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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CAMPUS VENDA NOVA DO IMIGRANTE


CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS-PORTUGUÊS

ALINE APARECIDA PIANZOLI

A REPRESENTAÇÃO DA FIGURA FEMININA EM CANÇÕES: UM ESTUDO


ACERCA DA OBJETIFICAÇÃO DA MULHER EM LETRAS DE MÚSICAS
SERTANEJAS BRASILEIRAS

Venda Nova do Imigrante


2021
ALINE APARECIDA PIANZOLI

A REPRESENTAÇÃO DA FIGURA FEMININA EM CANÇÕES: UM ESTUDO


ACERCA DA OBJETIFICAÇÃO DA MULHER EM LETRAS DE MÚSICAS
SERTANEJAS BRASILEIRAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado


à Coordenadoria do Curso de Licenciatura
em Letras-Português do Instituto Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Graduação em
Licenciatura em Letras-Português.

Orientadora: Prof.ª Dra. Tatiana Aparecida


Moreira.

Venda Nova do Imigrante


2021
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca do Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Venda Nova do Imigrante)

P581r Pianzoli, Aline Aparecida.

A representação da figura feminina em canções : um estudo acerca da


objetivação da mulher em letras de músicas sertanejas brasileiras. Aline
Aparecida Pianzoli. – 2021.
65 f. ; 30 cm.

Orientadora: Tatiana Aparecida Moreira.

Monografia (graduação) – Instituto Federal do Espírito Santo, Curso de


Licenciatura em Letras Português, Venda Nova do Imigrante, 2021.

1. Mulher. 2. Música sertaneja brasileira. 3. Identidade de gênero na


música. 4. Análise. I. Moreira, Tatiana Aparecida. II. Instituto Federal do
Espírito Santo. III. Título.

CDD 23 – 305.4
Elaborada por Adriana Souza Machado – CRB-6/ES – 572
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CAMPUS VENDA NOVA DO IMIGRANTE

ANEXO V

FORMULÁRIO DE PARECER DA APRESENTAÇÃO FINAL DO TCC II

O(A) discente Aline Aparecida Pianzoli


Apresentou a versão final do TCC com o título A representação da figura feminina em
canções: um estudo acerca da objetificação da mulher em letras de músicas sertanejas
brasileiras ao Curso de Licenciatura em Letras-Português do Instituto Federal de Educação
do Espírito Santo – Campus Venda Nova do Imigrante, como requisito para aprovação no
componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso.

O trabalho obteve nota 100,00, com o seguinte parecer:


( x ) Aprovação, sem reservas, do Trabalho de Conclusão de Curso.
( ) Aprovação somente após satisfazer as exigências pré-determinadas, no prazo fixado
pelo Regulamento (não superior ao término do período letivo).
( ) Reprovação o Trabalho de Conclusão de Curso.

Assinatura do(a) Orientador (a)

............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) I*

............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) II*

* Preencher somente se houver banca examinadora.

Venda Nova do Imigrante, 15 de junho de 2021.


AGRADECIMENTOS

A Deus, toda honra e toda glória.

À minha mãe, por estar ao meu lado e nunca me deixar desistir.

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Tatiana Aparecida Moreira, pela dedicação, pela
generosidade, pelo conhecimento compartilhado e principalmente por acreditar em mim
quando eu mesma duvidei.

Aos docentes do curso de Licenciatura em Letras Português que contribuíram


ricamente para a minha formação ao longo desse percurso.

Aos professores que integraram a banca de examinação deste trabalho.

E a todos os amigos e colegas que, de alguma forma, me ajudaram a chegar até aqui.
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”
(Simone de Beauvoir)
RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso teve como objetivo demonstrar de que


maneira a objetificação da mulher pode ser observada nas letras de músicas sertanejas
brasileiras. Para que a análise dos discursos presentes nas letras dessas canções
fosse possível, utilizou-se alguns conceitos propostos por Mikhail Bakhtin e seu Círculo
(2006; 2011), como: dialogismo, atitude responsivo-ativa, gêneros do discurso, exotopia
e ideologia. Além dos pressupostos teóricos bakhtinianos, usou-se alguns conceitos
relacionados à temática do feminismo, sua trajetória e conquistas, tomando como base
os estudos de Simone de Beauvoir (1967), Djamila Ribeiro (2016; 2019), bell hooks
(2013), dentre outras autoras que trabalham com esse tema. O corpus da pesquisa foi
composto por três canções sertanejas que fizeram sucesso entre os anos de 2017 a
2020 e que tiveram um alto número de visualizações no Youtube. A análise dos dados
revelou que a mulher, mesmo após várias conquistas, ainda é tratada como inferior e
submissa ao homem, sendo constantemente tratada como objeto nas letras das
canções. A expectativa é de que os resultados da presente pesquisa possam ser úteis
para a realização de uma desconstrução dos discursos machistas que deturpam a
imagem da mulher.

Palavras-chave: Dialogismo. Feminismo. Músicas sertanejas. Objetificação. Mulher.


ABSTRACT

The following course conclusion work aimed to demonstrate how the objectification of
women can be observed in the lyrics of Brazilian country songs. In order for the analysis
of the speeches present in the lyrics of these songs to be possible, some concepts
proposed by Mikhail Bakhtin and his Circle (2006; 2011) were used, such as: dialogism,
responsive-active attitude, speech genres, exotopy and ideology. In addition to the
Bakhtinian theoretical assumptions, some concepts related to the theme of feminism, its
trajectory and its achievements were used, based on the studies of Simone de Beauvoir
(1967), Djamila Ribeiro (2016; 2019), bell hooks (2013), among other authors who work
with this theme. The body of the research consisted of three country songs that were
successful between 2017 and 2020 and had a high number of views on YouTube. Data
analysis revealed that women, even after several achievements, are still treated as
inferior and submissive to men, being constantly treated as an object in the song‟s lyrics.
The expectation is that the results of the present research may be useful for
deconstructing the sexist discourses that distort the image of women.

Keywords: Dialogism. Feminism. Country songs. Objectification. Women.


SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................. 10

2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................. 14

3 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................. 22

3.1 DIALOGISMO, ATIVIDADE RESPONSIVO-ATIVA, EXOTOPIA, GÊNEROS


DO DISCURSO E IDEOLOGIA – AS CONTRIBUIÇÕES DO CÍRCULO DE
BAKHTIN ........................................................................................................ .......22
3.2 A OBJETIFICAÇÃO DA MULHER E O FEMINISMO – BREVE HISTÓRICO ... 27

4 METODOLOGIA ............................................................................................... 33

4.1 AS ETAPAS DA PESQUISA ............................................................................ 33

5 ANÁLISE DO CORPUS ..................................................................................... 35

5.1 CANÇÃO AMANTE NÃO TEM LAR ................................................................ 35


5.2 CANÇÃO NAMORADA RESERVA ................................................................. 40
5.3 CANÇÃO PROPAGANDA .............................................................................. 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 54

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 57

ANEXO A – LETRA DA MÚSICA AMANTE NÃO TEM LAR .............................. 61

ANEXO B – LETRA DA MÚSICA NAMORADA RESERVA ................................. 63

ANEXO C – LETRA DA MÚSICA PROPAGANDA ............................................. 64


10

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao analisarmos o cenário atual, infelizmente, é possível constatar que perdura a ideia


de que a mulher é inferior ao homem em vários aspectos, sejam eles emocionais,
financeiros ou profissionais. O desafio é desmistificar essa crença e trabalhar para que
todos tenham igualdade de direitos. Nesse sentido, a sociedade precisa entender que a
luta feminista não consiste em tentar tornar a mulher melhor que o homem, mas o que
se almeja é a igualdade: de direitos, de salários, de oportunidades de emprego, de
acesso à educação superior, de saúde, de lazer e de segurança.

Entretanto, sabemos que, para que a ideia de igualdade se enraíze em nossa


sociedade, é preciso que as questões de gênero sejam trabalhadas de forma
abrangente em todas as esferas sociais, com o intuito de fomentar reflexões críticas
sobre esse tema. Sendo assim, torna-se imprescindível discutir amplamente acerca dos
variados discursos machistas que vêm sendo propagados, em especial no meio
musical, através de canções que desmerecem e/ou desrespeitam a mulher.

Vale destacar que, nos últimos anos, o país tem enfrentado muitos problemas
relacionados à violência contra a mulher. Em 07 de março de 2021, dia anterior ao dia
em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o site O Tempo1 publicou a
reportagem intitulada Violência contra a mulher protagoniza outra pandemia, que trouxe
dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos acerca
da violência contra a mulher no país. A reportagem salientou que, no ano de 2020,
foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher somente pelos
canais Ligue 100 e Disque 180. Esse dado é equivalente a 12 denúncias por hora. Vale
ressaltar que, desse total, 72% das denúncias se referem à violência doméstica e
familiar contra a mulher e as outras 28% dizem respeito à violação de direitos civis e
políticos.

1
Cf. fonte disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/violencia-contra-a-mulher-
protagoniza-outra-pandemia-1.2468796. Acesso em: 07 mar. 2021.
11

De acordo com a Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos,


Damares Alves, esse aumento da violência contra a mulher, em 2020, está intimamente
ligado à Pandemia da Covid-19, uma vez que, nesse período de restrição de circulação
das pessoas e da necessidade do isolamento social, a vítima precisou ficar em
confinamento com o seu agressor por mais tempo. Essa convivência contínua e
prolongada nos leva a crer também que os números estão bem abaixo da realidade,
pois muitas mulheres não têm como realizar a denúncia e/ou não a fazem por medo.
Fato é que o Brasil desponta hoje como um dos países mais violentos para as mulheres
do mundo, tendo estatísticas altíssimas de violência e de seu ápice, o feminicídio.
Diante do exposto, cabe dizer que a violência contra a mulher, em grande parte, se
deve à visão machista da grande maioria dos homens que não aceitam e não respeitam
a independência da mulher, o direito dela fazer suas próprias escolhas e o fato de não
ser objeto e não pertencer a ninguém, a não ser a ela mesma.

Após a análise desse cenário, observa-se que discursos que objetificam a mulher estão
presentes em vários meios, como é o caso da área musical. Cabe dizer que dentre os
diversos estilos musicais, a presente pesquisa se ateve ao estilo sertanejo para analisar
de que maneira a imagem feminina é abordada em letras de canções, uma vez que
percebeu-se que alguns discursos, amplamente repetidos pelos ouvintes desse ritmo
musical, continham expressões e/ou palavras que, de alguma forma, objetificavam a
mulher, tratando-a como propriedade do sexo oposto.

Em suma, a reflexão acerca da objetificação da mulher em letras de músicas sertanejas


brasileiras torna-se de grande relevância no cenário atual, visto que nos permite a
discussão acerca da maneira pela qual a figura feminina é enxergada e trabalhada
nesse meio musical. Vale destacar que, muitas vezes, ouvimos e reproduzimos certas
canções sem ao menos ter o pleno conhecimento dos discursos ali presentes.

É importante evidenciar que os ritmos sertanejos conquistaram, nos últimos anos, uma
elevada aceitação do público e que suas canções são ouvidas e cantadas por milhões
de brasileiros, o que contribui exacerbadamente para a difusão e, consequentemente,
12

para a propagação dos discursos presentes em suas letras, que, de alguma forma,
objetificam a figura feminina.

Dessa forma, a presente pesquisa se justifica, pois teve o intuito de analisar letras de
músicas sertanejas a fim de observar se existe a presença de discursos machistas, que
menosprezam a figura feminina, disseminando, de maneira direta e/ou indireta, uma
visão deturpada da mulher, tratando-a como puro e simples objeto sexual, por exemplo.
Assim, a relevância deste trabalho está no fato de também desnudar de que modo essa
construção discursiva da mulher, em letras de música sertaneja, revela pré-conceitos
em relação à imagem feminina na sociedade.

Assim, o objetivo principal deste trabalho foi o de demonstrar de que maneira a


objetificação da mulher pode ser observada nas letras de músicas sertanejas
brasileiras. Além desse, tivemos como objetivos específicos: i) caracterizar o que é a
objetificação da mulher, tomando como base o percurso histórico dessa situação; ii)
analisar, do ponto de vista linguístico-discursivo, as letras das músicas selecionadas
para evidenciar a objetificação da mulher e iii) apontar discursos machistas reveladores
de relações dialógicas constituintes dessa prática.

As músicas selecionadas para formar o corpus de pesquisa deste trabalho foram:


Amante não tem lar, interpretada pela cantora Marília Mendonça (ANEXO A);
Namorada Reserva, interpretada pela dupla sertaneja Hugo e Guilherme (ANEXO B); e
Propaganda, interpretada pela dupla Jorge e Matheus (ANEXO C). É importante
destacar que todas as letras e informações pertinentes às canções analisadas, como
data de publicação e número de visualizações, foram retiradas do site
www.youtube.com.br.

Vale mencionar que atualmente o Youtube representa a maior plataforma de


compartilhamento de vídeos do Brasil, com acesso gratuito, disponível para todas as
pessoas que possuem internet. Outro ponto relevante diz respeito ao fato de que o
referido site é utilizado por grande parte dos artistas para a divulgação de novos
13

trabalhos, isso tudo motivado pelo seu grande alcance. De acordo com o site Influencer
Marketing Hub2, aproximadamente 1,325 bilhões de pessoas usam o Youtube, sem
contar que todos os dias são contabilizados 4,95 bilhões de novas visualizações nos
vídeos ali compartilhados. Isso demonstra como a referida plataforma se tornou um
fenômeno mundial e seu poder e influência vêm crescendo cada vez mais.

Para embasar teoricamente as análises, usamos as formulações do Círculo de Bakhtin


(2006 e 2011) que abordam os estudos da linguagem a partir de uma perspectiva
dialógica, em que a comunicação se dá por meio do diálogo (eu e tu). Além da
perspectiva interacional de linguagem, utilizamos os conceitos bakhtinianos sobre
atitude responsivo-ativa, exotopia, gêneros do discurso e ideologia. Vale destacar
também que realizamos uma contextualização bibliográfica acerca do feminismo, da
luta enfrentada pelas mulheres, dentre outros assuntos voltados para essa temática,
trazendo para discussão as ideias defendidas por Simone de Beauvoir (1967), bell
hooks (2013), Djamila Ribeiro (2019), dentre outras autoras que representam, hoje,
grandes expoentes desse assunto em nossa sociedade.

Este trabalho, portanto, está organizado em seis seções, sendo essa introdução a
primeira delas. Na segunda seção, apresentamos a revisão de literatura que traz alguns
estudos que dialogam com a presente pesquisa. A terceira seção aborda alguns
conceitos teóricos sobre a linguagem, propostos por Bakhtin, bem como alguns sobre o
feminismo, sua trajetória, suas lutas e conquistas. A seção quatro apresenta a
metodologia utilizada neste trabalho, buscando esclarecer como o trabalho foi
elaborado e executado. Na seção subsequente, foram realizadas as análises
discursivas das três letras de canções sertanejas brasileiras e, na sexta e última seção,
tecemos as considerações finais.

2
Cf. fonte disponível em: https://influencermarketinghub.com/br/tipos-de-conteudo-do-youtube/. Acesso
em 07 mar. 2021.
14

2 REVISÃO DE LITERATURA

Neste momento, apresentamos estudos que dialogam com esta pesquisa por
dissertarem sobre os seguintes temas: o emprego da figura feminina em letras de
músicas, o feminismo, a posição ocupada pela mulher na sociedade e a objetificação
do corpo feminino. Cabe dizer que a busca pelos trabalhos que compõe essa revisão
de literatura foi realizada no site do Google Acadêmico.

O primeiro artigo analisado, intitulado Na trilha sonora da vida: a representação das


mulheres nas músicas nacionais, escrito por Cavalcante et al (2017), teve o objetivo de
promover um diálogo fecundo sobre a representação feminina em músicas nacionais.
Para embasar a pesquisa, os autores utilizaram os textos de Guacira Lopes Louro,
Cecília Sardenberg, Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes, Judith Butler, Simone
de Beauvoir, Joan Scott, dentre outros autores. Em síntese, o referido estudo discorre
sobre o que induz alguns compositores a produzirem músicas que difamam a figura da
mulher, reduzindo-a a apenas um objeto sexual, e que a classificam como ser inferior,
sempre a serviço das mazelas dos homens e à disposição para exercerem seus
desejos.

Outro ponto discutido pelos autores diz respeito ao questionamento acerca dos motivos
que levam muitas mulheres, mesmo sendo vistas como objetos, a darem atenção e
sustentação a essas músicas, ouvindo e replicando seus conteúdos. Em sequência, os
autores fazem uma comparação entre a abordagem da figura feminina realizada em
alguns ritmos musicais antigos, no pagode e no pagofunk, afirmando que, no primeiro
caso, a figura feminina é trabalhada com respeito, dignidade e exaltação e, no segundo
e terceiro caso, como puro e simples objeto de satisfação dos desejos do sexo oposto.

Desse modo, o artigo colaborou com nossa pesquisa uma vez que foi ao encontro de
várias ideias que pretendíamos discutir, bem como a objetificação da mulher nas letras
de música brasileira e a naturalização de discursos machistas pela sociedade. A
pesquisa de Cavalcante et al (2017) não tratou especificamente do estudo da
15

linguagem, dado que se aprofundou nos Estudos Culturais, mas dialogou com a nossa
pesquisa ao discutir, fundamentalmente, sobre a questão de gênero, sobre as lutas
feministas e, especialmente, sobre a representação da mulher em letras de músicas,
mesmo que em ritmos diferentes, o que nos acrescentou maior conhecimento para
prosseguir com o estudo.

Em seguida, apresentamos o segundo artigo, escrito por Monica Graciela Zoppi


Fontana, intitulado Língua oficial e políticas públicas de equidade de gênero, publicado
em 2015, que discute acerca dos processos de gramatização da língua portuguesa
construídos por meio de políticas linguísticas explícitas que interferem na luta contra as
práticas sexistas. Para o desenvolvimento da reflexão sobre o assunto é realizada a
análise de dois documentos distintos, um do Brasil e outro de Portugal, a saber: a)
Manual para o Uso Não Sexista da Linguagem, elaborado pela Secretaria de Políticas
para as Mulheres do Rio Grande do Sul e; b) Guia para uma Linguagem Promotora da
Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, elaborado pela
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Presidência do Conselho de
Ministros de Portugal. Para embasar a pesquisa, a autora utilizou os trabalhos de
Sylvain Auroux, Eni Orlandi, Sírio Possenti, Marina Yaguello, dentre outros.

Nesse trabalho, a língua portuguesa é demonstrada, por meio das análises dos
documentos acima mencionados, como uma língua sexista. Zoppi Fontana (2015) cita o
léxico e a concordância de gênero como conteúdos segregativos contra as mulheres.
Para tanto, faz um recorte sobre as significações da terminologia mulher em
comparação à terminologia homem encontradas no dicionário Aurélio, apontando um
funcionamento discriminatório entre ambos. A autora acrescenta, ainda, que a
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do Rio Grande do Sul baseou-se em
um documento já existente, escrito pela ONG internacional Red de Educación Popular
Entre Mujeres de Latinoamérica y Caribe (REPEM-LAC), com militância reconhecida no
campo dos movimentos das mulheres da América Latina, para criar um Manual para o
uso não sexista da língua portuguesa, que foi publicado no estado em agosto de 2014.
O artigo cita também o Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre
16

Mulheres e Homens na Administração Pública, elaborado pela Comissão para a


Cidadania e Igualdade de Gênero, da Presidência do Conselho de Membros de
Portugal, em 2009, como sendo uma ferramenta de promoção de uma língua oficial não
sexista em Portugal. Para a autora, esses manuais constituem uma importante
ferramenta de combate à discriminação enfrentada pelas mulheres.

O artigo de Zoopi Fontana (2015) agregou muito valor para o nosso trabalho, pois nos
ajudou a refletir sobre a gramatização da língua portuguesa no Brasil, na sua dimensão
de língua oficial, e sobre as tentativas de tornar a língua uma ferramenta que contribua
para a promoção de uma mudança da sociedade atual no que tange à equidade de
gênero. Cabe frisar que a principal contribuição desse artigo para a nossa pesquisa se
deu pela análise discursiva realizada em dois importantes documentos que visam
promover uma linguagem inclusiva a partir de iniciativas do Estado.

A partir das colocações da autora, percebemos que a própria palavra mulher carrega
significados que a põem em situação de submissão na sociedade, pois até então não
tínhamos uma noção clara de que a própria língua de uma nação contribuía para a
segregação de gênero. Ao trazer para discussão um quadro comparativo dos verbetes
“homem” e “mulher” encontrados no dicionário Aurélio, percebemos claramente como
as significações relacionadas ao termo feminino são discriminatórias, como é o caso da
expressão “homem de rua” que quer dizer homem do povo ao tempo em que “mulher
de rua” significa meretriz. Outro ponto bastante relevante diz respeito a não haver
nenhuma locução fixa no feminino que corresponda às locuções “homem de lei” e
“homem de ação”, provando, assim, que a língua portuguesa é uma língua sexista que
precisa ser revista e reelaborada.

Em sequência, analisamos o artigo A musa despedaçada: representações do feminino


nas canções brasileiras contemporâneas, escrito por Ana Carolina Arruda de Toledo
Murgel, publicado em 2009, que teve por objetivo fazer um levantamento da
representação da mulher em canções no decorrer dos anos de 1960 até os dias atuais.
Para isso, a autora tomou como base os estudos de Rosi Braidotti, Heloísa Buarque
17

Hollanda, Luce Irigaray, Mariana Semião Lima, Margareth Rago e Virgínia Woolf. Em
suma, o artigo discorre sobre a representação da mulher no contexto das canções
populares brasileiras, mostrando que, apesar dos movimentos feministas terem
avançado muito na conquista dos direitos das mulheres na sociedade, ainda se
enfrentam muitas situações de preconceito machistas, inclusive em canções populares.
A autora assevera que, mesmo quando a mulher é vista aparentemente com respeito, é
possível observar alguns matizes de preconceito e discriminação contra ela. O artigo
contextualiza historicamente a luta feminina pelo reconhecimento e pela conquista de
respeito e faz a análise de algumas canções a fim de demonstrar o pensamento
machista transmitido por elas. Vale ressaltar que o texto faz um contraponto entre
canções que deturpam a imagem da mulher com canções que a enaltecem.

A primeira canção analisada é Você não passa de uma mulher, gravada por Martinho
da Vila em 1975, que, segundo Murgel (2009), nada mais é do que uma tentativa de
depreciar as conquistas feministas. Em seguida, é apresentada a canção Bwana de
Rita Lee e Roberto de Carvalho, gravada em 1987, que tem o intuito de ironizar a
mulher passiva construída pelo olhar masculino. Na sequência, a autora analisa o rap
Mulheres vulgares, gravada em 1990 pelos Racionais MC‟s, pontuando que o grupo faz
uma ponte entre o feminismo e a vulgaridade, com uma letra cheia de ranço sexista. A
quarta canção, intitulada Meninas da cidade, gravada em 1979, traz a sensibilidade da
Rapper Fátima Guedes ao falar das mulheres chamadas vulgares na canção anterior.

A quinta canção analisada por Murgel também faz parte do repertório dos Racionais
MC‟s, intitulada Eu sou 157. Esse rap retrata a relação binária mãe x mulher
degenerada, reforçando o discurso de que toda mãe seria santa enquanto toda mulher
seria degenerada. Logo, pode-se inferir que a mãe não seria uma mulher comum, seria
algo sacro. Contrapondo-se às ideias da canção anterior, Fátima Guedes trabalha com
uma imagem diferente da mulher na música Mais uma boca, de 1980, apresentando,
sem nenhum romantismo, uma mãe que dá à luz a seu filho enquanto seu marido está
no bar se embriagando. A mãe, nessa canção, não é sacralizada, é uma mãe/mulher
comum, real, que sofre resignada por seus filhos. Em seguida, na canção Para elas, de
18

Alzira Espíndola e Alice Ruiz, gravada em 2005, a autora observa um discurso que
retrata o afeto e a dor de duas mães ao se referirem a suas filhas adolescentes. No
decorrer da canção, a dor das mães se transforma em determinação e aceitação de
que será necessário deixar que as filhas sigam seus caminhos e vivam suas próprias
experiências. Por fim, a oitava e última canção analisada é Mulher de paletó, gravada
por Nei Lopes, em 2002, que mostra claramente a insatisfação do homem em relação
às conquistas feministas que, para o compositor acima mencionado, teria masculinizado
as mulheres.

Diante do exposto, podemos afirmar que o referido artigo, mesmo sendo voltado para a
disciplina de História, corroborou com o estudo por nós desenvolvido, uma vez que
fundamentou a nossa discussão principal, que é a presença de discursos machistas,
que deturpam a imagem da mulher, em letras de canções brasileiras. Murgel (2009), ao
longo de seu texto, versa com muita objetividade acerca de todos os preconceitos
vivenciados pela mulher na sociedade e aponta que, em vários momentos, as
feministas foram taxadas como mal amadas pelo simples fato de contestarem a
condição de submissão imposta a elas.

O quarto trabalho analisado, escrito por Ivone Marli de Andrade Amorim e Iraildes
Caldas Torres, intitulado A construção da identidade de gênero, publicado em 2012,
teve por objetivo fazer uma remontagem histórica da constituição de gênero na
sociedade. Como embasamento teórico, as autoras utilizaram os estudos de Miguel
Vale de Almeida, David Le Breton, Lilian Letelie, Louise Tilly, Joan Scott e Peter
Stearns. Em síntese, o artigo faz um levantamento histórico acerca da constituição da
sociedade patriarcal, destacando o poder sobre a mulher exercido pelos homens ao
longo dos anos. De acordo com as autoras, a função reprodutora da mulher favoreceu a
sua submissão ao homem e, em função dessa submissão, ela foi sendo considerada
frágil e sem capacidade para assumir o controle do lar. O homem, por sua vez,
associado à ideia de autoridade advinda de sua força física e do seu poder de mando
em âmbito familiar, passa a exercer poder dentro da sociedade, dando início, assim, ao
19

surgimento da sociedade patriarcal, que só será contestada tempos depois por meio
das lutas feministas.

Em seguida, Amorim e Torres (2012) dissertam sobre o movimento feminista,


elencando suas lutas e conquistas no decorrer da história. Elas apontam que, com a
criação desse movimento, as conquistas das mulheres avançaram muito no que tange
aos direitos sociais, políticos e profissionais, bem como na visão de gênero e na relação
de poder, quer no âmbito público, quer no privado, abolindo, até certo ponto, muitos
preconceitos e outras formas de dominação social. No entanto, as autoras apontam
que, embora as mulheres já tenham conquistado um espaço de respeito dentro da
sociedade, não se pode falar em igualdade e harmonia, dado que ainda é preciso
desconstruir a imagem de submissão construída ao longo da história.

Em suma, o texto acima apresentado dialogou amplamente com nosso estudo, pois
apresenta de forma bem dinâmica a constituição do patriarcalismo, a relação do homem
e da mulher ao longo dos anos, as relações de poder e submissão, bem como a luta e
as conquistas proporcionadas pelo movimento feminista, apresentando, assim, um
vasto aparato teórico que contribuiu demasiadamente para a análise de nosso corpus
no que diz respeito às questões relacionadas ao tratamento dado à imagem feminina na
sociedade.

O quinto e último estudo analisado refere-se à dissertação de mestrado intitulada As


mais tocadas: uma análise de representação da mulher em letras de canções
sertanejas, escrita por Amanda Ágata Contieri, publicada em 2015. Essa pesquisa teve
como objetivo analisar a representação da identidade feminina construída em um
conjunto de letras de músicas sertanejas, buscando verificar se essas representações
sofreram alterações ao longo dos anos. O trabalho de Contieri (2015) enquadra-se no
campo da linguística aplicada por adotar uma vertente que contempla a possibilidade
de reinvenção da sociedade e colocar questões identitárias como foco central de sua
investigação.
20

Como aparato teórico, a autora usou as contribuições desenvolvidas no campo da


linguagem por Dolz e Schneuwly, Bakhtin, Barbosa, Cavalcanti e Maher, dentre outros.
Já no campo dos estudos feministas, embasou-se nas contribuições de Guacira Lopes
Louro. Cabe destacar que Contieri (2015) utilizou as contribuições de diversos autores
no que diz respeito a outros campos de estudo (sociologia, antropologia, educação,
estudos culturais e musicologia).

No decorrer do trabalho, a autora disserta sobre a história da música sertaneja no


Brasil, sobre as identidades culturais e suas representações, incluindo a identidade de
gênero, e sobre a linguagem como prática social. Contieri (2015) aponta que o corpus
de sua pesquisa foi composto pela análise de 17 canções sertanejas, de três períodos
distintos, denominados “música caipira/sertanejo raiz”, “sertanejo romântico” e
“sertanejo universitário”. As músicas analisadas foram selecionadas utilizando quatro
critérios: 1) músicas que tematizavam a mulher; 2) caracterização das músicas nos três
períodos acima citados; 3) comparação cronológica entre as canções selecionadas e;
4) as que mais tinham feito sucesso à época de seu lançamento.

As canções analisadas pela autora do período “sertanejo raiz” foram: Meu sonho de
amor, Conselho pras moças, Mãe amorosa, Moça gorda, Pagode, Pagode em Brasília e
Cabocla Tereza; do período “sertanejo romântico”: É o amor, Talismã, O grande amor
da minha vida, Fogão de lenha e Pura emoção; e, por fim, do período “sertanejo
universitário”: Fada, Tudo que você quiser, Mamãe falou, Minha ex e Bruto, rústico e
sistemático. Contieri (2015) aponta que usou os temas “ideal de perfeição”,
“matrimônio”, “maternidade”, “corpo/padrões de beleza” e “violência” como categorias
para análise das letras. A autora analisou também o modo como os compositores das
letras das canções acima citadas usaram, segundo ela, estrategicamente, os recursos
gramaticais e estilísticos da língua para suscitar interpretações sobre o que constitui a
identidade da mulher brasileira.

Em suma, a dissertação apresentada colaborou com nosso estudo, uma vez que foi ao
encontro das ideias que pretendíamos discutir, tais como a representação da mulher
21

nas letras de música sertaneja brasileira, os discursos machistas que colaboram para a
crescente alta nos índices de violência contra a mulher e os discursos velados que
objetificam o corpo feminino. Vale destacar também que a referida dissertação tratou
especificamente do estudo da linguagem, construindo uma ponte entre a representação
da figura feminina em canções sertanejas e a linguística aplicada. Contieri (2015)
apontou que sua pesquisa objetivou fornecer subsídios para professores de Língua
Portuguesa que se interessam em trabalhar o gênero canção em sala de aula a partir
de uma perspectiva crítica voltada para a interculturalidade e a leitura positiva da
pluralidade social, incentivando sempre a realização de debates sobre assuntos
diversos que possam promover uma leitura crítica das diferenças. Para a autora, a
Educação é o caminho para a aproximação do ser humano e para a desconstrução das
diferenças.

Em síntese, podemos inferir que todos os textos aqui analisados estão de certa forma
relacionados, pois tratam da temática da mulher que, inserida numa sociedade
machista, luta para se emancipar dessa situação de inferioridade e submissão. As
pesquisas apresentadas, no geral, abordam de forma clara e objetiva os movimentos
feministas e as conquistas alcançadas por esses movimentos, além de fazerem um
levantamento histórico da constituição do gênero e da construção da imagem feminina
ao longo dos anos. Foi possível observar, em todos os textos, o reconhecimento de que
a figura feminina vem sendo, há milhares de anos, massacrada e submissa aos
homens, tendo seu corpo objetificado e inferiorizado por meio de discursos machistas
que se solidificaram ao longo da história. No entanto, é preciso lembrar que, no atual
estágio da evolução humana, essas práticas não podem e nem tão pouco devem
existir, sendo, portanto, necessário o trabalho árduo para a desconstrução da visão
dominadora criada em torno da imagem feminina.

Diante do exposto, na próxima seção, procedemos com a apresentação dos


pressupostos teóricos que embasaram as análises discursivas das letras de músicas
que compuseram o corpus desta pesquisa.
22

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção apresenta o arcabouço teórico usado para o desenvolvimento da pesquisa,


sendo dividida em duas seções. A primeira contempla as contribuições de Bakhtin
(2006; 2011) no que tange ao estudo da linguagem; a segunda aborda as questões
voltadas para o estudo do feminismo, suas lutas e conquistas, utilizando para isso as
contribuições das autoras Belmiro et al (2015), bell hooks (2013), Simone de Beauvoir
(1967), Djamila Ribeiro (2016; 2019), Kilomba (2012), dentre outras.

3.1 DIALOGISMO, ATIVIDADE RESPONSIVO-ATIVA, EXOTOPIA, GÊNEROS DO


DISCURSO E IDEOLOGIA – AS CONTRIBUIÇÕES DO CÍRCULO DE BAKHTIN

Como mencionado, a presente pesquisa tomou como base as contribuições de Mikhail


Bakhtin e seu Círculo no que tange ao tratamento ideológico da linguagem. Essas
teorias fundamentaram cientificamente as análises realizadas. Vale ressaltar que, neste
trabalho, nos ativemos ao estudo de apenas alguns conceitos bakhtinianos, a saber:
dialogismo, atitude responsivo-ativa, gêneros do discurso, exotopia e ideologia,
trabalhadas por Bakhtin nas obras Marxismo e Filosofia da Linguagem e Estética da
Criação Verbal.

Sabemos que toda comunicação humana se dá através da interação. Desse modo,


Bakhtin (2006; 2011) em suas pesquisas faz uma crítica à teoria Saussuriana e ao
estruturalismo, que estudavam a língua pela língua, não levando em consideração os
contextos de uso da linguagem. Para a filosofia bakhtiniana, todo enunciado é dialógico,
ou seja, baseado no diálogo, e o ouvinte não se constitui como um sujeito passivo, ele
assume, no ato comunicativo, uma atitude responsivo-ativa, podendo opinar,
interromper, discutir, responder ou apenas concordar com o locutor. Sobre o diálogo,
Bakhtin (2006) afirma que:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se
compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a
23

comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda


comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2006, p. 117).

No que tange aos estudos sobre o dialogismo, Bakhtin (2006; 2011) afirma que, numa
comunicação dialógica, o interlocutor e o locutor se comunicam em pé de igualdade, um
fala enquanto o outro escuta e logo em seguida responde. Assim, o “eu” contribui com o
discurso do “outro” e não existe o conceito de palavra acabada, pois tudo o que é dito
se dirige ao futuro, mas se mescla no passado, ou seja, falamos em resposta a um
discurso enquanto esperamos a resposta do outro e, dessa forma, o sistema dialógico é
interminável. Sobre esse assunto Moreira (2009, p. 51) afirma que:

[...] o que o homem fala, escreve, lê, vê, por exemplo, está povoado por outros
discursos, por outras vozes alheias as quais fazem os nexos entre o presente e
o passado, por isso que toda atividade humana não é monológica, pois o
homem está em interação com a sociedade na qual (con)vive com o outro, seja
face a face, seja por meio de contatos com esse outro através da obra de arte,
da pintura, da poesia ou de outros discursos [...] (MOREIRA, 2009, p. 51).

Como se nota, de acordo com a teoria das relações dialógicas proposta por Bakhtin
(2006; 2011), é possível ver no discurso do “eu” partes do discurso de “outrem”, uma
vez que nós, enquanto seres humanos, nos projetamos no outro tal qual o outro se
projeta em nós, ou seja, as nossas enunciações são construídas a partir da nossa
interação com o outro e com o meio no qual estamos inseridos. Sobre essa questão,
Bezerra (2018) assevera que não podemos compreender, conhecer e afirmar nosso
próprio „eu‟ (o „eu para mim‟) sem as contribuições do outro.

Outro conceito amplamente estudado pelo Círculo de Bakhtin e muito importante para a
presente pesquisa, diz respeito aos gêneros do discurso. Bakhtin (2011) aponta que
todo gênero é enunciado e que os enunciados são as unidades reais de comunicação.
Para o teórico, um enunciado é um dito (ou escrito, ou mesmo pensado) concreto e
único, irrepetível. Mesmo ao proferir a mesma sentença, ela terá outra entonação
expressiva, outra acentuação, outro momento de fala, nunca será passível de repetição,
por isso, dizemos que todo enunciado é único. Os enunciados geram significação e se
valem da língua para a sua materialização. Vale ressaltar que as dimensões
características do enunciado são o seu conteúdo temático, o seu estilo e a sua
24

construção composicional, que são características que configuram os gêneros do


discurso.

Ainda sobre os gêneros do discurso, é importante destacar que Bakhtin (2011) o define
como sendo “tipos relativamente estáveis de enunciados”, relativamente porque eles
não têm estabilidade, se modificam no decorrer da história. Ainda segundo o autor, nós
falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera do discurso. Os
gêneros podem ser primários ou secundários, os primários se definem nas situações
comunicativas cotidianas, espontâneas e informais, enquanto os secundários aparecem
em situações comunicativas mais complexas, como os enunciados técnicos, as teses
científicas, etc. Vale dizer que os gêneros primários integram os gêneros secundários,
ou seja, em seu processo de formação, os gêneros secundários incorporam e
reelaboram vários tipos de gêneros primários. Em relação a essa integração entre os
gêneros primários e os gêneros secundários, Machado (2018, p. 161) complementa
que:
Durante o processo de sua formação, os gêneros secundários absorvem e
assimilam os gêneros primários (simples) que se constituíram na comunicação
discursiva imediata. Os gêneros primários, ao integrarem os gêneros
secundários, transformam-se e adquirem uma característica particular: perdem
sua relação imediata com a realidade dos enunciados alheios. (MACHADO,
2018, p. 161).

A letra de música, objeto de análise deste trabalho, pode ser considerada como um
gênero secundário, pois, apesar de absorver e reelaborar os gêneros primários, faz
parte de uma esfera comunicativa mais elaborada, a artística, isto é, o gênero letra de
música se organiza de forma literária e não como acontecimentos comunicativos do
cotidiano. Cabe dizer ainda que toda a criação de uma letra de música demanda um
grande esforço para a escolha das palavras a serem usadas, levando sempre em
consideração a entonação, a versificação e as rimas, fazendo com que o autor-pessoa
tenha um trabalho intelectual maior na formulação das enunciações a serem utilizadas.

Outro ponto relevante a ser destacado se refere à presença da dialogia em uma letra de
música. Muitos podem pensar que em um texto escrito não existe a troca de
experiências, isto é, não existe interação, o que é incorreto, pois o dialogismo, como
25

aponta Bakhtin, é muito mais do que a relação face a face (locutor x interlocutor),
podendo estar presente numa obra de arte que apreciamos, numa poesia, numa
pintura, etc. Em uma letra de música, por exemplo, a dialogia pode estar nas vozes, nos
discursos (machistas, patriarcalistas, de objetificação da mulher) que se manifestam por
meio da voz discursiva.

Vale ressaltar que a escolha das palavras e a sua disposição ao longo da letra da
música estão intimamente ligadas com as interações sociais, culturais e históricas
vivenciadas pelo seu autor-pessoa. Dessa forma, podemos inferir que ao escrever uma
letra que objetifica o corpo feminino, possivelmente, esse autor integra um meio que
cultua e naturaliza essa prática, isso pode não ser a intenção direta dele, mas é algo
que faz parte da sua criação, da sua interação social.

Após conceituar e exemplificar os gêneros do discurso e a dialogia, é importante, para a


dinâmica deste trabalho, dialogar um pouco sobre o conceito de exotopia. Bakhtin
(2011) afirma que esse é o movimento de olhar o mundo através do olhar do outro, o
locutor se coloca no lugar de outrem a fim de apreender os sentidos. No entanto, é
imprescindível lembrar que todo enunciador possui uma visão única dos elementos, e,
dessa forma, o “eu” dá o acabamento na visão do “outro” e vice-versa. De acordo com
Bakhtin (2011, p. 23):

Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o


mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de
ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de
visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele
um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu
conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento.

Para Bakhtin (2011), o homem é construído num contexto de comunicação interativa,


onde ele se vê e se reconhece através do outro, na imagem que o outro constrói dele,
ou seja, para o teórico, o homem não seria capaz de compreender, conhecer e afirmar
o seu próprio eu, sem a presença do outro, uma vez que nós nos vemos no outro e o
outro se vê em nós, não existe o eu sozinho, pois só existe vida real num ambiente
povoado por vários sujeitos independentes.
26

Por fim, é de grande relevância a abordagem do conceito amplamente utilizado por


Bakhtin no estudo da linguagem enquanto manifestação viva das relações sociais e
culturais: a ideologia. Para Bakhtin (2006), todo signo é revestido de sentidos que são
produzidos a partir das interações e estão sempre a serviço de determinado grupo, ou
seja, tudo o que falamos está envolvido por acentos ideológicos que vão sendo
adquiridos na vida em grupo. Assim, podemos modificar nossa maneira de ver o mundo
a partir do convívio com outras camadas sociais, porém, nunca conseguiremos nos
desvencilhar totalmente das correntes ideológicas que trazemos conosco desde a
infância. Sobre a ideologia, o Círculo de Bakhtin (1998) formula que:

Por ideologia entendemos todo o conjunto dos reflexos e das interpretações da


realidade social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa
por meio de palavras (...) ou outras formas sígnicas. (VOLOSHINOV, 1998, p.
107 apud MIOTELLO, 2018, p. 169).

Nesse sentido, tudo o que falamos está ideologicamente comprometido e, como


exemplo da força dessas correntes ideológicas nos discursos, podemos citar o
tratamento dado à figura feminina na sociedade atual. Enquanto a “ideologia oficial”
tenta manter a ideia de que a mulher constitui o sexo frágil, que precisa exercer sozinha
as atividades domésticas e que necessita se casar e ser mãe para se realizar enquanto
mulher, a “ideologia do cotidiano”, representada nesse contexto pelos grupos
feministas, propõe uma diversidade de sentidos e de realidades diferentes, que busca,
antes de mais nada, desmistificar essa crença imposta na sociedade pelas classes
detentoras do poder. No entanto, precisamos entender que a “ideologia oficial” detém
uma influência maior em relação à “ideologia do cotidiano”, porque já se solidificou e se
formalizou dentro da cultura da sociedade, visto que vem endossada e ratificada pela
classe dominante. Sobre a “ideologia oficial”, Miotello (2018, p. 174) afirma que:

Esse nível, ao exercer forte influência no jogo social, por ser o sistema de
referência constituído e apossado pela classe dominante, se impõe na relação
com a ideologia do cotidiano, e dá o tom hegemônico nas relações sociais,
porém não único e nem neutro, visto que as contradições sociais ainda
persistem nas bases econômicas daquele grupo social.

Diante do exposto, podemos concluir que, na visão bakhtiniana, todas as relações são
construídas a partir da interação social, que se dá por meio das relações dialógicas, isto
27

é, o discurso do “eu” depende sempre do discurso do “outro”, pois quando falamos


esperamos uma resposta do nosso interlocutor. É válido lembrar que no discurso do
“eu” é possível encontrar partes do discurso do “outro”, uma vez que, numa situação
comunicativa, nós ouvimos o outro, assimilamos, reelaboramos e reacentuamos o que
ele diz. E, nesse contexto, onde o meu discurso é construído a partir do discurso do
outro, precisamos observar e analisar cuidadosamente o discurso de outrem para que
não repitamos crenças e ideologias que tentamos de todas as formas eliminar. Dessa
forma, é imprescindível nos atentarmos para os fatores sócio-históricos que estão
engendrados na cultura de nossa sociedade, que ainda permitem enunciações
carregadas de machismo, que objetivam a perpetuação da imagem da mulher enquanto
objeto sexual, enunciações essas que, muitas vezes, vêm disfarçadas de elogio e/ou de
declarações amorosas.

3.2 A OBJETIFICAÇÃO DA MULHER E O FEMINISMO – BREVE HISTÓRICO

Nesta seção, faremos uma pequena remontagem do contexto histórico do movimento


feminista no Brasil, além de discutirmos alguns assuntos importantes para a pesquisa,
como a conceituação do termo objetificação, a influência do patriarcalismo no papel da
mulher na sociedade e o conceito de feminismo, a fim de entendermos melhor sobre
esse movimento, sua importância, sua trajetória e suas conquistas. Para isso
tomaremos como base as contribuições das autoras Belmiro et al (2015), bell hooks
(2013), Simone de Beauvoir (1967), Djamila Ribeiro (2016; 2019), dentre outras.

De acordo com Belmiro et al (2015, p. 2), o termo objetificação surgiu no início dos anos
1970 e consiste em enxergar determinado indivíduo como objeto, não levando em
consideração seu lado emocional e/ou psicológico. Por muitos anos, as mulheres foram
consideradas como objetos de propriedade do homem, quando solteiras, pertenciam a
seus pais e, após casadas, a seus maridos. Muitas foram as lutas feministas para
alcançar os direitos que temos hoje, porém continuamos a ser objetificadas por meio de
discursos velados, disfarçados de declarações de amor, uma vez que estamos
inseridas em uma sociedade culturalmente patriarcal e machista.
28

Sobre o papel da mulher na sociedade à luz do patriarcalismo, Anselmo e Alves (2013,


p. 68) apontam que:

O patriarcalismo propõe que a função social da mulher seja somente doméstica,


sem participação política, econômica na sociedade, tornando-a assim
unicamente responsável pela educação dos filhos, designar ordens aos criados,
quando tiver a quem ordenar, e cuidar do bem-estar de seu marido quando
esse retornar ao lar. (ANSELMO; ALVES, 2013, p. 68)

Cabe dizer que a objetificação da mulher é fruto de anos de discursos machistas e


patriarcalistas que estão enraizados na história e na cultura de nossa sociedade.
Discursos esses que impõem às mulheres a condição de submissão ao homem. É
importante destacar que muitas pessoas ainda defendem a ideia de que é
responsabilidade exclusiva da figura feminina o cuidado com o lar, com os filhos e com
o marido, mesmo que ela trabalhe fora. Essa visão do homem como chefe do lar e da
mulher como cuidadora foi disseminada na sociedade ao longo de vários anos.

Sobre esse assunto, Simone de Beauvoir (1967, p. 9) afirma que “ninguém nasce
mulher: torna-se mulher”, sendo a cultura e o meio no qual estamos inseridos os
responsáveis por atribuir todas as características imbricadas na terminologia mulher,
visto que não nascemos com determinada visão de mundo, aprendemos a partir da
socialização. Ainda de acordo com Beauvoir (1967), a mulher é o “segundo sexo” não
por questões biológicas e/ou naturais, mas sim pela educação que recebeu e pelas
escolhas que fez ao longo da vida, ou seja, são as questões sociais, culturais e
históricas que a tornam o que ela é. Portanto, o fato de ser biologicamente do sexo
feminino, por si só, não caracteriza a mulher como inferior e submissa ao homem, mas
sim o ambiente e as situações de interação nas quais ela foi submetida. Cabe dizer que
todo o discurso machista pretende fazer com que o homem continue em posição
dominante.

Outro ponto importante a ser destacado é a objetificação do corpo da mulher negra, que
é muito maior do que o da mulher branca. Para exemplificar isso, levemos em
consideração a época da escravidão no Brasil. Nesse período, o corpo da mulher negra
era tido como propriedade de seu patrão branco, sendo as escravas, por diversas
29

vezes, violentadas ainda na infância, por esses homens. As mulheres brancas tendo
conhecimento dessas relações agressivas e, forçadas, nada faziam para impedir, talvez
por medo do marido ou, possivelmente, pelo fato de quererem preservar o de esposa.
Sobre esse assunto, hooks (2013, p. 129) afirma que:

No decorrer da história, o esforço das mulheres brancas para manter a


dominação racial esteve diretamente ligado à política de heterossexismo dentro
de um patriarcado da supremacia branca. As normas sexistas, que estipulavam
que as mulheres brancas eram inferiores em razão de seu sexo, podiam ser
mediadas pelos vínculos raciais. Embora os homens, brancos e negros, se
preocupassem antes de tudo em policiar os corpos de mulheres brancas ou
ganhar acesso a eles, na realidade social onde as mulheres brancas viviam os
homens brancos engajavam-se ativamente em relacionamentos sexuais com
mulheres negras. (hooks, 2013, p. 129).

Como se nota, a mulher, desde o nascimento, já é vista pelo homem com um olhar de
subordinação, uma vez que o homem se vê e age como o outro absoluto e dominante,
e essa subordinação feminina torna-se ainda mais latente quando se trata de mulheres
negras, como bem pontuou hooks na citação acima. Sobre essa questão, Sojourner
Truth, citado por Ribeiro (2016), afirma que a situação da mulher negra é extremamente
diferente da situação da mulher branca. Essa diferença pode ser constatada ao analisar
o percurso das conquistas históricas: enquanto as mulheres brancas lutavam pelo
direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas como
pessoa (TRUTH, 1851 apud RIBEIRO, 2016, p. 101). Sobre a difícil missão de ser
mulher negra em uma sociedade de supremacia branca, Kilomba, citada por Ribeiro
(2016), acrescenta que:

Por não serem nem brancas, nem homens, as mulheres negras ocupam uma
posição muito difícil na sociedade supremacista branca. Nós representamos
uma espécie de carência dupla, uma dupla alteridade, já que somos a antítese
de ambos, branquitude e masculinidade. Nesse esquema, a mulher negra só
pode ser o outro, e nunca si mesma. (...) Mulheres brancas tem um oscilante
status, enquanto si mesmas e enquanto o “outro” do homem branco, pois são
brancas, mas não homens; homens negros exercem a função de oponentes
dos homens brancos, por serem possíveis competidores na conquista das
mulheres brancas, pois são homens, mas não brancos; mulheres negras,
entretanto, não são nem brancas, nem homens, e exercem a função de o
“outro” do outro. (KILOMBA, 2012 apud RIBEIRO, 2016, p. 102)
30

Como apontado acima, a luta da mulher negra é dupla, pois ela precisa lutar contra os
preconceitos por ser mulher em uma sociedade machista, ao mesmo tempo em que luta
contra os preconceitos de ser negra em uma sociedade historicamente racista. Nesse
sentido, embora tenha-se consciência de que muito devemos às mulheres negras no
que tange a questões raciais, se faz necessário a união e a irmandade feminina em
busca da dizimação da objetificação do corpo feminino e, principalmente, em busca da
igualdade entre homens e mulheres.

Diante de toda essa opressão vivida pelas mulheres ao longo da história, surge o
movimento feminista, que luta em favor da equidade de gênero. Esse movimento pauta-
se na busca pela igualdade de direitos, de oportunidades, de melhores salários e,
principalmente, na busca pelo direito de ir e vir sem sentir-se intimidada ou ameaçada.
Bandeira e Melo, citadas por Gregori (2017), afirmam que as principais reinvindicações
do movimento feminista foram:

Direito de existir com dignidade, direito de propriedade, direito à educação e ao


trabalho, direito de votar e ser eleita, direito a participar de espaços de poder e
decisão, direito a seu próprio corpo, direito a viver livre de violências, direito de
viver em igualdade de condições com os homens. (BANDEIRA; MELO, 2010, p.
9, apud GREGORI, 2017, p. 49).

Em relação às lutas e conquistas reivindicadas pelo feminismo, no Brasil, apresentamos


agora um breve histórico que traz algumas conquistas de grande relevância do
movimento feminista brasileiro listados, resumidamente, pela jornalista Tanuza Oliveira
em reportagem publicada no site JL Política3, em 08 de março de 2021. A jornalista
aponta que a primeira grande conquista feminina ocorreu em 1827, ano em que as
meninas puderam frequentar a escola. Mais tarde, no ano de 1879, as mulheres
conquistaram o direito de ingressarem na faculdade. Em 1910, o primeiro partido
político feminino foi criado e, em 1932, conquistamos o direito ao voto. No ano 1962, foi
criado o estatuto da mulher casada que emancipou a mulher em diversas áreas e fez
com que o marido deixasse de ser considerado o chefe absoluto do relacionamento

3
Cf. matéria disponível em: https://www.jlpolitica.com.br/colunas/politica-mulher/posts/8-de-marco-
avanco-na-legislacao-foi-crucial-para-garantir-direitos-da-mulher. Acesso em: 10 mar. 22021.
31

conjugal. Antes desse estatuto, a mulher era considerada incapaz e precisava pedir
autorização do esposo para exercer diversas atividades.

Tanuza Oliveira (2021) destaca ainda que outro grande passo em direção à liberdade
feminina foi a criação da primeira Delegacia da Mulher em 1985. No entanto, vale
destacar que foi somente com a Constituição Brasileira de 1988 que a mulher passou a
ser reconhecida como igual ao homem. Em 2002, a virgindade da mulher deixou de ser
motivo para anulação do casamento. No ano de 2006, mais uma grande conquista
feminista, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) foi sancionada, visando à proteção das
mulheres no âmbito familiar. Em 2015, foi aprovada a Lei do Feminicídio (Lei
13.104/2015) e, em 2018, a importunação sexual feminina passou a ser considerada
crime (Lei 13.718/2018).

Além de todas as conquistas mencionadas acima, o movimento feminista brasileiro se


difere dos movimentos de outros países, uma vez que, além de todas as lutas por
igualdade e pela liberdade da mulher, ele precisou se posicionar e lutar firmemente
contra a ditadura militar, que foi instaurada no país no ano de 1964 por meio do golpe
militar e se estendeu até o ano de 1985. O regime militar foi marcado pelo autoritarismo,
pela tortura e pela censura, praticados pelo estado, sendo considerado, historicamente,
como um período muito sombrio para o povo brasileiro. Sobre esse assunto, Duarte,
citado por Silva (2009), afirma que:

Enquanto nos outros países as mulheres estavam unidas contra a


discriminação do sexo e pela igualdade de direitos, no Brasil o movimento
feminista teve marcas distintas e definitivas, pois a conjuntura histórica impôs
que elas se posicionassem também contra a ditadura militar e a censura, pela
redemocratização do país, pela anistia e por melhores condições de vida.
(Duarte, 2003, p. 165 apud SILVA, 2009, p. 46).

Mesmo após tantas conquistas, as mulheres ainda necessitam travar, diariamente, uma
luta para conseguirem se afirmar e se manter na sociedade atual como sujeito livre,
com igualdade de direitos, o que não é uma tarefa fácil, pois, para a concreta e
definitiva efetivação desse direito, se faz de extrema importância a desmontagem dos
conceitos atribuídos social e historicamente ao longo dos anos à mulher. Márcia Tiburi
32

(2013), em reportagem para o site Uol, afirma que o feminismo consiste numa luta
constante pelos direitos das mulheres, mas constitui também numa desmontagem da
terminologia “mulheres”. Para ela, é preciso desmistificar todos os atributos dados ao
sexo feminino durante décadas, não se pode mais tratar a mulher como sexo frágil e/ou
como inferior ao sexo oposto, é necessário trabalhar em prol da extinção de discursos
machistas, que objetificam o sexo feminino, pois esses discursos agem a fim de
silenciar e/ou desmerecer a voz feminina.

Nesse sentido, a autora Djamila Ribeiro (2019) afirma que, ainda hoje, vivemos em um
país extremamente desigual, onde as mulheres ainda não conquistaram seu lugar de
fala, sendo o feminismo de fundamental importância para que a mulher se desvencilhe
das culpas que recaem sobre ela pelo simples fato de ser mulher.

Por fim, vale ressaltar que muito já foi feito e conquistado pelas mulheres, porém ainda
é preciso lutar para assegurar que discursos velados, escondidos atrás de versos, não
continuem perpetuando o machismo e exaltando a figura masculina enquanto o corpo
feminino continua a ser objetificado. Dessa forma, a presente pesquisa buscou, a partir
da análise das letras de músicas sertanejas aparentemente inofensivas, desnudar os
discursos machistas de objetificação do corpo feminino que estão escondidos atrás das
ditas “declarações amorosas”, presentes nas canções.

As considerações expostas nesta seção foram usadas na análise das letras das
canções sertanejas, no tópico cinco deste trabalho de conclusão de curso.
33

4 METODOLOGIA

A presente pesquisa cujo objetivo foi o de analisar letras de músicas sertanejas teve por
finalidade demonstrar a presença de discursos machistas que objetificam a figura
feminina. Para tanto, os procedimentos metodológicos foram adotados a partir da
abordagem bibliográfica qualitativa, sendo utilizados como instrumentos para a coleta
de dados a análise de material escrito: artigos, livros, conteúdos oficiais disponibilizados
na internet e as letras das músicas selecionadas. Sobre a pesquisa qualitativa Denzin e
Lincoln, citados por Contieri (2015), afirmam que:

A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no


mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que
dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série
de representações (...). Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma
abordagem naturalista, interpretativa (...), o que significa que seus
pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando
entender, ou interpretar, os fenômenos em termos de significados que as
pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, P. 17 apud CONTIERI,
2015, p. 58).

Ainda sobre a pesquisa qualitativa, Vieira e Zouain (2005) apontam que a pesquisa
qualitativa atribui importância fundamental aos depoimentos dos atores sociais
envolvidos, aos discursos e aos significados transmitidos por eles. Dessa forma, a
pesquisa zela pela descrição minuciosa dos elementos e dos fenômenos que a envolve.

A pesquisa bibliográfica, por sua vez, é importante por permitir a busca para a solução
de um problema a partir de documentos já publicados. Sobre essa modalidade de
pesquisa, Severino (2007) afirma que se trata de uma pesquisa realizada a partir de
registros já disponíveis, decorrentes de estudos anteriores, ou seja, de dados ou
categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados.

4.1 AS ETAPAS DA PESQUISA

O presente trabalho foi desenvolvido em três etapas. A primeira etapa consistiu na


definição do tema e dos objetivos geral e específicos, na revisão de literatura e na
definição dos pressupostos teóricos a serem utilizados.
34

A segunda etapa contou com a leitura/observação aprofundada das teorias que


trabalham com a perspectiva dialógica da comunicação humana, com os gêneros do
discurso, com a exotopia, com a atitude responsivo-ativa e com a ideologia, além do
estudo sobre o feminismo e sobre a objetificação da mulher. Nessa etapa, foi realizada
também a escolha das letras que seriam analisadas.

Na terceira e última etapa deste estudo, foi realizada a análise das três letras de música
sertaneja brasileira selecionadas anteriormente. Como critério de seleção das canções,
utilizamos o site: https://www.youtube.com.br para termos acesso às mais visualizadas
nos últimos 3 anos (2017 a 2020). As músicas selecionadas foram: 1) Amante não tem
lar, interpretada pela cantora Marília Mendonça; 2) Namorada Reserva, interpretada
pela dupla Hugo e Guilherme; e 3) Propaganda, interpretada pela dupla Jorge e
Matheus.

Em relação à definição de quais letras seriam trabalhadas nesta pesquisa, optou-se


pela escolha de músicas que fizeram sucesso e que tiveram um elevado número de
visualizações desde a sua publicação até o dia da análise. Outro fator determinante
para a escolha deu-se pelo fato de as letras de músicas conterem discursos que
remetiam à objetificação do corpo feminino, porém de forma quase imperceptível.

Vale destacar que o site de onde as letras das músicas foram extraídas foi escolhido
por representar, atualmente, a maior plataforma de compartilhamento de vídeos do
Brasil. A referida plataforma é usada diariamente por milhares de brasileiros que
buscam entretenimento e pela maioria dos artistas para divulgação de seus trabalhos.

Por fim, é válido mencionar que procuramos demonstrar, nas letras das músicas
selecionas, elementos linguísticos que comprovassem o uso de discursos machistas
que, de alguma forma, objetificam a imagem feminina e/ou a tratam como inferior à
masculina.
35

5 ANÁLISE DO CORPUS

Nesta seção, trataremos da análise do corpus com o propósito de demonstrar a


presença de discursos de objetificação da figura feminina nas letras das músicas
previamente selecionadas. Tomando como base os textos teóricos sobre o feminismo e
sobre as teorias defendidas por Bakhtin, serão analisadas três letras de músicas, a
saber: 1) Amante não tem lar; 2) Namorada reserva e; 3) Propaganda.

5.1 CANÇÃO AMANTE NÃO TEM LAR

A primeira letra a ser analisada é a da canção Amante não tem lar, publicada em 13 de
janeiro de 2017 no canal oficial da cantora sertaneja Marília Mendonça na plataforma
digital Youtube. Vale destacar que, no dia 02 de abril de 2020, o vídeo contava com
370.086.591 visualizações. No dia 08 de maio de 2021 às 15h40m, já eram
394.738.887 visualizações, o que corresponde a um aumento de 24.652.296
visualizações em 401 dias, número considerável em se tratando de uma canção em
que a própria mulher (voz discursiva presente no texto) se coloca inferior ao homem.

Vale ressaltar que o dialogismo pode ser visto na letra da música Amante não tem lar
por meio dos discursos de submissão que estão dispostos ao longo da canção, uma
vez que as vozes que falam no texto ratificam a presença de enunciados machistas e
patriarcalistas que tratam a figura feminina como objeto. O discurso de submissão
presente nessa letra de música nasce como resposta a um discurso que já existe, ou
seja, esse discurso se constitui a partir de vários outros discursos, tendo em vista que,
como aponta Bakhtin (2011), nada é dito uma única vez, retomamos a discursos já
ditos, tanto para concordar com ele como para discordar. No caso dessa canção, os
discursos evidenciam a presença da objetificação da figura feminina em nossa
sociedade.

Cabe mencionar que algumas mulheres internalizam essa mensagem e a naturalizam,


e, por essa razão, se sujeitam a serem submissas, objetificadas e inferiorizadas, tendo
36

esses traços externalizados a partir da aceitação e da promoção de discursos


machistas e patriarcalistas. Podemos inferir ainda que tais discursos só existem porque
fazem parte da ideologia das pessoas, já que nenhum enunciado é neutro, dado que
sempre traz a visão de mundo do seu locutor (BAKHTIN, 2011).

Ao analisarmos a letra em questão, observamos que ela trabalha com a temática de um


triângulo amoroso. O enredo trata de uma mulher que vai até a casa da esposa de seu
amante se desculpar pelos atos cometidos, se colocando como única culpada pelo caso
extraconjugal vivido. Em várias partes da canção, é possível constatar a submissão
dessa mulher e o quanto ela se menospreza a fim de redimir esse homem dos erros por
ele cometidos.

Observa-se, ainda, que todo o discurso é realizado na 1ª pessoa do singular e que a


voz discursiva é uma voz feminina que se refere o tempo todo a uma outra mulher. Isso
se exemplifica a partir do emprego dos substantivos femininos “amada” e “amiga”. Os
verbos usados no texto estão em 1ª pessoa, ora no presente do indicativo (vou), ora no
pretérito perfeito do indicativo (vim) e alguns ainda na 3ª pessoa do singular no
presente do indicativo (vai). O emprego desses verbos sugere que a voz discursiva está
presentificando uma ação de submissão.

A partir do título do texto “Amante não tem lar”, é possível pressupor que o tema a ser
desenvolvido será sobre um triângulo amoroso. A palavra “amante” ao ser empregada
em conjunto com a expressão “não tem lar” nos remete a alguém que vive um
relacionamento com uma pessoa comprometida. O vocábulo “lar”, de acordo com o
dicionário on-line Michaelis, significa “casa onde habita uma família, domicílio,
habitação” e/ou “conjunto de pessoas que vivem nessa casa, geralmente, pai, mãe e
filhos (família)”. Assim sendo, podemos inferir que a voz discursiva empregou a palavra
“lar”, nesse enunciado, com uma grande carga sentimental a fim de trazer para
discussão toda a significação de família, companheirismo, respeito e amor.
37

Na primeira estrofe “Só vim me desculpar / Eu não vou demorar / Não vou tentar ser
sua amiga / Pois sei que não dá”, podemos observar que a amante vai ao encontro da
esposa com o intuito de pedir desculpas. O verbo vir (vim), no pretérito perfeito, indica
que o locutor já está com o seu interlocutor, ou seja, ao que parece, a amante já está
na porta da residência da outra mulher. Na sequência, temos as locuções verbais, no
presente do indicativo, mostrando o fato que está acontecendo naquele exato
momento. Nesse trecho, percebemos também que a amante se reconhece como
culpada e, em função disso, não espera que a esposa seja afetuosa e grata a ela,
tornando-se sua amiga. No trecho analisado acima, percebemos claramente uma
reiteração da submissão da amante.

A segunda estrofe: “Você vai me odiar / mas eu vim te contar / que faz um tempo eu me
meti no meio do seu lar”, nos leva a perceber que a voz discursiva além de culpabilizar
a mulher (a amante) pela traição do marido, quando afirma que se colocou no meio do
relacionamento do casal, acaba incentivando a rivalidade entre mulheres, uma vez que
evidencia-se apenas o ódio da esposa para com a amante, mas, em nenhum momento,
menciona-se esse mesmo ódio pela figura masculina.

Na sequência, o trecho “Sua família é tão bonita / Eu nunca tive isso na vida / E se eu
continuar assim eu sei que não vou ter”, a voz discursiva, de maneira superficial, faz um
elogio à família de seu amante e afirma que, se permanecer sendo amante, jamais
chegará a ter algo parecido com uma família bonita e feliz. Nesse sentido, fica implícito
que a voz discursiva nutre uma inveja da esposa, pois esta tem o que aquela gostaria
de possuir. O último verso “e se eu continuar assim eu sei que não vou ter” indica que
as intenções da voz discursiva, ao expor esse caso, não foram inocentes e
desinteressadas, ou seja, a exposição desse caso extraconjugal poderia dar à voz
discursiva a chance de deixar de ser amante e passar a ser esposa.

É importante dizer que a voz da outra mulher (esposa) sempre é dita pela amante,
evidenciando, assim, a presença da exotopia nessa letra. O discurso da esposa é
construído a partir do olhar da amante e só acontece porque esta já parte do
38

pressuposto de que ninguém gosta de ser traído, como uma crença construída há anos
e que acabou se tornando senso comum. É válido lembrar que, em alguns países, a
poligamia é legalizada, entretanto, só é permitido ao homem ter mais de uma esposa e
à mulher só é permitido ter um marido. Isso nos mostra que a inferiorização da mulher
não acontece apenas no Brasil, visto que é um problema a ser superado em diversos
países do planeta.

Na quarta estrofe: “Ele te ama de verdade / E a culpa foi minha / Minha


responsabilidade eu vou resolver / Não quero atrapalhar você”, podemos observar a
apresentação da figura feminina como o pivô de tudo, ficando subentendido que o
homem não queria aquela relação extraconjugal, talvez por amar sua esposa, mas
cedeu por insistência dessa mulher. Esse consentimento forçado é algo inusitado em
pleno século XXI, uma vez que sabemos que os homens, em relação ao feminino,
nunca foram privados do direito à liberdade de escolha, diferentemente das mulheres
que até pouco tempo eram forçadas a aceitarem casamentos arranjados e tantas outras
situações típicas de uma sociedade machista.

O trecho mencionado acima evidencia como a mulher é inferiorizada, ainda hoje, em


nossa sociedade. Essa inferiorização pode ser vista na desvalorização da mulher no
mercado de trabalho, no controle que a sociedade pensa ter sobre o corpo dela, na falta
de segurança e também na falta de oportunidades. No entanto, o que mais chama a
atenção no referido trecho é a forma como o homem é visto e tratado, sua figura é
apresentada como um ser supremo, inatingível, que, mesmo frente a um episódio de
infração e traição por parte dele, é eximido da culpa, o que ratifica o patriarcalismo
ainda existente nos dias atuais.

No refrão, a voz discursiva reforça a culpa da amante pelo caso extraconjugal ao


mesmo tempo que sentencia que assumindo esse papel ela jamais irá se realizar
enquanto mulher:
E o preço que eu pago
É nunca ser amada de verdade
Ninguém me respeita nessa cidade
Amante não tem lar
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Amante nunca vai casar

Os três primeiros versos do refrão, “E o preço que eu pago / É nunca ser amada de
verdade / Ninguém me respeita nessa cidade”, evidenciam a mulher sendo obrigada a
arcar sozinha com os erros cometidos pelo casal, erros esses que a fazem não ser
respeitada no local onde vive e até o julgamento de não merecer ser amada. No
entanto, o maior questionamento gira em torno do motivo pelo qual as falhas dela são
mais cruelmente punidas do que as falhas do seu amante. Por que o preço de uma
determinada atitude é mais cara para uma mulher do que para um homem e, por fim,
por que ser amante é ruim para a mulher e não é para o homem? A resposta é simples,
porque nossa sociedade enxerga a figura feminina como inferior à masculina, e isso
pode ser comprovado se analisarmos a diferença salarial entre homens e mulheres que
desempenham a mesma função no mercado de trabalho. De acordo com reportagem
do site CNN Brasil4, a mulher ganha em média 19% a menos que o homem, mesmo
tendo as mesmas qualificações que ele. Outro ponto destacado é a escassez de
mulheres em cargos de chefia, dado que raramente as empresas confiam esses cargos
a elas, e, quando os confiam, as mulheres ganham em média 33% a menos que o
homem.

Em seguida, o trecho “Amante não tem lar / Amante nunca vai casar” evidencia o que a
sociedade prega como sendo o desejo de toda mulher, que é o de se casar e ter um lar.
Entretanto, atualmente, ser esposa não constitui uma vontade comum a todas as
mulheres, uma vez que muitas almejam estudar, trabalhar e ser independentes. No
entanto, para a nossa sociedade, parece que a mulher só se realiza se tiver um
casamento sólido, um lar seguro e um esposo provedor. Vale mencionar que ainda não
se aceita o fato de as mulheres serem e merecerem mais, de poderem ou não
quererem casar e ter filhos. O casamento pode até ser um desejo de muitas, mas, sem
sombra de dúvidas, não é o objetivo de todas.

4
Cf. matéria disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/04/02/mulheres-ganham-19-
menos-que-homens-no-topo-diferenca-e-de-mais-de-30. Acesso em: 03 jun. 2021.
40

No fragmento “Amante não vai ser fiel / amante não usa aliança e véu”, o uso do
vocábulo “fiel” deixa explícito que a voz discursiva acredita que a amante jamais se
tornará esposa. Vale ressaltar que a palavra “fiel” é uma gíria comumente usada em
letras de funk do Rio de Janeiro e, assim como no dicionário online Dicio, seu
significado é mulher ou amigo fiel e/ou que merece fidelidade. Outro ponto a ser
destacado em relação a esse trecho diz respeito à menção feita aos substantivos “véu”
e “aliança”, que constituem símbolos de grande importância nos enlaces matrimoniais.
Podemos dizer que o uso desses verbetes reforça a crença enraizada em nossa
sociedade de que a mulher só será feliz e realizada se conseguir se casar.

Essa letra de música nos mostra o quão machista nossa sociedade é. Por meio dela,
observamos um discurso proferido em voz feminina que inferioriza a mulher do início ao
fim, evidenciando, desse modo, que o machismo não está sendo disseminado apenas
pelo sexo oposto. Os discursos de ódio, que insistem em culpabilizar a mulher pelos
erros nos relacionamentos, tendem a criar uma certa rivalidade entre as mulheres,
levando-as a se colocarem umas contra as outras, eximindo sempre o homem de seus
erros. É válido acrescentar que essa letra de música reitera a submissão feminina em
cada verso, pois a voz discursiva feminina se inferioriza e se desvaloriza a todo
instante.

Por fim, podemos inferir que a mulher é objetificada nessa letra a partir do momento em
que aceita se submeter ao papel de amante, que concorda passivamente com a
posição de submissão delegada a ela, que, mesmo tendo consciência de que a culpa
não é individual, assume o erro sozinha, eximindo o homem de tudo. Nessa canção, a
voz discursiva reitera que o patriarcalismo está enraizado em nossa sociedade, o que
para nós precisa ser desconstruído para que tenhamos uma sociedade mais igualitária.

5.2 CANÇÃO NAMORADA RESERVA

Em sequência, analisaremos a letra da música Namorada reserva, publicada em 16 de


novembro de 2018 no canal oficial da dupla Hugo e Guilherme, na plataforma digital
41

Youtube. Vale destacar que, no dia 02 de abril de 2020, o vídeo contava com
36.191.117 visualizações. No dia 08 de maio de 2021, às 15h40m, contabilizava
42.477.586 visualizações, o que corresponde a um aumento de 6.286.469 visualizações
em 401 dias, número considerável em se tratando de uma canção que deturpa tanto a
imagem da mulher. Na sequência, ampliamos o que estamos pontuando.

Antes de iniciarmos a análise da letra da música, é preciso destacar que o dialogismo


pode ser observado nessa canção a partir da presença de vozes que tratam a figura
feminina como objeto, reiterando, mais uma vez, a objetificação da mulher em nossa
sociedade. Os discursos dispostos na letra da música são carregados de falas
machistas que inferiorizam a figura feminina, colocando-a em situação de submissão.
Como mencionado na análise anterior, esses discursos só são possíveis porque já
foram usados antes, foram ganhando força e status de verdade ao longo dos anos e
são enunciações construídas através das relações socioideológicas dos sujeitos. O
discurso presente nessa letra de música é uma resposta e/ou complemento a outros
discursos, isto é, está povoado por vários discursos que dialogam com ele, são
enunciações que evidenciam um posicionamento do locutor em relação a outrem, que,
nessa letra de música, desvela a visão que muitas pessoas têm da mulher, como sendo
um objeto para satisfação dos desejos do outro. Cabe mencionar ainda que, nessa
música, a mulher é dita sempre pela voz do outro, reforçando a situação de submissão
imposta à figura feminina pela sociedade.

É válido ressaltar que a canção Namorada Reserva é um exemplo claro da


representação feminina em nossa sociedade. Podemos observar a propagação de um
discurso machista, que trata a mulher como um produto, além de colocar sobre os seus
ombros a responsabilidade pela manutenção dos relacionamentos afetivos. Em resumo,
a letra da música pauta-se na descoberta de uma infidelidade, justificada pela falta de
interesse da mulher na relação, ou seja, quando a mulher não se submete aos
caprichos de seu cônjuge, automaticamente, assume a responsabilidade pela falência
de seu relacionamento.
42

Ao analisarmos a letra da referida canção, podemos afirmar que a voz discursiva


sempre se refere a uma mulher, isso se exemplifica a partir do emprego dos pronomes
femininos “ela” e “minha” e do substantivo feminino “namorada” como pode ser
constatado no trecho a seguir: “Amante não, respeita ela / Minha namorada reserva, ai
ai ai / Minha namorada reserva”. Observa-se ainda que todos os verbos usados na
construção dessa letra estão na terceira pessoa do singular, ora no presente do
indicativo, ora no pretérito perfeito, sugerindo, assim, que os fatos estão acontecendo
naquele momento e/ou sendo reiterados.

A partir da análise do título da canção, Namorada Reserva, é possível inferir que a sua
letra abordará a figura feminina como um objeto, ou seja, um item de propriedade de
alguém, usado para a satisfação de seus desejos e vontades. Para ratificar isso,
trazemos a significação do vocábulo “reserva”, extraído do dicionário on-line Dicio, que
define reserva como o “ato ou efeito de reservar”, ou ainda “qualquer coisa que se
mantém guardada, para ser usada mais tarde ou em situações inesperadas”. Logo, a
expressão “Namorada Reserva”, de imediato, nos remete a uma mulher, tratada nesse
contexto, como um objeto sexual que está sob a propriedade da voz discursiva e que
será usada, quando necessário.

Abaixo, está a transcrição da primeira estrofe da letra da música Namorada Reserva:

Na noite anterior outra vez me negou amor


Foi você quem você negou amor
De costas cê virou
Na vontade cê me deixou
Outra vez me negou amor

No primeiro verso, “na noite anterior outra vez me negou amor”, a voz discursiva inicia a
canção justificando a infidelidade que foi cometida, dando a entender que a culpa pelo
caso extraconjugal vivido se deve à negativa da mulher em ceder às investidas. Vale
destacar que, por meio da expressão “outra vez”, infere-se que essa não é a primeira
negativa dada pela mulher, ou seja, já houve outras. Nesse primeiro verso, podemos
observar que o locutor (voz discursiva) fala e espera uma resposta de seu interlocutor,
que parece permanecer em silêncio, no entanto, como é sabido, numa comunicação
43

dialógica, o silêncio, por si só, já se caracteriza como uma resposta, e essa situação vai
se repetindo ao longo da canção.

No segundo verso, é possível observar que a voz discursiva parece fazer uma ameaça
velada à mulher. Ao dizer “foi você quem você negou amor”, a voz discursiva transmite
a ideia de que, ao se recusar a satisfazer os seus desejos, a mulher está por si só se
prejudicando. Nesse trecho, é reafirmado o tratamento da mulher enquanto objeto, ao
dizer que, se ela se opor a algo, sairá perdendo. Evidencia-se, assim, a falta de escolha
dada à figura feminina, o que cerceia o seu direito de decidir o que é melhor para ela.
Ressaltamos ainda que a expressão “negou amor”, empregada várias vezes no
decorrer do texto, está relacionada ao ato sexual e não somente ao sentimento amor.

No terceiro verso “De costas cê virou”, encontramos o emprego do vocábulo “cê” na


forma coloquial. Podemos apontar que a escolha da palavra “cê” pode ter sido realizada
para imprimir ao texto uma certa informalidade, uma vez que, no contexto real do
cotidiano da maioria dos falantes de língua portuguesa, usa-se com maior frequência
uma linguagem coloquial. O fragmento destacado acima nos remete ao local ou o
momento em que o casal repousa/dorme, pois ao dizer “de costas cê virou” está
implícito que o que se esperava eram carícias e entrega por parte da mulher, porém ela
opta por se virar e dormir.

Em seguida, no verso “na vontade cê me deixou”, temos a repetição do termo coloquial


“cê”. Nesse trecho, a voz discursiva afirma que, com a atitude de virar-se, de dar-lhe as
costas, palavras encontradas no terceiro verso (“de costas cê virou”), a mulher priva-o
de suas vontades. Para finalizar a estrofe, encontramos, no verso “outra vez me negou
amor”, uma reafirmação da negativa da mulher em se submeter a satisfazer a voz
discursiva.

Na segunda estrofe, temos o que seria a descoberta da infidelidade da voz discursiva.

Procurou e achou
Me flagrou fazendo errado
44

O que pra mim tá certo


Lembra aí quando a gente fez amor, diz então
Que eu ajoelho e te peço perdão

No trecho, “procurou e achou”, observa-se o uso de dois verbos em 3ª pessoa do


singular do pretérito perfeito, indicando que, em algum momento do passado, a mulher
buscou descobrir se estava sendo traída e acabou flagrando a voz discursiva com outra
pessoa. Vemos, novamente, isso no verso “me flagrou fazendo errado”, e, em seguida,
com o complemento “o que pra mim tá certo”. Nesse verso, observa-se a tentativa da
voz discursiva de se justificar, jogando a culpa de seus erros na falta de cuidado da
mulher com a relação dos dois.

Nos versos “lembra aí quando a gente fez amor, diz então / que eu ajoelho e te peço
perdão”, observamos novamente um discurso que coloca a culpa da infidelidade na
figura feminina, evidenciando o seu tratamento enquanto objeto de propriedade de
outrem. Nesse trecho, é condicionado um pedido de desculpas a uma lembrança de
quando foi a última vez em que o casal se relacionou intimamente. Dessa forma,
podemos dizer que os versos acima citados deixam claro que, para a voz discursiva, se
a mulher tivesse sido submissa aos seus desejos, nada de errado teria acontecido.

Na terceira estrofe, encontramos a reafirmação do discurso machista que sempre


culpabiliza a mulher:

Lembrou não né?


Então não estressa
E não xinga quem me dá amor
Toda vez que você me nega.

A referida estrofe inicia questionando se a mulher se recorda das tantas vezes em que
não quis se relacionar com a voz discursiva. O emprego da expressão “lembrou não
né?” soa como uma ironia, já que a mulher é chamada a se sentir culpada pelos erros
do outro. Fica implícito que a voz discursiva parece dizer que a mulher não se recorda
dos fatos, mas foi porque não quis se submeter sexualmente, e que, por esse motivo,
procurou satisfazer-se em outro lugar.
45

Nos versos: “então não estressa/ e não xinga quem me dá amor/ toda vez que você me
nega”, observamos que a mulher é orientada a não se exceder e a não ofender a
pessoa que sempre atendeu as vontades da voz discursiva. Nota-se, pelo emprego dos
verbos e pelo emprego do vocábulo “não”, que não se trata de um pedido e sim de uma
ordem, visto que, em nenhum momento, a voz discursiva faz uso de termos como por
favor, por gentileza ou palavras de maior cordialidade.

Vale destacar também que o trecho “e não xinga quem me dá amor”, nos permite
enxergar um episódio muito comum em nossa sociedade: que é o costume de
culpabilizar a mulher pelos erros em um relacionamento. Isso pode realçar a rivalidade
entre mulheres, na relação em que elas disputam a mesma pessoa, prova disso é que
basta nos atentarmos ao fato de que a canção evidencia a ira da mulher pela amante
dita pela voz discursiva, expressada pela vontade de xingá-la, mas, em nenhum
momento, cita-se essa mesma ira por outra voz.

No refrão, coincidentemente, na última estrofe a ser analisada, temos os seguintes


versos:

Amante não, respeita ela


Minha namorada reserva aí aí aí
Amante não, respeita ela
Minha namorada reserva aí aí aí
Aí de mim se não fosse ela.
Minha namorada reserva

Nos quatro primeiros versos, “amante não, respeita ela / Minha namorada reserva ai ai
ai” (2x), podemos observar que, superficialmente, a voz discursiva pretendeu valorar a
figura da mulher ao dizer que ela não seria apenas uma amante, mas sim uma
“namorada reserva”, porém, de maneira implícita, a voz discursiva fez uso de um
eufemismo, ou seja, usou um termo mais agradável para dizer exatamente a mesma
coisa. Vale dizer que o vocábulo amante, nesse contexto, refere-se à pessoa que
mantém um relacionamento escondido com alguém comprometido. Outro ponto a ser
destacado em relação ao trecho mencionado é o emprego do pronome possessivo
“minha”. Esse termo imprime ao substantivo namorada uma relação de propriedade, é
46

como se o corpo dessa mulher, promovida à namorada, pertencesse a voz discursiva.


Nos dois versos seguintes, “ai de mim se não fosse ela / minha namorada reserva”, é
observada, mais uma vez, a representação da mulher como um objeto. Assim, a voz
discursiva parece condicionar o seu bem-estar ao prazer obtido na companhia da
namorada reserva. Vale destacar que, todo o discurso da esposa traída é dito pela voz
discursiva, no caso, o cônjuge, evidenciando, assim, a presença da exotopia na letra
dessa música, ou seja, do discurso proferido a partir da visão do outro.

Em resumo, nos versos analisados acima, fica nítida a propagação de um discurso


machista, que enxerga a mulher como um objeto, desprovido de seu próprio querer,
usado simplesmente para a satisfação dos desejos e vontades de outrem. A mulher não
detém o privilégio de dizer não, eu não quero, eu não posso, pois ela está sempre
sendo submetida a alguém, e, quando decide por atender aos seus próprios anseios, os
outros tentam fazê-la acreditar que ela será punida de alguma forma por isso. Nesse
sentido, a divulgação de canções como essa reafirmam esse cenário devastador,
promovendo e replicando o discurso machista contido nelas. Sobre isso, Cerqueira e
Coelho, citados por Moreira e Borcat (2018), afirmam que:

[...] a cultura do machismo, disseminada muitas vezes de forma implícita ou


sub-reptícia, coloca a mulher como objeto de desejo e de propriedade do
homem, o que termina legitimando e alimentando diversos tipos de violência,
entre os quais o estupro. Isto se dá por dois caminhos: pela imputação da culpa
pelo ato à própria vítima (ao mesmo tempo em que coloca o algoz como vítima);
e pela reprodução da estrutura e simbolismo de gênero. (CERQUEIRA e
COELHO, 2014, p. 2, apud MOREIRA e BORCAT, 2018, p. 5).

Vale ressaltar que, ao escrever uma canção, uma pessoa não a escreve
aleatoriamente, cada palavra empregada no texto vem carregada de ideologia, nada é
inédito, tudo advém do discurso do outro, que foi absorvido, ressignificado e
reacentuado por ela. Em função disso, podemos inferir que só foi possível encontrar a
presença de um discurso que objetifica a figura feminina na letra dessa canção, porque
estamos inseridos em uma sociedade patriarcalista, que ainda enxerga a mulher como
objeto, como um ser submisso e oprimido.
47

Por fim, podemos afirmar que a objetificação da figura feminina, nessa letra de música,
pode ser vista nos versos em que a voz discursiva se refere a uma mulher como sendo
sua “namorada reserva”, isto é, como sendo um objeto para sua distração, quando
necessário. Nessa canção, como na anterior, temos uma voz dialógica que promove os
ideais de uma sociedade patriarcal e machista que reduz a mulher a um mero objeto
sexual, que promove e dissemina um discurso que além de culpabilizar a mulher, a
inferioriza e a objetifica.

5.3 CANÇÃO PROPAGANDA

Em continuidade, analisamos a letra da música Propaganda, publicada em 21 de março


de 2018 no canal oficial da dupla Jorge e Matheus, na plataforma digital Youtube.
Assim como nas outras canções, vale destacar que, no dia 02 de abril de 2020, o vídeo
contava com 413.562.376 visualizações. No dia 08 de maio de 2021, às 16h20m,
somavam-se 440.315.489 visualizações, o que corresponde a um aumento de
26.753.113 visualizações em 401 dias, número extremamente relevante, em se
tratando de uma canção que trabalha a figura feminina como sendo uma empregada de
sua própria casa. Em resumo, a letra da canção Propaganda pauta-se na deturpação
da figura feminina, enumerando vários defeitos para a mulher, a fim de afastar qualquer
pessoa que possa desenvolver algum tipo de interesse por ela.

Na canção Propaganda, podemos observar a presença do dialogismo por meio das


vozes que promovem um discurso que objetifica a mulher, delegando a ela um papel de
submissão e especialmente de servidão. O discurso machista evidenciado nessa letra
de música é uma réplica de um discurso já existente e que dialoga com vários outros
discursos. É importante mencionar que, de acordo com Bakhtin (2011), todo enunciado
é carregado de emoções e de ideologia, sendo construído a partir de outro discurso,
mas nem por isso ele deixa de ser único, possuindo sempre uma nova significação
dentro do contexto em que está sendo dito, além de estar sempre aguardando uma
resposta. Essa colocação de Bakhtin nos permite afirmar que o discurso machista só
está presente, na letra da música ora analisada, porque está enraizado na história e na
48

cultura de nossa sociedade e vem sendo disseminado naturalmente ao longo dos anos.
Outro ponto relevante a ser destacado é que, nessa canção, como nas anteriores, a
mulher sempre é dita pelo olhar do outro (exotopia), não tem voz e não expressa suas
opiniões e desejos.

Ao analisarmos a letra da referida canção, podemos inferir que a voz discursiva refere-
se a uma voz masculina, o que pode ser evidenciado a partir do emprego do
substantivo “doido” como pode ser visto no trecho: “Tá doido que eu vou fazer
propaganda de você”. Pode-se afirmar também que a voz que fala no texto sempre se
refere a uma mulher, isso se exemplifica a partir do emprego dos pronomes femininos
“ela” e “minha” e pelo emprego da expressão “quando ela está naqueles dias”, se
referindo ao período menstrual das mulheres. Observa-se, ainda, que a maioria dos
verbos usados na construção dessa letra estão em terceira pessoa do singular, no
presente do indicativo. Exemplifica-se o que foi dito acima a partir dos trechos: “Ela
queima o arroz / quebra copo na pia / machuca o dedinho”.

A partir da análise do título da canção Propaganda, é possível inferir que a mesma


abordará sobre a oferta de um algum objeto ou serviço. Espera-se, a princípio, que
sejam expostas as qualidades desse objeto a fim de atingir um número maior de
pessoas, no entanto, não é isso que acontece no decorrer da letra da música. Vale
destacar que o vocábulo “Propaganda”, na significação retirada do dicionário on-line
Michaelis, refere-se ao “ato ou efeito de propagar”, ou ainda “disseminação de ideias,
informação ou rumores com o fim de auxiliar ou prejudicar uma instituição, causa ou
pessoa”. Logo, o emprego do substantivo feminino “Propaganda”, de imediato, já nos
remete à divulgação de informações sobre determinado produto/objeto e/ou serviço que
se almeja vender ou comprar. No caso da canção, o corpo feminino.

Abaixo, a transcrição da primeira estrofe da letra da música Propaganda:

Ela queima o arroz


Quebra copo na pia
Tropeça no sofá
Machuca o dedinho e a culpa ainda é minha
49

No verso “Ela queima o arroz”, a voz discursiva quer incutir sobre a mulher uma
imagem negativa, de alguém que deveria naturalmente possuir habilidades culinárias,
mas que não consegue preparar um alimento tão comum em solo brasileiro, o arroz. No
verso seguinte, “Quebra copo na pia”, a mulher é julgada por quebrar um objeto, como
se fosse algo que ela fizesse frequentemente e de forma proposital. Assim, a voz
discursiva parece querer que os outros vejam a mulher retratada nessa letra de música
como sendo uma pessoa descuidada. O terceiro e quarto versos “Tropeça no sofá /
Machuca o dedinho e a culpa ainda é minha” ratificam a ideia de descuido da figura
feminina, uma vez que afirma que esta entra em atrito direto com o estofado,
machucando-se por puro descuido. Nesse trecho, observa-se também uma certa
vitimização da voz discursiva, quando afirma que a mulher deseja colocar-lhe a culpa
por todas as coisas erradas que faz.

Na estrofe seguinte, temos:

Ela ronca demais


Mancha as minhas camisas
Dá até medo de olhar quando ela tá naqueles dias

No verso “Ela ronca demais”, a voz que fala no texto evidencia o que para ela seria um
grande defeito para a mulher, que levaria uma pessoa a desistir de se relacionar com
ela, que é o fato de respirar com ruído enquanto dorme. Vale destacar que esse
“defeito” é considerado algo tão comum quando se trata do sexo masculino, mas, para
a mulher, é visto como algo extremamente ruim e/ou desprezível. O segundo verso,
“Mancha as minhas camisas”, intensifica o que a nossa sociedade espera da figura
feminina, que é a de ser uma empregada em sua casa, de ser a pessoa responsável
por lavar as roupas. Nesse trecho, observa-se que a mulher é julgada e menorizada por
ter manchado uma ou mais camisas, reforçando a visão de servidão imposta sobre a
figura feminina.

No terceiro e último verso dessa estrofe, “Dá até medo de olhar quando ela tá naqueles
dias”, a voz discursiva deixa em evidência a opinião que tem acerca da alteração de
humor vivida pela mulher em seu período menstrual, visão essa que é compartilhada
50

por uma grande parcela da sociedade, que menoriza e, principalmente, banaliza os


sintomas vivenciados nesse período. Cabe frisar que, nesse trecho, a voz discursiva
age como se fosse vítima da mulher, chegando ao ponto de ficar amedrontada com as
atitudes dela. É importante mencionar que muitas pessoas tratam o período menstrual
como algo ruim para o círculo de convivência da mulher, mas não lembram que esse
período também a afeta.

Na próxima estrofe, temos os motivos pelos quais a voz discursiva elencou todos esses
defeitos para a mulher:

É isso que eu falo pros outros


Mas você sabe que o esquema é outro
Só faço isso pra malandro não querer crescer o olho

No verso “É isso que eu falo pros outros”, a voz discursiva parece reconhecer que ela
passa para os outros uma imagem deturpada dessa mulher. No verso seguinte, “Mas
você sabe que o esquema é outro”, a voz revela que essa imagem que ele passa para
os outros não é real e que, na verdade, é tudo ao contrário. Vale destacar que, a partir
do emprego da gíria “o esquema é outro”, a voz afirma que a mulher tem consciência de
todas as qualidades que possui, bem como de sua opinião sobre ela, e que, em função
disso, não precisa ficar brava ou receosa, uma vez que sabe que tudo é mentira.

No último verso “Só faço isso pra malandro não querer crescer o olho”, observa-se uma
justificativa para todo o discurso de desdenho da voz discursiva para com a figura
feminina. A voz afirma que só age dessa forma porque pretende afastar da mulher
qualquer pessoa que possa se interessar por ela. Nesse verso, percebemos o emprego
de duas gírias muito comuns, a saber: 1) o vocábulo “malandro”, que é usado pela voz
discursiva para nomear um outro homem que venha a se interessar pela sua mulher e;
2) a expressão “crescer o olho”, utilizada, nesse contexto, para exemplificar uma
possível manifestação de outrem pela esposa da voz discursiva.

No refrão, temos:
51

Tá doido que eu vou fazer propaganda de você


Isso não é medo de te perder, amor
É pavor, é pavor
É minha, cuido mesmo, pronto e acabou

No primeiro verso da estrofe acima, “Tá doido que eu vou fazer propaganda de você”, a
voz discursiva afirma que jamais falará bem dessa mulher, que não propagará
nenhuma informação positiva dela. Vale destacar que ao empregar o substantivo
masculino “doido”, a voz parece fazer uma referência a ela mesma, o que nos permitiu
inferir que a voz que fala no texto trata-se de uma voz masculina. Nos versos, “Isso não
é medo de te perder, amor / É pavor, é pavor”, a voz discursiva explica que sua
motivação para não expor as qualidades da mulher é o pavor que sente ao pensar na
possibilidade de perdê-la.

Por fim, no último verso, “É minha, cuido mesmo, pronto e acabou”, o emprego do
pronome possessivo “minha” indica a posse que a voz discursiva exerce sobre a figura
feminina. A voz que fala no texto afirma ainda que, por acreditar que a mulher pertence
a ela, detém o direito de cuidar como lhe parecer mais viável e que não aceita críticas
ou indagações, como pode ser percebido pelo emprego da expressão “cuido mesmo,
pronto e acabou”.

No decorrer da análise, percebemos o locutor em uma situação de interação com seu


interlocutor, o primeiro fala enquanto o outro escuta. No entanto, nota-se que o locutor
fala, porém não aguarda uma resposta, mesmo porque nos parece claro que a resposta
que ele almeja é o silêncio da mulher, silêncio esse que representa a aceitação, a
anuência dela em ser propriedade dele. O locutor é o “eu” dominante da relação, o seu
discurso está povoado de discursos machistas, de submissão, de inferiorização e de
objetificação do corpo feminino, amplamente disseminados ao longo da história de
nossa sociedade, reconhecidamente patriarcalista, que quer a mulher sempre em
posição de submissão. Outro ponto a ser destacado é a exotopia presente na letra
dessa canção, pois o locutor fala da mulher a partir do olhar da sociedade, do que se
definiu como senso comum, por falar de defeitos que descredibilizam a imagem
feminina.
52

Em síntese, a mensagem transmitida por essa letra diz respeito ao tratamento da


mulher como sendo uma empregada em sua própria casa. Vale destacar que a
sociedade ainda prega que é dever da figura feminina lavar, passar, cozinhar e limpar a
casa, mesmo que ela tenha um emprego fora e divida as despesas com seu
companheiro. Nesse contexto, o homem é visto como o provedor do lar e a mulher
como sua submissa. Essa visão da mulher submissa, do lar e feliz, faz parte do
discurso ideológico disseminado ao longo da história e que precisa urgentemente ser
modificado. Nessa letra de música, fica claro que o valor da mulher está entrelaçado ao
fato de ela ser ou não uma esposa que sabe cozinhar, lavar, ser cuidadosa e dedicada,
caso contrário, ninguém se interessará por ela.

Sobre a publicidade realizada com o corpo da mulher, Belmiro et al (2015, p. 7) afirmam


que:

Atualmente, o corpo feminino, no contexto publicitário, segue padrões estéticos


cruéis: a mulher deve ser magra, na maioria das vezes tem a pele branca e
quase sempre é loura. Nesses casos, a mulher possui dois aspectos
característicos dentro da publicidade: ou ela é a ingênua, submissa e dona do
lar, e aparece com produtos de limpeza, cuidando da casa e dos filhos, ou é um
símbolo sexual. (BELMIRO et al. 2015, p. 7).

Diante do exposto e ao analisarmos o cenário atual, percebemos uma infinidade de


propagandas que utilizam a figura da mulher como objeto, como é o caso das
propagandas de cervejarias que trabalham a exposição do corpo feminino,
praticamente nu, a fim de chamar a atenção do público masculino. Em função disso, ao
nos depararmos com o título da canção e posteriormente com o teor de sua letra, fica
claro que o emprego do termo “propaganda” tem o intuito, mesmo que indiretamente,
de objetificar o corpo feminino, de tratá-lo como propriedade de outrem. Assim sendo, é
possível afirmar que a mulher é objetificada na letra dessa canção a partir do momento
em que é exposta como um produto e/ou um serviço, como um objeto, como uma
serviçal, como aquela pessoa que tem o dever de desempenhar com maestria todos
afazeres domésticos. A mulher é retratada na letra dessa música como possuidora de
inúmeros “defeitos”, como não saber cozinhar, não saber lavar e nem passar roupas,
todos eles apontados com o intuito de afastar qualquer pessoa que possa se interessar
53

por ela. É válido mencionar que a voz discursiva é representada, nessa canção, com
uma visão individualista e dominante do eu, um eu que sempre fala pelo outro, e esse
outro é sempre objetificado. No entanto, em alguns versos da música, parece que o eu-
lírico pretende dar voz à mulher, mas é só uma estratégia para reiterar seu poder e
domínio sobre ela.

Ao final da análise das três canções selecionadas, percebemos que, infelizmente, a


objetificação do corpo feminino foi percebida em todas elas, mesmo que de formas
distintas. Além da objetificação, observamos a recorrência de fatos que apontam para
uma relação de submissão da mulher em relação ao homem. Em resumo, destacamos
que: a) a canção Amante não tem lar aborda claramente a submissão da mulher à voz
discursiva, promovendo um discurso que reitera constantemente a submissão e a
inferiorização da figura feminina; b) a música Namorada Reserva traz um discurso
machista, que trata a mulher como um objeto, isto é, como um produto que ficará
sempre à disposição dos desejos da voz discursiva, sendo sempre sua submissa e; c) a
canção Propaganda retrata a figura feminina como sendo um produto em exposição, já
que a voz discursiva elenca vários defeitos para a mulher a fim de afastar qualquer
possível interessado.

Com o resultado dessas análises, é possível apontar que, mesmo após a mulher ter
conquistado seu lugar na sociedade, a forma como é vista e representada, nas letras de
músicas, continua sendo povoada por uma visão carregada de machismo e de
patriarcalismo. Observamos a mulher sempre sendo dita pela voz do outro, sempre
sendo silenciada, o que nos leva a crer que a equidade de gênero ainda está longe de
ser alcançada.
54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, buscou-se analisar de que maneira a objetificação da mulher pode ser
observada em letras de músicas sertanejas brasileiras. Para embasar este trabalho de
conclusão de curso, bem como as análises discursivas das canções selecionadas, foi
realizado um levantamento teórico de alguns termos sobre linguagem defendidos por
Bakhtin, como o dialogismo, a atitude responsivo-ativa, os gêneros do discurso, a
exotopia e a ideologia. Já no campo dos estudos sobre o feminismo, sua trajetória, lutas
e conquistas, utilizamos as pesquisas realizadas por bell hooks, Simone de Beauvoir,
Djamila Ribeiro, dentre outras. Cabe salientar que, em ambos os campos de pesquisa,
as contribuições dos referidos autores foram de extrema importância para o
desenvolvimento deste estudo.

Diante da teoria exposta e a partir das análises apresentadas, podemos concluir que a
figura feminina ainda é tratada socialmente como subalterna, o homem é tido como
superior e a mulher como sua submissa. A objetificação do corpo feminino está
presente em todas as três canções analisadas: na primeira (Amante não tem lar),
quando a mulher aceita se submeter ao sexo masculino; na segunda, quando é tratada
como uma namorada “reserva” e, na terceira (Propaganda), quando é exposta pela voz
discursiva como um produto à venda. Fato é que, nas três letras, essa objetificação
acontece de maneira sutil, nada muito explícito, o que leva muitas pessoas a julgarem
os discursos ali presentes como declarações afetuosas.

É importante destacar que discursos machistas, que deturpam e inferiorizam a imagem


da mulher, são propagados diariamente tanto por homens quanto por mulheres. Essas
construções dialógicas só são possíveis porque ideais machistas e patriarcalistas estão
enraizados na cultura de nossa sociedade, sendo, portanto, aceitos com naturalidade
pela maioria. Esses discursos estão sendo disseminados ao longo de várias décadas, o
que, para nós, precisa ser desconstruído. A luta não é fácil, porém é necessária para
que as mulheres possam usufruir integralmente do direito de ir e vir, para que sejam
55

respeitadas e, principalmente, para que possam ser reconhecidas e tratadas com


igualdade.

Outro ponto relevante é o fato de que, muito embora as pessoas acreditem que não
compactuam com discursos que desmerecem a mulher, o simples fato de aceitarem a
propagação dos mesmos em silêncio, por si só, já é uma resposta positiva a esse tipo
de discurso. Quando estamos em contato com textos como os analisados, sejam eles
livros ou letras de músicas, de alguma forma, estamos interagindo com a voz
discursiva, ora discordando de suas ideias, ora concordando, mas sempre em
constante movimento de interação. Nesse sentido, precisamos ficar atentos ao tipo de
discurso que estamos tendo acesso e, consequentemente, ajudando a promover, para
que não contribuamos, de forma alguma, com a disseminação de enunciações que
estão carregadas de machismo, de preconceito e de ameaças veladas.

É necessário lembrar também que tudo o que falamos ou fazemos é construído a partir
da interação com o outro e com o meio em que vivemos. Nosso discurso está
impregnado do discurso do outro, tudo o que falamos está comprometido
ideologicamente com a nossa história, bem como com a história da sociedade. Em
função disso, aceitar que fazemos parte de uma sociedade machista, patriarcalista, que
desvaloriza e que trata a mulher como objeto, reconhecer que essas crenças estão
dentro de nós, como resultado das nossas interações humanas, e admitir que
precisamos lutar diariamente contra elas já constituem um grande avanço no caminho
da desconstrução do machismo e do patriarcalismo em nossa sociedade.

Diante do exposto, cabe dizer que a expectativa no que tange aos resultados desta
pesquisa é a de fazer com que as pessoas passem a observar as letras das músicas
que escutam com um olhar crítico e que possam reconhecer, antes de tudo, os
discursos que desmerecem determinado grupo social ao mesmo tempo em que
reafirmam o poder de grupos dominantes. Por fim, e diante do exposto, afirmamos que
se faz necessário posicionamentos contra discursos que objetificam a figura feminina,
que a tratam com inferioridade. Não basta silenciar, é preciso falar e lutar pela equidade
56

de gênero, pois não existe mais espaço para atitudes machistas, visto que as mulheres
merecem e precisam de respeito.
57

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61

ANEXO A – LETRA DA MÚSICA AMANTE NÃO TEM LAR

Composição: Marília Mendonça / Juliano Tchula

Só vim me desculpar
Eu não vou demorar
Não vou tentar ser sua amiga
Pois sei que não dá

Você vai me odiar


Mas eu vim te contar
Que faz um tempo
Eu me meti no meio do seu lar

Sua família é tão bonita


Eu nunca tive isso na vida
E se eu continuar assim
Eu sei que não vou ter

Ele te ama de verdade


E a culpa foi minha
Minha responsabilidade eu vou resolver
Não quero atrapalhar você

E o preço que eu pago


É nunca ser amada de verdade
Ninguém me respeita nessa cidade
Amante não tem lar
Amante nunca vai casar
E o preço que eu pago
É nunca ser amada de verdade
62

Ninguém me respeita nessa cidade


Amante não vai ser fiel
Amante não usa aliança e véu
63

ANEXO B – LETRA DA MÚSICA NAMORADA RESERVA

Compositores: Henrique Casttro, Elvis Elan, Montenegro

Na noite anterior outra vez me negou amor


Foi você quem você negou amor
De Costas cê virou
Na vontade cê me deixou
Outra vez me negou amor

Procurou e achou
Me flagrou fazendo errado
O que pra mim tá certo
Lembra aí quando a gente fez amor, diz então
Que eu ajoelho e te peço perdão

Lembrou não né ?
Então não estressa
E não xinga quem me da amor
Toda vez que você me nega.

Amante não, respeita ela


Minha namorada reserva aí aí aí
Amante não, respeita ela
Minha namorada reserva aí aí aí
Aí de mim se não fosse ela.
Minha namorada reserva
64

ANEXO C – LETRA DA MÚSICA PROPAGANDA

(Henrique Casttro / Os Parazim / Márcia Araújo / Diego Silveira)

Ela queima o arroz


Quebra copo na pia
Tropeça no sofá
Machuca o dedinho e a culpa ainda é minha
Ela ronca demais
Mancha as minhas camisas
Dá até medo de olhar quando ela tá naqueles dias

É isso que eu falo pros outros


Mas você sabe que o esquema é outro
Só faço isso pra malandro não querer crescer o olho
Tá doido que eu vou fazer propaganda de você
Isso não é medo de te perder, amor
É pavor, é pavor
É minha, cuido mesmo, pronto e acabou

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