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EÇA DE QUEIROZ:

PRECURSOR DA MODERNIDADE

BEarnrz Bpanrrur*

Quanclo se procura, entre as avaliaçÕes dos críticos queirozianos,


e de hoje, um traço comufir a todos, penso que a incidência
se verifica em relação ao seu perene humor, ao fato cle sempre
umedecer a sua pena "na tinta da galhofa" e clo
, à presença iniludível de um sorriso leve ou, em alguns
, cle uma boa e sonora gargalhada a pontuarem os seus textos.
explicar essa tonalidade característica da escrita de Eça de
Julgo que em todas essas manifestaçôes do seu humor, exis-
tc algo mais profunclo, uma atitude fundamental que talvez seja pos-
sível definir c que poderá servir de ponto de partida para algumas
consideraçÕes. Na verdade, a meu ver, tÍata-se de uma questão am-
pla, envolvendo muitas leituras e reflexÕes, que pretendo aqui ape-
nas esboçar.
Na minha opinião, trata-se de algo primordial em Eça cle Queiroz.
A ironia seria a base da qual teria emanado uma infiniclacle de recur-
sos expressivos: cômicos uns, satíricos e mesmo sarcásticos e burlescos

Pnlifícix Universidxde Católica de S:ro Pxulo PUC-SP


llr a r rrrz lir rrrr[.tt Eça oE OuEtRoz: pREcunsoR oA M()r)r nNr)^r)r

()utl'()s, Iirnitxnclo-se :r um leve tom bem humorado em certos momen- cxpxnsào dos limites clo território da ironia. Os pensadores, volt:rtkrs
t()s... lntcrcssxnte e útil, penso eu, Íefletir de início, ligeiramente em- gritt'it os problemas da poesia, tinham clara consciência cle quc "srr:r
l;ora, sobre â questão da ironia e sua evolução, dâ Antiguidade até rlissiro era decidir o destino da sua linguagem e da sua literatura". Nrr
tcnlpos lnais Íecentes. Começo por aí. vr.rclrcle, houve um desabrochar fecundo, de índole filosófica e liter'Ír-
A ironia de Sócrates teú sido a "primeira manifestação de índole rlir na Alemanha dos finais do século XVIII, a partir das reflexôes clc
irônica no Ocidente", afirma Emst llehler (1990, p. 73), com base num lrl( lrte, Tieck, Solger, Friedrich Schlegel e mais alguns. No mesmo
fragrnento de Friederich Schlegel de 7797; e com tal assertiva concor- lttgmcnto 42, de Schlegel, há pouco citado, ele diz categoricamente
clam toclos os pensadores. ConsideÍam que na Repúblicct e no Simpósio (luc "x Filosofia é a verdadeira pátria da ironia, que se poderia definir
(Banqttete) de Platão é que a ironia inicialmente se m2tnifesta, através ('onro a beleza lógica" (I3ehter, 1990, pp.73 e ss). Essa ironia filosófica
clas observaçôes e clas :rtitucles cle Sócrates. Com efeito, no Simpósio, trrntém em si mesma e por sua vez dá margem ao nascimento de um
por exemplo, Alcibíacles enfurecido pergunta a Erixímaco se ele acre- "scntimento de antagonismo indissolúvel entÍe o absoluto e o relati-
clitava nas palavras de Sócrates. "Não sabes que a verclade está sem- vo, cntre a irnpossibilidade e a necessidade de uma comunicaçào
pre no contrário do que ele afirma?" (Platão, 1986, pp. 1,12 e 728). O ('ornpleta".
grotesco envolve suas palavras, continua Alcibíades, mas quem pene- Na verdade, as idéias e posiçÕes de Schlegel e de alguns con-
tÍar no seu âmago, verá, que elas contêm "um sentido que outns l('n)porâneos seus alteraram radicalmente o pensamento e as postu-
jamais encerram (...) e, por elas, nos tornamos virtuosos por graça". rrrs icleológicas de intelectuais da época e, mesmo, influenciaratn
Facilmente se encontram expressões equivalentes e não só nesta obra, pcnsuclores mais próximos a nós. Uma Alemanha, lembremo-nos,
porém tarnbém em outras, como na República. Afinal, a palavra (luc n:ro existia ainda como nação, cujo elo de união residia prática
eironeia, significando "intcrrogaçào", propÕe perguntas que exigem r,unicamente na língua comum, submissos os cidadãos ao jugo de
respostas, incliciando claramente que a ironia alcança sua plena signi- nlriltiplos soberanos, quase sempre ocupados unicamente com a
ficação através do cliálogo, que se pÍocessa graças à linguagem. A grlrcura da riqueza e do bem estar pessoal, cultuando além disso
estrutura comunicativa ó uma condição básica da ironia. O emissor vírrios credos religiosos, freqüentemente em luta uns com os outros.
serue-se de um modo de expressão no qual o significado autêntico ( )s j()vcns intelectuais, próximos pela língua, obcecados com o seu
contraria o sentido das palavras. InteÍessante colocar a ironia-interro- (,rlprcgo filosófico e literário, deram início primeiramente ao século
gação cm paralelo com outro binômio: ciência-dúvicla, indispensável r llrs Lr.rzcs e, depois, ao Romantismo. É com esse pu jante surto

esta parâ o progresso científico. ( riirlivo c renovador germânico do final do século XVIII, que simul-
No seu caminho para chegar ao século X\III, a ironia foi empre- lrrr(,lrrente se instala a modemidade na cultura européia, alertam
gada quase sempre como figura de linguagem, bem estabelecida e lr lgrrns críticos recentes.
registrada nos tratâdos cle Retórica. Ela assim esteve presente nos Ncssa atmosfera tumultuacla, em que tudo era posto em questão,
textos medievais e clo Renascimento, mantendo-se os teóricos fióis às' rr pniyrlia clenÇa leligiosa viveu seguidas crises, e o cristianismo, divi-
r lir lo intcrnamcnte, j1t não conseguia submeter a uma fé cegzt
propostâs clássicas. Isso até o final clo século XVIII, quando se cleu a
muclança e ampliação clo significado de ironia, em simultâneo com o irrr qrrt'stionírvcl o rcbanho clos fiéis. Ora, a visão que o homem tevc de
advento clo Romantismo. A ironia, sendo viÍualmente idênticr ao sl rrrt'srrro c clc sua realiclade dentro do universo e, por conseguinte, :t
cstilo auto-reflexivo da poesia, acabou por se tornar uma c2uacteÍísti- ( l;r:r ( ()nstrrtxÇalo tla rbsolutzr incongruência entre â proposta bíllliclt
ce clo liornantismo. Para Il. Bennett (1993, p. 187), foi o prcclorrínio, rk' rrrrr rrrtrntk> ctirtclo por Dcus (c pol elc consiclcleclo llollt) c, n<r
no súculo XVIII, cla rcflcxito soble a linguagcrl, quc pr'()l)()Í( i()n()u lr
;rírkl olroslo, lt rcltlicllttlc oltjctivlt <1r.rc cstilvil il() altltncc rlll ol>scrv:l-

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b-_
EÇa DE OuÉtRozl PREcuRson D^ M('l'l rlNll'^l'l
llr rL, lll rilirNt
^

nl ironia, de um componente essenciâI, por vezes somente ulnl ntllln('('l


çuo c cla experiência, apresentou-se destituída de qualquer sentido,
nrarcando uma distância intransponível e inconciliírvel entÍe a exis- I kléia <1o absurclo cla existência humana e do paradoxo qtre cliss<r

tência possível de um Ser superior divino e, no outro extremo, a Ícsulta.


crixtur.r humana, perclida, desamparada dentro da realidade do uni- Aclmitem-se duas espécies básicas de ironia no seu emprego ha-
verso. Daí a ironia filosófica, assinalando a absoluta ilogicidade da hllual: a ironia verbal e a ironia de situação ou, dependendo do caso,
condição humana. (le compoÍtamento. Na sua concepção mais simples, básica' a ironi:t
Karl Solger terá sido o introdutor da idéia cle que a verdadeira verbal leva a Pessoa 'a' afirmar aquilo que não tem intenção de dizer;
ironia resulta da contemplação clo destino do mundo, um conceito (ru, em outras palavras, usa de um modo de expressão em que o
nlgnificado autê;tico contraria as palavras. A ironia de situação
envol-
que pode ser traduzido sob :ts denominaçÕes de lronia Universal ou
vi igual discrepância, porém em relação ao que a pessoa faz' à ma-
lronia Cósmica.
uma
Na esteiÍ?l dos pensadores setecentistas alemàes, outros filósofos neha como se compoÍta, etc. É mesmo possível encontrar-se
lronia mais sutil, uma ironia peculiar a um determinado tipo de tem-
exploraram a questão da ironia, em especial a visão cósmica da
peculiar, fruto de uma
irracionalidacle do universo. Eça de Queiroz leu e deixou-se impreg- ÍxÍilmento, que se manifesta numa tonalidade
nar, por exemplo, pelos textos de Goethe e pelos poemas e demais enpecífica e permanente maneira de ver as coisas e'lou de avaliálas'
escritos de Heine, que alude à ironia de Deus e à ironia do mundo, Para alcançar uma tal atitude, é indispensável um certo
ponto
Heine propôe Deus como o AÍistófanes do paraíso, etc. Terá Eça tllslanciamento, que irá permitir ao olhar irônico situar-se num
possível
conhecido a obra do dinamarquês Kierkegaard, que, em 1841, no seu lfustado, em situâção por âssim clizer superior, o que tomará
livÍo O conceito de ironia, considerou a idéia de ironia como um lr(luilatar o grotesco mundo dos homens.
'
modo de ver âs coisas, uma maneira de conceber a existência? Idéia O que me faz lembrar Flaubert que, do alto, aludia à
então
que, na verda<.le, se estendeu e proliferou pelo mundo ocidental. As- lrnpassibili<Iade divina diante clo espetáculo do mundo, falando
nit blaSue supérieure <fe um Deus a presidir o espeáculo
do mundo'
sim também aconteceu com Amiel que, um pouco mais tarde, no seu
Jountal Intime (1883-1887), ao expor o seu Ponto de vista, considera l'arl cle e para tantos outros, o pensador também Paira acima do
piedade
que a ironia nasce da percepção humana diante do absurdo da vida, univcÍso e ; contemPla clo alto, cle longe, com um misto de
(, (livcrtimento. Ironia que se pocle atribuiÍ, como muitos pondera-
pensamento comum a muitos artistas e pensadores seus predecesso-
res ou que a ele se lhc seguiram, tais como Voltaire, Baudelaire, r:tnr, ao próPrio Deus.
Flaubert, Nietzsche, Thomas Mann e tantos mais. Par:t concluir esta Introdução, aludiÍei brevemente à função mais
lrlpoÍtante cla ironia: é um insrumento da verdade' Diante do
obieto
A meu ver, é sempre preciso ter em conta o significado mais despoiá-
l'rrrto clc sua observação, a ironia pocle censuíalo,
purificáJo e
profundo de ironia, uma concepção que atinge o cerne da consciên-
transformá-
cia humana e ali imprime a visão trágica e sufocante de sua realiclade Io tlos cxccssos enÍianosos, alcançando por este caminho
Verdade que' nas
dentro clo universo. A ironia pÕe a nu, Portanto, uma fundamental' Ir rto instrumento mais eficaz e váliclo da verdade'
(1992, p. 1'22), é o clesvelamento do ser en-
discrepância entre â peÍcepção do homem em relação ao seu destino 1r:rlirvr:ts clc Hciclegger
rlrrrrrrto t:rl, ó, por aisim <.lizer, a verdade do ser' Essa
a raztro bâstctt
e, no pólo oposto, âs suas aspiraçÕes e sonhos. No cotidiano, a Partir
sempre:
clessa consciência básica estrutural, a ironia utilizará recursos cle ex- ,ir,.' !"u,r,,, Iiçrr cle Queiroz - voltando a ele - a procuráJzr
todos os subtcrfú-
pressão que irão revelar a total incomPâtibilidade entre as palavrts c tlnrlrr"H,,n.k, ,, ironia pretenclia limpar o mundo cle

seus significados, ou entre as âÇÔes e seus resultados, ou entrc apxrôn- plri ruistificack»es. [iis, parecc-nrc, 1r Í"t7'i:ro tlo pcnnancntc cmPrcgo
hipocl isi:r'
cia c realiclaclc. Em qullquer cl§o, cntÍetlnto, vcrificlt-sc':l l)rcs('11Ç1t' tln ir,r.,i,, pt»' Iiç:t <1Ltc, ltcilna clc tttcl<l, ltllotllinavlt a

42 43
\--
BEATBtz BERnrNr EÇA DE OuÊtBoz: pBEcuBSoR DÁ M()r)r rNl,^r'r

A IRONIA OUEIROZIANA Nclas, Eça trata de inúmeros problemas que atormentav:rm u r)ir
t[(], l)leocupa-se por exemplo com a atividade dos missionlttios
nrr
A ironia em Eça, como em tantos outros, é poftanto uma atitude N(n1c do país. Ao denunciar o procedimento de alguns elementos (lx
fundamental do seu espírito. É a sua maneira de ver o rnundo. Domi- llrt'ja, que atuavam no Norte de Portugal, vitupera veementementc o
nado pela visào cósmica irônica do universo, irá observáJo com obje- r ornúrcio lucrativo que pr.rticavâm, vendendo imagens, obietos, tex-
tividade e sem ilusÕes. Desde a mâis tenra infância zr sua específica krs ('t»n promessas de felicidade futura, "cartas inéditas da Virgem
visão perante a realidade foi a de uma contemplação - do mundo à Mirliir, umas dirigidas a personagens dos tempos evangélicos, outras a
sua volta - despojada totalmente de qualquer íantasia; uma contem- r ltlirtliros de Braga", etc. Os religiosos - para o bom êxito das opera-
plação objetiva, fria, atribuindo a cada obieto, a todo ser com que se 1rtr,s - valiam-se da própria autoridade e condição de eclesiásticos.
defrontasse, um valoÍ definido, que deveÍia corresponder com rigor ( i |ln() sc percebe, já em outubro de 1871,nas Fatpa\ o autôr de certa
àquilo que seria a sua verdade intrínseca. Na sua análise, partia de lr,Ínlu ântecipa textos ficcionais futuros. Mas, não se limita Eça a
uma contemplaÇào abrangente superioÍ, alcançando formar uma idéia ,rr'lrsrt os eclesiásticos; chama a atenção das autoridades superiores
exata do valor de câda coisa, sem concessões, sem floreios. Não que
l)iu:l cssas situações que o escandalizavam e, ao mesmo tempo, pro-
fosse desprovido cle emoçôes, longe disso: era um homem sensível, prtc r.rrn paralelo entre urÍI tal comportamento e o dos missionários clo
afetivo, e este teÍrr sido o seu mais profundo conflito interior: a hesi- pirss:rclo: Eça recorda os antigos padres das missôes, educados na
tação entl'e a suâ implacável lucidez mental e a própria emotividade, lrrrrliçiro apostólica, que iam à China, e à Índia em viagens
cap z de atenuar, por um interposto véu de fantasia, a crueza da ^o Japlo
nt;tt:rvilhosas, ensinavam o Deus novo, e morriam nos torrnentos.
verdade obseruada. lIr(lr.urnto os paclres contemporâneos, assinala ele, descem clo púlpito
Com efeito, o que mais espanta em algumas de suas primeiras pirrr vcncler as suas relíquias e demais preciosidades. O verbo
produçôes é a percepção ampla, total, rigorosa, do objeto de sua r;rrirozi:rno castiga, pois é a palavra de um idealista e de um moralis-
observaçào e do contexto em que está inserido. A releitura meditada, Lr, (lr.rc desejava um Portugal diferente e melhor, inclusive sob o pris-
ponderada, das Farpa5 por exemplo, mostra-nos um Eça cle Queiroz rrlr rcligioso. Pelos comentários apontados, percebe-se que nas
de 26 anos ou pouco mais, que via e analisava o munclo português à l'l,,lxtsÍcmos ilL O padre Amarc e A relíqtda clelineados na sua temática.
sua volta, com a mesma objetividade, precisão e clareza que iÍá expor I'Írcil concluir, por outro lado, que tais denúncias partiam de
no final cla vida, nas suas últimas obras, algumas inacabadas, publicadas lnr:r 1)cssozr lúcida c iclealista, que pretendia com as suas "cem pági-
postumamente. Nas Farpas, temos iá todo Eça de Queiroz. Eis mais rr;rs irírnicus", eclitaclas mensalmente, comunicar aos leitores reflexões
uma característica fundamental do escritor: fidelidade à sua primeira rr r('sl)cit() clc "algumas realidades do nosso tempo", como ele propu-
obseruaçào em relação à realidade do mundo português. Como ele nln xr y»rine\ra fanPa.
próprio dirá poucos anos clepois, no seu texto sobre o amigo Ramalho l)t' forrna semelhante, e ainda nessa publicação, abordará outros
OÍtigão: "A primeira impressAo que nos vem à retina, fica-nos perpe- t('nrrs: lliltirrít cla política, cla diplomacia, da morosidade e iniustiÇa da
tuamente no espírito". A visão que terá do mundo ponuguês no final Irrslil:r t'rn rclaçiro aos pobres, da visita do nosso imperador D. Pedlo
clo século é a mesma que já expressara nas Farpas' iuvenis. ll lr l)ollrrgrtl c clc tnttitos outlos assuntos. A respeito cla cliplornlcirt -
p;rlrr r'il:rl rrutis ttnn clc suas crônicas -, tece comentltÍios sarcitsticos lt
tt'spcilo rLt ltroíissiro, quc ir:'t ser:r sua, :rfinnanclo, primorclillmente ,
I As citxçôes dos tcxtos queirozixnos serào feit$ .t p íÍ dÀ Obftt co»lplcla (1997 2OO0).
()s tcxt()s (le úup,rnsx ercontrrnr'se no lerceiro Yoltrnre c x corresPon(lirt irr, rr() ilrr:rrl(). () rlttc () tIi1rlotttrttrr P()rttlÍluôs crlt louvtclo pelt sr-re paliclcz, peliclcz esse
rirul() (/(nr:r (Lúx P(issil)ililrrÍi() (lc irnedixlo x l()(xli7xçio. r;rrt' lltlvtz tlt'r'iv;tssc tllt ltclcza ctlt rltçlt llcninsrtlxr ()tt, cntat(), (l:l Ílil

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I lr |l0./ llt riritNl
Eçe oe Ouetaoz: pnEcuRsoFr oa Mol)r rNr,^r,r
^

(luczl gcrxclu por uma má alimentação. euânto às clemais qualicia<.les, r, lrrlltndo cle um c:tríssimo amigo, escreverá: "tuclo cada vcz pior'.
incluinclo-se nel:rs a instrução, seria injusto peclir ao candiclato, cliz I ), N4, câdn vez mais pessimista; de vez em quando vai converszrr c()n)
clc, o conhecimento do direito internacional e cla história diplomáti- rr lci; arnbos eles concordam que isto é uma choldra e que não poclc
cu. Muito pelo contrário: o mais trivial bom senso, continua Eça, exige rlrrr';rr, c clepois rnuito tranqüilamente, o rei vai câçar e o O. M. vcm
que o candidato se;a examinado em determinados pontos específicos, llhrsofar!". Os melhores da nação limitam-se a constatar a realidade,
que passa a enumerar: maneira mais própria de pôr a gravata branca; r ruzltndo os braços, sem nada fazer.
método mais fino de comer a ostra; teorias sobre a valsa (para que o
concorrente niro valse só, poderá ensaiar utilizando, como clama,
o contínuo da secretaria); muito importante - iá que os portugueses o CORRESPONDENTE DA GAZETA DE NOTÍCIAS
nào se distinguiam poÍ serem espirituosos - é os senhores diplomatas I)O RIO DE JANEIRO
decorarem pilhérias adequadas para variadas situações: para bailes,
para cerimônias religiosas, para recepçôes no paço, etc. À sua ironizr não se limita à crítica relacionada com a pátria. O
Quase duas clécaclas depois, nos Maias, o sr. Sousa Neto, no l,tlo clc viver no estrangeiro - primeiramente em Cuba, depois na
iantar dos Gouvarinhos, perguntará a Carlos, se na Inglaterra encon- Itrglittcrra, pois transfericlo para Newcastle e a seguir para llristol,
trava-se, como em Ponugal, "desta Literatura amena, como entre nós, r ottcluinclo a sua carreira em Paris -, tal fato permitirá a Eça ter uma
folhetinistas, poetas de pulso?...". Carlos responde com clescaro: rllflrcnsão internacional a respeito da política e da cultura do Ociden-
- "Nào, não hír disso". - "Logo vi, murmurou Sousa Neto. - Tudo lr,. ( inno correspondente, por exemplo, da Gazeta de Notícias do Rio
gente de negócio." O seu filho, esse, era,,um horror de estupiclez',. rlt',1ínciro, vai expor aos leitores a sua visào crítica do que ia pelo
Fora despachaclo seÍlundo secretário para a legação de S. petersburgo, rrrrrrrrlo. Sempre com paixão e com muito humor, sobretudo com
e nem francês sabia, diz D. Maria da Cunha ao ouvido cle Cados cla rxlrcn)o rigor e retidào. Antes de escrever informa-se, documenta-se,
Maia, para depois concluir: "Que a quantidade de monos, cle rr(\litu. Além clisso, como Alan Freelancl recorda, ao descrever por
sensaborôes que nos representaln lâ fora até nos faz chorar... pois o ('x('nlplo 1 situaÇão dos ingleses no Egito, Eça de Queiroz teve em
menino não achâ? Isto é um país clesgraçado". Irll]r xlÍqo mxis amplo: traça paralelos "entre â invasão britânica clo
O riso é a ârma que o autor maneja no seu combate pela reformzr llgit() c o clestino que ameâçâ as pequenas nações".'? Esta visão, para
da nação. Reveste a crua e dura verdade, com umâ capa de humor. irlí.nr rlc inciclentes fortuitos e pontuais, permiteJhe uma leitura am-
Aliás, na proposta inicial dessas Fa?pas juvenis, assegura que o últi- pl:r, univcrsal, seix no sentido do espaço, como no do tempo, e garan-
mo recurso para alguém dotado de bom senso face ao descalabro da l(. ;r s(.r.rs tcxtos umár extrema atualidade. ISasta alterar, por exemplo, o
nação é valer-se do riso. lllul(, (' ls (lcnorninaçôes próprias de pessoas e locais para termos, em
Eça, a panir de sua visão irônica e usando dos recursos humorís- Irrg;u tlc rcflexi>cs c comentários sobre "Os ingleses no Egito", no
ticos clâ linguagem, não se vai limitar zr apontar os erros e a tentar llrrrrl <l< r s('ctrlo XIX, série cle artigos publicados nL Gazeta de Notícias,
assim corrigir essas falhas, sustando a decadência da nação portugue- r[ r llio tlc .Junciro -, trma fria e irônica avaliaçâo a respeito d"'Os
sa. Por detrírs da linguagem sorridente, clas pilhérias, dos sarcasrnos, lllll('r'i( irr)()s no [ftrquc". Para âpresentar o panorama das lutas impe-
clas invectiv:ts grotescas é sempre possível adivinhar a fisionomia cl<> rl;rlist:rs irrglcsus n() Egito, EÇa utilizar,t um mosaico infinito de recusos
escritor; mais clo que isso, é possível zrpreencler o seu espírito, clonri-
naclo por uma ironia angustiacla, ao retmtal o estaclo cle neç.io. Ânos
J (),rlr,t(,,[ li(r'liuxl lrrr llreni Íi)íc::r visio rlLrcrozirrnrr tlj In)llirl(!Iit',.n.()nlr:r sf n,)
nr:tis trtrcle, cnr cârt.r à mr-rlher, clatacla clc Lisltoe (5 <lt. t:rtrio <lc. lll90) ^ ( )l»1t t »üllrkt l lt)91 .:í)l)(), l)l) lol J r' ss
r1r.' \ "lrrx.,l.f
rr,ll t )

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b- 41
llr^ l Bt llllrNt
Eça oe Ouetnoz: paEcuÂsoR oA MoDr rNr,^r,r

rlc linguagcm: por vezes usará de uma fina e sutil ironia; em outros rlllrlrrntltas em tomo de uma mesa a solução da crise: t Cbnferônckt
nrorncntos predominarh nos seus textos o cômico e rnesmo o burlesco, ,fu (.1»tstantinopla. Teve a Inglaterra, simultaneamente, o cuiclarkr clc
valcndo-se o autor de paradoxos, de paralelos contrastivos, da hipérbole lltnntcr os seus navios de guerra em frente a Alexandria. Â tcnsio cr':r
c do exagero caricatural e assim por diante.
;ltrtrttlc, uma vez que os ocidentais eram malquistos, pois usufruíatn
Meditemos um pouco mais sobre "Os ingleses no Egito,,. De tto ligito de toclos os privilégios possíveis e, a seu lado, os felás erar)r
início, através de umur saborosa narração, Eça resume a história do rt r.sc(rriu cla humanidade. Os melhores postos e empregos públicos,
EÉJito, ou antes, â de Alexandria. "Apesar dos seus dois mil anos de
Ilrllo l)cm remunerados, estavam em mãos de ocidentais, que nada
idade, de ter sido, depois de Atenas e Roma, o maior centro de luxo, r,rlrlxn) do ofício e, mesmo, ignoravam a língua árabe.
de letras e de comércio, que floresceu no Mediterrâneo...", a velha O objetivo de John Bull, continua Eça, era estabelecer-se no Egito.
cidade não apresentâva monumentos do seu passado: .Era uma cicla- I'r n lirl Í:tzão bombardeou Alexandria, reduzindo-a a cinzas. Na verda-
de feia à vista, desagraclírvel ao olfato, reles, insalubre" e realizava,,o rk', o r;ue os ingleses queriam era estar em toda a parte, como senhores
mais completo tipo que o mundo possuía de uma cidade levantina, e r I r rrrunclo. Essa a "iustificativa" para yarrer os obstáculos que se levan-

nào fazia má figura, sob o seu céu azul ferrete, como a capital comer- lív;[D contra as suas ambiçÕes. Vale a pena ouvir o escritor:
cial do Egito, e uma Liverpool do Mediterrâneo" (pp. 1l4t-tt4z).
 seguir a essa n:rrração que recupera a históriâ de Alexandria, Iistio em toda a parte, esses ingleses! O século XIX vai findando, e tudo
Eça passa a clescrevêJa, possibilitando ao leitor a visão da cidade. O cllt torno cle nós parece monótono e sombrio - porque o mundo se vai
tornando inglês. Por mais desconhecida e inédita nos mapas que seia a
que acima de tudo interessa o escritor - o leitor logo se apercebe - é
rulclcola onde se penetre, por mais perdido que se ache num obscuro
falar do passado recente, enumerando as reformas sociais proporcio- rccanto do Universo o Íegato âo longo do qual se caminhe - encontra-
nadas pelo líder Arabi, que passara diretamente da enxovia para o §c sefilpre um inglês, um vestígio da vida inglesa! Sempre um inglês!
superior exercício do poder. Fora chamado para tentar resolver a Irrtcirirmente inglês, tal qual como saiu da Inglaterra, impermeável às
crise da nação ante a insaciável sede imperialista da Inglaterra. No ( ivilizxçôes âlheiâs... (p. 1172)

parecer de Eça, Arabi não alcançou ser um reformador no sentido


pleno e rigoroso <la palavru, por integrar o exército turco cuja sobera-
li, pouco mais âlém, Eça resume a jactância inglesa, ao afirmar
rlu(';l Ingl:rterra se gabava de ter dinheiro a rodo, e pulsos fortes, aos
nia estendia-se pelo pâís e por ter o posto de coronel; emboÍa, pel^
rpr:lis ninguém tinha condiÇÕes de resistir. Fâz tilintar o seu dinheiro e
origem, fosse um humilde fehi- Note-se que EÇa, tendo estado no
rr(,slrir t sua força como "um Hércules de feira". E assim conquista
Egito, tinhâ um conhecimento pessoal direto da extrema e pungente ,r('l|ll)rc rnais espaço no mundo, mundo que se vai tomando um espa-
miserabilictade da situação do felá:
1o irrglôs. E Eça ironicamente conclui: "A Inglaterra perdeu as suas
[Arabi], felá, filho de felá, nascido numa dessas ristes aldeias, montões lrr lrts ttutncir:ts".
de choças feitas de lama seca, que negÍejam ao comprido do Nilo, tendo li p()r quc EÇa satiriza tanto a Inglaterra? Na verdade não se con-
vivido na âbietâ miséria dos felás - a pior que existe sobre a teffa -, ele, Irrlnr:rvrr corn o que observava e avlliava a respeito daquela nação
mais que ninguém, tinha direito â erguer-se em nome dos longos agra- Irr.gr.rrrôrricrr c irnpcrialistzr. Percebia que, podendo agir de acordo
vos do felá; mas âo mesmo tempo Arabi era um solclado... (p. 1146)
I I In ()ulr()ri patlrires morais e políticos, a Inglaterra cavava um abismo
(.ntr'(.(, (luc poclcria realizar e o panorama real que expunha perantc
.., que voltara cle suas czrmpanhas pronto a se pôr a serviço clo cxér-
ll IrIn(l(), rcsrrltrrclo clc sur política cxternx il]rperialista, Eça cle Queiroz
cito. Enquanto Arabi tentxva algumas mediclas para firzcr o Egikr crDergir
r orrlt'rupl:rr,:r :r rclrlicluclc cl:r civilizlrçiro <;ciclcntal coll tlrn olhar pr<>
<lc sttt grtve crise, lts p(Íênciâs oci(lcntais opt;l!':lr)) I)()r' tltltgrtr:t
Irttttllrrrrcrr(t irôrri« r c clcselcnt;ttk rr'.

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L- 4:)
lll l|z BEFFTNT EçA oE OuElRoz: pREcuRSoR D./\ M()r)lrNr,^r'r
^

O GROTESCO EM EÇA DE OUEIROZ Â partir de tais pressupostos, podemos nos questionar: (lr.rc ('s
|lí('ie de grotesco está presente nas criaçÕes liteÍárias de Eça de Qucirozi
Bakhtin, no seu livro a respeito da cultura popular medieval e 'l'cntanclo chegar a uma conclusão ponderada, começo por xnl-
rcnascentista, estudada a partir de uma análise e avaliação da obra cle lls;ir <r seu artigo, publicado a 8 cle fevereiro de 7892, nt Gazetít dc
Rabelais, cLÍ cleriza o grotesco e o clefine. Considera que Rabelais Nolícias "A dec^dência do riso" (EÇa de Queiroz, 1997-2000, pp. 1190
zrlcançou expressar a cultura popular da Idade Média, que se opunha t,ss.). O texto abre-se, curiosâmente, com uma citação, em francôs,
à cultura oficial, ao tom sério, à religião e aos ditames do poder feu- rlr "grande Mestre Rabelais":
dal. A socieclade presente em Rabelais é vista a partir de uma visào
grotesca popular que, por assim dizer, constituiria uma paródia do " Riez! Riez!
mundo oficial, seria um mundo às avessas. Verifica-se pois a existên- Car le rire est le propre de I'homme!"

cia de uma dualidade, uma vez que, em contrapartida ao culto e às


expressões do poder do Estado e da Igreja, existia um mundo segundo, Após discorrer sobre a afirmaeão de Rabelais, de que o riso é
grotesco, e uma forma segunda de viver. urr:r caràcterística peculiar ao homem - AÍistóteles iá o proclâmara -,
Tendo em vista esses aspectos, presume-se ser quase impossível liç;r considera que, após a gargalhada rabeleriana, seguiu-se uma onda
encontrar na prosa queiroziana o grotesco de Rabelais. Com a evolu- rI' tlcsalento. Ele considera, mesmo, que a evolução da humanidade
ção da Idade Média e clo Renascimento para os séculos XVIII e XIX, rro sóculo XIX conduziu-a à afirmação contrária: "chorar é próprio do
com efeito, como esclarece o mesmo Bakhtin, o grotesco assumiu um Irorncm". O século XIX perdeu "o dom divino do Riso". E acrescenta:
novo significado. Foi possível acolhê-lo no mundo da Literatura no "lír ninguém mesmo sorri". Saudoso, lamentâ a ausência contemporâ-
século X\{ll, pois uma nova concepção de Arte surgira, insubmissa rrt':r cla magnífica gargalhada que ouvira na infância - "a anliga garga'
aos imperativos estéticos clássicos do llelo e do Sublime, inspirada llrrtllr, genuína, livre, franca, ressoante, cristalina!...". Adulto, ele agora
também em alguns autores precedentes, sobretudo em Shakespeare e \ír cscuta, às vezes,
Cervantes. No Romantismo, com efeito, o grotesco assume um novo
(...) uma casquinada ou uma cascalhada (por ter o sorn do cascalho que
significado, uma nova forma que se irá caracterizar por sua visào
rola), seca, dura, áspera, curta) que vem através de uma resistência
subjetiva e individual da realidade, muito distanciada das concepçôes
tclmo arrancada por cócegas, e que bruscamente morre, deixando as
precedentes, seja dos rígidos ditames clássicos, seja das criaçÕes de Í:rccs muclas e frias.
cunho popular e carnavalesco. O grotesco romântico é um grotesco
de "câmara", um grotesco contido, e o artista vive as incongruências, li tonclui: "Ninguém ri - e ninguém quer rir". A que se deve tal
a ambivalência e a arnbigüidade do universo, encerrado na sua intimi- IrrrrrsÍirrrnaçiLo? Afirma Eça que a humanidade entristece "por causa
dade, consciente do seu isolamento, pois julga-se um ser diferente do rl;r srrr irncnsa civilização. Quanto mais uma sociedade é culta - mais
resto da humanidacle. A sensação carnavalesca, nota ainda Bâkhtin, .r srlr I:rce é triste". Profético, atuâlíssimo, chega a prever o mundo de
transfere-se de certa maneiÍa para a linguagem do pensamento filojó- Irojt, t'lc (luc morreu no limiar clo século )o(. E dialoga com o amigo
fico, idealista e subjetivo. [.llor',
O riso subsiste porém. Mas diminuído, assumindo as formas le-
ves do humor, caracterizando-se por uma ironia sutil, por um s.trclts- Âlr:rrrd<lna o teu laboratório, reentra na nâtureza, não te compliques
mo comeclido. Toclavia, o grotesco persiste: tânto se presta ito ris() (()r)) lll!)tas n,ll'tquinas, não te sutilizes com tantas ânálises, vive uma boa
vir.Lr rlc pai pr(ivi(l() que âmltnlta a terr.r, e reconquistarírs com a s:rúcle
conro, invcmantente, it lepulsa, por seu aspecto pot'vczt's itll'crossíll il,
c r'<»rr lr lilrcrlaclc, o clom augustrt cle ril.
l)izírrr'(), cstxplrfútclio ott caliceto.

rio 51
\-
lI^lnrz BERRTNT EÇa oE OuElRoz PRECURSOII DA M(JI'I IINIIIAI'I

Mas como escutar estes conselhos de sapiênciâ um desgraçado, que nttÍquesinho de Blandford, o texto queiroziano ilustra a op()siç:r()
tem, nos poucos anos que ainda restam ao século, de descobrir o pro-
cntre os valores antigos da velha aristocracia inglesa e o pocler ckr
blema da comunicação inteÍ-astrâI, e de assentar sobre bases seguras
todas as ciênciâs psíquicas?
tllnheiro norte-americano, dominador e destrutivo.
Por que razão Sarah Bemhardt desagradava tanto a Eça de Queiroz-1
Como se vê, já adivinhava Eça de Queiroz, ao finclar do século lilc dedica-lhe, na Gazeta de Not'ícias, uma série de três artigos, destina-
XIX, a importância crescente da Psicanálise e das ciências que iam rlos "Aos estudantes do Brasil". O motivo próximo foi a publicaçào no
levar o homem ao espaÇo interplanetário. llgarc, assinada por Sarah Bernhardt, de uma "concisa apologia da sua
Mas, voltando ao grotesco, pode-se perguntar oncle será possível Vicla e do seu Gênio". O narrador, iÍonicamente, vai comentando as
encontrá-lo nos textos queirozianos? Na ficção, basta recordar um lÍlrmaçÕes da atriz, optândo traiçoeiramente, maldosamente, por uma
conselheiro Acácio, o Dâmaso Salcede dos Maias, o conde de Àbranhos tncsclâ de aparentes louvores (ou censuras?), antecedidos de negativas:
e seu inefáyel secretário, representantes estes últimos do corrupto
Não temos aqui uma velha e manhosa atÍiz que, por hábito de cama-
mundo político pequeno burguês e assim por diante. Povo, além dos
tilm e de maquillage, devendo recapitular diante de um Público crédulo
trabalhadores rurais, a seruiço das grandes e médias propriedades, e a sua carreira, a sobrecarrega à pressa com grossas pinceladas de
dos serviçais domésticos, o povo não tinhâ representação numérica púrpura e cle ouro, para lhe dar a radiância postiça dum sol. Não temos
de clestaque na nação. O próprio Antero iá o notara. Donde se pode aqui também uma ingênua criatuÍa que, vivendo sempre dentro de
concluir que o grotesco queiroziano não poderia revestir-se de mani- uma luminosa névoa de louvores, perde o sentimento exâto da sua
estaturâ, se consiclera tão grande como esse iluminante nevoeiro a apâ-
festaçôes de sabor populâr como as que estão presentes nos textos de
renta... (pp. 1451 e ss.)
Rabelais. Utilízarâ Eça um tom acerbo, duro, cortante, muito crítico,
porém tendo como alvo, em particular, a média e alta burguesia. Outro recurso, usado por Eça, além do emprego do nào para
A adjetivação talvez seja, algo injusta. Pois, como assinalei de ;rÍiflnxr o sinx, é expoÍ se glorificar, pois se julga merecedora
início, à visão crítica da realidade aliava-se, no escritor, um ^ ^ÍÍiz ^
(l:rs rnâjestáticas homenagens que lhe estavam sendo prestadas: na
inconformado sentimento de piedade, de pena, por a humanidade ser Atrsttilia, graças a ela, a colônia francesa, que lá vivia em posjçào
assim dessa maneira. Nos textos queirozianos, pxira sempre um desa- srrlrrltcrna e oprimida, consegue enfim erguer a cabeça, passando a
cordo básico, de raiz, diante da dispariclade existente entre o Ideal e rlonrinar. Uma clássica façanha, comparável, diz Eça, à deJoana d'Arc.
a Realidade: a suprema ironia cósmica, em suma. s(, tivcsse prolongado sua estadia na Austrália, poder-se-ia esperar
Voltemos ao grotesco em Eça de Queiroz. Para exemplificá-lo, rlrrc:rclucle território viesse a ser uma província francesa "onde o
lembro dois textos publicados em 1897: o primeiro nt Gczeta de rrltirno inglês estaria comenclo o último canguÍu, à sombra do último
Notícr'as do Rio cleJaneiro, de fevereiro, a respeito cle Sarah Berntrardt, ct tt rtlipto",
e o segundo n Reuista Modema, de noveÍLbío, sobre o marquesinho I Iilxriltntcs c alltênticas pantomimas são as descriçôes das recep-
cle Blanclforcl. Em ambos a visão caricatural, paródica, grotesca, d:t grs rlc Srtreh llcrnharclt no Canadá e no Chile, e o escritor, afinal,
sociedade do tempo, captada nos comentários cáusticos que Eça tecc ;l ;rllr por-convicl:rl os leitorcs a fugirem "clesses espetáculos horríficos"
a respeito, primeiro, do comportamento da famosa atriz Sarah ( i rnt ltri rr sór'ic clc trts nrtigos apÍesent;rnclo a mais lamentirvel cle
I3ernhardt, que, julgando-se uma cleusa, alardeou, no perióclico fran- Iotl;rs rrs Irorrrcn:rgcns, a saber, aquela quc lhe foi prestacla pclos estr.r-
cês Figaro, o seu exame cle consciência: afirmava ser uma mâgníficrt rl;rrrlt's tlo l!lrsil. Nas palavras cla atriz, cles :rÍranc:tritm os sabtcs c
ahiz, cletalhanclo as homenagens que lhe estavzrm senclo prcst:tcllts r lisllilrr rú rrr r t trlillttllts "lx)r(luc ()s rtal() (lcixltvxn) clcscngeter os c:tv:tlos

pclos scr.ts (lcvotos aclmiraclores 2ttr:tvós (l() Ittttnclrt; <;rt:tnto :ttr (. nt(.1('r ()s orrrlrros rros v:tntis", J-tltlt cnlal() I)ttxitl('ltr íl stlil (ilrltlilll('l)1.

52 l,ll
E--
llr
^
r rrr Br nnrNr EÇa DE OuErRoz: pREcuRSoR oa Mtrur rNr)^r,r

(irm irônicl sutileza Eça lembra as loucuras cometiclas no seu tempo ru;;x.nrlcra seu trabalho para uma catedral "e espremeu todo seu
pclos cstudantes de Coimbra, concluinclo quc somcnte uma vez, em 10[lo nos ornatos dum sapatinho..." e assim por diante. Dentro ckr
lÍ167, eles tinham puxado uma pesada crlcchc em que ia o rei de r,r;Ír'lto cla época, os jornais proclamaram o altíssimo preço pago por
Portugal. "E sabeis vós o que fizera esse rei para que assim o puxás- lrrr.rs 1xças de "um luxo inédito na História do Luxo". E as residências
semos com tão quadrupedante e relinchantc umor?" - Pergunta. Por- p,tl;tt i;tn:ts que passaram a ser propriedade sua? Desde que se verifi-
que o rei magnânimo lhes concedera oito cli:ts rle feriado! Ora Sarah r ut (luc o recém-nascido era um varão "e que o era com energia"
-o
Bernhardt não dera aos estudantes do llrasil "netn mesmo um solitá- M,trrlrrcsinho tornou-se senhor do palácio de Blenheim, com seus
rio e curto dia cle feriado!". l '/(.nk)s quartos e sete mil hectares de parques. Para os vagares do
Essas personagens ou situaçÕes ridículas c, por isso, risíveis, vlt,lo rcccbeu um palacete à beira-mar, "solar de mármore mas real-
caricatâs, estapafúrdias, que beiram o inverossímil, segundo a escrita llrl.nl(.(lc ouro"; e para que melhor pudesse aproveitar o mar, ganhou
de Eça, é que me levam :r afirmar a pÍesença do aspecto grotesco em Lrlll(.nl um J.,acár... Mas, a leitura direta dos comentários queirozianos,
alguns textos seus. Este último, que ligeiramente comentei, é também nl ruhirncâmente risonhos e ferinos, nào pode e não convém que seja
prova indiscutível, penso eu, da permanência en.r Eça de um iniluclível rrtlrslituícla por este parco resumo. É preciso ir ao texto, apreciar os
fundo crítico em relação aos brasileiros, avaliação que já despontara ,r lls Plrllelos que o autor traça, aqui por exemplo, entÍe este recém
no começo de sua atividade periodística, naquelas Farpas que tinham rr,rrt irkr c o Menino que nasceu "sobre as palhas de um curral, entre
por objeto o imperaclor, Dom Pedro II em visita à Europa; foi este o ,r v,r(lr,rinhx e o burrinho, com uma grande estrela espreitando, des-
alvo prefericlo cle algumas cle suas crônicas mais ferinas. Na verdade, lrtrnlrr:rtl:r, :rtravés das vigas rotas do telhado!".
se ele e Ramalho tinham se diverticlo, e muito, ridicularizando o S()nlcnte o fato de colocar lado a lado a suntuosidade vazia. do
provincianismo (lo imperaclor, não perdoavztm ambos, por outro lztclo, lrrrovrrl clo marquesinho, avaliado a peso de ouro, e estas linhas
os próprios compatriotzrs: para Eça e Ramalho, o Ilrasileiro seria o ln x'ti(:rs (lue recordam a comovida e despoiadabeleza da cena com o
Português desabrochaclo ao calor dos trópicos, enquanto o Português Mlrrirxr sobrc as palhas e a grande estrela a espreitar, al panlelo jí
é o llrasileiro encolhiclo. Esse humor queiroziano que, de certa forma, lipr('ssa um juízo invisível a marcar uma posição. Mais para o fim,
nos câstigou por toda a vida, mais uma vez nos faz refletir sobre a ,rrrrr Í'in;r sensibilidade e inteligência, Eça constrói outro paralelo:
paradoxal popularidade de Eça de Queiroz entre nós. rllr.rrrlrr;r o passado do avô Marlborough, de delgada nobÍeza é veÍ-
Uma queiroziana mít vontade, embora risonha que, afinal, alas- ,l,r,L , rrr:rs vcnceclor de dez campanhas triunfais na França, e alude à
tra-se por toda â AméÍica. Uma América do Norte que mantinhz'com lttrlx)rtincia monetáriâ do outro avô, do americano. O primeiro, o
a Inglaterra uma relação paralela à existente entre Portugal e Ilrasil: Itrgkls, t'rnlrorr mero soldado, gentil e esbelto, mal sabendo assinar
ex-colônia zersr.r ex-metrópole. Com efeito, ao comentar o nascimen- I r r(,nr(., (luc alcançâra conquistar a simpatia do inimigo vencido. "A

to do marquesinho de lllandforcl, filho do Duque cle Malborough - l'r,ur(;r, (llle clc csmagara, o imoÍtalizou numa canção toda cheia de
e, portanto, por essa ascendência, membro da aristocraciir inglesa -, o ll, rrr.r,", rrrnro :rssinalzr Eça. Mas o âvô bom do marquesinho não é o
marquesinho pelo lado mâterno era herdeiro dos milhÕes clo :tvô Irlror irrgli's cl:rs clrnpanhas militares, porém o avô que "assina o bom
norte .rmericano Vanclerbilt. Eça emprega com freqtiôncia o x(ljctivo ,lrr.r1rrr,", tl V:rnclcrbilt, "o milion/.rrio Vanderbilt, o milionaríssimo
pobrc p^ra qualificar o recém nascido c rnultimilioniilio nrerqttcsinh<; \/,lrrlt rlrilt, o :rrlrcric:rno rnais milionarisante cla América milionari-
clc lllanclforcl. Descrevc:ts excôntricâs honlts tlc (ltlc cril alv(): il stlít ,,,rrI rlrrl". ( ) ;rvô M:ulborough estít morto e bcm enterrado, enquanto
vcnt'rivcl ltvti :tltrit:t tllll concurs() (lc I)ltril st lt t iott;tt tllll l)illt(n' V,rrrrk'rlrilt, st'r'rt;r<k> ir hrrncu, corn pcna larga c fírcil, "assina um che-
^!1c,
t:t1ltz clt' "tottct'lrtr o Íi'itio sLtl>litttt' tlt' tttlt tttt ito"; ttttt ltrt;ttilcl" ,;rtc rlt' rttil <orttos", lttttl.trt I1ç:t tlc Qtrciloz.

lt4 t.. l, lr
llr r llr/ Br llllrNt Eça oe Ouetnoz: pREcuRSon D^ M()r,r rrJr,^r,l
^

(hrnto se percebe, â sua pena de escritor lúcido e crítico voltou- ttt,tls clcscrente e cético, Machado, segundo a sua granclc bi<igr.:rlir,
sc ((nrtrir a socied:rdc burguesa, escarneceu dos novos valores mate- Irrr'llr Miguel Pereira, morreu tendo nos lábios, ironicamente, a rrlir
tilris, cur especial clo ouro, capaz cle tuclo comprar, inclusive cons- trt;tçrlo clc q\et a uidít é boa. Algo semelhante aconteceu cortr Fl1:r.
'li.rrtkr regrcssado da Suíça paÍa morÍer, conservava entretanto o cspÍ-
ciôncias; na verclade, nas suas páginas, ele escancara a imagem de
rurla sociedade pusilânime, esquecida clas suas tradiçÔes clc honra, rllo Í()rtc. Quando o ministro de Portugal foi visitá-lo em Neuilly,
riclícula no seu pretenso aparato de seriedade, marcada por uma lr,rris, cncontrou-o na câma, porém animado, conversanclo com mui-
rcligiosiclade falsa e por um poder inócuo, mesquinho, venal' Uma t,r vivirciclade e humor, de tal sone que, no dia seguinte, ao saber dc
autêntica par'ódia daquela sociedade que não era mas que cleveria rrr.rr Í'lrlccirnento, mostrou-se incrédulo: tào vivo ontem, como poclia
ser, que não p:tssava cle uma lembrança inútil. "Os louros secaram - lr.r nxrrriclo?
vivam os dólaresl" M.ris que icléias, mais que descrenças, acimzt cla convicçào I res-
1r'ito tkr absurdo da condiçào humana face à irônica indiferença dos
( i'lrs
- :r Vida falou mais forte em ambos. Vida que anima os seus
CONCLUSÕES FINAIS Ilxl()s, xtualíssimos, mesrno já tendo passado pouco mais de um
urtttkr no c:tso cle Eça, pouco menos no de Machado. Na recente obr:r
Resumo o seu peÍcurso: vimos que o ponto de partida foi a sua ,lr, I lrrrolcl l)loom, Gênios, um e outÍo figuram como os dois maiores
observação: acreditava c expÍessava o que via e lia. Examinou primei- r'l)I(,sentântes da ficção de expressào portuguesa no Ocidente.
ramente o munclo it sttzt volta, bem próximo, que conhecia muito À rrrt'llxrr prova disso é este Simpósio, em que toclos estamos reuni-
bem. O hábito vortz da,leitura de livros e jornais, somado à carreira r l,
's l):r[r conviver e conversar com ambos.
<.le cônsul, clele fizeram um observador voltado para a realidade
euro-
péia e para toclo o Ocidente. Simultaneamente, a sua maneira de ver
o munclo clos homens parece sempre mais ampla, universal, também III I-ERÊNCIAS
no sentido cle passar da leitura de um caso factual para um nível
de interpretação cacltt vez mais abrangente. Fala do marquesinho cle Al )^MOV-^UTRUSSEAU (i999). Les Lumiàres. Paris, Hachette.
lllandford, por exemplo, mas na verdade vitupera o mundo domina- Al,ltliR'|], V. (799». O riso e o risft,el. Rio de Jtneiro/Zahar Fundação
clo pela sede servil do ouro. É, e foi sempre, um moralista Com (;(.túlio Vargas.
clistanciamento e sábia isenção, consegue iulgar e avaliar: tal contem- ll. (1978). "De l'ironie em tant que principe littéraire".
^l.l,liM^NN,
plação atenta não o pacifica, porém' O seu verbo, todavia, nào se l\,élkluc, n. 36, nov. Paris, Seuil.
reveste cle amargura, agressividacle. Consegue vislumbrar beleza na A l( ls'l Ó'lIil.ES 09a4). Metafrsica I e I, Ética a Nicômaco, Poética. sTto

NâtuÍeza e na Àrte. Considera rrresmo que, sobreviver a esse pouco l'rtLrk r, Âl;ril Ctrltural.
nacla que somos, somente será possível através da Arte' r\'f 'l'Alllx), S. G/<1). Linguistics Tbeoies of Hunor. Berlim,/Nova York.
M( )ut(»r (lc Gruytcr

Nào considelo Eça cle Queiroz um pessimista Se foi levaclo a ItAl(ll'l'tN, M. (1970). L'oetrure de François Rabelais et Ia culttffe
criticrr, isso se deveu it su:t inconformaçito cliante do espctírcr-rlo clo l,tl\tl(tift' au Mo-yen Age et sous la Renaissafice. Paris, Galliurarcl.
runiverso, à sua aspiraç^iro por algo cliferentc c melhor' Foi assitn n:ts llAl ll)lil.Alltli, (1. (s.cl.). l)agcs clc Citiqtrc. I)aris, Haticr.
l,(trpíI.s, continuou a sô-lo até o finxl. I)ocler-sc-ia tlizt'r o ttlt'snro clc lflil ll.ltR, li. ( 1990). Inttr.tt rtttd lhc Discotttsc of ll4orlcrnit.y,. sc:lttl(' ('
l\4:rclutrkll' Ncssq llsl)c(t() os cl<>is llartct.'ttl-ttlt' tttrtil<t Pt'oritttos l\lt' l.ortrltcs, I lrtivcrsity oÍ V:tsltirtgkrtr l'ttss.

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