Você está na página 1de 8

VOLTA POR CIMA VIVENDO DE AMOR

190
191
negros a conter e reprimir muitos de seus sentimentos. o fato de te- como é possível diferenciar esse comport
amento daquele do
rem testemunhado 0 abuso diário de seus companheiros - 0 trabalho nh or de engenho que espancava seu escravo sem ..
se e permttll' que ele
esado as punições cruéis, a fome - fez com que se mostrassem sai·- erimentasse qu a 1quer 1orma de consolo ou mesm .
P ' . - d t l exP ' o que tivesse um
dários entre eles somente em s1tuaçoes e ex rema necessidade. E t·- aç o para expr essar sua dor? E se tantas crianças
1 esp negras aprende-
nham boas razões para imaginar que, caso contrário, seriam punido wi desde cedo que expressar as emoções é sinal de fra
ra1lL . queza, como
Somente em espaços de resistência cultivados com muito c uidado ~
. .d E t - d 'p
diam expressar emoções reprtm.1 as. n ao, apren eram a seguir seus
0 p aderiam estar abertas para amar? Muitos negros têm passad
_ _ d . o essa
idéia de geraçao a zeraçao: se nos eixarmos levar e render pelas emo-
impulsos somente em situações de grande necessidade e esperar po ões estaremos comprometendo ossa sobrevivência. Eles ac~
. , 1 r ç ' . . . . d m
um momento ''seguro'', quando seria poss1ve expressar seus senti- que 0 amor dunmu1 nossa capac1 a e de desenvolver uma personali-
mentos. Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto dade sólida.
tempo estariam juntos, que forma o amor tomaria? Praticar 0 amor
nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimen-
Em algum momento você nos amou?
to i118uportável. De forma geral, era mais fácil para os escravos se
envolverem emocionalme, sabendo que essas relações seriam transi-
Quando eu era criança, percebia que fora do ~,&.~ ~·?~·~:.
tórias. A escravidão criou no povo negro uma noção de intimidade
gião e do romance, o amor era visto pelos adultas ee
ligada ao sentido prático de sua realidade. Um escravo que não fosse
luta pela sobrevivência era mais importante d0~u
ca2az de.reprimir ou conter suas emoções, talvez não conseguisse so- as pessoas mais velhas - nossas avós e bisav:~ e"'...
nossos padrinhos e madrinhas - pareciam~
amar. Elas nos aceitavam, cuidavam det.n'
;;.:..~Rrimidas: a chave da sobrevivência cipalmente, afirmavam nossa necessidadi
felicidade. Eram carinhosos e o deme._-~
- ,
e sua geraçao, que so pensavam em
vam a impressão de que o amor é u
to ou um ato que os impedia de li
Quando eu dava aulas
reparava que minhas aluna
Hannah, uma mulhé"'r
a~um momenw
VOLTA PDR CIMA VIVEI IDO DE AlllOR
192
1<j~
. brincando con1 crianç11s? O que é q 11e L'Jni ara conhecermos o arr1or, primeiro prec·
Mchll que eu ia ficar Pe11s1J1.. P . isarnos apre... d
~s nossas necess1dadc5 emocionais· r .era res-
er "" . . 1sso ..
de mim? d E mostra que a luta pela sobrevivência _ .
snn.~ta
A .re r-- e va d . h 11 ao s10- vo a.p · · ac ar que ess
~ mais importante e car1n o, mas est ~. . rio d não eram importantes. Por exemplo no . as Y"ece~-
. ente a 1orma . ava ac. .da es ' seu 11vro 0 H. , b.
nificava som . ros ainda pensam assim. Suprir as nec . i ... s1 ·véncia.' Estratégias de Vida das Mulheres N ' a rito da
u1tos neg , ess1

des maten~t~ e. t riais 0 amor pode estar ausente. E nu"" 0


se
relata a so reviver:
· priVIleg1os ma e ' . , ., . ~ll c011 ,. Iedindo 13 anos, permaneci parada em frent ,
possw do a luta pela sobrev1venc1a se faz necess , . . . JYJ.
4
1t.. d e a porta da sala
texto de pobreza, quan b . ar1a é ~--i,,ªS roupas estavam mo1I1a as. Meus cabelos .

·
t ar espaços para amar e rincar, para se expre ' N[1ru1u . ,,., pingando. Estava
possível encon r, receber carinho e atenção. Aquele tipo de ss~r chora ~ n do choeada, prec1sanuo do colo da minha m - E''
ae. ia me olhou
· · · ade ara se , car1 ,;rt1a a baixo, devagar, levantou-se do sofá e caminh
de C.uL~ - ,, . ou ao meu en-
con t
nho que a en . t d osso ,~o com o corpo carregado de criticas. Parada com _
. tência coletiva é tão nnportan e aten er às necess .d as maos na
ta·~a sua sombra camdo sobre meu rosto, per011ntou
.1. • • '
pi:o.cesso de rests . . 1 a. . .
des emooionais quanto matenais. . cJ.11 .1. • ' • (., ó~ sem canse-
. esconder a raiva: O que aconteceu?'' Hesitei como se
, ª"" que o diálogo sobre o amor no livro SuJa. se d , gu1r di. ((rz surpresa
Nãaepo.r~~
a .OJ""\
. a r sua raiva e respon : r,,as colocaram minha cabeça rui 'rivada.
.1,1.a ~'Q nP,qras entre mãe e filha. Sua relação si.rnboi· pa.. 'Serám que nao - posso na dar co1n eias '1 ,, ((
. Elas'' eram oito p
me .
e~qa.~ miuu·1e.I.\~ -o ' . _ iza D'1Si
~a QU~rá J'eproduz1da_ e.m outras geraçoes. Na verdade • b "1 mnas
brancas da escola.. Tentei a >raça- a, mas ela se afastou bruscamente
~$1'& éi:FeSOirnento espmtua~ de Hannah, e Hannah não dizendo: ''Que inferno! Pegue seu casaco e vamos embora''.
,.-.a~oai espiritual de sua filha, Sula. Mas Eva simboli-
e; B~~ ''d d Naquele momento, Keshno estava aprendendo que suas neces-
::~1.1 e.r; negra "forte , e acor o com seu estilo de
sidades emocionais não eram importantes. Logo depois ela escreve:
ed ~primir emoções e garantir sua seguran-
r...- "Minha mãe me ensinou uma valiosa lição naquele dia. Aprendi que
...,_a prática de se definir nossas necessida- deveria lutar contra a discriminação racial e sexual". t claro que essa
ina Ihlrner: "O que é que o amor tem a é uma lição importante para as mulheres negras. Mas Keshno estava
também aprendendo uma lição dolorosa, ao sentir que não merecia
:::...-, consolada após uma experiência traumática, como se não dev~

em mesmo esperar por isso, como se suas necessidades individuais


m tão importantes quanto a luta de resistência coletiva con-
·d&de todas as mulheres ne- 1:smo e o sexismo. Imaginem como essa históna seria.diferente
amar que tem criado tantas r na sala tão abalada, Keshno · de
~vivência. Quando nos se primeiro :sua mãe a &JUd~ ~
µando as pessoas falam .l:C&o explicar a noo"'-.~' .,.,..
preocupam em ga- tse ~ Q1i
- :.... -=

m.er plenamente.
•\.; il'i,c .'

e "se1'reviver" ape-
brevi\rer no fu-
ff úi&ti~

Você também pode gostar