite
E vim cair no mar! Tendo jantado a saliva!

Eu por mim penso que o mundo


Por pouco vai-se a perder.
VELHA CANÇÃO Por causa de tantos grulhas
Inimigos do prazer.
(Voltas)
Não sou desses gênios duros Só me falam nos antigos
Inimigos do prazer Abraão, Isac, J a c ó i ...
Que julgam que a humanidade Êles tinham cem mulheres!
Só nasceu para gemer; E e u ? ... Eu tenho uma só!

É verdade que essa mesmo


Gosto de queimar incenso
Me tem dado que fazer,
Sôbre as aras da alegria,
Mas nem por isso tornei-me
Julgo que ser louco a tempo
Inimigo do prazer.
Também é sabedoria.

Tudo no mundo é vaidade.


Disse o grande Salom ão. . .
Ele pensou talvez isto
E L E G IA 3049
Em noite de in d ig estão...

Venham raivosos guerreiros A noite era calma, soidosa entre nimbos


Abater espessos muros, A lua espalhava seus pálidos lumes,
Briguem as leis, os legistas, Das flores fugindo, voava lascivo
Não sou dêsses gênios duros. Favônio embebido de quentes perfumes.

Quero festins, onde as belas Vampiros silentes brilhavam na relva.


Me façam enlouquecer; As elidas tremiam de orvalho banhadas,
Desprezo os ilustres mochos Nas valsas voavam sutis borboletas
Inimigos do prazer. As folhas batendo com as asas douradas.

Prosperidade na terra O túrbido manto de fátuas neblinas


É sonho que pouco dura, Pairava indeciso no cimo da serra,
Tudo definha e fenece E aos astros, — às nuvens, perfumes, sussurros.
Na lousa da sepultura. Suspiros e cantos se erguiam da t e r r a !...

Canto as mulheres e as musas. Nós éramos jovens, amantes e crentes


As venturas, o prazer, Ao lado um do outro no vasto salão,
A vida é triste mentira. E os 3050 raios da lua discretos, medrosos, 3051
Gozarei até morrer. Transpondo as janelas lambiam o chão.

Que importa que as turbas loucas Nós éramos jovens, seus olhos incertos
Me cubram de maldições? Ardiam no fogo de infindos desejos,
Pobres loucos! Não concebem E à sombra imprudente, de leve carpindo, 3052
De um festim as seduções! Pulsavam-lhe os seios em moles arquejos.

[ 697 ]
L U ÍS N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A

Ai! mísero aquele que as ondas da vida AMOR E V IN H O 3056


Trilhou sem o aroma de pálida flor!
E a tumba se inclina sem trenós sentidos,
Cantemos o amor e o vinho.
Sem queixas, sem votos, sem prantos de amorl
As mulheres, o prazer;
A vida é sonho ligeiro.
Pois b e m !... Nessa noite de fundo mistério
Gozemos até morrer.
Delírios eternos a fronte e n a s tre ü ...
Tim , tim, tim.
Que importam-me agora martírios e dores
Gozemos até morrer.
Se outrora dos gozos a taça e s g o te i? ...

T rês meses passaram. Um lívido corpo A ventura nesta vida


Jazia dos círios à luz funeral, É sonho que pouco dura;
E à 3053 sombra dos — mirtos — o rude coveiro Tudo fenece no mundo,
Abria, cantando, seu leito final. Na lousa da sepultura.
Tim, tim, tim,
T rês meses p a s sa ra m !... A pálida amiga Na lousa da sepultura.
T ão linda, tão meiga, 3054 nas trevas se achou,
E as mãos espalmando, caindo sem forças, 3055 Não sou dêsses gênios duros.
Na vala dos vermes inerte r o lo u !... Inimigos do prazer,
Que julgam que a humanidade
Agora, — sozinho, — procuro os desertos. Só nasceu para morrer.
As matas profundas, — os vastos sertões! Tim, tim, tim.
M inh’alma está nua, — meu seio vazio, Só nasceu para morrer.
— Vegeto, — não vivo, não tenho emoções!

[ 698 ]
astro Alves
D e s c e d o e s p a ç o im en so , ó á g u ia d o o c e a n o ! . . .

n t ô n io de c a stro alves (1847-1871) — Nasceu em Cabaceiras, à margem


A do Paraguaçu, Muritiba, a sete léguas de Curralinho (hoje, Castro Alves), Bahia.
Fêz o curso básico em Salvador (1854-1863), transferindo-se em seguida para Recife, onde
iniciou o curso de direito (1864). Começa aqui a gloriosa carreira poética de Castro Alves.
Participa ativamente das inquietações de espírito, da agitação política e patriótica* (é a
epoca da Guerra do Paraguai) e das lutas liberais de sua geração acadêmica. Ficam cé­
lebres suas polêmicas poéticas com Tobias Barreto. A paixão por Eugênia Câmara, bela
atriz dramática, leva-o a abandonar Recife (1867). Parte para Salvador, onde faz repre­
sentar o drama Gonzaga ou a revolução de Minas (1867), e em seguida, em companhia de
Eugênia Câmara, vem para o Sul, matriculando-se na Faculdade de Direito de São Paulo
(1868). Em fins de 1868, ferido num pé por um tiro casual de espingarda, deixa São Paulo.
No Rio sofre a amputação do pé. Já tuberculoso, regressa à terra natal (1870), levando
pronto o livro Espumas flutuantes (Bahia, 1870). Morre com 24 anos, em Salvador, tendo
recebido em vida uma consagração popular que nenhum poeta anterior teve a felicidade
de receber, e que os anos só têm aumentado. E ’ incontestàvelmente dos maiores poetas em
língua portuguêsa. Poeta romântico nas características predominantes do estilo e da ins­
piração, não deixa contudo de anunciar alguns aspectos da poesia realista ou parnasiana.
Pòstumamente publicaram-se: Hinos do Equador, Os escravos, A cachoeira de Paulo Afon­
so e Gonzaga. A primeira edição das Obras completas publicou-se no Rio, Livraria Francisco
Alves, em 1921, em dois volumes.

[7 0 1 ]
r

ESPUMAS FLUTUANTES 3057

À M e m ó r ia d e M e u P a i , d e M i n h a M ã e
E DE M e u Ir m ã o .
O. D. C.

PRÓLOGO

RA por uma dessas tardes em que o azul do céu oriental — é pálido c


saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — é monótono e cadente, e o
quebro da vaga na amurada do navio — é queixoso e tétrico.
Das bandas do ocidente o sol se atufava nos mares “ como um bri­
gue em chamas” . . . e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a
cabeça loura das ondas.
A lé m ... os cerros de granito dessa formosa terra de Guanabara, va­
cilantes, a 3059 lutarem com a onda invasora de azul, que descia das alturas. . .
recortavam-se indecisos na penumbra do horizonte.
Longe, inda mais lo n g e... os cimos fantásticos da serra dos Órgãos embebiam-se na distância, su­
miam-se, abismavam-se numa espécie de naufrágio celeste.
Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos aquele esvaecimento indefinido c
minha alma apegava-se à forma vacilante das montanhas — derradeiras atalaias dos meus arraiais da mo­
cidade.
E ’ que lá dessas terras do sul, para onde eu levara o fogo de todos os entusiasmos, o viço de tôdas
as ilusões, os meus vinte anos de seiva e de mocidade, as minhas esperanças de glória e de fu tu ro ;.. . é que
dessas terras do sul, onde eu penetrara “como o moço Rafael subindo as escadas do Vaticano; . . . volvia
agora silencioso e alquebrado.. . trazendo por única ambição — a esperança de repouso em minha pátria.
Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia dos céus, — a solidão que subia
do oceano —, recordei-me de vós, ó meus amigos!
E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra hospitaleira, onde vaga­
ra; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por vós vivera e sentira, gemera e ca n ta ra ...
ó espíritos errantes sôbre a terra! Ó velas eníunadas sôbre os m a re s !... Vós bem sabeis quanto
sois efêm ero s... — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.
E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o que resta de vós?
— Uma esteira de espum as... — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. Um punhado
de versos — espumas flutuantes no dorso fero da v id a !...
E o que são na verdade êstes meus ca n to s? ...
Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, êles são filhos da musa
este sôpro do alto; do coração — êste pélago da alma.

[ 703 ]

L _
ANTÔ NIO D E C A S T R O A L V E S

E como as espumas são, às vêzes, a flora sombria da tempestade, êles por vêzes rebentaram ao es­
talar fatídico do látego da desgraça.

E como também o aljôfre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes do arco-íris, êles por
acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de
Deus com a juventude!

Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do ma­
r u jo ... possam êles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às
vossas p la g a s !...
S. Salvador — F evereiro de 1870.
C astro A lves

DEDICATÓRIA Molhado inda do dilúvio.


Qual Tritão descomunal,
A pomba d’aliança o vôo espraia O continente desperta
Na superfície azul do mar imenso No concêrto universal.
R e n te .. . rente da espuma já desmaia Dos oceanos em tropa
Medindo a curva do horizonte e x te n so .. . Um — traz-lhe as artes da Europa,
Mas um disco se avista ao lo n g e ... A praia Outro — as bagas de C e ilã o ...
Rasga nitente o nevoeiro d e n s o !... E os Andes petrificados,
Como braços levantados.
ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba fo ra s te ira !... Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em tôrno então brada:


Assim, meu pobre livro as asas larga “ Tudo m a r c h a !... — Ó grande Deus!
Neste oceano sem fim, sombrio, e te r n o ... “ As cataratas — p’ra terra,
O mar atira-lhe a saliva amarga, “ As estréias — para os céus.
O céu lhe atira o temporal de in v e rn o ... “ Lá, do pólo sôbre as plagas,
O triste verga à tão pesada carga! “ O seu rebanho de vagas
Quem abre ao triste um coração p a te rn o ? ... “ Vai o mar ap a scen ta r...
É tão bom ter por árvore — uns carinhos! “ Eu quero marchar com os ventos,
É tão bom de uns afetos — fazer ninhos! “ Com os m u n d o s... co’os firm am entos!!!”
E Deus responde — “ M archar!”
Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito! “ M a rc h a r!... Mas c o m o ? ... Da Grécia
Que importa? De uma cruz ao longe os braços Nos dóricos Partenons,
V ejo abrirem-se ao mísero p re c ito ... A mil deuses levantando
Os túmulos dos teus dão-te regaços! Mil marmóreos P a n te o n s?...
Ama-te a sombra do salgueiro a flito ... M archar co’a espada de Roma
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste — Leoa de ruiva coma
Traz-m e no bico um ramo d e ... cipreste! De prêsa enorme no chão,
B ahia, Jan eiro de 1870. .Saciando o ódio p rofu nd o...
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no c o ra ç ã o ? ...

“ M a rc h a r!... Mas como a Alemanha


Na tirania feudal.
O LIVRO E A AM ÉRIC A Levantando uma montanha
Em cada uma ca te d ra l?...
A o G r ê m i o L it e r á r io
N ã o !... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos,
São degraus do p rogred ir.. .
Talhado para as grandezas, Lá brada César morrendo:
P ’ra crescer, criar, subir, “ No pugilato tremendo
O Novo Mundo nos músculos “ Quem sempre vence é o porvir!”
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços Filhos do séc’lo das luzes!
Disse um dia Jeo v á: Filhos da Grande N ação!
“ Vai, Colombo, abre a cortina Quando ante Deus vos mostrardes.
“ Da minha eterna o fic in a ... Tereis um livro na mão:
“ T ira a América de lá”. O livro — êsse audaz guerreiro

[ 704 ]
ESPUM AS FLUTUANTES

Que conquista o mundo inteiro Porque descoras quando a tarde esquiva


Sem nunca ter W a te rlo o ... Mira-se triste sôbre o azul das vagas?
Eólo de pensamentos, Serão saudades das infindas plagas,
Que abrira a gruta dos ventos Onde a oliveira no Jordão se inclina?
Donde a Igualdade v o o u !...
Sonhas acaso, quando o sol declina,
Por uma fatalidade A terra santa do Oriente imenso?
Dessas que descem de além, E as caravanas no deserto extenso?
O séc’lo que viu Colombo, E os pegureiros da palmeira à som bra?!.
Viu Guttenberg 3060 também
Quando no tôsco estaleiro Sim, fôra belo na relvosa alfombra.
Da Alemanha o velho obreiro Junto da fonte onde Raquel gemera
A ave da imprensa g e ro u ... Viver contigo qual Jacó vivera,
O Genovês salta os m a re s... Guiando escravo teu feliz reb an h o ...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa ach o u ... Depois nas águas de cheiroso banho
— Como Susana a estremecer de frio —
Por isso na impaciência Fitar-te 3062 ^ flor do Babilônio rio.
Desta sêde de saber, Fitar-te a mêdo no salgueiro o cu lto ...
Como as aves do deserto —
As almas buscam b e b e r... Vem p o is !... Contigo no deserto inculto
Oh! Bendito o que semeia Fugindo às iras de Saul embora,
L iv ro s... livros à mão ch eia .. . Davi eu fôra, se Micol tu fôras.
E manda o povo pensar! Vibrando na harpa do profeta o c a n to ...
O livro caindo n’alma
E ’ germe — que faz a palma, Não vês? Do seio me goteja o pranto
E ’ chuva — que faz"o mar. Qual da torrente do Cedron d e se rto !...
Como lutara o patriarca incerto
Vós que o templo das idéias Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
Largo — abris às multidões
P ’ra o batismo luminoso Eu sou o Lótus para o chão pendido.
Das grandes revoluções Vem ser o orvalho oriental, brilhante!
Agora que o trem-de-ferro Ai! guia o passo ao viajor perdido.
Acorda o tigre np cêrro Estréia vésper do pastor e rra n te !...
E espanta os caboclos nus, Bahia — 1B66.
Fazei dêsse “ rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande lu z !...
QUEM DÁ AOS POBRES, EMPRESTA
Bravo! a quem salva o futuro.
Fecundando a m ultid ão!... A DEUS 3063
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação. Eu que a pobreza de meus pobres cantos
Como Goethe 3061 moribundo Dei aos heróis — aos miseráveis grandes —
Brada “ Lu z!” o Novo Mundo Eu que sou cego, — mas só peço lu z e s...
Num brado de B ria ré u ... Que sou pequeno, — mas só fito os A n d es...
Luz! pois, no vale e na s e r r a ... Canto nest’hora, como o bardo antigo
Que, se a luz rola na terra. Das priscas eras que bem longe vão,
Deus colhe gênios no c é u !... O grande NADA dos heróis que dormem
Bahia. Do vasto pampa no funéreo c h ã o ...

Duas grandezas neste instante cruzam-se!


Duas realezas hoje aqui se a b ra ça m !...
Uma — é um livro laureado em lu z e s...
HEBRÉIA Outra — uma espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro de ombrear co’o s a b r e ...
Fios campi et lilium convallium. Nem cora o sabre de chamá-lo irm ã o ...
Cânt. dos Cânticos Quando em loureiros se biparte o gládio
Do vasto pampa no funéreo chão.
Pomba d’esp’rança sôbre um mar d’escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante! E foram grandes teus heróis, ó pátria.
Estréia vésper do pastor errante! — Mulher fecunda que não cria escravos — ,
Ramo de murta a rescender ch e iro sa !... Que ao trom da guerra soluçaste aos filhos.
“ Parti — soldados, mas voltai-me — bravos!”
Tu és, ó filha de Israel fo rm o sa... E qual Moema desgrenhada, altiva,
Tu és, ó linda, sedutora H e b ré ia ... Eis tua prole que se arroja então.
Pálida rosa da infeliz Judéia De um mar de glórias apartando as vagas
Sem ter o orvalho, que do céu deriva! Do vasto pampa no funéreo chão.

[ 705 ]
A NTÔNIO D E C A S T R O A L V E S

E êsses Leandros do Helesponto novo E agora enleada na tênue cadeia


Se resvalaram — foi no chão da h istó ria ... Debalde minh’alma se embate, se ir r ita ...
Se tropeçaram — foi na eternidade... O braço, que rompe cadeias de ferro,
Se naufragaram — foi no mar da g ló r ia ... Não quebra teus elos,
E hoje o que resta dos heróis g ig a n te s ?... O ’ laço de fita!
Aqui — os filhos que vos pedem p ã o ...
Além — a ossada que branqueia a lua, 3064
Do vasto pampa no funéreo chão. Meu Deus! As falenas têm asas de opala.
Os astros se libram na plaga infinita.
Ai! quantas vêzes a criança loura Os anjos repousam nas penas brilhantes. . .
Seu pai procura pequenina e nua, Mas t u . . . tens por asas
E vai, brincando co’o vetusto sabre. Um laço de fita.
Sentar-se à espera no portal da r u a ...
M ísera mãe, sôbre teu peito aquece Há pouco voavas na célere valsa
E sta avezinha que não tem mais p ã o !... Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Seu pai descansa — fulminado cedro — Porque é que trem este? Não eram meus lá b io s ...
Do vasto pampa no funéreo chão. Beijava-te a p e n a s...
Teu laço de fita.
Mas já que as águias lá no sul tombaram
E os filhos d’águias o Poder e sq u e ce ...
E ’ grande, é nobre, é gigantesco, é s a n to !... Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
Lançai — a esmola e colhereis — a p r e c e !.. . N ’alcova onde vela c io s a ... crepita.
O h! dai a e s m o la ... que, do infante lindo Talvez da cadeia libertes as tranças
Por entre os dedos da pequena mão, Mas e u ... fico prêso
E la tra n sb o rd a... e vai cair nas tumbas No laço de fita.
Do vasto pampa no funéreo chão.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
H á duas cousas neste mundo santas; 3065 Abrirem-me a c o v a ..., formosa Pepita!
~ do infante, — o descansar do m o r to ... Ao menos arranca meus louros da fronte,
O berço — é a barca que encalhou na vida, E dá-me por c’r o a ...
A cova — é a barca do sidéreo p ò r to ... Teu laço de fita.
E vos dissestes para o berço — Avante! -_ S . Paulo, Julho de 1868.
Enquanto os nautas que ao Eterno vão.
Os ossos deixam, qual na praia as âncoras,
Do vasto pampa no funéreo chão.

E santo o laço em qu’hoje aqui s ’estreitam AHASVERUS E O GÊNIO


De heroicos troncos — os rebentos novos __'
E ’ que são gêmeos dos heróis os filhos. A o P o e t a e A m ig o J. F e l iz a r d o J ú n io r
Inda que filhos de diversos povos!
^ m ! me parece que nest’hora augusta Sabes quem foi A h asv éru s?... — o precito,
“ 3 ^o*’fos saltam da feral m a n s ã o ... O mísero Judeu, que tinha escrito
E um bravo!” altivo de além-mar partindo Na fronte o sêlo atroz!
Kola do pampa no funéreo c h ã o !... Eterno viajor de eterna s e n d a ...
Espantado a fugir de tenda em tenda
5". Salvador, 31 de Outubro de 1867
Fugindo embalde à vingadora voz!

M isérrim o! Correu o mundo inteiro,


E no mundo tão g ra n d e ... o forasteiro
O LAÇO DE FITA Não teve o n d e ... pousar.
Co’a mão vazia — viu a terra cheia.
Não sabes, criança! ’Stou louco de a m o r e s ... O deserto negou-lhe — o grão de areia,
Prendi meus afetos, formosa Pepita. 3066 A. gôta d’água — rejeitou-lhe o mar.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita. D ’Ásia as florestas — lhe negaram sombra, 3067
A savana sem fim — negou-lhe alfombra,
Na selva sombria de tuas madeixas, O chão negou-lhe o p ó ! .. .
Nos negros cabelos de moça bonita, Tabas, serralhos, tendas e s o la re s ...
Fingindo serpente qu’ enlaça a folhagem. Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
Form oso enroscava-se E o triste seguiu só.
O laço de fita.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
Meu ser, que voava nas luzes da festa. E não pôde entre tantas populaças
Qual pássaro bravo, que os ares agita, Beijar uma só m ã o ...
Eu vi de repente cativo, submisso Desde a virgem do norte à de Sevilhas, 3068
Rolar prisioneiro Desde a inglêsa à crioula das Antilhas
Num laço de fita. Não teve um c o ra ç ã o !...

[ 706 ]
E S P U M A S F ]>U T U A N T E S

E caminhou ! . . . E as tribos se afastavam Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.


E as mulheres tremendo murmuravam Vejo além um futuro radiante:
Com respeito e pavor. Avante! — brada-me o talento n’alma
Ai! Fazia tremer do vale à s e r r a ... E o eco ao longe me repete — avante! —
Êle que só pedia sôbre a terra O fu tu ro ... o fu tu ro ... no seu s e io ...
Silêncio, paz e amor! — Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.
No entanto, à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri. E a mesma voz repete funerária:
“ Êle não morre” a multidão d iz ia ... Teu Panteon •— a pedra mortuária!
E o precito consigo respondia:
— “Ai! mas nunca vivi!” — 30^9 Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
O Gênio é como A hasvéru s... solitário Condenado — escutar dobres de sino,
A marchar, a marchar no itinerário — Voz da morte, que a morte lhe lamenta
Sem têrmo do existir. Ai! morrer — é trocar astros por círios.
Invejado! a invejar os invejosos. Leito macio por esquife imundo.
Vendo a sombra dos álamos fro n d osos... Trocar os beijos da mulher — no visco
E sempre a cam in h ar... sempre a se g u ir... Da larva errante no sepulcro fundo.

Pede u’a mão de amigo — dão-lhe palmas: Ver tudo fin d o .. . só na lousa um nome,
Pede um beijo de amor — e as outras almas Que o viandante a perpassar consome.
Fogem pasmas de si.
E o misero de glória em glória corre. . . E eu sei que vou m o rrer.. . dentro em meu peito
Mas quando a terra diz: — “ Êle não morre” . . . Um mal terrível me devora a vida:
Responde o desgraçado: — “ Eu não vivi!” 3070 Triste Ahasvérus, que no fim da estrada,
S'. Paulo, Outubro de 1868. Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido.
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sôbre o chão da morte.
Morto — entre os vivos a vagar na terra.
MOCIDADE E MORTE
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito!
E perto avisto o porto
Imenso, nebuloso e sempre noite
Chamado — Eternidade. —
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
LAURINDO Quando a sêde e o desejo em nós p alp ita...
Lasciate ogni speranza, voi ch’ entrate. Levei aos lábios o dourado pomo,
DANTE Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
Oh! eu quero viver, beber perfumes O vinho do viver ante mim p a s s a ...
Na flor silvestre, que embalsama os ares; Sou dos convivas da legenda Hebraica,
Ver minh’alma adejar pelo infinito. O estilete de Deus quebra-me a taça.
Qual branca vela n’amplidâo dos mares.
No seio da mulher há tanto a ro m a ... E ’ que até minha sombra é inexorável,
Nos seus beijos de fogo há tanta v id a ...
M orrer! morrer! soluça-me implacável.
— Arabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria. Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fôra louco esperar! fria rajada
M o rre r... quando êste mundo é um paraiso, Sinto que do viver me extingue a lam p a...
E a alma um cisne de douradas plumas:
Resta-me agora por futuro — a terra.
Não! o seio da amante é um lago v irg e m ...
Por glória — nada, por amor — a campa.
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas, A d eu s... arrasta-me uma voz sombria, 3071
Minh’alma é a borboleta, que espaneja Já me foge a razão na noite f r i a !...
O pó das asas lúcidas, douradas...
1864.

E a mesma voz repete-me terrível,


Com gargalhar sarcástico: — impossível!

[ 707 ]

L
AN TÔ NIO H E C A S T R O A E V E S

AO DOUS DE JULHO Bonaparte — o rei dos reis — ,


Que dor d’alma lhe rebenta.
( R ecitada no T eatro de S. J o ão ) Ao ver su’águia sangrenta
No sabre de Ju a r e z !? ...
E ’ a hora das epopéias,
Das Ilíadas reais.
Ruge o vento — do passado Porém aqui não há grito,
Pelos mares sepulcrais. Nem pranto, nem ai, nem d o r ...
E ’ a hora em que a Eternidade O presente não desmente
Dialoga a Im ortalid ad e... Do seu ninho de condor.
Fala o herói com J e o v á !... Mãos, que, outrora de crianças
E Deus — nas celestes plagas — A rir — dentaram as lanças
Colhe da glória nas vagas Dos velhos de P ir a já ...
Os mortos de Pirajá. De homens hoje, as empunhando,
Nas batalhas afiando.
Vão caminho de H u m a itá !...
H á dêstes dias augustos
Na tumba dos Briaréus.
Como que Deus baixa à terra, B a s t a !... Curvai-vos, ó p o v o !...
Sem mesmo descer dos céus. Ei-los os vultos sem par,
E ’ que essas lousas rasteiras Só de joelhos podemos
São — gigantes cordilheiras N est’hora 3072 augusta fitar
Do Senhor aos olhos nus. Riachuelo e Cabrito, 3073
E ’ que essas brancas ossadas Que sobem para o infinito
São — colunas arrojadas Como jungidos leões.
Dos infinitos azuis. Puxando os carros dourados
Dos meteoros largados
Sôbre a noite das nações.
Sim ! Quando o tempo entre os dedos B ahia — 1867.
Quebra um séc’lo, uma n a ç ã o ...
Encontra nomes tão grandes
Que não lhe cabem na m ã o !...
H eróis! Como o cedro augusto
Campeia rijo e vetusto OS TRÊS AMÔRES
Dos séc’Ios ao perpassar,
Vós sois o cedro da história,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar. M inh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara c h o r a ...
E nós que somos faíscas Sou T a s s o ! ... a primavera de teus risos
Da luz desses arrebóis, De minha vida as solidões e n flo ra ...
Nós que somos borboletas Longe de ti eu bebo os teus perfumes.
— Das crisálidas de avós, Sigo na terra de teu passo os lu m e s...
Nós que entre as bagas dos cantos. — Tu és E le o n o ra ...
P or entre as gôtas dos prantos,
Inda os sabemos chorar, II.
Podemos dizer: “ Das campas
Sacudi as frias tampas! Meu coração desmaia pensativo.
Vinde a Pátria a b e n ç o a r !...” Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Erguei-vos, santos fantasm as! Sou teu R o m e u ... teu lânguido p o e ta !...
V ós não tendes que c o r a r ... Sonho-te às vêzes v irg e m ... sem in u a...
(Porque eu sei que o filho torpe Roubo-te um casto beijo à luz da lu a ...
Faz o morto s o lu ç a r ...) — E tu és Ju lie ta ...
Gemem as sombras dos Gracos,
Dos Catões, dos Espartacos, III.
Vendo seus filhos tão v i s ...
Dize-o tu, soberbo M ário! Na volúpia das noites andaluzas
Tu que ensopas o sudário O sangue ardente em minhas veias r o la ...
Vendo Roma — m e re triz !... Sou D. J u a n l ... Donzelas amorosas.
Vós conheceis-me os trenós na viola!
Ai! Que lágrimas candentes Sôbre o leito do amor teu seio b r ilh a ...
Choram órbitas sem luz! — Eu morro, se desfaço-te a m an tilh a...
Que idéia terá Leônidas Tu és — Júlia a E sp a n h o la !...
R ecife, Setem bro de 1866.
Vendo Esparta nos p a u is ? !...
Alta noite, quando pena
Sôbre Arcole, sôbre lena,

[ 70S ]
ESPU M AS FLU TU AN TES

0 FANTASMA E A CANÇÃO As almas angustiadas,


Como águias desaninhadas,
Orgulho! desce os olhos dos céus sôbre ti mesmo,
Gemendo voam no ar.
e vê como os nomes mais poderosos vão se refugiar numa E enchem de vagos lamentos
cançao. BYRO N As vagas negras dos ventos.
Os ventos do negro mar!

— Quem bate? — “A noite é sombria!”


“ Bati a tôdas portas
— Quem bate? — “É rijo o tu fã o !...
Nem uma só me a c o lh e u !...”
Não ouvis? a ventania — Entra! — : Uma voz argentina
Ladra à lua como um cão”. Dentro do lar respondeu.
— Quem bate? — “O nome qu importa.-'
— “ Entra pois! Sombra exilada.
Chamo-me d o r... abre a porta! Entra! O verso — é uma pousada
Chamo-me fr io ... abre o lar!
Aos reis que perdidos vão.
Dá-me p ã o ... chamo-me fome!
A estrofe — é a purpura extrema.
Necessidade é o meu nome!”
Último trono — é o poema!
— Mendigo! podes passar!
Último asilo — a C a n ç ã o !.,.
Bahia, 13 de Dezembro de 1S69.
“Mulher, 3075 se eu falar, prometes
A porta abrir-me?” — Talvez.
— “ O lh a ... nas cãs dêste velho
Verás fanados lauréis.
Há no meu crânio 3076 enrugado O GONDOLEIRO DO AMOR
O fundo sulco traçado
BARCARO LA
Pela c’roa imperial.
Foragido, errante espectro, D ama N egra
Meu cajado — já foi cetro!
Meus trapos — manto real!” Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar. . .
— Senhor, minha casa é p o b re ... São ardentes, são profundos,
Ide bater a um solar! Como o negrume do mar;
— “De lá v e n h o ... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar. Sôbre o barco dos amores,
Nas largas escadarias, Da vida boiando à flor.
Nas vetustas galerias. Douram teus olhos a fronte
Os pajens e as cortesãs Do Gondoleiro do amor.
C antavam !... Reinava a o r g ia !...
Festa! Festa! E ninguém via Tua voz é a cavatina
O Rei coberto de cãs! Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento;
— Fantasma! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
— “ Silêncio! De longe eu v e n h o ... E como em noites de Itália,
Também meu túmulo morreu. Ama um canto o pescador.
O séc’lo — traça que medra Bebe a harmonia em teus cantos
Nos livros feitos de pedra — O Gondoleiro do amor.
Rói o mármore, cruel.
O tempo — Atila terrível Teu sorriso é uma aurora,
Quebra co’a pata invisível Que o horizonte enrubesceu,
Sarcófago e capitel. — Rosa aberta com biquinho
Das aves rubras do céu.
‘ Desgraça então para o espectro.
Quer seja Homero ou Solon, Nas tempestades da vida
Se, medindo a treva imensa, 3077 Das rajadas no furor.
Vai bater ao P a n te o n ... Foi-se a noite, tem auroras
O motim — Nero profano — O Gondoleiro do amor.
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis. Teu seio é vaga dourada
Da guerra nos paroxismos Ao tibio clarão da lua,
Se abismam mesmo os abismos Que, ao murmúrio das volúpias.
E o morto morre outra vez! Arqueja, palpita nua;

“ Então, nas sombras infindas, Como é doce, em pensamento,


S ’esbarram em confusão Do teu colo no languor
Os fantasmas sem abrigo Vogar, naufragar, perder-se
Nem no espaço, nem no chão. O Gondoleiro do a m o r !? ...

[ 709 ]

L _
AN TÔ NIO D E C A S T R O A E V E S

Teu amor na treva é — um astro, Vem ! Nós iremos na floresta densa,


No silêncio uma canção, Onde na arcada gótica e suspensa
É brisa — nas calmarias, Reza o vento feral.
É abrigo — no tufão; Enorm e sombra cai de enorme r a m a ...
E ’ o P a g o d e fantástico de Brama
P or isso eu te amo, querida. Ou velha catedral.
Quer no prazer, quer na d o r ,...
R osa! Canto! Som bra! E stréia!
Do Gondoleiro do amor. Irei contigo pelos ermos — lento —
R ecife, Jan eiro de 1867.
Cismando, ao pôr do sol, num pensamento
Do nosso velho Hugo.
— M estre do mundo! Sol da etern id ad e!...
Para ter por planêta a humanidade,
Deus num cerro o fixou.
SUB TEGMÍNE FAGI
Ao longe, na quebrada da colina.
A M e lo M o ra is Enlaça a trepadeira purpurina
O negro m angu eirall.. .
D ieu parle dans la calme plus haut que dans la Como no Dante a pálida Francesca, 3081
tempête. M ostra o sorriso rubro e a face fresca
M IC K IE W IC Z Na estrofe sepulcral.
D cus nobis haec (3078) otia fecit.
V E R G ÍL IO O povo das formosas amarílis
Em bala-se nas balsas, como as W íllis
Amigo! O campo é o ninho do p o e ta ... Que o N orte imaginou.
Deus fala, quando a turba está quieta. O antro — f a l a ... o ninho s’estrem ece.. .
Às campinas em flor. A dríade entre as folhas a p a re c e ...
— Noivo — Êle espera que os convivas sa ia m .. . Pan na flauta so p ro u !...
E n ’alcova onde as lâmpadas desmaiam
Então murmura — amor • — Mundo estranho e bizarro da quimera,
A fantasia desvairada gera
Vem comigo cismar risonho e g rav e. . . Um paganismo aqui.
A poesia — é uma lu z .. . e a alma — uma a v e .. . M elhor eu compreendo então V e rg ílio ...
Querem — trevas e ar. E vendo os faunos lhe dançar no idílio.
A andorinha, que é a alma — pede o campo, 3079 Murmuro crente: — eu vi! —
A poesia quer sombra — é o p irilam p o ...
P ’ra v o a r ... p’ra brilhar. Quando penetro na floresta triste.
Qual pela ogiva gótica o antiste,
Meu Deus! Quanta beleza nessas tr ilh a s ... Que procura o Senhor,
Que perfume nas doces maravilhas, Como bebem as aves peregrinas
Onde o vento g e m e u !... Nas ânforas de orvalho das boninas,
Que flores d’ouro pelas veigas belas! Eu bebo crença e a m o r !...
. . . Foi um anjo co’a mão cheia de estréias
Que na terra as perdeu. E à tarde, quando o sol — condor sangrento — ,
No ocidente se aninha sonolento,
Aqui o éter puro se a d e lg a ça ... Como a abelha na f l o r ...
Não sobe esta blasfêmia de fumaça E a luz da estréia trêmula se irmana
Das cidades p’ra o céu. Co’a fogueira noturna da cabana,
E a Terra é como o inseto friorento Que acendera o pastor,
Dentro da flor azul do firmamento.
Cujo cálix p en d eu !... A lua — traz um raio para os m a r e s ...
A abelha — traz o m e l... um treno aos lares
Traz a rola a c a r p ir ...
Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Tam bém deixa o poeta a selva escura
Leva a concha d o u rad a... e traz das plagas
E traz alguma estrofe, que fulgura,
Corais em turbilhão,
P ’ra legar ao p o rv ir!...
A mente leva a prece a Deus — por pérolas
E traz, volvendo após das praias cérulas,
— Um brilhante — o perdão! Vem ! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da floresta, ou do poema,
Nas trevas ou na lu z ...
A alma fica melhor no descam pado... Não v ê s ? ... Do céu a cúpula azulada,
O pensamento indômito, arrojado Como uma taça sôbre nós voltada.
Galopa no sertão. Lança poesia a 3082 f l u x !...
Qual nos estepes o corcel 3080 fogoso
B oa Vista — 1867.
Relincha e parte turbulento, estoso,
Sôlta a crina ao tufão.

[710]
ESPUMAS FLUTUANTES

AS TRÊS IRMÃS DO POETA “ Onde me levas, p o is ? ...” — “ Longe te levo


Ao país do ideal, terra das flores,
( T raduzido de E . B erth o u d ) Onde a brisa do céu tem mais amôres
E a fantasia —■ lagos mais a z u is ...”
E f u i... e f u i... ergui-me no infinito.
E ’ noite! as sombras correr nebulosas. Lá onde o vôo d’àguia não se elev a .. .
Vão três pálidas virgens silenciosas Abaixo —■ via a terra — abismo em treva!
Através da procela irrequieta. Acima — o firmamento — abismo em luz!
Vão três pálidas v irg e n s... vão sombrias
Vindo colar num beijo as bôcas fr ia s ...
“A rcanjo! arcanjo! que ridente sonho!”
Na fronte cismadora do — Poeta — — “ Não, poeta, é o vedado paraíso,
Onde os lírios mimosos do sorriso
Eu abro em todo o seio, que chorou,
“ Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença. Onde a loura comédia canta alegre,
Sou eu quem te sepulta a idéia imensa, Onde eu tenho o condão de um gênio infindo,
Quem no teu nome a escuridão p ro je ta ... Que a sombra de Molière vem sorrindo
Fui eu que te vesti do meu su d ário ... Beijar na fronte que o Senhor b e ijo u ...”
Que vais fazer tão triste e so litá rio ?...

— “ Eu lutarei!” — responde-lhe o Poeta. “ Onde me levas mais, anjo divino?”


— “ Vem ouvir, sôbre as harpas inspiradas,
O canto das esferas namoradas,
“Saúde, meu irmão, Eu sou a Fome. Quando eu encho de amor o azul do céu.
Sou eu quem o teu negro pão consome. . . Quero levar-te das paixões nos mares.
O teu mísero pão, mísero atleta! Quero levar-te a dédalos profundos,
Hoje, amanhã, d ep o is... depois (qu’importa?) Onde refervem s ó i s ... e c é u s ... e m undos...
Virei sempre sentar-me à tua p o r t a ...” Mais s ó is ... mais mundos, e onde tudo é m e u ...”
— “ Eu sofrerei” — responde-lhe o Poeta.
“ Mulher! mulher! Aqui tudo é volúpia:
A brisa morna, a sombra do arvoredo,
“Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte. A linfa clara, que murmura a mêdo,
Suspende em meio o hino augusto e forte. A luz que abraça a flor e o céu ao mar.
Marquei-te a fronte, mísero profeta! O’ princesa, a razão já se me perde,
Volve ao nada! Não sentes neste enleio És a sereia da encantada Cila,
Teu cântico gelar-se no meu s e i o ? ! ...” Anjo, que transformaste-te em Dalila,
Sansão de novo te quisera amar!
— “ Eu cantarei no céu” — diz-lhe o Poeta!
S. Paulo, 25 de Agosto de 1868.
“ Porém não páras neste vôo errante!
A que outros mundos elevar-me tentas?
Já não sinto o soprar de auras sedentas,
Nem bebo a taça de um fogoso amor.
Sinto que rolo em báratros profundos...
Já não tens asas, águias da Tessália,
Maldição sôbre t i . . . tu és Onfália,
O VÔO DO GÊNIO Ninguém te ergue das trevas e do horror.

“ Porém silêncio! No maldito abismo,


À A t r iz E ugên ia C â m ara . Onde caí contigo criminosa,
Canta uma voz, sentida e maviosa,
Que arrependida sobe a Jeová!
Um dia, em que na terra a sós vagava Perdão! Perdão! Senhor, p’ra quem soluça.
Pela estrada sombria da existência, Talvez seja algum anjo p eregrin o...
Sem rosas — nos vergéis da adolescência. ...M a s não! inda eras tu, gênio divino.
Sem luz d’estrêla — pelo céu do amor; Também sabes chorar, como Eloá!
Senti as asas de um arcanjo errante
Roçar-me brandamente pela fronte,
“ Não mais, ó serafim! suspende as asas!
Como o cisne, que adeja sôbre a fonte.
Que, através das estréias arrastado,
Às vêzes toca a solitária flor.
Meu ser arqueja louco, deslumbrado,
Sôbre as constelações e os céus azuis.
E disse então: “ Quem és, pálido arcanjo! .A,rcanjo! Arcanjo! b a s ta ... Já contigo
Tu, que o poeta vens erguer do pego? Mergulhei das paixões nas vagas cé ru la s...
Eras acaso tu, que Milton cego Mas nos meus dedos — já não cabem — pérolas —
Ouvia em sua noite êrma de sol? Mas na minh’alma — já não cabe — l u z ! . . . ”
Quem és tu? Quem és tu?” — “ Eu sou o gênio” , R ecife, Maio de 1866.
Disse-me o anjo, “vem seguir-me o passo,
Quero contigo me arrojar no espaço,
Onde tenho por c’roas o arrebol” .

[711]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES

O "ADEUS" DE TERESA Se a natureza apaixonada acorda


Ao quente afago do celeste amante.
A vez primeira que eu fitei Teresa, Diz’ ! . . . Quando em fogo o teu olhar transborda,
Como as plantas que arrasta a correnteza, Não vês minh’alma reviver ovante?
A valsa nos levou nos giros s e u s ...
E amamos ju n to s ... E depois na sala E ’ que teu riso me penetra n’alma,
“Adeus” eu disse-lhe a trem er co’a f a la ... Como a harmonia de uma orquestra santa,
E ’ que teu riso tanta dor a c a lm a ...
E ela, 3083 corando, murmurou-me: “ adeus” . T anta d e s c re n ç a !... tanta a n g ú stia !... tanta!

Uma n o ite ... entreabriu-se um rep o steiro ... Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
E da alcova saía um cavaleiro — O céu consola tôda a dor que existe.
Inda beijando uma mulher sem v é u s ... Deus fêz a neve para — o negro monte!
E ra e u ... E ra a pálida Teresa! Deus fêz a virgem — para o bardo triste!
“Adeus” lhe disse conservando-a p r e s a ... R io de Jan eiro, Junho de 1869.

E ela entre beijos murmurou-me: “ adeus” .

Passaram te m p o s... séc’los de d e lírio ... 3084


Prazeres d iv in ais... gozos do E m p íre o ... 3085 A MACIEL PINHEIRO 3087
. . .M as um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse — “ V o lta r e i!... d e s c a n s a !...” Dieu soit en aide au pieux pèlerin.
E la chorando mais que uma criança, BOUCHARD

E la em soluços murmurou-me: “ adeus” . Partes, amigo, do teu antro de águias.


Onde gerava um pensamento enorme.
Quando v o lte i... era o palácio em f e s t a !... Tingindo as asas no levante rubro,
E a voz á ’E la e de um homem lá na orquesta Quando nos vales inda a sombra dorm e. . .
Preenchiam de amor o azul dos céus. Na fronte vasta, como um céu de idéias.
E n t r e i!... E la me olhou b r a n c a ... surpresa! Aonde os astros surgem mais e m ais. . .
Foi a última vez que eu vi T e r e s a !... Quiseste a luz das boreais a u ro ra s ...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
Verás a terra da infeliz Moema,
A. Paulo, 28 de Agosto de 1868. Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
T erra de glórias, de canções e brios,
A VOLTA DA PRIMAVERA Esparta, Atenas, que não tem r iv a is ...
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge. . .
Aime, et tu renaîtras; fais-toi fleur pour éclore. Deus acompanhe o peregrino audaz.
Après avoir souffert, il faut souffrir encore;
il faut aimer sans cesse, après avoir aimé.
A. D E M U S S E T (3086)
E quando o barco atravessar os mares.
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
A i! nâo maldigas minha fronte pálida, H á de surgir-t’êsse gigante imenso,
E o peito gasto ao referver de amores. Que sôbre os morros campeando vela. . .
Vegetam louros — na caveira esquálida Sim b’lo de pedra, que o cinzel dos raios
E a sepultura se reveste em flores. Talhou nos montes, que se alteiam m a is ...
Atlas com a forma do gigante p o v o ...
Bem sei que um dia o vendaval da sorte Deus acompanhe o peregrino audaz.
Do mar lançou-me na gelada areia.
S e r e i... que importa? o D. Juan da morte. Vai nas planícies dos infindos pampas
Dá-me o teu seio — e tu serás Haidéia! Erguer a tenda do soldado v a te ...
L iv r e ... bem livre a Marselhesa aos ecos
Pousa esta mão — nos meus cabelos ú m id o s!... Soltar bramindo no feroz c o m b a te ...
Ensina à brisa ondulações suaves! E após do fumo das batalhas tinto,
Dá-me um abrigo nos teus seios túmidos! Canta essa terra, canta os seus gerais,
F a l a ! .. . que eu ouço o pipilar das aves! Onde os gaúchos sôbre as éguas v o a m ...
Deus acompanhe o peregrino*audaz.
Já viste às vêzes, quando o sol de Maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga? E nesse lago de poesia virgem,
Murmura a relva: — Que suave raio! Quando boiardes nas sutis espumas.
Responde o ramo: — Como a luz é meiga! Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
E ao doce influxo do clarão do dia Pálido moço — como o bardo errante —
O junco exausto, que cedera à enchente. Teu barco voa na amplidão fugaz.
Levanta a fronte da lagoa f r i a ... A nova Grécia quer um Byron n o v o ...
Mergulha a fronte na lagoa a rd e n te ... Deus acompanhe o peregrino audaz.

[712]
ESPUMAS FLUTUANTES

E eu, cujo peito como u’a harpa homérica E a terra é m edonha... As árvores nuas
Ruge estridente do que é grande ao sôpro, Espectros semelham fincados de pé,
Saúdo o artista que, ao talhar a glória, Com os braços de múmias que os ventos retor-
Pega da espada, sem deixar o escopro. [cem, 3093
Da caravana guarda a areia a pegada: 3088 Tremendo a êsse grito que estranho lhes é.
No chão da história o passo teu v e rá s ...
Deus, que o Mazeppa nos estepes 3089 guia..
Desperta o in fin ito ... Co’a bôea entreaberta
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Respira a borrasca do largo pulmão.
R ecife — 1S65.
Ao longe o oceano sacode as espáduas
— Encélado novo calcado no chão.
A UMA TAÇA FEITA DE CRÂNIO HUMANO 3090
E ’ noite de h o rro res... Por ínvio caminho
T rad . d e B y r o n Um vulto sombrio sòzinho passou,
Co’a noite no peito, co'a noite no busto
“Não recues! De mim não foi-se o e sp írito ... Subiu pelo monte, — nas cimas parou.
Em mim verás — pobre caveira fria —
Ünico crânio que, ao invés 3091 dos vivos. Cabelos esparsos ao sôpro dos ventos,
Só derrama alegria. Olhar desvairado, sinistro, fatal.
Dirieis estátua roçando nas nuvens,
Vivi! amei! bebi qual tu: na morte P ’ra qual a montanha se fêz pedestal.
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! em pin a-m e!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus. Rugia a procela — nem éle escu tav a!...
Mil raios choviam — nem êle os fitou!
Mais va! guardar o sumo da parreira Com a destra apontando bem longe a cidade.
Do que ao verme do chão ser pasto vil; Após longo tempo sombrio fa lo u !...
— Taça — levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.

Que êste vaso, onde o espírito brilhava. I I.


Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro Dorme, cidade maldita.
...P o d e is de vinho o encher! Teu sono de escrav id ão!...
Dorme, vestal de pureza,
Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça, Sôbre cochins 3094 do S u ltão!. . .
Quando tu e os teus fôrdes nos fossos, Dorme, filha da Geórgia,
Pode do abraço te livrar da terra, Prostituta em negra órgia, 3095
E ébria folgando profanar teus ossos. Sê hoje Lucrecia Bórgia
Da desonra no b a lc ã o !...
E porque não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa? D o rm ir? !... Não! Que a infame grita
E ’ bom fugindo à podridão do lôdo L á se levanta fatal. . .
Servir na morte enfim p'ra alguma cousa. Corre o champanhe e a desonra
Bahia, 15 de Dezembro de 1S69. Na orgia descom unal...
Na fronte já tens um la ç o ...
Cadeias de ouro no braço.
De pérolas um baraço,
PEDRO IVO
— Adornos de saturnal!
Sonhava nesta geração bastarda
Glórias e liberdade!... L o u c a !.. . Nem sabe que as luzes,
Era um leão sangrento, que rugia, Que acendeu p’ra as saturnais,
Da glória nos clarins se embriagava. São do enterro de seus brios
E vossa gente pálida recuava. Tristes círios fu n erais...
Quando éle aparecia.
Que o seu grito de alegria
ALVARES DE AZEVEDO E ’ o estertor da agonia,
I. A que responde a ironia
Do riso de S a ta n á s !...
Rebramam os v e n to s... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o c o r c e l... 3092 M o rreste... E ao teu saímento
Relincha — tr o v e ja ... galgando no espaço Dobra a procela no céu.
Mil raios desperta co’as patas revel. E os astros — olhar dos mortos —
A mão da noite escondeu.
E ’ noite de h o rro re s... nas grunas celestes, V ê ! . .. Do raio mostra a lampa
Nas naves etéreas o vento g em eu ... Aíão de espectro que destampa
E os astros fugiram, qual bando de garças Com dedos de ossos a campa,
Das águas revoltas do lago do céu. Onde a glória adormeceu.

[713]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

E erguem-se as lápidas 3096 frias, Quebra os ferros — Prometeu!


Saltam bradando os heróis: Vesúvio curvo — não pares,
“ Quem 3097 ousa da eternidade ígnea coma solta aos ares.
Roubar-nos o sono a nós?” Em lavas inunda os mares.
Responde o espectro: “ A desgraça! Mergulha o gládio no céu.
Que a realeza que passa,
Com o sangue de vossa raça. R e p ú b lic a !... V ôo ousado
Cospe lôdo sôbre v ó s ! . . . ” Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta,
Fugi, fantasmas augustos! Que beija a fronte ao Tabor!
Caveiras que coram mais, Deus! Porqu’enquanto que o monte
Do que essas faces vermelhas Bebe a luz dêsse horizonte,
Dos infames p a r iá s l... Deixas vagar tanta fronte,
Fugi do solo m a ld ito ... No vale envolto em n e g r o r ? !...
Embuçai-vos no in fin ito !...
Inda m e 'le m b r o ... Era, há pouco,
E eu por detrás do granito
A lu t a ! ... H o r r o r !... C o n fu sã o !...
Dos montes o cid en tais...
A morte voa rugindo
Da garganta do c a n h ã o !...
Eu também f u jo ... Eu fu g in d o !!...
O bravo a fileira c e r r a !...
Mentira desses vilões!
Em sangue ensopa-se a t e r r a !...
Não foge a nuvem trevosa
E o fumo — o corvo da guerra —
Quando em asas de tufões,
Com as asas cobre a am p lid ão...
Sobe dos céus à esplanada,
Para tomar emprestada C h e g u e ü ... Como nuvens tontas.
De raios uma outra espada, Ao bater no monte — além.
À luz das co n ste la ç õ e s!... Topam, rasgam-se, recu a m ,...
T ais a meus pés vi também
Como o tigre na caverna H ostes mil na luta in g ló ria ...
Afia as garras no chão, . . . Da pirâmide da glória
Como em Elba amola a espada São d e g ra u s... Aíarcha a vitória,
Nas pedras — Napoleão, Porque êste braço a sustém.
T al eu — vaga encapelada.
Recuo de uma passada, 3098 Foi uma luta de bravos,
P ’ra levar de derribada Como a luta do jaguar.
Rochedos, reis, m u ltid õ e s!... De sangue enrubesce a terra,
— De fogo enrubesce o a r ! . . .
I I I. . . . O h ! . . . mas quem faz que eu não vença?
— O a c a s o ... — avalanche imensa,
“ Pernambuco! Um dia eu vi-te Da mão do Eterno suspensa,
Dormindo 3099 imenso ao luar, Que a idéia esmaga ao to m b a r!...
Com os olhos quase cerrados,
Com os lábios — quase a f a la r ... Não importa! A liberdade
Do braço o clarim suspenso, E ’ como a hidra, o Anteu.
— O punho no sabre extenso. Se não chão rola sem forças.
De pedra — recife imenso, Mais forte do chão se e rg u eu ...
Que rasga o peito do m a r ... São os seus ossos sangrentos
Gládios terríveis, sed en to s...
Eu disse: Silêncio, ventos! E da cinza sôlta aos ventos
Cala a bôea, furacão! Mais um Graco a p a re ce u !...
No sonho daquele sono
Perpassa a Revolução!
Êste olhar que não se move Dorme, cidade maldita!
’Stá fito em — Oitenta e Nove — Teu sono de escravidão!
Lê Homero — escuta J o v e ... Porém no vasto sacrário
— Robespierre — Dantão. Do templo do coração.
Ateia o lume das lampas.
Naquele crânio entra em ondas Talvez que um dia dos pampas
O verbo de M irab eau ... Eu surgindo quebre as campas,
Pernambuco sonha a escada, Onde te colam no chão.
Que também sonhou Ja c ó ;
Cisma a República alçada, Adeus! Vou por ti maldito
E pega os copos da espada. V agar nos ermos pauis.
Enquanto em su alma brada: Tu ficas morta, na sombra,
“ Somos irmãos, Vergniaud” . Sem vida, sem fé, sem lu z !...
Mas quando o povo acordado
Então repeti ao povo: T e erguer do tredo vaiado.
— Desperta do sono teu! V irá livre, grande, ousado.
Sansão — derroca as colunas! De pranto banhar-me a c r u z ! .. . ’’ 3100

[714]
ESPUMAS FLUTUANTES

IV . Não foram as Pirâmides, que ouviram


De teus passos o som e se inclinaram. . .
Assim falara o vulto errante e negro, Nem as águas do Nilo, que te viram,
Como a estátua sombria do revés. E co’as ondas teu nome murmuraram. . .
Uiva o tufão nas dobras de seu manto, Não foram as cidades, que brandiram
Como um cão do senhor ulula aos p é s ... As tôrres como fa c h o ... e te aclararam ...
Quem foi? S ilê n c io !... trêmulo de mêdo
Inda um momento esteve solitário V ejo apenas — um m a r .. . vejo — um roched o.. .
Da tempestade semelhante ao deus.
Trocando frases com os trovões no espaço, 3101
Raios com os astros nos sombrios c é u s ... A terra, o mar, os c é u s ... espaço estreito
Eram p'ra tua planta de gigante.
Depois sumiu-se dentre as brumas densas Para teto dos paços teus foi feito
Da negra noite — de su’alma ir m ã ... O firmamento colossal, flutuante
E lo n g e ... lo n g e ... no horizonte imenso Como diadema — os s ó is .. . E como leito
Ressonava a cidade c o rte s ã l... O antártico pólo de diam ante...
Teu féretro qual f o i? ... Titão do Sena,
V a i !... Do sertão esperam-te as Term ópilas; 3102 O penhasco fatal de Santa-H elena.. .
A liberdade inda pulula a l i ...
Lá não vão vermes perseguir as águias, Assassina do Encélado da guerra
Não vão escravos perseguir a til Só tu fôste, A lb io n ... do mar sen h o ra...
Porquê? Porque um pedaço aí de terra
V a i!... Que o teu manto de mil balas rôto Foi pedir-te o gigante era negra h o r a ...
É uma bandeira que não tem rival. E lhe deste um pen h asco ... Oh! Lá s’encerra
— Dêsse suor é que Deus faz os astrcis... Tua lenda mais h órrid a.. . Traidora!
Tens uma espada que não foi punhal. Lá seu spectro envolto na mortalha
Aos quatro céus a maldição esp alh a...
Vai, tu que vestes do bandido as roupas,
Mas não te cobres de uma vil libré! 3103
Se te renega teu país ingrato, 3104 Ao leão, que temias, enjaulaste;
E de longe escutando seu rugido.
O mundo, a glória tua pátria é ! . . .
Tu, senhora do m a r ... tu desmaiaste!
Pelo punhal traidor êle ferido
Caiu-te aos p és. . . Então tu respiraste,
V. Cobarde vencedora do v en cid o ...
E fo i-se ... E inda hoje nas horas errantes, Nem mesmo todo o oceano poderia
Que os cedros farfalham, que ruge o tufão, Lavar êste padrão de co vard ia...
E os lábios da noite murmuram nas selvas
E a onça vagueia no vasto sertão. Tu não és tão cu lp ad a!... Aonde estava
A França tão potente e tão tem id a?...
Se passa o tropeiro nas êrmas devesas. O h! porque o não sa lv o u ?... se o contemplava
Caminha medroso, figura-lhe ouvir L á dos gelos dos Alpes — socrgu ida!?...
O infrene galope à ’Espectro soberbo, E êle que a fêz tão g ran d e?... E la fo lg a v a !...
Com um grito de glória na bôca a rugir. Enquanto ao longe do colosso a vida
Como um vulcão antigo e moribundo
Que importa se o tûm’lo ninguém lhe conhece? Lento expirava nesse mar profundo.
Nem tem epitáfio, nem leito, nem c r u z ? ...
S. Paulo.
Seu túmulo é o peito do vasto universo,
Do espaço — por cúpula 3105 — as conchas azuis ! . . .

...M a s contam que um dia rolara o oceano


Seu corpo na praia, que a vida lhe d e u ... BOA-NOITE
Enquanto que a glória rolava sua alma Veux-tu donc partir? Le jour est encore éloigné;
Nas margens da história, na areia do c é u !... C’était le rossignol et non pas l’alouette,
R ecife, M aio de 1865. Dont le chant a frappé ton oreille inquiète;
11 chante la nuit sur les branches de ce grenadier.
Crois-moi, cher ami, c ’était le rossignol.
SH A K ESP E A R E
OITAVAS A NAPOLEÂO
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
( T r a d u ç ã o do E s p a n h o l d e L o s a n o ) A lua nas jane!as bâte em cheio.
.Ãguia das so lid õ e s!... Ninho atrevido Boa-noite, Maria! E ’ ta rd e ... é ta rd e ...
Foram-te as borrascosas tempestades, Não me apertes assim contra teu seio.
Flamígero cometa suspendido
Sòbre o céu infinito das idades.
Tu que, no lago intérmino do olvido. B o a -n o ite !... E tu dizes — Boa-noite.
Lançaste tuas régias claridades... Mas não digas assim 3106 por entre beijos.
Deus caído do trono dos mais d eu ses... Mas não mo digas descobrindo o peito,
Quem recebeu teus últimos ad eu ses?... — Mar de amor onde vagam meus desejos.

[7 15 ]
ANTÔNIO B E CASTRO A LV ES

Julieta do céu! O u v e ... a calhandra Dir-se-ia que naquele doce instante


Já rumoreja o canto da matina. Brincavam duas cândidas c ria n ç a s...
Tu dizes que eu m e n ti? ... pois foi m en tira.. A brisa, que agitava as folhas verdes.
...Q u e m cantou foi teu hálito, divina! Fazia-lhe ondear as negras tranças!
Se a estrela d’alva os derradeiros raios E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Derrama nos jardins do Capuleto, Mas quando a via despeitada a meio,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada: P 'ra não z a n g á -la ... sacudia alegre
“ E ’ noite ainda em teu cabelo p r ê to ..." ' Uma chuva de pétalas no s e io ...
E ’ noite ainda! Brilha na cambraia
— Desmanchado o roupão, a espádua nua —
O globo de teu peito entre os arminhos Eu, fitando esta cena, repetia
Como entre as névoas se balouça a lu a ... Naquela noite lânguida e sentida:
“ O ’ flor! — tu és a virgem das campinas!
E ’ noite, pois! Durmamos, Ju lieta! "V irg em ! — tu és a flor de minha v i d a !...”
Recende 3107 a alcova ao trescalar das flores. S. Paulo, Novembro de 1868.
Fechemos sôbre nós estas c o rtin a s ...
— São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada JESUÍTAS 3109


Lambe voluptuosa os teus co n to rn o s...
O h! Deixa-me aquecer teus pés divinos (SÉCULO XVllI)
Ao doudo afago de meus lábios mornos. O ’ m es f r è r e s , j e v ie n s v o u s a p p o rte r m ou D ie u ,
Je v ie n s v o u s a p p o rte r m a t ê t e !
Mulher do meu am or! Quando aos meus beijos V. HUGO — C hâtim ent.
Trem e tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias, Quando o vento da Fé soprava Europa,
Que escalas de suspiros, bebo atento! Como o tufão que impele ao ar a tropa
Das águias que pousavam no alcantil;
A i! Canta a cavatina do delírio, 3108 Do zimbório de Roma — a ventania
Ri, suspira, soluça, anseia e c h o r a ... O bando dos Apôst’los sacudia
M arion! M a rio n !... E ’ noite ainda. Aos cerros do Brasil.
Que importa os raios de uma nova a u ro ra ? !...
Tempos idos! Extintos luzimentos!
Como um negro e sombrio firmamento, O pó da catequese aos quatro ventos
Sôbre mim desenrola teu c a b e lo ... Revoava nos céus...
E deixa-me dormir balbuciando: Floria após na índia, ou na Tartária,
Boa-noite! — , formosa C o n su elo !... No Mississípi, no Peru, na Arábia
S. Paulo, 27 de Agosto de 1868. Uma palmeira — Deus! —
O navio Maltes, do Lácio a vela,
A D O R M E C ID A A Lusa nau, as quinas de Castela,
Do Holandês a galé
Ses longs cheveux épars Ia couvrent tout entière: Levavam sem saber ao mundo inteiro
La croix de son collier repose dans sa main. Os vândalos sublimes do cordeiro.
Comme pour témoigner qu’elle a fait sa prière.
E t qu’elle va la faire en s’éveillant demain. Os átilas da fé.
A. D E M U S S E T
Onde ia aquela nau? — Ao Oriente.
lim a noite, eu me le m b ro ... E la dormia A outra? — Ao Pólo. A outra? — Ao Ocidente.
Numa rêde encostada m olem en te... Outra? — Ao Norte. Outra? — Ao Sul.
Quase aberto o ro u p ã o ... solto o cabelo E o que buscava? A foca além do pólo;
E o pé descalço do tapete rente. O âmbar, o cravo no indiano solo,
Mulheres em Estambul.
’Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da cam p in a... Ouro — na Austrália; pedra — em Misora!...
E ao longe, num pedaço do horizonte. “Mentira!” respondia em voz canora
Via-se a noite plácida e divina. O filho de Jesus...
“Pescadores!... nós vamos no mar fundo
De um jasmineiro os galhos encurvados. “Pescar almas p ra o Cristo em todo mundo,
Indiscretos entravam pela sala, “Com um anzol — a cruz — !”
E de leve oscilando ao tom das auras.
Iam na face trêmulos — beijá-la. Homens de ferro! Mal na vaga fria
Colombo ou Gama um trilho descobria
E ra um quadro c e le s te !... A cada afago Do mar nos escarcéus,
Mesmo em sonhos a moça estrem ecia... Um padre atravessava os equadores.
Quando ela seren a v a ... a flor b e ija v a -a ... Dizendo: “Gênios!... sois os batedores
Quando ela ia b e ija r-lh e .. . a flor fugia. Da matilha de Deus!”
[7 1 6 ]
ESPUM AS FLUTUANTES

Depois as solidões surpresas viam P O E SIA E M E N D IC ID A D E


Êsses homens inermes, que surgiam
Pela primeira vez.
E a onça recuando s’esgueirava No A lbu j M da E x m a . S n ra . d . M aria
Julgando o cru cifix o ... alguma clava JU S T I N A PRO EN ÇA P E R E IR A P E IX O T O
Invencível talvez!
I
O martirio, o deserto, o cardo, o espinho,
A pedra, a serpe do sertão maninho, Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,
A fome, o frio, a dor. Pálida, aventureira, errante a viajar.
Os insetos, os rios, as lianas. Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Chuvas, miasmas, setas e savanas. Ao céu — pedindo estréias, à terra — um pobre lar!
Horror e mais h o rro r...
Visão — de áureos lauréis — porém de manto
Nada turbava aquelas frontes calmas. [esquálido,
Nada curvava aquelas grandes almas Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz.
Voltadas p'ra am plidão... Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
No entanto êles só tinham na jornada E os astros lhe resvalam — à flor dos ombros nus...
Por couraça — a sotaina esfarrapada...
E uma cruz — por bordão.
I I

Um dia a taba do Tupi selvagem Olhai! O sol d escam ba... A tarde harmoniosa
Tocava a la rm a ... embaixo de folhagem Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Rangera estranho p é ... Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento.
O caboc’lo da rêde ao chão saltava, De um marco poeirento um velho então se ergueu.
A seta ervada o arco recurvava...
Estrugia o boré. Ergueu-se tacteando.. . é c e g o .. . o cego a n seia ...
Porém o que tacteia aquela augusta m ã o ? ...
E o tacape brandindo, a tribo fera Talvez busca pegar o sol, que lento e x p ira !...
De um tigre ou de um jaguar ficava à espera Fado c r u e l..., m e n tira !... Homero pede pão!
Com gesto am eaçad or...
Surgia então no meio do terreiro I I I
O padre calmo, santo, sobranceiro,
O Piaga do amor. Mas ai! volvei. Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Quantas vêzes então sôbre a fogueira, Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
Aos estalos sombrios da madeira. O lar é h ospitaleiro... Entrai, Senhora, entrai!
Entre o fumo e a lu z ...
A voz do mártir murmurava ungida; 3110 Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
“ Irmãos! Eu vim trazer-vos — minha v id a ... Servem de compostura à sala vasta e chã.
Vim trazer-vos — Jesu s!” A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — a loura castelã.
Grandes homens! Apóstolos h e ró ic o s!...
Eles diziam mais do que os estóicos: Vai o banquete em m eio... O bardo se alevanta, 31U
“ Dor, — tu és um prazer! Pega da li r a ... c a n ta ... uma canção de a m o r ...
“ Grelha, — és um leito! Brasa, — és uma gema! Ouvi-o! Para ouvi-lo a estréia pensativa
‘ Cravo, — és um cetro! Chama, — um diadema! Alonga pela ogiva um raio de languor!
“O ’ morte, — és o viver!”
Dos ramos do carvalho a brisa se d ebru ça...
Outras vêzes no eterno itinerário Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
O sol, que vira um dia no Calvário Súbito a nota extrema anseia, treme, r o la ...
Do Cristo a Santa Cruz, Alguém pede uma esm o la.. . Senhora, não olheis!...
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz, abrindo os braços grandes
Assim nos tempos idos a musa canta e p e d e ...
Aos índios rubros, nus.
Gênio e m en d igo ... v ê d e ... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Eram êles que o verbo de Messias Caminha róto o Dante! e pede pão Camões.
Pregavam desde o vale às serranias,
Do Pólo ao E q u ad o r...
E o Niagara ia cantar aos m a re s.. . I V
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do S e n h o r!... Bem sei, Senhora, que ao talento agora
S. Paulo — 1S6S. Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p’ra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!

[ 71 7]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

Melhor que o Rei sabe pagar o pobre H IN O AO SO N O


Melhor que o nobre — protetor verdugo — !
Foi surdo um trono. . . à maior glória vossa. . .
Abre-se a choça aos “ M iseráveis” de Hugo. O ’ sono! ó noivo pálido
Das noites perfumosas,
Porém não sei se é por costume antigo, Que um chão de nebulosas
Que inda é mendigo do cantor o gênio. Trilhas pela amplidão!
Mudem-se os panos do cenário a êsmo Em vez de verdes pâmpanos,
O vulto é o m e sm o ... num melhor proscênio.. Na branca fronte enrolas
As lânguidas papoulas,
Que agita a viração.
V
H oje o Poeta — caminheiro errante, Nas horas solitárias.
Que tem saudades de um país melhor Em que vagueia a lua,
Pede uma pérola — à maré montante, E lava a planta nua
Do seio às vagas — pede — um outro amor. Na onda azul do mar,
Com um dedo sôbre os lábios
Alma sedenta de ideal na terra No vôo silencioso.
Busca apagar aquela sêde atroz! V ejo-te cauteloso
Pede a harmonia divinal, que encerra No espaço viajar!
Do ninho o c h ilr o .. . da tormenta a voz!

E o rir da fôlha, o sussurrar da fala. Deus do infeliz, do mísero!


Trenós da estréia no amoroso estio. Consolação do aflito!
Voz que dos poros o Universo exala Descanso do precito,
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio! Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo. De angústias e dor não g em e..
Ao fraco, ao f o r t e ... — preces, gritos, u iv o s ... E ' tua mão que espreme
Pede das águias o possante arrojo, A dormideira ali.
Para encontrar os meteoros ruivos.
Em tua branca túnica
Pede à mulher que seja boa e linda
Envolves meio m u n d o ...
— Vestal de um tipo que o ideal re v e la .. .
E ’ teu seio fecundo, 3115
Pois ser formosa é ser melhor a in d a ...
De sonhos e visões,
Se és boa — cs luz — 3112 nias se és formosa
Dos templos aos prostíbulos.
[estréia. Desde o tugúrio ao Paço,
Tu lanças lá no espaço
E pede à sombra, p’ra aljofrar de orvalhos
A fronte azul da solidão noturna. Punhados de ilu s õ e s !...
E pede às auras, p’ra afagar os galhos, 3113
E pede ao lírio, p’ra enfeitar a furna. Da vide o sumo rúbido,
Do hatchiz a essência,
Pede ao olhar a maciez suave O ópio, que a indolência
Que tem o arminho e o edredon macio, Derrama em nosso ser,
O aveludado da penugem d’ave, Não valem, gênio mágico.
Que afaga as plumas no palmar sombrio. Teu seio, onde repousa
A placidez da lousa
E o gôzo do v iv e r ...

E quando encontra sôbre a terra ingrata


Um reverbero 3114 do clarão celeste, O ’ sono! Unge-me as pálpebras.
Alma formada de uma essência grata, Entorna o esquecimento
Que a lua — doura, e que um perfume veste; Na luz do pensamento,
Que abrasa o crânio meu,
Um rir, que nasce como o brôto em maio; Como o pastor da Arcádia,
Mostrando seivas de bondade infinda. Que uma ave errante a n in h a ...
Fronte que guarda — a claridade e o raio, M inh’alma é uma an d orin h a...
— Virtude e graça — o ser bondosa e lin d a ... Abre-lhe o seio teu.

Então, Senhora, sob tanto encanto Tu, que fechaste as pétalas


Pede o Poeta (que não tem renome) Do lírio, que pendia.
Versos a brisa p ra vos dar um canto. Chorando a luz do dia
Raios ao sol — p’ra vos traçar o n o m e !... E os raios do arrebol,
B ahia, 26 de Jan eiro de 1870.
Tam bém fecha-me as pálpebras.
Sem Ela o que é a v id a ?.. .
Eu sou a flor pendida
Que espera a luz do sol.

[ 718]
ESPUM AS FLUTUANTES

O leite das eufórbias Tenho saudade de meus dias idos


P ’ra mim não é v en en o ... — P ét’las perdidas em fatal paul —
Ouve-me, ó Deus sereno! P ét’las, que outrora desfolhamos juntos.
O ’ Deus consolador! Morenas filhas do país do sul!
Com o teu divino bálsamo
Cala-me a ansiedade! Lá onde as vagas nas areias rolam.
Mata-me esta saudade. Bem como aos pés da Oriental E sta m b u l...
Apaga-me esta dor! E da Tijuca na nitcnte espuma
Banham-se as filhas do país do sul.
Mas quando, ao brilho rútilo
Do dia deslumbrante, Onde ao sereno a magnólia esconde
Vires a minha amante Os pirilampos “ de lanterna azul” .
Que volve para mim; Os pirilampos, que trazeis nas coifas, 3117
Então ergue-me sú b ito ... Morenas filhas do país do sul.
E ' minha aurora lin d a ...
Meu a n jo ... mais a in d a ... Tenho saudades... ai! de ti, São Paulo
E ’ minha amante enfim! — Rosa de Espanha no hibernai Friul —
Quando o estudante e a serenata acordam
O ’ sono! O ’ deus notívago! As belas filha do país do sul.
Doce influência amiga!
Das várzeas longas, das manhãs brumosas,
Gênio que a Grécia antiga
Noites de névoa, ao rugitar do sul,
Chamava de Morfeu.
Quando eu sonhava nos morenos seios,
Ouve ! . . . E se minhas súplicas
Das belas filhas do país do sul.
Em breve realizares...
Voto nos teus altares Em caminho. Fevereiro de 1870.
Minha lira de Orfeu!
5. Paulo 12 de Junho de 1S6S.
ONDE ESTÁS?

E ’ m eia-n oite... e rugindo


NO ÁLBUM DO ARTiSTA Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
LUÍS C. AMOÊDO
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Nos tempos id os.. ■ O alabastro, o mármore Por meus cabelos fugaz :
Reveste as formas desnuadas, mádidas “Vento frio do deserto,
De Vênus ou Friné. Onde ela está? Longe ou perto? ’
Nem um véu p’ra ocultar o seio trêmulo, Mas, como um hálito incerto.
Nem um tirso a velar a coxa p á lid a ... Responde-me o eco ao longe;
O olhar não s o n h a ... vê! “ O h! minh’amante, onde e s tá s ? ...
Um dia o artista, num momento lúcido. Vem ! E ’ tarde! Porque tardas?
Entre gazas de pedra a loura Aspásia São horas de brando sono.
Amoroso envolveu. Vem reclinar-te em meu peito
Depois, su rp rêso !... viu-a ainda mais lân g u id a... Com teu lânguido aban d on o!...
Sonhou mais doudo aquelas formas lú b rica s... ’Stá vazio nosso le ito ...
Mais nuas sob um véu. 'Stá vazio o mundo inteiro: 3118
E tu não queres qu’eu fique
E ’ o mistério do e sp írito ... A modéstia Solitário nesta v id a ...
E ’ dos talentos reis a santa púrpura... Mas porque tardas, q u erid a?...
Artista, és belo a s s im ... Já tenho esperado a s s a z ...
Este santo pudor é só dos gênios! — Vem depressa, que eu deliro
Também o espaço esconde-se entre n é v o a s... Oh! minh’amante, onde e s tá s ? ...
E no entanto é . . . sem fim!
Estréia — na tempestade.
5'. Paulo, Abril de JS6S.
Rosa — nos ermos da vida;
íris — do náufrago errante.
Ilusão — d’alma descrida.
VERSOS DE UM VIAJANTE Tu fôste, mulher formosa!
Tu fôste, ó filha do c é u !...
A i! nenhum Mago da Caldéía sábia . . . E hoje que o meu passado
A dor abrandará que me devora. Para sempre morto ja z . ..
F. V ARELA Vendo finda a minha sorte
Pergunto aos ventos do n o r te ...
Tenho saudade das cidades vastas, “ O h! minh’amante, onde e stá s?..
Dos ínvios cerros, do ambiente a z u l... Bahia.
Tenho saudade dos cerúleos mares,
Das belas filhas do país do sul!

[719]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

A BOA-VISTA
Oh! deixem-me chorar!... Meu la r!... meu doce
Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado
[ninho!
No tósco assento da janela antiga, Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Apoias sôhre a mão a face pálida. Passado mar imenso!... inunda-me em fragrância
Sorrindo — dos amores à cantiga. Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.
A L V A R E S D E AZEVEDO
Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
Lançaram misturadas glórias e maldições. . .
Era uma tarde, triste, mas límpida e suave... Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Eu — pálido poeta — seguia triste e grave Deixa est alma chorar em teu ombro encostada!
A estrada, que conduz ao campo solitário,
Como um filho, que volta ao paternal sacrário, Me^u lar esta deserto... TJm velho cão de guarda
E ao longe abandonando o múrmur da cidade Veio saltando a 3120 custo roçar-me a testa parda.
— Som vago, que gagueja em meio à imensidade —, Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
No drania do crepúsculo eu escutava atento Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...
A surdina da tarde ao sol, que morre lento.
Como tudo mudou-se! . . . O jardim ’stá inculto, 3i2i
A poeira da estrada meu passo levantava. As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...
Porém minh’alma ardente no céu azul marchava A erva inunda a terra; o musgo trepa os mu-
E os astros sacudia no vôo violento [ros, 3122
— Poeira, que dormia no chão do firmamento. A urtiga 3123 silvestre enrola em nós impuros
A pávida andorinha, que o vendaval fustiga, Uma estatua caida, eni cuja mão nevada
Procura os coruchéus da catedral antiga. A aranha estende ao sol a teia delicada!.
Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno, Mergulho os pes nas plantas selvagens, espalmadas.
Ia seguindo triste p’ra o velho lar paterno. As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas.
Os grilos, que cantavam, calam-se nas furnas...’
Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo, Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
(P ’ra ver no céu a nuvem, que espuma o firma- Minh alma, como tu, é um parque arruinado!
[mento,
n. o mar, — corcel, que espuma ao látego do ven-
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os muros dos meus vergéis da in-
[to ...) [fância.
Longe o feudal castelo levanta a antiga tôrre,
Que aos raios do poente brilhante sol escorre! A estátua do talento, que pura em mim s erguia,
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...
Mergulhando o pescoço no seio do infinito, Ao menos como tu, lá d’alma num recanto
E la de cima olhando com seus clarões vermelhos Da casta poesia ainda escuto o canto,
Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!... — Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do seio murmura um treno oculta.

Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,


Não! minha velha tôrre! Oh! atalaia antiga, Nos longos corredores respondem-me à porfia!...
Tu olhas esperando alguma face amiga,
E perguntas talvez ao vento, que em ti chora: Oh! casa de meus pais!... A um crânio já vazio,
Porque não volta mais o meu senhor doutrora? Que o hóspede largando deixou calado e frio.
Porque não vem sentar-se no banco do terreiro Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto
Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro, Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.
E pensando no lar, na ciência, nos pobres Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão, 3124
Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres? Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão!...
Povoam-se estas salas...

Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho E eu vejo lentamente


Que escondiam-se atrás do cipreste tristonho... No solo resvalarem falando tênuemente
Ou que enforcaram rindo um feio P lllch in ello. Dest’alma 3125 e dêste seio as sombras venerandas.
Enquanto a doce Mãe, que tôda amor, desvelo, 3119 Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...
Ralha com um rir divino o grupo folgazão,
Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca Aqui... além ... mais longe... por onde eu movo
[mão?. . . [o passo,
Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
Saudades e lembranças s’erguendo — bando ala-
E nisto que tu cismas, ó tôrre abandonada. Roçam por mim as asas voando p’ra o passado.
Vendo deserto o parque e solitário a estrada.
No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conhe- Boa-V ista, IS de Novembro de 1867.
^CCS - -
No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

[ 720 ]
ESPUMAS FLUTUANTES

A UMA ESTRANGEIRA Não era cumplicidade


Do céu, dos mares? Talvez!
(L em bran ç a de um a N o ite no M ar) Dir-se-ia que a imensidade
— Conspiradora mimosa —
Sens-tu mon coeur, comme il palpite? Dizia à vaga amorosa:
Le tien comme il battait gaiement! “ Segreda amôres a In ês!”
Je m’en vais pourtant, ma petite.
Bien loin, bien vite.
Toujours t ’aimant. E como um véu transparente,
(Chanson) Um véu de n o iv a ... Talvez!
Da lua o raio tremente
Inès! nas terras distantes, Te enchia de 3127 casto brilho.
Aonde vives talvez, E a rastos no tombadilho
Inda lembram-te os instantes Caía a teus p é s ... I n ê s !...
Daquela noite d iv in a?...
Estrangeira peregrina, E essa noite delirante
Quem sabe? — Lembras-te, Inès? Pudeste esquecer? — Talvez.
Ou talvez que neste instante.
Lembrando-te inda saudosa.
Branda noite! A noite imensa Suspires, moça fo rm o sa !...
Não era um ninho? — T a lv e z !... Talvez te lem b res... Inês!
Do Atlântico a vaga extensa
Não era um berço? — Oh! se o era. Curralinho, 2 de Julho de 1870.
Berço e n in h o ... ai, primavera!
O ninho, o berço de Inês.

As vêzes estrem ecias... PERSEVERANDO


Era de febre? T a lv e z !...
Eu pegava-te as mãos frias {Tradução de Victor Hugo)
P'ra aquentá-las em meus b e ijo s ...
Oh! palidez! Oh! desejos! A R eq u eira C osta
Oh! longos cílios de Inês.
A águia é o g ê n io .. . Da tormenta o pássaro,
Na proa os nautas cantavam; Que do monte arremete o altivo píncaro,
Eram saudades?... Talvez! Qu’ergue um grito aos fulgores do arrebol,
Nossos beijos estalavam Cuja garra jamais se peia em lôdo,
Como estala a castanhola... E cujo olhar de fogo troca raios
Lembras-te acaso, espanhola? — Contra os raios do sol.
Acaso lembras-te, Inês?
Não tem ninho de p a lh a s... tem um antro
— Rocha talhada ao martelar do raio,
Meus olhos nos teus m o rriam ... — Brecha em serra, ant’a qual o olhar tremeu.
Seria vida? — Talvez! No flanco da montanha — asilo trêmulo,
E meus prantos te diziam: Que sacode o tufão entre os abismos
“Tu levas minh’alma, ó filha, O precipício e o céu.
Nas rendas desta m an tilh a...
Na tua mantilha, In ê s!”
Nem pobre verme, nem dourada abelha,
Nem azul b o rb o leta... sua prole
De Cádiz o aroma ainda Faminta, boquiaberta, espera t e r ...
Tinhas no s e io ... — Talvez! Não! São aves da noite, são serpentes,
De Buenos Aires a linda, Sao lagartos imundos que ela arroja
Volvendo aos lares, 3126 trazia Aos filhos p’ra viver.
As rosas de Andaluzia
Nas lisas faces de Inês! Ninho de r e i ! . .. palácio tenebroso,
Que a avalanche a saltar cerca tom b an d o!...
E volvia a Americana O gênio aí enseiva a g e ra ç ã o ...
Do Plata às v a g a s ... Talvez? E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes
E a brisa amorosa, insana, Sob as asas de fogo aquenta as almas
Misturava os meus cabelos Que um dia voarão.
Aos cachos escuros, belos,
Aos negros cachos de Inês!

As estrelas acordavam Porque espantas-te, amigo, se tua fronte


Do fundo do m a r ... Talvez! Já, de raios pejada, choca a n u v em ?...
Na proa as ondas cantavam. Se o réptil em teu ninho se d eb ate?...
E a serenata divina E ’ teu folgar p rim eiro... é tua fe s ta !...
Tu, com a ponta da botina. Águias! P 'ra vós cad’hora é uma tormenta,
Marcavas no c h ã o ... Inês! Cada festa um co m b a te!...

[721]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

R a d ia !... E ’ te m p o !... E se a lufada erguer-se E ra dos sêres a harmonia imensa


Muda a noite feral em prisma fúlgido! Vago concerto de saudade infinda!
De teu alto pensar completa a l e i ! . . . ‘ Sol — não me deixes” , 3i3i diz ^ vaga extensa
Irm ão! — Prende esta mão de irmão na minha! “Aura — não fujas ’, 3132 diz a flor mais linda;
Tom a a lira — Poeta! Águia! — esvoaça! E ra dos sêres a harmonia imensa!
Sobe, sobe, astro r e i ! . ..
“ Leva-me! leva-me em teu seio amigo” , 3133
De tua aurora a bruma vai fundir-se 3128 Dizia às nuvens o choroso orvalho,
Águia! faz-te mirar do sol, do raio; “ Rôla que foges” , 3134 diz o ninho antigo,
Arranca um nome no febril cantar. “ Leva-me ainda para um novo g a lh o ...
Vem ! A glória, que é o alvo de vis setas, “ Leva-m e! leva-me em teu seio amigo” .
E ’ bandeira arrogante que o combate
Em beleza ao rasgar. “ Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!”
“ Inda um calor, antes que chegue o f r i o ... ’
O meteoro real — de coma fúlgida — E mais o musgo se conchega à penha
Rola e se engrossa ao devorar dos m u n d o s... E mais à penha se conchega o r io ...
Gigante! Cresces todo o dia a s s im !... “ Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!”
T al teu gênio, arrastando em novos trilhos
No curso audaz constelações de idéias.
Marcha e recresce no marchar sem f i m ! ... E tu no entanto no jardim vagavas.
Rosa de amor, celestial M a ria .. .
Pernam buco, Santo A m aro — 1S67. A i! como esquiva sôbre o chão pisavas, 3135
Ai! como alegre a tua bôea r i a ...
E tu no entanto no jardim vagavas.
O CORAÇÃO E ras a estréia transformada em virgem!
E ras um anjo, que se fêz menina!
O. coração é o colibri dourado Tinhas das aves a celeste origem.
Das veigas puras do jardim do céu. Tinhas da lua a palidez divina,
Um — tem o mel da granadilha agreste, Eras estréia transformada em virgem!
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
F lo r! Tu chegaste de outra flor mais p e r to !...
O outro — voa em mais virentes balsas. Que bela rosa! que fragrância meiga!
Pousa de um riso na rubente flor. Dir-se-ia um riso no jardim aberto.
Vive do mel — a que se chama — crenças, D ir-se-ia um beijo, que nasceu na v e ig a ...
Vive do aroma — que se diz — amor. F lo r! tu chegaste de outra flor mais p e r to !...
R ecife — 1867. (3129) E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi, que a rosa murmurava ardente:
“ Colhe-me, ó virgem, — não terei mais dores,
“ Guarda-ine, ó bela, no teu seio q u e n te ...”
MURMÚRIOS DA TARDE E eu escutava o conversar das flores.

Écoute 1 tout se tait; songe à ta bien-airaée. “ Leva-m e! leva-me, ó gentil M aria!”


Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée. Tam bém então eu murmurei cism an d o...
L e rayon du couchant laisse un adieu plus doux;
Ce soir, tout va fleu rir: l ’ immortelle nature
“ M inh’alma é rosa, que a geada e s fr ia ...
Se remplit de parfums, d’amour et de murmure. “ Dá-!he em teus seios um asilo b ra n d o ...
Comme le lit joyeux de deux jeunes époux. “ Leva-m e! leva-me, ó gentil M a r ia ! ...”
A. DE M U SSET R io de Jan eiro, 12 de Outubro de 1869.
Rosa! Rosa de amor purpúrea e bêlai
GARRET
PELAS SOMBRAS
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo.
Ao P a d r e F r a n c is c o de P a u l a
De cada moita a escuridão saia.
C ’ est que je suis frappé du doute.
De cada gruta rebentava um canto, C ’est que l ’étoile de la foi
Ontem, à tarde, quando o sol morria. N ’éclaire plus ma noire route;
Tout est abime autour de moi!
Do céu azul na profundeza escura L A M O R V O N N A IS
Brilhava a estréia, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura. Senhor! A noite é b ra v a .. . a praia é tôda escolhos.
Mostrava a lua o sem icirc’lo d’ouro, 3130 Ladram na escuridão das Circes as cadelas. . .
Do céu azul na profundeza escura. As lívidas marés atiram, a meus olhos.
Cadáveres que riem à face das estréias!
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho — suspirava o la g o ... Da garça do oceano as ensopadas penas
E a verde pluma dos sutis palmares O mórbido suor enxugam-me da testa.
Tinha das ondas o murmúrio v a g o ... Na aresta do rochedo o pé se firma a p e n a s...
Larga harmonia embalsamava os ares. No entanto ouço do abismo a rugidora fe s t a !...

[ 722 ]
E S I’U M AS FLU T U A N T ES

Nas orlas de meu manto o vendaval s’enrôla.. E ra a luta das águias — e do abutre,
Como invisível destra açoita as faces m inhas.. A revolta do pulso — contra os ferros,
Enquanto que eu tro p e ço ... um grito ao longe O pugilato da razão — com os erros,
[r o la ... O duelo da treva — e do c la r ã o !...
“ Quem foi? ’ perguntam rindo as solidões marinhas.
No entanto a luta recrescia in d ôm ita...
Senhor! Um facho ao menos empresta ao cami- As bandeiras — como águias eriçadas —
[nhante. Se abismavam com as asas desdobradas
A treva me asso b erb a... O ’ Deus! dá-me um cla­ Na selva escura da fumaça atroz. . .
ir ão! Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
E uma Voz respondeu nas sombras triünfante: O cadáver sangrento dos h e ró is !...
“Acende, ó V iajor! — o facho da R azão!”

Mas quando a branca estréia matutina


Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma Surgiu do esp a ço ... ^137 e as brisas forasteiras
Pode a flama subir brilhante, loura, eterna; No verde leque das gentis palmeiras
Mas quando os vendavais, rugindo, passam n’alnia, Foram cantar os hinos do arrebol.
Quem pode resguardar a trêmula lanterna? Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina;
T o rcid a... desgrenhada aos dedos da lufada Eras tu — liberdade peregrina!
Bateu-me contra o rosto. . . e se abismou na treva. Esposa do porvir — noiva 3138 do s o l !...
Eu vi-a v acilar... e minha mão queimada
A lâmpada sem luz embalde ao raio eleva. Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Quem fêz a gruta — escura, o pirilampo cria! Livre sagravas a Colúmbia terra,
Quem fêz a noite — azul, inventa a estrela clara! .Sagravas livre a nova geração!
Na fronte do oceano — acende uma ardentia! Tu que erguias, subida na pirâmide
Como o floco do Santelmo — a tempestade aclara! Formada pelos mortos do Cabrito,
Um pedaço de gládio — no in fin ito ...
Mas ai! Que a treva interna — a dúvida constante — Um trapo de bandeira — n’am plidão!...
Deixaste assoberbar-me em funda escu rid ão !... S . P a u lo , J u lh o d e 1S6S.

E uma Voz respondeu nas sombras triünfante:


‘Acende, ó V iajor! a Fé no C o r a ç ã o !...’' A DUAS FLORES
C u rra lin h o, 5 d e J u f.k o d e 1870. São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol.
Vivendo no mesmo galho,
ODE AO DOUS DE JULHO Da mesma gôta de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
(R fxitada no T eatro de S. P a u l o )
Unidas, bem como as penas
Era no dous de Julho. A pugna imensa Das duas asas pequenas
Travara-se nos cerros da B a h ia ... De um passarinho do c é u ...
0 anjo da morte pálido cosia Como um casal de rolinhas,
Uma vasta mortalha em Pirajá. Como a tribo de andorinhas
“Neste lençol tão largo, tão extenso, Da tarde no frouxo véu.
“Como um pedaço rôto do in fin ito ...
O mundo perguntava erguendo um grito; Unidas, bem como os prantos,
‘ Qual dos gigantes morto r o la r á ? !... Que em parelha descem tantos
Das profundezas do o lh a r...
Debruçados do c é u ... a noite e os astros Como o suspiro e o desgosto,
Seguiam da peleja o incerto fa d o ... Como as covinhas do rosto,
Era tocha — o fuzil avermelhado! Como as estrelas do mar.
Era o Circo de Roma — o vastão chão!
Por palmas — o troar da artilharia! U n id a s... Ai quem pudera
Por feras — os canhões negros rugiam! Numa eterna primavera
Por atletas — dous povos se batiam! Viver, qual vive esta flor.
Enorme anfiteatro — era a amplidão! Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Não! Não eram dous povos que abalavam Na verde rama do amor!
Naquele instante o solo ensanguentado... C u rra lin h o, M a r ço de 1870.
Era o porvir — em frente do passado,
A liberdade — em frente à escravidão.

[ 723 ]
AN TÔ NIO D E C A S T K O A L V E S

0 TONEL DAS DANAI DES E tu falavas de um amor celeste,


De um anjo, que depois se fêz e s p o s a ...
D iálogo — Moça, que troca os risos de criança
Pelo meigo cismar de mãe formosa.
Na torrente caudal de seus cabelos negros
Alegre eu embarquei da vida rubra flor. 3139 O h! meu amigo! neste doce instante
O vento do passado em mim suspira,
— Poeta! E ras o Dogc o anel lançando às o n d a s.. . E minh’alma estremece de alegria,
Ao fundo de um abism o. . . arremessaste o amor. Como ao beijo da noite geme a lira.

Depois minh'alma ao som da Lira de cem vozes Tu paraste na tenda, ó peregrino!


Sublimes fantasias em notas desfolhou. Eu vou seguindo do deserto a trilha;
Pois b e m ... que a lira do poeta errante
— Cleopatra também p’ra erguer no Tibre a espuma S eja a bênção do lar e da família.
As pérTas do colar nas vagas desfiou! R io, F e v e r e ir o de 1868.

Depois fiz de meu verso a púrpura escarlate


P or onde ela pisasse em marcha triunfal!

— Como Hércules, volveste aos pés da insana DALI LA


[O nfália
O fuso feminil de uma paixão fatal. F air defect of nature

Um dia ela me disse: “ Eu sou uma exilada!” M IL T O N — P ara d ise lost.


E r g u i-m e ... e abandonei meu lar e meu p a ís ...
Foi desgraça, meu D e u s !.. . N ã o !.. . Foi loucura
Pedir seiva 3141 de vida — à sepultura.
— Assim o filho pródigo atira as vestes quentes
Em gêlo — me abrasar,
E treme no caminho aos pés da meretriz.
Pedir amores — a M arcô sem brio,
E quando debrucei-me à beira daquela alma E a rebolcar-me em leito imundo e frio
— A ventura buscar.
P ’ra ver tôda riqueza e afetos que lhe d e i!...

— Ai! nada mais achaste! o abismo os d ev o rara... Errado viajor — sentei-me à alfombra
O pego se esqueceu da dádiva do R ei! E adormeci da mancenilha à sombra
Em berço de c e tim ...
Na gruta do chacal ao menos restam o s s o s ... Embalava-me a brisa 3142 no meu le ito ...
Mas tudo sepultou-me aquêle amor cruel! Tinha o veneno a lacerar-me o peito
— A morte dentro em m im ...
— Poeta! O coração da fria M essalina
E ’ das fatais Danaides o pérfido T onel! Foi lo u c u r a !... No ocaso — tomba o astro:
A estátua branca e pura de alabastro
14 d e O utubro d e 1869.
— Se mancha em lôdo v i l ...
Quem rouba a estrela — à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustrai corrente
O marmóreo perfil?
A LUÍS

(N o D ia DF, S e u N a t a líc io )
T a lv e z !... Foi s o n h o !... Em noite nevoenta
E la passou sòzinha, macilenta, 3143
A imaginação, com o vôo ousado, aspira a princípio
à etern idade.. . Depois um pequeno espaço basta em breve
Tremendo a so lu ça r...
para os destroços de nossas esperanças ilu d id a s !... Chorava — nenhum eco resp ond ia...
GOETHE
Sorria — a tempestade além b ra m ia ...
E ela sempre a marchar.
Como um perfume de longínquas plagas
Traz o vento da pátria ao peregrino, E eu disse-lhe: Tens frio? — arde minha alma.
O ’ meu amigo! que saudade infinda Tens os pés a sangrar? — podes em calma
Tu me trazes dos tempos de menino! Dormir no peito meu.
Pomba errante — é meu peito um ninho vago!
E ’ o ledo enxame de sutis abelhas E stréia — tens minha alma — imenso lago —
Que vem lembrar à flor o mel d’a u ro ra ... Reflete o rosto t e u !...
Acres perfumes de uma idade ardente
Quando o lábio s o r r i... mas nunca chora! E a m a m o s... Êste amor foi um d e lírio ...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Que tempos idos, qu’esperanças louras! Minha estréia sem v é u ...
Que cismas de poesia e de futuro! Seu nome era o meu canto de poesia,
Nas páginas do triste Lam artine Que com o sol — pena de ouro — eu escrevia
Quanto sonho de amor pousava p u r o !... 3140 Nas lâminas do céu.

[ 724 ]
K SPU M A S FLU T U A N T E S

Em seu seio escondi-me. . . como a noite Vê-se, por cima dos mares.
Incauto colibri, temendo o açoite Rasgando o teto dos ares
Das iras do tufão, Dous gigantescos p e rfis...
A cabecinha esconde sob as asas, Olhando por sôbre as vagas.
Faz seu leito gentil por entre as gazas Atentos, longínquas plagas
Da rosa do Japão. Ao clarear dos fuzis.

E depois... embalei-a com meus cantos, 314-1 Quem os vê, olha espantado
Seu passado esq u eci... lavei com prantos E a sós murmura: “ O que é?
Seu lôdo e m ald ição... Ai! que atalaias gigantes,
. . . Mas um dia a co rd ei... E mal desperto São essas além de p é ? ! . . . ”
Olhei em torno a m im ... — Tudo d e se rto ... Adamastor de granito
Deserto o co ra çã o ... Co’a testa roça o infinito
E a barba molha no mar;
Ao vento, que gemia pelas franças, 3145 E de pedra a cabeleira
Por ela perguntei. . . de suas tranças Sacudinda onda ligeira
A flor que ela d eixou ... Faz de mêdo recu ar...
Debalde... Seu lugar era v a z io ...
E meu lábio queimado e o peito frio, São — dous marcos miliários,
Foi ela que o queim ou... Que Deus nas ondas plantou.
Dous rochedos, onde o mundo
Minha alma nodoou no ósculo imundo, Dous Prometeus am arrou! . . .
Bem como Satanás — beijando o mundo — — A c o lá ... (Não tenhas m ê d o !.. . )
Manchou a criação, E ’ Santa Helena — o rochedo
Simum — crestou-me da esperança as flo r e s ... Dêsse Titã, que foi r e i ! ...
Tormenta — ela afogou nos seus negrores — A li... (Não feches os o lh o s !...)
A luz da in sp iração ... A l i ... aquêles abrolhos
São a ilha de Je r s e y !...
Vai, D a lila l... E ' bem longa tua estrad a...
E ’ suave a descida — terminada São êles — os dous gigantes
Em báratro cruel. No século de pigmeus.
Tua vida — é um banho de am b ro sia... São êles — que a majestade
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria Arrancam da mão de Deus.
Pendente do bordel. — Êste concentra na fronte
Mais astros — que o horizonte.
Hoje flo res.. . A música soando.. . Mais luz — do que o sol lançou!. ..
As perlas do Champanhe gotejando — Aquêle — na destra alçada
Em taças de cristal. Traz segura sua espada
A volúpia a escaldar na louca in sô n ia ... — Cometa, que ao céu ro u b o u !...
Mas sufoca os festins de babilônia
A legenda fatal. E olham os velhos rochedos
O Sena, que dorme além. ..
Tens o seio de fogo e a alma fria. E a França, que entre a caligem
O cetro empunhas lúbrico da orgia Dorme em sudário tam b ém ...
Em que reinas tu s ó ! . . . E o mar pergunta espantado:
Mas que finda o ranger de uma mortalha, “ Foi deveras desterrado
A enxada do coveiro que trabalha Buonaparte — meu ir m ã o ? ...” 3148
A revolver o pó. Diz o céu, astros chorando:
“ E H u g o ? ...” E o mundo pasmando
Não te maldigo, n ã o l... Em vasto campo Diz: “ H u g o ... N apoleão!.. . ”
Julguei-te — estrela, — e eras — pirilampo
Em meio à cerra ção ... Como vasta reticência
Prometeu — quis dar luz à fria a rg ila ... Se estende o silêncio a p ó s ...
Não p u d e... Pede a Deus, louca Dalila, És muito pequeno, ó França,
A luz da red en ção !... P ’ra conter êstes h e ró is...
R ecife — 1864. Sim ! que êstes vultos augustos
Para o leito de Procustos
Muito grandes Deus tra ç o u ...
Basta os reis tremam de mêdo
AS DUAS ILHAS 3146
Se a sombra de algum rochedo
Sôbre êles se p ro je to u !...
SÔBRE U.WA PÁGINA DA PoESIA DE
V. Hugo, Com o Mesmo T ítulo. Dizem que, quando, alta noite,
Dorme a terra — e vela Deus,
Quando à noite — às horas mortas - As duas ilhas conversam
O silêncio e a solidão Sem temor perante os céus.
Sob o dossel 3147 do infinito — — Jersey curva sôbre os mares, 3149
Dormem do mar n’amplidão, A 3150 Santa Helena os pensares

[ 725 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

Segreda do velho H u g o ... Glória ao M estre! Passando por seus dedos


— E Santa Helena no entanto Dói mais a d o r .. . os risos são mais le d o s...
No Salgueiro enxuga o pranto O amor é mais do céu . . .
E conta o que Ê le fa lo u .. . Rebenta o ouro desta fronte acesa!
O artista corrigiu a natureza!
E olhando o presente infame O alquimista venceu!
Clama: “ Da turba vulgar
Nós — infinitos de pedra — Então surges. A tor! e do proscênio
Nós havemo-los v i n g a r !...” Atiras as moedas do teu gênio
E do mar sôbre as escumas, Às pasmas multidões.
E do céu por sôbre as brumas, Pródigo enorme! a tua enorme esmola
Um ao outro dando a m ã o .. . Cunhada pela efígie tua rola
Encaram a imensidade Nos nosssos corações.
Bradando: “A P o s te rid a d e !...”
Deus ri-se e diz: “ Inda n ã o ! . . . ” P or isso agora, no teu almo dia.
R e c ife 1865. Vieram dando as mãos a Poesia
E o povo, bem vês,
Como nos tempos dessa Roma antiga
AO ATOR JO A Q U IM AUGUSTO Aos pés dêsse outro Augusto a plebe amiga
Atirava la u ré is ...
Um dia Pigmalião — o estatuário
Da oficina no tôsco santuário Augusto! E o nome teu não se d esm en te...
Pôs-se a pedra a ta lh a r ... O diadema real na vasta frente
Surgem contornos lânguidos, am en o s.. . C in g e s ... eu bem o sei!
E dos flo co s de m árm ore outra Vénus Mandas no povo dêste novo L á c io ...
Surge áestoutro mar. E os poetas repetem como H orário:
“ Salvei Augusto! R e i!”
De orgulho o mestre r i . . . A estátua é bela! 6". P au lo, O utubro d e 1868.
Da Grécia as filhas por inveja dela
Vão nas grutas g e m e r...
Mas o artista soluça: “ O ’ Grande Jo v e!
“ E la é b e la ... bem sei — mas não se move! 0 5 A N JO S DA MEIA-NOITE
“ E ’ sombra — e não m ulher!”

Então do excelso Olimpo o deus-tonante F o t o g r a f ia s


Manda que desça um raio fulgurante
À tenda do escultor. I
Vive a estátua! Nos olhos — treme o pejo.
Vive a e s tá tu a !... Na bôca — treme um beijo, Quando a insônia, qual lívido vampiro,
Nos seios — treme amor. Como o arcanjo da guarda do Sepulcro,
Vela à noite por nós,
O poeta é — o moderno estatuário E banha-se em suor o travesseiro,
Que na vigília cria solitário E além geme nas franças do pinheiro
Visões de seio nu! Da brisa a longa v o z ...
O mármore da Grécia — é o novo drama!
Mas o raio vital quem lá d e rra m a ?...
Quando sangrenta a luz no alampadário
E ’ Jú p ite r !.. . És t u ! . . .
Estala, cresce, expira, após ressurge,
Como uma alma a penar;
Como Gluck nas selvas aprendia
E canta aos guizos rubros da loucura
Ao som do violoncelo a melodia
A febre — a meretriz da sepultura —
Da santa inspiração.
A rir e a s o lu ç a r...
Assim bebes atento a voz obscura
Do vento das paixões na selva escura
Chamada — multidão. Quando tudo vacila e se evapora.
Muda e se anima, vive e se transforma.
Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos. Cambaleia e se e s v a i...
Cantos de amor, blasfêmias de precitos, E da sala na mágica penumbra
Chôro ou reza infantil, Um mundo em trevas rápido se obumbra.
Tudo c o lh e s ... e voltas co’as mãos cheias, E outro das trevas s a i ...
— O crânio largo a transbordar de idéias
E de criações mil.

Então começa a luta, a luta enorme, E n t ã o ... nos brancos mantos que arregaçam
Desta matéria tôsca, áspera, informe, Da meia-noite os Anjos alvos passam
Que na praça apanhou. Em longa procissão!
Teu gênio vai forjar novo te s o u ro ... E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
O cobre escuro vai mudar-se em ouro, São os Anjos de amor de meu passado
Como Fausto o sonhou! Que desfilando v ã o ...

[ 720 ]
ESPU M AS FLU TU AN TES

Almas, que um dia no meu peito ardente Alva a clàmide aos ventos — roçagante. . .
Derramastes dos sonhos a semente, Túmido o lábio, onde o saltério g ir a ...
Mulheres, que eu amei! O ’ musa de Israel! pega da lir a ...
Anjos louros do céu! virgens serenas! Canta os martírios de teu povo errante!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgil aparecei! Mas n ã o ... brisa da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda; Falou-lhe de p a rtir... c p a rte .. . e v o a ...
Acorde-se a harmonia à noite infinda
Ao rôto bandolim ... Qual nas algas marinhas desce um a s tr o ...
Linda E ster! teu perfil se e s v a i... s’e s c o a ...
Só me resta um p erfu m e... um c a n to ... um ras-
E no éter, que em notas se perfuma. [ t r o .. .
As visões s'alteando uma por u m a ... 3151
Vão desfilando a s s im !... 4.a SOMBRA

l.a SOMBRA FABÍOLA


M aríeta Como teu riso dói. . . como na treva
Os lémures respondem no infinito:
Como o gênio da noite, que desata Tens o aspecto do pássaro maldito,
O véu de rendas sôbre a espadua nua, Que em sânie de cadáveres se ceva!
Ela solta os cab elos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de p ra ta ... Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, a flito ...
0 seio virginal que a mão recata, Fabíola! E ’ teu n o m e !... P 'scu ta ... é um grito,
Embalde o prende a m ã o .. . cresce, flu tu a... Que lacérante para os céus s’é le v a !...
Sonha a moça ao relento. . . Além na rua
Preludia um violão na seren ata!... E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
...F u rtiv o s passos morrem no la je d o ... Enche a noite de horror, de mais h o rro res...
Resvala a escada do balcão d iscre ta ... 3153
Matam lábios os beijos em seg rêd o ... E ’ sangue, que referve-te na taça!
E ’ sangue, que borrifa-te estas flores!
Afoga-me os suspiros, Marieta! E este sangue é meu sang u e.. . é m e u .. . Desgraça!
Oh surpresa! oh palor! oh pranto! oh mêdo! 3153
Ai! noites de Romeu e Ju lie ta !...
5.3 e 6.3 SOMBRAS
2.3 SOMBRA
CÂNDIDA E Laura
B árbora
Como no tanque de um palácio mago,
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma. Dous alvos cisnes na bacia lisa,
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos. Como nas águas que o barqueiro frisa,
Dentes niveos em lábios tão vermelhos, Dous nenúfares sôbre o azul do lago,
Como boiando em purpurina escuma;
Como nas hastes em balouço vago
Um dorso de V a lq u íria... alvo de bruma,
Dous lírios roxos que acalenta a brisa,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Como um casal de juritis que pisa
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
O mesmo ramo no amoroso a fa g o ....
Mas como êles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino, Quais dous planêtas na cerúlea esfera,


Que harmonias e músicas resp ira... Como os primeiros pâmpanos das vinhas,
Como os renovos nos ramais da hera,
No lábio — um b e ijo .. . no beijar — um hino;

Harpa eólia a esperar que o vento a fira, Eu vos vejo passar nas noites minhas,
— Um pedaço de mármore d iv in o ... Crianças que trazeis-me a prim avera...
E ’ o retrato de Bárbora — a Hetaíra. — Crianças que lembrais-me as andorinhas!..

3.3 SOMBRA 7.3 SOMBRA

E ster D ulce

Vem! no teu peito cálido e brilhante Se houvesse ainda talismã bendito


O nardo oriental melhor transpira!.. Que desse ao pântano — a corrente pura.
Enrola-te na longa cachemira, Musgo — ao rochedo, festa — à sepultura,
Como as Judias moles do Levante, Das águias negras — harmonia ao g rito ...

[ -■27]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

Se alguém pudesse ao infeliz precito “ Onde vais, estrangeiro? Porque deixas


Dar lugar no banquete da v e n tu ra ... E sta infeliz, misérrima cabana?
E trocar-lhe o velar da insônia escura Inda as aves te afagam do arv o red o ...
No poema dos beijos — in fin ito .. . , Se q u ise re s... as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
C e r to ... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário “ Queres voltar a êste país maldito
A cruz de angústias que o meu ser a r r a s ta !.. . Onde a alegria e o riso te deixaram?
Mas se tudo recusa-me o fadário, Eu não sei tua h is tó ria ... mas que im p o rta ?...
Na hora de expirar, ó Dulce, basta ...B ó i a em teus olhos a esperança morta
M orrer beijando a cruz de teu r o s á r io !... Que as mulheres de lá te apunhalaram.

“ Não partas, não! Aqui todos te querem!


8.^ SOMBRA
Minhas aves amigas te conhecem.
ÜLTi.Mo Fantasma Quando à tardinha volves da colina
Sem receio da longa carabina
Quem és tu, quem és tu, vulto 3154 gracioso, De lajedo em lajedo as corças descem.
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras m ergu lh ad a... “Teu cavalo nitrindo na savana
Sóbre as névoas te libras v a p o ro so ... Lambe as úmidas gramas em meus dedos.
Quando a fanfarra tocas na montanha,
Baixas do céu num vôo h arm o n io so !... A matilha dos ecos te acompanha
Quem és tu, bela e branca desposada? Ladrando pela ponta dos penedos.
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser m iste rio so !... “ Onde vais, belo moço? Se partires
Quem será teu amigo, irmão e pajem?
Onde nos vimos n ó s ? ... És doutra esfera? E quando a negra insônia te devora,
És o ser que eu busquei do sul ao n o r te .. . Quem na guitarra que suspira e chora,
P or quem meu peito em sonhos d esesp era?... H á de cantar-te seu amor selvagem?

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte! “ A choça do desterro é nua c fria!
És talvez o ideal que est’alma espera! O caminho do exílio é só de abrolhos!
És a glória talvez! Talvez a m o r te !... Que família melhor que meus d esv elo s?...
Que tenda mais sutil que meus cabelos
S a n t a I s a b e l, A g o s t o d e 1 8 7 0 .
Estrelados no pranto 3156 de teus o lh o s ? ...

“ Estranho moço! Eu vejo em tua fronte


E sta amargura atroz que não tem cura.
O HÓSPEDE Acaso fulge ao sol de outros países.
Por entre as balsas de cheirosas 3157 üses
Choro por ver que os dias passam breves
E te esqueces de mim quando te fôres;
A espôsa que tua alma assim procura?
Como as brisas que passam doudas leves,
E não tornam atrás a ver as flores. “Talvez tenhas além servos e amantes,
Um palácio em lugar de uma choupana.
T E Ó F IL O BRAGA
E aqui só tens uma guitarra e um beijo,
E o fogo ardente de ideal desejo
“ Onde vais, 3155 estrangeiro! Porque deixas
Nos seios virgens da infeliz s e r r a n a !...”
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes? No entanto Êle p a rtiu !... Seu vulto ao longe
Porque transpor o píncaro dos montes, Escondeu-se onde a vista não a lc a n ç a ...
Quando podes achar o amor tão p e rto ? .. . . . . Mas não penseis que o triste forasteiro
Foi procurar nos lares do estrangeiro
“ Pálido m oço! Um dia tu chegaste O fantasma sequer de uma e sp e ra n ça !...
De outros climas, de terras bem d istantes.. C u r ra lin h o , 29 d e A b r il d e 1870.
E ra n o it e !... A tormenta além r u g ia ...
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
AS TREVAS
“Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o r i o .. .
De teu cavalo a galopar soava,
(Traduzido do Lord Byron)
E teu cão ululando replicava A Meu Amigo, o Dr. F ranco Meireles, Inspirado
Aos surdos roncos do trovão bravio. T radutor das “Melodias Hebraicas”.
“ Entraste! A loura chama do brasido Tive um sonho que em tudo não foi s o n h o !...
Lambia um velho cedro crépitante.
E ras tão triste ao lume da fo g u e ira ... O sol brilhante se apagara: e os astros,
Que eu derramei a lágrima primeira Do eterno espaço na penumbra escura,
Quando enxuguei teu manto gotejante! Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.

[ 728 ]
ESPU M A S FLU TU AN TES

A terra fria balouçava cega Faminta a multidão morrera aos poucos.


E tétrica no espaço êrmo de lua. Escaparam dous homens tão sòmente
A manhã ia, v in h a ... e reg ressav a... De uma grande cidade. E se odiavam.
Mas não trazia o dia! Os homens pasmos . . . F o i junto dos tições quase apagados
Esqueciam no horror dessas ruínas De um altar, sôbre o qual se amontoaram
Suas paixões: e as almas conglobadas Sacros objetos p’ra um profano uso,
Gelavam-se num grito de egoísmo Que encontraram-se os d o u s... e, as cinzas mornas
Que demandava “luz". Junto às fogueiras Reunindo nas mãos frias de espectros.
Abrigavam-se.. . e os tronos e os palácios, ^ISS De seus sopros exaustos ao bafejo
Os palácios dos reis, o albergue e a choça Uma chama irrisória produziram !...
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas Ao clarão que tremia sôbre as cinzas
As cidades morrido. Em tôrno às brasas Olharam-se e morreram dando um grito.
Dos seus lares os homens se grupavam, Mesmo da própria hediondez morreram.
P ’ra a vez extrema se fitarem juntos. Desconhecendo aquêle em cuja fronte
Feliz de quem vivia junto às lavas Traçara a fome o nome de Duende!
Dos vulcões sob a tocha alcantilada!
O mundo fêz-se um vácuo. A terra esplêndida,
Hórrida esp’rança acalentava o mundo! Populosa, tornou-se numa massa
As florestas ard iam !.. . de hora em hora Sem estações, sem árvores, sem erva.
Caindo se apagavam; crepitando, Sem verdura, sem homens e sem vida.
Lascado o tronco desabava em cinzas. Caos de morte, inanimada argila!
E tu d o... tudo as trevas envolviam. Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos!
As frontes ao clarão da luz doente Nada turbava a solidão profunda!
Tinham do inferno o asp ecto .. . quando às vêzes Os navios no mar apodreciam
As faíscas das chamas borrifavam-nas. Sem marujos! Os mastros desabando
Uns, de bruços no chão, tapando os olhos Dormiam sôbre o abismo, sem que ao menos
Choravam. Sóbre as mãos cruzadas — outros — Uma vaga na queda alevantassem.
Firmando a barba, desvairados riam. Tinham morrido as vagas! e jaziam
Outros correndo à toa procuravam As marés no seu túm ulo.. . antes delas
0 ardente pasto p’ra funéreas piras. A lua que as guiava era já morta!
Inquietos, no esgar do desvario, No estagnado céu murchara o vento;
Os olhos levantavam p’ra o céu tôrvo, Esvaíram-se as nuvens. E nas trevas
Vasto sudário do universo — espectro —, E ra só trevas o universo inteiro.
E após em terras se atirando em raivas, Bahia, 23 de Desembro.
Rangendo os dentes, blásfemos, uivavam!

Lúgubre grito os pássaros selvagens


Soltavam, revoando espavoridos AVES DE ARRIBAÇÃO 3159
Num vôo tonto co’as inúteis asas!
As feras ’stavam mansas e medrosas! Pensava em ti nas horas de tristeza
Quando estes versos pálidos compus,
As viboras rojando s’enroscavam Ccrcavam-nie planícies sem beleza,
Pelos membros dos homens, sibilantes. Pesava-rae na fronte um céu sem luz.
Mas sem v en en o ... a fome lhes matavam! Ergue este ramo sõlto no caminho.
E a guerra, que um momento s’extinguira. Sei que em teu seio asilo encontrará.
De novo se fartava. Só com sangue Só tu conheces o secreto espinho
Que dentro d’alma me pungindo está.
Comprava-se o alimento, e após à parte
Cada um se sentava taciturno, FAGUNDES VA R E LA
P ’ra fartar-se nas trevas infinitas! Aves, c primavera! à rosa! à rosai
Já não havia a m o r !... O mundo inteiro T O M A Z R IB E IR O
Era um só pensamento, e o pensamento
Era a morte sem glória e sem detença! I
O estertor da fome apascentava-se
Nas entranhas... Ossada ou carne pútrida E ra tempo em que as ágeis andorinhas
Ressupino, insepulto era o cadáver. Consultam-se 3160 na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Mordiam-se entre si os moribundos: Os pardos horizontes carregad os...
Mesmo os cães se atiravam sôbre os donos.
Todos exceto um s ó . . . que defendia Em que as rôlas e os verdes periquitos
O cadáver do seu, contra os ataques Do fundo do sertão descem can tan d o...
Dos pássaros, das feras e dos homens, Em que a tribo das aves peregrinas
Até que a fome os extinguisse, ou fossem Os Zíngaros do céu formam-se em bando!
Os dentes frouxos saciar algures!
Ele mesmo alimento não bu scava... V iajar! viajar! A brisa morna
Mas, gemendo num uivo longo e triste. Traz de outro clima os cheiros provocantes.
Morreu lambendo a mão que, inanimada, A primavera desafia as asas.
Ja não podia lhe pagar o afeto. Voam os passarinhos e os a m a n tes!...

[ 720 ]
ANTÔ NIO D K C A S T R O A L V E S

I I IV
Um dia Ê les chegaram. Sôbre a estrada E ’ noite! Trem e a lâmpada medrosa
Abriram à tardinha as persianas; Velando a longa noite do p o e t a ...
E mais festiva a habitação sorria Além, sob as cortinas transparentes
Sob os festões das trêmulas lianas. E la d o rm e ... formosa Julieta!
Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa Entram pela janela quase aberta
Quem fossem da casinha os habitantes. 3i6i
Da meia-noite os preguiçosos ventos
— São noivos — : as mulheres murmuravam! E a lua beija o seio alvinitente
E os pássaros diziam: ■— São amantes — !
— Flor que abrira das noites aos relentos.
Eram vozes — que uniam-se co’as brisas! O Poeta tra b a lh a !... A fronte pálida
Eram risos — que abriram-se co’as flores! Guarda talvez fatidica tris te z a ...
Eram mais dous clarões — na primavera!
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Na festa universal — mais dous am ores! Tendo por musa — o amor e a natureza!
A stros! Falai daqueles olhos brandos. E como o cáctus desabrocha a mêdo
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos! Das noites tropicais na mansa calma,
Ninhos d’aves! dizei, naquele seio, A estrofe entreabre a pétala mimosa
Como era doce um pipilar d’anelos.
Perfumada da essência de sua alma.
Sei que ali se ocultava a m ocid ad e... No entanto E la d esp erta... num sorriso
Que o idilio cantava noite e d ia ... Ensaia um beijo que perfuma a b r is a ...
E a casa branca à beira do caminho . . .A Casta-diva apaga-se nos m o n te s...
E ra o asilo do amor e da poesia. Luar de amor! acorda-tc, Adalgiza!
Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano. V
Ouviam-se, alongando a paz nos ermos.
Os sons doces, plangentes de um piano. H oje a casinha já não abre à tarde
Sôbre a estrada as alegres persianas.
Depois suave, plena, harmoniosa Os ninhos d esab aram ... no abandono
Uma voz de mulher se alevantava. . . Murcharam-se as grinaldas de lianas.
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava. Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
E a voz cantava o trem olo medroso . . . A Primavera, que arrebata as a s a s ...
De uma ideal sentida b arcaro la. .. Levou-lhe os passarinhos e os a m a n te s !...
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola! Curralinho — 1S70.

I I I

Às vezes, quando o sol nas matas virgens OS PERFUMES


A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensangüentava
A L.
Os píncaros da longa serrania,
O sándalo é o perfume das mulheres de Estambul, e
Um grupo destacava-se amoroso. das huris do profeta; como as borboletas, que se alimen­
tam do mel, a mulher do Oriente vive com as gótas dessa
Tendo por tela a opala do infinito. essência divina.
Dupla estátua do amor e mocidade
J. D ’ A L E N C A R
Num pedestal de musgos e granito.

E embaixo o vale a descantar saudoso O perfume é o invólucro invisível,


Na cantiga das moças la v a d eira s!... Que encerra as formas da mulher bonita.
E o riacho a sonhar nas canas bravas, Bem como a salamandra em chamas vive.
E o vento a s’embalar nas trepadeiras. Entre perfumes a sultana habita.

O ’ crepúsculos m ortos! Voz dos ermos! Escrínio aveludado onde se guarda


Montes azuis! Sussurros da floresta! — Colar de pedras — a beleza esquiva.
Quando mais vós tereis tantos afetos Espécie de crisálida, onde mora
Vicejando convosco em vossa fe s ta ? ... A borboleta dos salões — a Diva.

E o sol poente inda lançava um raio Almas das flores — quando as flores morrem.
Do caçador na longa cara b in a ... Os perfumes emigram para as belas.
E sôbre a fronte à ’E la por diadema Trocam lábios de virgens — por boninas.
Nascia ao longe a estréia vespertina. Trocam lírios — por seios de donzelas!

[ 730 ]
ESPUM AS FLUTUANTES

E ali — silfos travessos, traiçoeiros, Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado


Voam cantando em lânguido compasso. A perna a mais formosa — o corpo o mais macio,3i67
Ocultos nesses cálices macios E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Das covinhas de um rosto ou dum regaço. Entrega um seio nu, moreno, lu zidio...
Vós, que não entendeis a lenda oculta,
A linguagem mimosa dos aromas. Porém dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravatá nos cachos reluzentes,
De Madalena a urna olhais apenas
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
Como um primor de orientais redomas;
E desce devagar pelos cipós pendentes.
E não vêdes que ali na mirra e nardo
Vai tôda a crença da Judia lo u ra ... E d e s c e ... e desce m a is ... à rêde já se c h e g a ...
E que o óleo, que lava os pés do Cristo, Da índia nos cabelos a longa cauda so m e...
E ’ uma reza também da pecadora. H orror! aquêle horror ao peito eis que se apega!
A baba — quer o leite! — A chaga — sente fome!
Por mim eu sei que há confidências ternas,
(Jm poema saudoso, angustiado, O veneno — quer mel! — a escama quer a pele!
Se uma rosa de há muito emurchccida, Quer o almíscar perfume! O imundo quer o belo!
Rola acaso de um livro abandonado. A língua do réptil — lambendo o seio im b ele!...
Uma cobra — por filh o .. . Plorrível pesadelo!...
O espírito talvez dos tempos idos
Desperta ali como invisível n u m e...
E o poeta murmura suspirando: I I
“Bem me le m b ro ... era êste o seu perfume!”
Assim, minh’alma, assim um dia adormeceste
E que segredo não revela acaso Na floresta ideal da ardente m ocidade...
De uma mulher a predileta essência? Abria a fantasia — a pétala ce le ste ...
Ora o cheiro é lascivo e provocante! Zumbia o sonho d’ouro em doce obscuridade...
Ora casto, infantil, como a inocência!
Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
Ora propala os sensuais anseios Onde a paixão corria indômita e fremente!
D'alcova de Ninon ou Margarida, Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença
Ora o mistério divinal do leito, Não bôea de m u lher... mas de fatal serp en te!...
Onde sonha Cecília adormecida.
Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 1869.
Aqui, na magnólia de Celuta,
Lambe a sôlta madeixa que se estira.
Unge o bronze do ombro da caboc’la,
E o mármore do corpo da Hetaíra. A UMA ATRIZ
E ’ que o perfume denuncia o espírito
(N o S e u B e n e f íc io )
Que sob as formas feminis p alp ita...
Pois como a salamandra em chamas vive. Branco cisne, que vogavas
Entre perfumes a mulher habita. Das harmonias no mar.
Curralinho, 21 de Junho de 1870. Pomba errante de outros climas.
Vieste aos cerros pousar.
Inda bem. Sob os palmares
Na voz do condor, dos mares,
IMMENSIS ORBIBUS ANGUIS Das serranias, 3168 dos c é u s ...
Sente o homem, — que é poeta.
Sibila lambebant linguis vibrantibus ora. Sente o vate — que é profeta.
VERGÍLIO 3162 Sente o profeta — que é Deus.
I Há alguma cousa de grande
Resvala em fogo o sol dos montes sôbre a espalda, Dêste mundo na amplidão,
E lustra o dorso nu da índia am erican a... Como que a face do Eterno
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda, Palpita na c ria ç ã o ...
E pousa o colibri nas flores da 3163 liana. E o homem que olha o deserto.
Diz consigo: “ Deus 'stá perto
7 ~ 3 luz cruel, calmaria intensa! Que a grandeza é o Criador”.
Aqui a sombra, a paz, os ventos, a ca s c a ta ... E, sob as paternas vistas.
E a pluma dos bambus a tremular im en sa... Larga rédeas às conquistas.
E o canto de aves m il... e a solid ão... e a m a ta ... Pede as asas ao condor.
E a hora cm que, 3164 fugindo aos raios da espla-
A T .í- [nada. Inda bem. A glória é is t o ...
A ^ gentil matrona do deserto, 316S E ’ ser tu d o ... é ser qual Deus.
Amarra aos palmeirais a rêde mosqueada, Agitar as selvas d’alma
Que, 3166 leve como um berço, embala o vento in- Ao sôpro dos lábios te u s ...
[c e r to ... Dizer ao peito — suspira!

[ 73 1]
ANTÔNIO I>E CASTRO A LV ES

Dizer à mente — delira! Em vão a luz da crépitante vela


A glória inda é mais: E ' ver De Hugo clareia uma canção ardente;
Homens, que tremem — se trem es! Tens um idilio — em tua fronte b e la ...
Homens, que gemem — se gemes! Um ditirambo — no teu seio q u en te.. .
Que morrem — se vás m orrer!
Pego o com pêndio... inspiração sublime
A glória é ter com o tridente P ’ra ad o rm ecer... inquietações tamanhas.
Refreada a multidão, Violei à noite o domicílio, ó crime!
— Oceano de pensamentos Onde dormia uma n a ç ã o .. . de a ra n h a s..
Que tu agitas co’a mão!
— Montanha feita de idéias,
Que sustenta as epopéias
Que é do gênio pedestal!
— Harpa imensa feita de almas, M orrer de frio quando o peito é b r a s a ...
Que rompe em hinos e palmas, Quando a paixão no coração se a n in h a !?.. .
Ao teu toque divinal. Vós todos, todos, que dorm is em casa,
Dizei se há dor, que se com pare à m inha!..
Mas esq u eceste... Não basta
“ Chegar, olhar e vencer” . 3169 Nini! o horror dêste sofrer pungente
Do gênio a maior grandeza Só teu sorriso neste mundo a c a lm a ...
O ser divino é sofrer. Vem aquecer-me em teu olhar a rd e n te ...
D iz’ ! . . . Quando ouves a torrente Nini! tu és o cache-nez dest’alma.
Do entusiasmo na enchente
V ir espumar-te lauréis; Deus do B o ê m io !... São da mesma raça
N cst’hora grande não sentes As andorinhas e o meu anjo lo u r o ...
Longe os silvos das serpentes, Fogem de mim se a prim avera passa, 3176
Que tentam morder-te os pés? Se já nos campos não há flores de o u r o ...
Inda é a glória — rainha E tu fugiste, pressentindo o inverno,
Que jamais caminha só. M ensal inverno do viver b o ê m io ...
A i! Quem sobe ao Capitólio Sem te lembrar que por um riso terno
Vai precedido de pó. Mesmo eu tomara a prim avera a p r ê m io ...
Porém tu zombas da in v e ja ...
Se à noite o raio lampeja
No entanto ainda do X erez fogoso
Tu fazes dêle um clarão!
Duas garrafas guardo a l i .. . Que minas!
Pela tormenta embalada
Além de um lado o violão saudoso
Ao som da orquestra arroubada
Guarda no seio inspirações d iv in a s...
Vais-te 3170 perder n’amplidâo.
R ecife, 27 de Setem bro de 1S66. Se tu v ie s s e s ... de meus lábios tristes
Rompera o canto... Que esperança inglória!...
E la esqueceu o que jurar-lhe vistes, 3177
Ó Paulicéia, ó Ponte-G rande, ó G ló ria !. ..
CANÇÃO DO BOÊMIO
B a te m !... Que vejo! Ei-la afinal co m ig o ...
R ecita tiv o da “M eia H ora de C in is m o ” Foram -se as tr e v a s ... fabricou-se a lu z ...
C om édia de C o s t u m e s A c a d ê m ic o s Nini! p e q u ei... dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braço s. . . do martírio a cruz ! . . .
Música de Em ílio do 3i7i L ag o
5 . Paulo, Junho de 186S.
Que noite fria! Na deserta rua
Trem em de mêdo os lampeões sombrios.
Densa g a roa faz fumar a lua. 3172
Ladram de tédio vinte cães vadios. É TARDE!
Nini form osa! porque assim fugiste?
Olha-me, ó virgem, a fronte,
Embalde o tempo à tua espera conto. Olha-me os olhos sem luz.
Não vês, não v ê s ? ... Meu coração é triste A palidez do infortúnio
Como um calouro quando leva ponto. Por minhas faces transluz;
Olha, ó virgem — não te iludas —
Eu só tenho a lira e a cruz.
A passos largos eu percorro a sala. 3173 JU N Q U E IR A F R E IR E
Fumo um cigarro, que filei na e s c o la ...
Tudo no quarto de Nini me fala. 3174 É tarde! É muito tardei
Embalde fu m o ... tudo aqui me amola. MONT’A LV ERN E

Diz-me o relógio cinicando a um canto: E ’ tarde! E ’ muito tardei O templo é n e g ro ...


“ Onde está ela que não veio ainda?” O fogo-santo já no altar não arde.
Diz-me a poltrona: “ porque tardas tanto? Vestal! não venhas tropeçar nas p ir a s ...
Quero aquecer-te, 3175 rapariga linda”. E ’ tarde! E ’ muito tarde!

[ 732 ]
ESFUMAS FLUTUANTES

Treda noite! E m:nh’alma era o sacrário, A escória rubra com os geleiros brancos
A lâmpada do amor velava entanto, Misturados resvalam pelos flancos
Virgem flor enfeitava a borda virgem Dos ombros friorentos do v o lcã o ...
Do vaso sacrossanto;

Quando Ela veio — a negra feiticeira — Assim, Poeta, é tua vida imensa,
A libertina, lúgubre bacante, Cerca-te o gêlo, a morte, a indiferença...
Lascivo olhar, a trança desgrenhada, E são lavas lá dentro o coração.
A roupa gotejante.
Curralinho, Junho de 1870.
Foi minha crença o vinho dessa orgia,
Foi minha vida — a chama que apagou-se,
Foi minha mocidade — o toro lúbrico.
Minh’alma — o tredo alcouce.
QUANDO EU MORRER
E tu, visão do céu! Vens tateando
O abismo onde uma luz sequer não arde? Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A fresca tarde
Ai! não vás resvalar no chão lo d o so ... Já não me doura as descoradas faces
E ’ tarde! E ’ muito tarde! Que gélidas se encovam.

JU N Q U EIRA F R E IR E
Ai! não queiras os restos do banquete!
Não queiras êsse leito conspurcado!
Sabes? meu beijo te manchara os lábios Quando eu m o rre r... não lancem meu cadáver
Num beijo profanado. No fôsso de um sombrio cem itério ...
Odeio o mausoléu que espera o morto
A flor do lírio de celeste alvura Como o viajante dêsse hotel funéreo.
Quer da lucíola o pudico a fa g o ...
O cisne branco no arrufar das plumas Corre nas veias negras dêsse mármore
Quer o aljôfar do lago. Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente.
E ’ tarde! A rôla meiga do deserto Abre ao primeiro a bôea libertina.
Faz o ninho na moita perfum ada...
Rôla de amor! não vás ferir as asas
Na ruína gretada. Ei-la a nau do sepulcro — o cem itério ...
Que povo estranho no porão profundo!
Como o templo, que o crime encheu de espanto, Emigrantes sombrios que se embarcam
Êrmo e fechado ao fustigar do norte, Para as plagas sem fim do outro mundo.
Nas ruínas desta alma a raiva g e m e ...
E cresce o cardo — a morte — . Tem os fogos — errantes — por santelmo.
Tem por velame — os panos do sudário..
Ciúme! dor! sarcasmo! — Aves da noite! Por mastro — o vulto esguio do cipreste
Vós povoais-me a solidão sombria, Por gaivota —■ o môcho funerário.,
Quando nas trevas a tormenta ulula
Um uivo de a g o n ia !...
Ali ninguém se firma a um braço a m ig o ...
Do inverno pelas lugubres n oitad as...
E ’ tarde! Estréia d’alva! o lago é turvo. No tombadilho indiferentes chocam-se
Dançam fogos no pântano sombrio. E nas trevas esbarram-se as o ssad as...
Pede a Deus que dos céus as cataratas
Façam do brejo — um rio! Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas.
Mas n ã o l... Sòmente as vagas do 3178 sepulcro Sem ver o branco fumo de seus lares
Hão de apagar o fogo que em mim a r d e ... Levantar-se por entre as aven id as!...
Perdoa-me, S e n h o ra !... Eu sei que m o rro ...
E ’ tarde! E ’ muito ta r d e i...
Oh! perguntai aos frios esqueletos
Rio de Janeiro, 3 de Novembro de 1869. Porque não têm o coração no p e ito ...
E um dêles vos dirá; — Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito. —

A MEU IRMÃO GUILHERME DE CASTRO ALVES Outro: — Dei-o a meu pai. Outro: Esqueci-o
Nas inocentes mãos de meu filh in h o ... —
Na cordilheira altíssima dos Andes 3179 Meus amigos! n o ta i... bem como um pássaro
Os Chimborazos solitários, grandes. O coração do morto volta ao n in h o !...
Ardem naquelas hibernais regiões.
Ruge embalde e fumega a so lfa tera ... S. Paulo, Março de 1869.
E ’ dos lábios sangrentos da cratera
Que a avalanche vacila aos furacões.

[ 733 ]
ANÏô*\10 DK CASTRO ALVES

UMA PÁGINA DE ESCOLA REALISTA As trevas rolam como as tranças negras,


Que a Andaluza desmancha em mago enleio;
E entre rendas sutis surge medrosa
D rama C ôm ico em Q uatro P alavras
A lua plena, qual moreno seio.
A tragédia me faz rir; a comedia me faz chorar.
E o drama? Nem rir, nem chorar. . . Abre-se o n in h o ... o c á lic e ... o re g a ç o ...
(Pensamento de CA RN IO LI)
Anfitrite, corando, aguarda o n o iv o ...

C en á r io (Longa paiisa).

A alcova é fria e pequena, E tu também esperas teu esposo,


Abrindo sôbre um jardim. Ó morte! ó moça, que engrinalda o goivo!
A tarde frouxa e serena
J â desmaia para o fim. S ílvia (à meia-voz, acompanhando-se na guitarra).
No centro um leito fechado
Dizem as moças galantes
Deixa o longo cortinado
Que as rôlas são tão co n sta n te s...
Sôbre o tapete r o la r ...
Pois será?
Há, nas jarras deslumbrantes.
Que morrendo-lhe os amantes.
Camélias frias, brilhantes,
Morrem de fome, arquejantes,
Lembrando a neve polar.
Quem dirá?
Livros esparsos por terra,
Uma harpa caída além ;
Dizem sábios arrogantes
E essa tristeza que encerra
Que nestas terras distantes,
O asilo onde sofre alguém.
Não por cá,
Fitas, máscaras e flores,
Sôbre piras fumegantes
Não sei que vagos odores
Morrem viúvas constantes,
Falam de amor e prazer.
Pois será?
Além da frouxa penumbra
Um vulto incerto ressumbra Não creio nos navegantes,

— O vulto de uma mulher. Nem nas histórias galantes
Vous, qui volez là-bas, légères hirondelles Que há por lá.
Dites-moi, dites-moi, pourquoi vais je mourir. Fome e fogueiras brilhantes
M U SSET Cá não h á . ..
Mas inda morrem amantes
De saudades lacérantes.
M ário (no leito).
Quem dirá?
E ’ tarde! é tarde! Abri-me estas cortinas,
Deixai que a luz me acaricie a f r o n te !... (Aos últimos harpejos cai-lhe uma lágrima).
Ó sol, Ó noivo das regiões divinas.
Suspende um pouco a luz neste horizonte! M ário (vendo-a chorar).
Sílvia! Deixa rolar sôbre a guitarra,
S ílvia (abrindo a janela). Da lágrima a harmonia peregrina!
Silvia! cantando — és a mulher formosa!
Da noite o frio vento tc regela Sílvia! chorando — és a mulher divina!
O mórbido s u o r ...
Oh! lágrimas e pérolas! — aljôfares
M ário Que rebentais no interno cataclismo,
Do oceano — êste dédalo insondável!
O h! que me importa? Do coração — este profundo abismo!
A tarde doura-me o suor da fr o n te ...
— Último louro desta vida m orta! Sílvia! dá-me a beber a gôta d’àgua,
Nessa pálpebra roxa como o lír io ...
CrepúscTo! mocidade! natureza! Como lambe a gazela o brando orvalho
Inundai de fulgor meu dia e x tre m o ... Nas largas fôlhas do deserto assírio.
Quero banhar-me em vagas de harmonia,
Como no lago se mergulha o remo! E quando est’alma desdobrando as asas
En trar do céu na região serena,
E que amores que sonham as esferas! Como uma estréia eu levarei nos dedos
A brisa é de volúpia um calafrio. Teu pranto sideral, ó M ad alen a!...
A estréia sai das fôlhas do infinito.
Sai dos musgos o verme luzidio. . . SÍLVIA (tem-se ajoelhado aos pés do leito).
Tudo que vive, que palpita e sente. Meus prantos sirvam apenas
Chama o par amoroso para a sombra. P ’ra umedecer teus cabelos,
O pombo arrula — preparando o ninlio, Como da corça nos velos
A abelha zumbe — preparando a alfombra. Fresco orvalho a resvalar!

[ 734 ]
ESPUMAS FLUTUANTES

P ’ra molhar a flor que aspires SÍLVIA


Rolem prantos de meus olhos,
P ’ra atravessar os escolhos Que mancha é esta sangrenta,
Meus prantos manda r o la r !... Que no teu lábio flutua?

Meus prantos sirvam apenas M ário


P ’ra a terra, em que tu pisares, São as sombras de uma nuvem
P ’ra a sêde, em que te abrasares, Que tolda a face da lua!
Terás meu sangue, Senhor!
Meus prantos são óleo humilde ^18 0 S ílvia
Que eu derramo a tuas p la n ta s...
Como teus dedos esfriam
Sôbre minha espádua n u a !...
(Mário estende-lhe os braços).
M ário (distraído).
Mas se acaso me levantas
Meus prantos dizem-te a m o r !... Não vês um anjo, que desce,
No frouxo clarão da lu a ? ...
M ário (tendo-a contra o seio).
SÍLVIA
Sentir que a vida vai fugindo aos poucos Mário? Não vês quem te ch a m a ?...
Como a luz que desmaia no o cid en te... Tua a m a n te ... S ílv ia ... a t u a ...
E boiar sôbre as ondas do sepulcro,
Como Ofélia nas águas da co rre n te ... M ário (desmaiando).
Sentir o sangue espadanar do peito, É a morte que me leva
— Licor de morte — sôbre a bôca fria, Num frio raio da lu a !.. .
E meu lábio enxugar nos teus cabelos, (O poeta cai semimorto sôbre o leito. No es­
Como Rola nas tranças de Maria, pasmo sua mão contraída prende uma
trança da moça).
De teus braços fazer o diadema
De minha vida que desmaia insana, SÍLVIA
Esquecer o passado em teu regaço,
Como Byron aos pés da Italiana; Teus brandos dedos fecharam
De meu cabelo a madeixa.
Em teu lábio, molhado e perfumoso, Tua amante não se q u e ix a ...
O licor entornar de minha v id a ... Bem v ê s ... cativa ficou.
Escutar-te nas vascas da agonia, Mas não se prende o desejo
Como Fausto as canções de M arg arid a!... Que n'alma acaso se a n in h a !...
Nunca vistes a andorinha,
Eis como eu quero — na embriaguez da m orte. . . Que alegre o fio quebrou?
Do banquete no chão pender a fro n te ...
Inda a taça empunhando de teus beijos (Ouve-se um relógio dar horas).
Sob as rosas gentis de Anacreonte! . . . Já ! tão tarde! E embalde tento
Abrir-te os dedos fechados,
(A noite tem descido pouco a pouco, o luar Como frios cadeados,
penetrando pela alcova alumia o grupo dos Que o teu amor me lançou.
amantes). Porém se aqui me cativas,
S ílvia Minh’alma foge-te a sin h a ...
Nunca vistes a andorinha,
Que palidez, meu poeta, Que alegre o fio qu ebrou !...
Se estende na face t u a !...
(Debruça-se a escrever numa carteira).
M ário “ Paulo! Vem à m eia-n oite...
Mário morre! Mário expira!
São os raios descorados. Vem que minh’alma delira
Os alvos raios da lua. E embalde cativa e s t o u ...”

S ílvia
M ário (que tem lido por cima de seu ombro).
Sílvia! a morte abre-me os dedos, ^ *8 1
Mas um suor de agonia És livre, S ílv ia ... caminha!
Teu peito ardente tre ssu a ...
(morrendo).
M ário Minh’alma é como a andorinha,
Que alegre o fio quebrou.
São os orvalhos, que descem 1S70.
Ao frio clarão da lua.

L 735 ]
ANTÔNIO D E CASTRO A LV ES

COUP D'ÉTR1ER E se eu devo e x p ira r... se a fibra morta


Reviver já não pode a tanto a le n to ...
Companheiro! Uma cruz na selva corta
É preciso partir! J á na calçada E planta-a no meu tôsco m on u m en to!...
Retinem as esporas do arrieiro; Da chapada nos e rm o s ... (o qu’importa!)
Da mula a ferradura taxeada Melhor o inverno c h o ra .. . e geme o vento
Impaciente chama o cavaleiro; 3182 E Deus para o poeta o céu desata
A espaços ensaiando uma toada Semeado de lágrimas de p r a ta !...
Sincha as bêstas o lépido tro p e iro ...
Ctirralinho, 1 de Junho de It/O.
Soa a celeuma alegre da partida,
O pajem firma o loro e empunha a brida.

J á do largo deserto o sôpro quente


HINOS DO EQUADOR 3184
Mergulha perfumado em meus cabelos.
Ouço das selvas a canção cadente
.Segredando-me incógnitos anelos.
A voz dos servos pitoresca, ardente,
Fala de amores férvidos, singelos. . . DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM
Adeus! Na fôlha rôta de meu fado
T raço ainda um — adeus — ao meu passado.

Um adeus! E depois morra no olvido “ Trem e, treme, dissoluta,


Minha história de luto e de martírio, ím pia filha de Sião!
As horas que eu vaguei louco, perdido Que a tua devassidão
Das cidades no tétrico delírio; Provoca a ira de Deus;
Onde em pântano turvo, apodrecido Povo e rei, todos profanam
D ’intimas flores não rebenta um lír io ... Do Senhor os vasos santos,
E o drama das noite no prostíbulo A Baal se entoam cantos!
É m ártir — a lm a .. . a saturnal 3183 —, patíbulo! Como se ultrajam os c é u s ? !..

“ O rei poluto se entrega


Onde o Gênio sucumbe na asfixia Ao prazer das saturnais;
Em meio à turba alvar e zombadora; Nas orgias infernais
Onde Musset suicida-se na orgia, Dorme o seu povo também.
E Chatterton na fome aterradora! Escarneceste o profeta.
Onde, à luz de uma lâmpada sombria, Desprezaste a Jerem ias?
O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora. Pois s im !... por bem curtos dias
Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos Tu serás Jerusalém .
P ’ra realce dos lúbricos e n c a n to s !...
“Teus palácios majestosos,
Abre-me o seio, ó Madre Natureza! Teus senhores dissolutos.
Regaços da floresta americana. Pelo vício já corruptos.
Acalenta-me a mádida tristeza Hão de cair fulminados;
Que da vaga das turbas espadana. Tuas donzelas mimosas,
T roca dest’alma a fria morbideza E teus filhos, sem auxílfo
Nessa ubérrima seiva s o b e ra n a !... Da escravidão, no exílio
O P r ó d ig o . . . do lar procura o tr ilh o .. . M orrerão aferrolhados.
Natureza! Eu v o lte i... e eu sou teu filho!
“ Trem e! trem e! dissoluta.
Filha ingrata de Sião!
Novo alento selvagem, grandioso Que a tua condenação,
Trem a nas cordas desta frouxa lira. J á lavrou-a o Senhor D e u s ...
Dá-me um plectro bizarro e majestoso. Assim falava inspirado
Alto como os ramais da sicupira. O profeta ao rei, ao povo,
Cante meu gênio o dédalo assombroso Que o escarneciam de novo.
Da floresta que ruge e que suspira, Ouvindo os decretos seus.
Onde a víbora lambe a p a ra s ita ...
E a onça fula o dorso pardo agita!
I I

Onde em cálix de flor imaginária L á nas orlas do horizonte


A cobra de coral rola no orvalho, Sutil fumo se condensa;
E o vento leva a um tempo o canto vário Cresce, e em nuvem negra, imensa,
D ’araponga e da serpe de ch o ca lh o ... .Sobe aos céus em caracol.
Onde a soidão é o magno estradivário. . . Â terra atroam medonhos
Onde há músculos em fúria em cada galho, Confusos tropéis ruidosos.
E as raízes se torcem quais serp en tes... Os corcéis rincham fogosos;
E os monstros jazem no ervaçal dormentes. Brilha o ferro à luz do sol.

[ 736 ]
HINOS DO EQUADOR

Alarma! alarma! tremendo, Jerusalém na febre dos prazeres


Os vigias de Sião A voz não quis ouvir de Jerem ias;
Gritam, reina a, confusão. Pois s im !... mas viu bem cedo realizadas
Corre o povo alvorotado; Do profeta sombrio as profecias.
Alarma! surge o inimigo.
Ameaçando as muralhas E em vez do canto ardente das orgias.
Pelo furor das batalhas Só se ouviam as aves de rapina;
Trazendo o crânio queimado. Os povos converteram-se em argila. 3185
Sião? — ei-la — confusa e vasta ruína!!!
A frente ousado e terrível R ecife ■ 1862 .
Vem Nabucodonosor;
Nos seus olhos o furor
Fuzila; brandindo a lança.
Ergue o férreo braço irado. PESADÊLO
De sangue e morte sedento;
( P o em eto )
E mais veloz do que o vento,
Galopa a bradar — vingança! I

Trava-se a luta medonha. O “R e n d e z - v o u s ”


Do inimigo o duro ferro,
Como a cascata do sêrro, Era uma noite perfumada e lânguida.
Tudo aniquila, veloz; Contava a brisa amores à folhagem.
Emaranham-se os guerreiros. Da lua num olhar voluptuoso
Geme o sabre na couraça, Envolvia-se cândida paisagem.
É tudo luto e fumaça, Quais lágrimas do céu, brancos orvalhos
Troveja do horror a voz. Trementes penduravam-se dos galhos.

E as flores suspiravam molemente


Sobem aos céus os clamores
Da brisa ao receber os doces beijos.
Das mulheres e crianças,
E o mar batia túmido nas praias
Que, sob o império das lanças.
Qual seio de donzela a arfar desejos.
Lastimam a triste sorte;
E nuvens lá no céu brancas passavam,
Jorra o sangue pelas praças. Como garças formosas que adejavam.
De mortos juncam-se as ruas.
Em corpos e espáduas nuas Quebrando a solidão longínquo canto
Tropeça o que escapa à morte. Trouxe a brisa de terno bandolim,
Voluptuoso, ardente e delicado,
Mas não basta o extermínio Como d’harpa de etéreo serafim.
A vingança do Senhor; E o canto — todo amôres — todo gôzo —
Do cativeiro na dor Ia ecoando belo e languoroso.
Não basta gemer Sião;
Infernal chama se ateia. Era José — o trovador ardente,
Devasta os tetos pomposos, Que o silêncio da noite perturbava.
E os castelos majestosos E ra o bardo formoso, apaixonado
E o templo de Salomão. Que a Andaluza fogosa fascinava.
Pálido o rosto, negro o seu cabelo,
I I I Olhar cheio de lu z ... Êle era belo.

E a nivelar-se ao pó foi a princesa Depois calou-se a v o z ... Como essas fadas


A formosa cidade de Sião; Que à noite, quando voa a fantasia.
Como tomba do monte o altivo cedro Vemos, sentimos belas, vaporosas,
Ao desabrido sôpro do tufão. — Anjos que o ideal somente cria; —
Tal ou mais linda, abrindo uma janela.
Surge uma virgem fascinante e bela.
Silêncio sepulcral estende as asas
Sôbre a vasta ruína, fumegante.
Era um rosto formoso de madona.
Quebrado apenas pelo grito agudo
Voava-lhe a madeixa destrançada.
Da andorinha, sem ninho, vaga, errante. E o seio que tremia, — pelas rendas
A lua olhava louca, apaixonada.
Negro véu, como crepe de finado. Tinha um pé que invejara uma criança.
Caiu pesado, como noite escura, Bem feliz quem ao peito lhe descansa!..
Sôbre o solo, que há pouco adormecia
Na soberba, opulência e formosura. Depois uns lábios férvidos se uniram, 3186
Entre beijos dois nomes de escu taram !...
Do viajante os olhos não encontram Dois nomes e mil beijos amorosos
Senão negros vestígios de cidade; Nos lábios as palavras en cerraram ...
Foi Sião, que findou-se, como um ninho Dois nomes em que a vida tôda s 'i a ...
Arrancado ao tufão da tempestade. Dois poemas de santa p oesia...

[ 737 ]
ANTÔXIO DE CASTRO A I A E S

E a porta após rodou por sobre os quicios, Sòmente após a fulva luz de um raio
E a murmurar deixou passar o am ante.. . Verieis uma virgem linda e n u a ...
Sòmente um terno e lânguido suspiro Trem ia de terror, ouvira o g r ito ...
Ouvi trazer a brisa su ssu rran te... ’Stava pálida e branca como a lua,
E a lua então num lânguido desmaio E quando viu o amante — de amargura
Ciümenta lançou o último r a io ... Tornou-se a estátua pasma da loucura.

I I I I I

O A s s a s s in o A L ouca

Uma noite era negro o firmamento. Laura, onde vais? Sòzinha a tais desoras
Monótona caía fria chuva, O vento há de gelar-te a branca pele.
E a terra envolta em véu de densas trevas Como tremes convulsa, e que sorriso!
Parecia chorosa uma viúva; Que chamas teu olhar ardente expele!
Só as aves da noite regeladas Laura, onde vais? Os pés nus, delicados,
Gritando se escondiam nas moradas. Não maltrates nos seixos orvalhados.

Trazia o vento o silvo da rajada Mulher, a quem procuras a estas horas?


Que lúgubre zunia nos pinheiros, Donzela, porque sais tão alta noite?
Trazia gritos pávidos, medrosos. Não vês como aparecem mil fantasmas?
Talvez dalguns perdidos caminheiros, Não sentes da geada o frio açoite?
E no embate co’a bronca penedia, E das aves da noite o triste pio
O mar sinistro c tétrico rugia. Não faz por ti correr um ca la frio ?.. .

De um lampeão à luz incerta e vaga E ela seguia muda e taciturna,


Um vulto negro e triste s’enchergava; Nas rochas machucando o pé divino.
Coberto do capote e do s o m b r e r o , Parecia sonâmbula perdida.
O rosto macilento só m o stra v a ... Autômato a seguir o seu destino.
Mas dalgum raio ao brilho repentino Arfava o peito em ânsias ofegante,
Conhecerieis Jorge — o libertino — Seu olhar era fixo e fascinante.

Que fazes, Jorge, a estas horas mortas? E s e g u ia ... e s e g u ia ... e nem ao menos
A noite está tristonha e friorenta; Parava um só momento no caminho;
Vai aquecer da prostituta ao colo Não sentia rasgarem-se-lhe as vestes
De libertino a fronte macilenta. De incultos ervaçais no duro espinho,
Vai escaldar esta alma morta e fria O gênio da vingança é que a im p elia...
Aos beijos do cognac qu’incendia. Como o Judeu errante ela s e g u ia ...
V a i ... Quando a alma s ’enjoa dêste mundo
Sempre descrente, acerbo de ironia,
O cognac nos dá formosos mundos.
Castelos encantados de poesia. IV
E entre um gol’ de cognac e uma fumaça
Em ditoso delírio a vida passa. A E n t r e v is t a no T úm ulo

Mas Jorge está mais lúgubre e sombrio E ra um triste lugar. Entre ciprestes,
Que o mármore dum túmulo mais calado. Que a custo balançavam a ramagem,
Parece o seu olhar mais turvo e frio, Onde só pr’a gemer tristes endechas
O sulco do sobrolho mais cavado. Passava regelada e fria a aragem.
Ai! J o r g e ... Vais unir ao libertino Num esquife entreaberto está deitado
A covardia infame do assassin o ... Um cadáver de moço abandonado.

E êle pouco esperou. Saudoso canto, E entregue às in tem p éries... sem amigos,
Que suspirava ao longe, aproximou-se, Sem ter quem vá ali chorar um pranto.
E o canto era mais terno e mais sentido Tu, que cantaste os sentimentos puros,
Qu’o último som do cisne que finou-se; Q ’encontraste no mundo um doce encanto.
E ra um canto em que atroz pressentimento Tu dormes, sonhador, já macilento.
Segredava ao mancebo o passamento. Entregue aos vermes vis, pôsto ao relento.

Um momento depois um grito agudo E esta fronte onde o gênio se inflamava.


Triste uniu-se da noite à voz so m b ria ... Donde brotava ardente a poesia,
Foi um grito sòmente e após ouviu-se E os lábios que disseram sons cadentes,
O convulso estertor de um’a g o n ia ... Que ensinava-te alegre a fantasia,
A noite se estendeu como um sudário São hoje como a lâmpada sem lume, —
Do cantor sôbre o leito funerário. Harpa sem cordas, — flores sem perfume.

[ 738 ]
n o o s no equador

Ninguém vem te ch orar. N ão, d entre as som bras K quando o orvalho pende do arvoredo,
U m a som bra passou b ran ca e ligeira, Que se debruça p’ra beijar o rio
Os ramos do arvoredo estremeceram. E as estréias no céu cintilam lânguidas
Espantada voou a ave agou reira. — Pérolas soltas de um colar sem fio;
Quem perturba esta lúgubre m orada?
Uma m u lh er... É Laura, apaixonada. Então eu vou sentar-me sôbre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E ela chegou-se rindo e soluçando E só conto o segrêdo de minh’alma
Cum rir entre medonho e entre formoso. Das horas mortas ao tristonho vento.
Seus lábios tressuavam de ironia
Ao mesmo tempo de inocente gôzo. I I
Junto ao verde cadáver ajoelhou
E com os lábios ardentes o beijou. Eu sei como êste mundo ri de escárnio, -^188
Dêste aéreo sonhar da fantasia,
Depois sentou-se triste junto ao esquife Eu s e i ... P ’ra cada crença de noss’alma,
E as passadas cantigas recordando, Ele tem uma frase de iro n ia ...
Nos dedos frios, trêmulos, nervosos, Ah! deixai-me guardar o meu segrêdo!
Co’os cabelos do amante ia brincando; Dêste riso cruel eu tenho m êd o ...
Co’a outra mão sôbre o morto regelado
Pôs um longo punhal ensangüentado. Meu segrêdo? É o canto de poesia
Que suspirou saudoso o gondoleiro,
“ Durmamos, disse ela, ó meu amante! Que vai morrer gemente sôbre as praias;
Não vês? Eu tenho as mãos ensangüentadas. — Da despedida pranto derradeiro.
Este sangue é de Jorge, é do assassino. Mais aéreo que as vozes da sereia.
Durmamos; tuas cinzas ’stão vingadas”. Alta noite sentada sôbre a areia.
...E n tã o beijou-o louca em devaneio
E recostou-lhe a fronte ao frio s e io ... Meu segrêdo? É o soluço d’alma triste
Que conta sua dor à brisa errante;
É o pulsar tresloucado de meu peito
V A repetir um nome delirante;
Indeciso anelar de edêneo gôzo.
Os D o is C a d á veres Castelo que eu criei vertiginoso.

E depois quando a aurora ergueu-se linda. Criei-o numa noite não dormida.
Viu a louca a embalar no seio o amante, Após vê-la entre tôdas — rainha;
Cantando mil cantigas e o beijando Criei-o nestas horas de delírio.
Sempre amorosa, triste c d eliran te... Em que sentira em fogo a fronte minha
Mas a lua co'os raios desmaiados E o sangue galopava-me nas veias,
Viu dois mortos unidos, ab raçad o s... E o cérebro doía-me de idéias. . .
R ecife, Maio de 1865.
E quem na vida não amara um dia?
E nunca despertara ao som de um beijo?
Quem nunca na vigília empalecera.
MEU SEGRÊDO Ao seguir com o pensar louco desejo?
Quem não sonhara ao colo voluptuoso
À S en h o ra d * * * Da sultana louçâ morrer de gôzo?
I
Uma noite tentei fechar as pálpebras,
Debalde revolvi-me sôbre o le ito ...
Eu tenho dentro d’alma o meu segrêdo
A alma adejava em fantasias d’ouro, «
Guardado como a pérola do mar.
Arfava ardente o coração no peito.
Oculto ao mundo como a flor silvestre
A imagem que eu seguia? É meu segrêdo!
Escondida no vale a vicejar.
Seu nome? Não o d ig o ... tenho mêdo.
Eu guardo-o no meu p e ito ... É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida, Ai! dói muito calar dentro em noss’alma
— Sonho de fantasia — flor efêmera, Este anelar fremente de desejos!
Uma nuvem, talvez, no céu perdida... Ai! dói muito calar o róseo sonho
Que sonhamos; — dormir entre mil beijos
Mas que importa? É uma crença de minh’alma Num seio que de amor todo estremece,
Gôta do orvalho d’alva da existência. Quando o olhar de volúpias esm o rece...
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência. Dói m u ito ... mas dói mais uma ironia,
Quando adeja o pensar no firmamento.
Só, quando a terra dorme solitária Dói m u ito ... mas dói mais um desengano,
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua, Quando se vive só de um sentimento,
E a brisa geme cantos de tristeza Quando o peito cifrou sua esperança
Na rama do pinheiro que flutua; Em beijar da mulher a negra trança.

[ 739 ]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S

Que loucura! Aos teus lânguidos olhares, Como as flores de estufa que emurchecem
Beber, louco de amor, seiva de v id a ... Lembrando o céu azul do seu país,
Sorver perfume em teus cabelos negros. Minha alma vai morrendo, suspirando
Sentir a alma de si mesma esq u ecid a... P or seus perdidos sonhos tão gentis.
E , de gôzo de amar louco, sedento.
Viver a eternidade num momento!
E que d u rm a ... E que d u rm a ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia.
Que ventura! Sorver co’os lábios trêmulos Só a ti é que eu quero que te sentes
Em teus lábios — de amor o nome s a n to ... Ao meu lado na última agonia.
Que ventura! F itar-te os negros olhos
Desmaiados de amor e de q u eb ran to ... R ecife, 7 de Outubro de 1S6J.
E , reclinada a fronte no teu seio,
Sentir lânguido arfar em doce e n le io ...

Mas que louco s o n h a r... Ô minha amante,


Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Quem nem sequer de amor uma palavra NOITE DE AMOR
Dos meus lábios em fogo inda escutaste.
Perdoa êste sonhar vertiginoso! ( R e c it a t iv o )
Foi um sonho do peito deliroso!

E , se um dia, entre as cismas de tu’alma, Passava a lua pelo azul do espaço


Minha imagem passar um só momento. De teu regaço
Fita meus olhos, vê como êles falam A namorar o alvor!
Do amor que eu te votei no esquecimento: Como era terna no seu brando lu m e ...
Recorda-te do moço que em segrêdo Tive ciúme
Fêz-te a fada gentil de um sonho le d o ... De ver tanto amor.

Recorda-te do pobre que em silêncio Como de um cisne alvinitentes plumas


De ti fêz o seu anjo de poesia, Iam as brumas
Que tresnoita cismando em tuas graças, A vagar nos céus,
Que por ti, só por ti, é que vivia, Gemia a brisa — perfumando-a a rosa —
Que tremia ao roçar de teu vestido, Terna, queixosa
E que por ti de amor era p erd id o ... Nos cabelos teus.

Sagra ao menos uma hora em tua vida Que noite santa! Sempre o lábio mudo
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira, A dizer tudo,
Que em teus olhos, febril e delirante, A suspirar p a ix ã o ... 3189
Bebeu de amor a inspiração primeira, De espaço a espaço — um fervoroso beijo
Mas que de um desengano teve mêdo, E após o pejo
E guardou dentro d‘alma o seu segrêdo! E tu dizias — “ N ã o ! . .. ”
R ecife, Junho de ISóS
Eu fui a brisa, tu me fôste a rosa.
Fui mariposa
— Tu me fôste a luz!
CANSAÇO Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
O náufrago nadou por longas h o r a s ... Do martírio a cruz.
Na praia dorme frio num desmaio.
A fôrça após a luta abandonou-o, E agora quando na montanha o vento
Do sol queimou-lhe a face ardente raio. Geme lamento
De infinito amor,
Pois eu sou como o n a u ta ... Após a luta Busco debalde te escutar as juras
Meu amor dorme lânguido no peito. Não mais v en tu ra s...
C a n sa d o ... talvez morto, dorme e dorme Só me resta a dor.
Da indiferença no gelado leito.
Seria um sonho aquela noite e rra n te ? ...
Sôbre as asas velozes a andorinha Diz’, minha a m a n te !...
Maneira se lançou nos puros a r e s ... Foi r e a l.. . bem s e i.. .
Veio após o tu fã o ... lutou debalde, Ai! não me n e g u e s... Diz-me a lua, o vento
Mas em breve boiou por sôbre os mares. Diz-me o to rm e n to ...
Que por ti penei!
Eu sou como a an d o rin h a... Ergui meu vôo
S. Salvador — 136S.
Sôbre as asas gentis da fantasia;
A descrença nublou-me o céu da v id a ...
E a crença estrebuchou numa agonia.

[ 740 ]
H IN O S DO EQUADOR

A CANÇÃO DO AFRICANO 3189 Eu como elas. A vagar sozinho


SOU
Sigo um caminho
Lá na úmida senzala, De ervaçais e pó. 3191
Sentado na estreita sala, A luz de espTança bruxuleia a custo.
Junto ao braseiro, no chão. Tremo de susto.
Entoa o escravo o seu canto, De morrer tão só.
E ao cantar correm-lhe em pranto 186^.
Saudades do seu to rrã o ...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a em balar...
E à meia-voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde. AOS ESTUDANTES VOLUNTÁRIOS
Talvez p'ra não o escutar!
P o esia R ecitada no T eatro de S anta Isa b e l
“ Minha terra é lá bem longe, NA N o it e do O f e r e c im e n t o da A cadem ia .
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita, O céu é a lm a ... O relâmpago
Mas à outra eu quero bem! E ’ uma idéia de luz,
Que pelo crânio do espaço
“ O sol faz lá tudo em fogo, Perpassa, brilha, re lu z ...
Faz em brasa tôda a areia; Depois o trovão — é o verbo.
Ninguém sabe como é belo Segue-o o raio — gládio acerbo,
V’'er de tarde a papa-ceia! Que se desdobra soberbo
Pelo páramos azuis.
“Aquelas terras são grandes.
Tão compridas como o mar, Ação e idéia — são gêmeos.
Com suas poucas palmeiras Quem as pudera a p a rta r? ...
Dão vontade de p e n sa r... O fato •— é a vaga agitada
Do pensamento — que é o m a r ...
“ Lá todos vivem felizes, Cisma o oceano curvado,
Todos dançam no terreiro; Mas da procela vibrado.
A gente lá não se vende Solta as crinas indomado.
Como aqui, só por dinheiro.” Parece o espaço escalar.

O escravo calou a fala, Assim sois v ó s !... Nem se pense


Porque na úmida sala Que o livro enfraquece a mão.
O fogo estava a apagar; Troca-se a pena com o sabre.
E a escrava acabou seu canto, Ontem — N u m a ... H oje — C a tã o ...
P ’ra não acordar com o pranto E ' o m esm o ... Se a pena é espada
O seu filhinho a sonhar! Por mão de Plomero vibrada, 3192
Com o gládio — epopéia ousada —
T raça os mundos — N apoleão...

O escravo então foi deitar-se, Que importa os raios trovejem


Pois tinha de levantar-se Nas florestas do existir.
Bem antes do sol nascer, Parti, pois! Homens do livro!
E se tardasse, coitado, Podeis ousados partir!
Teria de ser surrado, Pois s e r e is ..., vindo com glória.
Pois bastava escravo ser. Ou morrendo na vitória,. . .
E a cativa desgraçada Homens do livro da História
Deita seu filho, calada, Dessa Biblia do porvir!
E põe-se triste a beijá-lo.
R ecife — 1865.
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono.
De seus braços arrancá-lo!
R ecife 1863

CAPRICHO
FRAGMENTO
.\i! quando
Há flores tristes, que nascendo à noite Brando
Só tem o açoite Vai o vento
Do cruento sul, 3190 Lento
E sem que um raio lhes alente a seiva. A lua
Rolam na leiva Nua
De seu vil paul. Perpassar sutil;

[741 ]
ANTÔNIO B E CA STRO ALA'ES

E a estréia Ao mundo imundo, não entrega, nega


Vela, Tantos encantos dos amores teus.
E sôbr’a linfa Compreende, entende-te a vertigem, virgem,
A ninfa Somente a mente do poeta e Deus.
Suspira,
Mira Desta alma a palma de risonhos sonhos,
O divinal perfil; Da mente ardente a inspiração do céu
O vate abate às tuas plantas santas,
Num leito Altivo e vivo, sendo escravo teu.
Feito 1865
De cheirosas
Rosas,
Risonhos
Sonhos
MARTÍRIO
Sonharemos nós;
A linda morena que, louco, adorava,
Revoltos, Que em sonhos beijava, tremendo de amor,
Soltos Não viu meus amores, descreu do meu canto,
Os cabelos Sorriu do meu pranto, com riso traidor.
Belos, 3193
Vivace Cismava — era ela o meu bom pensamento;
A face, 3914 Meu anjo da guarda nas noites de insônia,
Trem ulante a voz. O meu sentimento si louco sentia;
Meu doce favônio si a espr’ança nascia.
Cantos
E prantos E sempre eu a via; no céu seus encantos,
Que suspira Na brisa os seus cantos julgava escutar,
A lira, Na noite o negrume dos negros cabelos,
A alfombra, Seus olhos tão belos no belo luar.
À sombra.
Encontrarei p’ra ti; Mas foi um delírio de louca miragem
Form osa paisagem do amor que s o n h e i...
Celuta, A rosa que dei-lhe, queimada de beijos.
Escuta Serviu aos desejos de alguém? oh! não s e i ...
De meu seio
O e n le io ... Mulher, sim, não rias do pobre, do triste!
Vem, linda, Porque 3196 não cuspiste na pobre da flor?
Ainda Mas fundo desprezo mostrar-me quiseste.
Há solidões aqui. Ludibrio fizeste de mim, dêste a m o r ...
R ecife — 1865.
Pois bem ; eu não posso deixar de a d o ra r-te ...
Quem pode escapar-te, quem pode esquecer-te?
Desprezos não matam amôres tão santos.
Só posso meus prantos p’ra sempre esconder-te.
EXORTAÇÃO
Despreza-me, virgem, minh’alma te implora!
Donzela bela, que me inspira à lira
Verás nessa hora que chama de amor!
Um canto santo de fervente amor.
E cada suplício que sofre minh’alma
Ao bardo o cardo da tremenda senda
E ’ mais uma palma da c ’roa da dor.
Estanca, arranca-lhe a terrível dor.
1865.

O triste existe qual a pedra medra,


Rosa saudosa do gentil jardim,
Qual monge ao longe já no claustro exausto, 3195
Qual ampla campa a proteger-lhe o fim. NÃO SABES

O triste existe em sofrimento lento, Quando alta noite n’amplidâo flutua


Vive, revive p’ra morrer d ep o is... Pálida a lua com fatal palor,
Morre — assim corre a atribulada estrada Não sabes, virgem, 3197 que eu por ti suspiro
Da vida qu’rida, soluçando a sós. E que deliro a suspirar de amor.

Fada encantada, em teu regaço lasso. Quando no leito entre sutis cortinas
Viajante errante, deixa-me pousar; Tu te reclinas indolente aí.
Lírio ou martírio, abre teu seio a meio. A i! Tu não sabes que sòzinho e triste
E stréia bela, vem-me enfim guiar. Um ser existe que só pensa em ti.

[ 742 ]
HINOS DO KQUADOR

Lírio desfalma, sensitiva bela, A EUGÊNIA CÂMARA


És minha estréia, meu viver, meu Deus.
Se olhas — me rio, se sorris — me inspiro. Ainda uma vez tu brilhas sôbre o palco,
Choras — deliro por martírios teus. Ainda uma vez eu venho te saud ar...
Também o povo vem rolando aplausos
E tu não sabes dêste meu segrèdo, ^198 Às tuas plantas mil troféus la n ç a r...
Ah! tenho mêdo do teu rir c r u e l!...
Pois se o desprezo fôsse a minha sorte Após a noite, que passou sombria,
Bebera a morte neste amargo fel. A estréia d’alva pelo céu ra sg o u ...
Errante estréia, se lutaste um dia,
Mas dá-me a esperança num olhar quebrado, 3199 Vé como o povo o teu sofrer pagou. . .
Num ai magoado, num sorrir do céu,
Ver-me-ás dizer-te na febril vertigem: L u ta r !... que importa, se afinal venceste?
“ Não sabes, virgem? Meu futuro é teu!” 3200 C h o ra r!... que importa, se afinal sorris?
A tempestade se não rompe a estátua
Bahia, 11 de Novembro de 1865. Lava-lhe os pés e a triünfal cerviz.

Ouves o aplauso dêste povo imenso,


Lava, que irrompe do popular vulcão?
PEN SAM EN TO DE AMOR E ’ o bronze nibro, que ao fundir dos bustos
Referve ardente do porvir na mão.
Quero viver de esperança,
Quero tremer e sentir 1
Na tua trança cheirosa O p o v o .. . o p o v o ... é um juiz severo.
Quero sonhar e dormir. Maldiz as trevas, abençoa a lu z ...
A. DE .AZEVEDO Sentiu teu gênio e rebramiu soberbo:
— P ’ra ti altares, não do poste a cruz.
O’ pálida madona de meus sonhos,
Doce filha dos cerros de Engandi! 320i Que queres? Ouve! — são mil palmas férvidas,
Vem inspirar os sonhos do poeta. Olha! — é o delírio, que prorrompe audaz.
Rosa branca da lira de Davi. Pisa! — são flores, que tu tens às plantas, 3202
Toca na fronte — coroada estás.
Todo o amor que em meu peito repousava,
Como o orvalho das noites ao relento, Descansa, pois, como o condor nos Andes,
A teu seio elevou-se, como as névoas, Pairando altivo sôbre terra e mar.
Que se perdem no azul do firmamento. Pousa nas nuvens p’ra arrogante em breve
D ista n te ... lo n g e ... mais além voar.
A q u i... a lé m ... mais longe, em tôda a parte,
R ecife — 1866.
Meu pensamento segue o passo teu.
Tu és a minha luz, — sou tua sombra,
Eu sou teu lago, — se tu és meu céu.
SONHO D A B O Ê M IA
Lá, no teatro, ao som das harmonias. D ama N egra
Vendo-te a fronte altiva e p ereg rin a...
Eu apertava o seio murmurando: I
“Oh! mata-me de amor, mulher divina!”
Vamos, meu anjo, fugindo,
À tarde, quando chegas à janela, A todos sempre sorrindo.
A trança sôlta, onde suspira o vento, Bem longe nos ocultar,
Minha alma te contempla de jo e lh o s ... Como Boêmios errantes
A teus pés vai gemer meu pensamento. Alegres e delirantes
Por tóda a parte a vagar.
Inda ontem, à noite, no piano
Os dedos teus corriam no teclado; I I
Que, às carícias destas mãos formosas.
Gemia e suspirava apaixonado. Há tanto canto na terra
Que uma vida in teira ... en cerra...
Depois ca n ta ste ... e a ária suspirosa E que v id a !... Um céu de amor!
Veio n alma acender-me mais desejos; Seremos dois passarinhos...
Dir-se-ia que essas notas eram doces Faremos os nossos ninhos
Como sussurro de amorosos beijos. Lá onde ninguém mais fôr.

Oh! diz’me, diz’nie, que ainda posso um dia I I I


De teus lábios beber o mel dos céus; Uma casinha bonita.
Que eu te direi, mulher dos meus amores: Lá na mata que se agita
Amar-te ainda é melhor do que ser Deus! Do vento ao mole soprar,
Bahia — 1865. Com as fólhas sêcas da selva, 3023
Com o lençol verde da relva, 3204
Oh! quanto havemos de a m a r !...

[ 743 ]
A N T Ô N IO D E C A S T R O A L V E S

I V Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.


Fito a terra — é uma várzea sem flores.
De manhã, inda bem cedo, O universo é um deserto de dores, 3208
Hás de acordar, anjo ledo. A madona não brilha no altar.
Junto do meu c o ra ç ã o ...
Ao canto alegre das aves Então lembro os momentos passados.
As nossas canções suaves. Então lembro tuas frases queridas,
Quais preces se ajuntarão. Como o infante que as pedras luzidas,
Uma a uma desfia na mão.
V Como a virgem, que as jóias de noiva,
Conta alegre a sorrir de alegria,
Passearemos à sesta, 3205 Conto os risos, que deste-me um dia.
Sonharemos na floresta. Que rolaram no meu coração.
Sempre felizes, meus D e u s !...
Nalguma lânguida esteira Me recordo o lugar onde e sta v a s...
Quanta cantiga faceira O rugir de teu lindo vestido,
Ouvirei dos lábios te u s ... Como as asas de um anjo caído
Quando roçam as flores do v ai. . .
VI V ejo ainda os teus olhos quebrados, 3208
Êste olhar de tão fúlgidos raios,
E à noite no mesmo leito, 3206
Êste olhar, que me mata em desmaios, 3209
Reclinada no meu peito, 3207
Doce, terno, amoroso, fatal. . .
Hei de ouvir os cantos te u s ...
P or cada estrofe bonita Tuas fr a s e s ... são garças, que voam,
No teu seio, que palpita, E ’ meu peito — o seu cândido n in h o ...
Terás cem b e ijo s ... P or Deus! Teus amôres — a flor do caminho,
Que eu apanho, viajante do amor.
V I I Quer os cardos me firam as plantas.
Quer os ventos me açoitem a fronte.
Tarei poesias ou versos
Dou-lhe orvalho — do pranto na fonte.
Aos teus olhinhos perversos,
Dou-lhe sol — do meu peito no ardor.
Aos teus pèzinhos, meu bem!
Tu cantarás, ó Manola, O h! se Deus algum dia orgulhoso
Aquela moda espanhola O seu livro infinito volvesse,
Que tantos requebros tem ! E nas letras de estrelas relesse
Seu passado nas fôlhas azuis, 3210
VIII Não teria o orgulho que tenho,
Quando o abismo desfalm a sondando,
D e p o is ... que lindas v ia g e n s...
No infinito de amor me abismando
Veremos novas paisagens,
Eu me engolfo num pego de lu z ...
No sul, no norte, onde f ô r . . .
Voando sempre, querida, Teu a m o r ... teu amor me engrandece.
Co’a primavera da vida, Dá-me forças nos transes da vida,
Co’a primavera do a m o r ... E a borrasca fatal, insofrida.
Faz-m e dó, faz-me rir de d esd ém ...
I X Se eu cair, — rolarei no teu s e io ...
Se eu sofrer, — ouvirei o teu canto!
Vamos, meu anjo, fugindo,
Sentirei nos meus dias de pranto
A todos sempre sorrindo
Que inda longe de mim — vela alguém!
Bem longe nos ocultar.
Como Boêmios errantes Meu a m o r ... Meu amor é um d e lírio ...
Que repetem delirantes E ’ volúpia, que abrasa e consome. 32ii
“ P ’ra ser feliz basta am ar!” Meu amor é uma mescla sem nome.
R ecife — fS66. És um anjo, e minh’alma — um altar.
O h! meu Deus! manda ao tempo, que fuja,
Que deslizem em fio os instantes,
E o ponteiro, que passa os quadrantes.
HORAS DE MARTÍRIO Marque a hora em que a possa beijar.
C onvento d e S . F ran cisco no R e c ife , Ju lh o de ÍS66.
D am a N egra
De dia na soidão seguir-te os passos,
De noite vigiar-te á luz da alâmpada.
Ser quem amas, e a sombra com quem sonhas AMAR E SER AMADO
Eis minha eternidade!
M A C IEL M O N TEIRO ( F ra gm en to )

Quando longe de ti eu vegeto Amar e ser amado! Com que anelo, 3212
Nestas horas de largos instantes, Com quanto ardor êste adorado sonho
O ponteiro, que passa os quadrantes, 3208 Acalentei em meu delírio ardente
M arca séc’los, s'esquece de andar. Por essas doces noites de desvêlo!

[ 744 ]
HIKOS DO EQUADOR

Ser amado por ti, o teu alento D ep o is... hei de encostar-te no meu peito.
A bafejar-me a abrasadora fronte 1 Velar por ti — dormida sôbre o leito.
Em teus olhos mirar meu pensamento, Bem como a luz no altar.
Sentir em mim tu’alma, ter só vida T e embalarei com uma canção sentida,
P'ra tão puro e celeste sentimento: Que minha mãe cantava enternecida
Ver nossas vidas quais dous mansos rios. Quando ia me embalar.
Juntos, juntos perderem-se no oceano — ,
Beijar teus dedos em delírio insano, Amemos, pois! P ’ra ti eu tenho n’alma
Nossas almas unidas, nosso alento. Beijos, prantos, sorrisos, cantos, p alm as...
Confundido também, amante — amado — Um abismo de a m o r ...
Como um anjo fe liz ... que pensamento!? Sorrisos de uma irmã, prantos maternos.
Beijos de amante, cânticos eternos,
E as palmas do cantor.

AMEMOS! Ah! fôra belo unidos em segrêdo.


Juntos, bem ju n to s ... trêmulos de mêdo.
Dama Negra De quem entra no céu;
Desmanchar teus cabelos delirante.
À cette terre, où l’on ploie Beijar teu c o lo ... Oh! vamos minha amante.
Sa tente au déclin du jour.
Ne demande pas la joie; Abre-me o seio teu.
Contente-toi de l ’amour i
Eu quero teu olhar, de áureos fulgores.
Dans ce monde de mensonges.
Moi, j ’aimerai mes douleurs. Ver desmaiar na febre dos amores.
Si mes rêves sont tes songes. F it o s ... fitos em mim.
Si mes larmes sont tes pleurs. Eu quero ver teu peito intumescido, 3214
V. HUGO Ao sôpro da volúpia arfar erguido. . .
O oceano de c e tim ...
Porque tardas, meu anjo! oh! vem comigo.
Serei teu, serás m in ha.. . E ’ um doce abrigo Não tardes tanto a s s im ... Esquece tu d o ...
A tenda dos amores! Amemos, porque amar é um santo escudo.
Longe a tormenta agita as penedias. . . Amar é não sofrer.
Aqui, ao som de errantes harmonias, Eu não posso ser de o u tr a ... Tu és minha. 3125
Se adormece entre flores. Almas que Deus uniu na balsa edínea
Hão de unidas viver.
Quando a chuva atravessa o peregrino,
Quando a rajada a galopar sem tino Meu D e u s !... Só eu compr’endo as harmonias.
Açoita-lhe na face, De tua alma sublime. . . as melodias
E em meia noite, em cima dos rochedos. Que tens no coração.
Rasga-se o coração, ferem-se os dedos, Vem ! Serei teu poeta, teu a m a n te...
E a dor cresce e re n a sc e ... Vamos sonhar no leito delirante
No templo da paixão.
A porta dos amores entreaberta R e c if e , J u lh o d e 1866
E ’ a cabana erguida em plaga incerta,
Que ampara do tu fã o ...
O lábio apaixonado é um lar em chamas,
E os cabelos, rolando em espadanas, TRÍPLICE DIADEMA
São mantos de paixão.
No ÁLBUM DE E ugên ia C âmara
Oh! amar é v iv e r... Dêste amor santo
O eterno estatuário do infinito
— Taça de risos, beijos e de prantos
Pega um dia do m árm o re... e sacode
Longos sorvos b e b e r... Qual Fídias o cinzel.
No mesmo leito adormecer can tan d o... Cava o buril abismos de b e le z a ...
Num longo beijo despertar sonhando...
Surge a forma sutil como de Haidéia
Num abraço morrer. — Deus se fêz Rafael.
Oh! amar é ser D e u s !... Olhar ufano Contempla o Eterno sua obra e p asm a...
O céu azul, os astros, o oceano Pensa e m ed ita ... após mergulha os dedos
E dizer-lhes: ^213 sois meus! Em abismos de lu z ...
Fazer que o mundo se transforme em lira. — Pega uma estréia, pousa-te na fronte. 3216
Dizer ao tempo: não... tu és mentira, Deu-te o poder de devassar os orbes
Espera que eu sou Deus! E os páramos a z u is...
Amemos! pois. Se sofres terei prantos, O que é mais do que a estréia e o gênio?. O anjo!
Que hão de rolar por terra tantos, tantos, Ouve-se além da terra, se levanta
Como chora um irmão. Um gemido de dor.
Hei de enxugar teus olhos com meus beijos, Qual de Pigmaleão, de Deus um pranto
Lscutarás os doces rumorejos Rolou no seio da Madona p álid a...
D’ave, do coração. Foi a gôta do a m o r...

[ 745 ]
A K T Ô N IO D E C A S T R O A L V E S

Tens a beleza de uma Vénus grega! POETA


Tens o gênio de Safo, ardente, m ística!
Meditar é trabalhar. Pensar é obrar.
De um anjo o coração! O olhar fito no céu é uma obra.
Só tu cinges o tríplice diadem a, V. HUGO
— A beleza nas formas, — n’alma o gênio L ’univers est le temple, et la terre l’aûtel.
— E no seio a paixão. Les deux en sont le dôme; et les astres sans nombre
Sont les sacrés flambeaux pour ce temps allumés.
R e c i f e , A g o s to d e 1866.
LAM ARTINE

Poeta, às horas mortas que o cálice azulado


FATALIDADE — Da etérea flor — à noite — debruça-se p‘ra o
[mar,
D aaía N egra E a pálida sonâmbula, cumprindo o eterno fado.
Q ue fatalidade, meu P a i! As gazas transparentes espalha do luar,
Á LV A R ES DE AZEVEDO
Eu vi-te ao clarão trêmulo dos astros lá n’altura
Adeus! adeus! ó meu extremo abrigo! Pela janela aberta às virações azuis,
Adeus! eu digo-te a chorar de dor! — A amante sôbre o peito sedento de ternura,
É o derradeiro suspirar das crenças A mente no infinito sedenta só de luz.
Que se despedem das visões do a m o r .. .
Perto do candelabro teu Lamartine terno
Pálido e triste atravessei a vida À tua espera abria as folhas de cetim;
Sempre orgulhoso, concentrado e s ó ! . . . Mas tu lias no livro, onde escrevera o Eterno
É que eu sentia que um fadário estranho Letras — que são estréias — no céu — fôlha sem
Meus sonhos todos reduzia a pó. [fim -
Cismavas... de astro em astro teu pensamento errava
Mas tu v ie s te .. . E acreditei na v id a .. . Rasgando o reposteiro da sêda azul dos céus;
Abri os b r a ç o s ... caminhei p’ra lu z ... E teu ouvido atento... em êxtase escutava
E a borboleta da fatal crisálida Nas virações da noite o respirar de Deus.
Soltou as asas pelos céus azuis.
O oceano de tua alma, do crânio transbordando.
O tronco morto — refloriu de novo, 3217 Enchia a natureza de sentimento e amor.
Ergueu-se vivo, perfumado, em flor, 3218 As noites eram ninhos de amantes s’ocultando,
Abençoando a primavera a m ig a ... O monte — um braço erguido em busca do Senhor.
A i! primavera de meu santo amor!
Nas selvas, nas neblinas o olhar visionário
Porém que importa, se há fadários ■— negros, Via s’erguer fantasmas aqui... a li... além,
Frontes — voltadas do sepulcro ao c h ã o ... P ’ra ti era o cipreste — o dedo mortuário
Pedras coladas de um abismo à b e ir a ... Com que o sepulcro aponta no espaço ao longe...
A stros sem norte, de um cruel c la r ã o ... [alguém. 3220

Quem mostra o trilho ao viajor das sombras? No cedro pensativo, que a sós no descampado
Quem ergue o morto que esfriou o pó? Geme e goteja orvalhos ao sôpro do tufão.
Quem diz à pedra que não desça o pego? Vias um triste velho — sòzinho, desprezado, 3221
Quem segue a estréia desgraçada e só? Molhando a barba em prantos co’a fronte para o
[chão.
N in g u é m !... Na terra tudo v a i ... gravita
L á para o ponto que lhe marca Deus. Aqui — ondina louca — vogavas sôbre os mares —
Os raios tombam — as estréias s o b e m !... Ali — silfo ligeiro — na murta ias dormir.
Lutar co’a sorte — é combater os céus! Anjo — de algum cometa, que vaga pelos ares
Na cabeleira fúlgida brincavas a sorrir.
“ V ai! pois, ó rosa, que em meu seio, outrora, 3129
Acalentava a suspirar e a r i r . . . Sublime panteísta, que amor em ti resumes.
Deixas minh’alma como um chão deserto. Sentes a alma de Deus na criação brilhar!
Vai! flor virente! mais além flo r ir ... Perfume — tu subias, de um anjo entre os perfumes.
Ave do céu — nas nuvens teu ninho ias buscar.
“ V ai! flor virente! no rumor das festas.
Entre esplendores, como o sol, viver Canta, poeta, os hinos, com que o silêncio acordas,
Enquanto eu subo — tropeçando incerto — A natureza — é uma harpa prêsa nas mãos de Deus.
Pelo patíbdo — que se diz sofrer 1 ... O mundo passa... e mira o brilho dessas cordas...
E o hino?... O hino apenas chega aos ouvidos teus.
Todo o universo é um templo — o céu a cúpula
Que resta ao triste, sem amor, sem crenças? [imensa.
— Seguir a s in a ... se ocultar no c h ã o ... Os astros — lampas de ouro no espaço a cintilai,
. . . Mas, quando, estréia! pelo céu voares. A ventania — é o órgão que enche a nave extensa.
Banha-me a lousa de feral c la r ã o !... Tu és o sacerdote da terra — imenso altar.
R e c ife , O u tu b ro de 1866. R io d e J a n e i r o , F e v e r e i r o d e 1868.

[ 746 ]
HINOS DO EQUADOR

PESADÊLO DE HUMAITÂ 3222 Sim! pela campa dos soldados mortos;


Sim! pelo trono dos heróis, dos reis;
P oesia R ecitada no R io de J aneiro Sim ! pelo berço dos futuros bravos
O vil tirano há de beijar-lhe os pés.
I
R io, M arço de 1868.
Ao som dos rinchos dos cavalos bravos,
Que soltos passam nos sertões remotos,
Ao múrmur triste do cativo rio
Que solta gritos sepulcrais, ignotos;
Acorda um dia Humaitá sentindo
Que a morte vibra-lhe o pesado arnês. ELEGIA
Treme-lhe o manto dos gerais extensos,
E o vil tirano se lhe agarra aos pés. ( L a m a r t in e )

11 Colham-se as rosas na manhã da vida;


Ao menos no fugir da primavera,
“ Quem é que acorda a cidadela enorme Das flores os perfumes se respirem.
Que a testa cinge de fatais ameias?” O peito se franqueie aos castos gozos;
Brada arrogante do deserto a esposa. Amemos sem medida, ó cara amante!
Sentindo o sangue lhe correr nas veias.
“ Dizei, condores, que voais do norte! Quando o nauta, no meio da tormenta.
Dizei, ó ventos, que do céu rompeis! Vê o frágil baixei quase a afundar-se.
Porque é que a brisa em meu broquel soluça Às praias que deixou dirige as vistas,
E o vil tirano se me agarra aos pés?” E tarde chora a paz que ali gozava.
Ah! quanto dera por volver o triste
I I I Aos amigos da aldeia, ao lar paterno,
E de novo passar junto à que adora
“Silêncio! Escuta! lhe responde trêmulo. Dias talvez sem glória, mas tranqüilosl
Silêncio! diz-lhe do deserto a voz.
Silêncio! É ê l e ... — o Brasileiro Atlante, Assim um velho, curvo ao pêso d’anos,
De um grande povo a legião feroz. Da mocidade, em vão, os tempos chora;
Desceu dos A n d e s... da Bahia a ltiv a ... Diz: “ Volvei-me essas horas profanadas
De Guanabara — esta mansão de r e is ... De que eu, ó céus, não soube aproveitar-me”.
Treme, ó cid a d e !... Se o Brasil caminha Só lhe responde a morte; os céus são surdos,
O vil tirano se lhe agarra aos p é s ... E inflexíveis o arrojam ao sepulcro,
Não consentindo que se abaixe ao menos,
I V A apanhar essas flores desprezadas.

Como 0 viajante da legenda H ebraica, Amemos, vida minha!


Na terra imprime o gigantesco passo, E riamos do afã que os homens levam
D’Âtila monta no ginete f e r o ... Atrás de um fumo vão que lhes consome
São-lhe as batalhas do caminho o traço. Metade da existência, esperdiçada
Se pisa o Prata — Riachuelo brilha, Em sonhos e quimeras.
Se estende o braço — Uruguaiana fêz.
Oh! vibre o pulso o derradeiro golpe, Não invejemos seu orgulho estéril;
E o vil tirano se lhe agarra aos pés”. Dei.xemos à ambição os seus castelos;
Mas nós, da hora incertos.
Tratemos de esgotar da vida a taça, 3223
V Enquanto as mãos a empunham.

Eis já no fumo os batalhões s ’entestam, Quer os louros nos cinjam,


Sôlto o estandarte no combate n o v o ... E, nos fastos sangrentos de Belona,
Trincheiras, fortes, baluartes quebram-se. Nosso nome se inscreva em bronze e mármore;
Ao férreo embate de um potente povo, Quer da singela flor que as belas colhem
É um raio — a esquadra... As legiões retumbam. Se entrance a humilde c ’roa,
Ruge a refrega com seus mil tro p éis... V’'amos todos saltar na mesma praia.
...B r a v o !... V itó r ia !... Viva o povo imenso,
O vil tirano há de beijar-lhe os pés!
De que vai, no momento do naufrágio.
Em pomposo galeão ir navegando.
V I Ou num batei ligeiro,
Solitário viajante.
Fere êstes ares, estandarte invicto! Ter só junto da margem bordejado? 3224
Povo, abre o peito para nova vida!
Talvez agora o pavilhão da pátria
Açoite altivo Humaitá rendida.

[ 747]
AKÏÔNIO DE CASTRO A LV ES

PENSO EM TI 3225 “Anarquizava as massas... e com dedos pra o ar


Enfermos e feridos entendia curar
Eu penso em ti nas horas de tristeza Contra a letra da lei.
Quando rola esperança emurchecida... 3226 Não pára aí o horror.. .
Nas horas de saudade e morbideza Ressuscitava os mortos... êste vil impostor
Ai! Só tu és minha ilusão querida. 3227 Tomava nomes falsos e falsas qualidades
Eu penso em ti nas horas de tristeza. E errando ora nos campos, ora pelas cidades,
Ouviam-no dizer: “Podeis me acompanhar!
Vê quanta sombra me escurece o seio!
Que palidez sombria no meu rosto! “Ora, falai, senhor. Não é mesmo excitar
Tu és a única luz da treva em meio, 3228 Uma guerra civil entre os concidadãos?
Tu és a minha estréia do sol pôsto... Via-se ir ter com êle horrorosos pagãos,
Contigo a sombra não me tolda o seio. Que dormiam nos fossos e acompanhar-lhe o rastro:
Um coxo, outro com o ôlho escondido no emplas­
Quando a teus pés o meu viver s’escoa, tro, 3231
Esqueço a minha sorte, o meu martírio, Outro surdo, outro envolto em pústulas tenazes.
Minh’alma como a pomba em sangue voa
Para ir se abrigar à tua, ó lírio,
Quando a teus pés o meu viver s’escoa... Vendo êste feiticeiro andar com tais sequazes
O homem de bem entrava em casa envergonhado.. .
Bendito o riso dêsses lábios túmidos! “Um dia... eu já nem sei quando isto foi passado,
Bendido o meigo olhar tão peregrino! Numa festa... pegou de um chicote, imprudente!
Como o sol abre a flor nos campos úmidos, 3229 E se pôs a expelir, mas muito brutalmente.
Crenças desperta o teu divino olhar...
E o riso, o riso dêsses lábios túmidos. Gritando e declamando, honestos mercadores,
Que vendiam ali pássaros, aves, flores,
Ai! volve! volve peregrina estréia... E outras coisas, que mesmo o clero permitia,
Minh’alma é o templo de um amor suave. 3230 E de cujo produto uma parte auferia.
À tua espera o lampadário vela...
À tua espera perfumou-se a nave... “Uma mulher sem brio seguia-lhe na trilha.
Ai! volvei volve peregrina estréia! “Êle ia perorando, abalando a família,
A santa religião e a sociedade,
Decepando a moral e a propriedade.

PALAVRAS DE UM CONSERVADOR A PROPÓSITO “O povo o acompanhava, e o campo estava inculto


DE UM PERTURBADOR Era ousado de mais. . . Chegava o seu insulto
Até ferir o rico ! ...
( P a r á fr a se de V . H ugo) E revoltava o pobre.
Seria sonho ou não?... Depois vós me direis... Sempre, sempre a dizer que todos que o céu cobre^
Um homem... era um grego, era um persa, um São irmãos, são iguais... que não há superiores,
[chinês. Nem grandes, nem pequenos, ou servos, ou senhores,
Ou judeu?... eu não sei... tão sòmente me lembro E que o fruto é comum...
Que era um ente verídico e grave, que era membro
Do partido da ordem...
E êle dizia então; Té ao clero insultava!...
“Esta morte jurídica imposta a um charlatão, Bem vê, bem vê, senhor, que êste homem blas-
Ferindo êste anarquista é soberana e ju sta... [femava.
Faz-se mister que a ordem e a autoridade augusta E tudo isto era dito assim em meio à rua,
Defendam-se... Tais cousas hoje ninguém discute. A uma canalha vil, grosseira, imunda e nua.
Depois, se a lei existe é para que se execute... Preciso era acabar, as leis eram formais...
Verdades santas há de origem tão divina Foi, pois, crucificado...”
Que devem sustentar-se até na guilhotina.
Ouvindo frases tais
“Êste inovador pregava a filosofia Ditas com tão singela e adocicada voz...
Do amor e do progresso... histórias... utopia! Eu sorprêso exclamei: “Senhor, mas quem sois
Ria do nosso culto antigo e namorado. [vós? 3232
Era um dêstes p’ra quem nada existe sagrado Êle me respondeu: “Preciso era um exemplo;
Nem respeitam jamais o que o mundo respeita... Eu me chamo Elisab, sou escriba do templo...” 3233
“Porém de quem falais?... Dizei-me... de quem
“P’ra lhes inocular doutrina assaz suspeita [é?” 3234
Êle ia procurar nos bordéis crapulosos,
Boieiro e pescador, patifes biliosos. “Meu Deus! dêste vadio... Jesus de Nazaré.” 3235
Imundo povilhéu não tendo eira nem beira... S . P a u lo , 1 d e A g o s to d e 186S.
E entre canalha tal pregava de cadeira.
Jamais se dirigia aos homens de dinheiro.
Aos sábios, aos honrados, ao honesto banqueiro.

[ 748 ]
HINOS DO EQUADOR

A OLÍMPIO “ P ’ra ver na mesa vil a orgia enrouquecida


Que fala sem caminho,
(D e V. H ugo ) Que derruba estridente almas cheias de brigas
— Copos cheios de vinho.
O amigo que inda tens nos dias de amargura
Um dia contemplava os teus martirios santos. “Teus inimigos vis tomaram teu destino
E enquanto êle falava o teu sorrir sublime E quebraram-no em flor.
Mesclava-se a seus prantos: Fizeram-te da glória às tascas arrastada
A tua maior dor.

I “ Puseram-te pelo avêsso a veste, cujo lustro


Enchia-os de furor.
“ Eis-te pois tu, 3236 que outrora o povo admirava Fizeram-te co’a púrpura (a mesma) vil d’ilustre
De virtudes vestido, 3237 Galé — de Imperador.
Fanado, sem raiz, tombado num declive,
Como um cedro abatido. “ Ninguém mais te defende. É-lhes mesmo uma
[glória
“ Eis-te pois, sob os pés de infindos invejosos, Teu sombrio revez.
E de homens zombadores, Quando falam de ti, sacodem a cabeça
Fu, cuja fronte altiva acostumava à sombra E dizem: “ Vós s a b e is !...”
As frontes superiores.
“ Todos os corações p’ra te odiar se ajuntam
“Tua fôlha está no pó, tua raiz austera E todos te hão largado. 3240
Exposta aos olhos seus. Teus amigos lá vão tristes, como quem mostra
Ah! 3238 não tens nada mais — abrigado na terra, Um templo arrumado.
Desbrochado nos céus.
I I
“Mancebo, conservaram-te o olhar austero, a fronte [3241
Tão calma e radiante!
feu nome era daqueles a quem se curvam todos “ Mas ai! p’ra quem compreender esta alma grave,
Tu és inda maior.
Mas h o je ... neste instante
Tua vida agora tem, vencendo mil tropeços, 3242
Da torrente o rumor.
“Os maus, que haviam vindo estrafcgar-te a vida,
Morderam-na em furor, “Todos que aos dias teus sublimes, tempestuosos
E as multidões então correram à porfia, Se aproximam sem mêdo,
P 'ra ver-te o inferior. Voltam dizendo após, que sôbre ti pendidos
Viram abismos tredos.
“ Com grito de alegria, as chagas te contaram.
As dores e aflições, “ Mas talvez que através das ondas dêste pego, 3243
Como contam moedas em cima de uma pedra. Dêste peito profundo.
Num antro de ladrões. Pudesse descobrir a pérola — inocência
Olhando para o fundo.
“ No teu renome casto, útil de bons exemplos.
Já nada mais reluz. “ Param nos nevoeiros, em que tua alma v e la s ...
Babado em traços mil pelos reptis nojentos, Mas eu que hei visto assaz,
Que evitam sempre a luz. Eu sei que encontrariam um céu cheio de estréias
Se cam inhassem ... mais.
“A luz do nome teu — facho visível sempre
Que aclara a populaça “ E que importa depois que o mundo te bloqueie
Junto à estrada real, tua vida é o alvo exposto Com verbos turbulentos,
Ao primeiro que passa. E mescle-se teu nome aos flocos de neblina
Soltos aos quatro ventos!
“Onde vão flechas mil morder uma após outra “ Que sabem êles mais? Silêncio! Que direito
Da noite no negror Temos para julgar, 3244
Teu peito buscam todos. — Um visa tua glória, 3239 Nós que não vemos além ou cá na terra
O outro — teu amor. Sem nos ajoelhar?

Tua reputação, que nós vimos esplêndida. “A certeza! ai! insanos que nós somos!
Bem vês neste momento. Crendo em nossa ra z ã o ...
Dispersa-se e lá vai na voz do vulgo imundo, Ela não pára mais no espírito do homem
Que a onda em sua m ã o !...
Como uma fôlha ao vento.
Tua alma, que tomavam ind’ontem p’ra o direito “ Ela molha um momento, 3245 após infiel s’escoa
E o dever arbitrar, E d ep o is... maldição!
Hoje é como a taverna, onde quem quer à tarde Ninguém pode saciar no resto que inda encontra
Vem no vidro espiar. Lábios, nem coração!

[ 749 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

“A aparência de tudo engana, e nos fa s c in a ... “ Ou do alto mar, pejado de rumores.


O céu tem lu z ? ... tem luto Ou nos bosques p ro fu so s...
Nada a b so lu to ... O fruto encerra uma raiz Enlaças teu espírito às grandes harmonias.
E a raiz. . . um fruto. Cheias de sons confusos,

“ O mesmo objeto faz no vosso rosto angústias, ^246 “ Que vão o mundo inteiro abraçando, desde a água
No meu serenidade. À serpe que chocalha,
Tôda coisa na terra é por um lado sombra. Que tôda a voz engrossa e que no pensamento
Por outro claridade. A natureza espalha.

“ A nuvem carregada, espanto do marujo,


Que a vela mal abriga, I V
Para o trabalhador, que vê crestado o campo,
É o saco da espiga. “ Consola-te, poeta, um dia, talvez breve,
Êles t ’hão de voltar.
“ P ’ra julgar um destino, é força conhecer-lhe E verão que aparece altiva exposta ao sol
O fundo misterioso. 2247 Tua fronte a brilhar.
O que hoje em lôdo jaz talvez que tenha cm breve
Asas no céu formoso. “ Os pontos conspurcados em teus lauréis man-
[chados
“ E s t’alma se tran sfo rm a.. . em breve desabrocha. .. Limpos, limpos, enfim
E rasteja e vegeta. Como o soalho serão, que lavam com cuidado
Agora larva in fo rm e ... e amanhã desde a aurora Após largo festim.
— Brilhante borboleta.
“ Em vão teus inimigos armaram todo o mundo
Com o rir cáustico e tredo, 2254
I I I Em vão no pó da estrada espalham como água
Do teu ser o segrêdo.
“ Entanto sofres t u . . . tu em quem a ironia
Esgota suas setas. 3248 “ Embalde lançaram sua humilhada raiva
Tu que vês que te segue e morde-te a calúnia Em teu nome mordido.
Nas chagas mais secretas. Como cão que inda apanha a carne já largada
De um osso já roído.
“ Tu foges a sangrar e penetrando à sombra
P or teu flanco rasgado, “ Não, não hão de vencer os homens, que te cercam,
Como um poço escuro a tristeza em tua alma De laços tenebrosos;
Gôta a gôta filtrado. Êles hão de passar, como os fogos, que passam
Nos juncos paludosos.
“ Foges, leão ferido, às solidões 2249 mais êrmas
P ’ra 1er no teu destino; “ Que importa te arremessem ódios que os demônios
E a tarde vem te achar na posição que tinhas Atiram sempre a um Deus?
Ao fulgor matutino. Um sôpro, um sôpro só lhes matará nos lábios
A luz dos verbos seus.
“ Lá, procurando a sombra aonde esqueces
2250
Estas guerras tacanhas, 2251 “ E hão de se e s v a e ce r... e a multidão em júbilos
Pensando às vêzes só, da aurora ao pôr do sol, 22^ Verá, de olhar piedoso.
Na forma das montanhas; Surgir da mole vil, que amontoara a inveja.
Teu crânio majestoso.
“Atento olhando o rio, as moitas estreladas,
O campo envolto em véus; “ Entretanto olha em paz a multidão que esquece
Das ervas não pisadas atento à virgindade, Teu canto triünfal
E à beleza dos céus; E que por tôda parte escoa e se derrama
Pela encosta do mal.
“ Ou então contemplando, em uma praia austera,
“ Deixa a arrogância aí rojar no caos tão negro
O esquife entregue às vagas;
Que um raio jamais viu;
Que foge espedaçando o fio que prende a alma
O orgulho, cuja voz ruge maior na raiva
Do marinheiro às plagas.
Como na enchente o rio;
“ Fitando a fronte verde e as tétricas narinas “ A bela sem amor que perde nossos passos, 2255
Dos antros tenebrosos, Mulher de olhos mestrados.
E a planta, que ao roer das vibrações marinhas Cujo vestido a rastros é o laço onde se prendem
Torce os braços n o d o so s... Os pés dos descuidados.

“ E o oceano imenso, onde se inclina a vela, “ E o retórico fogo e palavroso e altíssono


Onde o sol vai tombando, 2253 Se nos vê escu tan d o ...
O oceano a respirar, como respira um peito, E êsses homens sem fé, sem crenças e sem bússola
Se enchendo e se abaixando; Que vivem tacteando.

[ 7 50 J
HINOS DO EQUADOR

“ E OS lisonjeiros curvos, amáveis, familiares. “Porque me lastimar? Todos a todo instante


Frontes baixas, rasteiras, Croam de dor a fronte. 3263
E os vis ambiciosos que trepam uns nos outros Eu, sôbre quem é noite, eu guardo tão somente,
Bem como as trepadeiras. [3264
Em meu negro horizonte,
“Não! o laço vulgar que prende a turba efêmera
Não te enleia em redor. “Como um raio da tarde além na serra escura, 3265
És grande. Êles são vis. Seu jugo é feito de ódio, 3256 Um raio santo — o amor.
O teu feito de amor. O amor, que doura ainda o que minh’alma tem
De mais puro e melhor.
“Nada tens de comum com êsse mundo ínfimo
De hábito matador, “É certo! em meu passado austero, jovem crédulo
Porque p’ra todos é um quadro gigantesco Nada sabendo a fundo.
Quando a mão do Senhor, 3257 Castelos de ouro fiz... como todos que fazem
Castelos neste mundo.
“Longe do banal trilho onde se apinha a turba
Sôbre alguma ilusão. “Eu vi da vida as flores em tôrno à minha fronte
Emprega sôbre o gênio a sublime chama Brilharem tão formosas...
Que se chama — paixão. Mas quê... Julgas-me tu tão doudo que inda sonhe
Eternidade —■em rosas?!...

“E quando êle acabou, tu, que o ódio feriu. “As ilusões que, infante, eu cri ter apanhado,
Tu disseste com a voz estremecida um tanto, 3258 Agora estão ausentes.
Voz semelhante à sua e mais alta entretanto E digo à felicidade o que o piloto diz
Como se o grande mar falasse após o rio: As praias decrescentes.
“Que importa? Lastimando a mulher, eu me abrigo
Na mais funda das calmas,
“Não me consoles, não, e não te aflijas muito... E vivo olhando fito o céu, por onde sobem
Eu ’stou calmo, impassível. As asas e as almas.
Eu não olho jamais p’ra o mundo dêste mundo
Mas p’ra o mundo invisível. “Deus divide o destino igual, igual em todos nós...
Fraco, forte ou poltrão.
“Os homens são melhores do que tu crês, amigo, Como um senhor reparte o trabalho, desd’alva...
Mas é severo o fado. A cada um seu quinhão.
Éle é que entorna fel ou vinho (como apraz-lhe)
No copo lapidado. “Sejamos grandes nós... Um coração que é grande
Semelha mesmo a Deus.
“Eu? Eu cismo escutando o salgueiral que geme, Cruzem-se a nossos pés a luz do sol, o raio, 3266
Da cruz à superfície... Êstes clarões dos céus.
E o murmurar do rio, e o soluçar do sino
Num canto de planície. “Deixemos lá em baixo a tempestade horríssona
Que nos prende num elo.
“Colhendo a surda voz do passado que foge... E guaídemos em cima a sã tranqüilidade
E dos carros de messe, Como a montanha — o gêlo.
E o lastimar do junco e o rugitar que soltam
As moitas numa prece. “Vai! Que nenhum mortal co’a paixão quebrar pode
Obstinada, sem tino,
“Prestando ouvido ao mar, que nunca dormir Esta invisível lei — chamada expiação, 3267
[pode, 3259 E esta outra — Destino.
À névoa, ao canto alado...
Erro nas eminências, onde se ouve gemer “Ai! Como quer que a chame insano orgulho
Tudo quanto há criado. [humano
Que o eixo dela imola...
‘Como um vaso no altar contemplo aceso o teto, Roda imensa e fatal ela sôbre Deus gira
Cujos flocos ascendem. E sôbre o homem... rola!... 3268
E ao pôr do sol os fachos lá de cima, 3260 5. P a u lo , A g o s to d e 1868.
Todo o facho, que acendem.
Eá, como uma ave solta a pena ao tom das brisas,
Eu solto minha idéia. A BALADA DO DESESPERADO
Lá penso na desgraça humana e melhor ouço
A voz desta colmeia. (H e n r i M u r g e r )

Tudo que a vista alcança encaro comovido, 3251 — Quem bate à porta a tais horas?
Onda, terra e verdura, 3252 — Abre, sou eu. — Quem tu és?
E o homem fito além — mago, misterioso, Não se entra na minha casa
Que atravessa a natura. Tão tarde assim, bem o vês.

[7 5 1 ]
AXTÔNIO DE CASTRO A LV ES

— Abre. — Teu nome? — H á geada, PÁSSARO VIAJAN TE


Abre. — Teu nome? — És tardio!
— Qual é teu nome? — Ai, na cova (D e d . G u il l e r m o G an a )
Um morto não tem mais frio.

Eu caminhei todo o dia Pelo infinito errante


Do sul ao setentrião. Sem norte, sem roteiro,
Ao pé da tua lareira Que buscas, pobre pássaro viajeiro?
Quero sentar-me. — Inda não!
A terra está distante,
D iz’ teu n o m e ... — Eu sou a glória E o manto nebuloso
E aspiro à p osteridade... A noite expande pelo ar saudoso.
— Passa, 3269 fantasma irrisó rio ...
— Oh, 3270 dá-me hospitalidade! Que queres? Não deixaste
Teu ninho na ribeira?
Eu sou o amor e a esperança, 3271 Que buscas, pois, pela azulada esfera?
As duas porções de D e u s ...
— Segue a e stra d a .. . A minha amante E vieste e cansaste...
H á muito me disse adeus! Mas segue teu caminho,
É sina tua vaguear sòzinho?
— Eu sou a arte e a poesia.
P ro screv eram -m e... A bre! — Não! Levas tantos pesares
J á não canto minha amante, E vais só, a chorar...
Nem sei que nome lhe d ã o !... Ai! também vago longe de meu lar.
— Abre, que eu sou a riqueza,
E trago do ouro o fulgor, Errante pelos mares. . .
Posso dar-te a tua a m a n te ... Sem norte, sem roteiro,
— Podes dar-me o seu amor? Como tu, pobre pássaro viajeiro!

— Sou o poder, tenho a púrpura.


Abre a porta! — Anelo vão!
Podes trazer-me a existência O JUNCO E O CIPRESTE
Daqueles que já não são?!
( D . G u il l e r m o G a n a )
— Se tu não abres teus lares
Senão a quem diz seu nome, 3272 Ao lugubre cipreste em voz plangente
Sou a morte! trago alívio O junco melancólico dizia;
P 'ra cada dor que consome! — Que triste sorte a minha!
Ergui-me tão alegre e tão contente
Podes ver, 3273 trago na cinta Quando a alvorada vinha!
Ruidosas chaves fatais. . .
Abrigarei teu sepulcro E já sem fôrça e já sem energia
Do insulto dos animais. Curvo a cabeça... E lânguido e sòzinho 3275
Sinto que vou morrer. Ah! porque a sorte, 3276
— Entra, estrangeira fu n é re a ... Dando-te vida, só me guarda morte?
Perdoa à mendicidade,
Porque é no lar da miséria
Que tens hospitalidade.
E o cipreste dizia:
— A dor foi sempre eterna,
E n tra ; cansei-me da vida Mas a fortuna só perdura um dia!
Que nada tem que me d a r ... E o junco respondia:
H á muito eu tinha desejos Em ti simbolizaram a tristeza.
(N ão fôrça) de me matar! Em mim sòmente o anelo
Dos que no amor esperam.
Como é que nunca dobras a cabeça,
E ntra no lar, bebe e come. Nem a raiva das chuvas e dos ventos
Dorme, e quando despertares, A côr sequer te alteram?
Para pagar tua conta, 3274
Hás de levar-me aos teus lares.
Daqueles que de tudo desesperam 3277
Para lembrar a lugubre aflição.
Eu te esperava, eu te sig o . . . Só existe uma côr, disse o cipreste...
V a m o s ... a rra sta -m e ... a s s im ... E se jamais tu viste
Mas deixa o meu cão na terra Curvar minha folhagem para o chão...
P ’ra eu ter quem chore por mim! É que desprezo o mundo baixo e triste
S . P au lo, 1S68. E mergulho a cabeça n’amplidâo.

[ 752 ]
H IN O S D O E Q U A D O K

ADEUS I I

Je te bannis de ma mémoire, Mon coeur, encore plein d’elle, errait sur son visage
Reste d’un amour insensé, Et ne la trouvait plus.
Mystérieuse et sombre histoire. M U SSET
Qui dormiras dans le passé.
Et toi qui, jadis d’une amie,
Portas la forme et le doux nom, Porém de súbito acordou do ergástulo
E ’instant suprême où je t ’oublie. O precito, que ali jazia há p o u c o ...
Doit être celui du pardon.
E o pensamento habituado às trevas
A. DE MX.’ S S E T .Atirado na lu z ... — pássaro louco!

Adeus! P ’ra sempre adeus! A voz dos ventos Vi de repente o passado


Chama por mim batendo contra as fragas, Erguer-se em face de m im ...
Eu vou p a r tir ... em breve o oceano A r ir . . . a rir, como espectro.
Vai lançar entre nós milhões de v a g a s... De uma ironia sem fim.

Recomeço de novo o meu caminho, ^278 A orquestra, as luzes, o teatro, as flores, 2279
Do lar deserto vou seguindo o tr ilh o ... Tu no meio da festa que fulgura, 3280
Já que nada me resta sôbre a terra T u ! sempre a mesma! a mesma! Tu ! meu Deus!
Dar-lhe-ei meu ca d áv er... sou bom filho! Não morri neste instante de lou cura.. .

Eu vim cantando a mocidade e os sonhos, Quebra-te, pena maldita, 3281


Eu vim sonhando a felicidade e a glória! Que não podes escrever
Ai! primavera que fugiu p’ra sempre, O horror de angústias e mágoas
A m or-escárnio!.. . lutulenta história! Que então me viste sofrer.

Bem vês! Eu volto. Como vou tão r ic o ... A mesma fronte que amei outrora!
Que risos n’alma! que lauréis na fre n te ... O mesmo riso que me vira um dia!
Tenho por c roa a palidez da morte, O mesmo olhar que me perdera a vida!
Fêz-se um cadáver — o poeta ardente! A mesma, a mesma, por quem eu morria!

Que saudades que eu tenho do passado,


Adeus! P ’ra sempre adeus! Quando alta noite. Da nossa mocidade ardente e amante!
Encostado à amurada do n a v io ... Meu Deus! Eu dera o resto de existência
As vagas tr is te s ... que nos viram juntos Por um momento a s s im ... por um instante.
Perguntarem por ti num beijo frio,
Mas não! entre nós o abismo
Eu lhes hei de contar a minha história. Se estende negro e fa ta l...
Talvez me entenda êste sofrer do inferno — Jamais 1 — é palavra escrita
O oceano! O oceano imenso e triste, No céu, na terra, no vai.
O gigante da dor! o Jó eterno!
Eu — já não tenho mais vida!
Fazia um ano. E ra o dia Tu — já não tens mais amor!
Do fatal an iversário... Tu — só vives para os risos.
Ergui-me da cova escura. Eu — só vivo para a dor.
Sacudi o meu su d ário...
Em meio aos risos e à festa Tu vais em busca da aurora!
b- às gargalhadas da orquestra, Eu em busca do poente!
Que eu tinha esquecido enfim. Queres o leito brilhante!
Tomei lu g a r!.. . Solitário Eu peço a cova silente!
Quis rever o meu Calvário
Deserto, tredo, sem f i m !...
Não te iludas! O passado
Sabes o que é sepultar-se
P ’ra sempre quebrado está!
Um ano inteiro na d o r ...
Desce a corrente do r io ...
Esquecido, abandonado.
E deixa-o sepulto lá!
Sem crença, ambição e a m o r ...
Ver cair d ia ... após dia.
Sem um riso d’a le g ria ... V iste -m e ... E creste um momento
Sem n a d a ... n a d a ... Jesus! Qu’inda me tinhas a m o r !...
Ver cair noite após noite. Pobre amiga! Era lembrança,
Sem ninguém que nos a ç o ite ... Era saudade... era dor!
Ninguém, que nos tome a C ru z ? !...
Ai! não sabes! nunca o s a ib a s !... Obrigado! Mas na terra
Pois bem; imagina-o s ó . .. Tudo entre nós se acabou!
E então talvez compreendas A d e u s !... É o adeus ex trem o ...
A lenda escura de Jó . A hora extrema soou.

[7Õ3]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

Quis te odiar, não pude. — Quis na terra À CAPELA DO A L M E ID A


Encontrar outro amor. — Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no meu peito Grato oásis do viajante,
Pôs o germe cruel de um mal terrível. Terra de lindos primores.
Tu és sultana das flores.
Sinto que vou morrer! Posso, portanto, 3282 Bela filha do sertão.
A verdade dizer-te santa e nua: Aí no regaço ameno
Não quero mais teu amor!! Porém minh’alma O lasso e triste romeiro 3285
Aqui, além, mais longe, é sempre tua. Se esquece do amor primeiro
R io de Jan eiro, 17 de Novembro de 1869. Pois te dá seu coração.
Que importa por longes terras
Se ostentem mil maravilhas?
Paris, Nápoles, Sevilha,
HORAS DE SA U D A D E
Não têm o atrativo teu.
Em vez de luxo — tens flores.
Em vez de sêdas — perfumes.
Tudo vem me lembrar que tu fugiste, Em vez de bailes — os lumes
Tudo, que me rodeia, de ti fala. Das estrelinhas do Céu.
Ilida a almofada, em que pousaste a fronte. 1870.
O teu perfume predileto exala.
No piano saudoso, à tua espera.
Dormem sono de morte as harmonias: NUAAA PÁGINA 3286
E a valsa entreaberta mostra a frase,
A doce frase que inda há pouco lias. (D o ÁLBUM DE D e s e n h o do A uto r)

As horas passam longas, sonolentas... Horas de tédio ou de amorosa esp’rança,


Desce a tarde no carro vaporoso... — Meteoros da vida!... errantes astros!...
D’Ave-Maria o sino, que soluça, Fugü... porém que fique uma lembrança!
Ê por ti que soluça mais queixoso. Passai!... deixando os perfumosos rastros!...
CurraUnho — 1870.
E não vens te sentar perto, bem perto,
Nem derramas, ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sôbre a minha. A D. JO A N A

(N o D ia do seu A n iv e r s á r io )
E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n’alma, .Senhora, eu vos dou versos, porque apanho
Como a harpa de Davi, teu riso santo Das flores d’alnia um ramalhete agreste
Meu acerbo sofrer já não acalma. E são versos a flora perfumada,
Que de meu seio a solidão reveste.
É que tudo me lembra que fugiste,
Tudo que me rodeia, de ti fala, E vós que amais a parasita ardente,
Como o cristal da essência do Oriente Que abre como um suspiro em pleno Maio,
Mesmo vazio a sândalo trescala... E o aroma que anima o cálix 3287 rubro
— Talvez de uma alma perfumoso ensaio,
No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho. E êsse vago tremer de níveas pétalas,
Foi-se a festa de amores e de afagos... Que faz das flores meias borboletas,
I^ras — ave do céu... minh’alma — o ninho! O escarlate das malvas presumidas,
A modéstia infantil das violetas,
Por onde trilhas — um perfume expande-se, 3283 E essa linguagem transparente e meiga
Há ritmo e cadência no teu passo! Que a natureza fala nas campinas
És como a estréia, que transpondo as sombras 3284 Pelas vozes das brisas suspirosas.
Deixa um rastro de luz no azul do espaço... Pela bôca rosada das boninas...
E teu rastro de amor guarda minh'alma. Hoje na vossa festa... em vosso dia.
Estréia, que fugiste aos meus anelos, Em meio aos vossos íntimos amores.. .
Que levaste-me a vida entrelaçada Juntai aos ramalhetes êstes versos,
Na sombra sideral de teus cabelos!... Pois versos de afeição... também são flores!
2 de A bril de 1870. CurraUnho, 22 de A bril (1870).

[ 754 ]
H IN O S DO KQ UADOR

FÉ, ESPERAN ÇA E C A R ID A D E Na minha bôca profana


Quando ela s’espasma insana,
Eram três anjos — e uma só mulher. É para ver c pasmar
H: ♦ ♦ Que corpo ligeiro, frágil,
Que uma serpente mais ágil
Quando a infância corria alegre, à toa, Em meus braços s’enroscar !...
Como a primeira flor que, na lagoa,
Sóbre o cristal das águas se revê. E tão soberba conquista.
Em minha infância refletiu-se a tua... Sabeis quem ma deu? — A vista
Beijei-te as mãos suaves, pequeninas. Do meu corcel triünfal....
Tinhas um palpitar de asas divinas... Versos à sua mantilha...
Eras — o Anjo da F é !... E uns confeitos de baunilha
Depois eu te revi... na fronte branca. Em noite de carnaval!
Radiava entre pérolas mais franca S. Isabel, 27 de Julho de 1870.
A altiva c'roa que a beleza trança!...
Sob os passos da diva triünfante,
Ardente, humilde, arremessei minh’alma.
Por ti sonhei — triünfador — a palma, VENEZA
Ó — Anjo da Esperança!... —
Hoje é o terceiro marco dessa história. Ecos DE A lfredo de M u sset

Calcinado aos relâmpagos da glória,


Descri do amor, zombei da eternidade!... Em Veneza, a vermelha,
Ai, não! — celeste e peregrina Déia, Nem um barco s’esguelha...
Por ti em rosas mudam-se os martírios! Nem remador no mar
Há no teu seio a maciez dos lírios... Se vê remar...
Anjo da Caridade I...
Curralinho, 20 ãc Junho dc 1870. Na Greve acocorado
Jaz o Leão dourado,
Que para o mar levanta
A bronzea planta.
MADRI
Em tôrno se lhe agrupa
(T radução L iv r e de M u sset ) A gôndola, a chalupa.
Quais cisnes, se arrojando.
Madri! Ó flor das Espanhas, Em longo bando.
Correm nas tuas campanhas
Olhos escuros e azuis.
Branca flor das serenatas. Dormem n’àgua, que espuma...
Lavam-se em tuas cascatas E cruzam pela bruma.
Pequeninos pés tafuis. Em leves turbilhões,
Seus pavilhões.
Quando os touros mais se irritam,
Que brancas mãos que palpitam! A lua que esvoaça
Que charpas voam no ar! Esconde a testa e passa
Em tuas noites doiradas. Em nuvem estrelada
As senhoritas veladas Meio enrolada.
Sabem descer de um solar.
Madri! Madri! Eu não minto... Assim dama abadessa
Quem teve mais curto cinto A capa faz que desça.
Ou mais estreito chapim? Pela sobrepeliz
Eu conheço uma pequena, Em véus sutis.
Que jamais loura ou morena
Valeram-lhe... ta n to - a s s im ! Os palácios vetustos.
Os pórticos robustos,
Mas, cautela!... A velha fria Dos nobres as escadas
Que a penteia... a gelosia Arabescadas,
Só abre a mim... bem o sei!
Quem quiser bater-se ao certo As ruas e as pontes,
Na missa passe-lhe perto... Dos mármores as frontes,
Seja o bispo, seja o Rei. E o golfo turbulento
Porque ela é minha andaluza, Ao tom do vento,
Minha amante, minha musa,
A dama do meu amor. São quedos!... Só os guardas
Mais que um anjo!... um demoninho. Co'as longas alabardas
Tem o ardor de um passarinho, Vigiam nos poiais,
E de uma laranja a côr. Nos arsenais.

[ 755 ]
ANTÔNIO D E CA STRO A E V E S

Ai! quanta moça nua SE EU T E D ISSE SSE


Agora, à luz da lua,
Espera chegue o amante,
Se eu te dissesse que cindindo os mares.
— Tôda arquejante! Triste, pendido -3288 sôbre a vítrea vaga,
Eu desfolhava de teu nome as pétalas
Agora para o baile
Ao salso vento, que as marés a fa g a ...
Mais de uma larga o chaile,
E a máscara afivela.
Ju nto à janela. Se eu te dissesse que por ermos cimos,
Do monte ao vale, da chapada à selva, 3289
Na cama embalsamada Junta comigo vagueou tua alma.
A Vânina espasmada Junta comigo pernoitou na relva;
O moço aperta ainda,
Dormindo linda. Se eu te dissesse que ao relento frio
Dei minha fronte à viração gemente,
Narcisa — a doida altiva — E olhando o rumo de teu lar — saudoso
Na gôndola lasciva Alolhei as trevas de meu pranto algente;
Esquece-se na orgia
Ate de d ia !... Se eu te dissesse, bela flor das salas!
Que eu dei teu nome dos sertões às flo r e s !...
E quem na Itália um pouco E ousei, na trova em que os pastôres gemem,
Não tem (meu D eus!) de louco? P or ti, senhora, improvisar de am ôres;
Nem guarda para o amor
Da vida a flor?
Se eu te dissesse que tu fôste a concha
Que o peregrino traz da Terra-Santa,
Deixai que ao velho Doge
Mago amuleto que no seio mora.
— Do tempo que lhe foge —
Doce re líq u ia ... talismã que e n c a n ta !...;
Conte o relógio a hora,
Que triste c h o r a ...
Se eu te dissesse que tu fôste a rosa
Cantemos nós, ó louca. Que ornava a gorra ao menestrel divino;
Nesta rebelde bôca Cruz que o Tem plário conchegava ao peito,
Beijos aos centos dados Quando nas naves reboava o hino;
Ou p erd oad os...
Se eu te dissesse que tu és, criança!
Cantemos teus encantos, O anjo-da-guarda que me orvalha as preces. . . ;
Cantemos êstes prantos Se eu te d issesse.. . — Foi talvez mentira! —
Que orvalham-te em la n g u o r... Se eu te d isse sse ... Tu talvez d isse sse s...
Meu doido amor. Santa Isabel, 15 de Agosto de 1870.
5 '. Isabel, 27 de Julho de 1870.

CH AN SO N
O V O L U N T Á R IO DO SERTÃO 3290

(M usset )
F ragmento
Disse a meu peito, a meu pobre peito:
— Não te contentas co’uma só amante? E ra ao cair do sol no viso das montanhas!
Pois tu não vês que êste mudar constante E ra ao chegar da noite as legiões estranhas. . . ,
Gasta em desejos o prazer do amor?
Ao farfalhar das sombras — a tribo sussurrante —
Êle respondeu: — Não! não me contento; Aves de escuridão que descem do levante.
Não me contento com uma só amante.
Pois tu não vês que êste mudar constante Do vale no turíbulo embala-se a n e b lin a ...
Empresta aos gozos um melhor sabor? Soam no bosque as harpas em trêmula surdina.
Disse a meu peito, a meu pobre peito: Como nas mãos do padre, o monte que transluz
— Não te contentas desta dor errante? No braço ergue o sol — hóstia 3291 imensa de luz.
Pois tu não vês que êste mudar constante
A cada passo só nos traz a dor? Ouve-se um desdobrar de telas e de v é u s ...
No espaço arma-se a noite — a tenda azul de Deus.
Ele respondeu: — Não! Não me contento,
Não me contento desta dor e rra n te ... E ra ao cair do sol! Por íngreme caminho
Pois tu não vês que êste mudar constante Em fundo refletir, a galopar sòzinho,
Empresta às mágoas um melhor sabor?
S. Isabel, 1 1 de Agosto de 1870. Eu subia de um cêrro o cimo alcantilado
Donde melhor se avista a a ld e ia ... o ca m p o ...
[o prado.

[ 756 ]
H IN OS DO DQUADOR

AH a Ponta Aguda o espaço invade franca! No entanto é triste


Ergue-se calcinada ao longe a Pedra Branca. Ver nas mãos de um hipócrita e de um bruto
Morreres, cortesã soberba e moça!
Lá vai monte após m onte. . . o olhar vaga perdido Mas chegou tua v e z !... Por mim não creio
Nessas ondas titães de um mar arrefecid o ... No mal estranho que te apaga a vida!
...N ã o vêdes sòzinha sob as moitas
Buscando a noite e o mármore do banho
Que outrora as sacudiu como hordas macedônicas
Lavar no frio os suarentos m em b ros?!...
Ao estridor das fôrças ignívomas, platônicas
Palavra d’honra, o coração te sa n g ra !...
Quando ainda a lutar rebelde alçava um combro Olhei! Foi mesmo ali nesta alameda.
De um ciclone tombado a m ã o ... o b r a ç o ... Longe os raios do sol, que em seus abraços
[o om bro!. . . Os mais nobres mancebos delirosos
Se esvaíram de a m o r ... Ali nas sombras
Um terrível prazer se apascentava.
Ali, rapace, as pomas apertando
Seus débeis favoritos, que envelhecem
No amor à Messalina, em doudos beijos
A B A IN H A DO PU N H A L 3292 A morte distilando. . . , — ela bebia
Seus elementos caros — ouro e sangue!
F ragmento

Salve, noites do Oriente, Acabou-se, acabou-se, ó Marieta!


Noites de beijos e amor! Eis-te agora calada e triste e muda! . . .
Onde os astros são abelhas Miras n’água o teu co rp o .. . e em vão procuram
Do éter na larga f lo r ... Olhos teus descobrir nas formas nuas
Onde pende a meiga lua, A lindeza fatal dos tempos idos. . .
Como cimitarra nua Vai! corre agora aos públicos alcoices!
Por sôbre um dólman azul: Puxa o manto aos fidalgos que te amaram!
E a vaga dos Dardanelos Os que pagavam-te o palácio há p o u co ...
Beija, em lascivos anelos, 3293 Aos lacaios teu nome ora perguntam. . .
As saudades de Estambul. O médico se afasta, erguendo os ombros.
Suspira e fala da impotência d’a r t e l...
Salve, serralhos severos
Como a barba dum P axá! 3294 Quanto ao frade, (que — estúpido — sòmente
Zimbórios, que fingem crânios Dous papéis aprendeu. . . — um p’ra o culpado,
Dos crentes fiéis de A lá ! .., O outro par’o in o c e n te ...) vendo agora
Ciprestes que o vento agita, A Pecadora que s’esvai silente.
Como flechas 3295 de Mesquita Sem saber condenar, nem lastim á-la,...
Esguios, longos também; Recita os dous sermões ao mesmo tempo.
Minaretes, entre bosques! Marieta, ó soberba criatura!
Palmeiras, entre os quiosques! Tu fôste o caçador que um dia os deuses
Mulheres nuas do Harém ! Deram em pasto aos cães que êle nutria!
À sombra das cidreiras florescentes
Mas embalde a lua inclina Adormenta a infeliz o mal que a mina.
As loiras tranças p’ra o c h ã o ... E como à Madalena sôbre os peitos.
Desprezada concubina. Rolam-lhe juntos o cabelo e o pranto.
Já não te adora o sultão!
Debalde, aos vidros pintados.
Aos balcões arabescados. E ra um sábio, em matéria de mulheres,
Vais bater em doudo a f ã ... Quem disse que um sorriso à moça esconde
Soam tímbalos na s a la ... Prantos que ela chorou por noite infinda?
E a dança ardente resvala Ah! Se o vivo fulgor de uns olhos fúlgidos.
Sôbre os tapetes do I r ã ! . . . Lábios ridentes, petulantes frases.
Velam soluços e amargosos c h o ro s ...,
Ah! Se o cômico o inferno tem no seio
E a alegria na máscara estam p ad a...;
— Dizei-me o que será quando febrenta.
Chumbada a face, embebem, transbordando,
O T Á V IO A própria máscara as caudais do p ra n to ?...

(D e Alfredo de Musset )
Mem este charlatão, nem este frade Não sei se do prazer dileto aos deuses
Sabem por que Maria aos poucos morre. Fêz a eterna justiça um gôzo ilícito;
Feriram-te no peito, ó bela fria, Mas se é dado dizer-me a qual suplício
Feu mal é todo amor!... Meu pior inimigo eu dar quisera.

[ 737 ]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S

Seria a ti, ó pálido ciúme. A CESTINHA DE COSTURA


De um amor desprezado... é desespero
Que oculto m o rre s.. . morres miserável, P ara o Livrinho de D. B rasília Vieira
Seria tua lâmina terrível
Que eu dentro d’alma lhe estalar quisera! Não quero Panteons, 3297 não quero mármores,
Conheceis-lhe o suplício solitário? Não sonho a Eternidade fria, e s c u ra ...
Que dor, que esforço p’ra calar aos menos! Minha glória ideal é o quente abrigo
P ara que o mar de mágoas e de angústias De uma pequena cêsta de costura.
Não rebente do crânio os frágeis o s s o s !...
 sombra dos terraços florescentes
Entorna a violeta a essência pura:
Insensato! e quem há que te lastime? Flores d alma recendem 3298 mais fragrância
Desprezado de um só, morre no olvido. Numa pequena cêsta de costura.
Demais o orgulho, inexorável sempre
Ei-lo aí que se afasta aos olhos de outrem Batida pelos corvos da procela,
E no flanco a sangrar retém, qual César, A pomba a hera tímida procura:
Mesmo sob o punhal co’as mãos que afrouxam, Pousa minh’alma foragida as asas
As débeis pregas do seu manto régio. Nesta pequena cêsta de costura.

Astros que amais a espuma das c a s c a ta s !...


Orvalhos que adorais do lírio a alvura!
Do preguiçoso mar na frouxa vaga.
Dizei se há menos lânguidos arminhos
Ricamente adornado, Otávio, o mole,
Nesta pequena cêsta de costura.
Baixa e levanta, aos sons das valsas leves.
Seus belos olhos que jam ais choraram.
. . .É um débil m o ç o .. . que ap arece a p en a s... Nesse ninho de fitas e de re n d a s...
Até ontem ninguém o havia olhado. No perfume sutil da fo rm o su ra...
Contam que um dia a bela Marieta Vão meus versos viver de aroma e risos
O viu passar na gôndola, por ela. Entre as flores da cêsta de costura.

Uma velha esta noite o passo embarga-lhe; E quando descuidada mergulhares


Diz-lhe a trem er: “ Senhor! E la quisera E sta mão pequenina, santa e pura.
Ver-vos ao menos, pela vez e x t r e m a !...” Possam êles beijar teus níveos dedos
Mas Otávio a tais frases descobrindo Escondidos na cêsta de costura.
O belo r o s to ... um raio de alegria
S . Salvador, Outubro de 1870.
Deixa doirar-lhe a peregrina fronte.
— “ Pois M arieta m orre? É certo? M orre?”
— “ Só lhe resta uma hora!”
— “ Então, bem podes
Levar-lhe êste bilhete!” DEUSA INCRUENTA
E sôbre a perna
Co a ponta de um punhal rápido escreve: A IMPRENSA
“ Sou mulher, M arieta! E me ofendeste!
Mas posso p erd o ar-te... porque m orres! Ao Grêmio Literário
“ Vinguei-me. Adeus! Queres saber meu nome>
“ Eu sou a noiva de Petrúcio Balbi, 3296 A N T Í T E S E A “ T E R R IB IL IS D EA ”
Que por ti se a f o g o u !...”
V. Isabel. 30 de Agosto de 1870. Quando E la se alterou das brumas da Alemanha,
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
Na destra suspendendo a estréia da m a n h ã ...
O espasmo de um fuzil correu nos h orizon tes...
DEPO!S DA LEITURA DE UM POEMA Clareou-se o perfil dos alvacentos montes,
(E m S essão Literária) Dos cimos do Peru — às grimpas do Indostã.

(I mpromptu) Tinha na mão brilhante a trompa bronzeada!


Às vêzes o pastor subindo aos Alpes Vestia o longo véu da vestal inspirada!
Lança aos abismos a canção tremente. E ra Palas ta lv e z !... talvez um s e ra fim !...
Responde em baixo — o precipício enorme! O albor de Beatriz, no imaginar do D a n te !...
Responde em cima — o firmamento ingente! O olhar da Pitonisa em trípode gigante!
Do mundo — Anjo-da-guarda! enorme querubim!...
Poeta! a voz do pegureiro errante
Em ti v ib ran d o ... se a lte o u !... cresceu! Ergueu-se! Olhou de roda os plainos do Universo...
Tua alma é funda — como é fundo o pego! No peito das Nações seu braço longo, imerso, 3299
Teu gênio é alto — como é alto o céu! Palpou-lhe o estrepitar do estoso c o r a ç ã o !...
Bahia, 2 de Outubro de 1870. Gênio e santa! a mulher um grito ergueu profundo.
Abriu braços de mãe p’ra acalentar o mundo.
Asas de Serafim — p’ra abrigar a amplidão.

[ 758 ]
niNOS DO EQUADOR

Rugiram de terror ao ver-lhe o rir su blim e... Salve, Deusa incruenta! Imensa Divindade!
O sátrapa, o chacal, a tirania, o c rim e ... — Barqueira dêsse mar — chamado a Eternidade! —
O abutre, o antro, o môcho, o êrro, a escravidão! Que às margens do Cocito embarcas os heróis...
Disse a gruta p’ra o céu: “ Que deusa é esta Em prol da Humanidade a Deus levas o grito.
[ingente?!” 3300 Tens os olhos — na terra! a bôca — no infinito!
O espaço respondeu: “ É a diva do O cid en te!... A meia-lua aos pés! Na cabeleira — os sóis!!!
A consciência do mundo! o Eu da criação!”
Quando Ela se alteou nas brumas da Alemanha,
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
E quando Ela surgiu, — os pólos se abraçaram!
Na destra suspendendo a estréia da manhã...
O Zênite e o Nadir, — surpresos, se escutaram!
O espasmo de um fuzil correu nos horizontes...
O Norte — ouviu, chorando, o soluçar — do Sul!
Clareou-se o perfil dos alvacentos montes,
O abafado estertor do servo miserando,
Da deusa no clarim gigante rcboando. Das cimas — do Peru... às grimpas do Indostã! 3303
Clamou da terra-verde ao firmamento-azul! 3301
S. Salvador, 14 de Outubro de 1870.

Uma noite. . . no chão da Grécia — peregrina,


A Deusa a jo elh o u ... da poeira divina
O fantasma de Homero então viram surgir! EPITÁFIO
“Ainda viajar” diz o velho em asso m b ro...
“ Quem és?” “ Eu sou teu g u ia ... Encosta-te ao Para UjM T úmulo de Mãe
[meu ombro.” 3302
“Então, levas-me longe?” “ Eu levo-te ao porvir!” Como o orvalho das ramas do salgueiro
Resvala sôbre a lápide do trilho.
Assim gotejam lágrimas de filho,
No fórum colossal da sempiterna Roma,
O’ Minha Mãe! sôbre o sepulcro teu...
De Cícero a figura apaixonada assoma
Mas como o sol nascente a góta enxuga
E de novo retumba o verbo atro ad o r...
Que a noite derramou sôbre os escolhos...
Tem hoje por tribuna imensa — a eternidade.
O anjo da Crença nos enxuga os olhos
Por Fórum — o universo! é plebe a — humanidade!
A seus pés — as nações! os séculos — em redor! E faz do pranto uma oração... no céu!
15 dc Novembro de 1870.
Quando a Bastilha vil tremia desraigada
E da mole ao sopé soava a martelada,
-A catapulta humana, a voz de M irab eau !... MENINA E MOÇA
Quando aquêle ideal Quasimodo do abismo
.Se agitava a ulular dos Reis no cataclismo, (V ersos para o álbum de D. Maria
— Sineiro que rebate aos séculos to c o u !... Jo A Q U IN A DA S iL V A F R E IR E )

Eriçado, feroz, suado, monstruoso. Menina e Moça! Há no volver das horas


Magnífico de horror, divino, p ro celoso ... Esta idade ideal e feiticeira;
A Deusa se atirou nos braços do T itãol! É quando a estréia expira e rompe a aurora
Mas, sentindo que o Deus inteiriçado tomba. . . Um prelúdio nos leques da palmeira.
Dos tronos co’a madeira — arvora-lhe a
[hecatomba! Menina e Moça! Há no viver das flores
Co’as purpuras dos reis — acende-lhe um clarão! Este instante feliz... É quando a rosa.
Ao relento das noites perfumadas.
Seguiu do Childe errante o yacht aventureiro.. Abre o cálix, risonha e curiosa.
Beijou-lhe a palidez ao Lorde-Forasteiro,
Menina e Moça! Há no passar dos anos
De Veneza, a lasciva — à lânguida Estambul!
Esta estação de amor... quando nas veigas
E, quando o Lara-Inglês expira, o Pajem louro
Fazem-se em flor as folhas sussurrantes.
É E l a ! ... E fa la .. . e aponta o firmamento de ouro.
Guinar lembra a Conrado o seu país de a z u l!... Beijam-se as pombas, arrulando meigas.
Menina e Moça! Há no sonhar da música
Quando a Polônia casta, essa Lucrécia nova, Som que esta idade festival exprime...
Para fugir — a um leito, arroja-se a — uma c o v a ... Quando a voz do piano espalha aos ermos
E mata-se de n o jo .. . aos beijos de um C z a r...
Uma atriz funeral surge do negro palco.
Os suspiros saudosos de Bellini.
Tira à chaga o punhal, descobre o catafalco ... Menina e Moça! Se a poesia esquece
E deixa sôbre a E u ro p a ... o ferro gotejarl Agora o tipo da criança bela,
Quem não te adora a límpida inocência,
— Amazona sombria — ela arrebata o Goethe O’ filha de Sorrento! ó Graziellal
Na garupa a fumar do tártaro ginete.
Pela noite hibernai dos séculos ao s a b b a t!... Menina e Moça! Castidade e pejo!
Anjo, às vêzes, no céu fatídico revoa, Crença, frescura, divinal anseio!
A buzina de cobre os longos ares tr o a ... Por quem tu cismas? — Se pergunta à fronte.
Ergue-se a meio o chão do escuro Josafá! Por quem palpitas? — Se pergunta ao seio.
[ 739]
ANTÔNIO D E C A ST RO A L V E S

Menina e M oça! É tão festivo o riso! O ’ Filha dos ermos


Chama dourada sôbre os olhos brilha! Sem term os!
Como estalam os beijos das amigas O ’ casta, suave, serena Violeta,
A donzela tem a s a s ... de escumilha! Tu és entre as flores
Menina e M oça! Como é doudo o baile! A flor dos amores
Como são várias da existência as cenas! Que em magos
Ama-se o canto. — Se elas são as a v e s .. . Afagos
Ama-se a valsa. — Se elas são falenas. . . .Acalma os martírios de uma alma inquieta.
Menina e M oça! Adormecida garça
Que o mar na riba do ideal b a lo u ça .. .
O bardo canta na tormenta ao longe. . .
P or isso é que sonha num trêmulo anseio
Sonha o teu sonho de — menina e m o ç a !...
Prender-te no seio
S . Salvador, 19 de Novembro de 1870 Saudoso o P o e t a i...
23 de Janeiro, às cinco horas da tarde.

A V IO L E T A

(A Uma Incógnita...) CANÇÃO DE G O U N O D

A rosa vermelha
Semelha I
Beleza de moça vaidosa, indiscreta.
As rosas são virgens Quando cantas pendida
Que em doudas vertigens P o r sôbre o peito meu.
Palpitam, Ouves tu minha vida
Se agitam Falando-te do céu?
E murcham das salas na febre inquieta. A indolente cantiga
Desmaia de languor.
Cantai, formosa amiga!
Cantai, cantai, amor!
Mas ai! Que não sonha num trêmulo anseio
Prendê-las no seio
Saudoso o Poeta. 11

Quando ris, nesta bôca


Rebenta amor a flux, 3306
Camélias fulgentes, E minh’alma vai louca
Nitentes, Arder-se em tua luz.
Bem como o alabastro de estátua quieta. Teu sorriso é quem briga
P r im o r ... sem aroma! Em perfume co’a flor.
Partida redoma! Cantai, formosa amiga,
Tesouro Cantai, cantai, amor!
Sem ouro!
Que valem sorrisos em bôca indiscreta? 111

Quando dormes tão pura,


Perdida! Não sonha num trêmulo anseio Dos astros ao clarão.
Prender-te no seio Teu alento murmura
Saudoso o poeta. Dos beijos a canção.
Manto ou véu não te abriga
O marmóreo p a lo r ...
Cantai, formosa amiga!
Bem longe da f e s t a ..., Cantai, cantai, amor!
Modesta, 3304
Salvador 18 71.
Prodígios de aroma guardando discreta.
E xiste da sombra,
Na lânguida alfombra.
Medrosa, NO M E E T IN G DU C O M IT Ê DU P A IN
Mimosa,
Dos anjos errantes a flor p red ileta...
J á que a terra estacou n’orbita imensa.
Já que tudo mentiu — a glória! a crença!
A liberdade! a cruz!
Silêncio! Consintam que em trêmulo anseio E o Sísifo dos séc’los — assombrado —
Prendendo-a no seio Viu rolar-lhe do dorso ensangüentado
Suspire o Poeta. O rochedo de lu z. . ,

[ 760 ]
H IN O S DO EQUADOR

Já que o amor traiismudou-se em ódio acerbo, Ó França! deste a luz que de teu ser jorrava!
Que a eloqüência—é o canhão, a bala— o verbo, 3307 ó França! acolhe agora em recom pensa... o pão.
O ideal — o horror! O Cristo no deserto os pães multiplicava,
E nos fastos do século, os tiranos Faça agora o milagre, ó França, o coração!
Traçam co’a ferradura dos hulanos
O ciclo do terror. E , se acaso alta noite, em noite de invernada.
Enquanto no horizonte a chama lambe o ar,
Já que, igual ao florete de Gennaro, Uma débil criança, esquálida e gelada.
Um sabre arranca do presente ignaro Por ti. Pátria, encontrar abrigo, pão e l a r ...
Êste letreiro — Luz —.
Já que a Glória recua (cousa horrenda), Quando aquêle inocente, 3309 a sós no campo escuro.
E Átila vai de Washington na senda, Abençoar de longe os brasileiros c é u s ...
E Siva após Jesus! Sabe que êste menino — é o símbolo do futuro!
E aquela frágil m ã o ... oculta a mão de D e u s !...
Já que a Rousseau sucede Machiavelo, 9 de Fevereiro de 18 71.
Já que a Europa de altar fêz-se escabêlo,
Da guerra meretriz.
Já que o sonho de Canning era falso.
Já que após abolir-se o cadafalso. DIABO MUNDO
Crucificam Paris.
(E spronceda)
Já que é mentira a voz da Humanidade, Côro dos Demônios
Já que riscam da Bíblia a Caridade,
E dalma o co ra çã o ... Voguemos! Lancemos
E a noite da descrença desce feia A barca a vogar!
E, tropeçando em ossos, cambaleia Que rompam-se as nuvens, 3310
Dos povos a razão! . . . Que rompam-se as névoas.
As chamas, o a r . . .
As trevas profundas.
As vagas do m a r !...
Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito Voguemos! Cruzemos
Que abafe dos canhões o horríssono rugir. Do mundo o confim!
Em frente do oceano! em frente do infinito! 3308
Em nome do progresso! em nome do porvir. Que hoje o triste abismo quebram
Os Diabos livres enfim!
Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos E em músico estrondo horrendo.
Manche a arca ideal das nossas ilusões. Os condenados celebram.
A herança do suor, vertido em dois mil anos, Juntos cantando e bebendo,
Há de intacta chegar às novas gerações! Um diabólico festim.

Nós que somos a raça eleita do futuro, O P oeta


O filho que o Senhor amou, qual Benjamim, Que rumor
Que faremos de n ó s ... se é tudo falso, impuro, Longe soa,
Se é mentira — o Progresso! e o Êrro não tem fim? Que em silêncio
V a i .. . rev o a ...
Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos liberdade em face da opressão! Pela noite pejada de horror?
Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro! É de um ginete a desvairada fuga
És o crime de bronze! — escreva-se ao canhão! Estendido no arrojo voador?
O áspero rugir de ávida fera.
Falemos de Justiça — em frente à Mortandade! Ou dos ventos o silvo aterrador?
Falemos do Direito — ao gládio que reluz!
Se êles dizem — Rancor, dizei — Fraternidade! O eco rouco de trovão longínquo,
Se erguem a Meia-luz, ergamos nós a Cruz! Que nas fundas cavernas fundo deu?
O mar que investe, de viseira erguida,
— Novo Lusbel — contra o senhor do Céu?
Digamos à Criança: — O Mestre ama esta idade'.
Digamos à Velhice: — honra às vossas cãs! —
Digamos à Miséria, à Fome e à Orfandade:
E vosso o nosso l a r ... vós sois nossas irmãs. Densa bruma
Pelo espaço
Digamos a Estrasburgo: “ Mereces do U niverso!” Já se esfum a..
Digam os... Não! Silêncio em frente de P a r is ... E a garoa
D Amazonas que leve o nosso pranto imerso Se povoa
A glória das Vestais! à herdeira das Judiths. De mil gênios
Vagarosos,
Pelo vento

[761]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S

Reünidos Lançando bramidos hórridos.


E impelidos Lascando vetustas árvores.
Cento e cento. Irresistível num ímpeto.
Aqui voltam, Tingida de côres lívidas.
Ali giram; Gigante forma flamígera
J á se juntam, Cavalga nos vendavais. . .
Se re tira m ...
J á se ocultam, É talvez da guerra o espírito.
J ’aparecem; Cuja fronte enrola rápido.
Vagam, voam. Em fulva indecisa auréola,
Passam, fo g e m ... O relâmpago fugaz.
Se diluem.
Volvem, c re s c e m ...
D im inuem .. . Aqui treme, troa a t e r r a ...
Se evaporam, O oceano geme aco lá. . .
Se c o lo ra m ... A catadupa alterosa
E das sombras Rui despenhando-se lá.
Pelo incerto
Longe e perto Ali torrentes de lava
Já se perdem. Golfa mugindo o vulcão.
J á se evitam Aqui temerosa a tromba
Com temor. Torce o braço do tufão.
J á se agitam
Com furor. E água, fogo, seixos, robles,
Em dança aérea, fantástica, Ávida sorve ao passar
Do sombrio poeta em d e rre d o rl... Além, desmaiada a lua
Com a face patibular.
Vago enxame de tênues fantasmas
De formas diversas, de vário palor. Triste, fatídica, imóvel,
Em cabras e em serpes montados, e em corvos Da escuridade no umbral.
Em dança macabra, com surdo estertor. Mais entristece, que aclara.
Lançam gritos e alaridos. Qual lâmpada sepulcral. ^311
Silvos, relinchos p erd id os...
E em desacordado estrépito Ali bramidos de guerra,
O fantástico esquadrão Dos ferros o re-tim-tim,
Move horrenda algaravia O bélico, ardente estrépito
Com espantosa harmonia, Do bronzeado clarim.
E horrissona confusão.
Aqui relincham cavalos
Do touro ardente ao mugido Da refrega no vai-vem;
Responde, em rouco grasnar, Os canhões ao longe estouram.
Feia coruja agoureira. Gemidos ouvem-se além.
E ao pressago gargalhar
De uma velha feiticeira
E alaridos, ais e vozes.
Mia o gato negro e p u la ...
Queixas, preces e o c h o ra r...
O lôbo eriçado ulula.
Ali desgarradas músicas
Ladra furioso o mastim!
Em delirante cantar;
E ruídos, vozes, acentos
Mil se mesclam e con fu n d em ... Rumor de vultos que d an ça m ...
E pavor e mêdo infundem Bulício, harmonia a q u i...
Os fundos berros dos ventos: Risos, murmúrios tão p e r to ...
“ À m orte”, gritando ao mundo Gritos, delírios ali.
Na fúria dos e le m e n to s !!...
L á se escuta o doudo estrondo
Da cidade — turbilhão.
Relâmpago rápido Brindes, órgias, 3312 gargalhadas.
Do céu as abóbadas Ju nta à praga a maldição.
Com luz, rasga, lúgubre;
E em cima descobre-se Aqui sussurra, entre flores,
Ginete fantástico. Zéfiro ardente, vivaz.
Quiçá o gênio indômito, Longe o eco interrompido
Que anima o tu fã o ... De algum suspiro fugaz.

De cem trovões juntos retumba o fragor Ora um beijo, uma palavra,


Em bosques, montanhas, cavernas, to rre n te s.. . O resto de algum trovar.
Talvez são do pânico os gênios potentes, Tudo em confusa desordem
Que o cântico entoam do espanto e terror. Sc ouve a um tempo ressoar.

[ 762 ]
H IN OS DO EQUADOR

Breve compêndio do mundo, Segunda voz


A tartárea bacanal
Aícscla, transforma, confunde Vou levantar um palácio,
Gritos mil em co n fu são ... Que o ouro cravejará.
E aturde, turba, perturba Serão príncipes — meus servos!
Tanto afã, tanta visão. Quanto ao p o v o ... Deus dará.

Uai Córo Terceira voz


Além vai a n a v e ... A mim! Vinde a mim, formosas!
Onde irá parar? Dai-me deleites e amor!
Triste de quem fia Delícias voluptuosas.
Do vento e do mar! Beijos de mago sabor.
E entre perfumes e aromas
Uma voz De um’harpa seguindo o tom.
Que importa? O destino Suba da espuma dos vinhos
Seu rumo traçou. De vossos cantos o som . . .
Quem foge ao fadário?
Quem nunca o mudou? Quarta voz
Vinde! L evan tai-m e...
Além vai a n a v e ...
No cimo to q u ei...
Que siga o r o te iro !...
Erguei-m e. . . que, rápido,
As auras já cantam!
A mão vos darei.
Já silva o pampeiro!
S egundo Côro Quinta voz
Vinde! que podemos. Ai! Eu caí de um cômoro altanado
Babel inda erguer. Na garganta que abriu-me um boqueirão.
O véu arranquemos É larga minha dor, minha ag on ia...
Que esconde o saber! Quem me s a lv a ? ... Piedade! Compaixão!

Uma voz Sexta voz


Verdade! Na terra Na caligem da noite, êrmo e sòzinho.
Em vão te buscamos. Vago arrastado por ignota lei.
E ao céu, que te encerra, Sempre marchando estou. . . e em meu caminho
Nas asas ousamos Nem pousada, nem lar encontrarei!
Voar e su b ir.. .
Em nobre avareza, Sétima voz
E em rôgo insofrido, Vivamos sem mágoas!
P ’ra ver o que há sido ! . . . Jam ais um carpir,
Sonhar o p o rv ir!... Do gôzo nas águas,
Cantando a sorrir.
T erceiro Côro
Tu és, ó mentira! Oitava voz
Luzente cristal. Quem me acalma a negra dor?
Côr de ouro e safira Quem me enxuga o triste pranto?
Que encanta o mortal! Ninguém me ampara o quebranto?
Uma voz Ninguém me escuta o cla m o r?...

Feliz quem te escuta. O P oeta


Mentira! — nos sonhos.
Prazeres risonhos Onde estou? Talvez baixei
Só tu sabes dar. A escura mansão do espanto.
A triste verdade Talvez eu mesmo criei
Ninguém vá buscar. Tanta visão, sonho tanto,
Verdade escondida, Que quereis? Que procurais?
Que podes mostrar?
Na tempestade, quiçá,
Mostrar desenganos.
Hórrida, tôrva coorte.
Trazer um pesar.
Anunciar aos orbes vá
Estragos, ruínas, m o rte s...
VÁRIAS Vozes Mensageiros de Jeová!
Primeira voz Quem sois vós. Gênios sombrios;
Eu combato pela glória. Que junto a mim revoais?
São-lhe coroa os lauréis. Sois os vagos desvarios
Canta-me versos. Poetai De minhas noites fatais?
Prostra-te, Mundo, a meus pés! Que onde estou nem mesmo sei.

[ 763 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES

Mas do celeste ambiente Voz admirável, vaga misteriosa.


Flam ejante catarata Vinda talvez de além do firmamento,
Em vagas de luz ardente, Que cresce sob a terra temerosa
Súbito vejo saltar. E vai nas asas do calado vento. . .
E de fogo, onda após onda. Voz de amargo p ra z e r... voz dolorosa,
Galga os ares, trepa, alcança. Incom pr’ensivel, mágico p o rte n to ...
Com cego furor estronda, 3313 Voz, que recorda à mente comovida
Como despenha-se o mar! O bem passado e a ilusão p e rd id a !!...
E em fundo pego em seguida “ A ü ’ exclamou com lamentável q u e ix a ...
Se precipita e se perde E em tôrno ressoou triste gemido,
A catadupa incendida. Como a lembrança que no peito deixa
Que em arco rápido cai. .A. voz de um ser que houvéssemos querido.
Mar imenso, encapelado. “A i!’’ que terrível condição me vexa
Que lavra nos fulvos ares, Para chorar e maldizer n a scid o ...
E após num baque arrastado. Escravo sempre de fatal desejo
Com a fera tormenta vai! Que cumprir-se jam ais em ânsias v e jo !...
E em meio negra figura
Campeia firme, silente, Quem é Deus? Onde está? Na plaga extensa
Da eterna luz altíssimo se ostenta?
— O gesto forte, imponente,
Talvez em trono de uma luz intensa
— Enorme, vasta a estatura.
Serpes são-lhe a cabeleira. A incompr’ensivel majestade a s s e n ta !...
De mil mundos a massa enorme, imensa,
Que sôbre a fronte se en ro scam ...
Com sua mão talvez rege e sustenta,
Lembra-lhe a bôca tenebrosa e fera
Mal extinta cratera! Sempiterno, infinito, onipotente.
Invisível se quer, se quer p re s e n te !...
E os negros duendes,
E as larvas em bando. Ou na de além — Jerusalém divina
Rodeiam valsando Talvez escuta, em holocausto santo,
Seu negro senhor. Do A rcanjo, que a seus pés a fronte inclina.
E em meio das chamas Vozes que exalam harmonioso c a n to ...
Resvalam, se lançam, A máquina sonora e cristalina
E folgam e dançam. Do mundo gira em derredor no e n ta n to ...
Pulando em redor. E entre aromas e glórias e esplendores
Buliçoso séquito Recebe humilde adoração e am ores. . .
De céleres pés.
Fantasm as fosfóricos. “ Santo” as legiões angélicas lhe cantam.
Ilusão talvez. “ H osana” soa na celeste arena.
Raios de luz perlustram e abrilhantam
Vagas sombras tremulas Nuvem de incenso e transparência — p le n a .. .
De aspecto fugaz. E nela em murmúrio se levantam,
Cuja voz — estrépito — Paz demando a essa mansão serena, —
Surdo, baço fa z . . . As preces do homem na amargura a flito ...
Qual zumbido uníssono . . . E paz d e rra m a ... e bênçãos o Infinito!
De môsca tenaz.
E em meio das chamas. É Deus acaso o Gênio da Vingança,
Fervendo em montões. Que na destra balança o raio ardente,
Não cessam-lhe os roucos. E angústia e mágoa e dor e morte lança
Monótonos sons Em troca às tristes queixas do in o ce n te ?...
É Deus, o deus que arranca-lhe a esperança.
E juntam-se
Uníssonos, Tirano injusto, frívolo, insolente,
Em tênue Que esmaga o coração do homem forte,
R u m o r.. . E o pecador condena à eterna morte?
E mudam-se
Súbito Embebido em seu vasto poderio,
Em fogo. É Deus o deus que goza a formosura?
Em vapor. Que os planetas lançou no céu vazio.
Deu le i s ... e abandonou sua fe itu ra ? ...
Um gesto fêz do T ártaro o Gigante Foi vaidade do homem, desvario
E a turba se c a lo u ... Soava apenas Sonhar-se imagem dessa imagem p u r a ? ...
Pelo silêncio o estrépito atroante É Deus o deus que, no eternal sossêgo.
Do sulfuroso mar. Logo um acento Em frente ao pranto se conserva cego?
Claro, distinto, rápido, sonoro.
As vagas regiões cruzou do vento. Talvez, secreto espírito do mundo,
Com rara, melancólica harmonia. Êle o universo anima e alimenta,
Que vinha não sei d o n d e... E , derramando o hálito fecundo.
E o eco em derredor lhe repetia! Impede o mar e o firmamento argenta.

[ 764 ]
HINOS DO EQUADOR

E a quanto o globo no âmbito profundo Que é só vaidade — a ciência!


Tímido esconde ou vaidoso ostenta, Que foi-lhe engano o gôzo sedutor!
Sói com fôrça infiltrar desconhecida Mas que é verdade apenas a impotência,
Alma, razão, entendimento e vida! O desespêro! A dor!

Ou Deus se chama a inteligência ousada Mortal! Tu criaste e deste um nome;


Da humanidade em ânsia insaciável. Puseste em mim a dor que te consome.
Sempre voando e sempre encorrentada Em minh’alma teus rancores!
Da matéria no cárcere inquebrável? Em minha fronte esta ansiedade louca.
À escravidão eterna condenada, Em meu peito teus furores,
À fera luta, à guerra interminável. Blasfêmias, maldições em minha bôea!
Serás tu. Divindade alta, sublime.
Escrava — a quem o Deus-da-inércia oprime?. Depois em teu verdugo me erigiste.
Pagaste-me em terror.
E em sua vida é o Universo inteiro E dos orbes o império repartiste 3315
Acaso vasto campo de peleja? Entre mim e o Senhor.
Cada elemento um triste prisioneiro
Que sua algema bipartir d e s e ja ? ... Eu sou parte de t i . . . Sou êste espírito
E abrasas tudo. Espírito altaneiro! Que perto sempre v ê s ...
E em tudo tua luz motriz arqueja Que não dorme, e te acorda, e te levanta, 3316
Como esse oculto misterioso alento, A novas regiões te impele a p lan ta...
Que arrasta o mar em louco m ovim ento!... R no teu nada inerme
Infiltra o pensamento — dos arcanjos, 3317
Quando têrmo achará tão crua guerra, Na pequenez — do verme!
E transporás esta prisão sombria?
Criará novo aspecto acaso a terra,
E sêres imortais a luz do dia?
Descansarás da morte em paz, que aterra. Como os rolos, que o pélago arremessa
Ou dissipando esta matéria impura De encontro às pedras brutas.
Ou fugindo a outros astros erra d ia ... Humanidade, p’ra quebrar teus diques.
O mundo inundarás de form osura?!” Fera, pujante lu ta s ...
Quem sabe? Talvez que eu seja E
“ Da humanidade o pensar. De fôrça redobrando?...
Quando a mundos ignotos arrojado E •çoitarás do cárcere as par
Sabe em asas possantes rem o n tar... Em furor delirando?
Quando se atreve a espedaçar os raios, E
Onde se oculta o Deus misterioso. Saberás remontar?
E propõe-se orgulhoso E a morte e da vida o fundo arcano
Face a face fitá-lo sem desmaios. 3314 Não poderás sondar?
Entretanto, serenos, impassíveis. Corres acaso avante, sempre avante?
Giram cem sóis, cem mundos. Volves acaso atrás?
Servos da lei que rege A uma fôrça obedeces consciente?
Seus movimentos pelos céus profundos!. Sabes para onde vais?
Mas tu, sublime espírito insolente. ■As crenças que abandonas, êsses templos.
Rasgas o circ’lo dessa estreita esfera, As velhas tradições,
Cavalgas sôbre as asas Que apenas p assam ... lo g o ... frio insultas.
De meu gênio potente Quais mortas ilu sõ es...
E provocas à guerra
Mentem menos talvez que os novos sonhos
Inteira a terra,
Que teu gênio c rio u ...
Da rebeldia erguendo o pavilhão.
Talvez guard em ... ta lv e z ... mesma a verdade,
Causa por causa indagando
Que teu ser condenou...
Té a origem final da criação.

E outra vez rolas comigo Mas como eu, sempre avante, arremessada
Aos báratros antípodas dos céus. Por um pulso de bronze vigoroso,
Em lôbrega e funda terra Além vais, além vais, pedindo embalde
Blasfemo uivando e maldizendo a Deus. Quietação e rep ou so...

Teu peito estéril, mirrado. Precipitam-se os séculos, afundam-se


Sem ilusões — tarde sente, Nações e populaças...
Que o delírio insano mente. Somem-se impérios, 3318 p o v o s... e devora
Mente o prazer, mente a m o r... O olvido infindas raças.

[ 765 J
ANTÔNIO DE CASTllO ALVES

E tu vais sempre avante, avante sempre.


P rim eiro C ôro
Desvairada, revel,
Na aparente desordem, sem caminho. G ênios! é tempo de vir
Desabando em tropel. As desgraças com os homens repartir!

E ora inundas os plainos, ora alagas


S egundo C ôro
Os montes colossais.
Qu importa o antro fundo, o ceu sem têrinos? Já para sempre abandonou a esp’rança
Se tu sondá-los vais! A humanidade!
Mal lhe serve de pasto ao frio peito
Pobre cega, que vagas louca, errante. — Fria saudade!
Torpe ou sagaz, na fera escuridão
Interrogando a essência de ti m e sm a ...
T erceiro C ôro
Só vendo — co n fu s ã o !...
Seres do mal! Nós somos do universo
Mas, quer no chão batido marches dócil, O nume tu te la r...
— Crédula em teus avós. Se êles tentam descer, a nosso influxo
Quer novas galas v is ta s ... e escarneças Hão de a fronte curvar!
Do passado os heróis;

Quer partindo rebelde as gargalheiras. P rim eiro C ôro


As recalques aos p é s ...
Gênios! é tempo de vir
Marcho sempre contigo dia e noite
As desgraças com os homens repartir!
Dos tempos através!

E este verme, que sentes bem no fundo


Uma voz
Teu coração morder, Eu turbarei seus amôres.
E sta sombra, que o prisma de teus sonhos Desfarei sua ilusão,
Vês, tôrva, escurecer, Altearei seus rancores,
Farei sem têrmos as dores.
Sou eu! Sou eu — luzeiro decaído, Mal chagado o coração!
A njo da maldição!
O rei do m a l... e fiz o meu inferno Segundo voz
No humano coração. 3319
A seus olhos mentiras e verdades
Fchz quando a esperança a teus dclirlos . — Confundirei!
Presta lúcido véu! A ciência, o acaso em sua mente
— C on tu rbarei!.. .
I n f e l i z , se a s a u d a d e te e n v e n e n a
O te m p o , q u e m o r r e u . . . Terceira voz
E te arrojas sem rumo, desvairado.
Mancharei a formosura,
Em tétrico e s c a r c é u ...!
Farei velha a ju ven tu d e...
E farei que uma alma pura.
Jamais estréia há de a c la ra r-te ... cm b a ld c... Renegando da virtude,
H ás de chamar por D e u s ... Deus não te v ê .. Maldiga sua feitura!
Nem te escuta os insultos, que o provocam,
Nem a reza sem f é . . .
Quarta voz
H á de só responder aos teus gemidos Farei duvidar do afeto
A voz da tro v o ad a... Que vota ao filho dileto
Para ti não há plaga nem repouso, O coração maternal!
Nem plácida enseada! Mostrando o espinho entre as flores.
O interêsse entre os amôres,
Morre a matéria b r u ta !... Mas tu, lúcido Como vil manancial.
Espírito, onde vais?
Quem sabe? Um dia rompem-se as golilhas! Quinta voz
Quem s a b e ... se ja m a is ? ! ...’
Uma barra de ouro
F a lo u ... depois a luminosa fronte Seu Deus será.
Deixou cair, desesperado e tr is te ... Sórdida avareza
E correu de seus olhos larga fonte Cultos lhe dará.
De envenenadas lá g rim a s... Profundo Míseras paixões
Silêncio em tôrno iluminou momentos; Hão de empunhar o cetro
Logo em aéreos, musicais acentos De seus corações.
Cem coros ressoaram,
E além no ar em confusão cantaram. Gênios! é tempo de vir
As desgraças com os homens re p a rtir!...
[ 766 ]
IIIÀ’OS DO EQUADOR

Sexta voz Embriagada, absorta, niinh’alma


Dos delírios no incerto quedou,
Meu gládio indômito E senti que em meu crânio trevoso
Será fatal Rubra lava em torrentes queimou.
A êsse Deus mísero
De vil metal. E na louca e falaz fantasia
Seus clamores e cantos ouvi;
Em seus alcáçares E o túmulo na inquieta porfia
Me assentarei. Encerrado em mim mesmo senti.
E o mundo humílimo
Aos pés verei. Assim quando soa belígera trompa.
Ao rufo cadente das c a ix a s ... então
Gênios! é tempo de vir Brioso ostentando magnífica pompa
Êstes servos ao carro meu jungir. Em ordem desfila guerreiro esquadrão.

Sétima voz E espadas, baionetas, canhões e cavalos


Se escoam, e os olhos turvados só vêem
Darei fim ao cativeiro. Brilharem as armas, ondearem bandeiras.
Terei paz e liberdade, Fantásticas plumas do vento ao vaivém, 3320
Abrirei novo roteiro
A vagabunda, errante humanidade! Luzir de couraças, o povo, e bem longe
Rumor indizível que a turba espalhou,
E prêsa no encanto, e extática a mente.
CÔRO
Crê vê-lo e escutá-lo, depois que passou. 3.321
Quem sabe? quem sabe?
Se ensinos serão Mas já da aurora nos albores
Mentidos delírios. Tinge a luz o firm am ento...
Dourada ilusão? E os nascentes resplendores
Lança a terra aos quatro ventos,
Gênios! é tempo de vir O manto de várias cores.
As desgraças com os homens re p a rtir!...
Já derramam-se no mundo
Harmonias cento e c e n to ...
O P oeta
Vago, estranho movimento.
Como nuvens por negra tormenta Inundando o ser profundo.
Em lufadas arroja o tufão, Susta o curso ao pensamento.
E em confuso delírio apinhadas
De tropel encontrando-se vão; E ’ verdade o que ver creio?
Foi profecia o que eu ouvi,
E visões e fantasmas horrendos, Dos meus delírios em meio?
Monstros raros, de formas sem fim, Mente acaso o devaneio?
E palácios, cidades e templos Ou foi verdade o que eu vi?
Nossos olhos figuram enfim. S'. Salvador, 20 de F evereiro de 1S7>

E entre massas de negra tormenta


Some a terra aos olhares do sol,
Qual gigante cadáver, que enrola DURANTE UM TEMPORAL 3322
Linho sórdido em triste lençol;
Vai funda a tempestade no infinito,
Como soa nas fragas longínquas
Ruge o ciclone túmido e fe r o z ...
O dolente mugido do mar,
Uiva a jaula dos tigres da procela
Quando as ondas esflora nas penhas, .— Eu sonho tua voz —
Arquejantes do insano lutar;
Cruzam as nuvens refulgentes, negras,
E por noite serena as bafagens Na mão do vento em desgrenhados elos..
Trazem restos de um canto de amor,
Eu vejo sôbre a sêda do corpete
Que ao compasso dos remos entoa. Teus lúbricos ca b e lo s...
Mar em fora o feliz pescador;

Tal em doudo, feroz rodopio Do relâmpago a luz rasga até o fundo


A legião dos demônios fugiu; Os abismos intérminos do a r . . .
^'agarosas passaram as sombras, Eu sondo o firmamento de tua alma,
E o sussurro das asas se ouviu. À luz de teu o lh a r...

E no espaço vazio, fantástico. Sôbre o peito das vagas arquejantes


Largo tempo cantava o cantar, Borrifa a espuma em ósculos o espaço..
E nos longes um flébil harpejo Eu — penso ver arfando, alvinitentes,
Pouco a pouco harmonioso expirar. As rendas no regaço.

[ 767 ]
AKTÔNIO DE CASTRO ALYES

A terra tr e m e ... As folhas descaídas Ó divina Consuelo! a vaga do Adriático


Rangem ao choque rijo do granizo Fêz-te talvez nascer dum beijo dado ao sol.
Como acalenta um coração aflito, A espuma foi teu berço, Alcíone sim pático...
Como é bom teu sorriso! . . . Tens por irmãos — o cisne, o amor e o rouxinol.

Que importa o vendaval, a noite, os euros. O amor, que açula o riso ao lábio da Francesa,
Os trovões predizendo o ca ta clism o ... Que dá filtros fatais à filha de Madri,
Se em ti pensando some-se o universo, Que mais lânguida torna a pensativa Inglêsa,
E em ti somente eu c is m o ... A Grega mais audaz! mais indolente a Huri!

Tu és a minha v id a ... o ar que a s p iro ... O amor na Italiana estala em h arm o n ia...
Não há tormentas quando estás em calma. Sobe ao lábio tre m e n te ... espalha-se no céu!
Para mim só há raios em teus olhos, Amor não é palavra, amor é melodia!
Procelas em tua alma! Não há música assim como dizer: “ Sou teu !”
Ãs 7 horas da noite de 2 de M arço de 1Z71.
E o seio que palpita a rebentar a s ê d a ...
E a garganta, do cisne a desmaiar o a lv o r ...
E a trança a descair.... e a mão que a trança arreda..
Anzoleto a seus p é s ... as trevas em re d o r ...
CO N SU ELO

A divina Consuelo, em face à noite imensa,


A D. A gnese No gesto dominando as fúrias do escarcéu.
Na voz clara, sonora, ardente, larga, extensa,
— Escada de Ja có — prendia a terra ao c é u !...

Nunca leste — Consuelo — , a página fulgente


I I
Que George Sand, a loura, encheu de encanto e luz?
Êste sonho onde o céu, da terra passa r e n te ... Horas de amor, porque voais tão cedo?
Onde o amor, a harmonia e a graça brincam nus?... Êxtases santos, porque assim passais?
Plantam-se risos no fatal rochedo.
Vem ! dá-me tua m ã o ... voemos a Sorrento! Vinga a seara dos sombrios ais.
Por barco — a fantasia! P or flàmula — teu véu!
Seja o cabelo negro — a vela sôlta ao v e n to .. .
Vem comigo sonhar a I t á lia .. . a n o ite .. . o c é u ! ... Um dia a fronte já não surge v iv id a ...
Aperta o seio em desespero a m ã o ...
A Itália! a Itália santa! a pátria p ereg rin a... — Que foi? — pergunta-se à criança lívida.
Do artista e do Poeta o mágico país. Ai! não respondas, Consuelo, não!
Onde na terra o amor chamou-se — Fornarina,
L á onde o amor no céu chamou-se Beatriz! Apanha a essência destas fundas mágoas.
Concentra o fogo nos teus seios nus.
Terra que deu à luz a cavatina e a dália, 3323 Na gruta — mudam-se em cristal as águas,
A espádua de alabastro e o laranjal em flor No abismo — a lava se transforma em luz.
Onde o sôpro da noite em pleno céu espalha
As lavas do Vesúvio e as explosões do amor. Palor e pranto, desespêro e c h ô r o !...
Como no gênio esta coroa d iz !...
Desta cicuta vais fazer um lo u r o !...
Caíste m ártir! e te e rg u e ste ... atriz!
[3325
Vem comigo, 3324 Form osa! A sombra vai profunda,
Dos astros o cardume a trecho aclara o mar... 3326 I I I
O tardo gondoleiro o remo n’àgua afu n d a...
Veneza — o cisne eterno — engolfa-se a sonhar! Passou pela terra, tão casta e nitente.
Qual raio de lua que bate no gêlo,
Do nicho da Madona o frouxo alampadário O Sânzio invejara-lhe a fronte inocente.
Dos Doges alumia o lugubre frontal. Por isso chamavam-na:
Silêncio. Quebra a paz a voz do estradivário A pura Consuelo!
E uma gôndola passa em águas do c a n a l...
E tinha nos olhos fulgor de meteoros,
Dentro o grupo do amor! Fusão de primaveras. Um céu de procela no escuro cabelo,
Dois risos soletrando o verbo do beijar. Da aurora lavada nos pálidos raios,
Ventura que produz a inveja das esferas, A musa da Itália
E que faz de ciúme os anjos descorar, Tu eras, Consuelo!

O crente — ao pé da Santa! o riso — junto à Cantava! Sua alma saía-lhe em n o ta s ...


[bôca, 3227 M istério! M ila g re ... quem pode sabê-lo?
Um anelar — sem têrm o! um fulgurar — sem fim! As ninfas outrora mudavam-se em flores.
E l a ? ! . .. bela a fazer a terra inteira louca, 3328 Em lira tornara-se
Alma feita de um a s t r o !.. . e o corpo de um jasmim. A triste Consuelo.

[ 768 ]
HINOS DO EQUADOR

Cruzavam-lhe o canto sussurros de arcanjo, NO CAMAROTE


Suspiros de Laura, delírios de O te lo ...
Se os raios da lua de sons se fizessem. (S ô B R E M o t iv o s d e E s p a n h o l )
Talvez que lembrassem
A voz de Consuelo. No camarote gélida e quieta
Porque imóvel assim cravas a vista?
Mas, ai! que não acha na estrofe o poeta És o sonho de neve de um poeta?
Lampejos de um gênio tão fúlgido e belo. És a estátua de pedra de um artista?
Que versos espelham-te, ó flor de Veneza?
Quem pode lembrar-te. Debalde cresce de harmonia o c a n to ...
Divina Consuelo. -A Moça não o escuta, além perdida!
Que amuleto prendeu-a no quebranto?
Só vós, bela diva! da música aos trenós, Em que céu vai boiando aquela vida?
Meu pálido sonho podeis aquecê-lo.
Afogue-se a musa nas árias b rilh an tes!... Onde se engolfa o cisne dessa mente?
E, se inda tu queres Em que vagas azuis desce cantando?
Sonhar C onsuelo... Que bafagem, meu Deus! frouxa, dormente.
Lhe acalenta o cismar no alento brando?
Co’as mãos no piano, co'os olhos no espaço,
Trementes os seios, revôlto o ca b e lo ... — Arcanjo, deusa ou pálida madona —
Num mar de harmonia nos leva a S o rre n to !... Quem é, surprêsa, a multidão p erg u nta...
Desperta-me a Itália! E ao vê-la mais gentil que Desdemona 3330
Revive Consuelo 1 Como para rezar as mãos ajunta.
S. Salvador, 20 de Março de ÍS71.
Odalisca talvez de haréns brilhantes,
Ela no lábio as multidões algema.
Talvez dest’alma nas visões errantes
VERSOS PARA MÚSICA 3329 Voa a pura miragem de um poema.

A D. Agnese Nem um riso, entretanto, a flux luzindo


Aos delírios que esfolha a cavatina,
Ingrata! E fazes m ilag res... A bôea rubra de improviso abrindo,
E não crês em ti sequer. Esta fronte fatídica ilumina.
Vê, teu riso quebra as lousas,
Eu sou Lázaro, mulher. Pois naquela alma só se encontra neve?
Nada palpita nessa forma branca?
Tu me perguntas, formosa, Pois não freme êste mármore de leve?
Se a alma tem outra f l o r ... Pois nem o canto esta friez lhe arranca?
Se revive murcha a r o s a ...
Se renasce morto o a m o r ... Ai! Ninguém fie dessa calma estranha,
— Êxtase santo de harmonias cheio.
Ingrata! pois tu duvidas? — Guarda a lava a petrina da montanlia.
Do influxo do teu p o d e r!... Guarda Vesúvios o palor de um seio.
Minh’alma é planta aquecida
Nos teus sorrisos, mulher. O h! ser a idéia dessa fronte pura.
Ser o desejo dêsse lábio quente,
Ingrata! Tu que dás a vida Fôra o meu sonho de ideal ventura, 3331
Não vês sequer teu p o d e r!... Fôra o delírio de minh’alma ardente.
O lh a -m e !... Eu vivo, q u erid a!...
Eu sou Lázaro, mulher! Feliz quem possa na ansiedade louca
Esta bela mulher prender nos b ra ç o s ...
Eu era a triste crisálida. Beber o mel na rosa desta bôea.
Tu fôste a luz do a rre b o l!... Beijar-lhe os p é s ... quando beijar-lhe os passos!
Minh’alma desperta válida 14 de Abril de 1871.
Aos raios da luz do s o l !...

Ingrata! Inda assim duvidas


Do influxo de teu p o d er... A UM CORAÇÃO
Vês, minh’alma? E ’ borboleta
Que tu salvaste mulher.
“ C o r a ç ã o de F i l i g r a n a d e O ir o ”
Ingrata! E fazes prodígios
E não crês em ti s e q u e r!... .Ai! pobre coração! Assim vazio
Minha alma é lousa florida F2 frio
Aos teus afagos, mulher! Sem guardar a lembrança de um amor!
10 de Abril de 1871. Nada em teu seio os dias hão d eixad o !...
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador?

[ 769 J
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

Não, 3332 frio coração! Ê que na terra O oceano lúbrico


Ninguém te abriu... Nada teu seio encerra! Beija-te o saio...
O vácuo apenas queres tu conter! Meus versos canta-lhe.
Não te faltam suspiros delirantes, Vaga de Maio.
Nem lágrimas de afeto verdadeiro...
É que nem mesmo — o oceano inteiro —
Poderia te encher!... VI
M aio de 1871.
O espelho etéreo
Das nuvens nasce.
N O IT E DE M A IO
Reflete em júbilos
A tua face.
B arcarola
Seu riso angélico
Música da “Santa Liicia” No céu guardai-o.
Espelho límpido
I Da flor de Maio.
No céu dos trópicos
P ’ra sempre brilha, VII
ô noite esplêndida,
Que as ondas trilha. Há risos tépidos
Entre as palmeiras;
Do amor nas pálpebras Beijam-se lânguidas
Acende o raio. Fadas trigueiras. 3333
Ó noite cúmplice 1
Noite de Maio! Da selva o cântico
Além cantai-o,
II Ó gênios cúmplices
Do céu de Maio.
V"c... que astros lúcidos
Na azul clareira;
São flores níveas VIII
Da laranjeira. A lua imerge-se
Na etérea zona, 3334
De noiva chamam-te A fronte inveja-te.
Em cada raio. Bela Amazona.
Noiva puríssima
Do mês de Maio.
Fronte de mármore
III Que empresta um raio
À c'roa fúlgida
Do vento os hálitos Do mês de Maio.
Erguem-te as tranças,
Nos seios rolam-te IX
Em loucas danças.
No azul dos trópicos
São meus anélitos, Suspende o passo,
É meu desmaio, As horas céleres
ó noite cúmplice! Prende ao regaço...
Noite de Maio!
Os astros liga-me
IV Num loiro raio!
Estréia pálida. Sê nossa cúmplice...
Moça divina! Noite de M aio!...
Donzela tímida 7 de Maio de 1871.
Sob a neblina!

Teu véu empresta-me.


Teu longo saio, LONGE DE T I
Para as espáduas
Da flor de Maio. Quando longe de ti eu vegeto.
Nessas horas de largos instantes,
V O ponteiro que passa os quadrantes 3333
Marca séculos, se esquece de andar.
Nas praias nítidas Fito o céu, — é uma nave sem lâmpada.
Têm voz as vagas. .. Fito a terra — é uma várzea sem flores.
São bôeas trêmulas O universo é um abismo de dores,
Lambendo as plagas. Se a m adona não brilha no altar.
L 770 ]
HINOS DO EQUADOR

E n tão lem bro 33^6 os m om entos passados, Nas sombras passa uma so m b ra !...
Lem bro então tuas frases queridas, Balançaram nos c ip ó s !...
Como o infante que as pedras luzidas Pé de moça pisa a alfom bra...
Uma a uma desfia na mão. Da cova enfeita-lhe as flo re s ...
Como a virgem que as jó ia s da noiva Flor dos últimos amores!
Conta alegre a so rrir de alegria, Traz o beijo dos heróis!
Conto os rios que deste-me um dia
E que eu guardo no meu coração. Da lua a teia amarela
Estende as malhas de lu z ...
Lembro ainda o lugar onde esta v a s... Na riba o caboclo vela
Teu cabelo, teu rir, teu v estid o ... Ao rubro fogo da ta b a ...
De teu lábio o fulgor incendido... Aqui a murta desaba, 3338
Destas mãos a beleza id e a l... Mulher! nos teus peitos nus!
Lembro ainda, cm teus olhos, querida,
Êste olhar de tão lânguidos raios, A lagoa se debruça
Este olhar que me mata em desmaios P ’ra cair no rib eirão ...
Doce, terno, amoroso, f a ta l!... É minha mãe quem soluça?
Não sabes, 3339 filha estrangeira,
Tens a trança da p alm eira...
Quando a estréia serena da noite
Palmeira do coração!
Vem banhar minha fronte saudosa.
Julgo ver nessa luz misteriosa,
Foi de jasmins am arelos
Doce amiga, um carinho dos teus! Que trançaste o canitar!. . .
E ao silêncio da noite que anseia
Criança, eu morro de anelos.
De volúpia, de anelos, de vida, Dá-me beijos sôbre b e ijo s ...
Eu confio o teu nome, querida,
Tenho um século — por desejo!
Para as brisas Icvarem-no aos céus. E uma noite — por amar!
De ti longe minh’alma vegeta. Amanhã todo êste fogo
Vive só de saudade e lembrança. A morte vai apagar.
Respirando a suave esperança Arranca-me est alma lo g o ...
De viver como escravo a teus pés. — Amai! — a noite nos clama
De sonhar teus menores desejos. — Enquanto houver uma flama!
De velar em teus sonhos dourados, Um grito, um sôpro, um olhar!
“Mais humilde que os servos curvados!
“ Inda mais orgulhoso que os reis” ! Teu sangue ardente galopa
Na fronte morna a bater.
Teu lábio meu lábio en so p a...
Moça! que mel nestes lá b io s ...
ó meu Deus! manda as horas que fujam, São das abelhas ressábios?
Que desfilem em fio os in sta n tes... São ressábios do morrer?
E o ponteiro que passa os quadrantes
Marque a hora em que a possa fitar! Pois eu já vi mil gentias
Como Tântalo à sêde morria. Chorar nestes braços meus.
Sem achar o conforto p reciso ... Aquelas frutas bravias
Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso! Não são frutas que embriagam.
Tenho sêde. Senhor, de um olhar. Teus dedos quando me afagam
Bahia — 1S71. Parecem dedos dos c é u s ...
Existe uma flor na mata
Que aparece à noite só:
Abre as pétalas de prata,
VIRGEM DOS ÚLTIMOS AMÔRES Se espaneja, se c o lo ra ...
Mas, aos fulgores da aurora, 3340
C e n .a ÚNIC.\ Alurcha, expira, faz-se em pó.
C ham a-se... o nome que importa?
É noite. A cena representa tima fto- Lembro agora um sonho meu;
resta americana. Longe os fo g o s sangren­ ...U m a águia tombava morta
tos da tribo. Perto os guerreiros que ron­ Das nuvens.. . na correnteza...
dam ao clarão do luar. O prisioneiro e.s- Nas garras tinha uma prêsa
pera a noiva final. Rolando v iv a ... Era eu!
Por detrás daquele oiteiro Porque derrubas as gôtas
morte espera a manhã ! Do cacho do ouricuri?
É a morte do guerreiro, São tuas missangas rôtas
Do bravo que não re c u a !... Que rolam na minha frente?
Geme ao longe a mãe-da-lua, -^337 Teu colar estava q u en te...
Responde perto a c a u ã ... As contas quentes senti!

[771]
AXTÔNIO DE CASTRO A LV ES

Bem sabes! Se o filho expira, Quando no desviver das horas de atonia, 3345
A mãe, que triste o perdeu, Das noites tropicais na morna calmaria,
Na selva o berço lhe estira Da mocidade o canto arrojo ao vento — insano,
Entre a flor, a brisa, a p a lm a ... E , perto de morrer, o amor anseio a in d a !...
Quando eu morrer, prende est’alma Que mulher me soletra essa harmonia infinda?
Aqui no cabelo teu! . . .É tua mão qu’empresta um’alma ao teu piano.
Minha noiva derradeira,
És bela e triste ao luar! E enquanto a flor rebenta à face da la g o a ...
Ru fui a garça altaneira h. a lua vagabunda o céu percorre à toa.
Cruzando as tardes v erm elh a s... Mirando na corrente o seio le v ia n o ;...
Dos arcos das sobrancelhas Inda a terra m inspira um sonho de ternura!.
Porque fechaste um olhar? . . . O gênio da desgraça, o gênio da loucura,
1 u sabes, qual Davi, curar no teu piano.
Caí! Caí nos teus braços.
Bela filha de Tupá! Criança! que não vês como é sublime e santo
São serpentes teus abraços, Razer irmãos no amor e cúmplices no pranto
Mas não serpentes que b e ija m !... Mozart, o homem do Norte, e Verdi, o Italiano!
São lianas que festejam Despertar ao relento o idílio de Bellini!
Os galhos do piquiá. Razer dançar Sevilha, ao toque de Rossini.
E o bolero e s ta la r ... nas teclas do piano!
Já , mais fria, 3341 a serenada
Resvala pelos b a m b u s...
Os ventos da madrugada A i! toca! No meu ser acorda ainda um estro
Vêm da pátria, vêm 3342 do n o r te ... À voz de Gottschalk 3346 — o esplêndido maestro —
Não ouves, falando em morte? Aos lampejos da luz — do Moço Paulistano — |
. . . Eu amo os teus ombros nus ! . . . A i! toca! Enche de sons o derradeiro dia
Daquele que só te m .. . por sonho — uma harmonia!
Teus o m b ro s ... Mas ficas branca Por única riq u e z a ... a t i . . . e ao teu piano!
Vendo o céu embranquecer!?
i". Salvador, 29 de Maio de 1871.
É a alvorada que espanca
Os môchos e, 3343 dentre as flores.
Aos pombos arruladores
Manda c a n ta r ... Vou morrer!
V em ! Os astros emurchecem. .. REMORSOS
Só resta um deles nos céus.
Seus raios grandes parecem Itm que pensa Carlota após a valsa,
As pétalas da m a g n ó lia ... No tapête
É a estréia que se esfolha Atirando o bouriiou quando d esca lça ...
Quando a noite diz adeus. Ou m e lh o r... quando rompe a luva, a fita,
Se a prcsilha, o colchête.
Rita os olhos n e la .. . um b e ijo ...
Em leve resistência a mão irrita. . .
Um b e ijo ... antes do a r r e b o l!...
Em que pensa Carlota após a valsa?
Inda b rilh a ... inda um d e s e jo .. .
E ia! Ao raio d errad eiro !...
Em que sonha Carlota à madrugada,
Quando aperta
Ao travesseiro a bôca perfumada,
.Adeus! noiva do guerreiro! E afoga o seio sob a cruz de prata.
Salve, ó m orte! Salve, ó so l!!! Pela camisa aberta,
S. Salvador, 25 de Maio de 1871. Que um movimento lânguido d e s a ta ...
Em que sonha Carlota à madrugada?

A M INHA IRMÃ ADELAIDE Com quem fala Carlota ao sol poente,


Na sombria alamêda,
Quando sozinho e tr is te .. . em horas de amargura. Quando os cisnes se arrufam na corrente.
Tu sentes de meu seio a tempestade escura E o vento, pelas grutas cochichando,
As asas encurvar, no fúnebre o c e a n o !... Uns noivos arremeda,
Quando a esponja de fel embebe-me a lembrança!... Que estão, como dois pombos, arrulando.
...L e v a n ta s -te de leve, ó límpida c r ia n ç a !... Com quem fala Carlota ao sol poente?
E deixas 3344 tuas mãos correrem no p ia n o ...
Porque chora Carlota ao meio-dia,
Tu alma terna e meiga inclina-se inquieta Quando nua de adorno.
No abismo funeral das mágoas do poeta, Cobrindo os p é s ... co’a trança luzidia.
E sonda aquêle pego, e rasga aquêle arcano! Entrega o corpo ao vacilar da rêde,
Após, nesse arquejar da vida, que me pesa. E olhando o campo morno.
Ouço, longe, uma voz que no infinito r e z a !... Os lábios m o rd e ... p’ra matar a sêde.
Na terra um soluçar ch o ro s o ... É teu piano! Porque chora Carlota ao meio-dia?

[ 772 ]
HINOS DO EQUADOR

O que cisma, o que sente, por quem chora Na bruma que lá s e s c o a ...
A soberba Carlota? Na estréia que morre a lé m ...
A rainha das salas já d esco ra... Na Santa que te abençoa,
Foge o cetro do leque aos dedos frouxos, Na Santa que te quer b e m l...
E a turba alegre nota
O fundo círc’lo de seus olhos roxos. Tu pensas n’Arte sagrada.
Que não diz o que cisma e porque c h o ra ... Nesta severa m u lh er...
Mais que Débora inspirada...
Quem te mata, Carlota, são remorsos Mais rutilante que Ester.
De algum divino crime?
São ciúmes que escondem teus esforços?
Tu pensas em mil quimeras,
Tens vergonha talvez dêsse rosário
Nos orientes do amor.
Que tua mão comprime,
No vacilar das esferas
Porque um sôpro roçou no relicário?
Pelas noites de languor.
E desmaias, Carlota, de remorsos?!
Se é por isso, não pises tanto os olhos. . . Nalgum sonho peregrino
Formosa criatura! Que o teu ideal criou.
O mundo é um mar de pérfidos escolhos. Na vassalagem, no h in o ...
Quem te pode lançar primeiro a pedra? Que a multidão te atirou!
Amor! e formosura!
Deus não corta a roseira, porque m ed ra ... Neste condão que teus dedos
Se é por isso, não pises tanto os olhos! Têm 3348 de domar os le õ e s ...
No pipilar de uns segredos,
.Mas não! Chora!! Teu mal é sem rem éd io ... No musgo dos co ra çõ e s...
Sçrás mártir sem palma.
Pregada numa c r u z ... na cruz do tédio!
Fria Carlota! cobre-te de p e jo ... No livro que tens no colo!
Mataste à sêde um’alma! Nos versos que tens aos pés!
Fizeste o c r im e ... de negar um beijo! Nos belos gelos do p ó lo ...
Chora! que êste remorso é sem rem éd io !!... Como teus seios cruéis.
í . Salvador, 31 de Maio de 1871.
Pensas em tudo que é belo.
Puro, brilhante, id e a l...
No teu soberbo cabelo!
No teu dorso escultural!
EM QUE PENSAS.?
Oh! Pepita, charmante filie.
Nos tesouros de ventura
Mon amour, à quoi pcnscs-tu? Que a um’alma podias dar;
A LF. DF. M U SSET No alento da bôea p u ra ...
Na graça do puro o lh a r...
Tu pensas na flor que nasce
Menos bela do que tu! Pensas em tudo que é nobre,
Na borboleta vivace Que entorna luz e fulgor!
Beijando teu colo nu! Nas minas, que o mar encobre!
No raio da lua algente Nas avarezas do amor!
Que bebe no teu o lh a r...
Como um cisne alvinitente Tu pensas tudo que invade
No cálice do nenúfar. 3347 O seio de um Q u eru bim !...
Deus! Amor! F elicid ad e!...
Nas orvalhadas cantigas . . . S ó tu não pensas em m im !...
Destas selvagens m anhãs. . . S. Salvador, 1 dc Junho de 1871.
Nas flores — tuas amigas!
Nas pombas — tuas irmãs!
Tu pensas, ó Fiorentina,
No gênio de teu p a ís ..., AQUELA MÃO
Que uma harpa soberba afina
Em cada seio de atriz. Pálidos versos a um primor divino.
* * ♦
Na esteira de luz que arrasta
A glória no louco afã!
Nos diademas da P a s ta ... E ra u’a mão 3349 de lu x o ... era um brinquedo
Nas palmas da Malibran! Mão tão bonita que metera mêdo
Se não fôsse, meu Deus! tão meiga e franca!
Pensas nos climas distantes Mão p’ra se encher de gemas e brilhantes.
Que um sol vermelho queimou. De suspiros, de anelos palp itantes...
Nesses mares ofegantes Mas p’ra estalar as jóias e os am an tes...
Que o teu navio cortou! Aquela mão tão branca!

[ 773 ]
ANTÔNIO DE CASTRO AI.VKS

E ra u’a mão fidalga, exígua, escassa! REZAS


Mão de Duquesa! E ra u’a mão de raça.
De sangue azul, em veios de Carrara!
Na hora em que a terra dorme
Alva, tão alva que vencia a idéia
Enrolada em frios véus,
Das neblinas, dos gelos e da g a r ç a !...
Eu ouço uma reza enorme
Amassada 3350 no leite da Amaltéia
Enchendo o abismo dos céus.
Aquela mão tão rara!
Acendem-se os bentos círios
Tinha um gesto de musa! — Mão que voa,
Dos vagalumes sutis!
Que do piano na ideal lagoa.
“A ve!” murmuram os lírios,
As asas banha em rapidez não v i s t a !... “ A ve!” dizem os covis!
Como a andorinha que se arroja à toa,
Cruzando em beijos a extensão das teclas! Nos boqueirões há so lu ço s...
Acendendo no seio a luz dos E c l a s ... Tem remorso o v en d av al...
Aquela mão de artista! O mar se atira de bruços,
Co’as barbas pelo areai.
Mão de criança! E ra u’a mão de arminhos.
Tendo essas covas, esses alvos ninhos. As nuvens ajoelhadas
De aves que a terra desconhece ainda! Nos claustros ermos e vãos.
Lembrando as conchas dos parcéis marinhos, Passam as contas doiradas
A pôlpa branca dos nascentes lír io s ... Das estréias — pelas mãos.
C o v a s ... porque se enterram mil delírios
Naquela mão tão linda! A açucena, por criança.
Ju nta os d e d o s... reza e ri!
No teatro, uma noite, casta, esquiva, A palmeira larga a tran ça. . .
Na luva de pelica a mão cativa. Reza nua como a Imri.
Recordava um eclipse de l u a ...
Mas um momento após, deixando o guante,
Vi sah'ar-se da espuma, rutilante,
Como Vênus despida e palpitante. Pelos cipós solitário
Aquela mão tão nua! Gôta a gôta o orvalho cai,
Como as bagas do rosário
E ra uma régia mão! Que largas vêzes Da filha que chora o pai!
Sonhei torneios, morriões, arneses.
Bravos ginetes de nevada crina. A ventania que emboca
Ju stas feridas entre mil reveses, Pela serra colossal,
Da média idade a sanguinosa palm a. . . É organista que toca
Só p'ra o louro a tir a r .. . e a lança e a a lm a ... Nos sifões da catedral.
Aquela mão tão fina!
Que fanatismos divinos
Uma noite sonhei que, em minha vida. Nas lapas do campo alvar!
Deus acendia a estrela prometida, Da onça os olhos felinos
Que leva os R eis ao trilho da ventura; Dizem rezas ao luar!
Mas, quando, ao longo da poenta estrada,
O suor me escorria d’am argu ra.. . Há luzes fosforescentes
Passava em meus cabelos perfumados Acesas pelos m a rn é is...
Aquela mão tão pura! São as larvas penitentes
Rezando pelos fiéis.
E ra u’a mão que iluminara um c e tr o ...
Aíão que ensinava d’harm onia o metro ivíonstro e anjo a noite grupa
As esfera s de luz que o dia e n c o b re !... No pedestal da o ra ç ã o ...
T ão santa que uma pérola indiscreta Quem sabe se a catadupa
Talvez toldasse esta nudez tão n o b r e ... Bate nos peitos do chão?
V a z ia ... E ra a riqueza do Poeta
Aquela mão tão pobre! Reza tudo que tem bôca
Cheio de graça ou te r r o r ...
E ra u’a mão que provocava o roubo! O ninho — junto da toca!
E ra u’a mão para conter o globo! A cratera ao pé da flor!
Tinha a luz que arrebata, a luz que encanta!
F ôra o gênio de Sócrates o Grego! Só, enquanto a reza enorme
Domara em Roma os cônsules e o lôbo! Reboa pela amplidão,
Mão que em trevas buscara Homero cego, 3351 Como L o t h ... o Homem dorme
Aquela mão tão santa! No colo da criação!
N. Salvador, 2 dc Junho de 1S71. S. Salvador, 5 dc Junho de 1871.

[ 774 ]
JU V E N IL IA

GÊSSO E BRONZE É por isso que o sol orgulhoso


Ergue a fronte soberba e brilhante;
Foi Canova ou D a v id ... Um mestre, um escultor, É por isso que as flores exalam
Duas estátuas fêz simbolizando o a m o r ... Um perfume mais doce e fragrante. 3354

Uma — pálida e fria, inda amassada 3352 em gêsso É por isso que tão cristalinos
No canto da oficina ensaio sem a p rê ç o l... Os regatos se alongam ao mar,
Outro — prodígio d’arte, arrojo peregrino, E as aves co’as côres tão vivas
Encarnação de luz em bronze floren tin ol.. . Brincam — ternas — voando no ar.

Uma noite, porém, um raio, o a c a s o ... um nada E os ventos tão meigos e frescos
O incêndio arremessando à tenda profanada... Sussurrando as campinas percorrem,
No vermelho estendal das cinzas do brasido E as abelhas em busca de mel
Viu-se o esboço de p é ! ... e o bronze d erretid o!... Às florinhas contentes já correm.

É por isso enfim que tão bela


A natura se ostenta no mundo;
Senhora, Deus também às vêzes é escultor,
Ê por isso que a infância já sente
E gosta de esculpir nos corações o a m o r ...
Regozijos do peito no fundo.
De argila ou de metal, de barro ou de alabastro, 3353
Com o o limo com que faz a escuridão e o a s tr o .. .
I I I
Mas quando o a ca s o .. . um g e s to .. . um riso leviano
Ateia a flama vil de um zêlo ardente, in sa n o ... E ia! cantemos! 3355 can tem o s!...
Sabeis o que se dá? Com grinaldas coroemos
— O amor de gêsso medra... Neste belo e grande dia
De lôdo que era há pouco... enrija... faz-se pedra... Do natalício de amor
O nosso bom Diretor,
Mas da lava infernal o beijo libertino Que tão zeloso nos guia.
Funde a estátua do amor de bronze florentinol!
Bahia, Ginásio Bahiano, 9 de
15 de Junho de 1871.
Setembro de 1860. (3356)

JUVENÍLIA
POESIA
AO NATALÍCIO DO MEU DIRETOR O ILMO.
R ecitada P elo A l u n o A n tô n io de C a stro A l v e s
SR. DOUTOR ABÍLIO CÉSAR BORGES NO O u teir o q u e T e v e L ugar no G in á sio B ahiano
A 3 DE J u lh o de 1861
I
Grato sempre à mocidade, I
Belo dia, hás de raiar;
Sempre ela muito contente Qual leão encostado à dura rocha
Mil flores te há de ofertar! l3a grande serra, onde o senhor habita.
Vestido de áurea juba reluzente,
Sempre em ti se entregará O débil caçador ao longe fita;
Ao prazer com expansão;
Mil cultos render-te-á E grande e generosa que podia
Nos altares d’afeiçâo. De momento em seu sangue se banhar,
Dei.xa-o seguir com pena o seu destino
Pois em ti, sublime dia, Sem seu poder e forças lhe mostrar;
Do alto dos céus baixou
O anjo, que à mocidade T al o Brasil sentado junto às margens
Dos rigores libertou. Do verde oceano que seus pés lhe beija,
E recostado sobre o alto Ande
Baixou êste grande homem, Que além nos ares, pelo céu flameja.
Que tanto anima a instrução.
Estimulando co amor Vestido dêsse manto lindo e belo
O infantil coração. Que nunca o frio inverno desbotou;
Bordado dos diamantes, do ouro fino,
Das lindas flores com que Deus o ornou;
I I
Nasceu hoje meu bom Diretor, Viu chegar-se de Lísia a cruel gente
Para honra do grande Brasil, Batida pelos ventos e tufão.
Preparando na infância, que educa, Débeis de forças, débeis de esperança,
Para a pátria futuro gentil. E apenas merecendo compaixão;

[ 775 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

Deixa-os entrar nos bosques gigantescos; Uns acham vida fugindo.


Deixa-os gozar dos puros céus de anil; Outros morrem, mas sentindo
Deixa-os fruir de tôdas as riquezas, Os pulsos do Brasileiro;
Que o mundo antigo inveja do Brasil. Então conhecem, medrosos,
Que para peitos briosos
I I É quimera o cativeiro.

Mas o gigante que amigo Então soberbo o gigante


Unira alegre consigo Com sua fronte brilhante
O peregrino estrangeiro, As suas armas deixou;
Em breve sentiu, raivoso. E levantando os troféus
Seu colo altivo, orgulhoso. Clama ousado para os céus:
Sob triste cativeiro. — Lísia, sim, já livre sou —

Sentiu em breve o grilhão


Da mais torpe servidão
Atar-lhe a fronte sob’rana; SONETOS
E ssa fronte m ajestosa
A quem coroa formosa A os A nos do M e u P rezado D ir e to r
Dava a gente Am ericana!
M ancebos! De mil loiros triünfantes
Mas perdendo o sangue frio. Adornai o Moisés da mocidade,
Recordando o antigo brio, O A njo que nos guia da verdade
O seu antigo valor; Pelos doces caminhos sempre ovantes.
S ’ergue súbito da terra
E exclama com voz que aterra Coroai de grinaldas verdejantes
Ardente d’ira e furor: Quem rompeu para a Pátria nova idade,
Guiando pelas leis sãs da amizade
“ Lísia, que fostes o horror Os moços do progresso sempre amantes.
Dos povos de outro equador
Com teu imenso poder; Vê, Brasil, êste filho que o teu nome
Que com as tuas falanges Sôbre o mapa dos povos ilustrados
Às índias, que banha o Ganges, Descreve qual o forte de Vendôme.
Fizeste humilde trem er;
Conhece que os Andradas e os Machados,
“ Sabe que a índia de agora Que inda vivem nas asas do renome,
Tem outra mais bela aurora; Não morrem nestes céus abençoados!
São índias, mas do Amazonas,
Sabe que eu sou o B rasil;
Tenho povo senhoril
Como não tem outras zonas. M estre, M estre querido. Pai de Amor,
As glórias que conquistas co’a razão.
“ Se o índio, o negro africano, Enchendo de prazer teu coração, 3357
E mesmo o perito Hispano T ’atraem grandes bênçãos do Senhor!
Tem sofrido servidão;
A h! Não pode ser escravo Os teus loiros têm mais vivo fulgor,
Quem nasceu no solo bravo Que os ganhos ao ribombo do canhão;
Da Brasileira região! Que os de um Aníbal, dum Napoleão,
Alcançados das mortes entre o horror.
E ei-lo já arrojante.
De sangue imigo espumante Sim ! Que os loiros terríveis que Mavorte
A destruir, a m atar; Ao soldado concede em dura guerra,
Busca de todos os lados Todos murcha a idéia só da morte!
Os mandões que, amedrontados.
Caem na terra e no mar. Mas nos teus vero mérito se encerra,
Uns Lusitanos já correm. Que não cede do tempo ao braço forte,
Outros aos golpes já morrem E alcançam justo prêmio além da te r r a !..
Dêste novo Adamastor;
Não podendo já m ostrar
O seu valor militar
Trem em feridos de horror. AO DIA 7 DE SETEMBRO
Em Pirajá, em Cabrito, Mancebos, que sois a esperança
De Lísia já se ouve o grito. Do majestoso Brasil;
Surdos gemidos de dor; Mancebos, que inda tão tenros
Já nem se lembram de glória. Sabeis de louro gentil
Esquecem té a memória Adornar o pátrio dia,
Dos seus feitos de valor. Nosso dia senhoril!

[ 776 ]
JU V EN ILIA

Eis que assomou sobre os montes Ergueste a voz em Dalila,


Além, sobre a antiga serra, Contigo o artista adorei;
Entre mil nuvens de rosa, Depois em Lúcia choraste.
O dia de nossa terra; Contigo Lúcia chorei.
Aquéle que para a Pátria Falaste após, duro e frio,
Milhões de glórias encerra. No Cinismo — um calafrio
Passou-me gelado n’alma.
Foi hoje que o Lusitano, Eia, pois, Proteu da arte,
Que o filho de além do mar. Que assim sabes transformar-te
Despertou com forte brando Que a Proteu levas a palma.
A Pátria que era a sonhar,
Que nem sequer escutava Eia! o povo já admira
A liberdade a expirar. O gênio que em ti transluz,
Nem passa o gênio sem palmas
E o brado: — Livres ou mortos Na terra da Santa Cruz.
Lá nos bosques retumbou; Na terra das primaveras.
E mais contente o Ipiranga As glórias não são quimeras,
As suas águas rolou; Nem o talento é um nome.
E o eco d’alta montanha Aqui se admira o gênio,
Todo o Brasil ecoou. Aqui se adora o proscênio.
E as montanhas lá do Sul, Aqui se eleva um renome.
E as montanhas lá do Norte, É bem risonha esta estrada
Repetiram em seus cumes: Das glórias ao brilho santo.
Sempre ser livres ou morte... Ao ouvir vivos aplausos.
E já na luta renhida De — hosanas — a ouvir um canto;
Cada qual luta mais forte. Em cada dia uma palma.
Sim, nos combates que, ousados. Em cada momento um’alma
Travaram cem contra mil, Teu gênio sabe alcançar;
O mancebo que nascera Deus ungiu-te altiva fronte,
Sob êste azul céu de anil. E, apontando-te o horizonte.
Disse: “Eia! podes voar...”
Forte como um Bonaparte,
Batia o forte fuzil. Quanto és grande, — dizem todos
Que têm a arte amor e fé; 3359
E cada qual no combate Quanto és grande, — di-lo o povo
Ao ribombar do canhão Que ardente e sincero é.
Queria à custa da vida Quanto és grande — o alaúde
Dar à Pátria salvação. Que entoa só canto rude.
Vingar a terra natal Dizer-te procura em vão;
D’aviltante servidão. Que ao gênio só se admira...
Eia, pois, flores da Pátria, Retratar não pode a lira
Esp’rançosa mocidade! Mesmo em tôda a inspiração.
Que os Andradas e os Machados Eia, avante! que o talento
Do alto da Eternidade Brilha sempre triünfal,
Contentes vos abençoam Como o sol ardente a pino
No dia da Liberdade. Aclara a montanha e o vai.
B ahia, Ginásio Bahiano, 7 de Eia! D’arte ó viajante, 3360
Setembro de 1861. (33S8)
Co’a fronte de luz brilhante
Vais ornado de lauréis;
Tens c’roas em vez de espinho
AO SNR. FURTADO COELHO E, pois, no pó do caminho.
Lanço uma flor a teus pés.
Tu és, artista, quem revive as eras, Pernambuco, 16 de Abril de 1863.
Quem reanima pálidos perfis.
Gênio elevado — idéias tu geras.
Gênio 1 êste nome quanto vales, dial
FRA N KLIN DÓRIA
AO DOUS DE JULHO
Do gênio a estrada é difícil,
Mas é brilhante também, índio gigante adormecera um dia:
Se o gênio marcha entre cardos. Junto aos Andes por terra era prostrado;
Marcha entre a rosa — a cecém. Dirieis um colosso deslocado
Ao vê-lo o mundo então pasma, De um pedestal de imensa serrania.
No peito a inveja marasma,
E cala-se o ódio ignavo, Dos ferros a tinir a voz sombria
E quem tem fogo na fronte, Desperta-o... Ruge-lhe o trovão um brado.
Quem tem n’alma rica fonte Roçam-lhe a fronte as nuvens... sopesado
De amores, ergue o seu bravo. A destra o fulvo raio lhe alumia.

[ 777 ]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

Foi luta de titães, luta tremendal Dos teus tribunos que é feito.
Enfiam aos pés do Atlante americano Tu guarda-os no largo peito
S’estorce Portugal n’angùstia horrenda. Não no lôdo da prisão.
E hoje o dedo de Deus escreve ufano:
Tremei, tiranos, desta triste lenda;
Livres, erguei o colo soberano! Mas embalde que o direito
R ecife, 1S64. Não é pasto de punhal
Nem a patas de cavalo
Se faz um crime legal.
Não, não há muitos Setembros, 3363
0 POVO AO PODER 3361
Da plebe doem-lhe os membros
Ao chicote do poder
Improviso ao ser dissolvido o Meeting
E o momento é malfadado
republicano promovido pelo tribuno An­
Quando o povo ensangüentado
tônio Borges da Fonseca, conduzido à
Diz já não posso sofrer,
prisão, em 1864, no Recife. Pois bem! nós que caminhamos
Do futuro para a luz, 3364
Quando nas praças se eleva Nós que o Calvário escalamos
Do Povo a sublime voz, Levando aos ombros a cruz, 3365
Um raio ilumina a treva, Que do presente no escuro
O Cristo assombra o algoz. . . Só temos fé no futuro
Que o gigante da calçada. Como alvorada do bem,
De pé sôbre a barricada. Laocoonte esmagados
Desgrenhado, enorme, nu. Morreremos coroados
Em Roma é Catão ou Mário, Erguendo os olhos além.
É Cristo sôbre o Calvário,
É Garibaldi ou Kossuth. Irmãos da terra da América,
Filhos do solo da cruz.
A praça, a praça é do Povo! Erguei as frontes altivas, 3366
Como o céu é do Condor! Bebei torrentes de luz!
É antro onde a liberdade O' soberba populaça,
Cria a águia ao. seu calor! Rebento de velha raça
Senhor, pois quereis a praça? Dos nossos velhos Catões,
Desgraçada a populaça!... Lançai um protesto, ó Povo,
Só tem a rua de seu. Protesto que o mundo novo
Ninguém vos rouba os castelos, 3362 Manda aos tronos e às Nações!
Tendes palácios tão belos... R ecife, 1864.
Deixai a terra ao Anteu.
Nas torturas, nas fogueiras,
Nas tocas da Inquisição, AO VIOLINISTA F. M UNIZ BARRETO FILHO
Chiava o ferro na carne.
Porém gritava a aflição! (I m p r o v is o no T ea tro de S an ta Is a b e l )
Pois bem nesta hora poluta,
M OTE
Nós bebemos a cicuta.
Sufocados no estertor! No te u a rco p re n d e ste a e te rn id a d e
Deixai-nos soltar um grito, T O B IA S BARRETO
Que trepando no Infinito,
Talvez desperte o Senhor. Era no céu, à luz da lua errante,
Moema triste, abandonando os lares.
A palavra, vós roubais-la Cindia as vagas dos cerúleos mares
Dos lábios da multidão. Te erguendo ao longe, ó peregrino infante!
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão! Lá dos jardins sob o vergei fragrante,
Mas que infância, ó velha Roma, À sombra dos maestros, sôbre os ares,
O’ cidade da Vandoma, Ouvias das estréias os cantares
O’ mundos de cem heróis. — Aves d’ouro no espaço cintilante.
Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra Mas quando o gênio teu se alteia aflito,
Do porvir aos arrebóis? Da alabastrina luz à claridade.
Lançando flores, lá do céu proscrito.
Dizei onde a voz dos Gracos
Tapou a destra da lei, Pasma Bellini; e em meio à imensidade
Onde a toga tribunícia Diz a lua suspensa no infinito:
Foi calcada aos pés do rei? “No teu arco prendeste a eternidade!"
R ecife, 1865.
Fala soberba Inglaterra,
Do Sul ao teu pobre irmão

[ 778 ]
JU V E N ÍL IA

IMPROVISO A Camélia esfolhada sôbre o dorso


Do mar da vida, em ondas de sarcasmo,
(À M o c id a d e A c a d ê m ic a )
A Hebréia, condenada sem rem o rso ...

Tudo sublimas, tu d o ... eu digo em pasmo:


Moços! A inépcia nos chamou de estúpidos! “ Gênio, g ê n io ... inda m a is ... supremo esforço
Moços! O crime nos cobriu de sangue! Das mãos de Deus no ardor do entusiasmo” .
Vós os luzeiros do país, erguei-vos!
Perante a infâmia ninguém fica exangue.

Protesto santo se levanta agora. FADOS CONTRÁRIOS


De mim, de vós, da multidão, do povo;
Somos da classe da justiça e brio, A J o sé J oroe
Não há mais classe ante êsse crime novo!
NUM ÁLBUM

Sim! mesmo em face 3367 da nação, da pátria,


Diz à flor a borboleta:
Nós nos erguemos com soberba fé!
A lei sustenta o popular direito, “ Vamos, irmã, tudo é luz!
Há muito prisma doirado
Nós sustentamos o direito em pé!
Que pelos ares tran slu z...
Tuas pétalas são a s a s ...
Das nuvens nas tênues gazas,
D ’aurora nos seios nus
NUM ÁLBUM 3368 Tens um ninho entre perfum es...
Vamos boiar, entre lumes
O perfume do Oriente Dêsses páramos azuis”.
— Quando rezas inocente —
Se embala nos lábios teus. À linda filha dos ares.
E no teu seio, se treme Responde a silvestre flor:
Tens a Poesia, se geme, “ Eu amo o gemer das auras
Tens a harmonia dos céus. E o beijo do b eija r-flo r...
Se és do céu a violeta,
Queres ver o Paraíso? Sigo um destino menor.
Descerra os lá b io s ... Um riso Buscas o céu — eu a alfombra,
Vem-nos o Éden m o stra r... Queres a luz — quero a sombra.
C a n ta ... E aos hinos sagrados Pedes glória — eu peço amor.” 3369
Verás no céu debruçados 14-10-U65.
Os astros p’ra te escutar.

Tens a noite nas madeixas


Onde a brisa em ternas queixas A ATRIZ EUGÊNIA CÂMARA 3370
G e m e ... morre de languor.
São mais que os astros brilhantes No dia seguinte ao de uma vaia
Os teus olhos fascinantes, sofrida no Teatro de Santa Isabel, no
— Lindas estrofes de amor. Recife.
H oje estamos unidos a adorar-te.
E ainda pedes-me um canto?! Tu és a nossa glória, a nossa fé,
Quebra a lira o Bardo santo Gravitar para ti é levantar-se.
Ao ver um sorriso t e u ... Cair-te às plantas é ficar de p é ! ...
Rasga a tela Rafael,
Fídias estala o c in z e l... Ontem a infâmia te cobriu de lama
Deus treme de amor no céu. Mas p’ra insultar-te se cobriu de p ó ! ...
M arço de 65. Miseráveis que ferem a fraqueza
De uma pobre mulher inerme, só!

Tu és tão grande como é grande o gênio.


A ADELAIDE AMARAL És tão brilhante como a própria luz.
Dentre os infames do calvário d’arte.
Artista, tua voz é a melodia Tu fôste o Cristo, foi o palco a c r u z !...
De Sorrento nas veigas perfumosas;
É teu riso o esfolhar de brancas rosas. Mas estamos unidos a adorar-te!
Voar do cisne errante da poesia! Tu és a nossa glória, a nossa fé!
Gravitar para ti é levantar-se.
Cair-te às plantas é ficar de pé!
Quando gemes, o arcanjo da harmonia
R ecife, IS66.
Colhe em teus lábios flores odorosas,
E do teu pranto as gôtas preciosas
São estréias de luz n’alva do dia.

[ 779 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

OS ESCRAVOS 3371 Entanto inda há muita noite


No mapa da criação.
Des fleurs, des fleurs! je veux en couronner ma tête pour Sangra o abutre dos tiranos
le combat. La lyre aussi, donnez-moi la lyre, pour que j ’entonne
un chant de g u e rre... Des paroles comme des étoiles Muito cadáver — nação.
flamboyantes, qui en tombant incendient les palais et éclairent Desce a Polônia esvaída.
les cabanes... Des paroles comme des dards brillants qui Cataléptica, adormida,
pénétrent jusqu’au septième ciel, et frappent l ’imposture que
s’est glissée dans le sanctuaire des sanctuaires.. . Je suis À tumba do Sobieski;
tout joie, tout enthusiasme, je suis l ’épée, je suis la fla m m e!... Inda em sonhos busca a espada.
H E N R I H E IN E
Os reis passam sem ver nada...
E o Czar olha e sorri...

O SÉCULO
Roma inda tem sôbre o peito
O pesadelo dos reis;
Soldados, do alto daquelas pirâmides quarenta séculos A Grécia espera chorando
vos contemplam! Canaris, Byron talvez!
NAPOLEAO
Napoleão amordaça
O século é grande e forte. A bôca da populaça
V . HUGO E olha Jersey com terror,
Da mortalha de seus bravos
Como o filho de Sorrento,
Féz bandeira a tirania. Treme ao fitar um momento
Oh I armas talvez o povo O Vesúvio aterrador.
De seus ossos faça um dia.
J. BO N IFÁ CIO
A Hungria é como um cadáver
O século é grande... No espaço Ao relento exposto nu;
Há um drama de treva e luz. Nem sequer a abriga a sombra
Como Cristo a liberdade Do foragido Kossuth.
Sangra no poste da cruz. Aqui — o México ardente,
Um corvo escuro, anegrado, 3372 — Vasto filho independente
Obumbra o manto azulado, Da liberdade e do sol —
Das asas d’àguia dos céus. . . Jaz por terra... e lá soluça
Arquejam peitos e frontes... 3373 Juarez, que se debruça
Nos lábios dos horizontes E diz-lhe: “Espera o arrebol!”
Há um riso de luz... É Deus.
O quadro é negro. Que os fracos
As vêzes quebra o silêncio Recuem cheios de horror.
Ronco estrídulo feroz. A nós, herdeiros dos Gracos,
Será o rugir das matas, Traz a desgraça valor!
Ou da plebe a imensa voz?... Lutai... Há uma lei sublime
Treme a terra hirta e sombria... Que diz: “à sombra do crime
São as vascas da agonia Há de a vingança marchar”. 3375
Da liberdade no chão?... Não ouvis do Norte um grito,
Ou do povo o braço ousado Que bate aos pés do infinito,
Que, sob montes calcado, 3374 Que vai Franklin despertar?
Abala-os como um T itão?!...

Ante êsse escuro problema É o grito dos Cruzados


Há muito irônico rir. Que brada aos moços “de pé!”
P ’ra nós o vento da esp'rança É o sol das liberdades
Traz o pólen do porvir. Que espera por Josué.
E enquanto o cepticismo São bôcas de mil escravos
Mergulha os olhos do abismo, Que transformaram-se em bravos
Que a seus pés raivando tem. Ao cinzel da abolição.
Rasga o moço os nevoeiros, E — à voz dos libertadores —
P ’ra dos morros altaneiros Reptis saltam condores,
Ver o sol que irrompe além. A topetar n’amplidãol...

Tôda noite — tem auroras. E vós, arcas do futuro.


Raios — tôda a escuridão. Crisálidas do porvir,
Moços, creiamos, não tarda Quando vosso braço ousado
A aurora da redenção. Legislações construir.
Gemer — é esperar um canto... Levantai um templo novo.
Chorar — aguardar que o pranto Porém não que esmague o povo,
Faça-se estréia nos céus. Mas lhe seja o pedestal.
O mundo é o nauta nas vagas. . . Que ao menino dê-se a escola, 3376
Terá do oceano as plagas Ao veterano — uma esmola...
Se existem justiça e Deus. A todos — luz e fanal.

[ 780 ]
os ESCRAVOS

L u z !... sim; que a criança é uma ave, Com tuas matas, ciclopes de verdura,
Cujo porvir tendes vós; Onde o jaguar, que passa na espessura,
No sol é uma águia arrojada, Racha as folhas no chão.
Na sombra — um môcho feroz.
Libertai tribunas, p re lo s ... Como és bela, soberba, livre, ousada!
São fracos, mesquinhos e lo s ... Em tuas cordilheiras assentada
Não calqueis o povo-rei! A liberdade está.
Que este mar d'almas e peitos, A purpura da bruma a ventania
Com as vagas de seus direitos. Rasga, espedaça o cetro que s’erguia
Virá partir-vos a lei. Do rijo piquiá.
Quebre-se o cetro do Papa, Livre o tropeiro toca o lote e canta
Faça-se dêle uma cruz. A lânguida cantiga com que espanta
A purpura sirva ao povo A saudade, a aflição.
P ’ra cobrir os ombros nus. Sôlto o ponche, o cigarro fumegando, 3378
Ao grito do Niagara Lembra a serrana bela, que chorando
Sem escravos, Guanabara Deixou lá no sertão.
Se eleve ao fulgor dos sóis.
Banhem-se em luz os prostíbulos, Livre como o tufão corre o vaqueiro
E das lascas dos patíbulos Pelos morros e várzeas e tabuleiro
Erga-se estátua aos heróis! Do intrincado cipó. 3379
Que importa’os dedos da jurema aduncos!
B a s t a !... Eu sei que a mocidade
A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos.
É o Moisés no Sinai;
Voa a nuvem de pó.
Das mãos do Eterno recebe
As tábuas da lei! marchai! Dentre a flor amarela das encostas
Quem cai na luta com glória. Mostra a testa luzida, as largas costas
Tomba nos braços da história, No rio o jacaré.
No coração do Brasil! Catadupas sem freios, vastas, grandes.
Moços, do tôpo dos Andes, Sois a palavra livre dêsses Andes
Pirâmides vastas, grandes. Que além surgem de pé.
Vos contemplam séculos mil!
P ern a m b u c o , A g o s to d e 1865.
Mas o que vejo? É um s o n h o !... A barbaria
Erguer-se neste século, à luz do dia.
Sem pejo se ostentar.
E a escravidão — nojento crocodilo
AO ROMPER D'ALVA Da onda turva expulso lá do Nilo —
V ir aqui se a b rig a r!...
Página feia, que ao futuro narra
Dos homens de hoje a lassidão, a história
Cora pranto escrita, com suor selada Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquesta
Dos párias misérrimos do mundo!__ Que a natureza virgem manda em festa
Página feia, que eu não posso altivo Soberba, senhoril,
Romper, pisar-te, recalcar, sum ir-te...
Um grito que soluça aflito, vivo,
PEDRO CALASANS
O retinir dos ferros do cativo,
Sigo só caminhando serra acima, Um som discorde e vil?
E meu cavalo a galopar se anima
Senhor, não deixes que se manche a tela
Aos bafos da manhã.
Onde traçaste a criação mais bela
A alvorada se eleva do levante,
De tua inspiração.
E, ao mirar na lagoa seu semblante.
O sol de tua glória foi to ld ad o ...
Julga ver sua irmã. Teu poema da América manchado.
Manchou-o a escravidão.
As estrelas fugindo — aos nenúfares ^377
Mandam rutilas pérolas dos ares Prantos de sangue — vagas escarlates —
De um desfeito colar. Toldam teus rios — lúbricos Eufrates —
No horizonte desvendam-se as colinas. Dos servos de Sião.
Sacode o véu de sonhos de neblinas E as palmeiras se torcem torturadas,
A terra ao despertar. Quando escutam dos morros nas quebradas
O grito de aflição.
Tudo é luz, tudo aroma e murmurio,
A barba branca da cascata o rio Oh! ver não posso este labéu maldito!
Faz orando tremer. Quando dos livres ouvirei o grito?
No descampado o cedro curva a frente. S im ... talvez amanhã.
Folhas e prece aos pés do Onipotente Galopa, meu cavalo, serra acima.
Manda a lufada erguer. Arranca-me a este solo. E ia! te anima
Aos bafos da manhã.
Terra de Santa Cruz, sublime verso R e c if e , 18 d e J u n h o d e 1865.
Da epopéia gigante do universo,
Da imensa criação.

[781]
AKTÔN IO D E C A ST R O A L V E S

A V1SÃ0 DOS MORTOS Sôbre os corcéis 3383 Jos nevoeiros brancos


Pelo infinito a galopar lá vão...
On rapporte encore qu’un berger ayant été introduit une Erguem-se as névoas como pó do espaço
fois par un nain dans le Hyffhouse, l ’empereur (Barberousse)
se leva et lui demanda si les corbeaux volaient encore autour Da lua pálida ao fatal clarão.
de la montagne. E t, sur la réponse affirmative du berger, R ecife, 8 de Dezembro de 1865.
il s’écria: “I l faut donc que je dors encore pendant cent ans” !
H. H E IN E (A llem agne).

Nas horas tristes que em neblinas densas MATER DOLOROSA


A terra envolta num sudário dorme,
E o vento geme na amplidão celeste Deixa-me murmurar à tua alma um adeus eterno, em vez
— Cúpula 3380 imensa dum sepulcro enorme, — de lágrimas chorar sangue, chorar o sangue de meu coração
Um grito passa despertando os ares. sôbre meu filho; porque tu deves morrer, meu filho, tu
deves morrer.
Levanta as lousas invisível mão. N ATH AN IEL L E E
Os mortos saltam, poeirentos, Hvidos,
Da lua pálida ao fatal clarão. Meu filho, dorme, dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama — o céu.
Do solo adusto do africano Sáara Pede às estréias um olhar materno,
Surge um fantasma com soberbo passo. Um seio quente, como o seio meu.
Presos os braços, laureada a fronte.
Louco poeta, como fôra o Tasso. Ai! borboleta, na gentil crisálida,
Do Sul, do Norte... do Oriente irrompem As asas de ouro vais além abrir.
Dórias, Siqueiras e Machado então. Ai! rosa branca no matiz tão pálida.
Vem Pedro Ivo no cavalo negro Longe, tão longe vais de mim florir.
Da lua pálida ao fatal clarão.
Meu filho, dorme... Como ruge o norte
O Tiradentes sôbre o poste erguido Nas folhas sêcas do sombrio chão!...
Lá se destaca das cerúleas telas. Folhas dest’alma como dar-te à sorte?...
Pelos cabelos a cabeça erguendo, Ê tredo, horrível o feral tufão!
Que rola sangue, que espadana estrelas.
E o grande Andrada, êsse arquiteto ousado, Não me maldigas... Num amor sem têrmo
Que amassa um povo na robusta mão Bebi a fôrça de matar-te... a mim...
O vento agita do tribuno a toga Viva eu cativa a soluçar num êrmo...
Da lua pálida ao fatal clarão. Filho, sê livre... Sou feliz assim...

A estátua range... estremecendo move-se — Ave — te espera da lufada o açoite,


O rei de bronze na deserta praça. — Estréia — guia-te uma luz falaz.
O povo grita: Independência ou morte! — Aurora minha — só te aguarda a noite,
Vendo soberbo o Imperador, que passa, — Pobre inocente — já maldito estás.
Duas coroas seu cavalo pisa,
Mas duas cartas êle traz na mão. Perdão, meu filho... se matar-te é crime...
Por guarda de honra tem dous povos livres, 3381 Deus me perdoa... me perdoa já.
Da lua pálida ao fatal clarão. A fera enchente quebraria o vime...
Velem-te os anjos e te cuidem lá.
Então, no meio de um silêncio lugubre.
Solta êste grito a legião da morte: Meu filho dorme... dorme o sono eterno
“Aonde a terra que talhamos livre. No berço imenso, que se chama o céu.
Aonde o povo que fizemos forte? Pede às 3384 estréias um olhar materno,
Nossas mortalhas o presente imunda Um seio quente, como o seio meu.
No sangue escravo, que nodoa o chão. R ecife, 7 de Junho de 1865.
Anchieta, Gracos, vós dormis na orgia,
Da lua pálida ao fatal clarão.

“Brutus renega tribunícia toga, CONFIDÊNCIA


O apóst’lo cospe no Evangelho Santo,
E o Cristo-Povo, no Calvário erguido. Maldição sôbre vós, doutôres da lei! Maldição sôbre vós,
Fita o futuro com sombrio espanto. hipócritas! Assemelhai-vos aos sepulcros brancos por fora; o
Nos ninhos d’águias que nos restam? — Corvos, 3382 exterior parece formoso, mas o interior está cheio de ossos e
podridão.
Que vendo a pátria se estorcer no chão. Evangelho I I , S. M A TEU S, cap. X X II.
Passam, repassam, como alados crimes,
Da lua pálida ao fatal clarão. Quando, Maria, vês de minha fronte
Negra idéia voando no horizonte.
“Oh! é preciso inda esperar cem anos... As asas desdobrar.
Cem a n o s!...” brada a legião da morte. Triste segues então meu pensamento,
E longe, aos ecos nas quebradas trêmulos. Como fita o barqueiro de Sorrento
Sacode o grito soluçando, — o norte. As nuvens ao luar.
[ 782 ]
o s ESCRAVOS

E tu nie dizes, pálida inocente, Que o apóstolo, o símplice romeiro.


Derramando uma lágrima tremente, Sem bôlsa, sem sandálias, nem dinheiro.
Como orvalho de dor: Pobre, como Jesus,
“Porque sofres? a selva tem odores, Que mendigava outrora à caridade,
“O céu tem astros, os vergeis têm flores, Pagando o pão com o pão da eternidade.
Nossas almas o amor” . Pagando o amor com a luz.
Ai! tu vês nos teus sonhos de criança Agora adota a escravidão por filha.
A ave de amor que o ramo da esperança Amolando nas páginas da Bíblia
Traz no bico a voar; O cutelo do a lg o z ...
Eu vejo um negro abutre que esvoaça, Sinto não ter um raio em cada verso
Que co’as garras a púrpura espedaça Para escrever na fronte do perverso:
Do manto popular. “ Maldição sôbre vós!”
Tu vês na onda a flor azul dos campos, Maldição sôbre vós, tribuno falso!
Donde os astros — errantes pirilampos, Rei, que julgais que o negro cadafalso
Se elevam para os céus; Ê dos tronos irmão!
Eu vejo a noite borbulhar das vagas Bardo que a lira prostituis na orgia
E a consciência é quem me aponta as plagas —• Eunuco incensador da tirania —
Voltada para Deus. Sôbre ti maldição!
Tua alma é como as veigas sorrentinas,
Onde passam gemendo as cavatinas Maldição sôbre ti, rico devasso,
Cantadas ao luar. Que da música ao lânguido compasso
A minha — eco do grito, que soluça. Embriagado não vês
Grito de tôda dor que se debruça A criança faminta, que na rua
Do lábio a soluçar. Abraça u’a mulher pálida e nua.
Tua amante ta lv e z !...
É que eu escuto o sussurrar de idéias,
O niarulho talvez das epopéias. M ald ição!.. . Mas que im p orta?.. . Ela espedaça
Em tôrno aos mausoléus, Acaso a flor olente que se enlaça
E me curvo no túmulo das idades Nas c'roas festivais?
— Crânios de pedra, cheios de verdades Nodoa a veste rica ao sibarita?
E da sombra de Deus. Que importam cantos, se é mais alta a grita
Das ricas bacanais?
E nessas horas julgo que o passado
Dos túmulos a meio levantado Oh! por isso, Maria, vês, me curvo
Me diz na solidão: Na face do presente escuro e turvo
“Que és tu, poeta? a lâmpada da orgia E interrogo e porvir;
“Ou a estréia de luz, que os povos guia Ou levantando a voz por sôbre os montes,
“A nova redenção?” “ Liberdade” , pergunto aos horizontes,
“ Quando enfim hás de vir?”

0 ’ Maria, mal sabes o fadário Por isso, quando vês as noites belas,
Que o moço bardo arrasta solitário Onde voa a poeira das estréias
Na impotência da dor, E das constelações,
Quando vê que debalde à liberdade Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,
Abriu sua alma — urna da verdade, E onde, como santelmos da tormenta,
Da esperança e do a m o r ... Fulgem revoluções ! . . .
R e c if e , O u tu b ro d e 1S65.
Quando vê que uma lúgubre coorte
Contra a estátua (sagrada pela morte)
Do grande imperador.
Hipócrita amotina a populaça,
Que morde o bronze, como um cão de caça 0 SOL E 0 POVO
No seu louco fu r o r !...
Le peuple a sa colère et le volcan sa lave.
Sem poder esmagar a iniqüidade, V. HUGO
Ya desatado
Que tem na bôea sempre a liberdade, El horrendo huracan silba contigo
Nada no coração; iQue muralla, que abrigo
Que ri da dor cruel de mil escravos, Bastaram contra ti ?
QUINTANA
— Hiena, que do túmulo dos bravos.
Morde a rep u tação !...
O sol, do espaço Briaréu gigante,
S im ... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote P ’ra escalar a montanha do infinito.
As espáduas fustiga com o chicote Banha em sangue as campinas do levante.
Ao cativo infeliz;
Que o pescador das alm as já se esquece Então em meio dos Saarás — o Egito
Das santas pescarias e adormece Humilde curva a fronte e um grito errante 3386
Junto da m eretriz ... Vai despertar a Esfinge de granito.

[ 783 ]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S

O povo é como o sol! Da treva escura “ Tem a relva, a trepadeira,


Rompe um dia co’a destra iluminada, “ Todos têm os seus amores,
Como o Lázaro, estala a se p u ltu ra !... 3387 “ Eu não tenho mãe nem filhos,
“ Nem irmão, nem lar, nem flores”.
O h! temei-os da turba esfarrapada,
Que salva o berço à geração futura, A cantiga c e s s o u ... Vinha da estrada
Que vinga a campa à geração passada. A trote largo, linda cavalhada
R ecife, 23 de Ju n ho de 1865. De estranho viajor.
Na porta da fazenda ei-los paravam,
Das mulas boleadas apeavam
E batiam na porta do senhor.
TRAGÉDIA NO LAR
Figuras pelo sol tisnadas, lúbricas.
Na senzala, úmida, estreita. Sorrisos sensuais, sinistro olhar.
Brilha a chama da candeia, Os bigodes retorcidos,
No sapé se esgueira o vento O cigarro a fumegar,
E a luz da fogueira ateia. O rebenque prateado
Do pulso dependurado.
Ju nto ao fogo, uma Africana, Largas chilenas luzidas,
Sentada, o filho embalando. Que vão tinindo no chão,
Vai lentamente cantando E as garruchas embebidas
Uma tirana indolente, No bordado cinturão.
Repassada de aflição.
A porta da fazenda foi aberta;
E o menino ri c o n te n te ... Entraram no salão.
Mas treme e grita gelado,
Se nas palhas do telhado Porque tremes, mulher? A noite é calma,
Ruge o vento do sertão. Um bulício remoto agita a palma
Do vasto coqueiral.
Se o canto pára um momento. Tem pérolas o rio, a noite lumes,
Chora a criança im p ru d en te... A mata sombras, o sertão perfumes.
Mas continua a c a n tig a .. . Murmúrio o bananal.
E ri sem ver o tormento
Daquele amargo cantar. Porque tremes, 3388 mulher? Que estranho crime,
Que remorso cruel assim te oprime
A i! triste, que enxugas rindo E te curva a cerviz?
Os prantos que vão caindo O que nas dobras do vestido ocultas?
Do fundo, materno olhar, É um roubo talvez que aí sepultas?
E nas mãozinhas brilhantes É seu f ilh o ... In fe liz !...
Agitas como diamantes
Os prantos do seu p e n a r ... Ser mãe é um crime, ter um filho — roubo!
Amá-lo — uma loucura! Alma de lôdo, 3389
E a voz como um soluço lacérante Para ti — não há luz.
Continua a cantar; Tens a noite no corpo, a noite na alma.
Pedra que a humanidade pisa calma,
“ Eu sou como a garça triste — Cristo que verga à cruz!
“ Que mora à beira do rio.
Na hipérbole do ousado cataclisma
“ As orvalhadas da noite
Um dia Deus m o rre u ... fuzila um prisma
“ Me fazem trem er de frio.
Do Calvário ao T ab or!
Viu-se então de Palm ira os pétreos ossos.
“ Me fazem trem er de frio
De Babel o cadáver de destroços
“ Como os juncos da lagoa;
Mais lívidos de horror.
“ Feliz da araponga errante
“ Que é livre, que livre voa. E ra o relampejar da liberdade
Nas nuvens do chorar da humanidade.
“ Que é livre, que livre voa Ou sarça do Sinai,
“ Para as bandas do seu ninho, — Relâmpagos que ferem de d esm aios...
“ E nas braúnas à tarde Revoluções, vós dêles sois os raios.
“ Canta longe do caminho. Escravos, e s p e ra i!...

“ Canta longe do caminho


“ P or onde o vaqueiro trilha, Leitor, se não tens desprezo
“ Se quer descansar as asas De vir descer às senzalas.
“ Tem a palmeira, a baunilha. Trocar tapêtes e salas
P or um alcouce cruel.
“ Tem a palmeira, a baunilha, Vem comigo, m a s ... cu id ad o...
“ Tem o brejo, a lavadeira, Que o teu vestido bordado
“ Tem as campinas, as flores, Não fique no chão manchado,
“ Tem a relva, a trepadeira. No chão do imundo bordel.

[ 784 ]
os ESCRAVOS

Não venhas tu que achas triste Dirieis a rir — Perdão?!


As vêzes a própria festa. Deixai meu filh o ... arrancai-me
Tu, grande, que nunca ouviste Antes a alma e o coração!
Senão gemidos da o rq u esta...
— Cala-te, miserável! Meus senhores,
Porque despertar tu’alma.
O escravo podeis v e r ...
Em sêdas adormecida,
E sta excrescência da vida E a mãe em pranto aos pés dos mercadores
Que ocultas com tanto esmêro? Atirou-se a gemer.
E o coração — tredo lôdo.
Fezes d’ânfora doirada, 3390 — Senhores! basta a desgraça
Negra serpe, que enraivada. De não ter pátria nem lar,
Morde a cauda, morde o dorso, De ter honra e ser vendida.
E sangra às vêzes piedade, De ter alma e nunca amar!
E sangra às vêzes rem o rso ?... Deixai à noite que chora
Que espere ao menos a aurora.
Não venham êsses que negam Ao ramo sêco uma flor;
A esmola ao leproso, ao pobre. Deixai o pássaro ao ninho,
A luva branca do nobre Deixai à mãe o filhinho,
Oh! senhores, não m ancheis.. . Deixai à desgraça o amor.
Os pés lá pisam em lama. Meu filho é-me a sombra amiga
Porém as frontes são puras Neste deserto c ru e l...
Mas vós nas faces impuras Flor de inocência e candura.
Tendes lôdo, e luz nos pés. Favo de amor e de mel!
Seu riso é minha alvorada,
Porém vós, que no lixo do oceano Sua lágrima doirada
A pérola de luz ides buscar. Minha estréia, minha luz!
Mergulhadores dêste pego insano E ’ da vida o único b rilh o ...
Da sociedade, dêste tredo mar, 3391 Meu filho! é m a is .. . é meu filh o ...
Deixai-mo em nome da Cruz! . . .
Vinde ver como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus, Porém nada comove homens de pedra.
Ai! vamos ver guilhotinadas almas Sepulcros onde é morto o coração.
Da senzala nos vivos mausoléus. A criança do berço ei-los arrancam
Que os bracinhos estende e chora em vão!
— Escrava, dá-me teu filho!
Senhores, ide-lo ver: Mudou-se a cena. Já vistes
É forte, de uma raça bem provada. Bramir na mata o jaguar,
Havemos tudo fazer. E no furor desmedido
Saltar, raivando atrevido,
Assim dizia o fazendeiro, rindo,
E agitava o chicote. . . O ramo, o tronco estalar.
A mãe ouvia Morder os cães que o m orderam ...
Imóvel, pasma, douda, sem razão! De vítima feita algoz.
A Virgem Santa pedia Em sangue e horror envolvido
Com prantos por oração; Terrível, bravo, feroz?
E os olhos no ar erguia
Que a voz não podia, não. Assim a escrava da criança ao grito
Destemida saltou,
— Dá-me teu filho! repetiu fremente E a turba dos senhores aterrada
O senhor, de sobrolho carregado. Ante ela recuou.
— Im p o ssív el!...
— Que dizes, miserável?! Nem mais um passo, cobardes!
— Perdão, senhor! perdão! meu filho dorm e.. Nem mais um passo! ladrões!
Inda há pouco o embalei, pobre inocente, Se os outros roubam as bôlsas.
Que nem sequer pressente Vós roubais os c o ra ç õ e s !...
Que id e s... Entram três negros possantes.
—• Sim, que o vou vender! Brilham punhais traiço eiro s...
— V e n d e r? !... Vender meu filho?! Rolam por terra os primeiros
Senhor, por piedade, n ã o ... Da morte nas contorções.
Vós sois b o m ... antes do peito
Me arranqueis o coração 1
Um momento depois a cavalgada 3394
Por piedade, matai-meI oh! E ’ impossível
Levava a trote largo pela estrada
Que me roubem da vida o único beml
A criança a chorar.
Apenas sabe r i r . .. é tão pequeno!
Inda não sabe me ch a m a r?... Também, 3392 Na fazenda o azorrague então se ouvia
E aos golpes — uma doida respondia
Senhor, vós tendes filh o s ... quem não tem?
Com frio g a rg alh ar!...
Se alguém quisesse os vender
R ecife, Julho de IS65.
Havíeis muito chorar, 3393
Havíeis muito gemer.

[78Õ J
A X TÔ N IO D E C A S T R O A l.V E S

O SIBARITA ROMANO A CRIANÇA


Este olhar, estes lábios, estas rugas exprimem uma sêde
impaciente e impossível de saciar. Quer e não pode. Sente — Que veux tu, fleur, beau fruit ou l ’oiseau merveilleux?
o desejo e a impaciência. — Ami, dit l ’enfant grec, dit l’enfant aux yeux bleus.
LA V A TER Je veux de la poudre et des balles.
V IC TO R HUGO — L es Orientales.
Escravo, dá-me a c’roa de amaranto
Que mandou-me inda há pouco Afra impudente, Que tens 3396 criança? O areal da estrada
Orna-me a fr o n te ... Enrola-m e os cabelos, Luzente a cintilar
Quero o mole perfume do Oriente. Parece a fôlha ardente de uma espada.
Tine o sol nas savanas. Morno é o vento.
Lança nas chamas dessa etrusca pira À sombra do palmar
O nardo trescalante de Medina. O lavrador se inclina sonolento.
V e m .. . desenrola aos pés do meu triclínio
As fêlpas de uma colcha bisantina. E ’ triste ver uma alvorada em sombras,
Uma ave sem cantar,
O h! tenho té d io .. . Embalde, ao pôr da tarde. O veado estendido nas alfombras.
Pelas nereidas louras embalado. Mocidade, és a aurora da existência,
Vogo em minha galera ao som das harpas, Quero ver-te brilhar.
Da cortesão nos seios recostado. Canta, criança, és a ave da inocência.

Debalde, em meu palácio altivo, imenso. Tu choras porque um ramo de baunilha


De mosaicos brilhantes embutido, 3395 Não pudeste colhêr.
Nuas, volvem as filhas do Oriente Ou pela flor gentil da granadilha?
No morno banho em termas de porfido. Dou-te, um ninho, uma flor, dou-te uma palma,
Para em teus lábios ver 3397
Só amo o circo . . . a dor, gritos e flores, O riso — a estréia no horizonte da alma.
A pantera, o leão de hirsuta com a;
Onde o banho de sangue do universo
Não. Perdeste tua mãe ao fero açoite
Rejuvenesce a purpura de Roma.
Dos seus algozes vis.
E vagas tonto a tatear à noite.
E o povo rei — na vítima do mundo
Choras antes de r i r . . . pobre c r ia n ç a !...
Palpa as entranhas que inda sangue escorrem,
Que queres, in fe liz ? ...
E ergue-se o grito extremo dos cativos:
— Amigo, eu quero o ferro da vingança.
— Ave, César! saúdam-te os que morrem!
R ecife, 30 de Junho de 1S65.
Escravo, quero um c a n to ... Vibra a lira,
De Orfeu desperta a fibra dolorida,
Canta a volúpia das bacantes nudas.
Fere o hino de amor que inflama a vida. A CRUZ DA ESTRADA
Doce, como do Himeto o mel dourado.
Puro como o p erfu m e... Escravo insano! Invideo quia quiescunt.
Teu canto é o grito rouco das Euménides, L U T E R O em Worms.
Sombrio como um verso de Lucano. Tu que passas, descobre-te. Ali dorme
O forte que morreu.
Quero a ode de amor que o vento canta A. HERCULANO (Trad.)
Do Palatino aos flóreos arvoredos.
Quero os cantos de N e r o ... Escravo infame.
Quebras as cordas nos convulsos dedos! Caminheiro que passas pela estrada.
Seguindo pelo rumo do sertão,
Deixa esta lira! como o tempo é longo! Quando vires a cruz abandonada,
Insano! insano! que tormento sinto! Deixa-a em paz dormir na solidão.
Traze o louro falerno transparente
Na mais custosa taça de Corinto. Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Pesa-me a v id a !... está deserto o Fórum ! Vais espantar o bando buliçoso
E o t é d io !... o té d io !... que infernal idéia! Das borboletas, que lá vão pousar.
Dá-me a taça, e do ergástulo das servas
Tua irmã trar-m e-ás, — a grega Haidéia! E ’ de um escravo humilde sepultura.
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Quero em seu s e io ... Escravo desgraçado, Deixa-o dormir no leito de verdura,
A êste nome tremeu-te o braço exangue? Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.
V ê . . . Manchaste-me a toga com o falerno.
Irás manchar o Coliseu com a sangue! Não precisa de ti. O gaturamo
R ecife, 7 de Setem bro de 1S65. Geme por êle, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo.
Povoa, soluçando, a solidão.

[ 786 ]
o s KSCRAVOS

Dentre os braços da cruz, a parasita, Cai, orvalho de sangue do escravo.


Num abraço de flores, se prendeu. Cai, orvalho, na face do algoz.
Chora orvalhos a grama, que palpita; Cresce, cresce, seara vermelha.
Lhe acende o vagalume o facho seu. Cresce, cresce, vingança feroz.
Quando, à noite, o silêncio habita as matas, Somos nós, meu senhor, mas não tremas,
A sepultura fala a sós com Deus. Nós quebramos as nossas algemas
Prende-se a voz na bôca das cascatas, P’ra pedir-te as esposas ou mães.
E as asas de ouro aos astros lá nos céus. Este é o filho do ancião que mataste.
Este — irmão da mulher que manchaste...
Caminheiro! do escravo desgraçado Oh! não tremas, senhor, são teus cães.
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado, Cai, orvalho de sangue do escravo.
Há pouco a liberdade o desposou. Cai, orvalho, na face do algoz.
R ecife, 22 de Junho de 1865. Cresce, cresce, seara vermelha.
Cresce, cresce, vingança feroz.
São teus cães, que têm frio e têm fome,
BANDIDO NEGRO Que há dez séc’los a sêde consome...
Quero um vasto banquete feroz...
Corre, corre, sangue do cativo Venha o manto que os ombros nos cubra.
Cai, cai, orvalho de sangue Para vós fêz-se a púrpura rubra,
Germina, cresce, colheita vingadora Fêz-se o manto de sangue p’ra nós.
A ti, segador a ti. Está madura.
Aguça tua fouce, aguça, aguça tua fouce.
Cai, orvalho de sangue do escravo.
E. SU E — Canto dos filhos de Agar,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha.
Trema a terra de susto aterrada... Cresce, cresce, vingança feroz.
Minha égua veloz, degrenhada.
Negra, escura nas lapas voou. Meus leões africanos, alerta!
Trema o céu... ó ruinai ó desgraça! Vela a noite... a campina é deserta.
Porque o negro bandido é quem passa, Quando a lua esconder seu clarão
Porque o negro bandido bradou: Seja bram o da vida arrancado
No banquete da morte lançado
Cai, orvalho de sangue do escravo. Junto ao corvo, seu lúgubre irmão.
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha. Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cresce, cresce, vingança feroz. Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha.
Dorme o raio na negra tormenta... Cresce, cresce, vingança feroz.
Somos negros... o raio fermenta
Nesses peitos cobertos de horror. Trema o vale, o rochedo escarpado,
Lança o grito da livre coorte, Trema o céu de trovões carregado.
Lança, ó vento, pampeiro de morte, Ao passar da rajada de heróis,
Êste guante de ferro ao senhor. Que nas éguas fatais desgrenhadas
Vão brandindo essas brancas espadas,
Cai, orvalho de sangue do escravo. Que se amolam nas campas de avós.
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha. Cai, orvalho de sangue do escravo.
Cresce, cresce, vingança feroz. Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Eia! ó raça que nunca te assombras! Cresce, cresce, vingança feroz.
P’ra o guerreiro uma tenda de sombras
Arma a noite na vasta amplidão.
Sus! pulula dos quatro horizontes.
Sai da vasta cratera dos montes. AMÉRICA
Donde salta o condor, o vulcão. Acorda a pátria e vê que é pesadelo
O sonho de ignomínia que ela sonhai
Cai, orvalho de sangue do escravo. TOMAS R IB E IR O
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha. A tépida sombra das matas gigantes,
Cresce, cresce, vingança feroz. Da América ardente nos pampas do Sul,
Ao canto dos ventos nas palmas brilhantes,
E o senhor que na festa descanta A luz transparente de um céu todo azul,
Pare o braço que a taça alevanta.
Coroada de flores azuis. A filha das matas — cabocla morena —
E murmure, julgando-se em sonhos: Se inclina indolente sonhando talvez!
‘Que demônios são estes medonhos, A fronte nos Andes reclina serena,
Que lá passam famintos e nus?” E o Atlântico humilde se estende a seus pés.

[ 787 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

As brisas dos cerros 3^98 ainda lhe ondulam Cavaleiro, onde vais? tu não sentes
Nas plumas vermelhas do arco de avós, Teu capote seguro nos dentes
Lembrando o passado seus seios pululam, E nas garras do negro tufão.
Se a onça ligeira buliu nos cipós. 8399 Nestas horas de horror e segrêdo
Quando os mangues s ’escondem com mêdo
São vagas lembranças de um tempo que teve!. Tiritando do mar n’amplidâo?
Palpita-lhe o seio por sob uma cruz.
E em cisma doirada — qual garça de neve - Quando a serra se embuça em neblinas
Sua alma revolve-se em ondas de luz. E as lufadas sacodem as crinas
Do pinheiro que geme no vai,
Embalam-lhe os sonhos, na tarde saudosa. E no espaço se apagam as lampas,
Os cheiros agrestes do vasto sertão, E uma chama azulada nas campas
E a triste araponga que geme chorosa Lambe as pedras por noite hibernai,
E a voz dos tropeiros em terna canção.
Onde vais? onde vais temerário
Se o gênio da noite no espaço flutua A c o r r e r ... a v o a r ? ... Que fadário
Que negros mistérios a selva contém! Aos ouvidos te grita — fugi?
Se a ilha de prata, se a pálida lua Porque fitas o olhar desvairado
Clareia o levante, que amores não tem ! No horizonte que foge espantado
Em tuas costas com mêdo de ti?
Parece que os astros são anjos pendidos
Das frouxas neblinas da abóbada azul, Ai! debalde galopas a est’hora!
Que miram, que adoram ardentes, perdidos, É debalde que sangra na espora
A filha morena dos pampas do Sul. Negro flanco do negro corcel. 8400
E no célere rábido passo
Se aponta a alvorada por entre as cascatas, Devorando com as patas o espaço
Que estréias no orvalho que a noite verteu! Saltas montes e vales revel.
As flores são aves que pousam nas matas.
As aves são flores que voam no céu! Não apagas da fronte o ferrête
Onde o crime com frio estilete
Nome estranho bem fundo gravou.
O que buscas? — a noite sem lumes?
O ’ pátria, d e sp e rta ... Não curves a fronte P ’ra aclarar-te fatais vagalumes
Que enxuga-te os prantos o Sol do Equador. Teu cavalo do chão despertou.
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A luz da alvorada de um dia melhor? De bem longe o arvoredo trevoso,
Estirando o pescoço nodoso.
J á falta bem pouco. Sacode a cadeia Vem — correndo — na estrada te olhar.
Que chamam riq u e z a s... que nódoas te são! Mas tua fronte maldita encarando.
Não manches a fôlha de tua epopéia F o g e ... foge veloz recuando.
No sangue do escravo, no imundo balcão. Vai nas brumas a fronte velar.

Sê pobre, que importa? Sê liv r e .. . és gigante. Tu não vês? Qual matilha esfaimada.
Bem como os condores dos píncaros teus! L á dos morros por sôbre a quebrada.
Arranca êste pêso das costas do Atlante, Ladra o eco gritando: quem és.
Levanta o madeiro dos ombros de Deus. Onde vais, cavaleiro maldito?
Mesmo oculto nos véus do infinito
R e c ife , Ju n h o d e 1S65.
Tua sombra te morde nos pés.

REMORSO
CANTO DO BUG-JARGAL
(A o A s s a s s in o de L in c o l n )
(T raduzido de V. H u g o )
C aiu ! C ain l
BYRON Porque foges de mim? porque, Maria?
E gelas-te de mêdo, se me escutas?
Neque fama deum, nec fulmina, nec minitanti Ah! sou bem formidável na verdade.
Murmure, compressif coelum ... Sei ter amor, ter dores e ter cantos!
LU C R É C IO Quando, através das palmas dos coqueiros,
Tua forma desliza aérea e pura,
Cavaleiro sinistro, embuçado, O ’ Maria, meus olhos se deslumbram.
Neste negro cavalo montado, Julgo ver um espírito que passa.
Onde vais galopando veloz? E se escuto os acentos encantados,
Tu não vês como o vento farfalha, Que em melodia escapam de teus lábios,
E das nuvens sacode a mortalha Meu coração palpita em meu ouvido
Ululando com lugubre voz? Misturando um queixoso murmurio

[ 788 ]
o s ESCRAVOS

De tua voz à lânguida harmonia. Foi ontem que à Ave-Maria


Ai! tua voz é mais doce do que o canto O sino da freguesia 3404
Das aves que no céu vibram as asas, Me fêz tanto soluçar.
E que vem no horizonte lá da pátria. Foi ontem que te calaste...
Da pátria onde era rei, onde era livre! Dormiste... os olhos fechaste...
Rei e livre, Maria! e esqueceria, Nem me fizeste rezar!...
Tudo por ti... esqueceria tudo
— A familia, o dever, reino e vingança. Sentei-me junto ao teu leito,
Sim, até a vingança!... ainda que cedo Stava tão frio o teu peito,
Tenha enfim de colher este acre fruto. Que eu fui o fogo atiçar.
Acre e doce que tarde amadurece. Parece que então me viste
Porque dormindo sorriste
Como uma santa no altar.
Depois o fogo apagou-se,
O’ Maria, pareces a palmeira Tudo no quarto calou-se,
Bela, esvelta, embalada pela auras. E eu também calei-me então.
E te miras no olhar de teu amante Somente acesa uma vela
Como a palmeira n água transparente. Triste, de cera amarela.
Porém... sabes? às vêzes há no fundo Tremia na escuridão.
Do deserto o uragã que tem ciúmes
Da fonte amada... e arroja-se e galopa.
O ar e a areia misturando turvos Apenas nascera o dia,
Sob o vôo pesado de suas asas. A voz do m aridedia
Num turbilhão de fogo árvore e fonte Saltei contente de pé.
Envolve... e seca a límpida vertente. Cantavam os passarinhos
Sente a palmeira a um hálito de morte Que fabricavam seus ninhos
Crispar-se o verde circ’lo da folhagem, No telhado de sapé.
Que tinha a majestade de uma c’roa
E a graça de uma sôlta cabeleira. Porém tu, porque dormias,
Porque já não me dizias
“Filha do meu coração”?
Stavas aflita comigo?
Oh! treme, branca filha de Espanhola, 3402 Mãe, abracei-me contigo,
Treme, breve talvez tenhas em tôrno Pedi-te embalde perdão...
O uragã e o deserto. Então, Maria,
Lamentarás o amor que hoje pudera Chorei muito! ai! triste vida!
Te conduzir a mim, bem como o kata Chorei muito, arrependida
— Da salvação o pássaro ditoso — Do que talvez fiz a ti.
Através das areias africanas Depois rezei ajoelhada
Guia o viajante lânguido à cisterna. A reza da madrugada 3405
E porque enjeitas meu amor? Escuta: Que tantas vêzes te ouvi:
Eu sou rei, minha fronte se levanta
Sôbre as frontes de todos. O’ Maria, “Senhor Deus, que após a noite
Eu sei que és branca e eu negro, mas precisa “Mandas a luz do arrebol,
O dia unir-se à noite feia, escura, “Que vestes a esfarrapada
Para criar as tardes e as auroras, “Com o manto rico do sol,
Mais belas do que a luz, mais do que as trevas!
R ecife, 10 de Setem bro de 1865. “Tu que dás à flor o orvalho,
“Às aves o céu e o ar,
“Que dás as frutas 3406 ao galho,
“Ao desgraçado o chorar;
A ÓRFÃ NA SEPULTURA
“Que desfias diamantes
“Em cada raio de luz,
Minha mãe, 3403 a noite é fria. “Que espalhas flores de estréias
Desce a neblina sombria. “Do céu nos campos azuis;
Geme o riacho no vai,
E a bananeira farfalha,
Como o som de uma mortalha “Senhor Deus, tu que perdoas
Que rasga o gênio do mal. “A tôda alma que chorou,
“Como a clícia das lagoas,
Não vês que noite cerrada? “Que a água da chuva lavou;
Ouviste essa gargalhada
Na mata escura? ai de mim! “Faze da alma da inocente
Mãe, ó mãe, tremo de mêdo. “O ninho do teu amor,
Oh! quando enfim teu segrêdo, “Verte o orvalho da virtude
Teu segrêdo terá fim? “Na minha pequena flor.

[ 789 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES

“ Que minha filha algum dia E as ventanias errantes.


“ Eu veja livre e f e liz !... Pelos ermos perpassando.
“ O ’ Santa Virgem Maria, Vão se ocultar soluçando
“ Sê mãe da pobre infeliz” . Nos antros da escuridão.

Inda lem bras-te! dizias. Tudo é d eserto .. . somente


Sempre que a reza me ouvias Em meio à praça se agita
Em prantos de a sufocar: Dubia forma que palpita,
“ A i! tem orvalhos as flores, Se estorce em rouco estertor.
“ Tu, filha dos meus amores, — Espécie de cão sem dono
“ Tens o orvalho do chorar” . Desprezado na agonia.
Larva da noite sombria.
Mas hoje sempre sisuda M escla de trevas e horror.
Me o u v iste ... ficaste muda.
Sorrindo não sei p’ra quem. Ê êle o escravo maldito,
Quase então que eu tive m ê d o .. . O velho desamparado.
Parecia que um segredo Bem como o cedro lascado.
Dizias baixinho a alguém. Bem como o cedro no chão.
T em por leito de agonias
D e p o is ... d ep o is... me a rra sta ra m ... As lájeas do pavimento,
D e p o is ... s im ... te carregaram E como único lamento
P 'ra vir te esconder aqui. Passa rugindo o tufão.
Eu sozinha lá na s a la ...
Stava tão triste a se n z a la ...
Chorai, orvalhos da noite.
Mãe, para ver-te eu fu g i...
Soluçai, ventos errantes.
E agora, ó D eu s! . . . se te chamo A stros da noite brilhantes
Não me resp o n d es!... se clamo. Sêde os círios do in fe liz !...
Respondem-me os ventos s u is ... Que o cadáver insepulto,
No leito onde a rosa medra Nas praças abandonado,
Tu tens por lençol a pedra. É um verbo de luz, um brado
Que a liberdade prediz.
P or travesseiro uma cruz.
R e c i f e , 10 d e J u l h o d e 1S65.
É muito estreito êsse leito?
Que importa? abre-me teu peito
— Ninho infinito de amor.
— Palm eira 3407 — quero-te a sombra.
CANÇÃO DO VIOLEIRO
— T erra — dá-me a tua alfombra.
— Santo fogo — o teu calor.
Passa, ó vento das campinas.
Mãe, minha voz já me a s s u s ta ... Leva a canção do tropeiro.
Alguém na floresta adusta Meu coração está deserto,
Repete os soluços meus. Stá deserto o mundo inteiro.
Sacode a t e r r a ... d e s p e rta !... Que viu a minha senhora
Ou dá-me a mesma coberta, Dona do meu coração?
Minha m ã e ... meu c é u ... meu Deus.
Chora, chora, na viola.
Violeiro do sertão.

ANTÍTESE E la foi-se ao pôr da tarde


Como as gaivotas do rio.
O seu p rê m io ? — O d e sp re z o e u m a c a r t a de a lfo r r ia
Como os orvalhos que sobem
q u a n d o te m g a s ta s as f o r ç a s e n ã o pode m a is g a n h a r a Da noite num beijo frio,
s u b s is tê n c ia . O cauã canta bem triste.
M A C IE L P IN H E IR O
Mais triste é meu coração.
Cintila a festa nas salas!
Das serpentinas de prata Chora, chora, na viola.
Jorram luzes em cascata Violeiro do sertão.
Sôbre sêdas e rubins.
Soa a o rq u e stra ... Como silfos E eu disse: a Senhora volta
Na valsa os pares perpassam, Com as flores da sapucaia.
Sôbre as flores, que se enlaçam Veio o tempo, trouxe as flores,
Dos tapetes nos coxins. 3408 Foi o tempo, a flor desmaia.
Colhereira, que além voas,
Entanto a névoa da noite Onde está meu coração?
No átrio, na vasta rua,
Como um sudário flutua Chora, chora, na viola.
Nos ombros da solidão. Violeiro do sertão.

[ 790 ]
o s ESC RA V O S

Não quero mais esta vida, E a linda lavadeira cantando deixa o brejo,
Não quero mais esta terra. E a noite — a freira santa — no órgão das florestas
Vou procurá-la bem longe, 3409 Um salmo preludia nos troncos, nas giestas;
Lá para às bandas da serra. Se acaso solitário passo pelas picadas,
Ai! triste que eu sou escravo! Que torcem-se escamosas nas lapas escarpadas.
Que vale ter coração? Encosto sôbre as pedras a minha carabina.
Junto a meu cão, que dorme nas sarças da colina,
Chora, chora, na viola. E, como uma harpa eólea entregue ao tom dos
Violeiro do sertão. [ventos,
R e c if e , S e te m b r o de 1865. — Estranhas melodias, estranhos pensamentos.
Vibram-me as cordas d’alma, enquanto absorto
[cismo,
Senhor! vendo tua sombra curvada sôbre o abismo,
SÚPLICA Colhêr a prece alada, o canto que esvoaça
E a lágrima que orvalha o lírio da desgraça.
L e n è s r e m a rq u ó au sig n e de D ie u com m e vo u s p a sse ra
d esorm ais du b e rcea u à la fo ss e . Ia n u it su r son â m e . Ia
Então, num santo êxtase, escuta a terra e os céus,
n u it su r Ia fig u re . E o vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!
PELETA N

Senhor Deus, dá que a bôa da inocência Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;
Possa ao menos sorrir, No mar das matas virgens ouço o cantar do vento.
Como a flor da granada abrindo as pét’las Aromas que s’elevam, raios de luz que descem.
Da alvorada ao surgir. Estréias que despontam, gritos que se esvaecem,
Tudo me traz um canto de imensa poesia,
Dá que um dedo de mãe aponte ao filho Como a primícia augusta da grande p ro fecia ;
O caminho dos céus, Tudo me diz que o Eterno, na idade prometida,
E seus lábios derramem como pérolas Há de beijar na face a terra arrependida.
Dois nomes — filho e Deus. E, dêsse beijo santo, dêsse ósculo sublime
Que lava a iniqüidade, a escravidão e o crime.
Que a donzela não manche em leito impuro Hão de nascer virentes nos campos das idades.
A grinalda do amor. Amores, esperanças, glórias e liberdades!
Que a honra não se compre ao carniceiro Então, num êxtase santo, escuto a terra e os céus,
Que se chama senhor. O vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!
Dá que o brio não cortem como o cardo
Filho do coração. E , ouvindo nos espaços as loucas utopias
Nem o chicote acorde o pobre escravo Do futuro cantarem as doces melodias,
A cada aspiração. Dos povos, das idades, a nova p rom issão...
Me arrasta ao infinito a águia da in sp iração ...
Insultam e desprezam da velhice Então me arrojo ousado das eras através,
A coroa de cãs. Deixando estréias, séculos, volverem-se a meus pés...
Ante os olhos do irmão em prostitutas Porque em minh’alma sinto ferver enorme grito.
Transformam-se as irmãs. Ante o estupendo quadro das telas do in fin ito ...
Que faz que, em santo êxtase, eu veja a terra e
A esposa é b e la .. . Um dia o pobre escravo [os céus,
Solitário acordou; E o vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!
E o vício quebra e ri do nó perpétuo
Que a mão de Deus atou.
Eu vejo a terra livre... como outra Madalena,
Do abismo em pego, de desonra em crime Banhando a fronte pura na viração serena,
Rola o mísero a sós. Da urna do crepúsculo, verter nos céus azuis
Da lei sangrento o braço rasga as vísceras Perfumes, luzes, preces, curvada aos pés da c r u z ...
Como o abutre feroz. No mundo — tenda imensa da humanidade inteira —
Que o espaço tem por teto, o sol tem por lareira,
V è ! . .. A inocência, o amor, o brio, a honra, Feliz se aquece unida a universal família.
E o velho no balcão. Oh! dia sacrossanto em que a justiça brilha,
Do berço à sepultura a infâmia e s c rita ... Eu vejo em ti das ruínas vetustas do passado,
Senhor Deus! co m p aixão !... O velho sacerdote augusto e venerado
R e c if e , 10 d e S e te m b r o d e 1865. Colhêr a parasita — a santa flor — o culto,
Como o coral brilhante do mar na vaza o c u lto ...
Não mais inunda o templo a vil superstição;
A fé — a pomba mística — e a águia da razão.
O VIDENTE Unidas se levantam do vale escuro d’alma,
.A.O ninho do infinito voando em noite calma.
V irá o d ia da fe lic id a d e e ju s tiç a p a ra todos. Mudou-se o férreo cetro, êsse aguilhão dos povos,
ISA IA S Na virga do profeta coberta de renovos.
P2 o velho cadafalso horrendo e corcovado,
As vêzes quando, à tarde, nas tardes brasileiras, .\o poste das idades por irrisão ligado.
A. cisma e a sombra descem das altas cordilheiras; Parece embalde tenta cobrir com as mãos a fronte,
Quando a viola acorda na choça o sertanejo — Abutre que esqueceu que o sol vem no horizonte.

[7 9 1 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES

Vêde: as crianças louras aprendem no Evangelho O ’ mãe do cativo! que fias à noite
A letra que comenta algum sublime velho, As roupas do filho na choça de palha!
Em tôda a fronte há luzes, em todo o peito amores. Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Em todo o céu estréias, em todo o campo flores. . . Tecesses o pano da branca mortalha.
E , enquanto, sob as vinhas, a ingênua camponesa
Enlaça às negras tranças a rosa da devesa; M isérrim a! E ensinas ao triste menino
Dos saaras africanos, dos gelos da Sibéria, Que existem virtudes e crimes no mundo, 3412
Do Cáucaso, dos campos dessa infeliz Ibéria, E ensinas ao filho que seja brioso,
Dos mármores lascados da terra santa homérica, Que evite dos vícios o abismo profundo.. .
Dos pampas, das savanas desta soberba América
Prorrompe o hino livre, o hino do trabalho! E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
E , ao canto dos obreiros, na orquestra audaz do O raio da espr’a n ç a ... Cruel ironia!
[malho, E ao pássaro mandas voar no infinito.
O ruído se mistura da imprensa, das idéias. Enquanto que o prende cadeia so m b ria !...
Todos da liberdade forjando as epopéias,
Todos co as mãos calosas, todos banhando a fronte
II
Ao sol da independência que irrompe no horizonte.
O h! escutai! ao longe vago rumor se eleva
O ’ M ãe! não despertes est’alma que dorme,
Como o trovão que ouviu-se quando na escura tre-
Com o verbo sublime do M ártir da Cruz!
[va3‘^^0
O pobre que rola no abismo sem têrmo
O braço onipotente rolou Satã maldito.
P ’ra qu’há de s o n d á -lo ... Que morra sem luz.
É outro condenado ao raio do infinito,
É o retumbar por terra dêsses impuros paços,
Não vês no futuro seu negro fadário,
Dêsses serralhos negros, dêsses Egeus devassos,
O ’ cega divina que cegas de am or?!
Saturnos de granito, feitos de sangue e ossos Ensina a teu filho — desonra, misérias,
Que bebem a existência do povo nos destroços. . . A vida nos crimes — a morte na dor.

Que seja co v a rd e ... que marche en cu rvad o...


Enfim a terra é livre! Enfim lá do Calvário Que de homem se torne sombrio réptil.
A águia da liberdade, no imenso itinerário. Nem core de pejo, nem trema de raiva
Voa do Calpe brusco às cordilheiras grandes, Se a face lhe cortam com o látego vil.
Das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes!
Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira, A rranca-o do le it o ... seu corpo habitue-se
A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira; Ao frio das noites, aos raios do sol.
São livres os escravos, quero empunhar a lira, Na vida — só cabe-lhe a tanga rasgada!
Quero que est’alma ardente um canto audaz desfira, Na morte — só cabe-lhe o rôto lençol.
Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos.
As harpas das estréias, ao mar, aos elementos! Ensina-o que m o r d a ... mas pérfido oculte-se
Bem como a serpente por baixo da chã, 3413
Que impávido veja seus pais desonrados,
Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.
Mas, ail longos gemidos de míseros cativos.
Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,
Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vedeta: Ensina-lhe as dores de um fero tra b a lh o ...
“ Que pensas, moço triste? que sonhas tu, poeta?” Trabalho que pagam com pútrido pão.
Então curvo a cabeça de raios carregada, Depois que os amigos açoites no tron co. . .
E , atando bronzea corda à lira amargurada, Depois que adormeça co’o sono de um cão.
O canto de agonia arrojo à terra, aos céus,
E ao vácuo povoado de tua sombra, ó Deus! Criança — não trema dos transes de um m ártir!
Mancebo — não sonhe delírios de amor!
Marido — que a esposa conduza sorrindo
Ao leito devasso do próprio sen h o r!. . .
A tÁÃE DO CATIVO São êstes os cantos que deves na terra
L e C h r is t à N a z a r e th , a u x jo u r s de son e n fa n c e Ao mísero escravo sòmente ensinar.
J o u a i t a v e c la c r o ix , sy m b o le de sa m o r t; O ’ Mãe que balanças a rêde selvagem
M è r e d u P o lo n a is ! q u ’il a p re n n e d ’a v a n c e
A c o m b a ttre e t b r a v e r le s o u tra g e s du so rt.
Que ataste nos troncos do vasto palmar.
Q u ’il c o u v e d a n s so n se in sa c o lè r e e t sa jo i e ;
Q u e s e s d is c o u rs p ru d e n ts d is tille n t le v e n in , III
C o m m e u n ab im e o b scu r q u e son c o e u r se re p lo ie :
À t e r r e , à d e u x g e n o u x , q u ’il ra m p e co m m e u n n a in .
O ’ Mãe do cativo, que fias à noite
M IC K IE W IC Z — A Mãe Polaca À luz da candeia na choça de palha!
Em bala teu filho com essas c a n tig a s...
I Ou tece-lhe o pano da branca mortalha.
O ’ Mãe do cativo! que alegre balanças 3411
N. P a u lo , 24 d c J u n h o d e 186S.
A rêde que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

[ 792 ]
os ESCRAVOS

MANUELA M an u ela... Eu não 3419 perjuro!


Juro
(C a n t ig a do R a n ch o ) Pela luz dos olhos te u s ...
Morrer por ti, Manuela,
Companheiros! já na serra Bela,
Erra. Se esqueces os sonhos meus.
A tropa inteira a p a s ta r...
T ro p e iro s!... junto à candeia 34h Por teus sombrios olhares
E ia! — Mares
Soltemos nosso tr o v a r... Onde eu me afogo de a m o r ...
Pelas tranças que desatas
T é que as barras do Oriente — Matas
Rente Cheias de aroma e fre s c o r...
Saiam dos montes de lá . . .
Cada qual sua cantiga
Diga Pelos peitos que entre rendas
V'endas
Aos ecos do Sincorá.
Com médo que os vão ro u b a r...
Pela perna qne no frio
No rancho as noites se escoam,
Rio
Voam,
Pude outro dia en x erg ar... 3420
Quando geme o tro v ad o r...
Ouvi, pois! que esta g u ita rra ...
Narra Por tudo que tem a terra.
O meu romance de amor. Serra,
Mato, rio, campo e c é u ...
Eu te juro, Manuela,
Bela, 3421
Manuela era formosa Que serei cativo te u ...
Rosa,
Rosa aberta no s e r tã o ... Tu bem sabes que Maria,
Com seu torso ^4is adamascado Fria
Dado É p’ra outros, não p'ra m im ...
Ao sôpro da viração. Que morrem Lúcia, Joana
E Ana
Provocante, mas esquiva. Aos sons do meu bandolim ...
Viva
Como um doudo b e ija -flo r...
Manuela — a moreninha Mas tu és um passarinho
Tinha — Ninho
Em cada peito um a m o r ... Fizeste no peito m e u ...
Eu sou a bôca — és o canto
Inda a g o r a ... quando o vento Tanto
Lento Que sem ti não canto eu.
Traz-me saudades de e n tã o ...
Parece que a vejo ainda Vamos p o is ... A noite cresce, 3422
Linda Desce
Do fado no tu rb ilh ão ... A lua a beijar a f l o r ...
A sombra dos arvoredos
Vejo-lhe o pé resvalando Ledos
Brando Os ventos choram de a m o r ...
No fandango a delirar.
Inda ao som das castanholas
Rolas Vamos p o is ... ó moreninha
Diante do meu o lh a r... M in h a...
Minha esposa ali s e r á s ...
M anu ela... mesmo agora Ao vale a relva tapiza, 3423
Chora P is a ...
Minh’alma pensando em t i . . . Serão teus Paços-reais!
E na viola relembro, ^416
Lembro Por padre uma árvore vasta
Tiranas que então gemi. Basta!
Por igreja — o azul do céu. . .
“ M anuelãT^anuela Serão as brancas estrelas
Bela, 3417 — Velas
Como tu ninguém lu z iu ... .Acesas p’ra o himeneu”. 3424
Minha travessa morena.
Pena, 3418
Pena tem de quem te v iu !...

[ 793 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES

Assim nos tempos perdidos Meu capote rôto e pobre


Idos Mal os meus ombros encobre.
Eu c a n ta v a ... mas em v ã o ... Quanto à g ô r r a ... tu bem v ê s !..,
Manuela, que me ouvia, Ai! meu Deus! se Rosa fôra
Ria, Como eu zombaria agora
Casta flor da s o lid ã o !... Dos louros dos m e n e s tr é is !...’'
Companheiros! se inda agora
Chora
Minha viola a gemer, Então por entre a folhagem
É porque um d ia ... Escutai-m e, 3425 Ao passarinho selvagem
Dai-me, 3426 A rosa assim respondeu:
Sim ! dai-me antes que b e b e r !... “ Cala-te, bardo dos bosques!
A i! não troques oS quiosques
Ê que um d ia ... mas bebamos, 3427 Pela cúpula do céu.
V a m o s.. .
No copo afogue-se a d o r ! ... Tu não sabes que delírios
Manuela, Manuela, Sofrem as rosas e os lírios
Bela, Nesta dourada prisão.
Fêz-se amante do s e n h o r !... Sem falar com as violetas,
5". Paulo, 25 de Junho de 186S. Sèm beijar as borboletas.
Sem as auras do sertão.
Molha-te a fria g e a d a ...
Que importa? A loura alvorada
FÂBUl-A Virá beijar-te amanhã.
Poeta, romperás logo,
O PÁSSARO E A F lor A cada beijo de fogo,
E ra num dia sombrio Na cantilena louçã.
Quando um pássaro erradio Mas e u ? ! ... Nas salas brilhantes
Veio parar num jardim. 3428
En tre as tranças deslumbrantes
Aí fitando uma rosa. A virgem me enlaçará. . .
Sua voz triste e saudosa. D e p o is ... cadáver de r o s a ...
Pôs-se a improvisar assim. A valsa vertiginosa
P or sôbre mim rolará.
“ Ó 3429 Rosa, ó Rosa bonita!
Ó Sultana favorita Vai, P o e ta ... Rompe os ares, 3431
Dêste serralho de azul: Cruza a serra, o vale, os mares, 3432
Flor que vives num palácio, Deus ao chão não te amarrou!
Como as princesas de Lácio, Eu calo-me — tu descantas,
Como as filhas de Estambul. Eu rojo — tu te levantas,
Tu és livre — escrava eu sou! ’ 3433
Como és feliz! Quanto eu dera
Pela eterna primavera í. Paulo, Junho de 1868.
Que o teu castelo c o n té m ...
Sob o cristal abrigada.
Tu nem sentes a geada
Que passa raivosa além. ESTROFES DO SOLITÁRIO
Junto às estátuas de pedra Basta de covardia! A hora s o a ...
Tua vida cresce, medra. Voz ignota e fatídica ressoa,
Ao fumo dos narguillés, Que v e m ... Donde? De Deus.
No largo vaso da China A nova geração rompe da terra,
Da porcelana mais fina E , qual Minerva armada para a guerra,
Que vem do Império Chinês. Pega a esp a d a ... olha os céus.
O Inverno ladra na rua. Sim, de longe, das raias do futuro.
Enquanto adormeces nua Parte um grito, p’ra os homens — surdo, obscuro,
Na estufa até de manhã. Mas para os moços, não!
Por escrava — tens a aragem, É que, em meio das lutas da cidade,
O sol — é teu louro pajem, 3430 Não ouvem o clarim da Eternidade,
Tu és dêle — a castelã. Que troa n'amplidão!
Enquanto que eu desgraçado. Quando as praias se ocultam na neblina,
Pelas chuvas ensopado, E como a garça, abrindo a asa latina.
Levo o tempo a viajar, Corre a barca no mar,
— Boêmio da média-idade, Se então sem freios se despenha o norte,
Vou do castelo à cidade, É impossível — p a ra r.. . volver — é m o r te ...
Vou do mosteiro ao solar! Só lhe resta marchar.

[ 794 ]
os ESCRAVOS

E O povo é como a barca em plenas vagas, ’Stamos em pleno m a r ... Do firmamento


A tirania é o tremedal das plagas, Os astros saltam como espumas de o u ro ...
O porvir — a amplidão. O mar em troca acende as ardentias,
Homens! Esta lufada que rebenta — Constelações do líquido teso u ro ...
É o furor da mais lôbrega to rm en ta...
— Ruge a revolução. Stamos em pleno m a r ... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano, 3435
E vós cruzais os b ra ç o s ... Covardia! Azuis, dourados, plácidos, su blim es...
E murmurais com fera hipocrisia: Qual dos dous é o céu? qual o ocean o?...
— É preciso esp erar...
Esperar? Alas o quê? Que a populaça, ’Stamos em pleno m a r ... Abrindo as velas
Este vento que tronos despedaça. Ao quente arfar das virações marinhas.
Venha abismos cavar? Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas. . .
Ou quereis, como o sátrapa arrogante, Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Que o porvir, n’ante-sala, espere o instante Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço;
Em que o deixeis subir?! Neste saara os corcéis 3236 o pó levantam.
Oh! parai a avalanche, o sol, os ventos, Galopam, voam, mas não deixam traço.
O oceano, o condor, os elem en tos...
Porém nunca o porvir! Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir dêste painel a m ajestad e!...
Aí eu Deus! Da negra lenda que se escreve Embaixo — o m a r ... cm cima — o firmamento.
Co’o sangue de um Luís, no chão da Grève, E no mar e no céu — a imensidade!
Não resta mais um s o m !...
Em vão nos deste, p’ra maior lembrança, O h! que doce harmonia traz-me a brisa!
Do mundo - a Europa, mas da Europa - a França. Que música suave ao longe soa!
Alas da França — um Bourbon! Aíeu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Desvario das frontes coroadas!
Homens do mar! Ó rudes marinheiros.
Nas páginas das purpuras rasgadas
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Ninguém mais estudou!
Crianças que a procela acalentara
E, no sulco do tempo, embalde dorme
No berço destes pélagos profundos!
A cabeça dos reis — semente enorme
Que a multidão p lan to u !... E s p e ra i!... esp e ra i!... deixai que eu beba
Esta selvagem, livre p o esia ...
No entanto fôra belo nesta idade
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
Desfraldar o estandarte da igualdade,
E o vento, que nas cordas asso b ia...
De Byron ser irm ão. . .
E pródigo — a esta Grécia brasileira.
Legar no testamento — uma bandeira,
E ao mundo — uma nação. Porque foges assim, barco ligeiro?
Porque foges do pávido poeta?
Soltar ao vento a inspiração de Graco, Oh ! quem me dera acompanhar-te a esteira
Envolver-se no manto de Espartaco, Que semelha no mar — doudo cometa!
Dos servos entre a grei;
Lincoln — o Lázaro acordar de novo, Albatroz! Albatroz! águia do oceano.
E da tumba da infâmia erguer um povo, Tu que dormes das nuvens entre as gazas.
Fazer de um verme — um rei! Sacode as penas, Leviathan do espaço.
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
Depois m o rre r... que a vida está completa,
— Rei ou tribuno. César ou poeta,
Que mais quereis depois? I I
Basta escutar, do fundo lá da cova.
Dançar em vossa lousa a raça nova Que importa do nauta o berço.
Libertada por v ó s ... Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
O NAVIO N EGREIR O Como golfinho veloz.
Prêsa ao mastro da mezena
(T )
r a g é d ia no m a r
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
I
Do Espanhol as cantilenas
’Stamos em pleno m a r .. . Doudo no espaço Requebradas de langor,
Brinca o luar — dourada borboleta; Lembram as moças morenas.
E as vagas após êle co rre m ... cansam As andaluzas em flor!
Como turba de infantes inquieta. Da Itália o filho indolente

[ 795 ]
AKTÔNIO DE CASTRO ALVES

Canta Veneza dormente, No entanto o capitão manda a manobra,


— T erra de amor e traição, E após fitando o céu que se desdobra
Ou do gôlfo no regaço T ão puro sôbre o mar.
Relem bra os versos de T asso, Diz do fumo entre os densos nevoeiros;
Junto às lavas do vulcão! “ Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais d a n ç a r !...”
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no m ar se achou, E ri-se a orquestra irônica, estrid en te...
(Porque a Inglaterra é um navio, F. da ronda 3437 fantástica a serpente
Que Deus na Mancha ancorou). Faz doudas esp ira is...
R ijo entoa pátrias glórias, Qual num sonho dantesco as sombras voam!.
Lembrando, orgulhoso, histórias Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
De Nelson e de A b o u k ir... E ri-se S a ta n á s !...
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir! V

Os marinheiros Helenos, Senhor Deus dos desgraçados!


Que a vaga iônia criou. Dizei-me vós. Senhor Deus!
Belos piratas Tnorenos Se é lo u cu ra ... se é verdade
Do mar que Ulisses cortou. Tanto horror perante os céus?!
Homens que Fídias talhara. Ó mar, porque não apagas
Vão cantando em noite clara Co a esponja de tuas vagas
Versos que Homero g e m e u ... De teu manto êste b o rrã o ? ...
Nautas de todas as plagas. A stros! noite! tempestades!
Vós sabeis achar nas vagas Rolai das imensidades!
As melodias do cé u ! . . . Varrei os mares, tufão!

III Quem são êstes desgraçados


Que não se encontram em vós.
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Mais que o rir calmo da turba
Desce mais... inda mais... não pode olhar humano Que excita a fúria do algoz?
Como o teu mergulhar no brigue voador! Quem são? Se a estréia se cala,
Mas que vejo eu a í . . . Que quadro d’amarguras! Se a vaga à pressa resvala
É canto fu n e ra l!... Que tétricas fig u r a s !... Como um cúmplice fugaz.
Que cena infame e v i l .. . Meu Deus! meu Deus! Perante a noite co n fu sa ...
[Que horror! Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, a u d a z !...
I V
São os filhos do deserto,
E ra um sonho d an tesco .. . o tombadilho Onde a terra esposa a luz.
Que das luzernas avermelha o brilho. Onde vive em campo aberto
Em sangue a se banhar. A tribo dos homens n u s ...
Tinir de fe r r o s ... estalar de a ç o ite ... São os guerreiros ousados
Legiões de homens negros como a noite. Que com os tigres mosqueados
Horrendos a d a n ç a r... Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, b ra v o s ...
Negras mulheres, suspendendo às têtas H oje míseros escravos.
Magras crianças, cujas bôcas pretas Sem luz, sem ar, sem r a z ã o ...
Rega o sangue das m ães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas, São mulheres desgraçadas,
No turbilhão de espectros arrastadas. Como Agar o foi também.
Em ânsia e mágoa vãs! Que sedentas, alquebradas,
De lo n g e ... bem longe v ê m ...
F. ri-se a orquestra irônica, estrid en te... Trazendo, com tíbios passos.
L da ronda fantástica a serpente Filhos e algemas nos braços,
Faz doudas esp ira is... N ’alma — lágrimas e f e l .. .
Se o velho arqueja, se no chão resvala. Como Agar sofrendo tanto,
Ouvem-se g r ito s .. . o chicote estala. Que nem o leite de pranto
E voam mais e m ais. . . Têm que dar para Ismael.

Prêsa nos elos de uma só cadeia, Lá nas areias infindas,


A multidão faminta cambaleia, Das palmeiras no país.
E chora e dança ali! Nasceram — crianças lindas.
Um de raiva delira, outro enlouquece. Viveram — moças g e n tis ...
Outro, que de martírios embrutece, Passa um dia a caravana,
Cantando, geme e ri! Quando a virgem na cabana

[ 796 ]
o s KSCRAVOS

Cisma da noite nos v éu s... Fatalidade atroz que a mente esmaga!


...Adeus, ó choça do monte, Extingue nesta hora o brigue imundo
...Adeus, palmeiras da fo n te !... O trilho que Colombo abriu nas vagas,
, ...Adeus, am ores... adeu s!... Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia de m a is!... Da etérea p!aga
Depois, o areai extenso... Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Depois, o oceano de pó. Andrada! arranca êsse pendão dos ares!
Depois no horizonte imenso Colombo! fecha a porta dos teus mares!
D esertos... desertos s ó ... 5. Paulo, 18 de Abril de 1868.
E a fome, o cansaço, a sêde. . .
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’ergu er!...
Vaga um lugar na cadeia, LÚCIA
Mas o chacal sóbre a areia
Acha um corpo que roer. PoEAtA

Ontem a Serra Leoa, Na formosa estação da primavera,


A guerra, a caça ao leão, Quando o mato se arreia mais festivo,
O sono dormido à toa E o vento campesino bebe ardente
Sob as tendas d’amplidâo! O agreste aroma da floresta virgem,
H o je ... o porão negro, fundo. Eu e Lúcia 3439 corríamos — ctianças —
Infecto, apertado, imundo. Na vei.ga, no pomar, na cachoeira,
Tendo a peste por ja g u a r... Como um casal de colibris travessos
E o sono sempre cortado Nas laranjeiras, que o Natal enflora.
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao m a r... Ela era a cria mais formosa e meiga
Que jamais, na Fazenda, vira o d ia ...
Ontem plena liberdade, M orena... esvelta... airosa, eu me lembrava
A vontade por poder... Sempre da corça arisca dos silvados
H o je ... cùm’lo de maldade, Quando lhe via os olhos negros, negros,
Nem são livres p’ra m orrer.., Como as plumas noturnas da graúna;
Prende-os a mesma corrente D epois... quem mais mimosa e mais alegre?...
— Férrea, lugubre serpente — Sua bôea era um pássaro escarlate,
Nas roscas da 3438 escravidão. Onde cantava festival sorriso.
E assim zombando da morte. Os cabelos caíam-lhe anelados
Dança a lugubre coorte
Ao som do açou te... Irrisã o !... Como doudos festões de parasitas. . .
E a g ra ça ... o m odo... o coração tão m eigo...
Senhor Deus dos desgraçados! Ai! Pobre L ú cia ... como tu sabias.
Dizei-me vós. Senhor Deus, Festiva, encher de afagos a família,
Se eu deliro... ou se é verdade Que te queria tanto e que te amava
Tanto horror perante os c é u s? !... Como se fósses filha e não cativa!
Ô mar, porque não apagas
Co’a esponja de tuas vagas Tu eras a alegria da fazenda;
Do teu manto este borrão? Tua senhora ria-se, contente,
Astros! noites! tempestades! Quando enlaçavas seus cabelos brancos
Rolai das imensidades! Co’as roxas maravilhas da campina.
Varrei os mares, tu fã o !... E quando â noite, todos se juntavam.
Aos reflexos dourados da candeia,
V I Na grande sala, em tórno da fogueira,
Então, Lúcia, sorrindo, eu murmurava:
Existe um povo que a bandeira empresta “Meu Deus! um beija-flor fêz-se criança,
P ’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... Uma criança fêz-se mariposa!”
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante f r ia !... Mas um dia a miséria, a fome, o frio,
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Foram pedir um pouso nos teus la re s...
Que impudente na gávea tripudia? A mesa era pequena... Pobre Lúcia!
Silêncio, M u sa... chora, e chora tanto Foi preciso te ergueres do banquete, 3 4 4 0
Que o pavilhão se lave no teu p ran to!... Deixares teu lugar aos mais convivas...
Eu me lem bro... eu me lem bro... O sol raiava
Auriverde pendão de minha terra, Tudo era festa em volta da pousada,
Que a brisa do Brasil beija e balança. Cantava o galo, alegre, no terreiro,
Estandarte que a luz do sol encerra O mugido das vacas misturava-se
E as promessas divinas da esperança... Ao relincho das éguas, que corriam.
Tu que, da liberdade após a guerra, De crinas sóltas pelo campo aberto,
Fôste hasteado dos heróis na lança, .Aspirando o frescor da madrugada.
.Antes te houvessem rôto na batalha,
Que servires a um povo de m ortalha!...

[ 797 1
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

Pela última vez ela, chorando, O Cáucaso é seu cêpo; é seu sudário — o céu,
Veio sentar-se ao banco do te r r e ir o ... Como um braço de algoz, que em sangueira se nutre.
Pobre criança! que conversas tristes Revolve-lhes as entranhas o pescoço do abutre.
Tu conversaste, então, co'a natureza? P ra as iras lhe sustar, corta o raio a amplidão,
E em correntes de luz prende, amarra o Titão.
“ Adeus! p’ra sempre, adeus, ó meus amigos.
Passarinhos do céu, brisa da mata,
Agonia su b lim e !... E ninguém nesta hora
Patativas saudosas dos coqueiros.
Consola aquela dor, naquela angústia chora.
Ventos da várzea, fontes do d e s e rto !...
A i! por cúmulo de horror!... O Oriente golfa a luz,
Nunca mais eu virei, risonha e louca.
No Olimpo brinca o amor por entre os seios nus.
Vos arrancar das moitas perfumadas,
De tirso em punho o bando das lúbricas bacantes.
Nunca mais eu virei, risonha e louca,
Correm montanhas e vai em danças delirantes;
Roubar o ninho ao sabiá ch o ro s o ...
E ao gigante c a íd o ... a terra e o céu (r iv a is !...)
Perdoai-me que eu parto para sempre. ^‘•41
Prantos lascivos dão, suor de bacanais.
Venderam, para longe, a pobre L ú cia!”
Então, ela apanhou do mato as flores,
Como outrora enlaçou-as nos cabelos,
E , rindo de chorar, disse em soluços:
“ Não te esqueças de mim que te amo t a n t o ...” Mas não! Quando arquejante no poste de granito
Se^ estorce Prometeu, gigantesco precito.
Depois além, um grupo informe e vago, Vós, Nercidas gentis, meigas filhas do mar!
Que cavalgava o dorso da montanha. O oceano lhe trazei, p'ra em prantos d erram ar...
Ia esconder-se, transmontando o t ô p o ...
Neste momento eu vi, lo n g e ... bem longe, Povo! povo infeliz! Povo, m ártir eterno,
Ainda se agitar um lenço b r a n c o ... Tu és do cativeiro o Prometeu m od ern o ...
E ra o lencinho trêmulo de Lúcia! Enlaça-te no poste a cadeia das Leis,
O pescoço do abutre é o cetro dos maus reis.
E P ÍL O G O
Para tais dimensões, p’ra músculos tão grandes,
Muitos anos correram depois d is to ... E ra pequeno o Cáucaso... amarram-te nos Andes.
Um dia, nos sertões, eu caminhava E enquanto, tu. T itã, sangrento arcas aí,
Por uma estrada agreste e solitária; O século da luz o lh a ... ca m in h a ... r í . . .
Diante de mim uma mulher seguia, Mas não! m ártir divino, Encélado tombado!
— Co'o cântaro à cabeça, os pés descalços, Ju nto ao Calvário teu, por todos desprezado,
Co’os ombros nus, mas pálidos e m a g ro s ... A musa do poeta irá — filha do mar —
O oceano de sua a lm a ... em cantos d erra m a r...
E la cantava, com uma voz extinta,
S a n to s , 16 d e M a io d e 1868.
Uma cantiga triste e com p assad a...
E eu, que a escutava, procurava, embalde,
Uma lembrança juvenil e alegre,
Do tempo em que aprendera aquêles v e r s o s ... VOZES D'ÂFRICA
De repente, lem b rei-m e... “ Lúcia! L ú cia!”
. . . A mulher se v o lto u ... fitou-me pasma.
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes!
Soltou um g r it o ... e, rindo e soluçando.
Em que mundo, em qu’estrêla tu t ’escondes
Quis para mim lançar-se, abrindo os braços.
Embuçado nos céus?
...M a s , súbito, e s ta c o u ... nuvem de sangue H á dous mil anos te mandei meu grito,
Corou-lhe o rosto pálido, so m b rio ... Que embalde, desde então, corre o in fin ito ...
Cobriu co’a mão crispada a face rubra, Onde estás. Senhor D e u s ? ...
Como escondendo uma vergonha e te r n a ...
Qual Prometeu, tu me amarraste um dia
Depois, soltando um grito, ela sumiu-se Do deserto na rubra penedia.
Entre as sombras da m a ta ... a pobre Lúcia! Infinito g a lé !...
V. P a u lo , 30 de A b r il de 1868.
Por abutre — me deste o sol ardente!
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao p é ...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino,
PROMETEU E morre no areai.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
‘‘ O ’ mon auguste m ère, et vous enveloppe de la commune
lu raiere, divin éther, voyez quels in ju s te s tourm ents on me Quando o chicote do simum dardeja
fa it s o u f fr ir ”. O teu braço eternal.
Q ui com patit à cette gran de so u ffran ce, qui s ’approche du
rocher d ésert où se tord P rom éth ée? Q uelques pauvres fille s, Minhas irmãs são belas, são d ito sa s...
pieds nus.
É S Q U IL O
Dorme a Asia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão,
Inda arrogante e forte, o olhar no sol cravado, Ou no dorso dos brancos elefantes
Sublime no sofrer, vencido, — não domado, Em bala-se coberta de brilhantes,
Na sublime agonia arqueja Prometeu. Nas plagas do Indostão.

[ 798 ]
os KSCRAVOS

Por tenda — tem os cimos do H im alaia... Foi depois do d ilú v io... Um viandante.
O Ganges amoroso beija a praia Negro, sombrio, pálido, arquejante.
Coberta de c o ra is ... Descia do A rarat. . .
A brisa de Misora o céu inflama; E eu disse ao peregrino fulminado:
E ela dorme nos templos do deus Brama, “ C a m !... serás meu esposo bem -am ado...
Pagodes co lo ssa is... Serei tua E l o á . .. ”

A Europa — é sempre Europa, a g lo rio sa !... Desde este dia o vento da desgraça
A mulher deslumbrante e caprichosa. Por meus cabelos, ululando, passa
Rainha e cortesã. O anátema cruel.
Artista — corta o mármor de Carrara; As tribos erram do areai nas vagas,
Poetisa — tange os hinos de Ferrara, E o N ôm ada faminto corta as plagas
No glorioso a f ã ! ... No rápido corcel.

V i a ciência desertar do E g ito ...


Sempre a láurea lhe cabe no litíg io ... Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
Ora uma c’roa, ora o barrete-frigio Filho da perdição.
Enflora-lhe a cerviz, Depois vi minha prole desgraçada.
O Universo após ela — doudo amante Pelas garras d’Europa arrebatada,
Segue cativo o passo delirante — Amestrado falcão.
Da grande meretriz.
Cristo! embalde morreste sôbre um monte.
Mas eu. S e n h o r !... Eu triste, abandonada Teu sangue não lavou da minha fronte
Em meio dos desertos desgarrada. A mancha original.
Perdida marcho em vão! Ainda hoje são, por fado adverso,
Se c h o ro ... bebe o pranto a areia ardente! Meus filhos — alimária do universo,
T alv ez ... p’ra que meu pranto, ó Deus clemente, Eu — pasto universal.
Não descubras no c h ã o !...
H oje em meu sangue a América se nutre:
E nem tenho uma sombra de flo re s ta ... — Condor, que transformara-se em abutre.
Para cobrir-me nem um templo resta Ave da escravidão.
No solo abrasad or... E la juntou-se às m a is ... irmã traidora!
Quando subo às pirâmides do Egito, Qual de José os vis irmãos, outrora.
Embalde aos quatro céus chorando grito: Venderam seu irmão!
“Abriga-me, S e n h o r !...”

Como o profeta em cinza a fronte envolve,


Velo a cabeça no areai, que volve Basta, Senhor! De teu potente braço
O siroco feroz. . . Role através dos astros e do espaço
Quando eu passo no Sáara amortalhada. . . Perdão p’ra os crimes meus!
Ai! dizem: “ L á vai África embuçada Há dous mil anos eu soluço um g rito ..
No seu branco albornoz.. . ” Escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu D e u s !!...
Nem vêem que o deserto é meu sudário, S . P a u lo , 11 d e J u n h o d e 1S6S.
Que o silêncio campeia solitário
Por sôbre o peito meu.
Lá no solo, onde o cardo apenas medra.
Boceja a Esfinge colossal de pedra.
Fitando o morno céu. SAUDAÇÃO A PALMARES

De Tebas nas colunas derrocadas Nos altos cerros erguido


As cegonhas espiam debruçadas Ninho de águias atrevido
O horizonte sem fim ... Salve! — país do bandido!
Onde branqueja a caravana errante Salve! — pátria do jaguar!
E o camelo monótono, arquejante, Verde serra, onde os Palmares
Que desce de E fr a im ... — Como indianos cocares —
No azul dos Colúmbios ares.
Desfraldam-se em mole arfar 1

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! Salve! Região dos valentes
B pois teu peito eterno, inexaurível Onde os ecos estridentes
De vingança e rancor? Mandam aos plainos trementes
E que é que fiz. Senhor? que tôrvo crime Os gritos do caçador!
Eu cometi jamais, que assim me oprime E ao longe os latidos soam,
Teu gládio vingador?! E as trompas da caça atro am .. .
E os corvos negros revoam
Sôbre o campo ab rasad o r!...

[ 799]
ANTÔNIO DK CASTRO ALVES

Palm ares! a ti meu grito! I I I


A ti, barca de granito,
Que no soçôbro infinito Quando aquela mão régia de Madona
Abriste a vela ao trovão, Tom ava aos ombros essa cruz in sa n a ...
E provocaste a rajada, E do Giaour o lugubre segredo,
Sôlta a flâmula agitada, E êsse crime indizível do Manfredo
Aos urrahs da marujada, Madornavam aos pés da Ita lia n a ...;
Nas ondas da escravidão!
I V
De bravos soberbo estádio! Numa dessas m a n h ã s... Enquanto a moça.
Das liberdades paládio. Sorrindo-lhe dos beijos ao ressábio,
Tom aste o punho do gládio, Cantava como uma ave ou uma c ria n ç a ...
E olhaste rindo p’ra o vai. E la sentiu que um riso de esperança
“ Surgi de cada horizonte. Abria-lhe do amante lábio e lábio.
Senhores! Eis-m e de fronte! ’
E riste . . . O riso de um m onte! V
E a ironia de um chacal!
A esperança! A esperança no precito!
Cantem eunucos devassos A esperança nesta alma agonizante!
Dos reis os marmóreos paços, E , mais lívida e branca do que a cêra,
E beijem os férreos laços, E la disse a trem er: — “ George, eu quisera
Que não ousam sa cu d ir... Saber qual s e ja ... a vossa nova amante” .
Eu canto a beleza tua,
V I
Caçadora seminua.
Em cuja perna flutua —■“ Como o s a b e s ? ...” — “ Confessas?” — “ Sim !
Ruiva a pele de um tapir! [co n fesso .. . ”
— “ E o seu n o m e ...’' — “ Qu’importa?” —
Crioula! o teu seio escuro [ “ Fala, 3445 a lt e z a !...”
Nunca deste ao beijo impuro! — “ Que chama douda teu olhar espalha, [3446
Fugidio, firme, duro. És c iu m e n ta ? ...” — “Mylord, eu sou da Itá lia !”
Guardaste-o p’ra um nobre amor. — “ V in g a tiv a ? ...” — "Mylord, 3447 eu sou Prin-
Negra Diana selvagem, [c e s a !..
Que escutas, sob a ramagem.
As vozes, que traz a aragem, V II
Do teu rijo caçador! — “ Queres saber então qual seja o arcanjo
Que inda vem m’enlevar o ser corrupto?
Salve! — Amazona guerreira!
Que nas rochas da clareira, O sonho que os cadáveres renova,
O amor que o Lázaro arrancou da cova,
— Aos urros da cachoeira —
Sabes bater e lu ta r ... O ideal de S a t ã ? . . . ” — “ Eu vos escuto!”
Salve! — nos cerros erguido —
Ninho, onde em sonho atrevido. VIII
Dorme o c o n d o r... e o bandido, — “ Olhai, S ig n o ra ... além dessas cortinas,
A lib erd ad e... e o jaguar! O que v ê d e s ? ...” — “ Eu vejo a im ensid ad e!... ’
Fazenda de Sanfa Isabel, A gosto de 1870. — “ E eu vejo a G ré c ia .. . e sôbre a plaga errante,
Uma virgem ch o ran d o .. . ” — “ É vossa a m an te?.. . ”
— “Tu disseste-o, Condessa ! . . . É a liberdade ! ! ! . . . ”
0 DERRADEIRO AM O R DE BYRON Santa Isabel, 21 de Agosto de 1870.

E t, puisque tô t ou tard l ’am our hum ain s ’oublie,


I l est d ’une g ran d ’âm e et d ’ un heureu x destin
D ’asp irer comme toi pour un am our d ivin! ADEUS, MEU CANTO
A LF. DE M U SSET

I Adeus, meu canto! É a hora da p a rtid a ...


Num dêsses dias em que o Lorde errante. O oceano do povo se encapela.
Resvalando em coxins 3443 dg sêda mole. Filho da tempestade, irmão do raio,
A laureada e pálida cabeça Lança teu grito ao vento da procela.
Sentia-lhe embalar essa condessa,
E ssa lânguida e bela G u iccio li.. . ; O inverno envolto em mantos de geada
Cresta a rosa de amor, que além se erguera.
I I Ave de arribação, voa, anuncia
Da liberdade a santa primavera.
Nesse tempo f e liz ... em que Ravenna
Via cruzar o Childe 3444 peregrino, É preciso partir, aos horizontes
Dos templos ermos pelo claustro f r i o ... Mandar o grito errante da vedeta.
Ou longas horas meditar sombrio Ergue-te, oh luz! — Estrela para o povo,
No túmulo de Dante — o G ib elin o ... — Para os tiranos lugubre cometa.

[ 800 ]
OS ESCRAVOS

Adeus, meu canto! Na revolta praça Eu sei que a raça impudente


Ruge o clarim tremendo da batalha. Do eseriba, do fariseu,
Aguia — talvez as asas te espedacem, 3448 Que ao Cristo eleva o patíbulo,
Bandeira — talvez rasgue-te a metralha. A fogueira a Galileu,
Ê o fumo da chama vasta.
Mas não importa a ti, que no banquete Sombra que o século arrasta.
O manto sibarita não trajaste; Negra, torcida, a seus pés;
Que, se louros não tens na altiva fronte. Tronco enraigado no inferno,
Também da orgia a c’roa renegaste. Que se arqueia, sempre, eterno,
Das idades através.
A ti que herdeiro duma raça livre
Tomaste o velho arnês e a cota d’armas,
E, no ginete que escarvava os vales, E êles dizem, reclinados
A corneta esperaste dos alarmas. Nos festins de Baltazar:
“ Que importuno é êsse que canta
É tempo agora p’ra quem sonha a glória Lá no Eufrate a soluçar?
E a lu ta ... e a luta, essa fatal fornalha, Prende aos ramos do salgueiro
Onde referve o bronze das estátuas, A lira do cativeiro.
Que a mão dos séc’los no futuro ta lh a ... Profeta da maldição.
Ou, cingindo a augusta fronte
Parte, pois; solta livre aos quatro ventos Com as rosas d'Anacreonte, 3450
A alma cheia das crenças do p o e ta i... Canta o amor e a c r ia ç ã o !...”
Ergue-te, ó luz! — Estréia para o povo,
— Para os tiranos lúgubre cometa. 3449 Sim! cantar o campo, as selvas.
As tardes, a sombra, a luz;
Há muita virgem que ao prostíbulo impuro Soltar su’alma com o bando
A mão do algoz arrasta pela trança; Das borboletas azuis;
Muita cabeça de ancião curvada, Ouvir o vento que geme, 3451
Muito riso afogado de criança. Sentir a folha que treme,
Como um seio que pulou,
Dirás à virgem: — Minha irmã, espera, Das matas entre os desvios.
Eu vejo ao longe a pomba do futuro. Passar nos centros bravios
— Meu pai, dirás ao velho, dá-me o fardo Por onde o jaguar passou;
Que atropela-te o passo mal seg u ro ...

A cada berço levarás a crença. É b e lo ... E já quantas vêzes


A cada campa levarás o pranto. Não saudei a terra, o céu,
Nos berços nus, nas sepulturas rasas, E o Universo — Bíblia imensa
— Irmão do pobre — viverás, meu canto. Que Deus no espaço escreveu?!
Ao canto das cachoeiras,
E, pendido através de dois abismos, Que vêzes nas cordilheiras,
Com os pés na terra e a fronte no infinito, Eu lancei minha canção.
Traze a bênção de Deus ao cativeiro. Escutando as ventanias, 3452
Levanta a Deus do cativeiro o grito! Vagas, tristes profecias
Gemerem na escu rid ão ?!...
I I
Já também amei as flores.
Eu sei que, ao longe, na praça. As mulheres, e o arrebol,
Ferve a onda popular, E o sino que chora triste.
Que às vêzes é pelourinho, Ao morno calor do sol.
Mas poucas vêzes altar. Ouvi saudoso a viola,
Que zombam do bardo atento. Que ao sertanejo consola.
Curvo ao murmúrio do vento Junto à fogueira do lar.
Nas florestas do existir, Amei a linda serrana,
Que babam fel e ironia Cantando a mole tirana,
Sôbre o ôvo da utopia Pelas noites de luar.
Que guarda a ave do porvir.

Eu sei que o ódio, o egoísmo, Da infância o tempo fugindo,


A hipocrisia, a ambição. Tudo mudou-se em redor.
Almas escuras de grutas, Um dia passa em minh’alnia
Onde não desce um clarão. Das cidades o rumor.
Peitos surdos às conquistas, Soa a idéia, soa o malho,
Olhos fechados às vistas. O ciclope do trabalho
Vistas fechadas à luz, Prepara o raio do sol.
Do poeta solitário Tem o povo — mar violento
Lançam pedras ao calvário, Por armas — o pensamento,
T.ançam blasfêmias à cruz. A verdade por farol.

[ 801]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES

E O homem, vaga que nasce Olha o sol que se esconde na savana.


No oceano popular, Pensa em Jerusalém sempre divina.
Tem que impelir os espíritos, Morre feliz, deixando sôbre a estrada
Tem uma plaga a buscar. O marco miliário duma ossada.
O h! maldição ao poeta
Que foge — falso profeta — Assim, quando essa turba horripilante.
Nos dias de provação! Hipócrita sem fé, bacante impura.
Que mistura o tósco iambo Possa curvar-te a fronte de gigante.
E o tirso do ditirambo Possa quebrar-te as malhas da armadura,
No poema d’a fliç ã o !.. . Tu deixarás na liça o férreo guante
Que há de colhér a geração fu tu ra ...
“T rab alh ar!” brada nas sombras Mas, n ã o ... cré no porvir, na mocidade.
A voz imensa de Deus! Sol brilhante do céu da liberdade.
“ B raços! voltai-vos p’ra terra.
Frontes, ^^53 voltai-vos p’ros céu s!” Canta, filho da luz da zona ardente
Poeta, sábio, selvagem. Déstes cerros 3455 soberbos, altanados!
Vós sois a santa equipagem Em boca a tuba lugubre, estridente,
Da nau da civilização! Em que aprendeste a rebramir teus brados.
Marinheiro, — sobe aos mastros. Levanta das orgias — o presente.
Piloto, — estuda nos astros, Levanta dos sepulcros — o passado.
Gajeiro, — olha a cerração!” Voz de ferro! desperta as almas grandes
Do Sul ao N o r te ... do Oceano aos A n d e s !!...
R ecife — 1S65.
Uivava a negra tormenta
Na enxárcia, nos mastaréus.
Uivavam nos tombadilhos 3454
Gritos insontes de réus.
Vi a equipagem medrosa
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO 3456
D a morte à vaga horrorosa
Seu próprio irmão sacudir.
E bradei: “ Meu canto, voa. J e se sais v raim en t si j ’au rai m érité qu ’ on dépose un
jo u r un la u rie r su r mon cercu eil. L a poésie, quelque soit
T erra ao longe! terra à p r o a !... mon am our pour elle, n ’a to u jo u rs été pour moi q u ’un moyen
V ejo a terra do p o r v i r !...” co n sacré pour un but saint.
J e n ’ai ja m a is attach é un trop grand p rix à la gloire de
mes poèm es, e t peu m ’im porte qu ’on les loue, ou qu ’on les
I I I blâm e. M a is ce sera un g laive, que vous devez placer sur
ma tom be, c a r j ’ ai été un brave soldat dans la g u erre de
d élivran ce de l ’hum anité.
Companheiro da noite mal dormida, H . H E I N E (R eisebilder).
Que a mocidade vela sonhadora,
Prim eira fôlha d’árvore da vida.
E stréia que anuncia a luz da aurora,
Da harpa do meu amor nota perdida. A TARDE
Orvalho que do seio se evapora,
É tempo de p a r tir .. . Voa, meu canto, E ra a hora em que a tarde se debruça
Que tantas vêzes orvalhei de pranto. L á da crista das serras mais re m o ta s ...
E d’araponga o canto, que soluça.
Tu fôste a estréia vésper que alumia Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Aos pastôres da Arcádia nos fraguedos! Quando sôbre a lagoa, que s'embuça.
Ave que no meu peito se aquecia Passa o bando selvagem das gaivotas. . .
Ao murmúrio talvez dos meus segredos. E a onça sôbre as lapas salta urrando
Mas, hoje, que sinistra ventania Da cordilheira os visos abalando.
Muge nas selvas, ruge nos rochedos.
E ra a hora 3457 em que os cardos rumorejam,
Condor sem rumo, errante, que esvoaça.
Como um abrir de bôeas inspiradas,
Deixo-te entregue ao vento da desgraça.
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfum adas...
Quero-te assim. Na terra o teu fadário A hora 3458 em que as gardénias, que se beijam,
É ser o irmão do escravo que trabalha; São tímidas, medrosas desposadas;
É chorar junto à cruz do seu calvário, E a p ed ra .. . a f l o r .. . as se lv a s .. . os condores
É bramir do senhor na b a ca n á lia ... G a g u eja m ... 3459 fa la m ... cantam seus amores!
Se vivo, seguirás o itinerário.
Aí as, se — morto — rolares na mortalha, H ora meiga da tarde! Como és bela
Terás, selvagem filho da floresta, Quando surges do azul da zona ardente!
Nos raios e trovões hinos de festa. — Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do o r ie n te ...,
Quando a piedosa, errante caravana, Quando é gôta do banho cada estréia,
Se perde nos desertos, peregrina, Que te rola da espádua refu lg en te.. .
Buscando na cidade muçulmana, E — prendendo-te a trança 3460 a meia lua —
Do sepulcro de Deus a vasta ruína. T e enrolas em neblinas sem in u a !...

[ 802 ]
A C A C H O E IR A O R P A U L O A F O N SO

Eu amo-te, ó mimosa do infinito! 0 BAILE NA FLOR


Tu mo lembras o tempo 3461 em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito Que belas as margens do rio possante,
No meio do martírio excruciante; Que ao largo espumante campeia sem par!.
E, se não te dá mais da infância o grito Ali das bromélias nas flores douradas
Que menino elevava-te arrogante. Há silfos e fadas, que fazem seu l a r ...
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem p ra n to s!... E em lindos cardumes
Sutis vagalumes
Mas não me esqueço nunca dos fraguedos Acendem os lumes
Onde infante selvagem me guiavas, P ’ra o baile na flor.
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas; E então nas arcadas
Nem mais tarde, dos lânguidos segredos Das pét’las douradas
Do amor do nenúfar 3462 que enam oravas... Os grilos em festa
E as tranças 3463 mulheris da granadilha!. . . Começam na orquestra
E os abraços fogosos da b au n ilh a!... Febris a 3464 to c a r ...
E te amei tanto — cheia de harmonias,
A murmurar os cantos da serrana, E as breves
A lustrar o broquel das serranias, —• Falenas
A dourar dos rendeiros a cab an a.. . Vão leves.
E te amei tanto — à flor das águas frias — Serenas,
Da lagoa agitando a verde cana, Em bando
Que sonhava morrer entre os palmares. Girando,
Fitando o céu ao tom dos teus c a n ta re s!... Valsando, 3463
Voando
Mas hoje, da proccla aos estridores. No a r ! . . .
Sublime, desgrenhada sôbre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do h orizon te...
— Para então —, do relâmpago aos livores, NA MARGEM
Que descobrem do espaço a larga fronte.
Contemplando o in fin ito ... na floresta.
Rolar ao som da funeral orquestra!! Vamos! vamos! Aqui por entre os juncos
Ei-la a canoa, em que eu pequena outrora
Voava nas m a re ta s... Quando o vento.
Abrindo o peito à camisinha úmida.
MARIA Pela testa enrolava-me os cabelos,
E la voava qual marreca 3466 brava
Onde vais à tardezinha, No dorso crêspo da ferai enchente!
Mucama tão bonitinha.
Morena flor do sertão? Voga, minha canoa! Voga ao largo!
A grama um beijo te furta Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos,
Por baixo da saia curta, Como na mata os caititus bravios. . .
Que a perna te esconde em v ã o ...
Filha das ondas! andorinha arisca!
Mimosa flor das escravas!
Tu, que outrora levavas minha infância
O bando das rôlas bravas
— Pulando alegre no espumante dorso
Voou com mêdo de t ü . . .
Dos cães marinhos a morder-te a proa — ,
Trevas hoje algum seg red o ...
Leva-me agora a mocidade triste
Pois te voltaste com mêdo
Pelos ermos do rio ao lo n g e ... ao lo n g e ...
Ao grito do bem-te-vi,
Serão amores deveras? Assim dizia a E s c ra v a ...
Ah! Quem dessas primaveras Iam caindo
Pudesse a flor apanhar! Dos dedos do crepûsc’lo os véus de sombra,
E contigo, ao tom d’aragem, Com que a terra se vela, como noiva,
Sonhar na rêde selvagem ... Para o doce himeneu das noites lím p id as...
À sombra do azul palmar!
Lá no meio do rio, que cintila,
Bem feliz quem na viola Como o dorso de enorme crocodilo.
Te ouvisse a moda espanhola J á manso e manso escoa-se a canoa.
Da lua ao frouxo c la rã o ...
Com a luz dos astros — por círios. Parecia, assim vista ao sol poente,
Por leito — um leito de lír io s ... Êsses ninhos, que tombam sôbre o rio,
E por tenda a solidão! E onde em meio das flores vão chilrando
— Alegres sôbre o abismo — os passarinh os!..

[ 803 ]
A > ;T õ .NJO ])K C A S T llO A L V K S

Tu guardas algum se g re d o ?... LUCAS


Maria, estás a 3467 chorar!
Onde vás? Porque assim foges Quem fôsse naquela hora,
Rio abaixo a deslizar? 3468 Sôbre algum tronco lascado.
Sentar-se no descampado
Pedra, não tens o teu musgo? Da solitária ladeira.
Não tens um favônio — flor? Veria descer da serra,
E stréia — não tens um lago? Onde o incêndio vai sangrento.
Mulher — não tens um amor? Ao passo tardio e lento,
Um belo escravo da terra
Cheio de viço e v a lo r ...
E ra o filho das florestas!
E ra o escravo lenhador!
A Q UEIM AD A
Que bela testa espaçosa,
Meu nobre perdigueiro! vem comigo. Que olhar franco e triünfante! 3470
Vamos a sós, meu corajoso amigo, E sob o chapéu de couro
Pelos ermos vagar! Que cabeleira abundante!
Vamos lá dos gerais, que o vento açoita, De marchetada jibóia
Dos verdes capinzais 3469 n’agreste moita Pende-lhe a rasto o fa c ã o ...
A perdiz le v a n ta r!... E assim . . . erguendo o machado
Na breve 3471 e robusta m ã o ...
Mas n ã o ! ... Pousa a cabeça em meus joelhos. Aquêle vulto soberbo,
Aqui, meu c ã o ! .. . Já de listrões vermelhos — Vivamente alumiado.
O céu se iluminou. Atravessa o descampado,
E is súbito, da barra do ocidente, Como uma estátua de bronze,
Doudo, rubro, veloz, incandescente, Do incêndio ao fulvo clarão.
O incêndio que acordou!
Desceu a encosta do monte.
Tomou do rio o ca m in h o ...
A floresta rugindo as comas curvas. . . E foi cantando baixinho,
As asas foscas o gavião recurva. Como quem canta p’ra si.
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas E ra uma dessas cantigas
Se enrola de quebradas em quebradas Que êle um dia improvisara,
Galopando no ar. Quando junto da coivara
Faz-se o escravo — trovador;
E a chama lavra qual jibóia informe, E ra um canto languoroso,
Que, no espaço vibrando a cauda enorme. Selvagem, belo, vivace,
Ferra os dentes no c h ã o ... Como o caniço que nasce
Nas rubras roscas estortega as m a ta s ... Sob os raios do Equador.
Que espadanam o sangue das cascatas
Do róto c o r a ç ã o !... Eu gosto dessas cantigas,
Que me vêm 3472 lembrar a infância;
São minhas velhas amigas.
O incêndio — leão ruivo, ensangüentado, P or elas morro de a m o r ...
A juba, a crina atira desgrenhado Deixai ouvir a toada
Aos pampeiros dos c é u s !... Do cativo lenhador.
Travou-se o p u g ila to ... e o cedro to m b a ...
Q u eim ad o... retorcendo na hecatomba E o sertanejo assim solta a tirana
Os braços para Deus. Descendo lento p’ra a servil cabana:

A queimada! A queimada é uma fornalha! T irana


A hirara pula; o cascavel ch o ca lh a ...
Raiva, espuma o tapir! “ Minha Afaria é bonita.
E às vêzes sôbre o cume de um rochedo T ão bonita assim não há;
A corça e o tigre — náufragos do mêdo — O beija-flor quando passa
Vão trêmulos se unir! Julga ver o manacá.

“ Minha Maria é morena


E ntão passa-se ali um drama a u g u sto ... Como as tardes de verão;
N último ramo do pau-d’arco adusto Tem as tranças da palmeira
O jaguar se abrigou. . . Quando sopra a viração.
Mais rubro é o c é u ... Recresce o fogo em mares,
E após tombam as selvas se cu la res... “ Companheiros! o meu peito
E tudo se a c a b o u !... E ra um ninho sem senhor;
H oje tem um passarinho
P ’ra cantar o seu amor.

[ 804 ]
A CACHOKTRA DE l'AULO AEONSO

“Trovadores da floresta! “ Como a casa está tão triste!


Não digam a ninguém, n ã o !.. Que apêrto no c o ra ç ã o !...
Que Maria é a baunilha M a r ia !... Ninguém responde!
Que me prende o coração. Maria, não ouves, n ã o ? ...
Aqui vejo uma saudade
“ Quando eu morrer só me enterrem Nos braços de sua c r u z ...
Junto às palmeiras do vai, Que querem dizer tais prantos,
Para eu pensar que é Maria Que rolaram tantos, tantos, 3478
Que geme no ta q u a ra l...” Sôbre as faces da saudade,
Sôbre os braços de Je s u s ? ...
Oh! quem me empresta uma lu z ? ...
Quem me arranca a ansiedade,
A SENZALA Que no meu peito nasceu?
Quem dêste negro mistério
Qual o veado, que buscou o aprisco. Me rasga o sombrio v é u ? ...”
Balindo arisco, para a cerva 3473 c o r r e ... E o eco responde: — E u ! . . .
Ou como pombo, que os arrulhos solta.
Se ao ninho volta quando a tarde m o r re ... E chegou-se para o leito
Da casta flor do s e rtã o ...
Assim, cantando a pastoril balada. Apertou co’a mão convulsa
Já na esplanada 3474 o lenhador chegou. O punhal e o coração! . . .
Para a cabana da gentil Maria Stava inda tépido o ninho
Com que alegria a suspirar marchou! Cheio de aromas suaves. . .
E — como a pena, que as aves
Eis 3475 a ca sin h a ,., tão pequena c bela! Deixam no musgo ao voar — 3479
Como é singela com seus brancos muros! Um anel de seus cabelos
Que liso teto de sapé dourado! Jazia cortado a 3480 êsmo
Que ar engraçado! que perfumes puros! Como relíquia no a lt a r !...
Abre a janela para o campo verde, Talvez prendendo nos elos
Que além se perde pelos cerros 3476 n u s ... Mil suspiros, mil anelos,
testa enfeita da infantil choupana Mil soluços, mil desvelos,
Verde liana de festões azuis. Que ela deu-lhes p ra g u a rd a r!...

E ’ êste o galho da rolinha brava. E o pranto em baga a r o la r ...


Aonde a escrava seu viver a b rig a ... “ Onde a pomba foi perder-se?
Canta a jandaia sôbre a curva rama Que céu minha estréia encerra?
E alegre chama sua dona amiga. Maria, pobre criança,
Aqui n’aurora, abandonando os ninhos. Que fazes tu sôbre a terra?’’
Os passarinhos vem pedir-lhe pão; E o eco responde — E rra!
Pousam-lhe alegres nos cabelos bastos,
Nos seios castos, na pequena mão. “ Partiste! Nem tc lembraste
Eis o painel encantado, Dêste martírio sem f i m !...
Que eu quis pintar, mas não p u d e... Não! p erd o a... tu choraste
Lucas melhor o traçara E os prantos, que derramaste,
Na canção suave e ru d e ... Foram vertidos por m im ...
Vêde que olhar, que sorriso Houve pois um braço estranho, 3481
S ’expande 3477 no bronzeo rosto. Robusto, feroz, tamanho,
Vendo o lar do seu a m o r ... Que pôde eSmagar-te a s s im ? ...”
Ai! Da luz do Paraíso
Bate-lhe em cheio o fulgor. E o eco responde — S im !
E rugiu: “ Vingança! guerra!
Pela flor, que me deixaste.
Pela cruz, em que rezaste,
DIÁLOGO DOS ECOS E que teus prantos encerra!
Eu juro guerra de morte
E chegou-se p’ra a vivenda A 3482 quem feriu desta sorte
Risonho, calmo, fe liz ... O anjo puro da t e r r a ...
Escutou. . . mas só ao longe Vê como êste braço é forte!
Cantavam as ju r itis ... Vê como é rijo êste ferro!
Murmurou: “ Vou surp’rendê-la!” AI eu golpe é c e r to ... não erro.
E a porta ao toque ced eu ... Onde há sangue, sangue e s c o r r e !...
“Talvez agora sonhando Vilão! Dêste ferro e braço,
Diz meu nome o lábio seu, Nem a terra, nem o espaço,
Que a dormir nada p r e v ê ...’’ Nem mesmo Deus te s o c o r r e !!...”
E o eco responde: — V ê ! . . . E o eco responde — Corre!

[ 805 J
ANTÔNIO DE CASTRO A EV ES

Como O cão êle em tôrno o ar aspira, NO BARCO


Depois se orientou;
Fareja as ervas... descobriu a pista — Lucas! — Maria! murmuram juntos...
E rápido marchou. E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto...
No entanto sôbre as águas, que cintilam,
Como o dorso de enorme crocodilo. Eram-lhe as tranças 3486 a cair no busto
Já manso e manso escoa-se a canoa; Os esparsos festões da granadilha...
Parecia assim vista — ao sol poente — Tépido aljôfar o seu pranto brilha.
Êsses ninhos, que o vento lança às águas, Depois resvala no moreno seio...
E que na enchente vão boiando à to a !...
Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
O NADADOR Como o casal da rôla sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.
Ei-lo que ao rio arroja-se;
As vagas bipartiram -se; Cantai, ó brisas, mas cantai 3487 baixinho!
Mas rijas contraíram -se Passai, ó vagas..., mas passai de manso!
P or sôbre o n ad ad o r... Não perturbeis-lhe o plácido remanso.
Depois s ’entreabre lugubre Vozes do ar! emanações do rio!
Um círculo s im b ó lico ...
E ’ o riso diabólico “Maria, fala!” — “Que acordar sombrio”,
Do pego zombador! Murmura a triste com um sorriso louco,
“No Paraíso eu descansava um pouco...
Mas não! Do abismo indômito Tu me fizeste despertar na vida...
Surge-m e um rosto pálido,
Como o Netuno esquálido “Porque não me deixaste assim pendida
Que amaina a crina ao m ar; Morrer co’a fronte oculta no teu peito?
F ita o batei longínquo I^embrei-me os sonhos do materno leito
Na sombra do crepúsculo. Nesse momento divinal... Qu'importa?...
Rasga com férreo, músculo
O rio par a 3483 par. “Tôda esperança para mim ’stá morta...
V agas! Dalilas pérfidas!
Sou flor manchada por cruel serpente...
M oças, que abris um túmulo, Só de encontro nas rochaS pode a enchente
Quando do amor no cúmulo Lavar-me as nódoas, m’esfolhando a vida.
Fingis nos abraçar! “Deixa-me! Deixa-me a 3488 vagar perdida..
O nadador intrépido Tu! — parte! volve para os lares teus.
Vos toca as têtas c é ru la s ... Nada perguntes... é um segredo horrível..
E após — zombando — as pérolas Eu te amo ainda... mas agora — adeus!”
Vos quebra do colar.
Vagas, curvai-vos tímidas!
Abri fileiras pávidas ADEUS
Às mãos possantes, ávidas
Do nadador audaz. — Adeus — A i! criança ingrata!
Belo de força olímpica Pois tu me disseste — adeus — ?
— Soltos cabelos úmidos — Loucura! melhor seria
Braços hercúleos, tú m id o s... Separar a terra e os céus.
E ’ o rei dos vendavais!
“— Adeus! — palavra sombria 1
Mas ai! L á ruge próxima De uma alma gelada e fria
A correnteza hórrida, És a derradeira flor.
Como da zona tórrida
A boicininga a 3484 u r r a r .. . “— Adeus! 3489 — m iséria! mentira
E ’ lá que o rio indômito, De um seio, que não suspira.
Como o corcel da Ucrânia, De um coração sem amor.
Rincha a 3485 saltar de insânia,
Frem e e se atira ao mar. “ Ai, Senhor! A rôla agreste
Morre se o par lhe faltou.
Trem este? Não, qu’importa-te O raio que abrasa o cedro
Da correnteza o estrídulo? A parasita abrasou.
Se ao longe vês teu ídolo.
Ao longe irás tam bém . . . “ O astro namora o orvalho:
Salta à garupa úmida — Um é a estrela do galho,
Dêste corcel titâ n ic o ... — Outro o orvalho da amplidão.
— Novo Mazzeppa oceânico —
“ Mas, 3490 à luz do sol nascente.
Além ! além! a lé m !...
Morre a estrela — no poente!
O orvalho — morre no chão!

[ 806 ]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

“ Nunca as neblinas do vale Em meio às ondas


Souberam dizer-se — adeus — Ia Lucas r o la r ...
Se unidas partem da terra,
Perdem-se unidas nos céus. Um grito fraco,
Uma trêmula mão susteve o e scra v o ...
“A onda expira na plaga, E a pálida criança, desvairada.
Porém vem logo outra vaga Aos pés caiu-lhe a 3495 desfazer-se em pranto.
P ’ra morrer da mesma d o r ...
Ela encostou-se ao peito do selvagem
“— Adeus 3491 — palavra sombria! — Como a violeta; as faces escondendo
Não digas — adeus —, Maria! Sob a chuva noturna dos cabelos — !
Ou não me fales de a m o r!’ Lenta e sombria após contou destarte
A treda história dêsse tredo c r im e !...

MUDO E QUÊDO
NA FONTE

E calado ficou. . . Do pranto as bagaS


Pelo moreno rosto deslizaram. I
Qual da b ’rauna, que o machado fere.
“ E ra hoje ao meio-dia.
Lágrimas saltam de um sabor amargo.
Nem uma brisa macia
Pela savana bravia
Mudos, quedos os dous neste momento Arrufava os ervaçais. . .
Mergulhavam no dédalo da angústia, Um sol de fogo abrasava;
No labirinto escuro da d esg raça... Tudo a sombra procurava;
Labirinto sem luz, sem ar, sem f i o . .. Só a cigarra cantava
No tronco dos coqueirais.
Que dor, que drama tôrvo de agonias
Não vai naquelas a lm a s !... Dor sombria I I
De ver quebrado aquele amor tão santo.
De lembrar que o passado está p a ssa d o ..., “ Eu cobri-me da mantilha,
Que a esperança morreu, que surge a m orte!. Na cabeça pus a bilha.
Tanta ilu são !., tanta carícia m eig a!.. Tom ei do deserto a trilha,
Tanto castelo de ventura feito Que lá na fonte vai dar.
à beira do riacho, ou na campanha!. Cansada cheguei na mata;
Tanto êxtase inocente de am orosos!.. 3492 Ali, na sombra, a cascata
Tanto beijo na porta da choupana, As alvas tranças desata
Quando a lua invejosa no infinito Como u'a moça a “*396 brincar.
Com uma bênção de luz sagrava os noivos! . . .
I I I
Não mais! não mais! O raio, quando esgalha
O ipê secular, atira ao longe “ E ra tão densa a espessura!
Flores, que há pouco se beijavam n’hástea, Corria a brisa tão pura!
Que unidas nascem, juntas viver pensam, Reinava tanta frescura,
E que jamais na terra hão de encontrar-se. Que eu quis me banhar ali.
Olhei em r o d a ... E ra quêdo
Passou-se muito te m p o ... Rio abaixo 3493 O mato, o campo, o ro ch ed o ...
A canoa corria ao tom das vagas. Só nas galhas do arvoredo
De repente êle ergueu-se hirto, severo, Saltava alegre o sagüi.
— O olhar em fogo, o riso convulsivo —
Em golfadas lançando a voz do p e ito !... IV
“Junto às águas cristalinas
“Maria! diz’-me 3494 tudo.. Fala! fala Despi-me louca, traquinas,
Enquanto eu posso ouvir.. Criança, escuta! E as roupas alvas e finas
Não vês o rio? e negro! é um leito fundo. Atirei sôbre os cipós.
A correnteza estrepitando arrasta Depois mirei-me inocente,
Uma palmeira, quanto mais um h o m em !... E ri v aid o sa... e co n te n te ...
Pois bem! Do seio túrgido do abismo Mas voltei-me de rep en te...
Há de romper a maldição do morto; Como que ouvira uma voz!
Depois o meu cadáver negro, lívido.
Irá seguindo a esteira da canoa V
Pedir-te inda que fales, desgraçada,
Que ao morto digas o que ao vivo ocultas!. “ Quem foi que passou ligeiro.
Mexendo ali no ingàzeiro, 3497
Era tremenda aquela dor selvagem, E se embrenhou no balseiro.
Que rebentava enfim, partindo os diques Rachando as folhas do c h ã o ? ...
Na fúria desm edida!... Quem foi? — Da mata sombria

[ 807 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES

Uma vermelha cotia “ Debalde! a floresta


Saltou tímida e bravia, — Madrasta impiedosa — 3502
Em procura do sertão. A pobre chorosa
Não quis abrigar!
VI
“ Pois bem ! Ao deserto!
“ Chamei-me então de criança;
A 3498 meus pés a onda mansa “ De novo é loucura!
P or entre os juncos s’entrança Seguindo meus traços
Como uma cobra a 3499 fugir! Escuto seus passos
Mergulho o pé docemente; Mais perto! mais perto!
Com o frio fujo à corrente. . . J á queima-me os ombros
De um salto após de repente Seu hálito ardente.
Fui dentro d’água cair.
Já vejo-lhe a sombra
V I I Na úmida a lfo m b ra ...
Qual negra serpente,
“ Quando o sol queima as estradas, Que vai de repente
E nas várzeas abrasadas Na prêsa s a lta r !...
Do vento as quentes lufadas
Erguem novelos de pó,
Como é doce em meio às 3500 canaS,
Sob um teto de lianas, Na douda
Das ondas nas espadanas Corrida,
Banhar-se despida e s ó ! . . . Vencida,
Perdida,
VIII Quem me há de salvar?
“ Rugitavam os palm ares. . .
E m tôrno dos nenúfares
Zumbiam pejando os ares NO MONTE
Mil insetos de ru b im ...
Eu naquele leito brando “ P a r e i.. . Volvi em tôrno os olhos assom brad os...
Rolava alegre ca n ta n d o ... Ninguém! A solidão pejava os descam pad os!...
S ú b ito ... um ramo estalando Restava inda um segu nd o.. . um só p’ra me salvar;
Salta um homem junto a 3501 mim! Então reuni as forças, ao céu ergui o o lh a r ...
E do peito arranquei um pavoroso grito,
Que foi bater em cheio às portas do infinito!
Ninguém! Ninguém me a c o d e ... Ai! só de m onte'
NOS CAMPOS [em monte
“ Fugi desvairada! Meu grito ouvi morrer na extrema do h o riz o n te!...
Na moita intrincada. Depois a solidão ainda mais calada
Rasgando uma estrada, Na mortalha envolveu a serra descampada! 3503
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo “A i! que pode fazer a rôla triste
Meus negros cabelos, Se o gavião nas garras a espedaça?
E os seios cobrindo A i! que faz o cabrito no deserto,
Com os trêmulos dedos. Quando a jibóia no potente aperto
Ligeira voei! Em roscas férreas o seu corpo enlaça?

“ Saltei as torrentes. “ Fazem, como e u .. . Resistem, batem, lutam,


Trepei dos rochedos E finalmente expiram de to rtu ra ...
Aos cimos ardentes. Ou, se escapam trementes, arquejantes.
Nos ínvios caminhos. Vão, lambendo as feridas gotejantes.
Cobertos de espinhos, M orrer à sombra da floresta e s c u r a !...
Meus passos mesquinhos
Com sangue marquei! “ E agora está concluída
Minha história desgraçada.
Quando caí — era virgem,
Quando ergui-me — desonrada!”
“ Avante! corram os!
Corramos a in d a !...
Da selva nos ramos
A sombra é infinda. SANGUE DE AFRICANO
A mata possante
Ao filho arquejante Aqui sombrio, fero, delirante
Não nega um abrigo. Lucas ergueu-se como o tigre bravo. . .
Corramos ainda! E ra a estátua terrível da v in g a n ça ...
Corramos ! avante ! O selvagem s u rg iu ... sumiu-se o escravo.

[ 808 ]
A CACHOKIRA DE DAÜLO AEONSÒ

Crispado o braço, no punhal segura! “ Ai! não manches no crime a tua vida,
Do olhar sangrentos raios lhe ressaltam, Meu irmão, meu amigo, meu esposo!.,..
Qual das janelas de um palácio em chamas Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a 3507 sorrir de um crim in o s o !...”
As labaredas, irrompendo, saltam.

Com o gesto bravo, sacudido, fero,


A destra ameaçando a im ensidade...
Era um bronze de Aquiles furioso DESESPÊRO
No punho concentrando a tempestade!
“ Crime! Pois será crime se a jibóia
No peito arfando 3504 o coração sacode Morde silvando a planta, que a esmagara?
Pois será crime se o jaguar nos dentes
O sangue que da raça não desmente. Quebra do índio a pérfida taquara?
Sangue queimado pelo sol da Líbia,
Que ora referve no equador ardente. “ E nós que somos, pois? Homens? Loucura!
Família, leis e Deus lhes coube em sorte.
A família no lar, a lei no m u n d o ...
E os anjos do Senhor depois da morte.
AMANTE
“ Três leitos, que sucedem-se macios,
“ Basta, criança! Não soluces ta n to ... Onde rolam na santa ociosidade...
Enxuga os olhos, meu amor, enxuga! 3505 O pai o em b a la ... a lei o a c a ric ia ...
O padre lhe abre a porta à eternidade.
Que culpa tem a clícia descaída
Se abelha envenenada o mel lhe suga?
“ Sim ! Nós somos re p tis ... Qu’importa a espécie?
— A lêsma é vil, — o cascavel é bravo.
“Basta! E sta faca já contou mil gôtas E vens falar de crimes cativo?
De lágrimas de dor nos teus olhares. Então não sabes o que é ser e scra v o !.. .
Sorri, 3506 Maria! E la jurou pagar-tas
No sangue dêle em gôtas aos milhares. “ Ser escravo — é nascer no alcouce escuro
Dos seios infamados da ven d id a...
“ Porque volves os olhos desvairados? Filho da perdição no berço impuro
Sem leite para a bôea ressequ id a...
Porque tremes assim, frágil criança? E ' mais tarde, nas sombras do futuro,
E sfalm a é como o braço, o braço é ferro, Não descobrir estrela fo ra g id a ...
E o ferro sabe o trilho da vingança. E ’ ver — viajante morto de cansaço —
A terra — sem a m o r !... sem Deus — o espaço 1
“Se a justiça da terra te abandona,
Se a justiça do céu de ti se esquece, “ Ser escravo — é, dos homens repelido.
Ser também repelido pela fera;
A justiça do escravo está na f ô r ç a ...
Sendo dos dous irmãos pasto querido,
E quem tem um punhal nada c a r e c e !... Que o tigre come e o homem d ila cera ...
— E ’ do lôdo no lôdo sacudido
“Vamos! Acaba a h istó ria ... Lança a prêsa. Ver que aqui ou além nada o espera,
Não vês meu coração, que sente fome? Que em cada leito novo há mancha n o v a ...
Amanhã chorarás; mas de alegria! No b e r ç o ... após no t o r o ... após na c o v a !...
Hoje é preciso me dizer — seu nom e!”
“ Crime! Quem te falou, pobre Maria,
Desta palavra estú p id a?... Descansa!
Foram êles ta lv e z ? !... E ’ zo m b aria...
Escarnecem de ti, pobre criança!
ANJO Pois não vês que morreremos todo dia
Debaixo do chicote, que não cansa?
“Ai! que vale a vingança, pobre amigo, Enquanto do assassino a fronte calma
Não revela um remorso de sua alma?
Se na vingança a honra não se la v a ? ...
O sangue é rubro, a virgindade é branca —
“ Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade
O sangue aumenta da vergonha a bava. E ’ que os infames tudo me ro u baram ...
Esperança, trabalho, liberdade
Se nós fomos somente desgraçados, Entreguei-lhes em v ã o ... não se fartaram.
Para que miseráveis nos fazermos? Quiseram m a is ... Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor espedaçaram ...
Heportados da terra assim perdemos
Maria! Última estréia de minh’almal
De além da campa as regiões sem term os. O que é feito de ti, virgem sem palma?

[ 809 J
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES

“ Pomba — em teu ninho as serpes te morderam. “ Ainda me lembro agora


Fôlha — rolaste no paul sombrio. Daquela noite sombria.
Palmeira — as ventanias te romperam. Em que úa mulher morria
Corça — afogaram-te as caudais do rio. Sem rezas, sem o r a ç ã o !...
Pobre flor — no teu cálice beberam, P or padre — duas cria n ç a s.. .
Deixando-o depois triste e v a z io ... E apenas por sentinela
— E tu, irmã! e m ãe! e amante minha! Do Cristo a face amarela
Queres que eu guarde a faca na bainha! No meio da escuridão.

“ O ’ minha mãe! ó m ártir africana, “ Às vêzes naquela fronte


Que morreste de dor no cativeiro! Como que a morte pousava
Ai! sem quebrar aquela jura insana, E da agonia aljofrava
Que jurei no teu leito derradeiro, O derradeiro s u o r ...
Depois acordava a mártir,
No sangue desta raça impia, tirana Como quem tem um segredo. , .
Teu filho vai vingar um povo in teiro! . . . Ouvia em tôrno com mêdo,
Vamos, M aria! Cumpra-se o d e stin o ... Com susto olhava em redor.
Dize! dize-me o nome do a s sa s sin o !...
“ Enfim , quando noite velha
Pesava sobre a mansarda,
E somente o cão de guarda
“ Virgem das Dores Ladrava aos ermos sem fim,
Vem dar-me alento, Ela, nos braços sangrentos
Neste momento As crianças apertando.
De agro sofrer! Num tom meigo, triste e brando
Para ocultar-lhe Pôs-se a falar-lhes assim :
Busquei a m o r te ...
Mas vence a sorte. ÚLTIMO ABRAÇO
Deve assim ser.
“ Filho, adeus! J á sinto a morte,
Que me esfria o coração.
Vem c á . . . Dá-me a tua m ã o ...
Bem vês que nem mesmo tu
“ Pois que seja! Debalde pedi-te,
Podes dar-lhe novo a le n to !.,.
Ai! debalde a teus pés me r o je i ...
Filho, é o último m o m en to ...
Porém antes escuta esta h istó ria ..,
A morte — a separação!
Depois d e la ... o seu nome direi!”
Ao desamparo, sem ninho,
Ficas, pobre passarinho.
Neste deserto profundo.
Pequeno, cativo e n u ! ...
HISTÓRIA DE UM CRIME
“ Que sina, meu Deus! que sina
“ Fazem hoje muitos anos Foi a minha neste mundo!
Que de uma escura senzala Prêsa ao céu — pelo desejo,
Na estreita e lodosa sala P rêsa à terra — pelo a m o r !.. .
Arquejava u’a mulher. Que importa! é tua vontade?
L á fora por entre as urzes Pois seja feita. Senhor!
O vendaval s ’e s to rc ia .. .
K aquela triste agonia “ P e q u e ü ... foi grande o meu crime,
Mas é maior o c a s tig o ...
Vinha mais triste fazer.
A i! não bastava a amargura
“ A pobre sofria muito. Das noites ao desabrigo;
Do peito cansado, exangue. De espedaçarem-me as carnes
O tronco, o açoite, a tortura.
Às vêzes rompia o sangue
De tudo quanto sofri.
E lhe inundava os lençóis.
Então, como quem se agarra Era preciso mais doreS,
Inda maior sa crifício .. .
Às últimas esperanças,
Duas pávidas crianças Filho! bem vês meu s u p lício ...
E la o lh a v a ... e ria após. Vão separar-me de ti!
“ Chega-te p e r to ... mais perto;
“ Que olhar! que olhar tão extenso! Nas trevas procura ver-te
Que olhar tão triste e profundo! Meu olhar, que treme incerto.
Vinha já de um outro mundo. Perturbado, v a c ila n te ...
Vinha talvez lá do céu. Deixa em meus braços prender-te
E ra o raio derradeiro, P ra não morrer neste instante;
Que a lua, quando se apaga. Inda tenho que fazer-te
Manda por cima da vaga Uma triste co n fissã o ...
Da espuma por entre o véu. Vou revelar-te um segrêdo

[8 1 0 ]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

Tão negro, que tenho mêdo ‘ Depois, teve r a z ã o ... E sta mulher
De não ter o teu p erd ã o !... E ’ tua e minha s e n h o r a !...
Mas não!
Quando um padre nos perdoa,
Quando Deus tem piedade.
De um filho no coração
Uma mãe não bate à toa. “ Lucas, silêncio! que por ela implora
Teu p a i... c teu ir m ã o !...

“ Teu irmão, que é seu filh o ... (ó magoa e dor!)


Teu pai — que é seu m arid o ... e teu s e n h o r!...
MÃE PENITENTE
“Juras não te vingar? — O ’ mãe, eu juro
“ Ouve-me, p o is !... Eu fui uma perdida; Por ti, pelos beijos teus!
Foi êste o meu destino, a minha s o r te ...
Por êsse crime é que hoje perco a vida, “— Obrigada! a g o r a ... agora
Mas dêle em breve há de salvar-me a morte! J á nada mais me d em o ra...
Deus! — recebe a pecadora!
Filho! — recebe êste adeus! ’ —
“E minh’alma, bem vês, que não se irrita.
Antes bendiz êstes mandões ferozes.
Eu seria talvez por ti maldita.
Filho! sem o batismo dos algozes!
Quando, rompendo as barras do oriente,
“Porque eu p eq u ei... e do pecado escuro A estréia da manhã mais desmaiava,
Tu fôste o fruto cândido, ^íos inocente, E o vento da floresta ao céu levava
— Borboleta, que sai do lôdo im p u ro ... O canto jovial do bem -te-vi;
— Rosa, que sai de — pútrida semente! Na casinha de palha uma criança,
Da defunta abraçando o corpo frio.
Murmurava chorando em desvario:
“ Filho! Bem v ê s ... fiz o maior dos crimes:
— Eu não me vingo, ó m ã e ... juro por t i ! . .
— Criei um ente para a dor e a fome!
Do teu berço escrevi nos brancos vimes
O nome de bastardo — impuro nome.

“Por isso agora tua mãe te implora Maria ca lo u -se ... Na fronte do escravo
E a 3509 teus pés de joelhos se debruça. Suor de agonia gelado passou;
Perdoa à triste — que de angústia chora. Com riso convulso murmura; “ Que importa
Perdoa à mártir — que de dor soluça! Se o filho da escrava na campa ju r o u ? !...

“Mas um gemido a 3510 nieus ouvidos soa. “ Que tem o passado com o crime de agora?
Que pranto é êste que em meu seio rola? Que tem a vingança, que tem com o perdão?”
Meu Deus, é o pranto seu que me perdoa., E como arrancando do crânio uma idéia
Filho, obrigada pela tua esmola!” Na fronte corria-lhe a gélida m ã o ...

“ Esquece o p a ssa d o !... Que morra no olvido.


Ou antes relembra-o cruento, feroz!
Legenda de lôdo, de horror e de crimes
E gritos de vítima e risos de algoz!
O SEGRÊDO
“ No frio da cova que jaz na esplanada,
— Vingança — murmuram os ossos dos m eus!”
“Agora vou dizer-te por que 3511 morro;
Mas hás de jurar primeiro, — “ Não ouves um canto, que passa nos ares?
Que jamais tuas mãos inocentes — Perdoa! — respondem as almas nos céus!
Ferirão meu algoz d erradeiro...
Meu filho, eu fui a vítima
Da raiva e o do ciúme. — “ São longos gemidos do seio materno
Matou-me como um tigre carniceiro. Lembrando essa noite de horror e traição!”
Bem vês,
Uma branca mulher, que em si resume — “ E ’ o flébil suspiro do vento, que outrora
Do tigre — a malvadez, Bebera nos lábios da morta o p e r d ã o !...”
Do cascavel — o ra n c o r!...
Deixo-te p o is ... E descaiu profundo
— Um grito de vingança? Em longo m editar..
— Não, pobre c r ia n ç a !... Após sombrio e fero
Um crime a 3512 p erd o ar... o que é m elhor!. Viram-no murmurar:

[8111
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES

“ M ãe! na região longínqua Som ente por vêzes, dos jungles das bordas
Onde tua alma vive, Dos golfos enormes daquela paragem.
Sabes que eu nunca tive Erguia a cabeça surpreso, inquieto.
Um pensamento vil. Coberto de limos — um touro selvagem.
Sabes que esta alma livre
Então as marrecas, em tôrno boiando,
Por ti curvou-se escrava;
O vôo encurvavam medrosas, à t o a ...
E devorou a b a v a ...
E o timido bando pedindo outras praias
E tigre — foi réptil!
Passava gritando por sôbre a c a n o a !...
“ Nem um trem or correra-m e
A face fustigada!
B eijei a mão armada
Com o ferro que a f e r iu ...
Filho, de um pai misérrimo
Fui o fiel r a fe ir o ... O BANDOLIM DA DESGRAÇA
Caim, irmão traiçoeiro!
F e r is te ... e Abel sorriu,
Quando de amor a Americana douda
A moda tange na febril viola,
“ De tanto horror o cúmulo,
O ’ mãe, alma celeste, E a mão febrenta sôbre a corda fina
Se perdoar quiseste, Nervosa, ardente, sacudida rola,
Eu perdoei também.
Santificaste os m íseros; A gusla geme, s’estorcendo em ânsias.
Curvei-me reverente Rompem gemidos do instrumento em pranto. . .
A êles tão somente. Chôro in d iziv el... comprimir de p e ito s ...
S o m e n te ... a 3513 mais ninguém! Queixas, s o lu ç o s ... desvairado canto!

“ Ninguém! que a 3SU nada humilho-mc E mais dorida a melodia arqueja!


Na terra, nem no e s p a ç o !... E mais nervosa corre a mão nas cordas ! . . .
Pode ferir meu b r a ç o ... Ai! tem piedade das crianças louras
— “ Lucas! não pode, não! Que soluçando no instrumento a c o r d a s !...
Misero! a mão que abrira
De tua mãe a c o v a ... “ A i! tem piedade dos meus seios tr ê m u lo s ...”
O golpe hoje re n o v a !... Diz estalando o bandolim queixoso.
M a ta -m e !,.. É teu ir m ã o !... . . . E a mão palpita lhe apertando as fib r a s ...
E fere, e fere em dedilhar n e rv o s o !...

Sôbre o regaço da mulher trigueira, 3517


Douda, cruel, a execução d e lir a !...
Então — co as unhas côr-de-rosa, a moça.
CREPÚSCULO SERTANEJO Quebrando as cordas, o instrumento a t ir a !...

A tarde morria! Nas águas barrentas


As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores sêcas Assim, desgraça, quando tu, maldita!
Ouvia-se um triste chorar de arapongas. As cordas d’alma delirante v ib r a s ...,
Como os teus dedos espedaçam rijos
A tarde m orria! Dos ramos, das lascas, Uma por uma do infeliz as fibras!
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As^ trevas rasteiras com o ventre por terra — Basta — , murmura êsse instrumento vivo.
Saíam, quais negros, cruéis leopardos. •— B asta — , murmura o coração rangendo.
E tu, no entanto, num rasgar de artérias.
A tarde morria! Mais funda nas águas Feres lasciva em dedilhar tremendo.
Lavava-se a galha do escuro ingàzeiro.. 3515
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Crença, esperança, mocidade e glória.
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Aos teus harpejos, — gemebundas m o r re m !...
Resta uma c o r d a ... — a dos amôres p u ro s...
Sussurro profundo! Marulho gigante!
E mais ardentes os teus dedos c o r r e m !...
T al vez um silêncio!... T al vez 3516 uma orquestra.
Da fôlha, do cálix, das asas, do in s e to !...
Do átomo à e s tr é ia ... do verme — à flo re sta !.. E quando farta a cortesã cansada
A pobre gusla no tapete atira,
As garças metiam o bico vermelho Que r e s ta ? ... — úa alma, que não tem mais vida!
Por baixo das asas — da brisa ao açoite; Olhos sem pranto! desmontada l i r a !...
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça c o a s penas da noite!

[812]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

A CANOA FANTÁSTICA Nas verdes canas o gemente rôgo


Ouve-lhe à tarde a tabaroa esq u iv a...
Pelas sombras temerosas E talvez por m a g ia ... à luz da lua
Onde vai esta canoa? Mole a criança na caudal flutua.
Vai tripulada ^518 ou perdida?
Vai ao certo ou vai à toa? Rio soberbo! tuas águas turvas
Por isso descem lentas, peregrinas...
Semelha um tronco gigante Adormeces ao pés das palmas curvas
De palmeira, que s’e s c o a ... Ao músico chorar das casuarinas!
No dorso da correnteza, Os poldros soltos — retesando as curvas,
Como bóia esta c a n o a !... Ao galope agitando as longas crinas.
Rasgam alegres — relichando aos ventos
Mas não branqueja-lhe a vela!
De tua vaga os turbilhões barrentos.
N’àgua o remo não ressoa!
Serão fantasmas, que descem
Na solitária canoa? E tu desces, ó Nilo brasileiro.
As largas ipueiras 3522 alagando,
Que vulto é este, sombrio, 3519 E das aves o côro alviçareiro
Gelado, imóvel na proa? Vai nas balsas teu hino modilhando!
Dir-se-ia o gênio das sombras
Do inferno sôbre a c a n o a !... Como pontes aéreas 3523 — do coqueiro
Os cipós escarlates se atirando,
Foi visão? Pobre criança! De grinaldas em flor tecendo a arcada
A luz, que dos astros coa, São arcos triünfais de tua e s tra d a !...
É teu, Maria, o cadáver.
Que desce nesta canoa?

Caída, pálida, b r a n c a !...


Não há quem dela se d o a ? !... A CACHOEIRA
Vão-lhe os cabelos a 3520 rastos
Pela esteira da c a n o a !...
Mas súbito da noite no arrepio
E as flores róseas dos golfos, Um mugido soturno rompe as tr e v a s ...
— Pobres flores da lagoa. Titubeantes 3524 — no alveo do rio —
Enrolam-se em seus cabelos Trem em as lapas dos titães c o e v a s l...
E vão seguindo a c a n o a !,.. Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?.
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na g a ru p a !...

Quando no lôdo fértil das paragens


Onde o Paraguaçu rola profundo,
O SÃO FRANCISCO O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Longe, bem longe dos cantões bravios. Inquieto êle aspira nas bafagens
Abrindo em alas os barrancos fundos; Da negra suc’riùba o cheiro im u n d o...
Dourando o colo aos perenais estios, Mas já ta r d e ... silvando o monstro v o a ...
Que o sol atira nos modernos mundos; K o novilho preado os ares troa!
Por entre a grita dos ferais gentios,
Que acampam sob os palmeirais profundos; Então doudo de dor, sânie babando,
Do São Francisco a soberana vaga Com a serpente no dorso parte o to u r o ...
Léguas e léguas triünfante alaga! Aos bramidos os vales vão clamando.
Fogem as aves em sentido c h ô r o ...
Antemanhã, sob o sendal da bruma, Mas súbito ela às águas o arrastando
Êle vagia na vertente ainda, Contrai-se para o negro sorvedouro...
— Linfa amorosa — co’a nitente espuma E enrolando-lhe o corpo quente, exangue.
Orlava o seio da Mineira linda; Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.
Ao meio-dia, quando o solo fuma
Ao bafo morto de úa calma infinda. Assim dir-se-ia que a caudal gigante
Viram-no aos beijos delamber 3521 demente — Larga sucuruiúba do infinito —
As rijas formas da cabocla ardente. Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de g ra n ito !...
Insano amante! Não lhe mata o fogo Hórrido, insano, triste, lacérante
O deleite da indígena lasciv a... Sobe do abismo um pavoroso g r ito ...
Vem — à busca talvez de desafogo E medonha a 3525 suar a rocha brava
Bater à porta da Bahiana altiva. As pontas negras na serpente c r a v a !...

[813]
AKXÔNIO DE CASTRO A L V ES

Dilacerado o rio espadanando Qual o murzelo do penhasco à borda


Chama as águas da extrema do deserto. . . Empina-se e cravando as ferraduras
Atropela-se, empina, espuma o b a n d o ... Morde o escarcéu;
E em massa rui no precipício a b e r to ... Um calafrio percorreu-lhe os m ú scu lo s...
Das grutas nas cavernas estourando O vulto recuou 1. . . A noite em meio
O côro dos trovões travam c o n c e rto ... Ia no céu!
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas, 3526
Caém 3527 cie horror no abismo estatelad as...

A cachoeira! Paulo Afonso 1 O abismo!


A briga colossal dos elementos! DESPERTAR PARA MORRER
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos. — “A c o rd a !’
Relutantes na dor do cataclismo — “ Quem mc cham a?”
Os braços do gigante suarentos
— “ E scu ta !”
Agüentando a ranger (espanto! assom bro!)
O rio inteiro, que lhe cai no 3528 ombro! — “ Escuto...”
— “ Nada ouviste?”
Grupo enorme de fero Laocoonte — “ Inda não...”
V ira a Grécia acolá e a luta e s tra n h a !... — “ É porque o vento
Do sacerdote o punho e a roxa fro n te. . . Escasseou.” 3533
E as serpentes de Tênedos em s a n h a !...
— “ Ouço a g o r a ... da noite na calada
P or hidra — um rio! Por áugure — um monte!
P or aras de Minerva — uma montanha! Um a voz que ressona cava e funda
E em tôrno ao pedestal laçados, tredos, E após cansou!”
Como filhos chorando-lhe — os penedos. — “ Sabes que voz é esta?”
— “ N ão! Dir-se-ia 3534
Do agonizante o derradeiro engasgo.
Rouco e s t e r t o r ...”
UM RAIO DE LUAR E calados ficaram, mudos, quedos.
Mãos contraídas, bôeas sem a le n to ...
Alta noite. Êle ergueu-se. H irto, solene, 3529 H ora de h o r r o r !...
Pegou da mão da moça. Olhou-a f i t o ...
Que fundo olhar!
E la estava gelada, como a garça,
Que a tormenta ensopou longe do ninho
No longo mar. LOUCURA DIVINA

Tom ou-a no r e g a ç o ... assim no manto — “Sabes que voz c esta?”


Apanha a mãe a criancinha loura, Ela cismava!...
Tenra a dormir. — “Sabes, Maria?”
Apartou-lhe os cabelos sôbre a testa
Pálida e f r i a . . . E ra talvez a m o r te .. . — “É uma canção de amôres,
Mas a sorrir. Que além gemeu!”
— “ É o abismo, c r i a n ç a !...”
Pendeu-lhe sôbre os lábios. Como treme A moça rindo
No sono asa de pombo, assim tremia-lhe Enlaçou-lhe o pescoço:
O ressonar.
E como o beija-flor dentro do ôvo, — “Oh! não! não mintas. 3535
la-lhe o coração no níveo seio Bem sei que é o céu!”
A titilar. — “Doida! doida! é a voragem que nos chama!.. . ”
— “Eu ouço a Liberdade!”
M orta não era! Entanto um rir convulso — “É a morte, infante!
Contraíra as feições do homem silente
— Riso fatal. — “Erraste. Ê a salvação!”
Dir-se-ia que antes a quisera rija, 3530 — “Negro fantasma é quem me embala o esquife!”
Inteiriçada pela mão da morte, 3531 — “Loucura! Ê tua M ãe... O esquife é um berço,
H irta, glacial! Que bóia n’amplidão!.. ”
Um momento de bruço sôbre o abismo — “Não vês os panos d’água como alvejam
Ele, embalando-a, sôbre o rio negro Nos penedos?.. Que gélido sudário
Mais s’in clin o u ... O rio nos talhou!”
Nesse instante o luar bateu-lhe em cheio, — “Veste-me o cetim branco do noivado...
E um riso à flor dos lábios da criança Roupas alvas de prata... alventes dobras...
A 3532 flux boiou! Veste-me!.. Eu aqui estou!”
[814]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

— “Já na proa espadana, salta a espuma...” À BEIRA DO ABISMO


— “São as flores gentis da laranjeira
Que o pego vem nos dar... E DO Infinito
Oh! névoal Eu amo teu sendal de gaze!...
Abram-se as ondas como virgens louras, A celeste Africana, a virgem — Noite
Para a esposa passar!... Cobria as faces... Gôta a gôta os astros
“As estréias palpitam! — São as tochas! Caiam-lhe das mãos no peito seu...
Os rochedos murmuram!.. — São os monges! Um beijo infindo suspirou nos ares...
Reza um órgão nos céus!
Que incenso! — Os rolos que do abismo voam!
Que turíbulo enorme — Paulo Afonso!
Que sacerdote! — D eus...” A canoa rolava!... Abriu-se a um tempo
O precipício!., e o céu !...
5'ant(i I s a b e l, 12 d e J u lh o d e 1870.
R o s á r io d o O ro b ó . (3536)

[ 815
U
Viî'
NOTAS
o r ig in a is e d e o r g a n iz a ç ã o

Reunimos tôdas as composições esparsas de M anoel de 55. Acre.sccntamos a crase.


A ra ú jo Pôrto-A Iegre, que não foram in cluídas nas B ra ­ 56. redemiu
silianas, e vêm insertas na ordem de sua publicação. 57. Sic.
T ôdas elas são encontradas na B iblioteca N acional do 58. dicemos:/ A forma em c por ss , na conjugação do ver­
Rio de Janeiro. bo dizer e seus compostos, é única em Pôrto Alegre.
Publicada in M odulações/ P o é tic a s./ Precedidas de hum/ 59. falça.
bosquejo da historia da poesia brasileira,/ per/ Joaquim 60. amazonca,
Norberto de Souza S ilv a ./ E st quadam prodire tenus, 61. campos,
si non datur u ltra . / H o r a tiu s ./ R io de J a n e iro ./ Typo- 62. Os esparsos aqui transcritos foram coligidos pelo Pro­
graphia F ranceza, R u a de S . José N . 6 4 ./ 1 8 4 1 ./ fessor José Aderaldo Castelo que, tomando por base a
3. ingenho edição de Regueira Costa (Recife, 1905) e confrontan
4. imporio do-a com outras publicações existentes, os reuniu, com
5. insenço. as suas variantes e cm ordem diversa, no volume “ Ma
6 . Rediculo ciei Monteiro”, a publicar-se.
7. Publicada in M in erv a B r a s ü ic n s e , R io de Janeiro, tomo 63. Na impossibilidade de encontrarmos em São Paulo a
1, páginas 301 a 305. edição de Leipzig de 1857, sem dúvida a melhor, e na
8. A q u i em sonho clyseo, em almo arrobo, qual se basearam tôdas as outras edições alemãs, ser­
9. S ic. vimo-nos de um exemplar da quarta, de 1865, pertencen­
10. flexas. te à Biblioteca Municipal. Êsse exemplar não traz fô-
11. Sem a crase no o rigin al. Iha de rosto no primeiro tomo e se acha incompleto, com
12. Sic. Sòm ente conhecemos as g ra fia s secure ou segure. várias páginas arrancadas, para as quais nos valemos
13. m y r rh a . da edição seguinte, de 1877 (Cantos./ Collecção de Poe­
14. caitutú. sias/ de/ A. Gonçalves Dias./ Quinta edição./ (Dois
15. A crescentam os o ponto final. tomos) Com o retrato do Autor./ Leipzig;/ F . A.
16. G iguitibá medonho na stru etu ra; Brockhaus./ 1877./
17. Sem a v írg u la no fin a l do verso . 64. por que
18. eq u in o xio . 65. previnindo-nos,
19. dissidenta 66. A rtigo publicado na Revista TJnivarsal Lisbonense. Tom.
20 . G roelandia/ D o cabo das torm entas V I I . pág. 5 — ano de 1847-1848./ Nota do Autor.
21. soster 67. amortalhar-mos
22 . orgãos 68. por que
23. disparecem ! 69. desinvolve,
24. A crescentam os a v írgu la. 70. Sem crase.
25. Publicada in M in e r v a B r a s ü ie n s e , R io de Janeiro, tomo 71. tem
1, páginas 333 a 334. 72. tem/ Idem no verso anterior.
26. Sem o ponto final. 73. T a c a p e , arma ofensiva, espécie de maça contundente,
27. m ix tiço / T ô d a s a s o u tra s vêzes vem g r a fa d o : m istiç o . usada na guerra e nos sacrifícios. A etimologia desta
28. A c re s c e n ta m o s a c ra se , palavra indica que os índios os endureciam ao fogo, co­
29. de n a tu r a . mo costumam fazer aos seus arcos: T a tá -p e quer dizer
30. Sem v irg u la no origin al, “no fogo”./ Nota do Autor.
31. perforado 74. frexa/ Vem grafado com x tôdas as vêzes que apare­
32. D ’ esta arte ce até os Últimos Cantos. V. nota 296.
33. Publicada in M in e r v a B r a s it ie n s e , R io de Janeiro, tomo 75. B o r é , instrumento músico de guerra; dá apenas algu­
2 páginas 433 a 434. mas notas, porém mais ásperas, e talvez mais fortes
34. de x ó fre que as da Trompa./ Nota do Autor.
35. espande. 76. Vide nota 74.
36. A c re s c e n ta m o s a v ír g u la . 77. P ia g a , piagé, piaches, piayes; os autores portugueses es­
37. a v a n te creveram p a g é , como em verdade ainda hoje se diz no
38. disperta Pará. Era ao mesmo tempo o sacerdote e o médico, o
39. Sem a erase no original. áugure e cantor dos indígenas do Brasil. (Veja-se a
40. Sem a v írgu la. nota correspondente nos Últimos Cantos, de n.® 277.)/
41. Publíeado ín O sten so r B r a s ile ir o , R io de Janeiro, tomo
Nota do Autor. A indicação é pelo número de página.
1, páginas 358 a 360. 78. A n h a n g á , gênio do mal, o mesmo que Lery chama A ig n a n
42. c o rse is, c Hans Staden I n g a n g e .j Nota do Autor.
43. florecera 79. Manitôs, uns como penates que os índios da América do
44. brasileo. Norte veneravam. O seu desaparecimento augurava gran
45. des calamidades às tribos, de que êles houvessem deser­
Publicados, sem assinatu ra, in G u a n a b a r a , R io de J a ­ tado./ Nota do Autor.
neiro, tomo 2, 1854, págin a 262. 80. Sem que dos irmãos ouvisse o canto,
46. bolço.
47. 81. Aqui, como no primeiro verso, está C a ch ia s.
Publicado in G u a n a b a r a , R io de Janeiro, tomo 2, 1854, 82. semilhava
página 308. 83. A edição de 1865 não traz crase.
48. P u b lica d o in R e v is t a P o p u la r , R io de Ja n e ir o , tom o 2 , 84. milhores
1859, p á g in a s 114 a 118. 85. teritar
49. Humbold/ A s duas v êze s que aparece, 86. Está a lç a d a . Corrigido para a lç a d o na errata da 1.* edi­
50. simelha, ção. Vide edição de Manuel Bandeira, tomo 1, pág. 58.
51. iriçadas/ A dian te, 7.» verso : extirpe 87. tão bem;
52. Testim unha 88. involto
53. O origin al traz g u a u , que é uma dança indígena. C re ­ 89. O Autor sempre grafa ex ta s is .
mos tratar-se de um êrro de revisão, pois o A u to r logo 90. Tem
abaixo alude a a is in c o m p r e e n s ív e is . 91. Está A v e s e s , êrro tipográfico corrigido na edição de 77.
54. Publicação avulsa, de quatro páginas, im pressa em 1862 Nos versos seguintes, onde aparece a locução, falta sem­
na T ip o g ra fia de P aula Brito. pre a crase.

[817]
NOTAS

92. caprixosa 168. involto/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144 e 151.
93. conxinha No verso seguinte: involta
94. expreme 169. tão bem
95. simelhando 170. á cahir
96. Substituímos a vírgula, que vem nas edições de 65 e 77. 171. Tão bem
por ponto e vírgula. 172. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151 e 168.
97. tão bem 173. Nas edições de 65 e 77 falta p or, que vem na de 48.
98. corsel/ Ê a grafia única era Gonçalves Dias. 174. tão bem
99. tão bem 175. Está ponto e virgula.
100. A edição de 65 não traz crase. 176. vem
101. Involta/ V. nota 88. 177. Nas edições de 65 e 77 falta em , que está na 1.*, de 48.
102. caprixo/. V. nota 92. 178. Está conforme a 1.* edição. As de 65 e 77 trazem pon­
103. As portas/ A edição de 77 traz crase. to e virgula.
104. Sem vírgula, nas duas edições consultadas. 179. Vem ponto e vírgula. A 1.* não traz pontuação.
105. vi,/ A edição de 77 não traz vírgula. 180. As três edições consultadas não trazem aspas,
106. Sem aspas. 181. vã gloria.
107. Está com crase. 182. Está ponto e vírgula, e não vírgula como na 1.“ edição.
108. Ego sum qui sum./ Nota do Autor. 183. A edição de 77 traz ponto e vírgula em vez de vírgula
109. Tão bem como vem na 1.*.
110. Sem crase. 184. Tão bem
111. Seguimos a pontuação da edição dc 77. A de 65 traz: 185. Está ponto e vírgula. A l . * vem com vírgula.
Pouco a pouco enfraquecia:/ Do dia ao tenue clarão,/ 186. Se quer
112. corsel, “)/ Et ecce equus pallidus, et qui sedebat super 187. simelha
illum nomen illi Mors. APOC., c. VI./ Nota do Autor. 188. Por que involto
113. Este verso, por êrro tipográfico, não vem nas edições 189. Reivendique
de 57, 60, 65 e 77 que repetem o anterior. Vide edi­ 190. Somente a edição de 77, em ambos os casos, não traz
ção de Manuel Bandeira, tomo 1, pág. 123. crase.
114. L yra; 191. As três edições consultadas trazem ponto,
115. Hardidos 192. remecher
116. Está ponto e vírgula. 193. á aquella,
117. involtos;/ V. notas 88 e 101. 194. A ’ quem
118. Sem crase. 195. Sômente a edição de 77 traz crase.
119. Sem travessão. 196. Sem vírgula, nas três edições.
120. Sem crase. 197. Por que
121. diche 198. Tão bem
122. As edições de 65 e 77 trazem f ir m a , êrro tipográfico. 199. Paroxitono no texto, cm vista da acentuação na 3.*
123. Na edição de 65 está: Oh doze/ Na de 77: Oh doce/ silaba dos versos anteriores,
124. tão bem 200 . tão bem
125. Sem o ponto de interrogação. 201 . tão bem/ Tôdas as oito vêzes que aparece na poesia,
126. enchugar 202 . a par/ Nas três edições consultadas,
127. envolucre/ A edição de 77 traz en v o lu c ro , 203. tão hem ?
128. tão bem 204. Expraiados
129. senho 205. Ces Tobaiares qui réclamaient l’antériorité dans la do­
130. progrede/ Na edição de 77 está p r o g r id e . mination du pays, et qui se donnaient un titre
131. A edição de 65 não traz crase. équivalent à celui de seig n eu rs d e la con trée. Ferdi
132. vem nand Denis.
133. vem/ No verso anterior: vêm “Tobajaras são os índios principais do Brasil e pre­
134. pontagudo tendem élcs serem os primeiros povoadores e senho­
135. Porque res da terra. O nome, que tomaram, o mostra; por­
136. A edição de 65 não traz crase. que y a ra quer dizer senhores, tobá quer dizer rosto;
137. involto/ V. notas 88, 101 e 117. e vem a dizer que são os senhores do rosto da terra,
138. Proparoxítona no texto. No verso seguinte: involta/ que éles têm pela fronteira do marítimo em compara­
139. al ção do sertão.” Padre SIM.AO D E VASCONCELOS.
140. A edição de 65 não tr.az crase. Noticias do Brasil. L. 1. n. 156. Escrevendo Tobajaras
141. arremeção; segui, por ser mais eufônico, a ortografia do Padre
142. por que Vasconcelos. Convém todavia confessar que se não de­
143. Por que veria dizer T o b a ja r a s , como êste Cronista, mas Taba-
144. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137 e 138. ja r a s ou T ab aiaras, com Ferdinand Denis, o que mais
145. Proparoxítona no texto. se conforma com a etimologia, “Taba e Iara ou Y ara.”
146. Por vesperina araiem Tabajaras é literalmente como se disséssemos os se­
147. tem nhores ou dominadores das Aldeias.
Por isso mesmo que os Tobajaras ocupavam o litoral,
148. erriças é de supor que êles fôssem antes os conquistadores,
149. tão bem que os primeiros povoadores do pais. Os conquistado­
150. Tão bem res como homens que eram, carentes das mais simples
151. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138 e 144. noções da agricultura, deveriam de preferência esco­
152. Está, como no verso seguinte, tã o b em . lher as praias como mais mimosas da natureza e mais
153. vividouro, fartas, recalcando assim para o centro das matas os
154. disfere íncolas primitivos do pais. É isto o que sabemos da
155. solidões história de todos os povos bárbaros. Os Tobajaras por­
156. O Prólogo não vem publicado nas edições de 65 e 77. tanto dominaram pela conquista e quadra-lhes ôtim.i-
Transcrevemo-lo da 1.* edição. Segundos Cantos/ e/ mente o nome que tomaram de senhores das aldeias —
Sextilhas de Frei Antão./ Por/ A. Gonçalves Dias./ T o b a ja r a s ./ Nota do Autor. As edições de 65 e 77
Rio de Janeiro./ 1848./ trazem ponto e vírgula no final do verso, ao invés de
No verso: Typograpia (sic) Classica/ de José Ferreira exclamação como está na 1.*.
Monteiro./ Rua d’Alfandega N. 84./ 206. Dizem uns Potiguares ou Petiguares, outros Pitigoares.
157. extreitar Dêles escreve o Padre Vasconcelos:
158. semilhantes “ Era segundo lugar (d ep o is dos T o b a ja ra s) os Potigua­
159. A aquelles res foram sempre índios de valor, e se fizeram estimar
160. Está com crase. pelas armas, que por longos anos moveram contra os
161. por que Tobajaras: nas quais tiveram encontros dignos de his­
162. por que tória; porém não me posso deter em contá-los... pu­
163. tão bem nham em campo vinte até trinta mil arcos.” — Not.
164. D ic tá m o é como está nas edições de 65 e 7 7 . do Brasil. L. 1. n. 157./ Nota do Autor.
Na 1.* vem sem acento. 207. Falta, nas edições de 65 e 77, o artigo que vem na de 48.
165. equuleo; 208. tão bem
166. As edições de 65 e 77 trazem: extorso com deres!/ 209. hardido,
Na 1.* está: extorso-me com dores!/ 210. destingue
167. simelha 211. Qu’indicisa

[ S18 ]
NOTAS

212. tão bem 261. Na la. edição vem grafado: também/


213. Proparoxítona no texto. 262. Está conforme a edição de 48. As de 65 e 77 trazem
2M. Treplica vírgula depois de Vê.
215. Tão bem 263. Quanto à forma em c na conjugação do verbo d iser,
216. involve/ Cf. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, vide nota 58, em Pôrto-Alegre.
168, 172 e 188. 264. vestia,/ Nas edições de 65 e 77.
217. Com crase, nas edições de 48 e 65. 265. Está conforme a la. edição. P o r ta l’g re é como vem
218. As edições de 65 e 77 trazem U krain a . nas de 65 e 77.
219. Virgula é como está na 1.*, e não ponto como nas 266. Cabia/ Nas edições de 65 e 77.
edições de 65 e 77. 267. As edições de 65 e 77 trazem elles.
220 . Craseado nas edições de 48 e 65. 268. Está ponto e vírgula na la. edição. As de 65 e TI
221 . Sem crase, nas três edições. não trazem pontuação
222 . Na edição de 65 está: Locullo,/ 269. Na edição de 48 está: quammando/
223. Sem crase, 270. Em 1851 na tipografia do sr. Paula Brito./ Nota do
224. impece: Autor.
225. Nas edições de 60, 65 e 77 não bá ponto depois de 271. infermo,
m a c ilen to , no verso anterior, e está e em vez de é, 272. Sem crase.
como aparece na de 57. Vide Manuel Bandeira, O b ra s 273. á praias
P o é t ic a s d e A . G o n ç a lv es D ia s , tomo 1, pág. 329 274. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151.
226. Simelha 168, 172, 188 e 216.
227. Entre este verso e o anterior, nas edições de 65 e 77, 275. enchugar
há .separação de estrofes. 276. Alguns dos principais montes da enseada do Rio de
228. Siraclhas Janeiro parecem aos què vêm do Norte ou do Sul
229. A edição de 77 fecha aspas e não traz crase no princí representar uma figura humana de colossal grandeza:
pio do verso anterior. éste capricho da natureza foi conhecido dos primeiros
230. A edição de 65 não traz travessão. navegantes portugueses com a denominação de “frade
231. Em vista da grafia do texto pode ser também p o d erã o . de pedra”, que agora se chama “o gigante de pedra”.
Preferimos p u d e ra m , considerando a eufonia do verso — Àquele objeto se féz esta poesia./ Nota do Autor.
e a correlação temporal com o q u e b r a r a anterior. Está vem , sem circunflexo.
232. Na edição de 65 vem: Extreitar-me/ 277. T am oios eram os primeiros habitantes do Rio. — P ag és
233. Simelha eram os sacerdotes, os áugures, os médicos dos indí­
234. As edições de 65 e 77, por êrro tipográfico, não trazem genas de todo o litoral do Brasil — os mesmos a que
tin h a. Adiante, penúltimo verso da estrofe, trazem a n i­ nos “ Primeiros Cantos” dei o nome de piagas. Eis o
m a v a e não a m im a v a , como está na edição de Manuel que naquela obra escrevi a éste respeito (nota 77)
Bandeira, tomo 1, pág. 356. — “ Piagé —- Piache — Piaye ou Piaga, que mais
235. remeche se conforma à nossa pronúncia, era ao mesmo tempo
236. S ic , nas edições de 65 e 77. A de Manuei Bandeira, o sacerdote e o medico, o áugure e o cantor dos indí­
tomo 1, pág. 357, traz: Um devaneio, um êxtasis sem genas do Brasil e de outras partes da América. ”
têrmo/ E era outra nota .acrescentei: “ Eram anacoretas auste­
237. armoniosa, ros, que habitavam cavernas hediondas, nas quais, sob
238. escarneo? pena de morte, não penetravam profanos. Vivendo
239. Somente a edição de 77 traz crase. rígida e sobriamente, depois de um longo e terrível
240. cymiterios novieiado, ainda mais rígido que a sua vida, eram êles
241. tem um objeto de culto e de respeito para todos; — eram
242. Os vocábulos que emprego nestas sextilhas se acham os dominadores dos chefes — a baliza formidável,
todos no Dicionário de Morais, bem que as mais das que felizmente se erguia entre o conhecido e o desconhe­
vêzcs no sentido antiquado. É assim que uso de “po­ cido —- entre a tão exígu,a ciência daqueles homens, e
rém, porende” em vez de “ por isso” ; de “ perol” em a desejada revelação dos espíritos.” — Hans Staden
vez de “porém”; de “ora, embora” em vez de “agora, escreve P a u g i; P a y é lé-se em uma das obras do Padre
em boa hora” etc./ Nota do Autor. Vasconcelos, nome que também lhes dá Laet na sua
243. As edições de 65 e 77 não trazem virgula depois de “ Descrição das índias ocidentais”. Léry e Damião de
p r o p o r , como está na 1.*. Góis e.screvem P a g e, ^ ortografia que agora adotamos./
244. Nota do Autor. A indicação é feita pelo número da
D ig a é como está nas edições de 65 e 77; a de 48 traz página.
D igo.
245. 278. M u rém u ré escreve o Padre Vasconcelos nas suas “Noti­
Esta como na edição de 48 ; as de 65 c 77 trazem b r e ­ cias Curio.sas” : colige-se que é um instrumento feito de
v iá r io .
246. ossos de defuntos, como alguns outros, de que sc ser­
Sem vírgula nas edições de 65 e 77. viam./ Nota do Autor.
247. A vírgula depois de le r d e s só vera na edição de 48.
248. 279. G uanabara — a ense.ada do Rio de Janeiro. — Escreve-
Em vez de admiração como está na 1.» as edições de se indiferentemente Genabara ou Ganabara. Léry diz
65 e 77 trazem ponto. na ^sua obra **H istoire d ’un voyàge fa it en la ter re du
249. Nas edições de 65 e 77 está d *a lftm . B r é s il" en ceste r e v iè r e d e G anabara. Southey {H istory
250. As edições de 65 e 77 trazem esta estrofe entre aspas, o f B ra z il) acrescenta em uma nota, que Nicolau Barré
e a de 48 fecha-as, sem contudo abri-las. datava desta maneira as suas cartas: A d flu m cn G ena­
251. As très edições con.sultadas trazem v o s em lugar de v ó s. bara in B ra silia e tc ./ Nota do Autor.
252. Vem b lo a ti , nas edições de 65 e 77, e não bolati* como
280. Guau — dança. “ São mui dados a saltar e dançar de
na 1.». diferentes modos, a que se chamam guau em geral.”
253. propio/ Nas edições de 65 e 77. VASCONCELOS. Notícias Curiosas L. 1. — n. 143./
254. voz/ Nas edições de 65 e 77. Nota do Autor.
255. Diz a Princesa D. Joana: 281. Ig a r a s — eram canoas, feitas de ordinário de um só
“Qu’eu tenha escravos, e mouros, toro de madeira./ Nota do Autor.
“ Rainha de Portugal.” 282. Ja n ú b ia — Léry escreve diversamente: d es cornets,
A Crônica de Cister também diz, falando da Princesa q u ’ils nom m ent inu bia de la grosseu r et longueur d ’une
p. Teresa, filha de Sancho I : d em ie p iqu e, m ais p a r le bout d ’em bas larg es d ’environ
“Viuendo a santa ra y n h a , foy Deos servido levar para un dem i p ied com m e un hautbois. — O bra cit. pág.
si a el-Rey seu pay, a quem succedeo no reyno dom 202./ Nota do Autor.
Afonso o segundo do nome. " 283. Quanto
“Raynha (diz Fr. Luiz de Souza) lhe chamão as 284. hardido
historias antigas, que era o titulo com que então se 285. A razóia era o fraldâo de penas, moda entre élcs. Laet
tratavam as filhas dos reys. ” — H. de S. D. — L. chama assoyave a uns mantos inteiros: não sei de que
1. C. 11./ Nota do Autor. mantos quer o autor falar. Hans Staden (coleção de
Vera grafado: tã o b e m / Ternaux pág. 108) dá o mesmo nome a uma espécie
256. Nas edições de 65 e 77 vem f e r r a d o ; fo r r a d o é como de cocar préso ao pescoço e passando além da cabeça,
está na de 48_ conquanto a é.ste ornato Léry dé o nome de Yenpcnam by.
257. As edições de 65 e 77 trazem dois pontos em vez de Quanto à arazóia, eis o que se lé na obra já citada
ponto e virgula como está na la. déste autor (pág. 103): P ou r la fin de leu rs esqu ippages,
258. Está conforme a la. edição. D e é como vem nas de reeou vran s de leu rs voisin s d e gran des plum es d ’austru-
65 e 77. cites, de couleu rs g rises, accom m odons tous les tuyau.r
259. gozes/ Nas edições de 65 e 77. serrez d ’un costé, et le reste qui s ’esparpitle en ronde
260. As edições de 65 e 77 trazem D e. en fa ço n d ’un petit pavillon ou d ’une rose, ils en fon t

[819]
NOTAS

un grand pennache, qu ’ils appellent araroye: le quel 298. As edições de 65 e 77 trazem exclamação,
estant lié sur leurs reins avec une corde de cotton, l'es- 299. tem/ Sem acento êste e o anterior,
troit devers la chair, et le large en dehors, quand ils 300. cactos
en sont enharnachez etc./ Nota do Autor. 301. Os indigenas chamavam ao beija-flor “ Coaracyaba ”
286 O título desta poesia, traduzido literalmente da lingua “ raios”, ou mais literalmente “ cabelos do sol./ Nota
tupi, vale tanto como se em português disséssemos “o do Autor.
que há de ser morto, e que é digno de ser morto”./ 302. Quem
Nota do Autor. 303. extenção;
287 Taba — aldeia de índios, composta de diferentes habi­ 304. Sem acento.
tações, a que chamavam ocas. Quando estas habitações 305. A mãe d’água é uma náiada moderna, um espirito que
se achavam isoladas, ou fossem levantadas para o abrigo habita no fundo dos rios. Acredita-se em muitas partes
de uma ou já para o de muitas famílias, tomavam o do Brasil que é uma mulher formosa com longos cabe­
nome de Tejupab ou T eju p ab as./ Nota do Autor. los de oiro, que lhe servem como de vestido, com
288. Tiynbiras — tapuias, que habitam o interior da pro­ olhos que exercem inexplicável fascinação, e voz tão
víncia do Maranhão./ Nota do Autor. harmoniosa que ninguém, que a escute, resiste à ten­
289. Por êste_ ato declaravam firmadas as pazes. Vieira tação de se atirar às águas para que mais de perto a
faz menção desta solenidade quando, em uma informa­ ouça e contemple. O mesmo que as sereias, tem sobre
ção ao monarca português, se ocupa da aliança feita elas a vantagem de serem criaturas de formas per­
entre os missionários por parte dos portuguêses e dos feitas, e delas se distinguem em fascinarem tanto com
Mhe-engaybas de Marajó./ Nota do Autor. o brilho da formosura, como com a doçura da voz de
290. A descrição das cerimônias, com que êles usavam matar atraircra principalmente os meninos./ Nota do Autor.
os seus prisioneiros de guerra, é rigorosamente exata, 306. Semilhantes
ainda que não adotamos dos autores senão aquilo em 307. concelho
que todos ou a maior parte concordam. Veja-se H.ans 308. As edições de 65 e 77 não trazem, por êrro tipográfico,
Staden cap. 28 — dos usos e costumes dos Tupi- a preposição de.
nambás. — Noticias do Brasil cap. 171 e 172. Noticias 309. Remeche
Curiosas L. 1. n. 138 e Léry cap. XV./ Nota do Autor. 310. Havia travessão que suprimimos e o acrescentamos ao
291. Chamava-se muçurana a corda com que se atava o verso igual da estrofe seguinte.
prisioneiro. “ E t une longue corde nom m ée massa- 311. Com letra minúscula,
rana, avec laquelle ils les attachent (les captifs) quand 312. perilampos,
tls doivent être assonnées." (H. Staden, pàg. 300.) 313. anginho,
Musurana escreve_ Ferdinand Denis, acrescentando que 314. enchergas
era feita^ de algodão. É possível que em algumas tribos 315. Involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151
fosse feita desta matéria, mas convém notar que na 168, 172, 188, 216 e 274.
maior parte delas era uso fabricarem-se cordas de 316. Tem
embira./ Nota do Autor. 317. Acrescentamos a virgula.
292. 318. Sem crase.
A maça do sacrifício não era o mesmo que a ordinária, 319. Co.m crase,
e tinha mais a diferença dos ornatos que se lhe juntava' 320.
e do esmêro com que era trabalhada. Lavravam é cscarneo
321. Acrescentamos a virgula.
pintavam todo o punho — embargadura, como o chama- 322. anginho/ V. nota 313.
desenhos e relevos a seu modo curiosos, 323.
e dela deixavam pendente uma borla de penas delicadas Quem a vê, que sorrindo as não enchuga?
e de cores diferentes sendo a fôlha ornada de mosaicos. 324. Substituímos a virgula existente nas edições de 65 e
Pintam (diz H. Staden, pág. 301) a maça do 77 por ponto e virgula.
sacrifício, a que chamam iverapem e, com a qual deve ser 325. anginho,/ V. notas 313 e 322.
sacrificado o prisioneiro: passam-lhe por cima uma ma­ 326. Simelha
teria viscosa, e tomando depois a casca dos ovos de 327. Está ponto e virgula em vez de admiração.
um passaro chamado M ackukava de côr parda escura 328. Substituímos o ponto existente nas duas edições con­
^duzem-nas a pó, e com éle salpicam tôda a maça. sultadas por dois pontos,
Preparada a iverapeme, e adornada de penas, suspen- 329. encherga
<=®bana inabitada, e cantam em redor 330. expraiarão
dela toda a noite.” — Ferdinand Denis, acrescentando- 331. As edições de 65 e 77 trazem voa, evidente êrro
-Ihe o artigo francês, escreve L iverapem e, que diz ser tipográfico.
feita de pau-ferro e com mosaicos de diferentes cores. 332. Nas duas edições está virgula em lugar de admiração.
Vasconcelos da-lhe o nome de Tangapema, que é o 333. Por que
termo do dicionário brasiliano./ Nota do Autor. Vem 334. Ambas as edições trazem virgula.
grafado massa, 335. Talvez irrita a dôr, talvez a acalma.
293. A 336. D ’entorno
294. Enduape — fraldão de penas de que se serviam os 337. tréplica
guerreiros: damos a denominação de arazóia a aquéles 338. Acrescentamos a virgula.
de que usavam as mulheres. “ Ils fon t avec de plumes 339. tem
d autruches une esp èce d ’ornem ent de fo rm e ronde 340. Sic. por múmia.
qu tls attachent au bas du dos, quand ils vont à quelque 341. Substituímos o ponto e virgula de ambas as edições
Oiande fe t e : tls le nomment enduap.” . H . Staden Pág por virgula.
sem lhe dar nome 342. Cede
algum esp^ial. Pela cintura apertam uma larga zona: 343. extasis,
desta pende ate os joelhos um largo fraldão a modo 344. repellas,
trágico, e de tao grande roda como é a de um ordi 345. encherga,
i5f7° j ’ Noticias Curiosas L. 1. n. 129 / 346. A edição de 65 traz dois pontos e a de 77 admiração.
Nota do Autor. '
295. 347. Simelha
Comíor — é o nome do penacho ou cocar, de que usavam 348. A edição de 65 traz dois pontos e a de 77 ponto,
os guerreiros de raça tupi, quando em marcha para a 349. erriça
guerra, ou se aprestavam para alguma solenidade, d’im 350. Está craseado.
portancia igual a^ esta. “ Ils ont aussi d ’habitude de 351.
s atacher sur la tete un bouquet de plum es rouges qu’ils Falta não nas duas edições consultadas.
352. Sem crase.
nomment K a m lta rc” . (H. Staden). - Usam de umas 353.
coroas a que chamam acanggetar (L aet). Os primeiro'= A edição de 65 não traz o artigo a, existente na de 77.
portugueses escreveram acangatar, que literalmeiite quer 354. Indesculpável descuido seria deixar de mencionar o
^ zer: enfeite ou ornato da cabeça”./ Nota do Autor. nome do Sr. D. Carlos Guido, a quem devo ter com­
296. Passa O Autor a grafar, daqui em diante, corretamente, posto a poesia que tem por titulo “ Retratação”. Foi
frccha. Vide notas 74 e 76. êste o ensejo. Poucos dias depois de publicados os
297. “ Segundos Cantos”, recebi uma carta do Sr. Guido:
Encontramos na “ Crônica da Companhia” um trecho era uma crítica, mas crítica benévola, cheia de entu­
que explica a significação desta palavra, e a idéia siasmo, escrita sem pretensão alguma e ao correr da
desta breve composição.
pena. Agradou-me, porque me agrada sempre conversar
“Tinha certa velha enterrado vivo um menino, filho com os meus amigos, e era um amigo que me escrevia,
ae sua nora, no mesmo ponto era que o parira, por ser um poeta talentoso, que então pela primeira vez se
filho a que chamam “ marabá” que quer dizer de mis- me revelava como tal, — jovem entusiasta, e cujo
tura (aborrccivel entre esta gente). VASCO N CELO S, coração é como uma pedra de toque da mais esquisita
Cr. da Comp., L. 3. n. 27./ Nota do Autor. sensibilidade.

[ 820 ]
NOTAS

Tendo percorrido com a sua análise algumas das 398. Está conforme a edição de 77; a de 65 traz: Porque
composições do meu 2.° volume, acrescentava êle: 399. Craseado sómente na edição de 77.
“Dir-se-ia que a sua palinódia é um chuveiro de 400. Sic.
pedras cristalizadas, agradáveis de se ver, porque são 401. As duas edições trazem crase.
prismas, que refletem as mais pronunciadas, fortes e 402. Involtos/ V. nota 397.
soberbas cõres; porém que deviam converter-se em 403. De quem máo grado,
instrumentos terriveis de vingança, quando chegassem 404. Floresce
até a mesquinha mulher, a quem fôssem dirigidos como 405. derramadas
um anãtema fulminante. 406. involta/ V. nota 397.
“ Se eu não tivesse tanta confiança nos instintos do 407. Sem crase.
coração, que o levam a exalar o seu amor só onde 408. encherga
acha fogo, fidelidade e caricias, pensaria talvez que 409. Falta a crase.
aquela mulher existe, e então eu faria ao poeta amargas 410. Acrescentamos a crase.
reflexões sóbre a crueldade, de que usou para com 411. Q’enxerga
ela. ” 412. Talvez tãobem nas folhas q’engrina1do
Aceitei a censura, e dirigindo-me ao Sr. Guido escrevi 413. craneo
a Retratação, versos filhos daquele momento, e ins­ 414. Tingidos
pirados pela leitura recente da sua carta. Se algum 415. Q ’hei-de certo
apreço dêles faço na atualidade, é por ter feito vilírar 416- D ’escarneo
a lira doirada do poeta argentino. Cor.suelo foi o titulo 417. hardido,
que deu aos seus versos, e era efetivamente um canto 418. craneo
de consolação e de esperança: perdi há muito o autó­ 419. c’o
grafo dos versos do Sr. Guido; mas o sentido, a 420. Sem aspas.
suavidade, a sentida simpatia do seu canto, êsses me 421. Está ponto.
ficaram no coração. — Consolações e esperanças! — 422. por que
Doces são, por certo, as lágrimas, que sôbre nós derra­ 423. Sem vírgula.
mam os olhos de um amigo, ainda que não acreditemos 424. Fechamos aspas.
no raio de esperança, que êle s’esforça por entranhar 425. erriça
em nossa alma. Eficazes foram as suas consolações; 426. caitetus,
mas ainda mal que os seus votos não tenham de ser 427. q’inda argumentão.
realizados nunca!/ Nota do Autor, onde se lê Indis- 428. Ã medo rumoreja, — á medo o rio
culpavcl e há vírgula logo depois de seria. 429. Simelha
355. Dormido 430. ardiz
356. producido 431. Sem aspas.
357. corsel/ V. notas 98 e 112 432. Está ponto de interrogação.
358. Sem a virgula. 433. Falta a crase.
359. Acrescentamos a virgula. 434. deligentes
360. As edições de 65 e 77 trazem admiração cm lugar de 435. Acrescentamos as aspas.
ponto e virgula. 436. Sem crase.
361. expraia/ V. nota 330. 437. Está ponto, em vez de dois pontos.
362. Está ponto e virgula. 438. A edição original traz transtormadas, êrro tipográfico.
363. Suprimimos a virgula existente em ambas as edições. Manuel Bandeira preferiu em sua edição (V . pág. 277,
364. tem 2.“ tomo) transform adas, do que divergimos.
365. Oxitona no texto, as três vêzes que aparece na poesia. 439. Está ponto.
366. Craseado sómentc na edição de 77. 440. golosa,
367. Substituimos o ponto e virgula existente por virgula, 441. Acrescentamos a virgula.
em observância ao verso igual da 3.a estrofe a seguir. 442. ü disc-o!
368. Qu’invida 443. A edição original abre aspas.
369. involtas/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 444. Gentiz
168, 172, 188, 216, 274 e 315. 445. Com crase.
370. Sem crase. 446. impedrada:
447. Por que
371. E.stá conforme a edição de 77. A de 65 traz ponto 448. Sem a vírgula.
e virgula. 449. Fervia o mar cm fogo a meia noite / E ’ como vem
372. Ambas as edições abrem estrofe no verso seguinte, na edição original (pág. 49) e na de Manuel Bandeira
ficando êste na anterior. (2.® tomo, pág. 284).
373. Está ponto e virgula. 450. por que
374. S ’involve/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 451. hardimonto,
168, 172, 188, 216, 274, 315 e 369. 452. enchergão;
375. Tanto na edição de 65 como nas anteriores (V. ed. 453. serailhando:
de Manuel Bandeira, tomo 2.®, pág. 200) o vocábulo 454. Acrescentamos a virgula.
é feminino; a de 77, contudo, trá-lo no masculino. 455. por que
376. hardido 456. Sem ponto e sem aspas.
377. Está ponto e virgula em lugar de interrogação. 457. caitetús,
378. Sem crase. 458. Substituimos dois pontos por ponto e virgula.
379. vem 459. Não vem craseado.
380. Falta a crase. 460. hardido
381. D’Hespaniola 461. Sem crase.
382. Sarai 462. por que mais á geito
383. encherga 463. Craseado.
384. infermo 464. hardimento,
385. Oxitona no texto. 465. Acrescentamos a vírgula.
386. Sem crase. No verso anterior vem fren te em vez de 466. craneos.
fronte. 467. Sem crase.
387. Está ponto de admiração. 468. craneos,
388. Falta a crase. 469. companheiros,
389. Paroxitono no texto. 470. Sem aspas.
390. rescendem 471. Por que
391. tãobem 472. Está virgula.
392. Sem crase. 473. extreita
393. Vem craseado. 474. diceste, / V. notas 58, em Pôrto Alegre;503 também
394. Suprimimos a virgula existente nas edições consultadas. em Gonçalves Dias, 798 e 809, em Alvaresde Azevedo.
395. Está conforme as edições de 65 e 77. A de Manuel 475. Sem crase.
Bandeira traz alvo. 476. Cõ
396. A edição de 65 traz: As filhas desses/ com lapso 477. Não há dois pontos.
da última palavra, que na de 77 é homens, em 478. Sic, por pranto.
desacórdo com a de 57, onde se lê bravos (V. Manuel 479. Sem crase.
Bandeira, tomo 2.°, pág. 213). 480. Sem aspas.
397. involto/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 168, 481. velho, / No verso anterior: myrrhava
172, 188, 216, 274, 315, 369 e 374. 482. Abrimos as aspas.

[821]
NOTAS

483. Sem aspas. 555. vendicta,


484. Acrescentamos ponto de admiração, 556. Craseado.
485. craneo, 557. Falta a virgula.
486. gentiz/V. nota 444. 558.
487. Sem crase. Pusemos virgula no final do verso.
tão bem/ O verso seguinte não abre as aspas. 559. Craseado.
488. q’uma 560.
489. á Involvidas,/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144,
490. 151, 168, 172, 188, 216, 274, 315, 369, 374, 397,
craneo/ No verso seguinte: gorgulbões 402 e 406.
491. Craseado. 561. á raiar;
492. Está dois pontos em vez de ponto e virgula. 562.
493. involvida/ V. nota S60.
Substituímos a vírgula por ponto. 563. Segundos Cantos, ed. cit., págs. 201/229, nas Sextilhas
494. Está ponto, de Frei An tão.
495. á par 564.
496. Cõ os Não escrevo sátiras: quer isto dizer que foi tão grande
497. santo S. Gonçalo, que apesar da sua nacionalidade,
Está ponto. mesmo os seus, conquanto desprezem tudo que lhes per­
498. Substituímos o ponto por interrogação,
499. tãobem tence, o_ apregoam e celebrara. E ’ frase de tôdas as
soo. suas crônicas, ou antes imitação daquele muito cele­
Acrescentamos as aspas. brado conceito de um dos seus clássicos.
501. Sem crase, — “ por natureza
502. áquelle
503. E constelação do clima,
dicesse/ V. nota 478. Esta gente portuguesa
504. hardida
505. O nada estrangeiro estima,
caximbo
506. O muito dos seus despreza. ” —
Acrescentamos as aspas. No verso seguinte vem admi­ /Nota do Autor,
ração em lugar de interrogação. 565. vos
507. Sem crase. 566. verti.
508. Está sem virgula.
509. 567. Português — moeda antiga de Portugal do valor, creio
enrubece eu, de quinhentos réis./ Nota do Autor.
510. Sem vírgula. No verso seguinte: por que daquui,
511. 568.
crriça, 569. Coma/ Êrro tipográfico.
512. á prumo.
513. 570. Está sem acento: vos.
Por que 571. Vide nota 536.
514. Está vírgula.
515. 572. Por não termos encontrado era São Paulo a edição
Fechamos aspas. dos Últimos Cantos, utilizamo-nos novamente da de
516. As composições ^transcritas com êste título não vêm Manuel Bandeira, ed. cit., págs. 120/132, 2.“ tomo.
insertas nas edições alemãs do poeta e figuram somente 573. Ed. cit., págs. 143/145, 2.® tomo.
nas primeiras. São ao todo em número de doze: as 574. Ibidem, págs. 226/228, 2.® tomo.
^ ês iniciais aparecem nos P rim eiros Cantos (Lamniert, 575. Ibidem, págs. 299/234, 2.® tomo.
Rio de Janeiro, 1846); as cinco seguintes nos Segundos 576. Foram transcritos de: Obras Posthumas/ de/ A. Gon­
Cantos (Tipografia Clássica, de José Ferreira Monteiro, çalves Dias/ precedidas de uma noticia da sua vida e
Rio de Janeiro, 1848), e as quatro finais nos últim os obras/ pelo/ Dr. Antonio Henriques Leal./ Volume
Cantos (Tipografia de F. Paula Brito, Rio de Janeiro, 1./ I — Versos Modernos./ I I — Versos Antigos./
1851). I I I — Poema Americano./ IV — Hymnos./ V —
517. Não conseguimos ter às mãos, em São Paulo, a edição Voltas e Mottes Glosados./ V I — Satyras./ — San
de 1846 dos P rim eiros Cantos. Valemo-nos, portanto, Luiz do Maranhao.1868./, e da B ibliografia de Gon­
da edição^ organizada por Manuel Bandeira, em 1944, çalves Dias por M. Nogueira da Silva (Imprensa
para a Companhia Editora Nacional. A poesia F an ­ Nacional, Rio de Janeiro, 1942. — Ministério da Edu­
tasmas é a de número IV das V isões e vem publicada cação e Saúde — Instituto Nacional do Livro —
as páginas 112/116 do 1.» tomo. Coleção B I — Bibliografia — I I ) . Não adotamos a
518. Ed. cit., págs. 143/146, 1.® tomo. mesma ordem da edição de Antônio Henriques Leal.
519. Ed. cit., págs. 161/164, 1.® tomo. Dcmu-la diversa: a cronológica.
520. Publicada in Segundos Cantos (Segundos Cantos/ e/ 577. Ainda não publicada em nenhuma outra edição das
Sextilhas de Frei Antâo./ Por/ A. Gonçalves Dias./ obras de Gonçalves Dias. Apareceu, a primeira vez,
Rio de Janeiro./ 1848.), págs. 15/20. no folhetim O dia 3 de M aio de 1841, em Coimbra
521. Está sem ponto final, (Coimbra, Imprensa de Trovão & Companhia, 1841, in
522. corsel;/ V. notas 98, 112 e 357. 8.®, 22 páginas). Desde então sòmente foi reproduzida
523. Por que/ Idem no verso seguinte. por M. Nogueira da Silva (op. cit., págs. 16/17).
524. Tiramos a vírgula. 578. a gora
525. Está sem virgula, e no verso seguinte substituímos o 579. Acrescentamos o ponto de exclamação.
ponto final por exclamação. 580. Tu gemerás c ’o pezo o teu sceptro
526. Colocamos admiração em vez de ponto final. 581. Sie. Não é possível a mudança ortográfica,
527. Segundos Cantos, ed. cit., págs. 4 1 /4 5 . 582. desforme/ No verso seguinte: oucos
528. Sem crase. 583. cassuada
529. Está com vírgula, 584. Paroxítono no texto.
530. á furto 585. abixado
531. Segundos Cantos, ed. cit., págs. 46 a 51. 586. tem
532. Está ponto. 587. Pusemos vírgula.
533. Sem crase. 588. Sem crase.
534. Vem sem ponto, 589. Está sem vírgula,
535. tão bem, — tão bem 590. espande
536. S ic. Os dicionários consultados não registam a palavra 591. A todos
V. adiante nota 571. 592. Falta o ponto final.
537. Acrescentamos a vírgula. 593. E stá: lua/ Êrro tipográfico.
538. Vem ponto ao invés de vírgula. 594. Vera craseado.
539. caprixosos 595. Pusemos vírgula.
540. Sem aspas. 596. escarneo/ E ’ grafia única; não mais indicaremos.
541. incendía
542. 597. Fechamos aspas.
Pusemos vírgula.
543. devínais 598. tem/ No verso seguinte: surrindo
544. Falta a crase. 599. Sem aspas.
545. 600. Craseado.
Sem vírgula e sem aspas no verso seguinte. 601. Há travessão, que suprimimos.
546. Não está craseado.
547. tão bem 602. Substituímos o ponto final por dois pontos,
548. 603. corsel/ V'. nota 98.
Segundos Cantos, ed. cit., págs. 83/90. 604. Está inimigos, o que altera o decassílabo,
549. Está com admiração.
550. 605. ouco/ Abaixo, segundo verso: retenir
Acrescentamos a vírgula. 606. Acrescentamos a vírgula.
551. Vem com admiração. V. nota 549. 607. Eliminamos a crase.
552. tão bem, 608. Pusemos ponto final neste verso e virgula no anterior.
553. tem 609. Sem vírgula.
554. sazão 610. Falta a vírgula.

[ 822 ]
KOTAS

611. Involta em maldições — involta/ V. notas 560 e ei 562. 677. Está virgula em vez de ponto.
612. For que/ No verso seguinte: enchergar 678. vem/ Verso seguinte: A esta terra de mouros;
613. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 679. Substituímos o ponto e vírgula por vírgula.
168, 172, 188, 216, 274, 315, 369, 374, 397, 402, 406, 680. inceta
560, 562 e 611. 681. semilhante
614. Está ponto em vez de vírgula. Abaixo, no final: 682. Está ponto final.
Cachias 683. Eliminamos a virgula.
615. Craseado. 684. Transcritas de: Obras Posthumas/ de/ A. Gonçalves
616. Vera vírgula, em vez de ponto e vírgula. Dias/ precedidas de uma noticia de sua vida e obras/
617. Falta que na edição original. pelo/ Dr. Antonio Henriques Leal./ Volume II./ S.
618. Cachias Luiz do Maranhão./ 1867. (jtc.)
619. Cachias/ Idem, as três vêzes que aparece a seguir, 685. semilhamos.
620. semilhando 686. por que d’ora a vante
621. Disei — sim; mas não a elle,/ Disei — não; mas 687. Está exclamação ao invés de dois pontos.
não a mira./ 688. infuna
622. Cora cra.se. 689. cansados
623. Está ponto e vírgula. 690. Craseado.
624. Craseado. 691. se calão
625. tem 692. discantar,
626. Immensa 693. Está ponto e virgula.
627. Sem vírgula. 694. Vem com crase.
628. Está com vírgula. 695. Acrescentamos a crase.
629. Substituímos a vírgula por dois pontos. 696. Eliminamos a vírgula.
630. Publicada in Revista Universal M aranhense, 1849 — 697. Virgílio/ Idem, a outra vez que aparece.
1850, in 4.®, 196 páginas, n.” 12, 15 de abril de 1850, 698. Semilhante
1.* série, tomo I. Desprezada pelo Autor e desconhecida 699. Por que
dos organizadores e editores de suas obras, foi divulgada 700. Manuel Bandeira, na sua edição das obras poéticas de
pela segunda vez por M. Nogueira da Silva in A Gonçalves Dias (op. cit., pág. 486, 2.® tomo), inforraa-
Política, Rio (1921?), e depois in B ibliografia de Gon- -nos:
{alves Dias, pág. 54. “ Nas Obras Póstum as escreveu A. H. Leal a se­
631. porque/ Faltam as aspas no primeiro verso c no fim guinte nota a êstes versos:
do terceiro, quarto e décimo. “ Deixei de propósito de colocar esta belíssima
632. atôa. poesia, reminiscência da literatura clássica, entre as
633. Sem virgula. que vão sob o título de — versos modernos — por
634. Falta o ponto final. ser de um gênero diverso do daquela coleção. E ’ talvez
635. foste o penúltimo poema que traçasse o poeta antes de
636. Vera empreender a infeliz viagem de que graceja nestes
637. semilhantes versos.” Enganou-se o amigo do Poeta: Possêidon não
638. Proparoxítona no texto, é poesia original, reminiscência da literatura clássica,
639. tem mas sim tradução, aliás muito fiel, de um poema de
640. Oxitona. Heine, que está na coleção N ordsee (Mar do Norte),
641. Celeste benção/ Sem o artigo A , e benção oxitona. n.® 5. ”
Igualamo-lo ao verso da nota 640. 701. Está dois pontos.
642. Por que 702. protegeste
643. débucha 703. tem
644. semilhamos, 704. Tantos/ Êrro tipográfico.
645. enchergão, 705. Êste prefácio apareceu, pela primeira vez, no terceiro
646. tem/ Antônio Henriques Leal aponta a seguinte variante tomo da segunda edição das Obras de Alvares de Aze-
dêste verso: Não tinham bastante espaço/ vedo, já então feita pelo editor Garnier e, como a
647. Falta o ponto final. primeira, organizada pelo Dr. Jaci Monteiro. Transcro
648. Não está em itálico. vemo-lo da terceira, feita logo a seguir, no mesmo anq
649. Vem vírgula em lugar de ponto. em formato menor, e que aproveitou a composição da
650. Está ponto e vírgula. segunda: Obras/ de/ Manoel Antonio/ Alvares de
651. Substituímos o ponto final por dois pontos, Azevedo/ precedidas/ de um discurso biographico/ e
652. bixo acompanhadas de notas/ pelo Sr. Dr. Jacy Monteiro/
653. Está ponto e virgula. Terceira edição/ acrescentada com as obras inéditas,/
654. Acrescentamos a vírgula, e um appendice contendo discursos, poesias e artigos
655. por que feitos a ^ ic) oceasião/ da morte do autor./ Tomo ter­
656. Antônio Henriques Leal dá*nos a seguinte variante ceiro/ Obras inéditas/ Rio de Janeiro/ Livraria de
Vagava entre a terra e os céu»,/ B. L. Garnier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris, Garnier
657. rescendel Irmãos, Editores, Rua des Saints-Pères, 6/ 1862/ Todos
658. Vem ponto e virgula. os direitos de propriedade reservados./ Doravante, quando
659. Está vírgula, que suprimimos. não diseriminarmos a edição, queremos significar ambas
660. Floreção as edições, isto é, a primeira e terceira.
661. Não há virgula neste e no verso seguinte. 706. Sem vírgula.
662. Publicada in A E stréia Solar, fòlha oficial, doutrinária, 707. Acrescentamos a virgula.
noticiosa e literária da diocese de Diamantina, no Estado 708. Sic.
de Minas Gerais, ano X I I , n.° 28, 12 de julho de 709. Pusemos a virgula.
1914, pág. 4. Assegura M. Nogueira da Silva não 710. aerio
figurar Revelação “em nenhuma das coleções de versos 711. ralento/ E ’ grafia única no autor. V. nota 833., adiante.
do poeta”, e transcreve-a “abandonando alguns fáceis 712. tem
enganos que evidentemente correm por conta da revisão 713. A !
dêsse jornal, que é sobremodo defeituosa e falha” 714. tem
(Cf. M. Nogueira da Silva, B ibliografia de Gonçalves 715. e/ Êrro de revisão.
Dias, pág. 142). 716. Mas se um
663. Craseado. 717. Cora crase na 1.* edição.
664. Vera? 718. formoso
665. á custo/ Segundo verso abaixo: raalsasonados 719. enlanguece,
666 . Um Deos que vale! 720. Está sem vírgula.
667. Sem virgula. 721. afaga
668 . Falta o ponto final. 722. transas
669. Craseado. 723. Que
670. Sem aspas, 724. Tem doçuras, tera
671. p’rescrutando. 725. descrensa
672. Acrescentamos a vírgula. No verso seguinte: susprende 726. escarneo/ E ’ grafia única: não mais a apontaremos.
673. caxos. No final do verso anterior não há vírgula.
674. Pusemos virgula. No verso seguinte: não/ com minús­ 727. Pusemos virgula.
cula e sem aspas. 728. a
675. Nasces, 729. Está interrogação em vez de admiração.
676. tem 730. docel.

[ 823 ]
n o ta s

731 Esta poesia foi feita em dia dos anos do autor, no 780.
ano antecedente ao da sua morte, como se pode ver Não^há travessão depois de suspirou. As três primeiras
pela data./ Nota do Dr. Jaci Monteiro. edições de Alvares de Azevedo, organizadas pelo Dr.
732. Reconstituímos a epígrafe em vista dos seus inúmeros Jaci Monteiro, fazem terminar nesta poesia a segunda
erros. Cf. The P raticai W orks, Oxford, 1915, pág. 198. parte da L ira dos Vinte Anos, seguindo-se-lhe as Poestas
733. O autor parecia querer completar êstes hinos. Tendo-Ihe.<= Dtversas, tôdas no primeiro tomo: Obras/ de/ Manoel
dado de princípio esta mesma denominação, dividira-os Antonio/ Alvares de Azevedo/ precedidas/ de um dis­
E® noite, 2.® noite, etc., cada uma sob título curso biographico/ e acompanhadas de notas/ pelo Sr.
diverso. Quatro havia éle feito: um não se achava de Dr. Jacy Monteiro/ Terceira edição/ accrescentada cora
modo a ser publicado, e de outro — A tem pestade — as obras inéditas,/ e um appendice contendo discursos,
apenas pudemos aproveitar a primeira parte, pelo que poesias e artigos feitos a (sic) oceasião/ da morte do
lhe pusemos a nota de — fragm ento. — Ao depois, autor./ Tomo primeiro/ Poésias (sic)/ Rio de Janeiro/
fez ele uma como que introdução, que marcava e fazia Livraria de B. L. Gamier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris,
esperar sete cantos ou noites com uma espécie de Editores, Rua des Saints-Pères, 6/
1862/ Todos direitos de propriedade reservados./ O
® «®se complexo de poesias o título de segundo tomo, (V. nota 902), é inteiramente dedicado
— TR E N Ó S ■— e dedicando-os ao Sr. José Bonifácio
de Andrada e Silva. Entretanto, não podendo aproveitar a prosa: Obras/ de/ Manoel Antonio/ Alvares de
estes versos, assentamos em publicar essas poesias com Azevedo/ precedidas/ de ura discurso biographico/ e
os títulos pelo autor dados, e sob a denominação com­ acompanhadas de notas/ pelo Sr. Dr. Jacy Monteiro/
plexa e primeira de H IN O S DO PR O FETA ./ Nota Terceira edição/ accrescentada com as obras inéditas,/
do Dr. Jaci Monteiro. e um appendice contendo discursos, poesias e artigos
734. Está dois pontos. feitos a (sic) oceasião/ da morte do autor./ Tomo
735. Acrescentamos a virgula. secundo (sic)/ Prosa/ Rio de Janeiro/ Livraria de
736. Sem vírgula, B. L. Garnier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris, Gamier
737. aerio/ V. nota 710. Irmãos, Editores, Rua des Saints-Pêres (sic), 6/ 1862/
738. Seiba/ Não encontramos tal variante era nenhum di Iodos direitos de propriedade reservados./ O terceiro
cionário. E ’ grafia única no Autor, tomo, somente aparecido da segunda edição em diante,
739. craneo/ Grafia única; não mais a apontaremos. V abre com o prefácio já transcrito (V. nota 705) e
notas 726 e 767. apresenta a Continuação da “ Lira dos Vinte Anos”, a
740. Está sem pontuação. que Joaquim Norberto de Sousa Silva, encarregado
741. corsel pelo editor Garnier de organizar a quarta edição, deno­
742. vem minou terceira parte. Aceitamos a divisão em três partes,
743. corsel/ V. nota 741. porem retiramos da terceira as composições transcritas
744. O chão nú escalvado a seguir, que, conforme o prefácio do Autor, estariam
745. Pusemos a vírgula. melhor colocadas na segunda. Aliás, nada mais fizemos
746. Quanto que seguir a lição da edição de Homero Pires, Com­
747. Desta e da quadra anterior, diz o organizador das panhia Editora Nacional, São Paulo, 1942. O próprio
primeiras três edições do poeta que êle as havia riscado, Autor pretendera dar, a coleção de suas poesias, divisão
acrescentando: “ Talvez o levasse a isso o pensamento diferente, o que nos comunica o Dr. Jaci Monteiro na
de não contristar seus pais; achamo-las porém tão sen­ ^^S'uinte nota, que transcrevemos: “ L ira dos Vinte
timentais, que não pudemos resistir ao desejo de con­ A no". A essa coleção de poesias, que no coraêço com­
servá-las. Demais, aqueles que passaram por essa dor, preendia somente a primeira, dera o autor o título
de ver morrer o filho de tanta esperança, terão por­ — B ra sileira s; — chamou-as depois — F olhas secas
ventura uma consolação nessas duas estâncias — vei da m ocidade de um sonhador; não se tendo realizado
que eram o pensamento quotidiano daquele a quem tanto a publicação projetada com o título — A s três liras —
am avam ... — ” de que damos notícia no discurso biográfico, chamou
748. Quanto a este verso, esclarece o Dr. Jaci Monteiro então a essa coleção — L ir a dos vinte anos de um
na primeira edição, que estava escrito de maneira que trovador sem nome, — dando porém simplesmente a
não se podia ao certo saber se era como está ou: denominação de — L ira dos vinte anos — à 2.® parte
Deixai a lua pratear-me a lousa. Mário de Andrade, que colecionou depois: pelo que conservamos esta deno­
num exemplar das Obras de Alvares de Azevedo, que minação. No segundo tonio da primeira edição sò-
possuímos, anotou; m ilhor, referindo-se a prantear-me. mente foi publicada a poesia “ Pedro Iv o ”. V nota
902, adiante.
749. seitil 781. Daqui em diante, ate as P oesias D iversas, as compo-
750. Sem crase.
751. corsel/ V. notas 741 e 743. siçoes foram transcritas do terceiro tomo da terceira
752. Êrro de revisão por D aria f edição das Obras de Alvares de Azevedo. Cf. nota 705.
753. Acrescentamos a vírgula. 782. Esta ^poesia sem título foi publicada, pela primeira
754. Sem vírgula. vez, juntaraente com Trindade e Porque MentiasT, na
755. corseis/ V._ notas 741, 743 e 751. “ Revista Popular”, 1861, tomo X I , págs. 247/248, sob
756. Pusemos vírgula aqui e no final do verso anterior. a seguinte nota; “ Extraído das obras inéditas de M. A.
757. Esta poesia achava-se no original com a nota que Alvares de Azevedo, que vão sair à luz na livraria
de B. L. Garnier.”
conservamos de — fragm ento. — / Nota do Dr. Jaci
Monteiro. 783 F.stá ponto final na “ Revista Popular”, que passaremos
758. lansquenet. . . a indicar apenas por R. P.
759. Parnasso. 784. In R. P. está vírgula.
760. titaneo/ D igesto e, no verso seguinte, Childc-Harold 785. Está ponto final in R. P.
não vêm grifados. Idem, adiante, Faust. 786. Por que
761. enlanguece 787. Para poupar. Caminho
762. transa/ V. nota 722. 788. queréca
763. Na 2.® e 3.® edições está: Dão 5 horas. 789. Está ponto e vírgula.
764. Pusemos vírgula. 790. Sem vírgula.
765. estrebuxando 791. Não vem craseado.
766. morre 792. Pusemos a vírgula.
767. pateo/ Grafia única no poeta: não mais a indicaremos. 793. Sem vírgula. No verso anterior está: Rossinante
V. notas 726 e 739. 794. Está virgula era vez de ponto.
768. adevinhava 795. Assim gratis a Deo?
769. Na 1.» edição vem: o 796. Danáes
770. Devia ser: Procuravam no sangue o inimigo! 797. bolços!
771. tem 798. dice/ V. notas 58, 478, 503 e, adiante 809.
772. Desconexão neste e no verso anterior, pois os verbos 799. Vide notas 780 e 781.
deviam estar no subjuntivo: apavorem e façam . 800. Acrescentamos a vírgula,
773. Puchado
774. Dom Quichotte!/ Vem repetida, adiante, a mesma 801. coslar
802. Publicada in “ Revista Popular”. V. nota 782. Na
grafia.
775. A 1.®^ edição traz; cantos/ Em ambas as edições: edição original está sempre P or que, separado. In R. P.,
unido, como deixamos.
Boccacio 8C3. Sem vírgula in R. P.
776. anjelica
777. tem 804. In R. P. há travessão e, no verso seguinte, vírgula
778. Sem virgula. em ver de ponto.
779. anjelica/ V. nota 776. 805. R. P. traz virgula. Idem, no verso seguinte, depois
de perdeu.

[ 824 ]
NOTAS

806. Pusemos vírgula, como vera, aliás, in R. P. 879.


casualinas/ V. nota 869.
807. Sem crase. 880.Aerio/ V. notas 710, 737, 812 e 852.
808. Acrescentamos a vírgula aqui e no final do verso 881.Há vírgula, que suprimimos,
anterior. 882.
transas/ V. notas 722, 762, 839 e 842.
809. dice/ V. nota 798. 883.
Acrescentamos a vírgula,
810. corsel/ V. notas 741, 743, 751 e 755. 884.
nutro
811. Não há vírgula. 885.Que lhes manchou as perfumadas transas
812. aerios/ V. notas 710 e 737. 886.
rouxos
813. por que 887.
A
814. Por que 888.Pusemos a vírgula.
815. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755 e 810. 889.
Não há reticências.
816. E morder-te nos pés o phantasma?/ Parece tratar-s>- Extraídas da primeira edição e confrontadas, em caso
890.
de êrro de cópia, pois o verso deve rimar com o de dúvida, cora o primeiro tomo da terceira. V. notas
terceiro. 780 e 781.
817. Publicada in R. P. Vide nota 782. 891. Porque répugnas levanta-lo agora?/ Olha-o comigo!
818. Êste e o verso anterior estão de acordo com R. P. Que espaçosa fronte!/ Devia estar levantá-la e Olha-a,
Na edição Garnier não existe o travessão nem a vírgula pois se referem à caveira de um poeta, como se lê nos
819. In R. P. está ponto final. primeiros versos,
820. In R. P. falta a vírgula. 892. seiba/ V. notas 738 e 860.
821. Pusemos a vírgula. 893. A primeira edição traz: minhas mão
822. Sem vírgula. 894. Sem vírgula,
823. Não há exclamação. 895. o
824. Acrescentamos a vírgula. 896. Paroxítono no texto,
825. descontinua 897. meus
826. Está craseado. 898. Falta a crase.
827. Tem 899. Substituímos o ponto final por dois pontos.
828. Falta a vírgula. 900. Anjelico/ V. notas 776 e 779.
829. enlanguece 901. Vera dois pontos ao invés de ponto e vírgula.
830. Arroias 902. Publicado, pela primeira vez, no segundo e último
831. Não há vírgula, tomo da 1.“ edição das Obras do poeta: Obras/ de/
832. poleiras Manoel Antonio Alvares de Azevedo/ II/ Rio de
833. ralento/ V. nota 711. Janeiro/ Typographia Universal de Laemmert/ Rua dos
834. Está sem vírgula. Abaixo, quarto verso; tem Inválidos, 61 B/ 1855/ E ’ a única composição em
835. Por que versos do volume. Nas segunda e terceira edições falta
836. Craseado. a epígrafe.
837. Pusemos a vírgula. 903. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815 e 874.
838. Está de. Mudamo-lo para do, em vista da lição do 904. Rateliffs
penúltimo verso da poesia, 905. Sem vírgula.
839. transas,/ V. notas 722 e 762. 906. A primeira edição não traz vírgula aqui e no final
840. Voltei-as do verso anterior, como vem na terceira,
841. por que 907. entumescia
842. transa/ V. notas 722, 762 e 839. 908. Pusemos a crase. A nota, que a seguir transcrevemos,
843. Enlanguece-me/ Abaixo, último verso da quarta sextilha, é do Dr. Jaci Monteiro: “ Estando esta poesia em
pusemos travessão. separado, não a incluímos na primeira parte da L ira
844. Acrescentamos a vírgula, dos vinte anos; entretanto soubemos que o autor mandara
845. por que pedir uma cópia dela quando tencionou fazer a publi­
846. Falta sou na edição original. cação de que já falamos.
847. Sem vírgula. Eis aqui a carta que o autor fêz preceder a esta
848. Não está craseado. poesia enviando-a:
849. Publicada in “Revista Popular”, 1861, tomo X I, pág. “ S. Paulo, 6 de julho de 1851.
119, apenas com as cinco primeiras estrofes c com o
título de L IL IA cm vez de L ELIA . MINHA MAE,
850. In R. P. está: praia fria; Na edição original, face fria:/ E.sta carta é um adeus do filho saudoso à sua
Preferimos a versão de R. P. substituindo o ponto e mãe. E ’ uma flor destas montanhas, murcha e sêca,
vírgula por dois ponto. que o céu desta minha terra não tem orvalhos doces
851. In R. P. não há exclamação, mas ponto final. nem o sol raios de oiro para aviventar flores do
852. Na edição original: a e rio ..../ In R. P. — ae rio .../ coração.
V. notas 710, 737 e 812. São versos. Não tenho mais nada que dar-lhe.
853. Falta a vírgula na edição original, como vem in R. P. Nem tenho tintas aqui para fazer-lhe um desenho
854. Termina aqui a publicação de R. P. Vide nota 849. no dia de seus anos.
855. Pusemos a vírgula, Os versos são tristes, porque eu o sou: tristes
856. por que como a solidão, solitários como a palmeira perdida
857. mão no meio_ das ondas, que sente árido o rochedo apertar
858. Falta êste verso na edição original. Pudemo-lo recons­ suas raízes e a escuma do oceano desbotar as suas
tituir porque vem repetido na nona sextilha de Um folhas. Por isso escrevi-os na fôlha que tinha aquêlc
Canto do Século, como aliás tòda a poesia. emblema.
859. Assim está in Um Canto do Século. Na edição original: Adeus minha mãe, lance sua bênção sõbre
na/ No verso anterior não há vírgula. Seu filho do coração
860. Seiba/ V. nota 738. MANOEL ANTÔNIO.”
861. Por que
862. por que/ Adiante, segundo verso: Por que 909. anjelico/ V. notas 776, 779 e 900.
863. estrema 910. seiba/ V. notas 738, 860 e 892.
864. Está sem vírgula. 911. Não há vírgula.
865. Acrescentamos a vírgula, 912. Está conforme a terceira edição. A 1.* não traz ponto
866. tem e vírgula.
867. Mergulhei-as no lado uma per uma. 913. Acrescentamos a vírgula.
868 . Está admiração em vez de vírgula. 914. Publicada, pela segunda vez, in Guanabara, Rio de
869. Casualina Janeiro, tomo 2.”, 1854, pág. 107. Traz a seguinte
870. Pusemos as reticências. indicação: Poesia póstuma de M. A. de Azevedo. Vem
871. Falta a vírgula. acrescida com as quatro estrofes finais da poesia Teresa.
872. Com minúscula. 915. A 1.* edição não traz pontuação. A 2.* e 3.*, reti­
873. Sic. Não encontramos o verbo era todos os dicionários cências, como deixamos; Guanabara, ponto e vírgula.
consultados. Seria, talvez, csm orecial 916. Guanabara traz ainda os seguintes versos, que per­
874. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810 e 815. tencem à poesia T eresa (V. nota 914):
875. Está ponto era vez de vírgula. Enquanto dormes eu te sonho amante
876. Craseado. Criatura mais anjo que donzela. . .
877. Tudo acorda, meu Deus! N’essas campinas! Sou teu noivo... respiro em teus cabelos
878. envapora E teu seio venturas me revela!

[ 825 ]
NOTAS

D eliro.. . Junto a mim eu creio ouvir-te 980. As últimas edições do poeta trazem: — Como em­
Mais bela a suspirar, teu ai mais brando; bebida a mente das alvuras, de sentido igualmeute
Pouso os lábios nos te u s .. . Em teu alento obscuro.
Volta minha pureza suspirandol 981. Falta a crase aqui e no principio dos dois versos
seguintes.
Teu amor como o sol apura a nutre, 982. seiba/ V. notas 738, 860, 892, 910 e 943.
Exala fresquidão, é doce brisa; 983. transas/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882, 885, 941
E ’ uma gõta de céu que aroma os lábios e 970.
E o peito regenera e suaviza! 984. reconto,/ Alteramo-lo para recanto, em razão da rima.
985. In fern o, canto X X X III./ Nota do Autor.
Quanta inocência dorme ali com ela! 986. morte
Anjo desta criança me perdoa! 987. Sancho Pança./ Nota do Autor.
Estende era rainha amante as a.sas b ran cas... 988. Por que
A infância no meu beijo abandonou-a! 989. Pusemos a vírgula,
990. ora
917, Não vera na 1.“ edição, de 1853. Publicado no 3.“ 991. Sic. As edições posteriores trazem beija, que nos parece
tomo das edições de 1862. aceitável.
918, Publicado da segunda edição em diante. 992. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942 e 954.
919, SH A K SP E A R E , H enry I V : “ My kingdom for a 993. Falta a vírgula.
horse!”/ Nota do Autor. E stá: corsel. V. notas 741, 994. Acrescentamos o ponto de admiração.
743, 751, 755, 810, 815, 874 e 903. 995. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 954
e 992.
920. Substituímos ponto e vírgula por vírgula. 996.
921. Sem vírgula. seiba/ V. Notas 738, 860, 892, 910, 943 e 982.
997. Para maior clareza, grifamos os nomes de obras citadas
922. O’ lá soffrêa-te, corsel selvagem!/ V. nota 919. pelo poeta.
923. Pusemos a vírgula. 998.
924. aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852 e 880. A edição de Homero Pires (ed. cit., pág. 414, in
925. traças fine, 1." tomo), que vem a ser a segunda de O Conde
926. Acrescentamos a vírgula aqui e no final do verso L opo, .-icrescenta cabelos depois de crespos, julgando
anterior. Falta um verso nesta oitava. talvez tratar-se de ura lapso tipográfico. Tal porém não
se verifica, pois como adiante se verá (notas 1041,
927. enlanguéce 1044, 1088, 1154 e 1158) crespos é tomado pelo Autor
928. enlanguece? como substantivo.
929. Não há vírgula,
999. Neuburg.
930. por que
1000 . porque
931. Na edição original está: Se d’esta canção negra não
gostais/ Vera o verso acompanhado da seguinte nota do 1001 . Virgílio
editor: “ O autor escrevera também: Si não gostais 1002 . Condor erat quali praefert Latonia luna.
desta canção sombria.”/ Preferimos este àquele, em Et color in niveo corpore purpureus
razão da rima. Ut juveni primum virgo dedueta marito
932. recindente, Inficitur teneras ore rubente genas, &, &.
933. carabateia. Ov. Liv. 3. Elegia 4./ Nota do Autor. A propósito
934. Falta a vírgula. desta nota, esclarece Homero Pires (ed. cit., pág.
935. dice/ V. notas 798 e 809. 418, 1.® tomo):
936. á rôdo!
937. desputas! “ Estes versos não são de Ovidio, mas de Tibulo,
938. I , I I I , e IV , V . 29-32 {T ibulle et les A uteurs du
Substituímos o ponto pela virgula. Corpus Tibullianum, par A. Cartault, Paris 1909,
939. Don Ju an , canto II./ Nota do Autor.
940. p. 2 2 7 ):
Pusemos admiração em lugar do ponto,
941. transa/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882 e 885.
942. aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880 e 924. “ Candor erat, qualem praefert Latonia Luna,
943. seiba/ V. notas 738, 860, 892 e 910. E t color in niueo corpore purpureus,
944. por que V t iuueni priraum uirgo deducta marito
945. ralentos/ V. notas 711 e 833. Inficitur teneras ore rubente genas”.
946. Falta a crase, E tc., etc."
947. a vento 1003.
948. porque
Por que/ Adiante, segundo verso: por que 1004. Virgílio,
949. Não há vírgula. 1005. Aphrodites
950. M iserere e, adiante, bon vivant não vêm grifados.
951. 1006. anã cs,
Acrescentamos a vírgula. Abaixo, segundo verso: es­ 1007. ursas,
forço 1008. Groelandia,
952. os annuvia 1009. aerios,/ V. notas 710, 737, 812, 852 880, 924, 942,
953. Sem vírgula. 954, 992 e 995.
954. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924 e 942. 1010 . grãs
955. boziar 1011 . percursor
956. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
903, 919 e 922.
1012 . eshalarão-se
1013. porque/ Está unido aqui e nas duas vêzes seguintes
957. Pusemos a vírgula. que aparece.
958. Por que 1014. dicesse/ V. notas 798, 809 e 935.
959. Por que 1015. Co’
960. descremina 1016. Pusemos a vírgula.
961. Jocelyn, sixième époque./ Nota do Autor. 1017. Rerabrant
962. Por que 1018. restea/ Cf. notas 726, 739 e 767.
963. irrasão 1019. Entre este e o verso seguinte existe, por falha tipo­
964. volão-nos gráfica, entrelinha na edição original. A subdivisão
965. GO ETH E, F au st.! Nota do Autor, em números arábicos também vem incorreta. Assim,
966. queimavão. onde se lê 2, está 3; onde se lê 3, está 4, e final­
967. Por que mente, onde se lê 4 está 6, 5 está 7.
968. por que 1020. Acrescentamos a vírgula,
969.
970.
por que
transas?/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882, 885 e 941.
1021 . casualinas/ V. notas 869 e 879.
971. 1022 . Não há vírgula.
Não vem craseado. 1023. Falta a vírgula.
972. resto/ Julgamos tratar-se de êrro de revisão por rosto.
973. 1024. Substituímos virgula por ponto.
Acrescentamos a vírgula. 1025. Pusemos a vírgula.
974. ralento,/ V. notas 711, 833 e 945.
975. 1026. Acrescentamos a vírgula.
UGO FO SCO LO, Túm ulos./ Nota do Autor. 1027. Sem vírgula.
976. Sem virgula.
977. 1028. Não há vírgula.
Por que 1029.
978. Falta a virgula. A numeração era romano na edição
Eliminamos a virgula. original passa de IV para V I, indo acrescida até o
979. enfebrescidos final do canto.

[ 826 ]
NOTAS

1030 Sem vírgula. 1094. Falta a virgula.


1031 Acrescentamos a vírgula. 1095. Eliminamos a vírgula.
1032 Êste verso se encontra fora do alinhamento e sem 1096. Está sem vírgula.
ponto final. 1097. Vem sem travessão. No verso seguinte: d’hacha
1033- aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 1098. Abrimos aspas.
954, 992, 995 e 1009. 1099. Sem ponto final.
1100 . Fechamos aspas.
1034. Minha bella o soido então gelou-te
Substituímos ponto por interrogação, 1101 . Substituímos vírgula por ponto.
1035. 1102 . bacchanals would não aparecem na edição original por
1036. arrouxado
A interrogação deveria estar aqui e não depois de falha de impressão.
1037.
nuvens, segundo verso acima. 1103. descorrendo.
1104. Eliminamos as aspas que aparecem sem motivo antes
1038. Pusemos a vírgula, de Sem.
1039. licôr
1040. Sem vírgula. 1105. Advinhou/ Adiante, segundo verso: advinhação.
1041. Vide nota 998. 1106. Mendes Leal./ Nota do Autor.
1042. Sic. 1107. Falta o ponto final.
1043. rosciava 1108. Pusemos a virgula.
1044. Vide nota 998 e 1041. 1109. Fechamos aspas.
1045. Na edição original não há separação entre esta e 1110 . disvellados/ No verso seguinte não há vírgula depois
a redondilha anterior, nera há aspas neste verso e de Conde.
nos primeiros das estrofes seguintes e anterior. 1111 . aérias/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942,
1046. Pusemos a vírgula. 954, 992, 995, 1009, 1033, 1059, 1065, 1068, 1071
1047. Acrescentamos a vírgula. e 1080.
1043. Não hà ponto final. 1112 . corsel,/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
1049. Sic. 903, 919, 922, 956, 1082, 1083, 1084 e 1089.
1050. Falta a entrelinha antes dêste verso, pois vera com 1113. Abrimos aspas.
aspas. 1114. Acrescentamos a vírgula.
1051. Sem vírgula. Adiante: discerremos 1115. Sem admiração.
1052. roscio 1116. aérias/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 954,
1053. Craseado. 992, 995, 1009, 1033, 1059, 1065 1068. 1071, 1080
1054. Pusemos entrelinha antes dêste verso, em vista das e 1111.
aspas. V. nota 1050. 1117. Falta a virgula.
1055. Acreseentamos a vírgula. 1118. Pusemos o ponto final.
1056. Sem vírgula. Pusemos ponto no verso anterior. 1119. Não há vírgula.
1057. Pusemos travessão aqui e vírgula no final do verso 1120. Acrescentamos o ponto final.
anterior. 1121. Antes dêste verso não há entrelinha.
1058. Falta a vírgula. 1122. Sem vírgula neste, no 1.®, 3.®, 4.®, 5.®, 7.® e 8.®
1059. Aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, versos abaixo.
954, 992, 995, 1009 e 1033. 1123. Falta o ponto e vírgula,
1060. Não há admiração. 1124. disvellados/ V. nota 1110.
1061. Acrescentamos a vírgula. 1125. Está sem vírgula.
1062. Sem vírgula. 1126. Rouxeadas
1063. Pusemos a vírgula, 1127. noite
1064. docel/ V. nota730. 1128. Pusemos a vírgula.
1129. Sem vírgula.
1065. aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 1130. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
954, 992, 995, 1009, 1033 e 1059. 903, 919, 922, 956, 1082, 1083, 1084, 1089 e 1112.
1066. Os dicionários consultados registara o termo como 1131. Angareal-o
feminino. 1132. A numeração em romano vem, na edição original,
1067. Eliminamos a vírgula. daqui em diante, até o final do canto, acrescida de
1068. aerias/ V. notas 710, 737, Ó12, 852, 880, 924, 942, um número, pela omissão de IV .
954, 992, 995,1009, 1033, 1059 e 1065. 1133. Pusemos o travessão.
1069. Segundo a etimologia grega e latina é anêmona, vocá­ 1134. Acrescentamos a vírgula.
bulo feminino (Cândido Figueiredo). Abaixo, verso 1135. Falta a vírgula.
seguinte: discerra-os. 1136. alóes,/ A correção para aloés não altera a métrica.
1070. Sem vírgula. 1137. Não há vírgula.
1071. Há travessão, que eliminamos. Está : Aerias/ V. notas 1138. Advinhara
710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 954, 992, 995, 1009, 1139. Pusemos a vírgula.
1033, 1059, 1065 e 1068. 1140. Eliminamos aspas antes de Mancebo.
1072. Abrimos aspas, 1141. Sem virgula.
1073. empallescidas 1142. Está sem vírgula.
1074. Pusemos vírgula. 1143. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
1075. Falta a vírgula. 903, 919, 922, 956, 1082, 1083, 1084, 1089, 1112
1076. Acrescentamos a vírgula. e 1130.
1077. Não há admiração. 1144. Na edição original lê-se: Canto V II, êrro de revisão,
1078. chrysocal/ Os dicionários consultados somente regis­ 1145. arremeçára
tram chrysócalo ou crisócalo. 1146. Acrescentamos a virgula.
1079. fragancia. 1147. Craseado.
1080. 1148. Pusemos a virgula.
aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 1149.
954, 992, 995, 1009, 1033, 1059, 1065, 1068 e 1071. Não há virgula.
1081. 1150. Substituímos dois pontos por vírgula,
Mazzcpa/ Idem, abaixo, V I, 2.“ verso. 1151. docel/ V. notas 730, 1064 e 1087.
1082. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874, 1152. Eliminamos a virgula que está no final dêste e
903, 919, 922 e 956.
pusemo-la no final dos dois versos a seguir,
1083. corsel/ V. nota anterior.
1084. 1153. corsel/ Idem, 3.® verso abaixo. V. nota 1143.
corseis/ Acima, 5.“ verso, está correto: corcéis 1154. Vide notas 998, 1041, 1044 e 1088.
1085. Pusemos a vírgula.
1086. Não está craseado. 1155. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
1087. docel/ V. notas 730 e 1064. 903, 919, 922, 956, 1082, 1083, 1084, 1089, 1112,
1088. Vide notas 998, 1041 e 1044. 1130, 1143 e 1153.
1089. corsel!/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874, 1156. corsel/ V. nota anterior.
903, 919, 922, 956, 1082, 1083 e 1084. 1157. Está sem ponto final.
1090. Sem travessão. 1158. Quanto a crespos, vide notas 998, 1041, 1044, 1088
1091. Acrescentamos a vírgula. e 1154.
1092. Pusemos a vírgula. No principio do verso anterior 1159. corsel/ V. nota 1156.
vera: Entumescidos 1160. Pusemos a virgula.
1093. Vem 1161. Acrescentamos a virgula.

[ 827 ]
NOTAS

1162. Eliminamos a vírgula. No verso anterior não há 1235. Quanto


vírgula depois de roupas. 1236. O exemplar da edição de 1859 que consultamos traz
1163. Sem vírgula. admiração acompanhada de ponto. Pusemos reticên-
1164. Não há vírgula. cências em vista da lição do último verso desta mesma
1165. Está sem vírgula. poesia.
1166. reiatarem-se 1237. entumesce
1167. Pu.semos a vírgula. 1238. Falta a virgula.
1168. Falta o ponto final. 1239. Pusemos a vírgula.
1169. Acrescentamos o travessão. 1240. trasbordava,
1170. Vera sem vírgula. 1241. Não há vírgula.
1171. Não há vírgula. 1242. Sem vírgula.
1172. Está sem ponto final. 1243. Pusemos vírgula, V. nota 1241.
1173. Acrescentamos a vírgula. 1244. V. nota anterior.
1174. Pusemos a vírgula. 1245. Acrescentamos a vírgula.
1175. Sem vírgula. Abaixo, terceiro verso, fechamos aspas. 1246. Está sem vírgula.
1176. A grafia moderna — ziguezague — altera profunda­ 1247. Não há vírgula.
mente a métrica. 1248. Pusemos dois pontos.
1177. Está sem pontuação Pusemos travessão, mas também 1249. Por defeito de impressão, falta nesta epígrafe a pa­
lavra vida!
poderia .ser ponto e vírgula.
1178. Falta a vírgula. 1250. Sic, era razão da rima perfeita com queixa. V. nota
1179. Sem vírgula. 1275, adiante.
1180. Acrescentamos a vírgula. 1251. V. nota anterior.
1181. Pusemos a vírgula. 1252. Falta virgula.
1182. doirado 1253. Sem vírgula.
1183. Não há admiração. 1254. craneo
1184. Está sem vírgula. 1255. Está sem vírgula.
1185. Eliminamos ponto e travessão e pusemos vírgula. 1256. Não há vírgula.
1186. Sem vírgula. 1257. Está, neste verso, viste. A correção para vistes im­
1187. Vem sem pontuação. plica a eliminação do artigo o seguinte, como fizeram
1188. Esta edição é a reprodução integral da primeira, algumas edições posteriores. A fira de conservar o
publicada no Rio de Janeiro era 1859. Não segui­ verso era sua justa medida e respeitar o texto da
mos, como se observa era tôdas as outras coleções edição princeps, colocamos o apóstrofo para indicar a
de poesias de Casimiro de Abreu, a distribuição e supressão do s final de vistes.
ordem dadas por Joaquim Norberto de Sousa Silva 1258. craneo
às edições Garnier, por estarem em desacordo com 1259. Pusemos as três vírgulas neste verso.
o critério que vimos mantendo na organização das 1260. Acrescentamos a virgula aqui e no final do verso.
obras dos poetas incluídos na presente publicação. 1261. A edição original não traz vírgula aqui, nem depoi.'
Assim, tôdas as composições poéticas acrescidas às de poeta.
P rim averas, após a morte do autor, passara a figurar 1262. Pusemos meu poeta entre vírgulas.
como P oesias A vulsas V. nota 1280, adiante). 1263. Não há vírgula.
1189. exforço, 1264. Falta a vírgula.
1190. ao 1265. Está sem vírgula.
1191. A edição original não traz vírgula. 1266. Acrescentamos a virgula.
1192. Está sem exclamação. 1267. Pusemos vírgula aqui e depois do Adeus dos dois
1193. Falta a vírgula. versos seguintes.
1194. Nas edições Garnier vem com o título de M EU LAR. 1268. As edições posteriores trazem crase sôbre o o, o que,
1195. Suprimimos a virgula. indiscutivelmente, empresta maior beleza ao versa
1196. Acrescentamos a vírgula. Sousa da Silveira, justificando a inclusão do acento,
1197. Pusemos a vírgula. recorda-se dos seguintes versos de Camões iLusiadas,
1198. Porque IX , 6 1 ):
1199. trasborda
1200. Fechamos aspas. “ Pera julgar difícil cousa fôra,
1201. Por que No céu vendo e na terra as mesmas côres,
1202. Sem vírgula. Se dava às flores cõr a bela Aurora
1203. tem Ou se lha dão a ela as belas flores.”
1204. Fechamos aspas.
1205. Sem crase. Na dúvida, entretanto, deixamos como está na edição
1206. Falta a vírgula. de 1859, isto é, sem crase.
1207. O travessão, na edição de 1859, vem depois de também,
e não antes, como deixamos. 1269. Não há vírgula.
1208. Acrescentamos a vírgula. 1270. Sem vírgula.
1271. Acrescentamos a vírgula.
1209. Está sem aspas.
1272. Falta a vírgula.
1210. entumesce o seio/ Falta o ponto final. 1273. olvidio
1211. tem/ Sem circunflexo. V. nota 1203. 1274. Suprimimos a vírgula que existe na edição original.
1212. Pusemos a vírgula. 1275. endeixas,/ Forma única em Casimiro de Abreu. Aqui
1213. Acrescentamos a vírgula aqui e no final do verso foi possível a correção. V. notas 1250 e 1251.
anterior.
1214. Tu dizes oh Mariquinhas/ 1276. Não há vírgula.
1215. Acrescentamos as vírgulas antes e depois de querida. 1277. lodassal
1216. Falta a virgula. 1278. Pusemos vírgula.
1217. Sem a vírgula. 1279. disseste/ Sem s final e sem ponto. Cf. nota 125’ .
1218. Não ha vírgula. 1280. As poesias transcritas sob êste título foram incluídas,
1219. Pusemos Clara entre vírgulas. em ordem de assunto e estilo, por Joaquim Norberto
1220. vêm! de Sousa Silva nas edições Garnier das Prim averas,
1221. Está sem vírgula. e assim conservadas era tôdas as outras que conhe­
1222. Pusemos vírgula aqui e no final do verso. cemos. Como não constam na primeira edição (V.
1223. Acrescentamos a vírgula. nota 1188), e na impossibilidade de recorrermos às
1224. Está ponto final e não admiração. publicações onde foram insertas pela primeira vez,
1225. Sem virgula, na edição original. com exceção da R evista Popular, valemo-nos do texto
1226. vem apurado pelo Professor Sousa da Silveira em sua edi­
1227. Falta a vírgula. ção comemorativa do centenário do poeta (Companhia
1228. Não há vírgula. Editôra Nacional, São Paulo, 1940). Contudo observa­
1229. Pusemos as duas vírgulas neste verso. mos a ordem cronológica.
1230. Está sem virgula. 1281. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856,
1231. Acrescentamos a vírgula. pág. 195. (Cf. Souza da Silveira, Obras de Casimiro de
1232. Sem crase. A breu, Cia. Editôra Nacional, São Paulo, 1940, págs.
1233. d’esse 315/317).
1234. Não está craseado. 1282. Sun vírgula.

[ 828 ]
NOTAS

1283. Falta a vírgula. nem por falsa modéstia: é pela verdade, que eu_ amo,
1284. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, pela verdade, a quem eu gosto de sacrificar tôda a
pág. 173 (Cf. op. cit., págs. 254/259). exterioridade ridícula, tôda a convenção puramente
1285. Publicada in O Panorama, vol. X I I I , Lisboa, Tipo­ social que a possa encobrir. Não posso me alargar
grafia de A. J. F. Lopes, Travessa da Vitória, 52, muito nestas notas, — e me perdoarão alguma cousa
1856, pág. 149 (Cf. op. cit., págs. 243/248). pouco desenvolvida, porque a brevidade não traz ^sem­
1286. Não há virgula. pre a clareza. Si me fôsse lícito deixar de fazê-las,
1287. Está sem virgula. seria melhor. Para quem leu somente o ^prólogo,
1288. Não vem com vírgula. V. nota 1286. são elas inúteis. Quem, porém, teve a paciência de
1289. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, ler sossegado, — o que eu acho difícil, — tôdas essas
pág. 144 (Cf. op. cit., págs. 309/310). composições, a qual mais contraditória em aparência,
1290. Sem vírgula. êsse precisará de alguma cousa mais. Eu não o sa­
1291. Falta a vírgula. ciarei entretanto, porque não posso.
1292. Vera sem vírgula. A peça presente foi impressa há dous anos ou
1293. Não existe virgula. mais no Noticiador Católico. As poucas pessoas que
1294. inspiras lêem êste periódico, aplaudiram — as Páginas do
1295. Não há ponto e vírgula. coração, — nome que lhe dei então, e que, por extra-
1296. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, vaganteraente romântico, risquei agora. É por isso
pág. 147 (Cf. op. cit., págs. 104/107). que estas poucas pessoas gostaram, que eu também a
deixo ir ai./ Nota do Autor, onde lemos: incobrir e
1297. Vera sem vírgula. desinvolvida.
1298. Não está com vírgula. 1337. Substituímos ponto por vírgula.
1299. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, 1338. Porque
págs. 178/179 (Cf. op. cit., págs. 374/378). 1339. viria:
1300. vem 1340. Exempta
1301. Falta a vírgula. 1341. despara
1302. Poesia publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lis­ 1342. inamorados,
boa, 1856, págs. 215 (Cf. op. cit., págs. 383/388). 1343. aerias
1303. tem 1344. Surri também. — E.ste surrizo/ V. nota 1346, adiante,
1304. Há vírgula no final do yerso e não ponto e vírgula, 1345. imprégas/ A seguir: Exforços
como deixamos. 1346. Surri tambera: e seu surrizo/ Abaixo, 2.® e 12.®
1305. Está ponto e vírgula e não virgula. versos vêm repetidas as grafias.
1306. Poesia publicada in O Panorama, vol. X IV , Lisboa, 1347. intregue
1857, pág. 52 (Cf. op. cit., págs. 249/253). 1348. A Antonio Gonsalves Dias./ Abaixo, epígrafe: Gon-
salves/ Esta poesia traz a seguinte nota do Autor:
1307. Publicado in A s Prim averas, 2.« edição, Pôrto, 1866.
págs. 210/215 (Cf. op. cit., págs. 393/399). “ Esta composição era bem digna de ser ofe­
1308. Publicada in R evista Popular, ano 1.°, tomo IV , recida ao Sr. Dr. Gonçalves Dias. Entretanto, há
B. L. Garnier, Rio de Janeiro, pág. 393. dous anos, tive o arrójo bastante imprudente de
lha dedicar! Hoje, sepultado conscienciosamente na
1309. Existe vírgula, que suprimimos. convicção de meu nada literário, devo pedir-lhe o
1310. Apud Goulart de Andrade, Cadeira n.° 6 da Academia perdão de rainha insolência.
B rasileira, Paulo, Pongetti & Cia., Rio de Janeiro,
1931, pág. 88 (Cf. op. cit., págs. 381/382). Adverte Quanto ao pensamento geral dêsse poemeto, dirão
Sousa da Silveira (idem, pág. 382); “ Esta poesia, que há i panteísmo.
bonita e não indigna de Casimiro, foi comunicada a Não o sei. Confesso que não tinha essa inten
Goulart de Andrade por Múcio Teixeira. Não sei ção. Como cousas piores terão de assacar-me ainda,
se Goulart lhe verificou a autenticidade, nem se lhe ealo-me aqui.”/ Está grafado: Gonsalves/
fêz alguma modificação.” Quanto a essa possibilida­ 1349. invilecido
de, remete o leitor a versos de Casimiro corrigidos por 1350. intregue
Goulart, o que “não pode admitir-se, mormente ha­ 1351. psalterion.
vendo sido perpetradas as alterações, como o foram, 1352. Sem a vírgula,
sem sequer ligeira advertência ao leitor. ” (Ibidem , 1353. imbiras
págs. 119/120). 1354. inlaçados
1311. Publicada in R evista Popular, ano 1.®, tomo IV , 1355. imprezas
B. L. Garnier, Rio de Janeiro, pág., 131. Sousa da 1356. Que trebelha brincão/ Pusemos vírgula depois de
Silveira (op. cit., pág. 260) esclarece tratar-se de trebelha e passamos o segundo verbo para o singular.
uma tradução um tanto livre de Victor Hugo e trans­ Cândido de Figueiredo declara trebelhar, no sentido de
creve os versos originais do poeta francês. folgar, brincar, desusado. Cremos que a correção feita
1312. Pusemos virgula. é a única possível para a clareza do verso.
1313. Poesia publicada in As Prim averas, 2.* edição, Pôrto, 1357. ingendra
1866, pág. 217 (Cf. op. cit., págs. 318/319). 1358. Cuberto
1314. Vem sem interrogação. 1359. Cuberta
1315. Poesia publicada in Almanaque de Lem branças Luso- 1360. intôa
-Brasileiro para o ano de 1861, Lisboa, Tipografia 1361. rescender?
Franco-Portuguêsa, 1860, pág. 105 (Cf. op. cit., 1362. incanta
págs. 311/314). 1363. intóa!
1364. fragancia,
1316. intenderdes Surri-se
1317. escarneos/ Grafia única. Não mais a indicaremos. 1365.
1318. bocagiana. 1366. Si incontra
1367. Incontro
1319. incerrado surrir-se
1320. por que 1368.
1369. intender.
1321. insinou, incanto/ No verso seguinte: incobre,
1322. por que 1370.
1323. Anchiettas, 1371. surrir-se
1324. acubertando 1372. insinou
1325. inviava 1373. cumpridas,
1326. invergonbamos, 1374. imbrulhar.
1327. imprehendem 1375. cumpridos,
1328. incontrareis 1376. Insinados
1329. incontro 1377. insinou
1330. intorna-se 1378. que
1331. inlevo 1379. surriste,
1332. imbrutece, 1380. O pensamento desta composição é bebido, quase inteira-
1333. surrizo mente, no autor que canto.
1334. Falta o ponto final na edição original. Eu a dedico ao meu amigo — Odorico — Otávio
1335. surrir. — Odilon. Tão pobre oferta! — Não lhe peço perdão,
1336. Eu conheço o ingênuo descarnado e comum desta peça contudo. Sua alma de poeta está mais acostumada
poética, si seu nome é êste. Tenho vergonha de a amar, do que a perdoar. Conheço-a bastante./ Nota
chamar isto — meu. Não é por orgulho que o digo. do Autor.

[ 829 ]
NOTAS

1381. inxergara desejo. Espera-se mais, e dá menos: espera-se menos,


1382. inxugam-llie e dá mais. Há por isso, duas linguagens para o
1383. Surriram-Ihe os amores incantados,/ Surrizo de doçura. poeta: uma da inspiração ou da razão: outra do ra­
1384. incaneceu-lhe ciocínio ou da inteligência. Há alguma cousa de
1385. desincerra. maquina cartesiana na primeira: porém que máquina
1386. ingasga, sublime!/ Nota do Autor,
1387. Itnbebera
1388. incerra ? 1439. inrija
1389. insinaram 1440. intendendo
1390. Mais 1441. ciparizo
1391. Surrindo-se,
1442. in.soppa.
1392. inlêvos 1443. incontrando
1393. Substituímos ponto por vírgula.
1444. increspados
1394. imbraçar 1445. Substituímos ponto por vírgula.
1395. disfere. 1446. Pusemos virgula,
1396. rescender
1447. imbala
1397. interneci da 1448. Na edição original, entre êste e o verso anterior não
1398. insurdecendo ha o romano V I.
1399. Incostou-se 1449. Está sem virgula,
1400. incanecida 1450. intrego
1401. dislisando 1451. insoppam,/ Adiante, verso seguinte: Innegrecidos,
1402. Subejarão 1452. surnso
1403. invilecida 1453. E stá: scelcratos/ Acrescentamos a vírgula
1404. iramurchece 1454. imbebe.
1405. florecer 1455. longo.
1406. surriem seu surrir 1456. imbevecido
1407. inlêvos 1457. Quem se horripilou pelo_ pobre — judeu — horripi-
1408. testimunbo, iar*se-a, com melhor razão acaso por êste pobre _
1409. inlodadas converso. —
1410. inviados Minha intenção aqui é fazer o libertino, apesar
1411. psalterion. ae seu tom de sátira, apesar de si mesmo, dar clara«
1412. impreza, mente a preferência _à religião cristã. Eu acho que
1413. imraurxaveis, O poeta lírico, — náo só o épico, como queria Cha-
1414. caixos teaubriand, — deve encerrar o universo. É por essa
1415. Substituímos vírgula por ponto final. convicção que eu, em minhas composições, faço-me, __
1416. incontrou. não cético, como dirão, não pirrônico sublimado, qual
1417. insina Montaigne, mas apenas enciclopédico, nome que
1418. inxergo tSo e.scandaloso, que se tem hoje mo­
1419. inxergo dificado pelo de eclético. Eu confesso-me, pois, eclé­
1420. Pusemos vírgula, tico: quero dizer que tenho a ambição de abarcar o
1421. excorrem, mundo, não como Alexandre em seu todo, mas como
1422. brazileo,/ Tôdas as vêzes que aparece na poesia. os Apicios em seu melhor. Si diviso lá num ponto
1423. ^ ceu um crepúsculo de poesia, tomo o pégaso de
1424. Desparam Homero, ou o anjo de Milton, e para lá me arrojo,
1425. intrançava bi sonho que numa caverna do abismo esconde-se uma
1426. estasis figura poética, para lá me encaminho também pela
1427. Nao faço mais, nesta composição, do que desempe­ mao de quem guiou Orfeu, ou pela mão de quem
nhar como podia o papel de judeu. Pobre povo! orgu- guiou o Dante.
Jeová, que julgam que ainda Eu sei que os hipocritamente devassos devotos,
moc porções por todo o mundo, ' segundo a bela^ frase do Sr. Lopes de Mendonça,
mas nao ha fundirem-sc em nem uma nação! Ah' ^ não gostam disso. Ficam todos com os cabelos
uma lagrima siquer sobre ê le s ... O primeiro dever irriçado.s, como se vissem o tal monstro de Vergílio.
do enstao e chorar o desgraçado. Êsses mesmos, que não poderão ouvir sem horror
alguma de minhas insignificantes e mortas canções,
santo horror do que diz o pobre judeu aí. Mas era-me estariam preparados para assistir com tôda a satisfa­
preciso pintar a verdade, ou renunciar a empresa. ção religiosa a um auto-dc-fé, hoje, agora mesmo.
A i! quantos dêles não estarão me olhando de revés,
E ’ o caso de dizer com Beranger: sentindo santas saudades da boa da Inquisição.
Mais il prêche en sot, E com efeito, meu livro, Jano de duas faces, figura
Moi, je ris en sage. versátil de Proteu, que vai se metamorfoseando a
câdâ página, estatua profética de Daniel forjada de
não sei quantos metais, e finalmente de barro, —
imp/e^a^^ Autor, onde lemos: desim penhar e meu livro, pedra de escândalo, insânia de ímpio, igno­
1428. rância de libertino, que entretanto faz mal, — meu
Cuberto pobre livro merece bem a fogueira, e com êle o
1429. ingraçado, renegado, ou apóstata, que o fabricou.
1430. exprimido Eu o reconheço.
1431. insino
1432. intregues, Si fôsse possível, porém, que os homens piedosos
1433. Surrizo me ouvissem, eu lhes diria que meu primeiro ten-
1434. incontro tamen poético, assim como apresento, não é de nem
1435. uma sorte um livro filosófico nem dogmático: eu
surrindo, lhes pediria que não se assanhassem a ponto de alevan-
1436. doctores,
1437. tar-me cadafalsos, como o enfurecido De-Maistre, que
ingula lhes serve de norma: que, conquanto eu receba com
1438. Eu não de^a dizer mais nada acerca dêsse meu re- tôda a paciência própria de meu espirito o epíteto de
aqu1° Claustros. O exposto no prólogo vale para — ímpio que êles me dão, lembrem-se todavia de
que Helvécio, segundo êles mesmos, foi muito ímpio,
Devo, todavia, confessar que em uma e outra e foi ura bom-homem, etc., etc., etc.
com^posiçao ha por demais. Dizem que Napoleão, no Êste meu livrinho não é, como disse já , sínão
rochedo de Santa Helena, exclamara que — não era um acanhado ensaio. E ’ uma pequenina messe, tal
ateu quem o queria ser. — Há pouco tempo também qual é possível com a idade ainda em flor. Os frutos
o grande Kossuth em um célebre — meeting — disse da mocidade são sempre temporãos; mas há de se
que si estivessem em seu lugar, veriam que tinha perdê-los, quando o sol tem obstinadamente esperdi­
«b re, quando era obrigado a repetir discursos. — çado tanto raio para amadurecê-los à fôrça?
Ku digo uma e outra cousa do poeta, talvez com Transparece, portanto, aqui, um estudo rápido
mais verdade. A inspiração ou a razão, segundo o e passageiro, mais como uma ambição versátil, mul­
profundo Cousin, — profundo apesar dos padres, — ticor, incerta, do que como um trabalho metódico,
a inspiraçao ou a razão não é voluntária. A poesia sereno, profundo, — apanágio da idade madura. Há
is o e, o pensamento inspirado não vem segundo o mais desejos, que pensamentos: mais crepúsculo, que

[ 830 ]
NOTAS

luz: mais dúvidas, que proposições: mais pressenti­ sienado, que corri a escrever, com ânsia, êsse espe­
mento, que fé. Há uma vocação ardente, indetermi­ táculo medonho. Saiu uma cousa comum, e entretanto,
nada, insaciável, quase infinita para uma imagem, monstruosa.
que não se define ainda, — para um incógnito, que, Aqui começam minhas composições fúnebres. Ca­
qualquer que seja, deve ser grande. Há uma con­ reciam elas de muitas notas, de muitos esclareci­
templação do imenso, — um desespero talvez. mentos, impossíveis neste livrinho. Eu me reservo para
Creio que o estado de solidão monástica, por espaço mcihor monção.
de três anos, me fêz algum m a l....
f;-me preciso, todavia, dizer uma eousa. No canto
Assim, êste livrinho tornou-se um labirinto, onde fúnebre à morte do meu melhor amigo França-Re-
eu mesmo custo a achar o fio. O que eu sei dizer, bouças, digo que tenho uma alma feita a ura cetieismo
é que foi uma colheita do que, segundo meu gôsto, inato. Ha i quase uma hipérbole poética. Meu ceti­
achei de belo em tudo. A religião do Cristo, — ê.ste cismo não é um pirronismo absoluto, mas essa dúvida
pensamento verdadeiramente digno de Deus, — abas­ que Descartes aconselhava, essa dúvida do Dante:
tava-me de inspirações. Cbe non men che saper, dubbiar m’aggrada.
Não sei si as recolhi tôdas, mas sei que as Isto sou eu, e não mais. Que importa, porém,
copiei bem mal. Nem todos tudo podemos, segundo o que eu seja?/ Nota do Autor, onde está: invergonho
a bela expressão de Vergílio. Ao mesmo passo as
outras religiões, mais ou menos teológicas, mais ou 1485. ingasgo
menos filosóficas, adereçavam-se cada uma com seu 1486. Estrebuxando
belo, e desafiavam-me com êlc. Não me senti bastante 1487. por que
forte para lhes resistir. Foi nesse período, — quem 1488. incanecido
sabe si de tentação? — que escrevi — A REI.IG IA O 1489. exconder-vos
DO POETA, — impressa no Noticiador Catóhco. 1490. ouco
Nessa espécie de bosquejo, que fiz então, das religiões, 1491. integral-a,
percebe-se bem o estado de meu espírito. 1492. exconde
Julgo que, ao dizer isso, sou verdadeiro e franco./ 1493. excondeu
Nota do Autor, onde lemos: incerrar, incaminho, 1494. inrubecem
Virgílio (as duas vêzes que aparece) e infurecido. 1495. Intemccido
1496. Craseado.
1458. incantas 1497. invergonhada
1459. incantadora 1498. infurecido
1460. insinei 1499. inluctam.
1461. insinei 1500. Pusemos a virgula.
1462. involto 1501. exforço
1463. inrola, 1502. Substituímos ponto por vírgula.
1464. involto 1503. Não é possível a mudança ortográfica, as duas vezes
1465. insinei que aparece.
1466. espiro 1504. exconde
1467. O jovem a quem é dedicada esta mesquinha com­ 1505. incontras
posição, conta apenas dezessete a dezoito anos. Eu 1506. Surriu
deposito sôbre o talento dêste moço as mais formosas 1507. Inrolando/ Adiante: involvel-a. . _
esperanças. Nem uma de suas poesias viu ainda luz 1508. Suprimimos a vírgula que se encontra na ediçao ori­
pública. Entretanto tem já em sua voluntária obscuri­ ginal.
dade produzido algumas que lhe merecerão o salve 1509. inluctaram.
de poeta, logo que aparecerem. 1510. imbellecel-o.
Eu ardo por saudá-lo primeiro que todos. Ao 1511. imbebia,
menos, si nem um mérito tenho por mim, conten­ 1512. infeitam.
tar-me-ei com o que resultar, para minha consciência, 1513. infeite
aclamando um gênio. 1514. Está sem virgula.
Sou pontual aqui no dever sagrado, que Pope 1515. infeites
nos impõe, de favorecer o mérito depressa./ Nota do 1516. incorras,
1517. intregar-te
Autor. 1518. incerras!
1468. DOREA. 1519. insinarei
1469. acolxoada 1520. A edição original não traz ponto final.
1470. Pusemos virgula em lugar do ponto que vem na 1521. intôam
edição original. 1522. Sem crase.
1471. innevoado 1523. Eliminamos a crase
1472. Inxugue 1524. intôam
1473. exforços 1525. intorna/ Adiante: incerra,
1474. Dirão que sou cabeça de motim, e que, como pre­ 1526. inxugaste
cipitei-me no abismo, quero arrastar a todos em minha 1527. Intenderás
queda. Inda bem — que eu sei alinguagem dos 1528. surriso.
devotos. 1529. intoar-te
Eu não me atreveria a dirigir esta poesia ao 1530. intendido
1531. insinou.
meu antigo companheiro de claustro c de sofrimento, Involveu
si não conhecesse que .sua alma está muito acima 1532.
1533. Involveu
da alma do frade. Com isto tenho respondido a todos. 1534. infêrmos,/ Pusemos virgula depois de pobres, no final
Talvez mais tarde eu tenha de provar com fatos o do verso.
que acabo de dizer, em uma obrita que tenho plane­ 1535. Por que
jado./ Nota do Autor. 1536. Eliminamos o ponto final que se encontra na edição
1475. ineontro-me original por êrro tipográfico.
1476. Involto/ Adiante: inxergo 1537. intoaram.
1477. internará 1538. invenena.
1478. Craseado. 1539. intoaram.
1479. ingaste, 1540. inxiigam
1480. Falta a crase. 1541. ingolil-os.
1481. Immudece, 1542. Impossível a mudança ortográfica. V. nota 1503,
1482. incontra acima.
1483. ingolir-nos 1543. immudeceu:
1484. Esta composição tinha outro titulo, com o qual foi 1544. Está ponto e não virgula como deixamos,
impressa. Substituí-o por êste pela justa critica de internecida
1545.
um amigo. 1546. Por que
Não obstante, é uma dessas composições, de que 1547. craneo,/ Grafia única. Não mais a indicaremos.
me envergonho. Imprimo-a, porém, — porque pode 1548. Por que
agradar ainda a algum, como agradou já uma vez. 1549. Intornemos
Há algumas pessoas de um gôsto tão esquisito... 1550. Falta a vírgula,
Eu assisti à morte dêste monge, — e pela pri­ 1551. incanto.
meira vez à morte de um homem. Fui tão impres- 1552. Pusemos a virgula.

[831]
KOTAS

1553. Não vera craseado. 1626. Corsel


1554. Pusemos a vírgula. 1627. Coado em dores, expremido em pranitos/
1555. porque 1628. Sem a vírgula,
1556. Falta a vírgula. 1629. incerro
1557. anginho, 1630. Nem dissaba, nem disbanca./
1558. Acrescentamos a vírgula. 1631. Dislisava, qual dislisa/
1559. Está sera vírgula. Abaixo, 3.° verso, vem: 1632. Hei-lo
Rescendera 1633. incêrro/ Cf. nota 1629, acima.
1560. Sentir seus teus modos frios:/ 1634. disama
1561. de órbitas, órbitas/ 1635. Hei-la
1562. Pusemos a crase. 1636. Luís de Camões, no canto oitavo dos Lusíadas, estân­
1563. ligadas cia noventa e quatro, rimou vai do quarto verso com
1564. Imbevecida vai do sexto verso. E no canto décimo-primeiro, es­
1565. Não está craseado. tância cento e quarenta, tereis do primeiro verso com
1566. Falta a vírgula. tereis do quinto; e a não ser enfadonho, citaria so­
1567. Substituímos ponto por vírgula. netos com rimas iguais./ Nota do Autor.
1568. Vera ponto, que trocamos por vírgula. 1637. Falta o ponto final,
1569. Pusemos o ponto final. 1638. rescendendo.
1570. Sem virgula. 1639. disgosto / Abaixo, 13.® verso, está: dislembrada:
1571. Está vírgula em vez de ponto. 1640. À não ser qu’ és meu chará./
1572. Acrescentamos a vírgula. 1641. charás
1573. Eliminamos ponto e virgula e pusemos vírgula no fi­ 1642. algua
nal do verso. 1643. deferimos
1574. Falta a virgula. 1644. Pusemos virgula.
1575. Vem sem ponto. 1645. Acrescentamos virgula aqui e no final do verso ante­
1576. anginhos/ V. nota 1557. rior. E stá: ingenho/
1577. Está sem vírgula. 1646. estra :
1578. Suprimimos a vírgula que vem na edição original. 1647. imbebedar.
1579. Eliminamos a virgula. 1648. Acrescentamos exclamação.
1580. arrostrei 1649. Desinruga
1581. Substituímos vírgula por ponto. 1650. Pusemos ponto e virgula aqui e vírgula no final do
1582. Está ponto e virgula. verso anterior. A edição que seguimos não traz titulo
1583. porque na poesia,
1584. Pusemos a virgula em lugar do ponto. 1651. caças
1585. incarnada, 1652. Está sem virgula.
1586. Substituímos ponto por virgula. 1653. Incantrado/ As duas vêzes.
1587. O verso não traz o ponto final. 1654. chagar
1588. Vem sem vírgula. 1655. Não há ponto no final dêste verso nem virgula no do
1589. Incarnar anterior.
1590. Rrasileas, 1656. Pusemos dois pontos.
1591. Tinha 1657. Acrescentamos a virgula.
1592. Não está cora vírgula. 1658. Vem sem virgula.
1593. Pusemos dois pontos. 1659. Falta a virgula.
1594. Falta a vírgula. 1660. Pusemos a vírgula,
1595. Substituímos vírgula por ponto. 1661. advinha ?
1596. Está ponto em vez de virgula. 1662. fraterno peitos
1597. Acrescentamos o ponto final. 1663. virgínio
1598. A edição original não traz ponto. 1664. anginho/ V. notas 1557, 1576 e 1602.
1599. Falta a vírgula. 1665. Não existe crase,
1600. drasilias 1666. hivernal
1601. de 1667. Pusemos dois pontos.
1602. anginho/ V. notas 1557 e 1576. 1668. Eliminamos a crase.
1603. o viagente, 1669. Disarraigue
1604. Ah! nem só ser supremo/ 1670. Tupetar
1605. Respondam 1671. Sem virgula.
1606. Não é possível a mudança ortográfica. V. notas 1503 1672. Acrescentamos a virgula.
e 1542. 1673. O titulo sòmente se lê na relação das poesias espar-
1607. corsel sas publicadas no fim da edição que transcrevemos.
1608. Pusemos a virgula. 1674. Pusemos virgula.
1609. Suprimimos a vírgula que se acha no final do verso. 1675. sánia
1610. ancia, 1676. Sem vírgula, tôdas as vêzes que aparece até o tér­
1611. rescendendo mino da poesia.
1612. Acrescentamos a vírgula. 1677. Pusemos dois pontos.
1613. ancia,/ N. nota 1610, acima. 1678. Falta o ponto final.
1614. Entre êste e o verso anterior há entrelinha na edição 1679. Acrescentamos o ponto.
original. 1680. Ao iniciarmos a transcrição das poesias de Fagundes
1615. barbado Varela, cumpre-nos deplorar a edição das suas Obrp
1616. Sera crase. Completas, lançada em três volumes pela Livraria
1617. Está sera o ponto final. Garnier em 1886, organizados e revistos por Visconti
1618. Pusemos vírgula aqui e no final do verso seguinte. Coaracy. Possuído de excessivo zêlo revisor, intro­
1619. Vem sem virgula. duziu substancialmente alterações na pontuação, cor­
1620. Eliminamos o ponto que está na edição original. rigindo versos que não lhe pareciam bem postos, nuro
1621. Falta a vírgula. desrespeito patente aos textos varelianos das primei
1622. a ras edições.
1623. bolções Era Noturnas, na poesia “ Arquitétipo”, modifi­
1624. Divulgado no estudo sôbre Junqueira Freire de Fran- cou dois dos seus versos, a despeito mesmo da segun­
klin Doria inserto nas Contradições P oéticas da Divra- da edição:
ria Garnier, ed. cit. págs. 32/34. A Poesia provocava o sono.
1625. Daqui em diante transcrevemos tôdas as poesias es­ por
parsas da edição Zélio Vai verde (Coleção “ Grandes R a poesia lhe causava sono;
Poetas do Bra.sil”/ Poesias Completas/ de/ Junqueira Do que um filho de Albion, mais volúvel.
Freire/ II/ Contradições Poéticas/ e/ Poesias espar­ por
sas e inéditas/ Livraria Editora Zelio Valverde/ Trav. Do que um filh o de Albion, mais v ário;
Ouvidor, 27 - Caixa Postal 2956/ Rio - 1944) publi­ Era “ Sôbre um Túmulo” transformou êsses dois
cadas de páginas 136 a 183. versos :
Segundo Afrânio Peixoto, esta poesia é continua­ Roam-te o ódio, — a maldição, — o olvido,
ção de M editação, impressa nas In spirações do Claustro E quando as turbas levantar-se um dia,
e numerada de I a V, assim terminando: em
Deixa-me entregue na soidão da noute Roam-te o ódio, a maldição, o olvido;
À reflexão. E quando as turbas um dia ressurgirem.

[ 832 ]
NOTAS

Era “A Enchente” corrigiu: 1733. Não vem com a vírgula.


— Barqueiro alento I chegando em terra, 1734. Falta a virgula.
para 1735. Pusemos a virgula.
— Barqueiro, alento! em ehegando a terra. 1736. O verso não traz pontuação alguma.
1737. Salve oh! florestas sombrias,/ Salve oh broncas pe­
Até ao “Cântico do Calvário” levou a investida: nedias/
Com seu dedo real selou-te a fronte,
1738. Acrescentamos virgula aqui e no final do verso
e conseguiu digitalmente um plural:
anterior.
Com seus dedos reais selou-te a fronte.
1739. Falta a vírgula.
E assim um grande número de versos. 1740. Sem a vírgula.
Se o trabalho do organizador teve o mérito de 1741. Por não eonseguirmos em São Paulo a primeira edição
reunir tôda a produção do poeta, por outro lado foi de Vozes da A mérica, publicada em 1864, baseamo-nos
diretamente causador das péssimas publicações que se em um exemplar da segunda, pertencente à Biblioteca
lhe seguiram. Em verdade pode-se considerar Varela, Municipal (Vozes da Amcriea/ Poesias/ de/ L. N.
entre nós, em matéria de edições, como o mais sacri­ Fagundes Varella/ Segunda edição, correcta e augmen-
ficado dos poetas de seu tempo. tada/ Porto/ Typographia de Antonio José da Silva
Para o primeiro livro de Fagundes Varela, nesta Teixeira/ 62, Rua da Cancella Velha, 62/ 1876).
edição, utilizamo-nos do único exemplar que consegui­ 1742. Está craseado.
mos compulsar, do patrimônio da Biblioteca Nacional. 1743. Pusemos a crase.
Não traz fôlha de rosto, e é bem possível que não a 1744. A locução não vem craseada.
tivesse, em vista da publicação seriada a subscritores, 1745. Eliminamos a crase.
conforme se lê no Aviso ao Autor. O livro Noturnas 1746. Com crase.
foi em 1876 incorporado à segunda edição de Vozes 1747. Suprimimos a virgula no final do verso,
da América, impressa no Porto era 1876 e onde vêm, 1748. Eliminamos a virgula.
pela primeira vez, reunidas as Avulsas. 1749. Ilá vírgula.
1681. Pusemos a vírgula. A poesia N évoas foi publicada, 1750. Sem vírgula.
com alterações, nos Cantos M eridionais. Cf. nota 1751. Falta a crase.
1950. 1752. Acrescentamos a vírgula.
1682. Está .sem a vírgula. 1753. Suprimimos a vírgula.
1683. Disfrutar 1754. Tiramos a vírgula.
1684. á 1755. Craseado.
1685. Sem vírgula e sem crase na locução. 1756. Pusemos a vírgula,
1686. Acrescentamos a vírgula. Vem a seguir grafado: 1757. ortiga
Bethovcn/ 1758. Embora á furto, á medo,/
1687. Pusemos as duas vírgulas no verso. 1759. Não existe travessão no iníeio do verso,
1688. Sem a vírgula. 1760. encandecente
1689. Não está cora vírgula. 1761. Acreseentamos a vírgula.
1690. Ruge ohl 1762. Substituímos ponto por dois pontos.
1691. Acrescentamos a vírgula. 1763. Pusemos a vírgula.
1692. Pusemos a vírgula. 1764. Êste poema foi composto em uma viagem que fêz o
1693. Vem sem crase. autor ao interior da provineia de São Paulo.
1694. Possível a mudança ortográfica, porém paroxltono nc Tendo porém perdido uma grande parte, e sendo
texto. instado por amigos para que o eoncluisse, viu-se na
1695. Falta a vírgula. necessidade de ajuntar algumas lembranças que ainda
1696. Não está craseado. lhe restavam, e eontinuá-lo da maneira era que está.
1697. Sem a crase. ü que apenas escapara são as estrofes regulares
1698. Acrescentamos a vírgula, depois de tu, aqui e no e rimadas da primeira parte, comêço da segunda, e
outro do verso seguinte. epílogo.
1699. Eliminamos a vírgula. Os versos brancos substituem o que se tinha
1700. Pusemos a vírgula. Tristeza foi publicada, com pro­ extraviado./ Nota da segunda edição.
fundas alterações, nos Cantos M eridionais, sob o titulo
Noturno. V. nota 1987. 1765. Sem a vírgula.
1766. Eliminamos a vírgula.
1701. Substituímos vírgula por ponto e vírgula. A poesia 1767. Não vem com vírgula.
A Enchente foi publicada, cora alterações, nos Cantos 1768. Suprimimos a vírgula,
Meridionais, V. notas 1950 e 1956. 1769. enrubece
1702. Não está com vírgula. 1770. Falta a vírgula.
1703. Acrescentamos a vírgula. 1771. Pusemos a vírgula.
1704. Sem a vírgula. 1772. Sem a vírgula.
1705. Falta a vírgula. 1773. Tiramos a vírgula,
1706. Pusemos a vírgula. 1774. enrubece/ V. nota 1769.
1707. Suprimimos vírgula. 1775. Acrescentamos a vírgula.
1708. Acrescentamos a vírgula e eliminamos a que vera no
1776. Não está com a vírgula.
final do verso seguinte.
1709. A edição Garnier traz o título do livro modificado 1777. Rossam
para PENDAO A U R IV ER D E. 1778. Falta a vírgula.
1779. Paroxítono no texto.
1710. Vem craseado. 1780. Está sem a vírgula.
1711. Falta a vírgula. 1781. Não está craseado.
1712. Pusemos a vírgula.
1713. Erguei-vos Brazileo 1782. encandecente/ V. nota 1760. A poesia Napoleão foi
1714. Vem grafado: W ILIA M publicada, com alterações, nos Cantos M eridionais, sob
1715. Craseado. o título de O Espectro de Santa Helena. V. nota 1960.
1716. Não está com a vírgula. 1783. Sem a flexão do plural.
1717. Acrescentamos a vírgula. 1784. In fân cia e Velhice não vem publicada em Vozes da
1718. Está com crase. Am érica nas edições das Obras Completas da Livra­
1719. Falta a vírgula. ria Garnier, aparecendo somente em Cantos M eridio­
1720. Pusemos a vírgula. nais sob o título de A Criança. V. nota 1973.
1721. Sem a vírgula. 1785. Acrescentamos a vírgula.
1722. Não vem craseado. 1786. Está craseado.
1723. Acrescentamos a vírgula. 1787. Pusemos a vírgula.
1724. Está sem a vírgula. 1788. Eliminamos a crase. A poesia Deixa-m e! foi incluída,
1725. Falta a vírgula.
1726. Brazilea com ligeiras modificações, nos Cantos M eridionais, sob
1727. Pusemos a vírgula. o título de Expiação. V. nota 1978.
1728. Não está craseado. 1789. Craseado.
1729. Pusemos as duas vírgulas neste e no verso anterior. 1790. Suprimimos a crase.
1730. Acrescentamos a vírgula. 1791. Rossava/ Quanto à poesia O Vagalume, publicada
1731. Sem a vírgula. também nos Cantos do Êrmo e da Cidade, v. nota
1732. Sera o ponto final. 2131.

[ 833
NOTAS

1792. Pusemos crase e vírgula no final do verso. 1865. Não vem com a virgula.
1793. Craseado. 1866. Está sem a vírgula.
1794. Com crase. 1867. Colocamos a virgula.
1795. Eliminamos a virgula. 1868. Não está com a crase.
1796. escamcos,/ Grafia única. Não mais a apontaremos. 1869. brasileas
1797. Vem craseado. 1870. Acrescentamos a virgula.
1798. Não está com a crase. Esta poesia foi publicada, com 1871. brasileas/ V. nota 1869.
alterações, nos Contos M eridionais, sob o titulo de 1872. Falta a virgula.
A Uma M ulher. V . nota 2003. 1873. Pusemos a vírgula.
1799. Suprimimos a virgula. 1874. como
1800. Craseado. 1875. anginhos
1801. As edições Garnier completam o verso: Captivem-na, 1876. borborinho
insensatos! . . si ousarem. . . / 1877. Pusemos virgula antes e depois de quem sabe. as
1802. Sem pontuação. Pusemos admiração de acordo com duas vêzes.
o último verso da poesia. 1878. Acrescentamos a virgula.
1803. Eliminamos a crase. 1879. Suprimimos a virgula.
1804. pouco á pouco á um/ 1880. Eliminamos a vírgula.
1805. áquclle 1881. Infelizmente, as versões do Cântico do Calvário que
1806. Acrescentamos a vírgula. correm impressas, em tôdas as edições do poeta e
1807. borborinho enlanguecido/ antologias, ba-seiam-se no texto corrigido por Visconti
1808. Pusemos a virgula. Coaracy. Para avaliar-se as profundas alterações
1809. Sem a virgula. introduzidas na pontuação, transcrevemos os primeiros
1810. Irmãos versos da primeira edição Garnier:
1811. Craseado./ V. nota 1814, abaixo.
1812. Está sem a vírgula. Eras na vida a pomba predileta
1813. Falta a crase. Que sôbre um mar de angústias conduzia
1814. Eliminamos a crase./ V. nota 1811, acima. O ramo da esperança ! . . . eras a estrela
1815. craneo/ Grafia única. Não mais a apontaremos. Que entre as névoas do inverno cintilava
1816. A L U C IL IA Apontando o caminho ao pegureiro!. . .
1817. ácima Eras a messe de um dourado e s tio l...
1818. febrentes Eras o idílio de ura amor su b lim e!...
1819. Vem craseado. Eras a glória, a inspiração, a pátria,
1820. CH ILD-HAROLD O porvir de teu pai! — Ah! no entanto.
1821. Sem a vírgula. Pomba — varou-te a flecha do destino 1
1822. Falta a virgula. Astro — enguliu-te o temporal do norte!
1823. Pusemos a virgula. Teto — caiste! Crença — já não vives!
1824. Está sem a crase.
1825. Pusemos virgula aqui e no final do verso seguinte. 1882.
corsel ? . . .
1826. Acrescentamos a virgula. 1883.
Tiramos a vírgula.
1827. Está sem a vírgula. 1884.
Está sem a vírgula.
1828. Falta a virgula. Quanto a esta poesia, vide nota 1885.
anginhos,
1913, em Cantos e Fantasias. 1886.
Na edição original falta o pronome, vindo apenas vejo
1829. Sem a virgula. ainda, talvez por êrro de revisão.
1830. Não está com a virgula. 1887. Não há pontuação no final do verso por falha tipo­
1831. Acrescentamos a virgula aqui e no final do verso se­ gráfica. A edição Garnier traz exclamação e reti­
guinte. cências.
1832. Vem craseado. 1888. Falta a virgula.
1833. Eliminamos a crase. 1889. Colocamos a virgula.
1834. Após esta composição, e antes do inicio dos Fragm en­ 1890. Eliminamos a virgula que existe aqui e pusemo-la no
final do verso anterior.
tos, a edição que transcrevemos apresenta a seguinte
nota: "A urora, E cos do C árcere c o E xilado, foram 1891. Paroxitono no texto.
inspirados pela leitura das belas páginas bíblicas de 1892. Sem a vírgula.
Lamennais. 1893. Sic, paroxitono.
Childe-H arold, imitado do canto a — In ê s, no 1894. Suprimimos a vírgula.
poema do mesmo nome, de Byron. ”/ Vem grafado 1895. Tiramos a vírgula.
Child-IIarold. 1896. Eliminamos a virgula.
1835. Craseado./ V. nota 1842. 1897. Pusemos admiração.
1836. Pusemos a virgula. 1898. Falta a vírgula.
1899. Está sem a virgula. No verso seguinte, sic, pharo,
1837. A o mesmo que pharol ou farol.
1838. Acrescentamos a virgula. 1900. A edição Garnier traz o verso modificado:
1839. Suprimimos a vírgula. Vejo-te, ao pôr do sol, formosa imagem,/
1840. Sem a virgula. eliminando a virgula do verso anterior.
1841. Eliminamos a virgula. 1901. Suprimimos a virgula. O verso seguinte começa na
1842. Craseado./ V. nota 1835, acima. edição Garnier com Do.
1843. Tiramos a virgula. 1902. Tiramos a vírgula.
1844. Substituímos virgula por ponto e virgula. 1903. Está E , contrariando a lição dos dois versos iguais
1845. Vem craseado. seguintes.
1846. Falta a virgula. 1904. Vem com virgula que suprimimos em vista dos versos
1847. Substituímos virgula por ponto e colocamos virgula iguais. Cf. nota anterior.
no final do verso seguinte. 1905. palleo
1848. Pusemos a virgula. 1906. Substituímos ponto e virgula por dois pontos.
1849. restea/ Não é grafia única no Autor. 1907. Falta a virgula.
1850. Craseado. 1908. Eliminamos a virgula e substituímos, no verso se­
1851. As edições Garnier trazem, com acêrto, mar, em vez guinte, ponto final por interrogação, em obediência aos
de amor, como está na edição que transcrevemos. versos terminais da poesia.
1852. Acrescentamos a virgula. 1909. Suprimimos a vírgula.
1853. Craseado. 1910. formoso
1854. Colocamos a vírgula. 1911. Tiramos a vírgula.
1855. Pusemos a vírgula. 1912. A edição original não traz pontuação depois de cla­
1856. Não está com a vírgula. ridade.
1857. Sem a vírgula. 1913. Esta composição foi refundida para a inclu so nos
1858. Falta a vírgula. Cantos e Fantasias, tendo aparecido a primeira vez
1859. Pusemos a crase. em Vozes da A m érica, sob o título de O Mar. Vis­
1860. Não há travessão no início do verso. conti Coaracy eliminou a nova versão nas Obras
1861. Sem o travessão. Completas, conservando indevidaraente apenas a ante­
1862. baptisãrão-o rior, de Vozes da A mérica. A segunda edição das
1863. Acrescentamos a virgula. Vozes inclui a poesia na versão antiga, apesar da
1864. Pusemos a vírgula. declaração de que foram aproveitadas as versões cor-

[ 834]
NOTAS

rígidas pelo próprio poeta. Não nos parece verdade: alterações, nos Cantos M eridionais. A edição de Vis­
Varela não refundiria a poesia um ano apôs, para conti Coaracy traz as duas versões. V. nota 1788.
retomar à forma primitiva. 1979. Acrescentamos a virgula.
1914. florecêrão 1980. Publicado, na mesma ver.são, em Cantos Religiosos,
1915. Eliminamos a virgula. como Hino para a Noite de Natal, e não Noite de
1916. corseis. São João, como está na edição original. V. nota 3015.
1917. Craseado./ Cf. nota 1833. 1981. Eliminamos a virgula.
1918. Trahcm 1982. Craseado.
1919. bagagens 1983. dilirios:
1920. prescito 1984. Sem a virgula.
1921. Falta a pontuação na edição oiiginal. 1985. Falta a vírgula.
1922. florecidos 1986. Não há vírgula. Está Mixto.
1923. Pusemos a virgula. 1987. Noturno é a poesia Tristeza de Noturnas quase que
1924. Suprimimos a vírgula. totalmente refundida. V. nota 1700.
1925. Acrescentamos a vírgula. 1988. Está ponto e vii'gula, e não vírgula.
1926. Sem a vírgula. 1989. Suprimimos a virgula.
1927. destcnde 1990. Pusemos a virgula.
1928. Tiramos a vírgula. 1991. Tiramos a virgula.
1929. Não vem com a virgula. 1992. Sem a virgula.
1930. Falta a vírgula. 1993. yassanan.
1931. Eliminamos a vírgula. 1994. Falta a virgula. Acima, segundo verso, está molhem,
1932. Suprimimos a virgula. e não molhe como deixamos.
1995. A edição Garnier traz o verso alterado, não sabemos
1933. Tiramos a virgula. por que razão, para: Te levanta e vem, mimosa!/
1934. E.stá sem a vírgula.
1935. Acrescentamos a vírgula. 1996. Sem a vírgula.
1997. Acrescentamos a vírgula.
1936. Não está craseado. 1998. Pusemos a virgula aqui e no final do verso anterior.
1937. Falta a vírgula. 1999. Colocamos vírgula. Idem, no final do verso anterior.
1938. Sem a vírgula. 2000. Falta a vírgula.
1939. rastegem,
1940. Pusemos a vírgula. 2001. Não há vírgula.
1941. Sem a virgula. 2002. tem/ Sem a flexão do plural.
2003. Colocamos vírgula aqui e depois de florinha, no verso
1942. Falta a vírgula. seguinte. Esta poesia apareceu primitivaraente, em
1943. Acrescentamos a vírgula. Suprimimos a virgula de­ outra versão, em Vozes da América, sem titulo, co­
pois de exageração, segundo verso acima. meçando por: Porque te afogas, ó irmã dos anjos,
1944. a furia etc. V. nota 1798.
1945. Eliminamos a vírgula que existe aqui e colocamo-la 2004. néscios
no final do verso seguinte. 2005. Está de, êrro de revisão?
1946. Suprimimos a virgula. E stá: dilirios 2006. Cortamos a virgula daqui e passamo-la para o final
1947. Tiramos a virgula. do verso.
1948. Sem a vírgula. 2007. Craseado.
1949. Pusemos a virgula. 2008. Suprimimos a virgula.
1950. Ê a primeira poe.sia de Noturnas, refundida para pu­ 2009. Falta a vírgula.
blicação nos Cantos Meridionais. A edição Garnier, 2010. enchurradas
de Visconti Coaracy, conserva ambas as versões. Pro­ 2011. A edição original não traz pontuação no verso; a de
cedimento igual não teve o organizador para a poesia Visconti Coaracy, interrogação.
A Enchente, também refundida para os Cantos M eri­ 2012. Não está craseado.
dionais, que somente aparece na primitiva versão das 2013. precisa
Noturnas. V. notas 1681 e 1956. 2014. Acrescentamos a vírgula.
2015. Pusemos a vírgula.
1951. Não está craseado. Abaixo, quarto verso, vem gra­ 2016. eram
fado: transas 2017. Não existe pontuação no final do verso.
1952. Falta a virgula. 2018. Está sem a virgula.
1953. dispertar 2019. Falta o ponto final.
1954. Pusemos vírgula aqui e no final do verso seguinte. 2020. dilirar!
1955. Não vem craseado. Abaixo, 3.“ verso da oitava se­ 2021. Colocamos a vírgula.
guinte, pusemos virgula depois de História. 2022. Sem a vírgula.
1956. Publicada primitivamente em Noturnas, V. notas 1701 2023. Está o em vez de ao.
e 1950. 2024. Eliminamos a virgula.
1957. entumescido 2025. transas
1958. Sem vírgula, tôdas as vêzcs. 2026. Falta a vírgula.
1959. rouxeadas 2027. Acrescentamos a vírgula.
1960. Publicada em Voses da Am érica sob o título de 2028. O verso não traz pontuação.
Napoteão e refundida para os Cantos M eridionais. A 2029. Pusemos a vírgula.
edição de Visconti Coaracy traz novamente a primi­ 2030. Suprimimos a vírgula.
tiva versão. V. nota 1782. 2031. Não está com a vírgula.
2032. Vem sem a crase.
1961. Venham 2033. Falta a vírgula.
1962. Falta a vírgula. 2034. Colocamos a vírgula.
1963. Pusemos a vírgula. 2035. Pusemos o travessão.
1964. Tiramos a vírgula e colocamo-la no final do verso 2036. Acrescentamos a vírgula.
seguinte. 2037. Sem a vírgula.
1965. Suprimimos a virgula. 2038. Não existe a vírgula.
1966. Não há vírgula. 2039. O verso não traz pontuação.
1967. Sem a vírgula. 2040. Falta o ponto.
1968. Pusemos a vírgula. 2041. Está sem a vírgula.
1969. Acrescentamos a vírgula. 2042. simelhava!
1970. Eliminamos a vírgula. 2043. transas
1971. londus, 2044. Pusemos a vírgula.
1972. transas 2045. Não há pontuação no final do verso.
1973. Refundida para os Cantos M eridionais, tendo apare­ 2046. Acrescentamos a vírgula.
cido a primeira vez em Vozes da A m érica, sob o tí­ 2047. Colocamos as duas vírgulas no verso.
tulo Infância e Velhice. V. nota 1784. 2048. Falta a vírgula.
1974. Falta o artigo antes de aurora e pusemos vírgula 2049. cannaveal
depois de inocentes, 4.® verso abaixo. 2050. caxaça
1975. Tiramos a vírgula. 2051. caxirabos
1976. absintio, 2052. O verso vem sem as duas vírgulas. Está: indiffinivel/
1977. Está sem a virgula. 2053. Substituímos vírgula por ponto e vírgula.
1978. Publicada, a primeira vez, cm Vozes da A mérica, sob 2054. dilirios
o titulo de üeixa-m et, e aproveitada, com pequenas 2055. Sem a crase.

[ 835 ]
KOTA s

2056. Pusemos a vírgula. 2133. Craseado.


2057. Falta a vírgula, 2134. Acrescentamos a virgula.
2058. roixos 2135. Colocamos as duas vírgulas no verso.
2059. Acrescentamos a vírgula. 2136. Pusemos a vírgula aqui e depois de Tu, no verso
2060. Substituímos vírgula por ponto e vírgula. seguinte.
2061. Está vírgula e não ponto e vírgula. 2137. Sem a vírgula.
2062. Colocamos a vírgula. 2138. dóceis/ Grafia única. Não mais a apontaremos.
2063. Não há vírgula. 2139. Falta a vírgula.
2064. Vem sem a vírgula. 2140. Acrescentamos a vírgula.
2065. Substituímos vírgula por ponto e vírgula. 2141. Sem a vírgula.
2066. Pusemos as duas vírgulas no verso. 2142. Não há vírgula.
2067. Sem a vírgula. 2143. Pusemos a vírgula.
2068. Falta a vírgula. 2144. Falta a vírgula.
2069. Está sem a vírgula. 2145. Acrescentamos a vírgula.
2070. Substituímos ponto por vírgula. 2146. Colocamos a vírgula.
2071. Não está com travessão. 2147. Outro
2072. Acrescentamos a vírgula. 2148. Sem a vírgula.
2073. Eliminamos a vírgula no final do verso. 2149. Não vem com a vírgula.
2074. Vem ponto e vírgula, e não vírgula como deixamos. 2150. da cachoeira.
2075. Colocamos a vírgula. 2151. contão
2076. Craseado. 2152. Está sem a vírgula.
2077. rossar-te 2153. Pusemos a vírgula.
2078. Cortamos a vírgula e passamo-la para o final do verso. 2154. Falta a vírgula.
2079. Está : do/ 2155. Eliminamos a vírgula.
2080. Tiramos a vírgula que vem na edição original. 2156. Acrescentamos a vírgula.
2081. Pusemos a vírgula. 2157. Vem sem a vírgula.
2082. dilirios 2158. E
2083. Eliminamos a vírgula. 2159. horrosas?
2084. Pusemos a vírgula. 2160. Colocamos a virgula.
2085. Acrescentamos a vírgula, 2161. Suprimimos a virgula.
2086. vem/ Sem a flexão do plural, 2162. Falta a vírgula.
2087. no sertão. 2163. anginho
2088. Craseado. 2164. Sem a vírgula.
2089. Colocamos a vírgula. 2165. Pusemos o travessão.
2090. Sem a vírgula, 2166. Não está cora a vírgula.
2091. relé. 2167. Craseado.
2092. Falta a vírgula. 2168. refega
2093. Cruenta no fim!/ 2169. Colocamos a vírgula.
2094. O verso não traz pontuação. 2170. pateo
2171. Sem a virgula.
2095. Tiramos a vírgula. 2172. A palavra voe vem omitida na edição original.
2096. Sem a vírgula. 2173. pateo/ Grafia única. Não mais a apontaremos.
2097. Falta a contração do no verso. 2174. Eliminamos a virgula.
2098. Entre este e o verso seguinte, na edição original, por 2175. Tiramos a virgula.
êrro tipográfico, há entrelinha, que deveria estar sobre 2176. Tem/ Sem o circunflexo.
o quarto verso acima. 2177. Falta a vírgula.
2099. Não há pontuação no verso.
2100 . Pusemos as duas vírgulas no verso.
2178.
2179.
bruxoleia
Acrescentamos a vírgula.
2101 . Colocamos travessão no inicio do verso. Vem gra­ 2180. Pusemos a vírgula.
fado: doctor!/ E , terceiro verso abaixo, está: Quichote. 2181. Sem a virgula.
2102 . Sem a vírgula. E stá: Arrange!/ 2182. Colocamos a vírgula.
2103. A edição Garnier corrige o verso, trazendo: Falavam: 2183. Complice
“ Sê tu bem vindo!/ 2184. A presente edição de A nchieta ou O Evangelho «ai
2104. Perdestes Selvas foi feita à vista do manuscrito original de
2105. Não existe o travessão inicial. Varela, que se encontra na Biblioteca Municipal de
2106. Eliminamos a vírgula. São Paulo. Contém a seguinte anotação: “ Êsse ma­
2107. A edição Garnier traz alterado o verso: Subitânea luz nuscrito pertenceu ao Dr. Ernesto Germack Possolo,
sinistra/ que foi amigo e colega de Luís N. F . Varela, e quem
2108. Acrescentamos os dois travessões no verso. primeiro editou essa obra. Tem sido sempre conser­
2109. Falta a vírgula. vado cm poder de seu filho até a presente data”
2110 . Está sem a vírgula. (1913?).
2111 . Colocamos a vírgula. A primeira edição (Anchieta/ ou/ O Evangelho
2112 . Pusemos amigo entre vírgulas. nas Selvas/ Poema de/ L. N. Fagundes Varella/ Rio
2113. Sem a vírgula. de Janeiro/ Livraria Imperial/ de E. G. Possolo,
2114. Falta a vírgula. editor/ 81 Rua do Ouvidor 81 (antigo 87)/1875/) foi
2115. Colocamos a vírgula. publicada com a pontuação alterada em vista da defi­
2116. Substituímos admiração por interrogação. ciência do poeta nesse sentido. Com base nessa edição
2117. Acrescentamos a virgula. é que Visconti Coaracy organizou a sua, para as Obras
2118. Suprimimos a vírgula. Completas da Livraria Garnier. É óbvio que levou
2119. Sem o travessão. ainda mais adiante os exageros na pontuação. . .
2120 . Falta a vírgula. A edição que ora organizamos restitui fielmente
2121. A edição Garnier, de Visconti Coaracy, traz o verso a pontuação primitiva.
alterado: Dê-me então sem mais rodeios/ Vem grafado A nchietta, tôdas as vêzes que apa­
2122 . Pusemos a virgula. rece no manuscrito.
2123. Colocamos a vírgula. 2185 c 2186. Pusemos virgula.
2124. Acrescentamos a vírgula. 2187. Pessonhas
2125. Sem a virgula. 2188 a 2191. Sem vírgula.
2126. Está deixas, em vez de deixaste, por falha tipográ­ 2192. Não vem craseado.
fica. 2193. com
2127. Não está craseado. 2194 a 2196. Pusemos virgula.
2128. Sem a crase. 2197 e 2198. Sem vírgula.
2129. Falta a vírgula. 2199. Colocamos a crase.
2130. Pusemos a vírgula. 2200. Acrescentamos vírgula.
2131. Publicada também cm Voxes da A m érica, onde figura 2201. protejes
nas edições Garnier. A versão acima transcrita deve 2202. Suprimimos vírgula.
ser considerada como a definitiva, e não a inserta na 2203. pirigrinos
edição de Visconti Coaracy. V. nota 1791. 2204. duro
2132. Pusemos a vírgula aqui e depois de triste, no verso 2205 e 2206. Pusemos virgula.
seguinte. 2207. Eliminamos virgula.

[ 836 ]
NOTAS

2208. Sem vírgula. Está: Golgote/ 2332 a 2334. Colocamos vírgula.


2209. Tiramos vírgula. 2335. Vem/ Sem circunflexo.
2210. Pusemos travessão depois da América. 2336 e 2337. Sem vírgula.
2211 e 2212. Sem vírgula. 2338. doctrinava
2213. brazileas,/ Grafia única. Não mais a apontaremos. 2339. Pusemos vírgula.
2214. Suprimimos vírgula. 2340. Está sem travessão.
2215. massa, — 2341. Não vem com crase.
2216. Tiramos vírgula. 2342 a 2348. Acrescentamos vírgula.
2217 e 2218. Sem crase. 2349. Tiramos vírgula.
2219. romage: 2350. Colocamos vírgula.
2220 a 2223. Pusemos vírgula. 2351. Suprimimos vírgula.
2224. Sem travessão. 2352. Pusemos vírgula.
2225. Acrescentamos virgula. 2353. Eliminamos vírgula.
2226. Não está craseado. 2354. Sem crase.
2227 e 2228. Pusemos virgula. 2355. incarnação
2229. Eliminamos vírgula. 2356. Acrescentamos vírgula.
2230. Colocamos vírgula. 2357. doctrinas
2231. corsa 2358. Colocamos vírgula.
2232. Sem virgula 2359. a
2233. Não vem com crase. 2360. Sem crase.
2234. Suprimimos vírgula. 2361 a 2376. Pusemos vírgula.
2235. Acrescentamos vírgula. 2377. perigrinos. .
2236. Colocamos virgula. 2378. Falta a vírgula no manuscrito e nas duas edições
2237. messagciro seguintes.
2238. Tiramos virgula e substituímos, no final do verso, 2379 a 2383. Colocamos vírgula.
ponto por virgula. 2384. viridantes
2239 e 2240. Pusemos virgula. 2385 a 2397. Sem vírgula.
2241. Eliminamos vírgula. 2398. sonbra
2242 c 2243. Sem vírgula. 2399 a 2404. Acrescentamos vírgula.
2244. incarnação 2405. doctrinas;
2245 a 2250. Pusemos vírgula. 2406 e 2407. Pusemos vírgula.
2251. Maritania 2408. dispertava
2252. Não está craseado. 2409. Tiramos vírgula.
2253 a 2255. Sem virgula. 2410 a 2412. Acrescentamos vírgula.
2256. Falta a crase. 2413. palleo , í. , j
2257. Dilicias 2414. Substituímos vírgula por ponto e vírgula no final do
2258. Acrescentamos vírgula. verso, e suprimimos ponto e vírgula no do seguinte.
2259. Dos 2415. Não está craseado.
2260. Colocamos virgula. 2416 e 2417. Sem vírgula. . í
2261. Suprimímos vírgula. 2418 Não se lê a epígrafe no manuscrito por taltar-llie
2262. Tinha metade da folha. Transcrevemo-la da primeira edição.
2263 e 2264. Pusemos virgula.
2265. bruxoleiam 2419. enchurradas
2420. Falta a crase. Pusemos vírgula no final do verso.
2266. Eliminamos virgula. 2421 e 2422. Colocamos vírgula.
2267. estribaria, 2423. Está sem ponto final.
2268. sevada 2424. doctrina.
2269. Sem virgula. 2425 e 2426. Acrescentamos vírgula.
2270. Craseado. 2427 e 2428. Tiramos vírgula.
2271. Não existe o ponto final. 2429 e 2430. Pusemos vírgula.
2272. Colocamos vírgula. 2431. Suprimimos vírgula.
2273. torrões 2432. Sem vírgula.
2274 e 2275. Pusemos vírgula. 2433. Pressurosos
2276. Sic. 2434 a 2436. Colocamos vírgula.
2277 a 2282. Acrescentamos vírgula. 2437 e 2438. Eliminamos vírgula.
2283. Sem crase. 2439 a 2441. Pusemos vírgula.
2284 a 2291. Colocamos vírgula. 2442. caprixos/ Idem, no verso seguinte.
2292. Suprimimos vírgula, 2443. Falta a crase.
2293. heliotropos. 2444 a 2446. Sem vírgula.
2294. Pusemos vírgula, 2447. Tiramos as duas vírgulas que existem no verso.
2295. dispertos 2448. doctrinas
2296. Sem vírgula. 2449. Acrescentamos vírgula.
2297. Não está craseado. 2450. Não vem craseado.
2298. Acrescentamos vírgula. 2451. Pusemos vírgula.
2299. No singular. 2452. Dirije-se . - , . .
2300. Pusemos vírgula. 2453. Colocamos vírgula. No verso seguinte nao ha ponto
2301. Eliminamos vírgula. final.
2302. Colocamos vírgula.
2303. Sem travessão. 2454. caprixosa.
2304. Pusemos vírgula. 2455. Falta a crase.
2456. Pusemos vírgula.
2305. Está ponto e não admiração como deixamos. 2457. Suprimimos vírgula. .
2306 a 2308. Acrescentamos vírgula. 2458. Sem vírgula. Adiante, verso seguinte, vem grata-
2309. Não está craseado. do: Roixos
2310 a 2313. Sem vírgula.
2314. Messageiro/ V. nota 2237. 2459 a 2463. Eliminamos vírgula.
2315. Colocamos vírgula, 2464. Acrescentamos vírgula,
2316. o 2465. zedores
2317. Eliminamos vírgula. 2466. Colocamos vírgula.
2318. Pusemos as duas vírgulas no verso, 2467. Não está craseado.
2319. dispertava 2468 a 2470. Pusemos vírgula,
2320 e 2321. Acrescentamos vírgula. 2471. doctrina,
2322. narseja 2472 a 2476. Sem vírgula.
2323. Colocamos travessão no final do verso. 2477. Está com minúscula: são
2324. Substituímos vírgula por ponto e vírgula e pusemos 2478. Falta o ponto final.
vírgula no final do verso. 2479. Acrescentamos vírgula.
2325. O verso não traz as duas vírgulas. 2480. possis
2326. Sem vírgula. 2481. Suprimimos vírgula.
2327. Pusemos as duas vírgulas no verso. 2482 a 2491. Colocamos vírgula.
2328 a 2330. Acrescentamos vírgula. 2492. perigrinos.
2331. torrões/ V. nota 2273. 2493. roixas.

[ 837 ]
NOTAS

2494. dispertar 2618. alcansar


2495 e 2496. Sem vírgula. 2619. Sem exclamação
2497. Eliminamos virgula. 2620. Acrescentamos virgula.
2498 a 2501. Pusemos virgula. 2621 a 2623. Cortamos vírgula.
2502. messageiros./ V. notas 2237 e 2314. 2624. Substituímos vírgula por dois pontos,
2503. Tiramos virgula. 2625. dispendia,
2504. dispertaram 2626 e 2627. Colocamos vírgula,
2505. Existe, no manuscrito, travessão no inicio e fim do 2628 e 2629. Eliminamos virgula.
verso. 2630. exparze
2631. emfermos,
2506 e 2507. Craseado. 2632. emfermo
2508 Acrescentamos virgula. 2633 a 2637. Sem vírgula,
2509 enchuga. 2638. alcansa
2510 Suprimimos virgula. 2639. , — Embora
2511 perigrino. 2640 a 2642. Pusemos vírgula.
2512 Sem virgula. 2643. No plural, no manuscrito,
2513 réje, 2644 a 2646. Acrescentamos vírgula.
2514 Pusemos virgula. 2647. Suprimimos vírgula.
2515 Tiramos virgula. 2648. longincuo
2516 Colocamos vi rgula. 2649. des
2517 Suprimimos virgula. Vera, no verso, grafado; estenso 2650. Colocamos virgula.
2518 Eliminamos virgula. 2651. Singular, no manuscrito, e sem virgula.
2519 Sem virgula. 2652 a 2654. Pusemos vírgula,
2520 prótrão-se 2655 e 2656. Tiramos vírgula,
2521 a 2525. Acrescentamos virgula. 2657. doctrinas,
2526 Falta o ponto final. 2658. espirando.
2527 Pusemos virgula. 2659. Acrescentamos virgula.
2528 dispenha. 2660. arrebaldes,
2529. Colocamos travessão. 2661 a 2666. Sem virgula.
2530 Qudro 2667. Comtemplar
2531 a 2534. Tiramos virgula. 2668 c 2669. Pusemos virgula.
2535, rcssussita 2670. Cortamos vírgula.
2536 Craseado. 2671. Colocamos as duas virgulas no verso,
2537 e 2538. Sem virgula. 2672. iraarcessivel/ Pusemos vírgula no final do verso.
2539 lhes 2673. Suprimimos virgula.
2540 a 2542. Pusemos virgula. 2674.
2543 e 2544. Eliminamos vírgula. 2675. Acrescentamos virgula.
2545 Sem virgula. 2676 e 2677. Tiramos vírgula,
2546. faxas, 2678. doctrinas.
2547. Craseado. Cortamos a vírgula do final do verso. 2679. endeixas
2548 Suprimimos vírgula, 2680. dirijimos
2549 e 2550. Acrescentamos vírgula. 2681 e 2682. Eliminamos virgula.
2551 Tiramos virgula. 2683. roixas
2552 Pusemos virgula. 2684 e 2685. Sem virgula.
2553 Eliminamos vírgula. 2686. estremas
2554, Sem vírgula. 2687. dilyrio
2555, Cortamos vírgula. 2688. transas/ Pusemos virgula.
2556 Acrescentamos vírgula. 2689. Colocamos vírgula.
2557, Suprimimos vírgula. 2690. Suprimimos vírgula.
2558, Vem X V , no manuscrito. 2691 Sem vírgula.
2559, Cora minúscula no original, 2692. Eliminamos vírgula,
2560 a 2562. Pusemos vírgula. 2693 a 2696. Acrescentamos vírgula,
2563 Tiramos virgula. 2697. cncherga.
2564 a 2566. Sem virgula. 2698. Tiramos virgula.
2567 Eliminamos vírgula. 2699. emfermo
2568 Colocamos vírgula. 2700. Falta o ponto final.
2569 Ruje Pusemos virgula.
2570 espele 2701.
2571 2702 e 2703. Não vem craseado.
Pusemos vírgula, 2704. Colocamos as duas vírgulas no verso.
2572 elejera Substituímos vírgula por reticências.
2573 2705.
Acrescentamos virgula. Sem vírgula.
2574 dispedirera, 2706.
2707. Não há ponto.
2575 Nem êste nem o seguinte estão craseados. Acrescentamos virgula.
2576 dilyrio, 2708.
2709. pessonhentas
2577 çumo Pusemos vírgula.
2578 a 2580. Sem vírgula, 2710.
2711. rossar
2581 disperta
2582 a 2586. Pusemos virgula. 2712. enchergão
2713. enchugando,
2587 Rosciada/ Pusemos vírgula depois de belas, no verso 2714 a 2716. Sem vírgula.
seguinte. 2717. Suprimimos vírgula,
2588 a 2590. Acrescentamos vírgula, espelle
2591 e 2592. Tiramos vírgula. 2718.
2719. Pusemos as duas crases.
2593 Colocamos vírgula, Colocamos vírgula,
2594 enchutas 2720.
2721. dilicias
2595 e2 5 9 6 . Sem virgula. 2722 a 2724. Pusemos virgula.
2597 . Não está craseado. Substituímos virgula por ponto e virgula.
2598 e 2599. Pusemos virgula. 2725.
2600 2726 a 2730. Acrescentamos virgula.
mesageiro./ V. notas 2237, 2314 c 2502. 2731. Cortamos virgula.
2601 e 2602. Sem admiração, 2732. Sem vírgula,
2603 infeitiçada battesse
2604 . A edição Garnier traz o verso alterado: De vício 2733.
2734 e 2735. Tiramos virgula.
era vício em tropeçando rola,/ 2736. Está com maiuscula,
2605 e 2606. Acrescentamos virgula. 2737 e 2738. Pusemos vírgula,
2607 olho, 2739. doctrinas ?
2608 Sic. 2740. Acrescentamos virgula.
2609 e 2610. Colocamos vírgula, 2741. No singular,
2611. disperto 2742 a 2745. Sem virgula.
2612 a 2614. Pusemos virgula. 2746. Eliminamos vírgula,
2615. Suprimimos virgula. 2747. estrema
2616. anginhos 2748. Acrescentamos vírgula.
2617. vem/ Sem a flexão do plural. 2749. No plural, no manuscrito.

[ 838 ]
NOTAS

2750. Dizei-me/ No plural e sem vírgula. 2912 e 2913. Cortam os v irg u la .


2751. Colocamos vírgula. 2914. desfolhados
2752. Cortamos vírgula. 2915 a 2918. Pusem os v írgu la.
2753. Falta o artigo no manuscrito. 2919. T iram os v irgu la.
2754 a 2557. Pusemos vírgula. 2920 e 292 1. Sem v írgu la.
2758. estenso 2922. Elim inam os v irgu la.
2759. Suprimimos vírgula. 2923. estensas
2760 e 2761. Acrescentamos vírgula. 2924 e 2925. A crescentam os vírgu la,
2762. campões 2926 roixos
2763. drigindo-se 2927 e 2928. Colocamos v irgu la.
2764 a 2766. Colocamos vírgula. 2929. porque,
2767. Pusemos dois pontos. 2930. roixos,
2768. Eliminamos vírgula. 2931. Entum escidos,
2769. doctores, 2932 a 2934. Pusem os v irgu la.
2770. Sem exclamação. 2935. Craseado.
2771. Acrescentamos vírgula. 2936. Sem v írgu la,
2772. emfermos 2937. esbogalhados
2773. Pusemos vírgula. 2938. Acrescentam os v irgu la.
2774. proteje/ Sem vírgula. 2939. Suprim im os v írgu la,
2775. espande 2940. estensa
2776. Sem vírgula. 2941. Colocamos v irg u la .
2777. Sic. 2942. Cortam os v írgu la.
2778 a 2785. Colocamos vírgula. 2943. N ão está com v irg u la .
2786. estensa 2944. roixos
2787. Cortamos vírgula. 2945 e 2946. T iram os v irg u la .
2788. Substituímos vírgula por ponto e vírgula. 2947 Sem v irg u la . V e m grafad o : entumescem
2789 e 2790. Acrescentamos vírgula. 2948 hum iliações
2791. enchuga 2949 e 2950. Pusem os v írgu la.
2792. Suprimimos vírgula. 2951. N ão vem craseado.
2793. Falta o ponto final. 2952. Sem pontuação no manu.«crito.
2794. Pusemos vírgula. 2953. Acrescentam os v írgu la,
2795 e 2796. Eliminamos vírgula. 2954. roixas
2797 a 2804. Colocamos vírgula. 2955 a 2957. Pusem os v irg u la .
2805. Não vem craseado. 2958 N ão está craseado.
2806. espandias 2959 a 2970. Sem v írg u la .
2807 a 2810. Sem vírgula.
2811 e 2812. O pronome está no feminino. 2 9 7 1. longincua/ V . notas 2648, 2866 e 2911.
2813. Cortamos virgula. 2972. N ão vem com crase,
2814. Enchugava 2973. palleo
2815 a 2825. Acrescentamos virgula. 2974. Colocamos v írg u la , as duas vêzes.
2826. Substituímos vírgula por ponto e virgula. 2975. F alta o ponto,
2827. Está vírgula em vez de ponto. 2976 a 2978. N ão há v írg u la ,
2828 a 2832. Pusemos virgula. 2979. espande
2833. Não vem com travessão. 2980. borborinho
2834. Sem vírgula. 2981 a 2983. A crescentam os v írg u la .
2835. alvorecem 2984. Elim inam os v írg u la ,
2836. Colocamos ponto e virgula. 2985 e 2986. Pusem os v irg u la .
283Ã Acrescentamos a vírgula. Êstes versos foram incluí­ 2987 e 2988. Suprim im os v írgu la,
dos nos Cantos Religiosos sob o título de Oração. 2989 a 2992. Colocamos v irg u la .
2838. Craseado. 2993. em ferm a,
2839. Pusemos miseráveis entre vírgulas. 2994 e 2995. Sem v irg u la .
2840. Substituímos vírgula por ponto e virgula. 2996. Cortam os v írg u la . V em g rafad o: enchergo
2841 a 2847. Sem vírgula. 2997. Com m aiuscula.
2848 e 2849. Cortamos virgula. 2998 a 3001. N ão está cora v írg u la .
2850 e 2851. Acreseentamos vírgula. 3002. T iram os v írgu la,
2852. Eliminamos vírgula. 3003 a 3006. Pusem os v írg u la ,
2853. Suprimimos ponto.
2854. Pusemos vírgula aqui e no final do verso. 3007. percursor
2855. Pucha 3008. A crescentam os v írg u la .
2856 a 2864. Colocamos vírgula. 3009. N ão está craseado.
2865. Tiramos vírgula. 3010. E m tõ d a a p a r t e foi publicada em C a n to s e F a n t a ­
2866. longincuo/ V. nota 2648. sia s. O ra ç ã o , que vem a segu ir, foi e xtra íd a do
2867 a 2870. Sem virgula. E v a n g e lh o n a s S e lv a s , C anto V I I I , V I .
2871. doctrinas 3 0 11. bagagens '
2872. Pusemos enferma entre vírgulas. Vem grafado: 3012 a 3014. Pusem os v irgu la.
emferma 30 15. Publicada também em C a n to s M e r id io n a is , ed. cit.,
2873. Colocamos as três vírgulas no verso. págs. 75/79. V . nota 1980.
2874. exudação 3016. sirios
2875 e 2876. Acrescentamos vírgula. 30 17. yassanan
2877. dispensas 3018 e 3019. A crescentam os v irg u la .
2878 e 2879. Pusemos vírgula. 3020. ortiga
2880. Eliminamos vírgula. 3021. ortigas,
2881 e 2882. Sem virgula. 3022 e 3023. Sem v irgu la.
2883. Suprimimos vírgula. 3024. T ra n scrita s da segunda edição de V o z e s d a A m é ­
2884. Não está craseado. r ic a , cora exceção apenas da últim a, A m o r e V in h o,
2885. Colocamos vírgula. única inédita da edição organizada por V isco n ti
2886. falei-me/ E ’ como vem no manuscrito. Pusemos vír­ C oaracy para a L iv ra ria G arn ier.
gula. 3025 a 3029. Colocamos v írgu la.
2887 a 2890. Acrescentamos virgula. 3030. Sem
2891. Percursores 3031 a 3038. N ão está com v írg u la .
2892 a 2894. Sem vírgula. 3039. aceio
2895. o 3040. Suprim im os v írgu la.
2896 a 2899. Colocamos vírgula. 3041. pilotas
2900. Falta o ponto final no manuscrito. 3042 a 3044. Pusem os v írgu la.
2901 a 2904. Não há vírgula. 3045. fa x a
2905. Dispertou 3046. A esta estância falta um verso./ N ota da edição
2906 a 2908. Acrescentamos vírgula. original.
2909. previlegio,
2910. caprixosas 3047. Acrescentam os v írgu la.
2911. longincuas/ V. notas 2648 e 2866. 3048. Não está craseado.

[ 839 ]
N O TA S

3049. E le g ia foi publicada em V o z e s d a A m é r ic a e depois 3086. A ed. de 1947 traz a epígrafe como se fôra prosa.
refun did a pelo A u to r e coligid a n as A v u ls a s da se­ 3087. Maciel PiqJjeiro é um dêstes moços que simbolizam
gunda edição do mesmo livro. o entusiasmo e a coragem, a independência e o ta­
3050. N os lento nas academias. Poeta e jornalista, o moço es­
30 51. Colocam os v irg u la . tudante, aos reclamos da Pátria iraprovisou-se solda­
3052. Pusem os a crase e as du as v írg u la s no verso. do. Hoje que o tempo e a distância nos separam,
3053. N ão está com crase. é-me grato falar de um dos mais nobres caracteres
3054 e 3055. Sem v irg u la . que tenho conhecido./ Nota do Autor.
3056. E scrita no verso de um a nota de 10$000, série 4.“ 3088. Proparoxítona no texto.
n .“ 6 3 .3 6 7 ./ N o ta da edição G a rn ie r, onde foi pela
3089. Mantivemos o masculino: está nos steppes.
p rim eira v e z publicada. C f. nota 3024.
N ão nos tendo sido possível obter, em S ão P aulo,
3090. AS T R E V A S E A TAÇA/ Oferecendo estas tra­
3057. duções ao Dr. Franco Meireles, o autor junta a ura
um exem plar da prim eira edição das E s p u m a s F l u ­
tributo de amizade um preito de admiração ao ma-
tu a n te s , u tilizam os o texto, baseado naquela, que
vioso e festejado tradutor das “ Melodias Hebraicas”,
A fr â n io P e ix o to publicou, era 1938, pela Com panhia
do poeta inglês./ Nota do Autor, que não vem trans
E d ito ra N acion al. P a ra os casos de falh as ou erros
crita na ed. de 1947, talvez pela simplificação do ti­
tip o grá fico s, servim o-nos da edição de 1944, a te r­
tulo da nota. O Poeta, falando era traduções, que­
ceira de A fr à n io P e ix o to ; da edição do In stitu to N a ­
ria simplesmente aludir a esta poesia e à intitulada
cional do L iv r o (R io de Jan eiro, 1 9 4 7 ), e da de “As T revas”. V ., adiante, nota 3158.
1904, da L iv r a r ia G arn ie r, a m ais a n tiga que tiv e ­
mos era mão. 3091. As edições de Afrânio Peixoto trazem envês, e a de
3058. E r a por um a dessas noites vaga ro sa s do in vern o, em 1904 envez.
que o brilho de um céu sem lu a, é v iv o e trêm u lo ; 3092. Está corsel. V. notas 3080, 3383, 3400, 3436 e 3442.
em que o gem er das selvas é profu n do e lo n go; em 3093. As edições de Afrânio Peixoto trazem ponto no final
que a soledade das praias e rib as frag o sas do oceano do verso, e a de 1947 não traz pontuação. Cf. ed.
é absoluto e tétrico. 1904.
(E u rico — C ap. 4.“ ) 3094. Vem cochins. V. notas 3408 e 3443.
/N ota do A u to r. A s edições de A fr â n io P e ix o to tr a ­ 3095. 5*c. Pusemos vírgula.
zem , nesta nota, r e lv a s fr a g o s a s , em con tradição com 3096. Somente a ed. de 1938 traz lápides.
a do In stitu to N acion al do L iv ro , — também baseada 3097. As edições de Afrânio Peixoto não abrem aspas, e
na edição im pressa, em 1870, na B ah ia — que tra z na de 1904 vera travessão. Cf. ed. 1947.
r ib a s f r a g o s a s , como deixam os.
3098. O verso não aparece na ed. de 1938, de Afrânio Pei­
3059. Craseado. xoto. Cf. ed. 1904, 1944 e 1947.
3060. N a edição de 1870, im pressa na T ip o g r a fia de C . de
3099. Dormido é eomo está na ed. de 1938.
L e llis M asson & C ia ., está G u ttem b e rg . C f. ed. In st.
3100. Fechamos aspas. Cf. ed. 1947.
N ac. L iv ., pág. 12.
3101. Colocamos vírgula no final do verso.
3061. V e m g rafad o G o éth e . 3102. As edições de 1938 e 1947 não trazem pontuação no
3062. Pusem os v írg u la . final do verso, e a de 1944, de Afrânio Peixoto, pon­
3063. A o G abinete P o rtu g u ê s de L e itu ra , por ocasião de to e virgula.
o ferecer o produto de um b en eficio à s fa m ília s dos 3103. Sem pontuação nas edições de Afrânio Peixoto. Na
soldados m ortos na g u e rra ./ N o ta do A u to r. de 1904 vera ponto e na de 1947 admiração.
3064. D eixam o s v ír g u la depois de lu a , como vem n as edi­ 3104. Pusemos vírgula. Cf. ed. 1904.
ções de 1904 e de 1947, e não ponto, como n as dc
3105. Está cupola. V . nota 3380.
A fr â n io P eixoto.
3106. M as não m’ o digas assim, etc., é como está na edição
3065. E s tá ponto e v írg u la . Colocam os dois pontos. C f. original, de 1870, na de 1904 e 1947. Corrigido o
ed. 1947. verso pelo próprio poeta no exemplar que ofertou a
3066. N ão há pontuação no fin a l do verso. A edição de José de Alencar e corapulsado por Afrânio Peixoto
1947 tr a z ponto. (Cf. ed. 1938, nota 2, pág. 108, tomo 1, e ed. 1944,
3067 e 3068. Pusem os v ír g u la no fin a l do verso. C f. ed. nota 2, pág. 106, tomo I ) .
1904. 3107. Vera grafado Rescende, em tõdas as edições. V.
3069. A crescen tam o s adm iração. C f. ed. 1947. nota 3298.
3070. A edição de 1938, de A fr â n io P eixoto, não abre a s­ 3108. Colocamos virgula.
pas no verso , e na data, a se gu ir, tr a z 1863. C f. 3109. Esta poesia é o verso de uma medalha, cujo reverso
ed. 1947. (Õ í Frades) sairá talvez em outro livro que o autor
3 0 7 1. Sem v irg u la . imagina publicar.
3072. A s edições de A fr â n io P e ix o to trazem N e s t ' o r a , e a Como quer que seja talvez fôsse mais próprio
de 1947 N e s t a h o ra . o titulo de — Apóstolos; estas palavras, porém, são
3073. D ê ste s nom es o prim eiro (todos o sabem ) recorda a ou foram sinônimos na América do Sul. Que o digam
m ais glo rio sa batalha fe rid a em nossas águ a s da A m é ­ Nóbrega e Anchieta. / Nota do Autor.
ric a do S u l: o segundo (m enos conhecido ta lve z) 3110. Acrescentamos dois pontos.
lem bra um glorioso feito d ’ arm as dos tem pos da I n ­ 3111. Pusemos vírgula.
dependência. 3112. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.
A b ravu ra é um a heran ça nesta nobre te rr a ! E o 3113. A edição de 1938 traz reticência de dois pontos e
passado pode rep etir ao presen te como o D . D iè g u e de travessão; a de 1947, reticência.
C o rn e ille :
3114. Paroxítono no texto.
“ M ontre-toi digne fils d ’ un p è re tel que moi. ”
3115. As edições de Afrânio Peixoto trazem ponto e a de
/N o ta do A u to r , que não aparece, n as edições de
1947 vírgula, como deixamos.
A fr à n io P eixoto, no lu g a r devido. V . nota 3138.
3116. Apenas a ed. de 1947 traz virgula, como deixamos.
3074. Pusem os in terrogação. C f. ed. 1904 e 1947. 3117. E ’ uma graciosa invenção dos “Trabalhadores do
3075. S om en te a edição de 1947 tr a z v írg u la . m ar”, onde se lê que “as moças do Rio de Janeiro
3076. E s tá c r a n e o , g r a fia que, por ú n ica no A u to r, não assim, â noite, parecemtrazer estréias no toucado”./
m ais apontarem os.
Nota do Autor.
30 77. A v írg u la , no fin a l do verso , vem apenas na ed. de 3118. Falta o verso à ed. de 1938. Cf. ed. 1904, 1944 e
1947.
1947.
3078. A s edições de A fr â n io P e ix o to trazem , na e p íg ra fe . 3119. Pusemos virgula no final dêste e no do verso se­
k e c , e a de 1947 h a e c , como deixam os. E s tâ V ir g í­
guinte. Cf. ed. 1947.
lio , aqui e a ou tra v e z que aparece na poesia. C f.
ed. 1947, pág. 48. V. nota 3162. 3120. Está craseado. Colocamos virgula no final do verso.
3121. Acrescentamos vírgula.
3079. Colocam os v irg u la . A ed. de 1947 tra z ponto. 3122. Somente a ed. de 1947 traz virgula no final do
3080. E s tá c o r s e l. V . notas 3092, 3383, 3400, 3436 e 3442.
verso.
3081. F ra n ce sca da R im in i é d everas a rosa pálida das
estrofes do In fern o dantesco./ N ota do A u to r. 3123. Vem grafado ortiga.
3082. Elim inam os crase. 3124. Sem pontuação, no final do verso, em tôdas as
3083. Pusem os v írg u la . C f. ed. 1947. edições consultadas.
3084. Colocamos reticência. 3125. Pusemos vírgula. Cf. ed. 1904.
3085. E m p y r io ... 3126. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.

[ 840 ]
NOTAS

3127. E stá do, ao in vés de de, na ed. de 1938. 3166. As ed. de Afrânio Peixoto não trazem vírgula. Cf.
3128. Sem pontuação. A ed. de 1904 traz vírgu la. ed. 1947.
3129. Som ente a ed. de 1938 traz 1867 era lu gar de 1865. 3167. Afrãnio Peixoto adota para o verso a variante do
como surge nas demais. “Jornal da Tarde” : A p e r n a m a is fo r m o s a — o
3130. A êste e ao verso anterior anota o A u to r: “ Creio co rp o m a is m acio. Cf. ed. 1938, pág. 205, tomo I.
ter visto nas “ O rie n ta is” ou algures uma imagem 3168. Vem grafado c er ra n ia s .
■ semelhante” . E sclarece A fr ã n io Peixoto tratar-se da 3169. Colocamos ponto.
“ Legende des S iè c le s ” , de H ugo, e não das “ O rien ­ 3170. Suprimimos vírgula, que aparece nas edições de
ta is ” . Afrânio Peixoto.
3171. Falta do, na ed. de 1938.
3 13 1. Colocamos virgu la. 3172 a 3174. Pusemos ponto.
3132. Colocamos vírgu la. 3175. Sòmente a ed. de 1938 traz es q u e c e r -te , em vez dc
3133. Pusemos vírgu la. a q u e cer -te.
3134. Acrescentam os v írgu la.
3135. A penas a ed. de 1947 traz v írg u la no fin al do 3176. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.
verso. 3177. Tôdas as edições consultadas não trazem vírgula no
final do verso.
3136. Vem grafad o erriçadas. 3178. Falta, na edição de 1938, por êrro de revisão, a
313 7. A ed. de 1938 tra z ponto e a de 1947 reticência. contração do. Cf. ed. 1944 e 1947.
3138. O Poeta escreveu “ n o iv a ” e assim está era tódas as 3179. Lê-se noC o sm os de Humboldt:
publicações, mas foi lapso: as idéias seriam antité- “ Les volcans qui s’élèvent au-dessus de la limite
ticas e inconseciüentes: irm ã vai menos mal. / N ota des neiges perpétuelles, comme ceux de la chaîne
de A frã n io Peixoto à edição de 1944, pág. 153, tomo des Andes, présentent des phénomènes particuliers.
, I, após a nota do A u to r, A O D O U S D E J U L H O , Les masses de neige qui les recouvrent fondent subi­
colocada a i, como na ed. de 1938, pág. 155, indevida- tement pendant les eruptions et produisent des inonda­
mente. V . nota 3073. tions redoutables, des torrents qui entraînent pêle-mêle
3139. Pusemos ponto final. C f. ed. 1904 e 1947. des blocs de glaee et des scories fumantes, etc.”. /
3140. Êstes quatro versos não vêm , por engano, na ed. de Nota do Autor.
1938. C f. ed. 1904, 1944 e 1947. 3180 Tôdas as edições trazem h ú m id o cm vez de h u m ild e ,
3 14 1. A ed. de 1947 anota constar seiba, form a arcaica, como foi corrigido pelo próprio poeta no exemplar
na edição original das Esfum as Flutuantes, de 1870. que ofertou a José de Alencar, e como está no ma­
A s de A frã n io Peixoto silenciam. nuscrito original. Cf. Afrânio Peixoto, ed. 1938, nota
3142. E stá na brisa, nas edições de 1938 e 1944. C f. ed.
3, pág. 229, tomo I.
1904 e 1947.
3181, Colocamos vírgula.
3182, As edições de Afrãnio Peixoto não trazem ponto e
3143 a 3145. Acrescentam os virgu la. vírgula. Cf. ed. 1904 e 1947. A ed. de 1938 traz
3146. V icto r H u go escreveu — A s duas Ilhas — a Na- c a v a lh eiro .
poleâo. 3183 Apenas a ed. de 1938 traz admiração.
A jaccio e S an ta H elena — berço e túm ulo do 3184 “ Castro Alves destinava êste título — H in o s d o
herói — , ju stifica m o títu lo dessa ode sublime. E q u a d o r — ao seu segundo volume de cantos espar­
O s presentes versos têm por assunto Jersey e sos, se tivesse vida para o publicar. Assim não
Santa H elena, H ugo e Napoleão. — D u as enormes foi. Das E s p u m a s F lu tu a n te s excluira muitas poesias
peanhas — para dois enormes vultos. que aí estiveram para entrar; outras compôs depois
de impresso êste livro. Publicadas primeiro na im­
H á não sei que semelhança nestes dois p e rfis
(aliá s tão d istin tos), que o espirito do pensador os
prensa diária ou periódica, o maior número veio
reúne numa fraternidade lógica.
juntar-se às sucessivas edições dêle. Cumpria res-
tituí-lo à perfeição primitiva. O que sobrava, édito
Parece que, se H u go tivesse sido guerreiro, cha­ e inédito até à edição das “obras completas”, em
mar-se-ia Napoleão; e que o herói de A u s te rlitz — 1921, devia reunir-se sob o título que destinara o
poeta, escreveria Lucrécia B o rg ia .. . E , depois, serem Poeta”. Assim justifica Afrânio Peixoto a reunião
gênios não é serem irm ãos? E , depois, não é pre­ dos esparsos de Castro Alves sob o titulo de H in o s
destinação esta confraternidade do exílio ? êstes dois d o E q u a d o r (V. ed. cit., tomo I, pág. 235), reunião
postes? êstes dois m ares? estas duas solidões? A essa que serve de base à presente transcrição, alte­
Europa os irm anou, arrojando-os do C o n tin e n te ... a rada apenas com o acréscimo de três poesias, que
êstes dois leprosos__ de divindade. Afrãnio Peixoto incluira era "O s E s c r a v o s ’’, em­
O autor quis apenas denunciar a razão de ser bora não fizessem parte do plano do Autor para essa
dêstes versos, de cujo m érito êle nem ousa fala r obra. São elas “A Canção do Africano”, “Volun­
depois de haver pronunciado tais nomes. / N ota do tário do Sertão” e “A Bainha do Punhal”.
A utor. Discordando da orientação do ilustre organizador
3147. V em grafad o docel. das “ Obras Completas” de Castro Alves, incluímos,
3148. Fecham os aspas. C f. ed. 1947. na presente edição dos H in o s d o E q u a d o r , todos os
3149. Nenhuma das edições consultadas traz pontuação no esparsos do poeta. V., adiante, notas 3189, 3290,
final do verso. 3292 e 3371.
5185 Pusemos ponto.
3150. Elim inam os crase. 3186 Colocamos vírgula.
3 15 1 . A ed. de 1938 traz ponto. Seguim os a lição da de 3187 Sem vírgula.
1947, pág. 150. 3188 Está es c a r n c o , grafia única no Autor. Não mais a
3152. A ed. de 1938 não tra z pontuação. C f. ed. 1944 e apontaremos.
1947. 3189 (1 ) . Pusemos reticência depois de p a ix ã o e vírgula
3153 . A ed. de 1938 traz ponto depois. C f. ed. 1944 e depois de tu do.
1947. 3189 “ Esta poesia”, anota Afrãnio Peixoto, ed. cit., tomo
I I , pág. 42, “não figura no plano do poema d’Oi
3154. A ed. de 1938 tra z vulgo em vez de vulto, como as E s c r a v o s , como o delineou Castro Alves, num autó­
demais. grafo que me comunicou D. Adelaide de Castro
3155. Colocamos virgu la. Alves (juimarães: talvez a tivesse perdido das suas
3156. Sòm ente na ed. de 1938 está nos prantos. coleções, onde não a encontramos, nem nos autógra­
315 7. N a ed. de 1938 vem cheirosos. C f. ed. 1944 e 1947. fos, nem nos manuscritos da família e de amigos.
3158. A ed. de 1938 não traz v írg u la no fin al do verso. Devíamos omiti-la, quando não depara entre outros
C f. ed. 1944 e 1947. Q uanto à dedicatória desta versos, e é dos seus primeiros cantos abolicionistas?
tradução, v. nota 3090. Também, igual critério foi seguido adiante com o
3159. H á, nesta poesia, defeito de paginação na ed. de “ Voluntário do Sertão” e a “ Bainha do Punhal”,
1938, corrigida na de 1944. fragmentos que são relíquias. ”
Não importam os prováveis motivos ou fatos que
3160. A ed. de 1938 traz Consultam . C f. ed. 1944 e 1947. levaram a Castro Alves a não incluí-las. O certo
3 16 1. A s edições de A fr ã n io P eixoto estão sem pontuação é que não aparecera na relação, e assim devem ser
no verso. C f. ed. 1904 e 1947. tidas. Abolicionistas ou não, inserimo-las nos H in o s
3162. V em grafado Virgilio. V . nota 3078. d o E q u a d o r , conservando “ Os Escravos” tal como
3163. Sòm ente a ed. de 1938 tra z de, ao in vés de da. planejado pelo Autor. V. notas 3184, 3290, 3292
3164. N a ed. de 1938 vera: E á hora com que, etc. C f. ed. e 3371.
1944 e 1947. 3190. Colocamos vírgula. Verbo, no verso anterior, vem
3165. Colocamos vírgu la. sem a flexão do plural.

[841]
NOTAS

319 1. Ê ste e o v erso seguinte estão sem pontuação. T er no barco veloz fendido altivo os ares
319 2. A crescen tam os v írg u la depois de v ib r a d a e travessão Ou no batei ligeiro
depois de o u s a d a , no verso seguinte. Mesquinho passageiro
3193 e 319 4. E stá sem v írg u la . T er apenas costeado o litoral dos mares?
319 5 . Pusem os v írg u la .
319 6. E stá P o r q u e. Esta versão adota exatamente a forma do origi­
3 19 7 . Colocam os v írg u la . nal; a outra lhe é mais fiel talvez ao sentimento
319 8 . S em v írg u la . poético. Como explicar em dois exemplares do mesmo
3 19 9 . N ão há v írg u la . livro, da mesma edição, tais diferenças? Parece houve,
3200. A ed. de 1938 não fecha aspas. em parte dela, mudança dos cadernos 4 e 5. Porque?
320 1. E s tá s e r r o s . V . notas 3398, 3455 e 3476. Ignoro. Também não sei qual a tradução autêntica de
3202. Pusem os v írg u la . Castro Alves. Provàvelmente as duas, uma corrigindo
3203 a 3207. Sem v írg u la . a outra.
3208. Colocam os v írg u la no fin a l do verso, as tr ê s v êzes.
Acha-se o original nas N ouvelles M éditations P oé­
3209. Pusem os v írg u la depois de o lh a r e depois de d e s m a io s . tiques, de Alphonse de Lamartine: X I I . ”
3210 . Sem v írg u la .
32 11. Pusem os ponto. 3225. Esta poesia, sem título e sem data, é apenas um
3 212. Colocam os v írg u la . esbôço autógrafo do Poeta, imperfeito e por refazer. O
3 2 13 . E s tá d iz e r-lh e. título foi extraído do primeiro verso. Cf. Afrânio
3214. V em g rafad o en tu m es cid o . Peixoto, ed. cit., tomo I, pág. 307.
3 2 15 . A crescen tam os ponto. 3226 Pusemos reticência.
3216. Pusem os ponto. 3227 Sem ponto.
3217. Colocam os v írg u la . 3228 e 3229. Acrescentamos virgula no final do verso.
3218. E s tá ponto, que trocam os por v írg u la . 3230 Colocamos ponto.
3 2 19 . Pusem os v írg u la . 3231 Pusemos virgula.
3220. N ão há ponto. 3232 a 3235. Fechamos aspas.
32 2 1. Colocam os v írg u la . 3236 Sem vírgula.
3222. O origin al desta poesia tra z à m argem a anotação: 3237 Não existe virgula no final do verso.
“ não se p u b lic a ” . V . A fr â n io P eix o to , ed. c it., tomo 3238 Pusemos admiração.
I , pág. 301. 3239 Vem sem virgula.
3223. S ubstituím os ponto por v írg u la . 3240 Colocamos ponto.
3224. A fr â n io P e ix o to (ed. c it., pág. 304, tom o I ) , quanto 3241 Pusemos vírgula. A ed. de 1944 traz ponto.
a esta tradução, dá-nos a segu in te nota, onde tran s­ 3242 . Não há virgula.
cre ve ou tra v ersã o : 3243 Sem vírgula.
3244 Pusemos virgula.
“ Pbl. na “ 5 .* ” ( V I ) E d ição das E s p u m a s F lu tu ­ 3245 Pusemos virgula.
a n te s , de S e ra fim José A lv e s , R io ( 1 8 8 1 ), “ ap ên ­ 3246 Colocamos virgula no final do verso e ponto no do
d ic e ” : X I V . E s ta v ersã o apareceu , entretanto, p ri­ seguinte.
m eiram ente publicada na coletânea de A . J. de M a ­
cedo S oares — L a m a r t in c a n a s — Po esias de A fo n so 3247 Sem pontuação na ed. de 1938. A de 1944 traz ponto.
de L a m a rtin e, trad u zid as por poetas B ra sile iro s — 3248 Não há virgula.
R io de Jan eiro, 1869 — pág. 48 — segundo o 3249 . Eliminamos virgula.
exem p lar que pude c o n fe rir na B iblio teca N acion al 3250 Pusemos virgula depois de L á.
( I I I , I , 30). A í a “ E le g ia ” vera assinada por 3251 e 3252 (1 ) . Pusemos virgula no final do verso.
“ A n ô n im o ” . 3252 , Está sem vírgula.
3253 Colocamos virgula.
E m outro exem p lar, d êste mesm o liv ro , e da 3254 a 3256. Pusemos virgula no final do verso.
m esm a edição, que possuo, ocorre à s m esm as p á g i­ 3257 Substituímos ponto por vírgula.
nas, a “ E le g ia ” , sob ou tra form a, a segu in te, a ssi­ 3258 Sem vírgula.
nada “ C astro A lv e s ” : 3259 a 3262. Pusemos vírgula no final do verso.
3263 Não há ponto.
V a m o s co lh êr a rosa ao despontar da v id a ; 3264 a 3267. Colocamos virgula no final do verso.
D a p rim avera era flo r bebamos o perfum e 3268 . Afrânio Peixoto anota (ed. cit., tomo I , pág. 325)
C asta volú p ia in teira a vid a em si resum e; que esta “ longa, imperfeita e fastidiosa poesia (que
A m em os sem m edida, amemos, ó q u erida! no original merece o mesmo julgamento),” estêve
para ser incluída na primeira edição das Espumas
Quando ao rugir do mar o nauta desvairado Flutuantes e finalmente suprimida.
V ê seu batei que vai a soçobrar na vaga,
V o lta o olhar em pranto ao la r abandonado. 3269 Pusemos vírgula.
T a rd e lam enta a paz que além fico u na plaga. 3270 . Vem grafado Ó, e sem virgula.
A i ! como êle q u isera então no la r dos seus. 3271 e 3272. Acrescentamos vírgula no final do verso.
Junto de tudo quanto ocupa-lhe a m em ória. 3273 Pusemos vírgula.
Esquecido v iv e r sem p ’ rigo e já sem gló ria . 3274 Não existe virgula depois de conta.
Sem n unca te r d eixad o a casa, os p átrios céu s! 3275 A ed. de 1938 traz lânguida e sòzinha, no feminino.
A ssim curvado o homem ao pêso dos estios Deve ser, é claro, no masculino, como está na ed.
Lem bra o tem po fe liz que não pode voltar. de 1944.
A i! D ai-m e, o triste diz, m eus dias fu g id io s; 3276 Colocamos vírgula.
Q uando era tempo, ó D e u s! perdi-os sem go zar. 3277 . Está descreram , na ed. de 1938. Seguimos a lição
D iz ! e a m orte responde! e os gên ios q u ’ êle im plora da de 1944.
O im pelem para o chão, quq é tempo de m orrer! 3278 . Pusemos vírgula.
N em lhe perm item m ais que abaixe-se n essa hora 3279 e 3280. Colocamos vírgula no final do verso.
P a ra ap anhar a flo r que não soube colh êr.
3281 Pusemos pena maldita entre vírgulas.
3282 Sem vírgula no final do verso.
Am em os, doce am ada!
Zombemos da am bição que adorm enta os m ortais,
3283 Não há vírgula,
D a fu m aça su til pela espiral doirada. 3284 e 3285. Eliminamos vírgula.
M etad e de seus d ias lá foi arrebatada 3286 Publicada, pela primeira vez, por Afrânio Peixoto
L o n ge dos bens reais. (ed. cit., tomo I, pág. 346), que anota:
“ Escrita a lápis, numa fôlha de papel que servia
D ê ste estéril orgulho in v e ja não tenham os. de capa a vários escritos, encontrei esta estrofe, do
A o s filh o s da vaidade deixem os a am bição! punho de Castro Alves, e que bem pode ficar junta
Q uanto a nós, sem pre incertos da hora da partid a. a esta outra:
T ra tem os de esgotar as à n fo ras da vid a
E n quanto as tem os na mão. Aqui s’inscrevem mil nomes
E se apagara num momento!
Q u er nos coroe o loiro. A i! porque assim não apagas
Q u er nos fastos cru é is da im pávida B elona Das fôlhas do pensamento?”
B ron ze ou m árm ore gu ard a o nome n êle in scrito;
Q u er da flo r que a beleza apanhe na cam pina 3287. Vem grafado catiz.
O am or nos entrelace a coroa divin a. 3288. Está pedindo, nas edições de Afrânio Peixoto.
V am o s todos ro lar d ’ encontro nos rochedos: 3289. A ed. de 1938 traz chapa em vez de chapada, como
Q u ’ im porta quando o n á u fra g o erabate-se aos penedos. está na ed. 1944.

[ 842 ]
N O TA S

A ed. de 1904, pág. 231, traz esta estrofe na outra, para têrmo da poesia:
seguinte versão:
Cala a bôea ó formosura
Se eu te dissesse que por ermos cimos. Não sondes o coração!
Por ínvios trilhos de um pais distante. Por nascer na sepultura
Teu casto riso, teu olhar celeste E ’ menos belo o c h o r ã o ! ...”
Ungia o lábio ao viajor errante;
3330. Paroxitona no texto.
Sc eu te dissesse que do alverguc à crmida, 3331. Pusemos virgula.
3332. Pusemos virgula.
Do monte ao vale, da chapada à selva,/ etc. 3333. No original autógrafo vem anotada, pelo poeta, a se­
Afrânio Peixoto não investigou a origem desta guinte variante a estes dois versos:
versão, nem sabemos se a conheceu. O certo é que
não aparece no autógrafo original do poeta, nem na A s fadas beijam-se
primeira publicação, 3.* edição das E s p u m a s F lu tu a n te s , N as trepadeiras.
Bahia, 1878.
C f. A frâ n io P eixoto, ed. cit., tomo I, pág. 442.
3290. Publicada, por Afrânio Peixoto, em O s E s c r a v o s , ed
cit., tomo I I , pág. 148/149. V. notas 3184, 3189, 3292 3334. Sem pontuação o verso.
e 3371. 3335. Elim inam os v írgu la.
3336. A ed. de 1938 tra z mc antes de lembro. C f. ed. 1944
3291. Vem grafado o stia , nas edições de Afrânio Peixoto. 3337 e 3338. Colocamos v irgu la.
3292. Publicada, por Afrânio Peixoto, em O s E s c r a v o s , ed. 3339. E stá sem v irgu la.
cit., tomo I I , pág. 150/151. V. notas 3184, 3189, 3340. Pusem os v irgu la.
3290 e 3371. 3341. N ão há v irgu la.
3293. Pusemos virgula. 3342. O verbo, as duas v êzes, não tra z flex âo de plural.
3294. Vem grafado P a c k á . 3343. Colocamos v irgu la.
3295. Está fle x a s . 3344. A ed. de 1938 tra z deixa. C f. ed. 1944.
3296. A ed. de 1938 traz P etru c o . 3345. Êste verso, na ed. de 1938, está na estância anterior
3297. Colocamos virgula. C f. ed. 1944.
3298. Vera grafado re s c e n d e m . V. nota 3107. 3346. V em grafad o Gottchalck.
3299. Pusemos virgula. 3347. O xíto n o no texto, para rim a. D e ve ria estar cálix ao
3300. A ed. de 1938 traz somente interrogação depois de in vés de cálice.
in g en te, e a de 1944 vem sem pontuação Seguimos a
3348. E stá Tem, sem a flex ão do plural.
lição da cd. de 1947, do Instituto Nacional do Livro,
que transcreveu D eu s a I n c r u e n t a da sua primeira pu­ 3349. V em grafad o um’ a mão, tôdas as vêze s que aparece
blicação: 2.“ edição das E s p u m a s F lu tu a n te s , impressa na poesia. Sem a supressão do m, não haveria razão
na Bahia, em 1875, por Francisco Olivieri. para o apóstrofo.
3301. As edições de Afrânio Peixoto trazem travessão depois 3350. E stá Amaçada. V . nota 3352.
de te r r a e fir m a m e n to . Cf. cd. 1947. 33 5 1. Acrescentam os v irgu la.
3352. V em amaçada. V . nota 3350.
3302. As edições de Afrânio Peixoto estão sem ponto e 3353. Colocamos v irg u la .
sem aspas depois de o m b ro . A de 1947 não traz ponto. 3354. A ed. de 1938 tra z flagrante. C f. ed. 1944.
3303. A ed. de 1938 traz D o s cim o s, e as de 1944 e 1947 3355. Pusem os adm iração.
D a s cim a s. Cf. fac-simile do autógrafo original de 3356. A data não aparece na ed. de 1938. C f. ed. 1944.
Castro Alves, inserto na pág. 234, tomo I, da ed. de 3357. N ão há v irg u la .
1938, onde está D a s cim a s. Cf., também, pontuação 3358. A data não vem na ed. de 1938. C f. cd. 1944.
depois de In d o s tã e de m a n h ã , terceiro verso acima, 3359. E s tá : Que tem à arte, amor e fé ;/
alterada nas publicações compulsadas. 3360. A crescentam os v irg u la .
3304. Sem virgula. 3 36 1. Publicado por A fr â n io P eixoto (cf. ed. c it., tomo
3305. Pusemos virgula. I, pág. 488/491) com a seguinte nota: “ Inédito. Cm.
3306. Vera ó flu x , craseado, e sem virgula. pelo D r. M . T a v a re s C avalcan ti, que recitou de me­
3307. Substituímos ponto por virgula. m ória o poema, aprendido dc um origin al que possui
3308. Não existe admiração. na P a r a íb a ” .
3309. Colocamos virgula. 3362. Pusem os v írgu la.
3310. Sem virgula. 3363 a 3366. Colocamos v írg u la no fin a l do verso.
3311. Assim vem na ed. de 1944. A de 1938 traz o artige 3367. Elim inam os v irg u la .
o antes de lâm p a d a. 3368. A fr â n io Peixoto (ed. c it., tomo I , pág. 496) anota:
3312. S ic , para duas silabas. “ Inédito em livro. Pbl. na R e vista “ T e r ra de S o l” ,
3313. Trocamos ponto por virgula. n.° 7, R io, Julho de 1924, págs. 14 -15 ” .
3314. Pusemos ponto. 3369. A ed. de 1938 não fecha aspas. C f. ed. 1944.
3315. A ed. de 1938 traz r e p a r tis te s . Cf. ed. 1944. 3370. Q uanto a esta poesia, A fr â n io P eixoto ((íf. ed. cit.,
3316 e 3317. Colocamos virgula. tomo I , pág. 501) anota: “ Inédita. Cm. pelo D r. José
3318. Está im p é r io , singular, na ed. de 1938. Cf. cd. 1944. M ário da S ilv a F re ire , que recolheu de uma publi­
3319. A ed. de 1938 não traz ponto. Cf. ed. 1944. cação ora perdida ” .
3320. Pusemos virgula depois de v a iv é m , que vera grafado
v ai-e-v em . 3 3 7 1. P a ra a tran scrição de Os Escravos, lançam os mão da
publicação organizada por A fr â n io P eixoto (ed. de
•>321. Não há ponto no final do verso. 1938, págs. 23 a 163, tomo I I ) , que teve presente
3322. Desta poesia existem quatro variantes: três originais os m anuscritos origin ais do poeta e o plano geral
autógrafas de Castro Alves e uma impressa nas P o e ­ da obra, que obedeceu, e onde não vem alusão algum a
sia s, Bahia, 1913. A presente é a versão primitiva. a “ M anuscritos de S tê n io ” . Sobre os tais “ M an u s­
Cf. Afrânio Peixoto, ed. cit., tomo I, págs. 422/424. c rito s ” , diz êle:
3323. Está ponto, que substituimos por virgula. “ N a página de rosto da edição origin al de A
3324 e 3325. Colocamos virgula. Cachoeira de Paulo Afonso ( V . adiante nota 3456)
3326. Não há reticência. lê-se, antes o nome do autor e, em seguida ao titu lo :
3327 e 3328. Sem virgula. “ Poema original brasileiro. F ragm en to dos — E scra
3329. A propósito dêstes versos Afrânio Peixoto anota (ed. vos — , sob o título de Manuscritos de Stênio.
cit., tomo I, pág. 432/433): B ahia, etc., 18 7 6 ” .
“Transcrita de um esboço, a lápis, autógrafo, que Publicou M úcio T e ix e ira , era 1883, na liv ra ria
o Poeta não acabou, comunicado por D. Adelaide de de S erafim José A lv es, uma edição d 'O j Escravos,
Castro Alves Guimarães. Além destas estrofes, ai havia “ Poem a brasileiro dividido em duas partes: I A
duas, ainda mais imperfeitas: uma para dispor-se Cachoeira de Paulo Afonso, I I Manuscritos de Stê­
talvez entre a 3.* e a 4.»: nio” . Chamam-se ai “ m anuscritos de S tê n io ” às poe­
sias “O S é c u lo ” , “ V isão dos M o rto s” , “ V o zes
Não vês minha fronte pálida d ’A f r i c a ” , “ T ra g éd ia no l a r ” , “ O N avio N e g r e ir o ” ,
Corando-se à luz do sol “ A d eu s, meu c a n to ” , “ N o ta s” (sôbre a “ C ach o eira ”
— ! — ) , “ C arta às Senhoras B a h ia n a s” .
Não vês minha crença pálida
Portanto, para A u g u sto G uim arães a “ Cachoeira
Voando na luz do sol? de Paulo A fo n s o ” era os “ m anuscritos de S tê n io ” ,

[ 843 ]
NOTAS

fragmento do poema O s E s c r a v o s ; para Múcio Tei­ 3420. V e m grafad o enchergar.


xeira são 6 das poesias dêste poema os tais manus­ 3421 a 3423. Sem v írg u la no fin a l do ver.so.
critos, e a “ Cachoeira” já a êstes não pertence... 3424. F a lta ponto final.
Que critério adotar? Não vacilei: o de Castro 3425 a 3427. Colocam os v irg u la no fin al do verso.
Alves. Com efeito, entre os inéditos do Poeta, que 3428. Sem pontuação na ed. de 1938. C f. ed. 1944.
me comunicou D. Adelaide de Castro Alves Gui­ 3429. A b rim os aspas.
marães, encontrei uma folha, do punho de Castro 3430. A crescen tam os v irg u la depois de pajem.
Alves, com o projeto ou o índice d’O í E s c r a v o s : 343! e 3432. Pusem os v írg u la .
começa com “ O Século”, seguem-se mais 29 poesias 3433. F echam os aspas.
(publicadas algumas, muitas inéditas) e acaba cora 3434. Colocam os v irg u la .
“A Cachoeira de Paulo Afonso” : não alude a “ Ma­ 3435. N ão e x iste v irg u la .
nuscritos de Stênio” ; assim fiz também”. (Idem, 3436. E stá corseis. V . notas 3080, 3092, 3383, 3400 e 3442.
págs. 227/228, tomo I I .) 3437. A ed. de 1938 tra z roda. C f. ed. 1944.
As poesias do plano do plano do Autor são as 3438. A ed. de 1938 tra z de antes de escravidão.
seguintes (Ibidem, pág. 2 2 9 ): O século. Ao romper 3439. T ira m o s v ir g u la que está depois de Lúcia.
d’alva, Visão dos mortos. Mater dolorosa. Confi­ 3440. Colocam os v ír g u la no fin a l do verso.
dencia, O Sol e o Povo, Tragédia no lar, O Siba- 3 4 4 1. N ão há ponto no fin a ! do verso.
rita romano, A criança, A cruz na estrada, Bandido 3442. V e m g rafad o corsel. V . notas 3080, 3092, 3383, 3400
negro, A América, O remorso, Canto de Bugjargal, e 3436.
A órfã na sepultura, Antitese, Canção do vio’eiro. 3443. E.stá cochins. V . notas 3094 e 3408.
Súplica, O vidente, A mãe do cativo, hlanuela. 3444. V e m g ra fa d o Child.
Fábula, Estrofes do solitário. Tragédia no mar, Lticia, 3445. Pusem os v irg u la .
Prometeu, Vozes d’Africa, Palmares, O derradeiro 3446. Colocam os aspas antes de M ylord e no fin a l do verso.
amor de Byron, Adeus meu canto. Cachoeira de Paulo 3447. A b rim os aspas em Mylord.
Afonso. 3448. N ã o há v írg u la .
V. notas 3184, 3189, 3290 e 3292. 3449. F a lta tôda esta estân cia na ed. de 1938. C f. ed. 1944.
3372. Pusemos virgula. 3450 a3452. Sem v irg u la .
3373. Falta o verso na ed. de 1938. Cf. ed. 1944. 3453. Pusem os v írg u la .
3374. Não há virgula. 3454. Suprim im os v irg u la .
3375. Sem ponto. Cf. ed. 1944. 3455. E s tá serros. V . notas 3201, 3398 e 3476.
3376. Está d ê a e s c o la . Cf. ed. 1944. 3456.T ra n s c r ita da prim eira edição: C A S T R O A L V E S / A
3377. Paroxítono no texto. C A C H O E IR A / D E / P A U L O -A F F O N S O / P O E M A /
3378. Colocamos virgula. O R I G I N A L B R A Z I L E I R O / F ragm en to s dos — E S ­
3379. Vem grafado s ip ó . V. nota 3399. C R A V O S — , sob o títu lo de/ M A N U S C R I P T O S D E
3380. Está c u p ola. V. nota 3105. S T Ê N I O / B A H I A / I M P R E N S A E C O N Ô M I C A / 22
3381. A ed. de 1938 traz ponto no final do verso. — R u a dos A lgib eb es — 22/ — / 1876/
3382. Trocamos ponto por vírgula. 3457 e 3458. Suprim im os v irg u la .
3383. Está c o rse ts. V. notas 3080, 3092, 3400, 3436 e 3442. 3459. V e m g ra fa d o Gagueifam.
3384. Não vem crase na ed. de 1938. 3460. E s tá transa. V . notas 3463 e 3486.
3385. Sem virgula, na ed. de 1938. 3 4 6 1. T ira m o s v írg u la .
3386. Cortamos virgula. 3462. L eia-se nenúfar, oxítono.
3387. Em manuscrito pertencente a Antônio Alves Carvalhal, 3463. E s tá transas. V . notas 3460 e 3486.
esta estrofe vem riscada pelo poeta, substituída por 3464. Craseado.
estoutra: 3465. Sem v irg u la .
3466. A edição origin al tra z marcta em v ez de marreca, como
O povo é como o sol: entre a espessura está no m anuscrito de C astro A lv e s. C f. A fr â n io
A liberdade espera essa alvorada P eix o to , ed. c it., tomo I I , pág. 226.
Do meteoro audaz na sombra e.scura. 3467. V em craseado.
3468. E s tá : R io á baixo á deslisar?/
Cf. Afrânio Peixoto, ed. cit., tomo I I , pág. 52. 3469. E s tá capinaes.
3.388. A ed. de 1938 não traz vírgula. 3470. Ê ste verso não aparece na edição origin al, mas no
3389. E stá: A m a l-o u m a lo u c u r a ! A lm a , d e l o d o / m anuscrito do poeta. C f. A fr â n io P eixoto, ed. cit.,
3390. Colocamos vírgula. tomo I I , pág. 226.
3391. Esta estrofe aparece sòmente no manuscrito de Antônio 3 4 7 1. A s edições de A fr â n io P eixoto (1938 , tomo I I , pág.
Alves Carvalhal, revisto e emendado por (3astro Alves. 17 7 , 4.® v erso ; 1944, pág. 17 5 , 4.“ verso ) trazem larga
(Cf. Afrânio Peixoto, ed. cit., tomo I I , pág. 62.) em v e z de breve. Como assim vem na edição origin al,
3392. Pusemos vírgula. conservam o-lo, levando à conta de êrro tip o gráfico ,
3393. Falta o verso na ed. de 1933. Cf. ed. 1944. em face da a u sên cia de qu alq uer nota e xp lica tiva , a
3394. A linha pontilhada, antes dêste verso, não aparece alteração havida.
na ed. de 1938. Cf. ed. 1944. 3472. E s tá vem, sem a flex ã o do plural.
3395. Substituímos ponto por vírgula. 3473. \'cm serra na edição de 1876 e cerva no m anuscrito
3396. Colocamos vírgula. do A u to r. C f. A fr â n io P eixoto, ed. c it., tomo I I , pág.
3397. Há ponto, que eliminamos. 226.
3398. Está s e r r o s . V. notas 3201, 3455 e 3476. 3474. Vem grafado e x p la n a d a .
3399. Vem grafado s ip â s . V. nota 3379. 3475. Assim está no manuscrito, e não E il- a como na edi­
3400. Está c o r s e l. V. notas 3080, 3092, 3383, 3436 e 3442. ção original. Cf. Afrânio Peixoto, ed. cit., tomo II,
3401. Pusemos vírgula. pág. 226.
3402. Pusemos vírgula no final do verso. 3476. Está s e r r o s . V. notas 3201, 3398 e 3455.
3403. A ed. de 1938 não traz vírgula. Cf. ed. 1944. 3477. Está S ’ e s p a n d e.
3404. A ed. de 1938 traz, depois de f r e g u e s ia , ponto e a de 3478. Colocamos vírgula.
1944 virgula. 3479. Na edição original vem ponto depois do travessão.
3405. Falta 0 verso na ed. de 1938. Cf. ed. 1944. 3480. Craseado.
3406. Assim vem na ed. de 1944. Na de 1938 falta o artigo 3481. Pusemos virgula.
antes de fr u t a s . 3482. Eliminamos crase.
3407. A ed. de 1938 não traz travessão no início do verso. 3483. Vem craseado.
Cf. ed. 1944. 3484. Está com crase.
3408. Vem grafado c o c h in s. V. notas 3094 c 3443. 3485. Suprimimos crase.
3409. Está ponto na ed. de 1938. Cf. ed. 1944. 3486. Vem grafado tra n s a s . V. notas 3460 e 3463.
3410. Cortamos vírgula. 3487. A ediç.ão de 1876 traz: C o n t a e ....... co n ta e.
3411. A ed. de 1938, por falha tipográfica, traz repetido, em 3488. Está craseado.
3489 a 3491. Abrimos aspas.
lugar dêste, o primeiro verso da estância seguinte. 3492. O verso está riscado no manuscrito, Cf. Afrânio Pei-
3412. Acrescentamos virgula. xoto, ed. cit., tomo I I , pág. 226.
3413. Sem vírgula no final do verso. 3493. Vem com crase.
3414. Na ed. de 1938 vem c a d e ia . Cf. ed. 1944. 3494.
3415. Está to rç o . Está d iz-m e, sem apóstrofo.
3495. Eliminamos crase.
3416 a 3418._ Colocamos virgula. 3496. Suprimimos crase.
3419. Por êrro de revisão, falta, na ed. de 1938, n ã o antes 3497. M e c h e n d o a ll i n o e n g a z e i r o ,/ V. nota 3515.
de p e r fu r o . Cf. ed. 1944. 3498. Tiramos crase.

[ 844 ]
NOTAS

3499. Craseado. 3535. A edição de 1876 não traz ponto.


3500. Pusemos crase. 3536. A data aparece somente no manuscrito original que
3501. E stá craseado. Afrânio Peixoto teve em mãos comunicado por Aloisio
3502. Colocamos travessão. de Carvalho. Cf. ed. cit., tomo I I , pág. 226.
3503. V em d es ta m p a d a cra vez de d e s ca m p a d a . Traz a edição de 1876, antes da errata, a seguinte
3504. E stá a rc a n d o e não a r fa n d o , como deixam os. nota:
3505. E n c k u g a ...... e n c h u g a !/ “ Lê-se no D e z e s s e i s de J u l h o :
3506. Vem grafad o S u rr i. “ Depois de quatorze léguas de viagem, desde a
3507. E stá craseado. foz do Rio S. Francisco, chega-se a esta cachoeira,
3508. Acrescentam os vírgu la. de que se contam tantas grandezas fabulosas.
3509. T iram os crase.
3510. Eliminamos crase. “ Para bem descrevê-la, imaginai uma colossal
3 5 11 . E stá p o rq u e figura de homem sentado com os joelhos e os braços
3512. Suprim im os crase. levantados, e o rio de S. Francisco caindo com tôda
3513. V em craseado. sua força sobre as costas. Não podereis ver sem
3514. E stá com crase. estar trepado em um dos braços, ou em qualquer parte
3515. V em grafad o en g a s eiro . V . nota 3497. que lhe fique ao nível ou a cavaleiro sôbre a cabeça.
3516. E stá : T a l v e e ...... ta lv ez. “ Parece arrebentar de debaixo dos pés, como a
35 17. N ão há virgu la. formosa cascata de Tivoli junto a Roma. Um mugir
3518. V em grafado trip o la d a . surdo e continuado, como os preparos para um terre­
3519. Pusem os so m b rio entre vírgu las. moto, serve de acompanhamento à música estrondosa
3520. E stá craseado. de variados e diversos sons, produzidos pelos cho­
3521. V em d o la m b er , êrro tipográfico. ques das águas. Quer elas venham correndo velocís­
3522. E stá y p o eira s. simas ou saltando por cima das cristas de montanhas;
3523. V em grafad o a eria s. quer indo em grandes massas de encontro a elas, e
3524. E stá T itu b a n tes , êrro de revisão. Leia-se a lv é o , para delas retrocedendo: caindo em borbotão nos abismos
acento métrico. e dêlcs se erguendo era úmida poeira, quer torcendo-se
nas vascas do desespêro, ou levantando-se em espu
3525. V em craseado. mantes escarcéus; quer estourando como uma bomba;
3526. Colocamos virgu la. quer chegando-se aos vaivéns, e brandamente e com
3527. S ic , para duas sílabas. espadanas ou em flocos de escuma alvíssima como
3528. N o m anuscrito origin al do poeta vem d o h o m b ro , em arminhos, — é um espetáculo assombroso e admirável.
lu gar de n o h o m b ro , como tra z a edição de 1876. C f.
A frâ n io Peixoto, ed. c it., tomo I I , pág. 226. “A altura da grande queda foi calculada em 362
palmos. Há 17 cachoeiras, que são verdadeiros degraus
3529. A ssim está no m anuscrito e não como vem na edição do alto trono, onde assentou-se o gigante de nome
princeps: A lta n o ite e lle e r g u e u s e h irto , s o le m n e ./ Paulo Afonso.
C f. A frâ n io P eixoto, ed. cit., tomo I I , pág. 226. “ Muitas grutas apresentam os rochedos dêste lu­
3530. A crescentam os virgu la. gar, sombrias, arejadas, arruadas de crist.alinas areias,
3531. N o m anuscrito vem m o r te, e não n o ite , como aparece banhadas de frigidas linfas.
na edição origin al e sem v irgu la. C f. A frâ n io Peixoto,
ed. cit., tomo I I , pág. 226. “ S.M. o Imperador visitou esta cachoeira na
manhã de 20 de Outubro de 1859. O Presidente das
3532. Craseado.
Alagoas, Dr. Manuel Pinto de Sousa Dantas, teve
3533. V em grafad o E s c a c e o u .
a idéia de erigir um monumento à visita imperial ”
3534. A edição original traz semelha ao in vés de Dir-se-ia,
como no m anuscrito. C f. A fiâ n io P eix eto , ed. cit., (Transcrita do Diário da Bahia.) ”
tomo I I , pág. 226. Nesta nota vem: á cavalleiro e à Ro;na, crascados.

L 84Õ ]
í ndi c e
a u to r e s e com posições p o ética s

ANTÔNIO DE ARAÚJO PÔRTO ALEGRE ANTÔNIO GONÇALVES DIAS


ESPARSOS CANTOS
Resposta ao Sr. J. Norberto de S. S........................... 7 Sirva de Prólogo .................................................................. 43
Brasiliana. Dedicada ao Ilm. Sr. Inácio Dias Pais Futuro Literário de Portugal e do Brasil ...................... 44
Leme ............................................................... 8
O Caçador ............................................................ 11 PRIMEIROS CANTOS
Brasiliana. Ao Faustíssimo Consórcio da Sereníssima
Princesa Imperial a Senhora D. Januária com Sua Prólogo da Primeira Edição ............................................... 46
Alteza Real o Senhor D. Luís de Bourhon, Conde
d’Aquila ........................................................... 12
À Sentidíssima Morte do Senhor Major Carlos Miguel POESIAS AMERICANAS
de Lima ............................................................ 14 Canção do Exílio .................................................................... 46
F.pigramas .............................................................. 16 O Canto do Guerreiro ......................................................... 46
O s c a m e lo s j á n ã o a n d am ....................... 16 O Canto do Piaga .................................................................. 47
D iz em , F á b io , g u c o te u b ô ls o , ............... 16
O B a r ã o d e É a c u r i ................................. 16 O Canto do índio .................................................................. 48
Num Album ........................................................... 16 Caxias .......................................................................................... 49
O Papagaio do Orinoco .......................................... 16 Deprecação ............................................................................... 49
Canto Inaugur.ll .................................................. 17 O Soldado Espanhol .............................................................. 49
Ao Dia Sete de Setembro de 1873 19
POESIAS DIVERSAS
ANTÔNIO PEREGRINO DE MACIEL A Leviana ............................................................................... 53
MONTEIRO A minha Musa ......................................................................... 53
Desejo ........................................................................................ 54
Seus Olhos ............................................................................... 54
ESPARSOS Inocência .................................................................................... 55
Pedido .......................................................................................... 55
1 — H ino ao 7 de Setem bro ................................................ 25 O Desengano ........................................................................... 55
2 — Posturas M unicipais. E pigram a .............................. 25 Minha Vida e meus Amores ............................................. 56
3 — A s Pernam bucanas Baronistas. Cançoneta ___ 26 Recordação ................................................................................. 57
4 — U m V oto ............................................................................ 26 Tristeza ........................................................................................ 57
5 — A os A n os de ..................................................................... 26 O Trovador ............................................................................... 57
6 — Am or Ideal ....................................................................... 27 Amor! Delirio — Engano........................................................ 59
7 — A uma Jovem .............................................................. 27 Delírio ........................................................................................ 60
8 — Form osa .............................................................................. 28 Epicédio ..................................................................................... 60
9 — No C enotáfio de D . L u is a de F ra n ça A rcanjo Sofrimento ................................................................................. 61
F e rre ira ................................................................................ 28 Visões .......................................................................................... 61
10 — A L ilia .............................................................................. 28 I — Prodígio ............................................ 61
11 — Soneto — Sonhei gue, nos teus braços reelinado, 29 I I — A Cruz .............................................. 61
12 — A o s A n os d e . . . — Eis-me outra vez da Criação I I I — Passamento ..................................... 62
no templo ............................................................................ 29 IV — .................................................................. 63
13 — M ote — No colo de Anália bela ......................... 29 V — A Morte ............................................ 64
14 — A n os A n os de M e lle ....................................................... 29 O Vate ........................................................................................ 65
15 — Soneto — E ra já pôsto o sol. A n atu reza.. . . 30 À Morte Prematura da Ilma. Sra D.................................. 65
16 — R. S. A .................................................................................. 30 A Mendiga ................................................................................. 66
17 — Num A lbum . À M ile ...................................................... 30 A Escrava ................................................................................. 67
18 — N um Album . O tempo com suas asas .............. 31 Ao Dr. João Duarte Lisboa Serra .................................. 68
19 — A o s A n os d e . . . a 25 de M arço de 1849 .......... 31 O Desterro de um PobreVelho ........................................ 69
20 — M ote — Deixai beijar-te, meu bem t ..................... 31 O Orgulhoso ............................................................................... 69
21 — A o s A n os de uma D onzela. M ad rigal ............ 32 O Cometa ................................................................................. 70
22 — N o A lbum da E xm a. S ra. V iscondessa de Boa O Oiro ....................................................................................... 70
V ista , no D ia de seus A n os, a 4 de Novembro A um Menino ........................................................................... 71
de 1850 ................................................................................ 32 O Pirata ..................................................................................... 71
23 — Soneto. À C an d ian i......................................................... 32 A Vila Maldita, Cidade de Deus .................................... 72
24 — Am anhã .............................................................................. 33 Quadras da minha Vida ................................................... 74
25 — U m Sonho ......................................................................... 33
26 — Inspiração Súbita ......................................................... 34
27 — A ............ Como a brisa agui sussurra ................ 34 HINOS
28 — Inspiração S úbita ......................................................... 34 O Mar ....................................................................................... 76
29 — Soneto — Não se minere só ouro fulgente . . . . 34 Idéia de Deus ........................................................................ 77
30 — E E u F i c o l ............................................................................. 35 O Romper d’Alva .................................................................. 78
31 — O Poema “ C am ões” de G arret ................................ 36 A Tarde ..................................................................................... 79
32 — A Rosina Laborda ....................................................... 36 O Tempo ................................................................................... 80
Te Deum ................................................................................... 81
POESIAS TRADUZIDAS Adeus aos meus Amigosdo Maranhão ............................. 81

1 — O Lago (Lamartine) ............................ 36 SEGUNDOS CANTOS


2 — A Mademoiselle Michatowska (Lamartine! 37
3 — Invocação (Lamartine) ........................ 37 Prólogo ..................................................................................... 82
4 — O Ramo de Amendoeira ....................... 38 Consolação nas Lágrimas ................................................... 83

[ 847 ]
ÍNDICE

C anção ................................................................................................ 83 C
oci• Amar
A ....................................................................................
L ir a — S e m e queres a teus p és ajoelhado, ..................... 83 Amanhã .................................................................................. ' [ uq
A g o ra e Sem pre ........................................................................ 83 Por umAi .................................................................................. | 151
A V irg e m ......................................................................................... 84 Protesto .......................................................................................] 151
R osa do M a r! ................................................................................ 84 Fadário ........................................................................................] 152
O Am or .............................................................................................. 85 O Assassino ................................. 152
Sem pre E la ....................................................................................... 85 A uns Anos ............................................................................. 153
M im osa e B ela ............................................................................. 86 Quando nas Horas ................................................................. 133
A s D u as A m ig a s ........................................................................ 87 Retratação ................................................................................. ’ 154
Sonho ................................................................................................ 87 Anelo ........................................................................................... 155
Solidão ................................................................................................ 88 Que me Pedes ......................................................................... 155
A um P oeta E x ila d o .................................................................... 88 O Ciúme ..................................................................................... 155
P a lin ód ia ............................................................................................ 89 A Nuvem Doirada ................................................................ 156
O s S u sp iros ....................................................................................... 90 Sonho de Virgem ................................................................... 155
Q u eixu m es ....................................................................................... 90 Meu Anjo, Escuta....................................................................... 158
A o A n iv e rs á rio de um C asam ento ......................................... 92 Os Beijos .................................................................................. 158
C an to In a u g u ra l ................................................................................ 92 Desesperança .............................................................................. 159
T a b ira ................................................................................................. 93 Se Queres que eu Sonhe ................................................ 159
O Baile ......................................................................................... 160
HINOS Desalento .................................................................................... I 60
A Queda de Satanaz ............................................................. 16I
A Lua ................................................................................................. 95 Canção de Bug-Jargal ............................................................. 162
A N oite .............................................................................................. 96 Agar no Deserto ................................................................... 162
A Tem pestade .................................................................................. 97 Hino. O meu Sepulcro ........................................................ 165
Saudades .................................................................................... 167

NOVOS CANTOS
OS TIMBIRAS
O H om em F o rte ......................................................................... 98
D ies Ira e .......................................................................................... 98 Introdução .................................................................................. I 68
E sp e ra ! ................................................................................................. 99 Canto Primeiro ........................................................................ 169
A Sau dade ....................................................................................... 100 Canto Segundo ........................................................................ 172
N ão m e D e ix e s! ....................... 100 Canto Terceiro .......................................................................... 176
Z u lm ira .............................................................................................. 101 Canto Quarto .............................................................................. I8 I
A um a P o etisa ................................................................................ 101
A n g e lin a ............................................................................................ 101
R ô la ..................................................................................................... 101 OUTRAS POESIAS
A in d a uma V e z — A d e u s! ...................................................... 102
O Sono ................................................................................................. 103 Fantasmas ................................................................................... 185
S e eu F õ sse Q u erid o ! ............................................................. 103 Lágrimas sem Dor — e Dorcora Lágrimas .................. 186
A F lo r do A m o r ............................................................................ 103 Miserrimus ................................................................................ 187
A sua V o z ....................................................................................... 104 O Donzel .................................................................................... 188
S e se M orre de A m o r ............................................................. 105 Harmonias .................................................................................. 189
A M orte é V á r ia ......................................................................... 105 O Bardo ....................................................................................... 190
A Desordem de Caxias ........................................................ 191
Lenda de Sam Gonçalo ...................................................... 193
SEXTILHAS DE FREI ANTÃO Anália ........................................................................................... 198
Caxias ......................................................................................... 200
L o a da P rin ce za S an cta ......................................................... 106 A Harmonia ................................................................................ 201
G u ln are e M ustap há ..................................................................... 110 A Tempestade ............................................................................ 202
Soláo do Senhor R e y D om João ........................................ 118
Soláo de G onçalo H e rm ig u ez .................................................. 122
VERSOS PÓSTUMOS
ÚLTIMOS CANTOS Entusiasm o ardente m ’a rrebate; ......................................... 203
A Esmeralda ............................................................................ 203
D ed icató ria ....................................................................................... 127 A Cláudio Frollo ..................................................................... 204
Ao Quasímodo .......................................................................... 204
POESIAS AMERICANAS A N otre-D am e de V. Hugo ................................................ 204
Epístola. Descrição de Pitões ............................................... 204
T — O G igan te de P e d ra ............................................... 128 Epigrama. A um Acadêmico da Escola Médico-Cirúr­
II — L eito de F o lh as V e rd es ..................................... 129 gica do Põrto ................................................................... 205
I I I — I-Ju ca-P iram a ............................................................. 130 No Album de meu Amigo José Hermenegildo Xavier
I V — M arab á ............................................................................ 134 de Morais ............................................................................ 205
V — C an ção do T am oio ................................................... 134 Orgulho e Avareza ................................................................. 205
VI — A M an g u e ira ............................................................. 135 Ausência ....................................................................................... 206
A M ãe d ’ A g u a ................................................................................ 136 Visões ......................................................................................... 206
I — O índio ................................................................. 206
I I — O Satélite ............... 208
POESIAS DIVERSAS No Album de meu Amigo Antônio Cardoso Avelino . . 208
À Restauração do Rio Grande do Sul, e ao Nascimento
N ê n ia à M orte S en tid íssim a do S eren íssim o P rín c ip e do Herdeiro Presuntivo ............................................... 209
Im perial o Senhor D . P ed ro ........................................ 138 Ao Aniversário da Independênciado Maranhão ........... 210
Olhos V e rd es ................................................................................... 139 Hino ao Dia 28 de Julho .................................................... 210
C um prim ento de um V o to ........................................................ 140 A certa Autoridade que Ameaçou os Músicos por Terem
L ir a Q uebrada ................................................................................ 140 Tocado no Aniversário daIndependência de Caxias 211
A P a stó ra ......................................................................................... 140 Tristes Recordações! ............................................................. 211
A In fâ n c ia ......................................................................................... 141 Ao Aniversário Natalício de S.M. 1................................... 212
U rg e o T em po ................................................................................ 142 Voltas e Motes Glosados .................................................... 212
Sôbre o T ú m u lo de ura M enino .............. 142 I — N ão posso dizer que não, ................................ 212
M en in a e M oça .................................................................... 143 I I — N ão posso dizer que não, ................................ 212
Com o E u T e A m o ......................................................................... 143 I I I — Não quisera ser tão firm e, ......................... 213
A s D u as Coroas .............................................................................. 144 IV — F in os cabelos prenderam .............................. 213
H a rp ejo s ............................................................................................ 144 V — N ão sou fe ra , sou hum anai .......................... 213
T ris te do T ro v a d o r .................................................................... 145 Ao Aniversário de D. F . S. R ............................................. 213
V e lh ice e M ocidade .................................................................... 146 Sonêtos ......................................................................................... 214
A s F lo res ......................................................................................... 147 B a ix el veloz, que ao úmido elemento ............ 214
O que m ais D ói na V id a ...................................................... 148 D oce A m or — a sorrir-se brandamente . . . 214
F lo r de B ele za .............................................................................. 148 A penas oiço dar A ve-M aria, ........................... 214
O A n jo da H arm onia .................................................................. 149 Pensas tu, bela Anarda, que os poetas . . . 214
A H istó ria ....................................................................................... I49 Ando abaixo, ando acima, e sem pre às
A Concha e a V irg e m .................................................................. I 50 solas ............................................................... 214

L 848 ]
ÍNDICE
PÁG.
A V id a ............................................................................................. 214 No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva
À Partida da A tr iz .................................................................... 214 Pereira Júnior ................................................................ 253
Hino dos Reis M agos .................................................................. 215 O Pastor Moribundo ........................................................... 253
A Violeta ...................................................................................... 216 Tarde de Verão ...................................................................... 253
A o Casamento da F ilh a do S r. N orris ........................... 216 Tarde de Outono .................................................................... 254
Consente-me E screver aqui meu Nom e! ........................... 216 Cantiga ..................................................................................... 255
No Album de D . L u íza A m at .............................................. 216 Saudades ................................................................................... 256
T u não Queres Ligar-te Com igo ......................................... 217 Esperanças ................................................................................. 256
A s A rtes São Irm ãs ................................................................ 217 Virgem Morta ........................................................................ 257
No Album de D. A m érica P . R. Lopes ............................ 217 Hinos do Profeta .................................................................... 257
Fragm ento ....................................................................................... 217 Um Canto do Século ...................................... 257
Estâncias ...................... 217 Lágrimas de Sangue ...................................... 259
Que Cousa é um M in istro .................................................. 218 A Tempestade ................................................. 260
O h l que A cord ar! ..................................................................... 219 Lembrança de Morrer ........................................................... 261
Se muito S o fri já , não mo P ergun tes .............................. 220
No Jardim ! ..................................................................................... 220
A Baunilha .................................................................................... 221 Segunda Parte
Se te Am o, não S ei! ................................................................ 221
Como! És tu ? ................................................................................ 222 Prefácio ..................................................................................... 262
Revelação ....................................................................................... 222 Um Cadáver de Poeta ..................................................... 263
A M inha R osa .............................................................................. 222 Idéias íntimas .......................................................................... 266
Ciúm es ................................................................................................ 223 Boêmios ..................................................................................... 269
T en s mais Poesia ....................................................................... 223 Spleen e Charutos .................................................................. 275
Poema Am ericano. Fragm ento .............................................. 223 I — Solidão .............. ; ........................... 275
A o Grande L iterato Homeopático D r. V elu d o ................ 225 I I — Meu Anjo ...................................... 276
A o D outor dos M anuscritos ..................................................... 226 I I I — Vagabundo ....................................... 276
D. Em ilia ......................................................................................... 226 IV — A Lagartixa .................................... 276
Ê A le g re a F lo r que B rota ..................................................... 227 V — Luarde Verão .............................. 277
Seu Nome ......................................................................................... 227 V I — O Poeta Moribundo ................... 277
Am or de A rabe .............................................................................. 227 E ’ Ela! E ’ Ela! E ’ Ela! E ’ Ela! ..................................... 277
M inha T e rra ! ................................................................................ 227 Sonêto — Um M ancebo no Jô g o se descora, ........... 278
Sonêto — Ao Sol do meio-dia eu vi dormindo ........... 278
Tôda aquela mulher tem a puresa ..................................... 278
POESIAS TRADUZIDAS O Cônego Filipe .................................................................... 278
Terza Rima ............................................................................... 278
A T riste F lo r (V icto r H u go) .............................................. 228 Relógios e Beijos .................................................................. 279
Profecia( do T e jo (T ra d , do Espanhol) ............................ 228 Namoro a Cavalo .................................................................... 279
T ens Jóias e D iam antes (H ein e ) ..................................... 229 O Editor ................................................................................... 279
Vem , ó B ela G ondoleira (H ein e) ..................................... 229 Dinheiro .................................................................... .'............... 280
Não te D iz meu Rosto P álido (H ein e) ............................ 229 Minha Desgraça ....................................................................... 280
Tenho Veneno nos V ersos (H ein e ) .............................. 229
Ambos se A m a v a m ! ... (H ein e) ...................................... 230
L írio e Rosa (H erd e r) ............................................................ 230 Terceira Parte
Fortificai-m e, ó D eu s! (T ra d , doA lem ão) .................... 230
A Cam isa Encantada (U h lan d ) ...................................... 230 Meu Desejo ............................................................................... 280
O Am ém das Pedras (K osegarten ) ................................ 231 Porque Mentias ....................................................................... 280
Soneto. (R olli) — Dise-me tu, pastorsinho, ................ 231 Amor .......................................................................................... 281
Sôbolos R ios (Lope da V e g a ) ................................................ 231 Fantasia ...................................................................................... 281
O A n jo dos Olhos N egros (E m ílio A d e t) ................... 232 Lágrimas da Vida ................................................................ 282
Fragm ento da Divina Comédia .............................................. 232 Sonêto — Os quinze anos de uma alm a transparente . . 282
Possêidon (H ein e) ..................................................................... 233 Lembrança dos Quinze Anos ........................................... 282
Meu Sonho ............................................................................... 283
Trindade ................................................................................... 283
Sonêto — J á da morte o palor me cobre o rosto, . . . . 283
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE Minha Amante ......................................................................... 283
Despedidas à .................................................................................. 284
AZEVEDO Panteísmo ................................................................................. 284
Desânimo ................................................................................... 285
POESIAS O Lenço dela .......................................................... 285
Pálida Imagem ...................................................................... 286
Seio de Virgem ...................................................................... 286
LIRA DOS VINTE ANOS Minha Musa ........................................................................... 286
Mal va-Maçã ............................................................................... 287
Prefácio 239 Pensamento dela .................................................................... 287
Por mim? ................................................................................. 288
Lélia ............................................................................................ 288
Primeira Parte Morena ....................................................................................... 288
12 de Setembro ...................................................................... 289
No Mar ................................................................. 239 Sombra de D. Juan .............................................................. 290
Sonhando ................................................................ 240 Na Várzea ............................................................................... 292
Cismar ................................................................... 241 Oh! Não Maldigam! ............................................................ 293
Ai Jesus! .............................................................. 241 Adeus, meus Sonhos .............................................................. 293
Anjinho ................................................................... 241 Página Rôta ............................................................................. 293
Anjos do Mar ....................................................... 242
T en h o um s e io q u e d e lir a ..................................... 242
A Cantiga do Sertanejo .......................................... 242 POESIAS DIVERSAS
Q uando á n o ite n o le ito p e r fu m a d o .......................... 243
O Poeta ................................................................. 244 Glória Moribunda ................................................................ 293
F u i um d ou d o em so n h a r ta n tos a m o r e s , ................ 244 No Álbum da Exma. Sra. D. 0 ............................................. 297
Q uando f a l o co n tig o, n o m eu p e ito , ............................ 245 Pedro Ivo ................................................................................. 297
Na Minha Terra .................................................... 245 A Minba Mãe ........................................................................ 298
Itália ...................................................................... 246 Sonêto — P assei ontem a noite junto d e l a .................... 298
A T........................................................................... 247 Teresa ....................................................................................... 298
Crepúsculo no Mar ............................................... 248 .Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro de
Crepúsculo das Montanhas ..................................... 248 seu Irmão ......................................................................... 299
Desalento ................................................................ 249 Sonêto — Perdoa-me, visão dos meas Am ores ........... 300
Pálida Inocência 249 A Minha Esteira .................................................................... 300
^onêto ................................................................... 250 Sonêto — Oh! páginas da vida que eu amava, .............. 30C
Anima Mea ........................................................... 250 Se eu Morresse Amanhã! ................................................. 300
A Harmonia .................................... 251 O Poema do Frade .............................................................. 300
........................................................................... 252 Canto Primeiro ................................................. 300
t-................................................................................ 252 Canto Segundo ................................................. 303

[ 849 ]
ÍNDICE

PÁc.
Canto Terceiro .................................................. 306 L U I — Â Morte de Afonso de A. Coutinho Mes-
Canto Quarto ...................................................... 311 seder ............................................................... 389
Canto Quinto ...................................................... 313 L IV — Berço e Túmulo ....................................... 390
LV — Infância ........................................................... 390

O CONDE LOPO L V I — A Uma Platéia ........................................... 391


L V II — No Túmulo dum Menino .......................... 3 9 '.
Prefácio ....................................................................................... 317 L V I I I — A J . J . C. Macedo-Júnior .................... 391
Frontispício .............................................................................. 322 L IX — Uma História ........................................... 392
O Poema de um Louco ...................................................... 322 L X — No Leito ........................................................ 392
Primeira Página ............................................................ 323 L X I — Pois não é? ................................................ 393
Ouvertura ................................................................................... 324 L X I I — Na Estrada .................................................. 394
Canto I — Vida da Noite .................................................. 326 L X I I I — No Jardim ...................................................... 394
Canto I I — Febre .................................................................... 331 L X IV — Risos ............................................................... 394
Canto I I I — Flores do Luar ............................................ 334
Canto IV — Fantasmagorias ........................................... 339
Livro Negro
Canto V — No Mar ............................................................. 343
Canto V I — Prelúdios ........................................................ 348 Horas Tristes — I ................................................................... 395
Canto V I I — .............................................................................. 350 Dores — I I ................................................................................ 395
Canto V I I I — Um Túmulo Aberto ................................... 353
. . . . • I I I — P obre criança que te aflig es tanto ......... 396
Fragmento — IV ..................................................................... 397
Anjo! — V ................................................................................ 397

CÁSIMIRO JOSÉ MARQUES DE ABREU Última Fôlha — V I ...................................................... . 398

PRIMAVERAS POESIAS AVULSAS


Prefácio ....................................................................................... 363 A Amizade .............................................................................. 398
A — (Dedicatória) ............................................................ 364 Elisa ............................................................................................. 399
Lembras-te? ............................................................... 399
A Rosa ......................................................................................... 400
Livro Primeiro Suspiros ....................................................................................... 400
A Vida ....................................................................................... 401
I — Canção do Exílio ....................................... 365 Os meus Sonhos ...................................................................... 402
II — Minha Terra ................................................ 365 Desejos ......................................................................................... 403
TU — Saudades ....................................................... 366 Meu Livro Negro ................................................................. 403
IV — Canção do Exílio ..................................... 366 A J . . . — M in k’alm a dorm e, indolente .......................... 405
V — Minha Mãe .................................................. 367 À J . — A tua V02 vem d'alma, fresca e pura ......... 405
VI — Rosa Murcha .............................................. 367 Ontem à Noute ........................................................................ 405
V II — Ju riti .................................... 368 No Album de Nicolau Vicente Pereira .......................... 405
V III — Meus Oito Anos ....................................... 368 A Faustino Xavier de Novais ......................................... 406
IX — No Album de J . C. M ................................ 369
X — No Lar ........................................................... 369
XI — B rasilianas. Moreninha................................. 370
X II — Na Rêde .................................................... 371 LUÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE
X III — A Voz do Rio .............................................. 371
X IV — Sete de Setembro .......................................... 372
XV — Cânticos. Poesia e Amor ..................... 372 INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
XVI — Orações ......................................................... 373 Prefácio ..................................................................................... 411
X V II — Bálsamo ...................................................... 373
Porque Canto? .......................................................................... 414
X V III — Deus! .......................................................... 373
O Remorso da Inocente ...................................................... 415
Pedido ......................................................................................... 416
Livro Segundo Meditação ................................................................................... 416
O Apóstolo entre as Gentes ................................................... 418
X I X — Primaveras .................................................. 374 O Jesuíta ..................................................................................... 420
X X — Cena íntima .................................................. 374 A Flor Murcha do Altar ................................................... 421
X X I — Juramento .................................................... 375 O Incenso do Altar ............................................................ 421
X X I I — Perfumes e Amor ................................... 375 O Misantropo ............................................................................ 422
X X IT I — Segredos ........................................................... 376 A ó rfã na Co.stura ............................................................ 424
X X IV — Clara ........................................................... . 376 Meu Filho no Claustro ........................................................... 424
X X V — A Valsa ........................................................... 376 Milton ........................................................................................... 426
XXVT —^ Borboleta ....................................................... 378 Pobre e Suberbo ..................................................................... 426
X X V II — Quando tu Choras ................................... 378 Os Claustros .............................................................................. 428
X X V U I — Canto de Amor .......................................... 378 Sóror Angela ............................................................................ 431
X X IX — Violeta ........................................................ 379 A Freira ..................................................................................... 432
X X X — O quê? ........................................................ 380 A Devota ..................................................................................... 43 í
X X X I — Sonhos de Virgem ................................... 380 Frei Bastos .............................................................................. 434
X X X I I — Assim! ........................................................... 380 O Renegado ................................................................................ 435
X X X I I I — Quando?! ......................................................... 381 O Monge ..................................................................................... 437
X X X IV — Sempre Sonhos! ............................. 381 O Apóstata .................................................................................. 441
X X X V — O que é — Simpatia ............................ 381 O Converso ................................................................................ 442
X X X V 'I — Palavras no Mar ....................................... 382 Ela .............................................................. 442
X X X V II — Pepita ........................................................... 382 Saudação ao Natalício do meu Amigo Olímpio Má­
X .X X V III — Visão .................................................................. 382 ximo Chaves ..................................................................... 443
X X X IX — Queixumes ....................................................... 383 Deixas-me ................................................................................ 444
X L — Amor eMêdo ................................................... 383 À Profissão de Frei João das Mercês Ramos ............. 444
X L I — Perdão! .......... 384 Canto Oferecido aos Jovens Alunos do Colégio de S.
X L II — Mocidade ...................................................... 385 Vicente de Paulo, por Ocasião de Festejarem
X L I I I — Noivado .......................... 385 o mesmo Santo, a 23 de Julho de 1853 .................. 445
X L IV — De Joelhos .................................................... 385 Saudade ......................................................................................... 446
Aos Túmulos ............................................................................ 447
A Morte no Claustro ............................................................. 447
Livro Terceiro Canto Fúnebre Recitado na Ocasião de Sepultar-se o
Cadáver do meu Amigo Luís da França Rebouças
X LV — Três Cantos .................................................. 386 a 16 de Abril de 1853 448
XLVI — Ilusão ............................................................. 386 Poema Fúnebre Dedicado a meu Irmão Frei Henrique
X L V II — Sonhando ......................................................... 387 de Santa Rosa Ribeiro, por Ocasião da Morte de
X L V III — Lembrança .................................................... 387 seu Irmão Raimundo Alvares Ribeiro, Sucedida a
XLTX — O Baile! ......................................................... 387 23 de Abril de 1853 449
L — Minh’Alma é Triste .................................... 388 Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na
LI — Palavras a Alguém ..................................... 389 Cidade de Mariana ...................................................... 452
L II — Fôlha Negra ................................................ 389 Os Dous Cadáveres ............................................................... 455

[ 850 ]
in d !Cí ;

PÁG.
Ai! ..................... 456 Sôbre um Túmulo .................................................................. 507
Mais um Túmulo 457 Tristeza ....................................................................................... 507
A Enchente .............................................................................. 508
CONTRADIÇÕES POÉTICAS A Estátua Eqüestre .............................................................. 509

Prólogo ......................... 458 O ESTANDARTE AURIVERDE


Invocação ..................... 459
Sonho ........................... 459 A quem Ler ............................................................................ 510
Achei-te ....................... 459 Ao Brasil ................................................................................... 510
Que Temes? ................. 459 Ao Povo ................................................................................... 511
A um Natalício ......... 460 A William Christie ................................................................ 511
Não Fujas com a Face 460 A D. Pedro I I .................................................... 511
Martírio ....................... 461 Hino — Soldados valentes, — soldados briosos, . . . . 512
Meus Olhos ............. 461 A S. Paulo ............................................................................... 512
A Minha Virgem ..., 461 Canto do Sertanejo ................................................................ 512
Acorda ........................... 462 Canção — Nunca viste á madrugada, .............................. 513
A Sultana ..................... 462
Meio-Dia ......................... 463
O Abraço .............................................................................................. 463 VOZES DA AMÉRICA
Medrosa ................................................................................................. 463
P or quem R ezas? ........................................................................... 464
Prefácio ..................................................................................... 513
Só Assim ............................ 464
Mauro, o Escravo .................................................................... 515
O Banho .................................................................................. 4 fii:
Visão ........................................................................................... 520
FoRei ................................................................................................................ 466 Predestinação .......................................................................... 521
Também E la ..................................................................................... 466 O Proscrito ............................................................................... 523
Aldeana ................................................................................................. 466 Vingança ................................................................................... 524
F á tu a ! ................................................................................................... 467 Napolcão ................................................................................... 525
A Campina ..................................................................................... 468 Infância e Velhice .............................................................. 526
O Canto do Galo ........................................................................... 468 Soneto — Desponta a estrela d ’alva, a noite m orre . . . . 526
O M enestrel do Se rtão ................................................................. 469 Ilusão ........................................................................................... 527
Ao M eu N atalício ........................................................................... 470 Ideal ............................................................................................ 52?
Louco .................................................................................... 470 Deixa-me ................................................................................... 527
D esejo .............................................................................................................. 4 7 ] A __ — F ôste n'aurora cristalino arroio ........................... 527
T riste z a ................................................................................................. 4 7 I O Vizir ..................................................................................... 528
Não Posso ....................................................................................... [ _ 472 Não te Esqueças de Mim! ................................................. 528
Nem Sem pre .................................................................................... 472 Soneto — Eu passava na vida errante e vago ........... 528
À Amizade .................................................................................... 473 O Vagalume ............................................................................. 528
M orte .................................................................................................] ] 474 Elegia .......................................................................................... 528
À M orte deG arret ............................................................ 473 Tristeza ...................................................................................... 529
O .V elho ........................................................ ! . ! ! ! ! ' 475 * • * Porque te afogas, ô irmã dos anjos, ................... 530
V ai ...................................................................................................... Ecos do Cárcere .................................................................... 530
476 O Exilado ................................................................................. 532
A T ard e ........................................................................................ ’ " 477
T emor ................................................................................................. 477 Aurora ....................... 532
O A rranco da M orte ........................................................* ' . 477 As Selvas ................................................................................... 533
O H ino da Cabocla .................................................................... 478 A Lucilia ................................................................................... 533
Soneto — Jovens filhos da pátria, em vossos pettos 478 Recitativo ................................................................................... 534
Soneto — A rda de raiva contra mim a intriga . . . . 478 Childe-Harold ........................................................................... 534
A T rig u eirin h a (F o n te n e lle) .............................................. 479 Cantiga ....................................................................................... 534
O Regato (F o n ten elle) ............................................................. ' " 479 O Sabiá ...................................................................................... 535
O V ia ja n te (B é ra n g e r) .......................................... 480] [ Harmonia ................................................................................... 535
O Su icíd io (B é ra n g e r) ............................................................. 480 Estâncias ..................................................................................... 536
O Velho Sargento (B é ra n g e r) .............................................. 481 O Mar ........................................................................................ 537
D ertin ca ............................................ Oriental ..................................................................................... 537
481 Poema .......................................................................................... 538
A Serenata ................................................................................. 539
POESIAS ESPARSAS Fragmentos ............................................................................... 539
O Noviço ............................ 437 Gualter, o Pescador .............................................................. 540
Páginas do Coração .............. 488
Monástica ............................... 489 CANTOS E FANTASIAS
Jesus das Misericórdias .................. 439
O Chôro dos Ais ....................... 490 A meu Pai o Sr. Dr. Emiliano Fagundes Varela . . . . 545
À Minha Irmã ............................490 Prefácio ..................................................................................... 545
Ao Batismo de Gertrudes .................. 49I
Coisinha ......................... !!!!!!! 49' L IV R O P R IM E IR O — JU V E N ÍL IA
Quatro Janelas .................... !!!!!!.'! 492
A Folga .................... '‘‘ ...... Ano
Poema — T — Lem bras-te, In á, dessas noites ........... 548
Teus Olhos .............................. 493 II — E ra à tardinha. Cismando, .......................... 548
A joaquina .................!!!!!!!!!!!!!!! 493 III — Tu és a aragem perdida .................................. 549
Meditação ....... 494 IV — Teus olhos são negros, — negros ................. 550
tv L .................................. 49s V — N ão v ês quantos passarinhos ..................... 550
t,ié que te am o tão d ev eras, ............. 495 VI — És a sultana das brasilias terras, ............. 550
Ao Natal do Ilmo. Snr. J. T , M. da Silva ....... 496 V II — A h l quando fa c e a fa c e te contemplo, ........ 550
A Minha Bandeira ..................... 497 V III — Saudades! Tenho saudades ............................ 551
Meu Saveiro ................... !!!*!!!!!!! 497 IX — Um dia, o sol poente dourava a serrania, . . 551
Consagro ao canto do povo ............... 497 X — A luE d'aurora nos jardins da Itália ...... 552
h ragmentos do Padre Roma ............... 49g
L IV R O SEGUN DO — L IV R O DAS SO M BRAS
LUfS NICOLAU FAGUNDES VARELA A ......... — Pensava em ti nas horas de tristeza . . . 552
Cismas á Noite ...................................................................... 552
NOTURNAS Sextilhas ................................................................................... 553
Aviso .................... Horas Malditas ...................................................................... 553
Cântico do Calvário .............................................................. 553
Minha Mãe ............... !!!!.!!!!!.' 503 Madrugada à Beira-Mar ....................................................... 555
Névoas .... çfii Sombras! ................................................................................... 555
Vida de Flor ...!!!!! ]!1!!! !!!............ ena A Várzea ................................................................................... 556
Arquétipo .................. 504 Queixas do Poeta .................................................................... 556
O Foragido .............. ‘' cnc Resignação ................................................................................. 556
Fragmentos ......... cni; Protestos ..................................................................................... 557
A Mulher ............. !!!!!!!!!'.!!..... 507 Desejo .......................................................................................... 557

[851]
ÍN DICE

Desengano .................................................................................. SS 8 Canto VI .................................................................................... 652


Reflexões da Meia-Noite (M. Aubertin) ........................ 558 Canto V II .................................................................................. 658
Canto V III ................................................................................ 666
L IV R O T E R C E IR O — M E L O D IA S DO E ST IO Canto IX .................................................................................... 671
Canto X — Epílogo ............................................................... 680
Aspirações .................................................................................. 559
O Oceano ..................................................................................... 559 CANTOS RELIGIOSOS
Era Tôda a Parte ................................................................... 560
No ftrrao ..................................................................................... 560 Aos Pais de Família ............................................................. 684
Vozes no Ar .............................................................................. 561 Em Tôda a Parte ..................................................................... 684
Colmai ......................................................................................... 561 Oração ......................................................................................... 684
Ira de Saul ................................................................................. 563 Ave! Maria! .............................................................................. 684
Versos Soltos ............................................................................ 563 Mamã ........................................................................................... 685
Sete de Setembro ...................................................................... 564 Voz do Poeta .............................................................................. 685
Noite Saudosa .......................................................................... 565 Salmo I ....................................................................................... 685
Fragmento .................................................................................. 685
CANTOS MERIDIONAIS Prece ........................................................................................... 686
A Estréia dos Magos ............................................................. 686
Oração ......................................................................................... 565
O Escravo ................................................................................... 566
A Cidade ..................................................................................... 566 DIÁRIO DE LÁZARO
O Cavalo ..................................................................................... 567 Fase Primeira .......................................................................... 687
Ao Rio de Janeiro ................................................................. 568 Fase Segunda ............................................................................ 689
A Morte ....................................................................................... 568
Névoas ........................................................................................... 569
À Bahia ....................................................................................... 569 POESIAS AVULSAS
A Enchente ................................................................................. 570 Invocação ..................................................................................... 692
A Flor do Maracujá ............................................................... 571 A Escrava .................................................................................. 692
O Espectro de Santa Helena ............................................ 571 Beatriz Henriques ................................................................. 693
A Sonâmbula .............................................................................. 572 Surpresa ..................................................................................... 693
A Roça ....................................................................................... 573 Elegia — Tempo, tempo voraz, pára um momento! . . . . 693
A Criança ................................................................................... 573 Solau ............................................................................................. 695
Expiação ..................................................................................... 574 Harmonicómio .......................................................................... 695
A Estrela dos Magos ............................................................... 574 Canção Lógica ............................................................................ 695
Plectro ......................................................................................... 575 Canto — Jesu s! Filho de D eus! Quero adorar-te ........... 695
Noturno ....................................................................................... 575 Armas ........................................................................................... 696
Canção para Música — A Madrugada ............................. 576 Canção — M áquina de escrever e fa z er versos ........... 696
Outra Canção para Música — O Cego ........................ 576 Velha Canção ............................................................................ 697
Outra Canção para Música ......................... 577 Elegia — A noite era calma, soidosa entre nimbos . . . 697
A uma Mulher .......................................................... 577 Amor e Vinho .......................................................................... 698
Esperança ................................................................................... 578
Mimosa ......................................................................................... 582
Canto Primeiro .................................................. 582
Canto Segundo .................................................. 584 ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
Canto Terceiro .................................................. 587
Epílogo .................................................................. 588 ESPUMAS FLUTUANTES
Antonico e Corá ...................................................................... 589
Prólogo ......................................................................................... 703
Dedicatória .................................................................................. 704
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE O Livro e a América ............................................................. 704
Primeira Página ...................................................................... 591 Hebréia ......................................................................................... 705
Viúva e Moça .......................................................................... 591 Quem Dâ aos Pobres, Empresta a Deus ........................ 70S
Eu Amo a Noite ...................................................................... 592 O Laço de Fita ........................................................................ 706
A Volta ..................................................................................... 592 Ahasvérus e o Gênio ............................................................. 706
A Despedida ............................................................................... 593 Mocidade e Morte ................................................................... 707
O Vagalume .............................................................................. 593 Ao Dous de Julho ................................................................... 708
Conforto ....................................................................................... 594 Os T rês Amores ..................................................................... 708
Visões da Noite ...................................................................... 594 O Fantasma e a Canção ......................................................... 709
O Canto dos Sabiás ............................................................... 594 O Gondoleiro do Amor ........................................................ 709
O Resplcndor do Trono ....................................................... 595 Sub Tegmine Fagi ................................................................... 710
Em Viagem ................................................................................. 595 As T rês Irmãs do Poeta ...................................................... 711
Serenata ....................................................................................... 595 O Vóo do Gênio ..................................................................... 711
A Sombra ................................................................................... 595 O “Adeus” de Teresa ............................................................. 712
A Diversão .............................................................................. 596 A Volta da Primavera ........................................................... 712
A Lenda do Amazonas ......................................................... 597 A Maciel Pinheiro ................................................................. 712
Estâncias ..................................................................................... 598 A uma Taça Feita de Crânio Humano (Byron) ........... 713
Quadrinhas ................................................................................... 599 Pedro Ivo .................................................................................. 713
O General Juarez ................................................................... 599 Oitavas a Napoleão (Losano) ............................................. 715
A Filha das Montanhas ....................................................... 601 Boa Noite .................................................................................. 715
O Filho de S. Antônio ......................................................... 602 Adormecida ................................................................................ 716
As Letras ................................................................................... 602 Jesuítas ......................................................................................... 716
O Arrependimento ................................................................... 602 Poesias e Mendicidade .......................................................... 717
Acusmata ..................................................................................... 603 Hino ao Sono ............................................................................ 718
A Sêde ......................................................................................... 605 No Album do Artista Luís C. Amoédo ............................ 719
Enôjo ........................................................................................... 610 Versos de ura Viajante ........................................................ 719
Lira ................................................................................................ 610 Onde Estás? .............................................................................. 719
O Mesmo ..................................................................................... 610 A Boa-Vista .............................................................................. 720
A um Monumento ................................................................. 610 A uma Estrangeira ................................................................. 721
A Pena ...................................................... 611 Perseverando (Victor Hugo) ............................................. 721
Levindades de Cintia ............................................................. 612 O Coração .................................................................................. 722
Oração Fúnebre ........................................................................ 614 Murmúrios da Tarde ............................................................... 722
Ao Deus Criador ................................................................... 615 Pelas Sombras .......................................................................... 722
Hino à Aurora .......... 615 Ode ao Dous de Julho ........................................................ 723
A Duas Flores ......................................................................... 723
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS O Tonel das Danaides .......................................................... 724
A Luís ......................................................................................... 724
Canto I ......................................................................................... 615 Dalila ........................................................................................... 724
Canto II ..................................................................................... 625 As Duas Ilhas ........................................................................... 725
Canto III ..................................................................................... 631 Ao Ator Joaquim Augusto .................................................... 726
Canto IV ..................................................................................... 639 Os Anjos da Meia-Noite ...................................................... 726
Canto V .............................................................................................. 646 O Hóspede .................................................................................. 728

[ 852 ]
ÍNDICE

P A g.
As Trevas (Byron) ............................................................... 728 JUVENILIA
Aves de Arribação ................................................................. 729
Os Perfumes ........................................................................... 730 AoNatalicio do meu Diretor o Ilmo. Sr. Doutor
Immensis Orbibus Anguis ................................................... 731 Abílio César Borges ..................................................... 775
A uma Atriz ........................................................................... 731 Poesia — Qual leão encostado à dura rocha ................... 775
Canção do Boêmio ................................................................... 732 Sonetos — Aos Anos do meu Prezado Diretor ........... 776
É Tarde! .................................................................................. 732 Ao Dia Sete de Setembro ..................................................... 776
A meu Irmão Guilherme deCastro Alves ...................... 733 Ao Sr. Furtado Coelho ........................................................... 777
Quando eu Morrer ................................................................. 733 Ao Dous de Julho ................................................................ 777
Uma Página da Escola Realista ........................................ 734 O Povo ao Poder .................................................................... 778
Coup d’Étrier .......................................................................... 736 Ao Violinista F. Muniz Barreto Filho ............................ 778
Improviso ................................................................................... 779
HINOS DO EQUADOR Num Album .............................................................................. 779
A Adelaide Amaral ............................................................. 779
Destruição de Jerusalém ..................................................... 736 Fados Contrários .................................................................... 779
Pesadelo .................................................................................... 737 A Atriz Eugênia Câmara ................................................... 779
I — O “Rendez-Vous” .......................................... 737
II — O Assassínio ..................................................... 738 OS ESCRAVOS
I I I — A Louca ........................................................... 738
IV — A Entrevista noTúmulo ................................ 738 O Século ..................................................................................... 780
V — Os Dois Cadáveres ........................................ 739 Ao Romper d’AIva ..................... ............................................ 781
Meu Segredo .......................................................................... 739 A Visão dos Mortos ............................................................. 782
Cansaço .................................................................................... 740 Mater Dolorosa ........................................................................ 782
Noite de Amor ........................................................................ 740 Confidência ............................................................................... 782
A Canção do Africano ......................................................... 741 O Sol e o Povo ...................................................................... 782
Fragmento .................................................................................. 741 Tragédia no Lar ...................................................................... 784
Aos Estudantes Voluntários ............................................... 741 O Sibarita Romano ................................................................ 786
Capricho .................................................................................... 741 A Criança ................................................................................. 786
Exortação .................................................................................. 742 A Cruz da Estrada ................................................................ 786
Martírio .................................................................................... 742 Bandido Negro ........................................................................ 787
Não Sabes ................................................................................ 742 América ..................................................................................... 787
Pensamento de Amor ............................................................. 743
Remorso ....................................................................................... 788
A Eugênia. Câmara ............................................................... 743
Canto do Bug-Jargal (Victor Hugo) ................................ 788
Sonho da Boêmia .................................................................... 743
A órfã na Sepultura ............................................................ 789
Horas de Martírio ................................................................. 744
Antítese ..................................................................................... 790

Amar e Ser Amado ............................................................... 744


Canção do Violeiro ................................................................ 790
Amemos! .................................................................................... 745
Súplica ....................................................................................... 791
Tríplice Diadema .................................................................... 745
O Vidente ................................................................................... 791

Fatalidade ................................................................................ 746 A Mãe do Cativo .................................................................... 792


Poeta ........................................................................................... 746 Manuela ..................................................................................... 793

Pesadelo de Humaitá ........................................................... 747


Fábula — O Pássaro e a Flor .......................................... 794
Elegia (Lamartine) ............................................................... 747
Estrofes do Solitário .............................................................. 794
Penso em Ti ............................................................................ 748
O Navio Negreiro .................................................................. 795

Palavras de um Conservador a propósito de um Lúcia ................................ ........................................................... 797

Perturbador ...................................................................... 748 Prometeu ..................................................................................... 798


A Olimpio .............................................................................. 749
Vozes d’Africa ......................................................................... 798
A Balada do Desesperado ..................................................... 751
Saudação a Palmares .............................................................. 799

Pássaro Viajante .................................................................... 752 O Derradeiro Amor de Byron ............................................. 800


O Junco e o Cipreste ........................................................... 752 Adeus, meu Canto ................................................................ 800
Adeus ......................................................................................... 753
Horas de Saudade .................................................................... 754 A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
À Capela do Almeida ......................................................... 754 A Tarde ..................................................................................... 802
Numa Página ....................... .................................................. 754 Maria .......................................................................................... 803
A D. Joana .............................................................................. 754 O Baile na Flor ...................................................................... 803
Fé, Esperança e Caridade ................................................... 755 Na Margem ............................................................................... 803
Madri (Musset) ...................................................................... 755 A Queimada ............................................................................. 804
Veneza ......................................................................................... 755 Lucas ......................................................................................... 804
Chanson (Musset) .................................................................. 756 Tirana ......................................................................................... 804
Se Eu te Dissesse .................................................................. 756 A Senzala ................................................................................. 80S
O Voluntário do Sertão ....................................................... 756 Diálogo dos Ecos ...................................................................... 80S
A Bainha do Punhal ............................................................. 757 O Nadador ................................................................................. 806
Otávio (Musset) .................................................................... 757 No Barco ................................................................................... 806
Depois da Leitura de ura Poema ...................................... 758 Adeus ......................................................................................... 806
A Cestinha de Costura ......................................................... 758 Mudo e Quêdo ........................................................................ 807
Deusa Incruenta ...................................................................... 758 Na Fonte ................................................................................... 807
Epitáfio ..................................................................................... 759 Nos Campos ............................................................................... 808
Menina e Moça ........................................................................ 759 No Monte ................................................................................... 808
A Violeta ................................................................................... 760 Sangue de Africano ................................................................ 808
Canção de Gounod .................................................................... 760 Amante ....................................................................................... 809
No Meeting du Comité du Pain ........................................ 760 Anjo _ ........................................................................................... 809
Diabo Mundo ................................................................................ 761 Desespêro ................................................................................... 809
Durante ura Temporal ........................................................... 767 História de um Crime ......................................................... 810
Consuelo ..................................................................................... 768 Último Abraço .......................................................................... 810
Versos para Música ............................................................. 769 Mãe Penitente ........................................................................... 811
No Camarote ............................................................................ 769 O Segrêdo ................................................................................. 811
A um Coração ........................................................................ 769 Crepúsculo Sertanejo ............................................................ 812
Noite de Maio ........................................................................ 770 O Bandolim da Desgraça .................................................... 812
Longe de Ti ............................................................................ 77O A Canoa Fantástica ............................................................. 813
Virgem dos Últimos Aniôres .................................................. 771 O São Francisco ..................................................................... 813
A minha Irmã Adelaide ....................................................... 772 A Cachoeira ............................................................................ 813
Remorsos .................................................................................... 772 Um Raio de Luar .................................................................... 814
Em Que Pensas? .................................................................... 773 Despertar para Morrer ......................................................... 814
Aquela Mão .............................................................................. 773 Loucura Divina ........................................................................ 814
Rezas ........................................................................................... 774 A Beira do Abismo .................................................................. 815
Gêsso e Bronze ...................................................................... 775 NOTAS (Originais e de Organização) ............................ 817

[ 853 1
Êste livro foi composto e impresso nas
oficinas de Reis, Cardoso, Botelho
Cia., à Rua Solon, 856 - São Paulo,
para as Edições L E P Ltda., em
novembro de 1952.
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