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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

Juliana Batista Bonifácio Faury

Uma proposta de releitura do poema “O navio negreiro” com


alunos da 2º Série do Ensino Médio
 

Taubaté - SP
2020
Juliana Batista Bonifácio Faury

Uma proposta de releitura do poema “O navio negreiro” com


alunos da 2º Série do Ensino Médio

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada
pelo Programa de Pós-graduação em Linguística
Aplicada da Universidade de Taubaté, área de
concentração Língua materna e Línguas
estrangeiras, sob orientação da Profa. Dra. Eliana
Vianna Brito Kozma.

Taubaté - SP
2020
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde
que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA

  1. Autor: Faury, Juliana Batista Bonifácio

2. Título: Uma proposta de releitura do poema “O navio negreiro” com


alunos da 2º Série do Ensino Médio

3. Programa: Linguística Aplicada

4. Nº de folhas: 91f

5. Ilustrações: imagens

 6. Grau: (X) dissertação (mestrado)

 7. Área de Concentração: Linguística Aplicada

 8. Orientador: Dra. Eliana Vianna Brito Kozma

 9. Descritores: Língua materna e Línguas estrangeiras

 10. Palavras-Chave: Leitura. Poema. Música. Ensino Médio. Fruição.


FAURY, J.B.B. Uma proposta de releitura do poema “O navio negreiro” com
alunos da 2º Série do Ensino Médio. Dissertação (Mestrado). Universidade de
Taubaté. Taubaté, SP, 2020.
Data: 30/09/2020

Resultado: ___________________________________

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Eliana Vianna Brito Kozma (UNITAU)

Assinatura: ___________________________________

Profa. Dra. Miriam Bauab Puzzo (UNITAU)

Assinatura: ___________________________________

Profa. Dra. Rosalia Maria Netto Prados (CEET Paula Souza)

Assinatura: ___________________________________
DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação a todos os professores de Língua Portuguesa, que


são constantemente confrontados e desafiados no desenvolvimento de
metodologias que propiciem a fruição da arte e do lúdico em sua prática docente.
Espero que, com este trabalho, eu possa contribuir no avanço de estratégias para a
leitura e fruição poética de poemas em sala de aula.
Também dedico este estudo a todos os meus alunos. Eles me inspiram
quanto a tornar-me cada dia mais empenhada e atenta em meu ofício, assim como
me motivam na busca por caminhos e estratégias incessantes para uma prática
docente progressivamente significativa e relevante para todos os envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, por permitir dedicar-me a este estudo com


ânimo e afinco, proporcionando-me sabedoria para a concretização deste grande
sonho em minha vida. A Ele, eternamente a honra, a glória e todo louvor.
À minha orientadora, Eliana Vianna Brito Kozma, cuja sabedoria, paciência e
dedicação propiciaram que a minha caminhada fosse a mais leve e produtiva
possível. Minha eterna gratidão!
Às professoras de mestrado, Miriam Bauab Puzzo e Vera Lúcia Batalha, por
suas valiosíssimas contribuições e direcionamentos no processo de
desenvolvimento deste trabalho.
Aos meus pais, Maria José Batista Bonifácio e Valdeci Bonifácio Rosa, pelo
investimento incansável, amor, amizade, força e aconchego, por serem sempre
presentes sem demandarem nada em troca. Todo o meu amor e gratidão, por serem
os primeiros incentivadores na minha busca incansável pelo conhecimento e
escolherem caminhar comigo na linda jornada da vida.
Ao meu esposo, Fábio José Faury Reis, pelo apoio logístico e emocional
constantes, por compreender minhas ausências e sonhar comigo nesta empreitada.
Ao meu irmão, Juanes Paulo Batista Bonifácio, pelo carinho e amizade
indispensáveis neste processo, por seu bom humor constante e por inspirar-me a
nunca esquecer as minhas raízes.
Aos meus colegas de mestrado, que sempre estiveram ao meu lado quando
precisei, e em especial à minha colega e amiga, Maria Alzirene Nascimento Silva,
que foi uma parceira fundamental, ancorando-me e auxiliando-me nos momentos
mais desafiadores desta jornada.
Ser significa ser para o outro,
E, através dele, para si.
Mikhail Bakhtin
RESUMO

O presente trabalho, intitulado “Uma proposta de releitura do poema ‘O navio


negreiro’ e da canção ‘Olhos coloridos’ com alunos da 2º Série do Ensino Médio” é
fruto de reflexões sobra a leitura de poemas nas aulas de Literatura do Ensino
Médio, e apresenta uma proposta de atividades a partir de uma sequência didática
que contempla a releitura para fruição poética do poema romântico “O navio
negreiro”, de Castro Alves, comparando-o com a canção “Olhos coloridos”, do
compositor Macau, canção esta escolhida por apresentar elementos identitários do
negro no Brasil. As atividades propostas neste trabalho justificam-se pelo fato de
propor caminhos para a fruição poética em sala de aula, uma vez que os alunos
apresentam grande dificuldade e desinteresse na leitura e interpretação de poemas.
Esta dissertação tem, portanto, como objetivo, uma proposta de releitura poética
para que os alunos alcancem a fruição e criticidade durante a leitura do poema. A
fundamentação teórica centra-se nas concepções bakhtinianas acerca do dialogismo
e dos gêneros discursivos (BAKHTIN, 1997; BRAIT, 2004), bem como nas visões
teóricas sobre leitura no contexto escolar (CEREJA, 2005; COSSON, 2012). A partir
destas concepções, elaboramos uma sequência didática que preza pelo
desenvolvimento da criticidade e fruição poética do aluno do 2º ano do Ensino Médio
na leitura do poema “O navio negreiro”, oferecendo, portanto, alternativas viáveis
para as aulas de literatura.

Palavras-chave: Leitura. Poema. Música. Ensino Médio. Fruição.


ABSTRACT

This study, entitled Uma proposta de releitura do poema “O navio negreiro” e da


canção “Olhos coloridos” com alunos da 2º Série do Ensino Médio (“A proposal to
re-read the poem ‘The Slave ship’ and the song ‘Colorful eyes’ with 2nd Grade High
School students”) is the result of reflections upon the reading of poems in High
School Literature classes. It presents a proposal of activities based on a didactic
sequence that contemplates the re-reading for poetic enjoyment of the romantic
poem “The slave ship,” by Castro Alves, comparing it with the song “Colorful eyes,”
by the composer Macau, which is a song chosen for presenting identity elements of
blacks in Brazil. The activities proposed in this study are justified by the fact that they
suggest paths for the poetic enjoyment in the classroom, since students have great
difficulty and lack of interest in reading and interpreting poems. Therefore, this study
aims at a re-reading proposal so that students reach fruition and criticality while
reading the poem. The theoretical framework focuses on Bakhtinian conceptions
about dialogism and discursive genres (BAKHTIN, 2005; BRAIT, 2004) as well as on
theoretical views on reading in the school context (CEREJA, 2005; COSSON, 2012).
Based on these conceptions, we have designed a didactic sequence that values the
development of the criticality and poetic enjoyment of the 2nd grade high school
students in reading the poem “The slave ship,” thus offering viable alternatives for
literature classes.

Keywords: Reading. Poem. Music. High School. Poetic enjoyment.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – ................................................................................................................63
Figura 2 – ................................................................................................................67
Figura 3 – ................................................................................................................81
Figura 4 – ................................................................................................................82
Figura 5 – ................................................................................................................83
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................13
1 CAPÍTULO 1 - OS CONCEITOS DE BAKHTIN E O CÍRCULO.....................24
1.1 Dialogismo......................................................................................................25
1.2 Gêneros literários...........................................................................................28
1.3 Enunciado/enunciação e enunciado concreto............................................30
1.4 Ideologia..........................................................................................................33
1.5 Interdiscursividade e intertextualidade........................................................35
2 CAPÍTULO 2 - A LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR...............................39
2.1 Concepções de leitura no contexto escolar................................................41
2.2 Desafios dos alunos do Ensino Médio na leitura de poemas...................42
3 CAPÍTULO 3 – INTERRELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM POÉTICA E A LETRA DE
MÚSICA.........................................................................................................................45
3.1 Música e poesia..............................................................................................45
3.2 Poema romântico “O navio negreiro”..........................................................47
3.3 O Romantismo................................................................................................50
3.4 O Romantismo no Brasil................................................................................52
3.5 Música “Olhos coloridos”, de Macau...........................................................55
4 CAPÍTULO 4 - RECURSOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NO POEMA “O
NAVIO NEGREIRO” E NA CANÇÃO “OLHOS COLORIDOS”.....................57
4.1 Poema “O navio negreiro”.............................................................................57
4.2 Música “Olhos coloridos” de Macau............................................................60
5 CAPÍTULO 5. SEQUÊNCIA DIDÁTICA..........................................................62
5.1 Sequência didática- Música...........................................................................63
CONCLUSÃO.............................................................................................................68
REFERÊNCIAS...........................................................................................................70
ANEXO 1 - “O NAVIO NEGREIRO” (CASTRO ALVES)..........................................75
ANEXO 2 - CENAS DO “O NAVIO NEGREIRO”......................................................81
ANEXO 3 - “DANÇA TRISTE”...................................................................................82
ANEXO 4 - "NAVIO NEGREIRO", DE RUGENDAS, EM 1830.................................83
ANEXO 5 - OLHOS COLORIDOS (MACAU).............................................................84
ANEXO 6 - O NAVIO NEGREIRO/UM ÍNDIO (CAETANO VELOSO)......................85
ANEXO 7 - PROPOSTA DE ATIVIDADES PARA OS ALUNOS..............................87
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INTRODUÇÃO

Na atualidade, consideramos o letramento literário como um dos responsáveis


em propiciar a abertura de inúmeras janelas de reflexão na vida de um adolescente,
em plena fase de construção do conhecimento enquanto linguagem. Mais do que
simplesmente ler uma história, trata-se de entender seus diferentes elementos e
compreender a forma de como os textos literários e seus significados são
construídos. No entanto, muitas vezes o texto literário é deixado em último plano no
ensino escolar, pois o que podemos observar é que, nas aulas de Língua
Portuguesa e Literatura, são priorizadas quase que exclusivamente propostas de
leituras de poemas herméticas e estanques, reduzidas à interpretação previamente
estabelecida no livro didático. Os poemas, por sua vez, são quase sempre utilizados
apenas para o ensino gramatical e contextual de produção da poesia, não abrindo
espaço para a riqueza da fruição poética em sala de aula nos livros didáticos
tradicionais de língua portuguesa.
Por outro lado, o letramento literário difere dos outros tipos de letramento
porque a literatura exerce um lugar único em relação à linguagem, ou seja, cabe à
literatura “[...] tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em
palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas” (COSSON,
2012, p. 17). Assim, o letramento construído a partir de textos literários abre espaço
para um modo privilegiado de inserção no universo da leitura para os alunos.
Este trabalho, intitulado “Uma proposta de releitura do poema “O navio
negreiro” e da canção “Olhos coloridos” com alunos da 2º Série do Ensino Médio”,
nasceu a partir das primeiras indagações apresentadas nesta dissertação, uma vez
que atuo como professora de Língua Portuguesa e Literatura há dez anos na rede
estadual de educação do estado de São Paulo, e durante esse percurso foram
surgindo outros pertinentes questionamentos relacionados às aulas de leitura de
poemas, sobretudo com os alunos do Ensino Médio.
No primeiro mês após a minha formatura na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Assis, em fevereiro de 2011, comecei
a ministrar aulas para o Ensino Médio nas disciplinas de Língua Portuguesa e
Literatura. Com isso, passei a observar que os ideais e expectativas construídos
para o ensino da poesia durante o curso de Letras distanciavam-se gradualmente, e,
ao deparar-me com a realidade da sala de aula, desafios crescentes no ensino deste
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gênero foram surgindo. Já nos primeiros meses de docência, fui confrontada com
forte desinteresse por parte dos alunos no que tange à leitura de poemas e
construção de um ambiente de fruição poética e crítica literária durante as aulas.
Assim, no momento da leitura, os alunos ficavam extremamente inquietos, distraídos
e distantes da leitura proposta.
Entretanto, esse confronto diário com um cenário tão desalentador foi o
divisor de águas para a escolha de dois caminhos para a minha prática docente: o
aprofundamento no universo da pesquisa acadêmica para a busca de respostas
para tamanhas inquietações ou o conformismo com o contexto exposto juntamente
com a desmobilização pessoal. O caminho escolhido para inquietações e dúvidas
surgidas durante essa reflexão pessoal foi o do aprofundamento na pesquisa
acadêmica, pois, a partir do caminho da elucubração, seria possível buscar
respostas para o porquê de aqueles adolescentes, em sua grande maioria, não
apresentarem interesse nas aulas de leitura de textos poéticos.
Outro aspecto muito relevante para a escolha do poema “O navio negreiro”
concentra-se no fato de ter a grande oportunidade de honrar meus ancestrais diante
de tal escolha. Sou bisneta de escrava, com avó e mãe negras; e como inúmeros
brasileiros deste país, minha família é composta pela miscigenação entre povos e
culturas. Ao resgatar o referido poema para a minha pesquisa, procuro dar voz a
todos aqueles que me antecederam em minha história de vida, bem como às novas
gerações, podendo assim denunciar o racismo que se perpetua em nossa
sociedade. Trata-se, pois, de um olhar sensível e pessoal que permeia todo o
desenvolvimento deste estudo.
Portanto, a partir deste contexto, experiência de grandes dificuldades de
interpretação, criticidade e reflexão diária por parte dos meus alunos do 2º ano do
Ensino Médio no que se refere às aulas que envolvam leitura de poemas,
juntamente com questões que dialogam com a minha história de vida, esta
dissertação apresenta como tema uma proposta de releituras crítica e musical do
poema “O navio negreiro” e da canção “Olhos coloridos”, com alunos da 2º Série do
Ensino Médio, para a fruição poética.
Como objetivo específico, apresentamos uma sequência didática de leitura de
poema para suscitar a redescoberta da poesia por parte dos discentes durante as
aulas de literatura e, consequentemente, a criação de um espaço de fruição poética
e criticidade a partir das estratégias que foram levantadas neste estudo. Para este
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propósito, fundamentamo-nos nas concepções bakhtinianas de linguagem e nos


teóricos que apresentam as concepções de leitura no contexto escolar que
auxiliaram na construção de uma sequência didática e que contemplam o trabalhar
da fruição poética e da crítica literária em sala de aula.
Cosson (2012), por exemplo, defende um ensino apropriado da literatura e
afirma que o simples ato de ler textos literários não é suficiente para que se
aproveite toda a força humanizadora da literatura. Argumenta que, a partir de um
movimento de leitura, o aluno poderá transcender da simples leitura para uma
prática significativa, e que isso o leva a experenciar o mundo por meio da palavra e
ao conhecimento de si mesmo e do contexto social no qual está inserido. Dessa
forma, apresenta o valor existente na fruição de textos literários.
O verbo fruir, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (HOLANDA,
2010), significa “ação, desenvolvimento ou efeito de fruir. Ação de aproveitar ou
usufruir de alguma oportunidade”. Na observância das aulas de literatura com alunos
do Ensino Médio, sobretudo na leitura de poemas, podemos perceber que essa
fruição geralmente não ocorre devido a inúmeras razões que elencaremos neste
trabalho. Portanto, sendo a escola um espaço que tem como missão propiciar a
formação do indivíduo em sua totalidade, passa por esta formação escolar também
a busca para uma abertura máxima de exploração e fruição do texto literário. Como
nossos alunos, em sua grande maioria, não possuem o hábito de leitura de textos
poéticos, a aceitação desse cenário desalentador já é o caminho para uma reflexão
e busca de estratégias a respeito desta temática.
Também de acordo com o mesmo dicionário, senso crítico é a “capacidade
de analisar, refletir ou buscar informações antes de tirar uma conclusão. É a
tendência de quem não aceita automaticamente o que lhe é dito ou imposto” –
característica esta que se aperfeiçoa e se desenvolve com a prática. Esta definição
se aplica no contexto que se apresenta este estudo, uma vez que tem como objetivo
que o aluno transcenda ao texto poético, que vá além da leitura proposta, abrindo
possibilidades de análise crítica.
Ainda nessa direção da busca por caminhos que propiciem a fruição e a
crítica literária, podemos refletir que “Poesia é voar fora da asa” (BARROS, 2010, p.
302). A partir desta afirmação, o objetivo deste trabalho é propor uma sequência de
atividades que favoreça o aluno que, ao ler uma poesia, vá além das expectativas já
conhecidas e pré-estabelecidas pelo livro didático ou apostila, tenha a possibilidade
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de transcender durante a leitura de um poema além da interpretação já esperada, ou


seja, que ele seja capaz de fazer relações entre o texto e o contexto no qual está
inserido a partir da leitura do poema proposto.
Já na Base Nacional Comum Curricular, doravante BNCC (BRASIL, 2017), o
ato de fruir “[…] refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para
se sensibilizar durante a participação em práticas artísticas e culturais”. A reflexão
promovida pelas fruições envolve a construção de argumentos e ponderações. Em
outras palavras, aquele que propicia a fruição poética, enquanto escritor ou leitor, é
capaz de analisar e interpretar as diversas manifestações culturais presentes no
contexto de leitura, e a busca por essa sensibilidade deve ser estendida aos alunos
do Ensino Médio a fim de que também sejam capazes de analisar e interpretar
poemas sob seu próprio ponto de vista, estabelecendo relações críticas diante da
leitura proposta.
Outra apreensão sobre fruição poética também passa pelo processo que
ocorre quando há uma valoração do texto já na sua elaboração, isto é, quando o
autor combina palavras, explora os sentidos e sentimentos, expressando o chamado
eu-lírico e que, ao descortinar esse universo, levará o aluno à fruição poética, que é
o objetivo deste estudo. Contudo, neste ponto há forte entrave durante a leitura de
poemas por grande parte desses discentes do Ensino Médio, apresentando
demasiada dificuldade durante esse momento de leitura e, consequentemente, este
processo não alcança degraus da fruição poética e da crítica literária. Tais
dificuldades estão presentes desde o entendimento do vocabulário apresentado
naquele poema até a compreensão mais simples do texto poético, durante a leitura.
Ademais, para haver a fruição poética e o deleite da leitura, é de suma importância
que o aluno já tenha um repertório cultural pessoal que o prepare para a construção
do entendimento e criticidade da leitura do texto literário proposto.
A partir do contexto exposto, o objetivo desta dissertação é apresentar uma
proposta de sequência didática de leitura de poema fundamentada no letramento
literário, que será construído a partir da audição, análise e comparação entre o
poema e duas canções, que, por sua vez, apresentam em sua composição a
estrutura de um poema. Para o desenvolvimento dessa sequência didática foram
escolhidas as canções “Olhos coloridos”, do compositor Macau, com a intérprete
Sandra de Sá, e a música “Navio negreiro/Índio”, de Maria Bethânia, com a
composição de Caetano Veloso. No que tange ao poema escolhido para o propósito
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apontado - o de leitura e fruição poética -, optamos pelo poema-narrativo “O navio


negreiro”, de Castro Alves, pertencente à escola literária Romantismo.
As escolhas supracitadas foram baseadas na observação de questões
relacionadas com a história do negro no Brasil, a temática de preconceitos raciais
históricos na sociedade brasileira, e por tais questões também tocarem a história
dos meus antepassados, e que, infelizmente, ainda persistem na
contemporaneidade, em pleno século XXI, coexistindo em sala de aula, no contexto
de vida de alguns alunos e de toda a sociedade brasileira e mundial.
Como exemplo desse cenário ainda persistente na sociedade mundial,
podemos citar o fato ocorrido no dia 25 de maio de 2020 em Minnesota, nos Estados
Unidos da América, com o negro George Floyd. Conforme matéria publicada no dia
27 de maio de 2020 pelo jornal “O Estadão”, Floyd foi assassinato brutalmente, e,
segundo alguns dos policiais envolvidos, apresentava “atitude suspeita”. Ele foi
imobilizado no chão por um dos policiais, que pressionou seu pescoço com o joelho.
Algumas das testemunhas presentes pediram ao policial para que ele retirasse o
joelho do pescoço de Floyd; outras, diziam que o nariz dele estava sangrando. Antes
de morrer, Floyd disse várias vezes que não estava conseguindo respirar. Por fim,
as testemunhas observaram que ele não estava mais se mexendo.
Citamos também um dentre tantos outros exemplos de violência policial
contra a população negra no Brasil: segundo matéria publicada na revista Cláudia,
no artigo “Menino de 14 anos é morto em uma operação da polícia no Rio”, assinado
por Paixão (2020), na noite de segunda-feira, dia 18 de maio, João Pedro Mattos
Pinto, de apenas 14 anos, estava em casa, brincando com seus primos, quando
começou uma troca de tiros entre bandidos e policiais. Ele morava na Praia da Luz,
no bairro de Itaoca, área do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região
Metropolitana do Rio. Mesmo dentro de casa, ele foi atingido por uma bala e, em
seguida, levado diretamente para o hospital, mas sem que fosse dada maiores
explicações para a família. Esta passou a noite procurando por ele em diversos
hospitais, mas só obteve resultado no dia seguinte.
Segundo informações dos próprios policiais civis e coletadas pela jornalista
Ana Cláudia Paixão, João Pedro foi atingido durante um confronto na comunidade
enquanto policiais federais e civis atuavam na região, e um inquérito já foi instaurado
para apurar a sua morte. A versão da polícia é de que traficantes tentaram fugir
pulando o muro de uma casa, dispararam contra os policiais e arremessaram
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granadas na direção dos agentes. O jovem foi atingido e teria sido levado de
helicóptero para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos. O corpo foi
encaminhado para o IML de São Gonçalo.
O que tem se levantado em todo o mundo na atualidade é o movimento
“antirracista”. Segundo Medeiros (1997), jornalista e militante de causas raciais e
membro do Instituto CPFL,

As diferentes formas nas quais e pelas quais os negros materializam sua


humanidade, exercem sua criatividade e exprimem sua personalidade não
se limitam à arte, à religião ou à história. Priorizar tal enfoque […] seria
reduzir a ação do Movimento Negro a uma dimensão meramente simbólica
e cultural. (MEDEIROS, 1997)

Ele argumenta que é necessário estender a luta antirracista aos espaços


econômico e político, visto que a total reversão da imagem negativa do negro passa
também por sua ascensão econômica e seu acesso ao poder político. Salienta
quanto à necessidade de que o negro também “[…] tenha acesso paritário aos
meios de comunicação de massa”, pois considera que,

Sem isso, a percepção social do negro continuará submetida ao poder


decisório dos responsáveis pela mídia, os quais tendem a excluir a imagem
dos afro-brasileiros, bem como a dos indígenas, por considerar que, de um
lado, esses dois segmentos étnicos não dispõem de poder aquisitivo
suficiente e, de outro, não correspondem aos cânones estéticos greco-
romanos que dominam a sociedade e, consequentemente, a própria mídia.
(MEDEIROS, 1997)

Portanto, é importante percebermos que, embora pareça ser um tema


extremamente antigo, é ainda atual. Por este motivo, é interessante a realização de
um contraponto durante a leitura com os alunos para que eles possam perceber que
esta temática já faz parte do cotidiano brasileiro desde muito tempo, e que,
sobretudo, ainda persiste.
O poema tratado neste estudo foi escrito no século XIX, e a canção, no século
XX, mas ambos continuam atuais no que diz respeito à reflexão sobre a busca do
protagonismo do negro na sociedade e a luta contra o racismo no Brasil. Posto isto,
eles foram escolhidos para a propiciação da reflexão, por parte dos alunos, do
mesmo tema sob a ótica de diferentes épocas, possibilitando assim uma construção
do conhecimento literário histórico e crítico dentro de uma argumentatividade
absolutamente atual do tema personificado na canção.
19

Para o desenvolvimento da temática proposta, apresentamos uma sequência


didática que articulou dialogicamente com a linguagem das letras, pois temos o
mesmo tema progredindo em contextos diferentes, contribuindo também para a
ampliação dos diferentes letramentos, já que o desenvolvimento da progressão
temática, conforme apontado por Rojo (2012, p. 13), está centrado na “[…]
multiplicidade cultural de constituição dos textos, por meio dos quais o aluno se
informa e se forma”, e, nesse processo, os textos com diversas linguagens
demandam capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas
para viabilizar a construção de significados.
Corroborando essa mesma perspectiva, Barros (2009, p. 127) admoesta
sobre “[…] a necessidade dos multiletramentos (várias esferas sociais) e dos
letramentos multissemióticos (várias linguagens) como proposta desta sequência
didática”. Por conseguinte, a escolha da canção se torna tão importante para a
construção dessa fruição poética objetivada da leitura do poema, pois, sob esta
perspectiva, construiremos os multiletramentos em sala de aula.
É necessário destacarmos que, além de estabelecer relações entre o texto
literário principal com outras manifestações artístico-literárias, especificamente duas
letras de música, esperamos que o estudante também possa desenvolver sua
autonomia crítica acerca do tema apresentado. É importante compreendermos que a
letra de música é um poema na sua estrutura composicional, sobre a qual
discutiremos mais adiante.
A escolha de uma canção para ser trabalhada neste contexto de fruição
poética e crítica literária relaciona-se a um aspecto pessoal, pois a música sempre
dialogou comigo, desde a mais tenra infância. Iniciei meus estudos musicais aos 7
anos de idade, e me formei em piano clássico aos 17 anos. Assim, associar a
pesquisa acadêmica à qual me propus a realizar com uma linguagem que dialoga
tão intimamente com a minha história não foi algo despretensioso, mas sim
proposital.
Para o desenvolvimento deste estudo, apoiamo-nos nas concepções teóricas
de Bakhtin e seu Círculo sobre dialogismo, gêneros literários, enunciado/enunciação
e enunciado concreto, ideologia e interdiscursividade e intertextualidade. Além disso,
recorremos a autores que apresentam estratégias dialógicas de leitura no contexto
escolar, tais como Cosson (2012) e Cereja (2005).
20

Portanto, diante das inquietações apresentadas e objetivando a redescoberta


da fruição poética, transportando os alunos para este propósito, desenvolvemos uma
sequência didática que aborda cinco atividades que trabalham a fruição poética do
gênero literário poema em sala de aula por alunos da 2ª Série do Ensino Médio. Esta
escolha se deve sobretudo pelo fato de que, nesta etapa de ensino da literatura,
uma das escolas literárias que seus discentes estão estudando é a do Romantismo
brasileiro. Na experiência em sala de aula, observamos que os alunos associam a
palavra romântico apenas a histórias de amor entre homens e mulheres. Destarte,
acreditamos que a apresentação de outro viés desta escola literária ajudará na
construção de outro ponto de vista.
A relevância deste estudo reside no fato de poder trazer contribuições para o
professor de literatura na utilização de estratégias que levem o aluno à fruição e
criticidade no momento da leitura de poemas.
A partir desta constatação, apresentamos uma proposta de sequência
didática que vai além dos propósitos de leitura para o ensino de gramática, do
aprendizado sistemático das escolas literárias, da leitura exclusivamente do ponto
de vista do poeta, pois o gênero textual poema necessita ser explorado em seus
diversos recursos linguístico-discursivos. Podemos afirmar também que a linguagem
poética se materializa em diversos contextos; entre eles, o poema e a letra de
música, resultado do trabalho especial que se faz com as palavras, no qual
prevalece a função poética da linguagem.
Quando é apresentado um texto literário a um aluno do Ensino Médio, é
evidente que ele dialogará com o texto, só que, concomitantemente a esse
processo, haverá de existir caminhos específicos que possibilitem que tal diálogo
ocorra eficazmente. Conforme apontado por Campos (2005, p. 12), “[...] o leitor
penetra no reino silencioso da palavra impressa em que, emudecidos, os sons dão
vez aos significados”. A partir dessa perspectiva, fica clara a necessidade em se
levantar os caminhos que transponham a leitura individual do aluno para que ele
possa adentrar em um universo infindável da interpretação do poema em questão.
O aluno tem contato com gêneros textuais diariamente, dentro e fora do
ambiente escolar. Assim, ele precisa ser instrumentalizado para que possa
identificá-los e utilizá-los nessas duas esferas, e não apenas restrito a alguns
poucos exemplos trabalhados em sala de aula. Isto vem ao encontro de Terra (2014,
p. 29), que argumenta: “[...] o contato de nossos estudantes com gêneros
21

pertinentes à esfera literária é cada vez mais restrito a situações de ensino”. Tornar
a leitura de poemas apenas um aspecto obrigatório, sem a busca pela fruição
poética, é torná-la um mero objeto de ensino, ao invés de um instrumento que
possibilite a contemplação da arte pela palavra. Destarte, permitir a não fruição do
texto poético em sala de aula é aceitar que nossos alunos nunca encontrem
verdadeiramente o prazer da leitura poética.
A literatura é uma transfiguração da realidade reiterada por meio do espírito
do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e
com os quais ela toma corpo e nova realidade. A partir desta definição, esta nova
realidade muitas vezes só é apresentada sistematicamente aos alunos nas aulas de
literatura do Ensino Médio, e em sua maioria sem a criação de um ambiente que
propicie a fruição poética do próprio texto.
Entretanto, mesmo quando há uma proposta que penetra pelo viés da aula de
leitura, não ultrapassa esta mera e assistemática abordagem do ler por
simplesmente ler e da interpretação superficial dos textos ou das obras.
Consequentemente, é cada vez mais salutar a “[...] construção do sentido do texto,
dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade” (COSSON, 2012, p.
64).
Também há uma ocorrência nas aulas de literatura do Ensino Médio em que
as escolas literárias, seus autores e suas principais características são sempre as
mesmas trabalhadas nos livros didáticos, ou seja, apresentam exclusivamente um
caminho para a resolução de exercícios que requerem apenas informações
estanques das escolas literárias estudadas, não abrindo espaço para a fruição
poética dos poemas lidos.
Todavia, Bakhtin e Voloshinov (1976) caracterizam o discurso artístico como
um discurso que se faz por uma transformação da forma de comunicação
pragmática. Ao se referirem ao enunciado poético, afirmam: “Julgamentos de valor,
antes de tudo, determinam a seleção de palavras do autor e a recepção desta
seleção (a co-seleção) pelo ouvinte” (p. 10). Esclarecem que as palavras que o
poeta escolhe para construir sua obra são retiradas não de um dicionário, mas do
contexto da vida em que se encontram os julgamentos de valor, e são selecionadas
a partir do ponto de vista dos próprios portadores desses julgamentos - nesse caso,
dos nossos alunos.
22

Portanto, esta proposta vai ao encontro da necessidade em apresentarmos


uma sequência didática para o professor de Língua Portuguesa e Literatura,
possibilitando a criação e aplicação de atividades com o intuito de expandir o contato
dos alunos do Ensino Médio com a leitura de poemas que tem ocorrido tão somente
no contexto de aprendizado formal da disciplina de Língua Portuguesa. Sendo
assim, partiremos destes apontamentos para o levantamento de estratégias com
base no conceito de dialogismo de Bakhtin e Voloshinov (1976), a serem utilizadas
para que os referidos alunos possam descobrir a fruição poética em sala de aula.
Esta dissertação é composta de cinco capítulos. Primeiramente, na
Introdução, abordamos o tema central, o objetivo geral da pesquisa e os
procedimentos metodológicos utilizados para o seu desenvolvimento, levantando
também a relevância da pesquisa no contexto escolar atual.
No capítulo 1, discorremos sobre os escritos de Bakhtin e do Círculo. Suas
concepções fundamentaram metodologicamente a elaboração de uma proposta de
sequência didática para a releitura crítica do poema “O navio negreiro”, de Castro
Alves, pertencente ao Romantismo, e da letra da música “Olhos coloridos”, de
Macau, interpretada por Sandra de Sá.
No segundo capítulo, avançamos no embasamento teórico da leitura no
contexto escolar, apontando as estratégias ligadas à leitura e à interpretação de
poemas a partir da perspectiva do letramento literário. A sequência didática que foi
desenvolvida foi fundamentada metodologicamente a partir das reflexões também
discorridas por Cereja (2005) e Cosson (2012). Abordamos questões sobre a função
da literatura na vida dos alunos e a fruição poética em sala de aula.
No capítulo 3, tratamos do contexto de produção do poema “O navio negreiro”
e da canção “Olhos coloridos”, assim como apontamos os objetivos pelos quais
escolhemos um poema e uma canção que abordam a temática do preconceito racial
sob diferentes contextos históricos e sociais.
No capítulo 4, analisamos os recursos linguísticos verificados tanto no poema
como na canção para a construção de diferentes sentidos nos textos.
No capítulo 5, apresentamos a sequência didática, organizada em cinco
atividades que serão desenvolvidas em duas aulas cada, totalizando assim dez
aulas para o seu desenvolvimento. Para essa sequência didática, escolhemos o
poema “O navio negreiro”, de Castro Alves, pertencente ao romantismo brasileiro, e
23

a canção “Olhos coloridos”, de Macau, na interpretação de Sandra de Sá, e


apontamos as reflexões sobre a viabilidade de sua aplicação.
As atividades da sequência didática foram elaboradas a partir do diálogo
temático das duas letras propostas: a do poema e a da canção. A abordagem
temática aproxima o aluno da leitura do poema e, consequentemente, da
propiciação da fruição poética.
Finalmente, na conclusão, retomamos os objetivos propostos a partir da
elaboração da sequência didática apresentada e realizamos reflexões sobre essa
elaboração no que diz respeito à leitura do poema e sua fruição poética em sala de
aula, observando os aspectos trabalhados nas atividades propostas para esse fim.
Na última parte da dissertação, apresentamos as referências e os anexos,
contendo: a letra do poema “O navio negreiro”; as imagens que compõem a
sequência didática; a letra da canção “Olhos coloridos”, do compositor Macau; a
letra da canção “Índio/Navio negreiro”, de Caetano Veloso; e, por último, as
atividades específicas utilizadas na elaboração da proposta da sequência didática
para fruição poética em sala de aula.
24

1 CAPÍTULO 1 - OS CONCEITOS DE BAKHTIN E O CÍRCULO

Neste primeiro capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos bakhtinianos


que ancoram o desenvolvimento desta dissertação. As discussões referentes aos
pressupostos englobam o caráter dialógico da linguagem conforme preconizou o
grupo de estudiosos russos do Círculo de Bakhtin, liderado por Bakhtin e seus
colegas Valentin Volochínov e Pavel Medviédev.
Primeiramente, eles defendem o caráter dialógico da linguagem. Partindo da
premissa de que todo texto dialoga com cada leitor por caminhos diferentes
(BAKHTIN, 1993[1924]), nossa proposta está baseada em propiciar a abertura de
novas possibilidades de leitura literária para os alunos da 2º Série do Ensino Médio
por meio de novas possibilidades de leitura literária para esse público através das
relações dialógicas que perpassam o texto poético.
Dessa forma, discorremos sobre a concepção de dialogismo defendida por
Bakhtin e pelo Círculo, a partir da qual se fundamenta a proposta de elaboração da
sequência didática para a fruição do texto literário, com atividades que prezam pela
construção dialógica durante a leitura do texto poético.
Em seguida, apresentamos concepções bakhtinianas sobre os gêneros
literários. O filósofo da linguagem Bakhtin (1993[1924]) afirma que é impossível a
compreensão da singularidade da literatura “[…] sem uma concepção sistemática do
campo estético, tanto no que o diferencia do campo do cognoscível e do ético, como
no que o liga a eles na unidade da cultura” (p.15). Para ele, a estética geral é salutar
para evitar uma abordagem simplificada e superficial da arte literária e a redução
das considerações estéticas à abordagem exclusivamente linguística.
Logo após, apresentamos uma reflexão a respeito das concepções
bakhtinianas acerca do enunciado e enunciado-concreto, pois toda interpretação
ocorre a partir da depreensão de um enunciado.
Na última parte, há uma abordagem sobre interdiscursividade e
intertextualidade, uma vez que envolve todo o processo de elaboração das
atividades da sequência didática elencando a leitura do poema e da canção. É
construído sobretudo a partir das relações intertextuais e interdiscursivas que
permeiam os gêneros discursivos selecionados, ou seja, o poema e a letra da
música.
25

1.1 Dialogismo

No segundo capítulo do livro “Introdução ao pensamento de Bakhtin”, Fiorin


(2006) defende que a língua é viva. Em uso real, em sua totalidade, possui a
peculiaridade de ser dialógica. Isto significa que o enunciador, na construção de seu
próprio discurso, sempre traz o discurso de outros consigo. Essas relações de
sentido estabelecidas entre discursos são entendidas como dialogismo.
O dialogismo é parte da constituição da linguagem, sendo, portanto, inerente
aos gêneros da esfera literária. Nesse contexto, o poema “O navio negreiro” e a
canção “Olhos coloridos” vão ao encontro das concepções dialógicas defendidas por
Brait (2005). Em ambos os textos, no momento da leitura, pode-se perceber um
diálogo temático interdiscursivo; e, a partir desse processo, abre-se espaço para a
construção da fruição poética pretendida na realização das atividades por parte dos
discentes.
Podemos apreender que o dialogismo marca a especificidade do Círculo de
Bakhtin na incorporação das diferentes influências teóricas: marxismo, filosofia da
vida, formalismo. Ele coloca no centro das investigações o caráter dinâmico da
linguagem, que ultrapassa e, ao mesmo tempo, engloba a legítima formalização do
objeto da Linguística: a língua. Esse princípio dialógico da linguagem se exprime, de
modo mais nítido, nos gêneros primários que se constituem majoritariamente dos
gêneros do diálogo oral.
A língua escrita e os gêneros secundários absorvem os gêneros primários, de
onde advém a presença mais ou menos marcada da dialogização nos gêneros
secundários. Portanto, a relação entre os gêneros primários e secundários permite a
explicitação do princípio dialógico da linguagem, que permaneceria dissimulado se o
estudo dos gêneros se concentrasse exclusivamente sobre os gêneros secundários.
E os gêneros da esfera literária pertencem aos gêneros secundários, que é o objeto
do nosso trabalho.
Todavia, a palavra ‘diálogo’ só emerge na obra original bakhtiniana datada de
1929, com a seguinte definição:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas
pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não
apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a
26

face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN,
2012, p. 117)

Assim, diante de qualquer texto verbal ou não verbal, todos os enunciados


produzidos dialogam, de alguma forma, com enunciados anteriores. Da mesma
forma, o enunciado propicia respostas futuras, que podem ser imediatas ou surgirem
tempos depois. Tem-se, portanto, uma cadeia discursiva: um enunciado oferece
uma resposta a outro precedente e, simultaneamente, pressupõe uma nova resposta
vinda de um interlocutor futuro. É nesse contexto que se apoia o conceito de
dialogismo. Em se tratando do texto poético da esfera literária, há a presença de um
eu lírico que deseja expressar sentimentos por meio da poesia. Cabe ao leitor
estabelecer um diálogo não só com o poema, mas também com o eu lírico, o
contexto e seus conhecimentos prévios.
O conceito de dialogismo é fundamental para se compreender a obra de
Bakhtin, uma vez que permeia sua concepção de linguagem e, quem sabe, mais do
que isso, sua concepção de mundo, de vida (BARROS, 1994, p. 2). No entanto,
antes de conceituarmos dialogismo na obra de Bakhtin, é importante entendermos o
conceito de discurso na obra desse filósofo russo, tendo em vista que esses dois
conceitos estão intrinsecamente relacionados. Para Bakhtin (2005), o discurso é

[...] a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto
específico da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente
legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas
são justamente esses aspectos, abstraídos pela lingüística, os que têm
importância primordial para nossos fins. (BAKHTIN, 2005, p. 181).

Já o dialogismo é explicado por ele a partir da análise dos romances de


Dostoiévski, nos quais não há o apagamento de vozes em detrimento da voz
autoritária do autor. Como afirma Bakhtin (2005),

Assim, pois, nas obras de Dostoiévski não há um discurso definitivo,


concluído, determinante de uma vez por todas. [...] A palavra do herói e a
palavra sobre o herói são determinadas pela atitude dialógica aberta face a
si mesmo e ao outro. [,,,] No mundo de Dostoiévski não há discurso sólido,
morto, acabado, sem resposta, que já pronunciou sua última palavra
(BAKHTIN, 2005, p. 291-292).

Desse modo, as obras do romancista russo são dialógicas, na medida em que


resultam do embate de muitas vozes sociais (BARROS, 1994, p. 5-6). Conforme
destaca Faraco (1996, p. 124), essas vozes são manifestações discursivas sempre
27

relacionadas a um tipo de atividade humana e sempre axiologicamente orientadas –


apresentam uma atitude valorativa dos participantes do acontecimento a respeito do
que ocorre em relação ao objeto do enunciado em relação aos outros enunciados e
aos interlocutores (RODRIGUES, 2005, p. 161).
Em Estética da Criação Verbal (1997), Bakhtin (1997) explica que os gêneros
do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a


variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa
atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 79)

Neste sentido, o gênero literário poema apresenta uma complexidade na sua


construção defendida por Bakhtin (1997), pois ele, na medida que apresenta um
vocabulário formal, contexto de produção e temática, torna-se muitas vezes
desafiador no que se refere à compreensão dos propósitos daquela produção por
parte dos alunos. Trazer um gênero textual musical conjuntamente com o gênero
poético tem como objetivo, aproximando um gênero do outro, propiciar a fruição
poética.
Contudo, ao observarmos as relações dialógicas no poema “O navio
negreiro”, é possível percebermos sua ocorrência entre a voz do poeta, o contexto
sócio-histórico e as reações do leitor presumido diante da cena dantesca. Na
terceira estrofe da quarta parte deste poema, observamos os seguintes versos:

E ri-se a orquestra irônica, estridente...


E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam...!
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

No trecho supracitado, fica evidenciada uma cena dantesca da travessia dos


escravos em alto mar. Aliás, o próprio adjetivo “dantesco” nos remete a cenas do
inferno de Dante, da obra “A Divina Comédia”. Castro Alves descreve, com riqueza
de detalhes, o que se passa no convés do navio negreiro: uma multidão de negros,
mulheres, velhos e crianças, todos presos uns aos outros, dançam enquanto são
chicoteados pelos marinheiros.
28

Na descrição, o leitor pode dialogar de forma tão intensa que, por meio da
leitura, consegue enxergar as cenas descritas: os ferros que rangem e formam uma
espécie de música; e a orquestra de marinheiros que chicoteiam os escravos.
Já na letra da canção, podemos observar o modo pelo qual ocorrem as
manifestações dialógicas defendidas por Bakhtin (1997).

Você ri da minha roupa


Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso

O autor da canção, ao utilizar o pronome pessoal (você), realiza uma


afirmação diretamente com o ouvinte da canção, perguntando se este percebe se
está havendo uma discriminação em relação aos aspectos apontados. O diálogo
com o leitor acontece de forma absolutamente direta.
Enfim, podemos perceber a presença de manifestações dialógicas em ambos
os textos, pois, como afirma Brait (2005), todos os personagens que circulam no
âmbito da linguagem nessas duas letras constituem elementos sociais e históricos
que têm o poder de conferir significados reais e se estruturam regularmente na obra
ficcional, expressando seus pontos de vista sobre a realidade concreta.

1.2 Gêneros literários

De acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), é necessário que a escola ofereça


condições para que o aluno possa envolver-se em práticas de leitura literária que
possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a
literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às
dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial
transformador e humanizador da experiência com a literatura.
Para Bakhtin (2012), a diferença entre os gêneros do discurso primários e
secundários consiste no fato de que os primários consideram os discursos orais, da
fala, enquanto os secundários apresentam uma complexidade maior em relação a
sua composição e difusão cultural.
A questão da classificação entre gêneros primários e secundários se dá em
razão do limite entre o que é espontâneo e complexo. Por exemplo, a poesia é
29

apresentada como gênero secundário por ser um produto da criação cultural, uma
evolução surgida pela escrita. Vale dizer, porém, que Bakhtin previa uma alternância
dos dois gêneros do discurso, isto é, não há um gênero puro necessariamente.
Faraco (2009) tece uma crítica aos leitores da obra “Estética da criação verbal”
(BAKHTIN, 1997) que fizeram uma apropriação pedagógica de sua classificação,
pois, segundo ele, tais leitores fizeram uma leitura formal e não dinâmica.
Medviédev (2012), em “O método formal nos estudos literários”, dedica
especial atenção quanto à diferença entre o discurso cotidiano e o literário.
Argumenta que a poética deve partir do gênero, ou seja, a obra no seu todo. Nessa
direção é que ele se empenha em desconstruir o formalismo que liderava os estudos
da época.
As noções enunciado-enunciação têm papel central na concepção de
linguagem que rege o pensamento bakhtiniano, justamente porque a linguagem é
concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social. Bakhtin e seu Círculo, à
medida que elaboram uma teoria enunciativo-discursiva da linguagem, propõem
reflexões sobre os elementos constitutivos do processo enunciativo-discursivo.
Diante desta concepção, a elaboração de uma proposta que trabalhe a fruição
poética é de suma importância.
Bakhtin (1997) também elucida que a obra de arte só poderia ser comparada
com outros produtos de criação ideológica (ciência, ética etc.) e que a literatura se
encontrava em interação ativa com outras esferas ideológicas, não havendo
justificativa para a sua comparação exclusiva com a linguagem prática. A opção
teórico-metodológica do Círculo tende na direção do quadro conceitual do que
Rastier (2001) chama uma poética generalizada, ao adotar um ponto de vista
unificado sobre os gêneros literários e não-literários para descrever o quão
diversificado apresentam-se os discursos (literário, jurídico, religioso, científico etc.)
e como eles se articulam aos gêneros. Portanto, Bakhtin propõe, por um lado, a
consideração dos diversos domínios artísticos (literatura, música, artes plásticas
etc.) no âmbito de uma estética geral e, por outro, a comparação da arte com as
demais esferas da cultura como meio de encontrar seus traços característicos. Esta
dissertação foi ancorada no que tange aos domínios artísticos defendidos por
Bakhtin.
Existe um ser social presente na leitura do poema que perpassa muitos locais
durante sua leitura. Pelo fato de o poema não ser estático, as palavras que o
30

compõem não são imanentes; daí a necessidade de o professor propor atividades


de leitura que possibilitem o desenvolvimento da capacidade interpretativa do aluno
a partir de suas próprias perspectivas sociais.
Bakhtin (1997) também afirma que os estudos literários, aos quais pertence o
gênero poema, “[…] devem estabelecer o vínculo mais estreito com a história da
cultura. A literatura é parte inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do
contexto pleno de toda a cultura de uma época” (p. 360).
Consideramos que a literatura de um povo seja a manifestação de sua
cultura. Partindo desta premissa, julgamos ser de grande relevância a apresentação
do contexto histórico das manifestações literárias para os nossos alunos em sala de
aula, isto é, a produção de um determinado poema pertencente a uma escola
literária específica é partícipe do contexto social daquele povo, aproximando-se
muito da literatura da sociedade.
Por outro lado, podemos perceber que a música transcende as possibilidades
do poema, pois permite ao letrista diversas possibilidades que no papel não
caberiam. Uma delas, por exemplo, são as repetições, o refrão, o estribilho, que
numa canção funcionam muito bem, mas no gênero poema já é menos provável que
tenham sentido. Podemos inferir que, neste contexto, o que difere é a inserção de
recursos musicais que façam sentido para o leitor.
Exemplificando, podemos citar a interpretação musical de Maria Bethânia do
poema “O navio negreiro”, e que pode ser utilizada para iniciar a inspiração poética
dos alunos, pois as fronteiras que separam a música da literatura muitas vezes
podem ser tênues devido aos aspectos familiares que as constituem. A ópera, por
exemplo, funde elementos da poesia narrativa, música e performance teatral. Outro
exemplo diz respeito ao gênero canção que, no mínimo, necessita de uma
mobilização entre letra e melodia para fins estéticos.
Enfim, as diferentes categorias de poesia sobrevivem em diferentes suportes,
mas nem por isso deixam de ser essencialmente a mesma matéria: poesia; e a letra
de música é apenas mais um tipo de poesia cujo suporte é a melodia. Portanto, a
letra “Olhos coloridos”, do compositor Macau, refere-se a um poema veiculado no
suporte melodia, tratando-se de um gênero literário.

1.3 Enunciado/enunciação e enunciado concreto


31

No que tange às noções dos conceitos de enunciado e enunciação, eles


assumem um papel central na concepção de linguagem, justamente porque a
linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social. Bakhtin e
seu Círculo, à medida que elaboram uma teoria enunciativo-discursiva da
linguagem, propõem reflexões sobre os elementos constitutivos do processo
enunciativo-discursivo.
Fiorin (2006, p. 21-22) define o enunciado como “[...] a réplica de um diálogo
[...]. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com
que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante”. O
enunciado indica uma posição e visa a um destinatário
Por outro lado, como também é próprio do pensamento bakhtiniano, esta
concepção não se encontra pronta e acabada em uma determinada obra, em um
determinado texto, pois o sentido e as particularidades vão sendo construídos ao
longo do conjunto das obras, indissociavelmente implicados em outras noções
também paulatinamente construídas.
Já na obra “Discurso na vida e discurso na arte – Sobre a poética
sociológica”, assinada por Voloshinov (1976), os termos enunciado, enunciado-
concreto e enunciação estão diretamente ligados ao discurso verbal, à palavra e ao
evento. Por este ângulo, a leitura de um poema sempre será construída por meio de
um conjunto de estratégias que serão relacionadas na construção desse sentido, e
apresentar um poema para o aluno previamente às possíveis particularidades dessa
interpretação dificulta o processo de interpretação por parte do aluno. Por isso, é
imprescindível criar estratégias dialógicas dentro de uma proposta adequada de
leitura. Para este fim, apresentaremos o poema “O navio negreiro”, musicado por
Maria Bethânia, considerando as particularidades de cada texto, uma vez que tal
poema apresenta especificidades diferentes, auxiliando assim no chamamento para
a fruição e crítica literária.
Em sua obra “Estética da criação verbal”, Bakhtin (1997) enfatiza que o
enunciado é uma unidade real da comunicação verbal:

O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real,


estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e que termina
por uma transferência da palavra ao outro, por algo como um mudo “dixi”
percebido pelo ouvinte, como sinal de que o locutor terminou. Essa
alternância dos sujeitos falantes que traça fronteiras estritas entre os
enunciados nas diversas esferas da atividade e da existência humana,
conforme as diferentes atribuições da língua e as condições e situações
32

variadas da comunicação, é diversamente caracterizada e adota formas


variadas. É no diálogo real que esta alternância dos sujeitos falantes é
observada de modo mais direto e evidente; os enunciados dos
interlocutores (parceiros do diálogo), a que chamamos de réplicas,
alternam-se regularmente nele. O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é
a forma clássica da comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e
fragmentária que seja, possui um acabamento específico que expressa a
posição do locutor, sendo possível responder, sendo possível tomar, com
relação a essa réplica, uma posição responsiva. (BAKHTIN, 1997, p. 294)

O enunciado, portanto, é uma unidade real da comunicação, uma unidade de


sentido. Assim como todo enunciado tem um começo e um fim absolutos, segundo
Brait (2005) é necessário também considerar que antes dele ocorreram outros
enunciados de outras pessoas, e que depois dele haverá outros, de outras pessoas -
os enunciados respostas -, concordando, discordando, questionando (discurso como
diálogo inconcluso). Portanto, um enunciado participa de uma rede de enunciados;
todo discurso é uma resposta.
Dessa forma, o enunciado/enunciação deve ser compreendido como unidade
da comunicação discursiva que se dá na vida, o que o diferencia das unidades da
língua, ainda que as suponha. O enunciado/enunciação é o ambiente privilegiado do
diálogo e das formas prosaicas em trânsito. Segundo Machado (2006),

O vínculo estreito que Bakhtin verifica entre discurso e enunciado evidencia


a necessidade de se pensar o discurso no contexto enunciativo da
comunicação e não como unidade de estruturas linguísticas. Enunciado e
discurso pressupõem a dinâmica dialógica da troca entre sujeitos
discursivos no processo de comunicação, seja num diálogo cotidiano, seja
num gênero secundário. (MACHADO, 2006, p. 157)

Brait (2005) defende que apenas na relação podemos encontrar a sua


especificidade. E assim o é, também, entre os termos em análise, os quais estão de
tal forma entrelaçados que a tentativa de os separar resultaria no seu inevitável
esvaziamento. É por isso que ela decide trabalhar os conceitos por meio de
exemplos concretos. Em outras palavras, ao analisar enunciados concretos, mostra
que sua análise só faz sentido quando os remetemos a um projeto discursivo
específico, e, portanto, a uma rede de relações. Nessa perspectiva, nosso trabalho
apresenta uma proposta de sequência didática para uma melhor compreensão do
texto poético.
Neste estudo, apresentamos dois enunciados: o poema “O navio negreiro”, de
Castro Alves, e a música “Olhos coloridos”, do compositor Macau. Segundo Brait
(2005), Bakhtin aponta a relevância de que o trabalho com a linguagem seja
33

considerado com base nas condições reais de uso, ao invés de a partir da


classificação e da análise de categorias fixas e classificatórias das palavras e do
funcionamento das línguas. Isso ocorre em razão de, para Bakhtin, todo enunciado
ter caráter fundamentalmente dialógico. Em outras palavras, os enunciados
provocam efeitos de sentido que somente podem ser analisados no contexto de
enunciação e estão sempre relacionados tanto a enunciados prévios quanto a
futuros. Nesta direção, ambas as letras abordadas neste estudo serão analisadas
exatamente sob este ponto de vista no momento da leitura: contexto de enunciação
e relacionados a enunciados anteriores, pois a letra da canção está relacionada com
o poema a partir dos temas da escravidão e da discriminação social, indo ao
encontro do que Bakhtin (1997) defende como conceito de enunciação.
Enfim, para a compreensão dos efeitos de sentido produzidos por esses
enunciados (no caso, poema e música), é salutar compreendermos suas condições
de produção. Isso significa que, para a compreensão do sentido dos enunciados
propostos, não basta analisá-los morfológica ou sintaticamente, mas sim em quais
circunstâncias eles foram produzidos, dado que, na ausência de uma análise das
condições de produção do enunciado e propósito comunicativo, não haverá
condições de interpretação e fruição poética. Do mesmo modo que outros
enunciados anteriores são necessários para a compreensão dos efeitos de sentido,
o enunciado está relacionado com outros que ainda virão, já que estes requerem
uma resposta, uma atitude responsiva ativa de seu interlocutor durante a leitura dos
enunciados propostos – em nosso caso, o poema e a letra da canção.

1.4 Ideologia

Esta dissertação também se apoia nas concepções relativas à ideologia,


conforme proposto pelo Círculo de Bakhtin. Ao tratar desse tema, Miotello (2005)
sublinha que não cabe a possibilidade de tratar a ideologia como falsa consciência,
ou simplesmente como expressão de uma ideia, mas como expressão de uma
tomada de posição determinada.
Segundo Bakhtin (2012), tudo o que é ideológico possui um significado e
remete a algo que está situado fora de si mesmo. Assim, pode ser chamado de
signo. Sem os signos, não há ideologia. Eles são produzidos culturalmente por meio
do pensamento, sendo construídos na e por meio da linguagem. Esta não está
34

pronta, constituindo-se pela ação e por seu uso pelos indivíduos. Um objeto físico
converte-se em signo quando, “[…] sem deixar de fazer parte da realidade material,
passa a refletir e a refratar, numa certa medida, uma outra realidade. […] Todo
instrumento de produção pode […] se revestir de um sentido ideológico”. Contudo,
deve ser considerado que “[...] o instrumento, enquanto tal, não se torna signo e o
signo, enquanto tal, não se torna instrumento de produção” (BAKHTIN, 2012, p. 20).
Um produto de consumo também pode ser transformado em signo ideológico.
O pão e o vinho, no sacramento cristão, por exemplo, exercem essa função.
Entretanto, o produto em si não é um signo. Paralelamente aos fenômenos naturais,
ao material tecnológico e aos produtos de consumo, existe um universo particular
que é o universo dos signos (idem, p. 20-21). O signo apresenta uma dupla
natureza, visto que, ao mesmo tempo em que existe como parte de uma realidade,
ele também reflete uma outra realidade. Dessa forma, o signo ideológico é,
concomitantemente, reflexo da realidade e seu fragmento material. O signo tem uma
encarnação material, isto é, ele é um fenômeno do mundo exterior; por isso, tem
natureza objetiva. Os efeitos do signo se fazem sentir na experiência exterior (idem,
p. 21).
O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos, isto é, são
correspondentes. Bakhtin critica o idealismo e o psicologismo que situam a ideologia
na consciência, esquecendo que a própria compreensão só pode manifestar-se por
meio de um material semiótico, pelo discurso interior: “A própria consciência só pode
surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos”
(idem, p. 22). A compreensão pode ser entendida como o movimento de aproximar o
signo de outros signos já conhecidos, sendo uma resposta a um signo por meio de
outros signos.
Ainda quanto ao tema signos, Bakhtin (2012) leciona que eles só emergem do
processo de interação entre uma consciência individual e uma outra; enfim, por meio
da interação social. O ideológico tem lugar no material social particular de signos
criados pelo homem. Dessa forma, os signos pressupõem um terreno interindividual,
desde que se trate de indivíduos socialmente organizados que formem um grupo,
uma unidade social. Para ele, a consciência individual é um fator socioideológico, e
não um depósito de todos os problemas filosóficos não resolvidos. Defende que a
única definição objetiva possível de consciência é de ordem sociológica, sendo os
signos o alimento da consciência individual.
35

A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da


base econômica. A existência do signo é a materialização da comunicação social. A
palavra é o fenômeno ideológico por excelência (BAKHTIN,1997), e o modo mais
puro e sensível da relação social. É ainda um signo neutro, porque se mantém
neutra em relação a qualquer função ideológica específica, mas acompanha os
fenômenos ideológicos (um quadro, um ritual etc.). Já o signo é criado por uma
função ideológica precisa e permanece nela. O material privilegiado da comunicação
na vida cotidiana é a palavra. Nesse domínio, a conversação e suas formas
discursivas se situam.
Portanto, todo texto poético apresenta uma ideologia imbricada em seu
processo de composição, e apenas com as estratégias de leitura que fomentam uma
interpretação clara do texto literário, criando possibilidades para o nosso aluno
identificar essa ideologia. Para Brait (2005), é na comunicação incessante que
ocorre nos grupos organizados ao redor de todas as esferas das atividades
humanas que se dá o lugar de constituição e de materialização do ponto de vista,
constituindo assim a linguagem como o lugar mais claro e completo da
materialização do fenômeno ideológico. Ela conclui que, dessa forma, não há para
Bakhtin enunciado que não expresse ideologia em sua composição.
Nas letras do poema e da canção tratadas neste estudo, podemos observar
dois posicionamentos ideológicos imbricados. No poema, há uma busca em se
colocar o negro como herói em uma sociedade brasileira que ainda lutava para a
abolição da escravidão, levando o poeta a se empenhar na denúncia da miséria, da
violência e da tortura a que eram submetidos os africanos na cruel travessia
oceânica. Já na letra da canção, há uma ideologia que busca afirmar a identidade do
negro com o seu valor, em uma sociedade que ainda apresenta traços de racismo.
Enfim, a existência do signo é a materialização da comunicação social. A
palavra é o fenômeno ideológico por excelência e o modo mais puro e sensível da
relação social. É ainda um signo neutro, pois se mantém neutro em relação a
qualquer função ideológica específica, mas acompanha os fenômenos ideológicos
(como um quadro, um ritual etc.).

1.5 Interdiscursividade e intertextualidade


36

Bakhtin não apresenta o termo intertextualidade em sua obra. Ele elucida as


relações entre enunciados, realizando a dicotomia entre discurso e texto. Ele
também considera que existem relações dialógicas entre enunciados e textos;
portanto, são as relações dialógicas que se materializam nos textos que são
denominadas intertextualidade. Já a interdiscursividade diz respeito ao fato de que
os discursos presentes em nossa sociedade nada mais são que um entrelaçar de
discursos ditos anteriormente, originários de diferentes lugares sociais e históricos
(FIORIN, 2006).
No entanto, para Bakhtin (1997), a questão do interdiscurso aparece sob o
nome de dialogismo, que equivale a diálogo, no sentido de interação face a face.
Afirma que há dois tipos de dialogismo: o dialogismo entre interlocutores e o
dialogismo entre discursos. O primeiro não se confunde com a interação face a face,
pois esta é uma forma composicional em que ocorrem relações dialógicas (FIORIN,
2006).
Em segundo lugar, não se pode dizer que haja dois dialogismos - entre
interlocutores e entre discursos -, visto que o dialogismo é sempre entre discursos: o
do locutor e o do interlocutor. Os conceitos de enunciado concreto e de gênero
discursivo podem auxiliar na compreensão do tom valorativo e do posicionamento do
autor diante do contexto social na composição dos enunciados. Diante desta
acepção, o dialogismo em Bakhtin (1997):
a) é o modo de funcionamento real da linguagem e, portanto, o seu princípio
constitutivo;
b) é uma forma particular de composição do discurso.
Os homens não têm acesso direto à realidade, pois nossa relação com ela é
sempre medida pela linguagem. Assim, como aponta Bakhtin (1997), “Como não
existe objeto que não seja cercado, envolto, embebido em discurso, todo discurso
dialoga com outros discursos, toda palavra é cercada de outras palavras” (p. 319). A
relação dialógica é uma relação de sentido que se estabelece entre enunciados na
comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido
(não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica.
Ao discorrer sobre Bakhtin, Fiorin (2006) comenta:

Em sua leitura da obra de Bakhtin, Kristeva identifica discurso e texto: “O


discurso (o texto) é um cruzamento de discursos (de textos) em que se lê,
pelo menos, um outro discurso (texto)”. Afirma ainda que, no lugar da noção
37

de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade. Bakhtin opera com a


noção de intertextualidade, porque considera que o “diálogo é a única esfera
possível da vida da linguagem”. (FIORIN, 2006, p. 163)

Dessa forma, em um texto habitam vários discursos e a intersubjetividade.


Portanto, na leitura de poemas, podemos afirmar que propiciar ao aluno condições
que o preparem para a sua leitura e interpretação é possibilitar que ele também
dialogue com os discursos internos que coabitam dentro dele, para assim haver
sentido naquela leitura.
Podemos observar um diálogo entre o poema e a letra da canção, pois ambos
abordam questões da liberdade do negro sob aspectos diferentes. No poema “O
navio negreiro”, Castro Alves pretende denunciar os sofrimentos experienciados
pelos negros durante a travessia no mar. Quanto à canção “Olhos coloridos”, ela
apresenta uma luta contra o racismo, trabalhando a questão identitária do negro em
contextos sociais distintos.
Por exemplo, na canção “Olhos coloridos”, temos a estrofe:

A verdade é que você,


Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará crioulo

No poema “O navio negreiro”, por outro lado, temos a estrofe:

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!


Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

Na primeira letra, podemos observar que o músico pergunta diretamente para


o interlocutor se ele tem consciência de que a maioria da população brasileira tem
sangue crioulo. Esta pergunta provoca uma reflexão direta a respeito do racismo que
os negros sofrem, pelo fato de a outra parcela da população muitas vezes não os
ver como seres humanos, apesar de os brancos brasileiros também terem nas veias
sangue de origem negra; e este questionamento provoca um susto, uma surpresa.
Como afirmam Carlan, Feitosa e Funari (2018),
38

Todos, ou quase, têm sangue africano ou indígena, portanto é escuro para


os padrões nórdicos da pseudo-ciência. Tanto isso é assim que, hoje, nos
Estados Unidos, por exemplo, os brasileiros não são brancos: podem ser
negros, hispanos (chicanos), mas não White. (CARLAN; FEITOSA;
FUNARI, 2018, p. 13)

Já na estrofe do poema, ficam evidentes inúmeras atrocidades ocorridas no


século XIX durante a travessia de Portugal até o Brasil. Faz-se necessário destacar,
por intermédio da leitura, que a população brasileira da atualidade foi constituída a
partir de muitos povos, incluindo o negro, de forma miscigenada; portanto, também é
fruto desse povo sofrido descrito na poesia, pois muitos brasileiros têm a negritude
passando em suas veias. Essas relações dialógicas entre passado e presente
merecem ser discutidas nas aulas de literatura, da mesma forma que a necessidade
de conscientização do aluno quanto à nossa realidade atual no que tange ao negro.
A este respeito, é esclarecer transcrevermos um trecho de Anjos (2011), que
sublinha:

As estatísticas apontam o Brasil como a segunda maior nação negra do


planeta e é com relação a essa população que são computadas as
estatísticas mais discriminatórias e de depreciação socioeconômica. Nos
piores lugares da sociedade e do território, com algumas exceções, estão as
populações afro-brasileiras. Não é possível mais esconder que temos
diferenças sociais, econômicas, territoriais seculares e estruturais, para as
quais os ”remédios” ainda estão chegando e os assuntos são empurrados
para um outro dia, para a próxima semana, no mês que vem, no próximo
ano, que nunca chega. E os séculos estão passando! (ANJOS, 2011, p.
271)

Portanto, diante desta estatística comprovada a respeito do papel social que o


negro ocupa em pleno século XXI no Brasil, é extremamente pertinente e urgente na
contemporaneidade a abordagem desta temática do preconceito, haja visto os
poucos avanços no que se refere às oportunidades da maior parcela da população
brasileira em ser protagonista de sua história de vida, assim como o branco sempre
as teve desde o descobrimento.
39

2 CAPÍTULO 2 - A LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR

Neste capítulo, apresentamos as concepções de leitura poética no contexto


escolar; a elaboração de uma sequência didática diante deste conceito, sobretudo
no que diz respeito à função da literatura; as concepções de leitura no contexto
escolar; e os desafios para que seja criado um ambiente de leitura para os alunos do
Ensino Médio.
Em seu estudo sobre o ensino de literatura no Ensino Médio, Cereja (2005),
por meio de pesquisa feita com docentes e discentes de escolas das redes pública e
particular de ensino, apresenta uma proposta de ensino de literatura para o contexto
desse segmento da educação no país. Com base nos resultados alcançados, aponta
a pouca importância dada ao texto literário nas aulas de literatura, criticando que o
ensino desta é usualmente feito a partir de uma perspectiva da historiografia literária.
Em outras palavras, em vez de o aluno aprender a ler textos literários, passa os três
anos do Ensino Médio aprendendo a situar autores e obras na linha do tempo, a
identificar a estética literária a que pertence. Diante da afirmativa do autor, fica clara
a necessidade de que sejam buscados caminhos que atraiam esse aluno para a
leitura de textos poéticos.
Um dos caminhos para a elaboração de uma proposta de sequência didática
é procurarmos conhecer o contexto no qual o professor-pesquisador do ensino de
literatura está inserido. Este professor precisará ser investigador da própria disciplina
que leciona, e a partir dessa compreensão ele estará melhor preparado para
elaborar seu objeto de pesquisa. Segundo Ceia (2002), se esse profissional não tiver
tais compromissos, ele não estará apto para ser professor de literatura.
Cândido (1995, p. 249) afirma que “A literatura desenvolve em nós a quota de
humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade e o semelhante”. Mais do que nunca, sua afirmativa encontra
espaço no cenário social no qual nossos alunos do Ensino Médio estão inseridos.
Ela é urgente e real na formação de cidadãos mais compreensivos e responsáveis
para viver em sociedade - formação esta que ocorrerá, quase que exclusivamente,
no contexto escolar.
A partir da afirmativa de Cândido (1995), fica claro que o ensino de gêneros
da esfera literária apresenta um papel fundamental de formação na vida dos nossos
alunos, e atualmente a necessidade de pensar em metodologias que propiciem o
40

primeiro contato com o texto poético em sala de aula é cada vez mais urgente e
salutar.
Por outro lado, ao discorrermos sobre a leitura no contexto escolar,
apresenta-se também a necessidade de refletirmos a respeito do contexto social dos
alunos. Em se tratando da construção de julgamento de valores dos alunos, eles
carregam consigo um capital cultural (BOURDIEU, 1998): o conjunto de recursos
atuais e potenciais que o indivíduo possui ao longo de sua história de vida,
propiciando o avanço ou retrocesso social desse indivíduo. Na verdade, muitos de
nossos alunos não possuem experiências com a leitura de textos literários, pois isso
não faz parte do seu universo cultural e contexto familiar. Destarte, cabe à escola
apresentá-los o universo leitor.
A partir da concepção acima, de Bourdieu, a família e todo o contexto ao qual
a criança e o jovem estão inseridos na realização de investimentos na leitura
transmitirão para a criança um determinado quantum de capital cultural durante seu
processo de socialização, que inclui saberes, valores, práticas, expectativas quanto
ao futuro profissional e à atitude da família e da sociedade da qual participa em
relação à escola.
Portanto, ao realizarmos um recorte desta proposição de capital cultural
defendida por Bourdieu (1998), em nosso estudo o relacionamos também com as
possibilidades de acesso à leitura ou até mesmo à quantidade de leitura da esfera
literária a qual nossos alunos foram expostos durante a vida, independentemente da
escolarização formal na escola. É possível depreendermos que a capacidade
interpretativa desses alunos nas aulas de leitura de poemas está relacionada às
diversas leituras a que eles tiveram acesso no decorrer da vida. Por conseguinte, há
uma correlação entre repertório literário e capacidade de contemplação do universo,
pois o letramento literário contribui para a capacidade leitora dos alunos.
Muitas vezes, a leitura de poemas pode ocasionar um choque de capital
cultural quando o aluno se depara com temáticas poéticas nas aulas de literatura,
pelo simples fato de não estar familiarizado com este universo, constituindo assim
um completo estranhamento diante das leituras.
41

2.1 Concepções de leitura no contexto escolar

Para Cosson (2012), as aulas tradicionais no Ensino Médio são conduzidas


primordialmente à aprendizagem sobre a literatura (história, teoria e crítica) e à
aprendizagem por meio da literatura (saberes e habilidades). Enfim, fica em segundo
plano a apresentação do texto literário enquanto experiência de mundo por meio da
palavra, da contemplação do belo, embora devesse ser o foco principal do trabalho
com o ensino do texto literário em sala de aula, e, sendo assim, poderia
consequentemente privilegiar um ambiente para a leitura do texto poético.
Um dos caminhos para a fruição estética do poema concentra-se em enxergar
o texto poético como um gênero que não se apresenta com um sentido pronto em si
mesmo, mas sim que precisará, por meio de muitas análises contextuais e
discursivas, construir este sentido.
Todavia, para que o aluno possa desenvolver a capacidade para realizar a
fruição estética do texto poético, tanto há de se levar em conta seu repertório
pessoal quanto a temática do texto e seu momento histórico, e, a partir da junção
desses fatores, haverá a possibilidade de construção de sentido do texto. Como
afirma Cereja (2005),

É possível buscar pontos de intersecção temáticos: a nacionalidade, a


natureza, o amor, a mulher, o negro, a criança, o sertão, a seca, a violência,
a cidade, o campo, a alteridade, o fazer poético, a efemeridade do tempo,
entre outros. (CEREJA, 2005, p.166)

A partir desta afirmativa, Cereja (2005) deixa evidente que, ao trabalhar o


poema no Ensino Médio, podemos fazer relações temporais a partir da temática
sugerida, trazendo poemas contemporâneos, que dialogam de forma mais fluida
com os alunos, comparando-os com poemas de escolas literárias mais antigas. Ao
comparar poemas de épocas diferentes, mas que falam da mesma temática, o aluno
terá mais repertório para a interpretação e fruição.
Portanto, ao realizarmos uma leitura comparativa de poemas, abrimos um
universo de possibilidades diante dos alunos que poderão acionar construtos
internos referentes à temática proposta dos poemas em análise, possibilitando,
assim, a fruição na leitura do poema com o qual não estão muito familiarizados.
Na proposta da BNCC (BRASIL, 2017), a Literatura aproxima-se mais do
componente curricular Arte, também do grupo das disciplinas de Linguagens. A
42

conexão entre o pensamento e a ludicidade são fortalecidos com o exercício da


crítica, que se soma à apreciação e fruição já iniciados nos anos anteriores.
Para a constituição de alunos leitores-fruidores no Ensino Médio, é preciso
direcionarmos os adolescentes às ações protagonistas. Ao exercerem diversas
posições - de apreciadores, artistas, criadores e curadores -, os alunos são
despertados tanto em relação às produções quanto à cena artística. A tecnologia,
nesse aspecto, rompe barreiras posteriormente existentes e permite que os jovens
conheçam as representações artísticas conscientemente.
Novamente, o campo artístico-literário da Língua Portuguesa busca a
formação de leitores, porém de forma mais complexa. Ele dialoga com a segunda
competência específica de Linguagens e suas tecnologias para o Ensino Médio:

Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que


permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a
pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em
princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos
Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a
resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de
qualquer natureza. (BNCC, 2017)

Atualmente, a busca por esta compreensão por parte dos jovens faz-se
urgente e necessária, pois, a partir da compreensão do campo artístico-literário, os
alunos poderão empoderar-se e apropriar-se de gêneros pertencentes a outros
contextos sociais. Ademais, ao tratar da experiência artística, o professor como
mediador deve encaminhar o debate temático, estabelecendo relações dialógicas
entre os diversos momentos de leitura e produção e os vieses que são acrescidos
ao longo do tempo.
Tendo como base esta apreensão e fundamentando-se no que a BNCC
defende, o professor pode propiciar, a partir da sequência didática proposta, uma
leitura que insira este aluno no universo da fruição e crítica literária considerando
suas próprias impressões de leitura. Dessa forma, tem-se a aproximação do aluno
com o universo da leitura artística de poemas.

2.2 Desafios dos alunos do Ensino Médio na leitura de poemas


43

Por se tratar de um gênero textual de compreensão instigadora, o poema é


apresentado aos alunos do Ensino médio em sala de aula no contexto do ensino de
literatura e para a realização restrita de atividades estanques, ligadas ao contexto de
produção, história, e tendo como objetivo a realização de avaliações, ou seja,
apenas como instrumento de avaliação do aluno, deixando de lado a descoberta de
imagens, sentidos, significados e cores que aquele poema pode trazer para ele.
Isto vem ao encontro de Bordini e Aguiar (1993), quando tratam da interação
entre leitor e texto:

A atitude receptiva se inicia com uma aproximação entre o texto e o leitor,


em que toda historiografia de ambos vem à tona. As possibilidades de
diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de
distanciamento do leitor em relação a ela, no que tange às convenções
sociais e culturais a que está vinculado e à consciência que delas possui.
(BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 84)

Diante desta afirmativa, fica claro que todo leitor irá, inevitavelmente, ter uma
ação diante do texto, que toda a história que ele carrega virá à tona diante da leitura,
e que essa bagagem pessoal contribuirá para que haja ou não a fruição do texto
poético, tendo em vista que cada texto terá significados diferentes para cada leitor,
pois cada um vivenciará um processo de aproximação ou de distanciamento a
depender de cada consciência.
O poema pertence aos chamados gêneros literários. No Ensino Médio, eles
são apresentados em contextos literários de ensino e aprendizagem, e por vezes a
interpretação não é satisfatória por parte dos alunos. Como afirma Cereja (2005),

O ensino de literatura no ensino médio não tem alcançado os objetivos


propostos pelos programas escolares – entre outros, o desenvolvimento de
habilidades leitoras dos alunos – e tem se limitado a promover a
apropriação de um discurso didático sobre literatura, produzido e
apresentado, em primeira instância, pelo professor e, em segunda instância,
produzido socialmente por diferentes agentes. (CEREJA, 2005, p. 57)

A partir desta afirmativa, podemos refletir que o ensino de literatura no Ensino


Médio não tem alcançado o objetivo proposto por não valorizar a fruição estética do
texto poético, não havendo a preocupação em se levar em consideração o que o
poema em questão está dialogando com o próprio aluno, no momento da leitura, e
não apenas considerando análises exteriores já delimitadas pelo livro didático. Em
outras palavras, é preciso levarmos em conta a pura e simples interpretação do
44

aluno ao ler o texto poético em si, sem a preocupação desta estar em sintonia com o
que o livro didático está pedindo ou sugerindo em termos de interpretação.

Propiciarmos que os adolescentes do Ensino Médio se interessem por


literatura é um grande desafio, um trabalho ardiloso que requer muito afinco, pois a
literatura não deve ser pensada apenas como uma atividade curricular, utilizada
como pretexto para ensinarmos conteúdos que fogem ao seu verdadeiro sentido,
que é a fruição. Contudo, é responsabilidade do professor preparar o caminho,
possibilitando leituras nas quais o aluno possa ativar um conhecimento prévio já
esquecido por ele próprio.
Uma vez que o texto dialoga de formas diferentes com cada leitor, é
necessário criarmos uma atmosfera para que o nosso aluno se sinta à vontade no
momento em que for ler um poema. Mais do que isso, ele deverá sentir-se
familiarizado com o universo da arte e da poesia. Por isso, é necessário
construirmos estratégias dialógicas que propiciem esta atmosfera de leitura, pois
sabemos que há inúmeros atrativos, tais como celular, joguinhos e redes sociais em
geral, que afastam cada vez mais nossos alunos do Ensino Médio do universo da
fruição e crítica poética.
45

3 CAPÍTULO 3 – INTERRELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM POÉTICA E A


LETRA DE MÚSICA

Os procedimentos metodológicos utilizados para a elaboração desta


dissertação foram feitos a partir do levantamento bibliográfico dos teóricos que
fundamentam o dialogismo bakhtiniano e a leitura no contexto escolar. O estudo
sistemático destas concepções se desenvolveu a partir de atividades que
contemplam a leitura e a fruição do texto literário.
Portanto, neste terceiro capítulo, apresentamos a relação entre música e
poesia; o contexto de produção do poema “O navio negreiro”; a história do
Romantismo em geral e do Romantismo brasileiro; e o contexto de produção da
música “Olhos coloridos”. Faz-se necessária tal apresentação para a compreensão
das inspirações utilizadas pelos poetas e compositores para o estabelecimento da
temática proposta.

3.1 Música e poesia

É senso comum afirmar que a música é a arte de manifestar os diversos


afetos da nossa alma mediante o som - afirmação esta que muitos já leram ou
ouviram, e que significa externar os sentimentos por meio de combinações sonoras.
Entretanto, conforme aponta Montanari (1988, p. 5), que define o som musical como
“[...] uma emissão vibratória, com frequência bem definida, capaz de ser captada
pelas limitações fisiológicas do ouvido humano”, há até pouco tempo o conceito de
música “[...] estava associado à combinação ordenada e racional de sons”.
Por meio desta definição, podemos conceituar e limitar a música sob o ponto
de instrumentos musicais e vozes afinadíssimas e bem tocados por músicos, que
passaram anos em um conservatório musical ou faculdade de música,
aperfeiçoando-se no instrumento escolhido ou em sua própria voz. Contudo,
também de acordo com Montanari (1988), na contemporaneidade a música
assimilou novos significados, e o que era considerado ruído hoje se entende como
música, o que ampliou o conceito do que significa música. Portanto, conclui o autor,

[...] quando pensamos em música segundo o conceito contemporâneo,


podemos afirmar que a música sempre existiu eventual e aleatoriamente na
natureza. Os sons produzidos pela natureza transmitem sentimentos e
46

energias às pessoas, que param para observar e escutar o grande musical


produzido pela natureza. (MONTANARI, 1988, p. 5)

Montanari considera que podemos observar alguns sons oriundos da


natureza:

O som do vento cortando o ar e balançando as folhas das árvores; o som


das águas calmas de um riacho ou o barulho de uma corredeira e de uma
linda cachoeira, o som dos mais variados pássaros, os animais que vivem
nas matas e que utilizam diferentes sons para se comunicarem, no mar as
baleias e os golfinhos também emitem sons e se comunicam por meio
deles. [...] a natureza oferece música graciosa e linda que nem sempre as
pessoas sabem apreciar. A natureza além de musical é poética, o ambiente
e tudo que envolve o universo natural são poético-musicais. O homem
também faz parte da natureza, e como um ser da natureza ele também é
um ser musical nato (MONTANARI, 1988, p.6)

A partir disso, podemos inferir que a música já faz parte do dia a dia de todo
ser humano. O grande desafio, portanto, concentra-se em aprendermos a perceber
e contemplar esses sons. Dessa forma, trazer esse universo da musicalidade para a
sala de aula é uma oportunidade para que os alunos sejam convidados para usufruir
da música e da poesia.
As ideias de Montanari (1988) sobre música nos levam a refletir sobre a
nossa infância, quando nossas mães ou os pais nos pegavam no colo e cantavam
cantigas de ninar. Ainda bebês, tentávamos reproduzir a música, mas só se ouviam
ruídos. Esses ruídos eram nossas primeiras músicas, ou pelo menos nossas
primeiras tentativas musicais.
A criança, quando adquire suas primeiras palavras, é capaz de memorizar
pequenos trechos e melodias, e é nesse momento que a música se torna uma
grande aliada da educação, pois, por meio de letras e melodias de fácil assimilação
para a criança, podemos ensiná-las novas palavras, histórias e a cultura do lugar
onde vivemos.
As cantigas de roda e as parlendas, por serem fáceis de cantar, são
apreendidas facilmente pelas crianças, que além de aprenderem se divertem, e é
por isso que muitas dessas canções marcam a infância de todos.
Sempre associada a diversas expressões artísticas, o poeta Vinícius de
Moraes também escreveu músicas e poesias com temas infantis que marcaram
várias gerações e que ainda hoje são muito utilizadas pelos educadores, sejam eles
47

professores ou não. Por isso, ainda continua marcando a vida e a história de muitas
crianças.
Diante de tantas reflexões a respeito de como a música pode ser vivida e
experenciada, é evidente que, ao trazê-la para o contexto da sala de aula, nas aulas
de literatura, temos a possibilidade de aproximar nossos alunos das aulas de leitura
e, a partir desse processo, propiciar a fruição poética.

3.2 Poema romântico “O navio negreiro”

“O Navio Negreiro” (vide Anexo 1) é um poema organizado em seis partes e


se encontra na obra “Os Escravos”, de Castro Alves. Sua metrificação é variada e
acompanha o tema que se segue no texto. Isso dá um efeito para a poesia de
unidade entre a forma e o conteúdo.
Segundo Calmon (1961), Castro Alves,  poeta brasileiro, era conhecido como
“O Poeta dos Escravos”. Devido à sua relevância para este estudo, apresentamos, a
seguir, sua biografia.

Castro Alves […] pertenceu à terceira geração do Romantismo no país.


Suas obras expressam indignação e protesto em relação aos problemas
sociais da época, principalmente à crueldade da escravidão.
Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 na
cidade de Muritiba, na Bahia. Em 1853 sua família mudou-se para Salvador,
onde seu pai foi professor da Faculdade de Medicina e sua mãe veio a
falecer quando ele completou 12 anos.
Nessa época, Castro Alves já demonstrava indícios de sua vocação para a
poesia, estudava no Colégio de Abílio César Borges e lá manteve amizade
com Ruy Barbosa. […]
Castro Alves envolveu-se com esses núcleos, participando de sociedades
estudantis e discursos. O poeta era sempre ovacionado pelas multidões,
impressionando com seu poder de expressão e voz possante. Em seus
textos, o uso acentuado de hipérboles e de espaços amplos como o mar, o
céu e o infinito se faziam presentes.
Em 1863, já manifestando tuberculose, Castro Alves publicou seu primeiro
poema. Os versos de “A canção do africano” expressavam opiniões
contrárias à escravidão. No mesmo ano conheceu Eugênia Câmara. Dez
anos mais velha, era atriz portuguesa e estava em cartaz na cidade, no
Teatro Santa Isabel.
No ano seguinte, Castro Alves ingressou na Faculdade de Direito do Recife.
Em 1865, lá recitou “O Sábio” e também se alistou no Batalhão Acadêmico
de Voluntários para a Guerra do Paraguai. […]
Em janeiro de 1868, embarcou para o Rio de Janeiro e foi recebido por José
de Alencar, seu amigo. Através dele manteve contato com Machado de
Assis, que o projetou nos meios literários.
Em seguida, Castro Alves viajou para São Paulo, onde cursou Direito na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Nesse período, dedicou-se à criação de poemas líricos e heroicos,
publicados por jornais ou recitados em festas literárias.
48

Os feitos do poeta causavam repercussão, e assim conquistou destaque


literário aos 21 anos.
Em agosto de 1868, terminou seu relacionamento com Eugênia Câmara.
Em sete de setembro, fez apresentação de “Tragédia no mar”, que
posteriormente ganharia o título de “O navio negreiro”.
No mês de novembro, durante caçada em São Paulo, um tiro de espingarda
atingiu seu pé esquerdo causando enfermidades que resultaram em
cirurgias e complicações. Foi necessário amputação e o procedimento foi
feito sem anestesia. Decidiu voltar para Salvador, onde viu sua tuberculose
se agravando. Viajou em fevereiro de 1870 para tratamento em Itaberaba.
Em setembro, retornou a Salvador e lançou “Espumas Flutuantes”, seu
único livro editado em vida.
Ele faleceu vítima de tuberculose dia 6 de julho de 1871, em Salvador,
Bahia.
(CALMON, 1961)

Um dos legados do poeta baiano Castro Alves foi o de transmitir ao


romantismo um sentido social, ligado ao fato que a terceira geração romântica
questionava a ideologia da primeira geração. Isso decorre porque, conforme
apontado por Souza:

[…] escritores da primeira fase do nosso Romantismo, como José de


Alencar, representam o povo brasileiro como resultado da união de duas
etnias: o branco europeu e o índio - mas deixam o negro de fora desse
projeto nacionalista-literário. Afinal, numa sociedade escravocrata,
transformar o negro em herói seria uma grande contradição. Logo, podemos
pensar que a terceira geração, ao recuperar o negro como personagem da
nossa cultura, possibilita uma resposta a essa lacuna. (SOUZA, [entre 2000
e 2015])

Castro Alves foi o maior representante da terceira geração do Romantismo no


Brasil. Recebeu o título de “Poeta dos Escravos” devido às suas poesias de cunho
abolicionista. Com um estilo condoreiro, sua poesia tem vocabulário pomposo e tom
grandiloquente, visa a ser recitada para grandes públicos e busca sensibilizar os
outros sobre as questões sociais e políticas do seu país, apesar de também ter
escrito poemas de amor. “A linguagem de seus poemas utiliza vocativos,
exclamações, hipérboles, de modo a despertar a emoção do leitor/ouvinte, que,
dessa forma, seria motivado a tomar uma atitude” (MUNDO EDUCAÇÃO, 2020).
Castro Alves, patrono da cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras,
é autor de diversas obras, tais como “A Canção do Africano”, de 1863; “Gonzaga ou
a Revolução de Minas”, de 1866; “O Navio Negreiro”, de 1869; “Espumas
Flutuantes”, de 1870; “A Cachoeira de Paulo Afonso”, de 1873; “Os escravos”, de
1883; e “Hinos do Equador, edição de Obras Completas”, de 1921.
49

O poema “O navio negreiro”, composto de seis partes que alternam métricas


variadas para obter o efeito rítmico mais adequado a cada situação retratada no
poema, é um dos mais conhecidos da literatura brasileira, foi concluído por Castro
Alves em São Paulo, no ano de 1868, quase duas décadas após a promulgação da
Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, em 4 de setembro de
1850. Por meio de imagens e expressões fortes, o poema descreve a forma brutal
como os africanos, após arrancados de suas terras e separados de suas famílias,
foram tratados ao serem trazidos para o Brasil nos navios negreiros para se
tornarem propriedade dos senhores de escravos. Como salienta Santos Neto (2009),

No poema assistimos dançar a serpente, o chicote, as correntes, as


bandeiras, o barco nas ondas do mar e a multidão dos escravos. O poeta
toma o partido das vítimas da narrativa e mostra as marcas do sofrimento
do outro, daquele que é silenciado pela história oficial. (SANTOS NETO,
2009, p. 1)

A temática contemporânea que evidenciamos no poema está ligada com a


empatia ao sofrimento do escravo negro, e o racismo coloca em evidência o
preconceito contra o negro cujo sujeito lírico lamenta sua condição subumana,
representando também “[…] qualquer pensamento ou atitude que segrega as raças
humanas considerando-as hierarquicamente como superiores e inferiores”. Em
nosso país, o racismo “[...] é fruto da era colonial e escravocrata estabelecida pelos
colonizadores portugueses” (BEZERRA, 2020, n.p.).
Bezerra (2020) aponta o caráter não oficial do racismo brasileiro como sua
característica mais marcante. Salienta que, mesmo que a lei confira liberdade
jurídica aos escravos, “[…] estes nunca foram de fato integrados à economia e, sem
assistência do Estado, muitos negros caíram em dificuldades após a liberdade.
Assim, desde a “Proclamação da República” (1889), não há referência jurídica a
qualquer distinção de raça” (n.p.).
Pereira (2015), ao se referir ao discurso de Alberto Sales, que descrevia o
africano de forma extremamente pejorativa - “Além de ser muito diferente do
europeu, debaixo de muitos pontos de vista anatômicos e fisiológicos, ainda se acha
em um grau muito embrionário da evolução mental” (GOMES, 2013, p. 162)” -,
apresenta a seguinte explicação:

Isso demonstrava que a elite do século XIX criou uma imagem do negro
ligada à inferioridade, não apenas pela sua condição de escravizado, mas
50

sim, baseada em uma marca de inferioridade extrema com relação à


população branca, levando-se a crença de que mentalmente os negros não
teriam uma evolução, identificados, assim, como animais quase irracionais.
(PEREIRA, 2015, p. 10)

Em vista disso, muitos negros optavam por se casar com companheiros de


pele mais clara, para que seus filhos tivessem menor probabilidade de sofrer com o
racismo. Como salienta Pereira:

O modelo de homem ideal permeava-se pela cor da pele branca, origem


europeia e de religiosidade cristã. Todos aqueles que estavam ausentes
desse molde, desse padrão de humanidade, civilidade e religiosidade, eram
desconsiderados dentro da sociedade europeia da época. (PEREIRA, 2015,
p. 10)

Em combate ao racismo e também como reconhecimento de sua existência,


foi criada, em 1951, a “Lei Afonso Arinos”, que tornou contravenção penal a recusa
de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno
por preconceito de raça ou de cor. Posteriormente, com a Constituição Federal de
1988, a lei nº 7716, de 5 de janeiro de 1989, tornou o racismo um crime inafiançável.
Contudo, a despeito de décadas de crescimento econômico, as disparidades
econômicas e sociais permanecem.

3.3 O Romantismo

Em um estudo que tem como objetivo analisar as origens do Romantismo em


Portugal, Guerreiro (2015) observa que seu início é datado de 1825, quando foi
publicado o poema “Camões”, de Garrett, em Paris, mas que, devido ao fato de esta
obra não ter tido sequência imediata na literatura portuguesa, alguns consideram
seu começo como datado de 1836, com a publicação do livro “A Voz do Profeta”, de
Herculano. Guerreiro observa que a obra de Garrett “[...] abre a porta da literatura
portuguesa à estética romântica […], trazendo já marcas formais e a introdução de
moldes românticos: o tema nacional, a melancolia e a idealização romanesca de
personagens” (p. 69).
Guerreiro (2015) explica que o Romantismo português foi solidário com a
Revolução Francesa, sendo “[...] frequentemente descrito como uma ruptura com o
passado e um corte com a tradição” (p. 71). Ao discorrer sobre os poetas nesse
período, comenta que eles mesclam “[...] a veia clássica com a recém-nascida
51

inspiração” (p. 71), e, com isso, alavancam um processo de mudança do cânone


literário “[...] numa lenta evolução entre as leis de composição, ambas abraçadas por
alguns poetas que preparam o caminho para a mudança política ao aderirem às
novas ideias revolucionárias [...]” (p. 71). Observa que Bocage talvez seja “[...] o
melhor exemplo desta confluência de ideias e de estilos” do início do Romantismo
português (p. 71). A partir disso, considera que o Romantismo português

[...] tenta libertar-se das limitações neoclássicas e arcádicas, exprimindo nos


sonetos uma mentalidade romântica através de temas como egocentrismo,
confessionalismo, revolta e independência pessoal, solidão, sofrimento, o
belo horrível da natureza, a morte. Daí que o estilo romântico se afirme
lentamente, como identificação de outro momento. A veia tradicional
mantém-se e as novidades são absorvidas, mescladas – novas ideias em
antigas formas. (GUERREIRO, 2015, p. 71)

O Romantismo, que se estendeu até o fim do século, é dividido em três fases


distintas: a primeira geração, do nacionalismo e aspirações liberais, cobre o período
de 1825 a 1840; a segunda geração, do ultramodernismo, vai de 1840 a 1860; e a
terceira, da renovação romântica, de 1860 a 1870. Cada uma dessas gerações é
centrada em uma temática com características da estética romântica.
Ao discorrer sobre o Romantismo na Europa, Brandino (2020) explica que

O século XVIII foi marcado, na Europa, pelo avanço dos ideais iluministas,


pautados na busca pela liberdade e na consagração da razão. Herdeiros
da Revolução Científica do século XVII, os iluministas acreditavam que o
progresso da humanidade estava atrelado ao desenvolvimento do
conhecimento, pautado na investigação científica.
O homem deveria ter a liberdade de conhecer, sem ser impedido por
dogmas religiosos ou instituições políticas, de modo
que o iluminismo atacou diretamente o poder clerical e os déspotas
do Antigo Regime. Foram os ideais iluministas que impulsionaram
a Revolução Francesa, transformando completamente a maneira de viver
dos europeus.
Com a queda do Antigo Regime e o advento da Revolução Industrial, as
nações europeias transformavam-se política e economicamente. A
industrialização desencadeava o êxodo rural e o surgimento dos primeiros
centros urbanos. A burguesia tornava-se a nova classe dominante, ao passo
que a nobreza ia aceleradamente perdendo sua importância.
Em Portugal, havia também uma luta para derrubar o regime monárquico.
Com a transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em
1808, a fuga das tropas francesas e o fim do monopólio dos portos
brasileiros, a nobreza portuguesa via-se enfraquecida. (BRANDINO, L.)

Santilli (2007), por seu turno, discorre sobre o Romantismo no Brasil e o


compara ao quadro social europeu:
52

[…] o quadro social brasileiro, cuja estrutura ajuda a explicar parcialmente


as tendências, as diretrizes temáticas e expressionais de nosso romantismo,
delineia-se com base em três alicerces: o latifúndio, o escravismo e a
economia de exportação. Podemos, de um modo elementar, visualizar três
classes sociais nesse período: a nobreza conservadora, desde que
consideremos como tal a realeza monárquica com seus protegidos e a
“aristocracia rural” e latifundiária; a pequena e média burguesia, constituída
pelos pequenos e médios comerciantes e pelos profissionais liberais
(médicos, jornalistas e advogados, principalmente); o campesinato escravo.
[…] na Europa, as classes sociais eram bem mais definidas: a aristocracia,
a alta burguesia do comércio e da indústria, a pequena e média burguesia e
o operariado, tanto urbano quanto rural. (SANTILLI, 2007, p. 53-54).

O Romantismo foi um movimento artístico que influenciou a pintura, a música


e a literatura. Quanto à literatura, o Romantismo tinha algumas características que
devem ser destacadas, tais como ter textos em prosa mais longos e enredo que se
desdobrava ao redor de um núcleo central.
Uma das características marcantes do Romantismo é que ele se opunha ao
Classicismo:

Ao contrário dos classicistas, que exaltavam a paisagem, os romancistas


davam ênfase aos protagonistas. Exaltavam-se a sociedade, a mulher, o
amor, além de haver a fuga para a infância. Havia também a ênfase aos
temas da nacionalidade, como a Independência do Brasil e a Inconfidência
Mineira. Nos poemas, tinha o emprego de versos brancos e livres. Havia
também a sublimação ao nacionalismo, à natureza e aos símbolos pátrios.
Na Antiguidade Clássica, eram os nobres que pagavam pela arte, com isso
impondo suas vontades. Só que, com o surgimento da burguesia, a arte
deixa os palácios, ganhando assim um outro público. Deixa também de ser
erudita, posto que começou a valorizar o folclore e o nacionalismo. No
Brasil, por exemplo, o leitor se tornou consumidor, já que comprava os
chamados folhetins, que eram mais baratos.
Mudando o público leitor, o estilo formal do classicismo é abandonado em
definitivo. Até na poesia ocorreram mudanças, já que surgiram os chamados
versos livres, sem métrica ou estrofação. Também passaram a ser
empregados os versos brancos, ou seja, sem rima, algo que a nobreza
jamais admitiria. (CURADO, 2019, n.p.)

3.4 O Romantismo no Brasil

Para entendermos melhor o contexto em que surgiu o poema “O navio


negreiro”, é imprescindível retomarmos alguns aspectos relativos ao movimento
literário romântico no Brasil.
Segundo Bosi (2017), a estreia de Antônio de Castro Alves, um dos autores
mais relevantes do Romantismo no país,

[...] coincide com o amadurecer de uma situação nova: a crise do Brasil


puramente rural; o lento mais firme crescimento da cultura urbana, dos
53

ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do


senhor-e-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil-
Império. (BOSI, 2017, p. 131)

Na busca de definir o Romantismo, Bosi (2017) critica o fato de apenas ser


elencado o que ele é, e defende que “[…] o todo é algo mais que a soma das partes:
é gênese e explicação” (p. 96). A partir disso, observa:

O amor e a pátria, a natureza e a religião, o povo e o passado, que afloram


tantas vezes na poesia romântica, são conteúdos brutos, espalhados por
toda a história das literaturas, e pouco ensinam ao intérprete do texto, a não
ser quando postos em situação, tematizados e lidos como estruturas
estéticas. Ora, é a compreensão global do complexo romântico que alcança
entender êsses vários níveis de abordagem que a análise horizontal dos
“assuntos” aterra no mesmo plano. (BOSI, 2017, p. 96)

O Romantismo no Brasil tem início em 1836, com o livro de poemas intitulado


“Suspiros poéticos e saudades”, de Gonçalves de Magalhães. Sincronicamente, era
publicada em Paris a Revista Niterói, sendo assim considerada igualmente uma
precursora brasileira do movimento. As temáticas do movimento romântico brasileiro
foram, basicamente: a religiosidade (ainda que superficial); e o nacionalismo, que
ora se apresenta como patriota e sentimentalismo. Todavia, os autores da época
não alcançaram a liberdade de expressão por ainda estarem presos ao estilo
neoclássico.
Historicamente, o Romantismo brasileiro acontece no período da Regência e
do Segundo Império. Ao referir-se a esse período, Silva e Sant’Anna afirmam:

Foram tempos de consolidação da unidade nacional, cuja iniciativa ficou a


cargo do governo monárquico instalado no Rio de Janeiro, que sufocou com
violência todas as rebeliões que aconteceram nas províncias, de Norte a Sul
do Brasil. Foram tempos de conflitos externos seja com vizinhos, sendo o
mais conhecido a Guerra do Paraguai, quanto com Portugal e a Inglaterra,
país que impôs os seus interesses imperialistas, econômicos e comerciais
por todo o mundo. Foi o período em que na sociedade brasileira surgiram os
movimentos abolicionistas e, a seguir, republicanos. Lentamente, por causa
da resistência das elites cujas riquezas ou bens se apoiavam na exploração
do trabalho escravo, foram surgindo leis que aos poucos atendiam à
eliminação da escravidão no Brasil. (SILVA; SANT’ANNA, 2007)

Cândido (2000), por outro lado, considera que a narrativa romântica no Brasil
é desenvolvida na “[…] cidade, campo, selva ou vida urbana, vida rural ou vida
primitiva […]”, e que, a partir desses elementos, “[…] acontece a verdadeira tomada
de consciência da realidade brasileira no plano artístico, o verdadeiro ideal do
nacionalismo brasileiro” (p. 70-74).
54

Assim, no Brasil, o Romantismo está dividido em três fases. Na primeira, são


exaltados o Nacionalismo e o Indianismo. Os temas preferidos são a natureza,
religiosidade, o sentimentalismo e, até mesmo, o ufanismo. Destacaram-se José de
Alencar, Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto Alegre e Teixeira e
Souza.
Na segunda fase, encontra-se a chamada Geração do Mal do Século,
também conhecida como ultrarromântica, que teve grande influência da poesia
inglesa de Gordon Byron (1788-1824). Por isso, é também conhecida como
“Geração Byroniana”. O negativismo é a marca dessa fase do Romantismo, posto
que se sobressaem a desilusão, a dúvida e o pessimismo. Também há a fuga da
realidade, o egocentrismo, a vida boêmia e a exaltação da morte. Destacaram-se
Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Casimiro de Abreu.
Por fim, na Terceira Fase Romântica, encontra-se a “Geração Condoreira”, de
poesia libertária e social. Recebeu esse nome por fazer uma associação ao condor:
ave dos Andes que simboliza a liberdade. Aqui a influência é do escritor francês
Victor-Marie Hugo. Por conta disso, a terceira fase também é chamada “Geração
Hugoana”. Vale menção aos nomes de Castro Alves, Joaquim Manuel de Sousa
Andrade e Tobias Barreto.
Em relação a Castro Alves, que pertence a essa terceira fase do Romantismo,
Bosi (2017) argumenta que ele será sempre novo no sentido libertário e nos versos
de teor amoroso.

Será novo também nos versos de substância amorosa, pela franqueza no


exprimir seus desejos e os encantos da mulher amada. Com ele fluem sem
meandros as correntes de uma renovada lírica erótica, tanto mais forte e
limpa quanto reclusa no labirinto de culpas sem remissão. A palavra do
poeta baiano seria no contexto em que se inseriu uma palavra aberta.
(BOSI, 2017, p. 126)

Bosi (2017, p. 133) observa que, com Castro Alves, há uma renovada lírica
erótica, e que sua palavra, considerando o seu contexto, seria “[…] uma palavra
aberta à realidade maciça de uma nação que sobrevive à custa de sangue
escravizado”. Defende que este “é o sentido último do ‘Navio Negreiro’”:

Existe um povo que a bandeira empresta


Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
55

E as promessas divinas da esperança...


Tu que, da liberdade após guerra,
Foste hasteado dos heróis da lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha

Como apontado por Neves (2009, p. 30), “O sentido revolucionário que


permeia esse poema e outros poemas de Castro Alves pode […] ser relacionado a
músicas que, de alguma forma, privilegiam a criticidade”.

3.5 Música “Olhos coloridos”, de Macau

O compositor Schopenhauer (1788-1860), filósofo do ‘ideal romântico’ da


música, defende que o mundo da música é de sentimentos, porque representa o que
é mais íntimo, mais indizível, mais misterioso da vontade. Ele revela a essência
íntima do mundo em uma linguagem que a sua razão não saberia apreender. A
música opõe-se aos conceitos, por excesso (SCHOPENHAUER, 2005).
Em entrevista realizada pela jornalista Cristina Boeckel (2015), do G1 Rio, do
“Portal Educativa FM 105,9”, Macau, o compositor de “Olhos coloridos”, aborda o
contexto em que nasceu esta canção, considerada um símbolo do orgulho negro no
Brasil.
Boeckel (2015) explica que Macau a compôs na década de 1970, após ser
preso injustamente pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em uma exposição de
escolas públicas no Estádio de Remo da Lagoa.
Na referida entrevista, Macau relata que residia na Cruzada São Sebastião,
no Leblon, na Zona Sul do Rio, onde muitos moradores tinham origem na Favela da
Praia do Pinto, na mesma região, destruída por um incêndio em 1969, e adiciona
que, como o álbum que havia gravado com os amigos não obteve boa divulgação
nem vendas, entrou em depressão, mas que teve o apoio de amigos. Na tentativa de
animá-lo, um deles o levou para ver uma exposição escolar no Estádio de Remo da
Lagoa.
Com roupas simples e cabelo Black, Macau foi interpelado por um policial
militar e convidado a passar por uma averiguação. Dentro de uma sala, foi ofendido
por um sargento. “Ele me levou para um escritório. E tinha um sargento, baixinho,
56

que quando eu cheguei ele ficou rindo, e disse: ‘eu estou vendo você lá de baixo,
você não é fácil, hein? Você ri demais, fala demais’”, conta Macau.
As ofensas continuaram e se estenderam ao cabelo, à roupa que ele vestia e
ao local onde ele morava, quando Macau alegou, em sua defesa, que era morador
da região. Conforme reportado por Macau:

Ele disse: ‘Você mora naquela lama ali, cheia de bandido’. Eu disse que
bandido não, ali não tem bandido. Eles são moradores da Cruzada São
Sebastião. E ele: ‘É isso mesmo. Tudo pobre, tudo favelado, essa coisa
toda, tudo negro.’ Eu disse que ele estava com preconceito, com
discriminação. E falei: ‘O sangue que corre na sua veia, corre na minha veia
também. É vermelho. Você está com preconceito.’

Macau prossegue a entrevista, relatando que foi preso e colocado em um


camburão, às 15h. O veículo circulou por toda a cidade, e nesse período vários
suspeitos de crime foram colocados ali também, em um longo percurso. Ele só
chegou à delegacia à 1h do dia seguinte. Segundo ele, “Era uma escuridão, eu
sendo esmagado de gente, eu me senti dentro de um porão. Eu fiquei muito mal,
fragmentado, com a alma ferida”.
Ele e todos os homens que estavam aglomerados naquele veículo foram
colocados em uma cela apertada, onde Macau passou a noite, ao lado de um vaso
sanitário, agachado por causa da falta de espaço. Apreensivos por ele ter sido
levado pela PM, alguns amigos o procuraram. Contudo, Macau foi encontrado só no
dia seguinte, pelo padre Bruno Trombeta, da Pastoral Penal da Igreja Católica.
Quando foi libertado, o padre fez menção de levá-lo para casa, mas ele não quis.
Sobre isso, comentou: “Eu fiquei tão revoltado que queria explodir. Eu falei: ‘Eu vou
para o mar, quero ficar sozinho’.”
Macau relata que chorou diante do mar do Leblon e, colocando as ideias em
ordem, compôs a letra que se tornou um desabafo: “Eu comecei a olhar o mar e
veio, de uma forma única, o texto dos ‘Olhos coloridos’. Eu comecei a chorar, veio
na minha mente todo esse texto. Eu corri para casa, peguei o violão e comecei a
tocar a canção.”
A música “Olhos coloridos” foi gravada por Macau em uma fita em 1974, mas
ficou desconhecida por quase uma década, até chegar às mãos de Sandra de Sá,
por meio de um produtor, e em 1982 ela estourou nas rádios. O compositor, em
entrevista concedida à radio Educativa FM, apresenta o seguinte comentário sobre
essa versão de sua música, elogiando a cantora: “Não é à toa que ela é chamada de
57

rainha da soul music brasileira. Ela tem raça. Toda vez que eu a escuto cantando a
minha música, eu também fico emocionado. É sempre novo, é sempre uma luz.”
58

4 CAPÍTULO 4 - RECURSOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NO POEMA “O


NAVIO NEGREIRO” E NA CANÇÃO “OLHOS COLORIDOS”

Segundo o pensamento bakhtiniano, todo homem é, por natureza, dialógico, e


os enunciados, proferidos em determinados contextos de produção, são sempre elos
inquebrantáveis da comunicação, pois estão relacionados às intenções específicas,
já que a atividade discursiva de um indivíduo é composta por enunciados
anteriormente ditos por outros, que se tornaram palavras próprias, dando ao diálogo
o caráter infinito dos elos de comunicação.
A partir deste pensamento de Bakhtin (2016), pode-se trazer para a
apresentação dos gêneros dos discursos, segundo o autor, a manifestação das
interações culturais e sociais como o eixo que possibilita emitir muitas vozes dos
mais diversos grupos organizados socialmente. Os sujeitos que enunciam
estabelecem um lugar por meio de suas entonações e a contemplação de valor ao
assumirem julgamentos em relação aos temas disponíveis na sociedade, como no
caso da temática proposta neste trabalho.
Portanto, podemos perceber que os autores, tanto no poema quanto na
canção, utilizam recursos linguístico-discursivos para estabelecer esses elos de
comunicação e julgamentos inesgotáveis para o leitor, propiciando um universo de
interpretações único para cada um.

4.1 Poema “O navio negreiro”

Castro Alves foi conhecido como “o poeta dos escravos” pelo fato de
denunciar a situação do negro que foi escravizado. Ele conseguiu transformar sua
revolta em grito pela liberdade, e incluiu nisso a afirmação de reformas e ideais. No
poema “O navio negreiro”, podemos perceber a riqueza de imagens que se
constroem durante a leitura, organizadas em seis movimentos de estrofe. Ao
percebermos a sonoridade das palavras, conseguimos ver e sentir cada quadro,
cada imagem construída.
Nesse sentido de rompimento social com a escravidão da época, Campedelli
e Souza (2000, p. 128) apresentam o seguinte comentário sobre o que significou
essa poesia de Castro Alves: “A poesia abolicionista de Castro Alves demonstra que
59

ele aprendeu muito bem o que ensina o ‘mestre’ francês Victor Hugo: a possibilidade
de registrar artisticamente não o belo, mas também o grotesco.”

Nas estrofes iniciais da primeira parte do poema, por exemplo, temos a


descrição do cenário onde se percebe um eu lírico desesperado ao fazer uso de
uma oração com a utilização do sujeito oculto (os negros escravizados) de
sofrimento, descrevendo a situação que ele (o eu lírico escravizado exposto no
poema), juntamente com seu povo (o negro), se encontra ao declarar:

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço 


Brinca o luar — dourada borboleta; 
E as vagas após ele correm... cansam 
Como turba de infantes inquieta.

Ainda em relação ao início desse poema, o leitor já compreende o local em


que aqueles negros estão, ou seja, em alto mar, sendo transportados em condições
precárias e terríveis de sobrevivência. O leitor, ao se deparar com esse discurso, a
partir da descrição apresentada, consegue visualizar a situação em que se
encontram os negros no momento da viagem.
Ao utilizar, neste verso, o verbo na primeira pessoa do plural, compreende-se
uma certa empatia do escritor na composição do poema, visto que, se o poema
iniciasse em terceira pessoa do plural, haveria um certo distanciamento do eu lírico
em relação à narrativa. Nas primeiras estrofes da primeira parte do poema, torna-se
evidente a descrição do espaço no qual aqueles negros se encontravam, sobretudo
a situação da viagem no navio. O eu lírico utiliza verbos em sua forma nominal, no
gerúndio, para que o leitor seja capaz de enxergar com clareza as cenas vividas por
aqueles personagens e que estas ainda estão em andamento. Por exemplo, no
verso “Abrindo as velas ao quente arfar das virações marinhas”, o leitor consegue
visualizar a cena a partir da descrição apresentada, pelo fato de o autor prezar por
tantos detalhes na construção da imagem por meio da escrita poética.
Outro recurso linguístico-discursivo utilizado é o vocativo “Senhor Deus dos
desgraçados”. O leitor, ao ler várias vezes a mesma expressão, consegue visualizar
esta súplica de desespero, feita pelo eu-lírico, sendo apresentado como uma
espécie de porta-voz de todos aqueles negros escravizados no navio no poema
durante a travessia. Há um pedido desesperado por misericórdia, e nós, os leitores,
60

a partir desse pranto, conseguimos, por meio da escrita, sentir a dor do eu lírico
naquele momento de tormenta.
Ao realizarmos a leitura e refletirmos durante ela, fica incontestável que este
grito de socorro, esta súplica, resiste até hoje, no século XXI, quando nos
lembramos das tragédias sofridas por George Floyd, nos Estados Unidos, e pelo
menino João Pedro, no Brasil, como já exemplificado neste trabalho. O vocativo
supracitado é uma súplica desesperada por socorro. Durante a leitura do poema,
sentimos a dor do negro em prantos, pedindo socorro por aquela situação miserável
que está ocorrendo dentro do navio. Passados mais de cem anos, ainda hoje o
negro suplica por iguais condições de trabalho, por oportunidades de emprego, por
não ser taxado de marginal pela simples cor de sua pele. Portanto, esse suplício
ainda continua, em pleno século XXI!
Nas estrofes pertencentes à segunda e à terceira parte do poema, podemos
observar que o poeta utiliza um recurso linguístico-discursivo na descrição dos
outros povos na travessia marítima; que descreve outras cenas, comparando-as
com o contexto de sofrimento dos negros na travessia. Por exemplo:

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos

No trecho acima, verificamos a utilização do recurso linguístico-discursivo ao


utilizar o adjetivo “belos” para caracterizar a aparência dos piratas, bem diferente da
travessia vivenciada pelos negros, na quarta estrofe do poema:

Era um sonho dantesco... O tombadilho   


Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... Estalar de açoite...   
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar...

Nos dois versos supracitados, observamos um outro adjetivo para caracterizar


os negros: “horrendos”. Este adjetivo é oposto ao descrito na estrofe anterior, onde
os piratas são caracterizados com o adjetivo “belos”. Portanto, a beleza e a feiúra
são contrastadas no poema, servindo como argumentação também para mostrar o
sofrimento ao qual aqueles negros estavam sendo submetidos.
61

Entretanto, podemos perceber, na terceira parte do poema, há outro


acontecimento relevante descrito, pelo fato de o tumbeiro ser observado da parte de
cima do navio. Durante a leitura, na construção de imagens que o poema possibilita,
testemunhamos o eu-lírico em um ambiente gigantesco, concluindo-se que é o
próprio céu, pois possibilitava fitar o navio por cima. A descrição do momento da
exibição da águia pode ser interpretada como o próprio eu-lírico, pois é ele quem
adentra ao navio e é a águia que desce do gigantesco ambiente, evidenciado no
próximo verso: “Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!”
Já na quinta parte do poema, no segundo verso, a estrofe inicia-se com uma
pergunta retórica, ou seja, o próprio eu lírico faz a pergunta, e ele mesmo a
responde, levando assim o leitor a uma reflexão sobre aquela situação vivida pelos
negros durante a travessia da África para o Brasil.
Na última estrofe do poema, observa-se a responsabilidade pelo fato de os
negros estarem passando por toda esta situação no Brasil. O poeta faz uma
pergunta retórica: “Que impudente na gávea tripudia? Silêncio... chora, e chora
tanto.” Neste trecho, os senhores de escravos são responsabilizados por tamanha
tragédia que tem acontecido na travessia desses escravos rumo ao Brasil.

Existe um povo que a bandeira empresta


P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa.... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Enfim, o poema “O navio negreiro” é um grito de socorro contra uma travessia


com destino para a morte, demonstrado em toda a leitura do poema que aqueles
negros não teriam chances de sobreviver em meio às condições desumanas às
quais oram expostos. Exemplificando com riquezas de detalhes, tem-se a crítica de
Castro Alves em relação a tamanha atrocidade com os negros, e às comparações e
impactos para eles diretamente na situação da travessia. Também há a presença do
vocativo “Musa” no 7º verso desta estrofe, que coloca em destaque a pessoa ou
coisa a quem se dirige a palavra. Nesse trecho, observa-se o eu-lírico chamando
pela musa, a salvadora do povo negro escravizado. Portanto, é um recurso
linguístico-discursivo utilizado pelo poeta.
62

4.2 Música “Olhos coloridos”, de Macau

Já na canção “Olhos coloridos”, o compositor Macau apresenta um viés de


autoafirmação do negro no Brasil, como se pode observar a partir dos recursos
linguístico-discursivos utilizados por ele para provocar esse efeito no ouvinte.
Como anteriormente exposto, diante da história vivida pelo autor da canção,
ele quer deixar claro em seu discurso musical que o povo brasileiro é constituído por
uma miscigenação; portanto, não tem a opção em ser racista – como pode ser visto,
por exemplo, no trecho da canção “Todos querem imitar”. Nesta oração, fica claro o
grito de resistência em relação ao cabelo crespo: ao utilizar o pronome indefinido
“todos”, plural e masculino, o autor se refere a todas as pessoas, ao povo brasileiro.
Contudo, na verdade, isto não era o que ocorria na década de noventa em relação à
grande porcentagem da população quanto ao processo de orgulho do povo brasileiro
em ser descendente. Pelo contrário, a história demonstra inúmeros episódios de
racismo desde aquela época.
Smeralda (2005), socióloga martinicana, em sua obra “Pele Preta, Cabelo
Crespo. A história de uma alienação”, sublinha que a escravização correspondeu a
um período de mau tratamento do corpo, da higiene, e ao desaparecimento da
estética africana’. Em outras palavras, os negreiros e os racistas impediram os
africanos de ter um tempo de “autocuidado’’ com o próprio cabelo (muito comum no
século XXI). Assim, as mulheres escravizadas escondiam sob os lenços seu cabelo,
o qual os brancos designavam, em termos muitos pejorativos, de “juba, lã, crina de
cavalo’’, fazendo alusão à animalidade e à selvageria.
Portanto, a expressão “sarará crioulo” também aparece como um grito de
liberdade em relação ao cabelo crespo. O eu lírico repete várias vezes esta
expressão, como se tivesse a intenção de que todos ouvissem aquela afirmação: a
de que todos são negros e não podem ter preconceito com o cabelo do negro.
Já no fim da letra da canção, há a seguinte estrofe:

Os meus olhos coloridos


Me fazem refletir
Que eu estou sempre na minha
Ah e não posso mais fugir
63

Na estrofe acima, fica evidente, nas orações “Me fazem refletir” e “não posso
mais fugir”, que foram utilizados os verbos no infinitivo “refletir” e “fugir”. Parece-nos
que o eu lírico, ao refletir a respeito da situação de perseguição da qual ele estava
sendo vítima, constata que não poderia mais fugir, pois deveria não apenas
enfrentar o preconceito, mas também lutar contra ele.
64

5 CAPÍTULO 5 - SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Neste capítulo, propomos uma sequência de atividades para que sejam


trabalhadas a leitura e a fruição poética durante a sua realização. É importante
salientar que as atividades contempladas neste trabalho apresentam uma
abordagem dialógica e discursiva em sua construção, diferentemente da sequência
didática proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly que a definem como “um
conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática, em torno de
um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.97),
e nesta sequência não partiremos do levantamento das principais dificuldades a
partir das primeiras produções textuais dos alunos. Portanto nesta sequência de
atividades são priorizadas sobretudo a fruição poética na leitura do poema “O navio
negreiro” de Castro Alves.
As sequências didáticas são sempre parte de um planejamento didático
maior, em que é apresentado o que se espera dos estudantes ao longo do percurso
formativo. A escolha dos temas de cada proposta não pode ser aleatória. No
contexto de produção da sequência didática a seguir, o objetivo é desenvolvermos a
fruição poética durante a leitura de uma determinada poesia. Portanto, as atividades
referentes à sequência didática apresentam atividades que possam fomentar a
leitura e a fruição poética.
A sequência didática construída vai ao encontro da BNCC (2017) do Ensino
Médio, uma vez que este documento fundamenta a necessidade em refletirmos a
respeito do ensino de Língua Portuguesa e Literatura à luz das teorias de linguagem,
letramento, objetivando contribuir o despertar da fruição poética competente da
linguagem, capaz de exercer um letramento poético em um mundo globalizado,
cujas práticas de linguagem em uma sociedade cada vez mais letrada se fazem
mais necessárias. A hipótese lançada é que uma sequência didática fundamentada
na leitura de poema no Ensino Médio poderá contribuir para a formação do discente
em sua totalidade.
Nesta perspectiva, apresentamos uma sequência didática que trabalhará os
gêneros secundários (BAKHTIN, 2003) - no caso, a poesia e o despertar da leitura
poética.
Para o despertar da fruição poética na vida dos alunos, apresentamos uma
sequência didática que abordará duas temáticas: escravidão e racismo. O propósito
65

concentra-se no fato de que os alunos estão mais familiarizados na audição de


músicas, e assim ela será utilizada como forma de atrair sua atenção. O movimento
sempre acontecerá dos ouvidos (música) para os olhos (poema), a partir do vídeo
que será usado para expor os enunciados.

5.1 Sequência didática- Música

Atividade 1- Audição da música “O navio negreiro/ Índio, de Caetano Veloso

Nesta aula inaugural, de 45 minutos cada, é proposto que o professor


apresente o vídeo em que Maria Bethânia interpreta o poema musicado “O navio
negreiro/Índio” na sala de multimídia. O poema é extenso; portanto, requer este
tempo para a sua audição. O professor deverá ouvir com os alunos toda a canção.

Em seguida, ele discutirá quem foi Caetano Veloso, compositor da canção


Índio, e qual a importância social e política para o povo brasileiro. Apresentará a
escola literária à qual o poema “O navio negreiro” pertence: romantismo terceira
geração, retomando os conceitos principais desta escola literária e apresentando
quem é o poeta Castro Alves. Por último, o professor apresentará uma imagem que
representa uma das cenas do poema “O navio negreiro” e, a partir destas reflexões,
apresentará as seguintes questões:

a) Você conhece as músicas de Caetano Veloso? Como ele é conhecido no


cenário musical brasileiro?
b) Podemos perceber um espírito de luta durante a audição da canção?
Qual?
c) Em uma primeira audição, você conseguiu perceber alguma característica
da escola literária romântica? Qual/Quais?
d) Qual a sensação que a imagem abaixo lhe provoca?
66

Figura 1

Fonte: Parron (2010).

Atividade 2 – Apreciação da canção “Olhos coloridos”

Neste momento, o professor propiciará a visualização do vídeo da canção


“Olhos coloridos”, interpretada pela cantora Sandrá de Sá, com os alunos. Esta
primeira sequência de atividades foi elaborada para duas aulas de 45 minutos,
totalizando 1h30, tempo ideal para que os alunos ouçam a canção e reflitam sobre a
temática apresentada e sobre o que essa audição provoca em cada um deles.

Nesta aula, os alunos serão convidados a compartilhar suas primeiras


impressões sobre a canção. Para isso, o professor deve fazer perguntas que os
estimulem, tais como: Já a conheciam? Quem é o autor? Quem é o intérprete? Qual
a sensação que provoca no ouvinte?

No prosseguimento da segunda aula de 45 minutos, é sugerido que o


professor distribua a letra da canção para cada aluno, pois, após a audição e o
momento de compartilhar que eles já tiveram anteriormente, eles poderão
acompanhar a canção, mas já com a letra em mãos, podendo assim observá-la com
mais detalhe. Abre-se, a partir daí, um universo ainda mais interpretativo para cada
um, pois além de ouvir a canção, ao acompanhar a letra, o aluno conseguirá
perceber detalhes que antes não poderia. Após acompanhar a música com a letra, o
professor desligará o aparelho de som e pedirá aos alunos para que cantem
sozinhos, acompanhando com a letra, para criarem uma atmosfera de fruição
poética.
67

Atividade 3

Nesta aula, o professor vai começar a mostrar as aproximações entre poesia


e música, iniciando com duas perguntas que orientarão todo o trabalho:
1) Quem gosta de música?
2) Quem gosta de poesia?

Como acreditamos que a maioria dos alunos responderá que gosta da


primeira e não da segunda, o professor vai partir desse ponto para mostrar aos
alunos que as duas têm muito mais em comum do que eles imaginavam.
Nesta atividade, o professor deve apresentar a distinção entre poesia e
poema (forma por excelência da poesia enquanto linguagem), mostrando que tanto
a canção quanto o poema em debate podem conter poesia. Essa etapa é
fundamental para fazer o aluno entender que a poesia pode ser encontrada em
várias artes, e não somente no poema. Depois disso, é o momento de mostrar que,
no caso da música, as semelhanças com a poesia são ainda maiores por causa da
origem das duas artes e também devido à estrutura em verso e estrofe e à
sonoridade: rimas, aliterações, assonâncias, anáforas.

Atividade 4 – A linguagem poética (duas aulas)

Sem deixar de retomar os conceitos apresentados nas duas primeiras aulas


(lirismo e musicalidade), chegou a hora de os alunos começarem a refletir sobre a
linguagem poética. Nesta aula, mostraremos que, no nosso dia a dia, usamos uma
linguagem denotativa (com palavras sendo entendidas em seu sentido próprio) e
uma linguagem conotativa ou figurada. É importante enfatizar que na linguagem
poética se destaca a conotação por meio das figuras de linguagem. Como em aula
anterior, a sonoridade ganhou destaque. O professor pode trabalhar com algumas
figuras, especificamente aquelas muito presentes na linguagem poética, como a
metáfora, a antítese, a personificação e a hipérbole.

Nesta atividade, apontaremos as figuras de linguagem presentes na letra da


canção de forma discursiva e reflexiva para os alunos, construindo o conceito que se
68

trata de uma canção que possui linguagem poética em sua estrutura. Vale lembrar
que as figuras de linguagem não apresentam um significado resumido em si
mesmas, mas sim propósitos de apresentar uma reflexão.

Já no poema “O navio negreiro”, o poeta também apresenta uma linguagem


poética e estrutura composicional característica do Romantismo: as dores, as
agruras enfrentadas pelos negros durante a dura travessia da África para servirem
como escravos.

Na canção “Olhos coloridos”, encontramos diversas construções da


linguagem poética, que tornam a poesia uma linguagem tão complexa e diferenciada
de outros gêneros.

Por exemplo, no trecho da canção “Os meus olhos coloridos/ Me fazem


refletir”, não significa exatamente que “Os olhos” (órgãos) do eu lírico o farão refletir.
O que o poeta quis dizer é que aqueles olhos, ao enxergarem a situação difícil pela
qual ele estava atravessando, o deixavam tão triste a ponto de levá-lo a uma
reflexão pessoal, psíquica de o porquê aquela situação vexatória de prisão e
violência estava acontecendo com ele. E ao utilizar este recurso metafórico, o autor
cria no leitor uma sensação de empatia pela situação, estabelecendo uma situação
análoga. Ao personificar o órgão, dando outro sentido a ele, o leitor cria uma
atmosfera reflexiva durante a leitura.

Em outro momento da canção, o autor, ao afirmar “Eu estou sempre na


minha/ E não posso mais fugir”, causa um estranhamento durante a leitura no
sentido de o leitor se questionar: como que ele está sempre tranquilo, sem causar
problemas, mas ao mesmo tempo andava fugindo? Esta sensação antitética
evidencia o tom valorativo do compositor, pois as duas ideias: “ficar na minha” e
“não posso mais fugir” representam que o sujeito, por mais que se esforce para
passar despercebido em meio à multidão, sempre discreto, foi perseguido, tão
somente, por conta da cor da pele.
69

Atividade 5 – Poemas musicados


(Comparação entre as temáticas e releitura da música e do poema.)

Após ter falado sobre a alma (lirismo) e o corpo (estrutura) da poesia, nesta
aula o professor mostrará aos alunos que os poetas romperam com as estruturas
clássicas e fazem poemas sem rima, sem métrica, que se aproximam da prosa. Por
isso, são chamados por alguns de poema em prosa. A ideia é que o professor
apresente alguns casos na música e na poesia e levante a discussão junto aos
alunos: estamos diante de um poema?

Avaliação das oficinas (duas aulas). Esta última aula tem como objetivo
avaliar os alunos. Na atividade anterior, o professor deve pedir aos alunos que se
organizem em grupos (numa quantidade que favoreça o trabalho proposto) e que
escolham uma música que considerem como poema ou mesmo um poema para
levar para a sala de aula. O professor deve questionar os alunos sobre:
1. Quais as sensações que a música ou poema lhe trazem?
2. Você considera esses textos poéticos? Explique por quê.
3. A imagem abaixo ilustra com clareza o poema?
Figura 2

Fonte: “Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas (MUNDO EDUCAÇÃO, 2020).

4. Depois dessas aulas, qual a função que a música e a poesia poderão


exercer na sociedade?
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CONCLUSÃO

Esta dissertação, cuja temática referiu-se a uma proposta de releitura do


poema “O navio negreiro”, de Castro Alves, e da canção “Olhos coloridos”, de
Macau, teve como objetivo específico a busca por estratégias que propiciem a
fruição poética em sala de aula com alunos do 2º ano do Ensino Médio. Procuramos
construir uma sequência didática de atividades que contemplasse esta finalidade.
Tais objetivos buscaram alternativas para um problema recorrente nas aulas
de Literatura: nossos alunos do 2º ano do Ensino Médio apresentam desinteresse
nas aulas de Literatura, que contemplam a leitura e interpretação de poemas
pertencentes ao cânone da literatura brasileira.
Com o intuito de propormos uma alternativa para este problema, que
infelizmente faz parte do dia a dia da maioria dos professores de Língua Portuguesa
e Literatura no país, e atingirmos os objetivos aqui descritos, utilizamos a sequência
didática, com o respaldo teórico dos estudos de Bakhtin (BRAIT; CAMPOS, 2009) e
seu Círculo, Cândido (2000), Cereja (2005) e Cosson (2012).
É consenso que a modernidade trouxe consigo inúmeros desafios para as
aulas de leitura da poesia, especificamente para os adolescentes do Ensino Médio,
que estão cada vez mais desmobilizados para a leitura de textos poéticos.
Consequentemente, o professor é continuamente confrontado com esse contexto
extremamente desafiador em sala de aula. A partir desta problemática, ou seja, a de
que o aluno não sente prazer ao ler poemas, fica evidente a necessidade de
encontrarmos caminhos para a leitura e fruição desse gênero da esfera literária.
Portanto, diante da análise dos recursos linguísticos do poema “O navio
negreiro”, escolhemos o gênero musical para compor a sequência de atividades por
entendermos que se trata de uma linguagem que mais se aproxima dos nossos
alunos, exercendo assim um papel de suma importância no despertar da leitura do
poema “O navio negreiro”. Quanto à escolha da canção “Olhos coloridos”, ela
ocorreu sobretudo por apresentar o mesmo tema do poema, mas a partir de uma
abordagem diferente e também por ser composto em uma época distinta da
apresentada no poema, podendo, assim, contribuir com um novo olhar sobre a
mesma temática por tratar de contextos culturais e sociais distintos do poema
romântico.
71

A sequência didática apresentada neste trabalho está alinhada com as


concepções dialógicas da linguagem defendidas por Bakhtin (1997). Uma vez que,
para a compreensão de todo texto poético faz-se necessário a abertura de todos os
sentidos por parte do leitor, a proposta deste estudo é explorar vias sensoriais
distintas, e a partir dessa abertura buscar inserir os alunos do 2º ano do Ensino
Médio no universo da leitura do poema “O navio negreiro”, de Castro Alves,
propondo uma aproximação também entre a obra e a canção “Olhos coloridos”, de
Macau. Toda esta construção de atividades se mostra como alternativa para as
aulas de Língua Portuguesa e Literatura.
Por outro lado, esperamos que a proposta de exercícios compostos na
sequência didática, além de contribuir para a releitura do poema “O navio negreiro”,
possa subsidiar as práticas que possibilitem novas estratégias de ensino de
Literatura aos alunos do Ensino Médio.
Todo texto é a representatividade de uma voz, que direta ou indiretamente
também representará outras vozes. Essas manifestações serão o símbolo de
inúmeros grupos sociais retratados no texto evidenciado, e é por isso que o texto
literário não se findará em si mesmo: ele trará consigo inúmeras conexões e
projeções com outras vozes representadas em forma de texto.
Portanto, podemos perceber que Castro Alves e Macau estilizam violências
de suas épocas: o primeiro, por enxergar a questão como um todo, como crítica
social; e o segundo, por ter experienciado na própria pele a violência. Ambos
apresentam o sofrimento do negro em contextos temporais distintos. No poema “O
navio negreiro”, trata-se de um sofrimento genérico, de uma população específica; já
na canção “Olhos coloridos”, o músico aproxima o contexto de sofrimento para a sua
própria intimidade e percepção como negro.
Enfim, as duas letras realizam uma denúncia explícita, com todos os seus
horrores. Representam o Brasil do século XIX e o Brasil do final do século XX, o
Brasil metafórico da escravidão, da exclusão, da desigualdade. Fica evidente que
tanto o poema como a canção denunciam política e socialmente o processo no qual
a nação brasileira se encontrava e ainda se encontra em relação ao preconceito com
o negro. Estas composições interligam-se por meio da perspectiva literária, musical
e social. A partir deste elo, a proposta de uma releitura do poema romântico “O navio
negreiro” contribuirá para que possa haver fruição poética em sala de aula,
especificamente com os alunos do 2º ano do Ensino Médio.
72
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<https://www.infoescola.com/escritores/castro-alves>. Acesso em: 25 mar. 2020.

INSTITUTO CPFL. Disponivel em: <http://www.institutocpfl.org.br/2015/08/19/raca-e-


racismo-no-brasil-contemporaneo-com-carlos-medeiros-integra/>. Acesso em: 20
ago. 2020.

LETRAS. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/maria-bethania/1133102/>.


Acesso em: 23 jun. 2020.

MUNDO EDUCAÇÃO. “Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas, 2020.


Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/castro-alves.htm>.
Acesso em: 7 ago. 2020.

PAIXÃO, A.C. CLÁUDIA. Menino de 14 anos é morto em uma operação da


polícia no Rio. 19 mai. 2020. Disponível em:
<https://claudia.abril.com.br/noticias/menino-de-14-anos-e-morto-em-uma-operacao-
da-policial-militar-no-rio/>. Acesso em: 20 mai. 2020.

PARRON, T. Super Interessante - Mundo estranho. Como era um navio negreiro


da época da escravidão? Atualizado em 1 ago 2018, 15h31 - Publicado em 22 jun
2010, 16h00. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-
um-navio-negreiro-da-epoca-da-escravidao/>. Acesso em: 20 jul. 2020.

PORTAL VAGALUME. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/sandra-de-


sa/olhos-coloridos.html>. Acesso em: 20 ago. 2020.
78

Leia mais em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-um-navio-


negreiro-da-epoca-da-escravidao/
79

ANEXO 1 - “O NAVIO NEGREIRO” (CASTRO ALVES)


 
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço 
Brinca o luar — dourada borboleta; 
E as vagas após ele correm... cansam 
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento 
Os astros saltam como espumas de ouro... 
O mar em troca acende as ardentias, 
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos 
Ali se estreitam num abraço insano, 
Azuis, dourados, plácidos, sublimes... 
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas 
Ao quente arfar das virações marinhas, 
Veleiro brigue corre à flor dos mares, 
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai?  Das naus errantes 
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? 
Neste saara os corcéis o pó levantam,  
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora 
Sentir deste painel a majestade! 
Embaixo — o mar, em cima — o firmamento... 
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! 
Que música suave ao longe soa! 
Meu Deus! como é sublime um canto ardente 
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros, 
Tostados pelo sol dos quatro mundos! 
Crianças que a procela acalentara 
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba 
Esta selvagem, livre poesia 
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, 
E o vento, que nas cordas assobia... 
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro? 
Por que foges do pávido poeta? 
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira 
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz!  Albatroz! águia do oceano, 
Tu que dormes das nuvens entre as gazas, 
Sacode as penas, Leviathan do espaço, 
Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas. 
80

II
Que importa do nauta o berço, 
Donde é filho, qual seu lar? 
Ama a cadência do verso 
Que lhe ensina o velho mar! 
Cantai! que a morte é divina! 
Resvala o brigue à bolina 
Como golfinho veloz. 
Presa ao mastro da mezena 
Saudosa bandeira acena 
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas 
Requebradas de langor, 
Lembram as moças morenas, 
As andaluzas em flor! 
Da Itália o filho indolente 
Canta Veneza dormente, 
— Terra de amor e traição, 
Ou do golfo no regaço 
Relembra os versos de Tasso, 
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio, 
Que ao nascer no mar se achou, 
(Porque a Inglaterra é um navio, 
Que Deus na Mancha ancorou), 
Rijo entoa pátrias glórias, 
Lembrando, orgulhoso, histórias 
De Nelson e de Aboukir.. . 
O Francês — predestinado — 
Canta os louros do passado 
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos, 
Que a vaga jônia criou, 
Belos piratas morenos 
Do mar que Ulisses cortou, 
Homens que Fídias talhara, 
Vão cantando em noite clara 
Versos que Homero gemeu ... 
Nautas de todas as plagas, 
Vós sabeis achar nas vagas 
As melodias do céu! ... 
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! 
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano 
Como o teu mergulhar no brigue voador! 
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! 
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... 
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! 
81

IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho  
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite...  
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas  
Magras crianças, cujas bocas pretas  
Rega o sangue das mães:  
Outras moças, mas nuas e espantadas,  
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente  
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala,  
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,  
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece,  
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra, 
E após fitando o céu que se desdobra, 
Tão puro sobre o mar, 
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: 
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! 
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . 
E da ronda fantástica a serpente 
          Faz doudas espirais... 
Qual um sonho dantesco as sombras voam!... 
Gritos, ais, maldições, preces ressoam! 
    E ri-se Satanás!...  
V
Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?! 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
De teu manto este borrão?... 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados 
Que não encontram em vós 
82

Mais que o rir calmo da turba 


Que excita a fúria do algoz? 
Quem são?   Se a estrela se cala, 
Se a vaga à pressa resvala 
Como um cúmplice fugaz, 
Perante a noite confusa... 
Dize-o tu, severa Musa, 
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto, 
Onde a terra esposa a luz. 
Onde vive em campo aberto 
A tribo dos homens nus... 
São os guerreiros ousados 
Que com os tigres mosqueados 
Combatem na solidão. 
Ontem simples, fortes, bravos. 
Hoje míseros escravos, 
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas, 
Como Agar o foi também. 
Que sedentas, alquebradas, 
De longe... bem longe vêm... 
Trazendo com tíbios passos, 
Filhos e algemas nos braços, 
N'alma — lágrimas e fel... 
Como Agar sofrendo tanto, 
Que nem o leite de pranto 
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas, 
Das palmeiras no país, 
Nasceram crianças lindas, 
Viveram moças gentis... 
Passa um dia a caravana, 
Quando a virgem na cabana 
Cisma da noite nos véus ... 
... Adeus, ó choça do monte, 
... Adeus, palmeiras da fonte!... 
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso... 
Depois, o oceano de pó. 
Depois no horizonte imenso 
Desertos... desertos só... 
E a fome, o cansaço, a sede... 
Ai! quanto infeliz que cede, 
E cai p'ra não mais s'erguer!... 
Vaga um lugar na cadeia, 
Mas o chacal sobre a areia 
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa, 
A guerra, a caça ao leão, 
83

O sono dormido à toa 


Sob as tendas d'amplidão! 
Hoje... o porão negro, fundo, 
Infecto, apertado, imundo, 
Tendo a peste por jaguar... 
E o sono sempre cortado 
Pelo arranco de um finado, 
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade, 
A vontade por poder... 
Hoje... cúm'lo de maldade, 
Nem são livres p'ra morrer. . 
Prende-os a mesma corrente 
— Férrea, lúgubre serpente — 
Nas roscas da escravidão. 
E assim zombando da morte, 
Dança a lúgubre coorte 
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus, 
Se eu deliro... ou se é verdade 
Tanto horror perante os céus?!... 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
Do teu manto este borrão? 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão! ... 

VI
Existe um povo que a bandeira empresta 
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... 
E deixa-a transformar-se nessa festa 
Em manto impuro de bacante fria!... 
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, 
Que impudente na gávea tripudia? 
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto 
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra, 
Que a brisa do Brasil beija e balança, 
Estandarte que a luz do sol encerra 
E as promessas divinas da esperança... 
Tu que, da liberdade após a guerra, 
Foste hasteado dos heróis na lança 
Antes te houvessem roto na batalha, 
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga! 
Extingue nesta hora o brigue imundo 
O trilho que Colombo abriu nas vagas, 
Como um íris no pélago profundo! 
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga 
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! 
84

Andrada! arranca esse pendão dos ares! 


Colombo! fecha a porta dos teus mares!
85

ANEXO 2 - CENAS DO “O NAVIO NEGREIRO”


Figura 3

Fonte: Parron (2010).

Calcula-se que, de 1525 a 1866 12,5 milhões de indivíduos (estima-se que


26% eram ainda crianças) foram transportados como mercadoria para os portos
americanos.
86

ANEXO 3 - “DANÇA TRISTE”

Figura 4

Fonte: Parron (2010).


87

ANEXO 4 - "NAVIO NEGREIRO", DE RUGENDAS, EM 1830

Figura 5

Fonte: “Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas (MUNDO EDUCAÇÃO, 2020).
88

ANEXO 5 - OLHOS COLORIDOS (MACAU)

Os meus olhos coloridos


Me fazem refletir
Eu estou sempre na minha
E não posso mais fugir
Meu cabelo enrolado
Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar
Você ri da minha roupa
Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso
A verdade é que você
Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará crioulo
Sarará crioulo (sarará crioulo)
Sarará crioulo (sarará crioulo)
Sarará crioulo (sarará crioulo)
Sarará crioulo (sarará crioulo)
Os meus olhos coloridos
Me fazem refletir
Que eu estou sempre na minha
Ah e não posso mais fugir
Meu cabelo enrolado
Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar
Você ri da minha roupa (ri da minha roupa)
Você ri do meu cabelo (ri do meu cabelo)
Você ri da…

Fonte:https://www.letras.mus.br/sandra-de-sa/74666/ (acesso em 10 de Abril de


2020)
89

ANEXO 6 - O NAVIO NEGREIRO/UM ÍNDIO (CAETANO VELOSO)

Era um sonho dantesco... o tombadilho,


Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, levantando às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, assustadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
chora e dança, ali.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
de tuas vagas
90

De teu manto este borrão?


Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
...Mas é infâmia demais...
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!
......
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas
das tecnologias
Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som
magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito
Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio.
Virá
91

ANEXO 7 - PROPOSTA DE ATIVIDADES PARA OS ALUNOS

ATIVIDADE 1

Após a audição da canção “Olhos Coloridos” de Macau, responda as


seguintes questões:

a) Você já ouviu esta canção “Olhos coloridos”? Quando?


___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
b) Conhece o autor da canção?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
c) Quem é o intérprete?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
d) Qual a sensação que esta canção provoca quando a ouve?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
e) Após ouvi-la novamente você pode perceber algum detalhe diferente na
letra que a princípio não havia compreendido?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

f) Quais sentimentos a canção provoca?


___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
92

ATIVIDADE 2

Após a apresentação das características do Romantismo, responda as


questões a seguir:

a) Tradicionalmente no século XXI o termo “romântico” tem a mesma função


apresentado neste poema? Qual a diferença entre o romantismo
defendido no século XIX e o do século XXI, segundo as leituras que você
já realizou? Realize uma comparação entre as duas correntes.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
b) Que características do romantismo podemos perceber neste poema em
um primeiro momento? E na canção “Olhos coloridos”?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
c) Quem foi Castro Alves na literatura brasileira?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
93

ATIVIDADE 3

Após a audição da canção e da poesia realizada em sala, responda as


seguintes questões?

a) Você gosta de ouvir músicas? Quais tipos de música? Justifique sua


resposta.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

b) Você gosta de poesia? Quais tipos? Justifique sua resposta.


___________________________________________________________
___________________________________________________________

c) Quais as diferenças e semelhanças entre a letra de uma música e a letra


de um poema?
___________________________________________________________
___________________________________________________________

d) Podemos concluir que ambas as letras apresentam o mesmo assunto?


Justifique com elementos das letras.
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
94

ATIVIDADE 4

Após a audição do poema “O navio negreiro” musicado e da canção “Olhos


coloridos”:

a) Há algum trecho ou trechos que representam um exagero de uma ideia a


partir do desespero dos autores em passar um posicionamento para seus
leitores? Reescreve os trechos e reflita sobre o propósito que eles a usam.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

b) Toda construção poética apresenta a utilização de campos semânticos de


significados distintos para a composição de uma linguagem diferenciada, o
que chamamos de linguagem conotativa. No poema e na canção estes fatos
ocorrem? Apresente e reflita a partir dos propósitos destas construções de
novos sentidos na linguagem poética.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
95

ATIVIDADE 5

Após as leituras, audições realizadas em sala, responda as seguintes


questões:

a) Quais as sensações que a música e poema lhe proporcionaram?


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

b) Após as reflexões realizadas durante a leitura e as aulas, você considera


essa música um texto poético? Justifique sua resposta.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

c) Após esta aula, suas impressões sobre a leitura de um poema mudaram?


Justifique sua resposta.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

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