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Resenha bibliográfica
arte da idade da pedra lascada, o Nos capítulos seguintes, o au- um grupo dominante, a arte do
autor cita Reinach que ele acre- tor reconhecendo a existência de país variará segundo predomine
dita antes de tudo uma arte má- duas estéticas - criação de no- um ou outro grupo. Cada arte,
gica, concepção não aceita por Lu- vos valores artísticos e o gozo que portanto, corresponde, a um grupo
quet, acreditando este na arte pu- a contemplação de obras belas diferenciado, mas pode acontecer
ra, desinteressada, ao lado da arte proporciona - e portanto de duas que uma arte se separe de um cer-
mágica . Para Luquet o esquema sociologias, dedica, a cada uma, to grupo para passar a um outro .
evolutivo das artes plásticas seria novo capítulo. Isto pode efetuar-se em dois sen-
o seguinte: Assim é que, estudando o papel tidos: de alargamento e de restri'-
do criador de arte, considerando-o ção social, ou seja, quando passa
"a)_ o acaso apresenta as primei- como pertencente a um certo país, de um grupo estreito a um mai~
ras imagens; a uma certa classe social, a grupos largo, e vice-versa, quando gru-
b) o indivíduo concebe a idéia determinados, apresentando cada pos mais conservadores mantêm
de imitar voluntariamente o que um suas representações coletivas; as formas de arte mesmo quando
antes fora apenas fortuito; seus' costumes que pesam sobre o o gosto geral já mudou.
indivíduo com toda a força da tra- A arte, portanto, é considerada
c) uma vez nascida a consciência dição: "o meio social que amolda pelo autor como uma manifesta-
de um poder criador, a sociedade o artista não só se inscreve na sua ção que caracteriza determinado
pode pensar em utilizá-la com ob- obra como também se insinua na grupo, assim como os costumes , a
jetivos mágicos e religiosos. A ar- inspiração que brota nele sob uma gíria, a vestimenta . Daí esta li-
te desinteressada transformou-se forma exterior" ( p . 73) . Ressalta gar-se intimamente aos grupos so-
em uma arte socializada e utilitá- ainda o autor a importância do ciais enquanto meio ou sinal de
ria , posta a serviço da família ou papel do público para o artista, distinção .
do clã dos caçadores" ( p . 51 ) . pois este, se trabalha, é em vista Deve-se levar em conta, no es-
de certas sanções, as sanções so- tudo das relações entre arte e ins-
O autor também ressalta, em se- ciais. Ainda deve ser levado em tituições sociais, as divisões que
guida, para as artes fonéticas, a conta outro ponto para o estudo ocorrem nas sociedades primiti-
importância do acaso, utilizando- da sociologia do produtor de arte, vas , cujo caráter é também social,
se, inclusive, para a música, do ou seja, o das representações co- como é o caso da divisão sexual,
mesmo esquema de Luquet . letivas que uma dada sociedade que acarreta uma arte masculina e
Concluindo, quanto à música e faz do artista. "O artista tem na outra feminina (dois grupos so-
à poesia, afirma-as sociais por realidade qualquer coisa de es- ciais = duas artes) , sendo que,
princípio . "O lirismo nascerá pantoso : detém segredos, é feiti- modificando-se as relações entre
quando o indivíduo se separar do ceiro, sua obra é considerada qua- os dois grupos notaremos varian-
grupo, mas este só se tornará cria- se como o produto de um sorti- tes também na arte. Em geral,
dor na medida em que exprimir o légio" (p. 77) . os grupos masculinos são os ino-
pensamento do grupo que o sus- Dessa forma, percebe-se que a vadores, enquanto que os femi-
citou" (p . 63) . criação estética só é compreensível ninos são os conservadores das
O estudo das origens --lo teatro com os dados da sociologia, e que tradições estéticas .
conduz a considerações a. ~Iogas, a sociedade cria para si certa con- A divisão por idade também
pois este era constituído por "ce- cepção do criador de arte muito desempenha papel importante en-
rimônicas mágicas que agiam por tradicional que se impõe à pró-' tre os não-civilizados, pois, en-
similitude ou simpatia ( . .. ) Re- pria vida do artista que deve mo- quanto a iniciação não se realiza,
presentavam-se os mitos para pro- delar-se num quadro tradicional. a criança propriamente não nas-
duzir efetivamente os aconteci- Além disso, deve ser levado em ceu, daí interdições estéticas , so-
128 mentos que eles descreviam em conta que o artista vive de seu bre ela, como, por exemplo, não
Iinguagem figurada" ( p. 64) . trabalho, sendo também explicado poder assistir às danças mascara-
A arte original, ao lado de ele- pela sociologia econômica. das, não ser tatuada etc . Já, en-
mentos utilitários, possuía tam- O artista, enfim, conclui Bas- tre nós, apesar de os grupos de
bém os elementos desinteressados tide, "é menos o reflexo da socie- idade não contarem com existên-
que vieram em seguida à função dade quanto aquele que a faz dar cia jurídica reconhecida , não dei-
prática, sobretudo mágica , para a lume todas as novidades" (p. xam, no entanto, de existir e de
dar nascimento a uma vida esté- 83). cunhar com sua marca todas as
tica pura. Nos capítulos V, VI e VIl, Ro- artes . Deve-se assinalar o parale-
Porém, o que realmente inte- ger Bastide vai procurar as rela- lismo entre a situação da criança
ressa ao sociólogo é o lugar que ções da arte com as instituições e da mulher, inclusive no estudo
a sociedade ocupa nas formas mais sociais, inclusive encarando-a co- de seus gêneros próprios, pois
arcaicas ou mais primitivas da mo uma instituição social. Para tanto as crianças como as mulhe-
vida estética. tanto, afirma inicialmente que res formam uma coletividade con-
Quanto mais ao passado remon- "existem num mesmo momento servadora. Porém, conforme a
tarmos, mais veremos que a parte sociedades, ou melhor, grupos so- ed~cação vai reduzindo progressi-
dos elementos comunitários au- ciais e são as relações entre eles vamente a duração da verdadeira
menta, não se apagando, no en- e as belas-artes que devemos es- infância, todos esses qêneros (ber-
tanto, a parcela de criação pes- tudar" (p . 98) . Como sempre ceuses, marionetas, fábulas, con-
soal . houve em uma determinada época tos) sofrem transformações que
Resenha bibliográfica
A arte não só se liga às insti- duzindo com seu determinismo Dessa forma, o urbanismo e a
tuições sociais como também cria estético o criador de arte e impe- arte dos jardins fazem parte da
as suas próprias. lindo-o em uma direção determi- sociologia, tanto por se Iigarem
Com a Renascença vemos apa- nada. · a certas concepções sociais, quan-
recer rea lmente as instituições de . Quanto à ação da arte sobre a to por exprimirem um esforço pa-
finalidade artística. São os ate- sociedade, o autor nos diz que a ra modificar a paisagem dos ar-
liers de pintores ou de escultores, arte . parece exercer sua influência redores, segundo certas normas
os salões literários que se trans- sobre todas as funções sociais, em estéticas.
formaram, às vezes, em academias primeiro lugar sobre a religião. A arte transforma o meio ma-
cuja existência juddica, mais tar- "Cada vez que a sociedade se en- terial e até o nosso próprio corpo,
de, passa a ser reconhecida, perso- contra em presença de sentimen- como no caso da moda que não
nificando-se a instituição. Dessa tos que, pela sua própr,ia inten- deixa de ser um reflexo . da arte,
forma, as academias, que haviam sidade, são perigosos para a vida apesar de vir atrasada em relação
sido criadas para defender os in- social, reage espontaneamente, ar às outras . Mas, também, o meio
teresses dos artistas, tornam-se inscrevendo uma ordem: o êxtase, · social amolda-se segundo os câ-
corpos culturais, instrumentos de o abraço, a matança, tudo se trans- nones da estética, pois a arte se
conservação e opressão art(stica. forma em dança e música" (p. constitui num principio de unifi-
Novos agrupamentos surgem: 189). cação e de ordem do mundo so-
uns de reação ao academicismo, Já as artes plásticas ·aprisionam cial, porquanto "se numa certa
outros para reivindicação de or- o segredo, localizando-o na pedra medida a arte é produto da socie-
dem material, como as sociedades . ou madeira, tornando-o mais pró- dade, numa larga medida a socie-
dos homens de letras, as de au- ximo da humanidade . dade também se modela sobre a
tores dramáticos, etc. Tais socie- A arte exerce também sua in- arte" (p. 200) .
dades tanto procuram defender fluência sobre a vida política. As- Bastide finaliza citando Francas-
os direitos do autor quanto pro- sim é que não existem revoluçé5es te!: a arte "nos dá acesso a setores
teger a inteligência e a cultura. sem prévia acumulação de ener- que o sociólogo interessado pelas
Outros grupos também devem gias, o que implica também uma instituições não conseg'ue atingir
ser estudados, como, por exemplo, preparação intelectual e sentimen- - as metamorfoses da sensibili-
os grupos de intermediários entre tal, que é obra de artistas. dade coletiva, os sonhos do ima-
os criadores e o público: os co- Estudando a ação da arte sobre ginário histórico, as variações dos
rais, que corroboram para a for- os costumes e os hábitos, Bastide sistemas de classificação, enfim,
mação de um sentimento de equi- assinala · a· importância da arte co- às visões do mundo dos diversos
pe e de disciplina para realizar mo instrumento de pacificação grupos sociais que constit'uem a
alegria e beleza; as orquestras, das relações entre os homens, uma sociedade global e suas hierar-
com o mesmo sentido; o teatro, vez que consegue transformá-las quias" (p . 200).
que propicia entre os atores e os de hostis em cooperativas graças O livro de Roger Bastide pare-
espectadores uma verdadeira ·co- aos prazeres coletivos que ela pode ce-nos fundamental para a com-
munhão espiritual. proporcionar. A pacifica~ão das preensão das relações existentes
Deve-se levar em conta ainda, relações sociais está ligada à du- entre arte e sociedade. Para tal
para a justificação da arte como pla transformação da hostilidade constitui-se mais numa introdução
uma verdadeira instituição social, em jogo e da luta muscular em ao campo da sociologia estética
a existência de coações anestéti- prazer de arte . do que num livro que trate de
cas (tradições religiosas, espírito Chega, então, o autor, ao exa- arte propriamente dita. Além dis-
de classe ou de casta etc. ) e es- me do que chama de "estilos de so, o autor · esclarece-nos sobre
130 téticas (regras técnicas, leis cons- vida" para estudar o problema da várias correntes de investigação
titutivas dos gêneros etc. ) Tanto ação da arte sobre a sociedade. estética que se preocuparam com
uma como a outra desempenham Em cada época os homens têm a compreensão e interpretação das
papel importante, mas as condi- uma determinada visão do mun- relações da arte com a sociedade,
ções anestéticas são preponderan- do, uma certa concepção das coi- e ainda abre novos horizontes
tes dentre as coações coletivas es- sas, ou seja, um estilo de vida, para estudos e pesquisas sobre a
téticas. que estabelece por sua vez o con- sociologia . das artes, afirmando
Há, porém , instituições coleti- tato entre a arte e o social, pois que o estudo de "fatos sociais es-
vas onde as condições estéticas a arte penetra o humano para mo- téticos" tais como o cinema, a te-
não desempenham papel algum: dificar o social. Assim é que a levisão, o rádio etc. ainda está
os estilos e as técnicas. "A técni- "arte modifica a sensibilidade do por se fazer .
ca ( ... ) é uma obra coletiva homem, cria-lhe uma certa concep- Apesar de alguns anos terem se
que, como obstáculo à liberdade, ção do mundo, determina-lhe um passado desde sua elaboração, a
coage e sobrepuja o candidato ao certo comportamer.to, petrifica obra de Bastide nada perdeu em
gênio do momento em que sua sua alma. E essa alma, uma vez pioneirismo e originalidade, cons-
obra se inicia" (p. 175) . Os es- transformada nas suas profunde-· tituindo-se no que poderíamos
tilos, de certo modo, são um ar- zas, vai impor ao exterior um es- chamar de uma obra clássica. O
ranjo especial de técnicas. Em ca- tilo de vida, uma estetização do
da técnica e em cada estilo há meio físico e social no qual vive" Daisy V. B. Martinez
uma série de leis em ação, con- (p ; 95).