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Arte e sociedade heim, que examinara o problema der do modo de produção da épo-

da origem coletiva das belas-ar- ca" ( p . 20). Porém, o próprio


Por Roger Bastide. 2 ed. São Pau- tes, mas que unira o seu sistema Marx se embaraça ao afirmar que
lo, Companhia Editora Nacional, geral à tese spenceriana da arte, na arte há certos períodos que
1972. ou seja, arte como atividade de não se relacionam com o desen-
jogo, sem ensaiar a criação de volvimento geral da sociedade,
uma e s t é t i c a original; Gabriel nem 'com sua base material. É o
Tarde, que confundira a estética que leva discípulos seus, para re-
sociológica com uma questão de lacionar a arte na infra-estrutura,
psicologia social; Le Play, que se a colocar uma série de interme-
ARTE Roger Bastide limitara · a situar a arte numa no- diários entre uma e outra . O au-
E SOCIEDADE menclatura; Augusto Comte que tor continua afirmando que "a
ltadução de
Gilda de Mello e Souza. se servira da lei dos três estados, sociologia estética marxista está
menos com uma finalidade teó- hoje em vias de transformar-se
rica que prática, para mostrar profundamente, sob a influência
que só a ordem da sociedade das idéias de Lukaé:s e o apareci-'
positivista permitiria o progresso mento de uma nova escola, o es-
das belas-artes. truturalismo" (p. 22). Goldman
Também dois movimentos de é o representante desse novo mar-
idéias influíram particularmente xismo, acreditando que a litera-
sobre os espíritos e participaram tura e a filosofia são, em planos
da formação do clima intelectual diferentes, expressões da visão do
que tornou possível uma estética mundo e que as visões do mundo
sociológica: o romantismo e o pré- não são fatos ttldividuais, mas
rafaelismo. Do romantismo chega- sociais .
se à idéia de que não há criação Após este preâmbulo, o autor
A nova edição do I ivro de Roger individual sem um prévio preparo chega ao século XX, onde situa
Bastide, que é resumo de seus social e popular. As obras de arte o nascimento da verdadeira esté-
cursos universitários proferidos em geral só são possíveis e só vi- tica sociológica com Charles Lalo,
em São Paulo em 1939 e 1940, vem através das representações cuja grande descoberta fora a cé-
sai atualizada, . visto a obra ter coletivas. Este pensamento se lebre distinção entre fatos anes-
sido escrita em uma época em completa com o que se denomina téticos e fatos estéticos. "Para
que a sociologia das artes e da de pré-rafaelismo: Ruskin foi o. julgar o valor de um quadro, por
literatura ainda não tinha alcan- seu profeta. Este celebra a arte exemplo, podem-se considerar as
çado um· estudo científico. medieval com o mesmo ardor com relações das cores, o equilíbrio
A conceção sociológica reinante que celebrará a pintura inglesa das massas: nossos juízos são en-
na década de 1930 era a durkhei- turneriana; esta é "uma arte ar- tão juízos estéticos; ou o assunto,
miana que relacionava mecanica- raigada no povo, está ligada ao o interesse do modelo escolhido,
mente causa e efeito. Hoje, esse trabalho das corporações e à fé e então nossos juízos são anesté-
determinismo mecânico é repelido católica, é a emanação da cava- ticos" (p. 5). Porém , a pesquisa
e substituído pelas correlações laria" (p. 14). A soma dos dois das condições anestéticas da arte
funcionais. A sociologia da arte completa o clima sentimental para é insuficiente para uma estética
foi atingida pela nova corrente e o surgimento da estética socioló- sociológica. Na estética encontra-
Bastide, que a defende, é levado gica . mos tanto a coerção como a san-
assim a introduzir modificações Para a preparação intelectual, ção, características do fato social 127
em sua· obra. Bastide evoca Taine, que mostrava que devem ser estudadas. Se o
Ao lado disso, o livro passa a a sociedade suscitando ou condi- artista trabalha para um público,
contar com um apêndice referente cionando o gênio; Guyau, por sua e é julgado por ele, este também
às novas formas de arte, como, vez, mostrava o gênio criando uma deve ser estudado junta mente com
por exemplo, a fotografia, o rádio, nova sociedade. Os dois prepara- a arte. Daí o objeto central da
a televisão e o cinema, que, ao ram os caminhos, mas não fun- es tética sociológica constituir-se
contrário dos temas que o ante- daram uma estética sociológica, nos juízos coletivos sobre o belo .
cedem, é mais um programa de propuseram, no mais das vezes, Para explicitar o problema das
. pesquisa que uma síntese dos re- sugestões, particularmente sobre origens das belas-artes, também,
sultados conseguidos. à arte como criadora de novo.s Bastide evoca várias teorias muito
Nos dois primeiros capítulos, o meios. diversas entre si, sobre as quais
autor estuda a formação e o de- Quanto· ao marxismo, o autor ele mesmo diz que a única con-
senvolvimento da estética socioló- imputa-lhe uma explicação da arte clusão a reter desse exame é a
gica e o problema das origens das que auxiliou os espíritos a se fa- concordância de todas em um pon-
belas-artes relacionadas à sociolo- miliarizarem com uma concepção to : que arte só poderia ter nas-
gia. Para tanto, analisa as di- sociológica da estética, pois "a cido de uma colaboração de indi-
versas correntes de pensamento arte não deve constituir uma exce- víduos. Portanto, na c ivi Iização
que conduziram à fundação de ção à regra e, assim como a vida primitiva, a arte é um fenômeno
uma estética sociológica: Durk- política, a vida moral deve depen- social: tratando do significado da

Resenha bibliográfica
arte da idade da pedra lascada, o Nos capítulos seguintes, o au- um grupo dominante, a arte do
autor cita Reinach que ele acre- tor reconhecendo a existência de país variará segundo predomine
dita antes de tudo uma arte má- duas estéticas - criação de no- um ou outro grupo. Cada arte,
gica, concepção não aceita por Lu- vos valores artísticos e o gozo que portanto, corresponde, a um grupo
quet, acreditando este na arte pu- a contemplação de obras belas diferenciado, mas pode acontecer
ra, desinteressada, ao lado da arte proporciona - e portanto de duas que uma arte se separe de um cer-
mágica . Para Luquet o esquema sociologias, dedica, a cada uma, to grupo para passar a um outro .
evolutivo das artes plásticas seria novo capítulo. Isto pode efetuar-se em dois sen-
o seguinte: Assim é que, estudando o papel tidos: de alargamento e de restri'-
do criador de arte, considerando-o ção social, ou seja, quando passa
"a)_ o acaso apresenta as primei- como pertencente a um certo país, de um grupo estreito a um mai~
ras imagens; a uma certa classe social, a grupos largo, e vice-versa, quando gru-
b) o indivíduo concebe a idéia determinados, apresentando cada pos mais conservadores mantêm
de imitar voluntariamente o que um suas representações coletivas; as formas de arte mesmo quando
antes fora apenas fortuito; seus' costumes que pesam sobre o o gosto geral já mudou.
indivíduo com toda a força da tra- A arte, portanto, é considerada
c) uma vez nascida a consciência dição: "o meio social que amolda pelo autor como uma manifesta-
de um poder criador, a sociedade o artista não só se inscreve na sua ção que caracteriza determinado
pode pensar em utilizá-la com ob- obra como também se insinua na grupo, assim como os costumes , a
jetivos mágicos e religiosos. A ar- inspiração que brota nele sob uma gíria, a vestimenta . Daí esta li-
te desinteressada transformou-se forma exterior" ( p . 73) . Ressalta gar-se intimamente aos grupos so-
em uma arte socializada e utilitá- ainda o autor a importância do ciais enquanto meio ou sinal de
ria , posta a serviço da família ou papel do público para o artista, distinção .
do clã dos caçadores" ( p . 51 ) . pois este, se trabalha, é em vista Deve-se levar em conta, no es-
de certas sanções, as sanções so- tudo das relações entre arte e ins-
O autor também ressalta, em se- ciais. Ainda deve ser levado em tituições sociais, as divisões que
guida, para as artes fonéticas, a conta outro ponto para o estudo ocorrem nas sociedades primiti-
importância do acaso, utilizando- da sociologia do produtor de arte, vas , cujo caráter é também social,
se, inclusive, para a música, do ou seja, o das representações co- como é o caso da divisão sexual,
mesmo esquema de Luquet . letivas que uma dada sociedade que acarreta uma arte masculina e
Concluindo, quanto à música e faz do artista. "O artista tem na outra feminina (dois grupos so-
à poesia, afirma-as sociais por realidade qualquer coisa de es- ciais = duas artes) , sendo que,
princípio . "O lirismo nascerá pantoso : detém segredos, é feiti- modificando-se as relações entre
quando o indivíduo se separar do ceiro, sua obra é considerada qua- os dois grupos notaremos varian-
grupo, mas este só se tornará cria- se como o produto de um sorti- tes também na arte. Em geral,
dor na medida em que exprimir o légio" (p. 77) . os grupos masculinos são os ino-
pensamento do grupo que o sus- Dessa forma, percebe-se que a vadores, enquanto que os femi-
citou" (p . 63) . criação estética só é compreensível ninos são os conservadores das
O estudo das origens --lo teatro com os dados da sociologia, e que tradições estéticas .
conduz a considerações a. ~Iogas, a sociedade cria para si certa con- A divisão por idade também
pois este era constituído por "ce- cepção do criador de arte muito desempenha papel importante en-
rimônicas mágicas que agiam por tradicional que se impõe à pró-' tre os não-civilizados, pois, en-
similitude ou simpatia ( . .. ) Re- pria vida do artista que deve mo- quanto a iniciação não se realiza,
presentavam-se os mitos para pro- delar-se num quadro tradicional. a criança propriamente não nas-
duzir efetivamente os aconteci- Além disso, deve ser levado em ceu, daí interdições estéticas , so-
128 mentos que eles descreviam em conta que o artista vive de seu bre ela, como, por exemplo, não
Iinguagem figurada" ( p. 64) . trabalho, sendo também explicado poder assistir às danças mascara-
A arte original, ao lado de ele- pela sociologia econômica. das, não ser tatuada etc . Já, en-
mentos utilitários, possuía tam- O artista, enfim, conclui Bas- tre nós, apesar de os grupos de
bém os elementos desinteressados tide, "é menos o reflexo da socie- idade não contarem com existên-
que vieram em seguida à função dade quanto aquele que a faz dar cia jurídica reconhecida , não dei-
prática, sobretudo mágica , para a lume todas as novidades" (p. xam, no entanto, de existir e de
dar nascimento a uma vida esté- 83). cunhar com sua marca todas as
tica pura. Nos capítulos V, VI e VIl, Ro- artes . Deve-se assinalar o parale-
Porém, o que realmente inte- ger Bastide vai procurar as rela- lismo entre a situação da criança
ressa ao sociólogo é o lugar que ções da arte com as instituições e da mulher, inclusive no estudo
a sociedade ocupa nas formas mais sociais, inclusive encarando-a co- de seus gêneros próprios, pois
arcaicas ou mais primitivas da mo uma instituição social. Para tanto as crianças como as mulhe-
vida estética. tanto, afirma inicialmente que res formam uma coletividade con-
Quanto mais ao passado remon- "existem num mesmo momento servadora. Porém, conforme a
tarmos, mais veremos que a parte sociedades, ou melhor, grupos so- ed~cação vai reduzindo progressi-
dos elementos comunitários au- ciais e são as relações entre eles vamente a duração da verdadeira
menta, não se apagando, no en- e as belas-artes que devemos es- infância, todos esses qêneros (ber-
tanto, a parcela de criação pes- tudar" (p . 98) . Como sempre ceuses, marionetas, fábulas, con-
soal . houve em uma determinada época tos) sofrem transformações que

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são o reflexo de novas condições uma e outra multiplicam-se cada sfvel às influências da primeira ·.
sociológicas. vez mais, o que leva a uma assi- Ou seja, "sua fecundidade princi-
Os velhos constituem-se num milação dos dois meios, tanto sob pal é desenvolver, não a essência
segundo grupo, pois também per- o ponto de vista estético como sob própria da arte invasora mas os
mitem a constituição de gêneros todos os outros. Um grupo eco- poderes que a arte invadida já
es8ecializados: memórias, autobio- nômico que merece ser visto à possuía em si mesma, em estado
grafias, lembranças . Tal grupo parte é o dos comerciantes, por virtual" (p. 141). O autor aceita
também · é considerado conserva- ter o objeto de difundir as obras esta segunda posição, acreditan-
dor. de arte, mais ainda que os grupos do-a justificável, visto não ir con-
Entre os dois existem os adoles- militares e religiosos. tra a constituição de uma socio-
centes e os adultos, onde surge Já no estudo das relações entre logia dos contatos o fato de achar
o problema da luta das gerações . Estado e belas-artes, o que nota~ que esta deva ser integrada em
"O grupo de idade tem uma mos é que estas eram antigamente uma sociologia mais rica.
significação sociológica da mais a expressão do patriotismo local, Procurando analisar quais as
alta importância como explicação de cidades concretas e vivas; funções dos diversos tipos de
da renovação sociológica das ar- atualmente o Estado (entidade agrupamentos, Bastide acredita
tes: o desejo de fazer qualquer mais abstrata e jurídica) tende a ter evitado as dificuldades de Lalo,
coisa de novo é uma revolta do exercer seu controle sobre elas que colocara o problema: é a arte
indivíduo contra a socialização de para a melhor manutenção da dis- o reflexo da sociedade? O que se
seu eu pelos adultos" (p. 110). ciplina social. Daí a criação de deve procurar saber é em que me-
escolas de belas-artes pelos gover- dida a arte traduz o meio e o mo-
Ao lado disso, não devemos es-
nos, a Iuta contra as artes porno- mento . Neste ponto, o divórcio é
quecer os grupos religiosos, cuja
gráficas, o controle das emissões mais notável que a ligação, pois
influência é notável nos desenvol-
radiofônicas, a censura cinemato- a arte está freqüentemente atra-
vimentos da arte. Sua influência
gráfica, etc. sada em relação às condições eco-
foi particularmente forte no do-
Resta ainda o estudo dos con- nôm ic as (caso de Florença, Flan-
mínio arquitetônico: "o templo
tatos estéticos, que o autor fará dres, Espanha, Veneza etc. ) ; a
antigo é a casa do deus, a igreja
no capítulo VI, onde engloba não arte pode ser uma oposição à vida
de hoje encerra a comunhão dos social, ou pelo menos uma fuga
só os casos de difusão entre as
fiéis" (p. 12) . Também aqui, en- ao real (caso da arte surrealista
sociedades vizinhas, mas também
tre os grupos religiosos, o que se o transporte de cultura à d istân- que se liga ao movimento comu-
nota é um conservantismo, cons- cia. Para tanto, divide os conta- nista, criticando o regime burguês,
tituindo-se mesmo em museus de tos culturais em três grandes cias- ou ainda o caso selvagem da Idade
arte, além de serem meios de ses: Média que vê desabrochar uma li-
propaganda estética. Apesar da teratura idealista, glorificadora do
existência geral e periódica da a) contatos entre grupos perten- amor cortês e platônico); a dura-
iconoclastia, não podemos dizer centes a um mesmo tipo de civi- ção da arte independe da duração
nunca que a religião mata a arte, lização, mas em níveis diferentes do meio sociológico. O que se
pois tudo o que faz é canalizá-la, de cu Itu r a (nativos de uma re- deve levar em conta aqui é que
orientá-la em direções diferentes . gião e imigrantes vindo de regiões não existe uma, mas várias du ra-
O fator econômico também não um pouco afastadas); ções: o tempo astronômico, a du-
é menos impo rtante, pois as dife- ração psicológica, a du ração so-
rença s na lirlanei r a de viver, a di- b) contatos entre grupos de civi-
lização totalmente diversa, mas ciológica, a duração estética etc.
ver si dade na atividade econômica Porém, se nos colocarmos no
de diferentes tipos de sociedades com nível iqualmente elevado
(Ocidente e O riente ); terreno formal, os lia mes entre as
traduzem-se por uma diversidade sociedades e as artes apresenta m- 129
correlativa no domínio estético. c) contatos ent re grupos de ní- se muito ma is est rei tos, pois a
"O estudo das ·classes econômicas veis diferentes (povos civilizados arte pode ap resentar-se como opo-
vai nos conduzir, portanto, ao es- e primitivos) . sição, mas tal observação rsó tem
tudo dos meios sociológicos - o valor para uma soc ieda de h6moaê-
meio rural e o meio urbano. ~ O que se nota, contudo, em úl- nea , o que não é possível ex istir
preciso reconhecer que esses tima instância, é que os contatos nas sociedades modernas, essen-
meios afetam formas diferentes" . são mais destrutores, pelos menos cialmente heterogêneas, em que
De maneira geral, porém, a esté- para a arte primitiva, quando as entre os grupos funcionais e as
tica do meio rural confunde-se sociedades que se encontram são classes há uma mobilidade inces-
com a da classe camponesa; a da de níveis mu ito diferentes, e mais sante, vertical e horizontal. Além
cidade compreende estéticas hie- criadores, no caso contrário. Exis- disso, não devemos esquecer o
rarquizadas, isto é, de diversas te, entretanto, uma segunda cor- fato de que quando uma institui-
classes, sendo que só a classe di- rente, citada pelo autor, segundo ção existe, tende a durar, a se
rigente muda, sendo militar aqui, a qual uma arte não pode agir ma nter, a pesar sObre a vida so-
burguesa lá etc . O que é aqui sobre outra por simples contato, cial, reta rdando sua marcha. t:
particularmente notável é o cam- e sim que seria preciso, para tan- necessária a lemb rança disso tudo
po ser tradicionalista e a cidade to, que a segunda tenha chegado para que se analise sociologica-
inovad.o ra, mas deve-se acrescen- em virtude de sua evolução natu- mente tanto a arte de oposição
tar que as comunicações entre ral a um estado que a torne sen- como a arte de evasão.

Resenha bibliográfica
A arte não só se liga às insti- duzindo com seu determinismo Dessa forma, o urbanismo e a
tuições sociais como também cria estético o criador de arte e impe- arte dos jardins fazem parte da
as suas próprias. lindo-o em uma direção determi- sociologia, tanto por se Iigarem
Com a Renascença vemos apa- nada. · a certas concepções sociais, quan-
recer rea lmente as instituições de . Quanto à ação da arte sobre a to por exprimirem um esforço pa-
finalidade artística. São os ate- sociedade, o autor nos diz que a ra modificar a paisagem dos ar-
liers de pintores ou de escultores, arte . parece exercer sua influência redores, segundo certas normas
os salões literários que se trans- sobre todas as funções sociais, em estéticas.
formaram, às vezes, em academias primeiro lugar sobre a religião. A arte transforma o meio ma-
cuja existência juddica, mais tar- "Cada vez que a sociedade se en- terial e até o nosso próprio corpo,
de, passa a ser reconhecida, perso- contra em presença de sentimen- como no caso da moda que não
nificando-se a instituição. Dessa tos que, pela sua própr,ia inten- deixa de ser um reflexo . da arte,
forma, as academias, que haviam sidade, são perigosos para a vida apesar de vir atrasada em relação
sido criadas para defender os in- social, reage espontaneamente, ar às outras . Mas, também, o meio
teresses dos artistas, tornam-se inscrevendo uma ordem: o êxtase, · social amolda-se segundo os câ-
corpos culturais, instrumentos de o abraço, a matança, tudo se trans- nones da estética, pois a arte se
conservação e opressão art(stica. forma em dança e música" (p. constitui num principio de unifi-
Novos agrupamentos surgem: 189). cação e de ordem do mundo so-
uns de reação ao academicismo, Já as artes plásticas ·aprisionam cial, porquanto "se numa certa
outros para reivindicação de or- o segredo, localizando-o na pedra medida a arte é produto da socie-
dem material, como as sociedades . ou madeira, tornando-o mais pró- dade, numa larga medida a socie-
dos homens de letras, as de au- ximo da humanidade . dade também se modela sobre a
tores dramáticos, etc. Tais socie- A arte exerce também sua in- arte" (p. 200) .
dades tanto procuram defender fluência sobre a vida política. As- Bastide finaliza citando Francas-
os direitos do autor quanto pro- sim é que não existem revoluçé5es te!: a arte "nos dá acesso a setores
teger a inteligência e a cultura. sem prévia acumulação de ener- que o sociólogo interessado pelas
Outros grupos também devem gias, o que implica também uma instituições não conseg'ue atingir
ser estudados, como, por exemplo, preparação intelectual e sentimen- - as metamorfoses da sensibili-
os grupos de intermediários entre tal, que é obra de artistas. dade coletiva, os sonhos do ima-
os criadores e o público: os co- Estudando a ação da arte sobre ginário histórico, as variações dos
rais, que corroboram para a for- os costumes e os hábitos, Bastide sistemas de classificação, enfim,
mação de um sentimento de equi- assinala · a· importância da arte co- às visões do mundo dos diversos
pe e de disciplina para realizar mo instrumento de pacificação grupos sociais que constit'uem a
alegria e beleza; as orquestras, das relações entre os homens, uma sociedade global e suas hierar-
com o mesmo sentido; o teatro, vez que consegue transformá-las quias" (p . 200).
que propicia entre os atores e os de hostis em cooperativas graças O livro de Roger Bastide pare-
espectadores uma verdadeira ·co- aos prazeres coletivos que ela pode ce-nos fundamental para a com-
munhão espiritual. proporcionar. A pacifica~ão das preensão das relações existentes
Deve-se levar em conta ainda, relações sociais está ligada à du- entre arte e sociedade. Para tal
para a justificação da arte como pla transformação da hostilidade constitui-se mais numa introdução
uma verdadeira instituição social, em jogo e da luta muscular em ao campo da sociologia estética
a existência de coações anestéti- prazer de arte . do que num livro que trate de
cas (tradições religiosas, espírito Chega, então, o autor, ao exa- arte propriamente dita. Além dis-
de classe ou de casta etc. ) e es- me do que chama de "estilos de so, o autor · esclarece-nos sobre
130 téticas (regras técnicas, leis cons- vida" para estudar o problema da várias correntes de investigação
titutivas dos gêneros etc. ) Tanto ação da arte sobre a sociedade. estética que se preocuparam com
uma como a outra desempenham Em cada época os homens têm a compreensão e interpretação das
papel importante, mas as condi- uma determinada visão do mun- relações da arte com a sociedade,
ções anestéticas são preponderan- do, uma certa concepção das coi- e ainda abre novos horizontes
tes dentre as coações coletivas es- sas, ou seja, um estilo de vida, para estudos e pesquisas sobre a
téticas. que estabelece por sua vez o con- sociologia . das artes, afirmando
Há, porém , instituições coleti- tato entre a arte e o social, pois que o estudo de "fatos sociais es-
vas onde as condições estéticas a arte penetra o humano para mo- téticos" tais como o cinema, a te-
não desempenham papel algum: dificar o social. Assim é que a levisão, o rádio etc. ainda está
os estilos e as técnicas. "A técni- "arte modifica a sensibilidade do por se fazer .
ca ( ... ) é uma obra coletiva homem, cria-lhe uma certa concep- Apesar de alguns anos terem se
que, como obstáculo à liberdade, ção do mundo, determina-lhe um passado desde sua elaboração, a
coage e sobrepuja o candidato ao certo comportamer.to, petrifica obra de Bastide nada perdeu em
gênio do momento em que sua sua alma. E essa alma, uma vez pioneirismo e originalidade, cons-
obra se inicia" (p. 175) . Os es- transformada nas suas profunde-· tituindo-se no que poderíamos
tilos, de certo modo, são um ar- zas, vai impor ao exterior um es- chamar de uma obra clássica. O
ranjo especial de técnicas. Em ca- tilo de vida, uma estetização do
da técnica e em cada estilo há meio físico e social no qual vive" Daisy V. B. Martinez
uma série de leis em ação, con- (p ; 95).

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