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Marcelo Marinho1
Madalena de Oliveira2
Daiane Samara Wildner3
RESUMO: Com o intuito de fornecer subsídios aos professores para a leitura crítica de
poemas em sala de aula, o presente estudo centra-se na análise estilística de aspectos da
musicalidade expressiva na “antipoesia” de Augusto dos Anjos. No conjunto de uma
obra poética em que os principais temas flertam com a figura da morte e colocam em
relevo o processo de decomposição física dos seres vivos, o poema “A um mascarado”
serve-se de técnicas musicais de escrita que demonstram a motivação do signo, pelo
menos no âmbito da linguagem finamente manejada por esse autor que abraça diversas
correntes literárias. Em sala de aula, a leitura desse poema permite levar o jovem
aprendiz à fruição do prazer de decodificar enigmas e explorar os limites intangíveis da
linguagem, no que se refere à expressividade estética da variante brasileira da língua
portuguesa. O presente estudo retoma, aprofunda e ilustra ideias propostas nos
principais artigos críticos sobre a obra poética de Augusto dos Anjos.
1 Considerações iniciais
Augusto dos Anjos (1884-1914) vive sua breve existência numa época
intensamente marcada por grandes descobertas científicas e invenções tecnológicas,
convulsões sociais e reformulações estéticas. Sua obra traz os vincos do tempo: em
1912, numa confluência de vários estilos e tendências, Eu e outras poesias publica-se
com características que prenunciam o futuro modernismo brasileiro, enquanto traz
igualmente a presença de elementos do cientificismo, do evolucionismo e do monismo
que estruturam a vida intelectual na virada do século. Assim, a poesia de Augusto
carreia em si mesma a essência das mais díspares tendências, dos mais difluentes
estilos, provocando uma tensão fortemente expressiva – sobretudo por meio de sua
1
Marcelo Marinho: Doutor em Literatura Comparada pela Sorbonne (Paris), docente do Mestrado em
Literatura Comparada da URI.
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Letras da URI.
3
Acadêmica do Curso de Graduação em Letras da URI.
Revista Literatura em Debate, v. 5, n. 9, p. 155-166, ago.-dez., 2011. Recebido em 18
out.; aceito em 19 dez. 2011.
notória musicalidade, que explora os desvãos do signo que alguns desejam arbitrário,
por comodidade intelectual: de fato, como abordar, cientificamente, uma eventual
motivação do signo amplamente esteada sobre manifestações culturais, as eventuais
relações entre a materialidade sonora das palavras e as características dos entes por elas
representados? Como equacionar, em termos de poesia, uma questão discutida por
Platão (428/427 –348/347 a.C.) em seu Crátilo? Com esses temas em linha de visada,
propõe-se abaixo uma inédita abordagem de corte estilístico para o poema “A um
mascarado”, com o objetivo de fornecer subsídios aos professores de literatura e de
língua portuguesa, para uma eficaz leitura desse poema em sala de aula. Em outros
termos, a presente leitura desconstrói o poema para ilustrar, com exemplos exaustivos e
de forma pragmática, as ideias propostas por conceituados críticos brasileiros.
A UM MASCARADO
“horrivelmente”, por exemplo), alongam a leitura dos versos e mergulham o leitor numa
atmosfera em que o tempo, os entes e os fatos se arrastam com num longo pesadelo,
provocando tensões expressivas e uma sensação de desconforto e angústia. A diérese
em “palimpsestos”, “hebdômadas” ou “obscuras”, assim como a forte recorrência do
plural (e sua fricativa /s/), contribuem para alongar o tempo de leitura. Essas
“queda”, cujo /e/ fechado é violentamente induzido pela necessária rima com “seda”,
5 Considerações finais
Augusto dos Anjos é um dos poetas brasileiros que mais contribuíram para
alargar os então estreitos limites dos preceitos estéticos e do cânone literário nas
primeiras décadas do Século XX. Em sua obra, a expressividade musical da linguagem
é habilmente explorada para mimetizar e/ou sugerir sensações negativas tais como a de
angústia, desconforto existencial, incômodo espacial e inadequação temporal – por esse
viés, sua poesia realiza a convergência entre o nome e a coisa, o som e a expressão
sugestiva, o significante e o significado, entre o signo e sua motivação. Para além dos
aspectos semânticos de um léxico cuidadosamente escolhido, essa antipoesia emana da
hábil articulação das tensões produzidas no sistema fonador, ilustrando a célebre
máxima de Protágoras (487-420 a.C.): “O homem é a medida de todas as coisas, das
coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.” De tal
articulação proviria, eventualmente, a motivação de certos signos linguísticos tal como
se materializam na língua portuguesa sutilmente manejada pelo inclassificável Augusto
dos Anjos, ponta de lança da mais inovadora vanguarda poética brasileira.
Tais aspectos do poema “A um mascarado” podem ser produtivamente levados à
sala de aula, no intuito de estimular, por parte do jovem aprendiz, a curiosidade e a
reflexão sobre a linguagem (mas também sua consciência sobre a vã condição humana).
Naturalmente, também a estilística recebe lugar de destaque em tais atividades,
ascendendo a uma posição que lhe é honrosamente atribuída em países com forte
tradição em estudos linguísticos e literários, tais como a França, a Suíça, a Alemanha e a
Bélgica. Como se viu no presente estudo, a estilística (em sua vertente fônica, mas
também em suas variantes léxica, morfológica e sintática) é de fundamental importância
para a decodificação de aspectos intrínsecos ao texto literário, e pode contribuir para o
aprendizado do idioma pátrio – e, eventualmente, pode também estimular o prazer da
leitura e o surgimento de novos talentos artísticos em sala de aula.
Referências
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