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47
lucio Helena
coimo-AGoniA
AUGUSTO DOS AAIOI
BTÜ 47
A COSMO-AGONíA
DE
A COSMO-AGONIA
DE
AUGUSTO DOS ANJOS
tempo brasileiro
Rio de Janeiro — R J — 1977
BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITÁRIO — 47
Capa de
ANTÔNIO DIAS
Direitos reservados a
EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LTDA.
Rua Gago Coutinho, 61 (Laranjeiras) — ZC. 01 — Tel.: 225-8173
À memória
de Martin Heidegger,
poeta.
E a Mário César,
pelo carinho.
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Ao leitor ................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11
CONCLUSÃO............................................................................................. 117
Lucia Helena
INTRODUÇÃO
11
que Augusto dos Anjos sempre escreveu, ao longo de toda sua obra,
um único poema, incansavelmente repensado: o poético interrogar
da destinação e da trajetória do homem, que encontra na Arte a
expressão máxima da existência.
Quanto ao método de abordagem, buscamos pensar a obra do
poeta no que ela tem de essencial: a manifestação poética de uma
cosmogonia. Em suma: o poético retomar dos mitos do fim do mun
do, que implicam a recriação de um novo universo, exprimem a
idéia extremamente difundida da “degradação” progressiva do
Cosmo, e requerem sua destruição e recriação periódicas.
A leitura que vamos empreender considera, portanto, a obra
de Augusto dos Anjos como a manifestação poética de um jogo hí
brido — nascimento/vida/morte/re-nascimento — que nada tem
a ver com o que leituras anteriormente feitas sobre o poeta, e in
fluenciadas pelo monismo e pelo cientificismo positivista, afir
maram.
Conceber que Augusto dos Anjos construiu um poema-cosmo-
gcnia significa negar que sua obra seja “poesia científica” e/ou a
expressão documental dos princípios naturalistas da evolução me
cânica das espécies.
Ao longo de três capítulos — LEITURA E CRÍTICA DOS
ANTECEDENTES CONTEXTUAIS; A PROBLEMÁTICA DA
CRÍTICA E A CRÍTICA DA LINGUAGEM, e A COSMOGO
NIA POÉTICA DE AUGUSTO DOS ANJOS — desenvolvemos
nosso trabalho.
No primeiro capítulo investigamos a dialética da rejeição e
aceitação de seu livro, apontando e recusando as pseudo-questÕes
que o foram degradando: o êxito popular atribuído ao “mau gosto”
de suas palavras exóticas, o psiquismo macabro que fez do poema
um diário íntimo de dissabores mórbidos; e buscamos mostrar de
que forma o EU é uma obra antecipadora do Modernismo, bem
como uma poética de confluência de estilos.
No segundo capítulo, de cunho predominantemente teórico,
propomos as bases conceituais que nos orientaram criticamente. Em
virtude do grau de dificuldade que pudesse oferecer ao leitor o uso
de uma terminologia específica, procuramos diluir este possível her-
metismo em uma linguagem mais acessível, sempre acompanhada
de explicações clarificadoras. Neste segundo capítulo partimos do
pressuposto de que toda obra de arte literária, por seu caráter ins-
taurador e ambíguo, que a projeta para além de qualquer método,
12
sempre oferece a oportunidade de, sem cairmos no impressionismo
crítico, rejeitarmos o que hoje é considerado como metodologia
“científica”.
Nunca é demais acrescentar, todavia, que um estudo crítico
que se constitui fora da tensão com a cientificidade não invalida
outras abordagens que sejam coerentes com as obras analisadas,
pois julgamos que a leitura do poético é um eterno abrir portas,
“ou de como construir o aberto” 1 .
O terceiro capítulo — A COSMOGONIA POÉTICA DE AU
GUSTO DOS ANJOS — estabelece os elementos e os eixos de te-
matização do jogo telúrico em que o eu, o homem, a natureza, o
verme, a latência, o feto, a vida, a morte e a Arte (que em sua
obra é um eterno renascer) tornam-se comparsas de uma mesma
e única cena: a da captação poética da totalidade do Real, ou seja:
do mundo de tudo o que perece e do que sempre permanece.
Esta foi a leitura que nos pareceu mais promissora para dar
conta do projeto criador da “poética de confluências” 2 em que
consiste a obra de Augusto dos Anjos.
Consideramos texto definitivo o da trigésima edição, cuja lição
ecdótica, estabelecida por Antônio Houaiss, forneceu à nossa pes
quisa a necessária segurança.
No entanto, gostaríamos de ressaltar que não nos furtamos ao
cotejo dos textos com os da edição princeps, que nos foi generosa
mente cedida pelo Professor Celso Ferreira da Cunha, merecedor
de nosso agradecimento.
Incluem-se neste estudo apenas os poemas que compõem a
edição princeps. Nesta, o poeta intencionalmente selecionou, de sua
vasta produção, segundo critérios e objetivos que não discutire
mos, mas que nortearam, por certo, a montagem textual de EU,
alguns poemas, e não outros. A própria distribuição das peças, na
obra, revela esta intencionalidade que julgamos oportuno levar em
conta: doze peças longas que nuclearizam em torno de si os demais
poemas, em sua maior parte sonetos. Isto já não ocorre com as
“Outras poesias” e os “poemas esquecidos”, coligidos por seus
biógrafos e reunidos posteriormente, e de modo aleatório, ao con
junto deixado, ainda em vida., por Augusto dos Anjos. Acresça-se
a este aspecto já por si suficiente para validar nossa opção, o fato
de haver um grande número de inéditos, a serem pesquisados nos
jornais da Paraíba. O unico exame completo e coerente, possível
de ser realizado no momento, deverá incidir, portanto, sobre a se
13
leção do que Augusto dos Anjos considerou o mais válido de sua
obra poética. Outros estudos, posteriores, deverão procurar cobrir
a lacuna que conscientemente deixamos em aberto.
O trabalho ora apresentado é um desenvolvimento das pes
quisas feitas para nossa dissertação de Mestrado, entregue em de
zembro de 1974 à Comissão de Pós-Graduação da UFRJ-FL, e com
a qual obtivemos o grau de Mestre em Teoria Literária. As alte
rações verificadas no texto original atendem ao objetivo de supri
mir o cunho por vezes acadêmico e hermético que acompanha es
tudos dessa natureza. Achamos que teses e dissertações têm carac
terísticas próprias que, por sua finalidade, não condizem com o
público de diferente formação. Como nosso livro visa a atingir um
público mais amplo — estudantes universitários e leitores não espe
cializados — foram necessários esclarecimentos terminológicos e
uma apresentação mais didática do material, a fim de facilitar a
compreensão.
Do momento inicial — em que tudo se resumia numa série
de apontamentos — até a impressão dos originais, recebemos o
apoio de inúmeros amigos. A todos eles muito devemos: o estímulo
e solidariedade de nosso orientador, Prof. Dr. Eduardo Portella; a
leiíura atenta e as sugestões da bancai examinadora, composta dos
professores Eduardo Portella, Liba Beider e Mário Camarinha; e
o auxílio imprescindível de nosso editor, Franco Portella. Ao Pro
fessor Celso Cunha, amigo de tantos anos, e que nos sugeriu a
leitura de Augusto dos Anjos, nossa admiração pelo exemplo cons
tante de dedicação ao trabalho intelectual; a Severin Gilbert Dobbin
os agradecimentos pela datilografia dos originais; ao Prof. Manuel
Antônio de Castro, pelo auxílio na revisão; a Mário César Cabral,
nossa amizade sincera pela continuada atenção e sugestões ofereci
das nesta etapa final, e a Cilene Cunha de Souza e Sônia Guilliod.
leitoras primeiras, pela amizade de todas as horas.
Gostaria ainda de registrar minha palavra de admiração e ter
nura a meus pais, W alter e Regina, a quem dediquei este livro,
pelo muito amor que os torna, além de pais, amigos.
14
I
LEITURA E CRÍTICA
DOS
ANTECEDENTES CONTEXTUAIS
«
No reino da desventura crítica em que se instala a poesia de
Augusto dos Anjos, o surdamente a que se referiu Drummond trans-
lormou-se, muitas vezes, numa crônica surdez dos críticos.
Poeta dos mais lidos, são inúmeros os problemas que podemos
encontrar nas leituras que o EU tem recebido. Abordada na maio-
i ia das vezes a partir de considerações biográficas e psicologistas,
formou-se em torno dessa obra um mito de exotismo e morbidez,
lão espesso, que são sucessivas as referências que relacionam o poeta
Augusto ao eu do poema.
Uma nova leitura do poeta deve empreender a tarefa de mi
neração que sua obra está a exigir. Ela, que tem sido considerada
como a catarse de um psiquismo doentio e escatológico.
Muitas dessas considerações deveram-se ao deslocamento do
centro de interesse daqueles estudos. Pretensamente vinculados à
obra, eles trataram o poema como um pseudo-problema, e desvia
ram para o biográfico, para o contexto sócio-econômico e, até, para
;is determinações biológicas o alvo de sua atenção. Assim, a obra
de Augusto teve seu aspecto literário “reduzido a uma sim
ples projeção autobiográfica que se bifurca, e toma as mais varia
das formas”. 3
17
Na tribo literária da época coexistiam, entre pacíficas guer
ras frias, entre uma e outra pomba despertada, o Neoparnasianis-
mo, o Penumbrismo e as viagens “futuristas” de Oswald de An
drade à Europa. É natural, portanto, nesse clima de transição e
indefinições, que a obra de Augusto dos Anjos, aparentemente o
soneticista da poesia científica do realismo-naturalismo, enfrentasse
inúmeros obstáculos e incompreensões.
Mesmo tendo recebido, inicialmente, uma referência favorá
vel de Mário Pederneiras, no periódico Fon-Fort, o livro de Augusto
não teve sucesso nem entre os remanescentes do Simbolismo, nem
no bojo dos herdeiros do Parnasianismo. Ora considerada como
mais uma manifestação parnasiana, ora um simples eco simbolista,
a obra de Augusto foi, de início, repelida, além de ter passado des
percebida pelo grupo modernista. Desamado de todos, salvo de uns
raros amigos que continuaram a exaltá-lo e a colaborar para suas
reedições, o EU nascia feito anjo torto, sob o signo do hibridismo
e da contradição.
Para conseguir levar ao prelo seus manuscritos, recusados
pelos editores, Augusto dos Anjos, a seis de junho de mil novecen
tos e doze, firma um contrato com o irmão, Odilon dos Anjos, que
financia parcialmente os custos editoriais, mediante participação
na metade dos lucros obtidos com a venda dos exemplares. A edição
princeps, 4 publicada no Rio de Janeiro, compõe-se de cinqüen
ta e oito poemas (se desmembrarmos o tríptico dedicado ao pai),
em sua maioria sonetos, embora encontremos também doze peças
longas: “Monólogo de uma sombra”, “As cismas do destino”, “Os
doentes”, “Gemidos de arte”, “Noite de um visionário”, “A ilha de
Cipango”, “Poema Negro”, “Queixas noturnas”, “Insônia”, “Bar-
carola”, “Tristeza de um quarto minguante” e “Mistérios de um
fósforo”.
Foi com a segunda edição, trazida a público em 1920, por
iniciativa de Orris Soares, que o poeta começou a merecer atenção
da crítica. Essa edição surge acrescida de uma parte introdutória, o
“Elogio de Augusto dos Anjos”, escrito por Orris, seu incansável di
vulgador e amigo.
Se, para Otto Maria Carpeaux a segunda edição marca o
“êxito fulminante”, eclipsado a seguir pelo Modernismo, para
Antonio Houaiss é apenas com a terceira edição, de 1928, que a
obra de Augusto começa a penetrar os meios do leitor comum.
18
Ainda em 1928, no Rio de Janeiro, a livraria Castilho publi
ca uma quarta edição que, sem apresentar nenhum acréscimo ou
modificação de qualquer espécie, é, na verdade, uma reimpressão
da anterior. No mesmo ano, em São Paulo, a Companhia Editora
Nacional imprime a que seria a quinta edição. Seis anos mais tarde
o editor Bedeschi lança a sexta edição, que surge acrescida de um
estudo de Antônio Torres: “O poeta da morte”. O comentário de
Antônio Torres foi anexado a todas as edições da Bedeschi. A
partir de 1934, ano da sétima edição, o livro tem sua tiragem
quase que anualmente repetida, pela mesma editora, até a vigé
sima oitava reimpressão, em 1961. Para sermos precisos, as edi
ções da Bedeschi são, na maior parte das vezes, reimpressões,
0 sua versão textual merece pouca fé.
A partir da vigésima nona edição (e, até o presente, contamos
com trinta e uma), a obra foi publicada pela São José, tendo sido
1ctirado o estudo de Antônio Torres.
Em 1962, ano do cinqüentenário do aparecimento de e u ,
Carlos Ribeiro, o editor, pede a Francisco de Assis Barbosa que
rcúna ao conjunto de poemas já conhecidos pelo público, o ma
terial coletado por De Castro e Silva, que constava de duas obras
por ele escritas sobre o poeta: Augusto dos Anjos poeta cia morte
0 da melancolia5 e Augusto dos Anjos, o poeta e o homem6
Além do biógrafo, colabora nesta edição, com vistas ao estabele
cimento de um texto fidedigno, Antonio Houaiss. Os novos poemas,
que passam a fazer parte do volume, são reunidos sob o título de
“poemas esquecidos”. Quanto a estes, a principal dificuldade, pos-
1cHormente corrigida na trigésima edição, foi o endosso puro e
simples das versões apresentadas por De Castro e Silva e que,
mediante o cotejo com as publicações da imprensa paraibana,
mostraram-se portadoras de inúmeras gralhas e imprecisões.
A vigésima nona edição, publicada em 1962, foi a primeira
tentativa de preparar um texto condizente com o leitor especiali
zado e a direção nela seguida para elucidar as controvérsias foi,
<m matéria de ecdótica. a da lição conservadora. O texto assim es~
tnbelecido fornece o necessário apoio a todos os tipos de estudos,
sejam eles críticos, estilísticos, estéticos, ou de qualquer outra
natureza.
Três anos após, também pela São José, é lançada a trigésima
edição, acrescida de mais alguns inéditos de Augusto, graças à pes
quisa incansável de Assis Barbosa, do “Texto e nota” de Antonio
Houaiss e das “Notas biográficas” elaboradas pelo mesmo pesqui
19
sador dos inéditos. É mantido, ainda, o “Elogio de Augusto dos
Anjos”, perfil biográfico mesclado de algumas observações quanto
a estilo. Finalmente, em 1971, a São José lança a trigésima pri
meira edição, com as mesmas características da anterior.
A divulgação de equívocos:
20
a palavra”, 7 ele verbera contra o perigo de difundir-se a opinião
(tantas vezes considerada como moeda de real valor) de que a
poesia de Augusto penetrou e conseguiu consagrar-se, “apesar” de
seu vocabulário.
Um poeta é poeta por todas as palavras que empregou, e não
apesar delas. Ele é poeta com todas as palavras e por elas. Tentar
excluí-las é o mesmo que fabricar um novo texto. Recusar a pala
vra do poeta é negá-lo como poeta. A palavra poética do poeta não
está fora de seu poema: só existe nele. A modernidade de Augusto
revela-se nesse ato de dessacralização até agora não compreen
dido: no âmbito de sua poesia ele reverencia o léxico repudiado
pela estética do “belo”. O vigor de sua lingua,gem se nutre d’
21
Mas qual será, todavia, a pátria da palavra? Haverá uma palavra
da ciência, da matemática, da poesia? Ou será a palavra a mani
festação explícita de uma proveniência a partir d'a qual ela se pro
jeta? A pátria da palavra, se assim podemos dizer, é a linguagem,
pois só mediante a linguagem, entendida como a força do que se
diz, ou a possibilidade de todo e qualquer dizer, a palavra se ma
nifesta. Deste modo, como a linguagem é a condição de vigência
de todo e qualquer discurso, embora com ele não se identifique,
no texto poético de Augusto dos Anjos nós não temos uma pala
vra ou um vocabulário ou um repertório lexical de pro-veniência
científica. Não é a ciência, nem o repertório do positivismo ou do
determinismo ou do evolucionismo que ali se torna exclusiva pre
sença. Na palavra poética do poeta manifesta-se, tão e somente,
o dizer poético da linguagem. O vocabulário “científico” apontado
no EU apenas seria científico no texto de Haeckel e Spencer.
Diante de uma compreensão mais abrangente, não há razões para
comentarmos a estapafúrdia formulação de Osório Duque Estrada.
Basta-nos acrescentar que, ao contrário do que pensava o crítico,
a ciência é que tinha sido transviada pelo grande talento do poeta.
O léxico empregado por Augusto dos Anjos satisfaz a uma ne
cessidade vital de sua poesia. Tornados patrimônio de seu texto
poético, aqueles termos, anteriormente usados num contexto téc
nico, passaram, conotativamente, a denunciar a ciência transviada.
Outro argumento amplamente divulgado é o de que o poeta
era um obcecado pela morte e putrefação. Estas “imagens obsessi
vas”, 11 como as tem denominado a crítica, têm sido esparsa-
mente detectadas, como um elemento que se pudesse destacar ou
apenas privilegiar na poesia em questão. No entanto, nem são
meros índices de uma obsessão pelo escatológico, pelo horrendo ou
putrefato, nem são apenas imagens obsessivas. São imagens cons
titutivas, linhas de força dos eixos em que se elabora a visão cos-
mogônica do poeta.
A completar o quarto indício deixado por uma crítica apres
sada em “julgar”, temos o “caso Augusto dos Anjos”. A obra do
poeta foi objeto de estudos clínicos, psico-patológicos, tornou-se
motivo de autópsia. Ao final, como era de se esperar, sobrou-nos
o cadáver do poema soterrado. Há livros escritos para atestar-lhe
a esquisofrenia, para desmentir-lhe a angústia, para comprovar-lhe
o humor. De tudo um pouco, ncs seus atestados de bons antece1-
dentes. Esses estudes, produzidos mediante abordagens externas,
resultam da captação imprópria de alguns elementos mais visíveis
22
em sua poesia, mas que não foram considerados em relação à in
teireza do texto poético, cuja organicidade não foi, por eles; sequer
percebida. Lido à margem do poético, o texto de Augusto dos
Anjos foi mutilado por uma série de atropelos comprometedores.
A tradição crítica, ao aproximar-se de e u , foi insensível ao
movimento precursor que a obra desencadeava e, submetendo-a
a uma leitura cujos parâmetros eram estabelecidos pelo consenso
e pelo passado, subverteu-lhe texto. Sempre remetido, através de
uma leitura comparativa, ao que já fora produzido (o EU foi iden
tificado como Neoparnasiano e também como um dos ecos do
Simbolismo), a poesia de Augusto não foi lida em seu posiciona
mento fundamental: uma desautomatização prospectiva.
O eu e os signos da renovação:
23
vê em “Budismo moderno”, com o inesperado surgir de uma abre
viatura :
24
A civilização entrou na taba
Em que êle estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!
25
4.°) a utilização de recursos impressionistas, que se mani
festam, basicamente, em um novo modo de captação da rea
lidade, que não é descrita ou registrada impassivelmente, mas
apreendida segundo a impressão provocada no observador, num
momento dado. Nesta nova forma de apreensão do real, este é des
pojado das correções lógicas impostas pelo observador objetivo, ao
mesmo tempo em que o poeta põe em relevo o elemento desenca,-
deador da impressão fundamental. Muitas vezes esse processo im
pressionista é exacerbado, chegando mesmo a predominar não a
impressão provocada, mas a irradiação de uma visão expressio-
nista que se projeta na própria realidade captada:
26
A <rítica da crítica: o texto como desatio
Eduardo Portelía
27
de exemplificação, a mostrar como este princípio atuou, profun
damente, e dirigiu-lhes a perspectiva de enfoque. Tomemos apenas
três destes casos, evidentemente dos autores mais conhecidos pelo
público: De Castro e Silva, Humberto Nóbrega, e Horácio de Al
meida. As duas obras de De Castro e SiXva são livros Confusos,
mas que oferecem importante colaboração, pela pesquisa de iné
ditos. Absurdamente, com o fito de relembrar um valor esquecido,
De Castro e Silva tenta provar que se pode apreender, nos versos
do poeta, a “personalidade” do autor, uma vez que “foram escri
tos com o mesmo cérebro e a mesma vontade de contar a sua me
lancolia”. 18 Humberto Nóbrega, cuja obra recebe na bibliogra
fia de Carpeaux a observação de livro “imprestável”, quer mostrar
um novo Augusto dos Anjos, alegre, humorista, bem diferente do
penitente corroído pela dor e morbidez. Em Augusto dos Anjos e
sua época 19 tenta reconstruir o ambiente social em que o poeta vi
veu alguns momentos de sua juventude. O Augusto hilariante e
redimido, Nóbrega vai encontrar nos poemas do Nonevar, jornal
que circulava na Paraíba por ocasião da festa de Nossa Senhora
das Neves. Já por seus objetivos, o livro de Nóbrega inclui-se,
integralmente, na tradição da crítica do princípio da identi
dade. Horácio de Almeida, em Augusto dos Artjos razões de stM
angústia, 20 melhor escritor do que os demais, ainda que filiado ao
mesmo tipo de comportamento crítico, também vê na obra do
poeta um documento, o mais preciso e rigoroso registro da vida de
seu autor: “Em Augusto dos Anjos não há que procurar o autor
fora de sua obra, isto é o eu fora do e u ”. 21
Aqui e ali, nos escritos desta crítica que fixa seus olhos na
obra como espelho da, alma, desponta a marca de um outro prin
cípio, orientado pelo positivismo e determinismo, segundo o qual
a obra é, em última instância, o produto das pressões sociais, ra
ciais e biológicas a que esteve submetido o autor. Este princípio do
determinismo sociológico pressupõe o anterior, pois também iden
tifica obra e transcrição da realidade, escrita poética e diário pes
soal, autor e personagem.
Visto hoje, depois do considerável avanço dos métodos críticos,
o quadro revela um estágio de penúria de instrumentos de análise
e uma determinada conjuntura da crítica. Considerá-lo é fundamen
tal para que se possa compreender como as “qualidades” e os “de-
28
i............ (nu os “mitos” de que tratamos precedentemente) atribuí-
............ lua do poeta resultam de um momento precisamente deli
riam l<> mi história da crítica literária no Brasil.
i i i. emos, brevemente, os parâmetros dessa conjuntura. A tra-
i ihca, sob a forma de militância efetiva, é recente. No século
H\ ill. a proteção econômica e a garantia de divulgação do livro,
.... I*i •• literário, à época, funcionava sob o regime de patronato.
i '■ ii"', Afrânio Coutinho22 que escritores e editores socorriam-se
ii. n a s, por viverem na dependência de um público limitado.
........ pansão da classe dos leitores, vamos encontrar, no século
HI " urgimento de um corpo crítico, ainda incipiente e bipartido,
i ■ iii ir; concentrada nos salões literários apenas, a crítica pro-
■ ■ i "iigajar-se numa atividade de progressiva desaristocratiza-
li " ii o crítico, voltado às análises das obras consagradas, e o
" u • <r” que se ocupava do comentário jornalístico de obras recém
i iii.li. ml;is. A tradição crítica brasileira surge neste momento, e sob
.. i iM. da linhagem francesa, cujo patrono é Sainte-Beuve. A pri-
■ i . l ,r <; de nossa crítica, que se projetou até a terceira década
u l o X X e, em alguns casos, até depois, comprometeu-se com
i iii i •! ii Ht/tios da identidade e do determinismo sociológico e, por
. i , tu/no, realizou uma análise primordialmente extrínseca.
M .diante esta conjuntura, a obra e o texto funcionavam à
i •I" depoimento sociológico e/ou biográfico e/ou psicológico,
i "i.iin Io ler, no texto poético, o contexto social ou o íntimo do
...... i. ,i <rítica promovia a morte do poema na vida do poeta. Tal
...........ingnação de nossa crítica, no ano de 1928, quiando, além
i" "i. n.r;, j á tinha sido publicado e divulgado o texto de Ferdinand
ii ii" , e Roman Ingarden preparava-se para lançar, no ano se-
..... ii O bra de arte literária, 23 que Alceu Amoroso Lima vê-se
n",l,i , "inpelido a manifestar-se contrariamente à posição impres-
- iii ,i i da crítica literária brasileira. Diz-nos o autor que
29
Se observarmos os anos de publicação dos livros aqui utiliza
das para exemplificar o comportamento crítico de abordagem extra-
literária, veremos que datam de 1944 a 1962, o que nos faz consi
derar que, relativamente ao estudo da obra de Augusto dos Anjos,
a virada em direção ao texto como manifestação intrínseca reali
zou-se muito tardiamente, e em descompasso, portanto, com as novas
propostas estéticas defendidas por Afrânio Coutinho, durante longos
anos, na seção “Correntes Cruzadas” do suplemento literário do
Diário de Notícias.
31
CORPUS CRÍTICO
GRUPO I — (A)
GRUPO I — (B)
1. obra focalizada como m anifestação tex
• biográfica tu al: análise intrínseca dos procedi
mentos de estilo;
• estudos de crítica 2. biografia criteriosa, ausência de apolo
textual gia e distorções;
3. identificacão obra-texto: distanciam en
® filológica to poeta-homem, vida-obra;
4. desmitificação do caso patológico e ins
• estilística tauração do caso estilístico;
5. cotejo de textos, com vistas à elabora
ção de edição crítica;
6. pesquisa de inéditos;
7. comentários filológicos;
8. pesquisa do artesanato verbal (rímico,
rítmico, métrico) de EU;
GRUPO II
32
O Eu no âmbito da História da Literatura:
Martin Heidegger
33
PERIODIZADOR OBRA PERÍODO
34
Nossa referência àquelas propostas tem por finalidade enca
minhar a questão da divergência periodizadora sobre EU em novas
bases. Não nos interessa, obviamente, o simples comentário, nem
o recenseamento de cada uma das indicações contidas no quadro-
resumo.
O estudo de Manuel Bandeira apresenta a visão de um poeta
sobre a poesia. Nas poucas páginas dedicadas a Augusto dos Anjos,
o autor apreende um dos recursos de atuação mais ostensiva do es
tilo de Augusto: a angústia como eixo propulsor de sua poesia.
Vejamos de que modo Bandeira manifesta-se a respeito deste
ponto. Em meio a notas biográficas, encontramos observações
como a que segue:
35
Simbolismo ao Modernismo brasileiros inscreveu-se no eixo da
transição e do entrecruzar de caminhos. Mas isto não nos leva, con
tudo, a considerar o eu como um retorno ao Simbolismo (nem,
como querem outros periodizadores, como obra de revivescência
do posicionamento parnasiano). Tomar Cruz e Souza como padrão
e permanecer no exclusivo eixo da identificação de similitudes im
plicará sempre reduzir a diferença primordial mediante a qual o
EU é. Se a obra de Augusto dos Anjos não chega a inau
gurar, no painel da história literária, um novo estilo de época,
ela também não denota um exclusivo compromisso com a mani
festação poética do Simbolismo (e/ou do Parnasianismo e, até, do
Romantismo) segundo a feição brasileira assumida pelo movimen
to. Em observações anteriores já nos detivemos a examinar o diá
logo de EU com os signos da renovação modernista, bem como op
tamos por considerar como um traço particular e caracterizador
o fato de esta obra ser uma poética de confluências, que não se
resume na convergência de manifestações passadas, visto que ela
também se lança prospectivamente. Rotulá-la radicalmente de cbra
simbolista significaria velarmo-nos ao entendimento da confluên
cia de memória e prospecção que se encontra no cerne da obra
poética de Augusto dos Anjos, que aponta muito mais para a mu
dança do que para a permanência. Neste sentido, o eu radicaliza
diretrizes decadentistas do Simbolismo brasileiro pois, se de certa
forma o contém, não é, todavia, por ele abrangido totalmente.
O “mundo da força cósmica furiosa” nao é comum a Augusto
dos Anjos e a Cruz e Souza. Ele é a força motriz do “dínamo pro
fundo” capaz de “mover milhões de mundos”. Ainda que se tor
nem possíveis aproximações estilísticas no nível do texto desses dois
poetas, elas serão, contudo, sempre denotativas. Augusto dos Anjos
não é um Cruz e Souza redivivo. Toda e qualquer obra de arte li
terária, (no sentido que lhe é atribuído por Roman Ingarden), só
é idêntica a si mesma, e só se projeta ao propor, mesmo a partir
da captação de influências, um novo caminho de abertura criadora.
Andrade Murici também é colhido pelo “gosto da analogia”
e vê em Augusto dos Anjos uma sensível marca de Cruz a
Souza, “nos inúmeros encontros de temática e até de expressão
verbal” 38. Este tipo de classificação “por semelhanças” é insu
ficiente, porque se satisfaz em constatar “encontros” ou “influên
cias” de um autor em outro, esquecendo-se de que é fundamental
verificar o que o poeta realiza a partir dia influência. Cego a este
apelo, considerando a influência o desencadeador diretivo e exclu
S6
sivo, Andrade Murici “comprova” o Simbolismo de Augusto dos
Anjos e o afirma, pelo estudo comparativo (por demais superficial)
de dois poemas: “Uma noite no Cairo”, de Augusto dos Anjos; e
“No Egito”, de Cruz e Souza.
No Egito
37
O Egito é sempre assim quando anoitece!
Às vêzes, das pirâmides o quêdo
E atro perfil, exposto ao luar, parece
Uma sombria interjeição de mêdo!
(Eu: 114-5)
38
O primeiro texto é um soneto nitidamente Simbolista, baseado
na problemática da imanênciia e da transcendência. Do momento
presente — “Sob os ardentes sóis do fulvo Egito” emanam os so
nhos de transcendência de uma alma que ambiciona o inefável: o
páramo infinito. Do momento passado transcende a “morte espec
tral” que faz do Egito de ontem e de hoje “sempre o antigo, o
velho rito”. Deste modo, imune ao passar do tempo, inserido na
atemporalidade mítica do rito} o Egito tratado no poema de Cruz
e Souza atende às principais determinações da estética simbolista:
o apelo do inefável, a liberação da alma às paragens do sonho e
do pré-lógico, o canto à dor da alma prisioneira nos grilhões d‘o
mundo (ambição da transcendência) e o culto do mistério.
Já no segundo texto, nas oito quadras que formam o poema
de Augusto dos Anjos, o inefável, a transcendência e o culto do
mistério são características não privilegiadas, pois o autor valori
za uma captação dinâmica e impressionista da paisagem, que se
abre em três campos temáticos: 1) a natureza, 2) o Egito secular
e 3) o Egito cosmopolita. Mesclam-se (é verdade que com nítida
interferência do Decadentismo na seleção vocabular do culto do
“belo horrível” — tal como em “brado epiléptico”) às caracterís
ticas do Impressionismo que estão presentes na obra de Augusto,
alguns outros índices antecipadores do Modernismo: o aproveita
mento do prosaísmo de termos que retratam o cotidiano, a impre-
visibilidade semântica de suas metáforas (o perfil das pirâmides —
sombria interjeição) e a criação do non-sense, a partir do qual na
tureza e cultura se identificam: através de soluça, o autor re
laciona: humano (soluça-choro-lágrimas; soluça-vcz-música) e
não-humano (água-Nilo) e produz a interação soluça-água-Nilo
( natureza, já com o dado cultural oferecido por “soluça”) e so-
luça-voz-música-stradivário-água do Nilo (cultura, mas já com o
dado natureza trazido por “água do Nilo” ). Foi a esta combinação
sêmica que denominamos acima “non-sense”.
Concluindo, pode-se dizer que Augusto opõe, em “Uma noit<
no Cairo”, ao “tom” transcendental do simbolismo de Cruz e Souza,
uma ambiência do concreto, do cotidiano, do imprevisível semânti
co, que nos leva a deslocá-lo do Simbolismo e a propôr que seu
poema aponta, precursoramente, para o Modernismo.
Não pretendemos, com esta breve leitura dos dois poemas, es
gotar o problema da inclusão do poeta no Simbolismo. Apenas
mostrar como são insuficientes as “analogias” encontradas por An
39
drade Murici, e por ele manipuladas para decidir-se periodologica-
mente frente ao poeta.
Dentre os periodizadores, Alfredo Bosi atinge o clímax na
diversidade de posicionamento frente a obra de Augusto dos Anjos.
Nos seus dois livros arrolados no quadro-resumo, transcreve um
mesmo estudo sobre o pceta, com mínimas alterações de um para
outro texto. Nestas duas referências, quase idênticas mediante o
cotejo a que foram submetidas, Alfredo Bosi classifica, no entanto,
o poeta diferentemente: em seu primeiro trabalho (vide nota32)
situa-o como pré-modernista e, no outro estudo (vide nota 33), re
laciona-o ao simbolismo. Como Alfredo Bosi não nos esclarece
sobre o seu ecletismo na periodização de e u , apenas podemos jcgar
com a suposição de que o poeta, a seu ver, é cronologicamente um
pré-modernista que, estilisticamente, apontaria para o simbolismo.
A ampliar mais ainda o nebuloso questionamento feito a base de
suposições, deparamo-nos com uma observação de Alfredo Bosi:
Augusto seria um poeta “que deve ser mensurado por um critério
estético extremamente aberto” 40 ou, ainda, um poeta “fora e
acima ’ 41 dos vários grupos encontrados entre Cruz e Sousa e os
modernistas. Seria, então, “inclassificável” o poeta? E, se esta fosse,
verdadeiramente a diretriz de Alfredo Bosi, por que não a teria
explicitado? A opção que nos resta é a de considerar que em seus
dois estudos Alfredo Bosi filia e ao mesmo tempo desclassifica o
pceta, sem que tivesse encontrado uma possibilidade mais ampla
para esclarecer este problema.
Luciana Stegagno Picchio (vide nota 34) também se mostra
indecisa com relação ao poeta. Segundo a autora, ele tem sua pro
dução abrangida no período situado entre o parnaso e o “crepús
culo”, além de esboçar um comportamento estético renovador sem,
contudo, ter sido um antídoto aos influxos parnasianos.
Darcy Damasceno (vide nota 31) atém-se, de modo por demais
sucinto, a referir-se aos temas científicos e filosóficos preferente-
mente manipulados por Augusto dos Anjos: o grande explorador
do vocabulário da ciência e da técnica, o adepto da filosofia mate
rialista, o extremado pessimista. Evidentemente, Darcy Damasceno
leu o texto de eu , mas não conseguiu ultrapassar os limites de uma
leitura denotativa. O vocabulário de Augusto não é da ciência, nem
da técnica. A pátria deste léxico é a força vigorosa que o instaura:
a linguagem. Não é a teoria evolucionista,, nem o simples “materia-
lismo” a força impulsionadora da obra de Augusto dos Anjos. O
cósmico e residual segredo que Augusto se pfopÕe a interrogar poe
40
ticamente é o mais próximo e por isso mesmo o mais distante e
arredio “mistério” : a destinação e a errância do homem. A ciência
não é o seu texto: ela é um texto encravado no corpo da íingua-
gem poética.
O diálogo que a obra de Augusto dos Anjos mantém com
algumas das propostas de Schopenhauer é bastante esclarecedor
quanto a este ponto. O dispositivo que aciona criadoramente a pa
lavra poética de eu e que põe em questão a cientificidade, é a con
cepção do artístico, muito próxima ã do filósofo alemão: ela des
ponta na apreensão da arte entendida como a única paragem im
penetrável à dor e ao sofrimento; ou, segundo propõe Arnold
Hauser, a “liberación de la voluntad, como el sedante que reduce
al silencio los apetitos y pasiones”. 42 A presença de Schopenhsuer
também se manifesta, na poesia de Augusto dos Anjos, no desejo
de um mundo esteticamente fruível, e na aspiração de instalar,
pela força vigorosa do artístico, uma cidadela em que se pcssa
gerar “o vagido de uma outra Humanidade”. 43
É na esfera do poético que o eu prom ove o viv ific a r das cé
lulas, das mônadas e das morteras, antes contam inadas, rifa. regio-
nalidade de um discurso em consonância com o cientificism o na
turalista, p ela m orte íntim a de todas as coisas.
Retomemos o corpus crítico e o quadro-resumo. E atentemos
para o fato de Augusto dos Anjos ter sido filiado ao Neoparnasia-
nismo: por Darcy Damasceno, ainda que ele aí o veja como “fi
gura independente” e por Luciana Stegagno Picchio, que encontra
no autor o antídoto que poderia ter sido e não foi.
Se considerarmos que apontar-lhe o Neoparnasianismo seria
o mesmo que relacionar o EU ao momento áureo do soneto des
critivo, descritivo-narrativo e didático alegórico, ou ao compromisso
com o preceituário de rigidez formal e com o cientificismo, não
podemos julgar que esta classificação atenda à economia interna
da poesia de Augusto dos Anjos. Seus sonetos, ainda que metrica-
mente regulares (é sensível neles a predominância do decassílabo
heróico), não se restringem ao descritivismo ou à narração objetiva.
A captação impressionista da paisagem, já estudada anteriormente,
e a exacerbada mediação de uma consciência conflituosa, que pro
jeta no real uma reordenação expressionística, deslocam o eu , ra
dicalmente, do Neoparnasianismo. E o cientificismo que lhe tem
sido atribuído resulta de um mal entendido duplamente manifesto:
primeiramente, da má leitura do texto do poeta e, “last but not
least”, do esquecimento de que a, natureza do poético, e não a
ciência, é o determinante da mímesis artística.
41
O EU talvez seja uma das mais compósitas obras poéticas do
Brasil de inícios do século. Um matiz extremamente confluente —
mencionado, ao que sabemos, pela primeira vez, por Eduardo Por-
tella em artigo publicado no jornal O Globo: “Uma poética de con-
fluências” (vide neta 2) — assinala nesta poesia algo que tem sido
entendido como uma dificuldade a mais no texto de Augusto dos
Anjcs, mas que consiste em seu próprio modo de ser.
A classificação periodológica da obra de Augusto dos Anjos,
em virtude de sua des-classificação originária (isto é: a des-clas-
sificação que está nela mesma como fundamento mediante o qual
a obra de Augusto é o que é), apenas pode ser feita de modo
aproximativo. O e u transpõe os quadros de qualquer marcação his-
toriográfica ainda que esta esteja estilisticainente orientada, como
é o caso da história literária, cujo doutrinário é estético, e procura
escapar dos determinismos cronológicos, sociais e políticos. A obra
literária, co-pertinente à linguagem, não se esgota no enfoque rí
gido dos limites históricos: o período, a época.
Ainda que aceitemos ou constatemos a presença do Simbolis
mo na poesia intensamente a,uditiva de Augusto dos Anjos, susten
tada por uma musicalidade áspera, ou na inclinação cabalística e
orientalista de muitos de seus preferidos símbolos, como a nume-
rologia e a constante referência ao budismo, ao bramanismo e às
figuras da mitologia persa; ainda que nela apreendamos a presença
do Decadentismo no culto do horroso; ou mesmo do Nlaturalismo-
Parnasianismo em seu interesse pela realidade, pelo desfilar de per
sonagens extraídas das camadas menos favorecidas da sociedade,
como as prostitutas, os bêbedos; ou mesmo que a aproximássemos
do Impressionismo, que marcou, tanto na pintura como na litera
tura, um estilo de época ou uma “voluntad de estilo” 44 segundo
propõem Amado Alonso e Raimundo Lida; mesmo que se possa
dizer que é com a asa dos impressionistas que ele tece o seu soneto
42
formações que vieram a aclarar-se e radicalizar-se com os moder
nos, ainda assim necessitaríamos ir além.
Uma outra leitura dessa questão exigiria que nos deslocásse
mos para um novo enfoque do problema: não mais o da periodi
zação literária historiográfica, e sim para o da situação do EU no
espaço da História (concepção que adiante explicitaremos). D e
vemos apreender a obra de Augusto dos Anjos em sua referência
com o projeto Histórico, que ultrapassa a cronologia e a historio
grafia:
43
do tempo, na obra de arte literária; isto é, se a história da litera
tura não tentar subordinar o tempo literário ao tempo historiográ-
fico.
Examinado do ângulo da História, o EU não é uma obra con-
fluente por ter sido produzida num momento particularmente sin-
crético da história da literatura brasileira. A confluência é o modo
de ser próprio a toda obra de arte literária que compactua do vigor
das manifestações globais do homem. Por esta razão, a obra de arte
literária consegue, mesmo portando as marcas estilísticas de uma
época, transcendê-las, des-classificar-se e multiplicar-se em veios
vários e subterrâneos:
44
II
A P R O B L E M Á T IC A D A C R ÍT IC A
E A C R ÍT IC A D A L IN G U A G E M
47
texto literário, quer no nível da expressão, quer no do conteúdo.
Os triunfos obtidos traduzem-se na habilidade técnica de esqua
drinhar o texto e produzir-lhe o simulacro. Diante dos métodos da
crítica científica, o texto transforma-se no simulacro do texto;
assim como, no espaço da investigação científica, a vigilância do
método exerce cada vez mais a função de uma consciência pers-
crutadora.
E os críticos, vigilantes e perscrutadores, vigilantes e cientí
ficos, projetam no método o perfil de sua inquietação sobre a lin
guagem. Quanto maior o controle exercido pelo método, menor será
o pulsar da ambigüidade. E, deste modo, a inquietação que denota
o comportamento da crítica científica frente à literatura consiste
no fato de que o que ela produz não é Arte, não é Literatura e
deixa de ser “ principalmente a consciência literária da existência
e a consciência existencial da literatura” , 41 uma vez que o ter
reno em que esta crítica se move impede-a de assumir o modo de
ser da arte.
Mas, como toda inquietação sobre a linguagem é também uma
inquietação da linguagem, a crítica científica da literatura deno
minou língua a essa linguagem inquieta, o que nos demonstra ter
ela acreditado que, no anular da potência da linguagem, anula-se
a impotência da crítica. Da identificação de língua e linguagem,
do repúdio à linguagem concebida como força de proveniência,
advém a segurança da ciência crítica.
A fim de abster-se das surpresas que lhe faz o texto, a fim
de controlá-lo para não ser por ele surpreendida, a crítica vigilante
mantém-se desperta e protege-se ainda mais da inquietação da lin
guagem. E, como crítica e ciência, recorre às categorias estabele
cidas pela epistemologia contemporânea: o obstáculo, o corte e a
vigilância.
Em substituição ao conhecimento historicista e evolutivo do
século X IX , o cientista de hoje não mais valida seu método pela
constatação empirista: constrói o objeto, e o espaço em que se
move a ciência, através do estabelecimento de um real teorica
mente produzido. Ou como propõe Bachelard, para a ciência “ Rien
ne va de soi. Rien n’est donné. Tout est construit” .48 N o en
tanto, o próprio Bachelard antevê a existência do homem diurno
da ciência e do homem noturno da poesia. Na poesia, o homem é
um ser entreaberto, para o qual o mundo deixa de ser opaco. Mas
na crítica literária que preconiza o sinal fechado ao trânsito nas
dimensões noturnas do homem, e propõe uma vigilância episte-
48
mológica em regime de tempo integral, parece não haver lugar
para outra proposta que não a da identificação entre a ciência e
o comportamento crítico. Por identificar o ato de conhecer ao ato
de controlar, a ciência promove um corte epistemológico em rela
ção a toda problemática tida como pré-científica. Para conseguir
realizar seu intento com maior segurança, o teórico da ciência
(,‘labora uma tríplice modalidade de controle: a da vigilância do
objeto real, a da relação do objeto real e do método, e a do mé
todo enquanto tal. A esta última modalidade de controle costu
ma-se denominar vigilância epistemológica propriamente dita.
Assim constituída, a crítica científica da literatura requer sem
pre um maior rigor assim como coloca sua metodologia constan
temente em questão, à procura de um procedimento formal cada
vez mais preciso e eficaz. A eficácia é, por excelência, o parâmetro
de aferição da crítica vigilante.
49
mais uma segurança e, sim, principalmente, um risco. O destino
do modelo conclusivo é subtrair da natureza do poético o que ele
tem de essencial: a ambigüidade. O modelo conclusivo da ciência,
que se abre para fechar-se cada vez mais em direção a um maior
formalismo, aplica-se excelentemente, como tem sublinhado o crí
tico Eduardo Portella, a todos os fenômenos que requerirem, por
sua estrutura, o passaporte da exatidão. N o entanto, este não nos
parece ser o caso da obra de arte literária.
O texto literário, segundo a leitura hermenêutica, não é um
subcódigo do texto lingüístico. O texto literário, que também é
lingüístico, resulta de uma tensão constitutiva; assim como provoca
e dinamiza uma lembrança que a apreensão lingüística tudo faz
por esquecer, pois tem necessariamente, que refutar: a denúncia
da lei. A lingüística apreende, no texto literário a normatividade,
busca as estruturas determinantes, formalizáveis ainda que pro
fundas.
Para a hermenêutica, tornar o texto literário um alvo subme
tido ao controle, acercar-se dele para legislá-lo, revelaria a exis
tência de uma trave no olho do arqueiro. A leitura crítica do poé
tico, dentro de tal perspectiva, não pode ser um exercício de
verificação da aplicabilidade de um acervo metodológico. Posto
que todo “ exercício” pressupõe como objetivo fundamental a fixa
ção de um corpus teórico que o precede, a leitura hermenêutica
não irá, jamais, transformar a obra de arte literária num me
diador entre o analista e sua imperiosa necessidade de comprova
ção do sucesso (da eficácia) de determinada teoria.
O problema torna-se ainda mais complexo ao considerarmos
que o texto literário é a palavra do homem em sua errância His
tórica. E, nem a palavra do homem, nem a errância Histórica
identificam-se com um empreendimento basicamente axiomático.
Constituindo um outro nível de rigor — que põe em questão
o controle da crítica vigilante — a leitura hermenêutica busca
aceder ao fundamento da obra de arte literária. Por esta razão, a
perspectiva hermenêutica, olhada no ângulo da ciência, será sempre
um salto no abismo. Para a crítica vigila,nte, o salto no abismo
representa uma ameaça, uma queda, um prejuízo para o controle
e uma considerável perda de eficácia. N o entanto, lembremo-nos
de que, visto de outro modo, “ O salto que salta da estrutura lógica
do pensamento, dá na experiência poética dos poetas” . 51
50
E este é, sem dúvida, o nosso propósito.
No nível do texto, a investigação lingüística desempenha, com
máxima eficácia, o seu papel, por resguardar-se da instauração
transgressiva da linguagem e identificar texto e discurso. Mas, no
nível do literário, em que é necessário tomar o texto pela raiz,
apenas uma leitura radical pode compreender e participar da fe-
nomenalidade do poético.
O texto literário, por sua modalidade de existência, apenas se
oferece, em sua integridade poética, a uma apreensão que seja, tal
como ele, fruto da mesma tensão de silêncio e fala; a uma leitura
crítica mais fluente, por ser também criadora. Necessariamente,
neste nível de leitura, o rigor metodológico deverá também atuar
como a denúncia do rigor, toda vez que ele ameaçar o dizer do
poético; do mesmo modo, será uma denúncia do modelo conclusivo,
em prol de uma poética .resgatada.
Enquanto a investigação realizada pela crítica vigilante tende
a captar o texto literário no nível da produção de signos lingüís
ticos, a leitura hermenêutica apreende na linguagem a possibilidade
de engendramento do poético, além de pressupor que o nível de
formalização do texto poético é apenas uma das modalidades de
seu aparecer.
Se a crítica literária científica repudia, como psudo-questões, a
linguagem e o problema do fundamento, se os considera obstáculos
pré-científicos e privilegia o enfoque da língua; se isto ocorre, a
crítica literária hermenêutica, por não se realizar no horizonte da
ciência controladora, vai ler o texto (a diferença, a língua) na
identidade (a força sobredeterminante da linguagem).
E de que modo se pode conceber uma tal penetração crítica?
Apenas se falarmos a partir da linguagem da poesia. “ Falar a
partir da Linguagem da poesia não é indicar uma outra linguagem
dentro ou fora da estrutura de língua e discurso” . 52 É conceber
que as condições de possibilidade da vigência do texto não provêm
dele: realizam-se nele
Justamente por viver da linguagem, embora não a esgote, é
que o texto literário questiona,, transforma e desperta o signo lin
güístico de seu automatismo habitual, e escava na superfície do
signo a verticalidade do poético, manifestando-se como uma rup
tura constitutiva provocada pela linguagem.
Ler esta ruptura é dialogar com o poético, o que se distingue,
profundamente, de falar sobre o poético, discorrer ao redor dele,
51
ou detectar-lhe como se formaliza sua poeticidade, tarefas a que
se tem proposto a crítica vigilante. A crítica vigilante tem promo
vido a aferição do poético. N a verdade, diante da crítica vigilante,
o poético é um problema, um obstáculo que ela necessita transpor.
E esta atitude vigilante da crítica mostra-se com clareza no fato
de que, para defender-se dos riscos da ambigüidade, ela recorre
a um discurso teórico para o qual o texto é uma língua-objeto: a
crítica vigilante socorre-se de uma meta-língua. Para a hermenêu
tica, a meta-língua ultrapassa o poético e extravia-se dele.
Confrontar estas duas posições — a vereda científica percor
rida pela crítica literária contemporânea, e a possibilidade de uma
leitura hermenêutica — será assumir uma posição polêmica diante
da qual se valorize um dos percursos e, conseqüentemente, se des
valorize o outro? Devemos interpretar que a crítica vigilante seja
capaz de ler o texto (considerado como aparência) enquanto a
leitura hermenêutica apreende-lhe a essência?
Encarar deste modo a questão, significaria não termos saído
de um mesmo horizonte: o da crítica científica e o de sua inver
são. Seria subdividir o poético em dois níveis: o da essência e o
da aparência, assim como significaria também propor que a crítica
literária apresenta, nos dias de hoje, uma dupla vertente: de um
lado, o objetivismo crítico, sustentado pela vigilância e pela for
malização e, de outro, a leitura hermenêutica, subjetiva e inter-
pretativa.
Não nos movemos nesta chave dual. Conceber o poético na
clave dicotomizada coincide com o esquecimento do modo de ser
do poema.
A leitura hermenêutica, que fala a partir da linguagem da
poesia, não se deixa colher pela aparelhagem que contrapõe su
jeito e objeto, ou seja: pela mecânica do horizonte da objetivação.
Diante desta suspeita, a única polêmica que se torna impres
cindível é a de restituir ao po/en?os53 seu sentido originário, a
fim de que nos tornemos protagonistas de uma polêmica inaugural:
a que permite compreender que a linguagem “ enquanto se retrai
como presença, nos presenteia com a estrutura de língua e discur
so’ ’ 54 e que na essencialização deste aparecimento inclui-se o
surgir e o sair.
Diz Píndaro que “ magnificar (rühmen) constitui a Essencia
lização da poesia. Poetar significa: pôr à luz” . 55 N o poema de
Augusto dos Anjos, sob a forma de uma cosmogonia densa e não
52
íragmentável efetiva-se o dis-pôr de uma obra em que o eu, o
liomem, a natureza, o verme, a latêncla (d o que ameaça explodir
cm vida e deteriorar-se ao mesmo tempo), tudo o que perece e
também a Arte
54
Em A, afirma-se que é possível a projeção de um eu (concer-
bido como sujeito capaz de submeter um objeto à sua subjetivi
dade) no e u .
Em B, afirma-se ser possível também a projeção de um eu no
eu. E por quê, e como, se em B temos: o EU não é o eu? Simples
mente porque se, de um lado, nega-se essa projeção enquanto re
sultado do espelhar de um psiquismo, por outro ela não é negada
enquanto projeção de uma técnica artesanal, de um fazer, de um
empreendimento formal.
Em A e B a obra é concebida como algo feito. Em A e B man
tém-se o mesmo eixo a que subjazem: eu — sujeito e eu = objeto.
A diferença de A e B reside no fato de que em A a relação de su
jeição é conteudisticamente expressa: o e u (a obra de Augusto dos
Anjos) é considerada a projeção das manifestações de um psiquis-
mo que se cola inteiramente, e se revela, no objeto que sujeitou;
enquanto em B a relação de sujeição é formalmente sustentada.
A e B desenvolvem -se no curso de um mesmo eixo na m edida
que im plicam aceitar o eu como sujeito de um a ação e, no EU, o
objeto desta.
Daí dizermos: não afirmamos B, por não termos negado A.
Seria então váldio concluir que negamos A e B? Negar ou afirmar
A e B implicaria não nos desviarmos da instância em que se con
sidera, quer seja afirmativa ou negativamente, A e B. Já demons
tramos que negar A seria afirmar B; simetricamente, a negação de
B acarretaria a afirmação de A. Nossa proposta pretende, ao invés
de negar e/ou de afirmar, que se desloque o eixo da reflexão para
outro nível, em que não se articulam nem A, nem B.
Em C (que admite uma dupla formulação, como adiante ve
remos), não questionamos mais a obra focalizada como “ um caso” ,
no sentido de problema psíquico ou de problema de estilo. Passa
remos, isto sim, a considerá-la como obra de arte literária e como
“ o caso” . Para que se aclarem as implicações decorrentes de um
tal deslocar, torna-se imprescindível recorrermos ao primeiro
aforismo expresso por Wittgenstein, no Tractatus logico-philoso-
phicus. 56
A retórica do Tractatus articula seus sete aforismos em três
movimentos concêntricos de diferenciação, estudados por Emma
nuel Carneiro Leão no “ Contexto problemático do Tractiatus de
Ludwig Wittgenstein” . 57 O primeiro movimento engloba os dois
primeiros aforismos e estabelece os fundamentos do critério de sen
55
tido. Conforme proposta de Emmanuel Carneiro Leão, o aforismo
a que nos referimos pode ser assim traduzido: O mundo é tudo,
que é o caso.
Neste nível de questionamento, recusamos de imediato que a
obra de arte literária possa vir a ser plenamente identificada a um
objeto.
Se de um lado a obra literária é um artefato produzido (obra
escrita, inserida no mercado de compra e venda, produto de con
sumo), por outro lado difere dos demais artefatos, tais como: um
sapato, uma cadeira, um sofá. Todos os artefatos de consumo têm
uma finalidade primordialmente utilitária, o que não se verifica
com a obra de arte literária. Ela não é um objeto útil no sentido
vulgarmente atribuído ao sapato, à cadeira e ao sofá.
Poderiam objetar, alguns, dizendo da utilidade da obra de
arte como “ instrumento de conhecimento” . Ainda assim, ela dife
riria dos demais “ objetos úteis” . Mais do que “ instrumento útil”
que favorece ao conhecimento, a obra de arte literária é produtora
de significações, abre perspectivas para o homem que, consumindo
objetos, acaba por ser consumido como um objeto da engrenagem
social. Deste modo, é na criação literária que este homem consu
mido pode desvendar uma fresta que o libere da alienação em que
vive. Assim, não seria um puro jogo de palavras dizer que a obra
de arte literária é, em si mesma, a possibilidade de instauração de
um mundo.
Quando Heidegger propõe que a obra de arte instaura um
mundo, e toma como exemplo o quadro de Van Gogh “ Os sapatos
da camponesa” , o que ele pretende mostrar é que apenas ao dei
xarem de pertencer ao mundo dos “ objetos úteis” (tanto o sapato
quanto a camponesa) e ao passarem para a esfera do artístico é
que o ser humano é levado a pensar neles.
No quadro, des-realizado, inútil para calçar, o sapato pintado
por Van Gogh é capaz de aclarar-nos que o espaço do real ime
diato tende a ofuscar nc homem a instigação do pensar. Para que
servem os sapatos da camponesa, no quadro de Van Gogh? Eles,
já agora inúteis para calçar, realizam o trabalho fundador de re
velar aos olhos do homem uma consciência existencial expressa
artisticamente.
Do mesmo modo, na obra de arte literária, a realidade que o
homem capta setorialmente no uso cotidiano dos sistemas de signos
ganha maior amplitude. Na linguagem da poesia, a palavra do poeta-
56
não é exatamente um signo lingüístico, mas o dizer que torna pos
sível ao homem pensar a existência. Assim, a obra de arte literária
pode ser vista como aquilo que abre para o homem a possibilidade
de desalienar-se.
Quando propomos que o e u é o caso} queremos dizer que a
obra de Augusto dos Anjos instaura um mundo. Que sua obra não
eqüivale, essencialmente, a um objeto produzido, utilitário; e, sim,
que se transforma no “ lugar” do acontecimento existencial.
Finalmente, dizer que o e u é o lugar do acontecimento exis
tencial consiste em propormos que, nele, como obra de arte lite
rária, se opera o des-realizar do manejo utilitário do sistema de
signos lingüísticos: e u não é apenas uma estrutura formalmente
constituída. Se o poema se objetiva como estrutura de língua e dis
curso, é porque a obra de arte literária dialoga com o próprio modo
de ser da existência. O ser literário de uma obra de arte literária
não será, por esta razão, nem uma estrutura, nem um depoimento:
enquanto obra poética, a obra se in-utiliza como objeto e o homem
como sujeito. O EU, como o lugar em que se manifesta, com pleni-
nitude, o dizer da linguagem poética, é o máximo de silêncio e o
máximo de voz.
Por não ter sido assim focalizada, a obra de Augusto tem re
cebido o rótulo de poesia científica, de produção escrita em confor
midade com a doutrina monista e evolucionista de que seu autor
se embebera na Escola de Direito do Recife. Se for lido temática
e redutoramente, por certo é o que se há de considerar aquele livro
em que desfilam moneras, células, fetos. Mas, lido como o dizer do
poético, o EU é a mais forte contestação da cientificidade. O “ povo
subterrâneo” de que nos fala Augusto dos Anjos é submetido a um
constante movimento de escavação, em que o verme, de elemento
corrosivo, transforma-se em móvel de constituição de um questio
namento que faz a autópsia da “ amaríssima existência” : o fagismo.
O fagismo — em sua múltiplas manifestações: a glutoneria, o
antropofagismo, o verme, o desvirginar do labirinto do velho e me
tafísico mistério — libera para o texto de Augusto dos Anjos o
corte verticalizante em que se lêem criticamente as leis universais
do transformismo e as cadeias causais do evolucionismo da espécie.
No mundo em que a tudo se observa mediante a ótica da “ ci
ência crua” (Eu: 56), o poeta, que lê o silêncio da ciência, é o feto
malsão, que vive, “ Magro, roertdo (o grifo é nosso) a substância
córnea da unha” (Eu: 124).
57
Como excrescência de um mundo povoado de determinismo, que
o autor recusa, o poeta transforma-se no verme que realiza o tra-
balho fundador de escavar um espaço, artístico, em que a existên
cia possa manifestar-se pujantemente. A operosidade artística a que
nos referimos distingue-se, então, do elaborar de uma obra, tida
como esteticamente fruível, para ser o re-velar do absurdo da exis
tência adstrita à dicotomia vida-morte. A elaboração artística será
o assumir da consciência da marcha para o Nada, que não é a
morte, mas o fundamento do que, absolutamente, nunca pode ser,
pois só a partir do Nada pode-se, verdadeiramente, colocar a per
gunta sobre o que é. E os poetas, “ sempre foram poetas a partir do
Nada” . 58
Tangido pelo nada dele mesmo, roendo o roído, “ Deus Verme” ,
verme-poeta, forma vermicular, o poeta dis-põe da liberdade, e inter
roga. É o que faz Augusto dos Anjos. O eu é o espaço vital em que
se processa um único Poema, e em que se coloca uma única ques
tão: a experiência literária da gravidade do existir. Assim, neste
Poema, tocado pelo impacto da existência, o homem percorre, re
flexivamente, o caminho da criação artística, e constrói a
58
Certo, o arquitectural e íntegro aspecto
Do mundo o mesmo inda é, que, ora, o que nêle
Morre, sou eu, sois vós, é todo aquêle
Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto!
59
queiramente, é aquele que desaparece em nossos pés, aquele que
não nos incomoda, o que se anula enquanto sapato. O melhor “ sa-
pato-utensílio-objeto útil” é o que não “ aparece” como sapato.
Apenas quando o sapato não é mais apreendido como utensílio, mas
apropriado artisticamente, é que este emerge em sua força de
presença.
Mas temos que considerar, ainda, que esse emergir nunca é
total, e apenas indiretamente acessível, por manifestar-se num jogo
híbrido de retraimento e revelação.
N o caso específico da obra de Augusto dos Anjos, o jogo se
estabelece no fato de que o mundo poético dialoga antiteticamente
com uma determinada visão científica: a do evolucionismo-monistá-
determinista. Mas, apesar dessa contingência histórica; apesar do
convívio do poeta com as teorias germânicas difundidas e assimi
ladas por Tobias Barreto e pela Escola do Recife; apesar de, no
léxico de que se apodera (poeticamente) Augusto dos Anjos, re
percutir como memória o comprometimento com o discurso da
época da ciência, sua obra revela-se (como já tivemos a oportuni
dade de afirmar) uma superação do cientificismo.
O primado do poético sobre a verdade provisória do cientifi
cismo da época libera o texto de Augusto dos Anjos do jugo da
ciência.
Vejamos como. Tomemos o soneto “ Mater Originalis” :
60
Neste soneto encontramos, literalmente, a referência ao “ in-
signe Herbert Spencer” e ao que “ ele nos ensina” , bem como a
evidência de indícios de certa admiração às propostas spencerianas
sobre a “ homogeneidade indefinida” . Como então, frente a tais
“ evidências” , podemos propor que na poesia de Augusto dos Anjos
a ciência não é evidentemente sustentada?
No soneto “ Mater Originalis” a ciência não é o objetivo do
discurso poético, do mesmo modo que não é uma presença enga
nadora, mas contestada.
O texto esclarece, em profundidade, o que a ciência monista
encobre: a impossibilidade de a ciência questionar o próprio mo-
nismo. Ao referir-se a Spencer e à “ homogeneidade indefinida” , o
poeta desloca-os para fora do horizonte da ciência, inserindo-os no
do fagismo corrosivo, eixo de sua cosmogonia, e que eqüivale, em
sua poesia, a um movimento de contestação que opõe a ciên
cia: Spencer, à não-ciência: o hieroíante, sacerdote que presidia aos
mistérios do Elêusis, na Grécia antiga e, por extensão, cultor das ci
ências ocultas e adivinho.
Até no nível do suporte fônico das rimas o poeta opõe a ciên
cia de Spencer à “ ciência” divinatória do hierofante:
61
■
III
A COSM OGONIA P O É T IC A
65
forma autôncma e sem normas; forma lúgubre; cabeça autônoma
que pensa etc.) que procede da “ escuridão do cósmico segredo”
(isto é, que provém do c a o s ) ; 2 ) a do despertar de um “ povo
subterrâneo” (transformação do CAOS originário em c o s m o , prin
cípio de organização); 3) a da “ predição” de que tudo que há no
mundo há de desintegrar-se, através de uma “ glutoneria hedionda” ,
na “ aspereza orográfica” do cosmo (desagregação do cosmo, pelo
consumo); e 4) a que atribui à Arte (princípio de cura e con-sumo)
o fazer gerar a “ célula inicial de um Cosmos novo” , um grande feto
que viria “ substituir a Espécie Humana” (o re-nascer do Cosmo
desagregado anteriormente). Ou seja, sua obra abre-se num pro
cesso cíclico de:
1 2
criação de vida / maturação-degra.dação de vida
nascimento vida
3 4
perecimento de vida / recriação de vida pela Arte
morte re-nascimento
66
Scbre a atuação de Noiré, João Ribeiro costumava ressaltar
seus ares de oráculo da filosofia contemporânea. E, segundo depoi
mento de Cruz Costa, falava-se de Noiré como se falava de Homero
e Shakespeare.
Quanto a Von Hartmann, representava uma espécie de cor
rente de renovação neo-romântica ou, como aqui se denominou,
reação espiritualista contra o exagero do naturalismo. Filósofo pes
simista, para Hartmann a redenção do mundo consistia em sua ex
tinção. Sem que tenha marcado por demais a obra de Tobias Bar
reto, influenciou grandemente a de Farias Brito, em especial no que
diz respeito à Finalidade do Mundo.
Também a obra de Schopenhauer penetra nos meios brasilei
ros dos autodidatas sôfregos, que se deixam contaminar por sua teo
ria do mundo como Representação e Vontade. A vontade é a raiz,
o princípio primeiro do mundo. O mundo, objetivação da vontade,
é somente reino de miséria, dor e escravidão. Para ele, vida é dor
e, se a dor cessa, é porque se Ca,nsa de viver e de querer e, então,
a vida é fastídio. Mas o homem pode libertar-se da dor e subtrair-se
ao domínio da vontade, através da Arte. O sujeito, diz ele, que
contempla o mundo através da intuição artística, por ela se eleva
acima da vontade e da dor, do espaço e do tempo.
Tendo freqüentado o ambiente da Escola do Recife, por certo
Augusto dos Anjos sofreu a influência do monismo que ali pene
trara através de Tobias Barreto, ainda que este fosse anterior à
época em que Augusto movia-se do Engenho do Pau d’Arco apenas
para fazer os exames, uma vez que, segundo seus biógrafos, estu
dara basicamente com o pai.
O repertório “ científico” da escola teuto-sergipana, como a
chamava, em tom irônico, Carlos de Laet, e da qual participava o
grupo de germanófilos liderados por Tobias Barreto, era todo mar
cado pela “ retórica” da História da Criação, de Noiré: míonismo,
ontogênese, filogênese e moneras eram as palavras de ordem que
marcavam o ingresso do inculto no mundo das elites da éjpoca.
Vemos, como primeira hipótese, que se cruzam dois universos
na obra de Augusto: a rememoração do mito cosmogônico da cria
ção e o provável conhecimento do monismo de nítida influência
do Positivismo e da Biologia.
Este problema do cruzamento de textos culturais no texto poé
tico de Augusto será adiante retomado, mas não antes de vermos
duas outras possíveis acepções do termo cosmogonia.
67
Segundo Pinharanda Gomes, em seu Filosofia Grega Pré-So-
crática, a cosmogonia é uma tentativa de sistematizar toda a mítica
relativa à natureza visível; enquanto a teogonia o é em relação à
história dos deuses, e também à natureza visível e invisível. Para
o autor, teogonia e cosmogonia são duas contemplações da cosmo
gonia remota (os mitos da criação).
Assim, vão aparecer, nas cosmogonias, motivos míticos, histó
ricos e naturais, ou retirados da natureza. A terra sempre nelas
surge como a origem (lembremo-nos da força telúrica na obra de
Augusto dos Anjos, de todo o seu “ povo subterrâneo” e suas formas
lúgubres e vermiculares), a sólida mãe de todas as coisas, e a mais
antiga.
Já Hegel, ao estudar os epigramas e gnomas, distingue um
outro gênero, segundo ele mais profundo, e cujo fim didático e moral
é menos explícito. Ê o caso das cosmogonias e teogonias, assim como
o das antigas obras filosóficas que, para Hegel, não conseguiram li
bertar-se inteiramente da forma poética. Vemos já em Hegel uma
tendência a extinguir das cosmogonias o seu fundo mítico e exaltar-
lhes o cunho sistemático que possa vir a desdobrá-las em sistemas
filosóficos que venham a conceptualizar o Absoluto.
Não seria ousado dizer que a investigação do sentido e
conteúdo da cosmogonia leva-nos, através de Hegel, a um tempo
lcngíquo do qual sempre tomamos conhecimento através de
uma tradição e de uma tradução: o período que o Ocidente deno
minou de aparecimento da Filosofia Pré-Socrática.
Ressaltemos que a tradição ocidental é, neste caso, uma tradu
ção não acidental, com todos os riscos que ela acarreta, dentre eles,
o de subverter o pensamento grego originário, ao vertê-lo em con
formidade com o exclusivo padrão da metafísica ocidental.
Não podemos deixar de examinar, ainda que brevemente, o
perfil deste risco, na denominação “ filosofia pré-socrática” atribuída
ao pensamento dos que, segundo a tradução do Ocidente, produzi
ram a cosmogonia remota., ou seja, antigas obras filosóficas não in
teiramente libertas da forma poética.
Chamar pré-socráticos, segundo Nietzsche, ou pré-aristotélicos,
conforme Hegel, àqueles pensadores gregos, indica-nos que eles
foram traduzidos e interpretados a partir de um duplo compromisso
com o período clássico do helenismo: a marcação cronológica, que
faz deles pré- ( = anteriores) e o índice de padronização valorativa,
que os conceitua como primitivos, no sentido de terem produzido
68
obra de menor valor, relativamente a Sócrates, Platão e Aristóteles
que, segundo se supõe, procuraram e/ou conseguirajm libertar-se da
forma poética. Implica, portanto, que, por estarmos submetidos a
uma determinada concepção de tempo, filosofia e poesia, admiti
mos que esses pensadores são filósofos pré-socráticos-aristotélicos por
nãc ter sido a sua reflexão iluminada pelo “ momento áureo” da fi-
lcscfia helênica. Assim pensa a tradição-tradução ocidental.
Mas, ser pré significa também, e principalmente, ser originário.
E, disto, tem-se esquecido o Ocidente. Significa também colocar,
criginariamente, a questão do logos, da, physis e da poesia. Ques
tões que, traduzidas pela tradição ocidental, tiveram seu curso
desviado, progressivamente, por um discurso filosófico, cada vez
mais sistemático, normativo e lógico.
Se assim é, é provável que o desvio, ou a traição na tradução,
tenha do mesmo modo encoberto o sentido originário da cosmogo
nia, até que dele apenas restasse a acepção de gênero literário apro
ximado da manifestação épica, e definido por Hegel como sendo,
em seu conteúdo, “ o nascimento das coisas, ou natureza, os aci
dentes e lutas das atividades que no mundo se afirmam” 59 que
incitaria a imaginação poética a uma representação ainda mais con
creta e mais animada dos fatos sob a forma de ações e aconteci
mentos.
A cosmogonia, o nascimento das coisas, a natureza, aproxima
das na definição de Hegel, tiveram seu sentido transformado, na
tradução de que falamos, para gênero poético, manifestação sensí
vel, natura. Esta conversão de sentido assenta numa tradição que
se baseia numa incompreensão de há muito instalada, como propõe
Heidegger: oculta-se na compreensão da natureza como algo físico,
sensível, empírico, concreto.
O entendimento originário do sentido e do conteúdo da cos
mogonia vai, então, requerer que se questione esta conversão, con-
s:derando que:
1.°) os chamados filósofos pré-socráticos, diz-nos Emmanuel
Carneiro Leão, “ não são filósofos. São mais do que isso. São pen
sadores do Ser” ; 60
2.°) pensar o Ser é pensar o logos e sua Essência, o que se dá
a partir da linguagem do poeta e do pensador;
3.°) o sentido da cosmogonia é experimentado pelos gregos,
originariamente, não por força dos fenômenos naturais, ou dos aci
69
dentes e lutas que no mundo se afirmam, mas “ por força de uma
experiência fundamental do Ser, facultada pela poesia e pelo pen
samento, se lhes des-velou o que haviam de chamkr physitf’; 61
4.°) a cosmogonia poética significa, como experiência originá
ria, “ o céu e a terra, a pedra e a planta, tanto o animal como o
homem e a História humana, enquanto obra dos homens e dos
deuses, finalmente e em primeiro lugar os próprios deuses subme
tidos ao Destino” ; 62
5.°) a obra poética de Augusto dos Anjos, sem dele querer fazer
um anacrônico “ pré-socrático” instalado na confluência dos séculos
X I X e X X , é uma manifestação cosmogônica, também por superar
a dicotomia que opõe corpo/alma, homem/feto, vida/morte, latên-
cia/verme, fecundação/corrosão (pa,res facilmente constatáveis me
diante leitura denotativa de seus poemas), e, superando-a, unifi
ca-a através de uma apreensão totalizadora, porque poética, e
não física/metafísica;
6.°) denotativamente, os temas do monismo e do transfor-
mismo seriam índices de um pensamento afinado com a perspectiva
do germanismo em sua versão da Escola do Recife. Mas, no jogo
telúrico que se processa no texto de Augusto, e que constitui a
trama da cosmogonia, a “ intuição monística” , de que nos fala o
poeta, não é porta-voz do monismo da ciência da época, Ê a reu
nião, em um único conjunto, daquilo que mais tende a opor-se, se
gundo o senso comum: o ser e o vir a ser do ente;
7.°) o transformismo, do mesmo modo, não é um simples eco
do evolucionismo determinista, mas o modo de aparecer do que se
revela e se oculta.
Podemos dizer, com Augusto dos Anjos, que a sua cosmogonia
poética apreende, unificadoramente, o perene e o transitório:
70
gar da destinação e crrância do homem, que encontra na Arte a
expressão máxima de sua existência. Assim, podemos dizer que o
EU, em suas cinqüenta e oito peças, consiste num único poema, in
cansavelmente repensado pelo poeta.
Este único poema é a sua cosmogonia, que se entretece na
estruturação de três núcleos temáticos: a intuição monística, o trans
formismo e o fagismo.
À intuição monística relacionam-se o apelo do telus, o mundo
da força cósmica furiosa, a proveniência, a fecundação, a invoca
ção dos “ Deuses salvadores do erro” e a latência. A intuição mo
nística porta, em si mesma, uma tensão: a da teoria monista, como
figura de verdade de uma época histórica, com a da compreensão
monística, integradora; unificante, que aponta para a apreensão da
natureza como totalidade: como physis (vide nota 61).
Ao transformismo correspondem as leis e a mecânica a que
todas as coisas se reduzem, quando focalizadas pela ótica da “ ciên
cia crua” ; a autópsi'a da amaríssima existência; o choque da força
centrípeta e do movimento para vencer esta mesma força; a genea
logia dos séculos e do cosmo; e a dissolução panteística. O transfor
mismo também resulta de um jogo de tensão entre a concepção
evolucionista do darwinismo e das teorias de Spencer, com a com
preensão do transformismo como emergência de uma presença, ou
seja, o aparecer do que, consistindo em si mesmo, manifesta-se no
jogo híbrido de revelação e ocultação.
Ao fagismo, que efetiva criticamente a tensão dos outros
dois eixos (a intuição monística / monismo & transformismo /
teoria transformista), reportam-se: o sumo (a proveniência) e o
consumo (o desgaste) de tudo o que no cosmo se afirma. Ao fagisi-
mo cumpre reelaborar o consumo em con-sumo (levar alguma coisa
ao sumo). Neste nível, o verme (e suap variantes: a lepra, o roer,
a podridão, o esterco, os resíduos ruins) é a imagem constitutiva
da transformação con-sumidora (transformação que con-suma),
através da qual se processa o desvendamento do que a dicotomia
matéria/forma, corpo/alma, homem/ossos e a evolução linear e
causai (nascimento-desenvolvimento-maturação-perecimento), (mo-
nera/desdobramento em vida animal, vegetal ou configuração mi
neral/decomposição/retorno à monera) e a legislação genealógica
da ciência evolucionista tendem a ocultar: o fato de que consistem
numa “ pintura” desarticulada da totalidade do real. A physis, a Arte,
a eclosão do poético, e não o monismo/tranformismo em sua versão
71
científica, presidem à elaboração da cosmogonia de e u . Nesta, a
Arte, como manifestação plena de criação, desempenha um papel
instaurador. Mesmo que o homem se desintegre materialmente, e
retorne à terra, ao ar, ao fogo e à água, mesmo que seja panteisti-
camente dissolvido, o homem sempre aparece, no e u , como o único
ente que existe e que doa, por sua existência, sentido à existência
e aos demais entes. O homem-poeta-feto malsão é o verme que
con-some (leva ao sumo) o consumo (o desgaste de si mesmo e
de todas as coisas), ao dispor-se à Arte, que
72
O tema da cosmogonia no EU:
73
pel, o de promover o con-sumo (levar tudo que é ao sumo, ao âma
go de sua força vigorcsa,). Não se pode aqui deixar de colocar a
nítida correlação entre a posição do poeta e a de Schopenhauer a
que nos referimos. A glutoneria ou antropofagia, integrada ao eixo
do fagismo, é o princípio desagregador da “ criação” mas, simulta
neamente, por ser um estado passageiro (como na visão de Empé-
docles o eram sfairos (força de agregação) e a akosmip (força de
desagregação) que regiam, por seu perpétuo movimento de ir-e-vir,
o equilíbrio das forças cósmicas jamais estáticas), por ser um estado
passageiro, repetimos, esta força de desagregação contém em si
também a possibilidade re-agregadora ou recriadcra. Simplificando:
o fagismo contém o consumo (força desagregante) e leva ao con
sumo, pela arte, (força agregante):
74
1) — mesmo que Augusto se apodere destes termos, muitas
vezes em seu sentido preciso, ele os submete a uma predicação (ou
relação atributiva) sempre contrária ao propósito da ciência. Por
exemplo: na mônada vibra a “ alma dos movimentos” (eu : 51);
as “ fotosferas” são pálidas e mortas (eu : 57); a môr]ada é “ es
quisita” (eu: 85). Seriam inúmeros os exemplos a colher, nos cin
qüenta e oito poemas, mas o que nos interessa não é o mero re-
censeamento. Ê mostrar que Augusto não se apropria cientificamen
te do léxico da ciência, que nem da ciência o é, conforme discuti
mos no capítulo primeiro, na parte relativa à “ Divulgação de equí
vocos” , a que remetemos o leitor interessado em rever a questão.
2 ) — a própria “ ciência” da época era, no Brasil, o sintoma de
uma cultura de modelo dependente dos padrões exportados pela
Europa; conceitos mal digeridos, misturas de teorias. Enfim, tradu
zia o panorama “ científico” brasileiro as vicissitudes da importa
ção cultural, do aparecimento de novidades européias que, fre
qüentemente, faziam mudar a rota do pensamento.
Portanto, esse cruzamento de textos culturais que se vê na
obra poética de Augusto, é também o índice de um outro cruza
mento de “ textos” : o do contexto filosófico-científico da Escola do
Recife, e de seus remanescentes, que invadem o início do século
X X , principalmente no nordeste.
Se nas obras dos “ filósofos-cientistas” da época refletia-se esse
cruzamento cultural caótico, no texto poético de Augusto proces
sava-se a leitura de uma cosmogonia.
75
OS D O E N T E S
II
78
Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!
IV
VI
85
4
O ar ambiente cheirava a ácido acético,
Mas, de repente, com o ar de quem empesta,
Apareceu, escorraçando a festa,
A mandíbula inchada de um morfético!
V III
IX
89
Os nove fragmentos podem ser assim enunciados:
90
do humano não adorm ecido). Essas duas dimensões projetam dois
eixos: o da hcrizontalidade e o da verticalidade. A relação entre
cascavel e cidade gera o eixo da horizontalidade, semanticamente
correlato a dormia, de que decorrem as significações de posição em
repouso e letargia. Por outro lado, a relação entre cidade e cabeça
vai gerar o eixo da verticalidade, cujas significações correlatas são
a vigília e a posição de pé: “ Mordíarme a obsessão má de que havia,
sob os meus pés, na terra onde eu pisava” .
91
timo bolo que Deus fazia. O observador relaciona-se aqui ao ce
nário pela propriedade comum: “ minha, fom e” , que implica o ter
de com er este “ último bolo” . H á uma relação fágica (fagos =
c o m e r ): a angústia é gerada por se ter que engolir as podridÕe<s.
92
observador faz no tempo (d o descobrimento da América ao hoje
em que contempla a “ ultrajante invenção do telefone” ) , e no es
paço (o Amazonas, o Ceará — tumba de Iracema, e a E u ro p a ):
(E u : 102)
(E u : 103)
(E u : 104)
93
(doentes de hematúria) e na corrosão da ambiência microbiana da
baixeza (estrofe 5, v. 4 ), contaminada pela erupção cutânea, que
se opõe ao sonho nirvânico das “ quietudes doces” do noivado:
(E u : 106)
(E u : 107)
(Eu: 108)
94
D a cidade dos lázaros (no fragmento I ) , chegamos à mandí
bula, ao fácies do morfético, e à Humanidade lázara. Ampliando-
se, a corrosão vai atingir também o sonho e, deste modo, a morféia:
(E u : 108)
(E u : 108)
(Eu: 109)
95
Mas eis que, no mesmo fragmento, surge a manhã. Depois
do ato fágico da devoração praticada, esse eu ultrapassa a noite e
a m orte, abservendo (ato de sucção tam bém ) uma luz de fora (es
trofe 1 3 ):
(E u : 110)
(E u : 110)
96
do prazer como volúpia. Ou seja, como esta luz vai ser, no frag
mento seguinte, a iluminação proveniente do artístico, o prazer só
é possível através do sol da luz artística.
(E u : 111)
Esta foi, apenas, uma breve leitura introdutória para que pu
déssemos conduzir a investigação para o nível que é nosso funda
mental objetivo: ver como se processa, em Os Doentes, [peça chave
na obra de Augusto, a estruturação da cosmogonia na articulação
dos eixos de tematização.
97
I
(E u : 96)
98
A cosmogonia de “ Os Doentes” funda-se na contraposição do
“ letargo larvário da cidade” com a “ gestação do grande feto” .
O letargo larvário da cidade é o consum o: a insuficiência, a
doença, a presença de uma preponderante força desagregadora.
A gestação do grande feto é o con-sumo: a busca de suficiência,
pela arte, a “ cura” (purificação), a presença de uma força prepon
derantemente re-agregadora.
(E u : 110)
(Eu: 96)
99
P
b) a perecibilidade que ameaça todas as coisas, o letargo lar
vário da cidade — a doença das coisas-lázaras, do homem-lázaro,
do cosmo-lázaro — não o desgasta, nem o esgota, como poeta:
Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!
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101
Pode-se também relembrar nossa anterior proposta de que no
eu se apresentam:
1 . ° ) três temas chave:
a ) os doentes;
b ) a Arte;
c ) a gestação do grande feto.
2 . ° ) três eixos de tematização:
a ) a intuição monística;
b ) o transformismo;
c ) o fagismo.
3 . ° ) cinqüenta e oito poemas que se agrupam em torno dos
três temas-chave e que se articulam segundo os três eixos de tema
tização.
4 . ° ) um poema cosmogônico, uma única cena, ou seja: um
único poema, incessantemente re-escrito.
Retomemos o poema em questão. Podemos dizer que:
1.°) os nove fragmentos se organizam pela tensão do consu
mo (desgaste, corrosão):
e do con-sumo (chegar ao su m o ):
102
d) a superação poética do mundo-lázaro (abrange o
fragmento I X ) .
3 . ° ) em cada um desses movimentos a atuação dos eixos de
tematização diversifica sua preponderância;
4 . ° ) no primeiro movimento — em que o âmago da terra, o
homem, a cidade, o ar, os animais, o rio, a serra, as frutas a vege
tação, os astros, tudo o que é, chora e se ressente da doença; em que
o poeta assume a consciência de ser um lázaro, e a de que o ho
mem-lázaro não tem como vencer “ a morte que não dorme” — a
intuição monística revela ser o eixo de tematização dominante:
II
103
/
/
Gordo adube da agreste urtiga brava,
Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
A Paraíba indígena se lava!
(E u : 97-8)
III
(E u : 98)
104
Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!
(E u : 99)
a benigna água,
(E u : 97)
gordo adubo
(E u : 97)
105
N o segundo movimento, a que denominamos — o alongamen
to da medula dos doentes (m ovim ento que enfeixa o I V fragmento
do poem a) — cabe a outro eixo de tematização, o transformismo,
a projeção da força determinante da instauração cosmogônica.
Através do alongamento (diacrônico) da medula dos doentes, em
direção à “ crônica do mundo” , a dinâmica do poema põe em obra
a tensão do transformismo visto como teoria científica versus o trans
formismo como manifestação de que algo se realiza no jogo de
ccultação e revelação: no caso, o evolucionismo, como progresso,
anula a possibilidade de existência não-lázara do indígena. Isto é:
o desterro da força de vigência do telus. N a autópsia da genealogia
do infortúnio, o segundo movimento opera a crítica da doença, do
homem-lázaro, da cidade dos lázaros, e a das leis do evolucionismo
científico e da mecânica nefasta do progresso:
IV
106
A civilização entrou na taba
Em que êle estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do moruhixába!
(E u : 100-101)
107
lar da corrosão como fagismo, isto é, como eixo de constituição da di
nâmica instauradora da poética de Augusto dos Anjos, o que se vai
realizar, plenamente, no quarto movimento.
N o terceiro movimento — a tentativa de superação do mundo-
lázaro (que abrange os fragmentos V , V I, V I I e V I I I ) —
(E u : 108)
108
Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,
Como o íncola do pólo ártico, às vêzes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.
IX
109
O gênio procreador da espécie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;
QUADRO — 1
Y ' Y
TEMAS-CHAVES TEMAS-CHAVES
Y Y
o inventário da ruína ---------------- a doença
a oposição ruína X A r t e ---------------- a Arte
a superação da ruína ---------------- a gestação
do grande
feto
(Observação: o sin a l--------- eqüivale a “ correspondência mútua” )
111 •
QUADRO — 2
I V M O V IM E N T O
E L E M E N T O S T E M Á T IC O S 1 M O D O D E A R T IC U L A C A ü
E IX O S D O S E IX O S | DOS E IX O S
112
4.°) Ainda sobre este quarto movimento, e sua abrangência,
pode-se notar que ele tem, no fagismc e na intuição monística, os
seus eixos dominantes, uma vez que as oposições:
morte / vida
desgaste / vagido
ruína / fecundação
consumo / con - sumo
(consum o) F A G IS M O (con-sum o)
I I
doença sonho
I I
"O s pródrom os de (m ovim en to de cim a “ Já batiam p or cima
um tétan o m edo para baixo) dos estragos/
nho/ R epu xavam - ( = corrosão) A sensação e os m o
m e o rosto/” vim entos vagos/
(E u: 111) D a célula in icial de um
Cosmos nôvo/”
(E u : 111)
(o telus) IN T U IÇ Ã O -► (a fecundação)
M O N ÍS T IC A
I I
proveniência A rte
l I
“A ruína vinha (m ovim en to de b ai “ O letargo larvário da
horrenda e dele xo para cim a) cidade/
téria/ ( = a força de pro Crescia. Igu a l a um
D o subsolo infeliz, veniência) parto, num a furna,/
vin h a de dentro/ V in h a da origin al treva
Da m atéria em nocturna,/
fusão que ainda O vagido de um a ou
•há no centro,/” tra H u m an id ad e!”
(E u: 111) (E u: 111)
114
Finalmente, podemos dizer que o quarto movimento torna-se
ainda mais complexo por sua função de integrador de todos os
demais. Integração que assim pode ser descrita:
I, I I e I I I IV
movimentos movimento
115
C O N C LU S Ã O
Q u e m f o i qu e v iu a m in h a D o r c h o r a n d o ? !
S a io . M in h ’a lm a sai a g o n ia d a .
A n d a m m o n s tr o s s o m b rio s p e la e s tra d a
E p e la e s tra d a , e n tr e êstes m o n s tro s , a n d o .
A u g u s to dos A n jo s
117
produtiva do embate entre o caos e o cosmos; 2.°) o fagãsmo (a
força de corrosão) que revela os princípios de desagregação e agre
gação contidos no próprio embate entre o caos e o cosmos; e, 3 .°) c
transformismo (o vir-a-ser, a genealogia de tudo, a eterna transi-
toriedade), que é a garantia da permanência do incessante embate
entre o caos e o cosmos.
Mostramos, também, que esses núcleos se interpenetram e pas
sam a constituir uma constelação de forças (os eixos de tematiza-
ção) que se entrecruzam ao longo da obra: 1.°) o vertor verticaíi-
zante ascendente que, a nível paradigmático, rememora todas
as forças de criação, que são representadas em sua obra, principal'
mente, pela imagem do telus, do humus e pela Arte; 2 .°) o vertot
verticaíi zante descendente, a que se relaciona todo o trabalho de
desgaste — tanto corrosivo-destrutivo (co n s u m o ), quanto corrosivo-
construtivo ( con-sum o) — correlato às significações portadas pele
verme, pela lepra, pela luxúria e pela doença; e, 3 .°) o vetor heri'
zontalizante, a que se relaciona uma visão diacrônica do ser e dc
vir-a-ser dos homens e do mundo, e que, semanticamente, transpor
ta o caráter narrativo de sua cosmogonia, captada como um processe
que marcha, cíclica e incessantemente, da desagregação para a
agregação.
O traçado específico dessa cosmogonia leva-nos a concluir que
Augusto dos Anjos é um poeta-pensador do homem e do munde
lázaro das tintas encardidas com que pinta, de modo inusitado, a
questão do poético e da existência humana.
Se afirmamos que o e u é um único poema em que se tematiza
a consistência 63 do homem e, não, a evolução mecânica das espé
cies, também afirmamos que a obra de Augusto dos Anjos é uma
estrutura dialética que significa, metonimicamente, o desconcertc
do mundo. Essa estrutura se forma num movimento que conjuga os
eixos da horizontalidade e da verticalidade. N a tensão CAOS-
COSM OS, o eixo da horizontalidade se faz representar pela terra,
pelo mal, pela cascavel que se enrosca na cidade dos lázaros. O
eixo da verticalidade aponta para o nirvana, o bem, a Arte, e para
o poeta que pensa acerca de um mundo-lázaro. Essa tensão, ainda
que aparentemente projete um dualismo maniqueísta, expressa, con
tudo, um questionamento denso em que se imbricam uma aguda
consciência estética e um contínuo repensar da cena humana.
118
Fenômeno prematuro e isolado em seu tempo, Augusto desen
volve um caudal de imagens e visões, arrastadas pelo êxtase de
amor e mágoa, e conduzidas por um irresistível fluxo de invençãc
verbal. Qualquer discussão sobre o seu papel e significado na L ite
ratura Brasileira não pode deixar de levar em consideração a am
bivalência de realidade e magia, com que capta um mundo antité'
tico e mutável, de tensões irredutíveis e interconectadas. O que nos
leva a dizer que na cosmogonia poética de Augusto dos Anjos está
contida a própria cosmo-agonia em que se encontra o ser humano
em sua eterna errância pelo mundo.
119
AD END O
121
N O TA S
123
11 P R O E N Ç A , Iv a n Cavalcanti. Im agens obsessivas em Augusto dos
Anjos. Revista C ultura, R io de Janeiro, 7:111-7, jul./set. 1972.
12 P O R T E L L A , Eduardo. U m a poética de confluências. O G lobo, R io
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13 S T A R O B IN S K I, Jean. M allarm é et la tradition poétique française.
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14 F R E Y R E , G ilberto. Nota sobre Augusto dos Anjos. In : C O U T I-
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15 R O S E N F E LD , An atol. A costela de prata de Augusto dos Anjos.
In : — Texto/con texto. São Paulo, Perspectiva, 1969. p. 259-66.
16 C O U T IN H O , A fra n io & B R A Y N E R , Sonia, org. Augusto dos A n
jo s ; textos críticos. Brasília, IN L , 1973. 366 p.
17 M O IS É S, L e ila Perrone. A crítica biográfica. In : — Falência da
crítica . São Paulo, Perspectiva, 1973. p. 51-60. A o percorrer a obra do Conde
de Lautréam ont (Isid ore Ducasse) e a crítica a ela feita, a autora esclarece
alguns problem as da crítica, especialm ente francesa, ao longo de um século.
18 S IL V A , De Castro e. Augusto dos A n jos poeta da m o rte e da
m elancolia. Curitiba, Guaíra, 1944. p. 144.
19 N Ó B R E G A , Hum berto. Augusto dos A n jos e sua época. João P es
soa, U niversidade da Paraíba, 1962. 334 p.
20 A L M E ID A , Horácio. Augusto dos A n jos razões de sua angústia.
R io de Janeiro, Ouvidor, 1962. 87 p.
21 Ibidem , p. 9.
22 C O U T IN H O , A fran io . D a crítica e da nova crítica . R io de Janeiro,
C ivilização B rasileira [s. d.] p. 79-80.
23 IN G A R D E N , Rom an. A obra de arte literária . Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1974. 439 p. A edição original, a que nos referim os
no texto, fo i publicada em língua alemã, em 1930.
24 L IM A , Alceu Amoroso. Rem em orando. In : — Estudos literários.
R io de Janeiro, Aguilar, 1966. v. 1, p. 30.
25 P R O E N Ç A , M anuel C avalcanti. O artesanato de Augusto dos
Anjos. In : — Augusto dos A n jos e outros ensaios. R io de Janeiro, José
Olym pio, 1959. p. 85-149.
26 ------ , N ota para um rim ário de Augusto dos A n jos. In :
C O U T IN H O , A fra n io & B R A Y N E R , Sonia, org. Augusto dos A n jo s ; textos
críticos. Brasília, IN L , 1973. p. 280-93.
27 C O U T IN H O , A fran io, ed. A lite ra tu ra no B rasil. R io de Janeiro,
Sul-Am ericana, 1968. v . 1, p. X I - X I X .
28 B A N D E IR A , M anu el. Apresentação da poesia brasileira. R io de
Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1946. p. 110-26.
29 M U R IC Y , Andrade. Panoram a do m o vim en to sim bolista brasileiro.
R io de Janeiro, IN L , 1973. v. 2. p. 839-50.
30 C Â N D ID O , A n ton io & C A S T E L L O , José Aderaldo. Presença da
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31 C O U T IN H O , A fran io, ed. A litera tu ra no B rasil. R io de Janeiro.
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32 B O S I, A lfred o . O p ré-m odern ism o. In : A L IT E R A T U R A brasileira.
São Paulo, Cultrix, 1966. v. 5, p. 43-51.
33 , H istória concisa da lite ra tu ra brasileira. São Paulo,
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124
34 P IC C H IO , Luciana Stegagno. L ’antidoto: la poesia scien tifica e
la poesia dei “ sertão” . In : — La lettera tu ra brasiliana, Bologna, Sansoni-
Accademia, 1972. p. 361-3.
35 L IT R E N T O , O liveiros. Apresentação da lite ra tu ra brasileira. R io
de Janeiro, B iblioteca do E xército-Porense U niversitária, 1974. v. 1, p. 173,
176-181.
36 B A N D E IR A , M anuel. Apresentação da poesia brasileira. R io de
Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1946. p. 125.
37 Ibidem , p. 122.
38 M U R IC Y , Andrade. Panoram a■ do m o vim en to sim bolista brasileiro
R io de Janeiro, IN L , 1973. v. 2, p. 842.
39 SO U SA, Cruz e. Obra com pleta . R io de Janeiro, Aguillar, 1961.
p. 266.
40 B O SI, A lfred o . O pré-m odernism o. In : A L IT E R A T U R A brasi
leira. São Paulo, Cultrix, 1966. v. 5, p. 44.
41 , H istória concisa da lite ra tu ra brasileira. São Paulo,
Cultrix, 1970. p. 321.
42 H A U S E R , A rn old. El im pressionism o. In : — H istória social de la
litera tu ra y el arte. M adri, Guadarram a, 1969. v. 3: Naturalism o y im pre-
sionismo, p. 218.
43 AN JO S, Augusto dos. Eu outras poesias e poemas esquec'dos. 30 ed.
R io de Janeiro, São José, 1965. p. 111. N esta nota, incorporam os ao nosso
texto a p alavra do poeta, abstraindo-a a seu contexto poem ático, deixando
de citá -la conform e nos propuséramos a fa zê-lo na nota número nove.
44 A L O N S O , Am ado & L T D A ., Raim undo. El im pressionism o en el
lenguaje. 3 ed. Buenos Aires, Universidad de Buenos Aires, 1956. p . 172.
45 H E ID E G G E R , M a rtin . In tro d u çã o à m eta física . In tr . trad. e n o
tas Emm anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
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46 P O R T E L L A , Eduardo. Fund a m ento da investigação lite rá ria . 2. ed.
rev. R io de Janeiro, T em p o Brasileiro, 1974. p. 47.
47 L E Ã O , Emm anuel C arneiro. C rítica literária e existencialism o.
In : S IM P Ó S IO DE L ÍN G U A E L I T E R A T U R A P O R T U G U E S A , 2.°, R io
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48 B A C H E L A R D , Gaston. E p is tém o lo gie . Paris, Presses Universitaires
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49 D E R R ID A , Jacques. A escritura e a d iferença. São Paulo, P e rs
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50 P O R T E L L A , Eduardo. Fund a m ento da investigação lite rá ria . 2. ed.
rev. R io de Janeiro, T em po Brasileiro, 1974. p. 22.
51 LE A O , Emmanuel C arneiro. Hegel, H eidegger e o absoluto. R e
vista T em p o B rasileiro. A crise do pensamento moderno/3, R io de Janeiro,
25:17, abr./jun. 1970.
52 , A poesia e a linguagem . R evista Tem po B ra sileiro.
A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:81, abr./jun. 1972. A Floresta e
a clareira são duas m etáforas de que se vale o autor, neste artigo, para
m anipular a diferença e a referên cia de língua e linguagem . Assim é que,
à página setenta e nove da obra supra citada, encontram os: “ U m grilo
v iv ia numa clareira da Floresta. A clareira é dada pela ausência da Floresta
na form a de liberdade das árvores. Em ausência, a F loresta presenteia o
grilo com sua presença de claridade” . A m etáfora tem a ver tam bém com
o título do original de H eidegger: Holsweg, traduzido para o francês como
Chem ins qui ne m èn en t n u lle part.
125
53 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m etafísica. In tr . trad. e n o
tas Emm anuel C arneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 98. Observemos o que propõe H eidegger, na página citada: “ O que H e-
ráclito cham a aqui de polem os, é a dis-puta que vigora e im pera antes
de tudo que é divino e humano. N ão é de form a algum a uma guerra nos
moldes dos homens. O embate, pensado por H eráclito, é o que fa z com
que o presente (das W esende) se des-dobre originariam en te em contrastes.
É o que possibilita ocupar na presença posição, condição e jerarquia. Nessa
dis-posição (Auseinandertreten) se m anifestam vácuos, distâncias e junturas.
N a dis-posição surge mundo. (A dis-posição não separa nem tão pouco
destrói a unidade. Antes a institui. Ê o princípio unificante. ( Logos). P o
lemos e logos são o m es m o )” .
54 LE A O , Em m anuel C arneiro. A poesia e a linguagem . Revista
T em p o B rasileiro. A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:82, abr./jun.
1972.
55 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m eta física . In tr . trad. e notas
Em m anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 130.
56 W IT T G E N S T E IN , Ludw ig. Tra ctatu s lo gico-p h ilo so p h icu s . T ra d .
P ierre Klossowiski. Paris, G allim ard, 1961. p. 43.
57 LE ÃO , Em m anuel Carneiro. Contexto problem ático do Tractatus
de Ludw ig W ittgen stein . In : B o le tim de A rie l, 1 :5-6, jul. 1973.
58 LE Ã O , Emm anuel C arneiro. A poesia e a linguagem . Revista T e m
po B rasileiro. A linguagem e os signos, R io de Janeiro, 29:75, abr./jun. 1972.
59 H E ID E G G E R , M a rtin . In trod u çã o à m eta física . In tr. trad. e notas
Em m anuel C arneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, T em p o Brasileiro, 1969. p. 37.
60 LE Ã O , Emm anuel C arneiro. Itin erá rio do pensam ento de H e i
degger. In : H E ID E G G E R , M artin. In trod u çã o à m etafísica. 2. ed. R io de
Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969. p. 25.
61 H E ID E G G E R , M artin . In trod u çã o à m eta física . In tr . trad. e notas
Em m anuel Carneiro Leão. 2. ed. R io de Janeiro, Tem po Brasileiro, 1969.
p. 45. P H Y S IS significa, conform e propõe H eid egger: “ o vigor reinante, que
brota, e o perdurar regido e im pregnado por ele. Nesse vigor, que no d e
sabrochar se conserva, se acham incluídos tanto o “ v ir-a -se r” como o “ ser” ,
entendido esse últim o no sentido restrito de perm anência estática. Physis
é o surgir (E n t-s te h e n ), o ex-trair-se a si mesmo do escondido e assim
conservar-se” .
62 , obra citada, p. 45.
63 , obra citada, p. 91. É im portante observar, conform e
as palavras do autor, que: "S E R s ign ifica va para os gregos: a consistência
(S taen d igk eit) num duplo sentido; 1. o estar em si mesmo, enquanto sur
gindo de si mesmo (p h ysis); 2. o perdurar constante, isto é, perm anente
como tal (ou sia). N ão-ser significa, por conseguinte: desistir, sair dessa
consistência em ergente que surge: existasthai ( = “ existência” , existir)
sign ifica precisam ente para os gregos não-ser. A reflexão e a vacuidade
com que se usa hoje a p alavra “ existência” e “ existir” para designar “ ser” ,
testifica, uma vez mais, a alienação fren te ao Ser e uma interpretação
originariam ente poderosa e determ inada do m esm o” .
126
B IB L IO G R A F IA
127
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