Você está na página 1de 17

Um pouco da performance-

responsável de Witkacy – Andrea


Carla de Miranda Pita
Um pouco da performance-responsável de Witkacy
Andrea Carla de Miranda Pita[1]

“The Water Hen”, Cricot-2 Theatre, Edinburgh 1972. Photograph by Richard Demarco

Neste artigo faremos uso de conceitos bakhtinianos – principalmente “não álibi da


existência”, “ato-responsável” e “exotopia” – para abordar aspectos da obra-vida
do multi-artista polonês Stanislaw Ignacy Witkiewicz(1885-1939). Para tal,
tomaremos a peça dramática “The Water Hen” e a sua teoria da Forma Pura
dedicada ao teatro. Não se trata aqui de defender que a obra seja o retrato da
vida, mas de detectar nas obras – uma de caráter poética e outra de caráter
filosófico – momentos em que o artista e pensador se revela mas também se recria
num ambiente convulsionado por invasões, por guerra, pelo advento de sistemas
totalitários, pela perda da relação com o sagrado, pela mecanização e controle da
vida, pela separação entre vida e cultura[2]. Este é um mundo em que as bases
econômicas e biológicas passam cada vez mais a dirigir tudo. Por outro lado, a
implementação da mecanização da vida, cada vez mais presente devido a todos
os recursos tecnológicos desenvolvidos, faria com que o acesso à “felicidade” se
tornasse algo próximo[3], anulando qualquer necessidade de busca por se cultivar
e se recriar individualmente, desenvolvendo todo o potencial humano, trabalho
simbólico presente na arte e na filosofia, justamente os afazeres aos quais este
homem-obra se entrega e integra.
SER-EXOTOPIA COMO ATO-RESPONSÁVEL DE/ EM UMA EXISTÊNCIA
ASSUMIDAMENTE SEM ÁLIBI

O multi-artista polonês Stanislaw Ignacy Witkiewicz foi pintor, fotógrafo, performer,


dramaturgo, romancista e criador de um sistema filosófico e de uma teoria da arte,
a Teoria da Forma Pura. Não entendido à sua época, quanto mais tempo passa,
maior importância é dada à sua obra. Em 2015, o artista foi homenageado na
Polônia e o Brasil recebeu uma encenação do Grupo Kropka Theatre no Festival
Internacional de Teatro Cena Contemporânea (Brasília), justamente inspirado pela
Teoria da Forma Pura. Enquanto escritor, Witkiewicz teve poucos trabalhos
escritos conhecidos durante a vida, apenas cerca de 2 romances e 6 peças. Hoje
há uma herança de 22 peças preservadas inteiramente e seu trabalho é
amplamente estudado. Suas peças foram traduzidas em mais de 30 línguas e
performada por diversas partes do mundo. Pode-se dizer que é um dos autores
poloneses mais montados no mundo. Catastrofista e irônico, considerava a história
cega tanto do lado do Bolchevismo Russo quanto do Fascismo alemão e via as
multidões como submissas a demagogos. O estranhamento presente em sua obra
tem muito a ver com sua perspectiva trágica do mundo a partir dos eventos que
presencia e até de que participa[4]. Ele percebe o mundo em volta e dá a sua
resposta, resposta que só ele poderia dar.
Era filho do pintor e pensador Stanislaw Witkiewicz(1851-1915), figura que teve
grande ascendência sobre ele. Como eram praticamente homônimos, o filho usa
comumente Witkacy para se diferenciar da persona pública do pai, nome que
usaremos para denomina-lo a partir deste momento.

Um homem pode se recriar através de suas obras? Acreditamos que para Witkacy
isto seria fundamental. Em um episódio, um amigo, após assistir à apresentação
de “The Water Hen”, disse que a peça de Witkacy seria auto-biográfica. Witkacy
deu uma resposta pública negando o fato. O amigo fazia alusão principalmente à
relação de Witkacy com o pai. Sabe-se que este teve grande ascendência sobre
Witkacy, desde não deixando que ele frequentasse nenhuma escola, pois a
educação aconteceria em casa, com artistas e pensadores que a frequentassem e
de modo auto-didata. Witkacy não tinha autorização nem para frequentar uma
escola de arte, orientação à qual chega a “desobedecer” entre 1905 e 1906. Só
quando Witkacy faz 30 anos é que conseguirá maior autonomia, pois este é o
momento em que o pai, a quem admirava e de quem era amigo, morre.

Para Daniel Gerould[5], grande especialista em Witkacy, tradutor e editor de


diferentes obras suas para o inglês, três viagens foram marcantes em sua vida e
mudaram seu modo de ver vida e arte[6]. A primeira foi a Paris, onde teve contato
com a efervescência da Belle Époque e conheceu, por exemplo, obras de Picasso.
A segunda foi para Nova Zelândia, com seu amigo Bronislaw Malinowski(1884-
1942), conhecido antropólogo, onde tem contato com povos e ritos antigos. E por
último a sua viagem à Rússia, onde participou do exército enquanto comandante e
pôde presenciar a Revolução Russa. Na primeira ele tem contato mais forte com o
modernismo artístico, onde passeavam as mais diferentes tendências, Futurismo,
Dadaísmo, Surrealismo, Expressionismo, Cubismo, entre outras. Na
segunda[7] ele pôde contactar com comunidades “não civilizadas” e que não
passaram pelo processo de enfraquecimento dos instintos, tendo ainda um
profundo contato com forças místicas, que segundo ele haviam quase que sido
absolutamente erradicadas da Europa ocidental cristã. Na terceira, a revolução
político-social-cultural, apesar de suas promessas quanto a um homem e a uma
sociedade novas, foi ao longo do tempo sendo percebida e confirmada por Witkacy
como esmagadora da individualidade.[8] É possível dizer que todos estes
aspectos de sua vida foram definidores em relação à criação de sua obra como um
todo. Obra teórica e obra poética, por sua vez, se inter-relacionam de modo
instigante, além do que não se pode esquecer as inúmeras performances na
vida[9] e a própria personalidade de Witkacy enquanto obras. Talvez se possa
dizer que Witkacy se tornou homem-obra, sendo seus múltiplos reflexos os pluri-
aspectos presentes em uma única mônada[10], a de sua pessoa enquanto autor
exotópico de sua vida.
“[…]Em outras palavras, o reflexo estético da vida não é por princípio autorreflexo
da vida em movimento, da vida em sua real vitalidade: tal reflexo pressupõe um
outro sujeito da empatia, que é extralocalizado. Naturalmente, não há necessidade
de pensar que ao puro momento da empatia segue cronologicamente o momento
da objetivação, da formação; ambos são, na realidade, inseparáveis: a pura
empatia é um momento abstrato do ato unitário da atividade estética, que não
deve ser pensado como período temporal: os momentos da empatia e da
objetivação se interpenetram. Eu vivo ativamente a empatia com uma
individualidade, e , por conseguinte, nem por um instante sequer perco
completamente a mim mesmo, nem perco o meu lugar único fora dela. Não é o
objeto que se apodera de mim, enquanto ser passivo: sou eu que ativamente o
vivo empaticamente; a empatia é um ato meu, e somente nisso consiste a
produtividade e a novidade do ato[…]”(BAKHTIN, 2010,pp. 61-62)

A perspectivação estética em relação à própria vida de algum modo sempre esteve


presente em Witkacy, na sua consciência da vida enquanto ato estético. Aqui
transpusemos e expandimos o conceito de exotopia[11]de Mikhail Bakhtin(1895-
1975)[12] talvez como uma licença poética suficientemente responsável na medida
em que Bakhtin, em sua epistemologia estruturalista-fenomenológica[13], atrela
arte e vida, pois a arte, na medida do seu caráter humano, tem vida.
Apesar de sua obra ser dedicada mais ao romance, sabe-se que Bakhtin aborda
os gêneros do discurso como um todo, primário – presentes na oralidade ou
secundário, mais complexo e em geral escrito, e que tem sido usado em várias
áreas do conhecimento, como antropologia, educação, artes, entre outras. Em
relação ao teatro, pode-se dizer que é pouco utilizado, mas que tem grande
potencial para isso na medida em que fala de criação artística.

A partir deste momento tomaremos os conceitos bakhtinianos “não álibi da


existência” e “ato responsável” para mostrar que Witkacy utiliza-se do lugar que
ocupa no mundo para dizer coisas que a ele importam sobremaneira através da
peça teatral “The Water Hen”, assim como de sua teoria da Forma Pura para o
teatro. Para Bakhtin, ninguém teria álibi pois ocupa um espaço particular, tendo
uma “participação pessoal, única[…]”, tendo a possibilidade de transformar “[…] a
possibilidade vazia em ação responsável real”(BAKHTIN, 2010, p. 26).

Todas as tentativas de alcançar a existência-evento real a partir do interior do


mundo teórico são sem esperança; não é possível do interior da cognição em si
abrir um caminho no mundo conhecido teoricamente para alcançar o mundo real
em sua singularidade e irrepetibilidade. […] o mundo como conteúdo do
pensamento científico é um mundo particular, autônomo, mas não separado, e sim
integrado no evento singular e único do existir através de uma consciência
responsável em um ato-ação real.[…] A singularidade única não pode ser
pensada, mas somente vivida de modo participativo. A razão teórica em sua
totalidade não é senão um momento da razão prática, isto é, da razão decorrente
da direção moral de um sujeito único no evento do existir singular.[…]O traço
característico da filosofia contemporânea da vida, que busca incluir o mundo
teórico na unidade da vida em devir, é uma certa estetização da vida que de
alguma forma mascara um pouco a inadequação bastante evidente do teoricismo
puro( a inclusão do mundo teórico grande em um mundo pequeno, ainda que
teórico)[…]. (BAKHTIN, 2010, pp.58-59).

Para Bakhtin a existência precede a consciência, de modo que não partia somente
dos “a prioris” de origem aristotélica. Fenomenólogo e materialista, preferia partir
do fenômeno e das relações humanas. Para Ponzio, Bakhtin tem uma posição
aproximada à de Edmund Husserl(1859-1938) em relação à crise da ciência
europeia, na medida em que identifica a crise da separação entre a ação com sua
concreta motivação e o seu produto pois a ação teria se tornado eminentemente
técnica. Para ele, esta perspectiva apriorística estaria resultando no descolamento
vida e cultura[14].

“Além disso, Bakhtin coloca em evidência como a separação entre produto e ação
responsável , entre aparato técnico-científico e motivação concreta, entre cultura e
vida, produz não somente a deterioração do produto, a perda de sentido do mundo
cultural tornado domínio autônomo, o esvaziamento de sentido dos saberes, mas
também a degradação da própria ação que, isolada dos significados da cultura,
empobrecida de seus momentos ideais, decai para o patamar de motivações
biológicas e econômicas elementares; portanto, parece que fora da cultura objetiva
não há nada mais que a individualidade biológica nua, o ato-necessidade[…] Para
Bakhtin, reside na singularidade do ato a possibilidade da religação entre cultura e
vida, entre consciência cultural e consciência viva. Diversamente, os valores
culturais, cognitivos, científicos, estéticos, políticos tornam-se valores em si e
perdem toda possibilidade de verificação, de funcionalidade, de transformação”
(BAKHTIN, 2010, pp.24-25).

Assim é que qualquer valor universalmente válido não pode existir abstratamente
mas na sua relação com o sujeito da situação. Para Bakhtin, “A ciência, a arte e a
vida adquirem unidade somente na pessoa que as incorpora na sua
unidade”(BAKHTIN, 2010, p.21). Witkacy faz a junção – esta é uma das coisas que
persegue em sua vida – tentando fazer das suas obras poéticas a busca
incessante e frenética do que denominava como Forma Pura, este um ideal
importante ao qual se dedicou com vários atos-responsáveis, emendados num fio
que nunca gostaria de perder pois estava unido à justificativa da sua existência, a
experimentação de sua individualidade. Através de sua obra poética conseguia
falar dos mais variados temas contemporâneos a ele. Assim, o seu lugar
específico – o tempo, as circunstâncias e a unidade moral de sua vida, ou seja, o
aspecto histórico-individual – lugar de quem tivera a liberdade para realizar o
aprendizado de diferentes áreas do conhecimento de modo não tradicional, assim
como sua relação com o pai, suas viagens, entre outros acontecimentos de sua
vida, agiram nele e tiveram uma responsividade ativa de sua parte, um sujeito
encarnado, participativo, não indiferente à singularidade dos outros, podendo
apenas ele responder do modo como respondeu. Para Bakhtin, o ato seria “um
Jano bifronte”, pois orientado em duas direções diferentes – a singularidade
irrepetível, e a unidade objetiva, abstrata. Segundo Ponzio:

“De um lado, a singularidade de cada um, a sua unicidade, a sua


insubstituibilidade, a peculiaridade das suas relações, dos seus vividos, das suas
coordenadas espaço-temporais e axiológicas, a irrevogabilidade da sua
responsabilidade sem álibi – e é esta singularidade, esta unidade,
insubstituibilidade que cada um tem, nos afetos, nas relações relegadas ao
privado, nas relações de amor e de amizade. Do outro lado, as relações de troca
entre indivíduos que representam identidade, e, portanto, em cada caso entre
conjuntos, gêneros, pertenças , comunidades , classes, aglomerados, coletivos( a
identidade individual é inevitavelmente coletiva). Aqui o reconhecimento do outro
no máximo alcança o nível de imparcialidade, da paridade, da igualdade, da
justiça, do tratamento igual por todos os seus análogos, pelos seus semelhantes,
mas sempre de maneira não participativa, indiferente à singularidade, à diferença
de cada um – ou antes, com a interdição da não indiferença nos seus confrontos.
[…]Tudo isso que é genérico adquire sentido e valor a partir do lugar único do
singular, do seu reconhecimento, na base do seu “não-álibi no existir”. “Não-álibi”
significa “sem desculpas”, “sem escapatórias”, mas também “impossibilidade de
estar em outro lugar” em relação ao lugar único e singular que ocupo no existir,
existindo, vivendo” (BAKHTIN, 2010, pp. 19-20).

Na peça “The Water Hen”, de Witkacy, no início temos contato com uma cena em
que uma mulher pede para que o homem a mate[15]. Ele está com uma
espingarda e a chama de “Water Hen”[16]. Ele é Edgar e não tem coragem de
atirar e, enquanto ele explica o porque disso, o leitor pode perceber laivos do que
seria a personalidade e o propósito maior de Edgar na peça. Caso a mate, diz, não
terá com quem conversar, coisa de que precisa, pois é mais um ser do
pensamento e melancólico do que da ação, e até este momento não sabe o que
poderá fazer de sua existência, o que de algum modo “Water Hen” poderia tentar
aclarar para ele[17]. Finalmente Edgar, após pedidos da “Water Hen”, tem
coragem de atirar e enquanto esta não morre, aparece Tadzio, um filho de que
Edgar não sabia da existência[18]. O expediente de os personagens aparecerem
sem explicação e não se definirem ao certo terá continuidade ao longo da peça,
sendo que à medida que nos acostumamos um pouco com elas, aventaremos
possibilidades de relacionar uma fala com outra para matar o quebra-cabeça que,
no entanto, provavelmente nunca ganhará o arremate final desejado, a obra
podendo ter diferentes acabamentos dependendo da quantidade de espectadores
ou de vezes que um mesmo espectador assista ou leia a peça. O leitor deverá se
comprazer em pensar possibilidades do que seria tudo aquilo e também se não
vivemos em nossas vidas tal qual como numa atmosfera de sonho em que as
coisas nunca vão ter a sua devida explicação.
Quando Water Hen finalmente morre – o que não acontece lentamente, mas na
duração do processo acontece todo um diálogo entre Edgar, Tadzio e ela – Tadzio
começa a demonstrar sua habilidade filosófica que o filia a Edgar, pois neste
momento diz que agora entende o que é a infinitude. Em seguida, é o Pai,
personagem cujo nome é Albert Valpor, mas que aparece como “Pai”, que entra.
Ele havia acompanhado um pouco da conversa entre Edgar e Tadzio e percebe
que Water Hen foi assassinada por Edgar. A empatia entre este provável avô, que
se veste como almirante, e o possível neto, é imediata, o que resulta em certo
ciúme por parte de Edgar. Enquanto a cena acontece o Pai orienta os serviçais,
que tem presença constante em cena, ora arrumando a casa ora o cenário, num
expediente metateatral de Witkacy. São os serviçais que arrumam a iluminação em
uma transição de cena e que colocam mesa e cadeiras para os convidados após
retirarem o corpo de Water Hen. Tudo acontece de forma breve e como que
natural, então Edgar pergunta o porque de tantas cadeiras e da mesa, ao que logo
chegam os convidados – uma Duquesa de Inglaterra e alguns velhos que a
acompanham. Ela é esposa de Edgar, cujo nome igual ao do protagonista o
transforma em uma espécie de duplo deste. Mas este Edgar seria o Duque de
“Nevermore”. O protagonista se sente bem com o fato de o outro Edgar, o duque,
ter morrido, apesar de que aparentemente não haveria nenhuma rixa entre os dois,
na medida em que até trocavam cartas. O pai diz para o protagonista se controlar
em seus comentários, mas Edgar ainda comete mais um ato “mal educado” ao
dizer que nas cartas o Duque Edgar de Nevermore dizia gostar de Elizabeth, a
Water Hen, ao que a Duquesa imediatamente retruca dizendo que o Duque
apenas amava a ela, a Duquesa e que isto era um expediente do marido para
enganar Edgar, no caso o protagonista.
Antes, a Duquesa ao chegar, logo fica sabendo que Water Hen havia sido
assassinada pelo protagonista e comenta que isto era uma pena pois pretendia
falar com ela. A Duquesa se oferece então como futura esposa do protagonista
para o Pai, que concorda sem perguntar a Edgar. Este diz não estar preparado,
pois ainda não sabe quem é ele mesmo, tentando então adiar para pelo menos um
dia depois, mas a Duquesa responde com o de xofre – “amanhã” e o personagem
do Pai o faz por fim concordar com o fato, apesar de que Edgar tinha notícias do
Duque de que ela seria uma depravada. Neste momento, ele também fica sabendo
que ela é acompanhada sempre por um amante, que inclusive recebia salário do
Duque para ocupar tal papel. Repentinamente Edgar se vê com uma família, um
filho e uma esposa. Em seguida, começam a falar – à parte Edgar – que vão abrir
uma organização religiosa, a Theosofical Jam Company. Em outro momento Edgar
sai para buscar o dinheiro no banco para fundar a organização. No terceiro ato,
entre outras coisas, Water Hen novamente aparece e novamente é assassinada e
Edgar também se torna um defunto. A revolução corre lá fora enquanto os
aristocratas tentam ainda se divertir com um jogo de cartas e chamando mulheres
para lhes satisfazerem os desejos enquanto os revolucionários não adentram o
recinto, quando tentarão e quem sabe consigam um acordo e até um cargo no
novo governo.

Witkacy dá a deixa, e de fato um amigo chega a comentar após assistir a


apresentação de “The Water Hen”, que a peça seria autobiográfica, para que uma
das perspectivas possíveis de interpretação do que acontece seja a psicanalítica.
Witkacy chega a dar uma resposta pública ao amigo negando o fato, apesar de
saber da influência que o pai exercera sobre sua vida[19]. Assim como na peça,
em que a figura do pai quer que Edgar se torne artista, também de certo modo é o
que acontece com Witkacy, na medida em que o pai gostaria que ele fosse um
determinado tipo de artista.
À parte essa relação com o pai, poderíamos fazer outras correlações com a
biografia de Witkacy. Poderíamos, por exemplo, pensar na falta de reconhecimento
de Witkacy enquanto artista e como se sentia em relação a isso, o que também
poderia ter influenciado nas situações da peça. GRENDA (2000, pp.487-513)
comenta que Witkacy não era tido como sendo verdadeiramente de vanguarda
devido, por exemplo, à sua pintura um tanto quanto figurativa, mesmo que
contaminada por movimentos modernistas.

Outra questão era que o Edgar jovem era promissor assim como o menino Tadzio,
com grande potencial para pensar sobre a existência e no entanto estas
habilidades acabam por não serem suficientemente desenvolvidas para serem
reconhecidas socialmente. Teria a ver com o não reconhecimento de Witkacy
como um grande filósofo? O personagem do Pai se nomeia e à família como
sendo da velha aristocracia, antes tidos como os melhores, os que tinham berço e
não precisariam fazer grandes esforços para fazerem o que quisessem entre as
atividades nobres…não teriam, por exemplo, que frequentar uma escola comum,
pois teriam tutores especiais…Será que Witkacy se sentiu prejudicado pela
educação proporcionada pelo pai? Será que ele teria se tornado um indeciso
acabando por apontar em muitas direções – artes plásticas, teatro e filosofia – e
não se considerando suficientemente bom em nada? Mesmo que eventualmente
de algum modo Witkacy achasse isso a seu próprio respeito, há que se dizer que
foi extremamente frutífero, que alguns de seus apontamentos a respeito da Forma
Pura no teatro foram manifestos 15 anos antes de Antonin Artaud(1896-1948)[20],
considerado grande visionário do teatro do século XX e até do século XXI, e que
tem uma obra que a partir dos anos 50 passou a ser redescoberta e
valorizada[21]. À parte as questões de cunho mais autobiográfico, várias reflexões
condizentes à época são levantadas, questões às quais o artista foi responsivo
ativo[22] exercendo inúmeros atos-responsáveis irrepetíveis e únicos através da
peça e também de suas outras obras e de sua existência. Há que se dizer também
que para este acabamento estético em específico, a peça “The Water Hen”,
Witkacy não simplesmente se mistura e mostra rastros de sua vida como exerce a
exotopia.
Não se sabe, mas com certeza a atmosfera final da peça traz um desencanto
próprio do catastrofismo de Witkacy. A peça, de fato, parece ser constituída de
uma série de atmosferas que vão mudando de modo fluido, fazendo retornos nos
momentos menos esperados. Trata-se de uma dramaturgia que o
prefaciador[23] de “The Water Hen” denomina como circular, esférica. O leitor
então passa como num sonho de uma atmosfera para outra e circularmente
retorna a “deja vus”, traçando novas interpretações para o que virá. A atmosfera
cômica se instala em seguida à demonstração de ciúmes, talvez denunciando a
pouca filiação de Witkacy a Sigmund Freud(1856-1939), só mais uma de suas
referências num universo de possibilidades e sem verdades absolutas. A crítica de
Witkacy acontece a Freud, mas também aos socialistas e aos fascistas. Witkacy
não via, tal como chegaram a ver o russo Vsevolod Meyerhold(1874-1940) ou o
francês Antonin Artaud(1896-1948), também envolvidos com o teatro e com o
pensamento estético, a possibilidade de um novo homem, de uma nova sociedade,
ou de um retorno às origens rituais para uma revolução sócio-cultural. Seu lado
paródico talvez tenha muito a ver com esta descrença no futuro que já se fazia
presente graças às guerras, aos avanços tecnológicos, à mecanização do mundo
e ao massacre da individualidade.
Mas Witkacy gostaria de chegar com suas obras poéticas à Forma Pura, assim
como com “The Water Hen”. A dramaturgia de Witkacy é não realista, não existe
uma narrativa linear, havendo um relativismo total de tempo e espaço, com
personagens que retornam após a morte, os personagens são liberados das leis
da psicologia, da ética, da biologia, há um rompimento com a intriga e a ação, com
a lógica da causa e efeito e quer-se eliminar funções teóricas de caráter didático,
político, social, etc (GRENDA, 2000, pp. 493-505).
Podemos observar rastros da primeira e da segunda viagens na teoria da Forma
Pura que Witkacy adapta para o teatro[24], que não deveria ser experimental e sim
arte. Apesar de não ser uma arte pura como a música – cujo elemento essencial e
à parte à vida seriam as notas – ou a pintura – cujo elemento seria a cor, o teatro
seria de grande complexidade e de enormes possibilidades criativas, apesar de ter
sido a linguagem artística que mais sofrera “degeneração” devido ao fato de os
artistas quererem convertê-la na própria vida[25]. Witkacy mostra-se na teoria
contrário a um teatro literário, mas também contra o exagero da plasticização ou
da sonorização da cena. Para instaurar o fenômeno autônomo o encenador
deveria buscar equilíbrio de todos os meios. Witkacy acreditava que a renovação
do teatro não residia nas novas tendências dramáticas como o simbolismo, nem
nos insólitos efeitos cênicos do expressionismo[26], nem na estilização, nem na
reteatralização do teatro a partir da degradação do papel do texto dando prioridade
aos elementos plásticos e acústicos. O importante não seria provocar sensações
caóticas ao explorar o subconsciente freudiano, nem chegar ao absurdo como
Alfred Jarry(1873-1907)[27]. Witkacy parece querer explodir o teatro naturalista a
partir de dentro introduzindo no palco tradicional um drama novo acompanhado de
uma técnica de interpretação particular. Para isso, o texto teria grande importância,
uma vez que os atores enquanto co-criadores[28] deveriam entender a ideia
formal do autor para então poderem criar, o que então só poderia ser feito a partir
do texto. O ator deveria então compreender sua participação na obra como um dos
elementos dela constitutivos, como uma mancha na composição, sendo por isso
qualquer movimento importante, de modo que deveria se entender a disposição
dos atores em cena como uma composição pictórica.[29]
A Forma Pura resultaria num teatro racional com regras diferentes das da vida
real, com sua própria construção e lógica interna. Todos os elementos, mesmo que
contraditórios, deveriam ser unidos pelo autor por meio de uma ideia interna da
forma, porque a arte necessitaria de certa tensão de elementos para poder ser
encenada de forma realista e entendida pelos espectadores, mesmo que lhes
causando estranhamento, estupefação, êxtase, deslumbramento ou transe, já que
seria fundamental chegar no limite entre o teatro e o sagrado. Tanto na Grécia
Antiga quanto no Renascimento, teria havido, segundo Witkacy, a quebra dessa
possibilidade, tornando inviável a experiência mística por parte dos espectadores.
Para tanto, o diretor e os atores seriam os criadores essenciais da obra em cena,
enquanto o autor só daria o libreto pois a obra seria criada em cena[30]. Witkacy
preconizava que o homem contemporâneo, apesar do desconhecimento em
relação a mitos e crenças, pudesse viver sentimentos metafísicos como antes o
homem vivia por causa dos mitos e crenças. O teatro teria vindo à tona na sua
forma mais pura onde se desintegrou o antigo culto. Quando a arte cumpria com
suas vocações metafísicas complementando o culto, acontecia a unidade entre
forma e conteúdo. Assim, o teatro da Forma Pura deveria levar a outra dimensão,
à realidade das vivências metafisicas, muito distantes da crença do que fosse a
realidade da vida. Os sentimentos seriam meros pretextos para expressar as
relações formais através de suas relações e da síntese entre imagens e sons, e
finalmente, dos significados das palavras pronunciadas, remetendo a uma
dimensão psíquica distinta, uma dimensão metafísica.
Este aspecto metafísico da Forma Pura tem também a ver com a segunda
importante viagem de Witkacy, a que ele realiza quando conhece tribos na Nova
Zelândia, tendo contato com povos ancestrais e seus ritos. Witkacy usava
drogas[31] para fazer suas pinturas, eram momentos em que ele buscava essa
espécie de conexão perdida com a natureza e com o cosmos, que lhe
proporcionavam um contato com uma dimensão outra do real[32] e com a qual ele
chegou a ter contato em meio a estes povos. A Forma Pura seria a maneira de
conquistar este efeito através da arte.

PONTOS DE CHEGADA PARA ALGUMAS QUESTÕES

Como que emparedado pelo não-álibi da existência, Witkacy se denuncia na peça.


Em um momento entre guerras, Witkacy tem toda a sensibilidade para perceber
que este era um momento crucial da humanidade e acaba por revelar esta face na
peça. Assim, do que adiantaria fazer algo e acreditar em algo ou se dedicar se o
amanhã está ameaçado? Desde que perdera uma noiva que se suicidou quando
Witkacy era bem jovem, sobreveio uma depressão. Tinha relação contraditória
com o pai, num misto de admiração e rechaço à autoridade. Witkacy viu muitas
mortes de perto enquanto comandante do exército russo, chegando até a ser
ferido. Com certeza um peso trágico acompanhou a existência de Witkacy que não
teria álibi para fugir dela, teria que exercer todo o seu potencial criador e recriador
diante dela. Mas revelava-se de fato um modernista – tal qual os dadaístas que se
isolam da Guerra na zona neutra do Cabaret Voltaire – fazendo troça consigo e
com o mundo através de uma peça como “The Water Hen”. Na performance que
fazia cotidianamente, o que presenciamos hoje através de suas personas ao ser
fotografado – o mundo como teatro e aparência não deveria ter um teor de todo
trágico – c´est la vie, mon ami – então, que pelo menos nos divirtamos e que
suguemos tudo o que a vida pode ainda nos dar. Mas seu espírito escarnecedor
era também mais uma máscara, pois para ele a realidade empírica cotidiana a ser
pesada e medida não revelava o mistério da existência, pelo qual pôde se
apaixonar inclusive em seus estudos auto-didatas de astronomia. O êxtase na arte
– para o artista e o espectador – deveria ser buscado incansavelmente através da
busca pela Forma Pura.

Witkacy chegou a dizer que poderiam não considerá-lo um bom artista, mas que
de modo nenhum poderiam não considerá-lo um artista. Ele mesmo dizia que uma
obra de arte que fosse completamente Forma Pura era uma utopia. No entanto,
isso não fez com que deixasse de perseguir a Forma Pura. Se buscarmos um
conceito de artista em Bakhtin perceberemos certa familiaridade com o de Witkacy
no ensaio Arte e Responsabilidade(BAKHTIN, 1919):

Chama-se mecânico ao todo se alguns de seus elementos estão unificados


apenas no espaço e no tempo por uma relação externa e não os penetra a
unidade interna do sentido. As partes desse todo, ainda que estejam lado a lado e
se toquem, em si mesma são estranhas umas às outras. […]O artista e o homem
estão unificados em um indivíduo de forma ingênua, o mais das vezes mecânica:
temporariamente o homem sai da “agitação do dia-a-dia” para a criação como para
outro mundo de “inspiração”[…]. O que garante o nexo interno entre os elementos
do indivíduo? Só a unidade da responsabilidade. Pelo que vivenciei e compreendi
na arte, devo responder com a minha vida para que todo o vivenciado e
compreendido nela não permaneçam inativos. No entanto, a culpa também está
vinculada à responsabilidade. A vida e a arte não devem só arcar com a
responsabilidade mútua mas também com a culpa mútua. O poeta deve
compreender que a sua poesia tem culpa pela prosa trivial da vida, e é bom que o
homem da vida saiba que a sua falta de exigência e a falta de seriedade das suas
questões vitais respondem pela esterilidade da arte. O indivíduo deve tornar-se
inteiramente responsável: todos os seus momentos devem não só estar lado a
lado na série temporal de sua vida mas também devem penetrar uns nos outros na
unidade da culpa e da responsabilidade. […]Arte e vida não são a mesma coisa,
mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha
responsabilidade. (BAKHTIN, 2003, p. XXXIII).

Para Bakhtin, o artista não pode ser um ingênuo e não deve se entregar à
inspiração, pois o trabalho a ser demandado é grande. A técnica, por mais
habilidosa, sozinha é pouco. O conteúdo da vida também deveria estar presente,
no entanto, modificado, para então ser criada uma vida autônoma, unindo
finalmente cultura e vida em uma tensão apropriada. Provavelmente Witkacy
concordaria. Bakhtin tinha suas críticas em relação aos formalistas, que podem ser
vistas como análogas às críticas de Witkacy às vanguardas, algumas citadas
quando foi abordada a Forma Pura em relação ao teatro.

Arte e “mea culpa” – que arte existe hoje em dia que poderia ser comparada à
Forma Pura responsiva? Será esta ainda uma questão importante? Estaríamos já
completamente mergulhados neste mundo mecânico de que falou Witkacy? Ou
ainda existiriam estas ilhas utópicas ou mesmo laivos de fenômenos neste
sentido? E quem poderia dizer algo assertivamente para que o restante da
humanidade acreditasse após Marcel Duchamp(1887-1962)[33]?
Como último Ato da peça “Witkacy”, o suicídio. Provavelmente perdera qualquer
esperança em relação a poder continuar a agir sua própria vida de modo mais
pleno, ou seja, através da arte e da filosofia.

BIBLIOGRAFIA:
ARTAUD, Antonin. Obra completa. Paris: Gallimard, Collection Blanche, 28 vols,
1998.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. trad. Paulo Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail M. Para uma filosofia do Ato Responsável. São Carlos: Pedro e
João Editores, 2010.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
______. Arte e responsabilidade. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CAMARGO, Robson Corrêa de. A teatralização do mundo segundo Witkacy (1885-
1939): As formas de um artista nas margens de seu tempo. Revista Moringa, 2013.
Disponível
em: https://www.academia.edu/9271061/a_teatraliza%c3%87%c3%83o_do_mu
ndo_segundo_witkacy_moring_2013. Acesso: 28-09-16.
Gerould, Daniel (orgs). Witkacy: Stanislaw Ignacy Witkiewicz As an Imaginative
Writer. 1981.

_____________. Witkiewicz Reader. Evaston: Northwestern University Press,


1992.

GRENDA, Agnieszka Matyjaszczyk. Cuadernos de Filologia Italiano, número


extraordinário. Stanislaw Ignacy Witkiewicz: la Forma Pura en la vanguardia del
teatro europeu de entreguerras. 2000, pp.487-513.ISSN: 11339527

PITA, Andrea Carla de M. Jogos entre Witkiewicz e Kantor: da forma pura à


performance arte. Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar em Performances Culturais – Doutorado da Escola de
Música e Artes Cênicas (EMAC) da Universidade Federal de Goiás. 2017.
WITKIEWICZ, Stanislaw Ignacy. Edição e tradução de Daniel Gerould e C. S.
Durer. Posfácio de Jan Kott. The madman and the nun and The Crazy
Locomotive. Applause Theater Book Publishers. USA, 1989.
[1] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Performances
Culturais da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás.
Graduou-se em Artes Cênicas pela UNICAMP e fez seu mestrado em Cultura
Visual voltado para a performance-arte e para a poética na Faculdade de Artes
Visuais. Professora do IFG-Câmpus Jataí e doutoranda pela FCS/UFG. Email para
contato: decaaranda@gmail.com.Goiânia (Brasil).
[2] Outras figuras lidaram com estas questões emergentes à época, cada um a
seu modo, como por exemplo Antonin Artaud, Vsevolod Meyerhold, George Orwell,
Aldous Huxley, Rudolf Steiner entre outros.
[3] No romance “Insatiability”(1930), os personagens chegam a tomar uma pílula
para este fim.
[4]Estas informações estão presentes em meu Projeto de Doutorado para o
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Performances Culturais, orientado
pelo Prof. Dr. Robson Corrêa de Camargo, que trouxe o artista ao meu
conhecimento.
[5] Daniel C. Gerould (1928-2012), um dos mais reconhecidos “witcologistas”, uma
vez que traduziu muitas obras e escritos de diversas naturezas de Witkiewicz,
como cartas, relatos de experiências com o uso de narcóticos, palestras, entre
outros, material fundamental para entendimento do artista e de sua obra como um
todo. Gerould foi Professor de literatura comparada, tradutor, editor, dramaturgo.
Especialista em melodrama estadunidense e em teatro do centro e leste europeus
do século XX e fim do século XIX .
[6] Reflexão presente na introdução nas páginas XXX a XXXVI do livro “The
madman and teh nun and The Crazy Locomotive”(1989).
[7] Witkacy, após perder sua noiva que suicidara, ter tido tifo e sobre ele se abater
uma depressão, é convidado pelo amigo a fazer as fotos da viagem.
[8] As viagens são brevemente comentados no prefácio ao livro de peças de
Witkiewicz e serão motivo de maior aprofundamento durante a pesquisa do
Doutorado, de modo que aqui praticamente as elenco e faço breves, mas
importantes observações sobre elas para relacionar ao conceito “não álibi da
existência” de Mikhail Bakhtin.
[9] De vida boêmia, tinha o costume de dizer coisas nonsense, aparecer nu
perante os vizinhos, entre outras coisas. Quando criança, já cultivava o hábito de
assustar turistas em Zakopane.
[10] A Monadologia é uma das bases de sua teoria filosófica. Mônadas são
unidades elementares únicas, indivisíveis. As componentes simples últimas do
mundo seriam suas verdadeiras constituintes. Elas não teriam extensão, de modo
que não são materiais, sendo o mundo real constituído por uma infinidade de
pontos metafísicos, que Gottfried Wilhelm Leibniz(1646-1716) considerava como
sendo uma infinidade de almas. Unidades de força que fazem a matéria ser
atividade. No século XX, é dito que toda matéria é energia. Para Leibniz, Deus
teria criado todas as mônadas como únicas no mundo e as teria equipado com
uma natureza específica.
[11] Conceito de extralocalização/ exotopia: “achar-se fora ou colocar-se fora de
uma maneira única, absolutamente outra, não equiparável, singular”. Bakhtin
usou-o para falar da relação autor-personagem, mas é possível fazer, através dos
seus escritos, a transposição para a relação autor-obra, que corresponderia a este
distanciamento, a essa capacidade de não se misturar à arte que faz, apenas
empaticamente para poder retornar ao seu lugar de autor, exotópico, propiciando
acabamento à obra. Segundo Ponzio: “Para Bakhtin a interpretação-compreensão
da arquitetônica pressupõe que ela se realize a partir de uma posição externa,
extralocalizada, exotópica, outra, diferente e ao mesmo tempo não indiferente, mas
participativa. Postam-se assim dois centros de valor da própria vida, em torno dos
quais se constitui a arquitetônica do ato responsável. E é preciso que estes dois
centros de valor permaneçam reciprocamente outros, que se mantenham como o
relacionamento arquitetônico de dois outros, por aquilo que diz respeito ao ponto
de vista espaçotemporal e axiológico”( BAKHTIN, 2010, p. 30).
[12] Quando se fala de Bakhtin, não podemos esquecer do Círculo de Bakhtin. Os
especialistas têm certa dificuldade de identificar de modo absoluto a autoria dos
escritos relacionados a Bakhtin e ao seu círculo de artistas e intelectuais devido a
todo um contexto de repressão política existente na União Soviética à época
destas produções.
[13] Esta é uma definição que o Prof. Alexandre Costa utilizou em suas aulas da
disciplina “Tópicos do texto e do discurso”, ministrada no primeiro semestre de
2017 no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Faculdade de
Letras da UFG.
[14] Esta também é uma questão análoga à que Antonin Artaud levanta, o que
deveremos examinar em outra ocasião.
[15] As personagens teriam entre 20 e 30 anos.
[16] A expressão, que pode ser traduzida como “Galinha d´água”, segundo o
prefaciador da tradução para o inglês referida na Bibliografia deste texto, faria
alusão a prostitutas polonesas.
[17] Fica-se sabendo posteriormente – é o pai quem diz – que ninguém senão
Water Hen teria paciência para ouvir suas lamúrias e reflexões. No entanto, é o
próprio pai que diz que ela não suportava viver com Edgar nem sem Edgar, de
modo que só lhe restava morrer. A personagem de Lady, com quem se casará,
também prefere comer e desviar do assunto de que Edgar fala quando ele começa
a adentrar alguma reflexão filosófica. Esta é uma característica que também
Tadzio, o filho que chegará já grande e do qual ele desconhecia ser o pai, terá
como um atributo interessante que depois, com a idade e a passagem dos anos e
atos, parece mofar e perder sua vitalidade – pois o que seria possível fazer de
valoroso com isso? A reflexão filosófica aqui pode ser referência à própria atitude
de Witkacy, que inclusive desenvolveu sua teoria filosófica, indiciando já a relação
vida e arte em Witkacy.
[18]Em momento posterior, Edgar acredita ter matado esta charada específica ao
descobrir o sobrenome de Tadzio, que seria o mesmo de Elizabeth, a Water Hen.
O menino conta depois que foi para ali pois ao ouvir o tiro saiu correndo de
internato onde vivia com outros meninos e estava doente. O leitor poderia pensar
então que de fato Tadzio seja filho de Edgar, mas também pode aventar que seja
algo sem sentido ou explicação que o autor resolve colocar para mostrar que a
existência não tem sentido. Dependendo do modo como for encenado, pode ser
dada uma ou mais interpretações a respeito do fato, o que poderia corresponder
ao desejo pela Forma Pura de Witkacy, como veremos mais adiante.
[19] Witkacy chega a desobedecer suas ordens para conseguir fazer um curso na
Academia de Belas Artes da Cracóvia em 1905 e 1906. Na arte, com relação ao
estilo, eram bem diferentes, o que também resultava em certo conflito apesar da
relação afetiva entre os dois. O pai se especializara em paisagens e Witkacy se
dedicará em grande parte a retratos com características expressionistas.
[20] Principalmente as ideias relativas à relação arte e sagrado.
[21] No Brasil ainda não há traduções de suas obras, mas em 2015, o artista
chegou a ser homenageado na Polônia e o Brasil recebeu uma encenação do
Grupo Kropka Theatre no Festival Internacional de Teatro Cena Contemporânea
(Brasília), justamente inspirado pela Teoria da Forma Pura.
[22] Que não caberá neste momento colocar de todo.
[23] A obra foi traduzida para o inglês e prefaciada por Daniel C. Gerould (1928-
2012).
[24] Antes ele havia feito uma teoria da Forma Pura para a pintura e a arte,
abordando as artes plásticas de modo mais detalhado do que nesta transposição
para o teatro. Em 1923 é que edita ensaios escritos entre 1919 e 1922, “O teatro”.
[25] Cabe aqui pesquisar se esta crítica ele estaria tecendo somente ao Realismo/
Naturalismo ou também ao teatro modernista, que misturava a arte com a vida.
[26] Apesar de saber que entre os Formistas, grupo de que fazia parte e com o
qual fez exposições coletivas, havia muitos expressionistas.
[27] A quem conhecia e com quem era frequentemente comparado.
[28] Interessante esta perspectiva pois ela é muito divulgada na
contemporaneidade. Witkacy chega a citá-la na peça “The Water Hen”, quando o
pai sugere que o filho Edgar, que presenciamos ser tão habilidoso em fazer drama
e utilizar frases feitas, se torne um ator, pois – é o que fala – agora os atores
também tinham papel de criadores do espetáculo e não somente obedeciam o que
o diretor ou o autor quisessem que ele fizesse. O status de criador habilitava o
metiér de ator a ser ansiado pelo protagonista, que não sabia o que fazer da vida.
Ao colocar o personagem Edgar enquanto aspirante a artista em um mundo já em
crepúsculo, pode-se também pensar que esteja falando sobre o fim iminente da
arte, assunto que aborda em suas obras teóricas, na medida em que esta nem a
filosofia serão necessárias num mundo futuro dito “feliz”, onde apenas o aspecto
material importaria.

[29] Há a indicação de que, ao falar ou após falar, o ator poderia fazer algum
movimento, mas não mímica.
[30] Há certa contradição neste comentário de Witkacy, na medida em que o texto
seria um elemento importante. Na sua teoria formulada para o teatro é importante
perceber, no entanto, que ele acaba falando mais do autor e do ator do que
propriamente do diretor ou do cenógrafo. De todo modo, dizia que a palavra traria
a questão essencial e que o restante deveria se adequar a ela. O diretor deveria
então entender o conteúdo puramente formal da obra e criar uma unidade de
construção homogênea da obra com a subordinação de todos os elementos à ideia
geral da encenação e ao tom formal do espetáculo (GRENDA, 2000, pp. 493-505).
[31] .Onde chegava a deixar registrado o que usara durante a sua criação, como
que deixando histórias do processo criativo dentro da obra, um procedimento que
poderíamos considerar de filiação modernista mas que pode ser considerado
extremamente influenciador de procedimentos na arte contemporânea.
[32] Com certeza muito distante da lógica, e muito próxima de imagens
desconexas, coloridas, vibrantes, distorcidas, mas com uma inteligência maior.
[33] Artista dadaísta que criou o ready-made e colocou em revolução o conceito
canônico de arte.

Você também pode gostar