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tempo brasileiro

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Tempo Universitário
47

lucio Helena

coimo-AGoniA
AUGUSTO DOS AAIOI
BTÜ 47
A COSMO-AGONíA

DE

AUGUSTO DOS ANJOS


Lucia Helena

A COSMO-AGONIA
DE
AUGUSTO DOS ANJOS

tempo brasileiro
Rio de Janeiro — R J — 1977
BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITÁRIO — 47

Coleção dirigida por EDUARDO PORTELLA,


Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Capa de
ANTÔNIO DIAS

Direitos reservados a
EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LTDA.
Rua Gago Coutinho, 61 (Laranjeiras) — ZC. 01 — Tel.: 225-8173

Rio de Janeiro - R J — Brasil


A meus pais,
amigos sempre.

À memória
de Martin Heidegger,
poeta.

E a Mário César,
pelo carinho.
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Pau d’Arco — 1901


SUMÁRIO

Ao leitor ................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11

Capítulo I: LEITURA CRÍTICA DOS ANTECEDENTES CON-


T E X T U A IS.................................................................... 35
Da rejeição à aceitação plena (17); A divul­
gação de equívocos (20); O Eu e os signos da
renovação (23); A crítica da crítica: o texto
como desafio (27); O Eu no âmbito da Histó­
ria da Literatura (33)

Capítulo II: A PROBLEMÁTICA DA CRÍTICA E A CRÍTI­


CA DA LINGUAGEM . ............................................... 4-5
A crítica vigilante e a vigília do poético (47);
Nem o texto/nem o contexto: o Poema (53); A
obra literária e o poético (59)

Capítulo III: A COSMOGONIA POÉTICA DE AUGUSTO DOS


A N JO S ............................................................................ 63
O termo cosmogonia e suas implicações (65);
O tema da cosmogonia no Eu (73); A tem atiza-
ção da cosmogonia no poema “Os Doentes’’ (75)

CONCLUSÃO............................................................................................. 117

Adendo ....................................................................................................... 121

Notas ........................................................................................................... 123

Bibliografia ............................................................................................... 127

Nota sobre o autor ................................................................................ 133


AO LEITOR

Certa feita escreveu Drummond que ao poeta cabia penetrar


surdamente no reino das palavras, onde encontraria os poemas que
esperam ser escritos. Lá, palavras indagadoras lhe perguntariam
de que chaves se munira para abrir os intrincados fechos que as
aprisionam.
Na Paraíba, no Engenho do Pau d’Arco, sem ler nem ouvir
Drummond, um outro poeta trancou-se em muitas palavras-portas.
Escavou um estranho mundo, de silêncio e fala, dor e mágoa. Com
a larva do caos telúrico, esse operário das ruínas foi ser gaúche na
linguagem:

Quando nasci, num mês de tantas flôres,


Tôdas murcharam, tristes, languorosas.

Ficou quieto no seu canto, correu à frente de seu tempo e es­


barrou no mulambo da língua paralítica dos que se lançaram a des-
virginar o labirinto do velho e metafísico mistério.
Guesa errante, Augusto dos Anjos não tinha tintas claras, mas
águas não lavadeiras, que deixam tudo encardido.
Poeta da corrosão, artífice da palavra crua, no seu cante a
paio seco, cantou morte e rasgou vida.
Do observatório em que me situo, do outro lado, o de cá, pe­
diria a Drummond as chaves que abrissem aquelas tintas, que ha­
bitam o mito e o desejo de criar paredes nuas.
Do observatório em que me situo, do outro lado, o de lá, peço
ao poeta Augusto a Rua Direita/direta, a tesoura que corte firme
este seu mundo poético de camadura concreta.

Lucia Helena
INTRODUÇÃO

Ler e analisar a obra de Augusto dos Anjos não é fácil. Nos


seus versos algo existe que, sob a forma de uma tentação, quase
sempre nos leva a ligar o poeta ao homem, e a transformar seus
poemas em notas de confissão pessoal.
Assim foi que ao longo dos anos a crítica o focalizou: o tuber­
culoso sofredor, o herói problemático de errante caminhada. É ver­
dade que alguns tentataram, como Manuel Cavalcanti Proença,
penetrar em seu artesanato poético. Mas no geral o que conta são
os seus versos mnemônicos e sonoros, de vocabulário hermético,
recitados por aqueles que neles procuram cismas patológicas insanas.
Eis que nos decidimos a empreender uma leitura atenta de
sua poesia. Foram muitos os obstáculos: desde a escolha de um mé­
todo, até a escrita, sangrada, dos originais que ora entregamos ao
leitor.
De início, ainda intuitivamente, percebemos que o poeta de­
senhava um Mundo. Não o seu, nem o de suas dores. Não o recorte
de uma determinada paisagem físico-geográfica, mas o perfil de
uma travessia na qual misturavam-se, à forma poética, o traçado
épico e a trama dramática.
O traçado épico prende-se ao caráter unitário desse mundo
construído na linguagem, e que assume a forma de uma cosmogonia:
uma espécie de história mítica que relata a origem, o aparecimento
de algo. Uma narração sempre ligada ao tema da criação do uni­
verso, à prediçao do fim dos tempos e ao surgimento de uma nova
humanidade. Uma reflexão sistemática que se repete ao longo de
todos os seus poemas.
A trama dramática reside nos recursos de que o poeta se vale
para fabricar um “pathos” de que ressalta a vida, a paixão e a
morte das substâncias e quimeras. Ela se faz presente na antropo­
fagia com que ele constrói, destruindo, tudo o que existe no universo
da “natureza exausta” que esquadrinha.
Em vista dò caráter composto de seus poemas, em que ao li­
rismo romântico das barcarolas e da ama Guilherminá misturam-se
o satanismo e o macabro, o épico e o dramático, podemos afirmar

11
que Augusto dos Anjos sempre escreveu, ao longo de toda sua obra,
um único poema, incansavelmente repensado: o poético interrogar
da destinação e da trajetória do homem, que encontra na Arte a
expressão máxima da existência.
Quanto ao método de abordagem, buscamos pensar a obra do
poeta no que ela tem de essencial: a manifestação poética de uma
cosmogonia. Em suma: o poético retomar dos mitos do fim do mun­
do, que implicam a recriação de um novo universo, exprimem a
idéia extremamente difundida da “degradação” progressiva do
Cosmo, e requerem sua destruição e recriação periódicas.
A leitura que vamos empreender considera, portanto, a obra
de Augusto dos Anjos como a manifestação poética de um jogo hí­
brido — nascimento/vida/morte/re-nascimento — que nada tem
a ver com o que leituras anteriormente feitas sobre o poeta, e in­
fluenciadas pelo monismo e pelo cientificismo positivista, afir­
maram.
Conceber que Augusto dos Anjos construiu um poema-cosmo-
gcnia significa negar que sua obra seja “poesia científica” e/ou a
expressão documental dos princípios naturalistas da evolução me­
cânica das espécies.
Ao longo de três capítulos — LEITURA E CRÍTICA DOS
ANTECEDENTES CONTEXTUAIS; A PROBLEMÁTICA DA
CRÍTICA E A CRÍTICA DA LINGUAGEM, e A COSMOGO­
NIA POÉTICA DE AUGUSTO DOS ANJOS — desenvolvemos
nosso trabalho.
No primeiro capítulo investigamos a dialética da rejeição e
aceitação de seu livro, apontando e recusando as pseudo-questÕes
que o foram degradando: o êxito popular atribuído ao “mau gosto”
de suas palavras exóticas, o psiquismo macabro que fez do poema
um diário íntimo de dissabores mórbidos; e buscamos mostrar de
que forma o EU é uma obra antecipadora do Modernismo, bem
como uma poética de confluência de estilos.
No segundo capítulo, de cunho predominantemente teórico,
propomos as bases conceituais que nos orientaram criticamente. Em
virtude do grau de dificuldade que pudesse oferecer ao leitor o uso
de uma terminologia específica, procuramos diluir este possível her-
metismo em uma linguagem mais acessível, sempre acompanhada
de explicações clarificadoras. Neste segundo capítulo partimos do
pressuposto de que toda obra de arte literária, por seu caráter ins-
taurador e ambíguo, que a projeta para além de qualquer método,

12
sempre oferece a oportunidade de, sem cairmos no impressionismo
crítico, rejeitarmos o que hoje é considerado como metodologia
“científica”.
Nunca é demais acrescentar, todavia, que um estudo crítico
que se constitui fora da tensão com a cientificidade não invalida
outras abordagens que sejam coerentes com as obras analisadas,
pois julgamos que a leitura do poético é um eterno abrir portas,
“ou de como construir o aberto” 1 .
O terceiro capítulo — A COSMOGONIA POÉTICA DE AU­
GUSTO DOS ANJOS — estabelece os elementos e os eixos de te-
matização do jogo telúrico em que o eu, o homem, a natureza, o
verme, a latência, o feto, a vida, a morte e a Arte (que em sua
obra é um eterno renascer) tornam-se comparsas de uma mesma
e única cena: a da captação poética da totalidade do Real, ou seja:
do mundo de tudo o que perece e do que sempre permanece.
Esta foi a leitura que nos pareceu mais promissora para dar
conta do projeto criador da “poética de confluências” 2 em que
consiste a obra de Augusto dos Anjos.
Consideramos texto definitivo o da trigésima edição, cuja lição
ecdótica, estabelecida por Antônio Houaiss, forneceu à nossa pes­
quisa a necessária segurança.
No entanto, gostaríamos de ressaltar que não nos furtamos ao
cotejo dos textos com os da edição princeps, que nos foi generosa­
mente cedida pelo Professor Celso Ferreira da Cunha, merecedor
de nosso agradecimento.
Incluem-se neste estudo apenas os poemas que compõem a
edição princeps. Nesta, o poeta intencionalmente selecionou, de sua
vasta produção, segundo critérios e objetivos que não discutire­
mos, mas que nortearam, por certo, a montagem textual de EU,
alguns poemas, e não outros. A própria distribuição das peças, na
obra, revela esta intencionalidade que julgamos oportuno levar em
conta: doze peças longas que nuclearizam em torno de si os demais
poemas, em sua maior parte sonetos. Isto já não ocorre com as
“Outras poesias” e os “poemas esquecidos”, coligidos por seus
biógrafos e reunidos posteriormente, e de modo aleatório, ao con­
junto deixado, ainda em vida., por Augusto dos Anjos. Acresça-se
a este aspecto já por si suficiente para validar nossa opção, o fato
de haver um grande número de inéditos, a serem pesquisados nos
jornais da Paraíba. O unico exame completo e coerente, possível
de ser realizado no momento, deverá incidir, portanto, sobre a se­

13
leção do que Augusto dos Anjos considerou o mais válido de sua
obra poética. Outros estudos, posteriores, deverão procurar cobrir
a lacuna que conscientemente deixamos em aberto.
O trabalho ora apresentado é um desenvolvimento das pes­
quisas feitas para nossa dissertação de Mestrado, entregue em de­
zembro de 1974 à Comissão de Pós-Graduação da UFRJ-FL, e com
a qual obtivemos o grau de Mestre em Teoria Literária. As alte­
rações verificadas no texto original atendem ao objetivo de supri­
mir o cunho por vezes acadêmico e hermético que acompanha es­
tudos dessa natureza. Achamos que teses e dissertações têm carac­
terísticas próprias que, por sua finalidade, não condizem com o
público de diferente formação. Como nosso livro visa a atingir um
público mais amplo — estudantes universitários e leitores não espe­
cializados — foram necessários esclarecimentos terminológicos e
uma apresentação mais didática do material, a fim de facilitar a
compreensão.
Do momento inicial — em que tudo se resumia numa série
de apontamentos — até a impressão dos originais, recebemos o
apoio de inúmeros amigos. A todos eles muito devemos: o estímulo
e solidariedade de nosso orientador, Prof. Dr. Eduardo Portella; a
leiíura atenta e as sugestões da bancai examinadora, composta dos
professores Eduardo Portella, Liba Beider e Mário Camarinha; e
o auxílio imprescindível de nosso editor, Franco Portella. Ao Pro­
fessor Celso Cunha, amigo de tantos anos, e que nos sugeriu a
leitura de Augusto dos Anjos, nossa admiração pelo exemplo cons­
tante de dedicação ao trabalho intelectual; a Severin Gilbert Dobbin
os agradecimentos pela datilografia dos originais; ao Prof. Manuel
Antônio de Castro, pelo auxílio na revisão; a Mário César Cabral,
nossa amizade sincera pela continuada atenção e sugestões ofereci­
das nesta etapa final, e a Cilene Cunha de Souza e Sônia Guilliod.
leitoras primeiras, pela amizade de todas as horas.
Gostaria ainda de registrar minha palavra de admiração e ter­
nura a meus pais, W alter e Regina, a quem dediquei este livro,
pelo muito amor que os torna, além de pais, amigos.

14
I

LEITURA E CRÍTICA

DOS

ANTECEDENTES CONTEXTUAIS

Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Augusto dos Anjos

«
No reino da desventura crítica em que se instala a poesia de
Augusto dos Anjos, o surdamente a que se referiu Drummond trans-
lormou-se, muitas vezes, numa crônica surdez dos críticos.
Poeta dos mais lidos, são inúmeros os problemas que podemos
encontrar nas leituras que o EU tem recebido. Abordada na maio-
i ia das vezes a partir de considerações biográficas e psicologistas,
formou-se em torno dessa obra um mito de exotismo e morbidez,
lão espesso, que são sucessivas as referências que relacionam o poeta
Augusto ao eu do poema.
Uma nova leitura do poeta deve empreender a tarefa de mi­
neração que sua obra está a exigir. Ela, que tem sido considerada
como a catarse de um psiquismo doentio e escatológico.
Muitas dessas considerações deveram-se ao deslocamento do
centro de interesse daqueles estudos. Pretensamente vinculados à
obra, eles trataram o poema como um pseudo-problema, e desvia­
ram para o biográfico, para o contexto sócio-econômico e, até, para
;is determinações biológicas o alvo de sua atenção. Assim, a obra
de Augusto teve seu aspecto literário “reduzido a uma sim­
ples projeção autobiográfica que se bifurca, e toma as mais varia­
das formas”. 3

Da rejeição à aceitação plena:

A obra de Augusto dos Anjos surge em 1912, completamente


despercebida pelo público e pela crítica.
Este era um momento conturbado na literatura nacional, em
que o Simbolismo deixara marcas de norte a sul do país, mas não
conseguiu lograr, como na Europa, a superação do Parnasianismo.
E isto porque nossa elite cultural e política tinha na estética do belo
greco-romano, misturado às tardes lácteas de Bilac e aos hinos de
Osório Duque Estrada, um eficaz estatuto de confirmação ideológica.

17
Na tribo literária da época coexistiam, entre pacíficas guer­
ras frias, entre uma e outra pomba despertada, o Neoparnasianis-
mo, o Penumbrismo e as viagens “futuristas” de Oswald de An­
drade à Europa. É natural, portanto, nesse clima de transição e
indefinições, que a obra de Augusto dos Anjos, aparentemente o
soneticista da poesia científica do realismo-naturalismo, enfrentasse
inúmeros obstáculos e incompreensões.
Mesmo tendo recebido, inicialmente, uma referência favorá­
vel de Mário Pederneiras, no periódico Fon-Fort, o livro de Augusto
não teve sucesso nem entre os remanescentes do Simbolismo, nem
no bojo dos herdeiros do Parnasianismo. Ora considerada como
mais uma manifestação parnasiana, ora um simples eco simbolista,
a obra de Augusto foi, de início, repelida, além de ter passado des­
percebida pelo grupo modernista. Desamado de todos, salvo de uns
raros amigos que continuaram a exaltá-lo e a colaborar para suas
reedições, o EU nascia feito anjo torto, sob o signo do hibridismo
e da contradição.
Para conseguir levar ao prelo seus manuscritos, recusados
pelos editores, Augusto dos Anjos, a seis de junho de mil novecen­
tos e doze, firma um contrato com o irmão, Odilon dos Anjos, que
financia parcialmente os custos editoriais, mediante participação
na metade dos lucros obtidos com a venda dos exemplares. A edição
princeps, 4 publicada no Rio de Janeiro, compõe-se de cinqüen­
ta e oito poemas (se desmembrarmos o tríptico dedicado ao pai),
em sua maioria sonetos, embora encontremos também doze peças
longas: “Monólogo de uma sombra”, “As cismas do destino”, “Os
doentes”, “Gemidos de arte”, “Noite de um visionário”, “A ilha de
Cipango”, “Poema Negro”, “Queixas noturnas”, “Insônia”, “Bar-
carola”, “Tristeza de um quarto minguante” e “Mistérios de um
fósforo”.
Foi com a segunda edição, trazida a público em 1920, por
iniciativa de Orris Soares, que o poeta começou a merecer atenção
da crítica. Essa edição surge acrescida de uma parte introdutória, o
“Elogio de Augusto dos Anjos”, escrito por Orris, seu incansável di­
vulgador e amigo.
Se, para Otto Maria Carpeaux a segunda edição marca o
“êxito fulminante”, eclipsado a seguir pelo Modernismo, para
Antonio Houaiss é apenas com a terceira edição, de 1928, que a
obra de Augusto começa a penetrar os meios do leitor comum.

18
Ainda em 1928, no Rio de Janeiro, a livraria Castilho publi­
ca uma quarta edição que, sem apresentar nenhum acréscimo ou
modificação de qualquer espécie, é, na verdade, uma reimpressão
da anterior. No mesmo ano, em São Paulo, a Companhia Editora
Nacional imprime a que seria a quinta edição. Seis anos mais tarde
o editor Bedeschi lança a sexta edição, que surge acrescida de um
estudo de Antônio Torres: “O poeta da morte”. O comentário de
Antônio Torres foi anexado a todas as edições da Bedeschi. A
partir de 1934, ano da sétima edição, o livro tem sua tiragem
quase que anualmente repetida, pela mesma editora, até a vigé­
sima oitava reimpressão, em 1961. Para sermos precisos, as edi­
ções da Bedeschi são, na maior parte das vezes, reimpressões,
0 sua versão textual merece pouca fé.
A partir da vigésima nona edição (e, até o presente, contamos
com trinta e uma), a obra foi publicada pela São José, tendo sido
1ctirado o estudo de Antônio Torres.
Em 1962, ano do cinqüentenário do aparecimento de e u ,
Carlos Ribeiro, o editor, pede a Francisco de Assis Barbosa que
rcúna ao conjunto de poemas já conhecidos pelo público, o ma­
terial coletado por De Castro e Silva, que constava de duas obras
por ele escritas sobre o poeta: Augusto dos Anjos poeta cia morte
0 da melancolia5 e Augusto dos Anjos, o poeta e o homem6
Além do biógrafo, colabora nesta edição, com vistas ao estabele­
cimento de um texto fidedigno, Antonio Houaiss. Os novos poemas,
que passam a fazer parte do volume, são reunidos sob o título de
“poemas esquecidos”. Quanto a estes, a principal dificuldade, pos-
1cHormente corrigida na trigésima edição, foi o endosso puro e
simples das versões apresentadas por De Castro e Silva e que,
mediante o cotejo com as publicações da imprensa paraibana,
mostraram-se portadoras de inúmeras gralhas e imprecisões.
A vigésima nona edição, publicada em 1962, foi a primeira
tentativa de preparar um texto condizente com o leitor especiali­
zado e a direção nela seguida para elucidar as controvérsias foi,
<m matéria de ecdótica. a da lição conservadora. O texto assim es~
tnbelecido fornece o necessário apoio a todos os tipos de estudos,
sejam eles críticos, estilísticos, estéticos, ou de qualquer outra
natureza.
Três anos após, também pela São José, é lançada a trigésima
edição, acrescida de mais alguns inéditos de Augusto, graças à pes­
quisa incansável de Assis Barbosa, do “Texto e nota” de Antonio
Houaiss e das “Notas biográficas” elaboradas pelo mesmo pesqui­

19
sador dos inéditos. É mantido, ainda, o “Elogio de Augusto dos
Anjos”, perfil biográfico mesclado de algumas observações quanto
a estilo. Finalmente, em 1971, a São José lança a trigésima pri­
meira edição, com as mesmas características da anterior.

A divulgação de equívocos:

Muitos já se ocuparam com as possíveis causas desse


êxito editorial. No entanto, ainda que nos interesse investi­
gar os antecedentes contextuais da produção poética de Augusto,
não nos move a intenção de desviar o enfoque do texto para o
contexto. O texto será sempre o ponto de partida e o ponto de
chegada, nesta fase de nosso trabalho. Ele é que nos dirá dos des­
vios e extravios provocados por certo tipo de crítica, voltada ao
contexto e à biografia.
Diferentemente do que tem sido proposto, julgamos necessá­
rio reduzir a importância que vem sendo atribuída à penetração
de EU. Toda vez que a popularidade entra em questão, a crítica
distancia-se do texto e do poético. A popularidade, assim consi­
derada, transforma-se numa pseudo-questão. Não pretendemos re­
tomá-la, nem mesmo recolocá-la. O modo pelo qual tem sido fo­
calizado este problema faz-nos crer que ele aponta para o vazio.
Há um ângulo, apenas, e desprezado pela crítica, mediante o qual
o tema da popularidade passa a ter, de certo modo, pertinência:
é que, nas infindáveis justificativas engendradas para explicar esta
pseudo-questão, começaram a ser divulgados alguns equívocos,
fruto de leituras não menos equivocadas. E desafortunadamente,
algumas das observações dessa crítica apressada e fracionadora,
pretensamente elucidativa, tomaram corpo e passaram a valer por
verdades concludentes:
1.°) a de que Augusto dos Anjos é um bom poeta, apesar de
seu vocabulário;
2.°) que o vocabulário de EU é científico e exótico;
3.°) de que, em e u , deparamo-nos com um autor obcecado
pela imagem da morte e da putrefação;
4.°) a de que o eu é resultado de um caso patológico.
Emmanuel Pereira Filho foi quem mais claramente condenou
o equívoco que se ia instalando, à medida que a obra do poeta
conquistava críticos e leitores comuns. Em “Augusto dos Anjos e

20
a palavra”, 7 ele verbera contra o perigo de difundir-se a opinião
(tantas vezes considerada como moeda de real valor) de que a
poesia de Augusto penetrou e conseguiu consagrar-se, “apesar” de
seu vocabulário.
Um poeta é poeta por todas as palavras que empregou, e não
apesar delas. Ele é poeta com todas as palavras e por elas. Tentar
excluí-las é o mesmo que fabricar um novo texto. Recusar a pala­
vra do poeta é negá-lo como poeta. A palavra poética do poeta não
está fora de seu poema: só existe nele. A modernidade de Augusto
revela-se nesse ato de dessacralização até agora não compreen­
dido: no âmbito de sua poesia ele reverencia o léxico repudiado
pela estética do “belo”. O vigor de sua lingua,gem se nutre d’

Essa necessidade de horroroso


Que é talvez propriedade do carbono! 8

Mas, se Emmanuel Pereira Filho lutava para reconduzir a


discussão sobre a obra de Augusto ao solo de seu texto, Otto Maria
Carpeaux não o faz. Na Pequena bibliografia crítica da literatura>
brasileira, 8 assume a questão da popularidade, e afasta-se da
discussão no nível do texto, ao propor que a divulgação da obra
de Augusto é sustentada, quanto às camadas populares, pelo fato
de o público gostar justamente dos “aspectos fracos” de sua poesia.
Esse tipo de observação lembra-nos os alicerces impressionistas da
crítica judicativa, sempre interessada em valorizar/desvalorizar,
em rotular dicotomicamente as obras, na sombra de um procedi­
mento analítico maniqueísta, cingido entre os ditames do bom e
do mau gosto.
O segundo equívoco recebeu a paternidade de Osório Duque
Estrada. Num de seus artigos, o autor considera Augusto dos Anjos
a promessa de um extraordinário talento, transviado pelo cientifi-
eismo, e chega mesmo a afirmar:

eis o que nos revela esse extravagante volume de versos,


em que não poucas pérolas se misturam com o grosso
cascalho dos exotismos estapafúrdios. . . 10

Mas seria mesmo exótico o vocabulário de e u ? Considerar


que algo é ex-ótico implica dizer que está fora de sua ambiência
usual; que provoca um estranhamento. Considerar a palavra exó­
tica, num texto, é julgar que ela está, portanto, fora de sua pátria.

21
Mas qual será, todavia, a pátria da palavra? Haverá uma palavra
da ciência, da matemática, da poesia? Ou será a palavra a mani­
festação explícita de uma proveniência a partir d'a qual ela se pro­
jeta? A pátria da palavra, se assim podemos dizer, é a linguagem,
pois só mediante a linguagem, entendida como a força do que se
diz, ou a possibilidade de todo e qualquer dizer, a palavra se ma­
nifesta. Deste modo, como a linguagem é a condição de vigência
de todo e qualquer discurso, embora com ele não se identifique,
no texto poético de Augusto dos Anjos nós não temos uma pala­
vra ou um vocabulário ou um repertório lexical de pro-veniência
científica. Não é a ciência, nem o repertório do positivismo ou do
determinismo ou do evolucionismo que ali se torna exclusiva pre­
sença. Na palavra poética do poeta manifesta-se, tão e somente,
o dizer poético da linguagem. O vocabulário “científico” apontado
no EU apenas seria científico no texto de Haeckel e Spencer.
Diante de uma compreensão mais abrangente, não há razões para
comentarmos a estapafúrdia formulação de Osório Duque Estrada.
Basta-nos acrescentar que, ao contrário do que pensava o crítico,
a ciência é que tinha sido transviada pelo grande talento do poeta.
O léxico empregado por Augusto dos Anjos satisfaz a uma ne­
cessidade vital de sua poesia. Tornados patrimônio de seu texto
poético, aqueles termos, anteriormente usados num contexto téc­
nico, passaram, conotativamente, a denunciar a ciência transviada.
Outro argumento amplamente divulgado é o de que o poeta
era um obcecado pela morte e putrefação. Estas “imagens obsessi­
vas”, 11 como as tem denominado a crítica, têm sido esparsa-
mente detectadas, como um elemento que se pudesse destacar ou
apenas privilegiar na poesia em questão. No entanto, nem são
meros índices de uma obsessão pelo escatológico, pelo horrendo ou
putrefato, nem são apenas imagens obsessivas. São imagens cons­
titutivas, linhas de força dos eixos em que se elabora a visão cos-
mogônica do poeta.
A completar o quarto indício deixado por uma crítica apres­
sada em “julgar”, temos o “caso Augusto dos Anjos”. A obra do
poeta foi objeto de estudos clínicos, psico-patológicos, tornou-se
motivo de autópsia. Ao final, como era de se esperar, sobrou-nos
o cadáver do poema soterrado. Há livros escritos para atestar-lhe
a esquisofrenia, para desmentir-lhe a angústia, para comprovar-lhe
o humor. De tudo um pouco, ncs seus atestados de bons antece1-
dentes. Esses estudes, produzidos mediante abordagens externas,
resultam da captação imprópria de alguns elementos mais visíveis

22
em sua poesia, mas que não foram considerados em relação à in­
teireza do texto poético, cuja organicidade não foi, por eles; sequer
percebida. Lido à margem do poético, o texto de Augusto dos
Anjos foi mutilado por uma série de atropelos comprometedores.
A tradição crítica, ao aproximar-se de e u , foi insensível ao
movimento precursor que a obra desencadeava e, submetendo-a
a uma leitura cujos parâmetros eram estabelecidos pelo consenso
e pelo passado, subverteu-lhe texto. Sempre remetido, através de
uma leitura comparativa, ao que já fora produzido (o EU foi iden­
tificado como Neoparnasiano e também como um dos ecos do
Simbolismo), a poesia de Augusto não foi lida em seu posiciona­
mento fundamental: uma desautomatização prospectiva.

O eu e os signos da renovação:

Assim é que, localizado na, “encruzilhada do pós e do pré,


entre os estilos pós-românticos, parnasianos e simbolistas, ( . . . ) e
os gestos ou formas antecipadores do modernismo”, 12 Augusto
dos Anjos elaborara uma obra capaz de abrir novas perspectivas
formalmente manifestas. De sua obra poderíamos dizer o que pro­
pôs Jean Starobinski, ao estudar as relações de Mallarmé com a
tradição francesa:

Loin de croire qu’une ceuvre valable s’élabore sur la


lancée d’une tradition préexistante, je constate ici que
1’oeuvre la plus récente modifie e revise le contenu ob-
jectif de la tradition dans la mesure même ou elle en
oriente le sens dans une direction jusqu’alors insoup-
çonée. 13

Mesmo que sua poesia não tenha sido “descoberta” pelos


primeiros modernistas, não há como negar, no e u , a configuração
de alguns procedimentos caracterizadores da transformação poética
(em sentido amplo) desencadeada pelo Modernismo e por atitu­
des estéticas que lhe foram precursoras:
1.°) o desvincular da palavra poética de seu compromisso
com o conceito estratificado de “belo”. No que Augusto faz-se um
antecipador do Modernismo, ao dessacralizar o jargão romântico,
ao incluir elementos considerados, até então, a-poéticos, como se

23
vê em “Budismo moderno”, com o inesperado surgir de uma abre­
viatura :

Tome, Dr., esta tesoura, e. . . corte


(Eu: 84)

ou em “Vencido”, com a intromissão de um prosaico “por exern-


pio”, como se observa a seguir:

No auge de atordoadora e ávida sanha


Leu tudo, desde o mais prístino mito,
Por exemplo: o do boi Ápis do Egito
(Eu: 138)

ou, ainda, ao construir estrofes com um acúmulo de frases nomi­


nais, flashes coordenados, que apreendem incisiva e fragmentaria-
mente o cenário, à maneira do verso harmônico utilizado por Mário
de Andrade e a que se tem denominado de enfoque caleidoscópico
da paisagem:

Recife. Ponte Buarque de Macedo.


(Eu: 68)

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.


Meu Deus! E êste morcego! E, agora, vêde:
(Eu: 59)

Número cento e três. Rua Direita.


(Eu: 140)

2.°) a presença marcante da terra e do telus, que será, em­


bora diversamente tratada, objeto do interesse da fase localista do
Modernismo brasileiro. Em “Os Doentes”, na parte IV, a quinta
e sexta estrofes revelam-nos uma impressionante antecipação do
procedimento desenvolvido pelos modernos: a tentativa de redução
crítica do exótico, no captar do indígena. Não é difícil apreender­
mos, nesta passagem, uma atitude de re-inscrição crítica da his­
tória da colonização americana, vista do ângulo do colonizado, e
não do do colonizador:

24
A civilização entrou na taba
Em que êle estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!

E o índio, por fim, adstricto à étnica escória,


Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Êsse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!
(Eu: 10 1)

3.°) o adotar de uma opção nitidamente crítica, conduzida


pelo que denominaremos de “antropofagia bestialógica”. A vertente
antropofágica é instaurada pelo verme, pela putrefação, pelos ele­
mentos corrosivos que povoam esse mundo de ”glutoneria hedion­
da”. Elementos que, como “vermes insubmissos”, projetam,
numa escavação incessante, a necessidade jamais satisfeita de
questionar a existência e o mistério:

Para desvirginar o labirinto


Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!
(Eu: 92)

Ato contínuo, tudo o que é, o ente, torna-se, pela antropofagia,


não-existente, adstringindo-se ao estado larvar do que ainda não é
manifesto, do que só existe embrionaj-iamente, mas em que pulsa,
secreto e inalienável, tudo que pode vir a ser. O bestialogismo é
um dispositivo complementar, quase sempre relacionado ao ato
fágico, pela tensão da imprevisibilidade semântica e do “espasmo
fisiológico da fome” que tenta arregimentar “dentro daquela massa
que o humus come” novas forças geradoras. O bestialogismo mo­
biliza o non-sense e manifesta-se nas metáforas inesperadas ou na
intromisão do prosaico, mais freqüentemente:

Meu ser estacionava, olhando os campos


Circunjacentes. No Alto, os astros miúdos
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!
(Eu: 98)

25
4.°) a utilização de recursos impressionistas, que se mani­
festam, basicamente, em um novo modo de captação da rea­
lidade, que não é descrita ou registrada impassivelmente, mas
apreendida segundo a impressão provocada no observador, num
momento dado. Nesta nova forma de apreensão do real, este é des­
pojado das correções lógicas impostas pelo observador objetivo, ao
mesmo tempo em que o poeta põe em relevo o elemento desenca,-
deador da impressão fundamental. Muitas vezes esse processo im­
pressionista é exacerbado, chegando mesmo a predominar não a
impressão provocada, mas a irradiação de uma visão expressio-
nista que se projeta na própria realidade captada:

Na bruta dispersão de vítreos cacos,


À dura luz do sol resplandescente,
Trôpega e antiga, uma parede doente
Mostra a cara medonha dos buracos.
(Eu: 128)

5.°) a presença de índices antecipadores do expressionismo,


dos quais Gilberto F reire 14 e Anatol Rosenfeld15 foram leito­
res atentos, ao aproximarem o poeta, sem dele querer fazer um ex-
pressionista, dos procedimentos caracterizadores de alguns pintores
e poetas expressionistas alemães, em especial, do poeta Gottfried
Benn.
Mesmo utilizando o soneto e o decassílabo, metro e forma
consagrados, Augusto dos Anjos oferecia à crítica uma obra inci-
tante e perturbadora, que pareceu a muitos carregada de alta dose
de exotismo, o que refutamos e preferimos recolocar em termos de
renovação.
Por seu caráter antecipador, o eu realiza um produtivo diálo­
go com o novo tempo estético que se anunciava ao Ocidente. Um
poema pluridimensional — não seria difícil surpreender-lhe veios
românticos, parnasianos e simbolistas — o eu destaca-se justamen­
te por esse inusitado diálogo de confluências.
Diante desta obra confluente e renovadora, a crítica vê-se,
nos dias de hoje, compelida a apreendê-la em novas bases. E a re­
fletir sobre os dispositivos de investigação anteriormente manipu­
lados para abordar a poesia de Augusto dos Anjos.

26
A <rítica da crítica: o texto como desatio

Não resta dúvida de que o poeta só é poeta quando


converte im aginariam ente o horizonte, quando morre
na vida da obra.

Eduardo Portelía

Sessenta e dois anos após a primeira edição de eu, contamos


■"iii um vasto acervo bibliográfico sobre Augusto dos Anjos e sua
■■Inn. Abrangemos sob a denominação de ccrpus crítico este diver-
'Ih;ulo material de análise, em que se reunem trabalhos de natu-
" i vária: comentários jornalísticos, obras monográficas, separatas,
niii|-os em revistas, e capítulos de algumas das histórias da literatu-
' i bi tsileira. Muitos desses estudos haviam-se tornado quase ina-
<<■ \iveis, visto que publicados esparsamente e em obras de redu-
•l/i circulação. Deve-se a Afrânio Coutinho e Sonia Brayner 16 a
rlruu) dos textos mais representativos, cuja publicação, em 1973,
" ampliar a possibilidade de acesso e consulta a esse material.
A leitura crítica do corpus é imprescindível, já que:
l.°) torna possível apreender seletivamente as informações
111 . i cm sido imprópria ou propriamente veiculadas para explicar,
•l■’i ii c divulgar a obra de Augusto dos Anjos;
'.V*) oferece perspectivas para focalizarmos a situação da crí-
1" .i lilerária brasileira, no transcurso do século X IX ao século X X .
Nossa pesquisa revelou-nos que, no horizonte da crítica, o texto
■l<- Augusto dos Anjos tem sido um permanente desafio, ameaçado
i" l.i determinação do contexto, pois a maior parte dos estudos que
.... póem o corpus crítico é formada por apreensões de natureza
ulijeiiva e apologética, às quais se aplica o que diz Northrop Frye
1<il>i<• n crítica biográfica: o poema, aos seus olhos, é o rastro es-
■ulo das palavras do autor. Alguns obstáculos teóricos têm con-
i' il'iiido para dificultar a superação desse impasse. O primeiro deles
" princípio da identidade, 17 em que se apóia a crítica biográ-
■ ' . psicologista para promover as igualdades: homem = autor,
ml oi poeta :: homem = poeta, ou: palavra do homem = pa-
i ' iM do poeta. Ou, se o quisermos dizer de outra forma, a palavra
i ■ii< 1 1 não seria mais do que a, reprodução simétrica da realidade.
•'«‘I'inccnto a este entendimento, está a má interpretação, susten-
' "In poi este tipo de crítica, de que a ,mímesis é a cópia do real>
i i u ei in, no conjunto dos estudos sobre o poeta, farta possibilidade

27
de exemplificação, a mostrar como este princípio atuou, profun­
damente, e dirigiu-lhes a perspectiva de enfoque. Tomemos apenas
três destes casos, evidentemente dos autores mais conhecidos pelo
público: De Castro e Silva, Humberto Nóbrega, e Horácio de Al­
meida. As duas obras de De Castro e SiXva são livros Confusos,
mas que oferecem importante colaboração, pela pesquisa de iné­
ditos. Absurdamente, com o fito de relembrar um valor esquecido,
De Castro e Silva tenta provar que se pode apreender, nos versos
do poeta, a “personalidade” do autor, uma vez que “foram escri­
tos com o mesmo cérebro e a mesma vontade de contar a sua me­
lancolia”. 18 Humberto Nóbrega, cuja obra recebe na bibliogra­
fia de Carpeaux a observação de livro “imprestável”, quer mostrar
um novo Augusto dos Anjos, alegre, humorista, bem diferente do
penitente corroído pela dor e morbidez. Em Augusto dos Anjos e
sua época 19 tenta reconstruir o ambiente social em que o poeta vi­
veu alguns momentos de sua juventude. O Augusto hilariante e
redimido, Nóbrega vai encontrar nos poemas do Nonevar, jornal
que circulava na Paraíba por ocasião da festa de Nossa Senhora
das Neves. Já por seus objetivos, o livro de Nóbrega inclui-se,
integralmente, na tradição da crítica do princípio da identi­
dade. Horácio de Almeida, em Augusto dos Artjos razões de stM
angústia, 20 melhor escritor do que os demais, ainda que filiado ao
mesmo tipo de comportamento crítico, também vê na obra do
poeta um documento, o mais preciso e rigoroso registro da vida de
seu autor: “Em Augusto dos Anjos não há que procurar o autor
fora de sua obra, isto é o eu fora do e u ”. 21
Aqui e ali, nos escritos desta crítica que fixa seus olhos na
obra como espelho da, alma, desponta a marca de um outro prin­
cípio, orientado pelo positivismo e determinismo, segundo o qual
a obra é, em última instância, o produto das pressões sociais, ra­
ciais e biológicas a que esteve submetido o autor. Este princípio do
determinismo sociológico pressupõe o anterior, pois também iden­
tifica obra e transcrição da realidade, escrita poética e diário pes­
soal, autor e personagem.
Visto hoje, depois do considerável avanço dos métodos críticos,
o quadro revela um estágio de penúria de instrumentos de análise
e uma determinada conjuntura da crítica. Considerá-lo é fundamen­
tal para que se possa compreender como as “qualidades” e os “de-

28
i............ (nu os “mitos” de que tratamos precedentemente) atribuí-
............ lua do poeta resultam de um momento precisamente deli­
riam l<> mi história da crítica literária no Brasil.
i i i. emos, brevemente, os parâmetros dessa conjuntura. A tra-
i ihca, sob a forma de militância efetiva, é recente. No século
H\ ill. a proteção econômica e a garantia de divulgação do livro,
.... I*i •• literário, à época, funcionava sob o regime de patronato.
i '■ ii"', Afrânio Coutinho22 que escritores e editores socorriam-se
ii. n a s, por viverem na dependência de um público limitado.
........ pansão da classe dos leitores, vamos encontrar, no século
HI " urgimento de um corpo crítico, ainda incipiente e bipartido,
i ■ iii ir; concentrada nos salões literários apenas, a crítica pro-
■ ■ i "iigajar-se numa atividade de progressiva desaristocratiza-
li " ii o crítico, voltado às análises das obras consagradas, e o
" u • <r” que se ocupava do comentário jornalístico de obras recém
i iii.li. ml;is. A tradição crítica brasileira surge neste momento, e sob
.. i iM. da linhagem francesa, cujo patrono é Sainte-Beuve. A pri-
■ i . l ,r <; de nossa crítica, que se projetou até a terceira década
u l o X X e, em alguns casos, até depois, comprometeu-se com
i iii i •! ii Ht/tios da identidade e do determinismo sociológico e, por
. i , tu/no, realizou uma análise primordialmente extrínseca.
M .diante esta conjuntura, a obra e o texto funcionavam à
i •I" depoimento sociológico e/ou biográfico e/ou psicológico,
i "i.iin Io ler, no texto poético, o contexto social ou o íntimo do
...... i. ,i <rítica promovia a morte do poema na vida do poeta. Tal
...........ingnação de nossa crítica, no ano de 1928, quiando, além
i" "i. n.r;, j á tinha sido publicado e divulgado o texto de Ferdinand
ii ii" , e Roman Ingarden preparava-se para lançar, no ano se-
..... ii O bra de arte literária, 23 que Alceu Amoroso Lima vê-se
n",l,i , "inpelido a manifestar-se contrariamente à posição impres-
- iii ,i i da crítica literária brasileira. Diz-nos o autor que

só com a fundação das Faculdades de Filosofia e a nova


crítica, com Afrânio Coutinho à testa, é que essa preo-
pação teórica com o fenômeno literário e com a na­
tureza da crítica se tornariam dominantes.
( . . . ) Nada disso ocorria em 1919. Estávamos em pleno
domínio do impressionismo e portanto do subjetivismo
crítico integral.24

29
Se observarmos os anos de publicação dos livros aqui utiliza­
das para exemplificar o comportamento crítico de abordagem extra-
literária, veremos que datam de 1944 a 1962, o que nos faz consi­
derar que, relativamente ao estudo da obra de Augusto dos Anjos,
a virada em direção ao texto como manifestação intrínseca reali­
zou-se muito tardiamente, e em descompasso, portanto, com as novas
propostas estéticas defendidas por Afrânio Coutinho, durante longos
anos, na seção “Correntes Cruzadas” do suplemento literário do
Diário de Notícias.

O primeiro estudo a denotar consonâncias com o projeto de


leitura da nova crítica de concepção intrínseca e estética, é, sobre
o EU, o de Manuel Cavalcanti Proença, contemplado com o prê­
mio Drault Ernâni, em 1955, e republicado em Augusto dos Anjos
e outros ensaios, 2S em 1958. Ainda do mesmo autor, a “Nota para
um rimário de Augusto dos A n jo s ” , 26 de 1957, traz outro alento
de qualidade indubitável para o estagnado painel do corpus crítico
de EU.

Sairia de nossos objetivos a minuciosa resenha desse corpus


crítico, que adiante apresentaremos sob a forma de um quadro-
resumo, construído com base na leitura das obras indicadas: na bi­
bliografia crítica de Otto Maria Carpeaux, na seleção de textos crí­
ticos sobre Augusto dos Anjos, publicada pelo Instituto Nacional do
Livro, e também fundamentada na pesquisa de alguns outros tra­
balhos a que tivemos acesso e que se encontram recenseados na. bi­
bliografia geral deste estudo.

Basta-nos, de momento, indicar que a leitura crítica do corpus


oferece-nos a possibilidade de afirmar que, nos sessenta anos de ati­
vidade analítica referente ao e u , grande parte desses estudos apenas
realizou parcialmente, e até equivocadamente, o que hoje conside­
ramos válido no empreendimento crítico. Por ter-se limitado a re­
gistrar, denotativamente, o exotismo, o cientificismo e a morbidez
de um universo que não foi poeticamente captado pelos analistas do
G rupo I-(A ) e do G rupo II, grande parte dos críticos da obra
de Augusto dos Anjos desencontrou-se do texto do poeta.
Da procura do hom em no corpo de sua obra (ou do “eu den­
tro do e u ” ) à te n ta tiv a de escavar o texto soterrado, resum e-se o
curso do ccrpus crítlcc a que nos referim os.

Para maior compreensão do quadro-resumo, apresentado a


seguir, considere-se que:
1.°) enfeixam os no G rupo I-(A ) os procedim entos críticos
subordinados aos princípios da identidade e da determ inação socio­
lógica, e que diluem o texto no exam e do contexto extra-íliterário;

2 .°) no G rupo I-(B ) determ inam os as linhas teóricas b á­


sicas das abordagens críticas que procuraram desvincular-se da força
atrativa do contexto e que lograram relacionar-se, em graus d iver­
sos, com o texto do poeta;

3.°) no G rupo II descrevem os as características fundam en­


tais das leituras que se detiveram a exam inar o texto do poeta como
projeção de um caso clínico;

4.°) o G rupo II distingue-se profundam ente dos procedi­


mentos do G rupo I-(B ), assim como m antém , como pode ser
visto a p artir do quadro-resum o, pontos de contato com as análises
e os pressupostos do G rupo I-(A ).

A título de breve exemplificação, aproximemos os diversos


tipos de análise dos estudos mais representativos de cada um deles:

1.°) os procedimentos do G rupo I-(A ) manifestam-se, prin­


cipalmente, no estudo de Antonio Torres, Horácio de Almeida, De
Castro e Silva, Flósculo da Nóbrega, Ademar Vidal, Osório Duque
Estrada e Humberto Nóbrega;

2 .°) os do G rupo I-(B ) encontram sua maior expressão


nos trabalhos de Antonio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa e
Manuel Cavalcanti Proença;

3.°) no G rupo II incluem-se, nitidamente, as pesquisas


de Sabóia Ribeiro e Artur Ramos.

31
CORPUS CRÍTICO

TIPOS DE ANÁLISE COMPORTAMENTO CRÍTICO


PREDOMINANTE

GRUPO I — (A)

• biográfica 1. obra focalizada como m anifestação con-


textual: um documento biográfico, psi­
• psicologista cológico e sociológico;
2. biografia apologética, difusa;
• impressionista 3. identificação vida-obra/poeta-hom em ;
4. o fabrico de estereótipos — “o caso Au­
• determ inista gusto dos A n jos”: a morbidez, o exotis-
mo, o cientificismo e o m aterialism o do
poeta;
5. estética do gosto: rastream ento de tr a ­
ços indicativos do “m au” gosto do poeta
e detecção de elementos “não poéticos”
de EU;
6. pesquisa de inéditos;

GRUPO I — (B)
1. obra focalizada como m anifestação tex­
• biográfica tu al: análise intrínseca dos procedi­
mentos de estilo;
• estudos de crítica 2. biografia criteriosa, ausência de apolo­
textual gia e distorções;
3. identificacão obra-texto: distanciam en­
® filológica to poeta-homem, vida-obra;
4. desmitificação do caso patológico e ins­
• estilística tauração do caso estilístico;
5. cotejo de textos, com vistas à elabora­
ção de edição crítica;
6. pesquisa de inéditos;
7. comentários filológicos;
8. pesquisa do artesanato verbal (rímico,
rítmico, métrico) de EU;
GRUPO II

• estudos clínicos no 1. obra focalizada como documento das


campo da psicopa- mazelas psíquicas do poeta;
tologia e psiquia­ 2. identificação vida-obra; poeta-hom em ;
tria 3. estereótipo: o EU como “um caso” psi-
copatológico.

32
O Eu no âmbito da História da Literatura:

A História não se processa prim ordialmente como


acontecimento.

Martin Heidegger

Seria exaustiva a crônica da história da literatura, em seu


curso brasileiro. Assim como a crítica, a atividade periodizadora
manteve, entre nós, um inicial compromisso com o critério histórico-
cultural até que, em A literatura no Brasil 27 se teorizasse e apli­
casse um novo doutrinário: o estético.
Divisor entre estas duas vertentes foi, sem dúvida, o interesse
pelo estudo histórico dc desenvolvimento interno da arte.

Os trabalhos de periodização escritos sobre o EU fLUam-^se às


diretrizes do segundo corpo de doutrina, que privilegia o estilo e
distingue-se do anterior, como propõe Afrânio Coutinho, pelo re­
conhecimento do primado do texto, bem como por participar dos
objetivos de uma história literária.

Muito embora literária, esta apreensão histórica da arte con­


tinua, se nos orientarmos por uma reflexão hermenêutica, a ser
aferida pelos parâmetros da historiografia. Esta consideração, de
vital importância, apenas adiante será retomada em sua problema-
ticidade.

Vejamos como se situa, nos quadros da história literária, a


periodização referente ao eu . Um quadro-resumo, feito com apoio
no corpus crítico, minimiza consideravelmente a questão:

33
PERIODIZADOR OBRA PERÍODO

Manuel Bandeira Apresentação da poesia Simbolismo


brasileira 28

Andrade Murici Panoram a do movimento Simbolismo


simbolista brasileiro 29

Antônio Cândido e Presença da literatu ra Fase transitória


José A. Castelo brasileira 30 posterior ao
Simbolismo

Afrânio Coutinho A literatu ra no Sincretismo e


e Darcy Damasceno Brasil 3i Transição:
Neoparnasiano

Alfredo Bosi A literatu ra brasilei­ Pré-modernismo


ra 32 e História concisa Simbolismo
da literatu ra brasileira 33

Luciana Stegagno La letteratu ra brasilia­ Dal Parnaso al


Picchio na 34 Crepusculo

Oliveiros Litrento Apresentação da litera­ Simbolismo


tura brasileira 35

O critério seguido para a organização do quadro-resumo foi


cronológico, e este quadro abrange desde a primeira proposta pe-
riodizadora sobre o EU, formulada, em 1946, por Manuel Bandei­
ra, até a mais recentemente publicada, de Oliveiros Litrento. A de­
nominação períodof na terceira coluna, procura atender à heteroge-
neidade da nomenclatura utilizada pelos periodizadores, ao desig­
narem o estilo do poeta.

34
Nossa referência àquelas propostas tem por finalidade enca­
minhar a questão da divergência periodizadora sobre EU em novas
bases. Não nos interessa, obviamente, o simples comentário, nem
o recenseamento de cada uma das indicações contidas no quadro-
resumo.
O estudo de Manuel Bandeira apresenta a visão de um poeta
sobre a poesia. Nas poucas páginas dedicadas a Augusto dos Anjos,
o autor apreende um dos recursos de atuação mais ostensiva do es­
tilo de Augusto: a angústia como eixo propulsor de sua poesia.
Vejamos de que modo Bandeira manifesta-se a respeito deste
ponto. Em meio a notas biográficas, encontramos observações
como a que segue:

na sua poesia a concepção do universo não é ortodoxa,


tem algo de maniqueísta, opondo ao mundo do espírito,
ao mundo de Deus, o mundo da matéria, evoluindo se­
gundo a teoria darwinista, o mundo da “força cósmica
furiosa”. A consciência desse duelo terrível é que ali­
mentava a angústia metafísica de Augusto dos Anjos e
o fazia delirar “em cismas patológicas i n s a n a s ” . 36

É provável que Manuel Bandeira tenha utilizado o termo me­


tafísica no sentido usual e restrito de filosofia: de indagação trans­
cendental. Qualquer que tenha sido, no entanto, sua posição frente
ao termo, é sintomático que em “angústia metafísica” o elemento
determinado é angústia. Ela, e não a metafísica, é o elemento fun­
dador da poesia de Augusto. Assim, o que há de angústia no texíto
do poeta não pode ser identificado, nem sustentado, pelo dualismo
matéria/espírito. Não se verifica esta oposição e, sim, um trata­
mento poético dado à “angústia”.
Outro ponto importante a retomar na apresentação de Manuel
Bandeira é o enquadramento de eu . Para o poeta, não tivemos,
do Simbolismo ao Modernismo, nenhum outro movimento em nossa
literatura. Assim, por que visse em Augusto dos Anjos um retorno
a Cruz e Souza, na “inadaptabilidade ao cotidiano”, na “nevrose
do infinito”, e no “vêzo de encher o verso com dois multissílabos,
como quebrando o quadro do metro para lhe dar maior ressonân­
cia”, 37 filia-o ao Simbolismo.
É difícil precisar o sentido de movimento, para Bandeira.
Realmente, se o considerarmos como um corpo de doutrinas, pre­
ceitos e opção de engajamento consciente, o estágio intervalar do

35
Simbolismo ao Modernismo brasileiros inscreveu-se no eixo da
transição e do entrecruzar de caminhos. Mas isto não nos leva, con­
tudo, a considerar o eu como um retorno ao Simbolismo (nem,
como querem outros periodizadores, como obra de revivescência
do posicionamento parnasiano). Tomar Cruz e Souza como padrão
e permanecer no exclusivo eixo da identificação de similitudes im­
plicará sempre reduzir a diferença primordial mediante a qual o
EU é. Se a obra de Augusto dos Anjos não chega a inau­
gurar, no painel da história literária, um novo estilo de época,
ela também não denota um exclusivo compromisso com a mani­
festação poética do Simbolismo (e/ou do Parnasianismo e, até, do
Romantismo) segundo a feição brasileira assumida pelo movimen­
to. Em observações anteriores já nos detivemos a examinar o diá­
logo de EU com os signos da renovação modernista, bem como op­
tamos por considerar como um traço particular e caracterizador
o fato de esta obra ser uma poética de confluências, que não se
resume na convergência de manifestações passadas, visto que ela
também se lança prospectivamente. Rotulá-la radicalmente de cbra
simbolista significaria velarmo-nos ao entendimento da confluên­
cia de memória e prospecção que se encontra no cerne da obra
poética de Augusto dos Anjos, que aponta muito mais para a mu­
dança do que para a permanência. Neste sentido, o eu radicaliza
diretrizes decadentistas do Simbolismo brasileiro pois, se de certa
forma o contém, não é, todavia, por ele abrangido totalmente.
O “mundo da força cósmica furiosa” nao é comum a Augusto
dos Anjos e a Cruz e Souza. Ele é a força motriz do “dínamo pro­
fundo” capaz de “mover milhões de mundos”. Ainda que se tor­
nem possíveis aproximações estilísticas no nível do texto desses dois
poetas, elas serão, contudo, sempre denotativas. Augusto dos Anjos
não é um Cruz e Souza redivivo. Toda e qualquer obra de arte li­
terária, (no sentido que lhe é atribuído por Roman Ingarden), só
é idêntica a si mesma, e só se projeta ao propor, mesmo a partir
da captação de influências, um novo caminho de abertura criadora.
Andrade Murici também é colhido pelo “gosto da analogia”
e vê em Augusto dos Anjos uma sensível marca de Cruz a
Souza, “nos inúmeros encontros de temática e até de expressão
verbal” 38. Este tipo de classificação “por semelhanças” é insu­
ficiente, porque se satisfaz em constatar “encontros” ou “influên­
cias” de um autor em outro, esquecendo-se de que é fundamental
verificar o que o poeta realiza a partir dia influência. Cego a este
apelo, considerando a influência o desencadeador diretivo e exclu­

S6
sivo, Andrade Murici “comprova” o Simbolismo de Augusto dos
Anjos e o afirma, pelo estudo comparativo (por demais superficial)
de dois poemas: “Uma noite no Cairo”, de Augusto dos Anjos; e
“No Egito”, de Cruz e Souza.

Vejamos os dois poemas:

No Egito

Sob os ardentes sóis do fulvo Egito


De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,
Abre as asas no páramo infinito.

O Egito é sempre o antigo, o velho rito


Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqüila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruínas d’ouro do passado


No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana. . .

E no aspecto de tudo, em torno, em tudo,


Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a própria dor humana! 39

Uma noite no Cairo

Noite no Egito. O céu claro e profundo


Fulgura. A rua é triste. A Lua Cheia
Está sinistra, e sôbre a paz do mundo
A alma dos Faraós anda e vagueia.

Os mastins negros vão ladrando à lu a. ..


O Cairo é de uma formosura arcaica.
No ângulo mais recôndito da rua
Passa cantando uma mulher hebraica.

37
O Egito é sempre assim quando anoitece!
Às vêzes, das pirâmides o quêdo
E atro perfil, exposto ao luar, parece
Uma sombria interjeição de mêdo!

Como um contraste àqueles misereres,


Num quiosque em festa alegre turba grita,
E dentro dançam homens e mulheres
Numa aglomeração cosmopolita.

Tonto de vinho, um saltimbanco da Ásia,


Convulso e rôto, no apogeu da fúria,
Executando evoluções de razzia
Solta um brado epiléptico de injúria!

Em derredor duma ampla mesa preta


— Última nota do conúbio infando —
Vêem-se dez jogadores de roleta
Fumando, discutindo, conversando.

Resplandesce a celeste superfície.


Dorme soturna a natureza sábia. . .
Em baixo, na mais próxima planície,
Pasta um cavalo esplêndido da Arábia.

Vaga no espaço um silfo solitário.


Troam kinnors! Depois tudo é tran qüilo...
Apenas como um velho stradivário,
Soluça tôda a noite a água do Nilo!

(Eu: 114-5)

Andrade Murici encontra nos dois poemas uma identidade te­


mática: — a seleção do assunto, o legendário Egito; e uma aproxi­
mação literal entre o primeiro verso do segundo quarteto do scneto
de Cruz e Souza e o primeiro verso do terceiro quarteto do poema
de Augusto dos Anjos: a repetição do sintagma “O Egito é sempre”,
Considera também análogos o que denomina de “movimento” e
“atmosfera” dos dois poemas. Estes encontros “bastante diretos”
na expressão do crítico, revelam-se bem mais indiretos se nos ati-
vermos à elaboração particular a que os submetem os poetas.

38
O primeiro texto é um soneto nitidamente Simbolista, baseado
na problemática da imanênciia e da transcendência. Do momento
presente — “Sob os ardentes sóis do fulvo Egito” emanam os so­
nhos de transcendência de uma alma que ambiciona o inefável: o
páramo infinito. Do momento passado transcende a “morte espec­
tral” que faz do Egito de ontem e de hoje “sempre o antigo, o
velho rito”. Deste modo, imune ao passar do tempo, inserido na
atemporalidade mítica do rito} o Egito tratado no poema de Cruz
e Souza atende às principais determinações da estética simbolista:
o apelo do inefável, a liberação da alma às paragens do sonho e
do pré-lógico, o canto à dor da alma prisioneira nos grilhões d‘o
mundo (ambição da transcendência) e o culto do mistério.
Já no segundo texto, nas oito quadras que formam o poema
de Augusto dos Anjos, o inefável, a transcendência e o culto do
mistério são características não privilegiadas, pois o autor valori­
za uma captação dinâmica e impressionista da paisagem, que se
abre em três campos temáticos: 1) a natureza, 2) o Egito secular
e 3) o Egito cosmopolita. Mesclam-se (é verdade que com nítida
interferência do Decadentismo na seleção vocabular do culto do
“belo horrível” — tal como em “brado epiléptico”) às caracterís­
ticas do Impressionismo que estão presentes na obra de Augusto,
alguns outros índices antecipadores do Modernismo: o aproveita­
mento do prosaísmo de termos que retratam o cotidiano, a impre-
visibilidade semântica de suas metáforas (o perfil das pirâmides —
sombria interjeição) e a criação do non-sense, a partir do qual na­
tureza e cultura se identificam: através de soluça, o autor re­
laciona: humano (soluça-choro-lágrimas; soluça-vcz-música) e
não-humano (água-Nilo) e produz a interação soluça-água-Nilo
( natureza, já com o dado cultural oferecido por “soluça”) e so-
luça-voz-música-stradivário-água do Nilo (cultura, mas já com o
dado natureza trazido por “água do Nilo” ). Foi a esta combinação
sêmica que denominamos acima “non-sense”.
Concluindo, pode-se dizer que Augusto opõe, em “Uma noit<
no Cairo”, ao “tom” transcendental do simbolismo de Cruz e Souza,
uma ambiência do concreto, do cotidiano, do imprevisível semânti­
co, que nos leva a deslocá-lo do Simbolismo e a propôr que seu
poema aponta, precursoramente, para o Modernismo.
Não pretendemos, com esta breve leitura dos dois poemas, es­
gotar o problema da inclusão do poeta no Simbolismo. Apenas
mostrar como são insuficientes as “analogias” encontradas por An­

39
drade Murici, e por ele manipuladas para decidir-se periodologica-
mente frente ao poeta.
Dentre os periodizadores, Alfredo Bosi atinge o clímax na
diversidade de posicionamento frente a obra de Augusto dos Anjos.
Nos seus dois livros arrolados no quadro-resumo, transcreve um
mesmo estudo sobre o pceta, com mínimas alterações de um para
outro texto. Nestas duas referências, quase idênticas mediante o
cotejo a que foram submetidas, Alfredo Bosi classifica, no entanto,
o poeta diferentemente: em seu primeiro trabalho (vide nota32)
situa-o como pré-modernista e, no outro estudo (vide nota 33), re­
laciona-o ao simbolismo. Como Alfredo Bosi não nos esclarece
sobre o seu ecletismo na periodização de e u , apenas podemos jcgar
com a suposição de que o poeta, a seu ver, é cronologicamente um
pré-modernista que, estilisticamente, apontaria para o simbolismo.
A ampliar mais ainda o nebuloso questionamento feito a base de
suposições, deparamo-nos com uma observação de Alfredo Bosi:
Augusto seria um poeta “que deve ser mensurado por um critério
estético extremamente aberto” 40 ou, ainda, um poeta “fora e
acima ’ 41 dos vários grupos encontrados entre Cruz e Sousa e os
modernistas. Seria, então, “inclassificável” o poeta? E, se esta fosse,
verdadeiramente a diretriz de Alfredo Bosi, por que não a teria
explicitado? A opção que nos resta é a de considerar que em seus
dois estudos Alfredo Bosi filia e ao mesmo tempo desclassifica o
pceta, sem que tivesse encontrado uma possibilidade mais ampla
para esclarecer este problema.
Luciana Stegagno Picchio (vide nota 34) também se mostra
indecisa com relação ao poeta. Segundo a autora, ele tem sua pro­
dução abrangida no período situado entre o parnaso e o “crepús­
culo”, além de esboçar um comportamento estético renovador sem,
contudo, ter sido um antídoto aos influxos parnasianos.
Darcy Damasceno (vide nota 31) atém-se, de modo por demais
sucinto, a referir-se aos temas científicos e filosóficos preferente-
mente manipulados por Augusto dos Anjos: o grande explorador
do vocabulário da ciência e da técnica, o adepto da filosofia mate­
rialista, o extremado pessimista. Evidentemente, Darcy Damasceno
leu o texto de eu , mas não conseguiu ultrapassar os limites de uma
leitura denotativa. O vocabulário de Augusto não é da ciência, nem
da técnica. A pátria deste léxico é a força vigorosa que o instaura:
a linguagem. Não é a teoria evolucionista,, nem o simples “materia-
lismo” a força impulsionadora da obra de Augusto dos Anjos. O
cósmico e residual segredo que Augusto se pfopÕe a interrogar poe­

40
ticamente é o mais próximo e por isso mesmo o mais distante e
arredio “mistério” : a destinação e a errância do homem. A ciência
não é o seu texto: ela é um texto encravado no corpo da íingua-
gem poética.
O diálogo que a obra de Augusto dos Anjos mantém com
algumas das propostas de Schopenhauer é bastante esclarecedor
quanto a este ponto. O dispositivo que aciona criadoramente a pa­
lavra poética de eu e que põe em questão a cientificidade, é a con­
cepção do artístico, muito próxima ã do filósofo alemão: ela des­
ponta na apreensão da arte entendida como a única paragem im­
penetrável à dor e ao sofrimento; ou, segundo propõe Arnold
Hauser, a “liberación de la voluntad, como el sedante que reduce
al silencio los apetitos y pasiones”. 42 A presença de Schopenhsuer
também se manifesta, na poesia de Augusto dos Anjos, no desejo
de um mundo esteticamente fruível, e na aspiração de instalar,
pela força vigorosa do artístico, uma cidadela em que se pcssa
gerar “o vagido de uma outra Humanidade”. 43
É na esfera do poético que o eu prom ove o viv ific a r das cé­
lulas, das mônadas e das morteras, antes contam inadas, rifa. regio-
nalidade de um discurso em consonância com o cientificism o na­
turalista, p ela m orte íntim a de todas as coisas.
Retomemos o corpus crítico e o quadro-resumo. E atentemos
para o fato de Augusto dos Anjos ter sido filiado ao Neoparnasia-
nismo: por Darcy Damasceno, ainda que ele aí o veja como “fi­
gura independente” e por Luciana Stegagno Picchio, que encontra
no autor o antídoto que poderia ter sido e não foi.
Se considerarmos que apontar-lhe o Neoparnasianismo seria
o mesmo que relacionar o EU ao momento áureo do soneto des­
critivo, descritivo-narrativo e didático alegórico, ou ao compromisso
com o preceituário de rigidez formal e com o cientificismo, não
podemos julgar que esta classificação atenda à economia interna
da poesia de Augusto dos Anjos. Seus sonetos, ainda que metrica-
mente regulares (é sensível neles a predominância do decassílabo
heróico), não se restringem ao descritivismo ou à narração objetiva.
A captação impressionista da paisagem, já estudada anteriormente,
e a exacerbada mediação de uma consciência conflituosa, que pro­
jeta no real uma reordenação expressionística, deslocam o eu , ra­
dicalmente, do Neoparnasianismo. E o cientificismo que lhe tem
sido atribuído resulta de um mal entendido duplamente manifesto:
primeiramente, da má leitura do texto do poeta e, “last but not
least”, do esquecimento de que a, natureza do poético, e não a
ciência, é o determinante da mímesis artística.

41
O EU talvez seja uma das mais compósitas obras poéticas do
Brasil de inícios do século. Um matiz extremamente confluente —
mencionado, ao que sabemos, pela primeira vez, por Eduardo Por-
tella em artigo publicado no jornal O Globo: “Uma poética de con-
fluências” (vide neta 2) — assinala nesta poesia algo que tem sido
entendido como uma dificuldade a mais no texto de Augusto dos
Anjcs, mas que consiste em seu próprio modo de ser.
A classificação periodológica da obra de Augusto dos Anjos,
em virtude de sua des-classificação originária (isto é: a des-clas-
sificação que está nela mesma como fundamento mediante o qual
a obra de Augusto é o que é), apenas pode ser feita de modo
aproximativo. O e u transpõe os quadros de qualquer marcação his-
toriográfica ainda que esta esteja estilisticainente orientada, como
é o caso da história literária, cujo doutrinário é estético, e procura
escapar dos determinismos cronológicos, sociais e políticos. A obra
literária, co-pertinente à linguagem, não se esgota no enfoque rí­
gido dos limites históricos: o período, a época.
Ainda que aceitemos ou constatemos a presença do Simbolis­
mo na poesia intensamente a,uditiva de Augusto dos Anjos, susten­
tada por uma musicalidade áspera, ou na inclinação cabalística e
orientalista de muitos de seus preferidos símbolos, como a nume-
rologia e a constante referência ao budismo, ao bramanismo e às
figuras da mitologia persa; ainda que nela apreendamos a presença
do Decadentismo no culto do horroso; ou mesmo do Nlaturalismo-
Parnasianismo em seu interesse pela realidade, pelo desfilar de per­
sonagens extraídas das camadas menos favorecidas da sociedade,
como as prostitutas, os bêbedos; ou mesmo que a aproximássemos
do Impressionismo, que marcou, tanto na pintura como na litera­
tura, um estilo de época ou uma “voluntad de estilo” 44 segundo
propõem Amado Alonso e Raimundo Lida; mesmo que se possa
dizer que é com a asa dos impressionistas que ele tece o seu soneto

Perseguido por todos os reveses,


É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto à brasa,
Como os Goncourts, como os irmãos siameses!
(Eu: 113)

Asa que o poeta exacerbadamente conduz num encaminhamento ex-


pressienista, a que já nos referimos em outro momento; ou mesmo
que lhe indicássemos a presença de marcas antecipadoras das trans­

42
formações que vieram a aclarar-se e radicalizar-se com os moder­
nos, ainda assim necessitaríamos ir além.
Uma outra leitura dessa questão exigiria que nos deslocásse­
mos para um novo enfoque do problema: não mais o da periodi­
zação literária historiográfica, e sim para o da situação do EU no
espaço da História (concepção que adiante explicitaremos). D e­
vemos apreender a obra de Augusto dos Anjos em sua referência
com o projeto Histórico, que ultrapassa a cronologia e a historio­
grafia:

A historiografia, por seu lado, não determina, por ser


ciência, a referência originária com a História mas, ao
contrário, sempre pressupõe tal referência. E, somente
por essa razão, a historiografia pode desfigurar, inter­
pretar errado e degradar a um simples conhecimento de
antiquariado a referência com a História, que é em si
mesma, sempre Histórica ( . . . ) A historiografia nunca
poderá instaurar a referência Histórica com a História. 45

Apreender a referência da obra literária com a História (en­


tendida como projeto histórico global do humano) pressupõe con­
siderarmos a obra e a História, como projetos existenciais. Uma
acepção Histórica (com maiúscula) do literário deverá compreen­
der que o tempo do acontecer literário não é cronológico, nem
periodológico, mas Histórico e unitário (não linear).
A obra de arte, mesmo que possa estar, de certa forma, de­
terminada pela cronologia e pelas características estéticas de uma
época, é capaz de “ ler” e captar de modo abrangente a dinâmica
do tempo.
Uma obra de arte literária faz confluirem, num dizer simul­
tâneo, o futuro, o presente e o passado. A obra de arte literária é,
pois, um projeto plural, ainda que unitário, no momento em que
lê o ontem e o hoje, e se lança para adiante de si mesma. EJa
convive com o passado e o revive nesta convivência, quer o recuse,
quer o retome. Nela o tempo não se triparte linearmente no antes,
no agora e no depois. Uma obra não é do passado. Ela sempre o
ultrapassa.
Do mesmo modo, a história da literatura apenas poderá com­
preender a Historicidade do literário se apreender o modo de ser

43
do tempo, na obra de arte literária; isto é, se a história da litera­
tura não tentar subordinar o tempo literário ao tempo historiográ-
fico.
Examinado do ângulo da História, o EU não é uma obra con-
fluente por ter sido produzida num momento particularmente sin-
crético da história da literatura brasileira. A confluência é o modo
de ser próprio a toda obra de arte literária que compactua do vigor
das manifestações globais do homem. Por esta razão, a obra de arte
literária consegue, mesmo portando as marcas estilísticas de uma
época, transcendê-las, des-classificar-se e multiplicar-se em veios
vários e subterrâneos:

Quem sabe, alma, se o que ainda não existe


Não vive em gérmen no agregado triste
Da síntese sombria do meu Ser?
(Eu: 227)

Assim, o e u é um poema que se lança para além de seu pró­


prio tempo. A obra de Augusto dos Anjos é um EU plurifíaceiíado,
que engendra múltiplos textos de si mesmo, da História dos tempos
e do texto histórico.
Dissemos, anteriormente, que a história literária, ainda que
se caracterize pelo estudo histórico do desenvolvimento interno da
arte, continua a prestar contas ao território que se rege no nível
da historiografia. Cremos ter ficado suficientemente claro que não
postulamos nem a morte, nem a falência da historiografia ou da
história literária, bem como não as consideramos um “ mal” ne­
cessário. O que pretendemos é propor que, deslocando-se da histó­
ria para o literário, privilegiando os elementos intrínsecos e não o
contexto, a história literária conseguiu apoderar-se, sem sombra de
dúvidas, do texto de uma obra. Todavia, a obra de arte literária
não se confina nos limites de seu texto. Uma obra de arte literária
é sempre mais do que um texto, assim como a História não se
confina nos limites da historiografia.
Antes de procedermos à exposição das bases teóricas de nossa
leitura, é indispensável que se esclareça uma questão chave: ter
lido criticamente os antecedentes contextuais da obra de Augusto
dos Anjos significa havermos repudiado o registro historiográfico
do “ arquivo imóvel da herança e da tradição” . 46

44
II

A P R O B L E M Á T IC A D A C R ÍT IC A

E A C R ÍT IC A D A L IN G U A G E M

Língua e discurso são o abismo da Linguagem.


Nele a Linguagem não cai porque não cabe.
A Linguagem é sempre o perigo. N a liberdade
deste perigo se dá a estruturação de toda es­
trutura de língua e discurso.

Emmanuel Carneiro Leão


A crítica vigilante e a vigília do poético:

A crítica vigilante, como a consideramos, é um conceito ope­


racional que significa: crítica interessada, através da montagem
de um dispositivo técnico de investigação, no controle do fenômeno
poético.
A vigília do poético não é um conceito, nem um dispositivo
operacional: é uma reflexão fundadora. E, por ser assim, por de­
flagrar um decisivo impulso na indagação do fenômeno literário,
a vigília do poético necessita de um esclarecimento.
Primeiramente, só podemos falar em vigília mediante a pres­
suposição de que algo está desperto. Em segundo lugar, a constru­
ção vigília do poético oferece uma dupla abertura interpretativa:
ou o poético é objeto da vigília, ou o poético é sujeito desse ato
de vigilância, e exerce a vigília de si mesmo.
Para a crítica vigilante, científica, a vigília do poético tradu­
zirá sempre uma necessidade de controle, exercido por parte da
crítica, que transformará o poético em objeto de sua análise.
Para a vigília do poético (caso em que o poético vigia a crí­
tica), concebe-se o poético como algo que está por si mesmo des­
perto. O termo vigília significa também manter-se desperto, sair
do obscurecimento do sono e do descanso. E porque o descanso é
muitas vezes, o descaso, o modo de ser do poético é estar sempre
em vigília, uma vez que seu descanso seria o ocaso da linguagem.
Há algum tempo a crítica literária convive com o fenômeno
da ciência como expressão máxima da verdade. No relacionamento
que tem procurado manter com as teorias operacionalizadoras, da
fonologia de Troubetzkoy à semântica greimasiana, tem sido infa­
tigável o esforço da crítica no sentido de tornar científicos todos
os setores em que atua. E de procurar produzir, cada vez com
maior acuidade, novos dispositivos de controle e formalização do

47
texto literário, quer no nível da expressão, quer no do conteúdo.
Os triunfos obtidos traduzem-se na habilidade técnica de esqua­
drinhar o texto e produzir-lhe o simulacro. Diante dos métodos da
crítica científica, o texto transforma-se no simulacro do texto;
assim como, no espaço da investigação científica, a vigilância do
método exerce cada vez mais a função de uma consciência pers-
crutadora.
E os críticos, vigilantes e perscrutadores, vigilantes e cientí­
ficos, projetam no método o perfil de sua inquietação sobre a lin­
guagem. Quanto maior o controle exercido pelo método, menor será
o pulsar da ambigüidade. E, deste modo, a inquietação que denota
o comportamento da crítica científica frente à literatura consiste
no fato de que o que ela produz não é Arte, não é Literatura e
deixa de ser “ principalmente a consciência literária da existência
e a consciência existencial da literatura” , 41 uma vez que o ter­
reno em que esta crítica se move impede-a de assumir o modo de
ser da arte.
Mas, como toda inquietação sobre a linguagem é também uma
inquietação da linguagem, a crítica científica da literatura deno­
minou língua a essa linguagem inquieta, o que nos demonstra ter
ela acreditado que, no anular da potência da linguagem, anula-se
a impotência da crítica. Da identificação de língua e linguagem,
do repúdio à linguagem concebida como força de proveniência,
advém a segurança da ciência crítica.
A fim de abster-se das surpresas que lhe faz o texto, a fim
de controlá-lo para não ser por ele surpreendida, a crítica vigilante
mantém-se desperta e protege-se ainda mais da inquietação da lin­
guagem. E, como crítica e ciência, recorre às categorias estabele­
cidas pela epistemologia contemporânea: o obstáculo, o corte e a
vigilância.
Em substituição ao conhecimento historicista e evolutivo do
século X IX , o cientista de hoje não mais valida seu método pela
constatação empirista: constrói o objeto, e o espaço em que se
move a ciência, através do estabelecimento de um real teorica­
mente produzido. Ou como propõe Bachelard, para a ciência “ Rien
ne va de soi. Rien n’est donné. Tout est construit” .48 N o en­
tanto, o próprio Bachelard antevê a existência do homem diurno
da ciência e do homem noturno da poesia. Na poesia, o homem é
um ser entreaberto, para o qual o mundo deixa de ser opaco. Mas
na crítica literária que preconiza o sinal fechado ao trânsito nas
dimensões noturnas do homem, e propõe uma vigilância episte-

48
mológica em regime de tempo integral, parece não haver lugar
para outra proposta que não a da identificação entre a ciência e
o comportamento crítico. Por identificar o ato de conhecer ao ato
de controlar, a ciência promove um corte epistemológico em rela­
ção a toda problemática tida como pré-científica. Para conseguir
realizar seu intento com maior segurança, o teórico da ciência
(,‘labora uma tríplice modalidade de controle: a da vigilância do
objeto real, a da relação do objeto real e do método, e a do mé­
todo enquanto tal. A esta última modalidade de controle costu­
ma-se denominar vigilância epistemológica propriamente dita.
Assim constituída, a crítica científica da literatura requer sem­
pre um maior rigor assim como coloca sua metodologia constan­
temente em questão, à procura de um procedimento formal cada
vez mais preciso e eficaz. A eficácia é, por excelência, o parâmetro
de aferição da crítica vigilante.

Concordamos com Jacques Derrida, quando afirma que

É nas épocas de deslocação histórica, quando somos ex­


pulsos do lugar, que se desenvolve por si própria esta
paixão estruturalista que é ao mesmo tempo uma espécie
de raiva experimental e um esquematismo proliferante.49

Não nos inserimos, ao formular nossa proposta de leitura, da


obra de Augusto dos Anjos, no eixo da crítica que dogmatiza o
papel do método científico nem o da vigilância epistemológica. Em
lugar de promover a vigilância crítica, preferimos respeitar a vigília
do poético. Proceder a um tal deslocamento impÕe-nos um primei­
ro nível reflexivo, cuja questão central é: como então pensar a
crítica literária “ sem ser em tensão com a cientificidade?” 50
Busquemos, a seguir, determinar as linhas gerais desse núcleo pro­
blemático.
O conhecimento científico produziu a vigilância epistemoló­
gica e concebeu-a como instância de salvaguarda e censura da ab-
solutização e dos desvios do método. E pode fazê-lo porque a
absolutização e o controle não estão, na verdade, no método, mas
na sua proveniência: o controle da ciência. A vigilância do método
enquanto tal é o dispositivo que assegura à ciência a aplicabilidade
da teoria transformada em metodologia.
Se partimos dos pressupostos de uma leitura hermenêutica, a
perspectiva crítica passará, contudo, a considerar o controle não

49
mais uma segurança e, sim, principalmente, um risco. O destino
do modelo conclusivo é subtrair da natureza do poético o que ele
tem de essencial: a ambigüidade. O modelo conclusivo da ciência,
que se abre para fechar-se cada vez mais em direção a um maior
formalismo, aplica-se excelentemente, como tem sublinhado o crí­
tico Eduardo Portella, a todos os fenômenos que requerirem, por
sua estrutura, o passaporte da exatidão. N o entanto, este não nos
parece ser o caso da obra de arte literária.
O texto literário, segundo a leitura hermenêutica, não é um
subcódigo do texto lingüístico. O texto literário, que também é
lingüístico, resulta de uma tensão constitutiva; assim como provoca
e dinamiza uma lembrança que a apreensão lingüística tudo faz
por esquecer, pois tem necessariamente, que refutar: a denúncia
da lei. A lingüística apreende, no texto literário a normatividade,
busca as estruturas determinantes, formalizáveis ainda que pro­
fundas.
Para a hermenêutica, tornar o texto literário um alvo subme­
tido ao controle, acercar-se dele para legislá-lo, revelaria a exis­
tência de uma trave no olho do arqueiro. A leitura crítica do poé­
tico, dentro de tal perspectiva, não pode ser um exercício de
verificação da aplicabilidade de um acervo metodológico. Posto
que todo “ exercício” pressupõe como objetivo fundamental a fixa­
ção de um corpus teórico que o precede, a leitura hermenêutica
não irá, jamais, transformar a obra de arte literária num me­
diador entre o analista e sua imperiosa necessidade de comprova­
ção do sucesso (da eficácia) de determinada teoria.
O problema torna-se ainda mais complexo ao considerarmos
que o texto literário é a palavra do homem em sua errância His­
tórica. E, nem a palavra do homem, nem a errância Histórica
identificam-se com um empreendimento basicamente axiomático.
Constituindo um outro nível de rigor — que põe em questão
o controle da crítica vigilante — a leitura hermenêutica busca
aceder ao fundamento da obra de arte literária. Por esta razão, a
perspectiva hermenêutica, olhada no ângulo da ciência, será sempre
um salto no abismo. Para a crítica vigila,nte, o salto no abismo
representa uma ameaça, uma queda, um prejuízo para o controle
e uma considerável perda de eficácia. N o entanto, lembremo-nos
de que, visto de outro modo, “ O salto que salta da estrutura lógica
do pensamento, dá na experiência poética dos poetas” . 51

50
E este é, sem dúvida, o nosso propósito.
No nível do texto, a investigação lingüística desempenha, com
máxima eficácia, o seu papel, por resguardar-se da instauração
transgressiva da linguagem e identificar texto e discurso. Mas, no
nível do literário, em que é necessário tomar o texto pela raiz,
apenas uma leitura radical pode compreender e participar da fe-
nomenalidade do poético.
O texto literário, por sua modalidade de existência, apenas se
oferece, em sua integridade poética, a uma apreensão que seja, tal
como ele, fruto da mesma tensão de silêncio e fala; a uma leitura
crítica mais fluente, por ser também criadora. Necessariamente,
neste nível de leitura, o rigor metodológico deverá também atuar
como a denúncia do rigor, toda vez que ele ameaçar o dizer do
poético; do mesmo modo, será uma denúncia do modelo conclusivo,
em prol de uma poética .resgatada.
Enquanto a investigação realizada pela crítica vigilante tende
a captar o texto literário no nível da produção de signos lingüís­
ticos, a leitura hermenêutica apreende na linguagem a possibilidade
de engendramento do poético, além de pressupor que o nível de
formalização do texto poético é apenas uma das modalidades de
seu aparecer.
Se a crítica literária científica repudia, como psudo-questões, a
linguagem e o problema do fundamento, se os considera obstáculos
pré-científicos e privilegia o enfoque da língua; se isto ocorre, a
crítica literária hermenêutica, por não se realizar no horizonte da
ciência controladora, vai ler o texto (a diferença, a língua) na
identidade (a força sobredeterminante da linguagem).
E de que modo se pode conceber uma tal penetração crítica?
Apenas se falarmos a partir da linguagem da poesia. “ Falar a
partir da Linguagem da poesia não é indicar uma outra linguagem
dentro ou fora da estrutura de língua e discurso” . 52 É conceber
que as condições de possibilidade da vigência do texto não provêm
dele: realizam-se nele
Justamente por viver da linguagem, embora não a esgote, é
que o texto literário questiona,, transforma e desperta o signo lin­
güístico de seu automatismo habitual, e escava na superfície do
signo a verticalidade do poético, manifestando-se como uma rup­
tura constitutiva provocada pela linguagem.
Ler esta ruptura é dialogar com o poético, o que se distingue,
profundamente, de falar sobre o poético, discorrer ao redor dele,

51
ou detectar-lhe como se formaliza sua poeticidade, tarefas a que
se tem proposto a crítica vigilante. A crítica vigilante tem promo­
vido a aferição do poético. N a verdade, diante da crítica vigilante,
o poético é um problema, um obstáculo que ela necessita transpor.
E esta atitude vigilante da crítica mostra-se com clareza no fato
de que, para defender-se dos riscos da ambigüidade, ela recorre
a um discurso teórico para o qual o texto é uma língua-objeto: a
crítica vigilante socorre-se de uma meta-língua. Para a hermenêu­
tica, a meta-língua ultrapassa o poético e extravia-se dele.
Confrontar estas duas posições — a vereda científica percor­
rida pela crítica literária contemporânea, e a possibilidade de uma
leitura hermenêutica — será assumir uma posição polêmica diante
da qual se valorize um dos percursos e, conseqüentemente, se des­
valorize o outro? Devemos interpretar que a crítica vigilante seja
capaz de ler o texto (considerado como aparência) enquanto a
leitura hermenêutica apreende-lhe a essência?
Encarar deste modo a questão, significaria não termos saído
de um mesmo horizonte: o da crítica científica e o de sua inver­
são. Seria subdividir o poético em dois níveis: o da essência e o
da aparência, assim como significaria também propor que a crítica
literária apresenta, nos dias de hoje, uma dupla vertente: de um
lado, o objetivismo crítico, sustentado pela vigilância e pela for­
malização e, de outro, a leitura hermenêutica, subjetiva e inter-
pretativa.
Não nos movemos nesta chave dual. Conceber o poético na
clave dicotomizada coincide com o esquecimento do modo de ser
do poema.
A leitura hermenêutica, que fala a partir da linguagem da
poesia, não se deixa colher pela aparelhagem que contrapõe su­
jeito e objeto, ou seja: pela mecânica do horizonte da objetivação.
Diante desta suspeita, a única polêmica que se torna impres­
cindível é a de restituir ao po/en?os53 seu sentido originário, a
fim de que nos tornemos protagonistas de uma polêmica inaugural:
a que permite compreender que a linguagem “ enquanto se retrai
como presença, nos presenteia com a estrutura de língua e discur­
so’ ’ 54 e que na essencialização deste aparecimento inclui-se o
surgir e o sair.
Diz Píndaro que “ magnificar (rühmen) constitui a Essencia­
lização da poesia. Poetar significa: pôr à luz” . 55 N o poema de
Augusto dos Anjos, sob a forma de uma cosmogonia densa e não

52
íragmentável efetiva-se o dis-pôr de uma obra em que o eu, o
liomem, a natureza, o verme, a latêncla (d o que ameaça explodir
cm vida e deteriorar-se ao mesmo tempo), tudo o que perece e
também a Arte

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,


Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo
(Eu: 56)

tornam-se comparsas de uma mesma e única cena, que fala a


partir da linguagem da poesia, e não na exclusiva subserviência às
prerrogativas do discurso lingüítsico. E porque a cena do poético
fala a linguagem da poesia, ela também fala e se dá a conhecer
em seu silêncio. Um silencioso dizer que a surdez da epistemologia,
do corte e da vigilância tem aprisionado para que, de forma algu­
ma, pudesse vir a des-cobrir.

Nem o texto/nem o contexto: o Poema

No império da planetarização, a realidade da L in gu a­


gem poética só se apresenta n a negatividade do mistério,
i. é, não na negatividade objetiva que afirm a a positivi-
dade do objeto, e sim n a negatividade radical, que é a
impossibilidade de dizer algo sobre a Linguagem poética.
Pois todo dizer-sobre fa la sempre a partir da mecânica
objetiva da clareira. E na clareira a Linguagem só está
presente no mistério da ausência.

Emmanuel Carneiro Leão

Não dizer algo sobre o poético, a negatividade radical de que


nos fala Emmanuel Carneiro Leão, leva-nos a, pensar sobre o que
nos pode dizer o poético. E o dizer poético encontra-se, na sua
plenitude, no dizer do poeta, que é o poema.
É no âmbito deste dizer que a leitura hermenêutica marca o
imprescindível encontro com a palavra do poeta, porque lhe fica
à escuta, sem ocultá-la sob o ruidoso aparato de uma engrenagem.
Neste âmbito é que se processa o nosso diálogo com o texto
poético de Augusto dos Anjos. Dizemos diálogo porque o texto
poético realiza uma dupla movimentação no processo de comuni­
cação da poesia: ele fala, ao mesmo tempo que silencia. No que
ele fala, cabe o que o poeta fez e faz com a linguagem: romper
com o horizonte de língua e discurso; no que ele silencia, mostra-se
o que o poeta deixou de fazer com a linguagem da poesia. N o si­
lêncio do poeta, a linguagem da poesia plenifica o máximo de
sua voz.
Dizemos diálogo porque nossa leitura do texto poético de Au­
gusto dos Anjos busca ser uma leitura que, assim como o poema,
fala e silencia.
Do curso de e u na investigação dos antecedentes contextuais
resultam as seguintes formulações quanto ao “ caso” Augusto dos
Anjos, e que necessitamos retomar: o EU é o eu, e o E U não é o eu.
1.°) A formação A do “ caso” Augusto dos Anjos pode ser
apresentada sob a forma da igualdade o e u é o eu, em que o pri­
meiro EU eqüivale à obra de Augusto e o segundo refere-se ao
autor ele mesmo. Essa igualdade propõe o reflexo (no sentido de
espelhar-se) do autor em sua obra; isto é, o eu é o sujeito do EU.
A formação A aponta para a vertente da crítica determinista-bio-
gráfica-psicologista.
2.°) A formação B do “ caso” Augusto dos Anjos é a sua pró­
pria inversão. A proposição B, o EU não é o eu, nega que a obra
seja o reflexo do eu do escritor, enquanto depoimento de suas dores,
projeção de sua “ sombra” , ou enquanto texto determinado por
suas mazelas psíquicas. Mas propõe que haja um eu que seja o su­
jeito de um processo artesanal que estrutura uma obra (o objeto).
A formação B aponta para a vertente da crítica estilístico-formal.
Nossa posição diante de A e B, através dos comentários que
formulamos ao longo da primeira parte deste estudo (os antece­
dentes contextuais) desloca o questionamento da obra de Augusto
dos Anjos concebida como “ um caso” para apreendê-la como o caso.
Propomos que a obra de Augusto dos Anjos seja. focalizada de
acordo com C, que formula: o e u é uma obra de arte literária. Esta
proposição não implica negar A, nem afirmar B.
Negar A implicaria afirmarmos B, assim como significaria
mantermo-nos no eixo de uma mesma reflexão, posto que A e B
são duas manifestações de um mesmo tipo de apreensão.

54
Em A, afirma-se que é possível a projeção de um eu (concer-
bido como sujeito capaz de submeter um objeto à sua subjetivi­
dade) no e u .
Em B, afirma-se ser possível também a projeção de um eu no
eu. E por quê, e como, se em B temos: o EU não é o eu? Simples­
mente porque se, de um lado, nega-se essa projeção enquanto re­
sultado do espelhar de um psiquismo, por outro ela não é negada
enquanto projeção de uma técnica artesanal, de um fazer, de um
empreendimento formal.
Em A e B a obra é concebida como algo feito. Em A e B man­
tém-se o mesmo eixo a que subjazem: eu — sujeito e eu = objeto.
A diferença de A e B reside no fato de que em A a relação de su­
jeição é conteudisticamente expressa: o e u (a obra de Augusto dos
Anjos) é considerada a projeção das manifestações de um psiquis-
mo que se cola inteiramente, e se revela, no objeto que sujeitou;
enquanto em B a relação de sujeição é formalmente sustentada.
A e B desenvolvem -se no curso de um mesmo eixo na m edida
que im plicam aceitar o eu como sujeito de um a ação e, no EU, o
objeto desta.
Daí dizermos: não afirmamos B, por não termos negado A.
Seria então váldio concluir que negamos A e B? Negar ou afirmar
A e B implicaria não nos desviarmos da instância em que se con­
sidera, quer seja afirmativa ou negativamente, A e B. Já demons­
tramos que negar A seria afirmar B; simetricamente, a negação de
B acarretaria a afirmação de A. Nossa proposta pretende, ao invés
de negar e/ou de afirmar, que se desloque o eixo da reflexão para
outro nível, em que não se articulam nem A, nem B.
Em C (que admite uma dupla formulação, como adiante ve­
remos), não questionamos mais a obra focalizada como “ um caso” ,
no sentido de problema psíquico ou de problema de estilo. Passa­
remos, isto sim, a considerá-la como obra de arte literária e como
“ o caso” . Para que se aclarem as implicações decorrentes de um
tal deslocar, torna-se imprescindível recorrermos ao primeiro
aforismo expresso por Wittgenstein, no Tractatus logico-philoso-
phicus. 56
A retórica do Tractatus articula seus sete aforismos em três
movimentos concêntricos de diferenciação, estudados por Emma­
nuel Carneiro Leão no “ Contexto problemático do Tractiatus de
Ludwig Wittgenstein” . 57 O primeiro movimento engloba os dois
primeiros aforismos e estabelece os fundamentos do critério de sen­

55
tido. Conforme proposta de Emmanuel Carneiro Leão, o aforismo
a que nos referimos pode ser assim traduzido: O mundo é tudo,
que é o caso.
Neste nível de questionamento, recusamos de imediato que a
obra de arte literária possa vir a ser plenamente identificada a um
objeto.
Se de um lado a obra literária é um artefato produzido (obra
escrita, inserida no mercado de compra e venda, produto de con­
sumo), por outro lado difere dos demais artefatos, tais como: um
sapato, uma cadeira, um sofá. Todos os artefatos de consumo têm
uma finalidade primordialmente utilitária, o que não se verifica
com a obra de arte literária. Ela não é um objeto útil no sentido
vulgarmente atribuído ao sapato, à cadeira e ao sofá.
Poderiam objetar, alguns, dizendo da utilidade da obra de
arte como “ instrumento de conhecimento” . Ainda assim, ela dife­
riria dos demais “ objetos úteis” . Mais do que “ instrumento útil”
que favorece ao conhecimento, a obra de arte literária é produtora
de significações, abre perspectivas para o homem que, consumindo
objetos, acaba por ser consumido como um objeto da engrenagem
social. Deste modo, é na criação literária que este homem consu­
mido pode desvendar uma fresta que o libere da alienação em que
vive. Assim, não seria um puro jogo de palavras dizer que a obra
de arte literária é, em si mesma, a possibilidade de instauração de
um mundo.
Quando Heidegger propõe que a obra de arte instaura um
mundo, e toma como exemplo o quadro de Van Gogh “ Os sapatos
da camponesa” , o que ele pretende mostrar é que apenas ao dei­
xarem de pertencer ao mundo dos “ objetos úteis” (tanto o sapato
quanto a camponesa) e ao passarem para a esfera do artístico é
que o ser humano é levado a pensar neles.
No quadro, des-realizado, inútil para calçar, o sapato pintado
por Van Gogh é capaz de aclarar-nos que o espaço do real ime­
diato tende a ofuscar nc homem a instigação do pensar. Para que
servem os sapatos da camponesa, no quadro de Van Gogh? Eles,
já agora inúteis para calçar, realizam o trabalho fundador de re­
velar aos olhos do homem uma consciência existencial expressa
artisticamente.
Do mesmo modo, na obra de arte literária, a realidade que o
homem capta setorialmente no uso cotidiano dos sistemas de signos
ganha maior amplitude. Na linguagem da poesia, a palavra do poeta-

56
não é exatamente um signo lingüístico, mas o dizer que torna pos­
sível ao homem pensar a existência. Assim, a obra de arte literária
pode ser vista como aquilo que abre para o homem a possibilidade
de desalienar-se.
Quando propomos que o e u é o caso} queremos dizer que a
obra de Augusto dos Anjos instaura um mundo. Que sua obra não
eqüivale, essencialmente, a um objeto produzido, utilitário; e, sim,
que se transforma no “ lugar” do acontecimento existencial.
Finalmente, dizer que o e u é o lugar do acontecimento exis­
tencial consiste em propormos que, nele, como obra de arte lite­
rária, se opera o des-realizar do manejo utilitário do sistema de
signos lingüísticos: e u não é apenas uma estrutura formalmente
constituída. Se o poema se objetiva como estrutura de língua e dis­
curso, é porque a obra de arte literária dialoga com o próprio modo
de ser da existência. O ser literário de uma obra de arte literária
não será, por esta razão, nem uma estrutura, nem um depoimento:
enquanto obra poética, a obra se in-utiliza como objeto e o homem
como sujeito. O EU, como o lugar em que se manifesta, com pleni-
nitude, o dizer da linguagem poética, é o máximo de silêncio e o
máximo de voz.
Por não ter sido assim focalizada, a obra de Augusto tem re­
cebido o rótulo de poesia científica, de produção escrita em confor­
midade com a doutrina monista e evolucionista de que seu autor
se embebera na Escola de Direito do Recife. Se for lido temática
e redutoramente, por certo é o que se há de considerar aquele livro
em que desfilam moneras, células, fetos. Mas, lido como o dizer do
poético, o EU é a mais forte contestação da cientificidade. O “ povo
subterrâneo” de que nos fala Augusto dos Anjos é submetido a um
constante movimento de escavação, em que o verme, de elemento
corrosivo, transforma-se em móvel de constituição de um questio­
namento que faz a autópsia da “ amaríssima existência” : o fagismo.
O fagismo — em sua múltiplas manifestações: a glutoneria, o
antropofagismo, o verme, o desvirginar do labirinto do velho e me­
tafísico mistério — libera para o texto de Augusto dos Anjos o
corte verticalizante em que se lêem criticamente as leis universais
do transformismo e as cadeias causais do evolucionismo da espécie.
No mundo em que a tudo se observa mediante a ótica da “ ci­
ência crua” (Eu: 56), o poeta, que lê o silêncio da ciência, é o feto
malsão, que vive, “ Magro, roertdo (o grifo é nosso) a substância
córnea da unha” (Eu: 124).

57
Como excrescência de um mundo povoado de determinismo, que
o autor recusa, o poeta transforma-se no verme que realiza o tra-
balho fundador de escavar um espaço, artístico, em que a existên­
cia possa manifestar-se pujantemente. A operosidade artística a que
nos referimos distingue-se, então, do elaborar de uma obra, tida
como esteticamente fruível, para ser o re-velar do absurdo da exis­
tência adstrita à dicotomia vida-morte. A elaboração artística será
o assumir da consciência da marcha para o Nada, que não é a
morte, mas o fundamento do que, absolutamente, nunca pode ser,
pois só a partir do Nada pode-se, verdadeiramente, colocar a per­
gunta sobre o que é. E os poetas, “ sempre foram poetas a partir do
Nada” . 58
Tangido pelo nada dele mesmo, roendo o roído, “ Deus Verme” ,
verme-poeta, forma vermicular, o poeta dis-põe da liberdade, e inter­
roga. É o que faz Augusto dos Anjos. O eu é o espaço vital em que
se processa um único Poema, e em que se coloca uma única ques­
tão: a experiência literária da gravidade do existir. Assim, neste
Poema, tocado pelo impacto da existência, o homem percorre, re­
flexivamente, o caminho da criação artística, e constrói a

Região, onde não cuspa língua alguma


O óleo rançoso da saliva humana!

Uma região sem nódoas e sem lixos


Subtraída à hediondez de ínfimo casco,
Onde a fôrca feroz coma o carrasco
E o ôlho do estuprador se encha de bichos!

Outras constelações e outros espaços


Em que, no agudo grau da última crise,
O braço do ladrão se paralise
E a mão da meretriz caia aos pedaços!
(Eu: 126)

A região “ sem nódoas e sem lixos” é como o “ cante” de João


Cabral de Melo Neto: a paio seco. A região, sem mais nada. Só o
espaço aberto de uma abertura em que se instala um mundo e que
é instaurada pelo mundo poético de Augusto dos Anjos. Este mun­
do, povoado de entes e tangido pelo Nada, o poeta o escava no
cerne da criação poética:

58
Certo, o arquitectural e íntegro aspecto
Do mundo o mesmo inda é, que, ora, o que nêle
Morre, sou eu, sois vós, é todo aquêle
Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto!

É a flor dos genealógicos abismos


— Zooplasma pequeníssimo e plebeu,
De onde o desprotegido homem nasceu
Para a fatalidade dos tropismos: —

Depois, é o céu abscôndito do Nada,


(Eu: 175-6)

O Nada e a Arte são os dois instantes de poesia de que se nutre


a obra de Augusto dos Anjos. Da tensão que se estabelece entre o
que nunca pode ser (o Nada) e o que faz vir à luz o vigor do que
não perece (a A rte), Augusto dos Anjos tece o seu poema. E o que
nele realiza não é o contar de uma estória — a sua ou a dos ho­
mens — nem é a defesa dos ideais monistas: o E U transpõe os li­
mites do “ estoriar” e constitui-se a instância em que se projeta a
questão da liberdade instigadora da criação poética.

A obra literária e o poético:

Dans 1’ouevre d ’art, la vérité de l ’étant s’est


mise en oeuvre.
Martin Heidegger

A noção corrente e tradicional de verdade não satisfaz ao que


se diz quando propomos: na obra de arte se põe em obra a ver­
dade dos entes.
O problema é complexo. Conforme já foi discutido, o ato poé­
tico é, em sentido amplo, o instaurar de um mundo, e a possibili­
dade de tirar o homem de sua alienação costumeira.
Pode-se estabelecer que, fora do âmbito da poesia, o relacio­
namento do homem com os demais entes caracteriza-se pelo risco
da anulação do outro.
Na utilização das coisas, que muitas vezes esquecemos em si
mesmas, transformando-as em utensílios, executamos o movimento*
que nos impede de vê-las plenamente. Mais uma vez é elucidativo
o exemplo de Heidegger, quando nos fala do quadro em que se
acham pintados os sapatos da camponesa. O melhor sapato, corri­

59
queiramente, é aquele que desaparece em nossos pés, aquele que
não nos incomoda, o que se anula enquanto sapato. O melhor “ sa-
pato-utensílio-objeto útil” é o que não “ aparece” como sapato.
Apenas quando o sapato não é mais apreendido como utensílio, mas
apropriado artisticamente, é que este emerge em sua força de
presença.
Mas temos que considerar, ainda, que esse emergir nunca é
total, e apenas indiretamente acessível, por manifestar-se num jogo
híbrido de retraimento e revelação.
N o caso específico da obra de Augusto dos Anjos, o jogo se
estabelece no fato de que o mundo poético dialoga antiteticamente
com uma determinada visão científica: a do evolucionismo-monistá-
determinista. Mas, apesar dessa contingência histórica; apesar do
convívio do poeta com as teorias germânicas difundidas e assimi­
ladas por Tobias Barreto e pela Escola do Recife; apesar de, no
léxico de que se apodera (poeticamente) Augusto dos Anjos, re­
percutir como memória o comprometimento com o discurso da
época da ciência, sua obra revela-se (como já tivemos a oportuni­
dade de afirmar) uma superação do cientificismo.
O primado do poético sobre a verdade provisória do cientifi­
cismo da época libera o texto de Augusto dos Anjos do jugo da
ciência.
Vejamos como. Tomemos o soneto “ Mater Originalis” :

Forma vermicular desconhecida


Que estacionaste, mísera e mofina,
Como quase impalpável gelatina,
Nos estados prodrômicos da vida;

O hierofante que leu a minha sina


Ignorante é de que és, talvez, nascida
Dessa homogeneidade indefinida
Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.

Nenhuma ignota união ou nenhum nexo


À contingência orgânica do sexo
A tua estacionária alma prendeu. . .
Ah! de ti foi que, autônoma e serii normas,
Oh! Mãe original das outras formas,
A minha forma lúgubre nasceu!
(E u : 87 )

60
Neste soneto encontramos, literalmente, a referência ao “ in-
signe Herbert Spencer” e ao que “ ele nos ensina” , bem como a
evidência de indícios de certa admiração às propostas spencerianas
sobre a “ homogeneidade indefinida” . Como então, frente a tais
“ evidências” , podemos propor que na poesia de Augusto dos Anjos
a ciência não é evidentemente sustentada?
No soneto “ Mater Originalis” a ciência não é o objetivo do
discurso poético, do mesmo modo que não é uma presença enga­
nadora, mas contestada.
O texto esclarece, em profundidade, o que a ciência monista
encobre: a impossibilidade de a ciência questionar o próprio mo-
nismo. Ao referir-se a Spencer e à “ homogeneidade indefinida” , o
poeta desloca-os para fora do horizonte da ciência, inserindo-os no
do fagismo corrosivo, eixo de sua cosmogonia, e que eqüivale, em
sua poesia, a um movimento de contestação que opõe a ciên­
cia: Spencer, à não-ciência: o hieroíante, sacerdote que presidia aos
mistérios do Elêusis, na Grécia antiga e, por extensão, cultor das ci­
ências ocultas e adivinho.
Até no nível do suporte fônico das rimas o poeta opõe a ciên­
cia de Spencer à “ ciência” divinatória do hierofante:

forma vermicular desconhecida


hierofante / sina
&
homogeneidade indefinida
Spencer / ensina

A verdade que se instaura nesse texto poético reside no em­


penho de superação da ciência, através da reflexão poética da “ ci-
entificidade” .
A forma “ autônoma e sem normas” de “ Mater Originalis” ,
assim como a região “ sem nódoas e sem lixos” , de “ Gemidtos de
Arte” são, ambas, submetidas ao processo de corrosão do fagismo.
O fagismo é uma imagem constitutiva que dinamiza o universo
poético de Augusto dos Anjos, e assume, nos dois poemas em ques­
tão, a imagem do verme.
A forma e a região revelam-se no processo corrosivo que insti­
tui o consumo poético. Na tensão de consumir/ser consumido, o
homem chega ao sumo do que ele mesmo é. O consumo poético
transforma-se, neste caso, em con-sumo (chegar ao sumo).

61


III

A COSM OGONIA P O É T IC A

DE AUGUSTO DOS ANJOS

Rasga essa máscara ótima de sêda


E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos.

Augusto dos Anjos


O termo cosmogonia e suas implicações:

Em primeiro lugar, façamos uma diferença entre c o s m o g o ­


n ia ciência afim da astronomia e que trata da origem e evolução
,
do universo; e c o s m o l o g i a , ciência afim da astronomia e que
trata da estrutura do universo. Estas duas acepções, dicionarizadas,
são as que comumente hoje atribuímos aos dois termos.
Nosso interesse é discutir a cosmogonia. A bibliografia sobre o
assunto é escassa, e este trabalho não pretende ser conclusivo. Es­
tamos conscientes de que ainda tateamos no problema.
Outras referências à cosmogonia remontam à sua relação com
o prestígio mágico do tema das “ origens” , e ligam-se ao comporta­
mento mítico de sociedades milenares para as quais o mito é algo
vivo, capaz de fornecer modelos para a conduta humana e, por isso,
acresce de significação e valor a existência.
Agrupada por alguns entre os mitos sagrados, a cosmogonia é
sempre uma espécie de narrativa da “ criação” que relata um acon­
tecimento fabuloso e primordial ocorrido no “ princípio dos tempos” .
Considerado mito sagrado, nos rituais tribais, o mito cosmogô-
nico, é tido por modelo exemplar de toda “ criação” e surgimento
de vida e pode ser usado para ajudar o doente a crer no retorno à
origem, e proporcionar-lhe a cura ou a esperança de um renasci­
mento.
A obra de Augusto dos Anjos não se coloca, evidentemente, no
nível do mito, nem sua época pode ser comparada à das sociedades
milenares a que nos referimos.
No entanto, é inegável que o percurso de sua obra, cujo tra­
çado épico mencionamos na introdução, aborda em seus poemas o
tema da “ criação” . N o e u o autor desenvolve quatro etapas, que
assim se articulam: — 1) a do surgimento de um eu (forma ver-
micular desconhecida que provém do cosmopolitismo das moneras;

65
forma autôncma e sem normas; forma lúgubre; cabeça autônoma
que pensa etc.) que procede da “ escuridão do cósmico segredo”
(isto é, que provém do c a o s ) ; 2 ) a do despertar de um “ povo
subterrâneo” (transformação do CAOS originário em c o s m o , prin­
cípio de organização); 3) a da “ predição” de que tudo que há no
mundo há de desintegrar-se, através de uma “ glutoneria hedionda” ,
na “ aspereza orográfica” do cosmo (desagregação do cosmo, pelo
consumo); e 4) a que atribui à Arte (princípio de cura e con-sumo)
o fazer gerar a “ célula inicial de um Cosmos novo” , um grande feto
que viria “ substituir a Espécie Humana” (o re-nascer do Cosmo
desagregado anteriormente). Ou seja, sua obra abre-se num pro­
cesso cíclico de:

1 2
criação de vida / maturação-degra.dação de vida

nascimento vida
3 4
perecimento de vida / recriação de vida pela Arte
morte re-nascimento

Evidentemente a atração do poeta por este tema da “ criação”


pode também estar ligada ao contexto cultural do nordeste brasilei­
ro de fins do século passado, e que se projetou até o século X X : a
difusão das idéias de Haeckel, que, em sua obra, os Enigmas do
Universo, faz uso de uma “ filosofia” incipiente, de mitológica anima­
ção da matéria, no que recorda o hilozoísmo dos jônios (doutrina
que atribui à matéria qualidades espirituais), bem como a doutrina
de Empédocles sobre o ódio e o amor entre os elementos. Professor
da Universidade de Jena, na Alemanha, Ernest Haeckel desenvol­
veu também de modo extremado e dogmático as idéias de Darwin.
Mas não só Haeckel penetrou no Brasil àquela época. Também
Von Hartmann, Schopenhauer e, principalmente, Ludwig Noiré, ex­
positor do monismo (doutrina filosófica segundo a qual o conjunto
das coisas pode ser reduzido à unidade, quer do ponto de vista de
sua substância — e o monismo poderá ser um materialismo ou um
espiritualismo — ; quer do ponto de vista de suas leis (lógicas ou fí­
sicas) pelas quais o universo se ordena — e o monismo será lógjco
ou físico).

66
Scbre a atuação de Noiré, João Ribeiro costumava ressaltar
seus ares de oráculo da filosofia contemporânea. E, segundo depoi­
mento de Cruz Costa, falava-se de Noiré como se falava de Homero
e Shakespeare.
Quanto a Von Hartmann, representava uma espécie de cor­
rente de renovação neo-romântica ou, como aqui se denominou,
reação espiritualista contra o exagero do naturalismo. Filósofo pes­
simista, para Hartmann a redenção do mundo consistia em sua ex­
tinção. Sem que tenha marcado por demais a obra de Tobias Bar­
reto, influenciou grandemente a de Farias Brito, em especial no que
diz respeito à Finalidade do Mundo.
Também a obra de Schopenhauer penetra nos meios brasilei­
ros dos autodidatas sôfregos, que se deixam contaminar por sua teo­
ria do mundo como Representação e Vontade. A vontade é a raiz,
o princípio primeiro do mundo. O mundo, objetivação da vontade,
é somente reino de miséria, dor e escravidão. Para ele, vida é dor
e, se a dor cessa, é porque se Ca,nsa de viver e de querer e, então,
a vida é fastídio. Mas o homem pode libertar-se da dor e subtrair-se
ao domínio da vontade, através da Arte. O sujeito, diz ele, que
contempla o mundo através da intuição artística, por ela se eleva
acima da vontade e da dor, do espaço e do tempo.
Tendo freqüentado o ambiente da Escola do Recife, por certo
Augusto dos Anjos sofreu a influência do monismo que ali pene­
trara através de Tobias Barreto, ainda que este fosse anterior à
época em que Augusto movia-se do Engenho do Pau d’Arco apenas
para fazer os exames, uma vez que, segundo seus biógrafos, estu­
dara basicamente com o pai.
O repertório “ científico” da escola teuto-sergipana, como a
chamava, em tom irônico, Carlos de Laet, e da qual participava o
grupo de germanófilos liderados por Tobias Barreto, era todo mar­
cado pela “ retórica” da História da Criação, de Noiré: míonismo,
ontogênese, filogênese e moneras eram as palavras de ordem que
marcavam o ingresso do inculto no mundo das elites da éjpoca.
Vemos, como primeira hipótese, que se cruzam dois universos
na obra de Augusto: a rememoração do mito cosmogônico da cria­
ção e o provável conhecimento do monismo de nítida influência
do Positivismo e da Biologia.
Este problema do cruzamento de textos culturais no texto poé­
tico de Augusto será adiante retomado, mas não antes de vermos
duas outras possíveis acepções do termo cosmogonia.

67
Segundo Pinharanda Gomes, em seu Filosofia Grega Pré-So-
crática, a cosmogonia é uma tentativa de sistematizar toda a mítica
relativa à natureza visível; enquanto a teogonia o é em relação à
história dos deuses, e também à natureza visível e invisível. Para
o autor, teogonia e cosmogonia são duas contemplações da cosmo­
gonia remota (os mitos da criação).
Assim, vão aparecer, nas cosmogonias, motivos míticos, histó­
ricos e naturais, ou retirados da natureza. A terra sempre nelas
surge como a origem (lembremo-nos da força telúrica na obra de
Augusto dos Anjos, de todo o seu “ povo subterrâneo” e suas formas
lúgubres e vermiculares), a sólida mãe de todas as coisas, e a mais
antiga.
Já Hegel, ao estudar os epigramas e gnomas, distingue um
outro gênero, segundo ele mais profundo, e cujo fim didático e moral
é menos explícito. Ê o caso das cosmogonias e teogonias, assim como
o das antigas obras filosóficas que, para Hegel, não conseguiram li­
bertar-se inteiramente da forma poética. Vemos já em Hegel uma
tendência a extinguir das cosmogonias o seu fundo mítico e exaltar-
lhes o cunho sistemático que possa vir a desdobrá-las em sistemas
filosóficos que venham a conceptualizar o Absoluto.
Não seria ousado dizer que a investigação do sentido e
conteúdo da cosmogonia leva-nos, através de Hegel, a um tempo
lcngíquo do qual sempre tomamos conhecimento através de
uma tradição e de uma tradução: o período que o Ocidente deno­
minou de aparecimento da Filosofia Pré-Socrática.
Ressaltemos que a tradição ocidental é, neste caso, uma tradu­
ção não acidental, com todos os riscos que ela acarreta, dentre eles,
o de subverter o pensamento grego originário, ao vertê-lo em con­
formidade com o exclusivo padrão da metafísica ocidental.
Não podemos deixar de examinar, ainda que brevemente, o
perfil deste risco, na denominação “ filosofia pré-socrática” atribuída
ao pensamento dos que, segundo a tradução do Ocidente, produzi­
ram a cosmogonia remota., ou seja, antigas obras filosóficas não in­
teiramente libertas da forma poética.
Chamar pré-socráticos, segundo Nietzsche, ou pré-aristotélicos,
conforme Hegel, àqueles pensadores gregos, indica-nos que eles
foram traduzidos e interpretados a partir de um duplo compromisso
com o período clássico do helenismo: a marcação cronológica, que
faz deles pré- ( = anteriores) e o índice de padronização valorativa,
que os conceitua como primitivos, no sentido de terem produzido

68
obra de menor valor, relativamente a Sócrates, Platão e Aristóteles
que, segundo se supõe, procuraram e/ou conseguirajm libertar-se da
forma poética. Implica, portanto, que, por estarmos submetidos a
uma determinada concepção de tempo, filosofia e poesia, admiti­
mos que esses pensadores são filósofos pré-socráticos-aristotélicos por
nãc ter sido a sua reflexão iluminada pelo “ momento áureo” da fi-
lcscfia helênica. Assim pensa a tradição-tradução ocidental.
Mas, ser pré significa também, e principalmente, ser originário.
E, disto, tem-se esquecido o Ocidente. Significa também colocar,
criginariamente, a questão do logos, da, physis e da poesia. Ques­
tões que, traduzidas pela tradição ocidental, tiveram seu curso
desviado, progressivamente, por um discurso filosófico, cada vez
mais sistemático, normativo e lógico.
Se assim é, é provável que o desvio, ou a traição na tradução,
tenha do mesmo modo encoberto o sentido originário da cosmogo­
nia, até que dele apenas restasse a acepção de gênero literário apro­
ximado da manifestação épica, e definido por Hegel como sendo,
em seu conteúdo, “ o nascimento das coisas, ou natureza, os aci­
dentes e lutas das atividades que no mundo se afirmam” 59 que
incitaria a imaginação poética a uma representação ainda mais con­
creta e mais animada dos fatos sob a forma de ações e aconteci­
mentos.
A cosmogonia, o nascimento das coisas, a natureza, aproxima­
das na definição de Hegel, tiveram seu sentido transformado, na
tradução de que falamos, para gênero poético, manifestação sensí­
vel, natura. Esta conversão de sentido assenta numa tradição que
se baseia numa incompreensão de há muito instalada, como propõe
Heidegger: oculta-se na compreensão da natureza como algo físico,
sensível, empírico, concreto.
O entendimento originário do sentido e do conteúdo da cos­
mogonia vai, então, requerer que se questione esta conversão, con-
s:derando que:
1.°) os chamados filósofos pré-socráticos, diz-nos Emmanuel
Carneiro Leão, “ não são filósofos. São mais do que isso. São pen­
sadores do Ser” ; 60
2.°) pensar o Ser é pensar o logos e sua Essência, o que se dá
a partir da linguagem do poeta e do pensador;
3.°) o sentido da cosmogonia é experimentado pelos gregos,
originariamente, não por força dos fenômenos naturais, ou dos aci­

69
dentes e lutas que no mundo se afirmam, mas “ por força de uma
experiência fundamental do Ser, facultada pela poesia e pelo pen­
samento, se lhes des-velou o que haviam de chamkr physitf’; 61
4.°) a cosmogonia poética significa, como experiência originá­
ria, “ o céu e a terra, a pedra e a planta, tanto o animal como o
homem e a História humana, enquanto obra dos homens e dos
deuses, finalmente e em primeiro lugar os próprios deuses subme­
tidos ao Destino” ; 62
5.°) a obra poética de Augusto dos Anjos, sem dele querer fazer
um anacrônico “ pré-socrático” instalado na confluência dos séculos
X I X e X X , é uma manifestação cosmogônica, também por superar
a dicotomia que opõe corpo/alma, homem/feto, vida/morte, latên-
cia/verme, fecundação/corrosão (pa,res facilmente constatáveis me­
diante leitura denotativa de seus poemas), e, superando-a, unifi­
ca-a através de uma apreensão totalizadora, porque poética, e
não física/metafísica;
6.°) denotativamente, os temas do monismo e do transfor-
mismo seriam índices de um pensamento afinado com a perspectiva
do germanismo em sua versão da Escola do Recife. Mas, no jogo
telúrico que se processa no texto de Augusto, e que constitui a
trama da cosmogonia, a “ intuição monística” , de que nos fala o
poeta, não é porta-voz do monismo da ciência da época, Ê a reu­
nião, em um único conjunto, daquilo que mais tende a opor-se, se­
gundo o senso comum: o ser e o vir a ser do ente;
7.°) o transformismo, do mesmo modo, não é um simples eco
do evolucionismo determinista, mas o modo de aparecer do que se
revela e se oculta.
Podemos dizer, com Augusto dos Anjos, que a sua cosmogonia
poética apreende, unificadoramente, o perene e o transitório:

“ Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,


“ Com essa intuição monística dos gênios,
“ À hirta forma falaz do aere pererúus
“ A transitoriedade das fagulhas!”
(Eu: 185)

e que, mediante esta reunião, a natureza é concebida como ele­


mento unificador de tudo o que brota e permanece.
Nos vários desdobramentos descritos em sua poesia, Augusto
dos Anjos sempre pensou e escreveu o mesmo: o poético interro­

70
gar da destinação e crrância do homem, que encontra na Arte a
expressão máxima de sua existência. Assim, podemos dizer que o
EU, em suas cinqüenta e oito peças, consiste num único poema, in­
cansavelmente repensado pelo poeta.
Este único poema é a sua cosmogonia, que se entretece na
estruturação de três núcleos temáticos: a intuição monística, o trans­
formismo e o fagismo.
À intuição monística relacionam-se o apelo do telus, o mundo
da força cósmica furiosa, a proveniência, a fecundação, a invoca­
ção dos “ Deuses salvadores do erro” e a latência. A intuição mo­
nística porta, em si mesma, uma tensão: a da teoria monista, como
figura de verdade de uma época histórica, com a da compreensão
monística, integradora; unificante, que aponta para a apreensão da
natureza como totalidade: como physis (vide nota 61).
Ao transformismo correspondem as leis e a mecânica a que
todas as coisas se reduzem, quando focalizadas pela ótica da “ ciên­
cia crua” ; a autópsi'a da amaríssima existência; o choque da força
centrípeta e do movimento para vencer esta mesma força; a genea­
logia dos séculos e do cosmo; e a dissolução panteística. O transfor­
mismo também resulta de um jogo de tensão entre a concepção
evolucionista do darwinismo e das teorias de Spencer, com a com­
preensão do transformismo como emergência de uma presença, ou
seja, o aparecer do que, consistindo em si mesmo, manifesta-se no
jogo híbrido de revelação e ocultação.
Ao fagismo, que efetiva criticamente a tensão dos outros
dois eixos (a intuição monística / monismo & transformismo /
teoria transformista), reportam-se: o sumo (a proveniência) e o
consumo (o desgaste) de tudo o que no cosmo se afirma. Ao fagisi-
mo cumpre reelaborar o consumo em con-sumo (levar alguma coisa
ao sumo). Neste nível, o verme (e suap variantes: a lepra, o roer,
a podridão, o esterco, os resíduos ruins) é a imagem constitutiva
da transformação con-sumidora (transformação que con-suma),
através da qual se processa o desvendamento do que a dicotomia
matéria/forma, corpo/alma, homem/ossos e a evolução linear e
causai (nascimento-desenvolvimento-maturação-perecimento), (mo-
nera/desdobramento em vida animal, vegetal ou configuração mi­
neral/decomposição/retorno à monera) e a legislação genealógica
da ciência evolucionista tendem a ocultar: o fato de que consistem
numa “ pintura” desarticulada da totalidade do real. A physis, a Arte,
a eclosão do poético, e não o monismo/tranformismo em sua versão

71
científica, presidem à elaboração da cosmogonia de e u . Nesta, a
Arte, como manifestação plena de criação, desempenha um papel
instaurador. Mesmo que o homem se desintegre materialmente, e
retorne à terra, ao ar, ao fogo e à água, mesmo que seja panteisti-
camente dissolvido, o homem sempre aparece, no e u , como o único
ente que existe e que doa, por sua existência, sentido à existência
e aos demais entes. O homem-poeta-feto malsão é o verme que
con-some (leva ao sumo) o consumo (o desgaste de si mesmo e
de todas as coisas), ao dispor-se à Arte, que

Abranda as rochas rígidas, torna água


Todo o fogo telúrico profundo,
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
À aspereza orográfica do mundo!
(Eu: 56)

Enquanto à intuição monística corresponde o vetor verticali-


zante ascendente, o transformismo move-se no eixo da horizontali-
dade e, muitas vezes, aponta para uma perspectiva diacrônica. O
fagismo, por sua vez, descreve o curso verticalizapte em sentido
descendente. Mas todos estes vetores se interpenetram, gerando
um entrecruzamento de forças, que constituem a dinâmica da cos­
mogonia poética de Augusto dos Anjos.
A estas forças chamamos de eixos de tematização. Tais eixos
explicitam-se conteudisticamente, no nível do texto, na configura­
ção de temas-chaves, que abrangem os cinqüenta e oito poemas de
EU em momentos determinados: os dcentes, a Arte, a gestação do
grande feto.
Os três eixos de tematização (a articulação dos núcleos temá­
ticos: intuição monística, transformismo e fagismo) atuam simul­
taneamente em cada um dos temas-chaves. E conjugam-nos entre
si, e a seus possíveis desdobramentos, pelo “ duelo terrível” (a an­
gústia instauradora a que se Teferiu Manuel Bandeira) que, ao de­
sencadear o processo de corrosão, promove o questionamento da
dualidade metafísica, e a unificação de todos os temas, elementos e
eixos de tematização em uma mesma e única cena poética: a da
cosmogonia.

72
O tema da cosmogonia no EU:

Para que não nos dispersemos, é importante retomarmos al­


guns pontos.
Primeiramente, há na obra de Augusto dos Anjos um cruza­
mento de textos culturais: 1) uma visão mítico-poética, da existên­
cia, e 2) a inserção, no poético, de um vocabulário de cargâ in-
formacional que, no nível denotativo, remeteria para o discurso
científico do monismo evolucionista da época.
Em relação ao veio mítico-poético, vemos que sua obra apreen­
de o universo a partir do tema da “ Criação” . Desde o1primeiro
poema do livro, “ Monólogo de uma sombra” , constata-se a preo­
cupação do autor com:
1.°) — a fixação da proveniência: o eterno surgir de um eu,
impessoalizado no conceito de “ substância de tôdas as substâncias” :

“ Sou uma Sombra! Venho de outras eras,


Do cosmopolitismo das moneras. . .
Polipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segrêdo,
Da substância de tôdas as substâncias!”
(Eu: 51)

2.°) — a mobilização das forças criadoras do Cosmo, pelo


despertar de um “ povo subterrâneo” :

“ Em minha ignota mônada ampla, vibra


A alma dos movimentos rotatórios. . .
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a mobidez dos sêres ilusórios!”
(Eu: 52)

3.°) — a “ glutoneria hedionda” (nela inclui-se toda a relação te­


mática dos atos fágicos que povoam a obra de Augusto com o
tema da corrosão: o consumo como desgate que, levando à destrui­
ção todas as substâncias concretas e o abstrato das quimeras e dos
sonhos, leva também à possibilidade de reconstrução crítica de um
mundo novo, nirvânico, em que a Arte exerce preponderante pa-

73
pel, o de promover o con-sumo (levar tudo que é ao sumo, ao âma­
go de sua força vigorcsa,). Não se pode aqui deixar de colocar a
nítida correlação entre a posição do poeta e a de Schopenhauer a
que nos referimos. A glutoneria ou antropofagia, integrada ao eixo
do fagismo, é o princípio desagregador da “ criação” mas, simulta­
neamente, por ser um estado passageiro (como na visão de Empé-
docles o eram sfairos (força de agregação) e a akosmip (força de
desagregação) que regiam, por seu perpétuo movimento de ir-e-vir,
o equilíbrio das forças cósmicas jamais estáticas), por ser um estado
passageiro, repetimos, esta força de desagregação contém em si
também a possibilidade re-agregadora ou recriadcra. Simplificando:
o fagismo contém o consumo (força desagregante) e leva ao con­
sumo, pela arte, (força agregante):

“ A desarrumação dos intestinos


Assombra! Vêde-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuça.s trincam
No espasmo fisiológico da fome” .
(Eu: 53)

4.°) — a re-criação, pela Arte, de um cosmo novo, que res­


surge do mundo desagregado (esse mundo desagregado que é “ can­
tado” fônicamente pelo poeta, nas rimas, nas aliterações, no seu
ccnsonantismo agressivo):

“ Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,


Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
À aspereza orográfica do mundo!”
(Eu: 56)

A Arte recria, pelo “ dilúvio” (atentemos para o tema da água


como metáfora da purificação), a “ planície alegre” do que antes
ardera em fogo.
Quanto à inserção, no poético, de um vocabulário de carga in-
formacional que, denotativãmente, remeteria para o discurso do
cientificismo monista, gostaríamos de ressaltar:

74
1) — mesmo que Augusto se apodere destes termos, muitas
vezes em seu sentido preciso, ele os submete a uma predicação (ou
relação atributiva) sempre contrária ao propósito da ciência. Por
exemplo: na mônada vibra a “ alma dos movimentos” (eu : 51);
as “ fotosferas” são pálidas e mortas (eu : 57); a môr]ada é “ es­
quisita” (eu: 85). Seriam inúmeros os exemplos a colher, nos cin­
qüenta e oito poemas, mas o que nos interessa não é o mero re-
censeamento. Ê mostrar que Augusto não se apropria cientificamen­
te do léxico da ciência, que nem da ciência o é, conforme discuti­
mos no capítulo primeiro, na parte relativa à “ Divulgação de equí­
vocos” , a que remetemos o leitor interessado em rever a questão.
2 ) — a própria “ ciência” da época era, no Brasil, o sintoma de
uma cultura de modelo dependente dos padrões exportados pela
Europa; conceitos mal digeridos, misturas de teorias. Enfim, tradu­
zia o panorama “ científico” brasileiro as vicissitudes da importa­
ção cultural, do aparecimento de novidades européias que, fre­
qüentemente, faziam mudar a rota do pensamento.
Portanto, esse cruzamento de textos culturais que se vê na
obra poética de Augusto, é também o índice de um outro cruza­
mento de “ textos” : o do contexto filosófico-científico da Escola do
Recife, e de seus remanescentes, que invadem o início do século
X X , principalmente no nordeste.
Se nas obras dos “ filósofos-cientistas” da época refletia-se esse
cruzamento cultural caótico, no texto poético de Augusto proces­
sava-se a leitura de uma cosmogonia.

A tematização da cosmogonia no poema “ Os Doentes

Era, numa alta aclamação, sem gritos


O regresso dos átomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!
(Eu: 185)

A seguir, transcrevemos o poema “ Os Doentes” , base do es­


tudo que faremos. Essa transcrição visa a facilitar ao leitor a con­
sulta ao texto integral, cuja leitura atenta é indispensável para o
entendimento de nossas propostas.
A leitura a ser feita retomará os temas-chaves da obra do poeta
(1 — os doentes; 2 — a Arte; 3 — a gestação do grande feto) e os
eixos de tematização que os articulam (1 — intuição monística;
2 — transformismo; 3 — fagismo).

75
OS D O E N T E S

Como uma cascavel que se enroscava,


A cidade dos lázaros dormia. . .
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!

Mordia-me a obsessão má de que havia,


Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!

Tentava compreender com as conceptivas


Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam.

E via em mim, coberto de desgraças,


O resultado de biliões de raças
Que há muitos anos desapareceram!

II

Minha angústia feroz não tinha nome.


Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o último bôlo
Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudopsalmo.


Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiològicamente muito calmo.

Caíam sobre os meus centros nervosos,


Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E o gemido dos homens bexigosos.
Pensava! E em que pensava, não perguntes!
Mas, em cima de um túmulo, um cachorro
Pedia para mim água e socorro
À comiseração dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro


Reboava. Além jazia aos pés da serra,
Creando as supertições de minha terra,
A queixada específica de um burro!

Gordo adubo da agreste urtiga brava,


Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
A Paraíba indígena se lava!

A manga, a ameixa, a amêndoa, a. abóbora, o álamo


E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
Que Deus espalha à beira do teu tálamo!

Nos de teu curso desobstruídos trilhos,


Apens eu compreendo, em quaisquer horas,
O hidrogênio e o oxigênio que tu choras
Pelo falecimento dos teus filhos!

Ah! Somente eu compreendo, satisfeito,


A incógnita psiquê das massas mortas
Que dormem, como as ervas, sôbre as hortas,
Na esteiía egualitária do teu leito!

O vento continuava sem cansaço


E enchia com a fluidez do eólico hissope
Em seu fantasmagórico galope
A abundância geométrica do espaço.

Meu ser estacionava, olhando os campos


Circunjacentes. N o Alto, os astros miúdos
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!
III

Dormia em baixo, com a promíscua véstia


No embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.

Feriam-me o nervo óptico e a retina


Aponevroses e tendões de Aquiles.
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptiajina.

Da degenerescência étnica do Ária


Se escapava, entre estrépitos e estouros,
Reboando pelos séculos vindouros,
O ruído de uma tosse hereditária.

Oh! desespero das pessoas tísicas,


Adivinhando o frio que há nas lousas,
Maior felicidade é a destas cousas
Submetidas apenas às leis físicas!

Estas, por mais que os cardos grandes rocem


Seus corpos brutos, dores não recebem;
Estas dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não tossem!

Descender dos macacos catarríneos,


Cair doente e passar a vida inteira
Com a bôca junto de uma escarradeira,,
Pintando o chão de coágulos sangüíneos!

Sentir, adstritos ao quimiotropismo


Erótico, os micróbios assanhados
Passearem, como inúmeros soldados,
Nas cancerosidades do organismo!

Falar somente uma linguagem rouca,


Um português cansado e incompreensível,
Vomitar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela bôca!

78
Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!

Querer dizer a angústia de que é pábulo,


E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raízes do último vocábulo!

Não haver terapêutica que arranque


Tanta opressão como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A máquina pneumática de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba


A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!

Mas vos não lamenteis, magras mulheres,


Nos ardores danados da febre hética,
Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.

Antes levardes ainda uma quimera


Para a garganta omnívora das lajes
Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,


Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde tôda a vida orgânica,
Há de pagar um dia o último impôsto!

IV

Começara a chover. Pelas algentes


Ruas, a água, em cachoeiras desobstruídas,
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!
Do fundo do meu trágico destino,
Onde a Resignação os braços cruza,
Saía, com o vexame de uma fusa,
A mágoa gaguejada de um cretino.

Aquele ruído obscuro de gagueira


Que à noite, em sonhos mórbidos, me acorda,
Vinha da vibração bruta da corda
Mais recôndita da alma brasileira!

Aturdia-me a tétrica miragem


De que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.

A civilização entrou na taba


Em que êle estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!

E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,


Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!

Como quem analisa um apostema,


De repente, acordando na desgraça,
Viu tôda a podridão de sua raça. . .
Na tumba de Iracema!. . .

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,


Exercia sôbre êle ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.

E sentia-se peor que um vagabundo


Microcéfelo vil que a espécie encerra
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!
A hereditariedade dessa pecha
Seguiria seus filhos. Dora em deante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda com a flecha!

Veio-lhe então como à fêmea veem antojos,


Uma desesperada ânsia improfícua
De estrangular aquela gente iníqua
Que progredia sôbre os seus despojos!

Mas, deante a xantocróide raça loura,


Jazem, caladas, tôdas as inúbias,
E agora, sem difíceis nuanças dúbias,
Com uma clarividência aterradora,

Em vez da prisca tribo e indiana tropa


A gente dêste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!

Era a hora em que arrastados pelos ventos,


Os fantasmas hamléticos dispersos
Atiram na consciência dos perversos
A sombra dos remorsos famulentos.

As mães sem coração rogavam pragas


Aos filhos bons. E eu, roído pelos medos,
Batia com o pentágono dos dedos
Sôbre um fundo hipotético de chagas!

Diabólica dinâmica daninha


Oprimia meu cérebro indefeso
Com a fôrça onerosíssima de um pêso
Que eu não sabia mesmo de onde vinha.

Perfurava-me o peito a áspera pua


Do desânimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos bêbedos da rua.
Hereditariedades politípicas
Punham na minha bôca putrescível
Interjeições de abracadabra horrível
E os verbos indignados das Filípicas.

Todos os vocativos dos blasfemos,


No horror daquela noite monstruosa,
Maldiziam, com voz estentorosa,
A peçonha inicial de onde nascemos.

Como que havia na ânsia de conforto


De cada ser, ex.: o homem e o ofídio,
Uma necessidade de suicídio
E um desejo incoercível de ser morto!

Naquela angústia absurda e tragicômica


Eu chorava, rolando sôbre o lixo,
Com a contorção neurótica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de nux-vômica.

E, como um homem doido que se enforca,


Tentava, na terráquea superfície,
Consubstanciar-me todo com a imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!

Vinha, às vezes, porém, o anelo instável


De, com o auxílio especial do osso masséter
Mastigando homeomérias neutras de éter
Nutrir-me da matéria imponderável.

Anelava ficar um dia, em suma,


Menor que o anfióxus e inferior à tênia,
Reduzido á plastídula homogênea,
Sem diferenciação de espécie alguma.

Era (nem sei em síntese o que diga)


Um velhíssimo instinto atávico, era
A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha mãe antiga!
Com o horror tradicional da raiva corsa
Minha vontade era, perante a cova,
Arrancar do meu próprio corpo a prova
Da persistência trágica da fôrça.

A pragmática má de humanos usos


Não compreende que a Morte que não dorme
Ê a absorção do movimento enorme
Na dispersão dos átomos difusos.

Não me incomoda êsse último abandono.


Se a carne individual hoje apodrece,
Amanhã, como Cristo, reaparece
Na universalidade do carbono!

A vida vem do éter que se condensa,


Mas o que mais no Cosmos me entusiasma
É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.

Eu voltarei, cansado da árdua liça,


À substância inorgânica primeva,
De onde, por epigênesis, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!

Quando eu fôr misturar-me com as violetas,


Minha lira* maior que a Bíblia e a Fedra,
Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planêtas!

VI

À álgida agulha, agora, alva, a saraiva


Caindo, análoga era. .. Um cão agora
Punha a atra língua hidrófoba de fora
Em contracções miológicas de raiva.

Mas, para além, entre oscilantes chamas,


Acordavam os bairros da luxúria. . .
As prostitutas, doentes de hematúria,
Se extenuavam nas camas.
Uma, ignóbil, derreada de cansaço,
Quase que escangalhada pelo vício,
Cheirava com prazer no sacrifício
A lepra má que lhe roía o braço!

E ensangüentava os dedos da mão nívea


Com o sentimento gasto e a emoção pobre,
Nessa alegria bárbara que cobre
Os saracoteamentcs da lascívia. . .

De certo, a perversão de que era prêsa


O sensorium daquela prostituta
Vinha da adaptação quase absoluta
À ambiência microbiana da baixeza!

Entanto, virgem fôstes, e, quando o éreis,


Não tínheio ainda essa erupção cutânea,
Nem tínheis, vítima última da insânia,
Duas mamárias glândulas estéreis!

Ah! Certamente, não havia ainda


Rompido, com violência, no horizonte,
O sol malvado que secou a fonte
De vossa castidade agora finda!

Talvez tivésseis fome, e as mãos, embalde,


Estendestes ao mundo, até que, à toa,
Fôstes vender a virginal coroa
Ao primeiro bandido do arrabalde.

E estais velha! De vós o mundo é farto,


E hoje, que a sociedade vos enxota,
Somente as bruxas negras da derrota
Freqüentam diariamente vosso quarto!

Prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes


Longe da mancebia dos alcouces,
Nas quietudes nirvânicas mais doces,
O noivado que em vida não tivestes!
VII

Quase todos os lutos conjugados,


Como uma associação de monopólio,
Lançavam pinceladas pretas de óleo
Na arquitetura arcaica dos sobrados.

Dentro da noite funda um braço humano


Parecia cavar ao longe um poço
Para enterrar minha ilusão de moço,
Como a bôca de um poço artesiano!

Atabalhoadamente pelos becos,


Eu pensava nas coisas que perecem,
Desde as musculaturas que apodrecem
À ruína vegetal dos lírios secos.

Cismava no propósito funéreo


Da môsca debochada que fareja
O defunto, no chão frio da egreja,
E vai depois levá-lo ao cemitério!

E esfregando as mãos magras, eu, inquieto,


Sentia, na craniana caixa tôsca,
A racionalidade dessa môsca,
A consciência terrível dêsse inseto!

Regougando, porém, argots e aljâmias,


Como quem nada encontra que o perturbe,
A energúmena grei dos ébrios da urbe
Festejava seu sábado de infâmias.

A estática fatal das paixões cegas,


Rugindo fundamente nos neurônios,
Puxava aquele povo de demônios
Para a promiscuidade das adegas.

E a ébria turba que escaras sujas masca,


À falta idiosincrásica de escrúpulo,
Absorvia com gáudio absinto, lúpulo
E outras substâncias tóxicas da tasca.

85
4
O ar ambiente cheirava a ácido acético,
Mas, de repente, com o ar de quem empesta,
Apareceu, escorraçando a festa,
A mandíbula inchada de um morfético!

Saliências polimórficas vermelhas,


Em cujo aspecto o olhar perspícuo prendo,
Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo
Tamanho aberratório das orelhas.

O fácies do morfético assombrava!


— Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh’alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!

Era todo o meu sonho, assim, inchado,


Já podre, que a morféa miserável
Tornava às impressões tactis, palpável,
Como se fôsse um corpo organizado!

V III

Em tôrno a mim, nesta hora, estriges voam,


E o cemitério, em que eu entrei adrede,
Dá-me a impressão de um houlevard que fede
Pela degradação dos que o povoam.

Quanta gente, roubada à humana coorte,


Morre de fome, sôbre a palha espêssa,
Sem ter, como Ugolino, uma cabeça
Que possa mastigar na hora da morte;

E nua, após baixar ao caos budista,


Vem para aqui, nos braços de um canalha,
Porque o madapolão para a mortalha
Custa 1S200 ao lojista!

Que resta das cabeças que pensaram?!


E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milhão de miolos gastos,
Todos os meus cabelos se arripiaram.
Os evolucionismos benfeitores
Que por entre os cadáveres caminham,
Iguais a irmãs de caridade, vinham
Com a podridão dar de comer às flôres!

Os defuntos então me ofereciam


Com as articulações das mãos inermes,
Num prato de hispital, cheio de vermes,
Todos os animais que apodreciam!

É possível que o estômago se afoite


(M uito embora contra isto a alma se irrite)
A cevar o antropófago apetite,
Comendo carne humana, à meia-noite!

Com uma ilimitadíssima tristeza,


Na impaciência do estômago vazio,
Eu devorava aquele bôlo frio
Feito das podridões da Natureza!

E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos,


Vendo passar com as túnicas obscuras,
As escaveiradíssimas figuras
Das negras desonradas pelos brancos;

Pisando, como quem salta, entre fardos,


Nos corpos nus das môças hotentotes
Entregues, ao clarão de alguns archotes,
À sodomia indigna dos moscardos;

Eu maldizia o deus de mãos nefandas


Que, transgredindo a egualitária regra
Da Natureza, atira a raça negra
Ao contubérnio diário das quitandas!

Na evolução de minha dor grotesca,


Eu mendigava aos vermes insubmissos
Como indenização dos meus serviços,
O benefício de uma cova fresca.
Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,
Como o íncola do pólo ártico, às vêzes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.

Nunca mais as goteiras cairiam


Como propositais setas malvadas,
No frio matador das madrugadas,
Por sôbre o coração dos que sofriam!

Do meu cérebro à absconsa tábua rasa


Vinha a luz restituir o antigo crédito,
Proporcionando-me o prazer inédito,
De quem possui um sol dentro de casa.

Era a volúpia fúnebre que os ossos


M e inspiravam, trazendo-me ao sol claro,
À apreensão fisiológica do faro
O odor cadaveroso dos destroços!

IX

O inventário do que eu já tinha sido


Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

O gênio procreador da espécie eterna


Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;

E arrancara milhares de existências


Do ovário ibgnóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de tôdas as falências.

Um céu calamitoso de vingança


Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!
A ruína vinha horrenda e deletéria
D o subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!

Contra a Arte, oh! M orte, em vão teu ódio exerces!


Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo-se desde os alicerces!

A doença era geral, tudo a extenuar-se


Estava. O Espaço abstracto que não morre
Cansara. . . O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar-se!

Os pródromos de um tétano medonho


Repuxavam-me o rosto. . . H irto de espanto,
Eu sentia nascer-me, n’alma, entanto,
O comêço magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,


Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos nôvo!

O letargo larvário da cidade


Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva nocturna,
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,


Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!
(E u : 96-112)

A leitura que faremos — breve paráfrase desse longo poema


— tem por objetivo esclarecer ao leitor que as denominações dadas
aos nove fragmentos destacados pelo autor não foram escolhidas
aleatoriamente: são resultado do exame das articulações internas
do texto..

89
Os nove fragmentos podem ser assim enunciados:

I — A contraposição da cidade dos lázaros e do poeta que


pensa;
li — A angústia do observador participante frente ao ce­
nário;
iii — O padecimento dos lázaros;
IV — A tétrica miragem do evoluir dos séculos;
V — A saudade da monera;
VI — A luxúria e a corrosão;
vil — As coisas que perecem e a corrosão do sonho;
v iii — O bolo frio das podridões da natureza, e
IX — A arte e a idealização da humanidade futura.

O primeiro fragmento contrapõe a cidade dos lázaros ao poeta


que pensa. Partindo do símile “ Como uma cascavel que se enros-
cava / A cidade dos lázaros dormia” , vemos que o poeta, propõe:
A é B como C. Assim: ( A ) — cidade dos lázaros — é ( B ) cas­
cavel, como ( C ) que dormia/que se enroscava.
A cidade é contaminada pela peçonha, comum à cascavel.
Assim, a cidade peçonhenta é cidade dos lázaros. N ela habita a
lepra, e toda a cidade se estende como uma doença maligna que
invade a noite.
A lgo se distingue desta cidade, que dormia, e/ou da cascavel,
que se enroscava: a cabeça que pensava. A distinção torna-se clara:

cascavel (que se enroscava)


cidade (que dorm ia) X minha cabeça (que pensava)

( cidade dos lázaros) ( habitante da cidade dos lázaros)

Três elementos destacam-se na paisagem: cascavel, cidade e


cabeça. Em oposição à doença (o sono, a peçonha) que contamina
a cidade dos lázaros e é um ponto de contato entre eia e a casca­
vel, surge algo que procura não sucumbir ao sono: a ca,beça autô­
noma que pensava. O cenário é construído pelas oposições e si-
militudes que se vão tecendo entre seus elementos formadores. A
ambiêcia bifurca-se, ora assumindo uma dimensão letárgica, ora
uma dimensão não latente (configurada pela “ cabeça” , metonímia

90
do humano não adorm ecido). Essas duas dimensões projetam dois
eixos: o da hcrizontalidade e o da verticalidade. A relação entre
cascavel e cidade gera o eixo da horizontalidade, semanticamente
correlato a dormia, de que decorrem as significações de posição em
repouso e letargia. Por outro lado, a relação entre cidade e cabeça
vai gerar o eixo da verticalidade, cujas significações correlatas são
a vigília e a posição de pé: “ Mordíarme a obsessão má de que havia,
sob os meus pés, na terra onde eu pisava” .

Pela combinatória sêmica observada vemos que ao eixo da ho-


rizontalidade relacionam-se os semas de adormecimento, sono, le­
targia, peçonha, doença, impotência em face da moléstia; en­
quanto que ao da verticalidade ligam-se o ato de acordar, pensar,
questionar, angustiar-se. Assim, ao eixo da horizontalidade corres­
ponderia uma massa inerte, captada coletivamente como um todo,
e ao da verticalidade um corpo desperto, individualizado, que se
destaca do conjunto dos habitantes lázaros por sua autonomia e pela
tentativa de romper os estigmas que o cercam.
N o segundo fragmento ( I I ) , o observador participa, pela an­
gústia, do que ocorre no cenário (a c id a d e ):

OBSERVADOR CENÁRIO OBSERVADO

minha angústia feroz a) urbe natal do Desconsolo


tinha de comer (fo m e ) b ) o bolo que Deus fazia:
pensava — o vento e o ar convulsos
somente eu compreendo — a noite como um pulso
meu ser estacionava — o uivo das cadelas
— o gemido dos homens bexi-
gosos
— o rio de errante, alto e hór-
rido urro reboava
— na serra a queixada de um
burro
— enumeração de vegetais como
a câmara odorífera dos sumos
— os astros, os céus: uma epi-
derme cheia de sarampos.

Vemos que tudo na cidade dos lázaros sofre a convulsão da


lepra, que contamina os astros. Esta “ urbe do Desconsolo” era o úl-

91
timo bolo que Deus fazia. O observador relaciona-se aqui ao ce­
nário pela propriedade comum: “ minha, fom e” , que implica o ter
de com er este “ último bolo” . H á uma relação fágica (fagos =
c o m e r ): a angústia é gerada por se ter que engolir as podridÕe<s.

N o terceiro fragmento ( I I I ) permanece a oposição: homem =


lázaro (o observador solitário que pensa) versus os outros homens
lázaros e a natureza, irmanados pela solidiariedade da moléstia. Mas
o fundamental, agora, é a descrição do padecimento dos lázaros: os
lázaros ainda dormem (horizontalidade) e o observador ainda
pensa. Este que ocupa a posição de verticalidade (observa a co­
munhão dos homens, “ que dormia em baixo” ) , tem fixado em si
o impedimento de deglutir o “ bolo” :

“ Senti corno que a ponta de uma faca,


Cortando as raízes do último vocábulo!”
(E u : 99)

“ Antes levardes ainda uma quimera


Para a garganta omnívora das lajes” .
(E u : 100)

O padecimento dos lázaros (tanto o do observador como o


dos demais) reside:

a ) no embotamento dos sentidos;


b ) na moléstia;
c ) nas cancerosidades do organismo;
d ) na dificuldade de deglutir o retrato da própria consciência;
e ) no ar que foge;
f ) na transição do lar materno para a catacumba;
g ) na certeza de ter que pagar o último imposto — a morte
— à alfândega da vida orgânica.

N o quarto ( I V ) fragmento — a tétrica miragem do evoluir


dos séculos — retoma o cenário da cidade, urbe natal do Descon­
solo, substituída por medula dos doentes ( l . a estrofe, v. 1 ). A me­
dula se alaga (a água encharcava os buracos das feridas: l . a es­
trofe, v. 2 e 3 ) e se alonga diacronicamente pela viagem que o

92
observador faz no tempo (d o descobrimento da América ao hoje
em que contempla a “ ultrajante invenção do telefone” ) , e no es­
paço (o Amazonas, o Ceará — tumba de Iracema, e a E u ro p a ):

“ Em vez da prisca tribo e indiana tropa


A gente dêste século, espantada,
V ê somente a caveira abandonada
D e uma raça esmagada pela Europa!”

(E u : 102)

N o quinto ( V ) fragmento, o observador se contamina das pro­


priedades do eixo horizontal da cidade dos lázaros, comparando-se
a homem-ofídio e homem-tênia, rolando sobre o lixo. É nítida a
projeção da horizontalidade (que caracteriza a terra e os rastejan­
tes) sobre o eixo da verticalidade ( “ E, como um homem doido
que se enforca) na tentativa de gerar um movimento rotativo:

“ Tentava, na terráquea superfície,


Consubstanciar-me todo com a imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!”

(E u : 103)

Assim, vai-se produzindo o encaminhamento do que é difen-


ciado (horizontal versus vertical; que dormia versus o que pensa­
v a ) para o indiferenciado: a consubstanciação de todo o cosmo
(isto é: do observador e da urbe do Desconsolo). Este encaminha­
mento chega a seu climax com o retorno de tudo à “ substância
primeva” :

“ Eu voltarei* cansado da árdua liça,


À substância inorgânica primeva,
D e onde, por epigênesis, veio Eva,
E a stirpe radiolar chamada Actissa!”

(E u : 104)

O sexto ( V I ) fragmento — a luxúrm e a corrosão — opõe


ainda a verticalidade (a saraiva caindo, a imagem da agulha) à
horizontalidade (o leito das prostitutas). Este fragmento baseia-se
na relação antitética entre virgem (virginal coroa) e prostitutas

93
(doentes de hematúria) e na corrosão da ambiência microbiana da
baixeza (estrofe 5, v. 4 ), contaminada pela erupção cutânea, que
se opõe ao sonho nirvânico das “ quietudes doces” do noivado:

“ Prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes


Longe da mancebia dos alcouces,
Nas quietudes nirvânicas mais doces,
O noivado que em vida não tivestes!”

(E u : 106)

A luxúria, conduzida pelas imagens da lepra e da prostituta,


é corroída no contexto poemático. Esta corrosão aponta para uma
visão ético-moralizante, presente, na obra de Augusto, como veio
condutor do que se poderia chamar de sublimação do desejo.
N o sétimo ( V I I ) fragmento — as coisas que perecem e a cor­
rosão do sonho — vemos a associação de lutos: morre o que é con­
creto e o que é abstrato. M orre também o individual e o coletivo.
Tudo perece.
Assim, há o “ monopólio” da lepra, que corrói todo o ambi­
ente, dentro e fora das adegas e das tascas. H á um “ festim” or-
gíaco da corrosão:

“ O ar ambiente cheirava a ácido acético.


Mas, de repente, com o ar de quem empesta,
Apareceu, escorraçando a festa,
A mandíbula inchada de um morfético! ”

(E u : 107)

A mandíbula, neste fragmento, retoma a imagem do ato fá-


gico — a corrosão — e contamina a própria humanidade. Já não
se tem mais apenas uma cidade dos lázaros, mas um mundo lázaro:
a “ lepra” estende-se, então, do menos amplo (cid ad e) para o mais
amplo (m u n d o ):

“ O fácies do morfético assombrava!


— Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh’alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!”

(Eu: 108)

94
D a cidade dos lázaros (no fragmento I ) , chegamos à mandí­
bula, ao fácies do morfético, e à Humanidade lázara. Ampliando-
se, a corrosão vai atingir também o sonho e, deste modo, a morféia:

“ Era todo o meu sonho, assim, inchado


Já podre, que a, morféia miserável
Tornava às impressões táteis palpável,
Como se fosse um corpo organizado.”

(E u : 108)

Corroído como um corpo (concreto) o sonho (abstrato) su­


cumbe. Tem os aí a mesma estrutura do símile: A é B como C. Os
elementos comparados ganham uma propriedade comum que os
terna similares: no caso, a lepra.

Tomemos, agora, o oitavo ( V I I I ) fragmento — o bolo frio das


podridões da natureza — Partindo da oposição eu (observador)
X mundo que me envolve, ou: eu X “ em torno a mim” (estrofe
1, v. 1), este fragmento coloca o eu num observatório de onde ele
apreende o ambiente que o circunda. Apreensão que se dá através
dcs sentidos: visão, tato e olfato, preponderantemente.

Pelos sentidos o eu observador apreende a degradação dos


que povoam o cem itério em que ele entra:

“ Em tôrno a mim, nesta hora, estriges voam,


E o cemitério, em que eu entrei adrede,
Dá-me a impressão de um boulevard que fede
Pela degradação dos que o povoam.’ 7

(E u : 108)

Ao penetrar no cemitério, à meia-noite) o eu contamina-se do


que há em torno:

“ Com uma ilimitadíssima tristeza,


N a impaciência do estômago vazio,
Eu devorava aquele bôlo frio,
Feito das podridões da Natureza!”

(Eu: 109)

95
Mas eis que, no mesmo fragmento, surge a manhã. Depois
do ato fágico da devoração praticada, esse eu ultrapassa a noite e
a m orte, abservendo (ato de sucção tam bém ) uma luz de fora (es­
trofe 1 3 ):

“ D o meu cérebro à absconsa tábua rasa


Vinha a luz restituir o antigo crédito,
Proporcionando-me o prazer inédito,
D e quem possui um sol dentro de casa.”

(E u : 110)

É importante compararmos o “ sol malvado” (fragmento V I,


estrofe 7 ) que atuou como indicador da luxúria, e esta omissão do
sol, substituído, num primeiro momento, no fragmento V I I I , por
luz. Passa-se, agora, da noite ã mapthã sem a referência ao sol. Esta
manhã é iluminada por uma luz de fora, que traz a conexão com
a frigidez: luz de fora — pólo ártico. Vejamos:

“ Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,


Como o íncola do pólo ártico, às vêzes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.”

(E u : 110)

H á um esvaziamento do sentido luxuriante atribuído, anterior­


mente, ao sol, que se atenua e, racionalmente, metaforiza-se numa
fria luz interior de quem. tem um “ sol dentro de casa” . É esta luz
interior, frígida, ártica, que reprime a imagem da luxúria e do de­
sejo e, contrastivamente, traz a imagem do prazer para o texto.

A imagem do prazer (consequentemente também frígido) é


resultante desse filtrar do sol em luz fria (dentro de casa: lâmpa­
d a ). N a estrofe seguinte, o sol claro faz ressurgir, reiterando o que
dissemos, a imagem da volúpia.

Há uma distinção a ser feita: o “ sol claro” gera volúpia e lu­


xúria, enquanto o “ sol dentro de casa” , “ luz boreal” , gera a negação

96
do prazer como volúpia. Ou seja, como esta luz vai ser, no frag­
mento seguinte, a iluminação proveniente do artístico, o prazer só
é possível através do sol da luz artística.

N o nono e último ( I X ) fragmento do poema, será esta luz ar­


tística — nirvânica (contem plativa, portanto) que fará brotar, do
bolo frio corroído pela putrefação da lepra-luxúria, o começo mag­
nífico de um sonho. Superação do concreto pelo abstrato nirvânica
do sonho, que gerará

“ Entre as formas decrépitas do povo

A sensação e os movimentos vagos


Da célulia inicial de um Cosmos nôvo!”

(E u : 111)

E o eu não mais se permeia do que é luxuriante e voluptuoso,


neste seu sonhar: ele tem os pés atolados no Nirvana e acompanha
com um prazer secreto (interditado, oculto) “ A gestação daquele
grande feto/Que vinha substituir a Espécie Humana!” (estrofe 11).
A Espécie Humana é, assim, liberta, pelo Nirvana artístico, do pra­
zer luxuriante.

Esta foi, apenas, uma breve leitura introdutória para que pu­
déssemos conduzir a investigação para o nível que é nosso funda­
mental objetivo: ver como se processa, em Os Doentes, [peça chave
na obra de Augusto, a estruturação da cosmogonia na articulação
dos eixos de tematização.

Antes de retomar o poema, precisemos, operacionalmente, o


sentido da cosmogonia, na obra de Augusto dos Anjos: é o relato-
confissão da criação de um mundo e de seu vir-a-ser. Ela parte
da apreensão de um eu, que observa sua própria proveniência
tanto quanto da criação de um cosmos que se putrefaz e desa­
grega, pouco a pouco, mas que ressurgirá, purificado, pela Arte.

Retornemos ao poema e vejamos como se processa a estru­


turação da concepção de cosmogonia que perpassa a obra singular
de Augusto dos Anjos.

97
I

Como uma cascavel que se enroscava


A cidade dos lázaros dormia. . .
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!

Mordia-m e a obsessão má de que havia,


Sob os meus pés, na terra onde ou pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!

Tentava compreender com as conceptivas


Funções do encéfalo as substâncias vivas.
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam. . .

E via em mim, coberto de desgraças,


O resultado de biliões de raças
Que há muitos anos desapareceram!

(E u : 96)

O soneto que transcrevemos é o primeiro fragmento do poema,


cujo texto foi subdividido pelo poeta em nove fragmentos numera­
dos. N o nível do texto, o poema tem, portanto, nove partes que
se organizam em dois planos de composição e distribuição es-
trófica: o fragmento I, que é um soneto, forma fixa, e funciona
à guisa de introdução, e os fragmentos de I I a IX , grupados em
número variável de estrofes de quatro versos. Estes oito fragmen­
tos, que sucedem a “ introdução” dada pelo soneto, servem de glosa
(desenvolvim ento) de um m ote (m o tiv o ). O mote é o fragmento I.
Tom ando o poema completo como uma longa narrativa de
cunho épico-dramático. já vimos que podemos, não aleatoriamente,
dizer que a cada fragmento corresponde uma proposta tem ática.
Mas estes nove fragmentos, na trama da cosmogonia, podem
ser lidos diferentemente, como quatro movimentos, que serão
adiante explicados:

1.° movimento: a, cidade dos lázaros;


2.° movimento: o alongamento da medula dos doentes;
3.° m cvimento: a tentativa de superação do mundo-lázaro; e
4.° movimento: a superação poética do mundo-lázaro.

98
A cosmogonia de “ Os Doentes” funda-se na contraposição do
“ letargo larvário da cidade” com a “ gestação do grande feto” .
O letargo larvário da cidade é o consum o: a insuficiência, a
doença, a presença de uma preponderante força desagregadora.
A gestação do grande feto é o con-sumo: a busca de suficiência,
pela arte, a “ cura” (purificação), a presença de uma força prepon­
derantemente re-agregadora.

A cosmogonia, neste poema, também se baseia numa outra


antinomia: o homem-lázaro X o poeta. O homem-lázaro é o con­
sumido, o vencido, o homem aprisionado pela letargia larvar da ci-
dcde-lázara; é o falante de “ uma linguagem rouca” , “ de um por­
tuguês cansado e incompreensível” . O poeta (iluminado pelo “ sol
dentro de casa” ) é o que leva o consumo (desgaste, putrefação)
ao con-sumo (agregação do desgastado, cura do putrefato; é o fa­
lante de uma linguagem do sonho, do N irva n a).

Entre o home^m-lázaro e o poeta se estabelece uma oposição


e uma tensão, porque há:

1.°) uma referência que os identifica: o poeta é um lázaro


ele também:

O inventário do que eu já tinha sido


Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

(E u : 110)

2.°) uma diferença que se manifesta duplamente:

a) o poeta pensa e sonha, o homem-lázaro dorme. A tal


ponto que:

Como uma cascavel que se enroscava


A cidade dos lázaros dorm ia. ..
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!

(Eu: 96)

99

P
b) a perecibilidade que ameaça todas as coisas, o letargo lar­
vário da cidade — a doença das coisas-lázaras, do homem-lázaro,
do cosmo-lázaro — não o desgasta, nem o esgota, como poeta:
Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!

Os pródromos de um tétano medonho


Repuxavam-me o rosto. . . H irto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,


Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos nôvo!
(E u : 111)

Esta diferença e referência entre o poeta e o homem-lázaro é


fruto do pacto do poeta com a Arte, concebida pelo a,utor como
força agregadora e fecundante, que deflagra o sonho e é capaz de
revigorar o letargo larvário da cidade.
A linguagem da poesia, assim concebida, questiona a insufi­
ciência luxuriante da doença que alaga a medula do homem-lázaro,
tornando-o apenas capaz de:

Falar somente uma linguagem rouCa,


Um português cansado e incompreensível,
Vom itar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela bôca!
(E u : 99)

e, neste colocar em questão, promove a gsstação do “ grande feto” :

O letargo larvário da cidade


Cresciar Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva nocturna,
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,


Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!
(E u : 111-2)

Sistematizemos no quadro a seguir:

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101
Pode-se também relembrar nossa anterior proposta de que no
eu se apresentam:
1 . ° ) três temas chave:
a ) os doentes;
b ) a Arte;
c ) a gestação do grande feto.
2 . ° ) três eixos de tematização:
a ) a intuição monística;
b ) o transformismo;
c ) o fagismo.
3 . ° ) cinqüenta e oito poemas que se agrupam em torno dos
três temas-chave e que se articulam segundo os três eixos de tema­
tização.
4 . ° ) um poema cosmogônico, uma única cena, ou seja: um
único poema, incessantemente re-escrito.
Retomemos o poema em questão. Podemos dizer que:
1.°) os nove fragmentos se organizam pela tensão do consu­
mo (desgaste, corrosão):

A comunhão dos homens reunidos


Pela camaradagem da moléstia
(E u : 98)

e do con-sumo (chegar ao su m o ):

O vagido de uma outra Humanidade


(E u : 112)

2 .°) a trama da cosmogonia elaborada em “ Os doentes” de­


senvolve-se em quatro movimentos que se implicam e solidarizam
pela atuação dos três eixos de tematização:
a ) a cidade dos lázaros (abrange os fragmentos I, I I
e III);
b ) o alongamento da medula dos doentes (abrange o
fragmento I V ) ;
c ) a tentativa de superação do mundo-lázaro (abrange
os fragmentos V , V I, V I I e V I I I ) e

102
d) a superação poética do mundo-lázaro (abrange o
fragmento I X ) .
3 . ° ) em cada um desses movimentos a atuação dos eixos de
tematização diversifica sua preponderância;
4 . ° ) no primeiro movimento — em que o âmago da terra, o
homem, a cidade, o ar, os animais, o rio, a serra, as frutas a vege­
tação, os astros, tudo o que é, chora e se ressente da doença; em que
o poeta assume a consciência de ser um lázaro, e a de que o ho­
mem-lázaro não tem como vencer “ a morte que não dorme” — a
intuição monística revela ser o eixo de tematização dominante:

II

Minha angústia feroz não tinha nome.


Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o último bôlo
Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudopsalmo.


Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiològicamente muito calmo.

Caíam sôbre os meus centros nervosos,


Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E os gemidos dos homens bexigosos.

Pensava! E em que eu pensava, não perguntes!


Mas, em cima de um túmulo, um cachorro
Pedia para mim água e socorro
À comiseração dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro


Reboava. Além jazia aos pés da serra,,
Creando as superstições de minha terra,
A queixada específica de um burro!

103
/
/
Gordo adube da agreste urtiga brava,
Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
A Paraíba indígena se lava!

A manga, a ameixa, a amêndoa, a abóbora, o álamo


E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
Que Deus espalha à beira do teu tálamo!

Nos de teu curso desobstruídos trilhos,


Apenas eu compreendo, em quaisquer horas,
O hidrogênio e o oxigênio que tu choras
Pelo falecimento dos teus filhos!

(E u : 97-8)

III

Dormia em baixo, com a promíscua véstia


N o embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.

Feriam-me o nervo óptico e a retina


Aponevroses e tendões de Aquiles,
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptialina.

Da degenerescência étnica do Ária


Se escapava, entre estrépitos e estouros,
Reboando pelos séculos vindouros,
O ruído de uma tosse hereditária.

(E u : 98)

Falar somente uma linguagem rouca,


Um português cansado e incompreensível,
Vom itar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela bôca!

104
Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!

Querer dizer a angústia de que é pábulo,


E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raízes do último vocábulo!

(E u : 99)

M as vos não lamenteis, ma,gras mulheres,


Nos ardores danados da febre hética,
Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.

Antes levardes ainda uma quimera


Para a garganta omnívora das lajes
D o que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a disolução que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,


Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde tôda a vida orgânica
H á de pagar um dia o último imposto!
(E u : 100)

5 .°) no primeiro movimento, a intuição monística realiza-se


como o primado do índice de instauração crítica da cosmogonia,
que se vai desvelar no quarto movimento, na célula de um mundo
novo. E é o eixo fulcral porque a sua força de vigência provém das
imagens:
a ) do telus:
a manga, ( . . . ) . E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
(E u : 97)
b ) da fecundação:

a benigna água,
(E u : 97)
gordo adubo
(E u : 97)

105
N o segundo movimento, a que denominamos — o alongamen­
to da medula dos doentes (m ovim ento que enfeixa o I V fragmento
do poem a) — cabe a outro eixo de tematização, o transformismo,
a projeção da força determinante da instauração cosmogônica.
Através do alongamento (diacrônico) da medula dos doentes, em
direção à “ crônica do mundo” , a dinâmica do poema põe em obra
a tensão do transformismo visto como teoria científica versus o trans­
formismo como manifestação de que algo se realiza no jogo de
ccultação e revelação: no caso, o evolucionismo, como progresso,
anula a possibilidade de existência não-lázara do indígena. Isto é:
o desterro da força de vigência do telus. N a autópsia da genealogia
do infortúnio, o segundo movimento opera a crítica da doença, do
homem-lázaro, da cidade dos lázaros, e a das leis do evolucionismo
científico e da mecânica nefasta do progresso:

IV

Começara a chover. Pelas algentes


Ruas, a água, em cachoeiras desobstruídas,
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!

D o fundo do meu trágico destino,


Onde a Resignação os braços cruza,
Saía, com o vexame de uma fusa,
A mágoa gaguejada de um cretino.

Aquele ruído obscuro de gagueira


Que à noite, em sonhos mórbidos, me acorda,
Vinha da vibração bruta da corda
Mais recôndita da alma brasileira!

Aturdia-me a tétrica miragem


D e que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.

106
A civilização entrou na taba
Em que êle estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do moruhixába!

E o índio, por fim, adistricto à étnica escória,


Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Êsse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!

Como quem analisa um apostema,


D e repente, acordando na desgraça,
Viu tôda a podridão de sua raça. . .
N a tumba de Iracem a!. . .

(E u : 100-101)

Neste segundo movimento, o consumo, a insuficiência, a doen­


ça atinge o fundo do “ trágico destino” , o curso histórico do letargo
larvário. E se processa, deste modo, a captação unitária do tempo,
e, não, do tempo hist.oriográfico. O segundo movimento não é um
mergulho na diacronia, como fonte de explicação causa-efeito, da
doença do homem-lázaro do presente:

Aturdia-me a tétrica miragem


D e que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.
(E u : 101)

Ê o colocar em questão do fundamento histórico esquecido:


a liberdade, que não é da “ gente deste século” , nem o direito da
“ xantocróide raça loura” , mas o modo de ser do homem. Neste
movimento, a insuficiência, a doença consiste não na “ morte or­
gânica” , mas na ocultação secular da indigência da liberdade. O
segundo movimento articula-se ao primeiro, ao promover também
a isenção da liberdade, na “ alfândega da morte” .
N o terceiro e quarto movimentos, o fagismo é o eixo temático
propulsor, por excelência. N o terceiro movimento, o fagismo mani­
festa-se como tentativa de trituração do consumo, como desencadea-
mento de anulação da corrosão como força destrutiva, para o insta-

107
lar da corrosão como fagismo, isto é, como eixo de constituição da di­
nâmica instauradora da poética de Augusto dos Anjos, o que se vai
realizar, plenamente, no quarto movimento.
N o terceiro movimento — a tentativa de superação do mundo-
lázaro (que abrange os fragmentos V , V I, V I I e V I I I ) —

O fácies do morfético assombrava!


— Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh’alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!

Era todo o meu sonho, assim, inchado,


Já podre, que a morféa miserável
Tornava às impressões tactis, palpável,
Como se fôsse um corpo organizado!

(E u : 108)

Os defuntos então me ofereciam


Com as articulações das mãos inermes,
Num prato de hospital, cheio de vermes,
Todos os animais que apodreciam!

Com uma ilimitadíssima tristeza,


Na impaciência do estômago vazio,
Eu devorava aquêle bolo frio
Feito das podridões da Natureza!
(E u : 109)

evidencia-se pela antropofagia bestialógica, o consumo do consu­


mo, ou seja: o fagismo descreve o curso de uma escavação do pu­
trefato. Tudo o que havia sido arrancado de sua condição essencial
é reduzido às podridões da natureza; e a liberdade, confin)ada aos
estreitos e perecíveis limites do mundo-lázaro e do curso causalista,
confinada ao fonetismo da recitação dos misereres, ao discurso do
que aprisiona; tudo — e, principalmente, a liberdade latente no
letargo larvário da cidade (letargo que ainda pode gerar, dar à luz
a célula de um cosmos n ovo) — é ativado, neste movimento de
condução ao Nada. M ovim ento a partir do qual poderá ser colocada
a questão do que ainda pode vir-a-ser:

108
Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,
Como o íncola do pólo ártico, às vêzes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.

Nunca mais as goteiras cairiam


Como propositais setas malvadas,
N o frio matador das madrugadas,
P or sôbre o coração dos que sofriam!

D o meu cérebro à absconsa tábua rasa


Vinha a luz restituir o antigo crédito,
Proporcionando-me o prazer inédito,
D e quem possui um sol dentro de casa.
(E u : 110)

N o terceiro movimento — a tentativa de superação do mundo-


lázaro — o fagismo torna-se o eixo de tematização preponderante
ao desencadear a problemática da iluminação. E le desvela a pos­
sibilidade (p elo con-sumo do consumo) de eclosão do mundo “ sem
nódoas e sem lixos” , como o era a região de “ Gemidos de A rte” e
a forma de “ M ater originalis” .
N o conjunto da obra poética de Augusto dos Anjos, a luz, a
forma e a região, cujas virtualidades já foram discutidas, apenas
se revelam através do processo de escavação que institui o con­
sumo poético, o que significa dizermos: é na tensão que se estabe­
lece entre o consumir/ser consumido que se abre o espaço para a
existência não-lázara.
O quarto e último movimento — a superação do mundo-lázaro
— (que abrange o I X e último fragm ento) mantém o fagismo como
eixo determinante, tal qual ocorrera no terceiro movimento, mas,
à diferença daquele, recebe também, e na mesma medida, o in­
fluxo de um outro eixo de tematização: a intuição monística.

IX

O inventário do que eu já tinha sido


Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

109
O gênio procreador da espécie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;

E arrancara milhares de existências


Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
N a mais triste de tôdas as falências.

Um céu calamitoso de vingança


Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!

A ruína vinha horrenda e deletéria


D o subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!

Contra a Arte, oh! M orte, em vão teu ódio exerces


Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo-se desde os alicerces!

A doença era geral, tudo a extenuar-se


Estava. O Espaço abstracto que não morre
Cansara. . . O ar que, em colônias fluidas, corre
Parecia também desagregar-se!

Os pródromos de um tétano medonho


Repuxavam-me o rosto. . . . H irto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O comêço magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,


Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos nôvo!

O letargo Jarvário da cidade


Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva nocturna,
O vagido de uma outra Humanidade!
E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!
(E u : 110-2)

A simetria do quarto movimento é digna de nota, uma vez


que:

1.°) Compõe-se de onze estrofes que se subdividem em três


momentos:
a ) o inventário da ruína (da l . a à 5.a estrofe)
b ) a oposição ruína X Arte (a 6.a estrofe)
c ) a superação da ruína (d a 7.a à l l . a estrofe);
2 .°) Retoma, nos três momentos em que se articula, os três
temas-chave de e u (com o se pode ver no q u a d r o — 1, a seguir):

QUADRO — 1

I X Fragmento / I V M ovim ento ---------------- eu

Y ' Y
TEMAS-CHAVES TEMAS-CHAVES

Y Y
o inventário da ruína ---------------- a doença
a oposição ruína X A r t e ---------------- a Arte
a superação da ruína ---------------- a gestação
do grande
feto
(Observação: o sin a l--------- eqüivale a “ correspondência mútua” )

A leitura do quadro acima mostra-nos que o nono fragmento


e o quarto movimento são abrangidos pelos temas-chaves que inte­
ragem em toda obra e pelos que caracterizam, especificamente, o
poema em questão. Mostra-nos a implicação e correspondência
mútua entre a obra e o poema.
3.°) Vejamos, a seguir, no q u a d r o — 2, como o quarto mo­
vimento do poema integra os três eixos de tematização da cosmo­
gonia (o transformismo, a intuição monística e o fagismo, já expli­
cados) :

111 •
QUADRO — 2

I V M O V IM E N T O
E L E M E N T O S T E M Á T IC O S 1 M O D O D E A R T IC U L A C A ü
E IX O S D O S E IX O S | DOS E IX O S

• o transformismo poético: O inventário


- as leis da m ecânica a que a) do eu
todas as coisas se reduzem Augusto, um a sobre-
- a genealogia dos séculos e m am ífero vivên cia de
do cosmos vetusto Sid arta
- a dissolução panteística b) da filegênese
- a autópsia da amaríssima da espécie
existência c) da ruína da
transfor­
- tensão do transformismo m atéria em
mismo (com o em ergência de uma decomposição
presença que se caracteri­
za pelo jogo híbrido de ve- &
lam ento/desvelam ento)
& A possibilidade de
• a teoria transformista vigên cia do v ir-a -
(o evolucionismo darw inis- ser de um “ Cosmos
ta e as teorias de Spencer) n ovo” .

• o consumo ( = d e sg a s te ): A doença, a desagre­


— o verm e, a podridão, o gação: o extenuar de
roer, o esterco, os resíduos tudo
ruins, a fauna imunda, a
decomposição e a desagre­
gação da m atéria, o tétano
m edonho &
fagismo &
• o con-sumo ( = o m o v i­ A célula inicial:
m ento de corrosão-escava- o que bate por ci­
ç ã o ): m a dos estragos
— o crescimento do le ta r­
go larvário da cidade, os
m ovim entos vagos de um
cosmos novo, que é desve­
lado pela corrosão do cos­
mos que se desagregava.

• mundo da força cósmica A ruína: o que v i­


- o apelo do telus n h a de dentro do
- a invocação dos Deuses subsolo, de dentro
salvadores do erro da m atéria em fusão
intuição
• a ânsia da unidade uni- &
monística fican te O sonho-nirvana: a
- a latência força de fecu nda­
- a fecundação ção, a Arte, que vai
- as forças de pro-veniência g erar o grande feto.

112
4.°) Ainda sobre este quarto movimento, e sua abrangência,
pode-se notar que ele tem, no fagismc e na intuição monística, os
seus eixos dominantes, uma vez que as oposições:

morte / vida
desgaste / vagido
ruína / fecundação
consumo / con - sumo

promovem a identificação do “ chegar ao sumo” (isto é, o consum o:


um dos níveis de articulação do fagismo) ao “ fazer emergir” (isto
é, a força de pro-veniência} a fecundação: um dos níveis de arti­
culação da intuição m onística).

Assim, observemos, no q u a d r o — 3, a seguir, como se ar­


ticulam os eixos de tematização, no poema em estudo:
QUADRO — 3

(vida/m orte: a f i- (o inventário da


logênese m oderna < — T R A N S F O R M IS M O — ► rulna)
e a le i da h eran­
ça) (m ovim en to na ca­
deia tem poral)..

(consum o) F A G IS M O (con-sum o)

I I
doença sonho

I I
"O s pródrom os de (m ovim en to de cim a “ Já batiam p or cima
um tétan o m edo­ para baixo) dos estragos/
nho/ R epu xavam - ( = corrosão) A sensação e os m o­
m e o rosto/” vim entos vagos/
(E u: 111) D a célula in icial de um
Cosmos nôvo/”
(E u : 111)

(o telus) IN T U IÇ Ã O -► (a fecundação)
M O N ÍS T IC A
I I
proveniência A rte

l I
“A ruína vinha (m ovim en to de b ai­ “ O letargo larvário da
horrenda e dele­ xo para cim a) cidade/
téria/ ( = a força de pro­ Crescia. Igu a l a um
D o subsolo infeliz, veniência) parto, num a furna,/
vin h a de dentro/ V in h a da origin al treva
Da m atéria em nocturna,/
fusão que ainda O vagido de um a ou­
•há no centro,/” tra H u m an id ad e!”

(E u: 111) (E u: 111)

114
Finalmente, podemos dizer que o quarto movimento torna-se
ainda mais complexo por sua função de integrador de todos os
demais. Integração que assim pode ser descrita:

I, I I e I I I IV
movimentos movimento

I — A cidade dos a ) Pelo inventário da


lázaros ruína, integra o I
ao I I movimento;
I I — O alongamen­ b ) Através da oposi­
to da medula ção ruína X Arte,
dos doentes integra o I e I I
movimentos ao I V
movimento;
I I I — A tentativa de c ) Pela superação da
superação do ruína, integra o I,
mundo-lázaro I I e I I I movimen­
tos ao I V m ovi­
mento, e os quatro
movimentos entre
si.

Diante do que foi exposto, podemos propor que neste I V mo­


vimento articulam-se todos os elementos e eixos de tematização de
“ Os doentes” e da obra poética de Augusto.
Através da leitura que fizemos dessa articulação, vemos que
o I V movimento explicita, com clareza, que a diretriz poética da
obra de Augusto dos Anjos consiste em organizar uma única cena,
permanentemente re-inscrita e re-escrita em cada um de seus
poemas: sua visão cosmogônica do fazer brotar do “ grande feto” ,
do aflorar do “ vagido de uma outra Humanidade” . Cosmogonia
esta que se nutre de uma manifestação ao mesmo tempo trípUice
e una: 1) o consumo (n o sentido de desgaste e perecibilidade das
coisas do m undo), 2 ) o ser consumido (n o sentido da luta que se
trava no “ telus” e no âmago do homem, que busca, ainda, escapar
do consumo (corrosão); e 3 ) do chegar ao sumo (n o sentido de
“ cura” , através da Arte, do mundo mundo-lázaro, do poema-lázaro,
do EU-lázaro).

115
C O N C LU S Ã O

Q u e m f o i qu e v iu a m in h a D o r c h o r a n d o ? !
S a io . M in h ’a lm a sai a g o n ia d a .
A n d a m m o n s tr o s s o m b rio s p e la e s tra d a
E p e la e s tra d a , e n tr e êstes m o n s tro s , a n d o .

A u g u s to dos A n jo s

Para nós, ler a cosmogonia poética de Augusto dos Anjos foi


antes de tudo, conduzir uma investigação, o que significa suscitar e
construir a própria investigação.
A o suscitá-la, mobilizamos um material de início apenas temá­
tico: o fato de que no eu encontra-se narrada, de modo épico-
dramático, a visão cíclica de um perpétuo recriar, fruto da perene
tensão entre o CAOS (força de desagregação) e o CO SM O S (força
de agregação).
Deste modo, através dos temas da fecundação, corrosão e trans-
tcrmação} presentes em todo o livro, o poeta descreve o curso de
uma incessante busca de unidade — a C O S M O G O N IA , pois nela
está centrada toda a sua concepção de arte, cujo fundamento últimc
é a fusão do perene e do transitório, e que assume muitas vezes em
seus poemas um tom ético-moralizante, que confere à arte o esta­
tuto de um nivarna através do qual o homem se projetaria para
além do imanente e do transcendente.
A o construir a investigação, esclarecemos, gradativamente, a
realização desse processo, visto já não mais a nível temático, mas a
nível do exame de sua estruturação interna, não captável denotativa-
mente. Constatamos, então, que o poeta trabalha com três núcleos
temáticos de base: 1.°) a intuição monística (a força de proveniên-
cia e de fecundação), que é resultante da tensão semanticamente

117
produtiva do embate entre o caos e o cosmos; 2.°) o fagãsmo (a
força de corrosão) que revela os princípios de desagregação e agre­
gação contidos no próprio embate entre o caos e o cosmos; e, 3 .°) c
transformismo (o vir-a-ser, a genealogia de tudo, a eterna transi-
toriedade), que é a garantia da permanência do incessante embate
entre o caos e o cosmos.
Mostramos, também, que esses núcleos se interpenetram e pas­
sam a constituir uma constelação de forças (os eixos de tematiza-
ção) que se entrecruzam ao longo da obra: 1.°) o vertor verticaíi-
zante ascendente que, a nível paradigmático, rememora todas
as forças de criação, que são representadas em sua obra, principal'
mente, pela imagem do telus, do humus e pela Arte; 2 .°) o vertot
verticaíi zante descendente, a que se relaciona todo o trabalho de
desgaste — tanto corrosivo-destrutivo (co n s u m o ), quanto corrosivo-
construtivo ( con-sum o) — correlato às significações portadas pele
verme, pela lepra, pela luxúria e pela doença; e, 3 .°) o vetor heri'
zontalizante, a que se relaciona uma visão diacrônica do ser e dc
vir-a-ser dos homens e do mundo, e que, semanticamente, transpor­
ta o caráter narrativo de sua cosmogonia, captada como um processe
que marcha, cíclica e incessantemente, da desagregação para a
agregação.
O traçado específico dessa cosmogonia leva-nos a concluir que
Augusto dos Anjos é um poeta-pensador do homem e do munde
lázaro das tintas encardidas com que pinta, de modo inusitado, a
questão do poético e da existência humana.
Se afirmamos que o e u é um único poema em que se tematiza
a consistência 63 do homem e, não, a evolução mecânica das espé­
cies, também afirmamos que a obra de Augusto dos Anjos é uma
estrutura dialética que significa, metonimicamente, o desconcertc
do mundo. Essa estrutura se forma num movimento que conjuga os
eixos da horizontalidade e da verticalidade. N a tensão CAOS-
COSM OS, o eixo da horizontalidade se faz representar pela terra,
pelo mal, pela cascavel que se enrosca na cidade dos lázaros. O
eixo da verticalidade aponta para o nirvana, o bem, a Arte, e para
o poeta que pensa acerca de um mundo-lázaro. Essa tensão, ainda
que aparentemente projete um dualismo maniqueísta, expressa, con­
tudo, um questionamento denso em que se imbricam uma aguda
consciência estética e um contínuo repensar da cena humana.

118
Fenômeno prematuro e isolado em seu tempo, Augusto desen­
volve um caudal de imagens e visões, arrastadas pelo êxtase de
amor e mágoa, e conduzidas por um irresistível fluxo de invençãc
verbal. Qualquer discussão sobre o seu papel e significado na L ite ­
ratura Brasileira não pode deixar de levar em consideração a am­
bivalência de realidade e magia, com que capta um mundo antité'
tico e mutável, de tensões irredutíveis e interconectadas. O que nos
leva a dizer que na cosmogonia poética de Augusto dos Anjos está
contida a própria cosmo-agonia em que se encontra o ser humano
em sua eterna errância pelo mundo.

119
AD END O

Quando este trabalho já estava no prelo, chegaram-nos às mãos


dois importantes estudos, fundamentais mesmo, sobre a obra de
Augusto dos Anjos. Lamentavelmente, não nos foi possível incluí-los
como fonte de pesquisa, razão pela qual eles não constam da bi­
bliografia geral que arrolamos.
Esses estudos, a que remetemos o leitor, muito nos teriam va­
lido, pela acuidade e novidade de perspectivas que apresentam. Sãc
eles: o estudo crítico de Ferreira Gullar, em Toda a poesia de A u ­
gusto dos Anjos, Rio, Paz e Terra, 1976; e a conferência “ A poesia
de Augusto dos Anjos” , de Luís Costa Lima, publicada em 1977
nos A N A IS do I Congresso Nacional de Estudos de Lingüística e
Literatura, da Sociedade Universitária Augusto Mota.

121
N O TA S

1 M E L O N E T O , João Cabral de, Poesias com pletas. R io de Janeiro,


Sabiá, 1968. p. 20.
2 P O R T E L L A , Eduardo. U m a poética de confluências. O G lobo, R io
de Janeiro, 5 mai. 1974. p. 7.
3 P O R T E L L A , Eduardo. F u nd a m ento da investigação literária . 2. ed.
rev. R io de Janeiro, Tem po B rasileiro, 1974. p. 42.
4 AN JO S, Augusto dos, E u [1. ed.] R io de Janeiro C. ed.] 1912. 131 p.
Som ente nos fo i possível a consulta a esta edição m ediante a gen tileza do
Professor Celso F erreira da Cunha, que nos cedeu o seu exem plar. É im ­
portante ressalvar, todavia, que a edição princeps fo i por nós utilizada
apenas como fon te de consulta para o cotejo de textos, um a vez que con­
sideramos texto d e fin itivo o da trigésim a edição, cuja lição fid ed ign a fo i
estabelecida por A n ton io Houaiss.
5 S IL V A , D e Castro e. Augusto dos A n jos poeta da m o rte e da m e­
lancolia. Curitiba, Guaíra, 1944. 211 p. O livro tem três objetivos bem d e­
marcados: o estudo dos quatro séculos de poesia que antecederam a obra
de Augusto dos A n jos; o estudo biográfico acerca do poeta e, finalm ente,
a pesquisa de inéditos, nem sem pre coligidos com o necessário rigor. O
valor da obra reside apenas na documentação que apresenta.
6 , Augusto dos A n jos o poeta e o hom em . B elo H orizonte
[s. ed.] 1954. 186 p. Obra em que se estuda b iograficam ente o poeta, com
vistas a estabelecer as relações entre as im agens do poeta e as confissões
do homem (vid e p. 149 ss.). O livro é válido pela pesquisa de inéditos.
7 P E R E IR A P°, Em m anuel. Estudos de critic a tex tu a l. R io de Ja­
neiro Gernasa, 1972. p. 13-15. O autor valoriza o léxico de Eu, sem vincular
biograficam ente o poeta ao homem. Assim, retom a M allarm é e procura
com bater alguns equívocos acerca de Augusto dos Anjos. O estudo é im ­
portante pelo levantam ento cuidadoso das características do vocabulário
de Eu.
8 AN JO S, Augusto dos. Eu outras poesias e poemas esquecidos. 30 ed.
R io de Janeiro, São José, 1965. p. 56. As subsequentes e numerosas citações
do Eu terão, para m aior facilid ad e de leitura, no próprio texto a indicação
(entre parênteses) das páginas em que ocorram nesta edição, tom ada como
corpus, quando não h a ja indicação em contrário.
9 C A R P E A U X , O tto M aria. Pequena bibliog ra fia crítica da litera tu ra
brasileira. 3. ed. rev. aum. R io de Janeiro, Letras e Artes, 1964. p. 232.
10 AN JO S, Augusto dos. Eu outras poesias e poemas esquecidos. 30 ed.
R io de Janeiro, São José, 1965. p. 313.

123
11 P R O E N Ç A , Iv a n Cavalcanti. Im agens obsessivas em Augusto dos
Anjos. Revista C ultura, R io de Janeiro, 7:111-7, jul./set. 1972.
12 P O R T E L L A , Eduardo. U m a poética de confluências. O G lobo, R io
de Janeiro, 5 mai. 1974. p. 7.
13 S T A R O B IN S K I, Jean. M allarm é et la tradition poétique française.
Les Lettres. Num éro special sur M allarm é. Paris, sep. 1948. p. 39.
14 F R E Y R E , G ilberto. Nota sobre Augusto dos Anjos. In : C O U T I-
N H O , A fra n io & B R A Y N E R , Sonia. Augusto dos A n jo s ; textos críticos.
Brasília, IN L , 1973. p. 135-40.
15 R O S E N F E LD , An atol. A costela de prata de Augusto dos Anjos.
In : — Texto/con texto. São Paulo, Perspectiva, 1969. p. 259-66.
16 C O U T IN H O , A fra n io & B R A Y N E R , Sonia, org. Augusto dos A n ­
jo s ; textos críticos. Brasília, IN L , 1973. 366 p.
17 M O IS É S, L e ila Perrone. A crítica biográfica. In : — Falência da
crítica . São Paulo, Perspectiva, 1973. p. 51-60. A o percorrer a obra do Conde
de Lautréam ont (Isid ore Ducasse) e a crítica a ela feita, a autora esclarece
alguns problem as da crítica, especialm ente francesa, ao longo de um século.
18 S IL V A , De Castro e. Augusto dos A n jos poeta da m o rte e da
m elancolia. Curitiba, Guaíra, 1944. p. 144.
19 N Ó B R E G A , Hum berto. Augusto dos A n jos e sua época. João P es­
soa, U niversidade da Paraíba, 1962. 334 p.
20 A L M E ID A , Horácio. Augusto dos A n jos razões de sua angústia.
R io de Janeiro, Ouvidor, 1962. 87 p.
21 Ibidem , p. 9.
22 C O U T IN H O , A fran io . D a crítica e da nova crítica . R io de Janeiro,
C ivilização B rasileira [s. d.] p. 79-80.
23 IN G A R D E N , Rom an. A obra de arte literária . Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1974. 439 p. A edição original, a que nos referim os
no texto, fo i publicada em língua alemã, em 1930.
24 L IM A , Alceu Amoroso. Rem em orando. In : — Estudos literários.
R io de Janeiro, Aguilar, 1966. v. 1, p. 30.
25 P R O E N Ç A , M anuel C avalcanti. O artesanato de Augusto dos
Anjos. In : — Augusto dos A n jos e outros ensaios. R io de Janeiro, José
Olym pio, 1959. p. 85-149.
26 ------ , N ota para um rim ário de Augusto dos A n jos. In :
C O U T IN H O , A fra n io & B R A Y N E R , Sonia, org. Augusto dos A n jo s ; textos
críticos. Brasília, IN L , 1973. p. 280-93.
27 C O U T IN H O , A fran io, ed. A lite ra tu ra no B rasil. R io de Janeiro,
Sul-Am ericana, 1968. v . 1, p. X I - X I X .
28 B A N D E IR A , M anu el. Apresentação da poesia brasileira. R io de
Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1946. p. 110-26.
29 M U R IC Y , Andrade. Panoram a do m o vim en to sim bolista brasileiro.
R io de Janeiro, IN L , 1973. v. 2. p. 839-50.
30 C Â N D ID O , A n ton io & C A S T E L L O , José Aderaldo. Presença da
lite ra tu ra brasileira. 4. ed. rev. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1972.
v. 2, p. 335-9.
31 C O U T IN H O , A fran io, ed. A litera tu ra no B rasil. R io de Janeiro.
Su l-Am ericana, 1969. v. 4, p. 271-5.
32 B O S I, A lfred o . O p ré-m odern ism o. In : A L IT E R A T U R A brasileira.
São Paulo, Cultrix, 1966. v. 5, p. 43-51.
33 , H istória concisa da lite ra tu ra brasileira. São Paulo,
Cultrix, 1970. p. 321-6.

124
34 P IC C H IO , Luciana Stegagno. L ’antidoto: la poesia scien tifica e
la poesia dei “ sertão” . In : — La lettera tu ra brasiliana, Bologna, Sansoni-
Accademia, 1972. p. 361-3.
35 L IT R E N T O , O liveiros. Apresentação da lite ra tu ra brasileira. R io
de Janeiro, B iblioteca do E xército-Porense U niversitária, 1974. v. 1, p. 173,
176-181.
36 B A N D E IR A , M anuel. Apresentação da poesia brasileira. R io de
Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1946. p. 125.
37 Ibidem , p. 122.
38 M U R IC Y , Andrade. Panoram a■ do m o vim en to sim bolista brasileiro
R io de Janeiro, IN L , 1973. v. 2, p. 842.
39 SO U SA, Cruz e. Obra com pleta . R io de Janeiro, Aguillar, 1961.
p. 266.
40 B O SI, A lfred o . O pré-m odernism o. In : A L IT E R A T U R A brasi­
leira. São Paulo, Cultrix, 1966. v. 5, p. 44.
41 , H istória concisa da lite ra tu ra brasileira. São Paulo,
Cultrix, 1970. p. 321.
42 H A U S E R , A rn old. El im pressionism o. In : — H istória social de la
litera tu ra y el arte. M adri, Guadarram a, 1969. v. 3: Naturalism o y im pre-
sionismo, p. 218.
43 AN JO S, Augusto dos. Eu outras poesias e poemas esquec'dos. 30 ed.
R io de Janeiro, São José, 1965. p. 111. N esta nota, incorporam os ao nosso
texto a p alavra do poeta, abstraindo-a a seu contexto poem ático, deixando
de citá -la conform e nos propuséramos a fa zê-lo na nota número nove.
44 A L O N S O , Am ado & L T D A ., Raim undo. El im pressionism o en el
lenguaje. 3 ed. Buenos Aires, Universidad de Buenos Aires, 1956. p . 172.
45 H E ID E G G E R , M a rtin . In tro d u çã o à m eta física . In tr . trad. e n o ­
tas Emm anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 69-70.
46 P O R T E L L A , Eduardo. Fund a m ento da investigação lite rá ria . 2. ed.
rev. R io de Janeiro, T em p o Brasileiro, 1974. p. 47.
47 L E Ã O , Emm anuel C arneiro. C rítica literária e existencialism o.
In : S IM P Ó S IO DE L ÍN G U A E L I T E R A T U R A P O R T U G U E S A , 2.°, R io
de Janeiro [A n a i s .. . ] Gernasa, 1969. p. 178.
48 B A C H E L A R D , Gaston. E p is tém o lo gie . Paris, Presses Universitaires
de France, 1971. p. 159.
49 D E R R ID A , Jacques. A escritura e a d iferença. São Paulo, P e rs ­
pectiva, 1971. p. 16.
50 P O R T E L L A , Eduardo. Fund a m ento da investigação lite rá ria . 2. ed.
rev. R io de Janeiro, T em po Brasileiro, 1974. p. 22.
51 LE A O , Emmanuel C arneiro. Hegel, H eidegger e o absoluto. R e ­
vista T em p o B rasileiro. A crise do pensamento moderno/3, R io de Janeiro,
25:17, abr./jun. 1970.
52 , A poesia e a linguagem . R evista Tem po B ra sileiro.
A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:81, abr./jun. 1972. A Floresta e
a clareira são duas m etáforas de que se vale o autor, neste artigo, para
m anipular a diferença e a referên cia de língua e linguagem . Assim é que,
à página setenta e nove da obra supra citada, encontram os: “ U m grilo
v iv ia numa clareira da Floresta. A clareira é dada pela ausência da Floresta
na form a de liberdade das árvores. Em ausência, a F loresta presenteia o
grilo com sua presença de claridade” . A m etáfora tem a ver tam bém com
o título do original de H eidegger: Holsweg, traduzido para o francês como
Chem ins qui ne m èn en t n u lle part.

125
53 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m etafísica. In tr . trad. e n o­
tas Emm anuel C arneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 98. Observemos o que propõe H eidegger, na página citada: “ O que H e-
ráclito cham a aqui de polem os, é a dis-puta que vigora e im pera antes
de tudo que é divino e humano. N ão é de form a algum a uma guerra nos
moldes dos homens. O embate, pensado por H eráclito, é o que fa z com
que o presente (das W esende) se des-dobre originariam en te em contrastes.
É o que possibilita ocupar na presença posição, condição e jerarquia. Nessa
dis-posição (Auseinandertreten) se m anifestam vácuos, distâncias e junturas.
N a dis-posição surge mundo. (A dis-posição não separa nem tão pouco
destrói a unidade. Antes a institui. Ê o princípio unificante. ( Logos). P o ­
lemos e logos são o m es m o )” .
54 LE A O , Em m anuel C arneiro. A poesia e a linguagem . Revista
T em p o B rasileiro. A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:82, abr./jun.
1972.
55 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m eta física . In tr . trad. e notas
Em m anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 130.
56 W IT T G E N S T E IN , Ludw ig. Tra ctatu s lo gico-p h ilo so p h icu s . T ra d .
P ierre Klossowiski. Paris, G allim ard, 1961. p. 43.
57 LE ÃO , Em m anuel Carneiro. Contexto problem ático do Tractatus
de Ludw ig W ittgen stein . In : B o le tim de A rie l, 1 :5-6, jul. 1973.
58 LE Ã O , Emm anuel C arneiro. A poesia e a linguagem . Revista T e m ­
po B rasileiro. A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:75, abr./jun. 1972.
59 H E ID E G G E R , M a rtin . In trod u çã o à m eta física . In tr. trad. e notas
Em m anuel C arneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, T em p o Brasileiro, 1969. p. 37.
60 LE Ã O , Emm anuel C arneiro. Itin erá rio do pensam ento de H e i­
degger. In : H E ID E G G E R , M artin. In trod u çã o à m etafísica. 2. ed. R io de
Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969. p. 25.
61 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m eta física . In tr . trad. e notas
Em m anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 45. P H Y S IS significa, conform e propõe H eid egger: “ o vigor reinante, que
brota, e o perdurar regido e im pregnado por ele. Nesse vigor, que no d e­
sabrochar se conserva, se acham incluídos tanto o “ v ir-a -se r” como o “ ser” ,
entendido esse últim o no sentido restrito de perm anência estática. Physis
é o surgir (E n t-s te h e n ), o ex-trair-se a si mesmo do escondido e assim
conservar-se” .
62 , obra citada, p. 45.
63 , obra citada, p. 91. É im portante observar, conform e
as palavras do autor, que: "S E R s ign ifica va para os gregos: a consistência
(S taen d igk eit) num duplo sentido; 1. o estar em si mesmo, enquanto sur­
gindo de si mesmo (p h ysis); 2. o perdurar constante, isto é, perm anente
como tal (ou sia). N ão-ser significa, por conseguinte: desistir, sair dessa
consistência em ergente que surge: existasthai ( = “ existência” , existir)
sign ifica precisam ente para os gregos não-ser. A reflexão e a vacuidade
com que se usa hoje a p alavra “ existência” e “ existir” para designar “ ser” ,
testifica, uma vez mais, a alienação fren te ao Ser e uma interpretação
originariam ente poderosa e determ inada do m esm o” .

126
B IB L IO G R A F IA

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N O T A SO B R E A A U T O R A

— Licenciada em Português-Literatura pela Universidade Federal


do R io de Janeiro, em 1969.

— Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal do R io


de Janeiro, em 1975.

— Professora Titular de Literatura e Teoria da Literatura da


Faculdade São Judas Tadeu.

— Professora Assistente de Literatura Brasileira da Faculdade de


Humanidades Pedro II.

— Colaboradora das revistasLittera, R io de Janeiro, e Coló-


quio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

— Co-autora de Passeio no Parque, da série Comunicação e E x­


pressão em Língua Portuguesa, dirigida pelo Prof. Celso Cunha e
publicada pela Editora Cadernos Didáticos.

— Atualmente colabora com o Suplemento Livro, do Jornal do


Brasil.
Composto e impresso nas oficinas da
F O L H A C A R IO C A E D IT O R A L T D A .
R u a João Cardoso, 23, tel.: 223-0562
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A COLEÇÃO RECLAM ADA PELAS NECESSIDADES
A T U A IS DA UNIVERSIDADE B R A SILE IR A

1. M A R T IN HEIDEGGER / Introdução à Metafísica


2. A. L. MACHADO NETO / Teoria Geral do Direito
3. JEAN -PAUL SARTRE. J. ORGEL, ROGER GURAUDY. JEAN H Y P -
P O LIT E e JEAN PIE R R E V IG IE R / Marxismo e Exlstencialismo
(Controvérsias sobre a dialética)
4. C. R. B O XER / Relações Raciais no Im pério Colonial Português
5. M A R T IN HEIDEGGER / Sobre o Humanismo
fi. JEAN V IE T / Métodos Estruturalistas nas Ciências Sociais
7. CLAUDE LÉVI-STRAUSS / Antropologia Estrutural
fi. JEAN-PAUL SARTR E / Colonialismo e Neocolonialismo
9. M AURICE GODELIER / Racionalidade e Irracionalidade na Economia
10. M AURICE M E R LE A U -PO N TY / Humanismo e Terror
11. M ICHEL FOUCAULT / Doença Mental e Psicologia
12. G ASTON BACHELARD / O Novo Espirito Científico
13. HERBERT MARCUSE / Materlalismo Histórico e Existência
14. AB RAH AM MOLES / Teoria da Informação e Percepção Estética
15. JOSE G UILH ERM E M ERQUIOR / Arte e Sociedade em Marcuse,
Adorno e Benjamin
JlG. E M IL S T A IG E R / Conceitos Fundamenthis da Poética
17. H AN NS-ALB ER T STEGER / As Universidades no Desenvolvimento
Social da América Latina
18. H ENRI E Y (Direção de) / O Inconsciente — Volume I (Colóqujo de
Bonneval). Colaborações de CL. BLANC, R. D IA T K IN E , S. FOLLIN,
A. GREEN, G. C. LA IR Y , G. LA N TÉ R I-LAU R A. J. LAPLANGE, S.
LÉBOVICI, S. LECLAIRE. H E NR I LEFEBVRE, F. PERRIER, PAU L
RICOEUR, C. STE IN e A. DE W AELHENS e a participação de P.
GUIRAUD. JEAN H Y PPO LITE , JACQUES LACAN, M AURICE M ER­
LE AU -PO N TY. E. M IN K O W S K I, entre outros
19. K O STAS AXELOS / Introdução ao Pensamento Futuro
20. LUIZ A M A R A L / Técnica de Jornal e Periódico
21. R A LF DAHRENDORF / Homo Sociologicus
22. ERNESTO G UERRA DA C AL / Língua e Estilo de Eça de Queiroz
23. ANDRÉ M A R T IN E T / A Lingüística Sincrônlca
24. JACQUES G U ILLAU M AU D / Cibernética e Materlalismo Dialético
25. EDUARDO PO R TE LLA / Teoria da Comunicação Literária
26. H E LM AR F R A N K / Cibernética e Filosofia
27. CLÁUDIO SOUTO / Introdução ao Direito como Ciência Social
28. D JACIR MENEZES / O Problema da Realidade Objetiva
29. M A R C IL IO MARQUES M O R EIR A / Indicações para o Projeto Brasileiro
30. H ELM UT SCHELSKY / Situação da Sociologia Alemã
31. ROBERTO CARDOSO DE O LIV E IR A / A Sociologia do Brasil Indígena
32. CARLOS CHAGAS F ILH O / O M inuto que Vem (A ciência no mundo
contemporâneo}
33. EDUARDO PO R TE LLA / Fundamento da Investigação Literária
34. ERNST BLOCH / Thomas Münzer, teólogo da revolução
35. ALEXAN D ER M ITSCH E R LIC H / A Cidade do Futuro
36. THEODOR W. ADORNO / Notas de Literatura
37. EDW IN B. W IL L IA M S / Do Latim ao Português
38. EM MANUEL CARNEIRO LEAO I A Provocação da Linguagem
39. D IETE R SENGHAAS. W O LF -D IE T E R N A R R e FRIEDER NASCHOLD
/ Análise de Sistemas, Tecnocrada e Democracia
40. JOSfí G UILH ERM E M ERQUIOR / A Estética de Lévi-Strauss
41. W A L T E R BENJAM IN / A Modernidade e 05 Modernos
42. EDUARDO PORTELLA. JOSÉ GUILHERM E MERQUIOR. HELENA
PARENTE CUNHA. AN AZILD O VASCONCELOS DA SILVA, M A R IA
DO CARMO PANDOLFO, M ANOEL AN TÔ NIO DE CASTRO, M UNIZ
SODRÉ / Teoria Literária
43. H AN Z-PETER DREITZEL, GÜNTER ROPOHL, CLAUS OFFE, JURGEN
FRANK , HANS LE N K / Tecnocrada e Ideologia
44. M ANUEL AN TÔ NIO DE CASTRO / O Homem Provisório no Grande
Ser-tão
45. CLAUDE LÉVI-STRAUSS / Antropologia Estrutural Dois
46. HANS A LB E R T / Tratado da Razão Crítica

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