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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP

VIVIAN TAVEIRA AMANCIO BORGONOVE

A Narrativa de Primo Levi: um espaço de memória e


testemunho

ARARAQUARA – S.P.
2012
VIVIAN TAVEIRA AMANCIO BORGONOVE

A NARRATIVA DE PRIMO LEVI: UM ESPAÇO


DE MEMÓRIA E TESTEMUNHO

Monografia de Conclusão de Curso (MCC)


apresentada ao Departamento de Literatura da
Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção
do título de Bacharel em Letras.

Orientador: Profª Drª Claudia Fernanda de


Campos Mauro

ARARAQUARA – S.P.
Borgonove, Vivian Taveira Amancio
A narrativa de Primo Levi: um espaço de memória e testemunho /
Vivian Taveira Amancio Borgonove. – 2012
45 f. ; 30 cm
Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Letras) –
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras,
Campus de Araraquara
ORIENTADOR: CLAUDIA FERNANDA DE CAMPOS MAURO
1. Literatura italiana. 2. Levi, Primo, 1919 – 1987.
I. Título.
VIVIAN TAVEIRA AMANCIO BORGONOVE

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Monografia de Conclusão de Curso (MCC)


apresentada ao Departamento de Literatura da
Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção
do título de Bacharel em Letras.

Linha de pesquisa: Literatura Italiana


Orientador: Profª Drª Claudia Fernanda de
Campos Mauro

Data da defesa/entrega: 14/11/2012

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Profa. Dra. Claudia Fernanda de Campos Mauro


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara

Membro Titular: Prof. Dr. Sergio Mauro


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara

Membro Titular: Doutorando Marco Aurélio Rodrigues


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara

Local: Universidade Estadual Paulista


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Dedico, especialmente, aos meus pais, Antonio e Lourdes, que
tornaram o meu sonho possível e que me apoiaram
incondicionalmente nesta minha jornada.
Ao meu noivo e amor, Luis Felipe, por ter acreditado em mim e por
ter sido a minha fonte de fé.
Aos amigos e familiares que acompanharam de perto esta batalha,
principalmente à Camila que foi a minha outra metade nestes quatro
anos.
Ao meu primo Fernando, em homenagem.
Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Antonio e Lourdes, por serem meu porto
seguro, meu exemplo e meu orgulho e por sempre acreditarem em mim. À minha mãe, por ser
o anjo da minha vida e o alicerce da nossa família. Ao meu pai por ser o meu herói e chefe
guerreiro da casa.
Ao meu irmão, Renato, pelo cuidado silencioso e amor tímido. Por ser àquele que eu
tenho certeza que sempre poderei contar.
Ao meu noivo e amor, Felipe, por me incentivar todos os dias, desde sempre, por não
me deixar desistir, por ser meu exemplo de determinação, força e fé e por me fazer sentir tão
próxima de Deus. Por ter suportado a distância e não ter deixado que ela fosse maior que o
nosso amor.
À minha amiga Camila, por ter sido o meu apoio ao longo dessa jornada. Por
compartilhar comigo, tão de perto, a realização do nosso sonho e por me ajudar a enxergar, a
cada dia, a beleza da profissão que escolhemos. Por ter se tornado a irmã que eu não tive e a
companheira que eu precisava para poder seguir em frente. A professora que serei será reflexo
do que juntas vivemos.
À Nayara, pela amizade sincera, pela vontade de se aventurar e por nunca dizer não.
Pelos momentos inesquecíveis e pela companhia diária.
À Bia, por sermos tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo. Pelas risadas
escandalosas, pelo companheirismo, e pelo carinho sincero.
À Karen, pela sensibilidade e pela força, pela delicadeza e pela determinação, por sua
sinceridade e amizade. Por ter aberto seu coração e me deixado conquistar o meu espaço nele.
À Juliana, pela sua fé e à Mariana por ter tornado os meus dias mais divertidos.
Agradeço por todos os trabalhos e momentos passados juntas.
À Marcela, à Laura e ao Gustavo, por simplesmente existirem e fazerem da minha
vida mais feliz e iluminada.
À minha amiga e cunhada, Camila, por dividir comigo a vida e o amor pela profissão.
À Milly pela companhia durante anos e pelo amor puro e incondicional.
À minha professora e orientadora Claudia por me apresentar a beleza da língua italiana
e por estreitar meus laços com a Literatura. Pelo trabalho realizado e todo apoio concedido.
À Literatura por me mostrar que a vida não é a mesma sem ela.
Voi che vivete sicuri
Nelle vostre tiepide case,
Voi che trovate tornando a sera
Il cibo caldo e visi amici:
Considerate se questo è un uomo
Che lavora nel fango
Che non conosce pace
Che lotta per mezzo pane
Che muore per un sí o per un no.
Considerate se questa è una donna,
Senza capelli e senza nome
Senza più forza di ricordare
Vuoti gli occhi e freddo il grembo
Come una rana d’inverno.
Meditate che questo è stato:
Vi comando queste parole.
Scolpitele nel vostro cuore
Stando in casa andando per via,
Coricandovi alzandovi;
Ripetetele ai vostri figli.
O vi si sfaccia la casa,
La malattia vi impedisca,
I vostri nati torcano il viso da voi.

(LEVI, 1989)
RESUMO

Este trabalho monográfico tem como objetivo a análise da obra Se questo è un uomo,
em que o autor Primo Levi narra suas memórias do tempo em que fora prisioneiro de um
Campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. A análise será feita através de
leituras teóricas acerca da Literatura do Testemunho ou Literatura do Trauma, que traz à
tona uma época de catástrofes fazendo com o que o leitor reviva o Holocausto a partir de um
questionamento da sua relação com o comprometimento com o real.

Palavras – chave: Se questo è un uomo. Primo Levi. Literatura do Testemunho.


ABSTRACT

This monograph aims to analyze the work Se questo è un uomo, in wich the author
Primo Levi narrates his memories about the time when he used to be a prisoner of a
concentration camp during World War II. The analysis will be done through theoretical
interpretations upon Testimony Literature or Trauma Literature, that brings out a time of
disaster, leading the reader to relive the Holocaust from questioning its relation with the
commitment with the real.

Keywords: Se questo è un uomo. Primo Levi. Testimony Literature.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 10
1. CONTEXTO HISTÓRICO: SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ................................................................ 12
2. LITERATURA DE TESTEMUNHO OU LITERATURA DO TRAUMA ................................................ 14
2.1. NARRAR O INENARRÁVEL ...................................................................................................................... 16
2.2. CARACTERÍSTICAS DE UM DISCURSO TESTEMUNHAL ................................................................... 18
3. PRIMO LEVI .................................................................................................................................................. 20
4. SE QUESTO È UN UOMO.............................................................................................................................. 21
5. PREFÁCIO: UMA INTRODUÇÃO AOS RELATOS REAIS E A VERDADEIRA INTENÇÃO DE
LEVI ..................................................................................................................................................................... 22
6. ESTUDO E ANÁLISE DOS CAPÍTULOS DO LIVRO SE QUESTO È UN UOMO ................................ 24
7. O INFERNO DANTESCO COMO METÁFORA PARA AS TRAGÉDIAS DA HISTÓRIA HUMANA
RETRATADA POR LEVI.................................................................................................................................. 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................................. 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 44
10

INTRODUÇÃO

Tendo como objetivo a análise da obra de Primo Levi, Se questo è un uomo, a partir de
leituras teóricas sobre a Literatura do Testemunho, este trabalho se propôs, primeiramente, a
um breve estudo acerca do período histórico em que a obra é inserida, no caso a Segunda
Guerra Mundial, bem como as conseqüências deixadas por ela na história da humanidade.
A Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global que desestruturou a Europa
entre os anos de 1939 e 1945, envolvendo as grandes nações do mundo e, muito do que se
sabe sobre este período da história deve-se a testemunhos de sobreviventes dos campos de
concentração. Primo Levi é um deles e dedica grande parte de sua Literatura a fim de narrar
suas memórias na condição de prisioneiro.
Após este breve panorama histórico e a exposição das conseqüências geradas pela
Segunda Guerra, foi realizado um estudo teórico acerca do reconhecimento da Literatura de
Testemunho, ou Literatura do Trauma, para que este servisse como ferramenta para um
melhor entendimento da análise feita posteriormente sobre o livro Se questo è un uomo.
Como fundamentação teórica para esta pesquisa, foram utilizados, primordialmente, os
estudos realizados pelo crítico literário e professor de Teoria Literária da UNICAMP, Márcio
Seligmann-Silva, que, no cenário brasileiro, foi um dos pesquisadores que deu maior
visibilidade ao estudo da Literatura relacionada ao Holocausto.
A Literatura de Testemunho aborda a relação entre Literatura e realidade e serve como
ferramenta à necessidade que tem o sobrevivente de contar aos outros e torná-los participantes
de sua própria história. Assim, a Literatura apresenta-se como um instrumento para aquele
que deseja vencer a incapacidade de narrar o seu trauma, sendo chamada diante dele para
prestar-lhe serviço.
Depois de abordados temas específicos da Literatura de Testemunho, assunto que
fundamentou este estudo, bem como a exposição das dificuldades encontradas por um
sobrevivente diante de sua necessidade de fala, outros autores, como Dori Laub e Jaime
Ginzburg foram mencionados a fim de explicar a principal característica de um discurso
testemunhal: o seu caráter inenarrável.
Antes de iniciar o estudo de análise detalhada do livro de Primo Levi, foram expostas
informações necessárias sobre o autor e sua obra, sendo um capítulo reservado apenas para
àquela que fez com que Levi fosse considerado um dos maiores escritores da Literatura do
Holocausto, objeto de estudo desta monografia.
11

Finalmente, Se questo è un uomo foi analisado detalhadamente, sendo a análise


dividida pelos capítulos a fim de que nenhuma informação fosse esquecida. A escolha da
análise feita através dos capítulos se deu por conta de a obra ser classificada de fragmentária
por Levi , com ausência de ligação entre os capítulos.
Por fim, o último capítulo foi dedicado a um estudo comparativo entre a obra
analisada neste trabalho e a Divina Comédia de Dante Alighieri, tomando como principal
exemplo desta comparação o capítulo intitulado de Il canto di Ulisse do livro Se questo è un
uomo.
Neste capítulo, Levi, com o intuito de ensinar um pouco de italiano a um
companheiro, tenta, com dificuldade, resgatar em sua memória alguns versos citados por
Dante Alighieri em sua Divina Commedia. Ao retratar uma crescente desumanização do ser
humano, a poesia, mesmo que fragmentada quanto às lembranças de Levi é a única capaz de
oferecer à narrativa algo de humano, por isso, a importância deste capítulo e a associação das
memórias de Levi com a narrativa de Dante.
12

1. Contexto histórico: Segunda Guerra Mundial

Este trabalho tem como objetivo analisar, através da obra Se questo è un uomo, temas
específicos da Literatura de Testemunho, bem como o foco dado à sua Literatura por um
sobrevivente de um campo de concentração.
Para isso, portanto, é preciso fazer um breve resumo da história a fim de conhecermos
o contexto em que grande parte da Literatura de Primo Levi é voltada, no caso a Segunda
Guerra Mundial e as conseqüências e feridas deixadas por ela na história mundial.
Reportemo-nos até o início do século XX, mais ou menos entre as décadas de 30 e 40,
em que as disputas por territórios em grande parte da Europa deram origem a primeira grande
guerra.
O século XX, especificamente o seu período posterior às guerras mundiais, bem como
a chegada dos regimes totalitários em diversas regiões do mundo ficou marcadamente
conhecido como a era das catástrofes.
A Europa, em especial, viveu um período de conturbações em relação à sua política
social e econômica e, apesar de sua quase total destruição, conseguiu se reerguer com um
forte sentimento nacionalista.
Pode-se dizer que foi deste sentimento nacionalista exacerbado que nasceu a vontade
de dominar e de vencer a qualquer custo. O poder e a ganância novamente fizeram originar
outra guerra, desta vez muito mais sangrenta, injusta e violenta: a Segunda Guerra Mundial.
A Segunda Guerra Mundial, a que nos interessa neste trabalho, foi um conflito militar
global que teve início no ano de 1939 e foi até o ano de 1945, envolvendo a maioria das
nações do mundo, incluindo todas as grandes potências.
Esta pode ser considerada a guerra mais abrangente da história, em que os principais
países envolvidos dedicaram toda sua capacidade econômica, industrial e cientifica a serviço
dos esforços da guerra.
Este período da história foi marcado por um número significante de ataques, sendo
considerado o conflito mais letal da história da humanidade, com aproximadamente mais de
setenta milhões de mortos, em que, pela primeira vez, armas nucleares foram utilizadas em
um combate.
No período antecedente a Segunda Guerra Mundial e durante ela, muitos adeptos ao
sistema ditatorial despontaram, dentre eles Adolf Hitler. Este adotava atitudes totalitárias e
pregava a supremacia da raça ariana, fazendo com que fossem condenados milhares de judeus
ao exílio e aos campos de concentração.
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Considerada uma das mais importantes ações da Alemanha nazista e muito


determinante para o que viria a seguir, a chamada Noite dos Cristais anunciou o que os judeus
sofreriam desta data em diante. Esta noite ocorreu no mês de Novembro do ano de 1938 em
diversos locais da Alemanha e da Áustria, que se mantinha sob domínio nazista, e foi marcada
por diversos atos de violência. Tais agressões envolveram, principalmente, destruições de
sinagogas, estabelecimentos e habitações e também agressões contra pessoas que eram
identificadas judias.
A perseguição contínua aos judeus, que se estendeu a diversos países da Europa,
inclusive na Itália através do totalitarismo de Mussolini, adepto às ideias de Hitler, era
justificada pelos nazi-fascistas como uma necessidade biológica. Para eles, a raça superior
ariana devia lutar contra e vencer os parasitas, como eram chamados os judeus, o que
impediria qualquer forma de miscigenação, sinônimo de decadência da civilização. Era
imposta à população, então, a purificação e hegemonia da raça ariana.
Com o advento desta política totalitária, foi criada uma política anti-semita. Esta tinha
como foco principal os judeus, entretanto, não poupou também negros, homossexuais,
comunistas e pessoas com doenças mentais.
Podemos concluir que este nacionalismo exacerbado que pôde ser observado em
países como Alemanha e Itália, por exemplo, estava totalmente ligado a um sentimento racista
e excludente. É impressionante notar como um país tão rico intelectualmente- no caso a
Alemanha- e também outros, pôde se deixar influenciar pelas ideias de ditadores como Hitler
e Mussolini que, com grande fascínio, conseguiram dominar toda uma nação.
As leis anti-semitas, mencionadas acima, restringiam os direitos dos judeus, principais
alvos do nazi-fascismo, e foram proibidos, por exemplo, de adquirir bens e de utilizar os
serviços públicos, além de serem obrigados a utilizarem algo que os identificasse mais
facilmente como pessoas não quistas.
Após a divulgação destas leis, houve inicio o processo de confinamento nos campos de
concentração, lugar em que os prisioneiros eram submetidos às piores condições de
sobrevivência.
Contrariando as expectativas dos alemães, houve aqueles que sobreviveram à tamanha
catástrofe e puderam nos dar seus testemunhos por meio de relatos que instigam uma reflexão
sobre a noção de Literatura que será trabalhada mais adiante neste trabalho.
14

2. Literatura de Testemunho ou Literatura do Trauma

Como fundamentação teórica para este trabalho de reconhecimento da Literatura de


Testemunho, e como apoio para trabalhar o trauma na obra de Primo Levi Se questo è un
uomo, a pesquisa foi baseada, sobretudo, nos estudos teóricos apresentados por Márcio
Seligmann-Silva que, no cenário brasileiro, foi um dos pesquisadores que deram maior
visibilidade ao estudo da Literatura relacionada ao Holocausto.

A literatura de testemunho é mais do que um gênero: é uma face da literatura


que vem à tona na nossa época de catástrofes e faz com que toda a história
da literatura – após 200 anos de auto-referencia- seja revista a partir do
questionamento da sua relação e do seu compromisso com o real
(SELIGMANN-SILVA, 2005, p.377)

Márcio Seligmann-Silva, critico literário, professor de Teoria Literária da UNICAMP


e grande estudioso sobre essa Literatura da qual trato neste trabalho, aborda o tema sob duas
perspectivas, pois, se de um lado temos a necessidade premente de um sobrevivente de narrar
suas experiências, do outro, temos a percepção tanto da insuficiência da linguagem diante dos
fatos vivenciados, considerados até inenarráveis, como também a percepção do caráter
inimaginável dos mesmos e da sua consequente inverossimilhança.
Trabalhando o real e o trauma, a literatura de testemunho aborda a relação entre
literatura e “realidade”, esta colocada entre aspas já que o autor, não necessariamente, se serve
de suas próprias experiências para narrar algum fato, como é o caso de outros autores como
Edith Bruck, húngara residente na Itália, que além de fazer seu próprio testemunho como
sobrevivente de Auschwitz, utiliza-se também, em seus contos, isto é, da ficção a fim de
construir a história de suas personagens. Segundo Seligmann:

Essa linguagem entravada, por outro lado, só pode enfrentar o real equipada
com a própria imaginação: por assim dizer, só com a arte a intraduzibilidade
pode ser desafiada- mas nunca totalmente submetida (SELIGMANN-
SILVA, 1999, p.41)

Para construir essa noção de “real”, é importante dizer que ela não pode ser
confundida com “realidade”, de acordo com a perspectiva do pensamento romântico realista e
naturalista, pois o que interessa, aqui, é a noção de “real” sendo compreendido de acordo com
as ideias freudianas de trauma, de um evento que resiste à representação.
15

Na literatura de testemunho não se trata mais de imitação da realidade, mas


sim de uma espécie de ‘manifestação’ do ‘real’. É evidente que não existe
uma transposição imediata do ‘real’ para a literatura: mas a passagem para o
literário [...] (SELIGMANN-SILVA, 2005, p.386)

Um sobrevivente de um campo de concentração nazista, por exemplo, traz na memória


sua experiência totalmente viva e, junto com ela, uma necessidade e desejo de narrá-la.
Entretanto, acaba descobrindo uma grande fronteira entre sua necessidade de contar os fatos e
a insuficiência da linguagem, já que sua memória ainda vive presa em Auschwitz, por
exemplo.
A Literatura do Trauma possibilita a quem narra a tradução de algo não vivido, de algo
não visto, porém sentido e imaginado por ele, capaz de atingir os vários níveis de
representação, por exemplo, da morte, do sofrimento, e das vivências de alguém que se
tornam essenciais para a memória do Holocausto.
Jorge Semprún, sobrevivente de um dos campos de concentração, narra suas
experiências fazendo uso do romance, e mistura seu testemunho a um enredo que aproxima
ficção de realidade. Mas, ao falar sobre essa polêmica Literatura, ele insiste em dizer que é
necessário um registro ficcional dos fatos no que diz respeito à representação dos eventos nos
campos de concentração, afirmando, ainda, que apenas a imaginação pode dar conta daquilo
que escapa ao conceito.
Dessa forma, só com a imaginação seria possível ultrapassar a realidade, pois, segundo
Seligmann, só com a arte a intraduzibilidade pode ser desafiada, já que um autêntico
sobrevivente, talvez, nunca seria capaz de narrar com tanta precisão e detalhes o que foi o
Holocausto na nossa história.
Antes de mais nada, Márcio Seligmann-Silva, em seu texto Narrar o trauma- a
questão dos testemunhos de catástrofes históricas, coloca o testemunho como uma
necessidade absoluta. Para tanto, ele cita Primo Levi, em seu livro, o qual trato neste trabalho,
Se questo è un uomo, valendo-se da ideia acrescentada por este da necessidade de testemunhar
e de sua implícita dialogicidade:

A necessidade de contar ‘aos outros’, de tornar ‘aos outros’ participantes,


alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato
e violento, até o ponto de competir com outras necessidades elementares
(LEVI, 1988, p.7)
16

Márcio Seligmann-Silva, seguindo, então, as palavras de Levi, caracteriza o


testemunho como uma atividade elementar, no sentido de que dela depende a sobrevida
daquele que retorna do campo de concentração ou de outra situação radical de violência que
implica esta necessidade, ou seja, que acaba desencadeando a carência absoluta de narrar.
(SELIGMANN-SILVA, 2008, p.66)
Quando Levi utiliza as aspas para referir-se “aos outros” e “os outros”, segundo
Seligmann, é para trazer ao leitor o sentimento de barreira que existia entre o sobrevivente e
“os outros”, barreira esta que era capaz de isolar o sujeito da convivência com os demais
companheiros. A narrativa, neste caso, pode ser vista como um desafio ao tentar estabelecer
uma ponte com estes “outros”, além de ter a capacidade de resgatar o sobrevivente do “sítio
da outridade” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p.66), rompendo com os muros do Lager.
Segundo Seligmann: “Narrar o trauma, portanto, tem em primeiro lugar este sentido
primário de desejo de renascer” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p.66)
Em uma tentativa de explicar e dar sentido à expressão contida no título de sua
conferência Catástrofes históricas, Seligmann diz que em situações como genocídios ou
perseguições violentas em massa, como é capaz de definir também o termo Holocausto, “a
memória do trauma é sempre uma busca de compromisso entre o trabalho de memória
individual e outro construído pela sociedade”. (SELIGMANN-SILVA, 2008, p.67)

2.1. Narrar o inenarrável

Dori Laub (1995), em seu importante ensaio que tinha como tema o testemunho de
Shoah, destacou a questão da impossibilidade de narrar, já que, segundo ele, o Holocausto foi
“um evento sem testemunha” (1995, p. 65).
Na pele de um próprio sobrevivente do Holocausto, já que Laub esteve no Lager
quando criança, o autor destaca a impossibilidade da narrativa diante da necessidade que o
sobrevivente tem de se afastar de um evento tão contaminante, para, enfim, poder dar vida a
um testemunho lúcido e íntegro.
Primo Levi, sobrevivente do Lager, o qual escreve suas memórias no livro Se questo è
un uomo, objeto de estudo desta monografia, também destacou a impossibilidade de se atingir
a plenitude do testemunho.
Levi acredita que aqueles que conseguiram dar parte de seu testemunho foram os que
mantiveram uma certa distância do evento presenciado, ou seja, não deixaram que o mesmo o
17

conduzisse assim como ocorreu com a maioria dos que passaram e morreram nos campos de
concentração.
Na introdução do volume Os afogados e os sobreviventes, Primo Levi destaca as
limitações dos testemunhos:

A história do Lager foi escrita quase exclusivamente por aqueles que, como
eu próprio, não tatearam seu fundo. Quem o fez não voltou, ou então sua
capacidade de observação ficou paralisada pelo sofrimento e pela
incompreensão (LEVI, 1990, p.5)

O trauma, portanto, mostrado aqui como uma barreira diante da necessidade de narrar
a sofrida sobrevivência no Lager, é caracterizado por ser uma memória de um passado que
não passa, que não pode ser superada. Levi acrescenta que, enquanto escrevia, não estava
certo de que os fatos aconteceram realmente, já que o teor da irrealidade é característico
quando se trata da percepção da memória do trauma.
Esta impossibilidade e incapacidade de narrar o inenarrável gera também uma dúvida
no próprio sobrevivente quanto à verossimilhança do seu testemunho. Ainda preso no campo
de concentração, Levi sonhava e imaginava o seu público ouvinte e já tinha a sensação da
inverossimilhança gerada por seu depoimento e a conseqüente acusação de mentiroso que o
esperava.
Diante da necessidade de encontrar um meio para que estes fatos viessem a ser
conhecidos e narrados, a Literatura apresenta-se como ferramenta para aquele que deseja
vencer a incapacidade de narrar o trauma, sendo chamada diante dele para prestar-lhe serviço.
Jaime Ginzburg, em seu texto Linguagem e trauma na escrita do testemunho, também
apresenta uma discussão a respeito da dificuldade de narrar os acontecimentos quando estes
estão ligados à uma memória traumática. Segundo ele, o narrador testemunhal pode ser
examinado como alguém que entra em confronto com um senso de ameaça constante por
parte da realidade.
Voltando aos relatos de Primo Levi e resgatando algumas ideias discutidas por Márcio
Seligmann-Silva, Ginzburg diz que Levi nos oferece um paradigma fundamental do
testemunho, já que, sendo um sobrevivente dos horrores causados pela Segunda Guerra
Mundial, seus relatos guardam um teor que combina perplexidade e necessidade de fala. No
papel do sobrevivente, o escritor Primo Levi trabalha a linguagem como uma condição e uma
possibilidade de ultrapassagem do contato com a morte.
Segundo Ginzburg, o relato feito por Levi encontra-se em um “ponto tenso entre a
memória e esquecimento, uma vez que o reencontro com o que foi vivido pode trazer, em seu
18

interior, um risco de repetição do sentido de dor” (GINZBURG, p.2). Oferecer o seu


testemunho significa, portanto, relatar a proximidade da morte.
Citada acima como prestadora de serviços à necessidade diante da incapacidade de
narrar o trauma, a Literatura tem um papel essencial de oferecer memória àqueles que não
sobreviveram, isto é, a Literatura, de certa forma, assume a função de arquivo, de memorial e
de museu. Assim, o ato de escrever é uma forma de dar túmulo aos mortos, oferecendo-lhes a
dignidade que lhes foi tirada, para que não sejam esquecidos.
Juntamente com a necessidade de narrar o trauma, há que ser considerada a
insuficiência da linguagem. De acordo com Seligmann-Silva, o ato de testemunhar depara-se
com uma ambigüidade: “por um lado, a necessidade de narrar o que foi vivido, e por outro, a
percepção de que a linguagem é insuficiente para dar conta do que ocorreu”. (SELIGMANN-
SILVA, 2003, p.46)

2.2. Características de um discurso testemunhal

Em seu livro intitulado O local da diferença: Ensaios sobre memória, arte, literatura
e tradução, Márcio Seligmann-Silva enumera as principais características presentes no
discurso testemunhal: 1) o evento; 2) a pessoa que testemunha; 3) o próprio testemunho; 4) a
cena do testemunho; e 5) a literatura de testemunho.
Colocando como primeira característica que deve ser cuidadosamente notada em um
discurso testemunhal, a Shoah aparece como o evento central da teoria do testemunho por
conta da sua radicalidade e conseqüente singularidade que a impede de ser comparada a
outras catástrofes. Seligmann-Silva faz a seguinte colocação acerca do que envolve a
narração de um evento como a Shoah: “Devido à singularidade/unicidade da Shoah ela estaria
para além de toda compreensão” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p.83)
Não só a Shoah, mas o evento catastrófico de maneira geral tem que ser visto como
algo singular, pois, mais do que em qualquer outro evento histórico, devemos considerar o
ponto de vista das vítimas e das pessoas nela envolvidas, não podendo reduzir-se em termos
do discurso.
A importância , bem como a intensidade do evento, tratada aqui como ponto principal
de um discurso testemunhal, deixa marcas profundas, não só nos sobreviventes, mas também
em seus contemporâneos, pois é retratado como algo que vai além da nossa capacidade de
apreensão, o que exige, por consequência, uma revisão dos conceitos básicos que dirigem
nossa relação com o passado.
19

Por conta disso, Márcio Seligmann-Silva explica que a questão discutida aqui acerca
da representação da Shoah fez com que a Teoria Literária se aproximasse da Historiografia e
que esta procurou abordagens psicanalíticas, além, também, da teoria do conhecimento.
Em segundo lugar, sendo considerada também como importante característica do
discurso testemunhal, fazemos um recorte na pessoa que testemunha, sendo que esta pode ser
considerada como testemunha primária que normalmente é aplicada ao sobrevivente do
evento citado acima.
Entretanto, muitos autores também consideram a figura da pessoa que testemunha
como secundária, no sentido de que esta conta a sua versão dos fatos. Além disso, por conta
do trauma vivido e também de fatores já citados anteriormente como a insuficiência da
linguagem, não conseguindo dar conta do vivido devido à dimensão da catástrofe, somos
levados a um outro sentido e origem de testemunha como superstes, ou em grego, mártir, que
significa sobrevivente.
Enumerado como terceira característica do discurso do testemunho, temos o próprio
testemunho e sua conseqüente literalização e fragmentação.
Segundo Seligmann-Silva, a literalização consiste na incapacidade da tradução de
algo vivido através de imagens ou metáforas. Podemos entendê-la de forma mais clara se nos
reportarmos ao sobrevivente, em termos psicanalíticos, como alguém que porta uma
recordação do momento de choque de maneira mecânica e involuntária.
Já a fragmentação consiste na incapacidade de enumerar os fatos em uma cadeia
contínua, pois o testemunho pode ser visto como uma tentativa de reunir os fragmentos
oferecendo um nexo e um contexto aos mesmos. A fim de elucidar esta fragmentação
encontrada no testemunho, podemos pensar nas memórias de Primo Levi, em Se questo è un
uomo, que não seguem uma ordem cronológica e são contadas de forma fragmentada de
acordo com o que lhe vem à memória, segundo o próprio Levi cita em sua obra.
A cena do testemunho aparece como a quarta característica e pode ser comparada à
cena de um tribunal em que o testemunho cumpre um papel de justiça histórica, como se ele
estivesse falando por todos aqueles que não sobreviveram à catástrofe, contando ao mundo
algo que muitos não tiveram a oportunidade de fazer.
Já em relação à quinta característica, a própria Literatura do Testemunho, trata-se,
segundo Seligmann-Silva, do conceito de testemunho e da forte presença desse elemento ou
teor testemunhal nas obras de sobreviventes ou de autores que enfocam catástrofes. Primo
Levi é citado aqui como parte do cânone testemunhal da Shoah.
20

3. Primo Levi

Nasceu em Turim, no dia 31 de julho do ano de 1910, e morreu em 11 de abril do ano


de 1987, foi um químico e escritor italiano.
Levi concluiu sua vida escolar em 1937 e entrou para a Universidade de Turim onde
estudou química. Entretanto, no ano de 1938, o governo fascista aprovou as leis raciais que
proibiam cidadãos judeus de frequentarem escolas públicas. Apesar de seu desempenho, como
resultado destas novas diretrizes, Levi teve dificuldade em encontrar um orientador para sua
tese. Mesmo assim, ele conseguiu se formar no ano de 1941, mas seu diploma foi marcado
com a expressão “raça judia”. As leis raciais também impediram que o escritor encontrasse
uma ocupação permanente na faculdade, depois de formado.
No ano de 1944, Primo Levi foi transportado, juntamente com outros prisioneiros para
Auschwitz, onde permaneceu durante onze meses até ser libertado pelo Exército Vermelho.
Dos seiscentos e cinqüenta judeus italianos que foram levados com Levi, apenas vinte
sobreviveram.
Primo Levi sobreviveu por conta de uma série de fatores. Ele sabia um pouco de
alemão por conta das publicações sobre química que lia e a sua profissão foi de grande ajuda,
pois em novembro do ano de 1944 ele passou a trabalhar como assistente no laboratório que
pesquisava um novo tipo de borracha sintética. Assim, ele conseguiu ao menos se manter
aquecido durante o inverno.
Levi fez parte do que se pode chamar de cânone da Literatura Memorialística do
Holocausto, pois passou a se dedicar à Literatura após ser libertado do campo de concentração
e foi reconhecido, sobretudo, por seus livros de memória.
No ano de 1966 o escritor publica, com seu pseudônimo Damiano Malabaila, uma
coletânea de contos intitulada Storie Naturali, em que se reúnem contos escritos, sobretudo,
entre os anos de 1952 a 1964.
Tais contos podem ser considerados uma das primeiras manifestações da vocação do
autor para a narrativa de ficção, quando se trata de pura invenção. Após se descobrir escritor,
diante da experiência vivida no campo de concentração, Levi descobre uma familiaridade com
a Literatura de Ficção, passando a produzir obras que oscilam entre a narrativa de caráter
autobiográfico e aquela de cunho puramente ficcional.
Primo Levi tornou-se, então, também um escritor de ficção, entretanto, ainda hoje, é
muito mais reconhecido pelas suas memórias. O livro Se questo è un uomo, trabalhado neste
estudo, faz parte de uma trilogia chamada de memorialística composta por outros dois livros:
21

La trégua (1963), que conta a longa jornada enfrentada por Levi após a sua libertação do
Campo e I sommersi e i salvati (1986), que é uma expansão do capítulo que recebe o mesmo
nome inserido em Se questo è un uomo.

4. Se questo è un uomo

Se questo è un uomo foi escrito entre os anos de 1945 e 1947, um ano apenas após a
libertação de Levi de Auschwitz, durante o processo em que o químico viu-se diante da
necessidade de refazer-se humano para então incorporar o narrador de suas memórias. A
criação da obra ocorreu a partir das experiências vividas pelo autor durante a Segunda Guerra
Mundial sendo um meio de Levi tentar compreender a própria condição, a de sobrevivente.
Levi entendeu que sobreviver não significava apagar as marcas profundas deixadas pelo
movimento nazista, e se vendo diante da necessidade de ter que conviver com elas, registrou
tudo como uma forma de libertar-se e também de ser a voz daqueles que não sobreviveram.
Como abertura de suas memórias, Levi apresenta ao leitor um poema homônimo ao
livro que antecipa a questão que servirá de caminho para toda a reflexão gerada no livro: É
isto um homem? É isto uma mulher? (LEVI, 1988, p.9)
Já no prefácio, que veremos mais detalhadamente no capítulo a seguir, Levi apresenta
suas verdadeiras intenções diante da ideia de relatar suas memórias, acrescentando, ainda, que
trata-se de uma obra fragmentária, cujos capítulos seguem apenas a ordem de sua memória,
sendo todos verídicos.
Durante todo o livro é possível perceber que narrador e autor se confundem, pois,
diante dos relatos e características que nos mostram uma personagem que sofre o processo de
desumanização a cada dia, tornando-se, não mais um homem, mas um número, temos a
consciência do narrador que insere a consciência em seus relatos.
O objetivo primeiro da narrativa Se questo é un uomo, portanto, foi de fornecer relatos
para um estudo dos aspectos da alma humana, mesmo estando diante do que possa parecer
incompreensível. Para isso, Levi nos forneceu a descrição da estrutura do Campo em seus
detalhes em 17 capítulos, considerados pequenos ensaios, já que não seguem uma ordem
cronológica.
Os capítulos são construídos de modo que o leitor possa refletir sobre a condição
daqueles homens e mulheres, personagens reais a que Levi emprestou da história dos Campos
para poder narrar suas memórias.
22

Segundo Cesare Segre, ao dissertar acerca da ideia da impossibilidade de se fazer


literatura com o tema Holocausto, em seu ensaio intitulado Il trágico e la Shoah nel romanzo
del Novecento, Se questo è un uomo pode ser definido como a descrição de uma luta entre
executores e prisioneiros diante da tentativa de desumanização sistemática destes.
Na visão de Segre, o Lager pode ser considerado um laboratório social para Levi, que
se concretizou a partir da escritura de suas memórias como uma forma de terapia para e de
entendimento das ações ocorridas ali.
Apesar do seu caráter fragmentário, é possível identificar três caminhos percorridos
por Levi na narrativa de Se questo è un uomo: a memória da violência, o complexo do
sobrevivente e as causas da sobrevivência.
O primeiro caminho percorrido por Levi, a memória da violência, na organização de
seus relatos, deixa claro ao leitor a sua necessidade que tem de contar aos outros o que viveu
durante o tempo passado no Campo.
O complexo do sobrevivente aparecerá no livro relacionado ao sentimento de culpa
sentido pelo narrador-personagem por ter sobrevivido no lugar dos outros, o que lhe
imprimirá a necessidade de ser também a voz daqueles que tiveram as suas caladas pelo triste
fim que os campos de extermínio lhes proporcionou.
O último caminho percorrido por Levi em Se questo è un uomo faz com que ele narre
as causas de sua sobrevivência, imprimindo aos seus relatos uma reflexão das atitudes que
deviam ser tomadas no Campo para que não tivesse o fim da maioria.

5. Prefácio: Uma introdução aos relatos reais e a verdadeira intenção de Levi

Primo Levi diz que foi deportado para Auschwitz somente no ano de 1944, quando,
justamente, o governo alemão resolveu prolongar a vida média dos prisioneiros e também
suspendendo, temporariamente, as matanças arbitrárias. Esta confissão de Levi já oferece ao
leitor indícios dos motivos que contribuíram para que ele estivesse no pequeno grupo de
sobreviventes da grande catástrofe que foi a Segunda Guerra Mundial.
Ainda no prefácio, Levi enfatiza que seu livro não acrescentará nada de novo ao que já
é bem conhecido, segundo ele, dos leitores acerca dos campos de concentração, excluindo
qualquer possível caráter de denúncia da obra, já que sua intenção é apenas narrar suas
memórias.
É interessante notar que Primo Levi anuncia ao seu leitor que a concepção do livro já
havia nascido nos dias vividos por ele no campo de concentração e, por isso, pede desculpas
23

pelos defeitos estruturais que são conscientes, segundo ele. A concepção de que o livro já
havia nascido anteriormente remete à necessidade que Levi tinha de contar aos outros as
barbaridades a que fora submetido, que somente foi concretizada na ideia de organizar suas
memórias em forma de um relato, objetivo principal da obra.
Neste prefácio, a partir da confissão feita ao leitor, de que as memórias não seguem
uma ordem cronológica e que foram escritas conforme a urgência, comprova-se o que já foi
discutido anteriormente neste estudo acerca das características encontradas em depoimentos
testemunhais, que diz que a fragmentação consiste na incapacidade de enumerar os fatos em
uma cadeia contínua.
Sobre sua necessidade de narrar suas memórias e explicando um pouco acerca do
caráter fragmentário da obra, Levi diz:

Mi rendo conto e chiedo vênia dei difetti strutturali del libro. Se non di fatto,
come intenzione e come concezione esso è nato già fin dai giorni di Lager. Il
bisogno di raccontare agli ‘altri’, di fare gli ‘altri’ partecipi, aveva assunto
fra noi, prima della liberazione e dopo, il carattere di un impulso immediato
e violento, tanto da rivaleggiare con gli altri bisogni elementari: il libro è
stato scritto per soddisfare a questo bisogno; in primo luogo quindi a scopo
di liberazione interiore. Di qui il suo carattere frammentario: i capitoli sono
stati scritti non in successione logica, ma per ordine di urgenza. Il lavoro di
raccordo e di fusione è stato svolto sua piano, ed è posteriore. (LEVI,
1989)1

No prefácio, portanto, Primo Levi anuncia que fará um estudo sereno dos dias em que
viveu no Campo, não se comprometendo com a função de denuncia, como já dito
anteriormente. Focando-se nos seus relatos e tentando ser imparcial, mesmo que não consiga
em todo o tempo, Levi expõe o quanto ameaçadora a figura de um estrangeiro pode ser,
colocando-se como exemplo vivo desta afirmação. Segundo ele, cada estrangeiro é um
inimigo, e quando isto passa a ser a fonte dos problemas, e o dogma passa a ser premissa
maior de um silogismo, temos a última conseqüência: o Campo de Extermínio.

1
“Sou consciente dos defeitos estruturais do livro e peço desculpas por eles. Se não de fato, pelo menos como
intenção e concepção o livro já nasceu nos dias do Campo. A necessidade de contar ‘aos outros’, de tornar ‘os
outros’ participantes, alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato e violento, até
o ponto de competir com outras necessidades elementares. O livro foi escrito para satisfazer essa necessidade
em primeiro lugar, portanto, com a finalidade de libertação interior. Daí, seu caráter fragmentário: seus capítulos
foram escritos não em sucessão lógica, mas por ordem de urgência. O trabalho de ligação e fusão foi planejado
posteriormente.” (LEVI, 1988)
Observação: Todas as traduções que serão feitas neste trabalho foram retiradas da versão em português LEVI,P.
É isto um homem?. Rio de Janeiro: Rocco,1988.
24

Como necessidade primeira de se libertar do trauma que sofreu por ser um estrangeiro
aos olhos de quem o submeteu aos piores dias de sua vida, Levi utiliza-se da Literatura como
terapia para simplesmente tentar espantar as sombras do passado. Ao fim do prefácio, Levi
termina dizendo: Mi pare supérfluo aggiungere che nessuno dei fatti è inventato. (LEVI,
1989)2
No capítulo seguinte analisarei os capítulos da maneira que estão dispostos no livro,
segundo a obra de urgência citada por Levi.

6. Estudo e análise dos capítulos do livro Se questo è un uomo

O primeiro capítulo do livro Se questo é un uomo, intitulado de Il viaggio3, pode ser


considerado como introdutório ao restante do livro e, nele, Primo Levi narra a sua viagem e
chegada ao lugar de cenário de seu pesadelo por quase um ano. Levi conta que foi detido pela
Milícia fascista no dia 13 de dezembro do ano de 1943, aos vinte e quatro anos, e que somente
em fins de janeiro de 1944 chegou a Fossoli, perto de Módena, primeiro campo de
concentração que ficara instalado temporariamente.
No dia 22 de fevereiro todos os prisioneiros, sem exceção, foram convocados a
prepararem-se para uma viagem que duraria quinze dias. Neste momento, Primo Levi
imprime a primeira vez que tivera certeza de que deveriam despedir-se do que lhes fossem
mais convenientes, já que partir significava caminhar em direção a morte.
Segundo ele, cada um se despediu da vida da maneira como achava conveniente
naquele momento:
Ognuno si congedò dalla vita nel modo che piú gli si addiceva. Alcuni
pregarono, altri bevvero oltre misura, altri si inebriarono di nefanda ultima
passione. Ma le Madri vegliarono a preparare com dolce cura il cibo per il
viaggio, e lavarono i bambini, e fecero i bagagli, e all’alba i fili spinati
erano pieni di biancheria infantile stesa al vento ad asciugare; e non
dimenticarono le fesce, e i giocattoli, e i cuscini, e le cento piccole cose che
esse ben sanno, e di cui i bambini hanno in ogni caso bisogno. Non fareste
anche voi altrettanto? Se dovessero uccidervi domani col vostro bambino,
voi non gli dareste oggi da mangiare? (LEVI, 1989, p.13)4

2
“Acho desnecessário acrescentar que nenhum dos episódios foi fruto de imaginação.” (LEVI, 1988)
3
A Viagem.
4
“Cada um se despediu da vida de maneira que lhe era mais convincente. Uns rezaram, outros se embebedaram;
mergulharam alguns em nefanda, derradeira paixão. As mães, porém, ficaram acordadas para preparar com
esmero as provisões para a viagem, deram banho nas crianças, arrumaram as malas, e, ao alvorecer, o arame
farpado estava cheio de roupinhas penduradas para secar. Elas não esqueceram as fraldas, os brinquedos, os
travesseiros, nem todas as pequenas coisas necessárias às crianças e que as mães conhecem tão bem. Será que
25

Neste momento, o primeiro de muitos em que Levi invocará a consciência do leitor, a


grande questão é: Será que vocês, leitores, não fariam o mesmo? Tal indagação é importante
se retomarmos a reflexão já feita anteriormente acerca das dificuldades encontradas pelo
sobrevivente no que se refere à elaboração de seu discurso por conta da insuficiência da
linguagem. Já que esta não é capaz de descrever os momentos terríveis e desumanos passados
por Levi e seus companheiros, o leitor é chamado para colocar-se no lugar das vítimas a fim
de que sejam entendidos, além de sentidos, mesmo que minimamente, os relatos narrados.
Este questionamento feito por Levi aos seus leitores talvez seja uma tentativa de tornar ainda
mais verídica sua história, além de aproximar, como já dito, o restante do mundo da dor e do
desespero apenas sentidos por aqueles que morreram ou sobreviveram às barbaridades a que
foram submetidos.
Assim como o questionamento ao leitor e o chamamento deste para mais próximo da
história narrada, Primo Levi imprimirá neste primeiro capítulo a grande pergunta que servirá
de mote para a reflexão que o autor nos convida a fazer diante de seus relatos: É isto um
homem? A resposta para tal questionamento será a própria narração e a mesma aparece pela
primeira vez quando, na primeira contagem feita pelos alemães, assim que desembarcam do
trem, os judeus foram chamados de “peças”.
Ao desembarcarem em Monowitz, perto de Auschwitz, os prisioneiros eram
submetidos a algumas perguntas, dentre elas se eram sãos ou doentes e as respostas indicavam
diferentes direções e, consequentemente, diferentes destinos. Como veremos mais adiante, por
tratar-se de um campo de trabalho, como bem defendiam os alemães, a resposta para tal
pergunta era decisiva, pois alguém doente nada tinha a oferecer.
Podendo ser considerado uma das ironias presentes em seu relato, Levi descreve o
momento em que chegara ao campo silencioso como um aquário e certas cenas de sonho. É
como se o ambiente que encontraram no momento em que desembarcaram do trem não
condissesse com o desespero, medo e caos que, sem dúvida, habitava a mente e os corações
de todos ali presentes.
O segundo capítulo é intitulado como Sul Fondo5e tem como início a descrição de uma
imagem marcante para Primo Levi, esta, que segundo ele, o atormenta ainda hoje nos sonhos.
A imagem descrita é a de uma frase, localizada em cima de um grande portão, que dizia:
ARBEIT MACHT FREI- o trabalho liberta. Para muitos, em situações diversas, tal frase não

vocês não fariam o mesmo? Se estivessem para ser mortos, amanhã, junto com seus filhos, será que hoje não
lhes dariam de comer?”(LEVI, 1988, p.14)
5
No fundo
26

carregaria o sentido que para Levi carrega, pois a ideia que a placa luminosa remete, comporta
tristes e tão difíceis lembranças de uma vida dura que só viveu quem presenciou de perto tão
singular existência que a palavra “campo de concentração” carrega.
Após a terrível lembrança que lhe vem à cabeça ao ter que passar pelo grande portão
que o separa, definitivamente, do seu passado antes de sua vida no Campo, Levi diz que foi
levado a uma sala ampla, nua e fracamente aquecida. Nesta sala algo desperta a sede que ele e
seus companheiros sentiam após quatro dias sem água: deparam-se com uma torneira
gotejante cujo aviso enlouquece os que lêem: è proibito bere perchè l’acqua è inquinata
(LEVI, 1989, p.19)6. Levi é o único que viola a regra e, incentivando os companheiros a
fazerem o mesmo, acaba cuspindo a água que lhe chega à boca morna, adocicada e com
cheiro de pântano.
Questo è l’inferno. Oggi, ai nostri giorni, l’inferno deve essere cosí, una
camera grande e vuota, e noi stanchi stare in piedi, e c’è un rubinetto che
gocciola e l’acqua non si può bere, e noi aspetiamo qualcosa di certamente
terribile e non succede niente e continua a non succedere niente. Como
pensare? Non si può più pensare, è come essere già morti. Qualcuno si siede
per terra. Il tempo passa goccia a goccia. (LEVI, 1989, p.19)7

Ao descrever a cena de sua sede juntamente com a impossibilidade de saciá-la, sendo


tão difícil encontrar-se fechado em uma sala cujo barulho de água faz parecer a sede ainda
mais insuportável, Primo Levi faz uma associação desta cena com o que para ele seria o
inferno. Aqui, nosso sobrevivente faz mais do que apenas narrar uma das impossibilidades de
sobrevivência a que fora submetido, dedica esse espaço para construir imagens que fazem do
seu texto literário, profundo e tocante.
A entrada de um sargento alemão faz com que Levi seja despertado de sua viagem tão
real ao inferno e, apesar de não saber até quando, conclui que ainda continua vivo. O sargento
que ali se apresenta passa as primeiras ordens aos prisioneiros que, após muitos
questionamentos sem respostas, são submetidos aos cortes de seus cabelos e barbas,
recolhimento de suas roupas, além de outros pertences e o primeiro encaminhamento para o
banho.
Ao terminarem, cada qual é chamado para o triste choque com a realidade ao se
depararem com os espelhos que não poderiam mentir: a imagem de cada um estava refletida
nos outros cem rostos pálidos e miseráveis. Em contrapartida a pouca esperança que alguns

6
“é proibido beber, água poluída” (LEVI, 1988, p.20)
7
“Isto é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansados, de
pé, diante de uma torneira gotejante mas que não tem água potável, esperando algo certamente terrível, e nada
acontece, e continua não acontecendo nada. Como é possível pensar? Não é mais possível; é como se
estivéssemos mortos. Alguns sentam no chão. O tempo passa, gota a gota.” (LEVI, 1988, p.20)
27

ainda alimentavam, a imagem do companheiro ao lado não enganava, já haviam dado o


primeiro passo para a desumanização e aniquilação de si mesmos.

Allora per la prima volta ci siamo accorti che la nostra lingua manca di
parole per esprimere questa offesa, la demolizione di un uomo. In un attimo,
con intuizione quasi profetica, la realtà ci si è rivelata: siamo arrivati al
fondo. Piú giú di cosí non si può andare: condizione umana piú misera non
c’è, e non è pensabile. Nulla piú è nostro: ci hanno tolto gli abiti, le scarpe,
anche i capelli; se parleremo, non ci ascolteranno, e se ci ascoltassero, non
ci capirebbero. Ci toglieranno anche il nome: e se vorremo conservarlo,
drovemo trovare in noi la forza di farlo, di fare sí che dietro al nome,
qualcosa ancora di noi, di noi quali eravamo, rimanga. (LEVI, 1989, p.23)8

Este trecho demonstra o início da metamorfose a que são submetidos os prisioneiros


de um campo de concentração, além da consciência da não importância de seu passado, que
vai se perdendo juntamente com a esperança do futuro que, para eles, passa a ser somente a
dúvida de estar vivo no dia seguinte.
Perdendo tudo, desde os seus pequenos e aparentemente insignificantes pertences, o
“campo de extermínio” conduz aqueles que abriga a um vazio, reduzido a puro sofrimento e
carência, pois, segundo Levi, quem perde tudo, muitas vezes perde também a si mesmo,
transformando-se em “algo” miserável.
Após esta primeira metamorfose a que são submetidos, outra regra do campo confirma
que estes a que me refiro não são mais considerados humanos. Primo Levi conta que não
demorou muito para ser considerado Häftling, “batizado” como 174.517, o que para sempre
não poderia ser esquecido já que, até a morte levaria esta marca tatuada no braço esquerdo.
Entretanto, apesar de ser algo que jamais ter conseguido apagar da memória, Levi conta o
quanto foi difícil se acostumar com o seu novo “nome” no início de sua vida no campo, e o
quanto isto era preciso já que eles dependiam dele para receber o pão e a sopa.
Diante da tomada de consciência da nova vida que lhe esperava desde o dia em que
fora forçado a embarcar no trem que o levara ao Campo, Primo Levi deixa claro a tamanha
dificuldade de adaptação às regras do lugar que agora habitava, além da necessidade de
aprendê-las com rapidez, já que disto dependia a sua vida.

8
“Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa língua não tem palavras para expressar esta ofensa, a
aniquilação de um homem. Num instante, por intuição quase profética, a realidade nos foi revelada: chegamos ao
fundo. Mais para baixo não é possível. Condição humana mais miserável não existe, não dá pra imaginar. Nada
mais é nosso: tiraram-nos as roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos escutarão- e, se nos
escutarem, não nos compreenderão. Roubarão também o nosso nome, e, se quisermos mantê-lo, deveremos
encontrar dentro de nós a força para tanto, para que, além do nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos.”
(LEVI, 1988, p.25)
28

Ainda muito confuso e perdido, assim como todos os outros recém chegados, Primo
Levi descreve o fim do primeiro longo dia no Campo. Ao entardecer, são surpreendidos com
uma música sentimental que parece tomar todo o espaço em que se encontram, tocada por
uma banda que parece conduzir os que voltam do trabalho que, com passos duros, estranhos e
rígidos feitos bonecos de ossos, acompanhavam exatamente o ritmo da música. Os novatos se
entreolhavam com um sorriso de escárnio no rosto e de tão absurdo que aquela cena lhes
pareciam, chegaram a pensar que tudo poderia não passar de uma brincadeira.
Considerando já ter tomado conhecimento da topografia do campo, Levi descreve
como este funciona: um quadrado de seiscentos metros de lado, fechado com duas cercas de
arame farpado e que abriga cerca de sessenta barracos que são chamados de blocos. Cada
bloco tem seu número e sua função, alguns servem de cozinha, outros de lavatórios, outros
comportam a enfermaria e o ambulatório, e outros servem de dormitórios.
Diante da imagem que se tem do lugar em que agora habitam, o que parece chamar a
atenção dos recém-chegados são os dormitórios destinados aos Häftlinge: comportam cerca de
duzentos e cinqüenta prisioneiros, sendo dois para cada cama feita de tábuas removíveis
contendo um colchão fino de palha. Os corredores são estreitos e o espaço disponível é
insuficiente para o tanto de prisioneiros que abriga, comportando todos eles ao mesmo tempo
apenas quando metade já está deitada em seu beliche.
Levi afirma ter aprendido, em tão pouco tempo de vivência no Campo, muitas coisas,
porém, tem consciência de que muitas ainda devem ser aprendidas. A rotina do Campo é algo
que se aprende rápido, e logo toma consciência de que sua vida dali pra frente consistiria em:
uscire e rientrare; lavorare, dormire e mangiare; ammalarsi, guarire e morire9. (LEVI, 1989,
p.31).
A rotina descrita acima por Levi demonstra a perda da existência e da possibilidade de
um futuro longínquo, futuro este questionado e ainda buscado apenas pelos novatos, já que os
velhos do campo perderam a noção do futuro juntamente com a própria identidade. Para os
que lá já vivem interessa o futuro imediato, o que significa a necessidade de saber se terão o
que comer hoje, se vai nevar e se terão que descarregar carvão.
É interessante notar que as preocupações passam a ser outras, já que mesmo custando
a aceitar, cada um se dá conta da inexistência de uma vida fora do campo. Cada dificuldade
passada, cada lição aprendida, fazia com que os prisioneiros se preocupassem com questões
imediatas que, um dia depois, já seriam substituídas por outras questões que lhes parecessem

9
“sair e voltar; trabalhar, dormir e comer; adoecer, sarar ou morrer.” (LEVI, 1988, p.34)
29

mais urgentes. Por exemplo, quando passado o inverno severo, os dias de calor eram
contemplados pela nova realidade que se tornava mais urgente e notável: a fome.
No capítulo Iniziazione10, Primo Levi narra outra dificuldade encontrada, e a maneira
como esta torna a convivência no Lager ainda mais difícil: a confusão entre as línguas. Mais
do que não ser ouvido diante dos questionamentos que surgem diante de tanta incompreensão,
se deparam com a dificuldade de entender a língua do outro, o que dificultava a convivência
entre os companheiros de bloco.
E, a cada dia, a cada ação inesperada dos companheiros que levantam de suas camas
freneticamente anunciando para os novatos algo que está para acontecer, os recém-chegados
vão aprendendo, cada vez mais, sobre o funcionamento do campo e de como era preciso estar
alerta às situações inesperadas, como: o sumiço de sua colher, da sua caneca para sopa e até a
existência de um secreto comércio, tão inacreditável aos olhos de quem vê, mas que funciona
no contexto em que Primo Levi nos insere.
O comércio citado por Levi neste capítulo, de alguma maneira, é capaz de distrair e de
prorrogar um pouco mais a vida dos que vivem no Campo. Alguns lançam mão dele para
adquirir desde um cigarro a um pouco mais de sopa, e o pão é a única moeda que conhecem.
O capítulo seguinte, intitulado como Ka-be, dedica-se a apresentar o funcionamento da
enfermaria no Campo.
Em mais um dia de trabalho, estes que parecem tão iguais, no vaivém a que são
submetidos da estrada de ferro até o galpão munidos de cargas pesadas, Primo Levi diz cair
sobre o dorso de seu pé direito uma quina de ferro que o faz perder os sentidos por alguns
minutos. Por mais dificuldade que tenha em continuar a caminhada de volta, mesmo sendo
substituído por outro Häftling, Levi só faz a visita ao Ka-be à noite, depois da sopa.
Ka-be é a sigla para Krankenbau, a enfermaria, que é constituída por oito blocos
isolados por uma cerca de arame farpado e que abrigam um décimo da população do campo.
Ninguém permanece na enfermaria por mais de dois meses e a regra é ficar bom ou morrer, e
quem tende a piorar é mandado imediatamente para as câmaras de gás.
Após ser examinado pelo ferimento sofrido pela manhã, Levi é admitido no Ka-be e,
mesmo que a ferida não pareça perigosa, esta lhe garante um período razoável de descanso.
La vita del Ka-be è vita di limbo. I disagi materiali sono relativamente pochi, a parte la fame

10
Iniciação
30

e le sofferenze inerenti alle malattie. Non fa freddo, non si lavora, e, a meno di commettere
qualche grave mancanza, non si viene percossi.11 (LEVI, 1989, p.44)
Sobre esta estadia no limbo, Levi afirma ter conhecido pessoas que dedicavam sua
vida a permanecer na enfermaria pelo menos até o inverno, já que lá estaria protegido do frio
e dos trabalhos manuais.
Mesmo não tendo que levantar para sair ao trabalho diário, Levi conta que em sua
primeira noite no Ka-be despertou com a música característica que lhe parecia tão irônica ao
tocar em lugar como aquele, já sabendo que seus companheiros estariam marchando para
mais um dia igual aos outros. Neste momento, então, estando de fora do grupo que saia para o
trabalho, pôde ser capaz de descrever e de entender que tipo de sujeitos aquele sistema havia
os tornado: almas mortas, sem vontade, que deixavam serem levados pelo ritmo da música,
incapazes de perceber o quanto irônica e debochada a mesma podia parecer, a desumanização
do homem poderia ser retratada naquele momento.

Quando questa musica suona, noi sappiamo che i compagni, fuori nella
nebbia, partono in Márcia come automi; le loro anime sono morte e la
musica li sospinge, como il vento le foglie secche, e si sostituisce Allá loro
volontà. Non c’è più volontà: ogni pulsazione diventa un passo, una
contrazione riflessa dei muscoli sfatti. I tedeschi sono riusciti a questo. Sono
diecimila, e sono una sola grigia macchina; sono esattamente determinati;
non pensano e non vogliono, camminano. (LEVI, 1989, p.45)12

Mesmo parecendo um refúgio por certo período, Levi afirma que o Ka-be é o Campo
livre do sofrimento físico, e que oferece espaço a um instante de consciência, pois, em dias
vazios lá vividos, o pensamento não gira apenas em torno do trabalho e da fome, mas sim em
como eles foram transformados, e quanto da vida lhes foi tirada.
A dor que parecia única, se universaliza, e Levi refere-se à sua dor e ao seu estado
permanente de desumanização comum a todos que lá vivem. Já não são mais vidas individuais
que sofrem, mas dezenas de vidas que, juntas, vão perdendo o sentido de existir.

11
“A vida no Ka-be é vida no limbo. Ao sofrimentos materiais não são muitos, a não ser a fome e os ligados às
doenças. Não faz frio, não se trabalha, e – desde que não se incorra em alguma falta grave – não se apanha.”
(LEVI, 1988, p.49)
12
“Ao ecoar essa música, sabemos que os companheiros, lá fora, na bruma, partem marchando como autômatos;
suas almas estão mortas e a música substitui a vontade deles; leva-os como o vento leva as folhas secas. Já não
existe vontade; cada pulsação torna-se passo, contração reflexa dos músculos destruídos. Os alemães
conseguiram isso. Dez mil prisioneiros, uma única máquina cinzenta; estão programados, não pensam, não
querem. Marcham. (LEVI, 1988, p.50)
31

O capítulo seguinte, intitulado de Le nostre notti13, inicia-se com a saída de Primo


Levi do Ka-be. Ele conta que sai, como todos que recebem alta, nu, em geral ainda não bem
curado, como se tivessem sido jogados nas trevas e no gelo do espaço sideral, sentindo-se,
mais do que nunca, estrangeiro àquele lugar. Conta ainda que não fora levado de volta ao seu
antigo bloco e que, por sorte, passa a se hospedar no bloco de Alberto, seu melhor amigo.
Segundo Levi, com apenas vinte e dois anos, Alberto foi um dos únicos que não
deixou ser abatido pelo espírito desumano que se instala nos prisioneiros do campo, sendo um
dos primeiros a compreender que a vida a que foram submetidos é uma vida de guerra.
Alberto, portanto, não perdeu tempo compadecendo de si mesmo e foi à luta desde o primeiro
dia, decidido a sobreviver custe o que custar. Passados muitos anos desde o final da guerra,
Alberto continuou sendo lembrado por Levi, e este o teve como símbolo raro de um homem
forte e bom, contra o qual nada puderam as armas da noite.
Na primeira noite passada no novo bloco, Levi diz ser atormentado por um sonho com
o qual se lembra ter sonhado outras vezes, e o qual Alberto também afirma já ter sonhado.
Sonhava estar na companhia de sua irmã e de um amigo, além de muitas outras pessoas, as
quais conta sobre a cama dura, o vizinho que gostaria de empurrar para o lado, a fome
constante, e o soco que leva do Kapo. No sonho ele se sentia feliz por estar em sua casa, entre
pessoas amigas que não apresentam perigo e por ter a oportunidade de contar tantas coisas,
mas logo depois veio à tona uma estranha sensação ao perceber que elas parecem
indiferentes, falando ao mesmo tempo como se ele não estivesse lá.
Ainda sentindo o sonho tão perto e ainda tão angustiante, Levi acorda e percebe que
este é um sonho que o atormenta desde que chegou no Campo, o sonho da repetida narração
que os outros não escutam. O sonho, então, se mostra como a realização da necessidade de
contar aos outros tudo o que passam presos naquele lugar que se tornou um mundo à parte
para eles e adianta o medo sentido e referido anteriormente, de não ser ouvido, o medo de que
as histórias contadas possam parecer fantasiosas diante de seu inexplicável afastamento com o
real.
Enquanto reflete sobre o que acabou de se passar em seu sonho, Levi observa o sono
dos outros companheiros do bloco, percebendo que o deles também não parece tranquilo:
alguns estalam os lábios, enquanto outros mexem os maxilares anunciando outro sonho tão
comum aos que vivem nesta singular realidade: eles sonham que comem.

13
As nossas noites
32

Os sonhos mais parecem pesadelos, e são interrompidos pela alvorada. Será, então,
que o pesadelo encontra-se no sonho da noite ou no dia que começa?
No capítulo seguinte, Il lavoro14, Primo Levi se dedica a descrever o trabalho feito dia-
a-dia por ele e seus companheiros. Sendo um capítulo curto, o trabalho é descrito e
considerado como uma marca do tempo, a única que têm acesso no momento em que, na
alvorada, se levantam com a ordem do Kapo, e voltam para os seus blocos retomando a espera
de um novo dia que pode, ou não, começar.
Constatando que a vida do homem é movida por objetivos traçados, Levi inicia o
capítulo seguinte confessando o objetivo dos que viviam no Campo, objetivos estes que a
curto ou longo prazo já se modificavam diante de outra necessidade considerada maior e mais
urgente. Em Una buona giornata15, como é intitulado o capítulo a que me refiro, o dia é
descrito por Levi como ensolarado, libertando todos da angústia e medo instalados pelo
inverno que passara.
Descrito como um dia bom, considerando o tom que carrega este adjetivo tão estranho
à vida no Campo, os prisioneiros contemplam o sol e quase podem sorrir de alívio, se não
fosse a fome. Acaba por se instalar, então, uma característica tão comum à vida humana, que
não pôde se perder junto a desumanização a que foram submetidos, ou seja, a característica de
ser incontentável inerente ao homem, que faz com que um problema seja substituído por
outro que se encontrava em segundo plano: enquanto o dia ensolarado coloca fim à
preocupação trazida pelo inverno, a fome aparece como problema principal agora: Ma come si
potrebbe pensare di nona ver fame? Il Lager è la fame: noi stessi siamo la fame, fame vivente.
(LEVI, 1989, p.66)16
No capítulo Al di qua del bene e del male17, Primo Levi conta sobre o comércio
interno e secreto realizado pelos prisioneiros do Campo e convida o leitor a pensar, diante dos
fatos narrados, o que seria classificado como bem e mal, e até que ponto estas palavras são
consideradas no interior da vida que ali levavam. Será que, diante das óbvias necessidades e
do tratamento recebido, tudo é válido? A vida no Campo ensinara que nada mais era tido
como ameaça à moral e que, só o fato de estarem ali já era a maior prova disso.
O comércio, como já citado anteriormente, girava em torno de qualquer objeto que
poderia servir como troca para atender às necessidades de quem o praticava. Os prisioneiros

14
O trabalho
15
Um dia bom
16
“Como poderíamos pensar em não ter fome? O Campo é a fome: nós mesmos somos a fome, uma fome viva.”
(LEVI, 1988, p.74)
17
Aquém do bem e do mal
33

trocavam o pão por um pouco mais de sopa, roubavam pedaços de tecido das roupas para
fazer lenços, e até vendiam algum de seus poucos pertences visando a outros que lhes fossem
mais úteis no momento.
O capítulo seguinte, intitulado de I sommersi e i salvati18, deu origem a outra grande
obra de Primo Levi que recebeu o mesmo título, e questiona uma das questões principais que
envolvem os relatos de sobrevivência de Levi: até que ponto o homem pode chegar a uma
situação extrema? Uma das respostas a essa pergunta já fora esclarecida no capítulo
precedente, em que estava presente o questionamento do bem e do mal diante da necessidade
de sobrevivência, mas, aqui, o questionamento se aprofundará.
Levi chama a atenção para o fato de que a vida no Campo foi uma notável
experiência biológica e social, já que, segundo ele, nenhuma experiência humana é vazia de
conteúdo, mesmo que este não seja resultado de um saldo positivo. Sobre isso, Levi enfatiza:

Si rinchiudano tra i fili spinati migliaia di individui diversi per està,


condizione, origine, lingua, cultura e costumi, e siano quivi sottoposti a un
regime di vita costante, controllabile, identico per tutti e inferiore a tutti i
bisogni: è quanto di piú rigoroso uno sperimentatore avrebbe potuto
istituire per stabilire che cosa sia essenziale e che cosa acquisito nel
comportamento dell’animale-uomo di fronte alla lotta per la vita. (LEVI,
1989, p.79)19

Como principal objeto de estudo dessa incrível experiência humana proporcionada


pelo Lager, destaca-se o Häftling, que pode ser definido como aquele homem desprovido de
regras sociais, levando-o para a sua constante desumanização.
Segundo Levi, no Campo, há entre os homens duas categorias, particularmente bem
definidas: os que se salvam e os que afundam, e depende de cada Häftling decidir qual
caminho seguir, tendo que considerar que sempre é mais fácil sucumbir: basta executar cada
ordem recebida, comer apenas o que lhe é dado e obedecer à disciplina do trabalho.
Quem conseguiu se salvar provavelmente, ou contou com a sorte ou se encaixava no
implacável processo de seleção natural. Segundo Levi, no ano de 1944, em Auschwitz, dos
cento e cinquenta mil prisioneiros judeus, sobreviveram apenas algumas poucas centenas,
restando apenas os médicos, os alfaiates, os sapateiros, os músicos, os cozinheiros e amigos

18
Os submersos e os salvos
19
“Fechem-se entre cercas de arame farpado milhares de indivíduos, diferentes quanto a idade, condição,
origem, língua, cultura e hábitos, e ali submetam-nos a uma rotina constante, controlada, idêntica para todos e
aquém de todas as necessidades; nenhum pesquisador poderia estabelecer um sistema mais rígido para verificar o
que é congênito e o que é adquirido no comportamento do animal-homem frente à luta pela vida.” (LEVI, 1988,
p.88)
34

ou conhecidos de alguma pessoa influente, ou seja, só quem tinha alguma função definida e o
privilégio de viver um pouco melhor que os outros, conseguiu sua liberdade.
Primo Levi é um dos que se salvaram após o fim da guerra e da desativação dos
Campos e o capítulo Esame di chimica20 conta o foi preponderante para isso acontecer.
Estudara química antes de sua entrada no Campo e graças aos seus conhecimentos é que foi
possível passar na prova a que fora submetido e preencher a vaga para trabalhar no
Kommando Químico. O que a principio parecia apenas uma oportunidade, se tornou abrigo
nos dias de inverno, e o livrou do trabalho pesado de todos os dias.
O capítulo seguinte tem como título Il canto di Ulisse21, e pode ser considerado um
dos mais significantes capítulos da narrativa de Primo Levi, e também muito importante para
aqueles que se dedicam a um estudo detalhado das memórias contidas em Se questo è un
uomo.
Com o intuito de ensinar um pouco de italiano a um companheiro, Levi faz uso de
alguns versos de Dante para tal fim, e, ao tentar lembrar dos versos, que sempre soube de cor,
ele se dá conta do quanto fragmentada está sua memória. Tal momento pode ser considerado
como o único, em toda a narrativa, capaz de resgatar a humanização que ainda está presente
em meio a tantas tentativas de extinção da mesma.
O que podemos depreender deste fato é que a poesia não tinha lugar na vida nova a
que Levi fora submetido, sendo a memória fragmentada um exemplo de que não conseguir
lembrar dos versos demonstrava a dificuldade da busca de algo que fosse humano em um
ambiente como aquele.
Em contrapartida com a referida memória fragmentada que fazia parte da vida anterior
ao Campo, no capítulo I fatti dell’estate22 Levi discute sobre a memória instaurada a partir do
primeiro dia que ali chegaram e do quanto, dali em diante, aprenderam sobre a frustrada busca
de respostas às perguntas nunca respondidas e também da imaginação do futuro.

Conservavamo i ricordi della nostra vita anteriore, ma velati e lontani, e


perciò profondamente dolci e tristi, come sono per ognuno i ricordi della
prima infanzia e di tutte le cose finite; mentre per ognu il momento
dell’ingresso al campo stava all’origine di una diversa sequenza di ricordi,
vicini e duri questi, continuamente confermati dalla esperienza presente,
come ferite ogni giorno riaperte. (LEVI, 1989, p.104)23
20
Prova de química
21
O canto de Ulisses
22
Os acontecimentos do verão
23
“Ainda guardávamos as lembranças de nossa vida anterior, mas veladas e longínquas e, portanto,
profundamente suaves e tristes, como são para todos as lembranças de infância e de tudo que já acabou,
enquanto o momento de nossa chegada ao Campo marcava para cada um de nós o início de uma diferente
35

Ainda neste capítulo, o leitor conhecerá a figura de Lorenzo, um dos poucos homens
que, apesar de tudo, conseguia manter pura sua humanidade, sendo diferenciado por Levi
daqueles que não eram homens e que contabilizavam a maioria dos personagens desta história
real. E por conservar o mínimo de dignidade que ainda buscava em si mesmo, é que fora um
dos responsáveis pela salvação de Levi, não só pela ajuda material que lhe dera, mas por,
principalmente, não deixá-lo esquecer que ele também ainda era um homem.
Intitulado como Ottobre 194424, o capítulo seguinte anuncia mais um início de inverno
e Primo Levi, assim como todos os outros que conseguiram sobreviver até aquele momento,
sabiam muito bem o que a palavra inverno trazia consigo.
Já conhecendo a vida dura que terá que enfrentar com a chegada desta tão difícil
estação do ano, mais uma vez Primo Levi se depara com a insuficiência da linguagem a fim
de mostrar ao leitor e de tentar reportar-nos a um possível entendimento acerca do que é o
inverno no Campo.
Come questa nostra fame non è la sensazione di chi há saltato um pasto,
così il nostro modo di aver freddo esigerebbe un nome particolare. Noi
diciamo ‘fame’, diciamo ‘stanchezza’, ‘paura’, e ‘dolore’, diciamo
‘inverno’, e sono altre cose. Sono parole libere, create e usate da uomini
liberi che vivevano, godendo e soffrendo, nele loro case. Se il Lager fossero
durati più a lungo, un nuovo aspro linguaggio sarebbe nato; e di questo si
sente il bisogno per spiegare cosa è faticare l’intera giornata nel vento,
sotto zero, con solo indosso camicia, mutande, giacca e brache di tela, e in
corpo debolezza e fame e consapevolezza della fine che viene. (LEVI, 1989,
p.110)25

Entretanto, não são apenas o frio, o trabalho e a fome as únicas preocupações dos
prisioneiros do Campo, ainda que estas deixem pouco espaço para outros pensamentos: a
seleção é a tarefa que os alemães tendem a executar cuidadosamente. Não tendo como ignorá-
la, o medo dela está sempre presente, mesmo que escondido atrás de outros mais urgentes.
A seleção é realizada de tempos em tempos, e sempre surpreende aqueles que são
escolhidos, seja pelo medo constante ou até pela certeza de que outros merecem mais que ele.

sequência de lembranças, recentes e duras, continuamente confirmadas pela experiência presente, como feridas
que tornassem a abrir-se a cada dia.” (LEVI, 1988, p.118)
24
Outubro de 1944
25
“Assim como a fome não é apenas a sensação de quem deixou de almoçar, nossa menira de termos frio
mereceria uma denominação específica. Dizemos ‘fome’, dizemos ‘cansaço’, ‘medo’ e ‘dor’, dizemos ‘inverno’,
mas trata-se de outras coisas. Aquelas são palavras livres, criadas, usadas por homens livres que viviam, entre
alegrias e tristezas, em suas casas. Se os Campos de Extermínio tivessem durado mais tempo, teria nascido uma
nova, áspera linguagem, e ela nos faz falta para explicar o que significa labutar o dia inteiro no vento, abaixo de
zero, vestindo apenas camisa, cuecas, casaco e calças de brim e tendo dentro de si a fraqueza, fome e a
consciência da morte que chega.” (LEVI, 1988, p.126)
36

Os jovens acreditam que os velhos serão escolhidos, enquanto os saudáveis juram serem os
doentes o alvo daquela vez. Doentes ou velhos, jovens ou saudáveis, todos sabem que, no
fundo, todos terão o mesmo destino, e não é preciso viver muito para aprender certas regras.
Havia os que contavam com a intervenção divina para livrar-se desta que parecia a
mais injusta seleção, pois com a fome e com o frio lutava-se diariamente, mas esta aparecia
sem avisar e era capaz de levar centenas deles de uma vez só. Não podemos saber quantos
deles acreditaram terem sido salvos por conta de sua reza, o que se pode afirmar apenas é que
a reza parecia algo muito vazio na lógica do Campo.
A seleção chegou novamente no inverno de Outubro de 1944. Se a seleção já é injusta
e cruel, torna-se ainda mais sendo realizada nesta estação do ano, que por si só já elimina sete
entre dez homens. Por sorte ou por simplesmente confiar que não seria escolhido, Primo Levi
conseguiu passar por mais uma delas.
Já sabemos que as memórias de Levi não seguem uma ordem cronológica, ele apenas
as conta de acordo com a urgência dos fatos e por ordem que lhe vem à memória. Não
sabemos, contudo, o que gerou a narração do próximo capítulo, se a chuva foi uma pretensão
para falar de Kraus, ou se este foi uma pretensão para falar da dificuldade em se trabalhar no
Campo em um dia chuvoso.
A esta pergunta não teremos resposta, o fato é que Levi dedica este capítulo ao
companheiro húngaro que só falava a própria língua o que acabava gerando ainda mais
dificuldade de comunicação e entendimento sobre aprender as regras internas de
sobrevivência pessoal.
Kraus com certeza foi um dos que foram escolhidos a se afundarem diante da seleção
natural do Campo. Segundo Levi, ele era daqueles que não havia aprendido que a arte de
economizar fôlego, movimentos e até pensamentos era uma carta na manga para prorrogação
de sua sobrevivência, ao contrário disso, trabalhava demais e com excessivo vigor.
Aproximando-se do fim da narrativa, no capítulo Die drei leute vom labor, Primo Levi
tenta se recordar, juntamente com seu amigo Alberto, quantos meses de passaram desde o dia
da entrada no Campo, quantos dias desde que recebeu alta de sua primeira visita a enfermaria,
e quantos desde sua prova de química, entretanto, como tantas outras, não obtiveram respostas
concretas.
Ter sido transferido para o Kommando Químico já não lhe parecia grande coisa.
Chegado novamente o inverno, Levi constatou que, até aquele momento, não obtivera
vantagens em relação ao cargo que ocupara, já que, enquanto todos recebiam roupas de
37

inverno, os que trabalhavam em lugares fechados eram obrigados a permanecerem com a


antiga roupa de verão, sendo as vantagens nem um pouco vantajosas.
A volta do inverno também acabou com toda possível esperança de sobrevivência a
partir daquele momento, não importava se haviam sobrevivido aos anteriores, mas a este
ninguém aguentaria. O inverno chegara e o limite do homem também.

Adesso basta, adesso è finito. È l’ultimo atto: l’inverno è incominciato, e con


lui la nostra ultima bataglia. Non è più dato dubitare che non sia l’ultima. In
qualunque momento del giorno ci accada di prestare ascolto alla voce dei
nostri corpi, di interrogare le nostre membra, la risposta è una: le forze non
ci basteranno. (LEVI, 1989, p.122)26

Quando as forças já estavam se esgotando e a certeza do fim cada vez mais próxima,
espantando qualquer tipo de esperança que ainda pudesse existir- o inverno é capaz dessas
coisas- Levi é contemplado mais uma vez com a sorte.
Estavam sendo selecionados alguns homens que trabalhavam no Kommando Químico
para serem transferidos a um dos Laboratórios do Campo, e a pessoa que fosse contemplada
permaneceria a uma temperatura de mais ou menos vinte e quatro graus estando, portanto,
resolvido o problema do inverno.
Como já dito, a sorte veio por estranhos caminhos e Primo Levi fora escolhido para
preencher uma das vagas, tornando-se alvo de inveja entre dez mil condenados que passariam
frio e fome durante a mais ingrata estação do ano. Isso significava boas probabilidades de não
adoecer gravemente e, por consequência, superar as seguintes seleções.
O capítulo a seguir não recebeu o nome de L’ultimo27 por acaso, pois, nele, Primo
Levi narra o último enforcamento em praça pública que assistiu pouco tempo antes de ser
libertado pelo exército russo.
Segundo Levi, esses cerimoniais levados tão a sério pelos alemães não eram novidades
no Campo, sendo ele espectador de treze enforcamentos desde que passou a ser um
prisioneiro. Quase todas as vezes que eram realizadas ações como essa, os motivos eram os
mesmos, resumindo-se em crimes comuns como roubos de cozinha, sabotagens e tentativas de
fuga. Entretanto, naquele dia, o motivo era outro, tratava-se de um homem envolvido na
explosão de um dos fornos crematórios de Birkenau.

26
“Chega. Acabou-se. É o último ato: começou o inverno e, junto com ele, a nossa última batalha. Já não há
como duvidar: será a última. Qualquer que seja o instante do dia em que a gente dê ouvidos à voz de seu corpo,
interrogue seus membros, a resposta é uma só: não agüentaremos.” (LEVI, 1988, p.139)
27
O último
38

Diante da cena que vê, Primo Levi constata o sucesso alcançado pelos alemães, pois
tão difícil como criar o homem, é destruí-lo, e os nazistas conseguiram o que queriam.
Chegando ao fim a vida do Campo, restaram apenas os homens, despidos de sua dignidade,
não tendo mais nada a temer, nem atos de revolta, palavras de desafio, sequer um olhar de
julgamento.
Finalmente, em Storia di dieci giorni28, Primo Levi anuncia ao leitor os primeiros
sinais de aviso, vindos dos estrondos dos canhões russos em regiões próximas, que o fim
estava próximo.
Mesmo estando mais protegidos que os outros, por conta de sua posição privilegiada
de trabalho no Laboratório, Levi adoece novamente, dessa vez sendo diagnosticada
escarlatina, e é obrigado a se dirigir novamente ao Ka-be.
Já instalado no Ka-be, estando isento do medo de padecer com a doença, considerando
o seu melhor estado em relação aos outros doentes que lhe faziam companhia, Levi recebe a
notícia de que no dia seguinte todos seriam libertados, e que os russos já estavam à caminho.
Esta notícia, que tanto iluminou os olhos cheios de esperanças dos novatos que ali se
encontravam, não despertou nenhum tipo de reação em nosso sobrevivente, pois, segundo ele,
há meses não conhecia a dor, a alegria e o temor. Caso suas emoções não tivessem sido
arrancadas pela vida no Campo, talvez agora a sensibilidade de Levi concebesse a ele um
momento extremamente emocionante.
Estando os russos cada vez mais próximos, e estando o campo já abandonado pelos
oficiais alemães, todos os prisioneiros, com uma mínima condição física, se aventuraram a
gozar da repentina liberdade, tão esperada, mas tão desacreditada, rumo à nova e antiga vida
que deixaram para trás. Os que ficaram foram os que permaneciam na enfermaria, cuja sorte
ficaria imóvel até a chegada definitiva dos russos.
Primo Levi, sentindo-se fraco ainda, permaneceu, e foi libertado, com a chegada do
exército russo, somente em 27 de fevereiro.
O que fica de mais tocante no capítulo em que Levi narra a tão esperada liberdade, é a
certeza e constatação de que Auschwitz e a vida no Campo jamais poderá ser esquecida.
Segundo ele: Oggi io penso che, se non altro per il fatto che um Auschwitz è esistido, nessuno
dovrebbe ai nostri giorni parlare di Provvidenza [...] (LEVI, 1989, p.140)29

28
História de dez dias
29
“Penso, hoje, que ninguém deveria mencionar a Divina Providência, já que existiu um Auschwitz [...]” (LEVI,
1988, p.159)
39

7. O inferno dantesco como metáfora para as tragédias da história humana retratada


por Levi.

Muito citado como clara referência na obra de Primo Levi , o capítulo intitulado como
Il canto di Ulisse é tido como exemplo clássico da presença de Dante na obra do escritor.
Tal capítulo apresenta o encontro da prosa e da poesia a partir da narração de Levi
diante da tentativa de evocação de alguns versos da Divina Commedia de Dante Alighieri,
canto XXVI do Inferno, com o objetivo de ensinar um pouco de italiano a um companheiro do
Campo.
Em Il canto di Ulisse, Levi se dá conta do quanto sua memória tornou-se fragmentada
e, ao tentar, com força, lembrar-se dos versos que antes era capaz de citar sem nenhuma
dificuldade, é capaz de resgatar um pouco da humanização que se perdeu gradativamente com
a estadia no Campo. A poesia, portanto, não tinha lugar na vida a que fora submetido e sua
memória fragmentada demonstrava a busca por algo que fosse humano.
Recitar uma poesia, portanto, assumia na vida imposta pelos alemães um valor
humano que aquele sistema pretendia destruir.
Apesar de não ter espaço em meio ao sistema que era imposto aos prisioneiros do
Campo, a narração de Levi é presenteada pela presença da poesia, que é tida como essencial,
como um auxilio de resistência diante da destruição da própria língua e a constante perda da
identidade de quem habitava o Campo. A poesia, portanto, é a afirmação de que o deportado
não está fora do mundo, mesmo sendo forçado a esquecê-lo diante do tratamento recebido.
Apesar de ser um exemplo da referencia na obra de Primo Levi, o capítulo Il canto di
Ulisse não é o único a fazer menção a influência de Dante.
O título dado a um dos capítulos Al fondo remete, imediatamente, à estrutura afunilada
do inferno retratado por Dante. Na narrativa de Levi os alemães podem ser relacionados a
figura de Cérbero, este que acolhia as almas dos condenados, enquanto os alemães recebiam
os prisioneiros na rampa de Auschwitz rumo ao inferno que lhes esperavam.
A figura do demônio Caronte remete também às influencias de Dante da obra de
Levi, representando uma forte ligação com o desapego que os prisioneiros deveriam exercer
diante das coisas e objetos, e principalmente memórias, que lhes remetessem o mundo
exterior àquele que agora adentravam, já que a figura dantesca marca sua presença no ato de
livrar os condenados de tudo o que pudesse pertencer às suas vidas passadas, como dinheiro,
jóias, relógios e objetos de uso pessoal.
40

Outro símbolo que pode ser fortemente relacionado com o inferno dantesco é a placa
luminosa encontrada pelos prisioneiros assim que adentraram o Campo, e que não foi
esquecida por Levi enquanto viveu, que dizia: Arbeit macht frei. Esta pode ser relacionada
coma inscrição dantesca na entrada do inferno: lasciate ogni speranza voi che entrate.
Como representação ao Limbo presente no inferno da Divina Commedia, temos, na
obra Se questo è un uomo o Ka-be, espécie de enfermaria do Campo. Serem encaminhadas
para a enfermaria significava permanecerem temporariamente protegidos do cansaço e dos
castigos.
Dessa forma, tomando por referência a famosa obra prima de Dante Alighieri, Primo
Levi, conhecido pela sua escrita testemunhal e memorialística acerca da Segunda Guerra
Mundial, testemunha em seus escritos a dolorosa experiência do que foi o Holocausto na
história mundial, colocando-o como um buraco infernal na história humana do século XX.
Primo Levi, então, a partir de suas memórias e da descrição do dia-a-dia de um campo
de concentração, toma o inferno dantesco como uma das principais chaves de entendimento
de suas tragédias reais presenciadas. Os exemplos citados como episódios de inferno, em
relação ao criado por Dante, servem como metáforas para as muitas tragédias da história
mundial e humana.
41

Considerações finais

A contextualização história acerca da Segunda Guerra Mundial, tomando por base o


motivo pela qual se deu, bem como as conseqüências geradas por ela, na primeira parte deste
trabalho, foi fundamental para um melhor entendimento e esclarecimento sobre a Literatura
de Testemunho que foi trabalhada a seguir.
Para que ficasse claro o motivo que acarretou o início de uma Segunda Guerra, foi
necessária uma apresentação da situação em que se encontrava a Europa e o mundo após o
término da Primeira grande guerra.
Após o século XX, com as disputas territoriais que geraram a primeira guerra, a
Europa viveu um período conturbado em relação a política, economia, o que abriu espaço a
um forte sentimento nacionalista.
Foi a partir desse sentimento nacionalista exacerbado, aliado a vontade desenfreada de
dominar e vencer a qualquer custo, que contribuíram para a origem de outra guerra, desta vez
muito mais sangrenta e violenta, a que serviu de pano de fundo e espaço para Primo Levi
vivenciar suas experiências em um campo de concentração.
Como vimos, a Segunda Guerra Mundial foi um conflito global que aconteceu entre os
anos de 1939 e 1945 e, considerada a mais abrangente da história, os países envolvidos
dedicaram toda sua capacidade econômica, industrial e científica. Foi marcada por um
número significante de ataques, e o conflito mais letal da humanidade, em que milhões de
judeus foram condenados ao exílio e mortos nos campos de concentração criados pelos
alemães
Conhecidas as causas e as conseqüências da Segunda Guerra Mundial, foi
apresentado, então, o pano de fundo que receberia a teoria e análise feita posteriormente para
sobre a Literatura que surgiria a partir disso.
Foram apresentadas, então, teorias e fundamentos acerca de um tipo único de
Literatura que permite, muito mais do que sua inerente função, que um sobrevivente de um
campo de concentração narre suas memórias e libertar-se do trauma. A Literatura de
Testemunho serve como um instrumento de libertação daquelas memórias que parecem
inenarráveis, permitindo que o narrador possa convidar o leitor para vivenciar com ele o que
milhes de pessoas passaram, tendo conhecimento de que, nos séculos seguintes, poucas
saberiam o verdadeiro significado de ser um sobrevivente de um campo de extermínio.
Levi, sobrevivente da guerra mais sangrenta da história, e personagem principal do
estudo acima apresentado afirma:
42

“A necessidade de contar ‘aos outros’, de tornar ‘aos outros’ participantes,


alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato
e violento, até o ponto de competir com outras necessidades elementares”
(LEVI, 1988, p.7)

O objetivo deste trabalho, portanto, foi analisar de que maneira Primo Levi narra suas
memórias no livro Se questo è un uomo, além de identificar na obra que o consagrou como
cânone da Literatura Memorialística, traços da teoria apresentada.
Pude constatar na obra analisada as principais características apresentadas sobre
Literatura do Testemunho, sobretudo a necessidade que o sobrevivente tem de narrar suas
memórias. Como visto, o sonho de contar aos outros o que se passava com ele era frequente
durante as noites no Campo.
Fechando a apresentação da teoria sobre Literatura do Testemunho, bem como as
dificuldades apresentadas por alguns autores sobre a necessidade que um sobrevivente tem de
narrar o que parece inenarrável, o capítulo desta monografia intitulado como Características
de um discurso testemunhal, teve como objetivo apontar um possível modelo de análise a ser
seguido diante de um discurso testemunhal.
Indiretamente, através da análise e apontamentos dos tópicos mais importantes na
narrativa das memórias de Levi em Se questo è un uomo, pudemos identificar as cinco
características que estão presentes em um testemunho, de acordo com Marcio Selligman-Silva
em seu livro O local da diferença: Ensaios sobre memória, arte e tradução.
O evento citado por Selligmann é a Shoah, e esta é tomada como evento central por
conta da sua radicalidade e singularidade. Em Se questo è un uomo, Levi é levado a um
campo de extermínio onde passa a viver na condição de um prisioneiro, por conta da
perseguição que as leis raciais impostas em 1938, um ano antes do inicio da guerra, travaram
contra os judeus.
Como segunda característica, as definições da pessoa que testemunha, puderam ser
examinadas na figura de Levi, por conta do caráter que assume de testemunha primária e
secundária diante de suas memórias. Primária por conta de ser o próprio sobrevivente do
evento citado acima e secundária por, apesar de contar a sua versão dos fatos, se colocar como
personagem juntamente com todos aqueles, que como ele, estavam vivendo a mesma situação.
Como terceira característica, o próprio testemunho pode ser constatado como
fragmentário, segundo Seligmann, já no inicio da própria narração de Levi, no prefácio, como
pêde ser percebido no capítulo dedicado a ele. Levi pede desculpas ao leitor e informa que os
43

capítulos foram escritos por ordem de urgência, de acordo com as lembranças que lhe vinham
primeiro à memória.
Já a quarta característica enumerada por Seligmann, a cena do testemunho, pôde ser
observada na narrativa de Levi através do papel de justiça empregado na intenção de seu
testemunho, como se ele estivesse falando por todos aqueles que não sobreviveram, como se
a cena fosse comparada a de um tribunal, a fim de fazer justiça, não só por ele, mas por todos.
A quinta categoria, tida como a própria literatura, explica-se por si só na análise da
obra, no reconhecimento do conceito de testemunho e da forte presença do teor testemunhal
nas obras dos sobreviventes, principalmente em Se questo è un uomo.
Por último, a fim de fechar o estudo acerca da obra de Primo Levi, foi feito um recorte
em um dos capítulos do livro estudado para ser usado como ponto de partida a um estudo
comparativo entre a obra de Levi com a Divina Comédia.
O que justificou a escrita deste último capítulo foi a clara influência exercida por
Dante em toda a obra do escritor e a importância que os versos de Dante imprimiram ao
testemunho de Levi, oferecendo a ele algo de humano que havia se perdido na vida no
Campo.
44

Referências bibliográficas

BERENGUI, Mario. Trad. Mauricio Santana Dias. .A memória da ofensa: recordar,


narrar, compreender. Novos estudos: CEBRAP, 2005.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006.
LEVI, Primo. É isto um homem? Trad. Luigi Del Re. São Paulo: Rocco, 1988.
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