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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA865
Estética da Música 2023 II
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento 9

VITÓRIA CAROLINA CUNHA


Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Assuntos gerais deste fichamento/documentação: FUBINI, 2008, p.111-122 – O Iluminismo e


a música (capítulo 8).

A teoria dos afetos no século XVIII


Na Alemanha do século XVIII, local e momento em que a música instrumental teve
grande desenvolvimento, publicaram-se diversos tratados abordando os sentidos e significados da
música. O timbre de cada instrumento também foi associado a certa tonalidade emotiva.
Pensadores ainda tentaram relacionar determinados afetos a grupos de notas musicais, intervalos,
acordes e grupos de acordes, formando uma espécie de léxico, um conjunto de vários elementos
do discurso musical e suas significações. Estabeleceu-se, assim, uma retórica musical ao serviço
dos músicos, mas ainda tendo o melodrama como base. Naquele contexto, a música de J. S. Bach
era criticada por não provocar afeto algum – era contrapontística, meramente racional e, por isso,
ultrapassada. De acordo com essa visão, a música devia “tocar o coração” por meio de melodias e
efeitos de base melodramática. Firmou-se, assim, o conceito de música como a linguagem dos
sentimentos e paixões. Nota-se, portanto, a presença das antigas teorias gregas ainda na base do
pensamento moderno em música. Ao longo do século iluminista, a polêmica em torno dos
sentidos da música se manifestou, então, em duas correntes principais de pensamento, contrárias:
a racionalista e a irracionalista ou sentimentalista.

As razões da música e as razões da poesia


O século XVIII foi marcado por uma série de invenções e dilemas, como o
desenvolvimento do canto acompanhado e do melodrama – o qual misturava teatro e música – e
os embates entre linguagem verbal e musical, razão e sentimento. Questionava-se também se
deveria existir uma subordinação da música à palavra ou da palavra à música. Em suma, os
debates da época sempre giravam em torno do antigo conflito entre música e poesia. O fato é que
o gênero melodramático ganhou preferência crescente dos públicos aristocráticos e burgueses. A
parte musical, nesse contexto, ficaria subordinada à palavra, pois só esta teria plenas condições de
representar o drama e, portanto, cumprir a finalidade moralizante e racional das apresentações.
Música isolada da cena era, para alguns, um mero deleite para os ouvidos, incapaz de atingir a
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razão das pessoas e educá-las. Contudo, entre tantas polêmicas, o melodrama também tinha seus
difamadores, os quais se detinham em diferenças e questões estilísticas regionais, especialmente
entre as óperas francesas e italianas. Alguns dos pontos polêmicos envolviam: qualidade literária
e musical, autonomia do texto frente à música e vice-versa, a racionalidade francesa em contraste
com a criatividade musical italiana. Nessas polêmicas, o bel canto italiano representou a
autonomia de valores musicais, ficando em segundo plano a compreensão do texto. Os franceses,
por sua vez, mantiveram o texto como prioridade. Em resumo, tais dilemas se davam entre
ouvido e razão, sensibilidade e intelecto, paixão e racionalidade.

Da razão à arte e da arte à razão


A intenção de J. P. Rameau era fazer com que a música entrasse nos círculos intelectuais
da época como forma de conhecimento válida, com status de ciência. Para tanto, ela deveria se
basear em leis indubitáveis e redutíveis a princípios físicos e matemáticos, acima de qualquer
questão de estilo ou moda. Sendo a melodia, em sua visão, algo mutável de acordo com a cultura
e com o gosto, defendia que a harmonia deveria imperar, pois dela era possível extrair regras
exatas. Rameau apresentava, portanto, uma alternativa à própria razão iluminista que “tendia a
ver a música como linguagem dos sentimentos ou um luxo inocente”. A sua contribuição
resultaria no espírito romântico da segunda metade do século XIX, em que a música almejaria ser
linguagem privilegiada, exprimindo tanto emoções humanas quanto representando uma ordem
divina e racional do mundo.

Os Enciclopedistas e as querelles
Os pensadores franceses concebiam a música como a linguagem privilegiada dos
sentimentos, mas desde que ela fosse acompanhada de texto, pois só assim a mensagem seria
comunicável e inequívoca. Deixar essa tarefa apenas aos sons musicais seria ineficiente, apesar
da publicação de léxicos musicais – manuais de sentido. As discussões se davam, portanto, em
torno das tradições italiana e francesa de ópera e entre a supremacia melódica humana –
defendida por Lully e Rousseau – e as leis harmônicas cósmicas, defendidas por Rameau. Para
Rousseau, a emoção e o melodismo italianos seriam a mais perfeita realização do canto primitivo
do homem, a união perfeita entre música e palavra que teria sido ocultada pela civilização
moderna, pela invenção bárbara da razão.
Longe de encontrar “soluções”, o mérito dos iluministas foi o de ampliar os debates
sobre música, integrando-a no contexto vivo da cultura. Foi o período em que surgiram as
primeiras obras de crítica e historiografia musical pela Europa e tratados instrumentais que
abordavam não apenas mecanismo, mas problemas também estéticos, interpretativos, envolvendo
sentimentos e afetos. Talvez tenha sido Diderot aquele que mais avançou, dando sentidos
próprios à música instrumental justamente pela imprecisão semântica desta, uma vez que deixa
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uma maior margem à imaginação e exprime melhor a vida na sua riqueza, totalidade e
indeterminação. A música seria, portanto, superior a todas as demais artes, pois exprime, como
nenhuma outra, aspectos secretos e inacessíveis da realidade. Kant, filósofo alemão, também
defendia que a música ocupasse o primeiro lugar no campo artístico, já que, destinada a provocar
sensações e estimular a alma de modo mais variado e íntimo, ela seria a linguagem dos afetos por
excelência – “a linguagem universal da sensação compreensível a cada homem” –, independente
e acima de idiomas e culturas regionais.

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