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Copyríght@ 2011 by Livraria e Editora LumenJuris Ltda.


SUMÁRIO
Categoria: Processo Civil

PRODUÇÃO EDITORIAL
Livraria e Editora Lumenluris Ltda ..
Qualificação dos Autores .... xvii
A LIVRARIA E EDITORA LUMEN )URIS LTDA.
não se responsabiliza pela originalidade desta obra. Apresentação . xxi

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características PARTE I
gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e ~~, e Lei nº 10.695,
de 1º/07/2003), sujeitando~se à busca e apreensão e o Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional dos Direitos Humanos 3
indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). André de Carvalho Ramos
1. A proposta do artigo . 3
Todos os direitos reservados à 2. Do que falamos quando falamos do Direito Internacional dos Direitos Humanos? . 4
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. 2.1. Os tratados internacionais . 4
2.2. O costume e os princípios gerais de Direito InternacionaL . 7
Impresso no Brasil 3. Os tratados internacionais de direitos humanos . 9
Printed in Brazil 3.1. A batalha da hierarquia normativa: a consagração da teoria do duplo estatuto .. 9
3.2. Reflexões sobre a teoria do duplo estatuto e a exigência do decreto executivo . 12
4. AB fontes extraconvencionais de direitos humanos . 16
5. O controle de convencionalidade internacional. . 19
5.1. Conceito de controle de convencionalidade no Direito InternacionaL . 19
5.3. A Necessidade de Cumprimento das Decisões Internacionais: o Direito Interno
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO. NA-FONTE
como Mero Fato . 22
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R)
5.4. A busca pela implementação das obrigações internacionais de direitos humanos:
D635 o caso da Federalização das Graves Violações de Direitos Humanos e a as Ações
Diretas de Inconstitucionalidade 3.486 e 3.493 em trâmite no STF . 23
Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica I Daniel Sarmento, Ingo 6. A superação do princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo . 28
Wolfgang Sarlet, coordenadores. ~Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 7. Os direitos humanos são levados a sério? . 30
1002p. ; 24cm 8. Pelo Diálogo das Cortes e fim da Era da Ambiguidade . 32
Conclusão : . 35
Inclui bibliografia e índice
Notas sobre a dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Supremo Tribunal
ISBN 978-85-375-0932-6
Federal . 37
Ingo Wolfgang Sarlet
1. Brasil. Supemo Tribunal Federal ~ Jurisprudência. 2. Direitos fundamentais. 3. Direitos l. Notas introdutórias .
sociais. 4. Dignidade (Direito). L Título. 37
11.Conceito, dimensões e funções da dignidade da pessoa na perspectiva jurídico~cons~
ll-1I89. titucional. . 38
01.03.1I 03.03.1I CDU 342.7 UI. Funções da dignidade da pessoa humana como norma jurídica (princípio e regra)
024871 na ordem constitucional brasileira: uma leitura mediante um diálogo com a juris~
prudência do STF .. . 51
lU. I. C:Onsiderações gerais . 51

v
Federal tem se convertido em uma extraordinária arena para a afirmação dos direitos As Liberdades de Expressão e de Imprensa na
humanos das mulheres. Como bem sustentou o Ministro Celso de Mello: "o Ppder Judi~
ciário constitui o instrumento concretizador das liberdades constitucionais e dos direitos Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
fundamentais. (...) É dever dos órgãos do Poder Público - e notadamente dos juízes e Rafael Lorenzo-Femande~ Koatz
dos Tribunais - respeitar e promover a efetivação dos direitos humanos": Hisforicamente
as Cortes Constitucionais têm assumido a relevante missão de fomentar a cultura e a
consciência de direitos e a supremacia constitucional, tendo seus julgados o impacto de
transformar legislações e políticas públicas, contribuindo para o avanço na proteção dos
direitos humanos. . . - 2 F ndamentos teóricos, abrang61.da e limites das liberdades de expressão e de im-
Sumam; L huroduçao . u. ' . 2 3 Limites. 3. O STF e as liberdades de expressão e de
OS C2S0S emblemáticos destacados por este artigo permitem concluir que a litigân~ prema. 2.1. Fundamenws teóricos. ~~~_ ..~bra:enc~ .••:,,~Iicas ADI n" 392 (1991) RE n~ 265.297 (2005),
imprensa 3. J. CUmifico.çiíode espe=-"UlUSe Iiersocs1'...... . . ' _ é indiClltiva ou obri-
cia em defesa dos direitos das mulheres se faz de forma inovadora e crescente, de forma a ADI n2 2398 (2007), ADI nº 3.907 (2007) e ADl ~2_3.927 (2007); A classift:açMJADI nº 869 (1999);
, ' 1 da cria a e do adolescente e restnçoes à liberdade de expressa0. a . .
projetar o debate sobre a questão de gênero par~ o âmbito da sociedade civil, no esforço gauma. 3.2. Defesa nç _ de mação e da publicação de pmódicos
Inconstitucionalidade da imposição de pe~ ~~,S_usd!~~aoADlPr~gT2~66_MC(2002); Restrições ao proseli-
de traduzir e implementar no âmbito lacaIos ganhos obtidos nas esferas constitucional e 3 3 Ube dade de opressão das enussoras (Lto rauLU 'J""ao. n.
.." .., _' L' . tri,NS à liberdade de expressão. a) ADI n" 956 (1994);
. em rádios comumtánas 3.4. u:lS eleltOTIlISe res "Sv- filiadas
internacional. Persiste o desafio de romper com a ótica sexista e discriminatória com re~ ;;;'nç' 5es à propaganda eleíwra! b) ADI n2 2.677-MC (2002): Vedação a pa~p~ao
.., _

~ pesso~_ L' ;)
lação às mulheres, que ainda as impedem de exercer, com plena autonomia e dignidade, " 6) Vi .•~~;; à diw! ação de pesquisas elelWTalSàs vesperas é1U PIeIW
outrOSpartidosc) ADI nº 3.741 (200 ; e",¥,o ,~ lL~~ ) AVI 94352 (2009);
" 006)' Pr ib' ão de realização de ShowmlClOS e eventos assemelll/.U.WS e n. .
seus direitos mais fundamentais. ADIn 3.758(2 ... 0 ~ d"- )ADlnQ451(201O):Restriçõesàssátirashu17loriltlcas
Restriçõe~~lOs ele;~~ e~~:~lS~S~::a ADPF ~2 130 (2009): Lei de Imprensa 3.7. Restrições
Daí a urgência em se fomentar uma cultura fundada na observância dos parâmetros
3.5.Pub comerc.. liberdadedeexpres.o;ãoREn"51J.961 (2009): DiplomadeJor-
internacionais e constitucionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, visando à atividade profis5ional que interyerem c~ a . ) B . _ º 2 702 (2002): Caso O Globo x Amhony
nalis17lo3.8. Restrição prévia à dwulgaçao de noóaas. a euç:w n ~ fi ndo S 3 9 Liberdade de
à implementação dos avanços constitucionais e internacionais já alcançados, que consa- Garotinho b) RedamaçiiO nº 9.428 (2009); O Es~o de São .~au . x ema ame: .. E nQ 208.685
cri' ) ADI nQ 1969 (1999 e 2007): Direltodereumao e liberdade de expresSa0b) R _ rl.n
gram uma ótica democrática e igualitária em relação aos gêneros. protesto e tlCl1 a _ . 'omaI3.1O. Discursos de incitaÇãoao ódio "lUte
(2003); Reprodução de acusaçoesfonnuladas por tercetrosernJ _ . HCnº 83.996 (2004);
Cabe ao Supremo Tribunal Federal a responsabilidade histórica de fazer triunfar a érica speech) a) HC nº 82.424 (2003); Caso EUwang~r~.11. ~~gTafia e obscemdade._a}
Caso GeraM Thomas 4. Uma análise crítica da Juruprndéncla do STF. 5. Condusao.
dos direitos humanos, em defesa de direitos e no combate à violência ,e à discriminação ra-
dicada nas relações de gênero, com a prevalência do princípio maior da dignidade humana.
A ética emancipatória dos direitos humanos demanda transformação social, a fim de que as 1. INTRODUÇÃO
mulheres possam exercer suas potencialidades, de forma livre, autônoma e plena.
Desde que o Brasil se tomou independente de Portugal, em 1822, todas as nos~
. e ao menos no papel,
sas carras constitucionais asseguraram, em maIOr ou menor grau, ._
proteção às liberdades de expressão (também chamada de liberdade de man.ife~t~çaodo
pensamento) e de imprensa.1 Apesar disso, em razão de nossa cont~rbada hl~to~::~n:~
titucional, nunca houve um ambiente muito propício ao desenvolvImento e a afi ç
dessas liberdades no Brasil. Não até o advento da Constituição de 1988. d d
Com a Constituição de 1988, a liberdade de expressão ganhou redobr~ o est~~
-,
que. A Assembleia Constituinte, instaura da com o proPOSlto d e redemocratlzar PaIS, °
12).1934 (art. 113.9), 1937 (art. 122.15); 1946 (art. 141, S
A saber; 1824 (art. 179, IV); 1891 (art. 72, S, I I' Co ", ',-'o de 1937 conhecida por seu
'80) 1969 ( 153 S 82) Dentre e as, 01 a TIS•..•Ul ,
52); 1967 (art. 150,:; -, art., . f' emo da imprensa sem maiores preocupações
viés fascista, que dispõs mais detidamente sobre o unClOnam ,
democráticas.

391
I\.UJ=< w.J,t."(.v" L" ••.•.' ••..•.•.•••• ~_ ••.
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A5liberdades de Expressáo e de Imprensa na]urisprudéncia do STF

assumiu a proteção da liberdade de expressão dos cidadãos e dos meios de co~unicação pressão.4 Essa relativa incompreensão do tema tem obrigado o STF a se pronunciar, nos
social como um objetivo de máxima importância, o que se refletiu no seu texto.z Ciente "b
últimos anos, com certa frequenCla, so re o assun t o. E aquele Egrégio Tribunal não tem.
dos inúmeros abusos e arbitrariedades cometidos durante o regime de exceção, uma das se furtado a analisar e decidir questões espinhosas, não s6 definindo os contorno.s da li,
preocupações centrais da Assembleia Constituinte foi proibir_e proscrey~r_ toda forma berdade de expressão, como também contribuindo para a afinnação e o reconheclffiento
de censura. A Carta de 1988 foi pródiga em disposições que, direta ou indiretamente, da sua importância. .
estão relacionadas ao tema. Com efeito, ela assegura a livre manifestação do pensamento O objetivo deste estudo é examinar, com um olhar crítico, a jurisprudêncIa de,
e a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, indepen, senvolvida pelo Supremo Tribunal Federal sobre liberdade de expressão e de impre.nsa,
dentemente de censura ou licença (art. 5º, IVe IX), o direito de resposta proporcional a 6s 1988, para identificar avanços e eventuais retrocessos, além das questões que amda
ao agravo (art. 5º, V), a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI), o acesso à p
precisam ser corretamente equacionadas por aque 1e T'b n una.1 A ntes,. porem,
'de passar
informação, com as garantias que lhe são inerentes, dentre as quais o resguardo do sigilo propriamente à análise da jurisprudência, faz,se mister o desenvolvlme~to de breves
da fonte, quando necessário ao exercício profissional, e o direito de haver dos órgãos pú, considerações acerca da importância da liberdade de expressão. O proPÓSItoé apresen,
blicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (art. 5º, tar os principais argume~tos teóricos e filosóficosque justific~ e legitimam a ~berda~~ de
XIV e XXXIII), as liberdades de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a expressão e põem em relevo a necessidade de sua proteção. A luz ~~ssasprelTIlSsasteoncas
arte e o saber (art. 206, 11), bem como o respeito ao pluralismo de ideias e de concepções sera, pOSSIve
'1 d'LS
cu'" m'd,'V1'dualmenteos casos mais relevantes deCIdIdospelo STF.
LU, '

pedagógicas, como princípios reitores do ensino (art. 206, 111), o pleno exercício dos
direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, além de apoio e incentivo à 2, FUNDAMENTOS TEÓRICOS, ABRANGÊNCIA E LIMITES DAS LIBERDADES DE
valorização e à difusão das manifestações culturais (art. 215), a livre manifestação do
EXPRESSÃO E DE IMPRENSA
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo (art. 220), a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
L L Fundamentos teóricos
comunicação social, observado o disposto na Constituição (art. 220, ~ 1º), e veda toda e
qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística (arts. 5º, IX e 220, S 2º).3
,I Por que a liberdade de expressão é importante? O que ela assegura? O que ela pro,
Além disso, contém dispositivo voltado a impedir a formação, direta ou indireta, de mo,
move? Em que jaz o seu valor? Diversos autores tentaram responder a essas perguntas.
nopólios ou oligopólios (art. 220, S 5º), o que reflete, inegavelmente, uma preocupação
Para alguns, a liberdade de expressão possui um valor intrínseco e constitui elemento e~,
com a formação de uma imprensa livre e plural.
sencial para o desenvolvimento da personalidade. Para outros, a existência e a p~oteçao
A existência de inúmeras disposições constitucionais sobre o tema, contudo, não
da liberdade de expressão não se justificam autonomamente; só deve ser protegIda p~r'
impediu um certo descompasso entre a vontade constitucional e a realidade social. A
que promove outros valores que a sociedade considera essenciais, corno a democracIa.
abrangência e a importância dessa liberdade têm sido, muitas vezes, mal-compreendidas
Há, ainda, quem afirme que a liberdade de expressão é essencial para a busca da verdade,
pelo Legislativo e pelo Judiciário. A todo o tempo são editadas leis e proferidas decisões
judiciais que desafiam a ampla proteção conferida pela Constituição à liberdade de ex-
~'d a ADPF nQ 130: "Reafinnar,
4 Essa também é a visão extemada pelo Min ..Gilmar Me~d:&n~ voto ~:;~ ~eito não é tarefa estéril, muito
e assim enfatizar, o SIgnificado da liberdade de Impre.rua _no s b lemo~r- ua ~p~'ncia nocontexw de um, regime
\1 1 I' acelta~aoquasea so utau.<:S "" U''"'"'
2 Uma das inovações da Constituição de 1988 foi a introdução de um capítulo específico para disciplinar menos ociosa. Se écet10 que, atua mente, la un:a F ado um direito fundamental universalmente garanodo, não
a Comunicação Social (Capítulo V do Titulo VIIl), com a submissão dos veículos de comunicação por democránco e um consenso em tomo de seu SlgTll IC como _ _ t e a am la concordância (ou mesmo
radiodifusão ao regime dos serviços públicos (art. 223, eaput, CF). menos certo é que, no plano prático, nunca houve uma exata correspondenc~ en~ demo~acia ava~ada, a liberdade
3 Obviamenre, o rol náo é taxativo, tendo em vista o disposto no art. 52, ~ 2Q, da CE Assim, também integram a o senso comum) (: .. ~ e a sua efetiva realização e ~TOte~O.
M;:t: :~o:m países comhistórico de instabilidade
ordem jurldica brasileira os diversos tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signarário, dentre de imprensa ConstltUl um valor em pennanente afinnaça? e c _ ç d fundamentos institucionais prop!cios ao
os quais:' (i) a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19); (ii) o Pacto Internacional dos Direitos política e nas denomi~ novas democracias, a paulaona constrnçao .os . . a ser alcançado."
Civis e Políticos (art. 19); e (iii) a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 13). desenoolvirnento da liberdade de comunicação ainda representa um desafio e um ob)etllJO
Direitos rundamentms no ,)upre171Q l'11OUnal reaeral: D(lt(lT~U ~ ••.....
UL«.-U Rafaell.orenzo-remanáez Kaatz
As liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

o que legitima a sua proteção.5 Em nossa visão, há basicamente duas justificações para a dos cidadãos enquanto agentes morais autônomos. Não cabe ao Estado ou aos agentes
proteção da liberdade de expressão: urna substantiva e outra instrumenta1.6 públicos definir quais ideias devem circular no meio social. O Estado não pode realizar
Os autores que endossam uma visão substantiva, consideram que a lib~rdade de juízos de valor a respeito das opiniões manifestadas pelas pessoas, justamente porque, se
expressão é um valor em si, ou seja, é um direito substantivo ~~ moral dos cidadãos.7 Para essa faculdade lhe fosse outorgada, os governantes poderiam reprimir discursos de opo~
esses autores, as pessoas têm um intrínseco direito moral de dizer o que -p~nsam e de sitores, ao arrepio das noções mais básicas de democracia.
ouvir o que quiserem. Trata-se de garantia que diz com o próprio desenvolvimento da Por outro lado, há autores que, a partir de uma perspectiva instmmental, sustentam
personalidade do indivíduo. Sob esse prisma, a liberdade de expressão é uma emanação que a liberdade de expressão é importante e deve ser protegida, porque é um meio, um
do princípio da dignidade da pessoa humana, que reconhece que a realização individual instrumento, para a promoção de outros valores constitucionalmente consagrados, como
de cada um depende, em grande medida, do intercâmbio de impressões e experiências a democracia.u-12 O regime democrático pressupÕe a existência de um livre "mercado
para o que a liberdade é fundamenta1.8 A perspectiva substantiva exige o reconhecimen~
de ideias"13apto a influenciar, efetivamente, a condução das políticas públicas. A noção
to de que não há vida digna sem liberdade de expressão, porque um dos valores mais
de autogovemo popular se baseia num processo dialético, de troca de impressões e con~
marcantes da condição humana é a capacidade que os indivíduos têm de se verem e de
fronto de visões, informado pelo pluralismo e pela isonomia, em que os cidadãos possam
se entenderem enquanto seres pensantes.9 Essa perspectiva pressupõe a ideia de que os
se influenciar reciprocamente. Nesse sistema, os indivíduos devem ter acesso às diversas
indivíduos são capazes de discernir aquilo que é bom do que é ruim e, portanto, têm
manifestações de pensamento que circulam no meio político. Devem poder escolher as
o direito de definir suas próprias escolhas. 10 A partir de uma visão substantiva, toda e
qualquer forma de censura com base no conteúdo é incompatível com a responsabilidade
11 Owen Fiss, por exemplo, defende que o discurso é valorizado pela Constituição, "não porque ele é uma forma
de auto-expressão, mas porque ele é essencial a autodeterminação coletiva • FISS, Owen M. A Ironia da Liberdade
n

5 Sobre o tema veja-se MACHADO, J6natas E. M. liberdade de Expressão: Dimensões Constitucionais da de Expressão: Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública. Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Mário da
Esfera Pública no Sistema Socia\. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, pp. 237 e ss. Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 30. Veja-se, ainda, SUNSTEIN, Cass R. DemocraC)' and
6 Ao fazer. referên.cia à doutrina norte-americana, Gustavo Binenbojm sustenta que há duas grandes teorias the Problem of Fre:eSpeech. New York: Free Press, 1995; MICHELMAN, Frank. "Relações entre democracia
que exphcam a liberdade de ~xpressão: teoria libeTUÍria e teoria democrática. A teoria libertária corresponde ao e liberdade de expressão: discussão de alguns argumentos". In: SARLET, Jugo Wolfgang (Org.). Direitos
~ue chamamos no texto de dlffiensão substantiva, ao passo que a teoria democrática corresponde à dimensão Fundamentais, Infonnática e Comunicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pp. 49 ss.; e LOWE,
ulSt~ume~taJ. Cf. BINENBOJM, Gustavo. Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Peter & JONSON, Annemarie. 'There is no such thing as free speech': an interview vo'ithStanley Fish.
Dehberat1va: As liberdades de expressão e de imprensa nos Estados Unidos ~ no Brasil In: Revista da In: Australian Humanities Review (1998). Disponível em http://wv:w.lib.latrobe.edu.au/AHR!archive/lssue-
EMERJ, v. ~, nQ 23, 2003, p. 364. Edilsom Farias, por sua vez, fala em perspectiva subjetiva, referindo-se ao February-1998/fish.hunl. Acessado em 25.01.07.
que d~~orrunamos no texto de dimensão substantiva, e em perspectiva objetiva, com o mesmo sentido com 12 Alexander Meiklejohn, precursor da perspectiva instrumental nos EUA, defendia que o discurso público s6
que u~lZa~os a ex.pressão dimensão instrumental. Cf. FARIAS, Edilsom Pereira de. liberdade de EXpressa0 e é protegido contra regulações inconsistentes com a democracia. Para o referido autor, se o discurso público,
Comumcaçao: Teona e pr~teção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 63/74. livre e aberto, foi idealizado para alcançar objetivos democráticOs, então o Estado pode intrometer-se quando
Como des~ac.aPaulo ~uri1lo .Calazans, nas democracias modernas "( ... ) a liberdade de expreSSa0 se apresenta o discurso desrespeitar ou excluir membros do debate. Meik1ejohn posiciona o Estado como um moderador
como a pr0Jn:W ~essao da liberdade do homem; todavia, não porque fosse um cidadao-membro da polis, mas neutro do debate público. Nas palavras do autor, "The principie of the freedam of speech ris] not a Law ofNatll.Te
~qu.e é um indivíduo dotado de direitos naturais ínsitos à existência humana". (CALAZANS, Paulo Murülo. "A or of Reason in the abstTact. Ir is a deducrionfram the basic American agreement that public issues shal! be decided
hberdade de Expressão como Expressão da Liberdade" in Temas de Constitue'onaIis D . J é by universal suffrage". MEIKLEJOHN, Alexander. Free Speech and lu Relation to Self-GOt'emment,1948, p. 39.
Ribas Vieira, 2003, p. 82). ' I mo e emocrana,org. os Apud STONE, Geoffrey R., SEIDtviAN, Louis M., SUNSTEIN, Cass R., TUSHNET, Mark V & KARLAN,
8 SCANLON, Thomas. ''A.Th~oryofFreedomofExpression''. In: DWORKIN, Ronald (Ed.). The Philosophyof Pamela S. The First Amendment. Second Edition, New York: Aspen publishers, 2003, p. 11. Tradução livre
Law. Oxford: Oxford Umveslty Press, 1977, pp. 153 e ss. para o vernáculo: "o princípio da liberdade de expressão não é um direitonatural ou da razão em abstrato. Ele é uma
9 Nesse s~ntido, ~aniel Sarmento salienta que "a possibilidade de cad<t um de exprimir as próprias ideiro c dedução do acordo básico americano de que questões públicas devem ser decidiàas pejo sufrágio universal".
c~ncePf..0esJ de ~vu.lgar .s~ obras artísticas, científicas ou. literárias, de comunicar o que pensa e o que sente, é 13 A ideia de que a liberdade de expressão protege o "mercado de ideias" surgiu a partir do voto dissidente
dl~ao essenCial da dignidade humana. Quando se priva alguém destas faculdades, restringe-se a capacidade de proferido por Oliver Wendell Holmes, no caso Abrahams t'. United States - 250 US. 616 (1919) - julgado
realizar-~e c~o ser humano e de perseguir na vida os projetos e objetivos que escolheu. Trata-se de uma das mais pela Suprema Corte norte-americana, em 1919. De acordo com Holmes, "o melhor teste para a verdade é o
gra~e: tJU)laç~esà autonomia individual que se pode conceber, uma vez que nossa capaciàade de comunicaçao - nossa poder do pert'lamentode se fazer aceito na competifão do mercado". A ideia pressupõe, por isso mesmo, a noção
aptidão aptidão e vontade de expn~ir de qualquer maneira o que pensamos, o que sentimos e o que somos - representa de laissez-faire, ou seja, de que o mercado seria capaz de se auto-regular. No entanto, como observam J6natas
uma das~maIs relevantes dimensoes de nossa própria humanidade". Cf. SARMENTO, Daniel. A Liberda.de de Machado e Gomes Canotilho, opinião com a qual estamos inteiramente de acordo, "o facto de o mercado das
Expr.essao _eo Prob~ema do "Hate Speech". In: "Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional". Rio de ideiro se apresentar estruturado com base no mercado de bens e seroifos e assentar na procura de lucro não justijiw,
JaneIro: Lumen Juns, 2006, p. 242. de forma alguma, a subtracção da actividade dosmdos de comunicaçãoaudiovisual ao âmbito normativo da liberdade
10 DW~ro:::IN, Ronald. "Why Speech Musr Bc Free?". In: Freedom's Law: The Moral Reading of the Amencan de expressão". Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. & MACHADO, J6natas E. M. "Realiry Shows" e Liberdade de
Consmutwn. Cambridge: Harvard Univesity Press, 1996, p. 200. Programação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 42.
Rafael Lorenzo-Femandez Koatz
Direiws Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica
As Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurispntdéncia do STF

I
correntes com que se identificam, assim como devem poder influenciar seus semelhantes mal para a sociedade.19 Sob esse enfoque, assumem especial importância a liberdade dos
a seguir a sua própria linha de pensamento. Sob esse prisma, a liberdade de expressão veículos de comunicação e o direito à informação. Através deles, os cidadãos são livremente
informados sobre os assuntos de interesse geral e, deste modo, podem exercer suas con,
se revela um pressuposto da realização do ideal republicano, e vem exercendo papel de
vicções pessoais.
destaque nas teorias contemporâneas sobre democracia deliberativa. H-
É importante enfatizar, por fim, que as perspectivas instrumental e substantiva da
Outra teoria instrumental sustenta que o confronto aberto de ideia é indispensável
liberdade de expressão - embora conceitualmente distintas - não são mutuamente ex,
para a identificação da verdade. Essa teoria - que ainda hoje é uma das mais importantes
cludentes. Em verdade, são complementares. Sem uma delas, a proteção à liberdade de
e consistentes defesas da liberdade de expressão - foi desenvolvida por John Stuart Mill
expressão não seria completa. Não é por outra razão que a Constituição de 1988 erigiu
(1806,1873), importante filósofo inglês - um dos maiores expoentes do pensamento
um sistema constitucional em que ambas as perspectivas das liberdades de expressão e de
utilitarista -, considerado por muitos o pai do liberalismo modemo.15 Em seu ensaio
imprensa encontram, se protegidas.lo Assim, portanto, na análise de casos envolvendo
sobre A Uberdade,16 de 1859, Stuart Mill defendeu que o governo não pode restringir a
essa garantia, nenhuma perspectiva deverá ser desconsiderada. Embora possam entrar
liberdade de expressão, mesmo que essa seja a vontade da opinião pública. Segundo ele,
em rota de colisão, elas são complementares e deverão ser compatibilizadas na medida
Il o que há de particularmente mau em silenciar a expressão de uma opinião é o roubo à raça
de suas possibilidades. Em outras palavras, por vezes o intérprete precisará ponderar a
humana - à posteridade, bem como à geração existente, mais aos que discordam de tal opinião
própria liberdade de expressão.
do que aos que a mantêm. Se a opinião é correta, privam,nos da oportunidade de trocar o erro
Em síntese, pode,se dizer que a liberdade de expressão não se resume a tutelar
pela verdade; se errada, perdem, o que importa em benefício tão grande, a percepção mais clara
quem manifesta suas próprias opiniões, mas também a todos os seus destinatários e, em
da verdade, produzida por sua colisão com o erro".l?
última análise, a sociedade como um todo. Não basta que os indivíduos sejam livres
Como se vê, a perspectiva instrumental pressupõe que a liberdade de expressão
para falar o que pensam. É preciso que os veículos de comunicação sejam livres e que os
deva ser valorizada porque seu exercício livre e desembaraçado produzirá bons resulta,
indivíduos tenham - ou ao menos possam ter - acesso a todos os tipos de informação e
dos para a sociedade, na medida em que é mais provável que através dela se chegue à
pontos de vista sobre o mundo que os cerca, para que possam desenvolver sua persona'
verdade, ou que se corrijam erros, ou que se produzam boas políticas.18 De acordo com
lidade livremente, escolhendo, com consciência, como desejam viver.
as visões instrumentais, portanto, o compromisso com a liberdade de expressão funda, se
na premissa de que, ao longo do tempo, a liberdade de expressão fará mais bem do que
19 O grande problema das teorias instrumentais da liberdade de expressão, como adverte Gustavo Binenoojm, é o
de que elas anibuem ao Estado "um papel de curador da qualidade do discurso público,comose fosse possivel situar
algum ente estatal num ponto arquimediano do qual seria possível avaliar o que merece e o que náo merece ser dito. Daí
14 CALAZANS, Paulo Murillo. "A liberdade de Expressão como Expressão da liberdade", op. cit., p. 74. Como
para a censura e o controle dosmeios de comunicação pelo governo faltaria pouco. Para oscríticos dessa teoria, a regulação
enfatiza Louis Hodges, "o governo representativo não pode existir (e nem mesmo ser teoricamente concebido) a
do conteúdo (e, em alguns casos, da forma) do discurso dos agentes sociais terminaria por gerar mal maior que a livre
menos que os governados disponham de mecanismos que lhes permitam saber o que seus governantes estão faz.endo,
manifestação dasfarças do mercado~. BLNENBOJM,Gustavo. Meios de Comunicação ... Op. cit.
não fazendo, e pretendendo fazer. Uma vez que nem todosos cidadã05 podem ter acesso direto aos poderes constituídos
20 Os incisos IV e IX do art. 52 da Constituição protegem, fundamentalmente, a liberdade de expressão em
(... ) eles necessitam de alguém que observe em seu lugar como o governo cuida de seus interesses. Jornalistas são
sua dimensão substantiva, eminentemente negativa, de proteção individual contra interferências estatais.
lUjueJes que observam por nós e nos informam sobre os nossos governantes. É uma questão de necessidade prática!
Com efeito, ao afirmar, v.g., ser "lit'Te a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicaçáo,
Como não podemos estar presentes o tempo todo, precisal7Ws que alguém mais esteja. Nós 'encarregamos' os jornalistas
independentemente de ceruura ou licença", a Constituição pôs em maior relevo a dimensão substantiva da
de observarem o governo em nosso nome. Eles constituem portanto um elo prático vital na cadeia das comunicaçóes ~.
liberdade de expressão, proibindo que o Estado se intrometa no processo criativo ou crie padrões estéticos
(HODGES, Louis W Definindo a responsabilidade da imprensa. Uma abordagem funcional. In: ELLIOT,
e artísticos, assegurando, desse modo, o direito à autodeterminação individual. Isso não significa, contudo,
DenLJornalismo Versus Pri't.'acir1ade.Tradução de Celso Vargas. Rio de Janeiro: Nordica, 1986, p. 24.
que tais incisos não tenham também um conteúdo instrumental. Eles têm, ainda que de forma mediata. Os
15 BERLIN, lsaiah. Introdução. In: MILL, John Stuart. A liberdade; Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
arts. 220 e ss., por sua vez, prendem,se, em maior medida, à dimensão instrumental, como meio de promoção
p. VII. de outros direitos fundamentais. Veja-se que ao \'edar, no art. 220, s22, "toda e qualquer censura de natureza
16 O liVTOconsútui um dos marcos teóricos mais importantes de justificação da liberdade de expressão. No
política, ideológica ou arríStíca~, a Constituição buscou proteger, primordialmente, o espaço público de debate,
original, On Uberry. O titulo do livro também é frequentemente traduzido para o português como Da liberdade
proibindo a exclusão de qualquer ideia com base em seu conteúdo, deixando aberta a possibilidade de os
ou Sobre a liberdade.
indivíduos se influenciarem mutuamente para chegarem a um consenso a respeiro da melhor forma de
17 MILL, John Stuart. A liberdade; Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 29.
exercício do autogovemo. Embora o Consütuinte tenha dado maior destaque ao caráter instrumental da
18 Parafraseando James Madison, a liberdade de expressão ajuda a proteger o poder do povo de governar a si
liberdade de expressão, nos arts. 220 e S5., isso também não significa que tal previsão não robusteça, ainda
mesmo. Cf. GOULD, Jon B. Speak no EviJ: The Triumph ofHate Speech Regulation. Chicago: The Universíry
que mediatamente, a dimensão substantiva.
ofChicago Press, 2005, pp. 45/46.
Vlreltos ru1UU1mentalS no .)uprerrw JTIOUnal reaeTat: DalUl~U t: L.-l"."•.U
As Liberdades de Expressáo e de Imprema na Jurisprudência do STF

2.2. Abrangência Na mesma linha, todas as formas de manifestação, desde que não violentas, estão
protegidas pela liberdade de expressão. Ela abrange gestos, sinais, movimentos,23mensa-
Por todos os motivos expostos anteriormente, a proteção à liberdade de expressão gens orais e escritas, representações teatrais, sons, imagens, bem como as manifestações
é - e necessariamente deve ser ~ ampla, a fim de abarcar toda e qualquer }nanífes~ação veiculadas pelos modernos meios de comunicação, como as mensagens de páginas de
não violenta.2! Para fins didáticos e no marco da sistemática engendrada pela Constitui~ relacionamento, "blogs", etc.24 Além disso, também é certo que a proteção constitu~
ção de 1988, é possível fracionar o conteúdo da liberdade de expressão em noções mais danaI abarca diferentes "estilos" de manifestação, que podem variar das leves e bem~
específicas, como liberdade de expressão em sentido estrito, liberdade de informação e ~humoradas às mais ácidas e ferinas; daquelas que transmitem emoções e sentimentos às
liberdade de imprensa. que possuem apelo estritamente racional.
A liberdade de expressão em sentido estrito engloba o direito individual de manifesta~ Alguns autores sustentam que apenas o "discurso" seria protegido pela liberdade
ção do pensamento, opiniões, ideias, sentimentos, pontos de vista, gostos artísticos etc. de expressão, e não a "conduta". Nessa linha de raciocínio, seria possível, por exemplo,
Trata~se da liberdade que cada indivíduo tem de se posicionar em relação ao mundo que defender teses separatistas, mas não adotar medidas tendentes à sua implementação. A
o cerca e externar seu ponto de vista aos seus concidadãos. A liberdade de infonnação, por distinção oferece importantes aportes para distinguir o que é e o que não é protegido pela
sua vez, engloba, a um só tempo, o direito individual de comunicar fatos de forma objeti~ liberdade de expressão, mas não deve ser adotada de forma absoluta, na medida em que
va (direito de informar), quanto o direito subjetivo de receber informações verdadeiras. há condutas que se revestem de uma natureza eminentemente expressiva, exatamente
Os indivíduos têm não só a liberdade como o direito de ser informados a respeito dos fa~ por terem o objetivo de transmitir uma mensagem. Um exemplo interessante aflorou
tos da vida, para que possam deliberar no espaço público. Por fim, a liberdade de imprensa no direito norte~americano: a queima da bandeira nacional, como um ato de protesto
abrange o direito~dever dos meios de comunicação de divulgar fatos e opiniões. Nesse contra o governo.25 Condutas deste tipo, que possuem caráter eminentemente simbólico
sentido, a liberdade de imprensa está umbilicalmente ligada às liberdades de informação e refletem um protesto, também estão, em princípio, inseridos na esfera de proteção da
e de expressão em sentido estrito, na medida em que serve de veículo para a divulgação liberdade de expressão.
de pensamentos, ideias e opiniões. No que se refere à titularidade, pode~se afirmar que toda e qualquer pessoa, seja ela
Assim, portanto, integram o núcleo da liberdade de expressão: .(i) o direito subjetivo natural ou jurídica, nacional ou estrangeira, pode manifestar~se livremente, sem censu~
público fundamental dos indivíduos à livre expressão de opiniões e ideias; bem como (ü) a ra.26 Quanto aos destinatários, tem~se que o seu exercício se volta, precipuamente, contra
promoção de um ambiente deliberativo plural, no qual seja assegurado a todos a possibilidade
de expressar~se.A liberdade de expressão, assim,produz efeitos não apenas nas relações entre 23 A pessoa se expressa através de seu corpo. Gestos, sinais e movimentos produzem linguagem, expressam
emoções, sentimentos, inquietações. A forma como uma pessoa se inclina, os gestos que faz ao falar, os
os indivíduos, mas também no funcionamento dos grandes veículos de comunicação de mas~
movimentos que produz dizem alguma coisa. Fala-se, nesse sentido, em linguagem corporal, em referência
sa, que são regulados especificamente pelos arts. 220 a 224 da Constituição.zz à forma como a pessoa se posiciona, se movimenta. Assim, é inegável que gestos, sinais e movimentos estão
protegidos pela liberdade de expressão.
Quanto ao teor da mensagem externada, é preciso ressaltar que, em princípio, a Consti~
24 CANOTILHO, J. J. Gomes; e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume L 4ª
tuição protege todo e qualquer conteúdo. Principalmente aqueles que desagradam a maioria. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 572.
25 Texas v.Johruon. 109 S. Ct. 2533 (1989).
As ideias impopulares são justamente aquelas que mais precisam ser protegidas pela liberdade
26 Nem sempre foi assim. A Constituição de 1824 só protegia os cidadãos brasileiros (arr. J79). Desde a
de expressão, pois correm maior risco de sofrer limitações e censura. Constituição de 1891, no entanto, os estrangeiros residentes no País passaram a ter direito à liberdade de
expressão (art. 72, caput). É importante observar, no entanto, que a extensão da liberdade de expressão aos
estrangeiros é tema ainda não equacionado corretamente. Um exemplo ajuda a ilustrar a questão. Em 2004,
21 Ninguém é - nem pode ser - obrigado a falar contra sua vontade. A liberdade de expressão também protege o o Presidente Lula decidiu expulsar do País um jornalista estrangeiro, correslX'odente do NeuJ Yor/<T lI11l'.S, que
direito de ficar calado. Nesse sentido, veja.se também: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; havia criticado os seus supostos excessos etílicos. O STJ concedeu Iimínar suspendendo imediatamente o ato, e o
e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 404. próprio Governo, duramente criticado pela opinião pública, acabou voltando atrás e não recorreu contra a citada
22 Embora a própria Constituição submeta as emissoras de rádio e televisão ao regime jurídico dos serviços decisão. Como se vê, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 65 e ss. do Estatuto do
públicos (CF, art. 223, caput) , tais veículos de comunicação gozam da mesma proteção assegurada aos demais Estrangeiro (Lei nQ 6.815180), que autorizam a expulsão de estrangeiro, por ralÓeS de conveniênCla e oponunidade.
meios de comunicação. O regime jurídico do serviço público, em nosso sentir, não estabelece exceção à ampla Se a Constituição de 1988 assegura liberdade de expressão aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, o
liberdade conferida pela Constituição, em que pese autorizar algumas intervenções estatais. exercício desse direito, por estrangeiro. não pode, via de regra, dar ensejo à expulsão.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica Rafael Lnrenzo-Femarufez Koatz
As Uberdaàes de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência dD STF

o Estado. Não obstante isso, é imperioso reconhecer, ainda que com algumas ressalvas e 2.3. Limites
atenuações, a sua incidência nas relações entre particulares (eficácia horizontal)Y
Como direito fundamental que é, a liberdade de expressão apresenta dupla dimen, A liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem ilimitado. Nenhum di,
são. Na sua dimensão subjetiva ela é, antes de tudo, um direito negativo, -que protege os reito fundamental o é.32.J) Como diria o ]ustice Oliver Wendell Holmes, a liberdade de
seus titulares das ações do Estado e de terceiros que visem a impedir ou a prejudicar o expressão não protege alguém que grite "fogo!" falsamente no interior de um teatro
seu exercício. Tal direito opera em dois momentos distintos: antes da ocorrência das lotado.34 Assim, em caso de conflito, ela poderá, eventualmente, ceder lugar em favor de
manifestações, para protegê,las de todas as formas de censura prévia, e depois delas, para outros bens e valores constitucionalmente protegidos.
afastar a imposição de medidas repressivas de qualquer natureza, em casos de exercício Como se sabe, a solução para as colisões de princípios se dá através da utilização
regular da liberdade de expressão. Já a dimensão objetiva da liberdade de expressão da técnica da ponderação,35-36com a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da
deriva do reconhecimento de que, além de direito individual, ela acolhe um valor ex-
razoabilidade. A ponderação estabelece, nos dizeres de Robert Alexy, uma "relação de
tremamente importante para o funcionamento das sociedades democráticas, que deve
precedência condicionada" entre os princípios em conflito. Ou seja, a aplicação do prin,
ser devidamente protegido e promovido.28 Este valor deve irradiar, se por todo o ordena-
cípio ao caso concreto depende das condições fáticas subjacentes. Dadas determinadas
mento jurídico, guiando os processos de interpretação e aplicação das normas jurídicas
condições, o resultado será um. Se essas condições forem diversas, o resultado poderá ser
em geral. Ademais, da dimensão objetiva decorre também o dever do Estado de criar
diferenteY Nesse contexto, é comum afirmar-se que não há relação hierárquica entre os
organizações e procedimentos que deem amparo ao livre exercício de tal direito. Assim,
princípios salvaguardados pela Constituição.38
o papel do Estado não é apenas negativo, mas também envolve ações positivas,29de sorte
Nada obstante, a doutrina vem desenvolvendo a teoria de que as liberdades de ex,
que cabe a ele proteger a liberdade de expressão, em face das ameaças representadas por
pressão e de imprensa situam, se em uma posição privilegiada dentro da Constituição. Essa
terceiros, além de promovê-la,3D através de medidas necessárias à viabilização do seu exer-
posição axiologicamente mais elevada se deve ao fato de que as liberdades de expressão
cício pelos segmentos que têm menos possibilidades reais de se exprimirem no espaço
público. Com isso, os debates públicos são enriquecidos, dando,se voz a grupos e pessoas
que tenderiam a ficar excluídos da esfera comunicativa num regime que se baseasse ex, 32 Soa quase como um dogma a afirmação de que não há direitos absolutos, ilimitados. A verdade, no entanto,
é que a vida em sociedade exige - mais do que isso, verdadeiramente impõe - limites às ações humanas.
clusivamente no mercado.31 A necessidade de limitação dos direitos é natural e lógica e decorre de razões de ordem prática: conferir
caráter absoluto os tomaria ineficazes. RENUCCI, Jean-François. Droit européen des droits de /'homme. Paris:
LG.D.J., 1999, p. 369. Apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos
27 Para uma análise aprofundada a respeito do tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais vejam-se, Fundamentais: Uma contribuição ao Estudo das Restrições aos Direitos Fundamentais na Petspectiva da
na doutrina nacional, os seguintes livros: SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio Teoria dos Princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 133.
de Janeiro, Lumen Juris, 2004; SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito 33 A própria Constituição estabelece, no ~1º do art. 220, limites explícitos à liberdade de expressão.
Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Dzreitos Fundamentais. 34 Schenck v. United States, 249 U.S. 47 (1919).
6~ ediçâo, revista atualizada e ampliada, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; SILVA, Virgílio Afonso da. 35 Humberto Ávila refere-se à ponderação comopostulaào aplicativo inespeeifico, porque ela exige o sopesamento
A Canstitueionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações privadas entre particulares. São Paulo: de elementos (bens, valores, interesses, direitos, princípios etc.), mas não indica como ele deve ser estruturado.
Malheiros, 2005; e PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. citoNa doutrina estrangeira, merecem destaques os C£ ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios:da definição à aplicação dos princípios juridicos. São Paulo:
seguintes estudos: HESSE, Konrad. DeTecho Constitucional y Derecho Privado. Madrid: Cuademos Civitas, 2001; e Malheiros, 3~edição, 2004, p. 93.
CANARlS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direiw Privado, Coimbra: Almedina, 2006. 36 A ponderação é a técnica utilizada para a solução de casos difíceis, que envolvem a aplicação de principias
28 Sobre a dimensão objetiva da liberdade de expressão, veja-se FARIAS, Edilsom Pereira de. Uberdaàe de Expressão e não comportam enquadramento por subsunção. A decisão, nesses casos, envolve escolhas valorativas do
e Comunicação: Teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 68ss. intérprete em relação a qual principio deverá prevalecer no caso concreto. Vale ressaltar que, embora a
29 SARMENTO, DanieL "Liberdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promocional do Estado~. In: Iit"Tes e ponderação seja, usualmente, utilizada na aplicação de principios constitucionais, em casos excepcionais, a
Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro; LumenJuris, 2006. técnica poderá ser utilizada para a solução de conflitos entre regras. Na doutrina nacional, o primeiro autor a
30 Essa dimensão pode ser promovida, por exemplo, através das leis de Ú1centivoà cultura. Nesse sentido, destaca-se chamar a atenção para esse fato foi o professor Humberto Ávila. Cf. Á VILA.,Humberto. Op. cit., pp. 45/46.
a Lei nº 8.313;91, que, restabelecendo os princfpios da Lei nº 7.505/86 (criadora de benefícios fiscais na área do Ana Paula de Barcellos também defende a possibilidade de ponderação de regras, embora com ressalvas. Cf.
imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou anístico), instituiu o Programa Nacional de Apoio BARCELLOS, Ana Paula de. PoruleTação, Racionalidade e Atividade ]urisdiciemal. Rio de Janeiro: Renovar,
à Cultura (pronac). Também é imp:mante mencionar a Lei nº 8.685193, que criou mecanismos de fomento à 2005, pp. 201/220.
atividade audiovisual, bem como II Lei uI) 10.753103,que insriruiu a Política Nacional do Livro. 37 ALEXY, Roben. 'Teoria de los derecMs ... Op. cit., pp. 92/94.
31 FlSS, Owen. A Ironia da liberdade de Expressão: Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública. Trad. 38 BARROSO, Luís Roberto. Interprewção e aplicação da Constituição: fundamentos de lima dogmática constitucional
Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. transfol7Tlllàora. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 187.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Critií:a As Liberdades de Expressão e de lmprensa najurispntdfuclG do,) j r

Um tema que suscita enorme discussão (e merece maiores reflexões) diz respeito
e de imprensa, a um só tempo, permitem o desenvolvimento de atributos inerentes à à admissibilidade de restrições prévias ao exercício desta liberdade, em favor da tutela
pessoa humana, bem como servem de instrumento para o exercício de outros direitos de direitos ou outros bens jurídicos contrapostos"3, Conquanto seja possível sustentar a
fundamentais, como a democracia e o autogovemo. Em outras palavras, as liberdades possibilidade de restrição judicial prévia, ao argumento de que não há como afastar da
de expressão e de imprensa inegavelmente ocupam uma po.sição preferencial (preferred proteção do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV), é igual,
position)39 na ordem constitucional brasileira,4o por desempenhar um duplo papel: subs, mente admissível sustentar que as regras constitucionais que proscrevem toda forma de
tantivo e instrumentaL Assim, portanto, segundo essa teoria, que vem sendo amplamen, censura afastam a incidência do art. 5º, XXXV: da CF em matéria de liberdade de expres'
te aceita,41 a solução dos conflitos envolvendo, de um lado, as liberdades de expressão são. Seja como for, o que importa observar é que, ainda que se admita tal possibilidade,
e de imprensa e, de outro, outros princípios constitucionais deve ser resolvido, via de o magistrado deverá atuar com redobrada cautela. Mesmo nesse caso, o controle judicial
regra, privilegiando aquela hberdade. prévio só poderá ser realizado em hipóteses mais do que excepcionais, por decisão muito
Em nossa visão, a adoção da teoria da posição privilegiada da liberdade de expressão bem fundamentada. É que, mesmo nessa hipótese, será imperioso reconhecer que a regra
não viola o princípio da unidade da Constituição, na medida em que não estabelece uma geral, que se extrai da Constituição de 1988, é a de que os danos causados pela difusão

hierarquia rígida ou definitiva entre os princípios, bens e valores constitucionalmente de informações ou notícias inveridicas, errôneas e manifestações levianas devem ser pu'
nidos e reparados a posteriori. Portanto, tal regra só poderá ser flexibilizada se os riscos de
tutelados. O fato de a liberdade de expressão dever ser, em princípio, privilegiada, não
violação aos direitos contrapostos superassem, em muito, o embaraço causado à liberdade
significa que ela não possa ser afastada no caso concreto. Como se disse, a liberdade de
de expressão. Não basta o risco de lesão a outros bens jurídicos tutelados. Esse risco há
expressão não é absoluta e as razões que, em princípio, justificariam sua proteção em um
de ser real, efetivo e intolerável.
determinado caso, poderão ser superadas por outros princípios e valores constitucionais.
Outra questão que tem ensejado alguma discussão diz respeito à possibilidade de
A adoção da teoria impõe ao intérprete, apenas e tão somente, um ônus argumentativo
imposição, por meio de lei, de limites às liberdades de expressão e de imprensa. Em seu
elevado, de demonstrar as razões que justifiquem a restrição. No Brasil, a teoria da posi-
voto na ADPF nº 130, o Min. Carlos Ayres de Britto sustentou que o legislador não
ção preferencial ainda é aplicada de forma tímida."2 poderia estabelecer nenhum limite em relação às matérias essencialmente de imprensa,
mas apenas às questões lateralmente de imprensa. Para ele, só seriam admissíveis restri-
39 A doutrina da posição preferencial desenvolveu-se, inicialmente, nos EUA, em caso que não se referia à ções decorrentes do próprio texto constitucional. O Min. Gilmar Mendes, no entanto,
liberdade de expressão. Na nota de rodapé nº 4 de seu voto no caso United States ti. Carolene Products Co., 304
U.S. 144 (1938), o Jusoce Harlan Stone consignou que as medidas restritivas impostas pelo Estado em relação consignou em seu voto na ADPF nº 130 e, posteriormente, reafirmou o ponto no voto
aos direitos individuais clássicos deveriam se submeter a um controle de constitucionalidade rigoroso. Poucos condutor que proferiu no RE nº 511.961/SP, que seriam admissíveis restrições legais à
anos depois, em 1943, no julgamento do caso Murdock v. Commonwealrh Of Penns)'lvanw (319 U.S. 105
(1943), a Suprema Corte norte-americana aplicou a teoria da posição preferencial à liberdade de expressão liberdade de expressão e de imprensa, desde que visem a promover outros bens e valores
afirmando que "freedom of press. freedam of speech, freedom of reUgion are in a preferred position". Em 1945, no constitucionais relevantes e passem pelo teste da propordonalidade.44 Em nossa visão,
julgamento do caso ThDmas v. CoUins (323 U.S. 516 (1945), a Suprema Corte novamente aplicou a doutrina
da posição preferencial, ao decidir que "[tJhe t.ask of drawing tlle Une between the freedom of the individual and essa última posição nos parece mais correta e consentânea com a Teoria dos Direitos
the power of the State i5 more delicate than wual where the presumption supporting legislation i5 balanced by the Fundamentais. Com efeito, parece legítimo e razoável que o legislador ordinário se an,
prefeTTed position of the freedoms secured by the First Amendment. 3. Re.striction of the Jiberties guaranteed b)' the
Fim Amendment can be justified only by clear and present danger to the public welfare". tedpe a possíveis conflitos entre direitos fundamentais e busque definir critérios para
40 Na lição de Luís Roberto Barroso, "( ... ) entende-se que as liberdades de infOffililÇão e de expressão seroem de
furulamenro para o exercíciode outras liberdades, o que justifica uma posição de preferénda - preferred position-em
relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. (. .. ) Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade a assunto de imeressegeral, ou que tenha relevância pública, e guarde pertinência com o objeto da notícia, (. ..)."
da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição (grifou~se).
posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade." (BARROSO, Luís Roberto. 43 Como se verá adiante, o STF ainda não pacificou esse tema.
Uberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisúo de direitos fundamentais e critérios de ponder!1fáo. 44 Em sede doutrinária, o Min. Gilmar Mendes já havia sustentado que, embora a ConstituiçãO de 1988 não
In: "Temas de Direito Constitucional- tomo III". Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 105-106). tenha contemplado, diretamente, no art. 5º, IV e IX, a possibilidade de inten'enção legislativa para a fixação
41 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos e os Tribunais Constitucionais da Espanha e da Alemanha têm de parãmetros para o seu exercício, o ~ }2 do art. 220 permitia essa intervenção. Cf. MENDES, Gilmar
adotado a teoria da posição preferencial. Ferreira. DireitosFundamentais e Controle de Consriruciona!idade: Estudos de Direito Constitucional. 3~edição,
42 Ao decidir o pedido formulado na Per. n!! 3.486, o Min. Celso de Mello consignou que "(...) o direito de crítica revista e ampliada, 2~tiragem, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 35.
em nenhuma circunstância é i1imir.áve~porém adquire um caráter preferencial, desde que a critica veiculada se refira

403
Vtreltos t'unaamenrats no -"upremo InOUltal rt:ut:Jut; LlUta1t!<LJto •••..•• 'lU<.'"

""", As Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

sua solução. Não há razão para entender de forma diversa. Atribuir exclusivamente ao diversões públicas e programas de rádio e televisão.46 A discussão dessa questão vem
Poder Judiciário a possibilidade çle conformação dos direitos em jogo comprometeria o sendo submetida ao STF, desde 1991, sem sucesso. Foram propostas diversas ações ques-
princípio da segurança jurídica e suscitaria problemas de legitimidade democrática. Se o tionando as sucessivas Portarias editadas pelo Ministério da Justiça, que disciplinaram
Poder Judiciário pode, em hipóteses excepcicmais, restringir.~ liberdades d_~~xpressão e tal preceito legal. O Supremo, no entanto, tem se recusado, até o momento, a analisar o
de imprensa para proteger outros princípios constitucionais, não vislumbramos qualquer problema, por não vislumbrar ofensa direta à Constituição.47-4S
razão para que o legislador ordinário não possa fazê~lo, estabelecendo, de forma geral
e abstrata, "limites" ao exercício desses direitos fundamentais. Para que a intervenção 46 A exposição de crianças e adolescentes a materiais eróticos ou violentos pode, eventualmente, ser prejudicial
à sua formação. Há, evidentemente, crianças e adolescentes que não sofrem qualquer prejuízo, embora
legislativa se mostre legítima, todavia, alguns cuidados se mostram necessários: ela deve expostas a materiais desse tipo. O que se quer afirmar, no entanto, é que a exposição a esses conteúdos
(i) ser realizada por lei formal; (ii) ser excepcional; e (üi) atender aos postulados da ra, aumenta a possibilidade de danos de ordem psicológica, fato esse que justifica um tratamento diferenciado
a materiais com esse tipo de conteúdo. Cabe à família, em primeiro lugar, avaliar e decidir como criar seus
zoabilidade e da proporcionalidade. Nesse contexto, entendemos possível a imposição filhos. O papel do Estado na educação de crianças e adolescentes é - e só pode ser - subsidiário (CF, art.
de restrições legais, mas as leis restritivas sujeitar~se,ão, sempre, a um escrutínio rigoroso 227). A discussão, portanto, envolve como o Estado deve participar para oferecer à família mecanismos
para que elas possam, se assim desejarem, evitar que crianças e adolescentes sejam expostos a materiais
quanto à sua constitucionalidade. inadequados ao seu estágio de desenvolvimento psicológico. Há, basicamente, duas correntes doutrinárias,
uma mais liberal e outra menos, que abordam o tema. Para os adeptos da corrente mais liberal, dentre os quais
nos incluímos, a classificação etária é meramente indicativa, o que significa dizer que as emissoras não estão
3. O STF E AS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA obrigadas a respeitar, rigorosamente, os horários definidos pelo Poder Público. As emissoras não podem ser
punidas, de nenhuma forma, por veicularem programas fora do horário indicado. A obrigação que decorre
da Constituição é a de informar, antes e durante, de forma ostensiva e clara, a faixa etária abaixo da qual o
Assentadas as premissas teóricas e filosóficas que dão suporte à proteção conferida programa não é recomendado, de forma a possibilitar que 05 pais decidam se seus filhos podem, ou não, assistir
ao programa. Para os adeptos da segunda corrente, a necessidade de proteção à criança e ao adolescente
pela Constituição de 1988 às liberdades de expressão e de imprensa, é chegada a hora de justifica uma intervenção mais incisiva do Estado na programação das emissoras de rádio e televisão. Para
examinar, com um olhar crítico, as principais decisões proferidas pelo STF sobre o tema, essa corrente, a Constituição define que a classifkação é indicativa para os pais, sendo obrigatória para as
emissoras. Em outras palavras, as emissoras só poderiam veicular os programas nos horários pré.definidos
após 1988.45Os casos foram organizados por assuntos e serão apresentados em ordem pelo Poder Público. Em defesa da tese, argumenta-se que muitas vezes crianças e adolescentes assistem e
cronológica. °
ouvem os programas sem a presença de seus pais, que justificaria uma maior intervenção estatal. O art.
254 do Estatuto da Criança e do Adolescente adotou essa última posição prevendo sanções caso as emissoras
veiculem programas em desacordo com a classificação estabelecida pela União. Aderimos à corrente que
3.1. Classificação de espetáculos e diversões públicas considera meramente indicativa a classificação editada pelo Ministério da Justiça. Em nossa visão, cabe
aos pais orientar seus fLIhossobre o que eles podem ou não podem ver. Tornar vinculativa a classificação
ADI nº 392 (1991), RE nº 265.297 (2005), ADI nº 2.398 (2007), indicativa compromete a liberdade de programação das emissoras de radiodifusão e atinge direitos
ADI nº 3.907 (2007) e ADI nº 3.927 (2007): A classificação é dos cidadãos adultos. A proteção constitucional conferida à criança e ao adolescente no art. 227 não
autoriza que se limite, dessa forma, a liberdade de programação. Sobre o tema, veja-se Cf. BARROSO,
indicativa ou obtigatória? Luís Roberto, Uberdade de Expressâo, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988. in
"Temas de Direito Constitucional". Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 377-378).
47 Vejam.se os casos relacionados ao tema: a) ADI nº 392, ReI. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em
A proibição da censura é um dos aspectos centrais da liberdade de expressão as' 20.06.91 (constitucionalidade da Portaria MJ nº 773): ação não conhecida, por votação unânime; b) RE nº
265.297. ReI. Min. Sepúlveda Pertence, 1"- Tunna. j. em 12/04/05 (interposto por emissora de televisão
segurada pela Constituição de 1988. Legitimamente preocupado com nosso passado re, contra acórdão do TJDF que mantivera sua condenação ao pagamento de multa em razão da exibição
cente, o constituinte proibiu, peremptoriamente, toda forma de censura. A despeito de filmes com cenas de violência em desacordo com a classificação indicativa prevista na Portaria MJ nº
773): não conhecido, por unanimidade; c) Agravo Regimental naADl nº 2.398, Rel. Min. Cezar Peluso,
disso, no entanto, tem havido enorme debate em torno da abrangência e dos limites da Tribunal Pleno, j. em 25/06/07 (constitucionalidade da Portaria MJ nº 796, que revogara a Portaria MJ
competência conferida à União para exercer a classificação, para efeito indicativo, de nº 773): recurso desprovido, por maioria (6 vOtoSa 5); d) ADl nº 3.907, ReI. Min. Eros Grau (Porraria MJ
nº 264/07): arquivada, por decisão monocrática do relator, conIra a qual não houve interposição de recurso;
e) ADI nº 3.927 (Portaria MJ nº 1.220/07): a ação sequer chegou a ser distribuída, eis que a Min. E!len
45 Por limitações de tempo e espaço, tivemos de fazer "escolhas trágicas", deixando de fora a análise de algumas Gracie, então Presidente do STF, determinou, de plano, o seu arquivamento. Também não houve recurso.
questões, como: (i) a abrangência da imunidade tributária assegurada a livros, jornais, periódicos e ao papel 48 A questão, no entanto, ainda está longe de ser equacionada, em definitivo, pelo STF. Ainda há uma ação
destinado a sua impressão (art. 150, VI, "d", da CF); (ii) a imunidade assegurada aos parlamentares no pendente de julgamento sobre o tema. NaADI nº 2.404, ReI. Min. Dias Tof{oli,o PTBpostula a declaração de
exercício do mandato eletivo (art. 53 da CF); (iii) a imunidade dos advogados (art. 133 da CF c/c art. 72, S inconstitucionalidade da expressão "em horário diveno do autorizado" consrante do art. 254 do ECA. Alega-se,
211, do Estatuto da OAB); e (ív) crimes contra a honra praricados através dos veículos de comunicação. na referida ação, violação ao art. 21, XVI. e aos arts. 52, IX, e 220, ~~ I li, 211e 3'\ da CF, ao argumento de que
As Liberdades de Expressiío e de Imprensa na]urisprndência do STF

3.2. Defesa da criança e do adolescente e restrições à liberdade de 3.3. Liberdade de expressão das emissoras de radiodifusão
expressão ADI nQ 2.566-MC (2002): Restrições ao proselitismo em rádios
ADI nQ 869 (1999): Inconstitucionalidade da imposição de pena de comunitárias
suspensão de programação e da publicação de. periódicos
Pode o Estado, com o propósito de garantir a qualidade da programação ou de pro~
Em 1999, o STP foi confrontado com a seguinte questão: previsão legal que auto, mover uma finalidade educativa, condicionar a concessão de serviços de radiodifusão à
riza a suspensão da programação ou da publicação de periódicos, a título de penalidade não veiculação de determinado tipo de discurso? Essa é a questão subjacente à ADI nº
por infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente, viola o art. 5º, XL~ da Constitui- 2.566.52 No caso, o STF, por maioria, indeferiu pedido de medida cautelar através do
ção, e os princípios do devido processo legal e da ampla clefesa?49 A questão foi discutida qual se buscava suspender a eficácia de expressão, constante do art. 4º, ~ 1º, da Lei nº
na ADI nº 869.50 Na ocasião, o STF reconheceu, por unanimidade, em decisão que me~ 9.612/98, que vedara o "proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de
reee nossos aplausos, a inconstitucionalidade de expressão constante do art. 247, ~ 2º, radiodifusão comunitárias".53 O relator, Min. Sydney Sanches, votou pelo indeferimento
do ECA, que autorizava a suspensão da programação de emissora por até dois dias, ou da da cautelar, por não vislumbrar inconstitucionalidade, em tese, na vedação. Não obs~
publicação de periódico por até dois números, caso divulgassem nome, ato ou documen- tante, deixou aberta a possibilidade de o Poder Judiciário, diante do caso concreto, te~
to de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente conhecer a alegada ilegitimidade constitucional. Ficaram vencidos, na ocasião, os Min.
a que se atribua ato infracional. Celso de Mello e Marco Aurélio. Para o Min. Celso de Mello, como o Estado é laico e
O Min. Umar Galvão, relator, votou pela inconstitucionalidade por entender que não tem interesses confessionais, não pode pretender censurar ou evitar a difusão de
a medida restritiva não se prestava ao propósito de assegurar às crianças e aos adoles~ ideias religiosas professadas por qualquer grupo, através dos veículos de comunicação.54
centes o direito à dignidade e à não exploração, pois só seria adotada após o fato e per~ O Min. Marco Aurélio, por sua vez, considerou que a regra impunha censura prévia às
mitiria a vedação de veiculação de outros programas, que não tinham qualquer relação rádios comunitárias,55 incompatível com a Constituição.
com a infração cometida. Além disso, a norma permitiria ao juiz vedar a veiculação de Com todas as vênias, em nossa visão, o indeferimento da cautelar foi um grave
informações jornalísticas sem examinar,lhes o conteúdo, o que seria mais grave do que equívoco. A lei vedou a difusão de manifestações com um determinado tipo de conte~
a censura pautada no conteúdo da matéria, expressamente vedada pela Constituição. údo, o que, além de paternalista, compromete a democracia, eis que representa grave
Não obstante isso, reconheceu a constitucionalidade da apreensão judicial de publica~ interferência na liberdade de expressão em sua dimensão instrumental. Esperamos que
ções que retratem indevidamente crianças e adolescentes envolvidos em práticas de atos
infracionais.51 Não identificamos, contudo, nenhuma ação questionando o art. 255. Nossa esperança é que os referidos
artigos venham a ter o mesmo destino do art. 247, S 22, do ECA, seja de forma incidental, seja por meio de
ação direta.
eles s6 autorizariam a classificação de espetáculos e diversões públicas com efeitos indicativos. No entanto, a 52 ADI nº 2.566, Tribunal Pleno, ReI. Min. Sydney Sanches, j. em 22105/02, DJ de 27/02/04.
lei teria transformado a classificação indicativa em ato de permissão ou autorização, impondo penalidades. O 53 Proselitismo é o discurso que objetiva converter pessoas a uma doutrina, sistema, religião ou ideologia.
partido autor sustenta, ainda, que o referido art. 254 não dispõe sobre os critérios reguladores das diversões Segundo o dicionário Houaiss, proselitismo significa "a auvidMe ou o esforço de fazer prosélitos (convertido);
públicas e espetáculos, não se prestando, portanto, a suprir a ausência da lei federal reclamada pelo s3º do catequese, apostolado". Dicionário Houaiss, versão onIine, disponível em http://wwv...uol.com.br.
art. 220 da Constituição. Curiosamente, não se discute, na referida ação, a desproporcionalidade da sanção 54 "O que não tem sentido é proibir-se, em caráter absoluto, o exercícioda liberdade de pensamenw, especialmente no plano da
prevista em lei, que autoriza "a suspensiío da programaçiío da emissora por até dois dias" (sobre o tema, vejam-se difusiio de ideia.s,ainda que com frnalidade de proselitismo, (... ). O Estado não tem ~nem pode ter, interesses c01lfessioruID.
os comentários sobre a ADI nº 869, adiante). Em março de 2010, a AGU apresentou petição defendendo Ao Estado é indiferente o conteúdo das ideia.sreligiosas que ftlentua!mente venham a circular e a .ser pregadas por qualquer
a constitucionalidade do dispositivo. Posteriormente. em abril de 2010, o Procurador-Geral da República grupo confessional, mesmo porquenão é lícitoao Poder Públiro iruerditá-las ou censurá-Ias, sem incorrer (. _.), emínaceiwvel
apresentou parecet opinando pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela sua improcedência. Até a interferfficia em domfnio naturalmrnte estranho às ar:àuJades es/iltais. (.. .) no conr:exr:o de uma sociedade fundada em
conclusão deste trabalho. a ação não havia sido julgada pelo STE bases democráticas, (... ) temas de caráter teológico ou concepções de fndo1e filosófica (... ) estáo, necessariamente, fara do
49 Não se alegava, na iniciai, violação à liberdade de expressão. alcance do poder cens6riodoEstado (... )" (Trecho do vOtodo Min. Celso de Mello).
50 Tribunal Pleno, ReI. Min. Ilmar Galvão, ReI. pl Acórdão Min. Maur[cio Corrêa, j. em 04/08/99, DJ de S5 "Náo posso, antecipadamente _ e creio que o :risco é serifssirrw, no que pemumea no cenário jurídico a norma
proibitiva -, simplesmente dizer que fica vedada a veÍCtllaçáo de certa matéria. (. .. ) Para mim, nele [art. 4º, ~ Iº, da

=___
04/06/04.
51 O ECA possui dois outros artigos que estabelecem sanções semelhantes, quais sejam, os arts. 254 e 255. O art. Lei 9.612/98J lui uma censura PTévia. Antecipadamente, considerado o programa, pro£be-se. O que é isso, a náo ser
254 é objeto da ADI nº 2.404, ReI. Min. Dias Tofolli, comentada anteriormente, mas por outrO fundamento.

____ .:::_"._'.=::":'_"._p'._."':ia:._'.(_ .....).' .. (1i.'.".h.O.d.O.V.O.'O.d.o.M.in :::0 A.U.,.d.iO.)..


A5 Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STP

No caso, os Ministros analisaram, dentre outras questões, se a proteção confe~


o STF, quando da apreciação do mérito da ação, corrija seu posicionamento e declare a
rida à liberdade de expressão poderia ser aplicada à propaganda prevista no art. 17,
inconstitucionalidade do dispositivo,56
g 3º, da CF. Em voto um tanto obscuro, o relator, Min. Francisco Rezek, entendeu
que a norma impugnada na ação não contrariava a Constituição, ao argumento de
3.4. Leis eleitorais e restrições à liberdade de expre.ssão
que, como é o Estado que custeia o horário eleitoral, ele poderia restringi~lo sem
,, que isso configurasse violação à liberdade de expressão. Ao que parece, o Ministro
Desde a redemocratização, uma das preocupações centrais da sociedade brasileira
sustentou que a lei em questão não disciplinava o acesso dos partidos às emissoras
tem sido a definição de um processo eleitoral justo, que possibilite aos cidadãos exer,
de rádio e televisão (art. 17, S 3Q) mas sim à propaganda paga pelo Estado, que, por
I

cerem seu direito, dever de voto com independência, livre de influências econômicas e
ter essa natureza, poderia ser objeto de restrições legais.59-6o O Min. Marco Aurélio
sociais. Com o propósito de atingir essa finalidade, o legislador tem editado sucessivas
abriu divergência asseverando que o S 1º do art. 76 da Lei nQ 8.713/93 comprometia
leis que buscam pautar condutas e impedir práticas ilícitas, anti-isonômicas e imorais a livre manifestação do pensamento e obstaculizava que um partido ou candidato
que vem sendo perpetradas, ao longo dos anos, com certa frequência, por uma parte da explorasse a realidade nacional e seus contrastes sociais. Em seu voto, o Ministro cri-
classe política brasileira. ticou o argumento de que a norma asseguraria maior igualdade entre os candidatos,
Ocorre, entretanto, que, apesar da finalidade (mais que) legítima, os meios uti, alegando que "qualquer dos que se apresentem poderá lançar mão quer de gravações ex,
lizados para promovê-la nem sempre o são. Em muitos casos, o legislador tem editado ternas, quer de montagens e trucagens (. .. )". O Min. Celso de Mello também dissentiu
leis que se mostram demasiadamente restritivas e atingem o núcleo de direitos fun, da maioria. Para ele, o art. 17, S 3Q, muito embora autorize que o direito de antena
damentais. No epicentro do debate, muitas vezes, se encontra a liberdade de expres, seja exercido na forma da lei, não confere ao Poder Público o poder de Urestringir os
são. Discute,se se e em que medida tal garantia pode ser restringida com o propósito de meios e ditar as técnicas de exercício dessa liberdade fundamental, (. .. )". Em seguida,
promover a igualdade entre os candidatos, para tomar mais legítima nossa democracia após enfatizar a importância da liberdade de expressão, concluiu que a norma em
representativa. Nos subitens que se seguem apresentaremos alguns casos57 que expõem análise estaria a obstruir a "plena liberdade" de expressão dos partidos na divulgação
essa tensão dialética entre liberdade de expressão e igualdade. de suas mensagens doutrinárias.

a) ADI nº 956 (1994): Restrições à propaganda eleitoral 59 O Ministro consignou, em seu voto, ° seguinte: "Cuida-se, aqui, de algo parrocinado pelo Estado. (. .. ) É,
portanto, um dorrúnio completamente esrranho àquele do coreto, da praça pública, da tribuna, dos ambientes onde, ao
vivo, cada pessoa manifesta lillTemente seu pensamento por sua própria conta. É um contexto diverso também daquele
Em 1994, o STF, por maioria, vencidos os Min. Marco Aurélio e Celso de Mello, em que quem fala tem o domínio do meio de comunicação que utiliza, o é aceito por quem tem tal domínio, obedecú1os
alguns limites legais. Estamos aqui num quadro completamente outro: o horário .caracterizado pela gratuidade,
julgou improcedente o pedido formulado na ADI nº 956,58 reconhecendo, por conse~ oferecido pew Estado aos partidos e candidatos para a campanha, para a propaganda, que precede o embate eleitoral.
guinte, a constitucionalidade do S lº do art. 76, da Lei nQ 8.713/93, que vedava a utUi~ Se ao menos estivéssemos falando do art. I 1-*3P da Consriruição, que diz que os partidos têm acesso gratuito ao rádio
e à televisão, na forma da lei, poderia fazer algum sentido a tese de que aí se há de exercitar; de modo mais amplo,
zação de gravações externas, montagens ou trucagens na propaganda eleitoral gratuita. a liberdade de manifestação do pensamento, cabendo à lei apenas regular a forma e não o conteúdo. É que para os
O PT sustentava, na ação, que a proibição do uso de imagens externas restringiria, in- horários de que dispõem os partidos ano a ano existe uma sede constitucional, e seria 110 mfnimo digna de análise a
te5e de que essa sede constitucional condiciona a liberdade do legislador para estabelecer critérios ou limites. Aquilo
devidamente, a liberdade de informação e de imprensa contempladas nos s~1º e 2º do de que estamos agora falando, o horários gratuito, não tem sede constitucional; ele é a cada ano eleitoral uma criação
do legislador ordinário, que tem autoridade para estabelecer os critérios de utilização dessa gTatuida.1e, cujo objetivo
art. 220 da CF. maior é igualizar, (. .. ) as oportunidades dos candidatos de maior e menor expressão econ6m:ica na sua oportunidade
de expor ao eleitorado suas propostas. (.. .) Em síntese, (.. .) não vejo algo que possa SeT confrontado com o art. 76
e seu S 19 da Lei 8.713 para o fim de derrubar tais normas, visto que nos encontramos em domínio onde o legisladar
56 O processo encontra-se em vias de ser julgado. O atual relator, Min. Cezar Peluso, inclusive já pediu a
ordinário tem a prerrogativa de estatuir sobre como aquele favor, patrocinado pela sociedade através do Estado,
inclusão do feito em pauta. Até a conclusão deste estudo, no entanto, o STF ainda não havia julgado ° deverá utilizar-se." (grifou-se).
caso. 60 No mesmo sentido votou o Min. Ilmar Galvão, acrescentando, expressamente, que, em sua visão, a
57 Além dos casos comentados, há outros, como a AOI nº 839-MC, em que o STF discutiu indiretamente o
propaganda dos partidos políticos não se inseriria no campo da manifestação do pensamento, protegido pelo
[ema. Por restrições de espaço, não poderemos analisá,lo aqui. are 220 da CE Segundo ele, a matéria é "de todo alheia ao princípio da liberdade de manifestaçiio do pensamento".
58 ADI nº 956, ReI. Min. Francisco Rezek, Tribunal Pleno, j. em 01/07194, DJ 20-04-01.

409
b) ADI nº 2.6Tl-MC (2002): Vedação à participação de pessoas filiadas a mia dos partidos políticos consagrada no ~ 1º do art. 17 da CF,e "a ponto de secolocar 1W plano
outros partidos secundário uma realidade, que jU;aestampada na comunhão de ide"", na comunhão de objetivos, a
partir do momentono qual se implemente uma cobg~".
o STF, por maioria, indeferiu medida eautelafil formulada na ADI nQ 2.677, que
c) ADI nO 3.741 (2006): Vedação à divulgação de pesquisas eleitorais às véspe-
discute a constitucionalidade do art. 45, ~ 1º, 1, da Lei 9:0%/95, que vedou a participa-
ção, na propaganda eleitoral, de pessoas filiadas a outros partidos que não o responsável ras do pleito
pelo programa político,62 Os autores sustentam, na ação, que a restrição imposta à pro~ Q
Na ADI nQ 3.741, questionava-se a constitucionalidade da Lei n 11.300/06,64por
paganda partidária viola a autonomia partidária, a liberdade de expressão do pensamen~
to e representa censura. violação ao princípio da anterioridade da lei eleitoral (art. 16 da CF). No julgamento da
referida ação,65o STF, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 35~A
Em seu voto, o Min. Maurício Corrêa, relator, entendeu não estarem presentes os
requisitos para a concessão da liminar. Inicialmente, distinguiu propaganda partidária da Lei nº 9.504197, acrescentado pela Lei nº 11.300/06, mas por fundamento diverso: no

de propaganda eleitoral, salientando que a norma questionada disciplina a propaganda caso, o STF entendeu que, ao vedar a divulgação de pesquisas 15 dias antes do pleito,

partidária, a qual tem como finalidade difundir ideias, atividades, princípios ideológicos e o mencionado artigo violara a liberdade de informação. A decisão em comento merece

os programas dos partidos políticos, fora das eleições, ao passo que a propaganda eleitoral nossos elogios. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 35~A da Lei Eleitorat o STF
está prevista na Lei nº 9.504/97, e tem por objetivo o acesso do candidato aos veículos de reconheceu que, por melhor que sejam as intenções do legislador na busca de um pro~
comunicação, no período pré~eleitoral. Assim, para ele, a restrição imposta pela Lei nº cedimento eleitoral justo e imparcial, essa finalidade não pode ser atingida mediante o
9.096/95 à propaganda partidária seria legítima, porquanto razoável, na medida em que sacrifício do direito à informação, eis que o risco de que as pesquisas eleitorais possam
tal propaganda destina~se à divulgação das ideias e dos interesses do partido. A partici~ influenciar a decisão do eleitor não autoriza, nem legitima, a imposição de restrições à
66
pação de pessoas estranhas representaria um desvio de finalidade. Além disso, enfatizou divulgação de informações de interesse público dos cidadãos.
que "o dispositivo impugnado em nada atinge a liberdade de expressão e pensamento", porque
"eventual convergência de ideias entre pessoas filiadas a outros partidos que não tenha objetivo d) ADI nO 3.758 (2006): Proibição de realização de showmícios e eventos asse-
meramente eleitoral pode ser desempenhada por fibndás do próprio partido responsável pelo melhados
evento, sendo absolutamente irrelevante, (... ) a participação de tal ou qual pessoa. De igual
A Lei nO11.300/06 também foi objeto de uma outra ação," proposta pelo Conselho
fonna, não se cuida, por óbvio, de censura política ou ideológica. Trata~se, como visto, de res~
guardar a finabdade do favor legal concedido ao partido político, exercendo o Estado o legítimo Federal da Ordem dos Músicos do Brasil, contra dispositivo que vedara a realização de
controle sobre sua adequada execução".63
O Min. Marco Aurélio divergiu, votando pelo deferimento parcial da limiruu;de forma 64 Referida lei alterou regras previstas na Lei n2 9.504/97 relativas à propaganda, fmanciamento e prestação de
contas das despesas com campanhas eleitorais. . 2
a comem interpretação conforme a O:mstituição para que o dispositivo não incidisse no to~ 65 Duas outras ações sobre o tema (ADIs nº 3.742 e 3.743l.foram julgadas em conjunto com a ADI n 3.741.
cante a pessoa filiada a partido diverso que esteja coligado àquele responsável pelo programa. Cf. ADI nº 3.741, ReI. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 06/08106, DJ 23~02.-07.. .
66 Nas palavras do relator, u(. .. ) vedar-se a dit'Ulg.v;ão de pesqu~~ a prere::ro de ~e esUlS p~m mflUlr ~... )
Para ele, "não há oomo,considerada a próprio bberdade de expressão - e mesmo que o horário do na disposição dos eleitores, afigura-se tão impr6prio como proibIr-se a dit'Ulgaçao de ~e\.!lSoes me,:e
oro16 as
rc ,
L' J_ L_ Ie' - ao mento de que tenam o condão de au.e1ar
programa seja utibzada por pessoa fibndá ao partido responsável -, evitar-se que essa pessoa veicule
A •
prognósticos econômicos ou bo u::tlTlS .:«: trarmto antes (W.) e lÇoes, argu .. . _ .
o ânimo dos cidadãos e em consequência, o resultado do pleito. ( ... )". Por isso, admttlr.se a restnçao sena ~~
ideias que favoreçam uma pré~candidatura". Assim, argumentou que não havia como aplicar conuassenso, tendo e:Uvista que "o objetivo colimado pela legislação eleiroral, ( ... ) é,. ~ última análise, pe~:
peremptoriamente a proibição do inciso I do ~ 1º do art. 45, a ponto de se olvidar a autono~ que o cidadão forme a sua convicção de modo mais amplo e livre possível, antes de concrenza-/a .nas u~ por mel~
'\IOW". Ademais, como salientou, com propriedade o Min. Lewand.owski,_ua proibição da dl'l.JUigaçaod.epes::;:
eleitorais em nossa realidade, apenas contribuiria para ensejar a arculaçao de boatos e dados apócrifos, .
azo a to~ sorte de manipulações indevidas, que acabariam por solapar a c~fiança d_o~o\!o no processO eleitoral,
61 Apenas o pedido de medida cautelar foi apreciado. O mérito da ação ainda será julgado pelo STE
atingindo-o no que ele tem de fundamental, que é e.xaramente a circulaçao de mformaçoes .
62 ADI ~º2.~77-MC, ReI. Min. Mauricio Corrêa, Tribunal Pleno,j. em 26/06/02, DJ 07.11~03.
63 Os Mm. Gilmar Mendes e Nelson Jobim acompanharam integralmente o voto do telator. 67 ADI nº 3.758, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 12/07/06, DJ 02/08/06.

411
410
As Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

shounnícios e eventos assemelhados para a promoção de candidatos. A OMB alegava que o pedido de liminar não chegou a ser apreciado em razão da aposentadoria de seu
as novas restrições impostas pelo diploma eleitoral, atentariam contra os valores sociais relator, Min. Eros Grau.
do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV), a livre expressão artística (art. 52, IX), a
liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII), a garantia do traba- f) AO! nº 4.451 (2010): Restrições às sátiras humorísticas
lho como direito social (arr. 6º) e o princípio da busca do pleIlo emprego "(ait."170,VIII).
Por decisão monocrática, a Ministra Ellen Gracie, então Presidente do STF, negou Em meados de 2010, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão -
seguimento à ação, por ilegitimidade ativa. Contra essa decisão foi interposto agravo ABERT ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (AD1nº 4.451) impugnando o inciso 11
regimental, que não chegou a ser apreciado, porque o Min. Ricardo Lewandowski en- e parte do inciso III do art. 45 da Lei Eleitoral (Leinº 9.504/97), que vedam, a partir do dia
tendeu que o recurso havia perdido o seu objeto em razão do julgamento, pelo plenário 1Q de julho do ano das eleições, a realização de trucagens e montagens bem como a difusão
de opiniões favoráveisou contrarias a candidatos, partidos ou coligações.n
do STF, daADI nº 3.741.
Conforme restou demonstrado na inicial, referidos dispositivos restringem a liber-
dade de expressão e de imprensa, bem como o direito à informação dos eleitores, no
e) AO! nº 4.352 (2009): Restrições a anúncios eleitorais e outras disposições
período que antecede o pleito. Isso porque, de um lado, o inciso II do art. 45 impede a
veiculação de charges e sátiras e programas humorísticos, envolvendo questões ou perso-
Em dezembro de 2009, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) propôs ação di-
nagens políticos, durante o período eleitoral, constituindo inaceitável censura legislativa
reta de inconstitucionalidade, com pedido de concessão de medida liminar, impugnan~
prévia e restrição desproporcional ao direito de crítica. De outro, o inciso In impõe às
do uma série de dispositivos introduzidos pela Lei nº 11.300/2006 e, em especial, pela
emissoras uma postura acrítica, na medida em que qualquer informação prestada ao
Lei nº 12.034/2009, que alteraram as Leis nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos),
público pode ser enquadrada no dispositivo, de teor vago e subjetivo, como, aliás, vinha
9.504/1997 (Lei das Eleições) e 4.737/1965 (Código Eleitoral). Ao que interessa aos
sendo feito pela jurisprudência eleitoral. Em verdade, o regime dos serviços públicos,
propósitos deste estudo, em linhas gerais o PDT questiona inovações como: (i) a obri~
aplicável às emissoras de rádio e televisão, não autoriza a imposição de restrições à liber.
gatoriedade de ocultação do nome do candidato em tomo do qual uma coligação se
dade de expressão e de imprensa.73 Tais dispositivos, somados, a pretexto de assegurar a
organiza;68 (ü) a possibilidade de separação de candidatos majoritários em debates no
rádio e na televisão, em dias e horários diferentes, conforme regras avençadas com as
melhor a vida pública dos candidatos. Isto ganha relevância num período em que se discute a chamada "ficha
emissoras e aprovadas pela maioria dos candidatos ao pleito;69 (iii) as regras para a rea- limpa" como condição de elegibilidade.
lização de anúncios eleitorais pagos em mídia impressa; (iv) a vedação da veiculação de n Eis os dispositivos impugnados: "Art. 45. A partir de lº deiulho do ano da eleiçóo, é vedado às emissorasde rádio
e te!et'isáo, em sua programação nonnal e noticiário: (... ) II - usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudiD
anúncios pagos na internet, e mesmo de publicidade gratuita, em certos sítios eletrônicos; ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridirularizem candidato, partido ou coligaçóo, ou produzir ou t'eicular
(v) a proscrição da propaganda eleitoral por meio de outdoorsj70 e (vi) restrições às infor. programa com esseefeito; III _ veicular propaganda política ou difundir opinüio favorável ou contrária a candidato,
partido, coUgaçáo, a seus órgãos ou represenumtes".
mações sobre os candidatos constantes das certidões de quitação eleitorais.?! 73 Como se disse na petição inicial: "O sentido publicístico do regime das concessionárias de radiodijIDão é, ao
contrário, o de preservaçiio de sua independência em relação ao governo e às forças de mercado, conw garantia da
própria sociedade de ser livremente informada. Os fundamentos constitucionais de tal entendimento são inúmeros.
68 Segundo o partido, a ocultação das candidaturas que motivam as coligações nega ao eleitor seu direito de Em primeiro lugar, há que se atentar para o fato de que os diversos dispositivos constitucionais que asseguram a
receber informações completas sobre as alianças eleitorais, reduzindo a transparência do processo. liberdade de expressão_ conw o art. 59, Iv, V, IX e XIv, e o art. 220 - não fazem qualquer distinção, para ta!
69 Para o PDT, tal possibilidade, além de violar a igualdade na disputa eleitoral, fere o direito de opinião e crítica, fim, quanto 'à forma, processo ou vefculo' de comunicação social. Bem ao contrário, a linguagem do art. 220 é
na medida em que, supostamente, submeteria o Udireito de acesso à informação a regulamentos imprevisíveis". bastante enfática e exaustiva, buscando abarcar, em seu escopo protetivo, todosos possíveis meios em que se proieta a
Isso porque as emissoras poderão, em conjunto com a maioria dos adversários, considerando pesquisas de liberdade de expressão.(... ) Vale notar, ainda, que as normas em tela aplicam-se indistintamente a todosos veículos
opinião - inaptas a substituir as eleições -, excluir candidatos do debare com os concorrentes mais fortes. de comunicação social, dada a sua amplíssimaabrangência semântica e sua inserçâo no Capítulo V,de.ltinado, de
70 O partido autor considera que a proibição de propaganda eleitoral por meio de outdoors e as demais regras fonna genérica, à "Comunicaçâo Socia!". Ademais, merece relevo a circunstância de que as nonnas e.lpecificamente
que proíbem ou impõem restrições aos anúncios pagos na impressa e na internet são incompatíveis com as dirigidas aos veículosimpre.lsos(t'.g., o art. 220, ~6º) ou às emissoras de rádio e televisão (v.g., o art. 221) fazem
liberdades de expressão e de imprensa. alusão expressa aos seus respectilJ(Jsdestinatários_Assim, onde o legisltldorconstituinte não distinguiu, não caberá
71 De acordo com a inicial, as restrições aos dados constantes das certidões de quitação eleitoral, emitidas pela ao intérprete pretender fazê-lo. Por outro lado, o tratamento jurídico de serviço público dispensado aos seroiçosde
Justiça Eleitoral, ferem o direito de informação da população, reduzindo as chances de o eleitor conhecer radiodifusão sonora e de sons e imagens, pelo art. 22, XII, "a", não representa um fator relevanre de diferenciação em

417 413
r~
I . AI: Uberdades de Expressâo e de Imprensa na ]urisprnàência do STF

lisura do processo eleitoral, impõem um efeito silenciador às emissoras de rádío e televi~ Constituição em seu art. 5º, inciso V Equivale a dizer: a clÍtica jornalística em geral, pela sua
são, incompatível com a liberdade de expressão protegida pela Constituição. relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura 74 ll

Em razão disso, a autora postulou a concessão de medida liminar a fim de que fosse A liminar foi submetida ao referendo do Plenário em 26.08.2010. Na ocasião, os
suspensa a eficácia do inciso 11e de parte do inciso IH (especificamente do.trecho "ou Ministros, por maioria,75decidiram não só referendar a liminar concedida pelo relator,
difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou repre~ como foram além e suspenderam integralmente a eficácia dos dispositivos atacados (in,

sentantes") do art. 45 da Lei nº 9.504/1997, que já estavam produzindo efeitos nocivos


ciso 11e parte do inciso III), 76 bem como, por arrastamento, dos ss 4º e 5º do art. 45 da
Lei Eleitoral. Ficaram vencidos os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco
na cobertura da campanha eleitoral daquele ano, restringindo a liberdade de expressão
Aurélio, que deferiam a liminar nos termos do pedido subsidiário da ABEKf, a fim de
e de imprensa. No mérito, a autora requereu a declaração da inconstitucionalidade dos
que fosse declarada a inconstitucionalidade, sem redução do texto, no que tange ao inci~
mencionados dispositivos ou, subsidiariamente, a fixação de interpretação conforme a
so lI, da interpretação que apontasse no sentido da proibição da produção/veiculação de
Constituição que afastasse as leituras restritivas apontadas. charge, sátira e programas humorísticos envolvendo candidatos ou coligações e, quanto
Em decisão monocrática, o Min. Carlos Ayres Britto, relator, concedeu, em par~ ao inciso IH, da interpretação que proibisse a crítica jornalística, favorável ou não.
te, a liminar postulada, ad referendum do Plenário, e em caráter excepcional, ante a
proximidade das eleições federais e estaduais de 2010, suspendeu a eficácia do inciso 3.5. Publicidade comercial
11e conferiu interpretação conforme a Constituição ao inciso 111 do art. 45 da Lei nº
9.504/1997. O eminente Ministro consignou, em sua decisão, que" (...) programas humo~ Discute~se, na doutrina e na jurisprudência estrangeira, se a publicidade comercial é
rísticos, charges e modo caricatural (...) compõem as atividades de 'imprensa', sinônimo perfeito protegida pela liberdade de expressão. Há autores que afirmam que não, sustentando que a
de "informação jomalistica" º
(li 1 do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade publicidade não objetiva o debate de ideias, mas apenas a obtenção de lucros.77 No entanto,
predomina o entendimento de que a propaganda comercial78 é também protegida pela liber~
que a ela, imprensa, é assegurada pela Constituição até por forma literal (já o vimos). Dando-
se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de
74 STF, ADI 4451/DF MC, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 26.08.2010, DJe 01.09.2010. Grifes no originaL
expender criticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico 75 Votaram com o relator os Ministros Carmem Lúcia, Gilmar Ferreira Mendes, El1en Gracie, Celso de Mello e
ou irreverente, especialmente contra as autoridades e apareUws de Estado. Respondendo, penal Cezar Peluso.
76 Cf. Informativo STF nQ 598, 30 de agosto a 3 de setembro de 2010.
e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando~se ao direito de resposta a que se refere a 77 Afinn<l-se,nesse sentido, que a publicidade comercial objetiva criar nos consumidores desejas e necessidades
artificiais.Nessa linha, SHINER, R. A. FreedomofCommercial Expression. Oxford: Oxford University Press, 2003.
78 k razões alinhadas são as seguintes: (i) as liberdades de expressão não se limita'a proteger temas considerados
relação a outros veículosde comunicação social, no que se refere à proteção das liberdades de expressão, imprensa e de interesse público. Em verdade, abrange todos os subsistemas sociais, inclusive o econômico; (ii) diversas
infonnação. A escassez das frequéncias eletTOrnngnéti£as justifica a intervenção do Estado na sua alocação, mediante outras atividades comunicativas desenvolvidas por particulares também visam ao lucro. Não obstante isso,
autorizaçóes, permissões ou concessões, dilJersamente do que OCOTTe com os lJeícu10s impressos, cuja publicação ninguém ousa afirmar que tais atividades estariam fora do escopo de proteção das liberdade de expressão e
independe de licença de autoridade (art. 220, S6º). Trata-se, a bem dizer, de uma regulação de entrada, que visa a de imprensa; (iii) a publicidade não é o único tipo de discurso que tenta influenciar condutas indi\'iduais. Em
garantir um uso otimizado do meio escasso por empresas aptas ao desempenlw da atilJidade de comunicação social. todos os domínios, as diferentes formas de comunicação tentam, em maior ou menor grau, exercer esse tipo
O art. 221, por seu turno, apresenta um elenco de princípios norteadores da produção e programação das emissoras de influência sobre os comportamentos humanos. Pense-se, por exemplo, em discursos políticOS.religiosos
de rádio e telelJisáo. Em nenhum de seus quatro incisos, tolUwia, o preceptilJo autoriza qualquer forma de censura ou ou artísticos; (iv) a publicidade comercial perrmte que as pessoas obtenham informações para realizar suas
embaraço à plena liberdade das empresas no que se refere à forma e ao conteúdo de suas transmissões. (... ). Por essas próprias escolhas. Trata-se de uma importante função, que guarda íntima relação com os propósitos da
razOes, IJÉ-seque as normas constitucionais especificamente dirigidas às emissoras de rádio e televisão, não se prestam liberdade de expressão. Com efeito, dentre outras funções, a liberdade de expressão busca assegurar que
de fundamento a justificar qualquer tentativa estatal de controle sobre o livre fluxo de infarrnações, ideias e opiniões os indivíduos possam exercer sua autonomia de forma ampla, decidindo o que é melhor para si. Sobre o
veiculadas. Por evidente, a singularidade do regime jurídico dos serviços de radiodifusão não está na possibilidade de tema na doutrina nacional, veja-se eLEvE, Clêmerson Medin. Liberdade de Expressão, de Informação e
instituição de mecanismos de controle pelo Estado do que será lJeirulado pelas emissoras e conhecido pelos cidadaos. Propaganda ComerciaL In: SARM:ENTO, Daniel & GALDINO. Flávio (orgs.). «Direitos Fundamentais:
Esta seria uma fonna oblíqua de restauTação da censura, totalmente incompatível com a letra e o espírito da Carta Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres", Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 205-266;
de 1988. O sentido publicístico de tal regime jurídico consiste na necessidade de manto-se um ambiente aberto e BINENBOJM, Gustavo. Liberdade de expressão comercial e a proibição da propaganda de cigarros no Brasil. in
pluralista na mídia raàiofônica e te/evisivaI4, no qual empresas distintas poderão livremente veicular suas visões e "Temas de Direito Administrativo e Constitucional- artigos e pareceres". Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp.
opiniões sobre faros jornalísticos, assim como suas produções artísticas e culturais, cabendo aos ciJadaos, de forma 473-504; BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de exprcssão, direito à informação e banimento da publicidade de
igualmente livre, formular seus juízos e exercer suas escolhas. ~ cigarro. In: "Temas de Direito Constitucional". Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 243-273.
As liberdades de Expressão e de Imprensa na ]urispnulência do SYF

dade de expressão.79 Sem embargo, costuma~se dizer que a proteção conferida à liberdade A questão ainda não foi objeto de adequada atenção dos Ministros do STF.84-85 No
entanto, em breve, o STF terá de decidir as restrições admissíveis à liberdade de expres~
de expressão comercial não deve ser tão intensa quanto a conferida a outros tipos de
são comercial, especialmente em relação à publicidade de produtos fumígenos, quando
discurso, tais como o político, artístico, religioso, cientmco,80 razão pela qual está sujeita
for julgar a ADI nº 3.311.86
a maiores controles e restrições.
A Constituição de 1988 não dá margem a qualquer tipo de questionamento quanto 3.6. Liberdade de imprensa
à inclusão da publicidade comercial na esfera de proteção da liberdade de expressão. O
texto constitucional inseriu a propaganda comercials1 no âmbito de proteção da liberda- Nos últimos anos, os contornos da liberdade de imprensa vêm sendo discutidos em
de de expressão, ao tratar do tema no art. 220, ~ 4º. Em outras palavras, a própria Cons~ inúmeros casos perante o STE Além da questão relativa à recepção da Lei de Imprensa,

tituição reconheceu que a publicidade é parte indissociável do que se deve entender


84 Em 1998, o STF apreciou a ADI n" 1.755, proposta pelo PL, na qual se questionava a constituckmalidade do
por liberdade de expressão. Não obstante isso, o constituinte autorizou, expressamente,
parágrafo único do art. 1Q da Lei nQ 9.249;96, que excluiu as bebidas com reor alcoéilicoinferior a 13º Gay Lussac
que o legislador imponha restrições legais à publicidade do tabaco, bebidas alcoólicas, das reseições de publicidade. O partido alegava que a lei não poderia ter descriminado as bebidas alcoólicas,
deixando de fora de seu âmbito de aplicação aquelas com menores concentrações de álcool.Na ocasião,o Tribunal,
agrotóxicos, medicamentos e terapias.s2 Sem embargo, também é possível, em um juízo por maioria, não conheceu da ação, por entender que, para o acolhimento do pedido, o STF precisaria atuar
como legislador positivo, esrendendo a norma que restringia a publicidade a hipóteses não contempladas pelo
de ponderação proporcional, restringir a publicidade comercial para a proteção de ou' legislador. Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira e Carlos Velloso, que conheciam da
tIOSbens jurídicos relevantes, como a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, e 170, "'v, ação. O argumento que prevaleceu foi o de que a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do aIT.
1'1acabaria por ampliar a reseição da propaganda, contra a vontade expressa do legislador.
da CF)" e a proteção à ctiança e ao adolescente (an. 227 da CF). Não se pode petder 85 No julgamenro da ADI nº 2.815, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 08/10/03, DJ 07~
11~03, analisou quesrão relativa à distribuição de competência entre os entes federativos em maréria de
de vista, porém, que sempre se fará necessário analisar a validade da medida restritiva publicidade comercial. No caso, o STF decidiu que os Estados da Federação não possuem competência
para proibir a publicação de fotos eróticas ou pornográficas em anúncios e comerciais, porque, a teor do
em um escrutínio rigoroso, que envolve tanto a verificação da imposição por meio de lei
art. 22, XXIX, da Constituição, cabe União legislar sobre propaganda comercial.
formal, quanto o respeito aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. 86 Na referida ação discute-se a constirucionalidade do art. 32, eaput e seus S~ 22, 32, 4'1e 52, da Lei nº 9.294196,
com as alrerações e os acréscimos que lhes introduziram a Lei nº 10.167/00, e a Medida Provisória n2 2.190-
34/01, que imp6s severas restrições à publicidade de produtos fumígenos. Alega-se, na inicial, que as referidas
normas violam a Constituição, basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque o legislador ordinário,
79 Desde o julgamento do caso Virgina State Board ofFarrrw.cy v. Virgina Citizens Consumer Council (425 U.S. 748
no eaput do art. 3'1da Lei 9.294196, ao invés de restringir, teria, na prática, proibUlo a propaganda comercial
(1976)), a Suprema Corte norre-americana orienta-se nesse sentido. A Suprema Corre do Canadá também
dos produtos derivados do rabaco. O argumento é o de que, se a Constituição admitiu, expressamenre, no seu
adota esse entendimento (Ford v. A. G. ofQuebec (1988) 2 SeR 712).
art. 220, S 4º, a propaganda comercial de rabaco, aurorizando apenas que a lei a restrinja - de acordo com as
80 BARENDT, Eric. Freedom of Speech. 2nd ed. Oxford: Oxford Universiry Press, 2005, p. 405-406.
finalidades constitucionais previstas no art. 220, ~ 3º, II -, nenhuma lei ou at9 normativo poderia, sob pena
81 o texro uriliza a expressão "propaganda~ de forma recnicamenre imprópria. O correro seria falar em de inconstitucionalidade, esvaziar o conteúdo da norma, reduzindo à insignificância o direito nela assegurado.
publicidade e não em propaganda comercial.
No caso em rela, a limiração da divulgação comercial de cigarro a "pôs teres,paineis e earta;::essituados na parte
82 Virgílio Afonso da Silva defendeu, em parecer sobre as resrrições admissíveis em matéria de publicidade de
interna dos pontos de venda" não representaria mera restrição, mas verdadeira extinção da publicidade comercial
produtos fumígenos, que o arr. 220, ~ 4º, da Consriruição aurorizaria o banimento da publicidade desses
do produro. Em segundo lugar, porque a lei teria, nos 99 22 a 5º do art. 32 da Lei 9.294196, imposto às
produtos. Cf. SILVA, Virgilio Afonso da. Parecer, 2009, Mimeo. Disponível em hrrp://acrbr.org.br/uploads/
indústrias verdadeira obrigação de realizar contrapropaganda 'de produros fumígenos. Os argumentos são,
conreudo/284yarecer-.Juridicoyublicidade.pd£ Acessado em 10.12.09. Com rodas as vênias, entendemos
em nossa visão, procedenres e justificam que o STF declare a inconstitucionalidade dos dispositivos
equivocada a posição adotada pelo mencionado professor. Em nossa concepção, a Constituição esrabelece,
questionados na ação. AI; advertências impostas pela Lei e, posteriormente, por Resoluções da MTVISA
no arr. 220, ~ 4º, um regime de reserva legal qualificada. Isso significa que o legislador não está autorizado a
têm~se mostrado cada vez mais chocantes, caracterizando verdadeira contrapropaganda do cigarro. Não
impor qualquer restrição à publicidade desses produtos. A norma constitucional reclama que a restrição se
se pode perder de vista que, se o cigarro é um produto lícito, a indústria que o comercializa deve poder
perfaça por meio de lei e, além disso, esrabelece os fins a serem necessariamente perseguidos. Com efeito, a
realizar, em alguma medida, publicidade. É certo que a publicidade pode ser restringida, regulada. Mas,
Constituição permire que a lei crie limitações à propaganda comercial de tabaco, desde que voIradas a uma
não pode ser banida. Tampouco se pode impor, a preteJ!..1:ode regular a publicidade de um produto
finalidade determinada, qual seja, "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à familia a possibiliàade
nocivo, uma doutrina moral contrária ao tabagismo. Por maiores que sejam os malefícios causados pelo
de se defenderem (. .. ) da propaganda de produtos, práticas e sewiços que possam ser nocit!Os à saúde e ao meio
cigarro, não se pode demonizar a indústria e seus usuários, tomando o debate irracional ou injuridico.
ambiente" (art. 220, ~ 32, lI, c/c ~ 4º), bem como insriruir, sempre que necessário, adverrência sobre os
É importante preservar os direitos fundamentais na maior medida possível e, aqui, o que está em jogo,
malefícios decorrenres do uso do cigarro (arr. 220, 9 4º, in fine). O espaço de conformação do legislador é,
de um lado, é o direito fi autodeterminação individual c à liberdade de expressão comercial e, do outro,
pois, limitado e deve atender aos esses objetivos expressamenre no texto consritucional.
o direito à saúde. A virtude está no caminho do meio. E o caminho do meio não passa pela completa
83 O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) buscou conciliar os interesses confltranres, proscrevendo
aniquilação da publicidade, nem pela imposição de advertências chocantes, sem conteúdo informativo.
a publicidade disfarçada (arr. 36) e as formas enganosas ou abusivas (art. 37).

417
KaJaet LOrenzo-remanaez l\.oatz
As Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

julgada recentemente, há ações pendentes,87 extremamente relevantes, que deverão ser


ADPF nº 130 (2009): Lei de Imprensa
apreciadas em breve, com o que restarão melhor definidos a extensão e a abrangência
dessa garantia constituciona1.88 Por razões de espaço, no entanto, limitar~nos~emos a No início de 2008, o PDT ajuizou a ADPF nº 130 questionando a recepção da
analisar a ADPF nº 130, no tópico que se segue. Lei de Imprensa (Lei nQ 5.250/67), pela Constituição de 198889, alegando que ela seria
Q
incompatível com os incisos IV,V, IX, X, XIII e XIV do att. 5 e com os arts. 220 a 223
da Constituição. Por essa razão, postulou que o STF a declarasse "revogada, em sua tota~
lidade, porque incompatível com os tempos democráticos (. .. )", ou, se assim não entendes~
87 Merece destaque, nesse sentido, a ADI n>!4.077, ReI. Min. Ellen Gracie, que diz respeito à constitucionalidade
da limitação imposta por lei ao acesso público a documentos sigilosos e confidenciais, para proteção da honra se, que a Corte, sucessivamente, (i) declarasse revogados, porque não recepcionados, a
Q Q
e da segurança nacional. Na referida ação, o PGR postula a declaração de inconstitucionalidade formal da Lei parte final do ~2Qdo art. 1Q:o ~ 2Qdo att. 2Q,os arts. 3Q,4 ,5 ,6º, 20, 21, 22, 23, 51 e
n2 11.111/05, Oriunda da conversão da MP n2 228/04 - por violação ao art. 62, ~ 12, 1, "a", da Constituição, Q Q
que veda a edição de Medida Provisória sobre matéria relativa a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, 52, a parte final do art. 56, os ~~ 3Qe 6Qdo art. 57, os ~~ 1 e 2 do att. 60, os atts. 61,
partidos políticos e direito eleitoral- e material dos arts. 23, eaput e s32, da Lei n2 8.159/91 e dos arts. 3º
Q Q
62,63,64 e 65; e (ii) fixasse interpretação conforme a Constituição do ~ 1 do art. 1 ,
e 42, do mesmo diploma, que tratam do sigilo de documentos e do direito à informação. Para o PGR, o
art. 23, eaput, da Lei nº 8.159/91, e os arts. 32 e 42 da Lei nº 11.111/05, seriam inconstitucionais porque da patte final do eaput do att. 2Q,do att. 14, do inciso I do att. 16, do art. 17, do art. 37
"delegam ao Executivo a fixação de categO'rias de sigilo dos documentos públicos, instituindo uma Comissão com e em relação à lei em geral. 90
a finalidade de decidir sobre a aplicaçáo das ressalvas ao acesso a tais documentos", o que violaria os arts. 12,
capur, inciso 11e parágrafo único, 52, II e XXXIII, e 68, ~ 12, da Constituição. Já o ~ 32 do art. 23 da Lei nº
Pouco mais de um ano depois, em finais de abril de 2009, o STF, por maioria,91
8.159/91- que restringe, por um praw máximo de 100 (cem) anos, o acesso a documentos sigilosos referente declarou a lei - como um todo - incompatível com a Constituição de 1988.92 O Min.
à honra e imagem das pessoas - seria inconstitucional por violar o direito à informação e os princípios da
proporcionalidade e da rawabilidade. Nesse sentido, o autor sustenta que há um direito fundamental à Carlos Britto, relator, votou no sentido de reconhecer a não recepção da Lei de Impren~
verdade e "a subtração de informações sobrepessoro, mesmo que sob o rótulo de proteção da segurança da sociedade sa, por considerar que a Carta Magna veda a edição de lei para a disciplina de matérias
ou do Estado ou da intimidade e honra, é forma de restringir tal direito". Além disso, para o chefe do MPF, a
divulgação de documentos sigilosos tem um papel fundamental na consolidação do regime democrático e na essencialmente de imprensa. No caso, embora a Lei nº 5.250/67 dispusesse não só so~
proteção dos direitos individuais e coletivos, "especialmente naqueles Estados que, como o Brasil, passaram por bre questões essencialmente de imprensa, mas também sobre matérias "circundantes ou
um processo de transição política".
88 Um caso que se nos afigura um flagrante retrocesso é o MS n2 28.177~AgR-MC, ReI. Min. Marco Aurélio. No periféricas", concluiu que a lei era totalmente incompatível com o ordenamento cons~
final de setembro de 2009, o STF, por maioria, recusou-se a referendar liminar concedida pelo relator, titucional, porque estruturada sob a forma estatutária. Além disso, consignou que não
que viabilizava o acesso do jornal Folha da :Manhã aos comprovantes do uso da verba indenizatória
paga aos Deputados Federais entre setembro e dezembro de 2008. Na ocasião, o Tribunal, por maioria, haveria como udescontaminar" a lei pela aplicação da técnica da interpretação conforme
vencidos os Min. Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Carlos Britto e Celso de Mello, entendeu que não havia a Constituição, porque o intérprete não pode reescrever o texto interpretado.
periculum in mora, porque a medida pleiteada, se concedida ao final do processo, não seria ineficaz. Além
disso, a impetrante não teria demonstrado a razão da urgência na publicação das informações. Para a
O Min. Menezes Direito também votou pela não recepção da lei de imprensa.
maioria dos ministros, a liminar, no caso, seria satisfativa, podendo colocar em risco eventual direito Conforme consignou em seu voto, "( ... ) a liberdade de imprensa não se compraz com uma
subjetivo dos parlamentares. Para a maioria, o caso demandava análise mais aprofundada dos valores
constitucionais em conflito e a suspensão da decisão não representaria limitação ao direito de informação
ou à liberdade de imprensa. Trata-se. com todas as vênias, de precedente equivocado e perigoso. A 89 Em 1992, a Mesada AssembleiaLegislativado Estado do Mato GrossoajuizouAOI arguindoa inconstitucionalidade
um só tempo o STF desprezou os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição, que informam a dos ~~ 12 e 22 do art. 12, dos arts. 2º, 82,92,caput e parágrafo único, dos ~~ 12, 22 e3º do art. 10, e dos arts. 14, 15,
Administração Pública (moralidade, probidade, eficiência etc.), deixando, ainda, de conferir tratamento "a", "b", 20, ~3Q,da Lei de Imprensa. A ação, no entanto, não foi conhecida, tendo a Corte reiterado, na ocasião,
adequado ao direito à informação e à liberdade de imprensa. Não havia qualquer ra:::áopara impedir~se sua jurisprudência no sentido da inadmissibilidadede ação direta contra lei anterior à Constituição. (AD! nº 521,
o acesso de veiculo de comunicação a infonnações sobre os gastos de parlamentares, representantes ReI. Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, j. em 07/02/92, DJ 24-04~92).
do povo, com verbas indenizatórias. Os parlamentares são servidores públicos e têm o dever de prestar 90 Ao receber a petição inicial, o Min. Carlos Ayres Britto deferiu, em parte, a liminar para suspender, por 180
contas à sociedade a respeito do uso das verbas que lhes são destinadas. Tal dever decorre do princípio dias, ~o amlammto de processos e os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer QUtm medida que versem sobre os
republicano (CF, art. 12, caput). Além disso, o assunto era de inequívoco interesse público e a urgência *
seguintes dispositivos da Lei nº 5.250/67: a) a parte inicialdo *2"do art. 1" (.. .); b) o 22 doart. 2º; c) a fmegra dos ans.
na divulgação ~s informações decorria do fato de que o tema estava na ordem do dia. Ainda que assim
não fosse, as frequentes notícias sobre malversação de dinheiro público também justificavam que se
**
3", 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) a parte final do art.56 (... ) e) os **
32 e 6º do art.57; f) os 1º e 21!do art.
60; g) a íntegra dos ans. 61,62, 63, 64 e 65.". Referida decisão foi referendada, por maioria, pelo plenário do
assegurasse amplo acesso às informações. Até porque não se vislumbra que tipo de dano a divulgação STF, em julgamento ocorrido em 27/02/08. O prazo inicialmente previsto (de 180 dias) foi dílatado pelo STF,
dessas informações poderia causar aos parlamentares. Desse modo, poste:rgar para momento futuro o posteriormente, por maioria, por ocasião do julgamento de questões de ordem apresentadas pelo relator.
acesso a tais documel)tos causa grave prejuízo à liberdade de imprensa e ao direito à informação, eis 91 Ficaram vencidos o Min. Marco Aurélio, que julgava a ação totalmente improcedente, e os Ministros Joaquim
que impede que os veículos de comunicação exerçam uma de suas funções mais importantes, que é a Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Ferreira Mendes, que a julgavam procedente apenas em parte.
fiscalização do poder, em nome do povo. . 92 ADPF nll 130, ReI. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. em 30/04/09, DJe~208 de 06,11,09.

I 41R
na]ael LOrenzo-remanaez rwarz
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica
As Uberdades de Expressão e de Imprensa na ]urisprudênóa do STF

como seu inimigo, como pode parecer a alguns." Além disso, salientou que a liberdade de
lei feita com a preocupação de restringi-la, de criar dificuldade ao exercfcio dessa instituição
imprensa deveria ser considerada também a partir da perspectiva dos destinatários da
política. (... ) qualquer lei que se desune a regular esse exercfcio da liberdade de imprensa como
informação e que, nesse contexto, não podia considerar inconstitucionais determinados
instituição a disciplinar, (... ) não pode revestir,se de caráter repressivo, que o desnature por
artigos da Lei de Imprensa, optando por conferir interpretação conforme a Constituição,
completo". O Ministro buscou enfatizar, em sua manifestação, que, embora.a liberdade
na linha do que foi preconizado pelo Procurador Geral da República.
de expressão integre o conceito de democracia, vista "como instituição e não como direi,
O Min. Cezar Peluso acompanhou o relator, declarando não recepcionada a lei de
w", .essa garantia "divide o espaço constitucional com a dignidade da pessoa humana, que lhe
imprensa em sua integralidade. Não obstante, fez ressalvas à fundamentação exposta
precede em relevância pela natureza mesma do ser do homem (... )". Para o Ministro, há um
pelo Min. Carlos Britto, por considerar possível a intervenção legislativa. Em seu voto,
paradoxo na liberdade de imprensa (quanto mais forte a imprensa se toma, mais frágil
consignou que não havia como manter apenas alguns dispositivos da lei, porque isso
ela se toma) que só se resolve mediante o estabelecimento de um sistema de freios e
poderia criar dificuldades interpretativas.
contrapesos. Nesse contexto, admite a intermediação do legislador para editar lei de
A Min. Ellen Grade pronunciou, se em sentido semelhante. Para ela, não haveria
imprensa que tenha o prop6sito de conciliar a tensão entre liberdade de imprensa e os
"hierarquia entre os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal que pudesse
direitos da personalidade, promovendo a imprensa como instituição.
permitir, em nome do resguardo de apenas um deles, a completa blindagem legislativa desse
A Min. Carmen Lúcia, por sua vez, chamou a atenção dos Ministros para três
direiw aos esforços de efetivação de todas as demais garantias individuais". Além disso, res-
pontos. Em primeiro lugar, destacou que a liberdade de imprensa é essencial para o
saltou que "a plenitude do liberdade de informação jornalística, desfrutado pelos veículos de
desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. Em segundo lugar, salientou que a
comunicação social, não é automaticamente comprometida pela existência de legislação infra-
Constituição se funda em bases democráticas, o que evidencia que a Lei de Imprensa
constitucional que trate da atividade de imprensa, inclusive para protegê,la, como assinalou
não foi recepcionada. Por fim, destacou que a mediação do legislador em matéria de im,
o Ministro Joaquim. Caberá sempre ao Poder Judiciário apreciar se determinada disposição
prensa é possível, porque a edição de lei sobre esse tema não significa, necessariamente,
legal representou verdadeiro embaraço ao livre exercícioda manifestação, observadas as balizas
uma violação ao princípio democrático.
constitucionais expressamente indicadas (... )". Por fim, concluiu que alguns dispositivos da
Já o Min. Ricardo Lewandowski concluiu que a Lei de Imprensa, além de supérflua
lei poderiam permanecer em vigor, desde que interpretados conforme a Constituição.
_ porquanto a matéria nela tratada já estaria integralmente regulada pelo texto consti,
Dentre eles, no entanto, não manteve os artigos que tratavam sobre o direito de resposta.
tucional -, também seria incompatível com os princípios democráticos e republicanos.
O Min. Marco Aurélio votou pela improcedência da arguição, por não vislumbrar
No que tange ao direito de resposta, refutou a alegação de que o seu exercício restaria
inviabilizado com a não recepção da lei, argumentando que a constituição já ° prevê preceito fundamental violado. Segundo o ministro, a lei havia sido depurada, ao longo
dos anos, pelo Poder Judiciário e não se poderia dizer que ainda existissem embaraços à
com eficácia plena e aplicabilidade imediata.
Divergindo, o Min. Joaquim Barbosa, amparando,se nas lições de Owen Fiss, pôs liberdade de imprensa, o que tornava sem propósito a ação constitucional.
O Min. Celso de Mello, após defender a liberdade de expressão e de imprensa,
ênfase na necessidade de intervenção do Estado para a pluralização do debate. Segundo
consignou em seu voto, "(. .. ) não basta ter uma imprensa inteiramente livre. Em primeiro também concluiu pela possibilidade de restrição. legal. Por outro lado, foi o primeiro a
reconhecer, expressamente, eficácia horizontal da liberdade de expressão e de imprensa,
lugar, é preciso que ela seja suficientemente diversa e plural, de modo a oferecer os mais tia,
consignando que "o estatuto das liberdades públicas (... ) não se restringe à esfera das relações
riados canais de expressão de ideias e pensamentos aos mais diversos segmentos da sociedade;
verticais entre o Estado e o indivíduo, mas também incide sobre o domínio em que se processam
em segundo lugar, é preciso que essa salutar e necessária diversidade da Imprensa seja plena a
as relações de caráter meramente privado, pois os direitos fundamentais projetam-se, por igual,
ponto de impedir que haja concentração. Situações como as existentes em algumas unidades da
numa perspectiva de ordem estritamente horizontal". Destacou, ainda, que o reconheci,
nossa Federação, em que grupos hegeTnÔnicosdominam quase inteiramente a paisagem audio,
mento da revogação da Lei de Imprensa não comprometeria o sigilo da fonte, nem o
visual e o mercado público de ideias e informações, com fins políticos, não é nada positivo para
a formação da vontade pública e para a consolidação dos princípios democráticos. (... ) penso exercício do direito de resposta. Quanto a esse último aspecto, destacou que o art. 5º,
que nem sempre o Estado exerce uma influência negativa no campo das liberdades de expressão V, teria densidade normativa suficiente para ser aplicado imediatamente, o que tornaria
desnecessária a edição de lei para viabilizar o seu exercício, embora a intervenção legisla-
e de comunicação. O Estado pode, sim, atuar em prol da liberdade ~ expressão, e não apenas
As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

tiva pudesse ser recomendáveL Ainda quanto ao direito de resposta, consignou que seu ção a alguns artigos da Lei de Imprensa não desmerece em nada a decisão proferida pelo
escopo seria "preservar tanto os direitos da personalidade, quanto assegurar, a wdos, o exercí~ STF. Muito ao contrário. O pronunciamento do Supremo foi importante - na verdade,
cio do direito à informação exata e precisa". Por fim, concluiu que" (. .. ) mesmo que mantido importantíssimo - porque, além de reafirmar a importância da liberdade de expressão
o Capitulo IV da Lei nº 5.250/67, que disciplina o direito de resposw (arts. 29 a 36), ainda na construção de uma sociedade democrática,95 ainda trouxe relevantes consequências
assim subsistiriam sérias objeções quanto à constitucionalidade-- de alguns desses -dispositivos, práticas. Uma delas diz respeito ao exercício do direito de resposta.
como o par. 3º do art. 29, o par. 8º do art. 30 e o inciso III do art. 34 do referido diploma (... )". Ao declarar não recepcionada a Lei de Imprensa como um todo, o STF, por um
lado, criou um vácuo legislativo que, sem sobra de dúvida, gera uma enorme insegurança
Por fim, o Min. Gilmar Mendes salientou que, embora a Constituição de 1988
jurídica quanto ao procedimento para o exercício do direito de resposta.96Não obstante
não tenha admitido, expressamente, a intervenção legislativa, isso não significava que o
isso, a decisão tem um potencial histórico incrível, porque possibilitará a ampliação do
legislador não pudesse fazê~lo. Para ele, a dimensão objetiva da liberdade de expressão
escopo do direito de resposta, para além das balizas até então fixadas na Lei nº 5.250/67.
impõe o dever de atuação do legislador. Ademais, destacou que a garantia constitucional
Com efeito, diante da inexistência de lei, o Poder Judiciário poderá autorizar o seu exer~
da liberdade de imprensa irradia eficácia horizontal, de ~odo que "no Estado Democrático
cício em casos que, antes, não seriam admitidos.97 Convém salientar, nesse sentido, que
de Direito, a proteção da liberdade de imprensa também leva em conta a proteção contra a
diversos Ministros reconheceram que o direito de resposta deve ter uma abrangência
própria imprensa. ( ... ) A garantia dos direitos fundammwis não ocorre apenas em face do Es.
maior do que aquela fixada na vetusta Lei de Imprensa.9s E esse pronunciamento serve
tado, mas também em relação ao poder privado. (... ) A lei, nesse ponto, cumpre o fundamental
papel de proteção da liberdade de imprensa em seu duplo significado, como direito subjetivo e
n2 423.141~AgR, ReI. Min. Gilinar Mendes, 2~ Turma, j. em 27/09/05, DJ 21-10-05; AI nº 496.406,
como princípio objetivo ou garantia institucional. Assegura o exercício da liberdade de impren, ReI.:Min. Celso de Mello, j. em 07/08/06, DJ 10/08/06; e AI n2 595.395, ReI. Min. Celso de Mello, j.
sa não só contra o Estado, mas também em face da própria imprensa. É tarefa da lei, acima em 20/06/07, DJ 03/08/07).
95 Apesar de todos os ministros terem enfatizado a importância da liberdade de imprensa, o STF não chegou
de tudo, proteger o indivíduo contra o abuso do poder da imprensa." O ministro salientou, a reconhecer que a liberdade de expressão se encontra em uma posição preferencial em relação a outros
ainda, que, em sua visão, era indispensável manter o capítulo da Lei de Imprensa que bens, princípios e valores tutelados pela Constituição, o que é uma pena. Não obstante, o Min. Carlos
Ayres Britto votou nesse sentido. Veja.se: "essa hierarquia axioJ6gica, essa primazia político-filosófica das
versava sobre direito de resposta, não só para a proteção dos cidadãos, mas até mesmo liberdades de pensamento e de expressão lato sensu afasta a sua categorização conceitual como 'normas princípio'
da própria imprensa. Por outro lado, destacou que sem lei não seria possível exercer o (cacegorização tão bem exposta pelo jurista alemão Robert AIeX)' e pelo norte-mnencano Ronald Dworkin). É que
nenhuma dessas liberdades se nos apresenta como 'mandado de otimização', pois não se cuida de realizá-las 'na
direito de resposta, porque desapareceriam as normas de organizàção e procedimento maior medida possft'el diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes' (apud Virgílio Afonso da Silva, em
que o viabilizariam. 'A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO - Os direiws fundamentais nas relações entre particulares',
Malheiros Editores, pp. 32/35, 2i! nragem). Tais possibilidades 000 contam, simplesmente, porque a precedência
Poder~se~ia dizer, em uma análise apressada, que a decisão proferida teve, em mui~ constitucional é daquelas que se impõe em qualquer situaçáo concreta." (grifos originais).
tos aspectos, efeito mais simbólico do que prático, porque o STF já havia firmado juris, 96 A crítica que se poderia fazer, nesse sentido, é a de que a lei disciplinava o procedimento para o exercício do
direito de resposta, nos arts. 29 a 36, e não se alegava, expressamente, na inicial, qualquer incompatibilidade
prudência pacífica quanto à recepção de alguns dispositivos93 e quanto à não recepção dos referidos dispositivos com a ordem constitucional vigente.
de outroS.94Em nosso sentir, no entanto, o fato de já haver orientação uniforme em rela~ 97 O art. 29 da Lei n~ 5.250/67 condicionava o exercício do direito de resposta à demonstração do caráter
errôneo ou inverídico da notícia veiculada. fu situações que ensejavam o exercício do direito de resposta
estavam restritas ao campo dos fatos. Opiniões e juízos de valor não davam ensejo ao exercício do direito
93 O STF já havia reconhecido que alguns artigos da Lei de Imprensa eram compatíveis com a Constituição de de resposta. A lei adotava o modelo alemão de direito de resposta. Abte-se, agora, pela via pretoriana, a
1988. Vejam-se, por exemplo, o RE nQ 254.698, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1~Turma, j. em 09/05/00, DJ 04-08- possibilidade de adoção de um novo modelo, semelhante ao adotado na França: a jurisprudência decidirá se
00, e oAI nQ 542.148~AgR-ED, ReI. Min. Eros Grau, 2~Turma, j. em 30/10/07, DJe-152 30~11~07, nos o objeto do direito de resposta pode ser ampliado para contemplar não só a possibilidade de esclarecimento
quais se declarou que o art. 57, S 6º, da Lei de Imprensa, que obrigava a parte vencida a realizar o depósito a respeito de situações de fato como contraposição de juízos de valor, independentemente da sua veracidade
prévio do valor da condenação como pressuposto de admissibilidade do recurso de apelação, havia sido ou do seu caráter ofensivo. Com a declaração de não recepção da lei, caberá aos tribunais definir se o direito
de resposta deve permitir a participação de qualquer pessoa na formação da opinião pública em tema que
recepcionado pela Constituição de 1988.
94 Assim, por exemplo, em relação (i) aos arts. 51 e 52 da Lei de Imprensa, que tabelavam o valor devido pelos lhe concerne. É preciso, no entanto, buscar critérios claros antes de conceder o direito de resposta para
veículos de comunicação a título de reparação por danos morais (RE nQ 396.386, Rel. Min. Carlos Velloso, 2~ contraposição de juízos de valor, para não tomar inviável o exercício da liberdade de imprensa.
Turma, j. em 29/06/04, DJ de 13.08-04; RE n2 447.584/RJ, ReI. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, j. em 28/11/06; 98 O Min. Gilmar, por exemplo, desracou o seguinte: "em relação ao direitode resposta, eu gostaria até de fazer mais
AI nQ 496.406, ReI. Min. Celso de Mello, j. em 07/08/06, DJ 10/08/06; e AI nº 595.395, ReI. Min. uma lembrança, uma referência. Vejam que o nosso modelo _ e aqui, talvez pudéssemos até considerar que o modelo
Celso de Mello, j. em 20/06/07, DJ 03/08107); e (ií) ao art. 56, que fixava o prazo decadencial de 3 (três) comportaria uma interpretação conforme _ é restritivo, porque se limita a exigir o direito de resposta por fato inverídico
meses, conTados da data da publicação ou transmissão ofensiva, para a propositura da ação indenizatória (RE ou errôneo. Nós conhecemos, hoje, sistemas mais protetivos. Vejam a posição em Portugal, por exemplo, que perrmte
I'
I
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Çritica Rafaell.menzo-Femandez Koatz
As Uberdaàes de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

de norte para que os magistrados de primeira instância e os demais tribunais ampliem o nal da liberdade de expressão delineado pelo STF. Por essas singelas razões, muito embo~
conceito de direito de resposta. Seja como for, o fato é que, concluindo pela -não recep~ Ia considerássemos desnecessária a revogação integral da lei de imprensa, entendemos
ção da Lei de Imprensa, como fez, era mister que o STF tivesse consignado, ao menos que a decisão tem muitos méritos.
em obter dictum, orientações para os juízes e tribunais, sobre prazos e procegtr!lento~ para
seu exercício, como fez o Min. Celso de Mello, ao sugerir a aplicação, por analogia, dos 3.7. Restrições à atividade profissional que interferem com a liberdade de
arts. 58 e parágrafos da Lei nO9.504/97. expressão
Ainda quanto à importância da decisão, convém observar que, muito embora já RE nº 511.961 (2009): Diploma de Jornalismo
houvesse jurisprudência pacífica em relação a algumas matérias, diversos magistrados -
sobretudo nos rincões do País - continuavam aplicando dispositivos não recepcionados,
No final de 2006, chegou ao Supremo Tribunal Federal o RE nQ 511.961, em que
silenciando a pequena imprensa, os veículos de comunicação locais. Diante das dificul~
se questionava a recepção, pela Constituição de 1988, do art. 4º, V, do Decreto~Lei nQ
dades de acesso aos Tribunais Superiores, essas decisões acabavam prevalecendo, a des~
972/69, que exigia a apresentação de diploma universitário de jornalismo como condição
peito da orientação pacífica. Nesse contexto, salta aos olhos a relevância da decisão pro~
para obtenção de registro profissional de jornalista, no Ministério do Trabalho.lOl
ferida pelo STF. Com efeito, por ser dotada de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes,
Em 1ª instância, o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, na ação
a decisão do STF impedirá que juízes e tribunais apliquem a lei, paralisando definitiva~
civil pública proposta contra a União, fora julgado parcialmente procedente. O Tri~
mente sua eficácia, conferindo segurança jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados.
Ademais, ao afastar a lei de imprensa, como um todo, do ordenamento jurídico, o bunal Regional Federal da 3ª Região, no entanto, deu provimento às apelações e à
STF sinalizou para a sociedade que eventualmente poderá rever a ponderação realizada remessa necessária e julgou improcedente os pedidos. Para o TRF~3ª Região, o art.
pelos tribunais inferiores em matéria de liberdade de expressão e de imprensa. Com 4Q, V, do Decreto-Lei nº 972/69 não violava as liberdade de trabalho e de expres-
efeito, diante da inexistência de interposição legislativa, o STP não mais poderá deixar são, pois o próprio art. 5Q, XIII, da Constituição de 1988 prevê a possibilidade de
de conhecer de recursos extraordinários, como vinha fazendo, ao fundamento de que a o legislador ordinário regulamentar a exigência de qualificação para o exercício de
decisão recorrida teria violado a Constituição de forma reflexa.99 determinadas profissões.
Por fim, o reconhecimento da revogação da lei de imprensa abre a possibilidade de O MPF e o SERTESp102interpuseram, então, recursos extraordinários afirman~
imediato acesso ao Tribunal Constitucional, através da reclamação - o que, aliás, já vem do que o acórdão violava não só o art. 5º, incisos IX e XIII, como também o art.
acontecendo1oo _, o que é muito importante para a preservação do sistema constitucio~ 220 da CF. Conforme sustenrou o MPF, o art. 4Q, V, do Decreto.Lei nQ 972/69 não
foi recepcionado, pois o art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988, refere~se às
também o direitO de resposta contra opiniões ofensivas, não apenas contra fato inverídico ou errôneo. Eu, na verdade, atividades técnicas que estão regulamentadas por Conselhos e Ordens Profissionais,
proporia uma interpretação conforme da disciplina da Lei de Imprensa para dizer que, também aqui, deverfanws
que têm como principal função a proteção da sociedade dos pontos de vista ético,
abranger o juizo de 'Jalor ofensivo". Em outro trecho, disse: "faria, de qualquer fonna, à guisa de obter dictum,
uma ampli<u;ão do direito de resposta para abranger também a opinião ofensiva, tal como já comtante hoje de tlários como acontece na relação entre os profissionais da área jurídica e a Ordem dos Ad~
ordenamentos, inclusive da legislação de vários países europeus". O Min. Cezar Peluso, por sua vez, consignou:
"Senhor hesidentE, nesse passo, tenho a impressão de que a inexistência de norma restritiva é mais favorável aos
vogados do Brasil. Para o MPF, no caso dos jornalistas, não havia qualquer Conselho
ofendidos, porque permitirá ao juiz que determine a resposta, ainda que o caso não seja de nenhuma dessas hipótesES ou Ordem Profissional, pois o desempenho desta atividade já sofre o controle ético
previstas na lei,comoa de estar contra opiniõesofensivas etc. ~No mesmo sentido são os votos de Joaquim Barbosa
e de Celso de Mello.
dos editores e leitores. Além disso, os requisitos fundamentais para o exercício do
99 Em diversos casos que envolviam conflitos entre liberdade de expressão e outros valores constitucionalmente
protegidos, o STF se valeu dessa saída para deixar de conhecer do recurso extraordinário interposto. Veja-se,
V.g., os acórdãos proferidos no julgamento do RE n2 250424-AgR, ReI. Min. Umar Galvão, I ~ Turma, j. em 8.685 e 9.362, que versam, respectivamente, sobre o processamento de ação criminal por difamação e injúria
19/09/00, DJ 02-02-01. No mesmo sentido: AI nQ 4IB.513-AgR, ReI. Min. Gilmar Mendes, 2!!Turma, j. em e sobre direito de resposta.
13/12/05, DJ de 03/03/06; AI n2 278.136-AgR, Rel. Min. Nelson Jobim, 2!!Turma, j. em 10/10100, DJ 16-02- 101 A questão central discutida no recurso era a seguinte: o art. 220, S lQ,da CF, ao determinar que a liberdade
01, AI nº 283,481-AgR, ReI. Min. Néri da Silveira, 2!!Turma, j. em 31/10/00, DJ 01-12-00. de expressão observe o disposto no art. 52, XIll, autoriza que o legislador exija curso superior em jornalismo
100 Desde a conclusão do julgamento da ADPF n" 130, o STF vem recebendo diversas reclamações nas quais se como condição para o exercício da atividade profissional?
alega violação à autoridade da decisão proferida naquela ação. Vejam-se, por exemplo, as Reclamações nQ 102 Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanç~ e Crítica r.:; LlOeTCUiaeSae expressa0 e ae Imprensa na Junspruaenaa ao ~ 1 t'

mento aos recursos extraordinários interpostos, reconhecendo a não recepção do art. 4º,
.
Jorna l'lsmo, t'aIS c amo étl'ca e bom conhecimento sobre os assuntos, pres~indiriam de inciso V; do Decreto~Lei nº 972/69.)07
formação em instituição de ensino superior. . " Em nossa visão, o STF não poderia ter tomado decisão mais acertada. Interpretar
Por outro lado, a União e a FENAJ,103defendendo a constitucionalidade da eXIgen~ o art. 5º, XIII, como uma autorização genérica para que o legislador imponha qualquer
cia de diploma, argumentaram que a formação do jornalista exigiria.cqnl;lecim~n~o da tipo de exigência para o exercício de atividade profissional é esvaziar o alcance e o sen~
legislação e de preceitos técnicos específicos estudados nas Faculdades de Jomahsmo. tido desse direito fundamentaL Nesse contexto, a necessidade de diploma de jornalismo
Afirmaram, também, que a profissão do jornalista está intimamente ligada à informação para o exercício da atividade profissional afigura~seirrazoável e desproporcional, porque
e à expressão de ideias e, por isso, o exercício do jornalismo por pessoas incapacitad~s o desempenho do jornalismo ético e cuidadoso não exige conhecimentos técnicos espe~
poderia gerar ofensas à ordem pública. Além disso, sustentaram que o inciso não ofendIa cíficos, como ressaltou o Min. Gilmar Mendes. Basta lembrar que há alguns anos atrás
a liberdade de expressão e de informação, porque há diversas outras situações em que não existiam faculdades de jornalismo no Brasil e antes disso os jornalistas brasileiros
aqueles que não possuem diploma de jornalista poderiam colaborar com artigos, ensaios eram, todos, formados em outras áreas profissionais. Muitos bacharéis em direito, mé~
e críticas manifestando suas opiniões.104 dicas, engenheiros se tomaram jornalistas, por circunstâncias da vida. O art. 4º, V; do
O r:curso extraordinário foi, enfim, julgado em meados de 2009. O Supremo Tri- Decreto-Lei nº 972/69 não representava nada além de uma inconstitucional reserva de
bunal Federal, por maioria,105vencido o Min. Marco Aurélio,l06 conheceu e deu provi~ mercado, que objetivava impedir o acesso de pessoas com outras formações aos veículos
de comunicação e acabava limitando a liberdade de expressão e de imprensa. Em nossa
103 Federação Nacional dos Jornalistas. . . ~ Ca I 91406 erante
concepção, diferentemente do que sustentam os críticos, a decisão tende a melhorar o
104 Após a interposição do recurso e sua admissão na origem, o PG~ aJuIZOua Açao. ut~ ar n . ,p jornalismo brasileiro. A longo prazo, só os bons jornalistas continuarão a exercer a pro-
STE requerendo a atribuição de efeito suspensivo. O pedido f01 defendo pelo MIn. Gilmar Mendes, relator,
ae posteriormente
, referendado pela Zi Turma do STF (AC n º 1•406 MC~QO , ReL Min. Gilmar Mendes. 2! fissão. O mercado se encarregará de expurgar os maus jornalistas. lOS
Turma,j. em 21/11/06, DJ 19_12_06). " 2.. Le.
105 Em voto longo e fundamentado, o Min. Gilmar Mendes, sustentou qu: o art .•4. ' mClso V, do:ec~: ã;
nº 972/1969 não passa sequer no teste da adequação (. .. ). (... ) a f~çao especifica e~ CUíSO ~ /)
em jornalismo não é meio idôneo para etlitar eventuais riscos à coletiVIdade ou danos efetwos a terceiros. , . d maior quanto ao que é versado com repercussão ímpar, presentes aqueles que leem jornais, principalmenr.e jomais
o jornalismo não exige técnicas específicas que s6 podem ser aprendidas em uma. f~culdade. O exercícz o
'omalismo por pessoa inapta para tanto não tem o condão de, intlariátlel e incorn:hcwnal~ente, causar nos nacionais. Presidente, não tenho como assentar que essa exigência, (... ) resulte em prejuízo à sociedade brasileira.
Ao contrário, devo presumir o que normalmente ocorre, não o excepcional: tendo o profissional o nível diflJ superior,
~u pelo menos risco de danos a terceiros. ( .. .) As violações à ~~a, à ~ntimi:wde, à~17nagem ou a o~t:
estará mais habilitado d prestação de serviços profícuos à sociedade brasileira."
direitos da personalidade não constituem riscos inerentes ao exernciO do Jomal~moj sao, ante~. o r~Ute~ da
107 Após a decisão do STF, diversas associações e entidades de classe pressionaram o Congresso Nacional a
do exercício abusivo e anti ético dessa profissão." Em outro t~echo, afir~ou: . a reserva lega esta ~ C.I
pelo aít. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringlr o e~ercíclO da hb~dade a po~to de atlngzr o restabelecer a exigência. Com essa finalidade, foi apresentada Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº
386/09), que pretende dar nova redação ao U!! do art. 220 da Constituição Federal, dispondo sobre
seu próprio núcleo essencial." Em seguida, ao tratar da impo~tânCla : da necessl~ade d.o d~ptoma para ~
. d'o Joma l'lsmo, en f.' a obrigatoriedade de diploma para exercício da profissão de jornalista. Muito embora seja possfvel a
exercícIO atlzou. "( ... ) a questão aquI verificada e de. patente inconstitucIOnalidade,
_ d' po~
tlio/ação direta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição. Não se trata de tlenficar a adequaçao de uma co~ Iça0 apresentação de PEC para corrigir a jurisprudência de uma corte constitucional, no caso, a iniciativa é
restritiva para o exercfcio da profissão, mas de constatar que, num âmbito ~e li~re express~, O esta~elecllnento despropositada, porque o estabelecimento da exigência restringiria a liberdade de expressão. Como se sabe. de
acordo com o art. 60, Hº, da CF, não serão objeto de proposta de emenda as iniciativas tendentes a restringir
de qualificações profissioru1is é terminantemente proibido pela orde~ co~t1tuclOnal, e a leI ~ue ~sslm ~r~eder
afronta diretamente o art. 5º, inciso X11I, da Constituição. ( ... ) o Jornalismo ~ uma propssao dl)erencl.a ?or ou abolir direitos fundamentais. Nesse contexto, a tramitação da PEC poderá, inclusive, ser encerrada por
meio de Mandado de Segurança, nos termos da jurisprudência do STE
sua estreita tlinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e mforma~ao (. .. ). rssof~m~hc;,
108 É digrw de nora o fato de que, recentemente, a então PGR em exercido, Deborah Duprat, ajuizou a ADPF nº 183,
logicamente, que a interpretação do art. 52, inciso XIII, da Co.nstituiçãO, ~ ~Ip~tese da 4r~~~a~ d~
pleiteando seja declarada a não recepção de anigos da Lei nº 3.857/60, que criou a Ordem dos Músicos do Brasil,
J.ornalista se .faça impreterivelmente, em conjunto com os preceItos do art. 5 , inCISO IV, I '. '_
, " ,
art. 220 da Constituição, d d d -
que asseguram as liber a es e expressa0,. e I~ o. d .! nnação e de comumcaçao
.. I em por restringirem o exercício da profissão de músico, em flagrante violação ao an. 5º, Iv, IX e XIII, da Cf No que se
eral" Adiante prossegue: "[q]ua14uer controle desse tipo, que Interfira na hberdade pr~fl~slOna no refere especificamente à liberdade de expressão, a PGR alega que a exigência de que os músicos profissionais se filiem
dOME, a imposição de dive;sos requisitos para que eles desempenhem o ofício e a atribuição de poder de polícia à
~om~nto do próprio acesso à atitlidade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prevlO~;;;, e~
entidade ferem os preceitos furulamentais meru:ionados.Referida ação foi distribuída ao Min. Carlos A)'Tf:s Ema,
verdade, caracteriza censUTa prétlia das liberdades de expressão e de informação, expressamente ve pe o
que deterrnilwu o seu processamento, sem liminar. com a adoção do rito previsto 110 art. 12 da Lei nº 9.868/99, por
art.5P inciso IX, da Constituição," de f. _ analogia. A julgar pelo entendimento majoritário adotado no julgamento do RE nº 511.961 e, em especial, do que
106 O Mi~. Marco Aurélio divergiu da maioria sustentando que "( ... ) o jornalista ,deve_ ter ~ç~~:iema
conslOU do ooto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, a exigência de inscrição na OMB está com os dias contados.
'annação básica que viabilize a atividade profissional no que repercute na tlida dos cidadãos embgl~a. (~ tl '
lo Entendemos que o pedUlo deverá ser acolhU1o,eis que as exigêndas previstas em lei são, realmente, incompatitlei.s com
contar ( ) com técnica para entrevistar, para se reportar, para emtar, para P'7íqwsar o que deva pu !Car no
"" E" ve ••..u I
a Cana Magna.
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de comunkação •
alfim, para prestar sennço no campo auJ_'
mteI'Igêncla.
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... ossf tleI erro nesse campo! posswe
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mesmo se detendo curso superior ( ... ). A existência da norma (... ) implica uma salvaguarda, uma segurança }u lca
427
N uoeraaae.s ae expressão e de Imprensa na Jurisprudência do ::;'1'1:"

3.8. Restrição prévia à divulgação de notícias. que não estavam demonstrados os requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela
recu~sal. Isso porque a concessão da tutela antecipada recursal demandaria a demons~
Outra questão ainda indefinida no âmbito do Supremo Tribunal Federal diz res~ traça0 de um uma "qualificada probabilidade de provimento do recurso extraordinário" e no
peito ao cabimento de tutela inibitória contra veículos de comunicação com o intuito caso, a questão
_ 1"da possibilidade, ou não, de proibição prévia de divulgação "de not;IClaS
de evitar~se a divulgação de notícias que podem causar-danos irreparáveis à honra, in~ era questao po emi~~, a respeito da qual o STF ainda não possuía orientação pacífica, de
timidade, imagem e vida privada das pessoas. A discussão central que tem sido travada modo que a probabthdade de sucesso do recurso extraordinário não estava dem tr d
Nd. onsaa.
é a seguinte: o Poder Judiciário pode proibir, preventivamente, a divulgação de notícias a _ eClSão,o STF salientou, ainda, que era importante discutir a possibilidade de divul~
que poderão causar danos irreparáveis ou de dificúima reparação à determinada pessoa? gaçao de conversas interceptadas
_. de forma ilícita " Por fim entendeu que a ant'eClpaçao
-
Tal decisão configura censura prévia, vedada pelo art. 5Q, IX, da Constituição, ou se de tutela recursal nao podena ser deferida, porque havia risco de irreversibilidade do
enquadra no poder geral de cautela conferido ao magistrado e se adéqua ao princípio da provimento antecipado. Não obstante isso, deferiu em parte o pedido formulado na ação
cautelar, para determinar o imediatamente processamento do recurso extraordinário.11O
inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV)?
O apelo, todavia, não chegou a ser apreciado pelo STF, porque o jornal dele desistiu.

a) Petição nº 2.702 (2002): Caso O Globo x Anthony Garotinho


b) Reclamação nº 9.428 (2009): O Estado de São Paulo x Fernando Sarney

Anthony Garotinho, então Governador do Estado do Rio de Janeiro e candidato


Na Reclamação nº 9.428, ReI. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. em 10.12.2009
à Presidência da República, pleiteou que o jornal "O Globo" fosse proibido de divulgar
o STF analisou a extensão e a abrangência da decisão proferida no julgamento da ADPF
o teor de gravações telefônicas obtidas clandestinamente, que o envolveriam em atos
nº 130. O jornal "O Estado de São Paulo" formulou o incidente para ver~se livre de
ilícitos, o que foi prontamente deferido pelo juízo de primeiro grau. Ao apreciar o recurso do
tute!a ~n.t~cipada deferida pelo TJDF, que o proibira de publicar matérias sobre proces~
jornal contra a referida decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve a
sos J~dlClatSque correm em segredo de justiça contra Fernando Sarney, filho do atual
proibição entendendo que as gravações não poderiam ser divulgadas em razão da teoria dos
Prestdente do Senado.
frutos venenosos,l09salientando que a medida não caracterizava censura prévia.
No julgamento do incidente, por 6 votos a 3, o STF, invocando razões processuais,
Diante disso, a empresa responsável pelo jornal requereu Medida Cautelar ao STF
re~u~ou~s~ a apreciar se a liminar deferida pelo TJDF caracterizava, ou não, censura
para que o recurso extraordinário interposto fosse imediatamente recebido e processado
preVl~ ao ~omal. O Min. Cezar Peluso, relator, votou pelo arquivamento da reclamação,
pelo Tribunal. Além disso, pleiteou a antecipação dos efeitos da tutela recursal, para que
por nao :lslumbrar, na decisão proferida pelo TJDF, afronta ao julgamento proferido na
pudesse veicular imediatamente a matéria, argumentando que a decisão proferida pelo
ADPF n- 130. Para o relator, naquela oportunidade a Suprema Corte não decidiu sobre
TJERJ caracterizaria odiosa censura prévia. A empresa alegou, para justificar o periculum
a possibilidade de o Judiciário proibir, preventivamente, a imprensa de divulgar notícias
in nwra, que a matéria tinha inegável interesse público, eis que vinculava o Governa~
qu~ poderiam causar danos à honra, mas sim, genericamente, da questão da liberdade
dor do Estado, figura pública, a irregularidades cometidas no exercício de suas funções.
de tmprensa. Além disso, consignou que não há hierarquia entre liberdade de expressão
Além disso, o jornal sustentou que os critérios adotados pelo Estado~Juiz para reconhe~
e o ~ir~ito à honra, intimidade, vida privada e imagem, de modo que a possibilidade de
cer a licitude, ou ilicitude, de uma prova produzida em processo judicial não serviriam de restnçao para proteção da honra deve ser analisada caso a caso.
parâmetro para vedar a divulgação de informações de interesse público. O Min. Carlos Britto divergiu. Para ele, que foi o relator da ADPF nº 130 havia
O pedido de Medida Cautelar foi distribuído ao Min. Sepúlveda Pertence. Por deci~ relação entre a decisão do TJDF, que motivou a reclamação, e o julgamento da 'ADPF
são monocrática, posteriormente referendada em plenário, por maioria, o STF entendeu nº ~30.Isso porque, na ADPF alegava~se justamente que a Lei de Imprensa restringia
as hberdades de expressão e de imprensa consagradas na Constituição. Segundo ele, a
109 Para o Tribunal de Justiça, se as gravações foram obtidas de forma ilícita e não poderiam ser utilizadas como
prova judiciaL igualmente não poderiam servir para amparar interesses jornalísticos. ainda que o conteúdo
delas pudesse ser relevante. 110 Pet nQ 270Z, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 18.09.02, DJ de 19.09.03.

428 429
LIIrerws rU1UULJ'o.<:"I.U'~ , •••.• -'''P'<'-''''' ., •....
-,~ •• -_._ ..
, As liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STP

ADPF impugnara os artigos 61 a 64, que tratavam da censura judicial prévia à imprensa, 3.9. Liberdade de protesto e crítica

if o que tomava cabível a reclamação.


O Min. Dias Toffoli, por sua vez, entendeu que a reclamação era incabível, porque As liberdades de protesto e crítica, corolários da liberdade de expressão,
I
! a decisão proferida pelo TJDF não estava calcada na ~~_de Imprensa, mas sim na Le! também têm sido confrontadas em diversos casos analisados pelo STE Nos tó~
de Interceptações telefônicas (Lei n2 9.296/96), de modo quenão tedã havido afronta a picos que se seguem, analisaremos as principais decisões.Il2.113 É o que se passa
decisão proferida na ADPF nº 130.111 . a examinar.
A Ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência, votando pelo deferimento
da liminar. Segundo ela, à primeira vista, a decisão proferida pelo TJDF afrontava a a) ADI nº 1969 (1999 e 2007): Direito de reunião e liberdade de expressão
ADPF 130. Isso porque, naquela decisão foi fixado que, fora as restrições que a Cons~
tituição faz para o Estado de Direito, qualquer forma de inibição pode desconfigurar a Em 1999, O STF, por unanimidade, deferiu medida cautelar na ADI nº 1.969,
liberdade de imprensa. ReI. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 24/03/1999, para suspender a efi-
O Min. Eros Grau votou com o relator. Em seu voto, defendeu a necessidade de cácia de decreto autônomo (Decreto nº 20.098/99), editado pelo Governador do
ponderação dos bens em conflito e a importância da lei como fundamento e susten~ Distrito Federal, que, a pretexto de assegurar o direito ao trabalho em ambiente de
tação da liberdade de imprensa. Em seguida, defendeu que a proibição imposta pelo tranquilidade, impunha restrições à liberdade de reunião e de expressão, proibindo
Poder Judiciário não se configura como censura. A Ministra Ellen Grade também a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros nas manifestações públicas reali,
acompanhou o relator, por entender que a matéria não havia sido objeto de discus~ zadas na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios e na Praça do Buriti,
sáo na ADPF nº 130. em Brasília.IH
O Min. Celso de Mello foi o último a votar com a divergência, salientando sua
especial preocupação com o fato de que ainda remanescem no aparelho de estado
112 Ficarão de fora da análise, por restrições de espaço: a) o RE nfi 113.505, ReI. Min. Moreira Alves, j. em
determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do 28/0211989, no qual a Il!: Turma do STF reconheceu - interpretando extensiva exceção prevista na lei de
poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura de livros, jornais, revistas e direitos autorais, que autorizava a citação de pequenos trechos, pela imprensa escrita - a possibilidade de
utilização de pequenos trechos de imagens produzidas por outra emissora de televisão, para fins de ilustração em
publicações em geral. O Ministro enfatizou que a censura estatal, não importando o programa de critica, independentemente de autorização; b) o HC nº 83.125, ReI. Min. Marco Aurélio, j. em
órgão de que emane (Executivo, Legislativo ou Judiciário), representa grave retro~ 16/09/03, no qual a lª Turma do STF, por unanimidade, determinou o trancamento de ação penal instaurada
perante a Justiça Militar em que se buscava apurar a prática de crime de ofensa ds forças armadas tipificada
cesso político e jurídico no processo hist6rico brasileiro. Além disso, enfatizou que o no art. 219 do CPM, por criticas, feitas em livro, sobre (i) a desapropriação, realizada pela União, de terras
Jornal o Estado de São Paulo foi a única empresa jornalística atingida pela decisão, penencentes a pequenos agricultores, no Municfpio de Formosa, Goiás; e (ii) as torturas praticadas durante o
regime de exceção e o combate d guerrilha no Araguaia.
tendo em vista que outros 6rgãos de comunicação social divulgaram notícias, con- 113 Merece registro, ainda, a existência de duas ações de controle concentrado importantes sobre o tema,
tinuam divulgando e não sofreram qualquer interdição. Diante disso, concluiu que pendentes de julgamento, relativas à ~Marcha da Maconha~. Recentemente, a Procuradora Oeral da
República em exercício ajuizou a ADPF n2 187, distribuída ao Min. Celso de Mello, na qual pleiteou que
a liminar deferida pelo TJDF seria, além de arbitrária e inconstitucional, ofensiva à o art. 287 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) seja interpretado conforme a Constituiçao a fim de
autoridade da decisão proferida na ADPF nº 130. Para o Ministro, o comportamento que qualquer pessoa possa questionar as políticas públicas de combate às drogas e defender a legalização
de tais substâncias, inclusive através de manifestações e eventos públicos, sem serem enquadrados no
de alguns magistrados tem sido tão abusivo que hoje, de certa maneira, o poder geral tipo penal que trata da apologia de crime ou de criminoso. A POR apontou como violados os arts. 5Q,
de cautela pode ser considerado o novo nome da censura judicial. Ele destacou, por IV e IX, e 220 da Constituição, que garantem a liberdade de expressão, e o art. 5!l, XVI, que trata da
liberdade de reunião. Paralelamente, a POR também ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI
fim, que o peso da censura é insuportável e intolerável, porque ela representa a face nl:!4.274-2, ReI. Min. Carlos Ayres Britto) pedindo, de modo idêntico ao que requereu na ADPF nº 187,
odiosa que compromete o caráter democrático de um país que deseja ser livre e que que o att. 33, S 2º, da Lei n!l 11.343/06, seja interpretado confotme a Constituição. Em nossa concepção,
os pedidos deverão ser julgados procedentes, eis que a condenação dos defensores da legalização das
quer examinar a conduta dos seus governantes. drogas é inaceitável e incompatível com a liberdade de expressão, que existe, sobretudo, para proteger
as manifestações minoritárias, ofensivas. As pessoas devem poder criticar as políticas públicas adotadas
pelo govemo.
114 Por ocasião da apreciação do pedido de liminar, o Min. Marco Aurélio, relator, salientou que "(... ) É lugar
111 O Min. Ricardo Lewandowski votou no mesmo sentido. comum dizer- que a democracia se aprende cotidiana e ininler-ruptamente, e não é restringindo uma das mais imporrantes

411
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As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurispnulência do STF

I o caso foi definitivamente julgado em 2007,115ocasião em que o STF, por unanimida- desde logo, o direito de protesto, de crítica e de discoTdância daqueles que se opõem à prá-
de, declarou inconstitucional o decreto autônomo em questão.Em seu voto, o Min. Ricardo tica autoritária do poder".

Lewandowski, relator, consignou que "proibir a utilização 'de carros, apareUws e objetos sonoros',
b) RE nº 208.685 (2003): Reprodução de acusações formuladas por terceiros
ne.ssee em outros espaços públicos que o Decreto vergastado dis.~mina, inviab~zaria por completo
emjomal
a livre expressão do pensamento das reuniões levadas a efeito nesses locais, porque as tomaria emu-
decidas, sem qualquer eficácia para os propósitos pretendidos. (. .. ) Hd de se ter em conta, por outro
No REnº 208.685, ReI. Min. Ellen Gracie, 2' Turma, j. em 24.06.03, DJ de 22.08.03,
lado, que a utilização apare1Jlos (sic) de som nas reuniões, que são limitaidas no tempo, certamente
o STF decidiu que não cabe reparação por dano moral contra jornalista que se limitara
não causard prejuízo irrepardve! àqueles que essão nas imediações da manifestação. (. .. ) a restrição
a reproduzir na imprensa acusação feita contra magistrado, de mau uso de verba públi-
ao direiw de reunião (... ) a toda a evidência, mostra-se inadequada, destucessdria e desproporcional
ca, prática de nepotismo e tráfico de influência. Em que pese o flagrante equívoco do
quanJo confrontoda com a vontade da Constituição (. .. )".
acórdão proferido pelo Tribunal Estadual, que havia consignado que a honra e a imagem
O Min. Celso de Mello, por sua vez, acrescentou que" (... ) a liberdade de reunião
deveriam prevalecer em face da liberdade de expressão, o STF limitou-se a afirmar, pela
traduz meio vocacionado ao exercício do direito à livre expressão das ideias, configurando,
pena da Min. Ellen Gracie, que, no caso, não houve colisão entre princípios constitucio-
por isso mesmo, um precioso instrumento de concretização da liberdade de manifestação
nais. A ministra salientou que a honra do magistrado não foi afrontada porque a jorna-
do pensamento, nela incluído o insuprimível direito de protestar. Impõe, desse modo, ao
lista não havia praticado abuso de direito ao noticiar fatos que foram objeto de acusação
Estado, em uma sociedade estruturada sob a égide de um regime democrático, o dever de
apresentada por sindicato classista.116
respeitar a liberdade de reunião (de que são manifestações expressivas o comício, o desfile,
a procissão e a passeata), que constitui prerrogativa essencial dos cidadãos, normalmente
temida pelos regimes despóticos ou ditatoriais que não hesitam em golpeá-la, para asfixiar,
116 Outro caso, digno de nota, é a Petição n2 3.486 (2005). Por decisão monocrática, o Min. Celso de
Mello determinou o arquivamento de procedimento penal instaurado contra jornalistas da revista
Veja, aos qu~is se imputava a prática de "crime de subversão contra a segurança nacional". Apesar de
garantias constitucionais - a liberdade de expressão do pensamento, intimamenteligada ao direito de reunião - que
ter r~conhecldo, de plano, a incompetência do STF para processar e julgar o feito, o Ministro
se dará vigor e sustentação ao organismo que se quer democrático, comoo Estado, principalmente o brasileiro,
que aspira pelo respeito das nações ante a circunstância auspiciosa de integrar definitil.!amente o rol dos países consignou, em obter dictum, que o direito de crítica, inspirado por razões de interesse público,
encontra suporte no pluralismo polftico e representa um dos fundamentos inerentes ao sistema
consolidados politi.camente, para o que um dos pressupostO$ básicos é a certeza, em nenhuma instância refutável,
democrático. Da densa e bem fundamentada decisão extrai-se o seguinte trecho: "(... ) o teor da
de que ao povo é assegurado ampla e irrestritameme o direito de manifestação. Não será na Capital do País que
haveremos, o:s brasileiros, de retroceder a tal propósito. (... ) o direito de reunião prelJisto no inciso XVI está petição .em referência, longe de evidenciar supostas práticas delituosas contra a segurança nacional, (.. .) traduz,
associado umbilicalmmte a outro da maior importância em sociedades que se digam democráticas: o ligado à na realidade, o exercício concreto, por esses profissionais da imprensa, da liberdade de expressão e de crítica
(. .. ). (. .. ) no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão
manifestação do pensamento. A reunião prevista no preceitO constitucional não está limitada àquelas que se
pena.l ao pensamento, ainda maÍ.'iquando a crítica - por mais dura que seja - relJele-se inspirada pelo interesse
mostrem silenciosas. Ao contrário, a razão de ser dó preceitO está na lJeiculação de ideias, pouco importando
~úbhco e decorra da prática legítima, como sucede na espécie (. .. ). Não se pode ignorar que a liberdade de
digam respeito a aspectos religiosos, culturais ou políticos. (... ) sob o dngulo do poder de polícia, (. .. ) a atuaçáo
Imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de
jamais poderá ser preventiva, (.. .). Há de ser acionado, isto sim, de forma repressiva apenas quando extravasados
c~nt,eúdo ~brangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o
os limites ditados pela razoabilidade, vindo à bailn violências contra prédios e pmoas". O Min. Nelson Jobim
acompanhou o relator, mas por fundamentos diversos. Ele salientou ser possível disciplinar o direito de d,~eltode mfo~r, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. (... )
°
reunião, desde que não se inviabilizasse seu exerdcio, o que teria ocorrido no caso. O Min. Octavio
o mteresse socral, fundado na necessidade de preservação dos limitesético.jurídicos que devem pautar a prática
da função pública, sobrepõe.se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores do poder. Uma vez
Gallotti acrescentou: "em se tratando, por exemplo, da emissão de ruídos, penso que não seria desarrazoado
~ela ausente ,o '.ammus injuriandi, vel diffamandi', ( ... ), a crítica que os meios de comunicação social dirigem
limitá.los a uma cerw intensidade de volume. Não porém de tal fomw. que impossibilite a comunicação de opiniões
entre as pessoas que participem da manifestação". Já o Min. Néri da Silveira consignou que "a Constituição as pessoas publiCas, (... ) por maIS acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer (... ) as limitações
externas que ordinariamenteresultam dos direitos da personalidade. (... ) a críticajomalística, quando inspirada
não dá margem a qualquer restrição nesse sentido, independentemente de autorização, nem estabelece condições
~elo interesse público, (... ) 1~O traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, il dimensão de abuso da
as quais essa manifeswção possa se dar". Por fim, o Min. Moreira Alves salientou que, na sua compreensão.
llberdad~ de imprensa, (. .. ). E certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto (. . .). Não é menos
"é possível II proibição de reunião neles [em relação a determinados locais], até porque isso não impede o direito de
exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que
reunião, apenas o disciplina com relação a determinadoslocais. ( ... ) o problema, a meu lJer, é principalmente de
representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente,o próprio Estado Democrático de Direito
razoabilidade. "
(CF,art. lQ, V)," (Petição nº 3.486, ReI. Min. Celso de Mello, j. em 22/08/05, OJ 29/08/05 _ Trechos
115 AOI nº 1.969, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 28/06/07, DJe-092 de
da decisão monocrática).
31_08_07.

433
Rafael Lorenzo-Femandez Koatz
As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

3.10. Discursos de incitação ao ódio (hate speeehJl17 o primeiro Ministro do STF a enfrentar o caso a partir da perspectiva da liberda;
de de expressão121 foi Maurício Corrêa. Abrindo divergência, ele afirmou, sem maiores
a) HC nº 82.424 (2003): Caso Ellwanger aprofundamentos teóricos, que a condenação de Ellwanger não violava a liberdade de
expressão. Na concepção do Ministro, como todos os tipos de discriminação foram proi;
Em 2003, o STF se deparou com um caso extremamente complexo e delicado bidos pela Constituição, que considerou particularmente grave a discriminação racial, a
envolvendo a liberdade de expressão assegurada pela Constituição de 1988; definir se aparente colisão de direitos fundamentais encontraria solução no próprio texto consti;
um editor poderia ser condenado por racismo pela publicação de livros, próprios e de tucional. Para ele, o resultado da ponderação apontava para a prevalência do direito da
terceiros, com conteúdo antissemita. Trata-se do famoso caso Ellwanger.t18 Em longo parcela da sociedade atingida pela publicação das obras editadas e escritas pelo paciente,
e rumoroso julgamento, que se estendeu por quase um ano em razão dos intensos e in; em detrimento de sua liberdade de expressão. Do contrário, seriam colocados em jogo
flamados debates1l9 e dos sucessivos pedidos de vista, o STF; por maioria,120denegou a a dignidade, a cidadania, o direito à igualdade e, possivelmente, até mesmo a vida das
ordem postulada, reconhecendo a imprescritibilidade do crime pelo qual o paciente fora vítimas da discriminação racial.
condenado. O Min. Celso de Mello, por sua vez, ressaltou que as publicações realizadas pelo pa;
ciente extravasaram "os limites da indagação científica e da pesquisa histórica, degradando;se
117 A proteção a discursos de incitação ao 6dio (tema conhecido na doutrina estnlI;geira como hate speech) é ao nível primário do insulw, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à inwlerância e ao 6dio público
tema tão delicado quanto controverso, que exacerba ânimos e desperta paixões. E que, o que está em causa pelos judeus". Por essa razão, concluiu que elas "não merecem a dignidade da proteção cons;
é saber se discursos racistas, preconceituosos e ofensivos são, ou não, protegidos pela liberdade de expressão
asseguradas pela Constituição de 1988. É legítima a restrição de manifestações racistas? Em caso afirmativo, titucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento, que não pode compreender, em
em que grau e circunstâncias essa restrição seria justificável? A questão opõe frontahnente duas correntes: seu âmbito de tutela, manifestações revestidas de ilicitude penal". Para ele, a liberdade de ex;
uma corrente defende a possibilidade de censura e punição daqueles que proferirem discursos de incitação ao
ódio, ao argumento de que tais discursos ferem direitos fundamentais dos indivíduos atacados. A outra corrente pressão não protege exteriorizações cujo propósito seja criminoso, especialmente de ódio
entende que qualquer manifestação _ mesmo as ofensivas e discriminatórias - deve ser protegida pela liberdade
racial, porque essas manifestações transgridem os limites da crítica e os valores tutelados
de expressão, por mais reprovável que seja. Para estes últimos, a censura não afasta os riscos da intolerância
nem tampouco remedia a ferida social aberta pelo preconceito. O combate às ideias preconceltuosas deve se dar pela própria ordem constitucional. Segundo o Ministro, o caso não envolvia conflito
através de um debate público esdarece~ por meio da demonstração do equívoco que elas carregam. A discussão
entre princípios constitucionais, porque não haveria nenhuma norma que protegesse a
em tomo do tema, mais do que um problema de ordem constitucional, transborda para o campo sociológico,
envolvendo a discussão de valores como liberdade e igualdade. disseminação de manifestações criminosas.122•123
118 Siegfried Ellwanger Castan, escritor e sócio da Revisão Editora Ltda., foi acusado do crime de racismo (art. 20
da Lei nº 7.716/89, com a redação da Lei nº 8.081/90), por editar e publicar livros comcomeúdo antissemita.
Já o Min. Gilmar Ferreira Mendes salientou que discursos ofensivos estão, sim, no
O Ju(zo de Iº grau absolveu Ellwanger. A 3l Câmara Criminal do TJRS, no entanto, por unanimidade, âmbito do que se considera liberdade de expressão e, assim, concluiu que o caso envolvia
reformou a sentença e condenou Ellwanger a 2 anos de reclusão, entendendo que a liberdade de expressão
um conflito entre princípios, cuja solução exigia a aplicação da ponderação. Para ele, o
deveria ceder lugar ao princípio da igualdade (cf. T}RS. Ap. Crim. n2 695130484, Terceira Câmara Criminal,
ReI. Des. Fernando Mottola, J. em 31.10.96, p. 2). Esgotados os recursos cabíveis, os advogados de Ellwanger
impetraram habeas corpus no ST], sustentando que, nos termos do art. 5º, XLII, da CF, s6 o crime de raCISmo
seria imprescritível e o crime pelo qual o escritor fora condenado não se enquadrava naquele conceito, 121 Não há espaço, neste estudo, para expor o debate travado no STF sobre o conceito de raça e de racismo. Por
mas sim no de discriminação. Para fundamentar essa alegação, invocaram e transcreveram opiniões de isso, mencionaremos apenas os argumentos que envolvem a questão da liberdade de expressão.
autores de origem judaica, que afirmavam que os judeus não são uma raça, mas sim um povo. Em razão disso, 122 A diferença de perspectiva entre os votos dos Min. Maurício Corrêa e Celso de Mello é notável. O primeiro,
requereram a desconstituição da averbação de imprescritibilidade do crime e o reconhecimento da prescrição embora considerasse que as manifestações de Ellwanger estavam abrangidas pela liberdade de expressão,
da pretensão punitiva. A ordem foi denegada pela e. 5i Turma do ST}, por maioria, vencido o Min. Edson entendeu que a ponderação com outros valores constitucionais justificava a restrição. Já o segundo
Vidigal (ST], HC nQ 15.155, ReI. Min. Gilson Dipp, 5~Turma, j. em 18.12.01, DJ de 18.03.02). Os advogados argumentou que a liberdade de expressão não protegeria manifestações racistas e que o conflito entre
do editor impetraram, então, novo habeas corpus perante o STF, reiterando a alegação (HC n2 82.424, ReI. princípios seria apenas aparente.
Min. Moreira Alves, ReI. p/acórdão. Min. Maurício Côrrea, Tribunal Pleno, j. em 17.09.03, D1 de 19.03.04). 123 O Min. Carlos Velloso votou com o Min. Celso de Metia, entendendo que a incitação ao ódio público contra
119 As discussões giraram em torno das seguintes quesrões hermenêuticas: a) qual a abrangência da expressão o povo judeu não estaria protegida pela liberdade de expressão. Para ele, as obras editadas pelo paciente não
racismo inscrita no art. 52, XLII, da CF? b) o conceito de racismo abrange todas as formas de discrinúnação se limitavam à pesquisa científica; possuíam inequívoco caráter panfletário, cujo propósito era estimular
realizadas contra grupos humanos que possuem vinculação cultural ou só a discriminação em razão da cor a intolerância. Por essa razão, não contribuiriam para o aperfeiçoamento do conhecimento. Muiro pelo
da pele? c) livros podem ser instrumentos utilizados para incitar a discriminação racial? d) qual o limite da contrário. Ele também esclareceu que o confliro aparente de direitos fundamentais deveria ser resolvido
"pela prevalência do direito que melhor realiza o sistema de proteção dos direitos e garantias inscritos na Lei Maior~.
liberdade de expressão?
120 Ficaram vencidos os Ministros Moreira Alves, Carlos Ayres Britro e Marco Aurélio Mello. Nesse contexto, a liberdade de expressão deveria ceder freme ao princípio da dignidade da pessoa humana,
sobretudo porque a liberdade de expressão havia sido desvirtuada.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica Rafael Lorenzo- t'emandez Koatz
As liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF

,. .;
c.
caráter inevitavelmente aberto do tipo penal e a tensão com a liberdade de expressão im- arianismo, nem a superioridade racial alemã, ou a inferioridade racial judaica. Por fim,
punham a aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, após transcrever salientou que o paciente não deveria responder pelo conteúdo das .obras que possuem
diversos trechos do acórdão proferido pelo TJRS, que afirmavam que as obras não têm autores conhecidos, pois a reedição de livros estaria protegida pelas liberdades de expres~
conteúdo histórico e, na verdade, apenas pretendiam atribuir aos judeus toclas as desgra- são e empresarial.
ças e mazelas do mundo, concluiu que o acórdão condenatório respeitou o princípio da O Min. Marco Aurélio também divergiu da maioria. Após uma enfática defesa da
proporcionalidade. t24 liberdade de expressão, concluiu que, em regra, não se pode limitar conteúdos expres~
O Min. Nelson Jobim, por sua vez, enfatizou que o STF estava diante de um caso sivos, pois essa limitação será feita, sempre, a partir da ideologia dominante. A única
típico de fomentação ao ódio. Jobim não viu problemas em criminalizar a reedição de restrição possível seria quanto à forma de expressão. Nesse sentido, para o Ministro, a
livros já conhecidos, porque, para ele, o paciente os estava editando com uma finalidade Constituição não protegeria manifestações "exacerbadamente agressivas, fisicamente con~
específica, qual seja, praticar racismo, e não para registros históricos.125-126 tundentes ou que exponha{m) pessoas a situações de risco iminente".1Z8 A verificação dessas
O Min. Carlos Ayres de Britto divergiu de seus colegas, consignando, em seu voto, situações, no entanto, seria complexa e deveria ser realizada com extrema cautela, razão
que a Constituição prevê três excludentes de abusividade: crença religiosa, convicção pela qual seria temerário admitir~se a restrição da liberdade de expressão em razão de
filosófica e convicção política. Assim, para ele, se a liberdade de expressão for utilizada receios abstratos, dissociados da análise da conjuntura cultural e social.129Na hipótese,
numa dessas três esferas, não há abuso.127No caso, após analisar o livro escrito pelo o Ministro afirmou não ter identificado qualquer afirmação categórica de que os judeus
paciente, concluiu que o editor havia buscado relatar a Segunda Guerra Mundial numa seriam uma "raça" inferior à ariana, nem qualquer manifestação que pudesse induzir
perspectiva revisionista, com o propósito de melhorar a imagem da Alemanha. Com o leitor ao preconceito odioso. Além disso, ressaltou que, como o brasileiro não tem o
base nessa leitura, sustentou que a intenção do paciente era fazer ciência e que estava hábito de ler, seria questionável que as ideias expostas pelo paciente representassem
convencido de que Ellwanger havia tentado apelar apenas para a razão do leitor e não algum risco para a sociedade ou para o povo judeu, considerando, ainda, que o País
para sentimentos baixos. Para o Ministro, a obra teria viés ideológico e não seria crime nunca cultivou qualquer sentimento antissemita. Para o Ministro, não há dúvida de
ter ideologia, embora pudesse ser uma lástima que alguém se deixasse enganar por certas que o livro deixa claro que o paciente tem uma ideia preconceituosa sobre os judeus.
concepções de mundo. Ainda de acordo como o magistrado, .embora simpatizante de No entanto, para ele o combate ao preconceito não poderia se dar pela supressão de
Adolf Hitler e defensor da Alemanha, não se poderia dizer que o paciente defendesse o ideias, mas sim pelo seu confronto. Marco Aurélio também aplicou o princípio da
proporcionalidade ao caso, concluindo pela desnecessidade, inadequação e despro~
124 Segundo ele, a medida seria adequada, tendo em vista que se fazia necessária a "condenação do paciente porcionalidade em sentido estrito da condenação. DO Por fim, também afirmou não
para se alcançar o fim almejado, qual seja, a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância". A
ser razoável punir o paciente por ideias alheias.
condenação também seria necessária, porque não haveria outro meio menos gravoso e igualmente eficaz de
atingir referido objetivo. Por fim, seria proporcional em sentido estrito, porque a liberdade de expressão não
protegeria a intolerância racial e o estímulo à violência.
125 Da análise do voto do Min. Nelson Jobim depreende~se que, para ele, a edição de livros não seria, em 128 "Por exemplo, esto.ria configurado o racismo se o paciente, em vez de publicar um livro no qual expostas suas id.eias
si, proibida; proibido é editar livros para praticar racismo. Daí haver a necessidade de se averiguar, caso acerca da relação entre os judeus e os alemães na Segunda Guerra Mundial, como na espécie, distribuIsse panfletos
a caso, se a edição de um livro é ou não instrumento para a incitação ao preconceito e à discriminação nas mas de Porto AlegTe com dizeres do tipo 'rrwrte aos judeus', 'vamos expulsar estes judeus do País', 'peguem as
armas e vamos externriná-Ios"'.
raciaL
126 O Min. Cezar Peluso votou no mesmo sentido. Segundo ele se o paciente se apresentasse "apenas como 129 Assim, segundo o Ministro, "(... ), não é correto se fazer um exame entre liberdade de expressão e proteção da
editor casual de tais obras, ou até mesmo como editor de excentricidades", seu voto .seria diferente. No dignidade humana de forma abstrata e se tento.r extrair dar uma regTa geral. É preciso, em rigor, t!erifiwr se, na
entanto, como se tratava de comportamento sistemático (para ele, Ellwanger havia se especializado na espécie. a liberdade de expressão está configurada, se o aro atacado está protegido por essa cláusula constitucional, se
edição, redação e comercialização de livros antissemitas), concluiu que o propósito era o de difundir o de faro a dignidade de deternrinada pessoa ou grupo está correndo perigo, se essa ameaça é grave o suficiente a ponto
de limitar a liberdade de expressão ou se, ao contrário, é um mero receio subjetit'o ou uma vontade individual de que a
antissemitismo.
127 "( .. .) com essas três excludentes de a!msividade (. .. ), a Constituição homenageou três aspectos furu1amento.is da opinião exarada não seja divulgada, se o meio empregado de divulgação de opiniiio representa afronta do/enta contra
onwlogia humana: o anseio de infinito (que é a busca da religação da criatura ao Criador), a inata curiosidade pela essa dignidade, entre outras questões."
produção de um tipo tão especulativo quanto universauzante do saber (núcleo duro de toda investigação filosófica) e, 130 Em sua análise, condenar o paciente não acabaria com a discriminação conrra o povo judeu ou com ° risco
finalmente, a fonnulação de doutrinas e teorias que tenham na esrrnturação e funcionalização otimizaàns dos Estados de se incitar a discriminação. Segundo argumentou, os leitores podem não concordar com a versão da
e dos Govemos o seu específico objeto (fónnula simplificada de compreensão da Política enquanto Ciência e enquanto história e, mesmo que concordem, isso não significa que passarão a discriminar o povo judeu. Por essa razão,
arte de gOt!ernar)" . em sua visão, o caso não atendia ao teste da adequação. Destacou, também, que o caso não sobreviveria à
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica. KaJael LOrenzo-remana.ez MalZ
Éls Liberdades de Expressa0 e de Imprensa na Jurisprudência do STF

Como se vê, apesar de a maioria ter sido formada com o apoio de 8 dos 11 ministros razão das dificuldades de extração do holding, 134 o precedente tem uma importância mui,
do STF, s6 houve consenso em relação ao resultado. 131
Em relação aos fundamentos que da, to mais simbólica do que prática.135
Em nossa visão é imperioso que se tome cuidado com limitações à liberdade de
riam respaldo à decisão, a divergência foi generalizada. Cada ministro votou em um senti,
expressão em razão do teor das opiniões veiculadas. É que, não custa lembrar, uma das
do, adotando premissas e fundamentos diversos. Em razão'âisso, -afigura,-se-extremamente
funções precípuas da liberdade de expressão é, precisamente, tutelar a manifestação de
difícil, senão impossível, extrair standards minimamente seguros a respeito do que restou
ideias minoritárias, ainda que ofensivas. Entendemos que discursos ofensivos e de inci~
decidido, para fins de orientação da solução de casos idênticos.132 Embora o STF tenha tação ao ódio podem, sim, ser restringidos, para a proteção e promoção de outros valores
reconhecido a imprescritibilidade do crime praticado pelo editor, não se sabe, a partir constitucionais importantes, como dignidade e igualdade. No entanto, a restrição deve
da leitura do acórdão, que tipo de manifestações ou condutas caracterizariam racismo. ser excepcional e, por isso, os parâmetros de aferição de sua constitucionalidade devem
Também não se extrai do caso, por exemplo, parâmetros para responder às seguintes ser extremamente rígidos, para evitar que a decisão represente uma censura baseada,
questões: (i) o legislador ordinário pode ampliar os contornos do crime de racismo? (ii) pura e simplesmente, em visões morais individuais.136
Em regra, a melhor forma de minimizar a intolerância será enfrentando os argu,
todos os grupos cujos indivíduos estejam ligados entre si por questões religiosas, étnicas,
mentes, pondo luzes sobre a irracionalidade das teses, e apresentando seus defensores
sociais, culturais são sujeitos passivos do crime de racismo? (iü) em todas as hipóteses
para que a opinião pública possa conhecê,los, criticá~los e repudiá~los moralmente. Pre~
anteriores o crime será imprescritível? cisamos dialogar com essas pessoas, não porque elas merecem, mas para demonstrar para
Diante das inúmeras dúvidas e questionamentos que o caso suscita, pode~se afu~ os demais ouvintes os equívocos das posições que defendem. Ao lado disso, é importante
mar que, apesar da importância do julgamento e de seu resultado ter sido aplaudido de desenvolver políticas públicas consistentes de combate à discriminação e ao racismo.
forma praticamente unânime, tanto na sociedade civil como no meio acadêmico,133 em Com efeito, a redução dessas mazelas sociais passa pela adoção de políticas públicas
educacionais voltadas para a inclusão das minorias e para a valorização da diversidade
aplicação do sub-principio da necessidade, porque a restrição à liberdade de expressão, no caso, não garantiria
cultural e do respeito das diferenças de nossa sociedade pluralista e multiculturaL 137
a preservação da dignidade do povo judeu. Por fim, enfatizou que o caso não preenchia o sub-princípio da
proporcionalidade em sentido estrito, porque não seria razoável, em uma sociedade pluralista como a brasileira,
restringir a manifestação da opinião feita através de um livro, sob o argumento de que essa ideia incitará a 134 Holding ou ratio decidendi constitui a norma extraível do caso concreto que vincula os tribunais inferiores.
prática de violência, tendo em vista que não há indícios mínimos de que a publicação causará uma revolução Embora de grande importância para a operação com julgados normativos, sua identificação suscita diversas
na sociedade brasileira. questões, a saber: a) Quais são as formulações jurídicas efetivamente imprescindíveis à decisão e como
131 Não há espaço, neste estudo, para expor o debate travado no STF sobre o conceito de raça e de racismo. Por elas podem ser identificadas?; b) O holding abrange a fundamentação da decisão/; c) Quais os métodos
isso, mencionaremos apenas os argumentos que envolvem a questão da liberdade de expressão. para sua identificação?; d) Com que grau de generalidade se deve formular o comando extraído de um
132 Para um esforço de sistematização e desenvolvimento de standards para a solução de casos envolvendo caso concrero ou com que amplitude se devem tratar os fatos que o geraram? Sobre o tema, cf. MELLO,
discurso de incitação ao ódio, vejam-se as propostas apresentadas por SARlviENTO, Daniel. A liberdade de Patrícia Perrone Campos. PTecedentes. O desenvolvimento judicial do direito constitucional contempoT8neo.
ExpreSSa0 e o Problema do "Hate Speech". Op, cit.; e KOATZ, Rafael Lorenzo-Femandez. "Discursos ofensivos Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
e de incitação ao ódio: Limites à Liberdade de Expressão?", Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado 135 Por cerro, a decisão tem uma simbologia importante. Através da condenação de El1wanger, o STF procurou
do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Sociais, Faculdade de Direito, 2007, Mimeo. passar para a sociedade a mensagem de que não tolera manifestações de ódio e que o povo judeu, assim como
133 Alguns autores chegaram a criticar a decisão tomada pelo STE Não tanto por causa do resultado, mas da outras minorias, podem se sentir amparados pelo Estado brasileiro.
metodologia empregada para chegar até ele. Para Marcelo Cattoni, por exemplo, não havia necessidade de 136 Não se pode desconsiderar os riscos que a supressão de discursos - por mais odiosos que sejam - pode causar.
ponderação, pois o legislador já havia feito a sua escolha prévi.a sobre a criminalízação de discursos racistas. Pessoas que praticam discriminação contra minorias não deixarão de pensar da forma equivocada pelo simples
A decisão passava, apenas, pela aplicação da subsunção. A principal objeção formulada à decisão envolve fato de que o STF decidiu que elas não podem externar essas opiniões. Fora das vistas do Estado, esse tipo
o fato de que os Min. Gilmar Ferreira Mendes e Marco Aurélio se valeram da técnica da ponderação para de discurso poderia ganhar adeptos, colocando em risco a segurança dos grupos estigmatizados e das próprias
dar soluções diversas ao caso. Sobre as criticas à utilização da ponderação no caso, confira-se: OUVEIR.t\, instituições democráticas brasileiras. Ademais, não é simplesmente restringindo direitos fundamentais que
Marcelo Andrade Catroni de, O Caso Ellwanger: Uma critica teorético-discursiva da poncleTação de valores na solucionaremos o problema do racismo e da discriminação. A restrição deve ser a última alternativa, até
jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal. Disponfvel em http://wwv:.leniostreck.com.br/midias/ porque ela mascara o problema e dificulta a adoção de medidas para a dispersão dos focos de discriminação e
ArtigoCasoEllwanger.doc. Acessado em 24.01.06, e SILVA, Virgilio Afonso da. A Constitucionalização do de racismo. A restrição traz, ainda, o risco de transformarmos racistas em mártires.
Direito. Op. cit., pp. 167-170. A professora Letícia Marte! foi uma das poucas vozes a criticar os fundamentos 137 Interessante exemplo que pode ser dado. nesse sentido, é o livro infantil Do que eu gosto em mim. escrito
da decisão. Cf. MARTEL, Letícia de Campos Velho. Breves notas sobre a liberdade de manifestação do por AUia Zobel-Nolan, publicado pela editora Caramelo, que busca ensinar as crianças a conviverem com
pensamento e a repressão aos discursos do ódio. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, nº 404,15.08.04. Disponível a diferença de raça, credo, características físicas etc. Iniciativas como essa deveriam ser incentivadas pelos

I
em: http://jus2.uoLcom.br/doutrina/texto.asp?id==5555. Acesso em: 19.02.06. poderes públicos, em todas as esferas.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica Rafael Lorenzo- Femandez Koatz
As liberdades de Exp;essiio e de Imprensa na Jurisprudência do STF

3.11. Pornografia e obscenidade No julgamento do HC, a 2~Turma do STF se dividiu: o Min. Carlos Velloso, relator
originário, indeferiu a ordem, por considerar que o habeas corpus seria incabível no caso,
Pornografia e obscenidade são formas expressivas, protegidas pela Constituição? pois a conduta seria, em tese, típica e haveria indícios de autoria. O Min. Gilmar Men~
des, por sua vez, a deferiu, por entender que, apesar de deseducado e de mau gosto, a
Cenas chocantes de sexo podem ser restringidas, em defe-ia da inotal pública e dos bons
conduta do diretor não teria passado de um grosseiro protesto contra as váias recebidas,
costumes? Em caso negativo, podem ser restringidas para preservar algum outro valor
que não refugia ao contexto da peça teatral.141Salientou, ainda, que a piateia era corn~
constitucional relevante? Qual?138Essas são algumas indagações que surgem quando se
posta de adultos e que já se passavam das duàs horas da manhã quando o fato ocorreu,
analisa a restrição à pornografia e à obscenidade. Após 1988, o STF apreciou apenas um
de modo que a conduta do diretor não teria atingido o pudor público. Acrescentou que
caso envolvendo obscenidade e, por isso, ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas a questão envolvia a liberdade de expressão do diretor e que a sociedade dispunha de
nessa matéria. mecanismos adequados para repudiar a conduta, através da crítica, sendo dispensável
a persecução penal. Por fim. invocou precedente antigo do STP (RMS nº 18.534, ReI.
HC nº 83.996 (2004): Caso Gerald Thomas Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 47/787), salientando que não estariam configurados os ele-
mentos caracterizadores do ato obsceno. A Min. Ellen Gracie, embora tenha consignado
Em 2004, o STP julgou o HC nº 83.996,'39 impetrado em favor de Gerald Thomas que, em tese, concordava com os argumentos expostos pelo Min. Gilmar Mendes, inde~
Sievers. O polêmico diretor teatral foi denunciado pela prática de ato obsceno (CP, art. feriu a ordem, por entender que a conduta do diretor precisaria ser melhor apurada em
primeiro grau. O Min. Celso de Mello, por sua vez, votou pelo trancamento da ação.142
Z33), porque, ao final da peça Tristão e Isolda, diante das vaias e xingamentos do público,
Diante do empate, a ordem foi concedida.
simulou ato de masturbação e, em seguida, abaixou as calças e mostrou as nádegas para a
A decisão afigura~se~nos correta. Não havia, realmente, qualquer razão para avan~
plateia. Como a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio de
çar com a persecução criminal no caso. O contexto em que o ato foi praticado é relevan~
Janeiro denegou habeas corpus pedido anteriormente,140 Gerald Thomas impetrou novo
te para o enquadramento no tipo penal. O art. 233 do CP deve ser interpretado confor~
writ perante o STF, buscando trancar a ação penal. me a Constituição para excluir quaisquer outras interpretações que violem a liberdade
de expressão, em especial a liberdade de expressão artística e cultural.
138 É importante advertir que pornografia e obscenidade não são sinônimos de atividade artísticas, intelectuais ou
comunicativas que envolvam sexo e erotismo. Não há a menor dúvida de que os debates sobre sexualidade,
bem como as manifestações artísticas e culrurais que transitem por este domínio estão plenamente protegidas 4. UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO STF
pela liberdade de expressão. Felizmente, está ultrapassada a época em que, em nome de puritanismos, livros,
filmes e outras obras de arte podiam ser censurados pelo seu conteúdo mais "apimentado" ou por envolveram
questionamentos à moral sexual dominante. O debate hoje existente é outro: envolve aquelas obras que Após discorrer, no capítulo 2, sobre as premissas que dão suporte às liberdades de
não têm qualquer pretensão de transmitir ideias ou mensagens nem difundir informações, mas destinam-se expressão e de imprensa, e depois de expor, no capítulo anterior, como o STF tem tratado
tão somente a provocar a excitação sexual do seu público. Em nossa visão, a expressão corutitucionalmente
protegida não é apenas aquela que se volta à razão humana, mas também a que se destina a afetar os sentidos de temas relacionados a essas garantias constitucionais, é chegada a hora de subsumir os
das pessoas. Seja como for, o fato é que, por não envolver o debate de ideias ou a circulação de informações, casos à teoria. O propósito deste capítulo é revisitar as questões teóricas apresentadas no
a pornografia sirua-se na periferia do âmbito de proteção da liberdade de expressão, o que importa numa
proteção constitucionalmente mais fraca. É admissível, por exemplo, a regulação da pornografia nos meios capítulo 2, confrontando~as com as decisões comentadas no capítulo 3, para identificar
de comunicação social, com o propósito de proteção de crianças e adolescentes, e até mesmo a proscrição que aspectos teóricos precisam ser reforçados ou enfrentados de forma diversa pelo STF.
de certos conteúdos cuja produção envolva grave lesão a direitos fundamentais ou a outros interesses
constitucionais relevantes - e.g. filmes envolvendo zoofilia ou sadomasoquisrno extremo ~ sempre mediante Como se expôs, no capítulo 2, as perspectivas instrumental e substantiva das li~
um juízo de ponderação, calcado no princípio da proporcionalidade. berdades de expressão e de imprensa se completam e devem ser sempre levadas em
139 HC n2 83.996, ReI. p/acórdão Min. Gilmar Mendes, 2' Turma, j. em 17/08/04, DJ de 26//08/04.
140 Gerald Thomas sustentou que a denúncia setia inepta, porque: (i) a conduta seria atípica; (ii) o conceito consideração. Não obstante isso, pela análise da jurisprudência apresentada no capítulo
de ato obsceno seria relativo nos dias atuais; e (üi) a conduta não teria conotação sexual, represemando, na
verdade, seu desprezo pelas vaias recebidas. A Turma Recursal, no entanto, denegou a ordem postulada, por
entender que a conduta, em tese, seria típica e o elemento subjetivo reclamaria o exame de provas com o 141 Isso porque, durante a apresentação, uma das atrizes havia simulado ter-se masturbado no palco.
propósito de averiguar se teria havido a violação do bem jurídico protegido pelo tipo penal. 142 Não constam do acórdão os fundamentos expostos pelo Min. Celso de Mello em seu voto.
Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica Rafael Lorenzo,Femandez Knarz
As Uberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STP

I 3, parece,nos que o STF tem dado maior relevo à perspectiva instrumental. Em nossa per, ThoImis (HC nº 83.996), o STF se dividiu, embora o conteúdo da manifestação expres~
I! cepção, o Tribunal tem conferido maior proteção a essas garantias quando identifica que elas
estão relacionadas, de alguma maneira, com o desenvolvimento da democracia brasileira e
siva não justificasse, a rigor, tratamento mais severo. No caso do funk que supostamen-
te faz apologia de crime (HC nº 89.244), o STF não chegou a discutir se o conteúdo
I
com o exercício do autogovemo.143 Em sentido oposto, a Certe tem tolerado maiores restri, da manifestação justificava, ou não, a restrição. Já no caso Ellwanger (HC nº 82.424),
ções a essas liberdades, quando não vislumbra promoção imediata da democracia. olvidou-se o STF de desenvolver uma análise consistente sobre o risco real e iminente
Os casos que envolvem mais diretamente substantiva da liberdade de
a perspectiva de danos que as manifestações antissemitas propagadas poderiam causar. Todos esses
expressão ainda não foram devidamente equacionados pelo STF, o que reforça o argu' casos envolviam, em princípio, ideias impopulares não violentas, mas nenhum deles, no
mento de que essa perspectiva, em certa medida, tem sido deixada de lado pelo Tribunal. entanto, mereceu proteção do STF. Não se distinguiu, nesses casos, discurso e conduta,
A ADI nQ 2.404, que versa sobre a classificação de espetáculos públicos e envolve, dire~ embora talvez fosse importante tê-lo feito.
tamente, preocupações com a autonomia individual dos cidadãos, ainda não foi julgada.
O STF ainda não se pronunciou sobre a extensão da liberdade de expressão e de
A ADI nº 2.566, que versa sobre a proibição de proselitismo em rádios comunitárias,
imprensa às pessoas jurídicas. O caso da publicidade de produtos funúgenos será emble~
também não foi apreciada. Não obstante isso, ao julgar o pedido de liminar, o STF não
mático nesse sentido (ADI nº 3.311).
se preocupou com o aspecto paternalista adotado pelo Estado. Ou seja, não levou em
No que tange à eficácia horizontal, o STF tem atuado de forma contida em relação
consideração que os cidadãos estavam sendo impedidos de ouvir um determinado tipo
ao poder social exercido por particulares, embora o caso El1wanger (HC nº 82.424) seja
de manifestação. A ADI nº 3.311, que discute a constitucionalidade das restrições pa-
um exemplo em sentido contrário. Não obstante isso, na ADPF nº 130, o STF enfatizou
ternalistas impostas às fabricantes de produtos fumígenos, também não foi julgada até
a aplicabilidade direta e imediata da garantia constitucional em relação a terceiros.
o presente momento. Uma exceção foi o caso Gerald Thomas (HC nº 83.996), que
Por outro lado, os casos que chegaram ao STF até hoje envolvem sobretudo o
versava sobre obscenidade, no qual a preocupação foi, exclusivamente, com a dimensão
individual da liberdade de expressão do diretor teatral. enfrentamemo das liberdades de expressão e de imprensa como direitos negativos. As
Quanto à abrangência da liberdade de expressão e de imprensa, o STF tem sido recentes decisões proferidas na ADPF nº 130 e no RE nº 511.961 são exemplos que
mais restritivo do que deveria. Mensagens não violentas, que contrariam posições ma- evidenciam a preocupação do STF com a defesa desse status negativo, de imunidade
joritárias, foram e vêm sendo censuradas, às vezes de forma indevida. Mencione~se, frente ao Estado.l44 No que se refere à dimensão objetiva, é importante observar que, ao
novamente, a ADI nº 2.566, que vedou o proselitismo em rádios comunitárias. Não há indeferir a liminar postulada na ADI nº 2.566, o STF não levou em consideração o fato
qualquer razão para a imposição de restrições a esse tipo de conteúdo. No caso Gerald de que a suspensão dos dispositivos questionados poderia desempenhar um importante
papel na promoção da liberdade de expressão, viabilizando e conferindo voz ativa para
143 Vejam-se alguns exemplos que ajudam a ilustrar o ponto. Na ADI nº 869, em que se discutia a
que segmentos alijados do debate público dele pudessem participar. Com efeito, a restri-
constitucionalidade de norma do ECA que autorizava o juiz a suspender a programação ou a publicação de ção ao proselitismo em rádios comunitárias reduz a voz e as chances de acesso de uma
periódico, o Tribunal considerou a sanção contrária à ordem jurídica, porque sua imposição poderia prejudicar
o livre mercado de idem, atingindo conteúdos que não guardavam qualquer relação com a infração. Na ADI parcela da população que não dispõe de instrumentos para se comunicar.
nº 956, que envolvia a possibilidade de imposição de restrições à propaganda eleitoral, a preocupação do Quanto aos limites, o STF tem declarado, em reiterados julgados, que as liberdades
Tribunal era a promoção da democracia, e não com os conteúdos que poderiam ser excluídos do debate como
consequência da aplicação da norma restritiva. Nas ADI nº 3.741, em que se declarou a inconstitucionalidade de expressão e de imprensa não são absolutas. Não obstante isso, nos últimos casos, o
da proibição de divulgação de pesquisas eleitorais às vésperas do pleito, a principal preocupação do STF STF tem adotado um entendimento mais favorável em relação à liberdade de expressão,
foi com a fonnação de cidadãos bem informados para o exercício do direito de voto. Na ADPF nº 130,
que reconheceu a não recepção da Lei de Imprensa, quase todos os argumentos convergiram no sentido buscando, ainda de forma tímida, situá~la em uma posição privilegiada no ordenamento
de que a lei representava um empecilho à construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. No jurídico brasileiro. A ADPF nº 130 reflete bem essa nova visão que o STF vem deline~
caso Ellwanger (HC nº 82.424), que envolvia discurso de incitação ao ódio, a preocupação do Supremo
estava relacionada à preservação da democracia e do pluralismo no Brasil. A importância da liberdade de ando sobre o tema. No caso, embora não tenha afirmado, textualmente, que a liberdade
expressão individuai do editor racista foi praticamente deixada em plano secundário. No julgamento do
RE n2 511.961, que envolvia a exigência de diploma de jornalismo, uma das preocupações do STF foi a de
ampliar as possibilidades de acesso da população aos veículos de comunicação. Por fim, na recente decisão 144 No entanto, no julgamento da ADPF nº 130, os Min. Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa puseram ênfase na
liminar proferida na ADI nº 4.451, o STF também se mostrou preocupado com a abertura do debate público. dimensão objetiva, ou promocional, dessas garantias.
KaJaet Lorenzo~temandez Koatz
Direíws Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica
As Uberrlades de Expressáo e de Imprensa na JurisprmUncia do STF

I'
!: de expressão encontra~se em posição preferencial, o STF assinalou sua importância para se fixe o valor, Como já se disse, a possibilidade de restrição de direitos fundamentais é
a construção de uma sociedade democrática. decorrência da inexistência de direitos absolutos. Aqueles que entendem que o valor da
Por outro lado, a admissibilidade de restrições prévias à liberdade de expressão ain~ indenização não poderia ser pré~estabelecido pelo legislador adotam uma posição, data
da merece uma análise mais cuidadosa. Como se viu nos casos Globo x_Garotinho (Peti~ vênia, incoerente com o sistema de direitos fundamentais, atribuindo ao direito à inde~
ção nº 2.702) e Estadão (Reclamação nº 9.428), o STF não firmou um posicionamento nização um caráter irrestringível.
seguro, que sirva de norte para os tribunais inferiores. É preciso que o STF decida se é Por outro lado, sustentar que o legislador não poderia fazer uma pré~ponderação
possível adotar restrições prévias em casos excepcionais, desenvolvendo, se for o caso, dos bens em conflito é um argumento profundamente antidemocrático, que evidencia
standards para nortear essa restrição. um descrédito na lei e na vontade popular. Se o legislador não pode fazer pré~ponde~
A extensão das restrições legislativas admissíveis e as matérias sobre as quais rações, porque os juízes, que não são eleitos e não têm legitimidade democrática, po~
pode incidir ainda não se encontram definidas de forma clara. Como se disse, o Min. deriam fazê~lo?O fato de se outorgar ao legislador a possibilidade de realizar uma pré~
Carlos Ayres de Britto, em seu voto na ADPF n 130, sustentou Q
que as matérias pond~ração a respeito do tema não significa, obviamente, que os juízes deverão aplicar
essencialmente de imprensa. não poderiam ser limitadas por lei; apenas aspectos se~ a lei cegamente. As escolhas realizadas pelo legislador estarão sujeitas, sempre, à revisão "--
cundários, como o direito de resposta, poderiam ser disciplinados pelo legislador. Já judicial. Nesse caso, no entanto, o ônus argumentativo deverá ser maior, Ou seja, su~
o Min. Gilmar Mendes registrou, na ADPF no 130 e no RE n 511.961/SP, que são Q perar a regra jurídica demanda a apresentação de argumentos razoáveis que justifiquem
admissíveis restrições legais à liberdade de expressão, desde que visem a promover a desconformidade do caso concreto com as escolhas prévias realizadas pelos legítimos
outros valores e interesses constitucionais também relevantes, e respeitem o princí~ representantes do povo.
pio da proporcionalidade. Esse é um tema que precisa ser definido, até mesmo para Alega~se, ainda, que os valores fixados em lei tendem a se defasar,e a se tomar ir~
nortear a atividade legislativa estatal. Uma coisa, no entanto, é certa. O direito de risórios com o tempo. Esse é um argumento inconsistente, na medida em que os valores
resposta pode ser objeto de lei. poderão ser atualizados monetariamente, por índices oficiais.
Uma derradeira preocupação, que não tem sido levada em conta, envolve a O risco de análise de custo x benefício evidentemente não pode ser desconsiderado.
seguinte questão: a condenação de um veículo de comunicação ao pagamento de Entretanto, esse risco não é de todo afastado pela ir~existência de parâmetros legais.
elevada quantia a título de indenização por danos morais pode caracterizar uma Basta ter em conta que os casos são públicos e estão todos acessíveis ao conhecimento
forma de censura? Dependendo do valor da indenização e das condições econômicas dos cidadãos. Nada impede, portanto, que os veículos de comunicação elaborem plani~
da empresa, a resposta é evidentemente afirmativa. Com efeito, a fixação de valores lhas ou realizem cálculos, considerando as maiores e as menores indenizações conferidas
estratosféricos a título de danos morais tem um potencial silenciador enorme.145 Daí pelos tribunais, para realizar análise semelhante.
ser necessária uma nova reflexão a respeito da alegada (im)possibilidade de tarifação Afi.rma~se,por outro lado, que é impossível condensar em uma lei os fatos da vida
do dano moral. Os argumentos contrários à tarifação são, em nossa visão, insubsis~ cotidiana que podem gerar danos morais, de modo que reduzir as causas de dano moral a
tentes. Senão vejamos. algumas categorias restringiria sua reparação. Desse modo, sustenta~se que é melhor que
Não há dúvida de que a Constituição de 1988 assegura ampla reparação ao dano os magistrados, à luz do caso concreto, analisem se houve ou não dano moral. Embora
moral. Isso não significa, contudo, em nossa visão, que a lei não possa estabelecer limites essa afirmação seja correta, nada impede que o legislador se valha de algumas cláusulas
ao valor da indenização. A Constituição assegura ampla reparação, mas não impede que abertas e conceitos jurídicos indeterminados para permitir que o aplicador subsuma um
caso peculiar a uma determinada hipótese de incidência prevista em lei.
145 No voto que proferiu na ADPF nQ 130, Gilmar Mendes manifesrou a mesma posição. Veja~se: "(. .. ) ",amos ser Aduz~se, ainda, que a técnica da ponderação oferece subsídios suficientes para o
honestos, no caso esped/ico da Ulrifa [dano moral], não podemos dizer, necessariamente, que aquelas tarifas poderiam
ser inconstitucionais, mas não qualquer tarifa, porque nós sabemos, e o Ministro Celso de Mello já o disse bem, que os
correto equacionamento do problema, O argumento é parcialmente verdadeiro. Embora
riscos também da mídia são enormes neste caso. Nós podemos ter sanções pecuniárias que podem representar, aí sim, seja possível solucionar o caso pela aplicação da ponderação, nem sempre haverá isono~
uma ameaça à liberdade de imprensa. Elas podem vir a sucumbir pela opressão financeira a partir de uma sistemática
condenação, Caso recente, eJ1'1!Olvendo a FolJw de São Paulo, faz bem lembrar isso,"
mia. E isso justifica que se privilegie as soluções legislativas,
Direitos Fundamentais tw Supremo Tribunal Federal: Balançº e Critica r Rafael Lorenzo-Fernandez Koatz
I
I .As Liberdaàes de Expressão e de Imprensa na]urisprudência do STF

Sustenta-se, por fim, que a jurisprudência já fixou standards para nortear o intér- I
t
como visto, em inúmeras decisões que, cada vez mais, levam em consideração a necessi-
dade de proteção desses direitos fundamentais.
prete no arbitramento do dano moral.146 Quem defende esse argumento .'esquece-se,
todavia, que os parâmetros desenvolvidos pela doutrina não têm se mostrado suficientes Desde a promulgação da Constituição de 1988, o STF deu importantes passos em
para permitir a aferição e o controle dos argumentos util4ados para justificar os.valores
arbitrados. Os juízes nem sempre esclarecem, de forma objetiva, como aplicam esses
critérios. A ausência de parâmetros seguros, que permitam a identificação dos riscos
I! defesa das liberdades de expressão e de imprensa. Mas é preciso avançar mais_Na medi-
da em que nos distanciamos historicamente da ditadura militar que assolou o País, corre-
mos o risco de esquecer o que significa ausência de liberdade, o que representa a censura
envolvidos com o negócio, tem levado os magistrados a arbitrarem valores elevados, e os graves danos que ela causa.147 Por isso, é importante que estejamos sempre vigilantes
díspares e, porque não dizer, até mesmo aleatórios, causando insegurança jurídica e, pior, em sua defesa. As liberdades de expressão e de imprensa são fundamentais não só para o
desigualdade entre as pessoas lesadas. desenvolvimento da democracia, como também da própria autonomia individual. Essas
Há, ainda, um derradeiro argumento, metajurídico, que justifica a revisão do en- garantias precisam se solidificar na sociedade brasileira. E o STF não só pode como deve
tendimento quanto à impossibilidade de fixação legal do valor devido em caso de viola- continuar desempenhando importante papel nesse processo de consolidação.
ção extrapatrimonial dos direitos da personalidade: o Brasil é um dos países onde mais
se processam jornais e jornalistas. Apesar de isso poder estar relacionado à qualidade de
nosso jornalismo, que, em alguns casos, é realmente muito ruim, o fato é que a quantida-
de de ações existentes também demonstra como, no Brasil, as demandas indenizatórias
são utilizadas para intimidar os veículos de comunicação e os jornalistas. Nesse contex-
to, sendo um dos mais caros direitos para a formação de uma sociedade verdadeiramente
democrática, a liberdade de expressão deve gozar de uma posição privilegiada no orde-
namento jurídico. Possibilitar que o legislador escolha e arbitre, previamente, os valores,
privilegia justamente esse aspecto.
Pelas razões expostas, entendemos que a fixação de critérios legais para o arbitra-
mento do valor da indenização por danos morais se mostra mais do que possível; é verda-
deiramente necessário para acabar com esse estado de incerteza gerado pela inexistência
de parâmetros seguros para o seu arbitramento.

5. CONCLUSÃO

Ao longo deste estudo, buscamos revisitar a jurisprudência do STF sobre liberda-


de de expressão e de imprensa, para identificar como o tema vem sendo por tratado.
De toda a análise empreendida anteriormente uma coisa resta muito clara: o Supremo
Tribunal Federal é hoje um dos tribunais constitucionais que mais se importam com as
liberdades de expressão e de imprensa no mundo. Essa preocupação tem-se refletido,

146 Alguns parâmetros normalmente sugeridos pela doutrina e corroborados pela jurisprudência são os seguintes: 147 Clemerson Merlin Cih-e salienta que "(. .. ) periodicamente a temação da censura reaparece, de maneira
(i) o montante deve ser suficienre para compensar o dano sofrido, sem constituir fonte de enriquecimento sorrateira, de modo mamo, quase impercept(vel, no contexto de regimes democráticos e, mai.5, supostamente para
ilícito para o lesado; (ü) a maçâo do quantum indenizatório deve levar em consideração a capacidade a defesa de vaiare.! comunitários ou consensualmente companilJuu1os". Por essa razâo, devemos estar atentos a
econômica do ofensor e do ofendido; (iii) o dano moral deve ter viés punitivo-pedagógico, de forma a todas as formas veladas de censura e repudiá-las com veemência. (eLEVE, Clêmerson Merlin. liberdade de
desestimular a prática de condutas lesivas. Expressão, de Informação e Propaganda Comercial. OlJ. cit., p. 220).

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