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60 Hannah Arendt
operaram distinções que tais no início da guerra. A consequên fo �ação política decisiva da situação, que levou os Aliados a
cia indirecta é que as disposições dos Aliados quanto à punição deIxarem de distinguir entre alemães e nazis. Para avaliarmos a
dos criminosos de guerra se revelarão ameaças sem conteúdo medida desta transformação, é preciso lembrar que, até ao co
porque não encontrarão ninguém a quem a definição do crimi meç ? da guerra, o � até às pri �eiras derrotas militares, só grupos
noso de guerra não possa aplicar-se. relatIvamente restntos de nazIs activos - mas não ainda a mas
Que estas afirmações possam não ser pura propaganda, que
.
�
sa do simpatizantes -, bem como um número reduzido de an
possam pelo contrário apoiar-se numa base bem tangível e re tIfascIstas activos, sabiam o que realmente se passava. De acor
meter para uma realidade terrível, sabemo-lo por experiência, ?
do c m uma inclinação natural, todos os outros, alemães ou não,
.
uma vez que o aprendemos à nossa custa ao longo dos últimos tendlam a acredItar nas declarações de um governo oficial, reco
sete anos. As organizações encarregadas do exercício do terror
.
? � �
nhecIdo P r odas a potências, mais que nas dos refugiados que
estavam na origem rigorosamente separadas da massa do povo e eram a prlOrL SUSpeItos enquanto judeus ou socialistas. Até mes
não admitiam nas suas fileiras senão pessoas que pudessem mo entre estes havia apenas uma percentagem relativamente fra
valer-se de um passado criminoso ou provar que estavam dis ca conhecer toda a verdade; e, evidentemente, só uma parte
� . .
postas a transformar-se em criminosos; mas, desse momento em maIs reduzIda amda a ousar enfrentar a impopularidade associa
diante, as mesmas organizações não pararam de se desenvolver. da ao facto de dizer a verdade. Enquanto os nazis acreditavam na
A proibição que impedia os membros das forças armadas de per vitória, as formações encarregadas do terror continuaram distin
tencerem ao partido foi substituída pelo decreto geral que subor tas do povo, o que significa, em tempos de guerra, distintas das
dina aos partidos todos os militares. Os crimes que, desde o iní forças armadas. Para se fazer reinar o terror, não se chamavam
cio do regime, pertencem à rotina quotidiana dos campos de con estas últimas; em contrapartida, as tropas SS recrutaram cada vez
centração, eram outrora um monopólio ciosamente guardado dos mais pessoas «qualificadas», sem terem em conta a sua naciona
SS e da Gestapo; hoje, qualquer membro da Wehrmacht pode ser ?
li ade. Se a tristemente célebre «nova ordem europeia» tivesse
encatTegado das tarefas do massacre. Num primeiro tempo, os tnunfado, teríamos assistido ao reinado de uma organização in
.
nazis esforçavam-se por todos os meios possíveis por manter se tereuropela de terror sob dominação alemã; esse terror teria sido
creta a prática dos crimes; assimilada a «histórias de horror de exercido por membros de uma organização pertencentes a todas
pura propaganda», qualquer informação a esse respeito era pas as nacionalidades europeias, à excepção dos judeus, numa for
sível de sanções. Posteriormente, os próprios nazis organizaram �
mação hierar uizada segundo a classificação dos diversos países
fugas de informação através de relatos destinados a passar de bo na escala racIal. Bem entendido, o povo alemão não teria sido
ca em boca; hoje, os mesmos crimes são abertamente reivindi poupad ? Himmler sempre foi da opinião que, na Europa, o po
cados como medidas de liquidação, a fim de que aqueles que, ?er deVIa pertencer a uma elite racial incarnada pelas tropas SS,
por razões de ordem operacional, não tinham sido considerados mdependentemente de critérios de nacionalidade.
dignos de fazer parte da Volksgemeinschaft do crime se compro Foram as derrotas que obrigaram os nazis a abandonar esta
metam pelo menos através do conhecimento desse crime e pas ?
c ncepção e a regressarem, pelo menos na aparência, a velhas di
sem, nessa medida, a ser cúmplices. Desde a derrota na Batalha vIsas nacionalistas; a identificação activa do povo inteiro com os
de Inglaterra, a propaganda nazi foi acompanhada por uma trans- nazis participa na mesma tendência. Para o nazismo, a possibili-
62 Hannah Arendt Compreensão e Política e Outros Ensaios
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operaram distinções que tais no início da guerra. A consequên fo �ação política decisiva da situação, que levou os Aliados a
cia indirecta é que as disposições dos Aliados quanto à punição deIxarem de distinguir entre alemães e nazis. Para avaliarmos a
dos criminosos de guerra se revelarão ameaças sem conteúdo medida desta transformação, é preciso lembrar que, até ao co
porque não encontrarão ninguém a quem a definição do crimi meç ? da guerra, o � até às pri �eiras derrotas militares, só grupos
noso de guerra não possa aplicar-se. relatIvamente restntos de nazIs activos - mas não ainda a mas
Que estas afirmações possam não ser pura propaganda, que
.
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sa do simpatizantes -, bem como um número reduzido de an
possam pelo contrário apoiar-se numa base bem tangível e re tIfascIstas activos, sabiam o que realmente se passava. De acor
meter para uma realidade terrível, sabemo-lo por experiência, ?
do c m uma inclinação natural, todos os outros, alemães ou não,
.
uma vez que o aprendemos à nossa custa ao longo dos últimos tendlam a acredItar nas declarações de um governo oficial, reco
sete anos. As organizações encarregadas do exercício do terror
.
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nhecIdo P r odas a potências, mais que nas dos refugiados que
estavam na origem rigorosamente separadas da massa do povo e eram a prlOrL SUSpeItos enquanto judeus ou socialistas. Até mes
não admitiam nas suas fileiras senão pessoas que pudessem mo entre estes havia apenas uma percentagem relativamente fra
valer-se de um passado criminoso ou provar que estavam dis ca conhecer toda a verdade; e, evidentemente, só uma parte
� . .
postas a transformar-se em criminosos; mas, desse momento em maIs reduzIda amda a ousar enfrentar a impopularidade associa
diante, as mesmas organizações não pararam de se desenvolver. da ao facto de dizer a verdade. Enquanto os nazis acreditavam na
A proibição que impedia os membros das forças armadas de per vitória, as formações encarregadas do terror continuaram distin
tencerem ao partido foi substituída pelo decreto geral que subor tas do povo, o que significa, em tempos de guerra, distintas das
dina aos partidos todos os militares. Os crimes que, desde o iní forças armadas. Para se fazer reinar o terror, não se chamavam
cio do regime, pertencem à rotina quotidiana dos campos de con estas últimas; em contrapartida, as tropas SS recrutaram cada vez
centração, eram outrora um monopólio ciosamente guardado dos mais pessoas «qualificadas», sem terem em conta a sua naciona
SS e da Gestapo; hoje, qualquer membro da Wehrmacht pode ser ?
li ade. Se a tristemente célebre «nova ordem europeia» tivesse
encatTegado das tarefas do massacre. Num primeiro tempo, os tnunfado, teríamos assistido ao reinado de uma organização in
.
nazis esforçavam-se por todos os meios possíveis por manter se tereuropela de terror sob dominação alemã; esse terror teria sido
creta a prática dos crimes; assimilada a «histórias de horror de exercido por membros de uma organização pertencentes a todas
pura propaganda», qualquer informação a esse respeito era pas as nacionalidades europeias, à excepção dos judeus, numa for
sível de sanções. Posteriormente, os próprios nazis organizaram �
mação hierar uizada segundo a classificação dos diversos países
fugas de informação através de relatos destinados a passar de bo na escala racIal. Bem entendido, o povo alemão não teria sido
ca em boca; hoje, os mesmos crimes são abertamente reivindi poupad ? Himmler sempre foi da opinião que, na Europa, o po
cados como medidas de liquidação, a fim de que aqueles que, ?er deVIa pertencer a uma elite racial incarnada pelas tropas SS,
por razões de ordem operacional, não tinham sido considerados mdependentemente de critérios de nacionalidade.
dignos de fazer parte da Volksgemeinschaft do crime se compro Foram as derrotas que obrigaram os nazis a abandonar esta
metam pelo menos através do conhecimento desse crime e pas ?
c ncepção e a regressarem, pelo menos na aparência, a velhas di
sem, nessa medida, a ser cúmplices. Desde a derrota na Batalha vIsas nacionalistas; a identificação activa do povo inteiro com os
de Inglaterra, a propaganda nazi foi acompanhada por uma trans- nazis participa na mesma tendência. Para o nazismo, a possibili-
64 Hannah Arendt Compreensão e Política e
Outros Ensaios
65
dade de um trabalho clandestino ulterior depende de vários as encomenda ou não se transfor
pectos: que ninguém possa saber quem � nazi e �u:m .não é; que sassinos. «O único alemão
ma em cúmplice dedicado
bom é um alemão morto»,
dos as
deixem de existir sinais distintivos extenores e VlSlvelS, sobre � diz a pa
lavra de ordem extremista
?
tudo que os vencedores estejam convencidos que na a dlstmgue
.
.
campo, e trata-se de uma pala
que a guerra fez nascer
no nosso
, vra de ordem que tem algu
os alemães uns dos outros. Assim, tomou-se necessano aplIcar na ma ba
se na realidade: é preciso
que os nazis enforquem algu
Alemanha um terror intensificado visando eliminar qu lquer pe � � termos a certeza de que se
ém para
�
soa cujo passado ou cuja reputação fosse uma gar ntla de antI opunha. Não há outra prova
tratava de uma pessoa que
fiável.
se lhes
fascismo. Durante os primeiros anos da guerra, o regIme deu pro
vas de uma «mansidão» notável para com aqueles que se lhe opu
.
nham ou tinham oposto no passado, contanto que se mantIves
�
sem tranquilos. Em contrapartida, desde há al um tempo, foram
.
2
executadas numerosas pessoas que, há anos pnvadas de lIberda Tal é a situação política real
que subjaz à afir mação de
de, não podiam constituir um perigo imediato para o regime. Por culpa partilhada pelo conjun uma
outro lado, os nazis previram prudentemente que, apesar de tod s � de uma política que de fact
to do povo alemão. É con
sequência
as precauções tomadas, os Aliados poderiam sempre desc bnr
.
? qualquer importância à naç
o não tem pátria, que não
ão e se opõe a esta, e para
atribui
em cada cidade algumas centenas de pessoas de um antIfasCIsmo a qual, lo
gicamente, só existe o pov
� .:
impecável, atestado por antigos prisioneiros de u rra, por traba tuais senhores e que festejar
o alemão que se submete
aos seus ac
ia a sua vitória suprema
lhadores estrangeiros, por penas purgadas na pnsao ou em cam com um
desdém irónico se a derrota
pos de concentração: por isso forneceram já aos seus ho �ens de todo o povo da Alemanha
dos nazis acarretasse a des
truição de
confiança documentos e testemunhos análogos, que retlra �a completo a atmosfera de
. A política totalitária, ani
quilando por
possibilidade de utilização de tais critérios. Quanto �os detIdos da quotidiana dos homens
neutralidade em que se des
enrola a vi
dos campos de concentração, cujo número exacto gnoramos �
: mão a existência privada de
, conseguiu fazer com que
no solo ale
�
mas que podemos calcular em vários milh s, os nazls pode a � ter sido autor ou cúmplic
cada indivíduo dependa do
e de um crime. Comparativ
facto de
.
sua vontade «liquidá-los» ou deixá-los fugIr: no caso Improvavel amente, o
sucesso da propaganda naz
de conseguirem sobreviver (um massacre como o de �uchen vezes na posição dita van
i nos países aliados, patent
sittartista, parece secundária
e muitas
wald nem sequer é abrangido pelas definições dos cnmes de . Tal atitu
de releva fundamentalment
guerra), não será possível identificá-los sem risco de rro : : tem a ver com os fenóm
e da propaganda de gue
rra, e nada
Saber se alguém é nazi ou antinazi na Alemanha e �01sa que nos acima descritos. Os esc
enos políticos especifica
mente moder
ritos e os raciocínios pseudo
só pode fazer quem leia o coração humano, o que precIsamente -históri
cos engendrados pelo van
sittartismo dir-se-iam ino
está fora do alcance dos seres humanos. As actividades de um centes plá
gios da literatura frances
a da última guerra; alguns
resistente - uma vez que, evidentemente, os há também na dos redacto
res que, há vinte e cinco
anos, faziam gemer a imp
Alemanha - seriam imediatamente interrompidas se ele não se rensa atacan
do «a pérfida Albion», pus
eram desta feita a sua exp
comportasse em palavras e actos como um nazi . Tarefa nada fá eriência ao
serviço dos Aliados, circ
unstância que não acarret
cil num país onde se detecta rapidamente quem não mata por a qualquer di
ferença decisiva.
64 Hannah Arendt Compreensão e Política e
Outros Ensaios
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dade de um trabalho clandestino ulterior depende de vários as encomenda ou não se transfor
pectos: que ninguém possa saber quem � nazi e �u:m .não é; que sassinos. «O único alemão
ma em cúmplice dedicado
bom é um alemão morto»,
dos as
deixem de existir sinais distintivos extenores e VlSlvelS, sobre � diz a pa
lavra de ordem extremista
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tudo que os vencedores estejam convencidos que na a dlstmgue
.
.
campo, e trata-se de uma pala
que a guerra fez nascer
no nosso
, vra de ordem que tem algu
os alemães uns dos outros. Assim, tomou-se necessano aplIcar na ma ba
se na realidade: é preciso
que os nazis enforquem algu
Alemanha um terror intensificado visando eliminar qu lquer pe � � termos a certeza de que se
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tratava de uma pessoa que
fiável.
se lhes
fascismo. Durante os primeiros anos da guerra, o regIme deu pro
vas de uma «mansidão» notável para com aqueles que se lhe opu
.
nham ou tinham oposto no passado, contanto que se mantIves
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sem tranquilos. Em contrapartida, desde há al um tempo, foram
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executadas numerosas pessoas que, há anos pnvadas de lIberda Tal é a situação política real
que subjaz à afir mação de
de, não podiam constituir um perigo imediato para o regime. Por culpa partilhada pelo conjun uma
outro lado, os nazis previram prudentemente que, apesar de tod s � de uma política que de fact
to do povo alemão. É con
sequência
as precauções tomadas, os Aliados poderiam sempre desc bnr
.
? qualquer importância à naç
o não tem pátria, que não
ão e se opõe a esta, e para
atribui
em cada cidade algumas centenas de pessoas de um antIfasCIsmo a qual, lo
gicamente, só existe o pov
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impecável, atestado por antigos prisioneiros de u rra, por traba tuais senhores e que festejar
o alemão que se submete
aos seus ac
ia a sua vitória suprema
lhadores estrangeiros, por penas purgadas na pnsao ou em cam com um
desdém irónico se a derrota
pos de concentração: por isso forneceram já aos seus ho �ens de todo o povo da Alemanha
dos nazis acarretasse a des
truição de
confiança documentos e testemunhos análogos, que retlra �a completo a atmosfera de
. A política totalitária, ani
quilando por
possibilidade de utilização de tais critérios. Quanto �os detIdos da quotidiana dos homens
neutralidade em que se des
enrola a vi
dos campos de concentração, cujo número exacto gnoramos �
: mão a existência privada de
, conseguiu fazer com que
no solo ale
�
mas que podemos calcular em vários milh s, os nazls pode a � ter sido autor ou cúmplic
cada indivíduo dependa do
e de um crime. Comparativ
facto de
.
sua vontade «liquidá-los» ou deixá-los fugIr: no caso Improvavel amente, o
sucesso da propaganda naz
de conseguirem sobreviver (um massacre como o de �uchen vezes na posição dita van
i nos países aliados, patent
sittartista, parece secundária
e muitas
wald nem sequer é abrangido pelas definições dos cnmes de . Tal atitu
de releva fundamentalment
guerra), não será possível identificá-los sem risco de rro : : tem a ver com os fenóm
e da propaganda de gue
rra, e nada
Saber se alguém é nazi ou antinazi na Alemanha e �01sa que nos acima descritos. Os esc
enos políticos especifica
mente moder
ritos e os raciocínios pseudo
só pode fazer quem leia o coração humano, o que precIsamente -históri
cos engendrados pelo van
sittartismo dir-se-iam ino
está fora do alcance dos seres humanos. As actividades de um centes plá
gios da literatura frances
a da última guerra; alguns
resistente - uma vez que, evidentemente, os há também na dos redacto
res que, há vinte e cinco
anos, faziam gemer a imp
Alemanha - seriam imediatamente interrompidas se ele não se rensa atacan
do «a pérfida Albion», pus
eram desta feita a sua exp
comportasse em palavras e actos como um nazi . Tarefa nada fá eriência ao
serviço dos Aliados, circ
unstância que não acarret
cil num país onde se detecta rapidamente quem não mata por a qualquer di
ferença decisiva.
66 Hannah Arendt
Compreensão e Política e Outros Ensaios 67
Mas até mesmo os debates mais sérios, entre os que defendem Nem a definição da responsabilidade, nem a punição dos cri
os «bons alemães» e os que acusam os «maus», não só passam minosos de guerra nos porão ao abrigo desta situação. Seme
ao lado da questão, mas, até à evidência, ficam muito longe de lhantes definições, dada a sua própria natureza, só podem
medir as dimensões do desastre. Esses debates ou se perdem na aplicar-se aos principais culpados, aqueles que não só assumi
trivialidade de uma constatação geral da existência dos bons e ram a responsabilidade, mas criaram também o inferno presen
.
dos maus, sobrestimando entretanto de uma maneira extraordI te, mas cujos nomes, muito curiosamente, não figuram ainda
nária o papel da «educação», ou adopta � muit? simplesmen:e as nas listas dos criminosos de guerra. O número daqueles que são
teorias raciais dos nazis, limitando-se a mverte-Ias. O que so re ao mesmo tempo responsáveis e culpados será relativamente
presenta um perigo na medida em que �s Aliados, desde a céle fraco. São muitos os que têm uma parte de responsabilidade
.
bre declaração de Churchill a esse propOSltO, se recusaram a tra sem que haja qualquer indício da sua responsabilidade. Mais
var uma guerra ideológica. Sem se darem conta, concederam as numerosos ainda são os que se tomaram culpados sem terem
sim aos nazis um avanço que lhes permite organizarem a sua der minimamente desempenhado o papel de responsáveis. Entre os
rota no plano ideológico sem se preocuparem minimamente com responsáveis, em sentido amplo, devemos incluir os que se mos
*
Churchill ; foi desse modo que os Aliados ofereceram uma opor- traram favoráveis a Hitler enquanto tal foi possível, os que o
tunidade de sobrevivência a todas as teorias raciais. ajudaram a aceder ao poder, e os que o aplaudiram tanto na Ale
"
Todavia ' o verdadeiro problema não é nem provar o que e eVI manha como no resto da Europa. E quem ousaria estigmatizar
dente - é óbvio que os alemães não são, desde a época de Tá com o nome de criminosos de guerra todos esses homens e mu
cito, nazis em potência -, nem demonstrar o impossível - que lheres da alta sociedade? De facto, não merecem um título que
todos os alemães são nazis convictos. Trata-se antes de pergun tal. Sem dúvida, demonstraram a sua incapacidade de avaliarem
tar qual deve ser para nós o comportamento a adoptar, como su as formações políticas modernas, uns, porque, em matéria polí
.
portaremos o confronto com um povo no qual a f ontelra que se � tica, consideravam todos os princípios absurdos moralizadores,
para os criminosos de guerra das pessoas norm ls, os culpados � outros porque sentiam uma atracção romântica pelos gangsters
dos inocentes, foi a tal ponto apagada que amanha, na Ale �anha, que confundiam com os «piratas» de antanho. Pessoas assim,
ninguém poderá saber se está diante de um herói clandestmo ou que foram responsáveis em sentido amplo, não o foram em sen
de um indivíduo que, no passado, perpetrou massacres. tido estrito, pelo menos na generalidade dos casos . Embora te
Mas até mesmo os debates mais sérios, entre os que defendem Nem a definição da responsabilidade, nem a punição dos cri
os «bons alemães» e os que acusam os «maus», não só passam minosos de guerra nos porão ao abrigo desta situação. Seme
ao lado da questão, mas, até à evidência, ficam muito longe de lhantes definições, dada a sua própria natureza, só podem
medir as dimensões do desastre. Esses debates ou se perdem na aplicar-se aos principais culpados, aqueles que não só assumi
trivialidade de uma constatação geral da existência dos bons e ram a responsabilidade, mas criaram também o inferno presen
.
dos maus, sobrestimando entretanto de uma maneira extraordI te, mas cujos nomes, muito curiosamente, não figuram ainda
nária o papel da «educação», ou adopta � muit? simplesmen:e as nas listas dos criminosos de guerra. O número daqueles que são
teorias raciais dos nazis, limitando-se a mverte-Ias. O que so re ao mesmo tempo responsáveis e culpados será relativamente
presenta um perigo na medida em que �s Aliados, desde a céle fraco. São muitos os que têm uma parte de responsabilidade
.
bre declaração de Churchill a esse propOSltO, se recusaram a tra sem que haja qualquer indício da sua responsabilidade. Mais
var uma guerra ideológica. Sem se darem conta, concederam as numerosos ainda são os que se tomaram culpados sem terem
sim aos nazis um avanço que lhes permite organizarem a sua der minimamente desempenhado o papel de responsáveis. Entre os
rota no plano ideológico sem se preocuparem minimamente com responsáveis, em sentido amplo, devemos incluir os que se mos
*
Churchill ; foi desse modo que os Aliados ofereceram uma opor- traram favoráveis a Hitler enquanto tal foi possível, os que o
tunidade de sobrevivência a todas as teorias raciais. ajudaram a aceder ao poder, e os que o aplaudiram tanto na Ale
"
Todavia ' o verdadeiro problema não é nem provar o que e eVI manha como no resto da Europa. E quem ousaria estigmatizar
dente - é óbvio que os alemães não são, desde a época de Tá com o nome de criminosos de guerra todos esses homens e mu
cito, nazis em potência -, nem demonstrar o impossível - que lheres da alta sociedade? De facto, não merecem um título que
todos os alemães são nazis convictos. Trata-se antes de pergun tal. Sem dúvida, demonstraram a sua incapacidade de avaliarem
tar qual deve ser para nós o comportamento a adoptar, como su as formações políticas modernas, uns, porque, em matéria polí
.
portaremos o confronto com um povo no qual a f ontelra que se � tica, consideravam todos os princípios absurdos moralizadores,
para os criminosos de guerra das pessoas norm ls, os culpados � outros porque sentiam uma atracção romântica pelos gangsters
dos inocentes, foi a tal ponto apagada que amanha, na Ale �anha, que confundiam com os «piratas» de antanho. Pessoas assim,
ninguém poderá saber se está diante de um herói clandestmo ou que foram responsáveis em sentido amplo, não o foram em sen
de um indivíduo que, no passado, perpetrou massacres. tido estrito, pelo menos na generalidade dos casos . Embora te
a ouvir um coro completo de filisteus exclamando: «Nunca fi neira decidida e solene de consagrar a vida à mulher e aos fi
zemos isso.» E ainda que, entretanto, tenhamos perdido a von lhos, estamos tão habituados a admirá-lo ou a sorrir ao vê-lo que
tade de rir, o horror da coisa é que, uma vez mais, será verdade. mal nos demos conta de que esse pai de família cheio de solici
tude, e cuja segurança constitui a principal preocupação, se tor
nav , contra sua vontade, num aventureiro sob o peso das im
�
3 posições e onómicas caóticas do nosso tempo, ele que não po
�
de, por mais que se esforce, sentir-se seguro em relação ao dia
As especulações sobre a história alemã e sobre o pretenso ca de amanhã. A docilidade deste tipo humano já se manifestara
rácter nacional alemão, cujas virtualidades escapavam comple ?
n s co�eços do regime nazi, na época da imposição da nova
tamente aos melhores conhecedores da Alemanha há uns quin .
disciplina. Revelara-se por completo disposto a abandonar os
ze anos apenas, em nada ajudam a compreender através de que seus sentimentos, a sua honra e a sua dignidade humana a troco
mola do coração humano as pessoas se transformaram em en da sua pensão, do seu seguro vitalício, das garantias de futuro
grenagens da máquina de massacre. Mais rica em ensinamentos da mulher e dos filhos. Mas era necessário o génio satânico de
é a espantosa figura daquele que pode gabar-se de ter sido o gé
Him�ler para descobrir que, depois de uma tal degradação, es
nio organizador do assassínio. Heinrich Himmler não é um des tava literalmente disposto a tudo quando a parada subia e a sua
ses intelectuais vindos da obscura terra de ninguém a meio família ficava directamente ameaçada na sua existência física. A
caminho entre a boémia e a rua, cuja importância, nestes últi única condição que punha era que o aliviassem da responsabili
mos tempos, tem sido frequentemente sublinhada na formação
dade dos seus actos. De tal modo que o mesmo homem, esse
da elite nazi. Não é nem um boémio, como Goebbels foi, nem
alemã � �é �i � �u� os nazis não conseguiram levar a matar por
um criminoso sexual, como Streicher, nem um fanático perver:
sua propna IniCiativa um judeu que fosse, apesar de uma propa
tido, como Hitler, nem ainda um aventureiro como Goering. E
�
ganda del rante mantida durante anos Ce nem sequer quando se
um «burguês», com todas as aparências da respeitabilidade, os
to �o � e."ld��te que tal assassinato não teria qualquer conse
hábitos de um bom pai de família fiel à sua mulher e preocupa
quencla JudiCiaI), esse mesmo homem, hoje, trabalha sem difi
do com o futuro dos filhos. Construiu a sua última organização
culdades ao serviço da máquina de extermínio. Ao contrário do
de terror, cuja rede cobre o país inteiro, baseando-se no pressu
que se �assava com as primeiras unidades da Gestapo e das SS,
posto consciente de que a maior parte das pessoas não são nem
a organIzação geral edificada por Himmler não se apoia nem em
boémios, nem fanáticos, nem aventureiros, nem criminosos se
fanáticos, nem em criminosos inatos, nem em sádicos, mas sim
xuais ou sádicos, mas, acima de tudo, empregados e bons pais
na normalidade das pessoas que trabalham e têm uma família.
de família.
Se quisermos mostrar que nenhum traço de carácter nacional
Foi Péguy, creio eu, quem chamou ao pai de família o «últi
é indispensável para fazer funcionar este novo tipo de funcio
mo grande aventureiro do século xx». Morreu demasiado jovem
nário, não é sequer necessário citar as infOImações desoladoras
para ver também nele o grande criminoso do século. Conhece
a respeito dos letões, dos lituanos, dos polacos ou mesmo dos
mos de tal modo no pai de família a sua disposição benevolen
judeus que arranjaram uma ocupação na organização criminosa
te, a sua concentração séria no interesse da família, a sua ma- .
de Hlmmler. Nem todos têm uma natureza criminosa ou um
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a ouvir um coro completo de filisteus exclamando: «Nunca fi neira decidida e solene de consagrar a vida à mulher e aos fi
zemos isso.» E ainda que, entretanto, tenhamos perdido a von lhos, estamos tão habituados a admirá-lo ou a sorrir ao vê-lo que
tade de rir, o horror da coisa é que, uma vez mais, será verdade. mal nos demos conta de que esse pai de família cheio de solici
tude, e cuja segurança constitui a principal preocupação, se tor
nav , contra sua vontade, num aventureiro sob o peso das im
�
3 posições e onómicas caóticas do nosso tempo, ele que não po
�
de, por mais que se esforce, sentir-se seguro em relação ao dia
As especulações sobre a história alemã e sobre o pretenso ca de amanhã. A docilidade deste tipo humano já se manifestara
rácter nacional alemão, cujas virtualidades escapavam comple ?
n s co�eços do regime nazi, na época da imposição da nova
tamente aos melhores conhecedores da Alemanha há uns quin .
disciplina. Revelara-se por completo disposto a abandonar os
ze anos apenas, em nada ajudam a compreender através de que seus sentimentos, a sua honra e a sua dignidade humana a troco
mola do coração humano as pessoas se transformaram em en da sua pensão, do seu seguro vitalício, das garantias de futuro
grenagens da máquina de massacre. Mais rica em ensinamentos da mulher e dos filhos. Mas era necessário o génio satânico de
é a espantosa figura daquele que pode gabar-se de ter sido o gé
Him�ler para descobrir que, depois de uma tal degradação, es
nio organizador do assassínio. Heinrich Himmler não é um des tava literalmente disposto a tudo quando a parada subia e a sua
ses intelectuais vindos da obscura terra de ninguém a meio família ficava directamente ameaçada na sua existência física. A
caminho entre a boémia e a rua, cuja importância, nestes últi única condição que punha era que o aliviassem da responsabili
mos tempos, tem sido frequentemente sublinhada na formação
dade dos seus actos. De tal modo que o mesmo homem, esse
da elite nazi. Não é nem um boémio, como Goebbels foi, nem
alemã � �é �i � �u� os nazis não conseguiram levar a matar por
um criminoso sexual, como Streicher, nem um fanático perver:
sua propna IniCiativa um judeu que fosse, apesar de uma propa
tido, como Hitler, nem ainda um aventureiro como Goering. E
�
ganda del rante mantida durante anos Ce nem sequer quando se
um «burguês», com todas as aparências da respeitabilidade, os
to �o � e."ld��te que tal assassinato não teria qualquer conse
hábitos de um bom pai de família fiel à sua mulher e preocupa
quencla JudiCiaI), esse mesmo homem, hoje, trabalha sem difi
do com o futuro dos filhos. Construiu a sua última organização
culdades ao serviço da máquina de extermínio. Ao contrário do
de terror, cuja rede cobre o país inteiro, baseando-se no pressu
que se �assava com as primeiras unidades da Gestapo e das SS,
posto consciente de que a maior parte das pessoas não são nem
a organIzação geral edificada por Himmler não se apoia nem em
boémios, nem fanáticos, nem aventureiros, nem criminosos se
fanáticos, nem em criminosos inatos, nem em sádicos, mas sim
xuais ou sádicos, mas, acima de tudo, empregados e bons pais
na normalidade das pessoas que trabalham e têm uma família.
de família.
Se quisermos mostrar que nenhum traço de carácter nacional
Foi Péguy, creio eu, quem chamou ao pai de família o «últi
é indispensável para fazer funcionar este novo tipo de funcio
mo grande aventureiro do século xx». Morreu demasiado jovem
nário, não é sequer necessário citar as infOImações desoladoras
para ver também nele o grande criminoso do século. Conhece
a respeito dos letões, dos lituanos, dos polacos ou mesmo dos
mos de tal modo no pai de família a sua disposição benevolen
judeus que arranjaram uma ocupação na organização criminosa
te, a sua concentração séria no interesse da família, a sua ma- .
de Hlmmler. Nem todos têm uma natureza criminosa ou um
72 Hannah Arendt Compreensão e Política
e Outros Ensaios
73
gosto perverso pela traição. Não é tão-pouco certo que tivessem be am dar remédio. Ob
� jectos de propaganda,
as virtudes nacio
feito o seu trabalho se tivessem apenas arriscado a sua vida ou naIS apregoadas em alto
e bom som como «o am
or da pátria»
o seu futuro pessoal. Tendo deixado de temer a Deus - porque « �� � �
orage al mã», «a lea
ldade alemã» servem
a sua consciência desaparecera na organização burocrática dos � !� �
V C s naclOna s corres
pondentes, esses, sim
de fachada ao ;
, bem reais. Seria
seus actos -, já só se sentiam responsáveis em relação à famí �
dlfIc 1 descobnr um paí
s onde o patriotismo
lia. Outrora membro responsável da sociedade, participando em ��
f n ldo; e os protestos
chauvinistas de corage
esteja menos di
ligadas à vida pública. Em nenhum outro, a vida privada e os � ente uma vaga de aut
odestruição se segue
, onde manifesta
a outra. E também
cálculos pessoais desempenharam um papel tão vasto. Trata-se ISSO nada nos adianta.
de uma realidade que os alemães sempre conseguiram disfarçar
durante os períodos de desgraça nacional, mas à qual nunca sou-
72 Hannah Arendt Compreensão e Política
e Outros Ensaios
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gosto perverso pela traição. Não é tão-pouco certo que tivessem be am dar remédio. Ob
� jectos de propaganda,
as virtudes nacio
feito o seu trabalho se tivessem apenas arriscado a sua vida ou naIS apregoadas em alto
e bom som como «o am
or da pátria»
o seu futuro pessoal. Tendo deixado de temer a Deus - porque « �� � �
orage al mã», «a lea
ldade alemã» servem
a sua consciência desaparecera na organização burocrática dos � !� �
V C s naclOna s corres
pondentes, esses, sim
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, bem reais. Seria
seus actos -, já só se sentiam responsáveis em relação à famí �
dlfIc 1 descobnr um paí
s onde o patriotismo
lia. Outrora membro responsável da sociedade, participando em ��
f n ldo; e os protestos
chauvinistas de corage
esteja menos di
ligadas à vida pública. Em nenhum outro, a vida privada e os � ente uma vaga de aut
odestruição se segue
, onde manifesta
a outra. E também
cálculos pessoais desempenharam um papel tão vasto. Trata-se ISSO nada nos adianta.
de uma realidade que os alemães sempre conseguiram disfarçar
durante os períodos de desgraça nacional, mas à qual nunca sou-
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