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De Tramas e Fios - Um ensaio sobre

música e educação
Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
Páginas 70-91
Renato Mattiusso Alves
Sumário
Hegel – música e filosofia
Eduard Hanslick e a estética formalista
Wagner e a estética do sentimento
Outros pontos de discussão
Considerações a respeito da educação musical
Música e ciência
Helmholtz
Carl Stumpf
Riemann
Hegel – música e filosofia
 O influente filósofo, foi também fundamental para a
configuração da música do Séc. XIX, pois suas posições
deram respaldo às duas grandes tendências do romantismo: a
que vê a música como linguagem expressiva e a que
compreende como forma pura.
 “A concepção de Hegel abriga contradições e até mesmo
antagonismos; ele acredita que a música expressa
interioridade e que seu elemento físico é o som, meio de
expressão do conteúdo espiritual, em que todos os sentimentos
fazem-se presentes. Essas ideias estão dentro da concepção
romântica e continuam, em certa medida, a defender o que já
havia sido explorado na Teoria dos Afetos, durante o período
barroco.”
Hegel – música e filosofia
Tabela 1: Relação entre tonalidade e os afetos por Mattheson:

1 - Disponível em:
<http://historiadamusica2011.blogspot.com.br/2011/
07/teoria-dos-afetos-teoria-dos-afetos.html> Acesso
em maio 2016.
Hegel – música e filosofia
Hegel aproxima a música da arquitetura pois “ambas
forjam seus materiais a partir de leis de quantidade e
de medida, não se utilizando de modelos provindos do
mundo natural” (Fubini, 1971, p.95), porém, o autor
reconhece que as obras das duas artes pertencem a
esferas do espírito completamente distintas.
“Enquanto a arquitetura eleva imagens colossais, que o
olho contempla em suas formas simbólicas e em sua
eterna imobilidade, o mundo rápido e furtivo dos sons
penetra imediatamente, através do ouvido, no íntimo
da alma...” (Hegel, apud Fubini, 1973, p.95)
Hegel – música e filosofia
 Ao estabelecer esta ligação entre música e alma, Hegel revela
uma afinidade entre som e interioridade, estas palavras definem
bem essa relação: “O eu se reconhece na música, por meio da
temporalidade, em sua essência mais simples e profunda; a
tarefa da música, portanto, não é expressar sentimentos, mas
revelar à alma sua identidade, graças à afinidade entre sua
estrutura e a da alma” (Fubini, 1971,p,96).
 Esses conceitos, presentes no pensamento de Hegel,
contrapõem-se e, em certa medida, confrontam-se com a tese
preponderante em seu pensamento, de música como expressão,
dando abertura à concepção formalista de música, que logo será
concretizada como alternativa fundamental aos pontos de vista
mais "naturais" do pensamento romântico.
Eduard Hanslick e a estética formalista
Nascido em Praga em 1825, Hanslick foi crítico
musical e professor da Universidade de Viena, e o
primeiro a falar de música adotando um ponto de vista
profissional, o que dá grande peso a seus textos.
É influenciado por Herbart, para quem a arte é forma e
não expressão, estando seu valor nas relações formais
presentes no interior da obra.Os conteúdos emotivos e
os sentimentos não devem influenciar o juízo estético,
que será encontrado exclusivamente na forma.
Eduard Hanslick e a estética formalista
É a primeira vez que se discute a beleza na música
separadamente da categoria universal de beleza. Para
Hanslick, o belo na música não se identifica com o das
demais artes, ao contrário do que pensavam os
românticos.
A estética de uma arte é peculiar a ela é, portanto,
diferente da estética das outras artes, porque os
materiais não são os mesmos, e "as leis do belo, em
qualquer parte, são inseparáveis das características
particulares do seu material e de sua técnica"
(Hanslick, 1951, p.27).
Eduard Hanslick e a estética formalista
 O conceito fundamental do pensamento de Hanslick é a
identificação da música com suas técnicas. "A técnica, em música,
não é um modo de expressão dos sentimentos para alcançar o
absoluto ou suscitar emoções, mas é a própria música e nada mais”
(ibidem, p.28)
 O resultado dessa maneira de pensar é a eliminação da hierarquia
entre as artes; se cada forma de arte é autônoma e não expressa nada
além dela mesma, é impossível medi-la em relação às outras formas
de arte; portanto, nenhuma terá privilégio sobre as outras, porque
cada uma terá sua beleza peculiar.
 Com Hanslick, estabelecem-se as bases de uma estética da forma,
fundamentalmente contrária à estética dos sentimentos, e é isso que
o coloca em terreno oposto a Wagner, que busca a sutileza dos
sentimentos e a origem comum da poesia e da música.
Wagner e a estética do sentimento
Richard Wagner foi um dos compositores mais
importantes do século XIX e muito contribuiu para o
desenvolvimento da música e do drama musical. Tem-se
dito, não sem razão, que a ele coube abrir as portas do
século XX, por haver antecipado, em sua obra, muitos
dos procedimentos musicais e artísticos desse século.
O que confere a Wagner um papel destacado, não só
entre seus contemporâneos, mas ainda hoje, é que sua
reforma pretende transcender os aspectos técnicos e
artísticos pela retomada do ideal trágico, promovendo,
assim, transformações no homem e no mundo.
Wagner e a estética do sentimento
Com Wagner, substitui-se a primazia absoluta da
música, já questionada por Gluck, e ideal da primeira
fase do romantismo, pela confluência de todas as artes.
Essa ideia encontra expressão no drama musical,
considerado por Wagner o ponto de encontro possível
entre as artes, essa concepção é baseada na teoria da
origem comum da linguagem e da música, defendida
por Rousseau, Kant e Herder, entre outros.
Wagner e a estética do sentimento
 Essa forma de arte em que música, poesia e as outras artes se
juntam, colaborando umas com as outras na composição da
unidade, foi chamada por Wagner "Obra de Arte Total"
(Gesamtkunstwerk). Wagner se espelhou na arte da Grécia
antiga para produzir um tipo de teatro que estivesse ligado à
cultura de seu povo.
 No drama musical de Wagner, podem espelhar-se as vastas e
complexas relações da vida, dos anseios e do pensamento do
homem moderno, do mesmo modo que o palco grego
expressava a vida, os anseios e os pensamentos do povo grego.
O compositor criticava a ópera de até então por tomar a
expressão como um fim em si mesmo e não considerar o ideal
grego.
Outros pontos de discussão
 Três pontos importantes para compreender a influência do movimento
romântico na transição para o século XX.
 Um deles é a contradição identificada no movimento romântico, na
convivência entre o individualismo exacerbado e o impulso em direção
ao coletivo, desencadeada pela filosofia marxista em meados do século
XIX (o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, data de
1848)
 Outro ponto é a visitação à Antiguidade clássica, à mitologia europeia
e às ideias nacionalistas, que coincide com o realismo e o movimento
positivista de Augusto Comte.
 Por último, o fato de a sociologia e a psicologia caminharem pari
passu, (no mesmo passo) compartilhando do mesmo mundo, embora
vejam os fenômenos da objetividade e da subjetividade por lentes
diferentes.
Outros pontos de discussão
 A música do período assimila essas maneiras de ver o mundo,
de tal modo que os princípios composicionais anteriormente
utilizados já não são compatíveis com a exacerbação da
subjetividade e com os anseios de auto-expressão por parte do
artista.
 O emocionalismo romântico, em que predominam a expressão
lírica e as tendências programáticas (descritivas), permeia a
produção da época, que tem como uma de suas características
mais fortes a busca da virtuosidade.
 Época das revoluções industrial e elétrica, responsáveis pelas
mais significativas modificações nas condições de vida, o
século XIX trouxe às manifestações artísticas o delírio da
velocidade e o moto-contínuo, característicos das máquinas.
Outros pontos de discussão
 Houve aperfeiçoamento na construção dos instrumentos, logo,
uma maior gama de recursos timbrísticos, aumento da
sonoridade e ampliação das possibilidades técnicas.
 Os critérios metodológicos também foram aperfeiçoados, para
que se obtivesse o melhor desempenho com o menor esforço,
ideal respaldado pelo positivismo e seu lema "ordem e
progresso"; pela excelência técnica, chegou-se ao perfeito
domínio do instrumento (virtuosismo), agora a serviço da
expressão subjetiva, ideal do romantismo.
 A valorização da subjetividade demonstra a impossibilidade de
o rigor científico controlar todas as variáveis, logo, o conflito
entre as duas tendências deveria ser resolvido de uma maneira
inovadora.
Outros pontos de discussão
 A passagem para o século XX marcou um momento em que
profundas alterações ocorriam, preconizadas pela obra dos últimos
românticos: a habilidade de levar o sistema tonal às últimas
consequências constituiu-se, por um lado, no alcance do mais alto
patamar de seu domínio e, por outro, no enfraquecimento do próprio
sistema, incapaz de superar suas últimas conquistas.
 Liszt e Wagner alcançaram o limite do sistema tonal e
ultrapassaram-no, na direção de algo totalmente novo.
 Como exemplos dessa superação do sistema está o uso de escalas
simétricas que neutralizam o conflito presente no tonalismo.
 Outro exemplo é a inversão entre consonância e dissonância
utilizada por Wagner, nessa forma de compor a dissonância é
permitida o tempo todo enquanto a consonância deve ser preparada
e resolvida.
Considerações a respeito da educação
musical
 A educação musical naquela época absorveu as posturas
contraditórias do romantismo, dando espaço para ações,
abordagens e posturas contrastantes.
 O século XIX assistiu ao surgimento das primeiras escolas
particulares de caráter profissionalizante.
 A primeira delas é o Conservatório de Paris, criado em 1974.
 Em 1822, na Inglaterra foi fundada a The Royal Academy of
Music, que tem como principal característica a organização em
forma de externato.
 No Brasil criou-se no Rio de Janeiro, o Conservatório Brasileiro
de Música, em 1845. São Paulo segue a esteira dessa tendência
mundial e inaugurou o Conservatório Dramático e Musical em
1906.
Considerações a respeito da educação
musical
 Na época do individualismo e do virtuosismo, as escolas de
música privilegiavam a formação do instrumentista virtuose e
corroboravam a tendência ao individualismo, ainda boje
presente na formação de grande parte dos músicos.
 Ate o século XIX, o ensino de composição tinha um caráter
prático e ocorria na direta relação entre discípulo e mestre.
Com o aumento da demanda, inclusive de não profissionais,
por aulas de composição, o ensino passou a ser coletivo e
sistematizado (teoria e prática) em meados do século XIX.
 Surgem obras que buscam a sistematização dos vários ramos
do saber musical - harmonia, contraponto e o estudo das
formas, por meio de manuais instrucionais de caráter universal.
Considerações a respeito da educação
musical
 A tendência desses tratados é "treinar" o aluno em expedientes
técnicos, tendo como resultado a proficiência em meios de
construção musical e orquestração. Não se trata de ensino artístico,
portanto, mas do domínio de técnicas instrumentais. Essa tendência
imigra para a América e até hoje influencia o ensino acadêmico, que
adota esse modelo técnico-científico.
 O ensino de instrumento, canto e regência desse período perseguiu
outro modelo, em que se mesclam as duas tendências: a habilidade
técnica levada ao máximo da capacidade humana e a performance
artística baseada em critérios interpretativos de caráter
marcadamente individual e subjetivo. Isso espelha duas facetas do
pensamento romântico: o individualismo exacerbado e o domínio
técnico-instrumental, o qual, por sua vez, contribui para a citada
exacerbação dos egos.
Música e ciência
Notáveis pesquisadores do período da mudança do
século XIX para o XX, procuravam descobrir as bases
científicas da arte dos sons. Destacam-se três deles
pela importância de suas concepções para o
pensamento dos pedagogos musicais da época.
Helmholtz (1821-1894) concentrava-se no estudo das
sensações acústicas e dos fundamentos materiais do
som; Carl Stumpf (1848-1936) dedicava-se à
psicologia do Som e Riemann (1849-1919), à
importância do pensamento lógico, na compreensão do
fenômeno musical.
Helmholtz
 Helmholtz, um dos mais importantes físicos do século XIX, dividiu sua
obra em três partes; na primeira, apresentou os resultados de suas pesquisas
físicas e fisiológicas, como as leis dos fenômenos periódicos e a natureza
dos sons harmônicos. Na segunda, debruçou-se sobre a observação
anatômica, buscando conhecer de que maneira o ouvido apreende o
fenômeno sonoro; e, na terceira, investigou os princípios de construção
musical no tempo e no espaço, isto é, em diferentes épocas e culturas.
 Advogava, também, o que poderia ser chamado de "Legalidade natural",
isto é, quaisquer que sejam as leis estéticas e artísticas, elas não podem
contradizer as leis naturais que governam os sons e suas relações. Assim, a
escala, a tonalidade, as regras de condução da harmonia e do contraponto
são reconduzidas às teorias científicas explicitadas por Helmholtz nas
sessões precedentes de seu livro. É em nome dessa "legalidade natural" que
Helmholtz não aceita a afinação temperada, defendendo a continuação do
uso da reine Stimmung (afinação natural).
Carl Stumpf
 Outro pensador importante no século XIX, no que diz respeito ao
estudo da percepção e consciência dos sons, é Carl Stumpf, que, em boa
parte de sua obra, examina e critica as posições de Helmholtz ante as
relações do homem com o som.
 Stumpf considerava a análise uma operação puramente psicológica e,
sendo assim, sugeria a decomposição da sensação sonora, o que o afasta
da análise do som em uma perspectiva físico-acústica, pregada por
Helmholtz.
 Em 1883 e 1890, Stumpf publicou os dois volumes de sua obra
Tonpsycologie; no primeiro, examinou a questão da sensação sonora,
focalizando os sons sucessivos. No segundo, ocupou-se dos sons
simultâneos e dos fenômenos psicológicos. O segundo volume, de
acordo com Serravezza (1996, p.46), traz as reflexões mais
interessantes do autor, a respeito do tratamento da origem das
consonâncias e dissonâncias e do fenômeno da fusão dos sons.
Riemann
 No século XX (1916), discorrendo a respeito de Helmholtz, Riemann
avança na questão da escuta musical e desenvolve a ideia de que ela não
é somente uma reação passiva à ação oscilatória do órgão auditivo, mas
uma atividade altamente complexa das funções lógicas do espírito. E
conclui: "Não a acústica nem a fisiologia ou a psicologia do som, mas
somente a teoria da representação sonora pode dar a chave da essência
mais profunda da música“ (Riemann, Ideen zu einer "Lehre von den
Tonpfindungen", 1916, apud Serravezza, 1996, p.76).
 Para Riemann, o som musical originado é fruto da atividade do sujeito e
sua estrutura é instituída na composição, ou reconstruída na execução e
na escuta. Além disso, essa atividade é vinculada a esquemas, regras e
automatismos que pertencem ao âmbito dos códigos musicais, e não da
legalidade física do mundo externo. O ouvido musical respeita as leis da
lógica própria da música, e não simplesmente as leis do som como
realidade física (Serravezza, 1996,p.73-90).

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