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Comitê Científico
Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice- presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Alfredo González-Ruibal (Consejo Superior de Investigaciones Científicas-Spanish
National Research Council e Institute of Heritage Sciences)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC - Florianópolis/SC)
Barbara M. Arisi (UNILA - Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP - São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL - Alfenas/MG)
Cristian Farias Martins (UFAM - Benjamin Constant/AM)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP - São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR - Porto Velho/RO)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Gilson Rambelli (UFS - São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Heloisa Helena Corrêa (UFAM - Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP - Guarulhos/SP)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (Anhanguera - Campo Limpo - São Paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA - Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG - Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP - São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU - São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR - Curitiba/PR)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ - Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL - São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC - São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)
-2-
Gabriel Frechiani de Oliveira
Michel Justamand
Pedro Paulo Funari
UMA HISTÓRIA DO
POVOAMENTO DO
CONTINENTE AMERICANO
PELOS SERES HUMANOS:
-3-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira
Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel
Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira
Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen
Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza
-4-
Gabriel Frechiani de Oliveira
Michel Justamand
Pedro Paulo Funari
UMA HISTÓRIA DO
POVOAMENTO DO
CONTINENTE AMERICANO
PELOS SERES HUMANOS:
-5-
© Alexa Cultural
Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Klanger
Foto de Capa
Klanger
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural
Revisão
Michel Justamand
OLIVEIRA, G. F
JUSTAMAND, M.
FUNARI, P. P.
Uma história do povoamento do continente americano pelos seres huma-
nos: a odisséia dos primeiros habitantes do Piauí, Gabriel Frechiani de
Oliveira, Michel Justamand e Pedro Paulo Funari, Embu das Artes/SP:
Alexa Cultural; Manaus/AM: EDUA, 2019
-6-
As melhores histórias são aquelas
que surpreendem até os melhores historiadores.
Walter Bueno
-7-
-8-
O contexto intelectual do estudo da
antiguidade da presença humana nas
Américas
-9-
crescente discussão sobre as narrativas, a partir de pa-
radigmas diversos, que até mesmo constituem como
documentos objetos distintos. Isso teve consequên-
cias para todos os temas, com destaque para a ques-
tão das origens humanas, a começar pelas definições
de origens e humanas.
Origem é um termo mais genérico, que se pode
aplicar a tudo e cuja etimologia indica o crescimento
(daí Oriente, de onde cresce o Sol). O grego gênese e
genealogia, usado por Michel Foucault, remete à no-
ção de “tornar-se”, de modo que ambos remontam à
noção de algo que nasce, surge, de algo anterior (ou
mesmo interior). Neste sentido, origens e genealogia
tratam das causas anteriores.
Já o segundo termo, o humano, é ainda mais
abstrato e sujeito a disputas. A definição biológica do
humano está sujeita a aspectos relativos tanto à ge-
nética, como à morfologia, sem contar aspectos cul-
turais. O humano seria a espécie atual, com cerca de
40 mil anos? Ou incluiria seus antepassados imediatos
(200 mil anos?), incluiria espécies de cruzamento mú-
tuo, como os neandertais? Ou deveria recuar aos mais
antigos hominídeos, há milhões de anos? Em qualquer
caso, só se pode estudar esse tema a partir de uma
variedade de teorias, pois sequer é possível determi-
nar com total certeza a vinculação entre as espécies
de hominídeos.
O povoamento do continente americano apre-
senta desafios particulares, a esse respeito. A antigui-
dade dos hominídeos no Velho Mundo (África, Ásia e
Europa) é bem documentada, ainda que o relaciona-
mento dos vestígios esteja sujeito à diversidade de es-
quemas interpretativos. Já no Novo Mundo, há mais
- 10 -
incertezas, evidências menos abundantes e mais con-
troversias, o que instiga a uma variedade ainda maior
de interpretações. Este volume apresenta, de forma
clara e didática, as principais evidências, teorias e es-
quemas interpretativos. Para isso, inicia-se com algu-
mas das perspectivas do início da Modernidade, quan-
do os europeus encontraram os ameríndios. A Bíblia e
os autores clássicos, gregos e romanos, inspiraram as
explicações das origens desses humanos. Em seguida,
explicações baseadas nas evidências materiais e em
teorias sociais multiplicaram-se e são apresentadas, de
maneira direta e bem fundamentada, por este volume,
que serve tanto a especialistas, como aos interessados
em geral. O livro conclui-se com uma interrogação,
como convém a um livro que, antes de tudo, faz pen-
sar. E isso é o mais importante, não?
- 11 -
- 12 -
Sumário
O contexto intelectual do estudo da
antiguidade da presença humana nas Américas 09
Pedro Paulo A. Funari
Capítulo 1
Em busca de novos caminhos para a história 15
1.1 - A relação entre a história, a pré-história
e a arqueologia 23
Capítulo 2
Em busca das origens dos seres humanos
no continente americano: as perspectivas biblíca
e dos povos da antiguidade 35
2.1 - uma perspectiva biblíca sobre o
povoamento do continente americano
2.2 uma perspectiva dos povos da
antiguidade sobre o povoamento
do continente americano 40
Capítulo 3
Em busca das origens dos seres humanos
no continente americano: uma perspectiva científica 47
3.1 - uma perspectiva sobre o povoamento
pelo norte do continente americano 48
3.2 uma perspectiva sobre o povoamento
pelo sul do continente americano 60
Capítulo 4
A importância das pesquisas arqueológicas no
Parque Nacional Serra da Capivara 75
- 13 -
Consideramos que... 87
Referências 89
- 14 -
CAPÍTULO 1
EM BUSCA DE NOVOS CAMINHOS PARA A
HISTÓRIA1
- 15 -
história do continente antes da chegada dos europeus
(MARTIN, 2002, p.20).
Todorov (1999)3 afirma que a conquista da Amé-
rica pelo europeu teria causado aproximadamente 70
milhões de mortos no período do século XVI e XVII,
configurando um dos maiores genocídios da história
da Humanidade. Um dos motivos atribuídos a esse ge-
nocídio seria o fato de os europeus estarem motiva-
dos pelo espírito das cruzadas, buscando riquezas, e
acrescidos com seu espírito bélico.
Segundo Theodoro (1991, p.9),
O pensamento cristão havia-se adaptado muito bem
à política expansionista. A teatralidade e a agilidade
do cristianismo permitiam uma rápida penetração da
doutrina entre os povos vinculados a uma outra estru-
tura ritual. As igrejas foram o suporte básico em que
se assentou todo o projeto colonizador. Uma batalha
ganha, um saque farto ou mesmo um grande massacre
das populações indígenas podia merecer uma missa e,
muitas vezes, acaba numa construção de uma igreja.
- 16 -
Podemos citar como exemplo Juan Gines de
Sepúlveda que defendia a submissão dos índios em
relação aos europeus, e assim utilizando no desen-
volvimento das atividades coloniais, até a instituição
jurídica do Requerimiento em 1514, que escravizava as
sociedades indígenas. Laplatini (1995) afirma que a
imagem do índio giraria em torno dessas duas ideolo-
gias do bom selvagem e mal selvagem, sendo conside-
rado um caminho entre a animalidade e a humanidade.
Para Moniot (1988, p.100-101),
A exclusão de tantos povos era tanto decretada de di-
versas formas. Inicialmente por uma ideia já adquirida:
não fizeram nada de notável, nenhum produto
durável, antes da chegada dos brancos e da civilização
– a selvageria como pré-história anônima e bronca,
um dos estereótipos justificando do fardo do homem
branco”. Mais ou menos grosseira, mas amplamente
difundida, a idéia esterilizava os germes da curiosidade
histórica, privada de objetos pela evidência.
Diversamente, os filósofos colocavam fora da história
as sociedades privadas de Estado – essa expressão
manifesta do requinte e da permanência de um sen-
tido – ou todas aquelas que, repetitivas ou somente
agitadas no caos, não trabalhavam numa construção
desejada, consciente, progressiva.
- 17 -
seriam sua importância para o contexto do piauiense?
Não se sabe ao certo qual o primeiro ponto que
esses seres humanos chamados de índios chegaram
ao continente americano, mas somente que são oriun-
dos de outras partes do mundo.
De norte a sul do território piauiense, mais de mil
sítios arqueológicos já foram catalogados pelo IPHAN.
De acordo com Santos e; Gita Oliveira (1997,
p.11),
- 18 -
clearing state6, mas no lugar de ovelhas era o gado que
comeria os indígenas piauienses e usurparia as suas
terras.
A região geográfica que faz parte o estado do
Piauí era massivamente povoada por uma diversidade
de tribos indígenas no período colonial, sendo com-
parada como “(...) nos primeiros dias, os índios fer-
vilhavam como formigas nos vales dos rios do Piauí
e também por todo o Nordeste” (NUNES, 1972, p.12),
descrito como um grande corredor migratório dos
grupos indígenas na região Nordeste e Norte (NUNES,
1975).
As estimativas demográficas acerca da popula-
ção indígena piauiense remontam 369 mil pessoas no
período colonial, estando segmentada em quatro prin-
cipais grupos étnicos: 1) Cariri, composto pelos Tre-
membés; 2) Caraíba, pelos Pimenteiras; 3) Tupi, com-
posto pelos Tabajaras; 4) Jê, composto pelos Acroás,
Gueguês, Timbiras e Jaíco (BAPTISTA, 2009).
A historiografia piauiense que versa acerca dos
grupos indígenas no período colonial é complexa e
apresenta várias divergências no que tange a desig-
nações dos grupos culturais, gerando problemas de
conceituação e divergência nas narrativas históricas, a
histórias dos índios no Piauí precisa ainda ser estudada
com mais profundidade (COSTA, 1974; NUNES, 1975;
2007; ALENCASTRE, 1981; CARVALHO, 1993; CHAVES,
2005; MACHADO, 2010; CASTELLO BRANCO, 2011).
Segundo Oliveira (2002, p.174-175),
6 Esse conceito clearing state foi extraído de Karl Marx que significaria “roçan-
do dos bens pela raiz” seria “(....) o conjunto de atos de violência por meio dos
quais se desembaraça dos cultivadores e de suas moradias, quando eles se
encontram sobre bens de raiz destinados a passar ao regime de grande cultura
ou ao estado pastoril” (MARX,1985, p.42).
- 19 -
A colonização no estado do Piauí teve início apenas
no final do século XVI e começo do século XVII. Ao
contrário do processo de povoamento de outros es-
tados brasileiros do interior, teve início a partir do rio
São Francisco e seguiu para o litoral quando chegaram
as primeiras expedições bandeirantes e à procura da
mão-de-obra indígena e metais preciosos. Posterior-
mente, com a expansão da pecuária para o sertão
nordestino, surgiram freguesias, missões e vilas. Mui-
tos desses povoados e fazendas foram instalados em
áreas de antigas aldeias indígenas.(...) O processo
de extermínio da população indígena no interior do
sertão foi se intensificando, a partir do século XVIII,
com o avanço dos colonizadores, interessados prin-
cipalmente na liberação das terras e na obtenção da
mão–de-obra indígena para a lavoura e a pecuária as-
sim como para serviços de guias ou combater grupos
indígenas. Essa fase é marcada também pela presença
dos padres jesuítas que, com o objetivo de catequese,
fundam as missões ou reduções destinadas a reunir as
populações indígenas.
- 20 -
ou terra ruim, juridicamente pertencendo à capitania
de Pernambuco, Bahia e do Maranhão. Como a região
não possuía riquezas minerais (ouro e prata), não tinha
pau-brasil e a agricultura em larga escala seria dificul-
tada pelo transporte e a necessidade de mão-de-obra
para o cultivo, a pecuária extensiva foi à atividade eco-
nômica que melhor adaptou-se às condições naturais,
necessitando de pouca mão-de-obra e impedindo que
outras potências coloniais (França e Holanda) ocupas-
sem para si esse território.
Em busca de fazer alguns apontamentos para
os rumos que segue essa pesquisa, o caminho do pro-
cesso de construção histórica não é uma via de um úni-
co sentido, no intuito de chamar atenção para esse pa-
trimônio cultural que vem sendo destruído pela ação
indireta através dos fatores naturais (intemperismos
físico, químico e biológico) ou pela ação direta dos
seres humanos sobre os sítios arqueológicos, e assim
apagando esses registros históricos.
Para Lemos (2004, p.49) “A deseducação, a in-
diferença, o egoísmo e tanto outros comportamentos
concomitantes e não controlados são os responsáveis
pela desfiguração do nosso litoral e de suas cidade ve-
lhas e não só suas aldeias”.
Ressaltando a necessidade das autoridades
governamentais agirem para proteção desse patrimô-
nio e um programa de educação patrimonial nas es-
colas, como forma salvaguarda do patrimônio. Logo,
enfatizando a necessidade de pesquisarmos acerca
das tribos indígenas piauienses que foram excluídas
do processo histórico pelo colonizador europeu e as-
sim a busca de novos caminhos para a construção do
conhecimento histórico.
- 21 -
1.1. A RELAÇÃO ENTRE A HISTÓRIA, A PRÉ-HISTÓRIA
E A ARQUEOLOGIA
A primeira indagação acerca do que seria a His-
tória? A História já foi vista ao longo do tempo como,
uma forma de expressão científica, religiosa, artística
ou literária. Logo, não podemos fornecer uma única
definição de História, mas fornecer um conceito. Pri-
meiramente, com a relação o objeto da História7.
Na visão de Febvre (1985, p.30) os objetos da
história seriam,
(..) os homens, únicos objetos da história – de uma his-
tória que se inscreve no grupo das disciplinas humanas
de todas as ordens e de todos os graus, ao lado da an-
tropologia, da psicologia, da linguística, etc; uma his-
tória que se interessa por não sei o homem abstrato,
eterno, de fundo imutável e perpetuamente idêntico a
si mesmo, mas pelos homens membros dessas socie-
dades numa época bem determinada do seu desenvol-
vimento, pelos homens dotados de funções múltiplas,
de actividades diversas, de preocupações e de apti-
dões variadas, que se mesclam todas, se chocam, se
contrariam, e acabam por concluir entre si uma paz de
compromisso, um modus vivendi que se chama a Vida.
- 22 -
humanos e suas transformações ao longo do tempo.
Mas o que denominamos de pré-história e sua diferen-
ça para História? O conceito pré-história8 foi cunhado
por Daniel Wilson em 1851, para designar os estudos
relacionados aos períodos ou dados históricos em que
existiam poucos registros inteligíveis pela escrita. Pos-
teriormente, o termo foi utilizado por Sir John Lubbo-
ck no seu livro Prehistoric Times em 1865, se difundin-
do usualmente, como disciplina que preencheria os
domínios onde a história não conseguiria alcançar pe-
las ausências de fontes escritas inteligíveis.
Segundo Braidwood (1985) a pré-história signifi-
caria o tempo anterior ao surgimento da escrita, acer-
ca de 5 à 6 mil anos atrás e assim compreendendo em
torno de 99% do passado humano. O principal marco
de divisão entre a História e Pré-História seria o adven-
to da escrita, deixada como uma forma de registrar o
passado. Com relação a esses povos que viveram an-
tes do período da escrita e que deixaram seus regis-
tros, a partir dessas de pinturas, gravuras, artefatos e
fósseis podemos apreender um pouco da história des-
sas sociedades ágrafas.
Para Leroi-Gourhan (1988, p.92),
- 23 -
(...) a história antes da escrita é a história da mão an-
tropiana, ou melhor (pois temos muito poucos esque-
letos de mãos bastante antiga, e sua evolução seria
difícil de ser evidenciada no detalhe), a história dos
produtos do cérebro que a mão exterioriza, ou seja, os
instrumentos. Mais corretamente ainda, a pré-história
humana realiza sua continuidade nos milhões de mar-
cos cronológicos que são constituídos de pedra talha-
da, únicos testemunhos praticamente indestrutíveis.
- 24 -
A arqueología é um termo que se aplica corretamente
a várias disciplinas ou subdisciplinas bastantes diferen-
tes. O motivo é que a palavra <<arqueología>> se utili-
za com freqüência, simplesmente para referir-se a um
conjunto de técnicas e métodos dirigidos a reconhe-
cer informações acerca do passado (e pode, por tanto,
se usada com vários propósitos) e não para identificar
uma disciplina completamente com uma teoria, um
método e um campo de estudo somente peculiares a
ela. 10
- 25 -
de arqueólogos utilizarem novas metodologias e assim
extraindo informações que teriam passado desperce-
bidos por nossa geração. Neste sentido Braidwood
(1985) afirma que a interpretação dos achados seria
a parte mais importante do trabalho do arqueólogo,
considerando a forma que alcançariam as particulari-
dades históricas dessas sociedades humanas.
Conta Cleator (1963) que por meio de uma brin-
cadeira quebraram o famoso vaso de Portland12 no
Museu Britânico em 1845. Os peritos se debruçaram
sobre um desafio, de como reconstruir o vaso o mais
do próximo do que era antes, o arqueólogo no seu tra-
balho de campo encontra muitos “vasos quebrados”
no sentido figurado da palavra, tendo de produzir sín-
teses na questão estratigráfica, na determinação das
fases. Muitos pedacinhos desses vasos reconstruídos
ficarão perdidos e outros podem estar colados de for-
ma errada, mas o trabalho do arqueólogo torna-se se-
melhante ao de um detetive, sempre buscando novas
pistas e desconfiando das pistas que tem em mãos.
Dentro dessa perspectiva, a arqueologia está
dividida em vários segmentos que tem seu objeto de
estudo delimitado, não estudando somente as socie-
dades sem escrita. Existem várias outras disciplinas da
arqueologia, como a Arqueologia Bíblica que aborda
as questões relativas às religiões; a Arqueologia Clássi-
ca que aborda as civilizações da antiguidade, em espe-
cial, Grécia e Roma; a Arqueologia Histórica que estu-
da as sociedades que possuem a escrita e; Arqueologia
Pré-histórica que aborda as sociedades sem escrita.
Para Bahn e Refrew (1993, p.11),
12 1845 O vaso de Portland, vaso romano feito de vidro datado do século primeiro
a.C., foi partido por um visitante bêbado no Museu Britânico.
- 26 -
Um dos principais avanços das últimas décadas tem
sido a tomada de consciência que a arqueologia pode
contribuir em grande medida, não somente para a pré-
-história e a história antiga, mas também das etapas
históricas mais recentes.
- 27 -
Segundo Trigger (2004, p.36),
A apreciação da antiguidade clássica não ficou restrita
à literatura, expandindo-se rapidamente de modo a
incorporar os domínios da arte e da arquitetura, ob-
jeto de particular interesse da nobreza italiana e dos
mercadores ricos, que rivalizavam como patronos das
artes. O estilo gótico foi rejeitado e envidaram-se es-
forços no sentido de emular e arquitetura da Roma an-
tiga. Esta evolução pouco a pouco tornou também os
objetos materiais sobreviventes do passado, podiam
constituir importantes fontes de informações sobre a
civilização clássica.
- 28 -
atribuídos também ao homem antediluviano.
Em geral, acreditava-se que esses artefatos en-
contrados, como ossos, machados e pinturas fossem
feitos pelos povos vikings e celtas, no intuito de for-
necer uma explicação plausível e não questionando a
explicação bíblica com relação ao dilúvio. Charles Lyell
iria criticar essas ideias de catástrofes naturais e afir-
mar que as mudanças ocorreriam de forma gradual e
não bruscamente, fornecendo de certa forma um su-
porte para Charles Darwin fundamentar seus estudos
sobre a evolução humana.
Segundo Bordes (1967) a primeira revista de
sucesso sobre a Pré-História (Matériaux por l´histoire
positive et philosophique de l´homme) e a classificação
arqueológica dos artefatos da Idade da Pedra e do
Bronze foi criada por Gabriel de Mortillet (1821-1898)
em 1864. Seguidamente, Emile Cartailhac (1845-1921)
torna-se editor da revista de Mortillet, dedicando-se
aos estudos de arte rupestre, consagrando com seus
estudos sobre a Gruta de Altamira, na Espanha. Um
outro estudioso foi Edouard Larter (1801-1871) que
pesquisou o Paleolítico e dividiu em quatro idades com
nomes de animais: a primeira, do bisão; a segunda, da
rena; a terceira, do mamute e rinoceronte e a quarta,
dos ursos das cavernas, em ordem de antiguidade, res-
pectivamente.
Não deixando de evidenciar a importância de
outros pesquisadores e seus feitos, como Victor de
Commont (1866-1918) que realizou estudos acerca
das glaciações nos estágios do Paleolítico e Joseph
Déchelette (1861–1914) que publicou um manual de ar-
queologia que abordava desde do paleolítico à idade
dos metais em 1908.
- 29 -
Mas quem não se apaixonou pela história de
Heinrich Schliemann (1822-1890) que quando criança
ouviu a lenda da guerra de Tróia (Ilíada)? Posterior-
mente, quando se tornou adulto e arrecadou uma de-
terminada quantia foi em busca de sua cidade perdida
nos seus sonhos infantis. Encontrando-a em Hissarlik,
na Turquia e achando mais de 8 mil objetos de ouro15,
obtendo êxito na sua busca por Tróia. Um outro aven-
tureiro em busca de seus sonhos foi John Evans que
pesquisou os vestígios da civilização creto-micênica na
ilha de Creta, localizada no mar mediterrâneo (CLEA-
TOR, 1963).
Para Bahn e Renfrew (1993) os pais dos mé-
todos de escavação arqueológica seriam General Pit-
t-Rivers (1827-1900) que desenvolveu os métodos de
organização nas escavações (planilhas, descrições,
maquetes); Sir William Matthews Flinder de Petrie
(1853-1942) que criou o método de seriação contex-
tual através da cerâmicas em Dióspolis Parva, no Egi-
to; Sir Mortimer Wheeler (1890-1976) conhecido divi-
são do sitio arqueológico em quadrículas; Max Uhle
(1856-1944) com suas pesquisas no Peru e; Alfred Ki-
dder (1885-1963) que estudou a cultura Maia e depois
desenvolveu trabalhos de arqueologia subaquática.
Esses pesquisadores citados acima forneceram
a metodologia para o trabalho de campo arqueológi-
co, assim afastando a arqueologia do empirismo e do
amadorismo que antes rondavam o meio arqueológi-
co. Até mesmo, pessoas com problemas mentais fo-
ram utilizadas para os procedimentos de escavação no
século XIX e em parte do século XX.
15 Segundo Cleator (1963, p.105) “Lá se encontravam mais de 8.000 objetos
de ouro, ao todo, na maioria coisas de pequeno tamanho, tais como contas,
botões, etc., embora também houvesse certo número de braceletes (....)”.
- 30 -
Da mesma forma que arqueologia teve muitos
frutos ao se relacionar com geologia, geografia, histó-
ria e biologia, a aproximação da arqueologia com as
ciências da natureza trouxe muitos ganhos, em espe-
cial com a Física e a Química.
Com a descoberta do processo de datação do
rádio carbono16 pelo americano Willard Frank Libby
(1908-1980) em 1949, permitiu a arqueologia datar os
artefatos no intervalo de até 50 mil anos com segu-
rança, assim facilitando a construção de quadros cro-
nológicos e permitindo uma melhor organização da
pré-história, mas não abandonando o método compa-
rativo muito utilizado no século XIX.
Podemos considerar a datação por rádio carbo-
no, como uma revolução para época e sendo utilizado
até os dias atuais, mas tendo suas limitações, como os
tipos de materiais e condições dos sítios.
Segundo Trigger (1973, p.4),
A história e pré-história complementam-se, assim, mu-
tuamente e completam a crônica do desenvolvimento
humano. Diferem, todavia, quando aos tipos de fontes
utilizadas e quanto à modalidade de reconstrução vi-
sada. O historiador tem como dados básicos os relatos
de ideias ou do comportamento dos seres humanos; o
pré-historiador, no entanto, deve satisfazer-se com o
estudo dos restos materiais de culturas passadas que
resistiram aos agentes de decomposição e foram recu-
perados pelo arqueólogo. Para os períodos mais anti-
gos, somente as evidências arqueológicas são disponí-
- 31 -
veis e o pré-historiador se concentra na elaboração de
tipologias de artefatos de pedra, relacionando-se com
as sequências geológicas e paleontológicas. Para os
períodos mais recentes tanto as evidências etnológi-
cas e linguísticas como lendas e relatos históricos po-
dem frequentemente ser utilizados como suplemento
aos dados arqueológicos.
- 32 -
com o passar do tempo e transmitidas de geração em
geração, uma memória coletiva através um sistema
de comunicação, constituído de uma linguagem17 inte-
ligível (um depósito cultural), como a construção de
símbolos e significados18 (EVANS-PRTICHARD, 1972;
CLARK, 1985; LEROI-GOURHAN, 2001; LANGANEY ET
AL, 2002).
- 33 -
- 34 -
CAPÍUTLO 2
EM BUSCA DAS ORIGENS DOS SERES
HUMANOS NO CONTINENTE AMERICANO:
AS PERSPECTIVAS BIBLÍCA E DOS POVOS
DA ANTIGUIDADE
Houve uma época na história do continente america-
no em que os povos indígenas eram os seus únicos
habitantes. Com a chegada do europeu, construiu-se
um mundo novo, de mistura e criação, de segregação
e destruição. Do amálgama resultante deste encon-
tro constitui-se o povo brasileiro. Nesse processo, os
povos indígenas tiveram um papel fundamental, que
pouco a pouco foi sendo apagado da memória, à me-
dida que grande parte deles era destruída.
(Ricardo Medeiros)
- 35 -
Ao realizarmos uma pequena revisão na litera-
tura sobre as origens dos seres humanos no continen-
te americano, desde do período do descobrimento até
os dias atuais, podemos dividi-las em três categorias: a
primeira, a perspectiva bíblica; a segunda, a perspecti-
va dos povos da antiguidade; a terceira, a perspectiva
acadêmica.
- 36 -
Desde que iniciou o processo de colonização do
continente americano pelos europeus e a implantação
da instituição Igreja da Católica Apostólica Romana
no final do século XV e XVI no continente americano,
percebemos uma necessidade de construção de uma
identidade para aqueles povos chamamos de índios.
Esses novos habitantes eram completamente
diferentes dos que europeus estavam acostumados,
constatamos isso na narrativa da Carta Pero Vaz de Ca-
minha ao Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil
sob o comando da expedição de Pedro Álvares Cabral
em 1500, no qual afirma Caminha (2003, p.93-113),
- 37 -
índios, provavelmente perplexos, e sem se preocupar
com eles, Colombo faz redigir um ato. ‘Eles lhes pediu
que dessem fé e testemunhou de que ele, diante de
todos tomava posse da dita ilha’.(...) Que este tenha
sido o primeiro ato de Colombo na América nos diz
bastante da importância que tinham para ele as ceri-
mônias de nomeação.
Essa perspectiva dos europeus em procurar
elementos cristãos dos habitantes do Novo Mundo,
foi um âmago de desconhecimento dos europeus, que
gerou um genocídio em um primeiro momento, como,
a conquista do Império Asteca por Cortes e do Império
Inca por Francisco Pizarro, em segundo momento, a
tentativa de explicação por parte da Igreja Católica.
Para Laming-Emperaire (1980, p.29-31),
Para as ciências humanas, a descoberta do Novo Mun-
do representou sobretudo das visões todas novas das
civilizações indiferente com selvagem das América,
era como o mundo dos primitivos. O interior da África,
praticamente inacessível, permanece desconhecido da
Idade Média. Até o momento da descoberta do Novo
Mundo, os cristãos não realmente o Islã, por intermé-
dio das Cruzadas e dos comerciantes, e em menor me-
dida, os vilarejos da Ásia visitados por Marco Pólo e os
enviados de Inocente III. O Islã, Ásia dos Kahns e os
chineses são tecnicamente e culturalmente mais pró-
ximos das civilizações cristãos medievais. O selvagem
da América ao contrário, esta é a revelação de um ho-
mem que nada parecido com vilas mediterrâneas e eu-
roásiticas. Sua maneira de viver, seus costumes, suas
armas ou ferramentas são citadas pelos pensadores e
seu conhecimento preparou uma melhor compreen-
são dos nossos ancestrais da pré-história.20
- 38 -
humana. Outra tentativa de buscar as origens bíblicas
foi associar os habitantes do Novo Mundo com as Tri-
bos Perdidas de Israel21 e assim mantendo uma origem
bíblica desses povos. Paul Rivet (1960) cita outro mito
hebraico, na possibilidade dos cananeus expulsos por
Josué da Palestina terem empreendido uma marcha
para oeste em direção a África, cruzando o oceano
Atlântico e chegando no continente americano.
Segundo Cleator (1963, p.178),
21 Segundo Franch (1985, p. 51), acerca das dez tribos de Israel “(...) foram
expulsas da Samaria pelo o rei da Assíria em 721 a. de Cristo, tiveram que viver
entre morar entre as tribos de Judá, Benjamin e a metade da tribo de Me-
naseh, passaram a um país desabitado e chegaram finalmente, depois de um
ano e meio de deslocamento contínuos, a fabulosa Arsareth, terra distante da
Palestina que para muitos seria América e, em concreto, a região de Centro-
-américa”. Tradução nossa.
22 Tradução do autor.
- 39 -
2.2 UMA PERSPECTIVA DOS POVOS DA ANTIGUI-
DADE SOBRE O POVOAMENTO DO CONTINENTE
AMERICANO
Essa perspectiva acerca do povoamento do con-
tinente americano busca os elementos que validem
vestígios da presença das civilizações antigas, no intui-
to de evidenciar uma explicação para o povoamento
do continente americano. Esse discurso fundamenta-
-se em vários tipos de fontes, como bíblica a lendas da
antiguidade.
Inicialmente, podemos abordar duas origens
lendárias, a primeira, diz respeito à possibilidade da
existência de um continente chamado Atlântida entre
Europa e América, que em um determinado período
foi submerso pelo oceano Atlântico, obrigando seus
habitantes a migrarem e desembarcando no continen-
te americano. Esse discurso tem por fundamento bá-
sico informações recolhidas por Platão e expostas no
diálogo Timeu e Critias ou a Atlântida.
A segunda lenda, segundo Laming-Emperaire
(1980) seria a do continente perdido de Mu ou Lé-
murie23, estaria localizado entre o continente asiático
e americano, mais especificamente, inserido no ocea-
no Pacifico e sendo submerso pelo mesmo, obrigando
seus habitantes a migrarem para o continente ameri-
cano. Tendo como principal pesquisador, o zoólogo
alemão Ernest Heinrich Philipp August Haeckel (1834-
1917) e posteriormente, suas ideais foram retomadas
pelo o inglês James Churchward (1851-1936), na déca-
da de 30 do século XX (ver figura 1).
23 Segundo Franch (1985, p.73) “(...) abreviatura de Lemuria, foi uma invenção
de Ernest (...) quem precisava que existirá um continente, atualmente desa-
parecido, para explicar a peculiar existência dos lemurídeos e outro animais e
plantas.” Tradução nossa.
- 40 -
Figura 1. Mapa do imaginário continente de Mu ou Lemuria.
Fonte: FRANCH, 1985, p.74
- 41 -
Figura 2. Mapa das navegações dos fenícios no litoral africano.
Fonte: HARDEN, 1971, p.176-177.
- 42 -
desde Bahia até o Pará, que serão descritas nas partes
de seus estudos sobre os respectivos Estados. O Piauí
somente um curto trecho do litoral do Nordeste; mas
os pontos pré-históricos que existem aqui são muito
interessantes e instrutivos. O delta do rio Parnaíba
chamou logo atenção dos peritos marinheiros. A água
dum rio de curso curto, que enche com a maré e seca
com vazante, tem aparência muito diferente dum rio,
proveniente do centro do continente. Os navegantes,
que conheciam o delta do Nilo, compreenderam bem
que os braços da foz do Parnaíba pertenceriam a um
rio importante, que daria acesso a o interior do país.
Na costa de fora da ‘Ilha Grande de Santa Isabel’, onde
se estende a praia quase 30 quilômetros, sem colinas
ou alturas, existem dois rochedos isolados, que po-
diam bem servir de balizar para navegação costeira.
O que sintetiza melhor essa possibilidade da
presença fenícia seria a mística que gira em torno de
“Sete Cidades”24 localizada no município de Brasileira,
no Piauí, onde segundo Coutinho (2000) 25seria utiliza-
da para organizar reuniões entres os fenícios e tupis.
Segundo Costa (1980, p.97-98),
- 43 -
apenas, na lenda. A ciência, avançando mais, explica
que as supostas ruínas não são mais que o produto de
erosão das rochas de quartzito assumindo em mais de
um ponto aspectos bizarros e pitorescos.
- 44 -
CAPÍTULO 3
EM BUSCA DAS ORIGENS DOS SERES
HUMANOS NO CONTINENTE AMERICANO:
UMA PERSPECTIVA CIENTÍFICA
- 45 -
1) Migração pelo estreito de Bering: os primei-
ros grupos humanos27 teriam migrado do continente
asiático para o continente americano pelo estreito de
Bering por volta de 30 a 10 mil anos atrás. Foi postu-
lada academicamente pelo antropólogo tcheco Ales
Hrdlicka, no início do século XX.
2) Migração marítima pelo oceano pacífico: essa
tese postula que os grupos humanos teriam chegado
ao continente americano por navegação de cabota-
gem28. Foi proposta pelo etnólogo francês Paul Rivet,
no artigo Les Malayos-Polineses em Amérique, de 1926,
e no seu livro As origens do homem americano, de 1943
(RIVET, 1960).
3) Migração via Antártida: esta hipótese foi
formulada pelo antropólogo português A.A. Mendes
Corrêa (1926), que postula a possibilidade de grupos
humanos terem migrado da Austrália e Nova Zelândia
para o sul do continente americano, utilizando a Antár-
tida como ponte de passagem.
4) Migração Atlântica: essa hipótese é funda-
mentada nas pesquisas de Rivet (1960) e foi defendida
por Guidon na Segunda conferência sobre o povoa-
mento das Américas, no ano de 2006. Dessa forma,
explicando a possibilidade de grupos humanos terem
27 Esses primeiros grupos caçadores-coletores ficaram conhecidos como po-
vos de Clóvis na década de 1930, devido à sua indústria de pontas líticas. As
pontas de Clóvis foram encontradas por John L. Cotter no sítio Blackwater
Draw, na localidade de Clóvis, Novo México, EUA.
28 De acordo com Rivet (1960, p.141), “Conhecendo perfeitamente as cor-
rentes e os ventos, sabendo guiar-se pelas estrelas, viajavam sós, de noite, e
percorriam normalmente e sem escala, distâncias de 2.000 e às vezes 2.500 e
até 4.200 milhas. Para encontrar na imensidade do oceano as pequenas ilhas
polinésicas, tomavam como ponto de referência a pequena nuvem que sobre
elas se forma a 3.600 metros de altura e que um olhar experimentado percebe
a 120 milhas de distância. Suas pirogas duplas faziam 7 a 8 milhas por hora, o
que significava cerca de 75 milhas, numa jornada de 10 a 12 horas. Um desses
barcos, por conseguinte, podia franquear a distância que separa o Havaí da
costa californiana ou ilha de Páscoa, da costa sul-americana, em 20 dias”.
- 46 -
migrado por navegação de cabotagem do continente
africano para o americano em um período anterior à
migração via Bering, os fósseis de Zuzu29 e Luzia30, que
apresentam morfologias africanas, seriam fortes argu-
mentos na sustentação dessa hipótese.
A periodização mais aceita acerca da ocupação
dos grupos humanos foi elaborada pelos arqueólogos
Gordon Willey e Phillip Phillips no seu livro Método e
Teoria na Arqueologia Americana de 1958. Sua propos-
ta original visava o estudo da criação de uma base ope-
racional para integração histórico-cultural, unindo a
perspectiva espacial e cronológica do registro arqueo-
lógico. Sua perspectiva de estudo para abordagem do
desenvolvimento da arqueologia americana ser seg-
mentada nos seguintes estágios (WILLEY, PHILLIPS,
1970):
1º) Estágio Lítico, caracterizado por uma indús-
tria lítica não muito elaborada oriunda os primeiros
habitantes do continente americano por volta de 20
mil anos atrás;
2º) Estágio Arcaico, caracterizado por uma tran-
sição entre o estágio lítico e formativo, marcado por
uma indústria lítica mais elaborada e a primeira evidên-
cia de atividade agrícola no continente americano;
3º) Estágio Formativo, marcado pelo desenvolvi-
mento da agricultura, produção de cerâmica e o cres-
cimento de pequenos grupos populacionais;
4º) Estágio Clássico, desenvolvimento das altas
culturas como a maia, com um grande crescimento ur-
29 ZUZU: crânio com morfologia africana encontrado no Sítio arqueológico
Toca dos Coqueiros, Parque Nacional Serra da Capivara, com uma datação es-
timada de 9870+-50 BP (HUBBE et all, 2007)
30 LUZIA: crânio com morfologia africana encontrada no Sítio arqueológico
Lapa Vermelha IV, região de Lagoa Santa, Minas Gerais, com uma datação
aproximada de 11,5 mil anos atrás.
- 47 -
bano e formação de estados teocráticos e militaristas;
5º) Estágio Pós-clássico, marcado pelo desen-
volvimento das culturas Astecas e Incas com grandes
construções arquitetônicas.
O arqueólogo André Prous (1992) esquematizou
a cronologia da ocupações dos grupos humanos no
Brasil nos seguintes segmentos: 1º) Pleistoceno ante-
rior a 12 mil anos B.P., quando os primeiros grupos de
caçadores e coletores chegaram ao território brasilei-
ro, com uma tecnologia lítica, sem produzir cerâmica
ou conhecer a agricultura; 2º) O período arcaico entre
11 a 8 mil anos B.P., grupos caçadores e coletores que
se estabelecem, processo de sedentarismo, dotado de
uma tecnologia de pontas de projéteis de rocha, surgi-
mento da arte rupestre e surgimento da cerâmica em
alguns pontos do Brasil; 3º) Arcaico recente de 4 a 1 mil
anos B.P., surgimento da agricultura, surgimento das
comunidades humanos, princípio de organização, di-
fusão da cerâmica, tecnologia lítica aprimorada e arte
rupestre. 4º) sociedades indígenas pré-cabralianas 1
mil anos B.P. até 1.500 d.C. os grupos indígenas conhe-
cidos pelos colonizadores portuguesas na época do
descobrimento.
3.1 UMA PERSPECTIVA SOBRE O POVOAMENTO
PELO NORTE DO CONTINENTE AMERICANO
A primeira perspectiva cientifica do povoamen-
to do continente americano foi elaborada pelo antro-
pólogo theco Ales Hrdlicka (1869-1943), que desen-
volveu trabalhos no trabalhos no Museu Nacional do
Estados Unidos desde de 1903, pondo em xeque as
teses de Ameghino no Congresso Internacional Ame-
ricanistas31, em 1910 e assim buscando um novo apon-
31 Os Congressos Americanistas são reuniões bienais onde os principais pes-
- 48 -
tamento para o povoamento do continente americano
(TRIGGER, 2004).
Ales Hrdlicka32 foi o precursor do discurso cien-
tífico do povoamento do continente americano pelo
norte, em especial, no sentido de derrubar as teses de
Ameghino, através de seus estudos antropológicos e
assim buscando as origens dos índios ameríndios33.
Lavellé (1995) afirma que os estudos de Hrdlicka
estavam baseados nos traços físicos – pele , cabelo,
pilosidade e craniometria – no intuito de demonstrar
que os índios americanos fariam parte de um único
grupo mongoloide e sendo vindo de um ponto co-
mum, da Ásia, passando pelo estreito de Bering, em
um período do Holocênico. Portanto, a teoria de Ales
Hrdlicka ganhou grande reputação no meio acadêmi-
co e tornou-se um paradigma importante para o de-
senvolvimento das pesquisas arqueológicas no conti-
nente americano. Laming-Emperaire (1976) afirma que
a aceitação das ideias de Hrdlicka pela comunidade
cientifica, tornou-se um dos caminhos para o estudo
do povoamento da América.
- 49 -
Ruiz (1953) afirma que Ales Hrdlicka acredita
nessa unidade mongoloide dos seres humanos ame-
ricanos. Propondo quatros “momentos migratórios”,
o primeiro momento migratório, esses migrantes, um
povoamento mais antigo, com indivíduos que possui-
riam crânios dolicocéfalos34 que teriam originado as
tribos iroqueses, astecas e algumas outras; o segun-
do momento migratório, por indivíduos de crânio bra-
quicéfalo35 que teriam chegado até o continente sul
americano; terceiro momento e quarto momento, por
migrantes que dariam origem aos esquimós que esta-
beleceriam no extremo norte do continente america-
no.
Dentro dessa perspectiva procurou-se outros
elementos que pudessem fornecer uma confirmação
da presença dos seres humanos no continente ame-
ricano, devido na época não existir uma técnica de
datação absoluta (carbono 14) até final da década de
40 e início do século XX, dificultando de construção de
quadros cronológicos seguros.
Um outro fator as pontas de Clóvis36, afirma Mac-
Neish (1996, p.187) “Na década de 30, Clóvis foi utiliza-
do como um marco da presença humana nas Américas
(...)” e as pontas de Folsom na década de 20, no Novo
México (EUA). Laming-Emperaire (1973 a) considera a
indústria de pedras lascadas com características gros-
seiras (choppers), logo, como sendo referências para
caracterizar esses povos “caçadores-coletores”. Com
34 Segundo o dicionário Aurélio (2001) “1.Diz-se do, ou o tipo humano cujo
crânio é oval, sendo o diâmetro ransversal menor, em um quarto, do que o
longitudinal”.
35 Segundo o dicionário Aurélio (2001, 1. Diz-se de, ou indivíduo cujo crânio,
observado de cima, apresenta a forma de um ovo, porém mais curto e arre-
dondado posteriormente.
36 As pontas de Clóvis foram encontradas por John L. Cotter, no sítio Bl-
cakwater Draw, na localidade de Clóvis, Novo México, EUA.
- 50 -
a utilização da técnica de datação do carbono 14, co-
meçou-se a construir quadros cronológicos mais pre-
cisos para o continente americano e assim correlacio-
nando os dados entre si.
Segundo Roosevelt (1999, p.36-37),
- 51 -
Existem provas que homem teria penetrado no hemis-
fério por volta de 9.000 a.c. As discordâncias surgem
das informações esporádicas inconclusivas, da presen-
ça do homem no Novo Mundo entre 40.000 e 12.000
anos. (...) o homem entrou no Novo Mundo enquanto
estava ainda subsistindo à base de plantas e animais
selvagens. É tido como certo que ele entrou a pé, pro-
vavelmente numa época em que a água do mar, retida
nos glaciares, deixava uma conexão terrestre entre a
Sibéria e o Alasca.
- 52 -
Com a intensificação das pesquisas arqueológi-
cas e descobrimentos novos achados com datações
mais recuadas, nas décadas de 50 a 70 do século XX,
a comunidade científica começou a aceitar o início de
povoamento por volta de 30 mil anos atrás, mesmo as-
sim com muita reticência.
No Brasil durante o período de 1965-71 desenvol-
veu-se através de uma parceria entre o governo bra-
sileiro e norte-americano, o PRONAPA. Coordenados
pelo Smithisonian Institution e o secretária do Patrimô-
nio Histórico e Artístico, visando construir um quadro
cronológico para arqueologia brasileira. Sob a direção
de Betty Meggers e Clifford Evans que treinaram uma
geração de arqueólogos e suas influências são presen-
tes até os dias atuais.
Segundo Martin (1996, p.74),
- 53 -
de no máximo dois por dois metros, com níveis artifi-
ciais de dez centímetros.
- 54 -
de Joseph Caldwell em 1959, objetivava delinear os
rumos da arqueologia norte-americana, no sentido
de enfatizar a importância do meio ambiente e os pa-
drões de ocupações. Durante a década posterior, esse
movimento de renovação da arqueologia americana,
ganhou força na figura de Lewis Binford que publicou
dois artigos; “Arqueologia como antropologia” em
1962 e “A sistemática arqueologia e o estudo dos pro-
cessos culturais” em 1965.
Segundo Trigger (2004, p.288-289),
Aí ele identificava o objeto da arqueologia como sen-
do o mesmo tradicionalmente consignado à antro-
pologia: explicar o amplo espectro de semelhanças e
diferenças no comportamento cultural. Também afir-
mou que os dados arqueológicos são particularmente
úteis para o estudo para o estudo de mudanças ocor-
ridas na longa duração. Essas teses foram por ele con-
cebidas em forma de generalizações sobre a mudança
sistemática e evolução cultural.
- 55 -
ciência mais próxima a ciências da natureza, ou como,
afirmou David L. Clarke (1937-1976) com a “Nova Ar-
queologia” no seu artigo intitulado, “Arqueologia: a
perda da inocência” de 1973.
Em segundo momento de sua carreira, Meggers
(1987, p.64) modifica suas ideias acerca do povoamen-
to da América e repensando, afirmando que,
- 56 -
fatos líticos da Europa, da África, do Oriente Médio e
Próximo e da Sibéria Central não se transferiram para
o Novo Mundo, em suas formas características identi-
ficáveis. Com apenas algumas exceções especiais ou
tardias, não se encontraram nas Américas os bifaces
de núcleo, os artefatos lascados ou de lâminas dos ti-
pos existentes no Velho Mundo ocidental.
- 57 -
Dentro da arqueologia brasileira essa visão da
primeira migração humana via Beríngia e posterior-
mente, espalhando-se pela as demais partes do con-
tinente, vem sendo defendida pelo bioantropólogo
Walter Neves, da USP, mas com algumas modificações
nos momentos migratórios (ver figura 5). Redesco-
brindo em estudos de antropologia física um crânio
achado pela Missão Francesa (1974-1975) em Lagoa
Santa, de características africanas e sendo considera-
do o crânio mais antigo do continente sul americano,
batizada de Luzia e com aproximadamente 11 a 11,5 mil
anos atrás e assim propondo o “modelo dos dois com-
ponentes biológicos principais” e por fim, Walter Neves
e Mark Hubbe afirmando que a migração inicial teria
ocorrido por volta de 18 mil anos atrás (NEVES, 2006)
(ver figura 6).
Segundo Hubbe e Neves (2003, p.48-49),
- 58 -
Figura 6. Mapa do modelo dos dois componentes biológicos
(Fonte: HUBBE e NEVES, 2003, p.44)
- 59 -
3.2 UMA PERSPECTIVA SOBRE O POVOAMENTO
PELO SUL DO CONTINENTE AMERICANO
A segunda perspectiva cientifica de povoamen-
to está relacionada com as migrações pelo Pacífico, os
grupos humanos teriam migrado a partir de navega-
ção de cabotagem do leste do continente africano até
oeste do continente americano.
Essa perspectiva do povoamento é defendida
pelo etnólogo Paul Rivet (1876-1958), em seu artigo
“Les Malayos-Polineses en Amérique” em 1926, fazendo
inferências da possibilidade da travessia marítima de
povos localizados na Oceania para o continente ame-
ricano. Em seus estudos Rivet (1960) procurou analo-
gias entre esses dois extremos geográficos, no intuito
de validar suas hipóteses, talvez, a sua obra que sinte-
tize melhor essas ideias seria “As origens do homem
americano” na década de 40 do século XX.
Segundo Rivet (1960, p.148-150),
(...) o Pacifico não deve aparecer-nos como uma imen-
sa extensão vazia, barreira infranqueável estendida
entre o Antigo e o Novo Mundo. Migrações humanas
atravessaram-no, à custa de quantos esforços e de
que dramas, para arribar à América e colonizá-la; hou-
ve depois comerciantes audazes que o cruzavam de
maneira mais ou menos regular até a época do des-
cobrimento, essas travessias efetuaram-se sem dúvida
em ambos os sentidos. Muitos antes das caravelas dos
grandes descobridores europeus, as surpreendentes
pirogas melanésicas e polinésicas, e quem sabe tam-
bém as primitivas jangadas peruanas, haviam sulcado
as rotas desse imenso deserto marítimo. Uma emocio-
nante epopeia anônima precedeu a grande epopeia
histórica. E é isso toda a crônica da humanidade. (...) o
Pacífico não se tornou de forma alguma um obstáculo.
Foi, ao contrário, um traço de união entre o mundo asi-
ático e a Oceania e o Novo Mundo. A fachada oriental
da América é uma parede sem portas nem janelas.
- 60 -
Neste estrato observa-se a proposta de uma
nova perspectiva para povoamento da América, em
contraposição à visão de Hrdlicka pelo norte do con-
tinente americano. Diante do exposto, seria possível
que embarcações de pequeno porte atravessassem a
imensidão do oceano Pacífico e quais seriam os traços
de semelhança entre os polinésios e melanésios com
os índios americanos?
De acordo com Rivet (1960, p.141),
Conhecendo perfeitamente as correntes e os ventos,
sabendo guiar-se pelas estrelas, viajavam sós, de noi-
te, e percorriam normalmente e sem escala, distâncias
de 2.000 e às vezes 2.500 e até 4.200 milhas. Para en-
contrar na imensidade do oceano as pequenas ilhas
polinésicas, tomavam como ponto de referência a pe-
quena nuvem que sobre elas se forma a 3.600 metros
de altura e que um olhar experimentado percebe a 120
milhas de distância. Suas pirogas duplas faziam 7 a 8
milhas por hora, o que significava cerca de 75 milhas,
numa jornada de 10 a 12 horas. Um desses barcos, por
conseguinte, podia franquear a distância que separa o
Havaí da costa californiana ou ilha de Páscoa, da costa
sul-americana, em 20 dias.
- 61 -
que permitiriam fazer analogia entre os melanésios os
povos indígenas americano, como: armas (sarabatana,
propulsor, tacape anular e estrelado, arco); utensílios
(enxó de cabo em cotovelo); navegação (remo em
forma de muleta, embarcação, feita com canas, jan-
gada, piroga dupla); objetos de uso doméstico (pilão
de madeira, assentos e travesseiros de madeira, rede);
vestuários e adornos (capa de fibras vegetais contra
a chuva)e; cozinha (preparação de bebidas alcoólicas
por mastigação de tubérculos ou de grãos); a intro-
dução do tifo murino39 por ratos que teriam vindo nas
embarcações e elementos linguísticos.
Por fim, Rivet (1960, p.105-111) afirma,
(...) A imensa maioria dos elementos melanésios assi-
nalados na América do Norte, encontra-se na América
do Sul, ao passo que muitos elementos oceânicos sul-
-americanos não têm seus correspondentes na Améri-
ca do Norte.
Os elementos culturais melanésios encontram-se
especialmente entre as tribos da costa noroeste da
América do Norte, na bacia amazônica e no território
colombiano, na América do Sul, sendo nestas duas
regiões sul-americanas onde tais elementos são mais
numerosos e apresentam um desenvolvimento mais
rico de formas. (...) a rota terrestre não foi seguida
pelos melanésios. Por outro lado, a presença de um
substrato melanésio em grande parte da Polinésia,
inclusive a ilha de Páscoa, é atualmente admitida por
muitos etnólogos. Para um povo capaz de cumprir a
extraordinária proeza de descobrir a maioria das ilhas
do Pacifico, a de chegar à costa americana teria sido
coisa relativamente fácil. E, pensando bem, até seria
surpreendente que não houvesse feito, sendo lícito
estranhar que, às vezes, tenhamos retrocedido diante
desta hipótese, quando tais prodigiosas viagens marí-
timas através do Pacífico eram demonstradas e acei-
tas unanimemente.
- 62 -
Acerca dos contatos entre os polinésios e o con-
tinente americano, Rivet (1960) através de estudos
linguísticos demonstrou por analogias de semelhan-
ças entre algumas palavras polinésias e alguns povos
americanos (batata-doce, polinésia se chama kuma-
ra, enquanto no Haiti, umara), introdução do inhame
(dioscorea alata), coco da Bahia (cocos nucifera) e da
batata-doce (hibicus tilaceus).
Em um primeiro momento, a ideia de Paul Ri-
vet (1960) acerca do povoamento da América, rece-
beu muita crítica da comunidade acadêmica e assim
gerando muitos questionamentos sobre a sua funda-
mentação, como, a localização dos primeiros sítios
desses navegantes e as possíveis vias de acesso. De-
vemos ressaltar que a importância das glaciações de
Wisconsin nesse contexto, provocando a diminuição
dos níveis dos oceanos, reduzindo distâncias e criando
pontos de apoio, como ilhas.
Em um segundo momento, afirma Prous (1999)
os alunos de Rivet, Annette e Josef Emperarie vieram
ao Brasil em 1954-56, no intuito de pesquisar acerca
das teorias de Paul Rivet, buscando uma possível vali-
dação, criando o primeiro curso de lítico na Universida-
de Federal do Paraná década de 50 e posteriormente,
uma missão arqueológica sob o comando de Laming-
-Emperaie em Lagoa Santa, Minas Gerais e estenden-
do-se para o Piauí na década de 70, sob o comando de
Guidon, sendo responsáveis pelo treinamento de uma
geração de arqueólogos brasileiros.
De acordo Laming-Emperaire (1973 b, p.230-231),
- 63 -
recentemente, pelo Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional que, a partir de 1954, são efetuadas diversas
missões arqueológicas franco-brasileiras. 40
- 64 -
cebendo outros fluxos populacionais.
Fica claro a partir do terceiro momento, com o
desenvolvimento dos trabalhos da Missão Francesa
em dois focos; que o primeiro, em Lagoa Santa, com
o arqueólogo André Prous e; o segundo, com a paulis-
ta Niède Guidon no Piauí, ambos na década de 70. Ao
longo de suas pesquisas, ambos pesquisadores reali-
zaram importantes trabalhos na arqueologia brasileira
e chegando conclusões diferentes acerca do povoa-
mento do continente americano.
Para Prous (1992, p.119-120),
- 65 -
tação mais densa nas regiões já conquistadas. Apenas
por volta de nove mil anos atrás a multiplicação dos
sítios conhecidos mostra que o continente nesse mo-
mento estava densamente povoado. Em nosso atual
estágio conhecimento, não se pode pensar em um
povoamento do território brasileiro em época muito
anterior a 20 mil anos. Até poucos anos atrás, muito
se recusavam até a admitir uma ocupação de humana
pleistocênica há 12 mil ou mais.
Com relação às ideias de Rivet (1960) acerca da
possibilidade da migração australiana, Prous (2006)
afirma que não são mais validas, devido não terem en-
contrado datações muitos recuados nas ilhas do pací-
fico e assim, não poderiam ser oriundos dos primeiros
migrantes e também, um dos críticos das datações
recuados do pleistocênicas no Brasil, em especial da
região Nordeste, mais especificamente da Toca do Bo-
queirão da Pedra Furada no PARNA Serra da Capivara
e a Toca da Esperança, na localidade de Central (BA).
Em contraposição as ideias de Prous (1992);
(2006), Guidon com mais de 30 anos de pesquisas rea-
lizadas no Piauí, na região Nordeste do Brasil.
De acordo com Guidon (1991, p.17),
- 66 -
do que 32.000 anos foi feita em agosto de 1987 com o
prosseguimento das escavações, iniciadas em 1978 e
que se prosseguiram em 1980, 1981, 1984, 1985 e 1986.
- 67 -
Atualmente se defrontam duas “escolas”: a dos “pru-
dentes” e a dos “ousados”. A primeira defende a teo-
ria de que a América só foi povoada muito tardiamen-
te, há cerca de 15.000 anos e a segunda propõe idades
existentes recuadas, entre 30.000 a 70.000 anos, para
presença humana no Novo Continente.
- 68 -
BP, como, Toca da Esperança, escavado por Maria
Conceição Beltrão. Segundo Beltrão (1996) esse sítio
possuiria com datações que se estenderiam de até
295.000 anos atrás, configurando a possibilidade de
uma ocupação do homo erectus, sendo alvos de mui-
tas críticas por parte da comunidade acadêmica.
Dentro dessa perspectiva, necessitamos de
outras ferramentas para aprofundar-nos na questão
do povoamento das Américas, a parasitologia42 seria
uma delas. Através dos estudos parasitas poderíamos
conhecer a distribuição dos seres humanos no conti-
nente e fazermos inferências acerca das vias de po-
voamento.
Segundo Araújo e Ferreira (1993, p.106),
- 69 -
é um caso interessante de abordamos, em especial,
o ciclo de vida da parasita em questão encontrada na
Toca do Boqueirão da Pedra Furada, onde esses co-
prólitos44, com datações de 7.230+-80 anos B.P. foram
estudados.
Para Araújo e Ferreira (1993, p.106-110),
As diferenças encontradas nos padrões de infecção
levaram a interpretação de que algumas populações
indígenas seriam de origem asiática, mas sua penetra-
ção deveu-se a migrações transpacíficas, em períodos
pré-colombiano (Manter, 1967; Fonseca, 1972). Essas
conclusões baseavam-se em teorias de povoamento
da América pela via transpacífica (Rivet, 1926) e na, im-
possibilidade das parasitoses encontradas, manterem
seu ciclo de transmissão sob as baixas temperaturas
da região da Sibéria e Alasca (Nicole, 1932). Segundo
Stewart (1960), o clima da região de Bering teria agido
como filtro para as infecções existentes nas popula-
ções que seguiram essa rota. (...) A infecção
humana por ancilostomídeos transmite-se de hospe-
deiro a hospedeiro, com estágios larvares obrigatoria-
mente evoluindo no solo, sob condições específicas
de temperatura e umidade que, em condições ideias,
dá-se entre 25º e 30ºC. Nesse caso, as migrações hu-
manas pré-históricas pela via de Bering não poderiam
ter introduzido esta parasitose na América, em virtu-
de das baixas temperaturas no solo, o longo caminho
percorrido sob essas condições climáticas, e as gera-
ções de hospedeiros que se sucederam das Sibéria até
América do Norte.(...) É preciso notar que a presença
de infecção por Ancylostoma duodenale e Trichuris tri-
chiura da América pré-colombiana é um indicador de
contatos transmarítimos, mas não necessariamente
de intensos, ou numerosos, movimentos migratórios.
Poucos contatos seriam capazes de infectar uma po-
pulação já existentes (Marasciulo, 1992). Por outro
lado os dados indicam que a possibilidade de navega-
ção já existiam há mais de 7.200 anos (Araújo et al.,
1988).
44 Segundo Bahn e Renfrew (1993, p.511) coprólitos seriam “(...) fezes fossi-
lizadas; contendo restos de alimentos que podem ser utilizados para recons-
truir a dieta e as atividades de subsistência”.
- 70 -
Na parte norte do continente americano, a in-
fecção de parasitose mais comum foi por Enterobius
vermiculares45 com datações de até 10.000 anos atrás,
Araújo, Gonçalves e Ferreira (2006) afirmam que essa
parasitose teria vindo com os seres humanos que atra-
vessaram o caminho de Bering, da Ásia para o Alasca,
e seu ciclo de vida suportaria baixas temperaturas gla-
ciais, enquanto, o Ancylostoma duodenale e Trichuris
trichiura não suportariam temperaturas inferiores a 25
a 30°C.
Acerca do povoamento das Américas, as atuais
pesquisas buscam outras vias de acessos pelas quais
os seres humanos poderiam ter adentrado, algumas
hipóteses antigas, como do arqueólogo português
Correa Mendes na possibilidade de uma passagem
pela Antártica e assim desembarcado no extremo sul
do continente americano, ou novas hipóteses em pos-
síveis migrações do Velho Mundo para o Novo Mun-
do. Como as pesquisas em bioantropologia que estão
progredindo com muita velocidade e a possibilidade
da utilização do DNA Mitocondrial para sabermos in-
formações sobre a espécie humana, pode em um fu-
turo próximo render muitos frutos para o estudo po-
voamentos do continente americano afirma Fabrício
Santos na II Conferência do Povoamento das Améri-
cas.
Por fim, devemos chamar a atenção para a
possibilidade migratória do continente africano para o
continente sul americano; esse é um dos pontos que
as pesquisas da professora Guidon apontam e foram
debatidos durante a II Conferência do Povoamento da
45 Enterobius vermiculares: tipo de verminose que encontradas nos
índios americanos, que teriam chegado pelo norte do continente americano.
- 71 -
América em 2006, somente o tempo e o desenvolvi-
mento das pesquisas arqueológicas poderão validar
ou não as inferências de Guidon.
Para Guidon (2005, p.6),
- 72 -
épocas antigas dentro as quais mistura-se a destruição
de uma vila ou de uma cultura (Tróia), naufrágio de
uma armada (Alexandre) ou das conquistas ou das in-
vasões nas terras distantes (os Hunos, os Vikings) são
sucetivéis de serem utilizadas.46
46 Tradução nossa.
- 73 -
- 74 -
CAPÍTULO 4
A IMPORTÂNCIA DAS PESQUISAS
ARQUEOLÓGICAS NO PARQUE NACIONAL
SERRA DA CAPIVARA.
- 75 -
O PNSC48 foi criado com a finalidade de proteger
o patrimônio arqueológico, paleontológico e ambien-
tal da região, no intuito de contribuir com o gerencia-
mento dessa UCI49, foi instituída a FUMDHAM50, sob a
direção da professora Niède Guidon e pesquisadores
brasileiros e franceses, em 1986.
A FUMDHAM tinha por intuito apoiar as pesqui-
sas científicas na região, contribuir para a preservação
e conservação do meio ambiente, apoiar ações de de-
senvolvimento sustentável e educativas. Dentro de
contexto foram apoiadas iniciativas para implantação
de escolas para as populações que viviam próximas
do parque, a produção de cerâmica no intuito de ge-
rar renda, incentivo ao desenvolvimento da atividade
da apicultura e promoção de um turismo sustentável,
no intuito de gerar um desenvolvimento regional e
melhorar a qualidade de vida das populações locais
(ARAÚJO ET AL, 1998).
O PNSC foi considerado como um Patrimônio
Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 1991, e
como Patrimônio Nacional pelo IPHAN, em 1993, des-
sa forma requerendo um cuidado especial por partes
da autoridade federal, estadual e local, no sentido de
promover uma política de preservação da unidade e
evitar a constante presença de caçadores no local,
uma das principais ameaças a fauna local e proteger
animais endêmicos da Caantiga como lagartixa da ser-
ra e mocó (GUIDON, 2014 A).
Os estudos da arte rupestre realizados pela ar-
queóloga Niède Guidon na região do PNSC, permiti-
ram identificar três tradições de pinturas rupestres e
48 PNSC: Parque Nacional Serra da Capivara.
49 UCI: Unidade de Conservação Integral.
50 FUMDHAM: Fundação Museu do Homem Americano.
- 76 -
duas tradições de gravuras. As três tradições de pin-
turas são:
1) A Tradição Nordeste é predominantemente
formada por temáticas de figuras de antropomorfos,
zoomorfos e fitomorfos com um fácil reconhecimento
visual e temático, como cenas de caça, dança, cerimô-
nias religiosas e cenas sexuais, abrangendo os estados
do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Sergipe,
Paraíba, Piauí e norte de Minas Gerais, sendo elabora-
da a partir dos trabalhos das pesquisadoras Niède Gui-
don, Silvia Maranca, Anne-Marie Pessis, Susana Mon-
zon, Laurence Ogel-Ross e Bernadette Aranud, tendo
possível origem no estado do Piauí (MONZON, 1978;
GUIDON, 1991; PESSIS, 1999; GUIDON; LAGE, 2003;
MARTIN, 2008; MARTIN; VIDAL, 2014). As principais
subtradições da Tradição Nordeste no PNSC são: Sali-
tre51 e Várzea Grande52.
2) A Tradição Agreste está localizada nos es-
tados da Paraíba, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do
Norte, Piauí e várias partes da região Nordeste, ten-
do provável origem no estado de Pernambuco, suas
principais características são: ausência de traçado de
contorno com preenchimento, o uso de técnicas me-
nos elaboradas (simples) e menor diversidade temáti-
ca, grafismos de maior dimensão vertical e horizontal,
perspectiva estática, sem formação de cenas, “(...)
não possuíam aprimorada técnica gráfica e ignoravam
51 Subtradição Salitre: “(...) é caracterizada pela presença de grafismos de
composição (figuras de antropomorfos, zoomorfos, de ação geralmente de
cenas) e de grafismos puros (PESSIS, 1992). Estes últimos, que geralmente de-
signamos ‘sinais’ou ‘figuras geométricas’, são minoritários. As figuras antro-
pomorfas e zoomorfas distribuem-se equitativamente e formam um conjunto
numericamente superior àquele das representações de objetos e de figuras
fitomorfos. Os grafismos de ação são muito numerosos” (OGEL-ROSS, 1985,
p.147-148).
52 É composta por três estilos: Serra da Capivara, Complexo Estilístico Serra
Talhada e Serra Branca (GUIDON, 1991).
- 77 -
os procedimentos de preparação das tintas e a técnica
de contorno” e classificada inicialmente como tradi-
ção Castelo (PESSIS, 1999, p.70; GUIDON; LAGE, 2003;
MARTIN; VIDAL, 2014).
Na região do PNSC são descritos os seguintes
estilos: a) Serra do Tapuio, caracterizado pela presen-
ça de grandes antropomorfos com vestimenta de rou-
pas, ausência de movimento nos grafismos, má quali-
dade e imprecisão na execução das figuras, o uso da
coloração vermelha, o preenchimento e uso da tinta
lisa; b) Extrema, caracterizado por um traçado mal ela-
borado, ausência de movimento, preenchimento das
figuras e a presença de grafismos de zoomorfos e gra-
fismos puros; c) estilo Gerais53, caracterizado pelo uso
do contorno, reproduções de impressões naturalistas
como as mãos e sendo vermelho a cor dominante, ra-
ramente existe figuras pretas (GUIDON, 1985 B; MAR-
TIN, 2008).
3) A Tradição Geométrica tem por principais ca-
racterísticas a presença de grafismos em linha, círculos
concêntricos, retângulos, labirintos, flechas, quadra-
dos, grafismos astronômicos e marcas de pegadas de
pássaros, com a coloração amarela, escura, branca e
vermelha. Essa tradição é denominada de hipotética
e duvidosa por Martin (2008). Ela está presente em
vários estados da região do Nordeste, Sul, Sudeste e
Centro-oeste do Brasil, sendo de difícil análise devido
ao caráter abstrato de seus grafismos, descrita por
Niède Guidon e outros pesquisadores (SCHMITZ, 1981;
GUIDON, 1991, PROUS, 1992; 2007 A)
Dentro do contexto Parque Nacional Serra da
Capivara, foi classificada em três estilos54: a) Olho d´á-
53 Estilo Gerais era anteriormente classificado como tradição Gerais, depois
foi incluída como um estilo da tradição Agreste por Guidon (1991).
54 Guidon (1983 b) classificou como uma subtradição, a posterior, foi reclas-
- 78 -
gua: esse estilo foi descrito por Laurence Ogel-Ross
por possuir grafismos puros, raros grafismos de com-
posição e traços mal elaborados, numerosas impres-
sões naturalistas de mãos humanas encontrados em
único sítio; b) estilo Bom Jesus, composto de grafis-
mos puros com intrusão de outros estilos nos painéis
rupestres dos sítios, como Toca da Pedra Solta do Bom
Jesus, Toca das Letras e Toca do Boqueirão do Saco I,
também descrito por Laurence Ogel-Ross; c) estilo Ga-
meleirinha, encontrado em único sítio na Toca Game-
leirinha, composto de grafismos puros e intrusão dos
estilos Olho d´água e Bom Jesus.
As duas tradições de gravuras rupestres no
PNSC identificadas são:
1) A Tradição Itacoatiara55 de Oeste está situada
em locais próximas d’água, a Toca do Buraco do Pajeú
e o Caldeirão do Deolindo são exemplos dessa tradição
e se estendendo até países como a Bolívia. Ela é carac-
terizada por grafismos puros e formas de biomorfos,
de difícil identificação e reconhecimento, estando re-
lacionada a grupos caçadores-coletores e existindo
uma datação de 12 mil anos atrás no estado do Mato
Grosso (GUIDON, 1983 B; ARAÚJO ET AL, 1998).
2) A Tradição Itacoatiara de Leste está presen-
te predominantemente na região Nordeste com uma
cronologia relativa de 8 a 7 mil anos atrás (GUIDON,
1991; 2006). O principal monumento desta tradição de
sificada como estilo por Martin (2008) em decorrência dos elementos neces-
sários para atender os requisitos e necessários, especialmente, o escopo de
sítios arqueológicos.
55 O significado termo é “(...) pedras lavradas, pedras pintadas, gravuras,
pinturas, letreiro, glifos, litoglifos, petróglifos, pictografias, litografias e hieró-
glifos brasileiros.” (FARIA, 1987, p.41). De acordo com Prous (1992), o termo
Itacoatiara significa “pedra pintada”. Galdino (1988) dividiu em seis classes
distintas para a tradição Itacoatiara: a) Naturalismo antigo; b) Naturalismo
recente; c) Esquemático antigo; d) Esquemático recente; e) Pictográfico; e f)
Ideográfico.
- 79 -
gravuras é a Pedra Lavrada do Ingá, localizada na cida-
de do Ingá, na Paraíba, onde foi identificada a subtra-
dição Ingá a partir da análise de 19 sítios arqueológicos
encontrados na região (SANTOS, 2015).
A tradição Nordeste é a mais estudada de todas,
devido à grande quantidade de cenas, movimento e
de mais fácil reconhecimento visual dos grafismos. O
trabalho inicial da professora Niède Guidon foi elabo-
rar uma classificação inicial para o desenvolvimento
das pesquisas, seu escopo inicial era 70 sítios arqueo-
lógicos e 6.000 fotografias feitas pela equipe da pes-
quisadora (GUIDON, 1991). A quantidade de sítios
aumentou consideravelmente desde década de 1970,
surgindo novos problemas e descobertas para a cons-
trução da narrativa desse passado, demonstrando
uma antiguidade muito maior do que se suponha para
os grupos humanos no continente americano (GUI-
DON, 2003).
As pesquisas científicas realizadas na região
apresentaram resultados importantes na construção
do conhecimento da arqueologia pré-histórica brasilei-
ra, atualmente estão catalogados 1.335 sítios arqueo-
lógicos no local, onde há 184 sítios com vestígios ce-
râmicos, 946 sítios de pinturas rupestres, 206 sítios de
pinturas e gravuras, e 80 sítios de gravuras (GUIDON,
2014 A, 2014 B; MARANCA, MARTIN, 2014). Os vestí-
gios paleontológicos são também um segmento rele-
vante das investigações científicas no local, já foram
encontrados mais 7.000 fósseis e identificadas mais 60
espécies de animais, na qual 30 espécimes já são consi-
derados extintos (GUERIN, FAURE, 2014).
Os resultados das pesquisas arqueológicas na
região apontam para uma presença recuada dos gru-
pos humanos pré-coloniais com uma antiguidade de
- 80 -
100 mil anos atrás. A região também é considerada
como maior enclave de sítios arqueológicos do mun-
do e com as datações absolutas mais recuadas para a
arqueologia americana (MARTIN, 2008).
Os primeiros residentes da região do Parque Na-
cional Serra da Capivara chegaram ao local por volta
100 mil anos atrás, possivelmente a partir de grupos
com baixa densidade populacional e que tinham a
caça e coleta como forma de sobrevivência, a partir de
rotas migratórias ainda não totalmente identificadas e
motivos de muitas de controvérsias no meio arqueo-
lógico56 (OLIVEIRA, 2007; JUSTAMAND, OLIVEIRA, FU-
NARI, BELARMINO, 2017).
Dentro do contexto da arqueologia brasileira,
em especial na região Nordeste, existe vários sítios ar-
queológicos com uma provável presença de vestígios
da recuada de uma ocupação de grupos humanos com
datações que giram entre 100 a 13 mil anos atrás. Des-
tacando-se os seguintes sítios: Toca do Boqueirão da
Pedra Furada, Sítio do Meio, Toca dos Coqueiros, Toca
do Garrincho, Sítio da Ema do Brás I, Toca da Janela
da Barra do Antonião e Toca do Baixão do Perna I, no
PNSC, no estado do Piauí; a Toca da Esperança, no mu-
nicípio de Central, e Sítio Morro Furado, no município
de Coribe, ambos na Bahia; cemitério indígena do Jus-
tino, no estado de Sergipe; o abrigo da Furna do Estra-
go, em Brejo da Madre Deus, no estado de Pernam-
buco (BELTRÃO, 2000; GUIDON ET AL, 2002; VERGNE,
2005; GUIDON, 2006; MARTIN, 2008).
- 81 -
As escavações arqueológicas realizadas na Toca
do Sítio do Meio apontaram para uma ocupação pré-
-colonial que remontaria quase 20 anos mil anos atrás,
a partir de datações radio carbônicas correlacionas
com vestígios arqueológicos lítios encontrados, sendo
considerado um espaço de moradia (GUIDON ET AL,
2002). No local foi encontrado um dos vestígios cerâ-
micos com uma datação de 8.960 anos B.P. e um ma-
chadinha polida com uma datação absoluta associada
de 9.200 anos B.P., ambas as mais antigas para o con-
tinente americano (BUCO, 2011).
De acordo com Guidon (2006, p.52),
- 82 -
A Toca do Boqueirão da Pedra Furada é um
exemplo da antiguidade da presença de grupos huma-
nos na região, com uma grande variedade de vestígios
líticos, fogueiras feitas por grupos humanos, produ-
ção de cerâmica, a prática da arte como expressões
lúdicas no paredão rochoso do sítio, imprimindo seu
universo simbólico naquele local (PESSIS, GUIDON,
2007).
Para Parenti (1996, p.34-35),
- 83 -
expulsando os antigos moradores, iniciando um pro-
cesso de produção agrícola, assim cultivando feijão,
cabaça e amendoim por volta de 2 mil anos A.P. (GUI-
DON, 2006).
A Toca do Sítio do Boqueirão da Pedra Furada é
um sitio arqueológico pré-colonial em formato de abri-
go sob-rocha, com as dimensões de 70 metros de com-
primento, 22 metros de largura e 75 metros de altura,
localizado no topo e seu registro data de 1973 (F.S.
TOCA DO SÍTIO DO BOQUEIRÃO DA PEDRA FURADA,
2016). É considerado um dos sítios mais importantes
para compreender-se o modo de vida dos primeiros
grupos humanos no Brasil, possuindo a presença de
ferramentas líticas57, fogueiras de origem antrópica e
a prática da arte rupestre no paredão rochoso (ver fi-
gura 8).
- 84 -
A leitura estratigráfica do sítio permitiu a iden-
tificação de seis níveis culturais: 1º) Pedra Furada I
(> 50.0000 até > 35.0000 B.P.); 2º) Pedra Furada II
(≥ 32.160±1000 B.P. à > 25.000 B.P.); 3º) Pedra Fu-
rada III (> 25.000 até 10.050 B.P.; 4º) Serra Talhada I
(10.400±180 a 8.050±170 B.P.); 5º) Serra Talhada II
(7.750+80 a 7.220+-80 B.P.); 6º) Agreste (6.150±60 a
3.000 anos B.P.), apresentando um conjunto de 67
datações absolutas pela técnica de datação do rádio
carbono 14, alcançando a idade de 57 a 5 mil anos B.P.
Além disso, as datações das rochas do entorno da fo-
gueira através da técnica de termoluminescência ob-
tiveram datações de até 100 mil anos B.P. (PARENTI,
1996; GUIDON, 2007; GUIDON, 2014 B) (ver figura 9).
- 85 -
nos pré-coloniais na região, como sítio do Meio, Toca
dos Coqueiros, Toca da Ema dos Brás I, Toca do Garrin-
cho, Toca da Bastiana e Toca do Antonião (OLIVEIRA,
2014).
Concluindo, as pesquisas arqueológicas em-
preendidas pela professora Niède Guidon e sua equipe
da Fundação Museu do Homem Americano mudaram
a perspectiva da compreensão do povoamento ameri-
cano, demonstrando uma presença recuada e ostensi-
vo de grupos humanos na região do Parque Nacional
Serra da Capivara. A professor Niède Guidon resgatou
o universo simbólico desses habitantes, a partir da
análise dos vestígios de cultura material (ferramentas
líticas, cerâmica e a prática da arte rupestre) encontra-
dos durante as escavações ao longo das décadas (JUS-
TAMAND, FUNARI, ALARCÓN-JIMENEZ, 2018).
Mas o maior feito da professora Niède Guidon
foi mudar as vida das pessoas que vivem na região,
ao implantar um projeto de longo prazo não apenas
privilegiando a partir acadêmica, mas proporcionando
uma melhoria de vida da população local, a partir de
implantação de escola de qualidade, geração de em-
prego e renda e oportunidade através da produção da
cerâmica, produção de mel e estímulo ao turismo sus-
tentável, uma forma de arqueologia engajada e com
o compromisso social. Portanto, gerando uma revo-
lução social na região, colocando o Parque Nacional
Serra da Capivara no mapa da arqueologia mundial e
referência de competência no campo da arqueologia
brasileira.
- 86 -
Consideramos que...
- 87 -
- 88 -
REFERÊNCIAS
- 89 -
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de Central, Bahia, Brasil: A Toca da Esperança, um sítio
arqueológico do pleistoceno médio. In: Fundhamen-
tos. Revista da Fundação do Museu do Homem Ame-
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Manuel sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Edi-
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COSTA, F.A. Pereira da. Cronologia Histórica do Esta-
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(org). Pré-história da terra Brasilis. Rio de Janeiro; Edi-
tora UFRJ, 1999. p.35-50.
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THEODORO DA SILVA, Janice. Descobrimento e Colo-
nização. 3ª Edição. São Paulo.Editora Àtica, 1991.
- 104 -
Sobre os autores
Michel Justamand
Bacharel e Licenciado em História pela PUC/SP
(1999); Habilitado em Filosofia (2001) e em Sociologia
(2002) ambos pela PUC/SP; Mestre em Comunicação
e Semiótica pela PUC/SP (2002); Licenciado em Pe-
dagogia pela UniNove/SP (2003); Doutor em Ciências
Sociais/Antropologia pela PUC/SP (2007); Pós-Doutor
em História pela PUC/SP (2012); e Pós-Doutor em Ar-
queologia pela UNICAMP (2017). Orgulhoso por ter
sido Professor de História e Geografia no Ensino Fun-
damental e de História e Sociologia no Ensino Médio
da Rede Pública Estadual de São Paulo entre 1995 e
2009 e também por ter sido Professor Voluntário de
História no Cursinho Pré-Vestibular de Alunas e Alunos
da PUC/SP, entre 1997 e 1999. Foi Professor da Univer-
sidade Bandeirante/UNIBAN de São Paulo, entre 2002
- 105 -
e 2007. Foi Professor do Curso de Normal Superior da
Universidade do Estado do Piauí – UESPI, em 2004. Foi
Professor do Curso de História da Universidade do Es-
tado do Amazonas/UEA, em Tefé, no Médio Solimões,
entre 2008 e 2009. É Docente do Curso de Bacharelado
de Antropologia da Universidade Federal do Amazo-
nas/UFAM, no Alto Solimões, em Benjamin Constant,
desde 2009. É Professor Permanente do Programa de
Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia/PP-
GSCA, desde 2014. Participa de grupos de pesquisas na
UFAM, UNICAMP e PUC/SP.
- 106 -
FAP, UFS, UNIP, Unifesp, U. Einstein de Limeira, UFG,
UFBA, UNIFAL, UFMA, UFPA, UFOP, Museu Nacional
- UFRJ, UEG, UFPE, UFMS, Museu da Bacia do Paraná,
UFAL, Unip, F.I. Maria Imaculada, Museo Nacional de
Colombia, Un. da Força Aérea, Un. Liège, Mackenzie
. Na Unicamp, Coordenador do Núcleo de Estudos Es-
tratégicos (2007/09) e do Nepam (2014/16), represen-
tante do IFCH na CADI (2005-2009) e dos titulares no
DH (2015/6), membro da CAI/Consu (2009), Assessor
do Gabinete do Reitor e Coordenador do Centro de
Estudos Avançados da Unicamp (2009-2013), apresen-
tador do programa da RTV Unicamp "Diálogo
sem fronteira" (2011/6), com mais de 220 entre-
vistas. Participa do conselho editorial de mais de 50
revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Publicou
e organizou mais de 420 livros, reedições e capítulos
nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Áustria,
França, Holanda, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia,
Brasil, entre outros, assim como mais de 640 artigos,
resenhas e notas em mais de 130 revistas científicas
estrangeiras e brasileiras arbitradas, como Current An-
thropology, Antiquity, Revue Archéologique, Journal
of Social Archaeology, American Antiquity, American
Journal of Archaeology, Dialogues d Histoire Ancien-
ne, Bonner Jahrbücher. Foram publicadas mais de 70
resenhas de seus livros (> 30 delas em revistas es-
trangeiras). Projetos conjuntos com pesquisadores
estrangeiros resultaram na visita de numerosos estu-
diosos, das principais instituições de pesquisa do mun-
do (Universidades de Londres, Paris, Saint Andrews,
Boston, Southampton, Durham, Illinois, Barcelona,
Havana, Buenos Aires, Londres, CNRS). Membro dos
conselhos de Encyclopaedia of Historical Archaeology,
- 107 -
Oxford Encyclopaedia of Archaeology e Encyclopae-
dia of Archaeology (Academic Press). Participou de
mais de 400 eventos e organizou mais de 115 reuniões
científicas. Foi Secretary, World Archaeological Con-
gress (2002-2003), membro permanente do conselho
da Union Internationale des Sciences Préhistoriques
e Protohistoriques (UISPP) e sócio da ANPUH, ABA,
SAB, SBPH, SHA, SAA, WAC, ABIB, AAA, Roman Socie-
ty, académico estranjero de la Academia de Historia
de Cuba desde 2013. Líder de Grupo de Pesquisa do
CNPq, sediado na Unicamp e vice-líder de dois outros.
Editor de coleção de livros com 33 volumes, com apoio
acadêmico da FAPESP, CNPq, CAPES, FAPEMIG e UNI-
CAMP. Co-editor da Coleção Historical Archaeology in
South America (University of Alabama Press). Tem ex-
periência na área de História e Arqueologia, ênfase em
História Antiga e Arqueologia Histórica, além de Latim,
Grego, Cultura Judaica, Cristianismo, Religiosidades,
Ambiente e Sociedade, Estudos Estratégicos, Turismo,
Patrimônio, Relações de Gênero, Estudos Avançados.
Google Scholar 6.425 citações, índice H = 39 e i10 = 137,
total de auxílio e bolsas FAPESP: 114 (61 auxílios e 55
bolsas), academia.edu: > 9.230 seguidores e >
389.500 consultas, author rank 11.5, 1.999 public men-
tions, RG score 27.51, H = 11.
- 108 -
Coleção Arqueologia Rupestre
Dirigida por Gabriel Frechiani de Oliveira e Michel Justamand
5 - O Brasil desconhecido:
as pinturas rupestres de São Raimundo Nonato – PI
Michel Justamand.
6 - A mulher rupestre.
Michel Justamand.
7 - Arqueologia da Sexualidade.
Michel Justamand, Andrés Alarcón-Jiménez e Pedro Paulo A. Funari.
8 - Arqueologia do Feminino.
Michel Justamand, Gabriel Frechiani de Oliveira, Andrés Alarcón-Jiménez e
Pedro Paulo A. Funari.
9 - Arqueologia da Guerra.
Michel Justamand, Gabriel Frechiani de Oliveira, Vanessa da Silva Belarmino e
Pedro Paulo A. Funari.
10 - Arqueologia e Turismo.
Michel Justamand, Pedro Paulo A. Funari e Andrés Alarcón-Jiménez
- 109 -
- 110 -
Coleção FAAS
Fazendo Antropologia no Alto Solimões
Dirigida por Gilse Elisa Rodrigues e Michel Justamand
Antropologia no Alto Solimões.
Gilse Elisa Rodrigues e Michel Justamand (orgs.), 2012
- 111 -
Fazendo Antropologia no Alto Solimões, vol. 12
Iraildes Caldas Torres e Michel Justamand (orgs.), 2018
- 112 -
Coleção FAAS TESES
Fazendo Antropologia no Alto Solimões - Teses
Dirigida por Adailton da Silva e Michel Justamand
Carmen e os Kamaiurá
Michel Justamand, Renan Albuquerque e Vaneska Taciana Vitti (org.)
no prelo
Carmen e o indigenismo
Michel Justamand, Renan Albuquerque e Vaneska Taciana Vitti (org.)
no prelo
- 113 -
- 114 -
Coleção Diálogos Interdisciplinares
Dirigida por Josenildo Santos de Souza e Michel
Justamand
7 - Diálogos Híbridos.
Camilo Torres Sanchez, Josenildo Santos de Souza e Michel Justamand (orgs.).
- 115 -
10 - Políticas Públicas de Assistência Social: moradores
em situação de rua no município de Benjamin Constant
– AM
Sebastião Melo Campos, Lincoln Olimpio Castelo Branco, Walter Carlos
Alborado Pinto e Josenildo Santos de Souza
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20 - Teoria e prática em adminstração e ciências contábeis
I: intercâmbios nordestinos
Antoniel dos Santos Gomes Filhos, Antonio Wilson Santos, Marcos Jonaty
Rodrigues Belo Landim e Maria Erilúcia Cruz Nacedo
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