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FUVEST 2024

Machado de Assis

prof.aElaine
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO REALISMO

• DETALHISMO
Contrários à idealização romântica, os realistas propunham-se a fazer um
retrato fiel e verdadeiro da sociedade. Baseados na observação e na pesquisa da
realidade, eles se valem da descrição minuciosa dos detalhes, em especial os menos
positivos e mais desagradáveis.

• OBJETIVIDADE
O Realismo baseia-se no próprio objeto para analisá-lo, negando a
subjetividade, que é a consideração do sujeito nessa observação; ou seja, numa análise
subjetiva, o objeto varia conforme sua imaginação. Portanto, é necessário o controle da
razão sobre a emoção. Para caracterizar o objeto com o máximo de precisão possível,
os realistas servem-se dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) para
descrevê-lo.

• ELEMENTOS DO COTIDIANO
O dia-a-dia prosaico entra para a literatura no período realista. O cotidiano do
povo, com suas atividades simples e corriqueiras vem para a ficção, bem como a
caracterização da classe dominante aparece, agora, com uma função crítica, contrária à
idealização e exaltação de seus costumes.

• IRONIA
Os realistas recorreram imensamente ao uso da ironia para desnudar com
estilo os aspectos degradantes da realidade. O cinismo e o sarcasmo impregnam as
entrelinhas dos textos, manifestando uma crítica aguda.

ROMANCE PSICOLÓGICO

O Romance psicológico privilegia a análise do indivíduo em si, sua relação


com os outros e com o mundo. É um aperfeiçoamento do realismo para realizar uma
investigação racional do espírito humano; observa os comportamentos gerados pelo
tédio, o ciúme, a solidão, a ganância, o amor, a loucura. O desenrolar das ações
(enredo) e o cenário caem para segundo plano, valorizando as personagens.
Machado de Assis é o maior representante brasileiro desse gênero, examinando gestos,
expressões, detalhes, para chegar ao interior do homem.
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Anotações

MACHADO DE ASSIS – VIDA E OBRA

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em


1839, no Rio de Janeiro, filho de uma lavadeira
portuguesa e de um pintor mulato. Pobre, trabalhou em
vários ofícios, e demonstrou desde cedo sua inteligência
singular. Autodidata, passou de aprendiz de tipógrafo a
colaborador de jornais. De secretário do Ministério a
Diretor Geral de Contabilidade, Machado estabilizou sua
situação social e econômica. Casou-se em 1869 com D.
Carolina, e faleceu em 1908.

 CARACTERÍSTICAS GERAIS

Machado imortalizou-se como contista e romancista, mas cultivou também


outros gêneros como poesia, teatro, crônica, crítica, ensaio, tradução. Não se filiou a
nenhuma escola em especial, criando um estilo único.
A obra machadiana pode ser dividida em duas fases:

 Fase romântica ou de aprendizado

Contos: Contos Fluminenses, 1870; Histórias da meia-noite, 1873.


Romances:
Ressurreição, 1872;
A Mão e a Luva, 1874;
Helena, 1876;
Iaiá Garcia, 1878.
Durante sua fase inicial, ainda ligado aos moldes românticos, Machado já
apresentava algumas características que serão desenvolvidas na fase seguinte: o
pessimismo, o casamento por interesse, o dinheiro como mola da sociedade.

 Fase realista ou de maturidade


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Romances:
Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881;
Quincas Borba, 1891;
Dom Casmurro, 1899;
Esaú e Jacó, 1904;
Memorial de Aires, 1908.

Além de três livros de contos e duas miscelâneas.

CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DOS ROMANCES DA FASE REALISTA

A publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881, inicia o Realismo no


Brasil, no mesmo ano em que O Mulato de Aluísio Azevedo introduz o Naturalismo.
A partir desta obra, Machado rompe com a estrutura tradicional da narrativa,
integrando em seu estilo características inéditas na ficção brasileira.

 Abandono da estrutura tradicional da narrativa


 Conversa com o leitor
 Exploração psicológica das motivações interiores das personagens
 Ruptura do envolvimento leitor - enredo
 Quebra da ordem cronológica (Flash back, antecipação etc.)
 Digressão
Técnica dos capítulos curtos
 Pessimismo
 Ironia/Humor
 Análise crítica dos comportamentos individuais na sociedade.

Anotações

QUINCAS BORBA
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CATEGORIAS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA

Vamos, para facilitar, acordar o seguinte: que nos referiremos a Memórias póstumas
de Brás Cubas e Dom Casmurro, dada a quantidade de vezes que os compararemos
a Quincas Borba, respectivamente de MPBC e DC. E que, por se tratarem
inegavelmente dos três principais romances realistas do autor, por vezes chamar o
conjunto de “trilogia”.

NARRADOR
3a pessoa – onisciente (principal diferença em relação a MPBC e DC)
Este narrador tem o poder de revelar os pensamentos de todas as personagens
que quiser, e leva o leitor a uma jornada psicológico-social que nos permite
conhecer a “causa secreta” que motiva cada um.

Um narrador didático
Depois da surpreendente estrutura cronológica empregada no romance
anterior, o narrador aqui se cerca de vários cuidados, valendo-se da
interlocução com o leitor e a metalinguagem, a fim de guiá-lo, como nos
trechos abaixo:
“Rubião estava arrependido, irritado, envergonhado. No capítulo X deste livro ficou
escrito que os remorsos deste homem eram fáceis, mas de pouca dura;” (cap. LVI)
“Sofia estava magnífica. Trajava de azul escuro, mui decotada, – pelas razões ditas
no capítulo XXXV;” (LXIX)
“A filha estava ainda qual a deixamos no capítulo XLIII, com a diferença que os
quarenta anos vieram.” (LXXVIII)
“executando o gesto do capítulo XLIX, estendeu a mão, e coçou amorosamente as
orelhas e a nuca do cachorro” (LXXIX)

TEMPO (1867 A 1871 – NARRATIVA ALINEAR)


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Neste romance não encontramos o protagonista já morto, tampouco no


crepúsculo da vida, mas em seu auge econômico-social, relembrando com
satisfação a guinada que dera sua vida em um ano. Em três capítulos curtos
somos brevemente introduzidos a esse “presente”, após o qual o narrador nos
convida a um flash back. Do capítulo IV ao XXVI explicam-se os fatos
passados que o justificam, e voltamos ao mesmo ponto para, a partir daí,
acompanhar o personagem principal em sua trajetória, pontuada de digressões,
até o desfecho.

1867 (cap IV), ano em que Rubião fecha sua escola de meninos para se tornar
enfermeiro do amigo Quincas Borba, logo após a morte de sua irmã Piedade,
com quem tentara casar o filósofo. Ocupa o cargo por quase seis meses.

1870 (cap CXLV) “(era então janeiro de 1870) avisou a um barbeiro e


cabeleireiro da Rua do Ouvidor que o mandasse barbear à casa, no outro dia.
às nove horas da manhã.”

CENÁRIOS

Barbacena – do flash back e final (caps. IV a XX e CXCV ao CCI)

A história se passa parte em Barbacena, pacata cidade mineira, e parte na


Corte1.
Para o estudante cuja atenção tende a dispersar-se diante de certas informações
de local (rua tal, bairro tal), é bom saber que tais dados são sim relevantes,
pois sutilmente indicam a posição social dos envolvidos. Por exemplo, os
Palha: mudam-se do morro de Santa Teresa para o Flamengo, e de lá para
Botafogo, reiterando sua ascensão. Já major Siqueira e filha mudam-se da Rua

1 Tanto Quincas Borba quanto Rubião, ao deixar o interior rumo à cidade grande, que
como um rodamoinho de ambições, vaidades e interesses, acaba engolindo a ambos.
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Dous de Dezembro para a dos Barbonos, e ainda de lá para os Cajueiros, na
Rua da Princesa, indicando o contrário.

Rio de Janeiro – cenários principais:

Casa do casal Cristiano e Sofia Palha (de início no morro de Santa Teresa,
depois na praia do Flamengo2).

Casa de Rubião (Botafogo)


Desde a vinda para o Rio Rubião se instala na residência em Botafogo, na qual
os objetos são também indicadores de mudanças internas, como os dois bustos
que passam a decorar o gabinete (Napoleão e Luís Napoleão) e um retrato da
imperatriz Eugênia – sinais da loucura; ou as chinelas bordadas a ouro que
substituem as presenteadas pelo Palha.
Aos poucos a casa vai espelhando a decrepitude financeira e mental do
proprietário, e mais para o final (cap. CLXV), após a notoriedade de sua
loucura, é transferido pelo ex-sócio para uma “casinha na Rua do Príncipe”, e
de lá para uma clínica de saúde.

Cenários externos: praias, ruas, praças, teatros, igrejas.

Meios de locomoção
Os diversos meios de transporte da época, presentes na obra, permitem
identificar a posição social de seus ocupantes e, dessa forma, é relevante
conhecê-los, ainda que superficialmente.
Carruagem é o nome genérico; de tração animal, obviamente, diferem-se pela
quantidade de animais, rodas, bancos, se aberta ou coberta (e se conversível ou
não...), de origem francesa ou inglesa etc. Sinônimos: coche, carro.

Caleça (ou caleche)3:


“– A mim lembra-me, como se fosse ontem. Tu chegaste de carro, não era este; era
um carro de praça, uma caleça.”
É uma carruagem francesa do século XVIII. Tem quatro rodas e dois assentos
duplos de frente um para o outro. O
cocheiro conduz na parte da frente do
veículo. Era tradicionalmente puxada

2
Ao final do romance, inauguram seu palacete em Botafogo
3
Fonte: http://meumundoavulso.blogspot.com/2012/07/carruagens.html
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por dois cavalos de alta qualidade, e servia sobretudo para passeios de
personalidades abastadas durante o verão.

Coupé (ou cupê):


“Baronesa! Chegou à porta da rua; viu parado um coupé; o lacaio, em pé, na
calçada, o cocheiro na almofada, olhando; fardados ambos...”
“Ao demais, havia o coupé do Rubião, que se destacava das caleças velhas. Já se
falava muito daquele amigo do finado, e a presença confirmou a notícia. O defunto
era agora apreciado com certa consideração.”
Veículo com quatro rodas coberto, o
único passageiro que pode acolher vai
virado para frente da viatura, atrás do
condutor. Normalmente existe um vidro,
separando o passageiro do condutor, e
protegendo-o da sujeira da estrada. Era o
tipo de transporte particular, mas
também utilizada como trem de praça.

Tílburi (ou Tilbury):


“Então dirigiu-se ao Largo de S. Francisco, para
meter-se em um tílburi e ir para Botafogo.”
É uma carruagem leve e sem cobertura, de duas
rodas, puxada por um cavalo. Foi criada em
Londres, no início do século XIX pela empresa
construtora de carruagens, Mount Street. O
condutor tem assento junto ao passageiro. Foi
utilizada como carruagem de aluguel. No Brasil,
ganhou uma capota e foi utilizada como meio de
transporte público de um passageiro. Começou a rodar no Rio de Janeiro em
1830, por influência francesa.

Outros: cabriolé, sege, vitória etc.


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PERSONAGENS

Rubião
Pedro Rubião de Alvarenga é o protagonista da história, apesar de não nomeá-
la. Alto, magro, usa barba e bigodes negros. De professor solteiro e quarentão
na pacata Barbacena (MG), torna-se capitalista (rico que vive da renda de suas
posses) ao herdar a fortuna de um amigo (Quincas Borba, que aparece no flash
back) e vem desfrutar de sua fortuna na cobiçada capital carioca. Sem traquejo
social: caipira ingênuo e milionário, desacostumado à Corte, ao trato com
damas e cavalheiros da alta sociedade, mas com imenso desejo de gozá-lo.
Sua larga generosidade vem da inexperiência e vaidade, desejo de agradar aos
outros para ser por eles bajulado, ao mesmo tempo que manipulado. Pródigo
em recepções, presentes caros (como jóias, a Sofia), empréstimos e fianças.
Cogita o posto de deputado após a sociedade com Camacho no jornal e com
Palha na firma. Começa a apoderar-se dele um sentimento de soberba, de
grandeza, que aos poucos vão se revelando sinais de delírio. Em sua
progressiva loucura, Rubião imagina-se Napoleão III. Consome seus últimos
bens, até parar numa casa de saúde, da qual foge para Barbacena com o cão, e
morre dias depois.

Quincas Borba (o filósofo)


O personagem que intitula a história de fato, dela não participa. Famoso no
romance de uma década antes, neste ele já está morto, legando ao mundo dos
vivos três vívidos vestígios de sua existência: sua fortuna, sua filosofia e seu

cão Quincas Borba


Cão homônimo ao antigo dono, tão fiel e expressivo, que mantém no atual,
Rubião, a inquietante suspeita de que o amo, o outro, viveria nele.
A fortuna será dissipada, traduzindo na vida real as consequências da filosofia
a qual justifica ações egoístas, através da necessidade de sobrevivência
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(Humanitismo). O cão acompanha o amo até o final, e morre no último
capítulo.

Mana Piedade
Personagem apenas do flash back (cap. IV), Maria da Piedade é viúva sem filhos, e
irmã de Rubião. Este teria tentado casá-la com o rico amigo Quincas, mas uma
enfermidade a levou antes; a proximidade criada entre ambos culmina na nomeação de
Rubião como herdeiro universal do inventário do amigo, de modo que a morte da irmã
acaba favorecendo seu destino.

Sofia Palha
É a primeira mulher que Rubião conhece em sua vinda para a capital, ainda na
viagem de trem, acompanhada do marido Cristiano Palha. Aos vinte e oito
anos está mais bela que aos vinte e sete4. Assim, mesmo entre moças bonitas e
mais jovens nos salões da sociedade, ela se destaca com seus ares de rainha.
Sobre o inexperiente Rubião, seus olhos negros exercem o mais puro fascínio.
Adora ser admirada, mas foi assim acostumada pelo marido, pois era ele quem,
a princípio, exibia os olhos e seios (em decotados vestidos) da mulher nos
teatros e bailes, como um troféu. Era “bonita e bem feita”. Até então fora
sempre digna e fiel, mas suas atenções para com o ricaço bobo encorajam-no a
declarar-se, e sua reação traz uma grande surpresa ao leitor5.
Na sequência, cresce na trama a personagem de Carlos Maria como potencial
amante, o esnobe “príncipe” dos salões, e o “leitor curioso” deseja saber se
logrará algo da cobiçada dama. Funda a “Comissão das Alagoas”, integrada
por senhoras de políticos e homens importantes, a fim de colher doações para a

4
Note que a protagonista machadiana nunca é uma ninfeta, pois o autor valoriza o
“acabamento” que a experiência confere à mulher, perceptível em cada gesto ou olhar.
5
Do capítulo XLIII ao L o narrador se detém longamente nas análises psicológicas de
Tonica e Rubião e, quando retorna à residência dos Palha já tem o leitor enfadado;
aplica magistralmente a interlocução (“ou quebra da quarta parede”), dizendo “NÃO,
SENHORA minha, ainda não acabou este dia tão comprido; não sabemos o que se
passou entre Sofia e o Palha, depois que todos se foram embora. Pode ser até que
acheis aqui melhor sabor que no caso do enforcado.” E realmente a revelação que
encerra vale a pena: a que de Sofia se desfizera em todos aqueles agrados a mando do
marido; que este é ainda mais permissivo sobre a esposa do que supúnhamos; mas que
a verdadeira causa de não cogitar romper as relações como pedira a esposa é um
empréstimo que fizera em segredo com o outro.
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terrível epidemia que então assolava o Estado. Tal iniciativa é determinante
para a ascensão social dos Palha, pois colocará Sofia em destaque na alta roda,
a custo de livrar-se dos antigos, agora inadequados, amigos da casa, como
major Siqueira e filha, e outros.

Cristiano Palha
Cristiano de Almeida e Palha é o primeiro conhecido que Rubião faz, ainda no
trem, a caminho do Rio de Janeiro (e a quem afoitamente revela sua futura
condição de capitalista). A consideração que o herdeiro tem por ele é visível
no início do romance, em que é citado mais de uma vez. Reside em Santa
Teresa com a esposa Sofia, tem 33 anos, casados há oito. Entre as vantagens
da confiança do recente e milionário camarada e a corte que este faz à sua
mulher, omite-se, fingindo ignorar tudo. Pede-lhe empréstimos, que demora a
pagar. Propõe-lhe sociedade numa casa de importação, e com o capital do
sócio e seu talento, firma-se e prospera. A partir daí, o casal vai substituindo
suas antigas relações por outras mais vantajosas e vistosas. Desfaz a sociedade
com o já então delirante amigo, e é a contragosto que toma as providências
necessárias durante essa fase de progressiva demência. A fuga de Rubião da
casa de saúde coincide com a inauguração do palacete do casal em Botafogo.

Carlos Maria
“rapaz de vinte e quatro anos, que roía as primeiras aparas dos bens da mãe”.
Narcisista, tem um ar de superioridade e indiferença para todos. Vaidoso, seu
prazer reside em ser o centro das atenções, nos bailes, salões e rodas chiques
da cidade. Corteja Sofia por julgá-la a única mulher à sua altura, mas ama
apenas a si mesmo. É conquistado pela adoração quem tem por si Maria
Benedita, prima de Sofia, moça simples e sem posses do interior.
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Convivas de Rubião:

Freitas
Um dos primeiros frequentadores da casa em Botafogo, tem idade próxima de
Rubião; pobre, agrada ao anfitrião com sua bajulação e lisonjas, retribuídas
com muitos charutos de presente, mas não possui a consideração dos demais.
Acaba adoecendo e morre.

Camacho
Dr. João de Souza Camacho (seu histórico é narrado o cap. LVII), advogado
para pagar as contas, político por paixão, compara-se à D. Tonica pela longa
espera (um cargo) e frustração de seu único desejo. Sua aproximação em
relação a Rubião se dá exatamente durante o “gelo” que se seguiu ao episódio
das estrelas no jardim dos Palha e, tornando-se seu novo melhor amigo, vai
extorquir-lhe seu quinhão, para a manutenção da “folha” (Atalaia, jornal do
qual é redator).

Mulheres Secundárias

Maria Benedita

Prima de Sofia, menina da roça (Iguaçu), tem 19 anos; sofre de saudades da


fazenda e da mãe, e não se interessa pela agitada vida social carioca, para
indignação da prima. Resiste com o apoio da mãe aos apelos da parenta para
refinar seus dotes com aulas de piano e francês, a fim de tornar-se um partido
interessante e arranjar um bom marido. Muda subitamente de decisão após
uma visita de Carlos Maria. O leitor vê aos poucos todo o zelo de Sofia pela
educação da prima destilar-se em despeito conforme a menina vai chamando a
atenção nos salões, e o golpe final, seu casamento com Carlos Maria, secreta e
rapidamente arranjado por D. Fernanda, que lhe toma a posição de confidente.
Termina submissa adoradora do marido, mãe e feliz.
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Dona Fernanda
A “fada madrinha” citada acima. Gaúcha, pouco mais de trinta anos, robusta e
alegre, esposa de Teófilo, um deputado alagoano prestes a se tornar ministro.
Convidada por Sofia a integrar a comissão das Alagoas, afeiçoa-se a Maria
Benedita. Ocorre que esta senhora é prima de Carlos Maria, e tencionava casá-
lo com uma sua conterrânea. Ao perceber a paixão da moça, abraça a causa e
faz o papel de Cupido. Apoiadora, força o casal Palha a assumir a tutela de
Rubião após sua notória loucura; consola o marido quando este perde o tão
merecido cargo, e incentiva-o quando aceita a presidência6. Nanã, para o
marido e a amiga.

D. Tonica
“uma solteira, ou mais que solteira. Contava trinta e nove anos, e uns olhos
pretos, cansados de esperar. Era filha de um Major Siqueira”, ou seja, uma
“Quarentona, solteirona”. Uma das poucas senhoras solteiras às quais Rubião é
apresentado e, portanto, possível pretendente. O autor se utiliza desta
personagem secundária para traçar o realismo em sua mais bem acabada
forma, a amargura de uma vida sem tragédias mas também sem cor, sem
graça. Uma reviravolta, ao final, muda tudo para, em seguida, trazer outro
desfecho inesperado pelo leitor: perto do fim do romance aparece-lhe um
noivo, Rodrigues, que morre três dias antes do casamento.

Outras personagens:

D. Maria Augusta – mãe de Maria Benedita e tia de Sofia, fazendeira viúva e


carente, faz enorme chantagem emocional para que a filha não a deixe só,
disputando-a com a sobrinha, que a queria instruir na capital. Com a morte da

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O autor não revela onde, mas, no caso, poderia ser de uma província ou Estado,
equivalendo hoje a um cargo de governador.
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velha, Sofia passa a cuidar do futuro da prima (bom casamento) com zelo de
mãe, até a sorte lhe pregar uma peça.

Teófilo – deputado, marido de D. Fernanda, “homem de talento, gravidade e


trabalho”. Em duas ocasiões perde a nomeação para ministro que tanto
esperava (recebe porém uma presidência, que o afasta por alguns meses da
família e do Rio de Janeiro). Foi ele quem fez a esposa notar que a paixão
secreta de Maria Benedita era pelo primo desta.

Dr. Falcão – deputado e médico, amigo de Teófilo. Examina Rubião a pedido


de D. Fernanda e diz a ela que este fora possivelmente amante de Sofia,
suspeita repelida pela pura senhora.

Torres, Pio, Ribeiro – últimos convivas de Rubião no Flamengo, antes de sua


reclusão involuntária na casinha arranjada pelo Palha.

Rodrigues – noivo de D. Tonica, traz a felicidade para sua vida, mas morre
três dias antes do casamento.

D. Angélica – comadre de Rubião em Barbacena; recebe e tem que devolver o


cão ao compadre, no início, e acolhe-o ao final.

Anotações

SINOPSE DO ENREDO
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Em 201 capítulos curtos (embora irregulares), desta vez sem títulos7 e
narrativa alinear, duas grandes marcas do autor, partindo de ponto já
adiantado do enredo, coloca o leitor diante de personagens e situações que não
compreende, e de uma perspectiva que permite acesso aos monólogos
interiores do protagonista, Rubião. Durante um momento de reflexão, mirando
a praia de Botafogo em um rico roupão e dentro de um casarão, este relembra
com satisfação a guinada que dera sua vida em um ano. Em três breves
capítulos somos introduzidos a esse “presente”, no qual são evidentemente
relevantes as figuras de um estimado amigo (Cristiano Palha) e uma bela
mulher (Sofia), após o qual o narrador nos convida a um flash back.

Do capítulo IV ao XXVI – o narrador trata primeiramente de


confirmar ser este citado Quincas Borba o mesmo de MPBC, e vem achá-lo
em Barbacena, 1867, sem parentes, herdeiro dos bens do tio, e apresentando o
primeiro grão de sandice. Chega, enamora-se de Maria Piedade, irmã de
Rubião, que faz de tudo para uni-los, mas morre de pleurisia. Tornam-se
amigos. Aquele era então professor de meninos, e fecha a escola para cuidar
do doente; passa quase seis meses como seu enfermeiro, granjeando-lhe mais e
mais a simpatia e gratidão, tendo por único rival o cão, que o filósofo batizara
com seu próprio nome, e dormia em seu quarto. Quincas sabe que está para
morrer, mas diz que a vida e a morte são o mesmo; e para explicá-lo conta ao
amigo a morte de sua avó, e o convida para ser seu discípulo e compreender
sua teoria – o Humanitismo. No dia seguinte anuncia viagem de um mês para o
Rio de Janeiro a fim de tratar de negócios; aparenta estar melhor de saúde, vão
a um tabelião, pois o amigo deseja lavrar seu testamento. Confia-lhe o cão, e
parte.
Sete semanas depois, chega do Rio uma carta de Quincas dizendo ao
amigo ter descoberto ser Santo Agostinho, pede segredo, e que voltará em
breve; Rubião percebe que o amigo enlouqueceu. Escondeu a carta ao médico
enquanto calculava quanto lhe deixaria o amigo. No começo da semana
seguinte, leu a nota de seu falecimento no jornal da Corte. Tenta convencer-se
de que a carta era uma piada. A notícia correu a cidade e foi confirmada por
um bilhete de Brás Cubas. Rubião, desobrigado, ordenou a um escravo que
levasse o cão à comadre Angélica, que gostava de bichos, mais este como
presente. Aberto o testamento, “quase caiu para trás”, pois era herdeiro
universal dos bens do finado, que lhe impunha uma única condição: cuidar de

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Em compensação, o autor dá-se ao trabalho de reportar o leitor-interlocutor
especificamente ao capítulo ao qual faz referência, como estudado no item “Narrador”.
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seu cão até o fim de sua vida, e após dar-lhe sepultura e finalmente uma urna
no centro da casa. Volta à casa decidindo mudar-se para o Rio de Janeiro e só
então se lembra que dera o cachorro! Corre à casa da comadre buscá-lo,
resgata-o, e finalmente compreende a máxima do amigo: “Ao vencedor, as
batatas!”
No cap. XXI, Rubião vinha no trem de mudança para o Rio, quando na
estação de Vassouras embarcou o casal Palha. Cristiano puxou conversa, o
mineiro estava doido por extravasar sua euforia, revelando-lhes rapidamente o
resumo recente de sua feliz história, e fica muito impressionado com a beleza
da esposa. No dia seguinte Palha vai à hospedaria, leva Rubião a um advogado
seu parente, e na mesma noite recebe-o em casa; estão já familiares. Como
anfitriã, achou Sofia ainda mais radiante que no trem, e jantou lá muitas vezes.
Mudou-se para a casa de Botafogo, uma das herdadas, e também nesses
cuidados contou com a ajuda do casal.

Capítulo XXVII ao L voltamos ao mesmo ponto para, a partir daí,


acompanhar o personagem principal em sua trajetória, pontuada de digressões,
até o desfecho. Já sabemos que uma espécie de paixão platônica por Sofia
cresceu juntamente com a amizade pelo marido. Passamos ao cão, que não
escapa à análise psicológica do narrador, e aos primeiros convivas de Rubião,
Freitas e Carlos Maria, que presenciam a chegada dos “morangos adúlteros”,
oferenda de Sofia que, animado pelas brincadeiras dos comensais, encabeça a
lista de sinais que levarão Rubião a cuidar que é correspondido.
À noite, no jantar para o qual os morangos haviam sido o convite,
dardeja a senhora de olhares, correspondidos (ainda que não na mesma
intensidade), e interceptados por D. Justina, solteirona de plantão e a única na
casa, que via nessa troca de olhares o naufrágio de sua última esperança de
desencalhar8. Sofia dá o braço a Rubião e saem ao jardim para admirarem a
magnífica lua. Cada vez mais empolgado, compara os olhos dela a estrelas.
Sofia tem um choque; acostumada com a timidez do homem, não esperava
essa liberdade e fica sem reação; segue-se uma digressão sobre os astros. Pede
para voltar para dentro a fim de não chamarem a atenção, Rubião agarra-lhe as
mãos, são surpreendidos pelo major Siqueira. Na volta, o narrador perscruta os
pensamentos de D. Tonica, e de Rubião9. A disputa de ofertas entre os

8
Descoberta brilhantemente ilustrada por Machado, que cita Poe: “Quoth the Raven
NEVER MORE”, refrão do famoso poema “O corvo”.
9
Eis aqui o que não poderia ocorrer nos romances narrados em 1ª pessoa: o narrador
onisciente tem o poder de entrar na mente de qualquer personagem e não apenas na
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cocheiros da praça remete-o a um flash back de longos anos, quando assistiu
ao enforcamento de um escravo, e o longo dia termina com a ideia da
metempsicose10 do filósofo no cão. Mas a insônia, esta volta a se dedicar a
Sofia. Retornamos agora à casa dos Palha a ouvir a conversação dos anfitriões
após a recepção; a esposa conta o episódio ao marido e pede-lhe que rompam
as relações com o importuno. A estranhíssima reação deste acaba por revelar a
causa – uma dívida com o mesmo; como repeli-lo?

Capítulo LI No dia seguinte, Sofia reflete, e decide deixar a cidade,


quando a figura de Carlos Maria passando na rua, cumprimenta-a sorridente e
demoradamente; na sequência recebe uma “carta da roça”. Quinze dias depois
vai o Cristiano se fazer de desentendido atrás do Rubião, e é apresentado a
Camacho. Novos fios despontam na história.
Rubião declara-lhes sua decisão de ir a Minas; nessa transição de um
melhor amigo para outro, ambos compartilham um interesse: manter o patrono
na cidade, e empregam motivos para dissuadi-lo. No dia seguinte, a caminho
do escritório do Camacho, Rubião salva instintivamente uma criança de ser
atropelada por um carro desgovernado (puxado por cavalos). O redator
pergunta sobre o ferimento, o capitalista quer assinar a folha, o jornalista
deseja um sócio. O generoso amigo aceita entrar com o capital de cinco
contos, em nome das idéias. Na saída cruzou com uma rica baronesa, e depois
Sofia, acompanhada de uma moça e uma velha; à noite, visitou-as, eram uma
tia e prima da roça. Ficou pouco, Palha não estava; de saída, cruzou com
Carlos Maria que chegava, e pôde ainda ouvir um galanteio a Sofia.
Capítulo LXIX Passam-se oito meses, os Palha mudaram-se para o
Flamengo, Maria Benedita observa a valsa de Sofia e Carlos Maia, agora tão
notada quanto a prima, que já não se regozija tanto com o brilho da outra.
Rubião e Cristiano abriram sociedade na firma Palha e Compa, de importações,
as visitas tornaram a ser assíduas, o cabedal herdado do filósofo diminuíra.
Carlos Maria, que se ausentara por uns tempos, e voltara recentemente a
frequentar-lhe, revela a Sofia que passara uma hora na noite anterior, perto de
sua casa, pensando nela e ouvindo o forte barulho do mar; deixa o baile com a
senhora dos salões impressionada com a segunda declaração que recebe na
história.
Rubião notara pela reação de Sofia que o outro se tratava de um rival,
e sente ciúmes, pois conservava por ela sua platônica paixão. No dia seguinte,

sua própria, e frequentemente temos a oportunidade de participar dos embates internos


que se dão nas almas, tais quais o anjinho e diabinho dos desenhos animados.
10
Transmigração da alma de um corpo para outro.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
enquanto Sofia ouvia repetidamente em sua cabeça a declaração da véspera, o
galhardo mancebo perguntava-se por que inventara tal mentira. Maria
Benedita é quem acorda azeda com a prima e dispõe-se a voltar para casa; para
demovê-la, a prima anuncia planos de uni-la a alguém que já tem em mente,
Rubião, por sugestão do marido; mas não o revela, criando na moça a
esperança de que se tratasse de seu amado. Coincidentemente, Rubião,
provocado pelo major Siqueira, também cogita casar-se. Dias depois sabe pelo
Palha da morte de D. Maria Augusta, tia da mulher, e este lhe pede que vá à
noite ajudá-los a distrair a jovem órfã, gaba-lhe muito a educação e o mais, e
solta naturalmente seu “palpite” de que o sócio acabará por ser-lhe o
afortunado esposo, e pergunta-lhe se Sofia nunca o comentara, o que o outro
nega (e lhe suscitam depois esperançosas reflexões).

Capítulo LXXXVI Começa o caso do cocheiro que, falador, revela a


Rubião que naquela região de casas pobres (tinha ido visitar o Freitas que
estava muito doente), não era raro servirem de refúgio secreto a entrevistas
amorosas, e narrou o caso de uma bela mulher e um também estiloso mancebo
que dias antes tomara seu tílburi na Rua dos Inválidos para encontrá-la numa
das casinhas da Rua da Harmonia. Tendo em seguida oportunidade de
presenciar o diálogo entre duas costureiras em casa de Sofia e a coincidência
do endereço, surtou com a idéia de que seria ela a mulher do encontro com um
amante. O Freitas agora está de cama, mas não faltam quatro ou cinco
“habituados”, ou bajuladores, para lhe fazerem companhia ao jantar; ao descer
à sala, sucedeu o seguinte: “Rubião teve aqui um impulso inexplicável,– dar-
lhes a mão a beijar. Reteve-se a tempo, espantado de si próprio.”11
No dia seguinte, ao receber um bilhete de Sofia, a saber se havia
melhorado do mal estar da véspera, dá polpuda gorjeta ao criado e mais
algumas sugestivas palavras, com a clara intenção de angariar um aliado para
futuras investigações sobre a patroa. E, para desfecho do drama, Rubião
encontra no jardim uma carta com a letra de Sofia destinada a Carlos Maria,
certamente derrubada pelo mesmo portador, e tem novo surto com a suposta
prova do caso adúltero de sua amada, com o outro.

Capítulo C Bálsamo para suas aflições, volta o Camacho de viagem a


Vassouras, onde principiara a articular a candidatura de Rubião a deputado,
segundo seu relato. (Note o retrato realista da política nacional: o articulador é

11
Em seus devaneios Rubião já dera sinais dessa soberba, mas este detalhe é muito
significativo, e lembra mito os ares do próprio Quincas Borba quando começou a dar
sinais de sua loucura.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
Camacho; na Atalaia, dos dez associados pagantes é o único cujo capital
contribuinte é seu “trabalho hercúleo”; conhece Rubião, ricaço ingênuo e
predisposto a agregar com um cargo político sua recente ambição por status,
compatível com sua também recente posição sócio-econômica: não basta ser
rico, deseja em seguida a celebridade, privilégios e distinções que o
notabilizem. Confuso acerca das ideologias e nomes envolvidos, deixa-se levar
pela experiência do “amigo”, antegozando em devaneios a futura
superioridade a que sua existência será alçada. Machado, embora não se
dedique à crítica social, não deixa de denunciar que tipo de decisões serão
tomadas por um governo construídas nesse sistema, e a que interesses servem.
V. fragmentos)
Morte do Freitas; Rubião ampara a velha mãe e causa boa impressão
no velório, no qual novos apadrinhados se oferecem. Dias depois vai ao
Flamengo a fim de devolver à dona a carta perdida; a sós com Sofia, Rubião é
tomado por um furor e declara-lhe abertamente sua mágoa pela condição de
“friend zone” na qual a bela senhora o mantém e segue-se uma cena, acusa-a,
entrega-lhe a carta e sai transtornado; percebera que ela empalidecera ao ler no
sobrescrito “Carlos Maria”. Só, Sofia se acalma e lembra-se de que se tratava
de circular referente à comissão das Alagoas12. E questiona-se por que, após
sinais de tanta paixão, o caso com Carlos Maria dera em nada, se por que ela
se prostrara demais, ou de menos.
Numa genial quebra de expectativa, o leitor se vê logrado pelo
narrador, ao reparar que comprara ao Rubião a certeza do adultério que nada
mais era que fruto da imaginação exacerbada de um... excêntrico.
Este se ausentou do Flamengo por alguns meses, apesar de doar cinco
contos à comissão de Sofia, sob oposição do Palha, então administrador do
capital do sócio, que aconselhava ao amigo menos prodigalidade nas despesas,
empréstimos sem fim, ou seja, que o herdeiro vinha dilapidando sem dó o
inventário recebido. Este pede mais dez contos ao Palha, que exige uma visita
à esposa e à prima; nessa noite, Rubião tem um sonho em que termina
Napoleão, tendo ao seu lado Sofia.
“Ainda agora prefiro o dito de Polonius "Desvario embora, lá tem seu método!"”

12
Esta ideia de Sofia, a de fundar a tal comissão beneficente, anteriormente
apresentada na história, servirá a três propósitos: o da idealizadora, pondo seu nome
em destaque entre as senhoras distintas do Rio de Janeiro; e dois do autor: exacerbar o
ciúme de Rubião, já em meio a uma paranóica obsessão desencadeada pelo relato do
cocheiro; e em breve introduzir na trama novas personagens e situações que desviarão
inesperadamente o curso da história.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
Da candidatura a deputado sabemos que também fracassou, o que não
impede Rubião de continuar confiando à folha de Camacho contos e contos de
réis. E, a propósito da sugestão de uma palavra num discurso do outro, em dois
capítulos de digressão metalinguística, “Rubião acabou por escrever todos os
livros que lera”.
Não mais voltara ao Flamengo, mas por ocasião dos anos de Sofia o
Palha humildemente pediu ao sócio que lá aparecesse, e entregou indiferente
os dois contos pedidos (desistira de tentar impedir o desmoronamento de seu
patrimônio). Rubião fez entregar um colar com um brilhante e foi ao jantar. Os
convivas dos Palha mudaram, subiram de nível, assim como os ares superiores
do recém-chegado; Carlos Maria estivera todo o jantar entre Maria Benedita e
uma comissária das Alagoas. Na primeira oportunidade a sós, Sofia explica-
lhe o caso da carta, e até derrama uma lágrima. Rubião se comove, mas
menciona o outro, e Sofia lhe conta que o mesmo está de casamento marcado
com a prima, sobressaltando seu adorador. O narrador explica então a
intervenção de D. Fernanda, os esforços para casar a amiguinha, a descoberta
do amor dela por Carlos Maria, a fala com o primo sobre alguém que lhe tem
“imenso amor”, uma adoração divina... e não poderia haver afrodisíaco maior
para aquela alma do que ser adorado com tamanha devoção: amou o amor de
Maria Benedita por si.
Capítulo CXXII Rubião sente-se aliviado com o casamento, que
acontece em três semanas. Três meses depois vão para a Europa, e Sofia não
vai levá-los ao navio, sob pretexto de doença; rememora a enigmática frase de
Rubião na noite do casamento: “– A senhora é já a rainha de todas, disse-lhe
ele em voz baixa; espere que ainda a farei imperatriz.”
Na volta do paquete em que deixaram os recém-casados, Palha
anuncia a Rubião o fim da sociedade para o fim do ano, a fim de aceitar um
cargo de diretor de banco. Mas era mentira; Palha temia que as prodigalidades
(desperdícios) do sócio acabassem por arruinar seus negócios futuros, que
prosperavam, pensava em construir um palacete.
De tal ascensionismo queixa-se ao Rubião o major Siqueira, que
morando com a filha num sobradinho ainda mais modesto que o anterior, o vê
passar na rua. Ao não os convidar para o aniversário de Sofia, nem ao
casamento da prima ou D. Tonica à comissão, o Palha mostra-se ingrato, ele
que era um “pé-rapado”, agora envergonha-se do major. De sua parte, Rubião
anda no auge da fama, o ricaço de Minas, discípulo de um filósofo; conhecido
de toda gente, membro de todas as sociedades, a casa apinhada de convivas
que ali têm o jantar e os charutos com ou sem a presença do dono, quase todos
seus devedores. Mas vai mudando; sua imaginação vaga mais e mais por
devaneios que começam sutilmente a tornarem-se delírios. E Sofia, com o fim
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
da comissão, lisonjeada pela imprensa, cuida de estreitar as novas relações que
conquistara, emendando ao marido atitudes servis e informais, não condizente
com a qualidade dos atuais frequentadores da casa. Possui carruagem (coupé),
cuida de desfazer-se das relações antigas, simples e modestas. Recusa o
convite de Rubião para almoçarem na Tijuca, mas queria ter aceitado; desde o
aniversário, vinha tateando a ideia de que ele a adorava, e merecia ser amado;
mas ao mesmo tempo a aborrecia; as flores do jardim opinavam a favor e
contra o homem, na digressão do narrador.

CAPÍTULO CXLV Janeiro de 1870 - Rubião, cada vez mais


alienado, manda vir um barbeiro à casa (Lucien, um francês), vai desfazer-se
de sua vasta barba, para “recompor a cara como estava”, e aponta para o busto
de Napoleão III; acredita estar falando em francês.
“Rubião era ainda dous. Não se misturavam nele a própria pessoa com o imperador
dos franceses. Revezavam-se; chegavam a esquecer-se um do outro. Quando era só
Rubião, não passava do homem do costume. Quando subia a imperador, era só
imperador. Equilibravam-se, um sem outro, ambos integrais.”
Sofia teve a primeira ocasião de presenciar-lhe um delírio um dia em
que este lhe subiu à carruagem e narrou-lhe a história não passada de seus
amores secretos. A nova mania de Rubião tornou-se pública, alguns meses se
passaram, a casa e os jantares atestam a crescente pauperização real em
contraste com os delírios de grandeza, chamava marechais aos comensais,
emprega as frases filosóficas do finado amigo. Sofia sente piedade, por julgar-
se a causa da loucura do admirador. Em carta a D. Fernanda, Maria Benedita
comunica sua volta para breve, a felicidade que sente e um segredo, está
grávida; Sofia sente despeito, tanto pela intimidade das duas, quanto pelos
elogios ao marido: “vadio egoísta e enfatuado, que a convidou um dia à valsa
do adultério e a deixou sozinha no meio do salão.”
Rubião tem ido quatro ou cinco vezes à casa de Teófilo e D. Fernanda
que, piedosa mulher, insiste na ideia de que Cristiano Palha deve fazê-lo tratar-
se e cuidar de seus bens, faz Sofia falar ao marido; Palha acha a idéia uma
“atrapalhação”, pois já tem muito com que se ocupar. Acaba metendo-o numa
casinha da Rua do Príncipe, com o cachorro, e despedindo-lhe os comensais,
dizendo que o habitual anfitrião carecia descansar. A ausência deles encheu
Rubião de tristeza, durante as primeiras semanas.
Capítulo CLXIX Dona Fernanda regozija-se com a volta e a
felicidade dos cônjuges, Maria Benedita vai sofrendo os incômodos da
gestação. Carlos Maria perdoa à mulher as expansões de sua alegria. Cai o
ministério e Rubião sai a distribuir pastas, mas a pé, pois já não tem carro;
Teófilo sofre terrível abalo com a perda do cargo com o qual contava, mas no
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
dia seguinte é convidado para uma presidência, que o faz deixar o Rio e a
família (D. Fernanda não quis interromper os estudos de Nuno, o filho mais
velho, que entrara para o colégio). O criado de Rubião, Raimundo, cuida mal
do amo e caçoa dele na vizinhança, onde é conhecido como “gira”. Camacho,
quando este o visita, mostra-se excessivamente ocupado para expulsá-lo.
Major Siqueira, irmão de infortúnio e decadência, é que não o repele. Leva-o à
nova casa (desta vez nos Cajueiros) e conta-lhe sobre o casamento da filha,
para dali a mês e meio. Rodrigues era empregado de Repartição, baixo, meia-
idade, viúvo, dois filhos; mas noivo, e D. Tonica era toda gratidão. Rubião não
se despediu, o imperador sobreveio no meio da visita, e deu trabalho ao major
pô-lo na rua. Aos poucos, forma-se-lhe ao redor um ajuntamento de crianças
gritando-lhe “Ó gira!”, dentre eles Deolindo, menino a quem tempos atrás
salvara da morte no episódio registrado na Atalaia, para remorso da mãe.
Felizmente, para Rubião eram tudo aclamações, e ele acenava satisfeito.
Foi finalmente recolhido a uma casa de saúde, sem resistir. Despediu-
se do “duque” Palha; este e sua esposa cuidavam dos preparativos para a
inauguração de seu palacete em Botafogo. Mas cão e senhor vivem tristes
separados, e graças novamente à ação de D. Fernanda, providencia a ida do
animal para sua companhia. Nasce na Tijuca a filha de Maria Benedita e
Carlos Maria. Os bens totais de Rubião, apurados pelo Palha, somam agora
três contos e duzentos13.
CAPÍTULO CXCIII

“SEIS MESES, oito meses passam depressa", reflexionou D. Fernanda.


E eles vieram vindo, com os sucessos às costas, - a queda do ministério, a
subida de outro em março, a volta do marido, a discussão da lei dos ingênuos, a morte
do noivo de D. Tonica, três dias antes de casar.”
Em outubro [1871] Sofia inaugura seu palacete com o mais célebre dos
bailes daquele tempo. Teófilo, novamente rejeitado para ministro, recebe uma
carta da casa de saúde anunciando a fuga, há três dias, de Rubião, malgrada a
previsão do diretor de que o poria bom em dois meses. Oito dias antes, Rubião
mandara chamar o Palha, dizendo-se plenamente curado, solicitava sua
liberação, e o adiantamento de cem mil réis. Palha, ocupado com o baile,
pedira-lhe uma semana.

13
Para comprar aquele brilhante dos anos de Sofia, Rubião retirara dois contos.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
“Ao vencedor as batatas!” exclama Rubião a frase que lhe vltara à
cabeça ao chegar em Barbacena, com Quincas Borba, faminto há muitas horas.
Desaba um aguaceiro que os vem achar na rua, mas o juízo deixa Rubião e
eles vagam sem rumo. Amanheceram unidos na porta da igreja; a comadre de
Rubião reconheceu-o e deu-lhe almoço e roupas secas, Rubião tinha febre.
Angélica pediu-lhe notícias da Corte e em vinte minutos de conversa saiu
assustada com sua loucura; a notícia se espalhou na cidade, veio o médico que
atendera Quincas Borba. Rubião reconheceu-
o sem sair da personagem.
“– Ao vencedor, as batatas! concluiu rindo.

CAPÍTULO CC

POUCOS DIAS DEPOIS morreu...”

O cão adoeceu também, ganiu muito,


procurou demasiado o dono, e morreu três
dias depois.
“O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis
fitar como lhe pedia Rubião, está assaz alto para
não discernir os risos e as lágrimas dos
homens.”

Anotações

As referências em Quincas Borba


da citação à intertextualidade
Shakespeare – como não podia faltar à narrativa machadiana, a inspiração no maior
mestre de tipos humanos da história da literatura (até Machado), banhando o leitor
com sua aplicada erudição. Podemos citar: morte de Desdêmona (Otelo); diálogo de
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
Próspero e Ariel (A tempestade); brinca duas vezes com a mesma citação de Hamlet
(que também abre o conto “A cartomante”: “emendou Hamlet "Há entre o céu e a
terra, Horácio, muitas cousas mais do que sonha a vossa vã filantropia"”, quando Dr.
Falcão crê que d. Fernanda amara Rubião. E depois “Creio que mais, porque eu o
adoro! Em verdade, a conclusão não parecia estar nas premissas; mas era o caso de
emendar outra vez Hamlet "Há entre o céu e a terra, Horácio, muitas cousas mais do
que sonha a vossa vã dialética."”, sobre o amor de Carlos Maria pela esposa). Além da
fala de Polonius "Desvario embora, lá tem seu método!", acerca do sonho de Rubião
como imperado ao lado de Sofia, etc.

Do delírio: Napoleão III e Eugênia


O aluno pode se perguntar, se a idéia é manifestar traços de extrema grandeza e
egolatria, por que Nap III e não o I, que é naturalmente mais famoso (é até clichê
representar os doidos como Napoleão)? Há diversas razões para tal escolha por parte
de Machado, mas as principais parecem ser as seguintes: Nap III ainda vivia no tempo
em que o autor situa a história (1870), e o cenário político é o atual; ademais, Nap III
foi casado uma única vez, com Eugênia, com quem viveu até a morte, espelhando a
idolatria casta de Rubião por Sofia, enquanto o tio imperador fora famoso por suas
conquistas também no plano amoroso.

Do estilo – Machado pegando leve:

Na conversa com o leitor e metalinguagem:


Nem sarcástico nem vítima, apenas cordial: “vem comigo, leitor”, “leitor curioso”,
“leitora amada”. Como apontado no item “foco narrativo”, em Quincas Borba
Machado dá-se ao trabalho de citar o número do capítulo toda vez que remete a
episódio anterior. Tal cuidado parece incorporar a experiência da dificuldade de
leitura, por parte do público, do romance anterior, MPBC. Que dizer? O leitor
agradece.

Na alinearidade e digressões:
Quanto às tão famosas digressões do autor, dado que nesta presente obra os capítulos
variam um pouco, desde os curtíssimos (o CXIV tem uma linha) a outros mais longos,
de duas ou três páginas, as tais [digressões] podem aparecem tanto soltas quanto
emendadas ao enredo central. Também aqui tal cuidado pedagógico é visível: tão bem
encaixadas são as digressões, tão naturalmente se delongam das explorações
psicológicas das personagens que mal percebemos que o narrador desviara do enredo
para reflexionar sobre o comportamento humano.

Na inefável sutileza de uma “pena fina”:


Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
“Palha beijou-lhe a espádua; ela sorriu, sem tédio, sem dor de cabeça, ao contrário
daquela noite de Santa Teresa, em que relatou ao marido os atrevimentos do Rubião.
É que os morros serão doentios, e as praias saudáveis.”
Desta passagem, deve o leitor compreender singelamente que nesta noite o esposo fará
sexo com a mulher, diferente da outra noite.

FRAGMENTOS

CAPÍTULO PRIMEIRO

R
UBIÃO fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com
os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa
de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta;
mas, em verdade, vos digo que pensava em outra cousa. Cotejava o
passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora?
Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente
amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e
para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de
propriedade.
"Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas", pensa ele. Se mana Piedade tem
casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou;
ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia uma desgraça...
CAPÍTULO II
QUE ABISMO que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor, vexado
daquele pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma canoa que ia
passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe importa a
canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião acompanham, arregalados? Ele,
coração, vai dizendo que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, foi bom que
não casasse; podia vir um filho ou uma filha... – Bonita canoa! – Antes assim! – Como
obedece bem aos remos do homem! – O certo é que eles estão no céu!
CAPÍTULO III
UM CRIADO trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar,
ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os
metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que
era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que aqui está na sala, um
Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja,– primor
de argentaria, execução fina e acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e
não foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe
dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a necessidade de ter
criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala,
como um pedaço da província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um
francês, foi degradado a outros serviços.
– Quincas Borba está muito impaciente? perguntou Rubião bebendo o último golo de
café, e lançando um último olhar à bandeja
– Me parece que sí.
– Lá vou soltá-lo.
Não foi; deixou-se ficar, algum tempo, a olhar para os móveis Vendo as pequenas
gravuras inglesas, que pendiam da parede por cima dos dous bronzes, Rubião pensou
na bela Sofia, mulher do Palha, deu alguns passos, e foi sentar-se no pouf, ao centro da
sala, olhando para longe...
"Foi ela que me recomendou aqueles dous quadrinhos, quando andávamos, os três, a
ver cousas para comprar. Estava tão bonita! Mas o que eu mais gosto dela são os
ombros, que vi no baile do coronel. Que ombros! Parecem de cera; tão lisos, tão
brancos! Os braços também; oh! os braços! Que bem feitos!"
Rubião suspirou, cruzou as pernas, e bateu com as borlas do chambre sobre os joelhos.
Sentia que não era inteiramente feliz; mas sentia também que não estava longe a
felicidade completa. Recompunha de cabeça uns modos, uns olhos, uns requebros sem
explicação, a não ser esta, que ela o amava, e que o amava muito. Não era velho ia
fazer quarenta e um anos, e, rigorosamente, parecia menos. Esta observação foi
acompanhada de um gesto; passou a mão pelo queixo barbeado todos os dias, cousa
que não fazia dantes, por economia e desnecessidade. Um simples professor! Usava
suíças, (mais tarde deixou crescer a barba toda) – tão macias, que dava gosto passar os
dedos por elas. E recordava assim o primeiro encontro, na estação de Vassouras, onde
Sofia e o marido entraram no trem da estrada de ferro, no mesmo carro em que ele
descia de Minas; foi ali que achou aquele par de olhos viçosos, que pareciam repetir a
exortação do profeta. Todos vós que tendes sede, vinde às águas. Não trazia idéias
adequadas ao convite, é verdade; vinha com a herança na cabeça, o testamento, o
inventário, cousas que é preciso explicar primeiro, a fim de entender o presente e o
futuro. Deixemos Rubião na sala de Botafogo, batendo com as borlas do chambre nos
joelhos, e cuidando na bela Sofia. Vem comigo, leitor; vamos vê-lo, meses antes, à
cabeceira do Quincas Borba.
CAPÍTULO IV
ESTE QUINCAS BORBA, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas
de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo,
herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena. (...)
CAPÍTULO VI
(...)
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
– Queres ser meu discípulo?
– Quero.
(...)
– Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância recôndita e idêntica,
um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, - ou, para
usar a linguagem do grande Camões
Uma verdade que nas cousas anda
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas.
Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais
entendendo?
– Pouco, mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
– Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode
determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e
benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas
apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a
montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos
dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e
morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma
das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos,
aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de
que o homem só comemora e ama o que lhe aprazível ou vantajoso, e pelo motivo
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
– Mas a opinião do exterminado?
– Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste
ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e
tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
– Bem; a opinião da bolha...
– Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas
terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um
benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como
porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de
podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde,
tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É D. Quixote. Se eu
destruir o meu exemplar, não elimino a obra que continua eterna nos exemplares
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este
mundo divino e supradivino.

CAPÍTULO XXXIX
A LUA era magnífica. No morro, entre o céu e a planície, a alma menos audaciosa era
capaz de ir contra um exército inimigo, e destroçá-lo. Vede o que não seria com este
exército amigo. Estavam no jardim. Sofia enfiara o braço no dele, para irem ver a lua.
Convidara D. Tonica, mas a pobre dama respondeu que tinha um pé dormente, que já
ia, e não foi.
Os dous ficaram calados algum tempo. Pelas janelas abertas viam-se as outras pessoas
conversando, e até os homens, que tinham acabado o voltarete. O jardim era pequeno;
mas a voz humana tem todas as notas, e os dous podiam dizer poemas sem ser
ouvidos.
Rubião lembrou-se de uma comparação velha, mui velha, apanhada em não sei que
décima de 1850, ou de qualquer outra página em prosa de todos os tempos. Chamou
aos olhos de Sofia as estrelas da terra, e às estrelas os olhos do céu. Tudo isso baixinho
e trêmulo.
Sofia ficou pasmada. De súbito endireitou o corpo, que até ali viera pesando no braço
do Rubião. Estava tão acostumada à timidez do homem... Estrelas? olhos? Quis dizer
que não caçoasse com ela, mas não achou como dar forma à resposta, sem rejeitar uma
convicção que também era sua, ou então sem animá-lo a ir adiante. Daí um longo
silêncio.
– Com uma diferença, continuou Rubião. As estrelas são ainda menos lindas que os
seus olhos. e afinal nem sei mesmo o que elas sejam; Deus, que as pôs tão alto, é
porque não poderão ser vistas de perto, sem perder muito da formosura. . . Mas os seus
olhos, não; estão aqui, ao pé de mim, grandes, luminosos, mais luminosos que o céu...
Loquaz, destemido, Rubião parecia totalmente outro. Não parou ali; falou ainda muito,
mas não deixou o mesmo círculo de idéias. Tinha poucas; e a situação, apesar da
repentina mudança do homem, tendia antes a cerceá-las, que a inspirar-lhe novas.
Sofia é que não sabia que fizesse. Trouxera ao colo um pombinho, manso e quieto, e
sai-lhe um gavião, – um gavião adunco e faminto. (...)
CAPÍTULO XLI
(...)
Rubião estremeceu diante deste possessivo nossa ausência. Achou-lhe um princípio de
cumplicidade. Concordou que podiam dar pela nossa ausência. Tinha razão, deviam
separar-se, só lhe pedia uma cousa, duas cousas, a primeira é que não esquecesse
aqueles dez minutos sublimes; a segunda é que, todas as noites, às dez horas fitasse o
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
Cruzeiro, ele o fitaria também, e os pensamentos de ambos iriam achar-se ali juntos,
íntimos, entre Deus e os homens.
O convite era poético, mas só o convite. Rubião ia devorando a moça com olhos de
fogo e segurava-lhe uma das mãos para que ela não fugisse. Nem os olhos nem o gesto
tinham poesia nenhuma. Sofia esteve a ponto de dizer alguma palavra áspera, mas
engoliu-a logo, ao advertir que Rubião era um bom amigo da casa. Quis rir, mas não
pôde; mostrou-se então arrufada, logo depois resignada, afinal suplicante; pediu-lhe
pela alma da mãe dele, que devia estar no céu... Rubião não sabia do céu nem da mãe,
nem de nada. Que era mãe? que era céu? parecia dizer a cara dele.
– Ai, não me quebre os dedos! suspirou baixinho a moça.
(...)

CAPÍTULO XLVIII
(...)
Vai senão quando, ocorreu-lhe que os dous Quincas
Borba podiam ser a mesma criatura, por efeito da
entrada da alma do defunto no corpo do cachorro,
menos a purgar os seus pecados que a vigiar o
dono. Foi uma preta de São João d'EI-Rei que lhe
meteu, em criança, essa idéia de transmigração.
Dizia ela que a alma cheia de pecados ia para o
corpo de um bruto; chegou a jurar que conhecera
um escrivão que acabou feito gambá (...) Olhou
para o cão, enquanto esperava que lhe abrissem a
porta. O cão olhava para ele, de tal jeito que parecia
estar ali dentro o próprio e defunto Quincas Borba;
era o mesmo olhar meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos. . .
Novo arrepio; (...)

CAPÍTULO L

NÃO, SENHORA minha, ainda não acabou este dia tão comprido; não sabemos o que
se passou entre Sofia e o Palha, depois que todos se foram embora. Pode ser até que
acheis aqui melhor sabor que no caso do enforcado.
(...)
– Foi só isto, concluiu; mas é bastante para ver que se ele não disse amor é porque não
lhe chegou a língua, mas chegou-lhe a mão, que me apertou os dedos . . . Só isso, e é
demais. Ainda bem que te não zangas; mas é preciso trancar-lhe a porta,-ou de uma
vez ou aos poucos; eu preferia logo, mas estou por tudo. Como achas melhor?
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Mordendo o beiço inferior, Palha ficou a olhar para ela a modo de estúpido. Sentou-se
no canapé calado. Considerava o negócio. (...)
– E depois, Sofia, que lembrança foi essa de convidá-lo a ir ver a lua, não me dirás?
– Chamei D. Tonica para ir conosco.
– Mas, uma vez que D. Tonica recusou, devias ter achado meios e modos de não ir ao
jardim. São cousas que acodem logo. Tu é que deste ocasião...
Sofia olhou para ele, contraindo as grossas sobrancelhas ia responder, mas calou-se.
Palha continuou a desenvolver a mesma ordem de considerações, a culpa era dela, não
devia ter dado ocasião – Mas você mesmo não me tem dito que devemos tratá-lo com
atenções particulares? Seguramente, que eu não iria ao jardim se pudesse imaginar o
que se passou. Mas nunca esperei que um homem tão pacato, tão não sei como, se
tirasse dos seus cuidados para dizer-me cousas esquisitas...
(...)
– Alguns presentes, algumas jóias, camarotes no teatro, não são motivos para que eu
fite o Cruzeiro com ele.
– Prouvera a Deus que fosse só isso! suspirou o zangão.
– Que mais?
– Não entremos em minudências... Há outras cousas... Conversaremos depois... Mas
fica certa que nada me faria recuar, se visse no que contaste alguma gravidade. Não há
nenhuma. O homem é um simplório.
– Não.
(...)

CAPÍTULO C
(...)
Rubião, comovido, fez ainda outras perguntas acerca da luta e da vitória, se eram
precisas despesas já, ou carta de recomendação e pedido, e como é que se havia de ter
notícia freqüente do enfermo, etc. Camacho respondia a tudo; mas recomendava-lhe
cautela. Em política, disse ele, uma cousa de nada desvia o curso da campanha e dá a
vitória ao adversário. Contudo, ainda que não saísse vencedor, tinha Rubião a
vantagem de ficar com o seu nome sufragado; e o precedente contava-se por um
serviço.
– Firmeza e paciência, concluiu.
E logo em seguida
– Eu próprio que sou, senão um exemplo de paciência e firmeza? A minha província
está entregue a um grupo de bandidos; não há outro nome para a gente dos Pinheiros; e
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além disso (digo-lhe isto com dor e em particular) tenho amigos que me intrigam, uns
ganhadores, que querem ver se o partido me repele e se me tomam o lugar. . . Uns
biltres! Ah! meu caro Rubião, isto de política pode ser comparado à paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que
vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz das idéias,
pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão...
Esta frase, caída no calor da conversa, pareceu-lhe digna de um artigo – reteve-a de
memória; antes de dormir, escreveu-a em uma tira de papel. (...)
Que se acautelem no dia em que subirmos! Hão de pagar tudo. Ouça-me este conselho
em política, não se perdoa nem se esquece nada. Quem fez uma, paga; creia que a
vingança é um prazer, continuou sorrindo- há muita delícia... Enfim, conta dos os
males e os bens da política, os bens ainda são superiores. Há ingratos, mas os ingratos
demitem-se, prendem-se, perseguem-se.
Rubião ouvia subjugado. Camacho impunha; faiscavam-lhe os olhos. (...) Rubião
interrompeu-o, erguendo-se; teve uma espécie de vertigem. Via-se na Câmara,
entrando para prestar juramento, todos os deputados de pé; e teve um calafrio. O passo
era difícil. Contudo, atravessou a sala, subiu à mesa da presidência, prestou o
juramento de estilo...

CAPÍTULO CVI

...OU, MAIS PROPRIAMENTE, capítulo em que o leitor, desorientado, não


pode combinar as tristezas de Sofia com a anedota do cocheiro. E pergunta confuso-
Então a entrevista da Rua da Harmonia Sofia, Carlos Maria, esse chocalho de rimas
sonoras e delinqüentes é tudo calúnia? Calúnia do leitor e do Rubião, não do pobre
cocheiro que não proferiu nomes, não chegou sequer a contar uma anedota verdadeira.
É o que terias visto, se lesses com pausa. Sim, desgraçado adverte bem que era
inverossímil que um homem, indo a uma aventura daquelas, fizesse parar o tílburi
diante da casa pactuada. Seria pôr uma testemunha ao crime. Há entre o céu e a terra
muitas mais ruas do que sonha a tua filosofia, ruas transversais, onde o tílburi podia
ficar esperando.

CAPÍTULO CXII

AQUI É QUE EU QUISERA ter dado a este livro o método de tantos outros, – velhos
todos,– em que a matéria do capítulo era posta no sumário"De como aconteceu isto
assim, e mais assim." Aí está Bernardim Ribeiro; aí estão outros livros gloriosos. Das
línguas estranhas, sem querer subir a Cervantes nem a Rabelais, bastavam-me Fielding
e Smollet, muitos capítulos dos quais só pelo sumário estão lidos. Pegai em Tom
Jones, livro IV, cap. I, lede este título Contendo cinco folhas de papel. É claro, é
simples, não engana a ninguém; são cinco folhas, mais nada, quem não quer não lê, e
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quem quer lê, para os últimos é que o autor concluiu obsequiosamente". E agora, sem
mais prefácio, vamos ao seguinte capítulo".

EXERCÍCIOS

FUVEST/22
LEIA OS SEGUINTES TEXTOS DE MACHADO DE ASSIS PARA RESPONDER ÀS QUESTÕES

I. Suave mari magno*


Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,


De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso


Passava, sem se deter,
Silencioso,

Junto ao cão que ia morrer,


Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
Machado de Assis. Ocidentais.

*Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das coisas), a qual aparece no seguinte
trecho: Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum alterius spectare
laborem. (“É agradável, enquanto no mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da
terra os grandes esforços de um outro.”).

II. Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que o melhor modo de
apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.

III. Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do leito o marido:


– Que foi? perguntou ele.
– Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei?
(...)
– Sonhei que estavam matando você.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele, ainda que em sonhos, encheu-o
de piedade, mas de uma piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo, profundo,
– que o faria desejar outros pesadelos, para que o assassinassem aos olhos dela, e para
que ela gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI. 20

1. A visão do eu-lírico no texto I


(A) volta-se nostálgica para as imagens de uma lembrança.
(B) centra-se com desprezo na figura do animal agonizante.
(C) apreende displicentemente o movimento dos transeuntes.
(D) ganha distância da cena para captar todos os seus aspectos.
(E) apresenta o espectador da crueldade como um ser incomum.

2. A analogia consiste em um recurso de expressão comumente utilizado para ilustrar


um raciocínio por meio da semelhança que se observa entre dois fatos ou ideias. No
texto II, a analogia construída a partir da imagem do chicote pretende sugerir que
(A) o instrumento do castigo nem sempre cai em mãos justas.
(B) o apreço aos objetos independe do uso que se faz deles.
(C) o cabo é metáfora de mérito, e a ponta, metáfora de culpa.
(D) o mais fraco, por ser compassivo, é incapaz de desfrutar do poder.
(E) o prazer verdadeiro se experimenta no lado dos dominantes.

3. No texto III, ao analisar a interioridade de Palha, o narrador descobre, no


pensamento oculto do negociante,
(A) a ternura que lhe inspira a mulher, capaz de toda abnegação.
(B) a piedade que lhe causa a mulher, a quem só guarda desprezo.
(C) a vaidade que beira o sadismo, ao ver a mulher sofrer por ele.
(D) o gozo vingativo, visto que a mulher o trai com Carlos Maria.
(E) o remorso do infiel, pois ele trai a mulher com Maria Benedita.

4. (FUVEST 2021)
Rubião fitava a enseada, — eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os
polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo,
cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas em verdade vos digo que
pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano?
Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de
Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a
enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na
mesma sensação de propriedade.
– Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana
Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral.
Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia uma
desgraça...
Machado de Assis, Quincas Borba.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresenta ao leitor um elemento que será
fundamental na construção do romance:
a) a contemplação das paisagens naturais, como se lê em “ele admirava aquele pedaço
de água quieta”.
b) a presença de um narrador-personagem, como se lê em “em verdade vos digo que
pensava em outra coisa”.
c) a sobriedade do protagonista ao avaliar o seu percurso, como se lê em “Cotejava o
passado com o presente”.
d) o sentido místico e fatalista que rege os destinos, como se lê em “Deus escreve
direito por linhas tortas”.
e) a reversibilidade entre o cômico e o trágico, como se lê em “de modo que o que
parecia uma desgraça...”.

5. (FUVEST 2021) Leia o texto para responder à questão.


Nessa mesma noite, leu-lhe o artigo em que advertia o partido da
conveniência de não ceder às perfídias do poder, apoiando em algumas províncias
certa gente corrupta e sem valor. Eis aqui a conclusão:
“Os partidos devem ser unidos e disciplinados. Há quem pretenda (mirabile
dictu!*) que essa disciplina e união não podem ir ao ponto de rejeitar os benefícios que
caem das mãos dos adversários. Risum teneatis!** Quem pode proferir tal blasfêmia
sem que lhe tremam as carnes?
Mas suponhamos que assim seja, que a oposição possa, uma ou outra vez,
fechar os olhos aos desmandos do governo, à postergação das leis, aos excessos da
autoridade, à perversidade e aos sofismas. Quid inde?*** Tais casos, — aliás, raros,
— só podiam ser admitidos quando favorecessem os elementos bons, não os maus.
Cada partido tem os seus díscolos e sicofantas.
É interesse dos nossos adversários ver-nos afrouxar, a troco da animação dada
à parte corrupta do partido. Esta é a verdade; negá-lo é provocar-nos à guerra intestina,
isto é, à dilaceração da alma nacional... Mas, não, as ideias não morrem; elas são o
lábaro da justiça. Os vendilhões serão expulsos do templo; ficarão os crentes e os
puros, os que põem acima dos interesses mesquinhos, locais e passageiros a vitória
indefectível dos princípios. Tudo que não for isto ter-nos-á contra si. Alea jacta
est****”. Rubião aplaudiu o artigo; achava-o excelente. Talvez pouco enérgico.
Vendilhões, por exemplo, era bem dito; mas ficava melhor vis vendilhões.
— Vis vendilhões? Há só um inconveniente, ponderou Camacho. É a
repetição dos vv. Vis vem... Vis vendilhões; não sente que o som fica desagradável?
— Mas lá em cima há vés vis...
— Vae victis. Mas é uma frase latina. Podemos arranjar outra coisa: vis
mercadores.
— Vis mercadores é bom.
— Contudo, mercadores não tem a força de vendilhões.
— Então, por que não deixa vendilhões? Vis vendilhões é forte; ninguém
repara no som. Olhe, eu nunca dou por isso. Gosto de energia. Vis vendilhões.
Machado de Assis, Quincas Borba.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
* “coisa admirável de dizer.”
** “Contereis o riso.”
*** “O que então?”
**** “A sorte está lançada.”

a) Segundo Camacho, os partidos possuem entre os seus membros “díscolos e


sicofantas”, isto é, dissidentes e caluniadores. De que modo a retórica do político
constitui um artifício para persuadir o seu ouvinte quanto aos erros de alguns
correligionários?

b) A expressão latina Vae victis! (“Ai dos vencidos!”) lembra ao leitor a máxima da
filosofia que Quincas Borba apresenta a Rubião no início do romance. Como essas
duas frases se contrapõem na trajetória do protagonista?

6. (FUVEST 2020)
TEXTO14 PARA AS QUESTÕES

E Sofia? interroga impaciente a leitora, tal qual Orgon: Et Tartufe? Ai, amiga
minha, a resposta é naturalmente a mesma, – também ela comia bem, dormia
largo e fofo, – coisas que, aliás, não impedem que uma pessoa ame, quando quer
amar. Se esta última reflexão é o motivo secreto da vossa pergunta, deixai que vos
diga que sois muito indiscreta, e que eu não me quero senão com dissimulados.
Repito, comia bem, dormia largo e fofo. Chegara ao fim da comissão das
Alagoas, com elogios da imprensa; a Atalaia chamou‐lhe “o anjo da consolação”. E
não se pense que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse; ao contrário, resumindo
em Sofia toda a ação da caridade, podia mortificar as novas amigas, e fazer‐lhe
perder em um dia o trabalho de
longos meses. Assim se explica o artigo que a mesma folha trouxe no número
seguinte, nomeando, particularizando e glorificando as outras comissárias –
“estrelas de primeira grandeza”.
Machado de Assis, Quincas Borba.

No excerto, o autor recorre à intertextualidade, dialogando com a comédia de


Molière, Tartufo (1664), cuja personagem central é um impostor da fé. Tal é a fama
da peça que o nome próprio se incorporou ao vocabulário, inclusive em português,
como substantivo comum, para designar o “indivíduo hipócrita” ou o “falso devoto”.
No contexto maior do romance, sugere‐se que a tartufice
a) se cola à imagem da leitora, indiscreta quanto aos amores alheios.
b) é ação isolada de Sofia, arrivista social e benemérita fingida.
c) diz respeito ao filósofo Quincas Borba, o que explica o título do livro.
d) se produz na imprensa, apesar de esta se esquivar da eloquência vazia.
e) se estende à sociedade, na qual o cinismo é o trunfo dos fortes.

14
Do cap. CXXXVIII
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis

Considerando o contexto, o trecho “E não se pense que este nome a alegrou, posto que
a lisonjeasse” (L.10‐11) pode ser reescrito, sem prejuízo de sentido, da seguinte
maneira: E não se pense que este nome a alegrou,
a) apesar de lisonjeá‐la.
b) antes a lisonjeou.
c) porque a lisonjeava.
d) a fim de lisonjeá‐la.
e) tanto quanto a lisonjeava.

7. (FUVEST 2020)

Texto1
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos,
todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma
preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira
os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas
produziam muito e ele não comia um ovo, do que no entanto gostava imenso; vendia-
os todos e contentava-se com os restos da comida dos trabalhadores. Aquilo já não era
ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de
reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba
sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal,
sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados,
com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele
não podia apoderar-se logo com as unhas.
Aluísio Azevedo, O Cortiço.

Texto2
(...) Rubião é sócio do marido de Sofia, em uma casa de importação, à Rua da
Alfândega, sob a firma Palha & Cia. Era o negócio que este ia propor-lhe, naquela
noite, em que achou o Dr. Camacho na casa de Botafogo. Apesar de fácil, Rubião
recuou algum tempo. Pediam-lhe uns bons pares de contos de réis, não entendia de
comércio, não lhe tinha inclinação. Demais, os gastos particulares eram já grandes; o
capital precisava do regime do bom juro e alguma poupança, a ver se recobrava as
cores e as carnes primitivas. O regime que lhe indicavam não era claro; Rubião não
podia compreender os algarismos do Palha, cálculos de lucros, tabelas de preço,
direitos da alfândega, nada; mas, a linguagem falada supria a escrita. Palha dizia coisas
extraordinárias, aconselhava o amigo que aproveitasse a ocasião para pôr o dinheiro a
caminho, multiplicá-lo.
Machado de Assis, Quincas Borba.

a) Como o contraste entre os trechos “já não era ambição, era uma moléstia nervosa,
uma loucura, um desespero de acumular” e “não entendia de comércio, não lhe tinha
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
inclinação”, respectivamente sobre as personagens João Romão e Rubião, reflete
distintas linhas estéticas na prosa brasileira do fim do século XIX?

b) A partir das diferentes esferas sociais e práticas econômicas referidas nos


fragmentos, trace um breve paralelo entre as trajetórias dos protagonistas nos dois
romances.

Extras

1. (FUVEST 2013) No excerto abaixo, narra-se parte do encontro de Brás Cubas com
Quincas Borba, quando este, reduzido à miséria, mendigava nas ruas do Rio de
Janeiro:

Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis, a menos limpa, e dei-lha [a
Quincas Borba]. Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota
ao ar, e agitou-a entusiasmado.
– In hoc signo vinces!* bradou.
E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me
produziu um sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me;
ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era
alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis.
– Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
– Sim? acudiu ele, dando um bote para mim.
– Trabalhando, concluí eu.

*“In hoc signo vinces!”: citação em latim que significa “Com este sinal vencerás”
(frase que teria aparecido no céu, junto de uma cruz, ao imperador Constantino, antes
de uma batalha).
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
a) Tendo em vista a autobiografia de Brás Cubas e as considerações que, ao longo de
suas Memórias póstumas, ele tece a respeito do tema do trabalho, comente o conselho
que, no excerto, ele dá a Quincas Borba: “– Trabalhando, concluí eu”.
b) Tendo, agora, como referência, a história de D. Plácida, contada no livro, discuta
sucintamente o mencionado conselho de Brás Cubas.

2. (FUVEST 2015) Responda ao que se pede.


a) Qual é a relação entre o “sistema de filosofia” do “Humanitismo”, tal como figurado
nas Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e as correntes de
pensamento filosófico e científico presentes no contexto histórico cultural em que essa
obra foi escrita? Explique resumidamente.
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
b) De que maneira, em O cortiço, de Aluísio Azevedo, são encaradas as correntes de
pensamento filosófico e científico de grande prestígio na época em que o romance foi
escrito? Explique sucintamente.

3. (UNICAMP 2016) (...) pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre
que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil réis.
– Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
– Sim? acudiu ele, dando um bote pra mim.
– Trabalhando, concluí eu. Fez um gesto de desdém; calou-se alguns instantes, depois
disse-me positivamente que não queria trabalhar.
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê Editorial,
2001, p.158.)
O trecho citado diz respeito ao encontro entre Brás Cubas e Quincas Borba, no
capítulo 49, e, mais precisamente, apanha o momento em que Brás dá uma esmola ao
amigo.
Considerando o conjunto do romance, é correto afirmar que essa passagem
a) explicita a desigualdade das classes sociais na primeira metade do século XIX e
propõe a categoria de trabalho como fator fundamental para a emancipação do pobre.
b) indica o ponto de vista da personagem Brás Cubas e propõe a meritocracia como
dispositivo pedagógico e moral para a promoção do ser humano no século XIX.
c) elabora, por meio do narrador, o preconceito da classe social a que pertence Brás
Cubas em relação à classe média do século XIX, na qual se insere Quincas Borba.
d) sugere as posições de classe social das personagens machadianas, mediante um
narrador que valoriza o trabalho, embora ele mesmo, sendo rico, não trabalhe.

4. (FUVEST 2016) No capítulo CXIX das Memórias póstumas de Brás Cubas, o


narrador declara: “Quero deixar aqui, entre parêntesis, meia dúzia de máximas* das
muitas que escrevi por esse tempo.” Nos itens a) e b) encontram se reproduzidas duas
dessas máximas. Considerando as no contexto da obra a que pertencem, responda ao
que se pede.
* “Máxima”: fórmula breve que enuncia uma observação de valor geral; provérbio.
a) “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”
Pode se relacionar essa máxima à maneira de viver do próprio Brás Cubas? Justifique
sucintamente.
b) “Suporta-se com paciência a cólica do próximo.” A atitude diante do sofrimento
alheio, expressa nessa máxima, pode ser associada a algum aspecto da filosofia do
“Humanitismo”, formulada pela personagem Quincas Borba? Justifique sua resposta.

5. Leia com atenção os dois excertos abaixo, extraídos de Quincas Borba, de


Machado de Assis:
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis

I
“Chamou aos olhos de Sofia as estrelas da terra, e às estrelas os olhos do céu. Tudo
isso baixinho e trêmulo. (...) Tinha razão, deviam separar-se, só lhe pedia uma cousa,
duas cousas, a primeira é que não esquecesse aqueles dez minutos sublimes; a
segunda é que, todas as noites, às dez horas fitasse o Cruzeiro, ele o fitaria também, e
os pensamentos de ambos iriam achar-se ali juntos, íntimos, entre Deus e os homens.”
CAPÍTULO XXXIX
II
“– Passou lá? perguntou Sofia.
– Estive lá; ia pelo Catete, já tarde, e lembrou-me descer à Praia do Flamengo. A
noite era clara; fiquei cerca de uma hora, entre o mar e a sua casa. A senhora aposto
que nem sonhava comigo? Entretanto, eu quase que ouvia a sua respiração.
Sofia tentou sorrir; ele continuou
– O mar batia com força, é verdade, mas o meu coração não batia menos rijamente -
com esta diferença que o mar estúpido, bate sem saber por que, e o meu coração sabe
que batia pela senhora.”
CAPÍTULO LXIX

Sofia Palha, esposa de Cristiano Palha, é a principal figura feminina do livro, e alvo
das duas declarações de amor acima transcritas. Responda:
a) Quem são as personagens que se declaram nos trechos I e II, e quais sentimentos ela
nutre por eles?
b) A passagem “palavras do vadio egoísta e enfatuado, que a convidou um dia à valsa
do adultério e a deixou sozinha no meio do salão” referem-se ao desfecho de qual dos
dois idílios? Explique.

6. Leia o fragmento abaixo para responder à questão:

CAPÍTULO XCI
(...)
Soou A CAMPAINHA de jantar; Rubião compôs o rosto, para que os seus habituados
(tinha sempre quatro ou cinco) não percebessem nada. Achou-os na sala de visitas,
conversando, à espera; ergueram-se todos, foram apertar-lhe a mão,
alvoroçadamente. Rubião teve aqui um impulso inexplicável,-dar-lhes a mão a beijar.
Reteve-se a tempo, espantado de si próprio.

O episódio acima, dentro do contexto do romance, traz para o leitor um importante


indício.
a) Explique de que se trata.
b) Relate outro episódio do livro que confirme o indício apontado por você.
7. Leia o trecho abaixo:
CAPÍTULO XCII
(...)
Livros para a FUVEST 2024 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
– Sabe que estou formando uma comissão de senhoras? perguntou ela.
– Não sabia; para quê?
– Não leu a notícia daquela epidemia numa cidade das Alagoas?
Contou-lhe haver ficado tão penalizada, que resolveu logo organizar uma comissão
de senhoras, para pedir esmolas. A morte da tia interrompeu os primeiros passos; mas
ia continuar, passada a missa do sétimo dia. E perguntou que lhe parecia.
– Parece-me bem. Não há homens na comissão?
– Há só senhoras. Os homens apenas dão dinheiro, concluiu rindo.

No episódio acima, Sofia revela a Rubião a iniciativa de organizar uma comissão


beneficente em prol de uma epidemia de cólera que assolava o país.
a) Explique quais vantagens Sofia vai conquistar através dessa comissão.
b) Quais mudanças vão ocorrer na vida da personagem a partir de tais circunstâncias?

8. CAPÍTULO CLXXIII
(...) O marido sorriu e tornou à revista inglesa. Ela, encostada à trona, passava-lhe os
dedos pelos cabelos, muito ao de leve e caladinha para não perturbá-lo. Ele ia lendo,
lendo, lendo. Maria Benedita foi atenuando a carícia, retirando os dedos aos poucos,
até que saiu da sala, onde Carlos Maria continuou a ler um estudo de Sir Charlen
Little, M.P., sobre a famosa estatueta de Narciso, do Museu de Nápoles.

a) Comente a relação entre Carlos Maria e Maria Benedita, explicando e


contextualizando no enredo o episódio acima.
b) Explique a sutil ironia do autor contida no excerto acima, em relação à comparação
que evoca (ou seja, o que Machado pretende evidenciar sobre a personalidade do
personagem?).

© Elaine Joaquim

capa de Quincas Borba: Edvard Münch, A dança da vida (1900)


Ilustrações:
Édouard Manet, O Balcão (1868)

próxima aula:
Unicamp
Bons dias!
Machado de Assis

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