Os escritores naturalistas, influenciados pela Revolução
Industrial e pelos avanços da ciência na segunda metade do século XIX, buscam incorporar o método científico à criação literária, dando origem ao romance experimental.
NOVAS PERSPECTIVAS PARA A ORIGEM HUMANA
- A segunda metade do século XIX foi marcada por um intenso desenvolvimento tecnológico e por grandes descobertas científicas. - Um dos avanços mais importantes surgiu com Darwin e seu livro A origem das espécies, em que ele afirmava serem os seres humanos resultado de um longo processo evolutivo e não da criação divina. - Essa teoria influenciou a estética naturalista ao afirmar que o ser humano era um animal como outro qualquer e ao propor a ideia de seleção natural, segundo a qual apenas os indivíduos mais adaptados sobrevivem. - A estética naturalista também foi influenciada pelas ideias de Auguste Comte e Hippolyte Taine. Comte propôs o positivismo, doutrina que considera as ciências experimentais o único parâmetro válido para a construção do conhecimento humano. Já Taine formulou a teoria do determinismo: o condicionamento do ser humano pela raça à qual pertence, pelo meio e pela época em que vive. - O Naturalismo é marcado pela adoção de um viés mais científico para analisar e observar a sociedade. NATURALISMO: A APROXIMAÇÃO ENTRE LITERATURA E CIÊNCIA - Embora não neguem a racionalidade do ser humano, os naturalistas, influenciados pela teoria darwiniana, enxergam- no como um ser submisso às leis naturais. Assim, nos romances naturalistas, o desejo sexual acaba sempre por vencer a razão.
O PROJETO LITERÁRIO DO NATURALISMO
- O romance experimental, proposto por Émile Zola, tem como objetivo compreender o ser humano e transformar a sociedade. Essa abordagem deve ser conduzida sob a ótica do determinismo e da teoria da evolução, fazendo com que a literatura se subordine à ciência. A influência de Émile Zola é claramente assumida pelos autores naturalistas brasileiros. Júlio Ribeiro, em seu romance A carne, escreveu a seguinte dedicatória ao escritor francês. Ao sr. Émile Zola: Não sou temerário, não tenho a pretensão de seguir vossas pegadas; mas não é pretender seguir vossas pegadas escrever um simples estudo naturalista. Ninguém vos imita, todos vos admiram. “Nós nos inflamamos, diz Ovídio, quando se agita o deus que vive em nós”: pois bem o pequenino deus que vive em mim, agitou-se e eu escrevi A carne. Não é L’assomoir, não é La curée, não é La terre; mas... uma candeia não é o sol, e todavia uma candeia ilumina. Seja o que for, aqui está a minha obra. Aceitareis a dedicatória que dela vos faço? Por que não? Os reis, embora cheios de riquezas, nem sempre desprezam os presentes mesquinhos dos pobres camponeses. Permiti que vos preste minha homenagem completa, vassala, de servidor fiel, tomando de empréstimo as palavras do poeta florentino: Tu duca, tu signore, tu maestro. São Paulo, 25 de janeiro de 1888 No Naturalismo, as análises psicológicas dos textos realistas dão lugar à análise dos fenômenos coletivos. Por isso, voltam o olhar para uma classe social que, até aquele momento, não havia merecido destaque nos romances: o proletariado.
Os romances naturalistas são caracterizados como literatura
de tese, porque neles se desenvolve uma estrutura pensada para provar ao leitor a visão determinista da sociedade. A tese mais comum nessas obras envolve a degradação do indivíduo que vive em um ambiente em que as condições de vida são péssimas. As condições de produção das obras naturalistas eram definidas pelo desejo de garantir um caráter científico aos romances. Os escritores acreditavam na possibilidade de tomar as novas descobertas no campo da biologia e da medicina como base para a criação de seus romances, que funcionavam quase como experimentos em que personagens exemplificavam comportamentos específicos e enredos e espaços eram estruturados de maneira a reproduzir o conflito de classes sociais.
Conquistar o público, sem abandonar o olhar naturalista, era um grande
desafio para os escritores do período. Alguns autores, como Aluísio Azevedo, procuravam não ser muito radicais e conciliar as expectativas românticas do público e as inovações do Naturalismo, em uma tentativa de “educar” lentamente o gosto dos leitores. Ainda assim, era comum que os leitores se escandalizassem com os temas e as abordagens característicos dessa estética e com o modo franco e objetivo com que alguns comportamentos eram descritos. Além da exploração do universo íntimo das personagens, nos romances naturalistas é comum o retrato de pessoas que, submetidas a péssimas condições de vida, veem-se subjugadas por seus instintos animais.
LINGUAGEM: A DESCRIÇÃO IMPIEDOSA.
- A racionalidade e a objetividade com que o romance naturalista recria a realidade manifestam-se no texto literário, especialmente por meio do foco narrativo em 3ª pessoa e pelas descrições fotográficas e precisas. • AUTOR DAS MASSAS • Os romances mais conhecidos de Aluísio Azevedo são O mulato (1881), Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). O primeiro deles, apontado como o romance que inaugurou o Naturalismo no Brasil, vendeu dois mil exemplares, número que raramente algum livro alcançava na época. • Sua tramas agradavam ao público por serem repletas de peripécias e de relações amorosas turbulentas e comoventes. • Casa de pensão e O cortiço destacam-se como suas obras mais importantes. Ambas discutem os problemas sociais das classes menos favorecidas da época. Com elas, Aluísio Azevedo imortalizou-se como “o primeiro romancista de massas” da literatura nacional. A FERMENTAÇÃO SANGUÍNEA E SENSUAL
O cortiço é a última e mais primorosa obra de Aluísio
Azevedo. A principal intenção do autor nesse romance é provar que o ser humano é resultado do meio social em que vive.
O livro conta a história de João Romão, um comerciante
inescrupuloso que não mede esforços para aumentar seu patrimônio e ascender socialmente. De dono de taverna, passa a ser proprietário de um cortiço, em que aluga casas simples para trabalhadores pobres. João Romão é ajudado por Bertoleza, uma escrava supostamente alforriada, com quem vive maritalmente. A FERMENTAÇÃO SANGUÍNEA E SENSUAL
O cortiço adquire a condição de uma personagem, que se
expande e multiplica a cada dia. É nele que ocorre o cruzamento das raças, a explosão da sexualidade e a exploração do ser humano, demonstrando das teses deterministas e evolucionistas que influenciaram os escritores do período. Uma personagem que exemplifica o poder que o meio exerce sobre os indivíduos é Jerônimo, um português correto e trabalhador que, aos poucos, é transformado em um indivíduo preguiçoso e indolente. Esse processo pode ser percebido claramente no trecho a seguir. Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”. Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: Jerônimo abrasileirou-se. (...) E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Scipione,1995. p.60. (Fragmento).
UM CASO PARTICULAR
Raul Pompeia consagrou-se na literatura brasileira graças a
uma obra singular: O ateneu, de 1888. O livro traz a história de Sérgio, um menino que vai estudar no Ateneu, um rigoroso colégio interno. É ele mesmo, já adulto, quem narra as suas memórias. O foco narrativo em primeira pessoa, carregado de subjetividade, e as descrições que dão ênfase à agonia e à crueldade são inovações dentro do cenário literário da época.
O autor retrata a escola como uma reprodução da sociedade
burguesa, para a qual o dinheiro é o valor maior. UM CASO PARTICULAR
O Ateneu estabelece um interessante contraste com outro
famoso romance de memórias: Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Enquanto Brás Cubas se expõe ao ridículo, debochando de si mesmo e do próprio leitor, Sérgio reconta com ressentimento suas duras experiências no colégio interno.
Nas duas obras a crítica à sociedade da época é marcante.
Mas em Raul Pompeia podem ser percebidas claramente as influências do Naturalismo, por meio da defesa da ideia de que o indivíduo é produto da sociedade em que vive.