Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Taubaté - SP
2020
Juliana Batista Bonifácio Faury
Taubaté - SP
2020
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde
que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
4. Nº de folhas: 91f
5. Ilustrações: imagens
Resultado: ___________________________________
BANCA EXAMINADORA
Assinatura: ___________________________________
Assinatura: ___________________________________
Assinatura: ___________________________________
DEDICATÓRIA
Figura 1 – ................................................................................................................63
Figura 2 – ................................................................................................................67
Figura 3 – ................................................................................................................81
Figura 4 – ................................................................................................................82
Figura 5 – ................................................................................................................83
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................13
1 CAPÍTULO 1 - OS CONCEITOS DE BAKHTIN E O CÍRCULO.....................24
1.1 Dialogismo......................................................................................................25
1.2 Gêneros literários...........................................................................................28
1.3 Enunciado/enunciação e enunciado concreto............................................30
1.4 Ideologia..........................................................................................................33
1.5 Interdiscursividade e intertextualidade........................................................35
2 CAPÍTULO 2 - A LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR...............................39
2.1 Concepções de leitura no contexto escolar................................................41
2.2 Desafios dos alunos do Ensino Médio na leitura de poemas...................42
3 CAPÍTULO 3 – INTERRELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM POÉTICA E A LETRA DE
MÚSICA.........................................................................................................................45
3.1 Música e poesia..............................................................................................45
3.2 Poema romântico “O navio negreiro”..........................................................47
3.3 O Romantismo................................................................................................50
3.4 O Romantismo no Brasil................................................................................52
3.5 Música “Olhos coloridos”, de Macau...........................................................55
4 CAPÍTULO 4 - RECURSOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NO POEMA “O
NAVIO NEGREIRO” E NA CANÇÃO “OLHOS COLORIDOS”.....................57
4.1 Poema “O navio negreiro”.............................................................................57
4.2 Música “Olhos coloridos” de Macau............................................................60
5 CAPÍTULO 5. SEQUÊNCIA DIDÁTICA..........................................................62
5.1 Sequência didática- Música...........................................................................63
CONCLUSÃO.............................................................................................................68
REFERÊNCIAS...........................................................................................................70
ANEXO 1 - “O NAVIO NEGREIRO” (CASTRO ALVES)..........................................75
ANEXO 2 - CENAS DO “O NAVIO NEGREIRO”......................................................81
ANEXO 3 - “DANÇA TRISTE”...................................................................................82
ANEXO 4 - "NAVIO NEGREIRO", DE RUGENDAS, EM 1830.................................83
ANEXO 5 - OLHOS COLORIDOS (MACAU).............................................................84
ANEXO 6 - O NAVIO NEGREIRO/UM ÍNDIO (CAETANO VELOSO)......................85
ANEXO 7 - PROPOSTA DE ATIVIDADES PARA OS ALUNOS..............................87
13
INTRODUÇÃO
gênero foram surgindo. Já nos primeiros meses de docência, fui confrontada com
forte desinteresse por parte dos alunos no que tange à leitura de poemas e
construção de um ambiente de fruição poética e crítica literária durante as aulas.
Assim, no momento da leitura, os alunos ficavam extremamente inquietos, distraídos
e distantes da leitura proposta.
Entretanto, esse confronto diário com um cenário tão desalentador foi o
divisor de águas para a escolha de dois caminhos para a minha prática docente: o
aprofundamento no universo da pesquisa acadêmica para a busca de respostas
para tamanhas inquietações ou o conformismo com o contexto exposto juntamente
com a desmobilização pessoal. O caminho escolhido para inquietações e dúvidas
surgidas durante essa reflexão pessoal foi o do aprofundamento na pesquisa
acadêmica, pois, a partir do caminho da elucubração, seria possível buscar
respostas para o porquê de aqueles adolescentes, em sua grande maioria, não
apresentarem interesse nas aulas de leitura de textos poéticos.
Outro aspecto muito relevante para a escolha do poema “O navio negreiro”
concentra-se no fato de ter a grande oportunidade de honrar meus ancestrais diante
de tal escolha. Sou bisneta de escrava, com avó e mãe negras; e como inúmeros
brasileiros deste país, minha família é composta pela miscigenação entre povos e
culturas. Ao resgatar o referido poema para a minha pesquisa, procuro dar voz a
todos aqueles que me antecederam em minha história de vida, bem como às novas
gerações, podendo assim denunciar o racismo que se perpetua em nossa
sociedade. Trata-se, pois, de um olhar sensível e pessoal que permeia todo o
desenvolvimento deste estudo.
Portanto, a partir deste contexto, experiência de grandes dificuldades de
interpretação, criticidade e reflexão diária por parte dos meus alunos do 2º ano do
Ensino Médio no que se refere às aulas que envolvam leitura de poemas,
juntamente com questões que dialogam com a minha história de vida, esta
dissertação apresenta como tema uma proposta de releituras crítica e musical do
poema “O navio negreiro” e da canção “Olhos coloridos”, com alunos da 2º Série do
Ensino Médio, para a fruição poética.
Como objetivo específico, apresentamos uma sequência didática de leitura de
poema para suscitar a redescoberta da poesia por parte dos discentes durante as
aulas de literatura e, consequentemente, a criação de um espaço de fruição poética
e criticidade a partir das estratégias que foram levantadas neste estudo. Para este
15
granadas na direção dos agentes. O jovem foi atingido e teria sido levado de
helicóptero para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos. O corpo foi
encaminhado para o IML de São Gonçalo.
O que tem se levantado em todo o mundo na atualidade é o movimento
“antirracista”. Segundo Medeiros (1997), jornalista e militante de causas raciais e
membro do Instituto CPFL,
pertinentes à esfera literária é cada vez mais restrito a situações de ensino”. Tornar
a leitura de poemas apenas um aspecto obrigatório, sem a busca pela fruição
poética, é torná-la um mero objeto de ensino, ao invés de um instrumento que
possibilite a contemplação da arte pela palavra. Destarte, permitir a não fruição do
texto poético em sala de aula é aceitar que nossos alunos nunca encontrem
verdadeiramente o prazer da leitura poética.
A literatura é uma transfiguração da realidade reiterada por meio do espírito
do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e
com os quais ela toma corpo e nova realidade. A partir desta definição, esta nova
realidade muitas vezes só é apresentada sistematicamente aos alunos nas aulas de
literatura do Ensino Médio, e em sua maioria sem a criação de um ambiente que
propicie a fruição poética do próprio texto.
Entretanto, mesmo quando há uma proposta que penetra pelo viés da aula de
leitura, não ultrapassa esta mera e assistemática abordagem do ler por
simplesmente ler e da interpretação superficial dos textos ou das obras.
Consequentemente, é cada vez mais salutar a “[...] construção do sentido do texto,
dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade” (COSSON, 2012, p.
64).
Também há uma ocorrência nas aulas de literatura do Ensino Médio em que
as escolas literárias, seus autores e suas principais características são sempre as
mesmas trabalhadas nos livros didáticos, ou seja, apresentam exclusivamente um
caminho para a resolução de exercícios que requerem apenas informações
estanques das escolas literárias estudadas, não abrindo espaço para a fruição
poética dos poemas lidos.
Todavia, Bakhtin e Voloshinov (1976) caracterizam o discurso artístico como
um discurso que se faz por uma transformação da forma de comunicação
pragmática. Ao se referirem ao enunciado poético, afirmam: “Julgamentos de valor,
antes de tudo, determinam a seleção de palavras do autor e a recepção desta
seleção (a co-seleção) pelo ouvinte” (p. 10). Esclarecem que as palavras que o
poeta escolhe para construir sua obra são retiradas não de um dicionário, mas do
contexto da vida em que se encontram os julgamentos de valor, e são selecionadas
a partir do ponto de vista dos próprios portadores desses julgamentos - nesse caso,
dos nossos alunos.
22
1.1 Dialogismo
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas
pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não
apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a
26
face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN,
2012, p. 117)
[...] a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto
específico da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente
legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas
são justamente esses aspectos, abstraídos pela lingüística, os que têm
importância primordial para nossos fins. (BAKHTIN, 2005, p. 181).
Na descrição, o leitor pode dialogar de forma tão intensa que, por meio da
leitura, consegue enxergar as cenas descritas: os ferros que rangem e formam uma
espécie de música; e a orquestra de marinheiros que chicoteiam os escravos.
Já na letra da canção, podemos observar o modo pelo qual ocorrem as
manifestações dialógicas defendidas por Bakhtin (1997).
apresentada como gênero secundário por ser um produto da criação cultural, uma
evolução surgida pela escrita. Vale dizer, porém, que Bakhtin previa uma alternância
dos dois gêneros do discurso, isto é, não há um gênero puro necessariamente.
Faraco (2009) tece uma crítica aos leitores da obra “Estética da criação verbal”
(BAKHTIN, 1997) que fizeram uma apropriação pedagógica de sua classificação,
pois, segundo ele, tais leitores fizeram uma leitura formal e não dinâmica.
Medviédev (2012), em “O método formal nos estudos literários”, dedica
especial atenção quanto à diferença entre o discurso cotidiano e o literário.
Argumenta que a poética deve partir do gênero, ou seja, a obra no seu todo. Nessa
direção é que ele se empenha em desconstruir o formalismo que liderava os estudos
da época.
As noções enunciado-enunciação têm papel central na concepção de
linguagem que rege o pensamento bakhtiniano, justamente porque a linguagem é
concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social. Bakhtin e seu Círculo, à
medida que elaboram uma teoria enunciativo-discursiva da linguagem, propõem
reflexões sobre os elementos constitutivos do processo enunciativo-discursivo.
Diante desta concepção, a elaboração de uma proposta que trabalhe a fruição
poética é de suma importância.
Bakhtin (1997) também elucida que a obra de arte só poderia ser comparada
com outros produtos de criação ideológica (ciência, ética etc.) e que a literatura se
encontrava em interação ativa com outras esferas ideológicas, não havendo
justificativa para a sua comparação exclusiva com a linguagem prática. A opção
teórico-metodológica do Círculo tende na direção do quadro conceitual do que
Rastier (2001) chama uma poética generalizada, ao adotar um ponto de vista
unificado sobre os gêneros literários e não-literários para descrever o quão
diversificado apresentam-se os discursos (literário, jurídico, religioso, científico etc.)
e como eles se articulam aos gêneros. Portanto, Bakhtin propõe, por um lado, a
consideração dos diversos domínios artísticos (literatura, música, artes plásticas
etc.) no âmbito de uma estética geral e, por outro, a comparação da arte com as
demais esferas da cultura como meio de encontrar seus traços característicos. Esta
dissertação foi ancorada no que tange aos domínios artísticos defendidos por
Bakhtin.
Existe um ser social presente na leitura do poema que perpassa muitos locais
durante sua leitura. Pelo fato de o poema não ser estático, as palavras que o
30
1.4 Ideologia
pronta, constituindo-se pela ação e por seu uso pelos indivíduos. Um objeto físico
converte-se em signo quando, “[…] sem deixar de fazer parte da realidade material,
passa a refletir e a refratar, numa certa medida, uma outra realidade. […] Todo
instrumento de produção pode […] se revestir de um sentido ideológico”. Contudo,
deve ser considerado que “[...] o instrumento, enquanto tal, não se torna signo e o
signo, enquanto tal, não se torna instrumento de produção” (BAKHTIN, 2012, p. 20).
Um produto de consumo também pode ser transformado em signo ideológico.
O pão e o vinho, no sacramento cristão, por exemplo, exercem essa função.
Entretanto, o produto em si não é um signo. Paralelamente aos fenômenos naturais,
ao material tecnológico e aos produtos de consumo, existe um universo particular
que é o universo dos signos (idem, p. 20-21). O signo apresenta uma dupla
natureza, visto que, ao mesmo tempo em que existe como parte de uma realidade,
ele também reflete uma outra realidade. Dessa forma, o signo ideológico é,
concomitantemente, reflexo da realidade e seu fragmento material. O signo tem uma
encarnação material, isto é, ele é um fenômeno do mundo exterior; por isso, tem
natureza objetiva. Os efeitos do signo se fazem sentir na experiência exterior (idem,
p. 21).
O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos, isto é, são
correspondentes. Bakhtin critica o idealismo e o psicologismo que situam a ideologia
na consciência, esquecendo que a própria compreensão só pode manifestar-se por
meio de um material semiótico, pelo discurso interior: “A própria consciência só pode
surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos”
(idem, p. 22). A compreensão pode ser entendida como o movimento de aproximar o
signo de outros signos já conhecidos, sendo uma resposta a um signo por meio de
outros signos.
Ainda quanto ao tema signos, Bakhtin (2012) leciona que eles só emergem do
processo de interação entre uma consciência individual e uma outra; enfim, por meio
da interação social. O ideológico tem lugar no material social particular de signos
criados pelo homem. Dessa forma, os signos pressupõem um terreno interindividual,
desde que se trate de indivíduos socialmente organizados que formem um grupo,
uma unidade social. Para ele, a consciência individual é um fator socioideológico, e
não um depósito de todos os problemas filosóficos não resolvidos. Defende que a
única definição objetiva possível de consciência é de ordem sociológica, sendo os
signos o alimento da consciência individual.
35
primeiro contato com o texto poético em sala de aula é cada vez mais urgente e
salutar.
Por outro lado, ao discorrermos sobre a leitura no contexto escolar,
apresenta-se também a necessidade de refletirmos a respeito do contexto social dos
alunos. Em se tratando da construção de julgamento de valores dos alunos, eles
carregam consigo um capital cultural (BOURDIEU, 1998): o conjunto de recursos
atuais e potenciais que o indivíduo possui ao longo de sua história de vida,
propiciando o avanço ou retrocesso social desse indivíduo. Na verdade, muitos de
nossos alunos não possuem experiências com a leitura de textos literários, pois isso
não faz parte do seu universo cultural e contexto familiar. Destarte, cabe à escola
apresentá-los o universo leitor.
A partir da concepção acima, de Bourdieu, a família e todo o contexto ao qual
a criança e o jovem estão inseridos na realização de investimentos na leitura
transmitirão para a criança um determinado quantum de capital cultural durante seu
processo de socialização, que inclui saberes, valores, práticas, expectativas quanto
ao futuro profissional e à atitude da família e da sociedade da qual participa em
relação à escola.
Portanto, ao realizarmos um recorte desta proposição de capital cultural
defendida por Bourdieu (1998), em nosso estudo o relacionamos também com as
possibilidades de acesso à leitura ou até mesmo à quantidade de leitura da esfera
literária a qual nossos alunos foram expostos durante a vida, independentemente da
escolarização formal na escola. É possível depreendermos que a capacidade
interpretativa desses alunos nas aulas de leitura de poemas está relacionada às
diversas leituras a que eles tiveram acesso no decorrer da vida. Por conseguinte, há
uma correlação entre repertório literário e capacidade de contemplação do universo,
pois o letramento literário contribui para a capacidade leitora dos alunos.
Muitas vezes, a leitura de poemas pode ocasionar um choque de capital
cultural quando o aluno se depara com temáticas poéticas nas aulas de literatura,
pelo simples fato de não estar familiarizado com este universo, constituindo assim
um completo estranhamento diante das leituras.
41
Atualmente, a busca por esta compreensão por parte dos jovens faz-se
urgente e necessária, pois, a partir da compreensão do campo artístico-literário, os
alunos poderão empoderar-se e apropriar-se de gêneros pertencentes a outros
contextos sociais. Ademais, ao tratar da experiência artística, o professor como
mediador deve encaminhar o debate temático, estabelecendo relações dialógicas
entre os diversos momentos de leitura e produção e os vieses que são acrescidos
ao longo do tempo.
Tendo como base esta apreensão e fundamentando-se no que a BNCC
defende, o professor pode propiciar, a partir da sequência didática proposta, uma
leitura que insira este aluno no universo da fruição e crítica literária considerando
suas próprias impressões de leitura. Dessa forma, tem-se a aproximação do aluno
com o universo da leitura artística de poemas.
Diante desta afirmativa, fica claro que todo leitor irá, inevitavelmente, ter uma
ação diante do texto, que toda a história que ele carrega virá à tona diante da leitura,
e que essa bagagem pessoal contribuirá para que haja ou não a fruição do texto
poético, tendo em vista que cada texto terá significados diferentes para cada leitor,
pois cada um vivenciará um processo de aproximação ou de distanciamento a
depender de cada consciência.
O poema pertence aos chamados gêneros literários. No Ensino Médio, eles
são apresentados em contextos literários de ensino e aprendizagem, e por vezes a
interpretação não é satisfatória por parte dos alunos. Como afirma Cereja (2005),
aluno ao ler o texto poético em si, sem a preocupação desta estar em sintonia com o
que o livro didático está pedindo ou sugerindo em termos de interpretação.
A partir disso, podemos inferir que a música já faz parte do dia a dia de todo
ser humano. O grande desafio, portanto, concentra-se em aprendermos a perceber
e contemplar esses sons. Dessa forma, trazer esse universo da musicalidade para a
sala de aula é uma oportunidade para que os alunos sejam convidados para usufruir
da música e da poesia.
As ideias de Montanari (1988) sobre música nos levam a refletir sobre a
nossa infância, quando nossas mães ou os pais nos pegavam no colo e cantavam
cantigas de ninar. Ainda bebês, tentávamos reproduzir a música, mas só se ouviam
ruídos. Esses ruídos eram nossas primeiras músicas, ou pelo menos nossas
primeiras tentativas musicais.
A criança, quando adquire suas primeiras palavras, é capaz de memorizar
pequenos trechos e melodias, e é nesse momento que a música se torna uma
grande aliada da educação, pois, por meio de letras e melodias de fácil assimilação
para a criança, podemos ensiná-las novas palavras, histórias e a cultura do lugar
onde vivemos.
As cantigas de roda e as parlendas, por serem fáceis de cantar, são
apreendidas facilmente pelas crianças, que além de aprenderem se divertem, e é
por isso que muitas dessas canções marcam a infância de todos.
Sempre associada a diversas expressões artísticas, o poeta Vinícius de
Moraes também escreveu músicas e poesias com temas infantis que marcaram
várias gerações e que ainda hoje são muito utilizadas pelos educadores, sejam eles
47
professores ou não. Por isso, ainda continua marcando a vida e a história de muitas
crianças.
Diante de tantas reflexões a respeito de como a música pode ser vivida e
experenciada, é evidente que, ao trazê-la para o contexto da sala de aula, nas aulas
de literatura, temos a possibilidade de aproximar nossos alunos das aulas de leitura
e, a partir desse processo, propiciar a fruição poética.
Isso demonstrava que a elite do século XIX criou uma imagem do negro
ligada à inferioridade, não apenas pela sua condição de escravizado, mas
50
3.3 O Romantismo
Cândido (2000), por outro lado, considera que a narrativa romântica no Brasil
é desenvolvida na “[…] cidade, campo, selva ou vida urbana, vida rural ou vida
primitiva […]”, e que, a partir desses elementos, “[…] acontece a verdadeira tomada
de consciência da realidade brasileira no plano artístico, o verdadeiro ideal do
nacionalismo brasileiro” (p. 70-74).
54
Bosi (2017, p. 133) observa que, com Castro Alves, há uma renovada lírica
erótica, e que sua palavra, considerando o seu contexto, seria “[…] uma palavra
aberta à realidade maciça de uma nação que sobrevive à custa de sangue
escravizado”. Defende que este “é o sentido último do ‘Navio Negreiro’”:
que quando eu cheguei ele ficou rindo, e disse: ‘eu estou vendo você lá de baixo,
você não é fácil, hein? Você ri demais, fala demais’”, conta Macau.
As ofensas continuaram e se estenderam ao cabelo, à roupa que ele vestia e
ao local onde ele morava, quando Macau alegou, em sua defesa, que era morador
da região. Conforme reportado por Macau:
Ele disse: ‘Você mora naquela lama ali, cheia de bandido’. Eu disse que
bandido não, ali não tem bandido. Eles são moradores da Cruzada São
Sebastião. E ele: ‘É isso mesmo. Tudo pobre, tudo favelado, essa coisa
toda, tudo negro.’ Eu disse que ele estava com preconceito, com
discriminação. E falei: ‘O sangue que corre na sua veia, corre na minha veia
também. É vermelho. Você está com preconceito.’
rainha da soul music brasileira. Ela tem raça. Toda vez que eu a escuto cantando a
minha música, eu também fico emocionado. É sempre novo, é sempre uma luz.”
58
Castro Alves foi conhecido como “o poeta dos escravos” pelo fato de
denunciar a situação do negro que foi escravizado. Ele conseguiu transformar sua
revolta em grito pela liberdade, e incluiu nisso a afirmação de reformas e ideais. No
poema “O navio negreiro”, podemos perceber a riqueza de imagens que se
constroem durante a leitura, organizadas em seis movimentos de estrofe. Ao
percebermos a sonoridade das palavras, conseguimos ver e sentir cada quadro,
cada imagem construída.
Nesse sentido de rompimento social com a escravidão da época, Campedelli
e Souza (2000, p. 128) apresentam o seguinte comentário sobre o que significou
essa poesia de Castro Alves: “A poesia abolicionista de Castro Alves demonstra que
59
ele aprendeu muito bem o que ensina o ‘mestre’ francês Victor Hugo: a possibilidade
de registrar artisticamente não o belo, mas também o grotesco.”
a partir desse pranto, conseguimos, por meio da escrita, sentir a dor do eu lírico
naquele momento de tormenta.
Ao realizarmos a leitura e refletirmos durante ela, fica incontestável que este
grito de socorro, esta súplica, resiste até hoje, no século XXI, quando nos
lembramos das tragédias sofridas por George Floyd, nos Estados Unidos, e pelo
menino João Pedro, no Brasil, como já exemplificado neste trabalho. O vocativo
supracitado é uma súplica desesperada por socorro. Durante a leitura do poema,
sentimos a dor do negro em prantos, pedindo socorro por aquela situação miserável
que está ocorrendo dentro do navio. Passados mais de cem anos, ainda hoje o
negro suplica por iguais condições de trabalho, por oportunidades de emprego, por
não ser taxado de marginal pela simples cor de sua pele. Portanto, esse suplício
ainda continua, em pleno século XXI!
Nas estrofes pertencentes à segunda e à terceira parte do poema, podemos
observar que o poeta utiliza um recurso linguístico-discursivo na descrição dos
outros povos na travessia marítima; que descreve outras cenas, comparando-as
com o contexto de sofrimento dos negros na travessia. Por exemplo:
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Na estrofe acima, fica evidente, nas orações “Me fazem refletir” e “não posso
mais fugir”, que foram utilizados os verbos no infinitivo “refletir” e “fugir”. Parece-nos
que o eu lírico, ao refletir a respeito da situação de perseguição da qual ele estava
sendo vítima, constata que não poderia mais fugir, pois deveria não apenas
enfrentar o preconceito, mas também lutar contra ele.
64
Figura 1
Atividade 3
trata de uma canção que possui linguagem poética em sua estrutura. Vale lembrar
que as figuras de linguagem não apresentam um significado resumido em si
mesmas, mas sim propósitos de apresentar uma reflexão.
Após ter falado sobre a alma (lirismo) e o corpo (estrutura) da poesia, nesta
aula o professor mostrará aos alunos que os poetas romperam com as estruturas
clássicas e fazem poemas sem rima, sem métrica, que se aproximam da prosa. Por
isso, são chamados por alguns de poema em prosa. A ideia é que o professor
apresente alguns casos na música e na poesia e levante a discussão junto aos
alunos: estamos diante de um poema?
Avaliação das oficinas (duas aulas). Esta última aula tem como objetivo
avaliar os alunos. Na atividade anterior, o professor deve pedir aos alunos que se
organizem em grupos (numa quantidade que favoreça o trabalho proposto) e que
escolham uma música que considerem como poema ou mesmo um poema para
levar para a sala de aula. O professor deve questionar os alunos sobre:
1. Quais as sensações que a música ou poema lhe trazem?
2. Você considera esses textos poéticos? Explique por quê.
3. A imagem abaixo ilustra com clareza o poema?
Figura 2
Fonte: “Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas (MUNDO EDUCAÇÃO, 2020).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 52ª. ed. São Paulo: Cultrix,
2017.
CÂNDIDO, A. Vários escritos. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Duas Cidades,
1995.
Sites consultados
77
ESTADO DE SÃO PAULO. Caso George Floyd: morte de homem negro por policial
causa comoção nos Estados Unidos. 27 mai. 2020. Disponível em:
<https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,caso-george-floyd-morte-de-
homem-negro-por-policial-causa-comocao-nos-estados-unidos,70003316204>.
Acesso em: 15 jul. 2020.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
81
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
82
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
84
Figura 4
Figura 5
Fonte: “Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas (MUNDO EDUCAÇÃO, 2020).
88
ATIVIDADE 1
ATIVIDADE 2
ATIVIDADE 3
ATIVIDADE 4
ATIVIDADE 5