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Introdução
Desde o final do século XIX até as primeiras décadas do século XX, a Rússia viveu
um conturbado momento sociopolítico com sucessivas transformações no regime de
governos e na estrutura da sociedade. A título de ilustração, podemos citar a Revolta
Dezembrista de 1825 na passagem para o reinado do czar Nicolau I até a Revolução de
Outubro em 1917, que deu início à União Soviética. Em ambos os acontecimentos
históricos, destaca-se um período de perseguições políticas a opositores, exílios,
aparelhamento do Estado e censura.
Diante de todo contexto pouco favorável aos intelectuais e à multiplicidade de
ideias tanto na Rússia czarista quanto na soviética, resultou em uma ausência de
estabilidade na sociedade civil ainda emergente em ambos os períodos, contribuindo para a
formação espontânea de círculos informais, em um “subsolo filosófico” (TIHANOV,
2017). Esse processo de instabilidade sociopolítica afetou, direta e particularmente, as
ciências humanas bem como a arte, pois a linguagem, nesta época, foi prejudicada
(lexemas foram proibidos, assuntos restringidos, e, dessa forma, já não havia vocabulário
para a produção científica).
Em consequência dessa palavra autoritária, intelectuais começaram a formular um
novo discurso tanto nas Ciências Humanas e quanto nas artes com experimentos de e na
linguagem. A reflexão em torno da linguagem estética era uma forma de observar e
formular indiretamente críticas a respeito da realidade russa na forma de teoria da arte,
evitando a censura e perseguição por parte do Estado. Por exemplo, a influência da
literatura e das revistas por onde eram publicados os textos se intensificou com nomes
como o de Púckhin, Gógol, Tchaádaiev, Liérmontov e Koltsov. Além da Inglaterra, em
nenhum outro lugar a importância das revistas foi tão grande quanto na Rússia. Nomes
como O Telégrafo [Telegraf], O mensageiro de Moscou [Moskóvski Viéstnik], O
Telescópio [teleskop], Biblioteca para a Leitura [Bibliotieka dliá Tchtiénia] e outros
democratizaram e difundiram conhecimentos, conceitos, ideias e textos literários.
Protagonismo que voltou a acontecer posteriormente, a partir da Revolução Russa de 1917,
seguida da instauração do regime soviético.
Assim, podemos entender a opção pela continuidade da reflexão da realidade por
meio do material estético, pois “o relacionamento e as fronteiras entre estética e ética como
dimensões da vida e da cultura” (BRANDIST, 2002, p. 34, tradução nossa1).
No início do século XX, então, foi que os processos de criação e estudo da
linguagem alcançaram seu ápice. De acordo com Boris Schnaiderman (2010, p. 18), “a
interpenetração das artes encontra então seu momento privilegiado”. Nesse cenário, é
possível observarmos:
Todo sistema de signos (isto é, qualquer língua), por mais que sua
convenção se apoie em uma coletividade estreita, em princípio sempre
pode ser codificada, isto é, traduzido para outros sistemas de signos
(outras linguagens); consequentemente, existe uma lógica geral dos
sistemas de signos, uma potencial linguagem das linguagens única (que,
2
Em relação ao Círculo de Bakhtin, compreendemos uma única autoria realizada coletivamente. Por isso,
referência ao grupo como “um autor”.
evidentemente, nunca pode vir a ser uma linguagem única concreta, uma
das linguagens). (BAKHTIN, 2011, p. 311, grifos nossos)
Nos excertos acima, observamos não apenas a possibilidade de uma unidade geral
das linguagens, mas também a independência de cada material semiótico, sem viabilidade
de que um seja capaz de substituir o outro, visto que cada materialidade - com seus meios,
formas e princípios - expressa diferentes aspectos da realidade interior e exterior do
homem e untas constituem a existência do ser e do mundo. A linguagem encontra-se sua
unidade no sujeito, por meio dela ele ganha existência, assim como, o signo só passa a ter
concretude ao ser in-corporado pelo homem na busca pela expressão de si e da realidade
que o circunda.
Considerações Finais
Referências
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Paulo: Martins Fontes, 2011.
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