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Como o texto foi elaborado em 1993, a constituição de 1988 é considerada recente para a época.
ideia de que o artista nasce artista, ou seja, a ideologia do “dom” no caso está bem assimilado
e acomodada, como refletem os depoimentos abaixo:
“Cheguei na sala como cega, pois não tenho nenhuma formação em arte. Mas sempre
acreditamos que a arte é muito importante, é um dom do ser humano”. Aluna de Pedagogia
“Esses desencontros deveriam servir para despertar a paz de espírito inspiração, em nossos
alunos”. Aluna de Pedagogia
“Até então não tínhamos um razoável aprofundamento de como trabalhar Arte na
alfabetização”. Alfabetizadora
“Tinha noção que a arte era apenas um exercício mais”. Alfabetizadora
Portanto, recorremos novamente ao poeta Fernando Pessoa em sequência do poema citado
anteriormente neste trabalho:
“Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói
um muro
E ver que está bem e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda…”
É importante lembrar que, o material acima foi feito em 1993, para o 6º Congresso da
Federação de Arte-Educadores do Brasil, entretanto, mesmo tendo sido publicado há 26 anos
atrás, a sua fala quanto à ideia que se tem do Artista é extremamente atual, sendo deveras
interessante, para o contexto atual, um adendo, apresentando a visão do próprio pelos olhos
(escrita) de Nicolas Bourriaud, o Artista Radicante. Logo, gostaria de apresentar esse
pequeno Post-Scriptum:
Ao fazer uma primeira lida sobre o Texto “Da Mentalidade do Mito à Desmitificação da
Arte” de Fernando Azevedo, podemos ver uma forte crítica quanto ao ver o artista como um
ser mítico, aquele que está acima das diretrizes históricas, das leis morais vigentes e dos
conflitos sociais e interpessoais, como alguém que devesse se manter antes de tudo Neutro,
pois teríamos “o artista como ser superior” que “concebe a sociedade como harmônica,
sempre voltada para a integração de todos os seus participantes, sem distinção” (AZEVEDO,
1993), ou seja, o artista, como ser mítico dever-se-ia manter como alguém que não propõe
uma arte crítica, que não apresentas as falhas sociais, e que além disso, não apresenta as
injustiças na sociedade em que vive, além do mais, o artista estaria tão distante da própria
sociedade que a sua arte só teria a função de entreter, nunca de questionar.
Seria como se o artista não apresentasse raízes naquela sociedade, como se o artista não
apresentasse uma identidade naquele lugar/período sócio-histórico, pois ele estaria acima
disso, como algum tipo de entidade divina. Porém, como bem dita o autor em uma das suas
visões, ele é um ser humano, como qualquer outro e que está “sujeito às contradições da
sociedade”, sendo assim a arte nunca deve ser desvincular de qualquer contexto histórico, ou
social, pois se o humano é um ser Político de natureza como diz Aristóteles, a arte, a sua
obra, também é política. Entretanto, para que a arte política se faça sentido, deve-se haver
uma compreensão aprofundada e enraizada daquilo que a arte está criticando, sendo assim, o
artista deve adotar uma postura de criar raízes em na sua realidade, e buscar outras
(realidades) para se fundamentar, e com isso criar novas raízes, conceitos, pensares e
identidades, se tornando um Artista Radicante.
Artista Radicante, segundo a leitura da resenha “A Altermodernidade de Nicolas Bourriaud”,
escrita por Ricardo Nascimento Fabbini, é aquele Artista que graças ao contato com o mundo
globalizado desenvolve e cria raízes não só em seu “território” (FABBINI, 2012), mas em
outros em que ele interage e se recria, permitindo até que outras pessoas possam se recriar a
partir da arte. Todavia, qual seria importância para um artista de criar várias raízes? E o que
isso tem a ver com o olhar crítico da arte?
Para responder essas perguntas voltemos ao texto de Fernando Azevedo, no qual o autor diz
que “o eixo da função social da arte transporta-se do Político para o Ideológico”2, logo, para
que a arte exista de forma crítica social, o artista deve imbuir-se de uma Ideologia, porém
para que tal feito seja possível, o artista precisa antes construir a sua identidade. A construção
de uma identidade em um mundo globalizado, no qual várias culturas são oferecidas como
um cardápio de consumo, assim sendo, como materiais expostos de forma superficial, é
extremamente difícil, pois o artista precisa aprender a construir raízes e se fincar
emocional/racionalmente em seu território, ignorando qualquer meio
midiático/consumista/panfletário do seu ambiente, entrando assim em um processo de
identificação própria com o território, passando assim por um processo de pertencimento, que
pode levar anos e que nem sempre sai como o esperado.
Todavia, mesmo com todo esse processo, a construção de ideologias críticas necessita que o
artista passe a conhecer outros territórios e a partir disso, construir novas raízes, sem esquecer
as suas raízes originais, logo, fazendo uma troca/conexão cultural, permitindo assim que o
artista crie “novos modos possíveis de habitar o mundo existente” (BOURRIAUD, 2009,
apud FABBINI, 2012). Ou seja, se faz necessário que se quebre a ideia de que o artista é
alguém que se nasce pronto por causa de um “dom”, como bem fala Azevedo, e se volte a
perceber que o artista é alguém que precisa criar a sua própria identidade, através de estudo,
2
Fernando apresenta essa relação com base em Walter Benjamin, na obra A obra de arte na era
de sua reprodutibilidade técnica se apoiando no que ele diz sobre o impacto da fotografia no
sistema das Belas Artes, porém tal situação se enquadra, ao meu ver, para a Arte no geral.
preparação, pesquisa e avaliação do mundo, quebrando a ideia de Arte pela Arte, e com isso
surge a construção da Identidade Cultural do artista nesse mundo que se apresenta cada vez
mais diverso. Sendo assim, o artista se constrói a partir das suas vivências, não de uma
benção ou determinismo biológico.
Referências:
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1986.