Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BUCÓLICA NOSTÁLGICA
Ao entardecer no mato, a casa entre
bananeiras, pés de manjericão e cravo-santo,
aparece dourada. Dentro dela, agachados, A expressão em destaque
na porta da rua, sentados no fogão, ou aí mesmo, insere o eu lírico na cena.
rápidos como se fossem ao Êxodo, comem
Segundo livro da Torá. Conta como os
feijão com arroz, taioba, ora-pro-nobis, israelitas deixaram a escravidão no Egito.
muitas vezes abóbora. No caso do poema, há o anseio do
trabalhador em conquistar a liberdade
Depois, café na canequinha e pito. após um dia de duro trabalho.
O que um homem precisa pra falar,
entre enxada e sono: Louvado seja Deus!
Poema marcado por forte erotismo. A poesia personificada
6 SEDUÇÃO exerce o erotismo que também agrada/seduz o eu lírico.
Estabelece-se a relação quase física entre a palavra e a poeta.
A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta Segundo José Carlos Barcellos, a
a saia pra eu ver, amorosa e doida. originalidade da obra de Adélia Prado
Acontece a má coisa, eu lhe digo, está em conseguir articular quatro
também sou filho de Deus, aspectos pouco frequentes na tradição
me deixa desesperar. poética brasileira: a identidade
Ela responde passando feminina, o estilo de vida da classe
a língua quente em meu pescoço, média interiorana, o universo
fala pau pra me acalmar, simbólico do catolicismo popular e um
fala pedra, geometria, forte apelo erótico e sensorial.
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.
BRIGA NO BECO Neste poema, a traição do marido
7 é percebida como um insulto e
desencadeia a violência instintiva
Encontrei meu marido às três horas da tarde
do eu lírico, que se compara a um
com uma loura oxidada. animal (“urro”, “peixe-piranha,
Tomavam um guaraná e riam, os desavergonhados. bicho pior, fêmea-ofendida,
Ataquei-os por trás com mão e palavras uivava”). Há a preocupação do eu
que nunca suspeitei conhecer. lírico, já demonstrada em outros
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei, textos, em preservar a família.
gritei meu urro, a torrente de impropérios. O final é surpreendente e
Ajuntou gente, escureceu o sol, revelador, pois aquela que
a poeira adensou como cortina. protagonizou a violência
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura, ganha status de santa, de
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida, milagreira. Isto acontece
sobretudo pelo fato se
uivava.
desenvolver num ambiente
Gritei, gritei, gritei até a cratera exaurir-se. machista e patriarcal. Ao
Quando não pude mais, fiquei rígida, contestar e transgredir a regra
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados, vigente, o eu lírico liberta-se e
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos, passa a ser visto como alguém
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças. capaz de libertar outras em
Desde então faço milagres. situação semelhante.
O poema coloca o sentimento em
um patamar mais elevado do que a
8
razão e o intelecto. O eu lírico, ao
comentar a valorização que a mãe
atribui ao estudo, nega essa noção
ENSINAMENTO e apresenta o sentimento como
algo maior. Para exemplificar, vale-
Minha mãe achava estudo se da cena em que a mãe, num ato
a coisa mais fina do mundo. de amor, prepara o café para o pai
sem preocupar-se em mencionar o
Não é. sentimento envolvido. O título
pode ser associado ao conceito
A coisa mais fina do mundo é o sentimento. que a mãe tem a respeito de
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, estudo, mas o verdadeiro
ensinamento presente no poema
ela falou comigo: se dá através do sentimento.
‘Coitado, até essa hora no serviço pesado’.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.