Você está na página 1de 3

Análise da Obra: Eu e outras Poesias, Augusto dos Anjos

30.04.2019 Raquel Figueiredo Cardoso

1. O AUTOR E O CONTEXTO LITERÁRIO : PRÉ MODERNISMO BRASILEIRO

Augusto dos Anjos foi um adolescente sorumbático, um “tipo


excêntrico de pássaro molhado”1, que já no colégio era descrito como
um tipo doentio e nervoso. Nasceu na Paraíba em 1984, formou-se em
Direito em Recife, casou-se logo depois, mas nunca advogou: tornou-
se professor e poeta.
É um homem materialista, só acredita na combinação de
elementos químicos, fatalidades das leis físicas e biológicas, na
decomposição as moléculas. Esse materialismo só fez aumentar sua
visão pessimista do mundo, onde não há possibilidades no amor, só
ódio e egoísmo. “Não sou capaz de amar mulher nenhuma/ Nem há
mulher talvez capaz de amar-me”2 Seu pessimismo sedimenta uma
profunda amargura, traduzida em nojo e angústia, cuja maior
manifestação é a morte, uma “implacável presença da maior das
evidências da vida e do universo, [...] destruidora paciente e impiedosa
de todos os esforços e devaneios humano”3. Morreu aos trinta anos em Minas Gerais.
Entre a crítica há inúmeras publicações discutindo o lugar de Augusto dos Anjos na
história da poesia brasileira e em qual estilo literário ele realmente se encaixa. 4 Sua
classificação oscila entre o Simbolismo, Parnasianismo, Romantismo, Cientificismo,
Modernismo e até mesmo o Surrealismo5.
O mais seguro é basear-se cronologicamente: seu único livro, “Eu”, foi publicado em
1919, em um período de transição designado Pré Modernismo. Nesses primeiros 20 anos
do século passado coexistem vários estilos literários como o simbolismo, parnasianismo,
pensadores naturalistas e escritores que buscam um novo regionalismo para traduzir os
diversos brasis da época.
Se a época no Brasil é marcada pela descoberta dos brasis marginalizados, EU não
tem nada de regionalista nem de nacionalista. Da época, podemos destacar somente o
cientificismo, evolucionismo, “monismo” que caracterizava a ciência do século XIX.
2. ESTILO POÉTICO :
Ivan Cavalcanti Proença apresenta como incidências recorrentes na obra de Augusto
dos Anjos as seguintes linhas temáticas e características:
o rudeza materialista X lirismo espiritual;
o ânsia de comunicação em monólogos de um solitário;
o inquietação filosófica;
o temática da morte;
o musicalidade e sonoridade;
o hermetismo e cientificismo6.

2.1 PARNASIANISMO E SIMBOLISMO

1
ALMEIDA, Horácio de. As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos, Rio de Janeiro: Gráfica Ouvidor, 1962.p. 04.
2
ANJOS, A. Queixas noturnas, in: Eu e Outras Poesias, Martin Claret Ltda, 2001, p. 114.
3
FREYRE, Gilberto. Nota sobre Augusto dos Anjos. In: BUENO, Alexei (Org.). Augusto dos Anjos: obra completa. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1994. pp. 76-81.
4
Recomendo a leitura de: O LUGAR DE AUGUSTO DOS ANJOS NA POESIA BRASILEIRA, da professora Nara Marley
Aléssio Rubert, disponível na Web.
5
RUBERT, Nara. Op cit. p.01.
6
RUBERT, Nara. Op cit. p.02.
Métrica rígida, cadência musical, aliterações e rimas preciosas. Sonoridade
simbolista, sinestésicas.

Cantam nautas, choram flautas


Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas. (Barcarola, p. 117)

2.2 COMBINAÇÃO DE EXPRESSÕES ERUDITAS E SIMBOLISTAS COM O ESDRÚXULO


VOCABULÁRIO CIENTIFICISTA
Essa sonoridade frequentemente é quebrada pelo cientificismo e pela linguagem “a-
poética”. Esses elementos aproximam-se com recursos literários e temática frequentes no
Naturalismo/Realismo, como em “Psicologia de um vencido”.

Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

3. MORTE
A morte aparece como uma manifestação do pessimismo, como uma “implacável
presença da maior das evidências da vida e do universo, [...] destruidora paciente e
impiedosa de todos os esforços e devaneios humanos”. Bueno apresenta Augusto como o
poeta da impotência e do fracasso, deparando-se com “a mais absoluta e definitiva” forma
de impotência e fracasso: a morte.
Seguindo a linha pessimista lê-se na última estrofe de “O poeta do hediondo” (e que
está também na sua lápide):

Eu sou aquele que ficou sozinho


Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto! (“O poeta do hediondo”)

Morri! E a Terra - a mãe comum - o brilho,


Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim
Serviu as carnes do seu próprio filho!
[...] (“Vozes de um túmulo”)

Agregado infeliz de sangue e cal,


Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial

Que poder embriológico fatal


Destruiu, com a sinergia de um gigante,
A tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,


Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,


Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

(soneto, Ao meu primeiro filho, nascido morto com 7 meses incompletos, no dia 02
de fevereiro de 1911)

O AMOR

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(Versos ìntimos)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANJOS, Augusto dos. Eu e Outras Poesias. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2001.

ALMEIDA, Horácio de. As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos, Rio de Janeiro:
Gráfica Ouvidor, 1962.

FREYRE, Gilberto. Nota sobre Augusto dos Anjos. In: BUENO, Alexei (Org.). Augusto dos
Anjos: obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

RUBERT, Nara Marley. O lugar de Augusto dos Anjos na poesia brasileira. Revista
Literatura em Debate, v. 5, n. 9, p. 143-154, ago.-dez., 2011. Recebido em 25 out.; aceito
em 19 dez. 2011.

Você também pode gostar