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CDD 23 – 305.4
Elaborada por Adriana Souza Machado – CRB-6/ES – 572
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CAMPUS VENDA NOVA DO IMIGRANTE
ANEXO V
............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) I*
............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) II*
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Tatiana Aparecida Moreira, pela dedicação, pela
generosidade, pelo conhecimento compartilhado e principalmente por acreditar em mim
quando eu mesma duvidei.
E a todos os amigos e colegas que, de alguma forma, me ajudaram a chegar até aqui.
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”
(Simone de Beauvoir)
RESUMO
The following course conclusion work aimed to demonstrate how the objectification of
women can be observed in the lyrics of Brazilian country songs. In order for the analysis
of the speeches present in the lyrics of these songs to be possible, some concepts
proposed by Mikhail Bakhtin and his Circle (2006; 2011) were used, such as: dialogism,
responsive-active attitude, speech genres, exotopy and ideology. In addition to the
Bakhtinian theoretical assumptions, some concepts related to the theme of feminism, its
trajectory and its achievements were used, based on the studies of Simone de Beauvoir
(1967), Djamila Ribeiro (2016; 2019), bell hooks (2013), among other authors who work
with this theme. The body of the research consisted of three country songs that were
successful between 2017 and 2020 and had a high number of views on YouTube. Data
analysis revealed that women, even after several achievements, are still treated as
inferior and submissive to men, being constantly treated as an object in the song‟s lyrics.
The expectation is that the results of the present research may be useful for
deconstructing the sexist discourses that distort the image of women.
3 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................. 22
4 METODOLOGIA ............................................................................................... 33
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 57
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Vale destacar que, nos últimos anos, o país tem enfrentado muitos problemas
relacionados à violência contra a mulher. Em 07 de março de 2021, dia anterior ao dia
em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o site O Tempo1 publicou a
reportagem intitulada Violência contra a mulher protagoniza outra pandemia, que trouxe
dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos acerca
da violência contra a mulher no país. A reportagem salientou que, no ano de 2020,
foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher somente pelos
canais Ligue 100 e Disque 180. Esse dado é equivalente a 12 denúncias por hora. Vale
ressaltar que, desse total, 72% das denúncias se referem à violência doméstica e
familiar contra a mulher e as outras 28% dizem respeito à violação de direitos civis e
políticos.
1
Cf. fonte disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/violencia-contra-a-mulher-
protagoniza-outra-pandemia-1.2468796. Acesso em: 07 mar. 2021.
11
Após a análise desse cenário, observa-se que discursos que objetificam a mulher estão
presentes em vários meios, como é o caso da área musical. Cabe dizer que dentre os
diversos estilos musicais, a presente pesquisa se ateve ao estilo sertanejo para analisar
de que maneira a imagem feminina é abordada em letras de canções, uma vez que
percebeu-se que alguns discursos, amplamente repetidos pelos ouvintes desse ritmo
musical, continham expressões e/ou palavras que, de alguma forma, objetificavam a
mulher, tratando-a como propriedade do sexo oposto.
É importante evidenciar que os ritmos sertanejos conquistaram, nos últimos anos, uma
elevada aceitação do público e que suas canções são ouvidas e cantadas por milhões
de brasileiros, o que contribui exacerbadamente para a difusão e, consequentemente,
12
para a propagação dos discursos presentes em suas letras, que, de alguma forma,
objetificam a figura feminina.
Dessa forma, a presente pesquisa se justifica, pois teve o intuito de analisar letras de
músicas sertanejas a fim de observar se existe a presença de discursos machistas, que
menosprezam a figura feminina, disseminando, de maneira direta e/ou indireta, uma
visão deturpada da mulher, tratando-a como puro e simples objeto sexual, por exemplo.
Assim, a relevância deste trabalho está no fato de também desnudar de que modo essa
construção discursiva da mulher, em letras de música sertaneja, revela pré-conceitos
em relação à imagem feminina na sociedade.
trabalhos, isso tudo motivado pelo seu grande alcance. De acordo com o site Influencer
Marketing Hub2, aproximadamente 1,325 bilhões de pessoas usam o Youtube, sem
contar que todos os dias são contabilizados 4,95 bilhões de novas visualizações nos
vídeos ali compartilhados. Isso demonstra como a referida plataforma se tornou um
fenômeno mundial e seu poder e influência vêm crescendo cada vez mais.
Este trabalho, portanto, está organizado em seis seções, sendo essa introdução a
primeira delas. Na segunda seção, apresentamos a revisão de literatura que traz alguns
estudos que dialogam com a presente pesquisa. A terceira seção aborda alguns
conceitos teóricos sobre a linguagem, propostos por Bakhtin, bem como alguns sobre o
feminismo, sua trajetória, suas lutas e conquistas. A seção quatro apresenta a
metodologia utilizada neste trabalho, buscando esclarecer como o trabalho foi
elaborado e executado. Na seção subsequente, foram realizadas as análises
discursivas das três letras de canções sertanejas brasileiras e, na sexta e última seção,
tecemos as considerações finais.
2
Cf. fonte disponível em: https://influencermarketinghub.com/br/tipos-de-conteudo-do-youtube/. Acesso
em 07 mar. 2021.
14
2 REVISÃO DE LITERATURA
Neste momento, apresentamos estudos que dialogam com esta pesquisa por
dissertarem sobre os seguintes temas: o emprego da figura feminina em letras de
músicas, o feminismo, a posição ocupada pela mulher na sociedade e a objetificação
do corpo feminino. Cabe dizer que a busca pelos trabalhos que compõe essa revisão
de literatura foi realizada no site do Google Acadêmico.
Outro ponto discutido pelos autores diz respeito ao questionamento acerca dos motivos
que levam muitas mulheres, mesmo sendo vistas como objetos, a darem atenção e
sustentação a essas músicas, ouvindo e replicando seus conteúdos. Em sequência, os
autores fazem uma comparação entre a abordagem da figura feminina realizada em
alguns ritmos musicais antigos, no pagode e no pagofunk, afirmando que, no primeiro
caso, a figura feminina é trabalhada com respeito, dignidade e exaltação e, no segundo
e terceiro caso, como puro e simples objeto de satisfação dos desejos do sexo oposto.
Desse modo, o artigo colaborou com nossa pesquisa uma vez que foi ao encontro de
várias ideias que pretendíamos discutir, bem como a objetificação da mulher nas letras
de música brasileira e a naturalização de discursos machistas pela sociedade. A
pesquisa de Cavalcante et al (2017) não tratou especificamente do estudo da
15
linguagem, dado que se aprofundou nos Estudos Culturais, mas dialogou com a nossa
pesquisa ao discutir, fundamentalmente, sobre a questão de gênero, sobre as lutas
feministas e, especialmente, sobre a representação da mulher em letras de músicas,
mesmo que em ritmos diferentes, o que nos acrescentou maior conhecimento para
prosseguir com o estudo.
Nesse trabalho, a língua portuguesa é demonstrada, por meio das análises dos
documentos acima mencionados, como uma língua sexista. Zoppi Fontana (2015) cita o
léxico e a concordância de gênero como conteúdos segregativos contra as mulheres.
Para tanto, faz um recorte sobre as significações da terminologia mulher em
comparação à terminologia homem encontradas no dicionário Aurélio, apontando um
funcionamento discriminatório entre ambos. A autora acrescenta, ainda, que a
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do Rio Grande do Sul baseou-se em
um documento já existente, escrito pela ONG internacional Red de Educación Popular
Entre Mujeres de Latinoamérica y Caribe (REPEM-LAC), com militância reconhecida no
campo dos movimentos das mulheres da América Latina, para criar um Manual para o
uso não sexista da língua portuguesa, que foi publicado no estado em agosto de 2014.
O artigo cita também o Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre
16
O artigo de Zoopi Fontana (2015) agregou muito valor para o nosso trabalho, pois nos
ajudou a refletir sobre a gramatização da língua portuguesa no Brasil, na sua dimensão
de língua oficial, e sobre as tentativas de tornar a língua uma ferramenta que contribua
para a promoção de uma mudança da sociedade atual no que tange à equidade de
gênero. Cabe frisar que a principal contribuição desse artigo para a nossa pesquisa se
deu pela análise discursiva realizada em dois importantes documentos que visam
promover uma linguagem inclusiva a partir de iniciativas do Estado.
A partir das colocações da autora, percebemos que a própria palavra mulher carrega
significados que a põem em situação de submissão na sociedade, pois até então não
tínhamos uma noção clara de que a própria língua de uma nação contribuía para a
segregação de gênero. Ao trazer para discussão um quadro comparativo dos verbetes
“homem” e “mulher” encontrados no dicionário Aurélio, percebemos claramente como
as significações relacionadas ao termo feminino são discriminatórias, como é o caso da
expressão “homem de rua” que quer dizer homem do povo ao tempo em que “mulher
de rua” significa meretriz. Outro ponto bastante relevante diz respeito a não haver
nenhuma locução fixa no feminino que corresponda às locuções “homem de lei” e
“homem de ação”, provando, assim, que a língua portuguesa é uma língua sexista que
precisa ser revista e reelaborada.
Hollanda, Luce Irigaray, Mariana Semião Lima, Margareth Rago e Virgínia Woolf. Em
suma, o artigo discorre sobre a representação da mulher no contexto das canções
populares brasileiras, mostrando que, apesar dos movimentos feministas terem
avançado muito na conquista dos direitos das mulheres na sociedade, ainda se
enfrentam muitas situações de preconceito machistas, inclusive em canções populares.
A autora assevera que, mesmo quando a mulher é vista aparentemente com respeito, é
possível observar alguns matizes de preconceito e discriminação contra ela. O artigo
contextualiza historicamente a luta feminina pelo reconhecimento e pela conquista de
respeito e faz a análise de algumas canções a fim de demonstrar o pensamento
machista transmitido por elas. Vale ressaltar que o texto faz um contraponto entre
canções que deturpam a imagem da mulher com canções que a enaltecem.
A primeira canção analisada é Você não passa de uma mulher, gravada por Martinho
da Vila em 1975, que, segundo Murgel (2009), nada mais é do que uma tentativa de
depreciar as conquistas feministas. Em seguida, é apresentada a canção Bwana de
Rita Lee e Roberto de Carvalho, gravada em 1987, que tem o intuito de ironizar a
mulher passiva construída pelo olhar masculino. Na sequência, a autora analisa o rap
Mulheres vulgares, gravada em 1990 pelos Racionais MC‟s, pontuando que o grupo faz
uma ponte entre o feminismo e a vulgaridade, com uma letra cheia de ranço sexista. A
quarta canção, intitulada Meninas da cidade, gravada em 1979, traz a sensibilidade da
Rapper Fátima Guedes ao falar das mulheres chamadas vulgares na canção anterior.
A quinta canção analisada por Murgel também faz parte do repertório dos Racionais
MC‟s, intitulada Eu sou 157. Esse rap retrata a relação binária mãe x mulher
degenerada, reforçando o discurso de que toda mãe seria santa enquanto toda mulher
seria degenerada. Logo, pode-se inferir que a mãe não seria uma mulher comum, seria
algo sacro. Contrapondo-se às ideias da canção anterior, Fátima Guedes trabalha com
uma imagem diferente da mulher na música Mais uma boca, de 1980, apresentando,
sem nenhum romantismo, uma mãe que dá à luz a seu filho enquanto seu marido está
no bar se embriagando. A mãe, nessa canção, não é sacralizada, é uma mãe/mulher
comum, real, que sofre resignada por seus filhos. Em seguida, na canção Para elas, de
18
Alzira Espíndola e Alice Ruiz, gravada em 2005, a autora observa um discurso que
retrata o afeto e a dor de duas mães ao se referirem a suas filhas adolescentes. No
decorrer da canção, a dor das mães se transforma em determinação e aceitação de
que será necessário deixar que as filhas sigam seus caminhos e vivam suas próprias
experiências. Por fim, a oitava e última canção analisada é Mulher de paletó, gravada
por Nei Lopes, em 2002, que mostra claramente a insatisfação do homem em relação
às conquistas feministas que, para o compositor acima mencionado, teria masculinizado
as mulheres.
Diante do exposto, podemos afirmar que o referido artigo, mesmo sendo voltado para a
disciplina de História, corroborou com o estudo por nós desenvolvido, uma vez que
fundamentou a nossa discussão principal, que é a presença de discursos machistas,
que deturpam a imagem da mulher, em letras de canções brasileiras. Murgel (2009), ao
longo de seu texto, versa com muita objetividade acerca de todos os preconceitos
vivenciados pela mulher na sociedade e aponta que, em vários momentos, as
feministas foram taxadas como mal amadas pelo simples fato de contestarem a
condição de submissão imposta a elas.
O quarto trabalho analisado, escrito por Ivone Marli de Andrade Amorim e Iraildes
Caldas Torres, intitulado A construção da identidade de gênero, publicado em 2012,
teve por objetivo fazer uma remontagem histórica da constituição de gênero na
sociedade. Como embasamento teórico, as autoras utilizaram os estudos de Miguel
Vale de Almeida, David Le Breton, Lilian Letelie, Louise Tilly, Joan Scott e Peter
Stearns. Em síntese, o artigo faz um levantamento histórico acerca da constituição da
sociedade patriarcal, destacando o poder sobre a mulher exercido pelos homens ao
longo dos anos. De acordo com as autoras, a função reprodutora da mulher favoreceu a
sua submissão ao homem e, em função dessa submissão, ela foi sendo considerada
frágil e sem capacidade para assumir o controle do lar. O homem, por sua vez,
associado à ideia de autoridade advinda de sua força física e do seu poder de mando
em âmbito familiar, passa a exercer poder dentro da sociedade, dando início, assim, ao
19
surgimento da sociedade patriarcal, que só será contestada tempos depois por meio
das lutas feministas.
Em suma, o texto acima apresentado dialogou amplamente com nosso estudo, pois
apresenta de forma bem dinâmica a constituição do patriarcalismo, a relação do homem
e da mulher ao longo dos anos, as relações de poder e submissão, bem como a luta e
as conquistas proporcionadas pelo movimento feminista, apresentando, assim, um
vasto aparato teórico que contribuiu demasiadamente para a análise de nosso corpus
no que diz respeito às questões relacionadas ao tratamento dado à imagem feminina na
sociedade.
As canções analisadas pela autora do período “sertanejo raiz” foram: Meu sonho de
amor, Conselho pras moças, Mãe amorosa, Moça gorda, Pagode, Pagode em Brasília e
Cabocla Tereza; do período “sertanejo romântico”: É o amor, Talismã, O grande amor
da minha vida, Fogão de lenha e Pura emoção; e, por fim, do período “sertanejo
universitário”: Fada, Tudo que você quiser, Mamãe falou, Minha ex e Bruto, rústico e
sistemático. Contieri (2015) aponta que usou os temas “ideal de perfeição”,
“matrimônio”, “maternidade”, “corpo/padrões de beleza” e “violência” como categorias
para análise das letras. A autora analisou também o modo como os compositores das
letras das canções acima citadas usaram, segundo ela, estrategicamente, os recursos
gramaticais e estilísticos da língua para suscitar interpretações sobre o que constitui a
identidade da mulher brasileira.
Em suma, a dissertação apresentada colaborou com nosso estudo, uma vez que foi ao
encontro das ideias que pretendíamos discutir, tais como a representação da mulher
21
nas letras de música sertaneja brasileira, os discursos machistas que colaboram para a
crescente alta nos índices de violência contra a mulher e os discursos velados que
objetificam o corpo feminino. Vale destacar também que a referida dissertação tratou
especificamente do estudo da linguagem, construindo uma ponte entre a representação
da figura feminina em canções sertanejas e a linguística aplicada. Contieri (2015)
apontou que sua pesquisa objetivou fornecer subsídios para professores de Língua
Portuguesa que se interessam em trabalhar o gênero canção em sala de aula a partir
de uma perspectiva crítica voltada para a interculturalidade e a leitura positiva da
pluralidade social, incentivando sempre a realização de debates sobre assuntos
diversos que possam promover uma leitura crítica das diferenças. Para a autora, a
Educação é o caminho para a aproximação do ser humano e para a desconstrução das
diferenças.
Em síntese, podemos inferir que todos os textos aqui analisados estão de certa forma
relacionados, pois tratam da temática da mulher que, inserida numa sociedade
machista, luta para se emancipar dessa situação de inferioridade e submissão. As
pesquisas apresentadas, no geral, abordam de forma clara e objetiva os movimentos
feministas e as conquistas alcançadas por esses movimentos, além de fazerem um
levantamento histórico da constituição do gênero e da construção da imagem feminina
ao longo dos anos. Foi possível observar, em todos os textos, o reconhecimento de que
a figura feminina vem sendo, há milhares de anos, massacrada e submissa aos
homens, tendo seu corpo objetificado e inferiorizado por meio de discursos machistas
que se solidificaram ao longo da história. No entanto, é preciso lembrar que, no atual
estágio da evolução humana, essas práticas não podem e nem tão pouco devem
existir, sendo, portanto, necessário o trabalho árduo para a desconstrução da visão
dominadora criada em torno da imagem feminina.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se
compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a
23
No que tange aos estudos sobre o dialogismo, Bakhtin (2006; 2011) afirma que, numa
comunicação dialógica, o interlocutor e o locutor se comunicam em pé de igualdade, um
fala enquanto o outro escuta e logo em seguida responde. Assim, o “eu” contribui com o
discurso do “outro” e não existe o conceito de palavra acabada, pois tudo o que é dito
se dirige ao futuro, mas se mescla no passado, ou seja, falamos em resposta a um
discurso enquanto esperamos a resposta do outro e, dessa forma, o sistema dialógico é
interminável. Sobre esse assunto Moreira (2009, p. 51) afirma que:
[...] o que o homem fala, escreve, lê, vê, por exemplo, está povoado por outros
discursos, por outras vozes alheias as quais fazem os nexos entre o presente e
o passado, por isso que toda atividade humana não é monológica, pois o
homem está em interação com a sociedade na qual (con)vive com o outro, seja
face a face, seja por meio de contatos com esse outro através da obra de arte,
da pintura, da poesia ou de outros discursos [...] (MOREIRA, 2009, p. 51).
Como se nota, de acordo com a teoria das relações dialógicas proposta por Bakhtin
(2006; 2011), é possível ver no discurso do “eu” partes do discurso de “outrem”, uma
vez que nós, enquanto seres humanos, nos projetamos no outro tal qual o outro se
projeta em nós, ou seja, as nossas enunciações são construídas a partir da nossa
interação com o outro e com o meio no qual estamos inseridos. Sobre essa questão,
Bezerra (2018) assevera que não podemos compreender, conhecer e afirmar nosso
próprio „eu‟ (o „eu para mim‟) sem as contribuições do outro.
Outro conceito amplamente estudado pelo Círculo de Bakhtin e muito importante para a
presente pesquisa, diz respeito aos gêneros do discurso. Bakhtin (2011) aponta que
todo gênero é enunciado e que os enunciados são as unidades reais de comunicação.
Para o teórico, um enunciado é um dito (ou escrito, ou mesmo pensado) concreto e
único, irrepetível. Mesmo ao proferir a mesma sentença, ela terá outra entonação
expressiva, outra acentuação, outro momento de fala, nunca será passível de repetição,
por isso, dizemos que todo enunciado é único. Os enunciados geram significação e se
valem da língua para a sua materialização. Vale ressaltar que as dimensões
características do enunciado são o seu conteúdo temático, o seu estilo e a sua
24
Ainda sobre os gêneros do discurso, é importante destacar que Bakhtin (2011) o define
como sendo “tipos relativamente estáveis de enunciados”, relativamente porque eles
não têm estabilidade, se modificam no decorrer da história. Ainda segundo o autor, nós
falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera do discurso. Os
gêneros podem ser primários ou secundários, os primários se definem nas situações
comunicativas cotidianas, espontâneas e informais, enquanto os secundários aparecem
em situações comunicativas mais complexas, como os enunciados técnicos, as teses
científicas, etc. Vale dizer que os gêneros primários integram os gêneros secundários,
ou seja, em seu processo de formação, os gêneros secundários incorporam e
reelaboram vários tipos de gêneros primários. Em relação a essa integração entre os
gêneros primários e os gêneros secundários, Machado (2018, p. 161) complementa
que:
Durante o processo de sua formação, os gêneros secundários absorvem e
assimilam os gêneros primários (simples) que se constituíram na comunicação
discursiva imediata. Os gêneros primários, ao integrarem os gêneros
secundários, transformam-se e adquirem uma característica particular: perdem
sua relação imediata com a realidade dos enunciados alheios. (MACHADO,
2018, p. 161).
A letra de música, objeto de análise deste trabalho, pode ser considerada como um
gênero secundário, pois, apesar de absorver e reelaborar os gêneros primários, faz
parte de uma esfera comunicativa mais elaborada, a artística, isto é, o gênero letra de
música se organiza de forma literária e não como acontecimentos comunicativos do
cotidiano. Cabe dizer ainda que toda a criação de uma letra de música demanda um
grande esforço para a escolha das palavras a serem usadas, levando sempre em
consideração a entonação, a versificação e as rimas, fazendo com que o autor-pessoa
tenha um trabalho intelectual maior na formulação das enunciações a serem utilizadas.
Outro ponto relevante a ser destacado se refere à presença da dialogia em uma letra de
música. Muitos podem pensar que em um texto escrito não existe a troca de
experiências, isto é, não existe interação, o que é incorreto, pois o dialogismo, como
25
aponta Bakhtin, é muito mais do que a relação face a face (locutor x interlocutor),
podendo estar presente numa obra de arte que apreciamos, numa poesia, numa
pintura, etc. Em uma letra de música, por exemplo, a dialogia pode estar nas vozes, nos
discursos (machistas, patriarcalistas, de objetificação da mulher) que se manifestam por
meio da voz discursiva.
Vale ressaltar que a escolha das palavras e a sua disposição ao longo da letra da
música estão intimamente ligadas com as interações sociais, culturais e históricas
vivenciadas pelo seu autor-pessoa. Dessa forma, podemos inferir que ao escrever uma
letra que objetifica o corpo feminino, possivelmente, esse autor integra um meio que
cultua e naturaliza essa prática, isso pode não ser a intenção direta dele, mas é algo
que faz parte da sua criação, da sua interação social.
Esse nível, ao exercer forte influência no jogo social, por ser o sistema de
referência constituído e apossado pela classe dominante, se impõe na relação
com a ideologia do cotidiano, e dá o tom hegemônico nas relações sociais,
porém não único e nem neutro, visto que as contradições sociais ainda
persistem nas bases econômicas daquele grupo social.
Diante do exposto, podemos concluir que, na visão bakhtiniana, todas as relações são
construídas a partir da interação social, que se dá por meio das relações dialógicas, isto
27
De acordo com Belmiro et al (2015, p. 2), o termo objetificação surgiu no início dos anos
1970 e consiste em enxergar determinado indivíduo como objeto, não levando em
consideração seu lado emocional e/ou psicológico. Por muitos anos, as mulheres foram
consideradas como objetos de propriedade do homem, quando solteiras, pertenciam a
seus pais e, após casadas, a seus maridos. Muitas foram as lutas feministas para
alcançar os direitos que temos hoje, porém continuamos a ser objetificadas por meio de
discursos velados, disfarçados de declarações de amor, uma vez que estamos
inseridas em uma sociedade culturalmente patriarcal e machista.
28
Sobre esse assunto, Simone de Beauvoir (1967, p. 9) afirma que “ninguém nasce
mulher: torna-se mulher”, sendo a cultura e o meio no qual estamos inseridos os
responsáveis por atribuir todas as características imbricadas na terminologia mulher,
visto que não nascemos com determinada visão de mundo, aprendemos a partir da
socialização. Ainda de acordo com Beauvoir (1967), a mulher é o “segundo sexo” não
por questões biológicas e/ou naturais, mas sim pela educação que recebeu e pelas
escolhas que fez ao longo da vida, ou seja, são as questões sociais, culturais e
históricas que a tornam o que ela é. Portanto, o fato de ser biologicamente do sexo
feminino, por si só, não caracteriza a mulher como inferior e submissa ao homem, mas
sim o ambiente e as situações de interação nas quais ela foi submetida. Cabe dizer que
todo o discurso machista pretende fazer com que o homem continue em posição
dominante.
Outro ponto importante a ser destacado é a objetificação do corpo da mulher negra, que
é muito maior do que o da mulher branca. Para exemplificar isso, levemos em
consideração a época da escravidão no Brasil. Nesse período, o corpo da mulher negra
era tido como propriedade de seu patrão branco, sendo as escravas, por diversas
29
vezes, violentadas ainda na infância, por esses homens. As mulheres brancas tendo
conhecimento dessas relações agressivas e, forçadas, nada faziam para impedir, talvez
por medo do marido ou, possivelmente, pelo fato de quererem preservar o de esposa.
Sobre esse assunto, hooks (2013, p. 129) afirma que:
Como se nota, a mulher, desde o nascimento, já é vista pelo homem com um olhar de
subordinação, uma vez que o homem se vê e age como o outro absoluto e dominante,
e essa subordinação feminina torna-se ainda mais latente quando se trata de mulheres
negras, como bem pontuou hooks na citação acima. Sobre essa questão, Sojourner
Truth, citado por Ribeiro (2016), afirma que a situação da mulher negra é extremamente
diferente da situação da mulher branca. Essa diferença pode ser constatada ao analisar
o percurso das conquistas históricas: enquanto as mulheres brancas lutavam pelo
direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas como
pessoa (TRUTH, 1851 apud RIBEIRO, 2016, p. 101). Sobre a difícil missão de ser
mulher negra em uma sociedade de supremacia branca, Kilomba, citada por Ribeiro
(2016), acrescenta que:
Por não serem nem brancas, nem homens, as mulheres negras ocupam uma
posição muito difícil na sociedade supremacista branca. Nós representamos
uma espécie de carência dupla, uma dupla alteridade, já que somos a antítese
de ambos, branquitude e masculinidade. Nesse esquema, a mulher negra só
pode ser o outro, e nunca si mesma. (...) Mulheres brancas tem um oscilante
status, enquanto si mesmas e enquanto o “outro” do homem branco, pois são
brancas, mas não homens; homens negros exercem a função de oponentes
dos homens brancos, por serem possíveis competidores na conquista das
mulheres brancas, pois são homens, mas não brancos; mulheres negras,
entretanto, não são nem brancas, nem homens, e exercem a função de o
“outro” do outro. (KILOMBA, 2012 apud RIBEIRO, 2016, p. 102)
30
Como apontado acima, a luta da mulher negra é dupla, pois ela precisa lutar contra os
preconceitos por ser mulher em uma sociedade machista, ao mesmo tempo em que luta
contra os preconceitos de ser negra em uma sociedade historicamente racista. Nesse
sentido, embora tenha-se consciência de que muito devemos às mulheres negras no
que tange a questões raciais, se faz necessário a união e a irmandade feminina em
busca da dizimação da objetificação do corpo feminino e, principalmente, em busca da
igualdade entre homens e mulheres.
Diante de toda essa opressão vivida pelas mulheres ao longo da história, surge o
movimento feminista, que luta em favor da equidade de gênero. Esse movimento pauta-
se na busca pela igualdade de direitos, de oportunidades, de melhores salários e,
principalmente, na busca pelo direito de ir e vir sem sentir-se intimidada ou ameaçada.
Bandeira e Melo, citadas por Gregori (2017), afirmam que as principais reinvindicações
do movimento feminista foram:
3
Cf. matéria disponível em: https://www.jlpolitica.com.br/colunas/politica-mulher/posts/8-de-marco-
avanco-na-legislacao-foi-crucial-para-garantir-direitos-da-mulher. Acesso em: 10 mar. 22021.
31
conjugal. Antes desse estatuto, a mulher era considerada incapaz e precisava pedir
autorização do esposo para exercer diversas atividades.
Tanuza Oliveira (2021) destaca ainda que outro grande passo em direção à liberdade
feminina foi a criação da primeira Delegacia da Mulher em 1985. No entanto, vale
destacar que foi somente com a Constituição Brasileira de 1988 que a mulher passou a
ser reconhecida como igual ao homem. Em 2002, a virgindade da mulher deixou de ser
motivo para anulação do casamento. No ano de 2006, mais uma grande conquista
feminista, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) foi sancionada, visando à proteção das
mulheres no âmbito familiar. Em 2015, foi aprovada a Lei do Feminicídio (Lei
13.104/2015) e, em 2018, a importunação sexual feminina passou a ser considerada
crime (Lei 13.718/2018).
Mesmo após tantas conquistas, as mulheres ainda necessitam travar, diariamente, uma
luta para conseguirem se afirmar e se manter na sociedade atual como sujeito livre,
com igualdade de direitos, o que não é uma tarefa fácil, pois, para a concreta e
definitiva efetivação desse direito, se faz de extrema importância a desmontagem dos
conceitos atribuídos social e historicamente ao longo dos anos à mulher. Márcia Tiburi
32
(2013), em reportagem para o site Uol, afirma que o feminismo consiste numa luta
constante pelos direitos das mulheres, mas constitui também numa desmontagem da
terminologia “mulheres”. Para ela, é preciso desmistificar todos os atributos dados ao
sexo feminino durante décadas, não se pode mais tratar a mulher como sexo frágil e/ou
como inferior ao sexo oposto, é necessário trabalhar em prol da extinção de discursos
machistas, que objetificam o sexo feminino, pois esses discursos agem a fim de
silenciar e/ou desmerecer a voz feminina.
Nesse sentido, a autora Djamila Ribeiro (2019) afirma que, ainda hoje, vivemos em um
país extremamente desigual, onde as mulheres ainda não conquistaram seu lugar de
fala, sendo o feminismo de fundamental importância para que a mulher se desvencilhe
das culpas que recaem sobre ela pelo simples fato de ser mulher.
Por fim, vale ressaltar que muito já foi feito e conquistado pelas mulheres, porém ainda
é preciso lutar para assegurar que discursos velados, escondidos atrás de versos, não
continuem perpetuando o machismo e exaltando a figura masculina enquanto o corpo
feminino continua a ser objetificado. Dessa forma, a presente pesquisa buscou, a partir
da análise das letras de músicas sertanejas aparentemente inofensivas, desnudar os
discursos machistas de objetificação do corpo feminino que estão escondidos atrás das
ditas “declarações amorosas”, presentes nas canções.
As considerações expostas nesta seção foram usadas na análise das letras das
canções sertanejas, no tópico cinco deste trabalho de conclusão de curso.
33
4 METODOLOGIA
A presente pesquisa cujo objetivo foi o de analisar letras de músicas sertanejas teve por
finalidade demonstrar a presença de discursos machistas que objetificam a figura
feminina. Para tanto, os procedimentos metodológicos foram adotados a partir da
abordagem bibliográfica qualitativa, sendo utilizados como instrumentos para a coleta
de dados a análise de material escrito: artigos, livros, conteúdos oficiais disponibilizados
na internet e as letras das músicas selecionadas. Sobre a pesquisa qualitativa Denzin e
Lincoln, citados por Contieri (2015), afirmam que:
Ainda sobre a pesquisa qualitativa, Vieira e Zouain (2005) apontam que a pesquisa
qualitativa atribui importância fundamental aos depoimentos dos atores sociais
envolvidos, aos discursos e aos significados transmitidos por eles. Dessa forma, a
pesquisa zela pela descrição minuciosa dos elementos e dos fenômenos que a envolve.
A pesquisa bibliográfica, por sua vez, é importante por permitir a busca para a solução
de um problema a partir de documentos já publicados. Sobre essa modalidade de
pesquisa, Severino (2007) afirma que se trata de uma pesquisa realizada a partir de
registros já disponíveis, decorrentes de estudos anteriores, ou seja, de dados ou
categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados.
Na terceira e última etapa deste estudo, foi realizada a análise das três letras de música
sertaneja brasileira selecionadas anteriormente. Como critério de seleção das canções,
utilizamos o site: https://www.youtube.com.br para termos acesso às mais visualizadas
nos últimos 3 anos (2017 a 2020). As músicas selecionadas foram: 1) Amante não tem
lar, interpretada pela cantora Marília Mendonça; 2) Namorada Reserva, interpretada
pela dupla Hugo e Guilherme; e 3) Propaganda, interpretada pela dupla Jorge e
Matheus.
Vale destacar que o site de onde as letras das músicas foram extraídas foi escolhido
por representar, atualmente, a maior plataforma de compartilhamento de vídeos do
Brasil. A referida plataforma é usada diariamente por milhares de brasileiros que
buscam entretenimento e pela maioria dos artistas para divulgação de seus trabalhos.
Por fim, é válido mencionar que procuramos demonstrar, nas letras das músicas
selecionas, elementos linguísticos que comprovassem o uso de discursos machistas
que, de alguma forma, objetificam a imagem feminina e/ou a tratam como inferior à
masculina.
35
5 ANÁLISE DO CORPUS
A primeira letra a ser analisada é a da canção Amante não tem lar, publicada em 13 de
janeiro de 2017 no canal oficial da cantora sertaneja Marília Mendonça na plataforma
digital Youtube. Vale destacar que, no dia 02 de abril de 2020, o vídeo contava com
370.086.591 visualizações. No dia 08 de maio de 2021 às 15h40m, já eram
394.738.887 visualizações, o que corresponde a um aumento de 24.652.296
visualizações em 401 dias, número considerável em se tratando de uma canção em
que a própria mulher (voz discursiva presente no texto) se coloca inferior ao homem.
Vale ressaltar que o dialogismo pode ser visto na letra da música Amante não tem lar
por meio dos discursos de submissão que estão dispostos ao longo da canção, uma
vez que as vozes que falam no texto ratificam a presença de enunciados machistas e
patriarcalistas que tratam a figura feminina como objeto. O discurso de submissão
presente nessa letra de música nasce como resposta a um discurso que já existe, ou
seja, esse discurso se constitui a partir de vários outros discursos, tendo em vista que,
como aponta Bakhtin (2011), nada é dito uma única vez, retomamos a discursos já
ditos, tanto para concordar com ele como para discordar. No caso dessa canção, os
discursos evidenciam a presença da objetificação da figura feminina em nossa
sociedade.
A partir do título do texto “Amante não tem lar”, é possível pressupor que o tema a ser
desenvolvido será sobre um triângulo amoroso. A palavra “amante” ao ser empregada
em conjunto com a expressão “não tem lar” nos remete a alguém que vive um
relacionamento com uma pessoa comprometida. O vocábulo “lar”, de acordo com o
dicionário on-line Michaelis, significa “casa onde habita uma família, domicílio,
habitação” e/ou “conjunto de pessoas que vivem nessa casa, geralmente, pai, mãe e
filhos (família)”. Assim sendo, podemos inferir que a voz discursiva empregou a palavra
“lar”, nesse enunciado, com uma grande carga sentimental a fim de trazer para
discussão toda a significação de família, companheirismo, respeito e amor.
37
Na primeira estrofe “Só vim me desculpar / Eu não vou demorar / Não vou tentar ser
sua amiga / Pois sei que não dá”, podemos observar que a amante vai ao encontro da
esposa com o intuito de pedir desculpas. O verbo vir (vim), no pretérito perfeito, indica
que o locutor já está com o seu interlocutor, ou seja, ao que parece, a amante já está
na porta da residência da outra mulher. Na sequência, temos as locuções verbais, no
presente do indicativo, mostrando o fato que está acontecendo naquele exato
momento. Nesse trecho, percebemos também que a amante se reconhece como
culpada e, em função disso, não espera que a esposa seja afetuosa e grata a ela,
tornando-se sua amiga. No trecho analisado acima, percebemos claramente uma
reiteração da submissão da amante.
A segunda estrofe: “Você vai me odiar / mas eu vim te contar / que faz um tempo eu me
meti no meio do seu lar”, nos leva a perceber que a voz discursiva além de culpabilizar
a mulher (a amante) pela traição do marido, quando afirma que se colocou no meio do
relacionamento do casal, acaba incentivando a rivalidade entre mulheres, uma vez que
evidencia-se apenas o ódio da esposa para com a amante, mas, em nenhum momento,
menciona-se esse mesmo ódio pela figura masculina.
Na sequência, o trecho “Sua família é tão bonita / Eu nunca tive isso na vida / E se eu
continuar assim eu sei que não vou ter”, a voz discursiva, de maneira superficial, faz um
elogio à família de seu amante e afirma que, se permanecer sendo amante, jamais
chegará a ter algo parecido com uma família bonita e feliz. Nesse sentido, fica implícito
que a voz discursiva nutre uma inveja da esposa, pois esta tem o que aquela gostaria
de possuir. O último verso “e se eu continuar assim eu sei que não vou ter” indica que
as intenções da voz discursiva, ao expor esse caso, não foram inocentes e
desinteressadas, ou seja, a exposição desse caso extraconjugal poderia dar à voz
discursiva a chance de deixar de ser amante e passar a ser esposa.
É importante dizer que a voz da outra mulher (esposa) sempre é dita pela amante,
evidenciando, assim, a presença da exotopia nessa letra. O discurso da esposa é
construído a partir do olhar da amante e só acontece porque esta já parte do
38
pressuposto de que ninguém gosta de ser traído, como uma crença construída há anos
e que acabou se tornando senso comum. É válido lembrar que, em alguns países, a
poligamia é legalizada, entretanto, só é permitido ao homem ter mais de uma esposa e
à mulher só é permitido ter um marido. Isso nos mostra que a inferiorização da mulher
não acontece apenas no Brasil, visto que é um problema a ser superado em diversos
países do planeta.
Os três primeiros versos do refrão, “E o preço que eu pago / É nunca ser amada de
verdade / Ninguém me respeita nessa cidade”, evidenciam a mulher sendo obrigada a
arcar sozinha com os erros cometidos pelo casal, erros esses que a fazem não ser
respeitada no local onde vive e até o julgamento de não merecer ser amada. No
entanto, o maior questionamento gira em torno do motivo pelo qual as falhas dela são
mais cruelmente punidas do que as falhas do seu amante. Por que o preço de uma
determinada atitude é mais cara para uma mulher do que para um homem e, por fim,
por que ser amante é ruim para a mulher e não é para o homem? A resposta é simples,
porque nossa sociedade enxerga a figura feminina como inferior à masculina, e isso
pode ser comprovado se analisarmos a diferença salarial entre homens e mulheres que
desempenham a mesma função no mercado de trabalho. De acordo com reportagem
do site CNN Brasil4, a mulher ganha em média 19% a menos que o homem, mesmo
tendo as mesmas qualificações que ele. Outro ponto destacado é a escassez de
mulheres em cargos de chefia, dado que raramente as empresas confiam esses cargos
a elas, e, quando os confiam, as mulheres ganham em média 33% a menos que o
homem.
Em seguida, o trecho “Amante não tem lar / Amante nunca vai casar” evidencia o que a
sociedade prega como sendo o desejo de toda mulher, que é o de se casar e ter um lar.
Entretanto, atualmente, ser esposa não constitui uma vontade comum a todas as
mulheres, uma vez que muitas almejam estudar, trabalhar e ser independentes. No
entanto, para a nossa sociedade, parece que a mulher só se realiza se tiver um
casamento sólido, um lar seguro e um esposo provedor. Vale mencionar que ainda não
se aceita o fato de as mulheres serem e merecerem mais, de poderem ou não
quererem casar e ter filhos. O casamento pode até ser um desejo de muitas, mas, sem
sombra de dúvidas, não é o objetivo de todas.
4
Cf. matéria disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/04/02/mulheres-ganham-19-
menos-que-homens-no-topo-diferenca-e-de-mais-de-30. Acesso em: 03 jun. 2021.
40
No fragmento “Amante não vai ser fiel / amante não usa aliança e véu”, o uso do
vocábulo “fiel” deixa explícito que a voz discursiva acredita que a amante jamais se
tornará esposa. Vale ressaltar que a palavra “fiel” é uma gíria comumente usada em
letras de funk do Rio de Janeiro e, assim como no dicionário online Dicio, seu
significado é mulher ou amigo fiel e/ou que merece fidelidade. Outro ponto a ser
destacado em relação a esse trecho diz respeito à menção feita aos substantivos “véu”
e “aliança”, que constituem símbolos de grande importância nos enlaces matrimoniais.
Podemos dizer que o uso desses verbetes reforça a crença enraizada em nossa
sociedade de que a mulher só será feliz e realizada se conseguir se casar.
Essa letra de música nos mostra o quão machista nossa sociedade é. Por meio dela,
observamos um discurso proferido em voz feminina que inferioriza a mulher do início ao
fim, evidenciando, desse modo, que o machismo não está sendo disseminado apenas
pelo sexo oposto. Os discursos de ódio, que insistem em culpabilizar a mulher pelos
erros nos relacionamentos, tendem a criar uma certa rivalidade entre as mulheres,
levando-as a se colocarem umas contra as outras, eximindo sempre o homem de seus
erros. É válido acrescentar que essa letra de música reitera a submissão feminina em
cada verso, pois a voz discursiva feminina se inferioriza e se desvaloriza a todo
instante.
Por fim, podemos inferir que a mulher é objetificada nessa letra a partir do momento em
que aceita se submeter ao papel de amante, que concorda passivamente com a
posição de submissão delegada a ela, que, mesmo tendo consciência de que a culpa
não é individual, assume o erro sozinha, eximindo o homem de tudo. Nessa canção, a
voz discursiva reitera que o patriarcalismo está enraizado em nossa sociedade, o que
para nós precisa ser desconstruído para que tenhamos uma sociedade mais igualitária.
Youtube. Vale destacar que, no dia 02 de abril de 2020, o vídeo contava com
36.191.117 visualizações. No dia 08 de maio de 2021, às 15h40m, contabilizava
42.477.586 visualizações, o que corresponde a um aumento de 6.286.469 visualizações
em 401 dias, número considerável em se tratando de uma canção que deturpa tanto a
imagem da mulher. Na sequência, ampliamos o que estamos pontuando.
A partir da análise do título da canção, Namorada Reserva, é possível inferir que a sua
letra abordará a figura feminina como um objeto, ou seja, um item de propriedade de
alguém, usado para a satisfação de seus desejos e vontades. Para ratificar isso,
trazemos a significação do vocábulo “reserva”, extraído do dicionário on-line Dicio, que
define reserva como o “ato ou efeito de reservar”, ou ainda “qualquer coisa que se
mantém guardada, para ser usada mais tarde ou em situações inesperadas”. Logo, a
expressão “Namorada Reserva”, de imediato, nos remete a uma mulher, tratada nesse
contexto, como um objeto sexual que está sob a propriedade da voz discursiva e que
será usada, quando necessário.
No primeiro verso, “na noite anterior outra vez me negou amor”, a voz discursiva inicia a
canção justificando a infidelidade que foi cometida, dando a entender que a culpa pelo
caso extraconjugal vivido se deve à negativa da mulher em ceder às investidas. Vale
destacar que, por meio da expressão “outra vez”, infere-se que essa não é a primeira
negativa dada pela mulher, ou seja, já houve outras. Nesse primeiro verso, podemos
observar que o locutor (voz discursiva) fala e espera uma resposta de seu interlocutor,
que parece permanecer em silêncio, no entanto, como é sabido, numa comunicação
43
dialógica, o silêncio, por si só, já se caracteriza como uma resposta, e essa situação vai
se repetindo ao longo da canção.
No segundo verso, é possível observar que a voz discursiva parece fazer uma ameaça
velada à mulher. Ao dizer “foi você quem você negou amor”, a voz discursiva transmite
a ideia de que, ao se recusar a satisfazer os seus desejos, a mulher está por si só se
prejudicando. Nesse trecho, é reafirmado o tratamento da mulher enquanto objeto, ao
dizer que, se ela se opor a algo, sairá perdendo. Evidencia-se, assim, a falta de escolha
dada à figura feminina, o que cerceia o seu direito de decidir o que é melhor para ela.
Ressaltamos ainda que a expressão “negou amor”, empregada várias vezes no
decorrer do texto, está relacionada ao ato sexual e não somente ao sentimento amor.
Procurou e achou
Me flagrou fazendo errado
44
Nos versos “lembra aí quando a gente fez amor, diz então / que eu ajoelho e te peço
perdão”, observamos novamente um discurso que coloca a culpa da infidelidade na
figura feminina, evidenciando o seu tratamento enquanto objeto de propriedade de
outrem. Nesse trecho, é condicionado um pedido de desculpas a uma lembrança de
quando foi a última vez em que o casal se relacionou intimamente. Dessa forma,
podemos dizer que os versos acima citados deixam claro que, para a voz discursiva, se
a mulher tivesse sido submissa aos seus desejos, nada de errado teria acontecido.
A referida estrofe inicia questionando se a mulher se recorda das tantas vezes em que
não quis se relacionar com a voz discursiva. O emprego da expressão “lembrou não
né?” soa como uma ironia, já que a mulher é chamada a se sentir culpada pelos erros
do outro. Fica implícito que a voz discursiva parece dizer que a mulher não se recorda
dos fatos, mas foi porque não quis se submeter sexualmente, e que, por esse motivo,
procurou satisfazer-se em outro lugar.
45
Nos versos: “então não estressa/ e não xinga quem me dá amor/ toda vez que você me
nega”, observamos que a mulher é orientada a não se exceder e a não ofender a
pessoa que sempre atendeu as vontades da voz discursiva. Nota-se, pelo emprego dos
verbos e pelo emprego do vocábulo “não”, que não se trata de um pedido e sim de uma
ordem, visto que, em nenhum momento, a voz discursiva faz uso de termos como por
favor, por gentileza ou palavras de maior cordialidade.
Vale destacar também que o trecho “e não xinga quem me dá amor”, nos permite
enxergar um episódio muito comum em nossa sociedade: que é o costume de
culpabilizar a mulher pelos erros em um relacionamento. Isso pode realçar a rivalidade
entre mulheres, na relação em que elas disputam a mesma pessoa, prova disso é que
basta nos atentarmos ao fato de que a canção evidencia a ira da mulher pela amante
dita pela voz discursiva, expressada pela vontade de xingá-la, mas, em nenhum
momento, cita-se essa mesma ira por outra voz.
Nos quatro primeiros versos, “amante não, respeita ela / Minha namorada reserva ai ai
ai” (2x), podemos observar que, superficialmente, a voz discursiva pretendeu valorar a
figura da mulher ao dizer que ela não seria apenas uma amante, mas sim uma
“namorada reserva”, porém, de maneira implícita, a voz discursiva fez uso de um
eufemismo, ou seja, usou um termo mais agradável para dizer exatamente a mesma
coisa. Vale dizer que o vocábulo amante, nesse contexto, refere-se à pessoa que
mantém um relacionamento escondido com alguém comprometido. Outro ponto a ser
destacado em relação ao trecho mencionado é o emprego do pronome possessivo
“minha”. Esse termo imprime ao substantivo namorada uma relação de propriedade, é
46
Vale ressaltar que, ao escrever uma canção, uma pessoa não a escreve
aleatoriamente, cada palavra empregada no texto vem carregada de ideologia, nada é
inédito, tudo advém do discurso do outro, que foi absorvido, ressignificado e
reacentuado por ela. Em função disso, podemos inferir que só foi possível encontrar a
presença de um discurso que objetifica a figura feminina na letra dessa canção, porque
estamos inseridos em uma sociedade patriarcalista, que ainda enxerga a mulher como
objeto, como um ser submisso e oprimido.
47
Por fim, podemos afirmar que a objetificação da figura feminina, nessa letra de música,
pode ser vista nos versos em que a voz discursiva se refere a uma mulher como sendo
sua “namorada reserva”, isto é, como sendo um objeto para sua distração, quando
necessário. Nessa canção, como na anterior, temos uma voz dialógica que promove os
ideais de uma sociedade patriarcal e machista que reduz a mulher a um mero objeto
sexual, que promove e dissemina um discurso que além de culpabilizar a mulher, a
inferioriza e a objetifica.
cultura de nossa sociedade e vem sendo disseminado naturalmente ao longo dos anos.
Outro ponto relevante a ser destacado é que, nessa canção, como nas anteriores, a
mulher sempre é dita pelo olhar do outro (exotopia), não tem voz e não expressa suas
opiniões e desejos.
Ao analisarmos a letra da referida canção, podemos inferir que a voz discursiva refere-
se a uma voz masculina, o que pode ser evidenciado a partir do emprego do
substantivo “doido” como pode ser visto no trecho: “Tá doido que eu vou fazer
propaganda de você”. Pode-se afirmar também que a voz que fala no texto sempre se
refere a uma mulher, isso se exemplifica a partir do emprego dos pronomes femininos
“ela” e “minha” e pelo emprego da expressão “quando ela está naqueles dias”, se
referindo ao período menstrual das mulheres. Observa-se, ainda, que a maioria dos
verbos usados na construção dessa letra estão em terceira pessoa do singular, no
presente do indicativo. Exemplifica-se o que foi dito acima a partir dos trechos: “Ela
queima o arroz / quebra copo na pia / machuca o dedinho”.
No verso “Ela queima o arroz”, a voz discursiva quer incutir sobre a mulher uma
imagem negativa, de alguém que deveria naturalmente possuir habilidades culinárias,
mas que não consegue preparar um alimento tão comum em solo brasileiro, o arroz. No
verso seguinte, “Quebra copo na pia”, a mulher é julgada por quebrar um objeto, como
se fosse algo que ela fizesse frequentemente e de forma proposital. Assim, a voz
discursiva parece querer que os outros vejam a mulher retratada nessa letra de música
como sendo uma pessoa descuidada. O terceiro e quarto versos “Tropeça no sofá /
Machuca o dedinho e a culpa ainda é minha” ratificam a ideia de descuido da figura
feminina, uma vez que afirma que esta entra em atrito direto com o estofado,
machucando-se por puro descuido. Nesse trecho, observa-se também uma certa
vitimização da voz discursiva, quando afirma que a mulher deseja colocar-lhe a culpa
por todas as coisas erradas que faz.
No verso “Ela ronca demais”, a voz que fala no texto evidencia o que para ela seria um
grande defeito para a mulher, que levaria uma pessoa a desistir de se relacionar com
ela, que é o fato de respirar com ruído enquanto dorme. Vale destacar que esse
“defeito” é considerado algo tão comum quando se trata do sexo masculino, mas, para
a mulher, é visto como algo extremamente ruim e/ou desprezível. O segundo verso,
“Mancha as minhas camisas”, intensifica o que a nossa sociedade espera da figura
feminina, que é a de ser uma empregada em sua casa, de ser a pessoa responsável
por lavar as roupas. Nesse trecho, observa-se que a mulher é julgada e menorizada por
ter manchado uma ou mais camisas, reforçando a visão de servidão imposta sobre a
figura feminina.
No terceiro e último verso dessa estrofe, “Dá até medo de olhar quando ela tá naqueles
dias”, a voz discursiva deixa em evidência a opinião que tem acerca da alteração de
humor vivida pela mulher em seu período menstrual, visão essa que é compartilhada
50
Na próxima estrofe, temos os motivos pelos quais a voz discursiva elencou todos esses
defeitos para a mulher:
No verso “É isso que eu falo pros outros”, a voz discursiva parece reconhecer que ela
passa para os outros uma imagem deturpada dessa mulher. No verso seguinte, “Mas
você sabe que o esquema é outro”, a voz revela que essa imagem que ele passa para
os outros não é real e que, na verdade, é tudo ao contrário. Vale destacar que, a partir
do emprego da gíria “o esquema é outro”, a voz afirma que a mulher tem consciência de
todas as qualidades que possui, bem como de sua opinião sobre ela, e que, em função
disso, não precisa ficar brava ou receosa, uma vez que sabe que tudo é mentira.
No último verso “Só faço isso pra malandro não querer crescer o olho”, observa-se uma
justificativa para todo o discurso de desdenho da voz discursiva para com a figura
feminina. A voz afirma que só age dessa forma porque pretende afastar da mulher
qualquer pessoa que possa se interessar por ela. Nesse verso, percebemos o emprego
de duas gírias muito comuns, a saber: 1) o vocábulo “malandro”, que é usado pela voz
discursiva para nomear um outro homem que venha a se interessar pela sua mulher e;
2) a expressão “crescer o olho”, utilizada, nesse contexto, para exemplificar uma
possível manifestação de outrem pela esposa da voz discursiva.
No refrão, temos:
51
No primeiro verso da estrofe acima, “Tá doido que eu vou fazer propaganda de você”, a
voz discursiva afirma que jamais falará bem dessa mulher, que não propagará
nenhuma informação positiva dela. Vale destacar que ao empregar o substantivo
masculino “doido”, a voz parece fazer uma referência a ela mesma, o que nos permitiu
inferir que a voz que fala no texto trata-se de uma voz masculina. Nos versos, “Isso não
é medo de te perder, amor / É pavor, é pavor”, a voz discursiva explica que sua
motivação para não expor as qualidades da mulher é o pavor que sente ao pensar na
possibilidade de perdê-la.
Por fim, no último verso, “É minha, cuido mesmo, pronto e acabou”, o emprego do
pronome possessivo “minha” indica a posse que a voz discursiva exerce sobre a figura
feminina. A voz que fala no texto afirma ainda que, por acreditar que a mulher pertence
a ela, detém o direito de cuidar como lhe parecer mais viável e que não aceita críticas
ou indagações, como pode ser percebido pelo emprego da expressão “cuido mesmo,
pronto e acabou”.
por ela. É válido mencionar que a voz discursiva é representada, nessa canção, com
uma visão individualista e dominante do eu, um eu que sempre fala pelo outro, e esse
outro é sempre objetificado. No entanto, em alguns versos da música, parece que o eu-
lírico pretende dar voz à mulher, mas é só uma estratégia para reiterar seu poder e
domínio sobre ela.
Com o resultado dessas análises, é possível apontar que, mesmo após a mulher ter
conquistado seu lugar na sociedade, a forma como é vista e representada, nas letras de
músicas, continua sendo povoada por uma visão carregada de machismo e de
patriarcalismo. Observamos a mulher sempre sendo dita pela voz do outro, sempre
sendo silenciada, o que nos leva a crer que a equidade de gênero ainda está longe de
ser alcançada.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, buscou-se analisar de que maneira a objetificação da mulher pode ser
observada em letras de músicas sertanejas brasileiras. Para embasar este trabalho de
conclusão de curso, bem como as análises discursivas das canções selecionadas, foi
realizado um levantamento teórico de alguns termos sobre linguagem defendidos por
Bakhtin, como o dialogismo, a atitude responsivo-ativa, os gêneros do discurso, a
exotopia e a ideologia. Já no campo dos estudos sobre o feminismo, sua trajetória, lutas
e conquistas, utilizamos as pesquisas realizadas por bell hooks, Simone de Beauvoir,
Djamila Ribeiro, dentre outras. Cabe salientar que, em ambos os campos de pesquisa,
as contribuições dos referidos autores foram de extrema importância para o
desenvolvimento deste estudo.
Diante da teoria exposta e a partir das análises apresentadas, podemos concluir que a
figura feminina ainda é tratada socialmente como subalterna, o homem é tido como
superior e a mulher como sua submissa. A objetificação do corpo feminino está
presente em todas as três canções analisadas: na primeira (Amante não tem lar),
quando a mulher aceita se submeter ao sexo masculino; na segunda, quando é tratada
como uma namorada “reserva” e, na terceira (Propaganda), quando é exposta pela voz
discursiva como um produto à venda. Fato é que, nas três letras, essa objetificação
acontece de maneira sutil, nada muito explícito, o que leva muitas pessoas a julgarem
os discursos ali presentes como declarações afetuosas.
Outro ponto relevante é o fato de que, muito embora as pessoas acreditem que não
compactuam com discursos que desmerecem a mulher, o simples fato de aceitarem a
propagação dos mesmos em silêncio, por si só, já é uma resposta positiva a esse tipo
de discurso. Quando estamos em contato com textos como os analisados, sejam eles
livros ou letras de músicas, de alguma forma, estamos interagindo com a voz
discursiva, ora discordando de suas ideias, ora concordando, mas sempre em
constante movimento de interação. Nesse sentido, precisamos ficar atentos ao tipo de
discurso que estamos tendo acesso e, consequentemente, ajudando a promover, para
que não contribuamos, de forma alguma, com a disseminação de enunciações que
estão carregadas de machismo, de preconceito e de ameaças veladas.
É necessário lembrar também que tudo o que falamos ou fazemos é construído a partir
da interação com o outro e com o meio em que vivemos. Nosso discurso está
impregnado do discurso do outro, tudo o que falamos está comprometido
ideologicamente com a nossa história, bem como com a história da sociedade. Em
função disso, aceitar que fazemos parte de uma sociedade machista, patriarcalista, que
desvaloriza e que trata a mulher como objeto, reconhecer que essas crenças estão
dentro de nós, como resultado das nossas interações humanas, e admitir que
precisamos lutar diariamente contra elas já constituem um grande avanço no caminho
da desconstrução do machismo e do patriarcalismo em nossa sociedade.
Diante do exposto, cabe dizer que a expectativa no que tange aos resultados desta
pesquisa é a de fazer com que as pessoas passem a observar as letras das músicas
que escutam com um olhar crítico e que possam reconhecer, antes de tudo, os
discursos que desmerecem determinado grupo social ao mesmo tempo em que
reafirmam o poder de grupos dominantes. Por fim, e diante do exposto, afirmamos que
se faz necessário posicionamentos contra discursos que objetificam a figura feminina,
que a tratam com inferioridade. Não basta silenciar, é preciso falar e lutar pela equidade
56
de gênero, pois não existe mais espaço para atitudes machistas, visto que as mulheres
merecem e precisam de respeito.
57
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da Criação Verbal. 6. ed. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2011. 512 p. Introdução e Tradução do russo: Paulo Bezerra.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: a experiência vivida. 2. ed. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1967. 499 p.Tradução de: Sérgio Milliet. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/0B3sgNLsYp01IcTktVW9saEZiaGc/view?resourcekey=0-
xjlzoyXD16YZGNiz-M36WA. Acesso em: 08 jun. 2021.
BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed.
São Paulo: Contexto, 2018. p. 191-200.
BUENO, Samira; LIMA, Renato Sérgio de. Dados de violência contra a mulher são a
evidência da desigualdade de gênero no Brasil. Site G1. São Paulo, 08 mar. 2019.
Violência, p. 1-1. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-
violencia/noticia/2019/03/08/dados-de-violencia-contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-
desigualdade-de-genero-no-brasil.ghtml. Acesso em: 17 nov. 2019.
58
ELIAS, Juliana. Mulheres ganham 19% a menos que homens – no topo, a diferença é
de mais de 30%. Site CNN Brasil. São Paulo, p. 1-1. 02 abr. 2021. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/04/02/mulheres-ganham-19-menos-que-
homens-no-topo-diferenca-e-de-mais-de-30. Acesso em: 03 jun. 2021.
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Só vim me desculpar
Eu não vou demorar
Não vou tentar ser sua amiga
Pois sei que não dá
Procurou e achou
Me flagrou fazendo errado
O que pra mim tá certo
Lembra aí quando a gente fez amor, diz então
Que eu ajoelho e te peço perdão
Lembrou não né ?
Então não estressa
E não xinga quem me da amor
Toda vez que você me nega.