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UNIVERSIDADE DE UBERABA
FERNANDA DE LIMA ALMADA

O AMOR SOFRIDO NA POEMÁTICA DE FLORBELA ESPANCA

UBERABA – MG
2008
1

FERNANDA DE LIMA ALMADA

O AMOR SOFRIDO NA POEMÁTICA DE FLORBELA ESPANCA


Trabalho de Conclus•o de Curso apresentado
como requisito para a gradua‚•o em Psicologia
na Universidade de Uberaba sob a orienta‚•o de
Andrƒia Attiƒ Fran‚a.

UBERABA – MG
2008
2

FERNANDA DE LIMA ALMADA

O AMOR SOFRIDO NA POEMÁTICA DE FLORBELA ESPANCA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como requisito para a graduação em Psicologia
na Universidade de Uberaba sob a orientação de
Andréia Attié França.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________
Profa. Me. Andréia Attié França - Orientadora
Universidade de Uberaba - UNIUBE

_________________________________________________
Profa. Bárbara Calife
Universidade de Uberaba - UNIUBE

_________________________________________________
Dr. Jorge Antônio Nunes Bichuetti
3

Àqueles que não hesitam em viver e sentir a poesia...


4

AGRADECIMENTOS

Ao papai e „ mam•e, que partilharam a ang…stia e v†rios dos momentos que vieram a
compor este trabalho.

Aos meus irm•os, Dany e Dudu, que mesmo distantes sempre estiveram comigo de
alguma forma.

Ao meu Amor, Leo, pelo colo e pela paix•o.

‡ minha orientadora, Prof. Me. Andrƒia Attiƒ Fran‚a, pela compreens•o, entusiasmo,
estˆmulo, paci‰ncia e dedica‚•o em t•o competente orienta‚•o; por me fazer acreditar que era
possˆvel e pelo companheirismo sempre.
‡ professora B†rbara Calife, pelos olhares e palavras confortantes, por ter respondido
“sim” ao lhe ser feito o convite para a composi‚•o da banca examinadora.
Ao professor Jorge Bichuetti, pelos ensinamentos para alƒm da forma‚•o profissional
e por ter consentido fazer parte da banca examinadora deste humilde trabalho.
Aos amigos sempre fiƒis, sobretudo Vi Gon‚alves, JŒ Souza, Heitor Dias, Michel
Luiz, Lah Lopes, Carol Zanetta, Lu Tsukamoto e Vi Varaldo pela cumplicidade, pelo
compartilhar de l†grimas e sorrisos e pelo sincero apoio.

‡ madrinha Rita, por tudo aquilo que agrade‚o alƒm do alcance das palavras.

‡ prima Raquel e ao tio Edinho, pelo altruˆsmo e dedica‚•o consumidos no tempo


disponibilizado „ retifica‚•o do trabalho e „s t•o breves quanto produtivas conversas.

A toda minha famˆlia, pelo grande apoio e sincera torcida.

Ao grupo de orienta‚•o, pelo acolhimento, paci‰ncia e auxˆlio.

Aos colegas de curso, pela coopera‚•o m…tua, uni•o e conseq•entes aprendizados.

Aos professores, pela contribui‚•o ˆmpar ao longo dessa jornada, deixando, cada um,
um pouco de si dentro de nŽs.

A Ana Cl†udia Moraes Merelles Bezz, Derivaldo dos Santos, Fabˆola Cristina Melo,
Joselita Izabel Jesus, Lˆdia de Jesus Craveiro, Maria Rita de Abreu Maia e Michelle
Vasconcelos Oliveira do Nascimento, pela cordialidade ao conceder suas pesquisas, pilares
deste trabalho.

A todos que contribuˆram, direta ou indiretamente, para a realiza‚•o desta pesquisa.


5

“O amor enlouquece... Mas tamb•m cura; faz sorrir e sonhar”.


(BICHUETTI, 2000, p. 95)
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RESUMO

ALMADA, Fernanda de Lima. O Amor Sofrido na Poemática de Florbela Espanca. 2008.


78 p. Trabalho de Conclus•o de Curso. Gradua‚•o em Psicologia, Universidade de Uberaba,
Uberaba, Minas Gerais. Orientadora: Andrƒia Attiƒ Fran‚a.

Florbela Espanca versa, atravƒs de seus poemas, o Amor de maneira descentrada, arrebatadora
e funesta. No presente trabalho de natureza qualitativa visamos adentrar no tema do Amor na
poem†tica florbeliana que se apresentou como constituˆdo em fun‚•o da falta e do sofrimento,
sendo ambos tanto causa quanto conseq•‰ncia do ato de amar. O estudo foi mediado pelas
contribui‚•es teŽricas de alguns autores, dentre eles: Comte-Sponville, Carl Gustav Jung e
leitores de Jacques Lacan. Ao olharmos para o tema central - o Amor - encontramos alguns
elementos que dele se ramificaram: a melancolia, o sofrimento, a dor, a ang…stia e a morte.
Percebemos que a arte poƒtica de Florbela tenta dizer o indizˆvel, causando e sendo causada
por ecos da ang…stia, do sofrimento devastador, da melancolia e do desejo de morte. Ao
brincar com as palavras a poetiza comp•e trechos nos quais revela o amor como suposto
preencher do lugar do objeto eternamente faltante ou como algo da ordem do incognoscˆvel,
do desconhecido e do enigm†tico. Os versos refletem a ang…stia que parece advir da d…vida e
do medo diante do possˆvel perigo da experi‰ncia de perda e nadifica‚•o, ou seja, o temor
iminente de ver cair o porta-dor a quem se dedica o amoroso investimento pulsional e de
vislumbrar mais alƒm o horror do abismar-se. Tambƒm a dor ou aquilo que se sente quando o
mal est† instalado se presentifica constantemente no oceano poƒtico florbeliano, uma vez que
a poetisa canta a dor intrinsecamente ao amor e „s frustra‚•es atreladas a ele. Ainda pelos
mar-l-es, Florbela navega a respeito da condi‚•o melancŽlica - de se estar profundo
sofrimento, desprovida de interesse pelo mundo exterior, grande abatimento e arrefecimento
do amor voltado a si mesma - quando chora o estado fr†gil de des•nimo em rela‚•o „
realidade externa e quando espanca como quem rudemente se auto-deprecia. O “eu-lˆrico”,
nos poemas, sugere o anseio pela morte que tende a se representar na raiz das mais funestas
a‚•es, quando as mesmas procuram alˆvio de tens•es e conflitos no mundo externo. Ademais,
articulamos o mito de Dafne e Apolo, algumas produ‚•es da poetisa e o pensamento
junguiano; sendo que nesse interc•mbio destacamos que a poesia diz tanto quanto dizem os
mitos, principalmente em rela‚•o ao desenvolvimento por meio da consci‰ncia e compreens•o
de si e do mundo. Ao final, contemplamos que as composi‚•es florbelianas germinam
inspiradas no universo sombrio, talhadas na uni•o do amor com a morte e com o nada; por
outro lado, consideramos que os conte…dos abarcados em algumas proposi‚•es teŽricas
ressoam tambƒm em seus versos, j† que ambos clamam o humano; contudo, o formato desse
estilo invocativo se apresenta de forma distinta e com muito mais bela-arte.

Palavras-chave: Florbela Espanca. Amor. Sofrimento.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Foto, Florbela Espanca. ESPANCA, Florbela. Sonetos Completos, 1934, p 2.. .. 29
Figura 2: Manuscrito de Florbela Espanca. Ibid., p 4........................................................ 45
Figura 3: Apolo e Dafne, de Gian Bernini. Página da Mitologia: Apolo e Dafne............ 62
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SUMÁRIO

UMA HISTÓRIA DE CAÇA AO TESOURO............................................................... 9


1 MAPAS, BÚSSOLAS E CONSTELAÇÕES............................................................... 18
2 O CAMPO DE BELA FLOR........................................................................................ 23
2.1 AS MÁSCARAS DO DESTINO DE FLORBELA ESPANCA......................... 24
2.2 RAÍZES: FLORBELA, PORTUGAL E A LITERATURA MODERNISTA.. 27
3 OS VERSOS QUE TE FIZ... ......................................................................................... 30
3.1 AMAR! AMAR!.................................................................................................. 33
3.2 CASTELÃ DA TRISTEZA: MELANCOLIA E DOR NA POESIA DE
FLORBELA............................................................................................................ 41
3.3 ANGÚSTIA: CLAUSTRO DE SÓROR SAUDADE........................................ 47
3.4 À MORTE......................................................................................................... 51
4 FLORBELA, JUNG E O MITO DE DAFNE E APOLO.......................................... 57
4.1 OS MITOS E A PSICOLOGIA ANALÍTICA................................................. 58
4.2 A POESIA FLORBELIANA, O MITO DE DAFNE E APOLO E JUNG....... 60
5 QUAL O VALOR DO TESOURO? ............................................................................ 68
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 74
9

Uma História de Caça ao Tesouro


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UMA HISTÓRIA DE CAÇA AO TESOURO

EMBARQUEMOS!

Malas prontas? Embarquemos já!


Prepare-se, pois será uma longa viagem...
O destino? Descobriremos durante o caminho... Mas não há nada a temer... ou há?
Enfim, junte-se aos demais navegantes e compartilhe na trajetória...
A quem? Como? Por quê? Bem... Cremos que estas são perguntas que poderão ser
respondidas ao longo dos pensamentos exteriorizados nos tempos que se seguirão...
Chegaremos a ter tais repostas?
Talvez...
Enfim, deixemo-nos ser levados pelo balançar das águas...
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L‘GUAS E MAIS L‘GUAS

Ao leitor, um pedido: licen‚a poƒtica para a apresenta‚•o de uma relembran‚a na


primeira pessoa do singular.

Os primeiros ventos sopravam...

A mente procura em suas mais emudecidas lembran‚as identificar o momento crucial


de escolha por esse caminho...
Descreveria o agora como um momento nost†lgico, reflexivo, introspectivo.
Aspirando essa fragr•ncia suave do incenso de benjoim, ao som de Pink Floyd bem ao fundo,
como que sentindo o delicado e uniforme movimento das ondas que a proa da embarca‚•o vai
talhando. Lembro-me bem que aos dezesseis anos, quando ainda no primeiro ano do ensino
mƒdio, naquela …nica escola da pequena cidade, deparava-me com tantas novidades,
descobertas, ansiedades, medos frente „s escolhas e, conseq•entemente, frente „s d…vidas
sobre qual caminho seguir. Ou pior! Quais caminhos decidir explorar!
Foi nesse perˆodo que presenciei uma ƒpoca bastante turbulenta na vida de duas
primas: ambas cursavam o …ltimo ano da faculdade, Fisioterapia e, ƒ claro, Psicologia.
Cheia de curiosidade, n•o diferente do estado comum, por vezes, era espectadora das
longas conversas, nas quais essas primas contavam sobre os apuros, dificuldades, alegrias,
vitŽrias, enfim, seus sentimentos naquele momento decisivo de suas vidas.
Deslumbrava-me com cada express•o e emocionei-me de maneira …nica ao v‰-las
recebendo o t•o suado “canudo”...
Ansiava, sonhava com aquele momento, meu momento acad‰mico.
Mas, que momento seria esse? Como haveria de ser?
Eis que surgia mais um problema da adolescente: Escolher um curso... Uma futura
profiss•o!
Sem d…vidas, o fascˆnio frente „s palavras de minha prima “PsicŽloga” foi intenso.
Ouvia como ou‚o aquela m…sica que me deixa maravilhada... Como me sinto admirada ao ler
uma poesia comovente.
Estava a se iniciar minha paix•o pela Psicologia... Sim, uma paix•o um tanto „s cegas,
mas j† uma paix•o!
Busquei saber um pouco mais sobre essa ci‰ncia que me incitava um sentimento t•o
surpreendente. Comecei a me interessar pelos escritos relacionados „ Psicologia, procurei me
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imaginar estudando mais intimamente „s quest•es psicolŽgicas e, sobretudo, cultivava dentro


de mim a esperan‚a de trazer naturalmente comigo os subsˆdios “natos” indispens†veis para
ser uma psicŽloga.
Devido a ter sempre vivido na mesma cidade, construˆ amizades fortes, sŽlidas, „s
quais sempre me dediquei e seria hipocrisia dizer que os refor‚os desses amigos quanto „
minha paci‰ncia para ouvir, minha sensibilidade e vontade permanente de sempre ajudar o
outro (qualquer que fosse...) n•o me entusiasmaram ainda mais a seguir em frente com a idƒia
de escolher pela Psicologia. Sim! Por mais que hoje eu tenha consci‰ncia que esses n•o s•o
elementos t•o decisivos, devido a se imbricarem a quest•es pessoais, n•o nego que me senti
estimulada pelos amigos que aquilo me diziam.
Esses amigos e, obviamente, minha famˆlia foram os primeiros tripulantes que, junto
comigo, embarcaram nesse navio.

E surge o monstruoso ser marítimo

Zarpamos! Alguns, no momento da partida, n•o puderam ir... Ficaram, mas com a
mente junto „quela viagem... tornando a dist•ncia uma mera quest•o fˆsica, mantendo a
proximidade por meio do pensamento.
Estava „ espera daquele t•o falado obst†culo monstruoso... e o temia! Eu era uma
vestibulanda!
A Universidade de Uberaba se mostrou uma op‚•o, uma vez que parte de minha
famˆlia reside na cidade de Uberaba e em suas proximidades, facilitando a resolu‚•o do
problema de moradia e gastos; j† que, sem essa facilidade, n•o seria possˆvel realizar o estudo
almejado. Relacionado „ mesma finalidade, realizei a prova buscando desconto de cinq•enta
por cento.
Venci aquela batalha e a certeza da vitŽria foi quando vi meu nome no segundo lugar
da lista de aprovados! A felicidade foi ainda maior quando me deram a notˆcia de que eu
havia ganhado bolsa integral pelo PROUNI! Ultrapassei aquele empecilho abomin†vel!
E a viagem sŽ estava come‚ando...

A Nau

O caminho, de agora para frente, era uma incŽgnita...


Sem medo, porƒm apreensiva, cheguei „ cidade de Uberaba, e quanta dificuldade.
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Foi exaustivo o processo de matrˆcula: tantos papƒis, filas quilomƒtricas e a


necessidade de provar que eu realmente precisava daquela bolsa de estudos.
Ufa! Cada remada n•o foi em v•o!
E depois? Depois... Apenas as expectativas. Afinal, j† podia sentir aquele espa‚o como
minha futura casa de aprendizagem!
Confesso, estava perdida em minha ansiedade, mas tinha certeza de que aquilo tudo
logo se tornaria familiar.
Primeiro dia de aula, o cora‚•o insistia em se agitar! E n•o se podia esperar menos...
Era um caminho entre tantos! Pessoas ansiosas, primeiros contatos, professores, colegas de
sala (futuros amigos... companheiros... irm•os!).
Desbravar a terra desconhecida era o objetivo naquele momento.

Nebulosas Tempestades

O bom tempo parecia estar mudando. Tudo havia corrido muito bem atƒ ent•o. Mas as
nuvens negras pareciam correr no cƒu que, de s…bito, se abrumou. O negrume e o intenso
nevoeiro avisavam que a tempestade confusional estava prŽxima...
Quantos nomes estranhos... Matƒrias s•o “MŽdulos”... de “tal” Unidade Tem†tica?
Pontua‚•es distribuˆdas de modo t•o diferente. E eu me perguntava: Para qu‰? Confesso,
ainda me pego perguntado sobre essas quest•es, embora tenha me acostumado com essas
“complexidades”.
Tantas novas informa‚•es sobre a Psicologia! E eu achava que sabia um pouco sobre
essa ci‰ncia. Quanta pretens•o a minha...
Humanismo, SŽcio-HistŽrica, Analˆtica, Comportamental ou seria Cognitivo-
Comportamental? Ou mais ainda! As duas op‚•es?! O leque come‚a a se abrir. A princˆpio,
n•o sabia se me esclarecia ou se me confundia ainda mais com a Psicologia. Ela ia alƒm de
Freud e a Psican†lise! Como eu poderia imaginar?

Trabalhos... Tantos trabalhos, desde a composi‚•o de parŽdias ao condicionamento de


um rato; n•o qualquer rato! Mas o nosso, o nosso “Ernestino Sandoval Tchutchaitchunight”,
mais conhecido como “Ernest”... o rato do trio que sempre se manteve junto „ bordo: Vi, JŒ e
F‰. N•o era a boa e velha garrafa de Run, mas foi preciso muito cafƒ e “rock and roll” para
conseguirmos nos manter despertas e concluirmos todas as tarefas solicitadas.
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Distante... de quê?

A viagem continuava e havia aquela sensa‚•o de falta, de busca por algo


desconhecido. O destino era desconhecido.
O que seria o tesouro?
Onde ele estaria?
Estudamos “Desenvolvimento Humano” e impressionei-me com o quanto s•o
importantes e decisivos os primeiros anos de vida do ser humano, mas me atraˆ
verdadeiramente pelas quest•es adolescentes. Quem vivenciou n•o ir† se esquecer daquele
intermin†vel “PortfŽlio”. Estou certa que nenhuma pessoa sequer conseguir† apagar tal
trabalho de sua mente.
Penso que esse estudo tenha contribuˆdo consideravelmente para a primeira escolha do
tema do Trabalho de Conclus•o de Curso, o t•o temido T.C.C., que, a princˆpio, parece ter
sido pensado de maneira um tanto “megalomanˆaca”, uma vez que, ao se tratar de “mƒtodos
de re-socializa‚•o de adolescentes em conflito com a lei”, visava esclarecer tais “mƒtodos” a
fim de estruturar esses indivˆduos enquanto ainda no est†gio da vida em que se encontravam,
e n•o simplesmente negligenci†-los.
Sem saber direito o porqu‰, acreditei, desde esse momento da viagem, que meu T.C.C.
seria realizado nesse •mbito. N•o sabia ao certo o que pretendia, mas isso era sŽ uma quest•o
de tempo...

Neblinas se dissipando...

O cƒu j† n•o estava t•o l…gubre, mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde voltaria a
parecer melancŽlico...
Quinto perˆodo. Diversos “mŽdulos”. Mas um em especial chamava mais minha
aten‚•o, preocupava-me. N•o seria muito cedo para a decis•o do tema do T.C.C.?
“Normas da ABNT”. Como se j† n•o bastasse o qu•o sufocada me sentia pela
obriga‚•o de escolha definitiva do tema, teria ainda que me preocupar com isso.
N•o sabia ainda ao certo o que pretendia pesquisar. Isso me preocupava bastante.
Ali†s, consideravelmente! Talvez tamanha preocupa‚•o tenha sido o motivo do adiamento da
realiza‚•o do projeto solicitado. Uma defesa. Quem sabe?
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Paralelamente „s quest•es acad‰micas, deparei-me com a frustra‚•o de, “por falta de


tempo”, desistir do curso de viol•o que havia iniciado h† oito meses no ConservatŽrio Renato
Frateschi.
Foi um Žtimo momento para tal decis•o. Minha decep‚•o quanto „ desist‰ncia do
curso de viol•o parece ter me for‚ado a canalizar a necessidade de manter a m…sica, de outra
forma, presente efetivamente em minha vida. Ent•o, como um insight, surgiu a idƒia! Sendo a
m…sica, a meu ver, ƒ claro, um excelente meio de sensibiliza‚•o, por que n•o poderia
contribuir para o processo de re-socializa‚•o de adolescentes em conflito com a lei?
Foi assim que, de s…bito, quando pensava que n•o veria o cƒu azul novamente, enfim
delimitei meu tema de maneira a me sentir consideravelmente atraˆda pelo mesmo, unindo a
quest•o do adolescente em conflito com a lei, que j† me interessava de maneira t•o estim†vel,
com a m…sica, simplesmente inef†vel.
O alˆvio foi indescritˆvel, bem como a satisfa‚•o ao redigir as …ltimas linhas do
projeto, escrito com tanta pressa, mas com proporcional dedica‚•o.
O descanso do fim do semestre confrontava-se com a consterna‚•o acerca dos est†gios
que se iniciariam no prŽximo perˆodo. Mas, “estamos aqui pra isso!”.
E na pr†tica, enfim, senti um pouco daquilo que ƒ “ser psicŽlogo”.
A tristeza quando tinha a sensa‚•o de “tanto trabalho por nada” era destruˆda quando
recebia um feedback por meio de um sorriso ou um abra‚o vindo de uma e outra crian‚a nos
est†gios.
Tantas cobran‚as, pesquisas, trabalhos e, sobretudo, quanta responsabilidade! Em
conseq•‰ncia, sentia o quanto crescia a cada dia, mesmo tendo que optar por me empenhar
mais em certos mŽdulos e, infelizmente, menos em outros.
Carregava v†rios pequenos tesouros durante a viagem, tesouros pequenos e eternos...
Mas havia um em especial „ minha espera.

À Deriva: As máscaras do meu destino1

A viagem continuou, a princˆpio, empolgante, porƒm, depois de dois encontros com o


primeiro orientador de T.C.C. e sem entender o motivo, me vi sem rumo... solta... „ deriva...
As leituras de Foucault, antes prazerosas, tornaram-se martˆrios! A sociologia parecia
ser um pŽlo id‰ntico ao meu, pois nos repelˆamos!

1
Alus•o ao livro “As M†scaras do Destino”, de Florbela Espanca.
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O desespero tomou conta. Como andar sobre a rampa rumo aos tubar•es?
Tentei continuar, mas n•o podia mais suportar aquilo. Navegava em cˆrculos, fugindo
de mim mesma...
N•o queria pensar sobre o que deveria ser feito e me refugiava em outras leituras:
poesias, sobretudo aquelas que condensam o sofrimento, o amor, a desesperan‚a, a morte,
como em ’lvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Lord Byron, H. P. Lovecraft e a belˆssima
Florbela Espanca.
O que eu n•o sabia era que quanto mais me aconchegava nestes ref…gios, mais
prŽxima estava do meu mais nobre tesouro.

LEVANTAR “NCORA!!!

Um Novo Destino

N•o podia mais me esconder de mim mesma, de meu destino atƒ ent•o mascarado.
Os versos de Florbela Espanca cada vez mais me encantavam. Eles estavam cada dia
mais em mim. E foi em um dia aparentemente normal, enquanto fazia uso do “escape
Poesia”, que, quase sem querer, fiz a grande descoberta!
O entusiasmo diante dessa descoberta foi indescritˆvel! As palavras, versos, poesias de
Florbelíssima s•o partes constituintes do mapa que me conduzir† ao meu tesouro maior!
Ent•o, foi pensada a uni•o entre Florbela e os ditos de C.G.Jung. Essa alquimia pŒde
ser realizada parcialmente devido „ uni•o com uma tripulante lacaniana fundamental - maruja
- a qual foi escolhida a dedo por conta de sua gra‚a, afabilidade e compet‰ncia; para quem
quase implorei a honra de t‰-la na embarca‚•o como minha nova orientadora.
Enfim... Levantar •ncora!

Companhia! Tripulação à ativa

Tal maruja trouxe consigo novos tripulantes para a embarca‚•o! Esses, membros do
grupo de pesquisa.
Todos no mesmo barco! Cada um procurando por seu maior tesouro.
Fui feliz ao me deparar com tais embarcadi‚os. Fui acolhida como se j† fizesse parte
do grupo e ali j† sentia todos como conhecidos de antigas viagens marˆtimas.
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O auxílio mútuo é a maior característica e alçar conhecimentos rumo ao nosso


enriquecimento é o objetivo em comum!
Isso... ninguém pode negar!

SEGUIR VIAGEM

Antes de tudo, devo confessar que sinto essa, uma viagem diferente de todas que já
realizei. É como me desprender daquilo que me aflige deixando parte dessa aflição ser sugada
pela água salgada do oceano no qual navego ou pelas teclas do computador.
Saliento agora, que desde a primeira palavra dita, sinto a necessidade de anunciar algo
que ainda não sabia onde melhor caberia, deixei-o para o final.
Tanto mistério para dizer coisa tão óbvia quando vinda de mim:
A inquietação provocada pela busca da realização desse trabalho fez-me experienciar
sentimentos bastante suntuosos. A presença foi tão significativa que chegou a se mostrar
presente em minha mente, digo sem exagero, durante muitos momentos, em todos os dias,
considerando os últimos meses da minha vida. Esteve presente, nas noites agitadas, até
mesmo em meu mundo onírico.
Agora? Agora estou pensando nas primeiras linhas de tudo isso.
Algumas perguntas ainda não têm respostas. Mas posso dizer que nada se compara aos
momentos nos quais voltamos à reflexão interna, obtendo a satisfação de poder nos esclarecer
sobre nós mesmos e adquirir o ânimo necessário para não fraquejar, não sucumbir frente ao
que ainda pode estar por vir... E ainda há muito por vir!
Mulheres a bordo trazem azar? Oras, esse é o tipo de fala proveniente de piratas
inexperientes e covardes.
Portanto... Todos a bordo!
Estender velas! O tesouro está cada vez mais próximo!
18

Mapas, Bússolas e Constelações


19

1 MAPAS, BÚSSOLAS E CONSTELAÇÕES

Ao nos aventurarmos, jogando-nos aparentemente „ solta ao mar do saber, tivemos um


mˆnimo de cautela. N•o pudemos negar que as amarras e armadilhas das †guas nos obrigaram
a seguir suas regras... Mas n•o vimos tais normas como amea‚as, afinal n•o querˆamos ser
engolidos por elas, n•o ƒ mesmo?
A nossa b…ssola primeira chamamos de “Pesquisa Qualitativa” e quem nos fala sobre
ela ƒ Minayo (1994), dizendo que tal tipo de pesquisa corresponde ao modo de mirar a
realidade, isto ƒ, ela n•o pode apenas ser quantificada, pois se baseia em percep‚•es, cren‚as,
valores e atitudes que n•o podem ser balizados e representados somente atravƒs de n…meros.
Ainda sobre o mƒtodo qualitativo, Minayo (1999, p.24) enfatiza que:

Os autores que seguem tal corrente n•o se preocupam em quantificar, mas,


sim, compreender e explicar a din•mica das rela‚•es sociais que, por sua
vez, s•o deposit†rias de cren‚as, valores, atitudes e h†bitos. Trabalham com
a viv‰ncia, com a experi‰ncia, com a continuidade e tambƒm com a
compreens•o das estruturas e institui‚•es como resultado da a‚•o humana
objetiva. Ou seja, desse ponto de vista, a linguagem, as pr†ticas e as coisas
s•o insepar†veis.

Sendo assim, a mesma autora ressalta que em pesquisa qualitativa n•o s•o utilizados
procedimentos estatˆsticos ou equacionais para se chegar a resultados reduzidos aos n…meros
como se faz em pesquisa quantitativa; ao invƒs disso, como instrumentos, a pesquisa
qualitativa utiliza a interpreta‚•o dos dados, sendo eles n…meros ou n•o, bem como da
significa‚•o desses, permitindo assim o trabalho com an†lise de textos e possibilitando,
consequentemente, a reuni•o de dados que, ao fim do processo, tendem a resultar num
entendimento com um mˆnimo de diferencia‚•o sobre o que ƒ investigado.
De acordo com a mesma autora, a palavra, em qualquer tipo de discurso, ƒ o material
utilizado pela pesquisa qualitativa, atravƒs das falas, busca-se explanar os conte…dos nela
imersos.
Para a aquisi‚•o de material que tomamos como norte de nossa viagem, utilizamos o
levantamento bibliogr†fico ou referencial: materiais j† organizados e formalizados, como
livros, artigos cientˆficos, teses e disserta‚•es foram nossas estrelas-guias.
20

Tivemos conhecimento sobre o qu•o vastos s•o os mares e oceanos e soubemos


tambƒm que nosso tesouro se encontrava em um lugar ˆnfimo, t•o pequeno e quase invisˆvel,
mergulhado num gigantesco pƒlago sem fim.
Tudo bem, para alguns nosso tesouro pode parecer pequeno e sem valor, mas nŽs
como bons piratas que somos, justificamos nossa viagem cantando alto: buscamos algo mais
valioso que ouro e prata, pƒrolas ou diamantes, pois supera o que vemos „ nossa volta, nesse
mundo em que um artefato qualquer vale mais que um sorriso sincero. Portanto, pudemos
sustentar “nossos lemas” com o dito de Flaubert (apud JUNQUEIRA, 2003, p.42): “A vida ƒ
t•o horrˆvel que sŽ ƒ possˆvel suport†-la evitando-a. E isso pode ser feito vivendo no mundo
da arte”.
Buscamos pela arte! Somos entusiastas frenƒticos frente a ela!
Falar sobre a arte n•o ƒ algo simples, pois o simples falar ƒ exatamente o que n•o se v‰
plausˆvel em arte. A arte “n•o se deixa dominar por uma defini‚•o ou conceito, [e] ƒ
justamente aˆ que ela exerce seu fascˆnio: transporta o ser humano para alƒm de suas pretensas
certezas, fazendo-o mergulhar em um mundo novo, o mundo da cria‚•o”. (BEZZ, 2004, p.16)
A mesma autora esclarece tambƒm que todas as maneiras que os seres humanos
buscam como configura‚•o e cria‚•o s•o realizadas para alƒm de suas necessidades b†sicas e
imediatas. Isso, porque as formas de arte d•o energia para a fantasia.
Mas n•o buscamos algo relacionado a qualquer arte e sim uma em especial.
Aquela com seus ritmos e cad‰ncias prŽprios, rimas caracterˆsticas, conte…dos
expressivos, fortes e tocantes. Procuramos algo sobre a arte florbeliana, Florbela Espanca e
suas poesias singulares.
A interpreta‚•o ou concep‚•o de Amor, juntamente com outros elementos
concernentes a ele na poesia florbeliana foi o que, efetivamente, nos levou de encontro ao
tesouro.
Uma parte do nosso mapa apontou para a Psican†lise Francesa, especificamente, o
ensino de Jacques Lacan, que muito contribuiu para nossa busca. Esse tesouro costumou
parecer cercado de mistƒrios, do inesperado, do imprevisˆvel, na tentativa de dizer. Quando
n•o o conseguia - no sil‰ncio entre a …ltima e a prŽxima linha, em meio ao ritmo e aos
excessos - deixava surgir algo do inconsciente, pois, “o poeta e o inconsciente falam por
enigmas” (LEAL, 1992, p.2).
Em outras palavras, Bezz (2004, p.15) levanta a quest•o “N•o seria justamente o caos
o empuxo „ escrita?”.
21

O desejo de amar, de viver e também a morte, a angústia, a tristeza e a melancolia que


perpassam toda a poesia de Florbela parecem ser impulsos para a composição de uma poesia
após a outra, e outra, e outra; vangloriando a vida ou implorando pela morte, confiando ou
perdendo toda esperança em um amanhã de sorte.
Apresento-lhes agora, o roteiro da viagem, ressaltando que o intuito não foi realizar o
diálogo entre os teóricos, mas sim, a partir de Florbela, olhar para esses autores:
No capítulo O Germinar de uma Bela Flor, encontrou-se nossa passagem breve sobre
quem foi Florbela Espanca, algo acerca de sua história de vida e de como ela se manteve
dentro da tendência literária de sua época.
O capítulo seguinte, Os Versos Que Te Fiz, foi onde nos mantivemos mais tempo
ancorados. Primeiramente, constou-se a explicação sobre o que abarca a obra poética de
Florbela, além do adiantamento sobre os temas que em seguida foram tratados, sendo estes:
Amor, Melancolia, Dor, Angústia e Morte.
Em Amar! Amar!, o viajante teve a oportunidade de percorrer conosco pelo caminho
destinado ao Amor, esse sentimento tão explorado e que tantos tentam decifrar, aquilo que se
mostra o centro de tudo que concerne às poesias florbelianas. Realizamos um paralelo entre os
ditos sobre o amor de autores como Comte-Sponville, Johnson, Platão e Lacan e os ditos
sobre o amor em versos de Florbela.
Em Castelã da Tristeza: Melancolia e Dor na poesia de Florbela Espanca, foram
tratadas, como sugere o próprio subtítulo, a melancolia e a dor na poesia florbeliana, valendo-
se de exemplos em suas poesias, bem como de interlocuções baseadas em autores que
discorrem sobre os temas em questão, como Ginzburg, Beatriz Azevedo e Nasio.
Posteriormente, encontramos a ilha solitária da Angústia, Angústia: Claustro de Sóror
Saudade. Partimos do pressuposto de que a angústia, além de ser conseqüência do medo da
dor já sofrida pela perda, também é resultado de não conseguir dizer tudo o que se deseja.
A morte, temática freqüente na obra de Florbela, foi tratada em À Morte, baseando-se
na hipótese da pulsão de morte, conceito da psicanálise. Vimos desejo de morte e a visão
dessa condição como necessária.
No quarto capítulo, houve a tentativa de realizar um paralelo entre algumas poesias
florbelianas e o mito de Dafne e Apolo, baseando-se em conceitos Junguianos.
Em Qual o valor do tesouro foi realizada uma avaliação geral sobre toda viagem.
Gostaria de atentar que, apesar de a vida de Florbela nos levar, inevitavelmente, à
realizar ligações entre ela e seu eu-lírico, a proposta da presente pesquisa não foi tomar as
22

viv‰ncias de Florbela por meio de sua obra poƒtica. Inclusive, Rƒgio (apud BEZZ, 2004, p.51)
elucida que seria

[...] impossˆvel, atravƒs da obra de Florbela, conhecer a sua histŽria pessoal


ou sua biografia, visto que o que nasce dessa produ‚•o resulta apenas da
convincente express•o liter†ria que Florbela, enquanto artista, imprime a
seus versos – o que significa que a mulher que dessa obra emerge ƒ t•o-sŽ o
fruto do poder encantatŽrio da verossimilhan‚a, sendo precisamente isso o
que torna estƒtica essa poesia. [...] Lhe cabe, como coisa prŽpria sua,
[apenas] a insatisfa‚•o, a insaciabilidade, a ansiedade.

Agora j† sabemos por onde e como navegar...


Atravessamos j† as primeiras lƒguas...
Enfim... ‡ diante!!!
23

O Germinar de uma Bela Flor


24

2 O GERMINAR DE UMA BELA FLOR

2.1. AS MÁSCARAS DO DESTINO2 DE FLORBELA ESPANCA

O livro Sonetos (2000) traz, no Perfil Bibliográfico de Florbela Espanca, que na


madrugada do dia 8 de dezembro de 1894 ouviu-se o primeiro choro da poetisa portuguesa
Florbela d’Alma da Concei‚•o Espanca.
Florbela nasceu em Vila Vi‚osa, regi•o do Alantejo3, na casa em que morava sua m•e,
AntŒnia da Concei‚•o Lobo. O pai, o republicano Jo•o Maria Espanca, contudo, era casado
com Mariana do Carmo Ingleza.
Segundo Nascimento (2005) nos registros da Igreja Nossa Senhora da Concei‚•o de
Vila Vi‚osa constava que Florbela era “filha ilegˆtima de pai incŽgnito”. Da mesma forma se
encontrava o registro de Apeles, …nico irm•o de Florbela, filho de mesmo pai e mesma m•e,
que nasceu em 10 de mar‚o de 1897 e para quem Florbela direcionou muito afeto e a quem
dedicou muitas de suas composi‚•es. O casal de irm•os, desde o nascimento, viveu com o pai
e com a madrasta, a qual era madrinha de batismo de Florbela.
Jo•o Espanca reconheceu a poetisa oficialmente como filha apenas em 13 de junho de
1949, ano em que, se estivesse viva, Florbela completaria 55 anos. Jo•o Espanca faleceu em 3
de julho de 1954.
Bezz (2004) relata que Jo•o Espanca divorciou-se de Mariana Ingleza para se casar
com a empregada domƒstica da casa, Henriqueta de Almeida. Florbela e Apeles, portanto,
entre o nascimento e a mocidade, conheceram tr‰s “m•es”.
Sonetos (2000) apresenta tambƒm que durante a inf•ncia de Florbela, Jo•o Espanca
trabalhou como antiqu†rio, realizando muitas viagens, chegando a se tornar um dos pioneiros
na arte cinematogr†fica em Portugal, estendendo a paix•o pela fotografia „ Florbela, que foi
tomada por ele como sua modelo principal.
Ainda o livro Sonetos (2000) vem nos dizer que j† aos quatro anos de idade, no ano de
1899, Florbela come‚ou a freq•entar o curso prim†rio em sua cidade, Vila Vi‚osa, e
provavelmente aos oito anos, de maneira precoce e extraordin†ria, expressou pela primeira

2
Em refer‰ncia ao livro da autora, As M†scaras do Destino.
3
Regi•o ao sul de Portugal.
25

vez sua habilidade para a escrita poƒtica compondo seu primeiro poema: A Vida e a Morte,
datado de 11 de novembro de 1903.

A Vida e a Morte

O que ƒ a vida e a morte


Aquela infernal inimiga
A vida ƒ o sorriso
E a morte da vida a guarida

A morte tem os desgostos


A vida tem os felizes
A cova tem a tristeza
A vida tem as raˆzes

A vida e a morte s•o


O sorriso lisonjeiro
E o amor tem o navio
E o navio o marinheiro.
(ESPANCA apud BEZZ, 2004, p.54)

De acordo com o livro Sonetos (2000), no ano de 1908, AntŒnia Concei‚•o Lobo, m•e
de Florbela, faleceu aos 29 anos.
Ainda conforme o mesmo livro, Florbela e toda famˆlia se mudaram para ‘vora, a fim
de que Florbela pudesse dar continuidade aos estudos, ingressando no Liceu, onde
permaneceu atƒ 1912.
Segundo escritos do livro supracitado, no dia oito de dezembro de 1913, dia de seu
anivers†rio de 19 anos, Florbela se casou com Alberto de Jesus Silva Moutinho, colega de
classe desde o tempo dos estudos prim†rios. O casal se mudou para Redondo e passou por um
perˆodo de dificuldades financeiras. A situa‚•o os obrigou a retornar a ‘vora e morar na casa
de Jo•o Espanca, o que ocorreu em setembro de 1915, porƒm, no ano seguinte, o casal
regressou a Redondo e Florbela deu inˆcio „ obra Trocando Olhares, constituˆda de oitenta e
oito poemas e tr‰s contos.
Cabe ressaltar que, em 1916, dentre 347 alunos, Florbela foi uma das 14 mulheres
matriculadas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, curso que abandonou em
meados de 1920.

Em 1919, conforme Nascimento (2005), O Livro de Mágoas foi publicado e logo


Florbela j† come‚ou a compor novos manuscritos que, em 1923, foram publicados no livro
intitulado “Livro de SŽror Saudade”.
26

Tambƒm de acordo com Nascimento (2005), no ano de 1921 Florbela se divorciou de


Moutinho e dois meses depois se casou com AntŒnio Josƒ Marques Guimar•es, Alferes de
Artilharia da Guarda Republicana.
No Perfil Bibliogr€fico do livro Sonetos (2000) consta que Apeles e Florbela
correspondiam-se com freq•‰ncia, mantendo sempre a descontra‚•o e o bom humor em suas
cartas. Ele, graduado na guarda-marinha e prestes a se tornar primeiro-tenente da marinha.
De acordo com Nascimento (2005), em 1925 AntŒnio Guimar•es assinou o divŽrcio
com Florbela, que foi realizado para que ele pudesse se casar com outra mulher. No mesmo
ano, Florbela se casou com o mƒdico M†rio Pereira Lage, com quem viveu atƒ seu …ltimo dia,
em Matosinhos, Porto.
Anuncia a autora supracitada que, em 6 de junho de 1927, Apeles n•o escapou com
vida de um acidente num vŒo-treino. Seu corpo n•o foi encontrado e Florbela n•o pŒde
enterrar o t•o querido irm•o. Ela, ent•o, guardou peda‚os do avi•o destro‚ado e se pŒs a
escrever contos densamente compostos por temas como saudade, amor, dor e tristeza, que
compuseram o livro As M€scaras do Destino, dedicado a Apeles: “Ao meu irm‚o, ao meu
querido Morto”.
Em todo momento de sua vida, Florbela parece ter recorrido „ escrita como elemento
de express•o de seus sentimentos, inclusive

Em sua inf•ncia, a poesia parece ter sido um meio bastante especial de


aproxima‚•o com as pessoas queridas, como que uma generosa autodoa‚•o e
um presente carinhosamente oferecido, sobretudo ao pai e ao irm•o, objetos
de seu amor e dedica‚•o. (Sonetos, 2000, p.13)

ApŽs a morte de Apeles, Florbela se apresentou “quase sempre deprimida, fumando


em excesso e emagrecendo sensivelmente”. (Sonetos, 2000, p.17).
Como se pode ver em Sonetos (2000), foi por meio de poemas e contos que, em 1930,
Florbela iniciou sua colabora‚•o para as revistas: Portugal Feminino, Civiliza„‚o e Primeiro
de Janeiro, passando a participar de v†rias reuni•es com feministas e intelectuais. Alguns
meses depois, no dia 2 de dezembro de 1930, em seu di†rio, Florbela escreveu pela …ltima
vez, finalizando-o com a frase: “e n•o haver gestos novos nem palavras novas!”.
Nascimento (2005) diz que na madrugada de 7 para 8 de dezembro de 1930, num ato
premeditado, exatamente quando completava 36 anos, Florbela Espanca suicidou-se em
Matosinhos, ingerindo alta dose do barbit…rico Veronal.
27

A premedita‚•o do ato fica clara quando a mesma autora relata que Florbela deixou
uma carta destinada „ amiga Helena Cal†s Lopes, que a visitaria no dia de seu anivers†rio. Na
referida carta, a poetisa colocou duas instru‚•es especiais para serem realizadas em seu
enterro: que fossem colocados no caix•o as partes do avi•o de Apeles e que seu corpo fosse
coberto por flores.
A partir da histŽria da vida de Florbela, paralelamente „ sua escrita, muitas vezes, tem-
se a impress•o de que ambas se imbricam: dotadas de emo‚•es intensas, sentimentos fortes,
tristeza e sofrimento profundo. No entanto, deve ser lembrado que o presente trabalho n•o
tem como objetivo realizar uma an†lise da vida da poetisa, e sim, apenas uma discuss•o sobre
o que reflete sua poesia.

2.2 RA•ZES: FLORBELA E A LITERATURA MODERNISTA PORTUGUESA

A literatura Moderna em Portugal, de acordo com Faraco e Moura (1999), ƒ dividida


em cinco momentos. O primeiro momento, de 1915 a 1927, o segundo, de 1927 a 1940, o
terceiro, de 1940 a 1947, o quarto momento, de 1947 a 1960 e o quinto de 1960 „ atualidade.
Como j† foi colocado, Florbela viveu nos anos de 1894 a 1930, ƒpoca na qual se
percebia as primeiras tend‰ncias para o inˆcio do Modernismo portugu‰s, portanto, a poetisa
conviveu, predominantemente, com as obras da primeira etapa dessa dita Literatura Moderna.
Segundo os mesmos autores, o primeiro momento do Modernismo na literatura
portuguesa, conhecido como Orfismo, teve inˆcio em 1915 com o lan‚amento da revista
Orpheu, na qual se via aglomerada uma legi•o de artistas aut‰nticos e corajosos,
cognominados Orfistas, unidos por um propŽsito em comum: deixar perplexa a burguesia por
meio de suas obras irreverentes.
Ainda de acordo com Faraco e Moura (1999, p.429) “o orfismo registra inova‚•es,
sobretudo na poesia: o culto da velocidade como tema, o verso livre, a aproxima‚•o da poesia
com a prosa s•o tra‚os gerais dessa poesia”.
Destacaram-se, neste no movimento, os escritores Fernando Pessoa, M†rio de S†-
Carneiro e Almada Negreiros, que, juntamente com os demais membros do perˆodo Orfista,
conseguiram atingir o objetivo de escandalizar a burguesia.
Uma das produ‚•es que real‚aram o alvoro‚o crˆtico foi a poesia “Ode Triufal” de
Fernando Pessoa.
Eis um fragmento:
28

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!


Ser completo como uma m†quina!
Poder ir na vida triunfante como um automŽvel …ltimo-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me tudo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de Žleos e calores e carv•es
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaci†vel!
(PESSOA apud FARACO; MOURA, 1999, p.428)

Faraco e Moura (1999) destacam a import•ncia de dois nomes que, apesar de terem
produzido grandes obras neste perˆodo modernista, n•o participaram, nem tiveram liga‚•o ou
sofreram influ‰ncias do grupo da revista Orpheu: Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca. Os
mesmos autores tratam Florbela como “a mais importante voz feminina da poesia portuguesa
da ƒpoca e, talvez, de todo o Modernismo”.

“‘ verdade que Florbela n•o participou do movimento modernista e que nem


sequer chegou perto das inova‚•es formais com que Fernando Pessoa e os
seus companheiros de gera‚•o transformaram efetivamente a linguagem
poƒtica. Mas tambƒm ƒ verdade que ela os acompanhou, a par e passo, no
gosto das grandes mascaradas e na ado‚•o de uma postura esteticista que
tende a louvar tudo que seja ostensivamente factˆcio.” (JUNQUEIRA, 2003,
p.18)

Se Florbela n•o foi influenciada pelo Modernismo, qual ent•o, ƒ o seu ambiente na
literatura?
Esta ƒ, de fato, uma resposta difˆcil de ser elaborada, uma vez que Florbela parece ter
buscado caracterˆsticas particulares de v†rias escolas que n•o a de sua ƒpoca.
De acordo com Junqueira (2003) no caso de Florbela, a tese do anacronismo4 ƒ, na
verdade, quase consensual, pois na obra da poetisa est•o imbricados valores rom•nticos5,
parnasianos6 e decadentistas7 que formaram sua singularidade.

4
Anacronismo: confus•o de data quanto a acontecimentos, pessoas, fatos ou atitudes que est•o em desacordo
com a moda, o uso, constituindo atraso em rela‚•o a eles ou simplesmente que s•o avessos aos costumes atuais.
(FERREIRA, 2000, p.41).
5
Relativo ao movimento liter†rio Romantismo, que predominou em Portugal entre 1825 e 1965, e tinha como
principais caracterˆsticas a liberdade de cria‚•o, o sentimentalismo exacerbado e a supervaloriza‚•o do amor.
(FARACO; MOURA, 1999, p.186).
6
Relativo ao movimento liter†rio Parnasianismo, anterior ao Simbolismo e Modernismo, que tinha como
principais caracterˆsticas a objetividade, o gosto por coisas e fatos exŽticos, uma vis•o mais carnal que espiritual
do amor e inspira‚•o na Antiguidade cl†ssica ou no Renascimento. (Ibid, p.351).
7
Relativo „ caracterˆstica decadentista, que delineia certo tipo de sensibilidade ocorrida nas artes escritas e
visuais europƒias por volta do fim do sƒculo XIX. Voltava sua ess‰ncia para a percep‚•o pessimista e negativista
do mundo, valorizando a subjetividade e apoiada no mundo do inconsciente, recƒm descoberto, incitando
tambƒm a atra‚•o pelos mistƒrios e enigmas que permeiam a exist‰ncia humana e de todo mundo. (Ibid, p.188).
29

Portanto, vê-se que Florbela se destaca em meio à literatura portuguesa com uma
legitimidade particular. Mesmo atenta às inovações de sua época, mostrou o reflexo de
valores culturais vindos de outrora, realizando uma espécie de alquimia entre intenções,
propensões e tendências que resultaram no seu estilo próprio e autêntico de fazer arte. Tal arte
foi elaborada com palavras dotadas de sentimentos intensos, desejo e apreciação pelo amor e
pela morte, que para se encontrarem em versos e estrofes, passavam pela dor e pela
melancolia com tamanha beleza e genialidade que tocam a nós, leitores, de maneira
peculiarmente profunda.

Figura 1: Fotografia de Florbela Espanca


Fonte: Sonetos Completos (1934)
30

Os Versos Que Te Fiz...


31

3 OS VERSOS QUE TE FIZ8...

Desejo de vida. Desejo de morte. Desejo súbito de fazer


uma poesia. Tão necessária. Uma que leve embora essa
angústia, o soluço engasgado. Uma que traga de volta o
sonho. Poesia é tentativa de realização de desejos.
Difusos, confusos mesmo, os sentimentos só serão
entendidos pelo autor depois. Depois de dar à luz sua
poesia. (LEAL, 1992, p.1)

De acordo com Faraco e Moura (1999), o poeta recria uma realidade externa ou
expressa uma realidade interior prŽpria, seja esta realidade verdadeira ou n•o. Por
conseguinte, o artista da escrita traduz e estampa sentimentos, emo‚•es ou situa‚•es que ele
viveu ou n•o em sua particularidade, mas que, de alguma forma, conseguiu apreender e
expressar.
Ser poeta

Ser poeta ƒ ser mais alto, ƒ ser maior


Do que os homens! Morder como quem beija!
‘ ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquƒm e de Alƒm Dor!

‘ ter de mil desejos o esplendor


E n•o saber sequer que se deseja!
‘ ter c† dentro um astro que flameja,
‘ ter garras e asas de condor!

‘ ter fome, ƒ ter sede de Infinito!


Por elmo, as manh•s de oiro e de cetim...
‘ condensar o mundo num sŽ grito!

E ƒ amar-te, assim, perdidamente...


‘ seres alma, e sangue, e vida em mim
E diz‰-lo cantando a toda a gente!
(ESPANCA, 2000, p.75)

Na composi‚•o acima, v‰-se o reflexo da percep‚•o sobre o Ser Poeta expresso por
meio do olhar do eu-lˆrico9, no que se refere „ sua apreens•o em rela‚•o „ intensidade dos

8
Alus•o „ poesia “Os versos que te fiz” (ESPANCA, 2000, p.47).
9
Eu-lˆrico: A palavra lˆrico origina-se de lira, instrumento musical muito utilizado pelos gregos a partir do
sƒculo XII a.C. Chamava-se lˆrica a can‚•o que se entoava ao som da lira. Havia, portanto, entre o som e a
palavra uma jun‚•o, que perdurou atƒ o sƒculo XV, quando os poemas se distanciaram da m…sica e passaram a
ser lidos ou declamados. Pode-se dizer que o eu-lˆrico ƒ a voz que fala no poema e nem sempre corresponde „ do
autor. (ARDER, 200-?).
32

sentimentos e sensa‚•es que perpassam por estes seres “maiores que os homens”. Como se
pode ver, Florbela se expressou por meio da poesia em forma de soneto.
Apenas a tˆtulo de esclarecimento, “na poesia, as linhas n•o ocupam a extens•o
horizontal da p†gina; o texto divide-se em blocos chamados estrofes; cada linha do texto ƒ
denominada verso”. (FARACO; MOURA, 1999, p.45)
Vasta ƒ a obra de Florbela Espanca, e para nossa pesquisa nos atentaremos „ poesia
que brotou de Florbela, sobretudo os Sonetos, tipo de poesia mais produzida pela poetisa. O
soneto ƒ um poema de estrutura fixa: tem sempre, primeiramente, duas estrofes de quatro
versos seguidos por outras duas estrofes de tr‰s versos, como se pode ver na …ltima poesia.
Dentre toda obra florbeliana, encontramos n•o apenas poesias. ‘ bem verdade que a
escritora dedicou parte de seu talento „ escrita para alƒm das estrofes e versos, produzindo
tambƒm contos, como O Dominó Preto.
Em suas poesias, Florbela aborda, essencialmente, o Amor e aquilo que pode dele
derivar, como a lamenta‚•o pelo Amor perdido, a tristeza pela aus‰ncia do objeto amado
retratada por meio de uma dor que parece insuport†vel. De maneira funesta toma a uni•o
Amor e Morte como uma fatalidade que comp•e o drama maior chamado Vida.
Florbela transp•e em seus versos certo tom de avers•o e atƒ rebeldia diante das
determina‚•es morais, com um toque de sensualidade, ansiando algo de infinito, intoc†vel,
parecendo querer sempre o que est† para alƒm do possˆvel.
A ang…stia, sobre a qual falaremos adiante, causa e conseq•‰ncia da aus‰ncia do
Amor, ƒ expressa em versos dotados de cŽlera tamanha que chega a soar inef†vel, por vezes,
mostrando uma agress•o voltada a si mesma.
O car†ter de impossibilidade de tudo dizer, produz algo que se assemelha „ sensa‚•o
de um buraco que tem que ser tapado de alguma forma, forma esta que se v‰ talvez possˆvel
por meio da arte da poesia, como um ciclo. Em psican†lise, o movimento descrito leva o
nome de Sublima‚•o10.

Lacan diz que em toda a forma de sublima‚•o o vazio ser† determinante e


que toda arte se caracteriza por um certo modo de organiza‚•o em torno
desse vazio. Sublinha a import•ncia da Linguagem por lidar com o

10
Sublima‚•o: substitui‚•o do objetivo sexual ideal por outro objetivo, n•o sexual, de valor social. As
realiza‚•es culturais e artˆsticas, as rela‚•es de ternura entre pais e filhos, os sentimentos de amizade e os la‚os
sentimentais do casal s•o, todos eles, express•es sociais das puls•es sexuais desviadas de seu objetivo virtual.
(NASIO, 1999, p.55).
33

significante11 que ƒ “aquilo que, na ordem das artes, confere sua primazia „
poesia.” (LEAL, 1992, p.2).

Plat•o (apud ALMEIDA, 2005, p.15), n’O Banquete, atravƒs de Diotima, diz que
“Chama-se poesia, „ causa que torna possˆvel a passagem de qualquer coisa do n•o-ser, de
maneira que a cria‚•o de todas as artes s•o poesia, e que os criadores s•o poetas”.
O resultado da uni•o poƒtica das palavras ao modo de Florbela, expressando
sentimentos de maneira t•o aguda, ser†, a partir de agora, tratado nesse trabalho com o intuito
de discorrer sobre o que incita a poesia florbeliana quanto aos temas: Amor, Melancolia, Dor,
Ang…stia e Morte.

3.1 AMAR! AMAR!12

(...)
...Existiríamos sem o amor?
Haveria vida longe desta dor?
Amar, querer, estrelas e encantos...
O céu pinta-se de estrelas,
Nos jardins, o encanto das flores...
E na vida, esta escola, esta fábrica:
Viver é aprender, perigosamente;
Viver é produzir, artesanalmente;
Viver é esperar a hora,
O minuto, o instante do amor.
(...)
(BICHUETTI, 2000, p.101)

Desde poetas, m…sicos, artistas em geral a religiosos e cientistas de todas as ƒpocas,


diversos foram aqueles que pretenderam e atreveram-se a devanear e registrar seus
pensamentos sobre o Amor. O que se sabe ƒ que pensar e falar sobre Amor n•o ƒ algo que se
limita „queles que dedicam muito de seu tempo a divaga‚•es sentimentalistas, uma vez que o
Amor ƒ algo pelo qual todos nŽs estamos sujeitos a ser acometidos, afinal, “Quem n•o quer a
sorte de um amor tranq•ilo? Quem contudo n•o sucumbiu diante de uma perda amorosa?”.
(BICHUETTI, 2000, p.95).
Escrever sobre o Amor, de fato, n•o ƒ tarefa simples, dada a exist‰ncia de conceitos
t•o diversos quanto paradoxais que se imbricam.

11
Significante: ƒ uma categoria formal e n•o descritiva. Pouco importa o que ele designa, por exemplo,
tomamos [...] a figura do sintoma, mas o significante pode, da mesma forma, ser um lapso, um sonho, o relato do
sonho, um detalhe desse relato, ou mesmo um gesto, um som, ou atƒ um sil‰ncio ou uma interpreta‚•o do
psicanalista. (NASIO, 1993, p.17)
12
Em alus•o ao verso “Amar! Amar! E n•o amar ninguƒm!” da poesia Amar!.
34

Comte-Sponville (1999, p.241), para tratar o tema Amor, afirma que ele n•o pode ser
um dever, e sim, por ser uma virtude, deve ter como ess‰ncia a liberdade. Para este autor, se
todos am†ssemos verdadeiramente a todas as causas e pessoas, n•o necessitarˆamos de moral.
Neste caso, a moral seria um simulacro pelo qual o Amor se tornaria possˆvel. O Amor, para
tornar o conceito mais esclarecedor, ƒ o alfa e Œmega de toda virtude.

O autor supracitado propŒs tr‰s respostas para tentar significar o que pode ser o Amor:
Eros, Philia e Agapƒ.

Eros ƒ a face do Amor que, geralmente, recebe outro nome: paix•o. A palavra paix•o
denota a conex•o inevit†vel entre o Amor e o sofrimento: sofrer por Amor. Para se poder
fazer Amor ƒ necess†rio dois, assim, surge o fracasso e a tristeza, pois os amantes sonham em
ser um sŽ e ei-los mais dois do que nunca.

Para Comte-Sponville (1999, p.252) “o amor n•o ƒ completude, ƒ incompletude”, ƒ


um desejo e um desejo, por conseguinte ƒ falta. Segundo SŽcrates (apud COMTE-
SPONVILLE, 1999, p.253), apenas aquilo que n•o temos, que n•o somos e que nos falta,
pode se constituir como objeto de desejo e de Amor.

O egoˆsmo estaria, portanto, acoplado ao Amor, um “egoˆsmo descentrado, egoˆsmo


dilacerado, como que repleto de aus‰ncia, cheio de vazio de seu objeto e de si, como se fosse
esse prŽprio vazio” (COMTE-SPONVILLE, 1999, p.254). O Amor Eros seria, portanto, o
Amor ciumento, possessivo, que apenas se constitui perante a falta e o sofrimento. Assim,
alƒm do ci…me, da possess•o, do sofrimento, de certa forma, da agressividade, tambƒm a
ilus•o e o ef‰mero fariam parte da ess‰ncia do Amor. Podemos notar os estilha‚os da mesma
composi‚•o de ess‰ncia em Florbela, sobretudo nos nossos grifos em negrito:

Sil‰ncio!...

No fad†rio que ƒ meu, neste penar,


Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...

Vivo longe de ti, mas que me importa?


Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda „ tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti, e não me vês...


Quantas vezes no livro que tu l‰s
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho nos meus bra‚os!


35

E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...


Sil‰ncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...
(ESPANCA, 2000, p.109)

Dando continuidade „ trˆade, o Amor Philia seria aquele que se coloca contr†rio a
Eros, pois denuncia que se o Amor ƒ sŽ falta, ele seria apenas imagin†rio e amarˆamos apenas
fantasmas. Segundo Sartre (apud COMTE-SPONVILLE, 1999, p.262), “o homem ƒ
fundamentalmente desejo de ser”, portanto, a falta se mistura ao prazer; ela n•o seria
suficiente nem para satisfaz‰-lo, nem para explic†-lo totalmente. Podemos ent•o amar o que
temos e n•o necessariamente desejar apenas aquilo que falta; desejar o que fazemos, o que
temos ou o que existe, chama-se querer, chama-se agir, chama-se gozar ou regozijar-se, e ƒ
nisso que a menor de nossas a‚•es, o menor de nossos prazeres ƒ uma refuta‚•o a forma Eros
de amar.

Ainda segundo o autor supracitado, h† uma tens•o no Amor que n•o ƒ a de uma for‚a
do que falta, mas sim de uma alegria, de uma experi‰ncia de pot‰ncia e plenitude. Para
Spinoza (apud Comte-Sponville, 1999, p.268), “todo desejo ƒ pot‰ncia de agir ou for‚a de
existir, pot‰ncia de viver, pois, ƒ a prŽpria vida como pot‰ncia”.

Agora abordaremos o Amor incondicional, ou Agapƒ; ƒ o Amor que transcende os


dois primeiros porque na amizade se ama os ‘meus’ amigos e, no Amor carnal, o ‘objeto
imagin†rio de desejo’. Na amizade e no Amor erŽtico, o sentimento nos inclui em primeiro
lugar. Mas o Amor incondicional ƒ intransitivo: ama-se e pronto, a tudo e a todos com seus
limites, defeitos e idiossincrasias. Como pontua Comte-Sponville (1999), ƒ o Amor que
Deus tem por nŽs e que nasce no cora‚•o quando Deus ali est† presente, quer chamemos
pelo seu nome ou n•o.

Agapƒ ƒ um amor espont•neo e gratuito, sem motivo, sem interesse, atƒ mesmo sem
justifica‚•o.

A Agapé ƒ um amor criador. O amor divino n•o se dirige ao que j† ƒ em si


digno de amor; ao contr†rio, ele toma como objeto o que n•o tem nenhum
valor em si e lhe d† um valor. A Agapƒ nada tem em comum com o amor
que se funda na constata‚•o do valor do objeto a que se dirige (como faz
erôs, mas como tambƒm faz philia, quase sempre). A agapé n•o constata
valores, cria-os. Ele ama e, com isso, confere valor. O homem amado por
Deus n•o tem nenhum valor em si; o que lhe d† um valor ƒ o fato de Deus
am†-lo. A agapé ƒ um princˆpio criador de valor. (NUGRE, apud COMTE-
SPONVILLE, 1999, p.230).

Conforme dito anteriormente e, obviamente, de acordo com a percep‚•o lŽgica e


notŽria, entre os tr‰s tipos de Amor destrinchados por Comte-Sponville, sem d…vidas, o Amor
36

Eros ƒ o que mais se destaca nas poesias florbelianas, sobretudo aparente no car†ter
dilacerador e voluptuoso.
Tendo em vista essas caracterˆsticas marcantes, grifamos em negrito os fragmentos em
que mais se demonstram:

III

Frêmito do meu corpo a procurar-te,


Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a •mbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,


Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te t•o longe! Sinto a tua alma


Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me a cantar que me n•o amas...

E o meu cora‚•o que tu n•o sentes,


Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...
(ESPANCA, 2000, p.94)

J† Johnson (1997, p.12) voltou-se ao estudo do Amor Rom•ntico enquanto fenŒmeno


inconsciente, e afirma que seu objeto de estudo “ƒ o maior sistema energƒtico dentro da
psique ocidental. Na nossa cultura, ƒ – mais ainda que a religi•o – a arena em que homens e
mulheres tentam conseguir transcend‰ncia, plenitude, ‰xtase e sentido para vida”.
O mesmo autor complementa ainda que:

O amor rom•ntico n•o ƒ apenas uma forma de “amor”, mas ƒ todo um


conjunto psicolŽgico - uma combina‚•o de idƒias, cren‚as, atitudes e
expectativas. Estas idƒias, freq•entemente contraditŽrias coexistem no nosso
inconsciente e, sem que percebamos, dominam nossos comportamentos e
rea‚•es. Inconscientemente predeterminados como de ver um relacionamento
com outra pessoa, o que devemos sentir e mesmo o que devemos “lucrar com
isso”. (JOHNSON, 1997, p.13).

Para o autor supracitado, o Amor Rom•ntico est† para alƒm de simplesmente Amar. ‘
algo da ordem da jun‚•o entre Amar e estar apaixonado, pois somente a partir desta
imbrica‚•o que se pode acreditar ser possˆvel encontrar em outra pessoa, dentre tantas op‚•es,
o significado de valor real da vida.
37

Quando verdadeiramente apaixonado, o ser humano sente a plenitude pela completude


(mesmo que n•o duradoura), chegando atƒ a entender a energia que sente como muito
superior ao nˆvel comum da exist‰ncia humana. Esse estado intenso de sensa‚•es e
sentimentos s•o os sinais que imaginariamente nos asseguram do Amor verdadeiro, inclusive,
abarcando a reivindica‚•o inconsciente de que o ser amado deve nos nutrir inabalavelmente
com o viciador manjar oferecido: a sensa‚•o de ‰xtase e de emo‚•o intensa.
Inevitavelmente, quando atravessados pelo fenŒmeno Amor-Paix•o, ocorre,
variavelmente, porƒm n•o atipicamente, de passarmos consider†vel parte do tempo
experimentando forte “sensa‚•o de solid•o, aliena‚•o e frustra‚•o causada pela nossa
incapacidade de construir relacionamentos afetuosos, baseados em compromissos”
(JOHNSON, 1997, p.14). Nessas ocorr‰ncias, ƒ comum endere‚armos a responsabilidade pelo
fracasso ao outro, livrando-nos da nossa parcela de culpabilidade, sem levarmos em
considera‚•o a carga emocional que construˆmos quanto „s expectativas e exig‰ncias em
rela‚•o aos relacionamentos e „s outras pessoas.
O autor supracitado afirma ainda que esse jogo de incumb‰ncias, afeto, frustra‚•o,
expectativas e exig‰ncias “ƒ a grande ferida na psicologia ocidental, ƒ o problema psicolŽgico
b†sico da nossa cultura” (Ibid., p.14).
Florbela, na poesia Amar!, demonstra o desejo pelo Amor apaixonado, intenso, que os
olhos n•o poderiam esconder; Amor expresso como algo que transcende qualquer regra ou
conven‚•o. Acompanhe, no poema a seguir, nossos grifos e para alƒm deles:

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!


Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente.
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...


Prender ou desprender? ‘ mal? ‘ bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

H† uma Primavera em cada vida:


‘ preciso cant†-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pŽ, cinza e nada


Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
(ESPANCA, 2000, p.77)
38

De certa forma, a poetisa chega a confessar a impossibilidade de manter, ou talvez de


querer manter, um relacionamento est†vel e duradouro, e ao final expressa justamente que
procura saber “se perder, para se encontrar”, dito que podemos relacionar „ coloca‚•o de Jung
(apud JOHNSON, 1997, p.) de que “se descobrimos a ferida psˆquica num indivˆduo ou num
povo, aˆ descobrimos tambƒm o caminho para a conscientiza‚•o, pois ƒ no processo de cura
das nossas feridas psˆquicas que acabamos por nos conhecer a nŽs mesmos”.
Ainda que notavelmente de modo superficial, Johnson (1997) informa tambƒm que o
Amor rom•ntico, em seu princˆpio na sociedade ocidental, foi chamado de “Amor cort‰s”,
referindo-se aos destemidos cavaleiros que honravam com exagerado louvor „s suas
respectivas damas, tendo-as como fonte de inspira‚•o, ideal de beleza, perfei‚•o, que os
impulsionava a serem corretos, nobres e espiritualizados.
Ainda hoje perdura algo do modelo medieval de que o Amor verdadeiro ƒ este da
ordem da adora‚•o e exalta‚•o do amando pelo ser amado, tomando o amado como
representa‚•o da imagem da perfei‚•o …nica e insubstituˆvel.
Freud trouxe a quest•o do Amor „ psican†lise ainda bem cedo, quando, “no tratamento
analˆtico, fora dos moldes da hipnose, ocasionava o surgimento de algo chamado amor de
transfer‰ncia13” (BEZZ, 2004, p.64).
Lacan (1985, p.21 apud BEZZ, 2004, p.66) se posiciona diante do impossˆvel projeto
de tudo falar acerca do amor, dizendo: “...o que eu digo do amor ƒ certamente que n•o se pode
falar dele”.
Nascimento (2005, p.81) reflete que o Amor “exige correspond‰ncia amorosa: o amor
exige reciprocidade, exige ‘correspond‰ncia’, o que leva Lacan a afirmar que ‘amar ƒ querer
ser amado’”.
O amar e querer ser amado est† presente correntemente na literatura, sobretudo
poƒtica, e n•o diferentemente encontramos esse tra‚o bastante forte em Florbela, como nos
versos: “A vida, meu Amor, quero viv‰-la / Na mesma ta‚a erguida em suas m•os, / Bocas
unidas, hemos de beb‰-la!” (ESPANCA, 2000, p.50).
Bezz (2004, p.63), ao iniciar o retrato de seu estudo sobre o Amor, traz a tradu‚•o
daquilo que Plat•o, n’O Banquete, discursa atravƒs de Diotima, referindo-se ao Amor como
possuidor da fun‚•o de preencher um vazio. SŽcrates, frente ao fato de o Amor funcionar

13
Transfer‰ncia: em lugar de rememorar o passado, o analisando o repete como uma experi‰ncia vivida, no
presente do tratamento analˆtico. O paciente transfere suas emo‚•es infantis, do passado para o presente e de
seus pais para o analista. A transfer‰ncia ƒ a atualiza‚•o no presente das fantasias que outrora alimentam os
primeiros la‚os afetivos. (NASIO, 1999, p.85).
39

como “tapa-buraco”, recusava-se a ser objeto a ser amado, porƒm, n•o se recusava a amar.
Finalmente, SŽcrates tinha como saber que tudo o que pretende preencher o vazio que parece
impreenchˆvel ƒ uma armadilha do Amor, sendo esta a verdadeira causa do Amor e de todo
discurso que dele brota.
A mesma autora (2004, p.63) relata o mito do nascimento do Amor:

Era uma festa para muitos convidados. O que se festejava ent•o era o
nascimento de Afrodite, deusa da beleza. Entre os convidados, encontrava-se
Poros, o Recurso, conhecido tambƒm como Ast…cia. Penia, a sem recursos,
tambƒm viera para os festejos de Afrodite, e, por se tratar da misƒria, n•o
pŒde entrar no local, permanecendo nos degraus, prŽximo „ porta de entrada.
Por ser Aporia, isto ƒ, por nada ter a oferecer, n•o entrou na sala do festim.
Mas, eis que surge algo que subverte a ordem do comum: Poros,
embriagado, adormece. Isso permite a Aporia, de olhos bem abertos, fazer-
se emprenhar por ele e conceber um filho que se chamar† Amor.

A partir do mito do nascimento do Amor, Lacan (apud BEZZ, 2004, p.63) revelou a
falta e a ignorância, o não-saber, dois alvos de suma relev•ncia em se tratando de Amor.
Aporia, como foi caracterizada no mito, “nada tinha a oferecer”, ou seja, podia oferecer
apenas a “falta”, e Poros, adormecido e ignorante, fez do “n•o-saber” sua parcela durante a
concep‚•o do Amor.
Quando o sujeito ama, o faz com a finalidade de saber sobre o que lhe ƒ faltante, o
objeto a de Lacan14, contudo, o ato de amar j† o faz refƒm do amor, j† que “aquele que ama
descobre fatalmente que n•o h† coincid‰ncia entre o amante e o amado: o que falta a um n•o ƒ
o que existe escondido no outro” (BEZZ, 2004, p.64).
A busca incessante por encontrar o que ir† preencher esse triste e inaceit†vel vazio,
tambƒm confere ao Amor o ato de amar e idealizar, uma vez que “no amor, se ama a um
semelhante, mas tem algo mais que isso: uma idealiza‚•o do objeto de amor, a quem se sup•e
tra‚os ideais, significantes do meu prŽprio ideal do eu, para que amando esse objeto eu possa
parecer am†vel pelo meu prŽprio ideal de eu” (PEREIRA, 199-?, p.4).
Em meio „ procura insistente pelo Amor, Florbela expressa de forma
inquestionavelmente intensa a idealiza‚•o desse objeto de amor comparado a Deus, que ƒ
tomado como uma realidade incondicional, n•o sendo importante a express•o do que esse
outro sente. Na poesia Fanatismo, muito se encontra sobre esses aspectos, n•o obstante,
grifamos em negrito aqueles que mais se destacam:

14
Objeto a: ƒ um conceito lacaniano que indica que o objeto absoluto falta e, uma vez faltoso, ele n•o ƒ mais do
que objeto causa de desejo, causa das cria‚•es e edifica‚•es humanas. (BEZZ, 2004, p.37).
40

Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida


Meus olhos andam cegos de te ver!
N•o ƒs sequer a raz•o do meu viver,
Pois que tu ƒs j† toda a minha vida!

N•o vejo nada assim enlouquecida...


Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma histŽria tantas vezes lida !

“Tudo no mundo ƒ fr„gil, tudo passa ...”


Quando me dizem isto, toda a gra‚a
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:


“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu ƒs como Deus: Princ†pio e Fim !...”
(ESPANCA, 2000, p.44)

Em Fanatismo, Florbela usa diversas vezes os pronomes pessoais e possessivos em


segunda pessoa, enfatizando o objeto amado, como que nos fazendo sentir sua import•ncia e
enlevo, como demonstra no …ltimo verso: “Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”.
VitŽria (2008, p.2), discorrendo sobre o amor, a paix•o, o desamparo e as complexas
rela‚•es que abarcam os temas citados, esclarece que “h†, com a idealiza‚•o, a produ‚•o de
um fascˆnio e de uma atratibilidade irresistˆvel do objeto amado por sobre aquele que ama.”.
Fascˆnio e atratibilidade como no trecho “Não és sequer a razão do meu viver,/ pois que tu és
já toda a minha vida”.
O objeto idealizado ƒ fonte de busca constante em Florbela, e conforme vemos e
grifamos na poesia Inconstância, o eu-lˆrico coloca a procura frenƒtica de maneira
desesperan‚osa se voltada „ perman‰ncia do Amor:

Inconst•ncia

Procurei o amor, que me mentiu.


Pedi „ Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clar•o nas trevas refulgiu,


E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
41

Passei a vida a amar e a esquecer


Atr†s do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo


É igual a outro amor, que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...
(ESPANCA, 2000, p.50)

A …ltima estrofe, em especial, lembra o dito de Plat•o (apud FISHER, 2008, p.41)
sobre o Deus do Amor: “por natureza, ele n•o ƒ imortal nem mortal. ‡s vezes em um sŽ dia
ele se lan‚a „ vida [...] depois morre, e em seguida [...] volta novamente „ vida”.
“O amor em Florbela Espanca ƒ um delˆrio de discord•ncia”, diz Agustina Bessa-Luˆs
(1976, p.37 apud BEZZ, 2004, p.70), parecer ser, tambƒm, da ordem da descren‚a no Amor,
soando a credulidade maior na impossibilidade de se encontrar satisfa‚•o a partir desse
sentimento. Mesmo inundada pela descren‚a e pelo pessimismo amoroso, a obra poƒtica de
Florbela se caracteriza primordialmente pela discord•ncia do encontrar, constatado a partir da
alta excentricidade em rela‚•o „ busca incessante que sempre se reinicia quando se tem o n•o-
encontro do objeto idealizado. Florbela, contudo, mostra em seus versos que continua a ter
esperan‚a, e mesmo quando canta a m† sorte a cada vez que lan‚a um dado no jogo do Amor,
logo reaparece apontando a n•o desist‰ncia, como quando diz: “E este amor que assim me vai
fugindo/ ‘ igual a outro amor que vai surgindo/ Que h† de partir tambƒm... nem eu sei
quando...” (ESPANCA, 2000, p.50).

3.2 CASTELÃ DA TRISTEZA15: MELANCOLIA E DOR NA POESIA DE FLORBELA

Já da morte o palor me cobre o rosto,


Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto


Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
(AZEVEDO, 2002, p.187)

O conceito de Melancolia foi criado por HipŽcrates, que a definiu, em uma de suas
m†ximas, como um estado de tristeza e medo de longa dura‚•o, referindo-se aos melancŽlicos
como seres de estado mental perturbado (PIGEAUD apud GINZBURG, 2001).

15
Em alus•o „ poesia Castelã da Tristeza. (ESPANCA, 2000, p.44)
42

A melancolia e a dor nos escritos de Florbela s•o alguns dos elementos mais
destacados, mais ˆntimos „ poesia e, sem d…vidas, uma repeti‚•o bastante enƒrgica.
Conseq•‰ncias do amor n•o correspondido, da perda do objeto destinat†rio de seu sentimento,
da busca sem sucesso pela completude sublime, enfim, dor e melancolia s•o exprimidas pela
poetisa de maneira ilustre, altivamente clara, sendo-nos possˆvel, quando em contato profundo
com as poesias, sentir quase fisicamente o sopro c†ustico da agonia e melancolia causada pela
dor.
Florbela, portanto, canta a dor intrinsecamente ao Amor e „s frustra‚•es diversas
ligadas a ele. Na poesia Castelã da Tristeza nota-se algo de acordo com a acep‚•o.

Castel• da Tristeza

Altiva e coura‚ada de desdƒm,


Vivo sozinha em meu castelo: a Dor.
Passa por ele a luz de todo o amor...
E nunca em meu castelo entrou alguƒm!

Castel• da Tristeza, v‰s?... A quem?...


- E o meu olhar ƒ interrogador -
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pŒr...
Chora o sil‰ncio... nada... ninguƒm vem...

Castel• da Tristeza, porque choras


Lendo, toda de branco, um livro de horas,
A sombra rendilhada dos vitrais?...

‡ noite, debru‚ada, p’las ameias,


Por que rezas baixinho?... Por que anseias?...
Que sonhos afagam tuas m•os reais?...
(ESPANCA, 2000, p.44)

Na poesia supra-escrita, Florbela denomina o eu-lˆrico de “Castel• da Tristeza” e ƒ


possˆvel perceber nas segunda e terceira estrofes o solilŽquio desse eu-lˆrico, remetendo „
melancolia agonizante que a dor pela solid•o e pela aus‰ncia do Amor, engendrou, levantada
na primeira estrofe.
Azevedo (2003, p.2) conceitua a melancolia dizendo que

um estado de •nimo profundamente doloroso, um desinteresse pelo mundo


exterior, uma profunda prostra‚•o, perda de sentido, uma inibi‚•o
generalizada, bem como uma diminui‚•o do amor prŽprio, caracterizam o
melancŽlico. A melancolia nos fala de uma fragilidade constitutiva,
estrutural.
43

A fragilidade intimamente ligada „ dor da melancolia de que Azevedo fala transborda


na poesia florbeliana. Gotas de fragilidade reluzem em toda poesia Loucura. Vejam os grifos
nossos em negrito dos trechos em que a fragilidade se mostrou de maneira mais clara e
evidente:

Loucura

Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada


Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus pal†cios, meus mirantes!
N•o sei de nada. Deus, n•o sei de nada!...

Passa em tropel febril a cavalgada


Das paix•es e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!...

Pesadelos de insŒnia, ƒbrios de anseio!


Loucura a esbo‚ar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!

— pavoroso mal de ser sozinha!


— pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!
(ESPANCA, 2000, p.114)

Em Loucura, a dor parece ser conseq•‰ncia do vazio n•o preenchido pelo objeto de
desejo, da incompreens•o desse “nada” que lhe restou. Portanto, mais uma vez Florbela
coloca aspectos do isolamento que a vida for‚osamente a imp•e como condi‚•o, esse viver
sozinha, condenada ao fad†rio de tornar negro seu cora‚•o inundado de Amor.
Nasio (2007, p.85) esclarece que “a dor psˆquica pode se resumir em uma simples
equa‚•o: um amor grande demais dentro de nŽs por um ser que n•o existe mais fora”. Talvez
o dito de Nasio venha resumir grande parte do que Florbela versou. O turbilh•o de
sentimentos impressos nas poesias de Bela parecem n•o caber em si, um amor grande demais
destinado a um alguƒm que j† n•o se encontra presente ou que talvez nunca tenha sido
encontrado.
Na poesia Sombra, Florbela traz, mais uma vez, a dor da perda, transcrevendo-a como
se estivesse usando finos pincƒis de penugens macias e suaves, alƒm de tintas negras
acinzentadas em uma tela com figuras detalhadamente explanadas, fazendo-nos enxergar sua
dor. Pincelamos em negrito tais vari†veis:
44

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,


De olhos lˆmpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, p†lidos, dormentes,
Onde se debru‚assem violetas...

De m•os esguias, finas hastes quietas,


Que o vento n•o baloi‚a em noites quentes...
Noturno de Chopin... risos dolentes...
Versos tristes em sonhos de Poetas...

Beijo doce de aromas perturbantes...


Rosal bendito que d† rosas... Dantes
Estas era Eu e Eu era a Idolatrada!...

Oh! Tanta cinza morta... o vento a leve!


Vou sendo agora em ti a sombra leve
D’alguƒm que dobra a curva duma estrada...
(ESPANCA, 2000, p.59)

O eu-lˆrico que antes era o rosal e suas rosas, a Idolatrada, partilhando da felicidade
do Amor, passou a se encontrar inconsolavelmente triste, agora como cinza morta, sombra
daquele que a deixou.
Para Freud (apud NASCIMENTO, 2005, p.90) “nunca estamos t•o mal protegidos
contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos t•o irremediavelmente infelizes
como quando perdemos a pessoa amada ou seu amor.”.
A dor de perder o objeto de Amor, a falta de prote‚•o em rela‚•o a essa perda, na
poesia de Florbela soa como a escurid•o da noite a perseguir o eu-lˆrico e a …nica estrela que
ele encontra como norte parece t•o opaca e solit†ria quanto ele prŽprio – a efemeridade do
objeto.
Azevedo (2003) mostra que o sujeito, quando na condi‚•o de melancŽlico, se
relaciona muito proximamente com a transitoriedade e a fugacidade do objeto de desejo,
porƒm, n•o reconhece essa proximidade, consequentemente n•o se permitindo abandonar o
objeto que foi perdido.
Uma vez que a qualidade de ser substituˆvel ƒ caracterˆstica do objeto do desejo,
encontra-se um embate entre o melancŽlico e a substitui‚•o desse objeto de desejo perdido,
que ele tem como …nico. O sujeito melancŽlico parece tentar tamponar a falta, atribuindo ao
objeto perdido o valor maior e a condi‚•o de insubstituˆvel, como se pode notar nos versos:
“Amor! Teu cora‚•o trago-o no peito... / Pulsa dentro de mim como este mar / Num beijo
eterno, assim, nunca desfeito!...” (ESPANCA, 2000, p.61).
45

Segundo Ginzburg (2001) ƒ caracterˆstica do sujeito melancŽlico a de que existe, por


parte desse sujeito, uma intranq•ilidade em rela‚•o ao passado e ao futuro, uma vez que o
presente sempre est† marcado pela tristeza. Alƒm disso, Constantinus (apud GINZBURG,
2001, p.104) traz a idƒia de que “o excesso de medita‚•o e a tentativa de investigar o
incompreensˆvel provocam melancolia”.

Figura 2: Manuscrito de Florbela Espanca


Fonte: Sonetos Completos (1934)

Florbela mostra em suas poesias a insatisfa‚•o por conta de sua m† sorte no campo
amoroso e, diversas vezes, questiona essa desventura. A falta de tranq•ilidade em rela‚•o ao
passado ƒ vista, como no manuscrito de Florbela (vide Figura 2):

Cantigas leva-as o vento...

A lembran‚a dos teus beijos


Inda na minh’alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste.

Perfume t•o esquisito


E de tal suavidade,
Que mesmo desapar’cido
Revive numa saudade!
46

O eu-lˆrico se queixa que foi feliz por alguns instantes e que isso se perdeu, tornando o
presente o maior sinŒnimo de tristeza e tendo o futuro como mero reflexo desse presente
fadado ao desgosto e ao sofrimento por um Amor longˆnquo e solit†rio.
Azevedo (2003) elucida que o melancŽlico conserva e mantƒm a demanda16, a
exig‰ncia de um amor ilimitado, contudo, paralelamente „ conserva‚•o da demanda, o
melancŽlico tambƒm odeia o objeto. Tal sentimento de Ždio faz brotar outro sentimento – o de
culpabilidade – que o impulsiona a buscar algo da ordem da puni‚•o e deprecia‚•o de si
mesmo.
Florbela, com arte maior, diz o mesmo de outro modo. Seguem em negrito, grifos
nossos no cerne do verso:

A Maior Tortura

A um grande poeta de Portugal

Na vida, para mim, n•o h† deleite.


Ando a chorar convulsa noite e dia...
E n•o tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabe‚a, onde me deite!

E nem flor de lil†s tenho que enfeite


A minha atroz, imensa nostalgia!...
A minha pobre M•e t•o branca e fria
Deu-me a beber a M†goa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,


A urze que se pisa sob os pƒs.
Sou, como tu, um riso desgra‚ado!

Mas minha tortura inda ƒ maior?


N•o ser poeta assim como tu ƒs
Para gritar num verso a minha Dor!
(ESPANCA, 2000, p.29)

A poesia A Maior Tortura ƒ apenas uma entre tantas de Florbela que mostra algo do
sentimento de mediocridade, menosprezo e deprecia‚•o voltados a si mesmo, a auto
deprecia‚•o em rela‚•o a n•o conseguir fazer de seus versos o espelho lˆmpido e perfeito de
seus sentimentos. Outro exemplo ƒ a poesia Minha culpa, em que podemos destacar o tom de

16
Demanda: Lacan constrŽi a no‚•o de demanda para poder [...] estabelecer, a liga‚•o entre o desejo do
reconhecimento e o desejo da realiza‚•o inconsciente, explicando portanto que, ao demandar, o sujeito endere‚a
ao outro demanda de amor, ou seja, desejo do desejo do outro, na medida em que busca ser reconhecido em
car†ter absoluto por ele. (CAMARGO, 2008, p.2)
47

auto-flagelo decorrente da culpa pelo objeto perdido. Marcamos em negrito esse ato de
espancar a si mesma com as palavras:

Minha culpa

A Artur Ledesma

Sei l†! Sei l†! Eu sei l† bem


Quem sou? Um fogo-f†tuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem...
Ou apenas cen†rio! Um vaivƒm

Como a sorte: hoje aqui, depois alƒm!


Sei l† quem sou? Sei l†! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei l† quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...


Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei l† quem sou?! Sei l†! Cumprindo os fados,


Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
(ESPANCA, 2000, p.88)

Leopardi (apud GINZBURG, 2001, p.107) diz que “A melancolia ƒ, de qualquer


maneira, o mais sublime17 dos sentimentos humanos”.
Se avaliarmos a grandeza do universo como algo compar†vel ao nosso desejo,
podemos chegar a tom†-lo ainda maior que todo o imenso em torno onde vivemos. Sendo
nossos desejos t•o vastos, imensas tambƒm s•o nossas car‰ncias e, consequentemente, nossos
sofrimentos. Chegarmos humildemente „ conclus•o de que a melancolia ƒ nobre conseq•‰ncia
de todo esse ciclo cósmico ƒ algo que, de fato, engrandece a alma humana.

3.3 ANG˜STIA: CLAUSTRO DE SÓROR SAUDADE18

Subi talvez às máximas alturas,


Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que ainda eu suba mais!
(ANJOS, 1997, p.83)
17
Kant trata a no‚•o do belo como sendo aquilo que encanta no limite da superfˆcie, apar‰ncia, forma; ƒ da
ordem de um prazer agrad†vel, harmŒnico, talvez da ordem do princˆpio do prazer, contido em sua economia de
redu‚•o das tens•es. J† o sublime, o filŽsofo liga-o ao assombroso, profundo, aquilo que provoca como‚•o. “O
sublime comove, o belo estimula” ou encanta. (GUATIMOSIN, 2008, p.50)
18
Em alus•o „ poesia florbeliana, Sóror Saudade. (ESPANCA, 2000, p.43)
48

Sem Remƒdio

Aqueles que me t‰m muito amor


N•o sabem o que sinto e o que sou...
N•o sabem que passou, um dia, a Dor,
‡ minha porta e, nesse dia, entrou.

E ƒ desde ent•o que eu sinto este pavor.


Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!!

Sinto os passos da Dor, essa cad‰ncia


Que ƒ tortura infinda, que ƒ dem‰ncia!
Que vontade doida de gritar!

E ƒ sempre a mesma m†goa, o mesmo tƒdio,


A mesma ang…stia funda, sem remƒdio,
Andando atr†s de mim, sem me largar!
(ESPANCA, 2000, p.37)

Quem nunca teve uma experi‰ncia angustiante? Provavelmente, desde os primŽrdios


mais remotos a ang…stia esteve presente.
A melancolia, a tristeza e a dor n•o aparecem sozinhas quando o Amor entra no palco
do espet†culo florbeliano. Fortemente existe tambƒm o componente da ang…stia.
“A ang…stia nasce na incerteza de um perigo temido; ao passo que a dor ƒ a certeza de
um mal j† realizado” (NASIO, 1997, p.62 apud NASCIMENTO, 2005, p.95), ou seja, o
perigo temido parece ser constante na poesia florbeliana e a ang…stia, entre outras quest•es,
sugere se revelar a partir do medo de, novamente, haver uma outra perda do objeto de amor,
uma vez que a dor em quest•o j† foi vivida.
Como se pode perceber, na …ltima estrofe da poesia Sem Remédio, Florbela expressa a
apreens•o por sofrer novamente do que “atr†s dela vive a andar”. Porƒm destaca-se que a
ang…stia parece fazer mais sentido em rela‚•o „ poesia de Florbela no que concerne ao desejo
de dizer o que n•o se consegue expressar, ou seja, o n•o dito.
Ao lermos Florbela, chegamos ao entendimento de algo da ordem desse impulso ao
abismo de expressar o que ƒ sentido de maneira t•o intensa que as palavras, por mais que se
tente, n•o conseguem alcan‚ar:

Os meus males ninguƒm mos advinha...


A minha dor n•o fala, anda sozinha. ..
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! ...
A minha Dor n•o cabe nos cem milh•es de versos que eu fizera...
(ESPANCA apud SCH™FF‘L, 19--?, p.1)
49

No progresso dos estudos sobre a ang…stia em psican†lise, notam-se ondula‚•es


suntuosas, tanto por parte de Freud quanto de Lacan. Freud (apud SOLER, 2001)
primeiramente tratou a ang…stia como o produto do recalque19, porƒm, mais tarde,
precisamente em 1927, o mesmo Freud voltou a falar da ang…stia de maneira diferente,
tratando-a n•o mais como o produto do recalque, mas como causa dele. J† segundo Besset
(2002, p.206) Lacan compreende que a imin‰ncia da perda de um objeto amado ƒ o alicerce
da ang…stia. Ent•o, para ele a ang…stia “n•o ƒ sem objeto”, indicando que existe algo, embora
n•o se tenha conhecimento sobre o que seja precisamente.
Rinaldi (199-?) consente com Lacan ao dizer que a ang…stia ƒ a maneira extrema de
se manter rela‚•o estreita com o desejo.

Quando, por raz•es de resist‰ncia, de defesa e de outros mecanismos de


anula‚•o do objeto, o objeto desaparece, permanece o que dele pode restar,
a dire‚•o para o seu lugar, lugar de onde ele, a partir de ent•o, se ausenta...
Quando atingimos este ponto, a ang…stia ƒ o …ltimo modo, modo radical,
sob o qual o sujeito continua a sustentar, mesmo que de uma maneira
insustent†vel, a rela‚•o com o desejo. (LACAN, 1992, p 353 apud
RINALDI, 199-?, p.5)

Nas poesias de Florbela v‰-se diversas vezes um eu-lˆrico que se mostra apegado de tal
forma ao objeto de amor que se recusa a admitir a imin‰ncia de sua aus‰ncia. A partir da
nega‚•o, surge a tentativa de manter viva uma rela‚•o que existe apenas no plano de seus
sonhos e divaga‚•es.
Reiteramos que a ang…stia passa a fazer parte da realidade do sujeito justamente
porque ela consiste neste modo último e radical de sustentar a rela‚•o com o objeto de Amor.

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada


E a minha voz fez-se gorjeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura p†lida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho


Fulvo de Espanha, em ta‚a cinzelada...
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

19
Produto do Recalque: Recalcar ƒ negar e manter o que foi negado afastado da consci‰ncia. O recalcado sempre
retorna para a consci‰ncia de maneira “disfar‚ada”, ƒ o produto do recalque. (NASIO, 1999, p.35)
50

Minhas p†lpebras s•o cor de verbena,


Eu tenho os olhos gar‚os, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo


E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...
(ESPANCA, 2000, p.66)

Na poesia acima, apŽs enaltecer a situa‚•o positiva em que o Amor predomina forte e
glorioso, como grifamos em negrito, termina de maneira angustiante, com a d…vida, um n•o-
saber justamente sobre o que tanto deseja.
Para Besset (2002, p.205) “a ang…stia ƒ uma presen‚a que escapa a qualquer saber”. A
qualquer saber conjecturado, j† que n•o se trata de algo da ordem de uma certeza, mas de uma
verdade. ‘ o que Lacan, segundo o mesmo autor, busca demonstrar em todo seu ensino: “A
ang…stia, concebida como o …nico afeto que n•o engana, ƒ o [...]‘impossˆvel de se escrever’”.
Florbela Espanca e os poetas em geral, atravƒs do simbŽlico20, de suas cria‚•es
artˆsticas, tentam contornar, construir uma borda em torno do vazio, do indizˆvel. Esse vazio
que n•o se consegue dizer, tambƒm ƒ o que Lacan denomina de ang…stia.
Pode-se entender, portanto, a cria‚•o artˆstica, nesse caso a liter†ria poƒtica, como algo
que tem como cƒlula inicial o vazio, o impossˆvel de ser dito. O fascˆnio ƒ revelado quando, a
partir do indizˆvel, s•o promovidas novas tentativas de ditos sobre o que n•o se consegue
dizer.
“O artista canaliza a sua ang…stia, consegue abaf†-la e, em certos casos, minimiz†-la
ou disfar‚†-la, mas ela jamais se deixar† domar, por ser justamente corpo e espˆrito da
fragilidade do ser”. (POLVORA apud FREITAS, 2006, p.10). Vejamos na poesia abaixo, a
representa‚•o dessa conjectura, sobretudo nos nossos grifos em negrito:

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,


A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do cora‚•o,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,


E puro como um ritmo de ora‚•o!

20
SimbŽlico: tem a ver com o saber em jogo na prŽpria experi‰ncia psicanalˆtica, ele ƒ respons†vel pelas
“transforma‚•es t•o profundas para o sujeito”. A partir da constata‚•o de que a an†lise retira sua efic†cia do fato
de que se “desenvolve integralmente em palavras”, Lacan questiona o que ƒ a palavra, o que ƒ o sˆmbolo. Para
ele, ƒ por conceber a an†lise como irracional. (JORGE, 2002, p.94)
51

- E ser, depois de vir do cora‚•o,


O pŽ, o nada, o sonho dum momento...

S•o assim ocos, rudes, os meus versos:


Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,


O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
(ESPANCA, 2000, p.25)

Florbela expressa a fragilidade frente aos sentimentos que a abalam, buscando a


tradu‚•o, por meio de palavras, da ess‰ncia e do mais profundo sentido das sensa‚•es
inexprimˆveis. A ang…stia mais uma vez aparece quando tenta transportar para a linguagem
verbal essa torrente de sentimentos e sensa‚•es, que ao canaliz†-los, transforma-os em na
poesia dotada de cad‰ncia, rima, cor e forma, alƒm de amontoados de contradi‚•es.
Schšffƒl (199-?, p.8) aponta que em Florbela h† uma “ang…stia de um eu que muito
sonhou, muito lutou e que nunca se contentou com o que a vida lhe deu, porque n•o coube na
vida, e ‘morreu „ migua-de excesso’”.

3.4 … MORTE21

De tanta inspira„‚o e tanta vida


Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto..
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem m‚e agonizava...
Resta um poeta morto!

Morrer! † resvalar na sepultura,


Frias na fronte as ilus‡es – no peito
Quebrado o cora„‚o!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solid‚o!
(AZEVEDO, 2002, p.112)

A morte e a utiliza‚•o de idƒias e figuras destrutivas s•o componentes freq•entes na


poesia de Florbela. Tais elementos s•o conseq•entes daquilo que ƒ o eixo central da cria‚•o
florbeliana - o Amor - o Amor n•o correspondido, o Amor duvidoso, improv†vel, o mesmo

21
Alus•o „ poesia … Morte. (ESPANCA, 2000, p.115)
52

Amor que causa a tristeza, que remete „ melancolia, „ dor e „ ang…stia. Observemos a poesia
abaixo e os destaques em negrito por nŽs realizados:

Amor que morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!


Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...


E outro clar•o, ao longe, j† desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver


São precisos amores, para morrer,
E são precisos sonhos pra partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso


Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há de vir!
(ESPANCA, 2000, p.111)

A poesia Amor que morre soa como um ciclo intermin†vel de amores, como se o sol
da manh• de ontem padecesse dando lugar a um novo nesta manh• que n•o seria o mesmo
que raiar† no prŽximo dia, mas que certamente vir† algum, de alguma forma. Bezz (2004,
p.73) diz que Amor que morre “institui um circuito, incluindo o amor e a morte, o qual pode
ser renovado a partir de algo que se finda. Destruir para construir, movimento da poesia,
movimento da vida. ‘ aˆ que se articulam vida e morte”.

‡ Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,


Tão bom que deve ser o teu abraço!
L•nguido e doce como um doce la‚o
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte,


Tua m•o que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu rega‚o
N•o h† triste destino nem m† sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,


Fecha-me os olhos que j† viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
53

Vim da Moirama 22, sou filha de rei,


Má fala me encantou e aqui fiquei
A tua espera... quebra-me o encanto!
(ESPANCA, 2000, p.115)

Em À Morte, Florbela d† vida „quilo que se mostra cansado de uma vida que sugere
ser repleta de desilus•o. Mostra uma espera ansiosa pela Senhora Dona Morte, aparentemente
t•o af†vel e acolhedora, alƒm de desprovida de qualquer coisa que seja da ordem da tristeza
ou da má sorte.
O eu-lˆrico implora pela morte, julgando-se amaldi‚oado e preso num mundo que j†
explorou por completo com seus olhos que já viram tudo e suas asas que voaram tanto. Um
pedido ƒ feito:

Deixai entrar a morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,


A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Que sou eu neste mundo? A deserdada,


A que prendeu nas m•os todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, não encontrou nada!

— M•e! — minha M•e, pra que nasceste?


Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize l†, que me trouxeste

Dentro de ti?... Pra que eu tivesse sido


Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lˆrio que em m† hora foi nascido!...
(ESPANCA, 2000, p.115)

Em Deixai entrar a morte, a idƒia que adentra primeiramente ƒ a de venera‚•o „


Morte, a Iluminada. A adora‚•o pode ser percebida n•o apenas no contexto dos versos, mas
tambƒm na grafia, valendo-se de que as duas palavras – Morte e Iluminada – apareceram com
suas iniciais mai…sculas, tornando a express•o forte e quase personificada de seu objeto de
rever‰ncia, que tambƒm apareceu de maneira an†loga na poesia Deixai Entrar a Morte.

22
Moirama: Terra dos mouros.
Mouro: 1.Indivˆduo dos mouros, povos que habitavam a Maurit•nia, mauritano, mauro, sarraceno. 2. Aquele
que n•o ƒ batizado, que n•o tem a fƒ crist•; infiel. 3. Indivˆduo que trabalha muito (AUR‘LIO, 1996, p.1165
apud MELO, 2004, p.77).
54

O eu-lˆrico sugere a busca por conforto, salva‚•o, liberdade, o clar•o da Morte


Iluminada que a arrancar† das trevas na qual se encontra... Parece buscar na morte o caminho
que a levar† ao encontro das solu‚•es para as consterna‚•es da vida na qual não encontrou
nada, utilizando o questionamento sobre sua exist‰ncia como argumento a favor de seu
desejo.
Na poesia Desejo, Florbela, curiosamente, apresenta um desejo que se atrela ao desejo
primeiro da morte:

Desejo

Quero-te ao pé de mim na hora de morrer,


Quero, ao partir, levar-te, todo suavidade,
— doce olhar de sonho, Ž vida dum viver
Amortalhado sempre „ luz duma saudade!

Quero-te junto a mim quando o meu rosto branco


Se ungir da palidez sinistra do não ser,
E quero ainda, amor, no meu supremo arranco
Sentir junto ao meu seio teu coração bater!

Que seja tua m•o branda como a neve


Que feche o meu olhar numa carˆcia leve
Num perpassar de pƒtala de lis...

Que seja a tua boca rubra como o sangue


Que feche a minha boca, a minha boca exangue!
Ah, venha a morte j† que eu morrerei feliz!...
(ESPANCA apud MELO, 2004, p.83)

O olhar para a morte como esta sendo, de maneira inflexˆvel, imut†vel, a esperan‚a
…ltima e desejo de paz, sugere a desist‰ncia da vida a tal ponto que se deseja algo em rela‚•o
ao desejo da morte, como se v‰ nos grifos em negrito na poesia Desejo.
Bezz (2004, p.74), referindo-se aos sujeitos sofredores por Amor que se apresentam
em sua clˆnica, diz que:

O amor tem a ver com a demanda: o que o sujeito demanda de fato ƒ que seja
amado, portanto reconhecido pelo Outro. A morte [...] ƒ ruptura, corte, perda
radical. Neste movimento, o sujeito, fatalmente, h† que se deparar com a
morte, [...], com o fato de ser finito, e que se ‘isso’ n•o vai durar para
sempre, ƒ urgente viver.

Mas a vontade de n•o enxergar a urg‰ncia de viver parece ser maior nas poesias
florbelianas.
55

Schšffƒl (199-?, p.9) destaca que o “desejo de reafirmar a vida atravƒs da fus•o com o
outro implica um aniquilamento de si mesmo”. Tento em vista esta afirma‚•o, pode-se dizer
que com a aus‰ncia do objeto de Amor e a impossibilidade de se fundir ao outro, deixando,
cada um, de serem si mesmos e se tornarem outros, na corrida da vida sŽ ƒ encontrada a op‚•o
pela via da morte, da aniquila‚•o de si.
A poesia Desejo tambƒm traz uma carga de sensualidade e erotismo, como analisou
Melo (2004, p.84) em sua pesquisa. O eu-lˆrico exp•e para seu objeto de desejo o seu “…ltimo
desejo” que permitir† que morra feliz. O Amor Eros se mostra nesse am†lgama, contendo a
pureza do Amor e a lascˆvia decorrente do mesmo.
Os paradoxos, essencialmente de partes complementares, s•o outros elementos sempre
presentes na poesia de Florbela. A partir deles pode-se tambƒm pensar sobre os conceitos
psicanalˆticos de Puls•o de vida23 e Puls•o de Morte24, inteiramente cabˆveis quando se fala de
morte na poesia florbeliana. Comumente a composi‚•o principia exaltando a Puls•o de vida,
isto ƒ, tudo de belo, no entanto, terminando com a perturba‚•o, a tragicidade, a destrutividade,
ou seja, a clareza da Puls•o de morte.
Em Florbela, pode-se notar um conflito constante dessas for‚as contrastantes, porƒm
complementares. Vale esclarecer que, “para alƒm de sua diferen‚a, tanto a puls•o de vida
quanto a puls•o de morte visam restabelecer um estado anterior no tempo [...] ambas agem
conjuntamente a fim de encontrar o passado e encontrar o prazer” (NASIO, 1999, p.72).
A puls•o de morte, de acordo com o mesmo autor, se t•o solit†ria quanto se mostra o
eu-lˆrico nas poesias florbelianas, tende a se representar na raiz das mais funestas a‚•es; isto
quando a tens•o procura o alˆvio no mundo externo. O que dessa ordem podemos perceber na
poesia de Florbela ƒ a inspira‚•o de um universo sombrio a sua volta, talhado pela uni•o do
Amor, da morte e do nada que deles germinam.
A morte, como pudemos ver em Florbela atƒ agora, ƒ tema recorrente n•o sŽ nas
poesias e can‚•es, mas est† presente tambƒm nas antigas e contempor•neas estŽrias tr†gicas
de Amor. V†rios s•o os cl†ssicos que representam esses atributos; podemos citar o romance
Romeu e Julieta, de Shakespeare e v†rios mitos, como o de Trist•o e Isolda e, de certa forma,

23
Puls•o de Vida: seu objetivo ƒ a liga‚•o libidinal, isto ƒ, o atamento dos la‚os, por intermƒdio da libido, entre
nosso psiquismo, nosso corpo, os seres e as coisas, garantindo a coes•o das diferentes partes do mundo vivo
(NASIO, 1999, p.69).
24
Puls•o de Morte: representa a tend‰ncia do ser vivo a encontrar a calma da morte, o repouso, o sil‰ncio, o
retorno ao zero. Tambƒm pode estar na origem das mais mortˆferas a‚•es, quando a tens•o busca aliviar-se no
mundo externo. A puls•o de Morte ƒ profundamente benƒfica quando permanece dentro de nŽs (Ibid., p.70).
56

o de Dafne e Apolo, mito este que tomaremos como íris de nosso olhar para a poesia
Florbeliana, procurando articular com conceitos Junguianos.
57

Florbela, Jung e o Mito de Dafne e Apolo


58

4 FLORBELA, JUNG E O MITO DE DAFNE E APOLO

“Enquanto sentimos o contato, a atmosfera de


confian„a natural, n‚o existe perigo; at‰ mesmo
quando temos de olhar na face do horror da loucura ou
da sombra do suicŠdio, ainda existe aquela esfera da
cren„a humana, aquela certeza de entender e ser
entendido, por mais negra que seja a noite”. (JUNG,
2005, p.93)

Antes de iniciar o paralelo, alicer‚ado pela psicologia analˆtica, entre a poesia


florbeliana e o Mito de Dafne e Apolo, convƒm esclarecer o que vem a ser os mitos e,
sobretudo, o que Jung diz sobre esses e sua relev•ncia em rela‚•o „ din•mica psˆquica

4.1 OS MITOS E A PSICOLOGIA ANAL•TICA

Em acordo com Johnson (1997, p.19), Jung conseguiu evidenciar que os mitos s•o
express•es simbŽlicas do inconsciente, assim como os sonhos tambƒm o s•o. A diferen‚a
b†sica e espantosa se d† pelo fato de que os sonhos expressam algo sobre o inconsciente de
um …nico indivˆduo, j† o mito vem expressar alguma coisa da ordem do inconsciente
coletivo25.
Campbell (1990 apud SAVARIS, 1999, p.1) define a mitologia, de maneira sensˆvel e
poƒtica, como “a can‚•o do universo – m…sica que nŽs dan‚amos mesmo quando n•o somos
capazes de reconhecer a melodia”. Segundo o mesmo autor (Ibid., p.1), “mitos s•o aquilo que
os seres humanos t‰m em comum, s•o histŽrias de nossa busca da verdade, de sentido, de
significa‚•o, atravƒs dos tempos”. Campbell (Ibid., p.1) diz ainda que os mitos “s•o met†foras
da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida
animam a vida do mundo”.
Na vis•o junguiana, os mitos s•o representa‚•es simbŽlicas de problemas gerais
humanos e suas solu‚•es possˆveis. S•o vistos, tambƒm, como as reprodu‚•es da fantasia, t•o
prim†rias e originais quanto os desejos e instintos humanos. O prŽprio Jung (apud
SILVEIRA, 1968, p.128) articula que “os mitos s•o principalmente fenŒmenos psˆquicos que
revelam a prŽpria natureza da psique”.

25
Inconsciente coletivo: est† em correla‚•o com as camadas mais profundas do inconsciente, com os alicerces da
estrutura psˆquica que s•o comuns a todos os seres humanos. “Os conte…dos do inconsciente coletivo constituem
como que uma condi‚•o ou base da psique em si mesma, condi‚•o onipresente, imut†vel, id‰ntica a si prŽpria
em toda parte” (JUNG, 2006, p.489).
59

Silveira (1968, p.129), em um de seus v†rios estudos relacionados „ Psicologia


Analˆtica diz que:

os mitos condensam experi‰ncias vividas repetidamente durante mil‰nios,


experi‰ncias tˆpicas pelas quais passaram (e ainda passam) os humanos. Por
isso temas id‰nticos s•o encontrados nos lugares mais distantes e mais
diversos. ‡ partir desses materiais b†sicos ƒ que sacerdotes e poetas
elaboram os mitos, dando-lhes roupagens diferentes, segundo as ƒpocas e as
culturas.

Assim, nos conte…dos dos mitos ƒ possˆvel ver uma proje‚•o dos est†gios originais e
arquetˆpicos26 do desenvolvimento da consci‰ncia humana. Nos sˆmbolos inconscientes,
expressos em sonhos e fantasias, encontram-se os mesmos princˆpios dos mitos, ou seja, estes
representam tambƒm recursos fundamentais no processo do desenvolvimento humano.

O processo de desenvolvimento humano27, em psicologia analˆtica, inclui os aspectos de auto


realiza‚•o expressos no Processo de Individua‚•o.

O processo de individua‚•o ƒ o eixo central da Psicologia Analˆtica. Trata-se da busca


do ser humano pelo conhecimento de si mesmo, pelo autoconhecimento, pela integra‚•o total
com o mundo; trata-se da busca pela totalidade psˆquica; a busca pelo Self28.
A viv‰ncia da busca pelo Self traz intrˆnseca a si o sentimento de exist‰ncia de uma
totalidade psˆquica, de que existe um “elo” entre os homens, a natureza e o mundo. Sua
viv‰ncia revela, desse modo, sentimentos em rela‚•o ao sentido da vida e da morte.
S† (200-?, p.4) esclarece que “toda auto-realiza‚•o implica auto-conhecimento,
conhecer-se a si mesmo [...]. O indivˆduo adquire consci‰ncia atingindo novos nˆveis de
compreens•o de si e do mundo”.

26
Arquƒtipo: “O conceito de arquƒtipo deriva da observa‚•o reiterada de que os mitos e os contos da literatura
universal encerram temas bem definidos que reaparecem sempre e por toda parte. Encontramos esses mesmo
temas nas fantasias, nos sonhos, nas idƒias delirantes e ilus•es dos indivˆduos que vivem atualmente. A essas
imagens e correspond‰ncias tˆpicas, denomino representa‚•es arquetˆpicas” (JUNG, 2006, p.484).
27
O termo “desenvolvimento humano” ƒ tomado de maneira muito ampla, uma vez que o Processo de
Individua‚•o consiste em, basicamente, “uma tend‰ncia instintiva a realizar plenamente potencialidades inatas”
(SILVEIRA, 1968, p.88).

28
“O [self] si-mesmo ƒ o centro e tambƒm a circunfer‰ncia completa que compreende ao mesmo tempo o
consciente e o inconsciente: ƒ o centro dessa totalidade, como o eu ƒ o centro da consci‰ncia. [...] ‘ tambƒm a
meta da vida, pois ƒ a express•o mais completa dessas combina‚•es do destino que se chama: indivˆduo”. (Ibid.,
p.494).
60

O processo de individua‚•o se d† por v†rias etapas em que o centro da consci‰ncia


integra de forma consciente alguns elementos inconscientes da psique e esses elementos s•o,
basicamente, os arquƒtipos persona29, sombra30, anima31/animus32 e, enfim, o self.
Para Jung o inconsciente, atravƒs da atua‚•o do self, leva todas as pessoas a viverem o
processo de individua‚•o. No entanto, a maioria delas foge dessa busca, pois a mesma implica
no enfrentamento de si mesmo, de seu lado “sombrio” e de suas prŽprias contradi‚•es.
N•o ƒ de se admirar que os mitos, sendo palco de registros simbŽlicos, envolvem de
maneira tocante e profunda nossos sentimentos, uma vez que, nesse “tocar”, h† a
possibilidade de apontarem as possibilidades de se contornar conflitos e dificuldades, alƒm de
tambƒm funcionarem como facilitadores importantes nessa busca constante por si mesmo.

4.2 A POESIA FLORBELIANA, JUNG E O MITO DE DAFNE E APOLO

“O que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfei„oa”.


(dito alquŠmico apud JUNG, 2006, p.301)

Silveira (1968, p.156) diz que por meio das obras de arte, ƒ possˆvel adentrar-se
intensamente na alma humana, conscientizar-se de sentimentos e possibilidades obscuras que
perambulam neste local. Revela que “no mistƒrio do ato criador, o artista mergulha atƒ as
funduras imensas do inconsciente. Ele d† forma e traduz na linguagem de seu tempo as
intui‚•es primordiais e, assim fazendo, torna acessˆveis a todos as fontes profundas da vida”.
(SILVEIRA, 1968, p.161)
Bachelard (1991 apud S’, 200-?, p.2), aponta que “ƒ necess†rio uma poƒtica do
devaneio, um devaneio da profundidade”.

29
Persona: Para estabelecer contactos com o mundo exterior, para adaptar-se „s exig‰ncias do meio onde vive, o
homem assume uma apar‰ncia que geralmente n•o corresponde ao seu modo de ser aut‰ntico. Apresenta-se mais
como os outros esperam que ele seja ou ele desejaria ser, do que realmente como ƒ. A esta apar‰ncia artificial,
Jung chama persona. (SILVEIRA, 1968, p.90)
30
Sombra: O lado escuro onde moram todas as coisas que nos desagradam em nŽs, ou mesmo que nos assustam.
[...] uma espessa massa de componentes diversos, aglomerando desde pequenas fraquezas, aspectos imaturos ou
inferiores [...] [a] qualidades valiosas que n•o se desenvolveram devido a condi‚•es externas desfavor†veis ou
porque o indivˆduo n•o dispŒs de energia suficiente para lev†-las adiante, quando isso exigisse ultrapassar
conven‚•es vulgares. (Ibid., p.91)
31
Anima: ƒ a feminilidade inconsciente no homem. [...] Esta feminilidade indiferenciada, inferior, manifesta-se,
no dia-a-dia, [sobretudo] por despropositadas mudan‚as de humor e caprichos. (Ibid., p.94)
32
Animus: a masculinidade existente no psiquismo da mulher. [...] Op•e-se „ prŽpria ess‰ncia da natureza
feminina que busca, antes de tudo, relacionamento afetivo. Sua hipertrofia resultar† em humor querelante, em
quebra de la‚o de amor. (Ibid., p.97)
61

A necessidade a que Bachelard se refere pode ser entendida a partir de Johnson (1997,
p.201), quando este fala que temos muito que nos instruir a partir das composi‚•es poƒticas e
romanescas, devido a elas constituˆrem a aguda condi‚•o de demonstrar “as verdades que n•o
queremos encarar”.
Sobre o alcance marcante das obras de arte, Moura (200-?, p.2) diz que “alguma coisa
que sai da memŽria da coletividade, chega ao indivˆduo atravƒs de formas prŽprias.
Transcende a consci‰ncia, mas registra, influencia seu mundo”.
A arte, para a Psicologia Junguiana, portanto, n•o ƒ vista como sublima‚•o ou como
um escape para conte…dos psˆquicos condenados a n•o visitarem o mundo da consci‰ncia. A
arte, em qualquer que seja seu •mbito, funciona como meio para a auto-realiza‚•o.
Franz (1992, p.225) diz que

A arte poƒtica representava muito para Jung, que atƒ foi - podemos diz‰-lo
sem distor‚•o - um poeta “oculto”. Ele tinha especial fascˆnio pelas obras de
arte que considerava “vision†rias” - porque, nelas, o poeta d† voz a coisas
vindas do inconsciente coletivo, como um vidente ou profeta. Ele percebia o
curioso estranhamento tˆpico da arte moderna que parte dessa Žtica. Perˆodos
dessa espƒcie significam uma ƒpoca de incuba‚•o, em que ocorre uma
transforma‚•o inconsciente.

Evidencia-se, portanto, a import•ncia da arte, escrita ou expressa por meio de suas


variadas formas, para a jornada rumo ao encontro do self; e assim se demonstra tambƒm a
relev•ncia dos mitos em rela‚•o „ mesma finalidade.
Reuniremos a poesia florbeliana, como representa‚•o da express•o artˆstica, e o Mito
de Dafne e Apolo para a realiza‚•o de nossa breve discuss•o.
A vers•o que apresentaremos na ˆntegra do Mito de Dafne e Apolo a que nos
recorreremos ser† a de Thomas Bulfinch, em O Livro de Ouro da Mitologia (apud JUNIOR,
200-?). Vejamos:

Dafne foi o primeiro amor de Apolo. N•o surgiu por acaso, mas pela
malˆcia de Cupido. Apolo viu o menino brincando com seu arco e suas setas
e, estando ele prŽprio muito envaidecido com sua recente vitŽria sobre Pˆton,
disse-lhe:
-Que tens a fazer com armas mortˆferas, menino insolente? Deixe-as
para as m•os de quem delas sejam dignos. V‰ a vitŽria que com elas
alcancei, contra a vasta serpente que estendia o corpo venenoso por grande
extens•o da planˆcie! Contenta-te com tua tocha, crian‚a, e ati‚a tua chama,
como costumas dizer, mas n•o te atrevas a intrometer-te com minhas armas.
O filho de V‰nus ouviu essas palavras e retrucou:
-Tuas setas podem ferir todas as outras coisas, Apolo, mas as minhas
podem ferir-te.
62

Assim dizendo, pôs-se de pé numa rocha do Parnaso e tirou da


aljava33 duas setas diferentes, uma feita para atrair o amor; outra, para afastá-
lo. A primeira era de ouro e tinha a ponta aguçada, a segunda, de ponta
rombuda, era de chumbo. Com a seta de ponta de chumbo, feriu a ninfa
Dafne, filha do rio-deus Peneu, e com a de ouro feriu Apolo no coração.
Sem demora, o deus foi tomado de amor pela donzela e esta sentiu horror à
idéia de amar. Seu prazer consistia nas caminhadas pelos bosques, sem
pensar em Cupido nem em Himeneu34.
Seu pai muitas vezes lhe dizia:
"Filha, deves dar-me um genro, dar-me netos."
Temendo o casamento como a um crime, com as belas faces
coradas, ela se abraçou ao pai, implorando:
"Concede esta graça, pai querido! Faze com que eu não me case
jamais!"
A contragosto, ele consentiu, observando, ao mesmo tempo, porém:
-O teu próprio rosto é contrário a este voto.
Apolo amou-a e lutou para obtê-la; ele, que era o oráculo de todo o
mundo, não foi bastante sábio para prever o seu próprio destino. Vendo os
cabelos caírem desordenados pelos ombros da ninfa, imaginou:
"Se são tão belos em desordem, como deverão ser quando
arranjados?"
Viu seus olhos brilharem como estrelas; viu seus lábios, e não se deu
por satisfeito só em vê-los. Admirou suas mãos e os braços, nus até os
ombros, e tudo que estava escondido da vista imaginou mais belo ainda.
Seguiu-a; ela fugiu, mais rápida que o vento, e não se retardou um momento
ante suas súplicas:
-Pára, filha de Peneu! - exclamou ele. Não sou um inimigo. Não
fujas de mim, como a ovelha foge do lobo, ou a pomba do milhafre. É por
amor que te persigo. Sofro de medo que, por minha culpa, caias e te
machuques nestas pedras. Não corras tão depressa, peço-te, e correrei
também mais devagar. Não sou um homem rude, um campônio boçal.
Júpiter é meu pai, sou senhor de Delfos e Tenedos e conheço todas as coisas,
presentes e futuras. Sou o deus do canto e da lira. Minhas setas voam
certeiras para o alvo. Mas, ah! uma seta mais fatal que as minhas atravessou-
me o coração! Sou o deus da medicina e conheço a virtude de todas as
plantas medicinais. Ah! Sofro de uma enfermidade que bálsamo algum pode
curar!
A ninfa continuou sua fuga, nem ouvindo de todo a súplica do deus.
E, mesmo a fugir, ela o encantava. O vento agitava-lhe as vestes e os cabelos
desatados lhe caíam pelas costas. O deus sentiu-se impaciente ao ver
desprezados os seus rogos e, excitado por Cupido, diminuiu a distância que
o separava da jovem. Era como um cão perseguindo uma lebre, com a boca
aberta, pronto para apanhá-la, enquanto o débil animal avança, escapando no
último momento. Assim voavam o deus e a virgem: ela com as asas do
medo; ele com as do amor. O perseguidor é mais rápido, porém, e adianta-se
na carreira: sua respiração ofegante, já atinge os cabelos da ninfa. As forças
de Dafne começam a fraquejar e, prestes a cair, ela invoca seu pai, o rio-
deus:
- Ajuda-me, Peneu! Abre a terra para envolver-me, ou muda minhas
formas, que me têm sido fatais!

33
Aljava: Estojo para guardar setas, e que se trazia pendente no ombro. (FERREIRA, 2000, p.32).
34
Himeneu: filho de Vênus, presidia aos casamentos e às festas nupciais. (JUNIOR, 200-?).
63

Mal pronunciara estas palavras, um torpor lhe ganha todos os


membros; seu peito come‚ou a revestir-se de uma leve casca; seus cabelos
transformaram-se em folhas; seus bra‚os mudam-se em galhos; os pƒs
cravam-se no ch•o, como raˆzes; seu rosto tornou-se o cimo do arbusto, nada
conservando do que fora, a n•o ser a beleza.
Apolo abra‚ou-se aos ramos da †rvore e beijou ardentemente a
madeira. Os ramos afastaram-se de seus l†bios.
- J† que n•o podes ser minha esposa - exclamou o deus - ser†s minha
planta preferida. Usarei tuas folhas como coroa; com elas enfeitarei minha
lira e minha aljava; e quando os grandes conquistadores romanos
caminharem para o CapitŽlio, „ frente dos cortejos triunfais, ser†s usada
como coroas para suas frontes. E, t•o eternamente jovem quanto eu prŽprio,
tambƒm h†s de ser sempre verde e tuas folhas n•o envelhecer•o.

Figura 3: Apolo e Dafne, de Gian Bernini


Fonte: P†gina de Mitologia

Sobre os mitos, Johnson (1997, p.22) diz que est•o fortemente imbuˆdos de paradoxos,
e explica que eles apresentam tal caracterˆstica, “porque a realidade ƒ, em si, paradoxal”.
Acrescenta que “a palavra parádoxon significa literalmente ‘contra-senso’, ou seja, um
paradoxo vai contra o senso comum da realidade. Gostamos de acreditar que j† sabemos tudo,
64

que j† conseguimos imaginar tudo, e ƒ por isso que o verdadeiro paradoxo ƒ sempre doloroso”
(Ibid., p.84).
O paradoxo ƒ uma caracterˆstica em comum entre a poesia de Florbela, como
poderemos observar na poesia abaixo, e o nosso mito, que como vimos, j† se inicia com as
“flechadas paradoxais” do Amor e desamor de Cupido.

Esquecimento

Esse de quem eu era e que era meu,


Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor ent•o escureceu,


E foi longˆnqua toda a claridade!
Ceguei... tateio sombras... que ansiedade
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...


A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os cris•ntemos...

E desse que era meu e j† n•o me lembro...


Ah! A doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!...
(ESPANCA, 2000, p.114)

Jung (2005, p.13) descreve sobre a viv‰ncia do Amor conjugal, que o campo espiritual
ƒ posto de lado e nos adentramos no domˆnio que se situa “entre o espˆrito e o instinto”; nesse
lugar, o mesmo autor diz ainda que “arde a chama pura do Eros que acende a sexualidade, e
[...] [tambƒm] algumas formas ideais de amor, como amor paterno, amor „ p†tria, amor ao
prŽximo, que se misturam „ ambi‚•o pelo poder pessoal, „ vontade de possuir e dominar”.
“Sabemos que existe algo de inexplic†vel no romance”, diz Johnson (1997, p.79). O
mesmo autor coloca tambƒm que no momento em que somos acometidos pelo Amor e pela
Paix•o, passamos a nos sentir completos, como se houvesse sido devolvido algo de nŽs que
nos haviam retirado. “A vida torna-se emocionante, ganha uma impress•o de glŽria, ‰xtase e
transcend‰ncia” (Ibid., p.79), como podemos notar tanto na poesia acima quanto no turbilh•o
de palavras que Apolo utilizou ao tentar conquistar Dafne.
Johnson (1997, p.22) pronuncia que “o amor rom•ntico ƒ a m†scara atr†s da qual se
oculta uma gama incrˆvel de novas possibilidades, „ espera de serem integradas ao
consciente”. Acrescenta que aquilo que se iniciou por meio da energia psˆquica proveniente
65

do inconsciente coletivo deve ser aprimorado no •mbito individual, portanto, ƒ tarefa de cada
um levar a energia inconsciente relacionada ao amor rom•ntico „ integra‚•o, tornando-a parte
da consci‰ncia.
Alƒm do claro e evidente paradoxo, podemos ver que tanto a poesia de Florbela
quanto o mito de Dafne e Apolo t‰m como alicerce a busca pelo Amor que se mostra como
algo inatingˆvel, inalcan‚†vel.
O sofrimento frente „ impossibilidade de ter o Amor do outro, aparece, tanto em
Florbela quanto no mito, como componente do sentimento de Amor e do romantismo,
inclusive, Johnson (1997, p.200) diz que “a palavra paixão originalmente significava
‘sofrer’35”.
Surge tambƒm em ambos a idƒia de que h† a tentativa de escapar do amor, parecendo
atƒ haver o alcance da fuga, mas, no fim, o sentimento se mostra presente, mesmo o objeto de
Amor permanecendo ausente.
O autor supracitado articula tambƒm, aludindo ao inconsciente coletivo, que

‘ como se o sofrimento tivesse sido incluˆdo no romance por nossos


ancestrais que, ao contr†rio de nŽs, viam-no como sendo uma doutrina
espiritual. Ao ensinar-nos a buscar – num homem ou numa mulher – um
ideal de perfei‚•o que jamais poderia encarnar-se numa pessoa, eles nos
condenaram a um ciclo aparentemente intermin†vel de expectativas
impossˆveis, seguidas de amargos desapontamentos. (Ibid., p.200).

Alƒm de acrescentar que “inconscientemente procuramos nosso prŽprio sofrimento!”


(Ibid., p. 200).
Dessa forma aparece Apolo ao insistir em conquistar o amor de Dafne que, no entanto,
atingida pela flecha de chumbo, sente apenas avers•o pelo amor que o deus das artes lhe
oferece. E como se n•o bastasse, Apolo se submete ao sofrimento eterno de amar Dafne e t‰-
la consigo em forma n•o humana, carregando suas folhas.
De maneira an†loga percebemos na poesia florbeliana, que o eu-lˆrico, diversas vezes,
apresenta caracterˆsticas apolˆneas, tentando fervorosamente alcan‚ar o amor que parece
escapar entre os dedos.
Assim como Apolo tem apenas a lembran‚a de sua amada Dafne e contenta-se em
carreg†-la consigo por toda eternidade, o eu-lˆrico na poesia Esquecimento assume a posi‚•o

35
Sofrer: v.t.d. [...] 4. Passar por, experimentar (coisa desagrad†vel ou trabalhosa). 5 P. ext. Passar por. Int. [...]
(FERREIRA, 2000, p.643).
66

de trazer consigo apenas a imagem da recorda‚•o, j† que n•o se mostrou possˆvel a viv‰ncia
infind†vel do Amor com o ser amado.
Os desejos em ambos os casos se mostram extravagantes e impossˆveis, mas ainda
assim, parecem proporcionar, alƒm da dor do sofrimento, tambƒm prazer.

Pobrezinha

Nas nossas duas sinas t•o contr†rias


Um pelo outro somos ignorados;
Sou filha de regi•es imagin†rias,
Tu pisas mundos firmes j† pisados.

Trago no olhar vis•es extraordin†rias


De coisas que abracei de olhos fechados...
Em mira n•o trago nada, como os parias...
SŽ tenho os astros, como os deserdados...

E das tuas riquezas e de ti


Nada me deste e eu nada recebi,
Nem o beijo que passa e que consola.

E o meu corpo, minh’alma e cora‚•o


Tudo em risos pousei na tua m•o!...
...Ah! como ƒ bom um pobre dar esmola!...
(ESPANCA, 2000, p.116)

Apolo foi rejeitado por Dafne em forma humana e, depois, “os ramos afastaram-se de
seus l†bios”. Florbela, como j† foi dito ao longo deste trabalho, traz a dor de Amar e n•o ser
amada e a melancolia conseq•ente desse Amor em v•o em suas poesias.
Sobre a melancolia, Jung (1985, p.27) diz:

(...) poderia ser tomada como condi‚•o introvertida36, o que n•o significa
uma atitude de prefer‰ncia. Quando se diz que uma determinada pessoa ƒ
introvertida, normalmente se pensa que ela prefere um comportamento ou
h†bitos introvertidos, o que n•o exclui, entretanto, a exist‰ncia de um lado
extrovertido; todos somos dotados dessa ambig•idade, caso contr†rio n•o nos
adaptarˆamos, n•o terˆamos influencia, ficarˆamos desintegrados. Os
melancŽlicos mergulham numa espƒcie de condi‚•o embrion†ria; eis por que
eles apresentam ac…mulo de sintomas fˆsicos introvertidos.

Johnson (1997, p.45) reflete que “a maior for‚a no universo psˆquico ƒ a busca da
complementa‚•o, da integridade, do equilˆbrio”. Sendo assim, quando um elemento da
natureza humana caminha a passos largos sem conson•ncia com seu oposto, h† distor‚•es

36
Introvers•o: atitude tˆpica que se caracteriza por uma concentra‚•o do interesse nos conte…dos intrapsˆquicos.
Seu contr†rio ƒ a extrovers•o. (JUNG, 2006, p.490)
67

grandiosas, uma vez que este componente mais evidente se torna, facilmente, o senhor
mandante da psique.
A morte ƒ tambƒm algo constante na poesia de Florbela e, indiretamente, com a morte
do corpo humano de Dafne, aparece no mito.
Franz (1992, p.227), sobre esta quest•o, esclarece que

A morte ƒ a …ltima grande uni•o dos opostos do mundo interior, o sagrado


casamento da ressurrei‚•o, que os chineses antigos denominavam “a uni•o
negra nas fontes amarelas”. Segundo eles, o homem, na morte, divide-se em
suas duas partes psˆquicas: uma, negra, pertencente ao princˆpio do yin, a
parte feminina, “p'o”, que mergulha na terra; e outra, brilhante, “hun”
pertencente ao princˆpio do yang, que sobe aos cƒus. As duas continuam a
sua jornada, a parte feminina para a divindade feminina do oeste; a outra,
para o leste, dirigindo-se „ “cidade negra” ou „ “fonte amarela”. Como
“Senhora do Oeste” e “Senhor do Leste”, elas celebram a “uni•o negra” e,
dessa uni•o, o morto sai como um novo ser, “imponder†vel e invisˆvel”,
capaz de “elevar-se como o sol e navegar com as nuvens”.

Em suma, a morte, enquanto representa‚•o para a psique, pode aludir a uma tentativa
de renova‚•o, para algum tipo de transforma‚•o necess†ria, o fim de um ciclo e o come‚o de
outro, um novo caminho.
68

Qual o valor do tesouro?


69

5 QUAL O VALOR DO TESOURO?

O que chamamos de começo é, quase sempre o fim.


E atingir um fim é atingir um começo. O fim é o
ponto de onde encetamos jornada. (Eliot, 1966)

Chegamos. Longa foi nossa viagem ao lado da poesia de Florbela, mas olhando agora,
daqui de onde e quando estamos, tudo parece ef‰mero. Tanto quanto de fato ƒ.
Nosso tesouro est† bem „ nossa frente. SŽ mais um pouco... Mais alguns passos atƒ
alcan‚armos o “X”.
As palavras parecem ter ficado de rastro, dan‚ando nas ondas dos mares cruzados e
nossa afli‚•o clama pelos termos, versos e letras.
Voltemos nossa concentra‚•o „s †guas nas quais navegamos.
No primeiro mar, conhecemos um pouco sobre como e o que viveu a porta-voz do
Amor que contemplamos.
Seguimos, ent•o, pelo Oceano de sua poesia e pudemos perceber que Florbela “tece
sonetos espantada com os desencontros da vida.” (MAIA, 2001, p.26). A poetisa parece
converter em dor e sofrimento o Amor desencontrado. Alƒm disso, ƒ como se Florbela
estivesse sugerindo trazer o leitor para sua poesia, deixando transparecer uma espƒcie de
convite ao di†logo com seus escritos. Santos (2006, p.102) diz, inclusive, que “a obra de
Florbela se inscreve como uma poƒtica de rela‚•es dialŽgicas entre a voz da poeta e o
movimento interpretativo do leitor imagin†rio”.
Florbela vem transformar em poesia o que assinala Lacan (apud MAIA, 2001, p.171),
quando diz que “toda palavra possui sempre um mais-alƒm, porque sustenta muitas fun‚•es e
envolve muitos sentidos”:

Quem me dera encontrar o verso puro,


O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
(ESPANCA, 2000, p.25)

No mar Amor, pudemos encontrar Florbela poetizando com esmero o Amor que tantos
teorizam e tentam explicar. Ela fala “dos Amores” de Comte-Sponville (1999), destacando o
arrebatador, egoˆsta, inconseq•ente e incondicional Amor Eros, dos “olhos [que] andam cegos
de te ver”. (ESPANCA, 2000, p.45). A efemeridade do Amor Eros tambƒm ƒ mostrada por
70

Florbela quando ela denuncia que “quem disser que se pode amar alguƒm / Durante a vida
inteira ƒ porque mente!” (Ibid., p.77). Comte-Sponville (1999) tambƒm fala do car†ter ilusŽrio
que comp•e o Amor Eros e Florbela, de sua maneira artˆstica, tambƒm diz o mesmo ao revelar
que quando se olha a vida do lado de seu amado, “o mundo n•o ƒ mundo: ƒ um jardim! / Um
cƒu aberto: longes, os espa‚os!” (ESPANCA, 2000, p.94).
Florbela poetisa de maneira brilhante o car†ter agressivo do qual Comte-Sponville
tambƒm fala em rela‚•o ao Amor-Eros: “Eu andarei por ti os maus caminhos / E as minhas
m•os, abertas a diamante / H•o de crucificar-se nos espinhos / Quando o meu peito for o teu
mirante!” (Ibid., p.80).
Mas, talvez a disciplina maior de Florbela tenha sido a capacidade triunfal de
transformar em arte o sofrimento, como nos tercetos:

Nesta negra cisterna em que me afundo,


Sem quimeras, sem cren‚as, sem ternura,
Agonia sem fƒ dum moribundo,

Grito o teu nome numa sede estranha,


Como se fosse, Amor, toda frescura
Das cristalinas †guas da montanha!
(Ibid., p.95)

Florbela canta o desejo do Amor-Paix•o, dotado de adora‚•o e exalta‚•o do ser


amado, Amor que cobra e exige e que, devido a isso, causa sofrimento. Florbela, assim
fazendo, coloca em poesia o Amor do qual Johnson (1997, p.13) diz que “com a tˆpica
presun‚•o ocidental de estarmos sempre com a raz•o, achamos que [...] [esse] conceito de
‘amor’, o amor rom•ntico, deva ser o melhor. Presumimos que, comparado a este, qualquer
outro tipo de amor entre homem e mulher seria frio e insignificante”.
Ainda no imenso mar Amor, percebemos que Florbela, ao brincar com as palavras,
comp•e trechos espl‰ndidos em que mostra o amor como objeto faltante ou como algo da
ordem do incognoscˆvel, do desconhecido e enigm†tico, componentes que Lacan (apud
NASCIMENTO, 2005) aborda como a falta, o vazio, a douta ignor•ncia, o não-saber, os
quais Florbela traduz em “eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!”. Portanto, conforme
Lacan (apud NASCIMENTO, 2005, p.81), “amo porque quero ser amado” e, uma vez que n•o
se sabe o que se tem, n•o se sabe se ƒ amado e n•o h† o reconhecimento de si mesmo.
Passamos, ent•o, para o Mar da Dor MelancŽlica. Percebemos que este mar possui
muitos resquˆcios daquele que acab†ramos de passar. Por conta do Amor, ou de sua falta, a
tristeza, a dor e a melancolia se tornaram presentes no Oceano poƒtico florbeliano, uma vez
71

que a poetisa canta a dor intrinsecamente ao Amor e „s frustra‚•es atreladas a ele. Florbela
fala de seu estado fr†gil e de seu des•nimo em rela‚•o ao restante do mundo; fala, inclusive,
como quem, rudemente, se auto-deprecia. Dessa forma, Florbela diz de modo diferente a
melancolia descrita por Azevedo (2003), como condi‚•o de estar em profundo sofrimento,
desprovido de interesse pelo mundo exterior, grande abatimento e arrefecimento do amor
voltado a si mesmo.
Ainda nesse mar, vimos Florbela chorar “numa concha vazia, choro errante”
(ESPANCA, 2000, p.80), ao mostrar sentimentos estampados como se n•o coubessem em si,
sentimentos direcionados ao objeto que n•o se encontra mais l†, protagonista do “sonho [em
que] eu j† nem sei quem sou... / O brando marulhar dum longo beijo / Que n•o chegou a dar-
se e que passou...” (Ibid., p.104). Assim, a poetisa coloca de sua maneira artˆstica o que Nasio
(2007, p.85) diz quando exp•e que a dor psˆquica, resumidamente, consiste em um Amor t•o
grande dentro de nŽs destinado a alguƒm que n•o mais existe.
Conseguimos sair desse doloroso mar, mas nos adentramos no Mar da Ang…stia.
Neste, vimos Florbela mostrar o medo, medo de haver outra perda daquele a quem dedicou
seu Amor. Com o medo, Florbela faz arte da arte de denominar ou expressar diferentemente
aquilo que os conceitos tambƒm dizem, como o de Nasio (1997, p.62 apud NASCIMENTO,
2005, p.95), que ao seu modo diz que a ang…stia vem da d…vida de um possˆvel perigo que se
teme, enquanto a dor ƒ o que se sente quando j† est† instalado o mal.
Florbela empresta sua voz „ ang…stia, tambƒm, quando tenta dizer o que n•o ƒ passˆvel
de ser expresso; enxergando por essa Žtica, vemos claramente Florbela em Lacan (apud
BESSET, 2002, p.205) quando ele coloca que a ang…stia “ƒ impossˆvel de se descrever”,
enquanto ela (2000, p.25) diz: “— chuva! — vento! Que tortura! / Gritem ao mundo inteiro
esta amargura, / Digam isto que sinto que eu n•o posso!...”.
Ao atravessarmos o Mar da Ang…stia, chegando cada vez mais perto de nosso tesouro,
enfrentamos as bravas ondas do Mar da Morte. Nele, vimos, primordialmente, que a poesia de
Florbela, v†rias vezes, d† a sensa‚•o de come‚ar denotando vida e finalizar com o tom
extraordin†rio da morte. Florbela, desse modo, demonstra artisticamente o que articula Lacan
(apud Nasio, 2007) ao dizer que puls•o de vida e puls•o de morte sempre navegam lado a
lado, ou seja, uma delas n•o est† num barco sem que a outra tambƒm esteja.
Nessa longa parada estratƒgica, vimos que houve um di†logo entre o que e como se
percebe Florbela e o que e como se percebe o discurso dos teŽricos por onde perpassamos.
Mas ainda faltava uma conversa importante.
72

Cheg†vamos, enfim, ao …ltimo mar a ser desbravado. Nele, exploramos algumas


poesias florbelianas a partir do Mito de Dafne e Apolo, com um olhar voltado aos ditos de
Jung. Essencialmente, pudemos perceber que, assim como Jung dizia que os mitos s•o
repletos de paradoxos, devido „ vida em si ser abarrotada deles, tambƒm vimos em Florbela
Espanca o paradoxo constante, paradoxo esse que se inicia j† na an†lise breve sobre seu
nome: a beleza da flor contrastando com a agressividade do verbo hostil. Os sonetos
florbelianos tambƒm s•o compostos por oposi‚•es, contrastes e dualidades anunciados das
mais diversas maneiras, como o presente se contrastando com o passado, a fantasia se opondo
„ realidade, a tristeza „ felicidade, o sorriso „ lam…ria, e tambƒm no “divino impudor da
mocidade” (ESPANCA, 2000, p.80).
Alƒm do nˆtido paradoxo, Florbela demonstra em suas poesias aspectos do que
concerne ao inconsciente coletivo postulado por Jung, sobretudo quando parece cultivar a
tend‰ncia a sofrer por Amor, pr†tica essa que sugere fazer parte da heran‚a da memŽria
coletiva dos mais antigos antepassados que perdurou atƒ os dias atuais, “Nessa estrada da vida
que fascina / [que] Caminha sempre em frente, alƒm dos montes!” (ESPANCA, 2000, p.87).
Florbela parece esculpir dor e melancolia com as navalhas do Amor; dessa forma,
consegue tocar os cora‚•es. E n•o importa se foi de seu cora‚•o ou do cora‚•o de um “eu”
criado neste ou naquele devaneio; a libera‚•o de pensamentos compondo seu ritmo prŽprio,
sua melodia tˆpica e seu conte…do peculiar, denota certo alˆvio emocional, ao passo que nos
perturba.
E h† maior beleza do que a de cada um sentir a poesia „ sua maneira? Cada um com
seus prŽprios olhos, seus prŽprios sentimentos, experi‰ncias e anseios.
Essa beleza ƒ grande parte do valor do que agora, sŒfregos, temos diante dos olhos ao
abrir o imenso ba…, pois nosso tesouro tem o valor de tudo o que foi vivido durante a viagem:
Cada conceito, cada vis•o ao seu modo, acrescentando mais preciosidades indispens†veis.
Nosso tesouro tem o valor de nossa viagem, pois foi ela que o compŒs. Ele brilha tanto
quanto raios do sol cintilante, as estrelas que guiam e os rel•mpagos das tempestades, afinal
“Para que ser altura e ansiedade, / Se se pode gritar uma verdade / Ao mundo v•o nas sˆlabas
dum verso?” (ESPANCA, 2000, p.104).
Cada lƒgua foi compartilhada com muitos, inclusive com voc‰, o mais novo marujo
tambƒm conhecedor do valor desse tesouro. Portanto, obrigada por ser um companheiro!
Brindemos nossa vitŽria. Mas, antes, olhe sŽ: O fim de nossa viagem d† inˆcio a outra longa
jornada.
73

No fundo de nosso baú, nascimento e retomada de algo que talvez seja o mais precioso
de todo o tesouro, algo que também se desenvolveu no ventre dessa viagem que acaba de
terminar:

Agonia

Olhos negros esfumaçados que nada escondem.


A alma aturdida por tanto mal que absorve
de todo em torno que julga e move
duras palavras que cortam e afligem.

A boca pálida e trêmula nada resolve


e não desiste após cada tentativa
de se mostrar e não ser repreendida.
Mas se frustra e forte o mesmo promove.

A entrega que vale tudo e nada


E o porquê de ser tão incomodada
pelo dilema de ser comum e Amar!

E perante esta realidade sem sentido


o que mais poderia ser respondido
a essa vida que logo há de se findar?!

Fernanda de Lima Almada


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