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GRANDES POETAS ROMÎNTIEOS DO DRASIL
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Prefácio do
Prof. ANTÔNIO SOARES AMORA
T ER integralmente, ler em profundidade um poeta, não é fácil. E não o é porque ler um
/ ^ poeta não se resume em soletrá-lo, em percorrer-lhe os poemas no intuito apenas de lhe
apreender os conceitos e as imagens. Ler um poeta é senti-lo, è simpatizar com sua alma
(e aqui simpatizar está no sentido etimológico), é refazer dentro de nós o seu espírito, tôdas
as inquietações e anseios de sua alma, as misteriosas vibrações de seu “estado lírico”. E
podemos estar convencidos de que não conseguimos ler um poeta, neste verdadeiro sentido,
quando nos faltam o conhecimento da técnica interpretativa dos poemas e o conhecimento de
tudo, ou de muito (porque o tudo é impossível) que constitui a “poesicé’ do poeta.
[IX]
Mas a poética romântica diferencia-se da clássica não apenas pelo principio da liber
dade e do individualismo formais; também por procurar (e isto se exemplifica fartamente
nesta edição) uma identificação com a poesia folclórica, subestimada nos séculos clássicos, mas
agora sobrestimada pela demofilia e pelo tradicionalismo nacionalista dos românticos, pois que
mais legítima como espontaneidade lírica e como expressão do espirito e da sensibilidade
nacionais. Desta busca de identificação com a poesia popular e tradicional resultou para a
poesia romântica estas duas caracteristicas: a) ritmo regular (poema isorrítmico) e predomi
nantemente musical (acentuai), ritmo que dá ao poema quase o caráter de letra de cantiga
(Vejam-se a êste propósito, entre muitíssimos exemplos, a Canção do exílio e o Canto do
piaga, de Gonçalves Dias; Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, A flor do maracujá, de
Fagundes Varela); b) o repetitismo de vária forma (paralelismo, refrão), que é o adejar do
poeta em tôrno de uma idéia ou imagem-fôrça, que é o latejar de um tema no seu “estado
lirico” (Vejam-se como exemplos: Olhos verdes. Canção do exílio, Não me deixes, de Gon
çalves Dias; Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo; A valsa, de Casimiro de Abreu;
A flor do maracujá, de Fagundes Varela; Boa noite e Tirana da escrava, de Castro Alves).
De dois tipos principais são, assim, do ponto de vista da poética, os poemas reunidos
nesta edição: a) poemas de arquitetura rítmica e dialética muito livre, espontânea e pessoal,
como: Se se morre de amor, de Gonçalves Dias; Cântico do Calvário, de Fagundes Varela;
Vozes d’África e O navio negreiro de Castro Alves; b) poemas de ritmo regular, acentuai, de
estrutura dialética simples, e frequentemente com repetitismo. Os poemas do primeiro tipo
constituem, dentro do romantismo, a poética de vanguarda, fruto de liberdade, de individua
lismo e de plenitude lírica; os do segundo tipo, estão dentro da corrente da poesia tradi
cional, pois que seus processos vêm das cantigas e dos romances medievais e ao romantismo che
garam pela corrente da poesia popular.
Mas não creia o leitor que só isto basta para entrar no mundo dos poetas românticos.
É impossível a convivência com qualquer poeta, quando sabemos tão só a língua que fala e
os processos formais de que se socorre para expressar seu universo de emoções. Convivência
(como o próprio têrmo elucida) é identificação de “vivências”. Duas criaturas convivem entre
si, quando logram identificar-se em espirito e em coração, quando logram comparticipar do
mesmo drama humano, das mesmas inquietações, das mesmas alegrias e tristezas; enfim, quan
do logram viver no mesmo diapasão espiritual, moral e sentimental.
Eu sei, por anos de experiência no ensino universitário da Literatura, que não é fácil
estabelecer essa convivência, essa comparticipação do leitor moderno, com poeta de outra
época histórica. As épocas históricas se diferenciam não tanto pelos fatos que nelas ocorrem,
como pelo modo de ser dos indivíduos que elas engendram, que elas, por forças infinitas e
indefiníveis, conformam. Uma época histórica é uma concepção do Criador e da Criatura; uma
concepção do Universo; é uma maneira de gozar e de sofrer a vida; é uma problemática vital
e um conjunto de soluções ou de tentativas de solução para essa problemática; é, enfim, uma
maneira de ser e de compreender, das criaturas humanas.
Com razão sentimos dificil conviver com espíritos de outra época, e neste caso presente,
com os poetas românticos, quando nos apetrechamos apenas do conhecimento de seus recur
sos expressivos, de sua lingua e de seus expedientes estilisticos. O conhecimento da gramá-
[X]
üca, da retórica, da poética de uma época, pode-nos levar até ao conhecimento do sentido literal
da lingiia dos seus escritores; mas o que está além dêsse sentido, e que é todo o universo de
idéias, de emoções e de belezas da obra literária, êste só se alcança por simpatia, por identi
ficação de nosso espirito com o espírito das épocas e de seus artistas.
O romantismo opôs ao classicismo não apenas uma teoria da expressão: também um
ideário artístico.
Contra o universalismo estético, ideal supremo dos clássicos, os românticos realiza
ram uma arte de caráter individualista. O conceito de Verdade, de Bem e de Belo universais,
perfilhado pelos clássicos, mostrou-se ao espírito do homem romântico, descrente, se não cético,
de tôda a concepção, imediatamente passada, da Realidade, — um conceito teórico, puramente
racional, sem raízes na experiência sangrenta, na afetividade, no idealismo de cada indivíduo.
Para os românticos a Verdade, o Bem e o Belo são sempre concepções pessoais, individualís-
simas; e se não são legítimas para a razão universal, o são para a vida do “indivíduo”. Nestes
termos a obra de um poeta romântico não pretende expressar a Verdade, o Bem e o Belo da
razão pura, mas uma verdade, um bem e um belo emanentes da vivência do poeta. A obra de
um poeta é sua mensagem de experiência vital, é a decantação formal da sua vida, não como
“ser”, mas como “ente”.
Os românticos trouxeram, em arte, uma concepção nova da Realidade. A obra de
arte é, antes de mais nada, uma “supra-realidade”, como disse Fidelino de Figueiredo; é “ima
gem da Realidade, imagem essa refletida pelo espirito e pela emoção do artista. O que um
poeta nos transmite, não é a imitação servir e impessoal da realidade objetiva e subjetiva —
é a realidade que está em sua alma, em sua vida interior, em seu estado li rico”. Contra a
preocupação clássica de expressar em arte uma Verdade coerente com as verdades racionais,
os românticos expressaram verdades do sentimento e da imaginação, inegàvelmente incoerentes
com as verdades da inteligência e dos sentidos; mas profundamente humanas, porque do senti
mento e da imaginação vive o homem, e do sentimentalismo e da transbordante imaginação vive
ram os românticos. Se é irreconciliável com nossa experiência sensível da Realidade e com
nossa Razão, o indianismo de Gonçalves Dias, o idealismo amoroso de Casimiro de Abreu, o
fantástico do byronismo de Álvares de Azevedo, e o liberalismo sentimental de Castro Alves
— é inegável que no mundo dêstes poetas, em que a realidade material e racional se deformou
pela hipertrofia do sentimento e pela alada imaginação, há inegável beleza e intensa emoção e
viva realidade moral. Para êstes poetas românticos, como para todos os românticos, a obra
de arte deve expressar a realidade que o sentimento e a imaginação do artista concebem, pois
que a arte de emoção e de imaginação se faz, á emoção e á imaginação se dirige, e nenhum
compromisso tem com a realidade sensível, nem com o que ante ela concebe a razão filosófica
e científica.
Esta nova concepção da arte, da poesia, não como expressão da equação Homem-
Universo, mas como expressão de UMA VIDA, de uma existência com seus personalíssirnos
dramas de espirito e de coração, teve implícita e inevitavelmente uma outra concepção — a da
liberdade criadora. Para os românticos não podia ter sentido o dogmatismo formal dos clás
sicos, as suas preceptisticas estéticas. Não há regras para o poema, como não há regras para
os gêneros literários: ritmos, estruturas versicatórias, estróficas, rimicas e dialéticas (salvo
casos em que se deseja reabilitar formas poemáticas tradicionalmente nacionais) são achados
espontâneos, individuais, imprevisíveis da emoção lírica. Esta liberdade criadora que acentuada
[XI]
neste século e meio nos deu o individualismo hermético de muitos modernistas, não chega a tanto
no romantismo; quando muito libertou a linguagem da rigidez formal dos clássicos, e encon
trou-lhe recursos novos de expressão, necessários a maneiras novas de sentir liricamente a
vida.
Feita a independência era necessário mantê-la e defini-la: mantê-la foi fácil, quando
é verdade que Portugal, por motivos que não importa agora recordar, desinteressou-se moral
€ materialmente da antiga colônia; defini-la foi obra de anos e de muito trabalho, pois que a
definição de nossa independência dependia da manutenção da ordem e da unidade interna, da
formação da consciência nacional e da participação na política internacional: e quem não mede
a dificuldade de uma obra política dessa natureza quando recorda que éramos um país de
terra imensa, de passado insignificante e mais promessa que realidade econômica e social!
Com os anos da definição da independência coincidiu o romantismo.
[ XI I ]
nacional e integrá-lo no concêrto das nações livres e civilizadas. A unidade interna e a par
ticipação na vida internacional foram obras da política administrativa, militar e diplomática; a
consciência nacional foi obra em grande parte dos nossos escritores românticos. Para nós, criar
consciência nacional era criar a consciência de uma realidade histórica, geográfica, social,
política moral e artística: enfim criar a consciência de uma realidade cultural. E não foi o
que obtiveram e conseguiram (não importa que com certos erros de nacionalismo extremo)
historiadores, jornalistas, oradores, romancistas, teatrólogos e poetas românticos?
A leitura em profundidade dêsíes poetas, agora reunidos nas obras completas, pela
erudição bibliográfica e critica de Frederico José da Silva Ramos, revela-lhes muita beleza de
inspiração, de sentimento, de imaginação e muita conquista de recursos expressivos, — mas
também nessas belezas, nessas plenitudes liricas, nesses ritmos novos, revela a obra dêstes
poetas o achado de uma realidade brasileira: o amor, a saudade, a melancolia brasileiras; a
natureza, a paisagem brasileira com suas côres, com seus cenários, com sua flora e fauna
poéticos, motivos de emoção lírica e de estesia, como era para franceses, inglêses, alemães, por-
tuguêses a natureza de seus países; o índio (idealizado embora) como expressão do nosso ame-
ricanismo; o negro como problema social, como objeto de simpatia humana e de exaltação
liberal; o caboclo e o caboclismo como expressão das três raças que formaram a etnia brasi
leira; os mitos da história nacional: a rebelião nativa contra o conquistador luso, a evangeliza
ção dos Índios, Guararapes, a Inconfidência mineira, o 2 de julho, a Independência, a guerra
do Paraguai.
Pelo verbo lírico, pela exaltação sentimental, pela intuição poética, Gonçalves Dias,
Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Castro Alves e os poetas menores
dêste parnaso romântico criaram momentos de eterna beleza e conseguiram, no momento mais
decisivo de nossa história política e cultural, instilar-nos no espirito e no coração a consciência
de uma realidade histórica, social, moral, sentimental e paisagística brasileira.
[ X III ]
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1
Introdução de
FREDERICO JO SÉ DA SILVA RAMOS
OM a presente edição, oferecemos ao público, num só volume, os esparsos completos
C de Manoel de Araújo Pôrto Alegre e Antônio Peregrino Maciel Monteiro e as obras
poéticas completas de Antônio Gonçalves Dias, Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Ca-
simiro José Marques de Abreu, Luís José Junqueira Freire, Luís Nicolau Fagundes Varela e
Antônio de Castro Alves, sem dúvida os maiores românticos brasileiros.
Não se tratando portanto de uma edição crítica, não nos pudemos abster, mesmo
assim, de muitas notas explicativas, de permeio com as do poeta. Destinam-se àqueles que
cuidam da literatura nacional, servindo de ponto de partida para estudos críticos e filoló
gicos especializados, e surgiram pela pontuação, grafia ou confronto.
[ X V II ]
Ignoramos se êsse aspecto da pontuação romântica constituiu objeto de qualquer
explicação. Não lhe conhecemos outra finalidade a não ser a declamação, visando maior
ou menor pausa reticente.
Cumpre-nos agradecer aos Professores Antônio Soares Amora e José Aderaldo Cas
telo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, pelo va
lioso auxílio ao plano inicial desta obra, pelo empréstimo de vários volumes e pela cola
boração na bibliografia, sem o que nossa tarefa seria enormemente dificultada; a Edgard
Cavalheiro, Antônio Cândido, José de Barros Martins e Leven Vampré, pela cessão de vá
rias obras, e, finalmente, a Maria de Lourdes da Silva Ramos, sem cuja dedicação no pre
paro, no confronto e na revisão das provas não teríamos levado avante tal empresa.
F. J. DA S ilva R amos
[ X V III ]
m m u POETIS ROMÂNTICOS DO BRISIL
rto Alegre
Grande no trono e no despêgo insólito!.
[5 J
E S P A R S O S .
E ’ jovem o teu corpo, adulta a mente. N ão; — a serpente invisível que êles nutrem.
Oh atleta infantil, que a lira d’ouro De tóxico infernal em áureos cíatos,
M ajestoso e preclaro já manejas, Um dia sibilando em tredo emboque
Como n m velho .guerreiro o márcio gládio, Os há de atassalhar! Não há relâmpago
O fim é teu princípio! Que ao raio não preceda.
Desdobra, águia brasüia, as amplas asas. Desm ’ronados p’ra sempre êsses colossos,
Devassa a imensidade, mede o espaço, Essas glórias de infâmia, o cinzel póstumo
E aos ouvidos mortais, aos meus ouvidos Gravará; “— Maldição! — ” Negro moimento
Vem modular dos anjos a harmonia. N arcóticos vapores exalando
Vem o céu retratar-m e! Será seu epitáfio.
Levanta o reposteiro qu’inda encobre Tarde p’ra nós, porque, talvez, na terra
Do divino Brasil tanta m a g ia .......... Não possamos ouvir os sons da lira,
Alma de artista, borbulhando dúlias. Que num éter mais puro então vibrando
Paira no éter que perfume exala. O préstito farão de áureo triunfo
Oh deixa a baixa terraI Da sã prosperidade.
[7 ]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A LEG RE
I.
V.
Quanto é grato, meu Lem e, nestas plagas Tu que infante escutaste a voz dum sábio,
Que o acaso e Cabral ao mundo deram, Do luso Montesquieu, lá onde o astro
No centro destas virgens serranias, Da diva sapiência, fulgurando
A natura adorar, inda inocente, Expande no universo o claro lume.
E o mundo primitivo perlustrando. Tu que outrora, sentado e pensativo
Ouvir da criação a voz intacta, No monte Palatino, crânio augusto
Fruir embebecido os sons divinos, Do histórico esqueleto dessa Roma,
Aqui em sonho elísio, em almo arroubo, 8 V iste as sombras errar d’herôis tão grândes.
Perfumando a existência, amáveis horas, Nesse império que outrora escravizara
A vida se desliza entre venturas. O mundo de E strabão e de A ristóteles!
Que viste dos humanos o almo apuro.
Quer no pego insondável do passado.
ÎI.
Quer na estrada do afã contemporâneo;
E ’ grato junto a um corgo cristalino, Que em várias regiões com pasmo viste
A sombra gigantesca dum vinhático Debaixo de raízes seculares.
Repensar nesse mundo, em cuja lápida Cidades de cidades alicerces,
O s séc’los exararam à porfia E a palavra dos séc’los esculpida
O pomposo epitáfio — A história humana No mármore, no bronze e nessas ruínas!
Desdobrar do passado o panorama, Que a trilha de teus passos confundiste
E do escuro sarcófago da morte Co’a trilha das coortes invencíveis,
A rrebatar c ’a mente o mundo antigo. Que o mundo avassalaram portentosos!
Aqui sem tradições vemos o berço Que viste, não menores, os prodígios
De M ênfis, de Persópolis, d’A tenas; Do séc’lo em que vivemos, que num dia
Aqui vemos o Drúida e o Cimério, Realiza o labor que anos custara.
Como o gênio do vate outrora vira Perfuradas montanhas, aquedutos,
Nas florestas d’Ausônia e da Britânia Onde o carro inflamado voa ovante;
Predizendo o futuro: estas montanhas O trajeto das pontes invertido.
O berço do universo representam. Os Alpes nivelados e os tufões
[8]
ESPA R SO S
[9 ]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A L E ü R E
[10]
ESPA R SO S
[11]
MAXOKIi D E ARAÚ.TO PO RT O A L E G R E
[ 12]
ESPA R SO S
Com Deus no coração, com Deus na mente, Mente de semideus, fitando o mundo,
Dos lábios virginais adejam, cândidos. O destino dos povos num relâmpago,
Ascéticos perfumes, que alheados Como um gigante imenso sôbre o globo
Aos das aras turícremas, sagradas, O imortal genitor passou marcando
Um hino misterioso cadenceiam. Esteira luminosa que acoberta
Tão grato como as dúlias dos arcanjos. Dous povos em dous mundos!
Àquele cujas vistas, cuja destra. Na chama de seu gênio acrisolada
Penetram no infinito, e o espaço medem; A Fênix das nações regenerou-se!
A seu lado. Garboso, Augusto Príncipe, C’um brado no Ipiranga, outro no Douro
De S. Luís bisneto, aguarda ovante Do pó do aviltamento ergue dous mundos,
A conquista celeste de um tesouro, E no peito do grifo bragantino
Que invejara dos reis tôda a ambição. Quinto Império escreveu! Basta de glória!
Para a história imortal cabal renome
Perante a humanidade ovante 37 herdaste!
Dá-me, pátria, um sacrário onde clausure E que dote. Princesa, mais sublime?
Com chave diamantina
Êste dia de glória;
Antes que o manto tenebroso, eterno, Pupila do Brasil, eis teu morgado.
Do involuntário olvido Firmado no heroísmo, e para o espôso
No sepulcro me abafe os sons da lira. As maternas virtudes dessa deusa,
Antes que horrível bóreas Que em meu peito gravou saudade eterna,
Desfechado dos antros do silêncio E eterna aos Brasileiros.
Derroque a cúp’la d’ouro Tu a estirpe, sem par, domina e rege
De minha gratidão, e extinga a flama O globo retalhado
Que a meu ser aviventa entre os mais sêres. Pelas águas e terras, climas, línguas!
Paternos louros, glória perdurável
O berço te embalaram grandiosos.
Dá-me pátria um sacrário onde clausure Pupila do Brasil, colhe hoje um prêmio,
O padrão que um arcanjo burilara Que em vesúvios de amor donoso brota
Neste dia brasílio; No peito augusto, na ilustrada mente
E dá-lhe a duração da eternidade: Do filho de Partênope divina.
Fulgurem-lhe quais círios sacrossantos
Os astros sempiternos.
Qual turíb’lo de amor aromas soltem. Abunda-te a virtude, como um Deus
Os peitos brasileiros, A bondade infinita sup’rabunda!
E pendam de seus lábios Nos anais de meu peito, nos da mente
Hinos fagueiros, preces venturosas. Máxima gratidão em áurea página
Comigo descerá na sepultura.
Crescei, augustas plantas d’áureo tronco. A h! não ouso lembrar, não se entrelace
Portentosas raízes profundando. No mimoso festão que me orna a lira
Iguais aos gigantescos nobres rios Neste dia de júbilo, d’encan tos,
Que abraçam dêste império o áureo solo: O fúnebre cipreste.
Dêste império que aguarda no futuro Isento da catástrofe
A palma conquistar, colher os louros Meus braços mil delícias derramaram
Que ora a Gália e Britânia ovantes colhem. À Madre, à Espôsa, à filha,
E colheram de amor doces torrentes.
Com tripudio infernal o ceticismo O cego que recobra a luz da vista,
Se mergulha no caos vociferando! O náufrago que abraça o filho a salvo,
Voa nos ares calcinada em cinzas E o senho aterrador do mar contempla.
A oriflama sangrenta De cima dum penhasco, e enverga ainda
Que plantara nos Andes braço apóstata; O quqbrado baixei coalhando as ondas,
Que as águas sonorosas, diamantinas, O espôso que vê surgir das ruínas
Do Prata, do Amazonas, do Guaí^a Depois de um terremoto a terna espôsa
Com ferro fratricida tem toldado. Ou aquêle a que raio as vestes queima
Crescei augusta planta d’áureo tronco Só podem descrever essa alegria
No solo americano; Que assoma em turbilhões no peito humano.
Que o néctar de teus frutos prelibamos Enquanto um eco interno não desperta 38
Delirantes voando em plaustros d’ouro O quadro lutuoso do passado!
A meta das grandezas.
Oh tu. Princesa augusta,
Avulta à sombra augusta ao régio amparo Das filhas do Brasil a mais querida!
Do manto bragantino dêsse príncipe. Perm ite ao grato vate que transforme
Portento de prudência e de candura. A lágrima piedosa, que em teu rosto
Paládio brasileiro, 36 Deslizando estampou tua bondade.
Sagrado baluarte onde resvalam Em nobre monumento erguido às artes. 39
As ondas da ambição, onde se embotam Oh musa epitalâmica, '•0
Os gládios da anarquia, Colhe as flores do Edén,
E que do alto do trono a destra estende Sublima-te no vôo ardente e puro;
A um porvir grandioso, a um séc’lo d’ouro. Eleva a tua fronte,
[13]
MANOEL D E ARAÚJO P ôR TO A LEG R E
[14]
ESPA R SO S
[15]
MANOEL DE ARAÚJO PÔRTO A LEG RE
Grave nênia se entoa; a corda d’ouro aspecto poder-se-ia reputar jazerem ali há mais
Que vibrava a harmonia da esperança de um século.
Um dedo de esqueleto arrebentou-a, Segundo as tradições locais, o barão considerou
E a melódica nota esvoaçando aquelas ossadas, como pertencentes a uma tribo in
F oi no céu se ocultar, donde descera. teiramente extinta pela guerra de extermínio.
Tu perdeste um irmão, a pátria um bravo, Em Maipures existia um Papagaio, que proferia
E eu perdi um amigo, um bom am igo; palavras desconhecidas, e cantigas, que ninguém
Choremos ambos com saudade eterna. compreendia; e diziam os índios do lugar, que aque
la ave falava a língua dos Atures, cuja tribo tinha
R io de Jan eiro, 18 de F ev ereiro de 1846.
desaparecido, sem deixar um só parente.
E n tre as aves de vida secular, como a águia e
os corvos, os naturalistas compreendem também os
EPIGRAMAS. 45 papagaios, e destes apontam alguns fatos de gran
de duração. Sôbre êste assunto tão novo e tão
Os camelos já não andam americano, o de conservar-se uma língua perdida
P or desertos descampados, por meio de uma ave, o professor Ernesto Cur-
No Brasil dançam, namoram, tius, fêz uma poesia, que ouvi ler pelo Sr. Dr. Ca-
Vivem nos salões dourados. panema, e da qual intentei dar uma fraca idéia.
Não é uma tradução, é uma paráfrase, que aqui
ofereço, mais com ânimo de despertar alguns dos
nossos talentos a verter do original esta bela ins
Dizem, Fábio, que o teu bôlso, 46
piração, do que com o fim de m ostrá-la com tôda
Anda muito engorgitado? a pompa das idéias do autor. A língua do Cal
— P or isso tantos fidalgos das e do M agalhães pode copiar com tôda a lou-
Nestes dias me hão saudado! çania, grandeza e fôrça, as imagens da língua de
W ieland e Goethe.
O Barão de Bacuri
Encontrou no seu brasão
Desarmado de unha e língua Nos sertões do Orinoco, solitário.
Um negríssim o leão! E m tronco anoso um papagaio pousa:
Disse à esposa: Isto é comigo. O sáxeo bico, as descoradas penas,
Quanto à língua, que não falo; O frio aspecto, a posição tristonha.
Quanto às unhas, é lisonja Talhada imagem na escalvada pedra
Do Rei d’Armas, e eu me calo. Ali semelha, SO tão antigo é êle.
[16]
ESPA R SO S
Ali não vai sentar-se o viajante começa sempre pela mesma forma, por não po
Evcrsor e profano! Ali não entra der fugir das leis absolutas do pensamento. São
O índio caçador; durante o dia êstes os versos:
A estrige os guarda e o vampiro esquálido,
Inimigos do sol, da terra e flores. “ À humana estirpe
“ Será segrêdo eterno essa linguagem
Testemunha 52 de um longo morticínio, “ Que só fôra da tribo d’esqueletos
De renhidas batalhas, de vinganças. “ Sentada na caverna.........”
Envolto em luto, dos Atures chora
Amigo papagaio. O bico afia E os que se seguem:
De hora em hora sôbre a pedra lisa,
“ Junto à gleba gelada, onde não medra
E o ar inunda com seu canto e falas.
“A palma d’ouro, se equilibram aves,
“Que à terra descem, que a serpente elevam
Tudo quanto vivente o circundara
“ À etérea plaga nas possantes garras,
Em era extinta, secular, finou-se! “ E o ninho cavam nas perdidas ruínas
Os meninos que a língua lhe ensinaram.
“ De um povo, que já foi, e cuja língua
Os jovens, que o nutriram, as matronas,
“Só ave secular fala nas campas.
Que seu ninho teceram, as donzelas,
“ Ao dialeto da morte,’’ .............
Que mil beijos lhe deram, mil carícias.
Os guerreiros, que em tôrno ao lar fumante
O ouviram gritar o guai 53 medonho,
E escutaram risonhos seus cantares,
Todos jazem na gruta, ou dispersados Conheço a minha fraqueza; mas sobeja-me a fé,
Na selva imiga, branqueando os ossos. de que um dia, quando melhor soubermos das nos
Sem poder despertar aos seus reclamos. sas cousas, faremos poesias muito bonitas e genui
namente americanas. Um mundo novo pede uma
Em vão às turmas brada, em vão envida nova poesia. E ’ triste o estado dos poetas, nos
A infância aos jogos, à harmonia os jovens, sos vizinhos da América Setentrional, mesmo os
À guerra os fortes, ao prazer a todos. do México, que versejam como se estivessem na
Estranho é tudo o que rodeia essa ave. Europa, como representantes de Lam artine e V ic
O pajé já não fuma, não evoca tor Hugo. A liberdade, de que êles tanto se ufa
O passado e o futuro; a relva anosa, nam, não é real, porque existiria no pensamento:
A torrente, que brama, não a escutam! o poeta egoísta é imitador, é escravo, e não m ere
Da voz humana, da perdida língua. ce êsse nome, se não fala com a pátria à huma
Solitária, só ela a guarda e exerce: nidade.
Só Deus a entende. Deus somente agora.
O índio que a descobre, horripilado
Foge e nem bebe a cristalina onda! CANTO INAUGURAL. 54
Seu pé, qual flecha, que a devesa e ares
Veloz percorre, galga a estância oposta;
E em sangue d’ave, que renova o ânimo, Um hino à pátria! A gratidão aos lábios
Afouto busca deslembrar essa ave. Minha alma eleva, e no sagrado impulso,
Ungindo a fronte e coração, que anseia. Sôbre as asas do amor ufana adeja.
Mal lhe ouve o canto, volta a face c foge Transcursa o mar e em Guanabara pousa.
Como a espectro sinistro: é crença dêle, Ao respiro vernal da pátria edênea.
Que essa ave encerra o miserando espírito Erguida a fronte, já não sinto o bóreas
Do último Atur, e que essas vozes, Do deserto polar gelar-me a vida;
Êsse canto, êsses ais incompreensíveis. Nem triste e envolta no sudário algente
T é do sábio pajé não percebidos, Aqui mostrar-se a natureza morta
São agouros ultrizes e aziagos. Entre mádidas névoas, negrejando
Maldições do sepulcro à raça humana. O despido esqueleto. Aromas sinto!
E o lume tropical, que almo difunde
Celeste enlêvo, a minha mente aquece.
[17]
MANOEL D E ARAÚJO PÔRTO A LEG RE
[18]
ESPA R SO S
[19]
MAXOEL DE ARAÚJO PÔRTO ADEGRE
[20]
Monteiro
Quem pode amar-te, sem morrer de amôres?!.
[23]
E S P A R S O S .
HINO AO 7 DE SETEMBRO
UM VOTO. ODE
[26]
E SPA R SO S
Eu gosto de ver
Feiticeiro andar;
Mas, se o teu contemplo.
AMOR IDEAL. Cuido ver num templo
Um anjo a voar.
Quem verá jamais
Non: Je ne rougis plus du feu qui ne consume Prodígios assim.
L ’amour est innocent, quand la vertu l’allume. Andar uma virgem
LAM ARTIN E. Como um serafim?!
Eu gosto de ouvir
Amar, amar um anjo de candura. Uma voz macia;
De tôda a Criação a obra-prima. Mas, se és tu que falas
Render-lhe o culto, que está inda acima No ouvido me inalas
Do culto, que a Deus rende a criatu ra... Celeste harmonia.
É isso magia.
Dar-lhe quanto há no peito de ternura, Ou do Céu favor.
Que a paixão enobrece e legitima: Falando cantares
D’alma que ao céu se eleva e se sublima Um hino de amor?!
O perfume votar-lhe em ara pura:
Eia, Fada, ou Anjo,
Verdade ou Quimera!
Desejos mil queimar em casta chama; Anda, fala, ri,
E a c’roa do martírio, em prêmio tardo, Que o mundo sem ti
Na fronte receber qu’ela orna e enrama; Graça não tivera;
[27]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO
F ace E sq u er d a do C e n o t á f io
FORMOSA.
Qual flor matinal,
Que morre ao nascer
Formosa, qual pincel em tela fina Tu nasceste, ó Virgem,
Debuxar jamais pôde ou nunca ousara; P ’ra logo morrer.
Formosa, qual jamais desabrochara
Na primavera rosa purpurina; O orvalho da aurora
Abriu-te o botão;
Formosa, qual se a própria mão divina A brisa da tarde
Lhe alinhara o contôrno e a forma rara; Lançou-te no chão.
Formosa, qual jamais no céu brilhara
Astro gentil, estréia peregrina; Dormiste na terra,
No Céu acordaste;
Formosa, qual se a natureza e a arte, Foi a vida um sonho
Dando as mãos em seus dons, em seus lavores Qu’ entre nós passaste.
Jamais soube imitar no todo ou parte;
Não chores, ó Pai,
Mulher celeste, oh! anjo de primores! Por mágoas tamanhas:
Se uma flor tu perdes
Quem pode ver-te, sem querer amar-te? Um anjo tu ganhas.
Quem pode amar-te, sem morrer de amôres?!
(S / d a t a ) . R ecife, 1847.
10
A LILIA.
NO CENOTÁFIO DE D. LUlSA DE FRANÇA
(Inédita)
ARCANJO FERREIRA.
[28]
ESPA RSO S
MOTE.
12 (Inédita)
[ 29
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO
O cálix já se desdobra
Com viço, com louçania;
Prende-se a uma outra pétala 16
Com ordem, com simetria.
15 À Mlle.
(Inédita)
SONÊTO.
Ainsi qu’on choisit une rose
Era já pôsto o sol. A natureza Dans les guirlandes de sarons.
Em ondas de perfume se banhava; Choisissez une vierge éelose
Parmi les lis de vos vallons.
Aqui pendia a rosa; além brilhava
LA M A R TIN E.
Alguma flor de virginal pureza.
[30]
ESPA R SO S
A 25 DE Março de 1849
20
Lyre longtemps disive, éveillez-vous encore!
11 se lève, et nos chants le salûront toujours.
Ce jour que son doux nom décore.
Ce jour sacré parmi les jours! MOTE
V IC TO R HUGO. — Ode
[311
ANTÔNIO PER E O R IN O I>E M A CIEL MONTEIRO
[32]
E SPA R SO S
[33]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO
[34]
ESPA R SO S
S intra
[36]
ESPA R SO S
[37]
ANTÔNIO PER E G R IN O D E M A CIEL MONTEIRO
[38]
ion^alves Dias
Minha terra tem palmeiras,. . .
[4 1 ]
C A N T O S . 63
F. A. Brockhaus./ 1865./
S I R V A DE P R Ó L O G O .
[4 3 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Bem como a infância do homem a infância das nações é vivida e esperançosa; bem como a
velhice humana a velhice delas é tediosa e melancólica. Separado da mãe pátria, menos pela série de
acontecimentos inopinados, a que uma observação superficial lhe atribui a emancipação, do que pela
ordem natural do progresso das sociedades, o Brasil, império vasto, rico, destinado, pela sua situação,
pelo favor da natureza, que lhe fadou a opulência, a representar um grande papel na história do novo
mundo, é a nação infante que sorri; Portugal é o velho aborrido e triste, que se volve dolorosamente
no seu leito de decrepidez; que se lamenta de que os raios do sol se tornassem frouxos, de que se
encurtassem os horizontes da esperança, de que um crepe fúnebre vele a face da terra. Perguntai, porém,
ao povo infante, que cresce e se fortifica além dos mares, que se atira ridente pelo caminho da vida, se é
verdade isso que diz o ancião na tristeza do seu vegetar inerte, e que, encostado na borda do túmulo,
deplora, pobre tonto, o mundo que vai m orrer!
Em Portugal, os espíritos que o antigo poeta designou pelo epíteto de bem nascidos; aqueles que
ainda tentam esquivar-se no santuário da ciência ou da poesia ao pego da podridão dissolvente que os
cerca, no meio dos seus generosos esforços chegam a iludir a Europa com essas aspirações do futuro,
que também nêles não são mais do que uma ilusão. As suas tentativas quase fazem acreditar que
para esta nação moribunda ainda resta uma esperança de regeneração; que nas veias varicosas dêste corpo
semi-cadáver de novo se vai injetar sangue puro; que temos ainda algum destino a cumprir antes de nos
amortalharmos 67 no estandarte de D. Jo ão I ou na bandeira de Vasco da Gama, e de irmos enfim repousar
no cemitério da história. O desengano chega, porém, em breve. O talento que forcejava por fugir do
letargo febril que nos consome, retrocede ao entrar no templo, e volve ao lodaçal onde agonizamos. E ’
que a turba que aí se debate, ou o apupa, ou lhe arro ja adiante tropeços, ou o corrompe com dádivas e
prom essas; e falando-lhe âs paixões más, às am bições insensatas, lhe clam a: vem refocilar-te no lôdo. E,
desanimado ou tentado, o talento despenha-se, e atufando-se no charco, aceita as lisonjas ou o oiro imundo,
que lhe atiram, embriaga-se com os outros perdidos, e renega da missão sacrossanta, que se lhe destinara
no céu.
Que é feito de tantos engenhos, que despontaram nesta nossa terra, desde que a imprensa liber
tada chamou os que sentiam cham ejar em si um espírito não vulgar ao convívio das inteligências? Que
é feito dessas três ou quatro épocas em que, nos últimos quinze anos, a mocidade parecia querer deixar
inteiramente aos pequeninos homens grandes do país, o agitarem-se, o morderem-se, o devorarem-se acêrca
dos graves interêsses, das profundas questões das bolhas de sabão políticas? Que é feito dessa falange
ardente, ambiciosa de uma glória pura, que principiava a exercitar-se nas lides do entendimento? De tudo
isso; de tôda essa mocidade brilhante e esperançosa, que resta? Algum crente solitário que deplora em
silêncio a queda de tantos arcanjos. Os outros sacerdotes, apostatando da religião das letras, atiraram-se
à arena das facções, e manchados pela baba dos ódios civis, cobertos da lama das praças, arroxeados e
sangüentos pelas punhadas do pugilato político, desbaratando em esforços estéreis a seiva interior, lá
vão disputando no meio de homens, gastos como a efígie da velha moeda, sôbre qual há de ser a forma
de ataúde, e como se talhará a mortalha, em que o cadáver de Portugal deve descer à sepultura. Que
outra coisa, de feito, há aí sôbre que se dispute ainda?
P or isso, quando vejo com eçar a surgir entre nós um novo poeta; quando oiço a primeira har
monia que sussurra nas cordas de lira noviça, quisera poder chegar-me escondidamente ao descuidado
e inexperiente cantor, e dizer-lhe ao ouvido: Cala-te, alma virgem e bela, cala-te, que estás num prostí
bulo! Olha que êles não te ouçam! Se o teu hino reboar por essas torpes alcovas, sabe que pouco tar
dará a hora de te prostituíres.
O poeta português d’hoje é a avezinha que, enlevada nos seus gorjeios, se balança depois do
pôr do sol no ramo do ulmeiro pendente sôbre o rio. As outras voaram para os seus ninhos, e ela
deixou vir a noite, e ficou ali, triste, só, desconsolada, soltando a espaços um doloroso pio.
Poeta, nesta terra é noite! Porque não te acolheste ao teu ninho? A gora o que te resta é
morrer. Vai abrigar-te entre os orbes; vai derramar em canções a tua alma no seio imenso de Deus. Aí
é que sempre é dia.
[4 4 ]
CANTOS
NÓS soinos hoje o hilota embriagado, que se punha defronte da mesa nas filitias de Esparta,
para servir de lição de sobriedade aos mancebos. O Brasil é a moderna Esparta de que Portugal é a
moderna Helos.
Estas amarguradas cogitações surgiram-me na alma, com a leitura de um livro impresso o ano
passado no Rio de Janeiro, e intitulado: Primeiros Cantos: Poesias por A. Gonçalves Dias. Naquele
país de esperanças, cheio de viço e de vida, há um ruído de lavor íntimo, que soa tristemente ca, nesta
terra onde tudo acaba. A mocidade, despregando o estandarte da civilização, prepara-se para os seus
graves destinos pela cultura das letras; arroteia os campos da inteligência; aspira as harmonias dessa
natureza possante que a cerca; concentra num foco todos os raios vivificantes do formoso céu, que^a
alumina; prova forças enfim para algum dia renovar pelas idéias a sociedade, quando passar a geração
dos homens práticos e positivos, raça que lá deve predominar ainda; porque 68 a sociedade brasileira,
vergôntea separada há tão pouco da carcomida árvore portuguesa, ainda necessariamente conserva uma
parte do velho cêpo. Possa o renovo dessa vergôntea, transplantada da Europa para entre os trópicos,
prosperar e viver uma bem longa vida, e não decair tão cedo como nós decaímos!
E ’ geralmente sabido que o jovem imperador do Brasil dedica todos os momentos que pode
salvar das ocupações materiais de chefe do Estado ao culto das letras. Mancebo, prende-se à mocidade,
aos homens do futuro, por laços que decerto as revoluções não hão de quebrar; porque o progresso social
não virá acometê-lo inopinadamente nas suas crenças e hábitos. Quando a idéia se encarnar na realidade,
o seu espírito como as outras inteligências que o rodeiam, ter-se-á alimentado dela, e saudará como os
seus mais alumiados súditos o pensamento progressivo. Não notais nestas tendências do moço príncipe
um símbolo do presente, e uma profecia consoladora acêrea do porvir do Brasil?
A imprensa na antiga América portuguêsa, balbuciante há dois dias, já ultrapassa a imprensa da
terra que foi metrópole. Às publicações periódicas, primeira expressão de uma cultura intelectual que se
desenvolve, 69 começam a associar-se as composições de mais alento — os livros. Ajunte-sc a. êste fato
outro, o ser o Brasil o mercado principal do pouco que entre nós se imprime, e será fácil conjeturar que
no domínio das letras, como em importância e prosperidade, as nossas emancipadas colônias nos vão
levando rapidamente de vencida.
Por si sós êsses fatos provariam antes a nossa decadência, que o progresso literário do Brasil.
E ’ um mancebo vigoroso que derriba um velho caquético, demente e paralítico. O que completa, porém,
aprova é o exame não comparativo, mas absoluto, de algumas das modernas publicações brasileiras.
Os Primeiros Cantos são um belo livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa
Cruz que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho.
O autor, não o conhecemos; mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritor ainda pouco
amestrado pela experiência: imperfeições de língua, de metrificação, de estilo. Que importa? O tempo
apagará essas máculas, e ficarão as nobres inspirações estampadas nas páginas dêste formoso livro.
Quiséramos que as Poesias Americanas que são eomo o pórtico do edifício ocupassem nêle maior
espaço. Nos poetas transatlânticos há por via de regra demasiadas reminiscências da Europa. Êsse Novo
Mundo que deu tanta poesia a Saint-Pierre e a Chateaubriand é assaz rico para inspirar e nutrir os poetas
que crescerem à sombra das suas selvas primitivas.
Como argumento disso, como exemplo da verdadeira poesia nacional do Brasil citarei aqui dous
trechos das Poesias Americanas: o Canto do Guerreiro e um fragmento Morro do Alecrim.
(Aqui vem transcrita por inteiro a poesia intitulada “ O Canto do Guerreiro e as últimas
estrofes do “ Morro do Alecrim”.)
Abstendo-me de outras citações, que ocupariam demasiado espaço, não posso resistir â ten
tação de transcrever das Poesias Diversas uma das mais mimosas composições líricas, que tenho lido na
minha vida.
(Aqui vem transcrita a poesia intitulada “ Seus olhos .)
Se estas poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem os mares, receba o autor dos
Primeiros Cantos o testemunho sincero de simpatia, que a leitura do seu livro arrancou a um homem,
que o não conhece, que provàvelmente não o conhecerá nunca, e que não costuma nem dirigir aos outros
elogios encomendados, nem pedi-los para si.
Lisboa (Ajuda) 30 de Novembro de 1847.
A. H E R C U L A N O
[4 .5 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
P R I M E I R O S C A N T O S .
Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não serão as
últimas.
Muitas delas não têm 71 uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera con
venção; adotei todos os ritmos da m etrificação portuguesa, e usei dêles como me pareceram quadrar
melhor com o que eu pretendia exprimir.
Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas — debaixo
de céu diverso — e sob a influência de impressões momentâneas. Foram compostas nas margens viçosas
do Mondego e nos píncaros enegrecidos do Gerez — no Doiro e no T e jo — sóbre as vagas do Atlântico,
e nas florestas virgens da América. Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei, se agra
darem; e se n ã o ... é sempre certo que tive o prazer de as ter composto.
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sóbre a nossa arena política para ler
em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso,
e as idéias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano — o aspecto enfim da natureza.
Casar assim o pensamento com o sentimento — o coração com o entendimento — a idéia com a paixão
— colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo
com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia — a Poesia grande e santa a Poesia como
eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.
O esforço — ainda vão — para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor; talvez seja êste
o só merecimento dêste volume. O Público o ju lg ará; tanto melhor se êle o despreza, porque oAutor
interessa em acabar com essa vida desgraçada, que se diz de Poeta.
Rio de Janeiro — Julho de 1846.
O CANTO DO GUERREIRO.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam , I.
Não gorjeiam como lá.
Aqui na floresta
Nosso céu tem mais estréias,
Nossas várzeas têm mais flores, Dos ventos batida.
Nossos bosques têm 72 mais vida, Façanhas de bravos
Nossa vida mais amóres. Não geram escravos,
Que estimem a vida
Em cismar, sozinho, à noite. Sem guerra e lidar.
Mais prazer encontro eu lá;
— Ouvi-me, Guerreiros,
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá. — Ouvi meu cantar.
[4 6 ]
CANTOS
I I. VIII.
Valente na guerra E o Piaga se ruge
Quem há, como eu sou? No seu Maracá,
Quem vibra o tacape 73 A morte lá paira
Com mais valentia? Nos ares frechados, 76
Quem golpes daria Os campos juncados
Fatais, como eu dou? De mortos são já :
— Guerreiros, ouvi-me; Mil homens viveram,
— Quem há, como eu sou? Mil homens são lá.
I I I. I X.
Quem guia nos ares E então se de novo
A frecha 74 implumada. Eu toco o B oré;
Ferindo uma prêsa, Qual fonte que salta
Com tanta certeza, De rocha empinada,
Na altura arrojada Que vai marulhosa,
Onde eu a mandar? Fremente e queixosa,
— Guerreiros, ouvi-me, Que a raiva apagada
— Ouvi meu cantar. De todo não é.
T a l êles se escoam
IV . Aos sons do Boré.
— Guerreiros, dizei-me,
Quem tantos imigos — T ão forte quem é?
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou? O CANTO DO PIAGA. 77
V. I.
Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?! ó Guerreiros da Taba sagrada,
A onça raivosa ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Meus passos conhece, Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O imigo estremece, ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
E a ave medrosa
Se esconde no céu. E sta noite — era a lua já morta —
— Quem há mais valente, Anhangá 78 me vedada sonhar;
— Mais destro do que eu? Eis na horrível caverna, que habito.
Rouca voz começou-me a chamar.
V I.
Se as matas estrujo Abro os olhos, inquietos, medroso,
Co’os sons do Boré, 7S Manitôs! 79 que prodígios que vil
Mil arcos se encurvam, Arde o pau de resina fumosa,
Mil setas lá voam, Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
E is rebenta a meus pés um fantasma,
Eis surgem, respondem
Um fantasma d’imensa extensão;
Aos sons do Boré!
Liso crânio repousa a meu lado.
— Quem é mais valente,
Feia cobra se enrosca no chão.
— Mais forte quem é?
[4 7 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[4 8 ]
CANTOS
A h ! que não queiras tu vir ser rainha Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Aqui dos meus irmãos, qual_sou rei dêles! Com denso velamcn de penas gentis;
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa. E jazem teus filhos clamando vingança^
Odeio tanto aos teus, como te adoro; Dos bens que lhes deste da perda infeliz.
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo. Teus filhos valentes, temidos na guerra,
Trocar a maça do poder por ferros No albor da manhã quão fortes que os vi!
E ser, por te gozar, escravo dêles. A morte pousava nas plumas da^ frecha,
No gume da maça, no arco Tupi!
0 SOLDADO ESPANHOL.
DEPRECAÇÃO.
Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre: Oh! qui révélera les troubles, les mystères
Que ressentent d’abord deux amants solitaires
Bastante sofremos com tua vingança! Dans l ’abandon d’un chaste amour?
Já lágrimas tristes choraram teus filhos. A m ou r et F o i.
Teus filhos que choram tão grande mudança.
Anhangá impiedoso nos trouxe de longe O céu era azul, tão meigo e tão brando,
Os homens que o raio manejam cruentos, A terra tão êrma, tão quieta e saudosa.
Que vivem sem pátria, que vagam sem tino Que a mente exultava, mais longe escutando
Trás do ouro correndo, voraces, sedentos. O niar a quebrar-se na praia arenosa.
[4 9 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
E o céu era azul tão meigo e tão brando E sta era a canção que acompanhava
E a terra tão êrma, tão só, tão saudosa No bandolim.
Que a mente exultava, mais longe escutando T ão triste, que de triste não chorava
O mar a quebrar-se na praia arenosa! Dizendo assim.
[5 0 ]
CANTOS
Vois, à l ’horizon
“ Tenho lindas haquenéias.
Aucune maison ? Tenho pajens e matilha.
^ Aucune. Tenho os melhores 84 ginetes
V. HUGO. Dos ginetes de Sevilha;
[51]
ANTÔKIO GONÇALVES D IA S
[52]
CANTOS
A MINHA MUSA.
POESIAS DIVERSAS.
Gratia, Musa, tibi; nam tu solatia praebes.
A LEVIANA. OVIDIO.
[53]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[54]
CANTOS
Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
INOCÊNCIA. Com voz tão doce,
Que me matava.
Sans nommer le nora qu’il faut bénir et taire.
O h! não lhe fales,
S. B EU V E. Não lhe sorrias,
Se então só qu’rias
Ó meu anjo, vem correndo. E xp ’rimentar-me.
Vem tremendo
Lançar-te nos braços meus; O h! não lhe fales,
Vem depressa, que a lembrança Não lhe sorrias,
Da tardança Não lhe sorrias,
Me aviva os rigores teus. Que era matar-me.
[55]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Mon Dieu, fais que je puisse aimer! Dá, meu Deus, que eu possa amar.
S. B E U V E . Dá que eu sinta uma paixão;
Torna-m e virgem minha alma,
Quando, no albor da vida, fascinado E virgem meu coração.
Com tanta luz e brilho e pompa e galas,
V i O m u n d o s o r r ir - m e e s p e r a n ç o s o : Outra vez que lá fui, que a vi, que a mêdo
— Meu Deus, disse entre mim, oh! quanto é doce. T ern a voz lhe escutei: — Sonhei contigo!
Quanto é bela esta vida assim vivida! — Inefável prazer banhou meu peito.
Agora, logo, aqui, além, notando Senti delícias; mas a sós comigo
Um a pedra, uma flor, uma lindeza, Pensei — talvez! — e já não pude crê-la.
Um seixo da corrente, uma conchinha 93 E la tão meiga e tão cheia de encantos,
A beira-mar colhida! E la tão nova, tão pura e tão b e la ...
A m ar-m e! — Eu que sou?
Foi esta a infância m inha; a juventude Meus olhos enxergam , enquanto duvida
Falou-me ao coração: — amemos, disse, Minha alma sem crença, de fôrça exaurida.
Porque amar é viver. J á farta da vida,
E esta era linda, como é linda a aurora Que amor não doirou.
No fresco da manhã tingindo as nuvens
De rósea côr fagueira;
M algrado meu, crer não posso.
Aquela tinha um quê de anelos meigos
Malgrado meu que assim é;
A rtífice sublime;
Queres ligar-te comigo
Feiticeiro sorrir dos lábios dela
Sem no amor ter crença e fé?
Prendeu-me o coração; — julguei-o ao menos.
[56]
CANTOS
TRISTEZA.
[57]
ANTÔNIO OONÇALVES D IAS
E quer donzela, quer dona, “ Teu peito por amor, Donzel, suspira,
Que sentira comoção “ Que é de jovens amar a formosura;
Pular-lhe n’alma, escutando “ Mas sabe que a mulher, que amor te jura,
Do Trovador a canção; “ Dos lindos lábios seus cospe a mentira!
Enlutou de negro fumo “ Não queiras amar, não; pois que a ’sperança
A rosa de seu amor,
“ Se arroja além do amor por largo espaço.
Que meia oculta se via
“Tens, brilhando ao sol, a forte lança,
Na gorra do Trovador;
“ Ten s longa espada cintilante d’aço.
Como virgem bela, morta
Da idade na linda flor, “ T ens a fina armadura de Milão,
Que parece, o dó trajando, “ T ens luzente e brilhante capacete,
Inda sorrir-se de amor. “ T ens adaga e punhal e bracelete
“ E, qual lúcido espelho, o morrião.
No meio do seu caminho
Gentil donzela encontrou: “Tens fogoso corcel 98 todo arreado,
Canta — disse; e as cordas d’oiro “ Que mais veloz que os ventos sorve a terra;
Vibrando, o triste cantou. “ Tens duelos, tens justas, tens torneios,
“ Que os fracos corações de mêdo cerra;
“ Teu rosto engraçado e belo “ Tens pajens, tens variétés e escudeiros
“ Tem a lindeza da flor; “ E a m archa afoita, apercebida em guerra
“ Mas é risonho o teu rosto: “ Do luzido esquadrão de mil guerreiros.
“ Não tens de sentir amor!
“O h! não queiras am ar! — Como entre a neve
“ Mas também 97 por êsse dia “ O gigante volcão borbulha e ferve
“ Que viverás, como a flor, “ E sulfúrea chama pelos ares lança,
“ Mimosa, engraçada e bela, "Q u e após o seu cair torna-se fria;
“ Não tens de sentir amor! “ Assim tu acharás petrificada,
“ Bem como a lava ardente do volcão,
“ Oh! não queiras, por Deus, homem que tenha “ A lava que teu peito consumia
“ Tingida a larga testa de palor; “No peito da mulher — ou cinza ou nada —
“ Sente fundo a paixão, — e tu no mundo “ Não frio, mas gelado o coração!”
“ Não tens de sentir am or!
E o Trovador despeitoso
“ Sorriso jovial te enfeita os lábios, De prata as cordas quebrou,
“Nas faces de jasm im tens rósea cô r; E nas de chumbo seu fado
“ Fundo amor não se ri, não é c o ra d o ... A lastim ar começou.
“ Não tens de sentir am or;
“ Que triste que é neste mundo
“ Mas se queres amar, eu te aconselho, “ O fado dum Trovador!
“ Que não guerreiro, escolhe um trovador, “ Que triste que é! — bem que tenha
“ Que não tem um punhal, quando é traído, “ Sua Lira e seu amor.
“Que vingue o seu am or.”
“ Quando em festejos descanta,
Do Trovador pelo rosto “ Rasgado o peito com dor,
Tôrva raiva se espalhou, “ Mimoso tem de cantar
E a Lira sua, tremendo. “ Na sua L ira — o amor!
Sem cordas d’oiro ficou.
58]
CANTOS
[59]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
P or um ósculo frio, por carícias Choras! tu c h o r a s !... P ara mim teus braços
P or força irresistível
Devidas dum e s p o s o !...
Oh 1 não poder-te, Estendem -se, procuram -m e; procuro-te
Em delírio afanoso.
Abutre roedor, cruel ciúme.
T u a funda raiz e a imagem dela Fatídico poder entre nós ambos
No peito em sangue espedaçar raivoso! Ergueu alta barreira;
Êle te enlaça e p re n d e ... mal r e s is te s ...
Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora, Cedes e n fim ... acordo!
Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe
Um quebrado suspiro do imo peito, Acordo do meu sonho tormentoso,
Que d’eras já passadas se recorda. E choro o meu sonhar!
H ás de escutá-lo, e ver-lhe a côr do rosto E fecho os olhos, e de novo intento
Enrubecer-se ao deparar contigo! O sonho reatar.
P rêsa serás também d’atros cuidados. Em balde! porque a vida me tem prêso;
T erás ciúme, e sofrerás qual sofro; E eu sou escravo seu!
Nem menor que o meu mal quero a vingança. Acordado ou dormindo, é triste a vida
Dês que o amor se perdeu.
Há contudo prazer em nos lembrarmos
Da passada ventura,
Como o que educa flores vicejantes
d e l ír io . E m triste sepultura.
Balbucias uns sons, que eu mal percebo. Foi breve! —• mas a desgraça
Doridos, compassados. A testa não lhe enrugou,
Fracos, mais fracos; — lágrim as despontam E aos pés do Deus que a criara
Nos teus olhos b rilh a n te s... Alma inda virgem levou.
[60]
CANTOS
[61]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Junto à cruz — da fachada egrégia pompa — Da morte o cru torpor nos membros frios
Muitos homens eu vi de tôrvo aspecto; Pouco e pouco s’espalha; mas teimoso
Muitos outros, servis, com mão armada Da vida o amor debate-se nas ânsias
Profundos golpes entalhavam nela. Dêsse passo f a t a l ...
Um daqueles no entanto assim falava: — Eis nisto à porta
Um Padre assoma, — dentre as mãos erguidas
“ Quando esta humilde cruz rojar por terra, Da hóstia santa resplendor luzia;
“ Levando a crença de Jesu s consigo, 10^ E palavras de paz, de amor, divinas,
“ Nós outros, da verdade Sacerdotes, Que nos lábios do justo Deus entorna.
“ Nós Doutores do mundo, nós Luzeiros Abundantes soltava. Longos anos
“ Que desvendamos a impostura, o êrro, De piedoso sofrer o corpo enfêrmo
“ A mentira sagaz, a crença louca, Alquebraram por fim ; as cãs nevadas
“ Entrada fácil da razão no templo Raras tremiam sôbre a testa, como
“ Terem os todos; e de então no trono, Trem ia na garganta a voz cansada.
“ Do néscio vulgo imparciais sob’ranos, Dizia o bom do velho: — “ Irm ão, nas ânsias,
“ Santos juizes da verdade santa, “ No extrem o agonizar da morte amiga
“ Pregarem os o justo, a paz, concórdia “ Ergue os olhos ao céu; — do céu te venha
“E os seus deveres que dimanam fáceis “Êsse divino amor, que só lá mora,
“ Do amor do lucro e do interêsse; todos — “ Que filtra por nossa alma, que nos deixa
“— Vassalos da razão, nossos vassalos — “ Mais celeste prazer, mais doce arroubo,
“ Um éden terreal farão do mundo.” “ Do que a terra sói d a r . . . ” 106
“ Infam es, tredos,
No entanto aos crebros golpes do machado “ Bufarinheiros de palavras, corvos
A cruz pendia oblíquia sôbre a terra. “ De negro, feio agoiro, que evoaçam
Criando novas forças com tal vista. “ Com grito grasnador por sôbre o campo,
Os operários mais freqüentes golpes “ Onde a peleja de reinar com eça;
Repetem, vibram, continuam; — soa “ Dizes-me tu — a mim! — a mim que ao foro
P or tôda a parte o eco, — o som, mais longe, “ Caminho inda hoje entre alas de clientes,
Retumba, morre — e novamente ecoa. “ Que só me visto de veludo e d’oiro,
Nisto a cruz — geme — estrala; um grito sobe “ Enquanto vives de burel coberto.
Uníssono e g e r a l!... “ Co’os lábios sôbre o pó mordendo a terra!
Como sois grande. “ Dizes-me tu — a mim ! . . . ”
Senhor, Senhor meu Deus! — Eu vi morrendo E rg u e u -s e ... e o corpo
Os obreiros cair; e a cruz erguer-se, Caiu de fraco sôbre o leito; o velho
Como aos raios do sol a flor mimosa No entanto humilde orava, que alma santa
Que a raiva do tufão vergara insana. Do mal cabido insulto não se ofende.
[62]
CANTOS
Debalde por não ver cerrava os olhos, Mas inda inteiro o coração se via
Sôbre os olhos debalde as mãos cruzava, Do peito nas cavernas,
Que as sombras nos ouvidos lhe falavam, Inda sangrento lágrimas chorava
E mais distintas se pintavam n’alma De negro sangue eternas.
— Também, 109 molesta, qual se pinta o corpo
Do espelho no polido. E caminhando, qual se move a sombra.
Ao órgão se assentou!
E do seu passamento o caso infando J á não dormem os sons, não dormem eco s..
Narrava uma após outra, sôbre o peito — O triste assim cantou:
Mostrando o golpe fúnebre e cruento;
Sorvendo o fel da taça amarga o enfermo “ Onde estás, meu amor, meus encantos.
Parecia s o r r ir !... era qual louco Por quem só me pesava morrer.
Que sofre e um riso finge. Doce encanto que à vida me prendes,
Que inda em morto me fazes sofrer?
E das visões indo a fugir se arroja
De sôbre o leito delirante; as sombras “ Doce amor, minha vida no mundo,
Voam sôbre êle, e em círculo se ordenam. Dêsse mundo em que parte serás;
O moribundo a esta, a aquela, a tôdas Em que cismas, que pensas, que fazes,
Volve o pávido rosto, no mover-sc Onde estás, meu amor, onde estás?
Progressivo, incessante.
“ Ah! debalde na campa gelada
E prêso ao duro embate da vertigem. Fria morte me pôde deitar!
As mestas sombras ao redor com êle Foi debalde, — que eu sinto, que eu ardo;
Fugir sentia; o pavimento, a casa Foi debalde, que eu amo a penar.
[63j
ANTANIO GONÇALVES D IAS
Onde estás? — J á da morte o bafejo Dans -sa douleur elle se trouvait malheureuse d’être
immortelle.
Por teu rosto divino roçou;
Já na campa descansas finada, F é N/cLO N .
Que o teu corpo sem vida tragou?
Da aurora vinha nascendo
“ Mas a morte não pôde impiedosa O grato e belo clarão;
Crua foice vibrar contra ti! Eu sonhava! já mais brandos
A h! tu vives, que eu sinto, que eu sofro Eram meus sonhos então.
Crus ardores quais sempre sofri.
Condensou-se o ar num ponto.
“ E eu não posso o teu nome à noitinlia Cresceu o sutil vapor;
Entre as fôlhas saudoso cantar, Vi formada uma beleza,
Nem seguir-te nas asas da brisa, Cheia de encantos, de amor.
Nem teu sono de sonlios doirar.
Mas na candura do rosto
“ Nem lem brar-te os queridos instantes Não se pintava o carmim;
Que a teu lado arroubado passei. Tinha um quê de cera junto
Sem cuidados de incerto futuro, À nitidez do marfim.
Sô cuidoso da vida que amei.
— Quem és tu, visão celeste,
“ Não te lembras da noite homicida Belo Arcanjo do Senhor?
E m que um ferro meu peito varou, Respondeu-me: — Sou a Morte,
Quando a fácil conversa de amôres Cru fantasma de terror!
Teu marido cioso quebrou?!
— Ah! lhe tornei: És a morte.
Tão formosa e tão cruel!
“ Desde então hei penado sòzinho. — Correndo o mundo sòzinha
V erte sangue meu peito — de então;
No meu pálido corcel. —
Pôde a morte acabar-m e a existência,
Mas delir-me não pôde a paixão!
Assim dizia — “Tu julgas
Que não tenho coração,
“ Nosso adúltero afeto no mundo Que executo os meus deveres
Não se acaba; — assim quis o Senhor! Sem pesar, sem aflição?
Não se a c a b a ... — qu’importa? — hei gozado
Teus encantos gentis, teu amor.
— Que inda em flor da vida arranco
Ao jovem, sem compaixão,
“ P or te amar outras fráguas sofrerá. À donzela pudibunda
Outros transes e dor e penar; Ou ao longevo ancião?
O h! poder que eu pudesse outra vida
E outro inferno sofrer por te am ar!” — Oh! não, que eu sofro martírios
Do que faço aos mais sofrer.
Mas da aurora já raiava Sofro dor de que outros morrem.
Macio e brando clarão; De que eu não posso morrer;
M acia e branda a canção
Do negro espectro soava. — Mas em parte a dor me cura
Um pensamento, que é meu, —
E medroso se colava Lembro aos humanos que a terra
Ao órgão seu negro véu, E ’ só passagem p’ra o céu.
Que imiga não se ajuntava
Ao seu vulto a luz do céu. — Faço ao triste erguer os olhos
Para a celeste mansão;
Pouco a pouco se perdia Em lábios que nunca oraram
O negro espectro; a canção Derramo pia oração.
Pouco a pouco enfraquecia,
Do dia ao tênue clarão; m — E ’ meu poder quem apura
Os vícios que a mente encerra.
E ra o cantar um soido Ao fogo da minha dor;
Fraco, incerto e duvidoso; Sou quem prendo aos céus a terra,
E ra o vulto pavoroso Sou quem ligo a criatura ID
Duma sombra vão tremido. Ao ser do seu Criador.
[6 4
CANTOS
Desponta o sol radioso (No álbum de seu Irmão Dr. j. D. Lisboa Serra.)
Entre nuvens de carmim;
Cessa o canto pesaroso, II semble que le ciei aux coeurs les plus magnanimes
Como corda áurea de Lira, H“* Mesure plus de maux.
Que se parte, que suspira LAM ARTIN E.
Dando um gemido sem fim.
Perfeita formosura em tenra idade
Qual flor, que antecipada foi colhida.
Murchada está da mão da sorte dura.
O VATE.
CAMÕES, Soneto.
No ÁLBUM DE UM PoETA.
Lá, bem longe daqui, em tarde amena,
M o i... j ’aimerai ta victoire; Gozando a viração das frescas auras,
Pour mon coeur, ami de toute gloire, Que do Brasil os bosques brandamente
Les triomphes d’autrui ne sont pas un affront.
Poète, j ’eus toujours un chant pour les poetes. Faziam balançar, — e que espalhavam
Et jamais le laurier qui pare d’autres tetes No éter encantado odor, pureza —
Ne jeta d’ombre sur mon front. Do que a rosa mais bela, — meiga e casta,
V. HUGO. Como as virgens do sol,
Que de vêzes não foi ela pendente
Vate! vate! que és tu? — Nos seus extremos Dos braços fraternais em meigo abraço;
Fadou-te Deus um coração de amôres,
Como mimosa flor prêsa, enlaçada
Fadou-te uma aima acesa borbulhando
A tenro arbusto que a vergôntea débil
Ardidos pensamentos, como a lava Lhe ampara docemente ! . . .
Que O gigante Vesùvio arroja às nuvens.
Vate! vate! que és tu? — Fôste ao princípio E o Irm ão que só nela se revia,
Sacerdote e profeta; O Irm ão que a adorava, qual se adora
Eram nos céus teus cantos uma prece, Um mimo do Senhor;
Na terra um vaticínio. Que a tinha por farol, confôrto e guia,
E êle cantava então: — Jeová me disse. Os seus dias contava por encantos;
Majestoso e terrível. E as virtude co’os dias pleiteavam.
E ela morreu no viço de seus anos ! . . .
“ Vês tu Jerusalém como orgulhosa E a lajem fria e muda dos sepulcros
“ Campeia entre as nações, como no Líbano Se fechou sôbre o ente esmorecido
“Um cedro a cuja sombra a hissope cresce? Ao despontar de vida
“ Breve a minha ira transformada em raios T ão rica de esperanças e tão cheia
“ Sôbre ela cairá; De formosura e g r a ç a s !...
“Um fero vencedor dentro em seus muros
“Tributária a fará; Campa! campa! que de terror incutes!
“ E quando escravos seus filhos, sôbre pedra Quanto êsse teu silêncio me horroriza!
“ Pedra não ficará.” E quanto se assemelha a tua calma
À 118 do cruel malvado que impassível
E os réprobos de saco se vestiam, Contempla a sua vítima torcer-se
Em pó, em cinza envoltos; Em convulsões horríveis, desesp radas;
E colocando co’a terra os torpes lábios, Cruas vascas da m o r te !...
E açoitando co’as mãos o peito imbele. Quem tão má te criou?
Senhor! Senhor! — clamavam. Tu que tragas o ente que esmorece
E o vate entanto o pálido semblante Ao despontar de vida
Meditabundo sôbre as mãos firmava. T ão rica de esperanças e tão cheia
Suplicando ao Senhor do interno d’alma. De formosura e graças?!
[65]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
Não poder eu a trôco de meu sangue E qual vemos dos céus descendo rápido
Poupar-te dessas lágrimas metade! Um fugaz meteoro, vi descendo
O h! poder que eu pudesse! — e almo sorriso, Um anjo do Senhor; — parou sôbre ela,
Que tanto me compraz ver-te nos lábios, E mudo a contemplava. — Um a tristeza
Inda uma vez brilhasse! Simpática, indizível pouco e pouco
E essa existência, Do anjo nas feições se foi pintando;
Que tão cara me é, ta visse eu leda, Qual tristeza de irmão que a irmã mais nova
E feliz como a vida dos A rcanjos! Conheee enfêrma e chora. — E la no peito
Infeliz é quem chora; ela finou-se, Menor sentiu a dor, e humilde orava.
Porque os anjos à terra não pertencem ;
Mas lá dos imortais sôbre os teus dias
I I.
A suspirada irmã vela incessante.
De um vasto edifício nas frias escadas
Vinde, cândidas rosas, açucenas, Eu vi-a sentada; — era um templo, diziam
Vinde, roxas saudades; Secreto concilio de sócios piedosos,
Orvalhai, tristes lágrimas, as c ’roas, Que o bem tinha juntos, que bem só faziam.
Que hão de a campa adornar por mim depostas
Em holocausto à vítima da morte. Defronte um palácio soberbo se erguia,
Inocência, pudor, beleza e graça E dêle partia confuso rumor;
Com ela nessa campa adormeceram. — A dança girava, e a orquestra sonora
A njo no coração, anjo no rosto. Cantava alegria, prazeres e amor.
Devera o amor chorar sôbre o teu seio,
Que não grinaldas fúnebres tecer-te;
Devera voz d’espôso acalentar-te E quando ao palácio um conviva chegava,
O sono da inocência, — não grosseira Rugindo se abria o ruidoso portão;
Canção de trovador não conhecido. Eflúvios de incenso nos ares corriam
Da rua esteirada com vivo clarão.
C oim bra, Ju n h o de 1S41.
E a triste mendiga ali ’stava ao relento,
Com fome, com frio, com sêde e com dor;
E eu vi o seu anjo, mais triste no aspecto.
Mais baço, mais turvo da glória o fulgor.
A MENDIGA.
E â porta do vasto sombrio edifício
Donnez:— Um vulto chegou.
Et quand vous paraîtrez devant le juge au.stèrc. — Senhor, uma esmola! — bradou-lhe a mendiga;
Vous direz: J ’ai connu la pitié sur la terre,
Je puis la demander aux cieux!
E o vulto parou.
TU RQ U ETY.
E rude no acento, no aspecto severo.
Lhe disse; — O teu nome? —
I. Tornou-lhe a mendiga; — Senhor, uma esmola,
Que eu morro de fome.
Eu sonhei durante a noi t e. . .
Que triste foi meu sonhar! — Não dizes teu nome? — lhe torna o soberbo.
E ra uma noite medonha. — Sou órfã, sozinha;
Sem estréias, sem luar. Meu nome qu’importa, se eu sofro, se eu gemo,
Se eu choro mesquinha!
E ao través do manto escuro — Em vis meretrizes não cabe êsse orgulho.
Das trevas, meus olhos viam Tornou-lhe o Senhor,
T riste mendiga formosa, Que à noite, nas trevas, contratam no crime,
Q u’infortùnios consumiam. Vendendo o pudor.
66]
CANTOS
[6T]
AïfTôN IO GONÇALVES D IA S
[68]
CANTOS
[69]
ANTÓNIO GONÇALVES OTAS
Trem endo era na voz, quando no peito Se na marcha veloz encontra um mundo,
Fervia-lhe o rancor! O mundo em mil pedaços se converte;
E aos demais homens, como um cedro à relva, Mil centelhas de luz brilham no espaço
Se cria sup’rior. A ésmo, como um tronco pelas vagas
Infrenes combatido.
E o pobre agricultor, junto a seus filhos,
Dentro do humilde lar. Se junto doutro mundo acaso passa.
Quisera, antes que os dêle, ver de um Tigre Consigo o arrastra e leva transform ado;
Os olhos fuzilar; A cauda portentosa o enlaça e prende,
E o astro vai com êle, como argueiro
Que a um filho seu talvez quisera o nobre Em turbilhão levado.
P ara um E xecu tor;
Ou para o leito infesto alguma filha Como Leviatã perturba os mares,
Do triste agricultor. Êle perturba o espaço; — como a lava,
Êle marcha incessante e sempre; — eterno.
Marcou-lhe largo giro a lei que o rege,
Quem ousaria resistir-lhe? — Apenas
— Às vêzes 131 o infinito.
Algum pobre ancião
Já sôbre o seu sepulcro, desejando
A morte e a salvação. Êle carece então da eternidade!
E aos homens diz — e m ajestoso e grande
Que jam ais o verão; e passa, e longe
Se entranha em céus sem fim. como se perde
Um barco no horizonte!
Alguns dias apenas decorreram ;
E eis que êle se sumiu!
E a lajem dos sepulcros fria e muda
Sôbre êle já caiu.
[70]
CANTOS
[71]
ANTÔNIO GONÇALVES DtAS
[72]
E as mesas do banquete se devolvem
CANTOS
I I I.
I
Pelo vasto salão; E a mortífera peste lutuosa
Do inferno rebentou,
E os instrumentos palpitantes soam E nas asas dos ventos pavorosa
Frenética harmonia; Sôbre todos passou.
E o côro dos convivas se levanta
Pleno d’ébria alegria! E o mancebo que via esperançoso
Longa vida futura.
Doido sentiu quebrar-lhe as esperanças
Ali se ostenta o nobre vicioso
Rebuçado em orgulho, — o rico infame, Pedra de sepultura.
Cheio de mesquinhez, — o envilecido. E a donzela tão linda que vivia
Imundo pobre no seu manto envolto 137 Confiada no amor.
Dc misérias, torpeza e vilanias; ^ Entre os braços da mãe provou bem cedo
— A prostituta que alardeia os vícios. Da morte o dissabor.
Menosprezando a castidade e a honra.
Sem pejo, sem pudor, d’infâmia eivada. E o trêmulo ancião qu’inda esperava
Alorrer assim
E o livre ditirambo, a atroz blasfêmia. Como um fruto maduro destacado
Os cantos imorais, canções impudicas, 138 D ’árvore enfim,
Gritos e orgia envolta em negro manto
De fumo e vinho, — os ares aturdiam; Sentiu a morte esvoaçar-lhe em torno,
E muito além, no meio d’alta noite, Como um bulcão,
Nos ecos, ruas, praças rebatiam. Que afronta o nauta quando avista a terra
Da salvação.
E ra deserta a vila, a casa, o templo —
I I.
Ar de morte soprou!
Mas a casa dos vis nos seus delírios
Depois, ainda suja a bôca, as faces, Ébria continuou!
D ’imundo vomitar,
Com vacilante pé calcando a terra “ E Deus maldisse a terra criminosa,
Os viras levantar. “ Maldisse os homens dela,
“ Maldisse a cobardia dos escravos
A larga porta despedia em turmas “ Dessa terra tão bela.”
A noturna coorte;
Ouvia-se depois por tôda a parte I V
Gritos, horror de morte!
E is o aço da guerra lampeja,
E ninguém vinha ao retinir de ferro, Do fogoso corcel o nitrido,
Que assassinava; E is o brônzeo canhão que rouqueja,
Porque era dum valente o punhal nobre, Eis da morte represso o gemido.
Que as leis ditava.
J á se aprestam guerreiros luzentes.
J á se enfreiam corcéis belicosos.
Outra vez a cair se emaranhavam Já mancebos se partem contentes.
Da porta pelo umbral: Augurando a vitória briosos.
Tinham tintas de sangue a face, as vestes.
Em sangue tinto o punhal. Brilha a raiva nos olhos; — nas faces
O interno rancor podes ler;
E vinha o sol manifestar horrores Eia, avante! — clamaram os bravos.
Da noite derradeira; Eia, avante! — ou vencer ou morrer!
E a morte vária revelava a fúria
Da turba carniceira. Eia, avante! — briosos corramos
Na peleja o imigo bater;
E o sacrílego padre só vendia Crua morte na espada levamos!
O túm’lo por dinheiro; Eia, avante! — ou vencer ou morrer!
Vendia a terra aos mortos insepultos,
O vil interesseiro! Eis o aço da guerra lampeja,
Do corcel belicoso o nitrido,
Ou lá 139 ficavam, como pasto aos corvos. Eis o brônzeo canhão que rouqueja
Por sôbre a terra nua; E da morte represso o gemido.
E ninguém de tal sorte se pesava,
Que ser podia a sua! V.
[73]
ANTÔNIO GONÇAT.VES D IAS
[74]
CANTOS
I I. IV .
Houve tempo em que os meus olhos
Agora a flor que m’importa. Gostavam de lindo infante,
Ou a brisa perfumada. Com a candura e sorriso
Ou o som d’amiga fonte Que adorna infantil semblante.
Sôbre pedras despenhada?
Gostavam do grave aspecto
Que me importa a voz confusa De majestoso ancião.
Do bosque verde-frondoso. Tendo nos lábios conselhos.
Que m’importa a branca lua. Tendo amor no coração.
Que m’importa o sol formoso?
Um representa a inocência.
Outro a verdade sem véu;
Que m ’importa a nova aurora.
Ambos tão puros, tão graves.
Quando se pinta no céu;
Ambos tão perto do céu!
Que m ’importa a feia noite.
Quando desdobra o seu véu? Infante e velho! — princípio e fim da vida! —
Um entra neste mundo, outro sai dêle.
Estas cenas, que amei, já me não causam Gozando ambos da aurora; — um sôbre a terra,
Nem dor e nem prazer! — Indiferente, E o outro lá nos céus. — O Deus, que é grande,
Minha alma um só desejo não concebe. Do pobre velho compensando as dores,
Nem vontade já t e m !... O h! Deus! quem pôde O chama para si; o Deus clemente
Do meu imaginar as puras asas Sôbre a inocência de contínuo vela.
Cercear, desprender-lhe as níveas plumas. Amei do velho o majestoso aspecto.
Rojá-las sôbre o pó, calcá-las tristes? Amei o infante que não tem segredos,
Perante a criação tão vasta e bela Nem cobre o coração co’os folhos d’alma.
Minha alma é como a flor que pende murcha; Amei as doces vozes da inocência,
E ’ qual profundo abismo: — embalde estréias A ríspida franqueza amei do velho,
Brilham no azul dos céus, embalde a noite E as rígidas verdades mal sabidas,
Estende sôbre a terra o negro manto: Só por lábios senis pronunciadas.
Não pode a luz chegar ao fundo abismo.
Nem pode a noite enegrecer-lhe a face;
Não pode a luz à flor prestar mais brilho. V.
Nem viço e nem frescor prestar-lhe a noite!
Houve tempo, em que possível
Eu julguei no mundo achar
Dois amigos extremosos.
I I I.
Dois irmãos do meu pensar;
[75]
ANT6 K I0 GOKÇALVES D IA S
[70]
CANTOS
O que há mais forte do que tu? Se eriças Porém quando corrupto um povo inteiro
A coma perigosa, a nau possante. O Nome seu maldiz,
Extremo de artifício, cm breve tempo Quando só vive de vingança e roubos.
Se afunda e se aniquila. Julgando-se feliz;
És poderoso sem rival na terra;
Mas lá te vás quebrar num grão d’areia. Quando o ímpio comanda, quanto o justo
Tão forte contra os homens, tão sem força Sofre as penas do mal,
Contra coisa tão fraca! E as virgens sem pudor, e as mães sem honra,
E a justiça venal;
Mas nesse instante que me está marcado.
Em que hei de esta prisão fugir p’ra sempre, Ai da perversa, da nação maldita.
Irei tão alto, ó mar, que lá não chegue Cheia de ingratidão,
Teu sonoro rugido. Que há de ela mesma sujeitar seu colo
Então mais forte do que tu, minha alma. À justa punição.
Desconhecendo o temor, o espaço, o tempo.
Quebrará num relance o circ’lo estreito Ou já terrível peste expande as asas.
Do finito e dos céus! Bem lenta a esvoaçar;
Vai de uns a outros, dos festins conviva,
Então, entre miríadas de estréias, Hóspede em todo o lar!
Cantando hinos d’amor nas harpas d’anjos, Ou já tôrvo rugir da guerra acesa
Mais forte soará que as tuas vagas. Espalha a confusão;
Mordendo a fulva areia; E a esposa, e a filha, de terror opresso,
Inda mais doce que o singelo canto Não sente o coração.
De merencória virgem, quando a noite
Ocupa a terra, — e do que a mansa brisa, E o pai, e o esposo, no morrer cruento.
Que entre flores suspira. Vomita o fel raivoso;
— Milhões de insetos vis que um pé gigante
Enterra em chão lodoso.
[77]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[78]
CANTOS
Quando a dor meu peito acanha. Só tu, feliz, só tu, a todos prendes!
Quando me rala a aflição. A mente, o coração, sentidos, olhos,
Quando nem tenho na terra A ledice e a dor, o pranto e o riso.
Mesquinha consolação; Folgam de te avistar; — são teus,^— és dêles.
Homem que sente dor folga contigo,
Tu, Senhor, do pêso insano Homem que tem prazer folga de ver-te!
Livras meu peito arquejante. Contigo simpatizam, porque és bela,
Secas-me o pranto que os olhos Qu’és mãe de merencórios pensamentos.
Vertendo estão abundante. Entre os céus e a terra êxtase doce.
Entre dor e prazer celeste arroubo.
Tu pacificas minha alma.
Quando se rasga com pena. I I.
Como a noite que se esconde
Na luz da manhã serena. A brisa que murmura na folhagem.
As aves que pipitam docemente,
Tu és a luz do universo, A estréia que desponta, que rutila,
Tu és o ser criador. Com duvidosa luz ferindo os mares,
Tu és o amor, és a vida. O sol que vai nas águas sepultar-se
Tu és meu Deus, meu Senhor. Tingindo o azul dos céus de branco e d’oiro;
Perfumes, murmurar, vapores, brisa,
Direi nas sombras da noite. Estréias, céus e mar, e sol e terra,
Direi ao romper da aurora; Tudo existe contigo, e tu és tudo.
— Tu és o Deus do universo,
O Deus que minha alma adora.
I I I.
Também 150 eu. Senhor, direi Homem que vive agro viver de corte.
Teu nome — do coração, Indiferente olhar derrama a custo
E ajuntarei o meu hino Sôbre os fulgores teus; — homem do mundo
Ao hino da criação. Mal pode o desbotado pensamento
Revolver sôbre o pó; mas nunca, oh nunca!
H á de elevar-se a Deus, e nunca há de êle
Na abóbada celeste ir pendurar-se,
Como de rósea flor pendente abelha.
A TARDE. Homem da natureza, êsse contemple
De purpura tingir a luz que morre
As nuvens lá no ocaso vacilantes!
Ave Maria! blessed be the hour!
The time, the clime, the spot where I so oft
Há de vida melhor sentir no peito.
Have felt that moment in its fullest power.. . Sentir doce prazer sorrir-lhe n’alma,
Sink o’er the earth so beautiful and soft. . . . E fonte de ternura inesgotável
BYRON. Do fundo coração brotar-lhe em ondas.
I. I V.
[79]
ANTÔNIO ÜONÇALVES D IAS
Só êle, o peregrino, onde acolher-se, Não continha minha alma tôda amôres!
Não tem tugúrio seu, nem pai, nem ’spôsa. Esperanças e amor, que é feito dêles?
Ninguém que o espere com sorrir nos lábios Um dia me roubava uma esperança,
E paz no coração, — ninguém que estranhe, E sòzinho, uma e uma, me deixaram.
Que anseie aflito de o não ver consigo! M orreram tôdas, como fôlhas verdes
Cravas então, saudade, os teus espinhos; Que em princípios do inverno o vento arranca.
E êles, tão pungentes, tão agudos,
Varando o coração de um lado a outro, E o am or! — podia eu senti-lo ao menos;
Nem trazem dor, nem desespero incitam ; Quando eu via a desdita de bem perto
Mas remanso de dor, mas um suave Co’um sorri.so infernal no rosto squálido,
Recordar do passado, — um quê de triste Com fome e frio a tiritar demente.
Que ri ao coração, chamando aos olhos. Acenando-me infausta, — quando vinda
T ão espontâneo, tão fagueiro pranto, Minha hora já sentia, em que os meus lábios.
Que não fôra prazer não derramá-lo. Trem endo de vergonha, soluçassem
Ao f’liz com que eu na rua deparasse.
E quem — ah tão feliz! — quem peregrino De mãos erguidas: Meu Senhor, piedade!
Sôbre a terra não foi? Quem sempre há visto E is porque sofro assim, porque assim gemo,
Sereno e brando deslizar-se o fumo Porque meu rosto pálido se encova,
Sôbre o teto dos seus; e sôbre os cumes Porque sòmente a dor me ri nos lábios,
Que os seus olhos hão visto à luz primeira Porque meu coração já todo é cinzas.
Crescer branca neblina que se enrola,
Como incenso que aos céus a terra envia? Menti, Senhor, menti! — porque te adoro.
T ão feliz! quando a morte envôlta 151 cm pranto No altar profano de beleza esquiva
Com gelado suor Ih’enerva os membros, Não queimo incenso vão; — tu só me ocupas
Procura inda outra mão co’a mão sem vida, O coração, que eu fiz hóstia sagrada.
E o extrem o cintilar dos olhos baços. Apuro de elevados sentimentos,
De um ente amado procurando os olhos. Que o teu amor sòmente asilam, nutrem.
Sem prazer, mas sem dor, ali se apaga. Quando ao sopé da cruz me chego aflito.
O exilado! êsse não; tão só na vida, Sinto que o meu sofrer se vai minguando.
Como no passamento êrmo e sòzinho. Sinto meu coração arder em chamas.
Sente dores cruéis, torvos pesares Arder meus lábios ao dizer teu nome.
Do leito aflito esvoaçar-lhe em tôrno. Assim a cada aurora, a cada noite.
Roçar-lhe o frio, o pálido semblante, Virei consolações beber sedento
E o instante derradeiro amargurar-lhe. Aos pés do meu Senhor; — virei meu peito
Porém , no meu passar da vida à morte. Encher de religião, de amor, de fogo,
Possa co’a extrem a luz destes meus olhos Que além de infindos céus minha alma exalte.
T ro car último adeus com os teus fulgores! I I.
A h! possa o teu alento perfumado,
Do que na terra estimo, doccmente Quem me dera nas asas dêste vento,
Minha alma separar, e derramá-la Que agora tão saudoso aqui murmura.
Como um vago perfume aos pés do Eterno. Agitando as cortinas, que me encobrem
Do teu rosto o fulgor, que me não cegue.
Subir além dos sóis, além das nuvens
Ao teu trono, ó meu D eus; ou quem me desse
O TEMPLO. Ser êste incenso que se arroja em ondas
A subir, a crescer, em rôlo, em fumo,
....Jé h o v a h déploie autour de nos demeures A té perder-se na amplidão dos ares!
Le linceul de la nuit, et la chaîne des heures
Tombe anneau par anneau. Não qu’ria aqui viver! — Quando eu padeço.
TU RQ U ETY.
Surdez fingida a minha voz responde;
Não tenho voz de amor, que me console.
Corre o meu pranto sôbre terra ingrata,
E dor m ortal meu coração fragoa.
Estou só neste mudo santuário, Só tu. Senhor, só tu, no meu deserto
Eu só, com minha dor, com minhas penas! Escutas minha voz que te suplica;
E o pranto nos meus olhos represado, Só tu nutres minha alma de esperança;
Que nunca viu correr humana vista, _ Só tu, ó meu Senhor, em mim derramas
Livrem ente o derramo aos pés de Cristo, Torrentes de harmonia, que me abrasam.
Que também 152 suspirou, gemeu sòzinho, Qual órgão, que ressoa mavioso,
Que também padeceu sem ter confôrto, Quando segura mão lhe oprime as teclas.
Como eu padeço, e sofro, e gemo, e choro. Assim minha alma, quando a ti se achega.
Hinos de ardente amor desfere 154 grata:
Rem orso não me punge a consciência. E , quando mais serena, inda conserva
Vergonha não me tinge a côr do rosto, Eflúvios dêsse canto, que me guia
Nem crimes perpetrei; — porque assim choro? No caminho da vida áspero e duro.
E direi eu por quê? — Antes meu berço, Assim por muito tempo reboando
Que vagidos de infante vivedouro, 153 Vão no recinto do sagrado templo
Os sons finais de um moribundo ouvisse! Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta.
Que esperanças que eu tinha tão formosas,
Que mimosos enlevos de ternura.
[80]
CANTOS
[81]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
S E G U N D O S C A N T O S
P R Ó L o G o. 156
O volume de poesias que agora submeto às provas públicas, é dividido em duas partes. Nada
direi sôbre a primeira que não é senão a continuação dos Primeiros Cantos; c ainda o mesmo estilo, —
0 pensamento dominando em todo o verso, mas que seja menosprezada a m etrificação, — e a rima que
naturalmente se lhe sujeita, — e o m etro que se dobra em todos os sentidos, — e o verso que se acomoda
a todos os tons como instrumento harmonioso, que sempre agrada, mesmo tangido por mãos inexperientes.
A segunda parte é um ensaio filosófico, — são sextilhas, em que adotei por meus a frase e o pensa
mento antigo, procurando tornar o estilo liso e fácil que não desagradasse aos ouvidos de hoje, e dar ao
pensamento a côr forte e carregada daqueles tempos, em que a fé e a valentia eram as duas virtudes cardeais,
ou antes as únicas virtudes. Coloquei-me no meio daquelas épocas de crenças rígidas e profundas talvez
de fanatismo, — e esforcei-m e por simplificar o meu pensamento, por sentir como sentiam os homens de então,
e por exprimi-los na linguagem que melhor os pode traduzir — a dos Trovadores, linguagem simples
mas severa, — rimada mas fácil, — harmoniosa e valente sem ser campanuda nem guindada. Variei o
ritmo das sextilhas para que não cansasse; quis ver enfim que robustez e concisão havia nessa linguagem
semiculta, que por vêzes nos parece dura e mal soante, e estreitar 157 ainda mais, se fôr possível, as duas
literaturas — Brasileira e Portuguesa, — que hão de ser duas, mas semelhantes 158 e parecidas, como irmãs
que descendem de um mesmo tronco e que trajam os mesmos vestidos, embora os trajem por diversa
maneira, com diverso gôsto, com outro porte, e graça diferente.
Sei que ao maior número dos meus leitores não agradará esta segunda parte; era essa a minha
convicção, então quando a escrevia, e agora que a vou publicar. Escrevi-a contudo, porque aceito a ins
piração quando e donde quer que ela me venha; — da imaginação ou da reflexão, da natureza ou do
estudo, — de um argueiro ou de uma crônica é-me indiferente: publico-as, se me agradam, rasgo-as, se
me desprazem.
A aqueles 159 críticos porém que se comprazem com o nascimento de um autor, que o seguem
passo a 150 passo durante a sua vida literária — animando-o pelo que nêle vêem de bom, reprovando o
que lhes parece mau, franca e imparcialmente — sem amor como sem ódio, mas só pelo amor das artes,
e talvez porque 161 lhes não desagradará ver a luta do autor que começa, — tenacidade do que porfia
— a modéstia do que triunfa, — para êstes, digo, todo o volume é significativo tôda a obra característica
— todo o trabalho proveitoso.
Numeram os volumes, classificam as obras, apreciam o trabalho; de tôdas as idéias formu am
um só pensamento — de tôdas as côres formam um só quadro — de todos os traços uma só fisionomia.
Quando pois aparece um novo volume de um autor qualquer, muito ou pouco conhecido, todo
o seu trabalho é confrontá-lo. Se o pensamento se enerva, se as côres desbotam, se a fisionomia se de
compõe, — a morte vem próxim a; a árvore vingou e deixa de vingar, — cresceu e torna-se raquítica,
produziu e torna-se estéril. Mas se pelo contrário o pensamento se vai tornando mais firme como um
nó que se aperta, — se o quadro reluz como que o retocassem de novo, — se a fisionomia se expande como
que m ostra ledice, e contentam ento, — a vida será longa; a árvore vingou e continua a vingar, floresceu e
dará novas flores, produziu e dará novos frutos.
P ara êstes não será sem atrativo esta minha publicação, não como árvore de esperançosos rutos,
mas como arbusto pouco conhecido, que na sazão das flores se metamorfoseia, que toma novo aspecto, e
porventura agrada pela sua estranheza.
Sôbre o título que dei à primeira parte, bem se vê que não é um verdadeiro título, mas um
simples número: são hinos, visões, poesias líricas e americanas, composições diversas e variadas, que eu
irei publicando enquanto m erecerem o favor do público, se é que se dá o público destas coisas.
Quanto ao da segunda parte, só tenho a dizer que era minha intenção publicáda com o pseudô
nimo de Frei A ntão de Santa Maria de Neiva, cuja vida poderão ler os curiosos na História de S. Domingos,
P. 2•^ L. 3.°, C. 4.°. Mudei de resolução, conservando-lhe todavia o título, porque 162 sem ele muitas das
sextilhas seriam ininteligíveis.
Rio de Janeiro. Fevereiro de 1848.
[82]
CANTOS
[83]
ANTÔNIO GONÇAI.VES D IAS
No virginal devaneio
Linda virgem semelha 167 a linda rosa
A rfa o seio.
Que se abre ao romper d’alva;
Pranto ao riso se mistura;
Encapelam -se as pétalas mimosas.
Doce rir dos céus encanto.
Lacradas de pudor com rubro sêlo:
Leve pranto,
Cego m ortal só lhe respira o incenso; Que amargo não é, nem dura.
Mas dela a abelha extrai seu mel mais puro.
Nesse lugar solitário,
Seu nobre coração é como um templo,
— Seu fadário. —
Onde e só Deus habita;
Ali reina o mistério envolto 168 em sombras, De ver o mar se recreia;
E maga placidez envolta em cantos: De o ver, à tarde, dormente.
Só vê isto o profano; mas o antiste Docemente
De Deus a sombra vê, e a voz lhe escuta. Suspirar na branca areia.
[84]
CANTOS
Agora, qual sempre usava, Aos quais não basta a natureza humana;)
Divagava •Simpática atração d’almas sinceras
Em seu pensar embebida; Que unidas pelo amor, no amor se apuram.
Tinha no seio uma rosa Por quem suspiro, serás nome apenas?
Melindrosa,
De verde musgo vestida. A inútil chama ressecou meus lábios,
Mirrou-me o coração da vida em meio,
Ia a virgem descuidosa, E à terra fêz baixar a mente errada
Quando a rosa Que entre nuvens, amor, por ti bradava!
Do seio no chão lhe cai: Não te pude encontrar! — em vão meus anos
Vem um’onda bonançosa, No louco intento esperdicei; gelados,
Qu’impiedosa Uns após outros a cair DO precipites
A flor consigo retrai. Na urna do passado os vi; eu triste,
Amor, por ti clamava; — e o meu deserto
A meiga flor sobrenada; Aos meus acentos reboava embalde.
De agastada,
A virge’ a não quer deixar! Em vão meu coração por ti se fina.
Bóia a flor; a virgem bela. Em vão minha alma te compr’ende e busca.
Vai trás ela. Em vão meus lábios sôfregos cubiçam
Rente, rente — à beira-mar. Libar a taça que aos mortais of’reces!
Dizem-na funda, inesgotável, meiga;
Vem a onda bonançosa. Enquanto a vejo rasa, amarga e dura!
Vem a rosa; Dizem-na bálsamo, eu veneno a sôrvo:
Foge a onda, a flor também. 1^9 Prazer, doçura, — eu dor e fel encontro!
Se a onda foge, a donzela
Vai sôbre ela!
Mas foge, se a onda vem. Dobrei-me às duras leis que me impuseste.
Curvei ao jugo teu meu colo humilde.
Muitas vêzes enganada. Feri-m e aos teus ardentes passadores,
De enfadada Prendi-me aos teus grilhões, rojei por terra. ..
Não quer deixar de insistir; E o lu cro ?., foram lágrimas perdidas,
Das vagas menos se espanta, Foi roxa cicatriz qu’inda conservo.
Nem com tanta Desbotada a ilusão e a vida exausta!
Presteza lhes quer fugir.
Celeste emanação, gratos eflúvios
Nisto o mar que se encapela Das roseiras do céu; bater macio
A virgem bela Das asas auribrancas dalgum anjo,
Recolhe e leva consigo; Que roça em noite amiga a nossa esfera.
Tão falaz em calmaria, Centelha e luz do sol que nunca m orre;
Como a fria És tudo, e mais do qu’isto: — és luz e vida.
Polidez de um falso amigo. Perfume, e vôo d’anjo mal sentido.
Peregrinas essências trescalan d o l..
Nas águas alguns instantes. Tam bém passas veloz, — breve te apagas,
Flutuantes Como duma ave a sombra fugitiva.
Nadaram brancos vestidos: Desgarrada voando à flor de» um lago!
Logo o mar todo bonança,
A praia cansa
Com monótonos latidos.
[ 85 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
V I.
I.
[86]
CANTOS
........................... Vivamos juntas Ah! frown not, sweet lady, unbend your soft brow.
Num só lugar! Nor deem me too happy in this!
Num só lugar, ou sejam mansos ares, I f I sin in my dream, I atone for it now,
Se ali te exaltas; Thus doom’d but to gaze upon bliss,
Ou sejam campos, se é ali que a relva
De pranto esmaltas. BYRON.
V. HUGO. Trad.
Sonhava esta noite. Donzela formosa.
Já vistes sôbre a flor de manso lago Já quando as estréias tombavam no mar,
Duas aves brincando solitárias. Que eu via a meu lado uma esbelta figura
Já pousadas na lisa superfície, Divina e m im osa.. . .
J á levantando vôo? Sonhar é ventura;
Deixai-me sonhar!
Já vistes duas nuvens no horizonte,
Brancas, orladas com listões de fogo, Divina e mimosa, co’um véu se cobria
A deslumbrante alvura cambiando D ’estrêlas fulgentes de brilho sem par;
Ao pôr de sol estivo? O rosto era vosso, era vossa a estatura,
E o anjo d iz ia ....
Já vistes duas lindas mariposas. Sonhar é ventura;
Abrindo ao romper d’alva as longas asas, Deixai-me sonhar!
Onde reflete o sol, como em 177 um prisma.
Belas, garridas cores?
E o anjo dizia co’um jeito celeste:
“Afetos que em outro não pude encontrar
Nem as pombas que vagam solitárias,
“P or fim me renderam, — paixão lisa e pura,
Nem as nuvens do ocaso, nem as vagas
Borboletas gentis que adejam livres “ Que tanto s o fr e s te ..." i^o
Em vale ajardinado: 178 Sonhar é ventura;
Deixai-me sonhar!
Tanto não prazem, como doces virgens,
Airosas, belas, com sorrir singelo. “ Pois tanto sofreste, não devo impiedosa
Da vida negra e má duros abrolhos “ Fineza tão grande por fim mal pagar!"
Impróvidas calcando. Eis sinto um abraço estreitar-me a cintura,
E uns lábios de r o s a ...
Quanto há no mundo d’ilusoes fagueiras.
De perfume e de amor, guardam no peito. Sonhar é ventura;
Quanto há de luz no céu mostram nos olhos. Deixai-me sonhar!
Quanto há de belo — n’alma.
E uns lábios de rosa cobrirem-me a fronte
Como um jardim seu coração se mostra. Com tépidos beijos de férvido amar!
Seus olhos como um lago transparente, Prazer tão subido após tanta amargura,
Sua alma como uma harpa harmoniosa. Não sei como o c o n te !...
Seu peito como um templo!
Sonhar é ventura;
Mas um fraco arruído espanta as aves, Deixai-me sonhar!
Uma brisa ligeira as nuvens rasga,
E uma gôta de orvalho ensopa as asas Não sei como o contei — nos lábios de rosa
Das leves mariposas. Vivi encantado sem ver, nem pensar.
Enquanto apertava a ligeira cintura.
Desgarradas voando as aves fogem, Cintura m im osa. . . .
Dos castelos dos céus perdem-se as nuvens, Sonhar é ventura;
Nem mais adejam borboletas vagas
Deixai-me sonhar!
Sôbre o esmalte das flores.
Pois quem resiste ao perpassar do tempo? Cintura mimosa! — depois vos tecia
Depois que derramou grato perfume Grinalda que a fronte vos fôsse adornar,
Sôbre as asas dos ventos que a bafejam, E um cinto de amôres com broche esmaltado
A flor também definha. De meiga p o e sia !...
Quem tão bem fadado
Mas um nobre sentir que se enraiza Vivera a sonhar!
No peito da mulher, que menos ame,
E ’ como essência preciosa e grata,
Que se lacrou num vaso. De meiga poesia, meu bem, minha amada.
Já pago de quanto me fazeis penar.
Repassa-o; depois embora o esgotem 179 Então vos tangia descantes na lira,
Leves emanações, gratos eflúvios Na lira afinada!
Há de eterno verter da mesma essência. O sonho é mentira;
Talvez porém mais doces. Não quero sonhar!
[87]
ANTÔNIO GONÇALVKS DTAS
[88]
CAKTOS
Eu pois, que nesta vida hei aprendido Se pois sentistes compaixão amiga
Só cantar e sofrer, não vejo embalde A cair gôta a gôta dos meus lábios
Ao canto a dor unida, — e os repassados No que eu supunha cicatriz recente,
Versos de pranto. E que era úlcera funda;
Pobre Orfeu, nestes tempos mal nascido. Ouvi! — não éreis bela, — nem minha alma
Atrás dum bem sonhado pelo mundo Vos amou, que um modelo de virtudes,
A vagar com lira — um bem que os homens — Um sublime ideal — amou somente;
Não podem dar-te! V ós o não fôstes nunca.
Sequer 18 6 esta lembrança a dor te abrande; Que uma alma como a vossa, já manchada.
A vida é breve, e o teu cantar semelha 187 Aos negros vícios mais que muito afeita.
Vagido fraco de menino enfermo, J á feia, já corrupta, já sem b r ilh o ....
Que Deus escuta.” Amá-la eu. Senhora!
Se só por vós descri do que era nobre, Antes, possesso dhmprudência estúpida.
Porque envolto 188 em torpeza imunda e feia. Brincando remexer 192 no açafate,
As vestes da virtude imaculada Onde por baixo de mimosas flores,
Rebolquei-as no lôdo; O áspide se esconde!
Se só por vós persegue-me o remorso, Mas eu, nos meus acessos de delírio.
Que os dias da existência me consome, Voz importuna de contínuo ouvia.
E entre angústias cruéis minha alma anseia, Cá dentro em mim, a repr’ender-me sempre
— Ludibrio dos meus erros: De vos a m a r ... tão pouco!
Agora, agro censor, hão de os meus lábios. Porém se luz melhor de cima o aclara.
Duras verdades trovejando em verso, Cospe afronta e desdém, e à chama entrega
Fazer de vós, o que a razão não pôde, O cêpo vil, que não merece altares.
— Mulher ou estátua! Nem d’ofrendas é digno!
Falsa, como a mulher que em bruta orgia O Deus, que mais perdoa a quem mais ama.
Finge extremos de amor que ela não sente Talvez da vida a negra mancha apaga
E o rosto o frece a 190 ósculos vendidos. A quem as asas de algum anjo orvalha
Ao sigilo da infância. De lágrimas contritas.
Quantas vêzes. Senhora, não caístes Mas não àquela, 193 em cujo peito mora
Humilhada, a 190 meus pés, desfeita em pranto. Torpeza só, — onde o amor se cobre
Chorando — e que choráveis? — a jurar-m e. De vícios — a nutrir-se d’impurezas,
— Que juráveis então? Como vermes de lôdo.
[89]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[90]
CANTOS
VI. XV.
VII. XVI.
Oh! cruel, que então fôste comigo, Quando vires a mole Odalisca
Que te hei feito que punes-me assim? De beleza e de extremos fadada.
Teu navio que tantos levava, Respirando perfumes da Arábia,
Não podia levar mais a mim? Em sericos 199 tapizes deitada;
VIII. XVII.
Mas a mim! — que importava que eu fôsse? Quando a vires co’a fronte bem cheia
Não me ouvira a tormenta chorar, De riquezas, de graças ornada.
E morrer me seria mais doce Pelo andar do elefante embalada,
Junto a ti, — que o meu triste penar! Que alta escolta de eunucos rodeia;
IX . XVIII.
X. X IX.
X I. XX.
Mas o mar tem lindezas que encantam, Não te esqueçam meus duros pesares,
Tem lindezas, que o nauta namora. Não te esqueças por elas de mim.
Também DS dizem que vozes descantam Não te esqueças de mim pelos mares,
No silêncio pacato desta hora! Não me esqueças na terra por fim!
X I I. XXI.
XIII. XXII.
X I V. XXIII.
[91]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Oh! que o homem fôsse eu, mulher tu fosses, Compridos anos e folgados viva
Ou fôsse tempestade ou calmaria, Neste ditoso clima,
Ou fôsse m ar ou terra, Espanha ou Grécia, E veja a par 20 2 dos filhos seus queridos
Só de ti, só de ti me lem braria! Crescer do espôso a estim a!
O mar suas ondas inconstante volve. Possa eu também do seu feliz consórcio
Sem que o seu curso e mesmo rumo leve. De novo em cada ano
Assim dos homens a paixão se move, Soltar um hino de amizade estreme,
Falaz e vária, assim no peito ferve! U m canto mais que humano!
24 d e Março.
Meditados enganos sempre encobre
O mesmo que ao princípio ardente am ava;
O xalá não diga eu que me enganava,
Que teu peito julguei constante e nobre! CANTO INAUGURAL.
O h! que o homem fôsse eu, mulher tu fôsses. À Memória do Cônego J anuário
Ou fôsse tempestade ou calmaria.
Ou fôsse mar ou terra, Espanha ou Grécia, DA C unha B arbosa.
Só de ti, só de ti me lembraria!
Onde essa voz ardente e sonorosa,
E ssa voz que escutamos tantas vêzes.
Polida como a lâmina dum gládio,
E ssa voz onde está?
AO ANIVERSÁRIO DE UM CASAMENTO.
No rostro popular severa e forte,
A Mrs. a . N. V. DA G. No púlpito serena, amiga e branda.
Pelas naves do templo reboava,
Como oração piedosa!
A filha d’Albion benvinda seja
Ao solo brasileiro! E a mão segura, e a fronte audaciosa,
Benvinda seja às margens florescentes Onde um vulcão de idéias borbulhava,
Dio Rio hospitaleiro! E o generoso ardor de uma alma nobre
— Onde param também? 203
Qu’importa que te acene a P átria ao longe,
Que vejas incessante Novo Colombo audaz por novos mares,
As memórias, os templos, os palácios A sonda em punho, os olhos nas estréias
D a Cidade gigante? Co’as brónzeas quilhas retalhando as vagas
Do inóspito elemento;
A pátria é onde quer a vida temos
Sem penar e sem dor; Porfioso e tenaz no duro empenho,
Onde rostos amigos nos rodeiam, No manto do porvir bordava ufano.
Onde temos am or; Sob os troféus da liberdade sacra.
Os destinos da P átria!
Onde vozes amigas nos consolam
Na nossa desventura, Noturno viajor que andou vagando
Onde alguns olhos chorarão doridos A noite inteira, a revolver-se em trevas,
Na êrma sepultura; Onde te fôste, quando o sol roxeia
Nuvens de um céu mais puro?
A pátria é onde a vida temos prêsa: Secou-se a voz nas fauces ressequidas,
Aqui também 20i há sol!
Parou sem fôrça o coração no peito,
Tam bém a brisa corre fresca e leve
Quando somente um pé firmava a custo
Da manhã no arrebol!
Na terra prometida!
Aqui também a terra produz flores. E a mão cansada fra q u e jo u ... pendeu-lhe,
Tam bém os céus têm côr; Inda a vejo pendente, sôbre as páginas
Tam bém mumura o rio, e corre a fonte, Da pátria história, onde gravou seu nome
E os astros têm fulgor! T arjado em letras d’oiro.
Aqui também se arrelva o prado, o monte. P e n d eu -lh e... quando a mente escandecida
De mimoso tapiz; Talvez quadro maior lhe afigurava
Nas asas do silêncio desce a noite Que a luta acerba do T itã brioso,
Tam bém sôbre o infeliz! Últim a prole de Saturno.
[92]
CANTOS
In v eja ., mas às formas do Gigante Andei, por vós somente, em vossas matas.
Sorri-se o grande Homero; — e o cego Bardo Colhendo agrestes flores na floresta,
Da verdade Erin, entre os heróis famosos Não respiradas nunca.
Prazenteiro o recebe! Singelas, como vós, — como vós, belas,
Enastrei-as em forma de grinalda
Fino, extremoso amante!
Não vivem muito as flores: são meus versos
Efêm eros como elas; côr sem brilho.
Dorme, ó lutador, que assaz lutaste!
Ou perfume apagado.
Dorme agora no gélido sudário;
Ou trino fraco d’ave matutina.
Foi duro o afã, aspérrima a contenda.
Ou eco de um baixei que passa ao longe
Será fundo o descanso.
Com descante saudoso.
Dorme, ó lutador, teu sono eterno;
Mas sôbre a lousa do sepulcro humilde,
Como na vida foi, surja o teu busto
Austero e glorioso. TABIRA.
D ed ic a tó r ia a o s P e r n a a ib u c a n o s .
Seu viver é batalha aturada,
Dos contrários a traça aventando;
E ’ dispor a cilada arriscada,
Salve, terra formosa, ó Pernambuco, Onde o imigo se venha meter!
Veneza Americana, transportada Levam noites com êle sonhando
Boiante sôbre as águas! Potiguares, 206 que o viram de perto;
Amigo gênio te formou na Europa, Potiguares, que asselam por certo
Gênio melhor te despertou sorrindo Que Tabira só sabe vencer!
À sombra dos coqueiros.
I I I.
Salve, risonha terra! são teus montes
Arrelvados, inúmeros teus vales. Mil enganos lhe têm já tecido,
Cujas veias são rios! Mil ciladas lhe têm preparado;
Doces teus prados, tuas várzeas férteis, Mas Tabira, fatal, destemido,
Onde reluz o fruto sazonado Tem feitiço, ou encanto, ou condão!
Entre o matiz das flores! Sempre o plano da guerra é frustrado.
Sempre o 207 bravo fronteiro aparece,
Outros, pátria d’herôis, teus feitos cantem, Que os enganos cruéis lhes destece.
E a bela história de colônia exaltem Face a face, arco e setas na mão.
E os nomes forasteiros;
Não eu, que nada almejo senão ver-vos. I V.
Tu e Olinda, ambas vós, co’os olhos longos.
Espraiados 204 no mar! J á dos Lusos o trôço apoucado.
Paz firmando com êle traidora.
Ambas vós, sôbre tudo americanas. Dorme ileso na fé do tratado,
Doces flores dos mares de Colombo, Que Tabira é valente e leal.
Filhas do norte ardente! Sem Tabira dos Lusos que fôra?
Virgens irmãs, que vão de mãos travadas Sem Tabira que os guarda e defende,
Sorrirem d’inoeêneia à própria imagem, Que das pazes talvez se arrepende
Que luz em claro arroio. Já feridas outrora em seu mal!
[93]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
V. X I.
Chefe stulto dum povo de bravos, Vêm soberbos, — o sol luz apenas!
Mas que os piagas vitórias te fadem, Confiados, galhardos, lustrosos.
Hão de os teus, miserandos escravos. Vêm bizarros nas armas, nas penas.
Tais triunfos um dia chorar! Atrevidos no acento e na voz!
Caraíbas tais feitos aplaudem, Um dentre êles, dos mais orgulhosos.
Mas sorrindo vos forjam cadeias, Sobe à pressa nas aspas dum monte;
E pesadas algemas, e peias, Dali brada, postado defronte
Que traidores vos hão de lançar! De Tabira — com jeito feroz:
V I. X I I.
VII. XIII.
Vivem homens de pel’ côr da noite “Para o vosso terreiro vos chamo.
Neste solo, que a vida embeleza; Contra mim vinde todos, — sou forte:
Podem, servos, debaixo do açoite, Acorrei ao meu nobre reclamo!
Nênias tristes da pátria cantar! Aqui sou, nem me parto daqui!
Mas o índio que a vida só preza Vinde todos em densa coorte:
Por amor dos combates, e festas Travaremos combate sangrento,
Dos triunfos sangrentos, e sestas Mas por fim do triunfo cruento
Resguardadas do sol no palmar; Direis vós, se fui eu quem menti.”
VIII. X I V.
I X. X V.
X. XVI.
[94]
CANTOS
XVII. XXIII.
E com fúria tão grande arremetem,
Diz a fama que então de assustadas Com despêgo tão nobre da vida;
Muitas aves que o espaço cruzavam. Tantos golpes, tão fundos repetem,
De pavor subitâneo tomadas, Que senhores do campo já são!
Descaíam pasmadas no chão; Potiguares lá vão de fugida,
Já com silvos e atitos voavam Inda à fera mais tôrva c bravia
Muitas outras, que o triste gemido Disputando guarida dum dia
No conflito, abafado e sumido. No mais fundo do vasto sertão!
Talvez deram, — mas fraco, mas vão!
XXIV.
XVIII.
Potiguares, que a aurora risonha
Viu nação numerosa e potente,
Eis que os arcos de longe se encurvam,
Não já povo na tarde medonha,
Eis que as setas aladas já voam,
Mas só restos dum povo infeliz!
Eis que os ares se cobrem, se turvam.
De frechados, de surdos que são.
Insepultos na terra inclemente
Muitos dormem; mas há quem Ih’inveja
Novos gritos mais altos reboam.
Entre as hostes se apaga o terreno.
Essa morte do bravo em peleja,
Já tornado apoucado e pequeno.
Quem a vida do escravo maldiz!
Já coberto de mortos o chão!
XXV.
X I X. “ Êste o conto que os índios contavam,
“A desoras, na trite senzala;
Peito a peito encontrados afoutos. “ Outros homens ali descansavam,
Braço a braço, travados briosos. “ Negra pel’ ; mas escravos também. 212
Fervem todos inquietos, revoltos, “ Não choravam; sòmente na fala
Qu’indecisa 2U a vitória inda está. “ Era um quê da tristeza que mora
Todos movem tacapes pesados; “ Dentro d’alma do homem que chora
Qual resvala, qual todo se enterra “ O passado e o presente que tem!"
No imigo que morde na terra,
Que sepulcro talvez lhe será.
H I N O S .
XX.
A LUA.
“ Mas Tabira! Tabira! que é dêle?
“ Onde agora se esconde o pujante?” Figlia dei ciei, sei bella!
— Não no vêdes?! — Tabira é aquêle Me verra nette ancor, che tu, tu stessa
Cadrai per sempre, e lascierai nel cielo
— Que sangrento, impiedoso lá vai! II tuo azzurro sentier!
— Vê-lo-eis andar sempre adiante,
C ESA RO TTI.
— Larga esteira de mortos deixando
— Trás de si, como o raio cortando Salve, ó Lua cândida,
— Ramos, troncos do bosque, onde cai. — Que trás dos altos montes
Erguendo a fronte pálida,
XXI. Dos negros horizontes
As sombras melancólicas
“ Foge! foge! leal Tobajara; Vens ora afugentar!
“ Quantos arcos que em ti fazem m ira?!” Salve, ó astro fúlgido,
— Muitos são; porém mêdos encara Que brilhas docemente.
— Face a face, quem é como eu sou! Melhor que o lume trêmulo
Muitas setas cravejam Tabira: D ’estrêla inquieta, ardente.
Belo quadro! — mas vê-lo era horrível! Melhor que o brilho esplêndido
Porco-espim que sangrado e terrível Do sol ferindo o mar!
Duras cerdas raivando espetou!
Salve, ó reflexo tênue
Da eterna luz preclara
XXII. Nas nossas noites hórridas;
Qual sol que em linfa clara
Tem um ôlho dum tiro frechado! Desponta os raios vividos.
Quebra as setas que os passos lh’impedem, Em tarja multicor;
E do rosto, em seu sangue lavado, És como a virgem púdica, 213
Frecha e ôlho arrebata sem dó! Que amor no peito encerra;
E aos imigos que o campo não cedem, Mas só, mas solitária.
Olho e frecha mostrando extorquidos Vagando aqui na terra.
Diz, em voz que mais eram rugidos; Triplica 214 o sêlo místico
— Basta, vis, por vencer-vos um só! Do não sabido amor!
[95]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Em gélido sudário
De neve alvinitente.
P or terras vi longínquas. A NOITE.
Durante a noite algente,
A tua luz benéfica
Luzir meiga do céu. Noite, melhor que o dia, quem não te ama!
Quem não vive mais brando em teu regaço!
Nos mares solitários F IL IN T O .
Tam bém 215 a vi! — nas vagas
Brincava o lume argênteo,
Cantava o nauta as magas Eu amo a noite solitária e muda,
Canções, no voluntário. Quando no vasto céu fitando os olhos,
Cansado exílio seu! Além do escuro, que lhe tinge a face.
Alcanço deslumbrado
Tam bém 215 a vi na límpida Milhões de sóis a divagar no espaço,
Como em salas de esplêndido banquete
Corrente vagarosa;
Tam bém 215 nas densas árvores Mil tochas arom áticas ardendo
En tre nuvens d’incenso!
De selva m ajestosa.
Coando os raios lúbricos
No lôbrego palmar. Eu amo a noite taciturna e quêda!
E eu só e melancólico Amo a doce mudez que ela derrama,
Sentado ao pé da veia, E a fresca aragem pelas densas folhas
Que a deslizar-se tímida Do bosque murmurando;
Então, malgrado o véu que envolve 2 1 6 a terra,
B eijava a branca areia;
A vista do que vela enxerga mundos,
Ou já na sombra tétrica
E apesar do silêncio, o ouvido escuta
Da m ata secular;
Notas de etêreas harpas.
Em devaneio plácido
Velava, enquanto via Eu amo a noite taciturna e quêda!
Então parece que da vida as fontes
Ao longe — os altos píncaros
Mais fáceis correm, mais sonoras soam.
Da negra serrania, Mais fundas se abrem ;
— Disformes atalaias, Então parece que mais pura a brisa
Que sempre ali serão! Corre, — que então mais funda e leve a fonte
No rórido silêncio Mana, — e que os sons então mais doce e tristf
Minha alma se exaltava; Da música se espargem.
E das visões fantásticas,
Que a lua desenhava. O peito aspira sôfrego ar de vida,
Seguia os traços áureos. Que da terra não é ; qual flor noturna,
Trem endo em negro chão! Que bebe orvalho, êle se embebe e ensopa
Em êxtase de am or:
Mais direitas então, mais puras devem.
Pensava ledo, impróvido,
Calada a natureza, a terra e os homens.
Até que de repente Subir as orações aos pés do Eterno
D a minha vida mísera P ara afagar-lhe o trono!
Se me antolhava à mente
A quadra breve e rápida
Assim é que no templo m ajestoso
Do malfadado amor. Reboa pela nave o som mais alto,
En tão fugia atônito Quando o sacro instrumento quebra a augusta
O bosque, a selva, a fonte, Mudez do santuário;
E as sombras, e o silêncio; Assim é que o incenso mais direito
Bem como o cervo insonte, Se eleva na capela que o resguarda,
Que às setas foge pávido E na chave da abóbada topando,
Do fero caçador! Como um dossel, se espraia.
[96]
CANTOS
[97J
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
V. NOVOS CANTOS
Assim, meu Deus, assim será no dia
Do final julgam ento, quando o anjo
Soprar a trompa que desfez os muros O HOMEM FORTE.
De Jerico soberba!
Iinpavidum f e r i e n t ...
O mar sobrepujando os seus limites,
Com roncos temerosos, nunca ouvido. HORAT.
Virá para sorver, com fúria brava.
Ilhas e continentes. O modesto varão constante e justo
Pensa e medita nas lições dos sábios
O sol, perdendo o brilho e a natureza, E nos caminhos da ju stiça eterna
Não luz, mas puro fogo, há de acender-se, Gradua firme os passos.
Como o fogo sagrado, que se prende
Nas cortinas do templo. O brilho da sua alma não mareia
A luz do sol, nem do carvão se tisna;
Os orbes dos seus eixos desmontados, M orre pelo dever, austero e crente.
No abismo hão de cair com grande estrondo, Confessando a virtude.
E , redomas de vidro, hão de partir-se
Em pedaços sem conto. Pode a calúnia denegrir seus feitos.
Negar-lhe a inveja o mérito subido;
Do abismo as solidões hão de acordar-se! Pode em seu dano conspirar-se o mundo
Flam ívom os vapores condensados. E renegá-lo a pátria!
T é nós, e além de nós, hão de elevar-se
Em pavoroso incêndio. T ão modesto nos paços de Luculo, 22 2
O ar há de acender-se, a terra em fogo Como encerrado no tonel do Grego,
Tornar-se, como o ferro ardendo em frágua, 219 Nem o transtorna a aragem da ventura,
Coalhar-se o mar e em áspera secura Nem a desgraça o abate.
Converterem-se as ondas.
A tiranos preceitos não se humilha.
E nesta confusão de fumo e chamas. Ante o ferro do algoz não curva a fronte,
Neste caos, que a mente mal alcança, Não faz calar da consciência o grito,
Quando nada existir de quanto existe. Não nega os seus princípios.
Será vencida a morte.
Antes, seguro e firme e confiado
Logo, a 220 uixi só dizer do Onipotente,
No tempo, vingador das injustiças,
O pó segunda vez há de animar-se,
E os mortos, mal sofrendo a luz da vida. Co’os pés na cadafalso e a vista erguida
Atônitos, pasmados; Se m ostra imperturbável.
[98]
CANTOS
[99]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
[100]
CANTOS
A UMA POETISA.
[101]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
X I I.
V I.
[102]
CANTOS
X I I I . O SONO.
X V.
XVII .
Adeus qu’eu parto, senhora; A FLOR DO AMOR.
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo.
Ter sepultura entre os meus; J á lento o passo, no cair da tarde.
Negou-me nesta hora extrema. L á nos desertos d’abrasada areia,
Por extrema despedida.
Que o vento agita, porém não recreia,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus! Da caravana o condutor parou.
Armam-se à pressa tendas alvejantes.
Rumina plácido o frugal camelo;
XVIII. Porém a nuvem d’àrabes errantes
Lerás porém algum dia Se achega à prêsa, que de longe olhou.
Meus versos, d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados, E já, tomada a refeição noturna.
Com sangue escritos; — e então Junto a fogueira, que derrama vida.
Confio que te comovas, Descansam todos da penosa lida
Que a minha dor te apiade, À voz canora, que o cantor alçou!
Que chores, não de saudade, Confuso o ouvido um borborinho alcança.
Nem de amor, — de compaixão. As armas toma o árabe prudente;
Mas logo pensa, rejeitando a lança:
“ Foi o grunhido que o chacal soltou.’’
[103]
ANTÔNIO OONÇALVKS D IAS
“ Faz-se mais puro o ar, mais brando o clima, Ouvi-a! A sua voz me despertava
Onde cresce; amenizam-se os lugares, Tudo quanto de bom conservo n’alma.
Tornam -se menos agros os pesares Retratado o pudor tinha 234 no rosto,
E menos viva, e quase nula a dor; E um suave dizer, um timbre doce
F resca e branda alcatifa o chão matiza, De voz, uma piedade estreme e santa,
Com doce niurmurio as águas correm, Que as mais profundas chagas amimava,
E o leve sôpro do correr da brisa D ’ambrosia e de mel lhe ungia os lábios.
Volúpia embebe em mágico frescor!
“ Feliz aquele que a encontrou na vida, Ouvi-a! A sua voz era mais branda.
Que onde ela nasce tímida e fagueira Mais impressiva que o cantar das aves!
Não s ’enovela a mó d’atra poeira. A aragem qu’entre flores se desliza
Tangida pelo súmiu’ abrasador! E mal remexe 235 a tímida folhagem,
Ali sorri-se oásis venturoso. A veia de cristal que triste soa,
Q u’entre deleites o viver matiza, O saudoso arrulhar de mansas pombas.
E ao que vai triste, aflito e sem repouso As próprias notas dum cantar longínquo
Chama a descanso do comprido error! Ou de instrumento a conversar co’a noite,
Menos que a sua voz impressionavam!
“ Feliz e mais que se, perdido, achara
Conforto e auxílio no catá, seu guia, Menos que a sua voz! — Os dois mais fortes.
Que o leva a fonte perenal e fria Os dois mais puros sentimentos nossos
Onde se apaga o sitibundo ardor. .— A saudade e o amor, — as mais profundas
T ã o feliz, qual talvez se o precedesse Das m erencórias solidões da terra
Nos desertos a bênção do profeta, — As florestas e o mar, — um cisrnar vago,
Que por fanal noturno lhe acendesse Um devaneio, uns 236 êxtases sem térmo
M aga estréia de límpido fulgor. D ’alma perdida por um céu de amôres,
Tan to como a sua voz não arroubavam!
“ A i! porém do que a vê, e a não conhece,
Do que a suspira em vão, e a em vão procura. Tanto como a sua voz! — sòmente o foram
Ou que achando-a, desiste da ventura Dulces notas de místicos saltérios
Por não entrar no oásis sedutor. T é nós de um astro em outro repetidas.
E ssa flor descoberta por acêrto F oi isto o que senti, quando a escutava,
Nunca mais a verás! colhe, insensato, Fluente, harmoniosa, 237 discorrendo
Colhe abrolhos da vida no deserto; E m prática singela, sôbre assuntos
Pois desprezaste a que produz o amor! Diversos, sôbre flores, menos belas
Do que o seu rosto, e céus, como ela,^ puros.
Assim cantava o trovador; e todos Mas quem na ouvira conversar de amôres
Ouvem-no com prazer de dor travado,
Trouxera n’alma como uma harpa eólia.
Que mais do que um talvez terá dei.xado
D ia e noite vibrando,
A trás de si a pudibunda flor! Como um cantar dos anjos
No entanto a nuvem d’àrabes errantes Do coração a estremecer-lhe as fibras!
Chega-se à prêsa, que avistou de longe;
E dos corcéis, que alentam ofegantes.
Precede a marcha túrbido pavor!
[104]
CANTOS
[105]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[ 106]
CANTOS
[107]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Mas V Ó S , quem quer qu’isto lerdes, 247 Emfim, dizer quanto vimos
Revelai-me esta tardança; Não cabe neste papel;
Vinhão muitas alimarias,
São achaques da velhice:
Como achadas a granel;
Vivemos de remembrança
Vinha o iffante brioso.
E em longas fallas fazemos
Montado no seo corsel.
De tudo commemorança.
Vinhão pagens e varletes,
Vinhão muitos escudeiros,
Vinhão do sol abrazados
Nossos robustos guerreiros;
J á el-rey Affonso quinto
Nas suas terras pojou: Vinha muita e boa gente,
Alegre o povo o recebe. Muitos e bons cavalleiros!
Alegre el-rey se m ostrou:
Abrio-se em alas vistosas,
El-rey entre ellas passou.
A Princesa Dona Joanna
Vem os muzicos troando Sahio dos Paços reais;
Nos atabales guerreiros. E ra moça, e muito airosa,
Tangem outros istromentos E dona de partes tais,
Desses climas forasteiros, Que todos lhe qu’rião muito,
E traz elles vêm marchando. Estranhos e naturais!
Passo a passo, os prisioneiros.
Foy requerida de muitos
E muito grandes senhores.
São elles mouros gigantes P or fama que delia tinhão,
De bigodes retorcidos. E por copia de pintores.^
Caminhão a passos lentos,
Que muitos vinhão de fóra
Com sembrantes de atrevidos. Ao cheiro de seos louvores.
Causa medo vêl-os tantos,
Tam membrudos, tam crescidos!
E diz-se d’hum rey de França,
Ludovico, creio eu:
São homens de fero aspeito. Hum pobre frade mesquinho
Homens de má condição, Só trata em coisas do céo;
Que vivem na lei nojenta Sabe elle que muito sabe,
Do seo nojento alkorão, Sc a bem m orrer aprendeo.
Que — vinho? nem querem vêl-o.
Só por que o bebe hum christão! Pois diz-se do rey de França,
O onzeno do nome seo,
V êm as moiras depois delles. Que vendo hum retrato destes
Rostos cobertos com véos; Pera si logo entendeo,
Bem que filhas d’Agarenos, Qu’era prodigio na terra
São também filhas de D eos; Quem tanto tinha do céo.
Se forão christans ou freiras,
Serião anjos dos céos. E logo sem mais tardança
Cahio, giolhos no chão,
No feltro traz arreliquias,
Luzião os olhos dellas,
Como pedras muito finas; Assi uza hum rey cristão;
Devião ser finas bruxas, O seo feltro poz diante,
E fez hy sua oração!
Inda qu’erão bem meninas,
Que estas moiras da mourama
Nascem já bruxas cadimas! 248
[108]
f
CANTOS
[ 109 1
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[110]
CANTOS
Mas não foy jamais que Deos Mas quem vio acaso as turbas
Em tal feito consentisse. Correrem traz algum bem?
Senão porque suas posses Vão todas apoz engodos,
O homem bem claro visse; Apoz maldades também;
Que sem elle fôra o mundo Mas seguir a Deos por gosto
Maldade só e sandice. Nem as vi, nem vio ninguém.
Mas que mal ha hy na terra Com estes mouros descridos
Que não venha pera bem? Vierão também aquellas
Os d’aqui desta amargura Moiras, filhas da Mourama,
Dão coyta, e gloria porém; Donas, creio, muito bellas;
Dos outros que traz o demo No trato e no galanteio
Deos o remedio lá tem. Outras que tais Magdanellas.
Do mal que me foy commigo
Vinha também a menina,
Acontecido, al não sei.
Senão que por amor delle Aquella moira fatal,
Que nas ruas de Lisboa
Muito má vida levei,
V i no cortejo real:
Que me dá coyta mui grave
Cortejo del-rey Affonso
Do mal que me comportei.
Vi-o eu, só por meo mal!
Como já fiz penitencia.
Ora farei confissão; Quantas coisas que trazia,
Tal será, qual foy o escanddo Is’^ulla rem lhe estava mal;
De que fui occasião: Dizião que tudo nella
Não me tomem por modelo, Tinha graça natural,
Mas tomem de mi licção. E ra coisa preciosa,
Como coisa oriental.
Não he pera honra minha,
Mas pera honra dos céos, Aquella abelha sem dardo,
Que eu direi publicamente Aquella pomba sem fel
Os feios peccados meos; Passava noites inteiras
Toda a vergonha foy minha, Tangendo n’hum arrabel.
Toda a honra cabe a Deos. Coando vivas saudades
Dos lábios, em leite e mel.
He uso assi na milicia
Celeste, e mais na d’aqui: E , alta noite, nas trevas
Dá batalha o cabo experto. Ouvindo na solidão
Desses muitos que ha per hy; Aquelle triste instromento,
Toda a preza aos seos concede. Al não disseras, senão
Só lôa quer pera si. Que o mesmo demo voltado
E ra n’aquella feição.
[111]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[112]
CANTOS
[113]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[114]
CANTOS
[115]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
“ Digo-te eu, que elles não podem, “ .A.S vossas artes que tendes
“ Mais que digas que são trinos, “ Cujo as havedes? — de quem?
“ Suster no ar do propheta “Donde vêm ás vossas terras
“ Os sanctos restos divinos, “ Campos de lavra que têm,
“ Que a M eca chamão por anno “ E as torres acastelladas,^
“ Milhares de peregrinos.” “ E as mesquitas, donde vêm?
[ 116]
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CANTOS
[117]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[118]
CANTOS
[119]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
[120]
CANTOS
[121]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
[122]
CANTOS
[ 123 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
Qual desly toma algum nome Que doce que he teo remanso,
P or grito de accom m etter, Quando manso o vento gyra,
Que nas lidas e pelejas Que nas folhas rumoreja,
Saberá fazer valer! E como que ally suspira
Qual sente o nojo futuro. Melindres d’amor suave,
Em mal, que lá vai m orrer! Que nem tangido na lyra!
Mas nunca será que o rosto Que arroubos que infiltras n’alma,
M ostre o que n’alma lhe m ora: Quando vai ao som das agoas
Quem vio a morte passar-lhe Navegando o passageiro;
De perto, já não descora Já , se as tem, não sente as fragoas,
P or hum presagio funesto. Que no peito a dôr derrama,
Sendo ella coiza d’huma hora. Como huma enchente de magoas!
Mas talvez dos cavos olhos
Aquelles bons cavalleiros Polas faces a correr
Azinha promptos estão; Sinta o pranto represado
L á se partem de Coimbra, Polo seo muito soffrer:
M ontes alem já lá vão! Corra embora, qu’esse pranto
Ninguém vio mais escolhido, D ôr não he, senão prazer!
Nem mais luzido esquadrão.
Que neste vai’ de amarguras,
En tre elles por mais robusto Onde viemos penar,
Gonçalo Hermiguez campeia; Por cada dia hum m arteyro
Diz seo porte sublimado, P or cada instante hum pezar,
Que de nada se arreceia, H e bem feliz quem só passa
Mas antes que a todos repta. Dores que fazem chorar!
De tanto que o collo alteia!
Não sei ledice o que seja,
Caminho vão de Lisboa Nem o que seja prazer;
Com todo apercebim ento! Nunca os senti n’esta vida,
Não convem que se aprecatem Nem n ’os posso conhecer;
D ’aquelle accom m ettim ento Que não sou dos bemfadados,
Mouros que vivem na regra E nunca o não hei de ser!
Do seo alkorão nojento!
Mas o pranto extravasado
Sabeis a regra qual seja? Não he quem nos dá morrer,
He viver dentro do harem. Nem quem o viço dos annos
Dizendo mal do toicinho Faz seccar e emmurchecer;
E mais do vinho também. He antes aquelle pranto
Sem que lhe pêze este mundo. Que não sabemos verter.
Sem que lhe pêze ninguém!
He vegetar entre flores,
He viver vida folgada. L á vão hindo T e jo acima,
Aspirando incenso e odores Olhos longos polo mar.
Em molleza effeminada, L á onde enchergâo Lisboa
Nem que fosse huma odalisca. Com fogueiras de espantar;
Ou mulher alambicada. Fogo accendido na terra
Sóbe em centelhas ao ar!
[m ]
CANTOS
[125]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[126]
CANTOS
Ú L T IM O S CANTOS.
Eis os meus últimos cantos, o meu último volume de poesias sôltas, os últimos harpejos de uma
lira cujas cordas foram estalando, muitas aos balanços ásperos da desventura, e outras, talvez a maior
parte, com as dores de um espírito enfermo, 271 _ fictícias, mas nem por isso menos agudas, - pro
duzidas pela imaginação, como se a realidade já não fôsse por si bastante penosa, ou que o espirito,
afeito a certa dose de sofrimento, se sobressaltasse de sentir menos pesada a costumada carga.
No meio de rudes trabalhos, de ocupações estéreis, de cuidados pungentes, - - inquieto do presen
te incerto do futuro, derramando um olhar cheio de lágrimas e saudades sobre o meu passado — Per-
cJrri êste primeiro estádio da minha vida literária. Desejar e sofrer — eis tôda a minha vida neste período;
e êstes desejos imensos, indizíveis, e nunca satisfeitos, — caprichosos como a imaginaçao — vagos como
o oceano, — e terríveis como a tempestade; e êstes sofrimentos de todos os dias, de todos os instantes,
obscuros, implacáveis, renascentes, - ligados a minha existência, reconcentrados em minha alma, devo
rados comigo, umas vêzes me deixaram sem fôrça e sem coragem, e se reproduziram em pálidos reflexos
do que eu sentia, ou me forçaram a procurar um alívio, uma distraçao no estudo, e a esquecer-me a
lealidade com as ficções do ideal.
Se as minhas pobres composições não foram inteiramente inúteis ao meu país; se algumas vezes tive
o maior prazer que me foi dado sentir — a mais lisonjeira recompensa a que poderia aspirar, — de as saber
estimadas pelos homens de arte, daqueles, que segundo o poeta, porque a entendem, a estimam, e repetidas
por aquela classe do povo, que só de cor as poderia ter aprendido, isto é, dos outros que a compreen
dem, porque a sentem, porque a adivinham - paguei bem caro esta momentânea celebridade com de
cepções profundas, com desenganos amargos, e com a lenta agonia de um martírio ignorado.
Melhor que ninguém o sabes; podes a teu grado sondar os arcanos da minha consciência, e nao
te será difícil descobrir o segredo das minhas tristes inspirações. Os meus primeiros, os meus u timos
cantos são teus: o que sou, o que fôr, a ti o devo, - a ti, ao teu nobre coração, que durante os melhores
anos da juventude bateu constantemente ao meu lado, - à 272 aragem benfazeja da tua amizade solicita
e desvelada, - a tua voz que me animava e consolava, - a tua inteligência que me vivificava — ao pro
dígio de duas índoles tão assimiladas, de duas almas tão irmãs, tão gêmeas, que ^ rematav
pensamento apenas enunciado da outra, e aos sentimentos uníssonos de dous corações, que mutuamen e
se falavam, se interpretavam, se respondiam sem o auxílio de palavras. Duplicada a mm a existenc ,
não era muito que eu me sentisse com forças para abalançar-me a esta emprêsa, e agora que ern parte a
tenho concluído, é um dever de gratidão, um dever para que sou atraído por tôdas as potências a min
alma, escrever aqui o teu nome, como talvez seja o derradeiro que escreverei em minhas obras, o ultimo
que os meus lábios pronunciem, se nos paroxismos da morte se puder destacar inteiramente do meu coraçao.
Ser-me-ia doloroso não cumprir os teus desejos, — não satisfazer as esperanças, que em mim tinhas
depositado, — não realizar a expectação da tua desinteressada amizade. Entrei na luta, e procurei ^isputar
ao tempo uma fraca parcela da sua duração, não por amor do orgulho, nem por amor da g ona, mas
para que, depois da morte de ambos, uma só que fôsse das minhas produções sobrenadasse no o vi o,
por mais uma geração estendesse a memória tua e minha. Assim passa a onda sôbre um navio que so
çobra, e atira a praias 273 desconhecidas os destroços de um mastro embrulhado nas vestes dos navegantes.
Entrei na luta, e por mais algum tempo continuarei nela, variando apenas o sentido dos meus can
tos. A fé e o entusiasmo, o óleo e o pábulo da lâmpada que alumia as composições do artista, vao-se-me
esfriando dentro do peito; e eu o conheço e o sinto se pois ainda persisto nesta carreira, é por teu respeito,
continuarei — até que, satisfeito dos meus esforços, me digas: bastai Então, já to hei dito, voltarei gostoso
à obscuridade, donde não devera ter saído, — e como um soldado desconhecido contarei os meus
triunfos pelas minhas feridas, voltando à habitação singela, onde me correram, não felizes, mas os primei
ros dias da minha infância.
[ 127]
AXTôNIO GONÇALVES DIAS
Minha alma não está comigo, não anda entre os nevoeiros dos Órgãos, envolta 274 em neblina,
balouçada em castelos de nuvens, nem rouquejando na voz do trovão. L á está ela! — lá está a espregui
çar-se nas vagas de S. Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, a sussurar nos leques das palmeiras;
lá está ela nos sítios que os meus olhos sempre viram, nas paisagens que eu amo, onde se avista a pal
meira esbelta, o cajazeiro coberto de cipós, e o pau-d’arco coberto de flores amarelas. Ali sim, — ali está
— desfeita em lágrimas nas folhas das bananeiras — desfeita em orvalho sôbre as nossas flores, desfeita
em harmonia sôbre os nossos bosques, sôbre os nossos rios, sôbre os nossos mares, sôbre tudo que eu
amo, e que em bem veja eu em breve! Aí, outra vez remoçado e vivificado de todos os anos que csper-
dicei, poderei enxugar 275 os meus vestidos, voltar aos gozos de uma vida ignorada, e do meu lar tran-
aüilo ver outros mais corajosos e mais felizes que eu afrontar as borrascas desencadeadas no oceano, que
cu houver para sempre deixado atrás de mim.
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1850.
A. GONÇALVES DIAS.
I I.
I.
Banha o sol os horizontes.
0 GIGAN TE DE PEDRA. 276 Trepa os castelos dos céus.
Aclara serras e fontes.
O g u e r r i e r s ! n e la is s e z p a s m a d é p o u ille a u c o r b e a u !
Vigia os domínios seus:
E n se v e liss e z -m o i p a rm i d es m o n ts su b lim e s, J á descai p’ra o ocidente,
A f in q u e l ’ é tr a n g e r c h e rc h e , e n v o y a n t le u r s c im e s. E em globo de fogo ardente
Q u e lle m o n ta g n e e s t m on to m b e a u !
Vai-se no mar esconder;
V. HUGO. L e Géant. E lá campeia o gigante.
Sem destorcer o semblante.
I. Imóvel, mudo a jazer!
Gigante orgulhoso, de fero semblante.
Vem a noite após o dia.
Num leito de pedra lá jaz a dormir!
Vem o silêncio, o frescor,
Em duro granito repousa o gigante,
E a brisa leve e macia,
Que os raios somente puderam fundir.
Que lhe suspira ao redor;
Dormido atalaia no serro empinado E da noite entre os negrores,
Devera cuidoso, sanhudo velar; Das estrelas os fulgores
O raio passando o deixou fulminado, Brilham na face do m ar:
E à aurora, que surge, não há de acordar! Brilha a lua cintilante,
E sempre mudo o gigante.
Co’os braços no peito cruzados nervosos. Imóvel, sem acordar!
Mais alto que as nuvens, os céus a encarar.
Seu corpo se estende por montes fragosos. Depois outro sol desponta,
Seus pés sobranceiros se elevam do m ar! E outra noite também.
Outra lua que aos céus monta.
De lavas ardentes seus membros fundidos Outro sol que após lhe vem:
Avultam im ensos: só Deus poderá Após um dia outro dia,
Rebelde lançá-lo dos montes erguidos. Noite após noite sombria.
Curvados ao pêso, que sôbre lhe ’stá. Após a luz o bulcão,
E sempre o duro gigante.
E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes Imóvel, mudo, constante
São velas, são tochas, são vivos brandões, Na calma e na cerração!
E o branco sudário são névoas algentes,
E o crepe, que o cobre, são negros bulcões. Corre o tempo fugidio.
Da noite, que surge, no manto fagueiro Vem das águas a estação.
Quis Deus que se erguesse, de junto a seus pés, Após ela o quente estio;
A cruz sempre viva do sul no cruzeiro. E na calma do verão
Deitada nos braços do eterno Moisés. Crescem folhas, vingam flores.
Entre galas e verdores
Perfumam-no odores que as flores exalam. Sazonam-se frutos m il;
Bafejam -no carmes de um hino de amor Cobrem-se os prados de relva.
Dos homens, dos brutos, das nuvens que estalam, Murmura o vento na selva,
Dos ventos que rugem, do mar em furor. Azulam-se os céus de anil!
[1 2 8 ]
CANTOS
[ 129 ]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Meus olhos outros olhos nunca viram, Acerva-se a lenha da vasta fogueira.
Não sentiram meus lábios outros lábios, Entesa-se a corda da embira 29i ligeira.
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas Adorna-se a maça com penas gentis: 292
A arazóia na cinta me apertaram. 28S A 293 custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Tim bira, que a turba rodeia.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta. Garboso nas plumas de vário matiz.
Já solta o bogari mais doce aroma;
Tam bém meu coração, como estas flores. Entanto as mulheres com leda trigança.
Melhor perfume ao pé da noite exala! Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
Não me escutas, Ja tir! nem tardo acodes A coma lhe cortam, os membros lhe tingem.
A voz do meu amor, que em vão te chama! Brilhante enduape no corpo lhe cingem, 294
Tupâ! lá rompe o sol! do leito inútil Sombreia-lhe a fronte gentil canitar. 293
A brisa da manhã sacuda as folhas!
II.
[ 130 ]
CA N TO S
I I I. E os meigos cantores.
Servindo a senhores,
íím larga roda de novéis guerreiros Que vinham traidores,
Ledo caminha o festival Timbira, Com mostras de paz.
A quem do sacrifício cabe as honras.
Na fronte o canitar sacode em ondas, Aos golpes do imigo
O enduape na cinta se embalança, Meu último amigo.
Na destra mão sopesa a iverapeme, Sem lar, sem abrigo
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo Caiu junto a mi!
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra, Com plácido rosto.
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme, Sereno e composto,
Como que por feitiço não sabido O acerbo desgosto
Encantadas ali as almas grandes Comigo sofri.
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d’imigos feros. Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
“ Eis-me aqui, diz ao indio prisioneiro; De penas ralado,
“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família, Firmava-se em mi;
“As nossas matas devassaste ousado, Nós ambos, mesquinhos.
“Morrerás morte vil da mão de um forte.” Por ínvios caminhos.
Cobertos d’espinhos
Vem a terreiro o mísero contrário; Chegamos aqui!
Do colo à cinta a muçurana desce:
“ Dize-nos quem és, teus feitos canta, O velho no entanto
“ Ou se mais te apraz, defende-te." Começa Sofrendo já tanto
O índio, que ao redor derrama os olhos, De fome e quebranto.
Com triste voz que os ânimos comove. Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
IV. Nas matas me embrenho,
Das frechas 296 que tenho
Meu canto de morte, Me quero valer.
Guerreiros, ouvi;
Sou filho das selvas, Então, forasteiro.
Nas selvas cresci; Caí prisioneiro
Guerreiros, descendo De um trôço guerreiro
Da tribo tupi. Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Da tribo pujante, Do pai fraco e cego.
Que agora anda errante Enquanto não chego.
Por fado inconstante, Qual seja, — dizei!
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte, Eu era o seu guia
Sou filho do Norte; Na noite sombria,
Meu canto de morte, A só alegria
Guerreiros, ouvi. Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava.
J á vi cruas brigas. Em mim se firmava.
De tribos imigas, Em mim descansava,
E as duras fadigas Que filho lhe sou.
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces Ao velho coitado
Senti pelas faces De penas ralado.
Os silvos fugaces J á cego e quebrado,
Dos ventos que amei. Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
Andei longes terras. O giro tão breve
Lidei cruas guerras, Da vida que teve.
Vaguei pelas serras Deixai-me viver!
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos! Não vil, não ignavo,
De estranhos ignavos Mas forte, mas bravo.
Calcados aos pés. Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
E os campos talados, Guerreiros, não coro
E os arcos quebrados, Do pranto que choro;
E os piagas coitados Se a vida deploro.
Já sem maracás; Também sei morrer.
[131]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
[132]
CANTOS
[133]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Era êle, o Tupi; nem fôra justo Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
Que a fama dos Tupis — o nome, a glória, “Teus olhos são garços.
Aturado labor de tantos anos. Responde anojado; “ mas és M arabá:
Derradeiro brasão da raça extinta, “ Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
De um jacto e por um só se aniquilasse. “Uns olhos fulgentes,
“ Bem pretos, retintos, não côr d’an ajá!”
— Basta! clama o chefe dos Timbiras,
— Basta, guerreiro ilustre! assaz lutaste, — E ’ alvo meu rosto da alvura dos lírios,
E para o sacrifício é mister fôrças. — — Da côr das areias batidas do m ar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
O guerreiro parou, caiu nos braços — Não têm mais alvura, não têm 299 mais brilhar. —
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando: Se ainda me escuta meus agros delírios:
“ Êste, sim, que é meu filho muito amado! “ És alva de lírios.
“ E pois que o acho enfim, qual sempre o tive, Sorrindo responde; “ mas és M arabá:
“ Corram livres as lágrimas que choro, “ Quero antes um rosto de jambo corado,
“ Estas lágrimas, sim, que não desonram.” “ Um rosto crestado
“ Do sol do deserto, não flor de cajá.”
X. — Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus 200 em flor;
Um velho Timbira, coberto de glória. — Mimosa, indolente, resvalo no prado,
Guardou a memória — Como um soluçado suspiro de am or! —
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava “ Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Do que êle contava. “ Qual duma palmeira.
Dizia prudente: — “ Meninos, eu vi! Então me respondem; “ tu és M arabá:
“ Quero antes o colo da ema orgulhosa,
“ Eu vi o brioso no largo terreiro “ Que pisa vaidosa,
Cantar prisioneiro “Que as flóreas campinas governa, onde está”.
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo; — Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
Parece que o vejo, — O oiro mais puro não tem seu fulgor;
Que o tenho nest’hora diante de mi. — As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os v ef tão formosos como um beija-flor! 20 i
“ Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo; Mas êles_ respondem: “ Teus longos cabelos,
Valente e brioso, como êle, não vi! “ São loiros, são belos,
“ Mas são anelados; tu és M arabá:
E à fé que vos digo: parece-me encanto
“ Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
Que quem chorou tanto.
“ Cabelos compridos,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
“Não côr d’oiro fino, nem côr d’anajá.”
Assim o Timbira, coberto de glória. E as doces palavras que eu tinha cá dentro
Guardava a memória A quem nas direi?
Do moço guerreiro, do velho Tupi. O ramo d’acácia na fronte de um homem
E à noite nas tabas, se alguém duvidava Jam ais cingirei:
Do que êle contava.
Tornava prudente: “ Meninos, eu vi!” Jam ais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sòzinha, chorando mesquinha,
Que sou M arabá!
IV.
V.
MARABÁ. 297
CANÇÃO DO TAMOIO.
Eu vivo sòzinha; ninguém me procura! (N a t a l Ic i a ).
Acaso feitura
Não sou de Tupá? 298 I.
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
Não chores, meu filho;
— Tu és, me responde, Não chores, que a vida
— Tu és Marabá! E ’ luta renhida:
Viver é lutar.
— Meus olhos são garços, são côr das safiras, A vida é combate,
— Têm luz das estréias, têm 299 meigo brilhar; Que os fracos abate,
— Imitam as nuvens de um céu anilado, Que os fortes, os bravos.
— As côres imitam das vagas do marl Só pode exaltar.
[134]
CA N TO S
I I. VIII.
I I I. IX.
IV. X.
Domina, se vive;
As armas ensaia,
Se morre, descansa
Penetra na vida:
Dos seus na lembrança.
Pesada ou querida.
Na voz do porvir.
Viver é lutar.
Não cures da vida! Se o duro combate
Sê bravo, sê forte!
Os fracos abate.
Não fujas da morte,
Aos fortes, aos bravos.
Que a morte há de vir!
Só pode exaltar.
V.
[135]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V K S D IA S
[136]
CA N TO S
[137]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D IA S
I I.
NÊNIA À MORTE SENTIDÍSSIMA DO SERENÍSSIMO Não ouviste, ó belo anjinho, 313
PRÍNCIPE IMPERIAL 0 SENHOR D. PEDRO. Na hora do passamento
Para abrandar teu tormento
Do berço teu ao redor,
Dos teus irmãos a falange
À S ua M a je s t a d e o Im p e r a d o r . Com opas de luz brilhante,
Nas harpas de diamante
Cantar hosana ao Senhor?
[1 3 8 ]
CA N TO S
[139]
A N T Ô N IO O O N Ç A L V B S D IA S
F e it o à s S e n h o r a s d e I t a p a c o r á , q u e A h! ya agostada
A b r il h a n t a r a m a F e s t a do I l m o . S r . Siento mi juventud, mi faz marchita,
A n t ô n io J o s é R o d r ig u e s T ô r r e s . Y la profunda pena que me agita
Ruga mi frente de dolor nublada.
P o r to das C a ix a s — 25 d e agosto 1850. H ER ED IA .
[140]
!
CA N TO S
[141]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S
[142]
CA N TO S
[144]
CANTOS
[1 4 5 ]
AKTÔNIO GONÇALVES D IAS
[146]
CA N TO S
“ Eu tive pais extremosos. Tu que com tanto afã, com tanto custo.
Irmãos que m’idolatraram, Estudando, inquirindo, e meditando.
Eu tive castos amores, De estranhos climas transplantaste aos nossos
Que antes de mim se acabaram! As flores várias no matiz, nas formas.
Modesto horticultor, dos teus desvelos
Êste só galardão recebe ao menos!
“ Eu tive tantos no mundo
Recebe-o: também eu gosto das flores.
Quantos se pode chorar;
Folgo também de as ver num campo estreito
Perdi todos, tudo; ai, triste,
De estranhas terras revelando os mimos
Só eu não pude acabar!
E as galas doutros céus : — aqui^ perfumam
Nossos jardins de peregrina essência!_
“Ao sôpro da desventura Melhoram-se talvez, que as não contristam
Só eu me não abalei, Raios tíbios do sol, nem turvos ares,
Que a todos — novos e velhos Nem do inverno o furor lhes cresta o brilho.
À campa todos levei!
Meigas flores gentis, quem vos não ama?
“ Minha filha me restava! Em vós inspirações o bardo encontra.
Eu já fantasma impotente, Devaneios de amor a ingênua virgem,
Sôbre os torrões tropeçava A abelha o mel, a humanidade encantos.
Da cova aberta recente! Odores, nutrição, bálsamo e côres.
Meigas flores gentis, quem vos não ama?
“Anjo de amor e bondade,
Porque me deixaste assim! Linda virgem no albor da vida incerta,
Tu morta, e na sepultura No meio das vivaces companheiras.
Que eu tinha aberto p’ra mim! Em forma de capela as vai tecendo
Para cingir com ela a fronte e a coma,
“Deus, Senhor, quanto foi longo Que os anos no passar não enrugaram,
O vaso em que fel traguei! ^^2 Nem as cãs da velhice embranqueceram.
Findo o julguei; restam fezes. Resplendor d’inoeêneia, onde casados
As fezes esgotarei.” h açucena, e os jasmins aos brancos lírios
Um só perfume grato aos céus envia;
Meiga c’roa d’angélica pureza.
Ornamento da vida — que se rompe
Ou quando os membros delicados vestem
E sôbre a rósea face, ora amarela, O grosseiro burel da penitência.
A aurora sempre bela radiava, Ou do noivado as galas! — lá se acaba 334
E o pai, ancião, que a dor rasgava, Por fim aos pés do tálamo ou num túmulo!
Cingia ao corpo seu o corpo dela. Meigas flores gentis, quem vos não ama?
Nem pranto nos seus olhos borbulhava, Quantas vêzes, nas horas da ventura,
E nem nos lábios seus a dor gemia, A falaz sensação dum peito ingrato
E sua alma, qual vaso em calmaria. Não julgamos eterna, imensa, infinda!-----
Entre vida e morrer num ponto estava. Ali nossos anelos se concentram,
Nossa vida ali jaz: — cifra-se inteira
O beijo paternal, por fim, lhe estampa Num brando volver d’olhos, num acento,
Na filha, que prazeres só lhe dera; Que a ternura repassa, inspira, exala!
E filha e pensamento — alguém dissera Um gemido, um suspiro, um ai, um gesto.
Ter juntos sepultado a mesma campa! Valem tronos, e mais, — o mundo e a vida!
Mas esvai-se a paixão!----- que fica? Apenas
Nos céus não tens. Senhor, bastantes anjos, Um saudoso lembrar d’eras passadas.
Porque 333 os venhas assim buscar à terra? De cismadas venturas, não fruídas.
Prilhe a virtude, quando reina o erime, As vêzes uma flo r!. . . — Flor dos amôrcs,
O crime impune e vil, que às tontas erra. Quando extinta a paixão, porque inda existes?
Espinhos de uma rosa emurchecida,
Porque sobreviveis às folhas dela?
[ 147]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
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CANTOS
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ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
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CANTOS
[151]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
[152]
CANTOS
[153]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
Talvez folgara, quando pranto amargo Mas já que os olhos sôbre mim pousaste.
Dos olhos teus me rorejasse a campa, Teus meigos olhos, donde o amor lampeja;
Dos meigos lábios, onde amor temperas, Pois que os teus lábios para mim se abriram.
Meu nome ouvindo! Teus meigos lábios;
Prazer não acho de avistar a 353 lua Luz mimosa de amor, que te apagaste.
Pálida e bela na soidão do espaço; Ou gôta pura de cristal luzente
Nem vivos astros, nem perfumes gratos Filtrando os poros de uma rocha a custo.
Me dão consôlo. Caída em negro abismo!
[154]
CANTOS
Devera pois meu pranto borrifar-te Em sua alma, onde uma harpa melindrosa
Amigo e benfazejo, como aljôfar Noite e dia seus cânticos afina.
De branco orvalho em pérolas tornado Hei de a vida entornar em doces carmes,
Num cálice de flor; Onde imagens do céu somente brilham.
Não converter-se em pedras de saraiva, Que outra c ’roa melhor, que outra mais pura,
Em chuva de granizo fulminante. Que uma c ’roa d’amor em fronte virgem?!
Que em chão de morte as pétalas viçosas Não pesa sôbre a fronte, não esmaga,
Desfolhasse entreabertas. Não punge o coração, — é tôda amores!
[155]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Quanta beleza tens! — quer dessas graças, Quero fogo sentir contra o meu peito,
Que o amor inveja — num sarau brilhante Quero um corpo cingir que eu sinta arder,
No meio de belezas, que suplantas. Quero beijos só teus, carícias tuas,
Prazer e galas de as mostrar ressumbres; Que dão morrer!
Quer estejas sozinha e pensativa,
Quer viva e folgazã prazer incites: Que importa ao edifício que cintila.
De roaz fogo tomado,
Ou num corcel 357 em páramos extensos. Se por um raio abrasado
Correndo afoita e louca, e o pé mimoso Ou por ignóbil favila?
Da carreira no afã por sob as vestes
Transparecer deixando; E ’ sempre ardor, sempre fogo.
Sempre d’incêndio o clarão.
Ou balançada num ligeiro barco, Sempre o amor que estua e ferve
Que de um lago tranqüilo as águas frisa, Como um gigante vulcão.
Soltando a voz às brisas namoradas,
Que de te ouvir suspiram;
[136]
CANTOS
[157]
A N T Ö N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Amo ouvir uma voz pura, Sei que fruí-los uma hora
Uns acentos de ternura, De ventura sedutora,
Que trazem vida e calor; E ’ subir em vida aos céus,
Que se derramam a mêdo, E ’ fugir da vida escassa.
Como temendo o segredo Roubar ao tempo que passa
Revelar do oculto am or! Um dos momentos de Deus.
[158]
CANTOS
DESESPERANÇA.
Já bastante lutei com meu fado! Tu queres que eu sonhe! — não sabes que a vida
Quando outrora corri descuidoso Me corre penosa, — que amarga por vêzes
Trás de um bem, não real, mas sonhado. A própria ilusão!
Transbordava de sonhos gentis : No pálido riso duma alma afligida,
Eu julgava que a um peito brioso^ Qu’envida 368 — ser leda, que dores não vão!
Ou que a uma alma, que fácil s’inflama
Por virtudes, por glória, ou por fama, Se o pranto, que os olhos cansados inflama,
Era fácil aqui ser feliz. Nos olhos de estranhos simpático brilha;
Mais agro penar
Via o mundo ao través dos meus prantos Do triste o sorriso nos peitos derrama,
A sorrir-se p’ra mim caroável. Se a chama — revela, que almeja ocultar.
Refletindo celestes encantos,
Que era visto dum prisma ao través:
Sonhando, percebo na mente agitada
Hoje trevas em manto palpável
Me circundam, — nem já por acêrto Um mar sem limites, areias fundidas
Aos raios do sol;
Vejo triste nos prantos, que verto.
Luz do céu refletida outra vez! E um marco não vejo perdido na estrada
Cansada, — não vejo longínquo farol!
Que me resta na terra? — Estas flores.
Afagadas no sopro da brisa. E queres qu’eu sonhe! — Nas águas revoltas
Disputando do sol os fulgores, O nauta, ludibrio d’horrenda procela,
Balançadas no débil hastil! Se pode dormir.
Estas fontes de prata, que frisa As vagas cruzadas, em sustos envoltas, 369
Brando vento, — estas nuvens brilhantes, Às 370 soltas — escuta raivosas bramir.
Estas selvas sem fim, sussurrantes,
Estes céus do gigante Brasil; Talvez porém sonha que as ondas mendaces
O levam domadas à terra querida,
Nada já me renova a esperança,
Que jaz morta, qual flor ressequida; Qu’entrou em seus la r e s !...
Só me resta a querida lembrança E triste desperta, que os ventos fugaces
Que o martírio se acaba nos céus: Nas faces — a espuma lhe atiram dos mares.
Foge pois, ó minha alma, da vida;
Foge, foge da vida mesquinha. Se queres que eu sonhe, — que alguma alegria
Leva tímida esp’rança, caminha. Dormido conheça, — que frua prazeres
Té parar na presença de Deus! Dum plácido amor;
Vem tu como estréia da noite sombria,
Qu’êstes gozos de etéreos prazeres, Que enfia — seus raios das selvas no horror.
Que esta fonte de luz que ilumina,
Que êstes vagos fantasmas de sêres,
Que cismando só posso enxergar; Brilhar nos meus sonhos. — Então sossegado.
Que os amores de essência divina, Cismando prazeres, que n’alma s’entranham, 371
Que eu concebo e procuro e não vejo, Dum riso dos teus
Que êste fundo e cansado desejo. Coberto o meu rosto, — fugira o meu fado
Deus sòmente tos pode fartar. Quebrado — aos encantos de um anjo dos ceus.
[159]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
[1 6 0 ]
CANTOS
[161]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
[162]
CANTOS
[163]
AKTÔNIO GONÇALVES DIAS
[ 164]
CANTOS
[ 165]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
[ 166]
CANTOS
/. A. de M.
Tu nada viste, não; mas só de ver-me.
I. Flor que sorrias ao nascer da aurora
No denso musgo dos teus verdes anos,
Eras criança ainda; mas teu rosto A procela iminente pressentiste.
De ver-me ao lado teu se espanejava Curvaste o leve hastil, e sôbre a terra
À luz fugaz de um infantil sorriso! Da noite o puro aljôfar derramaste.
Eras criança ainda; mas teus olhos
De uma brandura angélica, indizível.
De simpáticas lágrimas turbavam-se I I I.
Ao ver-me o aspecto merencório e triste;
E amigo refrigério me sopravam, O encanto se quebrara! — duros fados
Um bálsamo divino sôbre as chagas Inda outra vez de ti me separavam.
Do coração, que a dor me espedaçava! Assim dois ramos verdes juntos crescem
A luz de uma razão que desabrocha. Num mesmo tronco; mas se o raio os toca.
As leves graças, que a inocência adornam. Lascado o mais robusto cai sem graça
Os infantis requebros, as meiguices De rôjo sôbre o chão, enquanto o outro
De uma alma ingênua e pura — em ti brilhavam. Da primavera as galas pavoneia!
Eu, gasto pela dor antes de tempo. J á não há quem de novo uni-los possa,
Conhecendo por ti o que era a infância. Quem os force a vingar e a florir juntos!
Remoçava de ver teu rosto belo.
Pouco era vê-lo! — em ti me transformava;
Bebendo a tua vida em longos tragos,
Todo o teu ser em mim se transfundia: Parti, dizendo adeus à minha infância.
Meu era o teu viver, sem que o soubesses. Aos sítios que eu amei, aos rostos caros,
Tua inocência, tuas graças minhas: Que eu já no berço conheci, — àqueles
Não, não era ditoso em tais momentos, De quem, malgrado ^03 a ausência, o tempo, a morte
Mas de que era infeliz me deslembrava! E a incerteza cruel do meu destino,
Não me posso lembrar sem ter saudades.
Sem que aos meus olhos lágrimas despontem.
P arti! sulquei as vagas do oceano;
Nas horas melancólicas da tarde.
Tinhas sôbre mim poder imenso. Volvendo atrás o coração e o rosto,
Indizível condão, e o não sabias! Onde o sol, onde a esp’rança me ficava.
Assim da tarde a brisa corre à terra. Misturei meus tristíssimos gemidos
Embalsamando o ar e o céu de aromas: Aos sibilos dos ventos nas enxárcias!
Enreda-se entre flores suspirosa.
Geme entre as flores que o luar prateia,
E não sabe, e não vê, quantos queixumes
Apaga — quantas mágoas alivia! Revolvido e cavado o negro abismo,
Assim, durante a noite, o passarinho Rugia indômito a meus pés: sorvia
Em moita de jasmins derrama oculto No fragor da procela os meus soluços.
Merencórias canções nos mansos ares; Vago triste e sòzinho sôbre os mares,
E não sabe, o feliz, de quantos olhos — Dizia eu entre mim, — na companhia
Tristes, mas doces lágrimas, arranca! De crestados, de ríspidos marujos.
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ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
Mais duros que o seu côncavo madeiro! Sim, amei; fôsse embora um só momento!
Ave educada nas floridas selvas, Meu sangue, requeimado ao sol dos trópicos.
Vim da praia beijar a fina areia. Em vivas labaredas conflagrou-se.
Subitâneo tufão arrebatou-me, Feliz naquele incêndio ardeu minha alma,
Perdi a verde relva, o brando ninho, Um ano, talvez mais! Qual foi primeiro
Nem jam ais casarei doces gorjeios A soltar, a romper tão doces laços
Ao saudoso rugir dos meus palmares; Não pudera dizê-lo, em que o quisesse.
Porém a branca angélica mimosa, T ão louco estava então, — dores tão cruas.
Com seu candor enamorando as águas. Mágoas tantas depois me acabrunharam,
Floresce ^*04 às margens do meu pátrio rio. Que dêsse meu passado extinta a idéia.
Deixou-me apenas um sofrer confuso,
Como quem de um mau sonho se recorda!
I V. Assim, depois de arder um denso bosque
Dos ventos à 409 mercê revoa a cinza
Largo espaço de terras estrangeiras Num páramo deserto! Nada resta;
E de climas inóspitos c duros Nem sequer a vereda solitária,
Interpôs-se entre nós! — Ao ver nublado
A cuja extremidade o amor velava!
Um céu d’inverno e as árvores sem fôlhas,
De neve as altas serras branqueadas,
E entre esta natureza fria e morta V.
A espaços derramados “^05 pelos vales
Triste oliveira, ou fúnebre cipreste. Rotos na infância os laços de família.
Arrasados de lágrimas os olhos. Os fados me vedavam reatá-los.
Segui no pensamento as andorinhas, T e r a meu lado uma consorte amada.
Nos invejados vôos! — procuravam, Rever-me na afeição dos filhos caros.
Como eu também nos sonhos que mentiam, Viver nêles, curar do seu futuro
A terra que um sol cálido vigora, E neste empenho consumir meus dias;
E em frouxa languidez estende os nervos. Mas ao menos, pensava, — ser-me-á dado
Pátria da luz, das flores! — nunca eu veja Amimar e suster nos meus joelhos
O sol, que adoro tanto, ir afundar-se Da minha irmã querida a tenra prole.
Nestes da Europa revoltosos m ares; Incliná-la à 410 piedade, e ao relatar-lhe
Nem tíbia lua, envôlta 406 em nuvens densas, Os sucessos da minha vida errante.
Luzindo mortuária sôbre os campos Inocular-lhe o dom fatal das lágrimas!
De frios suis queimados. — A i! dizia. E ssa mesma esperança não me ilude;
Ai daquele que um fado aventureiro. Ave educada nas floridas selvas,
Qual destrôço de mísero naufrágio, Um tufão me expeliu do pátrio ninho.
A longínqua e remota plaga arroja! As tardes dos meus dias borrascosos
Ai daquele que em terras estrangeiras Não terei de passar, sentado à porta
Corta nas asas do desejo o espaço. Do abrigo de meus pais, — nem longe dêle.
Enquanto a realidade o vexa em tôrno Verei tranqüilo aproximar-se o inverno,
E opresso o coração de dor estala! E pôr do sol dos meus cansados anos!
Onde a pedra, onde o seio em que descanse?
Que arbusto há de prestar-lhe grata sombra
E olentes flores derramar co’a brisa OS TIMBIRAS.
Na fronte encandecida? Peregrino,
Em tôda a parte forasteiro o chamam!
Os Tym biras. / Poema Americano / por / A. Gon
Insensível à 407 dor, na sua marcha,
çalves Dias. / Leipzig: / F. A. Brockhaus. / 1857. /
Não, não atende ao termo da jornada;
Mas volta atrás o rosto, — e entre as sombras
Confusas do horizonte — enxerga 408 apenas
O débil fio da esperança têso, À M a j e s t a d e do M u i t o A l t o e M u i t o P o d e r o s o
E da ingrata distância adelgaçado! P r í n c i p e o S e n h o r D . P e d r o II I m p e r a d o r C o n s
t i t u c i o n a l E D e f e n s o r P e r p é t u o do B r a s i l
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os t im b ir a s
Pende-lhe a rôta a lja v a .... as entornadas, C ria -s e ... e em que não crê o povo estulto?
Agora inúteis setas, vão mostrando Que um velho piaga na espelunca horrenda
A marcha triste e os passos mal seguros Aquele encanto, inútil num cadáver.
De quem, na terra de seus pais, embalde Tirara ao pai defunto, e ao filho vivo
Procura asilo, e foge o humano trato. Inteiro o transmitira: é certo ao menos
Que durante uma noite juntos foram
Quem pudera, guerreiro, nos seus cantos O moço e o velho e o pálido cadáver.
A voz dos piagas teus um só momento
Repetir; essa voz que nas montanhas Mas acertando um dia estar oculto
Valente retumbava, e dentro d’alrna Num denso tabocal, onde perdera
Vos ia derramando arrojo e brios. Traços de fera, que rever cuidava.
Melhor que taças de cauim fortíssimo?! Seta ligeira atravessou-lhe um braço.
Outra vez a chapada e o bosque ouviram Mão d’imigo traidor a disparara.
Dos filhos de Tupã a voz e os feitos Ou fôra algum dos seus, que receoso
E as pocemas de morte, levantadas Do mal causado, emudeceu prudente.
Dentro do circo, onde o fatal delito
Expia o malfadado prisioneiro, Relata o caso, irrefletido, o chefe.
Qu’enxerga ‘♦n a maça e sente a mussurana Mal crido foi! — por abonar seu dito.
Cingir-lhe os rins a enodoar-lhe o corpo: Redobra d’imprudência, — mostra aos olhos
E só de os escutar mais forte acento A traiçoeira frecha, o braço e o sangue.
Haveríam de achar nos seus refolhos A fama voa, as tribos inimigas
O monte e a selva e novamente os ecos. Adunam-se, amotinam-se os guerreiros
E as bôcas dizem: o Tim bira é morto!
Como os sons do boré, soa o meu canto Outras emendam: Mal ferido sangra!
Sagrado ao rudo povo americano: Do nome do Itajuba se despega
Quem quer que a natureza estima e preza O mêdo, — um só desastre venha, e logo
E gosta ouvir as empoladas vagas Êsse encanto vai prestes converter-se
Bater gemendo as cavas penedias, Em riso e farsa das nações vizinhas!
E o negro bosque sussurrando ao longe — Os manitós, que moram pendurados
Escute-me. — Cantor modesto e humilde, Nas tabas d’Itajuba, que as protejam:
A fronte não cingi de mirto e louro. O terror do seu nome já não vale.
Antes de verde rama engrinaldei-a. Já defensão não é dos seus guerreiros!
D ’agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso, Dos Camelas um chefe destemido.
Nem vi correr a linfa da Castália. Cioso d’alcançar renome e glória.
Cantor das selvas, entre bravas matas Vencendo a fama, que os sertões enchia.
Áspero tronco da palmeira escolho. Saiu primeiro a campo, armado e forte,
Unido a êle soltarei meu canto. Guedelha e ronco dos sertões imensos.
Enquanto o vento nos palmares zune, Guerreiros mil e mil vinham trás êle.
Rugindo os longos encontrados leques. Cobrindo os montes e juncando as matas.
Com pejado carcaz de ervadas setas
Nem só me escutareis fereza e mortes: Tingidas 414 d’urucu, segundo a usança
As lágrimas do orvalho porventura Bárbara e fera, desgarrados gritos
Da minha lira distendendo as cordas. Davam no meio das canções de guerra.
Hão de em parte ameigar e embrandecê-las.
Talvez o lenhador quando acomete Chegou, e fêz saber que era chegado
O tronco d’alto cedro corpulento. O rei das selvas a propor combate ^
Vem-lhe tingido o fio da segure Dos Timbiras ao chefe. — “ A nós só caiba
De puro mel, que abelhas fabricaram; (Disse êle) a honra e a glória; entre nós ambos
Talvez também nas folhas qu’engrinaldo 412 Decida-se a questão do esforço e brios.
A acácia branca o seu candor derrame Êstes, que vês, impávidos guerreiros,
E a flor do sassafraz se estrele amiga. São meus, que me obedecem; se me vences,
São teus; se és o vencido, os teus me sigam:
Aceita ou foge, que a vitória é minha.”
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o s TIMBIRAS
E são Gamelas? — perguntou-lhe o chefe. Vem depois Jacaré, senhor dos rios,
“Vi-os, tornou-lhe Jurucei, — são êles!” Ita-roca indomável, — Catucaba,
O chefe dos Timbiras dentro d’alma Primeiro sempre no combate, — o forte
Sentiu ódio e vingança remordê-lo. Juçarana, — Poti ligeiro e destro,
Rugiu a tempestade, mas lá dentro; O tardo Japeguá, — o sempre aflito
Cá fora retumbou, mas quase extinta. Piaíba, que espíritos perseguem:
Começa então com voz cavada e surda: 421 Mojacá, Mopereba, irmãos nas armas.
Sempre unidos; ninguém não foi como êles!
Irás tu, Jurucei, por mim dizer-lhes: Lagos de sangue derramaram juntos;
Itajuba, o valente, o rei da guerra, Filhos e pais e mães d’imigas tabas
F ab ricad or das in can sáv eis lu tas. Odeiam-nos chorando, e a glória d’ambos.
Enquanto a maça não sopesa, enquanto Assim chorada, mais e mais se exalta:
Dormem-lhe as setas no carcaz imóveis, Çamotim, Pirajá, e outros infindos.
O f’rece-vos liança e paz; — não ama, Heróis também, aos quais faltou sòmente
Tigre repleto, espedaçar mais prêsas, Nação menor, menos guerreira tribo.
Nem quer dos vossos derramar mais sangue.
Três grandes Tabas, onde heróis pululam. Japi, o atirador, quando escutava
Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos, Os sons guerreiros do membi troante,
Caídas a seus pés, a voz lhe escutam. Na tesa corda a frecha embebe inteira,
Vós outros, atendei, — cortai nas matas E mira um javali que os alvos dentes.
Troncos robustos e frondosas palmas, Navalhados, remove; pára, e s c u ta ...
E construí cabanas, — onde o corpo Volvem-lhe os mesmos sons: bate-lhe o peito.
Caiu do rei das selvas, — onde o sangue Os olhos pulam, — solta horrendo grito.
Daquele herói, vossa perfídia atesta. Arranca e roça a f e r a !... a fera atônita.
.àquela briga enfim de dois, tamanhos, Aterrada, transida, treme, eriça 425
Sinalai; porque 422 estranho caminheiro. As duras cerdas; tiritante, pávida,
Amigas vendo e juntas nossas tabas, Esgazeando os olhos fascinados.
E a fé, que usais guardar, sabendo, exclamem: Recua: um tronco só lhe embarga os passos.
Vejo um povo de heróis e um grande chefe!” Por longo trato, de si mesma alheia.
Disse: e vingando o cimo d’alto monte, Demora-se, lembrada: a custo o sangue
Que em roda largo espaço dominava, 423 Volve de novo ao costumado giro.
O atroador membi soprou com força. Enquanto o vulto horrendo se recorda!
0 tronco, o arbusto, a moita, a rocha, a pedra.
Convertem-se em guerreiros; — mais depressa, “ Mas onde está Jatir? pergunta o chefe,
Quando soa o clarim, núncio de guerra, Que debalde o procura entre os que o cercam:
Não sopra, e escava a terra, e o ar divide Jatir, dos olhos negros, que me luzem.
Co’as crinas flutuantes, o ginete. Melhor que o sol nascendo, dentro d’alma;
Impávido, orgulhoso, em campo aberto. Jatir, que aos chefes todos anteponho.
Cuja bravura e temerário arrojo
Da montanha Itajuba os vê sorrindo. Folgo em reger e moderar nos prélios;
Galgando vales, combros, serranias. Êsse, porque não vem, quando vós vindes?”
Coalhando o ar e o céu de feios gritos.
E folga, por que os vê correr tão prestes — Corre Jatir no bosque, diz um chefe.
Aos sons do cavo búzio conhecido. Bem sabes como: acinte se desgarra
Já tantas vêzes repetidos antes Dos nossos, — anda só, talvez sem armas.
Por vales e por serras; já não pode Talvez bem longe; acordo nêle é certo.
Numerá-los, de tantos que se apinham; Creio, de nos tachar assim de fracos! —
Mas, vendo-os, reconhece o vulto e as armas
Dos seus: “Tupã sorri-se lá dos astros. Pai de Jatir, Ogib, entrara em anos;
Diz o chefe entre si, — lá, descuidosos Grosseiro cedro mal lhe firma os passos.
Das folganças de Ibaque, heróis timbiras Os olhos pouco vêem; mas de conselho
Contemplam-me, das nuvens debruçados: Valioso e prestante. Ali, mil vêzes.
E porventura de lhes ser eu filho Havia com prudência temperado
Enlevam-se, e repetem, não sem glória. O juvenil ardor dos seus, que o ouviam.
Os seus cantores d’Itajuba o nome.” 424 Alheio agora da prudência, escuta _
Vem primeiro Ju cá de fero aspecto. A voz que o filho amado lhe crimina.
Duma onça bicolor cai-lhe na fronte Sopra-lhe o dizer acre a cinza quente.
Viva, acesa, antes brasa, — o amor paterno:
A pel’ vistosa; sob as hirtas cerdas,
Como sorrindo, alvejam brancos dentes, Amor inda tão forte na velhice,
E nas vazias órbitas lampejam Como no dia venturoso, quando
Cendi, que os olhos seus só viram bela.
Dois olhos, fulvos, maus. — No bosque, um dia,
Sorrindo luz de amor dos meigos olhos.
A traiçoeira fera a cauda enrosca
E mira nêle o pulo: do tacape Carinhosa Iho deu; quando na rêde
Jucá desprende o golpe, e furta o corpo: Ouvia com prazer as ledas vozes
Dos companheiros seus, — e quando absorto,
Onde estavam seus pés, as duras garras
Olhos pregados no gentil menino.
Encravam-se enganadas, e onde as garras
Bem longas horas, sim, porém bem doces
Morderam, beija a terra a fera exangue
Levou cismando aventuradas sinas.
E, morta, ao vencedor tributa um nome.
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o s TIMHIRAS
Ver lhe asseguram: nem de há pouco a luta, Os sons finais da lúgubre toada
Melhor disseras de renome ensejo, Na plácida mudez da noite amiga
Os desmentiu, que nunca os piagas mentem. De longe, em côro ouvir: “ Sôbre nós outros
Mêdo, certo, não têm ; são todos bravos! Os sonhos desçam, quando o orvalho desce.”
Porque meditam pois? Também não sabem!
Calou-se o piaga, já descansam todos!
Sai o piaga no entanto da caverna, Almo Tupã os comunique em sonhos,
Que nunca humanos olhos penetraram; E os que sabem tão bem vencer batalhas,
Com ligeiro cendal os rins aperta. Quando acordados malbaratam golpes.
Cocar de escuras plumas se debruça Saibam dormidos figurar triunfos!
Da fronte, em que se enxerga em fundas rugas
O tenaz pensamento afigurado.
Cercam-lhe os pulsos cascavéis loquazes. Mas que medita o chefe dos Timbiras?
Respondem outros, no tripúdio sacro, Bosqueja porventura ardis 430 de guerra.
Dos pés. Vem majestoso, e grave, e cheio Fabrica e enreda as ásperas ciladas,
Do Deus, que o peito seu, tão fraco, habita. E a olhos nus do pensamento enxerga
E enquanto o fumo lhe volteia em tôrno, Desfeita em sangue revolver-se em gritos
Como neblina em tôrno ao sol que nasce, Morte pávida e m á?! ou sente e avista,
Ruidoso maracá nas mãos sustenta, Escandecida a mente, o Deus da guerra
Solta do sacro rito os sons cadentes. Impávido Aresqui, sanhudo e forte.
Calcar aos pés cadáveres sem conto,
Na destra ingente sacudindo a maça.
Donde certeira como o raio, desce
“Visita-nos T u p i, quando dormimos, A morte, e banha-se orgulhosa — em sangue?
É só por seu querer que então sonhamos;
Escute-me Tupã! Sôbre vós outros. Al sente o bravo; outro pensar o ocupa!
Poder do maracá por mim tangido. Nem Aresqui, nem sangue se lhe antolha,
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce. Nem resolve consigo ardis 430 de guerra,
Nem combates, nem lágrimas medita:
“O poder de Anhangá cresce co’a noite; Sentiu-calar-lhe n’alma um sentimento
Solta de noite o mau seus maus ministros: Gelado e mudo, como o véu da noite.
Caraibebes na floresta acendem Jatir, dos olhos negros, onde pára?
A falsa luz, que o caçador transvia. Que faz? que lida? ou que fortuna corre?
Caraibebes enganosas formas T rês sóis já são passados: quanto espaço.
Dão-nos aos sonhos, quando nós sonhamos. Quanto azar não correu nos amplos bosques
Poder do fumo, que lhes quebra o encanto. O impróvido mancebo aventureiro?
De vós se partam; mas Tupã vos olhe. Ali na relva a cascavel se esconde,
Descendo os sonhos, quando o orvalho desce. Ali, das ramas debruçado, o tigre
Aferra traiçoeiro a prêsa incauta!
“Tristonhos pios a acauã desata, Reserva-lhe Tupã mais fama e glória,
Quando ao guerreiro prognostica males; E voz amiga de cantor suave
Tristonhos bandos de urubus vorazes C o s altos feitos lhe embalsame o nome!
Os sonhos turbam das vencidas hostes:
Cheios de mêdo os manitôs desertam Assim discorre o chefe, que em nodoso
As tabas mudas, que hão de ser ealcadas. Tronco rudo-lavrado se recosta:
Já cinza fria, pelo imigo fero. Não tem poder a noite cm seus sentidos,
Não fujam Manitôs as nossas tabas! Que a mesma idéia de contínuo volvem.
Urubus, acauãs nos vossos sonhos. Vela e treme nos tetos da cabana
Virtude e fôrça dêste meu tripúdio, A baça luz das resinosas tochas.
Não se vos pintem; mas Tupã vos olhe Acres perfumes recendendo; — alastram
Descendo os sonhos, quando o orvalho desce! De rubins côr de brasa a flor do rio!
“0 sonho e a vida são dois galhos gêmeos; “ Ouvira com prazer um triste canto.
São dois irmãos que um laço amigo aperta:
Diz lá consigo; um canto merencório,
A noite é o laço; mas Tupã é o tronco Que êste presságio fúnebre espancasse.
E a seve e o sangue que circula em ambos. Bem sinto um não sei quê aferventar-se-me
Vive melhor quem da existência ignaro,
Nos olhos, que vai prestes expandir-se:
Na paz da noite, novas fôrças cria.
Não sei chorar, bem sei; mas fôra grato.
0^ louco vive com afêrro, enquanto
Talvez bem grato! à noite, c a sós comigo.
N’alma lhe ondeiam do delírio as sombras.
Sentir macias lágrimas correndo.
De vida espúrias; Deus porém lhas rompe,
E na loucura do porvir nos fala! O talo agreste de um cipó sem graça
Tupã vos olhe, e sôbre vós do Ibaque Verte compridas lágrimas cortado;
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce.” O tronco do cajá desfaz-se em goma.
Suspira o vento, o passarinho canta,
Assim cantava o piaga merencório, O homem chora! eu só, mais desditoso.
f angia o maracá, dançava em roda Invejo o passarinho, o tronco, o arbusto,
Dos guerreiros: pudera ouvido atento E quem, feliz, de lágrimas se paga.”
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ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
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o s TIMBIRAS
Mordi sem tino a terra já cansado: Enquanto o velho dorme, não me expulsa
Soluçavam porém meus frouxos lábios D ’ao pé do lar;
O nome dela tão querido, e o n o m e ... Dou-lhe a mensagem, que me deu a morte,
Aos vis Tupinambás nunca os eu veja, Quando acordar!
Ou morra, antes de mim, meu nome e glória Eu vi a morte; vi-a bem de perto
Se os não hei de punir ao recordar-me Em hora má!
A aurora infausta que me trouxe aos olhos Vi-a de perto, não me quis consigo.
O ca d á v e r...” Parou, que a estreita gorja Por ser tão má.
Recusa aos cavos sons prestar acento. Só não tem coração, dizem os velhos,
E é bem de ver;
“ Descansa agora o pálido cadáver Que, se o tivera, me daria a morte,
(Continua o cantor) junto à « ó corrente Que é meu querer.
Do regato, que volve areias d’ouro. Não quis matar-me; mas é bem formosa;
Ali agrestes flores lhe matizam Eu vi-a bem:
0 modesto sepulcro, — aves canoras É como a virgem, que não tem amôres,
Descantam tristes nênias ao compasso Nem ódios tem.
Das águas, que também nênias soluçam. O fogo c bom, o fogo aquece muito.
Quero-lhe bem !”
“ Suspirada Coema, em paz descansa
No teu florido e fúnebre jazigo; Remexe, assim dizendo, as frias cinzas
Mas quando a noite dominar no espaço, E mais e mais conchega-se ao borralho.
Quando a lua coar úmidos raios O velho entanto, erguido a meio corpo
Por entre as densas, buliçosas ramas, Na rêde, escuta pávido, e tirita
Da cândida neblina veste as formas, De frio e mêdo, — quase igual delírio
E vem no bosque suspirar co’a brisa: Castiga-lhe as idéias transtornadas. 438
Ao guerreiro, que dorme, inspira sonhos,
E à virgem, que adormece, amor inspira.” “Já me não lembra o que me disse a m o r te !...
Ah! sim, já sei!
Calou-se; o maracá rugiu de novo — Junto ao sepulcro da fiel Coema,
A extrema vez, e jaz emudecido. Ali serei:
Mas no remanso do silêncio e trevas, Ogib emprazo, que a falar me venha
Como débil vagido, escutarias Ao anoitecer! —
Queixosa voz, que repetia em sonhos:
O velho Ogib há de ficar contente
“Veste, Coema, as formas da neblina,
Co’o meu dizer;
Ou vem nos raios trêmulos da lua
Cantar, viver e suspirar comigo.” Talvez que o velho, que viveu já muito,
Queira m orrer!”
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ANTôXIO GONÇALVES DIAS
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OS TIMBIRAS
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AXTÔXIO GONÇALVES DIAS
“ H aja sentido oculto no teu sonho, “ Eu vi,” diz Japeguá (e assim dizendo,
(D iz ao guerreiro o piaga) eu, que levanto Sacode vêzes três a fronte adusta,
O véu do tempo, e aos mortais o mostro, Onde gravara da prudência o sêlo
Dir-to-ei por certo; mas cu creio e tenho Contínuo m editar). “ V i altos combros
Que algum gênio turbou-te a fantasia, De mortos já polutos, — vi lagoas
Talvez angüera de traidor Gamela; Brutas de sangue impuro e negrejante;
Que os Gamelas são pérfidos em morte, Vi setas c carcaz espedaçados,
Como em vida.” ^56 — Assim é, diz Itajuba. Tacapes adentados, ou partidos
Ou já sem fio! — v i . . . ” Eis Catucaba
Outro sonhou caçadas abundantes,
Mal sofrido intervém, interrompendo
Tem íveis caititus, ‘♦57 pacas ligeiras.
A narração do sonhador de males.
Coatis e jabotins, — té onça e tigres,
Bravo e ardido ‘♦60 como é, nunca a prudência
Tudo em rimas, em feixes; ‘♦58 outro em sonhos
Nada disto enxergou; porém cardumes Lhe foi virtude, nem por tal a aceita.
De peixes vários, que o timbó prestante Nunca o niembi guerreiro em seus ouvidos
Trazia quase à ‘♦SS mão, se não fechados Troou medonho, inóspito combate,
E m mondés espaçosos! — gáudio imenso! Que às ‘♦61 armas não corresse o valeroso.
De os ver ali raivando na estacada Intrépido soldado; mais que tudo
T ão grandes serubins, trauíras tantas. Amava a luta, o sangue, vascas, transes,
Ou boiando sem tino à flor das águas! Convulsos arrepios, altos gritos
Do vencedor, imprecações sumidas
“ Outros não viram nem mondés, nem peixes, Do que, vencido, jaz no pó sem glória.
Nem aves, nem quadrúpedes; mas grandes Sim, ama e quer o tráfego das armas
Çamotins transbordando argêntea espuma Talvez melhor que a si; nem mais risonha
Do fervente cauim; e por três noites Imagem se lhe antolha, nem há coisa
Girar em roda a taça do banquete. Que tenha em mais aprêço ou mais cubice.
Enquanto cada qual memora em cantos O p’rigo mesmo, o leite dos combates,
Os feitos próprios; reina o guau, que passa (Cauim das almas fortes o chamava)
Dêstes àqueles com cadência alterna. E ra sorte e condão que o eletrizava:
Um p’rigo que aventasse era feitiço,
“ O piaga exulta! Eu vos auguro, ó bravos Que em delírio de febre o transtornava.
Do herói Tim bira (clam a entusiasta) Fanático de si, ébrio de glória.
Leda vitória! Nunca em nossas tabas L á se arrojava intrépido e brioso,
Haverá de correr melhor folgança, Onde pior, onde mais negro o via.
Nem ganhareis jam ais honra tamanha.
Bem sabeis como é de uso entre os que vencem Não eram dois na esquadra de Itajuba
F estejar o triunfo: o canto e a dança De gênios em mais pontos encontrados:
Marcham de par, — banquetes se preparam, P or isso em luta sempre. Catucaba,
E a glória da nação mais alta brilha! Fragueiro, inquieto, sempre aventuroso.
Oh! nunca sôbre as tabas de Itajuba Em cata de mais glória e mais renome.
Haverá de nascer mais grata aurora!” Sempre à mira de encontros arriscados,
Sempre o arco na mão, sempre embebida
Soam festivos gritos, e as pocemas Na corda têsa a frecha equilibrada.
Dos guerreiros, que sôfregos escutam Ninguém mais sôlto em vozes, mais galhardo
Do piaga os ditos, e o feliz augúrio No guerreiro desplante, ou que mostrasse
Da próxima vitória. Não dissera,
Atrevido e soberbo e forte em campo
Quem quer que fôsse estranho aos usos dêles,
Quer pujança maior, quer mais orgulho.
Senão que por aquela densa pinha
De vulgo, se espalhara a fausta nova
Japeguá, corajoso, mas prudente.
De gloriosa ação já consumada,
Evitava o conflito; via o risco.
Que os seus, validos da vitória, obraram.
Media o seu poder e as posses dêle
E o azar da luta e descansava em ócio.
Entanto Japeguá pôsto de parte.
Sua própria indolência revelava
Enquanto lavra em todos o contágio
Ânimo grande e não vulgar coragem.
Da glória e do prazer, — bem claro m ostra
Se fôsse lá nos páramos da Líbia,
No rosto descontente o que medita.
“Prazer que em altos gritos se propala, Deitado à sombra da árvore gigante
Discorre lá consigo o Americano, O leão da Numídia bem pudera
É como a chama rápida correndo Trilhar por junto dêle os movediços
Nas folhas da pindoba: é falso e breve!” Combros de areia, — amedrontando os ares
Com aquêle bramir agreste e rudo,
Atenta nêle o chefe dos Tim biras, Que as feras sem terror ouvir não sabem.
Como que interno, igual pressentimento O indio ouvira impávido o rugido.
Rejeita, seu malgrado, a voz do piaga. Sem que o terror lhe destingisse as faces;
“ Que pensa Japeguá? Acaso em sonhos E ao rei dos animais voltando o rosto.
Tremendo e tórvo se lhe antolha o êxito Som ente porque mais a jeito ‘♦62 o visse.
Da batalha? ou seja, ou não conosco. Viram ambos, sombrios, majestosos.
Que tarda em nos dizer seu pensamento?” Contemplarem-se a ‘♦65 espaço, destemidos;
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o s TIMBIRAS
D ’estran h eza o leão os seus rugidos De cujo centro gira os torvos olhos
Na g o r ja su focar, e a n o bre cauda, O herói, e só de olhar lhe estende as raias.
Entre mêdos e assomos de ardimento, *6^ .Assim de altivo píncaro descamba
Mover de leve e irresoluto aos ventos! Enorme rocha, obstruindo o leito^
De um rio caudaloso: as fundas águas.
Um — era a luz fugaz fácil prendida Latindo em vão na rocha volumosa.
Nas plumas do algodão: luz que deslumbra Separam-se, cavando novos leitos.
E que em breve amortece: outro — faísca, Enquanto o antigo se resseca e abrasa.
Que, surda, pouco e pouco vai lavrando
Não vista e não sentida té que surge Silêncio, disse; e em tôrno os olhos gira,
Dum jacto só, tornada incêndio e fumo. Fúlgidos, negros: orgulhosas frontes,
Que aos golpes do tacape não se dobram
“ Que viste, diz-lhe o êmulo brioso.
Em tôrno sôbre o peito vão caindo
Só eoalheiras de sangue inficionado.
Uma após outra: altivo um só apenas
Só tacapes e setas bipartidas,
E corpos já corruptos?! Eia, ó fraco, Rebelde arrosta o olhar! — rápido golpe.
Embora em ócio ignavo aqui descanses, Rápido e forte, como o raio, o prostra
E nos misteres feminis te adestres! Na arena em sangue! Mosqueado tigre,
Ninguém te chama à vida dos combates, Se cai no meio de preás medrosos.
Não te almeja ninguém por companheiro, Talvez no primo impulso algum aferra;
Nem há de o sonho teu acobardar-nos. Mas vê que foge a turba espavorida,
É certo que haverá mortos sem conto, Vulgacho imbele! — ao mísero que prende
Mas não seremos nós; — setas partidas. E torce ainda nas compridas garras,
As nossas, não; tacapes am olgados... Longe, sem vida, desdenhoso o arroja.
Mas os nossos verás mais bem talhantes,
Quando houverem partido imigos crânios. ■♦66
Assim o herói. Por longo trato mudo,
Soberbo e grande alfim mostrando o rio.
“ Herói, não em façanhas, mas nos ditos, Quedou sem mais dizer; o rio ao longe
Lidador que a vileza d’alma encobres As águas, como sempre, majestosas
Com frases descorteses, — já te viram. Na gorja das montanhas derramava.
Pendentes braço e armas, contemplando Caudal, imenso. “T rás daqueles rnontes.
Os feitos meus, pesar que sou cobarde. Diz Itajuba, não sabeis quem seja?
Essa infame tarefa que me incumbes, Afronta e nome vil haja o guerreiro,
É minha, sim; mas por diverso modo: Que ousa lutas ferir, travar discórdias,
Não ministro cauim às ^67 vossas festas; Quando o imigo boré tão perto soa.”
Mas na refrega o meu trabalho é vosso.
Da batalha no campo achais defuntos.
Vossa glória e brasão, corpos sem conto. Acorre o piaga em meio do conflito ♦72
Cujas feridas largas e profundas. “ Prudência, ó filho de Jaguar, exclama;
De largas e profundas, denunciam Nem mais sangue timbira se derrame,
A mão que as sói fazer com tanto efeito. Que já não basta por pagar-nos dêste,
Não tenho espaço, onde recolha os ossos, Que derramaste, quanto houver nas veias
Não tenho cinto, onde pendure os crânios, ^68 Dos pérfidos Camelas. O que ouviste,
Nem colar onde caibam tantos dentes. Que o forte Japeguá diz ter sonhado.
De quantos venci já ; por isso inteiros Asseia o que Tupã me está dizendo
Eá vo-los deixo, heróis; e vós lá ides. Cá dentro em mim nos decifrados sonhos,
Em que me não queirais por companheiro, ^69 Depois que os funestou propínquo sangue.”
Rivais dos urubus, fortes guerreiros.
Fácil triunfo conquistar nas trevas.
Aos vorazes tatus roubando a prêsa.” “ Devoto Piaga (M ojacá prossegue)
Que vida austera e penitente vives
Í3os rochedos na lapa venerada.
Calou-se. . . e o vulgo rosna em tôrno d’ambos,
Tu, dos gênios do Ibaquc bem fadado.
Dêste ou daquele herói tomando as partes.
“Pois 470 quê ? . . . há de ficar tamanha afronta Tu face a face com Tupã praticas^
Impune, e não haveis levar das armas, E vês nos sonhos meus melhor qu’eu mesmo.
Porque o sangue a desbote e apague inteira? Escuta, e dize, ó venerando piaga,
(Benévolo Tupã teus ditos oiça)
Diziam, — e a tais ditos mais fermenta Angüera mau turbou-te a fantasia.
A raiva em ambos; fazem-lhes terreiro. Aflito Mojacá, teu sonho mente.”
Já verga o arco, já se entesa a corda.
Já batem pés no solo pulvurento: Palavras tais no índio circunspecto,
Correra o sangue de um, talvez o de ambos, Cujos lábios em vão nunca se abriram.
Que sôbre os dois a morte abrira as asas! Guerreiro, cujos sonhos nunca foram,
Nem mesmo cm risco estreito, pavorosos;
Silêncio! brada o chefe dos Timbiras, No vulgo frio horror vão trescalando,^
Interposto severo em meio de ambos;
Que entre a crença do piaga, e a deferência
De um lado e outro a turba circunfusa
Devida a tanto herói flutua incerta.
Emudece, — divide-as largo espaço.
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A N T Ô X IO G O N Ç A L V E S D I A S
“ Eu vi, diz êle, vi em taba imiga “ Cede-me, estulto, cede ao meu tacape
Guerreiro, como vós, comando e hirsuto! Que nunca ameaçou ninguém debalde.”
A corda estreita 473 do cruento rito E assim dizendo vibra crebros golpes,
Os rins lhe aperta: a dura tangapema Co’ 476 a bruta fólha retalhando os ares!
Sobrestá-Ihe fatal; — cantos se entoam Um coiro de tapir, em vez de escudo.
E a turba dançatriz em tôrno gira. Rijo e piloso lhe guardava os membros.
Sonho não foi, que o vi, como vos vejo; Jatir, do arco seu curvando as pontas.
Mas não vos direi já quem fôsse o triste! Sacode a seta fina e sibilante,
Se visseis, como eu vi, a fronte altiva, Que vara o couro e o corpo e surge fora.
O olhar soberbo, — aquela força grande. Tomba de chôfre o índio, e o som da queda
Aquele riso desdenhoso e fu n d o ... Remata o som que a voz não rematara.
Talvez um só, nenhum talvez se encontre, Vista a pel’ do tapir, que o resguardava,
Que seja para estar no passo horrendo Japi, mesmo Japi lhe inveja o tiro.”
Tão seguro de si, tão descansado!”
Todo o campo se aflige, todos clamam: 477
Acaso um tronco volumoso e tôsco “ Jatir, Jatir! o forte entre os mais fortes.”
De escamas fortes entre si travadas Ordem não há; mulheres e meninos
Ali perto jazia. Ogib, o velho. Baralham-se em tropel: o planto, 478 os gritos
Pai do errante Jatir ali sentou-se, Confundem-se: do velho Ogib entanto
Ali triste pensava, até que o sonho Mal se percebe a voz “ Jatir” gritando.
Do aflito Mojacá veio acordá-lo. ,
“ Tupã! que mal te fiz, que assim me colha
Do teu furor a seta envenenada? Itajuba por fim silêncio impondo
Com voz chorosa e trêmula clamava. À turba mulheril, e à dos guerreiros
Escuto os gabos que só cabem nêle, Mesta batalha: “ Consultemos, disse.
Vejo e conheço o costumado ornato Consultemos o piaga: às 479 vêzes pode
Do filho meu querido! isto que fôra, O santo velho, serenando o ibaque
A quem tão infeliz como eu não fôsse. Amigo bom tornar o Deus malquisto.”
Ventura grande, me constringe o peito!
Conheço o filho meu no que disseste, 474 “ Mas 480 ora não! — responde o piaga iroso.
Guerreiro, como a flor pelo perfume, Só quando ruge a negra tempestade,
Como o espô.so conhece a grata espôsa Só quando a fúria d’Anhangà fuzila
Pelas usadas plumas de arazóia, Raios do escuro céu na terra aflita
Que entre as folhas do bosque a espaços brilha. Do piaga vos lembrais? Tarda lembrança.
Ai! nunca brilhe a flor, se hão de roê-la Tarda e fatal, guerreiros! Quantas vêzes
Insetos; nunca vague a linda espôsa Não fui, eu mesmo, nos terreiros vossos
No bosque, se hão de as feras devorá-la!” Fincar o santo maracá? Debalde,
Debalde o fui, que à noite o achava sempre
A dor que mostra o velho em todo o aspecto, Sem ofertas, que aos Deuses tanto prazem!
Nas vozes por soluços atalhadas, Nu e despido o vi, como ora o vêdes,
Nas lágrimas que chora, os move a todos (E assim dizendo mostra o sacrossanto
A triste compaixão; mas mais àquele, Mistério, que de irado pareceu-lhes
Que, antes do pobre pai, já todo angústias, Soltar mais rouco som no seu rugido)
Da própria narração se enternecia. Quem de vós se lembrou que o santo Piaga
Na lapa dos rochedos se mirrava
As 475 querelas de Ogib volta o rosto
À pura míngua? Só Tupã, que ao velho 481
O fatal sonhador, — que, seu malgrado,
Deu não sentir os dentes aguçados
As setas da aflição tendo cravado
Da fome, que por dentro o remordia,
Nas entranhas de um pai, quer logo o suco.
E mais cruel, passada entre os seus filhos!”
Fresco e saudável, do louvor, na chaga
Verter-lhe, donde o sangue em jorros salta.
“ Cegou-nos 482 Anhangá, diz Itajuba,
“Tal era, tão impávido (prossegue, Fincado o maracá nos meus terreiros.
Fitando o velho Ogib) o seu desplante Cegou-nos certo! — nunca o vi sem honras!
Qual foi o de Jatir naquele dia, Que se o vira, bom p ia g a ... oh! não se diga
Que um homem só, dos meus, perece à míngua,
Quando, novel nas artes do guerreiro,
(Quem quer que seja, quanto mais um Piaga)
Circundado se viu à nossa vista
Quando campeiam tantos homens d’arco
D ’imiga multidão: todos o vimos;
Todos da clara estirpe deslembrados. Nas tabas de Itajuba, — tantas donas
Na cultura dos campos adestradas.
Clamamos tristes, pávidos: “ É morto!” Hoje mesmo farei que ao antro escuro
Êle porém que o arco usar não pode. Caminhem tantos dons, tantas ofertas, ^
O válido tacape desprendendo. Que o teu santo mistério há de por fôrça.
Sacode-o, vibra-o: fere, prostra e mata Quer o queiras, quer não, dormir sôbre elas!”
A êste, àquele; e em volumosos feixes
Acerva a turba vil, lucrando um nome.
Tapir, caudilho seu, que não suporta “ Talvez a rica of’renda aplaca os Deuses,
Que um homem só e quase inerme, o cubra E saudável conselho a noite inspira!”
De tamanho labéu, altivo brada: Disse e sem mais dizer se acolhe à gruta.
[ 180]
os T IM B IR A S
“ A 483 caça, ó meus guerreiros, brada o chefe; Nascia a aurora: do Gamela as hostes
Ledas donzelas ao cauim se apliquem. Em pé, na praia, o mensageiro aguardam
Os meninos à pesca, a roça as donas, Sisudos, graves. Um caudal^ regato.
£ia!” 484 — Ferve o labor, reina o tumulto, Cujo branco areai a prata imita.
Que quase tanto vai como a alegria, Sereno ali volvia as mansas águas,
Ou antes, só prazer que o povo gosta. Como que triste de as levar ao rio,
Que ao mar conduz a rápida torrente
Já deslembrados do que ausente choram Por entre a selva umbrosa e broncas penhas.
(Favor das turbas que tão leve passas!) Esta a praia! — em redor troncos gigantes,
Ledos no peito, ledos na aparência Que a folhagem no rio debruçavam,
Todos se incumbem da tarefa usada. Onde beber frescor os galhos vinham,
Luxuriando em viço! — penduradas
Trabalho no prazer, prazer que moras Trepadeiras gentis 486 da coma excelsa.
Dentro de tanto afã! festa que nasces Estrelando do bosque o verde manto
Sob auspícios tão maus, possa algum gênio. Aqui, ali, de flores cintilantes,
Possa Tupã sorrir-te carinhoso, Meneavam-se ao vento, como fitas.
E das alturas condoer-se amigo De que se enastra a coma a virgem bela.
Do triste, órfão de amor, e pai sem filho! Era um prado, uma várzea, um taboleiro
Com mimoso tapiz de várias flores.
Agrestes, sim, mas belas. Gênio amigo
Chegou-lhe só a mágica vergasta!
CANTO QUARTO. Ei-las a prumo ao longo da corrente
Com requebros louçãos a enamorá-la!
Bem-vindo seja o fausto mensageiro,
O melífluo Timbira, cujos lábios A nós de embira aos troncos amarradas
Distilam sons mais doces do que os favos, Quase igaras sem conto figuravam
Que errado caçador na brenha inculta Ousada ponte no correr das águas
Porventura topou! Hóspede amigo. Por força mais qu’humana trabalhada.
Ledo núncio de paz, que o território
Pisou de imigas hostes, quando a aurora
Despontava nos céus — bem-vindo seja! ^ Vê-as e pasma Jurucei, notando
Não luz mais brando e grato o romper d’alva O imigo poderio, e seu malgrado
Que o teu sereno aspecto; nem mais doce Vai lá consigo mesmo discorrendo:
A fresca brisa da manhã cicia “ Muitos e fortes são nossos guerreiros;
Pela selvosa encosta, que a mensagem Muitos, certo, e as nossas tabas fortes,
Que o chefe imigo e fero anseia ouvir-te. Itajuba invencível; mas da guerra
Melífluo Jurucei, bem-vindo sejas É sempre incerto o azar e sempre vário!
Dos Gamelas ao chefe, Gurupema, E . . . quem sabe? talvez... mas nunca, oh! nunca!
Senhor dos arcos, qucljrador das setas, Itajuba! Itajuba! — onde há no mundo
Das selvas rei, filho de lerá valente. Posses que valham contrastar seu nome?
Assim consigo as hostes do Gamela; Onde a seta que valha derribá-lo,
Consigo só, que a usada gravidade E a tribo ou povo que os Timbiras vençam?!”
Já na garganta, a voz lhes retardava.
Não veio Jurucei? Pôsto de fronte. Entre as hostes que a si tinha fronteiras
Arco e frecha na mão feito pedaços, Penetra! — tão galhardo era o seu gesto.
Certo sinal do respeitoso encargo. Tão sereno e guerreiro o seu desplante,
Por terra não lançou? — Que pois augura
Que os Gamelas em si também 487 disseram:
Tal vinda, a não ser que o audaz Timbira
Melhor conselho toma; e porventura — “ Missão de paz o traga, que se os outros
De Gurupema receando as forças. São tão feros assim, Tupã nos valha.
Amiga paz lhe ofrece, e em sinal dela Sim, Tupã; que o não pode o rei das selvas!”
Do vencido Gamela o corpo entrega?!
Em bem! que a tórva sombra vagarosa Hospedagem sincera entanto of’recem
Do outrora chefe seu há de aplacar-se.
A quem talvez não tardará buscá-los
Ouvindo a mesta voz das carpideiras,
E vendo no sarcófago depostas Com fina seta no leal combate.
As armas, que no ibaque hão de servir-lhe, Às igaras o levam pressurosos.
Servem-lhe o piraquém na guerra usado,
E junto ao corpo, que foi seu, as plumas.
E os loiros dons do colmeal agreste.
Enquanto vivo, insígnias do mando. Servem-lhe amigos suculento pasto
Embora ostente o chefe dos Timbiras Em banquete frugal; servem-lhe taças
O ganhado troféu; embora à cinta (A ver se mais que a fome o instiga a sede)
Ufano prenda o gadelhudo crânio, 485
De espumoso cauim, — taças pesadas
Aberto em c’roa, do infeliz Gamela. Na funda noz da sapucaia abertas.
Embora; mas porém amigas quedem Sem temor o timbira vai provando
Do Timbira e Gamela as grandes tabas; O mel, o piraquém, as iguarias;
E largo em roda na floresta imperem,
Mas dos vinhos coíbe-se prudente.
Que o mundo em pêso, unidas, afrontaram!
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A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Em remoto lugar forma conselho “ Embora, dizem uns; 492 outros murmuram,
O rei das selvas, Gurupema, enquanto Que de tão grande herói qualquer que seja
Restaura o mensageiro os lassos membros. A oferta expiatória, em bem, se aceite.
Chama primeiro Caba-oçu valente; Outros porém, e a maior parte, incertos
As ríspidas melenas corredias Vacilam no conselho. A injúria é grande.
Cortam-lhe o rosto, — pendem-lhe nas costas, Bem fundo a sentem, mas bem grande é o risco.
Hirtas e lisas, como o junco em feixes
Acamados no leito ressequido “ Se o orgulho desce a ponto no Timbira,
D ’invernosa corrente. O rosto feio Que pazes nos propõe, diz Itapeba
Aqui, ali, negreja manchas negras Com dura voz e cavernoso acento.
Como da bananeira a larga fôlha. Já está vencido! Alguém pensa o contrário
Colhida ao romper d’alva, qu’uma ^^88 virgem (E com despeito a Gurupema encara)
Nas mãos lascivas machucou brincando. Alguém, não eu! Se havemos de barato
Dar-lhe a vitória, humildes aceitando
Valente é Caba-oçu; mas sem piedade! O triste câmbio (a idéia só me irrita)
Como sedenta fera almeja sangue De um morto por um arco tão valente.
E de malvada ação cruel se paga. Aqui as armas vis faço pedaços
Apressou em combate um seu contrário, Em breve trato, e vou-me a ter com êsse,
Que mais imigo tinha entre os imigos: Que sabe leis ditar, mesmo vencido!”
Da guerra os duros vínculos lançou-lhe
E a 489 terreiro o chamou, como é de usança Como tormenta, que rouqueja ao longe
Para o triunfo bélico adornado. E som confuso espalha em surdos ecos;
Fizeram-lhe terreiro os mais d’em tôrno: Como rápida frecha corta os ares.
Êle do sacrifício empunha a maça. Já perto soa, já mais perto brame.
Impropérios assaca, vibra o golpe, Já sobranceira enfim roncando estala:
E antes que tombe o corpo, aferra os dentes Nasce fraco rumor que logo cresce,
No crânio 490 fulminado: jorra o sangue Avulta, ruge, horríssono rimbomba. 493
No rosto, e em gorgolhões se expande o cérebro, Oquena! Oquena! o herói nunca vencido,
Que a fera humana rábida mastiga! Com voz troante e procelosa exclama.
E enquanto limpa à desgrenhada coma Dominando o rumor, que longe ecoa: 494
Do servo pasto o esquálido sobejo,
Bárbaras hostes do Gamela torcem, “ Fujam tímidas aves aos lampejos
A 491 tanto horror, o transtornado rosto. Do raio abrasador, — medrosas fujam!
Mas não será que o herói se acanhe ao vê-los!
Vem Jepiaba, o forte entre os mais fortes, Itapeba, só nós somos guerreiros;
Taiatu, Taiatinga, Nupançaba, Só nós, que a olhos nus fitando o raio,
Tucura o ágil, Cravatá sombrio, Da glória a senda estreita a par 495 trilhamos.
Andira, o sonhador de agouros tristes, Tens em mim quanto sou e quanto valho.
Que êle é primeiro a desmentir co’as armas, Armas e braço enfim!”
Pirera que jamais não foi vencido,
Itapeba, rival de Gurupema, Eis rompe a densa
Oquena, que por si vale mil arcos. Turba que d’em tôrno d’Itapeba
Escudo e defensão dos seus que ampara; Formidável barreira alevantava.
E outros, e muitos outros, cuja morte
Não foi sem glória no cantar dos bardos.
Quadro pasmoso! os dois de mãos travadas.
Sereno o aspecto, plácido o semblante,
Guerreiros! Gurupema assim começa. À fúria popular se apresentavam
Antes de ouvir o mensageiro estranho De constância e valor somente armados.
Consultar-vos me é força; a nós incumbe Eram escolhos gêmeos, empinados,
Vingar do rei da selva a morte indigna. Que a fúria de um vulcão ergueu nos mares.
Do que morreu, em que lhe seja eu filho. Eterno ali serão co’os pés no abismo,
Estende-se o desar sòbre nós todos, Co’os 496 negros cimos devassando as nuvens,
E a todos nós da gloriosa herança Se outra força maior os não afunda.
Compete o desagravo. Se nos busca Ruge embalde o tufão, embalde as vagas
O filho de Jaguar, é que nos teme; Do fundo pego à flor do mar borbulham!
A nossa fúria porventura intenta
Voltar a mais amigo sentimento. Estranha a turba, e pasma o desusado
Talvez do vosso chefe o corpo e as armas Arrojo, que jamais assim não viram!
Com larga pompa nos envia agora: Mas mais que todos Caba-oçu valente
Basta-vos isto? Enleva-se da ação que o maravilha;
E de nobre furor tomado e cheio.
Guerra! guerra! exclamam. Clama altivo: 497 “ Eu também serei convosco,
Eu também, que a só mercê vos peço
Notai porém quanto é pujante o chefe, De haver às mãos o pérfido Timbira.
Que os Timbiras dirige. Sempre o segue Seja, o que mais lhe apraz, invulnerável,
Fácil vitória, e mesmo antes da luta Que d’armas não careço por vencê-lo.
As galas triunfais dispõe seguro. Aqui o tenho, — aqui comigo o aperto.
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os T IM B IR A S
Reina o silêncio, sentam-se na arena, Esta a mensagem que por mim vos manda:
Jurucei, Gurupema e os mais com êles. Três grandes tabas, onde heróis pululam.
Amiga recepção, — ali não viras Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos.
Nem pompa oriental, nem galas ricas, Caídas a seus pés a voz lhe escutam.
Nem armados salões, nem côrte egrégia, Não quer dos vossos derramar mais sangue:
Nem régios paços, nem caçoilas fundas, Tigre cevado em carnes palpitantes.
Onde a cheirosa goma se derrete. Rejeita a fácil prêsa; nem o tenta
Era tudo singelo, simples tudo, De perjuros haver troféus sem glória.
Na carência do ornato — o grande, o belo, Enquanto pois a maça não sopesa, 508
Na própria singeleza a majestade. Enquanto no carcaz dormem-lhe as setas
Era a terra o palácio, as nuvens teto. Imóveis — atendei! — cortai no bosque
Colunatas os troncos gigantescos, Troncos robustos e frondosas palmas
Balcões os montes, pavimento a relva. E novas tabas construí no campo,
Candelabros a lua, o sol e os astros. Onde o corpo caiu do rei das selvas,
Onde empastado inda enrubesce 509 a terra
Sangue daquele herói que vos infama!
Lá estão na branca areia descansados. Aquela briga enfim de dois, tamanhos, 510
Como festiva taça num banquete, Sinalai; porque estranho caminheiro
O cachimbo 505 de paz, correndo em roda. Amigas vendo e juntas nossas tabas,
De fumo adelgaçado cobre os ares. E a fé que usais guardar, sabendo, exclame:
Almejam, sim, ouvir o mensageiro, Vejo um povo de heróis, e um grande chefe!”
E mudos são contudo: não dissera,
Quem quer que os visse ali tão descuidosos. Enquanto escuta o mensageiro estranho,
Quer ardor inquieto e fundo os ansiava. Gurupema, talvez sem que o sentisse.
Vai pouco e pouco erguendo o corpo inteiro.
O forte Gurupema alfim começa A baça côr do rosto é sempre a mesma,
Após côngruo silêncio, em voz pausada: O mesmo o aspecto, — a válida postura
Saúde ao núncio do Timbira! disse. A quem de longe o vê, sòmente indica
Tornou-lhe Jurucei: “ Paz aos Gamelas, Vigor descomunal, e a gravidade
Renome e glória ao chefe seu preclaro!” 506 Que os próprios índios por incrível notam.
— A que vens pois? Nós te escutamos: fala. Era uma estátua, exceto só nos olhos,
“ Todos vós, que me ouvis, vistes boiantes,
Que por entre as em vão caídas pálpebras
A 507 niercê da corrente, o arco e as setas
Clarão funéreo derramava em tôrno.
Feitas pedaços, por mim mesmo inúteis.”
“ Quero ver que valor mostras nas armas,
“ E de to ver folguei; mas quero eu mesmo (Diz ao Timbira, que a resposta aguarda)
Ouvir dos lábios teus quanto imagino. T u que arrogante, em frases descorteses,
Acata-me Itajuba, e de medroso
Guerra declaras, quando paz of’reces.
Tenta poupar aos seus tristeza e luto?
Quebraste o arco teu quando chegaste,
A flor das Tabas suas talvez manda
Trazer-me o corpo e as armas do Gamela, O meu te of’reço! O quebrador dos arcos
Vencido, em mal, no desleal combate! Nos dons por certo liberal se mostra,
Pois seja, que talvez não queira eu sangue; Quando o seu arco ofrece: julga e pasma!”
E do justo furor quebrando as se ta s...
Mas dize-o tu prim eiro... Nada temas; E o arco empunha! outro não foi como êle!
É sagrado entre nós guerreiro inerme, Artífice de nome em seus lavôres
E mais sagrado o mensageiro estranho.” Mais de um ano gastara em fabricá-lo.
As pontas levemente recurvadas
Treme de pasmo e cólera o Timbira, Cabeças de bicéfala serpente
Ao ouvir tal discurso. — Mais sorprêso Figuravam, — iguais no pêso e forma:
Não fica o pescador, que mariscando Melhor que nenhum outro equilibrado.
Vai na maré vazante, quando avista Lavrados os desenhos com tal arte,
Envolto em lôdo um tubarão na praia, Que sem tirar-lhe a força, mais flexível.
Que reputa sem vida; passa rente, Mais pesado o tornavam com mais graça.
E co’ as malhas da rêde acaso o açoita
E a desleixo: — feroz o monstro acorda, Do pejado carcaz tira uma seta,
E escancarando as fauces mostra nelas Na corda a ajeita, — o arco entesa e curva.
Em sete filas alinhada a morte! Atira, — soa a corda, a frecha voa
Tal ficou Jurucei, — não de receio, Com silvos de serpente. Sôbre a copa
Mas de sorprêsa atônito; — o contrário, Duma árvore frondosa descansava
Que de o ver merencório não se agasta, Há pouco um cenembi, — frechado agora
A que proponha o seu encargo o anima. Despenha-se no rio, sopra iroso,
A cortante serrilha embora eriça, 5il
“ Não ignavo temor a voz me embarga; Co’a dura cauda embora açoita as águas;
Emudeço de ver quão mal conheces A corrente o conduz, e em breve trato
Do filho de Jaguar os altos brios! O hastil da frecha sobrenada a prumo. 512
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O U T R A S P O E S IA S
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“ Estólido que cu fui! — da terra filho, Rápida foge a multidão dos mestos.
“ Julguei-me prêso à terra, prêso ao nada, Sem arruído, sem rumor, — qual fumo
“ Julguei-me sem porvir além da vida, Levíssimo e sutil que se desenha
“ Sem acerbo penar na campa acerba!” Ao reflexo da luz nos brancos muros.
[ ^80 ]
O U T R A S P O K S IA S
Aiijo — encanto — mulher, porque o teu pranto Mas quando o desengano, qual tormenta
Corre agora espontâneo sôbre as aguas Que por desertos só valente reina,
Do límpido regato, como lágrimas Do quente coração arranca, esmaga
De Náiade gentil? Esp’ranças, que o amor esfeitiçava.
Em vão a natureza ufana brilha.
Em vão de puro orvalho a flor se arreia.
Porque choras assim? — Traída amante Em vão dardeja o sol seus quentes raios.
Vens de enganado amor as penas cruas Em v ã o !... que o coração jaz frio e murcho,
Curtir na soledade? E não mais viverá ! — que a alma sentida
Mas quem tão negro feito perpetrara? Conhece que o amor é só mentira,
Quem há que se os teus olhos lhe sorrissem, Que é mentira o prazer, mentira tudo!
Não morrera de amores?
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O U T R A S P O E S IA S
Sou eu que às folhas dou verter frescura, Vela meigo-sorrindo a casta espôsa.
Que falo amôres no correr da brisa, Vela no leito, onde 529 a aflição descansa,
Que deslustro a paixão sincera e lisa Mas talvez lhe sugiro uma lembrança
Aos torpes beijos da lascívia impura. Triste, importuna que expulsar não ousa.
[189]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D I A S
[190]
OUTRAS POESIAS
“Reis da terra, o que sois? Oh! quase um nada, À DESORDEM DE CAXIAS. 548
Em mãos de infantes caprichosos 539 — brinco,
Autômatos de orgulho, atores tristes (Ano de 1839)
Em público tablado:
Um que em dia aziago entre os clamores Le crime est immortel!
Da multidão falaz entrou no templo; — Ainsi que le remords.
Era o templo adornado, — ali soldados, A. BARBIER.
AH densos convivas.
Resplandecente d’oiro, e sêda, e jóias; I.
Ali morno silêncio qual precede
Da batalha o fragor — troava o sino, Que feios sons de surda e rouca trompa!
E foi c’ro a d o ... escravo! Ecoa a brônzea tuba as duras vozes.
“Mas 540 quando o Senhor Deus um bardo cria. Que hão de os vales cobrir de miserandos,
Funde-lhe a mente de trovões, de raios. Insepultos guerreiros!
De nobre fogo Ih’incendeia 541 o peito
De cólera e de amor! Sôbre as cordas da tua Harpa
E o manda sobre a terra ingrata e nua, Pousa, ó Musa, a nívea mão.
Que voe sôbre os astros, que a sentença, Que com tais sons se não casam
Que Baltasar temeu, grave nos muros Os sons do teu coração!
D’impudico festim!
Que suspire, que gema, que soluce, Que triste soluçar, que triste pranto.
Que se lembre dos céus cantando a terra, Que amargas queixas, que doridas preces!
Que um amigo não tenha, 542 que a sua vida Penosas vascas de sangrenta morte
É sofrer e cantar! No extremo agonizar!
[ 191]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
Trêm ulos todos, homens e mulheres, Tim orato pavor vos encha o peito,
Infantes e anciãos — de mãos travadas. E farpado punhal a cada instante
Turvado o rosto, os olhos lacrimosos. Sintais no coração fundo morder-vos.
L á vão terras do exílio demandando! Dos que matastes se vos mostre em sonhos
Um passo apenas dão, que os alumia A chusma triste, suplicante, in e r m e ....
Do vulcão popular a lava ardente. Sereis clem entes. . . mas que a mão rebelde
Sob os trépidos pés soluça a terra, Brandindo mil punhais lhes corte a vida;
Sôbre as cabeças pávidas volteia E que então vossos lábios confrangidos
Ou rocha em brasa, ou condensada nuvem Se descerrem sorrindo! — cru sorriso
De pó desfeito, que resseca os ares. Entre dor e prazer, — qu’entâo vos prendam
E dentre aquêle fumo e aquelas chamas. A 559 poste vergonhoso, e que a mentira
Naquele horror c mêdo, estátuas vivas. O vosso instante derradeiro infame!
Sinistro lampejar d’armas descobrem: Bradem : Não fomos nós! — e a turba exclame:
Descobrem longe os tetos abrasados, Covardes, fôstes vós! — e no seu poste
A pouco e pouco esmorecendo em cinzas; De vaias e baldões cobertos morram.
Escutam gritos de uma voz querida.
De um ser que expira, e que em socorro os chama!
V.
E ali pregados no terreno ingrato
Nem da morte impiedosa fugir sabem, Mas cantar tão cruel e tão feio.
Nem fôrça têm 553 que lhes escude a vida. Donde parte soando ruidoso?
São ali sem ação, sem voz, sem fôrça Da minha Harpa nas cordas quem veio
Como que má sezão 554 Hies tolhe os membros. Sons tão rudes, tão roucos tirar?
Ou que os sufoca horrível pesadelo. Pode acaso o cristão impiedoso
Mudos, fracos, sem luta os colhe a m orte; Do que sofre avivar o tormento,
E nus, sangrentos, insepultos jazem ! Pode acaso dizer-lhe cruento:
Teu suplício não quero acabar?
I II. Pode acaso com tôrva alegria
Sôbre os restos do triste finado
Túrbida reina a bacanal de sangue! Levantar a cruel voz impia:
E rei do atroz festim, brinco do vulgo, Homicida feroz, maldição?
Um só campeia! um só, que mal se achega Não tem êle sequer um pecado?
A lauta mesa, onde se enfrasca o vulgo Como pois poderá penitente
De carniça e ralé, tocando apenas Exclam ar noutra vida: ó clemente
O sangue e o vinho, que alimenta o bródio; Senhor Deus, tem de mim compaixão?
Derruba-o logo a popular vindita, 555
E folga ultriz em tôrno aos vis despojos, Réu não sou da cruel impiedade.
Que nem de amigas lágrimas se molham, Bem que o sangue por êles vertido
Nem de talhadas lápidas se cobrem. Fôsse meu; bem que amarga saudade
Sinta eu dêsses, que a morte ceifou!
Não irei ao sepulcro esquecido
IV . Insultar o mesquinho finado;
Miserando! foi duro o seu fado,
Malditos sejais vós! malditos sempre Que um amigo sequer não deixou!
Na terra, inferno e céus! — No altar de Cristo,
Outra vez a 556 paixões sacrificado, Mas as vítimas tristes, cruentas,
ímpios sem crença, e precisando tê-la. Que hoje dormem na campa florida
Assentastes um ídolo doirado Nas funéreas mortalhas sangrentas
E m pedestal de movediça areia; Envolvidas, 560 jrei visitar:
Uma estátua incensastes — culto infame! — Lindas flores na aurora da vida!
Da política, sórdida manceba Murchas flores p’ra terra inclinadas!
Que aos vestidos, outrora reluzentes. A h! por tôdas no pó desfolhadas
Os andrajos cerziu da vil miséria! Ao Senhor compassivo hei de orar!
No antropófago altar, mádido, impuro
Em holocausto correu d’hôstia inocente V I.
Humano sangue, fumegante e rubro.
Insensível à dor, 557 ao pranto, às preces. E como aparecem num sonho ditoso
Insensível às 558 cãs, à verde infância, Fantásticas formas, composto formoso
Tudo sorveu a rábida quadrilha! Da noite que morre e do sol a raiar; 561
A treda mente maquinou suplícios. Eu vi muitas sombras, com ar magoado
Torpe vingança! meditou cruenta Chorando e passando: eu estava acordado,
Nos requintes da dor ébria fartar-se, E vi; mas par’ceu-me que estava a sonhar!
E lascívia imoral dos lábios dêles
Em frontes virginais cuspiu veneno. Passavam mostrando no peito a ferida,
Afrontas caiam sôbre tanta infâmia! E a celeste ventura no rosto envolvida 562
E se a vergonha vos não tinge o rosto. Se lia da morte ao cruel padecer!
T in ja o rosto do ancião, do infante E desta e daquela, de quantas eu via
Que em qualquer parte vos roçar fugindo! O nome, as feições e a voz co n h e c ia !...
Da consciência a voz dentro vos punja. Meu peito arquejava co’o interno sofrer.
[ 192]
OUTRAS POESIAS
Com triste sorriso nos lábios pousado, Mas Deos que lhes deparava
Chamavam-me tôdas ao tûm’lo gelado, Em sua alta providencia
E à paz dos sepulcros, e à vida do céu! Tal fereza nos algozes.
ô anjos, sofrestes martírio ansiado; Dava-lhes tal paciência,
Ao céu remontastes, ficastes ao lado Que havião em pouco o trato.
Do mártir divino que à terra desceu; Havendo o trato em clemencia.
[ 193]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
[ 194]
n
OUTRAS POESIAS
[ 196]
OUTRAS POESIAS
[ 197]
ANTôîvTO GONÇALVES DIAS
[ 198 ]
1
OUTRAS ROKSIAS
Que sobre o peito inerme cruza os braços, - “ Não sabes! por te amar daria a vida,
E não descora, nem recua: a virgem, Até a gôta extrema, que em meu peito,
Que um amável terror empalidece. Qu’inda em meu coração girar sentisse;
Cobrindo com seu corpo o corpo dêle, E quando a própria vida me faltara,
Não teme a fôlha trêmula, que oscila Minha alma, e o que me espera além da morte.
Na mão Que os muitos anos ja cansaram. Daria por te amar. — É fraca a prova
A vida of’rece a quem lhe dera a vida, De sofrer doce pêso algumas horas
Que a amava tanto! — seu amor confessa. Por viver em delícias longos anos.”
Fineza dêle, que a vencera amando,
Extremos de ambos que viver não podem, Anima-se, prossegue mais brioso,
Não sabem desunidos. Rude o velho Sorvendo sob os pés a senda ingrata.
Medita e cisma, e conhecer intenta Imensa multidão, a quem tal caso
O amor do jovem ; quer talvez prová-lo, Ali reúne, e tem como suspensa.
Talvez do estranho arrojo quer puni-lo. Aplaude entusiasta, brada, clama,
Ergue-se perto um monte de granito Da base da m on tan ha... — infindos rogos
Altivo, colossal, — no cimo erguido Eleva, exalta ao céu: — “ Coragem!” grita;
Nenhuma flor brotou, nenhum arbusto “ Gentil mancebo, alento!” Fraca, incerta.
Prestou-lhe grata sombra, onde asilado Chegava ao par amante a voz ruidosa,
Canoro rouxinol soltasse o canto. O mancebo feliz todo se embebe
Com gesto brusco e breve o mostra ao jovem, No futuro gozar dos seus amores.
E diz-lhe em voz, donde o furor transpira; Bagas e bagas de suor cresciam
— “ Se dêste monte o píncaro vingares, No fronte afogueada; o rosto aceso
Tendo nos braços a mulher que adoras.
Ao desejado fim dos seus trabalhos
Sem que descanses...” — “ Se o vingar?...” — É tua;
Volvia; a casta virgem, desprendendo
Mas ai de ti, ai dela, se esmoreces,
A loura trança, avelutada e longa.
Se a oferta iludes, se tua alma fraca
Aos teus desejos inferior se m o s t r a !...” Tentou limpar-lhe o rosto; mal sentira
A fragrância, o contacto, o sangue em ondas
Correu-lhe ao coração, — a côr das faces
É tua! — Estas palavras no mancebo Sumiu-se de relance. — “ Sofres! sofres!”
Coaram grato enleio; — gôta amiga Inquieta a virgem perguntava. O triste
D ’orvalho no Saará, clarão nas trevas. Começou de correr com novo alento.
Brando calor nos pólos. — “ Minha! minha!”
Como louco bradava, e nos seus braços — “ A trança, a loura trança me eletriza,
Requeima o sangue e a pele, inflama e cega!
Tomou, correndo, a virgem delicada!
Querida, amada, mais que tudo amada.
Luz da minha alma, norte meu, feitiço
Desta existência, que sem ti é morte.
Oh! não queiras, por Deus, tirar-me as forças!”
C anto S eg u n d o .
Bradava assim, correndo; já mais fraco,
Inda mais fraco sente-se, — caminha.
Oh! que ditoso par! os corpos de ambos, — “ Ouves?” a bela virgem lhe dizia;
Que o amor ligara, estreitamente unidos.
Lá vão, como um só vulto, indivisíveis. “ Quando assentares que vencer não podes
Prende o mancebo nos nervosos braços E sta íngreme costeira, não mo digas;
O leve corpo dela, doce, ebúrneo. Porém ao fundo abismo negrejante,
Elástico e tão m e ig o !... Oh! que não possa Que a nossos pés terrífico se cava.
Linguagem d’homem retratar ao vivo Leva-me, por Deus, prêsa em teus braços,
O arroubo estreme, os êxtases divinos. E esta vida contigo ali se acabe.”
De quando a vez primeira, entre delíquios.
Unimos contra o peito, arfando ardente,
Uns peitos que se elevam, que se abatem, __ “Que falas em morrer, tão nova ainda!”
Que suspiram por nós! — Os olhos d’ambos Soluçava o mancebo!” “ Oh! não, mais dias
Cintilavam de amor! hálito ardente Nos restam, mais felizes, — outros anos,^
Crestava os lábios d’ambos, derramando Outros tempos de amor, que êstes não sejam.”
Mais do que vida, do que amor, nas faces Já se apressa, já corre! — O povo amigo
Que em vivo fogo ardiam. Amorosa, __ “ Coragem!” com mais força lhe gritava.
Porque mais leve se tornasse, a virgem. Açodado correu por longo espaço.
Lançando ao colo dêle os níveos braços. Saltando d’àsp’ra senda as pedras soltas;
Meia suspensa lhe dizia: Porém, do afã, por fim, quase vencido,
— “ Amado, Com voz, louca de amor, bradava o triste:
Não tenhas nímio ardor; sê mais prudente.
Calcula os passos, mede-os; ouço as pedras
— “ Oh! como é doce êste romper da aurora!
Rolar-te sob os pés: mais vagaroso
Caminha; — a queda é morte, o afã, a pressa A brisa da manhã, como é suave!
S e ca -m e as b ag as de suor do ro sto ,
Quebra o arrojo, enfraquece; — alcantilado
U m ed ece-m e os láb io s ressequidos,
É dêste monte o cume, — falta muito.
E outra vida melhor m’influi no peito.
E do rosto o suor te corre em fios.”
[ 199]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
— “Bem alta, sim, porém vingá-la é força: Lindas capelas de mimosas flores
O amor é forte e compassivo; os brios. Fabricavam no entanto — um padre chamam,
De que preciso, mos dará; mas dize. Porque em laço de amor juntasse a ambos;
Dize-me tu que serás minha, tudo Mas as capelas definharam tristes
Que eu perderei, que eu lucrarei contigo, Em lutuoso esquife, — a mesma campa
E certo vencerei; — dize-me as doces. Sorveu — leito nefasto — os dois amantes!
Meigas frases de amor com que eu soía
Esquecer-m e da vida agra e pesada, Som ente o velho pai do nobre orgulho
Qu’hei passado sem ti: que em te escutando No enterro filial o arranco extremo
E sta fadiga esquecerei, lembrado Soltar medita, transformado em pompa.
Do que me resta de prazer, de enlevos, Não querendo feliz a filha em vida.
D ’almas venturas a fruir ditoso. Ao menos quer no mármore brunido
Assim, assim ; crava nos meus teus olhos. M ostrar poder, nobreza, e o esquartelado
Teus lindos olhos de um azul tão puro, Lutuoso brasão em campo negro.
Como a cerúlea côr do céu, das ondas.
Por noite estiva e bela. Da tua alma
Leio nêles a tímida esperança,
E como êles espero. — Um beijo, um beijo!
Êsse macio dos teus lábios causa CAXIAS. 57.3
Frenesi que transporta, que enlouquecei
Guarda-os por ora, — êles sufocam, roubam Ao Aniversário da sua Independência.
O alento, a razão, — como um cautério
De fogo, inflamam, — o ardor, a vida,
Que prestam, — são delírio, raiva insana, 1 DE Agôsto.
E nutrem como a febre!”
E is que o mancebo Caxias, bela flor, lírio dos vales.
Os passos multiplica nessa estrada, Gentil senhora de mimosos campos,
Que mais se estreita, empina e cresce. Como por tantos anos fôste escrava,
Enfim despareceu! não tôda, resta Como a indócil cerviz curvaste ao jugo?
Curta distância, que vencer é fácil; O h! como longos anos insofríveis.
Fácil, mas a membros não cansados, Rainha altiva, destoucada e bela.
Não exauridos de vigor, em luta R ojaste aos pés de um régulo soberbo?
Perigosa e vital. — “ Meu Deus, não posso!” A míngua definhaste em negro cárcer,
Murmurava entre si, a mêdo, e quase Onde um raio de sol não penetrava;
Reflexo interior do pensamento. Em masmorra cruel, donde não vias
— “ Um passo m ais!” bradava-lhe a donzela. Cintilar o clarão d’amiga e s tr é ia ...
Em ânsias de transido desespêro. O h! não, que a luz da esp’rança tinhas n’alma,
“ H esitas! desfaleces! pois morramos! E o sol da liberdade um dia viste.
Plácido asilo a campa nos o f’rece, De glória e de fulgor resplandecente.
Da morte o estreito umbral passemos juntos.” Em céus sem nuvens no horizonte erguido.
Freqüentes sons, agudos, nos ouvidos
Sente o mancebo, — transtornado o rosto. E is o som do tambor atroa os vales,
Mal firme sôbre os pés, semelha o tronco O clangor da trombeta, os sons das armas,
Nutante, cerceado, que procura A terra abalam, despertando os ecos.
O cimo undoso equilibrar nos ares. — E ia ! oh bravos, erguei-vos, — à peleja,
Nada ouviu, nada viu, — nem mesmo o pranto, À fome, à sêde, às privações, — erguei-vos!
O adeus extremo soluçado à vida Tu, Caxias, acorda, — tu, rainha.
Risonha e bela e súbito cortada. Lâm ina d’aço puro, envolta em ferro
Quase ao romper da aurora. O pranto ardente Ao sol refulgirás; — flor que esmoreces
Caiu no peito do m ancebo: — “ Choras! À mingua d’ar, em cárcere de vidro.
Tenho os olhos vendados, mas sentido Em ar mais livre cobrarás alento.
Hei sôbre o peito um requeimar de fogo; Graça, vida e frescor da liberdade.
Choras, tu choras!”
Delirante o moço Antemural do lusitano arrojo.
De um pulo ardido vinga o resto infando Último abrigo seu, — feros soldados.
Da senda malfadada: — “ És minha! és m inha!” Veteranas coortes nos teus montes
Clama em delírio, mas a morte o colhe, Cravam bélicas tendas! — Um guerreiro,
E dentre os braços da que amava, o arranca! O nobre Fidié, que a antiga espada
[ 200 ]
OUTRAS PO ESIA S
E os meigos acentos
A HARMONIA. 574 Duma alma afinada
E a voz repassada
D ’interno chorar.
I.
Também são concertos;
Os cantos cantados Mas essa harmonia,
Na eterna cidade Que Deus nos envia
À só potestade No alheio penar,
Da terra e dos céus. Quem sente? — quem sofre,
São ledos concertos Que a dor embriaga,
D ’infinda alegria; Que triste se paga
Mas essa harmonia D ’interno pesar.
Dos filhos de Deus
— Quem ouve? — Os arcanjos.
Que ao rei dos senhores V I.
Entoam louvores.
Que vivem de amar.
Se a meiga harmonia
Do céu vem à terra,
II. Um cântico encerra
De glória e de amor;
E o giro perene
Mas quando remonta,
Dos astros, dos mundos
Dos eixos profundos Dos homens, das aves,
No eterno volver; Das brisas suaves,
Do caos medonho Do mar em furor,
A triste harmonia, São tímidas queixas,
Da noite sombria Que aflitas murmuram,
No eterno jazer, Que o trono procuram,
— Quem ouve? — Os arcanjos Do seu criador.
Que os astros regulam.
Que as notas modulam
Do eterno girar.
L201]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
[ 202 ]
V ERSO S PÓSTUMOS
[ 203 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IA S
Descrição de P itões .
Na mente renegando o altar sagrado
P or seguires do século a demência,
Quiseste consumir tua existência Ao Pinheiro imortal — ao doce filho
Km busca do segrêdo em vão buscado. Da cândida Minerva, que de loiros
Tem um ramo abichado 585 pequenino
Já hoje tens o rosto descorado Neste ano — todo em férias engrolado.
Nas vigílias da acesa inteligência, Envio meu saudar — meu canto envio.
Que intentaste, rival da Providência,
Do saber divinal fazer achado. Queres vir-te sepultar
Numa terra malfadada
Êsse raio do sol, tua obra d’oiro, Onde não há que gozar
O sábio — já o vês — produz o amor — A não ser triste queijada
O amor, coisa melhor que o teu tesoiro, Que é pior que o rosalgar?
O amor — a só ventura dos humanos. Quem disto se agradará?
Prazer celestial — ardente flor, Dêste aborto da natura,
Que não pousa nas cãs dos tardos anos. E do que se faz por cá
C oim bra — 1844. Vou-te fazer a pintura,
E se te agrada, vem já.
Em sinal de religião.
AO QUASÍMODO. Conquanto com grande mágoa
Êste bom Povo Cristão
A disforme 582 cabeça lhe descia Resolveu não chegar água
Nem aos pés — nem ao carão.
Entre dois ocos m ontes; na achatada
Fronte por fulva coma sombreada
Da língua lusa coitada
Um ôlho de ciclope aparecia.
E do imundo galego
Um tetraedro por nariz trazia, Fazem tal moxinifada
E da nojenta bôca desdentada De que tu terias mêdo
Por entre a dentadura feia e usada Sem poderes pescar nada.
Bem raro a rouca voz se desprendia.
Pelas ruas mansamente
Tinha braços e pernas mui calosos, Passeia o novilho, a vaca,
E ra todo seu corpo um calo inteiro, E durante a noite algente
Um composto de calos monstruosos! Pela serra o lôbo ataca
A um cristão civilmente.
E dêle se dizia: É vesgo infame.
Corcunda — torto e coxo e feiticeiro, Que êrro tão saliente
Sineiro atroador de Notre-Dame. Da extraviada natural
Coimbra — 1844. Que a gente fuja da gente,
E que o lôbo mais prudente
Ame tanto a criatura!
E aqui o vinho é tal,
A NOTRE-DAME DE V. HUGO.
Quando o há, que é alcatrão,
E Baco dá-se tão mal
Satanás passeando — veio um dia Que aos da sua devoção
Ao mundo sublunar e viu criada Faz ter jejum natural.
A formosa Esm eralda — doce fada. E a Deusa Poesia
Vivo sonho de viva fantasia. De tisnada rubra tez
Ora o diabo tem queda p’ra a ironia. Levanta a cabeça fria
— Hei de pregar, disse êle, caçoada 583 Dentre as caldas do Gerez,
No padre eterno, que não sabe nada, Que é do povo a simpatia.
Se não sabe o que é bom em poesia.
O Deus Apoio é baldado,
Falou desta maneira o Sr. Diabo, Não têm 586 seus raios calor,
Escoucinhando no ar como um jumento, Não hà’qui verão torrado.
Coçando a fula orelha e alçando o rabo. Porém o inverno gelado
Domina como senhor.
E foi o resultado dêste evento
Parir ao Quasimodo 584 — que no cabo E chove tanta geada
C’o anjo do Senhor fêz casamento. Durante a fria estação,
P itõ es — 15 de S etem b ro d e 1844.
Que se não pode ver nada,
Nem se pode ter entrada
Em qualquer habitação.
[ 204 ]
VKRSOS PÓSTUMOS
[ 205 ]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
Ninguém — ninguém o pode! Assim na terra Que mais longe de ti — meu pensamento
Hei de a vida passar co’a fronte erguida Mais luto veste e vive como o inferno
A todos 591 sup’rior — maior que os grandes Na hora do penoso passamento.
Hei de entre êles sentar-me ébrios na vida,^ Como é triste a minha vida,
Hei de sentar-me — e crente — e bardo — n harpa Como é triste o meu penar,
Cantando o nome do Senhor, que pune, Como é triste andar no mundo
Da vida nos festins cantando a morte. Qual fantasma — a tropeçar!
Foi Deus — que me puniu — acaso o orgulho Como é triste o céu sem luzes
Em nós pode caber — em nós abortos Depois que a lua 593 brilhou.
De incompleta feitura — uns quase vermes É bem triste o dia de hoje,
Que sôbre a lama — e pó — nos arrastamos? Foi bem triste o que passou.
Foi Deus que me puniu; co’a fronte baixa.
Coberto o rosto de vergonha —; e tímido Definha — emurchece e morre
Como aos pés do senhor um vil escravo Ó meu pobre coração,
Subi de um rico a escada — suplicante. _ Como a flor durante a calma
Vilão mesquinho! dentre os frouxos lábios Do bem calmoso verão.
Sorriso frouxo despontou; — e a testa
Se o sono me fecha os olhos,
Baixa, e curva, e calva, e as faces
Cheias de ruga — de palor, — e o rosto Da saudade — o pavoroso
Vidrado — e baço — eram ruim composto Fantasm a consumidor —
D ’avarento feliz......... c ’os pés no féretro. Torna-m e o sono penoso.
Ah! quero sonhar contigo,
Teu nome — não direi — que fôra e t e r n o .... Quero ter meu coração
Fôste sem êle em vida, em morte — o sejas! Como no céu uma estréia,
Como a fresca viração.
A h! que se eu não quebrei naquele instante
A minha harpa — inda então desconhecida — Quero ouvir a tua voz
Foi porque ainda queria confessar-te, Que me diga: — És meu amor!
Ó meu Deus — que foi grande o teu castigo, Qu’enxerte dentro em meu peito
Foi porque ainda queria ao mundo inteiro Da esperança a bela flor,
P or mor vergonha minha — confessar-me Que me entorne dentro d’alma
Baixo — infame — e vil — quando essa escada Alento consolador.
Do avarento subi! — que não esmola,
Mas um favor pedindo! Quanto eu seria feliz
P itõ e s — 5 d e N ovem bro d e 1S44
Se me pudesse esquecer
Que fôra tirar-te a vida
Doar-te o meu padecer!
Mas vive feliz — e alegre
Que eu triste bem sei morrer.
AUSÊNCIA. P itões — D etem bro de 1844.
[ 206 ]
V ERSO S PÓSTUMOS
[ 20 7 ]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Não vês que negra infâmia cinge a tribo D ’hino piedoso que no templo ecoa.
Dos tredos Aimorés, O crime é cego e surdo — êle, só êle.
Que aos rios fogem por fugir aos fortes Tais encantos não vê, não sente enlevos.
Dentes dos jacarés? Consigo do Senhor avilta as obras,
E a alma enegrecida, e suja e feia,
Tupã não vos quer ver — que vos fizestes Como os restos de uma harpa harmoniosa
Escravos d’Anhangàl Sôbre o pó terreal manchando arrastra.
Trem e, nação Tupi: — soluça, geme.
Povo que foi já! Vai sob a mata um cavaleiro, e deixa
— Pensativo que vai! — pender as rédeas
Mas um dia virá, bem longe d’hoje, Do seu corcel 603 que se embalançam livres.
E os teus livres serão: Roçando o peito eqüino. — Cavaleiro,
Mas êsse dia — não verás, ó povo. Que negro fado é o teu que a tais desoras
Teus filhos — também não! T e obriga a viajar? — Talvez que um tigre
Saltando sôbre ti co’as férreas unhas
T e aferre os dentes — e ao teu rubro sangue
Disse o Piaga e m orreu!” Tornara o índio
Misture a espuma das sanguíneas fauces.
Depois de um breve descansar arfado!
Oh! que homem és tu? donde vieste?
“ Ah! bem feliz é o que, morrendo, evita
Tu que sem armas por aqui viajas.
Ouvir a voz dos seus — gemendo — escravos..
Por sítios, — onde vela de contínuo
Adeus, Cantor — adeus! que a minha pátria
O crime infesto — a sórdida vingança?
Não é a tua, não — mas este vasto
Assim vais, porque imigos 604 não conheces?
Frondoso praino — estes vestidos serros,
Mas tu não sabes que é perdida a conta
E o imenso azul dos céus. — E a minha vida
Dêsses que assim viviam, que morreram
É ver a nuvem cambiando côres,
Às mãos cobardes do assassino — quando
E os cabelos do sol por sôbre a terra,
Talvez julgassem de abraçar amigos?
E tranqüilo escutar o ledo sôpro
Tu pensas?.. Em que pensas?.. Na tua casa
Da brisa que murmura — e o som das águas
Risonha e festiva — num êrmo oculta;
Trépido sôbre as pedras — o confuso
Pensas na cara espôsa que te aguarda.
Rum orejar das matas — o contínuo
Ou nos teus filhos — teu pensar contínuo?
Pavoroso lutar co’as bravas feras!”
(fOu no rico vilão — a quem tua alma
Altiva, e nova e grande — há pouco irada
Fêz humilde vergar? Ah! néscio! néscio!
A mente do que é vil inveja à nobre;
A inveja do que é vil ou mancha ou mata.
E is nisto um tigre na floresta ruge, Quebrou-se a estrada aqui — o cavaleiro
O índio atento escuta — e logo — a senda Vai dando volta — e sente-se ferido.
Precipite invade — e vai sôbre êle. Varou-lhe o coração a bala infame,
P itões — 25 de Dezem bro de 1844. E o ôco 605 som tocou — e a chama breve
Nos olhos — turvos, baços — nos ouvidos —
Cheios de um longo retinir confuso.
I I
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V E R S O S PÓ STU M O S
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A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
Avante! avante! ó Bravos. — Do Ipiranga Mas do tempo que foi — que resta agora?
Soou do nobre peito altivo grito, Memória apenas — recordar de males.
— Independência ou M orte! — H eróico brado Suave, quando o tempo os tem quebrado.
De sublime sentir, que nobres sentem. Agora resta amor ao pátrio solo.
Por vis não compreendido; um Povo inteiro. Amor à liberdade — à Independência
Uníssono responde — à voz excelsa — Do Brasileiro Império em mundo novo.
Ruidoso e forte — Independência ou M orte! Erguido em verdes prainos vicejantes:
Agora — amor à prole de Bragança,
A Pedro — Imperador.
Arrochados grilhões suporte o escravo,
Caxias 618 — 28 de Julho de 1845.
Não desponte sequer nos lábios dêle
A prece humilde do que implora a vida.
Suporte afrontas vis — o ente infame
Às injúrias, baldões, escárnio afeito. HINO AO DIA 28 DE JULHO.
Em cujas faces o pudor não brilha.
Em cujas veias já não gira o sangue. (P ara S er Cantado).
Em cujos lábios não borbulham vozes
De raiva — de rancor — d’honra ofendida. Fom os servos — noutros tempos.
Mas o que tal não fôr — o que no peito Curvados à prepotência;
Sente gravado em firmes caracteres De estrangeiros soberanos
— Amor e P átria — e Liberdade e H onra — Mendigamos a clemência.
Sopese a lança e leve a mão da espada,
E venha a 615 campo apercebido em guerra. Diziam que a liberdade
Nos podia ser fatal
A P átria chama aos seus — ou morte ou vida. Como nas mãos de um menino
Ou luz ou trevas da batalha pende — Buído e fino punhal.
Liberdade ou m orrer! Avante! ó Bravos.
Diziam que nossos olhos
Ê grato ao Lidador a lide acesa,
Afeitos à escuridão
O pó do campo — o estrépito das armas,
Suportar não poderiam
Da bala o sibilar; — fértil o sangue Da liberdade o clarão.
Do que procura a liberdade santa.
Honrosa a morte que liberta a Pátria. E nós — Homens — Brasileiros,
A Pátria chama aos seus. — Maldito o filho Nós sujeitos — nós curvados,
Que ao prantear da mãe não verte pranto. Fom os servos largos anos.
Maldito o cidadão —• que não tem braços. Largos anos — negregados!
Sangue nem coração, que tributar-lhe
Quando ela em dia aflito — aos seus convoca. Mas enfim lá do Ipiranga
Altivo grito soou:
Somos livres — longe o eco
Terras do M aranhão — terras ditosas.
Somos livres — reboou.
De galas, de primores revestida,
Que o avaro Holandês tanto alm ejava; 6 16 Êsse grito — foi princípio
A bela França cubiçou teus mimos, De existência vigorosa,
E ufanas de se ver sobre os teus mares Como incêndio erguido em breve
As flores três de lírios — assumiram De centelha duvidosa.
Fulgor mais vivo — no teu céu brilhante!
E as quinas que 617 de ver o fero aspecto Êsse grito foi em todos
Do negro Adamastor — quase temeram — Um só braço, um só querer.
No cabo das procelas combatido — Voz de mil vozes acordes:
Amavam pelos ares deslizar-se Independência ou morrer.
Da tua mansa brisa ao leve sôpro,
Como depois de um sonho tormentoso E do norte ao sul — do ocaso
Ama o triste acordar à luz da aurora. Do sol até ao nascer
Festivo grito responde:
Independência ou morrer.
Terras do M aranhão — terras viçosas!
E o estrangeiro há de colhêr teus frutos. E a liberdade,
Calcar-te o solo — espedaçar-te as flores, E ssa donzela
E tu êrma serás — escrava e muda, Cândida e bela
E tu sem filhos — sem valor — sem alma. Filha dos céus.
O h! não — que o brado excelso do Ipiranga Entre nós outros
Elétrico voou por montes — vales — Sem crua guerra
Do mar nos altos Andes repulsando Desceu à terra
Do P rata às férteis margens do Amazonas. Das mãos de Deus.
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V E R S O S PÓ STU M O S
[ 211]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
É triste a vida do homem descuidoso, Já nem sei que bem vos queira,
Que vive só na terra — e nunca eleva Nem que mais querer vos possa;
O pensamento aos céus; Sêde antes vossa que dêle,
Porque a vida é breve como flor da terra, Sêde antes minha que vossa.
Só a esperança que o infinito almeja
R io, 24 d’Outubro de 1846.
Não pode perecer.
Caxias — 9 de Agosto de l$ i5 ,
às 3 horas da manhã.
I I
Não posso dizer que não,
Não posso dizer que sim.
AO ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DE S. M. I.
G losa.
. ... heroum laudes et facta parentis Dizem que o amor é vendado,
•••............................................. legis Que tem feros passadores,
Aspice veiituro laetentur ut omnia soeclo. Com que aos próprios servidores
VERG. Egl. IV. Tem por vêzes desgraçado:
Porque hei de ter êsse fado,
Pudesse eu, triste vate, semelhando 620 Que tem sempre a dor por fim?
O ronco do trovão, que ruge irado. Amais ao amor, não a mim;
A lçar — entusiasta — ingente brado Pois se a êle só amais.
Dum pólo — noutro pólo, repulsando. Por mais que vós me digais,
“Não posso dizer que sim”.
Pudesse, além das nuvens remontando.
De mil astros brilhantes rodeado. Não p o s s o .... e bem desditosa!
Derram ar — sôbre o globo eletrizado Conheço que a só ventura
Seu nome, entre mil nomes fulgurando. Que desfruta a criatura.
Vem duma afeição mimosa:
Pudesse — a um brado tal o doce encanto Eu que sou bem extremosa,
Ju ntar de um terno cisne moribundo Que já sinto a ingratidão,
Que o alento final transform a em canto. Vou sofrendo esta paixão:
Se sois meu por amor dela,
Teu nome, sem cessar, dissera ao mundo. Eu que amo a vós, não a ela,
Tu que és nosso Paládio Sacrossanto, “ Não posso dizer que não”.
Augusto Imperador — Pedro Segundo.
Assim vivo descontente
C axias — 2 de D esem bro de 1845. Sem saber o que farei,
Nem sequer ao menos sei
O que seja mais prudente
Com êste fado inclemente
VOLTAS E MOTES GLOSADOS. Qual será meu pensamento.
D izer-vos: n ão; é tormento;
Dizer-vos — sim — é loucura!
Assim que, já sem ventura
Não posso dizer que não, Vivo neste sofrimento.
Não posso dizer que sim.
F ô ra brando o meu viver
A não vos ter conhecido.
Porque então um bem perdido
Não me fizera sofrer.
V olta.
Dizei-me o que hei de dizer;
Senhora, pois que podeis Brada-me sim a paixão,
Dizer que não, ou que sim, Minha alma grita-me não:
A ambos não magoeis: Nesta dura alternativa
Dizei — sim, mas não a êle; Sinto dor sempre tão viva,
Dizei — não, mas não a mim. 621 Que merece compaixão.
Rio 1 de novembro de 1846.
Outra V olta.
Senhora, que amor é êsse.
Ou que nova sem-razão! P ergunta.
Que se eu vos pergunto — sim? Quisera eu saber notícias
Respondeis-me sempre — não! A 622 respeito de um tal sim,
Que foi numa volta, aonde
Senhora, é isso paixão? Devera não ir sem mim.
O h! que o é, mas não por mim;
Que quando vós dizeis — sim, 6 de Novembro de 1846.
Um não quisera eu então!
[ 212]
V K R SO S PÓ STU M O S
G losa.
E ’ porventura razão
Que aquelas que são volúveis Não soa fera, sou humana!
Tenham, sós, indissolúveis Sinto amor e sei amar!
Amores por galardão? _
Assim pois minha paixão
(Que se queira Deus ouvir-me) Volta.
Nunca tem de permitir-me
Gozar sequer um instante Dizeis vós que não sois fera,
O prêmio de eu ser constante, E certo mereceis fé;
“ Não quisera ser tão firme.” Que o vosso rosto formoso
Rosto de fera não é.
Bem me diz o coração
Que a constância cansa a ingratos Mas dizeis que sois humana!
De volúveis nunca fartos, Qu’importa que seja assim,
(Que volúveis tôdas são) ; Se humana sois para outros.
Sentir constante paixão Desumana para mim!
E ’ de uma alma melindrosa,
Mas a mulher que é formosa, Sentis amor! bem o creio:
Que em amores se retrata. Tem perfume a linda flor.
Oh! não é falsa! é cordata Ledas aves têm 625 gorjeios,
“Para ser mais venturosa.” Mulher bela tem amor.
[213]
A N T Ô N IO G O N Ç A L V E S D I A S
[214]
V E R S O S PÓ STU M O S
[215]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
Vêm 636 o frecer os presentes Ai! nunca as águas dêsse lago tolde
Que a Arábia Feliz produz. Raivoso furacão,
Louvor a Deus nas alturas, Nem se desgarrem pelo undoso espaço
Louvor na terra a Jesus. As naus que juntas vão.
[216]
A'^ERSOS PÓSTUMOS
[217]
ANTÔNIO GONÇALVES DIAS
I I I VIII
[2 1 8 ]
V ERSO S PÓSTUMOS
Notas-lhe a fronte de cuidados cheia, Dizem também, 650 mas não o dou por certo,
Nuvens e nuvens vêdes i passar, Que um dêsses lesmas, já assim falou —
Como na praia turbilhões de areia, Foi um discurso de zurrar aberto,
Como em tormenta os vagalhões no m ar! Do senado um taquígrafo o tomou: 651
Grande homem! dize: que temor te afronta? “ ó tu que tens de humano o gesto e o peito,
A nau do Estado salvarás talvez! . . . Se de humano é matar um bicho 652 feio
Qual nau do Estado?! é a horrorosa conta Só porque o costado tem sujeito
Dos ruços magros, que alugou por mês! A quem lhe soube pôr o sujo arreio,
A estas mataduras tem respeito, 653
Pois te não move a rigidez do freio!
I I
Basta enfim, que é mortal feito com pasta. “Põe-me onde se use tôda a crueldade.
Fardado, com tetéias, com galão! Entre leões e tigres, e verei
Trata-se de comer — nada lhe basta; Se nêles achar posso a piedade,
Mas dizem que é sujeito à indigestão! Que em peito de ministros não achei!
Ali co’amor intrí’seco e vontade
Trata-se de f a la r !... Aplaude-o junta. No capim por que morro, viverei!
Em pêso a maioria, — homem feliz!
Mais modesto que o Grego não pergunta, “ Pois de algum deputado a resistência
Tem a certeza de que asneira diz! Sabes domar, sem ser com fogo ou ferro.
Sabe também dar vida com clemência
Trata-se de e scre v e r!... Vêde em que espaço A quem para perdê-la não fêz êrro.”
Folhas e folhas de papel encheu!
Cem vêzes mil em ruim papel de almaço
Mais ia por diante o monstro horrendo
Soberbo assina o nome ilustre seu!
Com o sermão, que ninguém lhe encomendara, 654
Mas num dia nefasto, a turba-multa Quando inimiga mão lhe foi batendo
Irosa vai-se à estátua do imortal, Com o chicote estalador na cara!
Com duro esparto o ilustre colo insulta Manaus — Maio de 1861.
Té dar com êle em fundo lodaçal!
[219]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
Se em nossos peitos desses caos surgissem Como a do viajor que pelas trevas
Os êxtases de amor, Sem tino vai,
Como aves mil, que no romper do dia E , errado o trilho, se embrenhou nas matas,
Voam de um ramo em flor! Nem delas sai!
[ 220 ]
V ERSU S PÓSTUMOS
Se é cubiçar-te, querer-te^
Como uma bênção dos céus
A ti sòmente na terra
A BAUNILHA. Como lá em cima a Deus;
[2 2 1 ]
ANTÔNIO GONÇALVKS D IAS
“ Que tesouro 659 na terra há i que a iguale? Porém procura esquecer-te, 661
Quero-a mil vêzes, de joelhos — sim! Das venturas no regaço.
Bendita a vida que tal preço vale, De mim, dos votos que faço.
E que merece de acabar assim !” De quanto pedi aos céus
Manaus *— 25 de Junho de 1B6Í.
Ver êste d i a . .. . mas choro!
V ai! sê feliz! adeus!
Manaus 25 de Junho de 1861.
COMO! ÉS TU.?
[ 222 ]
V ER SO S PÓSTUMOS
[ 223 ]
A N TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S
Traz mau conselho a frouxidão do ócio, Na posse do tacape lhes foi dada
O velho assim se exprime: os dons do Ibaque, Da terra a posse — invadem conquistando.
São do Ibaque outra vez, já não são vossos; Imperam, mas de sangue se embriagam,
Mas tendes franca a terra, livre a escolha E o bravo outrora, hoje cruel se chama!
Da sorte (eu vo-la dou) que mais vos praza, Que vale resistir-lhes? — Tudo cede,
Podeis rasgar-lhe o seio, fecundá-la Tudo ao seu poder se aeurva e humilha.
Com ímprobo trabalho: as louras messes, Férteis ilhas perdidas no oceano
Que ora vicejam, sós virão a custo 66S Do seu nome se chamam: foi debalde
Do parco agricultor em prêmio à lide; O trato que as divide — infindas hostes
Talvez porém malsazonadas murchem. Para defesa armadas — brandos ventos
Ou no verdor das fôlhas mentirosas Os levam — no fronteiro continente
Poreis esp’rança vã de larga ceifa. Surgem, tranqüilo o mar, na estranha igara.
J á senhores, nas tabas opulentas
Detém-se o velho aqui — turvos semblantes Folgam de ouvir mesclados dialetos.
Contempla em tôrno a si; porém mais turvos Estranhos sons na feminil loqüela.
Nota que são depois que a voz lhe ouviram.
Loucos, que rejeitais de um Deus a oferta. Aguas da corrente assoberbada
Mal sabeis quanto é grato ver a planta Pela fúria do inverno, que vencendo
Crescer, vingar à força de cuidados, Com ímpeto fremente as altas margens.
H oje verde e viçosa — amanhã triste Árvores prostram, selvas de liâmes
E murcha um pouco — já retoma o viço. Boiantes após si ao pego arrastam —
Alarga os ramos — copa-se frondosa. Novos leitos forçando.
Matiza-se de flores que embalsamam, T al dos heróis a fúria se revela;
E enfim de frutos carregada verga. Mas ai dos malfadados, que já travam
Combates entre si! — Um Deus, que vale? 666
Que prestam seus avisos, quando o ódio
Crava raiz na terra ensangüentada,
E à vingança o guerreiro excita e impele?
Outra sorte quereis? prossegue o velho.
Outra sorte vos dou. — Quereis na vida
Aspérrima e cruel de acesos prélios
A terra conquistar, e em duras festas. Qual fôsse a causa da fatal zizânia,
Enquanto os hinos da vitória soam, Lem brai-m a vós, espíritos beni’nos,
Com langor celebrar cruentas lutas? Que na voz da acauã gemeis sentidos.
Guerra quereis enfim? — “ Queremos guerra. Ai, 667 nesse mesto canto inda suspiram
E da terra o labor ingrato e duro Almas fortes de heróis, — inda lamentam
A turba mulheril fique e se guarde.” Da discórdia os fatais e ruins efeitos,
Da selva as ramas fremem compassivas
— Guerras tereis, lhes torna merencório. Nos ecos murmurosos — nós, seus netos.
Sem descanso as tereis; e nisto arroja Prestam os surdo ouvido à voz plangente. 668
No solo pulvurento a bruta maça.
Com arma igual sereis nunca vencidos —
D isse; mas ai de vós — de vossos netos,
Dos últimos vindouros, se rebentam
Discórdias entre irmãos. — T ristes! se acaso Crangé, filho de Imbé, guerreiro ilustre.
Não pondes côbro ao mal! Há de o contágio De ser dos chefes o maior s’ufana.
Lavrar por todos vós — té que vos faça. Graças à turba infinda que o rodeia.
Dominados de atroz vingança infausta, Mais rico de troféus — Taoba ostenta
A estranhos fins servir em dano próprio! Colar que cinco vêzes sôbre o peito
Frouxo e às largas lhe cai, e a lunar forma
Mal atendem aos últimos conselhos — Cinco vêzes crescendo multiplica:
“ À guerra! à guerra, amigos — todos bradam. Rico de igarités, de remos fortes,
Nesse viver de aspérrimas contendas Que a seu querer do mar as ondas rasgam,
Fama, troféus se lucra, e nome ilustre.” D ’espalhar o espanto, e o susto e a morte
[ 224 ]
V E R S O S PÓ STU M O S
Ao longe se contenta — a 669 uma ilha c à outra, A nota senda, qual jaguar sanhudo
Do seu nome o terror levam as ondas. Que ao antro leva a corça esmorecida —
Crangé propõe-lhe um dia: “Ilustre chefe Pasto abundante à fome que o devora.
D igarités sem conto — eu de soldados
Cópia infinda governo — nossas forças Prêsa infeliz! funesto encontro aquele,
Unamos pois, e os maracás se ajuntem, Zvlal entra no arraial, vendo-a tão bela
A ti e a mim cabendo igual império, Rudos e feros os corações se enlevam.
Em firme, eterna aliança; e como o vento Porém de Imbé com mais violência a chama
Quando revolto nestas ilhas sopra. Se lhe ateia no peito — tudo olvida.
Vamos à terra oposta, ali teu nome, Cedendo ao impulso de fatais desejos,
Guerreiro ilustre, e o de Crangé se escutem!” 670 A emprêsa começada, a própria glória,
Guerras, conquistas — tudo — desde essa hora.
Taoba aceita, inúmeras igaras Daquele ser na posse os seus anelos
Rasgam do mar o seio entumecido. Concentra; e fora dêle o mundo é nada.
Três sóis — e ao quarto sol a fôfa espuma “ Dêsse mimoso achado em câmbio aceita,
Cospem de Marajó nas brancas praias. Venturoso Taoba, o arco, as setas.
Armas, troféus de Imbé — e os seus guerreiros
Grato descanso após penosa lida Sigam do teu cocar mescladas plumas,
Presta-lhes amiga terra, — ovantes folgam Benquistas da ventura: eu dessa jóia
De ver, examinar, correr a praia. Contente e pago, às pátrias ilhas volvo.”
Frutos colher, a discutir quais sejam
Da terra inculta os íncolas; que sorte “Verde nefrito achei, lhe diz Taoba,
Lhes oculta o porvir. Taoba entanto Que me podes tu dar da pedra em trôco?
Vai só •— quase sem armas — ínvias matas Se doutrem fôra, — eu pola haver servira
No ardor que cego o arrasta prescrutando. 671 Quantos anos do ipé têm 676 visto as flores.
Trocá-la não — dá-la tampouco — é minha.
Súbito os bosques rasgam-se — aparece Com zêlo a guardarei — feitiço e risos
Ao longe o mar — e próxima arenosa Do triste alvergue meu — depois que a morte
Branca praia cintila ao sol do ocaso, Órfã minha Peri deixou comigo.” —
E aqui, além, dos muricis nas moitas
Em juvenil folguedo descuidadas “ Dá-ma, lhe diz Im bé: cabe a mais bela
Brincam donzelas mil; a mais airosa, 672 Ao mais valente, e a ninguém cedo — o s a b e s !..
Meigo feitiço d’olhos que surprende
— “Exceto a mim sòmente”, — lhe replica
Vontade e corações — por anos quinze
O selvagem guerreiro alçando a fronte,
Escassos, vira em flor o cajueiro.
E a voz ao gesto; freme-lhe no peito
Nasceu com ela o juçaral no brejo.
O ominoso co la r!.................................................
Mal no porte gentil e airoso a iguala,
Mas fruto inda não deu, inda não tinge
De roxa e viva côr os longos cachos. 673
— “Tapera a ti?! já não no és, se o fôste; — “E cce hom o!” — lhe dizem.
Nas surdas tabas a andorinha folga “ D o u to r .... aquilo? — “ Oh se é!
Prendendo os ninhos seus aos ermos tetos, Faz plágios, copia, imprime
Mas tu, que para adorno do guerreiro Volumes que ninguém lê.
Nasceste, 675 ave gentil, guará soberbo.
“ É o moderno Tostado,
Virás comigo — onde Peri mimosa,
E em finanças não Zote,
Na idade igual a ti — talvez mais bela.
Noiva de seu bom pai te abrace amiga. Grande home’ em tudo e por tudo,
In iitroque, utraque, utroque!”
Pasmados te contemplem meus guerreiros
O rosto e o porte, — a minha escolha aplaudam, “Eureka! interrompe o Grego;
E de Taoba o xerimbabo invejem !” — Dava p’ra o ver uma perna!
Disse e não mais, travando-lhe do braço. Achei um asno às direitas.
Ela, qual mimosa sensitiva. Posso apagar a lanterna.”
Desmaia ao toque rude; êle a sopesa
E nem lhe sente o pêso, recorrendo
[ 225 ]
AN TÔ N IO G O N Ç A L V E S D IA S
[ 226 ]
V ERSO S PÓSTUMOS
(I mitação).
MINHA TERRA!
O som do nome seu é doce aos lábios.
Macio se desliza e flui risonho,
Como entre flores um regato corre, Quanto é grato em terra estranha.
Como entre as faces de pulido prisma Sob um céu menos querido.
A luz ostenta um íris luminoso. Entre feições estrangeiras.
Ver um rosto conhecido;
É como a aurora boreal seu nome,
Como êsses meteoros, que em uma noite Ouvir a pátria linguagem
De sereno luar, cortando as nuvens, Do berço balbuciada.
Deixam nelas um traço de luz branca, Recordar sabidos casos
Qu’afaga os olhos, e o prazer semelha! Saudosos — da terra amada!
[ -^27 ]
AXTÔNIO GONÇALVES D IAS
[ 228 ]
V ERSO S PÓSTUMOS
(H e i n e )
“Ai! quão dura fadiga!
Ai! quanto de suor vê-se iminente
A quem veste loriga. Não te diz meu rosto pálido
Ao infante valente. Que eu morro de amor por t i? ! ...
Aos homens e aos cavalos juntamente! Queres que a bôea o proclame.
Quebre orgulhosa por s i!..
“E tu, Betis divino. Oh! que esta bôea mal sabe
De sangue alheio e teu todo manchado. Beijar, sorrisos compor.
Quanto ao mar vizinho Dizer sardónicos ditos
Vais dar d’elmo quebrado. Enquanto eu morro de dor!
Quanto corpo de nobres destroçado!
[ 229 ]
ANTôNTO 60N Ç A I.V K S D IAS
Tenho veneno nos v e r s o s !.... Tu, meu anjo fiel, desce do Em píreo:
Pois seja: veneno têm. Traze-m e a c ’roa do triunfo egrégio!
Tam bém tenho serpes n’alma Será mais doce o ar por ti movido.
E a ti, amada, também. Mais breve ao céu m ’exalçarei contigo!
(H e in e )
FORTIFICA-A/E, ó DEUS!
Como ante um ’spectro, o imigo cede o passo,
( T rad . Do A l e m ã o )
Não se lhe atreve alguém, ninguém o afronta;
Contra êle não tem força o melhor aço,
A mais aguda seta se desponta.
Fortifica-m e, ó Deus, por tuas chagas
Fundas de morte, quando a venturosa Eis que um donzel em frente dêle pula!
Doce hora, que do céu nos m ostra as palmas. — Alto, assassino, diz: além não passas!
Ao meu leito de morte te aproxime. — J á não te valerão do inferno as traças,
— Desfez-se o encanto, — essa obra negra é nula.-
Tu, me bafeja então co’as mansas asas.
Sossegado descanso! — Espectros feios Ardem os dois em fúria carniceira;
Dos rneus pecados maus, fugi, parti-vos Rasga-se a opa ao duque: tinge o chão
Do leito da aflição, onde cansado 689 Seu sangue, — volvem-se ambos na poeira
Meu turvo olhar em lágrimas se apague! E um do outro amaldiçoa a mão!
[ 230 ]
VKRSOS PÓSTUMOS
[231]
ANTÔNIO GONÇALVES D IAS
[ 232 ]
VERSO S PÓSTUMOS
ò Alberto, alemão, que a abandonaste Sôbre o mar que sem fim se desdobrava
Trem ia a luz do sol; no pôrto, ao longe
Branquejava o navio
Justa punição dos céus descendo Que transportar me deveria à Pátria.
Caia sôbre os teus — e tal seja ela
Que o rei, teu sucessor, tema imitar-te!
Não era o vento de feição. Tranqüilo
Pois que tu e teu pai — haveis querido.
Sentava-me eu nas dunas alvejantes
Por quererdes reinar — além dos Alpes,
Na solitária praia
Que do Império o Jardim ficasse inculto;
A ler os cantos da Odisséia, os carmes
Ora vem ver Montechi e Cappelletti,
Antigos, mas eternamente belos
Monaldi e Philippeschi — divididos —
D ’imortal juventude, e dessas fôlhas
Que são escravos — ou que temem sê-lo;
Do salitre das ondas salpicadas
Verás, como te chora a tua Roma
Subia-me risonho
Viúva e triste e só — de noite e dia
O hálito dos Deuses,
Entre amargos soluços repetindo;
A primavera esplêndida da vida,
Õ César meu, porque de mim te fôste?!
E do Helas o céu resplandecente.
E vendo por que modo a gente se ama.
Ou sente compaixão — ou tem vergonha
Da imerecida fama — e do teu nome. Meu nobre coração acompanhava
E se lícito me é. Senhor superno Nos seus errores e aflições o filho
Prudente de Laerte; 701 de tristezas
Que sofreste por nós cruel martírio —
Porque de sôbre nós tiraste os olhos? Cortado, e cabisbaixo, junto dêle,
Ou porventura no profundo abismo No lar hospitaleiro,
Do teu alto pensar — melhor futuro Onde as rainhas púrpura fiavam.
Sentava-me, ajudando-o nas mentiras,
A nós mortais oculto nos preparas?
E a esquivar ditoso
Que as províncias da Itália — já se encheram.
Braços de ninfas, covas de gigantes
Já fervem, já transbordam de tiranos,
-Acompanhava-o na ciméria noite
Que altos Marcelos — de vilões se fazem.
Por entre tempestades e naufrágios,
E sofria misérias indizíveis!
E tu — Florença minha — sê contente
Com teu povo sutil — que a ti não chega E suspirei: — Quanto és cruel, Possêidon!
Da mente o mau errar — pois não és rica, Tremenda é tua cólera!
Pois não gozas de paz — pois não tens fastos E a mim próprio me anseia
Com que aos incréd’los provarias isto? O meu retorno à Pátria!
Lacedemônia, Sparta — e Roma e tôdas
Do bom viver civil — profícuas mães — Mal proferira estas palavras, quando
Não o foram menos — do que o és agora? O mar de luz espuma,
Menos o foram — do que tu, que forjas E dentre as brancas ondas vai surgindo
Decretos tão sutis — que a meio Outubro Do Deus do mar a fronte
Não chegam — se em Setembro os fabricaste. C roada de caniços,
No tempo ainda lembrado ah! quantas vêzes __ E diz-me zombeteiro:
[ 233 ]
AKTÔNIO GONÇALVES D IAS
[ 234 ]
Ivares de Azevedo
Foi poeta — sonhou — e amou na vida. — ..
[ 237 ]
r
P o E s t Á s
[ 239 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 240]
PO E SIA S
ANJINHO.
CISMAR.
And from her fresh and unpolluted flesh
Fala-me, anjo de luz! és glorioso May violets spring!
À minha vista na janela à noite. Hamlet.
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos
Do homem que se ajoelha para vê-lo Não chorem! que não morreu!
Quando resvala em preguiçosas nuvens E ra um anjinho do céu
Ou navega no seio do ar da noite. Que um outro anjinho chamou!
Romeu. E ra uma luz peregrina,
Era uma estréia divina
Ai! quando de noite, sozinha à janela, Que ao firmamento voou!
Co’a face na mão eu te vejo ao luar,
Porque, suspirando, tu sonhas, donzela? Pobre criança! dormia:
A noite vai bela, A beleza reluzia
E a vista desmaia No carmim da face dela!
Ao longe na praia Tinha uns olhos que choravam.
Do mar! Tinha uns risos que encantavam!
Ai meu Deus! era tão bela!
Por que essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva a cheiroso jasmim? Um anjo d’asas azuis,
Na cisma que anjinho te conta segredos? Todo vestido de luz.
Que pálidos mêdos? Sussurrou-lhe num segredo
Suave morena. Os mistérios de outra vida!
Acaso tens pena E a criança adormecida
De mim? Sorria de se ir tão cedo!
[2 4 1 ]
M A N O E L ANTÔ N IO Á L V A R E S P K AZEVEDO
V I.
[ 242 ]
PO ESIA S
[ 243 ]
M A X Ü E L A ^ 'T Ô N I O Â L Y A R E S D E A Z E V E 3 ) 0
[ 244 ]
P O E S IA S
Mas vota ao menos no lembrar saudoso Oh! nunca em fogo teu ardente seio
Um ai ao so n h a d o r.... A meu peito juntei que amor definha;
Deus sabe se te a m e i!... Não te maldigo, A furto apenas eu senti medrosa
Maldigo o meu a m o r !.... Tua gélida mão tremer na m inha!-----
Mas n ã o ... inda uma v e z ... Não posso ainda Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta
Dizer o eterno adeus Num beijo esta minh’alma enlouquecer
K a sangue-frio renegar dos sonhos E que eu viva de amor nos teus joelhos,
E blasfemar de Deus! E morra no teu seio o meu viver!
Oh! fala-me de amor — eu 715 quero crer-tc Sou um doudo, meu Deus! mas no meu peito
Um momento sequer! Tu sabes se uma dor, se uma lembrança
esperar na ventura e nos amores, Não queria calar-se a um beijo dela,
Num olhar de mulher! Nos seios dessa pálida criança!
Sur votre main jamais votre front ne se pose. Adeus! rasgou-se a página saudosa
Brûlant, chargé d’ennuis, ne pouvant soutenir Que teu porvir de amor no meu fundia,
Le poids d’un douloureux et cruel souvenir;
Votre coeur virginal en lui-même repose. Gelou-se no meu sangue moribundo
TH. GAUTIER. Essa gôta final de que eu vivia!
[ 245.]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 246 ]
POESIAS
Lá entre os laranjais, entre os loureiros, Ô Anjo do meu Deus, se nos meus sonhos
Lá onde a noite seu aroma espalha A promessa do amor me não mentia.
Nas longas praias onde o mar suspira, Concede um pouco ao infeliz poeta
Minha alma exalarei no céu da Itália! Uma hora da ilusão que o embebia!
Ver a Itália e m o r re r!... Entre meus sonhos Concede ao sonhador, que tão somente
Eu vejo-a de volúpia adormecida: Entre delirios palpitou d’enleio,
Nas tardes vaporentas se perfuma Numa hora de paixão e de harmonia
E dorme à noite na ilusão da vida! Dessa Itália do amor morrer no seio!
A T ____
I I.
A Itália! sempre a Itália delirante! No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus.
E os ardentes saraus, e as noites belas! PROPÉRCIO.
A Itália do prazer, do amor insano,
Do sonho fervoroso das donzelas!
Amoroso palor meu rosto inunda.
E a gôndola sombria resvalando Mórbida languidez me banha os olhos,
Cheia de amor, de cânticos, de flores, Ardem sem sono as pálpebras doridas.
E a vaga que suspira à meia-noite Convulsivo tremor meu corpo vibra:
Embalando o mistério dos amores! Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejo
Ama-te o sol, ó terra da harmonia, E nos meus sonhos desmaiando passa
Do Levante na brisa te perfumas: A imagem voluptuosa da v e n tu r a ....
Nas praias de ventura e primavera Eu sinto-a de paixão encher a brisa.
Vai o mar estender seu véu d’escumas! Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar do colo.
Vai a lua sedenta e vagabunda Cheirosas flores desparzir sorrindo
O teu berço banhar na luz saudosa. Da mágica cintura.
As tuas noites estrelar de sonhos Sinto na fronte pétalas de flores.
E beijar-te na fronte vaporosa! Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.
Mas flores e perfumes embriagam,
Pátria do meu amor! terra das glórias E no fogo da febre, e em meu delírio
Que o gênio consagrou, que sonha o povo, Embebem na minh’alma enamorada
Agora que murcharam teus loureiros Delicioso veneno.
Fôra doce em teu seio amar de novo:
Estréia de mistério, em tua fronte
Amar tuas montanhas e as torrentes Os céus revela, e mostra-me na terra,
E êsse mar onde bóia alcion dormindo, Como um anjo que dorme, a tua imagem
Onde as ilhas se azulam no ocidente, E teus encantos onde amor estende
Como nuvens à tarde se esvaindo; Nessa morena tez a côr de rosa.
Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!
Aonde à noite o pescador moreno O fogo de teus olhos me fascina,
Pela baía no batei se escoa, O languor de teus olhos me enlanguesce, 719
E murmurando, nas canções de Armida, Cada suspiro que te abala o seio
Treme aos fogos errantes da canoa; Vem no meu peito enlouquecer minh’alma!
Onde amou Rafael, onde sonhava Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
No seio ardente da mulher divina, De quem morre por ti, e morre amando.
E talvez desmaiou no teu perfume Dá vida em teu alento à minha vida.
E suspirou com éle a Fornarina! Une nos lábios meus minh’alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
E juntos, ao luar, num beijo errante Na tua alma infantil; na tua fronte
Desfolhavam os sonhos da ventura, Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
E bebiam na lua e no silêncio Sentir as virações do paraiso;
Os eflúvios de tua formosura! E a teus pés, de joelhos, crer ainda
[ 247 ]
M A N O E L A N T Ô N IO A LVARES DE AZEVED O
Que não mente o amor que um anjo inspira, Que nau cheia de glória e d’esperanças.
Que eu posso na tua alma ser ditoso, Floreada ao vento a rúbida bandeira,
Beijar-te nos cabelos soluçando Na luz do incêndio rebentou bramindo
E no teu seio ser feliz morrendo! Na vaga sobranceira?
Descm hro, 1S51.
Porque ao sol da manhã, e ao ar da noite
Essa triste canção, eterna, escura
Como um treno de sombra e de agonia,
Nos teus lábios murmura?
CREPÚSCULO DO MAR,
É vermelho de sangue o céu da noite
Que rêves-tu plus beau sur ces lointaines plages Que na luz do crepúsculo se banha:
Que cette chaste mer qui bagne nos rivages? Que planeta do céu do rôto seio
Que ces mornes couverts de bois silencieux.
Autels d’où nos parfums s’élèvent dans les deux? Golfeja luz tamanha?
L A M A R T IN E .
Que mundo em fogo foi bater correndo
Ao peito de outro mundo — e uma torrente
No céu brilhante do poente em fogo De medonho clarão rasgou no éter
Com auréola ardente o sol dormia: E jorra sangue ardente?
Do mar doirado nas vermelhas ondas
Purpúreo se escondia. Onde as nuvens do céu voam dormindo, 720
Que doirada mansão de aves divinas
Como da noite o bafo sôbre as águas Num véu purpúreo se enlutou rolando
Que o reflexo da tarde incendiava. Ao vento das ruínas?
Só a idéia de Deus e do infinito
No oceano boiava!
[ 248 ]
POESIAS
Lo bel planeta che ad amar conforta Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Faceva tutto rider l’oriente. Da huri dos amores,
D A N TE. Purgatório. Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores,
Estrelinhas azuis do céu vermelho. E pôde vê-la morta ou esquecida
Lágrimas d’oiro sobre o véu da tarde, Dos longos beijos seus.
Que olhar celeste em pálpebra divina Sem blasfemar das ilusões mais puras
Vos derramou tremendo? E sem rir-se de Deus!
Foram anjos de amor que vagabundos Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros
Com saudades do céu vagam gemendo Nem geme a viração,
E as lágrimas de fogo dos amores E dentro — no deserto do meu peito
Sôbre as nuvens pranteiam? Não dorme o coração!
[ 24 9 ]
M A N O K L A N T Ô N IO Á LVARES DE AZEVED O
[ 250 ]
POKSIAS
E ’ a voz do sabiá: êle dormia Oh! Santa Malibran! fôra tão doce
Ebrioso de harmonia e se embalava Pelas noites suaves do silêncio
No silêncio, na brisa e nos eflûvios Nas lágrimas de amor, nos teus suspiros,
Das flores de la ra n ja ... Ilná, ouviste? Na agonia de um beijo, ouvir gemendo
É o canto saudoso da esperança, Entre meus sonhos tua voz divina!
É dos nossos amores a cantiga
Que o aroma que exalam teus cabelos. Oh! Paganini! quando moribundo
Tua lânguida voz talvez lhe inspiram! Inda a rabeca ao peito comprimias,
Se o hálito de Deus, essa alma d’anjo
Que das fibras do peito cavernoso
Vem, Ilná: dá-me um beijo — adormeçamos. Arquejava nas cordas entornando
A cantilena do sabiá sombrio Murmúrios d’esperança e de ventura,
Encanta as ilusões, afaga o s o n o ... Se a alma de teu viver roçou passando
Oh ! minha pensativa — descuidosa, Nalgum lábio sedento de poesia,
Eu sinto a vida bela em teu regaço. Numa alma de mulher adormecida,
Sinto-a bela nas horas do silêncio Se algum seio tremeu a concebê-lo,
Quando em teu colo me reclino e durmo, Esse alento de vida e de futuro,
E ainda os sonhos meus vivem contigo! Foi o teu seio, Malibran divina!
Ah! vem, ó minha Ilná: sei harmonias Ah! se nunca te ouvi, se teus suspiros,
Que a noite ensina ao violão saudoso D esdêm ona sentida e moribunda,
E que a lua do mar influi na mente; Nunca pude beber no teu exílio,
E quando eu vibro as cordas tremulosas, Nos sonhos virginais senti ao menos
Como alma de donzela que respira. Tua pálida sombra vaporosa
Coa nas vibrações tanta saudade. Nesta fronte que a febre incandescera
Tanto sonho de amor esvaecido, Depor um beijo, suspirar passando!
Que o terno coração acorda e geme,
E os lábios do poeta inda suspiram! Meu Deus! e outrora se um momento a vida
De poesia orvalhou meus pobres sonhos
Anjo do meu amor! se os ais da virgem Foi nuns suspiros de mulher saudosa,
Têm doçuras, têm 724 lágrimas divinas, Foi abatida, a forma desmaiada,
É quando no silêncio, e no mistério Uma pobre infeliz que descorando
Sôbre o peito do amante se derramam Fazia os prantos meus correr-me aos olhos!
No sufocado alento os moles cantos.
Pobre! pobre mulher! êsses mancebos
Cantos de amor, de sêde e d’esperanças
Que choravam por ti quando gemias,
Que nos lábios febris afoga um beijo!
Quando sentias a tua alma ardente
No canto esvaecer, pálida e bela,
Ouves, Ilná? meu violão palpita: E teu lábio afogar entre harmonia
Quero lembrar um cântico de amôres; — Almas que de tua alma se nutriam,
Fôra doce ao poeta, ao teu amante Que davam-te seus sonhos, e amorosas
Nos ais ardentes das maviosas fibras Desfolhavam-te aos pés a flor da vida.
Ouvir os teus alentos de mistura, Ai quantas não sentiste palpitantes,
E as moles vibrações da cantilena Nem ousando beijar teu véu d’espôsa,
Êste meu peito remoçar um pouco! Nas longas noites nem sonhar contigo!
Virgem do meu amor, vem dar-me ainda
Um beijo! — um beijo longo transbordando E hoje riem de ti! da criatura
De mocidade e vida, e nos meus sonhos Que insana profanou as asas brancas,
Minh’alma acordará — o sôpro errante Que num riso sem dó, uma per uma,
Da alma da virgem tremerá meus seios Na torrente fatal soltava rindo,
E a doce aspiração dos meus amôres E as sentia boiando solitárias.
No condão da harmonia há de embalar-se! As flores da coroa, como O fé lia !...
Que iludida de amor vendeu a glória
E deu seu colo nu a beijo im p u ro ....
Eles riem de ti — mas eu, coitada,
Pranteio teu viver e te perdôo!
A HARMONIA. Fada branca de amor, que sina escura
Manchou no teu regaço as roupas santas?
Porque deixavas encostada ao seio
Meu Deus! se às vêzes na passada vida A cabeça febril do libertino?
Eu tive sensações que emudeciam Porque descias das regiões doiradas
Essa descrença 725 que me dói na vida, E lançavas ao mar a rôta lira
E, como orvalho que a manhã vapora. Para vibrar tua alma em lábios dêle?
Em seus raios de luz a Deus me erguiam, Porque fôste gemer na orgia ardente
Foi quando às vêzes a modinha doce A santa inspiração de teus poetas,
Ao sol de minha terra me embalava, Perder teu coração em vis amôres?
E quando as árias de Bellini pálido Anjo branco de Deus, que sina escura
Em lábios de Italiana estremeciam! Manchou no teu regaço as roupas santas?
[251]
MANOEL ANTÔNIO ÂliVARES DE AZEVEDO
I I.
A nós a vida em flor, a doce vida
Recendente de amor!
Oh! não tremas! que este olhar, este abraço te
Cheia de sonhos, 727 d’esperança e beijos digam o que é inefável — abandonar-se sem receio,
E pálido languor! inebriar-se de uma voluptuosidade que deve ser eterna
GOETHE. F a u s t.
A tua alma infantil junto da minha
No fervor do desejo, Sim — coroemos as noites
Com as rosas do himeneu;
Nossos lábios ardentes descorando
Entre flores de laranja
Comprimidos num beijo,
Serás minha e serei teu!
[ 252 ]
POESIAS
E pitáfio.
[ 253 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 254 ]
POESIAS
[ 255 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S DE A ZEVED O
[256 ]
POESIAS
[ 257 ]
M A N O E L AN TÔ N IO A L V A R E S D E A Z E V E D O
Tenho febre — meu cérebro tran sb o rd a... Vivi na solidão — odeio o mundo,
Eu morrerei mancebo, inda sonhando E no orgulho embucei meu rosto pálido
Da esperança o fulgor! Como um astro n u blad o...
O h! cantemos ainda! a última corda Ri-me da vida — lupanar imundo
Inda p a lp ita .... morrerei cantando Onde se volve o libertino esquálido
O meu hino de amor! Na tr e v a ... profanado!
Meu sonho foi a glória dos valentes, Quantos hei visto desbotarem frios, 736
De um nome de guerreiro a eternidade Manchados de embriaguez da orgia em meio
Nos hinos seculares: Nas infâmias do vício!
Foi nas praças, de sangue ainda quentes. E quantos morrerão inda sombrios
Desdobrar o pendão da liberdade Sem remorso dos negros devaneios. . .
Nas frontes populares! Sentindo o precipício!
Meu amor foi a verde laranjeira Quanta alma pura, e virgem menestrel
Cheia de sombra, à noite abrindo as flores Que adormeceu no tremedal sem fundo,
Melhor que ao meio-dia; 734 No lôdo se manchou!
A várzea longa — a lua forasteira Que liras estaladas no bordel!
Que pálida como eu, sonhando amores. E que poetas que perdeu o mundo
De névoa se cobria. Em Bocage e Marlowe!
Meu amor foi o sol que madrugava, M orrer! ali na sombra — na taverna
O canto matinal dos passarinhos A alma que em si continha um canto aéreo 737
E a rosa p red ileta... No peito solitário!
Fui um louco, meu Deus! quando tentava Sublime como a nota obscura, eterna,
Descorado e febril manchar nos vinhos Que o bronze vibra em noites de mistério
Meus louros de poeta! No escuro campanário!
Meu amor foi o sonho dos poetas Ó meus amigos, deve ser terrível
— O belo — o gênio — de um porvir liberto Sôbre as tábuas imundas, inda ebrioso,
A sagrada utopia. Na solidão morrer!
E à noite pranteei como os profetas. Sentir as sombras dessa noite horrível
Dei lágrimas de sangue no deserto Surgirem dentre o leito p av o ro so ...
Dos povos à agonia! Sem um Deus para crer!
Meu a m o r !... foi a mãe que me alentava, Sentir que a alma, desbotado lírio,
Que viveu e esperou por minha vida Dum mundo ignoto vagará chorando
E pranteia por m im ... Na treva mais e s c u ra ...
E a sombra solitária que eu sonhava E o cadáver sem lágrima, sem círio,
Lânguida como vibração perdida Na calçada da rua, desbotando,
De rôto b an d o lim ... Não terá sepultura!
Eu vaguei pela vida sem conforto. Fôra belo talvez, em pé, de novo
Esperei minha amante noite e dia Como Byron surgir — ou na tormenta
E o ideal não v e io ... O homem de W aterloo:
Farto de vida, breve serei m o r to ... Com sua idéia iluminar um povo,
Não poderei ao menos na agonia Como o trovão da nuvem que rebenta
Descansar-lhe no seio! E o raio derramou!
Passei como Don Juan entre as donzelas. F óra belo talvez sentir no crânio 739
Suspirei as canções mais doloridas A alma de Goethe, e resumir na fibra
E ninguém me escutou. . . Milton, Homero e Dante
Oh! nunca à virgem flor das faces belas — Sonhar-se num delírio momentâneo
Sorvi o mel, nas longas d esp ed id as.... alma da criação e o som que vibra
Meu Deus! ninguém me amou! A terra palpitante!
[ 258 ]
P O E S IA S
Mas ah! o viajor nos cemitérios Cinzas, c in z a s ... Meu Deus! só tu podias
Nessas nuas caveiras não escuta À alma que se perdeu bradar de novo:
Vossas almas erra n tes... Ressurge-te ao amor!
Do estandarte medonho nos impérios Macilento, das minhas agonias
A morte, leviana prostituta, Eu deixaria as multidões do povo
Não distingue os amantes! Para amar o Senhor!
Do leito aonde o vício acalentou-me
Eu, pobre sonhador — eu, terra inculta O meu primeiro amor fugiu ch o ra n d o ....
Onde não fecundou-se uma semente, Pobre virgem de Deus!
Convosco dormirei: Um vendaval sem norte arrebatou-me,
E dentre nós a multidão estulta Acordei-me na t r e v a .... profanando
Não vos distinguirá a fronte ardente Os puros sonhos meus!
Do crânio que a n im ei...
Oh! se eu pudesse a m a r !... — Ê impossível! --
Mão fatal escreveu na minha vida;
Ó morte! a que mistério me destinas? A dor me envelheceu.
Êsse átomo de luz que inda me alenta, O desespêro pálido, impassível
Quando o corpo morrer, Agoirou minha aurora entristecida.
Voltará amanhã aziagas sinas De meu astro descreu.
Na terra numa face macilenta
Esperar e sofrer? Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora
Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Meu Deus! antes, meu Deus! que uma outra vida, Quero na cruz sanguenta
Com teu braço eternal meu ser esmaga Derramá-los na lágrima que implora,
E minha alma aniquila: Que mendiga perdão pela agonia
A estréia de verão no céu perdida Da noite lutulenta!
Também às vêzes teu alento apaga
Numa noite tran qü ila!... Quero na solidão — nas êrmas grutas
A. tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto:
As pálpebras doridas nunca enxutas
Q u eim arei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.
LÁGRIAAAS DE SANGUE.
De meus dias a lâmpada se apaga:
Roeram meu viver mortais venenos;
Taedet animam meam vitae meae.
Curvo-me ao vento forte.
Jó . Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estréia oriental me guie ao menos
T é o vale da morte!
Ao pé das aras no clarão dos círios
Eu te devera consagrar meus dias;
No mar dos vivos o cadáver bóia
Perdão, meu Deus! perdão
— A lua é descorada como um crânio,
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
Êste sol não reluz:
E um canto de enganosas melodias
Quando na morte a pálpebra se engoia,
Levou meu coração!
O anjo se acorda em nós — e subitâneo
Voa ao mundo da luz!
Só tu, só tu podias no meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda Do vai de Josafá pelas gargantas
E uma saudade calma; Uiva na treva o temporal sem norte
Ao sol de tua fé doirar meu leito E os fantasmas m urm uram ...
E de fulgores inundar ainda Irei deitar-me nessas trevas santas.
A aurora na minh’alma. Banhar-me na friez lustral da morte
Onde as almas se apuram!
Pela treva do espírito lancei-me,
Das esperanças suicidei-me rin d o ... Mordendo as clinas do corcel ^“*1 da sombra.
Sufocado, arquejante passarei
Sufoquei-as sem dó.
Na noite do infinito.
No vale dos cadáveres sentei-me
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
E minhas flores semeei sorrindo Dos lábios de minh’alma entornarei
Dos túmulos no pó. O meu cântico aflito!
[ 2 59 ]
M A N O EL A NTÔ NIO Á L V A R E S D E A Z E V E D O
Que vale a glória, a saudação que enleva Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Dos hinos triunfais na ardente nota, Nos desesperos em que a mente abrasas
E as turbas devaneia? Não o arrojes p’lo crime!
Tudo isso é vão, e cala-se na treva Se eu fui um anjo que descreu demente
— Tudo é vão, como em lábios de idiota E no oceano do mal rompeu as asas.
Cantiga sem idéia. Perdão! arrependi-me!
[ 260 ]
P O E S IA S
LEMBRANÇA DE MORRER.
Amo a voz da tempestade,
Porque agita o coração,
E o espírito inflamado No more! o never more!
SH ELLEY.
Abre as asas no trovão!
[ 261]
M A N O E L AN TÔ N IO Á L V A R E S D E A Z E V E D O
PREFÁCIO.
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantás
tica, verdadeira ilha Baratária de D. Quichote, onde Sancho é rei, e vivem Panúrgio, sir John Falstaff,
Bardoiph, Figaro e o Sganarello de D. João Tenório: — a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakspeare.
A razão é simples. E ’ que a unidade dêste livro funda-se numa binômia. Duas almas que
moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira meda
lha de duas faces.
Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado
ao menos que o sentimentalismo tão fashionable desde Werther e Réné.
Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas, pre
ferem um conto de Boccáccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de
Shakspeare, um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a tôdas as ternuras elegíacas des
sa poesia de arremedo que anda na moda, e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ào trôco
de cobre, divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma há o Carnaval.
Há uma crise nos séculos como nos homens. E ’ quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se
no misticismo, e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem, Homo sum, como dizia o célebre Romano.
Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem
fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E,
digam o que quiserem, sem êsses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há
poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trêmula e ressoante
da febre do sangue, a alma que ama e canta porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o
poema dos amôres da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natu
reza, e que sem ser obsceno pode ser erótico sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem. Todo
o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem
amamos.
O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo brilhando sôbre a vida como a
tarde sôbre a terra. A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.
Depois a doença da vida, que não dá ao mundo objetivo côres tão azuladas como o nome britâ
nico de blue devils, descarna e injeta de fel cada vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava
a monodia amorosa, vem a sátira que morde.
E ’ assim. Depois dos poemas épicos Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de
Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Gain e Don Juan — Don Juan
que começa como Gain pelo amor^ e acaba como êle pela descrença venenosa e sarcástica.
Agora basta.
Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses essas páginas, destinadas a não ser
lidas. Deus me perdoe! assim é tudo! até os prefácios!
[ 262 ]
POESIA S
[ 263 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
Nem há negá-lo — não há doce lira O rei passou — com êle a companhia.
Nem sangue de poeta ou alma virgem Só ficou ressupino e macilento
Que valha o talismã que no oiro vibra! Da estrada em meio o trovador defunto.
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, êsse eletrismo,
A ardente vibração do som m e tá lic o .... IV .
[ 264 ]
PO ESIA S
SoLFIER. 0 Desconhecido.
— Ó minha Elfrida, — Tu vês: não tremo.
Voltemos dêsse lado: outro caminho Tu não vales o vento que salpica
Se dirige ao castelo. É mau agouro Tua fronte de pó. Porque és fidalgo,
Por um morto passar em noites destas. Não sabes que um punhal vale uma espada
Dentro do coração? —
Mas Elfrida aproxima o seu cavalo.
Mas logo Elfrida:
E lfrida. “ Acalma-te, Solfier! O triste moço
— T a n cre d o !... vêde! é o trovador Tancredo! Desespera, blasfema e não me insulta.
Perdoa-me também, mancebo triste;
Coitado! assim morrer! um pobre moço!
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram? Não pensei ofender tamanho orgulho.
Neste mundo não teve um só amigo? — Tua mágoa respeito. Só te imploro
Que sôbre a fronte ao trovador desfolhes
Essas flores, as flores do noivado
“ Ninguém, senhora! — respondeu da sombra De uma triste m u lh er... E quanto às jóias.
Uma dorida voz: — Eu vim, há pouco. Lança-as no la g o ... Mas quem és? teu nome?”
Ao saber que do povo no abandono
Jazia como um cão. Eu vim, e eu mesmo
Cavei junto do !ago a cova impura” . O Desconhecido.
[ 265 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVAEES DE AZEVEDO
Tuas últimas flores de donzela! — De cet espace étroit sont tout l ’ameublement.
LA M A RTIN E. Jocelyn.
Depois vibrou na lira estranhas mágoas,
Carpiu à longa noite escuras nênias, I.
Cantou: banhou de lágrimas o morto.
Ossian O bardo é triste como a sombra
De repente parou — vibrou a lira Que seus cantos povoa. O Lamartine
E ’ monótono e belo como a noite,
Co’as mãos iradas trê m u la s... e as cordas Como a lua no m ar e o som das ondas. . .
Uma per uma rebentou ca n ta n d o ... Mas pranteia uma eterna monodia,
Tinha fogo no crânio, e sufocava. Tem na lira do gênio uma só corda.
Passou a fria mão nas fontes úmidas. Fibra de amor e Deus que um sôpro agita:
Se desmaia de amor a Deus se volta,
Abriu a mêdo os lábios convulsivos. Se pranteia por Deus de amor suspira.
Sorriu de desespêro — e sempre rindo Basta de Shakspeare. Vem tu agora.
Quebrou as jóias e as lançou no a b is m o ... Fantástico alemão, poeta ardente
Que ilumina o clarão das gôtas pálidas
Do nobre Johannisberg! Nos teus romances
V I.
Meu coração d eleita -se... Contudo
No outro dia, na borda do caminho. Parece-m e que vou perdendo o gôsto,
Vou ficando blasé, passeio os dias
Deitado ao pé de um fôsso aberto apenas, 7.'>6
Pelo meu corredor, sem companheiro.
Viu-se um mancebo loiro que m o r ria ... Sem 1er, nem poetar. Vivo fumando.
Semblante feminil, e formas débeis,
Mas nos palores da espaçosa fronte Minha casa não tem menores névoas
Uma sombria dor cavara sulcos. Que as dêste céu d’in v ern o .. . . Solitário
Corria sôbre os lábios alvacentos Passo as noites aqui e os dias longos;
Dei-me agora ao charuto em corpo e alma;
Uma leve umidez, um ló d’escuma, Debalde ali de um canto um beijo implora,
E seus dentes a raiva con strin g ira.. . Como a beleza que o Sultão despreza,
Tinha os punhos c e rra d o s ... Sôbre o peito Meu cachimbo alemão abandonado!
Acharam letras de uma língua e s tra n h a ... Não passeio a cavalo e não namoro;
Odeio o la s q u e n e t... 758 Palavra d’honra!
E um vidro sem lic o r ... fôra v e n e n o !... Se assim me continuam por dois meses
Os diabos azuis nos frouxos membros.
Ninguém o conheceu; mas conta o povo Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso. 759
Que, ao lançá-lo no túmulo, o coveiro
Quis roubar-lhe o gibão — despiu o m o ç o ... I I.
E v iu ... talvez é fa ls o ... níveos s e io s ...
Um corpo de mulher de formas p u ra s ... Enchi o meu salão de mil figuras.
Aqui voa um cavalo no galope,
Um roxo dominó as costas volta
VII. A um cavaleiro de alemães bigodes,
Um prêto beberrão sôbre uma pipa.
Na tumba dormem os mistérios d’ambos;
Aos grossos beiços a garrafa aperta. . .
Da morte o negro véu não há erguê-lo! Ao longo das paredes se derramam
Romance obscuro de paixões ignotas. Extintas inscrições de versos mortos,
Poema d’esperança e desventura, E mortos ao n a s c e r ... Ali na alcova
Quando a aurora mais bela os encantava. Em águas negras se levanta a ilha
Romântica, sombria à flor das ondas
Talvez rompeu-se no sepulcro dêles! De um rio que se perde na flo re s ta ...
Não pode o bardo revelar segredos Um sonho de mancebo e de poeta,
Que levaram ao céu as ternas som bras; El-Dorado de amor que a mente cria
Desfolha apenas nessas frontes puras Como um Éden de noites d eleitosas.. . .
E ra ali que eu podia no silêncio
Da extrema inspiração as flores m u rc h a s... Junto de um a n jo ... Além o romantismo!
Borra adiante folgaz caricatura
Com tinta de escrever e pó vermelho
[ 266 ]
PO ESIA S
[ 267 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO
Oh ! nos meus sonhos, pelas noites minhas Relesse as minhas cartas de namôro!
Passam tantas visões sobre meu peito! Quero-te muito bem, ó meu comparsa
Palor de febre meu semblante cobre, Nas doudas cenas de meu drama obscuro!
Bate meu coração com tanto fogo! E num dia de spleen, vindo a pachorra.
Um doce nome os lábios meus suspiram, Hei de evocar-te num poema heróico
Um nome de m u lh e r... e vejo lânguida Na rima de Camões e de Ariosto
No véu suave de amorosas sombras Como padrão às lâmpadas futuras!
Seminua, abatida, a mão no seio.
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida X I I.
Passar d e lic io s o .... Que delírios!
Acordo p alp itan te... inda a procuro; Aqui sôbre esta mesa junto ao leito
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas Em caixa negra dous retratos guardo.
Banham meus olhos, e suspiro e g e m o ... Não os profanem indiscretas vistas.
Imploro uma ilu s ã o ... tudo é silêncio! Eu beijo-os cada noite: neste exílio
Só o leito deserto, a sala muda! Venero-os juntos e os prefiro unidos
Amorosa visão, mulher dos sonhos, — Meu pai e minha mãe. — Se acaso um dia
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto! Na minha solidão me acharem morto,
Nunca virás iluminar meu peito Não os abra ninguém. Sôbre meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos? Lancem-os em meu túmulo. Mais doce
Será certo o dormir da noite negra
Tendo no peito essas imagens puras.
X.
XIII.
Meu pobre leito! eu amo-te contudo!
Havia uma outra imagem que eu sonhava
Aqui levei sonhando noites belas; No meu peito na vida e no sepulcro.
As longas horas olvidei libando Mas ela não o q u is ... rompeu a tela
Ardentes gótas de licor doirado, Onde eu pintara meus doirados sonhos.
Esqueci-as no fumo, na leitura Se posso no viver sonhar com ela,
Das páginas lascivas do ro m a n ce ... E ssa trança 762 beijar de seus cabelos
E essas violetas inodoras, murchas,
Nos lábios frios comprimir chorando,
Meu leito juvenil, da minha vida Não poderei na sepultura, ao menos.
És a página d’oiro. Em teu asilo Sua imagem divina ter no peito.
Eu sonho-me poeta, e sou ditoso,
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! O h! quantas vezes X I V.
Do levante no sol entre odaliscas
Momentos não passei que valem vidas! Parece que c h o r e i... Sinto na face
Quanta música ouvi que me encantava! Uma perdida lágrima ro la n d o ...
Quantas virgens amei! que Margaridas, Satã leve a tristeza! Olá, meu pajem.
Que Elviras saudosas e Clarissas Derrama no meu copo as gótas últimas
Mais trêmulo que Faust eu não beijava, Dessa garrafa n e g r a ...
Mais feliz que Dom Juan e Lovelace E ia! bebamos!
És o sangue do gênio, o puro néctar
Não apertei ao peito desmaiando!
Que as almas de poeta diviniza,
O condão que abre o mundo das magias!
ó meus sonhos de amor e mocidade, \7em, fogoso C ognac! É só contigo
Porque ser tão formosos, se devíeis Que sinto-me viver. Inda palpito,
Me abandonar tão c e d o .. . e eu acordava Quando os eflúvios dessas gótas áureas
Arquejando a beijar meu travesseiro? Filtram no sangue meu correndo a vida.
Vibram-me os nervos e as artérias queimam.
Os meus olhos ardentes se escurecem
X I. E no cérebro passam delirosos
Assomos de p o e sia ... Dentre a sombra
Junto do leito meus poetas dormem V ejo num leito d’oiro a imagem dela
—• O Dante, a Bíblia, Shakspeare e Byron Palpitante, que dorme e que suspira,
Na mesa confundidos. Junto dêles Que seus braços me e ste n d e ...
Meu velho candieiro se espreguiça Eu me esquecia:
E parece pedir a formatura, Faz-se noite; traz fogo e dous charutos
ó meu amigo, ó velador noturno. E na mesa do estudo acende a lâm p ad a...
Tu não me abandonaste nas vigílias.
Quer eu perdesse a noite sôbre os livros.
Quer, sentado no leito, pensativo
[ 268 ]
P O K S IA S
Níni. PUFF.
Olá! que fazes, Puff? dormes na rua? O vinho! és uma bêsta; só um parvo
Pode a beleza desmentir do vinho.
P uff , acordando. Tu nunca leste o Cântico dos Cânticos
Onde o rei Salomão, como elogio.
Não durm o... Penso. Dizia à noiva: — Pulchriora sunt
Ubera tua vino!
Níni. Níni.
Estás enamorado És sempre um bôbo.
E deitado na pedra acaso esperas
O abrir de uma janela? Estás cioso P u ff .
E co’a botelha em vez de durindana
Aguardas o rival? E tu és sempre êsse nariz vermelho
Que ainda aqui na treva desta rua
PUFF. Flameja ao pé de mim. Quando te vejo.
Penso que estou na Igreja ouvindo Missa
Ceei à farta Dita por Cardeal.
Na taverna do Sapo e das Três-Cobras.
Faço o quilo; ao repouso me abandono. Níni.
Como o Papa Alexandre ou como um Turco, És um devasso.
Me entrego ao far niente e bem a gôsto
Descanso na calçada imaginando. P u ff .
Respondo-te sòmente o que dizia
Níni. Sir John Falstaff, da noite o cavaleiro:
Embalde quis dormir. Na minha mente “Se Adão pecou no estado de inocência,
Fermenta um mundo novo que desperta. Que muito é que nos dias da impureza
Escuta, Puff: eu sinto no meu crânio Peque o mísero Puff?” Tu bem o sabes:
Como em seio de mãe um feto vivo. Tôda a fragilidade vem da carne,
Na minha insônia vela o pensamento. E na carne se eu tanto excedo os outros.
Os poetas passados e futuros Vícios não devem meus causar espanto.
Vou todos ofuscar........ Aqui no cérebro Minha alma dorme em treva completíssima
Tenho um grande poema. Hei de escrevê-lo, Pela minha descrença... E tu, maldito,
É certa a glória minha! Porque sempre não vens esclarecer-me
Com êsse teu farol aceso sempre.
Cavaleiro da lâmpada vermelha.
PUFF. Às trevas de minh’alma?
A idéia é boa:
Toma dez bebedeiras — são dez cantos. Níni.
Quanto a mim tenho fé que a poesia Que leproso!
Dorme dentro do vinho. Os bons poetas
Para ser imortais beberam muito.
P u ff .
Níni. Sou um homem de pêso. Entendo a vida;
Tenho riiuito miolo, e a prova disto
Não rias. Minha idéia é nova e bela. É que não sou poeta nem filósofo,
A Musa me votou a eterna glória. E gosto de beber, como Panúrgio.
Não me engano, meu Puff, enquanto sonho: Se tu fôsses tonel, como pareces,
Se aos poetas divinos Deus concede Eu te bebera agora de um só trago.
[ 269 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO
N ín i . Ga.mbioletto.
Quero-te bem contudo. Amigos velhos, 764 Vou à pressa
Deixemo-nos de histórias. Meu p o e m a ... Ao doutor Fossuário.
PUFF.
PUFF. Acaso agora
Se falas em poema, eu logo durmo. O carrasco fugiu?
Níni.
Níni.
Quem agoniza?
Uma vez era um rei.
G ambioletto.
P u ff . O Reverendo e Santo Sr. Cônego,
Deitando-se a dormir depois da ceia
Não vês? eu ronco.
No colo de Madona la Zaffeta,
Uma dores sentiu pela barriga.
Níni. Caiu estrebuchando 765 sôbre a s a la ...
Morre de apoplexia.
Quero a ti dedicar minha obra-prima;
Irás junto comigo à eternidade. Níni.
Teu retrato porei no frontispício. O diabo o leve!
Meu poema será uma coroa
Que as nosssas frontes engrinalde juntas. Gambioletto.
E o médico, S r s .!
PUFF.
Pensei-te menos doudo. O teu poema (Sai correndo.)
Seria uma sublime carapuça.
Mas, já que sonhas tanto, olha, meu Níni, PUFF.
Tu precisas de um saco. Venturoso!
Sempre é C ô n e g o ... Níni, diilce et decus
Níni. Pro patria m o ri. .. Ê doce e glorioso
M orrer de apoplexia! Quem me dera
Im pertinente! M orrer depois da ceia, de repente!
Não vem o confessor contar novelas,
PUFF. Não soam cantos fúnebres em tôrno,
Nem se força o medroso moribundo
Dá-me aqui tua mão. Sabes, amigo? A rezar, quando só dormir quisera!
Passei ontem o dia de namoro; Venturosos os Cônegos e os Bispos,
Minhas paixões votei à nova esposa E os papudos Abades dos conventos!
Do velho Conde que ali mora em frente. Êles podem morrer de apoplexia!
Estou adiantado nos amores. E se morrem 766 pensando — coisa nova! -
A cozinheira, outrora minha amante, Quem nunca no viver cansou-se nisso;
Meus passos guia, meus suspiros leva. Se êles morrem pensando, ante seus olhos,
Mas preciso com pressa de um soneto. No momento final sem ter pavores,
Prometes-me fazê-lo? Inda corre a visão da bela mesa!
A não m orrer-se como o velho Píndaro,
Níni. Cantando, sôbre o seio amorenado
De sua amante Grega, oh! quem me dera
Se me ouvires Cair morto no chão, beijando ainda
Recitar meu poema.
A botelha divina!
PUFF. Níni.
Eu me resigno. Que maluco!
Declama teu sermão, como um vigário. A estas horas da noite, assim no escuro
Mas o sono ao rebanho se permite? Não temes de lembrar-te de defuntos?
Beijarias até uma caveira,
{Entra um criado correndo.) Se espumante o Madeira ali corresse!
[ 270 ]
PO ESIA S
Níni. Níni.
Tens niêdo de defuntos? Santo Rei!
P u ff .
PUFF.
E demais é bem sabido
Um bocado.
Que E l-R ei só reina à mesa e nas caçadas.
Sinto que não nasci para coveiro.
Contudo, no domingo, à m eia-n oite...
Pela força passei, vi nas alturas, Níni.
Do luar sem vapor à luz formosa.,
Um vilão pendurado. Era tão feio! Nunca perde um veado quando atira.
A língua um palmo fora, sôbre o peito.
Os olhos espantados, bôca lívida, PUFF.
Sôbre a cabeça dêle estava um c o rv o ...
O morto estava nu, pois o carrasco ^ Ele caça veados! Má fortuna!
Despindo os mortos dá vestido aos filhos, Não o cacem também pela ramagem!
E deixa à noite o padecente à fresca.
Eu senti pelo corpo uns arrep io s... Níni.
Mas depois veio o â n im o ... trepei-me
Pela escada da força, fui acima, Com lingua tão comprida e viperina
E pintei uns bigodes no enforcado. Irás parar na fôrca.
Níni. PUFF.
Bravo como um Vampiro! Níni, escuta.
Assisti esta noite a um pagode
PUFF. Na taverna do Sapo e das três Cobras.
E ra já lusco-fusco, e eu entrando
Oh! antes d’ontem Dou com Frei São José e Frei Gregório,
Passei pelos telhados sem ter mêdo, O Prior do convento dos Bernardos
Para evitar um pátio 767 onde velava E mais uns dous ou três que só conheço
Um cão — que enorme cão! — subindo ao quarto De ver pelas esquinas se encostando,
Onde dorme Rosina Belvidera. Ou dormidos na rua a sono s ô lto .. .
[ 271]
MANOEL ANTÔNIO ALV A RES DE AZEVEDO
[ 272 ]
PO ESIA S
V. Loriolo
Trocou de guizo o boné sonoro
A linda moça — Muito leve chapéu! — pela co ro a...
Se havia ali raivosa apunhalar-se, Só teve uma desgraça o Rei novato:
Fazer espalhafato e gritaria, Foi que um dia fugiu-lhe do palácio
Por um capricho, voluptuoso assomo. A tal moça volante nos amôres.
Entregou-se ao amor do R e i ....
X.
V I.
“Maldito!” Muitos anos passaram. Loriolo
Bradou-lhe à porta uin vulto macilento. Era um sublime rei. De rei a bôbo
“Maldito! meu irmão, aquela moça Já tantos têm 771 caído! Não admira
É minha, minha só, é minha amante Que um Bôbo sendo Rei primasse tanto.
E minha esposa fô ra .. . . ” Governava tão bem como governam
O Rei sorrindo Os reis de sangue azul e raça antiga.
Lhe estende a régia mão e diz alegre; Demais gastava pouco, e, se não fôsse
“A culpa é tua. Eu disto não sabia; Seu amor pelas alvas formosuras.
Se do teu casamento me falasses, De certo que na lista dos monarcas
Eu respeitara tua........ ” Êle ficava sendo o Rei Sovina.
Enfim era um Monarca de mão cheia.
“ Basta, infame! Tinha só um defeito — vendo sangue
Não acrescentes zombaria ao crime. Tinha frio no ventre; e desmaiava
Hei de punir-te. É solitário o bosque; Ao luzir de uma espada... era nervoso'
Aqui não és um rei, porém um homem, Ninguém falava nisso. — Até a giba,
Um vil em cujo sangue hei de lavar-me. A figura de anão, a pele escura.
Oh! sangue! quero sangue! eu tenho sêde!” Aquela bôea negra escancarada
(E que nem dentes amarelos tinha
V I I. P ’ra ser de Adamastor), as gâmbias finas.
Despiu tremendo a reluzente espada. Eram tipo dos quadros dos pintores.
O mesmo fêz o Rei. — Lutaram ambos. Se pintavam Adônis ou Cupido,
Feminae sacra famés, quantum peciora Copiavam o Rei em corpo inteiro.
Mortalia cogis! E embalde a moça. E o oiro das moedas, que trazia
Ajoelhando seminua e pálida. A ventosa bochecha, os beiços grossos,
Vinha chorando, mais gentil no pranto, O porcino perfil e a cabeleira,
Entre as espadas se lançar gemendo. Era beijado com fervor e culto.
Embalde! Longo tempo encarniçado
A peleja durou... Enfim caíram ... X I.
Rolaram ambos trespassados, frios,
E, na treva de morte que os 769 cegava, Loriolo envelhecia entre os aplausos.
Inda alongando os braços convulsivos Dando a mão a beijar à fidalguia.
Que avermelhava o fraticida sangue, Demais um sabichão fizera um livro
Procurando no sangue o inimigo! 770 Em vinte e tantos volumões in-fólio.
Obra cheia de mapas e figuras
V I I I . Em que provava que por linha reta
O Bôbo fêz as covas. Na montanha De Hércules descendia Loriolo
Enterrou os irmãos. — E quanto à moça. E portanto de Júpiter Tonante.
Pelo braço a tomou chorosa e fria, E apresentou as certidões em cópia
Foi ao paço, e na gótica varanda. De óbito e nascimento e batistério,
De coroa real e longo manto. E até de casamento, e para prova
Falou à plebe, prometeu franquezas. De que nas veias puras do Monarca
Impostos levantar e dar torneios. Não correra a mais leve bastardia.
— Falou aos guardas: prometeu-lhes vinho. É inútil dizer que os tais volumes
— Falou à fidalguia, mas no ouvido, Nada contavam sôbre o Pai, porqueiro
E prometeu-lhe consentir nos vícios Como o do Santo Papa Sixto Quinto,
E depressa fazer uma lei nova E sôbre a mãe do Rei, a velha Mória
Pela qual, se um fidalgo assassinasse Que vendera perus. Deus sabe o resto!
Algum torpe vilão, ficasse impune Nos tempos folgazões da mocidade!
E nem pagasse mais a vil quantia
Que era pena do crime — e alto disse
Que havia conquistar países novos. X I I.
Um dia o reino cem navios tocam.
I X. São piratas do Norte! são Normandos!
A história infelizmente é muito vista. Infrene multidão nas praias corre.
Não sou original! E ’ uma desgraça! Levando tudo a fe rro ... até os frades.
Mas prefiro o caráter verdadeiro Matam, queimam, saqueiam, furtam nmças.
De trovador cronista. — E a infrene turba corre até aos paços.
[ 273 ]
MAXOKL .ANTÔNIO ÁLVARKS OK AZEA'EDO
X I I I . XVII.
Enquanto vem a campo a fidalguia Loriolo suspira. O povo espera.
Armada pied en cap, espada em punho, Pela face do Bôbo corre a furto
Loriolo, sem fala, nos apertos Uma lágrima trêmula. — Ê desgraça
Nas adegas se esconde. Tendo subido a Rei v o lt a r ....
Embalde o chamam, Nem ousa
Embalde corre voz que dos Normandos O nome proferir de sua infâmia.
Em issário de paz o Rei procura.
E l-R ei suou de susto a roupa inteira. De repente uma idéia o ilu m in a ....
Nem era de admirar, que a Reis c povo, Deu uma das antigas gargalhadas,
Como ao bicho-da-sêda a trovoada. Inda em trajes de rei graceja e pula.
Camisas de onze varas apavoram
E fazem frio a aparições de fôrca. 772 Foi uma dança cômica, fantástica,
Um riso que doía — tão gelado
Coava ao c o r a ç ã o !... Estava d o u d o ...
XIV.
Dançou a g a rg a lh a r... caiu exausto.
Um soldado Normando que buscava Caiu sem movimento sôbre o l ô d o ....
Nas adegas reais alguma pinga. Escutaram -lhe o peito. Estava morto.
Mete a verruma numa velha pipa.
Um grito sai dali, mas não licores. O ra o pirata, o invasor Normando,
O soldado feroz destampa o nicho; E ra filho da nossa conhecida,
Agarra um vulto dentro, mas somente Que, pôsto não pudesse com acêrto
Sente nas mãos vazia c a b e le ir a .... Dizer quem era o pai de seu boêmio.
Descmbainha a tôrva durindana. Afirmava contudo afoutamente
Nas cavernas da pipa, e nas cavernas Que, em todo o caso, tinha jus ao trono.
Do coração do Rei reboa o golpe.
Reina pela cidade a bebedeira,
Estala-se o tonel de meio a meio.
E bebendo à saude do bastardo
Entretanto o bom Rei que não falava.
O Bôbo que foi rei ninguém s e p u l t a ....”
Sujo da lia da ruinosa pipa.
Mais morto do que vivo (já pensando
Que seu reino acabava num espeto
Como o reino do galo), às cambalhotas Bem vês, amigo Puff, que neste conto
Rola aos pés do soldado, chora e treme. Em poucos versos digo histórias longas:
Gagueja de pavor nos calafrios — Amôres, mortes, e no trono um bôbo
E pelo amor dc Deus perdão implora. E sôbre o lôdo um rei que não se enterra. —
Muito embora a mulher as roupas façam,
Eu provo que o burel não faz o monge,
XV.
E um bôbo é sempre um bôbo. Mostro ainda
O soldado, maroto e bom gaiato, De meu estro no vário cosmorama
Agarra às costas o real trambolho, Um rei que numa pipa o trono perde,
Como um vilão que à feira leva um porco, E um bastardo que o pai dizer não pode
E no meio do pátio, entre os despojos. E em nome de dous pais, ambos em dúvida.
De pernas para o ar e cara suja Vem na sangueira reclamar seu nome.
Atira o B ô b o ...
— E l-R ei! clama um fidalgo. Um outro só com isso dera a lume
Um poema em dez cantos. Sou conciso;
Não ouso tanto: dou sòmente idéias.
XVI. Esboço aqui apenas meu enrêdo.
Porém o Rei não f a l a ... Sua e treme.
M a s ... Puff! olá, meu P uff! E stás dormindo.
“ Singofredo o pirata aqui me envia. Prosaico beberrão! Acorda um pouco!
(Diz ao Rei o pacífico Mercúrio, Bebeu todo o meu vinho — a empada fo i-s e .. .
O Arauto de paz que vem de bordo:) — Não resta-me esperança! Este demônio
Eu venho aqui propor-vos um tratado. De um poeta como eu nem vale um murro!
P or direito de espada e por herança
Singofredo é senhor destes países. U m Homem da P latéia (interrompendo).
Êle vem reclamar sua coroa.
Se o Rei não se opuser, não corre sangue; Silêncio! fora a peça! que massada!
Senão hão de fazê-lo em sarrabulho. Até o ponto dorme a sono sôlto!
Puxado 773 p’lo nariz o encher de lôdo
E espetar-lhe a careta sôbre um mastro. Levanta-se o pano até o meio. Passa por de
Singofredo o feroz exige apenas baixo e vem até a rampa o
Que o Rei deixando o cetro dêste reino
Seja sempre na côrte Rei da Lua. PRÓLOGO,
Loriolo virá ao seu caminho
Trajando seu gibão amarelado velho de cabeça calva, camisola branca, carapuça
Com remendos de côr, e campainhas. frigia coroada de louros. Tem um ramo de oli
Meias roxas e gorro afunilado”. veira na mão. Faz as cortesias do estilo e fala:
[ 274 ]
PO ESIA S
Dom Quixote! 774 sublime criatura! Com mais amantes que um Sultão vivia,
Tu sim fôste leal e cavaleiro, Mandava ao Aretino- amáveis letras,
O último herói, o paladim extremo Um colar d’oiro com sangrentas línguas,
De Castela e do mundo. Se teu cérebro E dava-lhe pensões. O Vaticano
Toldou-se na loucura, a tua insânia Viu o Papa beijando aquela fronte.
Vale mais do que o siso destes séculos^ Carlos V o nomeia cavaleiro.
Em que a Infâmia, Dagon cheio de lôdo. Abraça-o e — inda mais — lhe manda escudos
Recebe as orações, mirras e flores, O Duque João Médicis o adora.
E a louca multidão renega o Cristo! Dorme com êle a par no mesmo leito.
Tua loucura revelava brio. É um tempo de agonias. A arte pálida,
No triste livro do imortal Cervantes Suarenta, moribunda, desespera
Não posso crer um insolente escárnio E aguarda o funeral de Miguel Ângelo
Do Cavaleiro andante aos nobres sonhos. Para com êle abandonar o mundo
Ao fildalgo da Mancha — cuja nódoa E angélica 776 voltar ao céu dos Anjos.
Foi só ter crido em Deus e amado os homens,
E votado seu braço aos oprimidos. Agora basta. Revelei minh’alma.
Aquelas folhas não me causam riso, ^ A cena descrevi onde correra
Mas desgosto profundo e tédio à vida. Inteira uma comédia em vez de um ato,
Soldado e trovador, era impossível Se o poeta, mais forte, se atrevesse
Que Cervantes manchasse um valeroso A erguer nos versos a medonha sombra
Em vil caricatura, e desse à turba, Da loucura fatal do mundo inteiro.
Como prêsa de escárnio e de vergonha,
Êsse homem que à virtude, amor e cantos Boas noites, platéia e camarotes;
Abria o coração!----- O ponto já me diz que deixe o campo.
O primeiro galã todo empoado.
Estas idéias Cheio de vermelhão, já dentro fala:
Servem para desculpa do poeta. Estão cheios de luz os bastidores.
Apesar de bom moço o autor da peça
Tem uns laivos talvez de Dom Quixote.
E nestes tempos de verdade e prosa Uma última palavra: o autor da peça.
— Sem Gigantes, sem Mágicos medonhos Puxando-me da túnica romana.
Que velavam nas tôrres encantadas Diz-me da cena que eu avise às Damas
As donzelas dormidas por cem anos — Que desta feita os sais não são precisos;
Do seu imaginar esgrime as sombras Não há de sarrabulho haver no palco.
E dá botes de lança nos moinhos. É uma peça clássica. O perigo
Que pode ter lugar é vir o sono;
Mas não escreve sátiras: — apenas Mas dormir é tão bom, que certamente
Na idade das visões — dá corpo aos sonhos. Ninguém por êsse dom fará barulho.
Faz trovas, e não talha carapuças.
Nem rebuça no véu do mundo antigo, O assunto da Comédia e do Poema
P ’ra realce maior, presentes vícios. E ra digno sem dúvida. Senhores,
Não segue a Juvenal, e não embebe De uma pena melhor; mas desta feita
Em venenoso fel a pena escura Não fala Shakspeare nem Gil Vicente,
Para nódoas pintar no manto alheio. O poeta é novato, mas promete.
Pôsto que seja um homem barrigudo
O tempo em que se passa agora a cena E tenha por Talia o seu cachimbo.
É o século dos Bórgias. O Ariosto Merece aplausos e merece glória.
Depôs na fronte a Rafael gelado
Sua c ’roa divina, e o segue ao túmulo.
Ticiano inda vive. O rei da turba
É um gênio maldito — o Aretino
Que vende a alma e prostitui as crenças. SPLEEN E CHARUTOS.
Aretino! essa incrível criatura.
Poeta sem pudor, onda de lôdo
I.
Em que do gênio profanou-se a p é ro la ...
Vaso d’oiro que um óxido sem cura
Azinhavrou de m o rte ... homem terrível S o lid ã o .
Que tudo profanou co’as mãos imundas,
Que latiu como um cão mordendo um século,
E, como diz um epitáfio antigo. Nas nuvens côr de cinza do horizonte
Só em Deus não mordeu, porque o não vira. A lua amarelada a face embuça;
Como êle, foi devasso todo o século. Parece que tem frio, e no seu leito
Os contos 775 de Boccáccio e de Brantôme Deitou, para dormir, a carapuça.
São mais puros que a história dêsses tempos.
Tasso enlouquece. O Rei que se diverte Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
— O herói de Marignan e de Pavia Sem chale, sem camisa e sem mantilha.
Que num vidro escrevera do palácio Vem nua e bela procurar amantes;
“Femme souvent varie", mas leviano É douda por amor da noite a filha.
[ 275 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
As nuvens são uns frades de joelhos, Ando rôto, sem bolsos nem dinheiro;
Rezam adormecendo no oratório; Mas tenho na viola uma riqueza:
Todos têm 777 o capuz e bons narizes, Canto à lua de noite serenatas,
E parecem sonhar o refeitório. E quem vive de amor não tem pobreza.
Falando ao coração que nota aérea Namoro e sou feliz nos meus am ores;
Deste céu, destas águas se desata? Sou garboso e ra p a z ... Uma criada
Canta assim algum gênio adormecido Abrasada de amor por um sonêto
Das ondas mortas no lençol de prata? Já um beijo me deu subindo a e s c a d a ....
Minha alma tenebrosa se entristece, Oito dias lá vão que ando cismado
É muda como sala m o r tu á ria .... Na donzela que ali defronte mora.
Deito-me só e triste, e sem ter fome E la ao ver-me sorri tão docemente!
V ejo na mesa a ceia solitária. Desconfio que a moça me n am o ra!..
ó lua, ó lua bela dos amores, 778 Tenho por meu palácio as longas ruas;
Se tu és moça e tens um peito amigo, Passeio a gôsto e durmo sem temores;
Não me deixes assim dormir solteiro, Quando bebo, sou rei como um poeta,
A meia-noite vem cear comigo! E o vinho faz sonhar com os amores.
Parece até que sôbre a fronte angélica 779 Ora, se por aí alguma bela
Um anjo lhe depôs coroa e n im b o .... Bem doírada e amante da preguiça
Form osa a vejo assim entre meus sonhos Quiser a nívea mão unir à minha
Mais bela no vapor do meu cachimbo. Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.
[ 276 ]
PO ESIA S
Nas praias lisas a maré enchente O ra! e forcem um’alma qual a minha
S ’espraia cintilante d’ardentia.. . . Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça
Em vez de aromas as doiradas ondas A cantar ladainha eternamente
Respiram efluviosa maresia! E por mil anos ajudar a Missa!
Coração, porque tremes? Se esta lira Oh! de c e r to ... (pensei) é doce página
Nas minhas mãos sem fôrça desafina. Onde a alma derramou gentis amôres;
Enquanto ao cemitério não te levam. São versos d e la ... que amanhã de certo
Casa no marimbau a alma divina! Ela me enviará cheios de flo r e s ....
Que ruínas! que amor petrificado! Mas se W erther morreu por ver Carlota
Tão antediluviano e gigantesco! Dando pão com manteiga às criancinhas,
Ora, façam idéia que ternuras Se achou-a assim mais bela, — eu mais te adoro
Terá essa lagarta posta ao fresco! Sonhando-te a lavar as camisinhas!
[ 277 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEAí^EDO
[ 278 ]
r PO ESIA S
[ 279 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 280 ]
r
PO ESIA S
[2 8 1 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES D E AZEVEDO
Os quinze anos de uma alma transparente, E como t’esperei, anjo dos sonhos,
O cabelo castanho, a face pura, Ideal de mulher que me sorrias,
Uns olhos onde pinta-se a candura E me beijando nesta fronte pálida
De um coração que dorme, inda inocente. A um mundo belo de ilusões me erguias!
Um seio que estremece de repente O meu peito era um eco de m urm urios.. . .
Do mimoso vestido na brancura, De delírio vivi como os insanos!
A linda mão na mágica cintura, Nos meus quinze anos eu sofria tanto!
E uma voz que inebria docemente. Ardi ao fogo dos primeiros anos!
[ 282 ]
PO ESIA S
O F a n ta sm a
Agora vivo no deserto d alma.
Um mundo de saudade aí dormita.
Não o quero a c o rd a r.... oh! não ressurjam Sou o sonho de tua esperança.
Aquelas sombras na minh’alma aflita! Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de m atar!.
Mas porque volves os teus olhos negros
Tão langues sôbre mim? Ilná, suspiras?
Porque 8H derramas tanto amor nos olhos?
Eu não posso te amar e tu deliras. TRINDADE 817
[ 283 ]
MANOEI^ ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
Volta, minha ventura! eu tenho sêde Mas antes de partir, antes que a vida
Dêsses beijos ardentes que os suspiros Se afogue numa lágrima de dor.
Ofegando interrompem! Quantas noites Consente que em teus lábios num só beijo
Fui ditoso contigo! Eu suspire de amor!
[ 284 ]
P O K S IA S
E Deus! — eu creio nêle como a alma O que sofres? que dor desconhecida
Que pensa e ama nessas almas tôdas, Inunda de palor teu rosto virgem?
Que as ergue para o céu, e que lhes verte, Porque 835 tu’alma dobra taciturna
Como orvalho noturno em seus ardores, Como um lírio a um bafo d’infortûnio?
O amor, sombra do céu, reflexo puro Porque 835 tão melancólica suspiras?
Da auréola das virgens de seu peito!
Essa terra, êsse mundo, o céu e as ondas. Ilusão, ideal -— a 836 ti meus sonhos
Flores, donzelas, essas almas cândidas Como os cantos a Deus se erguem gemendo!
Beija-as o senhor Deus na fronte límpida. Por ti meu pobre coração palpita.
Arreia-as 830 de pureza e amor sem nódoa.. Eu sofro tanto! meus exaustos dias
E à flor dá a ventura das auroras. Não sei por que logo ao nascer manchou-cs
Os amores do vento que suspira. De negra profecia um Deus irado.
Ao mar a viração, o céu às aves. Outros meu fado in v e ja m .... Que loucura!
Saudades à alcion, sonhos à virgem, Que valem as ridículas vaidades
E ao homem pensativo e taciturno De uma vida opulenta, os falsos mimos
A criatura pálida que chora — De gente que não ama? Até o gênio
Essa flor que inda murcha tem perfumes, Que Deus lançou-me à doentia fronte.
Êsse momento que suaviza os lábios, 831 Qual semente perdida num rochedo,
Que eterniza na vida um céu de en leio ... Tudo isso que vale, se padeço!
O amor primeiro das donzelas tristes.
Nessas horas talvez em mim não pensas —
São idéias talvez. . . Embora riam Pousas sombria a desmaiada face
Homens sem alma, estéreis criaturas: Na doce mão, e pendes-te sonhando
Não posso desamar as utopias. No teu mundo ideal da fantasia. .
Ouvir e amar à noite entre as palmeiras 83? Se meu orgulho, que fraqueia agora,
Na varanda ao luar o som das vagas. Pudesse crer que ao pobre desditoso
Beijar nos lábios uma flor que murcha, Sangravas uma idéia, uma saudade —
E crer em Deus como alma animadora Eu seria um instante ven tu roso !...
Que não criou somente a natureza,
Mas que ainda a relenta 833 em seu bafejo Mas n ã o ... ali no baile fascinante,
Ainda influi-lhe no sequioso seio Na alegria brutal da noite ardente,
De amor e vida a eternal centelha! No sorriso ebrioso e tresloucado
Daqueles homens que p’ra rir um pouco
Por isso, ó meu amigo, à meia-noite Encobrem sob a mascara o semblante,
Eu deito-me na relva umedccida. Tu não pensas em mim. Na tua idéia
Contemplo o azul do céu, amo as estrelas. Se minha imagem retratou-se um d:a
Respiro aromas, e o arquejante peito Foi como a estréia peregrina e pálida
Parece remoçar em tanta vida. Sôbre a face de um la g o ..-..
Parece-me alentar-se em tanta mágoa.
Tanta melancolia, e nos meus sonhos.
Filho de amor e Deus, eu amo e creio!
O LENÇO DELA
Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto! Quantos anos contudo já passaram!
Meus sonhos, 834 consolai-me! distraí-me! Não olvido porém amor tão santo'
Anjos das ilusões, as asas brancas Guardo ainda num cofre perfumado
As névoas puras, que outro sol matiza. O lenço dela que molhava o pranto-----
Abri ante meus olhos que abraseiam
F. lágrimas não têm que a dor do peito Nunca mais a encontrei na minha vida,
Transbordem um m o m en to .... Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
E , tu, imagem. O lenço que eu banhei também de pranto!
Ilusão de mulher, querido sonho,
Na hora derradeira, vem sentar-te,
Pensativa, saudosa, no meu leito!
[ 285 ]
M A N O E I. A N T Ô N IO Á L V A R E S D K A Z E V E D O
SEIO DE VIRGEM
[ 286 ]
P O K S IA S
[ 287 ]
M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S D E A Z E V E D O
Teu negros olhos uma vez fitando Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Senti que luz mais branda os acendia. Na voz que faz tremer e que apaixona
Pálida de languor, eu vi-te olhando — O gênio de Satã que transverbera,
Mulher do meu amor, meu serafim, E o languor pensativo da Madona!
Esse amor que em teus olhos r e fle tia ....
Talvez! — era por mim? E ’ formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minha alma suspira a sombra dela,
Pendeste, suspirando, a face pura. E sinto que podia nessa vida
Morreu nos lábios teus um ai p e rd id o .... Num seu lânguido olhar morrer por ela.
T ão ébrio de paixão e de ventura!
Mulher de meu amor, meu serafim^
Por quem era o suspiro amortecido?
Suspiravas por mim? MORENA
M a s . .. . eu s e i ! . . . . ai de mim? Eu vi na dança
O ’ T e re sa , um outro b eijo ! e abandona-me a meus sonhos
Um olhar que em teus olhos se f i t a v a .... e a m eus suaves delírios.
Ouvi outro s u s p ir o .... d’esperança! J A C O P O O R T IS .
Mulher do meu amor, meu serafim.
Teu olhar, teu suspiro que m a ta v a ....
E ’ loucura, meu anjo, é loucura
O h! não eram por mim!
Os amores por a n jo s .... eu sei!
Foram sonhos, foi louca ternura
Esse amor que a teus pés derramei!
[ 288 ]
P O E S IA S
Debalde nos meus sonhos de ventura E quantos vivos não caíram frios.
Tento alentar minha esperança morta Manchados de embriaguez da 859 orgia em meio
E volto-me ao p o rv ir... Nas infâmias do vício!
A minha alma só canta a sepultura — E quantos morreram inda sombrios
E nem última ilusão beija e conforta Sem remorsos dos loucos devaneios...
Meu ardente d o rm ir... — Sentindo o precipício!
[ 289 ]
MAMOEL ANTÔNIO ALA?'ARES DE AZEA^EDO
X I SOMBRA DE D. JU AN
Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida
Nas artérias ateia o sangue em lava A dream that w as not at all a dream.
E o cérebro v a r ia ...
O século na vaga enfurecida LO RD B Y R O N , Darkness.
Levou a geração que se acordaA^a...
E nuta de ag o n ia .. .
X I I
São tristes dêste século os destinos! Cerraste enfim as pálpebras sombrias
Seiva 860 mortal as flores que despontam E a fronte esverdeou da morte à sombra
Infecta em seu abrir — Como lâmpada exausta!
E o cadafalso e a voz dos Girondinos E agora no silencio do sepulcro
Não falam mais na glória c não apontam Sonhas o amor — os seios de alabastro
A aurora do porvir! Das lânguidas amantes?
[ 290 ]
P O E S IA S
“ E tão belas, meu Deus! e as niveas pérolas “ Que o diga a Sultana, a violenta Espanhola, 871
Mergulhei-as no lôdo uma per uma, 867 A loura Alemã
De meus sonhos de amor nada me resta! E a Grega 872 louçã!
Em negras ondas só vermelha escuma! Que o diga a Espanhola
Que a noite consola,
“Anjos que desflorei! que desmaiados Se é velho Don Juan!
Na torrente lancei do lupanar!
Crianças que dormiam no meu peito
E acordaram da mágoa ao soluçar!
[ 291]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO
[ 2 92 ]
PO ESIA S
Oh! não maldigam o mancebo exausto Et pourtant que le parfum d’un pur amour est suave!
Que nas orgias gastou o peito insano, GEORGE SAND.
Que foi ao lupanar pedir um leito
Onde a sêde febril lhe adormecesse! Meu pobre coração que estremecias,
Suspira a desmaiar no peito meu:
Não podia dormir! nas longas noites Para enchê-lo de amor, tu bem sabias, 888
Pediu ao vício os beijos de veneno: Bastava um beijo teu!
E amou a saturnal, o vinho, o jôgo
E a convulsão nos seios da perdida! Como o vale nas brisas se acalenta,
O triste coração no amor dormia;
Na saudade, na lua macilenta
Misérrimo! não c r e u l... Não o maldigam,
Sequioso ar bebial
Se uma sina fatal o arrebatava:
Se na torrente das paixões dormindo Se nos sonhos da noite se embalava
Foi naufragar nas solidões do crime. Sem um gemido, sem um ai sequer,
E ’ que o leite da vida êle sonhava
Oh! não maldigam o mancebo exausto Num seio de mulher!
Que no vício embalou, a rir, os sonhos
Que lhe manchou as perfumadas tranças 885 Se abriu tremendo os íntimos refolhos,
Nos travesseiros da mulher sem brio! Se junto de teu seio êle tremia,
E ’ que lia ventura nos teus olhos,
E que dêles vivia!
Se êle poeta nodoou seus lábios
E ’ que fervia um coração de fogo, Via o futuro em mágicos espelhos.
E da matéria a convulsão impura Tua bela visão o enfeitiçava,
A voz do coração emudecia! Sonhava adormecer nos teus jo e lh o s ... 889
Tanto enlêvo sonhava!
E quando p’la manhã da longa insônia Via nos sonhos dêle a tua imagem
Do leito profanado êle se erguia Que de beijos de amor o recendia:
Sentindo a brisa lhe beijar no rosto E de noite nos hábitos da aragem
E a febre arrefecer nos roxos 886 lábios; Teu alento sentia!
POESIAS DIVERSAS,
ADEUS, MEUS SONHOS!
[ 293 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEA^EDO
[ 2 94 ]
PO ESIA S
V I. VIII.
Amei! amei! no sonho, nas vigílias — Fatalidade!
Êsse nome gemi que eu adorava! E ’ pois a voz unânime dos mundos,
Votei amor a tudo quanto é belo! Das longas gerações que se agonizam,
E s c u ta ... A rua é quêda. A noite escura Que sobe aos pés do Eterno como incenso?
E ’ negra como um túmulo. Durmamos Serás tu como os bonzos te fingiram?
No leito dos amores do perdido. Sublime Criador, porque enjeitaste
Vês? nem lua no c é u !... tudo é medonho! A pobre criação? porque a fizeste
Nem estrela de lu z !... — Silêncio! Em bora! Da argila mais impura e negro lôdo,
Escuta, anjo da noite! no meu peito E a lançaste nas trevas errabunda
Não ouves palpitar o som da vida? Co’a palidez na fronte como anátema.
Deixa encostar meus lábios incendidos Qual lança a borboleta a raça d’oiro
No teu seio que bate. Vem, meu anjo! No pântano e no sangue?
A alma da formosura é sempre virgem!
Minha virgem — irmã — meu Deus! contigo Tudo é sina:
Oh! deixa-me viver! Eu sinto bela O crime é um destino — o gênio, a glória
A tua alma acordando refletir-te São palavras mentidas — a virtude
Nesses olhos tão negros d’Espanhola. E ’ a máscara vil que o vício cobre.
Quero amar e viver — sonhar — em fogo O egoísmo! eis a voz da humanidade.
Meus frouxos dias exaurir num beijo. Fôste sublime. Criador dos mundos!
Derramar a teus pés os meus amores,
Minhas santas canções a ti erguê-las,
A ti, e só a ti! — IX .
V I I. Tudo morre, meu Deus! No mundo exausto
— Que tens? desmaias? Bastardas gerações vagam descridas.
Que tens, mancebo? E a arte se vendeu, essa arte santa
Que orava de joelhos e vertia
— Nada. É cedo ainda. O seu raio de luz c amor no povo,
Não é ela inda não. Chamei por e la ... E o gênio soluçando e moribundo
Foi em v ã o ... d elirei... Olvidou-se da vida e do futuro
— Por quem? E blasfema lutando na agonia.
Agonia de morte! Só em tôrno
— A morte. No leito do morrer as almas gemem.
— Morrer! pobre de ti, ó meu poeta! E o fantasma da morte gela tudo.
Porque um ardente amor não mais suspira
— Se a morte é sofrimento, eu sofro tanto, Notas do coração pelo silêncio
Que a mudança do mal será consolo; Da noite enamorada? A chama pura
Se a morte é sono, meu cansado corpo Porque das almas se apagou nas cinzas?
No descanso eternal deixai que durma. E a lira do poeta, se murmura
— Eu também s o fr o ... mas a morte assusta. As ilusões de um mundo visionário,
Eu mísera mulher nas amarguras Porque estala tão cedo? Vagabundo
Descorei e perdi a formosura. Adormecí das árvores na sombra
No amor impuro profanei minh’a lm a ... E nos campos em flor errei sonhando, 894
E nesta vida não amei contudo! Coroando-me dos lírios da alvorada.
Não sou a virgem melindrosa e casta Arvore prateada da esperança.
Que nos sonhos da infância os anjos beijam Sombra das ilusões, ó vida bela
E entre as rosas da noite adormecera E sempre bela, e no morrer ainda,
Tão pura como a noite e como as flores; Porque pousei a fronte sôbre a relva
Mas na minh’alma dorme amor ainda. À sombra vossa, delirante um dia?
Levanta-me, poeta, dos abismos
Até ao puro sol do amor dos anjos! Oh! que morro também! na noite d’alma
Ó minha vida, minha vida pura, Sinto-o no peito que um ardor consome,
Porque foram tão breves da inocência No meu gênio que apaga-se nas orgias,
Das crenças virginais os belos dias? Que foge ao 895 mundo, e o sepulcro te m e ...
Chamei por Deus em vão. Sôbre meu leito Exilei-me dos homens blasfemando.
Em vez do anjo do céu senti gelada Concentrei-me no fundo desespêro,
Sombra desconhecida vir sentar-se. E exausto de esperança e zombarias
Em beijos frios roxear meus lábios. Como um corpo no túmulo lancei-me.
Em abraços de morte unir-me ao seio. Suicida da fé, no vício impuro.
Douda! chamei por Deus! a meu reclamo
Veio o tôrvo S a t ã ... Oh! não maldigas X.
A mísera que os seios inocentes
Entregou sem pudor a mãos impuras: E o mundo? não me entende. Para as turbas
Eram taças de D e u s .... eu bem sabia! Eu sou um doudo que se aponta ao dedo.
Mas todo o pesadelo do passado A glória é essa. P ’ra viver um dia
Foi uma horrenda s in a ... tudo aquilo Troquei o manto de cantor divino
Escrevera S a t ã ... — Pelas roupas do insano. — Os sons profundos
[ 295 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 296 ]
PO ESIA S
[ 2 97 ]
MANOEL ANTÔNIO Â LV A llES DE AZEVEDO
Perdão, por vossa mãe! p o r ,vossa glória! Mas não irei turvar as alegrias
Pelo vosso porvir e nossa história! E o júbilo da noite sussurrante.
Não mancheis vossos louros do futuro! Só porque a mágoa desnuou meus dias,
Nem lisonjeiro incenso a nódoa exime! E zombou de meus sonhos delirantes.
Lava-se o poluir de um leito impuro —
Lava-se a palidez do vício escuro — Tu bem sabes, meu Deus! eu só quisera
Mas não lava-se um crime! Um momento sequer lhe encher de flores.
R io d e Ja n e ir o . N o v e m b r o d e 1850.
Contar-lhe que não finda a primavera,
A doirada estação dos meus am ôres;
Que a flor do peito desbotou na vida Nas almas em botão, nesse crepúsculo
E o orvalho da febre requeimou-a; Que da infante e da flor abre a corola.
Que nos lábios da mãe na despedida Murmuram leve os trêmulos sentidos,
O perfume do céu aban d on ou -a!... Como ao sôpro do vento uma viola.
[ 298 ]
PO ESIA S
Diz — amor! — essa voz da lira interna, AO MEU AMIGO J. F. MOREIRA NO DIA DO
E ’ suspiro de flor que o vento agita,
Vagos desejos, ânsia de ternura, ENTÊRRO DE SEU IRMÃO.
Uma brisa de aurora que palpita.
A vida é uma comédia sem sentido,
Como dorme inocente esta criança! Uma história de sangue e de poeira,
Qual flor que abriu de noite o níveo seio, Um deserto sem lu z ...
E se entrega da aragem aos amores, A escara de uma lava em crânio a rd id o ....
Nos meus braços dormita sem receio. E depois sôbre o lô d o ... uma caveira,
Uns ossos e uma cruz!
O que eu adoro em ti é no teu rosto
O angélico 909 perfume da pureza; Parece que uma atroz fatalidade
São teus quinze anos numa fronte santa A mente insana no porvir alenta
O que eu adoro em ti, minha Teresa! E zomba da iludida!
O frio vendaval da eternidade
Apaga sôbre a fronte macilenta
São os loiros anéis de teus cabelos, A lâmpada da vida.
O esmêro da cintura pequenina,
Da face a rosa viva, e de teus olhos
Não digas, coração, que a alma descansa
A safira que a alma te ilumina!
Quando as idéias no prazer enfurda
O escárnio zom beteiro...
E ’ tua forma aérea e duvidosa Que lo u cu ra !... amanhã o peito c a n s a ...
— Pudor d’infante e virginal enleio; Resta um e n te rro ... e uma reza su rd a ...
Corpo suave que nas roupas brancas E d ep o is... o coveiro!
Revela apenas que desponta o seio.
Fermente a seiva 910 juvenil no peito.
Eu sei, mimosa, que tu és um anjo Vele o talento numa fronte santa
E vives de sonhar, como as Ondinas, Que o gênio em palidece...
E és triste como a rôla, e quando dormes Embalcle! à noite, ao pé de cada leito
Do peito exalas músicas divinas! O fantasma terrível se le v a n ta ...
E seu bafo entorpece!
Ah! perdoa êste beijo! eu te amo tanto!
Eu vivo de tua alma na frag rân cia.. . E contudo essa morte é um segrêdo
Deixa abrir-te num beijo as flores d’alma. Que gela as mãos do trovador na lira
Deixa-me respirar na tua infância! E escarnece da crença;
Um pesadelo — uma visão de m êdo__
Verdade que parece uma mentira
Não acordes tão cedo! enquanto dormes E inocula a descrença!
Eu posso dar-te beijos em seg red o ...
Mas, quando nos teus olhos raia a vida, E quem sabe? é a dúvida medonha!
Não ouso te f i t a r .... eu tenho mêdo! Quem os véus arregaça do infinito
E os túmulos destampa?
Enquanto dormes, eu te sonho amante. Quem, quando dorme, ou vela, ou quando sonha.
Irmã de serafins, doce donzela; Ouviu revelações no horrendo grito
Sou teu n o iv o ... respiro em teus cabelos A rebentar da campa?
E teu seio venturas me re v e la ...
E quem sabe? é a dúvida terrível;
D eliro ... junto a mim eu creio ouvir-te E ’ a larva que aos lábios nos aperta
O seio a suspirar, teu ai mais brando. Entreabrindo o sudário!
A realidade é um pesadelo incrível!
Pouso os lábios nos teus; no teu alento
Semelha um sonho a lápida deserta
Volta minha pureza suspirando! E o leito mortuário!
Teu amor como o sol apura e nutre; E quando acordarão os que dormitam?
Exala fresquidão e doce brisa; Quando estas cinzas se erguerão tremendo
E uma góta do céu que aroma os lábios Em nuvens se expandindo?
E o peito regenera e suaviza. Perguntai-o aos ciprestes que se agitara.
Ao vento pela treva se escondendo, 9li
Nas ruínas bramíndo!
Quanta inocência dorme ali com ela!
Anjo desta criança, rae perdoa!
E contudo parece um desvario.
Estende em minha amante as asas brancas, Blasfêmia atroz o cântico atrevido
A infância no meu beijo abandonou-a! Que rugem os ateus; 912
Sem a sombra de Deus é tão vazio
O mundo — cemitério envilecido!.. .
Oh! creiamos em Deus!
[ 299 ]
M ANOEIi ANTÔNIO A L V A R E S D E A ZEV ED O
Consola-te! nós somos condenados E que doudo que eu fui! como eu pensava
À noite da amargura: o vento norte Em mãe, amor de irm ã! em sossegado
Nossos faróis a p a g a ... Adormecer na vida acalentado
Iremos todos, pobres naufragados. Pelos lábios que eu timido beijava!
Frios rolar no litoral — da morte, 913
Repelidos da vagai Em bora — é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência fin d a ...
S . P a u lo , 2 d e N o v e m b r o , 1851 Pressinto a morte na fatal d o e n ç a !...
A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem c r e n ç a ...
Perdoa, minha mãe — eu te amo ainda!
SONÊTO.
[ 300 ]
PO ESIA S
11 VIII
Nessas lividas mãos rompa-se a lira! Quero a orgia que à noite desvaria
Além canções cheirosas como o nardo Quando fresco o luar no céu flutua
Que nos festins da noite o vinho inspira! E a vaga se prateia de ardential
Não vêdes que da guerra aos sonhos ardo? Perfumes, flores, a vertigem sua
Não vêdes que meu cérebro delira Vertendo no festim que me inebria!
E arqueja em fogo o coração do bardo, Lasciva dança voluptuosa e nua
E como um rei trocara o meu laurel, Nas rosas que desfolho trepidando!
Meu reino — por um ferro e um corcel? 919 Pajens louros as taças 925 co ro an d o !...
I X
11 I
E as roupas onde o seio transparece.
Como das grutas de Fingal na bruma As formas cristalinas desenhando, 926
Do norte a ventania se derrama; Colos onde o suor límpido desce
Como roda o tufão no mar que espuma, 920 Nos seios como pérolas rolando,
Como a cratera do volcão se inflama, E as trêmulas madeixas ondeando,
Como a nuvem de fogo no ar se apruma, 921 E a valsa que se agita e que resvala
Assim no peito meu o estro em chama E entre perfumes lúbricos se embala.
Agita-me, afogueia o peito langue
E como as águias, só anela sangue!
X
[3 0 1 ]
MANOEL ANTÔNIO ALVARES D E AZEVEDO
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rO E S IA S
[ 3 03 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
IV X
Que importa o mundo além? teu mundo é êsse E ra alta noite. Jônatas saíra —
Onde na vida o coração te alegra! Precisava frescor — enfebrecida
Teu mundo é o serafim que às noites desce A fronte na descrença sucumbira.
E que lava no amor a mancha negra! 940 Maldizia no tédio a negra vida,
É a névoa de luz onde não lê-se Até as ilusões que êle sentira!
E scrita à porta vil a infame regra Curvava a testa mórbida, abatida.
Que assinala o bordel à mão poluta Sempre sedento, sempre libertino.
E diz nas letras fundas — prostituta! Blasfemando do amor e do destino!
V X I
A essa pobre mulher na fronte bela Ele viu — não foi sonho — era sentada
Anátema escreveu a turba fria! À sombra, no balcão de uma janela
Banhe o remorso o travesseiro dela. Angélica mulher: luz embaçada
Corram-lhe a mil da pálpebra sombria De um estrelado céu nas faces dela
Prantos do coração, não há erguê-la Branqueava-lhe a face descorada
A eterna maldição. E quem diria E os seios níveos que o cetim revela.
A solitária dor, da noite ao manto Além imagens vãs! a oitava finda:
Que lavra o seio à cortesã em pranto? Só posso vos dizer, que ela era linda.
VI X I I
Ah! Madalenas míseras! ardentes Nem tão aérea 942 Jocelyn passando
Quantos olhos azuis se não inundam Vira Laurence pálida, abatida.
Nos transes do prazer em prantos quentes Nem tão bela a sentira suspirando
Quando os seios febris em ais abundam, Abafando a saudade emurchecida!
Que o amante nos ósculos trementes Com a face na mão — muda, cismando
Crê sonhos que do amor no mar se afundam! T ão branca era a gentil desconhecida!
Que suspiros no beijo que delira Nos cabelos a noite recendia!
Que são lágrimas só! que são mentira! E ra tão bela a s s im ... e ela dormia 1
V I I XIII
E quantas vêzes na cheirosa sêda Esperavam alguém? A porta aberta
Da longa trança 941 desatada, sôlta,
Bem essa idéia despertar podia.
Onde o moço de gozos embebeda
A fronte à febre juvenil revôlta; Entrou. Do lampião a luz incerta
Quando a vida, o frescor, a imagem leda Entre as sombras alentos e x a u ria ...
De esp’rança que morreu ao leito volta; Êle subiu — a sala era deserta.
As lágrimas na dor ferventes c o rre m ... Passando p’la cabeça a mão — sentia
Como em céu de verão estréias morrem? Não sei que atropelar de mil idéias,
Que frio ignoto a comprimir-lhes as veias.
VIII
X IV
A h! não chores! que valem perfumadas
Do Oriente as manhãs e céus e lua E que cisma! que insano devaneio
E a natureza a vir entre alvoradas Na mente exausta repassar-lhe vinha!
E a láurea do porvir que sangue sua, Do vício e do bordel tinha receio?
O vai deserto, as noites estreladas
Volvia à fé que desbotado tinha?
Quando lânguida a vida em ais flutua!
Quando um suspiro as lágrimas apaga Doía-lhe ao coração de um torpe enleio
E o lábio treme, e em beijos se embriaga? — Como no lôdo as asas a andorinha —
Do leito profanado às sombras densas
Um per uma ter manchado as crenças?
I X
Amar uma perdida! que loucura! X V
Mas tão bela! que seio de Madona!
Nunca amara tão nívea criatura Não! revoava-lhe um outro pensamento.
Como aquela mulher que ali ressona! Mais duro e positivo e verdadeiro:
A idéia do devasso macilento
A^ lâmpada no leito que murmura Lhe doía no cérebro a lta n e iro ...
Sôbre a amante que nua se abandona, Pensava que amanhã o seu sustento
Envôlta nos seus lúcidos cabelos Findaria por míngua de d in h eiro ...
Semelha um querubim, pálido ao vê-los! Poucas moedas viu na bôlsa fin d a ...
Porém bastantes para amar ainda!
[ 304 ]
PO ESIA S
XVI XXII
XVII
X I X
XXV
Misérrimos de nós! nossa existência Místico beijo se escoou sentido
O hoje abrange só, vermes de um dia! Como de pombos cândidos que adejam
Ontem foi de um anelo a impaciência O sussurro do vôo estremecido!
Um desejo fogoso que incendia! E sôbre os peitos que febris latejam
E que importa amanhã seja a inclemência Sufocava-se o túmido gemido
À intempérie do ar, à noite fria? Como donzelas que de amor se beijam!
Peregrinos! no barco adormeçamos! Almas cheias de vida! pareciam
Em mar desconhecido navegamos! Que as vidas numa vida confundiam!
X X XXVI
X X I XXVII
Êle chegou-lhe ao pé: era tão pura, Si quereis, meu leitor, saber agora
Que de leve osculou-lhe a fronte nua! O que a isto seguiu-se — eu não o digo,
Era uma estátua de marmórea alvura! Porque 948 senão minha leitora cora:
Melancólica e bela como a lua: E obro nisto por certo qual amigo:
E tão bela a madeixa a sombra escura E também porque a musa me descora
Derramando-lhe ao colo que flutua! Quando nestas visões a idéia sigo.
Leve passou a mão no seu cabelo Demais findou-se de licor meu copo,
E ternamente murmurou — Consuelo! — E a sêco poetar jamais eu topo!
[ 305 ]
MANOEJ. ANTÔNIO ALVAKES DE AZEVEDO
XXVIII V I I
V XIII
Como varia o vento — o céu — o dia, E quando os lábios o charuto finda
Como estréias e nuvens e mulheres. E a lânguida visão num beijo passa,
Pela regra geral de todos sêres, 95i E o perfume os cabelos nos repassa,
Minha lira também seus tons varia, Como é belo no azul da nuvem linda
E sem fazer esforço ou maravilha Entre vapores madornar, e ainda
T roca as rimas da oitava p’la sextilha. À vida renascer noutra fumaça!
V I X IV
E agora tem lugar duas palavras E ’ belo ao fresco da relvosa espalda
Que o autor mostrem nu dêste poema: Os serenos beber à flor pendente.
Quem o arado levou por essas lavras. . . Do Reno o vinho em taças d’esmeralda
O marujo que nesse bote r e m a ... E sôbre o campo adormecer contente!
Falemos sem rodeio e com verdade: E ’ bela a noite que a volúpia escalda
Êsse livro escreveu um pobre frade. E acorda aos seios um suspiro ardente!
[ 306 ]
POESIAS
X V X X III
E ’ belo o escumar da catadupa, E vós bardos nutridos de amargura
A margem verde que a torrente ocupe, Que de prantos banhais a lira santa,
Beijar na sombra o colo palpitante Se ainda o peito não trazeis corrupto.
Que ofega e bate à descorada am ante... Vinde chorar a minha desventura
E' de um corcel 956 à trêmula garupa Que no frio pavor de mágoa tanta
Correr a mão ao pêlo gotejante! Veio até apagar o meu charuto!
X V I
Mas nem o Johannisberg, úmidas flores, XXIV
A relva fôfa da campina verde, Eu não rio-me, não! a voz do peito
E a noite que vem quente de amores Nos versos meus inânida se exala!
E a torrente do vai que além se perde, E quantas vêzes quando em ai desfeito,
Nem o seio que nuta e que se inflama Como uma fibra que no peito estala,
Desmaia o tédio meu que o spleen derramai A mente de tristezas nos repassa...
Não desvanece tudo uma fumaça?
XVII
E 0 amor muita vez aos lábios mente: XXV
Tem côres de maçã — e dentro infecta, E quantas vêzes no cismar perdido
E cinza aos lábios deixa-nos somente! No seio o cancro dói de uma saudade,
Além o seio, o coração corrupto E alento das internas agonias
Que desmentem os sonhos do poeta! Nas cordas de alaúde enternecido
Só tu não mentes não, ó meu charuto! Não anseia, não arfa de ansiedade
Que esvai-se em teu vapor em melodias?
XVIII
X X VI
Só tu és sempre belo como a lua
E sempre virginal e perfumado. E então qual geme a rôla de mistura
És o lírio do céu nunca murchado! O arroio moleniente, co’as areias,
Como a virgem de amor, cândida e nua. E qual se escoa pelas mornas veias
Evaporas no aroma essa alma tua Os hálitos vernais da formosura,
E tens um lábio nunca profanado! — Como nas cordas de harmonia cheias
A mêdo uma infantil canção murmura!
X I X
XXVII
Só tu não mentes, não! e tu sòmente
Na taça da ilusão não deixas lia! E nos lábios derrama-se a lembrança,
E quando a mesma realidade mente, 957 Do passado o sorrir nos prantos d’hoje!
Quando a virgem, a fé, de noite e dia Cobre-me o coração a vaga mansa
Veremos amanhã que ontem mentia, De uma saudade que suspira e foge!
Inda contigo dormirei contente! E lembro às vêzes o palor da vida
Do gélido cadáver do suicida!
X X X X V III
Porque 958 nessa ilusão que a amar convida E ’ o canto dos lânguidos amores
Revelas a morena adormecida Perdido como o céu na escuridade:
A quem banha palor os doces traços. Do íntimo seio peregrinas flores
Trêmulo o seio, a pálpebra abatida! Abertas ao sereno da saudade.
E sinto em teu vapor anjos da vida Mas triste'— como a dor em rosto insano...
Entre as nuvens tremendo os róseos braços! Como a noite nos ermos do Oceano!
X X I X X IX
Meu charuto caiu, ei-lo se esfria: Ah! quando enfim a lâmpada apagou-se
A!ém nas ondas vi-o mergulhar, Do leito sepulcral na pedra fria,
Como o sol no crepúsculo do dia, Quando a palmeira ao florescer murc!iou-se
Como um cadáver arrojado ao mar! E a ave d’ouro que do sol vivia
Misérrimo! só resta cinza fria! Caiu morta na relva recendida,
No céu da vida estréia a desmaiar! Gotejante das lágrimas da vida!
XXII XXX
Tua vida apagou-se e eu perdi-tc! E tudo se acabou! e terra escura
Vai, conta às ninfas o meu mal tamanho! Cobriu-te a face roxa desbotada,
Nos lábios de Netuno ou de Anfitrite E tu fôste da cal na sepultura
Descreve minha dor, minha agonia, Sufocar-te nas tênebras do nada.
Meu íntimo sofrer quando eu te via — Agora sim virei ■— e solitário —
Como Safo — morrer tomando um banho. Na solidão cliorar o teu fadário!
[ 307 ]
MANOEL, ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 308 ]
PO ESIA S
X L V I L I I I
Não te maldigam pois! Ignora o mundo E que sonhos, meu Deus! e que ventura!
O que dói êsse verme da desgraça: E que vento de amores palpitava
E da irrisão 963 maldita o corvo imundo Na escuma do batei a vaga pura
Que no escárnio do fel nos despedaça! E lascivos suspiros lhe arru lh ava!...
E em tôrno mar e céu — a noite bela,
Não sabem não — de Prometeu no leito
O sangue e dor que rolam-nos 964 do peito! Nos meus braços a inânida donzela!
LI V
X L V I I Ah! virgem das canções, aos brancos lírios
Porque 967 tão cedo me chover na infância
Mas eu sei: que senti o amor ardente O mágico sereno dos delírios
Convulsivo bater num peito exausto! Que adormece, embalsama na fragrância?
Sei: que senti a lágrima tremente E do amor entre os lânguidos conselhos
Como na insana palidez o Fausto! 965 Minha fronte embalar nos teus joelhos?
Quando o sono fugia às noites minhas
Como às nuvens do inverno as andorinhas. L V
Porque 967 tão cedo o vinho da harmonia
X L V I I I Nos beiços infantis correu-me aos sonhos.
Entornou-me essa nuvem que inebria,
Bcbi-a essa tristeza, essa doença Que gela o riso aos lábios meus risonhos?
Que nos escalda lágrimas sombrias, Tão quêdo o sono meu, porque 968 turvá-lo,
Que nos revolve sós na vaga imensa E de ilusões esplêndidas povoá-lo?
Do Oceano das internas agonias!
Que empalidece a face e morte lenta L V I
Nos estampa na fronte macilenta.
E tão cedo! porque encher meu leito
Destas sombras suaves, delirantes?
X L I X E na harpa adormecida de meu peito
Suspirarem-me sons tão ofegantes?
Ah! virgem das canções, entre vapores E porque 969 não deixar o meu sentir
És pura e bela sim, porém teus lábios Da infância d’oiro nos frouxéis dormir?
Me fazem delirar como licores
Que afervoram-nos tépidos ressábios! L V I I
Quando em teu colo vou deitar-me agora E assim eu morrerei: co’a sêde ainda
Teu palpitar as faces me descora! Amargosa no lábio ressicado!
Cansando os olhos na extensão infinda.
Perguntando se a crença do passado
Também verei no lôdo rev o lv id a ....
E com.o tu sufocarei a v id a !...
E cedo morrerei: sinto-o, nas veias
O meu sangue se escoa vagaroso
L V I I I
Como um rio que seca nas areias,
Como donzela, que desmaia em gôzo! E quem sabe? é a dúvida do Hamleto
Teus lábios, fada minha, me queimaram, 966 E o — ser e o não ser — que toma o passo:
E as lânguidas artérias me esgotaram! O mundo é lodaçal, é leito infecto,
E a turba é sempre a que se riu do Tasso!
Mas o que é o morrer? e a sepultura
LI Que mistérios contém na noite escura?
[ 3 09 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES B E AZEVEDO
[310]
PO ESIA S
LX X V I CANTO QUARTO
E quem sabe? é d o rm ir.... e tão somente
E m il ia .
— E ’ o sono que as pálpebras lhe chumba?
E êle não sente a lágrima demente Dead ! dead !
Que orvalha de saudade a fria tumba?
E se alma foge à podridão impura,
Nunca lhe vem gemer na sepultura? Oth ello .
[311]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
VI X IV
Mulher! e quem és tu? que mão divina O h! sonhava talvez! vi-as tremendo,
O teu sono quebrou de um céu de amores? — Qual de colar em seio voluptuoso.
Que fada loura; que suave ondina Pérolas soltas — lágrimas correndo!
Deu-te o olhar de lânguidos fulgores? E nos seus lábios como som mimoso
Que flor do mar se abriu morna d’enleio De arroio d’água límpida ao bafejo
Para assim te alvejar no terno seio? Os ais tremiam ao cismar de um beijo! —
V II XV
VIII X V I
Fôra viver, como em um sonho, a vida Que pensamento, que desejo incerto,
Ao sentir-te a nuez do níveo seio. Que saudades e amor a palpitavam?
Ao apertar-te lânguida, abatida, Flores ou anjos, nuvens do deserto
Com êsses lábios a queimar de enleio! Entre a névoa dos sonhos que a roçavam?
Num beijo teu os sonhos esquecer. Ou da Ju lieta pálido, risonho
Em teus lábios inânidos morrer! P or seu belo Romeu ardia em sonho?
I X XVII
És muito bela sim! anjo agoureiro E la dorme. Silêncio! ó noite bela!
Como estátua de amor ergueu-te um dia! Fresco e perfume só derrame o vento
Talvez sonhou contigo êsse estrangeiro — Nos cabelos da lânguida donzela!
O bardo altivo de canção sombria! E da noite ao frescor o sangue lento
E por ti v iv e re i... que me revela Corra nas suas azuladas veias
Porvir de gozos tua imagem bela! Como a onda no mar sôbre as areias!
X X VIII
Vem, rainha da noite! quero amar-te Mas ah! minhas visões! num céu escuro,
Com os lábios molhados nos licores, Nas trevas minha nuvem dissipou-se:
No teu seio de fogo derramar-te A capela viçosa do futuro
A m ística ilusão dos meus am ores!
No outono da desgraça amarelou-se.
A h! vem, repousa, embala-te em meus braços, Solitário fiquei nos sonhos m e u s ...
Quero viver, morrer nos teus abraços! Às ilusões só resta-me um — adeus! —
X I X
X I
E la dormia; a rosa desmaiada, Adeus! — é o prantear do marinheiro
Que a noite serenou, nem é tão pura, À pátria que desmaia em mar doirado!
Nos moles véus da névoa mergulhada! Aos ais do peito gotejar primeiro
Dos sonhos no frescor, na santa alvura Da lágrima nas faces do soldado.
E ra mais bela que de luz divina Aos abraços da mãe que geme e chora
A palidez em nuvem peregrina. E aos gemidos da amante que o demora!
X I I X X
E tão pálida e bela! semi-nua — Suspiros de Romeu na despedida,
As pálpebras do sono em véu sombrio. A sua Julieta desmaiada!
Lânguida como vagarosa lua Blasfêm ias do Rei Lear, beijo sem vida
Quando voga no mar de um céu d’estio, Nos lábios de Cordélia inanimada!
E o seio palpitante como a vaga E ’ a mágoa da dor que afoga, oprime
Que a praia da soidão de noite alaga! E na agonia faz sonhar no crime!
XIII X X I
Do cabelo nas ondas a donzela Sonhar-te, Consuelo, em minha noute,
— Inda mais alva a face — adormecia: Em teus prantos, o peito suspiroso,
Que fria morbidez nas faces dela! E sentir que nos seios estalou-te
Rosa que as fôlhas cândidas despia E ssa fibra gentil que acende o gôzo,
Dos amores do vento nos delírios, Que fala aos olhos, no hálito suspira,
No frio orvalho de prateados lírios! E nos transes do amor num beijo expira.
[ 3 12 ]
PO ESIA S
X X X I I I
.................................................. e par che dorma!
Tasso. Acorda-te, meu peito moribundo.
XXV Às visões juvenis de um outro mundo!
Sonha! mas não blasfemes do destino
Nunca a viste na lúbrica nueza
Quando amanhã topar o peregrino
A brisa enlouquecendo de beleza,
Teu crânio lívido, amarelo, im u nd o...
Sôlto o cabelo, o róseo véu desfeito.
Teu cadáver no lôdo ressupino!
Trêmula como do himeneu no peito
Noiva cheia de amor, de m orbidezza
Aos longos beijos no convulso leito? X X X I V
Se o nada não engole a criatura,
XXVI
Se inda sente o não ser da sepultura,
Tarde! quem não te amou, minha sultana? Se além arqueja o desespêro errante,
Quem tão árido eivou a mente insana Se há uma eternidade delirante,
Em claustro que os alentos assassina, E dói sentir morder na carne impura
Quem não te amasse em nuvem purpurina, O verme da saudade dévorante!
Como ardente de amor a Americana
Que pálida, entre flores se reclina? X X X V
XXVII Tarde! quando eu morrer, e desprezado
E sempre virginal e vaporosa Ao corvo dêem meu corpo desbotado.
Pensativa de amor, voluptuosa! Derrama sôbre mim teus mornos estos!
Sorrindo às virações que te bafejam, Talvez reviva o fogo do passado
À 981 claridão das nuvens que lampejam, Nas fibras rôtas, nos infaustos restos
A lua, à pomba, à selva suspirosa. Do cadáver no campo abandonado!
Às flores que na morte se entrebeijam!
XXVIII
Que te importa que as raças dêste mundo
Blasfemando as canções que a Deus ergueram CANTO QUINTO
Vaguem no tédio, em lodaçal imundo,
Onde as brisas de Deus se corromperam, I
Onde amor crepuscula moribundo,
E os anjos d’esperanças se perderam? Era uma tarde — mas a chuva fria
Dos úmidos ciprestes gotejava,
XXIX Além no céu escuro o sol morria
Como és fresca no céu, entre fulgores Como rola na terra a rubra lava,
Na túnica de rosa transparente. E o vento além no farfalhar funéreo
Mística rosa abrindo ao sol de amores Gemia no ervaçal do cemitério!
Que anjo te embala a fronte recendente,
Quando a estréia da noite vem ardente I I
Doirar o teu palácio de vapores? E ra o campo onde brota a erva inculta
Sôbre o corpo do ancião e da donzela.
XXX
Aonde o verme a forma nívea insulta
Ai dorme! o sonho na cheirosa vida E o mármore dos seios amarela!
Para ti é bromélia umedecida. E aonde ao apagar de uma esperança
Sempre cheia de chuva e de frescores! Dos amigos enterra-se a lembrança!
[313]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
I I I X I
IV X I I
Deu no corpo o luar. E ra alva imagem
Ninguém que vá chorar! ninguém! a campa
Reflexo branco de mulher divina!
E ’ solitária e muda. — O apodrecido .^s tranças 983 negras à noturna aragein
Se volve no m is té rio .,. Só se estampa Trem iam como um lírio que se inclina!
A lua no seu túmulo esquecido!
T ão bela! parecia ad orm ecid a!...
E nem filhos — nem m ã e !.. . Da dor no cúmulo
E ra o s o n o ... porém não o da vida!
O homem no lupanar esquece o túmulo!
XIII
V
Assim a noiva de Romeu dormia —
P or entre as sombras uma luz espanca A pálida Julieta regelada —
A treva que no chão o véu re p a ssa ... Quando nos lábios, nessa face fria
Roça nas folhas uma forma b r a n c a ... Êle sonhava os beijos d’alvorada,
No sombrio ervaçal um vulto passa. Das noites breves o celeste encanto,
Como de ave agoureira o longo pio O ai da ventura, o amoroso pranto!
Escutou-se um gemer no campo frio.
X I V
VI
E ra tão bela! a palidez sorria!
Quem g e m e ? ... errante cão que a lousa escarva E a forma feminil tão alvacenta
Para cevar em podridão a fome? No diáfano véu transparecia!
Ou sob a cova se debruça a larva, Pendeu o homem da morte macilenta
A sombra que uma eterna dor consome? A cabeça no peito — em vil desejo
E ra um morto no túmulo acordando. Longo, mui longo profanou-lhe um beijo!
Ou corvo negro no dormir grasnando?
X V
V I I “ T ão formosa e m orrer!” e murmurando
E ra um canto sombrio — era coveiro O coveiro deitou-a na jazida:
Que nas urzes, cantando, um fôsso abria: Encobriu-a de c a l .. . e sussurrando
E no lábio o sarcasmo zombeteiro Da noite à sombra uma canção descrida.
Na cantiga fatal estremecia! Erguendo na mão pálida a lanterna
Cantava e ria — e contração nervosa Foi da morte olvidar-se na taverna!
Agitava-lhe a bôca tremulosa.
VIII
X V I
Os monótonos sons da cantilena E ’ sombrio, confesso-vos, meu canto:
Corriam doces como essência pura: E obscuro demais, o que é defeito!
E ra o canto de amor — a voz serena. Mas é um sonho apenas que recanto, 984
Mas aí, junto ao lar da sepultura. Que em noite longa me gelou no leito —
Dessa bôca nervosa na ironia, Sonho de febre, insano pesadelo
D ’alma nos seios a canção doía! Que à fronte me deixou pálido sêlo!
I X XVII
E cantava — também o marinheiro Não teve o Dante mágoa mais profunda
Canta e sonha Albion se a vaga uiva: Quando na sombra ergueu o condenado, 985
Se lhe escuma no rosto sobranceiro De um crânio carcomido a bôca imunda
E molha em flocos a melena ruiva! E enxugou-a em cabelo ensangüentado:
Tam bém dos brancos seios que desbotam, E contou sua lívida vingança
Da virgem que morreu, violetas brotam ! Na mansão da eternal desesperança!
X X VIII
Era m oço: mas já envelhecido Nem mais estremeceu quando o passado
No avezado calcar na terra sôlta Do túmulo na sânie rev iv ia...
Do cadáver o ventre entumecido, Quando o velho rugindo sufocado
Sem pela fronte lívido e revolta De fome e raiva ainda se to r c ia ...
Sentir a fria mão do passamento Como quando as crianças se mordiam,
Fria, tocar-lhe o rosto macilento! E ardentes, moribundas, pão! pediam!
[3 1 4 ]
PO ESIA S
X IX XXVII
Quando contou as noites regeladas Que prantos! que suspiros sufocados!
E o ar da podridão... e a fome impura Se eu gostasse dos versos eloquentes,
Saciando nas carnes desnervadas Como eu descreveria bem rimados
De seus filh o s ... de sua criaturaI Do meu peito os anélitos frementes!
Como a pantera emagrecida come Porém nos seios eu sufoco tudo,
Os filhos mortos p’ra cevar a fome! Porque 988 (ja mágoa o serafim é mudo.
X X X X V III
Acordei ao tremer de calafrios Silêncio, coração que a dor inflama!
Com o peito de mágoas transbordando; Além do escárnio, sons! quero o meu leito
Enxuguei com a mão suores frios Das lágrimas banhar que a dor derrama!
Que sentia na face porejando! Quero chorar! quero chorar! meu peito!
E um dia o pesadelo que eu sentira Dizer adeus ao sonho que eu sentira,
Mesclou-se aos moles sons de minha lira. Sem profanar as ilusões na lira!
X X I XXIX
Mesclou-se como ao vinho um ditirambo, Eu não as profanei! guardo-as sentidas
Ao farfalhar de Pança 987 um velho adágio, Nas longas noites do cismar aéreo.
As alvas flores se mistura o jambo Guardo-as na esperança, nas doridas
E um ósculo de amor em um naufrágio. Horas que amor perfuma de mistério!
— Creio que vou dizer alguma a s n e ira ... — Sem remorso, nem dor, aos sonhos meus
Como o nome de Deus à bebedeira! Eu posso ainda murmurar — adeus!
XXII XXX
Escrevi o meu sonho. Nas estâncias Ah! que na lira se arrebente a corda
Há lágrimas e beijos e ironias, Quando profana mão os sons lhe acorda!
Como de noite muda nas fragrâncias E o pobre sonhador a fantasia, 989
Perde-se um ai de ignotas agonias! O sonho que ama e beija noite e dia
Tudo é assim —■ no sonho o pesadelo, Não saiba traduzir, quando transborda
— Em almas de Madona quanto gêlo! Seu peito dos alentos da harmonia!
X X III X XX I
E ’ assim o viver. Por noite bela Que não possa gemer a voz saudosa
Não durmas ao relento na janela Como o sôpro dos ventos avendiços,
Contemplando o luar e o mar dormente. Como a noite que exala-se amorosa!
Poderá apanhar-te de repente Como o gemer dos ramos dobradiços!
Fria constipação, febre amarela, Para exprimir os pensamentos meus
Ou alguma prosaica dor num dente! Nos cantos melancólicos do adeus!
XXIV X X X I I
Vai, co’a mão sôbre o peito macilento A d e u s !... é renunciar numa agonia
Curvado como um velho peregrino. A esperança que ainda nos palpita;
Vai, tu que sofres, implorar — sedento Sentir que os olhos cegam-se, que esfria
Um remédio de amor a teu d e stin o !... O coração na lágrima maldita!
Um doutor sanará o teu tormento Que inteiriçam as mãos, e a alma aflita
Com três chícaras d’óleo de ricino! Como Agar no deserto era 990 sombria!
XXV XXXIII
Eu vi, eu vi um tipo de Madona Sentir que tudo em nós se gela e chora,
Que os ares perfumava de beleza; E o coração de lágrimas se vela!
Que suave mulher! ah! não ressona E a natureza além revive agora,
Uma virgem de Deus com tal pureza! E a existência por viver, mais bela
Era um lago a d o rm ir... na flor sereno! Novas delícias, novo amor revela
Porém sua água azul tinha veneno! Do luzente porvir na roxa aurora!
XXVI X X X IV
E agora — boa noite! eu me despeço Sentir que se era p o e ta ... à brisa errante
Desta vez para sempre do poema: Bebendo eflúvios que ninguém respira.
Como soberbo sou, perdões não peço. Pressentindo à donzela palpitante
Mas como sou chorão, deixai que gema, Os enlevos, os ais, e o sonho amante
Que dê largas a est’alma entumecida Que nos brisa 991 no berço sussurrante,
Na dor de tão solene despedida! E o perfume que a música transpira!
[315J
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO
X X X V X L I 11
Adeus! é uma gôta de mistério E vós, águas do mar, que me embalava
Que Deus nos orvalhou como sereno! Ao som dos remos da gentil falua!
E ’ a dor voluptuosa ■— o bafo aéreo Onde a fronte de escumas se banhava,
Que derrama perfumes e veneno! E à morta luz da vagabunda lua
E ’ a cisma que ro!a, que resvala, 993 Cismava como a nuvem que flutua
Que os pensamentos no desejo embala! Do escravo à nênia estranha que soava!
X X X V I X L I V
Saibo do céu que aviva na lembrança O h! minha terra! oh! tarde recendente
Que é um filho de Deus o moribundo Que embalsamando vens com teus cabelos
A quem se fana a tímida esperança! Derramados à luz! ó sol ardente
Que é dos anjos irmão e que é no fundo Como os lábios do am or! luares belos
Do Oceano do viver, que o vagabundo Como das flores de laranja o cheiro
A pérola do amor talvez alcança. Que perfumam da noiva o travesseiro!
X X X V I I X L V
E adeus, vós que eu amei, que inda sentidas
E ’ as crenças sentir uma per uma
As ilusões me acordam na tristeza!
Que se ad orm ecem ... e o batei da vida
Que inda choro nas minhas despedidas!
No Oceano escuro cobre-se d’escuma
Belas dos sonhos! anjos de beleza!
E se afunda no m a r ... e dolorida Morenas a quem banha a morbideza!
A alma do marinheiro empalecida
Como as rosas da noiva empalecidas!
Ao arrebol da morte se perfuma!
X L V I
X X X V I I I
A i! 994 todos vos sonhei! cândidos seios
Adeus! tudo que amei! o vento frio Onde amor pranteara delirante!
Sôbre as ondas revoltas me arrebata, Onde gemera em derretido enleio
Além a terra p e rd e -se ... o navio Como em seios de mãe sedento infante!
Trilha nos mares sôbre um chão de prata! Aguas místicas aonde estréias santas
Adeus! tudo que amei, que me retrata Deixaram trilhos das argênteas plantas!
Inda a saudade ao terno desvario!
X L V I I
X X X I X
Como o triste Alcion vagueia errante
Meu céu! minhas montanhas verdejantes! Nas frias primaveras do Oceano
Cetim azul da lânguida baía! E ama as alvas, a noite sussurrante.
Manhãs cheias de brisas sussurrantes, Tardes, ondas e sol e leviano
Noites cheias de estrelas e ardentia! Na leviana afeição embriaga insano
O h! noite de luar! oh! melodias A existência nos seios o inconstante:
Que nas folhas gemeis, ventos errantes!
XLVl I I
X L Eu todos vos amei! cri no mistério
Vales cheirosos onde a infância minha Que o libertino Don Juan levava,
Virgem peregrinou entre mil sonhos! Nas noites profanadas do adultério,
Noites, luas, estrelas da noitinha Quando a alma sedenta evaporava!
Que os lábios entreabristes-me risonhos, E a vida como um alaúde aéreo 995
E orvalháveis de morno sentimento A todos os alentos entregava!
A aberta flor do coração sedento!
XLIX
X L I T erra do am or! ó minha mãe! na vida
Sc o fado me levar em mágoa lenta —
Silêncio que eu amei, que eu procurava
Sempre nesta saudade esmorecida
Na varanda romântica e sombria.
Que de tristes lembranças se alimenta! —
Sorvendo dentro em mim ar que sentia
Na morte a minha fronte macilenta,
Na fresca viração que se acordava!
Inda a ti volverei qual flor à vida!
Suspirando a cismar nessa atonia
Que de amor minhas pálpebras banhava!
[316]
C O N D E L OP O
O / Conde Lopo / Poema / (Inédito) / por / M. A. Alvares de Azevedo / Rio de Janeiro / Typ. G.
Leuzinger & Filhos Rua d’Ouvidor 31 / 1886 /
Les poètes sont ainsi. Leur plus beau poème est celui qu’ils n’ont pas écrit; ils emportent dans la bière plus de
poèmes qu’ils n’en laissent dans leur bibliothèque
— Et moi le mien — Qui n’en a fait un dans sa vie? Qui est assez heureux ou assez malheureux pour n’avoir
composé le sien dans sa tête ou dans son co e u r?...
TH. G A U TIER
PREFACIO.
Belo material, belo moral; do belo por assim dizer mimoso, até êsse belo arrebatador que se chama
sublime — desde o belo cálix da flor alvazinha a branquear ao bando de irerês marinhas deslizando gar
rido na safira das águas — como a nuvenzinha irisada da tarde na limpidez do céu — até ao belo da
catarata mugidora a despenhar-se das quebradas negras da montanha, em lençóis d’água, e a bramir lá
em baixo no despenhadeiro com suas vagas de escuma — desde o belo da estátua de mármore da Vénus
Calipigia até ao belo do Júpiter Capitolino, desde a estrela até ao rugir do trovão, — sempre é o belo
— Pois o que é o sublime senão o grau mais ardente do b elo ?...
A missão do poeta é pois o apostolado da beleza, o dever de esfolhar coroas sobre tôdas as qua
dras da vida, enfeitá-las, enfeitiçá-las; e aí desses jardins da natureza colher as flores perfumosas da capela
de sua lira, de sua harpa de trovador.
Como as aves do céu, como as flores da selva, como os clarões das noites, é sua missão dar cantos,
perfumes, fulgores — espalhar recendências, derramá-lo gôta a gôta êsse vaso de bálsamo que se chama
a alma — como a Madalena — para perfumar essa passagem na terra que se chama — a vida. —
Pode-se perdoar ao Triboulet do Rei diverte-se — êsse sangrento epigrama de um poeta sublime,
aba de manto de veludo reluzente de pedrarias rôta pela mão do gênio, mostrando quanto de infame lá
embaixo se escondia — pode-se pois perdoar a Triboulet sua vida à frente da sua agonia, e ante aquela
cabeça de homem estalada nas pedras da calçada esquecer os remoques infames do truão — mas nem
por isso a peça deixa de ser imoral.
E constituirão alguma cena edificante, algum quadro digno das santíssimas paredes de uma Igreja
essas duas cenas do rei-sedutor com a donzela enganada — o estupro, uma, e a outra o sacrifício dela
por aquéle que ora dorme nos braços da barregã das ruas?
Não é êsse o lugar para sustentar teorias de moralidade. — O que dissemos do Rei diverte-se
diríamos de Marion Delorme 997 — citaríamos essa cena em que ela entra com as faces ainda ardentes
e avermelhadas dos beijos — no último ato, — o mesmo de Ruy Bias, o mesmo em geral do teatro e até
[317]
MANOEL ANTÔNIO Á Í.T A R ES DE AZEVEDO
dessa obra sublime do cantor das Orientais — Nossa Senhora de Paris — vasta e sombria concepção
como a catedral gótica avultando negra na escuridão da noite avermelhada pela luz dos fachos sacudi
dos, __ no ataque dos Boêmios — idéia imensa, jó ia de facetas tão diversas, fresco giganteu da ima
ginação de Miguel Angelo, — onde de um lado do quadro dança a ligeira e suave Zíngara com os cres
pos soltos nos ombros morenos, batendo o seu adufe, e enlevado de tão bela feiticeira nos passos
leves, a vista do belo capitão, a mirá-la de cima do fogoso ginete com olhos acesos de volúpia — e lá de
cima da tôrre prêso, pelas mãos convulsas, à pedra das frestas, o monge lívido com os olhos cm fogo c
os dentes cerrados, imóvel e terrível como o jaguar do Oriente com os olhos na preia, — essa Nossa
Senhora de Paris, enfim, ora clara e bela como as vidraças multicores das ogivas rendadas, ora ligeira
como as colunas delgadas de mármore branco, ora sonora e ruidosa, alegre e bacante, ébria de orgias
como êsse monge entalhado no portal da catedral de M aiença; ora voluptuosa e lasciva como os beijos da
Cigana desatada nos braços de Febo na taverna das bordas do Sena — mas no meio dessas flores, desses
cantos de orgia, dêsse frêmito de beijos em lábios sôfregos — dêsse ansiar de colos apertados — lá surde
tôrva como uma djim na crença oriental — como uma serpente junto da mangueira onde descantam as
aves, como a fera de olhos de fogo junto da relva onde dorme a criança perdida, essa sublime e medo
nha figura de monge, êsse homem cuja história, cuja crença, cuja esperança — era uma palavra A/VATA'//
— Cláudio F r o llo !...
Se há poeta francês a que votemos decidida afeição por suas obras, a quem rendamos dos fundos
d’alma culto como é de render-se ao gênio — é êsse mancebo louro, de olhos límpidos e azuis, sonhador
de pesadelos onde sorri satânico e infernal sempre na forma incarnada de gênio do mal — quer seja Han
d’Islândia o bebedor de sangue e água do mar, ou Habibrah o anão, ou Triboulet o bufão, em opo-
s:ção a essas cândidas criaturas de Esmeralda e Branca, Ethel e Maria Ncubourg. 999
Como eu dizia, pois, acho cá de mim para mim que o fim não torna moral uma obra da qual cada
capítulo seja imoral. — Assim acabasse Byron o seu Don Juan, êsse primor da palhêta multicor do B re
tão sarcástico e desesperançado, fazendo eremita com barbas a caírem-lhe longas sôbre o peito e as faces
ressequidas pelos jejuns, êsse tão invejado gozador da vida que não se poderia dar como nenhum mo-
dêlo de moral em ação sua Odisséia — brilhante, porém sumamente imoral. E ’ a razão por que 1000
não achamos a moralidade do nebuloso Faast do poeta Alemão, dêsse gênio sublime representante c
chefe da literatura nova — da escola romântica, como a chamam, tal qual se acha ela instituída — ape
sar da apoteose da última p á g in a .. . .
Pobres mulheres estéreis que com olhos chamejando de inveja devoram as crias rosadas das outras
— Serpes rojadoras e impotentes a insultarem os vôos das águias que vão perder-se nas nuvens, que
importam êles? H á de a mulher esmagar seu filho entre os joelhos pelas invejas delas, há de a águia
desvairar-se do vôo só porque a víbora vomitou-lhe a bava do insulto? N ão! ei-la se pende com as asas
abertas, a rainha dos ares — que lhe importam sarcasmos do verme estúpido? R i dêles, e se baixa-se
a ouvi-lo é para esmagá-lo. A sátira de Byron e o fundo do painel do Caravaggio fizeram-lhes justiças
a essas audácias Ipucas.
Qual poeta grande ou pequeno que não tivesse um dêsses escrevedores de regras, L a H arpes asso
biados nos teatros, pífios rimadores, como dizia Gilbert, tombés de chute cn chute au throne académique,
que lhes profanasse os sonhos?
E pois consolar-me-ei de ótima mente com as críticas. — Se os grandes as ouviram, porque quei
xar-me? Não é dos jasmineiros chamar os reptis? Não é das doçuras chamar os insetos?
[318
o CONDE LOPO
Assim pois — o único juízo dc que damos ao leitor competência sôbre êsses versos soltos c
rimados que aí vão, é sôbre sua beleza ou não.
Se achá-los conforme com o fim da poesia — bom será — Senão.................
Poucas coisas há aí no mundo que olhadas de certo modo não tenham o seu qilê de poético: se
ainda aí há tanta flor solteira de poeta — é que êle ainda virá, o seu vate, para descantar-lhe as belezas.
A vós — clássicos como Horácio, Anacreonte e Ovídio, e a vós Românticos como Byron — per
guntarei, das noites de gôzo monstruoso das lupercais, das orgias e turtólias da Grécia e de Roma, dêsses
cantos infames que marearam as liras dos três poetas da antiguidade que entre tantos aí cito, não por
falta, porque fôra-me fácil incluir nêles o casto Vergílio lOOl com sua Écloga de Aléxis, e Tibulo com
seus hinos ternos ao mancebo formoso de seus amôres, cândido como os fulgores da Latônia lua
— dêsses meus cantos seja-lhes cena o salão do banquete, com o seu refulgir de copos cheios de licores
e sua música de loucas alegrias e alegres amôres, sôbre chão cheiroso dc rosas, respirando o ar volú
pias e lascívias — quais mais imorais, quais menos puros?
Não falarei de Byron. — Repito, não é essa uma obra de Moral, e para mim que quando leio é para
apreciar o belo da imaginação do poeta, Don Juan é um primor.
A razão por que 100^ comparei os Cantos do meu poema â devassidão dos poetas clássicos foi úni-
mente para lembrar que há uma diferença entre o imoral e o torpe.
O imoral pode ser belo — As visões nuas do juízo derradeiro de Miguel Ângelo — Antony,
Ângela, Teresa, quase todo o teatro enfim, quase tôdas as obras de Alexandre Dumas são imorais. —
Aquela alma de poeta quem negará contudo glórias e louros? quem poderá não achar belas essas pági
nas do romancista-rei do século?
Jacques Rolla e Franz.
Eis aí pois — Antony é belo — mas algumas odes imorais de Horácio, não o são. — Se tem seu
quê debelo o Aléxis do cantor da Eneida, se os amôies dc Ovídio são tão cheios de beleza — às vêzes
outros quando essa alma depoeta desce à torpeza, como o cisne branco atolado no charco do pantanal,
nem há lê-los, êsses cantos prostituídos!
Do sublime ao ridículo há um passo, disse um grande pensador e um grande guerreiro — do imo
ral ao torpe também vai um passo.
Dos cantos de Byron, ardentes como o tremor do enlévo no sorver dos beijos — vai um passo
talvez a êsses poemas infames, corrompidos e corruptores imputados ao grande sonetista de Portugal. —
Mas êsse passo é por sôbre um abismo.
O que ali era belo — aqui nada tem disso — foi um passo sòmente, mas foi uma queda da mon
tanha esmeraldina e purpúrea de rosas ao paul do brejo. Foi um passo sim — mas um passo do sêrro
ao precipício de entulho e lôdo onde só habitam os vermes da podridão.
O belo manifesta-se por três diversos modos, por três fontes, o que faz dizer que há três espécies
de belo.
Outros mais ilustrados poderão achar defeituosa minha classificação — é contudo a que adoto em
falta de melhor. — Belo ideal, belo sentimental, e belo material.
Diga-se o que sc quiser — nem em Homero nem em Vergílio, '0^4 em uma palavra em nenhum
dos poetas antigos aparece a primeira classe que apresentamos.
Dizem os poetas idealistas que isso pende de duas causas — da filosofia e das tendências do clima
voluptuoso das terras do Sul.
Não é nosso empenho tratar disso.
Talvez o sol oriental chame os homens à realidade, e a bruma e as nuvens cinzentas dos luares
boreais levem-no ao idealismo. — Seja como quiserem.
A literatura Européia, humilde discipula dessa velha arrebicada de Horácio, dessa lira acostumada
a soltar suas notas amorosas no trepidar das saturnais de Roma a Sibarita, dessa lira que deixara as
[319]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEA^EDO
cntesadas cordas metálicas dos tempos épicos para nos soltos nervos, no acompanhamento das flautas lídias
e dos plectros cretenses, transpirar aromas de banquete, levaram-na em França as orgias da regência e do
reinado de Luís X V ao último aperfeiçoamento da imoralidade.
O blasfemo cantor da guerra dos deuses levou o materialismo poético até aonde Horácio — o
vate das orgias romanas regadas dos vinhos de Falerno e Massico — nem se atrevera a pensá-lo.
A culpa é da filosofia materialista do século!
A revolução Francesa levou consigo êsse cortejo de bacantes lânguidas e ébrias, com seus brindes
de gôzo e seus beijos de lábios de brasa — essa carrêta morna e voluptuária de Téspis a que sucedera
fria e sangrenta a carrêta dos Girondinos. Com a renascença da poesia em França houve então uma reação
total, de Zênite a Nadir, sôbre a poesia.
Em lugar da poesia dos olhares trêmulos de gosto, dos seios quentes, ansiosos, a se elevarem
em suspiros afogados, em lugar dos contornos das linhas ondeantes, do esmêro das cadeiras arredondadas e
das pernas cheias, macias e róseas como a flor de Vênus, dessas ninfas meio deitadas, os membros de
madrepérola, com a cabeça sôbre um braço arredondado e lácteo, e de cabelos soltos em chuva sôbre o
aveludado das costas nuas. Antílope ou Clítias nos requebros voluptuários do sono à sombra das florestas,
que o cinzel dos estatuários antigos, os lascivos pincéis de Zêuxis e Fídias, os versos dos poetas pagãos
traduziram a êsses homens novos, — veio a poesia nebulosa e Ossiânica, — em lugar das roupas roça-
gantes, das trêmulas sêdas Séricas, das transparentes escomilhas purpúreas de Cós, perfumadas de nardo
Assírio e dos incensos da Arábia escrava — vieram os longos véus brancos, as criaturas dos poetas se trans
formaram em névoas, deixaram a terra com suas belezas ardentes para irem sonhar à lua, um anjo, uma
Sílfide em cada neblina alvacenta pousada nas ramagens das florestas — em lugar dêsses bosques falantes
povoados de Dríadas, onde cada gemido de brisa parecia um anelo de ninfa, onde cada sussurro das linfas do
rio era o chamado de uma bela criatura por algum H ilas formoso, vieram os ciprestes esguios e escuros, com
suas sombras alongadas, movendo-se com a lividez sepulcral das luzes da lua, e além, nas sombras, as for
mas incertas das virgens chorosas dos bardos boreais.
Foi uma terrível reação. Os poetas modernos riam-se dos antigos por terem misturado a teogonia
pagã com a teologia cristã, culpavam o Homero português por essa mistura de Afrodite 1005 e a Virgem
Maria, Mercúrio e Jeo v á; e contudo acharam muito bonito misturarem-se os anjos do Livro das crenças
sagradas com as Sílfides, os Gnomos, Elfos, Gigantes e anãos, 1006 dos sonhos dos poetas rúnicos do Norte,
as tradições Bíblicas dos serafins com as superstições não menos pagãs que as romanas e gregas, dos
clãs de Morven e Erin, e dos caçadores de focas e ursos, 1007 dos gelos dessa Islândia de pescadores que
se estendera à Groenlândia, 1008 e da tríplice Escandinávia.
íamos-nos desviando das teses da nossa classificação. — Voltemos a elas. Vimos pois como apa
receu a poesia do belo ideal, com suas visões vaporosas e nevoentas, com seus anjos de cabelos loiros des
maiados e rostos ovais, com olhos azuis-lânguidos e uma lágrima sempre nas faces e um sorriso triste nos
lábios descorados — e seus silfos aéreos, 1009 seus Triblys vagabundos e galhofeiros, seus Gobelinos de
asas de borboleta, e seus duendes malignos vagando nos pauis para desviar e perder os viajantes.
A poesia do belo sentimental é para nós a mais bela: são êsses hinos que exalam-se do coração
como os perfumes da redoma quebrada de cristal onde se guarda o bálsamo, como o aroma das flores
abertas ao Sol — é o coração enternecido e embalado ao som dos cantos, desfeito em harmonias, aves
côr de neve voando em céu de sonhos.
Porém se somos tão apaixonados dêsse belo. se o achamos talvez o mais doce de todos três, con
tudo não somos daqueles que deixam o belo material.
O que ha aí de mais poético do que uma mulher bela, com os cabelos soltos entrelaçados de flores
e pérolas, e dentre as roupas meio abertas o colo de chamalote branco a lhe ondear com reflexos de ce
tim, com os lábios rosados entreabertos num sorriso, mostrando como grãos lOiO de uma romã verde os
dentes tão alvos, tão prateados que melhor os dissêreis pérolas?
E ante um dêsses olhares de úmido fulgor, de uma pupila lânguida de eflúvios de gôzo, ante um
dêsses volveres de enfeitiçado condão de uns olhos negros cheios de amor, prometendo amor, quem há ai
que não sinta a alma no peito estremecida, anelante, desmaiando de anseios, sequiosa de orvalhos de
beijos, e a correr-lhe nas veias o sangue com ardor mais suave, os olhos enfraquecidos de uma nuvem
de prazer, sem luz, sem côr, sem vida, embriagados de cnleio, — e os lábios imóveis, entreabertos, sem
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o CONDE LOPO
hálito, — quem há que não a sinta a sua alma exânime, esvaecida, quase morta num suspiro, nessa morte,
na expressão de Bocage — “ de uns brancos olhos desmaiados, morte, morte de amor, melhor que a vida” ?
E há na terra sensação de belo mais forte, mais cheia de poesia que essa?
Porém como os perfumes das flores são mais belos quando misturados no ramilhete que traz no
colo voluptuoso a donairosa donzela no baile, como as cores são mais belas quando bem combinadas no
íris do céu, ou nesses matizes dos crepúsculos de outono e verão, e os sons são mais doces ao ouvido
quando reunidos na orquestra, combinados com arte e gôsto nessas peças de Bellini e Donizetti, assim
também mais se lhes realça o valor a êsses três gêneros de belo, quando se reúnem num objeto.
É êsse, ou pretende sê-lo ao menos, o fim da poesia romântica.
Talvez se notasse não ter eu nesses três gêneros de belo falado do belo-sublime, ter corrido das
cordas da prima do violão em diante parando no bordão. — Fi-lo de propósito.
Há dous gêneros de belo — Há o belo doce e meigo, o belo propriamente dito — e êsse outro
mais alto — o sublime.
A águia no seu ninho afagando as suas avezinhas, carregando-as nas antenas poderosas das asas,
beijando-as, aquentando-a ao peito — eis o belo da primeira divisão, o belo meigo e doce; — mas suba a
águia a perder-se nas imensidades do céu nubloso, entre o rugir sôlto dos ventos e o rouquejar precur
sor 1011 da borrasca, ou lance-se ela de lá ao seu ninho atacado, vejam-na lutar com garras e bico, lutar
até morrer, vejam-na com as asas molhadas de sangue e a cabeça abatida, os olhos já vidrados cobrir
ainda suas crias, e morrer ainda amparando-as como um escudo — eis aí o sublime.
Agora quereis ver o sublime ideal, o sublime sentimental e o sublime material?
Abri as fôlhas do Livro Santo, nos Sálmos, nos Trenós, ou nas Profecias, ou nas Lamentações de
Jó sôbre o primeiro — vêde aí a imagem de Jeová, nesses sonhos tenebrosos e sombrios dos poetas da
Judéia, êsses velhos profetas de fronte altiva, e calvas coroadas de cãs prateadas, ouvi a voz troveja-
dora do Deus do Sinai, e depois dizei-me, sentistes já emoção mais forte vibrar-vos as fibras tôdas da
harpa de vossa alma abalar-vos com um choque tão poderoso como o da pilha Voltaica?
Eis o sublime ideal — mais belo mil vêzes, mais elevado e mais forte que tôdas essas visões do
bardo sublime das montanhas brumosas dos Highlands.
Quereis ver o sublime sentimental? Vinde comigo — dai-me a mão. — A noite vai tenebrosa, e
a ventania se levanta rija nas montanhas, o céu de espaço a espaço se entreabre alumiando com vislum
bres de clarões ondeantes de incêndio a terra convulsada. — Vêdes aquêle monte de crista negra, escal-
vada e nua? À luz do relâmpago da tormenta não vistes ali a forma de um cadáver pregada a um ma
deiro? Nos intervalos do trovão não ouvistes soluços que exalaram-se de ao pé? Ide lá, ide sorrindo
que eu não ousara lá ir, tanto é solene o sacrifício que lá se consuma. — Ide e perguntai a essas mulhe
res por que 1013 choram, por que gemem, por que lhes estala o peito em soluços no ansiar atropelado
do coração......... Ide, ainda é tempo e cada som quebrado da garganta do agonizante da cruz, cada con-
vulsar de uma angústia intensa dessas pobres mulheres que abraçam o madeiro repassado de sangue e
lágrimas, dir-vos-á mais do que eu vos pudera dizer.
Cada suspiro de uma daquelas formas brancas c desgrenhadas, cada voz soluçada por aquela trin
dade santa de mártires dir-vos-á o que palavras não sabem ressumbrar.
E o sublime material, — dizei, nunca o sentistes no estalar das florestas sob o pêso gigante do bul-
cão, no nutar das vagas hirtas e verde-negras que o braço da tormenta eleva e atira em lençóis de ferve-
doura escuma, no cheiro abafador e sulfúreo dos ares cortados pelo raio? Dizei, nunca assististes a um
desses dramas da natureza em que o vento infrene luta com o mar que esbraveia, e o mar parece querer
invadir nuvens e terras, que o raio afogueia? Essa cena tremebunda do dia final, tão sublime sempre,
apesar de tão vista, tão abaladora ainda no descrever dos cantos soltos dos poetas, quando não há um
so que com a lembrança dela não estremecesse as cordas de ferro de sua harpa?
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MANOEIy ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO
[ 322 ]
o CONDE LOPO
r 323
MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO
Assim meu livro deixá-lo-ei sem firma. Amemos! que na terra a vida é o gôzo!
Leiam-no embora curiosas vistas Ternuras n’alma, embriaguez nos lábios
Que estudam o sofrer com almas frias! Sorria o coração! que importa o escárnio
Vejam a autópsia d’agonia funda Da voz fria dos sábios?
Que o peito me lavrou. — Enquanto ao nome
Do padecente, para que sabê-lo?
Gema no campo em, que apodrecem mortos.
Da treva o sonhador, falando aos ventos
V Durma co’a face em lágrimas na terra
Que nem lhe ouve os lamentos.
E só eu poderei nas érmas horas
.Volhar-lhe em pranto as páginas — bem como
Ao cadáver que rói a cal no fôsso Que eu a vida amarei, hei de cantar-lhe
O único sabedor da história dêle. Entre os beijos de lânguida donzela,
Na fronte rosas, com a taça em punho
Doces mistérios dela.
O. A.
11
PRIMEIRA PARTE A George S and
1
CANTOS I e II Lélia ou Consuelo? Espírito de Byron
Eat, drink and love: what can the rest avail us? Em formas belas de mulher ardente.
BYRON . Don Juan. Alma de brasa a estremecer contornos
De voluptuosos, arquejantes seios,
Voz de mágico cisne em róseos lábios
OUVERTURA Que vivos acendeu da orgia a febre.
Gênio sublime d’ideais romances
Sê bem-vinda minha amada, Cheios de sangue e de blasfêmia acerba,
Tôda em perfumes banhada,
Tòda alegria e frescor; Como essa tela do pintor flamengo
Quero cingir-te em abraço, De sombrios painéis — Rembrandt o pálido
E depois no teu regaço — Onde no claro escuro em ar trevoso
Adormeça o Trovador.
JOAO DE LEM O S. Aurea réstia de luz descai na fronte
De cândida visão.
Mulher sublime
OUVERTURA De poemas infernais, d’alma descrida
Em corpo etéreo — Jorge Sand, na terra
(S infonia) Que peito d’homem que te lesse os cantos
E alma de poeta que entender pudesse
Tremem as folhas no correr da aragem
Do teu sonhar as harmonias — negras
Com seus perfumes enlevando mágoas,
Como no escuro temporal o vento
E à noite bela sonharei cantando
A ulular nos pinheirais quebrados,
Como o cisne das águas.
Nas ribas negras onde o mar rebenta
Num grito de agonias, oh! e que alma
Cala-te, louco bardo! é doce a vida! Que não sonhasse-te, em ardentes sonhos.
— E em que delírios d’alma imaginaras Sequer sentir o ardor dêsses teus lábios,
Um céu mais límpido, um luar mais puro?. Dos olhos teus de cintilar soberbo.
Poeta, onde os sonharas? De viva inspiração e anelos ígneos,
E teu seio a ansiar com ondas turvas
No além do alto mar, por sob o dêle,
Que visão bela de enevoadas formas.
Mulher! qual dêsses pálidos mancebos
De romântica face entristecida
D ’almas de lavas que o condão do gênio 1019
Que valha o riso que perfuma os lábios
Do meu anjo da vida? Trazem escrito na descor sombria
Da fronte erguida — corações que enleva
O talismã de arrebatada idéia —
De loucos sonhos que ternuras ébrias Que de joelhos no fervor do anelo
Que valham-lhe o tremor do níveo seio Co’os olhos cegos do orvalhar das lágrimas
E o amortecido olhar, úmido, lânguido Os lábios trêmulos e a voz cortada
De feiticeiro enleio? Não te sonhasse amores?
[ 324]
0 CONDE LOPO
[ 325 ]
MAÎ^OEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO
CANTO I I
VIDA DA NOITE E ra um quarto suntuoso; o chão rojavam
Lúcidas telas de aveludadas sêdas
Do Pérsico tapête. — Luz o mármore
And none did love him. No lavor dos portais ■
— quando engrinaldam
Cbilde Harold. Com cheirosos festões de novas flores.
O aberto reposteiro deixa a vista
Pela varanda a lua desvairar-se
CANTO 1 T é que perde-se além entre os matizes
De viçosos jardins. —■
I E ’ noite, é bela,
E as pilastras branqueia a brisa fria.
S0 NÊT0 P ’ios bordados reflexos do damasco
E das grinaldas ao olor influem-se
Um beijo ainda! os lábios teus, donzela,
O do ar cheiroso do luar tardio.
Nos meus se pousem — junto de teu seio
Que treme-te e palpita em doce enleio
Beba eu o amor que teu olhar revela. —
I I
Vem ainda uma vez! és pura e bela.
Em rico leito, no veludo negro
Arfa-te o seio, amor n’ollios te le io ...
Que importa o mais? vem, 1023 anjo, sem receio! Embuçado do manto palideja
De uma sinistra morbidez eivada
Um beijo em tua face! ind’outro nela!
A fronte alta do Conde, os olhos negros
.\perta-me ao teu colo — assim — um beijo Que das olheiras no azular se afundam
Dêsses em que ao céu um’alma se transporta!... Sinalam noite perpassada em gozos.
— “E o m undo?... Tem a fronte na mão e mudo pensa.
— “Um louco. Sentada às bordas do macio leito
— “E o crime? Uma bela mulher —
— “Só te vejo. Inda lhe luta
Das faces na descor desfeita rosa;
— “Mas quando a vida em nós gelou-se morta Sorri suave. — Em ondas os cabelos
— “E o inferno?... Correm-lhe negros nos nevados ombro.s
— “Contigo eu o desejo. E no colo de jaspe — a mão mimosa
— “E Deus? Pousa na do mancebo — e os olhos nêle.
— “Meu Deus és tu. 1024 Dissêreis uma estátua, imóvel, bela
— “E o céu? Como da Grécia as pétreas criaturas;
— “ Que importai Nunca uma Vênus de adestrado scopro
Saiu tão alva assim — oh! nunca um talhe
I I Em transparentes roupas mal velado,
Quero-te um beijo mais! que num só beijo Nunca tão lisas desvestidas formas
Exala-se uma vida em uns risonhos Tiveram vida assim — e a mente ardida
Cismar gozos — e o lábio teu me abrasa, 1025 Do moço Rafael a Fornarina
Me prende e mata o coração em sonhos! Com tal vida de côres nunca pôde
Dentre seus sonhos desenhar na tela,
Deixa que a fronte eu pouse-te no seio! E ao mundo revelar imos segredos
— E ’ mole o sono em tão suave leito Do seu vivo ideal.
E alma esquecida do sofrer, se embebe O h! que se a visse
E dorme em paz sem leve dor no peito! Dir-te-ia o coração — vê-la é amá-la!
[ 326 ]
0 CONDE LOPO
[ 327 J
MANOEL ANTÔNIO ALVAJIE8 DE A2EVEDO
VIII
“ Não chores — bem o vês — não posso amar-te!
Disse-lhe o moço entre um sorrir:
“ Que cisma
Minha bela? O soido então gelou-te 1034 “ E andei por êsse mundo a sós co’a mágoa
Das cordas no pulsar? que idéia veio A doer-me nos seios como um cancro.
Tua mente enlevar, roubar, levá-la D escri; — pálido riso desmaiado
No seu vôo sem fim junto com ela, Franziu-me os lábios que estalara a febre.
— Como a nuvem no Céu, que enlaça e prende
Uma outra — e voa, aos desabridos ventos “ Ninguém quisera amar-me — e endurecida
Abrindo as largas asas no horizonte? 103S A alma se me cerrou da vida aos sonhos.
[ 328 ]
o CO NDE LO PO
[ 329 ]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 3.10 ]
o CONDE LOPO
I I
E às vêzes uma gôta despegava-se “ Eu amo em luzes sem fim
De sangue — do cadáver e escorria O deslumbrante festim;
Pelo áspero madeiro umedecido, Uma voz a descantar
E as frontes rociava gni frio orvalho Por uns lábios de grenalda;
Dessas duas mulheres lá sòzinhas —. Nas frontes róseas grinalda —
— Cheias taças d’esmeralda
De Johannisberg a brilhar!
CANTO II
“ E entre requebros da dança
Quando o peito ofega e cansa
FE BR E Da valsa ao longe soar,
E o chão lastra-se de flores
Dos beijos entre os ardores
You are merry, mylord. Sorver do vinho os fervores
Who; I? Do cristal a transbordar!
Ay, my lord,
Oh your only gig-maker. What
should a man do, but he merry ? . . . “ E eu amo ter nos meus braços 1045
Em voluptuosos abraços
SH A K ESPEA R E.
Uma lânguida mulher!
Beber-lhe os trêmulos beijos.
Vê-la mórbida em ansejos.
CANTO II Quase morta de desejos,
O colo arfar-lhe e tremer.
I
Hark I the lute. “Amo em vertigens da mente
The lyre, the timbrel, the lascivious twinklings or heeling Sentir a mágoa dormente
instruments, the softening voices of women. No imo d’alma a rre fe c e r...
BYRON — Sardanapalus. Eu amo a louca alegria, 1046
Danças, cantos e folia,
I E num beijo que inebria
Vinho e amor — de amor m orrer!”
Corre alta a noite. E no auge vai a orgia;
Do mar na escuridão se abisma a lua I I I
A pratear as águas que alumia.
Perfumes, flores, a vertigem sua Com a taça na mão e a fronte alçada
Nos salões a espalhar — reina em folia D ’ entusiasmo febril, co’as faces vivas
Lasciva a dança, voluptuosa e nua — De báquico rubor cantou um jovem
Nos floridos tapêtes se agitando Essa canção de orgia. — E ra formoso
— Servos na mesa as taças coroando. C o s olhos negros cintilando ardentes
Dentre as pálpebras; nos lábios,
Leves roupas que o corpo transparece. Que o fogo dos licores lhe crestara, 1047
As róseas formas quase a nu mostrando. Nadava-lhe um sorrir — a fronte pálida
Úmidos colos do suor que desce Descoberta, alvejava-lhe sem rugas.
[331]
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
[ 332 ]
o CONDE LOPO
[ 333 ]
MANOEL ANTÔNTO ÁLVARES DE AZEVEDO
CAN TO lil
1 334]
o COKDK LOPO
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M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S D E AZEVED O
[ 336 ]
o C O N D E L O l’ 0
LoPo
“ Não te deixes amar de amor infame —
Não te deixes amar! Sê anjo sempre! O conde Lopo
Virgem e casta em teu sonhar sem mancha! Dize — foi quem to deu. —
Guarda-te como a flor aberta n’água
De regato mimoso d’orlas verdes — Barqueiro
Como estrela no esmalte a luzir trêmula
Do céu d’estio — O Conde Lopo!
Nos teus sonhos, dorme! Êsse mancebo pálido que a vida
Em roxas nuvens d’ilusão sorrindo Leva alegre em festins, ardendo em noites
Olhe-te sempre o teu porvir! Não queiras, O herdado cabedal?
Não te deixes amar, que amor na terra
E ’ sonho falso e vão — que amor é como L opo
Aureo sol de verão que estala os vínculos
Da virgindade à flor — abre-a, perfuma-a.
Cala-te! E ’ êle.
Beija-lhe o seio róseo — e a flor coitada
Adormece em volúpias embebida
Dêsses beijos de a m o r ... e treme, e tôda
Abalam-se-lhe n’alma as tênues fibras!
“ E 1072 demora-se após e pende a fronte E o barco escorregou por sôbre as águas
Voltada para o chão, murcha-se e m o rre ... Como a gaivota branca no mar alto.
E uma e uma empalecidas 1073 pétalas
Do regaço lhe caem, como esp’ranças V I
Fugindo ao infeliz — e ao sol que importa
Que inteira a flor se desfolhasse pálida Oh! quem dissera o exprimir imenso
Dos seus beijos no a rd o r? ... Do fixo e mudo olhar, que a êles ambos
“ E no que cismas, 1074 Em um enleio só — arrebatava?
Meu anjo d’oiro? porque assim imóvel Quem na aridez das línguas traduzisse
Do teu olhar o azul nos céus parado O quanto devaneio lhes corria
Então na idéia d’ouro da ventura?
Com as estréias conversar parece? Quem definisse o estremecer mimoso
Sonhar, enlevos, na mudez do campo Das mãos da virgem alva nas mãos dêle,
Da noite no regaço, porque vieste? E o condão do sorrir nos lisos lábios
Porque êsse meigo, lânguido suspiro Da nívea criatura pensativa?
Dos'seios de cristal fugiu-te aos lábios
Perfumoso morrer?
Da noite às névoas à solidão calada
Cantando arcanos de escondidas mágoas?” Fundira-se-lhe o gêlo da descrença
No peito ao Conde Lopo ao sol dos olhos
Do anjo enternecido — a febre intensa
V Que lhe roía o desvairado cérebro
Plácida lhe calmou — no peito exausto
A visão não falou — Levou os passos Os pulmões livremente lhe arquejaram !...
Para o moço poeta, a mão divina
Na mão dêle depôs — disse baixinho
Aos seus ouvidos murmuradas vozes.
O que foi eu não sei — E foram-se ambos Fundira-se-lhe o gêlo da descrença!
Do lago à borda do baixei escuro Amava — e amar é crer — já não pensava
Ao dormido patrão — êle acordou-se... Nessas fugidas ilusões mentidas
Que em chumbo ardente lhe tornaram a alma.
E cria pois e ansioso respirava
LoPo Pelos sôfregos lábios o ar da vida —
Pareceu-lhe que a noite era mais bela, 1076
Solta a barca, patrão! A noite é bela, 1075 Mais cintilante o céu — mais doce o bafo
Quero me ir deslizar por êsse vidro Das aragens do ar girando em volta. —
Do lago adormecido. — Quanto à paga, De novo parecia-lhe que a vida
Não trago bólsa — Êsse colar contudo Começava a viver — tudo era gôzo,
Vale dinheiro qual jamais contaste — Tudo amor junto dela — o ar do lago,
Toma-o. O véu da névoa a repousar nas águas.
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M A N O E L A N T Ô N IO Á LVARES DE AZEVED O
V I I
Qual êle foi não o direi — não podem
Pálidas rimas traduzir enlevos A sílfide correu nos róseos lábios
D ’alma divinizada. — Só os anjos Em mágico adejar um riso doce —
Co’a voz suave no frescor do empíreo E o trovador sentiu todo embeber-se
Sabem hinos assim soar nos lábios! O fundo peito nesse mel de um riso.
[ 338 ]
o CONDE LOPO
III
P erh ap s th a t sku ll so h o rrid to view E a cada volta vinha um companheiro
W a s som e f a i r m a id ’s . . . Com êle emparelhar — d’alvor luzente
T h e s e hollow so ck ets tw o b rig h t o rb s co n tain ed
W h e re th e lo v es sp o rted an d in triu m p h reig n ed E juntos caminhavam em fileira
H e re g low ’d th e lip s ; th e re w hite a s "T urian ston e Em louco disparar saltando os rios,
T h e te e th d isposed in beau teo u s o rd e r s h o n e .. . E fuzilando no passar as rochas
M OORE (o/ Cornwall). Dos alvos dorsos dos escuros serros.
H ow now , H o r a tio ? you tre m b le , and look p a le :
I s not th is so m eth in g m o re th a n fa n ta s y ? IV
W h a t th in k you o f i t ?
Hamlet — A c t. I . E ra num largo deservado campo —
Perde-se a vista sem lhe achar limites —
Aqui e ali — nos montes — cada píncaro
Tinha um rubro volcão por c ’roa régia
A cingir-lhe o cabeço — clarão feio
CANTO IV De sangüíneo fulgir treme nos ares
Ofuscador; — e o céu além é negro
A ch an g e cam e on th e s p ir it of my d ream . De túrbido esfumar. —
BYRON . Compridas horas
A w ay 1 A w a y ! Correram pelo campo entre as fogueiras
B. M AZEPPA . 1081 Que a mão do inferno colocou no tôpo
Dos negros serros nus — e a tropa cresce
Dos rápidos corcéis varrendo o espaço
Em infinda fileira. — O olhar não pode
E 0 sonho transformou-se-llie — Quantos sejam dizer; que o têrmo perde-se
Corria De cada lado no estridor dos passos
Num rápido corcel 10 8 2 cuja brancura E na alvura das sombras que cavalgam
Reluzia nas trevas, entre a densa Os tétricos corcéis. 1084
Escuridão da noite, como fósforo, E sempre e sempre
Como um fulgir de sêda tremulante. Como se Deus ou se Satã dissesse-lhes:
“ Correi sem mais parar!” — os gigantescos
Dos olhos do corcel 10 8 2 partiam lumes Lívidos animais voam ao longe
De vermelho fulgor; as largas ventas O espaço a devorar co’os largos membros.
Fumavam ressoando — As longas clinas
Sôltas ao vento, floreadas, trêmulas
Refulgiam nas tênebras, mas pálidas
Parecia êsse um cavalgar de mortos, 1085
Como um perfil de morto. — E êle corria
A largo galopar faiscando as pedras Tanto era o silêncio — Os cavaleiros
Com centelhas de fogo — e o pó em tórno Dos pálidos cavalos envolviam
Como uma nuvem lhe seguia o rasto, Longos brancos vestidos, que a violência
Trazendo ao fantasiar idéias tôrvas Da corrida arrastava longe dêles.
De espíritos dormidos no caminho, Comprido denso véu lhes encobria
Que o piso férreo do cavalo fôra (Bem como o lenço que se lança à face
Do sono despertar, e como lôbos Daquele que morreu e jaz na cova
Nos gelos da Sarmácia — enfurecidos Antes da cal o vulto embranquecer-lhe)
Seguem-lhe os passos rápidos — uivando! As formas do semblante, mas o vento
Que as dobras lhe fixava sóbre o rosto
Só descarnados ossos desenhava,
II Como saliências de caveira sêca
N ’alvura dêsse véu. —
E o ginete corria sem cansaço Os cavaleiros
Sem que morno suor do branco pêlo Eram — certo — fantasmas — que um mau cheiro
Gotejasse sequer — mas frio sempre! Como de sepulturas baforava
Tão frio que o mancebo quando às vêzes Às 108 6 faces do mancebo. —
No insano galopar chegava às curvas
P ’ra segurar-se nêle — pelos ossos
Sentia gêlo lhe e sco rre r... V
E sempre Era num campo
O lívido corcel 1083 por entre as sombras Cujo verdor luzia como as côres —
Saltando os precipícios — como um gamo Do sol transparecendo entre esmeraldas
A escalar rochedos — como uma ave Saía a luz das côres da campina;
Na infinda rapidez cortando os ares E nem se via o céu — dossel 1087 imenso
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M A N O E L A N T Ô N IO Á L V A R E S DE AZEVED O
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0 CON DE LO PO
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o CONDE LOPO
NO MAR
O círculo infernal com fôrça infinda
Corria como em vórtices a tromba
Sôbre as águas do mar sorvendo vagas
— Bebedoiro de nuvens. ■ — A n d now C h ild e H a ro ld w as so re sie k a t h e a rt.
A vertigem A n d fro m h is fello w b a c c h a n a ls w ould f l e e ; 1 1 0 2
Do Conde se apossou — Também volvia
No geral turbilhão ...................................................
A n d fro m h is n a tiv e la n d resolv ed to go.
•............................................................ As coloridas A n d v is it s c o rc h in g c lim e s beyond th e s e a ;
Vidraças multicores reluziam W ith p le a su re d ru g g ’d , h e alm o st lo n g ’d f o r w oe.
A n d e ’en f o r ch a n g e o f sce n e w ould seek th e sh ad es below .
Com luz escassa, como sói em horas
Em que a aurora vai sair nos montes. Childe Harold. I — V I .
[ 343 ]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO
Do barco no jogar, galgando vagas Sem 110'* letras — embora — que túmulo imenso
No céu fulgente do arrebol da tarde O meu não seria no bôjo do mar!
Mal distinto se via. — Outros mais fracos Que fúnebres cantos nas vascas da morte
Entre as vertigens do pesado enjôo Ouvida gigantes da vaga no uivar!
Na amurada do brigue se arrimavam
Com os olhos no mar (longe contudo
De poético idear que lhe inspirasse
O verde mar dourado pela tarde
Entre vagas d’escuma enfurecido
IV
Atirando-se às costas, negras, longas,
Do brigue voador) — co’a face pálida
Descera a noite tenebrosa e fria
Em gélido suor banhada tôda
Sôbre o navio a navegar entregue
Lançando carga ao mar, como zombando
Ao hálito dos ventos, embalado
Dizem homens de barco.
Nos embates do mar — atrás deixando
De prateada escuma lista branca
11 De luzente ardentia.
E lá na proa,
Com um braço no peito e as duras cordas E sôbre cabos encostado ao mastro,
A prender-se com o outro, um vulto imóvel Nas dobras negras de amplo manto envolto.
Volta às vêzes para o lado aonde Ressonava o sombrio viajante
Desparccera a terra — mas sem lágrimas. Que víramos cismando ali sòzinho
Sem gemido sequer que lhe tremesse Ao embuçar-se o sol em sombras negras
Do lábio a superfície. — O jogar louco Na escuridão do mar.
Do batei a bom vento discorrendo,
Cortando um sulco de fervente escuma Do leitor certo o atilado senso
Com a pontuda proa — o embalava. Adivinhou H05 quem era o pensativo —
Sagaz embora não lhe pode a mente
E êle sorria quando ouvia em tôrno Seguir a adivinhação. — Direi portanto
Abalado do choque algum novato Breve como até aí — o que embarcara
Agarrando-se a um cabo ir estender-se Longe do lar o Conde. —
Nas pranchas do convés — por entre o estrondo
De objetos que rolavam de mistura
V
Co’os mal caídos de tonteados passos.
Vimos como no braço adormecera
I I I Do Conde, no festim, a moça bela,
E cada vez que no jogar do brigue Com as cerradas cristalinas pálpebras
A proa se elevava — a fronte altiva Imagens leves a lembrar de arcanjos
Dormidos sôbre nuvens. •— O mancebo
Alegre se lhe erguia purpurada
Ao livrar dos lânguidos abraços
P ’ios adeuses do sol —
Da fada adormecida, lhe pousara
Imóvel, mudo, A face sôbre a mesa, sôbre a sêda
Movia os lábios como se quisesse
Abri-los p’ra falar. — A mente dêle De uma almofada do divã da sala.
Embebida no doce dessas horas Deixara-a êle assim — A alma descrida
Em que a meio no mar esconde rubra Pensou-lhe que o dormir à moça fôra
A ardente face o sol — lhe ia bem longe T ào macio — talvez mais inda — posta
Do navio e do mar — pensava e um canto Sôbre um coxim que sôbre o peito dêle. —
Gerado n’alnia lhe tremia aos lábios. Demais — vira-a libar por tantas vêzes
Em brinde a êle o cálice purpúreo
De vividos licores, cheio a ponto
De derramar-se em coralinos fios,
A ouvir-lhe o rebramir e os uivos soltos Que lhe supunha bem profundo o sono.
Como um tropel de monstruosas feras
A erguer-se espumando, bramidoras V I
Do fuzilar com afogueadas cores —
Os cabeços envoltos. —
Nos candelabros, nos cristais dos lustres.
Esmoreciam pálidas as luzes
E em tôrno jazem todos sepultados
Nos cantos de leão do mar bravio Em pesado letargo. — Quem nas mesas.
Sulcado pelo raio em listas rubras — Quem nos moles tapetes do soalho,
Rasgando o seio ao tresloucar dos ventos; Quem do terraço nos marmóreos bancos.
— No abafador bafejo da tormenta Dormiam todos pois. — E além os ares
Ao livor dos relâmpagos — sem junto Co’o dia clareavam, às montanhas
T er um peito de fraco a desfazer-se Purpuream-se os verdes, nas campinas
Em estúpidas lágrimas — que doce Das urzes no ervaçal, nas verdes balsas
Que me fôra morrer! Rosicler da manhã tinge de rosas.
[344]
0 CONDE LOPO
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MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO
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o CONDE LOPO
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MANOEL ANTÔNIO ALVARES DE AZEVEDO
A lua esclareceu-se, uni vulto negro Que tanto perfume que mal me cabia
Do rochedo caiu. — Soou nas vagas Nos vasos do seio! que virgens amores,
O ruidoso fragor de rude peso Que sonhos fulgentes de terna poesia,
Batendo n’água — e azul o mar fechou-se Que céu! que ar! que flores!
Sôbre o corpo do moço como a pedra
Que cobre ao fôsso o abafado leito......... E essa alma de sonhos tão ébria — tão cheia.
Na terra não quis amar-ma — ninguém!
Os peitos que amei, achei-os de areia
— Que pulso não tem!
Ouviu-se n ’água um ciciar bem como
O do nadar de monstruoso peixe — E pois a alma crente dos cantos de amor
E após um corpo negro deslizou-se Gelou para o mundo, e riu, e descreu!
Sulcando as vagas. — Somente uma lágrima da face a descor
E ra uma canoa — Quente — umedeceu!
Ouvira o homem que a regia estrondo
Dêsse tombar no mar — rápido o barco Porém uma só! mais! e paguei
A êsse lugar chegou. — Viu debater-se Os risos com risos e o gêlo com fel.
Em convulsa agonia de afogado Dos elos do mundo co’as plantas quebrei
O suicida desperto à voz do instinto O último anel.
Ansiando viver. — Lançou-se às águas. —
Breve reapareceu nadando, prêso E hoje é meu sonho na sombra habitar
Pelos cabelos louros desmaiado Dos montes silvosos. — Ouvir — só o vento
O formoso mancebo. — Nesse tempo Das aves da selva o agudo lamento
Levado p’la ressaca o barco dêle Das feras o u iv a r...
Na areia encalhava, e êle sentia
Lhe enfraquecerem já os lassos membros E ver só o céu — azul dentre o verde
No porfiado lutar com o Oceano Das densas folhagens — sem nódoa, sem véu,
Para salvar-lhe a prêsa. — Último esforço E o mar reluzente que ao longe se perde
Do afouto nadador levou-os ambos Nas sêdas do céu!
 praia — um vivo — e um gelado corpo.
Viver lá sòzinho co’os ventos e as flores
Sem ver cá da terra um falso sorrir,
E à noite, ao luar, nos moles verdores
Das gramas dormir, m s
C A N T O VI
Serei solitário na selva esquecido
Dos falsos do mundo entre aves e feras
........... “In faith t ’was strange, t ’was passing strange;
“T ’was pitiful, t ’was wondrous p itifu l... A ouvir dentre as folhas o surdo rugido
Das ruivas panteras.
SH A K E SP E A R E .
Que sonhos! que anseios! que luz no porvir! Parecendo exalar a fraca vida
Que flores na vida! que aéreas visões! Em gêmito cansado;
Que lábios abertos, em flor, num sorrir! De uma descor letal, mas tão suave
Meu Deus! que ilusões! Que eu a vi ajoelhado.
[ M8 ]
ü CONDE LOPO
E nela era uma pér’la de sereno Foi uma flor que prostituiu seu brilho,
Docemente tremida, Que da brisa enjeitou amores puros
— Doído pranto de saudade amarga P ’lo beijar ébrio da noturna orgia
Em face enfebrecida! No chão do lupanar.
I I I
E era qual virgem morta em fins de um baile Amei-a! e muito! — Disse-lhe perfumes
Cândido o lábio frio Que no santuário d’alma eu lhe queimara; H23
Alegre inda a sorrir — que o anjo pálido Contei-lhe sonhos. — Coração e vida
P ’la manhã extinguiu! Dera tudo por ela;
Vestindo branco, n’alva fronte rosas,
No seio inda uma flor Rojei-m c aos joelhos seus, falei-lhe em prantos
Que da valsa ao findar sentiu a face Com o peito a soluçar e a voz cortada
Esfriar-lhe o palor. E riu deitando-me inclemente olhar!
Nem lamentou-me a bela!
I V
E era qual andorinha amortecendo-se Fada no rosto, serafim no riso
De saudades e amores, 1 1 2 2 De lábio coralino!
Muda e silenciosa imersa em mágoas. Visão de trovador na forma cândida,
Em um mar de amargores. Huri no olhar divino!
Que eu senti de meus olhos escoar-sc Tão níveo o seio — mas cansado e exausto
Uma lágrima ao vê-la; Da convulsão da orgia —
Ante ela m’ajoelhei, amei-a em prantos Luz-te nas faces palidez romântica
E em prantos sonhei nela. — — E dentro___ a alma é fria.
[349]
MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO
[ 350]
o CONDE LOPO
Mostrando as ânsias dos nevados pomos, O menino das ruas que ri dela
Com lábios virgens num sorriso abertos. E a desama e lhe dá só apedrejos,
Não veio pois ninguém, e assim o Fado Eu não o afirmarei — Contudo o creio.
Poupou-me o ter de abandonar a pena
Para embeber-me no idear dos sonhos
Que frios versos exprimir não podem —
Que não de alma de Byron.
A alva filha Então abriu-lhe o coração o Conde;
Do pirata descrido e a grega serva, 1 1 2 9 Mostrou-lhe a chaga a lhe sangrar, inteira
A discreta Zoé, supria o Conde Que trazia no peito a alma descrida;
E — êsse brioso corcel de negro lustro Odiava a vida renegando os risos —
Escorrendo suor d’impaciência E a ironia lhe voltou aos lábios
Que co’a rédea ao pescoço aí ficara Atroz, acerbo, do viver, dos homens,
Na pedregosa solitária praia A rir desprezadora. — A mágoa funda.
Esperando o senhor. — Desgosto do existir que mal cobriam
Em breve o moço Volúpias d’alta noite, ao som dos beijos.
Aos cuidados do Conde despertara. Dormidas horas com mulher que o peito
Vendo-se à vida revolvido, aflito Gasto nem faz um palpitar de gôzo
Cerrou os punhos e o ranger dos dentes Do saciado coração nos trêmulos
Mostrou-lhe a aflição. Calmou-o o Conde — Anelos da matéria em febre infame.
Cético embora, consolou-lhe as mágoas — E loucas convulsões de torpes ansias
Com palavras tentou, como êsses padres Mostrou-lhas num sorrir, deu-lhas patentes
Do agonizante à cabeceira dizem Do gélido sarcasmo em negras falas.
O decorado sermonar; falou-lhe Como o Szaffie do romancista amargo
Em consolos da esperança, em céus abertos. — Do fuzilado ao filho — convidou-o
De olhares de donzela — até na vida Sua vida a viver, a ir com êle
Dos preguiçosos frades, na mentira Pelas terras do mundo a rir-lhe a insânia.
De repousar na religião profunda
Dos mosteiros de h o je ... o que mais disse
Nem eu dizê-lo sei. — Lá dentro d’alma O Mancebo
Ria de certo o Conde recordando
De alguma confissão, conselhos frios, Para quê? Se morreu aqui na terra
Batidas expressões que entre bocejos A minha última flor — se nada espero
Em tédio confessional diário escuta E não quero viver sem esperanças
De sacerdote que avezou de há muito E morrerei portanto?! — O salvamento
Exemplo e hipocrisia a ditos vácuos. Que me deste mal te haja — foi-te baldo
O esforço do nada! H oje o suicídio
E ’ o único desejo meu — a morte,
Quem o ouvisse contudo pensaria Derradeira das minhas esperanças.
Todo o calor de convicção ness’alma,
Que importa o gôzo do sofrer dos homens.
Que tais cousas dizia talvez mesmo
De ouvir-lhes o gemer quebrado em lábios
Ao ardente exprimir dobrassem nêle
Nas horas de agonia! — Sofri muito!
— Falto de outros ouvidos — os sentimentos
Nem alegrias nem penar de angústias
De profundo descrer. — E jesuítas
Há aí na terra que me adoce as penas.
Certo que o bradar se ouvir pudessem
E morrerei portanto — o mar é fundo — *123
Angariá-lo haviam para frade,
Guardar-me-á o segrêdo. — A dor intensa
Convencedor de turbas, visionário.
Que assim me quebra todo o apêgo à vida
De hipócritas virtudes — como os outros.
Não hão de homens sabê-la!
Bem dormido
IV Descansarei na terra — aonde as vagas
Encalharem-me os restos corrompidos.
Não, o mancebo que lançara à morte H22 Não irão lágrimas de amante falsa
No marulhar das vagas o desespêro O corpo me orvalhar; não hei de ouvi-las
Se longo o sono não lhe houvesse turvo Queixas de hipocrisia em bôeas ímpias
Do cérebro travado tanto tempo A profanarem a mudez sagrada
Dormiría de certo. Mas agora Do aposento dos mortos — nem cabelos.
Ao pregador achou melhor pagar-lhe De fingido prantear umedecidos
Por conselho os conselhos — e portanto No pérfidio roçar de infames lábios,
Disse-lhe há pouco a mossa que faziam-lhe Hão de correr-me pelo rosto frio,
Consolos de palavras. — Riu-se o Conde No féretro nas horas de partida
Se era de escárnio dos conselhos mornos Na extrema despedida!
De tediosos monges, — ironia Disseste — a mágoa
Portanto essas palavras dêsse jovem Roeu-te inteira o coração — afetos
De orgias vivedor do vinho e gôzo Foram-te d’alma p’lo sorrir das flores —
Tão amante e da vida tão descrido E falas-me em viver? Covarde, sentes
A zombar dela com sarcasmos sempre Desfalecer-te ante o gelar da campa?
Como da prostituta vil e podre Trem es transes da morte?
[351]
MANOEL ANTÔNIO Á LVARES DE AZEVEDO
[ 352 ]
o CONDE LOPO
[ 353 ]
MANOEL ANTÔNIO A LVARES DE AZEVEDO
O C onde O C onde
J á muitas vêzes encarei semblantes Cavaleiro,
Que a morte inteiriçava e ouvi gemidos De um castelo feudal na tôrre negra
Na aflição de um soluço em lábios frios, Do perpassar do tempo, nasci nobre. —
Turvados se q u eb ra r... O ar de Itália perfumou-me o berço
Com seus eloendros e cheirosas murtas.
O C avaleiro Nas fraldas do Apenino em rochas negras
De pico inacessível por um lado,
Entre a peleja
P or outro unido à verdejante serra,
Nos combates do mar à luz do incêndio
De meu pai — nobre Conde — se assentava
Muitos eu vi também, H48 mas então a alma
O invencível solar. — Dissêreis ninho
O perfume das trovas vertiginava
D ’águia voadora na garganta escura
Em feroz alegria entre as bombardas
De um sêrro não trilhado por humanos: —
Quando brame o canhão e as naus se abalam
L á de cima o olhar corria livre
No móvel chão do mar, então delira
Os campos da Toscana. — E ssa morada
Ardente o imaginar e agrada o sangue
Fizera meus avós reis dos terrenos
Ao resfolgar dos arcos.
Que à vista se estendiam — reis de fato
Porém quando
Se de direito não. — Mas brando jugo
Fora do chão vermelho do combate
E ra aos servos da baixa da planície
V ejo trazido p’la maré boiando
Cultivadores das amenas várzeas
Amarelo cadáver, sinto o peito
Que devassavam os potentes donos
Confrangir-me o horror e então ignoto
Do soberbo castelo das montanhas.
Frio sentir no coração me passa.
Correu-me a infância aí alegre e bela
Como a rosa levada p’la corrente
C on d e Do rio d’águas vítreas, como as garças
Pois eu, mancebo, já os vi gelados Nadando brancas, deslizando abertas
P ’lo frio do punhal juncando a terra! — Ao vento asas de sêda, ou em Veneza
Minha história, donzel, é cheia dêles A luz que nas vidraças resplendece
Das casarias do canal, ou antes
Como um sombrio pesadelo. — A idéia
Aos clarões do luar, — aí tão belos;
Não te pintara mais escuro que ela
Resvala a gôndola ao correr das águas
Um medonho romance. — E ’ um mistério
Que tremeras, mancebo, de escutá-lo, Do barqueiro aos descantes melancólicos.
Alumiado de clarões de mortes, Assim era-me a infância — ora a açucena,
No vale aberta, debruçada n’água
Cheio de brilho de punhais — o solo
Que vivia a amar, ora era a nuvem
De sangue roxeado — e além — no fundo,
Estira-se o cadáver sôbre a t e r r a ... Com seu dossel 1^51 Je rosa onde eu sonhava
U ns palácios doirados, ora a pomba
Branca a poisar-me sôbre a mão, sorrindo
C avaleiro Entre os suspiros seus, ora doirada
Conde, vosso descrer, vossas palavras. Uma azul borboleta que eu seguia
Me revelam que uma história negra P or entre as fôlhas úmidas do parque.
Vos doía no passado. — D ’indiscreto
Cri dar-vos mostras de querer sabê-lo Mas a infância passou; bem como passa
Êsse vosso segrêdo — e pois calei-me. O arrebol da manhã e vem a ardência
Quando após do banquete adormecíeis Do meridiano sol. —
V i agitados sonhos vos travarem Um dia, às horas H52
Do imaginar pela sulcada fronte. Que desperta no Céu a madrugada,
Sofreste, Conde! — Se a amizade pura No meu cavalo eu percorria os campos.
Crês — na do peito meu, contai-me os fatos Nesses sonhos imerso que aos mancebos
Dêsses passados peregrinos dias. Embalam tanto a mente. Ouvi uns passos
Dessas horas de sangue. — Atro mistério Como o tropear de algum ginete — e cedo
Abafa o peito se o recalca aí dentro Num cândido corcel H53 eu vi montada
Desconfiança d’homem. — Se indiscreto De azulado vestido e longas roupas
Meu pedido julgais — se êsse passado Um a alegre donzela — galopando.
Juram ento ou querer, faz-vos mistério O garrido corcel, as brancas sêdas
Para olhares profanos; se uma causa Das clinas reluzentes sacudia___
Enfim deverdes. Conde, de ocultar — calai-mo Cada vez mais de mim se aproximava.
Que não me ofenderei — ” .
Pude-lhe então melhor notar as formas.
A amazona sedutora e bela
O que passou-sc E ra uma rósea virgem fresca e pura
No cérebro do Conde a tais escutas Como a sultana do rosai. — Os crespos U54
E ’ difícil dizer. — Calou-se. — Apenas Que o movimento do corcel HSS soltara
Frio sorriso lhe franziu os lábios. — Desfeitos lhe caíam sôbre o colo
Satânico porém como a tormenta De transparente neve, reluzindo
Que lhe lastrava p’las cavernas d’alma, tiSO Sob as abas azuis, a pluma trêmula
A lhe bramir lá dentro. Meio — caía do chapéu mimoso.
[ 354]
o OONDK LOPO
[ 355 ]
MA^■OK^ ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEA'EDO
[ 356]
o CONDK LOPO
Eu
Nada me resta enfim! Eis-m e lançado
“ Vós, Senhora Condêssa!”
Deserto à vida. — Nada mais ficou-me! E ela pálida, U78
Morreram tôdas as esperanças d’alma Abatida e sem côr e os olhos mortos
Ao pobre son had or... Que noite horrível!
E os lábios descorados, os cabelos
Sinto ar faltar-me! Ferve-me a cabeça!
Co’as flores inda do noivado infame,
Que febre ard en te!., e ainda não é ela, 1D3
Da rôta c’roa entrelaçados — alva
Ela! a morte!
Como estátua sem vida! —
Que noite amaldiçoada! Ela calou-se —
Como correu-me le n ta !... Deram horas —
Ou que a voz na garganta lhe gelasse,
Mas eu nem pude ouvi-las. . . Escutei
Ou temesse falar — enfim me disse:
Passos e vozes; músicas resso am ... — “ Lúcio — porque, como antes. Madalena
Que tormento infernal! Lá p a ssa m ... ela,
Não me chamas sequer?” —
Ela a pérfida v i l ... Meu Deus! piedade!
Eis-me aqui de joelhos, oh! piedade!
Tirai-me essa tortura dante os olhos — Eu
Êsse inferno aqui d’a lm a ...
Eu ouço passos Madalena
Aí vêm ■ — L evantem o-nos... Se acaso P ’ra mim morta é de há muito. — Foi um sonho
Alguém me visse assim, que amargo escárnio! Cheio de flores e clarões etéreos.
Haviam rir de m im !... Mas ninguém viu-me. Mas não há sonho sem ter fim, só dêsse
Enxuguem-se essas lá g rim a s... Não quero, lii'S Eu vo-lo juro, nobre Dama, foi-mo
Não quero mais chorar. Mas se ela ouvisse? Tenebroso e horrível como o inferno!
Oh! porque gemo assim? porque soluço?
Cale-se o peito meu! estale em bora!”
Vieste, 1179 Madalena — eu to ag rad eço ...
Perdão se vos chamei por êsse nome
Em loucos turbilhões assim idéias Do anjo que outrora amei, da virgem pura
Me levaram em trépido delírio. Que não mentiu fa la z ...
Foi a hora acerba de agonias longas Agradeço-vos, "80
Essa que aí passei pensando nela — Senhora Condêssa, o terdes vindo.
Té na morte pensei — olhei o ferro Ainda há pouco eu desejei falar-vos.
De aço reluzente que apertava trêmula Dizer ainda uma vez adeus! a essa
Minha destra convulsa e fria — cri-me, Dos sonhos de mancebo — inda a n te s ...
Que eu achara o segrêdo do rep o u so ... De morrer!
[ 357 ]
M A N O E L ANTÔ NIO Á L V A R E S D E A Z E V E D O
E la Sofrer, na fronte
O fado m ’escreveu! Morrer, tão moço, 1184
Oh! m orrer! Lúcio, tão m oço. Como isso é duro! — Porém mais ainda
E ’ sofrer o que sofro — e o pobre louco
Eu Imaginar-se que ninguém na vida
Quando na tumba rebolcar-lhe o corpo
H á uma hora, senhora, era eu ditoso. H á de ainda ficar a dar-lhe prantos
Com ardências de moço galopava Ao passado cruel! Ninguém! Ainda
Para encurtar estradas, anelante E ’ essa idéia que a mulher, o anjo
De ver-vos, de tornar a ver ainda Que o pobre tanto amou — há de sorrir-lhe
A Madalena do passado. — Riso de infame escárnio sôbre a c a m p a l...
E la
O h! Madalena — escuta, aí na vida
Lúcio. Como a ti nada amei! ouve-me e seja
Castigo à tua ingratidão a história
Eu Do meu puro sentir! O h! Madalena, U8S
Nunca os anjos no céu assim amaram!
O h! não me interrompais. — Deixai que eu fale. E ra um amor que me queimava o peito,
Será curto o viver do desgraçado. Que matava-me os sonhos, era um afeto
Deixai-o pois que êle evapore em queixas Sonhado de joelhos, entre prantos.
O último alento do e x is tir .. . O h! Madalena, H86 que eu sentia imenso!
Eu vinha Que amores, que te dei! que sonhos magos
Então rico de vida e d’esperanças, Que sagrei-te no seio! Que aras santas
Além no têrmo de viajar sorria Que perfumei-te de poesia e flores.
Ao pobre peito meu doirada H 82 cisma! Cada hora, cada instante, noite e dia,
Quem me falasse então de morte e inferno Nas terras e no mar, à luz dos astros,
Eu chamara-o de louco. . . No meu passado a te rever a imagem,
Porém quando Sonhos a recordar, depois amores
Neste castelo entrei, neste palácio, Que tão breve correram ! Madalena,
Que tanto tempo foi-me um céu da vida. Que amores que te dei votados no íntimo
Cheio de amor e sonhos; oh! maldito! H83 De uma alma p u r a !...
O h! maldito mil vêzes êsse instante! E vós sabeis, senhora,
Selara o inferno aqui quebradas juras Quem foi essa mulher, essa perjura
D ’alma infame e sem f é . . . Madalena sem a lm a ? ...
Perdão, senhora;
Tudo isso há uma hora foi — e cada instante
Decorrido de então parece à alma
Um. delírio mais n e g r o ... Cavaleiro,
O h! antes isso! Um beijo dela me calou o insulto.
A loucura mil vêzes! — São felizes. E la chorava, e gemebunda a face,
Dizem ao menos, êsses que a doudice Eu lhe inundava a negridão das tr a n ç a s ... H87
De algum passado recordar desvia. De uma alma p u r a !...
Foi fraco Lúcio!
Na verdade morrer tão m o ç o ... é duro! Perdoem-lhe a traição — antes ainda
Mas qu’importa? nasci em dia aziago — Que desculpasse a ela. E o amor que outrora
A stro de maldição clareou-me o berço E ra tão puro — se verteu em crime!
E demônios no inferno me saudarão
Com escárnio ao m o r r e r ...
[ 358]
ásimiro de Abreu
M inh’a lm a é triste co m o a flo r q u e m o r r e .
[ 3üi J
P R I M A V E R A S “ «s
F. OTAVIANO.
M dia — além dos órgãos, na poética Friburgo — isolado dos meus compa
nheiros de estudo, tive saudades da casa paterna e chorei.
Era de tarde; o crepúsculo descia sôbre a crista das montanhas e
a natureza como que se recolhia para entoar o cântico da noite; as sombras
estendiam-se pelo leito dos vales e o silêncio tornava mais solene a voz
melancólica do cair das cachoeiras. Era a hora da m erenda em nossa casa
e pareceu-me ouvir o eco das risadas infantis de minha mana pequena! As
lágrimas correram e fiz os primeiros versos da minha vida, que intitulei —
Ave-Maria : — a saudade havia sido a minha primeira musa.
Era um canto simples e natural como o dos passarinhos, e para possuí-lo hoje eu dera em troca
este volume inútil, que nem conserva ao menos o sabor virginal daqueles prelúdios!
Depois, mais tarde, nas ribas pitorescas do Douro ou nas várzeas do Tejo, tive saudades do meu
ninho das florestas e cantei; a nostalgia me apagava a vida e as veigas risonhas do Minho não tinham
a beleza majestosa dos sertões.
Eu era entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra duma esperança que
nunca pude ver realizada. Numa hora de desalento rasguei muitas dessas páginas cândidas e quase que
pedi o bálsamo da sepultura para as úlceras recentes do coração; é que as primeiras ilusões da vida,
abertas de noite caem pela manhã como as flores cheirosas das laranjeiras!
Flores e estréias, murmúrios da terra e mistérios do céu, sonhos de virgem e risos de criança,
tudo o que é belo e tudo o que é grande, veio por seu turno debruçar-se sôbre o espelho mágico da minha
alma e aí estampar a sua imagem fugitiva. Se nessa coleção d’imagens predomina o perfil gracioso duma
virgem, fàcilmente s explica: — era a filha do céu que vinha vibrar o alaúde adormecido do pobre
filho do sertão.
Rico ou pobre, contraditório ou não, êste livro fêz-se por si, naturalmente, sem esforço, H89 e os
cantos saíram conforme as circunstâncias e os lugares os iam despertando. Um dia a pasta pejada de
L 363 ]
CASIM IRO JO S É MARQUES DE ABREU
tanto papel pedia que se lhe desse um destino qualquer, e foi então que resolvi a publicação das —
Primaveras; depois separei muitos cantos sombrios, guardei outros que constituem o meu — livro íntimo
— e no fim de mudanças infinitas e caprichosas, pude ver o volume completo e o entrego hoje sem receio
e sem pretensões.
Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e
de estudo: é o coração que se espraia sôbre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso
ao luar melancólico das nossas noites.
Meu Deus! que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da
crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério e de preferirmos
uma moeda de cobre a uma página de Lamartine.
De certo, tudo isso são ensaios; a mocidade palpita, e na sêde que a devora decepa os louros
inda verdes, e antes de tempo quer ajustar as cordas do instrumento, que só a madureza da idade e o
trato dos mestres poderão temperar.
O filho dos trópicos deve escrever numa linguagem — pròpriamente sua — lânguida como êle,
quente como o sol que a abrasa, grande e misteriosa como as suas matas seculares; o beijo apaixonado
das Cclutas deve inspirar epopéias como a dos — Timbiras — e acordar os Renés enfastiados do
desalento que os mata. Até então, até seguirmos o vôo arrojado do poeta de — I-Juca-Pirama — nós,
cantores novéis, somos as vozes secundárias que se perdem no conjunto duma grande orquestra; há o
único mérito de não ficarmos calados.
Assim, as minhas — Primaveras — não passam dum ramalhete das flores próprias da estação,
— flores que o vento esfolhará amanhã, c que apenas valem como promessa dos frutos do outono.
[ 364 ]
PRIM AVERAS
La vie du vulRaire n’est qu’un vague et sourd murmure Distante do solo amado
du coeur; la vie de l’homme sensible est un cri; la vie du — Desterrado —
poète est un chant! A vida não é feliz.
L a m a r tin e . Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!
Lisboa — ÍÍ55.
LIVRO PRIMEIRO
Heureux ceux qui n’ont point vu la fumée des fêtes
de l ’étranger, et que ne se sont assis qu’aux festins de leurs I I
pères!
C h a tea u b ria n d . MINHA TERRA.
365 ]
CASIMIRO JO S É MARQUES DE ABREU
[ 366 ]
P lilM A V K R A S
Quero sentar-me à beira do riacho Feliz o bom filho que pode contente
Das tardes ao cair, Na casa paterna de noite e de dia
E sòzinho cismando no crepúsculo Sentir as carícias do anjo de amores,
Os sonhos do porvir! Da estréia brilhante que a vida nos guia!
— Uma Mãe! —
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já ; Por isso eu agora na terra do exílio,
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Sentado sòzinho co’a face na mão.
A voz do sabiá! Suspiro e soluço por quem me chamava:
— “Oh filho querido do meu coração!” -
— Minha Mãe! —
L isb oa — 1S55.
[ 367 ]
CASIMIRO JO S É MARQUES DE A BREU
Na minha terra, no bulir do mato, Que auroras, que sol, que vida,
A juriti suspira; Que noites de melodia
E como o arrulo dos gentis amores, Naquela doce alegria.
São os meus cantos de secretas dores Naquele ingênuo folgar!
No chorar da lira. O céu bordado d’estrêlas,
A terra de aromas cheia.
De tarde a pomba vem gemer sentida As ondas beijando a areia
À beira do caminho; E a lua beijando o mar!
— Talvez perdida na floresta ingente —
A triste geme nessa voz plangente Oh! dias da minha infância!
Saudades do seu ninho. Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Sou como o pomba e como as vozes dela Nessa risonha manhã!
E ’ triste o meu cantar; Em vez das mágoas de agora,
— Flor dos trópicos — cá na Europa fria Eu tinha nessas delícias
Eu definho, chorando noite e dia De minha mãe as carícias
Saudades do meu lar. E beijos de minha irmã!
[ 368 ]
PRIM AVERAS
Oh! que saudades que tenho Foi aqui, foi ali, a lé m ... mais longe,
Da aurora da minha vida, Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
Da minha infância querida — I.á vejo o atalho que vai dar na várzea.
Que os anos não trazem mais! Lá o barranco por'onde eu su b ia!...
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras .Acho agora mais sêca a cachoeira
A sombra das bananeiras. Onde banhei-me no infantil cansaço...
Debaixo dos laranjais! — Como está velho o laranjal tamanho
L is b o a — 1857. Onde eu caçava o sanhaçu a la ç o !...
I. I I.
Longe da pátria, sob um céu diverso Meu Deus! eu chorei tanto lá no exilio!
Onde o sol como aqui tanto não arde. Tanta dor me cortou a voz sentida,
Chorei saudades do meu lar querido Que agora neste gôzo de proscrito
— Ave sem ninho que suspira à tarde. — Chora minh’alma e me sucumbe a vida!
No mar — de noite — solitário e triste Quero amor! quero vida! e longa e bela
Fitando os lumes que no céu tremiam, Que eu. Senhor! não vivi — dormi apenas!
-Avido e louco nos meus sonhos d’alma Minh’alma que s’expande e se entumece
Folguei nos campos que meus olhos viam. Despe o seu luto nas canções amenas.
[ 369 ]
CASIM JRO JO S É MARQUES DE A BREU
[ 370 ]
P R IM A V E R A S
[371]
C A S IM IR O JO SÉ M A R Q U E S D E A B R E U
[ 372 ]
P R IM A V E R A S
DEUS!
XV I
Eu me lembro! eu me lembro! — E ra pequeno
ORAÇÕES. E brincava na praia; o mar bramia
1208 erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.
A alma, como o incenso, ao céu s’éleva E eu disse a minha mãe nesse momento;
Da férvida oração nas asas puras, “Que dura orquestra! Que furor insano!
E Deus recebe como um longo hosana “ Que pode haver maior do que o oceano,
O cântico de amor das criaturas. “ Ou que seja mais forte do que o vento?!’’ —
[ 373 ]
C A S IM IR O JO SÉ M A R Q U É S D E A B R E U
Minha mãe a sorrir olhou p’r ’os céus Na primavera — na manhã da vida —
E respondeu: — “ Um 12 0 9 Ser que nós não vemos Deus às tristezas o sorriso enlaça,
“ E ’ maior do que o mar que nós tememos, E a tempestade se dissipa e passa
“ Mais forte que o tufão! meu filho, é — D eus!” — À voz mimosa da mulher querida.
D ezem bro — 185S.
Na mocidade, na estação fogosa.
Ama-se a vida — a mocidade é crença,
E a alma virgem nesta festa imensa
LIVRO SEGUNDO. Canta, palpita, s’extasia e goza.
1 .* de Julho 1858.
L a chanson la plus charm ante
E s t la chanson des am ours !
V. Hugo.
XX
X I X CENA ÍNTIMA.
PRIMAVERAS.
Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
P rim a v e ra ! ju v en tu d del anno, Só p’ra mim!
M ocidad! prim avera della vita.
— Ora diz-me: êsses queixumes,
M etastásio. Êsses injustos ciúmes
Não têm 1 2 1 1 fim?
I.
Que pequei eu bem conheço,
A primavera é a estação dos risos. Mas castigo não mereço
Deus fita o mundo com celeste afago. Por pecar;
Trem em as folhas e palpita o lago Pois tu queres chamar crime
Da brisa louca aos amorosos frisos. Render-se à chama sublime
Dum olhar!
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
Porventura te esqueceste
E doce e bela no tapiz das flores
Quando de amor me perdeste
Melhor perfume a violeta exala.
Num sorrir?
Agora em cólera imensa
Na primavera tudo é riso e festa.
Já queres dar a sentença
Brotam aromas do vergei florido,
Sem me ouvir!
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
E depois, se eu te repito
A natureza se desperta rindo, Que nesse instante maldito
Um hino imenso a criação modula, — Sem querer —
Canta a calhandra, a juriti arrula, Arrastado por magia
O mar é calmo porque o céu é lindo. Mil torrentes de poesia
Fui beber!
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga. Eram uns olhos escuros
Murmura a brisa: — Como é linda a veiga! Muito belos, muito puros,
Responde a rosa: — Como é doce o orvalho! Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos
Mostrando gozos infindos.
I I. Só dos céus!
Mas como às vêzes sôbre o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia. Quando os vi fulgindo tanto
Tam bém a lira alguma vez sombria Senti no peito um encanto
Solta gemendo de amargura um treno. Que não sei!
Ju ro falar-te a v erd ad e...
São flores murchas; — o jasmim fenece, Foi de certo — sem vontade —
Mas bafejado s’erguerà de novo Que eu pequei!
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce. Mas hoje, minha querida,
Eu dera até esta vida
Se um canto amargo de ironia cheio P ’ra poupar
Trem e nos lábios do cantor mancebo. Essas lágrimas queixosas,
Em breve a virgem do seu casto enlevo Que as tuas faces mimosas
Dá-lhe um sorriso e lhe entumece o seio. 12 10 Vêm molhar!
[ 374 ]
P n iM A V K R A S
N a P r im e ir a F ô l h a dum álbum.
Espera: — inclina essa fro n te ... '^''alvez que diga, recordando tarde
Assim! — Pareces no monte O doce anelo do feliz cantor:
.A.lvo lírio debruçado! — “Meu Deus! nas folhas do meu livro d’alma
— Agora, se em mim te fias, Sobram perfumes — e não falta am or!”
Fica séria, não te rias, Junho — 1858.
O juramento é sagrado:
[ 375 ]
C A S IM T R O J O S É M A R Q U E S 1>E A B R E U
XXIII X XIV
SEGREDOS. CLARA.
Eu tenho uns amores — quem é que os não tinha Não sabes, Clara, 1219 que pena
Nos tempos antigos? — Amar não faz mal;
Eu teria se — morena
As almas que sentem paixão como a minha Tu fôsses em vez de clara!
Que digam, que falem em regra geral. T a lv e z ... Quem s a b e ? ... não digo.
— A flor dos meus sonhos é moça e bonita
Mas refletindo comigo
Qual flor entr’aberta do dia ao raiar, Talvez nem tanto te amara!
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero, não posso, não devo contar! A tua côr é mimosa,
Brilha mais da face a rosa,
Seu rosto é formoso, seu talhe elegante. Tem mais graça a bôca breve.
Seus lábios de rosa, a fala é de mel. O teu sorriso é d e lírio ...
As tranças compridas, qual livre bacantc, És alva da côr do lírio.
O pé de criança, cintura de anel; És clara da côr da neve!
— Os olhos rasgados são côr das safiras, 1217
Serenos e puros, azuis como o mar; A morena é predileta,
Sc falam sinceros, se pregam mentiras, Mas a clara é do poeta;
Não quero, não posso, não devo contar! Assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
Oh! ontem no baile com ela valsando Mas a morena é da terra
Senti as delícias dos anjos do céu! Enquanto a clara é dos anjos!
Na dança ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu! Mulher morena é ardente:
— Que noite e que baile! — Seu hálito virgem Prende o amante demente
Queimava-me as faces no louco valsar. Nos fios do seu cabelo;
As falas sentidas que os olhos falavam — A clara é sempre mais fria,
Não posso, não quero, não devo contar! Mas dá-me licença um dia
Que eu vou arder no teu gêlo!
Depois indolente firmou-se em meu braço.
Fugimos das salas, do mundo talvez! A côr morena é bonita,
Inda era mais bela rendida ao cansaço, 1218 Mas nada, nada te imita
Morrendo de amores em tal languidez! Nem mesmo sequer de leve.
— Que noite e que festa! e que lânguido rosto — O teu sorriso é d e lírio ...
Banhado ao reflexo do branco luar! És alva da côr do lírio.
A neve do colo e as ondas dos seios És clara da côr da neve!
Não quero, não posso, não devo contar!
Rio nss.
A noite é sublime! — Tem longos queixumes.
Mistérios profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os gemidos, do prado os perfumes.
XXV
De amor me mataram, de amor suspirei!
— Agora eu vos ju r o ... Palavra! — não minto! A VALSA.
Ouvi-a formosa também suspirar;
Os doces suspiros que os ecos ouviram
A M. •**
Não quero, não posso, não devo contar!
Tu, ontem,
Então nesse instante nas águas do rio Na dança
Passava uma barca, e o bom remador Que cansa.
Cantava na flauta; — “Nas noites d’estio Voavas
O céu tem estrelas, o mar tem amor!” — Co’as faces
— E a voz maviosa do bom gondoleiro Em rosas
Repete cantando: — “viver é amar!” — Form osas
Se os peitos respondem à voz do barqueiro... De vivo,
Não quero, não posso, não devo contar! Lascivo
Carmim;
Trememos de m êd o ... a bôca emudece Na valsa
Mas sentem-se os pulos do meu coração! T ão falsa,
Seu seio nevado de amor se entum ece... Corrias,
E os lábios se tocam no ardor da paixão! Fugias,
— Depois... mas já vejo que vós, meus senhores, Ardente,
Com fina malícia quereis me enganar. Contente,
Aqui faço ponto; — segredos de amores Tranqüila,
Não quero, não posso, não devo contar! Serena,
R io — U57. Sem pena
De mim !
[ 376 ]
P R IM A V E R A S
Calado,
Valsavas: Sozinho,
— Teus belos Mesquinho,
Cabelos, Em zelos
Já soltos. Ardendo,
Revoltos, Eu vi-te
Saltavam, Correndo
Voavam, T ão falsa
Brincavam Na valsa
No colo Veloz!
Que é meu; Eu triste
E os olhos Vi tudo!
Escuros Mas mudo
Tão puros. Não tive
Os olhos Nas galas
Perjuros Das salas,
Volvias, Nem falas,
Tremias, Nem cantos,
Sorrias Nem prantos, 12 21
P ’ra outro Nem voz!
Não eu!
Quem dera
Que sintas
Quem dera As dores
Que sintas De amores
As dores Que louco
De amores Senti!
Que louco Quem dera
Senti! Que sin ta s!..
Que dera — Não negues,
Que sin ta s!.. Não m in ta s...
— Eu v ü . ..
— Não negues,
Não m in ta s... Na valsa
— Eu v ü . . . Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Meu Deus!
Turbada!
Eras bela
Pensavas,
Donzela,
Cismavas,
Valsando, E estavas
Sorrindo, T ão pálida
Fugindo, Então;
Qual silfo Qual pálida
Risonho Rosa
Que em sonho Mimosa
Nos vem! 12 2 0 No vale
Mas êsse Do vento
Sorriso Cruento
Tão liso Batida,
Que tinhas Caída
Nos lábios Sem vida
De rosa. No chão!
Formosa,
Tu davas. Quem dera
Mandavas Que sintas
A quemPl As dores
[ 377]
C A S IM IU O JO SÉ M A R Q U E S D E A D K E U
Se a borboleta dourada I.
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor; Eu vi-a e minha alma antes de vê-la
E la — a triste, molemente Sonhara-a linda como agora a vi;
Pendida sôbre a corrente. Nos puros olhos e na face bela,
Falece à míngua d’amor. Dos meus sonhos a virgem conheci.
[ 378 ]
PRIMAVERAS
Era a mesma expressão, o mesmo rosto, Do morto peito vem turbar a calma.
Os mesmos olhos só nadando em luz, Virgem, terás o que ninguém te dá;
E uns doces longes, como dum desgosto. Em delírios d’amor dou-te a minha alma,
Toldando a fronte que de amor seduz! Na terra, a vida, a eternidade — lá!
E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso
Como a palmeira que se ergue ao ar, I V.
Como a tulipa ao pôr-do-sol saudoso,
'dole vergando à viração do mar.
Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas.
Era a mesma visão que eu dantes via, Oh! não me tardes, não me tardes, — vem!
Quando a minha alma transbordava em fé; Da fantasia nas douradas asas
E nesta eu creio como na outra eu cria, Nós viveremos noutro mundo — além!
Porque é a mesma visão, bem sei que é!
De belos sonhos nosso amor povôo.
No silêncio da noite a virgem vinha Vida bebendo nos olhares teus;
Soltas as tranças junto a mim dormir; E como a garça que levanta o vôo,
E era bela, meu Deus, assim sozinha Minha alma em hinos falará com Deus!
No seu sono d’infante inda a s o r r ir !...
Juntas, unidas num estreito abraço.
As nossas almas uma só serão;
I I. E a fronte enfêrma sôbre o teu regaço
Criará poemas d’imortal paixão!
Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo.
Tal como a brisa ao perpassar na flor,
O h! vem, formosa, meu amor é santo,
Mas nesse instante resumi um mundo
E ’ grande e belo como é grande o mar,
De sonhos de ouro e de encantado amor.
E doce e triste como d’harpa um canto
O seu olhar não me cobriu d’afago, Na corda extrema que já vai quebrar!
E minha imagem nem sequer guardou.
Qual se reflete sôbre a flor dum lago Oh ! vem depressa, minha vida foge. . .
A branca nuvem que no céu passou. òou como o lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio que inda é tempo hoje!
A sua vista espairecendo vaga. Orvalha o lírio que morrendo v a i !...
Quase indolente, não me viu, ai, não! Rio — 1858.
Mas eu que sinto tão profunda a chaga
Ainda a vejo como a vi então.
[ 379 ]
CASIMIRO JOSÆ MARQUES DE ABREU
[ 380 ]
PRIMAVERAS
X X X IV X X X V
SEMPRE SONHOS!. . . O QUE É — SIMPATIA.
Se eu tivesse, meu Deus, santos amôres,
Eu m’erguera cantando essa paixão, A U ma M enina.
E atirara p’ra longe — sem saudade —
Êste véu que me cobre a mocidade Simpatia — é o sentimento
De tanta escuridão! Que nasce num só momento.
Sincero, no coração;
Eu que sou como o cardo do rochedo São dois olhares acesos
Quase morto dos ventos ao rigor, Bem juntos, unidos, presos
Encontrara de novo a minha vida, Numa mágica atração.
O sol da primavera e a luz perdida,
Nos braços dêsse amor! Simpatia — são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Minha fronte, que pende sofredora, I23i Nas mangueiras do jardim;
Acharia, meu Deus, inspirações, Bem longe às vêzes nascidos,
E o fogo que queimou Gilbert e Dante Mas que se juntam crescidos
Correria mais puro e mais constante E que se abraçam por fim.
Na lira das canções!
São duas almas bem gêmeas
No mundo tão gentil dos devaneios Que riem no mesmo riso,
Minh’alma mais feliz saudara a luz, Que choram nos mesmos ais;
E apagara. Senhor, num beijo puro São vozes de dois amantes,
A dor imensa da perda do futuro Duas liras semelhantes,
Que à morte me conduz. Ou dois poemas iguais.
[381]
OASIMIRO JO S É MARQUES DE ARREU
PEPITA.
[ 382 ]
PRIM AVERA S
AMOR E MÊDO.
♦ ♦ *
XXXIX
I.
QUEÍXUMES.
Quando 1235 eu te fujo e me desvio cauto
0 !h o e v e jo ... tudo é gala, Da luz de fogo que te cerca, oh! bela.
Tudo canta e tudo fala. Contigo dizes, suspirando amores:
Só minh’alma “— Meu Deus! que gêlo, que frieza aquela!”
Não se acalma.
Muda e triste não se ri! Como te enganas! meu amor é chama
Minha mente já delira, Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro Jo u c o ...
E meu peito só suspira És bela — eu moço; tens amor — eu mêdo!. 1236
Por ti! Por ti!
Tenho mêdo de mim, de ti, de tudo,
Ai! quem me dera essa vida Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Tão bela e doce vivida Das folhas sêcas, do chorar das fontes,
Nos meus lares Das horas longas a correr velozes.
Sem pesares
No sossêgo só dali! O véu da noite me atormenta em dores,
Não tinha-te visto as tranças, A luz da aurora me entumece 1237 os seios,
Nem rasgado as esperanças E ao vento fresco do cair das tardes
Por ti! Por ti! Eu me estremeço de cruéis receios.
[ 3S3 ]
C A S IM IR O JO S É M A R Q U E S D E A B R E U
I.
Não pude! — A mente fervia,
Choraste?! — E a face mimosa O coração transbordava, 1240
Perdeu as côres da rosa Interna voz me falava,
E o seio todo tremeu?! E louco ouvindo a harmonia
Choraste, pomba adorada?! Que a alma continha em si.
E a lágrima cristalina Soltei na febre o meu canto
Banhou-te a face divina E do delírio no pranto
E a bela fronte inspirada M orri de amôres — por ti!
Pálida e triste pendeu?!
[ 384]
PRIM AVKRAS
NOIVADO.
O mundo! o mundo! - E que te importa o mundo? Qual reza o irmão pelas irmãs queridas.
— Velho invejoso, a resmungar baixinho! Ou a mãe que sofre pela filha bela,
Nada perturba a paz serena e doce Eu — de joelhos — com as mãos erguidas.
Que as rôlas gozam no seu casto ninho. Suplico ao céu a felicidade dela.
[ 385 ]
OASIMIRO .TOSft MARQUES DE ABREU
— “ Senhor meu Deus, que sois clemente e justo, D e p o is... na quadra ditosa,
Que dais voz às brisas e perfume à rosa. Nos dias da juventude,
O h! protegei-a com o manto augusto Quando o peito é um alaúde,
A doce virgem que sorri medrosa! E que a fronte tem calor;
A alma que então se expande
Lançai os olhos sôbre a linda filha. Ardente, fogosa e bela —
Dai-lhe o sossego no seu casto ninho, Idolatrando a donzela
E da vereda que seu pé já trilha Soletra em trovas: — amor!
Tirai a pedra e desviai o espinho!
[ 386 ]
P R IIIA V K R A S
X L I X
o BAILE!
X L V I I
Sc junto de mim te vejo
SONHANDO.
Abre-te a bôea um bocejo.
Só pelo baile suspiras!
Um dia, oh linda, embalada Deixas amor — pelas galas,
Ao canto do gondoleiro. E vais ouvir pelas salas
Adormeceste inocente Essas douradas mentiras !
No teu delírio primeiro,
— Por leito o berço das ondas, Tens razão! Mais valem risos
Meu colo por travesseiro! Fingidos, desses Narcisos
— Bonecos que a moda enfeita —
Eu, pensativo, cismava Do que a voz sincera e rude
Nalgum remoto desgosto. De quem, prezando a virtude.
Avivado na tristeza Os atavios rejeita.
Que a tarde tem, ao sol-pôsto,
E ora mirava as nuvens. Tens razão! — Valsa, donzela,
Ora fitava teu rosto. A mocidade é tão bela,
E a vida dura tão pouco!
Sonhavas então, querida, No borborinho das salas.
E prêsa de vago anseio Cercada de amor e galas.
Debaixo das roupas brancas Sê tu feliz — eu sou louco!
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço E quando eu seja dormido
A flor dos lábios te veio! Sem luz, sem voz, sem gemido,
No sono que a dor conforta;
Ao concertar tuas tranças
Tremeste como a tulipa No meio das contradanças
Batida do vento f r io ... Diz tu sorrindo: — “ Qu’importa?.
Suspiraste como a fôlha
Da brisa ao doce c ic io ... “ E ra um louco, em noites belas
E abriste os olhos sorrindo “Vinha fitar as estréias
Âs águas quietas do rio! “ Nas praias, co’a fronte nua!
“ Chorava canções sentidas
Depois — uma vez — sentados “ E ficava horas perdidas
Sob a copa do arvoredo. “ Sozinho, mirando a lua!
Falei-te dêsse soluço
Que os lábios abriu-te a m êdo.. “Trem ia quando falava
— Mas tu, fugindo, guardaste “ E — pobre tonto — chamava
Daquele sonho o se g rê d o !... “ O baile — alegrias falsas!
Agosto — 1858. “— Eu gosto mais dessas falas
“ Que me murmuram nas salas
“ No ritornelo das valsas. — ”
[ 387 ]
(3ASIM1K0 JO S É MARQUAS DE A BREU
[ 388 ]
PllIM AVKRA S
Mas eu que não tenho risos Pois não fôra melhor vivesse a planta
Nem alegrias tampouco, Cujo perfume a solidão encanta
Nem sinto êsse fogo louco No sossego do v a i? ...
Que a mocidade consome, — Não veriamos nós neste martírio
Nas brancas folhas do livro Desfalecer tão belo o pobre lírio
Só posso deixar meu nome! Pendido ao vendaval !
[ 389 ]
(JASIM IRO JO S É MARQUES DE ARREU
[ 3í)0 ]
PRIM AVKRAS
[ 3 !)1 ]
CASIM IRO JO S É MARQUES DE A BREU
[ 392 ]
PRIM AVERA S
[ 393 ]
C A S n iIR O JO S É MARQUES DE A BREU
[3 9 4 ]
PRIM AVERA S
Eu sinto que esta vida já me foge Se o seu lábio afagar a minha fronte
Qual d’harpa o som final, — Tão férvido volcâo!
E não tenho, como o náufrago nas ondas, 1271 E murmurar baixinho ao meu ouvido
Nas trevas um fanal! As falas da paixão;
Eu sofro e esta dor que me atormenta Se cair desmaiada nos meus braços
E ’ um suplício atroz! Morrendo em languidez,
E p’ra contá-la falta à lira cordas De certo remoçado, alegre e louco
E aos lábios meus a voz! Sentira-me ta lv e z !...
[ 39Ü ]
OASIMIRO JOSÉ MARQUES DE ABREU
[ 396 ]
PRIMAVERAS
IV .
Há na minh’alma alguma cousa vago.
Desejos, ânsias, que explicar não sei;
Talvez — desejos — dalgum lindo lago, O mundo é uma mentira, a glória — fumo,
— Ânsias — dum mundo com que já sonhei!. A morte — um beijo, e> esta vida um sonho
Pesado ou doce, que s’esvai na campa!
E eu sofro, oh anjo; na cruel vigília
O pensamento inda redobra a dor,
O homem nasce, cresce, alegre e crente
E passa linda do meu sonho a filha, 1276
Entra no mundo c ’o sorrir nos lábios.
Sôltas as tranças a morrer de amor!
Traz os perfumes que lhe dera o berço.
E louco a sigo por desertos mares. Veste-se belo d’ilusôes douradas,
Por doces veigas, por um céu de azul; Canta, suspira, crê, sente esperanças,
E um dia o vcndaval do desengano
Pouso com ela nos gentis palmares
à beira d’água, nos vergéis do s u l!... Varre-lhe as flores do jardim da vida
E nu das vestes que lhe dera o berço
E a virgem fo g e .. . — e a visão se perde Trem e de frio ao vento do infortúnio!
Por outros climas, noutro céu de luz; Depois — louco sublime — êle se engana.
E eu — desperto do meu sonho verde — Tenta enganar-se p’ra curar as mágoas,
Acordo e choro carregando a cruz! Cria fantasmas na cabeça em fogo.
De novo atira o seu batei nas ondas,
Pobre poeta! na manhã da vida Trabalha, luta e se afadiga embalde
Nem flores tenho, nem prazer também! Até que a morte lhe desmancha os sonhos.
—^ Rôto mendigo que não tem guarida — Pobre insensato — quer achar por fôrça
Tímido espreito quando a noite vem! Pérola fina em lodaçal 1277 imundo!
— Menino louro que se cansa e mata
Bendito sejas, querubim de amores. Atrás da borboleta que travessa
Branca açucena que o paul brotou! Nas moitas do mangai voa e se p erd e!..
Teu doce pranto me acalenta as dores
Da úlcera funda que ninguém curou!
[ 397 ]
CASIM IRO JO SÉ MARQUES DR ABREU
Um anjo veio e deu vida O ’ tu, 1283 meu amigo, permite que um pouco
Ao peito de amores nu: A fronte recline num peito d’irmão;
M inh’alma agora remida Enxuga, se podes, o pranto do louco
Que em paga de afetos só teve a traição!
Adora o anjo — que és tu!
Ju lh o — IS 5 8 . Em tempos felizes, num dia formoso,
Na relva sentados, bem juntos, unidos,
No peito encostado seu rosto mimoso
A ingrata me dava s o rris o s ... fingidos!
Meu Deus! Meu P ai! Se o filho da desgraça Partir foi p re c is o ... abracei-a ch o ran d o ...
Tem jus um dia ao galardão remoto. E Laura c h o r o u !... eu de dor so lu ce i...
Mas tempos depois que contente voltando
Ouve estas preces e me cumpre o voto Julgava beijá-la, já não a encontrei!
— A mim que bebo do absinto a taça!
Mulher enganosa, quebraste essas juras
— “ Feliz serás se como eu sofreres, Que em prantos me deste diante de Deus!
“ Dar-te-ei o céu em recompensa ao pranto” — Mas tu não te lembras que as faces impuras,
Que os lábios corados roçaram os m eu s?!..
Vós o dissestes. 1279 — E eu padeço t a n t o !...
Que novos transes preparar me queres? Poeta e amante eu um mundo sonhei
Repleto de gozos, um mundo id e a l...
Tudo me roubam meus cruéis tiranos: Fugiram os sonhos que eu tanto afaguei,
Amor, família, felicidade, tu d o !... Como flor tombada por um vendaval!
Palmas da glória, meus lauréis do estudo,
Errante vagando por vales sombrios
Fogo do gênio, aspiração dos a n o s !... Co’a mente em delírio, em cruel ansiedade;
A morte buscando nas águas dos rios.
Mas o teu filho já se não rebela Me disse uma voz: inda resta a amizade!
Por tal castigo, pelas mágoas duras;
— M inh’alma o f’reço às provações fu tu ra s ... “ Esquece êsse fogo, êsse amor, um delirio
“ Que aqui te cavava profundo jazigo;
Venha o m a rtírio ... mas — perdão p’ra e l a ! . . . “ Ao mundo de novo, termina o martírio,
“ A fronte reclina num peito de amigo”.
A doce virgem se assemelha às flo r e s ...
O vento a quebra no seu verde ninho. — Ao mundo voltei, esqueci os amores
— Velai ao menos pelo pobre anjinho, No peito apagando uma forte paixão;
Agora a amizade mitiga-me as dores.
— Pagai-lhe em gôzo o que me dais em dores! Sê tu meu amigo, serei teu irmão!
M a io — 6. A g o s to — 1855.
398 ]
PÜKSIAS AVULSAS
[ 399 J
CASIM IRO JO S É MARQUES DE A BREU
[ 400]
PO ESIA S AVULSAS
[401]
C A S IM IK O J O S É MARQUAS DE A R R E U
[ 402 ]
P O E S IA S A V U L S A S
A G o nçalves B raga
DESEJOS D 06 I
[ 403 ]
C A S IM IK O JO SÉ M A R Q U E S D E A B R E U
[ 404 ]
P O E S IA S A V U L S A S
[405 ]
C A S U ÍIR O JO SÉ M A R Q U É S OK AR R U U
[ 406 ]
unqueira Freire
Ai — cla u s tr o s , c la u s tr o s ! — s e fa ta r p o d é s s e i s . .
[ 409 ]
-J
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO.
C O U R IE R .
[ 411]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E
A hora da inspiração é um mistério de luz que passa inapercebível. Contudo, eu tenho cons
ciência de que, por mais etéreo que seja aquele momento, cantei tão somente o que o imperativo da ra
zão inspirava-me como justo. Não excluí, na verdade, o sentimento nestas composições a que presidia
a solidão, porque ninguém o pode, — mas também não sou cabalmente um poeta. H á em mim alguma
cousa de menos para completar o anjo das harmonias terrestre. Ilá , porventura, a reflexão gelada de
Montaigne, que apaga os ímpetos, que mata às vêzes a mesma sublimidade. Klopstok, eu não posso
acompanhar teus vôos!
Pelo lado da arte, meus versos, segundo me parece, aspiram a casar-se com a prosa medida dos
antigos.
Sabe-se que os latinos modulavam os períodos do discurso. Sabe-se que os italianos, em seu sé
culo clássico, imitaram miúdamente aqueles, de quem tinham herdado a literatura. Sabe-se que os pri
meiros escritores portugueses cadenciavam igualmente suas construções. Sabe-se que, atingindo a música
prosaica a uma perfeição absurda, desterrou-se completamente do discurso todo o artifício. A versificação
triunfou sôbre as ruínas da prosa. Bocage deixa de ser poeta, para ser músico. A prosa tinha expirado.
Começa-se então a procurar um acôrdo. O módulo dos latinos, estudado e seguido pelos italia
nos, quase aperfeiçoado pelos portuguêses, tinha algum tanto de justo e de belo. A prosa recobrou os
seus direitos.
Tudo isto traz consigo algumas perguntas necessárias:
Até onde irá a melodia da prosa? Será a prosa um dia tão acabada de melodia, de ritmo, de har
monia mesma, que venha a ser inútil a música da form a poética? Chegará um dia a literatura a um tal
grau, que distinga a prosa e a poesia tão somente pelo nuance dos pensamentos? Nascerá um dia destas
duas expressões mais ou menos belas uma forma intermediária, que espose tanto da singeleza da prosa,
quanto do artifício da versificação? Será o futuro o mesmo que o passado, — e a prosa, em um círculo
constantemente vicioso, voltará para a poesia, e a poesia de novo para a prosa? O Telêm aco de Fenelon,
os M ártires de Chateaubriand, os Dramas modernos, os Romances mesmos de agora, que são porventura
arremedos de epopéias, não se levantam, como brados m ajestosos, contra esta última hipótese? Teremos
de viver continuamente no giro desesperador que descreveu o Eclesiastes? O que foi será o mesmo que
há de ser em tôda a sua amplitude, — ou aquêle axioma sagrado admite restrições? Meu Deus! o vosso
Cristo, descendo de vosso eterno e fecundo seio, não trouxe à humanidade alguma idéia nova, algum fato
que inda não tivesse sido?
Presentemente, — cuido eu, — nem uma resposta pode dar-se a estas questões, sinão uma dúvida.
Pois bem: — meus versos representam esta hesitação, segundo penso. Procuram, a pesar meu, a natura
lidade da prosa, e receiam desprezar completamente a cadência bocageana.
Além disto, a quem canta pela razão, e pouco talvez pelo sentimento, esta forma singela, quase
não trabalhada, porventura mais severa, é que melhor lhe pode convir.
O aspecto social, que parecem ter estas composições, obrigam-me ainda a não finalizar de súbito
êste prólogo.
O que cantas? — perguntar-me-ão.
O que podia eu cantar, encerrado í319 nas m uralhas solitárias de um claustro, ouvindo a cada
hora os toques continuados de um sino que chama à oração, vendo uma turma de homens com ves
tidos talares negros, que levavam-me à recordação dos costumes dos tempos antigos, passeando sempre
sôbre um chão povoado de sepulcros, conversando com o silêncio do dia e a solidão da noute?
Cantei o monge e a morte.
Cantei o monge, porque êle sofre, — sofre muito.
Cantei o monge, porque 1^ 2 0 o mundo o despreza. Cantei o monge, porque êle é hoje uma cousa
inútil e ociosa, em conseqüência de suas instituições anacrônicas. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle não
tem culpa de ser mau, nem pode por si só ser bom. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle poderia ser uma
personagem quase necessária, dando-se-lhe as leis comuns da humanidade.
Cantei o monge, porque 12 2 0 êle é infeliz. Cantei o monge, porque 12 2 0 êle é escravo, não da cruz,
mas do arbítrio estúpido de outro homem. Cantei o monge, porque 12 2 0 não há ninguém, que se ocupe
de cantá-lo.
E por isso que cantei o monge, cantei também a morte. É ela o epílogo mais belo de sua vida:
é seu único triunfo.
[412]
I N S P IR A Ç Õ E S DO C L A U S T R O
Na verdade, ao homem sincero amante de sua pátria, dói-lhe dentro da alma ver tanta gente es
tacionada, sem nada fazer, podendo produzir tanto bem. Não! a caridade que o Cristo ensinou, 1321 não
é egoísta: — imagem real do pelicano, que arranca o coração para dá-lo aos filhos!
Muitos, a quem tomam o cuidado de chamar — ímpios, — censuram o monge no monge. Eu
deploro-o somente, porque 1322 êle não é criminoso. A instituição, a instituição é que, depois de lhe tirar
o trabalho, hoje em dia ja não preciso, de rotear montanhas, não lhe forneceu outro qualquer em ordem
as necessidades da epoca, mas antes convidou-o a uma espécie de ócio, no qual êle não pode ser mais,
que mau e desgraçado.
Eu falo com o coração entre as mãos acêrca de tôdas essas cousas, — de todos esses padeci
mentos.
Quorum pars magna fui.
Como êsse Enéias, desenhado pela imaginação de Virgílio, saindo do boqueirão das chamas, que
ainda lavram, posso, — graças a Deus! — falar de Tróia, sem correr seus riscos.
Oh monges, — feitos assim como estais, constituídos dêste modo, — que sois mais que estas
árvores infrutíferas, de que fala o evangelho, que não servem, sinão para o fogo?
Si o homem Deus passasse por vós, como passou pela figueira estéril, não vos destruiria pela
raiz, com o raio fulminante da maldição eterna?
Sêde jesuítas, como sois, sêde-o: mas sêde-o também, como os Anchietas, 1323 os Nóbregas,
os Vieiras. Por que não?
Olhai: — aí estão nossos sertões, nossas florestas seculares, sombreando imenso gentio, acober
tando 1324 um culto infame, defendendo bárbaros costumes, balouçando de terror e de esperança. Ide,
apóstolos do Unigénito do Eterno, atirai-vos a essas matas, pregai o evangelho, civilizai! Não é esta a
vossa missão?
A civilização do mundo ainda carece de vós. Os Tom és ainda são necessários.
Ide, atletas da caridade, marchai para a conquista do pensamento cristão. Que vos falta?Vosso
mestre vos enviava 1325 às nações — munidos tão somente da palavra.
Os Nóbregas não tinham mais do que vós, — e nós, — não nos envergonhamos, 1326 — fomos
civilizados por êles.
Eis aqui por que a memória dos filhos de Loiola me é cara, eis aqui por que eu os canto também
a êles, pelo que fizeram, — como vos canto a vós, pelo que podíeis fazer.
Cometeram erros, êles: mas não é um dos axiomas da história — que os que empreendem 1327
grandes cousas, cometam igualmente grandes erros?
Por essas convicções, — não escureço, — achar-me-ão sem dúvida em contradição nos meus can
tares.
Meditai, porém, examinai o fundo, e lá encontrareis 1328 a unidade, o foco, o centro, o princípio
da luz, embora o prisma represente raios de diversas côres.
O século passado para mim é sempre um século magnânimo de crimes: mas nem um século
escoou-se debalde no percorrer dos tempos: o século passado é também um século inteligente e pro
gressista. Remontando-me algumas vêzes ao seio dêle, eu, com a alma fundida na educação do século
dezenove, arripio-me de horror, e canto a caridade cristã, que lá encontro 1329 menoscabada. Procuro então
revestir-me com os ademães dos homens católicos daquela época, esqueço-me exteriormente de mim, de
testo-lhe a moda absurda de impiedade, e maldigo aquêle círculo de ferro, em que circunscreveu-se aquêle
período de torpeza. Os meus — Claustros — e algumas composições mais assumiram esta côr. Quan
do, porém, limito-me ao meio-século, em que tenho aparecido, e deparo com tudo o que me cerca, digo;
Respeitemos nossos pais. — Si êles olharam para a caridade cristã, para a fé evangélica, como para
estátuas de irrisão, — colocaram todavia em um altar a liberdade. A liberdade também é filha do Cristo.
O meu poemeto — O monge — representa principalmente êste estado.
Eis aí, pois, a definição de meu trabalho. Ju!gai-o por essa maneira, — e sêde rigorosos, sim, —
porém justos.
A despeito de tôda esta minha confissão, eu sinto, como por instinto, que muitos, lendo êste livro
segundo seus próprios gostos, e não segundo o espírito que por todo êle domina, dirão que é uma cole
ção de orações e blasfêmias. Não! eu não direi isto. Lembrarei sòmente que esta é a obra de um jo
vem educado no seio de uma corporação religiosa. É esta tôda a minha apologia.
[413]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E
Não posso concluir este prólogo sem cumprir com o dever sagrado de agradecimento para com o
Rvm. Sr. cônego Jo sé Joaquim da Fonseca Lima, e padre mestre Domingos Jo sé de Brito, pelas lison
jeiras expressões de animação e benevolência, que me dirigiram por vêzes nas colunas do N otíciador C ató
lico. O ilustrado publicista Sr. Jo sé Pedro Xavier Pinheiro é também para comigo credor de muita estima
e gratidão, pelo modo distinto e acoroçoador, com que tratou-me em sua Revista no periódico Justiça.
O Sr. Dr. Ricardo Gumblcton Dunt penhorou-me igualmcnte com as palavras de alento, que dispensou
largamente comigo, na Aurora Paulistana. Julgo preencher um compromisso bem difícil, estampando nesta
página a abundância de minha gratidão, muito mais ainda quando os liames da amizade não me estrei
tam a nem um dêles.
[414]
IKSi-'iîlAÇr.ES DO CLAUSTRO
[415]
I.U ÍS JO SÉ JUN QU EIRA F R E IR E
PEDIDO. I.
Não c verdade que possa-se bem escrever, quando se sofre.
Gosto de meditar de noute, às vêzes,
(C H A TEA U BR IA N D ). Como um infante,
Espasmado no olhar, fitando o corpo,
Belo jovem, tu vagueias Que tem diante.
Por campinas de esmeralda.
Adormentas sôbre as flores Gosto de meditar de dia, às vêzes,
O doce amor que te escalda. Como o ancião,
A quem idéias se erguem do passado
Ainda o céu te aparece Em borbulhâo.
Vasta abóbada de anil.
A teus olhos não há nuvem
Nem furacão, nem fuzil. O infante, o ancião 1 — os dous extremos
Da existência:
Ilida levantas os olhos Um à vida, outro à morte, iguais amostram
À tua estréia feliz. Igual tendência.
Lês cada noute em seus raios
Mil esperanças gentis. Êste é planta mimosa, delicada.
Esperançosa:
Depois das visões ditosas Aqueloutro hasteada e quase murcha.
De teu dourado dormir. Colhida rosa.
Acordas falando amores
Com prazenteiro sorrir. 133S Êste promete e cheiro e viço e ramas.
Flores ao cento;
Ao ardor meridiano Aqueloutro esgalhar espera as fôlhas
Ouvem-te ainda cantar. A certo vento.
Não vês a mágoa estampada
Na face crepuscular. E muita vez o sol cresta a plantinha.
Dénuda e m ata:
Pela escada da ventura E vinga a planta antiga, — e quase morta
Sobes cad’hora um degrau. Revive intacta.
Tua existência mimosa
E ’ um contínuo sarau.
O velho então é como o infante estúpido,
Belo jovem, — no teu peito Que nasce agora:
Não tocou a mão da dor. Magina mil visões: sem causa ri-se.
Teu espírito inocente Sem causa chora.
Pode bem pensar de amor.
Si fui infante estúpido e pasmado.
Belo jovem, — só tu podes Adulto louco:
Co’os sentimentos na mão. Si hei de ser velho, sem sentir, sem alma,
Falar palavras ardentes. Daqui a pouco, 1337
Labaredas de paixão.
Antes quisera ser infante, — quase
Eu que tenho lutado contra a vida.
Bebido noutro cálice de dores. Sem sensações:
Jovem ! — não posso meditar doçuras, Não fôra ao menos cônscio de remorsos,
Cantar ternos amôres. Nem decepções.
Eu que nunca senti nos olhos d’alma Fôsse por tôda a vida infante néscio.
O traspassar dos olhos da donzela. Sem consciência:
Jovem ! — não posso te pintariardores Morresse alfim apenas circunscrito
Que não senti por ela. Em minha essência.
[416 1
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Isenta 1340 paixões, — de amor, ou ódio. Foge o prazer, qual seta que dispara 1341
Surja a razão. índio sagaz:
Não obedeça escrava aos sentimentos Qual no deserto a voz, que um eco apenas
Do coração. Nos vales faz.
[417]
L U Í S JOStó J U N Q U E I R A F R E I R E
A li — bem vejo — ali pompeia esplêndida Sorri também: e seu sorriso 1246 — escárnio
A cena aberta, Da natureza.
E da platéia os vácuos atacados Seu sorriso — um prelúdio concebido
O povo aperta. De malvadeza.
[ 418
IX SrjU .V C õK S DO CDAUSÏKO
I I. I V.
[419]
L U ÍS JO SÉ JU X Q U E IR A F R E IR E
Bárbaros eram. — Mas em ranchos longos, Coberto 1358 de baldÕes a par do réprobo.
Nos tejupás pendido das embiras Ante o mundo ao martírio o colo curva,
Desamparando o vibrador tacape, E aos céus cantando um hino sacrossanto,
Como as notas finais do órgão do templo.
E meneando os colos enlaçados 1^54 Confessa a Deus, e — confessando — morre.
Das correntes das pérolas do rio,
E assuberbando as pequeninas testas
Co’o variegado canitar nutante,
E cingindo ao redor do esbelto corpo
As multicores lindas arazóias, 0 JESUÍTA.
Das araras à púrptira roubadas,
— Demandavam as ocas tenebrosas (S É C U L O X V lll.)
Dos severos e ascéticos piagas.
Deus é que dirige estas cousas: êle permite que exis
E os consultavam nas empresas 1^55 árduas, tam imperadores e algozes para que hajam santos e már
E decoravam seus orác’los santos, tires: êle eleva os impérios para que haja lágrimas, eastiga
para regenerar.
E decantavam seus poemas místicos,
LACORDAIRE.
Como o primeiro beijo da donzela
Dado furtivo entre o amor e o pejo E ra longe — bem longe: e eu vim primeiro
Nos lábios caldos do donzel, que a vida Cindindo as ondas dêsse mar profundo.
Expandir-se-lhe sente em moles pulsos. E por amor da Cruz vaguei sòzinho
Nas ínvias matas dêsse novo mundo.
— Oh! que não somos os briosos tapes.
Filhos da virgem da guerreira Am érica! O tamoio gentil ervava as setas,
Quando pelos vergéis, tão seus, me via:
E ra o supremo Deus onipotente E co’os olhos fosfóricos ardendo
Tupá — o sábio autor da linda lua, A taquara fatal a mim tendia.
Do sol vermelho e das montanhas de ouro
E dos búzios marinhos, e dos cardos E tendia a taquara, — mas ao ver-me
Que o viajor nos areais saciam, Quão sem temor e quão inerme estava.
E do azulado beija-flor das veigas Trocando em doce o seu olhar fogoso,
Que trebelha, brinca 1356 entre os arbustos O arco e a seta pelo chão rojava.
Como os desejas sôfregos do amante.
De mim as tribos bárbaras, indômitas.
De mim o verbo do evangelho ouviram.
Que tinha? — Deus é Deus! — vozes não
E ergui a cruz nos píncaros dos montes,
[mudam E após o verbo os povos me seguiram!
O ser do Eterno — idêntico, — imutável,
Nos planetas do céu — si mundos fôrem —
Eu disse às tribos: — Tôdas vós sois ricas,
Ou só na terra, si ela é só no imenso.
—• Que o ouro e a prata o solo vosso esmalta.
Jeová, que expedia o arcanjo etéreo
Sois ricas tribos, — mas não sois felizes,
Em vante dos exércitos hebraicos Porque uma crença de um só Deus vos falta.
Co o facho aceso cm fogo inextinguível:
Brama, que transmitiu a luz celeste, E eu dei às tribos uma crença doce.
E o puro espírito e a energia c a forma. Qual uma chuva de maná celeste:
De que é princípio, — aos fabulosos índios: E as tribos foram desde então felizes.
Theos, que deu aos Gregos mitológicos Qual flor pomposa que os jardins reveste.
Um vasto olimpo arcado de miríadas
De lindos deuses, — símbolos dos gostos: E quando os reis da terra se esqueceram
Tupá, que engendra 1357 no infinito espaço Das tribos dadas a seu cetro forte,
O trovão co’os bulcões vertiginosos Eu levantei-mc, e disse aos reis da terra,
E os chuveiros de pedra e o raio e a m orte: — O povo geme: transmudai-lhe a sorte. —
Tudo é Deus, tudo é Deus! — o mais são nomes.
Eternos templos eu ergui sòzinho,
Eternos como a duração da terra.
VIII. E sòzinho sagrei altares tantos
Ao Deus que aos ímpios c’o trovão aterra.
Nos áditos do místico pagode
O ministro de Bram a aspira incensos. Eu dei às tribos uma crença doce,
O áugure de Théos, assentado Eu levantei alcáceres eternos.
Na trípode tremente, auspícios canta. Deram-me os homens proscrição e morte,
O piaga de Tupá, severo e casto, Deram-mc cm prêmio as fezes dos infernos.
Nas ocas tece os versos dos oráculos.
E o sacerdote do Senhor, — sòzinho.
[ 420 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
[421]
L U ÍS JO S É JUNQUBTRA BRKTRK
Às preces do ministro,
Fugiram já, — fugiram Que ao Cristo, por ti, ora!
Dos sacros penetrais: À face dêsse templo,
Qual foge de repente, Que os lábios te descora!
Da mente dos mortais, Qu’ao Deus, — que negas, ímpio, —
Do mal a triste idéia E louva e reza e adora!
Com a dos bens reais.
Compunge-te — e conhece
Purificou-se o éter: De Deus a justa mão.
Espectros mais não há. Vem comungar do cálix
Sôb r’êles cai a campa, Dos gozos do cristão;
E um ôco baque dá. Que sentirás arroubos,
Sumiram-sc no abismo: Que terás alma então!
Deus não nos ouve já.
V ê como sobe o incenso.
Quais globos de um bulcão!
I I. E pelo teto rompe.
Quais lavas de um vulcão!
E aos céus leva a fragrância,
Agora entoa 1^60 o côro — Veloz, qual um pegão!
Hinos de compunção.
Levanta a voz dos crentes Vê como sobe o incenso,
Altívola oração. Que aromatiza o altar:
Ateu! — medita: é tempo .Suave, — qual a brisa
De ainda haver perdão. Entre o fervor do m ar:
Suave, — qual dos anjos
Não te comovem a alma O doce respirar.
Os cantos dos cristãos?
As notas, que produzem
I I I.
Do organista as mãos?
As notas, que percorrem Ai! — praza a Deus que breve.
Do templo pelos vãos? Tão breve como a flor.
Ardendo o incenso, — ardendo.
Nem das nuvens de incenso Qual virginal rubor.
O quente recender? 1361 Transponha aos céus a alma
Que vão, nas mãos das auras, Do triste trovador!
No teto esvaecer?
— ím pio! tu não tens alma.
Ou não na queres ter?
O MISANTROPO.
Vê como sobe o incenso.
Quais globos de um bulcão. Ao M e u A migo L u p é r c io O ahagem C h a m p l o n i .
Vê como cresce a reza,
Quais lavas de um volcão. I.
Vê como encanta 1^ 6 2 a orquestra,
Qual voz de um furacão. Debalde procuro
O campo, as florestas:
V ê tanto entusiasmo Imagens funestas
Na face dêsses crentes. Me seguem té lá.
Vê tanta confiança Nas lapas, nas rochas.
Em almas tão tementes. Debaixo da terra,
Vê tanta fé em Deus, Um busto me aterra,
— No Deus que não consentes! Um homem está.
[ 422 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
I I. I I I.
[ 423 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE
[ 424 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Tuas plantas bem sabem — coitadas — Blasfemei dêsse Deus que lhe impunha
Que perderam seu lindo cultor. t'érreos votos, eternos, sem fim:
Elas sabem também que tu vives Que seus filhos por vítimas conta:
Sepultado no abismo da dor. Que quer tantos martírios assim!
[ 425 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIEA FRKIRE
Milton, Milton não vê o céu que canta, Despareceu, — qual vento, a chusma inúmera
Não vê a terra cujas cores pinta. De tanto e tanto amigo.
A esposa, a espôsa é-lhe invisível mesmo: E os filhinhos ao peito, a espôsa ao lado,
Só pelo espinho reconhece a rosa. — Chorava sem abrigo.
Chora entre os cantos, rouxinol celeste:
Só pelos prantos reconhece os olhos. Dominando a montanha, — ontem viçava
L á vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. Pinheiro alevantado.
Dobrai a curva ante o moderno Homero. Rugiu de madrugada o sul teimoso:
Ei-lo no chão prostrado!
Mesmo entre prantos mavioso canta
O céu e a terra e o lôbrego do inferno.
Talvez da providência a mão piedosa
Abrem-lhe Homero as alvas mãos da espôsa.
Mostrou-lhe esta choupana.
Vai-lhe a filhinha transcrevendo os carmes.
Em meio do labor correm-lhe as lágrimas, Pelo aceno de Deus talvez a alçaram
Que a espôsa e a filha enxugam-lhe 3382 com O colmo e a agreste cana.
. . ^ [ósculos.
L a vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. I I.
Dobrai a curva ante o moderno Homero.
Vegeta o velho ali. Si dorme, acorda-o
Dorme depois, — e no dormir ressonha Dos filhos o lamento.
Co’os lindos anjos, que pensou de dia. Si acorda, — escuta a espôsa repassada
Antes do sol acorda, — e vai co’a espôsa De dor, fome e tormento.
Ao som de cantos despertar a aurora.
E sempre espera que num raio acaso Muito cedo a cabeça encaneceu-lhe 3384
Desça algum anjo e lhe ilumine a vista. Miséria e dissabor.
Lá vai Milton, lá vai. Fátuos inglêses. Não sabe trabalhar: — estava afeito
Dobrai a curva ante o moderno Homero. À paz, ao sono e amor.
[ 426 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Ontem de tarde ergueu-se. — A esposa e os filhos Tal em lindo jardim roseira ,débil,
Em tôrno se ajuntaram; Que o inverno desnudara,
E, como ecoa um frêmito de espectros, Na primavera já pimpolha ovante,
— Fom e, fom e! — gritaram. Como si não murchara.
Chamam-lhe a isso nesse mundo os homens E rarissimo caso, — que entre os trances
— Constância e pundonor. — E os sofrimentos seus,
E, dos nomes co’ a côr, cuidam que apagam Uma só vez os lábios do velhinho
Da suberbia a côr. Não invocaram Deus!
Nos olhos lhe adivinham os filhinhos Mancebos, que passais, — deixai o velho
O bem, ou mal, que traz. Viver na paz da morte:
Fisionomistas por preciso instinto Que um dia êle já foi, — como vós outros.
A natureza os faz. Rico dos dons da sorte.
E a mãe co’ os filhos um funéreo pranto Mancebos, que passais, — deixai o velho
Rntão do peito arrancam. Chorar ao pé da porta.
Só não chorava o velho, — que co’a raiva Não no insulteis, — já que a desgraça dêle
As lágrimas se estancam. Tão pouco vos importa.
Pranto e pranto de morte alevantaram Sêde, oh jovens brincões, — mais generosos,
Os filhos, — recordando — E não no escarneçais.
Que sustento malsão, — erva dos campos Mas 1390 antes venerai nas cãs do velho
Ainda irão catando. As cãs de vossos pais.
[ 427 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
Aqui não há mister de alma bastarda. Oh quanta e quanta vez nestas desoras
Impura, — como os vermes do sepulcro, — Não viram elas levantar-se os monges,
Que lhe imole a inocência dos pensares, A transitar nos vácuos corredores,
— Como' de meigas turturinas aves
Quando na mente se fermentam inda
Tumultuosos, — qual do ninho escasso Compacto bando a revoar nos ares, — ,
Recatados e tímidos e graves.
O bando das alcíones garridas
Murmurando baixinho um salmo lindo.
Desprega o vôo pelo vão dos ares.
Aqui não há mister de alma bastarda,
Que as emoções mais íntimas lhe insulte. A cantar do Senhor as maravilhas!
Antes que saltem as idéias fora Quanta vez em silêncio respeitoso
Do cérebro, que apenas as continha, Não ouviram tôda grave e doce,
De pequenino, — e pelos lábios francos — Grave como o pensar de ancião idoso.
Em simples forma rápidas ressumbrem: Doce como o falar de virgem pura, —
Tal ao sereno exposta, — inteira a noute, De hinos e salmos e canções proféticas.
Anfora cheia do licor mais puro. Perdendo os ecos na expansão dos ares.
Lá por antemanhã, fervendo ao frio, Subindo em fumos à mansão do Eterno?
— Aventou com fragor, — e a linfa clara H o j’em dia — esqueleto do deserto, —
Se expandiu pelo chão, que a foi sorvendo. Que mais há i? — o túmulo do nada!
[ 428 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
O velho viu ainda a cruz do alpendre, Feliz e vêzes mil feliz aquêle,
— Teve êsse gôzo: — inda abraçou-lhe as travas. Que nos braços de irmãos, nos ósc’los dêles
E quando os maus e os ímpios, quais possessos. Deu aqui seu arranco derradeiro!
Entre sanha e blasfêmia a espedaçavam, Que em mortuária procissão solene
- - Êle os olhou choroso e compassivo. Desceu de lá da pequenina cela,
E alçando aos montes os quebrados olhos E veio aqui jazer entre os finados
[ 429 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
Sob a campa deserta há tanto século! Nessa idade vilã, — pela qual passo,
E , ao romper d’alva uma oração formosa Como a fumaça que o galerno extingue,
Caía, — como o gotejar do orvalho, —• Eu me consolo. — Do cantor mesquinho,
Na laje, — e vinha lhe ameigar as penas. Q ’aos homens não, a Deus ergue seus hinos,
— Na bastecida turma dos poetas,
E os filhos dos altares, deserdados, Que os tronos, os saraus, o amor celebram.
H oje depararão um só no mundo, Qual o pranto se esquece entre delícias,
Que a sêca pedra do sepulcro ignoto — Assim dêle também, — vate dos lutos, —
Vá borrifar co’a lágrima da prece? Há de memória se perder. — Ao menos
Meu Deus! — não há siquer uma alma pia! —• Que ninguém saiba a envilecida 1403 pátria,
Filósofos — cristãos, si o bem fizeram, Que o abortou, para que visse acinte
Não antolhavam recompensa dêle. Sua miséria e dó: — torrão estéril,
O prêmio e a c ’roa e a glória a seus martírios Onde emurchece H04 q inocente e o justo,
Deus Ihos guarda nos céus, entre os arcanjos. Como a roseira em tremedal plantada,
E o mau e o ímpio a florescer 1405 nas hásteas,
J á lá passaram as virtudes dêles, Como o cedro alteando o cimo às nuvens.
Como ciiuveiro de ouro em dia breve.
Porém as vastas colunatas góticas Que ninguém saiba o século maldito,
Dêsse edifício gigantesco e excelso Que o viu — nas urzes, pulular da túnica,
Sobejarão para atestar às eras, Que o viu — nas urzes, vegetar do tronco,
Com brado eterno, — os benefícios dêles. Que o viu — nas urzes, definhar das ramas.
[ 430 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
V I I I . X I.
[431]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
[ 432 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Mas ah! quem sente chamas no peito Mas a inocência que a moça imola
Por uma bela palavra só: No altar sagrado de um peito igual.
Quem à porfia corre por ela. Mata o desejo, forma o remanso.
Rompendo globos de grosso pó: Oferta um gôzo sempre real.
Quem toma ao seio mulher, que firme O mundo, o m u n d o ... eu freira aflita,
No seio dêle deixa o pudor: Eu vejo o m u n d o... como é gentil!
Quem entre beijos lhe ensina aos lábios Não, não lhe enxergo 1^19 aberto o abismo,
Caudais palavras de áureo licor: Não lhe deparo volcões aos mil.
Ah! não, não pode — como elas dizem — O mundo, o m u n d o ... só néle eu posso
Ser insensível, ser vão ateu. Achar a parte a quem faltei.
O ateu não sente, não verte prantos. Eu devo, eu devo pagar ao homem
O amor não entra no peito seu. Esse pedaço que lhe arranquei.
[ 433 ]
T.UfS JO S É JUNQUKIRA F R E IR E
A suma perfeição consiste em vagar o espirito para E as aves noturnas co’os cantos de agouro,
Deus. Nos vãos do cruzeiro, — nos seus coruchéus:
(S . TO M A S). Lhe falam de um Ente, — que os homens esquecem.
Lhe falam na terra de um Deus que há nos céus!
Que rezas, que rezas, — tremendo co’ os lábios,
Co’a baça pupila nas córneas imota? Oh — beija fervente mil vêzes, velhinha.
Batendo nos peitos co’ as mãos descarnadas, Sim, — beija os emblemas de teu relicário.
Co’as mãos no rosário, — velhinha devota? Recita, — tremendo, recita essas rezas.
Correndo nos dedos o grosso rosário.
Coitada da velha, — que ou sinta pesares.
Ou sinta dulçores, não sabe chorar! E vós — oh donzelas gabadas de lindas,
Que o sorvo da vida, — de acéticos travos, Que tanto vos rides da velha — coitada?
O pranto nos olhos Iho pôde estancar! Deixai-a que suas camáldulas gire,
No frio ladrilho da cruz assentada.
Agora só reza nas contas benditas.
Só reza contrita, — que pode mais al? E ’ calvo o cruzeiro, — tão alto, tão alvo.
Que o tempo, que as rugas, que os anos que foram. Qual de caramelos lucente alcantil:
Contínuo lhe falam da lousa final. E ’ como um espectro: — fugi, oh donzelas,
Do espectro, que topa co’o arco de anil!
Que a vida, que vivem os homens na terra,
E ’ sonho, que a infância sonhou, a cismar. E todo êste quadro de horrenda poesia.
Feliz quem mais soube dormir êste sono, De assombros, — não trava de seu coração.
Quem soube este sonho mais longo sonhar! Sua alma não teme fantásticosí trasgos,
Sustida nas asas de linda oração.
Ai! — quem me pudera sondar os arcanos
Do peito da velha! — Que rica seara, E ’ seu gôzo todo: — prostrar-se nas lajes,
Que messe tão vasta de tanta verdade, Nas lajes marmóreas daquele calvário:
Que o jovem não sega, não rega, não ara! Liberta das vistas vipérias do mundo
Rezar mais devota no bento rosário.
Qual vôo do tempo nas asas das eras.
Tal é da ciência do velho o condão: Um dia, — era jovem, mimosa dos homens, —
Que quantos mais dias de vida lhe escorrem, H2l Os homens lhe deram um trono real.
Mais largas verdades crescendo lhe vão. Mas hoje, — velhinha, — co’os pés do cruzeiro
Se abraça contrita, — que pode mais al?
Velhinha, — é tão noute! — no chão do cruzeiro
Que rezas, — sustendo dos nortes o açoute?
Oh — não te arreceias das ruas desertas.
Oh — não te amedrontam as larvas da noute?
FREI BASTOS.
Não sentes, devota, — pressões nem arfagens, Anjo de luz, porque te despenhaste no inferno? — A
Quais vagas dos mares, — no peito torpente? história escrevia o teu nome na página das bênçãos: tu
O mau sobrecenho da morta velhice mesmo o riscaste, e o fôste escrever na página das mal
Torrou-tc os sentidos desta alma fervente? dições.
(A LEX A N D R E HERCULANO.)
Oh—sim:—como a estrada que os séc’Ios trilharam,
Está calejado teu bom coração: Porque te afogas, Bossuet brasílio,
E das penedias na sílice alpestre No imundo pego da lascívia impura?
Tornou-se-te a tua senil sensação. Porque teus louros triunfais nodoas
Co’as roxas fezes do azedado vinho?
Que braço tão forte de ferro abismou-te Porque contínuo tua glória assopras
Das penas no fogo, — dos males no fundo? Nos leves bafos do charuto ardendo?
Quem nesta tristura, — volcão que devora, — Porque te afogas, Bossuet brasílio,
Quem nesta tristura lançou-te? — êste mundo! No imundo pego da 1^23 lascívia impura?
[ 434 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
[ 435 ]
L U ÍS JO SÉ JU IíQ U E IE A F R E IR E
Errantes, dispersos,
I I I. — Castigo que pasma! —
Andamos fantasmas
Outrora no Egito P or tôda a nação.
Nascemos escravos. H á mais de mil anos
Valentes e bravos. Sofremos calados
Sofrendo sem dó. P or crimes passados
Contentes nos tratos. De abominação.
Vivendo em penúria.
Cuspimos na fúria E vamos correndo.
Do mau Faraó. Correndo na terra
De encontro co’a guerra
Depois nos erguemos Terrível, cruel.
No meio da praça. E vamos correndo,
Em rude ameaça Nós povo escolhido,
Batendo co’os pés. Nós povo querido
E o rei por dez vêzes Do Deus de Israel.
Tremeu contemplando
Um Deus pelejando Ah! foram mui grandes
Na mão de Moisés. Os erros passados.
Os altos pecados
Depois nossos crimes. Do povo imortal!
Qual chuva de setas. A voz dos profetas
Malgrado aos profetas. Perpétua se cala:
Encheram o ar. Não clama, não fala
Castigo do Eterno, Nem mesmo de mal.
Sentimos na frente
O alfange furente Do vate dos trenós,
De Salmanazar. Do filho de Helcia
A crua elegia
E o campo três vêzes Faria-nos bem.
Vestiu-se de ossadas. Choráramos juntos
Ao longo espalhadas Com santa saudade
Por Nabuzardan. A vídua cidade
E , farto de crimes. De Jerusalém .
Tornou-se demônio
O rei babilônio, Mas sempre nas eras
Progênie de Can. Paternas que lemos.
Lutamos, vencemos
Sofrendo, esperamos, As perseguições.
Dos tempos no giro, Talvez que bem cedo
O nome de Ciro, Tenhamos completas
Sorriso de Deus. Dos nossos profetas
Previsto, ansiado As áureas visões.
Na voz do vidente.
Chegou de repente. E agora no mundo.
Livrando os hebreus. De há tanto previsto.
Assome êsse Cristo,
Messias real.
Ao jugo dos Gregos E ajunte num ponto
Curvando-nos quase. Com frases de brasas
Beijam os a base Debaixo das asas
Do ídolo Amon. O povo imortal.
Depois adoramos
Co’ um mêdo mais feio E venha co’ um cetro
O monstro que veio
Mais belo, mais novo
De lá de Escalon. T irar o seu povo
Do abismo de dó.
Não basta, não farta E cumpra-se à letra
Ao céu irritado O carme jucundo
O sangue espalhado Que, já moribundo,
Dos bons Macabeus. Nos disse Jacó.
[ 436 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
I I.
Mas ah! renegado.
Bastardo, descrente. Bela aragem da noute! uns lábios de anjos
Mais ímpio que a mente Não é que te respiram? Teus anelos
Do ímpio Caim! Não são de um gênio bom que Deus nos manda?
Riscou-se, apagou-se O teu sereno arfar alembra aos homens
Teu nome execrado Quase um gôzo do céu. Lá noutras eras
Em pleno, sagrado. Alguém sentiu-te assim, desfez-se em lágrimas.
Geral Sinedrim. Pensou poeta e plácido em teu seio.
[ 437 ]
liU íS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E
Sôbre teu dorso esperdiçou seus males, Eu mesmo, eu vejo arrepiar-se a terra.
Consolou-se talvez, — e crente e altivo Si um golfada dêste sangue a ensopa. 1442
Chamou-te quase um Deus. — Mentiu-te ao todo? Tudo reprova o sacrifício estéril!
Donde o consolo que nas asas libras
Tácito e santo assim, descer-nos pode, Deus! teu filho deixou teu seio eterno
Sinão de lá do céu? Dentro em minh’alma Para salvar a humanidade, — e eu sofro
Eu sinto, eu sinto o impulso de adorar-te Debaixo de teu nome inúteis penas!
Sê minha musa, oh viração da noute!
Leva-me, pois, extasiado e livre Déspotas d’alma, déspotas do peito
Aos lares do infeliz. Si alguém se queixa, Sujeitaram à dor, à raiva, ao crime
Quero co’os dêle compartir meus males. Os símplices do Cristo. A natureza.
Norma por Deus nos corações plantada
Aquém e além da vida, em rudos tratos,
I I I. — Não, não morreu, — mas transformou-se ao
[todo.
V ejo uma cruz: entrelaçado nela
Férreo cilício com sangüíneas manchas.
O livro do cristão na tôsca mesa Nas praças de Sião, montões de povo
Os queixumes de Jó mostrava aos olhos. De vário modo entre clamor seguiam
Esplêndidas de pranto as próprias letras O herói da redenção. Falando aos homens
Estavam inda, — e a página molhada Co’ êsse estilo aos Demóstenes ignoto,
Das torrentes de dor de alguém que leu-a Pronunciou uma palavra, — e as selvas.
Quase por si imprecações falava. As solidões, os leoninos antros
Quase bramia, ao ver-se. A luz, tremendo, Pareceram gemer co’o pêso de homens.
De espaço a espaço a crepitar, gemia, As cidades cristãs, co’a mão na face,
Como entendendo a voz que enchia outrora Com redomas de sangue em tôrno aos olhos,
O flébil grito de Raquel sem filhos
De maldições, de lágrimas, de preces
Os campos de Hus. Levantaram de novo. Órfãs mesquinhas
Aos altos da montanha em ânsias sobem.
Oh plaga que geraste Clamam de lá pelo cantor dos trenós.
Uma alma pura de poeta e de anjo. Cansam em breve, — e descansar procuram
Salve por mim! Tu pelo Eterno fôste Sôbre o tronco do cedro. O espectro n e g r o ...
Abençoada um dia, antes que livre Seu nome — A s S oLAÇÃo — . . . co’a imensa mole
A mão de Satanás te ardesse a terra. Surgiu de um boqueirão que abriu o inferno.
Segunda vez abençoou-te o Eterno, Seu colo reclinou lá no oriente,
E deste a grama e o ciparisso 1441 g 3 5 flores. E co’a ponta de um pé bateu no ocaso,
P or mim, solo imortal, três vêzes salve! Onde inclinado o sol tremeu três horas.
E as cidades cristãs, co’a mão na face,
Talvez pensava assim, cruzando a cela, Com redomas de sangue em tôrno aos olhos,
Extasiado, um monge. Eu vi seu rosto, Espavoridas, por seus filhos clamam,
E li seu coração, seu pensamento. — Clamam, fugindo e lamentando ernbalde.
Eram -lhe as faces maceradas, lívidas
Com os livores da dor. Forçados sulcos Voltai, voltai das solidões, das selvas.
Cavou-lhe fundo o percorrer do pranto. Piedosos cristãos. Alguém mentiu-vos.
Não foi o tempo que encolheu seus visos. Alguém vos disse o que não disse o Cristo.
De enorme vastidão — dos Gregos cópia — Deus não é misantropo: estima a todos,
Parecia-lhe o cérebro um gravame, Como outrora os formou nos campos de Ásia.
Que apenas sustentava. Os cílios grossos
Dos olhos o fuzil lhe escureciam. P or seus dedos miríficos formado
Mais do que a nuvem que não cobre o raio, Foi a família o molde do universo.
Conselho aos anjos — não liame eterno —
E passeava em rápidas pegadas. Foi do Cristo a palavra. ímpios devotos.
Falando às vêzes, e parando a instantes. Piores que os ateus, mancharam tudo.
T é com seu Deus hipócritas sofismam.
IV . Deus não é misantropo: estima os homens,
Como outrora os formou nos campos de Asia.
Cristo — exclamou — tu padeceste um dia
Quanto, milhões de séculos vivendo, — Não sofismamos, não. Essa palavra
Não podia sofrer sòmente um homem: Lêde-a no livro eterno: intacta existe.
Porém remiste a humanidade inteira. Ninguém, ninguém pôde aumentar-lhe um ápice.
Eu, parte dela, sou remido, — e sofro São imutáveis sempre as letras dêle.
Debaixo de teu nome. O meu martírio. Lêde outra vez, e meditai mais sério,
Férreo fantasma que pesado marcha E depois concluí. —
Co’o vagar do que vai degrau da fôrca Sim ! que eu conclua
Que mãos de infames lá no céu prenderam, O opróbrio a vós ou a blasfêmia ao Cristo!
E ’^ vão, é vão. O sangue, que destilo O h! que infames que sois! Co’a face em risos
Gôta por gôta das rasgadas veias. Podeis guardar tão atro fel no peito!
Cai inútil no chão. Regada dêle Quereis a conclusão? tomai-a, hipócritas.
A linda ervinha, horripilando, expira. Tom ai-a em mim.
[ 438]
I N S P IR A Ç Õ E S D O C E A U S T R O
[ 439 ]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U E IR A F R E IR E
Sôbre o frio do chão, s e n ti... Quem pode E ’ pouco ainda êste sofrer tão duro
V erter esse mistério em língua de homem? Feito por vós, hipócritas sagrados?
Não! ali, sem ação, caído ao longo, Não basta aqui a conclusão das dores?
Não, não morri. M inh’alma tão somente Vossos troféus, que em lágrimas se ensopam, 1451
Sem idéias parou: pensar não pôde. Enegrecidos, úmidos de sangue,
Sumiu-se, aéreo pó, a inteligência. Cruor gotejam dos rasgados peitos,
Ficou-me o coração fervendo em sangue, Que lancinados dos seus topes pendem,
Volcão represso, — e congelado o corpo — E a glória vossa não se farta iníqua,
Unido ali co’a pedra. Estátua em terra, E não vos pode encher vítima tanta?
ídolo gêsseo que do altar caíra, Polifemos cruéis, milformes hidras.
Não sei que mundo foi, não sei que abismo Monstros piores que os horríveis monstros
Que confuso habitei. Súbito estrala Que a mão de Homero bosquejava a mêdo.
Funéreo canto que evocou-me à vida. Portentos de terror — quereis mais pasto?
Dizendo — morto — em destroçadas vozes. Pois sim! — Abri as leoninas garras,
Depois alguma destra ergueu-me o corpo, E destampai vosso infernal sarcasmo!
E v i . . . Não sei que v i . . . Cegou-me os olhos De vosso instinto a furiosa insânia
Vou talvez saciá-la. Ouvi-me ainda.
O vítreo grosso das sangüíneas lágrimas.
Pulvérea sombra de sutil memória
Faz-me pensar que li. Prece ou contrato VII.
Não sei que foi. Um juram ento eterno
Fiz ao Senhor sôbre os altares dêle? M armóreo cárcere apertou-me os ossos
Não lembra-me, não sei. Som ente o dizem Carcomidos, esquálidos, sem forma,
Estranhos homens, de negror vestidos, — E o dom que extrema os animais e os homens
— Homens? quem sabe si demônios eram? Aqui perdi-o. Oh tu, filho do Eterno,
Serafins infernais, do inferno falam, Ouve meu brado acrisolado e puro
E seu irmão, satânicos, me chamam! No lar do coração — que aflito o amaste!
Co’a voz tremenda, ameaçando as fúrias. Uma palavra te pulou dos lábios,
Dizem que fiz um imortal protesto, Gládio de fogo, onipotente e santa,
Que há de seguir-me ao céu que ouviu-me as vozes, — E nela voa a liberdade aos povos.
Que há de seguir-me aos penetrais do abismo. Uma palavra também salta em chamas,
Clamam — infames! — que co’as próprias unhas Gládio de súlfur, peçonhenta e grande,
Rasguei, abri o coração ao Cristo, Dêsse rival que Tântalo te emula,
E com seu sangue borrifei meus lábios, — E nela voa a escravidão aos povos.
E com seu sangue sigilei meu pacto, Filho do Eterno que impossíveis podes.
T é quando em burla deixarás teu reino?
Quando, esgotada essa visão terrível. Cai debaixo do inferno o mesmo Em píreo!
Visão que a dor me realiza e a raiva. Deus! em teu nome Satanás impera!
Olhei-me a mim, desconheci-me quase. Aqui nos claustros os demônios moram,
E ’ bem real, 1449 Pitágoras, teu sonho! — E o monge verga ao desespêro o colo,
O Dêmon que inspirava-te era um anjo. E julga mão divina a mão que o toca,
Dos arcanos do céu alguns tiveste. E blasfema do Cristo, e as aras cospe,
As almas dos mortais transmigram, passam E a cruz e a Bíblia entre delírios pisa.
De corpo em corpo, ou duma essência em outra. A crença augusta que no peito aperta,
Corpo nem alma os mesmos me ficaram. Que no leite materno haurira infante,
Homem que fui não sou. Meu ser, meu todo Que nos cristais da dor sair procura.
Fugiu-me, esvaeceu-se, transformou-se. Disse — Sois livres — indistinta aos homens,
Vivo, mas acabei meu ser primeiro. E diz ao monge — Escravo! — E o monge insano
Lábil reminiscência inda me antolha P isa mais uma vez a cruz e a Bíblia.
Fugazes sombras da passada vida.
Para maior suplício, aqui num quadro T al o furor que a escravidão excita!
Êsses dous tempos comparados vejo
Ante mim sempre, que os refuso embalde. T al sou, tal é o monge, — ente não-homem
A quem privou-se a liberdade, — e nela
Eu te creio, Pitágoras, nos sonhos! Privada topa a consciência em nada.
As almas dos mortais transmigram, passam O crime e a raiva no seu peito habitam.
De corpo em corpo, ou duma essência em outra. Cobrem-lhe a face máscaras de louça,
Onde um sorriso 1452 angélico se imprime
Si eu não morri, sou trânsfuga da vida. Nos templos e nas praças. Em sua alma
Dista, dista de mim minh’alma antiga. Contínuo instigações malvadas fervem.
A toga férrea que estreitou-me os artos, Que celerados, 1453 espantosos planos
Como azinhavre devorou-me as carnes. Não têm nascido aqui! Frontais anosos.
Osso, esqueleto, pelas fibras prêso, Tetos sombrios, seculares muros.
Vou caminhando, — e caminhando rinjo. Respondei-me, falai. Em vosso espaço
Folga, Loiola: — eu preenchí teu mando. Co’o dia emenda-se a mudez da noute.
Até te entrego 14S0 o teu supérfluo “ quase.” Oh! quanto prova êste silêncio eterno!
Eu sou cadáver, sou! — Olha-me e julga. Si eu fôra ao mundo arremessado acaso.
[ 440 ]
I N S P IR A Ç Õ E S D O C L A U S T R O
[441]
lÆ 't S .TOSÍ: .rUNQUEIRA FRKTRE
Eu sei, virgem, que em teu peito inócuo Eu sei que envolto 1462 na pancada aérea
Tenho palpites, lá. Sei que tua alma Do meio-dia te rovoa um silfo,
Ficou pensando co’as idéias altas, Que no côncavo d’alma se te enrola, 146-1
Que te inspirei profundo. Tam bém dizendo — Crime! —
[ 442 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Em presença da aurora, aos raios dela, Co’os olhos longos ao porvir que vemos
Lá do trêmulo seio em que me escondes. Nobre tortor sofrestes.
Arrancas as canções que me inspiraste E os louros imortais que não cingistes,
Travado co’as delícias. Olhai aqui, — são êstes.
Meus versos cantas para o sol que nasce, Novos Batistas, na soidão clamastes.
Para o gorjeio matinal dos pássaros, Clamastes na cidade.
E de minh’ harpa as harmonias casas E a vosso brado os cárdines, rangindo,
Co’o cicio das árvores. •Soaram — Liberdade!
Depois um riso te assombreia a face,
Limpa-te o sangue dos aníleos olhos, Honrosa luta, sublimado anelo
E co’o nome de — Vate — as.soletrado Foi tôda a vossa vida.
Desíazem-se-te as nódoas. Mas não entrastes, ai! Moisés modernos,
Na terra prometida.
Os alvos braços — êmulos do jaspe —
Cá para o sul onde eu habito estendes, Assistiu-vos cruel o desespêro
E nas asas da aurora um beijo ardente A última extorsão.
Envias a meu cárcere. Destes ainda o derradeiro expiro 1466
Nas mãos da escravidão.
Então — que passe o tétrico fantasma,
E grite embora — Monge! — e troe o sino Não pudestes pisar o bronzeo colo
Que toca o meio-dia, e nêle envolto De déspotas colossos.
Proclame o silfo — Crime! —
Mas armas de outra têmpera forjastes
Para os vindouros vossos.
Que céu te pode anuviar um riso!
Que espectro pode sustentar-te o canto!
Que silfo não desmancha-se nos ares Êsse fantasma atroz — vestido a crimes.
Ao s pro de meus versos! Seu n o m e ... Assolação, —
Caiu depois de vós, — e livre assoma
Do Cristo a redenção.
Guarda no seio o talismã que dei-te.
Diante das visões meus carmes canta.
Insulta os gritos de sinistra inveja, Ressuscitai; vosso ideal sublime
Que dizem — Monge, e Crime! — Venceu, triunfa agora.
E o semblante dos déspotas que restam
Malgrado aos mundos, serás minha agora. Aterra-se, descora. . .
Eu te ensinei um sentimento eterno.
Hás de amar-me na terra, — e além dos astros. I I.
Oh! hás de amar-me sempre!
Este século ditoso
Resume os bens do passado.
Bebe a seiva dos arbustos
Que mi! campinas têm dado.
SAUDAÇÃO AO NATALÍCIO DO MEU AMIGO
OLÍMPIO MÁXIMO CHAVES. Tem a ciência dos tempos
Junta com outro ideal,
O mundo antigo está às ga rras com o moderno. Como um tope variado
(LACORDAIRE). De um jardim universal.
Deixai na campa êsse sudário imundo, E foi. Olímpio, um século tão grande
Essa toga da morte. Que te deu o Senhor.
Tomai da vida, do prazer, das galas Deu-tc com êle um coração altivo.
O sobranceiro porte. Cheio de pátrio amor.
Vinde saudar a obra que sonhara Deu-te a vida num século de vida.
Vosso espírito ardente. De luz e de verdade.
Vinde baixar a frente respeitosa Deu-te a missão de atleta denodado
Ao século presente. Da santa Liberdade.
[ 443 ]
L U ÍS JO SÉ J Ü N Q U E IE A F R E IR E
Estas alpestres rochas, que se apartam, Eu também afirmei que era bem fácil
Deixam vazia a insaciável vista: Êsse voto imortal:
A dura ausência do prazer de vê-las Eu também prometi cumprir as juras
A mente me contrista. Dêsse dia fatal.
Este sussurro das travêssas vagas Mas eu não tive os dias de ventura
Causa saudades vividas e ternas: Dos sonhos que sonhei:
P or tôda a vida — e além da morte deixam Mas eu não tive o plácido sossêgo
Memórias quase eternas. Que tanto procurei.
Estes sofás de acolchoada 1469 relva Tive mais tarde a reação rebelde
Deixam no peito sensações de menos. Do sentimento interno.
Deixam a falta do prazer mais puro, Tive o tormento dos cruéis remorsos
Dos gostos mais amenos. Que me parece eterno.
Mas nada disso em meu ardente peito Tive a calúnia tétrica vestida
Tantos volcões ateia de saudade, P or mãos a Deus sagradas.
Como esta ausência necessária e dura Tive a calúnia — que mais livre abrange
Da dócil amizade. Oh Deus! vossas moradas!
Tu, que sabes cantar tão santos hinos, Virgem formosa entre visão fantástica
Como dos anjos as canções supernas. Que tão real parece!
Deixas-me n’alma férvidas saudades, Mas quando a mão chega a tocá-la quase.
Saudades sempiternas. L á vai, lá se esvaece!
[ 444 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Sonho da infância que nos traz aos lábios Eis do futuro o prazenteiro quadro,
Um riso mais que doce: O quadro consumado,
Mas uma voz, um s o m ... — some-se o sonho, Que pela mão segura dêstes jovens
Como si nunca fôsse. Terá de ser pintado!
Oh! que não sofras as dores que nos ferem Si nossos pais fizessem no passado.
Teu jovem coração! Quanto agora fazemos:
Que o futuro que esperas não se torne Si em nós, seus filhos, cressem, — como agora
Terrível ilusão! Nesses filhinhos cremos:
Que sôbre nós — os filhos da desgraça — Não seria o presente uma palavra
Levantes um troféu: De luto, mágoa e dó:
E que não aches, — como nós achamos — Nem o futuro um cálculo provável,
Inferno em vez de céu! Uma esperança só!
24 de outubro de 1852. Não! — êste longo exército de jovens
Atletas da ciência.
Malgrado a muitos nos imprime n’alma
O sêlo da evidência.
CANTO OFERECIDO AOS JOVENS ALUNOS DO
COLÉGIO DE S. VICENTE DE PAULO, POR Os filhos do porvir, na mesma taça,
O mesmo leite bebem:
OCASIÃO DE FESTEJAREM O MESMO A mesma nutrição no mesmo prato
SANTO, A 23 DE JULHO DE 1853. Seus corações recebem.
L o uvai, meninos, ao Senhor.
Este sustento igual, na flor dos anos,
( S A L M O .) Na infância da ciência,
Há de lhes dar às inocentes almas
Duas fileiras de brilhantes jovens Uma uniforme essência.
Co’ um doce rir nos lábios, 1^70
Abatendo co’os raios da eloqüência Essência — como aquela que se forma
Os presumidos sábios: Lá no seio materno:
Essência, — que jamais há de mudar-se,
Que há de existir eterno!
A voz modesta do cristão convicto.
Sem ódio, sem vaidade.
Despindo os erros do sofisma ornado. Assim a vida inteira dêstes jovens.
Laureando a verdade: Atletas da ciência.
Será dêstes princípios, que recebem,
A certa conseqüência.
Os olhos limpos do divino atleta.
Imóvel, inspirado.
As luzes da ciência mais profunda
Descortinando a negridão da infâmia
Serão seu elemento:
Do século passado:
A crença pura do evangelho santo
Será seu complemento.
A turba dos filósofos, submersa
Nas vagas mais impuras.
Não é, portanto, uma esperança apenas
Abismando no inferno, onde bebeu-as.
A visão do futuro:
As sóficas loucuras: E ’ um verso profético e sagrado,
Um cálculo seguro!
Parecendo tornado o mundo inteiro
Um plano infindo, imenso: Eia, pois, — guerreiros
Só pelas duas alas dominado Do saber brilhante.
De exército tão denso: Eia, pois, — atletas
Da cruz triunfante.
De um resplendor de arcanjos e de luzes Levantai um brado,
Num trono divinal — O brado de — avante! —
A cruz sublime, — como o sol que expande
A luz universal: O brado de — avante —
Retumbe nos ares:
Curvados todos ao sagrado aspecto Transponha seguro
Do símbolo cristão: As terras, os mares:
Todos, na fé do crente, murmurando Penetre nos bosques,
Um hino, uma oração: Nos ínvios lugares!
[ 445 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIKA PRETRE
[ 446 ]
I N S P IR A Ç O K S D O C D A U S T R O
Aos túmulos, aos túmulos, minha harpa! Sim : fiquemos aqui. — Aquele arbusto,
Choremos sôbre a lápida esquecida Que das frestas da lápida desponta.
Dos homens que já foram. Nasceu talvez do peito de um cadáver.
O céu aceita o pranto dos pequenos. A seiva humana em suas hásteas corre.
Não te acobardes, não. Vamos, minha harpa. Aquela flor inda transpira sânie.
Depor também na lousa dos finados, Lá para o meio da soidão noturna
Como a viúva, um óbolo mesquinho, Talvez fale do céu, talvez do inferno.
Mesquinho só na terra. Além das nuvens Sim : fiquemos aqui. Daquelas folhas
Um tesouro se torna aos pés do Eterno. Talvez saia uma voz precisa ao mundo.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: Talvez algum recado aos vivos traga.
— Sagremo’-nos à morte. Talvez de nós careçam.
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa! Sim : fiquemos aqui soturnos ambos.
Esperando seu brado.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande:
Da grimpa do mosteiro atroa o bronze, — Sagremo’-nos, à morte.
E de fúnebres sons os ares pejam, Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!
Como a tremenda voz da eternidade,
Que às l'fSO nuvens baixa, e perde-se no imenso.
Bem! — êste som diz — morte! — e apraz aos Não te apavore o aspecto das tumbas.
Esta bôea sarcófaga que a terra
[tristes,
Apraz a nós, minh’harpa! Aqui a nossos pés abriu medonha
Não te assuste, portanto, a voz amiga, Não é para engolir-nos. 1483
Que há de chorar por nós, malgrado aos vivos, O nosso cálix de abundantes dores
Quando não formos mais! Não trasbordou ainda.
Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande: Tua missão, minh’harpa, é grande, é grande:
— Sagremo’-nos à morte. Sagrem o’-nos à morte.
Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa! Aos túmulos, aos túmulos, minh’harpa!
[ 447 ]
LUÍS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE
[ 448 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Quem manda à idéia que não pense angústias, Não chorarei: — que essa terrena vida
Quem manda ao peito que não sofra mágoas, E ’ um crisol que as sensações apura,
Quem manda à voz que não se expanda em queixas, Para chegar a Deus, mais casto, o espírito.
Quem manda ao pranto que não corra cm fios? Não chorarei: — que a ocasião da morte
Oh! porque não — porque este gôsto extremo E ’ o degrau mais alto para o Eterno.
Em lhe chorar a morte hão de tolher-me? Antes devo pedir ao céu que apresse
Oh! porque não? — Hei de chorar-lhe a morte. Meu momento também. Quero ir bem cedo
Bem como outrora lhe cantava a vida. A Deus e a êle unificar-me eterno.
[ 449 ]
L U ÍS JO S É JUNQUKIRA P R E IR E
[ 450 ]
IN Sl'lK A Ç ôES DO CLAUSTRO
[451 ]
L U ÍS JO SÉ JU N Q U EIRA F R E IR E
“ A fronte esta capela. — Em nossas bôdas E com meu pranto copioso e ardente
“ Irás ovante, presunçosa, altiva, A lamentá-lo ensinarei 1519 a todos.
“ De teu brilhante rcsplendor cercada.” Choremos todos um amor de menos.
Levai-mc longe esta infeliz capela.
Levai-me longe este presente, amigas,
Levai-me longe as vestes do noivado.
Choremos todos: que partiu tão breve Entes do céu! — quem inspira
Da terra aos céus um coração de amigo. Vossa linguagem canora?
Mas foi unir-se àquela Essência eterna. Perdestes outrora um anjo,
Donde seu puro espírito partira. Que vindes buscar agora?
Entre os anjos nos céus êle revoa;
Que um anjo êle era cândido e formoso. Talvez que baixasse ao mundo
Isto consola: — mas enquanto a vida Algum de vossos irmãos:
Na terra me durar, — contínuo e sempre Talvez que o céu nos mandasse
Chorarei pelo amor que dêle tive. Algum de seus cidadãos.
[ 452 ]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
Quem és, virgem cristã? — qual é teu nome? E tudo deserto, — silêncio de tumbas.
Por pátria tua que nação te cabe? Vastíssimo aspecto de imensa soidão:
Porque sobem-te ao céu esferas de ouro? £ tudo espirava belezas horríveis
— Dentre os homens ninguém, — ninguém o sabe. De um mundo que de homens não pode ser não.
[ 453]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA P R E IR E
[ 454 ]
INSPIRAÇÕKS DO CLAUSTRO
E partiu dentre n ó s ... E seus anjos, E V Ó S , filhos do mundo, — e vós, que tendes
— Seus irmãos — uma nênia entoaram. 1539 Menoscabado, ironizado os claustros,
E de nuvens esferas douradas Vêde aquele sepulcro. Ali na pedra
Para os altos de Deus a levaram. Lereis vossa loucura, alfim vencida
E essa terra, êsse vácuo, esses mares De pejo e confusão, — indo esconder-se
Na mudez da tristeza ficaram. Por entre as nossas orgulhosas palmas
De fúnebre vitória.
Tu, oh céu, na escritura dos anjos, E êsse quadrado, povoado ao longo
Mais um anjo em teus coros registras. De cadáveres mil, atesta aos ímpios
Tu mandaste-o buscar por teus anjos Que esta insânia da cruz não cai ainda.
Sôbre nuvens de fúlgidas listras. Vinde estudar na lápida dos túmulos
Mas a terra ficou merencória, A sorte do porvir. Aqui se enastram
Qual gigante co’as faces sinistras. Nas flores do martírio imensos nomes
Que figuram no céu. Aqui lançamos
V I.
Ao mundo inteiro uma solene prova
Tal foi repentina no vago do espaço Do que êle chama — as ambições do monge.
Aquela harmonia que ouvi que rompeu. Inclinai vossa fronte em nossas campas.
Não sei si partia de vozes estranhas, Oh ímpios, — e aprendei! Aqui se escondem
Não sei si partia do espírito meu. Do monge as ambições mortas com êle.
Perguntai, perguntai às mesmas campas
1 d c f e v e r e i r o d e 1S54.
— Quais elas foram? — Uma prece humilde
Depois de sua morte.
Felizes, — não só pcI."» honradez da vida, como pela Tinha troado lutuoso o bronze
oportunidade da morte. Gravosos sons de morte.
De dobres e orações os ares pejam.
(TA CITO ). Da dor o espectro, o gênio dos lamentos
Nos tetos pousa, em lágrimas folgando.
I.
E o campanário emudeceu: 15-13 nas auras
As lamentáveis orações que escuto De todo em todo o lúgubre ruído.
Dizem que é tempo de chorá-los inda. Voando, esperdiçou-se em tênues ecos.
Precisam certas dores longa ausência Somente as orações crebras sussurram
Para tornar-se fortes. Nem no tempo Pela extensão dos solitários claustros.
E ’ que se enxugam 1540 lágrimas de amigos. E tudo o mais era silêncio e nada, 1544
E as lamentáveis orações que escuto Quando outra vez o acostumado bronze
Dizem que é tempo de chorá-los inda. Mais outra morte clama!
I I.
V.
Em dous dias sòmente à terra demos Era um jovem que um passo apenas dera
Dous cadáveres nossos. E essa terra
No caminho da vida. Uma pegada
Duas fauces abriu para engoli-los, i54i
Marcou sòmente nos degraus do mundo:
— Duas fauces terríveis. Parecia Desceu, — e deu no túmulo a segunda.
Por duas bôeas horrorosa rir-se Um momento parara ante os altares
Com sardônico aspecto. Cantando o Eterno em maviosos hinos:
Foi tôda a vida sua êsse momento:
III. E remontou-se ao céu, findando o canto.
Quando de tarde enternecida 1545 e meiga
Entre as preces de morte aqui trouxemos Fala entre as folhas dos rosais a brisa,
Primeiro um ancião. Vivera um dia. Um som — quase canção — se expande ao longo.
Mas um dia completo. A sua aurora Melodioso, sim: porém mais belo
Fôra risonha: o seu zenith 1542 mais belo: Era o seu hino harmonioso e brando.
Mais belo o seu ocaso. Quando sôbre a montanha aérea orquestra
De sua história as páginas douradas De altivos rouxinóis em fortes trinos
Tôdas num verbo apenas se resumem. De música atrevida os ares enchem,
— No verbo da virtude. Para os ouvir o camponês deserta
[ 455 ]
L U IS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
[456]
INSPIRAÇÕES DO CLAUSTRO
[ -1Ú7 J
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
CONTRADIÇÕES POÉTICAS.
Obras Posthumas/ de/ L. J. Junqueira Freire/ Quarta edição/ Correcta e accrescentada com um juizo
critico/ por/ Franklin Doria/ Tomo II/ Contradicções Poéticas/ H. Garnier, Livreiro-Editor/ 71, Rua
Moreira-Cesar, 71/ Rio de Janeiro/ 6, Rue des Saints-Pères, 6/ Pariz
PRÓLOGO.
[ 458 ]
CONTRADIÇõKS POÉTICAS
[ 459 ]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E
Não temas! êsse fantasma Não fujas co’ a face: — que ardente corisco,
Existe sim, mas é vão. Que assombra, que acende, 1558 não vai te acender;
Não digas quando eu tc beijo, Não vai por teu rosto vulcão flamejante
Não digas — o que dirão? — As lavas sulfúreas romper, estender.
Não digas; — porque não sabes
Quantas dores sofro então.
Não fujas co’ a face: — que o ar dos sepulcros
Não vai-te os sentidos, a vida tolher:-
Não digas — porque não sabes Não vai um veneno de enérgica fôrça
Que me transe o coração, As côres de prata fazê-las perder.
—•Qual seta que vara o peito
E cai tremendo, no chão: Não fujas co’ a face: — que um negro vampiro
Não digas — porque me agito Não vai o teu sangue sugar nem beber:
Em horrível contorsão. Um monstro sangrento das ínvias florestas
Não vai os teus membros rasgar nem romper.
Não temas! vem dar-me um beijo
Co’ os teus lábios de carmim: Não fujas co’ a face: — que abismo profundo
Deixa que os homens murmurem, Não vai-te nos seios das trevas sorver:
Como a fusão de um festim; Não fujas co’ a face com tanto receio,
Deixa que os homens invejem Não clames, não grites, não queiras correr.
Que sejas meu serafim.
Não fujas co’ a face: — que são tão sòmente
Uns lábios de bardo falando a ferver:
São lábios de bardo, são lábios sagrados,
Que sabem os cantos dos anjos dizer.,
A UM NATALÍCIO
Não corras de um beijo de lábios de bardo,
Baixai, baixai dos céus cândidos anjos, Que os lábios do bardo não têm que temer;
Sôbre as asas da férvida alegria: São lábios que cantam poemas celestes,
Vinde vós mesmos entoar um canto Que podem teus dotes eternos fazer.
Palpitante de amor e de harmonia.
Não penses que os lábios do bardo fervente
Virgens da terra — virgens mais formosas São serpes nojentas que sabem morder:
Que o rir dos anjos, que um sonhar de amores: Não temas, donzela, meu beijo de bardo,
— Vinde lhe atar na frente majestosa Não clames, 1559 não grites, não queiras correr.
Linda grinalda de inocentes flores.
Não sabes o bardo
E vós, ó flores dos jardins, dos campos. Que beijos que dá!
Ornai também os versos de meu hino: Recendem, qual nardo.
Respirai vosso aroma deleitoso, Quais flores formosas,
Enchei o ar de bálsamo divino. Quais célicas rosas
Dos mundos de lá!
Infantes, vós, efeitos tão formosos
Dos mistérios de amor, por entre sonhos! Não sabes que beijos
Co’ o rir nos lábios, co’ o prazer nos olhos. São êsses os seus!
Hoje brincai mais lindos e risonhos! Resumem desejos.
Resumem no fundo
Os homens e o mundo.
Vós, anjos santos — como o céu — alegres:
Os anjos e Deus!
Vós — virgens como os anjos — tão brilhantes:
Vós — como as virgens — tão cheirosas flores:
Vós — como as flores — tão gentis infantes: Os homens e o mundo
Tais beijos não são:
Mas sendo no fundo
Todos acordes entoai um hino Unidos co’ os anjos,
Palpitante de amor e de harmonia. Com Deus e os arcanjos.
Virgens, infantes, serafins e flores, Tais beijos serão.
Cantai vós mesmos tão ditoso dia.
O céu, mais o mundc,
E o que nêles há:
[ 460 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS
[4 6 1 ]
J.UfS JOSÉ JUNQUEIRA FREIRE
ACORDA A SULTANA
[ 462 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS
MEIO-DIA
( I m itação de O vídio )
MEDROSA
O sol espargia fosfóricos raios.
Torrava nos campos as tímidas flores. Lá corre a nuvem negra,
Os mares cobria de rutila prata, Lá cobre a face ao céu.
A terra pintava de lúcidas côres. Qual lutuoso crepe.
Qual mortuário véu.
Secavam as fontes dos trépidos rios.
Arfavam de ardores os grávidos ares;
Subiam vapores de ignífera massa E a chuva se despenha
Da íntima terra, dos túrgidos mares. Dos bojos dos bulcões,
E varre e lava a terra
Quem sabe se agora vulcânicas lavas Co’ os fortes aquilões,
Ardentes rebentam da íntima terra!
Quem sabe se o nauta nos túrgidos mares — E a terra vácua e nua.
Co’ a morte peleja magnânima guerra! Qual foi o caos informe,
Quando hórrida caligem
Quem sabe do mundo, — se tórrida calma Cerrava a massa enorme.
Dos homens acesos os ânimos mata!
— Que sol que dardeja fosfóricos raios, Eis o terror, — a morte,
E os mares acende de rútila prata! Que manda, reina e aterra,
Como um franger de campas,
Não sei desta terra, — se tórrida vive, Como um bradar de guerra.
Se vive, _— ou se cm lavas mais tórrida morre;
— Só sei desta virgem, que em lânguidos gestos,
Sorrindo, a meus braços mais lânguidos corre. Não temas, não, donzela,
O estrépito do raio;
Comigo esta virgem mil êxtases sente. Não te esmoreça o peito
Comigo delírios novíssimos passa; Em tímido desmaio.
— Agora eu não sinto fosfóricos raios,
Não sinto vapores de ignífera massa. Mas antes vem, donzela.
Medrosa muito embora.
Perder comigo o mêdo
Que as faces te descora.
0 ABRAÇO •Mas antes vem, correndo.
Qual pávida criança.
Foi um abraço ligado, 1563 Saltando leve e leve,
Como nas leis da atração, Como o girar da dança.
Que não pode dividir-se
Pelas leis da repulsão, Vem aninhar-te à pressa
Como um laço inextricável Cá dentro de meu peito;
Nas fibras do coração. — Aqui não entra o gêlo
Dêsse pegão desfeito.
Abriu-me seus braços alvos.
Quais asas de um serafim;
Senti seu peito em meu peito. Embora neve o éter,
Entre palpites sem fim; Palor a terra embora;
Senti seu peito a roçar-me Embora! — aqui no peito
Macio como o cetim. Calor constante mora.
[ 463 ]
L U ÍS JO S É JU N Q U EIRA F R E IR E
Será por mim que tremes Estás tão bela — que a luz do dia
Tão férvida oração? Ah! ter não pode maior encanto!
Será por mim que bate Estás tão bela — que a flor do prado
Teu virgem coração? Não tem mais graça, não brilha tanto!
[ 464 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS
Povo da torrente
O BANHO Vi correndo a flux;
Lá no fundo da água
Também entra a luz.
C anção R ú stic a
[ 465 ]
L U IS JO S É JU N Q U EIRA E R E IR E
Não pode, não pode aos peitos E la também andou ao sol ardente
Inspirar um doce amor; Sôbre as planícies — e talvez dissesse:
Não pode ensinar às almas — O sol ardente que enrubece os outros,
Nem o prazer nem a dor. Não me enrubece.
São feras de humano aspecto. Êste quadro gentil agrada aos outros,
De forças descomunais; E ’ belo todo — ela talvez dissesse:
Que arrostam no mato as feras Porém tão longe o meu amor! — oh! tudo,
Que têm as forças iguais. Tudo falece!
[ 466 ]
CONTRADIÇÕES POÉTICAS
FÁTUA!
Meneia o colo esbelto,
— Faceira e soberana:
E gira o seu cajado ( C anção R ú st ic a )
De agreste e leve cana.
O cidadão formoso
Chamou-me agora, agora.
E vai, sorrindo doce, Mui bela!
— Vai pela fina areia, Chamou-me estréia d’alva,
E o nome só do amante, Que o sol e o brilho e o dia
— Aíeu nome — delineia. Revela!
[ 467 1
L U IS JO SÉ JU N Q U EIRA F R E IR E
[ 409 ]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E
E a bela dos meus amores Mas a que vim? — tampouco o sei! — existo.
No meio da roda está; Como o penedo existe:
Como um anjo feminino Não veio o raio a cercear-lhe a planta:
Entre as donzelas de cá; Um pouco inda resiste.
Como a estátua mais bonita
No altar do Senhor de lá. Pergunto ao céu, à terra, ao .mar imenso:
— Que vim fazer no mundo?
E o céu, e a terra, e o mar — só me repetem
E a bela dos meus amores
O eco — mais profundo.
Sabe rir dos meus rivais;
Aplaude as minhas cantigas
Porque, porém, ao céu, ao mar, à terra
Com seus lábios virginais;
Perguntar — o que sou?
Deita-me em roda da testa
O céu não fala aos homens, mente a terra,
Verdes cafés triunfais.
E o mar sempre enganou!
Todos que formam a roda, Eis o que sou? a pêndula das horas,
Murmuram, ardem então; Que de contínuo oscila:
Mas eu vou, cantando ainda, Eis o que sou! — a dúvida encarnada, 1585
Com ela só pela m ão; Que perenal vacila.
Morrei, pastores! — eu vivo
Com ela e minha canção. Eis o que sou! — um ente errôneo, absurdo.
Sem fé no coração!
Errando estranho e forasteiro o mundo.
Sem conhecer missão!
Mas onde vou? — também não sei! — na terra Agora está mais livre. Algum atilho
Apenas vejo a campa, Soltou-se-lhe do nó da inteligência:
A qual só vermes e poeira mostra Quebrou-se o anel dessa prisão de carne.
Àquele que a destampa. Entrou agora ern sua própria essência.
[ 470 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S
Agora é mais espírito que corpo: Eu quero ver se encontro ali no abismo
Agora é mais um ente lá de cima; Um tormento invencível:
E ’ mais, é mais que um homem vão de barro: — Dêsses que achá-los na existência tôda
E ’ um anjo de Deus, que Deus anima. Jam ais será possível!
Agora, sim, — o espírito mais livre Eu quero ver se encontro alguns suplícios,
Pode subir às regiões supernas: Que o coração me domem;
Pode, ao descer, anunciar aos homens Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:
As palavras de Deus, também eternas. — Chora por fim, — que és homem!
E vós, almas terrenas, que a matéria
Ou sufocou ou reduziu a pouco, Que, de arrostar as dores desta vida.
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas, 1586 Quase pareço eterno!
E zombando o chamais portanto: — um louco! Estou cansado de vencer o mundo,
Quero vencer o inferno!
Não, não é louco. O espírito sòmcnte
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
TRISTEZA
[471]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E
[ 472 ]
CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S
[ 47;i j
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E
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CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S
[475]
L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A F R E IR E
Dei-te na face outrora um beijo, — quando Passa por junto do mancebo ardente.
Um berço te continha: 1593 Atira-lhe no ar um beijo, — e corre.
Nesse beijo, talvez, leguei-te em fogo E ’ essa a imagem de um amor de jovem.
A juventude minha. Num vôo nasce, e numa queda morre.
H oje — quando te lembro o berço, a infância. Vai ter ao pé do velho que medita.
Os olhos te enrubecem. Mira-lhe os olhos que a ciência ardeja.
Trem es e coras, — e depois as faces Deixa-lhe ainda meditar um pouco.
Desfazem-se, falecem. Corta-lhe o pensamento, e as cãs lhe beija.
Podes agora te enraivar perpétuo.
Corar de eterno pejo. Então venceste: e num amor eterno
Tens em teu rosto para sempre impresso Descansa e dorme, tímida donzela,
Meu inocente beijo. Contínua luz, não rápido relâmpago,
Dêle terás a sensação mais bela. 1595
A h! que palavra
Que tanto lavra
VAI
Meu coração!
Que faz-me n ’alma
Romper da calma Vai, maldita, vai, víbora sangrenta,
T al reação! Mulher impura, e ávida de infâmias!
O mundo é amplo: arroja-te em seu gúrgite.
Mereces bem seu lôdo.
A h! que me falas,
A h! quanto exalas, 1594
Que animação! Eu, iludido por teus brandos olhos,
Onde gravaste pérfida inocência.
A h! que palavra
Temendo os homens, receando o mundo,
Que tanto lavra
Eu te escondi comigo.
Meu coração!
Levei-te em braços, ao cair da tarde,
Dize a palavra
Para o mais denso coqueiral sombrio.
Que assim me lavra.
Lutei ali co’ as brisas que queriam
Dize-a por dó.
Levar os teus cabelos.
Dize, ó donzela.
Repete, ó bela,
Uma vez só. Antes que o sol galvanizasse as nuvens,
Quando as estréias matinais caíam,
Eu te deitava à copa das mangueiras,
V Que enchiam-te de flores.
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CO N TRA D IÇÕ ES P O É T IC A S
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L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E
A cada instante o coração vencido São seis as vitórias que cingem-me a testa,
Diminui um palpite; o sangue, o sangue — Não vêdes, ó tapes? meus louros — são seis!
Que nas artérias férvido corria Quem cinge na testa seis louros de glória,
Arroxa-se e congela. — Não teme essas tropas compradas dos reis.
Ah! é chegada a minha hora extrem a! As rainhas façanhas espantam aos tapes,
Vai o meu corpo dissolver-se em cinza; — Invejam-me todos as altas façanhas:
J á não podia sustentar mais tempo Só elas são como penhascos gigantes.
O espírito tão puro. Só elas são como brasílias l^óo montanhas!
Canção Nacional
SONÊTO
Sou índia, — sou virgem, — sou linda, — sou débil,
— E ’ quanto vós outros, ó tapes, dizeis!
Sabei, bravos tapes! — que eu sei com destreza Jovens filhos da pátria, em vossos peitos
Cravar minhas setas no peito dos reis! Depõe a pátria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal memória,
Sabei que não canto sòmcnte prazeres. Adejando inquieta em vmssos leitos.
Sabei que não gemo somente de am ôres:
Sabei que nem sempre vagueio nos bosques, De vós espera sublimados feitos,
Sabei que nem sempre me adorno de flores. P ’ra ornar de palmas a futura história;
Espera em vós, como esperava em Dória,
Dória tão jovem, como vós, nos pleitos.
Meus lábios não beijam os lábios do amante,
Meus lábios combatem tirânicas leis:
Atletas do porvir, marchai seguros
Meus lábios são como trovões estupendos,
Da liberdade à festa sacrossanta,
Que cospem coriscos na face dos reis!
A levantar-lhe mais altivos muros.
Quem viu-me nas liças, quem viu-me covarde. M archai: — que aos livres nem o céu suplanta,
Aos silvos da flecha — quem viu-me escorar? E o índio do Brasil, sem elmos duros,
Eu sou como a onça, pequena e valente, No olhar sòmente os déspotas espanta.
Eu sei os perigos da guerra afrontar!
Sou índia, não nego: — meus finos cabelos Arda de raiva contra mim a intriga.
— Qual juba ferina — bem longos que são! M orra de dor a inveja insaciável;
Porém êsse peito, que férvido pulsa, Distile seu veneno detestável
E ’ másculo, ó tapes! — ou é de um leão! A vil calúnia, pérfida, inimiga.
Meu ânimo, ó tapes! — aqui vos conjuro Una-se todo em traiçoeira liga.
— Bem cedo meu ânimo ardente vereis: Contra mim só o mundo miserável;
Que eu já mc preparo co’ as setas melhores, Alimente por mim ódio entranhável
Que saibam cravar-se no peito dos reis! O coração da terra que me abriga.
[ 478 ]
CO N TRAD IÇÕK S P O É T IC A S
D e F o n ten elle
A TRIGUEIRINHA
(Tradução livre)
De F o n ten elle
Prado, meu prado! que viagem longa
Não fiz por ti! Porém cheguei. Recebe,
(Tradução livre) Recebe em ti minhas serenas águas,
Que vim banhar-te e murmurar contigo.
I
E só por isso, eu, trépido, indefesso,
Foi moreninha a donzela Deixei minha vertente. Ao ver-te as côres
Que perdeu a Salomão, Saltei rochedos, despenhei-me aos campos,
Que, lhe tocando na fronte. Corri por longos, sáíaros terrenos.
Deu co’ a ciência no chão. Precipitado repassei mil prados,
V'^! mil regatos a brincar com êles.
E ’ como um filtro no peito, Mas não parei, nem invejei seus gostos.
E ’ como um anjinho 1602 mau, Contigo estava minha vida inteira.
Que inspira as almas dos sábios E mais de um prado desejou-me as ondas,
Para abismá-las num vau. E para receber-me abriu-me as veias.
Mas eu fugia em súbitos adeuses.
Ah! quem destruiu a Grécia, Ah! tudo rejeitei por ti, meu prado!
Quem perdia os sábios seus?
Quer fôssem firmes estóicos.
Quer fôssem epicureus? Prados que eu percorrí! que sois com êste?
Vossas flores que são a par das dêle?
Quem lhes travava as idéias, De acesso fáeil, sem desdém, sem mimos.
Quem lhes calava as razões? Qualquer regato vos inunda ou singra.
Quem lhes dourava os sistemas, Quereis ter muitos de uma vez e sempre;
Como se fôssem visões? Mas entre muitos eu me perco e sumo.
Amais o sol, quereis sentir seus raios;
Ah! eram virgíneos rostos Mas eu só gosto de deitar-me à sombra.
De côr trigueirinha assim, Ah! tu meu prado, que diferes dêles!
Co’ os olhos negros, brilhantes, Nasceste para mim, sou teu: vivamos.
Pulando como um delfim. Mas não recebas em teu seio aos outros:
Porque, sou regato, também ardo em zelos.
Belas virgens que diziam
Finezas cm grego aos cem! Nada temas de mim, fora os ciúmes.
Co’ a voz helênica e branda, Tenho virtudes mil, a qual mais santa.
Que as outras línguas não têm! Não me estanco jamais, — e em prova disto
Desafio os verões da África adusta.
I I Bem sei que a prados, como tu, não bastam
Regatos, como eu. Precisam, querem
Trigueirinha, — que me queres Torrentes amplas que rolando espantem.
Com êste riso louçâo? Mas tais torrentes quanta vez não secam!
Eu sou filósofo, — entendes?
Sou homem só da razão. Tranqüilo e doce, embevecendo as plantas,
E ’ sempre o mesmo, sempre igual meu curso.
1'rigueirinha, — foge, foge, Minha água é pura, meu cristal suave.
— Vê que eu não sou trovador. Eis o presente que ofertar-te venho.
Eu sou filósofo, — ouviste? Vosso tapête mil florinhas bordam.
Eu não entendo de amor. Vossas florinhas regarei com gôsto.
Com minhas águas vos cercando os flancos,
I I I Farei que nasçam mais gentis arbustos.
Descansa sôbre mim, meu lindo prado.
Vós que curvais sôbre a ciência os ombros.
Filósofos austeros! Que não farei por ti, que és meus amôres?
Vós que bebeis pensadas vossas noites, Olha! — que já me vou cindindo em braços,
Geômetras severos! Para abraçar-te, e te gozar mais amplo.
[ 479 ]
L U ÍS JO SÉ .JU N Q U EIRA P R K IR E
O VIAJANTE
O Velho
( C a n çã o T raduzida de B é r a n o e r .) E is teu leito, eis tua casa:
Longe um sonho tão gravoso.
O Velho Faze as vêzes de meu filho.
Vem comigo, — e sê ditoso.
Que amargura, viajante, 1603
Murcha tua bela idade? Fica o moço entre os amores,
De açucenas coroado:
O Viajante J á esposo e pai, correndo.
Diz a mais de um desgraçado:
A h! bom velho! é que eu me abismo
Nas procelas da cidade. “ Sim : o fado é sempre injusto,
“ Mas nem sempre é rigoroso:
O Velho “ Deus depara-te um amigo:
“ Vem comigo, — e sê ditoso.”
Sim : o fado é sempre injusto,
Mas nem sempre é rigoroso.
Deus depara-te um amigo.
Vem comigo, — e sê ditoso. O SUICÍDIO
O V iajante C a n ção de B ér a n g e r s ô b r e a M o r te dos J o v en s
Dos deuses daqui da terra E sc o u sse e A u g u sto L e b r a s, em F e v e r e ir o de 1832
Meus males o prêmio são.
Quê! mortos ambos! nessa escura câmara
Os crimes já buscam templos:
Onde o carvão inda gravita em ondas!
Palácios não bastam, não.
A i! sua vida ia-se abrindo apenas.
O h! suicídio, espanto dos humanos!
O Velho Talvez disseram: lá naufraga o mundo:
Tom a o braço, triste jovem. Pálido o Palinuro e os nautas pálidos
Teu caminho é pedregoso. De mêdo, olhai-os! e o bai.xel tão velho.
Eu vaguei, como tu vagas; Pelo embate das vagas consumido,
Vem comigo, — e sê ditoso. Abism a-se: salvemo-nos a nado.
E para o céu, abrindo-se um caminho.
Dando-se as mãos, partiram.
O V iajante
Invoquei o Deus que dizem Infantes! inda o eco, inda murmura
As procelas calma e some: O ar que aos sonos vos soprou na infância.
Mil punhais me procuraram. Se alguma nuvem lhes toldava a aurora,
Burilados com seu nome. — Esperai pelo sol — dizer-lhes vinham.
Mas êles impassíveis respondiam:
O V elho Que nos importa a nós que a seiva suba
E os campos enriqueça onde passamos?
Eis-te aqui na minha ermida, Arvores, flores, messes — nada temos,
Tom a um vinho generoso. E ’ por nós que êste sol desperta e brilha?
Pareces tanto meu filho! E para o céu, abrindo-se um caminho,
Vem comigo, — e sê ditoso. Dando-se as mãos, partiram.
[ 480 ]
CO N TR A D IÇ Õ ES P O É T IC A S
C anto 1
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L U ÍS JO SÉ J U N Q U E IR A P R E IR E
[ 482 ]
C O N TR A D IÇ Õ E S P O É T IC A S
Tijolo e barro, — consumidos servos. Falai, falai por mim, se acaso eu minto!
Mas ésse Egito, — que íamos erguendo, Inda não cresce a erva que em vós nasce.
Era nosso, por fim. Também um dia Horripilado e rubro o vosso barro
Um Moisés redentor tivemos nosso. Das vítimas transuda o sangue, — e fala
E fomos livres. Mas a velha pátria. De sangue, — e só de sangue, aos nossos olhos.
Velha ficou qual nos deixaram êles. Quem vos pode pisar, campo sinistro.
Realidade de vergonha e opróbrio! Sem que sinta um horror coar-lhe os membros?
Quem vos pode pisar, sem que desmaie
Vês acolá também outro gigante Ao surgir-lhe a fatal reminiscência
Pendendo ao mar sôbre inclinada esteira? De nossa infame barbarez de há pouco?
— E ’ o teatro. Ainda sua o sangue Realidade de vergonha e opróbrio!
De nossos pais, que outrera o levantaram.
Suor de sangue as obras grandes custam.
Valera mais nesta cidade inteira.
Paradoxal Rousseau! na funda lousa
Cheia de tradições de sangue e morte,
Ferve, ferve de cólera, ou anima O deserto dos bárbaros imenso.
De novo as cinzas, ergue-te mais forte,
Como Lázaro outrora à voz do Cristo, Ao menos, eram bárbaros. Não tinham,
Rompe o sudário e a lápida, — e assombroso Como nós temos, a ciência e a crença.
Espectro do passado, um brado imenso
Dos eixos cadavéricos desprega, Nesta montanha um tejupá sòmente
E sustenta uma vez teus paradoxos! Valera mais que os torrões dos grandes!
Não podes, não. A geração presente Não vês? — passou-se a minha hora amiga,
Cospe nas faces das idéias tuas. A hora do crepúsculo tão terna.
Morreste. Mas dirás: — meu livro existe; — Qual de òrfãzinha o pálido semblante.
Existe, sim, para orgulhar meninos, Adeus, hora de amor! corres tão breve,
E para o riso dos varões mais sábios. Como o colibri que estremece e foge.
Malgrado teu, o drama triunfante, Aceita meu adeus. Talvez que seja
Para ser coroado, exalça a fronte. O derradeiro que escutar-me possas.
Qual general do povo, excita aplausos,
Recebe louros, 1^19 ovações romanas.
Não é Medéia já com seus terrores, Quatro séculos há, — e ainda o contam,
Com seus prestígios mágicos e horrendos, Como um prelúdio inspirador de sono,
Que se apresenta ao povo. O infame Jove Nossas boas avós nas tabas longes.
Não mais assume as formas, o caráter 1620 Acalentando no regaço os netos,
De Anfitrião valente, e ataca a espôsa — Quatro séculos há que neste sítio.
Casta e fiel, e desonrada a deixa. Desde o cair do sol e o dúbio assomo
Vénus lasciva já não baixa aos ares, Das horas do crepúsculo suave,
No incrédulo carrinho recostada Cantando aniôres em saltantes versos.
Eni atitude escandalosa e mole. Só e poeta, aparecia um índio.
As pombas enfreando e os amorinhos. Como um fantasma em meio do deserto,
Sobe sòmente à cena, em sério traje,
Como um anjo de amor, de poesia,
A grave história, a mestra dos costumes.
Ele, a tais horas, único vivente,
Ouve, Rousseau, — se é que na campa ainda
Ouvi-lo podes, do universo o brado. Êste cabeço povoava inteiro.
— E ’ o teatro da moral a escola, — A tal assunto, na inocente taba
Continua a dizê-lo o mundo inteiro. Fábulas várias cada qual tecia.
E os sábios atuais acorrem todos. Êste pensava que Anhangá doloso
Bem a despeito da eloquência tua, Espiritava ou árvore ou rochedo,
Para julgar do coração dos homens, E a voz lhe dava e os namorados cantos.
Para ver das paixões a guerra insana, Dizia aquêle que formosa fada.
Para saber como a razão triunfa. Donzela de além-Andes, vinha à noite.
Ou cai vencida ali. Ferve da cólera Lá das mãos de Tupá precipitada,
De que ferveste tantas vêzes vivo. Na terra obedecer a seu fadário.
E ’ tarde. O povo em torvelinho enfia
Pelos francos portões do grande alcáçar! E o mais valente dos valentes índios,
Que em volta ao cóbreo colo pendurasse
E quem o construiu por nosso braço Dúzias e dúzias de inimigos dentes.
Foi um senhor despótico, execrando. Belo, como Torquato em Roma outrora,
Sufocou no berço a liberdade, Jam ais ousara demandar o vulto,
A liberdade pura que nascia. E ra o vulto de um Deus, ou de um demônio:
Homem contraditório em si! Foi êle E com tais entes que mortal se atreve?
Quem do progresso um testemunho eterno
Nesse edifício deu. Como Tibério,
Foi homem grande, sim, — mas foi tirano. Oh! não riamos, não, das fúteis crenças.
Idólatra dos reis, fêz tantos mártires Das vãs superstições dos pobres índios.
De amor da pátria! E, campo de Santana, Civilizados, sofos, progressistas,
Úmido ainda de inocente sangue. Nós as temos iguais, talvez piores.
[ 48,f ]
L U ÍS JO S É JU N Q U E IR A P R E IR E
Num vórtice espessíssimo de trevas. “ Eu sou Tikim a, sim, rei dos profetas,
Perto do índio, um vulto não distinto Piaga santo de Tupá celeste.
Mover-se pareceu, de leve e leve. Homem não morre aqui sem meu anúncio.
As sêcas fôlhas, que alastrara o vento Eis-aqui por que vim, rompendo as trevas.
Pelo chão desnuado, crepitaram Eis a palavra de Tu pá; escuta:
Debaixo de seus pés. Evaporou-se As cousas de além-Andes desprezaste.
No ar o , cheiro da resina intensa, Tu, índio arrebatado, e mais que cedo
Que ensopa o corpo, as penas, os cabelos Tom ou-te o amor as faculdades santas.
Dos elegantes índios. Na cintura Parcelas de Tupá, que grande, imenso.
Brincaram-lhe em murmúrio as leves asas Mais que êsse mar infindo que nos cerca,
Das araras gentis. Num brando lance. De si tirou para as partir co’ os homens.
Pendentes das orelhas, lhe tiniram Tom ou-te o amor, — essa loucura estúpida
Anéis do melhor pau que as matas criam. Do invejoso Anhangá, — partilha pobre
Dêsses entes bastardos que perfilha
O índio estremeceu, falou. Filhos da perdição. Pois sim: pertences,
Não mais a nós, nem a Tupá benéfico,
Mas aos furores de Anhangá doloso.
O índio
Os benefícios seus de ti retira
“ Dertinca, O Senhor do trovão. Nesta só lua
Desde o cair do sol aqui te aguardo, T u a alma imunda deixará teu corpo.
E a noite longa vai. Cantei tão forte! Tu vais m orrer; prepara-te. O piaga,
Esvaiu-se-me a força, — e a língua trêmula O varão de Tupá, é quem to afirma,
Articular — amor — podia apenas. E o varão de Tupá não mente nunca.”
O h! não tardes assim, virgem celeste,
Não tardes mais a s s im ... A cada lance,
O índio
A cada brando vórtice de vento,
Eu percebia o teu andar divino,
“ Que me importa morrer? — Mas tu, piaga.
Eu ouvia o voar dos teus cabelos,
Tu, varão de Tupá, que lês tão certos
Eu sentia o perfume do teu corpo.
O presente e o porvir, como o passado,
Até, pesar da noite, eu vi-te, eu vi-te,
Tu, que sabes de tudo aqui na terra.
Tupânico milagre! em áureo sonho.
Tu só tirar-me dêsse inferno podes!
Só não te ouvi, bem como agora. O h! fala-me P or teu Deus, por Tupá, por teu maracá.
Por Tupá, por amor. Não tardes tanto.” Por quanto é santo e teu, — dize-me claro,
Porque não veio aqui Dertinca ainda?”
[ 484 ]
C O N TRA D IÇ Õ ES P O É T IC A S
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L U ÍS .TOSÉ JU N Q U E IR A F R E I R E
[ 486 ]
PO ESIA S ESPA RSA S
[ 487 ]
L U IS JO SÉ JU N QU EIRA P R E IR E
O h! antes que a vergonha, pede a Eloha, Eu por mim chorarei sempre meu chôro
l ’ede-lhe a morte! De almos dulçores:
Invoca as negras sombras do sepulcro Que não posso aplicar melhor mezinha
Quai novo Jô . A minhas dores.
Amaldiçoa o sol com que surgiste
Triste do pó. Dobre-se o coração em seus invólucros.
Vive quem vive ao mando alheio sempre Chore consigo:
Obediente? Consigo se concentre, como um morto
Em seu jazigo.
Opção, nem alma tu não tens, noviço,
Não és um ente!
Sempre serão felizes junto o siso
Que vida vives, ó noviço mísero. E o coração:
T ão negra sorte! Ao coração o sentimento e ao siso
Oh! antes que a vergonha, pede a Eloha, A reflexão.
Pede-lhe a m o r te !...
Oh decepção! — que o coração co’o siso
Não quer-se unido:
Guerra haverá de m orte: oh Deus! qual dêles
Será batido?
PÁGINAS DO CORAÇÃO 1625
I lá i no coração um sentimento
V I Doce e tocante:
Que impera nêle, como em trono de ouro
Reflexão, reflexão, que preguiçosa Rei triunfante:
Que sempre vens?
Como ronceira nau de carga em lastro Sentimento de amor d’alta justiça
Prenhe de trens. Misto de dores:
Ardor de sensações, conto de mágoas.
Que não venhas mais cedo, — que teu lume Céu de dulçores:
Logo não luza!
Não desvairara tanto o homem co’a mente Cândido, como um bando de alvas garças.
Dúbia, confusa. Voa nos ares.
Catando ínscios peixinhos na lisura
Alheio da verdade, não servira Dos vítreos mares.
A vis paixões:
Não o sabem os maus: — é-lhes fechado
Qual criminoso atado às ferropéias
T ão santo asilo:
De acres prisões.
Que não podem librar de um sofrimento
Manso e tranqüilo.
Que monta a vida irrefletida e basta
De desatinos? Qualidade das almas escolhidas
ü m barco sem arrais, — vai onde o empurram E ’ o remorso:
Vagos destinos. Dêle aos instintos os varões mais fortes
Dobram o dorso.
Que monta ao homem, que em seu fim marcado
Nunca medita? Covardes não Iho dobram: fogem dêle
Que no caos do passado e do futuro Com arte e esm êro:
Olho não fita? Só lhes toca em quinhão porção sobeja
De desespero.
Que em desoras gentis de noite velha
Não despertou, Não se arrependem nunca: assim disseras
E que sôbre si mesmo, um só minuto Corcel 1626 sem brida
Não pranteou? No anteposto despenho esbarrondando-se
Na ágil corrida.
Que u’a vez não torrou em chama acética
O cândido remorso em tôrno às asas
Maus planos seus?
Libra no ju sto:
Que não se prosternou aniquilado
No seio o acolhe o justo e o acoberta
À cruz de Deus?
Sem frio susto.
Os maus, os maus — que as lágrimas a face Será de ânimo vil moldar-se às normas
Não lha assombreiam: Da natureza?
Que o sainete do cálix dos remorsos Em homem amostrar essência de homem
Não saboreiam. Será fraqueza?
H á i mais belo enfeite em belos olhos, Não quero o coração, que um só remorso
Que um doce chôro, Nunca sentiu:
Quando pulula súbito dos folhos Não quero a bôea, que dorida frase
Do íntimo fôro? Não exprimiu:
[ 488 ]
rO K SIA S KSPARSAS
[ 489 ]
L U ÍS .TOSÉ JUNQUKIRA FR E IR K
— Mudo e quêdo entr’abre os olhos. Maninha, não tenhas desgosto 1639 nem pena
Mudo e quêdo está chorando. De não ser teu dia por nós celebrado:
De quando em quando suspira. Teu dia formoso por tôda natura
Solta um ai de quando em quando. Não pôde, — não pôde ser mais festejado.
[ 490 ]
PO ESIA S ESPA RSA S
[491]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E
[m ]
POKSIAS ESPARSAS
[ -193 ]
L U ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E
Bem vejo que me respondes Num mesmo assomo, — mais rápido do que o raio,
Que’spere: vou to’sperando Da cólera divina,
Dar-mo-ás um dia: — logo? Que as estréias paleja e os orbes treme
Sim : vai-me sperança dando, 1658 E as esferas tintina:
Teus dons celestes entanto,
Vida minha, irei cantando. Sim : — num assomo de celestes iras
1850. Quis o senhor assim :
Porque eu bem sei que não nasceste, oh virgem!
Não nasceste p’ra mim!
Oh frase dos demônios, que envenena E entrei no templo: e nos degraus das aras
A taça dos am ôres: Expandiu-se minha alma:
— A taça estreme, onde ferver deviam E apalpei-a: — e ante Deus e as aras
Delícias e dulçores! Eu encontrei — a calma.
Virgem ! — não abras teus miúdos dentes, E entrei: — vi dominando sôbre tudo
No meio do delírio. O nu materialismo.
Si, dentre êles, desferes, 16S9 como o raio, Sim, crê-m e: — quem me ditou estas verdades
A seta do martírio! Não foi o ceticismo.
Apalpa os cancros, que me roem n’alma,
Que o coração me comem: Eu mesmo vi nos lábios a calúnia
Apalpa, oh virgem, o meu seio ao menos, Fervendo como o inferno:
— Que me dirás: — És homem! Eu mesmo vi sôbre fraternos peitos 16 6 2
Arder ódio fraterno.
Sim : apalpa-me as fístulas internas, 16 6 0
Vem ver como negrejam ! Eu mesmo vi de meus irmãos, que amava,
Como de sangue tépido, em golfadas — De meus irmãos a ira:
Palpitando gotejam ! E a consciência me bradou terrível:
— Seu amor é mentira! —
Ah! não, não venhas: as cecens e as rosas
No ceno fanariam: Eu mesmo vi reinando o interêsse.
E as exalações de um peito infecto Qual valido gigante:
De certo te asfixiam I Eu mesmo vi quão fino era o tormento
De um coração amante.
Oh rosa do deserto, •
— quem cortou-te Eu mesmo vi erguer-se sôbre tôdas
Dos ramos verdes teus? A fronte do traidor:
Quem te pôs sôbre o peito do poeta, E eu murmurei bem dentro de meu peito:
Sinão a mão de Deus? — Aqui não há amor! —
Tarde pousaste: — quando o meu momento E veio o teu amor, — que me faltava.
De morte estava dado: Veio durar-me a vida:
E pousaste: — e não vias que pousavas Veio acender-me o entusiasmo e o gôsto
No peito de um finado. Nesta alma enfraquecida.
[ 494 ]
J’OESIAS ESPARSAS
E veio O teu amor, — qual sol ardente Aqui — oh quantas v ê z e s l... eu a tive
Após noite hibernai: Unida a mim — a derreter-se em ais:
E veio o teu amor, — qual astro novo. Aqui — ela ensinou-me a ter mais vida.
Qual lúcido fanal. Sentir melhor e mais.
Não mo digas jamais, oh virgem pulcra, Mas lá talvez ela se esquece entanto
Quando eu cingir-te ao peito: Dos nossos lindos tempos já passados:
Quando eu me espreguiçar sôbre teus membros Agora folga entre os enredos torpes
Em teu divino leito. Dos falsos namorados!
[ 495 ]
I.Ü ÍS JO S É JU N QU EIRA F R E IR E
Ao pino do meio-dia,
À tua lânguida sombra,
A 16 6 8 teus pés irei deitar-me
AO NATAL DO ILMO. SNR. J. T. M. DA SILVA Da relva na mole alfombra.
[ 496 ]
PO ESIA S ESPA RSA S
[ 497 ]
L U ÍS JO SÉ JUN QUEIRA F R E IR E
[ 498 ]
iiagundes Varela
r4
C o rrei , c o r r e i , o h ! lá g r im a s s a u d o s a s . . .
[ 501
N O T U R N A S . 1680
A V ISO .
L. N. F. V A R E L A .
À M IN H A MÃE.
Nas férteis regiões da Ásia a árvore da mirra e do incenso inundam de perfumes a gleba onde
vicejam; — o cisne do Eurotas desfaz-se em harmonias ante a natureza que o cerca; — o Jordão desen
rola cadente suas lâminas de cristal sôbre as areias de oiro da terra abençoada. Eu não tenho porém can
tos, — nem perfumes — nem harmonias para vos dar, oferto-vos apenas êste pálido ramalhete das fana-
das flores de minha mocidade; — aceitai-o porque são saudades que vos envio através dos mares e das
montanhas, — são lágrimas cristalizadas na febre das insônias, — são os primeiros lampejos de minh’alma
doentia que se volvem para vós. Aceitai-o.
[ Õ03 ]
1 - U í S ^U C O LA U F A G U N D E S V A E E L A
Nas suas espáduas, dos astros dornientes, Oh tem pena de mim! deixa-me ao menos
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar? Desfrutar 1683 um momento de prazer,
E as asas de prata do gênio das noites, Pois que é meu fado despontar n’aurora
?:m tíbios açoites a trança agitar? E ao crepûsc’lo m o r r e r !...
Ai! vem que nas nuvens te mata o desejo Brutal amante não lhe ouviu as queixas,
Nem às 1684 suas dores atenção prestou,
De um férvido beijo gozares em v ã o !...
Os — astros sem alma — se cansam de olhar-te, E a flor mimosa retraindo as pétalas
Não podem amar-te, nem dizem paixão! Na tige se inclinou.
[ 504 ]
NOTU RN AS
Quatro dias depois tinha casado. Não há mais uma voz nestes êrmos,
Escolhera uma noiva descuidoso, Um gorjeio das aves no vai.
Como um brinco chinês — um livro in-fólio, Só a fúria do vento retroa
Ao altar conduziu-a, distraído, Alta noite agitando o ervaçal!
E as juras divinais do casamento
Repetiu bocejando ao sacerdote. Ruge, oh 1690 vento gelado do norte.
Torce as plantas que brotam do chão,
Como tudo na vida, o matrimônio Nunca mais eu terei as venturas
Bem cedo o aborreceu; após três meses Desses tempo de paz que lá vão!
Disse Adeus à mulher que pranteava,
Nunca mais dêsses dias passados
E acendendo um cigarro, a passos lentos
Uma luz surgirá dentre as brumas!
Dirigiu-se ao teatro onde assistiu As montanhas se embuçam nas trevas,
Um drama de Feuillet, — quase dormindo. — .As torrentes se vendam de espumas!
Por fim de contas, uma noite bela, 1687 Corre pois vendava! das tormentas,
Depois de ter ceado entre dous padres. H oje é tua esta morna soidão!
Em casa de morena Cidalisa, Nada tenho, que um céu lutulento
Pegou numa pistola e entre as fumaças E uma cama de espinhos no chão!
De saboroso — Havana — à eternidade
p-oi ver si divertia-se um momento. Ruge, voa, 1691 que importa! sacode
S ão P au lo — 1S61. Em lufadas as crinas da serra.
Alma nua de crença e esperanças
Nada tenho a perder sôbre a terra!
Tudo é tredo, 1689 meu Deus! o que é feito De plaga em plaga como o hebreu maldito
Dessas eras de paz que lá vão, Refugiei-me em vão, buscando d’alma
Quando junto do fogo eu ouvia Expulsar o pesar que me roía!
As legendas sem fim do serão? Mendiguei um alívio ao céu de Itália;
Aos cantos do barqueiro errei à 1693 noite
No curral esbanjado, entre espinhos. — Nas ondas perfumadas de Sorrento; —
Já não bala ansioso o cordeiro, Adormecí na encosta do Vesúvio,
— Nem desperta-se ao toque do sino — E visitei as lúcidas paragens
Onde Laura e Petrarca suspiraram.
— Nem ao canto do galo ao poleiro. —
Mas era em b ald el... nem o céu brilhante,
Nem o meigo sorriso, — o olhar de fogo
Junto à cruz que se eleva na estrada Da bela Italiana, nem os cantos,
Sêco e triste se embala o chorão, Nem os festins ruidosos de Veneza,
Não há mais o esfumar das acácias, Sanar puderam de meu seio a mágoa,
Nem do crente a — sentida oração. E a dor pungente que ia fundo n’alma!
[ 505 ]
L U ÍS N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A
[ 506 ]
NOTURNAS
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L U ÍS K IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A
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KOTURNAS
[ 509 ]
L U Í S N I C O L A U F A G U N D E S A ^A EE LA
O ESTANDARTE A U R I V E R D E 1^09
AOS B R A SIL E IR O S.
A QUEM LER.
Não há coração Brasileiro que não transborde de ódio e indignação, à leitura das exigências insul
tantes e continuadas do governo Inglês, para com esta bela terra da Am érica!
Desde suas piratarias e saques nos mares territoriais, até o bill Aberdeen que a reduziu à posição
de uma máquina passiva, — a insolente Bretanha nada poupou para calcar aos pés esta plaga bendita,
que, se tivesse um pouco mais de audácia e cobiça, ocuparia um dos primeiros lugares entre as potências
do globo.
A infância passa depressa. — A despeito de número, — Deus colocou no peito de cada Brasileiro
um coração que bate por cem!
A terra de Cabral aviventou-se num sagrado repouso como o leão à sombra das cavernas, —
como o condor na grimpa das cordilheiras!
Cresceram-lhe hoje as penas e as garras, — hoje ela se levanta soberba, — ai! dêsse que se
atrever a 1710 provocá-la.
Um a das mais tristes temeridades da Inglaterra, — a última, pensamos nós — e que fêz conhecer
que a plaga de Santa Cruz não é mais a criança frágil e medrosa que dorme à sombra de seu palmeirais,
— entre as vivas demonstrações de patriotismo, — os eloqüentes discursos, — as poesias coraenioradoras
da dignidade de nosso país; — deu lugar a êste ramalhete inodoro de cantos que damos ao público.
E scritos ao correr da pena, — segundo a leitura dos acontecimentos do dia; — bebidos na exal
tação geral, — na indignação de nosso coração de Brasileiro, — embora saibamos que seu mérito é pouco
e seu sucesso nenhum, contudo arrojam o-los tranqüilo à luz da publicidade, — restando-nos a consola
ção de que, se Deus não nos outorgou a divina centelha do gênio, ao ménos gravou-nos no peito uma
cega dedicação à justiça — e um amor sem limites à terra que nos viu nascer.
S. Paulo — janeiro de 1863.
O A utor.
[510]
o E S T A N D A R T E A U R IV E R D E
Oh! terra de meu berço, — oh pátria amada, Em rios de ouro teu país ingrato!
Ergue a fronte gentil ungida em glórias Procuraste lançar um véu de sombras
De uma grande nação! Sôbre essa terra que fascina o globo
Quando sofre o Brasil, os Brasileiros .Ao clarão dos diamantes, e piedosa
Lavam as manchas ou debaixo morrem Teus irmãos agasalha junto ao peito!
Do santo p av ilh ão!...
Basta de h um ilhações!... dize a teus amos
Que a terra de Cabral está cansada
De ultrajes suportar! — Que a 1718 seus clamores
AO POVO No seio das florestas ressuscita
Um mundo de guerreiros que não teme
Não o u v is?... Além dos mares O troar dos canhões, — que um povo ardente
Braveja ousado Bretão! Se levanta inspirado à voz dos bardos
Vingai a pátria ou valentes Do pendão auriverde à sombra amiga!
Da pátria tombai no chão!
Erguei-vos, 1^12 povo de bravos. Quereis ouro e riq u eza?... Ah! nós vos damos,
Erguei-vos, Brasílio D13 povo, E ’ em nome da Irlanda miserável
Não consintais que piratas Que sucumbe de fome! — E ’ por piedade
Na face cuspam de novo! Dos filhos do Levante que se estorcem
O que vos falta? Guerreiros? Entre sangue e veneno! — E ’ pelos tristes
Oh! que êles não faltam, não. Que soluçam nos ferros, — pelos gênios
Aos prantos de nossa terra Que morrem na miséria e no abandono.
Guerreiros brotam do chão! Pela virtude sem defesa e am p a ro !...
Mostrai que as frontes sublimes
Os anjos cercam de luz, Vai, — teu país é poderoso e ousado.
E não há povo que vença Teus vasos cobrem a amplidão dos mares.
O povo de Santa Cruz! Teus soldados são célebres e fortes, 1719
Sofrestes ontem, — criança Teus canhões são medonhos, — ferem certo.
Contra a força o que fa z e r? ... A nós isto que importa? — se atrevidos
Se nada podeis, — agora A nossas praias aportarem, loucos.
Podeis ao menos m orrer!. Cada província é um povo de guerreiros.
Oh! morrei! — a morte e bela Cada guerreiro um destemido Anteu!
Quando junto ao pavilhão
Se morre pisando escravos
Que insultam brava nação!
Quando nos templos da fama A D. PEDRO II
Nas áureas folhas da história.
Gravado revive o nome Tu és a estrela mais fulgente e bela
Por entre os hinos da glória! Que o solo aclara da Colúmbia terra,
Quando a turba que se agita A urna santa que de um povo inteiro
Saúda a campa adorada, Arcanos fundos no sacrário encerra!
— Foi um herói que esvaiu-se
Nos braços da pátria amada! Tu és nos ermos a coluna ardente
Que os passos guia de uma tribo errante,
E ao longe mostras através das névoas
A plaga santa que sorri d ista n te !...
A W IL L IA M C H R IST IE
Tu és o gênio benfazejo e grato
Diplomata insolente! — ave maldita Poupando as vidas no calor das fráguas,
Entre as brumas do norte aviventada E à voz das turbas, — do rochedo em chamas
A 1715 quem a pátria recusou bafejos Desprende um jôrro de benditas águas!
E o sol um raio que aquecesse o rosto!
Dize, 1716 filho da sombra, — onde aprendeste Tu és o nauta que através dos mares
A voar como as á g u ia s?... Em que terras O lenho imenso do porvir conduz,
Te cresceram as penas borrifadas E ao pôrto chega sossegado e calmo
Nas lagoas impuras da Bretanha? De um astro santo acompanhando a luz!
Que céu dourado, — que estações benditas, Oh! não consintas que teu povo siga
Que meigas flores, — que harmonias santas Louco, — sem rumo, desonroso trilho!
Alentaram-te o cérebro? — Que sonhos Se és grande, — ingente, se dominas tudo, 1720
Te passaram na mente? — Que riquezas, Também das terras do Brasil és filho!
O teu berço natal mostrou-te aos olhos?
Que doce inspiração roçou-te n’alma Abre-lhe os olhos, — o caminho ensina
E deu-te crenças, te cobriu de orgulho, 1717 Aonde a glória em seu altar sorri.
Do santo orgulho que revela o mérito? Dize que vive e viverá tranqüilo.
Dize que morra e morrerá por ti!
Pisaste uma nação, — nação tão grande
Que a loucura perdoa-te! — Cuspiste
Na face dessa que afogara em vagas.
[5 1 1 ]
I.UfS KICOLAU FAGUNDES V A R E L A
[512]
A'OZES DA AMÉRICA
VOZES DA A M É R I C A 1^41
O autor dêste insignificante volume conhece bastante o triste papel e a nenhuma importância
do homem que se dedica ao culto das musas, principalmente na terra de Santa Cruz, para almejar a coroa
de poeta.
Contudo, sendo ainda moço, e tendo materialmente algumas de suas impressões, debaixo da for
ma escrita, às instâncias continuadas de amigos, assentou de publicá-las, não tomando entretanto nenhu
ma responsabilidade sôbre si.
Qual é o estadista, o homem de negócios que não se sentiu alguma vez na vida poeta, que os
ouvidos de uma pálida Madalena ou Julieta, esquecendo-se dos algarismos e da estatística, não se lembrou
que haviam brisas e passarinhos, ilusões e devaneios?
O haver produzido alguns cantos dissonantes, não proíbe ninguém de dedicar-se a estudos mais
sérios, e ocupar-se de cousas mais úteis.
A bem poucos agradarão as produções que hoje aparecem. Os literatos divididos entre a des
crença de Alvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, a escola de morrer moço, e os tacapes e borés do
sr. Gonçalves Dias, sentir-se-ão enojados dêste versejar incorreto, e destas composições sem sabor. A
critica nada tem que fazer com elas, não merece sua atenção.
O autor, lançando de parte tôda a modéstia, porque a modéstia, neste ponto seria a hipocrisia do
orgulho, está intimamente convencido da nulidade de seus escritos, e nada espera como nada deseja; —
decepção ou sucesso, ser-lhe-á tudo a mesma cousa.
[513]
L U ÍS ÍSUCOLAU FAGUNDES V A R E L A
Por duas razões, a primeira já foi apontada, — instâncias e pedidos de amigos; a segunda é por
que, publicadas, ou extraviadas ao correr da vassoura pela sala, vem a dar no mesmo resultado.
À medida que os anos vão se adiantando, c a areia corre mais apressada na ampulheta do tempo,
o homem semelhante a êsses saltimbancos que ao correr do cavalo principiam a despir-se, a despir-se
que parece nunca chegarem ao fim, vai também se desfazendo de muitas quimeras, e atirando por terra
êsses vestuários incômodos que tolhem-lhe os movimentos.
É preciso então ocupar-se de cousas mais sérias; menos que não queira passar por um ente fútil,
um songe-creux — como dizem os franceses; abandonar a lira, instrumento fabuloso que apenas diz bem
a um Apoio pagão, ou ao lado de uma estátua de Orfeu.
O mundo não caminha por cantigas, disse um escritor; todos aqueles que se entusiasmam pelas
musas no Brasil, devem lembrar-se que o inverno há de chegar, c prevenirem que não lhes suceda o
mesmo que à 1743 cigarra de Lafontaine.
Tendes razão de abandonar a poesia — disse alguém ao autor — os poetas são sempre des
graçados.
M ajestosa sentença! P or que razão o homem que escreve versos padece e o usurário não?
Haverá alguma lei fatal, inexorável, algum destino cego que pese sôbre a cabeça dos descendentes
de Homero e Virgílio?
O poeta sofre, porque o poeta perdido nas névoas de um mundo fantástico desconhece as leis da
humanidade; e em vez de contentar-se com o sossego da família, a calma da mediocridade, a paz do cora
ção, verdadeiras e únicas felicidades na terra, sonha uma vida a seu modo, e não podendo realizá-las mal-
diz-se e se consome.
O poeta sofre porque o seu elemento é a ociosidade, c por ela sacrifica todos os seus deveres c
necessidades.
O poeta sofre (eis o lugar-comum de suas lam entações) porque as turbas não o compreendem, e
cospem o sarcasmo e as ironias às mais fundas agonias de su’alma.
Ah! graciosa acusação! Querem que os honestos pais de fam ília; os homens incumbidos de di
rigir o Estado e felicitar o país; os comerciantes e laA^radores; o mercenário ocupado em ganhar o seu pão
quotidiano, abandonem os seus trabalhos, deixem seus filhos com fome para aplaudir-lhes as loucuras e
tecer-lhes coroas de ouro!
Não querem (os poetas) que se riam quando o povo dizendo nossas searas são arrasadas,
nossos filhos precisam de instrução, êles respondem
Dizem que a humanidade começou pela poesia, e que pela poesia começam todos os povos; é falso.
A poesia deve ser a última palavra do desenvolvimento e civilização de uma nacionalidade. A poesia é o
luxo, e o luxo é o mais vivo sinal de próxima decadência de tudo.
Escrevendo estas linhas, e dando à publicidade êste volume, o autor pede e espera que as musas
lhe favorecerão com a ausência de sua divina inspiração, e o deixem viver tranquilo e sossegado como
(lualquer vendilhão retirado do comércio, desenvolvendo-lhes êle como indenização qualquer nome ou re
putação, ganhos nos colégios ou reuniões acadêmicas.
L. N. Fagundes Varela.
[ 511 ]
VOZES DA AMÉRICA
A Sentença VIII
[515]
L U ÍS ÍÍÍCOI.AU FAGUNDES V A R E L A
XV X XII
— Pois que, desgraçado! tu zombas de mim! — Não creias que eu tema! não creias que escravoi^'*^
E ousado, insolente contemplas-me assim! Suplícios me curvem, ai! não, que sou bravo!
A mão levantando I.otário bramiu. Porque me condenas? que culpa me oprime.
Mas frio, tranquilo, sereno o semblante. Senão ter vedado que um monstro cruento.
Sem dar nem um passo, mover-se um instante, De fogos impuros, lascivos, sedento.
O escravo arrogante de novo sorriu. Lançasse a inocência nas lamas do crime?
X V I XXIII
Conteve-se o bárbaro. — M ísero cão! Oh! sim, sim, teu filho, 1750 no lúbrico afã.
Humilha-te, abaixa-te, é tempo, senão Tentou à 17S1 desonra levar minha irmã!
Com férreos açoutes arranco-te a vida! Ai! ela não tinha que um mísero ir m ã o !...
— Conheces teu crime? Ergui-me em defesa, teus ferros esmagam.
— Ignoro, senhor; Humilham, rebaixam, porém não apagam
Minh’alma é tranqüila, só tenho uma dor, Virtudes e crenças, dever e afeição!
E essa é de funda, secreta ferida.
X XIV
X V I I
Fiz bem! Deus me julga! Tu sabes meu crime,
— T u ’alma é tranqüila! Tu nada fizeste? O fero delito que a fronte me oprime.
Tu contra meu filho brutal não te ergueste, As faltas nefandas, os negros horrores;
Nem duros insultos lançaste-lhe às faces? Agora prossegue, prossegue, estou mudo.
— Não nego, é verdade. Condena-me agora que sabes de tudo,
— Confessas? Abafa-me ao peso de estólidas dores!
— Confesso!
E o escravo agitou-se, do ódio no excesso.
Lançando dos olhos centelhas fugaces. XXV
[516]
VOZES DA AMÉRICA
I I I V II
Na hora em que o riacho, a veiga, o inseto, Os que êste ofício lúgubre cumpriam
A serra, o taquaral, o brejo e a mata Era um branco robusto, olhar sinistro,
Falam baixinho, a cochichar na sombra, Cabeça de pantera; o outro um negro
E as moles fêlpas da campestre alfombra Possante e gigantesco; as costas nuas
Molham-se em fios de fundida prata; Deixavam ver os músculos de bronze
Onde o suor corria gôta a gôta.
I V
Na hora em que se abala o santo bronze
Da igrejinha gentil no campanário, V T TT
Uma voz lacerada, enfraquecida. — Meu se n h o r...
Levantava-se amarga e dolorida
— O que queres? fala e deixa-me.
Da sombria morada de I-otário. Lotário respondeu voltando o rosto
Ao servo hercúleo que da porta, humilde, 1^56
Lhe vinha interromper nas tredas cismas.
— A mulata morreu.
— Pois bem, que a deixem
Eu vou morrer, meu Deus! já sinto as trevas. E enterrem-na amanhã.
As trevas de outro mundo que me cercam! A esta resposta
Já sinto o gêlo me correr nas veias, Decisiva e lacônica, o africano
E o coração calar-se pouco a pouco! Retirou-se a buscar seu companheiro,
Deixando o potentado, que de novo
11 Mergulhou-se nas fundas reflexões.
Eu vou morrer, meu Deus! minh’alma luta,
E em breve tempo deixará meu c o rp o ...
Tudo em tôrno de mim fo g e ... se a fa s ta ... I X
Já estas dores não me pungem tanto!
[517]
L U ÍS NICOLAU FA6UN DKS VARELA
X I XV
[ 5bS ]
A'OZES DA AMERICA
[5 1 9 ]
L U IS NICOLAU FAGUNDES VARELA
VI
I
Êle estava deitado no assoalho
Inundado de sangue; um surdo ronco É noite; da serrania
Partia-lhe do seio, e os olhos baços Na selva negra e sombria.
Uma janela aberta contemplavam, Bate rija a ventania
Como querendo descobrir nas trevas Com lufadas horrorosas;
Um profundo mistério. O quarto cheio. Cai a chuva estrepitando,
Repleto de convivas e de escravos, E pelas brenhas rolando.
Retumbou de questões: — onde foi êle? Tom ba a torrente espumando
Como foi? conheceram-no? seu nome? Nas cavernas tenebrosas.
V I I I I
Lotário apenas, já levado ao leito, Ruge no espaço o trovão;
Para a janela olhava, abria os lábios, Do raio o fulvo clarão
Uma palavra ia partir, depois Rasga o véu da escuridão
Vendo baldados os esforços todos. Com fúria descomunal,
Soltava um som pungente e cavernoso. E das frias sepulturas
Entre espuma sangrenta, da garganta. Erguem -se as larvas impuras,
Cantando nênias escuras
VIII Ao sôpro do vendaval.
[520 ]
VOZES DA AMÉRICA
VI Abrem-se as flores
Vertendo odores.
Não te amedronta a tormenta Entre os frescores
Que pelas nuvens rebenta, Do laranjal.
E sóbrc as asas sustenta A brisa errante.
Dos raios a legião? Dúbia, inconstante
Nem te horrorizam gemidos Bebe ofegante
Dos espíritos, que unidos, Quentes perfumes.
Nos ares correm pendidos Depois se irrita.
Do sudário do tufão? Volteia e grita,
Na onda agita
V I I Férvidos lumes.
[521]
L U fS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Descansa, pensador! tudo o que a noite Eras tu, eras tu que em minhas noites
No pálio tenebroso adormeceu, Entre sonhos febris ardente eu via!
Vai de novo se erguer; Pálida e bela como agora, — erguida
No brando sono aviventou-se a terra, Em mundos de harmonia!
E como a fênix surgirá mais bela
Ao grato amanhecer. Eras tu, eras tu! — no céu, na terra,
Na brisa da manhã, — no vai’, na f l o r ! ...
Porém, que fazes tu? pendido aos livros Eras tu minha única esperança,
Tentas, quem sabe, derribar as sombras Eras tu meu a m o r !...
De ignoto horizonte;
Na insônia suarenta ardem-te os olhos O h! não me dei.xes mais! vem a meu seio.
E um turbilhão de místicas idéias Vem teu destino partilhar comigo,
T e paira sôbre a fronte. Mas se o céu te reclama, ao céu nos braços
Ai! leva-rne c o n tig o !...
Ês moço a in d a ... que velhice é essa
Fria e sem gelos que te nubla a vida.
Enruga-te o semblante?
E fugindo do tempo a longos passos. — Tem erário mortal, cabeça louca
Cerra-te, ainda no verdor dos anos, Entre sombras e luzes desvairada.
No seio agonizante? Tu que és filho do pó, no pó nascido,
Porque tentas erguer-te à luz das luzes,
Poeta ou louco, sonhador ou sábio. E amôrcs mendigar a etéreos seres
Mineiro do passado, ou nauta ousado Que, í 767 aos pés do Criador, eternos tecem
Dos mares do porvir,
Basta de cism as! abandona o vôo A harmonia incessante das esferas?
De tu’alrna arrogante entre as esferas, Cala-te, doudo! meu Senhor, meu Deus
São horas de dormir! Enviou-me a teu mundo, é necessário
Que no livro sem fim 1768 mais uma fôlha
Se aumente no universo. Ergue-te e segue-me.
[ 522 ]
VOZES BA AMÉRICA
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 524 ]
V O Z E S D A A M É R IC A
[ 525]
JyU Í S N I C O L A U F A G U N D E S A 'A R E L A
[ 526 ]
VO Z E S D A AM ÉRICA
Porém minh’alma triste e sem um sonho Não és tu quem eu amo, nem Laura
Repete olhando o prado, o rio, a espuma; Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês;
— Oh! mundo encantador, tu és medonho! A mulher que minh’alma idolatra
E ’ princesa do império chinês.
ILUSÃO D E IX A -M E !
[ 527 ]
l i U Í S N I C O L A U F A G U N D E S AMARELA
SO N ÊTO E L E G IA
[ 528 ]
VO ZES D A AM ÉRICA
O túrbido manto das névoas errantes Ligeira, essa noite de infindas venturas
Pairava indolente no tôpo da serra, Sòmente em minh’alma lembranças d eixo u ...
E aos astros, — e às nuvens — perfumes, — T rês meses passaram, e o sino do templo
[sussurros. À reza dos mortos os homens chamou!
Suspiros e cantos partiam da terra.
T rês meses passaram, — e um lívido corpo
Nós éramos jovens, — ardentes e sós. Jazia dos círios à luz funeral,
Ao lado um do outro no vasto salão; E à sombra dos mirtos, o rude coveiro
E as brisas e a noite nos vinham no ouvido Abria cantando seu leito fin a l!...
Cantar os mistérios de infinda paixão!
Nós éramos jovens, e a senda terrestre
Nós éramos jovens, — e a luz de seus olhos Trühávamos juntos, de amor a 1794 sorrir,
Brilhava incendida de eternos desejos, E as flores, e os ventos nos vinham no ouvido
E a sombra indiscreta do níveo corpinho Contar os arcanos de um longo porvir!
Sulcavam-lhe os seios em brandos arquejos!
Nós éramos jovens, e as vidas, e os seios,
Nós éramos jovens, — e as balsas floridas O afeto prendera num cândido nó!
O espaço inundavam — de quentes perfumes, Foi ela a primeira que o laço quebrando
E o vento chorava nas tílias do parque, Caiu soluçando das campas no pó!
E a lua soltava seus tépidos lumes ! . . .
Não são dos invernos as frias geadas,
Ah ! mísero aquêle que as sendas do mundo Nem longas jornadas que os anos apontam,
Trilhou sem o aroma de pálida flor, O tempo descora nos risos e prantos,
E à 1792 tumba declina, n’aurora dos sonhos, E os dias do homem por dores se contam!
O lábio inda virgem dos beijos de amor!
. ..I S 6 1 .
Assim nessa noite de mudas venturas. Eu amo a noite com seu manto escuro
De louros eternos minh’alma enastrei, De tristes goivos coroada a fronte.
Que importa-me agora martírios e dores Amo a neblina, que pairando 1795 ondeia
Se outrora dos sonhos a taça esgotei? Sôbre o fastígio de elevado monte.
Ah! lembra-me ainda! nem um candelabro Amo nas plantas, que na tumba crescem.
Lançava ao recinto seu brando clarão. De errante brisa o funeral cicio:
Apenas os raios da pálida lua Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Transpondo as janelas batiam no chão. Porque meu seio é de ilusões vazio.
Vestida de branco, — nas cismas perdida, Amo a desoras sob um céu de chumbo,
Seu mórbido rosto pousava em meu seio, No cemitério de sombria serra,
E o aroma celeste das negras madeixas O fogo-fátuo que a tremer doudeja
Minh'alma inundava de férvido anseio. Das sepulturas na revolta terra.
Nem uma palavra seus lábios queridos Amo ao silêncio do ervaçal partido
Nos doces espasmos diziam-me então: De ave noturna o funerário pio,
Que valem palavras quando ouve-se o peito Porque minh’alma, como a noite, é triste,
E as vidas se fundem no ardor da paixão? Porque meu seio é de ilusões vazio.
Oh! céus! eram m undos... ai! mais do que mundos Amo do templo, nas soberbas naves.
Que a mente invadiam, de etéreo fulgor! De tristes salmos o troar profundo;
Poemas divinos, — por Deus inspirados Amo a torrente que na rocha espuma,
E a 1793 furto contados em beijos de amor! E vai do abismo repousar no fundo.
No fim do seu giro, da noite a princesa Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
Deixou-nos unidos em brando sonhar; A voz da morte no fatal parcel;
Correram as horas, — e a luz d’alvorada Porque minh’alma só traduz tristeza,
Em juras infindas nos veios encontrar! Porque meu seio se abrevou de fel.
Não são dos invernos as frias geadas, Amo o corisco que deixando a nuvem
Nem longas jornadas que os anos apontam, O cedro parte da montanha, erguido.
O tempo descora nos risos e prantos, Amo do sino, que por morto soa,
E os dias do homem por dores se contam! O triste dobre n’amplidâo perdido.
[ 529 ]
LU ÍS KICO LAU FAGU N DES V A R E L A
Amo o furor do vendaval que ruge, Quando a velhice que apressada marcha
Das asas negras sacudindo o estrago; Vier cobrar-te seu pesado imposto,
Amo as metralhas, o bulcão de fumo. E ao toque impuro de nojentos lábios
De corvo as tribos em sangrento lago. Sem dó manchar-te a cetinez do rosto;
[ 530 ]
V O Z E S D A AM ÉRICA
Cobriram de grilhões meu pobre corpo. Caíram! mas venceram também êsses
Porém minh’alma de seus ferros zomba, Que exaustos, frios, murmuravam inda
Minh’alma livre como o céu e os mares! 18 0 2 Da pátria o doce nome, ou sucumbiram
A dor insana de infernais suplícios
Sôbre a mísera palha dos ergástulos!
Houve um momento de silêncio. A noite
Prosseguia em seu giro, pensativa.
Molhando no sereno as plantas nuas. Falange heróica e brava, ah! ,eu a vejo
A voz continuou pausada e doce; Sempre junto de mim, ouço seus cantos
Lançando aos orbes que no espaço rolam
A epopéia soberba do futuro!
— Como tudo repousa! é mudo o vale,
A natureza calma e adormecida
No seu leito de pérolas e flores. Um raio ardente parte-lhe da essência,
Mas que sussurro sôbre-humano é êste E inunda o seio das nações e povos;
Que de minh’alma retumbou no fundo? Palpitam corações mais apressados.
Será de um’harpa divinal a nota. Brotam idéias, as esferas tremem,
Ou das asas de um gênio a tênue a ra g em ?... E um brado imenso faz-se ouvir ao lònge:
— Vai ter lugar uma justiça infinda!
Não sentistes roçar por vossas fibras
Enquanto a selva, o monte, o rio e as plagas O hálito de D e u s ? ...
Povoam-se de sonhos, que palpitam
De um mole sono aos sensuais abraços, Formosa e cândida
Voltam-me à mente idéias de outras eras. A aurora despontava no horizonte
Gratas lembranças de passados tempos. Coroada de luz; a voz calou-se,
Depois bradou de novo altiva e forte:
Como era belo o sol e a terra lúcida!
Como era santo e puro o doce júbilo — Cobriram de grilhões meu pobre corpo.
Da criança vivaz correndo os prados. Porém minh’alma de seus ferros zomba,
Ora nas veigas se perdendo em risos.
Minh’alma livre como o céu e os mares!
Ora saudando o bando de andorinhas
Que voavam num céu azul sem manchas,
Como à flor d’alma um turbilhão de sonhos!
[531]
L U IS NICOLAÜ FAGU NDES V A R E L A
[ 532 ]
V O Z E S D A A M É R IC A
E errantes sôbre a terra irão chorando Eu não detesto nem maldigo a vida,
Mendigar um farrapo ao vagabundo, Nem do despeito me remorde a chaga,
E um pedaço de pão! Mas ah! sou pobre, pequenino e débil
E sôbre a estrada o viajor me esmaga!
Estranho povo surgirá da sombra
Terrível e feroz cobrindo os campos Que faço triste no rumor das praças?
De cruentos horrores! Que busco pasmo nos salões dourados?
O palácio e a prisão irão por terra, Verme, do lôdo me desprezam todos,
E um segundo dilúvio, então de sangue, 1^ 12 O pobre, e os grandes de esplendor cercados!
O mundo lavará!
Fere-me os olhos o clarão do mundo.
O sábio em seu retiro, estupefato. Rasgam-me o seio prematuras dores,
Verá tombar a imagem da ciência. E à mágoa insana que me enluta as noites.
Fria estátua de argila, Declino à campa na estação das flores.
E um pálido clarão dirá que é perto
O estro divinal que às 1813 turbas míseras E há tanto encanto nas florestas virgens;
Conduz a redenção! Tanta beleza do sertão na sombra;
Tanta harmonia no correr do rio;
Como aos dias primeiros do universo Tanta delícia na campestre alfombra;
O globo se erguerá banhado em luzes.
Reflexos de Deus; Que inda pudera reviver de novo,
E a raça humana sob um céu mais puro E entre venturas flutuar minh’alma,
Um hino insigne enviará, prostrada Fanada planta que mendiga apenas
Aos pés do Onipotente! A noite, o orvalho, a viração e a calmai
Irmãos todos serão; todos felizes;
Iguais e belos, sem senhor nem peias,
Nem tiranos e ferros!
O amor os unirá num laço estreito, A LUCÍLIA 1816
E o trânsito da vida uma romagem
Se tornará, celeste! Se eu pudesse ao luar, Lucília bela.
Queimar-te a fronte de insensatos beijos.
A 1814 liora se aproxima pouco a pouco; Dobrar-te ao colo, minha flor singela.
O dedo do Senhor já volve a fôlha Ao fogo insano de eternais desejos;
Do livro do d e stin o !...
Ergue-se a tela do teatro imenso, Ai! se eu pudesse de minh’alma aos elos.
E o mistério infinito se desvenda Prender tu’alma enfebrecida e cálida.
Do drama do Calvário! Erguer na vida os festivais castelos
Que tantas noites planejaste, pálida;
[ 533 ]
L U ÍS NICOLAU FA GU N D ES V A R E L A
[ 534 ]
V O Z E S D A A M É R IC A
[ 535 ]
L U fS NICOLAÜ FAGU N DES V A R E L A
Que molhavam-te o rosto como à aurora Quando das franjas do Ocidente róseo,
Na pálida camélia o orvalho frio, Um raio ainda me clareia o cárcere,
Descobrir êsses paramos sublimes, E um tom suave de tristeza e luzes
Mundos de maravilha, onde a harmonia Mistura o dia à palidez da noite,
Arrojou-a sorrindo, como as vagas Eu lembro-me de ti!
O nauta exausto num império esplêndido!
ESTÂNCIAS
♦
* *
[ 5.S6 ]
VOZKS DA AMÉRICA
[ 537 ]
iiX :ís s r i c o i . A x ' fag u n d es v a e e t .a
[ 538 ]
VOZES DA AMÉRICA
[ 539 ]
l iü íS NIOOLAU FAGUNDES V A R E L A
Que esperar mais do mundo? — Onde tranqüilo O lhai: lá em baixo, na arenosa praia
Um altar encontrar de amor e crenças, Onde a vaga indolente se espreguiça
Onde achar a virtude? Assim as rosas Bocejando na areia,
Um a por uma sôbre o chão caíram, E os manacás transbordam de perfumes,
E a fronte jovem se cobriu bem cedo E a viração nas pitangueiras úmidas
De pavorosas rugas! As folhagens meneia;
Como Fausto e Manfredo eu tive amigos, Junto à cabana, com a rêde aos ombros,
Fiz bem a muitos homens, — de joelhos O moço pescador contempla o céu
No silêncio da noite ergui meus cantos E se apresta a partir;
Ao Senhor das esferas, e no entanto De um lado a esposa busca em vão retê-lo,
De tudo o que tirei? — enôjo — tédio. E o louro anjinho que sustém no colo
Angústias e m artírios! Brinca c põe-se a sorrir.
Na enxêrga da miséria acaba o gênio. — Não partas hoje — diz a moça pálida.
Gasta-se o fogo que do céu descera, Em cujos olhos divinais se espelha
Mas a infâmia coroa-se de louro, A candura do céu; —
A intriga dorme em perfumados leitos. — Porque, minh’alma?
Repousa o vício ao fumegar do incenso, — Deus! não sei, mas sinto
E ao sussurro das harpas. Meu coração que anseia entristecido
Dos presságios no véu!
Não quero em nada crer! — a mim que importa
Que o homem desça à região das sombras — Que loucura! — Não vês? — o mar é calmo
Ou lá no Empíreo se inebrie em luzes? Como nossa filhinha que em teus braços
Tudo é dúbio, trevoso, — tudo é falso, Se balouça contente;
Uma coisa há real, — ninguém o nega —
E à flor das águas os peixinhos pulam,
E ’ a morte somente!
Reluzindo as escamas prateadas
À luz do sol nascente.
[ 540]
VOZKS DA A M ÉRICA
Chorosa e triste a meiga esposa o segue Ai! o moço não vem; trêmula a esposa
À longa praia, onde o batei esguio Corre à praia assustada e os olhos crava
Vai e vem sóbre a vaga. Ansiosos no mar!
Beija-lhe a fronte; diz-lhe adeus, c clama
Mas apenas divisa em fúria insana
Até que a vela abandonando a terra,
Vagas e vagas que, i®^^ encurvando o dorso,
No horizonte se apaga!
Vão aos céus topetar!
Vós que vindes do sul, oh! níveas garças. Tu que dos anjos cercada, 1848
Beijando as ondas que o calor amorna. T.á no império da luz.
Dizei, — dizei o que anuncia o vento Beijas a fronte adorada
Que mais velozes vossas plumas torna? Do condenado da cruz;
[ ó-U ]
L U ÍS K IC O LA U FA G U N D E S V A R E L A
[ 542 ]
VOZES DA AMÉRICA
Foi quando aos lábios lhe escapou tremendo E corre — e voa, e vai chegar sem fôlego
Aquele adeus final, o frágil lenho À porta da cabana.
Para nunca se erguer baixou em lascas — Ester! — exclama —
No seio imenso da cruel voragem. Porém nada responde; a ventania
Braveja no ervaçal, sacode as plantas
Longo tempo sem forças — desmaiado E da misera choça invade as frestas
O moço fica nessa móvel cama Em longos assobios! — O mancebo
Circulado de espuma e de ardentias. Faz um supremo esforço, impele a porta
Mas pouco a 1853 pouco a vida vem tornando E se arroja de um salto no aposento!
E com ela a razão, a calma, o ânimo:
E ’ forçoso pensar, — buscar a praia.
Ver a filhinha, sossegar a esposa Mas oh! quadro de h o rro r!... oh! negro quadrol
Ester não está. — Entorpecida — fria.
Que há poucas horas no terror da morte
Longe — perdidas para sempre cria! Cansada de chorar o pobre anjinho
Estremece no chão — molhada e nua!
Uma vela de cêra — amarelenta
Louca esperança!... iluminado sonho. Sob denso morrão crépita e chia
Miragem de ventura em céu de sangue.
Junto à imagem da Virgem que tranqüila,
Poucos instantes durarão teus brilhos! Olhos postos no céu, 1856 sorrir parece!
Como as lavas ferventes do Vesúvio,
Como os fogos do raio que rebenta.
Surges — clareias, e depois só deixas Santa esposa de D e u s!... mulher divina
Um rastilho de cinzas e betum e!... Que do abismo da morte esgueste o homem.
Consolo dos mortais, — doce refúgio
Gualter está na praia, as vestes rôtas, Das almas tristes, que o pesar lacera,
O corpo gotejante, os nervos trêmulos, Como agora és m edonha!... oh! como agora
Sacode-se ofegante, como a lontra Dêsse pálido círio à luz mortiça
Na borda da torrente, lança um grito Enches de horror e fúnebres angústias
De júbilo e triunfo, e acelerado Tudo quanto te cerca e te contempla!
Se arroja à habitação!
Hirtos cabelos, — convulsivos lábios,
Mas um triste chorar chega-lhe ao ouvido! O mancebo se arroja de joelhos
Um chorar de criança, — débil — fraco, E nos braços levanta a pobre infante
Repassado de angústia! Oh! fala! fa la !... desditoso anjinho.
— Oh! minha filha! Triste filha do amor e desventura,
Oh! filha de minh’alma! — grita o moço __ Onde está tua mãe? oh! f a la !... fala!
Mas nesse instante, 1854 do palmar no cimo.
Ave de morte desprendeu seu canto, Mas ao brando calor do peito amigo.
E as asas negras sacudiu na sombra! Ao doce bafo que lhe aquece o rosto
E a vida incute nas geladas veias.
O pescador se benze, e o calefrio Abre os olhos azuis a inocentinha
Uma por uma lhe percorre as fibras; E ri-se, — e brinca nos paternos braços!
Apressa o passo mais, a cada instante — Grande Deus do universo! tem piedade,
Tropeça e pára, respirando em ânsias — Exclama o pescador — e em frias ânsias
O quente bafo que a tormenta exala. Sai da cabana e se arremessa à praia
— Ester! vem, que aqui ’stou! — grita o mancebo Em altos gritos acordando os ecos!
Arquejante — cansado... — A ü . .. tudo é surdo!
[ 543 ]
I.X’ Î S KTC'OIiAU FAOÜNDES VAKELA
Mas silên cio !... silêncio! a noite é calma, Depois tudo se cala. No infinito
O oceano cansado, e a natureza As estrelas despertam-se mais vivas,
Em seu leito de paz adormecida... O oceano se acalma, e junto às 1859 rochas
Porém que vozes doloridas — tristes. Uma onda indolente que se estende
Erguem-se agora lá da praia extensa Arroja aos pés do moço transviado
E os ecos pejam de agonia e morte? Alguma cousa de medonho — informe.
Pavoroso — infernal, que o faz de um salto
Levantar-se convulso — o olhar em brasa —
O h !... sim, que é ê le ... o pescador, não vêdes. Como impelido por um férreo braço!
Qual sombra foragida que alta noite — Ester ! . . . Ester ! . . .
De um ermo cemitério à lousa foge
E vem de horrores espantar as plagas?
O oriente aclara-se,
Uma réstia de luz inunda o céu,
Escutai — escutai ao som pungente As águas brincam, — balanceia o vento,
Dessa voz funeral — enrouquccida, Mas uma queixa imensa — uma blasfêmia
Não ouvis outra voz mais triste ainda. Embebida de fel, — de sangue e lôdo,
Bem que mais fraca, levantar-se aos ares Um grito de Satã se ergue da terra
Débil como o chorar da rôla exangue, Entre débil c h o ra r!...
Treda como o tufão em chão de campas Tudo findou-se!
Os chorões desfolhando, ou como a queixa As estréias desmaiam de agonia,
Que o sôpro de além-túmulo desprende Entoa o vento fúnebres sussurros,
Dentre a infância e a m o rte ?... oh! é medonho! E nas rochas escuras que se elevam,
Uma linha de sangue inda espumosa
Goteja e corre, e vai sumir no abismo.
Agora, ao cimo do rochedo erguido,
Ei-lo de pé, 1857 — convulso — desvairado. Mais bela ainda a natureza acorda,
Medindo o abismo c apostrofando as ondas; Tudo é silêncio e paz sôbre o universo.
O mistério da morte, êsse findou-se;
— Onde está minha esp osa?... onde está ela. O oceano é discreto, e o que êle encerra
Vagas profundas que dormis no abism o?... Dorme no sono de profundo olvido.
Dá-lhes voz, oh meu Deus! porque miniralma Dentre as grimpas azuis, entre neblinas
Se torce em ânsias de infernal martírio! A lua vem se erguendo branca e pura
Como a odalisca que se eleva pálida
Das banheiras de mármor do serralho!
Mas o mar não responde, em pranto apenas — Boa noite, belo astro! — ergue-te asinha!
Lança um manto de espumas no rochedo
E borrifa-lhe os pés, e no seu peito
Mais triste e fria a criancinha chora, I V
E os bracinhos de neve estende ao pego!
— Onde 1860 vais, an cião ?... que pranto é esse
O céu é puro e belo, — uma só nuvem Que dos olhos te corre e as cãs te orvalha?
Não turba o esmalte do zimbório etéreo. Que amargura te oprime?
— Ai! não indagues!
Tremem os astros, e a nev'ada estrada
Deixa que eu chore, que o chorar que, verto
Nas campinas de azul se estende bela
Sai das chagas da alma!
Como facha brilhante, — ou como a senda — Fala, velho;
Que os anjos leva ao venturoso Empíreo. Teu corpo treme; — teu falar é rouco.
Cortado de soluços, no entanto
O pescador se cala e nos seus olhos Os invernos gelaram-te os cabelos,
Chama sinistra transparece e brilha; E as tormentas de um século, quem sabe,
Contempla os astros e as tranquilas ondas Envergaram-te à terra, a fim que busques
E um sorriso satânico lhe passa O frio leito do final descanso!
Pelos gélidos lábios, — cerra ao peito Fala, ancião, — que mágoa te espedaça
A criança que cala-se inanida E reniorde-te assim?
E senta-se na ro ch a ... — Ai! não indagues!
Lança os olhos à praia e a Deus pergunta
Porque se apaga a estréia, a flor definha,
Mas, oh! céus! O arvoredo emurchece e a humana vida
De súbito no espaço — palejantes Entre sangue e loucura erra e desmaia.
As estréias se apagam, — dir-se-ia — Grande 1861 Deus do universo!... são dous corpos»
Que um dilúvio de sombras as devora, Um corpo de cria n ça !... oh! como o sangue
O oceano se abafa e em negros urros Os cobre e desfigura!... fala, v elh o ...
Meteoro de sangue abrasa o espaço F a la ... c o n ta ...
E se afunda fervendo no oceano. — Ah! tem piedade,
Um mundo inteiro de rugidos — gritos, 1858 A dor me despedaça, e em breves dias
Levanta-se do abismo, as vagas crescem Talvez minh’alma os seguirá bem cedo!
E em longas serranias vem correndo Amei-os mais que a mim! — desde criança
Da voragem fatal que o fogo abriu. Acalentei-a aos joelhos.
[ 544 1
CANTOS E FANTASIAS
CANTOS E FANTASIAS
Cantos e Phantasias/ por/ Luiz Nicoláo Fagundes Varella/ S. Paulo/ Garraux, de Lailhaear e Cia./
Livreiros-Editores/ Largo da Sé, 1/ 1865./ Todos os direitos de propriedade ficão reservados./
A MEU PAI
O
SR. DR. EMILIANO FAGUNDES VARELA
Êste livro é uma intenção, — só Deus pode conhecer-lhe o valor; — pouco me importa o juízo
dos homens.
Amanhã êle desaparecerá como as folhas arrebatadas pelo vento, como as cerrações da alvorada
aos primeiros raios do sol.
Mas a intenção ficará, porque é filha dos mais sublimes sentimentos liumanos — o amor e a
gratidão.
Se o coração produzisse epopéias, estas páginas seriam uma Ilíada, mas a inteligência raras vêzes
corresponde à vontade, e o espírito, prêso à sua contingência, tortura-se debalde em busca do impossível.
Aceite êstes cantos como êles são, o talento que os ditou é mesquinho, mas a intenção é ima
culada e brilhante como um raio da Divindade.
PREFÁCIO
A presente coleção de versos que o público vai 1er pertence a um poeta, moço, criança ainda, em
quem fôra talvez permitido entrever apenas uma esperança, e que no entanto é já uma esplêndida
realidade na literatura do país.
O escritor destas linhas deverá desde já entrar, por força do costume, cm renhida discussão sôbre
escolas e pontos de estética; mas além de ser isso uma cousa tida por muitos como pedantesca, não a
poderia apresentar aos leitores por insuficiência.
A inspiração de Varela é a natureza em primeiro lugar, e em segundo os mestres.
A individualidade do seu talento, do seu pensar, dos seus sentimentos encontra-se em tôdas as
suas poesias, ainda naquelas que nada mais são do que o vivo reflexo das composições dos grandes poetas
dèste século.
Byron e Goethe, Victor Hugo e H. Heine, são os seus mais estimados modelos.
A outras vozes menos sublimes do que essas, as de Azevedo, Soares de Passes, Junqueira Freire,
^íusset e H. Moreau, casa êle as suas na mais doce das harmonias.
[ 545 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Ültimamente tem dedicado os seus momentos ao estudo dos poetas espanhóis, e dessa poesia
muito vestígio se encontra em mais de uma página dêste volume.
Chateaubriand, Béranger, Vigny e Delavigne também lhe têm sido inspiração e fecunda.
Longo seria enumerar as fontes em que tem ido beber o nosso poeta.
Foram êsses homens, homens oceanos, na expressão de Victor Hugo, os que lhe têm derramado
na fronte, a flux das inspirações, e batizaram-no 18 6 2 Poeta!
A mocidade das academias reconheceu-o como tal, e o pais inteiro há de em breve repetir o seu
nome, há de inscrevê-lo no livro de ouro das suas glórias.
Saudar um homem superior, qualquer que seja a sua especialidade, é uma satisfação para aquêles
que estimam e prezam as grandes cousas, adoradores do belo e da verdade.
Por isso, é também um dever não deixar em silêncio defeitos quando os h aja; Varela é por vêzes
descuidoso da forma, descuido que lhe vem por vontade e desprêzo das regras, o que é tanto mais de censurar.
Êsses defeitos porém são pequenos, insignificantes, passageiros, por isso que o poeta pode repa
rá-los, fazer desaparecer, como o há de em futuras edições, como lhe é propósito.
P or muito graves que sejam êsses senões, não podem êles macular as inúmeras belezas desta e das
duas outras coleções já publicadas: As Noturnas e As Vozes da Am érica. Como disse em princípio. Varela
é ainda uma criança, apavorado muita vez do muito brilho, da muita inspiração que lhe vem à alma, débil
ainda para poder suportar o fardo do gênio.
Fatal é a missão dos homens de talento!
Quanto ânimo para subir até o Sinai, buscar as tábuas da lei, para explicá-las às multidões!
Quanta força não é precisa para as lutas de Jacó , lutas que sustenta o homem de gênio, em
cada noite de febre e de inspiração, contra o que sc chama o invisível, por deficiência de têrm o!
Quantos sucumbem, sem que possam expressar, realizar o que lhes dizem a noite e a manhã, o
rumor e o silêncio, o infinito e o limitado, a realidade e o sonho, o visível e o invisível, a dor e a alegria,
nessas horas de vertigem, horas de Sibila!
Varela é criança ainda, portanto imperfeito, defeituoso, muita sombra além de muito brilho; quando
porém êle entregar-se noite e dia ao estudo da história, quando aprofundar os mistérios da filosofia, quando
o seu olhar vencer as trevas que nos cercam a todos, e além das quais existe luz, como diz V. Hugo, ah!
então não posso vaticinar o que êle será, a minha inteligência não vai tão longe, só sei que muito alcan
çará êle e muito ganharão as letras.
Quando êle, quando o seu engenho, depois de cogitar no verbo humano, quando depois de parar
ante os modelos gregos e orientais, depois de flutuar entre a resignação de Jó , o desespêro de Byron,
os sonhos de Ossian e do Dante, as facécias de Ariosto, a piedade de Chateaubriand e de Lamartine, e os
delírios de Hugo e dos poetas dos climas meridianos, êle fizer uma só síntese de tôdas essas poesias,
dando-lhe um cunho americano, certo que êle ou outro de igual fôrça, já que nos morreu o Azevedo, será
o mestre, o modêlo, o ídolo das gerações futuras do mundo de Colombo.
Não falsas, nem exageradas têm sido as nossas frases a propósito das poesias de F , V arela; o leitor
vai ter em breve as provas do que avançamos.
Os críticos o que dirão delas? O que dirão do humilde escritor destas linhas?
Deus sabei
[ 546 ]
CANTOS E FANTASIAS
Essa palavra foi portanto a do amigo, em cuja alma tão gratas sensações têm produzido os teus
versos, e que não sabe qual deve mais estimar em ti, se o poeta, se o homem.
Não desvendei o segrêdo de muitas das tuas composições: se fôras morto, talvez o fizesse. Não
quis dizer ao publico que algumas delas não são meras fantasias, que o Cântico do Calvário é uma lagrima
vertida sôbre o túmulo de uma criança teu filho, cujo nascer eu saudei tão alegrei
A melhor parte do gênio está nas recordações, disse Chateaubriand, e prova-oo teu livro; foi meu
dever respeitar essas lembranças, ainda tão recentes.
Por muito tempo temos vivido juntos; conhecemo-nos crianças: lembras-te?
Foi em Angra dos Reis............................................................................................................................................
A casa do coronel B . . . , aonde eu estava hospedado, era de uma beleza sem par, naquela imensa
praia, aonde parecia banhar-se; tu moravas com tôda a tua família; inda me lembro; era numa casinha,
sem cal, debaixo de copados arvoredos, perto de um riacho que por ali passava, e aonde parecia mirar-se.
Eras, como hoje o és, o Jo sé da família.
Aquela praia como era extensa!
Quantos coqueirais, quantas rochas atiradas por ali, cujo cimo galgávamos alegres a colhêr o fruto
dos gragoatás, e as parasitas rubras.
Éramos ágeis e fortes; nós e nossos amigos atirávamos <às ondas que embalavam-nos, sacudiam-nos
como aos filhos das plagas marinhas.
À noite, reuníamo-nos todos: o que dizíamos? No que pensávamos? O que sonhávamos então?
Não sei, nem tu talvez o possas dizer.
Lembras-te, lembras-te das noites de luar naquelas paragens, em frente à vastidão sem fim dos
mares?
E quando após atirávamos às canoas, para ver estender as rêdes da pesca?
E o tom monótono das cantigas dos escravos pela manhã, quando partiam para as roçadas, e quan
do voltavam......... que doce poesia, que tristeza naquelas rezas!
Um dia era ao entrar da noite, à luz duvidosa, tristonha do crepúsculo, vinhas a nos dizer adeus;
devias partir no dia seguinte; o que nos disseste, o que dissemos a ti? Saudades.................................................
Correram anos, vim encontrar-te em S. Paulo.
Já não eras a criança de outros tempos; eras o poeta cujos cantos a academia inteira repetia, re
pete e repetirá sempre; eras já o sucessor das glórias daquele outro poeta que todos nós adoramos, em cujas
estrofes temo-nos todos inspirado; eras a ressurreição de Azevedo.
Unimo-nos; nossas almas pediram mutuais notícias, e pelas várzeas, e curvados sôbre a nossa mesa
de estudos, naquelas vigílias da nossa casinha do Braz, muito conversamos, muito sonhamos.
Todos os nossos estudos, tôdas as nossas vigílias, nossas práticas, nossas leituras, o que têm feito
de nós?
De ti, o poeta brilhante laureado; de m im ... não vale a pena falar-se.
Estas lembranças do nosso passado, tão cheias de poesia, cujos doces perfumes não pode rescen-
der a minha prosa, eram necessárias aqui, nesta primeira página do teu livro, página que deixaste em
branco, para que eu escrevesse nela o meu nome e o título da nossa amizade.
Em conclusão:
Saúdo o teu engenho, como hei saudado o de todos os nossos colegas e amigos; na minha tristeza
e humilde isolamento, já que não posso fazer parte da brilhante falange dos talentos de nosso tempo, res
ta-me ao menos o doce e inestimável consolo de dizer mais tarde, se viver, aos que me perguntarem por
eles, eu os vi, e convivi com êles.
J . F e r r e ir a d e M e n e z e s .
S. Paulo, Janeiro de 1865.
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L U ÍS NICOLAU PAGUNDKS VAR.KLA
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CANTOS E FANTASIAS
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I,U ÍS NICOLAU PAGUN BES VAKEj^A
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CANTOS E FANTASIAS
[õ õ l]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
E ra tão lindo o céu, — a tarde era tão calma, Tu és, quem sabe, 1877 a gemedora endecha
E teu olhar brilhava tão cheio de candura. De um ente amigo que afastado chora,
Criança! que não viste a tempestade escura E ao som das fibras do saltério ebúrneo
Que estas palavras tuas me despertaram n’alma! Conta-me as dores que padece agora!
Pois bem, hoje que o tempo partiu de um golpe só A i! não te arredes, viração tardia,
Sonhos da mocidade e crenças do futuro, Zéfiro pleno da estivai fragrância!
Na fronte do poeta não vês o sêlo escuro Sinto a teus beijos ressurgir-me n’alma
Que faz amar as tumbas e afeiçoar-se ao pó? O drama inteiro da rosada infância!
Pensava em ti nas horas de tristeza Basta uma noite de luar nos campos,
Quando estes versos pálidos compus; O brando eflúvio dos vergéis do sul,
Cercavam-me planícies sem beleza. Dous olhos belos, — como a crença belos!
Pesava-me na fronte um céu sem luz. Fitos do espaço no fulgente azul!
Ergue êste ramo sôlto em teu caminho; A h! não te afastes, viração amiga!
Sei que em teu seio asilo e n c o n tra rá !... Além não passes com teu mole adejo!
Só tu conheces o secreto espinho Tens nas delícias que as torrentes vertes,
Que dentro d’alma me pungindo e s t á !... Tôda a doçura de um materno beijo!
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CANTOS E FANTASIAS
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Não mais! A areia tem corrido, e o livro Templos, altares de afeição sem têrm os!
De minha infanda história está completo! Mundos de sentimento e de magia!
Pouco tenho de andar! Um passo ainda Cantos ditados pelo próprio Deus!
E o fruto de meus dias, negro, podre, O h! quantos reis que a humanidade aviltam,
Do galho eivado rolará por terra! E o gênio esmagam dos soberbos tronos.
Ainda um treno, e o vendaval sem freio Trocariam a púrpura romana
Ao soprar quebrará a última fibra P or um verso, uma nota, um som apenas
Da lira infausta que nas mãos sustenho! Dos fecundos poemas que inspiraste!
Tornei-me o eco das tristezas tôdas
Que entre os homens achei! O lago escuro Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Onde ao clarão dos fogos da tormenta Do cantor infeliz lançaste à vida.
Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Arco-íris de amor! Luz da aüança.
Por tôda a parte em que arrastei meu manto Calma e fulgente em meio da tormenta!
Deixei um traço fundo de a g o n ia s !... Do exílio escuro a citara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
O h! quantas horas não gastei, sentado Lançou dilúvios de harmonia! — O gôzo
Sôbre as costas bravias do Oceano, Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Esperando que a vida se esvaísse Em desejos alados se mudaram.
Como um floco de espuma, ou como o friso Noites fugiam, madrugadas vinham,
Que deixa n’água o lenho do barqueiro! Mas sepultado num prazer profundo
Quantos momentos de loucura e febre Não te deixava o berço descuidoso,
Não consumi perdido nos desertos. Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Escutando os rumores das florestas, Nem de outros sonhos que dos teus vivia!
E procurando nessas vozes tôrvas
Distinguir o meu cântico de morte! Como eras lindo! Nas rosadas faces
Quantas noites de angústias e delírios Tinhas ainda o tépido vestígio
Não velei, entre as sombras espreitando Dos beijos divinais, — nos olhos langues
A passagem veloz do gênio horrendo Brilhava o brando raio que acendera
Que o mundo abate ao galopar infrene A bênção do Senhor quando o deixaste!
•Do selvagem c o r c e l? ... 1882 E tudo embaldc! Sôbre o teu corpo a chusma dos anjinhos, 1885
A vida parecia ardente e douda Filhos do éter e da luz, voavam.
Agarrar-se a meu s e r ! . .. E tu tão jovem. Riam -se alegres, das caçoilas níveas
T ão puro ainda, ainda n’alvorada. Celeste aroma te vertendo ao corpo!
Ave banhada em mares de esperança. E eu dizia comigo: — teu destino
Rosa em botão, crisálida entre luzes, Será mais belo que o cantar das fadas
F ôste o escolhido na tremenda ceifa! Que dançam no arrebol, — mais triünfante
Ah! quando a vez primeira 1883 em meus cabelos Que o sol nascente derribando ao nada
Senti bater teu hálito suave; ?vluralhas de n e g ru m e !... Irás tão alto
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados. A i! doudo s o n h o !... Uma estação passou-se,
Abismos de inocência e de candura, E tantas glórias, tão risonhos planos
E baixo e a mêdo murmurei: meu filho! Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Meu filho! frase imensa, inexplicável, Abrasou com seu facho ensangüentado
Grata como o chorar de Madalena .Meus soberbos castelos. A desgraça
Aos pés do R e d e n to r... ah! pelas fibras Sentou-se em meu solar, e a soberana
Senti rugir o vento incendiado Dos sinistros impérios de além-niundo
Dêsse amor infinito que eterniza Com seu dedo real selou-te a fronte!
O consórcio dos orbes que se enredam Inda te vejo pelas noites minhas.
Dos mistérios do ser na teia augusta! Em meus dias sem luz vejo-te ainda, 1886
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Creio-te vivo, e morto te p ra n te io !...
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de M aria! Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
Escuto em meio de confusas vozes.
E de meu êrro a punição cruenta
Cheias de frases pueris, estultas,
.Na mesma glória que elevou-me aos astros.
O linho mortuário que retalham
Chorando aos pés da cruz, 1884 hoje padeço!
Para envolver teu corpo! V ejo esparsas
Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, Do incenso das igrejas, — ouço os cantos
-A. voz mentida de rafeiros bardos. Dos ministros de Deus que me repetem
Torpe alegria que circunda os berços Que não és mais da t e r r a !.. . E choro embalde. i®87
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro, Mas não! Tu dormes no infinito seio
Clícia mimosa rebentada à sombra! Do Criador dos sêres! Tu me falas
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-tc. Na voz dos ventos, no chorar das aves.
Tiveste mais que os príncipes da terra! Talvez das ondas no respiro flébil!
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CAKTOS E FANTASIAS
MADRUGADA À BEIRA-MAR
SOMBRAS!
O firmamento inteiro
Transborda de fulgores, Não me detestes, não! Se tu padeces,
Do sol aos esplendores. Também minh’alma teu sofrer partilha,
De Deus ao vasto olhar; E sigo em prantos do suplício a trilha.
Esparsas no infinito Curvado ao peso de tremenda cruz!
As nuvens cambiantes
Se espelham triünfantes Para nós ambos apagou-se a luz,
Na face azul do mar. Tudo é tristeza no deserto vário,
Inda está longe o cimo do C alv ário ...
A tribo das gaivotas, 1888 Não para t i . . . mas para mim, precito!
Abrindo as asas leves, Tenho na face o desespero escrito.
Descreve giros breves
Todos me odeiam! — Quanto toco é pó!
Das rochas ao redor;
Ai! neste mundo tu me amaste, só,
E além, 1889 na praia extensa.
E em paga dêsse amor tiveste o inferno!
Ao cântico das aves
Misturam-se as suaves Pálida rosa do alcaçar eterno!
Canções do pescador. Cândida pomba que a inocência nutre!
Melhor te fôra a sanha de um abutre
Nas ondas transparentes, Que estas profanas mãos que te roçaram!
D ’aurora os brandos lumes 1890
Prateiam os cardumes Aos céus os anjos teu chorar levaram.
Dos vividos peixinhos; Irmãos preparam-te amoroso abrigo,
E os botes descuidosos. E eu inda f i c o !... E tenho por castigo
Em prolongadas voltas. Sentir-me vivo quando tudo expira!
Correm de velas soltas Oh! quando à noite o vendaval se atira.
Nos páramos marinhos. Quebrando as vagas turbulentas, frias,
E lasca o raio as broncas penedias
Contudo entre as belezas Onde a chuva despenha-se escumando;
Dêste festim sublime
Eu sinto que me oprime Penso que Deus se abranda e vem chegando
A última cena de meu tôrvo drama;
Um íntimo pesar!
Mas do fuzil que passa à rubra chama
Porque não sou a concha
V ejo ainda longe o pouso derradeiro!
Que volve-se na praia?
E a espuma que desmaia? Andar e sempre andar! O globo inteiro
A onda azul do mar? Pendido atravessar como Caiml
Não achar um repouso, um têrmo, um fim
Porque não tenho eu asas A dor que rói, lacera e não descansa!
Assim como a andorinha,
Que se levanta asinha, E jamais antever uma esperança!
E voa n’amplidão? Uma réstia de luz na escuridão!
Se a inspiração procura Uma voz que me fale de perdão
Erguer-me pelo espaço, E parta o bronzeo sêlo de agonia!
Um rijo, estreito laço
Me prende os pés no chão! Ah! é cruento! Mas talvez um dia
Compreendas tão funda expiação,
O sol que hoje fulgura E o pobre nome que detestas hoje
E as vagas ilumina. Murmures entre lágrimas então!
De novo a luz divina
Derramará nos céus;
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 556 ]
CAUTOS E FANTASIAS
PROTESTOS
DESEJO
Esquecer-me de ti? Pobre insensata!
Posso acaso o fazer quando em minh’alma Quando eu morrer adornem-me de flores.
A cada instante a tua se retrata? Descubram-me das vendas do mistério,
E ao som dos versos que compus carreguem
Quando és de minha vida o louro e a palma, 1899 Meu dourado caixão ao cemitério.
O faro amigo que anuncia o porto,
A luz bendita que a tormenta acalma? Abram-me um fôsso no lugar mais fresco,
Cantem ainda, e deixem-me cantando;
Quando na angústia fúnebre do horto Talvez assim a terra se converta
És a sócia fiel que asinha instila
De suave dormir num leito brando.
Na taça da amargura algum conforto?
[ 557 ]
L U ÍS KICOLAU FAGUNDES VARELA
À calma semelhante, a dor é quêda e funda. Erguei acima os olhos, que linda vai a noite!
Seus íntimos gemidos quem poderá c o n ta r? ... Quão doce é seu aspecto e seu respiro ameno!
A tempestade foge, mais infeliz, da nuvem E vós pensais achar, sombrio e taciturno.
Que a lágrima secreta desprende em seu passar! Seu manto conspurcado da morte no veneno!
[ 558 ]
CANTOS E FANTASIAS
[ 559 ]
L U IS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 560 ]
CANTOS E FANTASIAS
[561]
L U ÍS XICOLAU t'A GU N nES VARELA
Duntalmo foi vencido. Dominado Trevas espêssas que meu corpo envolvem!
Por um ódio fatal, passados tempos Serás o filho de Langal? Outrora
Voltou Duntalmo, e colocado à frente No palácio de Clutha eu vi sentado
De numerosa tropa, às horas mortas Rsse ilustre g u e rre iro !... Tu me chamas.
Assassinou Ram or em seu palácio. O h! mas não posso abandonar nos ferros
Meu irmão infeliz, seria infame!
Filhos do morto, na mais tenra idade. Dá-me uma lança, voarei de pronto.
Colmar e Calthon descuidosos entram Partirei seus grilhões e iremos juntos.
Na triste habitação, e contemplando
Sôbre a terra atirado, envolto em sangue, — Guerreiros mil, responde-lhe a donzela.
O cadáver paterno, as frontes unem, Guardam Colmar. Que poderás sòzinho
F. seus prantos confundem abraçados. Contra força tão grande? Vem, fujamos.
As lágrimas doridas que derramam. Corramos a Morvém, seu rei piedoso
Aos suspiros sentidos que desprendem, De teus males ouvindo a triste história
O coração cruento de Duntalmo V irá salvar Colmar. Da noite as sombras
Abranda-se e comove-se; de pronto Aos poucos vão fugindo, e na planície
Manda levar as míseras crianças Verá Duntalmo de teus pés os traços,
A seu palácio esplêndido de Alteutha. E morrerás na flor da juventude.
Vem, não receies, inda é tempo. — O moço
Sob o teto opulento do inimigo Suspirando levanta-se; à lembrança
Os filhos de Ram or foram crescendo; Do irmão infeliz, rios de pranto
Já na presença do feroz guerreiro Escapam-lhe dos olhos. O caminho
Entesavam seus arcos; junto dêle Que vai dar a Morvém ligeiros trilham.
Já combatiam destemidos, fortes. O capacete escuro a face oculta
Da formosa Colmai; seu branco seio
Viram cobertos de espinhosas plantas O ar da noite a longos tragos bebe
Da morada paterna os altos muros; Sob a lisa armadura que o comprime.
E junto da lareira o verde limo, 192.3
Sob as asas de fúnebre silêncio. No palácio de Selma, entrando à volta
Estender-se e ganhar os aposentos; Da caça turbulenta, os dous mancebos
E choraram sozinhos nas montanhas, Fingal encontra; as desventuras ouve
E o pesar que sentiam transudava Que o filho de Ramor lhe conta, e volve
Das faces juvenis. Duntalmo em breve Seus olhares à tropa que o circunda.
Percebeu-lhes a dor, e receando Mil guerreiros levantam-se e reclamam
Que êles a morte de seu pai vingassem. A honra de levar a guerra a Teutha.
Os prendeu em dous antros pavorosos
Do Teutha escuro nas desertas margens. E também eu parti. Sôbre a planície
Nossos bravos marchavam semelhantes
Jam ais a luz do sol transposto havia As vagas do Oceano: os dous mancebos
Destas cavernas úmidas as bordas, Iam perto de mim. Logo Duntalmo
Jam ais da lua os sonolentos raios Nossa chegada prevenindo ajunta
Tinham beijado os fúnebres recantos No tôpo da colina os seus guerreiros.
Destas negras prisões onde os mancebos
Entre sombras espêssas soluçavam. A torrente de Teutha bravejava
Orgulhosa a seus pés. Um bardo envio
A filha de Duntalmo, airosa e linda, A convidar Duntalmo para a luta
Virgem de olhos azuis, louros cabelos. No meio da planície: um rir de mofa
Chorava no silêncio 1924 a desventura Foi a resposta do soberbo chefe.
De Calthon que prendera-lhe a vontade O turbilhão de seus guerreiros move-se
Do ardente amor nos laços feiticeiros. No tôpo da colina, semelhante
Uma noite ela ergueu-se resoluta, 1925 A nuvem negra que o tufão sacode
A formosa Colmai, reveste de aço E desdobra no céu. Duntalmo ordena
Seu corpo sedutor, agarra a espada Que o mísero Colmar trazido seja
Que a defunto guerreiro pertencera, A margem da torrente, e enfurecido
E transpondo a prisão do desditoso Embebe-lhe no seio a férrea lança.
Quebra-lhe os ferros, m ostra-llhe a passagem. O desditoso cai, rola por terra
Torcendo-se no sangue. Alucinado
— O h! filho de Ramor, a noite é negra. Calthon se arroja da torrente ao meio;
Levanta-te e caminha! O rei de Selma Eu vibro a minha espada, e ao lado oposto
Asilo nos dará; meu pai outrora Atiro-me das águas. O inimigo
Na casa de teu pai asilo achara. De mais a mais fraqueia a nossos golpes,
Vem pois comigo, de Langal sou filho. Mas a noite distende 1927 sôbre a terra
Seu manto tenebroso e nos separa.
E Calthon diz a mêdo: — O h! voz suave, 1926
Donde vens tu? Do cimo dos outeiros. Duntalmo se retira para o centro
Ou do seio das nuvens encantadas? De uma antiga floresta, aceso em raiva
Muitas vêzes sonhando enxergo as sombras Contra o mancebo cujo ardor guerreiro
Queridas de meus pais entre as profundas Não pudera extinguir. Calthon sentado
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CANTOS E FANTASIAS
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L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VAKELA
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CANTOS MEHIOIÜNAIS
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L X ; íS > i I C O L A U F A G U N D E S A ' A R E L A
[ 566 ]
CANTOS MCKIDIONAIS
Quanta cena infernal sob essas telhas! Vamos, meu cavalo branco,
Quanto infantil vagido de agonia! Minha neblina veloz,
Quanto adultério! Quanto escuro incesto! Deixemos campos e prados,
Quanta infâmia escondida à luz do dia! Sarças, brejos e vaiados,
Ermos, vilas, povoados,
Quanta atroz injustiça e quantos prantos! E — os homens, atrás de nós!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada! Vamos, vamos, busquemos as terras
Quanta virgem vendida aos lupanares! Onde habitam meus doudos amores,
Onde espera por mim, ansiosa,
Quanto talento desbotado e morto! A mais lânguida flor, entre as flores.
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida Onde tudo é liberdade.
Num carinho de mãe ou de mulher! Vida, calor, gôzo e luz;
Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas, Onde as plácidas campinas
A lama, a podridão, a iniqüidade; Regurgitam de boninas
Aqui o céu azul, as selvas virgens, Às carícias peregrinas
U ar, a luz, a vida, a liberdade! De um sol que sempre reluz!
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liU lS NICOLAU FAÜUNDKS VARELA
[ 568 ]
CAÎÎTOS MERIDIONAIS
Vem sem cortejo, vem sozinha, oh noiva E as auras passavam, e as névoas tremiam,
De meus últimos dias! E os gênios corriam no espaço a cantar,
Tu serás recebida como o arcanjo Mas ela dormia, gentil, peregrina.
Em casa de Tobias! Qual pálida ondina nas águas do mar!
fraze em teu seio o talismã da crença, Estátua sublime, mas triste, sem vida,
A paz sob teu véu. . . .
Sem^ voz, 1952 envolvida no hibérneo sudário.
-Nós subiremos devagar a escada
Verás, se me ouvires, trocado por flores.
Que vai bater ao céu!
Por palmas de amores teu véu mortuário!
Mas quebra-me certeira o imundo vaso
Que oculta o eterno ser; Ah! vem, vem minh’alma! Teus loiros cabelos!
Quebra-o de um golpe, toma-me nos braços, 1948 Teus braços tão belos, teus seios tão lindos,
Não me deixes sofrer! Eu quero aquecê-los no peito incendido.. . .
Contar-te ao ouvido meus sonhos infindos!
Na flor dos anos conheci da vida
Tôda a triste ilusão, Assim eu falava, nos amplos desertos
Embora os homens meu porvir manchassem, 1949 Seguindo os incertos lampejos da luz,
Não os detesto, não! Na hora em que as névoas se estendem nos ares,
E choram nos mares as ondas azuis.
Embora o sôpro ardente da calúnia
Crestasse os sonhos meus, As brisas d’aurora ligeiras corriam.
Nunca descri do bem e da justiça, As flores sorriam nas verdes campinas.
Nunca descri de Deus! Ergueram-se as aves do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblinas!
Bendita sejas, virgem do infinito.
Anjo consolador,
Que a triste foragida criatura
Restituis ao Senhor! À BAHIA
[ 569 1
L U Í S N I C O L A U FAÍ t U N D E S V A R E L A
[ 570 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS
Ouve, 15S8 barqueiro, que ruído é êsse, 1958 Pelo mar, pelo deserto.
Surdo, profundo, que nos ares soa? Pelas montanhas, sinhá!
Parece o estrondo de trovão medonho Pelas florestas imensas
Que dos abismos pelo seio ecoa! Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Deus poderoso! Abandonando remos Da flor do maracujá!
Brada o infeliz a delirar de medo.
Ai! é a morte, que nos chama, horrível, Por tudo o que o céu revela!
No flanco imenso de fatal ro ch ed o !... Por tudo o que a terra dá
Como ao rijo soprar das ventanias Eu te juro que minh’alma
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! De tua alma escrava está!!.
Guarda contigo êste emblema
Ia a piroga ao sorvedouro escuro, Da flor do maracujá!
Era impossível se esquivar então!
Dentro sentado o remador chorava, Não se enojem teus ouvidos
A donzela dizia uma oração! De tantas rimas em — a —
Mas ouve meus juramentos,
Já diante dêles, entre véus de espuma, 1958 Meus cantos ouve, sinhá!
Treda a voragem com furor rugia, Te peço pelos mistérios
K uma coluna de ligeiro fumo Da flor do maracujá!
Do seio horrendo para o céu subia!
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos bóiam sôbre as águas frias!
0 ESPECTRO DE SANTA HELENA i960
.Súbito o barco volteou rangendo, 1958
Tremeu nas ondas, recuou, parou. Sôbre uma rocha isolada
Deu a virgem um grito, 1958 outro o remeiro Pelas vagas flagelada
E o lenho na voragem afundou! Pena uma sombra exilada
Que a sorte trucida em vão!
i udo findou-se! Os vendavais sibilam E aquela sombra gigante.
Correndo infrenes na planície nua, Cativa, mas arrogante.
O rio espuma, e nas barrentas vagas Mede o espaço triünfante.
Rolam dous corpos ao clarão da lua. Brada: — inda sou Napoleão!
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos bóiam sôbre as águas frias! A noite é negra, agoureiros,
No dorso dos nevoeiros
Os gênios traiçoeiros
Galopam pela amplidão!
Batem-se os ventos rugindo,
A FLOR DO M A RA C U JÁ Repta o mar o céu infindo,
Ela os escuta sorrindo
Pelas rosas, pelos lírios. E clama: — eu sou Napoleão!
Pelas abelhas, sinhá.
Pelas notas mais chorosas Oh! sim! Nos templos da glória,
Do canto do sabiá. Nos altares da memória.
Pelo cálice de angústias Os fastos de minha história
Da flor do maracujá! Para sempre fulgirão!
Passem embora as idades.
Pelo jasmim, pelo goivo. Abatam povos, cidades.
Pelo agreste manacá. Os homens e as tempestades.
Pelas gôtas de sereno Sempre hei de ser Napoleão!
Nas fôlhas do gravatá.
O fado, nume inconstante.
Pela coroa de espinhos
Bem poderá um instante
Da flor do maracujá!
Deixar que escarre insultante
Sôbre meu corpo o bretão.........
Pelas tranças da mãe-d’água Casta de torpes rafeiros,
Que junto da fonte está. H oje inflados, altaneiros.
Pelos colibris que brincam Já se curvaram rasteiros
Nas alvas plumas do ubá. Às plantas de Napoleão!
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá. Nos vastos marnéis do Egito,
Sôbre fôlhas de granito,
Pelas azuis borboletas Deixei meu poema escrito.
Que descem do Panamá, Grande como a criação!
Pelos tesouros ocultos De Ménfis sôbre as muralhas,
Nas minas do Sincorá, Dos Faraós das mortalhas
Pelas chagas roxeadas 1959 Gravei ao sol das batalhas
Da flor do maracujá! As lendas de Napoleão!
[571]
L U IS K IC O L A U FAGUN DES V A RELA
[ 572 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS
[Õ 73]
L U Í S N IO O LA U F A tíU 2 sD E S V A R F J íA
[ Õ74 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS
So! de p!agas mais felizes! Mas o veneno que da língua instilas, 1984
Sol que outros seres anima! Ente maldito consagrado à intriga,
Que sôbrc este pobre cüma Do corpo à alma a perdição transporta
De Deus a mão arrojou! Nas doces frases de uma voz amiga!
[ 575 ]
L U Í S K IC O L A U PAÜUN DKS V A R ELA
[ 576 ]
CANTOS M E R ID IO N A IS
[ 577 ]
L U Í S îs IU O L A U UAGUA^DES V A R E L A
[ 578 ]
CANTOS M K R ID IO N A IS
[579J
L U ÍS N IC O LA U F A G U N D E S V A R E L A
XV X I X
As mulheres ostentavam Muitas luas se passaram,
Ao sol as formas adustas, Muitas noiteç, muitos dias
Nuas, belas pela força, Em que o quadrante do tempo
Pelas proporções robustas. Marcou penas e alegrias.
E em tôrno de grandes fogos, 2029 Não para mim que sem crenças,
Entre ligeira fumaça, Sem gozos, sem esperança
Volviam sôbre os brasidos Não enxergava em meu fado
Pingues produtos da caça, A mais ligeira mudança!
Enquanto não muito longe
Reunidos os filhinhos 2030
X X
Jogavam no chão seus brincos
Feitos de brancos ossinhos. Um dia a filha do chefe.
Ou saltavam sôbre varas. M oça airosa, 2034 esbelta e forte.
Ou ágeis, fortes, lutavam Sentou-se triste a meu lado
E com alegres celeumas E me falou desta sorte:
Os espaços atroavam. — Tu 2035 sofres, pobre estrangeiro,
Sofres e eu sofro por ti,
XVI Perdi a paz de minh’alma
Depois que chegaste a q u i!..,
Levaram-me logo ao chefe Sou virgem, bela me chamam, 2036
Que me guardou junto a si: Tom a-m e pois por m u lh e r !...
Das palavras que disseram Segredos que só conheço
P o r Deus que nada entendi; Nem os pressentes siquer!
Mas entre esta rude gente. Serei tua companheira,
Sujeito a seu jugo e lei 2031 Dar-te-ei filhos valentes
Mais franqueza e mais verdade Que suplantem com seus feitos
Do que nas praças achei. Os mais bravos combatentes!
Assim falou-me aos ouvidos
XVII Aquela adusta criança,
Fitei-lhe um olhar dorido
E ra do chefe a morada E disse baixo — Esperança!
Maior do que as mais cabana.s,
Coberta de grossa palha, X X I
Cercada de verdes canas.
Atrás dela poucos passos — Aceitas-me por espôsa?
Entre palmeiras pousada — Pois bem, seja assim, — aceito!
Via-se — à parte — das outras Beijei-lhe as faces morenas, 2037
Outra cabana isolada. Cerrei-a contra meu peito:
Uma cêrca forte, unida, Mas tomarás outro nome,
De trepadeiras coberta. T e chamarás Esperança,
Guardava o âmbito triste T raz êsse nome aos que sofrem
Daquela casa deserta. Dias de paz e bonança!
Ninguém chegava-se a ela, E la sorriu-se. De novo
Dela todos se afastavam, Nossas cabeças se uniram,
A voz baixavam medrosos Mas duas lágrimas tristes
Se acaso dela falavam. Sôbre seu seio caíram.
A tarde um velho indiano Pobre filha das florestas, 2038
Junto à 2032 cêrca se postava, Tu creste no que eu falava!
E estranho, 2033 insípido canto Minh’alma pensava em outra,
Lentamente murmurava. Minha bôea te beijava!
E os mancebos, e as mulheres
Em chusmas se reuniam X X II
Seguindo o insípido canto
Cujas notas repetiam. Não tardou a hora infausta,
Dêsse infausto casamento!
XVIII Tôda a tribo pôs-se em festa, 2039
Tôda a aldeia em movimento;
Daquele asilo o mistério O dia inteiro dançaram
Tentei penetrar em vão! Junto de grandes fogueiras.
Que deus, que tesoiro oculto Ao som de instrumentos ledos.
Ali vendavam-se então? Ao som de canções fagueiras.
[ Õ80 ]
<’A XT O S M E R ID IO N A IS
[ ÕS!
L U Í S NIC OLAU P A (;U N D E S \ ARKLA
A cavalo, sem rumo, o olhar tristonho, A cachaça 2050 alegrava os olhos todos.
Na bôea o saibo de fatal veneno, As cuias de café se repetiam,
■Percorria as campinas e as montanhas E as fátuas baforadas dos cachimbos 2051
Da bela terra de Amador Bueno. Nos caibros fumarentos se perdiam.
[ 582 ]
CA N T O S i M S K lD lü N A IS
[ 583 J
L U Í S N IC O L A U U A G U N D K S V A R E L A
Tudo porém tão limpo e tão singelo, Ontem, cega, insensata, atravessava, 2072
Tão ordenado estava e bem disposto, Érm a de sonhos, a existência, como
Que me senti, se não contente, ao menos Cansado v ia jo r .. . .
Livre de meu fatídico desgosto. H oje só vejo flores e ouço cantos.
Conheço quanto valho neste mundo.
— Tira o casaco e senta-te na rêde; Por ti, por teu amor!
Como estás triste! — Disse graciosa.
— Achas-me triste? — Sim. — Como te chamas: Tu dissipaste a névoa de meus olhos.
— Francisca, o povo chama-me Mimosa. Mostraste-me um país de eternos gozos,
Além de um verde m ar;
— Moras aqui sozinha? — Só, 2071 criança E quando sinto a força, ensaio os passos,
\''i-me sem pai, sem mãe, sem um parente. E cheia de ambição fito o horizonte,
Alheios peitos me aleitaram, pobre Procuras me deixar!
Até hoje vivi, porém contente.
Não partas! Olha, em breve as matas virgens
— E que idade tens tu? — Dezesseis anos. Se tornarão em místicos palácios
T- Dezesseis anos, céus! E nesta vida Como nunca verás!
Nunca encontraste alguém que te amparasse, Em leitos de oiro correrão mil fontes,
Que te desse morada, pão, guarida? Mil maravilhas encherão a t e r r a ....
Tudo isto cantarás!
— Ninguém. Quem dá guarida às borboletas?
Quem dá sustento aos pássaros da serra? Tudo isto cantarás! Teus doces lábiosi
Foi êsse que amparou-me neste mundo, Sabem mistérios junto aos quais são poucos
F'oi êsse que ajudou-me sôbre a terra! Os tesouros de um rei!
Quando tu falas cerram-se-me os o lh o s ....
— Vives feliz? — Se vivo! Quantas ricas Parece que hei vivido um’outra vida,
invejam-me a pobreza e a liberdade! Quando e aonde, não sei!
Quantas, pelo dever, queimam de prantos
O h! não partas! Disseste que as cidades
A coroa vivaz da mocidade!
Tinham -te morto n’alma as esperanças 2073
E as flores do porvir;
Quantas se vendem pela vida inteira
Que só topaste corações sem crenças.
Aos beijos vis de um opulento esposo,
E nos seus braços torcem-se ofegantes Almas vazias, lábios deslavados
Afeitos a mentir!
Buscando em vão no desespero o gôzo!
Tenho um dilúvio de ilusões na fronte,
Eu não tenho ambições, amo e me entrego. Tu as geraste! As emoções devoram
Nenhuma lei me prende a quem o d eio !... Meu seio de m u lh e r!...
És belo e moço, dizem que sou linda, Tom a-m e por escrava! Meiga, humilde,
Queres tu repousar sôbre meu seio? Eu não te ocultarei, tanto te adoro!
Uma idéia sequer! —
Pobre Mimosa! Nos meus braços frouxos
Para junto de mim sorrindo a e rg u i.... Assim falou Mimosa, e suspendida
A noite adiantava-se, as estréias A meu pescoço, em lágrimas banhada, 207-1
Desmaiaram no céu, adormecí. Sorriu e se calou.
Beijei-lhe os braços nus, beijei-lhe o colo.
Beijei-lhe a rósea bôca, fiquei mudo.
Mas minh’alma fa lo u !...
CANTO SEGUNDO
J á sei, compadre, que acharás imprópria
Quando tentei partir, à madrugada. Nos lábios de Mimosa tanta pompa.
Mimosa me deteve. — Ah! não me deixes. T ão alta locução;
Murmurou a chorar. Não importa, atavio-lhe a linguagem
Nesta só noite que passei contigo. Sem lhe afogar a idéia — si discutes.
Tanto, tanto sonhei, que outra me sinto, Mando-te à Introdução.
A luz de teu olhar!
Voto horror aos retóricos e mestres
Não partas, fica, tenho dentro d’alma Que exigem copiada a natureza
vJm mundo que se forma pouco e pouco, T al e qual ela está:
Que em breve há de surgir.... Sem meias-tintas e artifícios finos
Porque rasgaste o véu que me ocultava Pinta-m e um quadro, tu verás se minto,
Tanta esperança, tantos resplandores, (Que monstro sairá).
Se tinhas de partir?
Escuta: — a teu falar estas campinas, As silhas desatei de meu cavalo.
Estas florestas, estes altos montes Tirei-lhe a sela, e o freio que insofrido
São novos para mim; Mascava com ardor;
iMinha vida, mais bela, é como um astro O formoso animal rinchou contente.
Que livre da tormenta em paz caminha Deu três saltos robustos, e espojou-sc
No céu de azul cetim! Da relva no frescor.
[ 584 ]
CANTOS MERIDIONAIS
Eu ficarei! Quem sabe se mais tarde Poucas, bem p o u ca s!... Muda de caminho,
Na hora extrema, meu viver revendo. Lança por terra o baço candieiro
Tivesse de chorar E calmo pensador
Alguns dias de gôzo verdadeiro, Contempla esta criança! Algo descobres
De calma e de sossêgo, que em teus braços Que não seja candura, paz, bondade, 2085
Não soube aproveitar? Inteligência e amor?
Sentindo as asas leves, perfumadas, Esse que a voz das aves interpreta,
Do gênio do prazer roçar-te 2077 o peito. Que inunda de clarões os mais profundos
Gozaste, sem a m o r .... Antros da Criação,
Na sarça escura a pomba também geme, Que a mentira dos homens não extinto,
E a corça meiga 2078 entrega-se nos ermos, Mas esfriado havia a lentos sopros
Dos seres ao 2079 pendor. Dentro do coração;
A pobreza que atira às espeluncas Êsse brotou mais forte e mais intenso!
Milhões de virgens, cujos corpos mata E eu me senti nas asas conduzido
Mercenário gozar. De aspirações sem fim
Deixou-te aqui vedada aos libertinos, Para o cimo das serras altaneiras,
Inda ignorante da fatal ciência Onde o arrebol semeia ilhotas de oiro
Que ensina o lupanar! Em lagos de carmim.
Nunca o astro das noites encantadas E eu invoquei os pássaros errantes
Deixou cair em faces mais formosas Que vêm 2086 (jg longes climas desenhando
Seu úmido clarão! As sombras nos sertões, 2087
Como teus olhos nunca hei visto estréias! A fim de que mostrassera-me nos ermos
Como teus lábios não tem côr a aurora 2080 Um remanso feliz onde soltasse
E rosas o verão! Minhas livres canções.
Eu ficarei contigo! Em teus carinhos E falei a 2088 Mimosa dos desertos,
Quero afogar, sonhando etéreos sonhos, Das plagas afastadas do bulício,
Da mocidade a flor! Do mundano rumor,
Quero morrer sentindo-te em meus braços, 2081 Onde nem traços de homem se estampassem
Chorar, gemer, estremecer sem fôrças Dos amplos chapadões sôbre as areias
Em delírios 2082 de amorl De deslumbrante côr.
Assim falei-lhe, e como ao leve corpo Falei de uma casinha à beira d’água.
De uma leve criança, em meus joelhos Oculta entre as folhagens verde-escuras
Brandamente a depus; Dos ricos laranjais;
Cerrei-a contra o peito, e largo tempo De um jardinzinho, — do arrulhar dos pombos,
Mudo assisti às festas de su’alma Da sesta no pomar, — de quanto almeja
De seus olhos na luz. Quem sonha e ama demais!
Responde-me, compadre, crês acaso Ela me ouvia, e por seus belos olhos
Que habita a virgindade só no corpo Eu via-lhe a voar o pensamento
De donzelas novéis? No espaço do ideal!
Que não há cortesãs por entre as virgens, Depois nossas cabeças se encostavam,
Como entre cortesãs virgens existem. Nossas almas fundiam-se num canto
Mesmo até nos bordéis? Sublime, sem igual!
Que do casto sacrário a fome lívida Três meses decorreram, em três meses
Não conduza aos alcouces, macilentas. Vivemos por três séculos. Mimosa
Puras, santas vestais. Se transformara então;
Enquanto o oiro esconde em véus pudicos 2083 Minhas idéias de poeta haviam
Ilesos corpos, cujas almas queimam I.he esclarecido o espírito dotado
Ardores infernais? Por celeste condão.
[ 585 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
T rês meses decorreram, mas nem sempre, 2089 Assim dizendo, me lançou aos ombros
Como no céu azul a casta diva Um pesado capote e foi juntando
Das tradições pagãs, A roupa que encontrou;
Nossa existência deslizou tr a n q u ila .... Deu-me uma trouxa, encarregou-se de outra,
Parece que a tormenta ama e prefere E , 2096 à porta do quintal se dirigindo.
As mais belas manhãs! Abriu, e observou.
Mimosa tinha um círculo de ousados, 2090 — Nada suspeitam, vamos. — Quão formosas.
Cegos adoradores, broncos vates. Quão serenas luziam as estréias
Valentões comensais. No Céu sombrio-azul !
Paladinos de esperas e emboscadas Nem uma nuvem maculava o espaço!
Cujas noites contavam-se por brigas  nossa frente n ’amplidâo brilhava
E surdas bacanais; O Cruzeiro do Sul!
Logo aos primeiros dias, às visitas E caminhamos, caminhamos; frias
Dos Adônis boçais, indiferente Batiam -nos no rosto e nos cabelos
Mostrou-se e fria até; Da noite as virações;
Depois foi se esquivando a seus gracejos. O orvalho nos molhava os pés descalços:
P or fim negou-se por uma vez ao trato Os espinhos do mato nos cobriam
Dessa indigna ralé. 2091 As faces de arranhões.
Então feridos no brutal orgulho. Chegando ao cimo de um pequeno outeiro,
Calcados pelos pés de uma criança E la parou, — estou cansada, disse.
Que pensavam dobrar. Repousemos em paz.
Uniram-se esquecendo os mútuos zelos, Estendi meu capote sôbre a relva,
E ardendo em fúrias de despeito e raiva Sentamo-nos, voltando a vez primeira
Juraram se vingar. Os olhos para atrás.
Uma história de lutas improfícuas, 2092 Tudo estava tranqüilo. A várzea, o rio,
De dias sem repouso e inquietas noites A estrada solitária, os fundos vales
Começou para mim! Pareciam dormir;
Tornou-se a casa um forte sitiado, Nada turbava o plácido silêncio.
E a guerra declarou-se atra em seus meios, Senão de errantes cães soltos no campo
Cruenta no seu fim! 2093 O espaçado latir.
E ra Nho Láo o chefe dos guerreiros Mas pouco e pouco um rôlo de fumaça
Do exército inimigo, audaz roceiro, Denso, pesado qual medonha tromba
Como Ulisses sagaz; 2094 Suspensa em alto mar,
Ciladas que evitei dêste malvado, Do teto da cabana de Mimosa
Tram as que desmanchei, contar não posso. Ergueu-se lentamente e em ondas tôrvas
Tantas eram e tais! Desdobrou-se no ar!
Por duas vêzes escapei. Deus sabe 2095 Em breve a chama brilha, zune, estala.
Como, de horrenda surra de cacête Em rubras labaredas lambe os caibros
Dada por destra mão! E devora o sapé!
Muitas outras de laços e armadilhas As aves de redor fogem piando!
Erguidas no caminho que eu trilhava Torram -se as plantas, ardem se torcendo
Com tóda a precaução! E tudo em ruínas é!
[ 586 ]
CANTOS MKRIDIONAIS
[ 587 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 588 ]
CAKTOS M E R ID IO N A IS
[ 589 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 590 ]
CANTOS DO ÊRMO K DA CIDADE
[ .591
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 592 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE
Quanto tenho de teu impresso nela. Quem és tu, pobre vivente, 2132
Risos ingênuos, prantos de criança, Que passas triste, sòzinho,
E êsses tão lindos planos de esperança Trazendo os raios da estrela
Que a sós na solidão traçamos juntos. E as asas do passarinho?
Que a sós na solidão traçamos juntos.
Sedentos de emoções, ébrios de amores. A noite é negra, raivosos
Os ventos sopram do sul,
Idólatras da luz e dos fulgores
De nossa mãe sublime, a natureza! Não temes, doudo, que apaguem
A tua lanterna azul?
De nossa mãe sublime, a natureza,
Quando apareces, o lago
Que nossas almas numa só fundira,
E a inspiração soprara-me na lira De estranhas luzes fulgura.
Muda, arruinada nos mundanos cantos. Os mochos voam medrosos
Buscando a floresta escura.
Muda, arruinada nos mundanos cantos,
Mas hoje bela e rica de harmonias. As folhas brilham, refletem,
Banhada ao sol de teus formosos dias. Como espêlhos de esmeralda,
Santificada à luz de teus encantos! Fulge o íris nas torrentes
Da serrania na fralda.
[ 593 ]
IA7ÍS X IC O L A ü FAGUXDKS V ARE LA
[ 594 ]
C A N T O S DO ÊRMO E D A C ID A D E
[ 595 ]
LU IS KICO LAU FAGU N DES V A R E L A
[ 596 ]
C A N TO S DO ÊRMO K DA C ID A D E
Ohl não, que não são elas, Já perdendo de vista os Andes túrbidos
Mas ail meus sonhos são! Sôbre rochas pousei........
São do passado as vívidas estréias Sôbre rochas pousei, — as virgens cândidas.
Que a flux rebentam cada vez mais belas. Louras filhas do ar.
De mais puro clarão! Trocaram-me do corpo a etérea túnica
Por manto de cristal.
São meus prazeres idos! Cantaram-me ao ouvido um hino mágico
Minha estinta esperança! Que falava de amor.
S ã o ... Mas que nota fere-me os ouvidos? Tão meigo e triste como a voz da América
Escravo estulto, abafa êsses gemidos! Em seu berço de luz.
Canta o riso e a bonança! Cingiram-me a cabeça dos mais límpidos
Diamantes e rubins;
Canta a paz e a ventura, Das borboletas leves e translúcidas
O mar e o céu azul, Do verde Panamá
Quero olvidar minha comédia escura, Fonnaram-me sutil, brilhante séquito;
E a ledos sons as larvas da loucura Aspergeram-me os pés
Bater como Saul! Do perfume das flores mais balsâmicas
Das savanas sem fim,
Leva-me às densas matas LC me apontando da floresta os dédalos
Onde viveu Celuta; Pejados de frescor,
Faze-me um leito à margem das cascatas, Deram-me abraços mil, ardentes ósculos,
Ou nas alfombras úmidas e gratas E deixaram-me só ........
De recôndita gruta. E deixaram-me só; — nos vastos âmbitos
Sem rumo, me perdi,
A ssim ... assim! Fagueiras, Meus olhos inundaram-se de lágrimas.
Escuto já nos ares Quis aos montes voltar,
As vozes das donzelas prazenteiras, Mas o treno saudoso dos espiritos
Que dançam rindo ao lume das fogueiras A minh’alma falou,
No centro dos palmares. F' ao grato aceno dessas queixas misticas
De novo me alentei.
Mais vinho! Oh! filtro mago! Desci das brenhas pensativa, atônita,
Só tu podes no mundo Olhos fitos além;
Mudar os giros do destino vago, Meu manto sôbre a rocha um surdo estrépito
E fazer do martirio um doce afago. Desprendia ao roçar,
De uma taça no fundo! E meus cabelos borrifados, úmidos
De sereno estivai.
Oh! patriarca antigo! Salpicavam, ao sol, de infindas pérolas
Oh! bebedor feliz, O desnudado chão.
Do roxo sumo da parreira amigo! Os velhos cedros com seus ramos ásperos
Teu nome invoco, abraço-me contigo, Saudaram-me ao passar.
Vem, vem ser meu juiz! Os cantores das matas, em miriades.
Os coqueirais senis
Basta, servo, de cantos; Bradaram numa voz: oh! filha esplêndida
Quero dormir, sonhar. Da eterna criação.
Sinto do vinho os últimos en can tos.... Corre, que ao lado do soberbo tálamo
Molham-me as faces amorosos prantos, Por ti suspira o m ar!........
Vou reviver e amar! Ao meio-dia extenuada, mórbida
Pelo intenso calor.
De um mundo ignoto sob a imensa cúpula
Solitária me achei.
A LENDA DO AMAZONAS Argênteas fontes, sonorosos zéfiros.
Rumores divinais.
Quando vestido de brilhante púrpura Grutas de sombra e de frescura providas,
Surgiu o sol no céu, Multicores dosséis
Deixei a mêdo os majestosos pincaros A cujo abrigo um turbilhão de pássaros
Onde habita o condor, Cruzava-se a trinar,
E guardando do frio os seios trêmulos Um não sei quê de vago e melancólico, 2143
Nas dobras do brial, De infinito talvez.
Como errante cegonha, ou pomba tímida. Ascenderam-me ao seio a chama insólita
Às planícies voei. De estranha sensação!
Em meus cabelos ciciavam, lânguidos. Sentei-me ao lado de um rochedo côncavo
Os sopros da manhã. E procurei dormir........
Clarões e névoas, iriantes círculos. E procurei dormir, — as plagas túmidas,
Giravam-me ao redor, O indizivel amor
Mas sôbre um leito de tecidos flácidos. Que transudava dos sussurros épicos
Inclinada a sorrir. Dos sombrios pinhais.
Deixava-me rolar aos doces cânticos Em cujas grimpas ramalhavam séculos.
Dos gênios do arrebol. Dormia a tradição;
[ M)7 ]
L U Í S N I C O L A U ï 'A C f U N D K S V A R K L A
[ 598 ]
C A N T O S DO ÊRM O E D A C ID A D E
E por isso em meus sonhos sempre vi-te Oh! selvas de minha terra!
Entre nuvens de incenso em aras santas, Oh! meu céu de azul cetim!
E das turbas solícitas no meio Regatos de argênteas ondas!
Também contrito hei te beijado as plantas. Verdes campinas sem fim!
[ 599 ]
I^UÍS N I C O L A U F A G U N D E S V A R E L A
[ 600 ]
CA N TO S DO ÊRMO E DA C ID A D E
Aqui O f o g o , a luz, ali neblinas; Mortal mais do que um gênio! se entre os brados
Nesta calmos pastores, De teus fortes guerreiros,
Ali fortes guerreiros; sonhos, crenças. Se entre os aplausos de teu povo grato.
Lhes servem de defesa. Escutares de longe
Os pobres cantos dum poeta obscuro,
A idéia cresce, avulta ou se concentra; Ah! perdoa-lhe o arrôjo!
A índole se expande. Cegou-lhe o resplendor da liberdade.
Ou no âmago d’alma ruge opressa. Sonhou irmãs e unidas
Prometeu sôbre o Cáucaso Tôdas as raças das colúmbias terras!
Tem por medida de seu nobre orgulho Cantou, aceita o canto.
O figado sangrento Aceita-o, no alcaçar dos potentados
Que o pássaro roaz lacera embalde. Jamais alguém o ouviu!
Encelado dormita,
Mas ao mover-se no abrasado leito
Derrama sôbre a terra
Uma golfada de betume escuro
E chamas dévorantes. A FILHA DAS MONTANHAS
De teu povo adorado a oculta chaga (E leg ia)
Tu a tocaste, herói!........
Quando ao ninho do pássaro soberbo
Que as alturas devassa Esta viveu no meio das montanhas.
Baixa e repousa o corvo deslavado, Foi seu passar um vôo de andorinha
E os condores implumes À flor de lago azul, — seus verdes anos
Piam de mêdo à sombra do inimigo. Contaram-se por flores.
Também no azul dos céus Desconheceu as sêdas e os veludos,
Solta um grito de raiva, as asas bate Finas alfaias, peregrinas jó ia s ...
E veloz como o raio Talvez pensando no clarão dos astros
Hirto se arroja o príncipe das aves Zombasse dos diam antes!....
Ao abrigo invadido. O coração polui-.se nas cidades:
Podem ser bons os homens isolados,
Como imperfeito esboço em tela imprópria, Mas se o nó social num corpo os liga,
Como pálida rima Meus Deus! tornam-se atrozes!
Sôbre confuso, insípido poema, Dobram à lei o colo, e astutos traçam.
A glória de uma raça Mesmo aos olhos da lei, planos do inferno;
Ninguém pode apagar no vasto livro Peste moral de rápido contágio
Que pertence ao porvir. Devora-lhes as vísceras!
Embora a escravidão, guerras, flagícios Fazem da negra intriga uma ciência.
O brilho lhe escureçam, Sabem mentir à sombra da verdade;
Não morre uma nação, nem se aliena! E entre palavras de virtude incensam
Antes no espaço O demo da calúnia!...
Mais fàcilmente um mundo se dissolve, Feliz a virgem que repousa agora!
E torna-se em poeira! Feliz mil vêzes, não pisou nas praças!
Misera flor, o hálito das turbas
Sombras ilustres dos guerreiros mortos A teria queimado!...
Na quadra lutulenta Inda florescem, vêde, os jasmineiros,
Em que a pátria limava os duros ferros Inda as rosas se embalam junto à choça
Das hispanas cadeias. Onde na sombra a triste mãe chorosa
Erguei-vos nesses campos celebrados Soluça amargamente!
Onde os tênues arbustos As trepadeiras curvam-se à janela.
Nas noites calmas relatar parecem Gemem no teto os pombos amorosos.
Vossos feitos sublimes; Suspenso à porta na prisão gorjeia
Vinde, a pátria vos chama, a pátria chora, O sabiá das serras.
A pátria vos invoca, Tudo isto ela adorava, e ela não vive!
A pátria mira Juarez, aflita. E ela passou ligeira como a névoa
Soluça e pensa em vós! Que o vento da manhã varre do outeiro,
E dissipa nos ares!
Bravos da liberdade mexicana! Tudo isto ela adorava! Ao sol poente.
Invicto general! Leda e risonha, coroada a fronte
Olhai, olhai, não vêdes a v itó ria ? .... De rubras maravilhas, leve, airosa.
Não, ao tronco gigante. Vinha regar as flores;
Glória das selvas, marco das idades, E em meio erguida a barra do vestido.
Não deixeis que se enlace Saltava como a corça, ora amparando
A parasita vil, e a seiva beba, A hástea pendida de viçosa dália.
E sôbre seu cadáver Outras vêzes solicita
Cheia de vida eleve-se nos ares! Bravias plantas arrancando em tôrno
Não deixeis que a serpente Dos pequenos craveiros, ou tranqüila
Sôbre o jaguar enrole-se esfaimada! Contemplando os botões que se entreabriam
E espedace-lhe os ossos! À frescura da tarde.
[601]
L U t S K IC O I.a u FAGUNDES V A R E LA
( C an çã o de U m D ev o t o )
AS LETRAS
Bem sei, criança estouvada,
Que por artes do demônio 2155
Na tênue casca de verde arbusto
Furtaste, à noite passada,
Gravei teu nome, depois parti;
O filho de Santo Antônio! Foram-se os anos, foram-se os meses.
E sem mêdo, sem piedade. Foram-se os dias, acho-me aqui.
Cheia de um ímpio alvoroço, Mas ai! o arbusto se fêz tão alto.
O mimo do pobre frade Teu nome erguendo, que mais não vi!
Correste a esconder no poço! E nessas letras que aos céus subiam
Meus belos sonhos de amor perdi.
Arrepende-te, Chiquinha,
Vida minha,
Minha linda tentação!
A divindade perdoa.
Terna e boa. O ARREPENDIMENTO
Os erros do coração.
Tens razão, já, soberana.
Ah! que fizeste, insensata? Viste-me curvo a teus pés!
Demo gentil, que fizeste? Alma que do mal se ufana.
Por causa de um’alma ingrata Tarde conheço quem és!
T u’alma pura perdeste! Mas a imagem que eu buscava.
[ 602 ]
C A N T O S D O ÊH M O E D A C I D A D E
[ 603 ]
L U ÍS N ICO LAU FA G U N D E S V A R E L A
[604 ]
CAN TO S DO ÊRMO E D A C ID A D E
[ 605 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Das noites estivais não mais cobria “ E também eu, meu pai”, disse abraçando
A face desolada dos desertos, O resoluto chefe. “ Bem, agora
Onde vencido e vencedor rugiam Trata de os avisar, um só momento
Ensopando de sangue o chão revolto. Não devemos perder. O Rei das Sombras
As moças aldeãs tinham perdido Que venha ter comigo.” Os dous guerreiros.
Seu riso jovial, e recolhidas. Quais dous raios partiram. Triste o chefe
Em tórno ao triste lar, cheias de luto. Voltou-se à triste esposa, e lhe depondo
Deslembravam seus cantos prazenteiros Um frio beijo sôbre a fronte fria.
Para chorar a morte dolorosa Deitou-lhe ao lado o mísero filhinho.
Dos pais ou dos irmãos. O céu brilhante , “Minha pobre Evelina, que fadário
C> próprio céu da terra americana Lutulento é o nosso!” Disse, e a sócia
Não mais sorria aos campos devastados. De seu fundo sofrer, vendo-lhe os olhos
Num véu de acerbas lágrimas envoltos.
I I. Lançou-lhe ao colo os braços amorosos.
Chorou com cie o pranto do infortúnio.
Vinha descendo a noite, treda noite
De pavores e sustos. Na planície IV .
Que entre Anelo se estende e entre ^lonclova
Soam confusas vozes, brilham lumes, Também no seio dêste mundo virgem
Cruzam-se à chama rubra das fogueiras Há desertos terríveis, flagelados
Vultos inquietos. O rumor aumenta-se. Por um sol implacável. Vastos mares
Novas figuras erguem-se do solo; De areia movediça se desdobram
Tinem espadas; ameaças troam, Até perder-se além nos horizontes.
E um só clamor se estende pelo espaço Nem uma gôta d’àgua nesses ermos!
Os ecos acordando: “Temos sêde! A noite lhes negou seu fresco orvalho,
Dai-nos água por Deus!” Então da sombra E as chuvas do verão fugir parecem
Um homem se destaca; seus olhares A seu hórrido aspecto. Desditoso
São calmos e tristonhos, o .sorriso Do viandante que o roteiro perde
Forçado de seus lábios anuncia Nessas paragens lugubres, 2164 malditas!
Mal disfarçada mágoa, tem nos braços Contudo às vêzes junto a ingrata mouta
Uma tenra criança. “ Ouvi, meus filhos. De ressequido cáctus se levantam
Disse com voz serena, aqui vos deixo De uma cisterna os lábios: são lembranças
Este anjinho 2163 em penhor; se à madrugada Que deixaram, quem sabe, errantes hordas.
Não tiverdes matado a sêde ardente Ou mãos piedosas de piedosos sêres
Fazei o que pensardes. Sôbre a terra, Que nessas plagas muita vez sentiram
Único leito que ao guerreiro livre O martírio de Agar nas soledades.
O Senhor permitiu, sofre sem queixas Mas nem restava êste recurso ao menos
Ao desditoso chefe! as tropas bárbaras,
Minha esposa infeliz! E vós, guerreiros. Mais bárbaras que os bárbaros d’outrora,
Vós que lutais em prol da liberdade, Tudo entulhado haviam! Dias quatro
Que a pátria defendeis, vergais o colo. Da liberdade os bravos combatentes
Servos de vergonhoso desespêro!” O suplício da sêde suportavam!
Assim dizendo, sôbre a fria areia
A criança depôs. “ Não! não! bradaram V.
Enternecidas vozes, o inocente
Deve ao lado dormir da mãe que o adora! “ Eis-me aqui, general!” a poucos passos
Confiamos em vós, depressa a noite Uma voz murmurou rouquenha e surda,
A terra deixará.” E pouco a pouco E um vulto adiantou-se. “O Rei das Sombras?
Foi-se afastando a turba de seu chefe. — Sim.” Era um homem de estatura hercúlea,
Que a passos lentos se perdeu na sombra A dúbia frouxa luz que das fogueiras
Agasalhando ao seio o pobre filho. Mal clareava a cena, sôbre o dorso
Batia-lhe fugaz, como nos músculos
III. De uma estátua de cobre a claridade
Das solitárias lâmpadas de Brama.
Junto de estéril céspede inclinada, O Rei das Sombras........ atrevido nome,
Sôbre grosseiro manto, se desenha i. contudo feliz. Da selva os filhos.
Um vulto de mulher; ao lado dela Homens de rubra tez, negros cabelos.
Dous guerreiros vigiam. Pensativo Ágeis no jôgo da ligeira seta.
Vem se sentar o chefe a poucos passos. Amam da língua as pompas; o deserto
Após um meditar de instantes curtos, F ’’ seu vocabulário, e que belezas
“Valdívia, diz, encontrarás cem homens Não encerra o deserto! O Rei das Sombras
Dedicados e fortes, que nos sigam. Tinha nascido à sombra das folhagens
Entre essa pobre gente que delira? Das matas primitivas, como as aves
— Sim, responde Valdívia, o destemido. Livre, e como a amplidão; mais tarde o acaeo
Valente lutador, de brônzeos músculos. Fê-lo deixar seu paços de verdura
Alma de herói em corpo de granito; Para seguir o aventuroso ofício
Sim, e o primeiro sou!” A estas palavras De guiar no deserto os viajores.
O outro guerreiro levantou-se rápido. Tinha talvez de idade doze lustros.
[ 606 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE
Ninguém mais destro, mais sagaz, mais fino Da promessa cumprir.” Mas quando junto
Lm descobrir os rastos do inimigo. Chegaram do lugar onde a família
Vencer perigos, prevenir os fatos, Do chefe descansava, e em vez do chefe
E até, diziam, predizer aos homens Só encontraram Evelina aflita,
Os arcanos vendados do futuro. C' moço pensativo e a criancinha
Chorando fracamente, em altas vozes:
V I. “Traição! traição! bradaram, pague o filho
Pela infâmia do pai! — Sim, 2165 disse um índio
Ao Rei das Sombras dirigiu-se o chefe. De turvo olhar e feia catadura;
“ Disseste que a seis horas de caminho Vêde, o infame traidor levou consigo
Uma fonte acharíamos? — Eu disse, Cem traidores guerreiros; vêde, amigos.
General, mas um bando de inimigos Quantos de menos entre nós se contam!
Velam aí, traidores como as serpes! - - Traição! vingança!” vozeou a turba,
Em deserta fazenda, circundada E como a vaga infrene que se atira
De erguidos muros, seu quartel formaram; De uma ilha isolada às êrmas praias
A cada instante em torno as sentinelas -Avançou para as vítimas rugindo.
Gritam rondando. — Não importa, a morte “ Ninguém se chegue, escutem-me primeiro!”
Será menos cruel aos golpes dêles Disse o moço apontando os brónzeos canos
Do que nas ânsias desta sêde insólita Das armas que trazia à onda viva
Que as entranhas nos rói! Prepara as armas. Raivosa dos rebeldes. O silêncio
Consulta a noite e os ventos, e conduz-nos. Estendeu-se um momento onde soara
Já dos cavalos as passadas ouço.” Há pouco a tempestade. “Eu também juro
Sóbre minh’alma, sóbre minha vida,
VII. Que sereis satisfeitos. Bravos, ânimo!
Deixai que em meio céu o sol fulgure,
Partira o chefe e o grupo de guerreiros. Se meu pai não voltar........” Esta proposta
Por entre as nuvens as estrelas mórbidas Não contentou a turba; no entanto
Vertiam sóbre a terra sonolenta Ela calmou-se um pouco, e dispersada
Seus últimos clarões. Os horizontes Sóbre a areia dos êrmos esperava
De uma cór violácea se tingiam, Que fulgurasse o sol, o sol do meio-dia.
E amplos areais, tredos, imóveis. Êsse instante chegou, não veio o chefe!
Esperar pareciam tristemente
O dúbio riso de uma aurora enferma.
Tudo dormia; o lume das fogueiras I X .
Sob um sudário de ligeira cinza Mas entre nuvens de poeira ao longe
Parecia também, meio abafado. Assoma um cavaleiro; denso nimbo
Dormir sóbre os tiç õ e s... Oh! Deus! que alívio Que os aquilões fustigam pelo espaço
Não deste aos sêres nesta irmã da morte. Não corre mais ligeiro. Tem o corpo,
Rima da noite, que se chama o sono! Do valente animal pendido às crinas,
Evelina acordou sobressaltada: Mas o curvado e musculoso dorso
Escuta, disse ao filho que ficara Brilha aos raios do sol como os relevos
Por mandado do chefe; escuta, filho, De um escudo de ferro. “O Rei das Sombras!”
Disse ao moço guerreiro, tive um sonho. Todos bradaram prolongando a vista.
Cheio de horror e cheio de presságios! Em breve êle alcançara o acampamento.
Punha-se o sol, um turbilhão de fumo “ Filhos da liberdade! eia, 2 1 6 6 marchemos!
Cobria o descampado, em seu cavalo Ofegante exclamou, que nosso chefe
Galopava teu pai a tôda brida Luta como um herói por vossa causa!
Em direção a nós; e no entanto. Ah! de nossos irmãos apenas restam
Bem longe de alegrar-me, dentro d’alma Quarenta bravos, tudo o mais é morto
Uma pungente dor me lacerava! Aos golpes impiedosos dos tiranos
Depois vi-me a mim mesma, em meus cabelos Que laceram a pátria. Eia guerreiros!
O sangue gotejava, um véu de morte Sem vosso auxílio o general sucumbe!
Empanava-me os olhos desvairados, — Vamos! vamos! em marcha! grita o moço.
E corri a encontrá-lo; quando perto — Em marcha! diz a turba.” Num momento
üs braços lhe estendia, agudo grito A multidão moveu-se como as vagas
Escapou de meu peito, e sóbre a terra Por alto mar nas horas de borrasca.
Cai fria e sern fórças........ o inditoso E as carrêtas pesadas se abalaram
Wao tinha mais nos ombros a cabeça!” Sóbre as quentes areias, e o deserto
G mancebo pensava; nesse quadro Viu sem saudade os hóspedes partirem.
Confuso, incoerente, pressentira
iunistros laivos de uma atroz verdade.
X .
VIII. Tinha-se pósto o sol, mas o ocidente.
Tinto de rubra cór, sóbre as planícies
Em breve no oriente o rei dos astros Derramava um clarão sinistro e feio.
f oi-se mostrando aos poucos. Os guerreiros As altas rochas, os grosseiros cardos.
trgucram-se bradando: “O sol desponta, Erguiam-se fantásticos, imóveis.
' amos buscar o chefe; é vinda a hora Ora como sepulcros solitários.
[ 607 ]
LUÍS NIOOLAU FAGUNDES VAKELA
[ 608 ]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE
Fósse trazê-la e descobrir um meio Disse com surda voz, c tudo é feito!
Desta falta sanar........ — E ’ grande a peça? Carregai-a sem mêdo até à bôea!”
Uma voz perguntou. — Não muito grande, O chefe obedeceu, a ígnea mecha
O chefe lhe responde. — Quantos homens Mais uma vez brilhou, partiu o raio,
São mister para erguê-la? — Cinco. — Vamos, O trovão retumbou, a grande porta
Prossegue a mesma voz grave e segura, Em pedaço caiu, e um grito agudo.
Eu farei a carrêta.” Era Valdivia, Atroz, pungente, fêz-se ouvir no espaço!
Que o morto chefe dispensado houvera O herói da noite se torcia em ânsias
Quando havia partido; era Valdivia, Debaixo do canhão! O último abalo
O hércules da tropa, quem falava. Tinha-lhe a espinha vertebral partido!
Dez minutos depois era um cadáver.
XIV.
Pouco tempo depois estava a peça X V.
No meio dos guerreiros. “Mãos à obra. “México e liberdade! Eia, avancemos!”
Disse o chefe mancebo, o Rei das Sombras Bradaram numa voz os assaltantes; 2172
À frente de cem fortes combatentes E como as vagas de caudal torrente
Busque os muros vingar e introduzir-se De erguida serra na garganta estreita
No pátio 2170 cia fazenda; e nós, amigos, Com pavorosos urros se engolfando.
Nós trataremos do portão; é tempo, Em confuso tropel se arremessaram
A peça examinemos sem demora.” À livre entrada que o canhão fizera.
Assim dizendo, 2171 à formidável porta Um granizo de balas sibilantes
Em vão tentaram do canhão mortífero Partiu dos sitiados, derribando
As fauces apontar; em vão, a terra Muitos dos invasores. “Vamos! vamos!”
Em tórno das muralhas levantada Bradava o chefe, e os ávidos guerreiros
Protegia o recinto, era forçoso Rompendo a densa nuvem de fumaça
Erguer do solo o bélico instrumento, No pátio 2173 da fazenda penetraram.
Pô-lo do ponto desejado ao nível.
Houve um momento de silêncio. “Agora
O que havemos fazer? diz o mancebo, XVI.
Que partido tomar? — Sempre o da luta.
Responde-lhe o colosso; o Rei das Sombras Então à dúbia luz dos astros raros,
Que siga seu destino com seus bravos. Que entre as nuvens condensas cintilavam.
Chamai dez homens, soerguei a peça, Houve uma cena horrível. Semelhantes
Eu serei a carrêta! — Tu, Valdivia! A dous bulcões medonhos que se enroscam.
— Eu sim, eu mesmo,” e sôbre o chão cravando Torcem-se unidos atroando o espaço.
Os joelhos e as mãos, falou de novo: Ao som de seus bramidos estrondosos.
“Tragam a peça e amarrem-ma nas costas!” Os guerreiros do forte e os assaltantes
Em breve dez guerreiros reforçados Numa só massa escura se fundiram.
Nos rijos lombos do robusto atleta Caos de sêres humanos consumido
O canhão colocaram, duras cordas Pelo fogo da raiva e da vingança!
Em tórno da cintura lhe passaram Ondas de desespêro e de loucura!
A fim de bem suster o enorme peso. Mistura de paixões e de martírios
O herói nem se moveu. “Agora, amigos. Patente à luz das tímidas estréias
Carregai êste monstro até a bôea. Na sombria nuez de seus horrores!
Apontai ao portão, fogo!” Os guerreiros
Que deviam seguir o Rei das Sombras XVII.
Tomaram seu caminho, e o moço chefe.
Ora fazendo-se inclinar a peça Enquanto isto passava-se no pátio, 2173
Nos ombros de Valdivia, ora elevando-a, Tendo os muros transposto o Rei das Sombras
Fêz carregá-la, examinou a mecha. Invadia o edifício onde açodado
Apontou ao portão, e resoluto O comandante ao lado de alguns homens.
Acendendo o morrão: “ E ’ tempo! disse. Bravo como um leão, se defendia.
Animo, bravo!” E a mecha incendiou-se, Debalde! A mão de Deus era visível,
Rugiu o bronze, vomitou seu raio, E o anjo tutelar dos entes livres
E levantando a fronte o homem-carrêta Batia as asas longas, inflamadas.
Sorriu-se e murmurou: “Mais outra bala. Em tórno de seus filhos prediletos.
Carregai-a de novo até a bôea!
Ah! maldito portão! portão maldito!” X V I I I .
Já entre os muros do sombrio forte
Começava o rumor da soldadesca. “México e liberdade!” os combatentes
Sons de clarins e rufos de tambores. Que lutavam no pátio repetiram
Anúncios de defesa e de combate. Sob a expansão de um júbilo indizívcl.
Segunda vez no dorso de Valdivia “México e liberdade!” das janelas
O canhão trovejou e a bala rápida Do sombrio edifício lhes responde.
Abalou o portão até seus gonzos. De seus bravos no meio, o Rei das Sombras.
O bravo levantou de novo a fronte “ México e liberdade!” e à luz de um facho
Suarenta, inflamada. “Um tiro ainda! Desenhou-se na porta do edifício
[609 ]
I.U1S NICOLAU FAGUNDES VAREUA
Quando no mármor das espáduas belas 2175 Porque não conhece o drama
As negras tranças a tremer sacodes, Do mártir que ali morrera.
Ébrio de amor, sorvendo seus perfumes. Por zelar a sacra chama
Rimo dez odes. Que a liberdade acendera.
[ 610]
CANTOS DO ÊBM O K DA CIDA DE
[611]
L U ÍS N IC O LA U FA G U N D E S V A R E L A
[612]
CANTOS DO ÊRMO E DA CIDADE
Panfílio. Anfilófio.
Seja franco, Pois comigo
Somos aqui sozinhos, porventura Sucedeu o contrário. A minha deusa
Vem espreitar meus passos? Sugou-me à gorda burra o leite todo.
Deixou-me sem vintém. Dizia amar-me,
Anfilófio. E no entanto eu soube que passava.
Menos essa! Durante minha ausência, horas e horas
Eu não sou espião, nem o conheço! Entre os braços de um biltre empomadado.
F dê graças a Deus se nos separam Possessor de uma dúzia de bengalas,
As águas dêste rio, malcriado, Umas de pau com caras de cachorro
Senão lhe gravaria nas bochechas Ou patas cie peru, outras de chifre
Os princípios da sã civilidade Com cabeças de Chins, outras mais feias
E boa educação! Que o próprio frontispício do malandro
Que meus bens devorava em comandita,
P anfílio. Â sombra da velhaca! — Eia, morramos!
Quem pulará primeiro dentro d’água?
Paz, meu amigo, Sem dúvida, o senhor?
Paz; a desgraça me tornou grosseiro,
A dor me transviou! P anfílio.
Anfilófio. Oh! caro amigo,
A boa educação manda que eu ceda
A dor, entendo. E sta honra ao mais velho.
Entendo, vem aqui chorar seus males?
Eu também sofro; diga-me, precisa
De alívio e de consolo?
Anfilófio.
Nada, nada.
P anfílio. Nada de ceremónias, eu não gosto
Não; eu venho, De fôfas etiquêtas.
Eu venho aqui morrer! Não há consolo
Que abrandem minhas mágoas 1
P anfílio.
Pelos anjos!
Anfilófio. Eu cumpro o meu dever.
O que escuto?
Anfilófio.
Eu também vim aqui buscar a morte
No fundo destas águas! Deus louvado. Não, dêste modo
Morramos juntos como bons parceiros. Se gastamos o tempo a rasgar sêdas
Contentes, de mãos dadas, e fujamos E fazer cortesias um ao outro
Dêste mundo cruel como dous ébrios Nenhum se atirará. Bem, concordemos
À meia-noite de uma escura tasca. No que passo a propor: em voz bem alta
Mas conte-me primeiro seus pesares; Pronunciemos vêzes três o nome
Foram azares da fortuna? A morte De nossas infiéis, à vez terceira
De uma esposa querida? O vício? O crime? Arrojemo-nos juntos.
Erros da mocidade?
P anfílio.
Panfílio.
Seja, vamos.
Antes o fôsse!
De que me serve repetir-lhe a história
Ambos.
Das mais negras desditas que aniquilam
Cíntiaü!
O coração humano? As tristes lendas
De um amor infeliz?
Anfilófio.
Anfilófio. Por Deus, repita, sim, repita!
Bem o previa. Cíntia disse, não é?
^'Ua amante deixou-o.
P anfílio.
Panfílio. Sim, 2182 eu o disse.
Disse o senhor também!
Sim, deixou-me!
íogo. alma inspirada. Anfilófio.
Cheia de sonho e ilusões formosas.
Por um parvo, um sandeu endinheirado, Eu também disse.
Um chatim miserável, cuja bólsa E a sua namorada assim se chama?
alia mais aos olhos da traidora
Do que tôdas as odes e sonetos P anfílio.
Dos poetas da terra! Certamente.
[613]
L U ÍS N ICOLA U FA G U N D E S V A R E L A
Anfii.ófio. Marculfo.
E sua côr, sua estatura, De Cíntia eu escutei o nome,
Seu aspecto, seu ar, sua morada? Ouvi falar na rua das Estréias,
Trata-se dela, pelos santos! Calma!
P anfílio. Calma, meu coração!
Alta, morena, de aneladas tranças. Anfilófio.
Pés e mãos pequeninos, olhos negros,
Moradora na rua das Estrelas Viva em sossêgo,
Número quinze. Não amo a companhia em tais matérias.
Estou pobre, arruinado, eu o mais rico
Anfilófio. Capitalista desta terra. Agora,
Dado o caso que viva, o desespêro
É ela! É ela! Não há dúvida! Não deixará meus passos.
P anfílio. P anfílio.
Ela, quem?
Eu não posso
Anfilófio. Me olvidar da infiel! Por tòda a parte
Sinto o aroma sutil de seus cabelos,
Pois não vê? a minha amante. O hálito celeste de seus lábios,
O timbre mavioso de seus cantos!
P anfílio. Volto de novo à rua das Estréias,
Caio a seus p és.........
E ra o senhor o célebre papalvo?
E ra o senhor? Ah! deixe que me ria! Marculfo, gritando.
O h! que aventura! Vale a pena agora
V oltar de novo à vida! A h! monstros! Ah! perversos!
Eu inda vivo, esperem que lhes mostro
Anfilófio. Quanto penetra a ponta de uma faca!
J á lhe disse, Anfilófio, espavorido.
J á lhe fiz ver há pouco que não gosto
De certas brincadeiras, e mormente Fujam os, meu amigo! E ’ o marido!
Na hora de m orrer! Quem pensaria E ’ o marido que chegou, fu ja m o s !...
Que era o senhor o biltre, o peralvilho E i-lo ! Que brilho seu punhal e sp a lh a !...
Cúmplice 2183 da malvada! Eu lhe perdoo! Como é grande, meu Deus! como é terrível!
Corramos, que já sinto pelo ventre
Aparece Marculfo no fundo. O imperioso anúncio do p e rig o !...
Fica para outro dia o nosso plano!
Marculfo.
P anfílio.
Vou me arrojar às ondas dêste rio!
Quero morrer, meu plano está formado, Sim, fujamos, fujamos sem demora!
J á não há nem apêlo nem agravo!
Eu um homem de honra e probidade, (Saem correndo.)
Que há três anos padeço, trabalhando.
Longe da pátria, longe dos amigos, AUrculfo.
Acho ao voltar, depois de tantas penas, Não quero mais m orrer! Já descobri-os!
Minha mulher perdida e difamada, Hei de viver para vingar-me! Eu parto!
Meu nome escrito em vergonhosos versos Eu parto, e em breve há de saber o mundo
Nas esquinas das ruas! Se eu pudesse O que féz um marido indignado!
Dos dous marotos me vingar ao menos,
Do tal capitalista e do tal vate!
Mas os patifes hão fugido, e eu morro
Levando êste pesar na consciência! ORAÇÃO FÚNEBRE
Porém ouço falar, vejo dous vultos;
Escutemos. (R ig.-VEDA, V III, 14).
Segue o caminho antigo onde passaram
Neste ínterim Panfílio tem passado para a outra Outrora nossos pais. Vai ver os deuses
margem onde está Anfilófio. Indra, Yam a e Varuna.
P anfílio. Livre dos vícios, livre dos pecados.
Vivamos, companheiro, Sobe à eterna morada, revestido
A ingrata Cíntia, a estréia impiedosa De formas luminosas.
Da rua das Estréias, perseguida
Pelo remorso, chorará seus crimes, Volte o olhar ao sol, o sôpro aos ares,
Nos abrirá de novo os braços meigos, A palavra à amplidão, e os membros todos
E n ó s......... Às plantas se misturem.
[ 614]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
[ 61 5 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Dos mais cruéis e lugubres suplícios O leito do infeliz, que mão traidora
Que hão inventado as tiranias tô d as!........... Feriu em noite escura, e o êrmo sítio
Arvore negra, pérfida, execranda. Onde caiu exausto o viageiro;
Arvore abrigo do maldito gênio! Que da rósea criança o berço guardas,
Não! Não és tu que vejo nos meus sonhos, E o seio da donzela, — e a régia fronte;
Abrindo os vastos, protetores ramos. O catre do operário; e a dura 2204 enxêrga
P or essas regiões azuis, 2188 serenas, 2189 Do mísero c a t iv o !.... Oh Cruz superna!
Onde o nome de Deus fulgura escrito Permite que o mais rude entre os cantores,
Em rutilantes, 2190 assombrosas letras! O mais rasteiro ser que te há beijado
Não és tu, não és tu em cujas frondes Dobre o joelho junto de teu soco,
Brincam os querubins de plumas de oiro, E travando de mísero instrumento
Ora ledos descendo, ora subindo. Celebre a vinda suspirada, e os atos
Tais como vira cm sonho milagroso Grandiosos, sublimes, — e os milagres, 2205
O neto de Abraão adormecido As egrégias doutrinas, — os martírios
Sôbre uma dura pedra no deserto! Atrozes, 2206 inauditos, e a sagrada
Não és tu que nos tempos de desgraça. Ressurreição de Jesus Cristo, o Filho
De cruas provações, 2191 os povos buscam Do Onipotente Deus! E contemplando
Qual asilo de paz e de ju s tiç a !......... O longo espaço que separa o berço
Árvore da ciência e do infortúnio. Humilde de Belém 2207 cio escuro cimo
Tu não nos dás os frutos da Esperança, Do pavoroso Gólgota, 2208 relate
E nem da F é o bálsamo suave, As maravilhas que aprendeu 2209 criança
P'- nem o puro mel da Caridade! Dos santos lábios de ministro santo,
Junto de ti a morte ergueu seu trono. Nas amplas solidões do Novo Mundo!
Em teus galhos fatais, em teus raminhos Que volva aos belos tempos que passaram,
Não geme a rôla, — o colibri não brinca, E desvende o painel das matas virgens,
Não poisa a abelha, o rouxinol não canta, E mostre as multidões das grandes praças
Nem adejam travêssas borboletas! O ajuntamento de selvagens tribos
Do Maná do Evangelho sequiosas.
Amam-te, apenas, lutuosos mochos.
Em frente da cabana hospitaleira
Larvas imundas, sanguinários corvos:
De sábio missionário, em idas eras,
Visco de maldição transpiras tôda!
Quando o colosso — América — 2 2 1 0 sorria
Não! não entoarei meus pobres hinos
A 2192 sombra tua que Satã protegei [2194 Apertando feliz nos meigos braços
A imagem de Jesus, — o Mestre, 2 2 1 1 e a Bíblia.
Nunca! N unca!........... Mas ai! como 2193 propícia.
Rodeada de glórias e esplendores, 2195
Estende no infinito os almos braços, 2196 I I I
Oh Arvore do Bem e da Verdade!
E tu, 2 2 1 2 mimosa flor dos santuários!
Oh Árvore da Vida e do Futuro!
Celeste Musa! Sócia imaculada
Como ao redor de ti revivem belos
Dos profetas hebreus! Vem, corre asinha!
Os justos que passaram, — as risonhas Rasga o pesado véu que a luz empírea
Chusmas de loiros anjos, e as falanges Furta a meus olhos ávidos de glória!
De claríssimas virgens que a inocência Liberta meu espírito medroso
De grinaldas cingiu, imarcescíveis! Das cadeias do tempo e da matéria.
Quantos gratos idílios, quantas odes. Leva meu gênio a lé m .. . . além da te r r a .. . .
Repassadas de amor e de ternura. Além das nuvens e dos sóis a r d e n te s ....
Quanta excelsa harmonia, não repete [2198 Além, a l é m .... onde o pensar apenas
Tudo o que existe, 2197 oh Cruz três vêzes Santa, Pode chegar, com milagroso auxílio!
À 2199 sombra de teu vulto abençoado! O h! de Milton e Dante augustas sombras!
Gênio de K é m p is !... Governai meu estro!
II
IV
Auri-flama divina! Insígnia eterna 1
Tu que espancando as sombras da mentira Sôbre os verdes oiteiros, sôbre os campos
Ao grande imperador mostraste outrora Meridionais das regiões brasílias, 2213
Do verdadeiro Deus o Santuário; A noite estende vagarosa e muda
Tu que do luso Chefe às hostes bravas O brando véu de estréias salpicado.
Apontaste a vitória contra os servos Bela como a princesa do Levante
Dos moiriscos heptarcas, e formosa Quando ao cair do dia ergue-se fresca
Nos céus ocidentais, entre as estréias, 2200 Das marmóreas banheiras de seus paços,
Brilhaste aos olhos do argonauta ilustre E pára em meio dos degraus lustrosos.
Mostrando a terra que tomou teu nome; Sacudindo da fronte peregrina
Tu que proteges 2 2 0 1 na soidão dos mares 2202 Um chuveiro de líquidos brilhantes
A triste nau batida pelos ventos Sôbre os finos tapêtes que a circundam;
E dos átrios de pobres presbitérios, Assim das alvas névoas do horizonte
Dos campanários de pomposos templos. Vem assomando a lua; e triste e bela
Consolas o cansado peregrino, 2203 Nas portas do Oriente equilibrada.
Quando os montes da pátria avista ao longe; Derrama sôbre as úmidas campinas
Tu que nos descampados santificas A feiticeira luz. Nas lisas pedras
[6 1 6 ]
CANTOS DO ÊRMO K DA CIDADli
V II
Alma inspirada de Anchieta ilustre!
Caminha, ao lado do marido, a esposa, Espírito do apóstolo das selvas!
A esposa, que a palavra do Evangelho 2216 Sábio e cantor, luzeiro do futuro!
Tirou da condição cruel de escrava; Tu que nas solidões do Novo Mundo
Ampara o moço forte o velho enfêrmo; Sôbre as alvas areias borrifadas
Marcha silenciosa a criancinha Das escumas do mar, traçaste os versos
Seguindo de seus pais os lentos passos. Do — Poema da Virgem — e ensinaste
Aos povos do deserto a lei sublime
VIII Que ao Reino do Senhor conduz os sêres;
Ensina à 2226 rninha musa timorata
À 2217 esquerda margem de profundo rio. A linguagem celeste que falavas!
Em sítio ameno e plácido, coberto Dá-lhe a doce expressão, a graça infinda,
De transparente areia, matizado A fôrça, a eloqüência e a verdade
De formosas ilhotas de verdura. Dessas singelas narrações que à noite
Entre acácias virentes, moles palmas. Fazias nos oiteiros, nas florestas.
Alveja solitária e pobre ermida. Às multidões que ouvindo-te choravam
Silvestres flores, dos portais aos lados. E pediam as águas do Batismo!
Úmidas de sereno, abrem medrosas E tu, 2227 oh desditoso, exímio bardo, 2228
A 2218 luz da lua as cândidas corolas. Cujo leito final buscam debalde
[6 1 7 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S
As abelhas das verdes espessuras 2229 Irm ãos dos anjos, como os anjos puro.
Para seu mel depor, como as do Himeto, 2230 Jovem , feliz, imortalmente belo,
Do divino Platão sôbre o moimento, O Rei da Criação, — o espôso de Eva,
E cada novo estio o mar procuram, A glória, a vida, a luz da etérea côrte.
E zumbem sôbre as águas mugidoras Contra as ordens de Deus, voltou-se ingrato.
Que furtaram teu corpo ao pátrio solo! Rendeu preito a Satã! — Tudo perdeu-se!
Grande Gonçalves Dias! desses páramos Os Anjos, seus iguais, horrorizados
Onde viver sonhava e vive agora Apartaram-se dêle; o Paraíso
T u ’alma gloriosa, envia, oh Mestre, Tornou-se mudo e se cobriu de sombras:
Envia-me o segrêdo da harmonia Apagaram-se os astros: convulsiva
Que levaste c o n tig o !... Assim apenas A natureza estremeceu nas ânsias
Meu santo empenho vencerei contente. De doloroso p arto !......... A fria morte
Apareceu na face do U niverso!.........
X I Lavrando a justa e rígida sentença
O Juiz sossegou: o Pai clemente
Reina fundo silencio. Passo e passo Sentiu, porém, a queda de seus filhos,
O homem do Evangelho se encaminha E prometeu-lhes libertar um dia
Para o meio das gentes reunidas; Das cadeias da morte e do pecado.
Qual o astro que as veigas ilumina
E faz abrir a flor, — saltar o inseto. X IV
Romper-se a bela e nítida crisálida,
Cantar o passarinho, e a leve corça 2231 Punidos os revéis, seus descendentes
Pular pelas campinas orvalhadas. Pelo mundo espalharam-se assombrando
Assim rebenta a vida e o movimento As eras e as idades com seus crimes!
À medida que o M estre se aproxima. LTma lágrima, então, não de tristeza,
Sôbre grande fogueira a chama brilha. Mas de indignação, brilhou nas nuvens.
Robustas mãos arrastam duros cepos; Cresceu, cresceu, ganhou o firmamento.
Outras mais frágeis pelo chão estendem Caiu com surdo estrondo sôbre a terra.
Lisas, moles esteiras, ramas frescas; Juntou-se ao mar, vingou os descampados.
Ajoelham por fim, — e o missionário Selvas cobriu, avassalou montanhas,
Para a imagem de Cristo se voltando Tudo, tudo arrasara, se entre os homens 2234
Repete as santas orações da noite. Üm homem justo não vivesse! O Eterno,
Da noite as orações já terminadas, Inda uma vez, mostrou-se compassivo.
As gentes abençoa, e então começa Preservando Noé e mais seus filhos.
Da Redenção a H istória sacrossanta, Passada a horrenda convulsão das águas.
Que a musa do poeta ornou de flores.
Pelas imensas regiões, que ainda
Tristes flores sem viço e sem perfume. Exalavam os úmidos vapores,
Do sol brilhante aos protetores raios,
X I I
Se espalharam de n o v o .... — Mas, desgraça!
O h! não! Não morrereis, 2232 meus pobres cantos! Os filhos de Noé continuaram
Não passarás nas trevas, deslembrada. O que os filhos de Adão haviam feito!
Musa Cristã, que peregrina fôste E seu curso fatal seguia o tempo
Pedir a inspiração ao frio solo Volvendo ao nada séculos e séculos,
Do sombrio Jardim das Oliveiras! E nem santos avisos, nem promessas.
E do suor de sangue te molhaste! Milagres de clemência, atros castigos.
Que subiste contrita, de joelhos. Pragas medonhas, servidões cruentas,
Beijando as pedras, inundando a terra E horrores sôbre horrores, atalharam
De lágrimas de amor e de piedade, A progressão de abomináveis crimes!
A terrível montanha do Calvário!
Que entre os negrumes de sinistra noite, XV
Rôtas as vestes, os cabelos negros
Soltos aos frios ventos do infinito. J á tremenda sentença, e a derradeira,
Junto às 2233 santas mulheres pranteaste Ia lavrar o Eterno. Sôbre o globo, 22o5
Sôbre a lousa do Deus supliciado! Em vez da imensa lágrima d’outrora.
Que o viste erguer-se vencedor da morte,
Buscar o mundo, consolar os tristes. Imenso olhar f i t o u ! .... Raio seria
Prom eter-lhes voltar no fim das eras, Que a terra fulminara, si, poisando.
E remontar aos céus em nuvens d’oiro! Depois de atravessar os mundos todos,
Hão de te honrar os homens e as idades. Dos continentes na mais pobre nesga,
Senão por ti, por Êsse, cujo Nome Não caísse bondoso e compassivo
Santifica teus cantos maviosos! No casto seio de formosa Virgem !
Passarás ao porvir, oh! Casta Musa! Olhar onipotente! Olhar bendito!
Manancial de luz vivida e pura!
XIII Raio da Salvação, não da vingança!
Feitura do Senhor, senhor dos seres Tu levaste a verdade, o Verbo Santo,
Que os vergéis sempre verdes habitavam A invisível essência do increado.
Da região da paz e das delícias: Às entranhas puríssimas da Espôsa!
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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L U ÍS NIOOLAU FAGUNDES VARELA
Buscava repousar. Desde as planícies Outros graves, 2254 sisudos, 2255 cavalgando
Onde desliza o Eufrates venerando Tardos jumentos; prazenteiros outros
Até da Lusitânia os verdes campos; Sôbre pesados carros atulhados
Desde as ilhas remotas do Levante De negras arcas, de grosseiros sacos;
Até da Mauritânia 2251 às rudes serras, Êstes rindo e cantando os doces cantos
Tudo às 2252 águias romanas se curvara. De seu país natal, narrando aqueles
Era Senhor então César Augusto, Lendas singelas, inocentes casos
Volvendo um dia os olhos sobre o mapa As 2256 lindas companheiras de jornada.
Das nações que vencera e dominava Os anciãos silentes, as crianças
Quis conhecer o número das gentes Pulando alegres sem sentir ao menos
Que pagavam tributo à sua espada. Os rigores do inverno, caminhavam
Determinou então que o povo todo. Ao longo do deserto. Atrás, bem longe
Cada qual procurando a pátria terra, Da multidão ruidosa, lentamente
Se apresentasse logo ao magistrado Do bem marido aos ombros arrimada
Cujo dever e ofício era notar-lhes Maria viajava. Melindroso
As moradas, os nomes e a família. Era então seu estado, já na quadra
Governava os Judeus Cirino: logo Em que o tempo decreta a angustiosa
Fêz publicar o insólito mandado Dor da maternidade; mas seu rosto
Que recebera de seu amo Augusto. Pálido como a nívea magnólia
Que desabrocha ao luar; os lábios meigos,
X X I Onde um riso mais doce do que a aurora
Da sazão estival constante estava;
Pálido, em pleno inverno, raras vêzes E os olhos mais formosos que as estrelas
Rasgando os mantos de alvacentas névoas, Do céu meridional, reproduzidas
Deixava o sol cair furtivo raio Na face das lagoas do deserto;
Sôbre os cimos do Hcrmon, ou sôbre os lagos A cabeça mais linda e graciosa
-Azuis da Galiléia; frios ventos Que a da virgem primeira que da terra
Sopravam dos desertos, sacudindo Subiu aos pés de Deus, ganhando a palma
Os retorcidos galhos da videira Da bem-aventurança, — ao pensamento
E lançando por terras as folhas murchas -Acordavam idéias de outra vida.
Dos densos olivedos; as campinas Delícias 2257 de uma pátria que perdemos.
Onde sôbre macia e verde relva, 2253 Vagas saudades do infinito, e ainda........
No doce estio, os cordeirinhos brancos Oh! não posso explicar, mas creio e sinto:
Saltitavam contentes, se cobriam — A presença de um Deus clemente e justo! —
De camadas de neve; os passarinhos
Tinham buscado novo céu, as árvores XXIII
Nem gratos frutos, nem cheirosas flores
Ostentavam à vista tediosa Segundo a era nova que seguimos.
Dos viandantes trêmulos; apenas Onze meses e dias vinte e quatro
O grasnar dos abutres esfaimados, Tinha marcado no quadrante imenso
O ruído das lívidas queixadas O flamejante sol, desde o momento
Do chacal temeroso remoendo Em que o Santo enviado anunciara
De mortos animais os ossos frescos, A glória de Maria; seis jornadas, 2258
A luz medonha dos fuzis do inverno Seis jornadas apenas esperava
Correndo sôbre o gêlo, o silvo agudo A mão cruel e rábida do tempo
Das serpentes vorazes se agitando Para a lousa abaixar do ano extinto.
Danadas sôbre o chão, interrompiam Plantar um novo m a rco !... — Ingente marco!
A triste cena do infecundo quadro! Padrão sagrado! Hão de passar os séculos.
Hão de perder-se as gerações futuras
Do 2259 esquecimento nos profundos mares;
X X II
Há de abalar-se o globo nos seus eixos.
Nem uma voz humana pelo espaço! Sacudindo os colossos de granito,
De angústia ao menos ! . . . . Porém não, aos poucos E os mausoléus das dinastias tôdas,
Tropel confuso fêz-se ouvir nos ermos, E os povos e as nações! Um outro mundo
Gritos, clamores, tresloucados cantos. O Senhor c ria rá !... Mas, sobranceiro
Imprecações tremendas acordaram -Ao tempo, ao mundo, e aos povos, — os felizes
Û S ecos dissonantes; surdo estrondo
Dêsse mundo melhor hão de saudar-te, 2260
De duras patas, de pesadas rodas Padrão da eternidade! E penetrados
Abalaram o solo: dir-se-ia De respeito e de amor, dirão piedosos:
Que um poderoso exército voltava — Até ali a sombra, a barbaria,
De prolongadas, férvidas pelejas E. dali até nós a luz, — a glória!
Vencedor, mas cansado. Em pouco tempo
Grandes estradas, tortuosas sendas. XXIV
Atalhos desiguais eram cobertos
De buliçosas, palradoras turbas; As multidões hebréias caminhavam,
Velhos, mancebos, grandes e pequenos O triste véu da noite inda mais tristes
d'rajando vestes das mais vivas côres, Tornava as soledades; pavorosa
Uns a pé carregando ao ombro os filhos. A viagem seria, se a esperança
[ 020 ]
ANCHIETA OU O EA’ ANGELHO NAS SELVAS
[6 2 1 ]
L U ÍS NICOLAü FAGUNDKS VARELA
Como as de um sonho de alma enamorada Mais alvas, mais brilhantes do que a neve
Passam nas asas dos noturnos ventos. Incólume dos Andes refletindo
Amedrontado o povo, em vozes baixas A luz do sol nascente, eram as vestes
Repete então maravilhosos contos, Que as formas lhe envolviam; mais festivas
Fala de aparições de etereos gênios Do que as faixas do íris, 2 2 8 1 quando abraça
Habitantes dos astros, — de colóquios Depois da tempestade o céu e a terra.
Com as sombras errantes que das nuvens Eram as longas asas. Da cabeça,
Sentadas descem sôbre carros de oiro; Prodígio de beleza, uma torrente
De espantosas visões, negros sigilos. De fúlgidas madeixas desprendia-se.
Revelações de pavorosos sêres: Vinha tocar-lhe os pés; a eternidade
O segredo, porém, dessas alturas. Terrível, mas sublime; a glória excelsa,
Os arcanos profundos que decifram .Mas assombrosa, das celestes cortes.
Os Magos retinidos, ninguém sabe. Dominavam-lhe os gestos e a postura.
Ninguém tenta saber! Desventurado — Não tenhais medo, murmurou, erguei-vos,
Aquele que, de longe, procurasse Ajuntai as mais grátulas ofertas
Prcscrutar 2276 os mistérios dessas horas! E parti, caminhai: a mão do Eterno
À meia-noite, o tempo do preceito, Vai desvendar-vos os terrestres olhos.
Eram findos os mágicos trabalhos, Ide a Belém, o .Salvador do mundo
Eram sabidos os futuros casos; Entre os homens está. — Disse, e agitando
Guardam-se os tenebrosos instrumentos. .ós asas vigorosas, afastou-se
As lâmpadas apagam-se, os braseiros Deixando os Magos trêmulos, 2282 atônitos.
Onde a mirra e o incenso há pouco ardiam
Deixam de fumegar; — os Magos descem, XXVIII
Mudos, severos, arrastando os mantos Belém ........ Onde Belém? Quais os caminhos?
Pelas escadarias de granito. Quais os guias seguros? Quem pudera
Não SC fecha contudo a grande porta, Nessas horas caladas ensinar-lhes
Ficam alguns serventes, que três sábios. Da romaria o norte? Quantos povos
Doutos conhecedores das estrelas, 2277 Bárbaros de permeio, ou quanto tempo
Aguardam a manhã: o mais provecto De penosas jornadas e labores?
Chama-se Baltazar, nobre, opulento, 2278 Depois, quais os sinais? Quais os indícios,
Governa a terra onde abundantes brilham E o nome do que buscam? Como achá-lo?
.A.S auríferas minas: o segundo Em vão tentavam, ponderando o caso,
Domina a região das tamareiras Resolver estas dúvidas tremendas.
E das árvores altas que distilam Nada explicara o mensageiro augusto,
A cânfora saudável, o seu rosto Nenhum rumo apontara, — de que modo
Tem do ébano a côr lustrosa c negra, 2279 Obedecer às 2283 ordens soberanas?
E ’ Mclchior o seu nome, — o derradeiro, Porém, 2284 m ilag re!... nos sidéreos climas
Gaspar, vive entre as tribos do deserto Uma formosa estréia, 228S nunca vista
Donde a suave mirra, o brando incenso, 2280 Nas eras que passaram, fulgurante
O grato benjoim, descem, se espalliam Apareceu de súbito, inundando
Pelos grandes mercados do Oriente. O rio, os campos, os vergéis frondosos.
Os extensos jardins, e os elevados
XXVII Coruchéus dos palácios, da mais pura, 2286
Da mais serena luz que haja caído
Retirados os mais, os três sentados Das empíreas alturas! Tristes, pálidas, 2287
No derradeiro andar da imensa tôrre. As mil constelações se tresmalharam
Despertos, porém mudos, e absortos, Quais errantes lucíolas: a láctea
Buscam as horas iludir da noite. Banda, 2288 que o firmamento em dois divide,
Cada qual se entregando aos pensamentos Como um cinto de frágeis filigranas
Ledos ou tristes, graves ou ligeiros, Na vastidão perdeu-se! — Os grandes lagos.
Que o silêncio, o lugar, o acaso, o tempo Os tanques primorosos, as colinas
Soem chamar à inteligência humana. Coroadas de vinhas e oliveiras.
Êste, talvez, recorda-se da espôsa Transformaram-se em mares encantados, 2289
Ou da amante, dos filhos, dos amigos, Ilhas de nácar, mágicos pomares.
Da lareira querida que deixara; Grutas de fadas e amorosos gênios.
Aquêlc de negócios complicados
Ou dos pátrios destinos; aqueloutro X X I X
Nesse futuro que entrevira há pouco
Na face das estréias___ Mas, oh! numes! — Eis o sinal divino, caminhemos! —
Repentino clarão percorre o espaço! Exclamaram os Magos, — o luzeiro, 2290
Jôrro de luz rebenta do infinito Que aparece no céu, à terra Santa
Seguido de um horríssono estampido! Guiará nossos passos, faro amigo
O enorme torreão todo estremece. Nos mostrará propício o asilo, o berço
Depois um côro de celestes vozes. Onde repousa o Salvador! E logo
De instrumentos divinos, docemente Buscam os cofres de valores prenhes.
Nas nuvens faz-se ouvir, — e aos olhos turvos As áureas bôlsas, os compridos mantos
Dos Magos assustados aparece E, 2291 fitando os olhares penetrantes
De um Querubim a esplêndida figura. Na portentosa estréia, a tôrre deixam.
[ 622 ]
V
1.»
[ 623 ]
L U ÍS N ICO LAU FA G U N D E S V A R E L A
[ 624 ]
It;
ïli'
fí,[
A K C H IK T A OU O E V A N G E L H O NAS SELV A S jj;!
[ 625 ]
L U f S K I C O L A U F A G U N D E S V A R K T jA
V VIII
Dos quatro pontos cardeais, 2334 aos poucos, Acabado o banquete farto e simples,
Vêm 2335 chegando os fiéis: — o velho imbele Depois de alguns momentos de descanso.
Pelo filho amparado, — o infante frágil Ergue-se o Missionário, avisa o povo,
Sôbre os ombros do pai, — tristes extremos! E continua do Senhor a H istória:
A mocidade alegre; — a meia idade — Quando 2340 da aurora a doce claridade
Série e calada. O caçador das brenhas, O passado serão interrompeu-nos,
O sagaz armador de finos laços, 2336 Ku vos contava, irmãos, deveis lembrar-vos,
Trazem para o banquete o mantimento. Da Sagrada Família a retirada
As matronas severas, doces frutos. 1'ara o famoso e celebrado Egito,
Saudáveis confeições; flores as virgens; Fugindo às 2341 iras do cruento Herodes.
Delicadas ofertas as crianças. Silêncio! E como sempre, ouvi-me atentos:
A multidão recrcscc, — a ordem reina. — E ’ morto Herodes. Archelau governa
O desgraçado povo Israelita:
Cessam as sanguinárias diligências
V I Que seu pai ordenara: estulto conto.
Sonho falaz, a plebe e o rei vaidoso
Mas, à porta da ermida, majestoso.
Trajando as sacrossantas vestimentas, Julgam dos sábios Magos as palavras.
O mundo está tranqüilo, a paz Romana, 2342
Sustendo o argênteo cálix, e seguido^
Do velho companheiro, — o Missionário P or Augusto instaurada, permanece
Deslumbrando as nações. Quem nesses tempos
Aparece, e caminha lentamente
Para o singelo altar. Longo sussurro. De festas triünfais, brilhantes feitos.
Ju stas do gênio, exaltação das artes.
Semelhante ao das ramas da floresta
Poderio supremo; quem voltara
As primeiras rajadas da tormenta.
De tanto luxo, e gala, e pompa, e glória.
Corre entre as turbas, as mais altas frontes
Curvam-se, como as hásteas da cecrópia, Os olhos receosos, timoratos,
Para ir buscar, 2343 no meio do vulgacho
Quando sopram do Norte os frios ventos.
Da mais pobre província, uma criança
Depois tudo emudece: ouve-se apenas
Que gentios boçais apregoaram
O brando ciciar da aragem mansa
Rei de Israel, — destruidor dos tronos.
Nos taquarais viçosos, — os queixumes
Do cristalino arroio entre pedrinhas, Inimigo dos Césares? — Tranqüila
E a voz grave, solene e vagarosa Volta pois a Família abençoada
Da terra estranha à suspirada pátria.
Do sábio do Evangelho repetindo
As palavras do Santo Sacrifício.
Quadro sublime! Encantadora cena! IX
Era assim, ao ar livre, à luz suave
Do céu da Galiléia, nas encostas Correm semanas, meses, correm anos,
De relvosas colinas, ou nas margens E o menino formoso e delicado, 2344
Verdes, risonhas, 2337 de serenos lagos A quem seus nobres Pais deram no exílio
Que o Homem do Martírio doutrinava 2338 O nome de Jesus, torna-se forte,
.»Xs multidões humildes que o seguiam! Avisado e gentil. A etérea calma,
Era à sombra dos altos sicômoros. A candura dos Anjos, resplandecem
Junto das fontes gemedoras, longe Em seu rosto adorável; a prudência,
Dos rumores das praças que os mais nobres, 2339 A graça, a discrição, em belas máximas
Dimanam de seus lábios. A doçura
Os mais santos preceitos resvalavam
Da palavra eloquente, — os gestos meigos,
De seus lábios divinos! Seus olhares
Prezavam as campinas e os oiteiros. -A. expressão inefável dos olhares
Cativam corações que ardentes buscam,
As cabanas dos vales sossegados,
Além daqueles dotes felicíssimos, 2345
O retiro dos bosques, e a beleza Uni — quê — de estranho e grande que pressentem
Do firmamento azul, vaga e profunda! E os enche de a lv o ro ço !.. . — Asas, quem sabe,
Era da Natureza nos altares I.igeiras, invisiveis, 2346 se recurvam
Que elevava su’alma ao Pai Celeste! Sôbre aquelas espáduas! — Misterioso,
Vedado aos olhos dos mortais, descansa.
V TI Talvez, o diadema do infinito
Sôbre aquela cabeça im acu lad a!...
Ardem fogueiras, terminada a Missa, Dois lustros tinha apenas e dois anos
Aviam as mulheres o banquete; Quando, 2347 em Jerusalém, seus pais zelosos,
De lado a lado correm as crianças Finda a festa da Páscoa, o procuravam,
Trazendo o musgo, as parasitas rubras Que a seu lado o não viam, assombrados,
Do cimo dos rochedos, e as mais lindas Foram achá-lo cm meio de doutores,
Frutas e flores das escuras matas, Dos livros de Moisés volvendo as folhas.
Que aos pés do Sábio Mestre depositam; Reduzindo ao silêncio os mais sagazes
Os homens reunidos junto à ermida F. velhos sacerdotes. Tão profunda, 2348
Discorrem sèriamente; as moças cantam, '1'ão vasta sapiência então mostrava!..........
Não as lendas das tabas belicosas, Dos serões estivais, — das quentes sestas,
Mas da Musa Cristã saudosos hinos. Dos folguedos do povo ingênuo e simples.
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A^rCIIIETA OU O EVA N G ELH O NAS S E L V A S
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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A N C H I E T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S
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LUÍS NICOLAU FAGUNDES A'ARELA
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ANCHIETA ÜV: O EVANGELHO NAS SELV A S
[(U.l ]
L U ÍS XIOOLAU FAGUNDES VARELA
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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ANCHIETA OU O ETANGELHO NAS SELVAS
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I.U Í8 NICOLAU FAGUNDES VARELA
Pois verão o Senhor os vossos olhos; Glória ao Filho de Deus! No mesmo instante,
Afortunados sois, sêres pacíficos, No sombrio aposento onde inda há pouco
Filhos de Deus vos chamarão os homens; Sob as garras da morte convulsava,
Afortunados vós que sem queixumes Ergue-se alegre sôbre o môrno leito.
Por amor da justiça e da verdade Lançando ao chão as grossas coberturas, 2487
Sofreis perseguições pois vos pertence O servo redivivo! — Um tal prodígio
O reino do Senhor; — afortunados Liga o centurião à nova crença.
Vós que gemeis ao pêso das injúrias,
Das calúnias cruéis por meu respeito, XXIII
Afortunados sois, pois largo prêmio 2481
Recebereis além na eterna pátria! Outros tristes, porém, outros enfermos.
Voltando-se depois a seus discípulos: Os enfermos do espírito, ansiosos,
— Vós sois o sol da terra e a luz dos povos. A presença do Mestre além imploram.
Como um farol suspenso nas alturas Ei-lo de novo percorrendo as choças.
Aclare vossa luz a humanidade; Os casais e as aldeias, ensinando
Vejam os homens vossas santas obras A palavra de Deus ao povo rude.
E glorifiquem vosso Padre excelso !......... Consolando os aflitos e oprimidos, 2488
Quem de mim se aproxima e atento escuta Derramando a benéfica esperança
As palavras que brotam de meus lábios, Nos corações de todos que o procuram;
Quem depois de as ouvir seguro as guarda Ei-lo trazendo escravo de seu gesto
E as põe por obra no lidar da vida, 2482 Um séquito que os reis jamais tiveram, 2489
E ’ igual ao varão prudente e sábio As portas de Naim transpondo agora.
Que nas cavas de rígido penedo
Prende da casa os alicerces fortes; XXIV
Quando os tufões correrem pelo espaço,
Quando as caudais torrentes se arrojarem rôrvo é o céu, — a terra inda mais tôrva,
Bravejando, no dorso das montanhas, Negros bulcões não rolam pelo espaço
Não terá que tem er! — Triste daquele, 2483 Nem raivoso tufão açoita as plantas
Triste daquele que os ouvidos cerra E nuvens de poeira aos ares ergue;
As profundas verdades que professo! Mas um lençol de baço nevoeiro
Qual insensato, em terra levadiça Furta aos campos molhados de saraiva
T erá pôsto da casa os fundamentos; As carícias do sol meridiano.
Quando as torrentes rábidas passarem Nem uma alegre rapariga brinca
Pelas chuvas do inverno intumescidas. Enquanto a fonte chora e enche a bilha.
Vorazes lamberão a areia sôlta Poucos, raros passantes atravessam
E o vaidoso edifício irá com ela! — As praças solitárias. Frio, agudo,
Depois dêstes santíssimos conceitos Sibila o vento nos pesados tetos.
Cala-se o Salvador, abre caminho A tristeza do céu as almas ganha...........
Por entre a multidão que amiga o cerca, Oh! dai-me um céu azul, um sol de maio,
E seguido dos seus desce do monte. Vergéis floridos, passarinhos ledos,
O sol do meio-dia abrasa os campos. E deixai-me sofrer! Almo consolo
Meu seio encontrará; não opulento, 2490
X X II Cheio de atividade e de esperanças, 2491
Me lanceis sôbre o gélido regaço
J á de Cafarnaum ao longe avista Da natureza muda, entorpecida!
As verdes eminências matizadas
De florentes arbustos, quando chega XXV
Ofegante ancião a seu encontro.
— Creio em vosso poder. Senhor, lhe fala. Ao dobrar de uma quelha infausto quadro
Por isso corro a vos buscar, ouvi-mc: A vista magoou dos peregrinos. 2492
Um bom centurião suspira aflito Era uma procissão de moços pobres
De moribundo servo à cabeceira, Que levavam silentes, lacrimosos.
Sabe quanto valeis......... se vós quiserdes......... Ao derradeiro asilo um corpo amigo.
E embaraçado cala-se. — Não temas. Em descoberto esquife, — macilento.
Responde-lhe o Senhor, que bem obraste. Pálpebras roxas, 2493 deprimidas faces,
M ostra-me a habitação de teu amigo, 2484 O mancebo dormia o sono imenso
Irei ver o doente. E segue o velho. Que não tem despertar 2494 sôbre êste mundo.
Mas o centurião, 2485 apenas sabe Ela tinha calcado muito e muito
Que Jesus se aproxima, envia logo Seu sinête real naquela fronte, 2493
Por alguns companheiros que o rodeiam A tenebrosa filha do pecado!
E sta humilde mensagem: — Não sou digno, 2486
Senhor, de entrares em meu pobre asilo. XXVI
Manda, e meu servo ficará curado.
— Oh! na verdade, o Salvador exclama. Único amparo de infeliz viúva.
Ao povo se voltando, longe estava Luz de seus olhos, sonho de su’alma.
De supor tanta fé por estas terras! Fio doirado que prendia à vida
Ide, — ordena aos atentos mensageiros, O batei de seus dias desditosos,
São achareis de vosso amigo o servo........... Êle ali estava!.... Lívida, sem prantos,
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ANCHIKT.V OU O EVANGELHO NAS SELVAS
XXVIII X X X I
E partiram de João os mensageiros. 2502 Pé ante pé, ousada, e comovida;
Um fariseu do Mestre se aproxima: Corado o rosto, os olhos cintilantes;
Quero, Senhor, pedir-vos uma graça. A linda, rósea mão, quente, convulsa,
Mandei pôr mais um prato à minha mesa. A 2507 mêdo, os brandos seios comprimindo;
Encher de vinho velho um novo cântaro. Bela como a visão de um Elamita,
Venho buscar-vos; ceareis comigo, Que à noite dorme, junto às almenaras,
h. repouso achareis em minha casa; E, sonhando, pressente o airoso vulto
vossos discípulos convosco; De uma ditosa filha de Oromázis
Não me negueis o que vos peço, vinde.” Girando ao derredor: surde, detém-se
jesus encara o fariseu e o segue. No limiar da porta a pecadora.
Rápido olhar pelo recinto volve:
X XIX E s p r e ita .... convidados, mesa, alfaias,
Finalmente Jesus. Caso estupendo!
Ora, naqueles tempos ominosos, Uma luz divinal lhe fere os olhos!
Quando a — raça perjura, — abandonando Frio suor poreja-lhe no rosto
O ternplo de seu Deus, o altar da pátria, Onde se estende a lividez da m orte!...........
Desvairada e febril tripudiava . . . . O h ! nesse instante de inspirada angústia,
Nas orgias fatais dos vencedores; Tôda sua existência, e seu passado
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T.UÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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ANCHIKT.V OU O EVANGELHO NAS SELVAS
IX X I
Ave M aria!... — Como um templo imenso Sóbre os tetos dos míseros tugúrios,
Depois das pompas de solene ofício. Dos palácios reais sóbre os eirados.
Majestoso, severo, inda fremente Estende a noite escura a sombra imensa
De cânticos divinos, quando tristes Que nem sempre derrama a paz e o sono.
Nos candelabros de oiro os círios dormem, Aves de Deus, as virgens e as crianças.
E a lâmpada sagrada a 2536 mêdo brilha Adormecem risonhas, ocultando
Entre nuvens de incenso, derramadas Nas asas da inocência as frontes santas.
Pelas naves sombrias; horas graves Voltam os velhos ao passado, em sonhos.
Em que muita oração, muito soluço. Em sonhos o futuro os moços galgam.
Soam atrás dos dóricos pilares, Mas os ímpios não dormem! Fulgurantes
ral nos parece a terra quando ao longe Ardam embora perfumados círios
Fenece o dia, e a noite se apropínqua............ Junto dos leitos de oiro: embora brilhem
■\ye M a ria !.... O pavilhão celeste Dos estucados tetos penduradas
Sóbre nossas cabeças se arredonda. Alâmpadas riquíssimas! Embora!
Puro como a ilusão de uma criança! Não há luz que afugente as trevas d'alma!
No pórtico sublime do Oriente Nos vapóres do vinho e nos banquetes,
Surge^ fagueira e estréia vespertina, Nas orgias febris, nos jogos loucos,
E, além, de nossas pobres freguesias Um momento se abranda e se entorpece
Nos altos, alvejantes campanários. O verme dos remorsos.......... — Mais faminto
Soa pausado e lento o velho bronze Acordará nas horas do silêncio.
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L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VARELA
XII X IV
Os primores da Europa, o luxo d’Âsia, Os tangedores, avisados, rompem
O fausto desta, a profusão daquela Nas mais doces e ternas harmonias;
De Herodes o palácio aformoseiam. Os convivas levantam-se sorpresos;
Mil candeeiros, — transparentes tochas, Derramam servos nos braseiros ricos
Argênteos lampadários, iluminam Perfumes sem iguais. Senta-se Herodes,
As vastas arcarias marchetadas Estremece Herodias. Entretanto,
Dos mais lindos mosaicos do Oriente Escrava da cadência, mas senhora
E as colunas de mármore, as pilastras. Dos requebrados, lânguidos meneios,
Cobertas de lavores, e as paredes Sôbre as flores dos séricos tapêtes.
Ornamentadas de brasões pomposos. Mais ligeira que a leve borboleta.
Os gratos sons das harpas e doçainas, Mais bela que os espíritos errantes
Dos cítulos e frautas, repercutem Que à noite brincam nos rosais cheirosos,
Fora, na larga praça, onde confusa Ela volteia, a doida bailadeira!
Cochicha a multidão maravilhada. Na dança Égurada, aos ágeis passos
Celebra o rei vaidoso e dissoluto Mistura os mais garridos movimentos.
Seu dia natalício. As salas todas Os gestos mais lascivos. Arquejante,
Estão cheias de amigos e convivas, Às vêzes pára do salão no centro.
Ricos Hebreus, Latinos cavaleiros. Suspira e cerra os olhos......... vai, quem sabe.
Senhores do Ocidente e do Levante. Sucumbir de cansaço! Mas engano!
As mais belas Romanas da soberba, Reanima-se, — ri, — levanta os braços.
Mas depravada Corte do tirano. Flexível como a serpe encurva o corpo,
As mais airosas filhas da Circássia, E num rápido giro, se aproxima
E as ninfas mais gentis das ilhas Gregas, Do fascinado Herodes, sacudindo
 lauta mesa reclinadas ouvem Sôbre seus pés as rosas da grinalda,
Os torpes, 2541 desonestos galanteios Entre os aplausos mil dos assistentes.
Dos escravos de César. Petulante, Depois, qual passarinho caprichoso,
De loiro coroado e verde mirto, Que (Jas nuvens descendo, em tarde estiva.
Do amor emblema e símbolo da glória. Modera o vóo, quando a terra avista,
Em macia camilha repimpado, 2542 Ela os passos afrouxa, e segue a 2547 mêdo
Excita à ebriedade 2543 q rei da festa 2544 O mais lento tanger dos instrumentos.
Seus libertinos, 2545 cínicos parceiros. Imita a corça, quando alegre salta;
Bela, apesar do vício, a fronte esbelta Quando corre veloz, é viva abelha
Aos joelhos do amante repoisando, Sôbre os lírios dos vales adejando;
Herodias sorri. De espaço a espaço Mimoso colibri, quando descansa.
Gracioso escanção, ágil, travesso. Tão leve, que não dobra das alfombras
Demônio de malícia em tenra idade. A mais delgada flor! Por largo tempo
As taças de oiro, que a seus pés reluzem. Assim deleita a vista dos convivas;
De excitante falerno enche, dizendo Ofegante por fim, extenuada,
Imodestos gracejos. Nenhum pajem Faz um último esforço, e mansamente
Do mais devasso camarim do império Cai, pétala de rosa aos pés de Herodes.
O vencera em audácia e desvergonha!
Entretanto, meu Deus! é uma menina, X V
No albor da adolescência, rósea, loira,
Olhos azui.s brilhantes, lábios de anjo! — Oh!---- Pede o que quiseres, não vaciles!
E esta menina é filha de Herodias!......... Inda que sejam meu govêrno e erário.
Juro que tos darei! — Grita enlevado
O Romano Senhor, — eia, responde! —
X III Então do ódio escuro e escuro gênio
Aos ouvidos murmura de Herodias:
— Lembra-te do Batista! — Estranho lume
Mas pouco e pouco se entibia e passa Da régia libertina inflama os olhos.
O ardor da saturnal. Ébrios e fartos Vivo rubor lhe sobe ao lindo rosto.
Estiram-se e bocejam sonolentos Chama a filha imprudente, ao colo a estreita,
Os heróis do festim, — a vil preguiça E um conselho cruel lhe dá baixinho.
Vence a voraz e crassa intemperança....
Então, como entendendo os pensamentos XVI
Que da mãe tediosa a fronte nublam.
Corre a menina astuta, a sala deixa, — Oh rei! diz a volúvel dançarina,
Deixa os vestidos leves que trajava, Se a promessa que parte de teus lábios
Cinge de rosas a gentil cabeça. Um gracejo não fô sse.... — Pelos deuses,
Desnuda os seios, a cintura enfeita E deuses imortais! Herodes brada.
De perfumadas e vistosas faixas, 2546 Seja eu ludibrio do plebeu mais rude
Toma um cbúrneo tamboril, coberto Se alguma coisa te negar! — Desculpa,
Dos mais finos e artísticos lavores, Se duvidei de ti, — pois bem, atende:
E do espelho fiel se despedindo, Sabes quantas alrontas recebemos
Volta faceira à sala do banquete. Do protervo Batista, — diz a moça.
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ANCHIKTA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
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L U Í S ^,'ICOJiAU F A C U ^ 'D E S V A R E L A
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L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VARELA
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
Por tôda parte amarelados ossos, Por aquêles sertões. Era distante.
Carnes corruptas, putrefatos restos! Bem distante o lugar donde partiam,
Restos de escravos, restos de senhores! Mas eu tudo escutava. Francos risos,
Restos de ovelhas, restos de panteras! Brados alegres, compassados cantos.
Restos de abutres, restos de serpentes! Longo tempo minh’alma apavorada
E o tigre e a prêsa agonizando juntos, Propícios distraíram. — Deus bendito!
O verdugo e a vítima esquecidos Murmurei suspirando, — ali, ao menos, 2585
Na mesma confusão, no mesmo c a o s ! .... Algum povo feliz habita e folga!
Um céu de ferro em brasa, um sol do inferno;
Um espaço sem nuvens, — sem neblinas. Desgraçada ilusão! O homem sinistro
Sem vendavais, sem r a io s !... Sempre calmo! Nas montanhas surdiu, medonho, enorme.
Horrendamente calmo e luminoso! Semelhante a um penedo alcantilado
E esta palavra escrita em tôda parte Que nas tardes de inverno as nuvens rasga!
— Caim! — Cerrei por um momento os olhos, — Caim! — Bradou a voz da imensidade!
Quando os abri de novo era mudada — Caim! — Tudo findou-se, atro negrume
A face do deserto: — irado vento Rolou do céu cobrindo as cordilheiras;
As montanhas de areia arrebatava Escutei um rumor profundo e mesto
Qual a brisa do estio as folhas sêcas. Semelhante ao das águas das torrentes
De rubro incendiado em flavo baço, Cavando o seio escuro dos abism os!...........
Mas ominoso ainda, o céu tornou-se! E êsse rumor crescia e atordoava
De instante a instante monstruosos galhos. Os vales, as rechãs e as serranias!
Arrancadas palmeiras, sibilavam E daquelas montanhas encobertas
Como flechas sutis, atravessando Precipitou-se um rio impetuoso.
Nas asas dos tufões o tôrvo espaço!......... Ganhou os areais, ganhou as praias,
Daquela imensa confusão no meio Vingou as vagas do Oceano irado.
Eu vi passar um homem: seu semblante Chegou a nossas terras, inundou-as,
Era grosseiro e negro como a rocha Chegou até aqui, até meu leito!
Que branqueiam de escuma as frias vagas: Ergui-me, — o lh e i.... — o rio era de sangue!
Seu corpo como o tronco de vinhático — Caim! — bradou a voz da im en sid ad e!....
Onde a chama brincou: sarça coberta Senti nas faces o suor da morte,
De pisado carvão a dura grenha. Volvi ao céu os olhos ansiosos.........
Mãos e braços de sangue eram manchados! Êle ali estava, 2586 o Filho de Maria,
De lado a lado olhava suspeitoso. Radiante, sublime! — Êle ali estava!
Parava aos sobressaltos, e tremia, De seu rosto divino, de seu corpo
Não pela tempestade sacudido Também caía sôbre a terra o sangue, —
P o r é m .... — Um brado assustador ergueu-se Mas dêsse puro sangue rebentavam
Daquela horrível solidão de areias: Rosas e lírios, palmas e grinaldas.
— Caim! — Como o jaguar atravessado Diamantes e rubins, e um povo imenso
Pelo dardo certeiro, urra, e volvendo Bradava jubiloso: — Liberdade!.............—
Nas órbitas os olhos chamejantes, E stá findo o meu sonho. — O missionário
O cauteloso atirador procura. Tinha a cabeça oculta entre os joelhos.
Assim êle ru g iu !... — Um véu de sombras Pouco tempo depois ergueu-se. — Vamos,
Tudo cobriu. Depois, qual nos abismos Disse enxugando os olhos lacrimosos,
Traidores e funestos do Oceano, Nossos irmãos esperam-nos inquietos.
Contém o respirar, calcula as fôrças
O audaz mergulhador, o destro búzio. I I I
Assim êle fic o u !.... Do pobre leito
Tudo eu via e sentia! O mar de sombras Rociada 2587 de orvalho, as plantas nuas.
Também caiu então sôbre minh’alma! Nuas as belas, cândidas espáduas,
Sobraçadas as vestes, desce a virgem
Mas o bulcão passou. Do vento as iras Dos climas tropicais juncando a terra
Acalmaram-se logo. O descampado, De goivos e saudades. — Salve, Noite!
Onde os montões de areia se moviam. Salve, 2588 Noite da América! Formosa,
Tornou-se liso e plano como um lago Pura, em tua nudez, deixas o espaço
Em tarde de verão. O homem sinistro E vens-nos visitar, não guardam névoas,
Se ali estivera sepultado estava. — Nem densas cerrações os teus encantos;
E Naída calou-se. O missionário Si à fria Escandinávia, à fria Escócia
Tinha a cabeça baixa e refletia. Baixas em longos mantos envolvida,
Está findo o teu sonho? — Oh, 2583 não aindal E triste, e muda, e tiritando passas,
A virgem respondeu cobrando alento, A nosso ameno céu chegas risonha,
Ouvi mais um instante: — Ao longe, ao longe, E nossas solidões buscas fagueira
Além dos areais, vi levantar-se Como a filha de um rei seus verdes hortos.
Uma cadeia de alterosos montes Salve, 2589 Noite propícia! — Reunidos
Cobertos de palmares graciosos. Estão há muito os filhos do deserto,
Leves colunas de ondulante fumo E a voz aguardam do zeloso Apóstolo.
Erguiam-se do meio das folhagens. É belo o céu, — a terra sossegada, 2590
Doces, 2584 ternas canções acompanhadas Brando e odoroso o vento do deserto
De tangeres estranhos, ressoavam Que nas folhagens úmidas farfalha.
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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ANCHIKTA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
Ou imprevisto mal que ao peito humano Tomam dos remos, a lagoa fendem,
Êsse grito arrancou?.. — Ah, 2593 és tu, Pedro! E sôbre as ondas resvalando asinha
Pedro! Pedro, que tens? — perguntam todos. Pouco tempo depois à 2597 praia abeiram.
Mas Pedro não responde, branco, imóvel.
Fixos os olhos, estendido o braço I X
Para o meio do lago, arqueja e treme.
Tôdas as vistas se dirigem logo A vinda de Jesus alegra o povo
Para o ponto indicado e todos soltam E as gentes alvoroça. Pressurosos
Um pavoroso grito. — Quê! amigos. Correm a vê-lo aflitos e doentes
Diz uma voz suave, porventura Que a fama de seu nome alenta e move.
Posso causar-vos mêdo? Ao frio susto Ninguém chora debalde, ninguém pede
A sorprêsa sucede: — M estre! M estre! Seu auxílio debalde, ninguém segue
Sois vós! — Eu sou, não receeis, quedai-vos. Debalde os rastros de seus pés divinos.
Ninguém aos lares volta sem c o n s ô lo !....
Qual em fino tapete ou verde relva, Ora, entre o povo humilde que se ajunta
Firme, de pé, o rosto resplendente, Para ouvir as verdades do Evangelho
Jesus caminha sôbre a lisa face Ou implorar do Mestre os benefícios.
Do lago adormecido. Ao vê-lo calmo. Os Fariseus e Saduceus avultam:
Meio vendado pelas brancas névoas. Sempre invejosos, refalsados sempre.
Dir-se-ia que as águas cristalinas Tecendo enredos, invertendo os fatos,
Tinham-sc congelado, ou braços d’anjos Buscam nos modos, nas ações, nas falas,
Invisíveis sustinham sôbre o abismo Na vida do Senhor e em seus princípios,
Seu puríssimo corpo. — As longas vestes A sombra de uma ofensa à lei, 2598 aos usos.
Na fria superfície enxutas 2594 roçam. Ou às ordens cruéis de seus tiranos.
Nem um respingo molha-lhe as sandálias — Mestre, fazei-nos ver algum milagre.
Que fundos frisos sôbre as águas deixam Dizem dolosamente, — as turbas contam
A cada movimento; auras suaves Que heis operado inúmeros prodígios.
Agitam-lhe os cabelos mansamente Nada porém sabemos, — atendei-nos, 2599
E nas dobras do manto alegres brincam; Pois creremos em vós. — Não há cegueira
Um meigo olhar, um cândido sorriso Como a daqueles que rebeldes cerram
Animam-lhe o semblante gracioso. As pálpebras à luz, responde o Mestre.
Abri os olhos, contemplai o mundo
VIII E milagres vereis por tôda parte!
Quando se esconde o sol, e o firmamento
— Se uma ilusão não és, exclama Pedro, De rubra e viva côr brilha e fulgura,
Se não és um espectro vagabundo Convosco murmurais: — Calmo e sereno
Que nos vem assombrar, senão o Mestre Será o dia de amanhã, pois rubro
Que servimos e amamos, manda, ordena E formoso é o céu; mas, quando a aurora
Que forte como estás sôbre estas águas Descorada aparece no Oriente
Eu mova-me também, também caminhe Entre nuvens vermelhas, porém tristes.
E me acerque de ti! — Vem pois, eu quero, 2595 Dizeis convosco: — H oje haverá tormenta.
Responde o Salvador, mas não duvides ! — Quê! Sabeis 1er no céu, mas neste mundo
Pedro agarra-se à borda, inclina o corpo. Não decifrais dos tempos os m istério s!...
Galga as tábuas delgadas, cauteloso Oh geração adúltera e perversa!
Estende os pés, e achando firme poiso Um milagre pedis em altas vozes,
Desembaraça as mãos, e ei-lo contente, Mas só tereis de Jonas o milagre,
Sorprêso caminhando sôbre as ondas!......... Que três dias passou no frio ventre
Mas, desgraça! Uma rápida lufada De monstro horrendo em tenebroso abismo,
De subitâneo vento silva e passa. E à luz voltou de novo! — Assim falando
Atirando lhe ao rosto a fria escuma Afasta-se o Senhor deixando-os pasmos.
Das águas agitadas; a lagoa, 2596
Até então serena e transparente. X
Torna-se negra, encrespa-se, sacode
Como um brinco infantil a frágil barca! Dos amigos fiéis acompanhado.
Pedro pára, estremece, enruga a fronte, Sequioso de paz e de sossêgo
E tomado de horror, sente se abrirem Para as santas doutrinas explicar-lhes,
Sob seus péus as vagas mugidoras, Busca Jesus os lúcidos retiros
E quase a perecer grita: — Salvai-me! De Cesaréia de Filipe. O tempo
Senhor! Salvai-me que me afogo! — e estende Corre veloz, e o prazo necessário
Iara Jesus os braços convulsivos. De seus dias na terra se restringe.
— Criatura sem fé! Por que duvidas? — Uma tarde, ao sol pôsto, refletindo
die diz o Salvador, — vem, não te assustes. — Sôbre a cegueira e perversão dos homens.
E trava-lhe a mão, põe-no a seu lado Volta-se aos companheiros e interroga:
E de novo caminham sôbre as águas — O que se diz de mim por essas vilas
chegar à barca. — Oh na verdade E por essas cidades? O que pensa
o Filho de D eu s!.. — Exclamam todos E fala o pobre povo a meu respeito?
wue este milagre viram; e aterrados, O que julgam aquêles que me cercam,
voz do Salvador, erguem-se prontos. E pedem meu auxílio, e atentos ouvem
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELV A S
E ’ vindo vosso irmão que longe andava, Não lhes embaraceis jamais os passos,
E vosso pai festeja-lhe a chegada. — Pois o reino dos anjos lhes pertence!
Ouvindo esta notícia, abaixa o moço Então um rico Hebreu se aproximando
A cabeça e suspira; tristemente Pergunta-lhe solícito: — Bom Mestre,
Volta sôbre seus passos. — Entretanto O que devo fazer sôbre êste mundo
O pai desce a buscá-lo, e roga, e pede Para alcançar 2618 a salvação e a glória?
Que o acompanhe à mesa do banquete. — Só Deus é bom, e sábio, e justo, e grande!
Êle porém responde: — Há tantos anos Responde-lhe Jesus. — Porque me louvas,
Que zeloso e fiel vos sirvo e ajudo, E me chamas de bom? — Dize-me, acaso
Nunca me destes um cabrito, ao menos, Desconheces os Santos mandamentos:
Que eu pudesse ofertar a meus a m ig o s!.... Não mates, nem cometas adultério,
Mas depois de uma vida vergonhosa, Não calunies teu irmão, nem furtes.
Nodoado de vícios, miserável. Preza e honra teus pais, e sobretudo
Vem meu irmão e o recebeis contente. Ama teu Deus, — teu Criador venera?
Matais, para o brindar, o mais nutrido, — Senhor, desde a mais tenra mocidade.
O mais belo novilho dêstes cam pos!... Prossegue o rico Hebreu, tenho guardado
Que prêmio pois mereço, eu que trabalho, Estes sacros preceitos. — Oh! 2619 não basta!
E nunca me afastei do bom caminho? Continua Jesus, falta-te ainda, 2620
Mas o pai lhe respondeu: — Em minha casa Para sêres melhor, alguma coisa.
Sempre viveste, e satisfeito vives, Vende quanto possuis, dá seu produto
Tudo o que tenho é teu, e nossos servos Aos pobres, teus irmãos; deixa teus lares;
Entre nós ambos distinção não fazem; Lança mão de um bordão e me acompanha. —
O que mandas eu mando: o que desejas Isto escutando, o Hebreu 2 6 2 1 torna-se triste,
Desejo que se cumpra. — O que te falta Que era senhor de cabedais imensos.
Que também não me falte? O que te sobra — Quanto é custoso! o Salvador pondera.
Que também não me sobre? Dize, filho! Quanto é difícil conquistar-se a posse
Mas teu irmão por morto eu reputava! Das delícias do céu, quando a riqueza
O Senhor o guardou e no-lo envia. Fascina a vista e o coração cativa!
Folguemos pois, nossa alegria é justa. Mais ampla entrada um dromedário achara
De fina agulha pelo estreito fundo
Que no reino dos céus um homem r i c o ! . .. .
X I I
— Quem poderá salvar-se, então? — perguntam
Alguns dos circunstantes. — Pobres cegos!
Continua Jesus propondo ainda
Exclam a o Salvador, — pensais acaso
Mais algumas parábolas singelas Que para o Deus Eterno haja im possíveis?...
Que resumem a lúcida doutrina. Depois disto, o Senhor chama de parte
Simples, mas palpitantes de verdade. Os doze companheiros, longo tempo
Sôbre a missão divina os aconselha,
Os contrários vencidos emudecem.
E abandonam de novo aquêles sítios.
Ora, entre o povo imenso que se ajunta
Ao redor do Senhor, trazem ©s pobres X IV
Os graciosos, inocentes filhos
Para que vejam seu divino rosto, As formosas parábolas ungidas
Da mais suave e doce poesia.
Para que aprendam seus preceitos santos, Os singelos painéis, onde 26 22 a verdade.
Para que toquem seus vestidos. — Basta, 2612 Simples como a expressão da natureza.
Se quereis ser felizes, bons e sábios, 2613 Os mais rudes espíritos cativa,
Que lhe beijeis do manto a escura fímbria, 2614 A linguagem concisa, porém bela
Do Divino Pastor, melhor ensinam
Dizem as mães às lindas criaturas. Do que das Sinagogas orgulhosas
As extensas lições 2623 e os vãos discursos.
XIII — Ouvi, diz o Senhor ao povo amigo
Que por tôdas as partes o acompanha: 2624
Qual formoso rebanho derramado — Havia um homem poderoso e grande.
Em denso matagal, procura unir-se, Grande no vício, e grande na opulência.
E surde aqui, ali, entre as folhagens, Vestia-se de purpura e de sêda,
E de novo se perde, assim loirejam De brilhantes e pérolas se ornava.
De quando em quando entre as cerradas turbas 2615 Em seu vasto palácio, dia e noite.
As airosas cabeças, incansáveis. Rodeado de torpes lisonjeiros
Daquela grei de anjinhos 2 6 16 curiosos. Folgava descuidoso. Em seus banquetes
— Que vêm 2617 aqui fazer parvos infantes Fortunas despendia, 2625 e mais felizes
Senão interromper a voz do Mestre, Que muitos filhos de Abraão, viviam
Ou estorvar o povo? Porventura Seus mastins e lebréus, cheios e fartos
Em brincos pueris nos entretemos? De manjares custosos e esquisitos.
Dizem do Salvador os companheiros Também havia um sórdido mendigo
Afastando as crianças. — Não! exclama Que Lázaro chamava-se, e coberto
Vivamente Jesus, deixai que venham, De pústulas e chagas, suspirava
Que se acerquem de mim as criancinhas! Faminto e esfarrapado sôbre as lájeas
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
Que das míseras mães o doce nome Voltemos à Judéia. — Então sorprêso
Balbuciavam tímidas ainda! Ponderou Simão Pedro: — Vêde, 2633 Mestre,
Velhos inermes, — trêmulos enfermos, 2631 Os Judeus contra vós se declararam!
Que os prudentes conselhos do profeta Que pretendeis fazer? — Não tem o dia
As dores e os pesares mitigavam! Doze horas, dizei? — Quem anda à noite
Depois dêste nefário morticínio Pela falta de luz não anda às cegas?
Se espalharam, rugindo, pelas matas, F, quem anda de dia? Oh! não se perde, 2634
Sequiosos de sangue, — ébrios de raiva! Que sol brilhante aclara-lhe o caminho! —
Cruenta provação 1 — Fortes, embora. Mas depois destas místicas palavras.
Proibia a vingança a lei sagrada Qual um fraco romeiro deslembrado, 2635
Aos que da Cruz o lábaro seguiam, A quem súbito acode o pensamento,
F,ra a defesa o único partido E a consciência do dever acorda
Que cumpria tomar: para a defesa A memória infiel, diz em voz alta:
Preparavam-se pois infatigáveis — Lázaro dorm e!.........— Se êle dorme vive,
Se outras afrontas e agressões tentassem Se êle vive não s o fre i.. — atalha Pedro.
As hordas dos demônios vagabundos. — Expressão pueril de um gênio simples!
O estoicismo do Mestre assombra as tribos! Exclam a o Salvador, — nem sempre o sono
Nenhum guerreiro contemplara a morte A vida revelou: — Lázaro é morto!
Tão sereno, tão firme, e tão seguro Quis a fé conhecer que vos anima,
Como o homem da paz. — Quem recuara Deixei que sucumbisse; agora vamos,
Quando dêle partia o nobre exemplo? Vereis de perto a lúcida verdade. —
Porém, reina o silêncio entre os conversos. — Vamos, Tomé, murmura, vamos todos,
As fogueiras flamejam derramando E nós todos com êle morreremos! —
Na espessura das silvas odorosas Ver para crer! — Estólido provérbio!
Vacilantes clarões, — O missionário Depois, 2636 seguindo o soberano Mestre,
Levanta a voz suave e assim se exprime: O caminho tomaram de Betânia.
Deixemos repousar os lidadores.
Os heróis que morreram defendendo IV
A verdade e a fé: bravos cumpriram
O dever de Cristãos e de guerreiros. E chegaram enfim, tarde, 2637 bem tarde!
Destemidos como êles, neste solo J á quatro vêzes expelira o dia
Onde o sangue verteram, descansemos Os lémures da noite, e quatro vêzes
Confiantes no Deus das almas puras. A noite pavorosa desfraldara
Fiquem de parte as clavas formidáveis. O pavilhão de sombras pelo espaço!
Os finos dardos, — a cruel vingança, Já quatro vêzes sob o olhar de fogo.
O ódio que prepara ervadas flechas, Implacável olhar que tudo alcança 2638
E olhos fitos na estréia fulgurante Do árbitro da luz, sôbre si mesma
Que outrora protegia os velhos magos. Hidra cativa se volvera a terra,
Prossigamos de Cristo a santa história. Procurando romper o circo imenso
Das doze colossais brônzeas muralhas!
11 I E Lázaro dormia, e não sonhava
Em seu leito de pedra, hórrido leito
Ora, depois dos fatos mencionados Onde os vermes sòmente não repoisam !.........
No último serão, — fatos sublimes Quando, deixando o corpo, a alma divina
Que eternos viverão no pensamento Libra-se logo aos pés do Onipotente
Das gerações remidas no Batismo, Laureada de esplêndidas virtudes.
Perseguido o Senhor pelos tiranos Brilhante de inocência, — a morte é bela!
Retira-se a Betânia, aldeia humilde, Na face da matéria inanimada
Onde Marta e Maria aflitas choram Ficam ainda plácidos vestígios
Junto do pobre irmão. Lázaro, enfêrmo 2632 Daquela que passou. — E ’ belo sempre
Do mal terrivel que tomou seu nome. O cadáver do justo. — Embora 2639 triste,
Sabendo que Jesus próximo estava Um — quê — de inteligente, um — quê — de nobre
Mandam logo avisar-lhe as infelizes: Guarda estampado nas feições serenas
— Teu amigo perece, vem salvá-lo! — Onde o artista e o sábio acham mistérios
Amava o Cristo o cândido mancebo. Que a vida desconhece. O estatuário
Sócio de infância, ingênuo companheiro Na brancura dos túmulos se inspira.
De seus belos serões da mocidade; Mas, a dissolução tardia e lenta,
Se, Mestre, havia eleito outros discípulos A agonia terrífica das formas,
Para a grande missão, — nos seios d’alma A podridão das carnes, a mudança
A lembrança de Lázaro guardava De um corpo gracioso em feio monstro;
Como um favo de mel, como um perfume. De monstro em massa informe, escuro acervo
Ou como um talismã que o viandante De rôtas fibras, líquidos impuros.
Guarda zeloso em ásperos desertos. Enovelados pêlos, frias bôlhas,
Não se abalou contudo à triste nova! F. sôbre tudo, 2640 oh Deus! e sôbre tudo
Dois dias descansou no mesmo sítio, Êsse mundo de vermes asquerosos
De alheios casos se ocupou tranquilo, Cevando-se de sânie e de imundícia,
E por fim resolveu: — Bastante tempo Miséria! A morte então desperta o nojo.
Nestes almos retiros divagamos. Molesta o coração, derrama o tédio
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— Quem dentre vós, soldados do Evangelho, Mimo do largo mar, — cesta de flores
Meus passos guiará? — M estre, partamos, Esquecida na rota dos Fenícios!
O romeiro responde. — Vamos todos! Do meu pio destêrro inda te vejo,
Corramos ao lugar do sacrifício! — Como sempre te vi nos belos sonhos
Bradaram cem mancebos valerosos. Da curta juventude! — As auras frescas
Um momento depois marchavam lestos Brincam talvez agora nas videiras
Ao longo das campinas orvalhadas. Do rústico solar de meus maiores.
As ondas espreguiçam-se nas praias
X V Curvas como os alfanges sarracenos,
O titão de granito ergue nos ares
Nublada e triste aparecia a aurora A fronte audaz e ríspida cingida
No chuvoso Oriente, ásperas brisas De um turbante de névoas sempiternas!
Silvavam nos sarçais 2 6 8 1 g nos oiteiros Nada mudou: nas penhascosas grutas
Estéreis do sertão, quando chegaram Poisam ainda os pássaros marinhos;
Ao teatro da lugubre tragédia. O possante albatroz estende as asas
— É ali, — disse o filho das montanhas Sôbre o verde oceano; os líbios ventos
Mostrando um monte de tisnadas pedras Trazem da terra firme as cantilenas
Coroadas de cardos verdoengos, Dos sanguinários, 2684 rudes fetichistas!.........
— E ’ ali! — Foi bastante esta palavra, Mas de meus pais......... só restam na jazida
Bastante o gesto que a seguia, — o Sábio Os carcomidos, 2685 alvacentos ossos!
E mancebos valentes escalaram Ali sumiu-se o nome de Anchieta! —
Num volver d’olhos o Calvário alpestre. Calou-se o sábio. O orvalho da saudade
Crostas calcáreas desligadas, soltas. Pelas pálidas faces deslizava.
Rolaram das escarpas nos rochedos. Mas, um estrondo horríssono e profundo
Os ecos acordando; — um feio abutre. Como o estalar de transviada esfera
Possante e gigantesco, abriu as asas, Nas regiões sombrias do infinito
E elevou-se grasnando pelos ares; Retumbou nas extremas 2686 do Oriente!
O horizonte aclarou-se, e um raio froixo O céu afogueou-se, — o mar bramiu;
Da fria madrugada, um flavo raio, Cruzaram-se os relâmpagos, rasgando
Um escárnio da luz, bateu medroso A tela dos negrumes condensados
No fastígio das penhas escabrosas. Sôbre a face da terra; o anjo da morte
O m ártir ali estava, — calmo e belo Sacudiu no levante as asas negras!
Como um jovem pastor adormecido Tomado de terror prostrou-se humilde
Sobre a relva do campo, entregue aos sonhos O sagrado pastor das soledades
De inocentes am ores; em seus lábios Invocando de Cristo o santo nome.
Inda restava a sombra de um sorriso.
Porém 2682 da morte as roxas 2683 violetas II
As pálpebras cerradas lhe tingiam;
Uma flexa veloz o derribara........... Sevo A lcáccr-Q uivir! Campo de opróbrio!
A fria destra sôbre um livro aberto Campo das gemonias lusitanas!
Marcava o santo ofício dos fin a d o s!... Quão sinistro negrejas no horizonte
Expirara adorando o Ser Supremo! Do novo Ezequiel aos olhos fátu o s!.........
A noite cobre de tristeza e sombras
Os vastos ermos das brasílias terras.
Longe, longe, porém, resplandecente
CANTO VII Sôbre o hemisfério oposto, o sol fulgura
Iluminando os areais medonhos
I Da Núbia requeimada. — Horrenda história
T raça convulso o gênio das batalhas
Branca vestal do templo da saudade! No bronzeo Arquivo dos humanos f e it o s ....
Musa da ausência, compassiva musa L á desfraldam-se aos ventos do deserto
Que desfolhas nos páramos do exílio Os formosos pendões alvi-cerúleos,
As rosas da esperança, borrifadas Da Mauritânia horror! Fulgem as lanças
De lágrimas de amor, e suavizas Senhoras do ocidente e do levante!
As vígilias do bardo forasteiro Ribombam os obuzes vencedores
Repetindo as canções dos pátrios lares! Dos filhos de Ismael, atordoando
Gênio das tradições! Que pensamentos As mesquitas do esposo de Cadija,
Inspiras nestas horas de tristeza E afogando no fumo das bombardas
Ao pastor do deserto? — Quão serena O brilho do crescente muçulmano!.........
Das altas cordilheiras do Ocidente Sôbre airoso corcel, alvo de neve,
Vem a noite ganhando os fundos Abales! Se arroja destemido o rei mancebo
Quão suspirosa a viração dos ermos No meio da peleja. Aos líbios tigres
Passa no seio escuro dos silvados! Os leões portuguêses se arremessam.
Quão gemedoras rolam das montanhas Os esquadrões, porém, dos circuncisos,
Por entre os véus de espuma as cachoeiras! Pérfidos como os gênios fulminados
— Oh meu plácido berço! Oh Tenerifa! — Das legendas hebréias, se distendem
Exclam a o solitário alçando os olhos De lado a lado em temerosa curva
Aos vastos céus azuis, — ilha querida, Que procuram fechar, prendendo os bravos
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
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IjUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
E a luz suave dos fagueiros olhos Trouxeram sem trabalho e sem tardança
Sumiu-se para sempre! — Chora, chora, 2696 Os mansos animais. — Predito fôra
Desgraçada Naída! — O hibérneo vento Pelo antigo profeta este sucesso,
Da fronte juvenil sacode as flores! E as menores, mais leves circunstâncias.
Êrmo de anelos, de ilusões vazio Pondera o escrupuloso m issio n ário ... 2705
Bate teu coração, — e as asas cerras. Ouvi a predição: — Dizei à filha, 2076
Tímida rôla das florestas virgens, A filha de Sião, eis se aproxima
Deixando o mundo na estação dos r is o s !.. . . Sôbre rude jumenta, vagarosa,
Do limiar da porta o sábio a enxerga, 2697 O vosso grande rei. — Porém, chegados
E disfarçando com palavras meigas Os servos do Senhor, — os grossos mantos
A emoção que o domina, a mão lhe estende Ao dorso do animal prestes lançaram,
E a faz entrar no hospitaleiro alvergue. Onde sentou-se o Cristo, e pensativo
Seguiu caminho da cidade eterna.
V Vingava o sol na cúpula celeste
O meio de seu giro diüturno,
Ao meio-dia, reunida à sombra 2698 Quando a Jerusalém , não dos profetas,
A caridosa grei, o missionário Não de Davi o bardo soberano.
Ergue a voz eloquente, e continua De Salomão o sábio, — mas a triste
Da Redenção a história milagrosa. Jerusalém dos Césares, — ao longe
— Sinto-me enfermo 2699 e fraco, as tristes novas Apareceu na fímbria do horizonte
De uma luta cruel, o pensamento Aos olhos do Senhor; ondas de povo
De males e perigos que nos cercam, Corriam dos casais ao seu encontro.
A sinistra impressão, talvez, de um sonho, Ondas de povo se agitavam ledas
Mas de um sonho fatal, m inh’alma oprimem. Na pedregosa estrada que trilhava
Escutai-m e, contudo, sêde atentos. 2700 E seguiam cantando almos louvores.
V I V I I
Sobranceiro aos manejos da calúnia. Glória! os hebreus clamavam. 2707 Glória! Glória
Aos enredos da inveja, às ameaças Ao filho de Davi! Bendito seja
Dos desleais, 2701 protervos sacerdotes, O que em nome de Deus vem das alturas!
Na divina missão Jesus prossegue E estendiam por terra os seus vestidos
Arrostando os bulcões da tempestade Quais régios servos pérsicos tapetes
Que seus dias terrestres assoberbam. Na passagem dos príncipes. — Hosana!
E ra o Domingo consagrado à festa Gritavam as crianças e as donzelas
Com que celebra o povo israelita Desfolhando boninas odorosas.
As árduas provações de seus maiores Cobrindo o chão de verdejantes palmas.
Nas planícies do Egito. As verdes silvas. Glória ao Senhor, ao M estre! Glória ao Cristo!
As balsas florescentes dos oiteiros E o séquito engrossava, — os camponeses, 2708
Se arreavam de pérolas e opalas Romeiros e pastores se ajuntavam
A luz do sol nascente; alegres bandos A roda de Jesus, — os viandantes
De alvas cegonhas, de faisões travessos Saudavam-no de longe. — Dir-se-ia
Brincavam pelas margens dos arroios A entrada triunfal de herói preclaro
Encantados do aroma e da frescura Da pátria amada ao suspirado grêmio
Que as serenas campinas inundavam. Depois de longa ausência. — Glória! Glória!
Como as aves, contentes; como as flores Repetiam os ecos das montanhas.
Louçãs e donairosas, pelos vales Cedo em Jerusalém correu a nova
Corriam da Judéia as lindas filhas. Da brilhante ovação, e os sacerdotes
Cheia a imaginação de amores fáceis. Raivaram como as serpes peçonhentas 2709
E , como sem pre......... o coração vazio. Quando pressentem das imundas covas
Ora, naquele tempo, descansava O tropel das ovelhas. — Oh! bem vemos.
Rodeado dos seus o excelso Mestre, Os fariseus diziam disfarçando
Em soidoso retiro junto à 2702 fralda Os furores satânicos da inveja,
Da montanha das velhas Oliveiras; O vulgacho está cego! O nazareno
E como visse as buliçosas turbas Fascina as multidões. Outros, audazes.
Que atravessavam lépidas os prados Dirigem-se ao Senhor e assim lhe falam:
Demandando a cidade, — a dois amigos — Mestre, fazei calar vossos amigos! —
Disse apontando ao longe a aldeia humilde — Se os fizesse calar, responde o Mestre, 2710
Entre viçosos pâmpanos oculta: Clamariam talvez as próprias pedras! —
— Ide àquele 2703 lugar: vereis, entrando, Depois volvendo os olhos compassivos
A vossa destra, prêsa uma jumenta, 2704 Para as colinas áridas, fronteiras.
E ao lado dela um tenro jumentinho, Vendo, já perto, a célebre cidade
Trazei-m os sem receio. Se, contudo. Com seus velhos eirados, com seus muros
Alguém vos perguntar quem vos envia Pelo roçar 2711 do tempo enegrecidos,
Respondei — o Senhor, — no mesmo instante E os grossos bastiões, onde ociosos
Vos deixarão voltar. — Logo partiram Os soldados romanos palestravam,
Os sócios de Jesus a largos passos, .Abaixou suspirando a bela fronte
E o divino mandado executando, E disse estas palavras memoráveis:
[ 660 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
[6C 1 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARBLA
[ 662 ]
ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
[ 663 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 664 ]
ANCHIETA OU 0 EVANGELHO NAS SELVAS
[ 665 ]
LUÍS KICOLAU FAGUNDES VARKl.A
CANTO VI I I II
I F ô ra ocioso relembrar ainda
Os passos principais e as ocorrências
Longe, — na vastidão dos descampados Da narração passada; estou bem certo
Que se perdem no vago do horizonte, Que fiéis os guardais no pensamento.
Onde os almargeais e os frescos vales Como vos disse então, os sacerdotes, 2794
À luz crepuscular que envolve os ermos Escribas e doutores, procuravam
Propícia ocasião, meios propícios
Tomam do firmamento a côr cerúlea.
De condenar Jesus, e ao mesmo tempo
Longe desaparece a última turma Tem iam -se da cólera do povo.
Dos filhos do sertão que as alvas praias O espírito do mal veio em auxílio
Buscam de Guanabara. A pátria os chama, De seus nefários planos. Congregados
Correm a defender a pátria aflita. Alta noite na sala mais secreta
Foram -se. No fastígio dos rochedos Dos paços pontifícios, discorriam
Triste e sozinha a virgem do deserto Sôbre o bárbaro alvitre e a crua emprêsa,
Chora a partida do guerreiro amado. Quando um servente anunciou da escada
A presença de Judas. Resolvido
As virações da tarde, ásperas, frias.
Estava o tredo e pérfido problema:
Sacodem-lhe os vestidos, o sereno Satã lhes dera a chave. Alguns instantes
Umedece-lhe o rosto e as tranças negras, Sucederam 2795 de lugubre silêncio.
Mas a febre a consome, — o hálito ardente Depois abriu-se novamente a porta
Queima-lhe os lábios secos, descorados, E o sombrio judeu entrou na sala
E nas brilhantes, áridas pupilas. Com serenas feições, olhar sereno,
Cruzam-se estranhos lumes. Muitas vêzcs Adodos corteses e um sorrir tartáreo!
Viram-lhe fundo n’alma os sacerdotes.
De convulso ofegar ao vivo esforço, 2789
— Sabemos ao que vens, — fala e não temas.
Levando a débil mão à linda bôea.
Rejeitas os preceitos e as doutrinas
Volve-a manchada de purpúreo sangue! Do mestre nazareno? — Sim. Rejeito, —
E ’ a vida que vai-se lentamente, Judas responde com sinistro gesto 2796
Que foge a pouco e pouco, desfolhando Ao perverso doutor que o interroga.
As grinaldas louças da juventude. — Reconheces teu êrro e te arrependes?
As ilusões do amor, os sonhos de oiro, Voltas à santa lei? Porém, não bastam
E as esperanças tôdas do f u t u r o !.... Simples afirmações, — queremos obras! —
Oh M orte! Amas os lentos sacrifícios. —■ E quais são elas? — o traidor pergunta.
Saboreias as longas agonias, 2790 Mostrai-nias, por quem s o is !.. — Aqui tristonho.
Aqui turbado o narrador calou-se:
Diviiidade cruel! — No horror, lasciva.
Aqui também suspiras e emudeces.
Arrochas vagarosa a pobre prêsa. Pobre, singela musa! Onde acharias, 2797
Molhas-lhe o corpo de nojenta bava, •A.njo da solidão, formosa filha
Como a boa-constrictor dos fraguedos, Das florestas da terra do Cruzeiro,
Depois lambes-lhe as carnes laceradas Robustas expressões, fiéis palavras
E a devoras com lúbricos r e q u e b ro s !.... Para externar o horror do atroz conluio,
Porém, sumiu-se o dia, a plúmbea noite Da intriga infame, do nefando ajuste?
Domina as solidões; dos altos cerros Da ingratidão de Judas? Porventura
E das brenhas do Sul, partem rugidos Poderias baixar ao negro inferno.
De feras erradias, e entre as junças Molhar a pena no fervente pranto
Das profundas charnecas, agourentos Que, blasfemando, os réprobos derramam? ;
Gritam os jacarés. Horas sinistras Talvez a s s im .... — Ao alvejar d’aurora, '
De indizível terror! — Ergue-te e volta Servos de .Satanás em corpo e alma.
Para junto dos teus, anjo das selvas! Judas deixava os ímpios sacerdotes.
Não escutas ao longe a voz materna Tendo vendido o amigo, o Sábio Mestre, 2798
Que ansiosa te chama? Não distingues O santo benfeitor! — Trinta dinheiros
Entre as folhas dos plátanos lustrosos Fôra da perdição o justo prêmio!
A ondulação das trêmulas fogueiras? Trinta dinheiros! E devera o monstro
Vê, teus irmãos esperam-te, teu M estre Assinalar Jesus a seus verdugos
Aguarda-te silente e pensativo. Dando-lhe um beijo no divino rosto!
Ergue-te, pois, criança, enxuga 2791 o pranto A saudação fraterna! O meigo indício
E busca teu lugar junto do Sábio, De inalterável, 2799 cândida amizade!
Junto do amigo 2792 g protetor, N aída!___ Carícia d’alma, que, feliz, resume
A virgem se levanta, suspirando, Quanto a humana linguagem desconhece
F. deixa o alpestre sítio; no caminho De afetuoso, 2800 de eloquente e puro!
Encontra a pobre mãe, corre a seus braços.
Beija-lhe o frio rosto e se dirigem III
Ao piedoso serão do eremitério. 27'i3
Um momento depois o exímio padre Era chegado o dia dos pães asmos,
Alçando a voz sonora continua O dia em que os judeus principiavam.
A gloriosa história do Evangelho, Segundo as tradições e a lei antiga.
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ANCHIETA OC ü EVANGELHO NAS SELVAS
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LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
— Senhor! — falou, — Senhor, em idos tempos. Meu Deus! acompanhando-te nos transes
Por vossa vinda suspirei debalde! Dêsse penar imenso, onde empenhada
Entre rudes pagãos fui o primeiro A eternidade abraça-se à matéria!
Que a divina unidade expôs ao mundo, Jesus! dá-me valor! Lava minh’alma.
Que do Deus uno e trino a glória viu! Lava-me a lira, a inspiração, a pena,
Áíártir da fé baixei à sepultura Como lavaste os pés a teus amigos!
Sem receber as águas do Batismo!.... Faze que eu não fraqueic, não tropece!
Hoje, 2828 que dais a salvação e a vida Mas, se, embora de rastros, arquejante.
A humanidade escrava do pecado, Vencido pela dor e pela febre
Quebrei da morte o fúnebre sigilo. Eu tenha de seguir-te, oh! seja feita
Vim o sangue beber, comer a carne, 2829 A vontade de Deus, bendita sem pre!.........
A carne e o sangue do Cordeiro eterno!
Glória! Glória ao Senhor! Abertas vejo No monte das antigas Oliveiras,
Do Paraíso as portas luminosas! — Não longe do Cedron, em êrmo sítio.
— Piedoso varão, exímio Sócrates, Rude e saibroso como o frio leito
Sábio como Moisés, íntegro e justo De passada torrente, onde bravejam
Como o grande Abraão, — Jesus exclama. Das chuvas hibernais as águas turvas
Voa ao seio de Deus! Recebe o prêmio Parou Jesus e disse aos companheiros:
De teu sublime, heróico sacrifício! — — Ficai aqui, não caminheis mais longe.
Um fúlgido clarão de alva celeste Contrito, a 2838 sós comigo, ali na sombra
Iluminou a sala, e a sombra ilustre, 2830 Quero elevar minh’alma atribulada
Como outrora o Senhor, transfigurada, Ao Padre Onipotente; e vós, amigos.
Deixou a terra, os homens, e perdeu-se Orai, orai ta m b é m !... Sinto no peito
Nas regiões do éter............. — Levantai-vos, As angústias da morte e seus horrores! —
Disse Jesus aos frios companheiros, 2831 Nunca tanta tristeza revelara
As horas do martírio se aproximam!....... A voz suave do divino M estre!
Simão! Simão! continuou, fitando As angústias da m orte!___ Porventura
O velho pescador, — bem como o trigo Podemos nós medir a dor imensa
Satã pediu que joeirasse a todos, Das angústias de um Deus? Nós, miseráveis, 28,39
Mas eu roguei por ti, que não vacile Que o mais leve sofrer nos aniquila?...........
E nem te falte a fé! — Senhor, descansa, Porém, deixando os mudos companheiros
Pedro lhe respondeu, — onde estiveres Embrenhou-se Jesus pelos silvados
Eu estarei também constante e firme, Então cobertos de odorosas flores; 2840
E onde penares, meu divino Mestre, Chegando perto de uma lapa escura.
Eu penarei também; qual nesta vida, 2832 Lançou o manto às urzes, e prostrou-se.
Também na morte me verás contigo! — Cosido o rosto ao chão áspero, sêco.
— Ah! 2833 entretanto, o Salvador prossegue. Orando com fervor. — Desde êsse instante
Antes que^ solte a voz o galo esperto. O mistério sangrento começava.
Me negaras três vêzes, e hoje mesmo! —
E voltando-se aos outros companheiros: VIII
Quando vos disse: — viajai sem bôlsa. Turva-se o firmamento, — os frios euros
Sem sandálias e alforjes, porventura Silvam nos espinhais. — Velai, amigos! —
Alguma coisa vos faltou? — Não. Mestre, A fronte de Jesus no duro solo,
Lhe responderam todos. — Pois, 2834 agora. E ’ o céu que se abaixa, e atento escuta
Tome, quem os tiver, bôlsas e alforjes, A confissão do mundo! A terra treme
E quem não os tiver, venda os vestidos. E fende-se talvez ao sacro fogo
Compre logo uma espada!... — Uma não basta, Do respirar do Cristo: — a voz dos mortos, 2841
lemos duas, — disseram-lhe. — Calai-vos! Que as eras condensadas abafaram,
Continuou Jesus: não se alvorocem 2835 Dos negrumes do limbo se levanta,
Os vossos corações, as vossas almas; 2836 E pede a Redenção, pede o Batismo!
Credes no Deus eterno e onipotente? Tu os batizarás. Senhor! Teu sangue
Pois crede em mim_ também. Antes de todos Os lavará das manchas do passado,
^a casa de meu Pai vou preparar-vos Êles que não te viram, nem te ouviram,
Deliciosos cômodos, mais tarde E esperavam por ti; — menos felizes.
oltarei a buscar-vos. Oh! desgraça! Mais dignos do que nós, ingratas serpes!
Apropínquam-se as horas do martírio! Grande D e u s !... um terror fundo e secreto
Vao cumprir-se as palavras dos profetas! — Se apodera do Cristo, ânsias atrozes
Calou-se o Cristo, e lento retirou-se. O coração lhe apertam! — Padre! — Padre!
Clama com voz aflita e mal segura,
VII — Oh! se te apraz, afasta-me dos lábios
Êste medonho c á lic e !... Entretanto
Senhor! Lavaste os pés a teus amigos, 2837 Não a minha vontade prevaleça,
Deste-lhes fôrça e ânimo e virtude Mas a tua, 2842 Senhor! — E as mãos unidas,
Para seguirem da verdade as trilhas! Arrasados de pranto os belos olhos.
Quem meus pés lavará? Quem a meu gênio Soluçava beijando a terra fria.
Dará brilho e vigor? Quem da vertigem Erguendo-se depois, voltou-se a Pedro:
Preservará meu cérebro? — Eis-me fraco. — Simão, tu dormes! Não pudeste ao menos
Sem estro, sem saber, sem guia e mestre. Um momento velar! orar comigo!
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liUíS NICOLAU FAGUNDES VARELA
Vela, e ora, que a fôrça te não falte, Se nada fôras não sofrerá os transes
Que a tentação não entre no teu seio! — Dessa noite cruel! Se nada fôras
E sentindo outra vez a dor acerba Não assombrara o mundo e a imensidade
.Subir-lhe ao Coração, pediu de novo Com seu trágico exemplo e seu martírio!
A seu eterno Pai que retirasse
O cálice das sevas agonias! X I
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T
>1-
A
A N C H I E T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S
Que O sangue nie horroriza! — E a mao levando Tomou-lhe as magras mãos, porém já frias,
Ao lugar da ferida, uniu a orelha E tirando do peito a santa efígie, 2864
E o servo ficou são qual dantes era. A efígie de Jesus hirta e sangrenta, t{
Então, 2858 feroz tribuno e vil coorte. Apresentou-a à mísera indiana.
Rudes e miseráveis quadrilheiros, Vendo prostrar-se o pio sacerdote
Bando voraz de pérfidos abutres, A multidão prostrou-se, — livre o pranto
Lançaram-se ao Senhor, — com duras cordas Correu dos olhos dêsses homens livres %
Arrocharam-lhe os pulsos. Seus amigos Que o maior dos suplícios não curvara!
Tomados de terror se dispersaram.............. Também nas selvas, nos sertões bravios,
Entre gentes boçais, tribos grosseiras,
X I I ']’em a virtude altares. A inocência
Quando sucumbe ao sôpro da desgraça
Silêncio, musa! Um grito angustioso, Também recebe lágrimas sentidas!
Um grito de suprema despedida. Nas matas virgens, nas cidades cultas,
Neste lugar da narração divina Nas choças negras, nos salões doirados,
Interrompeu a voz do Missionário. E ’ uma a Natureza, e sempre a mesma!
Os mancebos ergueram-se de um salto.
Os anciãos olharam-se aterrados. X IV
Quem dêste modo os corações abala?
Quem brada assim? — Correi, homens das selvas! Como a sedosa flor dos verdes campos,
Naída, a virgem dos sertões, 2859 exp ira!... Que pendente da haste, em áureos fios,
I
— Oh minha filha! Oh! minha pobre filha! — Flutua ao bafejar das auras mansas. ,V
Esta viva expressão da dor materna Esperando o clarão do sol brilhante
Vibrou n’alma do Mestre, como o fogo Para deixar o plácido envoltório
De elétrica centelha. — Quero vê-la! E voar pelo espaço em soltos flocos;
Quero vê-la! Onde está? — diz ansioso. Ou, semelhante à nítida crisálida
Volvendo à roda os lacrimosos olhos. Que a luz faz rebentar: a pura essência
— Aqui! Aqui, senhor! Vinde depressa! — Da mais pura das filhas das florestas 2865
Responde a pobre mãe banhada em pranto. Parecia esperar o alvor da aurora
Então, já piedoso sertanejo Para subir ao seio do infinito,
Tinha acendido um resinoso facho Como o perfume de um formoso lírio,
E aclarava o terreno. O peito aflito. Como um -eflúvio dos serenos prados,
Pálido o rosto, aproximou-se o Padre Como a canção de um pássaro mimoso,
Do lugar onde a moça agonizava. O vôo de uma abelha, o alegre riso
De uma loira criança que desperta.
Raiou a madrugada. O santo Mestre
XIII
Tomou a mão da cândida donzela,
Sóbre um leito de folhas de verbena A mão era gelada. A alma divina
E agreste rosmaninho, triste e bela Tinha voado aos pé.s do Onipotente!
Como um anjo terrestre que adormece
Para acordar no céu; a fronte airosa
No materno regaço descansada, 2860
A donzela esquecia-se da vida CANTO X
Como o inocente colibri das matas,
Que em mole alburno de viçosa planta
Crava o leve biquinho, os olhos fecha,
Deixando em meio o lírico poema Rubro como um baixei incendiado
Do risonho existir. Nunca tão puro No proceloso mar, como a cratera
Seu gracioso rosto se mostrara! De inflamado volcão na raia escura
Entretanto a brancura de outra vida De longínquo 2866 horizonte, ou como o vulto
Êsse — triste luar — que altera as formas, De condenada esfera que declina
E regela a expressão, dava-lhe o aspeito Para jamais surgir, o rei dos astros
De uma pálida estátua da piedade Esconde-se nos términos do ocaso.
Em pobre cemitério. Ao ver o Mestre Antes porém que a noite, a vária deusa, 2867
Um clarão de alegria e de esperança Mãe das áureas visões e dos remorsos.
Iluminou-lhe os olhos, belos olhos, Protetora do crime e da inocência, 2868
Onde o túrbido véu do passamento, 2861 Estenda sôbre a terra o plúmbeo manto, 2869
Como um fino sendal sôbre alva imagem Reúnem-se os fiéis no eremitério
Na penumbra de um templo solitário, 2862 Onde os chama o dever e a Caridade.
Começava a estender-se pouco a pouco. Fecha o Sábio Pastor a santa Bíblia
Tentou falar........ a lívida doença Que atento folheava, e os tristes olhos
Lhe arrebatara a voz. Outro recurso \'^olve ao caminho alpestre. Um viageiro
Para saudar o Mestre inda restava: Assoma na espessura das devesas.
Em vez de frases vãs, e vãs palavras, 286.1 Ja d ir !... Era o guerreiro do deserto
Um radiante, esplêndido sorriso Que ao deserto saudoso regressava.
Reanimou-lhe os lábios descorados. — Jadir, 2870 o que fizeste? O que procuras:
Junto da bela virgem do deserto Porque deixaste teus irmãos, teus chefes.
Ajoelhou-se o Padre, soluçando. Teu santo pavilhão? — E ’ certo. Padre,
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I.U ÍS NICO LAU K A ü U ííD E S V A R E L A
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A N C H I K T A OU O E V A N G E L H O N A S S E L V A S
Nos horrores do crime endurecido, 2881 Dirigiu-se a Jesus com gesto altivo,
Deve de ser o malfeitor que arrastam E depois de mil pérfidas propostas.
Aos tribunais supremos. — Cautelosos, Depois de mil questões insidiosas.
Convém cercar o monstro, que não fuja. Enviou a Caifás o herói divino.
Zeladores sublimes da justiça!.............. Então coberto de baldões e injúrias.
Oh! divino Jesus! Manso cordeiro! Impelido e espancado como a fera
Gênio da Caridade e da doçura! Que arrancam do covil os caçadores.
Luminar da inocência!.... És tu que passas Aflito o seio, descorado o rosto,
Qual um facinoroso das montanhas Do palácio de Anás desceu o Mestre.
Acusado de atroces morticínios! Longe, dois vultos, cautelosos, mudos.
És tu, que triste e pálido caminhas Pelas espêssas trevas se esgueiravam,
Como um feroz jaguar das cordilheiras Um era Pedro, o galileu singelo,
Que os homens do sertão levam cativo O outro compassivo israelita,
Às aldeias remotas! — Salve, Cristo! Pobre e simples mancebo, iniciado
Teu reinado começa neste mundo! Da Nova Lei nas lúcidas doutrinas.
Viram-no os quadrilheiros e afanosos
IV Procuraram prendê-lo, — mas, ligeiro.
Veloz como um veado perseguido,
Emblema da ternura lutuosa, O moço, 2887 que trazia sôbre o corpo
Da beleza entre lágrimas, desmaia Miseráveis andrajos, esquivou-se
No plúmbeo céu a lua decrescente. E os deixando entre as garras dos protervos
Jerusalém acorda. Abrem-se as portas, Afastou-se a correr nu pelas ruas.
Pulam os curiosos faladores Pedro, porém, tardio e vagaroso
Dos aquecidos leitos, gira o povo Foi seguindo o Senhor, o povo, a guarda, 2888
E ajunta-se nas ruas e nas praças, Até ao paço de Caifás. Brilhantes
Onde sempre versátil, sempre vário. E nutridas fogueiras estalavam
Contos inventa, vaticínios forma, Aclarando o espaço e belo pátio;
E apesar do vigor com que assevera Grande cópia de fâmulos e servos,
Tão contrários juízos, enleado Sôbre largos taburnos, se aqueciam.
Pergunta: — O que há de novo?.. — Pobres turbas Conversando ao redor de vivo lume,
Que tomam por verdade a própria sombra! Pedro se aproximou; naquele instante
Mas um sudário de úmidos vapores Uma escrava da Núbia, esbelta e forte.
Cobre a cidade ilustre e desditosa, 2882 De bronzeado rosto e negros olhos.
Geme o vento nos grossos balaústres Descia prazenteira a longa escada;
Das erguidas sotéias; vacilante O velho pescador pediu-lhe humilde
Um lugar entre os outros; satisfeito.
Como infeliz marítimo que as ondas
Entrou e se assentou sôbre uma pedra, 2889
Jogam sôbre os agudos arrecifes Retirado dos grupos suspeitosos.
De tenebroso gôlfo, às horas mortas.
Depois das ânsias de fatal naufrágio.
Ao palácio de Anás, grande entre os padres, V
E sogro do pontífice, arquejando
O Salvador chegou. Dúbio sorriso No palácio do Sumo Sacerdote,
Aos lábios assomou do hebreu tigrino: No formoso salão de alvas colunas
Éle aguardava, impaciente, a prêsa, Onde os graves negócios se decidem
E a prêsa sob as garras lhe caíra! Concernentes à lei, — plácido e belo
Tardava o sacrifício! — Que preceitos 2883 Como o sereno, 2890 cândido luzeiro
Pregas às 2884 multidões? Quais teus princípios? Que precede a alvorada, entre os negrumcs
Quais as crenças que tens? — Nas sinagogas, Precursores 2891 fatais da tempestade.
Nas praças e no templo, à luz do dia, 2885 Apareceu Jesus; firme e seguro.
Minha voz elevei, lhe diz o Cristo, Radiante de graça e de inocência.
Não me envolvi nas sombras do mistério, Caminhou para o estrado, onde orgulhoso, 2892
Não procurei recintos escondidos A sombra de um dossel de rubra sêda.
Nem câmaras secretas, — interroga, Em doirada cadeira pontifícia
Se desejas saber, aos que me ouviram, Descansava Caifás. Fundo silêncio
E terás a verdade de seus lábios. — Reinava no sacrílego auditório.
Nesse momento, a mão de um quadrilheiro, Caso intrincado, sério e não previsto
A mão dura e calosa, e mais pesada Apresentou-se então ao pensamento
Que a pata do tapir, feriu cruenta Do príncipe cruel: — Só competia
O rosto suavíssimo do Cristo Ao govêrno de Roma e seus prepostos
Deixando impressa a nódoa purpurina Dar sentença de morte: a lei expressa
Da dor e da vergonha! — Inclina a fronte, Não deixava lugar a falso arbítrio.
E respeita ao pontífice! — acrescenta Que julgar? Que fazer? — Forjar um crime.
Dos vis senhores o mais vil cativo. Revesti-lo de horrendas circunstâncias,
Se mal falei, responde o augusto Mestre, O imputar ao Senhor! — Cem testemunhas, 2893
Se mal falei, 2886 convence-me do êrro, Malvadas umas, cobiçosas outras, 2894
Mas, se disse a verdade, o que te move Em auxílio dos ímpios acudiram.
ultrajares-me assim? Porque me feres? — Mas os 2895 pios varões, retos juizes.
Anás, porém, folgava intimamente. Pontífices ilustres que buscavam
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L U Í S N iC O L A U F A G U N D E S V A R E L A
O justo condenar, — brandos agora, Entrei no seu batei, estou bem certo;
Por demais complacentes, despediam, 2896 Depois não mais o vi; por fim, 2903 nos campos,
Depois de convencidos da calúnia, E nas praças o achei unido aos sócios
Profanadores vis, monstros perjuros, Do filho de José. — Não é verdade!
Que zombavam de Deus e da justiça! Exclama Simão Pedro! — Então, prodígio!
Oh! cegueira da inveja! Oh mal sem cura! A poucos passos, num sombrio canto
Entretanto dois sáfios publicanos. Dos aposentos térreos do palácio.
Dois consócios de Judas o precito. Bateu o galo fortemente as asas
Dirigiram-se ao Sumo Sacerdote: E a voz soltou vibrante e prolongada.
— Nós o ouvimos. Senhor, junto do templo Simão estremeceu, — volveu os olhos
Dêste modo falar: — Tenho poderes Para as altas janelas, e entre as grades
Para arrasar o templo, se o quisesse, Viu, ao frouxo clarão da triste aurora, 2904
E depois em três dias, mais seguro, 2897 A figura serena e graciosa
Levantá-lo outra vez! — Nestas palavras, De seu divino Mestre. A consciência
Era a ressurreição que anunciava Abalada e ferida fundamente
O Redentor do Mundo; era seu corpo Despertou 2905 as cansadas faculdades
O templo que das sombras mortuárias Do singelo discípulo; os remorsos
Feliz ressurgiria! — A feia intriga Acerbos e pungentes, a vergonha
Silvava à sombra da verdade santa! De uma fraqueza quase que perfídia,
Então disse Caifás: — O que respondes^ A lembrança da culpa, o horror da pena,
Tu bem vês que te acusam. — Mas o Cristo Como agudos punhais dilaceraram
Sacudiu a cabeça tristemente, 2898 O coração do mísero: os soluços
Encarou suspirando os delatores, Embargaram-lhe a voz, e quentes lágrimas.
E conservou-se mudo. — Urgia o tempo, Lágrimas puras de alma arrependida, 2906
Convinha abreviar o atroz processo, Orvalharam-lhe o rosto e as barbas brancas.
Achar um vão pretexto, um qualquer meio
De consumar o infausto sacrifício. V II
Retirou-se Caifás. Desprotegido
Ficou Jesus, sozinho, exposto à sanha
Do vulgacho grosseiro, e às zombarias Amanhecera. Os pérfidos Doutores,
Os Anciãos do Povo, os Sacerdotes, 2907
Dos depravados, 2899 ímpios quadrilheiros. 2900
Em conselho secreto reünidos
Decidiram levar o Santo Mestre
VI Ao Romano Pretório. Era Pilatos
Então governador, homem sem crenças.
O fúlgido clarão da estréia d’alva Grande apenas no luxo e na vaidade.
Derrama-se no espaço, a rósca aurora No formoso vestíbulo, adornado
Pouco a pouco adelgaça o véu cinéreo De marmóreas pilastras, sobranceiro
Que flutua nas portas do Oriente; Os recebeu o príncipe latino, 2908
.áureos, fulvos listões, faixas purpúreas. Que aos filhos de Abraão a Lei proíbe
Brancas, argênteas franjas atravessam Dos recintos pagãos entrar no grêmio.
As regiões festivas onde assoma — De que delito é réu êste mancebo?
Cada dia mais forte em seus domínios Quem de vós o acusa, e quais as provas
O rei das estações. No grande pátio Do crime cometido? — Assim pergunta
Da casa de Caifás, sempre tristonho, Pilatos aos Pontífices nefários.
Meditabundo sempre, Simão Pedro Então Caifás responde: — Defensores
Vela perto do fogo; os ociosos Somos da Lei, — das tradições mosaicas
Continuam as práticas estultas, Dos foros nacionais: se delinqüente
Os soldados estiram-se rosnando Não fôra o que trazemos ao Pretório
Porque te buscaríamos? — Doloso,
Sôbre as lájeas do chão; mas uma escrava, 2901 Pregador de sacrílegas doutrinas.
Que desce nesse instante ao peristilo. Usurpador de títulos sagrados
Pára, sorprêsa, atenta considera E ’ êste que tu vês! — Mas o Romano
O pobre pescador: — Bem o conheço. Sorriu-se e respondeu: — Pois bem, julgai-o
Diz a vil criatura a seus parceiros, Pelo vosso direito e usos antigos.
E ’ êste um dos amigos, e o mais velho, 2902 — Não, atalhou Caifás, a Lei condena
Do mestre nazareno. — Oh! tal não digas! Os castigos de sangue! — Então Pilatos
Exclama o galileu amedrontado, Voltou-se para o Mestre nazareno.
Nunca lhe ouvi a voz nem vi-lhe o rosto! — Inquiriu cauteloso os pormenores
Porém Malco aí estava, o servo Malco De seu viver passado, — a norma, a essência
-A. quem Pedro ferira. — Quê! Tu negas? Das sublimes lições, e o fundamento
Pois não eras no Horto? Não te lembras Da feia acusação dos Sacerdotes,
Que me cortaste a orelha? — acode o ímpio. Satisfeito por fim ergueu-se e disse:
— Estranhas coisas, lhe responde Pedro, — Anciãos da Judéia, — em vão procuro
Falsas proposições dizes, amigo; Sorpreender a culpa a mais ligeira
Nada sei do que falas, nem do Mestre Neste infeliz mancebo; sou Romano,
Que os sacerdotes julgam! — Como treme Vossos velhos costumes desconheço:
O pescador astuto! Companheiros, Fazei o que entenderdes; entretanto
Informa um dos criados, muitas vêzes Pensai antes de obrar: — tenho o direito.
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ANCHIKTA OU O EVANGKUHO KAS SEUVAS
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L U ÍS I s 'I C O L A U F A G U N D E S VARELA
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A N C H IE T A OU O E V A N G E L H O NAS SELV A S
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L U ÍS NICOLAU FAGU NDES VA RELA
Pelas sombras dos álamos carpiam Dos Doutôres da Lei, dos Sacerdotes, 2949
Os pássaros amigos do silêncio!.... Queria a execração além do sangue.
Chegara, enfim, o séquito de algozes Tinha sêde de opróbrio. Alguns momentos
E a vítima celeste ao têrmo infausto Depois do pavoroso sacrifício,
Da jornada ominosa. O grande Mestre Mais duas cruzes negras avultavam
Prostrou-se sôbre a relva amarelenta, Aos lados do Senhor, e dois perversos.
Nas mãos entorpecidas ocultando Dois audazes ladrões daquelas terras,
O rosto afogueado, e os tristes olhos Nelas se retorciam convulsando.
Arrasados de lágrimas ardentes. Sublime lei do exemplo! Os magistrados
Os Anjos imortais 2942 estremeceram Não queriam perder tão grato ensejo
Junto do trono eterno, e as frontes puras De servir à Justiça e à Humanidade!
Inclinaram chorosos. As estrelas — Se és o Filho de Deus, porque padeces?
Afrontaram no céu a luz do dia. Perguntou a Jesus um dos bandidos,
O sol abrasador, no espaço imenso, — Salva-te, pois, e salva-nos, se podes! —
Um momento parou....... e êsse momento — Nem nas provas cruentas do suplício
Era um evo de dores assombrosas! — Respeitas o Senhor! — Acode o outro.
— Pobre Rei dos Judeus! — disse um soldado De nossas grandes culpas recebemos
Contemplando o Senhor com ímpio gesto. A justa punição; porém, o Cristo
— Vamos te dar um vinho generoso, Que falta cometeu? — Depois fitando
Um suave elixir, grato aos sentidos. J'ristemente o Senhor, disse piedoso:
Propício ao coração. — Assim dizendo — Oh! lembra-te de mim quando subires
Apresenta a Jesus um bronzeo vaso Ao teu celeste e glorioso reino! —
Cheio de denso líquido, composto E Jesus respondeu-lhe: — Não te aflijas,
De esverdeado fel, grumosa mirra, .ô.firmo-te entre as sombras do martírio
E turvo, 2943 acerbo vinho. — Toma e bebe, Que hoje entrarás também no Paraíso!
Faze ao mundo o teu brinde derradeiro! —
Jesus tomou a taça, o justo emblema XVI
Das provações amargas da existência,
Ergueu-a tristemente aos roxos 2944 lábios, Reclinados, porém, no chão relvoso
E sentindo o licor viscoso e acre. Divertiam-se os bárbaros soldados
Longe arrojou-a sôbre as duras pedras. Entoando canções abomináveis,
— Companheiro, à obra! — Altivo ordena E sôbre a velha túnica do Cristo
O tôrvo chefe da tartárea turma............. Jogando incertos dados. O mistério
Pulam 2945 movidos de secreto fogo Divino se cumpria. Já três vêzes
Os levitas da morte, o Cristo assaltam. A sêde abrasadora, 2950 que acompanha
Cospem-lhe ao rosto, rasgam-lhe os vestidos. O suplício da Cruz, amargas queixas
Arrastam-no sem dó pelos espinhos Arrancara ao Senhor, mas os verdugos
E o deitam sôbre a Cruz. Torcem 2946 cruentos Atando à 2951 longa vara grossa esponja
Do mártir suspiroso os frágeis braços, Eimbebida de fel e de vinagre
E os pés dilacerados; prendem, cerram, Aos lábios incendidos lhe aplicavam.
Fazendo intumescer do colo as veias, 2947 Era atroz o martírio. À hora sexta
A cabeça divina ao vil madeiro!........ Uma celeste luz brilhou nos olhos
Tenebroso painel! Quadro do inferno! Do Redentor do Mundo, — últimos raios
Cena de execração! — Nas férreas garras Do sol na linha extrema do ocidente;
Dos escravos da inveja e da mentira. Convulsivo tremor correu-lhe as fibras;
Volteia horrendo o rápido martelo Uma nuvem pesada e lutulenta
Com sinistro fragor, e afunda os cravos Estendeu-se no céu. À hora nona
Nos pés e mãos do Filho de Deus v iv o!.... Lançou o Cristo um brado angustioso: 2952
A terra se deprime, o lenho estala, — Meu Deus! Meu Deus! Porque me abando-
Rúbidas gôtas de fervente sangue [naste! —
Borbulham das feridas hediondas Inclinou a cabeça ao frio peito, 2953
E deslizam em fios purpurinos Cerrou as roxas 2954 pálpebras cansadas,
Molhando a cruz e a relva da montanlia. Deixou de respirar. O santo corpo
Depois, ímpios verdugos, sôbre a fronte Da negra cruz pendia macilento
Do augusto condenado afixam rindo No sombrio Calvário, — a alma divina
Como um sarcasmo atroz êste letreiro: Entrava triünfante e gloriosa
— Jesus de Nazaré Rei dos Judeus. — De seu Eterno Pai no excelso Império.
Concluídos os lúgubres trabalhos
Erguem a cruz sagrada, e sôbre um fôsso XVII
Hasteiam-na de pedras rodeada.
— Se és o Filho de Deus, vem ter conosco. A morte horrenda e trágica do Cristo,
Desce do teu madeiro e então creremos Do Deus, Filho de Deus, assombra o mundo.
Nas escuras doutrinas que pregaste. — Cobre de luto o firmamento e os mares.
Assim falam zombando e escarnecendo Abala o próprio Inferno! — O Véu do Templo
Feros soldados. Fariseus impuros. Rasga-sc de alto a baixo como a névoa
Míseros servos dos tiranos Padres. Que o relâmpago etéreo despedaça;
Não bastava o suplício acompanhado Tinge-se o céu de negro, o sol medroso
De humilhações 2948 cruéis, o tôrvo gênio Lança um último raio sôbre os montes
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
[ 679 ]
L U ÍS NICOLAU FACiUNDES VARELA
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ANCHIETA OU O EVANGELHO NAS SELVAS
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
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CANTOS RELIGIO SO S
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LUfS N ICOIiAÜ FA G U N D E S V A R E L A
Êste colar de pérolas, estas clações que me foram confiadas pelo Dr. Emiliano Fagundes Varela,
para que as fizesse conhecidas do público, são primícias de dous talentos irmãos: — Os Cantos Religiosos
do laureado poeta Fagundes Varela e de D. Ernestina Varela, tenho íntima confiança, hão de ser lidos
no seio da família brasileira e portuguesa com a atenção a que têm ju s; tanto mais que a sua procura
encerra uma intenção generosa. Se os pais de família desejarem galardoar os infantis esforços intelectuais
de seus filhos, oferecendo-lhes como prêmio de animação êste livrinho, não só contribuirão para formar-lhes
o coração no amor de Deus, como também prestarão benéfico auxílio ao patrimônio das duas órfãs filhas
do malogrado autor e sobrinhas da poetisa, que em tão boa hora estréia, contribuindo com as mimosas
estrofes inspiradas pela crença de sua alma para enriquecer a literatura pátria.
Aos pais de família e ao público recomendo e peço a leitura dos Cantos Religiosos.
OTAVIANO HUDSON.
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CANTOS RELIGIO SO S
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L U ÍS NICOLAÜ FAGUNDES VAKELA
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DTÁRIO DK LÁZARO
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L U ÍS NICOLAU FAGUNDES V ARELA
Na linha azul do mar! O h! belos tempos! E sôbre a cruz humilde, que marcava
Tempos de ingenuidade e de candura, Da mais terna das mães o frio leito,
Passastes como as nuvens d’alvorada, Um sabiá cantava tristemente.
Que os ventos do sertão varrem do espaço, As rosas melancólicas da campa.
Quando o sol aparece! Aos róseos sonhos. As áureas sempre-vivas, que sorriam
Aos contos de princesas encantadas, Nessa paragem, onde apenas nascem
Sucederam cruentos desenganos. O cardo, a urtiga, 3020 o feto e o estramônio.
Paixões ardentes, ambições fu n e s ta s !... Traíam -m e os cuidados de Lucília!
Como seria a vida aqui ditosa! Sim, fôra ela que as p la n ta ra !... Triste,
Como se escoaria amena e leda Inundados de lágrimas os olhos.
Minha existência, longe do tumulto. Ajoelhei-me sôbre o chão revolto,
Mais próxima do céu, nestas alturas. E pus-me a soluçar! Sombria a noite,
Junto de um a n jo ! ... Avante! O sol flameja Sôbre o globo estendeu seu véu de treva,
Do firmamento em meio. Prossigamos E eu chorava a in d a !... Oh! alma humana!
A romagem feliz. E ’ necessário M escla tremenda de poeira e luzes!
Que meus sonhos de paz se realizem. Quem poderá sondar-te o seio v á r io ? !...
Si assim não fôra, oh! Deus, o que seria
Tua eterna b o n d ad e?!... Avante! Avante! Margens do Tietê, 24 de julho.
Eis-nos unidos. Só a morte agora
São Paulo, 16 de março. Pode a teia rasgar dos sonhos nossos.
Meu Deus! Senhor meu Deus! eu tenho mêdo.
Terra da liberdade e da ciência! Desta dita inefável, que derramas
Terra da poesia! Eu te saúdo! Sôbre minha existência, em almos dias.
Bela Piratininga! Reclinada Em noites sem iguais! Sim, quase sempre
Sôbre a grama vivaz dos teus outeiros. No romance da vida e desventura,
És como a tribo aérea, forasteira, Os desastres cruentos se anunciam
Das aves do deserto, que entre névoas Por um sublime p r ó lo g o !... Perdoa-me,
Em meio da romagem pára, e espera Perdoa-me, Senhor, si, audaz, bafejo
O despontar do sol! O céu é calmo. Meu hálito de dúvida na face
As virações sussurram mansamente Do liso espelho, que teus dons reflete!
Sôbre as murtas do campo; — o fogo, a vida, Perdoa-me! A desgraça murcha e verga
O amor universal pulam das várzeas; Da essência humana as mais singelas flores,
Que entre juncos murmuram, refletindo E quando, entre a tormenta, um raio amigo
O puro azul do céu! Rincham ao longe Do sol consolador vem aquecê-las,
As duras rodas dos pesados carros, Elas não têm perfumes, que ofertar-lhe!
Que a cidade demandam. Os tropeiros Perdoa-me, Senhor! Creio em teu nome!
Deixam os ranchos; o mendigo canta Creio em tua ju stiça! Tenho n’alma,
Atravessando a estrada; e lá bem longe N ’alma, que ressuscita ao grato sôpro
Sôbre a imensa planície, à beira d’água. Do amor e da ventura, um mundo inteiro
Sentam-se as lavadeiras, acendendo De perfumes, de cânticos, de flores,
O fogo da lascívia. Que harmonia! Que depor a teus pés! Ah! tu ouviste
Que atividade imensa em tôda parte! Minhas humildes preces, compassivo
Basta de devaneios. Meu cavalo Escutaste meus votos mais ardentes!
Pasta contente à margem do caminho. Duplicaste meu ser, minha existência
Enquanto aqui, sôbre um algar sentado, Na posse da mulher, que idolatrava!..
Estas linhas escrevo. São bastantes. A h! faze, grande Deus, que nossas vidas
Corram tranqüilas, como agora correm;
Margens do Tietê, 20 de março. Que benditos por ti, por ti sagrados,
Nossos dias unidos para sempre.
Que de acontecimentos! E stá finda Sejam em teu louvor um canto eterno!
E sta minha viagem. H á três dias
Que aqui cheguei. Meu Deus, como na terra Margens do Tietê.
Promiscuamente as dores e os prazeres O h! minh’alnia infeliz! oh! branca pomba
Na existência do homem se atropelam. Dos céus lançada aos areais da vida!
Como feliz pisara êstes lugares, Que mal fizeste por que tantas penas
Onde tudo a presença me festeja, Pesassem sôbre ti? Tudo sofreste!
Se ainda encontrasse minha mãe! Coitada! Lançaram sôbre o cofre de teus sonhos,
H á dois anos que é m o r ta !... Nem os risos, 3019 Na doce quadra da ilusão, das crenças.
Nem os meigos carinhos de Lucília, Os sete selos do sagrado mito!
Nem os cuidados de seu pai dissipam Da porta nos umbrais de teus desejos
A nuvem de remorsos que me oprime! Nefasta mão gravou a lenda horrível!
Pobre, inditosa m ã e !... Quem sabe! vítima Não há mais esperança aqui chegando!
De minha ingratidão, cerraste os olhos
No meio da tristeza e do ab an d o n o !... Fôrça, minh’alma! Tu não trepidaste
Fui ontem ver seu derradeiro abrigo. Quando do raio as asas inflamadas
E ra à tardinha. O vento da montanha T e roçavam raivosas! Não tremeste,
Gemia tristemente na espessura Não te cegou vertigem, quando o inferno,
Dos bastos ervaçais do cemitério. Prenhe de desespêro, horror e morte.
r 688 ]
\
DIÁRIO DE LAZARD
[ 689 ]
L U ÍS NICOLAU FAGUNDES TA REEA
Cantareira.
[ 690 ]
DIÁRIO DE LÁZARO
[691]
LUÍS NICOI.AÜ FAGUNDES VARELA
[ 692 ]
POESIAS AVULSAS
[ 693 ]
LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA
[ 694 ]
P O E S IA S A V U L S A S
[ G95 ]
L ü íí? N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A
I I ARM AS
[ 696 ]
P O E S IA S A V U L S A S
Que importa que as turbas loucas Nós éramos jovens, seus olhos incertos
Me cubram de maldições? Ardiam no fogo de infindos desejos,
Pobres loucos! Não concebem E à sombra imprudente, de leve carpindo, 3052
De um festim as seduções! Pulsavam-lhe os seios em moles arquejos.
[ 697 ]
L U ÍS N IC O L A U F A G U N D E S V A R E L A
[ 698 ]
astro Alves
D e s c e d o e s p a ç o im en so , ó á g u ia d o o c e a n o ! . . .
[7 0 1 ]
r
À M e m ó r ia d e M e u P a i , d e M i n h a M ã e
E DE M e u Ir m ã o .
O. D. C.
PRÓLOGO
[ 703 ]
L _
ANTÔ NIO D E C A S T R O A L V E S
E como as espumas são, às vêzes, a flora sombria da tempestade, êles por vêzes rebentaram ao es
talar fatídico do látego da desgraça.
E como também o aljôfre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes do arco-íris, êles por
acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de
Deus com a juventude!
Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do ma
r u jo ... possam êles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às
vossas p la g a s !...
S. Salvador — F evereiro de 1870.
C astro A lves
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ESPUM AS FLUTUANTES
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A NTÔNIO D E C A S T R O A L V E S
[ 706 ]
E S P U M A S F ]>U T U A N T E S
Pede u’a mão de amigo — dão-lhe palmas: Ver tudo fin d o .. . só na lousa um nome,
Pede um beijo de amor — e as outras almas Que o viandante a perpassar consome.
Fogem pasmas de si.
E o misero de glória em glória corre. . . E eu sei que vou m o rrer.. . dentro em meu peito
Mas quando a terra diz: — “ Êle não morre” . . . Um mal terrível me devora a vida:
Responde o desgraçado: — “ Eu não vivi!” 3070 Triste Ahasvérus, que no fim da estrada,
S'. Paulo, Outubro de 1868. Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido.
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sôbre o chão da morte.
Morto — entre os vivos a vagar na terra.
MOCIDADE E MORTE
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito!
E perto avisto o porto
Imenso, nebuloso e sempre noite
Chamado — Eternidade. —
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
LAURINDO Quando a sêde e o desejo em nós p alp ita...
Lasciate ogni speranza, voi ch’ entrate. Levei aos lábios o dourado pomo,
DANTE Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
Oh! eu quero viver, beber perfumes O vinho do viver ante mim p a s s a ...
Na flor silvestre, que embalsama os ares; Sou dos convivas da legenda Hebraica,
Ver minh’alma adejar pelo infinito. O estilete de Deus quebra-me a taça.
Qual branca vela n’amplidâo dos mares.
No seio da mulher há tanto a ro m a ... E ’ que até minha sombra é inexorável,
Nos seus beijos de fogo há tanta v id a ...
M orrer! morrer! soluça-me implacável.
— Arabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria. Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fôra louco esperar! fria rajada
M o rre r... quando êste mundo é um paraiso, Sinto que do viver me extingue a lam p a...
E a alma um cisne de douradas plumas:
Resta-me agora por futuro — a terra.
Não! o seio da amante é um lago v irg e m ...
Por glória — nada, por amor — a campa.
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas, A d eu s... arrasta-me uma voz sombria, 3071
Minh’alma é a borboleta, que espaneja Já me foge a razão na noite f r i a !...
O pó das asas lúcidas, douradas...
1864.
[ 707 ]
L
AN TÔ NIO H E C A S T R O A E V E S
[ 70S ]
ESPU M AS FLU TU AN TES
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AN TÔ NIO D E C A S T R O A E V E S
[710]
ESPUMAS FLUTUANTES
[711]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
Uma n o ite ... entreabriu-se um rep o steiro ... Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
E da alcova saía um cavaleiro — O céu consola tôda a dor que existe.
Inda beijando uma mulher sem v é u s ... Deus fêz a neve para — o negro monte!
E ra e u ... E ra a pálida Teresa! Deus fêz a virgem — para o bardo triste!
“Adeus” lhe disse conservando-a p r e s a ... R io de Jan eiro, Junho de 1869.
[712]
ESPUMAS FLUTUANTES
E eu, cujo peito como u’a harpa homérica E a terra é m edonha... As árvores nuas
Ruge estridente do que é grande ao sôpro, Espectros semelham fincados de pé,
Saúdo o artista que, ao talhar a glória, Com os braços de múmias que os ventos retor-
Pega da espada, sem deixar o escopro. [cem, 3093
Da caravana guarda a areia a pegada: 3088 Tremendo a êsse grito que estranho lhes é.
No chão da história o passo teu v e rá s ...
Deus, que o Mazeppa nos estepes 3089 guia..
Desperta o in fin ito ... Co’a bôea entreaberta
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Respira a borrasca do largo pulmão.
R ecife — 1S65.
Ao longe o oceano sacode as espáduas
— Encélado novo calcado no chão.
A UMA TAÇA FEITA DE CRÂNIO HUMANO 3090
E ’ noite de h o rro res... Por ínvio caminho
T rad . d e B y r o n Um vulto sombrio sòzinho passou,
Co’a noite no peito, co'a noite no busto
“Não recues! De mim não foi-se o e sp írito ... Subiu pelo monte, — nas cimas parou.
Em mim verás — pobre caveira fria —
Ünico crânio que, ao invés 3091 dos vivos. Cabelos esparsos ao sôpro dos ventos,
Só derrama alegria. Olhar desvairado, sinistro, fatal.
Dirieis estátua roçando nas nuvens,
Vivi! amei! bebi qual tu: na morte P ’ra qual a montanha se fêz pedestal.
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! em pin a-m e!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus. Rugia a procela — nem éle escu tav a!...
Mil raios choviam — nem êle os fitou!
Mais va! guardar o sumo da parreira Com a destra apontando bem longe a cidade.
Do que ao verme do chão ser pasto vil; Após longo tempo sombrio fa lo u !...
— Taça — levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.
[713]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
[714]
ESPUMAS FLUTUANTES
[7 15 ]
ANTÔNIO B E CASTRO A LV ES
Um dia a taba do Tupi selvagem Olhai! O sol d escam ba... A tarde harmoniosa
Tocava a la rm a ... embaixo de folhagem Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Rangera estranho p é ... Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento.
O caboc’lo da rêde ao chão saltava, De um marco poeirento um velho então se ergueu.
A seta ervada o arco recurvava...
Estrugia o boré. Ergueu-se tacteando.. . é c e g o .. . o cego a n seia ...
Porém o que tacteia aquela augusta m ã o ? ...
E o tacape brandindo, a tribo fera Talvez busca pegar o sol, que lento e x p ira !...
De um tigre ou de um jaguar ficava à espera Fado c r u e l..., m e n tira !... Homero pede pão!
Com gesto am eaçad or...
Surgia então no meio do terreiro I I I
O padre calmo, santo, sobranceiro,
O Piaga do amor. Mas ai! volvei. Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Quantas vêzes então sôbre a fogueira, Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
Aos estalos sombrios da madeira. O lar é h ospitaleiro... Entrai, Senhora, entrai!
Entre o fumo e a lu z ...
A voz do mártir murmurava ungida; 3110 Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
“ Irmãos! Eu vim trazer-vos — minha v id a ... Servem de compostura à sala vasta e chã.
Vim trazer-vos — Jesu s!” A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — a loura castelã.
Grandes homens! Apóstolos h e ró ic o s!...
Eles diziam mais do que os estóicos: Vai o banquete em m eio... O bardo se alevanta, 31U
“ Dor, — tu és um prazer! Pega da li r a ... c a n ta ... uma canção de a m o r ...
“ Grelha, — és um leito! Brasa, — és uma gema! Ouvi-o! Para ouvi-lo a estréia pensativa
‘ Cravo, — és um cetro! Chama, — um diadema! Alonga pela ogiva um raio de languor!
“O ’ morte, — és o viver!”
Dos ramos do carvalho a brisa se d ebru ça...
Outras vêzes no eterno itinerário Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
O sol, que vira um dia no Calvário Súbito a nota extrema anseia, treme, r o la ...
Do Cristo a Santa Cruz, Alguém pede uma esm o la.. . Senhora, não olheis!...
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz, abrindo os braços grandes
Assim nos tempos idos a musa canta e p e d e ...
Aos índios rubros, nus.
Gênio e m en d igo ... v ê d e ... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Eram êles que o verbo de Messias Caminha róto o Dante! e pede pão Camões.
Pregavam desde o vale às serranias,
Do Pólo ao E q u ad o r...
E o Niagara ia cantar aos m a re s.. . I V
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do S e n h o r!... Bem sei, Senhora, que ao talento agora
S. Paulo — 1S6S. Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p’ra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!
[ 71 7]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
[ 718]
ESPUM AS FLUTUANTES
[719]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
A BOA-VISTA
Oh! deixem-me chorar!... Meu la r!... meu doce
Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado
[ninho!
No tósco assento da janela antiga, Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Apoias sôhre a mão a face pálida. Passado mar imenso!... inunda-me em fragrância
Sorrindo — dos amores à cantiga. Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.
A L V A R E S D E AZEVEDO
Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
Lançaram misturadas glórias e maldições. . .
Era uma tarde, triste, mas límpida e suave... Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Eu — pálido poeta — seguia triste e grave Deixa est alma chorar em teu ombro encostada!
A estrada, que conduz ao campo solitário,
Como um filho, que volta ao paternal sacrário, Me^u lar esta deserto... TJm velho cão de guarda
E ao longe abandonando o múrmur da cidade Veio saltando a 3120 custo roçar-me a testa parda.
— Som vago, que gagueja em meio à imensidade —, Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
No drania do crepúsculo eu escutava atento Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...
A surdina da tarde ao sol, que morre lento.
Como tudo mudou-se! . . . O jardim ’stá inculto, 3i2i
A poeira da estrada meu passo levantava. As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...
Porém minh’alma ardente no céu azul marchava A erva inunda a terra; o musgo trepa os mu-
E os astros sacudia no vôo violento [ros, 3122
— Poeira, que dormia no chão do firmamento. A urtiga 3123 silvestre enrola em nós impuros
A pávida andorinha, que o vendaval fustiga, Uma estatua caida, eni cuja mão nevada
Procura os coruchéus da catedral antiga. A aranha estende ao sol a teia delicada!.
Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno, Mergulho os pes nas plantas selvagens, espalmadas.
Ia seguindo triste p’ra o velho lar paterno. As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas.
Os grilos, que cantavam, calam-se nas furnas...’
Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo, Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
(P ’ra ver no céu a nuvem, que espuma o firma- Minh alma, como tu, é um parque arruinado!
[mento,
n. o mar, — corcel, que espuma ao látego do ven-
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os muros dos meus vergéis da in-
[to ...) [fância.
Longe o feudal castelo levanta a antiga tôrre,
Que aos raios do poente brilhante sol escorre! A estátua do talento, que pura em mim s erguia,
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...
Mergulhando o pescoço no seio do infinito, Ao menos como tu, lá d’alma num recanto
E la de cima olhando com seus clarões vermelhos Da casta poesia ainda escuto o canto,
Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!... — Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do seio murmura um treno oculta.
[ 720 ]
ESPUMAS FLUTUANTES
[721]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
[ 722 ]
E S I’U M AS FLU T U A N T ES
Nas orlas de meu manto o vendaval s’enrôla.. E ra a luta das águias — e do abutre,
Como invisível destra açoita as faces m inhas.. A revolta do pulso — contra os ferros,
Enquanto que eu tro p e ço ... um grito ao longe O pugilato da razão — com os erros,
[r o la ... O duelo da treva — e do c la r ã o !...
“ Quem foi? ’ perguntam rindo as solidões marinhas.
No entanto a luta recrescia in d ôm ita...
Senhor! Um facho ao menos empresta ao cami- As bandeiras — como águias eriçadas —
[nhante. Se abismavam com as asas desdobradas
A treva me asso b erb a... O ’ Deus! dá-me um cla Na selva escura da fumaça atroz. . .
ir ão! Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
E uma Voz respondeu nas sombras triünfante: O cadáver sangrento dos h e ró is !...
“Acende, ó V iajor! — o facho da R azão!”
[ 723 ]
AN TÔ NIO D E C A S T K O A L V E S
— Ai! nada mais achaste! o abismo os d ev o rara... Errado viajor — sentei-me à alfombra
O pego se esqueceu da dádiva do R ei! E adormeci da mancenilha à sombra
Em berço de c e tim ...
Na gruta do chacal ao menos restam o s s o s ... Embalava-me a brisa 3142 no meu le ito ...
Mas tudo sepultou-me aquêle amor cruel! Tinha o veneno a lacerar-me o peito
— A morte dentro em m im ...
— Poeta! O coração da fria M essalina
E ’ das fatais Danaides o pérfido T onel! Foi lo u c u r a !... No ocaso — tomba o astro:
A estátua branca e pura de alabastro
14 d e O utubro d e 1869.
— Se mancha em lôdo v i l ...
Quem rouba a estrela — à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustrai corrente
O marmóreo perfil?
A LUÍS
(N o D ia DF, S e u N a t a líc io )
T a lv e z !... Foi s o n h o !... Em noite nevoenta
E la passou sòzinha, macilenta, 3143
A imaginação, com o vôo ousado, aspira a princípio
à etern idade.. . Depois um pequeno espaço basta em breve
Tremendo a so lu ça r...
para os destroços de nossas esperanças ilu d id a s !... Chorava — nenhum eco resp ond ia...
GOETHE
Sorria — a tempestade além b ra m ia ...
E ela sempre a marchar.
Como um perfume de longínquas plagas
Traz o vento da pátria ao peregrino, E eu disse-lhe: Tens frio? — arde minha alma.
O ’ meu amigo! que saudade infinda Tens os pés a sangrar? — podes em calma
Tu me trazes dos tempos de menino! Dormir no peito meu.
Pomba errante — é meu peito um ninho vago!
E ’ o ledo enxame de sutis abelhas E stréia — tens minha alma — imenso lago —
Que vem lembrar à flor o mel d’a u ro ra ... Reflete o rosto t e u !...
Acres perfumes de uma idade ardente
Quando o lábio s o r r i... mas nunca chora! E a m a m o s... Êste amor foi um d e lírio ...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Que tempos idos, qu’esperanças louras! Minha estréia sem v é u ...
Que cismas de poesia e de futuro! Seu nome era o meu canto de poesia,
Nas páginas do triste Lam artine Que com o sol — pena de ouro — eu escrevia
Quanto sonho de amor pousava p u r o !... 3140 Nas lâminas do céu.
[ 724 ]
K SPU M A S FLU T U A N T E S
Em seu seio escondi-me. . . como a noite Vê-se, por cima dos mares.
Incauto colibri, temendo o açoite Rasgando o teto dos ares
Das iras do tufão, Dous gigantescos p e rfis...
A cabecinha esconde sob as asas, Olhando por sôbre as vagas.
Faz seu leito gentil por entre as gazas Atentos, longínquas plagas
Da rosa do Japão. Ao clarear dos fuzis.
E depois... embalei-a com meus cantos, 314-1 Quem os vê, olha espantado
Seu passado esq u eci... lavei com prantos E a sós murmura: “ O que é?
Seu lôdo e m ald ição... Ai! que atalaias gigantes,
. . . Mas um dia a co rd ei... E mal desperto São essas além de p é ? ! . . . ”
Olhei em torno a m im ... — Tudo d e se rto ... Adamastor de granito
Deserto o co ra çã o ... Co’a testa roça o infinito
E a barba molha no mar;
Ao vento, que gemia pelas franças, 3145 E de pedra a cabeleira
Por ela perguntei. . . de suas tranças Sacudinda onda ligeira
A flor que ela d eixou ... Faz de mêdo recu ar...
Debalde... Seu lugar era v a z io ...
E meu lábio queimado e o peito frio, São — dous marcos miliários,
Foi ela que o queim ou... Que Deus nas ondas plantou.
Dous rochedos, onde o mundo
Minha alma nodoou no ósculo imundo, Dous Prometeus am arrou! . . .
Bem como Satanás — beijando o mundo — — A c o lá ... (Não tenhas m ê d o !.. . )
Manchou a criação, E ’ Santa Helena — o rochedo
Simum — crestou-me da esperança as flo r e s ... Dêsse Titã, que foi r e i ! ...
Tormenta — ela afogou nos seus negrores — A li... (Não feches os o lh o s !...)
A luz da in sp iração ... A l i ... aquêles abrolhos
São a ilha de Je r s e y !...
Vai, D a lila l... E ' bem longa tua estrad a...
E ’ suave a descida — terminada São êles — os dous gigantes
Em báratro cruel. No século de pigmeus.
Tua vida — é um banho de am b ro sia... São êles — que a majestade
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria Arrancam da mão de Deus.
Pendente do bordel. — Êste concentra na fronte
Mais astros — que o horizonte.
Hoje flo res.. . A música soando.. . Mais luz — do que o sol lançou!. ..
As perlas do Champanhe gotejando — Aquêle — na destra alçada
Em taças de cristal. Traz segura sua espada
A volúpia a escaldar na louca in sô n ia ... — Cometa, que ao céu ro u b o u !...
Mas sufoca os festins de babilônia
A legenda fatal. E olham os velhos rochedos
O Sena, que dorme além. ..
Tens o seio de fogo e a alma fria. E a França, que entre a caligem
O cetro empunhas lúbrico da orgia Dorme em sudário tam b ém ...
Em que reinas tu s ó ! . . . E o mar pergunta espantado:
Mas que finda o ranger de uma mortalha, “ Foi deveras desterrado
A enxada do coveiro que trabalha Buonaparte — meu ir m ã o ? ...” 3148
A revolver o pó. Diz o céu, astros chorando:
“ E H u g o ? ...” E o mundo pasmando
Não te maldigo, n ã o l... Em vasto campo Diz: “ H u g o ... N apoleão!.. . ”
Julguei-te — estrela, — e eras — pirilampo
Em meio à cerra ção ... Como vasta reticência
Prometeu — quis dar luz à fria a rg ila ... Se estende o silêncio a p ó s ...
Não p u d e... Pede a Deus, louca Dalila, És muito pequeno, ó França,
A luz da red en ção !... P ’ra conter êstes h e ró is...
R ecife — 1864. Sim ! que êstes vultos augustos
Para o leito de Procustos
Muito grandes Deus tra ç o u ...
Basta os reis tremam de mêdo
AS DUAS ILHAS 3146
Se a sombra de algum rochedo
Sôbre êles se p ro je to u !...
SÔBRE U.WA PÁGINA DA PoESIA DE
V. Hugo, Com o Mesmo T ítulo. Dizem que, quando, alta noite,
Dorme a terra — e vela Deus,
Quando à noite — às horas mortas - As duas ilhas conversam
O silêncio e a solidão Sem temor perante os céus.
Sob o dossel 3147 do infinito — — Jersey curva sôbre os mares, 3149
Dormem do mar n’amplidão, A 3150 Santa Helena os pensares
[ 725 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
Então começa a luta, a luta enorme, E n t ã o ... nos brancos mantos que arregaçam
Desta matéria tôsca, áspera, informe, Da meia-noite os Anjos alvos passam
Que na praça apanhou. Em longa procissão!
Teu gênio vai forjar novo te s o u ro ... E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
O cobre escuro vai mudar-se em ouro, São os Anjos de amor de meu passado
Como Fausto o sonhou! Que desfilando v ã o ...
[ 720 ]
ESPU M AS FLU TU AN TES
Almas, que um dia no meu peito ardente Alva a clàmide aos ventos — roçagante. . .
Derramastes dos sonhos a semente, Túmido o lábio, onde o saltério g ir a ...
Mulheres, que eu amei! O ’ musa de Israel! pega da lir a ...
Anjos louros do céu! virgens serenas! Canta os martírios de teu povo errante!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgil aparecei! Mas n ã o ... brisa da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda; Falou-lhe de p a rtir... c p a rte .. . e v o a ...
Acorde-se a harmonia à noite infinda
Ao rôto bandolim ... Qual nas algas marinhas desce um a s tr o ...
Linda E ster! teu perfil se e s v a i... s’e s c o a ...
Só me resta um p erfu m e... um c a n to ... um ras-
E no éter, que em notas se perfuma. [ t r o .. .
As visões s'alteando uma por u m a ... 3151
Vão desfilando a s s im !... 4.a SOMBRA
Harpa eólia a esperar que o vento a fira, Eu vos vejo passar nas noites minhas,
— Um pedaço de mármore d iv in o ... Crianças que trazeis-me a prim avera...
E ’ o retrato de Bárbora — a Hetaíra. — Crianças que lembrais-me as andorinhas!..
E ster D ulce
[ -■27]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte! “ A choça do desterro é nua c fria!
És talvez o ideal que est’alma espera! O caminho do exílio é só de abrolhos!
És a glória talvez! Talvez a m o r te !... Que família melhor que meus d esv elo s?...
Que tenda mais sutil que meus cabelos
S a n t a I s a b e l, A g o s t o d e 1 8 7 0 .
Estrelados no pranto 3156 de teus o lh o s ? ...
[ 728 ]
ESPU M A S FLU TU AN TES
[ 720 ]
ANTÔ NIO D K C A S T R O A L V E S
I I IV
Um dia Ê les chegaram. Sôbre a estrada E ’ noite! Trem e a lâmpada medrosa
Abriram à tardinha as persianas; Velando a longa noite do p o e t a ...
E mais festiva a habitação sorria Além, sob as cortinas transparentes
Sob os festões das trêmulas lianas. E la d o rm e ... formosa Julieta!
Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa Entram pela janela quase aberta
Quem fossem da casinha os habitantes. 3i6i
Da meia-noite os preguiçosos ventos
— São noivos — : as mulheres murmuravam! E a lua beija o seio alvinitente
E os pássaros diziam: ■— São amantes — !
— Flor que abrira das noites aos relentos.
Eram vozes — que uniam-se co’as brisas! O Poeta tra b a lh a !... A fronte pálida
Eram risos — que abriram-se co’as flores! Guarda talvez fatidica tris te z a ...
Eram mais dous clarões — na primavera!
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Na festa universal — mais dous am ores! Tendo por musa — o amor e a natureza!
A stros! Falai daqueles olhos brandos. E como o cáctus desabrocha a mêdo
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos! Das noites tropicais na mansa calma,
Ninhos d’aves! dizei, naquele seio, A estrofe entreabre a pétala mimosa
Como era doce um pipilar d’anelos.
Perfumada da essência de sua alma.
Sei que ali se ocultava a m ocid ad e... No entanto E la d esp erta... num sorriso
Que o idilio cantava noite e d ia ... Ensaia um beijo que perfuma a b r is a ...
E a casa branca à beira do caminho . . .A Casta-diva apaga-se nos m o n te s...
E ra o asilo do amor e da poesia. Luar de amor! acorda-tc, Adalgiza!
Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano. V
Ouviam-se, alongando a paz nos ermos.
Os sons doces, plangentes de um piano. H oje a casinha já não abre à tarde
Sôbre a estrada as alegres persianas.
Depois suave, plena, harmoniosa Os ninhos d esab aram ... no abandono
Uma voz de mulher se alevantava. . . Murcharam-se as grinaldas de lianas.
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava. Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
E a voz cantava o trem olo medroso . . . A Primavera, que arrebata as a s a s ...
De uma ideal sentida b arcaro la. .. Levou-lhe os passarinhos e os a m a n te s !...
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola! Curralinho — 1S70.
I I I
E o sol poente inda lançava um raio Almas das flores — quando as flores morrem.
Do caçador na longa cara b in a ... Os perfumes emigram para as belas.
E sôbre a fronte à ’E la por diadema Trocam lábios de virgens — por boninas.
Nascia ao longe a estréia vespertina. Trocam lírios — por seios de donzelas!
[ 730 ]
ESPUM AS FLUTUANTES
[ 73 1]
ANTÔNIO I>E CASTRO A LV ES
[ 732 ]
ESFUMAS FLUTUANTES
Treda noite! E m:nh’alma era o sacrário, A escória rubra com os geleiros brancos
A lâmpada do amor velava entanto, Misturados resvalam pelos flancos
Virgem flor enfeitava a borda virgem Dos ombros friorentos do v o lcã o ...
Do vaso sacrossanto;
Quando Ela veio — a negra feiticeira — Assim, Poeta, é tua vida imensa,
A libertina, lúgubre bacante, Cerca-te o gêlo, a morte, a indiferença...
Lascivo olhar, a trança desgrenhada, E são lavas lá dentro o coração.
A roupa gotejante.
Curralinho, Junho de 1870.
Foi minha crença o vinho dessa orgia,
Foi minha vida — a chama que apagou-se,
Foi minha mocidade — o toro lúbrico.
Minh’alma — o tredo alcouce.
QUANDO EU MORRER
E tu, visão do céu! Vens tateando
O abismo onde uma luz sequer não arde? Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A fresca tarde
Ai! não vás resvalar no chão lo d o so ... Já não me doura as descoradas faces
E ’ tarde! E ’ muito tarde! Que gélidas se encovam.
JU N Q U EIRA F R E IR E
Ai! não queiras os restos do banquete!
Não queiras êsse leito conspurcado!
Sabes? meu beijo te manchara os lábios Quando eu m o rre r... não lancem meu cadáver
Num beijo profanado. No fôsso de um sombrio cem itério ...
Odeio o mausoléu que espera o morto
A flor do lírio de celeste alvura Como o viajante dêsse hotel funéreo.
Quer da lucíola o pudico a fa g o ...
O cisne branco no arrufar das plumas Corre nas veias negras dêsse mármore
Quer o aljôfar do lago. Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente.
E ’ tarde! A rôla meiga do deserto Abre ao primeiro a bôea libertina.
Faz o ninho na moita perfum ada...
Rôla de amor! não vás ferir as asas
Na ruína gretada. Ei-la a nau do sepulcro — o cem itério ...
Que povo estranho no porão profundo!
Como o templo, que o crime encheu de espanto, Emigrantes sombrios que se embarcam
Êrmo e fechado ao fustigar do norte, Para as plagas sem fim do outro mundo.
Nas ruínas desta alma a raiva g e m e ...
E cresce o cardo — a morte — . Tem os fogos — errantes — por santelmo.
Tem por velame — os panos do sudário..
Ciúme! dor! sarcasmo! — Aves da noite! Por mastro — o vulto esguio do cipreste
Vós povoais-me a solidão sombria, Por gaivota —■ o môcho funerário.,
Quando nas trevas a tormenta ulula
Um uivo de a g o n ia !...
Ali ninguém se firma a um braço a m ig o ...
Do inverno pelas lugubres n oitad as...
E ’ tarde! Estréia d’alva! o lago é turvo. No tombadilho indiferentes chocam-se
Dançam fogos no pântano sombrio. E nas trevas esbarram-se as o ssad as...
Pede a Deus que dos céus as cataratas
Façam do brejo — um rio! Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas.
Mas n ã o l... Sòmente as vagas do 3178 sepulcro Sem ver o branco fumo de seus lares
Hão de apagar o fogo que em mim a r d e ... Levantar-se por entre as aven id as!...
Perdoa-me, S e n h o ra !... Eu sei que m o rro ...
E ’ tarde! E ’ muito ta r d e i...
Oh! perguntai aos frios esqueletos
Rio de Janeiro, 3 de Novembro de 1869. Porque não têm o coração no p e ito ...
E um dêles vos dirá; — Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito. —
A MEU IRMÃO GUILHERME DE CASTRO ALVES Outro: — Dei-o a meu pai. Outro: Esqueci-o
Nas inocentes mãos de meu filh in h o ... —
Na cordilheira altíssima dos Andes 3179 Meus amigos! n o ta i... bem como um pássaro
Os Chimborazos solitários, grandes. O coração do morto volta ao n in h o !...
Ardem naquelas hibernais regiões.
Ruge embalde e fumega a so lfa tera ... S. Paulo, Março de 1869.
E ’ dos lábios sangrentos da cratera
Que a avalanche vacila aos furacões.
[ 733 ]
ANÏô*\10 DK CASTRO ALVES
C en á r io (Longa paiisa).
[ 734 ]
ESPUMAS FLUTUANTES
S ílvia
M ário (que tem lido por cima de seu ombro).
Sílvia! a morte abre-me os dedos, ^ *8 1
Mas um suor de agonia És livre, S ílv ia ... caminha!
Teu peito ardente tre ssu a ...
(morrendo).
M ário Minh’alma é como a andorinha,
Que alegre o fio quebrou.
São os orvalhos, que descem 1S70.
Ao frio clarão da lua.
L 735 ]
ANTÔNIO D E CASTRO A LV ES
[ 736 ]
HINOS DO EQUADOR
[ 737 ]
ANTÔXIO DE CASTRO A I A E S
E a porta após rodou por sobre os quicios, Sòmente após a fulva luz de um raio
E a murmurar deixou passar o am ante.. . Verieis uma virgem linda e n u a ...
Sòmente um terno e lânguido suspiro Trem ia de terror, ouvira o g r ito ...
Ouvi trazer a brisa su ssu rran te... ’Stava pálida e branca como a lua,
E a lua então num lânguido desmaio E quando viu o amante — de amargura
Ciümenta lançou o último r a io ... Tornou-se a estátua pasma da loucura.
I I I I I
O A s s a s s in o A L ouca
Uma noite era negro o firmamento. Laura, onde vais? Sòzinha a tais desoras
Monótona caía fria chuva, O vento há de gelar-te a branca pele.
E a terra envolta em véu de densas trevas Como tremes convulsa, e que sorriso!
Parecia chorosa uma viúva; Que chamas teu olhar ardente expele!
Só as aves da noite regeladas Laura, onde vais? Os pés nus, delicados,
Gritando se escondiam nas moradas. Não maltrates nos seixos orvalhados.
Que fazes, Jorge, a estas horas mortas? E s e g u ia ... e s e g u ia ... e nem ao menos
A noite está tristonha e friorenta; Parava um só momento no caminho;
Vai aquecer da prostituta ao colo Não sentia rasgarem-se-lhe as vestes
De libertino a fronte macilenta. De incultos ervaçais no duro espinho,
Vai escaldar esta alma morta e fria O gênio da vingança é que a im p elia...
Aos beijos do cognac qu’incendia. Como o Judeu errante ela s e g u ia ...
V a i ... Quando a alma s ’enjoa dêste mundo
Sempre descrente, acerbo de ironia,
O cognac nos dá formosos mundos.
Castelos encantados de poesia. IV
E entre um gol’ de cognac e uma fumaça
Em ditoso delírio a vida passa. A E n t r e v is t a no T úm ulo
Mas Jorge está mais lúgubre e sombrio E ra um triste lugar. Entre ciprestes,
Que o mármore dum túmulo mais calado. Que a custo balançavam a ramagem,
Parece o seu olhar mais turvo e frio, Onde só pr’a gemer tristes endechas
O sulco do sobrolho mais cavado. Passava regelada e fria a aragem.
Ai! J o r g e ... Vais unir ao libertino Num esquife entreaberto está deitado
A covardia infame do assassin o ... Um cadáver de moço abandonado.
E êle pouco esperou. Saudoso canto, E entregue às in tem p éries... sem amigos,
Que suspirava ao longe, aproximou-se, Sem ter quem vá ali chorar um pranto.
E o canto era mais terno e mais sentido Tu, que cantaste os sentimentos puros,
Qu’o último som do cisne que finou-se; Q ’encontraste no mundo um doce encanto.
E ra um canto em que atroz pressentimento Tu dormes, sonhador, já macilento.
Segredava ao mancebo o passamento. Entregue aos vermes vis, pôsto ao relento.
[ 738 ]
n o o s no equador
Ninguém vem te ch orar. N ão, d entre as som bras K quando o orvalho pende do arvoredo,
U m a som bra passou b ran ca e ligeira, Que se debruça p’ra beijar o rio
Os ramos do arvoredo estremeceram. E as estréias no céu cintilam lânguidas
Espantada voou a ave agou reira. — Pérolas soltas de um colar sem fio;
Quem perturba esta lúgubre m orada?
Uma m u lh er... É Laura, apaixonada. Então eu vou sentar-me sôbre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E ela chegou-se rindo e soluçando E só conto o segrêdo de minh’alma
Cum rir entre medonho e entre formoso. Das horas mortas ao tristonho vento.
Seus lábios tressuavam de ironia
Ao mesmo tempo de inocente gôzo. I I
Junto ao verde cadáver ajoelhou
E com os lábios ardentes o beijou. Eu sei como êste mundo ri de escárnio, -^188
Dêste aéreo sonhar da fantasia,
Depois sentou-se triste junto ao esquife Eu s e i ... P ’ra cada crença de noss’alma,
E as passadas cantigas recordando, Ele tem uma frase de iro n ia ...
Nos dedos frios, trêmulos, nervosos, Ah! deixai-me guardar o meu segrêdo!
Co’os cabelos do amante ia brincando; Dêste riso cruel eu tenho m êd o ...
Co’a outra mão sôbre o morto regelado
Pôs um longo punhal ensangüentado. Meu segrêdo? É o canto de poesia
Que suspirou saudoso o gondoleiro,
“ Durmamos, disse ela, ó meu amante! Que vai morrer gemente sôbre as praias;
Não vês? Eu tenho as mãos ensangüentadas. — Da despedida pranto derradeiro.
Este sangue é de Jorge, é do assassino. Mais aéreo que as vozes da sereia.
Durmamos; tuas cinzas ’stão vingadas”. Alta noite sentada sôbre a areia.
...E n tã o beijou-o louca em devaneio
E recostou-lhe a fronte ao frio s e io ... Meu segrêdo? É o soluço d’alma triste
Que conta sua dor à brisa errante;
É o pulsar tresloucado de meu peito
V A repetir um nome delirante;
Indeciso anelar de edêneo gôzo.
Os D o is C a d á veres Castelo que eu criei vertiginoso.
E depois quando a aurora ergueu-se linda. Criei-o numa noite não dormida.
Viu a louca a embalar no seio o amante, Após vê-la entre tôdas — rainha;
Cantando mil cantigas e o beijando Criei-o nestas horas de delírio.
Sempre amorosa, triste c d eliran te... Em que sentira em fogo a fronte minha
Mas a lua co'os raios desmaiados E o sangue galopava-me nas veias,
Viu dois mortos unidos, ab raçad o s... E o cérebro doía-me de idéias. . .
R ecife, Maio de 1865.
E quem na vida não amara um dia?
E nunca despertara ao som de um beijo?
Quem nunca na vigília empalecera.
MEU SEGRÊDO Ao seguir com o pensar louco desejo?
Quem não sonhara ao colo voluptuoso
À S en h o ra d * * * Da sultana louçâ morrer de gôzo?
I
Uma noite tentei fechar as pálpebras,
Debalde revolvi-me sôbre o le ito ...
Eu tenho dentro d’alma o meu segrêdo
A alma adejava em fantasias d’ouro, «
Guardado como a pérola do mar.
Arfava ardente o coração no peito.
Oculto ao mundo como a flor silvestre
A imagem que eu seguia? É meu segrêdo!
Escondida no vale a vicejar.
Seu nome? Não o d ig o ... tenho mêdo.
Eu guardo-o no meu p e ito ... É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida, Ai! dói muito calar dentro em noss’alma
— Sonho de fantasia — flor efêmera, Este anelar fremente de desejos!
Uma nuvem, talvez, no céu perdida... Ai! dói muito calar o róseo sonho
Que sonhamos; — dormir entre mil beijos
Mas que importa? É uma crença de minh’alma Num seio que de amor todo estremece,
Gôta do orvalho d’alva da existência. Quando o olhar de volúpias esm o rece...
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência. Dói m u ito ... mas dói mais uma ironia,
Quando adeja o pensar no firmamento.
Só, quando a terra dorme solitária Dói m u ito ... mas dói mais um desengano,
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua, Quando se vive só de um sentimento,
E a brisa geme cantos de tristeza Quando o peito cifrou sua esperança
Na rama do pinheiro que flutua; Em beijar da mulher a negra trança.
[ 739 ]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S
Que loucura! Aos teus lânguidos olhares, Como as flores de estufa que emurchecem
Beber, louco de amor, seiva de v id a ... Lembrando o céu azul do seu país,
Sorver perfume em teus cabelos negros. Minha alma vai morrendo, suspirando
Sentir a alma de si mesma esq u ecid a... P or seus perdidos sonhos tão gentis.
E , de gôzo de amar louco, sedento.
Viver a eternidade num momento!
E que d u rm a ... E que d u rm a ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia.
Que ventura! Sorver co’os lábios trêmulos Só a ti é que eu quero que te sentes
Em teus lábios — de amor o nome s a n to ... Ao meu lado na última agonia.
Que ventura! F itar-te os negros olhos
Desmaiados de amor e de q u eb ran to ... R ecife, 7 de Outubro de 1S6J.
E , reclinada a fronte no teu seio,
Sentir lânguido arfar em doce e n le io ...
Sagra ao menos uma hora em tua vida Que noite santa! Sempre o lábio mudo
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira, A dizer tudo,
Que em teus olhos, febril e delirante, A suspirar p a ix ã o ... 3189
Bebeu de amor a inspiração primeira, De espaço a espaço — um fervoroso beijo
Mas que de um desengano teve mêdo, E após o pejo
E guardou dentro d‘alma o seu segrêdo! E tu dizias — “ N ã o ! . .. ”
R ecife, Junho de ISóS
Eu fui a brisa, tu me fôste a rosa.
Fui mariposa
— Tu me fôste a luz!
CANSAÇO Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
O náufrago nadou por longas h o r a s ... Do martírio a cruz.
Na praia dorme frio num desmaio.
A fôrça após a luta abandonou-o, E agora quando na montanha o vento
Do sol queimou-lhe a face ardente raio. Geme lamento
De infinito amor,
Pois eu sou como o n a u ta ... Após a luta Busco debalde te escutar as juras
Meu amor dorme lânguido no peito. Não mais v en tu ra s...
C a n sa d o ... talvez morto, dorme e dorme Só me resta a dor.
Da indiferença no gelado leito.
Seria um sonho aquela noite e rra n te ? ...
Sôbre as asas velozes a andorinha Diz’, minha a m a n te !...
Maneira se lançou nos puros a r e s ... Foi r e a l.. . bem s e i.. .
Veio após o tu fã o ... lutou debalde, Ai! não me n e g u e s... Diz-me a lua, o vento
Mas em breve boiou por sôbre os mares. Diz-me o to rm e n to ...
Que por ti penei!
Eu sou como a an d o rin h a... Ergui meu vôo
S. Salvador — 136S.
Sôbre as asas gentis da fantasia;
A descrença nublou-me o céu da v id a ...
E a crença estrebuchou numa agonia.
[ 740 ]
H IN O S DO EQUADOR
CAPRICHO
FRAGMENTO
.\i! quando
Há flores tristes, que nascendo à noite Brando
Só tem o açoite Vai o vento
Do cruento sul, 3190 Lento
E sem que um raio lhes alente a seiva. A lua
Rolam na leiva Nua
De seu vil paul. Perpassar sutil;
[741 ]
ANTÔNIO B E CA STRO ALA'ES
Fada encantada, em teu regaço lasso. Quando no leito entre sutis cortinas
Viajante errante, deixa-me pousar; Tu te reclinas indolente aí.
Lírio ou martírio, abre teu seio a meio. A i! Tu não sabes que sòzinho e triste
E stréia bela, vem-me enfim guiar. Um ser existe que só pensa em ti.
[ 742 ]
HINOS DO KQUADOR
[ 743 ]
A N T Ô N IO D E C A S T R O A L V E S
Quando longe de ti eu vegeto Amar e ser amado! Com que anelo, 3212
Nestas horas de largos instantes, Com quanto ardor êste adorado sonho
O ponteiro, que passa os quadrantes, 3208 Acalentei em meu delírio ardente
M arca séc’los, s'esquece de andar. Por essas doces noites de desvêlo!
[ 744 ]
HIKOS DO EQUADOR
Ser amado por ti, o teu alento D ep o is... hei de encostar-te no meu peito.
A bafejar-me a abrasadora fronte 1 Velar por ti — dormida sôbre o leito.
Em teus olhos mirar meu pensamento, Bem como a luz no altar.
Sentir em mim tu’alma, ter só vida T e embalarei com uma canção sentida,
P'ra tão puro e celeste sentimento: Que minha mãe cantava enternecida
Ver nossas vidas quais dous mansos rios. Quando ia me embalar.
Juntos, juntos perderem-se no oceano — ,
Beijar teus dedos em delírio insano, Amemos, pois! P ’ra ti eu tenho n’alma
Nossas almas unidas, nosso alento. Beijos, prantos, sorrisos, cantos, p alm as...
Confundido também, amante — amado — Um abismo de a m o r ...
Como um anjo fe liz ... que pensamento!? Sorrisos de uma irmã, prantos maternos.
Beijos de amante, cânticos eternos,
E as palmas do cantor.
[ 745 ]
A K T Ô N IO D E C A S T R O A L V E S
Quem mostra o trilho ao viajor das sombras? No cedro pensativo, que a sós no descampado
Quem ergue o morto que esfriou o pó? Geme e goteja orvalhos ao sôpro do tufão.
Quem diz à pedra que não desça o pego? Vias um triste velho — sòzinho, desprezado, 3221
Quem segue a estréia desgraçada e só? Molhando a barba em prantos co’a fronte para o
[chão.
N in g u é m !... Na terra tudo v a i ... gravita
L á para o ponto que lhe marca Deus. Aqui — ondina louca — vogavas sôbre os mares —
Os raios tombam — as estréias s o b e m !... Ali — silfo ligeiro — na murta ias dormir.
Lutar co’a sorte — é combater os céus! Anjo — de algum cometa, que vaga pelos ares
Na cabeleira fúlgida brincavas a sorrir.
“ V ai! pois, ó rosa, que em meu seio, outrora, 3129
Acalentava a suspirar e a r i r . . . Sublime panteísta, que amor em ti resumes.
Deixas minh’alma como um chão deserto. Sentes a alma de Deus na criação brilhar!
Vai! flor virente! mais além flo r ir ... Perfume — tu subias, de um anjo entre os perfumes.
Ave do céu — nas nuvens teu ninho ias buscar.
“ V ai! flor virente! no rumor das festas.
Entre esplendores, como o sol, viver Canta, poeta, os hinos, com que o silêncio acordas,
Enquanto eu subo — tropeçando incerto — A natureza — é uma harpa prêsa nas mãos de Deus.
Pelo patíbdo — que se diz sofrer 1 ... O mundo passa... e mira o brilho dessas cordas...
E o hino?... O hino apenas chega aos ouvidos teus.
Todo o universo é um templo — o céu a cúpula
Que resta ao triste, sem amor, sem crenças? [imensa.
— Seguir a s in a ... se ocultar no c h ã o ... Os astros — lampas de ouro no espaço a cintilai,
. . . Mas, quando, estréia! pelo céu voares. A ventania — é o órgão que enche a nave extensa.
Banha-me a lousa de feral c la r ã o !... Tu és o sacerdote da terra — imenso altar.
R e c ife , O u tu b ro de 1866. R io d e J a n e i r o , F e v e r e i r o d e 1868.
[ 746 ]
HINOS DO EQUADOR
[ 747]
AKÏÔNIO DE CASTRO A LV ES
[ 748 ]
HINOS DO EQUADOR
Tua reputação, que nós vimos esplêndida. “A certeza! ai! insanos que nós somos!
Bem vês neste momento. Crendo em nossa ra z ã o ...
Dispersa-se e lá vai na voz do vulgo imundo, Ela não pára mais no espírito do homem
Que a onda em sua m ã o !...
Como uma fôlha ao vento.
Tua alma, que tomavam ind’ontem p’ra o direito “ Ela molha um momento, 3245 após infiel s’escoa
E o dever arbitrar, E d ep o is... maldição!
Hoje é como a taverna, onde quem quer à tarde Ninguém pode saciar no resto que inda encontra
Vem no vidro espiar. Lábios, nem coração!
[ 749 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
“ O mesmo objeto faz no vosso rosto angústias, ^246 “ Que vão o mundo inteiro abraçando, desde a água
No meu serenidade. À serpe que chocalha,
Tôda coisa na terra é por um lado sombra. Que tôda a voz engrossa e que no pensamento
Por outro claridade. A natureza espalha.
[ 7 50 J
HINOS DO EQUADOR
“E quando êle acabou, tu, que o ódio feriu. “As ilusões que, infante, eu cri ter apanhado,
Tu disseste com a voz estremecida um tanto, 3258 Agora estão ausentes.
Voz semelhante à sua e mais alta entretanto E digo à felicidade o que o piloto diz
Como se o grande mar falasse após o rio: As praias decrescentes.
“Que importa? Lastimando a mulher, eu me abrigo
Na mais funda das calmas,
“Não me consoles, não, e não te aflijas muito... E vivo olhando fito o céu, por onde sobem
Eu ’stou calmo, impassível. As asas e as almas.
Eu não olho jamais p’ra o mundo dêste mundo
Mas p’ra o mundo invisível. “Deus divide o destino igual, igual em todos nós...
Fraco, forte ou poltrão.
“Os homens são melhores do que tu crês, amigo, Como um senhor reparte o trabalho, desd’alva...
Mas é severo o fado. A cada um seu quinhão.
Éle é que entorna fel ou vinho (como apraz-lhe)
No copo lapidado. “Sejamos grandes nós... Um coração que é grande
Semelha mesmo a Deus.
“Eu? Eu cismo escutando o salgueiral que geme, Cruzem-se a nossos pés a luz do sol, o raio, 3266
Da cruz à superfície... Êstes clarões dos céus.
E o murmurar do rio, e o soluçar do sino
Num canto de planície. “Deixemos lá em baixo a tempestade horríssona
Que nos prende num elo.
“Colhendo a surda voz do passado que foge... E guaídemos em cima a sã tranqüilidade
E dos carros de messe, Como a montanha — o gêlo.
E o lastimar do junco e o rugitar que soltam
As moitas numa prece. “Vai! Que nenhum mortal co’a paixão quebrar pode
Obstinada, sem tino,
“Prestando ouvido ao mar, que nunca dormir Esta invisível lei — chamada expiação, 3267
[pode, 3259 E esta outra — Destino.
À névoa, ao canto alado...
Erro nas eminências, onde se ouve gemer “Ai! Como quer que a chame insano orgulho
Tudo quanto há criado. [humano
Que o eixo dela imola...
‘Como um vaso no altar contemplo aceso o teto, Roda imensa e fatal ela sôbre Deus gira
Cujos flocos ascendem. E sôbre o homem... rola!... 3268
E ao pôr do sol os fachos lá de cima, 3260 5. P a u lo , A g o s to d e 1868.
Todo o facho, que acendem.
Eá, como uma ave solta a pena ao tom das brisas,
Eu solto minha idéia. A BALADA DO DESESPERADO
Lá penso na desgraça humana e melhor ouço
A voz desta colmeia. (H e n r i M u r g e r )
Tudo que a vista alcança encaro comovido, 3251 — Quem bate à porta a tais horas?
Onda, terra e verdura, 3252 — Abre, sou eu. — Quem tu és?
E o homem fito além — mago, misterioso, Não se entra na minha casa
Que atravessa a natura. Tão tarde assim, bem o vês.
[7 5 1 ]
AXTÔNIO DE CASTRO A LV ES
[ 752 ]
H IN O S D O E Q U A D O K
ADEUS I I
Je te bannis de ma mémoire, Mon coeur, encore plein d’elle, errait sur son visage
Reste d’un amour insensé, Et ne la trouvait plus.
Mystérieuse et sombre histoire. M U SSET
Qui dormiras dans le passé.
Et toi qui, jadis d’une amie,
Portas la forme et le doux nom, Porém de súbito acordou do ergástulo
E ’instant suprême où je t ’oublie. O precito, que ali jazia há p o u c o ...
Doit être celui du pardon.
E o pensamento habituado às trevas
A. DE MX.’ S S E T .Atirado na lu z ... — pássaro louco!
Recomeço de novo o meu caminho, ^278 A orquestra, as luzes, o teatro, as flores, 2279
Do lar deserto vou seguindo o tr ilh o ... Tu no meio da festa que fulgura, 3280
Já que nada me resta sôbre a terra T u ! sempre a mesma! a mesma! Tu ! meu Deus!
Dar-lhe-ei meu ca d áv er... sou bom filho! Não morri neste instante de lou cura.. .
Bem vês! Eu volto. Como vou tão r ic o ... A mesma fronte que amei outrora!
Que risos n’alma! que lauréis na fre n te ... O mesmo riso que me vira um dia!
Tenho por c roa a palidez da morte, O mesmo olhar que me perdera a vida!
Fêz-se um cadáver — o poeta ardente! A mesma, a mesma, por quem eu morria!
[7Õ3]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
(N o D ia do seu A n iv e r s á r io )
E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n’alma, .Senhora, eu vos dou versos, porque apanho
Como a harpa de Davi, teu riso santo Das flores d’alnia um ramalhete agreste
Meu acerbo sofrer já não acalma. E são versos a flora perfumada,
Que de meu seio a solidão reveste.
É que tudo me lembra que fugiste,
Tudo que me rodeia, de ti fala, E vós que amais a parasita ardente,
Como o cristal da essência do Oriente Que abre como um suspiro em pleno Maio,
Mesmo vazio a sândalo trescala... E o aroma que anima o cálix 3287 rubro
— Talvez de uma alma perfumoso ensaio,
No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho. E êsse vago tremer de níveas pétalas,
Foi-se a festa de amores e de afagos... Que faz das flores meias borboletas,
I^ras — ave do céu... minh’alma — o ninho! O escarlate das malvas presumidas,
A modéstia infantil das violetas,
Por onde trilhas — um perfume expande-se, 3283 E essa linguagem transparente e meiga
Há ritmo e cadência no teu passo! Que a natureza fala nas campinas
És como a estréia, que transpondo as sombras 3284 Pelas vozes das brisas suspirosas.
Deixa um rastro de luz no azul do espaço... Pela bôca rosada das boninas...
E teu rastro de amor guarda minh'alma. Hoje na vossa festa... em vosso dia.
Estréia, que fugiste aos meus anelos, Em meio aos vossos íntimos amores.. .
Que levaste-me a vida entrelaçada Juntai aos ramalhetes êstes versos,
Na sombra sideral de teus cabelos!... Pois versos de afeição... também são flores!
2 de A bril de 1870. CurraUnho, 22 de A bril (1870).
[ 754 ]
H IN O S DO KQ UADOR
[ 755 ]
ANTÔNIO D E CA STRO A E V E S
CH AN SO N
O V O L U N T Á R IO DO SERTÃO 3290
(M usset )
F ragmento
Disse a meu peito, a meu pobre peito:
— Não te contentas co’uma só amante? E ra ao cair do sol no viso das montanhas!
Pois tu não vês que êste mudar constante E ra ao chegar da noite as legiões estranhas. . . ,
Gasta em desejos o prazer do amor?
Ao farfalhar das sombras — a tribo sussurrante —
Êle respondeu: — Não! não me contento; Aves de escuridão que descem do levante.
Não me contento com uma só amante.
Pois tu não vês que êste mudar constante Do vale no turíbulo embala-se a n e b lin a ...
Empresta aos gozos um melhor sabor? Soam no bosque as harpas em trêmula surdina.
Disse a meu peito, a meu pobre peito: Como nas mãos do padre, o monte que transluz
— Não te contentas desta dor errante? No braço ergue o sol — hóstia 3291 imensa de luz.
Pois tu não vês que êste mudar constante
A cada passo só nos traz a dor? Ouve-se um desdobrar de telas e de v é u s ...
No espaço arma-se a noite — a tenda azul de Deus.
Ele respondeu: — Não! Não me contento,
Não me contento desta dor e rra n te ... E ra ao cair do sol! Por íngreme caminho
Pois tu não vês que êste mudar constante Em fundo refletir, a galopar sòzinho,
Empresta às mágoas um melhor sabor?
S. Isabel, 1 1 de Agosto de 1870. Eu subia de um cêrro o cimo alcantilado
Donde melhor se avista a a ld e ia ... o ca m p o ...
[o prado.
[ 756 ]
H IN OS DO DQUADOR
(D e Alfredo de Musset )
Mem este charlatão, nem este frade Não sei se do prazer dileto aos deuses
Sabem por que Maria aos poucos morre. Fêz a eterna justiça um gôzo ilícito;
Feriram-te no peito, ó bela fria, Mas se é dado dizer-me a qual suplício
Feu mal é todo amor!... Meu pior inimigo eu dar quisera.
[ 737 ]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S
[ 758 ]
niNOS DO EQUADOR
Rugiram de terror ao ver-lhe o rir su blim e... Salve, Deusa incruenta! Imensa Divindade!
O sátrapa, o chacal, a tirania, o c rim e ... — Barqueira dêsse mar — chamado a Eternidade! —
O abutre, o antro, o môcho, o êrro, a escravidão! Que às margens do Cocito embarcas os heróis...
Disse a gruta p’ra o céu: “ Que deusa é esta Em prol da Humanidade a Deus levas o grito.
[ingente?!” 3300 Tens os olhos — na terra! a bôca — no infinito!
O espaço respondeu: “ É a diva do O cid en te!... A meia-lua aos pés! Na cabeleira — os sóis!!!
A consciência do mundo! o Eu da criação!”
Quando Ela se alteou nas brumas da Alemanha,
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
E quando Ela surgiu, — os pólos se abraçaram!
Na destra suspendendo a estréia da manhã...
O Zênite e o Nadir, — surpresos, se escutaram!
O espasmo de um fuzil correu nos horizontes...
O Norte — ouviu, chorando, o soluçar — do Sul!
Clareou-se o perfil dos alvacentos montes,
O abafado estertor do servo miserando,
Da deusa no clarim gigante rcboando. Das cimas — do Peru... às grimpas do Indostã! 3303
Clamou da terra-verde ao firmamento-azul! 3301
S. Salvador, 14 de Outubro de 1870.
A V IO L E T A
A rosa vermelha
Semelha I
Beleza de moça vaidosa, indiscreta.
As rosas são virgens Quando cantas pendida
Que em doudas vertigens P o r sôbre o peito meu.
Palpitam, Ouves tu minha vida
Se agitam Falando-te do céu?
E murcham das salas na febre inquieta. A indolente cantiga
Desmaia de languor.
Cantai, formosa amiga!
Cantai, cantai, amor!
Mas ai! Que não sonha num trêmulo anseio
Prendê-las no seio
Saudoso o Poeta. 11
[ 760 ]
H IN O S DO EQUADOR
Já que o amor traiismudou-se em ódio acerbo, Ó França! deste a luz que de teu ser jorrava!
Que a eloqüência—é o canhão, a bala— o verbo, 3307 ó França! acolhe agora em recom pensa... o pão.
O ideal — o horror! O Cristo no deserto os pães multiplicava,
E nos fastos do século, os tiranos Faça agora o milagre, ó França, o coração!
Traçam co’a ferradura dos hulanos
O ciclo do terror. E , se acaso alta noite, em noite de invernada.
Enquanto no horizonte a chama lambe o ar,
Já que, igual ao florete de Gennaro, Uma débil criança, esquálida e gelada.
Um sabre arranca do presente ignaro Por ti. Pátria, encontrar abrigo, pão e l a r ...
Êste letreiro — Luz —.
Já que a Glória recua (cousa horrenda), Quando aquêle inocente, 3309 a sós no campo escuro.
E Átila vai de Washington na senda, Abençoar de longe os brasileiros c é u s ...
E Siva após Jesus! Sabe que êste menino — é o símbolo do futuro!
E aquela frágil m ã o ... oculta a mão de D e u s !...
Já que a Rousseau sucede Machiavelo, 9 de Fevereiro de 18 71.
Já que a Europa de altar fêz-se escabêlo,
Da guerra meretriz.
Já que o sonho de Canning era falso.
Já que após abolir-se o cadafalso. DIABO MUNDO
Crucificam Paris.
(E spronceda)
Já que é mentira a voz da Humanidade, Côro dos Demônios
Já que riscam da Bíblia a Caridade,
E dalma o co ra çã o ... Voguemos! Lancemos
E a noite da descrença desce feia A barca a vogar!
E, tropeçando em ossos, cambaleia Que rompam-se as nuvens, 3310
Dos povos a razão! . . . Que rompam-se as névoas.
As chamas, o a r . . .
As trevas profundas.
As vagas do m a r !...
Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito Voguemos! Cruzemos
Que abafe dos canhões o horríssono rugir. Do mundo o confim!
Em frente do oceano! em frente do infinito! 3308
Em nome do progresso! em nome do porvir. Que hoje o triste abismo quebram
Os Diabos livres enfim!
Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos E em músico estrondo horrendo.
Manche a arca ideal das nossas ilusões. Os condenados celebram.
A herança do suor, vertido em dois mil anos, Juntos cantando e bebendo,
Há de intacta chegar às novas gerações! Um diabólico festim.
[761]
ANTÔNIO D E C A S T R O A L V E S
[ 762 ]
H IN OS DO EQUADOR
[ 763 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
[ 764 ]
HINOS DO EQUADOR
E outra vez rolas comigo Mas como eu, sempre avante, arremessada
Aos báratros antípodas dos céus. Por um pulso de bronze vigoroso,
Em lôbrega e funda terra Além vais, além vais, pedindo embalde
Blasfemo uivando e maldizendo a Deus. Quietação e rep ou so...
[ 765 J
ANTÔNIO DE CASTllO ALVES
[ 767 ]
AKTÔNIO DE CASTRO ALYES
Que importa o vendaval, a noite, os euros. O amor, que açula o riso ao lábio da Francesa,
Os trovões predizendo o ca ta clism o ... Que dá filtros fatais à filha de Madri,
Se em ti pensando some-se o universo, Que mais lânguida torna a pensativa Inglêsa,
E em ti somente eu c is m o ... A Grega mais audaz! mais indolente a Huri!
Tu és a minha v id a ... o ar que a s p iro ... O amor na Italiana estala em h arm o n ia...
Não há tormentas quando estás em calma. Sobe ao lábio tre m e n te ... espalha-se no céu!
Para mim só há raios em teus olhos, Amor não é palavra, amor é melodia!
Procelas em tua alma! Não há música assim como dizer: “ Sou teu !”
Ãs 7 horas da noite de 2 de M arço de 1Z71.
E o seio que palpita a rebentar a s ê d a ...
E a garganta, do cisne a desmaiar o a lv o r ...
E a trança a descair.... e a mão que a trança arreda..
Anzoleto a seus p é s ... as trevas em re d o r ...
CO N SU ELO
[ 768 ]
HINOS DO EQUADOR
[ 769 J
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
E n tão lem bro 33^6 os m om entos passados, Nas sombras passa uma so m b ra !...
Lem bro então tuas frases queridas, Balançaram nos c ip ó s !...
Como o infante que as pedras luzidas Pé de moça pisa a alfom bra...
Uma a uma desfia na mão. Da cova enfeita-lhe as flo re s ...
Como a virgem que as jó ia s da noiva Flor dos últimos amores!
Conta alegre a so rrir de alegria, Traz o beijo dos heróis!
Conto os rios que deste-me um dia
E que eu guardo no meu coração. Da lua a teia amarela
Estende as malhas de lu z ...
Lembro ainda o lugar onde esta v a s... Na riba o caboclo vela
Teu cabelo, teu rir, teu v estid o ... Ao rubro fogo da ta b a ...
De teu lábio o fulgor incendido... Aqui a murta desaba, 3338
Destas mãos a beleza id e a l... Mulher! nos teus peitos nus!
Lembro ainda, cm teus olhos, querida,
Êste olhar de tão lânguidos raios, A lagoa se debruça
Este olhar que me mata em desmaios P ’ra cair no rib eirão ...
Doce, terno, amoroso, f a ta l!... É minha mãe quem soluça?
Não sabes, 3339 filha estrangeira,
Tens a trança da p alm eira...
Quando a estréia serena da noite
Palmeira do coração!
Vem banhar minha fronte saudosa.
Julgo ver nessa luz misteriosa,
Foi de jasmins am arelos
Doce amiga, um carinho dos teus! Que trançaste o canitar!. . .
E ao silêncio da noite que anseia
Criança, eu morro de anelos.
De volúpia, de anelos, de vida, Dá-me beijos sôbre b e ijo s ...
Eu confio o teu nome, querida,
Tenho um século — por desejo!
Para as brisas Icvarem-no aos céus. E uma noite — por amar!
De ti longe minh’alma vegeta. Amanhã todo êste fogo
Vive só de saudade e lembrança. A morte vai apagar.
Respirando a suave esperança Arranca-me est alma lo g o ...
De viver como escravo a teus pés. — Amai! — a noite nos clama
De sonhar teus menores desejos. — Enquanto houver uma flama!
De velar em teus sonhos dourados, Um grito, um sôpro, um olhar!
“Mais humilde que os servos curvados!
“ Inda mais orgulhoso que os reis” ! Teu sangue ardente galopa
Na fronte morna a bater.
Teu lábio meu lábio en so p a...
Moça! que mel nestes lá b io s ...
ó meu Deus! manda as horas que fujam, São das abelhas ressábios?
Que desfilem em fio os in sta n tes... São ressábios do morrer?
E o ponteiro que passa os quadrantes
Marque a hora em que a possa fitar! Pois eu já vi mil gentias
Como Tântalo à sêde morria. Chorar nestes braços meus.
Sem achar o conforto p reciso ... Aquelas frutas bravias
Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso! Não são frutas que embriagam.
Tenho sêde. Senhor, de um olhar. Teus dedos quando me afagam
Bahia — 1S71. Parecem dedos dos c é u s ...
Existe uma flor na mata
Que aparece à noite só:
Abre as pétalas de prata,
VIRGEM DOS ÚLTIMOS AMÔRES Se espaneja, se c o lo ra ...
Mas, aos fulgores da aurora, 3340
C e n .a ÚNIC.\ Alurcha, expira, faz-se em pó.
C ham a-se... o nome que importa?
É noite. A cena representa tima fto- Lembro agora um sonho meu;
resta americana. Longe os fo g o s sangren ...U m a águia tombava morta
tos da tribo. Perto os guerreiros que ron Das nuvens.. . na correnteza...
dam ao clarão do luar. O prisioneiro e.s- Nas garras tinha uma prêsa
pera a noiva final. Rolando v iv a ... Era eu!
Por detrás daquele oiteiro Porque derrubas as gôtas
morte espera a manhã ! Do cacho do ouricuri?
É a morte do guerreiro, São tuas missangas rôtas
Do bravo que não re c u a !... Que rolam na minha frente?
Geme ao longe a mãe-da-lua, -^337 Teu colar estava q u en te...
Responde perto a c a u ã ... As contas quentes senti!
[771]
AXTÔNIO DE CASTRO A LV ES
Bem sabes! Se o filho expira, Quando no desviver das horas de atonia, 3345
A mãe, que triste o perdeu, Das noites tropicais na morna calmaria,
Na selva o berço lhe estira Da mocidade o canto arrojo ao vento — insano,
Entre a flor, a brisa, a p a lm a ... E , perto de morrer, o amor anseio a in d a !...
Quando eu morrer, prende est’alma Que mulher me soletra essa harmonia infinda?
Aqui no cabelo teu! . . .É tua mão qu’empresta um’alma ao teu piano.
Minha noiva derradeira,
És bela e triste ao luar! E enquanto a flor rebenta à face da la g o a ...
Ru fui a garça altaneira h. a lua vagabunda o céu percorre à toa.
Cruzando as tardes v erm elh a s... Mirando na corrente o seio le v ia n o ;...
Dos arcos das sobrancelhas Inda a terra m inspira um sonho de ternura!.
Porque fechaste um olhar? . . . O gênio da desgraça, o gênio da loucura,
1 u sabes, qual Davi, curar no teu piano.
Caí! Caí nos teus braços.
Bela filha de Tupá! Criança! que não vês como é sublime e santo
São serpentes teus abraços, Razer irmãos no amor e cúmplices no pranto
Mas não serpentes que b e ija m !... Mozart, o homem do Norte, e Verdi, o Italiano!
São lianas que festejam Despertar ao relento o idílio de Bellini!
Os galhos do piquiá. Razer dançar Sevilha, ao toque de Rossini.
E o bolero e s ta la r ... nas teclas do piano!
Já , mais fria, 3341 a serenada
Resvala pelos b a m b u s...
Os ventos da madrugada A i! toca! No meu ser acorda ainda um estro
Vêm da pátria, vêm 3342 do n o r te ... À voz de Gottschalk 3346 — o esplêndido maestro —
Não ouves, falando em morte? Aos lampejos da luz — do Moço Paulistano — |
. . . Eu amo os teus ombros nus ! . . . A i! toca! Enche de sons o derradeiro dia
Daquele que só te m .. . por sonho — uma harmonia!
Teus o m b ro s ... Mas ficas branca Por única riq u e z a ... a t i . . . e ao teu piano!
Vendo o céu embranquecer!?
i". Salvador, 29 de Maio de 1871.
É a alvorada que espanca
Os môchos e, 3343 dentre as flores.
Aos pombos arruladores
Manda c a n ta r ... Vou morrer!
V em ! Os astros emurchecem. .. REMORSOS
Só resta um deles nos céus.
Seus raios grandes parecem Itm que pensa Carlota após a valsa,
As pétalas da m a g n ó lia ... No tapête
É a estréia que se esfolha Atirando o bouriiou quando d esca lça ...
Quando a noite diz adeus. Ou m e lh o r... quando rompe a luva, a fita,
Se a prcsilha, o colchête.
Rita os olhos n e la .. . um b e ijo ...
Em leve resistência a mão irrita. . .
Um b e ijo ... antes do a r r e b o l!...
Em que pensa Carlota após a valsa?
Inda b rilh a ... inda um d e s e jo .. .
E ia! Ao raio d errad eiro !...
Em que sonha Carlota à madrugada,
Quando aperta
Ao travesseiro a bôca perfumada,
.Adeus! noiva do guerreiro! E afoga o seio sob a cruz de prata.
Salve, ó m orte! Salve, ó so l!!! Pela camisa aberta,
S. Salvador, 25 de Maio de 1871. Que um movimento lânguido d e s a ta ...
Em que sonha Carlota à madrugada?
[ 772 ]
HINOS DO EQUADOR
O que cisma, o que sente, por quem chora Na bruma que lá s e s c o a ...
A soberba Carlota? Na estréia que morre a lé m ...
A rainha das salas já d esco ra... Na Santa que te abençoa,
Foge o cetro do leque aos dedos frouxos, Na Santa que te quer b e m l...
E a turba alegre nota
O fundo círc’lo de seus olhos roxos. Tu pensas n’Arte sagrada.
Que não diz o que cisma e porque c h o ra ... Nesta severa m u lh er...
Mais que Débora inspirada...
Quem te mata, Carlota, são remorsos Mais rutilante que Ester.
De algum divino crime?
São ciúmes que escondem teus esforços?
Tu pensas em mil quimeras,
Tens vergonha talvez dêsse rosário
Nos orientes do amor.
Que tua mão comprime,
No vacilar das esferas
Porque um sôpro roçou no relicário?
Pelas noites de languor.
E desmaias, Carlota, de remorsos?!
Se é por isso, não pises tanto os olhos. . . Nalgum sonho peregrino
Formosa criatura! Que o teu ideal criou.
O mundo é um mar de pérfidos escolhos. Na vassalagem, no h in o ...
Quem te pode lançar primeiro a pedra? Que a multidão te atirou!
Amor! e formosura!
Deus não corta a roseira, porque m ed ra ... Neste condão que teus dedos
Se é por isso, não pises tanto os olhos! Têm 3348 de domar os le õ e s ...
No pipilar de uns segredos,
.Mas não! Chora!! Teu mal é sem rem éd io ... No musgo dos co ra çõ e s...
Sçrás mártir sem palma.
Pregada numa c r u z ... na cruz do tédio!
Fria Carlota! cobre-te de p e jo ... No livro que tens no colo!
Mataste à sêde um’alma! Nos versos que tens aos pés!
Fizeste o c r im e ... de negar um beijo! Nos belos gelos do p ó lo ...
Chora! que êste remorso é sem rem éd io !!... Como teus seios cruéis.
í . Salvador, 31 de Maio de 1871.
Pensas em tudo que é belo.
Puro, brilhante, id e a l...
No teu soberbo cabelo!
No teu dorso escultural!
EM QUE PENSAS.?
Oh! Pepita, charmante filie.
Nos tesouros de ventura
Mon amour, à quoi pcnscs-tu? Que a um’alma podias dar;
A LF. DF. M U SSET No alento da bôea p u ra ...
Na graça do puro o lh a r...
Tu pensas na flor que nasce
Menos bela do que tu! Pensas em tudo que é nobre,
Na borboleta vivace Que entorna luz e fulgor!
Beijando teu colo nu! Nas minas, que o mar encobre!
No raio da lua algente Nas avarezas do amor!
Que bebe no teu o lh a r...
Como um cisne alvinitente Tu pensas tudo que invade
No cálice do nenúfar. 3347 O seio de um Q u eru bim !...
Deus! Amor! F elicid ad e!...
Nas orvalhadas cantigas . . . S ó tu não pensas em m im !...
Destas selvagens m anhãs. . . S. Salvador, 1 dc Junho de 1871.
Nas flores — tuas amigas!
Nas pombas — tuas irmãs!
Tu pensas, ó Fiorentina,
No gênio de teu p a ís ..., AQUELA MÃO
Que uma harpa soberba afina
Em cada seio de atriz. Pálidos versos a um primor divino.
* * ♦
Na esteira de luz que arrasta
A glória no louco afã!
Nos diademas da P a s ta ... E ra u’a mão 3349 de lu x o ... era um brinquedo
Nas palmas da Malibran! Mão tão bonita que metera mêdo
Se não fôsse, meu Deus! tão meiga e franca!
Pensas nos climas distantes Mão p’ra se encher de gemas e brilhantes.
Que um sol vermelho queimou. De suspiros, de anelos palp itantes...
Nesses mares ofegantes Mas p’ra estalar as jóias e os am an tes...
Que o teu navio cortou! Aquela mão tão branca!
[ 773 ]
ANTÔNIO DE CASTRO AI.VKS
[ 774 ]
JU V E N IL IA
Uma — pálida e fria, inda amassada 3352 em gêsso É por isso que tão cristalinos
No canto da oficina ensaio sem a p rê ç o l... Os regatos se alongam ao mar,
Outro — prodígio d’arte, arrojo peregrino, E as aves co’as côres tão vivas
Encarnação de luz em bronze floren tin ol.. . Brincam — ternas — voando no ar.
Uma noite, porém, um raio, o a c a s o ... um nada E os ventos tão meigos e frescos
O incêndio arremessando à tenda profanada... Sussurrando as campinas percorrem,
No vermelho estendal das cinzas do brasido E as abelhas em busca de mel
Viu-se o esboço de p é ! ... e o bronze d erretid o!... Às florinhas contentes já correm.
JUVENÍLIA
POESIA
AO NATALÍCIO DO MEU DIRETOR O ILMO.
R ecitada P elo A l u n o A n tô n io de C a stro A l v e s
SR. DOUTOR ABÍLIO CÉSAR BORGES NO O u teir o q u e T e v e L ugar no G in á sio B ahiano
A 3 DE J u lh o de 1861
I
Grato sempre à mocidade, I
Belo dia, hás de raiar;
Sempre ela muito contente Qual leão encostado à dura rocha
Mil flores te há de ofertar! l3a grande serra, onde o senhor habita.
Vestido de áurea juba reluzente,
Sempre em ti se entregará O débil caçador ao longe fita;
Ao prazer com expansão;
Mil cultos render-te-á E grande e generosa que podia
Nos altares d’afeiçâo. De momento em seu sangue se banhar,
Dei.xa-o seguir com pena o seu destino
Pois em ti, sublime dia, Sem seu poder e forças lhe mostrar;
Do alto dos céus baixou
O anjo, que à mocidade T al o Brasil sentado junto às margens
Dos rigores libertou. Do verde oceano que seus pés lhe beija,
E recostado sobre o alto Ande
Baixou êste grande homem, Que além nos ares, pelo céu flameja.
Que tanto anima a instrução.
Estimulando co amor Vestido dêsse manto lindo e belo
O infantil coração. Que nunca o frio inverno desbotou;
Bordado dos diamantes, do ouro fino,
Das lindas flores com que Deus o ornou;
I I
Nasceu hoje meu bom Diretor, Viu chegar-se de Lísia a cruel gente
Para honra do grande Brasil, Batida pelos ventos e tufão.
Preparando na infância, que educa, Débeis de forças, débeis de esperança,
Para a pátria futuro gentil. E apenas merecendo compaixão;
[ 775 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
[ 776 ]
JU V EN ILIA
[ 777 ]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
Foi luta de titães, luta tremendal Dos teus tribunos que é feito.
Enfiam aos pés do Atlante americano Tu guarda-os no largo peito
S’estorce Portugal n’angùstia horrenda. Não no lôdo da prisão.
E hoje o dedo de Deus escreve ufano:
Tremei, tiranos, desta triste lenda;
Livres, erguei o colo soberano! Mas embalde que o direito
R ecife, 1S64. Não é pasto de punhal
Nem a patas de cavalo
Se faz um crime legal.
Não, não há muitos Setembros, 3363
0 POVO AO PODER 3361
Da plebe doem-lhe os membros
Ao chicote do poder
Improviso ao ser dissolvido o Meeting
E o momento é malfadado
republicano promovido pelo tribuno An
Quando o povo ensangüentado
tônio Borges da Fonseca, conduzido à
Diz já não posso sofrer,
prisão, em 1864, no Recife. Pois bem! nós que caminhamos
Do futuro para a luz, 3364
Quando nas praças se eleva Nós que o Calvário escalamos
Do Povo a sublime voz, Levando aos ombros a cruz, 3365
Um raio ilumina a treva, Que do presente no escuro
O Cristo assombra o algoz. . . Só temos fé no futuro
Que o gigante da calçada. Como alvorada do bem,
De pé sôbre a barricada. Laocoonte esmagados
Desgrenhado, enorme, nu. Morreremos coroados
Em Roma é Catão ou Mário, Erguendo os olhos além.
É Cristo sôbre o Calvário,
É Garibaldi ou Kossuth. Irmãos da terra da América,
Filhos do solo da cruz.
A praça, a praça é do Povo! Erguei as frontes altivas, 3366
Como o céu é do Condor! Bebei torrentes de luz!
É antro onde a liberdade O' soberba populaça,
Cria a águia ao. seu calor! Rebento de velha raça
Senhor, pois quereis a praça? Dos nossos velhos Catões,
Desgraçada a populaça!... Lançai um protesto, ó Povo,
Só tem a rua de seu. Protesto que o mundo novo
Ninguém vos rouba os castelos, 3362 Manda aos tronos e às Nações!
Tendes palácios tão belos... R ecife, 1864.
Deixai a terra ao Anteu.
Nas torturas, nas fogueiras,
Nas tocas da Inquisição, AO VIOLINISTA F. M UNIZ BARRETO FILHO
Chiava o ferro na carne.
Porém gritava a aflição! (I m p r o v is o no T ea tro de S an ta Is a b e l )
Pois bem nesta hora poluta,
M OTE
Nós bebemos a cicuta.
Sufocados no estertor! No te u a rco p re n d e ste a e te rn id a d e
Deixai-nos soltar um grito, T O B IA S BARRETO
Que trepando no Infinito,
Talvez desperte o Senhor. Era no céu, à luz da lua errante,
Moema triste, abandonando os lares.
A palavra, vós roubais-la Cindia as vagas dos cerúleos mares
Dos lábios da multidão. Te erguendo ao longe, ó peregrino infante!
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão! Lá dos jardins sob o vergei fragrante,
Mas que infância, ó velha Roma, À sombra dos maestros, sôbre os ares,
O’ cidade da Vandoma, Ouvias das estréias os cantares
O’ mundos de cem heróis. — Aves d’ouro no espaço cintilante.
Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra Mas quando o gênio teu se alteia aflito,
Do porvir aos arrebóis? Da alabastrina luz à claridade.
Lançando flores, lá do céu proscrito.
Dizei onde a voz dos Gracos
Tapou a destra da lei, Pasma Bellini; e em meio à imensidade
Onde a toga tribunícia Diz a lua suspensa no infinito:
Foi calcada aos pés do rei? “No teu arco prendeste a eternidade!"
R ecife, 1865.
Fala soberba Inglaterra,
Do Sul ao teu pobre irmão
[ 778 ]
JU V E N ÍL IA
[ 779 ]
A N TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
O SÉCULO
Roma inda tem sôbre o peito
O pesadelo dos reis;
Soldados, do alto daquelas pirâmides quarenta séculos A Grécia espera chorando
vos contemplam! Canaris, Byron talvez!
NAPOLEAO
Napoleão amordaça
O século é grande e forte. A bôca da populaça
V . HUGO E olha Jersey com terror,
Da mortalha de seus bravos
Como o filho de Sorrento,
Féz bandeira a tirania. Treme ao fitar um momento
Oh I armas talvez o povo O Vesúvio aterrador.
De seus ossos faça um dia.
J. BO N IFÁ CIO
A Hungria é como um cadáver
O século é grande... No espaço Ao relento exposto nu;
Há um drama de treva e luz. Nem sequer a abriga a sombra
Como Cristo a liberdade Do foragido Kossuth.
Sangra no poste da cruz. Aqui — o México ardente,
Um corvo escuro, anegrado, 3372 — Vasto filho independente
Obumbra o manto azulado, Da liberdade e do sol —
Das asas d’àguia dos céus. . . Jaz por terra... e lá soluça
Arquejam peitos e frontes... 3373 Juarez, que se debruça
Nos lábios dos horizontes E diz-lhe: “Espera o arrebol!”
Há um riso de luz... É Deus.
O quadro é negro. Que os fracos
As vêzes quebra o silêncio Recuem cheios de horror.
Ronco estrídulo feroz. A nós, herdeiros dos Gracos,
Será o rugir das matas, Traz a desgraça valor!
Ou da plebe a imensa voz?... Lutai... Há uma lei sublime
Treme a terra hirta e sombria... Que diz: “à sombra do crime
São as vascas da agonia Há de a vingança marchar”. 3375
Da liberdade no chão?... Não ouvis do Norte um grito,
Ou do povo o braço ousado Que bate aos pés do infinito,
Que, sob montes calcado, 3374 Que vai Franklin despertar?
Abala-os como um T itão?!...
[ 780 ]
os ESCRAVOS
L u z !... sim; que a criança é uma ave, Com tuas matas, ciclopes de verdura,
Cujo porvir tendes vós; Onde o jaguar, que passa na espessura,
No sol é uma águia arrojada, Racha as folhas no chão.
Na sombra — um môcho feroz.
Libertai tribunas, p re lo s ... Como és bela, soberba, livre, ousada!
São fracos, mesquinhos e lo s ... Em tuas cordilheiras assentada
Não calqueis o povo-rei! A liberdade está.
Que este mar d'almas e peitos, A purpura da bruma a ventania
Com as vagas de seus direitos. Rasga, espedaça o cetro que s’erguia
Virá partir-vos a lei. Do rijo piquiá.
Quebre-se o cetro do Papa, Livre o tropeiro toca o lote e canta
Faça-se dêle uma cruz. A lânguida cantiga com que espanta
A purpura sirva ao povo A saudade, a aflição.
P ’ra cobrir os ombros nus. Sôlto o ponche, o cigarro fumegando, 3378
Ao grito do Niagara Lembra a serrana bela, que chorando
Sem escravos, Guanabara Deixou lá no sertão.
Se eleve ao fulgor dos sóis.
Banhem-se em luz os prostíbulos, Livre como o tufão corre o vaqueiro
E das lascas dos patíbulos Pelos morros e várzeas e tabuleiro
Erga-se estátua aos heróis! Do intrincado cipó. 3379
Que importa’os dedos da jurema aduncos!
B a s t a !... Eu sei que a mocidade
A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos.
É o Moisés no Sinai;
Voa a nuvem de pó.
Das mãos do Eterno recebe
As tábuas da lei! marchai! Dentre a flor amarela das encostas
Quem cai na luta com glória. Mostra a testa luzida, as largas costas
Tomba nos braços da história, No rio o jacaré.
No coração do Brasil! Catadupas sem freios, vastas, grandes.
Moços, do tôpo dos Andes, Sois a palavra livre dêsses Andes
Pirâmides vastas, grandes. Que além surgem de pé.
Vos contemplam séculos mil!
P ern a m b u c o , A g o s to d e 1865.
Mas o que vejo? É um s o n h o !... A barbaria
Erguer-se neste século, à luz do dia.
Sem pejo se ostentar.
E a escravidão — nojento crocodilo
AO ROMPER D'ALVA Da onda turva expulso lá do Nilo —
V ir aqui se a b rig a r!...
Página feia, que ao futuro narra
Dos homens de hoje a lassidão, a história
Cora pranto escrita, com suor selada Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquesta
Dos párias misérrimos do mundo!__ Que a natureza virgem manda em festa
Página feia, que eu não posso altivo Soberba, senhoril,
Romper, pisar-te, recalcar, sum ir-te...
Um grito que soluça aflito, vivo,
PEDRO CALASANS
O retinir dos ferros do cativo,
Sigo só caminhando serra acima, Um som discorde e vil?
E meu cavalo a galopar se anima
Senhor, não deixes que se manche a tela
Aos bafos da manhã.
Onde traçaste a criação mais bela
A alvorada se eleva do levante,
De tua inspiração.
E, ao mirar na lagoa seu semblante.
O sol de tua glória foi to ld ad o ...
Julga ver sua irmã. Teu poema da América manchado.
Manchou-o a escravidão.
As estrelas fugindo — aos nenúfares ^377
Mandam rutilas pérolas dos ares Prantos de sangue — vagas escarlates —
De um desfeito colar. Toldam teus rios — lúbricos Eufrates —
No horizonte desvendam-se as colinas. Dos servos de Sião.
Sacode o véu de sonhos de neblinas E as palmeiras se torcem torturadas,
A terra ao despertar. Quando escutam dos morros nas quebradas
O grito de aflição.
Tudo é luz, tudo aroma e murmurio,
A barba branca da cascata o rio Oh! ver não posso este labéu maldito!
Faz orando tremer. Quando dos livres ouvirei o grito?
No descampado o cedro curva a frente. S im ... talvez amanhã.
Folhas e prece aos pés do Onipotente Galopa, meu cavalo, serra acima.
Manda a lufada erguer. Arranca-me a este solo. E ia! te anima
Aos bafos da manhã.
Terra de Santa Cruz, sublime verso R e c if e , 18 d e J u n h o d e 1865.
Da epopéia gigante do universo,
Da imensa criação.
[781]
AKTÔN IO D E C A ST R O A L V E S
0 ’ Maria, mal sabes o fadário Por isso, quando vês as noites belas,
Que o moço bardo arrasta solitário Onde voa a poeira das estréias
Na impotência da dor, E das constelações,
Quando vê que debalde à liberdade Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,
Abriu sua alma — urna da verdade, E onde, como santelmos da tormenta,
Da esperança e do a m o r ... Fulgem revoluções ! . . .
R e c if e , O u tu b ro d e 1S65.
Quando vê que uma lúgubre coorte
Contra a estátua (sagrada pela morte)
Do grande imperador.
Hipócrita amotina a populaça,
Que morde o bronze, como um cão de caça 0 SOL E 0 POVO
No seu louco fu r o r !...
Le peuple a sa colère et le volcan sa lave.
Sem poder esmagar a iniqüidade, V. HUGO
Ya desatado
Que tem na bôea sempre a liberdade, El horrendo huracan silba contigo
Nada no coração; iQue muralla, que abrigo
Que ri da dor cruel de mil escravos, Bastaram contra ti ?
QUINTANA
— Hiena, que do túmulo dos bravos.
Morde a rep u tação !...
O sol, do espaço Briaréu gigante,
S im ... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote P ’ra escalar a montanha do infinito.
As espáduas fustiga com o chicote Banha em sangue as campinas do levante.
Ao cativo infeliz;
Que o pescador das alm as já se esquece Então em meio dos Saarás — o Egito
Das santas pescarias e adormece Humilde curva a fronte e um grito errante 3386
Junto da m eretriz ... Vai despertar a Esfinge de granito.
[ 783 ]
AN TÔ N IO D E C A S T R O A L V E S
[ 784 ]
os ESCRAVOS
[78Õ J
A X TÔ N IO D E C A S T R O A l.V E S
[ 786 ]
o s KSCRAVOS
[ 787 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
As brisas dos cerros 3^98 ainda lhe ondulam Cavaleiro, onde vais? tu não sentes
Nas plumas vermelhas do arco de avós, Teu capote seguro nos dentes
Lembrando o passado seus seios pululam, E nas garras do negro tufão.
Se a onça ligeira buliu nos cipós. 8399 Nestas horas de horror e segrêdo
Quando os mangues s ’escondem com mêdo
São vagas lembranças de um tempo que teve!. Tiritando do mar n’amplidâo?
Palpita-lhe o seio por sob uma cruz.
E em cisma doirada — qual garça de neve - Quando a serra se embuça em neblinas
Sua alma revolve-se em ondas de luz. E as lufadas sacodem as crinas
Do pinheiro que geme no vai,
Embalam-lhe os sonhos, na tarde saudosa. E no espaço se apagam as lampas,
Os cheiros agrestes do vasto sertão, E uma chama azulada nas campas
E a triste araponga que geme chorosa Lambe as pedras por noite hibernai,
E a voz dos tropeiros em terna canção.
Onde vais? onde vais temerário
Se o gênio da noite no espaço flutua A c o r r e r ... a v o a r ? ... Que fadário
Que negros mistérios a selva contém! Aos ouvidos te grita — fugi?
Se a ilha de prata, se a pálida lua Porque fitas o olhar desvairado
Clareia o levante, que amores não tem ! No horizonte que foge espantado
Em tuas costas com mêdo de ti?
Parece que os astros são anjos pendidos
Das frouxas neblinas da abóbada azul, Ai! debalde galopas a est’hora!
Que miram, que adoram ardentes, perdidos, É debalde que sangra na espora
A filha morena dos pampas do Sul. Negro flanco do negro corcel. 8400
E no célere rábido passo
Se aponta a alvorada por entre as cascatas, Devorando com as patas o espaço
Que estréias no orvalho que a noite verteu! Saltas montes e vales revel.
As flores são aves que pousam nas matas.
As aves são flores que voam no céu! Não apagas da fronte o ferrête
Onde o crime com frio estilete
Nome estranho bem fundo gravou.
O que buscas? — a noite sem lumes?
O ’ pátria, d e sp e rta ... Não curves a fronte P ’ra aclarar-te fatais vagalumes
Que enxuga-te os prantos o Sol do Equador. Teu cavalo do chão despertou.
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A luz da alvorada de um dia melhor? De bem longe o arvoredo trevoso,
Estirando o pescoço nodoso.
J á falta bem pouco. Sacode a cadeia Vem — correndo — na estrada te olhar.
Que chamam riq u e z a s... que nódoas te são! Mas tua fronte maldita encarando.
Não manches a fôlha de tua epopéia F o g e ... foge veloz recuando.
No sangue do escravo, no imundo balcão. Vai nas brumas a fronte velar.
Sê pobre, que importa? Sê liv r e .. . és gigante. Tu não vês? Qual matilha esfaimada.
Bem como os condores dos píncaros teus! L á dos morros por sôbre a quebrada.
Arranca êste pêso das costas do Atlante, Ladra o eco gritando: quem és.
Levanta o madeiro dos ombros de Deus. Onde vais, cavaleiro maldito?
Mesmo oculto nos véus do infinito
R e c ife , Ju n h o d e 1S65.
Tua sombra te morde nos pés.
REMORSO
CANTO DO BUG-JARGAL
(A o A s s a s s in o de L in c o l n )
(T raduzido de V. H u g o )
C aiu ! C ain l
BYRON Porque foges de mim? porque, Maria?
E gelas-te de mêdo, se me escutas?
Neque fama deum, nec fulmina, nec minitanti Ah! sou bem formidável na verdade.
Murmure, compressif coelum ... Sei ter amor, ter dores e ter cantos!
LU C R É C IO Quando, através das palmas dos coqueiros,
Tua forma desliza aérea e pura,
Cavaleiro sinistro, embuçado, O ’ Maria, meus olhos se deslumbram.
Neste negro cavalo montado, Julgo ver um espírito que passa.
Onde vais galopando veloz? E se escuto os acentos encantados,
Tu não vês como o vento farfalha, Que em melodia escapam de teus lábios,
E das nuvens sacode a mortalha Meu coração palpita em meu ouvido
Ululando com lugubre voz? Misturando um queixoso murmurio
[ 788 ]
o s ESCRAVOS
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ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
[ 790 ]
o s ESC RA V O S
Não quero mais esta vida, E a linda lavadeira cantando deixa o brejo,
Não quero mais esta terra. E a noite — a freira santa — no órgão das florestas
Vou procurá-la bem longe, 3409 Um salmo preludia nos troncos, nas giestas;
Lá para às bandas da serra. Se acaso solitário passo pelas picadas,
Ai! triste que eu sou escravo! Que torcem-se escamosas nas lapas escarpadas.
Que vale ter coração? Encosto sôbre as pedras a minha carabina.
Junto a meu cão, que dorme nas sarças da colina,
Chora, chora, na viola. E, como uma harpa eólea entregue ao tom dos
Violeiro do sertão. [ventos,
R e c if e , S e te m b r o de 1865. — Estranhas melodias, estranhos pensamentos.
Vibram-me as cordas d’alma, enquanto absorto
[cismo,
Senhor! vendo tua sombra curvada sôbre o abismo,
SÚPLICA Colhêr a prece alada, o canto que esvoaça
E a lágrima que orvalha o lírio da desgraça.
L e n è s r e m a rq u ó au sig n e de D ie u com m e vo u s p a sse ra
d esorm ais du b e rcea u à la fo ss e . Ia n u it su r son â m e . Ia
Então, num santo êxtase, escuta a terra e os céus,
n u it su r Ia fig u re . E o vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!
PELETA N
Senhor Deus, dá que a bôa da inocência Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;
Possa ao menos sorrir, No mar das matas virgens ouço o cantar do vento.
Como a flor da granada abrindo as pét’las Aromas que s’elevam, raios de luz que descem.
Da alvorada ao surgir. Estréias que despontam, gritos que se esvaecem,
Tudo me traz um canto de imensa poesia,
Dá que um dedo de mãe aponte ao filho Como a primícia augusta da grande p ro fecia ;
O caminho dos céus, Tudo me diz que o Eterno, na idade prometida,
E seus lábios derramem como pérolas Há de beijar na face a terra arrependida.
Dois nomes — filho e Deus. E, dêsse beijo santo, dêsse ósculo sublime
Que lava a iniqüidade, a escravidão e o crime.
Que a donzela não manche em leito impuro Hão de nascer virentes nos campos das idades.
A grinalda do amor. Amores, esperanças, glórias e liberdades!
Que a honra não se compre ao carniceiro Então, num êxtase santo, escuto a terra e os céus,
Que se chama senhor. O vácuo se povoa de tua sombra, ó Deus!
Dá que o brio não cortem como o cardo
Filho do coração. E , ouvindo nos espaços as loucas utopias
Nem o chicote acorde o pobre escravo Do futuro cantarem as doces melodias,
A cada aspiração. Dos povos, das idades, a nova p rom issão...
Me arrasta ao infinito a águia da in sp iração ...
Insultam e desprezam da velhice Então me arrojo ousado das eras através,
A coroa de cãs. Deixando estréias, séculos, volverem-se a meus pés...
Ante os olhos do irmão em prostitutas Porque em minh’alma sinto ferver enorme grito.
Transformam-se as irmãs. Ante o estupendo quadro das telas do in fin ito ...
Que faz que, em santo êxtase, eu veja a terra e
A esposa é b e la .. . Um dia o pobre escravo [os céus,
Solitário acordou; E o vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!
E o vício quebra e ri do nó perpétuo
Que a mão de Deus atou.
Eu vejo a terra livre... como outra Madalena,
Do abismo em pego, de desonra em crime Banhando a fronte pura na viração serena,
Rola o mísero a sós. Da urna do crepúsculo, verter nos céus azuis
Da lei sangrento o braço rasga as vísceras Perfumes, luzes, preces, curvada aos pés da c r u z ...
Como o abutre feroz. No mundo — tenda imensa da humanidade inteira —
Que o espaço tem por teto, o sol tem por lareira,
V è ! . .. A inocência, o amor, o brio, a honra, Feliz se aquece unida a universal família.
E o velho no balcão. Oh! dia sacrossanto em que a justiça brilha,
Do berço à sepultura a infâmia e s c rita ... Eu vejo em ti das ruínas vetustas do passado,
Senhor Deus! co m p aixão !... O velho sacerdote augusto e venerado
R e c if e , 10 d e S e te m b r o d e 1865. Colhêr a parasita — a santa flor — o culto,
Como o coral brilhante do mar na vaza o c u lto ...
Não mais inunda o templo a vil superstição;
A fé — a pomba mística — e a águia da razão.
O VIDENTE Unidas se levantam do vale escuro d’alma,
.A.O ninho do infinito voando em noite calma.
V irá o d ia da fe lic id a d e e ju s tiç a p a ra todos. Mudou-se o férreo cetro, êsse aguilhão dos povos,
ISA IA S Na virga do profeta coberta de renovos.
P2 o velho cadafalso horrendo e corcovado,
As vêzes quando, à tarde, nas tardes brasileiras, .\o poste das idades por irrisão ligado.
A. cisma e a sombra descem das altas cordilheiras; Parece embalde tenta cobrir com as mãos a fronte,
Quando a viola acorda na choça o sertanejo — Abutre que esqueceu que o sol vem no horizonte.
[7 9 1 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
Vêde: as crianças louras aprendem no Evangelho O ’ mãe do cativo! que fias à noite
A letra que comenta algum sublime velho, As roupas do filho na choça de palha!
Em tôda a fronte há luzes, em todo o peito amores. Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Em todo o céu estréias, em todo o campo flores. . . Tecesses o pano da branca mortalha.
E , enquanto, sob as vinhas, a ingênua camponesa
Enlaça às negras tranças a rosa da devesa; M isérrim a! E ensinas ao triste menino
Dos saaras africanos, dos gelos da Sibéria, Que existem virtudes e crimes no mundo, 3412
Do Cáucaso, dos campos dessa infeliz Ibéria, E ensinas ao filho que seja brioso,
Dos mármores lascados da terra santa homérica, Que evite dos vícios o abismo profundo.. .
Dos pampas, das savanas desta soberba América
Prorrompe o hino livre, o hino do trabalho! E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
E , ao canto dos obreiros, na orquestra audaz do O raio da espr’a n ç a ... Cruel ironia!
[malho, E ao pássaro mandas voar no infinito.
O ruído se mistura da imprensa, das idéias. Enquanto que o prende cadeia so m b ria !...
Todos da liberdade forjando as epopéias,
Todos co as mãos calosas, todos banhando a fronte
II
Ao sol da independência que irrompe no horizonte.
O h! escutai! ao longe vago rumor se eleva
O ’ M ãe! não despertes est’alma que dorme,
Como o trovão que ouviu-se quando na escura tre-
Com o verbo sublime do M ártir da Cruz!
[va3‘^^0
O pobre que rola no abismo sem têrmo
O braço onipotente rolou Satã maldito.
P ’ra qu’há de s o n d á -lo ... Que morra sem luz.
É outro condenado ao raio do infinito,
É o retumbar por terra dêsses impuros paços,
Não vês no futuro seu negro fadário,
Dêsses serralhos negros, dêsses Egeus devassos,
O ’ cega divina que cegas de am or?!
Saturnos de granito, feitos de sangue e ossos Ensina a teu filho — desonra, misérias,
Que bebem a existência do povo nos destroços. . . A vida nos crimes — a morte na dor.
[ 792 ]
os ESCRAVOS
[ 793 ]
ANTÔNIO DE CASTRO ALVES
[ 794 ]
os ESCRAVOS
[ 795 ]
AKTÔNIO DE CASTRO ALVES
[ 796 ]
o s KSCRAVOS
[ 797 1
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
Pela última vez ela, chorando, O Cáucaso é seu cêpo; é seu sudário — o céu,
Veio sentar-se ao banco do te r r e ir o ... Como um braço de algoz, que em sangueira se nutre.
Pobre criança! que conversas tristes Revolve-lhes as entranhas o pescoço do abutre.
Tu conversaste, então, co'a natureza? P ra as iras lhe sustar, corta o raio a amplidão,
E em correntes de luz prende, amarra o Titão.
“ Adeus! p’ra sempre, adeus, ó meus amigos.
Passarinhos do céu, brisa da mata,
Agonia su b lim e !... E ninguém nesta hora
Patativas saudosas dos coqueiros.
Consola aquela dor, naquela angústia chora.
Ventos da várzea, fontes do d e s e rto !...
A i! por cúmulo de horror!... O Oriente golfa a luz,
Nunca mais eu virei, risonha e louca.
No Olimpo brinca o amor por entre os seios nus.
Vos arrancar das moitas perfumadas,
De tirso em punho o bando das lúbricas bacantes.
Nunca mais eu virei, risonha e louca,
Correm montanhas e vai em danças delirantes;
Roubar o ninho ao sabiá ch o ro s o ...
E ao gigante c a íd o ... a terra e o céu (r iv a is !...)
Perdoai-me que eu parto para sempre. ^‘•41
Prantos lascivos dão, suor de bacanais.
Venderam, para longe, a pobre L ú cia!”
Então, ela apanhou do mato as flores,
Como outrora enlaçou-as nos cabelos,
E , rindo de chorar, disse em soluços:
“ Não te esqueças de mim que te amo t a n t o ...” Mas não! Quando arquejante no poste de granito
Se^ estorce Prometeu, gigantesco precito.
Depois além, um grupo informe e vago, Vós, Nercidas gentis, meigas filhas do mar!
Que cavalgava o dorso da montanha. O oceano lhe trazei, p'ra em prantos d erram ar...
Ia esconder-se, transmontando o t ô p o ...
Neste momento eu vi, lo n g e ... bem longe, Povo! povo infeliz! Povo, m ártir eterno,
Ainda se agitar um lenço b r a n c o ... Tu és do cativeiro o Prometeu m od ern o ...
E ra o lencinho trêmulo de Lúcia! Enlaça-te no poste a cadeia das Leis,
O pescoço do abutre é o cetro dos maus reis.
E P ÍL O G O
Para tais dimensões, p’ra músculos tão grandes,
Muitos anos correram depois d is to ... E ra pequeno o Cáucaso... amarram-te nos Andes.
Um dia, nos sertões, eu caminhava E enquanto, tu. T itã, sangrento arcas aí,
Por uma estrada agreste e solitária; O século da luz o lh a ... ca m in h a ... r í . . .
Diante de mim uma mulher seguia, Mas não! m ártir divino, Encélado tombado!
— Co'o cântaro à cabeça, os pés descalços, Ju nto ao Calvário teu, por todos desprezado,
Co’os ombros nus, mas pálidos e m a g ro s ... A musa do poeta irá — filha do mar —
O oceano de sua a lm a ... em cantos d erra m a r...
E la cantava, com uma voz extinta,
S a n to s , 16 d e M a io d e 1868.
Uma cantiga triste e com p assad a...
E eu, que a escutava, procurava, embalde,
Uma lembrança juvenil e alegre,
Do tempo em que aprendera aquêles v e r s o s ... VOZES D'ÂFRICA
De repente, lem b rei-m e... “ Lúcia! L ú cia!”
. . . A mulher se v o lto u ... fitou-me pasma.
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes!
Soltou um g r it o ... e, rindo e soluçando.
Em que mundo, em qu’estrêla tu t ’escondes
Quis para mim lançar-se, abrindo os braços.
Embuçado nos céus?
...M a s , súbito, e s ta c o u ... nuvem de sangue H á dous mil anos te mandei meu grito,
Corou-lhe o rosto pálido, so m b rio ... Que embalde, desde então, corre o in fin ito ...
Cobriu co’a mão crispada a face rubra, Onde estás. Senhor D e u s ? ...
Como escondendo uma vergonha e te r n a ...
Qual Prometeu, tu me amarraste um dia
Depois, soltando um grito, ela sumiu-se Do deserto na rubra penedia.
Entre as sombras da m a ta ... a pobre Lúcia! Infinito g a lé !...
V. P a u lo , 30 de A b r il de 1868.
Por abutre — me deste o sol ardente!
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao p é ...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino,
PROMETEU E morre no areai.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
‘‘ O ’ mon auguste m ère, et vous enveloppe de la commune
lu raiere, divin éther, voyez quels in ju s te s tourm ents on me Quando o chicote do simum dardeja
fa it s o u f fr ir ”. O teu braço eternal.
Q ui com patit à cette gran de so u ffran ce, qui s ’approche du
rocher d ésert où se tord P rom éth ée? Q uelques pauvres fille s, Minhas irmãs são belas, são d ito sa s...
pieds nus.
É S Q U IL O
Dorme a Asia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão,
Inda arrogante e forte, o olhar no sol cravado, Ou no dorso dos brancos elefantes
Sublime no sofrer, vencido, — não domado, Em bala-se coberta de brilhantes,
Na sublime agonia arqueja Prometeu. Nas plagas do Indostão.
[ 798 ]
os KSCRAVOS
Por tenda — tem os cimos do H im alaia... Foi depois do d ilú v io... Um viandante.
O Ganges amoroso beija a praia Negro, sombrio, pálido, arquejante.
Coberta de c o ra is ... Descia do A rarat. . .
A brisa de Misora o céu inflama; E eu disse ao peregrino fulminado:
E ela dorme nos templos do deus Brama, “ C a m !... serás meu esposo bem -am ado...
Pagodes co lo ssa is... Serei tua E l o á . .. ”
A Europa — é sempre Europa, a g lo rio sa !... Desde este dia o vento da desgraça
A mulher deslumbrante e caprichosa. Por meus cabelos, ululando, passa
Rainha e cortesã. O anátema cruel.
Artista — corta o mármor de Carrara; As tribos erram do areai nas vagas,
Poetisa — tange os hinos de Ferrara, E o N ôm ada faminto corta as plagas
No glorioso a f ã ! ... No rápido corcel.
Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! Salve! Região dos valentes
B pois teu peito eterno, inexaurível Onde os ecos estridentes
De vingança e rancor? Mandam aos plainos trementes
E que é que fiz. Senhor? que tôrvo crime Os gritos do caçador!
Eu cometi jamais, que assim me oprime E ao longe os latidos soam,
Teu gládio vingador?! E as trompas da caça atro am .. .
E os corvos negros revoam
Sôbre o campo ab rasad o r!...
[ 799]
ANTÔNIO DK CASTRO ALVES
[ 800 ]
OS ESCRAVOS
[ 801]
ANTÔNIO DE CASTRO A LV ES
[ 802 ]
A C A C H O E IR A O R P A U L O A F O N SO
[ 803 ]
A > ;T õ .NJO ])K C A S T llO A L V K S
[ 804 ]
A CACHOKTRA DE l'AULO AEONSO
[ 805 J
ANTÔNIO DE CASTRO A EV ES
[ 806 ]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
MUDO E QUÊDO
NA FONTE
[ 807 ]
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES
[ 808 ]
A CACHOKIRA DE DAÜLO AEONSÒ
Crispado o braço, no punhal segura! “ Ai! não manches no crime a tua vida,
Do olhar sangrentos raios lhe ressaltam, Meu irmão, meu amigo, meu esposo!.,..
Qual das janelas de um palácio em chamas Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a 3507 sorrir de um crim in o s o !...”
As labaredas, irrompendo, saltam.
[ 809 J
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES
[8 1 0 ]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
Tão negro, que tenho mêdo ‘ Depois, teve r a z ã o ... E sta mulher
De não ter o teu p erd ã o !... E ’ tua e minha s e n h o r a !...
Mas não!
Quando um padre nos perdoa,
Quando Deus tem piedade.
De um filho no coração
Uma mãe não bate à toa. “ Lucas, silêncio! que por ela implora
Teu p a i... c teu ir m ã o !...
“Por isso agora tua mãe te implora Maria ca lo u -se ... Na fronte do escravo
E a 3509 teus pés de joelhos se debruça. Suor de agonia gelado passou;
Perdoa à triste — que de angústia chora. Com riso convulso murmura; “ Que importa
Perdoa à mártir — que de dor soluça! Se o filho da escrava na campa ju r o u ? !...
“Mas um gemido a 3510 nieus ouvidos soa. “ Que tem o passado com o crime de agora?
Que pranto é êste que em meu seio rola? Que tem a vingança, que tem com o perdão?”
Meu Deus, é o pranto seu que me perdoa., E como arrancando do crânio uma idéia
Filho, obrigada pela tua esmola!” Na fronte corria-lhe a gélida m ã o ...
[8111
ANTÔNIO DE CASTRO A L V ES
“ M ãe! na região longínqua Som ente por vêzes, dos jungles das bordas
Onde tua alma vive, Dos golfos enormes daquela paragem.
Sabes que eu nunca tive Erguia a cabeça surpreso, inquieto.
Um pensamento vil. Coberto de limos — um touro selvagem.
Sabes que esta alma livre
Então as marrecas, em tôrno boiando,
Por ti curvou-se escrava;
O vôo encurvavam medrosas, à t o a ...
E devorou a b a v a ...
E o timido bando pedindo outras praias
E tigre — foi réptil!
Passava gritando por sôbre a c a n o a !...
“ Nem um trem or correra-m e
A face fustigada!
B eijei a mão armada
Com o ferro que a f e r iu ...
Filho, de um pai misérrimo
Fui o fiel r a fe ir o ... O BANDOLIM DA DESGRAÇA
Caim, irmão traiçoeiro!
F e r is te ... e Abel sorriu,
Quando de amor a Americana douda
A moda tange na febril viola,
“ De tanto horror o cúmulo,
O ’ mãe, alma celeste, E a mão febrenta sôbre a corda fina
Se perdoar quiseste, Nervosa, ardente, sacudida rola,
Eu perdoei também.
Santificaste os m íseros; A gusla geme, s’estorcendo em ânsias.
Curvei-me reverente Rompem gemidos do instrumento em pranto. . .
A êles tão somente. Chôro in d iziv el... comprimir de p e ito s ...
S o m e n te ... a 3513 mais ninguém! Queixas, s o lu ç o s ... desvairado canto!
[812]
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
[813]
AKXÔNIO DE CASTRO A L V ES
[ 815
U
Viî'
NOTAS
o r ig in a is e d e o r g a n iz a ç ã o
[817]
NOTAS
92. caprixosa 168. involto/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144 e 151.
93. conxinha No verso seguinte: involta
94. expreme 169. tão bem
95. simelhando 170. á cahir
96. Substituímos a vírgula, que vem nas edições de 65 e 77. 171. Tão bem
por ponto e vírgula. 172. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151 e 168.
97. tão bem 173. Nas edições de 65 e 77 falta p or, que vem na de 48.
98. corsel/ Ê a grafia única era Gonçalves Dias. 174. tão bem
99. tão bem 175. Está ponto e virgula.
100. A edição de 65 não traz crase. 176. vem
101. Involta/ V. nota 88. 177. Nas edições de 65 e 77 falta em , que está na 1.*, de 48.
102. caprixo/. V. nota 92. 178. Está conforme a 1.* edição. As de 65 e 77 trazem pon
103. As portas/ A edição de 77 traz crase. to e virgula.
104. Sem vírgula, nas duas edições consultadas. 179. Vem ponto e vírgula. A 1.* não traz pontuação.
105. vi,/ A edição de 77 não traz vírgula. 180. As três edições consultadas não trazem aspas,
106. Sem aspas. 181. vã gloria.
107. Está com crase. 182. Está ponto e vírgula, e não vírgula como na 1.“ edição.
108. Ego sum qui sum./ Nota do Autor. 183. A edição de 77 traz ponto e vírgula em vez de vírgula
109. Tão bem como vem na 1.*.
110. Sem crase. 184. Tão bem
111. Seguimos a pontuação da edição dc 77. A de 65 traz: 185. Está ponto e vírgula. A l . * vem com vírgula.
Pouco a pouco enfraquecia:/ Do dia ao tenue clarão,/ 186. Se quer
112. corsel, “)/ Et ecce equus pallidus, et qui sedebat super 187. simelha
illum nomen illi Mors. APOC., c. VI./ Nota do Autor. 188. Por que involto
113. Este verso, por êrro tipográfico, não vem nas edições 189. Reivendique
de 57, 60, 65 e 77 que repetem o anterior. Vide edi 190. Somente a edição de 77, em ambos os casos, não traz
ção de Manuel Bandeira, tomo 1, pág. 123. crase.
114. L yra; 191. As três edições consultadas trazem ponto,
115. Hardidos 192. remecher
116. Está ponto e vírgula. 193. á aquella,
117. involtos;/ V. notas 88 e 101. 194. A ’ quem
118. Sem crase. 195. Sômente a edição de 77 traz crase.
119. Sem travessão. 196. Sem vírgula, nas três edições.
120. Sem crase. 197. Por que
121. diche 198. Tão bem
122. As edições de 65 e 77 trazem f ir m a , êrro tipográfico. 199. Paroxitono no texto, cm vista da acentuação na 3.*
123. Na edição de 65 está: Oh doze/ Na de 77: Oh doce/ silaba dos versos anteriores,
124. tão bem 200 . tão bem
125. Sem o ponto de interrogação. 201 . tão bem/ Tôdas as oito vêzes que aparece na poesia,
126. enchugar 202 . a par/ Nas três edições consultadas,
127. envolucre/ A edição de 77 traz en v o lu c ro , 203. tão hem ?
128. tão bem 204. Expraiados
129. senho 205. Ces Tobaiares qui réclamaient l’antériorité dans la do
130. progrede/ Na edição de 77 está p r o g r id e . mination du pays, et qui se donnaient un titre
131. A edição de 65 não traz crase. équivalent à celui de seig n eu rs d e la con trée. Ferdi
132. vem nand Denis.
133. vem/ No verso anterior: vêm “Tobajaras são os índios principais do Brasil e pre
134. pontagudo tendem élcs serem os primeiros povoadores e senho
135. Porque res da terra. O nome, que tomaram, o mostra; por
136. A edição de 65 não traz crase. que y a ra quer dizer senhores, tobá quer dizer rosto;
137. involto/ V. notas 88, 101 e 117. e vem a dizer que são os senhores do rosto da terra,
138. Proparoxítona no texto. No verso seguinte: involta/ que éles têm pela fronteira do marítimo em compara
139. al ção do sertão.” Padre SIM.AO D E VASCONCELOS.
140. A edição de 65 não tr.az crase. Noticias do Brasil. L. 1. n. 156. Escrevendo Tobajaras
141. arremeção; segui, por ser mais eufônico, a ortografia do Padre
142. por que Vasconcelos. Convém todavia confessar que se não de
143. Por que veria dizer T o b a ja r a s , como êste Cronista, mas Taba-
144. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137 e 138. ja r a s ou T ab aiaras, com Ferdinand Denis, o que mais
145. Proparoxítona no texto. se conforma com a etimologia, “Taba e Iara ou Y ara.”
146. Por vesperina araiem Tabajaras é literalmente como se disséssemos os se
147. tem nhores ou dominadores das Aldeias.
Por isso mesmo que os Tobajaras ocupavam o litoral,
148. erriças é de supor que êles fôssem antes os conquistadores,
149. tão bem que os primeiros povoadores do pais. Os conquistado
150. Tão bem res como homens que eram, carentes das mais simples
151. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138 e 144. noções da agricultura, deveriam de preferência esco
152. Está, como no verso seguinte, tã o b em . lher as praias como mais mimosas da natureza e mais
153. vividouro, fartas, recalcando assim para o centro das matas os
154. disfere íncolas primitivos do pais. É isto o que sabemos da
155. solidões história de todos os povos bárbaros. Os Tobajaras por
156. O Prólogo não vem publicado nas edições de 65 e 77. tanto dominaram pela conquista e quadra-lhes ôtim.i-
Transcrevemo-lo da 1.* edição. Segundos Cantos/ e/ mente o nome que tomaram de senhores das aldeias —
Sextilhas de Frei Antão./ Por/ A. Gonçalves Dias./ T o b a ja r a s ./ Nota do Autor. As edições de 65 e 77
Rio de Janeiro./ 1848./ trazem ponto e vírgula no final do verso, ao invés de
No verso: Typograpia (sic) Classica/ de José Ferreira exclamação como está na 1.*.
Monteiro./ Rua d’Alfandega N. 84./ 206. Dizem uns Potiguares ou Petiguares, outros Pitigoares.
157. extreitar Dêles escreve o Padre Vasconcelos:
158. semilhantes “ Era segundo lugar (d ep o is dos T o b a ja ra s) os Potigua
159. A aquelles res foram sempre índios de valor, e se fizeram estimar
160. Está com crase. pelas armas, que por longos anos moveram contra os
161. por que Tobajaras: nas quais tiveram encontros dignos de his
162. por que tória; porém não me posso deter em contá-los... pu
163. tão bem nham em campo vinte até trinta mil arcos.” — Not.
164. D ic tá m o é como está nas edições de 65 e 7 7 . do Brasil. L. 1. n. 157./ Nota do Autor.
Na 1.* vem sem acento. 207. Falta, nas edições de 65 e 77, o artigo que vem na de 48.
165. equuleo; 208. tão bem
166. As edições de 65 e 77 trazem: extorso com deres!/ 209. hardido,
Na 1.* está: extorso-me com dores!/ 210. destingue
167. simelha 211. Qu’indicisa
[ S18 ]
NOTAS
[819]
NOTAS
un grand pennache, qu ’ils appellent araroye: le quel 298. As edições de 65 e 77 trazem exclamação,
estant lié sur leurs reins avec une corde de cotton, l'es- 299. tem/ Sem acento êste e o anterior,
troit devers la chair, et le large en dehors, quand ils 300. cactos
en sont enharnachez etc./ Nota do Autor. 301. Os indigenas chamavam ao beija-flor “ Coaracyaba ”
286 O título desta poesia, traduzido literalmente da lingua “ raios”, ou mais literalmente “ cabelos do sol./ Nota
tupi, vale tanto como se em português disséssemos “o do Autor.
que há de ser morto, e que é digno de ser morto”./ 302. Quem
Nota do Autor. 303. extenção;
287 Taba — aldeia de índios, composta de diferentes habi 304. Sem acento.
tações, a que chamavam ocas. Quando estas habitações 305. A mãe d’água é uma náiada moderna, um espirito que
se achavam isoladas, ou fossem levantadas para o abrigo habita no fundo dos rios. Acredita-se em muitas partes
de uma ou já para o de muitas famílias, tomavam o do Brasil que é uma mulher formosa com longos cabe
nome de Tejupab ou T eju p ab as./ Nota do Autor. los de oiro, que lhe servem como de vestido, com
288. Tiynbiras — tapuias, que habitam o interior da pro olhos que exercem inexplicável fascinação, e voz tão
víncia do Maranhão./ Nota do Autor. harmoniosa que ninguém, que a escute, resiste à ten
289. Por êste_ ato declaravam firmadas as pazes. Vieira tação de se atirar às águas para que mais de perto a
faz menção desta solenidade quando, em uma informa ouça e contemple. O mesmo que as sereias, tem sobre
ção ao monarca português, se ocupa da aliança feita elas a vantagem de serem criaturas de formas per
entre os missionários por parte dos portuguêses e dos feitas, e delas se distinguem em fascinarem tanto com
Mhe-engaybas de Marajó./ Nota do Autor. o brilho da formosura, como com a doçura da voz de
290. A descrição das cerimônias, com que êles usavam matar atraircra principalmente os meninos./ Nota do Autor.
os seus prisioneiros de guerra, é rigorosamente exata, 306. Semilhantes
ainda que não adotamos dos autores senão aquilo em 307. concelho
que todos ou a maior parte concordam. Veja-se H.ans 308. As edições de 65 e 77 não trazem, por êrro tipográfico,
Staden cap. 28 — dos usos e costumes dos Tupi- a preposição de.
nambás. — Noticias do Brasil cap. 171 e 172. Noticias 309. Remeche
Curiosas L. 1. n. 138 e Léry cap. XV./ Nota do Autor. 310. Havia travessão que suprimimos e o acrescentamos ao
291. Chamava-se muçurana a corda com que se atava o verso igual da estrofe seguinte.
prisioneiro. “ E t une longue corde nom m ée massa- 311. Com letra minúscula,
rana, avec laquelle ils les attachent (les captifs) quand 312. perilampos,
tls doivent être assonnées." (H. Staden, pàg. 300.) 313. anginho,
Musurana escreve_ Ferdinand Denis, acrescentando que 314. enchergas
era feita^ de algodão. É possível que em algumas tribos 315. Involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151
fosse feita desta matéria, mas convém notar que na 168, 172, 188, 216 e 274.
maior parte delas era uso fabricarem-se cordas de 316. Tem
embira./ Nota do Autor. 317. Acrescentamos a virgula.
292. 318. Sem crase.
A maça do sacrifício não era o mesmo que a ordinária, 319. Co.m crase,
e tinha mais a diferença dos ornatos que se lhe juntava' 320.
e do esmêro com que era trabalhada. Lavravam é cscarneo
321. Acrescentamos a virgula.
pintavam todo o punho — embargadura, como o chama- 322. anginho/ V. nota 313.
desenhos e relevos a seu modo curiosos, 323.
e dela deixavam pendente uma borla de penas delicadas Quem a vê, que sorrindo as não enchuga?
e de cores diferentes sendo a fôlha ornada de mosaicos. 324. Substituímos a virgula existente nas edições de 65 e
Pintam (diz H. Staden, pág. 301) a maça do 77 por ponto e virgula.
sacrifício, a que chamam iverapem e, com a qual deve ser 325. anginho,/ V. notas 313 e 322.
sacrificado o prisioneiro: passam-lhe por cima uma ma 326. Simelha
teria viscosa, e tomando depois a casca dos ovos de 327. Está ponto e virgula em vez de admiração.
um passaro chamado M ackukava de côr parda escura 328. Substituímos o ponto existente nas duas edições con
^duzem-nas a pó, e com éle salpicam tôda a maça. sultadas por dois pontos,
Preparada a iverapeme, e adornada de penas, suspen- 329. encherga
<=®bana inabitada, e cantam em redor 330. expraiarão
dela toda a noite.” — Ferdinand Denis, acrescentando- 331. As edições de 65 e 77 trazem voa, evidente êrro
-Ihe o artigo francês, escreve L iverapem e, que diz ser tipográfico.
feita de pau-ferro e com mosaicos de diferentes cores. 332. Nas duas edições está virgula em lugar de admiração.
Vasconcelos da-lhe o nome de Tangapema, que é o 333. Por que
termo do dicionário brasiliano./ Nota do Autor. Vem 334. Ambas as edições trazem virgula.
grafado massa, 335. Talvez irrita a dôr, talvez a acalma.
293. A 336. D ’entorno
294. Enduape — fraldão de penas de que se serviam os 337. tréplica
guerreiros: damos a denominação de arazóia a aquéles 338. Acrescentamos a virgula.
de que usavam as mulheres. “ Ils fon t avec de plumes 339. tem
d autruches une esp èce d ’ornem ent de fo rm e ronde 340. Sic. por múmia.
qu tls attachent au bas du dos, quand ils vont à quelque 341. Substituímos o ponto e virgula de ambas as edições
Oiande fe t e : tls le nomment enduap.” . H . Staden Pág por virgula.
sem lhe dar nome 342. Cede
algum esp^ial. Pela cintura apertam uma larga zona: 343. extasis,
desta pende ate os joelhos um largo fraldão a modo 344. repellas,
trágico, e de tao grande roda como é a de um ordi 345. encherga,
i5f7° j ’ Noticias Curiosas L. 1. n. 129 / 346. A edição de 65 traz dois pontos e a de 77 admiração.
Nota do Autor. '
295. 347. Simelha
Comíor — é o nome do penacho ou cocar, de que usavam 348. A edição de 65 traz dois pontos e a de 77 ponto,
os guerreiros de raça tupi, quando em marcha para a 349. erriça
guerra, ou se aprestavam para alguma solenidade, d’im 350. Está craseado.
portancia igual a^ esta. “ Ils ont aussi d ’habitude de 351.
s atacher sur la tete un bouquet de plum es rouges qu’ils Falta não nas duas edições consultadas.
352. Sem crase.
nomment K a m lta rc” . (H. Staden). - Usam de umas 353.
coroas a que chamam acanggetar (L aet). Os primeiro'= A edição de 65 não traz o artigo a, existente na de 77.
portugueses escreveram acangatar, que literalmeiite quer 354. Indesculpável descuido seria deixar de mencionar o
^ zer: enfeite ou ornato da cabeça”./ Nota do Autor. nome do Sr. D. Carlos Guido, a quem devo ter com
296. Passa O Autor a grafar, daqui em diante, corretamente, posto a poesia que tem por titulo “ Retratação”. Foi
frccha. Vide notas 74 e 76. êste o ensejo. Poucos dias depois de publicados os
297. “ Segundos Cantos”, recebi uma carta do Sr. Guido:
Encontramos na “ Crônica da Companhia” um trecho era uma crítica, mas crítica benévola, cheia de entu
que explica a significação desta palavra, e a idéia siasmo, escrita sem pretensão alguma e ao correr da
desta breve composição.
pena. Agradou-me, porque me agrada sempre conversar
“Tinha certa velha enterrado vivo um menino, filho com os meus amigos, e era um amigo que me escrevia,
ae sua nora, no mesmo ponto era que o parira, por ser um poeta talentoso, que então pela primeira vez se
filho a que chamam “ marabá” que quer dizer de mis- me revelava como tal, — jovem entusiasta, e cujo
tura (aborrccivel entre esta gente). VASCO N CELO S, coração é como uma pedra de toque da mais esquisita
Cr. da Comp., L. 3. n. 27./ Nota do Autor. sensibilidade.
[ 820 ]
NOTAS
Tendo percorrido com a sua análise algumas das 398. Está conforme a edição de 77; a de 65 traz: Porque
composições do meu 2.° volume, acrescentava êle: 399. Craseado sómente na edição de 77.
“Dir-se-ia que a sua palinódia é um chuveiro de 400. Sic.
pedras cristalizadas, agradáveis de se ver, porque são 401. As duas edições trazem crase.
prismas, que refletem as mais pronunciadas, fortes e 402. Involtos/ V. nota 397.
soberbas cõres; porém que deviam converter-se em 403. De quem máo grado,
instrumentos terriveis de vingança, quando chegassem 404. Floresce
até a mesquinha mulher, a quem fôssem dirigidos como 405. derramadas
um anãtema fulminante. 406. involta/ V. nota 397.
“ Se eu não tivesse tanta confiança nos instintos do 407. Sem crase.
coração, que o levam a exalar o seu amor só onde 408. encherga
acha fogo, fidelidade e caricias, pensaria talvez que 409. Falta a crase.
aquela mulher existe, e então eu faria ao poeta amargas 410. Acrescentamos a crase.
reflexões sóbre a crueldade, de que usou para com 411. Q’enxerga
ela. ” 412. Talvez tãobem nas folhas q’engrina1do
Aceitei a censura, e dirigindo-me ao Sr. Guido escrevi 413. craneo
a Retratação, versos filhos daquele momento, e ins 414. Tingidos
pirados pela leitura recente da sua carta. Se algum 415. Q ’hei-de certo
apreço dêles faço na atualidade, é por ter feito vilírar 416- D ’escarneo
a lira doirada do poeta argentino. Cor.suelo foi o titulo 417. hardido,
que deu aos seus versos, e era efetivamente um canto 418. craneo
de consolação e de esperança: perdi há muito o autó 419. c’o
grafo dos versos do Sr. Guido; mas o sentido, a 420. Sem aspas.
suavidade, a sentida simpatia do seu canto, êsses me 421. Está ponto.
ficaram no coração. — Consolações e esperanças! — 422. por que
Doces são, por certo, as lágrimas, que sôbre nós derra 423. Sem vírgula.
mam os olhos de um amigo, ainda que não acreditemos 424. Fechamos aspas.
no raio de esperança, que êle s’esforça por entranhar 425. erriça
em nossa alma. Eficazes foram as suas consolações; 426. caitetus,
mas ainda mal que os seus votos não tenham de ser 427. q’inda argumentão.
realizados nunca!/ Nota do Autor, onde se lê Indis- 428. Ã medo rumoreja, — á medo o rio
culpavcl e há vírgula logo depois de seria. 429. Simelha
355. Dormido 430. ardiz
356. producido 431. Sem aspas.
357. corsel/ V. notas 98 e 112 432. Está ponto de interrogação.
358. Sem a virgula. 433. Falta a crase.
359. Acrescentamos a virgula. 434. deligentes
360. As edições de 65 e 77 trazem admiração cm lugar de 435. Acrescentamos as aspas.
ponto e virgula. 436. Sem crase.
361. expraia/ V. nota 330. 437. Está ponto, em vez de dois pontos.
362. Está ponto e virgula. 438. A edição original traz transtormadas, êrro tipográfico.
363. Suprimimos a virgula existente em ambas as edições. Manuel Bandeira preferiu em sua edição (V . pág. 277,
364. tem 2.“ tomo) transform adas, do que divergimos.
365. Oxitona no texto, as três vêzes que aparece na poesia. 439. Está ponto.
366. Craseado sómentc na edição de 77. 440. golosa,
367. Substituimos o ponto e virgula existente por virgula, 441. Acrescentamos a virgula.
em observância ao verso igual da 3.a estrofe a seguir. 442. ü disc-o!
368. Qu’invida 443. A edição original abre aspas.
369. involtas/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 444. Gentiz
168, 172, 188, 216, 274 e 315. 445. Com crase.
370. Sem crase. 446. impedrada:
447. Por que
371. E.stá conforme a edição de 77. A de 65 traz ponto 448. Sem a vírgula.
e virgula. 449. Fervia o mar cm fogo a meia noite / E ’ como vem
372. Ambas as edições abrem estrofe no verso seguinte, na edição original (pág. 49) e na de Manuel Bandeira
ficando êste na anterior. (2.® tomo, pág. 284).
373. Está ponto e virgula. 450. por que
374. S ’involve/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 451. hardimonto,
168, 172, 188, 216, 274, 315 e 369. 452. enchergão;
375. Tanto na edição de 65 como nas anteriores (V. ed. 453. serailhando:
de Manuel Bandeira, tomo 2.®, pág. 200) o vocábulo 454. Acrescentamos a virgula.
é feminino; a de 77, contudo, trá-lo no masculino. 455. por que
376. hardido 456. Sem ponto e sem aspas.
377. Está ponto e virgula em lugar de interrogação. 457. caitetús,
378. Sem crase. 458. Substituimos dois pontos por ponto e virgula.
379. vem 459. Não vem craseado.
380. Falta a crase. 460. hardido
381. D’Hespaniola 461. Sem crase.
382. Sarai 462. por que mais á geito
383. encherga 463. Craseado.
384. infermo 464. hardimento,
385. Oxitona no texto. 465. Acrescentamos a vírgula.
386. Sem crase. No verso anterior vem fren te em vez de 466. craneos.
fronte. 467. Sem crase.
387. Está ponto de admiração. 468. craneos,
388. Falta a crase. 469. companheiros,
389. Paroxitono no texto. 470. Sem aspas.
390. rescendem 471. Por que
391. tãobem 472. Está virgula.
392. Sem crase. 473. extreita
393. Vem craseado. 474. diceste, / V. notas 58, em Pôrto Alegre;503 também
394. Suprimimos a virgula existente nas edições consultadas. em Gonçalves Dias, 798 e 809, em Alvaresde Azevedo.
395. Está conforme as edições de 65 e 77. A de Manuel 475. Sem crase.
Bandeira traz alvo. 476. Cõ
396. A edição de 65 traz: As filhas desses/ com lapso 477. Não há dois pontos.
da última palavra, que na de 77 é homens, em 478. Sic, por pranto.
desacórdo com a de 57, onde se lê bravos (V. Manuel 479. Sem crase.
Bandeira, tomo 2.°, pág. 213). 480. Sem aspas.
397. involto/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 168, 481. velho, / No verso anterior: myrrhava
172, 188, 216, 274, 315, 369 e 374. 482. Abrimos as aspas.
[821]
NOTAS
[ 822 ]
KOTAS
611. Involta em maldições — involta/ V. notas 560 e ei 562. 677. Está virgula em vez de ponto.
612. For que/ No verso seguinte: enchergar 678. vem/ Verso seguinte: A esta terra de mouros;
613. involta/ V. notas 88, 101, 117, 137, 138, 144, 151, 679. Substituímos o ponto e vírgula por vírgula.
168, 172, 188, 216, 274, 315, 369, 374, 397, 402, 406, 680. inceta
560, 562 e 611. 681. semilhante
614. Está ponto em vez de vírgula. Abaixo, no final: 682. Está ponto final.
Cachias 683. Eliminamos a virgula.
615. Craseado. 684. Transcritas de: Obras Posthumas/ de/ A. Gonçalves
616. Vera vírgula, em vez de ponto e vírgula. Dias/ precedidas de uma noticia de sua vida e obras/
617. Falta que na edição original. pelo/ Dr. Antonio Henriques Leal./ Volume II./ S.
618. Cachias Luiz do Maranhão./ 1867. (jtc.)
619. Cachias/ Idem, as três vêzes que aparece a seguir, 685. semilhamos.
620. semilhando 686. por que d’ora a vante
621. Disei — sim; mas não a elle,/ Disei — não; mas 687. Está exclamação ao invés de dois pontos.
não a mira./ 688. infuna
622. Cora cra.se. 689. cansados
623. Está ponto e vírgula. 690. Craseado.
624. Craseado. 691. se calão
625. tem 692. discantar,
626. Immensa 693. Está ponto e virgula.
627. Sem vírgula. 694. Vem com crase.
628. Está com vírgula. 695. Acrescentamos a crase.
629. Substituímos a vírgula por dois pontos. 696. Eliminamos a vírgula.
630. Publicada in Revista Universal M aranhense, 1849 — 697. Virgílio/ Idem, a outra vez que aparece.
1850, in 4.®, 196 páginas, n.” 12, 15 de abril de 1850, 698. Semilhante
1.* série, tomo I. Desprezada pelo Autor e desconhecida 699. Por que
dos organizadores e editores de suas obras, foi divulgada 700. Manuel Bandeira, na sua edição das obras poéticas de
pela segunda vez por M. Nogueira da Silva in A Gonçalves Dias (op. cit., pág. 486, 2.® tomo), inforraa-
Política, Rio (1921?), e depois in B ibliografia de Gon- -nos:
{alves Dias, pág. 54. “ Nas Obras Póstum as escreveu A. H. Leal a se
631. porque/ Faltam as aspas no primeiro verso c no fim guinte nota a êstes versos:
do terceiro, quarto e décimo. “ Deixei de propósito de colocar esta belíssima
632. atôa. poesia, reminiscência da literatura clássica, entre as
633. Sem virgula. que vão sob o título de — versos modernos — por
634. Falta o ponto final. ser de um gênero diverso do daquela coleção. E ’ talvez
635. foste o penúltimo poema que traçasse o poeta antes de
636. Vera empreender a infeliz viagem de que graceja nestes
637. semilhantes versos.” Enganou-se o amigo do Poeta: Possêidon não
638. Proparoxítona no texto, é poesia original, reminiscência da literatura clássica,
639. tem mas sim tradução, aliás muito fiel, de um poema de
640. Oxitona. Heine, que está na coleção N ordsee (Mar do Norte),
641. Celeste benção/ Sem o artigo A , e benção oxitona. n.® 5. ”
Igualamo-lo ao verso da nota 640. 701. Está dois pontos.
642. Por que 702. protegeste
643. débucha 703. tem
644. semilhamos, 704. Tantos/ Êrro tipográfico.
645. enchergão, 705. Êste prefácio apareceu, pela primeira vez, no terceiro
646. tem/ Antônio Henriques Leal aponta a seguinte variante tomo da segunda edição das Obras de Alvares de Aze-
dêste verso: Não tinham bastante espaço/ vedo, já então feita pelo editor Garnier e, como a
647. Falta o ponto final. primeira, organizada pelo Dr. Jaci Monteiro. Transcro
648. Não está em itálico. vemo-lo da terceira, feita logo a seguir, no mesmo anq
649. Vem vírgula em lugar de ponto. em formato menor, e que aproveitou a composição da
650. Está ponto e vírgula. segunda: Obras/ de/ Manoel Antonio/ Alvares de
651. Substituímos o ponto final por dois pontos, Azevedo/ precedidas/ de um discurso biographico/ e
652. bixo acompanhadas de notas/ pelo Sr. Dr. Jacy Monteiro/
653. Está ponto e virgula. Terceira edição/ acrescentada com as obras inéditas,/
654. Acrescentamos a vírgula, e um appendice contendo discursos, poesias e artigos
655. por que feitos a ^ ic) oceasião/ da morte do autor./ Tomo ter
656. Antônio Henriques Leal dá*nos a seguinte variante ceiro/ Obras inéditas/ Rio de Janeiro/ Livraria de
Vagava entre a terra e os céu»,/ B. L. Garnier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris, Garnier
657. rescendel Irmãos, Editores, Rua des Saints-Pères, 6/ 1862/ Todos
658. Vem ponto e virgula. os direitos de propriedade reservados./ Doravante, quando
659. Está vírgula, que suprimimos. não diseriminarmos a edição, queremos significar ambas
660. Floreção as edições, isto é, a primeira e terceira.
661. Não há virgula neste e no verso seguinte. 706. Sem vírgula.
662. Publicada in A E stréia Solar, fòlha oficial, doutrinária, 707. Acrescentamos a virgula.
noticiosa e literária da diocese de Diamantina, no Estado 708. Sic.
de Minas Gerais, ano X I I , n.° 28, 12 de julho de 709. Pusemos a virgula.
1914, pág. 4. Assegura M. Nogueira da Silva não 710. aerio
figurar Revelação “em nenhuma das coleções de versos 711. ralento/ E ’ grafia única no autor. V. nota 833., adiante.
do poeta”, e transcreve-a “abandonando alguns fáceis 712. tem
enganos que evidentemente correm por conta da revisão 713. A !
dêsse jornal, que é sobremodo defeituosa e falha” 714. tem
(Cf. M. Nogueira da Silva, B ibliografia de Gonçalves 715. e/ Êrro de revisão.
Dias, pág. 142). 716. Mas se um
663. Craseado. 717. Cora crase na 1.* edição.
664. Vera? 718. formoso
665. á custo/ Segundo verso abaixo: raalsasonados 719. enlanguece,
666 . Um Deos que vale! 720. Está sem vírgula.
667. Sem virgula. 721. afaga
668 . Falta o ponto final. 722. transas
669. Craseado. 723. Que
670. Sem aspas, 724. Tem doçuras, tera
671. p’rescrutando. 725. descrensa
672. Acrescentamos a vírgula. No verso seguinte: susprende 726. escarneo/ E ’ grafia única: não mais a apontaremos.
673. caxos. No final do verso anterior não há vírgula.
674. Pusemos virgula. No verso seguinte: não/ com minús 727. Pusemos virgula.
cula e sem aspas. 728. a
675. Nasces, 729. Está interrogação em vez de admiração.
676. tem 730. docel.
[ 823 ]
n o ta s
731 Esta poesia foi feita em dia dos anos do autor, no 780.
ano antecedente ao da sua morte, como se pode ver Não^há travessão depois de suspirou. As três primeiras
pela data./ Nota do Dr. Jaci Monteiro. edições de Alvares de Azevedo, organizadas pelo Dr.
732. Reconstituímos a epígrafe em vista dos seus inúmeros Jaci Monteiro, fazem terminar nesta poesia a segunda
erros. Cf. The P raticai W orks, Oxford, 1915, pág. 198. parte da L ira dos Vinte Anos, seguindo-se-lhe as Poestas
733. O autor parecia querer completar êstes hinos. Tendo-Ihe.<= Dtversas, tôdas no primeiro tomo: Obras/ de/ Manoel
dado de princípio esta mesma denominação, dividira-os Antonio/ Alvares de Azevedo/ precedidas/ de um dis
E® noite, 2.® noite, etc., cada uma sob título curso biographico/ e acompanhadas de notas/ pelo Sr.
diverso. Quatro havia éle feito: um não se achava de Dr. Jacy Monteiro/ Terceira edição/ accrescentada cora
modo a ser publicado, e de outro — A tem pestade — as obras inéditas,/ e um appendice contendo discursos,
apenas pudemos aproveitar a primeira parte, pelo que poesias e artigos feitos a (sic) oceasião/ da morte do
lhe pusemos a nota de — fragm ento. — Ao depois, autor./ Tomo primeiro/ Poésias (sic)/ Rio de Janeiro/
fez ele uma como que introdução, que marcava e fazia Livraria de B. L. Gamier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris,
esperar sete cantos ou noites com uma espécie de Editores, Rua des Saints-Pères, 6/
1862/ Todos direitos de propriedade reservados./ O
® «®se complexo de poesias o título de segundo tomo, (V. nota 902), é inteiramente dedicado
— TR E N Ó S ■— e dedicando-os ao Sr. José Bonifácio
de Andrada e Silva. Entretanto, não podendo aproveitar a prosa: Obras/ de/ Manoel Antonio/ Alvares de
estes versos, assentamos em publicar essas poesias com Azevedo/ precedidas/ de ura discurso biographico/ e
os títulos pelo autor dados, e sob a denominação com acompanhadas de notas/ pelo Sr. Dr. Jacy Monteiro/
plexa e primeira de H IN O S DO PR O FETA ./ Nota Terceira edição/ accrescentada com as obras inéditas,/
do Dr. Jaci Monteiro. e um appendice contendo discursos, poesias e artigos
734. Está dois pontos. feitos a (sic) oceasião/ da morte do autor./ Tomo
735. Acrescentamos a virgula. secundo (sic)/ Prosa/ Rio de Janeiro/ Livraria de
736. Sem vírgula, B. L. Garnier/ Rua do Ouvidor, 69/ Paris, Gamier
737. aerio/ V. nota 710. Irmãos, Editores, Rua des Saints-Pêres (sic), 6/ 1862/
738. Seiba/ Não encontramos tal variante era nenhum di Iodos direitos de propriedade reservados./ O terceiro
cionário. E ’ grafia única no Autor, tomo, somente aparecido da segunda edição em diante,
739. craneo/ Grafia única; não mais a apontaremos. V abre com o prefácio já transcrito (V. nota 705) e
notas 726 e 767. apresenta a Continuação da “ Lira dos Vinte Anos”, a
740. Está sem pontuação. que Joaquim Norberto de Sousa Silva, encarregado
741. corsel pelo editor Garnier de organizar a quarta edição, deno
742. vem minou terceira parte. Aceitamos a divisão em três partes,
743. corsel/ V. nota 741. porem retiramos da terceira as composições transcritas
744. O chão nú escalvado a seguir, que, conforme o prefácio do Autor, estariam
745. Pusemos a vírgula. melhor colocadas na segunda. Aliás, nada mais fizemos
746. Quanto que seguir a lição da edição de Homero Pires, Com
747. Desta e da quadra anterior, diz o organizador das panhia Editora Nacional, São Paulo, 1942. O próprio
primeiras três edições do poeta que êle as havia riscado, Autor pretendera dar, a coleção de suas poesias, divisão
acrescentando: “ Talvez o levasse a isso o pensamento diferente, o que nos comunica o Dr. Jaci Monteiro na
de não contristar seus pais; achamo-las porém tão sen ^^S'uinte nota, que transcrevemos: “ L ira dos Vinte
timentais, que não pudemos resistir ao desejo de con A no". A essa coleção de poesias, que no coraêço com
servá-las. Demais, aqueles que passaram por essa dor, preendia somente a primeira, dera o autor o título
de ver morrer o filho de tanta esperança, terão por — B ra sileira s; — chamou-as depois — F olhas secas
ventura uma consolação nessas duas estâncias — vei da m ocidade de um sonhador; não se tendo realizado
que eram o pensamento quotidiano daquele a quem tanto a publicação projetada com o título — A s três liras —
am avam ... — ” de que damos notícia no discurso biográfico, chamou
748. Quanto a este verso, esclarece o Dr. Jaci Monteiro então a essa coleção — L ir a dos vinte anos de um
na primeira edição, que estava escrito de maneira que trovador sem nome, — dando porém simplesmente a
não se podia ao certo saber se era como está ou: denominação de — L ira dos vinte anos — à 2.® parte
Deixai a lua pratear-me a lousa. Mário de Andrade, que colecionou depois: pelo que conservamos esta deno
num exemplar das Obras de Alvares de Azevedo, que minação. No segundo tonio da primeira edição sò-
possuímos, anotou; m ilhor, referindo-se a prantear-me. mente foi publicada a poesia “ Pedro Iv o ”. V nota
902, adiante.
749. seitil 781. Daqui em diante, ate as P oesias D iversas, as compo-
750. Sem crase.
751. corsel/ V. notas 741 e 743. siçoes foram transcritas do terceiro tomo da terceira
752. Êrro de revisão por D aria f edição das Obras de Alvares de Azevedo. Cf. nota 705.
753. Acrescentamos a vírgula. 782. Esta ^poesia sem título foi publicada, pela primeira
754. Sem vírgula. vez, juntaraente com Trindade e Porque MentiasT, na
755. corseis/ V._ notas 741, 743 e 751. “ Revista Popular”, 1861, tomo X I , págs. 247/248, sob
756. Pusemos vírgula aqui e no final do verso anterior. a seguinte nota; “ Extraído das obras inéditas de M. A.
757. Esta poesia achava-se no original com a nota que Alvares de Azevedo, que vão sair à luz na livraria
de B. L. Garnier.”
conservamos de — fragm ento. — / Nota do Dr. Jaci
Monteiro. 783 F.stá ponto final na “ Revista Popular”, que passaremos
758. lansquenet. . . a indicar apenas por R. P.
759. Parnasso. 784. In R. P. está vírgula.
760. titaneo/ D igesto e, no verso seguinte, Childc-Harold 785. Está ponto final in R. P.
não vêm grifados. Idem, adiante, Faust. 786. Por que
761. enlanguece 787. Para poupar. Caminho
762. transa/ V. nota 722. 788. queréca
763. Na 2.® e 3.® edições está: Dão 5 horas. 789. Está ponto e vírgula.
764. Pusemos vírgula. 790. Sem vírgula.
765. estrebuxando 791. Não vem craseado.
766. morre 792. Pusemos a vírgula.
767. pateo/ Grafia única no poeta: não mais a indicaremos. 793. Sem vírgula. No verso anterior está: Rossinante
V. notas 726 e 739. 794. Está virgula era vez de ponto.
768. adevinhava 795. Assim gratis a Deo?
769. Na 1.» edição vem: o 796. Danáes
770. Devia ser: Procuravam no sangue o inimigo! 797. bolços!
771. tem 798. dice/ V. notas 58, 478, 503 e, adiante 809.
772. Desconexão neste e no verso anterior, pois os verbos 799. Vide notas 780 e 781.
deviam estar no subjuntivo: apavorem e façam . 800. Acrescentamos a vírgula,
773. Puchado
774. Dom Quichotte!/ Vem repetida, adiante, a mesma 801. coslar
802. Publicada in “ Revista Popular”. V. nota 782. Na
grafia.
775. A 1.®^ edição traz; cantos/ Em ambas as edições: edição original está sempre P or que, separado. In R. P.,
unido, como deixamos.
Boccacio 8C3. Sem vírgula in R. P.
776. anjelica
777. tem 804. In R. P. há travessão e, no verso seguinte, vírgula
778. Sem virgula. em ver de ponto.
779. anjelica/ V. nota 776. 805. R. P. traz virgula. Idem, no verso seguinte, depois
de perdeu.
[ 824 ]
NOTAS
[ 825 ]
NOTAS
D eliro.. . Junto a mim eu creio ouvir-te 980. As últimas edições do poeta trazem: — Como em
Mais bela a suspirar, teu ai mais brando; bebida a mente das alvuras, de sentido igualmeute
Pouso os lábios nos te u s .. . Em teu alento obscuro.
Volta minha pureza suspirandol 981. Falta a crase aqui e no principio dos dois versos
seguintes.
Teu amor como o sol apura a nutre, 982. seiba/ V. notas 738, 860, 892, 910 e 943.
Exala fresquidão, é doce brisa; 983. transas/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882, 885, 941
E ’ uma gõta de céu que aroma os lábios e 970.
E o peito regenera e suaviza! 984. reconto,/ Alteramo-lo para recanto, em razão da rima.
985. In fern o, canto X X X III./ Nota do Autor.
Quanta inocência dorme ali com ela! 986. morte
Anjo desta criança me perdoa! 987. Sancho Pança./ Nota do Autor.
Estende era rainha amante as a.sas b ran cas... 988. Por que
A infância no meu beijo abandonou-a! 989. Pusemos a vírgula,
990. ora
917, Não vera na 1.“ edição, de 1853. Publicado no 3.“ 991. Sic. As edições posteriores trazem beija, que nos parece
tomo das edições de 1862. aceitável.
918, Publicado da segunda edição em diante. 992. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942 e 954.
919, SH A K SP E A R E , H enry I V : “ My kingdom for a 993. Falta a vírgula.
horse!”/ Nota do Autor. E stá: corsel. V. notas 741, 994. Acrescentamos o ponto de admiração.
743, 751, 755, 810, 815, 874 e 903. 995. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924, 942, 954
e 992.
920. Substituímos ponto e vírgula por vírgula. 996.
921. Sem vírgula. seiba/ V. Notas 738, 860, 892, 910, 943 e 982.
997. Para maior clareza, grifamos os nomes de obras citadas
922. O’ lá soffrêa-te, corsel selvagem!/ V. nota 919. pelo poeta.
923. Pusemos a vírgula. 998.
924. aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852 e 880. A edição de Homero Pires (ed. cit., pág. 414, in
925. traças fine, 1." tomo), que vem a ser a segunda de O Conde
926. Acrescentamos a vírgula aqui e no final do verso L opo, .-icrescenta cabelos depois de crespos, julgando
anterior. Falta um verso nesta oitava. talvez tratar-se de ura lapso tipográfico. Tal porém não
se verifica, pois como adiante se verá (notas 1041,
927. enlanguéce 1044, 1088, 1154 e 1158) crespos é tomado pelo Autor
928. enlanguece? como substantivo.
929. Não há vírgula,
999. Neuburg.
930. por que
1000 . porque
931. Na edição original está: Se d’esta canção negra não
gostais/ Vera o verso acompanhado da seguinte nota do 1001 . Virgílio
editor: “ O autor escrevera também: Si não gostais 1002 . Condor erat quali praefert Latonia luna.
desta canção sombria.”/ Preferimos este àquele, em Et color in niveo corpore purpureus
razão da rima. Ut juveni primum virgo dedueta marito
932. recindente, Inficitur teneras ore rubente genas, &, &.
933. carabateia. Ov. Liv. 3. Elegia 4./ Nota do Autor. A propósito
934. Falta a vírgula. desta nota, esclarece Homero Pires (ed. cit., pág.
935. dice/ V. notas 798 e 809. 418, 1.® tomo):
936. á rôdo!
937. desputas! “ Estes versos não são de Ovidio, mas de Tibulo,
938. I , I I I , e IV , V . 29-32 {T ibulle et les A uteurs du
Substituímos o ponto pela virgula. Corpus Tibullianum, par A. Cartault, Paris 1909,
939. Don Ju an , canto II./ Nota do Autor.
940. p. 2 2 7 ):
Pusemos admiração em lugar do ponto,
941. transa/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882 e 885.
942. aeria/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880 e 924. “ Candor erat, qualem praefert Latonia Luna,
943. seiba/ V. notas 738, 860, 892 e 910. E t color in niueo corpore purpureus,
944. por que V t iuueni priraum uirgo deducta marito
945. ralentos/ V. notas 711 e 833. Inficitur teneras ore rubente genas”.
946. Falta a crase, E tc., etc."
947. a vento 1003.
948. porque
Por que/ Adiante, segundo verso: por que 1004. Virgílio,
949. Não há vírgula. 1005. Aphrodites
950. M iserere e, adiante, bon vivant não vêm grifados.
951. 1006. anã cs,
Acrescentamos a vírgula. Abaixo, segundo verso: es 1007. ursas,
forço 1008. Groelandia,
952. os annuvia 1009. aerios,/ V. notas 710, 737, 812, 852 880, 924, 942,
953. Sem vírgula. 954, 992 e 995.
954. aerio/ V. notas 710, 737, 812, 852, 880, 924 e 942. 1010 . grãs
955. boziar 1011 . percursor
956. corsel/ V. notas 741, 743, 751, 755, 810, 815, 874,
903, 919 e 922.
1012 . eshalarão-se
1013. porque/ Está unido aqui e nas duas vêzes seguintes
957. Pusemos a vírgula. que aparece.
958. Por que 1014. dicesse/ V. notas 798, 809 e 935.
959. Por que 1015. Co’
960. descremina 1016. Pusemos a vírgula.
961. Jocelyn, sixième époque./ Nota do Autor. 1017. Rerabrant
962. Por que 1018. restea/ Cf. notas 726, 739 e 767.
963. irrasão 1019. Entre este e o verso seguinte existe, por falha tipo
964. volão-nos gráfica, entrelinha na edição original. A subdivisão
965. GO ETH E, F au st.! Nota do Autor, em números arábicos também vem incorreta. Assim,
966. queimavão. onde se lê 2, está 3; onde se lê 3, está 4, e final
967. Por que mente, onde se lê 4 está 6, 5 está 7.
968. por que 1020. Acrescentamos a vírgula,
969.
970.
por que
transas?/ V. notas 722, 762, 839, 842, 882, 885 e 941.
1021 . casualinas/ V. notas 869 e 879.
971. 1022 . Não há vírgula.
Não vem craseado. 1023. Falta a vírgula.
972. resto/ Julgamos tratar-se de êrro de revisão por rosto.
973. 1024. Substituímos virgula por ponto.
Acrescentamos a vírgula. 1025. Pusemos a vírgula.
974. ralento,/ V. notas 711, 833 e 945.
975. 1026. Acrescentamos a vírgula.
UGO FO SCO LO, Túm ulos./ Nota do Autor. 1027. Sem vírgula.
976. Sem virgula.
977. 1028. Não há vírgula.
Por que 1029.
978. Falta a virgula. A numeração era romano na edição
Eliminamos a virgula. original passa de IV para V I, indo acrescida até o
979. enfebrescidos final do canto.
[ 826 ]
NOTAS
[ 827 ]
NOTAS
[ 828 ]
NOTAS
1283. Falta a vírgula. nem por falsa modéstia: é pela verdade, que eu_ amo,
1284. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, pela verdade, a quem eu gosto de sacrificar tôda a
pág. 173 (Cf. op. cit., págs. 254/259). exterioridade ridícula, tôda a convenção puramente
1285. Publicada in O Panorama, vol. X I I I , Lisboa, Tipo social que a possa encobrir. Não posso me alargar
grafia de A. J. F. Lopes, Travessa da Vitória, 52, muito nestas notas, — e me perdoarão alguma cousa
1856, pág. 149 (Cf. op. cit., págs. 243/248). pouco desenvolvida, porque a brevidade não traz ^sem
1286. Não há virgula. pre a clareza. Si me fôsse lícito deixar de fazê-las,
1287. Está sem virgula. seria melhor. Para quem leu somente o ^prólogo,
1288. Não vem com vírgula. V. nota 1286. são elas inúteis. Quem, porém, teve a paciência de
1289. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, ler sossegado, — o que eu acho difícil, — tôdas essas
pág. 144 (Cf. op. cit., págs. 309/310). composições, a qual mais contraditória em aparência,
1290. Sem vírgula. êsse precisará de alguma cousa mais. Eu não o sa
1291. Falta a vírgula. ciarei entretanto, porque não posso.
1292. Vera sem vírgula. A peça presente foi impressa há dous anos ou
1293. Não existe virgula. mais no Noticiador Católico. As poucas pessoas que
1294. inspiras lêem êste periódico, aplaudiram — as Páginas do
1295. Não há ponto e vírgula. coração, — nome que lhe dei então, e que, por extra-
1296. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, vaganteraente romântico, risquei agora. É por isso
pág. 147 (Cf. op. cit., págs. 104/107). que estas poucas pessoas gostaram, que eu também a
deixo ir ai./ Nota do Autor, onde lemos: incobrir e
1297. Vera sem vírgula. desinvolvida.
1298. Não está com vírgula. 1337. Substituímos ponto por vírgula.
1299. Publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lisboa, 1856, 1338. Porque
págs. 178/179 (Cf. op. cit., págs. 374/378). 1339. viria:
1300. vem 1340. Exempta
1301. Falta a vírgula. 1341. despara
1302. Poesia publicada in Ilustração Luso-Brasileira, Lis 1342. inamorados,
boa, 1856, págs. 215 (Cf. op. cit., págs. 383/388). 1343. aerias
1303. tem 1344. Surri também. — E.ste surrizo/ V. nota 1346, adiante,
1304. Há vírgula no final do yerso e não ponto e vírgula, 1345. imprégas/ A seguir: Exforços
como deixamos. 1346. Surri tambera: e seu surrizo/ Abaixo, 2.® e 12.®
1305. Está ponto e vírgula e não virgula. versos vêm repetidas as grafias.
1306. Poesia publicada in O Panorama, vol. X IV , Lisboa, 1347. intregue
1857, pág. 52 (Cf. op. cit., págs. 249/253). 1348. A Antonio Gonsalves Dias./ Abaixo, epígrafe: Gon-
salves/ Esta poesia traz a seguinte nota do Autor:
1307. Publicado in A s Prim averas, 2.« edição, Pôrto, 1866.
págs. 210/215 (Cf. op. cit., págs. 393/399). “ Esta composição era bem digna de ser ofe
1308. Publicada in R evista Popular, ano 1.°, tomo IV , recida ao Sr. Dr. Gonçalves Dias. Entretanto, há
B. L. Garnier, Rio de Janeiro, pág. 393. dous anos, tive o arrójo bastante imprudente de
lha dedicar! Hoje, sepultado conscienciosamente na
1309. Existe vírgula, que suprimimos. convicção de meu nada literário, devo pedir-lhe o
1310. Apud Goulart de Andrade, Cadeira n.° 6 da Academia perdão de rainha insolência.
B rasileira, Paulo, Pongetti & Cia., Rio de Janeiro,
1931, pág. 88 (Cf. op. cit., págs. 381/382). Adverte Quanto ao pensamento geral dêsse poemeto, dirão
Sousa da Silveira (idem, pág. 382); “ Esta poesia, que há i panteísmo.
bonita e não indigna de Casimiro, foi comunicada a Não o sei. Confesso que não tinha essa inten
Goulart de Andrade por Múcio Teixeira. Não sei ção. Como cousas piores terão de assacar-me ainda,
se Goulart lhe verificou a autenticidade, nem se lhe ealo-me aqui.”/ Está grafado: Gonsalves/
fêz alguma modificação.” Quanto a essa possibilida 1349. invilecido
de, remete o leitor a versos de Casimiro corrigidos por 1350. intregue
Goulart, o que “não pode admitir-se, mormente ha 1351. psalterion.
vendo sido perpetradas as alterações, como o foram, 1352. Sem a vírgula,
sem sequer ligeira advertência ao leitor. ” (Ibidem , 1353. imbiras
págs. 119/120). 1354. inlaçados
1311. Publicada in R evista Popular, ano 1.®, tomo IV , 1355. imprezas
B. L. Garnier, Rio de Janeiro, pág., 131. Sousa da 1356. Que trebelha brincão/ Pusemos vírgula depois de
Silveira (op. cit., pág. 260) esclarece tratar-se de trebelha e passamos o segundo verbo para o singular.
uma tradução um tanto livre de Victor Hugo e trans Cândido de Figueiredo declara trebelhar, no sentido de
creve os versos originais do poeta francês. folgar, brincar, desusado. Cremos que a correção feita
1312. Pusemos virgula. é a única possível para a clareza do verso.
1313. Poesia publicada in As Prim averas, 2.* edição, Pôrto, 1357. ingendra
1866, pág. 217 (Cf. op. cit., págs. 318/319). 1358. Cuberto
1314. Vem sem interrogação. 1359. Cuberta
1315. Poesia publicada in Almanaque de Lem branças Luso- 1360. intôa
-Brasileiro para o ano de 1861, Lisboa, Tipografia 1361. rescender?
Franco-Portuguêsa, 1860, pág. 105 (Cf. op. cit., 1362. incanta
págs. 311/314). 1363. intóa!
1364. fragancia,
1316. intenderdes Surri-se
1317. escarneos/ Grafia única. Não mais a indicaremos. 1365.
1318. bocagiana. 1366. Si incontra
1367. Incontro
1319. incerrado surrir-se
1320. por que 1368.
1369. intender.
1321. insinou, incanto/ No verso seguinte: incobre,
1322. por que 1370.
1323. Anchiettas, 1371. surrir-se
1324. acubertando 1372. insinou
1325. inviava 1373. cumpridas,
1326. invergonbamos, 1374. imbrulhar.
1327. imprehendem 1375. cumpridos,
1328. incontrareis 1376. Insinados
1329. incontro 1377. insinou
1330. intorna-se 1378. que
1331. inlevo 1379. surriste,
1332. imbrutece, 1380. O pensamento desta composição é bebido, quase inteira-
1333. surrizo mente, no autor que canto.
1334. Falta o ponto final na edição original. Eu a dedico ao meu amigo — Odorico — Otávio
1335. surrir. — Odilon. Tão pobre oferta! — Não lhe peço perdão,
1336. Eu conheço o ingênuo descarnado e comum desta peça contudo. Sua alma de poeta está mais acostumada
poética, si seu nome é êste. Tenho vergonha de a amar, do que a perdoar. Conheço-a bastante./ Nota
chamar isto — meu. Não é por orgulho que o digo. do Autor.
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NOTAS
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NOTAS
luz: mais dúvidas, que proposições: mais pressenti sienado, que corri a escrever, com ânsia, êsse espe
mento, que fé. Há uma vocação ardente, indetermi táculo medonho. Saiu uma cousa comum, e entretanto,
nada, insaciável, quase infinita para uma imagem, monstruosa.
que não se define ainda, — para um incógnito, que, Aqui começam minhas composições fúnebres. Ca
qualquer que seja, deve ser grande. Há uma con reciam elas de muitas notas, de muitos esclareci
templação do imenso, — um desespero talvez. mentos, impossíveis neste livrinho. Eu me reservo para
Creio que o estado de solidão monástica, por espaço mcihor monção.
de três anos, me fêz algum m a l....
f;-me preciso, todavia, dizer uma eousa. No canto
Assim, êste livrinho tornou-se um labirinto, onde fúnebre à morte do meu melhor amigo França-Re-
eu mesmo custo a achar o fio. O que eu sei dizer, bouças, digo que tenho uma alma feita a ura cetieismo
é que foi uma colheita do que, segundo meu gôsto, inato. Ha i quase uma hipérbole poética. Meu ceti
achei de belo em tudo. A religião do Cristo, — ê.ste cismo não é um pirronismo absoluto, mas essa dúvida
pensamento verdadeiramente digno de Deus, — abas que Descartes aconselhava, essa dúvida do Dante:
tava-me de inspirações. Cbe non men che saper, dubbiar m’aggrada.
Não sei si as recolhi tôdas, mas sei que as Isto sou eu, e não mais. Que importa, porém,
copiei bem mal. Nem todos tudo podemos, segundo o que eu seja?/ Nota do Autor, onde está: invergonho
a bela expressão de Vergílio. Ao mesmo passo as
outras religiões, mais ou menos teológicas, mais ou 1485. ingasgo
menos filosóficas, adereçavam-se cada uma com seu 1486. Estrebuxando
belo, e desafiavam-me com êlc. Não me senti bastante 1487. por que
forte para lhes resistir. Foi nesse período, — quem 1488. incanecido
sabe si de tentação? — que escrevi — A REI.IG IA O 1489. exconder-vos
DO POETA, — impressa no Noticiador Catóhco. 1490. ouco
Nessa espécie de bosquejo, que fiz então, das religiões, 1491. integral-a,
percebe-se bem o estado de meu espírito. 1492. exconde
Julgo que, ao dizer isso, sou verdadeiro e franco./ 1493. excondeu
Nota do Autor, onde lemos: incerrar, incaminho, 1494. inrubecem
Virgílio (as duas vêzes que aparece) e infurecido. 1495. Intemccido
1496. Craseado.
1458. incantas 1497. invergonhada
1459. incantadora 1498. infurecido
1460. insinei 1499. inluctam.
1461. insinei 1500. Pusemos a virgula.
1462. involto 1501. exforço
1463. inrola, 1502. Substituímos ponto por vírgula.
1464. involto 1503. Não é possível a mudança ortográfica, as duas vezes
1465. insinei que aparece.
1466. espiro 1504. exconde
1467. O jovem a quem é dedicada esta mesquinha com 1505. incontras
posição, conta apenas dezessete a dezoito anos. Eu 1506. Surriu
deposito sôbre o talento dêste moço as mais formosas 1507. Inrolando/ Adiante: involvel-a. . _
esperanças. Nem uma de suas poesias viu ainda luz 1508. Suprimimos a vírgula que se encontra na ediçao ori
pública. Entretanto tem já em sua voluntária obscuri ginal.
dade produzido algumas que lhe merecerão o salve 1509. inluctaram.
de poeta, logo que aparecerem. 1510. imbellecel-o.
Eu ardo por saudá-lo primeiro que todos. Ao 1511. imbebia,
menos, si nem um mérito tenho por mim, conten 1512. infeitam.
tar-me-ei com o que resultar, para minha consciência, 1513. infeite
aclamando um gênio. 1514. Está sem virgula.
Sou pontual aqui no dever sagrado, que Pope 1515. infeites
nos impõe, de favorecer o mérito depressa./ Nota do 1516. incorras,
1517. intregar-te
Autor. 1518. incerras!
1468. DOREA. 1519. insinarei
1469. acolxoada 1520. A edição original não traz ponto final.
1470. Pusemos virgula em lugar do ponto que vem na 1521. intôam
edição original. 1522. Sem crase.
1471. innevoado 1523. Eliminamos a crase
1472. Inxugue 1524. intôam
1473. exforços 1525. intorna/ Adiante: incerra,
1474. Dirão que sou cabeça de motim, e que, como pre 1526. inxugaste
cipitei-me no abismo, quero arrastar a todos em minha 1527. Intenderás
queda. Inda bem — que eu sei alinguagem dos 1528. surriso.
devotos. 1529. intoar-te
Eu não me atreveria a dirigir esta poesia ao 1530. intendido
1531. insinou.
meu antigo companheiro de claustro c de sofrimento, Involveu
si não conhecesse que .sua alma está muito acima 1532.
1533. Involveu
da alma do frade. Com isto tenho respondido a todos. 1534. infêrmos,/ Pusemos virgula depois de pobres, no final
Talvez mais tarde eu tenha de provar com fatos o do verso.
que acabo de dizer, em uma obrita que tenho plane 1535. Por que
jado./ Nota do Autor. 1536. Eliminamos o ponto final que se encontra na edição
1475. ineontro-me original por êrro tipográfico.
1476. Involto/ Adiante: inxergo 1537. intoaram.
1477. internará 1538. invenena.
1478. Craseado. 1539. intoaram.
1479. ingaste, 1540. inxiigam
1480. Falta a crase. 1541. ingolil-os.
1481. Immudece, 1542. Impossível a mudança ortográfica. V. nota 1503,
1482. incontra acima.
1483. ingolir-nos 1543. immudeceu:
1484. Esta composição tinha outro titulo, com o qual foi 1544. Está ponto e não virgula como deixamos,
impressa. Substituí-o por êste pela justa critica de internecida
1545.
um amigo. 1546. Por que
Não obstante, é uma dessas composições, de que 1547. craneo,/ Grafia única. Não mais a indicaremos.
me envergonho. Imprimo-a, porém, — porque pode 1548. Por que
agradar ainda a algum, como agradou já uma vez. 1549. Intornemos
Há algumas pessoas de um gôsto tão esquisito... 1550. Falta a vírgula,
Eu assisti à morte dêste monge, — e pela pri 1551. incanto.
meira vez à morte de um homem. Fui tão impres- 1552. Pusemos a virgula.
[831]
KOTAS
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NOTAS
[ 833
NOTAS
1792. Pusemos crase e vírgula no final do verso. 1865. Não vem com a virgula.
1793. Craseado. 1866. Está sem a vírgula.
1794. Com crase. 1867. Colocamos a virgula.
1795. Eliminamos a virgula. 1868. Não está com a crase.
1796. escamcos,/ Grafia única. Não mais a apontaremos. 1869. brasileas
1797. Vem craseado. 1870. Acrescentamos a virgula.
1798. Não está com a crase. Esta poesia foi publicada, com 1871. brasileas/ V. nota 1869.
alterações, nos Contos M eridionais, sob o titulo de 1872. Falta a virgula.
A Uma M ulher. V . nota 2003. 1873. Pusemos a vírgula.
1799. Suprimimos a virgula. 1874. como
1800. Craseado. 1875. anginhos
1801. As edições Garnier completam o verso: Captivem-na, 1876. borborinho
insensatos! . . si ousarem. . . / 1877. Pusemos virgula antes e depois de quem sabe. as
1802. Sem pontuação. Pusemos admiração de acordo com duas vêzes.
o último verso da poesia. 1878. Acrescentamos a virgula.
1803. Eliminamos a crase. 1879. Suprimimos a virgula.
1804. pouco á pouco á um/ 1880. Eliminamos a vírgula.
1805. áquclle 1881. Infelizmente, as versões do Cântico do Calvário que
1806. Acrescentamos a vírgula. correm impressas, em tôdas as edições do poeta e
1807. borborinho enlanguecido/ antologias, ba-seiam-se no texto corrigido por Visconti
1808. Pusemos a virgula. Coaracy. Para avaliar-se as profundas alterações
1809. Sem a virgula. introduzidas na pontuação, transcrevemos os primeiros
1810. Irmãos versos da primeira edição Garnier:
1811. Craseado./ V. nota 1814, abaixo.
1812. Está sem a vírgula. Eras na vida a pomba predileta
1813. Falta a crase. Que sôbre um mar de angústias conduzia
1814. Eliminamos a crase./ V. nota 1811, acima. O ramo da esperança ! . . . eras a estrela
1815. craneo/ Grafia única. Não mais a apontaremos. Que entre as névoas do inverno cintilava
1816. A L U C IL IA Apontando o caminho ao pegureiro!. . .
1817. ácima Eras a messe de um dourado e s tio l...
1818. febrentes Eras o idílio de ura amor su b lim e!...
1819. Vem craseado. Eras a glória, a inspiração, a pátria,
1820. CH ILD-HAROLD O porvir de teu pai! — Ah! no entanto.
1821. Sem a vírgula. Pomba — varou-te a flecha do destino 1
1822. Falta a virgula. Astro — enguliu-te o temporal do norte!
1823. Pusemos a virgula. Teto — caiste! Crença — já não vives!
1824. Está sem a crase.
1825. Pusemos virgula aqui e no final do verso seguinte. 1882.
corsel ? . . .
1826. Acrescentamos a virgula. 1883.
Tiramos a vírgula.
1827. Está sem a vírgula. 1884.
Está sem a vírgula.
1828. Falta a virgula. Quanto a esta poesia, vide nota 1885.
anginhos,
1913, em Cantos e Fantasias. 1886.
Na edição original falta o pronome, vindo apenas vejo
1829. Sem a virgula. ainda, talvez por êrro de revisão.
1830. Não está com a virgula. 1887. Não há pontuação no final do verso por falha tipo
1831. Acrescentamos a virgula aqui e no final do verso se gráfica. A edição Garnier traz exclamação e reti
guinte. cências.
1832. Vem craseado. 1888. Falta a virgula.
1833. Eliminamos a crase. 1889. Colocamos a virgula.
1834. Após esta composição, e antes do inicio dos Fragm en 1890. Eliminamos a virgula que existe aqui e pusemo-la no
final do verso anterior.
tos, a edição que transcrevemos apresenta a seguinte
nota: "A urora, E cos do C árcere c o E xilado, foram 1891. Paroxitono no texto.
inspirados pela leitura das belas páginas bíblicas de 1892. Sem a vírgula.
Lamennais. 1893. Sic, paroxitono.
Childe-H arold, imitado do canto a — In ê s, no 1894. Suprimimos a vírgula.
poema do mesmo nome, de Byron. ”/ Vem grafado 1895. Tiramos a vírgula.
Child-IIarold. 1896. Eliminamos a virgula.
1835. Craseado./ V. nota 1842. 1897. Pusemos admiração.
1836. Pusemos a virgula. 1898. Falta a vírgula.
1899. Está sem a virgula. No verso seguinte, sic, pharo,
1837. A o mesmo que pharol ou farol.
1838. Acrescentamos a virgula. 1900. A edição Garnier traz o verso modificado:
1839. Suprimimos a vírgula. Vejo-te, ao pôr do sol, formosa imagem,/
1840. Sem a virgula. eliminando a virgula do verso anterior.
1841. Eliminamos a virgula. 1901. Suprimimos a virgula. O verso seguinte começa na
1842. Craseado./ V. nota 1835, acima. edição Garnier com Do.
1843. Tiramos a virgula. 1902. Tiramos a vírgula.
1844. Substituímos virgula por ponto e virgula. 1903. Está E , contrariando a lição dos dois versos iguais
1845. Vem craseado. seguintes.
1846. Falta a virgula. 1904. Vem com virgula que suprimimos em vista dos versos
1847. Substituímos virgula por ponto e colocamos virgula iguais. Cf. nota anterior.
no final do verso seguinte. 1905. palleo
1848. Pusemos a virgula. 1906. Substituímos ponto e virgula por dois pontos.
1849. restea/ Não é grafia única no Autor. 1907. Falta a virgula.
1850. Craseado. 1908. Eliminamos a virgula e substituímos, no verso se
1851. As edições Garnier trazem, com acêrto, mar, em vez guinte, ponto final por interrogação, em obediência aos
de amor, como está na edição que transcrevemos. versos terminais da poesia.
1852. Acrescentamos a virgula. 1909. Suprimimos a vírgula.
1853. Craseado. 1910. formoso
1854. Colocamos a vírgula. 1911. Tiramos a vírgula.
1855. Pusemos a vírgula. 1912. A edição original não traz pontuação depois de cla
1856. Não está com a vírgula. ridade.
1857. Sem a vírgula. 1913. Esta composição foi refundida para a inclu so nos
1858. Falta a vírgula. Cantos e Fantasias, tendo aparecido a primeira vez
1859. Pusemos a crase. em Vozes da A m érica, sob o título de O Mar. Vis
1860. Não há travessão no início do verso. conti Coaracy eliminou a nova versão nas Obras
1861. Sem o travessão. Completas, conservando indevidaraente apenas a ante
1862. baptisãrão-o rior, de Vozes da A mérica. A segunda edição das
1863. Acrescentamos a virgula. Vozes inclui a poesia na versão antiga, apesar da
1864. Pusemos a vírgula. declaração de que foram aproveitadas as versões cor-
[ 834]
NOTAS
rígidas pelo próprio poeta. Não nos parece verdade: alterações, nos Cantos M eridionais. A edição de Vis
Varela não refundiria a poesia um ano apôs, para conti Coaracy traz as duas versões. V. nota 1788.
retomar à forma primitiva. 1979. Acrescentamos a virgula.
1914. florecêrão 1980. Publicado, na mesma ver.são, em Cantos Religiosos,
1915. Eliminamos a virgula. como Hino para a Noite de Natal, e não Noite de
1916. corseis. São João, como está na edição original. V. nota 3015.
1917. Craseado./ Cf. nota 1833. 1981. Eliminamos a virgula.
1918. Trahcm 1982. Craseado.
1919. bagagens 1983. dilirios:
1920. prescito 1984. Sem a virgula.
1921. Falta a pontuação na edição oiiginal. 1985. Falta a vírgula.
1922. florecidos 1986. Não há vírgula. Está Mixto.
1923. Pusemos a virgula. 1987. Noturno é a poesia Tristeza de Noturnas quase que
1924. Suprimimos a vírgula. totalmente refundida. V. nota 1700.
1925. Acrescentamos a vírgula. 1988. Está ponto e vii'gula, e não vírgula.
1926. Sem a vírgula. 1989. Suprimimos a virgula.
1927. destcnde 1990. Pusemos a virgula.
1928. Tiramos a vírgula. 1991. Tiramos a virgula.
1929. Não vem com a virgula. 1992. Sem a virgula.
1930. Falta a vírgula. 1993. yassanan.
1931. Eliminamos a vírgula. 1994. Falta a virgula. Acima, segundo verso, está molhem,
1932. Suprimimos a virgula. e não molhe como deixamos.
1995. A edição Garnier traz o verso alterado, não sabemos
1933. Tiramos a virgula. por que razão, para: Te levanta e vem, mimosa!/
1934. E.stá sem a vírgula.
1935. Acrescentamos a vírgula. 1996. Sem a vírgula.
1997. Acrescentamos a vírgula.
1936. Não está craseado. 1998. Pusemos a virgula aqui e no final do verso anterior.
1937. Falta a vírgula. 1999. Colocamos vírgula. Idem, no final do verso anterior.
1938. Sem a vírgula. 2000. Falta a vírgula.
1939. rastegem,
1940. Pusemos a vírgula. 2001. Não há vírgula.
1941. Sem a virgula. 2002. tem/ Sem a flexão do plural.
2003. Colocamos vírgula aqui e depois de florinha, no verso
1942. Falta a vírgula. seguinte. Esta poesia apareceu primitivaraente, em
1943. Acrescentamos a vírgula. Suprimimos a virgula de outra versão, em Vozes da América, sem titulo, co
pois de exageração, segundo verso acima. meçando por: Porque te afogas, ó irmã dos anjos,
1944. a furia etc. V. nota 1798.
1945. Eliminamos a vírgula que existe aqui e colocamo-la 2004. néscios
no final do verso seguinte. 2005. Está de, êrro de revisão?
1946. Suprimimos a virgula. E stá: dilirios 2006. Cortamos a virgula daqui e passamo-la para o final
1947. Tiramos a virgula. do verso.
1948. Sem a vírgula. 2007. Craseado.
1949. Pusemos a virgula. 2008. Suprimimos a virgula.
1950. Ê a primeira poe.sia de Noturnas, refundida para pu 2009. Falta a vírgula.
blicação nos Cantos Meridionais. A edição Garnier, 2010. enchurradas
de Visconti Coaracy, conserva ambas as versões. Pro 2011. A edição original não traz pontuação no verso; a de
cedimento igual não teve o organizador para a poesia Visconti Coaracy, interrogação.
A Enchente, também refundida para os Cantos M eri 2012. Não está craseado.
dionais, que somente aparece na primitiva versão das 2013. precisa
Noturnas. V. notas 1681 e 1956. 2014. Acrescentamos a vírgula.
2015. Pusemos a vírgula.
1951. Não está craseado. Abaixo, quarto verso, vem gra 2016. eram
fado: transas 2017. Não existe pontuação no final do verso.
1952. Falta a virgula. 2018. Está sem a virgula.
1953. dispertar 2019. Falta o ponto final.
1954. Pusemos vírgula aqui e no final do verso seguinte. 2020. dilirar!
1955. Não vem craseado. Abaixo, 3.“ verso da oitava se 2021. Colocamos a vírgula.
guinte, pusemos virgula depois de História. 2022. Sem a vírgula.
1956. Publicada primitivamente em Noturnas, V. notas 1701 2023. Está o em vez de ao.
e 1950. 2024. Eliminamos a virgula.
1957. entumescido 2025. transas
1958. Sem vírgula, tôdas as vêzcs. 2026. Falta a vírgula.
1959. rouxeadas 2027. Acrescentamos a vírgula.
1960. Publicada em Voses da Am érica sob o título de 2028. O verso não traz pontuação.
Napoteão e refundida para os Cantos M eridionais. A 2029. Pusemos a vírgula.
edição de Visconti Coaracy traz novamente a primi 2030. Suprimimos a vírgula.
tiva versão. V. nota 1782. 2031. Não está com a vírgula.
2032. Vem sem a crase.
1961. Venham 2033. Falta a vírgula.
1962. Falta a vírgula. 2034. Colocamos a vírgula.
1963. Pusemos a vírgula. 2035. Pusemos o travessão.
1964. Tiramos a vírgula e colocamo-la no final do verso 2036. Acrescentamos a vírgula.
seguinte. 2037. Sem a vírgula.
1965. Suprimimos a virgula. 2038. Não existe a vírgula.
1966. Não há vírgula. 2039. O verso não traz pontuação.
1967. Sem a vírgula. 2040. Falta o ponto.
1968. Pusemos a vírgula. 2041. Está sem a vírgula.
1969. Acrescentamos a vírgula. 2042. simelhava!
1970. Eliminamos a vírgula. 2043. transas
1971. londus, 2044. Pusemos a vírgula.
1972. transas 2045. Não há pontuação no final do verso.
1973. Refundida para os Cantos M eridionais, tendo apare 2046. Acrescentamos a vírgula.
cido a primeira vez em Vozes da A m érica, sob o tí 2047. Colocamos as duas vírgulas no verso.
tulo Infância e Velhice. V. nota 1784. 2048. Falta a vírgula.
1974. Falta o artigo antes de aurora e pusemos vírgula 2049. cannaveal
depois de inocentes, 4.® verso abaixo. 2050. caxaça
1975. Tiramos a vírgula. 2051. caxirabos
1976. absintio, 2052. O verso vem sem as duas vírgulas. Está: indiffinivel/
1977. Está sem a virgula. 2053. Substituímos vírgula por ponto e vírgula.
1978. Publicada, a primeira vez, cm Vozes da A mérica, sob 2054. dilirios
o titulo de üeixa-m et, e aproveitada, com pequenas 2055. Sem a crase.
[ 835 ]
KOTA s
[ 836 ]
NOTAS
[ 837 ]
NOTAS
[ 838 ]
NOTAS
[ 839 ]
N O TA S
3049. E le g ia foi publicada em V o z e s d a A m é r ic a e depois 3086. A ed. de 1947 traz a epígrafe como se fôra prosa.
refun did a pelo A u to r e coligid a n as A v u ls a s da se 3087. Maciel PiqJjeiro é um dêstes moços que simbolizam
gunda edição do mesmo livro. o entusiasmo e a coragem, a independência e o ta
3050. N os lento nas academias. Poeta e jornalista, o moço es
30 51. Colocam os v irg u la . tudante, aos reclamos da Pátria iraprovisou-se solda
3052. Pusem os a crase e as du as v írg u la s no verso. do. Hoje que o tempo e a distância nos separam,
3053. N ão está com crase. é-me grato falar de um dos mais nobres caracteres
3054 e 3055. Sem v irg u la . que tenho conhecido./ Nota do Autor.
3056. E scrita no verso de um a nota de 10$000, série 4.“ 3088. Proparoxítona no texto.
n .“ 6 3 .3 6 7 ./ N o ta da edição G a rn ie r, onde foi pela
3089. Mantivemos o masculino: está nos steppes.
p rim eira v e z publicada. C f. nota 3024.
N ão nos tendo sido possível obter, em S ão P aulo,
3090. AS T R E V A S E A TAÇA/ Oferecendo estas tra
3057. duções ao Dr. Franco Meireles, o autor junta a ura
um exem plar da prim eira edição das E s p u m a s F l u
tributo de amizade um preito de admiração ao ma-
tu a n te s , u tilizam os o texto, baseado naquela, que
vioso e festejado tradutor das “ Melodias Hebraicas”,
A fr â n io P e ix o to publicou, era 1938, pela Com panhia
do poeta inglês./ Nota do Autor, que não vem trans
E d ito ra N acion al. P a ra os casos de falh as ou erros
crita na ed. de 1947, talvez pela simplificação do ti
tip o grá fico s, servim o-nos da edição de 1944, a te r
tulo da nota. O Poeta, falando era traduções, que
ceira de A fr à n io P e ix o to ; da edição do In stitu to N a
ria simplesmente aludir a esta poesia e à intitulada
cional do L iv r o (R io de Jan eiro, 1 9 4 7 ), e da de “As T revas”. V ., adiante, nota 3158.
1904, da L iv r a r ia G arn ie r, a m ais a n tiga que tiv e
mos era mão. 3091. As edições de Afrânio Peixoto trazem envês, e a de
3058. E r a por um a dessas noites vaga ro sa s do in vern o, em 1904 envez.
que o brilho de um céu sem lu a, é v iv o e trêm u lo ; 3092. Está corsel. V. notas 3080, 3383, 3400, 3436 e 3442.
em que o gem er das selvas é profu n do e lo n go; em 3093. As edições de Afrânio Peixoto trazem ponto no final
que a soledade das praias e rib as frag o sas do oceano do verso, e a de 1947 não traz pontuação. Cf. ed.
é absoluto e tétrico. 1904.
(E u rico — C ap. 4.“ ) 3094. Vem cochins. V. notas 3408 e 3443.
/N ota do A u to r. A s edições de A fr â n io P e ix o to tr a 3095. 5*c. Pusemos vírgula.
zem , nesta nota, r e lv a s fr a g o s a s , em con tradição com 3096. Somente a ed. de 1938 traz lápides.
a do In stitu to N acion al do L iv ro , — também baseada 3097. As edições de Afrânio Peixoto não abrem aspas, e
na edição im pressa, em 1870, na B ah ia — que tra z na de 1904 vera travessão. Cf. ed. 1947.
r ib a s f r a g o s a s , como deixam os.
3098. O verso não aparece na ed. de 1938, de Afrânio Pei
3059. Craseado. xoto. Cf. ed. 1904, 1944 e 1947.
3060. N a edição de 1870, im pressa na T ip o g r a fia de C . de
3099. Dormido é eomo está na ed. de 1938.
L e llis M asson & C ia ., está G u ttem b e rg . C f. ed. In st.
3100. Fechamos aspas. Cf. ed. 1947.
N ac. L iv ., pág. 12.
3101. Colocamos vírgula no final do verso.
3061. V e m g rafad o G o éth e . 3102. As edições de 1938 e 1947 não trazem pontuação no
3062. Pusem os v írg u la . final do verso, e a de 1944, de Afrânio Peixoto, pon
3063. A o G abinete P o rtu g u ê s de L e itu ra , por ocasião de to e virgula.
o ferecer o produto de um b en eficio à s fa m ília s dos 3103. Sem pontuação nas edições de Afrânio Peixoto. Na
soldados m ortos na g u e rra ./ N o ta do A u to r. de 1904 vera ponto e na de 1947 admiração.
3064. D eixam o s v ír g u la depois de lu a , como vem n as edi 3104. Pusemos vírgula. Cf. ed. 1904.
ções de 1904 e de 1947, e não ponto, como n as dc
3105. Está cupola. V . nota 3380.
A fr â n io P eixoto.
3106. M as não m’ o digas assim, etc., é como está na edição
3065. E s tá ponto e v írg u la . Colocam os dois pontos. C f. original, de 1870, na de 1904 e 1947. Corrigido o
ed. 1947. verso pelo próprio poeta no exemplar que ofertou a
3066. N ão há pontuação no fin a l do verso. A edição de José de Alencar e corapulsado por Afrânio Peixoto
1947 tr a z ponto. (Cf. ed. 1938, nota 2, pág. 108, tomo 1, e ed. 1944,
3067 e 3068. Pusem os v ír g u la no fin a l do verso. C f. ed. nota 2, pág. 106, tomo I ) .
1904. 3107. Vera grafado Rescende, em tõdas as edições. V.
3069. A crescen tam o s adm iração. C f. ed. 1947. nota 3298.
3070. A edição de 1938, de A fr â n io P eixoto, não abre a s 3108. Colocamos virgula.
pas no verso , e na data, a se gu ir, tr a z 1863. C f. 3109. Esta poesia é o verso de uma medalha, cujo reverso
ed. 1947. (Õ í Frades) sairá talvez em outro livro que o autor
3 0 7 1. Sem v irg u la . imagina publicar.
3072. A s edições de A fr â n io P e ix o to trazem N e s t ' o r a , e a Como quer que seja talvez fôsse mais próprio
de 1947 N e s t a h o ra . o titulo de — Apóstolos; estas palavras, porém, são
3073. D ê ste s nom es o prim eiro (todos o sabem ) recorda a ou foram sinônimos na América do Sul. Que o digam
m ais glo rio sa batalha fe rid a em nossas águ a s da A m é Nóbrega e Anchieta. / Nota do Autor.
ric a do S u l: o segundo (m enos conhecido ta lve z) 3110. Acrescentamos dois pontos.
lem bra um glorioso feito d ’ arm as dos tem pos da I n 3111. Pusemos vírgula.
dependência. 3112. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.
A b ravu ra é um a heran ça nesta nobre te rr a ! E o 3113. A edição de 1938 traz reticência de dois pontos e
passado pode rep etir ao presen te como o D . D iè g u e de travessão; a de 1947, reticência.
C o rn e ille :
3114. Paroxítono no texto.
“ M ontre-toi digne fils d ’ un p è re tel que moi. ”
3115. As edições de Afrânio Peixoto trazem ponto e a de
/N o ta do A u to r , que não aparece, n as edições de
1947 vírgula, como deixamos.
A fr à n io P eixoto, no lu g a r devido. V . nota 3138.
3116. Apenas a ed. de 1947 traz virgula, como deixamos.
3074. Pusem os in terrogação. C f. ed. 1904 e 1947. 3117. E ’ uma graciosa invenção dos “Trabalhadores do
3075. S om en te a edição de 1947 tr a z v írg u la . m ar”, onde se lê que “as moças do Rio de Janeiro
3076. E s tá c r a n e o , g r a fia que, por ú n ica no A u to r, não assim, â noite, parecemtrazer estréias no toucado”./
m ais apontarem os.
Nota do Autor.
30 77. A v írg u la , no fin a l do verso , vem apenas na ed. de 3118. Falta o verso à ed. de 1938. Cf. ed. 1904, 1944 e
1947.
1947.
3078. A s edições de A fr â n io P e ix o to trazem , na e p íg ra fe . 3119. Pusemos virgula no final dêste e no do verso se
k e c , e a de 1947 h a e c , como deixam os. E s tâ V ir g í
guinte. Cf. ed. 1947.
lio , aqui e a ou tra v e z que aparece na poesia. C f.
ed. 1947, pág. 48. V. nota 3162. 3120. Está craseado. Colocamos virgula no final do verso.
3121. Acrescentamos vírgula.
3079. Colocam os v irg u la . A ed. de 1947 tra z ponto. 3122. Somente a ed. de 1947 traz virgula no final do
3080. E s tá c o r s e l. V . notas 3092, 3383, 3400, 3436 e 3442.
verso.
3081. F ra n ce sca da R im in i é d everas a rosa pálida das
estrofes do In fern o dantesco./ N ota do A u to r. 3123. Vem grafado ortiga.
3082. Elim inam os crase. 3124. Sem pontuação, no final do verso, em tôdas as
3083. Pusem os v írg u la . C f. ed. 1947. edições consultadas.
3084. Colocamos reticência. 3125. Pusemos vírgula. Cf. ed. 1904.
3085. E m p y r io ... 3126. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.
[ 840 ]
NOTAS
3127. E stá do, ao in vés de de, na ed. de 1938. 3166. As ed. de Afrânio Peixoto não trazem vírgula. Cf.
3128. Sem pontuação. A ed. de 1904 traz vírgu la. ed. 1947.
3129. Som ente a ed. de 1938 traz 1867 era lu gar de 1865. 3167. Afrãnio Peixoto adota para o verso a variante do
como surge nas demais. “Jornal da Tarde” : A p e r n a m a is fo r m o s a — o
3130. A êste e ao verso anterior anota o A u to r: “ Creio co rp o m a is m acio. Cf. ed. 1938, pág. 205, tomo I.
ter visto nas “ O rie n ta is” ou algures uma imagem 3168. Vem grafado c er ra n ia s .
■ semelhante” . E sclarece A fr ã n io Peixoto tratar-se da 3169. Colocamos ponto.
“ Legende des S iè c le s ” , de H ugo, e não das “ O rien 3170. Suprimimos vírgula, que aparece nas edições de
ta is ” . Afrânio Peixoto.
3171. Falta do, na ed. de 1938.
3 13 1. Colocamos virgu la. 3172 a 3174. Pusemos ponto.
3132. Colocamos vírgu la. 3175. Sòmente a ed. de 1938 traz es q u e c e r -te , em vez dc
3133. Pusemos vírgu la. a q u e cer -te.
3134. Acrescentam os v írgu la.
3135. A penas a ed. de 1947 traz v írg u la no fin al do 3176. Colocamos vírgula. Cf. ed. 1947.
verso. 3177. Tôdas as edições consultadas não trazem vírgula no
final do verso.
3136. Vem grafad o erriçadas. 3178. Falta, na edição de 1938, por êrro de revisão, a
313 7. A ed. de 1938 tra z ponto e a de 1947 reticência. contração do. Cf. ed. 1944 e 1947.
3138. O Poeta escreveu “ n o iv a ” e assim está era tódas as 3179. Lê-se noC o sm os de Humboldt:
publicações, mas foi lapso: as idéias seriam antité- “ Les volcans qui s’élèvent au-dessus de la limite
ticas e inconseciüentes: irm ã vai menos mal. / N ota des neiges perpétuelles, comme ceux de la chaîne
de A frã n io Peixoto à edição de 1944, pág. 153, tomo des Andes, présentent des phénomènes particuliers.
, I, após a nota do A u to r, A O D O U S D E J U L H O , Les masses de neige qui les recouvrent fondent subi
colocada a i, como na ed. de 1938, pág. 155, indevida- tement pendant les eruptions et produisent des inonda
mente. V . nota 3073. tions redoutables, des torrents qui entraînent pêle-mêle
3139. Pusemos ponto final. C f. ed. 1904 e 1947. des blocs de glaee et des scories fumantes, etc.”. /
3140. Êstes quatro versos não vêm , por engano, na ed. de Nota do Autor.
1938. C f. ed. 1904, 1944 e 1947. 3180 Tôdas as edições trazem h ú m id o cm vez de h u m ild e ,
3 14 1. A ed. de 1947 anota constar seiba, form a arcaica, como foi corrigido pelo próprio poeta no exemplar
na edição original das Esfum as Flutuantes, de 1870. que ofertou a José de Alencar, e como está no ma
A s de A frã n io Peixoto silenciam. nuscrito original. Cf. Afrânio Peixoto, ed. 1938, nota
3142. E stá na brisa, nas edições de 1938 e 1944. C f. ed.
3, pág. 229, tomo I.
1904 e 1947.
3181, Colocamos vírgula.
3182, As edições de Afrãnio Peixoto não trazem ponto e
3143 a 3145. Acrescentam os virgu la. vírgula. Cf. ed. 1904 e 1947. A ed. de 1938 traz
3146. V icto r H u go escreveu — A s duas Ilhas — a Na- c a v a lh eiro .
poleâo. 3183 Apenas a ed. de 1938 traz admiração.
A jaccio e S an ta H elena — berço e túm ulo do 3184 “ Castro Alves destinava êste título — H in o s d o
herói — , ju stifica m o títu lo dessa ode sublime. E q u a d o r — ao seu segundo volume de cantos espar
O s presentes versos têm por assunto Jersey e sos, se tivesse vida para o publicar. Assim não
Santa H elena, H ugo e Napoleão. — D u as enormes foi. Das E s p u m a s F lu tu a n te s excluira muitas poesias
peanhas — para dois enormes vultos. que aí estiveram para entrar; outras compôs depois
de impresso êste livro. Publicadas primeiro na im
H á não sei que semelhança nestes dois p e rfis
(aliá s tão d istin tos), que o espirito do pensador os
prensa diária ou periódica, o maior número veio
reúne numa fraternidade lógica.
juntar-se às sucessivas edições dêle. Cumpria res-
tituí-lo à perfeição primitiva. O que sobrava, édito
Parece que, se H u go tivesse sido guerreiro, cha e inédito até à edição das “obras completas”, em
mar-se-ia Napoleão; e que o herói de A u s te rlitz — 1921, devia reunir-se sob o título que destinara o
poeta, escreveria Lucrécia B o rg ia .. . E , depois, serem Poeta”. Assim justifica Afrânio Peixoto a reunião
gênios não é serem irm ãos? E , depois, não é pre dos esparsos de Castro Alves sob o titulo de H in o s
destinação esta confraternidade do exílio ? êstes dois d o E q u a d o r (V. ed. cit., tomo I, pág. 235), reunião
postes? êstes dois m ares? estas duas solidões? A essa que serve de base à presente transcrição, alte
Europa os irm anou, arrojando-os do C o n tin e n te ... a rada apenas com o acréscimo de três poesias, que
êstes dois leprosos__ de divindade. Afrãnio Peixoto incluira era "O s E s c r a v o s ’’, em
O autor quis apenas denunciar a razão de ser bora não fizessem parte do plano do Autor para essa
dêstes versos, de cujo m érito êle nem ousa fala r obra. São elas “A Canção do Africano”, “Volun
depois de haver pronunciado tais nomes. / N ota do tário do Sertão” e “A Bainha do Punhal”.
A utor. Discordando da orientação do ilustre organizador
3147. V em grafad o docel. das “ Obras Completas” de Castro Alves, incluímos,
3148. Fecham os aspas. C f. ed. 1947. na presente edição dos H in o s d o E q u a d o r , todos os
3149. Nenhuma das edições consultadas traz pontuação no esparsos do poeta. V., adiante, notas 3189, 3290,
final do verso. 3292 e 3371.
5185 Pusemos ponto.
3150. Elim inam os crase. 3186 Colocamos vírgula.
3 15 1 . A ed. de 1938 traz ponto. Seguim os a lição da de 3187 Sem vírgula.
1947, pág. 150. 3188 Está es c a r n c o , grafia única no Autor. Não mais a
3152. A ed. de 1938 não tra z pontuação. C f. ed. 1944 e apontaremos.
1947. 3189 (1 ) . Pusemos reticência depois de p a ix ã o e vírgula
3153 . A ed. de 1938 traz ponto depois. C f. ed. 1944 e depois de tu do.
1947. 3189 “ Esta poesia”, anota Afrãnio Peixoto, ed. cit., tomo
I I , pág. 42, “não figura no plano do poema d’Oi
3154. A ed. de 1938 tra z vulgo em vez de vulto, como as E s c r a v o s , como o delineou Castro Alves, num autó
demais. grafo que me comunicou D. Adelaide de Castro
3155. Colocamos virgu la. Alves (juimarães: talvez a tivesse perdido das suas
3156. Sòm ente na ed. de 1938 está nos prantos. coleções, onde não a encontramos, nem nos autógra
315 7. N a ed. de 1938 vem cheirosos. C f. ed. 1944 e 1947. fos, nem nos manuscritos da família e de amigos.
3158. A ed. de 1938 não traz v írg u la no fin al do verso. Devíamos omiti-la, quando não depara entre outros
C f. ed. 1944 e 1947. Q uanto à dedicatória desta versos, e é dos seus primeiros cantos abolicionistas?
tradução, v. nota 3090. Também, igual critério foi seguido adiante com o
3159. H á, nesta poesia, defeito de paginação na ed. de “ Voluntário do Sertão” e a “ Bainha do Punhal”,
1938, corrigida na de 1944. fragmentos que são relíquias. ”
Não importam os prováveis motivos ou fatos que
3160. A ed. de 1938 traz Consultam . C f. ed. 1944 e 1947. levaram a Castro Alves a não incluí-las. O certo
3 16 1. A s edições de A fr ã n io P eixoto estão sem pontuação é que não aparecera na relação, e assim devem ser
no verso. C f. ed. 1904 e 1947. tidas. Abolicionistas ou não, inserimo-las nos H in o s
3162. V em grafado Virgilio. V . nota 3078. d o E q u a d o r , conservando “ Os Escravos” tal como
3163. Sòm ente a ed. de 1938 tra z de, ao in vés de da. planejado pelo Autor. V. notas 3184, 3290, 3292
3164. N a ed. de 1938 vera: E á hora com que, etc. C f. ed. e 3371.
1944 e 1947. 3190. Colocamos vírgula. Verbo, no verso anterior, vem
3165. Colocamos vírgu la. sem a flexão do plural.
[841]
NOTAS
319 1. Ê ste e o v erso seguinte estão sem pontuação. T er no barco veloz fendido altivo os ares
319 2. A crescen tam os v írg u la depois de v ib r a d a e travessão Ou no batei ligeiro
depois de o u s a d a , no verso seguinte. Mesquinho passageiro
3193 e 319 4. E stá sem v írg u la . T er apenas costeado o litoral dos mares?
319 5 . Pusem os v írg u la .
319 6. E stá P o r q u e. Esta versão adota exatamente a forma do origi
3 19 7 . Colocam os v írg u la . nal; a outra lhe é mais fiel talvez ao sentimento
319 8 . S em v írg u la . poético. Como explicar em dois exemplares do mesmo
3 19 9 . N ão há v írg u la . livro, da mesma edição, tais diferenças? Parece houve,
3200. A ed. de 1938 não fecha aspas. em parte dela, mudança dos cadernos 4 e 5. Porque?
320 1. E s tá s e r r o s . V . notas 3398, 3455 e 3476. Ignoro. Também não sei qual a tradução autêntica de
3202. Pusem os v írg u la . Castro Alves. Provàvelmente as duas, uma corrigindo
3203 a 3207. Sem v írg u la . a outra.
3208. Colocam os v írg u la no fin a l do verso, as tr ê s v êzes.
Acha-se o original nas N ouvelles M éditations P oé
3209. Pusem os v írg u la depois de o lh a r e depois de d e s m a io s . tiques, de Alphonse de Lamartine: X I I . ”
3210 . Sem v írg u la .
32 11. Pusem os ponto. 3225. Esta poesia, sem título e sem data, é apenas um
3 212. Colocam os v írg u la . esbôço autógrafo do Poeta, imperfeito e por refazer. O
3 2 13 . E s tá d iz e r-lh e. título foi extraído do primeiro verso. Cf. Afrânio
3214. V em g rafad o en tu m es cid o . Peixoto, ed. cit., tomo I, pág. 307.
3 2 15 . A crescen tam os ponto. 3226 Pusemos reticência.
3216. Pusem os ponto. 3227 Sem ponto.
3217. Colocam os v írg u la . 3228 e 3229. Acrescentamos virgula no final do verso.
3218. E s tá ponto, que trocam os por v írg u la . 3230 Colocamos ponto.
3 2 19 . Pusem os v írg u la . 3231 Pusemos virgula.
3220. N ão há ponto. 3232 a 3235. Fechamos aspas.
32 2 1. Colocam os v írg u la . 3236 Sem vírgula.
3222. O origin al desta poesia tra z à m argem a anotação: 3237 Não existe virgula no final do verso.
“ não se p u b lic a ” . V . A fr â n io P eix o to , ed. c it., tomo 3238 Pusemos admiração.
I , pág. 301. 3239 Vem sem virgula.
3223. S ubstituím os ponto por v írg u la . 3240 Colocamos ponto.
3224. A fr â n io P e ix o to (ed. c it., pág. 304, tom o I ) , quanto 3241 Pusemos vírgula. A ed. de 1944 traz ponto.
a esta tradução, dá-nos a segu in te nota, onde tran s 3242 . Não há virgula.
cre ve ou tra v ersã o : 3243 Sem vírgula.
3244 Pusemos virgula.
“ Pbl. na “ 5 .* ” ( V I ) E d ição das E s p u m a s F lu tu 3245 Pusemos virgula.
a n te s , de S e ra fim José A lv e s , R io ( 1 8 8 1 ), “ ap ên 3246 Colocamos virgula no final do verso e ponto no do
d ic e ” : X I V . E s ta v ersã o apareceu , entretanto, p ri seguinte.
m eiram ente publicada na coletânea de A . J. de M a
cedo S oares — L a m a r t in c a n a s — Po esias de A fo n so 3247 Sem pontuação na ed. de 1938. A de 1944 traz ponto.
de L a m a rtin e, trad u zid as por poetas B ra sile iro s — 3248 Não há virgula.
R io de Jan eiro, 1869 — pág. 48 — segundo o 3249 . Eliminamos virgula.
exem p lar que pude c o n fe rir na B iblio teca N acion al 3250 Pusemos virgula depois de L á.
( I I I , I , 30). A í a “ E le g ia ” vera assinada por 3251 e 3252 (1 ) . Pusemos virgula no final do verso.
“ A n ô n im o ” . 3252 , Está sem vírgula.
3253 Colocamos virgula.
E m outro exem p lar, d êste mesm o liv ro , e da 3254 a 3256. Pusemos virgula no final do verso.
m esm a edição, que possuo, ocorre à s m esm as p á g i 3257 Substituímos ponto por vírgula.
nas, a “ E le g ia ” , sob ou tra form a, a segu in te, a ssi 3258 Sem vírgula.
nada “ C astro A lv e s ” : 3259 a 3262. Pusemos vírgula no final do verso.
3263 Não há ponto.
V a m o s co lh êr a rosa ao despontar da v id a ; 3264 a 3267. Colocamos virgula no final do verso.
D a p rim avera era flo r bebamos o perfum e 3268 . Afrânio Peixoto anota (ed. cit., tomo I , pág. 325)
C asta volú p ia in teira a vid a em si resum e; que esta “ longa, imperfeita e fastidiosa poesia (que
A m em os sem m edida, amemos, ó q u erida! no original merece o mesmo julgamento),” estêve
para ser incluída na primeira edição das Espumas
Quando ao rugir do mar o nauta desvairado Flutuantes e finalmente suprimida.
V ê seu batei que vai a soçobrar na vaga,
V o lta o olhar em pranto ao la r abandonado. 3269 Pusemos vírgula.
T a rd e lam enta a paz que além fico u na plaga. 3270 . Vem grafado Ó, e sem virgula.
A i ! como êle q u isera então no la r dos seus. 3271 e 3272. Acrescentamos vírgula no final do verso.
Junto de tudo quanto ocupa-lhe a m em ória. 3273 Pusemos vírgula.
Esquecido v iv e r sem p ’ rigo e já sem gló ria . 3274 Não existe virgula depois de conta.
Sem n unca te r d eixad o a casa, os p átrios céu s! 3275 A ed. de 1938 traz lânguida e sòzinha, no feminino.
A ssim curvado o homem ao pêso dos estios Deve ser, é claro, no masculino, como está na ed.
Lem bra o tem po fe liz que não pode voltar. de 1944.
A i! D ai-m e, o triste diz, m eus dias fu g id io s; 3276 Colocamos vírgula.
Q uando era tempo, ó D e u s! perdi-os sem go zar. 3277 . Está descreram , na ed. de 1938. Seguimos a lição
D iz ! e a m orte responde! e os gên ios q u ’ êle im plora da de 1944.
O im pelem para o chão, quq é tempo de m orrer! 3278 . Pusemos vírgula.
N em lhe perm item m ais que abaixe-se n essa hora 3279 e 3280. Colocamos vírgula no final do verso.
P a ra ap anhar a flo r que não soube colh êr.
3281 Pusemos pena maldita entre vírgulas.
3282 Sem vírgula no final do verso.
Am em os, doce am ada!
Zombemos da am bição que adorm enta os m ortais,
3283 Não há vírgula,
D a fu m aça su til pela espiral doirada. 3284 e 3285. Eliminamos vírgula.
M etad e de seus d ias lá foi arrebatada 3286 Publicada, pela primeira vez, por Afrânio Peixoto
L o n ge dos bens reais. (ed. cit., tomo I, pág. 346), que anota:
“ Escrita a lápis, numa fôlha de papel que servia
D ê ste estéril orgulho in v e ja não tenham os. de capa a vários escritos, encontrei esta estrofe, do
A o s filh o s da vaidade deixem os a am bição! punho de Castro Alves, e que bem pode ficar junta
Q uanto a nós, sem pre incertos da hora da partid a. a esta outra:
T ra tem os de esgotar as à n fo ras da vid a
E n quanto as tem os na mão. Aqui s’inscrevem mil nomes
E se apagara num momento!
Q u er nos coroe o loiro. A i! porque assim não apagas
Q u er nos fastos cru é is da im pávida B elona Das fôlhas do pensamento?”
B ron ze ou m árm ore gu ard a o nome n êle in scrito;
Q u er da flo r que a beleza apanhe na cam pina 3287. Vem grafado catiz.
O am or nos entrelace a coroa divin a. 3288. Está pedindo, nas edições de Afrânio Peixoto.
V am o s todos ro lar d ’ encontro nos rochedos: 3289. A ed. de 1938 traz chapa em vez de chapada, como
Q u ’ im porta quando o n á u fra g o erabate-se aos penedos. está na ed. 1944.
[ 842 ]
N O TA S
A ed. de 1904, pág. 231, traz esta estrofe na outra, para têrmo da poesia:
seguinte versão:
Cala a bôea ó formosura
Se eu te dissesse que por ermos cimos. Não sondes o coração!
Por ínvios trilhos de um pais distante. Por nascer na sepultura
Teu casto riso, teu olhar celeste E ’ menos belo o c h o r ã o ! ...”
Ungia o lábio ao viajor errante;
3330. Paroxitona no texto.
Sc eu te dissesse que do alverguc à crmida, 3331. Pusemos virgula.
3332. Pusemos virgula.
Do monte ao vale, da chapada à selva,/ etc. 3333. No original autógrafo vem anotada, pelo poeta, a se
Afrânio Peixoto não investigou a origem desta guinte variante a estes dois versos:
versão, nem sabemos se a conheceu. O certo é que
não aparece no autógrafo original do poeta, nem na A s fadas beijam-se
primeira publicação, 3.* edição das E s p u m a s F lu tu a n te s , N as trepadeiras.
Bahia, 1878.
C f. A frâ n io P eixoto, ed. cit., tomo I, pág. 442.
3290. Publicada, por Afrânio Peixoto, em O s E s c r a v o s , ed
cit., tomo I I , pág. 148/149. V. notas 3184, 3189, 3292 3334. Sem pontuação o verso.
e 3371. 3335. Elim inam os v írgu la.
3336. A ed. de 1938 tra z mc antes de lembro. C f. ed. 1944
3291. Vem grafado o stia , nas edições de Afrânio Peixoto. 3337 e 3338. Colocamos v irgu la.
3292. Publicada, por Afrânio Peixoto, em O s E s c r a v o s , ed. 3339. E stá sem v irgu la.
cit., tomo I I , pág. 150/151. V. notas 3184, 3189, 3340. Pusem os v irgu la.
3290 e 3371. 3341. N ão há v irgu la.
3293. Pusemos virgula. 3342. O verbo, as duas v êzes, não tra z flex âo de plural.
3294. Vem grafado P a c k á . 3343. Colocamos v irgu la.
3295. Está fle x a s . 3344. A ed. de 1938 tra z deixa. C f. ed. 1944.
3296. A ed. de 1938 traz P etru c o . 3345. Êste verso, na ed. de 1938, está na estância anterior
3297. Colocamos virgula. C f. ed. 1944.
3298. Vera grafado re s c e n d e m . V. nota 3107. 3346. V em grafad o Gottchalck.
3299. Pusemos virgula. 3347. O xíto n o no texto, para rim a. D e ve ria estar cálix ao
3300. A ed. de 1938 traz somente interrogação depois de in vés de cálice.
in g en te, e a de 1944 vem sem pontuação Seguimos a
3348. E stá Tem, sem a flex ão do plural.
lição da cd. de 1947, do Instituto Nacional do Livro,
que transcreveu D eu s a I n c r u e n t a da sua primeira pu 3349. V em grafad o um’ a mão, tôdas as vêze s que aparece
blicação: 2.“ edição das E s p u m a s F lu tu a n te s , impressa na poesia. Sem a supressão do m, não haveria razão
na Bahia, em 1875, por Francisco Olivieri. para o apóstrofo.
3301. As edições de Afrânio Peixoto trazem travessão depois 3350. E stá Amaçada. V . nota 3352.
de te r r a e fir m a m e n to . Cf. cd. 1947. 33 5 1. Acrescentam os v irgu la.
3352. V em amaçada. V . nota 3350.
3302. As edições de Afrânio Peixoto estão sem ponto e 3353. Colocamos v irg u la .
sem aspas depois de o m b ro . A de 1947 não traz ponto. 3354. A ed. de 1938 tra z flagrante. C f. ed. 1944.
3303. A ed. de 1938 traz D o s cim o s, e as de 1944 e 1947 3355. Pusem os adm iração.
D a s cim a s. Cf. fac-simile do autógrafo original de 3356. A data não aparece na ed. de 1938. C f. ed. 1944.
Castro Alves, inserto na pág. 234, tomo I, da ed. de 3357. N ão há v irg u la .
1938, onde está D a s cim a s. Cf., também, pontuação 3358. A data não vem na ed. de 1938. C f. cd. 1944.
depois de In d o s tã e de m a n h ã , terceiro verso acima, 3359. E s tá : Que tem à arte, amor e fé ;/
alterada nas publicações compulsadas. 3360. A crescentam os v irg u la .
3304. Sem virgula. 3 36 1. Publicado por A fr â n io P eixoto (cf. ed. c it., tomo
3305. Pusemos virgula. I, pág. 488/491) com a seguinte nota: “ Inédito. Cm.
3306. Vera ó flu x , craseado, e sem virgula. pelo D r. M . T a v a re s C avalcan ti, que recitou de me
3307. Substituímos ponto por virgula. m ória o poema, aprendido dc um origin al que possui
3308. Não existe admiração. na P a r a íb a ” .
3309. Colocamos virgula. 3362. Pusem os v írgu la.
3310. Sem virgula. 3363 a 3366. Colocamos v írg u la no fin a l do verso.
3311. Assim vem na ed. de 1944. A de 1938 traz o artige 3367. Elim inam os v irg u la .
o antes de lâm p a d a. 3368. A fr â n io Peixoto (ed. c it., tomo I , pág. 496) anota:
3312. S ic , para duas silabas. “ Inédito em livro. Pbl. na R e vista “ T e r ra de S o l” ,
3313. Trocamos ponto por virgula. n.° 7, R io, Julho de 1924, págs. 14 -15 ” .
3314. Pusemos ponto. 3369. A ed. de 1938 não fecha aspas. C f. ed. 1944.
3315. A ed. de 1938 traz r e p a r tis te s . Cf. ed. 1944. 3370. Q uanto a esta poesia, A fr â n io P eixoto ((íf. ed. cit.,
3316 e 3317. Colocamos virgula. tomo I , pág. 501) anota: “ Inédita. Cm. pelo D r. José
3318. Está im p é r io , singular, na ed. de 1938. Cf. cd. 1944. M ário da S ilv a F re ire , que recolheu de uma publi
3319. A ed. de 1938 não traz ponto. Cf. ed. 1944. cação ora perdida ” .
3320. Pusemos virgula depois de v a iv é m , que vera grafado
v ai-e-v em . 3 3 7 1. P a ra a tran scrição de Os Escravos, lançam os mão da
publicação organizada por A fr â n io P eixoto (ed. de
•>321. Não há ponto no final do verso. 1938, págs. 23 a 163, tomo I I ) , que teve presente
3322. Desta poesia existem quatro variantes: três originais os m anuscritos origin ais do poeta e o plano geral
autógrafas de Castro Alves e uma impressa nas P o e da obra, que obedeceu, e onde não vem alusão algum a
sia s, Bahia, 1913. A presente é a versão primitiva. a “ M anuscritos de S tê n io ” . Sobre os tais “ M an u s
Cf. Afrânio Peixoto, ed. cit., tomo I, págs. 422/424. c rito s ” , diz êle:
3323. Está ponto, que substituimos por virgula. “ N a página de rosto da edição origin al de A
3324 e 3325. Colocamos virgula. Cachoeira de Paulo Afonso ( V . adiante nota 3456)
3326. Não há reticência. lê-se, antes o nome do autor e, em seguida ao titu lo :
3327 e 3328. Sem virgula. “ Poema original brasileiro. F ragm en to dos — E scra
3329. A propósito dêstes versos Afrânio Peixoto anota (ed. vos — , sob o título de Manuscritos de Stênio.
cit., tomo I, pág. 432/433): B ahia, etc., 18 7 6 ” .
“Transcrita de um esboço, a lápis, autógrafo, que Publicou M úcio T e ix e ira , era 1883, na liv ra ria
o Poeta não acabou, comunicado por D. Adelaide de de S erafim José A lv es, uma edição d 'O j Escravos,
Castro Alves Guimarães. Além destas estrofes, ai havia “ Poem a brasileiro dividido em duas partes: I A
duas, ainda mais imperfeitas: uma para dispor-se Cachoeira de Paulo Afonso, I I Manuscritos de Stê
talvez entre a 3.* e a 4.»: nio” . Chamam-se ai “ m anuscritos de S tê n io ” às poe
sias “O S é c u lo ” , “ V isão dos M o rto s” , “ V o zes
Não vês minha fronte pálida d ’A f r i c a ” , “ T ra g éd ia no l a r ” , “ O N avio N e g r e ir o ” ,
Corando-se à luz do sol “ A d eu s, meu c a n to ” , “ N o ta s” (sôbre a “ C ach o eira ”
— ! — ) , “ C arta às Senhoras B a h ia n a s” .
Não vês minha crença pálida
Portanto, para A u g u sto G uim arães a “ Cachoeira
Voando na luz do sol? de Paulo A fo n s o ” era os “ m anuscritos de S tê n io ” ,
[ 843 ]
NOTAS
[ 844 ]
NOTAS
L 84Õ ]
í ndi c e
a u to r e s e com posições p o ética s
[ 847 ]
ÍNDICE
C anção ................................................................................................ 83 C
oci• Amar
A ....................................................................................
L ir a — S e m e queres a teus p és ajoelhado, ..................... 83 Amanhã .................................................................................. ' [ uq
A g o ra e Sem pre ........................................................................ 83 Por umAi .................................................................................. | 151
A V irg e m ......................................................................................... 84 Protesto .......................................................................................] 151
R osa do M a r! ................................................................................ 84 Fadário ........................................................................................] 152
O Am or .............................................................................................. 85 O Assassino ................................. 152
Sem pre E la ....................................................................................... 85 A uns Anos ............................................................................. 153
M im osa e B ela ............................................................................. 86 Quando nas Horas ................................................................. 133
A s D u as A m ig a s ........................................................................ 87 Retratação ................................................................................. ’ 154
Sonho ................................................................................................ 87 Anelo ........................................................................................... 155
Solidão ................................................................................................ 88 Que me Pedes ......................................................................... 155
A um P oeta E x ila d o .................................................................... 88 O Ciúme ..................................................................................... 155
P a lin ód ia ............................................................................................ 89 A Nuvem Doirada ................................................................ 156
O s S u sp iros ....................................................................................... 90 Sonho de Virgem ................................................................... 155
Q u eixu m es ....................................................................................... 90 Meu Anjo, Escuta....................................................................... 158
A o A n iv e rs á rio de um C asam ento ......................................... 92 Os Beijos .................................................................................. 158
C an to In a u g u ra l ................................................................................ 92 Desesperança .............................................................................. 159
T a b ira ................................................................................................. 93 Se Queres que eu Sonhe ................................................ 159
O Baile ......................................................................................... 160
HINOS Desalento .................................................................................... I 60
A Queda de Satanaz ............................................................. 16I
A Lua ................................................................................................. 95 Canção de Bug-Jargal ............................................................. 162
A N oite .............................................................................................. 96 Agar no Deserto ................................................................... 162
A Tem pestade .................................................................................. 97 Hino. O meu Sepulcro ........................................................ 165
Saudades .................................................................................... 167
NOVOS CANTOS
OS TIMBIRAS
O H om em F o rte ......................................................................... 98
D ies Ira e .......................................................................................... 98 Introdução .................................................................................. I 68
E sp e ra ! ................................................................................................. 99 Canto Primeiro ........................................................................ 169
A Sau dade ....................................................................................... 100 Canto Segundo ........................................................................ 172
N ão m e D e ix e s! ....................... 100 Canto Terceiro .......................................................................... 176
Z u lm ira .............................................................................................. 101 Canto Quarto .............................................................................. I8 I
A um a P o etisa ................................................................................ 101
A n g e lin a ............................................................................................ 101
R ô la ..................................................................................................... 101 OUTRAS POESIAS
A in d a uma V e z — A d e u s! ...................................................... 102
O Sono ................................................................................................. 103 Fantasmas ................................................................................... 185
S e eu F õ sse Q u erid o ! ............................................................. 103 Lágrimas sem Dor — e Dorcora Lágrimas .................. 186
A F lo r do A m o r ............................................................................ 103 Miserrimus ................................................................................ 187
A sua V o z ....................................................................................... 104 O Donzel .................................................................................... 188
S e se M orre de A m o r ............................................................. 105 Harmonias .................................................................................. 189
A M orte é V á r ia ......................................................................... 105 O Bardo ....................................................................................... 190
A Desordem de Caxias ........................................................ 191
Lenda de Sam Gonçalo ...................................................... 193
SEXTILHAS DE FREI ANTÃO Anália ........................................................................................... 198
Caxias ......................................................................................... 200
L o a da P rin ce za S an cta ......................................................... 106 A Harmonia ................................................................................ 201
G u ln are e M ustap há ..................................................................... 110 A Tempestade ............................................................................ 202
Soláo do Senhor R e y D om João ........................................ 118
Soláo de G onçalo H e rm ig u ez .................................................. 122
VERSOS PÓSTUMOS
ÚLTIMOS CANTOS Entusiasm o ardente m ’a rrebate; ......................................... 203
A Esmeralda ............................................................................ 203
D ed icató ria ....................................................................................... 127 A Cláudio Frollo ..................................................................... 204
Ao Quasímodo .......................................................................... 204
POESIAS AMERICANAS A N otre-D am e de V. Hugo ................................................ 204
Epístola. Descrição de Pitões ............................................... 204
T — O G igan te de P e d ra ............................................... 128 Epigrama. A um Acadêmico da Escola Médico-Cirúr
II — L eito de F o lh as V e rd es ..................................... 129 gica do Põrto ................................................................... 205
I I I — I-Ju ca-P iram a ............................................................. 130 No Album de meu Amigo José Hermenegildo Xavier
I V — M arab á ............................................................................ 134 de Morais ............................................................................ 205
V — C an ção do T am oio ................................................... 134 Orgulho e Avareza ................................................................. 205
VI — A M an g u e ira ............................................................. 135 Ausência ....................................................................................... 206
A M ãe d ’ A g u a ................................................................................ 136 Visões ......................................................................................... 206
I — O índio ................................................................. 206
I I — O Satélite ............... 208
POESIAS DIVERSAS No Album de meu Amigo Antônio Cardoso Avelino . . 208
À Restauração do Rio Grande do Sul, e ao Nascimento
N ê n ia à M orte S en tid íssim a do S eren íssim o P rín c ip e do Herdeiro Presuntivo ............................................... 209
Im perial o Senhor D . P ed ro ........................................ 138 Ao Aniversário da Independênciado Maranhão ........... 210
Olhos V e rd es ................................................................................... 139 Hino ao Dia 28 de Julho .................................................... 210
C um prim ento de um V o to ........................................................ 140 A certa Autoridade que Ameaçou os Músicos por Terem
L ir a Q uebrada ................................................................................ 140 Tocado no Aniversário daIndependência de Caxias 211
A P a stó ra ......................................................................................... 140 Tristes Recordações! ............................................................. 211
A In fâ n c ia ......................................................................................... 141 Ao Aniversário Natalício de S.M. 1................................... 212
U rg e o T em po ................................................................................ 142 Voltas e Motes Glosados .................................................... 212
Sôbre o T ú m u lo de ura M enino .............. 142 I — N ão posso dizer que não, ................................ 212
M en in a e M oça .................................................................... 143 I I — N ão posso dizer que não, ................................ 212
Com o E u T e A m o ......................................................................... 143 I I I — Não quisera ser tão firm e, ......................... 213
A s D u as Coroas .............................................................................. 144 IV — F in os cabelos prenderam .............................. 213
H a rp ejo s ............................................................................................ 144 V — N ão sou fe ra , sou hum anai .......................... 213
T ris te do T ro v a d o r .................................................................... 145 Ao Aniversário de D. F . S. R ............................................. 213
V e lh ice e M ocidade .................................................................... 146 Sonêtos ......................................................................................... 214
A s F lo res ......................................................................................... 147 B a ix el veloz, que ao úmido elemento ............ 214
O que m ais D ói na V id a ...................................................... 148 D oce A m or — a sorrir-se brandamente . . . 214
F lo r de B ele za .............................................................................. 148 A penas oiço dar A ve-M aria, ........................... 214
O A n jo da H arm onia .................................................................. 149 Pensas tu, bela Anarda, que os poetas . . . 214
A H istó ria ....................................................................................... I49 Ando abaixo, ando acima, e sem pre às
A Concha e a V irg e m .................................................................. I 50 solas ............................................................... 214
L 848 ]
ÍNDICE
PÁG.
A V id a ............................................................................................. 214 No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva
À Partida da A tr iz .................................................................... 214 Pereira Júnior ................................................................ 253
Hino dos Reis M agos .................................................................. 215 O Pastor Moribundo ........................................................... 253
A Violeta ...................................................................................... 216 Tarde de Verão ...................................................................... 253
A o Casamento da F ilh a do S r. N orris ........................... 216 Tarde de Outono .................................................................... 254
Consente-me E screver aqui meu Nom e! ........................... 216 Cantiga ..................................................................................... 255
No Album de D . L u íza A m at .............................................. 216 Saudades ................................................................................... 256
T u não Queres Ligar-te Com igo ......................................... 217 Esperanças ................................................................................. 256
A s A rtes São Irm ãs ................................................................ 217 Virgem Morta ........................................................................ 257
No Album de D. A m érica P . R. Lopes ............................ 217 Hinos do Profeta .................................................................... 257
Fragm ento ....................................................................................... 217 Um Canto do Século ...................................... 257
Estâncias ...................... 217 Lágrimas de Sangue ...................................... 259
Que Cousa é um M in istro .................................................. 218 A Tempestade ................................................. 260
O h l que A cord ar! ..................................................................... 219 Lembrança de Morrer ........................................................... 261
Se muito S o fri já , não mo P ergun tes .............................. 220
No Jardim ! ..................................................................................... 220
A Baunilha .................................................................................... 221 Segunda Parte
Se te Am o, não S ei! ................................................................ 221
Como! És tu ? ................................................................................ 222 Prefácio ..................................................................................... 262
Revelação ....................................................................................... 222 Um Cadáver de Poeta ..................................................... 263
A M inha R osa .............................................................................. 222 Idéias íntimas .......................................................................... 266
Ciúm es ................................................................................................ 223 Boêmios ..................................................................................... 269
T en s mais Poesia ....................................................................... 223 Spleen e Charutos .................................................................. 275
Poema Am ericano. Fragm ento .............................................. 223 I — Solidão .............. ; ........................... 275
A o Grande L iterato Homeopático D r. V elu d o ................ 225 I I — Meu Anjo ...................................... 276
A o D outor dos M anuscritos ..................................................... 226 I I I — Vagabundo ....................................... 276
D. Em ilia ......................................................................................... 226 IV — A Lagartixa .................................... 276
Ê A le g re a F lo r que B rota ..................................................... 227 V — Luarde Verão .............................. 277
Seu Nome ......................................................................................... 227 V I — O Poeta Moribundo ................... 277
Am or de A rabe .............................................................................. 227 E ’ Ela! E ’ Ela! E ’ Ela! E ’ Ela! ..................................... 277
M inha T e rra ! ................................................................................ 227 Sonêto — Um M ancebo no Jô g o se descora, ........... 278
Sonêto — Ao Sol do meio-dia eu vi dormindo ........... 278
Tôda aquela mulher tem a puresa ..................................... 278
POESIAS TRADUZIDAS O Cônego Filipe .................................................................... 278
Terza Rima ............................................................................... 278
A T riste F lo r (V icto r H u go) .............................................. 228 Relógios e Beijos .................................................................. 279
Profecia( do T e jo (T ra d , do Espanhol) ............................ 228 Namoro a Cavalo .................................................................... 279
T ens Jóias e D iam antes (H ein e ) ..................................... 229 O Editor ................................................................................... 279
Vem , ó B ela G ondoleira (H ein e) ..................................... 229 Dinheiro .................................................................... .'............... 280
Não te D iz meu Rosto P álido (H ein e) ............................ 229 Minha Desgraça ....................................................................... 280
Tenho Veneno nos V ersos (H ein e ) .............................. 229
Ambos se A m a v a m ! ... (H ein e) ...................................... 230
L írio e Rosa (H erd e r) ............................................................ 230 Terceira Parte
Fortificai-m e, ó D eu s! (T ra d , doA lem ão) .................... 230
A Cam isa Encantada (U h lan d ) ...................................... 230 Meu Desejo ............................................................................... 280
O Am ém das Pedras (K osegarten ) ................................ 231 Porque Mentias ....................................................................... 280
Soneto. (R olli) — Dise-me tu, pastorsinho, ................ 231 Amor .......................................................................................... 281
Sôbolos R ios (Lope da V e g a ) ................................................ 231 Fantasia ...................................................................................... 281
O A n jo dos Olhos N egros (E m ílio A d e t) ................... 232 Lágrimas da Vida ................................................................ 282
Fragm ento da Divina Comédia .............................................. 232 Sonêto — Os quinze anos de uma alm a transparente . . 282
Possêidon (H ein e) ..................................................................... 233 Lembrança dos Quinze Anos ........................................... 282
Meu Sonho ............................................................................... 283
Trindade ................................................................................... 283
Sonêto — J á da morte o palor me cobre o rosto, . . . . 283
MANOEL ANTÔNIO ÁLVARES DE Minha Amante ......................................................................... 283
Despedidas à .................................................................................. 284
AZEVEDO Panteísmo ................................................................................. 284
Desânimo ................................................................................... 285
POESIAS O Lenço dela .......................................................... 285
Pálida Imagem ...................................................................... 286
Seio de Virgem ...................................................................... 286
LIRA DOS VINTE ANOS Minha Musa ........................................................................... 286
Mal va-Maçã ............................................................................... 287
Prefácio 239 Pensamento dela .................................................................... 287
Por mim? ................................................................................. 288
Lélia ............................................................................................ 288
Primeira Parte Morena ....................................................................................... 288
12 de Setembro ...................................................................... 289
No Mar ................................................................. 239 Sombra de D. Juan .............................................................. 290
Sonhando ................................................................ 240 Na Várzea ............................................................................... 292
Cismar ................................................................... 241 Oh! Não Maldigam! ............................................................ 293
Ai Jesus! .............................................................. 241 Adeus, meus Sonhos .............................................................. 293
Anjinho ................................................................... 241 Página Rôta ............................................................................. 293
Anjos do Mar ....................................................... 242
T en h o um s e io q u e d e lir a ..................................... 242
A Cantiga do Sertanejo .......................................... 242 POESIAS DIVERSAS
Q uando á n o ite n o le ito p e r fu m a d o .......................... 243
O Poeta ................................................................. 244 Glória Moribunda ................................................................ 293
F u i um d ou d o em so n h a r ta n tos a m o r e s , ................ 244 No Álbum da Exma. Sra. D. 0 ............................................. 297
Q uando f a l o co n tig o, n o m eu p e ito , ............................ 245 Pedro Ivo ................................................................................. 297
Na Minha Terra .................................................... 245 A Minba Mãe ........................................................................ 298
Itália ...................................................................... 246 Sonêto — P assei ontem a noite junto d e l a .................... 298
A T........................................................................... 247 Teresa ....................................................................................... 298
Crepúsculo no Mar ............................................... 248 .Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro de
Crepúsculo das Montanhas ..................................... 248 seu Irmão ......................................................................... 299
Desalento ................................................................ 249 Sonêto — Perdoa-me, visão dos meas Am ores ........... 300
Pálida Inocência 249 A Minha Esteira .................................................................... 300
^onêto ................................................................... 250 Sonêto — Oh! páginas da vida que eu amava, .............. 30C
Anima Mea ........................................................... 250 Se eu Morresse Amanhã! ................................................. 300
A Harmonia .................................... 251 O Poema do Frade .............................................................. 300
........................................................................... 252 Canto Primeiro ................................................. 300
t-................................................................................ 252 Canto Segundo ................................................. 303
[ 849 ]
ÍNDICE
PÁc.
Canto Terceiro .................................................. 306 L U I — Â Morte de Afonso de A. Coutinho Mes-
Canto Quarto ...................................................... 311 seder ............................................................... 389
Canto Quinto ...................................................... 313 L IV — Berço e Túmulo ....................................... 390
LV — Infância ........................................................... 390
[ 850 ]
in d !Cí ;
PÁG.
Ai! ..................... 456 Sôbre um Túmulo .................................................................. 507
Mais um Túmulo 457 Tristeza ....................................................................................... 507
A Enchente .............................................................................. 508
CONTRADIÇÕES POÉTICAS A Estátua Eqüestre .............................................................. 509
[851]
ÍN DICE
[ 852 ]
ÍNDICE
P A g.
As Trevas (Byron) ............................................................... 728 JUVENILIA
Aves de Arribação ................................................................. 729
Os Perfumes ........................................................................... 730 AoNatalicio do meu Diretor o Ilmo. Sr. Doutor
Immensis Orbibus Anguis ................................................... 731 Abílio César Borges ..................................................... 775
A uma Atriz ........................................................................... 731 Poesia — Qual leão encostado à dura rocha ................... 775
Canção do Boêmio ................................................................... 732 Sonetos — Aos Anos do meu Prezado Diretor ........... 776
É Tarde! .................................................................................. 732 Ao Dia Sete de Setembro ..................................................... 776
A meu Irmão Guilherme deCastro Alves ...................... 733 Ao Sr. Furtado Coelho ........................................................... 777
Quando eu Morrer ................................................................. 733 Ao Dous de Julho ................................................................ 777
Uma Página da Escola Realista ........................................ 734 O Povo ao Poder .................................................................... 778
Coup d’Étrier .......................................................................... 736 Ao Violinista F. Muniz Barreto Filho ............................ 778
Improviso ................................................................................... 779
HINOS DO EQUADOR Num Album .............................................................................. 779
A Adelaide Amaral ............................................................. 779
Destruição de Jerusalém ..................................................... 736 Fados Contrários .................................................................... 779
Pesadelo .................................................................................... 737 A Atriz Eugênia Câmara ................................................... 779
I — O “Rendez-Vous” .......................................... 737
II — O Assassínio ..................................................... 738 OS ESCRAVOS
I I I — A Louca ........................................................... 738
IV — A Entrevista noTúmulo ................................ 738 O Século ..................................................................................... 780
V — Os Dois Cadáveres ........................................ 739 Ao Romper d’AIva ..................... ............................................ 781
Meu Segredo .......................................................................... 739 A Visão dos Mortos ............................................................. 782
Cansaço .................................................................................... 740 Mater Dolorosa ........................................................................ 782
Noite de Amor ........................................................................ 740 Confidência ............................................................................... 782
A Canção do Africano ......................................................... 741 O Sol e o Povo ...................................................................... 782
Fragmento .................................................................................. 741 Tragédia no Lar ...................................................................... 784
Aos Estudantes Voluntários ............................................... 741 O Sibarita Romano ................................................................ 786
Capricho .................................................................................... 741 A Criança ................................................................................. 786
Exortação .................................................................................. 742 A Cruz da Estrada ................................................................ 786
Martírio .................................................................................... 742 Bandido Negro ........................................................................ 787
Não Sabes ................................................................................ 742 América ..................................................................................... 787
Pensamento de Amor ............................................................. 743
Remorso ....................................................................................... 788
A Eugênia. Câmara ............................................................... 743
Canto do Bug-Jargal (Victor Hugo) ................................ 788
Sonho da Boêmia .................................................................... 743
A órfã na Sepultura ............................................................ 789
Horas de Martírio ................................................................. 744
Antítese ..................................................................................... 790
[ 853 1
Êste livro foi composto e impresso nas
oficinas de Reis, Cardoso, Botelho
Cia., à Rua Solon, 856 - São Paulo,
para as Edições L E P Ltda., em
novembro de 1952.
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