Você está na página 1de 40

UNICAMP 2024

O Ateneu
Raul Pompéia

prof.a Elaine
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
O Realismo e o Naturalismo no Brasil

No mesmo ano de 1881, em


que Machado de Assis publica
Memórias Póstumas de Brás Cubas,
inaugurando o Realismo no Brasil,
outra publicação, O Mulato, de
Aluísio Azevedo, inicia o
Naturalismo.
Ambas as correntes
surgiram na França: o Realismo teve
seu marco na publicação de Madame
Bovary (1856), de Gustave Flaubert,
e o Naturalismo com Thérèse
Raquin (1867), de Émile Zola e
influenciaram tanto escritores
brasileiros quanto portugueses. E a
literatura deste período, por sua vez,
carrega fortes traços das correntes
cientificistas dos meados do séc.
XIX: a observação rigorosa dos detalhes, responsável por um ritmo narrativo mais lento,
advém da direta influência do Positivismo (Augusto Comte); a zoomorfização e a
degradação das personagens, respectivamente, do Evolucionismo (Charles Darwin) e
Determinismo (meio-raça-momento), de Hypolyte Taine; a exploração do proletariado, a
luta de classes, ou seja, um foco maior nas classes populares, do Socialismo científico de
K. Marx e F. Engels1.
Caracterizado principalmente por abordar temas mais polêmicos e tratá-los mais
cruamente, o Naturalismo, que em Portugal teve como grande representante Eça de
Queiroz, no Brasil conheceu autores de variada importância. Aluísio de Azevedo, o
introdutor, é um dos mais relevantes, com seus romances sociais; Raul Pompéia, autor
d’O Ateneu, famoso pela mistura do naturalismo com o impressionismo; Adolfo Caminha,
imortalizado principalmente por Bom-Crioulo e A Normalista; Domingos Olímpio (Luzia-
Homem); Júlio Ribeiro (A Carne) entre outros.

1
A abordagem racionalista é a mais genérica característica da Escola Realista/Naturalista,
impondo o fim ao Idealismo e fuga da realidade das obras românticas. Em relação às
características realistas citadas acima, fazem oposição à narrativa ágil, baseada nos
suspenses próprios dos folhetins; personagens idealizadas e foco na burguesia, marcas do
Romantismo.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

TRÊS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS DA PROSA DO PERÍODO

ROMANCE IMPRESSIONISTA

Rompe com a ótica realista, levando em conta as


impressões do sujeito (narrador), promovendo uma
perda de nitidez, desfocamento, expressão de
subjetividade.

ROMANCE NATURALISTA

Aplica radicalmente o determinismo


de meio, raça e momento, numa
análise patológica da realidade.
Concentra-se na caracterização
coletiva e na descrição biofisiológica
dos indivíduos.

ROMANCE PSICOLÓGICO
Privilegia a análise do indivíduo em si, sua relação com os outros e com o mundo.
É um aperfeiçoamento do realismo para realizar uma investigação racional do
espírito humano; observa os comportamentos gerados pelo tédio, o ciúme, a
solidão, a ganância, o amor, a loucura. O desenrolar das ações (enredo) e o
cenário caem para segundo plano, valorizando as personagens.
Machado de Assis é o maior representante brasileiro desse gênero, examinando
gestos, expressões, detalhes, para chegar ao interior do homem, e seu romance
Dom Casmurro, uma das obras que melhor representam essa tendência.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

RAUL POMPÉIA (1863-1895)

Nasceu em Angra dos Reis (RJ), filho de família abastada, e ingressou no


Colégio Abílio, internato que teria sido o palco real
das situações retratadas em O Ateneu, aos dez anos.
Transferiu-se seis anos depois para o famoso Colégio
Pedro II, onde fundou o Grêmio literário “Amor ao
Progresso”. Em 1880 estreou com o romance Uma
tragédia no Amazonas, e em 1881 entrou para a
Faculdade de Direito de São Paulo, onde seu pai
estudara. Reprovado, decidiu, com um grupo de
amigos, transferir-se para Recife a fim de terminar os
estudos (1885). De volta ao Rio de Janeiro, trabalhou
como jornalista; em 1888 publicou O Ateneu e
Alma morta. No ano seguinte foi nomeado diretor
do Diário Oficial e em 1891, professor de Mitologia
da Escola de Belas Artes. Nos anos que se seguem participa ativamente da vida política;
republicano ferrenho, paixão cultivada no curso de Direito, torna-se grande apoiador do
Marechal Floriano Peixoto, e durante seu mandato envolve-se em conflitos com
intelectuais da época. Com a intelectualidade brasileira dividida entre críticos e apoiadores
do governo de Floriano, as divergências políticas assumiram caráter pessoal na troca de
ofensas com Olavo Bilac, culminando em um duelo, evitado por amigos.
Em 1894 chega a Diretor da Biblioteca Nacional, destituído um ano depois, tendo
sido acusado de desacatar o então presidente Prudente de Morais em seu discurso por
ocasião da morte de Floriano Peixoto. Tal discurso configurou-se como tema do artigo de
Luís Murat “Um louco no cemitério”.
Vítima de crises nervosas, e detentor de caráter definido por seus conhecidos
como orgulhoso e tímido, piorou da depressão e cometeu suicídio na noite de Natal, com
um tiro no peito, aos trinta e dois anos. Morava com a mãe e a irmã, era solteiro e nunca
tivera um relacionamento conhecido. Suas últimas palavras, em um bilhete, foram:
“À Notícia e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra.”
RAUL POMPEIA - 25-12-1895
Machado de Assis assim escrevera em sua coluna: “Raul Pompéia suicidou-se em
casa, com um tiro no coração. Mas não morreu instantaneamente. Ele ainda teve tempo de
perceber que a sua irmã, ao vê-lo, tivera uma crise nervosa; por isso, murmurou à mãe que
cuidasse dela”.2

2
http://bndigital.bn.br/projetos/200anos/raulPompeia.html
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Obra:
Uma Tragédia no Amazonas, 1880.
Canções sem Metro, 1881.
As jóias da coroa, 1882.
O Ateneu, 1888.
Alma Morta, 1888.
Agonia, romance inacabado.

O Ateneu
Crônica de saudades
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

 Narrativa híbrida

 autobiografia
 Sérgio e Raul – semelhanças
 Cursaram internato; propensão à Literatura
Caráter orgulhoso e sensível, Inteligência crítica aguçada

 Romance de tese (microcosmo) 3


No cap. XI, um dos professores mais queridos faz uma conferência na qual
defende o internato como um tipo de teste ou preparação para enfrentar o mundo adulto, a
sociedade (macrocosmo). No entanto, diz-se do autor, Raul Pompéia, que o livro é uma
crítica ao internato, de onde traz traumas e sequelas. Durante a preleção, o narrador pensa
em Franco, o pior dos alunos, e o desfecho que aguarda àqueles que não conseguem
superar as adversidades brutais impostas pelo meio. Franco morre no dia seguinte. O
próprio Sérgio, que fora aconselhado a fazer-se forte, quando de sua entrada, sucumbe e
integra o chamado “sexo frágil” no internato, assume o “papel de namoradinha” e aceita
protetores. A experiência vence a teoria, a hostilidade do poder do mais forte contra o
mais fraco resulta em mais tragédias do que vitórias.

3
V. fragmento do cap. XI, preleção do Dr. Cláudio, e a discussão sobre o ambiente do
internato.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
 crônica de saudades
Embora muito se fale sobre o caráter irônico desse subtítulo, pois o autor carrega
mais rancores dos tempos do internato que boas lembranças e um olhar profundamente
crítico sobre seus personagens, e absoluta ausência de idealização dos últimos anos de sua
infância, as passagens impressionistas, e até mesmo as realistas, mais suaves que as
naturalistas e expressionistas, compõem um complexo conjunto psicológico, explorado
com muita sinceridade, e mais sensibilidade do que se pode imaginar.

 Memorialismo (gênero) e caráter impressionista


Descrição de seus sentimentos e relacionamentos; Ema. Chamamos de “impressionistas”
as passagens menos claras, nítidas, em que o realismo das descrições cede espaço aos
sentimentos e impressões:
“Uma atenção absorveu-me exclusiva e única. D. Ema reconheceu-me: era
aquele pequeno das madeixas compridas! Conversou muito comigo. (...)
Eu quis inventar uma boa réplica sem grosseria, mas a senhora me prendia a
mão nas dela, maternalmente, suavemente, de tal modo que me prendia a vivacidade
também, prendia-me todo, como se eu existisse apenas naquela mão retida.
Depois da interrupção de Aristarco, não sei mais nada precisamente do que se
passou na tarde.
Miragem sedutora de branco, fartos cabelos negros colhidos para o alto com
infinita graça, uma rosa nos cabelos, vermelha como são vermelhos os lábios e os
corações, vermelha como um grito de triunfo. Nada mais. Ramalhetes à mesa, um caldo
ardente, e sempre a obsessão adorável do branco e a rosa vermelha.
Estava a meu lado, pertinho, deslumbrante, o vestuário de neve. Serviam-me
alguns pratos, muitas carícias; eu devorava as carícias; Não ousava erguer a vista. Uma
vez ensaiei. Havia sobre mim dois olhos perturbadores, vertendo a noite. Parece que me
olhava também, neo tenho certeza, do outro lado, por entre as flores, o Professor
Crisóstomo.”

 Influências da época
O Ateneu, sua obra-prima, é uma referência da nossa literatura, mas sua
classificação é mista; seu estilo transita do impressionismo ao naturalismo, uma vez que a
experiência pessoal por vezes se sobrepõe à crítica racional.

 realista (Machado)
 Narrativa descritiva, detalhista, fiel à realidade
 Descrições lentas de espaços, festas, passeios, discursos etc.
 Análise psicológica
 Denúncia do capitalismo(direção de Aristarco – o Ateneu por dentro e por fora o
retrato de seu gestor)
 Crítica mordaz
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
 naturalista (A. Azevedo)
 influência das correntes científicas (positivismo, determinismo, evolucionismo)
 análise do meio social, preferência pela coletividade – internato = microcosmo
 personagens caricaturais, exageradas
 ênfase a aspectos repugnantes, chocantes etc.

 Traços expressionistas
Aristarco, personagem complexa, multifacetada,
recebe com frequência, do ex-discípulo, tratamento
exagerado, beirando o grotesco, condizente com sua
personalidade:

“Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como


se houvera bebido gesso. Parava-lhe o sangue nas
artérias comprimidas. Perdia a sensação da roupa;
empedernia-se, mineralizava-se todo. Não era um
ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo
inerte, bloco metálico, escória de fundição, forma de
bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem
consciência, sem individualidade, morto sobre a
cadeira, oh, glória! mas feito estátua.”

Anotações 
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

NARRADOR 1a pessoa – Sérgio

Interessante relação entre NARRADOR e PROTAGONISTA4, Sérgio, adulto no presente, narra


episódios vivenciados entre os 11 e 13 anos. Tal distanciamento temporal entre ambos,
aspecto intrínseco ao gênero de memórias, dá margem, através da alternância entre
passagens muito positivistas, entenda-se, objetivas e pautadas em elementos sensoriais
(visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos em descrições minuciosas de traços físicos
de personagens, cenários ou eventos), nas quais se podem encontrar por exemplo as
críticas. Entremeadas de outras, impressionistas, em que a nitidez se perde e a sensação do
momento toma lugar, como exemplo, as interações com a personagem Ema, complexa,
platônica, edipiana.
Tal alternância permite a coexistência, na obra, de uma abordagem individual e
psicológica (mais realista), com outra alinhada à corrente de crítica social em voga na
época.

TEMPO
2 ANOS (FLASH BACK)

A história é narrada em flash back. Se basearmos o cálculo da idade de Sérgio no


presente, momento em que conta sua experiência no internato, na aproximação entre autor
e personagem alter-ego, Raul Pompeia publica o livro em 1888, aos 24 anos. Tal reflexão
é útil pois, apesar de separado dos eventos passados por uma dúzia de anos, não se trata
ainda de um narrador maduro (como na supracitada obra machadiana).

Portanto, os episódios do menino Sérgio, dos 11 aos 13 anos, teriam ocorrido no


início da década anterior (1872-74).

Raras vezes, o narrador vivifica o momento presente através de antecipações no


passado:
“Era de uma extravagância original aquele Sanches! Hoje, ele é engenheiro em
uma estrada de ferro do sul, um grave engenheiro...”

4
A mesma que se dá em Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
CENÁRIOS
RJ

INTERNATO (ATHENAEUM)

Os principais locais do internato são:

INTERNOS
Dormitórios dos internos:
Salão pérola, verde, azul, amarelo, floresta e o chalé (aposento dos maiores).
O chalé possui uma janela que dá para o quintal da residência de Aristarco, gradeada de
madeira; cerca de oito rapazes, porém, detêm uma técnica de retirá-las e descer ao pátio
usando uma corda feita de lençóis, esquema este descoberto por Sérgio e aproveitado para
realizar sua vingança contra Rômulo após o espancamento.

Sala da recepção, do diretor etc. etc.


Salas de aula
Corredor da biblioteca
Sala geral do estudo (extensíssima, à beira do pátio central, cheia de carteiras e, na parede,
grandes armários numerados de uso individual dos alunos, que os enfeitavam de cromos e
desenhos).5
Sala das bacias (lavatório)
Além de espaços destinados aos serviços (cozinha, rouparia etc.)

EXTERNOS

Pátios (central, lateral, coberto), refeitório, jardins, gramados.

Natação – ou “banheiro”, nome do grande tanque, semelhante a uma piscina escavada na


terra e alimentada por um rio, de profundidade crescente, onde os alunos banhavam-se,
nos meses de calor, de manhã e à tarde.
Este cenário é palco de dois episódios relevantes: a estréia do pequeno Sérgio e sua
aproximação com Sanches; e a vingança de Franco com os cacos de garrafas espalhados
na calada da noite.

Passeios:
Montanha (Dois irmãos, Corcovado)
Jardim Botânico

5
A história do ramalhete de Cândido encontrado por Aristarco, que desencadeou todo um
processo de vexames e humilhações, teve por esconderijo os tais armários.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

Festas bienais:
Exposição de Arte
Entrega de prêmios

Personagens principais

SÉRGIO

Os dois anos de internato causaram no menino profundas transformações, entrara criança


inocente, sai rapaz. Podemos marcar sua trajetória em fases:

Fase idealista
Entrada – iludido e deslumbrado, traz uma visão idealizada do colégio que, tendo
visitado duas vezes em ocasiões festivas, devidamente aproveitadas pelo proprietário para
marketing da instituição, passara por épica aos olhos do menino.

Fase beata
Decepção e religiosidade – após os primeiros tempos e infortúnios vividos, sente-se
deprimido, assustado e solitário. Vem a fase religiosa, na qual busca na proteção de deus e
Santa Rosália o refúgio para os estudos e a perseguição dos maiores. Após um curto
período de tempo, torna-se descrente dos efeitos práticos de sua devoção e abandona a fé.

Fase revolts
Transição – fase da revolta, más notas e decadência no conceito do diretor.

Fase Sanches
Protetor – após o episódio da piscina acaba fazendo o contrário do conselho de Rebelo,
aceitando o Sanches (vencendo a original aversão que lhe tinha) como protetor.
Conhecido como “seu explicador”, andavam juntos por todas as partes do colégio sem
causar nenhum espanto nos demais.

Fase Bento Alves


“o Sérgio do Alves” – segundo relacionamento de Sérgio, melhor que o anterior, mas
ainda com um dos mais velhos. Bento Alves, além de vigilante, foi o herói do episódio do
assassinato passional pelo jardineiro de Aristarco e também participava do grupo de
estudos literários na biblioteca. Assumiu também função de protetor e preceptor do amigo.
Porém, essa relação termina de forma violenta, inesperada e inexplicada, com o segundo
espancamento sofrido por Sérgio, no mesmo corredor, sem que o amante dissesse uma
palavra, e deixou o colégio.
Começa no fim do primeiro e acaba no início do segundo ano do narrador no Ateneu.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

Fase Egbert
Amizade com Egbert – fase de serenidade
Mais idílico e equilibrado de todos os relacionamentos do protagonista, esfria após o
jantar em casa de Aristarco e o reencontro com Ema, que desperta nele um sentimento
platônico e freudiano.

Fase Ema
Doença (sarampo) e período de enfermaria – com a família em viagem pela Europa para
tratamento de saúde do pai, Sérgio é confiado a Aristarco, e passa as férias no esvaziado
internato quando, acometido pela moléstia, é transferido para a enfermaria, uma ala
pertencente à residência da família e atendido diretamente por d. Ema, a bondosa esposa.
O menino desfruta da atenção e carinhos da senhora, e antes de sua plena convalescença,
ocorre o incêndio que põe fim à história.

ARISTARCO

Personagem fundamental do livro, o diretor do


colégio é trabalhado desde o princípio como um
administrador habilidoso na condução da imagem
da instituição, através de uma série de estratégias de
propaganda. Tendo construído todo um marketing
de excelência educacional, no cotidiano se
desnudará seu caráter de capitalista ambicioso e até
sem escrúpulos.
De todas as psicologias devassadas em O Ateneu,
nenhuma personagem é tão exposta quanto seu
diretor. É muitas vezes nas descrições de sua figura
que podemos notar os traços “expressionistas”
atribuídos ao livro, retratando o personagem através
de pinceladas de exagero e caricatura. Cobria-se com suas condecorações nas “ocasiões de
aparato”, nas missas usava um manto transparente.
Figura central da história, pode variar do majestoso ao ridículo, e apresenta seus
momentos mais grandiosos nas festas abertas ao público, enquanto seu caráter mais
mesquinho é flagrado pelo olhar crítico nos episódios fortuitos. De sua casa, ambiente
privado e separado do colégio por um portão, a figura que recebe mais destaque do
narrador é sua esposa Ema.
Se Sérgio tem várias FASES, Aristarco tem várias FACES:

“Aristarco tinha momentos destes, sinceros. (...) — Conheci-o solene na primeira festa,
jovial na segunda; conheci-o mais tarde em mil situações, de mil modos; mas o retrato
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
que me ficou para sempre do meu grande diretor, foi aquele — o belo bigode branco, o
queixo barbeado, o olhar perdido nas trevas, fotografia estática, na aventura de um raio
elétrico.”

Aristarco marketeiro:
“O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do
Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda
pelas províncias (...)”

Aristarco fashion:
“O figurino campestre rejuvenescera-o. Sentia as pernas leves e percorria celerípede a
frente dos estrados, cheio de cumprimentos para os convidados especiais e de interjetivos
amáveis para todos. Perpassava como uma visão de brim claro, súbito extinta para
reaparecer mais viva noutro ponto. Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si,
sobre os alunos, sobre os espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de
batalha. (...) Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer, o papel diáfano, sutil,
metafísico, de alma da festa e alma do seu instituto.”

Aristarco paladino da moral:


“Ah! meus amigos, conclui ofegante, não é o espírito que me custa, não é o estudo dos
rapazes a minha preocupação... É o caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a
imoralidade!” Aristarco tinha para esta palavra uma entonação especial, comprimida e
terrível, que nunca mais esquece quem a ouviu dos seus lábios. “A imoralidade!” E
recuava tragicamente, crispando as mãos. “Ah! mas eu sou tremendo quando esta
desgraça nos escandaliza. Não! Estejam tranqüilos os pais! No Ateneu, a imoralidade
não existe! Velo pela candura das crianças, como se fossem, não digo meus filhos:
minhas próprias filhas! O Ateneu é um colégio moralizado!
(...)
“O porco!” bramia Aristarco. “O grandíssimo porco!” repetia como um deus fora de si.
Em redor todos apoiavam a energia da corrigenda. Resolveu-se, porém, deixar com vida
o criminoso.”

Aristarco pedagogo:
“Soldavam-se nele o educador e o empresário uma perfeição rigorosa de acordo, dois
lados da mesma medalha: opostos, mas justapostos.”

Aristarco CTO:
“Visava-o diretamente a desaforada insurreição. (...) Torturava-o ainda em cima o ser ou
não ser das expulsões. Expulsar... expulsar... falir talvez. O código, em letra gótica, na
moldura preta, li estava imperioso e formal como a Lei, prescrevendo a desligação
também contra os chefes da revolta... Moralidade, disciplina, tudo ao mesmo tempo... Era
demais! era demais!... Entrava-lhe a justiça pelos bolsos como um desastre. O melhor a
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
fazer era chimpar um murro no vidro amaldiçoado, rasgar ao vento a letra de
patacoadas, aquela porqueira gótica de justiça!”

Aristarco estátua6:
“Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei (...); o olhar fulgurante, sob a crispação
áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas circunstantes —
era a educação da inteligência; o queixo, severamente escanhoado, de orelha a orelha,
lembrava a lisura das consciências limpas — era a educação moral. A própria estatura,
na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele: aqui está um
grande homem... não vêem os cavados de Golias?!... Retorça-se sobre tudo isto um par de
bigodes, volutas maciças de fios alvos, torneadas a capricho, cobrindo os lábios fecho de
prata sobre o silêncio de ouro, que tão belamente impunha como o retraimento fecundo
do seu espírito, — teremos esboçado, moralmente, materialmente, o perfil do ilustre
diretor. Em suma, um personagem que, ao primeiro exame, produzia-nos a impressão de
um enfermo, desta enfermidade atroz e estranha: a obsessão da própria estátua. Como
tardasse a estátua, Aristarco interinamente satisfazia-se com a afluência dos estudantes
ricos para o seu instituto. De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da
mocidade brasileira.”(cap. I)

“Alguns discípulos tinham prevenido ao diretor, guardavam-lhe uma surpresa: a oferta


de um busto de bronze! Aristarco predispunha-se para a surpresa com todas as veras da
alma. Um busto! era a remuneração que chegava dos impagáveis esforços, a sonhada
estátua. Vinha-lhe aos pedaços. Começavam pela cabeça; (...)
O orador acumulou paciente todos os epítetos de engrandecimento, desde o raro metal da
sinceridade até o cobre dútil, cantante das adulações. Fundiu a mistura numa fogueira de
calorosas ênfases, e sobre a massa bateu como um ciclope, longamente, até acentuar a
imagem monumental do diretor. Aristarco depois do primeiro receio esquecia-se na
delícia de uma metamorfose. Venâncio era o seu escultor. (...) “Coroemo-lo!” bradou de
súbito Venâncio. (...) E sacando da tribuna esplêndida coroa de louros, que ninguém vira,
colocou-a sobre a figura. Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração
encomiástica de Venâncio. Nada para ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da
metamorfose fora uma alucinação. O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava
a ser o pobre Aristarco, mortal, de carne e osso. O próprio Venâncio. o fiel Venâncio.
abandonava-o. E por causa daquilo, daquela coisa mesquinha sobre a peanha, aquele
pedaço de Aristarco, que nem ao menos era gente!

6
A “espera da estátua”, reflexão feita pelo narrador no capítulo I, que chega em forma de
busto, no final, diante da vaidade apoteótica do homenageado, apequena-se até a infâmia
na presença da família de Franco, cuja morte constitui uma tragédia sob sua
responsabilidade.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
(...) Humilde, a um canto, à beira da corrente dos que iam, pouco além da entrada do
anfiteatro, mostraram-me uma família de luto — a família do Franco.”(XI, penúltimo
capítulo)

Casa/família:

Jorge – filho de Aristarco, menino de quinze anos (antes de Sérgio se matricular


no colégio), aparece no primeiro capítulo, é meramente citado no sexto e deixa de
ser mencionado.

Melica – a filha, para quem o pai escolhera para genro, entre os alunos abastados,
o pacato Rômulo.
“A Melica, a altiva e requebrada Amália, lambisgóia, proporções de vareta, fina
e longa, morena e airosa, levava o tempo a fazer de princesa. Dois grandes olhos pretos,
exagero dos olhos pretos da mãe, tomavam-lhe a face, dando-lhe de frente a semelhança
justa de um belo I com dois pingos. Por estes olhos e por sobre os ombros, que tinha
erguidos e mefistofélicos, derramavam se desdéns sobre tudo e sobre todos.”

Ângela – camareira de d. Ema, bela espanhola de vinte anos, vive a provocar os


alunos do internato com seus modos e roupas arregaçadas durante o trabalho.
Protagoniza uma tragédia passional entre seus dois pretendentes, um dos

jardineiros e o criado pessoal de Aristarco, acabando com o primeiro


assassinando o segundo a facadas.

EMA

Esposa de Aristarco, muito bondosa, dona de olhos


negros, belos e tristes. Figura materna para os meninos, aparece
na visita de Sérgio com o pai ao colégio, no ato de sua matrícula,
no jantar de premiação com o colega Egbert (próximo do final) e
nas últimas impressões do narrador antes do incêndio, devido ao
sarampo que o transferiu para a enfermaria, sob seus cuidados.
Neste final, as impressões causadas são confusas e
intensas: não só provocam o esfriamento de seus sentimentos por
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Egbert como são descritas de forma ambígua, que transitam do amor filial ao platônico,
freudiano, edipiano:

“O meu passado eram as lembranças do dia anterior, um especial afago de Ema, uma
atitude sedutora que se me firmava na memória como um painel presente, as duas
covinhas que eu beijava, que ela deixava dos cotovelos no colchão premido, ao partir,
depois da última visita à noite, em que ficava como a esperar que eu dormisse, apoiando
o rosto nas mãos, os braços na cama, impondo-me a letargia magnética do vasto olhar. O
meu futuro era o despertar precoce, a ansiada esperança da primeira visita.”
Quando o colégio é destruído pelo incêndio, ela foge em meio à confusão,
mostrando seu desapego (e infelicidade) em relação à família, que não precisava dela,
conforme desabafara com o menino pouco tempo antes.
Dessa forma, revela-se também como um dos objetos de fachada que o Diretor
ostentava na criação de uma imagem de impecabilidade, de zelador dos princípios morais
e familiares, exemplo de virtude, que emanavam da fama e bom nome do internato.

COLEGAS

Companheiros de classe
Eram cerca de vinte: Rebelo, Gualtério,
Nascimento, Álvares, Almeidinha,
Maurílio, Negrão, Batista Carlos, Cruz,
Sanches, e “uma cambadinha indistinta”.

Rebelo – a quem Sérgio fora


recomendado. Menino sisudo, aplicado e
com problema de visão. Dera bons
conselhos ao colega principiante, mas
acaba sendo repelido por este; tem mau
hálito. Na altura da festa de encerramento
já havia deixado o colégio, por causa dos olhos.

Sanches – Mais velho porém da mesma turma, desperta repulsa no narrador, que
contorna com a façanha de salvá-lo do afogamento em sua primeira natação.
Torna-se seu primeiro protetor e, aos poucos, vai aumentando o grau de
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
intimidade físico-afetiva, até que Sérgio rompe com ele. Passará a persegui-lo por
vingança e despeito.

Bento Alves – vigilante quieto e reservado, forte e bibliotecário. Será o primeiro


amigo de Sérgio. Chega a envolver-se, por causa dele, numa briga violenta que o
leva à prisão. Acaba espancando o namorado, e deixando o colégio, sem revelar a
causa.

Egbert – mais pleno relacionamento do narrador, em seu segundo ano no colégio,


após a saída de Alves até o jantar em casa de Aristarco, depois do que os
sentimentos do menino arrefecem. Estudavam juntos, e em sua companhia Sérgio
vai obter alguns destaques, como notas máximas, medalhas e prêmios.

Outros:

Ribas (exceção, “uma pérola”) melhor voz do coral, chamado pelo narrador de
“angelical”; é adorado por Aristarco.

Barbalho – primeira treta de Sérgio no colégio, torna-se seu constante desafeto.

Malheiro – associa-se a Barbalho para vingar-se de Sérgio e Bento Alves.

Barreto – vizinho de Sérgio na sala de estudo, frequentara o seminário e, com


suas histórias de fogueiras infernais, transmite ao colega o lado mais punitivo e
aterrorizante da religião, afastando-o dela.

Cândido – menino que sofre humilhação pública no episódio do bilhete com o


ramalhete de flores, de Emílio Tourinho, outro aluno.

Nearco da Fonseca – matricula-se em meados de maio, “pernambucano de


ilustre estirpe”; exibe-se primeiro no trapézio, diante de todo o Ateneu, tendo
vindo com fama de exímio ginasta, e mais ainda no grêmio, com seus brilhantes
discursos,tornando-se assunto dos comentários do colégio.

Franco – tem os piores desempenhos do colégio; acostumado às humilhações e


castigos constantes, incluindo a prisão. Acaba morrendo de pneumonia por
consequência do ambiente insalubre, poucos dias antes da vinda de sua família
para a festividade de final de ano.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
“Eram todos culpados; havia de adoecer, havia de adoecer gravemente para que
tivessem remorsos, eles mesmos, o Silvino, Aristarco, todos os seus algozes! Raciocinava
como as vítimas da antiga escola, que se deixavam morrer fiadas no espectro. E ocultou
que sofria.
Devorou-o por semanas uma febre ligeira, mas impertinente. Expunha-se à
soalheira, ao sereno, de propósito. (...)
No dia seguinte, um domingo alegre, Franco estava morto.
(...)
Pouco tempo depois, o Ateneu em festa.
Preparava-se a solenidade da distribuição bienal dos prêmios. ”

Rômulo – aluno rico e pacato escolhido por Aristarco para noivo de sua filha.

Américo – Dera entrada no colégio no final do ano e fugira da primeira vez,


sendo trazido de volta por seu pai e dois criados. Um dos poucos alunos que,
como Sérgio, passavam as férias no Ateneu. Ateia fogo no internato arrebentando
os canos de gás da sala das bacias.

Vigilantes – dez ao todo, eram alunos que detinham a função e o privilégio de


serem responsáveis pela disciplina, cada um, de um grupo de trinta alunos. Eram
vigilantes o Sanches, Bento Alves, Rômulo, entre outros.

“Os vigilantes eram escolhidos por seleção de aristocracia, asseverava Aristarco.


Vigilante era o Malheiro, o herói do trapézio; vigilante era o Ribas, a melhor
vocalização do Orfeão; vigilante era o Mata (...); vigilante o Saulo, que tinha três
distinções na instrução pública; vigilante Rômulo (...).
Sanches era também vigilante.
Estes oficiais inferiores da milícia da casa faziam-se tiranetes por delegação da
suprema ditadura. Armados de sabres de pau com guardas de couro, tomavam a sério a
investidura do mando e eram em geral de uma ferocidade adorável. (...) Regime
siberiano, como se vê, do que resultava que os vigilantes eram altamente conceituados.”

PROFESSORES

Venâncio – encarregado dos pomposos discursos nas festividades abertas.

Bataillard – professor de ginástica.

Mânlio – primeiro professor de Sérgio.


Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
“aula superior de primeiras letras, um homem aprumado, de barba toda grisalha
e cerrada, pessoa excelente, desconfiando por sistema de todos os meninos.”

Dr. Cláudio – ministrava aulas interessantes e presidia o grêmio literário. Faz o


discurso que apresenta, na história, a tese do microcosmo, na qual defende a
existência do internato.

Crisóstomo, M. Delille (francês), Dr. Velho Júnior (inglês). Outros professores


das bancas da Instrução Pública nos exames finais.

INSPETORES
João Numa – “baixote, barrigudo, de óculos escuros, movendo-se com
vivacidade de bácoro alegre”
Silvino – “um grande magro, de avultado nariz e suíças dilaceradas, olhar
miado e vivo como chispas, em órbitas de antro”
velho Margal – “venerando inválido espanhol querido de todos”
Conselheiro

Outras personagens: criadagem numerosa, familiares e visitantes do Ateneu


nas festividades etc.

RESUMO DO ENREDO POR CAPÍTULOS

I- Apresentação do colégio Ateneu e, principalmente, seu diretor Aristarco. O


narrador, então um menino de onze anos, é levado por seu pai a conhecer a
propriedade em que se situa a instituição em duas situações festivas, atentando
para a forte publicidade de que seu responsável cerca o nome e a imagem do
internato. Depois, na primeira visita de matrícula, vê D. Ema, a bondosa esposa
do diretor, e o discurso deste continua em tom de comício, eloquente e
imperativo.

II- Início das aulas a 15 de fevereiro; Aristarco recepciona os alunos de seu


escritório. Ambientação/primeiras impressões da classe e colégio (v. fragmento).
Chamado à pedra (lousa) pelo professor da sala, Mânlio, fica tão envergonhado e
nervoso que sente vertigem e suja as calças; tal fato é revelado por eufemismos7

7
Primeira das passagens “impressionistas” da obra, é sucedida pela expressão
“Do que se passou depois não tenho ideia.” Em episódios de singular importância
para a carga emocional suportada pelo narrador, ao invés de proceder como um
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
(uma vez que é levado ao “roupeiro”). Conselhos de Rebelo (v. fragmento). Após
o recreio, o bondoso colega foi assistir aulas com turmas mais avançadas e Sérgio
é provocado diversas vezes por Barbalho, menino endemoniado; à noite, revida-
lhe com uma bofetada e rolam engalfinhados numa luta rápida pela aproximação
do inspetor. À noite, no silêncio do dormitório, compara sua visão sobre o
internato antes e depois da estréia, inseguro pelo ambiente hostil e bruto que ali
encontrara. Adormece enfim, desalentado e solitário, e tem um pesadelo que
mistura todas as más impressões do primeiro dia.

III- Descrição da “natação”, espécie de grande tanque construído nas


dependências do colégio, de profundidade gradual e ladrilhado no fundo, onde os
internos se banhavam duas vezes ao dia nos meses de verão. Aparição de Ângela.
Em sua estréia, Sérgio é agarrado por uma perna e arrastado até a parte mais
funda, sendo salvo pelo Sanches. Em comentário, no presente, o narrador reavalia
(agora que conhece todos os sucessos posteriores) que na realidade tudo devia ter-
se tratado de um plano de Sanches, o qual fora ele próprio algoz para elevar-se a
salvador. Aproximam-se, e lentamente, com a familiaridade crescente da função
de “explicador” e protetor, passeando juntos à noite nos lugares mais ermos do
colégio, o narrador vai aturando o papel do “sexo frágil” até uma primeira
investida, recebida com uma risada, seguida de alguns dias de frieza por parte do
Sanches; e depois uma segunda, cuja proposta feita ao pé da orelha teve por
consequência a saída de Sérgio, representando o “rompimento oficial” entre eles.
Ocorre que Mânlio havia dividido a turma em duas, e Sérgio caíra na outra,
orientada pelo Sanches, para quem sua desmoralização seria uma vingança.
Desanda grandemente nos estudos, terminando como último da sala, tendo como
consolo um curso noturno de cosmografia ministrado por Aristarco.

IV- O temido livro das notas e como, no Ateneu, as humilhações espetaculadas


pelo diretor surtiam mais efeito que castigos morais. O menino agora anda só
durante o recreio, evitando o Rebelo e sendo ainda perseguido pelo Sanches.
Desperta em Sérgio uma “febre religiosa” que o faz invejar o Ribas, garoto
angelical de voz de ouro do coral, e adorar a Santa Rosália por causa de uma
gravura dada por uma priminha já morta. Maio traz o fim dessa fase e a doença do
pai, que o leva ao leito e cessa as visitas dominicais ao Ateneu. Descrição do coral
e dessa nova forma de pompa de Aristarco, nessas ocasiões vestido com um

naturalista, demorando-se em descrições detalhadas, o autor opta por oferecer


uma ótica sem nitidez, esfumaçada pela ação do tempo e principalmente, dos
gatilhos psicológicos e traumáticos que encerram.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
manto transparente, e fala também do hábito deste de fazer aparições. Meio-dia, e
o horário dos conselhos e reprimendas. Caso do Franco, que teria urinado na água
com que se lavavam os pratos, e sua terrível expiação pública8. As desventuras de
ambos uniram Sérgio ao outro rapaz, que arredio, aos poucos lhe faz revelações,
como mostrar uma carta do pai, vinda de Mato Grosso, que o fizera chorar
(desgraça da irmã, que fugindo com o professor de piano do colégio, casado, fora
abandonada dias depois). Pouco tempo depois, Franco o convida para uma
aventura noturna, a vingar-se “da corja”. Levado até o capinzal que fica ao lado
da natação, porque o narrador “lhe aceitara o convite com uma facilidade que
ainda hoje não compreendo”, assiste o colega recolher um monte de garrafas,
quebrá-las, e espalhar seus cacos pelo imenso tanque no qual todos os meninos se
lavariam pela manhã. A intenção de Franco era ter uma testemunha de sua
vingança. Remorso, culpa, preocupação e piedade não deixavam o menino
dormir, sobressaltado com a visão dos colegas ensangüentados, principalmente os
pequenos; vai até a capela e implora um milagre, rezando até adormecer. É
acordado por alguns alunos, que voltavam do banho, de cabelos molhados, e o
tomam por sonâmbulo. Fica sabendo que o banho na natação fora cancelado, pois
a água já servira a seis banhos seguidos sem ser trocada, e o tomaram na chuva.
Depois, ao esvaziar o tanque para limpeza, o funcionário estranhou a quantidade
de cacos, mas ficou por isso. Sérgio procura entre os modelos de bem viver do
colégio e não se enquadra em nenhum.

V- Nova camaradagem, Barreto, vizinho de carteira na sala de estudo, que


estudara em seminário, repleto de histórias de punições e dos suplícios infernais,
passa a considerar a religião “insuportavelmente melancólica” e assim se dissipa
a fase beata, restando “sozinho mais do que nunca”. As “saídas” (visitas de
retorno às casas) ocorriam quinzenalmente; explicação do processo de
recompensas, as “premiações”, em que se acumulavam papeizinhos que podiam
ser trocados por cartões (além de uma saída extraordinária) e uma dezena destes,
por uma condecoração. Amargando péssima reputação e indo de mal a pior nas
notas, acompanhado por um criado, em sua próxima volta para casa, leva a
intenção de falar ao pai com franqueza e pedir auxílio (v. fragmento). Fortalecido
pelos conselhos do pai, mostra-se altivo e arrogante, levantando contra si a
reprovação de Aristarco e os inimigos Barbalho, Sanches e companhia. Discorre
sobre as influências do mal e do meio ali presentes: a forma feminina
personificada em Ângela, a bela camareira espanhola, de 20 anos, de d. Ema; os
8
Outra das passagens “impressionistas”, o narrador, repete-se, ao invés de deleitar-se com
os detalhes escatológicos, escapa por uma linguagem ambígua e eufemística ao relatar o
fato.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
cigarros compartilhados; leituras obscenas. Para comprovar a tese de Barreto de
que a personificação do mal é a mulher, relata o caso do assassinato do jardineiro
de Aristarco, morto a facadas pelo criado da casa, em disputa pelo coração de
Ângela. O assassino, que fugia pelo pátio do colégio, é derrubado pela heróica
intervenção de Bento Alves (vigilante mencionado pela primeira vez na história).
O menino Sérgio consegue esgueirar-se com outros rapazes até a copa da
residência a fim de ver o cadáver. Longa descrição da beleza provocante e história
da camareira. Depois, a descrição de Bento Alves, um “misterioso”: forte,
respeitado, sossegado, freqüentador das aulas superiores, recente alvo das fofocas
do colégio. E a mudança destas para a entrada de um aluno célebre, “Nearco da
Fonseca, pernambucano de ilustre estirpe”. Este faz uma apresentação de
ginástica digna de uma olimpíada, e o Ateneu, assombrado, o ovaciona.

VI- O verdadeiro palco do jovem prodígio, no entanto, seria a recente instituição


“Grêmio Literário Amor ao Saber”9, de dificultosa admissão, para onde fora
imediatamente empossado, e seus discursos seriam ainda mais aclamados que a
performance no trapézio. Era presidida pelo dr. Cláudio, professor capaz e
benévolo, e possuía o grande atrativo da biblioteca de quase seiscentos volumes,
E por bibliotecário, Bento Alves. Narração destas duas amizades, aos livros, e
desta que seria a segunda relação do narrador no colégio (v. fragmento). Como
os estatutos do Grêmio previssem duas solenidades anuais, de abertura e
encerramento, segue-se uma descrição dos preparativos da primeira, na qual o
longo discurso de seu presidente efetivo deu margem à discussão entre dois dos
presentes, ambos de maus bofes, o dr. Zé Lobo, pai de um aluno, e um senador,
avô de outro. E da segunda, ocorrida em princípios de outubro, na qual não houve
discussão (pois ambos não haviam comparecido). Desta vez, o longuíssimo
discurso do dr. Cláudio versa sobre a Arte. Ao longo dele, Bento Alves é
provocado pelo Malheiro, seu desafeto, que se associara ao Barbalho; este espiara
enquanto Bento depositava ramalhetes de flores de presente no armário de Sérgio.
Acaba com uma briga entre os dois maiores, que leva Bento à prisão,
comunicando o amigo por um bilhete.

VII- A aproximação das férias coloca os estudantes do Ateneu em profundo tédio


e ansiedade pelo fim, os jogos e brincadeiras vinham e iam às modas: bola
elástica, esferas de vidro10, amarela, chicote-queimado, petecas. E todo um
9
Curiosidade: Em 1879 (nove anos antes da publicação de O Ateneu), seu autor, ao
transferir-se do colégio Abílio para o D. Pedro II, funda um grêmio literário chamado
“Amor ao Progresso”.
10
Bolinhas de gude.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
comércio, ativo como uma Bolsa, movido a penas, selos postais (principalmente),
cigarros e até dinheiro. Tais transações eram proibidas no Ateneu, e sua
ilegalidade as tornava ainda mais interessantes. A certas horas da tarde, a sala de
estudo era frequentada por todos os alunos do colégio ao mesmo tempo,
misturados; descrição do tráfego do bilhetinho e funcionamento do telégrafo-
martelinho, complexo conjunto de linhas sob as carteiras e tabelinhas com o
sistema de códigos, um dia flagrado e destruído pelo inspetor Silvino, que
atentara para as intrigantes pancadinhas. O aborrecimento imperava, relaxava-se o
horário e a inspeção; nos dormitórios os boatos e fofocas rolavam soltos,
sobretudo no aposento dos médios, em que se comentava sobre d. ema e o
professor Crisóstomo; entre os pequenos formava-se uma “academiazinha de
investigadores” que se debruçavam sobre curiosidades científicas como “como se
vem à vida?”. Descrição de Melica, filha de Aristarco, e Rômulo, estudante mole,
gordo e ricaço, apelidado mestre cook, e escolhido por Aristarco para seu genro,
desprezado pela insuportável jovem. Tocador do tambor na banda do colégio, o
que acarreta longa narração sobre tal. Relato do encontro entre o narrador e
Rômulo, no corredor da biblioteca, em que este se vinga de um recente bullying
esmurrando e deixando-o no estendido embaixo de uma escada, com três pregos
na cabeça dos últimos degraus.
Início dos exames finais, resultados. Narrador menciona a saída de Rebelo
do colégio, meses antes, por causa dos olhos. Exposição de desenhos; desgosto
para o menino, que arduamente trabalhara na cópia de uma cabra tibetana que
saíra uma obra-prima, mas aparece vandalizada com uma cruz de tinta; aos
prantos, Sérgio rasga o desenho em pedaços. Inúmeros alunos escolhem o rosto
de Aristarco como tema e têm seus retratos em posições especiais, posteriomente
recolhidos e levados pelo diretor, massageando-lhe o ego.

VIII- Segundo ano no internato; no anterior, Sérgio matriculara-se no terceiro e


último ano do curso elementar (dos pequenos). Agora ingressa no ensino
secundário (primeiro ano dos maiores).
Passeios. Flash back do ano anterior, excursão à montanha, pelo caminho
do Corcovado até a chapada da Caixa d’Água, para o qual despertaram às duas da
manhã para lá almoçarem, e voltarem destruídos de cansaço. Depois, narração do
piquenique no Jardim Botânico, para o qual foram levados por um bonde especial,
ao meio-dia, com distribuição periódica de guloseimas (patrocinadas pelas
famílias), para a qual alguns pares de rapazes não voltavam de seus refúgios no
bosque. Às quatro horas, um grande banquete foi servido, com abundância de
carnes assadas e garrafas de vinho, e encerrado por não menos abundante
temporal. De volta ao colégio, tiveram licença de folgar até a hora da ceia, para a
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
qual Aristarco compareceu “tétrico como o juízo final”, antecipando a descoberta
de um casal no Ateneu, cúmulo da desonra e imoralidade, a ser exemplarmente
punido no dia seguinte, juntamente com todos os envolvidos. Ora, segundo
Sérgio, praticamente todos os estudantes, direta ou indiretamente sabiam do caso,
o que tornava qualquer um passível de punição, espalhando o terror entre os
alunos.
“Eu, particularmente, tinha valiosos motivos de sobressalto.” Flash back
para contar o episódio que o fizera cair em desgraça com Aristarco; durante as
férias, Bento Alves chegara a visitá-lo em casa e conhecer sua família; de volta às
aulas, fora presenteado várias vezes e o namoro ia muito sereno, quando o rapaz,
sem explicação aparente, sofre brutal transformação e, com o semblante
completamente desvairado, o espanca no mesmo local do episódio com Rômulo.
Interrompidos pelo diretor, o agressor evade-se, e no mesmo dia se desliga do
colégio; Sérgio, no calor da briga, acaba enfrentando-o com réplicas, ataca-o e
chega a arrancar fios de seu bigode (v. fragmento). Pela manhã, acompanhado de
um grande cortejo de professores e inspetores, chama o nome de doze rapazes
arrolados no caso e começa o discurso de acusação, abreviado pelo narrador, que
poupa o leitor. Mas era só o começo. Em meio a onda de alívio que perpassara a
rapaziada após o desfecho, Franco tanto provoca que acaba minando a paciência
de Silvino, o inspetor, que se atira sobre ele aos chutes, sendo atacado por um
grupo de alunos, num motim cujas vinte e poucas cabeças, a de Sérgio inclusa,
foram convocadas à tardinha, em nome do diretor, para castigo, no corredor que
partia do refeitório. Ouvem-se palavras soltas da conversa entre Aristarco e o
guarda-livros, na sala das visitas, das quais se depreende que o diretor hesita sobre
a punição a aplicar, quando, no pátio, recomeça enorme barulho e novo motim, no
qual se atacam os inspetores: “Era a revolução da goiabada! Uma velha queixa.”
Na hora da ceia, com boatos de que Aristarco se rendia à revolta e ia falar,
reaparece, manso, e num discurso conciliatório, perdoa a todos.

IX- A anistia geral contenta Sérgio, pois entre os envolvidos estava seu amigo
Egbert. Faz um flash back para contar o início dessa nova amizade, que
substituíra a de Bento Alves, e um balanço de seus relacionamentos, sendo este
último o melhor de todos. Narra longamente os estudos e outras ocupações que
tinham juntos até chegar ao prêmio, concedido a poucos, de jantar em casa do
diretor, para o qual tivera que ser convidado pelo mérito de um exame realizado
em dupla; das impressões do jantar, destaca-se a figura de Ema, e após ele, o
esfriamento da relação.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
X- Início dos exames do secundário. Diferentemente dos do curso elementar, ao
qual estão presentes os professores do colégio, e que ocorrem em suas próprias
dependências, os estudantes secundaristas são submetidos às provas na Secretaria
da Instrução Pública, e avaliados por uma banca de mestres desconhecidos. Sérgio
descreve a sensação de terror que o assaltava, e a despeito das diferenças entre os
estilos de provas das duas épocas históricas, o vestibulando vai se identificar com
a situação representada (v. fragmento). Após descrever as mesas de várias
disciplinas (francês, filosofia, geografia, retórica, português, matemática e inglês)
no seu habitual tom realista, inicia um flash back da noite do jantar com Ema,
mudando para o tom usado na narração de suas impressões, e atribui o fim de seus
sentimentos por Egbert a transformação causada por um sonho que tivera com ela
naquela noite. Refere também a ordem de sua transferência para o dormitório dos
maiores, o chalé, contribuindo para seu afastamento. Relato dos comportamentos
dos colegas e sua arrogância de terceira classe (os mais velhos), que divide em
tipos: os ingênuos, os belos, os decaídos, os de orgulho masculino, os
gorduchosos etc. Volta à Ângela e um dia descobre que alguns dos rapazes
detinham a artimanha de retirar as tábuas da janela e descer por uma corda de
lençóis ao quintal da casa de Aristarco, e consegue vingar-se de Rômulo, ao trocar
de lugar com o vigia e impedir-lhe a passagem de volta, sendo colhido por toda a
madrugada por grossa chuva, e na manhã seguinte, pelo diretor.

XI- Curso do dr. Cláudio aos sábados (interessantíssimo), e tese do microcosmo


em defesa do internato. Sérgio pensa em Franco e vai visitá-lo, pois soubera que
estava doente desde a última estada na prisão, local insalubre. No dia seguinte, ele
estava morto, e poucos depois, o Ateneu em festa, em preparativos para a
solenidade da distribuição bienal dos prêmios11. Neste ano, Aristarco estava
especialmente empolgado, pois os alunos haviam encomendado um busto de
bronze em sua homenagem. No dia 13 de novembro, o colégio abriu-s aos
visitantes às nove da manhã; o narrador relata todo o evento, a emoção do diretor,
o discurso de Venâncio à estátua, e o capítulo termina mostrando a família de
Franco, de luto.

XII- Inicia com as impressões de Sérgio já na enfermaria. Flash back da causa de


sua permanência no colégio, durante as férias, pela viagem da família à Europa
devido à saúde do pai. Dias depois, diagnosticado com sarampo, é transferido

11
Tal festejo reveza com a exposição de desenhos, ocorrendo um ano um, no próximo o
outro.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
para a enfermaria, uma ala da própria residência de Aristarco, onde é tratado
exclusiva e diretamente por Ema. Incêndio no Ateneu.
Flash back reporta a entrada de um novo aluno no colégio, Américo,
pouco antes do recesso, e sua primeira fuga, trazido de volta pelo braço do rígido
pai. Volta ao incêndio. Sérgio transpõe a porta que separa a casa do colégio e
corre para o Ateneu; os serviços de extinção ainda não haviam começado e
Aristarco se encontrava agitado e aos gritos no terraço lateral, enquanto o fogo ia
consumindo as estruturas noite adentro. Os desabamentos já haviam começado
quando as bombas chegaram, mas elas pouco adiantaram. A notícia espalhara-se
pela cidade e vários alunos haviam vindo. Após o desespero inicial, o proprietário
aceitava a ruína com silenciosa dignidade, recebendo condolências de homens
ilustres que o cumprimentavam. Depois de dormir algumas horas e voltar ao local
da tragédia, muitos alunos ainda cercavam Aristarco, no mesmo lugar, com
escombros por todos os lados. Comentara-se que havia sido Américo quem
iniciara o fogo. Mas nenhuma notícia, nem a do desaparecimento de Ema, tirava o
diretor de sua imobilidade. O narrador encerra com frieza reflexiva sua crônica de
saudades.

Fragmentos

“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a
luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das
ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor
doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos
cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível
a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na
influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita,
dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos
houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos
ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos
alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a
atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das
aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas,
um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo — a
paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.
Eu tinha onze anos.

II

(...) Os meus bons companheiros, de classes atrasadas, indicaram a sala de ensino


superior de primeiras letras, que devia ser a minha, e se despediram.
O Professor Mânlio, a quem eu fora recomendado, recomendou-me por sua vez
ao mais sério dos seus discípulos, o honrado Rebelo. Rebelo era o mais velho e tinha
óculos escuros como João Numa. O vidro curvo dos óculos cobria-lhe os olhos
vigorosamente, monopolizando a atenção no interesse único da mesa do professor. Como
se fosse pouco, o zeloso estudante fazia concha com as mãos às têmporas, para impedir o
contrabando evasivo de algum olhar escapado ao monopólio do vidro.
Este luxo de aplicação não provinha do simples empenho de fazer atitude de
exemplar. Rebelo sofria da vista, tanto que muito tarde pudera entregar-se aos estudos.
Recebeu-me com um sorriso benévolo de avô; afastou-se um pouco para me dar lagar e
esqueceu-me incontinenti, para afundar-se na devoradora atenção que era o seu apanágio.
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me
divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e
caretas de símio — palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicanca,
alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; o
Álvares, moreno, cenho carregado, cabeleira espessa e intonsa de vate de taverna, violento
e estúpido, que Mânlio atormentava, designando-o para o mister das plataformas de
bonde, com a chapa numerada dos recebedores, mais leve de carregar que a
responsabilidade dos estudos; o Almeidinha, claro, translúcido, rosto de menina, faces de
um rosa doentio, que se levantava para ir à pedra com um vagar lânguido de
convalescente; o Maurílio, nervoso, insofrido, fortíssimo em tabuada: cinco vezes três,
vezes dois, noves fora, vezes sete?... Ia estava Maurílio, trêmulo, sacudindo no ar o
dedinho esperto... olhos fúlgidos rosto moreno, marcado por uma pinta na testa; o Negrão,
de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso,
incapaz de ficar sentado três minutos, sempre à mesa do professor e sempre enxotado,
debulhando um risinho de pouca-vergonha, fazendo agrados ao mestre, chamando-lhe
bonzinho, aventurando a todo ensejo uma tentativa de abraço que Mânlio repelia,
precavido de confianças; Batista Carlos, raça de bugre, válido, de má cara, coçando-se
muito, como se o incomodasse a roupa no corpo, alheio às coisas da aula, como se não
tivesse nada com aquilo, espreitando apenas o professor para aproveitar as distrações e
ferir a orelha aos vizinhos com uma seta de papel dobrado. Às vezes a seta do bugre
ricochetava até à mesa de Mânlio. Sensação; suspendiam-se os trabalhos; rigoroso
inquérito. Em vão, que os partistas temiam-no e ele era matreiro e sonso para disfarçar.
Dignos de nota havia ainda o Cruz, tímido, enfiado, sempre de orelha em pé,
olhar covarde de quem foi criado a pancadas, aferrado aos livros, forte em doutrina cristã,
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
fácil como um despertador para desfechar as lições de cor, perro como uma cravelha para
ceder uma idéia por conta própria; o Sanches, finalmente, grande, um pouco mais moço
que o venerando Rebelo, primeiro da classe, muito inteligente, vencido apenas por
Maurílio, na especialidade dos noves fora vezes tanto, cuidadoso dos exercícios, êmulo do
Cruz na doutrina, sem competidor na análise, no desenho linear, na cosmografia.
O resto, uma cambadinha indistinta, adormentados nos últimos bancos,
confundidos na sombra preguiçosa do fundo da sala.
(...) Logo a sair ao pátio encontrei o benévolo Rebelo, que me esperava. (...) Vi
então, de dentro da brandura patriarcal do Rebelo, descascar-se
uma espécie de inesperado Tersito, produzindo injúrias e
maldições. “Uma corja! Não imagina, meu caro Sérgio. Conte
como uma desgraça ter de viver com esta gente.” E esbeiçou
um lábio sarcástico para os rapazes que passavam. “Ai vão as
carinhas sonsas, generosa mocidade... Uns perversos! Têm
mais pecados na consciência que um confessor no ouvido; uma
mentira em cada dente, um vicio em cada polegada de pele.
Fiem-se neles. São servis, traidores, brutais, adulões. Vão
juntos. Pensa-se que são amigos... Sócios de bandalheira! Fuja
deles, fuja deles. Cheiram a corrupção, empestam de longe.
Corja de hipócritas! Imorais! Cada dia de vida tem-lhes
vergonha da véspera. Mas você é criança; não digo tudo o que
vale a generosa mocidade. Com eles mesmos há de aprender o que são...
(...) Olhe; um conselho; faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se. “Isto é
uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. Não sou criança, nem idiota;
vivo só e vejo de longe; mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios fazem aqui dois sexos,
como se fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são
brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos
como meninas ao desamparo. Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é a
melhor das vidas, com o acolhimento dos mais velhos, entre brejeiro e afetuoso, estão
perdidos... Faça-se homem, meu amigo! Comece por não admitir protetores.”
(...)

III

(...) Eu desejei um protetor, alguém que me valesse, naquele meio hostil e


desconhecido, e um valimento direto mais forte do que palavras. Se não houvesse
olvidado as práticas, como a assistência pessoal do Rebelo, eu notaria talvez que pouco a
pouco me ia invadindo, como ele observara, a efeminação mórbida das escolas. Mas a
teoria é frágil e adormece como as larvas friorentas, quando a estação obriga. A letargia
mora! pesava-me no declive. E, como se a alma das crianças, à maneira do físico,
esperasse realmente pelos dias para caracterizar em definitivo a conformação sexual do
indivíduo, sentia-me possuído de certa necessidade preguiçosa de amparo, volúpia de
fraqueza em rigor imprópria do caráter masculino. (...) Com esta crise do sentimento
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
casava-se o receio que me infundia o microcosmo do Ateneu. Tudo ameaça os indefesos.
O desembaraço tumultuoso dos companheiros a recreação, a maneira fácil de conduzir o
trabalho, pareciam-me traços de esmagadora superioridade; espantava-me a viveza dos
pequenos, tão pequenos alguns! O braço do Sanches vinha assim salvar-me, segunda vez,
de submersão, acudindo na vertigem do momento. (...)
Em dois meses tínhamos vencido por alto a matéria toda do curso; e, com este
preparo, sorria-me o agouro de magnífico futuro, quando veio a fatalidade desandar a
roda.
Referi que Sanches me provocava uma repugnância de gosma. Depois do caso da
natação, o reconhecimento predominou sobre a repulsa e eu admiti as assiduidades com
que de então por diante me quis beneficiar o companheiro. Afinal, porém, tornou-me a
aparecer o afastamento instintivo que me separava do rapaz.
Descrente da fraternidade do colégio, cuja personificação representava-me o
Barbalho, eu temia o alvoroço do recreio. Conservar-me na sala das lições era uma
medida de prudência. Estes intervalos regulamentares de descanso, aproveitava-os para
me adiantar no curso. Pois bem, durante estes momentos de aplicação excepcional em que
ficávamos a sós, eu e o grande, definiu-se o fundamento da antipatia pressentida. A
franqueza da convivência aumentou dia a dia, em progresso imperceptível. Tomávamos
lugar no mesmo banco. Sanches foi-se aproximando. Encostava-se, depois, muito a mim.
Fechava o livro dele e lia no meu, bafejando-me o rosto com uma respiração de cansaço.
Para explicar alguma coisa, distanciava-se um pouco; tomava-me, então, os dedos e
amassava-me até doer a mão, como se fosse argila, cravando-me olhares de raiva
injustificada. Volvia nova” mente às expressões de afeto e a leitura prosseguia, passando-
me ele o braço ao pescoço como um furioso amigo. Eu deixava tudo, fingindo-me
insensível, com um plano de rompimento em idéia, embargado, todavia, pela falta de
coragem. Não havia mal naquelas maneiras amigas; achava-as, simplesmente,
despropositadas e importunas, máxime não correspondendo à mais insignificante
manifestação da minha parte. Notei que ele variava de atitude quando um inspetor
mostrava a cabeça à entrada da sala e quando pretendia informar-me de alguma disciplina
transcendente.

V
(...)
Vinha buscar-me um criado. Eu, adiante do portador, na minha fardeta de botões
dourados, parti do Ateneu, grave e mudo como um diplomata a caminho da conferência.
Ia efetivamente ruminando a mais séria das intenções: afrontar uma entrevista franca com
meu pai, descrever-lhe corajosamente a minha situação no colégio e obter um auxilio para
reagir.
Meu pai acabava de deixar o leito. Nada sabia dos meus últimos insucessos.
Ficou admirado e consternado. Daí o êxito completo da minha entrevista.
Dias depois, no colégio, eu era um pequeno potentado. Derrubei o Sanches;
consegui revogação da disciplina das espadas; reconquistei a benevolência de Mânlio;
levantei a cerviz! Desembaraçado do arbítrio pretensioso de um vigilante, o trabalho
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
agradou-me. Um conselho de casa afirmou-me que havia a nobre opinião de Aristarco e a
opinião ainda melhor da cartilha, mas havia uma terceira — a minha própria, que se não
era tão boa, tão abalizada como as outras, tinha a vantagem alta da originalidade. Com
uma palavra fez-se um anarquista.
Daí por diante era fatal o conflito entre a independência e a autoridade. Aristarco
tinha de roer. Em compensação, adeus esperanças de ser um dia vigilante! principalmente:
adeus indolência feliz dos tempos beatos!
Para a campanha da reação, armazenei uma abastança inextinguível de vaidade e
deliberei menosprezar do melhor modo prêmios e aplausos com que se diplomavam os
grandes estudantes. (...)
Desenvolveu-se nas alturas uma antipatia por mim, que me lisonjeava como uma
das formas da consideração. Chegava eu assim, por trajeto muito diferente do que
sonhara, à desejada personificação moral de pequeno homem.
Invejosos da minha altivez, os inimigos fizeram partido. Sanches era o chefe, na
cortina; Barbalho era o líder abertamente. Eu sorria vaidoso, levando de vencida a
guerrinha, como a espuma à proa de um barco.
Este foi o caráter que mantive, depois de tão várias oscilações. Porque parece que
as fisionomias do caráter chegamos por tentativas, semelhante a um estatuário que
amoldasse a carne no próprio rosto, segundo a plástica de um ideal; ou porque a
individualidade moral a manifestar-se, ensaia primeiro o vestuário no sortimento
psicológico das manifestações possíveis.
(...)

VI
(...)
A maior utilidade do Grêmio para mim era a biblioteca. Uma coleção de
quinhentos a seiscentos volumes de variado texto, zelados pela vigilância cerberesca do
Bento Alves, bibliotecário, eleito de voto unânime.
Alves era da associação como quase todos os alunos do curso superior (...)
Esta frequência angariou-me dois amigos, dois saudosos amigos — Bento Alves
e Júlio Verne. (...)
A amizade do Bento Alves por mim, e a que nutri por ele, me faz pensar que,
mesmo sem o caráter de abatimento que tanto indignava ao Rebelo, certa efeminação pode
existir como um período de constituição moral. Estimei-o femininamente, porque era
grande, forte, bravo; porque me podia valer; porque me respeitava, quase tímido, como se
não tivesse animo de ser amigo. Para me fitar esperava que eu tirasse dele os meus olhos.
A primeira vez que me deu um presente, gracioso livro de educação, retirou-se corado,
como quem foge. Aquela timidez, em vez de alertar, enternecia-me, a mim que aliás devia
estar prevenido contra escaldos de água fria. interessante é que vago elemento de
materialidade havia nesta afeição de criança, tal qual se nota em amor, prazer do contato
fortuito, de um aperto de mãos, da emanação da roupa, como se absorvêssemos um pouco
do objeto simpático.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Na biblioteca, Bento Alves escolhia-me as obras: imaginava as que me podiam
interessar; e propunha a compra, ou as comprava e oferecia ao Grêmio, para dispensar-se
de mas dar diretamente. No recreio não andávamos juntos; mas eu via de longe o amigo,
atento, seguindo-me o seu olhar como um cão de guarda.
Soube depois que ameaçava torcer o pescoço a quem pensasse apenas em me
ofender; seu irmão adotivo! confirmava.
Eu, que desde muito assumira entre os colegas um belo ar de impávida altania,
modificava-me com o amigo, e me sentia bem na submissão voluntária, como se fosse
artificial a bravura, à maneira da conhecida petulância feminina.
A malignidade do Barbalho e seu grupo não dormia. Tremendo de represália do
Alves, faziam pelos cantos escorraçada maledicência, digna deles. (...)
O meu bom amigo, exagerado em mostrar-se melhor, sempre receoso de
importunar-me com uma manifestação mais viva, inventava cada dia nova surpresa e
agrado. Chegara ao excesso das flores. A princípio, pétalas de magnólia seca com uma
data e uma assinatura, que eu encontrava entre folhas de compêndio. As pétalas
começaram a aparecer mais frescas e mais vezes; vieram as flores completas. Um dia,
abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um
ramalhete. Santa Rosália da minha parte nunca tivera um assim. Que devia fazer uma
namorada? Acariciei as flores, muito agradecido, e escondi-as antes que vissem.
Mas o Barbalho espiava, ultimamente constituído fiscal oculto dos meus passos.
As circunstâncias o tinham aproximado do Malheiro, e o açafroado caolho
pretendia manejar a rivalidade dos dois maiores: um conflito entre Malheiro e Bento podia
ser a vergonha para mim.
O Malheiro, com o vozeirão grave de contrabaixo, começou a infernizar-me por
epigramas. Queria incomodar o Alves mortificando-me, julgando que me queixasse. Eu
devorava as afrontas do marmanjo sem descobrir o meio de tirar correta desforra.
Barbalho lembrou-se de tomar as dores. Depois de incitar o Malheiro contra mim, incitou
o Bento contra o Malheiro. Procurou-o misteriosamente e informou: “o Malheiro não
passa pelo Sérgio que não pergunte quando é o casamento... é preciso casar... Ainda hoje
pediu convite para as bodas. O Sérgio está desesperado”.

VII
(...)
A injúria equilibrou-me do espanto. Estava tudo perdido. Deitei bravura.
“Mestre, mestríssimo cook!” gritei-lhe à barba. Não sei bem do que houve. Quando dei
por mim, estava estendido embaixo de uma escada. Entraram-me na cabeça três pregos,
que havia nos últimos degraus. Ponderando que tinha no futuro tempo de sobra para
vingança, levantei-me e sacudi da roupa a poeira humilhante da derrota.
Afinal, o dia chegou dos exames primários.
Provas de formalidade para as transições do curso elementar: primeira aula, para
a segunda, segunda para a terceira, terceira para o ensino secundário.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Levavam-se assentos e mesas para o salão do oratório, o altar de um reposteiro, e
repotreava-se a comissão solene, da qual faziam parte personagens da instrução Pública,
com o diretor e os professores.
Aristarco representava, na mesa, o voto pensado do guarda-livros. Contas justas:
aprovação com louvor, cambiando às vezes para distinção simples; atraso de trimestre,
aprovação plena com risco de simplificação; atraso de semestre, reprovado.
Havia no Ateneu, fora desta regra, alunos gratuitos, dóceis criaturas, escolhidas a
dedo para o papel de complemento objetivo de caridade, tímidos como se os abatesse o
peso do beneficio; com todos os deveres, nenhum direito, nem mesmo o de não prestar
para nada. Em retorno, os professores tinham obrigação de os fazer brilhar, porque
caridade que não brilha é caridade em pura perda.
(...)

VIII
(...)

Andavam assim as coisas, em pé de serenidade, quando ocorreu a mais espantosa


mudança.
Não sei que diabo de expressão notei-lhe no semblante, de ordinário tão bom.
Desvairamento completo. Apenas me reconheceu, atirou-se como fizera Rômulo e
igualmente brutal. Rolamos ao fundo escuro do vão da escada. Derribado, contundido,
espancado, não descurei da defesa. Entrevi na meia obscuridade do recanto um grande
sapato embolorado. Lutando na poeira, sob o joelho esmagador do assaltante, ataquei-lhe
a cabeça, a cara, a boca, a formidáveis golpes de tacão, apurando a energia de sola ferrada
com a onipotência dos extremos. Bento Alves deixou-me bruscamente.
Tínhamos lutado em silêncio, sem que nada mais se ouvisse do que os encontrões
pelo soalho. No corredor, entretanto, vimos Aristarco que chegava como em socorro.
Bento Alves passou; imobilizou-o com o olhar sem vista, esgazeado, medonho, de quem
acaba de perpetrar um homicídio e desapareceu, trôpego, manchado de pó, lábios
inflamados, desordem nos cabelos.
Aristarco veio sobre mim. Que explicasse a briga! Eu estava como o adversário,
empoeirado e sujo como de rolar sobre escarros.
Respondi-lhe com violência.
“Insolente!” rugiu o diretor. Com uma das mãos prendendo-me a blusa, a estalar
os botões, com a outra pela nuca, ergueu-me ao ar e sacudiu. “Desgraçado! desgraçado,
torço-te o pescoço! Bandalhozinho impudente! Confessa-me tudo ou mato-te.”
Em vez de confessar, segurei-lhe o vigoroso bigode. Fervia-me ainda a excitação
do primeiro combate; não podia olhar conveniências de respeito. Esperneei, contorci-me
no espaço como um escorpião pisado. O diretor arremessou-me ao chão. E, modificando o
tom, falou: “Sérgio! ousaste tocar-me!”
— Fui primeiro tocado! repliquei fortemente.
— Criança! feriste um velho!
Reparei que havia no chão fios brancos de bigode.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
— Fui vilmente injuriado, disse.
Ah! meu filho, ferir a um mestre é como ferir ao próprio pai, e os parricidas serão
malditos.
O tom comovido deste final inesperado impressionou-me até o intimo da alma.
Estava vencido. Fiquei por um minuto horrorizado de mim mesmo. De volta do
atordoamento, achei-me só no corredor. A saída dramática do diretor aumentou-me ainda
remorsos. Houve uma reação de esforço moral e desatei nervosamente em pranto, chorei a
valer, amparando-me ao peitoril de uma janela.
Contava certo com um castigo excepcional, uma cominação qualquer do célebre
código do arbítrio, em artigo cujo grau mínimo fosse a expulsão solene.
Esperei um dia, dois dias, três: o castigo não veio. Soube que Bento Alves
despedira-se do Ateneu na mesma tarde do extraordinário desvario. Acreditei algum
tempo que a minha impunidade era um caso especial do afamado sistema das punições
morais e que Aristarco delegara ao abutre da minha consciência o encargo da sua justiça e
desafronta. Hoje penso diversamente: não valia a pena perder de uma vez dois pagadores
prontos, só pela futilidade de uma ocorrência, desagradável, não se duvida, mas sem
testemunhas.
O caso morreu em segredo de discrição, encontrando-nos eu e o diretor num
conchavo bilateral de reserva, como se nada houvesse.
O ressentimento, porém, devia ser fundo e a perspectiva tormentosa do processo
ameaçava-me como o ensejo iminente da desforra.
Não foi possível dormir tranquilo.
À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda a
grandeza fúnebre dos justiçadores. De preto. Calculando magnificamente os passos pelos
do diretor, seguiam-no em guarda de honra muitos professores. À porta fronteira, mais
professores de pé e os bedéis ainda, e a multidão bisbilhoteira dos criados.
Tão grande a calada, que se distinguia nítido o tique-taque do relógio, na sala de
espera, palpitando os ansiados segundos.
Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com um
bafejo de todopoderoso.
E, sem exórdio:
“Levante-se, Sr. Cândido Lima!
“Apresento-lhes, meus senhores, a Sr.a D. Cândida”, acrescentou com uma ironia
desanimada.
“Para o meio da casa! e curve-se diante dos seus colegas!”
(...)

IX
(...)
Conheci pela primeira vez a amizade. (...)
A convivência do Sanches fora apenas como o aperfeiçoamento aglutinante de
um sinapismo, intolerável e colado, espécie de escravidão preguiçosa da inexperiência e
do temor; a amizade de Bento Alves fora verdadeira, mas do meu lado havia apenas
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
gratidão, preito à força, comodidade da sujeição voluntária, vaidade feminina de dominar
pela fraqueza, todos os elementos de uma forma passiva de afeto, em que o dispêndio de
energia é nulo, e o sentimento vive de descanso e de sono. Do Egbert, fui amigo. Sem
mais razões, que a simpatia não se argumenta. Fazíamos os temas de colaboração;
permutávamos significados, ninguém ficava a dever. Entretanto, eu experimentava a
necessidade deleitosa da dedicação. Achava-me forte para querer bem e mostrar.
Queimava-me o ardor inexplicável do desinteresse. Egbert merecia-me ternuras de irmão
mais velho.
Tinha o rosto irregular, parecia-me formoso. De origem inglesa, tinha os cabelos
castanhos entremeados de louro, uma
alteração exótica na pronúncia, olhos
azuis de estrias cinzentas, oblíquos,
pálpebras negligentes, quase a fechar,
que se rasgavam, entretanto, a
momentos de conversa, em desenho
gracioso e largo.
Vizinhos ao dormitório, eu,
deitado, esperava que ele dormisse para
vê-lo dormir e acordava mais cedo para
vê-lo acordar. Tudo que nos pertencia,
era comum. Eu por mim positivamente
adorava-o e o julgava perfeito. Era
elegante, destro, trabalhador, generoso.
Eu admirava-o, desde o coração, até a
cor da pele e à correção das formas. (...)

(...) A expectativa mortal das chamadas; uma insignificância: o terror acadêmico!


que nos sobressalta, que nos deprime como o que há de mais grave. E por ocasião das
provas de francês já não era estreante.
A estréia do primeiro exame foi de fazer febre. Três dias antes pulavam-me as
palpitações; o apetite desapareceu; o sono depois do apetite; na manhã do ato, as noções
mais elementares da matéria com o apetite e com o sono. Memoria in albis.
O professor Mânlio animava; a animação, lembrando o perigo, assustava mais.
(...) Que barbaridade aquela conspiração toda contra mim, contra um, de todos aqueles
perfis rebarbativos, contínuos, o Matoso, o Neves Leão, as comissões, qual mais poderosa
e carrancuda; o Conselho da Instrução no fundo, coisa desconhecida, mitológica,
entrevista como as pinturas religiosas das abóbadas sombrias, onde as vozes da nave
engrossam de ressonância, emprestando a força moral à justiça das comissões, com o
prestigio da elevação e do inacessível; mais alto que tudo, o Ministro do império, o
Executivo, o Estado, a Ordem Social, aparato enorme contra uma criança.
Entrava-se pela Rua da Assembléia, para o saguão ladrilhado.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Ali estive não sei que tempo, como um condenado em oratório. Em redor de
mim, morriam de palidez outros infelizes, esperando a chamada. Um, o mais velho de
todos, cadavérico, ar de Cristo, tinha a barba rente, pretíssima, como um queixo de ébano
adaptado a uma cara de marfim velho.
De repente abre-se uma porta. De dentro, do escuro, saia uma voz, uma lista de
nomes: um, outro, outro... ainda não era o meu... Afinal! Não houve nem tempo para um
desmaio. Empurraram-me; a porta fechou-se; sem consciência dos passos, achei-me numa
sala grande, silente, sombria, de teto baixo, de vigas pintadas, que fazia dobrar-se a cabeça
instintivamente. (...) Um dos examinadores levantou-se, apanhou com um movimento
circular um punhado de pontos e lançou-os à urna. A urna de folha cantava irônica sob o
cair dos números, sonoramente.
Tirou-se o ponto; momento de angústia ainda.
Depois: estrofe dos Lusíadas! Estávamos livres da expectativa. Não me
preocupou mais a dificuldade do ponto. (...)
Para a prova oral fui mais animado. A nota da escrita era tranquilizadora.
Os exames orais eram todos nas salas de cima. Entrava-se pela Rua dos Ourives.
Os examinandos estavam em geral mais calmos. (...)
O Ateneu era invejado. Vítimas do uniforme, os discípulos de Aristarco
passeavam entre os grupos dos colégios rivais, sofrendo dichotes, com uma paciência
recomendada de boa educação.
Fumava-se. (...)

XI

(...)
Discutiu a questão do internato. Divergia do parecer vulgar, que o condena.
É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato
com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento
não tem cotação, cobrejam as linhas sinuosas da indignidade, aprova-se a espionagem, a
adulação, a humilhação, campeia a intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem os
prediletos do favoritismo, oprimem os maiores, os mais fortes, abundam as seduções
perversas, triunfam as audácias dos nulos? A reclusão exacerba as tendências ingênitas?
Tanto melhor: é a escola da sociedade.12
Ilustrar o espírito é pouco; temperar o caráter é tudo. É preciso que chegue um
dia a desilusão do carinho doméstico. Toda a vantagem em que se realize o mais cedo13.
A educação não faz almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas
palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias.

12
Negritos nossos.
13
Quando se é fraco e inexperiente? Por quê? Perceba que é nas fragilidades do discurso
pró internato, de uma lógica cruel e excludente, que despreza os “débeis”, que o autor
embasa, implicitamente, os argumentos da tese contrária.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
A energia para afrontá-las é a herança de sangue dos capazes da moralidade,
felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se.
Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande
mundo ali fora, onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes;
onde a razão da maior força é a dialética geral, (...) onde o aviltamento é quase sempre
a condição do êxito, como se houvesse ascensões para baixo; (...)
O internato é útil; a existência agita-se como a peneira do garimpeiro: o que vale
mais e o que vale menos, separam-se.(...)
E não se diga que é um viveiro de maus germens, seminário nefasto de maus
princípios, que hão de arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o
internato a reflete. A corrupção que ali viceja, vai de fora. Os caracteres que ali
triunfam, trazem ao entrar o passaporte do sucesso, como os que se perdem, a marca da
condenação.
O externato é um meio-termo falso em matéria de educação moral; nem a vida
exterior impressiona, porque a família preserva, nem o colégio vive socialmente para
instruir a observação, porque falta a convivência de mundo à parte, que só a reclusão do
grande internato ocasiona. O internato com a soma dos defeitos possíveis é o ensino
prático da virtude, a aprendizagem do ferreiro à forja, habilitação do lutador na luta. Os
débeis sacrificam-se; não prevalecem. (...)
Durante a conferência pensei no Franco. Cada uma das opiniões do professor, eu
aplicava onerosamente ao pobre eleito da desdita, pagando por trimestre o seu abandono
naquela casa, aluguel do desprezo. Lembrava-me do desembargador em Mato Grosso e da
carta que eu lera e da irmã raptada, da vingança extravagante dos cacos, da timidez baixa
das maneiras, da concentração muda de ódios, dos movimentos incompletos de revolta, da
submissão final de escorraçado que se resigna. Tive pena.
Depois da conferência fui visitá-lo.
Estava de cama no salão verde, à direita, perto das janelas. Andava adoentado
desde a última vez que fora à prisão. (...)

A porta da enfermaria descerrava-se


devagarinho e na matinée de musselina elegante
e frouxa aparecia a amável senhora. Vinha
verificar se eu dormia, saber como passava agora.
Bastava a sua presença para reanimar-
me no leito. Tão boa, tão boa no seu carinho de
enfermeira, de mãe.
(...) Com o regime fortificante desta
terapêutica, voltava-me rapidamente a saúde.
Logo depois da festa de educação física,
que foi alguns dias depois da grande solenidade
dos prêmios, eu adoecera. Sarampos, sem mais
nem menos. Por motivo dos seus padecimentos,
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
meu pai seguira para a Europa, levando a família. Eu ficara no Ateneu, confiado ao
diretor, como a um correspondente.
Meia dúzia de rapazes eram meus companheiros. Que terrível soledade o Ateneu
deserto. (...)
Um grito súbito fez-me estremecer no leito: fogo! fogo! Abri violentamente a
janela. O Ateneu ardia. (...)
Entre os reclusos das férias, contava-se um rapaz, matriculado de pouco, o
Américo. Vinha da roça. Mostrou-se contrariado desde o primeiro dia. Aristarco tentou
abrandá-lo; impossível: cada vez mais enfezado. Não falava a ninguém. Era já crescido e
parecia de robustez não comum. Olhavam todos para ele como para uma fera respeitável.
De repente desapareceu. Passado algum tempo vieram três pessoas reconduzindo-o: o pai,
o correspondente e um criado. (...)
Ardia efetivamente o Ateneu. (...)
Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra.
Aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras
recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos
fatos, mas sobretudo — o funeral para sempre das horas.

EXERCÍCIOS

1. (Unicamp/23)
Após reler o parágrafo final de O ateneu, de Raul Pompeia, responda às questões abaixo:

“Lá estava; em roda amontoavam-se figuras torradas de geometria, aparelhos de


cosmografia partidos, enormes cartas murais em tiras, queimadas, enxovalhadas, vísceras
dispersas das lições de anatomia, gravuras quebradas da história santa em quadros,
cronologias da história pátria, ilustrações zoológicas, preceitos morais pelo ladrilho, como
ensinamentos perdidos, esferas terrestres contundidas, esferas celestes rachadas; borra,
chamusco por cima de tudo: despojos negros da vida, da história, da crença tradicional, da
vegetação de outro tempo, lascas de continentes calcinados, planetas exorbitados de uma
astronomia morta, sóis de ouro destronados e incinerados.”

(POMPEIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Publifolha,1997, p. 218.)

a) Identifique o principal recurso estilístico da prosa de Raul Pompéia neste trecho e


explique como essa técnica é responsável por criar uma certa atmosfera de destruição da
escola “O Ateneu”, frequentada pelo jovem Sérgio.

b) Relacione o trecho acima com a crítica institucional que o romance realiza, comentando
o episódio central do desfecho.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia

2. (Unicamp/22)
No ano seguinte, o Ateneu revelou-se-me noutro aspecto. Conhecera-o interessante, com
as seduções do que é novo, com as projeções obscuras de perspectiva, desafiando
curiosidade e receio; conhecera-o insípido e banal como os mistérios resolvidos, caiado de
tédio; conhecia-o agora intolerável como um cárcere, murado de desejos e privações.
(Raul Pompeia, O Ateneu. 7ª. ed. São Paulo: Ática, 1980, p. 98.) Com base no excerto que
inicia o capítulo VIII do romance de Raul Pompéia e no seu subtítulo – crônica de
saudades –, é correto afirmar que a obra é
a) um relato, em primeira pessoa, de experiências coletivas e íntimas, no qual o
protagonista mostra aspectos da realidade social, valorizando o sistema escolar e prisional.
b) um romance de formação, no qual o protagonista revela condutas e intrigas no
ambiente escolar, com elogios à pedagogia corretiva e aos valores morais da burguesia.
c) uma narrativa memorialista de experiências vividas num internato, na qual o
protagonista revela aspectos do sistema educacional da época, com críticas à hipocrisia
burguesa.
d) um relato saudosista de experiências vividas no internato, no qual o protagonista mostra
o poder de sedução e corrupção das amizades, com críticas à falsidade da burguesia.

3. (Enem 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-
me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido
reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento,
pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar
com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na
preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações
o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos,
do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda
pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância,
atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados
às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos,
caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas
de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de
Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto
dos confins da pátria. Os lugares que não procuravam eram um belo dia surpreendidos
pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha
daquela marca para o pão do espírito.
POMPÉIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a
inserção social do colégio demarcado pela
(A) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais.
(B) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional.
(C) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino.
(D) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares.
(E) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse comum do avanço
social.

4. (FUVEST) Assinalar a afirmação correta a respeito de O Ateneu, romance de Raul


Pompéia.
a) Romance de formação que avalia a experiência colegial, por meio de Sérgio, alter
ego do autor.
b) Romance romântico que explora as relações pessoais de adolescentes no colégio,
acenando para o homossexualismo latente.
c) Romance naturalista que retrata a tirania do diretor do colégio e o maternalismo
de sua mulher para com os alunos.
d) Romance realista que apresenta um padrão de excelência da escola brasileira
do final do império.
e) Romance da escola do Brasil no final do império, cuja falência vem assinalada
pelo incêndio do prédio, no final da narrativa.

5. (UNICAMP) No capítulo VII de O Ateneu, ao descrever a exposição de quadros dos


alunos do colégio, o narrador assim se refere aos sentimentos de Aristarco:

“Não obstante, Aristarco sentia-se lisonjeado pela intenção. Parecia-


lhe ter na face a cocegazinha sutil do creiom passando, brincando na ruga
mole da pálpebra, dos pés-de-galinha, contornando a concha da orelha,
calcando a comissura dos lábios, entrevista na franja pelas dobras oblíquas
da pele ao nariz, varejando a pituitária, extorquindo um espirro agradável e
desopilante.”

a) A que intenção se refere o narrador?


b) Quais características de Aristarco estão sugeridas neste comentário do narrador?
c) Lendo esta descrição, você considera que o narrador compartilha dos mesmos
sentimentos de Aristarco? Justifique.

6. Leia as afirmações abaixo sobre o romance "O Ateneu", de Raul Pompéia.


Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
I - Sérgio, em seu relato memorialista, revela a outra face da fachada moralista e virtuosa
que circundava o Ateneu, a face em que se incluem a corrupção, o interesse econômico, a
bajulação, as intrigas e a homossexualidade entre os adolescentes.

II - A narrativa, ainda que feita na primeira pessoa, evita o comentário subjetivo e as


impressões individuais, uma vez que o narrador adota uma postura rigorosa, condizente
com o cientificismo da época.

III - Através da figura do Dr. Aristarco, diretor do colégio, com sua retórica pomposa e
vazia, Raul Pompéia critica o sistema educacional da época e a hipocrisia da sociedade.

Quais estão corretas?


a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.

7. (UM-SP) Assinale a alternativa correta sobre o romance O Ateneu, de Raul Pompéia.


a ) O romance se realiza pelo processo memorialista do narrador, permeado por uma
profunda visão crítica.
b) Trata-se de uma crônica de saudades, em que o narrador revela, a cada instante,
vontade de voltar.
c) O Ateneu representa uma apologia aos colégios internos como forma ideal para a
formação do adolescente.
d) Apesar da tentativa de atingir um estilo realista, a obra mantém uma estrutura
romântica aos moldes de José de Alencar.
e) Todas as personagens do romance buscam identificar-se com o diretor do Ateneu.

Anotações 

© Elaine Joaquim
Livros para a UNICAMP 2023 – prof.a Elaine O Ateneu – Raul Pompéia
capa de O Ateneu: as ilustrações do livro são do próprio autor e encontram-se em
diversos sites.

Ilustrações:
As banhistas, Gustave Courbet (1863).
Jovem lendo, Auguste Renoir (1875).
Os comedores de batatas, Vincent Van Gogh (1885).
O homem amarelo, Anita Malfatti (1916).

Você também pode gostar