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Salete
de Almeida
i Cara
A POESIA
LÍRICA
A autora procura recuperar o conceito de
poesia lírica ao longo dos tempos, desde o
primeiro teórico a abordar a problemática dos
gêneros literários no Ocidente, Platão. O percurso
histórico do lirismo é objeto de reflexão crítica em
seus momentos fundamentais — a Antigüidade
Clássica, a Época Medieval, o Renascimento, o
Romantismo e a Modernidade. São
problematizadas, nessa trajetória, as relações
entre prática poética e respectivas visões
teóricas e críticas, tendo em vista o
questionamento da própria possibilidade de uma
visão normativa, hoje, sobre o que seria a poesia
lírica.
Salete de Almeida Cara é professora do Ensino
Superior em São Paulo e crítica literária do
Jornal da Tarde Publicou Manuel Bandeira e A
recepção crítica
CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação
Câmara Brasileira do Livro, SP
CDD—809.14
—801.951
85-0808 —809.1
1985
Todos os direitos reservados
Editora Ática S.A. — Rua Barão de Iguape, 110
Tel.: (PABX) 278-9322 — Caixa Postal 8656
End. Telegráfico “Bomlivro" — São Paulo
Sumário
Introdução .5
2. - Poietké_______ 9
Duas visões estéticas 9
3. A herança clássica___________________12
Entre a música e a palavra________________________ 12
Um pouco de história-------------------------------------------13
Teoria e prática: enquanto os teóricos “ressuscita
vam” teorias _______________________________ 23
... Os poetas faziam poesia . ___ __________________ 26
4. A lírica romântica____________________ 29
Um novo tempo. Uma nova concepção de poesia?-------- 29
Um novo tempo. Uma nova poesia?________________ 33
5. O lirismo moderno___________________ 40
A emancipação do lirismo moderno________________ 40
O sujeito lírico moderno_________________________ 47
7. Vocabulário crítico__________________ 71
8. Bibliografia comentada 74
Para o Bruno e a Júlia
í
Introdução
Um pouco de história
Na Grécia Antiga, a vida em comunidade, a vida da
“polis” — que tanto pode ser traduzida por cidade como
14
1
Em torno a Silene esplêndida
os astros
recolhem sua forma lúcida
quando plena ela mais resplende
alta
argêntea
2
morto o doce Adónis
e agora,
Citeréia,
que nos resta?
lacerai os seios,
donzelas,
dilacerai as túnicas.
(Tradução de Haroldo de Campos)
Aura amara
Aura amara
branqueia os bosques, car
come a cor
da espessa folhagem.
Os
bicos
dos passarinhos
ficam mudos,
pares
e impares.
E eu sofro a sorte:
dizer louvor
em verso
só por aquela
que me lançou do alto
abaixo, em dor
— má dama que me doma.
Foi tão clara
a luz do seu olhar,
que no meu cor
ação gravou a imagem.
20
Dos
ricos
rio, seus vinhos.
damas e ludos
parec
em-me vulgares.
Só tenho um norte:
morrer de amor
imerso
no olhar da bela
que me tomou de assalto.
seu servidor
ser, dos pés à cova.
Arnaut Daniel (Tradução de Augusto de Campos)
O lance de dados
(...)
Chamam-me "o mestre sem defeito':
Toda mulher com quem me deito
Quer amanhã rever meu leito:
Neste mister sou tão perfe ito,
Tenho tal arte,
Que tenho pão e pouso feito
Por toda parte.
E não me digam que isto é prosa.
Ainda outro dia tive prova,
Jogando uma partida nova.
Sai-me bem no meu primeiro
Lance de dados:
Não vi os de nenhum parceiro
Tão bem jogados.
Mas ela disse, com desprezo:
‘Os vossos dados não têm peso,
Vos desafio a uma outra vez.'
E eu: “Montpelier não vale o preço
Destes pedaços.'
E ergui-lhe o avental xadrez
Com os dois braços.
Depois de erguer o tabuleiro,
Joguei os dados:
Dois foram cair colados,
E o terceiro
Feriu o meio do tabuleiro.
E estão lançados.
Guilherme de Poitiers (1071-1127)
22
Alb...
À noite bela
Opulenta da luz da divindade.
O silêncio respira: almos frescores
Meus cabelos afagam:
Gênios vagam,
De alguma fada no ar andando à caça.
Adormeceu a virgem: dos espíritos
Jaz nos mundos risonhos —
Fora eu os sonhos
Da bela virgem ... uma nuvem passa.
Sousândrade
0 lirismo moderno
Oh estações, oh castelos,
Oue alma é sem defeito?
Oh estações, oh castelos,
Poética
Fernando Pessoa
Certeza
Pensão familiar
Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais.
Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
52
Sol
Uma vez fui a Guará
A Guaratinguetá
E agora
Nesta hora de minha vida
Tenho uma vontade vadia
Como um fotógrafo
Oswald de Andrade
(...)
Certamente não sabias
que nos fazes sofrer.
Ê difícil explicar
esse sofrimento seco,
sem qualquer lágrima de amor,
sentimento de homens juntos,
que se comunicam sem gesto
e sem palavras se invadem,
se aproximam, se compreendem
e se calam sem orgulho.
(...)
és tu mesmo, é tua poesia,
tua pungente, inefável poesia,
ferindo as almas, fogo celeste, ao visitá-las;
é o fenômeno poético, de que te constituiste o
[misterioso portador
e que vem trazer-nos na aurora o sopro quente dos
[mundos, das amadas exuberantes e das
[situações exemplares que não suspeitávamos.
(...)
Carlos Drummond de Andrade
Ãgua-forte
O preto no branco,
O pente na pele:
Pássaro espalmado
No céu quase branco.
Em meio do pente,
A concha bivalve
Num mar de escarlata.
Concha, rosa, ou tâmara?
No escuro recesso,
As fontes da vida
A sangrar inúteis
Por duas feridas.
62
Áporo
Um inseto cava
cava sem alarme
procurando a terra
sem a char escape.
Paisagem ao telefone
Balada do Esplanada
Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes d'ir
Pro meu hotel
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada
Eu qu'ria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Oue passariam
Diriam
É o hotel
Do menestrel
Prá m'inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
J
67
O menestrel
De meu hotel
Mas não há poesia
Num hotel
Mesmo sendo
'Splanada
Ou Grand-Hotel
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador
Oferta
Ouem sabe
Se algum dia
Traria
O elevador
Até aqui
O teu amor
Oswald de Andrade
Colocando em discussão
J,
70