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Belo Horizonte
2019
1
Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 869.0(81)-1
Ficha catalográfica elaborada por Renata Diniz Guimarães de Oliveira - CRB 6/2646
2
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Raquel Beatriz Junqueira Guimarães (Orientadora) – PUC Minas
_______________________________________________________________
Ivete Lara Camargos Walty – PUC Minas
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Vera Lopes da Silva – PUC Minas
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Roniere Silva Menezes – CEFET
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Humberto Amorim Neto – UFRJ
AGRADECIMENTOS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
RESUMO
ABSTRACT
In order to study the guitar in our culture and broaden the dialogues between
music and literature, we investigate how, in Brazilian poetry, language builds a
symbolic discourse about the guitar, and we seek to understand the participation
or influence of the instrument in the poetic construction. For this, we use as a
methodological approach, a comparative and interdisciplinary perspective
involving historical musicology and interpretation of literary works. In addition to
the study of bibliographic sources related to the subject, the literary scope of this
research included the localization, selection and analysis of poetic texts involving
the guitar, and/or related instruments, such as the "viola", the "guitar" and the
lute. The study of the works revealed to us three important thematic axes that
may overlap, being: the first, related to the idealized love and the seresta scene;
the second, addressing bohemia, seduction and sloth; and the third, concerning
the mirrors between the guitar and the Brazilian culture. In archetypal terms, the
instrument aroused associations with forbidden, ideal and romantic youthful love,
as well as libido and voluptuousness, acting both as a vehicle of seduction and
as a means of expressing rapt feelings and fervent longings. In the musical field,
in addition to references to various genres and elements of the music sphere, we
note the use of sound effects and the musicality of words reinforcing the
semantics of the verses. We also noticed the direct allusion to the structural
constitution of the instrument, its touches and the emulation of its sound
production through the figures of language. In a broad way, it was found that,
besides the literary figures to which the guitar gives voice, the poems present the
subversive character of the instrument; the ability to accommodate feelings and
expressions; the ability to condense ambiguities; and nostalgia, but also the
prevalence of the guitar. This comprehensive approach involving authors from
various parts of the country, and from different times, especially from the
nineteenth and twentieth centuries, allowed us to infer that, by representing and
evoking images, sounds and symbolic elements related to seresta, the guitar
exposes and reinforces a certain cultural memory, replicated through the poems
and updated by the reader through the identifications it raises. Thus, through this
work, it was possible to perceive not only the presence of the guitar in the textual
construction, but also to verify the hypothesis that, despite the resignifications
11
suffered by the guitar, the poetic text perpetuates an image linked to its function
of accompanying popular genres, especially the song. Due to the absence of
references to solo practice and the constant descriptions in the musical
accompaniment, these aspects show us both the mismatch between the scope
of these two activities and the strength of the instrument in Brazilian popular
culture. Although the guitar has developed and legitimized a soloist repertoire, as
well as conquering other venues (such as concert halls), we note the
crystallization, although tense, of certain stereotypes, archetypes and symbolic
associations already deeply rooted in its trajectory.
SUMÁRIO
1
Tradução nossa. Trecho do poema de Agustin Barrios, “Profesion de Fé”: “Tupá, el Espíritu
Supremo y protector de mi raza,/ encontróme un día en medio del bosque florecido./ Y me dijo:
"Toma esta caja misteriosa y descubre sus secretos" (BARRIOS, 2016).
14
(GARCIA, 2011) – que a modinha está tão fortemente ligada à cultura brasileira
que ela se perpetua, em termos musicais e simbólicos, também na canção de
câmara, tanto a escrita originalmente para violão, quanto nas obras nacionalistas
acompanhadas pelo piano. Esse é um aspecto significativo, pois constatamos
através da análise de repertório, que o violão se faz presente de forma virtual
nas canções para canto e piano, conferindo-lhes características e sonoridades
nacionais. Observamos também que esse recurso utilizado pelos nossos
compositores modernistas permitiu que o violão, citado ou evocado pelo piano,
se fizesse presente no ambiente erudito no momento em que sua entrada ainda
não era permitida.
Ao longo do estudo foi possível verificar as escolhas sonoras e musicais
que os compositores nacionalistas, como Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone,
Oscar Lorenzo Fernandes e César Guerra-Peixe, utilizaram para interpretar e
dar voz aos poemas de diversos autores da época, como Manuel Bandeira,
Guilherme de Almeida e Osório Dutra.
Ainda no âmbito musical, tematizando o repertório de canção de câmara
brasileira, além da dissertação de mestrado O violonismo e a canção de
câmara brasileira de Lourival Lourenço Jr. (2019), destacam-se os esforços do
grupo de pesquisa “Resgate da Canção Brasileira”, da Escola de Música da
UFMG, e os trabalhos realizados, principalmente, no campo da semiótica. Nesse
sentido, temos a tese Imagens de brasilidade nas canções de câmara de
Lorenzo Fernandez: uma abordagem semiológica das articulações entre
música e poesia, escrita por Mônica Pedrosa de Pádua (2009), dedicada aos
processos de produção de imagens e à construção de sentido nos textos
musicais e poéticos em relação às teorias tradutórias e da semiologia. Luciana
M. de Castro Silva Dutra (2009) em seu trabalho, Traduções da lírica de
Manuel Bandeira na canção de câmara de Helza Camêu, aponta também para
a característica hipertextual e intersemiótica da canção.
Assim como nos textos das canções, diversos títulos literários retratam o
violão e seu uso. Essas obras nos fornecem descrições importantes sobre o
cotidiano, a sociedade, o pensamento de cada época, como a obra de Lima
Barreto (1881-1922), O triste fim de Policarpo Quaresma, datada de 1915, em
que, ao falar de uma aula de violão, observa:
15
texto poético perpetua uma imagem ligada à sua função de acompanhador dos
gêneros populares.
Para desenvolvermos este estudo, utilizamos uma abordagem
metodológica interdisciplinar reunindo musicologia histórica e interpretação de
obras literárias, numa perspectiva própria dos estudos da literatura comparada.
Inicialmente, a pesquisa envolveu a localização – através de buscas feitas
na internet, em livros publicados, poesias reunidas, conjuntos de fortuna crítica,
estudos acadêmicos (artigos, teses e dissertações) – de poemas que se referiam
diretamente ao violão e/ou instrumentos a ele associados, como a “viola”, a
“guitarra” e o “alaúde”. Esse desdobramento que se aproxima de uma
ramificação ou mesmo da observação refratária do violão e de alguns
instrumentos de cordas dedilhadas a ele relacionados, tornou-se necessário
devido a imprecisões terminológicas e liberdades textuais. Como esses
instrumentos geram equivalências em suas funções e simbologias, por
transitarem e se metamorfosearem de acordo com o contexto em que estão
inseridos, buscou-se, nas análises realizadas, não estabelecer delimitações nem
exigir especificidades musicológicas nos textos analisados, mas, sim, respeitar
as escolhas poéticas ou necessidades suscitadas pela própria construção
literária.
Em seguida, procedemos à análise interpretativa, à seleção dos poemas,
à organização e ao agrupamento do material. Os poemas foram selecionados,
observando-se a presença dos autores no contexto canônico literário, a
divulgação das obras e, principalmente, a participação e a descrição de
elementos relacionados ao violão. Por fim, além da identificação de eixos
temáticos surgidas nas análises, estabelecemos o diálogo tanto com a história
do violão e os aspectos sonoros e musicais suscitados quanto com os contextos
culturais e sociais envolvidos. É fundamental esclarecer que os resultados foram
obtidos a partir do estudo das fontes literárias e musicais, bem como das
características textuais e padrões estéticos que se aproximam, sem, no entanto,
se estabelecerem hierarquias ou limites rígidos entre os eixos, pois esses eixos,
por vezes, se perpassam e se unificam. Como o escopo deste trabalho é amplo
e diversificado, não se pretendeu formular generalizações e, sim, com base em
uma amostragem, discutir as tensões, possibilidade e encontros entre literatura
e música, tendo o violão como fio condutor.
17
Maria Luiza Ramos (1969), por sua vez, em “No terreno da expressão
linguística”, explica que a imagem é caracterizada por sua “função substitutiva”:
Adorado por poetas e combatido por sua relação com vida boêmia, o
violão ocupa um lugar sem igual na cultura brasileira, equilibrando-se entre o
amor sonhado e os preconceitos que o acompanham, como nos relata Catulo da
Paixão Cearense:
[...] nós que preferimos uma modinha, uma canção rústica, um lundu
requebrado a um qualquer trecho de Wagner, [...] não nos importemos
com o pedantismo [...] dos que menoscabam do violão, por ser ele
dizem, o instrumento dos desocupados e perdidos. Quando
encontrardes um desses tipos n'uma sala em que haja alguém que vos
deseje ouvir, recitai com ênfase e entusiasmo a poesia, que dediquei
ao violão, e, depois, cantai a modinha que se segue a essa poesia,
mas, é a única cousa que vos peço, com todo o sentimento. Quando
proferirdes os nomes de Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães,
Laurindo, Varella, Castro Alves e Tobias Barreto, principalmente, fitai
com veemência os minguados paspalhões, e deixai-os eclipsados na
imensidade de suas insignificantes pessoas. Esses gênios superiores
eram sinceros adoradores do violão. (CEARENSE, 1908, p. 10).
Por seu caráter afetivo, as modinhas eram cantadas nas janelas das
mulheres amadas, durante as noites de lua, por esse pequeno grupo de
instrumentistas, que geralmente desconheciam a leitura musical, mas
improvisavam e compunham durante suas andanças boêmias pelas ruas da
cidade. Tinhorão explica que:
1ª Sombra
Marieta
[...] naquele tempo havia outra coisa muito interessante em São Paulo:
os rapazes reuniam-se à noite e faziam serenatas. Eu tocava um pouco
de violão e flauta e íamos nas esquinas tocando às pretendidas
namoradas, escondidas namoradas, ou sonhadas namoradas. Assim
começaram essas valsas, e a impressão foi tão forte que ainda
perdurou no meu espírito até mais tarde, quando escrevi as famosas
31
Serenata
4“Várias lendas referentes a flores surgem ligadas à história de Adônis; não apenas a origem
mítica da mirra (as lágrimas de Mirra), mas também a da rosa: inicialmente a rosa era branca,
mas, quando Afrodite corria em socorro do seu amigo ferido, espetou-se-lhe no pé e a cor do
sangue tingiu as flores que lhe são consagradas.” (GRIMAL, 1992, p. 7).
36
Serenata
Cantiga
Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.
E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
II
A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.
Nesse “era uma vez”, o sujeito lírico insiste que sua amada desperte, para
que ambos, se desfazendo do “véu” – termo significativo por sua característica
contraditória, pois, ao mesmo tempo em que esconde, protege, e transparece
(“aquilo que se revela velando-se, aquilo que se vela revelando-se”)
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2017, p. 951), também prepara uma espécie de
morte e luto. Com isso, esse processo marcaria a passagem da infância para as
primeiras experiências da adolescência:
Figura 3 – Alaúde
Apesar de não haver comprovações, supõe-se que sua origem seja árabe,
assim como a etimologia de seu nome al'ud, "a madeira". Além de se destacar
no acompanhamento de canções, o instrumento desempenhou um importante
papel como solista, principalmente no período renascentista e barroco, caindo
em desuso por volta do século XIX, mas chegando até os dias de hoje através
de sua prática nos trabalhos de música antiga e das transcrições de seu
repertório para o violão.
Enquanto a guitarra se populariza entre as camadas mais pobres, o
alaúde se torna o confidente de desejos e nostalgias dos ambientes palacianos,
caráter reforçado e exposto em “Boêmios” de Álvares de Azevedo, quando Nini
dá início ao poema e pede ao interlocutor (Puff) – e também ao leitor – “Escuta
um pouco”:
ESTRIBILHO
Feliz te quero!
Mas se um dia
Toda essa alegria
Se mudasse em dor,
Ouvirias do passado
A voz do meu carinho
Repetir baixinho
A meiga e triste confissão.
(VILLA-LOBOS, Heitor, 1926).
O trovador
geralmente nas cores verde, vermelho e azul; em seu rosto, chapéu e meia-
máscara preta; e um sabre de madeira à cintura. Sobre essa característica
multicolorida de sua veste, Vieira (2012, p. 82) explica que, “no início, usava uma
roupa branca, mas de tanto ser remendada com cores diferentes e numerosas,
acabou desaparecendo debaixo dos remendos”.
No contexto poético, esses reparos e retalhos suscitam, em nossa leitura,
a metáfora e a síntese da formação e da construção de uma identidade nacional
brasileira, nos moldes marioandradinas, com seu mosaico sincrético, diverso e
ambíguo:
de amigo (nas quais a voz poética feminina confidencia seus sentimentos pela
falta da figura masculina ou se alegra pelo encontro). Revela, ainda, de maneira
crítica, irônica e satírica, os costumes da época, nas cantigas de escárnio e
maldizer.
O canto remonta à antiguidade e carrega em si características primordiais.
Canta-se para quem nasce e para quem morre, para invocar ou pedir licença aos
deuses, para a dança e para o lamento. Existem cantos de cura, de trabalho, de
luta. As mitológicas musas gregas cantavam em coro as glórias atemporais dos
Olimpos. Há também a força do canto da sereia que seduz e leva aos naufrágios
as embarcações, silenciado por Orfeu para salvar os tripulantes. Há o cante
hondo9 e profundo dos povos.
Esse caráter originário é ainda reforçado por Chevalier e Gheerbrant, para
quem:
9 “De cualquier manera, el flamenco, o su padre, el cante jondo, brotan de ese sentimiento de
angustia de los pueblos marginados que veían en sus cantes una forma de liberar todo lo jondo
(hondo, profundo), una forma de externar su dolor interior. Por ello, el flamenco de hoy no
tieneun origen puro, porque es la mezcla de los perseguidos; árabes, gitanos y sefardíes y
tantos otros, incluso de los cristianos que les dieron abrigo”. (RETAMAR, 2009, p. 50).
55
O pastor moribundo
Cantiga de viola
A existência dolorida
Cansa em meu peito: eu bem sei
Que morrerei...
Contudo da minha vida
Podia alentar-se a flor
No teu amor!
não só como um objeto precioso e singular – o único bem que esse pastor, no
momento de sua “morte”, pede que fique com sua musa – como também um
instrumento de lembrança, onde estão gravados (e poderão ser acessados) os
registros de sua voz, sua musicalidade, e a expressão de todos os sentimentos
vividos e cantados. Sabe-se, nesse instante, o motivo de sua vida e de sua
morte: a amada.
Apesar de a morte ser, possivelmente, o único consolo para o irrealizável
e o alívio para os desejos não concretizados – principalmente no contexto do
Romantismo literário brasileiro –,10 a finitude se desdobra em transmutação. Ao
mesmo tempo em que este eu lírico devotado passa por um processo de morte
simbólica, ele é também um pastor (figura que vai além de uma vida simples
ligada à natureza e adquire significações relacionadas ao “constante exercício
de vigilância”) (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2017, p. 691). Nômade, intuitivo e
sábio, o pastor não permanece no sono mortal, “ele está desperto e vê”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2017, p. 692). Já a mulher amada é, na última
estrofe, comparada à figura angelical do Serafim. Significando “beleza extrema”,
o termo se bifurca tanto em purificação quanto ardor, pois Serafim é “nome dos
seres celestes, que significa o abrasador (Saraf)” ou “os que inflamam”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2017, p. 813). Essa dualidade da musa – que
pode ser tanto a figura do anjo quanto o fogo que incendeia – também gera
tensão, e certa aproximação, com a figura do pastor-trovador, estabelecendo
tênues limites entre a inspiração e a perdição, a pureza e a loucura.
Nesse poema que canta/versa sobre a morte, o sofrimento e a nostalgia,
a viola serve de mote e instrumento de memória e perpetuação. Já o trovador
palaciano com seu alaúde se aclimata a espaço, sons e figuras do interior do
Brasil, em um processo que será desvelado com mais calma e detalhe no
decorrer deste texto. Para isso, seguimos agora, com a “Canção do Violeiro”, de
Castro Alves:
Canção do Violeiro
Por outro lado, é preciso observar que o gênero canção inclui também
outros tipos de configurações, por vezes, somente instrumentais, como as 48
Canções sem Palavras, do compositor alemão Felix Mendelssohn, para piano
solo; e outras textuais, como os poemas deste tópico que, apesar de não
possuírem sua criação atrelada ao campo da música, apresentam traços,
inspirações e influências musicais.
Retornando à “Canção do Violeiro”, pode-se notar, em sua forma, uma
estrutura de quatro estrofes, em sextilhas, intercaladas por dísticos que
funcionam, assim como na música popular, como o estribilho desta “canção”. Já
na primeira estrofe, temos a marca do que é passageiro e não se pode conter ou
limitar – o tropeiro, a canção, e o vento –, condição errante tão associada à figura
do tocador de viola (assim como ao trovador e também ao violonista seresteiro).
É a partir da pergunta que encerra essa estrofe que, em seguida, o poema se
desenvolve, revelando a solidão e o vazio – uma vez que “Meu coração 'stá
deserto,/ 'Stá deserto o mundo inteiro” – e a projeção do estado interior do eu
lírico na natureza (“o cauã canta bem triste,/Mais triste é meu coração”), como é
característico da escrita desse período.
Sendo vã a espera pela volta da mulher amada, o eu lírico decide partir
em sua busca, renunciando, com isso, a sua própria vida, sua pátria (“Não quero
mais esta terra”), sua liberdade e assumindo, como o trovador, sua condição
servil (“Ai! triste que eu sou escravo!”). Ao longo do poema, as perguntas
desenham um percurso que vai da procura à renúncia e desafiam o interlocutor,
em um jogo de deslocamento e questionamentos do sujeito poético a seu
interlocutor, como em “Quem viu a minha senhora/ Dona do meu coração?”, e,
em seguida, “Colhereira, que além voas,/Onde está meu coração?” e, por fim,
“Que vale ter coração?”.
Além do tropeiro, do ambiente rural das “bandas da serra” – que nos
desloca do trovador palaciano para o interior brasileiro –, a estrofe-estribilho
“Chora, chora na viola,/Violeiro do sertão” revela o instrumento como uma
extensão do violeiro, sua personificação, seu espelho, e também seu
59
Donzela! Se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração:
E se ouviras o desejo
Do amoroso sertanejo
Que descora de paixão!...
Se tu viesses comigo
Das serras ao desabrigo
Aprender o que é amar...
– Ouvi-lo no frio vento,
Das aves no sentimento,
Nas águas e no luar!...
(AZEVEDO, 2009, p. 26).
Por esses versos, podemos perceber também que a viola não só sintetiza
o binômio amor e dor, como realiza a função de expressar e consolar o trovador-
sertanejo, em um processo de identificação, simbiose e cumplicidade. Essa
capacidade de traduzir e exprimir os sentimentos de lamentação também está
relacionada ao violão – afinal viola e violão se unificam em simbologia e função
–, como na canção Dentro da noite, de Oscar Lorenzo Fernandez, que, apesar
de escrita para canto e piano, apresenta um acompanhamento instrumental
próximo à linguagem violonística, ambientando o poema de Osório Dutra (1889-
1968), no qual o violão canta, geme e chora:
O trabuco prateado
E o ferro de seu punhal!...
Manuela
Cantiga do riacho
Companheiros! já na serra
Erra.
A tropa inteira a pastar...
Tropeiros!... junto à candeia
Eia!
Soltemos nosso trovar...
Vejo-lhe o pé resvalando
Brando
No fandango a delirar.
Inda ao som das castanholas
Rolas
Diante do meu olhar...
(CASTRO ALVES, 2017).
Manuela, Manuela
Bela
Como tu ninguém luziu...
Minha travessa morena,
Pena
Pena tem de quem te viu!...
12 Sandroni (2001) explica que “trata-se de uma dança originária da Espanha, que teria
chegado ao Brasil no final do século XVIII. Melo, em A música no Brasil, diz que ela
representa o componente hispânico entre os “três tipos populares de arte musical brasileira” –
os outros dois seriam o lundu, africano, e a modinha portuguesa.” (SANDRONI, 2001, p. 29).
65
Mas tu és um passarinho
- Ninho
Fizeste no peito meu ...
Eu sou a boca - és o canto
Tanto
Que sem ti não canto eu.
13A Organologia pode ser definida como “o estudo dos instrumentos de música que envolve
distintos ramos: a classificação, a terminologia, a história, as funções sociais, a construção de
instrumentos, a acústica e a performance.” (BALLESTÉ, 2009, p. 67).
68
Moda do corajoso
2.4 “De que modo vou abrir a janela, se não for doida?/ Como a fecharei,
se não for santa?”14
Ao longo deste primeiro eixo temático, foi possível observar como o violão
e os instrumentos a ele relacionados participam da construção poética da
expressão amorosa – marcada pelos anseios, conflitos e arquétipos do amor
impossível –, ao mesmo tempo em que dialoga com a própria imagem e história
do instrumento. No percurso que traçamos, partimos da cena e da prática
seresteira, apresentando também sua ligação com o trovadorismo; abordamos,
em seguida, tanto a relação de confidência entre o trovador e seu instrumento,
quanto sua expressão revelada pelos poemas associados à canção; para,
finalmente, chegarmos à perspectiva da musa, assunto do qual nos dedicaremos
nesta subseção.
Tantas vezes vista como resguardada e inatingível, a mulher que inspira,
também anseia. Assim, apesar de, na maior parte dos poemas amorosos, a
figura feminina revelar traços de pureza e recato, é fundamental reconhecer que
ela também se desdobra em um espectro maior de sutilezas, em uma paleta de
sentimentos, posições e desejos, encontrando caminhos – nem sempre amenos
– para manifestá-los. Vamos agora abrir a janela e revelar o que ela guarda.
No poema “Na várzea”, Álvares de Azevedo nos apresenta, em meio à
natureza que compõe o cenário, de um lado, o sujeito lírico suspirando ao violão
seus lamentos de amor e, de outro, a donzela resguardada, à qual devota seus
desejos e tormentos. A evidente – e imprecisa – distância geográfica que marca
a impossibilidade desse encontro amoroso é evidenciada pelo uso do advérbio
“lá” – que representa tanto um lugar distante do alcançável, quanto a distância
entre o ponto de fala do eu lírico em relação à localização da amada – e também
pela descrição da morada que a abriga. Apesar de clara e venturosa “à sombra”,
a casa é protegida e cerceada “pelo muro” e pela rosa (símbolo recorrente nesse
contexto, tanto pelo amor que representa, quanto pelas defesas e impedimentos
de seus espinhos):
Acrescenta, em seguida:
16“Sati feminino, de sat, ou “verdade” na lingual hindi, também chamado suttee, é uma prática
funeral comum na sociedade indiana pré-colonial e colonial. A prática consiste em que a viúva
seja lançada à pira crematória voluntariamente (a maioria das vezes por força e/ou coação)
para que esta possa servir ao esposo no além-túmulo” (PARADISO, 2013, p. 224).
85
Para a poetisa:
18 Grifo nosso.
91
Se, por um lado, Adélia Prado nos mostra a autoria e a voz feminina –
plena em sua força e potência –, por outro, sua obra nos aproxima também da
dama, não a imaginada, mas a tangível:
Para Gilberto Freyre (2013), o tipo teria sua origem nos “imigrantes
portugueses e italianos”, que de
Estás enamorado?
E deitado na pedra acaso esperas
O abrir de uma janela? Estás cioso
E co’a botelha em vez de durindana
Aguardas o rival?
(AZEVEDO, 2009, p. 136).
20 Grifo nosso.
97
Ceei à farta
Na taverna do Sapo e das Três-Cobras...
Faço o quilo... ao repouso me abandono.
Como o Papa Alexandre ou como um Turco,
Me entrego ao far niente e bem a gosto
Descanso na calçada imaginando.
(AZEVEDO, 2009, p. 136).
A ideia é boa:
Toma dez bebedeiras — são dez cantos.
Quanto a mim tenho fé que a poesia
Dorme dentro do vinho. Os bons poetas
Para ser imortais beberam muito.
(AZEVEDO, 2009, p. 137).
Puff
Dá-me aqui tua mão. Sabes, amigo?
Passei ontem o dia de namoro;
Minhas paixões voltei à nova esposa
Do velho Conde que ali mora em frente.
Estou adiantado nos amores.
A cozinheira, outrora minha amante,
Meus passos guia, meus suspiros leva.
Mas preciso com pressa de um soneto.
Prometes-me fazê-lo?
(AZEVEDO, 2009, p. 140).
Níni
Ouve agora o poema...
Puff
Espera um pouco.
A taverna do canto não se fecha.
Está aberta. Compra uma garrafa...
Bom vinho... tu bem sabes! Tenho a goela
Fidalga como um rei. Não tenho dúvida:
Mentiu a minha mãe quando contou-me
Que nasci de um prosaico matrimônio
Eu filho de escrivão!... Para criar-me
Era — senão um Rei — preciso um Bispo!
Níni
(Vai à taverna e volta).
Eis aqui uma bela empada fria,
Uma garrafa e copo.
Puff
(Quebrando o copo).
O Demo o leve!
Eu sou como Diógenes. Só quero
Aquilo sem o que viver não posso.
Deitado nesta laje, preguiçoso,
Olhando a lua, beijo esta garrafa,
E o mundo para mim é como um sonho.
Creio até que teu ventre desmedido
Como escura caverna vai abrir-se,
Mostrando-me no seio iluminado
Panoramas de harém, Sultanas lindas
E longas prateleiras de bom vinho!
(AZEVEDO, 2009, p. 147).
21Refere-se aqui ao versículo do livro das “Lamentações”: “Ó vós todos, que passais pelo
caminho: olhai e julgai se existe dor igual à dor que me atormenta, a mim que o Senhor feriu no
dia de sua ardente cólera” (LAMENTAÇÕES 1:12).
101
Se, por um lado, o sujeito denota sua condição de pobreza, por outro, ele
apresenta seus tesouros (“Que minas!”): “duas garrafas” de xerez e o violão. É
importante observar que esses dois elementos funcionam de maneira
complementar, figurando juntos em termos de preciosidades, ao mesmo tempo
em que apresentam características, a princípio, opostas, pois, enquanto o vinho,
tipicamente espanhol, é “fogoso”, o violão guarda saudades e “inspirações
divinas”. Nessa espécie de união entre o profano e o sagrado, o instintivo e o
sublime, a bebida e o instrumento tornam-se confidentes e companheiros
indissociáveis da figura do boêmio, participando de maneira determinante em
sua constituição estereotipada.
Além dessa simbiose, o violão no contexto poético revela-se como um
sujeito ou uma entidade viva que se mantém no presente, pelo uso do tempo
verbal escolhido (“guarda no seio”), mas também carrega consigo uma conexão
com o passado (“o violão saudoso”). Ele tanto sabe de tempos imemoriais,
quanto conserva e protege em seu bojo o elã sublime e intangível das
“inspirações divinas”.
Além de integrar as riquezas do boêmio, o violão pertence a esse sujeito
lírico que é também um jovem estudante, conforme podemos inferir não só pelas
atitudes relacionadas ao ambiente escolar (o cigarro que “filei na escola”, “pego
o compêndio”, e “meu coração é triste/ como um calouro quando leva ponto”),
como já sugerido pelo próprio subtítulo do poema “Comédia de costumes
acadêmicos”. Observa-se que, historicamente, o violão circulou e se popularizou
nas mãos de estudantes, principalmente a partir da implementação da Academia
de Direito de São Paulo, em 1827, mesmo local onde Castro Alves viria a dar
continuidade a seus estudos, em 1868. Sobre a importância da criação dessas
instituições para o desenvolvimento urbano, cultural, e para a própria história do
instrumento, Bartoloni (2015) explica que:
Essa ligação com o pecado não está apenas relacionada ao modo de vida
do boêmio, mas também às violações contra a moral e os bons costumes que o
envolvimento da população com as canções profanas poderia provocar. Tal era
a preocupação da Igreja que, por incitar aos desvios e à promiscuidade, a
Inquisição, entre os séculos XV e XVIII, passou a incluir as letras e o gênero
vocal, acompanhado pela viola, na categoria dos “pecados das orelhas”
(TINHORÃO, 1998).
Se, nesse período, a habilidade instrumental era uma atividade atribuída
ao próprio Demônio (TINHORÃO, 1998), em Portugal, a viola se populariza nas
mãos de sujeitos “postos à margem da estrutura econômico-social como ganha-
dinheiros, ou eventuais vadios”, que tinham como entretenimento a
22Rememorando a passagem bíblica “Deus disse: "Faça-se a luz!" E a luz foi feita. Deus viu
que a luz era boa, e separou a luz das trevas” (GÊNESIS 1:2-4).
104
Como não nos cabe, pelo menos por hora, uma discussão mais
aprofundada sobre essas questões, vamos retornar a nossas análises através
do poema “Vagabundo” de Álvares de Azevedo. Nesse poema (terceiro de
“Spleen” e Charutos), o sujeito lírico vai aos poucos se apresentando em
primeira pessoa, e, assim como o boêmio de Castro Alves, também fuma seu
cigarro, é pobre e tem em seu instrumento – a viola – um tesouro. É preciso
observar, entretanto, alguns importantes detalhes de sua autodescrição:
origem nobre – discutida na seção anterior –, o contexto poético nos expõe outra
face de uma mesma moeda: a do boêmio, pobre e errante. Junto a essa figura
que acomoda tanto o enlevo amoroso quanto a vadiagem, temos a viola e, por
extensão, o violão ou a guitarra. Esses instrumentos (a)parecem irmanados por
seu uso (no acompanhamento da voz), seu caráter de confidente, sua prática e
a capacidade de recriar – e nos remeter – à sonoridade e à atmosfera seresteira.
É claro que aqui não se trata de cobrar do poeta uma precisão terminológica,
mas compreender que, apesar das diferenças, certas associações musicais e
simbólicas aproximam ou equiparam a percepção desses instrumentos na
construção cultural brasileira.
O termo “boêmio” possui uma estreita e profunda associação ao cigano,
já assumido no primeiro verso do poema (“Eu durmo e vivo ao sol como um
cigano”), pois se refere, originalmente, aos povos nômades habitantes da região
da Bohemia, na República Tcheca. Se, por um lado, atuam como sinônimos, por
outro, a palavra “boêmio” adquire, com o tempo, tanto um sentido pejorativo
relacionado ao indivíduo de vida desregrada, quanto se aproxima do hedonista,
caracterizado pela busca incessante de prazer e liberdade.
Condensando em sua figura todas essas características, o cigano, boêmio
e vagabundo – que dá título ao poema – se delineia como a véspera do malandro
brasileiro. A construção desse anti-herói que, com seu “jeitinho”, subverte a
moral e os costumes sociais, ganha ares de elogio, aderindo à sua máscara, em
um jogo de antítese e paradoxos, as marcas do estereótipo – tão presente e
conhecido em nossa cultura – dedicado ao ócio e ao repouso durante o dia, e a
“vagamundear” nas noites de lua, namorando “as estrelas”.
Dando prosseguimento à análise do poema, as próximas estrofes nos
revelam mais um traço que compõe a personalidade do boêmio: a sedução e a
conquista. Para esse eu lírico, “garboso” e “rapaz”, a felicidade amorosa não está
na fidelidade ou no sentimento idealizado, mas, sim, no contato físico e na
habilidade de cativar vários amores, envolvendo tanto a criada “abrasada de
amor” quanto a doce donzela. Essas características se ligam à figura de Don
Juan, que veremos mais detalhadamente na próxima subseção, mas que já nos
109
23 “Comer, beber e amar; o que mais é útil para nós?”. Tradução nossa.
24 A errância não implica em “passividade como contrário de atividade”, revelando-se como
potência criadora e geradora de sentido, conforme explica Silvina Rodrigues Lopes (2015): “no
abandono abdica-se daquilo que, como uma certa ideia de trágico, concebe tudo como sendo
afinal determinado por forças que, ao darem-se a reconhecer, expõem a subjugação dos
humanos à sorte ditada e à assunção da falta que decorria do desconhecimento do ditado.
Essa abdicação supõe a vigilância, o não-consentimento na destruição, inclusive a que é
produzida pela primazia do conhecimento para dele retirar regras do viver-em-comum.
Entendemos como errância o movimento de existir que se não deixa fixar a leis, regras,
lógicas, modelos. Ele mantém os textos e as ideias intrínsecamente em alerta, cuida da sua
indecifrabilidade ao dedicar-se à decifração, que nunca se separa da preocupação do agir”.
(LOPES, 2015, p. 202).
110
A expressão “não presta pra nada”, que abre o poema e define “Seu
França”, tanto ganha destaque pela insistência e retorno em um verso composto
apenas por ela, quanto funciona como reiteração da ideia. Ora, se, pelo
dicionário, o verbo “prestar” significa “ser útil ou apropriado (para); ter préstimo”;
ele também expressa o senso comum relacionado a um juízo de valor (“ser
bom”). Com isso, ao declarar a negativa e afirmar que a personagem “Só [presta]
pra tocar violão”, o poema nos coloca, por um lado, diante do discurso da
“inutilidade” do artista e do estigma que o acompanha. Por outro, é justamente
essa condição de não se prestar a ser útil para nada ou para ninguém que reside
uma das potências da arte e do artista.
112
3.2 “Não lhe ouças, filha, o canto merencóreo!/ Fecha a janela e foge, que
esse canto/ Vem da guitarra de D. Juan Tenório!”26
de “la doble burla, pues siempre que se deshonra una mujer las consecuencias
se amplían al universo masculino.” (HERAS, 2017, p. 821). Nesse sentido,
conforme considera Mauro (2014, p. 28) “a sedução para ele é uma forma de
humilhação através do engano, e cada vítima, uma espécie de degrau em sua
escalada rumo àquela fama que ninguém mais pode alcançar”.
Se, nas palavras do sedutor “Sevilla a veces me llama El Burlador, y el
mayor gusto que en mí puede haber es burlar una mujer y dejarla sin honor”
(MOLINA, 1977, p. 64), a desonra feminina vai além do efeito simbólico e das
consequências sociais, implicando também a quebra da personalidade e da
integridade da mulher, a partir da violação. Como “o domínio do erotismo é o
domínio da violência, o domínio da violação” (BATAILLE, 1987, p.16), Don Juan
representa o poder, a destruição e o prazer em seu gesto violador, tanto da
mulher, quanto dos costumes.
Sem consciência moral, o sedutor mantém as mulheres enredadas, em
um jogo perigoso e permanecente entre abismo e exaltação, no qual, ao mesmo
tempo em que sentem enobrecidas por se sentirem desejadas, acabam
arruinadas, depois de conquistadas:
Pero ¿con qué clase de fuerza seduce Don Juan? Es la energía del
deseo, la energía del deseo sensual. Él desea en cada mujer toda la
femineidad, y en eso está la fuerza sensualmente idealizadora con la
que puede de un golpe embellecer y conquistar su presa. El reflejo de
esta gigantesca pasión embellece y engrandece lo deseado, lo
enciende y aumenta su belleza con su reflejo. (KIERKGAARD, 1967
apud MAURO, 2014, p. 73).
No entanto, como música, Don Juan é mais do que som. Ele é também
sua potência e força, pois “esta es su idealidad, y de ella puedo yo alegrarme
tranquilamente porque la música no me lo representa como persona o individuo,
sino como poder” (KIERKGAARD, 1967 apud MAURO, 2014, p. 74). Nessa
construção, a associação do sedutor à guitarra ocorre, primeiro, pela
equivalência em termos de origem (a região espanhola da Andaluzia), segundo,
pelos efeitos encantatórios e o poder de sedução de ambos, e, por fim, os
diversos registros envolvendo a presença do violão nas mãos do sedutor.
A partir da apresentação desses elementos, passamos do amor
idealizado aos desejos carnais, conforme nos direciona agora a poesia de Castro
Alves, para, em seguida, apresentarmos o canto do sedutor, acompanhado de
sua guitarra, na poética de Álvares de Azevedo.
Com figuras díspares, mas que têm em si significativos elementos
convergentes, Castro Alves, no poema “Os três amores”, reúne e sintetiza tanto
a figura do trovador, quanto a evocação donjuanesca, para apresentar suas
conquistas amorosas:
Os Três Amores
I
Minh'alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes. ..
– Tu és Eleonora...
II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
– E tu és Julieta...
III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és – Júlia, a Espanhola!...
(ALVES, 2005, p. 97-98).
120
Pode-se notar que o sujeito lírico traça não só um inventário das musas
que compõem “Os três amores”, título do poema, como também, – e ao mesmo
tempo –, revela as muitas máscaras usadas pela persona lírica para a conquista
amorosa. Além do jogo de sedução, o poema nos permite uma percepção mais
ampla da dimensão amorosa, na qual o movimento de deslocamento do etéreo
para o físico, a cada estrofe, nos sugere três diferentes modos ou formas de
amor.
Desse modo, o poeta constrói um eu lírico que se apresenta como sujeito
amoroso ao nos remeter a figuras literárias carregadas de significados. Assim,
ao declarar na primeira estrofe “Sou Tasso!...”, o poeta estaria tanto se referindo
ao poeta italiano Torquato Tasso (1544-1595), quanto se reportando ao poema
O lamento de Tasso (1817), do influente escritor britânico Lord Byron.
Conforme José de Paula Ramos Júnior, Tasso, poeta de “grande prestígio
em seu tempo”,
Todos os seus amores são amores eternos. Canta e, sem querer, prega uma
pansexualidade reconhecida e aceita” (ANDRADE, 1972, p. 130-131).
Ao povoar os pensamentos do poeta em diferentes distâncias,
aparecendo tanto em seus sonhos (como a segunda musa, “sonho-te às vezes
virgem... seminua...”) (ALVES, 2005, p. 97), quanto ao alcance do toque (como
a última, “Sobre o leito do amor teu seio brilha...”) (ALVES, 2005, p. 98), uma
dupla significação se estabelece, pois ao mesmo tempo em que seduz, o eu lírico
é também o seduzido. Conforme nos aponta Senna (1998):
entende “trenos” “como acordes plangentes”, porém essa percepção pode ser
contestada, primeiro, porque não é possível inferir se o toque realizado no
instrumento se trata de acordes ou melodias, ou seja, não é possível precisar se
esse Don Juan dá-se a conhecer pela produção harmônica ou ponteada de seus
sons. Segundo, porque apesar de, pelo dicionário Aulete, “treno” (2018) significar
“lamentação, canto enternecido e com gemidos”, a sua realização pela viola
pode adquirir uma conotação erotizada, representando não só o ato sexual,
como o corpo feminino. Estamos dizendo, com isso, que o verso revela mais do
que também sugere Mauro (2014):
de mãe para filha, era usado pelas mulheres no cotidiano e em “fiestas”, como
eventos religiosos, touradas, e dança flamenca. O adereço, além de emoldurar
o rosto, também servia para cobri-lo à noite. Assim, ao desfazer a mantilha, o
sujeito lírico não só revela o que esconde o manto, quanto desvela o que encobre
o sentimento romântico: o desejo (“Sobre o leito do amor teu seio brilha.../ Eu
morro, se desfaço-te a mantilha...) (ALVES, 2005, p. 98).
A força dessa figura feminina, fica marcada principalmente no último verso
desse poema, uma vez que, de maneira diferente da apresentação das damas
anteriores (“– Tu és Eleonora...” e “– E tu és Julieta...”), sua existência é
definitiva: “Tu és”, e aí sim, o travessão a anuncia “– Júlia, a Espanhola!...”. Além
da inspiração na personagem do Don Juan byroniano, o uso do artigo definido e
da designação a deslocam de uma imagem mais ampla para torná-la palpável e
única: “a Espanhola”.
A pontuação também imprime marcas importantes na construção poética,
pois o uso recorrente de reticências causa um efeito de continuidade, e permite
um tempo para a criação imagética do leitor, para que possa imaginar a cena,
completar o seu desenho, e perceber as imagens ora românticas (“Roubo-te um
casto beijo à luz da lua...”) (ALVES, 2005, p. 97), ora sensuais (“Sonho-te às
vezes virgem... seminua...” e “Sobre o leito do amor teu seio brilha...”) (ALVES,
2005, p. 97). Também o uso de exclamação reforça a afirmação do eu “Sou D.
Juan!... Donzelas amorosas,/ Vós conheceis-me os trenos na viola!” (ALVES,
2005, p. 97).
Apesar de Castro Alves não ter dedicado nenhum poema exclusivamente
ao mito – apenas uma obra teatral inacabada D. Juan ou a Prole dos Saturnos
(1869) –, o donjuanismo perpassa diversos de seus poemas, trazendo não só
imagens que permanecem no imaginário coletivo, quanto o amor como forma de
liberdade e resistência: “ao poeta estava reservada a missão de violar a paz dos
lares brasileiros com a mensagem de que o amor deve ser gozado em plenitude
e liberdade, sem restrições, limitações, deformações” (HADDAD apud MAURO,
2014, p. 105).
Ao transportar e acomodar a voluptuosidade das “noites andaluzas”, para
a brasileira, permanece a universalidade e a atemporalidade do mito. Para
Araújo:
126
Passemos agora a voz ao sedutor, para ouvirmos seu canto com sua
guitarra:
III
27 O poema “Sombra de D. Juan”, da terceira parte de Lira dos Vinte Anos (compatível com a
primeira).
128
é quebrado, no segmento IV, pela intervenção do sujeito lírico que confere uma
tonalidade sarcástica a essa transição entre a primeira e a segunda parte da
canção – como nos versos “Mas depois no silêncio uma risada/ Convulsiva
arquejou... rompeu as cordas/ Das ternas assonias” (AZEVEDO, 2009, 234) (...)
“Rompeu-as e sem dó... e noutras fibras/ Corria os dedos descuidoso e frio/
Salpicando-as d’escárnio...” (AZEVEDO, 2009, p. 234). Para Mauro (2014, p.
102), “essa modulação de tons dissonantes se coaduna à binomia azevediana,
ao alternar uma visão idealizada a outra descrente, na qual o riso serviria de
invólucro a um profundo sofrimento”.
No quinto trecho, temos a segunda parte da canção, também entre aspas
e, novamente, na voz de Don Juan. Nela o sedutor enumera as várias amadas
que teve (“Que o diga a sultana, a violenta espanhola,/ A loira alemã/ E grega
louçã...”) (AZEVEDO, 2009, p. 234) e reclama a eternidade do mito. No entanto,
Mauro (2014, p.102) considera que “essa passagem reverbera, de certo modo,
a primeira estrofe do Canto I do Don Juan, de Byron, na qual o narrador, em
resposta à profusão de falsos e efêmeros heróis no século XIX, decide recorrer
ao ‘nosso velho amigo’, Don Juan.”
É preciso também perceber que ele não é passageiro, como as “modas
de um dia”, mas eterno, pertencente à dimensão do mítico. Sua sombra vive e
permanece, atravessando culturas e tempos (“Porém quem diria/ Que é moda
de um dia,/ Que é velho Don Juan?!”) (AZEVEDO, 2009, p. 234). Álvarez de
Azevedo, no prefácio da Lira dos vinte anos, descreve esse comportamento, e
nos aproxima de uma síntese do poema de Castro Alves – quase uma glosa
desse mote:
VI
III
Era bem misterioso esse seu violão; era bem um elixir ou talismã de
amor. Fosse ele ou fosse o violão, fossem ambos conjuntamente, o
certo é que, no seu ativo, o Senhor Cassi Jones, de tão pouca idade,
relativamente, contava perto de dez defloramentos e a sedução de
muito maior número de senhoras casadas. (BARRETO, 1990, p. 23).
Clara não podia bem apanhar todas as fases dessa queda; ela se
lembrava de poucas e sem nitidez apreciável. Tudo foi num galope
para a desgraça... Em começo, a primeira impressão simpática, os
gemidos do violão, os seus repinicados, seguidos dos requebros dos
olhares do tocador, que os exagerava e punha neles não sei que
chama estranha, doce e, ao mesmo tempo, quente. Impressionara-se
muito com isso, tão preparada já estava para os efeitos do instrumento.
(BARRETO, 1990, p. 137).
sonora, pelo seresteiro acompanhado por seu violão e sua “voz diabólica que
assombra as acordadas e desperta as dormidas” (ARAÚJO, 2005, p. 313). É
sobre esses corações roubados, violações, corpos e força feminina que vamos
nos debruçar agora.
3.3 “Que dama é aquela que vai sorrindo,/ Mas verga o torso como um
chorão?”29
O violão e o vilão
E acrescenta:
Esse jogo fonético tem sua marcação rítmica e melódica baseada nos
fonemas que constituem uma das palavras título “Violão”. O termo, ao mesmo
tempo que condensa, dele também decorrem – ao tirarmos a vogal [o] –, tanto a
viola, quanto o vilão, ou seja, temos: viola(o) e vi(o)lão. Com essas variações,
são explorados os sons harmônicos que marcam o relevo sonoro do poema e
estabelecem o jogo fonético e semântico, conforme o que veremos mais adiante.
Com isso, é o violão que imprime o impulso rítmico-temático do poema, a textura
sonora e de sentido e, em última instância, vincula o poema ao leitor.
É preciso observar que, além do [v], também os fonemas relacionados ao
[d] (como “da”, “de”, “do”, aparecendo em palavras como “dela”, “vida”, “levada”,
“duvidava”, “violada”, nas duas primeiras estrofes) e ao [n] (“no”, “na”, “nem”, nas
141
Nem todos terão aberto livros na sua infância. Mas quem não terá
ouvido uma lenda, uma fábula, um provérbio, uma adivinhação? Quem
não terá brincado com uma canção que um dia lhe aparecerá noutro
idioma? Quem não terá pensado e agido em função de exemplos que
são os mesmos de outros povos, de outras eras, provenientes de um
esforço análogo do homem para adaptar-se à sua condição na terra?
(MEIRELES, 1984. p. 79).
Violão – Olívia
Viola – vilão
nome próprio, via de regra, imita fraquezas infantis ou serve de pretexto para
aliterações” (BORDINI, 1991, p. 64), é preciso perceber no poema que o nome
de Olívia, vai além do intuito fonético, assumindo a identidade da mulher, sem
máscaras ou disfarces, expondo, na história-poesia, suas incertezas, desilusões
e dores pela violação sofrida.
No campo das oposições, construído pelo jogo vocabular do discurso,
identificamos importantes contraposições referentes – e pertencentes – a cada
sujeito:
Violão Viola
Vila Vila
Dar Levar
Violeta Violento
Nesse jogo ambíguo entre viola (instrumento musical) e viola (do verbo
violar) reside o aspecto dramática da existência de Olívia. A vida lhe é
tirada, roubada. Olívia torna-se Violeta violada. A música (vida) de seu
violão não mais se apresenta, não mais existe. Mas essa perda de
Olívia já havia sido anunciada: O violão duvidava da vida. A
possibilidade de tocar livremente (e tocar também nos dois sentidos, o
que se refere ao corpo e à música) já se apresentava como uma
impossibilidade para o violão de Olívia. (GUIMARÃES, 2006, p. 175).
sentido mais erotizados, pois, “em Portugal, o termo designa o espaço entre as
bochechas do ânus ou do seio” (VALE, 2018), gerando, com isso, outro
entendimento dos versos “No vale, a vila de Olívia/ vela a vida”. Usado apenas
uma vez e nesse momento do texto, o termo é também verbo: imperativo da
terceira pessoa do singular de “valar” (“abrir em valas”). Originalmente, o verbete
está associado a “adeus”, significando “dar ou dizer o derradeiro, o extremo ou
o último vale”; “despedir-se pela última vez; fazer as últimas despedidas
(principalmente quem está para morrer)”.
Nessa multiplicidade de significados evocados pelo poema, permanece a
busca pelo não-dito, ou ainda, pelo que está entre(as)linhas. É preciso tocar o
que se vê além da palavra, através da vivência poética, ficando a cargo de cada
leitor a criação de um universo projetado e imaginado, acionando “conteúdos
anímicos, dados da memória e operações intelectuais, afetivas e volitivas, sem
muita consciência do sujeito em relação a tal processo” (BORDINI, 1991, p. 35).
Ainda nos resta, no entanto, uma importante pergunta sobre o material
analisado: de um tema tão árduo, mesmo para o mundo dos adultos, o que
desejaria esse poema em um livro para crianças? Ou seja, o que ainda está por
trás do jogo e da música que ele engendra?
Se “a criança deseja também a verdade, além do jogo” (BORDINI, 1991,
p. 8), em “O violão e o vilão”, não se pode ignorar a experiência da perda, apenas
fazê-la tolerável. Ao suportar a dor da vivência, da desilusão e do roubo, sem,
contudo, apresentar soluções apaziguadoras, resta apenas à mulher, a violação
e o abandono.
É importante observar que, como em um conto de fadas, não é a criança
que, empiricamente, sofre, e sim, a terceira pessoa, a menina que vivia na vila e
se chamava Olívia. Nesse espelhamento, da função fabular de preparação para
mundo, o poder imaginativo, a perda sofrida pode ser ressignificada. A dor vem
das mãos do vilão que, sem possuir nome ou identidade, apenas sua designação
e função, consegue acessar o imaginário infantil. Além desse aspecto, o uso do
adjetivo “violento” acompanhando o termo “vilão” permite estabelecer e
identificar a que tipo de antagonista se trata.30
30 Como em Cecília Meireles, Guimarães Rosa também nos remete a um “vilão violento” e
violador: “Porque a voz era a do vilão Ipanemão, cruel como brasa mandada, matador de
148
homens, violador de mulheres, incontido e impune como o rol dos flagelos.” (ROSA, 2009, p.
87).
149
silêncio e solidão. Essa foi sempre a área da minha vida” (MEIRELES apud
GOUVEIA, 2002, p. 304).
O último ponto a ser observado é o violão nas mãos e na voz feminina.
Além do violão de Olívia, seu instrumento e corpo, por forma e associação,
Cecília Meireles, ao se expressar pelas artes plásticas, também coloca o alaúde
acompanhando a mulher, conforme a Figura 11:
31A coletânea engloba, além das crônicas escritas pelo autor carioca para o jornal Última Hora
(entre 1959 e 1962), os poemas escritos em Paris, em 1957.
151
Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo
o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso
abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes
se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos
corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas...
Até na maneira de ser tocado - contra o peito - lembra a mulher que se
aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece
suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no
mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela
não poderá ser nunca totalmente sua.
Ponha-se num céu alto uma Lua tranquila. Pede ela um contrabaixo?
Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um
Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seu
tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis)
uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei: um violão. Pois
dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o
violão é capaz de ouvir e de entender a Lua. (MORAES, 1962, p. 7-8).
sentimento que desperta – “parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome
toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do
contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.” (MORAES, 1962, p. 8).
Já na equiparação entre guitarra e violão, o texto percorre importantes
violonistas da música erudita (“nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um
Sanz de la Mazza”) e da esfera popular (“de um Bonfá, de um Baden Powell”),
revelando sua capacidade de perpassar fronteiras ao acomodar os mais
variados gêneros musicais (tanto “a pungência” quanto “a bossa peculiares”), e
ser praticado pelas mais modestas ou habilidosas mãos. Ao violão também cabe
a singularidade “de ouvir e de entender a Lua”, cantar o amor e induzir “ao
maravilhoso abandono!” (MORAES, 1962, p. 7-8)
Essa relação da mulher brasileira com a ideia de corpo-violão também
aparece na canção do compositor e poeta carioca Paulo César Pinheiro (1949):
Violão
o violão, nas mãos de quem sabe dedilhar as suas cordas com alma,
sentimento e maestria, deixa de ser um instrumento subalterno, perde
a qualidade de simples acompanhador de modinhas e apresenta-se
transfigurado, falando à nossa sensibilidade e às nossas emoções. [...]
(JORNAL DO COMMERCIO, 1917 apud TABORDA, 2004, p. 68).
Mãos de fada, sim, que só mesmo de fada podem ser as mãos que
seguram a fragilidade daquele violão magnífico e lhe vão ao fundo
d’alma, e lhe arrancam uma sonoridade feita de luz de luar, e fazem
que essa sonoridade se espelhe pelo ambiente, perfumando-o de uma
suavíssima poesia, e penetre no coração de quem à escuta, elevando-
o numa dulcíssima carícia. Está-se a ver que a artista que tanto alcança
é uma artista perfeita. E Josefina Robledo o é, pela técnica vertiginosa,
que lhe permite dominar, em absoluto esse instrumento que é um dos
mais difíceis que existem. (O REBATE, 1918 apud PORTO;
NOGUEIRA, 2007, p. 7).
Nessa perspectiva, o violão nas mãos de uma mulher vem envolto pelo
encanto fabular, da lua e do coração, da doçura e da delicadeza, provavelmente
contribuindo, ou pelo menos, deslocando os significados tão associados ao
masculino, desde sua utilização para seduzir e corromper as musas nas
156
35No Brasil, como a tradição da nacionalidade, expressa, sobretudo, pela expressão “caráter
nacional”, era muito forte, tendo sido reforçada, inclusive, no grande movimento de vanguarda
que foi o modernismo, começou-se a se falar de identidade nacional. (FIGUEIREDO,
NORONHA, 2012, p. 195).
161
particular, uma influenciada pelo momento europeu e outra pelo meio nacional”
(ROMERO, 1902, p. 10). Nesse dialogismo, seria necessária a interiorização,
por seus integrantes, dessa “alma nacional” que lhes foi ensinada. Em relação
aos Estados, já estabelecidos, caberia respeitar essa nação” em um processo
de "duplo reconhecimento interno e externo”, “vital tanto para a existência efetiva
da nova nação, quanto para, posteriormente, sua sobrevivência.” (FIGUEIREDO,
2012, p. 193).
Com base na “ideia de que só é nacional o que é popular”, pois “na
conservação daquilo que é nosso, se construiria o discurso em torno da
identidade nacional” (TABORDA, 2011), o violão se apresenta como um dos
elementos arraigados à cultura brasileira e, por isso, promove um identificação
praticamente imediata. Para além do senso comum que envolve o instrumento,
podemos pensar que sua ligação aos gêneros populares e amplitude
democrática imprimem e evocam, na obra artística, traços de brasilidade. Já a
viola estabelece uma relação com a natureza, com as tradições e com um
passado originário, conectando-se com o sentido regional que integra o todo
nacional.
Assim, o caráter regionalista não cinde a concepção de unidade e
nacionalidade, mas, antes, o contrário, dele participa:
O regionalismo, além de incluir “toda obra de arte” que “tem por pano de
fundo alguma região particular ou parece germinar intimamente desse fundo”,
trata, mais especificamente, da matéria carregada não só “de uma essência local
decorrente primeiramente do seu fundo natural – clima, topografia, flor, fauna,
etc.”, como também das “maneiras peculiares da sociedade humana
estabelecida naquela região e que a fizeram distinta de qualquer outra”
(COUTINHO, 1955, v. 2, p. 146-147).
Na minha terra
38 “O sertanejo é antes de tudo um forte... de dia! Porque de noite morre de medo do escuro e
corre para trás de sua mulher, que tem um contato mais intenso com Deus.” (FREIRE, 2003, p.
83).
39 Optamos por citar a primeira parte do poema pela referência direta à viola.
164
II
[...] aos males que por causa das violas se sentem por todo o Reino; e
pelas gentes que delas se serviam para, tocando e cantando, mais
facilmente escalarem as casas e roubarem os homens de suas
fazendas, e dormirem com suas mulheres, filhas ou criadas, que, ‘como
ouvem tanger da viola’, vão-lhes desfechar as portas. (OLIVEIRA,
1966, p. 127, apud NOGUEIRA, 2008, p. 207).
169
Por tal perigo, o sujeito que “[...] fosse pego nas ruas com ‘viola’ após 9h
da noite e que, ficando comprovado que não fosse para festa ou casamento,
deveria ser detido, ter sua ‘viola’, armas e roupas confiscadas.” (BUDASZ, 2001,
apud CASTRO, 2007, p. 20)
Retomando brevemente a trajetória do instrumento, vimos anteriormente
que a viola apresenta significativas e amplas configurações em relação à
estrutura, tamanho, afinação, número de cordas, variando conforme práticas
sociais e culturais, localidade, uso, região, grupo social e período histórico em
que está inserida:
43Como as violas de Queluz, produzidas a partir das violas toeiras (de Portugal), no final do
século XIX e início do século XX, na cidade de Queluz (atual Conselheiro Lafaiete).
171
44 Somando-se a isso: “Almirante cita as conferências proferidas por Afonso Arinos, em 1915,
sobre temas folclóricos, no Teatro Municipal de São Paulo, a apresentação de autos e danças
dramáticas tradicionais. O autor também menciona as pesquisas folclóricas promovidas por
Villa-Lobos, que passou a viajar pelo Nordeste, e por João Pernambuco, que, financiado por
Arnaldo Guinle, andou por vários lugares à cata de material.” (NAVES, 1998, p. 15).
45 A repercussão foi tanta que impulsionou a criação de outros grupos musicais do gênero:
“Esse gosto pelo sertanejo teria continuidade na década de 20, dando o tom para a maioria dos
conjuntos musicais que se constituíram no período, como Os Oito Batutas, o Flor do Tempo e o
Bando de Tangarás. Os Oito Batutas apresentavam um repertório constituído de maxixes,
lundus, canções sertanejas, corta-jacas, batuques, cateretês etc.” (NAVES, 1998, p. 15).
172
homem rural, na figura do jeca tatu, criada por Monteiro Lobato, e os sentimentos
do caboclo migrante e simples – mas forte –, cantado na Tristeza do Jeca:
Este poema, que abre o livro Lira Paulistana, escrito em 1944 e publicado
postumamente, em 1947, apresenta não só importantes – e porque não dizer
deliberadas – caraterísticas musicais, como elege a viola o instrumento de seu
cantar e o mote de sua construção poética. As referências musicais se
desdobram em reflexos, espelhos e recortes que fazem do poema uma
interessante fonte de articulação entre as esferas musicais e literárias, por meio
da exploração de recursos sonoros e simbólicos presentes tanto no texto, quanto
nas referências extratextuais que o permeiam, conforme observaremos ao longo
desta análise.
Os vinte e nove poemas que compõem o livro estão conservados em
manuscrito e seu processo criativo, bem como a tensão que dele participa,
principalmente entre o individual e o coletivo, são comentados pelo autor em
carta à poetisa e amiga Henriqueta Lisboa, datada de 3 de agosto de 1944:
174
Desgosto/
Coração Encanto Encontro
desilução
Ruptura
Figura 17 - Paralelo entre os espaços criados pelo poema “Minha viola bonita”
e a trajetória do instrumento
46A viola e o violão, conforme comentamos no início deste trabalho, pertencem à classe dos
cordofones (1994) definidos, conforme o Dicionário Grove de Música, “[...] como aqueles
instrumentos que produzem som por meio da vibração de suas cordas; vibração essa, causada
quando ‘dedilhados, pinçados, percutidos ou tangidos com arco’”. Por suas especificidades,
são classificados em três grupos de instrumentos: os do “tipo da cítara”, como o piano; “tipo do
alaúde e da lira”, entre eles, o violão, a viola-de-cocho, e o alaúde; e, por fim, os instrumentos
do “tipo da harpa”.
177
na Khetara Grega e da Cítara romana (ou Fidícula), que nos séculos XIII e XIV,
se transformaria na Guitarra Latina, conforme descreve Pujol:
Assim mesmo, uma semana faz, deu a louca, fiz uma série de
poesiazinhas, umas quinze, curtas, que não sei como chamo: Poemas
Paulistanos, Cuíca Paulistana, Lira Paulistana, tem de ser um nome
180
Viola Quebrada
Se a “Viola Quebrada” nos lança aos rincões do Brasil, ela também nos
conduz a Catulo, conforme explica Mário de Andrade, em carta enviada ao poeta
Manuel Bandeira, em 1926:
47 "Uma 'nota apoiada', normalmente um grau conjunto acima (menos frequentemente abaixo)
da nota principal. Costuma criar uma dissonância na harmonia e resolve-se por grau conjunto
sobre a nota principal, no tempo fraco seguinte." (APOGIATURAS. 1994, p. 35).
48 Ornamento que consiste no ato de “deslizar” de uma nota à outra: “efeito produzido pela
rápida passagem dos dedos (em instrumentos de cordas ou teclado) ou do ar (em instrumentos
de sopro como o trombone de vara) por uma série de notas consecutivas ou pela escala
musical completa.” (GLISSANDO, 2019).
182
Caboca di Caxangá
Argumento
macho que escolhi” é eleito não pelos “predicados”, mas, sim, pelo que revela
de humano e imperfeito.
Há, na surpresa dessa seleção, alegria e liberdade, pois nela é possível
reconhecermos nossos reflexos – enquanto seres falhos e inexatos – e
encontrarmos um relaxamento das expectativas, em especial sobre a relação
amorosa. A autora promove, nesse trecho, uma quebra da inocência e da visão
romantizada do amor, passando a uma experiência mais real e concreta do
matrimônio. Com isso, ela descortina a fantasia, desconstruindo o amor
idealizado e deixando exposto o prazer de escancarar e assumir o encoberto e
imperfeito, principalmente em meio às regulações dos costumes sociais,
culturais e religiosos – como os que entrecruzam a própria trajetória biográfica
da autora.
O poema conclui com o eu lírico tirando os véus da musa perfeita e
revelando, com tons de humor e certa ironia, que, “mesmo tendo feito o que fez,
só ele me perdoará”. Ao seguir, nos desenhos costurados pelo poema, vamos
completando o mosaico pela luz de seus vitrais, até chegar a esse último verso
que permite compreender o sentido do todo. É como se o eu lírico nos contasse
uma história que, após seguir as pistas deixadas, encontramos nos versos finais,
com surpresa e perplexidade, a justificativa e o convencimento de toda a
argumentação – “raciocínio que se pretende baseado em fatos e em relações
lógicas a partir deles” (ARGUMENTO, 2018).
A dissonância entre os cinco primeiros versos, em que são apresentados
os namorados, e os dois últimos, com os critérios inusitados da escolha, fica
refletida também na forma poética. Ao associar os pretendentes a elementos
cotidianos e populares, a autora escapa dos recursos mais tradicionais pela
utilização do verso livre, mantendo, no entanto, a rima nos versos de intuito mais
transgressor – terminados com os verbos casar e perdoar. Esse jogo cruzado
reforça a surpresa, a tensão e as contradições presentes no percurso
argumentativo e inerente ao indivíduo.
Nesse poema, com tons de prosa, a conversa com o leitor se estreita e se
torna mais íntima não só pela aderência ao familiar e à oralidade da linguagem,
mas também pela mescla de recursos, em “uma sintaxe que não costuma
privilegiar repetições rítmicas, mas sequências e continuidades.” É interessante
perceber que “quando isto ocorre, o poema não deixa de ser lírico, não perde
187
– Cumpadre antão
me responda: quem coaxa
exerce alguma raiz?
– E lagartixa,
que no muro anda
come o quê?
– Come a lagartixa,
o musgo que o muro.
Senão.
– E martelo
grama de Castela, móbile
estrela, bridão
lua e cambão
vulva e pilão, Elisa
valise, nurse
pulvis e aldabras, que são?
– Palabras.
– E máquina
de dor
é de vapor? brincar
de amarelinha
tem amarelos?
As porteiras do mundo
Varas têm?
– Têm conformes.
– E o que grota
greta
189
– Cumpadre, e longe
é um lugar nenhum
ou tem sitiante?
– Só se porém.
– É esperto, cumpadre
não cai
do galho.
(BARROS, 1999, p. 49-53).
52Do filme Só dez por cento é mentira: a desbiografia oficial de Manoel de Barros, 2008.
53“Vem de longe o cantar poético ao desafio: do canto amebeu da Antiguidade grega, das
disputas dos jograis da Idade Média, das diversas culturas espalhadas pelo mundo em todas
as épocas. Há até notícia de improviso poético entre indígenas brasileiros, praticado antes
mesmo da ocupação europeia. No Nordeste brasileiro, mas especificamente nos sertões,
despontaram poetas cuja tradição os mandava pegar o pandeiro, a rabeca ou a viola e sair de
fazenda e fazendo pelejando com os colegas, em disputa versificada inteligente.” (AMORIM,
2003, p. 108).
194
– E martelo
grama de Castela, móbile
estrela, bridão
lua e cambão
vulva e pilão, Elisa
valise, nurse
pulvis e aldabras, que são?
– Palabras.
(BARROS, 1999, p. 51).
– E máquina
de dor
é de vapor? brincar
de amarelinha
tem amarelos?
As porteiras do mundo
Varas têm?
– Têm conformes.
(BARROS, 1999, p. 52).
54“De tal modo o cantador de viola diversificou as possibilidades do jogo de palavras, rima e
metro, que hoje é possível reunir tranquilamente, conforme a pesquisadora Verônica Moreira,
72 a 74 gêneros poéticos de cantoria – dos quais cerca de cinquenta em uso, de que se valem
os cantadores para expor, em versos, ideia e metáfora”. (AMORIM, 2003, p. 112).
196
– E o que grota
greta
lapa e lura são?
– São aonde o lobo
o coelho
e o erótico.
(BARROS, 1999, p. 52).
– Cumpadre, e longe
é um lugar nenhum
ou tem sitiante?
– Só se porém.
(BARROS, 1999, p. 52-53).
– É esperto, cumpadre
não cai
do galho.
(BARROS, 1999, p. 53).
59 “A primazia pela simplicidade temática que reveste sua poesia, sob a forma de uma
linguagem que se manifesta em tom coloquial e é permeada pelo humor, aproxima-o do
Modernismo de 22, sobretudo pela força da raiz primitiva encontrada na obra oswaldiana. Por
outro lado, a sintaxe justaposta de seus versos, que se afigura geometricamente, bem como a
sobreposição das imagens que dela emergem, remete à expressão cubista de Picasso; o
ilogismo, em resistência ao racionalismo, associa-se, por sua vez, à estética surrealista, na
busca pela extrapolação das fronteiras do real”. (ALMEIDA, 2011.).
198
60O Livro de Registro dos Saberes, onde estão inscritos os bens culturais imateriais, foi criado
pelo Iphan para receber os registros de bens que reúnem conhecimentos e modos de fazer
enraizados no cotidiano das comunidades.
199
Constatou que por perto de sua moradia havia uma certa madeira
macia e leve com a qual muitas vezes construía cochos para dar de
comer aos animais. Num gesto de profunda criação, após consultar os
índices referenciais à sua volta, construiu com ferramentas rústicas um
cocho de madeira macia com formato semelhante ao ícone
anteriormente visto e memorizado. Deu então a este cocho macio o
200
Cola, olha, antigamente tem uma erva, que chama sumbaré. Aí corta
ela e já coloca em cima de uma madeira e aí vai amaciando, virando,
virando, virando, até amaciar. Antigamente, era na base do sumbaré,
ou poca de pintado. Hoje, no presente, é a coisa mais fácil. Você pega
aquela cola que criança cola papel... Tá aqui, tá colado (João Gonçalo,
72 anos, Nossa Senhora de Livramento, 2003). (IPHAN, 2009, p. 22).
62A quantidade de cordas varia entre 4 e 5; “pode apresentar-se com cinco cordas simples
(quatro de tripa de animal e uma de aço) ou com quatro cordas singelas e mais um par de
cordas afinadas em oitava na terceira ordem.”
203
Assim foi indo, cada vez mais animadamente, até a madrugada, sendo
apenas interrompido o movimento, de vez em quando, para se afinar
os instrumentos de corda e dar aguardente aos cantores, o que lhes
emprestava novas forças. (SCHMIDT, 1942, p. 11, apud IPHAN, 2009,
p. 41).
63 A respeito do “sotaque Rio Abaixo”, além de toque e afinação, ele está relacionado à uma
lenda local ou “causo” do Diabo que, descendo o rio, tocava sua viola para encantar as moças
e levá-las rio abaixo. É preciso acrescentar que esses feitiços e pactos povoam o imaginário e
pairam ao redor do violeiro: “A gente não sabe explicar direitinho, só com as palavras, por que
o som da viola leva a gente para a roça, por que os violeiros dizem que o sertão mora dentro
do bojo da viola, ou por que o grande instrumentista tem de fazer pacto com o diabo. É assim
porque alguém contou, porque a explicação nasceu da tentativa de entender os fenômenos da
natureza. Ora, tem violeiro que sapateia na parede, tem outro que larga a viola em cima da
mesa e ela toca sozinha... Está cheio de receita para se fazer o pacto com o tinhoso. Então, a
senhora pode afirmar que o capeta não existe?” (FREIRE, 2003, p. 93). Em “Sarapalha” – do
livro Sagarana de Guimarães Rosa (2017), o diabo, violeiro sedutor, aparece viajando o Rio
Pará dentro de sua violinha.
204
64 O Cururu, praticado por homens, vem “da mesma cepa das loas, das louvações, pequenas
representações, com ou sem bailado, vivas nos fins do séc. XVIII e que passaram a significar
apenas a louvação-poesia, com a intercorrência do desafio em versos improvisados, elemento
português e não ameríndio ou africano” (CASCUDO, 1984, p. 263 apud ANJOS FILHO, 2002,
85-86). Além do caráter circular da dança e dos passos semelhantes ao praticado nos rituais
indígenas, os pequenos saltos dados estariam relacionados não à imitação do sapo (cururu),
mas à Dança de São Gonçalo (GARCIA, 2013).
65 O siriri é dançado por mulheres e seu nome teria surgido a partir de três possibilidades: “do
ruído causado por cupins alados; de uma dança infantil ou, pode ter sido originado de uma
espécie de passarinho que possui mesmo nome.” (ANJOS FILHO, 2002, p. 86). Nesses ritmos
tradicionais, além da viola de cocho, estão presentes - conforme suas peculiaridades -
instrumentos percussivos construídos também de maneira artesanal, como o ganzá, o tamboril
ou mocho (uma espécie de bumbo ou alfaia), e, também, o adufe ou adulfo (um tipo de
pandeiro artesanal).
205
É essa intensa busca pela palavra que serve de mote para o poema,
porém não se trata de qualquer palavra e, sim, a (des)palavra que se desdobra
em imagem e origem, em ausência e presença. Essa intenção já fica nítida nos
primeiros versos pelo estado de espera anunciado pelo eu lírico, seguido de dois
pontos. Esses estabelecem uma relação explicativa com a qual se dá o
desenvolvimento da construção poética – “Agora só espero a despalavra: a
palavra nascida” (BARROS, 1998, p. 53). A palavra que nasce – e aqui o termo
nascido tanto reforça o chiado do [s], presente também ao longo do poema,
quanto aprofunda o valor semântico do termo pela sonoridade produzida e pelo
ar que sai apertado na emissão – se conecta não com o caráter comunicativo da
linguagem, mas sim, com o estado primitivo e imagético.
Sem pronúncia, sem escrita, “ágrafa”, a palavra feita “para o canto – desde
os pássaros”, permanece latente no tempo presente (característica reforçada
pela conjugação verbal utilizado e pelo advérbio “agora”). O eu lírico, ao anunciar
seu estado/ato de espera e desejo – "é preciso entrar em estado de palavra"
(BARROS, 1998, p. 35) – deixa presumir, em contrapartida, a existência da
mácula na linguagem e a necessidade de superá-la.
Para o autor, seria preciso limpar, descascar a pele da palavra até chegar
à despalavra implica, nesse processo de transformação de estado, um
rompimento com o sentido convencional:
Palavras
viviam na região – como “[...] os Paiaguá, que ocupavam toda a extensão do rio
Paraguai (Guató- canoeiros e Guaná)” (SIGRIST, 2008, p. 48) – se deu com a
chegada dos jesuítas, na absorção de suas tradições, crenças e aparato musical,
e sua propagação pelas expedições portuguesas e ciclos migratórios em busca
de ouro no Centro-Oeste brasileiro.
Independente das questões e incertezas que cercam a origem do
instrumento e suas ramificações pelo Brasil, já que são raros os relatos e não
existem documentos oficiais – conforme apontado na análise anterior –, o
instrumento também está relacionado ao primordial, pois, segundo alguns
tocadores mais antigos, a viola-de-cocho teria dado origem aos demais
cordofones:
68LIMA, Rossini Tavares. Folclore de São Paulo - Melodia e Ritmo. São Paulo: Editora
Ricordi, 1961. p. 13-14.
210
estado primitivo e original da palavra. Os recursos que utiliza em sua poesia ampliam, de fato,
as possibilidades de forma e expressão da palavra, que se estendem aos diferentes níveis da
construção estética. (ALMEIDA, 2011).
212
71Esse verso também aparece em Lira Paulistana (ANDRADE, 1966, p. 300-301), abrindo um
poema que homenageia São Paulo e a estrutura musical do “Bumba meu boi”.
214
peça Orfeu da Conceição tematiza, em seus três atos, o sambista do morro, negro e
galanteador. É ele quem, empunha, ao invés de uma lira, o “mágico”, mas também
“demoníaco” violão.
215
74“Um mulato cor de ouro,/ com uma cabeleira feita de alianças polidas..., ou ainda em “Foi o
sol que por todo o sítio imenso do Brasil/ Andou marcando de moreno os brasileiros”.
(ANDRADE, 1966, p. 83).
217
(quarto ciclo dos cinco que estruturam a obra), revelando, como o próprio nome
indica, “o marco que define o tom de toda a poesia posterior a ele” (PAULA,
2006, p. 131).
A “Adivinha” – termo que intitula o poema – é definida pelo Dicionário
Houaiss da língua portuguesa (2011, p. 84), como uma “brincadeira popular em
que os participantes apresentam enigmas simples para serem solucionados
pelos parceiros do jogo”. Diferente do mito e da profecia, a adivinhação
pressupõe, de um lado, o interrogador (detentor do conhecimento) e, de outro, o
aspirante ao saber ou à comprovação deste:
A adivinha
Que é que é?
Ele possui uma alma e um corpo feito o nosso
E vai percorrendo o caminho de todos.
Foi piá, quis bem a mãe, quis bem a casa dele,
E afinal uma feita quis bem a cidade e foi homem.
Então gostou da intrepidez das ruas normativas
E cantou o orgulho do homem no indivíduo.
Pôs a boca no mundo, imaginou que era um,
E era apenas mais um o cantor gastador.
Pôs a boca no mundo e cantou todo o dia,
Porém a voz se fatigou talqualmente os vulcões
E não ficou mais que o instrumento.
(ANDRADE, 1966, p. 200).
219
75 Mário de Andrade explica que a polifonia é uma “conquista da poesia modernizante” (1966,
p. 273) significando, “em sentido translato”, “a união artística simultânea de duas ou mais
melodias cujos efeitos passageiros de embates de sons concorrem para um efeito total final
(1966, p. 268). Para o escritor, “a poética está muito mais atrasada que a música. Esta
abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para
enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com rara exceção até meados
do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que
melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento
inteligível.” (ANDRADE, 1966, p. 22).
224
nos traz o violão da modinha e do lundu, da seresta e do choro, dos baixos que
cantam no bordão, do suporte harmônico da canção e do samba. O violão do
terreiro, das ruas, palhoças, dos discos e dos rádios, cujo “reflexo mais imediato
do acolhimento do pinho pelas classes inferiores” corroborou para a
“consagração da identidade entre violão e vadiagem” (TABORDA, 2004, p. 171).
Atado pelos preconceitos e estigmas, “o violão tornou-se símbolo de
inferioridade social e de cultura”, principalmente em relação à pianolatria,
conforme relata Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos:
76 A coluna, seguindo a tendência regionalista, foi publicada no jornal Correio da Manhã e teve
sua repercussão ainda mais ampliada com a realização do concurso “O que é nosso – Grande
concurso carnavalesco de sambas e maxixes”, realizado em fevereiro de 1927. (CORREIO DA
MANHÃ, 1927, p. 12).
77 Trecho da coluna “O que é nosso”, do editorial Correio da manhã, 19 de setembro de 1926,
na página 9.
227
Canção do expedicionário
78 Nesse mesmo ano Oswald de Andrade publica o poema “Cântico dos cânticos para flauta e
violão” dedicado à Maria Antonieta D’Alkmin. Escrito em 1942, e publicado em junho de 1944
como suplemento da Revista Acadêmica, com ilustrações de Lasar Segall, o longo poema
composto por quinze fragmentos marca a última fase da produção poética do autor,
constituindo-se como “um raro exemplo de fusão, de integração poética funcional do eu lírico
com o eu coletivo ou participante.(...) É um poema dedicado à celebração da mulher amada —
poema do amor total, conquistado ao cabo de andanças e lutas, na maturidade da prática da
vida — e também um poema de defesa intransigente e obstinada desse amor, contra tudo e
contra todos, convenções ou pessoas, que a ele se opunham” (CAMPO, 2017).
229
79 “Guilherme de Almeida, autor que compôs a poesia de mais de uma dezena de hinos, teve
carreira e posicionamentos multifacetários. Há muito ainda o que descobrir sobre este
advogado/professor participante da Semana de 22 e muito chegado aos verde-amarelos, cuja
poesia é marcada por tradição, formalismo e “paulistanismo”. Funcionário público toda a vida,
secretário do Interventor Fernando Costa, foi radialista, roteirista e crítico de cinema, e co-
proprietário dos jornais Folha da Noite e Folha da Manhã (1942-1945), no qual trabalhou
Mário de Andrade.” (PEREIRA, 2007, p. 5).
80 “O cantor realizou a gravação original da obra, acompanhado de orquestra e coro, optando
“por interpretá-la como um rapsodo moderno faria, valorizando o texto. A primeira estrofe foi
declamada, e não cantada, terminando a seção bem antes da banda. Ao fazê-lo, por um lado,
rendeu graças ao poeta”. Por outra, saudou o compositor, trouxe seus colegas músicos para o
primeiro plano e evidenciou o arranjo.” Sobre a intencionalidade das escolhas interpretativas,
Fulano ressalta que “a troca de figuras rítmicas, outro recurso seu, respondeu a duas
necessidades. A primeira resposta possibilitou pequenas correções de prosódia feitas às
incongruências da composição e à acomodação das novas sextilhas ao se integrarem na
melodia padrão. A segunda possibilitou que ensaiasse um novo gênero, uma “marcha marcial
230
brasileira”: o jeito de cantar do solista Francisco Alves foi quase o do sambista Chico Viola.”
(PEREIRA, 2009, p. 49).
231
81“Você sabe de onde eu venho?/ Duma casinha que tenho/ Fica dentro de um pomar/ É uma
casa pequeninha,/ Lá no alto da colina,/ De onde se ouve ao longe o mar” (CELESTINO, 2018).
232
82 “Meu companheiro dileto violão/ és meu afeto, és minha consolação/ de tanto roçar meu
peito/ tens hoje o timbre perfeito/ da voz do meu coração” (KBOING, 2018).
83 “Tu não te lembras da casinha pequenina,/ Onde o nosso amor nasceu?/ Tinha um coqueiro
que malandro mora/ otário não tem moradia” (PONTOS DE UMBANDA, 2019).
233
[...] o interesse oficial pelo samba e pelas coisas brasileiras era mais
do que explicito. O aparelho governamental da Era Vargas esteve
muito envolvido com o progresso da nacionalização do samba, desde
o morro à exposição nacional. [...] A vitória do samba era também a
grande sucesso no carnaval do ano seguinte; “Eu trabalhei como um louco / Até fiz calo na
mão / O meu patrão ficou rico / E eu pobre sem um tostão / Foi por isso que agora / Eu mudei
de opinião / Trabalhar, eu não, eu não / Trabalhar, eu não, eu não / Trabalhar, eu não, eu não”
(WISNIK, 1983, p. 185).
235
88“Os diversos embarques dos combatentes e suas chegadas à Itália ocorreram entre julho de
1944 e fevereiro de 1945. O disco com a “Canção do expedicionário” só foi lançado em
outubro. Ou seja, se algum exemplar chegou por lá entre novembro e maio de 1945, não foi a
tempo de ser ensinado à tropa.” (PEREIRA, 2009, p. 51).
236
O poeta, por meio de sua obra, arquitetou um país que resolvera seus
problemas seculares pela união da música popular (uma pátria que eu
tenho no bojo do meu violão) com o sentimento (que de viver em meu
peito foi até tomando jeito deum enorme coração). O Brasil emergente
(o Eu) demonstrava essa nova condição a outras gentes (o Você)
expondo, lado a lado, atraso e modernização, campo e cidade, cultura
de elite e popular. (PEREIRA; ALAMBERT JÚNIOR, 2009, p. 37).
89Verso da canção “Minha Palhoça”, do cantor e compositor carioca Álvaro Nunes, conhecido
por J. Cascata. (PERES, 2019).
237
Esse efeito, criado pela repetição das vogais, também nos traz o som
redondo dos graves do violão, permitindo tanto a recordação de seu timbre
quanto nos remetendo às curvas que estruturam e caracterizam o formato do
instrumento.
Na profunda relação e correspondência entre a produção sonora e o
sentido do poema, ecoam nos versos – por vezes diferentes, por vezes em seu
interior –, a força simbólica do violão. Sua sonoridade se propaga, desdobra-se
e se prolonga através da prosódia, das reiterações e dos aspectos que unificam
música e poesia. No poema, o violão não aparece apenas representado, ele se
faz ouvir. Vejamos, paulatinamente, como atuam esses recursos e evocações.
O poema se inicia com a interjeição “Ah!” já anunciando os sentimentos
de dor e tristeza, mas também exprimindo certa admiração. O choro apresentado
239
90Esse recurso possibilita um efeito semelhante ao construído por Mário de Andrade, conforme
vimos no trecho “reboa, ressoa”, do poema “A adivinha”.
244
91 Como os cegos que viviam em Portugal, andando pelas ruas, tabernas e feiras, vendendo
folhetos, tocando viola e cantando em busca de ajuda e dinheiro.
247
Na estrofe seguinte, ao anunciar “eu vi”, o sujeito lírico revela sua posição
de testemunha, reiterando as associações do instrumento à errância e ao
sofrimento, e dando prosseguimento à descrição dos perfis de quem o toca – e,
por extensão, aos espaços que frequenta. Perpassados pela imagem da
serpente e do inferno, entre tabernas e prostíbulos, entregues aos vícios, os
tísicos – mas maviosos – revelam a fragilidade humana:
92Poema “La Guitarra”, Federico Garcia Lorca publicado na revista VIOLÃO E MESTRES Nº2 ,
1964, p. 45.
252
Se, por um lado, através dos poemas sob o designo de canção, cantiga,
e moda, temos o tom amoroso, sentimental e romântico desse trovador – como,
aliás, é próprio das canções na esfera musical –, por outro, a voz feminina revela
o desejo libertário, transgressor e aberto à experiência amorosa. Distante da
musa resguardada e das obrigações sociais impostas ou esperadas, a mulher
prefere, mesmo que por meio de estratagemas, cuidar de si e ser cortejada,
escolhendo como pretendentes aqueles dedicados ao pinho.
Em seguida, transitamos do amor idealizado ao elogio da vagabundagem,
percorrendo os estigmas que marcaram a trajetória do instrumento. No eixo
BOEMIA, ÓCIO E SEDUÇÃO discutimos as associações entre o violão e o
capadócio, com sua inclinação aos vícios, à indolência e à vida noturna; e
anunciamos o sedutor, filiado à mitológica figura de Don Juan que, tendo no
violão um de seus meios de conquista, passa a representar um perigo à honra,
à moral e aos considerados bons costumes. Sem os sentidos românticos e
duradouros do amor, observamos os impactos do sedutor na figura feminina,
revelando a mulher desiludida, violada e desonrada.
Instrumento de malandros e boêmios, ciganos e capoeiras, o violão
acompanha o sujeito que vive à margem, que foge às convenções e obrigações
sociais. Além das recorrentes referências aos vícios, à vida desregrada e à
indolência, os poemas nos trouxeram a fruição artística e expressiva pela
liberdade que esse modo de vida propicia. Assim, se por um lado, o violonista e
seu instrumento adquiriram sentidos estigmatizados, por outro, evidenciaram
valores que escapam aos esperados pela sociedade. Na convivência dessas
ramificações, por vezes opostas, o instrumento também se equilibra entre amado
e odiado por sua capacidade de encantar, mas também de levar à desonra e ao
abandono.
Pelo acervo poético que constituímos no processo de pesquisa, pudemos
notar que os poemas nos quais o violão integra a figura do sedutor com
características donjuanescas apresentaram uma mudança nas cores e nos tons.
Enquanto no primeiro eixo temático prevaleceu a ideia de amor como
idealização, valor e enlevo, nesse segundo, os poemas se apresentaram com
uma escrita mais lânguida e ardente, suscitando imagens mais sugestivas tanto
da concretização do encontro amoroso e do ato sexual, quanto em relação à
figura feminina que, de pura e angelical, passou a ganhar contornos mais
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às normas sociais e religiosas. Sendo combatido por sua força sedutora e suas
associações ao pecado e ao Diabo, o violão, como uma extensão do sujeito,
deixa entrever não só a potência de seus sons, como também o efeito que causa
nas mulheres. Ele encanta, mas também se transforma em representação de
seus corpos.
Esses arquétipos e figuras estereotipadas não pertencem exclusivamente
ao sexo masculino, porém os poemas demonstraram que a figura feminina
aparece, em geral, como interlocutora e/ou inspiração para a manifestação
poética e musical. Do material pesquisado, tornou-se notável a quantidade
significativamente menor tanto de poemas escritos por mulheres, quanto da
abordagem da figura feminina tocando o instrumento. Esse é um aspecto
importante, pois, apesar da presença da mulher no ofício trovadoresco e do
sucesso alcançado pelo violão entre as jovens senhoritas na década de 20 e nas
mãos de concertistas mulheres, essas atuações raramente apareceram
retratadas nos poemas. Assim, se, por um lado, a escassez revela a importância
dos registros apresentados pela voz ativa e inquieta, por outro, a ausência de
registros nos mostra um silenciamento e um confinamento das expectativas e
restrições à liberdade e expressividade femininas.
No campo das imagens, mais do que o aspecto visual, percebemos
através dos poemas a capacidade de criar representações, acessando
conteúdos emocionais, percepções sensoriais, lembranças e evocações de
sonoridades, espaços, contextos, figuras, ambientes, dentre tantas outras
características suscitadas. O jogo de palavras, a musicalidade, a semântica, os
processos metafóricos, a exploração das sonoridades e dos recursos fonéticos
nos conduziram a imagens que envolvem o violão em suas diferentes facetas,
seja acompanhando a seresta ou encantando as musas, seja adquirindo um
sentido de pátria. De maneira concomitante, o instrumento participou da
construção das cenas poéticas, ao mesmo tempo que sua representação nos
revela a recorrência dessas manifestações em nossa cultura.
Com isso, o poeta, ao utilizar a palavra “violão”, pensa em seu significado
que, ao lermos, somos conduzidos à reconstrução, de maneira instintiva ou
criada, do esboço dessa imagem. Incompletos, mas carregados de sentidos,
lembranças e evocações sinestésicas, vemos o violão e suas cenas sob a ótica
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94Versos da valsa “Lábios que beijei”, de autoria de Leonel Azevedo e J. Cascata, gravada por
Orlando Silva, em 1937.
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