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Coleção Ouvido Musical
Arthur Dapieve
BERGER
O ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 380
editoralB34
EDITORA 34
Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34:com.br
Dapreve, Arthur
D222b BRock: o rock brasileiro dos anos 80 / Arthur Dapieve. —
Rio de Janeiro : Ed, 34, 1995
224 p. (Coleção Ouvido Musical)
ISBN 85-7326-008-4
Inclus discografia
CDD - 784,5400981
95-1954 CDU - 784.4(81)
Para Iza e Marianna
. PARALAMAS DO SUCESSO
— ALAGADOS, TRENCHTOWN, FAVELA DA MARÉ .....ccccceseseseneneesaneno
« TITÃS — UM POR OITO (OU NOVE), NOVE (OU OITO) POR UM ..........
PUDERA EA RIGOR = AGENTE PROVOCADOR &hpiecasianstanesto sstiasennnsad
DRIVE —— BENTRENDANIA A DRASILUIRA acerto tios ria mio ei adia e meia
10. LEGIÃO URBANA == BRASÍLIA ET VORDIS rolo nota nai cidoams SÉ «vp E
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Prólogo
VERÃO DE 1982
80 9
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
que tal pôr no picape “Master of reality”? Não, não, melhor sacar da
estante “Never mind the bollocks — Here's the Sex Pistols” e escutar Johny
Rotten rir da nossa cara: “No future, no futuure, no futuuure for you...”
Joãozinho Podre está certo.
Melhor virar na cama e dormir.
Mas aí, no meio do sonho, aparece alguém dizendo “você não sou-
be me amar”.
10 Arthur Dapieve
l.
MAUS ANTECEDENTES
es Arthur Dapieve
Paralelamente à Jovem Guarda e ao Tropicalismo, o mainstream da
MPB continuava dando as cartas. Fosse através da vetusta Bossa Nova
de João Gilberto, Tom Jobim e Carlos Lyra. Fosse através da música “dos
festivais” de Chico Buarque, Elis Regina e Jair Rodrigues. Fosse, ainda,
através das canções de protesto — absolutamente necessárias num país
cada vez mais sufocado pelo regime militar — de Geraldo Vandré. Nesse
contexto, o rock era considerado duplamente, na forma e no conteúdo,
vassalo do imperialismo ianque. Já não era nem visto com a benevolên-
cia de outrora, benevolência do tipo que se usa ao lidar com crianças e/
ou débeis mentais. O rock, até que enfim, começava a ser visto como
perigoso (rock inofensivo é uma contradição em termos).
Curiosamente, quem primeiro viu o rock como inimigo não foram
os generais, mas os universitários. Num mundo estreitado pelo maniqueís-
mo esquerda/direita, não havia lugar para uma música que desse conta
da complexidade do Brasil: quem não estava engajado em canções de
protesto ou pesquisas “de raiz” estava alienado, estava jogando contra.
Gil e Caetano Veloso à frente, o Tropicalismo foi agrupando poetas (Ca-
pinam e Torquato Neto), outros músicos (Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão
e Os Mutantes) e um maestro (Rogério Duprat) afinados tanto com a
guitarra elétrica quanto com o berimbau. Foram exatamente esses nomes
que posaram na capa do LP-manifesto “Tropicália ou Panis et circencis”
(1968). Mesmo que nele a linguagem predominante não fosse o rock —
havia samba e bolero —, a postura grupal era roqueira, sem dúvida.
Na noite de 15 de setembro daquele ano, Caetano romperia defini-
tivamente com a esquerda universitária. A platéia “politizada” presente
à eliminatória paulista do 3º Festival Internacional da Canção, promovi-
da pela TV Globo no Tuca (Teatro da Universidade Católica), vaiou im-
piedosamente a música “É proibido proibir”, que o baiano apresentava
junto com os Mutantes, embora a letra coletasse pichações feitas nos muros
parisienses durante o célebre maio dos protestos estudantis contra o ge-
neral-presidente Charles De Gaulle. “Vocês não estão entendendo nada,
nada”, lamentou Caetano ao microfone. Os militares brasileiros, no en-
tanto, já estavam começando a entender o componente subversivo do
Tropicalismo.
Quando Gil e Caetano foram presos no dia de Natal de 68, o movi-
mento se desintegrou. Foi cada qual para o seu lado, manter vivo O espi-
rito da coisa. Quem era da MPB nela se mimetizou. Quem era do rock
(ou seja, os Mutantes) foi expandir consciências entre Os alienados. Os
e
Mutantes eram Rita Lee Jones e dois irmãos Dias Baptista, Arnaldo
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Sérgio. Trabalhando nos bastidores do grupo havia outro Dias Baptista,
Cláudio, misto de luthier e técnico de eletrônica, responsável pelos ins-
trumentos e pela aparelhagem do grupo. Deixando de ser mero apoio para
os papas tropicalistas, eles haviam gravado seu primeiro LP naquele mesmo
agitado 1968. O disco, intitulado simplesmente “Os Mutantes”, prova-
va que um grupo de rock apaixonado pelos Beatles pós-“Revolver” po-
dia assimilar a linha evolutiva da MPB — Gil & Caetano (“Panis et cir-
censis”) ou o suingado jovem-guardista Jorge Ben (“Minha menina”), por
exemplo — sem deixar de ser roqueiro. Ou seja: pulava um galho além
na árvore genealógica do BRock.
No ano seguinte, “Mutantes” potencializava o sucesso da fórmula
rock + MPB = escracho através de músicas como “2001” (parceria do trio
com Tom Zé, música viajante-espacial aberta por uma dupla sertaneja),
“Banho de Lua” (aquela mesma versão de Fred Jorge popularizada por
Celly Campello dez anos antes) e “Caminhante noturno”, entre outras.
Ainda em 1969, os Mutantes se tornavam uma família — Rita e Arnaldo
se casaram — agregaram novos membros — o baixista Arnolpho Lima
Filho, o Liminha, que viria a ser o produtor-mor do rock brasileiro nos
anos 80, e o baterista Ronaldo Leme, o Dinho — e deram espaço para a
mulher da casa gravar seu primeiro disco solo — “Build up”, produzido
por Arnaldo.
Os três discos gravados por Rita-Arnaldo-Sérgio-Liminha-Dinho, “A
divina comédia ou Ando meio desligado” (1970), “Jardim elétrico” (1971)
e “Mutantes e seus cometas no país do Baurets” (1972), confirmariam o
grupo como primeiro de rock brasileiro no sentido exato da expressão.
Músicas como “Meu refrigerador não funciona”, “It's very nice pra xuxu”,
“Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock and
roll? e “Balada do louco” imediatamente se tornariam clássicos do bra-
ailian way of rock 'nº roll, modelos perseguidos por dezenas de novos
grupos nativos. No futuro, o extemporâneo som dos Mutantes se torna-
ria cult até no exterior, fascinando gente como Jello Biafra, líder da ban-
da punk americana Dead Kennedys.
Em 1972, afastada dos rumos progressivóides tomados pelo traba-
lho dos Mutantes, Rita Lee gravou seu segundo disco solo (“Hoje é o
primeiro dia do resto de sua vida”, bandeiroso, não 2), se separou de
Arnaldo e formou o Tutti Frutti, junto com Lucia Turnbull, Lee Marcucci
e Luiz Sérgio Carlini. Com o tempo, no entanto, sua carreira se afastaria
do bom e velho rock *n” roll. Rita perdeu, portanto, a chance de ser a
matriarca da geração 80 (quando surgiu, tudo o que esta não queria era
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Arthur Dapieve
Os Mutantes: num galho além na árvore genealógica do BRock
“Mania de você” ou “Lança-perfume”). Da Rita solo, contudo, ficaram
clássicos do rock setentista, como “Mamãe natureza”, “Ovelha negra”e
“Arrombou a festa”.
Sem Rita, os quatro remanescentes dos Mutantes ainda gravaram,
em 1973, o álbum “O A e o Z”, que afundava ainda mais no excesso de
pretensão que já dera as caras em “No país do Baurets” — mas isso O
ouvinte só constataria quando o disco finalmente foi lançado, em CD, 19
anos depois. Pouco após a gravação de “O A eo Z” foi a vez de outro
sócio-fundador, Arnaldo, pedir o boné. Fora dos Mutantes, enfrentando
crises depressivas que resultariam numa tentativa de suicídio, a 1º de janei-
ro de 1982, ele só gravaria mais quatro discos: o genial e sombrio “Loki?”
(1974), “Faremos uma noitada excelente...” (1978, mas só lançado em
1987, gravado ao vivo, à frente da banda Patrulha do Espaço), o pungente
“Singin” alone” (1982) e “Disco Voador” (1987). Uma lástima.
Sérgio Dias persisitiu com o nome Mutantes. Manteve Liminha e
recrutou o tecladista Túlio Mourão e o baterista Rui Motta. Com eles
gravou “Tudo foi feito pelo sol” (1974). Dessa segunda formação, man-
teve Rui, trocou Túlio por Luciano Alves e Liminha por Paul Castro. Com
eles gravou “Mutantes ao vivo” (1976). Ambos os discos muito, muito
chatos, sufocados pelo egocentrismo dos virtuoses e congelados pelo amor
a Yes, Emerson, Lake & Palmer e quejandos. Os Mutantes de Sérgio ain-
da experimentaram uma fase carioca, suportada pelo baixista Antônio
Pedro Fortuna (futuro Blitz) e encorajada pelo tiete e também guitarrista
Lulu Santos. Mais tarde, na década de 80, o guitar hero foi se masturbar
artisticamente nos Estados Unidos, eventualmente caindo de pau no que
considerava a precariedade técnica do BRock.
No final da década de 60, siderados pelos Mutantes, outros grupos
se formaram com o intuito de dar ao rock brasileiro o status de arte. De
todos, o mais insistente foi o Terço que, aos trancos e barrancos, mas
sempre gravitando em torno do guitarrista Sérgio Hinds, sobrevive até
hoje. O auge de sua carreira progressiva, entretanto, aconteceu em 1975,
com o lançamento de seu terceiro LP, “Criaturas da noite”. O submundo
dos filhos do Pink Floyd congregava ainda A Bolha (antigo The Bubbles
nos salões de baile), Veludo, Som Nosso de Cada Dia, Bixo da Seda, Bar-
ca do Sol, Moto Perpétuo, Peso e Vímana, entre outros. Seria deste últi-
mo, do qual faziam parte Lulu Santos, Lobão e Ritchie, que a rigor nas-
ceria o rock brasileiro dos anos 80. Nada a ver com o trabalho do grupo:
como seus colegas de geração, o Vímana pouco se interessava por letras
ou por alcançar o grande público. Numa época em que mesmo um disco
18 Arthur Dapieve
dos Rolling Stones não vendia mais de cinco mil cópias no Brasil, qual-
quer teatrinho lotado bastava para manter acesa a chama. Ainda não seria
da fornada Mutantes/demais progressivos que o BRock iria vingar.
No entanto, por baixo do glacê esotérico dos teclados, o rock “n” roll
ainda pulsava. E o patriarca do BRock sairia do lugar mais improvável:
da Bahia, terra de Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano, Gil e folclo-
rismos mil. Vizinho do consulado americano em 1957, ano de “Semen-
tes da violência”, o moleque soteropolitano Raul Seixas descobriu Bill
Haley e Elvis Presley. Dois anos depois formou uma banda de baile, The
Panthers, que, mais tarde, já como Os Panteras, se tornaria a locomotiva
da Jovem Guarda baiana. Em 1967, Raul desceu a ladeira do Pelourinho
e foi parar no Rio de Janeiro, onde, no ano seguinte, gravou seu primeiro
LP, “Raulzito e Os panteras”. O fracasso o levou à produção. O silêncio
nos estúdios só seria quebrado em 1971, com um disco esquisitíssimo,
“Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta sessão das 10”, dividi-
do com Miriam Batucada, Sérgio Sampaio e Edy Star, disco que termina-
va com uma descarga de privada (cinco anos depois os Sex Pistols encer-
rariam “Never mind the bollocks”com um peido, gerando igual como-
ção). “Sociedade...” logo desapareceu. Raul não.
Em 1972, ele classificou duas músicas no 7º Festival Internacional
da Canção: “Eu sou eu, Nicuri é o diabo” e “Let me sing, let me sing”.
Durante um dos ensaios, no Maracanãzinho, um recém-aterissado tiete
inglês dos Mutantes, Richard David Court, ou simplesmente Ritchie, as-
sistiu à performance de Raul e pensou estar delirando com algum ácido.
A partir deste FIC, Raul se tornaria um ponto de referência, tanto para
aqueles que insistiam em fazer rock *n” roll no Brasil quanto para aqueles
que insistiam em ouvir no ritmo as trombetas do apocalipse musical lo-
cal. Raul fazia rock “n” roll temperado por seu sotaque nordestino, com
os pés na Terra e não em algum outro planetóide, menos hermético em
seu misticismo do que os grupos progressivos.
No ano seguinte, Raul lançou seu primeiro LP à vera, “Krig-ha, Ban-
dolo”, que trazia “Ouro de tolo”, “Metamorfose ambulante”, “Al Ca-
pone” e “Mosca na sopa” — o bastante para emparelhá-lo a “Loki?”,
de Arnaldo Baptista, na disputa pelo título de melhor disco do proto-
BRock. Tomando como parceiro o mago Paulo Coelho, o roqueiro baiano
embicou rumo à Sociedade Alternativa e saiu colecionando hits como
“Gita” (1974), “Tente outra vez” (1975), “Eu nasci há 10 mil anos atrás”
(1976) e “O dia em que a Terra parou” (1977). Veio uma fase de fiascos,
problemas mentais e de saúde — e Raul só voltou às paradas com “Ca-
20 Arthur Dapieve
No final dos anos 70, o BRock era aguardado como se aguarda um
messias. Bastava um grupo acima da média, melhorzinho, pôr a cabeça pra
fora que logo os roqueiros brasileiros saíam em peregrinação, levando-lhe
ouro, incenso e mirra. Duas bandas foram responsáveis por rebates falsos:
quando apareceram foram saudadas com um “até que enfim o rock brasi-
leiro deu as caras”. A primeira foi A Cor do Som, na verdade um subproduto
dos Novos Baianos velhos de guerra. Armando Macedo (guitarra), Eduardo
de Carvalho (o Dadi, baixo), Maurício de Carvalho (o Mu, teclados), Gusta-
vo Schroeter (bateria) e Ari Dias (percussão) cruzavam em seus currículos
rock, chorinho e ritmos afro-baianos. Essa mestiçagem era saborosa, como
atesta o primeiro LP, “A Cor do Som”, de 1978. Apadrinhado por Moraes
Moreira, o quinteto chegou ao Festival de Montreux, onde gravou ao vivo
seu segundo disco. Música instrumental brasileira de primeira linha.
A pressão para que eles passassem a cantar — e, consequentemente,
a vender mais discos — foi tamanha que já no terceiro LP a vaca ia pro
brejo. Com a mídia marcando por pressão, “Frutificar” era uma super-
produção maquiada e artificial, sem o viço dos dois primeiros trabalhos.
Verdade que fez um baita sucesso, puxado pelas faixas “Beleza pura” (de
Caetano) e “Abri a porta” (de Gil e Dominguinhos). Mas se tornara ma-
cumba para turista. Em 1980, o álbum “Transe total” radicalizava essa
opção preferencial pelo dinheiro em faixas como “Palco”, de Gil. Daí em
diante, com discos cada vez mais fracos e com a saída de Armandinho
(substituído por Victor Biglione, que depois cedeu o lugar a Perinho San-
tana), A Cor do Som se arrastou até meados da década de 80. Acabou e
ensaiou uma volta em 1994,
A outra banda a dar um rebate falso foi a mineira 14-Bis. Seu pri-
meiro LP, “14-Bis”, de 1979, era tão bom que muita gente boa viu em
Flávio Venturini (teclado e voz), Cláudio Venturini (guitarra e voz), Sér-
gio Magrão (baixo), Vermelho (teclados) e Heli Rodrigues (bateria) a
renascença para a vida eterna do rock brasileiro. “A música do 14-Bis é
aquela que eu e você queríamos ter ouvido em 71/72, lembra? (...). Ago-
ra, oito anos depois, essa música é real, palpável e foi melhorada, decan-
tada, polida. Uma espera que, mesmo doída e angustiante, valema pena”,
escrevia o jornalista José Emílio Rondeau na revista “SomTrês” de de-
zembro de 79. Realmente o disco era entusiasmante. “Perdido em Abbey
Road”, “Natural”, Cinema de faroeste” e “Canção da América” (de Mil-
ton Nascimento e Fernando Brandt) eram bons augúrios.
O segundo disco, entretanto, era de preocupar. Uma ou outra faixa
a»
(como “Bola de meia, bola de gude”) mantinha o astral mas, no todo,
80 pi
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
fórmula parecia exaurida e aqueles vocais assexuados, tudo, menos rock.
O terceiro,” Espelho das águas”, de 1981, desfazia de vez as ilusões dos
mais otimistas — mas este, ao menos, saiu quando o BRock já botava as
manguinhas de fora. O 14-Bis atravessou a década mas se tornou apenas
uma facção à esquerda do Clube de Esquina. Nada mais. Com essa árvo-
re genealógica não dava para se esperar a consolidação artística e comer-
cial do rock brasileiro. Desse tronco jamais sairiam novos galhos. Curio-
samente seria o equivalente nativo ao movimento punk que transforma-
ria o BRock em establishment. Uma dessas ironias da História. Graças a
Deus ela tem senso de humor.
ua Arthur Dapieve
ah
PINTA UM CLIMA
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
A despeito desse quadro de crise comercial e criativa, a MPB entrou
a década se autocelebrando, como era do seu feitio, em festivais promo-
vidos por redes de TV. Após quatro eliminatórias, o MPB-80, da Globo
e da Associação Brasileira de Produtores de Disco, lotou o Maracanãzinho
na noite de 23 de agosto de 1980 com 23 mil pessoas que viram Oswaldo
Montenegro ganhar o primeiro lugar cantando “Agonia”, composição de
Mongol (nome da música e do autor não podiam ser mais sugestivos). Em
segundo lugar ficou Amelinha, com “Foi Deus que fez você” (de Luiz
Ramalho) e em terceiro, Raimundo Sodré, com “A massa” (dele e de
Antônio Jorge Portugal). Suspeitava-se de que Amelinha cantava um plágio
do fado “Foi Deus” e tinha-se certeza de que Raimundo lembrava um
pouco demais o jovem Gilberto Gil. Mas ninguém se preocupou muito
com isso, nem com a consagração de Montenegro, que, no ano anterior,
pegara um terceiro lugar no festival da Tupi, com “Bandolins”, de longe
a favorita do público.
Entre as 20 finalistas do MPB-80, somente uma, “Nostradamus”, de
Eduardo Dusek, era vagamente roqueira, não no som, mas na postura.
Dusek entrava no palco de calção, casaca e asinhas de anjo para cantar
ao piano uma hilariante balada apocalíptica que atingia seu clímax na es-
trofe “O dia ficou noite/ O sol foi pro além/ Eu preciso de alguém/ Vou
até a cozinha/ Encontro Carlota/ A cozinheira/ Morta!/ Diante do meu
pé, Zé!/ Eu falei, eu gritei/ Eu implorei:/ Levanta!/ Me serve um café/ Que
o mundo acabou”. Em novembro e dezembro daquele ano, Dusek gra-
varia seu primeiro LP pela PolyGram, o divertidíssimo “Olhar brasilei-
o”, que, no entanto, não escapava ao inchaço da MPB. “Nostradamus”,
por exemplo, reunia o autor, 25 músicos e uma orquestra de cordas.
O festival MPB-81 não foi muito diferente. Lucinha Lins, sob vaias, .
ganhou com “Purpurina” (de Jerônimo Jardim). Guilherme Arantes, sob
aplausos, ficou em segundo com sua “Planeta água”. E Almir Guineto,
em terceiro, com sua “Mordomia”. Na noite de 11 de setembro de 1981,
também passaram pelo palco do Maracanãzinho, entre outros, Arrigo
Barnabé, Walter Franco, Kleiton & Kledir, Oswaldo Montenegro (como
compositor de “Estrelas”, defendida por José Alexandre) e Oswaldo Mon-
tenegro (como violonista de “Atalhos”, de Mongol). Entretanto, dessa vez
o roqueiro brasileiro tinha por quem torcer. Em vão, é verdade, mas tor-
cer. Pelos performáticos Gang 90 & As Absurdettes, Júlio Barroso à frente,
e sua niú-uêive “Perdidos na selva”
Júlio Barroso era um jornalista carioca fissurado por música em ge-
ral. Em meados dos anos 70, ele editara a revista “Música do Planeta
24 Arthur Dapieve
Terra”, que tinha entre seus colaboradores Caetano Veloso e Gilberto Gil.
No final da década, Júlio estava, como Lulu Santos e Paulo Ricardo Me-
deiros, colaborando com a “SomTrês”. Em artigos avulsos e em sua co-
luna “Toda taba ateia som”, ele chamava a atenção para a sofisticação
da música eletrônica e para a vitalidade da música negra, sobretudo o
reggae, e se fascinava com a new wave anglo-americana. De Nova York,
vinha seu aviso no “Jornal do Disco” de fevereiro de 81: “Não existe nada
de novo, existe tudo sendo feito de maneira nova, velhos riffs renascidos
através da paixão criativa dos que vivem o tempo de agora, apaixonada-
mente. Nós sabemos que não existe nenhuma onda nova, new wave. Mas
uma onda permanente. Mente mutante.”
De volta ao Brasil, encorajado pelo amigo Nelson Motta, e decidido
a pegar a História nas mãos, Júlio agendou uma performance, “Perdidos
na selva”, na casa onde trabalhava como disc-jóquei, a Paulicéia Desvai-
rada. Deu tão certo que ele, sua irmã Denise (a Lonita Renaux), Herman
Torres, a holandesa Alice Gwendolyn (a Alice Pink Punk) e Maria Elisa
Capparelli Pinheiro (a May East), ou seja a Gang 90 & As Absurdettes,
decidiram levar a idéia adiante. Se apresentaram na Lira Paulistana, em
São Paulo, e no Morro da Urca, no Rio. E no MPB-81. O Brasil, contu-
do, ainda não estava preparádo para a década de 80 e Júlio Barroso vol-
tou para Nova York. No tempo em que esteve lá, uma banda muito pa-
recida com a Gang 90, a Blitz, conseguiu furar o bloqueio anti-roqueiro
e estourar de Norte a Sul.
Novamente no Brasil, Júlio se animou a retomar o projeto com pra-
ticamente o mesmo time, incluindo e Alice Gwendolyn, sua paixão, e
Taciana Barros, sua mulher. Dessa vez, com as gravadoras à cata da
“nova Blitz”, ele conseguiu um contrato com a RCA, pela qual gravou
o LP “Essa tal de Gang 90 & As Absurdettes”, lançado em 1983. À in-
clusão da faixa “Nosso louco amor” na trilha da quase homônima no--
vela da Globo, “Louco Amor”, deu ao grupo seu maior sucesso comer-
cial: um compacto com quase 100 mil cópias vendidas. Os problemas de
Júlio com bebidas e drogas, entretanto, acabaram desembocando numa
tragédia. Na noite de 6 de julho de 1984, aos 30 anos, ele caiu (nesse
caso, um acesso de vômito causado pelo processo de desintoxicação o
teria levado direto da cama rente à janela para o vazio) ou pulou (nesse
caso, jamais se saberá exatamente o porquê, nunca se sabe) do seu apar-
tamento no 11º andar de um edifício na Rua Conselheiro Brotero, no
bairro paulistano de Santa Cecília. No dia seguinte a Gang 90 & As
Absurdettes tinha um show marcado na boate gay Val Improviso.
80 27
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
e Ratos de Porão. Dos subúrbios, Coquetel Molotov, Eutanásia e Descarga
Suburbana. Da Zona Sul, a participação especial de um jovem trio new
wave simpatizante, Os Paralamas do Sucesso, encorpado por membros
de outra banda praiana, o Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens. A noi-
te foi um sucesso de público e de crítica. A partir dela, o grande público
descobriu que também no Rio o movimento punk era um fenômeno da
periferia, que se manifestava basicamente em dois pontos da cidade: uma
pista de skate em Campo Grande, na Zona Oeste, e uma gafieira, a Dan-
cing Méier (onde uma tabuleta anunciava a Dancy Méier), que, um do-
mingo por mês, reunia uma centena de punks ao som de bandas locais.
Na Zona Sul, os points era barzinhos, como o Western Club, no
Humaitá, o Let it Be, em Copacabana, e o Emoções Baratas, em Botafogo.
Neles, no começo dos anos 80, ouvia-se o elo perdido entre o rock que
rolara antes e o rock que rolaria depois. Pegue-se um grupo como o Aci-
dente, por exemplo. Já a partir do nome artístico de seu líder — o tecladista
Paulo Malária — podia-se farejar ares punk. Músicas com títulos como
“Assassinato de Trotsky” ou “A sua mãe morreu” pareciam confirmar
essa filiação. E, nos shows, Malária, botafoguense doente, ameaçava quei-
mar uma camisa do Flamengo, no que sempre era teatralmeénte impedido
por algum outro membro da banda. Mas, se a atitude era punk-debochada,
a música repisava a mesma trajetória do rock brasileiro até então, mistu-
rando um pouquinho de hard rock, outro tanto de progressivo, pitadas
de country e blues.
Contudo, quando o Acidente conseguiu lançar seu primeiro LP in-
dependente, “Guerra civil”, no final de 1981, a mídia não deixou passar
em branco. Escrevendo sobre o disco na “SomTrês”de janeiro de 82, a
jornalista Ana Maria Bahiana imaginava o que passava pela cabeça dos
integrantes do grupo: “Olha, foda-se a MPB, nós gostamos mesmo é de
rock *n” roll, nós só ouvimos rock'n'roll a vida toda, então é isso que nós
sabemos e queremos fazer (...) a gente tá é puto da vida com o jeito que
as coisas estão, com a hipocrisia, com a safadeza, com as empulhações e
tá é louco para falar uma porrada de coisas a respeito, desse modo aí que
a gente gosta”.
Essa “ideologia” adivinhada por Bahiana valia não só para o Aci-
dente (que, outros quatro discos independentes lançados, está vivo até
hoje como uma banda de rock... progressivo!) como também para os con-
temporâneos dele naqueles míticos barzinhos. Valia para bluesmen como
Zé da Gaita (“O suburbano”) e Celso Blues Boy (“Aumenta que isso aí
é rock “and” roll”). Valia para um grupo new wave inglês como o The
Arthur Dapieve
Way, de Jonno Sullivan (“I don't care”). Valia para um grupo de hard
rock assetentado como o Sangue da Cidade, do guitarrista Di Castro e
do vocalista Sérgio Vid Vidal (“Brilhar a minha estrela”). Valia para um
grupo funky como o Brilho da Cidade posteriormente Brylho, de Arnaldo
Brandão (“Noite do prazer”). Valia para um grupo de rock progressivo
como o Bacarmarte, de Mário Neto (“Último entardecer”). Valia, ain-
da, para um velho/novo conjunto rockabilly como o João Penca & Seus
Miquinhos Amestrados.
Velho porque nasceu em 1972, no playground do edifício Jacumã,
no Leblon. Nele, os irmãos Marcelo e Cláudio Knudsen reuniam adoles-
centes igualmente fissurados por rock das décadas de 50 e 60 para infin-
dáveis ensaios de uma banda primeiro batizada de Zoo, depois de Anos
60 e, por fim, de João Penca & Seus Miquinhos Amestrados. Sua princi-
pal diversão era fazer versões infiéis e esculhambadas de velhas canções.
“Ring around your neck”, por exemplo, deu em “A louca do Humaitá”.
Mas entre 1975 e 1976 o vestibular e o rock progressivo acabaram com
a festa. Novo porque os amigos se reagruparam no final dos anos 70, re-
forçados por um cantor e guitarrista goiano chamado Leo Jaime. Leo co-
meçou a compor para e com os Miquinhos — Marcelo Knudsen (nome
artístico, Bob Gallo), Cláudio Knudsen (Nebuloso Cláudio, The Killer),
Leandro Verdeal, Guilherme Ricardo (Hullygully), Sérgio Abreu (Selva-
gem Big Abreu), Luís Carlos Avelar (Avelar Love), Mauricio Rosa Fer-
nandes (Del Rosa) e Sérgio Naidin (Mimi Erótico) — terminando por se
tornar um deles em 1981.
Em janeiro de 1982, após um show no Morro da Urca, o noneto
gomalinado foi procurado no camarim por Eduardo Dusek, bêbado, com
uma proposta de trabalho em comum. Sóbrio, dias depois Dusek não
conseguia se lembrar de nada, mas Leo Jaime tanto fez que lhe refrescou
a memória. Assim, o primeiro disco dos Miquinhos foi o segundo de Du-
sek, “Cantando no banheiro”, que estourou “Rock da cachorra”, de Leo
Jaime e do célebre apelo “troque o seu cachorro por uma criança pobre”.
No ano seguinte, o goiano partiu para a carreira solo, gravando pela CBS
o LP “Phoda C”, com a premonitória “Aids” (“Não vai adiantar botar
bandaids”). Foi a primeira defecção dos Miquinhos, muitas por opção de
vida, uma por morte (Cláudio, The Killer, por escapamento de gás, en-
quanto tomava banho). No final, sobraram três Miquinhos para contar
a história: Bob Gallo, Selvagem Big Abreu e Avelar Love.
Suas várias formações gravaram discos hilariantes, como “Os maiores
sucessos de João Penca & Seus Miquinhos Amestrados” (83) — que des-
Arthur Dapieve
Todas as bandas perambulavam mais ou menos pelo mesmo circui-
to, que ia do Lira Paulistana, teatro-sede da música alternativa da cida-
de, morada de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Bre-
que e Rumo, até a butique artesanal Kaos Brasilis, da artista plástica Marta
Oliveira, passando por barzinhos como Calabar, Pierrô Lunar e Pub Vi-
tória. Quando as coisas realmente começaram a acontecer e os bares se
tornaram pequenos, vieram as danceterias, muitas: Madame Satã, Car-
bono 14, Rose Bom-Bom, Napalm, Rádio Clube. No Rio, fora os bares,
o point do novo rock brasileiro era o lendário Circo Voador.
Concebido por Perfeito Fortuna, Márcio Calvão e Maurício Sette e
abençoado pela primeira-dama do Estado do Rio, dona Zoé Chagas Frei-
tas, o Circo Voador era um audacioso misto de centro cultural e comuni-
tário, aberto a todas as formas de manifestações artísticas e educacionais.
A lona pousou na Praia do Arpoador em 15 de janeiro de 1982 e de lá foi
despejada exatamente três meses depois. Esse curto período de tempo, no
entanto, foi o bastante para chacoalhar a cena carioca com apresentações
de astros da MPB, como Chico Buarque e Caetano Veloso, e de novos grupos
de rock, como Blitz, Barão Vermelho e Brylho — para não falar em trupes
teatrais como Banduendes Por Acaso Estrelados, Manhas & Manias e Tá
na Rua, todos filhos espirituais do mitológico Asdrúbal Trouxe o Trom-
bone, do qual Perfeito Fortuna fizera parte.
Bem no meio daqueles três meses, às 6h do dia 1º de março de 1982,
entrava no ar a mais poderosa aliada do Circo Voador: a rádio Fluminense
FM bolada pelos jornalistas Luiz Antônio Mello e Samuel Wainer Filho,
roqueira até a medula. Através de seus fracos sinais os felizes ouvintes
tiveram o privilégio de escutar fitas demo de grupos iniciantes chamados
Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Plebe Rude, Biquíni Cavadão. De
quebra, o fotógrafo e DJ Maurício Valladares, pilotando o programa
“Rock alive”, apresentava as últimas novidades do rock estrangeiro, como
Echo & The Bunnymen, The Cure e The Smiths. Formava-se um públi-
co, enfim. E o rock afinal se nacionalizava, tornando-se BRock. O rock é
nosso — poderia ser este o slogan.
A tabelinha entre Circo Voador e Fluminense FM funcionava à per-
feição. Dentro do projeto “Rock voador”, organizado por Maria Juçá, o
espectador assistia na Lapa (onde o Circo se instalou em 23 de outubro de
82) a shows de bandas que só tocavam na emissora de Niterói. É, na pro-
sob o
gramação desta, o ouvinte escutava bandas que só se apresentavam
desse casa-
lona. Em janeiro de 83, via WEA, aterrissava nas lojas o filho
mento sem sogra ou tédio, o desigual LP “Rock voador”, compilação de
80 31
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
fitas autoproduzidas postas no ar pela Fluminense. Nela estavam faixas do
Sangue da Cidade (“Brilhar a minha estrela” e “Feito louco”), do Kid Abelha
e Os Abóboras Selvagens (“Distração” e “Vida de cão é chato pra cachor-
ro”), de Celso Blues Boy (“Brilho da noite” e “Caminhando”), do Papel
de Mil (“Numa noite qualquer” e “Novo amor”), de Malu Vianna (“Saio
do ar” e “Vê se me esquece”) e de Maurício Mello & Companhia Mágica
(“Grão de poeira” e “Tenho que viver”). Escrevendo sobre o disco no nú-
mero 3 da revista “Pipoca Moderna”, Ana Maria Bahiana, após fazer al-
gumas ressalvas, encorajava a turma: “ Vão em frente, meninos — pelo
menos vocês têm a idade de sua platéia, e isso já é muito, muito, muito nos
dias de hoje”.
Além do eixo Circo/Fluminense, a afirmação do BRock passou tam-
bém pela presença de pessoas-chave nos meios de comunicação. No jor-
nal “O Globo” e na revista “Pipoca Moderna”, Ana Maria Bahiana. No
“Jornal do Brasil”, Jamari França. Na revista “SomT'rês” e na rádio Excel-
sior FM, de São Paulo, Maurício Kubrusly. É claro que a relação entre
artistas e jornalistas nem sempre foi — e nem poderia ser — muito amis-
tosa. O crítico Pepe Escobar, por exemplo, quase apanhou de Nasi, do
Ira, por conta do artigo “Desventuras do rock paulistano”, publicado na
“Folha de S. Paulo” de 28 de outubro de 1984. Nele, a partir de uma carta
na qual Guilherme Isnard, do grupo Zero, denunciava a existência de uma
panelinha que não tolerava forasteiros, Pepe afirmava que “o rock pau-
lista se debate em guetos, e neles permanece”. No dia seguinte, represen-
tantes de 12 bandas locais foram à redação da “Folha” para, nas pala-
vras de Marcus Mocef, programador da boate Val Improviso, “desau-
torizar o Pepe Escobar a escrever sobre elas”. No meio da discussão, Nasi
quase agrediu o crítico, sendo contido pelos companheiros. Um triste
episódio de fascismo corporativista. Mas felizmente agressões de parte a
parte eram exceções, não regras. E o BRock foi pra frente.
Pra frente, pro Sul e pro Centro-Oeste. Do mesmo modo que Rio de
Janeiro e São Paulo fermentavam uma forte cena roqueira no início dos
anos 80, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte também cultivavam as
suas. Na capital federal, a principal influência vinha do movimento punk
e de seus subprodutos. Nos bares do Centro Comercial Gilberto Salomão
e nas salas de ensaio do Brasília Rádio Center, gestava-se, sem conheci-
mento do que se passava no resto do país, um rock politizado e agressi-
vo. As bandas atendiam por nomes como Aborto Elétrico (que daria no
Legião Urbana e no Capital Inicial) ou Blitz 64 (que contava com Gutje
Woorthmann, futuro Plebe Rude, e Loro Jones, futuro Capital).
34 Arthur Dapieve
E
VÍMANA
O DISCO VOADOR
dos Anos 80 ai
BRock — O Rock Brasileiro
primeiros anos de vida no Quênia, começara a cantar numa igreja na Ále-
manha, morara ainda na Dinamarca, na Itália e no Iêmen do Sul. Em 1971,
Ritchie era um dos 27 membros do grupo Everyone Involved, formado
com o objetivo específico de protestar contra um projeto urbanístico que
previa a construção de um viaduto sobre Piccadily Circus, em Londres.
O som era pop-folk e o grupo chegou a gravar um LP, chamado “Either/
or” (com um lado “either”e um lado “or”, como pedia o espírito da épo-
ca). Durante as gravações deste disco, Ritchie conheceu três brasileiros,
amigos do guitarrista Mile Klein: Lúcia Turnbull, Rita Lee e Arnolpho
Lima, o Liminha baixista dos Mutantes. Um brasileiro leva a outro e logo
Ritchie estava namorando uma carioca.
Ritchie ficou com os Mutantes na cabeça. Foi na casa de sua na-
morada carioca, na Lagoa, que ele, qual um deus-astronauta (imagine,
um roqueiro inglês!), aterrissou em setembro de 1972. No mesmo dia em
que os Mutantes estavam passando o som de “Mande um abraço para
a velha” num ensaio geral do 7º Festival Internacional da Canção. Mal
chegou, Ritchie estava aboletado numa cadeira do Maracanãzinho va-
z1o para ver os seus novos ídolos quando uma visão surrealista o tomou.
Um sujeito esquisito sobe ao palco e começa a cantar em inglês, com um
sotaque mais esquisito ainda, uma música chamada “Let me sing, let me
sing”. Raul Seixas.
Aquela cena teve o efeito de uma revelação e Ritchie resolveu ficar
no Brasil. Mas uma semana depois, o namoro com a carioca estava ter-
minado e, sem ter onde ficar, o inglês não teve outra opção senão ir para
São Paulo com a trupe dos Mutantes. Lá formou o lisérgico Escaladácida
com Fábio Gasparini, Sérgio Kaffa e Azael Rodrigues. A banda quase
gravou para a Continental mas acabou antes disso, no final de 1973. Ca-
sado (até hoje, diga-se de passagem) com a carioca Leda Zucarelli, ele
voltou para o Rio, onde trocou aulas de inglês por aulas de flautas com
Paulo Moura e acabou entrando para a Barca do Sol tocando este instru-
mento. Soprar para Ritchie era pouco, mas sua pretensão de cantar es-
barrava em seu forte sotaque, incompatível com a proposta nacionalista
da banda, calcada no chorinho progressivo. Decepcionado, ele desbandou.
No entanto, não ficou sem banda por muito tempo. Logo Lulu e Luiz Paulo
Simas estavam batendo na sua porta. “Ainda bem que você saiu daquela
merda”, disse Lulu, que havia conhecido Ritchie quando este ainda era
membro do Escaladácida, durante o show que marcou a volta do grupo
A Bolha, no ano anterior, no Colégio Zacarias, no Catete. “Você quer tocar
com a gente 2?
36 Arthur Dapieve
Mais ou menos na mesma época, o baterista original do Vímana,
Candinho, estava saindo do grupo por razões esotéricas. Contratados para
tocar na peça “À feiticeira”, de Marília Pêra, Lulu, Simas, Gama e Ritchie
faziam audições no Teatro Casa Grande quando de repente entra em cena
um garoto alto, narigudo e cabeludo berrando que queria era tocar vio-
lão clássico. Quem o arrastava para a audição era o presidente do grê-
mio do Colégio São Vicente, Inácio Machado. Foi no colégio que aquele
garoto de 17 anos ganhara o apelido que detestava: Lobão. Empurrado
para as baquetas, ele começou a tocar furiosamente. Um samba. “Pare-
cia a Mangueira entrando no palco”, lembra Ritchie. “Acho que ele es-
tava querendo nos agredir.” Mas foi contratado.
João Luís Woerdenbag, o Lobão, era mesmo um sujeito impressio-
nante. Filho de um mecânico holandês, 1,88 metro de altura, epiléptico,
tocava bateria desde os 5 anos, um pouco como terapia contra sua dis-
ritmia. “A bateria era minha chupeta, minha droga, minha vida ”, diz
Lobão. Mesmo assim, por influência do virtuosismo do amigo guitarris-
ta Luís Augusto Barros — que tocaria nos primórdios da Blitz e nos Ro-
naldos — Lobão se sentiu atraído pelo violão clássico, por Guerra Peixe
e por Villa-Lobos, deixando a bateria de lado por dois anos. Era nesta
fase em que ele estava quando assumiu as baquetas do Vímana.
Cristalizada sua formação, o Vímana pôde se dedicar ao som que não
entraria para a História: o grupo lançou apenas um compacto, “Zebra”,
pela Som Livre. Existe, no entanto, uma fita gravada em 24 canais no Estúdio
Level, em Botafogo, por um técnico americano, Don Louis, e pelo produ-
tor Guto Graça Mello. Todos os membros da banda rezam para que este
LP permaneça para sempre inédito. Por quê? Porque o trabalho do Vímana
era muito datado: músicas de vinte e tantos minutos, auto-indulgentes,
rococós de tão complicadas e pretensiosas. Tais características nasciam jus-
tamente da excelência dos músicos. Lulu era um discípulo aplicado de Sérgio
Dias, com a vantagem de ser um progressivo menos linha-dura e mais an-
tenado com o som dos negros. Simas possuía um conhecimento técnico
mastodôntico, praticado num dos raros sintetizadores existentes no Rio
de Janeiro daquela época. Gama tinha uma queda pelo rebuscado chori-
nho (ele e Lobão chegaram a formar um duo paralelo dedicado ao gênero,
o Duo Deno). Ritchie aprendera a cantar através de composições de Schubert
e Britten. Lobão tinha um boa base erudita e tocava como um possuído.
Em comum, um certo know-how tecnológico herdado dos Mutantes.
O Vímana arrastava um séquito através de shows no Museu de Arte
Moderna, no Teatro Tereza Rachel, no da Galeria (o equipamento era tão
Arthur Dapieve
Vímana: o grupo de Lulu Santos, Lobão e Ritchie fez, de 1974 à 1978,
um som que não entrou para a história
No dia seguinte, Ritchie estava na sala vazia do presidente da Warner,
André Midani, copiando “Vôo de coração” e “Baby, meu bem” em fitas
cassete quando entrou na sala o produtor Fernando Adour. Este fica en-
tusiasmado com o que ouve e praticamente implora a Ritchie que o dei-
xe levar uma cópia para a CBS, então à procura de uma nova Blitz. Ritchie
reluta mas aceita, desde, é claro, que Adour devolvesse a fita no dia se-
guinte. Nem precisou esperar tanto. No mesmo dia, Cláudio Condé, da
CBS, lhe telefona, interessado. Duas audições às quais comparece super-
produzido — roupas de couro, óculos escuros, topete — e Ritchie está
contratado. À gravadora a princípio quer que ele regrave “Vôo do cora-
ção” em 24 canais — o que, no final das contas, sacrificaria a guitarra de
Hackett — mas Ritchie decide gravar outra canção de seu repertório. Uma
pepita pop chamada “Menina veneno”.
De parte a parte não houve arrependimento. Lançada em compacto
em fevereiro de 1983, a música estourou primeiro no Nordeste. À onda
Ritchie veio descendo, veio descendo, e, para o lançamento do LP, em
junho, a CBS preparou uma vasta campanha publicitária baseada num
concurso: qual era o nome do cantor de “A vida tem dessas coisas”? Houve
até quem respondesse “Hitler” mas isso não importava, importava era que
o compacto de “Menina veneno” vendera 500 mil cópias — um absur-
do, ontem como hoje — e o LP, “Vôo de coração”, mais 700 mil. Marca
alcançada graças a uma fileira de hits natos, como as três supracitadas e
mais “Pelo telefone” e “Casanova”, esta incluída na trilha de uma nove-
la da Rede Globo, “Champagne”. O sucesso foi tamanho que durante um
bom tempo ninguém aguentava mais ouvir Ritchie ou ouvir falar nele.
Roberto Carlos, por exemplo. Três anos depois, Tim Maia diria,
numa entrevista à revista “Isto É”: “O Roberto Carlos puxou o tapete
do Ritchie na CBS”. Verdade ou mentira, naquele 1983, o LP do Rei ven-
deu menos do que o de Ritchie, que, de quebra, ainda levou um Troféu
Imprensa, concedido por Sílvio Santos e quase privativo do rival. Evidente
que tal prêmio tem pouquíssima importância. Mas numa categoria em que
a TVS não tinha parti pris era uma boa aferição de gosto médio. Derru-
bado pelo Rei, queimado pela superexposição ou simplesmente menos ins-
pirado, o fato é que Ritchie — ou ao menos suas vendagens — nunca mais
foi o mesmo. Sobretudo porque, logo no primeiro disco, estabelecera uma
marca difícil de ser superada, que diminuiria a grandeza de qualquer fei-
to futuro.
Seu segundo LP, “E a vida continua”, lançado em 1984, vendeu 100
mil cópias — um número excelente, mas considerado um fracasso diante
Arthur Dapieve
do megassucesso de seu antecessor. Ritchie foi ousado em “E a vida con-
tinua?: em vez do tecnopopzinho de “Vôo de coração”, preferiu, por exem-
plo, arriscar um samba-canção acústico, “Gisela”. Mas, como não esta-
va rasgando dinheiro, o inglês tivera o cuidado de escorar o novo traba-
lho em mais um hit irresistível, “A mulher invisível”. No ano seguinte veio
o terceiro disco pela CBS, o fraco “Circular”. Vendo as vendagens esta-
cionarem pouco abaixo das 100 mil cópias — ainda assim uma ótima mar-
ca — e se sentindo abandonado pela casa de Roberto Carlos, Ritchie pe-
diu para sair, mesmo tendo, por contrato, outro disco a gravar. A CBS
aceitou com tanta facilidade que alguma coisa coçou atrás da orelha do
cantor-compositor. À pulga não saiu de lá até hoje.
Mal saiu da CBS Ritchie já estava de contrato assinado com a Po-
lyGram. Não tinha nem repertório, mas tinha contrato assinado. Uma
música serviu de garantia: “Transas”, parceria do empresário do inglês,
Paulinho Lima, com o tecladista Nico Rezende. Mariozinho Rocha —
produtor de “As aventuras da Blitz” na EMI-Odeon e que agora, em no-
vembro de 1986, estava na gravadora da Barra da Tijuca — gostou da
música e conseguiu incluí-la na trilha de outra novela da Rede Globo,
“Roda de fogo”. O compacto com “Transas” logo logo estava rondan-
do as 100 mil cópias vendidas. O LP que se seguiu, “Loucura & mági-
ca”, lançado em junho de 1987, contudo, não passou das 25 mil. Mes-
mo com a maré baixa e estigmatizado como “o cantor das empregadas
domésticas”, Ritchie ainda era um grande nome, capaz de segurar três
noites no horário alternativo do prestigioso Canecão, nos dias 22, 23 e
24 de julho, na terceira semana do primeiro festival Alternativa Nativa.
Antes dele subiram ao palco um ex-companheiro de Vímana, Lobão, e o
grupo Plebe Rude; depois, o Ira!, Evandro Mesquita (em carreira solo, pois
a Blitz se desfizera no ano anterior) e os Heróis da Resistência (do ex-Kid
Abelha Leoni).
Ao mesmo tempo lutando contra e lucrando com — os shows rechea-
dos por antigos sucessos nunca deixaram de lotar — o karma popularesco
de “Menina veneno”, Ritchie caiu na tentação de fazer um disco sozinho.
O resultado, “Pra ficar contigo”, de 1988, foi gélido, no qual o seu ta-
lento maior, lapidar cançonetas pop descartáveis até as raias da eterni-
dade, era soterrado por camadas de teclados e por um crescente fascínio
pela tecnologia. O público fugiu horrorizado e o disco só vendeu 13 mil
cópias. Ritchie ficou dois anos longe dos estúdios, digerindo o fiasco. Mas
quando novamente pôs seu bloco na rua, em maio de 1990, descobriu que
era fi-
pior, muito pior do que ficar estigmatizado por um megassucesso
80 41
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
car marcado por uma sucessão de pequenos fracassos. Seu sexto disco,
“Sexto sentido”, concebido junto ao tecladista William Forghieri, ex-Gang-
90 e Blitz, atraiu apenas seis mil compradores. Uma injustiça com um
trabalho, que trazia ao menos duas boas músicas, “Eu e meu rádio” e
“Obsessão”, esta no clima jazzy que Ritchie cultivaria num projeto pa-
ralelo, o grupo Ritz Café.
Ritchie só voltaria a gravar em 1993, com a banda all-star à meia-
bomba Tigres de Bengala, que formou com Forghieri, Vinicius Cantuária,
Cláudio Zoli, Dadi e Mu (os dois últimos ex-Cor do Som). À auto-ironia
do nome nunca deixou dúvidas quanto ao sucesso da empreitada.
Com sua expulsão do Vímana em 1977, Lulu Santos se viu sem ter
onde dormir. Bem no clima riponga dos anos 70, o grupo funcionava meio
como uma comunidade. No olho da rua, Lulu reencontrou Antônio Pe-
dro Fortuna, velho conhecido e baixista da fase carioca dos Mutantes. Foi
morar na sala do apartamento deste, no Leblon. Lulu e Antônio Pedro
compartilhavam interesse pela música negra de Farth, Wind & Fire, Quin-
cy Jones e do então preto Michael Jackson. Em 1978, os dois, mais o per-
cussionista Reginaldo Francisco e o baterista Hélber Bedaque, formaram
o efêmero Unziotros, que fazia um pop-rock levinho, funky. Pouco de-
pois um reencontro com o mais genial dos Mutantes, Arnaldo Baptista,
os mergulharia nas sombras dark. Mas não por muito tempo. Logo Lulu
estava casado com a jornalista Scarlet Moon de Chevalier e fazendo uma
dupla guitarra-baixo, à la Brothers Johnson, com Antônio Pedro. De que-
bra escrevia — muito bem, diga-se de passagem — sobre música na re-
vista “SomTrês”e produzia trilhas sonoras para novelas da Rede Globo.
A de “Água Viva”, por exemplo, foi selecionada por ele.
Dentro desse quadro, estável até demais, o assassinato de John Lennon
por Mark Chapman, a 8 de dezembro de 1980, foi crucial para a carreira
musical de Lulu. Ele pegou sua guitarra e fez um rockinho urgente, cheio
de sentimento, que ganharia letra do jornalista Nelson Motta: “Tesouros
da juventude”. Gravou uma demo da qual participou o baterista Jim Ca-
paldi, do Traffic. A fita foi submetida à direção artística da Warner, então
a cargo de Léo Neto, amigo de Nelson Motta. A gravadora se interessou
eo produtor Liminha — ex-baterista dos Mutantes, sempre eles — deixou
um recado convidativo na casa de Lulu. Este se sentiu nas nuvens.
Num período de seis meses de 1981, Lulu gravou três bem-sucedi-
dos compactos: “Tesouros da juventude”, “Areias escaldantes” e “De
42 Arthur Dapieve
leve”. Com este vasto repertório, ele excursionou como um louco pela
periferia do Rio, fazendo até quatro shows em playback por dia, merca-
do conquistado graças a constantes aparições no programa de TV do
Chacrinha. Dentro do esquema do Velho Guerreiro — uma espécie de
permuta marota entre aparições na T'V e participações em shows Brasil
afora —, certa vez Lulu foi “cedido” pela Warner para um espetáculo do
Mineirinho, em Belo Horizonte, junto com duas outras estrelas do cast
jovem da gravadora: Marcelo Costa Santos (estourado com “Abre cora-
ção”) e José Alexandre (idem com “Estrelas”, composição de Oswaldo
Montenegro). Recepcionados no aeroporto pelo divulgador da Warner
em BH, os três encararam juntos o trajeto de carro até o centro da cida-
de. No caminho, o mineiro primeiro se desmanchou em elogios para Mar-
celo. Depois se lambuzou de tanto babar os ovos de José Alexandre. So-
bre Lulu, nada. Quilômetros adiante este se encheu de coragem e perguntou
timidamente como seu trabalho estava indo ali em Minas. O divulgador
foi brusco: “Ah, aqui não tem programa de rock não...”.
Influenciado pelo Police, Lulu, sem ter sequer gravado um LP, já havia
consolidado uma imagem roqueira, ou melhor, new wave. Foi como papa
dessa nova onda que participou de uma curiosíssima “Noite New Wave”,
no bar Caribe, em São Conrado, naquele mesmo 1981, em novembro. Par-
ticipou também — e foi mal — do festival MPB-Shell 81 com “Areias escal-
dantes”. E, por conta do sucesso de “De leve”, versão da versão de Rita
Lee para “Get back”, de Lennon & McCartney, quase foi obrigado a gra-
var pela Warner um primeiro LP só de versões. Sua recusa por pouco não
resultou numa rescisão de contrato. Mas o excelente “Tempos modernos”,
de 1982, mostrou à gravadora que Lulu estava certo em bater o pé. Além
dos três compactos, o disco trazia “De repente Califórnia” (tema do fil-
me “Menino do Rio”), “Tudo com você”, “Palestina” e “Scarlet Moon”,
homenagem a quem lhe dera a base emocional para o estrelato. Em ou-
tras palavras: “Tempos Modernos” só tinha sucessos. Vendeu respeitá-
veis 56 mil cópias, 12 mil de estalo.
Liminha, o produtor do disco, fez a cabeça de Lulu na direção de um
artesanato pop. Deu-lhe um livrinho americano que ensinava a fabricar
hits. Misturando a fórmula do sucesso à sua memória musical e a seu
próprio talento, Lulu chegou ao segundo LP, “O ritmo do momento”, de
1983, mais seguro de si, mais regular em termos de composição, melhor.
O disco continha um clássico instantâneo, “Como uma onda no mar”, e
mais duas faixas certeiras, “Adivinha o quê” e “Um certo alguém”. Pop
perfeito, melodioso, aderente aos tímpanos.
44 Arthur Dapieve
era tão bom que gerou um disco ao vivo, “Amor à arte”, gravado em 26,
27 e 28 de agosto de 88 no nababesco Olympia, em São Paulo. Ao con-
trário do que se poderia imaginar, não se tratava de uma dessas antolo-
gias ao vivo. Até porque um ano antes a Warner lançara a antologia de
estúdio “O último romântico”, que vendeu quase 400 mil exemplares.
Lulu, assim, selecionou um repertório meio já-ouvi meio inédito. Estavam
lá os hits “Um certo alguém” e “Toda forma de amor”, mas também,
estavam lá as inéditas “Lei da selva” e “Lá vem o sol”. Aquela era uma
piscadela para a nova música afro-baiana, esta, uma versão para a beatle
“Here comes the sun”, de George Harrison. Futuro e passado.
De “Amor à arte” constava ainda uma música — com letra de Nel-
son Motta — que escancarava o tédio que Lulu sentia diante do BRock.
“Dinossauros do rock” cantava: “Os legionários do rock/ Perdem a tri-
lha na areia/... / Os funcionários do rock/ Batem o ponto na fama/ Deitando
em cama de prego/ Pra esperar o Nirvana”. O Nirvana budista e não o
americano, bem entendido: nessa época, Kurt Cobain era apenas mais um
maluquete de Aberdeen, perto de Seattle. Ao mesmo tempo, a turnê in-
cluía uma música que mostrava o fascínio de Lulu por uma certa MPB:
“Brumário”, inspirada em Jorge Ben. “Ele é pra mim o que Chuck Berry
é pra Keith Richards”, me dizia Lulu em entrevista publicada no “Jornal
do Brasil” de 7 de janeiro de 1989. “Brumário”seria a faixa de abertura
do disco seguinte, “Popsambalanço e outras levadas”. Nas palavras de
Lulu, esse trabalho era uma declaração de “amor à possibilidade de mo-
dulação entre a estrutura pop internacional e a música brasileira”.
A recepção a “Popsambalanço”, no entanto, foi péssima por parte
da mídia (a revista “Veja” o considerou “o pior disco do rock nacional”)
e morna por parte do público (o disco vendeu cerca de 70 mil cópias, menos
da metade de “Amor à arte”). O curioso é que, neste disco, Lulu estava
empreendendo uma redescoberta que todo o resto do país só faria qua-
tro anos depois: a de Jorge Ben. Em 1993, mesmo a “Veja” dedicaria uma
capa ao velho suingueiro carioca. Ironias da vida. Em 89, deprimido com
a recepção a “Popsambalanço”, no qual apostara todas as suas fichas
premonitórias, Lulu decidiu que seu próximo disco seria “meta-Lulu San-
tos”, seria uma volta ao Lulu das cançonetas de grande sucesso. “Ho-
nolulu”, de 1990, era bem isso. Tinha (mais) um daqueles hits instantá-
neos, o autocorrosivo “Papo cabeça”, e mais uma penca de faixas fáceis.
O LP foi lançado em grande estilo, a 7 de outubro, na Praça da Apoteo-
se, com Lulu abrindo para... Eric Clapton. Neste show, como nos que fizera
no Rock in Rio (tocando em noites que incluíam Rod Stewart e Queen),
46 Arthur Dapieve
riam no disco “As aventuras da Blitz”. Lobão gravou o LP mas não assi-
nou contrato. Deu uma banana para os ex-companheiros, pegou a “Isto
E? da última semana de outubro de 1982 — que trazia a banda, ele in-
clusive, na capa —, botou debaixo do braço e foi vender sua fita na RCA.
Assim, três meses depois de “As aventuras da Blitz” ter saído pela EMI-
Odeon, “Cena de cinema” foi lançado pela gravadora rival. E, em 11 de
dezembro, Lobão já estava divulgando seu disco com um show no Circo
Voador. Parecia um happy end. Parecia.
Certo dia, o produtor Guto Graça Mello pediu uma cópia do disco
para Lobão, pois tencionava incluir uma de suas faixas na trilha de algu-
ma novela da Rede Globo — um passaporte visado para o sucesso comer-
cial. O agora cantor-guitarrista-baterista foi até a RCA pedir a tal cópia.
Mas arrumou uma briga e ganhou não uma cópia de “Cena de cinema”,
e sim uma geladeira de quase um ano. Parecia que Lobão estava conde-
nado a apodrecer dentro dela. Parecia.
Pois foi a diretoria que o congelara que caiu inteira. Lobão riu por
último, renegociou seu contrato e virou banda: Lobão e os Ronaldos —
Ronaldo era um personagem fictício, invenção do velho amigo guitarris-
ta Guto Barros. Além de Lobão e Guto, a banda era composta por Alice
“Pink Punk” Gwendolyn (voz e teclados, holandesa, ex-Absurdette, en-
tão mulher do ex-Vímana), Odeid Pomerancblum (baixo) e Baster Bar-
ros (bateria, irmão de Guto). Os cinco gravaram o LP “Ronaldo foi pra
guerra” em 1984. Era um disco entre a new wave e o tecnopop, delicio-
so, com uma trinca de composições espetaculares: “Corações psicodé-
licos” (de Lobão, Júlio Barroso e Bernardo Vilhena), “Tô à toa Tókio”(dele
com Alice) e “Me chama” (só dele). Esta última virou um clássico depois
de também ter sido gravada por Marina. “Chove lá fora/ E aqui.../ Tá tanto
frio/ Me dá vontade de saber/ Aonde está você/ Me telefona/ Me chama/
Me chama/ Me chama”, implorava a letra, pura fossa oitentista.
Todavia, uma música genial ficou de fora (e permanece inédita até
hoje): “Bang the boeing”, de Lobão e Tavinho Paes, em inglês, sobre a
derrubada de um jato da Korean Airlines por caças soviéticos — 269 ci-
vis mortos. O arranjo destacava os etéreos vocais de Alice, era ao mesmo
tempo irado e fantasmagórico e deixou a platéia de quatro quando Lobão
e os Ronaldos tocaram na casa noturna Danceteria, em Nova York, na-
quele mesmo ano de 84. Não muito tempo depois foi a vez de o quinteto
cair para quatro. “Alice foi aliciada para ser o Ritchie de saias”, lembra
Lobão. Segundo ele, o casamento de Guto com uma junkie mais velha pôs
mais tijolo no muro: a mulher literalmente babava, tremia, baixava a moral
47
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos 80
Lobão: o cantor-baterista-guitarrista trocou a Blitz por uma vida bandida
do grupo. Até um dia em que Baster e Odeid instaram Lobão, após um
show em Caxambu (MG), a dar um toque em Guto. Lobão tomou todas
pra tomar coragem e disse ao amigo que a tal fazia mal ao grupo, que era
melhor não trazê-la mais etc. etc. Guto agradeceu a sinceridade do toque.
Mas os outros dois acharam que Lobão fora por demais insensível. Dias
depois o frontman foi expulso da própria banda por Odeid. Motivo: era
junkie demais! Ronaldo foi pras cucuias.
Lobão, por sua vez, trocou Alice por Danielle Daumerie, se aproxi-
mou de Cazuza (na época já fora do Barão Vermelho) nas noites do Bai-
xo Leblon e estreou no cinema, fazendo o papel do detetive Médio Moura
no filme “Areias escaldantes”, de Francisco de Paula. Se 1985 foi um ano
passado meio na toca, 1986 foi um ano de superexposição. Logo no dia
30 de janeiro Lobão foi preso em casa, com pequenas quantidades de
maconha e cocaína, na hora em que chegava dos estúdios da RCA, onde
estava gravando o disco cujo nome provisório era “Bobagens do submundo
do Purgatório”. Não era a primeira prisão de sua vida, mas ele foi liberado
cinco horas depois. Sua sina marginal, contudo, estava apenas começando.
De nome mudado para “O rock errou”, o disco foi para as lojas em
março e imediatamente estourou a faixa “Revanche” (apesar do descré-
dito da gravadora, que objetava “mas em pleno Plano Cruzado você vai
fazer música de protesto?!”). Na capa, mais polêmica: Lobão vestido de
padre, crucifixo na mão, ao lado de Danielle nua, (des)jcoberta por um
véu. Feito sob o impacto da morte de Júlio Barroso, o LP resultou raivo-
so, anárquico, deprimido. Para isso em muito contribuíram os muitos
aditivos químicos empregados em sua elaboração: cocaína, ácido, heroí-
na. Além de “Revanche”, o disco trazia a premonitória faixa-título, “Baby
lonest”, “Noite e dia”, “Canos silenciosos” e “A voz da razão”(que ti-
nha participação especial da cantora Elza Soares) — só musicão. Segu-
rando a onda do Lobão cantor-guitarrista, três feras: Torcuato Mariano
(guitarra), João Batista (baixo) e Jurim Moreira (bateria). Nos palcos, “O
rock errou” foi lançado numa temporada de duas semanas no horário
alternativo do Canecão, em meados de julho. As vendas foram boas: quase
100 mil LPs.
Firme em seu processo de aproximação com a música brasileira —
exposto até no trocadilho do título “O rock errou” —, Lobão desfilou
tocando tamborim pela Mangueira no Carnaval de 1987. Quase ao mes-
mo tempo iniciava a gestação de um novo disco, que deveria se chamar
“Da natureza dos lobos”, nome de uma composição sua e de Bernardo
Vilhena. A prisão no início do ano anterior, no entanto, estava longe de
50 Arthur Dapieve
crê piamente que essa marginalização não passava de uma tentativa de
enquadrá-lo de alguma forma ao sistema. Quando, depois de um show
para oito mil enlouquecidos santistas, cuja vibração chegou a rachar o
prédio, um fã se acercou e declarou “Lobão, eu tomo pico por sua cau-
sa”, ele deu um providencial peraí e passou a tomar mais cuidado.
“Cuidado!”, seu disco seguinte, de 1988, não alargou a brecha na
mídia aberta por “Vida bandida”. Gravado e mixado em apenas um mês,
julho, o LP saiu meio experimental meio frouxo, sem a veia pop e a coe-
são roqueira dos anteriores. À essa altura, o flerte com o samba e os con-
tatos no Morro da Mangueira introduziram outro compositor no seu rol
de parceiros, Ivo Meirelles — nas ótimas “Cuidado!” e “É tudo pose”
(ambas também com Vilhena) e na fraca “Síndrome de brega” (do trio e
mais Danielle). No mais, uma boa faixa de protesto, “O eleito”, e outras
facilmente esquecíveis, como a constrangedora “Tara tara”.
Mas logo essa bola-na-trave artística ficaria em segundo plano por
força de mais problemas legais. Em 23 de novembro, aquela prisão de
fevereiro de 87 no aeroporto do Rio, com 1 grama de cocaína, acabou
rendendo uma condenação a nove meses em regime semi-aberto, isto é,
rua de dia e cela de noite. Lobão não quis pagar para ver. Aproveitou que
estava em Caxias (RS), cruzou a fronteira em Uruguaiana-Passo de los
Libres, seguiu para Buenos Aires e de lá para Los Angeles, para esperar a
prescrição do crime, prescrição que viria em 24 de maio do ano seguinte.
Enquanto isso, gravaria novo disco, “Sob o sol de Parador”, produzido
por Liminha. Os dois se estranharam de tal forma que hoje Lobão consi-
dera o trabalho malogrado. Apesar disso, dele saiu um hit. “Essa noite,
não” (dos versos “a maior expressão da angústia/ Pode ser a depressão/
Algo que você pressente/ Indefinível/ Mas não tente se matar/ Pelo me-
nos essa noite, não”). Havia ainda “Azul e amarelo”, parceria post mortem
de Cartola com a dupla Lobão-Cazuza, e “Sexy sua”, composição do
Mutante-mor, Arnaldo Baptista. No mais...No mais, Lobão tem razão.
Ao voltar ao Brasil, em 5 de junho de 1989, alguns policiais ainda
tentaram encarcerá-lo usando um velho mandado de prisão adulterado.
Não conseguiram, Lobão foi solto no mesmo dia. “Sob o sol de Parador”
chegou às lojas no mês seguinte, sem grande repercussão. Repercussão
maior teve o crime eleitoral praticado na tarde de 17 de dezembro no pro-
grama “Domingão do Faustão”, na Rede Globo. Horas antes de se en-
cerrar a votação do segundo turno da eleição presidencial (no qual Fer-
nando Collor de Mello, do PRN, bateria Luís Inácio Lula da Silva, do PT,
por 53% a 47%), Lobão e banda entraram no palco para fazer boca-de-
bo
Da]
Arthur Dapieve
4.
BEBLRZ
O FALSO ÓBVIO
54 Arthur Dapieve
— Sabe essas noites em que você sai caminhando sozinho,
de madrugada, com a mão no bolso... Na rua! / E você fica
pensando naquela menina, você fica torcendo e querendo que
ela estivesse... Na sua! / Aí finalmente você encontra o broto,
que felicidade!/ Que felicidade, que felicidade, que felicidade! /
Você convida ela pra sentar! — Muito obrigada.! — Garçom,
uma cerveja!/ — Só tem chope/ — Desce dois, desce mais!/ Amor,
pede uma porção de batata frita?) — Ok, você venceu, batata
frita. Aí, blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá,blá, / E ti-ti-ti, ti-ti-ti,
ti-ti-ti/ Você diz pra ela: / Tá tudo muito bom, bom, tá tudo muito
bem, bem. Mas realmente (falado à moda do Chacrinha), mas
realmente eu preferia que você estivesse... Nua!
56 Arthur Dapieve
As Aventuras da Blitz: um fenômeno de mídia
como o país ainda não havia conhecido
contrato. À primeira parte ele cumpriu, com um sorriso sonso, registrado
na edição com data de capa de 27 de outubro de 1982. A segunda... Encerra-
da a sessão, Lobão virou-se para os outros e disse: “Vocês são uns babacas.
Não vou assinar porra nenhuma, vou é vender minha fita.” Diante do assom-
bro geral, o baterista ainda fez das suas profecias epilépticas: “Olha, piada
só se conta uma vez. Vocês vão gravar o primeiro disco, o segundo vai vir
assim e o terceiro vai ser o fim. E do jeito que vocês vão, eu não vou me
espantar nada se no próximo Natal vocês descerem de helicóptero no Mara-
canã junto com Papai Noel.” Previsão ou não, não deu outra. No dia 27 de
novembro, a Blitz estava recepcionando o bom velhinho no maior do mundo.
Para o lugar de Lobão foi convocado o segundo paulista da banda,
Roberto Gurgel, o Juba. Foi com ele às baquetas que a Blitz abriu sua pri-
meira temporada digna desse nome em 12 de janeiro de 1983, no Roxy
Roller, na Lagoa. De quarta a domingo, Evandro & Cia sentiram na pró-
pria pele a quantas andava sua popularidade. Além do horário “adulto”
das 21h, eles tiveram de fazer vesperais infanto-juvenis às 15h. Na estréia,
o grande sucesso — maior que “Você não soube me amar” — foi o semi-
strip-tease feito por Marcinha e Fernandinha por trás de uma tela, para
colocar os biquínis apropriados à versão de “Ana Maria” (aquela do “biqui-
ni de bolinha amarelinho, tão pequinininho que cabia na palma da mão”).
No final do espetáculo, Mariozinho Rocha subiu ao palco e entregou à
banda um disco de ouro (pelas 100 mil cópias vendidas do LP “As aven-
turas da Blitz”) e outro de platina (pelas 250 mil do compacto “Você não
soube me amar”).
Originalmente, o LP deveria ter trazido as letras das canções dentro
de um gibi. Só que problemas de direitos autorais impediram que a revista
chegasse às lojas junto com o disco. Este trazia um vale-brinde para que,
assim que fosse possível, o consumidor pudesse voltar à loja e trocá-lo pela
revista. O gibi “As aventuras da Blitz” pôde ser distribuído somente a partir
de 27 de janeiro, quatro meses depois de o disco ter sido lançado.
Em São Paulo, a Blitz continuava tendo uma recepção esquisita. Os
shows realizados no Palácio das Convenções do Anhembi em 18 e 19 de
março foram detonados pelo mesmo Pepe Escobar que, seis meses antes,
ao criticar “As aventuras da Blitz”, se rendera aos encantos da moçada
sob o título “O doce e contagiante sabor da liberdade”. “O efeito geral
(do show) corresponde ao de uma salada mista sem tempero deglutida em
um rodízio do Grupo Sérgio”, escrevia Pepe na “Folha de S. Paulo” do
dia 21. “É absolutamente irrelevante comentar o que se passa no palco
durante o show — a medida certa de sua irrelevância”.
58 Arthur Dapieve
Saindo em maio, o compacto com as duas músicas censuradas aca-
bou servindo de batedor para o segundo LP da Blitz, “Radioatividade”,
lançado com um festão no pátio da EMI-Odeon, na Rua Mena Barreto,
em Botafogo, a 10 de setembro de 1983. Na verdade, boa parte do mate-
rial de “Radioatividade” já existia na época de “As aventuras da Blitz”.
Trocando em miúdos: pode-se dizer, com uma ponta de maldade, que a
banda fez um disco de sobras. Só que as sobras ainda batiam um bolão.
Senão ouçamos. Montado como um programa de rádio, “Radioativida-
de,” trazia um hit nato, “Weekend” (dos versos de batismo “blitz, docu-
mentos!/ Ué, só temos instrumentos”); “A dois passos do paraíso” (cujo
título, tal como a frase “Ok, você venceu”, também foi incorporado ao
linguajar popular); “Apocalipse não” e “Betty frígida” (a de outro bor-
dão, “Calma, Betty, calma”). A qualidade pop dessas faixas, entre outras
menos tocadas, justificava a presença, na boca-livre de lançamento do
disco, de gente tão distinta quanto Caetano Veloso e Paulo César Lima,
o Caju tricampeão do mundo.
Por essa época, a Blitz conhecia o Brasil de cabo a rabo, era um fe-
nômeno de mídia como o país ainda não havia conhecido. Esta pressão
não chegava a comprometer a espontaneidade essencial da banda — até
porque, temerosa de fazer desandar tão bem-sucedida maionese, a gra-
vadora não palpitava em coisa alguma — mas começava a atritar as rela-
ções dentro dela. A máquina andava porque ainda existiam muitos espa-
ços, reais e simbólicos, por serem conquistados. Um deles era o Canecão,
mais tradicional palco de sua cidade natal, marco no currículo de qual-
quer artista, mesmo (e principalmente) daqueles vindos do underground.
A Blitz só foi pôr os pés lá em 11 de abril de 1984.
E pôs os pés em grande estilo, revolvendo mais que nunca suas raí-
zes teatrais. As 19 músicas do roteiro — espalhadas por hora e meia de
show — eram pontuadas por cacos e por esquetes do grupo Banduendes
Por Acaso Estrelados. Na direção, Patrícia Travassos. Em “Ana Maria
(Biquíni de bolinha amarelinha tão pequenininho)”, por exemplo, os ban-
duendes entravam fantasiados de surfistas, carregando um fálico cachor-
rão-quente. Para encerrar, “Você não soube me amar”, claro. O sucesso
da temporada gerou um desdobramento de mais duas semanas. Com di-
reito a matinês, naturalmente. Ao final do último show, a 3 de junho, o
balanço: 18 espetáculos, público total de cerca de 54 mil pessoas.
Um dos grandes hits da temporada foi “A verdadeira história de Adão
e Eva”, parceria de Evandro e Barreto com o poeta Chacal incluída no
LP “Plunct Plact Zuuum II”, gravado em fevereiro. “O paraíso é pouco/
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Eu quero um broto/ Pra poder conversar”, implorava Adão a Deus. E, mais
adiante, Eva fazia uma daquelas piadas de duplo sentido que deixava a
gurizada em êxtase; “Adão, segure sua cobra/ Que tô com maçã de sobra
pra dar”. Também participavam de “Plunct Plact Zuuum II” o Barão
Vermelho, Raul Seixas e Marília Pêra, entre outros.
Conquistado o Canecão, a Blitz queria mais. Queria a Praça da Apo-
teose e a Rede Globo, embrulhadas para presente. Como parte de um
especial de TV, a banda chegou ao palco montado no final do Sambó-
dromo às 18h30m de um sábado, 7 de julho. “É um prazer apoteótico
tocar para vocês”, saudou Evandro no início dos trabalhos. “Vocês” eram
cerca de 30 mil pessoas, a maioria crianças. “Vocês” poderiam ter sido
mais, não fosse a ameaça de chuva e um derrame de ingressos falsos. O
que se viu foi o mesmo espetáculo apresentado no Canecão, devidamen-
te ampliado. Em vez de uma bola, uma dúzia de bolas eram jogadas para
a platéia durante “Biquíni de bolinha...”, por exemplo. O especial para a
Globo foi ao ar em 12 de setembro, com o nome de “Blitz contra o gênio
do mal”. Na época, achava-se que o próximo passo seria um filme.
Três dias depois, a Blitz estava de volta à Praça da Apoteose, desta
vez dividindo o palco com o Barão Vermelho, as orquestras sinfônicas
Brasileira e do Teatro Municipal e o coro deste, sob a regência do maes-
tro Isaac Karabtchevsky, dentro do “Projeto Aquarius”, promovido pelo
“O Globo” e pela Sul América Seguros. Na platéia, mais dezenas de mi-
lhares de pessoas.
O terceiro disco estava a caminho. Assim como a segunda profecia
de Lobão... “Tava virando um emprego”, recorda Evandro. “Tava perdendo
um frescor, uma energia de subir no palco e superar as deficiências”. Gra-
vado sob este clima, o disco ainda começou a ser falado antes de ser lan-
çado por culpa de uma coincidência infeliz: a semelhança entre os refrões
de “Egotrip” e de “Eu me amo”, música do grupo paulista Ultraje a Rigor
lançada em compacto em outubro. À letra de Evandro e Patrícia Travassos
dizia “eu me amo, eu me adoro, eu não consigo viver sem mim”. À de Roger
Rocha Moreira, “eu me amo, eu me amo, eu não consigo viver sem mim”.
Como o Ultraje pôs seu bloco na rua antes, a música da Blitz, mesmo fa-
zendo parte da pré-histórica peça “A incrível história de Nemias Demutcha”
(que também gerara “Você não soube me amar”), teve seu refrão mudado
para “eu te amo, eu me adoro, eu não consigo te ver sem mim”.
“Blitz 3” foi lançado em dezembro de 84. A preocupação com a
embalagem já fazia antever a fraqueza do conteúdo: o disco saiu com três
capas idênticas em tudo menos nas cores, havia uma vermelha, uma ama-
60 Arthur Dapieve
rela e uma branca; trazia ainda um encarte com as letras e outro com uma
cartela de fotos — tudo concebido pelo estúdio A Bela Arte, de Gringo
Cardia e Luiz Stein. Além de “Egotrip”, só se salvava outra faixa, “Dali
de Salvador”, uma gostosa levada afro-jamaico-baiana assinada por Evan-
dro e pelo baixista Antônio Pedro.
Um mês antes de “Blitz 3” ser lançado, possivelmente antevendo a
má recepção em São Paulo, Evandro dizia em entrevista à revista “Roll”:
“Eu adoro SP, mas lá falta um certo jogo de cintura. Tem assim uma tor-
cida fortíssima pró-Arrigo, mas o Arrigo não quer fazer o Chacrinha, tá
contente com essse público universitário, de elite, essa galera que nunca
deve ter escutado Frank Zappa. Fu acho o Arrigo genial dez minutos, meia
hora eu acho insuportável”. Boa.
O que levantou o astral da Blitz foram os dois shows no Rock in Rio,
O primeiro como terceira atração do domingo 13 de janeiro de 1985 (de-
pois de Paralamas do Sucesso e Lulu Santos, antes de Nina Hagen, Go-
Go's e Rod Stewart), o segundo como quarta atração do outro domingo,
o de encerramento (depois de Erasmo Carlos, Barão Vermelho e Gilber-
to Gil, antes de Nina Hagen, B-52ºs e Yes). O primeiro espetáculo esteve
a dois passos do precipício. Tudo começava com um ataque do trio de
metais (os convidados especiais Leo Gandelman, Bidinho e Sérgio Trom-
bone). Só que por conta de problemas de som ninguém se entendia no
palco. Evandro começou a entrar em pânico, pensando num possível boi-
cote às atrações brasileiras. Antônio Pedro chegou perto dele e dissse “vai
que pra TV tá legal, vai que pra TV tá legal”. Evandro quase estapeou
um técnico de som estrangeiro que entrara pra trocar o microfone de
Fernandinha. Mas, de repente, fez-se o som, restabeleceu-se a calma e
ganhou-se a platéia. O segundo espetáculo foi tranquilo e igualmente bom.
Mais que nunca o perigo que a Blitz estava enfrentando era o da
superexposição. A Mesbla lançou uma grife Blitz, a Rio Gráfica Editora
lançou o “Álbum de figurinhas da Blitz” e até o Instituto Brasileiro do
Café lançou uma campanha de aumento do consumo calcada no sucesso
da Blitz entre os jovens. Com o slogan “Café, eu te amo, eu te adoro, eu
não consigo te ver sem mim”, a banda protagonizava um anúncio de TV
em preto-e-branco no qual o café servia de estimulante para uma festa
desanimada. Cafeína ou cocaína?
Depois do Rock in Rio, a Blitz voltou a se apresentar em sua cidade
natal a partir de 13 de junho, numa temporada superproduzida no Ca-
necão. Letras B,L,I,T e Z que se mexiam na fachada da cervejaria, 380
refletores e cinco canhões de luz, 38 canais de som, 5.000 watts de po-
Arthur Dapieve
O racha aconteceu em 3 de março, uma semana antes de a Blitz entrar
em estúdio para gravar aquele que teria sido seu derradeiro disco, e che-
gou à imprensa quatro dias depois. Na sexta-feira, 7 de março, Jamari
França noticiava a defecção em sua coluna “Rock clips”, no “Jornal do
Brasil”. Nela, Barreto culpava o Cometa de Halley e Evandro, a pressão
do estrelato: “Não acho que a Blitz deu errado, deu certo, tem um currí-
culo super-respeitado, como nenhuma banda com disco de ouro, disco de
platina. Cumpriu-se um ciclo. É uma coisa que me deixa abalado mas,
ao mesmo tempo, me deixa superaliviado. O show business é desgastante
pra caralho, a onda competitiva é muito incentivada, o assédio é grande,
e quem plantou tijolo vai colher parede, mas quem plantou na boa vai
colher na boa e continuar na onda”. Durante alguns dias estudaram-se
alternativas ao puro e simples fim da Blitz — como, por exemplo, a con-
tratação de um novo guitarrista — mas no fim admitiu-se o óbvio: a banda
dera o que tinha que dar.
A segunda profecia de Lobão se cumprira.
80 63
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
da década. Muito de vez em quando os dois desceram a serra com uma
banda country, a Appaloosa. Com o tempo, Marcinha acabou retoman-
do sua carreira de atriz.
Fernandinha, a princípio, voltou para as sapatilhas. Mas lá pelo fi-
nal dos anos 80 já estava envolvida no trabalho de dance music que a
tornaria a mais bem-sucedida ex-Blitz. Tanto assim que ela foi a única que
não quis abdicar de sua carreira solo em favor da reunião ensaiada por
Evandro, Barreto, Marcinha, Antônio Pedro, Billy e Juba na metade de
1994, que resultou num disco ao vivo.
64 Arthur Dapieve
e
BARÃO VERMELHO
VMULGO ROCK NE ROLL
80 ÉS
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Os quatro membros do Barão Vermelho — nome tirado das tirinhas
de Snoopy e Charlie Brown — testaram inclusive um cantor e guitarrista
goiano, chamado Leo Jaime, mas foram reprovados por ele. Motivo: peso
demais. Leo, no entanto, se lembrou de um conhecido que estava fazen-
do o mesmo curso de teatro que ele, o curso de Perfeito Fortuna, que meses
depois estaria armando a lona do Circo Voador no Arpoador. Leo ainda
avisou que o tal era filho de João Araújo. “Quem é João Araújo?”, se
entreolharam os quatro. Só mais tarde, depois que Agenor Miranda Araújo
Neto, 23 anos, já havia se incorporado à banda, é que se tocaram de que
o pai do novo vocalista era diretor da gravadora Som Livre.
Cazuza, este o apelido de Agenor, caiu bem no Barão Vermelho: logo
no primeiro ensaio embarcou na viagem do grupo. “Pirou”, lembraria Frejat,
14 anos depois. Embora cevado no berço de ouro da MPB, convivendo com
artistas desde cedo, Cazuza tinha um instinto — muito mais que técnica,
que era quase nenhuma — bluesy, adequado a uma banda de rock *n” roll
que tocava alto demais. Mas somente depois do episódio da Feira da Provi-
dência ele se sentiu à vontade o bastante para mostrar suas próprias letras
ao grupo. Nasceria aí a dupla Cazuza & Frejat, o mais próximo de Jagger
& Richards que o rock brasileiro jamais chegou. Feitos um para o outro.
O grupo ensaiava todo dia. Todos nele haviam decidido fazer da
música, senão o seu ganha-pão, o seu viver. Essa disposição, aliás, fez Frejat
largar outro projeto: uma banda instrumental não jazzística que manti-
nha com, entre outros, George Israel, futuro saxofonista do Kid Abelha
& Os Abóboras Selvagens. Esses ensaios, no entanto, não chegaram a
desaguar caudalosamente no circuito de bares, como era habitual na época:
o Barão Vermelho continuava tocando muito, muito alto. Tão alto que
nunca tocou no lendário Western, por exemplo. No máximo, no Caribe,
em São Conrado, ou no Le Petit Galerie, em Ipanema. Por outro lado, o
volume de som do grupo segurava bem a peteca em shows ao ar livre.
Houve um memorável, no Quebra-Mar da Barra. Patrocinadora do evento,
a Prefeitura marcou o show para o cair da tarde mas não providenciou
nenhuma iluminação. Tinha tudo para ser mais uma broxada ao estilo
da Feira da Providência. Só que a rapaziada presente estava tão fissurada
para ouvir um pouco de rock “n” roll que iluminou o palco com os faróis
de seus carros. Bonito.
Depois de esgotados todos os espaços para shows disponíveis, que a
bem da verdade não eram tantos assim, o Barão passou a desejar tocar no
badalado Morro da Urca. Nem que fosse para abrir a noite para alguém.
Uma fita demo foi gravada num horário ocioso dos estúdios da Som Li-
66 Arthur Dapieve
vre, num gravador de rolo de Cazuza. Dessa fita já constava praticamente
todo o repertório do que viria a ser o primeiro LP: pequenos flashes urba-
nos como “Billy Negão”, “Ponto fraco” e “Certo dia na cidade”. A demo
foi mandada para o produtor do Morro, Léo Neto, que não quis dar fal-
sas esperanças aos garotos; bandas de abertura eram incomuns ali, só ia
dar pé se eles conhecessem algum artista. Cazuza conhecia artistas às pen-
cas. E a funkeira Sandra de Sá estava prestes a tocar lá em cima. Foi assim
que o Barão Vermelho foi vaiado — e achou ótimo. O público de Sandra,
funkeiros da Zona Norte, achava o grupo pesado demais. Entre uma mú-
sica e outra, dava pra ouvir os gritos de “acaba com esse barulho!”
Enquanto isso, a fita caíra na mão do produtor Ezequiel Neves, por
acaso da Som Livre. Quase cinguentão, Ezequiel, também conhecido com
Zeca Jagger em função de sua adoração pelos Rolling Stones, era um cri-
tico de música frustrado, cansado de receber dezenas de discos por mês,
que largara as pretinhas para se dedicar a farejar e produzir talentos. De
certa forma, era uma pena. Ezequiel era o crítico brasileiro que melhor
encarnara o espírito do rock"n'roll, escrachado, exagerado, adjetivado. Isso
numa função da qual sempre foi cobrada uma inalcançável objetividade.
Zeca era subjetivo paca. Daí ter-se enamorado do Barão Vermelho.
De posse da fita, convenceu seu colega Guto Graça de Mello que eles
tinham nitroglicerina pura nas mãos. Duro foi convencer o diretor da
gravadora, João Araújo, pai de Cazuza. Araújo não queria passar por
nepotista. “Imagina o que vão dizer? Que estou gravando meu próprio
filho. Não”, objetava. Graça Mello foi persistente. E ganhou a parada com
uma ameça premonitória. “Pior vai ser se seu filho estourar em outra
gravadora, aí vão dizer “viram, o Araújo não sabe nem o valor do que tem
na própria casa” ”, argumentou. Araújo finalmente cedeu. Com uma con-
dição: “Não me envolva nisso, por favor”.
Seu pedido foi atendido. Ezequiel meteu o Barão Vermelho no estú-
dio por dois finais de semana seguidos, totalizando 48 horas de grava-
ção. As sessões, por sinal, foram uma festa. Quase literalmente. Multi-
dões compareciam ao estúdio da Som Livre para externar como estavam
felizes com o fato de o Barão estar gravando seu primeiro LP. Era simpá-
tico mas atrapalhava o já não muito bom andamento dos trabalhos. De-
sacostumada à decupação sonora dos estúdios, a banda teve de gravar
primeiro as bases para só então Cazuza botar os vocais nas faixas. Este,
muito doido, teve sérios problemas com os andamentos, ora entrava muito
lento, ora muito rápido. Mas entre mortos e feridos salvaram-se todos.
Inclusive o disco. Se os membros do Barão não entendiam muito de gra-
80 67
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
vação, de mixagem então eram perfeitos ignorantes. Guto Graça Mello
mixou as 10 faixas sozinho.
“Barão Vermelho”, o disco, foi lançado em 27 de setembro de 1982,.
um dia depois de “As aventuras da Blitz”. O disco de Cazuza, Frejat,
Maurício, Dé e Guto era mal gravado à beça, mas tinha qualidades aos
montes. À maior: espontaneidade. Num gênero tão vulnerável ao po-
seurismo quanto o rock, “Barão Vermelho” é comovente. São cinco jo-
vens aproximando sua música de seus companheiros de faixa etária. Coisa
que a Blitz, por exemplo, formada por músicos mais experientes, não fazia.
O Barão foi o primeiro porta-voz de sua geração e, neste sentido, a pri-
meira banda do BRock, o rock brasileiro que chegou (em grande estilo)
ao disco na década de 80.
“Barão Vermelho”, o disco, era quase aquela fita demo que foi pa-
rar nas mãos de Ezequiel Neves transposta para o vinil. Estavam lá “Billy
Negão”, “Ponto Fraco”, “Certo dia na cidade” e mais “Posando de star”,
“Down em mim, “Conto -de fadas”, “Rockm geral Pora Br
lhetinho azul” e aquela que, com o passar do tempo, se tornaria o clássi-
co do disco, “Todo amor que houver nessa vida”. Na letra, Cazuza já dizia
ao que viera: “Ser teu pão, ser tua comida. Todo amor que houver nessa
vida/ E algum trocado pra dar garantia/ E ser artista/ No nosso convívio/
Pelo inferno e céu/ De todo dia/ Pra poesia que a gente não vive/ Trans-
formar o tédio/ Em melodia ”.
No número 1 da revista “Pipoca Moderna”, de outubro de 82, o
crítico Antônio Carlos Miguel testemunhava acerca de “Barão Vermelho”,
o disco: “Ao contrário da maioria dos jovens cantores e compositores
atuais, o Barão Vermelho não se perde num papo pseudo-ecológico, al-
tos astrais e outras baboseiras pra boi dormir. Eles parecem ter chegado
para incomodar o sono de muita gente”. O primeiro disco, a despeito do
sucesso de crítica, não estourou de imediato nos ouvidos do grande pú-
blico. Mas logo logo seria item de colecionador.
“Barão Vermelho 2”, de 1983, chegou cercado de expectativas. Ao
menos por parte do grupo. Os rapazes já estavam mais seguros de si no
estúdio, sabiam lapidar sua energia bruta, tiveram um produtor (Andy
Mills, ao lado do fiel Ezequiel) que sabia captar melhor a mensagem do
seu rock “nº roll. Tinha tudo pra dar certo. Não deu. Não de imediato. A
Som Livre decidiu trabalhar a faixa “Menina mimada”. Não deu certo.
As rádios davam a resposta-padrão-para-rock na época: “ Isso não é co-
mercial.” Precisou a MPB assinar embaixo para que o Barão começasse
a ganhar o merecido respeito.
68 Arthur Dapieve
Primeiro foi Caetano Veloso. Durante o show de lançamento do seu
LP “Uns”, no Canecão, ele cantou “Todo amor que houver nessa vida”,
para espanto do casal João e Lucinha Araújo e para gáudio de seu filho
único, Cazuza, os três presentes na platéia. Não contente em interpretar
a música, Caetano elogiou Cazuza e desancou as rádios que não tocavam
Barão. Na verdade, os elogios do baiano também corresponderam a uma
proposta de paz. Na véspera, num bar do Baixo Leblon, um enciumado
Cazuza jogou uma mesa pra o alto ao ver Caetano se desmanchando para
seu namorado. Os elogios, no entanto, eram sinceros.
Pouco tempo depois foi Ney Matogrosso. O cantor foi à casa de
Cazuza atrás de “Pro dia nascer feliz”, do segundo disco, que o Barão
estava tentando emplacar como música de trabalho depois da fracassada
“Menina mimada”. Cazuza concordou, Ney gravou e “Pro dia nascer
feliz” estourou, provando que, sim, o Barão Vermelho podia ser um su-
cesso comercial. A Som Livre, que estava prestes a dispensar a banda, foi
pega de surpresa e teve de lançar um compacto da música na versão ori-
ginal do Barão, que estouraria nas rádios ainda mais alto do que a de Ney.
Afinal o reconhecimento.
O ano seguinte, 1984, foi o ano da vitória. A banda foi convidada a
participar da trilha sonora e de algumas cenas do filme “Bete Balanço”,
do diretor paulista Lael Rodrigues. O enredo — uma roqueira (interpre-
tada pela atriz Débora Bloch) briga por seu lugar ao sol — pegava bem o
espírito da época. Foi um sucesso. Mais de 1,4 milhão de espectadores
acorreram aos cinemas, muitos atraídos pela música-tema, do Barão. À
letra era emblemática: “Quem vem com tudo não cansa/ Bete Balanço,
meu amor/ Me avise quando for a hora”. (Lael tentou repetir a dose com
“Rock estrela”, de 1985, com a canja de Leo Jaime, e com “Rádio Pira-
ta”, de 1987, com Marina. Não teve o mesmo sucesso. Morreu de septi-
cemia decorrente de uma pancreatite aguda em 8 de fevereiro de 1989,
aos 37 anos.)
Precedido pelo estouro de “Pro dia nascer feliz” e “Bete Balanço”, o
terceiro disco, “Maior abandonado”, consolidou a imagem do rock bra-
sileiro na mídia. Barão Vermelho, Blitz e Paralamas do Sucesso, entre
outros, já tinham carreiras consolidadas, respeito, atenção, afeto. O afe-
to pelo Barão — e pelo rock brasileiro em geral — pôde ser medido no
Anhembi, em São Paulo, a 30 de agosto de 84, quando a banda partici-
pou do Festival Bete Balanço de Rock, que reuniu ao vivo a trilha sonora
do filme de Lael Rodrigues (além de Cazuza, Frejat & Cia, tocaram Lobão
e na
& Os Ronaldos, Titãs, Celso Blues Boy, Brylho e Metralhatxeca);
80 69
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Barão Vermelho: o início, com Cazuza, de uma banda que sempre tocou muito alto
Praça da Apoteose, no Rio, a 15 de setembro, durante um rock-concerto
do Projeto Aquarius, que juntou Barão, Blitz, o tecladista Luciano Alves,
as orquestras sinfônicas Brasileira e do Teatro Municipal e o coro deste,
tudo sob a regência do maestro Isaac Karabitchevsky. O BRock já era,
então, um respeitável aglutinador de massas.
Isso saltaria aos olhos — não só do país, mas de todo o mundo —
alguns meses depois, em janeiro de 1985, com a realização do Rock in
Rio. Nele, o Barão Vermelho se apresentou duas vezes, no dia 15, dia da
eleição de Tancredo Neves, no miolo de uma noite que incluía Kid Abe-
lha, Eduardo Dusek, Scorpions e AC/DC; e no dia 20, o do encerramen-
to do festival, abrindo para Gilberto Gil, Blitz, Nina Hagen, B-52ºs e Yes.
Na primeira noite, o hard rock nativo do grupo segurou a onda que Paula
Toller e Dusek não conseguiram: pacificar a fúria dos headbangers que
praticamente sitiavam o palco. Foi reconfortante descobrir que, mesmo
após três anos de lapidação, o Barão continuava tocando muito, muito
alto. Na derradeira e chuvosa noite, o grupo subiu ao palco depois da
apresentação não-programada de Erasmo Carlos — que escaldado pelo
tumulto do dia de abertura, evitara os metaleiros da noite anterior — e
não bisou a qualidade e o vigor do primeiro show. Falta de desafio tal-
vez: a platéia da despedida do festival aplaudiria qualquer coisa, do cléc
de uma fratura exposta a Milton Nascimento.
O Rock in Rio deslanchou muitas excursões Brasil afora. Estas ex-
cursões, por sua vez, deslancharam, ou melhor, intensificaram um pro-
cesso de desgaste pessoal entre Cazuza — o filho único desacostumado a
dividir coisas, ainda mais o sucesso — e o resto do grupo. No final de julho,
após uma série de desentendimentos, um encontro na porta da Som Li-
vre, selou o racha: Cazuza embarcaria em sua carreira solo e o grupo
continuaria seu próprio caminho. “Há dois meses vinha pensando em
tomar esta decisão, porque queria ter um trabalho mais autoral, mais de
intérprete, e em grupo as decisões sempre são democráticas, tomadas por
todos”, dizia Cazuza a Beatriz Coelho Silva, nº “O Globo” de 30 de ju-
lho. Por estes dias, o cantor estava na casa da mãe, se recuperando de uma
virose. Dias depois, estava internado no Hospital São Lucas. Era a Aids
que o mataria cinco anos depois começando a se manifestar.
72 Arthur Dapieve
Se “Declare guerra” era um exagero explícito de guitarras e vísceras,
este primeiro disco pela WEA, “Rock” n geral”, era uma beleza de conten-
ção, cheio de sutilezas, mais leve e arejado, arejado por baladas, blues, funks.
Nele, o brilho maior estava em duas parcerias extragrupais de Frejat: “Me
acalmo, me desespero”, com o guitarrista Sérgio Serra (então no Ultraje a
Rigor) e “Quem me olha só”, com o vocalista Arnaldo Antunes (então nos
Titãs). À primeira terminava com uma estrofe perfeita, “o amor sombreia
as trevas/ Clareia até cegar/ É um lar que não abriga/ O crime perfeito de
dois assassinos”. À segunda começava com outra no mesmo nível: “Já reguei
quase todas as plantas/ Já chorei sobre todo o jardim/ Elas gostam da chu-
va que molha/ Elas pensam que o sol é ruim/ Quando o sol nos meus olhos
brilhava/ Por amar minha flor tanto assim/ Fui feliz sem saber que secava/
A rosa e trazia seu fim”. Com sua seção de metais, “Quem me olha só”
está para a carreira do Barão assim como “I got the blues”está para a dos
Rolling Stones: pouco lembrada, mas absolutamente genial.
“Rock” n geral” chegou às lojas em 15 de maio de 1987, um ano e
um mês depois de “Declare guerra”. Período de tempo insuficiente para
arrefecer a revolta do Barão contra sua antiga gravadora. A geladeira à
qual o quarto LP — o primeiro sem Cazuza — fora confinado ainda en-
furecia o grupo. “Odiamos a Som Livre por causa disso”, me dizia Guto
em entrevista publicada no “Jornal do Brasil”. Para Frejat, “a experiên-
cia foi marcante pelo lado podre da indústria fonográfica”. À única cara
livrada era a de Guto Graça Mello, “digníssimo”.
Em fevereiro de 1988, o Barão sofreria sua segunda defecção. Tal
como Cazuza, o tecladista Mauricio Barros saía em busca de seu lugar
ao solo (encontrado fugazmente com o grupo Buana 4 e o hit televisivo
“Só quero sereia”) Frejat, Guto-e Dé, então, incorporam à trupe o
guitarrista Fernando Magalhães e o percussionista Peninha, que já havi-
am participado de algumas faixas de “Rock” n geral”. No entanto, em vez
da sutileza deste, o som do agora (novamente) quinteto reencontraria suas
raízes hard-roqueiras. Mais uma vez o Barão mostrava que tocava mui-
to, muito alto.
Em disco, o resultado dessa reorientação foi “Carnaval” — consi-
derado por Frejat o melhor trabalho do grupo. Se a sofisticação do álbum
anterior espantara um pouco os antigos fas, a crueza do disco lançado em
agosto de 88, com o show de inauguração da danceteria paulistana Da-
maXoc, atraiu novos seguidores, roqueiros até a medula. O disco está
carregado de riffs, fissurado pela seção rítmica. O seu grande sucesso foi
“Pense e dance”, parceria dos três barões originais. Empurrada por Guto
80 3
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
e Peninha, ela traz um verso lapidar: “A felicidade é um estado imaginá-
rio”. O resto de “Carnaval” segue por aí, simples e direto. “Se o rock fica
só cerebral, fica insuportável”, me dizia Frejat em entrevista publicada no
“Jornal do Brasil”de 11 de agosto. “Sutileza não tem vez pro grande
público. Ele só entende o que arrebenta”.
Na excursão de lançamento do disco, Frejat viu sua tese confirmada
com o aumento do público do Barão em São Paulo, em Minas Gerais e
no Sul. Nada mais justo que a gravação de um disco ao vivo fosse feita
no lugar onde este carnaval começara: no DamaXoc, nos dias 1º,2 e 3
de junho de 1989. “Barão ao vivo” flagrava este momento pesado — no
bom sentido — através da releitura de sucessos como “Bete Balanço”, “Pro
dia nascer feliz” e “Satisfaction”, dos Rolling Stones.
A dialética barulho/sutileza se manifestaria novamente no caminho
que conduziu ao oitavo disco. Saturados do peso de seus próprios instru-
mentos, Frejat e Fernando Magalhães (que até então, tal como Peninha,
ainda aparecia como convidado especial nos discos do grupo) decidiram
redescobrir o violão e, nesse processo, revitalizar a porção canção do
Barão, valorizando as (desde sempre) belas melodias.
Essa fase de transição foi vista nos palcos do segundo Hollywood
Rock, realizado no Rio e em São Paulo em janeiro de 1990. Tocando na
Praça da Apoteose no dia 26, Frejat, Dé, Guto, Fernando e Peninha enfi-
leiraram 12 sucessos num ritmo vertiginoso, mas encontraram uma bre-
cha para “Eclipse oculto”, de Caetano Veloso. Tudo correu às mil mara-
vilhas. No entanto, na crítica do show, publicada no “Jornal do Brasil”
do dia 28, Jamari França parecia pressentir algo ao (a)notar que Dé fora
“o único a comprometer a performance do Barão com seu comportamento
de menino mimado”.
Pois é. Dé estava prestes a deixar o grupo. O baixista pretendia gra-
var duas de suas composições no próximo álbum de estúdio: “Empada e
birita” (parceria com Cazuza) e “Alice” (com Sérgio Britto, dos Titãs). Frejat
e Guto foram contra. Dé até hoje diz que saiu por vontade própria. Frejat,
que ele foi convidado a se retirar. De qualquer forma, o baixo foi assu-
mido por Dadi, ex-Cor do Som. Ele gravou o disco no estúdio Nas Nu-
vens entre abril e maio. E a saída de Dé do Barão só foi divulgada em 12
de maio, com os trabalhos quase encerrados. Sozinho, Dé foi tentar a sorte
no Telefone Gol, junto com os guitarrista Sérgio Serra e Nani e com o ba-
terista Kadu.
O disco gravado por Dadi & Cia., “Na calada da noite”, acabou sen-
do engolfado pela morte de Cazuza, na manhã de 7 de julho. As preocupa-
74 Arthur Dapieve
ções estéticas, a opção pelo acústico acabaram meio eclipsadas por uma
música que acabou se tornando um réquiem pelo ex-vocalista, “O poeta
está vivo”, de Frejat com Dulce Quental. Um baladão sentido cuja letra
diz: “O poeta não morreu/ Foi ao inferno e voltou/ Conheceu os jardins
do Eden/ E nos contou”.
dos Anos 80 AS
BRock — O Rock Brasileiro
músicas são excepcionais: “O nosso amor a gente inventa (Estória româán-
tica)”, parceria com Meanda e com o tecladista João Rebouças, e “Soli-
dão que nada”, com o baixista Nilo Romero e o saxofonista George Is-
rael. No todo, o disco dá a impressão de que Cazuza ainda estava ajus-
tando seu novo tom, mais para a MPB do que para o rock.
Dois meses depois, em maio, um diagnóstico reuniu as doenças que
volta e meia continuavam a incomodar Cazuza sob um só e sinistro nome:
Aids. Em outubro e novembro, ele passou sua primeira temporada no
inferno, internado num hospital em Boston, nos Estados Unidos. Quase
morreu. E voltou de lá com a paixão pela vida decuplicada. Apesar da
boataria em torno de sua doença, Cazuza não daria o braço a torcer por
dois anos, tempo que levou para admitir publicamente que era um soro-
positivo. Ele considerava a doença parte de sua vida particular. E, nesta,
não admitia interferências, tanto que nunca — a não ser quando já esta-
va fraco demais — parou de fazer sexo com quem quer que lhe apeteces-
se, fosse qual fosse o sexo. O trabalho se tornou sua trincheira contra a
morte. Arte longa, vida breve, essas coisas.
A partir daí, Cazuza foi mais fundo do que jamais fora em seu tra-
balho. “Só as mães são felizes” estava destinada a se tornar mera canção
de ninar. Seu terceiro disco, “Ideologia”, lançado em abril de 1988, era,
já a partir do seu título, uma declaração de princípios. A faixa-título, que
abria o disco, escancarava logo: “Meus heróis morreram de overdose/
Meus inimigos estão no poder/ Ideologia/ Eu quero uma pra viver/ O meu
prazer/ Agora é risco de vida/ Meu sex and drugs não tem nenhum rock
“in” roll ?. À segunda música, “Boas novas”, seguia no mesmo pique con-
fessional, fazendo referências veladas ao período de internação em Boston:
“Senhoras e senhores/ Trago boas novas/ Eu vi a cara da morte/ E ela estava
viva”. E, embora “Ideologia” contasse com outras faixas fortes, como “Um
trem para as estrelas” (tema não incluído no filme homônimo de Cacá
Diegues, no qual Cazuza fazia uma ponta), “Blues da piedade” e “Faz parte
do meu show”, aquela que estava destinada a transcender o disco, a trans-
cender até a vida, era “Brasil”.
Composta por Cazuza, Israel e Romero, a música se tornou o hino
oficioso de um país sem ética. A letra era um queixume só: “Não me con-
vidaram/ Pra essa festa pobre (...)/ Não me elegeram/ Chefe de nada (...)/
Não me sortearam a garota do Fantástico/ Não me subornaram (...)”. E
se a canção pedia raivosamente que a nação mostrasse sua cara, não ter-
minava sem uma declaração de amor belíssima: “Grande pátria desim-
portante/ Em nenhum instante/ Eu vou te trair”. Gravada também por Gal
76 Arthur Dapieve
Costa para a abertura de uma novela das oito da Globo, “Vale tudo”, de
Gilberto Braga, “Brasil” deu a Cazuza um respeitado status de guru. Ape-
sar de sua atualidade, a música foi feita muito antes da doença (e a con-
sequente revisão de valores) se manifestar. “Eu já andava grilado comi-
go, me achando repetitivo, preso nos mesmos temas”, dizia Cazuza numa
entrevista a José Castello, publicada no “Jornal do Brasil” de 24 de abril.
“Não foi a doença que detonou esta crise, talvez tenha sido a crise que
detonou a doença”.
Apesar dela, Cazuza levou “Ideologia” aos palcos a partir de agos-
to. O show era comovente, mas havia um componente mórbido na reu-
nião de tanta gente em torno daquele cantor magérrimo vestido de bran-
co, um clima de “vá ver antes que acabe”. O espetáculo era um best of,
mas abria com uma música que Cazuza nunca havia cantado, “Vida lou-
ca vida”, de Lobão e Bernardo Vilhena. Cantados por Cazuza, os versos
“vida louca vida/ Vida breve/ Já que eu não posso te levar/ Quero que você
me leve” ganhavam outra dimensão: sabia-se, naquele instante, que a
história estava se fazendo diante dos olhos de cada espectador. Mais adian-
te, “O tempo não pára”, parceria de Cazuza com Arnaldo Brandão, fa-
zia pensar numa “Brasil, parte 2”. “Te chamam de ladrão, de bicha, ma-
conheiro/ Transformam um país inteiro num puteiro/ Pois assim se ga-
nha mais dinheiro”, denunciava a estrofe final. A música daria título ao
disco gravado ao vivo no Canecão, no Rio, nas noites de 14,15 e 16 de
outubro de 1988.
O tempo não pára mesmo. E Cazuza não tinha muito tempo de so-
bra. Em fevereiro de 89, o que era para ser mais um check-up se tornou
mais uma temporada em Boston. Na volta, foi internado na Clínica São
Vicente, de onde só saía para gravar o álbum duplo “Burguesia” (cujo
título original era “A volta do barão”) ou em ocasiões especiais, como a
comemoração de seu 31º aniversário (no dia 4 de abril) e a entrega do
Prêmio Sharp (à qual compareceu de cadeira de rodas para levar as esta-
tuetas de melhor disco, música e especial de melhor música, “Brasil”).
Gravado em condições desesperadoras, por vezes numa maca, “Burgue-
sia” chegou às lojas no dia 21 de agosto. Era difícil lidar com aquele tra-
balho: ele era fruto de uma enorme vontade de viver, ou melhor, de trans-
cender a vida através da arte, mas, por outro lado, era artisticamente in-
consistente. Era até cruel notar o que faltava ao disco era justamente vi-
gor, pois não poderia ser de outro jeito.
Na “Folha de S. Paulo” de 13 de agosto, o crítico André Forastieri
encarava o problema. “Existem duas maneiras básicas de se julgar o novo
78 Arthur Dapieve
6.
PARALAMAS DO SUCESSO
ALAGADOS, TRENCHTOWN, FAVELA DA MARÉ
80 79
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
saiava no apartamento de Ondina de Amorim Nóbrega, avó de Bi, no
Posto 6, em Copacabana. A tradicional briga-com-os-vizinhos-que-recla-
mam-do-barulho-e-acabam-chamando-a-polícia, experimentada por todo
e qualquer grupo de rock do planeta, acabou gerando uma das primeiras
músicas do ainda não-batizado trio: “Vovó Ondina” (“É gente fina/ Vovó
Ondina/ São trinta soldados contra uma vovó”). Com o ingresso de Her-
bert, Bi e Vital na faculdade, os ensaios foram se espaçando e o grupo se
desmilingiúindo. Passado o primeiro ano de aprendizado superior, 1980,
os três se reaproximaram. Herbert já estava cheio de Arquitetura, Bi, de
Biologia. Foi com este espírito que os agora autonomeados Paralamas do
Sucesso — nome escolhido no meio de uma lista de outros nomes igual-
mente insólitos, como Os Cadeirinhas e As Plantinhas da Mãe — se ins-
creveram no festival da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde
estudava Bi, em meados de 1981.
O grupo levou bomba no festival: suas três músicas inscritas — en-
tre elas “Vital e sua moto” — receberam nota mínima numa escala de O
a 100. Mesmo desclassificados, os Paralamas conseguiram a chance de
tocar no intervalo. Só que, chegada a hora, cadê o Vital? Um amigo de Bi
sugere como regra-três um estudante de Zootecnica, João Barone. Treze
anos depois, Herbert ainda se lembra de seu espanto diante do baterista:
“Pouco antes de entrar no palco olhei pra ele, tímido, na dele com aque-
las mãos enormes, parecendo cachos de bananas. Mas ele subiu e tocou
muitíssimo bem, arrebentou.” Naquele momento, tanto pelo forfait de
Vital quanto pela excelência de Barone, ficou claro para os outros dois
que a batata do velho colega de Bahiense estava assando. À amizade é que
segurou a barra por mais algum tempo.
O show no intervalo do festival de 81 rendeu uma espécie de bis lon-
gínguo. No dia 17 de setembro de 1982, os Paralamas estavam de volta
à Rural: Herbert, Bi, Vital... E Barone. Para tocar no barzinho local por
quatro horas. À idéia era fazer um diplomático revezamento de baterista.
Vital tocou as duas primeiras músicas. Barone, as duas seguintes. E Vi-
tal... Nem voltou ao palco. Sentiu o clima, a qualidade da concorrência e
sumiu. Acabou virando o Pete Best paralâmico, meio história, meio mito.
Hoje, Vital tem uma banda de thrash metal chamada Sadom. Além de,
por conta de “Vital e sua moto”, ter lugar de honra no panteão do BRock.
No final de novembro, Herbert, Bi e Barone tocaram pela primeira
vez no Western. Por essa época, seu repertório incluía, além de “Vital”,
“Vovó Ondina” e “Patrulha noturna”, coisas com “Rodei”
(na escola)
“Química”
(do velho amigo de Brasília, Renato Russo) e “Encruzilhada
80 Arthur Dapieve
UA
do 1º contrato, em 1983
Paralamas do Sucesso: Herbert, Bi e Barone na assinatura
agrícola-industrial”, músicas que caíam como um óculos para uma ban-
da que parecia reunir os três primeiros alunos da classe — o que não es-
tava longe da verdade. O sucesso foi tamanho que os Paralamas pude-
ram alugar os oito canais do Tok Studios, em Botafogo, para gravar sua
primeira fita demo. Dela constavam “Vital e sua moto”, “Patrulha no-
turna”, “Encruzilhada agrícola-industrial” e “Solidariedade não” (que
seria censurada por esculhambar o golpe militar liderado por Jaruzelwski
na Polônia). Nessa altura dos acontecimentos, Herbert já superara a he-
sitação inicial em assumir os vocais — a banda experimentara alguns
vocalistas — e era o frontman.
As três músicas não censuradas foram enviadas para a Fluminense
FM e encontraram abrigo na programação graças, sobretudo, à força dada
pelo fotógrafo e DJ Maurício Valladares. Quando, no primeiro dia de
1983, os Paralamas voltaram ao Western, o casarão arrebentou de tanta
gente. No mês seguinte, eles estavam abrindo para Lulu Santos no Circo
Voador. E, em 26 de março, compareceram à “Primeira Noite Punk do
Rio de Janeiro”, realizada no mesmo local. Presente na platéia, Ana Maria
Bahiana registrava, no “Globo” do dia 29, que a noite fora aberta pelos
“Paralamas do Sucesso, um trio new wave simpatizante dos punks”. Para
explicar sua presença no meio de bandas como Os Inocentes, Lixomania,
Cólera e Descarga Suburbana, Herbert tomou o microfone: “Não somos
punks, mas apoiamos o movimento. Sempre emprestamos nossa aparelha-
gem ao Coquetel Molotov e estamos aqui para homenagear vocês”. Bahia-
na registrava ainda os apupos e o repertório: “My way” (Frank Sinatra
revisto por Sid Vicious, dos Sex Pistols), “Police & Thieves”(Lee Perry e
Junior Murvin revistos pelo Clash) e “Veraneio vascaína” (“de dois punks
de Brasília”, 1. é, Renato Russo e Flávio Lemos). Bahiana registrava, por
fim, a má recepção aos membros do Kid Abelha & os Abóboras Selva-
gens, chamados ao palco por Herbert para dar um gás nos vocais.
O alarido em torno dos Paralamas do Sucesso atraiu três gravado-
ras, ávidas por descobrir uma nova Blitz. Herbert, Bi e Barone recusaram
as propostas da Warner (escaldados pelos problemas lá enfrentados pe-
los amigos do Kid Abelha) e da PolyGram; aceitaram a da EMI-Odeon,
justo a casa de Evandro Mesquita e Cia. Com o tempo, os Paralamas abri-
ram as portas da gravadora da Rua Mena Barreto para os “conterrâne-
os” Legião Urbana e Plebe Rude. Em abril, eles assinaram contrato. E em
junho saía o primeiro compacto, com “Vital e sua moto” no lado A e “Pa-
trulha noturna” no B. O disquinho vendeu razoáveis 11 mil cópias, que
não espelharam a maciça execução de “Vital” nas rádios.
82 Arthur Dapieve
Antes do final do ano estavam com o primeiro LP, “Cinema mudo”,
nas ruas, e estavam tocando na casa noturna Danceteria, em Nova York.
O disco, contudo, estava longe de ser o dos seus sonhos. “A gente se
fodeu”, lembra Herbert. Motivo: a direção artística de Miguel Plopschi,
que recheou o disco de guitarras-base e teclados, maculando a pureza
minimalista da banda. Na distância entre as concepções e as concessões,
o cantor-guitarrista enxerga um produto “musicalmente embaraçoso”.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. “Cinema mudo” registrava o proto-
repertório dos Paralamas (“Vital”, “Patrulha”, “Vovó”, “Química”, “Vo-
lúpia”, “Encruzilhada”) e trazia uma fresca parceria da dupla Herbert-
Barone com Renato Russo (“O que eu não disse”, que, no disco, ganhou
a participação da slide guitar de Lulu Santos). Bem ou mal, “Cinema
mudo” hoje faz parte do acervo sentimental do BRock.
Traumatizados com o que consideraram a diluição de suas informa-
ções de reggae pela overprodução orientada por Plopschi e executada por
Marcelo Sussekind, experiente guitarrista na época membro do grupo
Herva Doce, os Paralamas decidiram explicitar ainda mais suas influên-
cias no seu segundo disco, “O passo do Lui”, lançado em agosto de 1984.
O Lui em questão — Luiz Antônio Alves na certidão de nascimento —
era um velho amigo da banda, exímio dançarino de ska, artista plástico e
músico performático. Ao pô-lo no título e na capa do LP, Herbert, Bi e
Barone estavam publicamente pagando tributo às two-tone bands ingle-
sas, principalmente Madness e The Beat, que amavam acima de todas as
coisas, exceto, talvez, o new wave reggae do Police.
Com o mesmo produtor, Sussekind, menos assíduo no estúdio do que
durante as sessões de “Cinema mudo”, o trio conseguiu concluir um LP
mais à sua feição. De cara, o disco estourou o hit “Óculos”, que, hi-
perexecutado, quase folcloriza Herbert como o quatrolhos de plantão. O
refrão era irresistível: “Por que você não olha pra mim?/ Me diz o que é
que tenho de mal/ Por que você não olha pra mim?/ Por trás destas lentes
tem um caral legal”. Mas tirando “Óculos” e “Assaltaram a gramática”(de
Lulu Santos e Waly Salomão), o disco não era assim tão pra cima, mes-
mo que a porção instrumental fosse uma festa só — como, por exemplo,
em “Ska”. Quase todas as letras (“Me liga”, “Mensagem de amor”, “Meu
erro”, “Fui eu”) eram dor-de-cotovelo da melhor qualidade. “Romance
ideal”, então, era Masoch puro: “Ela é só uma menina e eu deixando que
ela faça/ O que bem quiser de mim/.../ Se eu queria enlouquecer/ Este é o
romance ideal”. O sofrimento era tanto que por muito tempo Herbert
acreditou que só conseguia compor na infelicidade.
84 Arthur Dapieve
ator Alexandre Régis. Ao contrário do que Herbert esperava, a recepção
foi calorosa. Estava definida a música que puxaria o terceiro LP dos Para-
lamas do Sucesso.
Enquanto gravava este disco — a se chamar “Selvagem?” — Herbert
se viu no meio de um barraco histórico. Na terceira noite do projeto “Cida-
de Live Concert”, 23 de fevereiro de 1986, uma confusão generalizada
no palco armado no Estádio de Remo da Lagoa envolveu Leo Jaime, Leoni
e Paula Toller (os dois do Kid Abelha) e Herbert. Leo não apresentou Leoni
como seu parceiro na música “Fórmula do amor”. Leoni partiu para cima
de Leo. A mulher de Leoni, a modelo Fabiana Kherlakian, começou a
discutir com Paula, que a agrediu. Leoni tentou defender Fabiana mas le-
vou um pandeirada de Paula. Herbert, namorado de Paula, se meteu na
briga. E a coisa ficou mais ou menos nisso. Ferido, só o Kid Abelha: Leoni
saiu da banda e formou os Heróis da Resistência. O escândalo, no entan-
to, reverberou por muito tempo. Um baita mico.
Antes do lançamento de “Selvagem?”, com Barone já totalmente
recuperado da fratura na perna, os Paralamas fizeram sua primeira incur-
são aquela que, no decorrer dos anos, se tornaria sua pátria adotiva, a
Argentina. No começo de março, o trio tocou em Córdoba, no festival
Chateau Rock, e em Buenos Aires, na danceteria Paradis. Antes do final
do ano, em novembro, com “Selvagem?” já editado lá, eles voltariam para
tocar no estádio do Obras Sanitárias, em Buenos Aires, dividindo a noite
com o grupo local Sumo. “O convite à sensualidade e a densa calma do
reggae jamaicano, acentuada pela paixão tribal das percussões africanas,
explodem nos Paralamas ao lado de letras vivas e de uma expressiva ca-
pacidade para desenvolver-se no aspecto sonoro dos anos 80 e isto foi o
que entendeu claramente um público alegre como poucos”, derramou-se
o jornalista Carlo Polimeni no “Clarín” de 19 de novembro.
No Brasil, “Selvagem?” também foi recebido com fogos de artifícios,
virando parâmetro como “o futuro do rock”. O que dava essa autorida-
de moral? Bem, um hit nato, “Alagados”, que vingou dentro da própria
EMI-Odeon, que pretendia fazer de “A dama e o vagabundo” a música
de trabalho. Nessa faixa manifestava-se, além da influência das sonori-
dades africanas, a crescente consciência social daqueles três filhinhos de
papai: “Alagados, Trenchtown, Favela da Maré/ À esperança não vem do
mar/ Nem das antenas de TV/ A arte de viver da fé/ Só não se sabe fé em
quê”. “Alagados” à parte, O disco continha um hilário toast, “Melô do
Marinheiro”, uma letra de Gilberto Gil musicada pelo trio, “A novida-
de”, e uma apaixonada versão para Tim Maia, “Você”, Os receios da
80 85
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
gravadora ante o desempenho comercial de “Selvagem?” logo se mostra-
ram ridiculamente infundados. Quando, na noite de 30 de julho de 86,
uma quarta-feira, os Paralamas subiram ao palco do Canecão para lan-
çar oficialmente o disco, este já batera a casa de 300 mil cópias vendidas
— um mês e meio depois de ter chegado as lojas.
A mestiçagem de “Selvagem?” deu o empurrãozinho que faltava para
a banda deslanchar uma carreira internacional como nenhuma outra bra-
sileira jamais tivera. Além da Argentina, a virada 86/87 levou os Paralamas
à Espanha, ao Paraguai, ao Uruguai, a Portugal, ao Chile, à França e à
Suíça, sempre com boa receptividade. No Festival de Montreux gravaram,
a 4 de julho de 1987, seu primeiro álbum ao vivo, intitulado simplesmente
“D” — sendo “D”, a quarta letra do alfabeto, correspondendo ao quar-
to disco. Além dos incontornáveis hits, o LP incluía duas músicas inédi-
tas no vinil: “Será que vai chover?” (do próprio Herbert) e “Charles anjo
45” (de Jorge Ben). “D” foi o primeiro disco a contar com um quarto
paralama, o tecladista João “Fera” Gonçalves. Por esta época, a banda
estava sentindo a necessidade de agregar novos músicos para expandir seu
espectro sonoro. É a época, também, em que os PdS começam a traba-
lhar com uma seção de metais. Em “D?”, no entanto, o solitário metal em
“ska” é o sax de George Israel, do Kid Abelha.
O ano de 87 fechou com a exibição, em horário nobre, pelo SBT, do
especial “V, o vídeo”, produzido pela Antevê, com roteiro e direção de
Sandra Kogut e Roberto Berliner. Levado ao ar no dia 28 de dezembro,
“V? era uma tentativa da emissora de Sílvio Santos de passar uma ima-
gem mais sofisticada. No Brasil, tradicionalmente, especial musical de fim
de ano é coisa para Roberto Carlos, Xuxa & Cia. O documentário, que
pouco depois seria lançado como home video, misturava entrevistas, clips
(de “Alagados” e “A novidade”, este gravado na barca Rio-Niterói) e cenas
de shows, inclusive o de Montreux.
Se 1987 fechou bem, 1988 abriu melhor ainda. Logo no dia 3 de
janeiro os Paralamas estavam de volta a Buenos Aires, para abrir o show
de Tina Turner no estádio do River Plate, o Monumental de Nunez. Her-
bert, Bi e Barone dividiram com a ex-senhora Ike o entusiasmo dos pro-
tenhos. Quatro dias depois, o trio já estava na Praça da Apoteose, no Rio,
abrindo a segunda noite do primeiro Hollywood Rock para o UB40 (ou-
tra de suas grandes influências) e o Simple Minds. Depois de lavar a alma
da platéia por uma hora, com sua saraivada de sucessos, Herbert ainda
voltou ao palco no final da apresentação do UB40, convocado pelo gui-
tarrista Robin Campbell para dividir os vocais de “Sing our own song”.
86 Arthur Dapieve
Em fevereiro, os três paralamas oficiais, mais João Fera, Matos (trom-
bone), Humberto Araújo (sax) e Don Harris (trompete), se enfurnaram
nos estúdios da EMI para gravar seu quinto LP, “Bora Bora”. No mês
seguinte, lá estava o trio mixando o disco no estúdio Townhouse, em
Londres, tendo nas salas contíguas Eric Clapton, Freddie Mercury e Boy
George. Um luxo, mas nem tudo foram flores. Uma safra defeituosa de
fitas Ampex quase põe todo o trabalho Tâmisa abaixo. Foi preciso um
milagre para que o reggae pesado “O beco” pudesse ser lançado a tempo
de fazer sucesso e atrair as atenções para o álbum que vinha atrás.
“Bora Bora” chegou às lojas no dia 27 de maio. Um disco maníaco-
depressivo. O lado A era uma festa polirrítmica, com “O beco”, o afro-
instrumental “Bundalelê”, o baião-forró-reggae-funk “Um a um?” (de
Edgar Ferreira) e o toast drogas-não “Don't give me that” (parceria de
Herbert e Bi com o DJ jamaicano Peter Metro). O lado B era uma fossa
abissal, com “Uns dias” (“Fu chorava de amor/ E não porque sofria/ Mas
você chegou, já era dia/ E não tava sozinha/ Eu tive fora uns dias/ Eu te
odiei uns dias/ Eu quis te matar”, se rasgava aquela que até hoje é a mú-
sica favorita de Herbert Vianna), “Quase um segundo” (“Às vezes te odeio
por quase um segundo/ Depois te amo mais”, declarava a balada, com o
piano do roqueiro argentino Charly Garcia ao fundo) e “O fundo do co-
ração” (“Nada me espanta/Sou quase feliz/ Eu sempre pergunto/ Você nun-
ca diz/ Se é assim o amor/ Sempre por um triz”). Este lado era tão escan-
carado que, pouco depois do lançamento de “Bora Bora”, quando os
Paralamas encontraram Cazuza num aeroporto, o intérprete de “Exage-
rado”se agarrou a seu amigo Herbert dizendo: “Este lado B é meu! Você
roubou!” O motivo de tamanha dor-de-cotovelo em público? O fim do
casamento de Herbert com Paula Toller. “Teve época em que eu perdi o
rumo. Hoje eu tenho distanciamento para falar a respeito dela”, me ad-
mitia Herbert em entrevista publicada no “Jornal do Brasil” de 25 de maio.
Essa dor conferiu a “Bora Bora” as cicatrizes da maturidade. As le-
tras nunca haviam sido tão boas. O instrumental estava no ponto. Cinco
dias antes de o disco chegar às lojas, os PdS fizeram um show para convi-
dados na casa noturna Aeroanta, em São Paulo. Enquanto a chuva eo frio
providenciavam o melhor clima possível para a infelicidade do album, no
palco, o trio (e sua banda de apoio) esticou as seis músicas programadas
para um espetáculo completo, de uma hora de duração. Ali, cada um mos-
trou ser senhor de seu instrumento — sendo que Barone comprovou ser O
melhor baterista do rock brasileiro. O concerto na noite de encerramento
no Mara-
do terceiro e último festival Alternativa Nativa, em 17 de julho,
80 87
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
canãzinho, e uma temporada de duas semanas no Canecão, a partir de 18
de agosto, expuseram esse estado-da-arte ao grande público.
Mais de um ano, bem aproveitado em excursões, separou o parto de
“Bora Bora” das gravações do disco seguinte, “Big bang”. Foi um ano
importante para mudar o astral do principal letrista dos Paralamas. O que
“Bora Bora” tinha de introvertido e chuvoso, “Big bang” tinha de extro-
vertido e ensolarado. Até o show de apresentação do sexto LP para con-
vidados refletiu essa troca de estações. Em vez de São Paulo, Rio. Em vez
de frio, calor. Em vez da Aeroanta, a Fundição Progresso. Foi lá que, a
20 de novembro de 1989, Herbert mostrou que dera a volta por cima,
misturando, nas letras, o coletivismo de “Selvagem?” com o individua-
lismo de “Bora Bora”.
Coletivismo em “Perplexo”: “Fim da censura, do dinheiro, muda
nome, corta zero/ Entra na fila de outra fila pra pagar/ Quero entender,
quero entender, quero entender/ Tudo o que eu posso e o que não pos-
so”. Individualismo em “Lanterna dos afogados”: “Quando está escuro/
E ninguém te ouve/ Quando chega a noite/ E você pode chorar/ Há uma
luz no túnel/ Dos desesperados/ Há um cais de porto/ Pra quem precisa
chegar”. Entre estes dois hits de “Big bang”, faixas que só nos faziam
chamar os Paralamas do Sucesso de grupo de rock por força do hábito
ou falta de melhor expressão. O disco englobava ska-instrumental (“Vul-
cão dub”), sambinha bossa-novista (“Nebulosa do amor”), musica afro-
progressiva (“Esqueça o que te disseram sobre o amor”) e alguma coisa
irrotulável, rap-repentes no meio do caminho entre o Nordeste e a Jamaica
(“Rabicho do cachorro rabugento” e “Cachorro na feira”). A rigor, so-
mente a linda “Lanterna dos afogados” poderia ser considerada pop-rock;
o resto era uma saudável mixórdia de gêneros.
Em janeiro de 1990, os Paralamas voltavam pra casa, isto é, para a
estrada. Sucesso aqui e alhures, como sempre. E a sensação de que, com
dez anos de carreira, já era possível dar uma parada nos estúdios e olhar
para trás. Daí, “ Arquivo”. Lançado no final do ano, o disco encarava a
nova década com uma inédita (“Caleidoscópio”, que anos antes Herbert
dera para Dulce Quental gravar), uma “versão 90” para “Vital e sua moto”
e uma faixa remixada (“Cinema mudo”), fora os maiores sucessos anun-
ciados na capa: “Óculos”, “Meu erro”, “Alasados”, “Olbeco" erezétcs
Um passado irretocável preparando o terreno para discos cada vez mais
ousados, trabalhos solo e até uma compilação em espanhol. Herbert ain-
da iria se orgulhar de seu sotaque argentino.
88 Arthur Dapieve
Na
TITÃS
UM POR OITO (OU NOVE), NOVE (OU OITO) POR UM
80 89
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
No cabelereiro: os Titãs do Iê-lê, anda com André Jung na bateria
é que cada um atirava numa direção. O Trio Mamão, por exemplo, fazia
uma MPB esquisitíssima, se apresentava com roupas cobertas por lante-
joulas, decorava o palco com araras. No repertório, músicas como “ Alcinos”
e “Rainha pretinha da voz africana”, uma homenagem a Clementina de
Jesus. O Sossega Leão era um bando de gente chegada a afro-latinidades.
A Aguilar & Banda Performática era isso, um mix de música e teatro, com
longos textos musicados e performances alegres porém herméticas. Os Per-
plexos eram um grupo de jazz. Por cima de todos, um verniz sóciocultu-
ral-econômico. Arnaldo era filho de um professor e pianista; Sérgio, do polí-
tico Almino Afonso. Arnaldo estudava Linguística; Sérgio, Filosofia. Ambos
na USP.
Em 1981, um projeto aproximou vários dos futuros Titãs: o “Fita
das musas”, no qual cada um gravava uma música em homenagem à sua
dita cuja. Participaram da brincadeira, entre outros, Arnaldo, Paulo, Mar-
celo, Branco, Tony, Sérgio, Ciro e o carioca Fausto Fawcett. À fita che-
gou a ter lançamento “comercial” no bar Terceiro Mundo. À partir des-
sa festa um projeto foi chamando outro e os Titãs começaram a tocar
juntos. Bem, tocar era força de expressão: embora todos tivessem algu-
ma formação musical, na prática eles aprenderam com o grupo. Nesses
primórdios, inclusive, alguns ainda tocavam instrumentos diferentes da-
queles nos quais se tornariam conhecidos. Paulo era o baixista e Nando,
o baterista. “Lembro que na época foi meio assim: “Quem vai tocar O
quê?”, dizia Paulo na revista “Bizz”de novembro de 89.
Foi um conhecido dele que acabou assumindo a bateria às vesperas
de uma apresentação no Sesc Pompéia, em outubro de 82: 0 pernambucano
André Jung. Foi como um noneto que os Titãs do Ie-lê fizeram a ronda
na noite paulistana. Napalm, Pub Vitória, Madame Sata, um circuito que
ainda se tornaria mitológico. Passaram dois anos nessa vida, trabalhan-
do um repertório que alternava composições próprias — todos no grupo
compunham — e releituras por vezes insólitas — de Lennon & McCartney,
Roberto Carlos, Tim Maia, Odair José, Noel Rosa. Covers nunca feitos,
entretanto, com a intenção de ironizar ou parodiar a versão original.
Assim, conviviam músicas de títulos estranhos, como “Dinheiro é
para gastar com a família”, “Lilian, a suja”, “Bichos escrotos”, “Ment-
na moderna”, “Pule”, “Sonifera ilha”, e versões ainda mais estranhas,
como “Balada para John & Yoko”, “Marvin” (para o reggae “Patches”,
de Dunbar & Jonhson) e “Querem meu sangue” (para outro reggae, E Qlat=
híbrido
harder they come”, de Jimmy Cliff). No meio do caminho, um
de original e versão, “Go back”, poema do falecido tropicalista Torquato
80 91
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Neto musicado por Sérgio Britto. Os shows foram colocando cada músi-
ca e cada músico em seu lugar. Na guitarra, Marcelo e Tony. No baixo,
Paulo e Nando. Nos teclados, Sérgio. Na bateria, André. Nas vozes, Ar-
naldo, Branco e Ciro, com o reforço de Paulo, Nandoe Sérgio.
Colocar essa gente toda em cima do palco não era tarefa fácil. Pri-
meiro porque os palcos das muitas casas noturnas não primavam pela
grandeza. Segundo porque ou era preciso organizar aquela suruba de re-
vezamento de vocalistas e instrumentistas ou desistir de qualquer forma
de organização. Com a sequência de shows foi-se chegando a uma impres-
sionante harmonia na desarmonia. Ou vice-versa. Se, na prática, era im-
possível reduzir nove cabeças a um denominador comum, na teoria dava
mais ou menos para explicar. “No início, nós pretendíamos seguir a li-
nha do iê-iê, que já era uma outra leitura do 1ê-1ê-18. Mas com o tempo
fomos incorporando vários outros ritmos, como o funk, a discoteca etc.
sempre com o objetivo de fazer show-baile, música para dançar”, decla-
tava Ciro Pessoa ao “Jornal da Tarde” de 31 de março de 1988, a pro-
pósito de uma curta temporada dos Titãs (à época já sem o “do 18-16”)
no Centro Cultural São Paulo. Nela, entraram também “Pierr6”, de Gil-
berto de Carvalho, e “O feio”, de Getúlio Cortez.
Mais adiante, em 23 de junho, os Titãs participaram, junto com o
Ira e Kid Vinil & O Magazine, de uma “festa new wave” no Sesc Pom-
péia. Lá dentro, uma galera de terninho e óculos retrô-modernosos se
esbaldou até depois das quatro da manhã, dançando ao som de “Babi
índio” (de Branco e Ciro), “Núcleo-base” (de Edgard Scandurra) e “Eu
sou boy” (de Antônio Carlos Seneforte, o Kid Vinil). Presentes à festa, os
punks ficaram relativamente quietos, perto do palco, como penetras bem-
comportados. O evento ganhou a capa da “Ilustrada” de dois dias depois.
Nela, Marcos Santilli, dono da Memória, firma promotora do baile, dei-
tava regra: “(A new wave é) uma espécie de reciclagem dos valores da
década de 50, produzindo música que envolve a sugestão de mais criati-
vidade que talento (...) o punk puxa para o mau gosto, a hostilidade. O
new wave é mais comportado e menos pobre”.
E os Titãs com todo esse besteirol? Nada. Um desavisado que bai-
xasse num de seus show encontraria uma banda entre o pop e o reggae,
com coreografias cuidadosamente desencontradas e agressivas. A perfor-
mance do noneto — que por esta época estava voltando a ser um simples
octeto, com a saída de Ciro Pessoa, que foi se dedicar somente ao Cabine
C — atraiu a atenção das TVs antes das gravadoras. Ele, assim, se tor-
nou assíduo frequentador dos programas do Chacrinha, do Bolinha, do
Arthur Dapieve
Barros de Alencar, do Raul Gil, da Hebe Camargo. A estranheza que
aqueles doidos causavam nesses templos da cafonália apenas aumentava
a distância que os separava do mainstream da já então fervilhante cena
roqueira brasileira. Os Titãs eram marginais entre os marginais. New
brega, dizia-se.
Eles gravaram várias fitas demo, enviadas a produtores e gravado-
ras. No entanto, como a cautela ainda imperava no mercado — sobretu-
do diante de um trabalho tão irrotulável, tão não-segmentado quanto o
deles —, o máximo que conseguiram a princípio foram convites para par-
ticipar de coletâneas pau-de-sebo, aqueles balões de ensaio prensados em
vinil. Todos estes convites foram recusados: os oito concordavam que a
gravação de apenas uma música de seu extenso repertório perigava redu-
zir-lhes a uma de suas muitas faces, ou seja, perigava pespegar-lhes um
rótulo. E isso eles não queriam de jeito nenhum. Portanto, um LP, e não
somente uma faixa numa coletânea ou um compacto, era uma questão
de honra para o grupo.
A história só desempacou quando uma das fitas demo caiu nos ou-
vidos do olheiro da Warner em São Paulo, Pena Schmidt. Levada ao pre-
sidente da gravadora, André Midanui, ela serviu de passaporte para o con-
trato. Conceitualmente, os Titãs fizeram valer sua condição sine qua non:
partir direto para um LP. Mas, na prática, as condições, se não foram in-
digentes, deixaram muito a desejar. Havia um bom produtor, o próprio
Peninha, mas havia um grupo sem experiência de estúdio enfiado num
estúdio sem experiência de grupo, o Áudio Patrulha, usado para a grava-
ção de jingles. Onze músicas foram selecionadas para dar conta de todas
as estéticas que conviviam dentro das oito cabeças.
“Titas”, o LP, abria com “Sonífera ilha”, já um quase hit com seu
nonsense arábico (“Não posso mais viver assim ao seu ladinho/ Por isso
colo meu ouvido no radinho/ De pilha/ Pra te sintonizar/ Sozinha numa
ilha”). Registrava os covers “Marvin”, “Querem meu sangue” e « Bala-
da para John & Yoko”. Da própria lavra, duas músicas chamavam a aten-
caos Pula? (“Ô nenê, você nasceu ontem/ Com os dias contados”), uma
celebração do suicídio; e “Demais” (“Mahatma Gandhi, Krishna, Deus/
Mas só você pode me salvar agora”), uma balada neobrega que tempos
antes fora impiedosamente vaiada no Circo Voador, no Rio de Janeiro.
Embora dez anos depois “Titãs” continue uma delícia, na época o resul-
tado final decepcionou o grupo. “Ficou muito distante do que os Titãs
faziam ao vivo. Ficamos deprimidos quando ouvimos”, declararia Tony
à “Bizz”de novembro de 89. “A bateria soava como dois gravetos”, geme
94 Arthur Dapieve
contou com uma pós-produção mais esmerada, que incluía um release para
imprensa assinado pelo poeta Waly Salomão.
Disco conceitual organizado para emular um giro pelo dial, “Tele-
visão” foi lançado com um show no Pool Music Hall, nos dias 27 e 28
de junho. Foi bem recebido pela crítica (Marco Augusto Gonçalves, na
“Folha”, escreveu que o grupo passara no teste do segundo disco; Jamari
França, no “Jornal do Brasil” saudou o disco como um “passo adiante”
no rock brasileiro), mas poderia ter sido ainda mais badalado se, no co-
meço do mês seguinte, não tivesse sido atropelado pelo primeiro LP do
Ultraje a Rigor, “Nós vamos invadir sua praia”. Porque “Televisão” era
muito superior a “Titãs”. A começar pela programática faixa-título, que
homenageava o comediante Ronald Golias através de um de seus bordões:
“Ó Cride, fala pra mãe/ Que tudo que a antena captar meu coração cap-
tura/ Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!”
Seguia-se outra obra-prima, “Insensível”, meio reggae, meio pop, com
um refrãozinho irresistível. E mais outra, “Pavimentação”, um funk urba-
nóide. E mais outra, “Dona Nenê”, um rockinho futurista de surpreen-
dentes tons sombrios. E mais “Não vou me adaptar” e mais “ Autonomia”
e mais “Massacre”. Esta, uma composição de Sérgio e Marcelo gritada
por Sérgio, Arnaldo, Paulo e Branco em 1m40s, era, talvez, a mais fiel
reprodução em disco do peso que os Titãs tinham no palco e apontava
para o caminho que a sua carreira seguiria no futuro (mas isso o ouvinte
só viria a descobrir no ano e no disco seguinte...). Sua letra caoticamente
poliglota era: “Massacre!/ Massacre de uomo!/ Matança!/ Matança de
donna!/ Eu vi, eu vi, eu vi/ En jornal nacionale!/ El Duce!/ El Duce en Itá-
lia/ El Fúhrer!/ El Fúhrer en Germânia!/ Brazil, Brazil, Brazil,/ Aldeia
Globale!” Um hardcore apátrida e genial.
No meio do caminho dos Titãs estavam 158 miligramas de heroína.
Na madrugada de 13 de novembro de 1985, Tony Bellotto foi preso com
30 miligramas da droga quando o táxi que o transportava foi parado por
uma viatura da PM na Avenida Paulista, perto do Parque Trianon. Leva-
do para o 4º Distrito Policial, na Consolação, o guitarrista confessou ter
recebido o papelote de Arnaldo Antunes. Este, por sua vez, foi preso pouco
depois em seu apartamento na Paulista, com 128 miligramas de heroína.
Na manhã seguinte, Tony pagou uma fiança e foi solto, Arnaldo não: a
quantidade da droga encontrada sem seu poder caracterizava tráfico de
entorpecentes, crime inafiançável. Durante 26 dias a defesa tentou des-
qualificar Arnaldo como traficante, pedindo que ele fosse submetido a
exames médicos que comprovariam seu vício. Por duas vezes, o vocalista
96 Arthur Dapieve
Polícia: Arnaldo Antunes passou 26 dias preso, em 1985
não era nada disso. Ou melhor: talvez até fosse, mas jamais, em tempo
algum, se assumiria enquanto tal. Como todos compunham e quase to-
dos cantavam, os Titãs sempre abominaram a figura do porta-voz. Eram
até chatos nessa anarquia, nesse democratismo, nesse espírito de um por
oito, oito por um. Mesmo indesejada pelo próprio, a suposta liderança
de Arnaldo com o tempo foi incomodando alguns outros membros do
grupo (de tal forma que, quando ele saiu em carreira solo, em dezembro
de 1992, veio à tona seu apelido de “Tabacow”, usado por alguns ex-
colegas para se vingar de suas supostas puxadas de tapete).
Em abril de 86, Os Titãs se enfiaram no estúdio Nas Nuvens, no Rio,
atrás de uma identidade. “Nos dois primeiros discos era como se a gente
estivesse tateando”, avalia Arnaldo. “A gente não queria soar como vá-
rias bandas diferentes no mesmo disco. À gente tinha que ter uma cara”.
Com a produção de Liminha, Peninha e Vítor Farias, o terceiro LP foi
tomando uma feição duplamente mais pesada do que os anteriores: nas
letras e nas músicas. “O clima do disco tinha uma revolta contra o episó-
dio da prisão”, lembra Arnaldo. Além de “Estado violência”, outra fai-
xa, Policia”, de Tony Bellotro; fazia relerência diretasalele: “Dizem que
ela existe pra ajudar/ Dizem que ela existe pra proteger/ Eu sei-que ela pode
te parar/ Eu sei que ela pode te prender/ Polícia para quem precisa/ Poli-
cia para quem precisa de polícia”, cuspia Sérgio nos vocais principais. As
duas acabaram arrastando outras de igual virulência. “Foi o disco em que
a gente mais se preocupou em ter uma unidade de conceito, em falar das
instituições”, explica Arnaldo. Assim, lá estavam verbetes de um dicio-
nário igongelastas “Tereja” “Família”, “Porrada”, “Dívidas”;
O clima geral do disco — intitulado “Cabeça dinossauro”, nome
também da faixa de abertura, cujo instrumental foi adaptado de uma
cerimônia indígena para afastar maus espíritos — estimulou os Titãs a
gravar uma de suas mais antigas músicas, “Bichos escrotos”, velho sucesso
nas noitadas punk no Napalm. O refrão era catártico: “Oncinha pinta-
da,/ Zebrinha listrada,/ Coelhinho peludo,/ Vão se foder!/ Porque aqui na
face da Terra. Só bicho escroto é que vai ter!” Evidentemente a Censura
Federal proibiu a radiodifusão e a execução pública da música, o que,
aquela altura do campeonato, só serviria como atestado de qualidade. Em
pouco tempo, aliás, as emissoras de rádio estariam levando ao ar versões
editadas sem o palavrão.
“Cabeça dinossauro” chegou às lojas na última semana de junho de
86. E imediatamente todos perceberam estar diante de uma obra ímpar,
de uma obra-prima. No disco, todos os instrumentos funcionavam como
98 Arthur Dapieve
instrumentos de percussão; e a música brasileira nunca tivera letras tão
diretas. Do mesmo modo que “Massacre” era a única faixa de “Televi-
são” a anunciar o porvir, “Família” era a única faixa de “Cabeça di-
nossauro” a guardar algum parentesco com o anteriormente ouvido em
disco. O resto era uma porradaria sem limites. “Parece que os Titãs de-
ram um guinada a partir de “Cabeça dinossauro”, mas na cabeça da gente
sempre foi a mesma coisa, um amadurecimento natural”, diz Arnaldo.
“Nossa postura de palco sempre foi mais pesada”.
O lançamento oficial de “Cabeça dinossauro” se deu nos dias 23 e
24 de agosto, no Projeto SP, em São Paulo, e no dia 19 de setembro, no
Morro da Urca, no Rio, com direito a uma esticada, no dia 21, na dance-
teria Manhattan, em Jacarepaguá. Se em disco os Titãs haviam optado
por sua face mais hardcore — diminuindo a influência de pop, reggae, funk
e MPB em suas músicas —, no palco a mudança foi equivalente. Seu show
foi descarnado, potencializou sua violência e se transformou numa expe-
riência avassaladora, com aqueles oito caras berrando suas mensagens sem
nenhum aceno populista à platéia. Esta, por sua vez, transformou o LP
no maior sucesso comercial da carreira do grupo, comprando mais de 380
mil cópias. (No final de 1989, quando o “JB” elegeu os 20 melhores discos
da década, dez nacionais e dez estrangeiros, “Cabeça dinossauro” ganhou
19 votos em 30 possíveis, em um colégio eleitoral que incluía jornalistas
e artistas, tornando-se assim “o melhor disco brasileiro dos anos 80”).
Apesar disso, o Rio de Janeiro ainda era uma indecifrável esfinge para
os Titãs. Se o público carioca os estranhava, eles também estranhavam o
público carioca. A desconfiança recíproca só passou quando, no começo
de 1987, instigado por seu novo empresário, Manoel Poladian, o grupo
decidiu tocar numa segunda e numa terça, dias 2 e 3 de fevereiro, no tra-
dicional Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes. O sucesso foi tama-
nho que, a despeito de algumas cadeiras quebradas, programou-se logo
depois um bis para um sábado, 14 de março. Dessa vez, enquanto a ban-
da passava o som, o teatro foi invadido por uma horda de fãs que, em
seu entusiasmo, destruiu centenas de poltronas. À partir dali é que os Titas
passaram a reconhecer seu público no Rio.
“Cabeça dinossauro” nem esfriara ainda e, no começo de outubro,
as rádios já começavam a tocar “Lugar nenhum”, faixa do quarto LP do
grupo, “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”. Este parecia uma
continuação natural do disco anterior. Mas, no entender dos Titãs, não
era. “ “Jesus” tinha muitas novidades em relação a “Cabeça”, tinha o dado
eletrônico, a bateria eletrônica, a programação”, explica Arnaldo. Ele,
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Titãs: com o baterista Charles Gavin (à esq.) e Arnaldo (que sairia em 1992)
Branco, Paulo, Sérgio, Nando, Tony, Marcelo e Charles pintaram e bor-
daram dentro do estúdio Nas Nuvens, com o produtor Liminha se tor-
nando, na prática, um novo Tita, tal seu entrosamento com a banda. “Jesus
não tem dentes no país dos banguelas” expandia os horizontes do claus-
trofóbico “Cabeça dinossauro”. Mas a sofisticação dos arranjos e das
letras não implicou a diluição da agressividade grupal.
O disco saiu às ruas no dia 23 de novembro de 87 puxado por “Lu-
gar nenhum”: “Não sou de São Paulo, não sou japonês/ Não sou cario-
ca, não sou português/ Não sou de Brasília, não sou do Brasil./ Nenhu-
ma pátria me pariu”. Nele, os mais de 250 mil compradores descobriram
outras obras-primas: “Desordem”, “Corações e mentes” (ambas canta-
das por Sérgio Britto), “Diversão” (por Paulo Miklos), “Comida” (por
Arnaldo Antunes) e “Nome aos bois” (por Nando Reis). “Comida” se
tornou tão popular que acabou se tornando slogan de manifestações es-
tudantis, como já acontecera com “Polícia”. Tratava-se de uma neocanção
de protesto, sem o culto à miséria que caracterizava as antigas: “A gente
não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, dizia um tre-
cho. Já “Nome aos bois”, cujo primeiro nome foi “Garrastazu”, fazia uma
brilhante lista de fascistas em geral, a começar pelo próprio ex-presiden-
te, passando por Ronaldo Bôscoli (o nome que deu origem à série), Pi-
nochet, Gil Gomes, Adolf Hitler, Khomeini, Reagan e (Mark) Chapman,
o assassino de John Lennon. Nenhum latim gasto à toa.
No release distribuído à imprensa, o poeta Paulo Leminski dava uma
preciosa chave para entender o disco: “No “Cabeça dinossauro”, vocês
demoliram com os cinco pilares da ordem social, a polícia, o Estado, a
Igreja, a família e o capitalismo selvagem. Agora chegou a hora de vocês
começarem a demolir as coisas de dentro. (...) Os Titãs é o que restou do
rock, suas letras são o que restou de um país falido, um vice-pais, vice-
governado, vice-feliz, vice-versa”. A crítica (mais uma vez) caiu de qua-
tro. “ Jesus não tem dentes no país dos banguelas” pode sem nenhum favor
ser considerado o melhor disco produzido no Brasil em 1987”, afirmava
Luiz Carlos Mansur no “JB” de 14 de novembro.
Em vez de showzinho em teatros e danceterias, “Jesus” foi apresen-
tado ao público nas grandes arenas do primeiro festival Hollywood Rock:
Mo-
a Praça da Apoteose, no Rio, a 6 de janeiro de 1988, e o estádio do
rumbi, em São Paulo, seis dias depois, em noites abertas pelo conterrâneo
Ira! é fechados pelos anglo-americanos Pretenders. Tanto numa cidade
quanto na outra, os Titãs engoliram a concorrência. No Rio, isso ficou
ainda mais evidente diante das caóticas apresentações do Ira! (em briga
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
com a Mills & Niemeyer, empresa promotora do festival) e dos Pretenders
(sua líder, Chrissie Hynde, entrou em conflito com as câmeras da Rede
Globo que a filmavam). Perfeitamente concentrados e ensaiados, com
Liminha empunhando uma terceira guitarra, os Titãs realizaram um show
state-of-the-art, eleito pelo “JB” o melhor de todo o festival e considera-
do pela “Folha” um “novo marco para o rock brasileiro”.
Por essa época, o octeto/noneto paulista era sinônimo de estádios
cheios. A revista “IstoÉ” de 6 de abril falava em “titâmania” numa re-
portagem de Apoenan Rodrigues que reveleva que até o secretário de
Segurança Pública do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho,
apreciava, via dois filhos, o trabalho do grupo. “Eles abordam uma for-
ma saudável de crítica”, dizia o futuro governador. Tanta popularidade
levava o empresário Manoel Poladian a agendar mais apresentações do
que as aconselháveis. Os Titãs viviam numa roda-viva de Projeto SP,
Anhembi, Canecão, Maracanãzinho. “Fazíamos mais shows do que que-
ríamos”, admite Arnaldo. “Ao mesmo tempo, era legal, tinha público para
isso. E a gente era uma banda grande. Show era uma fonte de renda. Po-
díamos parar no máximo um mês”.
Naturalmente o próximo passo seria gravar um disco ao-vivo. Só que,
em vez de fazê-lo num delirante ginásio brasileiro, os Titãs e a Warner
preferiram o frio palco do Festival de Montreux, na Suíça, para o qual o
grupo havia sido convidado justo pelos apoteóticos shows no Hollywood
Rock, presenciados por Claude Nobs. Nada de “noite vrasileira”, entre-
tanto. Os Titãs tocaram na “noite roqueira”, junto com o inglês TºPau e
o americano 10.000 Maniacs. A gravadora queria que o disco trouxesse
material inédito, mas o grupo preferiu rearranjar velhas músicas para
mostrar que “Cabeça dinossauro” não fora um corte epistemológico em
sua trajetória. Por isso, o set list do show de 8 de julho incluía “Marvin”,
“Go back” (do primeiro disco), “Pavimentação”, “Não vou me adaptar”
e “Massacre” (de “Televisão”), totalmente diferentes das gravações ori-
ginais. Claro, lá estavam “Polícia”, “Lugar nenhum” e outras composi-
ções pós-“Dinossauros”. Diante de um público indiferente e com apenas
15 minutos para passar o som, os Titãs fizeram um milagre: o disco, apro-
priadamente batizado de “Go back”, saiu íntegro, graças, em parte, à pre-
dominância do ritmo sobre a melodia e a harmonia. Como eu escrevia
no “JB?” de 12 de outubro, “os Titãs são uma sessão rítmica”. Daí a uni-
versalidade do seu som.
“Go back” vendeu mais de 320 mil cópias, números que, somados aos
de “Cabeça” e aos de “Jesus”, davam à banda cacife até para gravar uma
“Olha, ao vivo os caras não tocam tanto não, eles até erram”, di-
ziam um para o outro os amigos Roger Rocha Moreira e Leonardo Galasso
enquanto assistiam a velhos vídeos dos seus idolatrados Beatles. Era o do-
it-yourselfem ação, animando a dupla a formar uma banda de covers para
tocar sobretudo músicas de Lennon & McCartney & Harrison & Starr
na noite paulistana. Essa banda na qual os únicos membros fixos eram
Roger nos vocais e na guitarra e Leonardo, mais conhecido como Leospa,
na bateria, inclusive já se chamara autocriticamente The Littles e The
Shitles. Aos poucos, porém, fora nascendo um repertório próprio entre
uma versão e outra. Agora, abril de 1983, depois de suar por bares e fes-
tinhas durante um ano e meio, batizada de Ultraje a Rigor por um mal-
entendido, a banda finalmente está fazendo seu primeiro show só com
composições próprias. No palco do Teatro da Lira Paulistana, dentro do
projeto “Boca no trombone”, Roger, Leospa, o guitarrista Edgard Scan-
durra e o baixista Maurício Rodrigues abrem a noite para o grupo Es-
quadrilha da Fumaça. Entre outras dez músicas eles tocam “Inútil” e
“Mim quer tocar”. Ao final da apresentação, o produtor Pena Schmidt,
da Warner, entra nos bastidores berrando “comprei, comprei”. Sotto voce,
Peninha diz a Roger que a gravadora está mais interessada nele, Roger, e
que há jogo para uma carreira solo. Roger recusa. Rock *n” roll é coisa
para um bando de machos.
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Mesquita e Patrícia Travassos, “eu me amo, eu me adoro, eu não consigo
viver sem mim”. Como “Blitz 3” só foi lançado em dezembro os cariocas
tiveram de mudar sua letra para “eu te amo, eu me adoro, eu não consigo
te ver sem mim”. Pura coincidência. Mas curiosa o bastante para dar mais
um gás na carreira do semidesconhecido grupo paulista. “Foi bom pra
gente”, admite Roger. “Isso acontece. O artista é uma antena. Eu mesmo
tenho uma música que nunca lancei, com refrão “Eu uso óculos...”
Roger, por sinal, sempre levou jeito para parabólica. Criticando ante-
cipadamente o compacto (!) na “Folha de S. Paulo” de 12 de agosto, Pepe
Escobar, que o considerou “uma versão brasileira do Madness”, escre-
via: “A letra (de “Eu me amo”) revela um sentimento legítimo na garota-
da pensante deste país”. E mais adiante: “(Rebelde sem causa) toca na veia
do problema de quase todo adolescente brasileiro, que termina adotan-
do uma atitude passiva, conformista e de hedonismo barato frente a tudo
porque em casa está tudo arrumadinho e os papais são “liberados” ”. Neste
compacto, o guitarrista já era Carlos Castello Branco, o Carlinhos, ex-
aluno de mitológico Lenny Gordin. Scandurra deixara a banda em janei-
ro. Com o estouro do BRock e o consequente aumento de trabalho, tor-
nara-se impossível se desdobrar em cinco bandas diferentes— e ele, mui
acertadamente, concentrou-se na sua banda de coração, o Ira, à época
ainda seno 6
“IR,
(9
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
cantava de cor e salteado hits como “Marylou” e “Inútil”, sem se intimidar
com a pré-histórica e pouco conhecida “O chiclete”, de Edgard Scandurra
(“O chiclete que você mastiga não é igual ao meu”, repetir 300 vezes).
Na época, o Ultraje tentou inventar uma Calçadada Fama diante da
cervejaria de Botafogo, a ser inaugurada, obviamente, por seus próprios
membros. “Pô, a gente é uns merda, acabamo de fazer uma banda e tudo
o que a gente faz junta gente que acha engraçado”, Roger se lembra de ter
pensado diante da trupe de jornalistas presente à palhaçada. Naquele mesmo
janeiro, a Sears lançou dois kits Ultraje a Rigor: o mais caro incluía um LP
“Nós vamos invadir sua praia”, uma camiseta, um button, um broche em
forma de guitarra, um adesivo, uma agenda, uma caneta e um chaveiro; o
mais barato tinha só o LP, a camiseta, o botton e o broche. Começava-se
a sentir um cheirinho de filme queimado.
Não era só a mídia que andava vigiando os passos do Ultraje a Ri-
gor. Em 5 de março de 86, Maurício foi preso em seu apartamento no
Brooklyn, em São Paulo, com 25 gramas de maconha. O baixista alegou
que trouxera a droga dos Estados Unidos “para experimentar”. “Sou
viciado apenas em rock “n” roll”, declarou no Departamento Estadual de
Investigações Criminais. Na ocasião, Roger, Leospa e Carlinhos ainda
estavam no exterior, comprando equipamentos que seriam apreendidos
pela Alfândega. Os quatro entraram novamente no Nas Nuvens em ou-
tubro, para preparar o LP que teria a responsabilidade de suceder a “Nós
vamos invadir sua praia”.
Ainda no começo dos trabalhos, depois de ter gravado as faixas “Pri-
sioneiro” e “A festa”, Carlinhos deixou a banda para ir estudar no afa-
mado Guitar Institute of Technology, em Los Angeles. Foi substituído,
sem maiores traumas, pelo carioca Sérgio Serra, que já emprestara sua
guitarra ao Barão Vermelho, a Leo Jaime e ao João Penca & Seus Miqui-
nhos Amestrados. O LP, intitulado “Sexo!!”, foi culdadosamente gestado
até o final do ano. Dele faziam parte duas músicas das antigas, “Ponto
de ônibus” e a quase-instrumental “Will Robinson e seus robots” (esta co-
assinada por Scandurra). No mais, como o nome do disco sutilmente in-
sinuava, o alvo prioritário estava na faixa-título, em “Eu gosto de mu-
lher”, em “Dênis, o que você quer ser quando crescer?” e em “Pelado”.
“Sempre tivemos o espírito jocoso das marchinhas de carnaval”, justifi-
ca Roger.
“Sexo!!?, o disco, chegou às lojas no dia 25 de março de 1987 e
quebrou o tabu do segundo disco: fez quase tanto sucesso quanto o pri-
meiro. Antes mesmo de o LP chegar às lojas, “Eu gosto de mulher” já
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
relação ao disco anterior — mas no caso deles isso é positivo. Numa época
em que virou moda expelir para o mundo denúncias e crises existenciais,
é Ótimo reencontrar-se com a irreverência às vezes infantil, às vezes anár-
quica do Ultraje. O resultado é desigual, mas vale a pena”. No “Estadão”
do dia seguinte, Luís Antônio Giron concordava que “o Ultraje não quer
evoluir com seus companheiros de rock nacional — e aí reside a marca
do grupo (...) faz o gênero primal (...) prefere teimar no humor e no rock
“nº roll”. Nas lojas, Roger, Leospa, Maurício e Serginho também passa-
ram no teste do segundo disco: “Sexo!!” acumulou vendas de mais de 320
mil cópias, três quartos das de “Nós vamos invadir sua praia”. Uma boa
performance.
A excursão para promover “Sexo!!” começou pelo Palácio das Con-
venções do Anhembi, em São Paulo, a 8 de maio de 87, e alcançou o
Canecão, no Rio de Janeiro, a 9 de junho. No meio do caminho, entre-
tanto, houve um incidente lamentável: o comerciário Edmilson Noguei-
ra, de 22 anos, foi morto com uma facada por um menor conhecido como
Neguinho durante o show que o Ultraje dava para 12 mil pessoas no
Ginásio Plácido Rocha, em Araçatuba, no interior de São Paulo, no final
de maio. Obviamente, o grupo foi isento de qualquer responsabilidade,
mas ficou pelo ar a explicação policialesca de que tudo fora coisa de “jo-
vens drogados”.
O grande incidente da turnê, no entanto, ainda estava por vir. No
dia 1ºde setembro, depois do show no Ginásio Silveirão, em Chapecó,
Santa Catarina, o grupo retornou ao Hotel Bertaso, o melhor da cidade,
perseguido pela habitual horda de trietes. A recepção barrou todas e o
quarteto foi jantar em seus quartos. Pouco depois, um porteiro bateu à
porta de Roger com quatro meninas que queriam conhecê-lo. Embora
estivesse exausto e faminto, Roger aceitou conversar com elas. Chegou a
comida, mas as quatro foram ficando, ficando, madrugada adentro. Ante
os apelos de Roger (“Olha, vocês são menores, vão acabar complicando
minha vida...”), três delas afinal foram embora. Ficou apenas uma, de 15
anos. À justiça demorou mais de quatro anos para aceitar que nada acon-
tecera naquela noite. Até lá...
Cinco dias depois, uma carta precatória alcançou o Ultraje a Rigor
na cidade paranaense de Maringá, intimando Roger a prestar depoimen-
to. À primeira acusação feita por Ana Maria Stinghen, mãe da menina,
falava em “estupro”. Não foi constatada nenhuma violência. Abriu-se um
segundo processo, desta vez por “sedução”. Constatou-se que o hímen
estava intacto. Abriu-se um terceiro processo, desta vez por “corrupção
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
antever o BRock como establishment. Paulo Ricardo havia se libertado
de qualquer resquício de timidez; era, sob a batuta de Ney Matogrosso,
um bem-acabado shorwman. Schiavon respondia pela maior parte da massa
sonora produzida pelo grupo; seus toques nos teclados tinham a beleza
de um iceberg. Deluqui ficava quieto, atento aos melhores momentos para
encaixar sua guitarra. E P.A. sentava a mão. Trocando em miúdos: o RPM
se tornara um improvável mix de rock pesado, rock progressivo e pós-punk.
Cada tribo podia escolher uma faceta para cultuar. Mesmo os MPBófilos:
no meio do roteiro, que repassava todas as 11 faixas de “Revoluções por
minuto” e apresentava duas inéditas (“Alvorada voraz” e a instrumental
“Naja”), surgiam “London, London”, de Caetano Veloso, e “Flores as-
trais”, de João Ricardo e João Apolinário, filho e pai, hit dos Secos &
Molhados do qual Ney fizera parte.
Em algum ponto da turnê “Rádio pirata” o culto fugiu ao controle.
O RPM — e mui particularmente PRM — se tornou o xodó nacional. O
pajé Sapaim, que tentava salvar a vida do envenenado biólogo Augusto
Ruschi, ganhou de presente uma fita cassete de “Revoluções por minu-
to” e declarou à imprensa: “Eu pedi a eles porque gostei muito”. Caeta-
no Veloso, por sua vez, elogiou publicamente os “ombros lindos” de Paulo
Ricardo. Pronto. Parecia que todas as filhas da pátria, e muitos filhos
também, estavam dispostas a deitar no berço esplêndido do vocalista. As
pilhas de calcinhas, bilhetinhos e flores que cobriam os palcos após cada
show do RPM eram sintomas dessa tara. Ou beatlemania à brasileira,
chame como quiser.
No começo de 1986 começou a circular pelas rádios uma versão
pirata, ao vivo, de “London, London”. Rapidamente a música se tornou
a mais pedida de todas as AMs e FMs do Brasil. A CBS decidiu capitali-
zar esse sucesso inesperado e tomou uma decisão ousada e, como tal, dis-
cutível: fazer do segundo disco do RPM um disco ao vivo. Gravado nos
dias 26 e 27 de maio no Palácio das Convenções do Anhembi, “Rádio
pirata — Ao vivo” chegou as lojas com um disco de platina: 250 mil có-
pias vendidas. O LP rearranjava cinco músicas de “Revoluções por mi-
nuto” (a própria, “A cruz e a espada”, “Olhar 43”, “Estação no infer-
no” e “Rádio pirata”) e registrava as duas inéditas (“Alvorada voraz” e
“Naja”) e as duas versões (“London, London” e “Flores astrais”). Dis-
cute-se até hoje se aquele ao vivo significou ou não a queima do filme do
RPM. “O melhor seria um maxi-single, com as inéditas e as versões, mas
os lojistas foram contra”, conta Paulo Ricardo. Certo ou errado, “Rádio
pirata” vendeu 2.200.000 cópias, recorde absoluto no Brasil.
9;
bo ud Arthur Dapieve
Um pouco antes e um pouco depois das gravações no Anhembi, o
grupo deu outra demonstração de força no Rio de Janeiro. Lotou o Mara-
canazinho por dois fins de semana, 9 e 10 de maio e 7 e 8 de junho. No
total, 42 mil cariocas viram os shows, proporcionando cenas de histeria
só equiparadas às provocadas pela seleção masculina de vôlei, campeã
olímpica em Barcelona, em 1992. Em agosto, o RPM ganhou da “Som-
Três” um daqueles posters que Paulo Ricardo escrevia apenas quatro anos
antes — só que, dessa vez, não havia uma bio bem-informada e escrita,
apenas fotos e dois parágrafos de babação de ovos. De quebra, o grupo
ainda apareceu tocando “Olhar 43” no filme “Rock estrela”, de Lael Ro-
drigues. Era impossível escapar.
À concentração dos spots sobre Paulo Ricardo, no entanto, estava
começando a rachar a bandá. Três dias antes de “Rádio pirata — Ao vivo”
ser lançado, o “JB” de 25 de julho publicava uma reportagem intitulada
“24 horas na vida do RPM”. Nela, Maurício Stycer acompanhava do
backstage um show em Araraquara, desde a saída de São Paulo, às 3h30m.
Havia pequenos perfis d' “As mulheres” do grupo (Moyra Linch, de Paulo
Ricardo; Marisa Gilfoni, de Schiavon; e Lília Lopes, de Deluqui), dº “A
babá” (o secretário Aguiberto Santos) e d” “A banda” (Schiavon, Deluqui
e P.A.). O grosso da reportagem descrevia a viagem, o show e os bastido-
res. No hall do Hotel Eldorado, na saída para a apresentação no Ginásio
Castelo Branco, um flagrante de desentendimento. Schiavon berra com
Aguiberto: “Te falei para você só me chamar quando o cara já estiver aqui
embaixo!” Ali, naquela frase, os fãs tomaram consciência de que o so-
nho poderia acabar de uma hora para outra.
Nas internas, a banda consumia cocaína em doses cavalares, o que
só adicionava mais onipotência e egocentrismo à embriaguez do superes-
trelato. “A gente tinha muito dinheiro”, recorda Paulo Ricardo. “Não
vendemos a mãe para comprar pó. Cheguei a cronometrar. De três mi-
nutos e meio em três minutos e meio nós cheirávamos uma lagartixa do
tamanho de um palmo do Emil Rached, permanentemente esticada” (com
2,23 metros de altura, o campineiro Emil Rached integrou a seleção bra-
sileira de basquete e contracenou com Os Trapalhões no cinema e na TV).
Em sua gentileza, P.A. era capaz de apresentar cocaina para qualquer um
com quem simpatizasse, incluindo porteiros e motoristas de táxi. As re-
lações dentro da banda estavam cada vez mais tensas, travando a criati-
vidade. Nem as batalhas de extintor de incêndio pelos corredores dos hotéis
descontraíam o ambiente ou afastavam a sensação de isolamento. “A gente
já não era... gente normal”, confessa o vocalista-baixista.
80 |to An
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
o grupo atirava em todas as direções para ver se acertava em alguma. Era
uma tentativa agoniada de manter a coesão através da reedição do velho
megassucesso. Mas, embora os números divulgados na época falassem em
até 300 mil cópias vendidas, o fato é que “RPM?” vendeu pouco mais que
a metade, 170 mil. Uma boa vendagem. Mas, em termos de RPM, um re-
tumbante fracasso.
A excursão de lançamento de “RPM” começou no dia 20 de agos-
to, com uma apresentação no mesmo Palácio das Convenções do Anhem-
bi que servira de “estúdio” para a gravação de “Rádio pirata — Ao
vivo”, dois anos antes. Na direção, em vez de Ney Matogrosso, Dênis
Carvalho. Essa não era a única mudança no time que havia vencido até
então. Paulo Ricardo se separara de Moyra, com quem tivera uma filha,
Paola Victoria, no ano anterior, e se casara com a modelo Luciana Ven-
dramini. E, pouco antes de embarcar para uma miniturnê americana, com
shows em Nova York (no S.0.B.), Newark e Boston, de 17 a 25 de se-
tembro, o RPM se separou de Manoel Poladian, e se juntou à Miils &
Niemeyer.
Na volta ao Brasil, o grupo mudou o nome da turnê de “RPM?” para
“Partners” e voltou à estrada. No dia 27 de outubro, estreava uma tem-
porada no Canecão, no Rio. O show era morno. Seus pontos altos eram
os velhos hits (“Louras geladas”, “Olhar 43”, “London, London”) e a
antológica interpretação de Paulo Ricardo para “Autonomia”, de Car-
tola, que gravara para o disco-tributo “Bate outra vez...”. Seus pontos
baixos eram a apatia com que eram tocadas as novas canções e a parti-
cipação de Milton Nascimento lendo a letra de “Feito nós”. No todo,
faltava o tesão que caracterizava a excursão anterior — pareciam qua-
tro funcionários públicos no palco. “Era meio um remendo, não mais o
RPM”, avalia Paulo Ricardo.
O remendo não resistiu muito tempo. O RPM se dissolveu após rea-
lizar três shows de despedida, de 23 a 25 de fevereiro de 1989, na dance-
teria paulistana DamaXoc. As razões oficiais eram mais ou menos as
mesmas das da primeira separação. “Todos nós somos compositores”,
dizia Schiavon a Roberto Comodo, no “JB” de 23 de fevereiro. “E não
dava mais para colocar todas as nossas músicas num único disco, mistu-
rando estilos que seriam incompatíveis com o do antigo RPM”. O tecla-
dista imaginava uma interrupção de um ou dois anos na carreira do gru-
po, mas, com os partners transformados em enemies, o RPM, ou ao me-
nos aquele RPM, acabou mesmo. Pela segunda vez.
80 2
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Legião Urbana: uma relação de amor & ódio com Brasília
10.
LEGIÃO URBANA
BRASÍLIA ET ORBIS
Era solitário ser punk naqueles dancin” days. O broche da banda certa
poderia significar o início de uma grande amizade. Era uma noite tedio-
sa, como tantas outras em Brasília. Renato Manfredini Jr., de 18 anos,
estava no Taverna, na SQS 103, um ponto de encontro para aqueles poucos
que, como ele, preferiam os Ramones aos Bee Gees. Eis que entra no bar
um clone de Sid Vicious, alto, louro, roupas rasgadas. O metrônomo de
Renato bateu mais rápido. “Hello, do you like Sex Pistols?”, arriscou o
jovem professor da Cultura Inglesa, que sabia estar diante de um aluno
da Escola Americana. À resposta afirmativa desembocou numa amizade
instantânea. O nome do gringo era André Pretorius. Ele era filho de em-
baixador sul-africano, era a ovelha negra da família, era punk e tocava
guitarra. Renato tocava baixo. Arrumar um baterista foi fácil. Renato co-
nhecia um, Felipe Lemos, fã de Iggy Pop e dos Stooges com quem dispu-
tava os “Melody Makers” que chegavam à biblioteca da Cultura. Juntos
sob o nome de Aborto Elétrico, os três ainda iriam errar dezenas de vezes
o 1-2-3-4-! na entrada de “Now I wanna sniff some glue”, dos Ramones.
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
dos Paralamas resistia em ter em seu cast outro trio-de-Brasília-com-um-
cantor-que-usa-óculos. Segundo, porque a fita que caíra nas mãos de novo
diretor artístico da casa, Jorge Davidson, fora a fita errada, isto é, uma
fita que Renato gravara em sua fase de Trovador Solitário — assim, por
algum tempo, a EMI queria transformá-los num grupo country, imagine
só. E, terceiro, porque demorou-se a chegar a um consenso sobre quem
seria o produtor ideal para o disco que deveria se chamar “Revolução por
minuto” — o escolhido acabou sendo o jornalista José Emílio Rondeau.
Entre marchas e contramarchas, o Legião Urbana se tornou um quar-
teto, agregando o baixista Renato Rocha, vulgo Billy, vulgo Negrete, um
velho conhecido, da facção hardcore da turma de Brasília. Ele entrou na
banda tanto porque Renato desejava se dedicar a outros afazeres, como
cantar mais solto e empresariar, quanto porque Renato precisava ao menos
temporariamente de um substituto no baixo. Durante uma crise depres-
siva ele cortara os pulsos mais para chamar a atenção do que para se matar.
Estava, portanto, convalescendo de ferimentos que tiravam alguns movi-
mentos das mãos.
Sem nenhum compacto precursor, o LP “Legião Urbana”, foi lan-
çado em janeiro de 1985, às vésperas do Rock in Rio. Foi abafado pelo
megaevento: saiu do forno direto para um limbo de cerca de seis meses.
Passado este período, o público foi descobrindo, a despeito até de uma
certa má vontade da gravadora em divulgar seu próprio produto, que aque-
le quarteto de Brasília não era um aproveitador do sucesso dos Paralamas.
O disco começou a tocar nas rádios, quase faixa a faixa, e a vender, ven-
der muito mais, dez vezes mais do que as cinco mil cópias previstas timi-
damente pelo EMI-Odeon.
A primeira faixa a estourar foi “Será”. Nela, sobre a base carne-de-
pescoço que contrastava com os sininhos do glockenspiel (também conhe-
cido como carrilhão, uma espécie de xilofone com chapas de metal), ou-
via-se um anti (pelo contéudo) épico (pela forma de cantar): “Será só ima-
ginação?/ Será que nada vai acontecer?/ Será que é tudo isso em vão?/ Será
que vamos conseguir vencer?” Depois, em rápida sucessão, ocuparam o
primeiro lugar do hit parade das AMs e FMs “Geração Coca-Cola”, “Ain-
da é cedo” (uma torturada canção de amor), “Teorema” (cuja primeira
estrofe, iniciada por “Não vá embora/ Fique um pouco mais/ Ninguém
sabe fazer/ O que você me faz”, fora escrita a propósito de sexo oral), “Sol-
dados” (uma marcha à la U2 que a gravadora não queria no disco) e, um
pouco mais adiante, “Por enquanto” (a última do lado B, que terminava
com os conceituais versos “estamos indo de volta/ Pra casa”).
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
“Dois”, tanto as letras de Renato quanto o instrumental de Bonfá, Dado
e Negrete amadureceram audivelmente. Ao mesmo tempo, com o melhor
domínio do estúdio, havia até fitas ao contrário em “Acrilic on canvas”
e “Plantas embaixo do aquário”, à moda Beatle. |
Ao vivo, “Dois” foi lançado com uma temporada de duas semanas
no Noites Cariocas, no alto do Morro da Urca. À primeira foi relativa-
mente bem de público e rendeu uma faixa para o álbum duplo “Música
p/ acampamentos”, que seria lançado somente seis anos depois: “Ainda
é cedo”, registrada em 23 de agosto. À segunda semana foi fraca de bi-
lheteria. Era possível assistir ao show com os cotovelos apoiados no pal-
co — não havia grade de isolamento — e ler a set list presa ao chão com
fita crepe. Atrás uma galerinha pogava. Mais atrás um grande vazio na
pista. E, por fim, alguns gatos pingados nas arquibancadas. Uma trangui-
lidade, minutos-luz à frente dos grandes estádios lotados.
À impressão que se tinha é que, mais elaborado que “Legião Urba-
na” e ainda tendo de enfrentar a concorrência dos hits deste, “Dois” en-
frentaria um período de hibernação maior do que o do antecessor até ser
reconhecido — se é que um dia o fosse. Felizmente para a banda essa
desconfortável impressão não durou nem um mês. Logo o Legião estava
com uma temporada sold out no prestigioso Canecão. No palco, Renato
dançava como um oligofrênico enfurecido, Dado só faltava tocar de cos-
tas para o público de tanta timidez, Negrete parecia uma esfinge de éba-
no, paradão no canto dele, e Bonfá vibrava sozinho lá atrás, embora às
vezes tivesse seus momentos de Charlie Watts entediado.
Breve “Dois” havia batido a casa das 800 mil cópias vendidas e quase
todas suas músicas tocavam nas rádios, sendo que “Eduardo e Mônica”
virou coqueluche nacional. O céu, ou melhor, a Europa parecia o limite.
Cogitou-se uma excursão conjunta dos brasilienses Legião, Capital, Ple-
be e Detrito Federal em outubro/novembro por Bruxelas e Berlim, com
outras possíveis escalas em Londres, Lisboa, Porto, Barcelona, Madrid,
Hamburgo e Amsterdam — mas não só essa viagem nunca decolou como
Renato Russo & Cia. nunca saíram do país. Nem tudo era euforia, po-
rém. Num longo e pueril poema publicado no número 1 da revista “Re-
flexo” em outubro, poema intitulado “Scorpio rising”, o letrista do Le-
gião escrevia: “Você não sabe aproveitar a vida/ E talvez essa seja uma
de/ Suas maiores virtudes/ Não há dúvida”.
Excursões, só pelo Brasil, e muitas, para saciar todo o público jovem
que comprou “Dois” e fez de Renato seu porta-voz, sempre clamando por
ética, fosse na política fosse no amor. Durante essas excursões o letrista
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Engenheiros do Hawaii: o BRock que veio de Porto Alegre
ao,
ENGENHEIROS DO HAWAII
OS ESTRANGEIROS
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos 80
nunca teve aulas de guitarra. Teve apenas um mês de aula de bandolim.
Fascinado pelo instrumento, embora na verdade tivesse em mente tocar
cavaquinho, ele formou um grupo dechorinho adolescente com, entre
outros, Ricardo Horn, que mais de dez anos depois viria a ser guitarrista
dos Engenheiros do Hawaii. “Eram quatro alemão tocando chorinho,
bicho, era a coisa mais horrorosa que tinha”, lembra Gessinger. Aos 14
anos, ele, que só conseguia tirar músicas de Chico Buarque no violão,
ganhou sua primeira guitarra. Ligou a dita cuja, ficou traumatizado com
sua própria inabilidade, escondeu-a debaixo da cama e, tempos depois a
deu de presente. Reencontro, só na faculdade, ao pedir uma emprestada
para formar os Engenheiros.
Juntos, Gessinger, Maltz e Pitz eram olhados de soslaio pela cena
roqueira de Porto Alegre. Numa cidade onde ser punk e odiar a MPB era
a regra, os três flertavam com a MPG, Música Popular Gaúcha, cujos por
assim dizer expoentes eram Nelson Coelho de Castro, o grupo Musical
Saracura e, sobretudo, Nei Lisboa. O cantor-compositor já tinha, em 1985,
oito anos de carreira regional. Já lançara dois LPs, o independente “Para
viajar no cosmos não precisa gasolina” (83), que fora produzido a partir
da venda de bônus entre amigos, e “Noves fora” (85), pelo pequeno selo
gaúcho Acit. Para se ter uma idéia do irônico universo poético desse ca-
x1ense do Sul, à época com 28 anos, basta dizer que ele se inspirou numa
doença venérea que pegou para compor a música “Mônica tricomônica”.
A Censura Federal a proibiu, mas a Secretaria Estadual de Saúde a ado-
tou numa campanha preventiva.
Não que Gessinger & Cia não se entusiasmassem pelo do-it-yourself
punk. A diferença estava em que, ao descobrir o lema, o guitarrista pen-
sou: “Oba, serei o Steve Howe!” Rock progressivo definitivamente não
era uma boa referência para as outras bandas locais. Estas, por sinal, se
apegavam ao mundinho de Porto Alegre de uma maneira que os Enge-
nheiros consideravam incestuosa. Assim, ao mesmo tempo em que estou-
rou uma fita demo na Rádio Ipanema da capital gaúcha, o trio passou a
excursionar furiosamente pelo interior do estado. A estrada deu cancha
aos Engenheiros, cancha que por vias tortas os levaria a dar o pulo do
gato menos de um ano depois de sua formação.
Em setembro de 85, o gerente de projetos especiais da gravadora
RCA, Tadeu Valério, esteve em Porto Alegre para assistir ao 1º Festival
de Rock Sulino. Voltou de lá com a idéia de fazer uma coletânea de ban-
das gaúchas, um pau-de-sebo regional para ver no que ia dar. Os selecio-
nados foram Replicantes, TNT, De Falla, Garotos da Rua e Taranatiriça.
IRA!
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
ria e percussão. O homem das mil e uma bandas — Ira!, Ultraje a Rigor,
Mercenárias, Smack, Cabine C, Gang 90 pós-Júlio Barroso — se revela-
va o verdadeiro homem dos sete instrumentos. Só Taciana Barros, viúva
de Júlio, participava ao piano de uma faixa, “Abraços e brigas”. “Ami-
gos invisíveis” era admirável. Tinha uma nova versão para a pré-históri-
ca “Gritos na multidão”, um sentido cover para “Our love was”, do ído-
lo Pete Townshend, e uma faixa dedicada a seu filho, “Bem-vindo Daniel”,
entre outras pérolas.
Na verdade, “Amigos invisíveis” era tão bom que se refletiu — ne-
gativamente — no quarto LP do Ira!, “Clandestino”, gravado pouco de-
pois de seu lançamento. Se, mesmo registrado em sessões separadas, o
instrumental de Edgard, Gaspa e Jung continuava o fino, o mesmo não
se podia dizer das constrangedoras letras (Edgard parecia ter queimado
todos os seus cartuchos no trabalho solo) e dos instáveis vocais de Nasi
(o ponto fraco do quarteto). Ainda assim, apesar de todos esse desen-
contros, o disco alcançava bons momentos em “Melissa”, “Nasci em 62”,
“Cabeças quentes” e “Consciência limpa”. Entretanto, fiel ao seu título
passou quase clandestino pelo mercado: vendeu pouco mais da metade
de “Psicoacústica”. Trinta mil cópias e olhe lá.
Foi desse jeito, meio por baixo, que o Ira! passou da Eos de 80
para a de 90. À barra esteve tão pesada que tudo esteve a ponto de aca-
bar. O próprio Edgard pensou seriamente em sair da banda. Contudo, das
trevas se fez a luz e ele, inspirado por uma nova paixão, recomeçou a com-
por furiosamente, a compor até três músicas por dia. O resultado desse
furor, “Meninos da Rua Paulo”, produzido por Pena Schmidt e Geraldo
D'Arbilly, lançado em meados de 1991, deixou muito a desejar — letras
tatibitati, arranjos pouco inspirados. Porém, internamente, o LP reanimou
a banda, agastada pelo confronto entre “ Amigos invisíveis” e “Clandes-
tino”. Sintoma de ambas as coisas, a má safra e a boa-fé, era o entusias-
mo com que Nasi, Edgard, Gaspa e Jung se entregavam à versão de Raul
Seixas para “Lucy in the sky with diamonds”, de Lennon & McCartney,
“Você ainda pode sonhar”, a melhor faixa do disco. Emblemático.
1976. Sex Pistols, The Clash & Cia. barbarizavam na Inglaterra. Mas
no Brasil ainda imperava o rock progressivo. Entre as dezenas de grupos
nativos fissurados por Yes, Emerson, Lake & Palmer & Cia. estava o
carioca Chrisma, do qual faziam parte o baixista Carlos Leoni e o bate-
EA Arthur Dapieve
rista Carlos Beni. Em outra praia, a do blues, o saxofonista George Israel
mantinha uma banda instrumental com o guitarrista Roberto Frejat. Não
havia futuro, apenas amadores. Entretanto, cinco anos depois, em 1981,
por mera coincidência, dois desses garotos estavam estudando na PUC.
Leoni fazia Letras. George, Engenharia. O interesse pela música os apro-
ximou nos pilotis. Leoni convocou o velho amigo Beni e logo o trio esta-
va ensaiando. Certo dia, uma aluna do curso de Desenho Industrial, cha-
mada Paula Toller, apareceu para assistir a um dos ensaios. Ela se arris-
cou a cantarolar, aprovou e foi agregada à banda. Completavam o time
o guitarrista Beto Martins e o tecladista Richard Owens, americano, “con-
vidado especial”.
Em 1982, mesmo um grupo que não tivesse a menor pretensão de se
profissionalizar, como o supralistado sexteto, tinha nas mãos a faca e o
queijo para levar a brincadeira adiante. A faca e o queijo atendiam, res-
pectivamente, por Circo Voador e Rádio Fluminense FM. À turma de
Leoni e George conseguiu, de graça, seis horas de um estúdio de oito ca-
nais, propriedade de uns padres, para gravar e mixar sua primeira fita
demo. O repertório — cançonetas new wave como “Distração” e “Vida
de cão é chato pra cachorro” — estava bem ensaiado, de tanto ser toca-
do em festinhas em condomínios de São Conrado e da Barra da Tijuca.
Gravada e mixada a fita, era hora de levá-la à Flu-FM. Se ela fosse
aprovada e entrasse na programação da emissora — e as chances de isso
acontecer eram enormes —, tocar no Circo Voador era questão de dias.
Bem, a demo foi aprovada com louvor, mas, para que suas músicas fos-
sem ao ar, era preciso batizar a banda. Não que não se tivesse pensado nisso,
só não se chegara a nenhuma conclusão. Ali, na hora H, o portador da fita,
Beni, sem ter o que dizer, meteu a mão no bolso, achou a listinha dos pos-
síveis nomes, cruzou os dedos e mandou o primeiro: Kid Abelha & Os
Abóboras Selvagens. Pronto, a viagem não tinha mais volta.
Portanto, em 13 de novembro de 1982, o projeto “Rock Voador”,
do Circo, testemunhava a estréia do Kid Abelha & Os Abóboras Selva-
gens, abrindo a noite de sábado para Zé da Gaita e Jards Macalé. O gru-
po ainda não tinha nem fama bastante nem repertório suficiente para
,
sustentar um show sozinho. Menos de um mês depois, a 5 de dezembro
do Clube
lá estavam Paula, Leoni, Beni, George, Beto e Richard no salão
festa-sh ow de lançamen to do
Monte Líbano, na Lagoa, fazendo parte da
LP “Still life”, dos Rolling Stones, promovida pela EMI-Odeon. Na oca-
sião, além do próprio repertório, o Kid entoou um cover de “Let's spend
the night together”, de Jagger & Richards.
[5
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos 80
CAPITAL INICIAL
CAMISA DE VÊNUS
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
seguinte, quando Nova assinou um LP, “A panela do diabo”, junto com seu
ídolo Raul Seixas. Seria o último disco de Raul, morto a 21 de agosto de 1989.
Há quem diga que os estafantes shows de divulgação do trabalho apressa-
ram a morte do pai do BRock. É provável. Mas o disco ainda registra — em
parcerias com Nova — as derradeiras fagulhas do seu gênio em “Pastor João
e a igreja invisível” e “Carpinteiro do universo”. Raul — e Nova — pode
descansar em paz. O Camisa de Vênus não. Ele botou a cabeça para fora
da sepultura em meados de 1995.
INOCENTES
Vila Carolina, Zona Norte, São Paulo. Terra de punks. Lá, no iní-
cio de 1981, três ex-integrantes dos pioneiros Condutores de Cadáver, o
baixista Clemente, o guitarrista Callegari e o baterista Marcelino se jun-
taram ao vocalista Mauricinho para formar um grupo cuja trajetória se
confunde com a própria história do movimento punk brasileiro. Desde
então, os Inocentes — este o seu nome, tirado de uma poema de Clemen-
te — se mantêm na ativa, sobrevivendo às crises e ao entra-e-sai de seus
membros. Firme mesmo, de 81 até hoje, só o vocalista, compositor, bai-
xista e guitarrista Clemente Tadeu Nascimento.
Os Inocentes estrearam no primeiro minifestival Grito Suburbano, que
reuniu outras bandas punk, como Olho Seco, Lixomania, Anarkoólatras,
M-19 e Mack, em meados daquele mesmo ano de 1981, no Café-Teatro
Deixa Falar, na Avenida Santo Amaro. Vários outros Gritos Suburbanos
aconteceram, em locais diferentes, alguns deles com a presença da polícia.
A qualidade dos trabalhos apresentados estimulou a única loja ligada ao
movimento na cidade, a Punk Rock Discos, nas Grandes Galerias da Ave-
nida São João, a lançar uma coletânea em 45rpm, “Grito suburbano”. Dela
deveriam participar Inocentes, Olho Seco, Cólera, M-19 e Anarkoólatras,
mas a instabilidade de suas formações tirou as duas últimas da jogada. Melhor
para as outras, que puderam registrar quatro faixas cada. As dos Inocen-
tes foram “Pânico em S.P.”, “Garotos do subúrbio”, “Medo de morrer” e
“Morte nuclear”. Todas pesadas, rápidas, urgentes. À primeira, uma obra-
prima: “Mas o que eles não sabiam/ Aliás, o que ninguém sabia/ Era o que
estava acontecendo/ O que realmente acontecia”. A música podia ser en-
tendida como referência à própria emergência do movimento punk paulista.
No show de lançamento de “Grito suburbano”, em abril de 1982, os
Inocentes se apresentaram como um trio: Mauricinho fora expulso e Cle-
mente assumira também os vocais. Por essa época, a mídia burguesa já
PLEBE RUDE
Tal como Legião Urbana e Capital Inicial, o Plebe Rude foi gestado
na Brasília da abertura política, no início dos anos 80, filho do tédio e da
revolta. Nenhum de seus membros nasceu no Distrito Federal: o vocalista
e guitarrista Philippe Seabra nasceu em outra capital, Washington D.C.,
EUA, de onde veio para o Brasil com 10 anos; o outro vocalista e guitar-
rista, Jander Ameba Bilaphra, era mineiro; o baixista André X Mueller,
paranaense; o baterista Gutje Woorthmann, carioca. Em Brasília, um fi-
cou amigo do outro, e este do outro, e este outro de mais um. Os quatro,
no entanto, ensaiaram suas primeiras bandas separadamente, sendo a mais
bem-acabada delas a Blitz 64, da qual fizeram parte Gutje e o guitarrista
Loro Jones, futuro Capital Inicial.
O Plebe Rude se formou quase ao mesmo tempo em que, com o fim
do Aborto Elétrico e da Blitz 64, se formaram Legião e Capital, em mea-
dos de 1981. Mais precisamente a 7 de julho de 1981. Nesta data, Philippe,
André e Gutje fizeram sua primeira música, “Pressão social” (“Há uma
espada sobre minha cabeça/ É uma pressão social que não quer que eu
me esqueça/ Que tenho que estudar, que tenho que trabalhar”, pueril mas
sincero). Antes disso, André fora de fundamental importância na forma-
ção da própria cena brasiliense: era ele quem mandava as últimas novi-
BIQUÍNI CAVADÃO
Corre a lenda de que os versos “sabe esses dias em que horas dizem
nada?/ E você nem troca o pijama, preferia estar na cama/ O dia, a mo-
notonia tomou conta de mim/ É o tédio, cortando os meus programas,
esperando meu fim” foram rabiscados num caderno escolar durante uma
aula de Física no Colégio São Vicente, nas Laranjeiras, Zona Sul do Rio,
em algum dia de 1983. Estudando no mesmo lugar onde anos antes estu-
dara Lobão, encorajados pelo sucesso dele, da Blitz, dos Paralamas do
Sucesso e do Barão Vermelho, os colegas Bruno Gouvêia, Miguel Flores
da Cunha, André da Luz e Álvaro Lopes começaram a tocar juntos até
que o vestibular os separasse. Mas o vestibular não os separou. Com Bruno
cantando, Miguel tocando teclados, André, baixo, e Álvaro, bateria, o
quarteto continuou ensaiando e tocando em festinhas, descompromis-
sadamente, amadoristicamente, até o dia de 1984 em que encontrou e foi
adotado por Carlos Bem, ex-baterista do Kid Abelha, e Herbert Vianna,
guitarrista dos Paralamas do Sucesso. Foi Herbert quem batizou-o de Bi-
quíni Cavadão. Foi Beni quem produziu a primeira fita demo, com “Té-
dio” e “No mundo da Lua”, encaminhada, como era de praxe naquele
tempo, à Fluminense FM. Antes do fim do ano, a niueive “Tédio”, valo-
rizada pelo inexpressivo vocal de Bruno, já era um hit carioca. Em vias
de se tornar nacional: rapidamente a PolyGram ofereceu um contrato ao
BC. Nem o lançamento do primeiro compacto, no início de 1985, afas-
tou os boatos de que o grupo não existia, era apenas uma invenção de
Beni e de Herbert, que ainda dava uma força tocando guitarra.
Mas logo logo o Biquíni Cavadão era, se não respeitado, ao menos
tolerado, tolerado como a mais adolescente manifestação do BRock. Bru-
no, Miguel, André, Álvaro e Carlos Coelho — o guitarrista que entrou
na banda depois do estouro de “Tédio” — levariam muito tempo para se
livrar da imagem de colegiais, de CDFs, de nerds. Verdade que no come-
Arthur Dapieve
ço essa imagem simplesmente não os incomodava. Até por corresponder
à realidade. Para o bem e para o mal, “Tédio” retratava perfeitamente
seu título. A mais animadinha “No mundo da Lua”, idem, através de
versos como “não quero mais ouvir/ À minha mãe reclamar/ Quando eu
entrar no banheiro/ Ligar o chuveiro, mas não me molhar”. Já “Inseguro
de vida” escorregava para o pueril: “ É normal que num fim de semana;
Ao viajar, muita gente morra/ Entre as ferragens de um fusca/ Sem que
ninguém socorra” e daí pra baixo. De qualquer forma, os cinco teriam
tempo de amadurecer um pouco mais em todos os sentidos até chegarem
ao primeiro LP, lançado pela PolyGram com produção de Carlos Boni.
“Cidades em torrente”, o disco, foi oficialmente apresentado ao pú-
blico em 15 de março de 1986, com um show no Morro da Urca. Além
dos hit singles “Tédio” e “No mundo da Lua”, o LP dava algumas mos-
tras de amadurecimento. Fosse na ousadia das três vinhetas instrumen-
tais, “Teu barato”, “O drama IJ” (ambas de Miguel) e “A grade surda”
(de Coelho). Fosse numa ou noutra letra, como “Múmias” (“Mas não
somos desse imundo de cidades em torrente,/ De pessoas em corrente”),
que contava com a participação de Renato Russo, do Legião Urbana, nos
vocais. De resto, entre altos e baixos, o Biquíni Cavadão continuava var-
rendo o universo adolescente: serviço militar (“Reco”), sexo (“Hotel”),
“Timidez” e ainda uma vez, tédio (“Domingo”). O bastante para o en-
quadramento em categorias como “tecnobregas” ou “darks”. O razoa-
velmente bom “Cidades em torrente” vendeu razoavelmente bem (cerca
de 60 mil cópias) mas não bastou para fazer a mídia — sobretudo a pau-
lista — levar o BC a sério.
O ano de 1987 foi quase todo gasto em shows no Rio, excursões pelo
interior e depuração de repertório com vistas ao segundo LP. No final de
janeiro uma temporada no Teatro Ipanema já mostrava algumas músi-
cas que fariam parte do novo disco: “Ida e volta”, “Catedral”, “1/47, A
dramática “Ida e volta” logo caiu no gosto de público. “Não sei mais o
que fazer/ A noite acabou/ As luzes já vão acender/ E com elas solidão”,
cantava Bruno sobre uma boa base de Coelho, André (mais conhecido
como Sheik), Miguel e Álvaro (mais conhecido como Birita). A letra, à
primeira lida, era apenas um “Tédio” mais elaborado, mas, se se prestas-
se atenção, se tornava um lamento acerca das contradições existenciais
do show business (“E eu não sei se o que vivi foi ilusão/ Ou teve mesmo
importância/ Acho que não me deram atenção”).
Apesar do sucesso de “Ida e volta”, o segundo LP, “A era da incer-
teza”, lançado no final de novembro, teve uma fria recepção. Uma baita
NENHUM DE NÓS
80 ZS
BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
gio: em 7 de setembro de 1978, os três misturaram o “Hino Nacional? a
“Roda viva”, de Chico Buarque, num ato de rebeldia adolescente.
O primeiro LP, produzido pelo trio e por Reinaldo B. Brito, chegou
às lojas em meados de 87. Nada aconteceu. O Nenhum de Nós permane-
ceu tão desconhecido quanto antes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas
duas participações especiais ajudavam a localizar o trabalho de Thedy,
Stein e Homrich no leque da música gaúcha: Vítor Ramil, irmão de Kleiton
& Kledir, recitava versos pelo telefone na faixa “Frio” e Edu K., do De
Falla, urrava na faixa “Adeus”. Era isso: o NN estava entre a tradição
regionalista e o movimento punk de bombachas. No disco, que levava
somente o nome do grupo, algumas músicas chamavam a atenção. À tris-
tonha “Camila, Camila”, que, embora tivesse a intenção declarada de
expor na primeira pessoa o drama de mulher espancada pelo marido, foi
interpretada até como o diário de um travesti de 17 anos. “O marinheiro
que perdeu as graças do mar”, inspirada no livro homônimo do japonês
Yukio Mishima. A niilista “Homens caixa”, que parecia uma versão ro-
queira para a novela “Bartleby”, de Herman Melville, ao dizer “eu não
faço nada/ Eu não posso fazer nada/ Veja bem: não há nada/ Que eu pos-
sa fazer”. À despeito da qualidade de “Nenhum de Nós”, nada aconte-
ceu. Não de imediato.
Quando a banda chegou ao Rio para participar, no horário alterna-
tivo do Canecão, a 6 de novembro, do festival do selo Plug, era uma ilus-
tre desconhecida. Tocou sua meia hora, entre o show do carioca Black
Future e o do brasiliense Obina Shok, e, ainda então, nada aconteceu. O
ano acabou e nada. O seguinte, 1988, já ia pela metade e nada. Subita-
mente, quando o disco parecia destinada à lata de lixo da história do
BRock — por melhor que seja, um disco só existe se alguém o escuta,
quanto mais alguéns melhor —, os programadores das rádios descobri-
ram o lirismo desesperado de “Camila, Camila”. Da noite para o dia, a
música, velha de mais de ano em vinil, se transformou num hit. Todo
mundo que ligou um rádio durante 15 minutos no Brasil de 1988 escu-
tou os versos “a lembrança do silêncio daquelas tardes/ A vergonha do
espelho naquelas marcas/ Havia algo de insano naqueles olhos, olhos
insanos/ Os olhos que passavam o dia a me vigiar, a me vigiar”. O suces-
so temporão de “Camila, Camila” trouxe o trio de volta ao Sudeste, para
uma série de shows em pequenos espaços. No Rio, o NN fez uma tempo-
rada no Teatro Ipanema, no começo de novembro. O set list atestava o
momento de transição: coletava algumas músicas do primeiro disco (“Peo-
ple are”, “O que Clark Kent não viu” e, óbvio, “Camila, Camila”) e an-
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
Marques, ex-acompanhante de Borghettinho. Depois, a gaita gaúcha se
fazia presente em cinco das 11 faixas do LP, através da participação do
respeitado Luís Carlos Borges. E, de quebra, a música “Sobre o tempo”
foi incluída na trilha de uma novela da Rede Globo, “Barriga de Aluguel”,
por causa de versos como “os homens criam os seus filhos/ Verdadeiros
ou adotivos/ Criam coisas que não deviam conceber”. Apesar dessa co-
lher de chá televisiva, “Estrano” vendeu menos que 1/5 de “Cardume”.
Considerável parte desse refluxo comercial podia ser debitada à pró-
pria estranheza do disco, muito acústico, bastante melancólico. Dentro
desse clima, a presença de uma cruza do rock com o tango, “Algo que
não se pode tocar”, não chegava a surpreender. E os títulos de outras faixas
já diziam muito sobre sentimentos e imagens predominantes: “Deserto”,
“As mulheres que eu rasguei”, “Mentira”, “O espelho do cego” (uma
homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges). Trocando em miú-
dos, “Estrafo” é o disco mais gaúcho da história do BRock, o ápice de
uma carreira meridional e original.
O ano de 1991 começou para o Nenhum de Nós com a morna apre-
sentação no Rock in Rio II, no Maracanã, dividindo a noite de 26 de ja-
neiro com Capital Inicial, Information Society, Debbie Gibson, A-Ha,
Paulo Ricardo e Happy Mondays (eta noite doida...). Honra maior foi ter
“Camila, Camila” cantada por Cazuza incluída no disco póstumo “Por
aí...”, lançado em abril. Trabalho novo do quarteto só em 1992, com o
lançamento do álbum “Nenhum de Nós” em junho. Nele, Thedy, Veco,
Stein e Homrich arquivaram gaitas e bombachas, tiveram uma recaída
setentista e se admitiram um pouco mais pop. Como nas melhores faixas,
“Ao meu redor”, “Jornais” e “Tudo que aconteceu”, sem falar na regra-
vação de um velho sucesso dos Secos & Molhados, “Sangue latino”. Um
cover coerente. Em 1994, o Nenhum de Nós gravou, “Acústico e ao Vivo”,
no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, uma espécie de best of recoberto
de melancolia e regionalismo. Um belíssimo disco, que passou quase des-
percebido, exceto pelo clip de “Diga a ela”, de alta rotação na MTV.
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14.
18: DE JUNHO DE 1988
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ça até ali, para ajustar contas com seus (ex)ídolos. Pelo sim pelo não, todos
se refugiam em seus quartos. Mas naturalmente ninguém consegue dor-
mir. Pouco a pouco, então, uma reunião informal toma forma num dos
quartos. Primeiro, chega o staffdaEMI-Odeon. Depois, alguns jornalis-
tas. Por fim, Renato Russo. A mil.
Ele anda para lá:
— Parecia Altamont e eu parecia o Mick Jagger cantando “Gimme
shelter”!
Ele anda para cá:
— Essa cidade deixa as pessoas malucas. Tinha um boyzinho que pe-
gava o carro e ficava dando voltas em torno de uma mastro em frente a
um bar no Gilberto Salomão. Um dia, ele perdeu a direção e invadiu o
bar. Uma merda.
Ele anda para lá:
— Aconteceram coisas terríveis aqui em Brasília, só que ninguém sabe.
Muita gente morreu na construção da cidade. Mas, para ocultar os cadá-
veres, os candangos que morriam eram misturados com concreto. Deve
haver candango morto aqui!
Enquanto isso, lá embaixo, no estacionamento de terra vermelha
barida, um boyzinho em seu carro brinca de dar cavalos-de-pau.
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BRock — O Rock Brasileiro dos Anos
golpe. Talvez porque não houvesse golpe algum a acusar. Em “Titanoma-
quia”, de 1993, eles foram produzidos pelo americano Jack Endino, de
Seattle, que chegara a trabalhar com o Nirvana. Nas suas mãos, os Titãs
se deixaram transformar numa banda de rock pesado, mais uma, embora
as letras mantivessem as preocupações de praxe, expressas em títulos como
“Taxidermia”, “Nem sempre se pode ser deus” e “Será que é isso o que eu
necessito?”. Eles logo perceberam do que necessitavam para respirar: de
um disco solo para cada um, sem prejuízo da unidade e da sobrevivência
do grupo. Lançaram bons trabalhos Paulo Miklos, Nando Reis e, com a
banda alternativa Kleiderman, Sérgio Britto e Branco Mello. Tony Bellotto
preferiu se exercitar no romance policial, com “Bellini e a esfinge” (1995).
As outras duas bandas mais importantes de São Paulo, Ultraje a Ri-
gor e RPM, se mantiveram na ativa graças à persistência e ao talento de
seus líderes, Roger Rocha Moreira e Paulo Ricardo Medeiros, respecti-
vamente. À alta rotatividade das funções de guitarrista e de baixista do
Ultraje acabou contaminando a de baterista, tirando da banda o sócio-
fundador Leospa. Roger se cercou de entusiasmados músicos mais jovens
e tocou a bola adiante em dois discos, a coletânea “O mundo encantado
do Ultraje a Rigor” (1992) e O Ui se O primeiro apresentava uma
faixa inédita, “Vamos virar japonês”, que contava com a participação da
dupla sertaneja Tonico & Tinoco, e meia dúzia de remixadas. O segun-
do, um hilariante sarro no thrash metal cantado em inglês, “Fuck the
world”, e uma alfinetada no esquemão das gravadoras, “Política”. Tudo
simples e divertido como sempre. E, mesmo fora das rádios, o Ultraje
continuou fazendo a vida em shows pelo interior do país. “Acho que se
eu conseguir durar mais uns dez anos eu vou ser um clássico”, se auto-
ironiza Roger. Seu bom humor, aliás, facilitou em muito a aceitação de
seu rock “nº roll como genuinamente brasileiro.
O sisudo RPM entrou a década tecnicamente morto. Foi a apoteótica
apresentação de Paulo Ricardo no Rock in Rio IH, no Maracanã, na ma-
drugada chuvosa de 26 para 27 de janeiro de 1991, que ressuscitou o
grupo. Às vésperas de lançar um (bom) segundo disco solo, “Psico trópi-
co”, o vocalista-baixista sentiu ali que a mística do RPM ainda não se apa-
gara. Como outro ex-membro do grupo, o guitarrista Fernando Deluqui,
estava por perto, como seu acompanhante, Paulo Ricardo não titubeou.
Retomou os trabalhos como Paulo Ricardo & RPM e foi à luta. Antes
do final do ano gravou uma versão para “Gitã”, de Raul Seixas (antes,
em “Psico trópico”, registrara “How could | know”, do pai do BRock).
Mas no caminho de volta havia uma troca de gravadora — Sony por
Arthur Dapieve
sempre assumam suas influências, cortam a bola levantada por Paralamas
e Titãs, entre outros. É o caso de Skank, Chico Science & Nação Zumbi,
Raimundos e Tubarões Voadores, que cantam em português e agregam
partículas rítmicas brasileiras a seus trabalhos. No entanto, a maioria das
novas bandas retrocedeu, em todos os sentidos. O principal passo atrás
foi reempossar o inglês como língua oficial do rock. A má digestão da tor-
rente de informações despejadas pela MTV — instalada no país desde 1990
— e o sonho de uma vitoriosa carreira no exterior — como as de Sepul-
tura e Viper — levaram grupos como Second Come, Anarchy Solid Sound,
Pin Ups, Beach Lizards, Dash e Killing Chainsaw, alguns deles bastante
interessantes, a renunciar à liberdade conquistada por Cazuza, Renato Rus-
so, Arnaldo Antunes & Cia, se conformando com o culto no gueto. (É
verdade, também, que é mais fácil disfarçar letras ruins em inglês do que
em português, assim como é mais fácil esconder indigência técnica atrás
de grandes amplificadores, mas isso já é outra história...).
O absurdo dessa opção-desculpa pelo inglês foi bem sintetizado pelo
Ultraje a Rigor em “Fuck the world” — cuja letra se resume a isso. “O
rock acertou por cantar em português e ir à luta e errou por começar a
acreditar que era grande coisa”, diagnostica Roger. “Não saio de casa para
ver uma banda cantando em inglês”, diz Paulo Ricardo, resumindo o
drama desse exílio auto-imposto e interno. “Alguém acha que o Okotô
um dia vai estourar?” Para piorar a situação, o fim da Fluminense FM —
transformada num mera repetidora da paulista Jovem Pan a partir de 1º
de outubro de 1994 — tirou, mais do que uma vitrine histórica, uma ban-
deira do rock brasileiro. O nosso rock retrocedeu. “Temos praticamente
que reconquistar tudo”, desanima-se Roger. “ Temos os mesmos entra-
ves do começo, os mesmos inimigos”, anima-se O nietzschiano Lobão. O
que não nos mata nos torna mais fortes.
Arthur Dapieve
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1996
sujeira pra todo lado” em “Que país é este” de 1978. Ponto de encontro
do macro com o micro? “Faroeste caboclo”, de 1979, 159 versos narrando
paixão & morte do traficante de drogas & homem santo João de Santo
Cristo, 159 versos espraiados por mais de nove minutos de música, 159
versos vaiados impiedosamente pelos punks do Morro da Urca em 1983
e decorados por qualquer criança de 5 anos quando afinal saíram em disco
e entraram nas rádios, em 1987.
Em sua carreira solo, como intérprete, e não autor, Renato Russo fez
questão de evitar qualquer paralelo ou antagonismo com a Legião Urba-
na gravando canções em inglês (“The Stonewall celebration concert”, de
1994, que transformava até a tola “Cherish”, de Madonna & Pat Leonard,
numa obra-prima) e em italiano (“ Equilíbrio distante”, de 1995, que trans-
formava até a progressiva “Dolcissima Maria”, do grupo Premiata For-
neria Marconi, numa música pop). Como intérprete, ainda, Renato fez uma
arrepiante participação no mais recente disco solo do ex-RPM Paulo Ricardo
Medeiros, “Rock popular brasileiro”, na faixa “A cruz e a espada”.
£ OU BORÇA-SEMPRE
Arthur Dapieve
dão ainda é pior que essa luz cinza/ Mas estamos vivos ainda/ E quem sabe
um dia/ Eu escrevo uma canção pra você” (“Natália”).
Dizia o que não poderíamos ou não conseguiríamos dizer sobre o
amor: “Já me acostumei com a tua voz/ Com teu rosto e teu olhar/ Me
partiram em dois/ E procuro agora o que é minha metade/ Quando não
estás aqui/ Sinto falta de mim mesmo/ E sinto falta de meu corpo junto
ao teu” (“Sete cidades”, de seu melhor disco, “As quatro estações”, 1989).
De certa forma, todas as canções de Renato Russo eram canções
políticas, de certa forma todas as suas canções eram canções de amor.
Contudo, entre a lembrança de dezenas de versos doloridos, a frase
mais dolorida dos últimos oito dias é da autoria de dona Maria do Carmo
Manfredini, mãe de Renato. Perguntada pela repórter Daniela Name so-
bre se acreditava se seu filho tinha sido feliz, ela respondeu: “É duro di-
zer isso, mas tenho certeza que não.” Brrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
O título desta coluna, “Z”, é a pichação para zei, “ele vive” em gre-
go, e “Força sempre” era a frase que precedia o autógrafo de Renato Russo.
Segue-se uma lista de 50 discos, entre compactos, EPs, LPs e CDs, que dão uma boa
idéia do que foi o BRock. A lista segue em ordem na qual os grupos são mencionados no
decorrer do livro, informando título, autor, gravadora, ano e tipo de disco. Se determina-
do item foi relançado em CD, manteve-se o ano do original e anotou-se LP/CD.
“Essa tal Gang 90 & As Absurdettes”, RCA, “Rádio Pirata — Ao vivo”, RPM, CBS, 1986, LP/
SSL PA CD.
“Guerra civil”, Acidente, independente, 1982, LP. “Dois”, Legião Urbana, EMI, 1986, LP/CD.
“Cantando no banheiro”, Eduardo Dusek e “Que país é este — 1978/1987”, Legião Urbana,
João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, EMI, 1987, LP/CD.
PolyGram, 1982, LP. “As quatro estações”, Legião Urbana, EMI,
“Magazine”, WEA, 1983, LP. 1989, LP/CD.
“Voluntários da Pátria”, Baratos Afins, 1984, LP. “Longe demais das capitais”, Engenheiros do
“Rock voador”, coletânea, WEA, 1983, LP. Hawaii, RCA, 1986, LP.
“Vôo de coração”, Ritchie, CBS, 1983, LP. “A revolta dos dândis”, Engenheiros do
“Tempos modernos”, Lulu Santos, WEA, 1982, Elawaim, ROA, 1987 EP
ERA: “Vivendo e não aprendendo”, Ira!, WEA, 1987, LP.
“Tudo azul”, Lulu Santos, RCA, 1984, LP. “Greatest hits 80's”, Kid Abelha, antologia,
“Lulu”, Lulu Santos, RCA, 1986, LP. WEA, 1990, LP/CD.
“Cena de cinema”, Lobão, RCA, 1982, LP/CD. “Capital Inicial”, PolyGram, 1986, LP.
“O rock errou”, Lobão, RCA, 1986, LP. “Viva”, Camisa de Vênus, ao vivo, RGE, 1986,
“Todas as aventuras da Blitz”, antologia, EMI, ICI
SAO CD, “O começo do fim do mundo”, coletânea, ao
“Os 2 primeiros”, Barão Vermelho, Cast, vivo, Sesc, 1982, LP.
1994, CD. “Pânico em S.P.”?, Inocentes, WEA, 1986, EP.
“Rock” n geral”, Barão Vermelho, WEA, 1987, “O concreto já rachou”, Plebe Rude, EMI, 1986,
ERG: ER:
“Exagerado”, Cazuza, Som Livre, 1985, LP. “Cidades em torrente”, Biquini Cavadão,
“O tempo não pára”, Cazuza, ao vivo, PolyGram, 1986, LP.
PolyGram, 1988, LP. “Nenhum de Nós”, RCA, 1987, LP.
“O passo do Lui”, Paralamas do Sucesso, EMI, “Hojerizah”, RCA, 1987, LP.
1984, LP. “Supercarioca”, Picassos Falsos, RCA, 1988, LP.
“Selvagem?”, Paralamas do Sucesso, EMI, 1986, “Eu sou o Rio”, Black Future, RCA, 1988, LP.
ERG “3 lugares diferentes”, Fellini, Baratos Afins,
“Bora Bora”, Paralamas do Sucesso, EMI, 1988, 1988, LP.
IDEREIDA “Violeta de Outono”, RCA, 1987, LP/CD.
“Televisão”, Titas, WEA, 1985, LB/CD: “O futuro é vórtex”, Replicantes, RCA, 1986, LP.
“Cabeça dinossauro”, Titãs, WEA, 1986, LP/CD. “It's fuckim borin to death”, De Falla, RCA,
“Jesus não tem dentes no país do banguelas”, 1988, LP.
Titas, WEA, 1987, LP/CD. “Vítimas do milagre”, Detrito Federal,
“Nós vamos invadir sua praia”. Ultraje a Rigor, PolyGram, 1987, LP.
WEA, 1985. LP. “Passos no escuro”, Zero, EMI, 1986, EP.
“Revoluções por minuto”, RPM, CBS, 1985, LP. “Fairy tales”, Harry, Wop Bop, 1988, LP.
Arthur Dapieve
ÍNDICE REMISSIVO
Arthur Dapieve
Clevers, The. Ver Os Del Shannon, 115 Eletrodomésticos, 179
Incríveis Deluqui, Fernando, 119, Elis Regina, 15
Cobain, Kurt, 45, 135, BS TA, MS OO, Embaixada de Vênus, 179
e) OR: Demetrius, 13 Emerson, Lake & Palmer,
Coelho, Carlos, 172 Dentes Kentes, 171 SS)
Coelho, Paulo, 19 Descarga Suburbana, 28, Eminência Parda, 179
Coke Luxe, 179 82 Engenheiros do Hawai,
Collins, Mel, 38 Detrito Federal, 134, 179, 34, 141-3, 148, 159-60,
Compartimento Surpresa, 188-9 175, 177, 190, 1992200
(TAS, Devotos de Nossa Senhora Envergadura Moral, À,
concreto já rachou, O, Aparecida, 106 163
170-1 Décimo-quarto Andar, Erasmo Carlos, 61, 71,
Condutores de Cadáver, 179 141
27, 164 Diamante Cor-de-Rosa, Escaladácida, 36
Conexão Japeri, 179, 185- 130 Escobar, Pepe, 32, 58, 108
6 Dias Baptista, Arnaldo, Esteves, Erasmo. Ver
Conrad, Gerson, 20 MSL e A Erasmo Carlos
Coquetel Molotov, 28, 82 Dias Baptista, Cláudio, 16 Eterno Grito, 179
Cor do Som, À, 21, 42, 74 Dias Baptista, Sérgio, 18, Ethiopia, 179
Cordovil, Ronaldo. Ver SS Eu sou o Rio, 184
Ronnie Cord Dias, Aridi Eurythmics, 117-8
Corrêa, Thedy, 175 Dias, Vital, 79 Eutanásia, 28
Corsi, Luiz Gustavo, 184 Dinho, 16, 130-1, 145, Exagerado, 72, 75, 67,
Cortez, Getúlio, 92 158-60, 181 ES
Costa, Gal, 15, 38, 76 Dino, 149-50 Extermínio, 27
Costa, Marcelo, 43-4 Distrito Federal, 131, 168
Costello, Elvis, 46 Distúrbio Social, 179 Fagnani, Osvaldo, 115
Court, Richard David. Ver Divergência Socialista, 34 Fairy tales, 191
Ritchie Djavan, 23 Falange Moulin Rouge,
Cólera, 27.82. 1164, 179; Do Mundo Nada Se Leva, 186
186 TS) Fantasmas da Guerra, Os,
Crime, 179 Dois, 133-4, 201 TAS:
Cunha, André Palmeira. Dollabela, Marcelo, 34 Farias, Lui, 175
Ver Dé Dominguinhos, 21 Farias, Vítor, 98, 151
Cunha, Miguel Flores da, Dorsal Atlântica, 179, 191 Fausto Fawcett & Os
Ilizà Dr. Silvana, 119, 179 Robós Efêémeros, 185
Cure, The, 31, 130, 188 Duprat, Rogério, 15 Fawcett, Fausto, 91, 185
Duran Duran, 115, 107 Feijão, 17]
Dadi, 21, 42, 74 Dusek, Eduardo, 24, 29, Feliciano, Nadinho, 127,
Dado e o Reino Animal, Ato also 163
Davidson, Jorge, 132, 209 Earth, Wind & Fire, 42 Figueiredo, Marília, 184
De Falla, 142, 175-7, 179, East, Mãe; 019 Fim da Picada, 106
189-90 Echo & The Bunnymen, Finis Africae, 179, 188-9
Dead Kennedys, 16, 171 SER Fleury Filho, Luiz
Deep Purple, 118 Effe, Humberto, 184 Antônio, 102
Arthur Dapieve
Tropicália. Ver Vicious, Sid, 79, 82, 129- Zé Luiz, 38, 46, 53
Tropicalismo BUPNICS, Zoh, Cláudio, 42
Truke, 179 Vidal, Sérgio Vid, 29 Zona Franca, 89
Tudo azul, 44 Vigaristas de Istambul, VELO AS)
Turnbull, Lúcia, 36 130
Turner, Tina, 63, 86, 188 Vilhena, Bernardo, 38, 46-
Tuta Frutti, 16 7, 49,77
Twins, 119, 179 Villa-Lobos, Dado, 131,
AL Ui SM MOS,
UR La ON 2
Ulster, 27 Vinte e cinco Segundos
Último Número, 34 Depois, 179
Ultraje a Rigor, 30, 60, 73, Violeta de Outono, 179,
84, 94-5, 105-15, 152, 187
198, 203-4 Vivendo e não
Uns & Outros, 179, 185 aprendendo, 150, 151
UBE Za Vímana, 18, 35-8, 41-72,
Urge, 179 46-7, 54, 196, 200
Urubu Rei, 34 Vítimas do milagre, 189
Voluntários da Pátria, 30,
Valadão, Marcos. Ver 184, 188
Nasi Von, Ronnie, 14
Valença, Alceu, 96 Vôo de coração, 38, 40-1
Valenza, Paulo, 117 Vzyadoq Moe, 188
Valete 17, 179
Valladares, Maurício, 31, WAS. 1079
82 Wainer Filho, Samuel, 31
Vandré, Geraldo, 15, 165 Waldman, Ewerton, 127
Vangelis, 117-8 Wanderléa, 14
Veloso, Caetano, 15-6, 19, Way, The, 29
PS a POLO Ao Weather Report, 118
103, 122, 124, 160, Whitesnake, 141
St 196 Wilson, Ed, 13
Veludo, 180, 184 Woerdenbag, João Luis.
Veludo Elétrico, 18, 35 Ver Lobão
Venham a Mim as Woorthmann, Gute, 32,
Criancinhas, 179 168
Venturini, Cláudio, 21
Venturini, Flávio, 21 Xo-rated, 179
Verdeal, Leandro, 29 Xog, 179
Vermelho, 21 6074 SÃO)
Verminose. Ver Magazine
Vestidos de Espaço, 103 es IB: 861, 7, 52
Vianna, Herbert, 79, 87,
130, 156, 169-72, 182, Zappa, Frank, 55,61
185, 195, 197, 201 Zero, 32, 199, 179; M87/=8
Vianna, Hermano, 158 Zero Hora, 89
Vianna, Malu, 32, 155 Zé Henrique, 184
Tárik de Souza
O que era então esse tal de BRock? Era o reflexo retardado no
Brasil menos da música do que da atitude do movimento punk anglo-
americano: do-it-yourself, ainda que não saiba tocar, ainda que não
saiba cantar, pois o rock não é virtuoso. Era um novo rock brasi-
leiro, (...) falando em português claro de coisas comuns ao pessoal
de sua própria geração: amor, ética, sexo, política, polaróides ur-
banos, dores de crescimento e maturação — mensagens transmiti-
das pelas brechas do processo de redemocratização. “Era um corte
proposital em relação à MPB, era a valorização da juventude nos
anos 80”, diz Renato Russo.
Arthur Dapieve