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1884 – Nasce Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos,

no Engenho do Pau d’Arco (PB).


1900 – Matricula-se no curso de Humanidade do Liceu
Paraibana. Conhece Santos Neto e Órris Soares (tio
avô de Josoares). Publica o primeiro trabalho o soneto
“Saudade”, no Almanaque do Estado da Paraíba.
1901 – Inicia sua colaboração no jornal “O commercio”,
na capital paraibana.
1903 – Ingressa na Faculdade de Direito do Recife,
Pernambuco.
1904 – Publica no jornal “O commercio” o célebre
soneto “ Vandalismo”.
1905 – Morre seu pai, Alexandre Rodrigues dos Anjos, a
13 de janeiro. Seis dias depois publica os três sonetos
“A meu pai doente”, “A meu pai morto” e “Ao sétimo
dia do seu falecimento”.
1906 – Publica no jornal “O Commercio” seu soneto
mais famoso “Versos íntimos”.
1910 – Casa-se com Dona Ester Fialho.
1911 – Nasce morto o seu primeiro filho.
1912 – Publica seu livro “Eu”.
1914 – Morre.
1920 – Republicação do seu livro, agora com o título
“Eu e Outras poesias”.
OBRAS DO POETA
•Eu (1912)
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
1ª estrofe:
"Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco."

• O personagem retratado no poema é o próprio eu lírico. No


primeiro verso, Augusto dos Anjos faz referência ao carbono e
ao amoníaco, sendo os dois compostos da atmosfera
primitiva que pode ser representada pelo vulcão, que tem em
sua composição CO2, NH3 e H20. O carbono também é
abundante no corpo humano, o que demonstra a intenção do
autor em dizer que é filho da matéria simples.
• No segundo verso, o autor utiliza a palavra “monstro” no
sentido de depreciação a si mesmo, uma característica
comum em seus poemas. No terceiro verso há o sofrimento
gradual, e no verso seguinte o seu sofrimento toma
proporções universais.
2ª estrofe:
"Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco."

• Nessa estrofe, o autor descreve o ambiente em que


ele se encontra, sendo esse um lugar de dor e
sofrimento que lhe causa ânsia e repugnância. Mais
uma vez é usada a fisiologia, uma das marcas
registradas de Augusto dos Anjos.
• 3ª estrofe:
"Já o verme – esse operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,"

• O verme pode ser considerado outro “personagem”


do poema já que o mesmo representa um certo
tipo de inimigo do eu lírico quando “declara guerra
à vida”, sendo essa sua ação.
4ª estrofe:
"Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra."

• O verme espreita os olhos (permite a visão do mundo)


do eu lírico e deixa apenas o cabelo que é constituído
de queratina, que é resistente ao tempo e que não
pode ser decomposta pelos vermes.

• "A frialdade inorgânica" é o 'fim' do eu lírico que


inicialmente era filho do carbono (representação da
vida) e que agora está em um ambiente inorgânico
(oposto da vida). A parte inorgânica da terra pode ser
considerada como um solo firmado por desgaste das
rochas e minerais inorgânicos.
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
• Este poema de Augusto de Anjos foi
considerado um dos cem melhores poemas
brasileiros do século XX.
• Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza
como soneto clássico. Para chegarmos a esta
afirmação, basta observar o esquema métrico -
os versos são decassílabos – e o esquema
rítmico – as rimas são regulares (ABBA; BAAB;
CCD; EED). Lembre-se o soneto apresenta
sempre a estrutura fixa 2 (dois) quartetos e 2
(tercetos).
• Na primeira estrofe, o eu-lírico relaciona a vida
social do homem à vida dos animais selvagens,
por meio de imagens (lama, terra miserável e
fera) que lembram o estilo naturalista, em seu
determinismo cientificista e em seu materialismo.
Isto sinaliza que o poeta combina elementos
tradicionais, próprios de estilos desenvolvidos até
o século XX, com elementos que anunciam o
Modernismo, iniciado no século XX. Trata-se,
portanto, de um autor de transição. Vamos
analisar como se dá esta transição.
• Os versos que iniciam a segunda e a terceira estrofes
apresentam um tom de conselho ou ordem, que é
reiterado no desfecho do poema. Este conselho é
introduzido pelas as formais verbais “acostuma-te” e
“toma”. Na segunda estrofe, o eu lírico supõe que o leitor
se acostumou a “lama te espera!”, isto mostra uma
associação entre o naturalismo e o determinismo,
questões da ciência muito presente na literatura no final
do século XIX. Repare que o conselho ou ordem da terceira
estrofe introduz no poema, de forma inesperada, um tom
prosaico, de conversa cotidiana. O verso surpreende o
leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o
Realismo psicológico de Machado de Assis. Por meio da
surpresa, da ironia e da provocação, o eu lírico procura
quebrar a expectativa do leitor, como se o aconselhasse a
se preparar para ler a afirmação cruel sobre o ser humano
que vem a seguir. Para isso, o eu lírico utilizou o modo
verbal imperativo.
• Outro recurso fundamental para fazer o poema
cair na graça do público em geral é o vocabulário.
O vocabulário escandaliza o leitor acostumado
com a poesia parnasiana, incluindo expressões
que, do seu ponto de vista, pode ser consideradas
“não poéticas”. Observe estes versos, “(...)
véspera do escarro,”/”Apedreja essa mão vil
(...)”/”Escarra nessa boca (...)” – estas expressões
não poderiam ser consideradas poéticas no
contexto do Parnasianismo, pois esse estilo
literário se caracteriza pelo uso de um
vocabulário erudito, com palavras elegantes e
amenas.
• No poema, o homem, a vida social, a amizade, a
solidariedade, afeto (beijo, mão que afaga)
transformam-se em ingratidão, terra miserável,
fera, desafeto (escarro, mão que apedreja). Duas
ações que causam transtorno no leitor são
apedreja a mão amiga e cuspa na boca que te
beija, ou seja, o eu lírico recomenda apedrejar a
mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar
na boca de quem se recebeu um beijo.
• Na estrofe final, numa leitura mais profunda,
podemos pensar que o eu lírico estar nos
advertindo, precavendo-nos contra aquilo que
parece nos ordenar e aconselhar a fazer. O
recurso estilístico utilizado foi a ironia, que
permite essa interpretação justamente porque
consiste em afirmar o contrário do que se pensa.
• O conteúdo do poema tem tudo a ver com o
título “Versos Íntimos”. Assim como todo o
poema apresenta um tom irônico, o título
também o é, por sugerir um texto subjetivo,
romântico, sentimental, o que a leitura efetiva do
poema desmente, ao mostrar que se trata de um
texto agressivo, desolador, que se aproxima do
grotesco.
• Este poema faz parte da obra Eu, único livro
publicado pelo poeta Augusto dos Anjos. Sendo
que esta obra é uma das mais lidas e relidas de
nossa literatura.

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