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INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

DE VISEU

Mestrado em Animação Artística

Estética das Artes Contemporâneas

Arte e Raízes Sociais – Da Arte


Popular à Arte Erudita

Ricardo Ventura e João Nascimento

Viseu, 2009/2010
Resumo: Este trabalho pretende encontrar as características que separam e aproximam a
arte popular e erudita e perceber o valor universal da arte erudita. Pretendemos com este
trabalho, contribuir para divulgação de ambas, pois reconhecemos a sua importância
para a valorização do património humano e cultural da sociedade.

Abstract: This work intends to find the features that separate and approach the popular
and erudite art and to perceive the universal value of the erudite art. We intend with this
work, to contribute to spreading of both, therefore we recognize its importance for the
valuation of the human and cultural patrimony the society.

Palavras-chave: Arte popular, Arte Erudita, Povo, Artistas.


INTRODUÇÃO

O conjunto de textos que apresentamos nesta pesquisa foi elaborado para a cadeira
de Estética das Artes Contemporâneas, uma das disciplinas curriculares do mestrado em
Animação Artística que frequentamos na ESEV - Escola Superior de Educação de
Viseu. Esta breve investigação objectivou-se de enorme importância, pois permitiu-nos
estabelecer um contacto mais real e concreto com duas tipologias artísticas, a Arte
Popular e a Arte Erudita.

Enquanto “espect-actores”, utilizando o termo de Augusto Boal, das realidades


socioculturais que nos rodeiam e vão caracterizando o nosso quotidiano e enquanto
futuros animadores artísticos, devemos observar os constantes fenómenos socioculturais
de mudança que vão (des) caracterizando as sociedades actuais, para podermos
transformar criativamente as realidades que identificam as comunidades
contemporâneas. Afinal, o nosso papel deve ser visto mais como o de um “(re)criador”
sociocultural, do que meramente um entertainer artístico, a nossa função deve passar
numa fase inicial de todo o processo de criação/dinamização pela constatação dos
factos, proceder a uma investigação coerente e consciente das realidades económico e
sociais que particularizam as comunidades, bem como, as vontades e desejos dos
indivíduos socialmente integrado numa sociedade, respeitando sempre o passado e o
conjunto de usos e costumes de cada local.

A criação e consequentemente a produção artística são tanto quanto sabemos uma


particularidade exclusiva do Homem, um valor criativo intimamente ligado ao indivíduo
enquanto ser social, podemos por isso afirmar que desde os primórdios da Humanidade
que existe a necessidade de criar, manifestar artisticamente no sentido de deixar marcas,
criar expressões socioculturais que identifiquem as comunidades e estabelecer uma
comunicação simbólica perceptível a todos. Seja qual for a sua motivação, o indivíduo
ao criar está a produzir um “Bem Social”, que se presume que seja aceite pela
comunidade, mas que na sua essência é uma manifestação à sua própria existência, uma
exteriorização das suas vontades e das suas experiências sociais.

Sendo o tema principal da investigação, Artes e Raízes Sociais, decidimos centrar


o nosso estudo na premissa que a arte popular e a arte erudita se promovem como uma
manifestação artístico-social. Artística na medida em que é gerada pelo Homem, o ser

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criador, o artista e todas as suas vontades pessoais e vivências histórico-culturais, social
pois afinal o indivíduo quando cria, representa artisticamente as suas criações com o
sentido “utilitário” e/ou “encomendado” para e por outros cidadãos. Posto isto, as
principais questões que conferem a realização desta pesquisa são: será que a arte
popular e a arte erudita apenas possuem uma vertente estética e artística? Como
podemos afirmar a arte popular e a arte erudita como um princípio identitário dos
indivíduos a nível sociocultural?

De modo a desenvolvermos esta temática procurámos reunir um conjunto de


textos e suportes bibliográficos, que nos permitissem adquirir novos conhecimentos e
diferentes perspectivas de forma a melhorarmos a interpretação crítica do paradigma
artístico contemporâneo, para assim consolidarmos a nossa capacidade e aptidão
especializada de futuros animadores artísticos. Indispensável para a descrição deste
trabalho precedemos a umas leituras introdutórias de alguns textos para definirmos a
respectiva estruturação e qual a linha orientadora de toda a investigação. Neste sentido,
decidimos estruturar o trabalho por uma introdução e uma conclusão, acompanhados de
três capítulos onde desenvolvemos a temática que tem por base a arte popular e a arte
erudita.

Assim no primeiro capítulo, procuramos descrever as principais diferenças e


semelhanças estéticas entre a arte popular e erudita, as suas origens e principais
características criadoras. Pretendemos também encontrar algumas pontas de ligação
entre as diferentes tipologias de arte apresentadas, dado que o papel artístico de
qualquer arte implica uma associação ao meio social, logo aí se estabelece uma ligação,
como poderemos comprovar neste primeiro capítulo.

Durante a descrição do segundo capítulo iremos referir-nos à arte


popular/folclórica, como aquela arte que além de apresentar todas as particularidades
estéticas referidas no capítulo anterior possui intrínseco ao seu valor artístico uma
enérgica ligação ao meio rural e social do artista/criador. Posto isto, na nossa opinião e
enquanto mestrandos em animação artística pareceu-nos pertinente reforçarmos as
dinâmicas socioculturais produzidas pela arte popular nas comunidades locais, dado
tratar-se de um bom exemplo de uma dinâmica onde a animação artística pode vir a
integrar-se no sentido de colaborar numa intervenção artístico-comunitária. Para
consolidarmos esta posição e estabelecermos um estudo mais concreto efectuámos uma

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visita ao “terreno”, a uma associação etnográfica, para assim obtermos uma melhor
percepção da real dinâmica a nível sociocultural e artístico que a arte popular potencia
nos seus princípios interventivos.

No terceiro e último capítulo, podemos constatar o valor universal que a arte


erudita preconiza nos seus princípios criadores, através de autores com conhecimentos
teóricos multidisciplinares e profundamente fundamentados, são criadas obras de
referência universal, que além de todo o seu valor estético possuem uma forte energia
de transmissão de valores identitários das diferentes épocas históricas. Poderemos ainda
comprovar que a ligação entre o erudito e popular é uma realidade, apesar de nem
sempre ser assumida.

No fundo, este trabalho que apresentamos de seguida, sugere-se como uma


pesquisa no seu todo, capaz de nos garantir uma base para futuras investigações no
campo artístico e social, sendo que aqui partimos da arte popular e da arte erudita como
modelos de afirmação sociocultural, mais do que uma mera perspectiva artístico-
criadora tencionaremos comprovar a sua utilidade como um factor de dinamismo social.

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I - AS ORIGENS DA ARTE POPULAR E DA ARTE ERUDITA

Por arte folclórica designamos todas as actividades, sejam ela poéticas, musicais e
pictóricas que têm origem nas populações menos cultas, que não provêem dos meios
urbanos e industrializados. Este tipo de arte é essencialmente realizada por sujeitos
criativos e inventivos, e normalmente não reclamam a autoria pessoal das suas obras.
Por outro lado a arte popular, é uma produção artística ou quase artística realizada por
um indivíduo semi-culto, geralmente urbano, orientado para um mercado de massas.
(Hauser, 1988).
Na arte folclórica temos dificuldade em distinguir o criador do consumidor, ao
passo que na arte popular o criador produz em função da procura que os seus objectos,
quase sempre réplicas, têm no meio de um público artisticamente não criativo e passivo.
Um dos aspectos que distingue estes dois tipos de artes é que o público da arte
folclórica é predominantemente das classes inferiores, principalmente os habitantes do
campo e das aldeias.
Segundo Toschi, (1960) o povo, como classe social, identifica-se com as
estruturas culturais de formação e as formas de apreensão do saber, recorrendo aos
processos de criação/produção, para através de modelos tradicionais de expressão e
compreensão sociocultural, procura preceder à transmissão dos seus valores identitários
que o constituem como povo.
Para Ayres (1996, p. 239), a “arte popular tem sido entendida como aquela arte
que se desenvolve fora dos cânones de gosto estabelecidos por, ou para, os líderes de
uma dada sociedade, onde a tradição desempenha um papel preponderante, em termos
de conteúdo, de temas e utilização, mas também de estrutura, técnicas, instrumentos e
materiais.” Ao contrário da arte folclórica e popular, que na maioria das vezes é um
jogo e ornamento, quer como arte popular, que nunca é mais do que um divertimento e
um meio para passar o tempo, a arte superior da camada culta, dos peritos e
conhecedores, preocupa-se com os problemas da vida e procura capturar o significado
da existência humana (consumo de massas), a arte que nos confronta com uma
exigência para mudar a nossa maneira de viver e ver o mundo.
A arte maior quase sempre inclui determinados elementos das espécies mais
inferiores da arte. As obras de arte maior podem muitas vezes ter uma certa semelhança

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com a arte folclórica ou com a arte popular; descem até estes níveis, ou surgem deles,
sem sofrerem qualquer dano. (Hauser, 1988)
Uma das características da arte folclórica e popular é, que nelas a influência do
indivíduo se reduz a um mínimo, de modo que tanto as forças produtivas como as
receptivas durante o desenvolvimento são representativas de um grupo e veículos de um
gosto estético geral, num sentido bastante mais restrito do que no caso das formas mais
sofisticadas de arte. Podemos dizer que a arte folclórica é mais uma arte colectiva do
que propriamente individual, afinal o seu criador está condicionado por modelos que
adopta de níveis sociais e culturais mais elevados e também pela dependência do gosto
do grupo a que pertence. Na canção folclórica encontramos exprimida a experiência de
um colectivo de pessoas, embora o acto de criação seja de um indivíduo representante
das pessoas que integram determinado grupo.
A arte folclórica não é a criação de um povo no sentido de uma força homogénea,
esta, não é mais do que uma personificação da unidade funcional que liga as várias
manifestações de uma comunidade. O que dá às canções folclóricas o seu carácter
colectivo e popular é o facto de passarem de boca em boca, de geração em geração, tal
como na literatura oral, e não o facto de serem cantadas simultaneamente e do mesmo
modo por várias pessoas. Tal como na música, na literatura os Românticos, partiram do
princípio que a poesia folclórica, ao contrário da literatura da camada culta, deve ser
quase inteiramente o resultado de impulsos profundos, e praticamente insensíveis às
influências externas, que retira as suas características mais puras em termos
psicológicos de um inconsciente colectivo.
Partindo das ideias de Riegl (1894, cit. por Hauser, 1988), podemos considerar a
arte folclórica como desenvolvida e a arte culta mais como planeada, o seu conceito de
arte folclórica é puramente económico, pois os produtores e consumidores são as
mesmas pessoas, o que faz com que a produção seja para uso próprio não havendo
intenção de venda ou negócio.
Este ponto de vista é uma característica da arte folclórica pois, o amadorismo e
rusticidade, assim como o seu conservadorismo e tradicionalismo, marcam os traços que
marcam a sua independência às modas artificialmente produzidas. Ainda segundo Riegl
(1894), a arte folclórica não procura assistência sendo produzida e destinada ao povo do
campo, o que a torna importante como obra, e não como produção de alguém. Por mais
diversa que seja a proveniência dos artistas, as obras tendem a exibir a marca da classe,
do povo, para que foram produzidas.

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Podemos falar de arte onde existem diferenças de ordem social, uma vez que esta
apenas tem significado como oposição à arte das classes cultas. Mas também não
podemos cair no erro de identificar a arte folclórica com arte provinciana pois, uma das
características mais importantes da arte folclórica é o seu contraste com a arte das
cidades e dos centros culturais, embora ela seja essencialmente uma arte não urbana. A
arte provinciana está dependente do gosto das metrópoles e a arte folclórica, embora
dependa da arte produzida nas cidades, não compete com ela pois não é inspirada pela
moda ou pelo desejo de criar obras que não se distingam daquelas que imita.
O povo do campo dificilmente produz, mas sim reproduz, este não pode compor,
apenas adapta, e não cria apenas selecciona. Normalmente o poeta folclórico não tem a
ambição de ser original, e por isso não se liberta dos seus modelos e vivências
socioculturais. O povo do campo não distingue o Belo do Feio, isto é, não classifica a
arte segundo padrões estéticos, a arte folclórica só é considerada arte, pelas gentes mais
cultas, os que a criaram não estão conscientes de terem produzido algo fora da esfera
dos hábitos diários e das suas necessidades práticas. Pelo facto de estes não terem
valorização estética, ou por criarem de uma forma inocente não faz com que aquilo que
produzem seja inferior ou que haja falta de talento, antes pelo contrário a sua habilidade
criadora é louvável.
A arte folclórica influencia as artes mais sofisticadas, como por exemplo no caso
das melodias folclóricas que foram utilizadas por Hayden, Mozart, Beethoven e
Schubert. Podemos por isso dizer que a música artística recupera traços da música
folclórica. A arte folclórica estabelece normalmente um contacto emocional comum a
todos, que facilmente a torna assimilada e aceite pelos membros da comunidade. O
carácter colectivo da arte folclórica consiste no facto de não pertencer a ninguém, e
ninguém reivindicar a sua autoria, mas representa um todo. As obras de arte folclóricas
são sempre impessoais, e não lutam pela originalidade.
Os seus autores não procuram diferenciar a sua obra das outras, enquanto na arte
culta até as formas mais convencionais se tornam um meio de expressão pessoal. Estas
obras não são em geral uma fonte de receita, nem um campo de competição nem existe
culto da personalidade como acontece na arte das camadas cultas. Há em certas
actividades artísticas nas quais o povo do campo apenas participa como consumidor,
porque requerem um conjunto de artífices que tenham um certo contacto com as classes
cultas e um sistema bem organizado de produção.

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As produções artísticas das camadas inferiores não têm sido tão bem conservadas
como as das classes superiores, embora as formas da arte folclórica pareçam
elementares, ou não complicadas, estas características manifestam-se dentro de uma
estrutura histórica e estão sujeitas a mudanças que retomam muita das vezes a formas já
feitas, passando algumas fases do processo. A arte folclórica é normalmente preservada
por variados elementos estilísticos, uma vez que o conservadorismo do povo do campo
se apega ao antigo, conservando o antigo junto ao novo. A arte popular é considerada
actualmente uma arte de massas pois cria inúmeros produtos iguais destinados a
diferentes públicos, proporcionando entretenimento artístico.
O público de massa surge como um produto da democratização da sociedade, cuja
produção é o resultado da inovação das técnicas e métodos de produção. Esta
democratização da arte tem crescido e evoluiu das novelas em folhetos para o cinema,
rádio e revistas. A constante evolução tecnológica e comunicativa tem levado a que os
processos técnicos tenham evoluído, sendo que a evolução mais decisiva tenha ocorrido
com a invenção de métodos de reprodução gráfica permitindo a reprodução mecânica
(industrializada) da obra de arte, estando por isso a perder a aura de obra única e
irrepetível.
O valor artístico de uma obra de arte não depende da natureza dos meios
técnicos que o artista utiliza, mas sim do modo como este os utiliza. Uma das
características da arte popular é esta se dirigir a todos os públicos, ao passo que a arte
erudita é destinada principalmente aos artistas. A arte destinada a um maior número de
pessoas é normalmente considerada menor, estando num nível inferior à arte erudita
produzida e dirigida às camadas mais cultas, a uma elite artística. A arte popular tem
sido caracterizada, por uma oposição à cultura artística superior, fruto das barreiras
entre classes, pois os produtos da cultura de massas são distribuídos pelas indústrias de
diversão não para satisfazer, mas para explorar as necessidades culturais do público,
sendo que este é normalmente oriundo das classes mais baixas e ditas incultas.
O público de massa moderno surge nos grandes centros industriais, com a
revolução industrial e com o desenvolvimento dos artifícios técnicos de
difusão/comunicação dos produtos culturais. A arte popular, no sentido de cultura de
massa, surgiu nesta altura, embora esta tenha surgido com o fluxo das camadas sociais
inferiores para a cidade, e com o contacto do povo do campo com as classes elevadas.
Segundo Cuisenier (1991), a noção de arte popular apenas emerge, na tradição
cultural da Europa, no princípio do séc. XIX, estando ligada ao movimento histórico do

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despertar das nacionalidades e à afirmação do direito dos povos à autodeterminação.
Com a elaboração filosófica associada ao trabalho teórico da revolução francesa foi
possível que, o conceito de povo surgisse na consciência das elites cultas. Só com as
guerras napoleónicas foi possível abrir uma compreensão do povo como objector de
disciplina, de erudição, dessas disciplinas que tomariam o nome de Volkskunde, aquilo
que designamos hoje de folclore e/ou etnografia. As obras de arte popular tanto podem
ser menosprezadas pela sua rudeza e ausência de estilo, como idolatradas pela sua força,
espontaneidade e sinceridade com que são apresentadas.
Por arte popular deve entender-se a arte do povo, das classes populares, por
oposição ao não povo, às classes que não são populares, as classes médias, dirigentes,
eruditas e letradas. As formas eruditas da arte são aquelas que, na maioria dos casos, são
apreciadas pelas classes altas da sociedade, como nos diz Smith (1995, p. 30) “a arte
erudita aspira a um estilo, normalmente Clássico, erudito e generalizado”. São também
as que, para se desenvolver, precisam de meios que só os detentores de posições sociais
dominantes podem proporcionar aos artistas. Assim, as formas eruditas de arte são
também as formas dominantes, não em virtude da excelência de que porventura se
revistam por si próprias, mas devido ao poder dos potentados que as promovem e
sustentam.
As formas não eruditas de arte, mesmo quando respeitam os cânones
ancestralmente estabelecidos, apresentam-se na maioria das vezes como formas
subalternas. Tal como na ordem dos conhecimentos e do pensamento o requinte opõe-se
à rudeza e também à elegância na ordem das maneiras e do gosto, que se opõe à
vulgaridade: nas sociedades estratificadas, as formas eruditas da arte estão de um lado, e
as formas populares do outro. (Cuisenier, 1991)
Nada ilustra melhor o modo como uma arte popular e uma erudita se diferenciam
do que o desenvolvimento das formas arquitectónicas na Europa e o modo como se
pensou na sua história. A maior parte das construções e habitações de exploração
agrícola foram, até muito recentemente, construídas sem ser necessário recorrer a
arquitectos, sem plantas ou sem maqueta previamente concebidas. Isso não significa que
não tenha tido intervenção de homens de e com arte. Esta é uma arquitectura não
erudita, popular mas não ignorante, frequentemente requintada a nível técnico e onde
algumas dessas obras, se revelam de excelente qualidade, com inúmeras formas, nada
inferiores à arquitectura erudita.

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Os produtores da chamada cultura erudita fazem parte de uma elite social,
económica, política e cultural, sendo que o seu conhecimento é proveniente do
pensamento científico, do que vem escrito nos livros, das pesquisas universitárias ou do
estudo em geral. Erudito significa que tem instrução vasta e variada, adquirida
sobretudo na leitura, por isso, a arte erudita e de vanguarda é produzida visando museus,
críticos de arte, propostas revolucionárias ou grandes exposições, públicos “especiais” e
divulgação.
A cultura popular está associada ao povo, às classes socialmente excluídas, às
classes dominadas. A cultura popular não está ligada ao conhecimento científico, pelo
contrário, ela diz respeito ao conhecimento vulgar ou espontâneo, ao senso comum, a
um sentido “utilitário”. Comprovamos isso pegando nas palavras de Aguilar (s/d, p. 71),
para quem “a obra de arte popular constitui um tipo de linguagem por meio da qual o
homem do povo expressa a sua luta pela sobrevivência. Cada objecto é um momento da
vida. Ele manifesta o testemunho de algum acontecimento, a denúncia de alguma
injustiça.”

O artista popular não está preocupado em colocar suas obras expostas em lugares
prestigiados ou no reconhecimento social. O mais importante na arte popular não é o
objecto produzido, é sim o próprio artista, o homem que pertence/representa um
determinado povo, normalmente do meio rural ou das periferias das grandes cidades.
Por isso também a arte popular é sempre contemporânea a seu tempo. Por exemplo, a
arte popular do século XVIII (as cantigas, poemas e histórias registadas pelos
estudiosos) é bem diferente de outras formas de arte popular do nosso quotidiano, como
o rap, o hip hop e o graffiti.

A cultura popular é conservadora e inovadora ao mesmo tempo no sentido em que


é ligada à tradição, mas incorpora novos elementos culturais. Muitas vezes a
incorporação de elementos modernos pela cultura popular (como materiais, o plástico
por exemplo) a transformação de algumas festas tradicionais em espectáculos para
turistas (o carnaval no Brasil, os Santos Populares em Portugal) ou a comercialização de
produtos da arte popular (o recente caso das vuvuzelas) são, na verdade modos de
preservar a cultura popular a qualquer custo e dos seus produtores terem um alcance
maior do que o pequeno grupo a que pertencem.

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O artista popular avista a sua “inspiração” em acontecimentos locais rotineiros, a
arte popular é local e regional. Por isso a arte popular encontra-se mais afectada pela
cultura de massas, aquela que tende a atingir todas as regiões igualmente, e procura
homogeneizá-las culturalmente mais do que a erudita. O produtor de cultura popular e o
de cultura erudita podem ter a mesma sofisticação, mas na sociedade não possuem o
mesmo status social - a cultura erudita é a que é legitimada e transmitida pelas escolas e
outras instituições.

É importante ressaltar que os produtores da cultura popular não têm consciência


de que o seu “produto” artístico tem um ou outro nome e os produtores de cultura
erudita têm consciência de que o que fazem tem essa denominação e é assunto de
discussões, mesmo porque os intelectuais que discutem e analisam esses conceitos
fazem parte da mesma elite, são os agentes da cultura erudita que estudam e pesquisam
sobre a cultura popular e chegam a essas definições.

A existência da Indústria Cultural e de uma nova cultura veiculada por esta cultura
de massas, a proclamada “globalização” que não está vinculada a nenhum grupo
específico e é transmitida de maneira industrializada para um público generalizado,
interfere na existência de uma cultura erudita da elite e de uma cultura popular do povo.
Hoje, a maioria da população vive aglomerada nos centros urbanos, onde os sectores
sociais excluídos se aproximam geograficamente dos sectores privilegiados, são as
diferentes classes sociais vivendo relativamente no mesmo espaço.

A Indústria Cultural é mais um engenho que não fabrica produtos concretos,


vende novas e diferentes visões do mundo, uma ideologia, vende ainda ideias e desejos.
Feitos a pensar num aglomerado de pessoas, esses bens culturais são veiculados pelos
meios de comunicação de massas, aí surge a cultura de massas (o produto da Indústria
Cultural). A cultura de massas não é uma cultura que surge espontaneamente das
próprias massas, mas uma cultura já pronta e fornecida por outro sector social, o que
controla a produção da Indústria Cultural, a também conhecida por classe dominante.
Portanto, na vida em cidades, nos meios urbanos (residência das massas) a cultura passa
a ser algo externo às pessoas, não é mais do que uma produção fora das mesmas.

Podemos analisar a cultura de massas como um ponto de intersecção entre a


cultura erudita e a cultura popular porque os elementos próprios da cultura de massas

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são consumidos tanto por sectores mais excluídos da sociedade quer por elites, é como
se representassem algo em comum entre esses sectores. A cultura de massas funciona
como uma ponte entre a cultura erudita e a cultura popular, mas uma ponte prejudicial,
porque na verdade ela ignora totalmente as diferenças entre os produtores dessas duas
culturas e se direcciona para um público abstracto e homogéneo, sem valores e heranças
identitárias.

O desenvolvimento tecnológico tornou possível reproduzir obras de arte em escala


industrial, então inúmeros livros passam a apresentar por exemplo uma pintura de
Picasso e uma massa de população passa a ter acesso a essas pinturas, não
necessariamente entendendo-as como alguém do seu contexto histórico e que fazia parte
do mesmo sector social que esse pintor, ou então alguém que faz parte da classe
dominante actualmente e que tem algum conhecimento a respeito do pintor e de todo o
seu contexto histórico-social.

Não podemos encarar essa difusão da cultura erudita entre parcelas da população,
devemos antes privar-nos dela pelos meios de comunicação de massas, uma forma de
democratização dessa cultura, isto porque o público popular não têm a mesma instrução
teórica que as elites, que cresceram no meio dessa cultura e foram instruídos para
entendê-la.

Segundo o filósofo alemão Walter Benjamin (s/d, cit. por Fontes, 2002), uma obra
de arte ao ser reproduzida perde sua “aura”, aquilo que seria o seu carácter único e
mágico (típico da cultura erudita), mas em compensação isso possibilitou que elas
saíssem dos museus e colecções particulares para serem conhecidas por um número
muito maior de pessoas, assim, as técnicas de reprodução das artes poderiam contribuir
para uma revolução na própria política das artes plásticas, que antes eram exclusivas da
elite e parte da cultura erudita, passa assim a ser acessível às massas.

Como refere James Ayres (1996, p. 240):” The definition of the words “folk” and
“art” also produces imponderables”. O termo popular em si próprio é muito ambíguo e
quase tão indefinível quanto a própria arte. E quando se associam os dois, a questão
torna-se ainda mais complicada uma vez que esta se confunde com arte de massas, artes
primitivas, artesanato e folclore, com os quais, não obstante, as semelhanças, nem
sempre são identificáveis.

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II – AS DINÂMICAS SOCIOCULTURAIS DA ARTE POPULAR

Os factores sociais e económicos que cada vez mais vão transformando e


modelando os comportamentos individuais dos cidadãos socialmente integrados nas
sociedades actuais, designada por muitos de global, direccionam-nos para uma
estandardização das diferentes culturas, o que de certa forma poderá levar à perda da
produção artística que particulariza as identidades culturais de cada espaço, a chamada
arte popular e/ou folclórica.
Como ponto de partida para a descrição deste capítulo afirmamos que não
entendemos a arte popular (ou arte de massas) como é proposta por Arnold Hauser
(1988, p. 243), “como produção artística ou quase-artística por exigência de um público
semiculto, geralmente urbano e tendendo para o comportamentos de massa”, dando
como exemplo prático à proposta de Hauser, a música popular portuguesa, mais
conhecida por música “pimba”.
Contudo, não somos apologistas do uso do termo “inculto”, dado que para nós
TODOS os cidadãos possuem cultura, como nos diz Luís Chaves (1943, p. 7) “se na
pessoa culta predomina a reflexão, na pessoa inculta impende um complexo inorgânico
de instintos, tradições, irreflexão, espontaneidade na reacção psicológica”, e que é isto
senão factores que designam uma cultura?
Neste sentido, a nossa pesquisa irá objectivar na direcção da arte popular como
uma manifestação sócio-artística, social porque diz respeito a um povo/comunidade e
artística porque é representada nas mais variadas formas de arte. Ou seja, é no meio
social que o artista apreende a sua arte (ofício) sem ter frequentado escolas de arte, os
seus “ensinamentos” são obtidos através das vivências e intuições sociais e locais que
possui, as crenças, os costumes e tradições que identificam o seu território e sempre que
aceites (praticadas) pelo povo.
Anteriormente associámos a arte popular com a arte folclórica, para
estabelecermos a analogia das manifestações artísticas individuais com as práticas
artísticas sociais, defendendo assim a arte popular e/ou arte folclórica, como a que
sugere Arnold Hauser (1988, p. 243) aquela que, “significa as actividades poéticas,
musicais e pictóricas dos estratos da população que não são cultos nem urbanizados ou
industrializados”.

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De modo a reforçarmos a nossa abordagem a esta pesquisa e pegando nas ideias
lançadas na Conferência que a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura, realizou a 16 de Novembro de 1989 na cidade de Paris, no
sentido de alertar os políticos e a sociedade em geral para a importância de conservar as
tradições artístico-culturais populares.
Da referida convenção resultou a Recomendação para a Salvaguarda da Cultura
Tradicional e Popular, onde se definiu que “ a cultura tradicional e popular é o conjunto
das criações que emanam de uma comunidade cultural, fundadas na tradição, e
expressas por um grupo ou por indivíduos, respondendo às expectativas da comunidade,
como expressão da identidade cultural e social desta, transmitindo-se oralmente, por
imitação ou de maneira semelhante, as suas normas e os seus valores. As suas formas
compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a
mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitectura e outras artes.”
Importa por isso salientar que à produção e criação da arte popular/folclórica
aparece sempre relacionado o artista popular, seja um oleiro, uma tecedeira, uma
cantadeira ou um músico, que apesar de demonstrar uma imensa habilidade artística não
possui regras de aprendizagem teóricas, mas durante o seu processo de “socialização” e
respectiva criação vai-se “alimentando” da identidade cultural e de toda a tradição,
histórias e vivências próprias da sociedade a que pertence. Se por exemplo for um pintor
o mais provável é que seja decorador de peças com valor utilitário, um objecto que era
produzido para ser mais útil no seu dia-a-dia, para uma utilidade específica, do que
propriamente pela sua vontade de expressar a sua visão artisticamente. (Barry, G. [et al],
1964)
O artista popular ao criar não segue o que vem nos livros, age pelo seu instinto
criador e pelo que recebe do espaço envolvente, enquanto ser social que é, produz e
representa artesanalmente os valores e as experiências sociais, os costumes e convicções
culturais que particularizam um determinado local, no fundo é um dinamizador social e
um “recreador” cultural do seu quotidiano e da sua identidade cultural, bem como de
todos aqueles que com ele aceitaram partilhar um determinado território e todas as
particularidades artístico-culturais.

Entendemos por isso a necessidade de estabelecer uma associação entre a criação


artística popular ao meio social, para assim procedermos à identificação da arte popular
como uma dinâmica sociocultural. Partindo da Convenção para a Salvaguarda do

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Património Cultural Imaterial, realizada a 17 de Outubro de 2003, pela UNESCO, onde
se entendeu por património cultural imaterial, como todas: “as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos, artefactos
e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo
o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património
cultural.”

Ainda, segundo a mesma Convenção, consideraram-se património cultural


imaterial, todas as formas de manifestações culturais, que passamos a citar: “Tradições e
expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial; Artes
do espectáculo; Práticas sociais, rituais e eventos festivos; Conhecimentos e práticas
relacionadas com a natureza e o universo; Aptidões ligadas ao artesanato tradicional.”
De seguida apresentamos um diagrama1 onde podemos observar
esquematicamente os principais vectores de delimitação do Património Cultural
Imaterial, de acordo com a Convenção referida anteriormente.
Figura 1 - Vectores delimitadores do Património Cultural Imaterial, segundo a
Convenção da UNESCO

Contudo e, pegando nas ideias de Saldanha (s/d), o conceito de arte popular acaba
sempre por ser construído como uma criação social, elaborada a partir da história e da
tradição, com imensas fragilidades é verdade, tanto ao nível da conceptualização teórica
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Diagrama adaptado a partir de: The Intangible Heritage Messenger, nº 1, Paris, UNESCO, Fev.2006, in
Costa, Paulo. (2009) Património Imaterial, Identidade e Desenvolvimento Rural.

14
como do próprio desenvolvimento e consequente criação artística, mas com imensas
virtudes a nível de dinamismo económico e sociocultural de cada local.

Numa sociedade caracterizada pelo consumismo massificado como é a que


vivemos actualmente é natural que existam alguns casos, ainda que despercebidamente,
a procurarem “industrializar” os meios de produção da arte popular recorrendo às novas
tecnologias, de produção em série e esquecendo as suas raízes artísticas. Podendo por
isso dissociar-se da origem dos meios de criação popular, a manufactura artesanal, não
queremos com isto dizer que está mal, ou que não devem modernizar-se as técnicas de
produção, até porque nem é esse o objectivo geral desta investigação, apenas
pretendemos reforçar que a todos estes meios de criar arte popular/folclórica estará
sempre ligado o sentimento de pertença ao meio social e natural, o conjunto de factores
que já referimos e que lhe são transmitidos pela sua vivência na sociedade que rodeia o
artista.

Para melhor demonstrarmos a força das dinâmicas socioculturais promovidas pela


arte popular/folclórica e que se pode expressar/actuar através de práticas artísticas de
variadas formas, iremos explorar teoricamente alguns exemplos destas actividades
artísticas, como é o caso do folclore ou recorrendo a um termo popular, o “saber do
povo”. Uma representação tradicional que engloba vários tipos de manifestações
culturais, como sendo os costumes, as crenças, as lendas, os cantares, as danças, os
trajes, os provérbios entre outros dizeres e saberes que são factores identitários de uma
determinada região/local e que por norma são transmitidos por via oral e/ou através de
práticas populares, como as festas populares, tradicionais, religiosas e outros eventos
festivos.

O termo Folclore surge pela primeira vez em Inglaterra no ano de 1846, tendo
sido criado por William Thomas, a partir da conjugação de duas palavras, folk que
significa povo e lore que quer dizer saber ou sabedoria. Ao nível das práticas artísticas
que o folclore traduz em representações podemos falar nos ranchos folclóricos e/ou nos
grupos etnográficos, uma acção colectiva que engloba uma (re) criação artística onde o
conjunto de danças e cantares de um povo/local, os trajes típicos, o quotidiano das
pessoas numa determinada época histórica, no fundo é uma reprodução do seu dia-a-dia,
as suas vivências sociais mas de forma artístico-cultural, aquilo que foi aceite e

15
adoptado pela povo como sendo uma prova da sua cultura, a cultura popular daquele
espaço/território.

O nosso país é extremamente rico em cultura popular, até porque somos uma
sociedade com origens e valores profundamente ligados ao “mundo rural” e como tal,
todos os grupos de folclore e etnografia são na nossa opinião uns dos grandes
dinamizadores socioculturais da arte popular de cada comunidade um pouco por todo o
mapa nacional e até internacionalmente. Segundo a FFP - Federação do Folclore
Português2, “uma associação de associações de grupos etnográficos que se reuniram
para em comunhão de interesses defenderem o Folclore Português”. O principal papel
da Federação é o de “consciencializar e aconselhar os grupos de folclore, nos aspectos
técnicos”, tais como: “recolher – preservar – divulgar, com a máxima autenticidade e
verdade. Por tal motivo para que um grupo se torne sócio efectivo da FFP terá que
elaborar um processo técnico, ao mesmo tempo que é acompanhado e aconselhado pelo
conselho técnico Regional da Federação.”

Para termos uma pequena ideia existem cerca de 1700 grupos


etnográficos/ranchos folclóricos, dos quais 600 dessas associações são sócios da FFP,
sendo que anualmente são promovidos entre 4.000 a 5.000 eventos folclóricos e
etnográficos, ainda que aqui a exactidão do número não seja tão rigorosa, pois como
referimos nem todos são sócios pois não perfazem os requisitos exigidos pela
Federação.

Apesar de toda esta riqueza tradicional e popular ser um conjunto de factores


identitários que particulariza cada território, é necessário estabelecer parâmetros que
permitam avaliar a veracidade dos fenómenos folclóricos, assim para ser folclore e
segundo as ideias de António Lopes Pires (s/d), presidente da Assembleia Geral da FFP
e director de um grupo etnográfico, é necessário possuir o seguinte conjunto de
características:

2
Todos os dados apresentados neste parágrafo relativamente à Federação do Folclore Português são
referentes ao ano de 2008, foram obtidos após um pedido de informação enviado por nós via correio
electrónico, de onde constavam questões, como: Número de Associações Etnográficas/Ranchos
Folclóricos existem em Portugal? Número de eventos relacionados com o Folclore e a Etnografia em
Portugal? O principal papel da Federação? Entre outras. A estas questões obtivemos a resposta da parte
do Presidente da Federação, Fernando Ferreira e também do presidente da mesa da Assembleia,
António Lopes Pires, sendo o resultado das mesmas apresentadas neste capítulo.

16
 Ser Popular - do agrado do povo, que tenha sido acolhido como
“seu”;
 Ser Tradicional – precisa de tempo para se “afirmar” e para isso
tem que ser passado de geração em geração por via oral;
 Ser Universal – tem que pertencer a uma comunidade
culturalmente significativa, não é obra de um único homem;
 Ser de Autor Anónimo – o seu autor não é (re) conhecido, não se
sabe quem é o criador/artista, mas precisa sempre ser aceite pelo povo;

Além destes factores caracterizadores o mesmo autor defende também que a


espontaneidade e a funcionalidade são condições que de certa forma contribuem para a
identificação do folclore, isto porque, no primeiro dos casos ninguém encomenda nada,
as criações populares (artísticas) acontecem e aparecem naturalmente, e no segundo tem
a ver com a sua função, ou seja, a arte é “funcional”, tem um resultado prático aceitável
e visível a todos os membros da comunidade.

Para estabelecermos uma melhor percepção destes fenómenos


folclóricos/populares procurámos conhecer de forma um pouco mais concreta o
dinamismo sociocultural a nível local “provocado” por uma associação etnográfica,
assim visitámos as instalações e mantivemos uma conversa com o director da ASSOPS
– Associação de Passos de Silgueiros, uma Instituição Particular de Solidariedade
Social, situado em Passos de Silgueiros, concelho de Viseu. De seguida iremos
apresentar uma breve síntese do seu historial e principais valências artístico-sociais, que
a associação coloca ao dispor da comunidade de Passos de Silgueiros, tendo estes dados
sido recolhidos aquando da nossa visita e pela conversa que mantivemos com o director
da associação, o já referido, António Pires de Lima.

O aparecimento deveu-se ao nascimento do Rancho Folclórico de Passos de


Silgueiros em 1978, foi através desta intrínseca ligação do meio natural e social à arte
popular/folclórica, que se iniciou mais do que uma simples intervenção artístico-
cultural, uma instituição que além de contribuir para a afirmação da arte popular,
coopera de forma activa no desenvolvimento socioeconómico da comunidade local.

As metodologias de todo o seu processo interventivo sempre tiveram assentes nas


suas raízes histórico-culturais, durante os mais de trinta anos que vêm desenvolvendo
actividades de pesquisa etnográfica, onde se procura investigar com profundidade as
17
origens e todos os factos folclóricos relativos à herança cultural local e regional. Tendo
sempre como linha orientadora, a etnografia, como algo mais que uma ciência que é,
consequentemente o resultado de toda a observação dos factos reais e concretos, de
orientação analítica de um determinado espaço/território. Ao longo deste tempo de
actividade tem vindo a documentar-se de factos referentes a todo o espólio cultural e
tradicional da sua região, recolhendo também vários documentos etnográficos que se
encontram devidamente instalados no Museu Etnográfico de Silgueiros.

Conjuntamente, a estes procedimentos de investigação e pesquisa popular, criou


uma Biblioteca Etnográfica de uso próprio e que está aberta ao público em geral, onde
podemos encontrar uma vasta colecção bibliográfica de temáticas ligadas à Etnografia,
local como nós podemos comprovar com a nossa ida, onde vários estudantes e de todos
os graus se deslocam para elaborar as suas pesquisas, tal a enorme e valiosa colecção de
obras ali expostas e colocadas à disposição de investigadores e/ou curiosos deste tipo de
temáticas.

Assim, em 1987 e dada a sua importância dentro da comunidade transforma-se


numa instituição particular de solidariedade social, a ASSOPS – Associação de Passos
de Silgueiros, que iremos apresentar de forma esquematizada de seguida.
Figura 2 - Organograma da ASSOPS – Associação de Passos de Silgueiros

Tendo por base o organigrama apresentado, onde podemos perceber o vasto


conjunto de valências que a associação ASSOPS possui a nível social e cultural e tendo

18
por base as suas raízes puramente populares e folclóricas, julgamos que este é de facto
um bom exemplo do potencial dinamizador que a arte popular tem ligado a si, até
porque como podemos comprovar a existência desta associação contribui de forma
explícita e decisiva para a fixação de pessoas na aldeia e, ao mesmo tempo é um gerador
de riqueza cultural, social e económica dentro da comunidade, fomentando não só o
crescimento da associação como o enraizamento dos valores culturais da região.

Outra das dinâmicas socioculturais que aqui destacamos é o artesanato, ou seja o


conjunto de artes e ofícios tradicionais que representam um conjunto de saberes e
fazeres socioculturais de um determinado território. Pegando na ideia de que o mundo
actual é cada vez mais caracterizado pela acelerada mutação social, onde os valores e as
próprias raízes e identidades tradicionais estão a cair em desuso no quotidiano da
maioria das sociedades, prevalecendo os valores consumistas e massificados. É neste
sentido que para Lima (2003), o artesanato se assume, mais como a presença real da
herança cultural, que não é mais do que a matriz da nossa personalidade e identidade,
aquilo que nos particulariza e diferencia de outros povos e culturas.

O artesanato é um testemunho por vezes incómodo, pois provém da


espontaneidade expressa pelo povo que produz, embora não tenha no seu processo
criativo uma sustentação teórica, académica, é baseada num valioso acumular de
vivências e experiências do saber fazer. Apesar de toda a pressão intelectual que tem
vindo a sofrer, ou mesmo a uma acção de propaganda de que é alvo, o artesanato, tem
conseguido de forma geral, manter-se puro aos seus princípios e ser aceite por aqueles
que revêem esses objectos e produtos, como verdadeiramente artesanais. (Lima, 2003)

No seguimento do raciocínio de Antunes (1999), as práticas que envolvem as


artes e ofícios tradicionais, o que geralmente designamos de artesanato, apesar de ser
difícil encontrar uma definição única e que seja consensual para todos os que pesquisam
sobre a matéria é por si só uma problemática, pois remete-nos para diferentes saberes e
referentes culturais, para uma pluralidade de objectos e actividades. Contudo e tendo em
conta Lima (2003, p. 39) o artesanato é uma, “manifestação artística e não, apenas, o
produto do trabalho efectuado pelos executores das actividades manuais. Num sentido
mais lato atribui-se-lhe estatuto de manifestação cultural através do qual o homem, além
de dar satisfação a necessidades práticas, se liberta, transformando-se em criador de
civilização.”

19
Naturalmente, o artefacto tornar-se-á a acção reveladora do homem dos ofícios
artesanais, eles são os mediadores entre a matéria e as necessidades do meio social,
criadores de um artefacto que é um produto de cultura e igualmente a forma de
expressão da própria. Podemos por isso afirmar que o objecto artesanal através da sua
abundância de valores “utilitários” e emotivos se torna um sinal indicador do tipo de
identidade de uma determinada comunidade.

O artesanato apresenta-se como uma dinâmica sociocultural dos meios rurais por
excelência, na medida em que, promove e afirma a sua identidade cultural, afinal
quando uma comunidade se quer reconhecer a si própria e os outros a pretendem
conhecer, debruçamo-nos sobre o seu passado, as obras criadas por si e deixadas como
testemunho. No fundo, são as suas produções aquelas que representam pedaços do seu
próprio ser, quer por terem sido concebidas dentro da comunidade ou mesmo porque
foram aceites e utilizadas por todos, carregando desta forma uma carga afectiva e
emotiva, que deriva do suporte simbólico que traduzem estas obras. (Correia, 1990)

Facilmente encontramos exemplos de como o artesanato é de facto uma dinâmica


sociocultural com provas dadas e que de forma activa contribui para o desenvolvimento
sustentável dos territórios, na medida em que é produzido/criado no local de origem e
por gente da terra, ou que adoptou aquela como sua terra. Mas para evitar polémicas
como as de Arraiolos, com os famosos tapetes, a originalidade desses produtos deve ser
devidamente patenteada e legislada, para salvaguardar situações como essa, pois não
nos parece justo que as industrias massificadas, como são as lojas “China”, estejam a
vender “gato por lebre”, não só descaracterizam uma comunidade como lhe roubam um
bem identitário de valor social, económico e acima de tudo cultural daquele local.

Afinal, não é por acaso que aquando de festividades internacionais, como é o caso
das Exposições Mundiais, como foi exemplo a Expo 98 em Portugal e este ano a Expo
2010 em Xangai, na China, durante o tempo que dura a feira os pavilhões de cada país
procuram demonstrar (vender) o seu território como um produto turístico de bens
culturais e históricos à mistura. A título de exemplo, na Expo 2010 o dia dedicado ao
pavilhão de Portugal contou com a apresentação de um rancho folclórico do Minho e
com várias demonstrações de artesanato português.

Um conjunto de bens culturais que retratam um conjunto de valores identitários de


cada nacionalidade, neste caso a nossa e que demonstra bem a imensa dinâmica social

20
que estes bens artístico-culturais possuem para a afirmação das identidades culturais, em
suma, a arte popular na sua totalidade é encarada como um bem social e de “valor
universal” na medida que particulariza cada local, mas não é tratada conscientemente
pelos agentes de poder como um bem de interesse público, que devemos preservar e
pela qual temos obrigação de zelar. Terminamos este capítulo coma as palavras de Luís
Chaves (1943, p. 13) para quem, “a arte é sempre arte, qualquer que seja a forma por
que se traduza. O artista popular faz arte popular, e, apesar das influências diversas e
díspares a que obedece, é essencialmente artista como o que a faz e não é do povo.”

III - O VALOR UNIVERSAL DA ARTE ERUDITA

A principal função criadora da arte erudita é a de produzir obras de valor


universal, criações artísticas que sejam reconhecidas pela “elite cultural”, mas com a
ambição de virem a ser aceites pela maioria dos cidadãos, independentemente das suas
bases teóricas e académicas. Por norma estas obras são uma produção de artistas
reconhecidos e com enormes conhecimentos técnicos, de formação apurada e
pluridisciplinar. Sendo que é por isso que facilmente a arte erudita se torna como um
factor universal que permite estabelecer marcos históricos de determinadas épocas e que
arrastam consigo um vasto conjunto de considerações dos variados modos e técnicas de
expressão artística e de diferentes inovações conceptuais nas várias sociedades.

Contudo, a arte erudita consolida-se a partir do séc. XVI na perspectiva de criar


uma oposição à arte popular, afinal era a designada alta cultura ou cultura cultivada,
aquela que representava os grupos sociais dominantes. A particularidade mais marcante
da arte erudita, devia-se ao facto de ser uma arte “encomendada” pelos grupos de poder
(económico, político e social), os senhores que adquiriam as obras ao grupo de criadores
artístico-culturais de “topo”. (Fontes, 2002)

Apesar das ligações ao popular como vimos anteriormente, a arte erudita, inverte
a situação e estabelece diferenças no desfrutar artístico de cada indivíduo, durante os
séculos XVI-XVIII o acesso à arte é de certa forma controlado em função dos grupos
culturais, mas que nem sempre correspondiam ao mesmo status social. Começam-se a
evidenciar os “promotores” artísticos, críticos e especialistas que seleccionavam e

21
promoviam a venda das obras aos órgãos e cidadãos do poder. Aqui aparece a
universalidade da arte erudita, a sua dinâmica promocional começa a evidenciar-se
como um dos trunfos de valorização artística.
O campo de produção erudita dirige os seus bens a um público de produtores de
bens culturais específico e tende a produzir ele mesmo as suas normas de produção e os
critérios de avaliação dos seus produtos, obedecendo à lei fundamental da concorrência
pelo reconhecimento cultural concedido pelo grupo de pares, os historiadores e os
críticos de arte, o conjunto dos designados apreciadores da arte de elite. O campo da
produção erudita tem um funcionamento fechado, assim, há uma tendência cada vez
maior da crítica em se distanciar do público e fornecer uma interpretação “criativa” para
o uso dos “criadores”.
As obras eruditas produzidas são acessíveis a um público com características
específicas e, a sua recepção depende do nível de instrução dos receptores, ou seja,
exige que os receptores tenham uma capacidade prática e teórica desenvolvida, sendo
necessária também, a própria disposição dos mesmos em adquirir determinado código.
O modo de produção erudito deve incluir nas instâncias que a recebem a capacidade de
assegurar não apenas a produção de receptores dispostos e aptos a receber (pelo menos a
médio prazo) a cultura produzida, mas também a formação de agentes capazes de
reproduzi-la e renová-la, com regularidade.
Um dos princípios fundamentais de estruturação do campo de produção e
circulação de bens simbólicos é a relação de oposição e complemento que se estabelece
entre o campo de produção erudito e o campo das instâncias de conservação e
consagração, como são caso disso, os museus e/ou as escolas. O sistema de ensino,
enquanto instância de preservação e certificação cultural, cumpre inevitavelmente uma
função de legitimação sociocultural. Na medida em que o campo de produção erudita
amplia a sua autonomia, os produtores tendem a se conceber como intelectuais ou
artistas superiores, reivindicando autoridade e superioridade devido ao seu carisma,
procurando impor na esfera cultural um princípio exclusivo de legitimação.
A arte erudita é toda a arte produzida e apreciada pela elite de uma sociedade, mas
não necessariamente uma elite económica, compreendida pelas pessoas com poder
económico, e sim por uma pequena parcela, uma minoria de pessoas que (re) conhecem
vários estilos artísticos e que estão bem informadas e têm por base sustentações teórico-
práticas, teóricas de leitura e aprendizagem, práticas de observação regulares e
contactos com essas matérias.

22
Os artistas eruditos são reconhecidos por grande parte da população, possuem
conhecimento aprofundado de diversas técnicas, materiais, estudos e sobretudo de
história da arte. Geralmente esses artistas são homenageados postumamente, vendo os
seus nomes atingir a eternidade na História cultural e artística de um povo, como é o
caso de Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Salvador Dalli, Pablo
Picasso, Mozart, Vivaldi, Schubert, entre outros artistas de renome.
A arte erudita pertence aos eruditos, aqueles que criam em qualquer lugar ao
serviço de uma causa, pedido, encomenda, partindo de princípios teóricos iguais em
todo o lado. As grandes obras de arte eruditas são facilmente encontradas em grandes
museus e galerias, palácios presidenciais, entre outros locais, essas obras possuem um
valor artístico e uma qualidade estética incontestável, principalmente assinalada pelos
críticos e pelos apreciadores mais exigentes.
Todavia e pegando nas palavras de Saldanha (s/d, p. 111), “sabemos que a «arte
erudita» tem usado o imaginário popular como referência, numa longa tradição de
apropriação de imagens, formas e produtos, procedentes das culturas populares. Tanto
nas artes plásticas, como na música, os exemplos destes contactos são amplamente
conhecidos: Chagall, Gauguin, Brancusi, Bartok, Stravinsky, etc.” A título de exemplo
o mesmo autor refere ainda que, “as inúmeras transposições da famosa Última Ceia de
Leonardo da Vinci nos mais variados materiais, como – o barro, a cortiça, as conchas –,
que podemos encontrar nas bancas do artesanato local; ou as “pajelas” religiosas feitas
por artífices locais, que se inspiram em obras dos artistas mais consagrados.”
Olhando para o exemplo do quadro da Mona Lisa a mais notável e conhecida obra
do pintor italiano Leonardo da Vinci. Um quadro que apresenta uma mulher com uma
expressão introspectiva e um pouco tímida. O seu corpo representa o padrão de beleza
da mulher que viveu na época de Leonardo. Este quadro é provavelmente o retrato mais
famoso na história da arte, senão, o quadro mais famoso de todo o mundo, poucos
outros trabalhos de arte seja ela em que variantes são tão controversos, questionados,
valiosos, elogiados, comemorados ou reproduzidos. Leonardo da Vinci começou o
retrato em 1503 e terminou-o três ou quatro anos mais tarde. A pintura a óleo sobre a
madeira de álamo encontra-se exposta no Museu do Louvre, em Paris e é a maior
atracção do museu.
Através de obras de arte de grandes mestres, produzidas em diferentes épocas,
tomamos conhecimento da evolução de cada povo, bem como da sua cultura, costumes,

23
religiões e também de sua política, constantemente retratadas em obras,
como um legado deixado para as gerações futuras.
Podemos por isso afirmar que a arte erudita usou no seu imaginário criativo a
arte popular e ou folclórica como referência, sendo por isso uma tradição que de forma
evidente colaborou na emersão da temática, quer no sentido autónomo da arte como
também através da sua integração em outras temáticas, que eram consideradas como
“superiores”. Mas como afirma Hauser (1988, p. 291), “ o valor artístico de uma obra
não depende da natureza dos meios técnicos que o artista utiliza, mas simples e
unicamente do modo como os usa.”
Afirmamos por isso dizer que as artes plásticas nada mais são do que livros
caracterizados num conjunto de formas e cores, como uma tela que conta toda a história
de uma guerra entre diferentes povos, onde mostra uma revolução ou ainda, uma
escultura que eterniza um momento ou um marco na mudança de uma civilização ou no
futuro de uma nação.
Existem diferentes formas de expressão nas artes plásticas, e a cada novo
movimento ou estilo criado por um artista, podem ocorrer mudanças de conceitos que
provocam novas reflexões a respeito da influência que a arte exerce sobre uma ou mais
gerações. A consciência cultural é um meio bastante abrangente de se determinar o
futuro de um povo, e a tomada desta consciência também é responsabilidade do artista
que a transmite de forma única em cada criação.
Podemos aqui identificar alguns movimentos ou mudanças de estilo que
provocaram verdadeiras revoluções dentro do conceito de arte, mas que hoje
entendemos ser, nada mais que a mudança de consciências retratadas por artistas, cujos
nomes ficaram na história. Exemplo claro disso é a obra Espanha de Salvador Dali, um
surrealista datado de 1935 que retrata a guerra civil espanhola. Outro dos exemplos que
podemos dar é o de Guernica de Pablo Picasso, um estilo cubista que nos mostra
claramente a cidade de Guernica, bombardeada pelos alemães e que se encontra no
Museu do Prado em Madrid. Lembrando sempre que não é o artista que é eterno mas
sim a sua obra, e será através dela que poderemos observar determinados elementos
caracterizadores da história da sua época.
Prova disso, é o valor altíssimo que obras antigas, as ditas obras da antiguidade,
alcançam no mercado das artes, dada a importância que as mesmas representam para as
gerações actuais. Cabe-nos a nós abrir e implantar espaços para que a arte reflicta não só

24
a sociedade como também as suas ideias e principalmente a criação de suas novas
ideologias. (Fátima Ayache, s/d)
A arte na sua essência não deseja servir a sociedade, mas também não é uma
criação isente do meio social, ainda que as primeiras manifestações artísticas se tenham
caracterizado pelo valor utilitário da comunidade. A libertação das sociedades dos seus
regimes de estado e o aumento da comercialização dos bens próprios e económicos de
cada sociedade permitiu que o artista/artesão começasse a ter que estabelecer uma outra
relação com o consumidor artístico, aqueles que utilizavam os objectos artísticos,
começam agora a encomendar a arte.
Independentemente da sua intencionalidade, “que diferença faz o enlevo do artista
erudito pelo seu Cristo esculpido ou pintado, mercê do seu sonho estético e da sua
técnica apurada em cadinho literário: - que diferença faz ele do encanto com que o
artista popular contempla a sua obra de santeiro rústico, depois de a moldar em formas
sacramentais de tradição, a que não falta, nunca falta, o traço de união espiritual da obra
para o autor?” (Chaves, 1943, p. 11-12)
A obra de arte por transmitir os ideais de um artista, torna-se um marco
significante da cultura de uma determinada época. Se o artista der um contributo que
acrescente na sua obra características novas e que a tornem única, esta será sempre
valorizada e imortalizada. A arte erudita, na maioria das vezes tem pouco significado e
interesse para o povo, no entanto, praticamente todo o ser humano ouviu falar nela,
mesmo que, maioria das vezes não a entenda. A maioria das pessoas, não estão
preparadas para perceber e interpretar o valor de uma obra erudita, sobretudo pelas
características técnicas e teóricas que apresentam, e por haver ainda algum desinteresse
cultural do nosso povo, que só agora tem vindo a ser valorizado, sobretudo pelo acesso
ao ensino artístico, que neste momento é gratuito.

Este é um aspecto curioso, pois o ensino artístico, leccionado por exemplo nos
conservatórios, há alguns tempos atrás era destinado às classes sociais de elite, que
conseguia adquirir esses conhecimentos principalmente pelo facto de ter possibilidades
financeiras, que permitiam uma educação vocacional e artística, onde essas pessoas
poderiam assim adquirir saberes que os distinguiam dos outros, aqueles que não tinham
possibilidades financeiras para terem este tipo de ensino.

25
Na nossa opinião, é através do ensino artístico, que os jovens têm a possibilidade
de desenvolver as suas capacidade técnicas e teóricas e aumentar a sua sensibilidade, o
que os levará a valorizar e compreender o valor das obras eruditas.

É normal que a maioria dos jovens se identifiquem mais, por exemplo por um
género de música popular do que propriamente erudito, primeiro porque é o que ouvem
no dia-a-dia e porque lhes é de certa forma incutido pelos meios de comunicação. Por
esta razão, embora todos já tenham ouvido falar de Mozart ou de Picasso, poucos são
aqueles que, devido à sua falta de educação estética e artística, tenham motivação para
ouvirem música clássica no quotidiano. No entanto, por vezes, têm a necessidade de
afirmar perante os outros que ouvem ou já ouviram essa música, pois apercebem-se que
esta tem um valor universal e desta forma demonstram um conhecimento pela cultura
em geral.

Como dissemos anteriormente a arte erudita, é uma arte que é dirigida sobretudo
a experts, especialistas da matéria erudita, pois são estes que melhor a entendem e
facilmente decifram os códigos que cada obra possui. Em relação a estes, achamos que
na maioria das vezes são pessoas que pensam surgir de uma casta superior e que têm
necessidade de se afastar do público em geral, o menos conhecedor, com intuito de se
afirmarem e superiorizarem para também desvalorizarem todo o tipo de arte menor e de
origem popular. Na maioria das vezes possuem uma ideia preconcebida deste tipo de
arte, como aquela que pertence exclusivamente ao povo e às camadas inferiores,
mostrando algumas vezes desprezo de desconhecimento pelas artes populares.

26
CONCLUSÃO

Consideramos por tudo o que apresentámos nesta pesquisa, que além de todo o
enriquecimento adjacente a uma investigação teórica nos permitiu ir de encontro de
forma particular, a uma das competências propostas no plano curricular. Aquela que
sugerida pelo docente Luís Calheiros, pretendia essencialmente fomentar a nossa
capacidade de “identificar as necessidades de formação contínua e as consequentes
estratégias de actualização e especialização, pelo reforço e enriquecimento de uma
sólida cultura científica, artística, técnica, informativa-comunicacional e divulgativa, de
modo a assegurar uma constante competência técnica e uma permanente e sistemática
integração nas actividades plurais do mundo cultural e da animação artística.”

Com a realização deste trabalho pretendemos essencialmente encontrar as


características que não só distinguem a arte popular da erudita, mas também aquelas que
as aproximam. Percebemos que a arte erudita, de natureza mais culta recupera traços da
arte popular, assim como as características da arte erudita estão sub-repticiamente
disfarçadas nas obras populares, o que nos leva a acreditar que ambas não teriam a
mesma riqueza artística se não se relacionassem e influenciassem reciprocamente.

Após o trabalho de pesquisa e trabalho de campo, percebemos que a arte erudita,


possui instâncias de conservação e consagração, que contribuem para a sua preservação
e legitimação cultural, tornando-as mais “blindadas” ao esquecimento colectivo do
povo, e por esta razão achamos também importante a conservação dos bens da cultura
popular, na medida em que só assim se consegue preservar as características e tradições
culturais do povo. Assim, achamos extremamente necessário a existência e a
potencialização dos museus etnográficos e de todas as pessoas que procurem recuperar e
preservar as tradições dos povos, a identidade cultural tão particular de cada território,
como por exemplo os contos de tradição oral, a música, as danças, os trajes, entre
muitos outros artefactos que caracterizam a arte popular.

Este, é um dos desafios que nos surgiu depois da realização deste trabalho e que
esperamos desenvolver num próximo trabalho, de forma a complementar e enriquecer a
realização deste. Desejamos por isso, cumprir o nosso desejo e contribuir para o estudo
e divulgação das tradições e costumes do nosso povo, através de processos de criação e
animação artística que sejam coerentes com o passado e conscientes com o presente de

27
cada população. Da mesma forma em que nos preocupamos com a arte popular, também
com a pesquisa efectuada sobre a arte erudita, percebemos como poderemos ter um
papel importante como animadores artísticos a nível interventivo e de sensibilização,
para o aconselhamento (re) educativo do público cultural em geral, mas sobretudo o
infantil.

Para a frequência do ensino vocacional especializado, em que, os alunos que


ingressam no 5º ano de escolaridade (ou no 6º ano em casos especiais a avaliar) podem
matricular-se no Curso Básico de Instrumento no regime articulado (Portaria nº
1550/2002 de 26 de Dezembro). Os cursos básicos no regime articulado têm um plano
de estudos próprio no qual as disciplinas curriculares do ensino vocacional, num total de
5 horas semanais, substituem as disciplinas da componente técnica e artística do Ensino
Regular (Ver Despacho 1550/2002). Os contratos de financiamento do Ensino
Especializado, determinam a isenção de propinas para os alunos do regime articulado
(Desp.9922/98), aplicando o princípio de gratuitidade do ensino obrigatório (Dec. Lei
35/90).

Por esta razão e por acharmos que só através da regeneração da mentalidade


cultural se pode contribuir para a valorização e conhecimento das obras de arte erudita,
teremos a preocupação de informar e alertar a população, independentemente de ser
pobre ou rica da cidade ou campo, para as facilidades que lhes são concedidas, no
sentido de combatermos a exclusão a determinada informação na proclamada
“sociedade da informação”, contribuindo para enriquecimento intelectual e cultural da
sociedade.

Por fim, destacamos ainda a relevância no capítulo investigatório e o prazer


pessoal (de ambos) que nos deu a realização deste trabalho, pois além de nos
apercebermos dos poucos estudos que havia sobre o tema da pesquisa por nós efectuada,
na temática erudita em particular. Daí que nos tenhamos deparado com algumas
dificuldades, sobretudo, em reunir bibliografia que nos servisse de base e suporte
consistente para a realização do trabalho, mas que de certa forma serviu de alento na
procura. Por esta razão, esperamos ter contribuído para o aumento da investigação e
valorização do tema em geral e, podemos por tudo isso afirmar que no final de todo este
processo de investigação, que tanto nos ajudou a enquadrar melhor dentro da nossa

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cultura e ajudará a preparar o nosso presente a pensar num futuro enquanto profissionais
da animação artística.

BIBLIOGRAFIA

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 http://www.popular.art.br
 http://www.ffp.pt
 http://folclore-online.com

TABELA DE SIGLAS

ESEV - Escola Superior de Educação de Viseu.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

FFP - Federação do Folclore Português.

ASSOPS – Associação de Passos de Silgueiros.

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