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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA865
Estética da Música 2023 II
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento 4

VITÓRIA CAROLINA CUNHA


Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Assuntos gerais deste fichamento/documentação: TOMÁS, 2005, p.49-63 – Renascimento


(capítulo 3); tópicos trabalhados em sala a respeito da música renascentista, do declínio da
técnica contrapontística e da valorização do acompanhamento harmônico.

O Renascimento e as transformações ocorridas no pensamento europeu


Por volta do ano de 1300, a sociedade europeia passava por profundas alterações
culturais e intelectuais. O grande contato com a filosofia judaica e árabe, desde os séculos XII e
XIII, permitiu uma reaproximação a obras gregas antigas, as quais foram preservadas por essas
culturas durante a Idade Média. Dessa forma, no período renascentista, pensadores retomaram
preceitos da antiguidade grega no sentido de devolver ao homem as rédeas de seu destino.
Diferentemente da perspectiva medieval, passava-se a não mais subordinar o conhecimento
apenas a princípios religiosos. Surgia, então, o conceito de humanismo, entendido como um
programa educacional e cultural, um ciclo definido de disciplinas intelectuais, as quais incluíam:
gramática, retórica, história, poesia e filosofia moral. No século XV, esses estudos da área de
humanidades apresentavam um caráter menos dogmático e mais empírico. Nota-se, portanto, que
os saberes secular e científico sofreram uma grande expansão nessa época.

A construção de uma nova música renascentista


Quanto à música, o início do século XIV também foi fortemente marcado por
transformações. A tradição contrapontística da Ars Nova passou a ser alvo de polêmicas, o que
fez com que os teóricos e filósofos da música revisassem seus pressupostos. Dessa forma, os
escritos sobre música, muitas vezes afastados da realidade musical, começaram a se aproximar
dessa prática, dos aspectos composicionais e harmônicos, levando às primeiras discussões
teóricas fundamentalmente estéticas. A valorização da teoria em detrimento da prática musical
ainda persistia, pois assim ensinavam os antigos gregos. No entanto, os próprios renascentistas
admitiam que a teoria só existia e tinha sentido em função de uma prática que a precedia.
Outro novo pensamento renascentista a respeito da música foi deixar de considerá-la
como uma ciência puramente matemática. Com todo o respeito e consideração pelos filósofos
gregos antigos, concluiu-se que a música não se definia apenas pela matemática abstrata – ela
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estava também vinculada à aritmética, pela proporção de alturas e durações, e pela física dos
fenômenos acústicos. Na primeira metade do Renascimento, ainda havia uma forte conexão com
o pensamento medieval, que nutria muito mais a visão de música como ciência do que como arte.
Porém, aos poucos, a música foi deixando de ser considerada ciência pura e ganhando forma
como objeto artístico – como um fazer humano sujeito à ciência.
No século XV, surgiram escritos dedicados à prática musical, à música realizada pelos
instrumentos, ou seja, tratava-se de música audível e sujeita a análises empíricas, não apenas
metafísicas. Aliada a isso, com a retomada das implicações do éthos musical grego, os efeitos da
música sobre as pessoas foram descritos e teorizados com o objetivo de servirem de guias para os
compositores. Os músicos carregavam consigo manuais descrevendo esses efeitos para que,
assim, suas composições pudessem atingir os sentimentos desejados. Tais escritos, contudo,
consideravam as músicas que tivessem letras, não somente sons musicais. Acreditava-se que a
música apenas produzia efeitos sobre a alma humana quando acompanhada de um texto poético.
Assim, as notas musicais deveriam expressar o que é dito no texto, servindo-o. Combinada com a
palavra, a música deixou de ser ciência, transformando-se em uma “espécie de arte da
representação”. Com o século XVI, teóricos e compositores europeus voltaram suas atenções à
música vocal solista em detrimento da música coral. Esse interesse pressionou toda a tradição de
escrita contrapontística, vinda da Idade Média. Segundo eles, a melodia única seria capaz de
expressar afetos com maior clareza, sendo mais efetiva do que uma composição polifônica.

Os primórdios da ópera e o embate entre música e texto


Essas novas posturas intelectuais dos séculos XVI e XVII coincidiram com o surgimento
de músicas associadas a textos e representações cênicas que resultaram no melodrama,
conhecido, a partir de 1600, como ópera. Existia, em meio a isso, grandes discussões a respeito
do que deveria prevalecer nesse novo tipo de música, se a expressividade musical ou a
compressão do texto. No decorrer dos séculos XVII e XVIII, houve uma disputa entre a
supremacia da ópera italiana ou francesa, envolvendo, também, a eficácia dessa música em
atingir o propósito de imitar conceitos e afetos representados pelas palavras. Portanto, verifica-se
que a compreensão do texto se tornou o ponto crucial do debate, colocando, muitas vezes, o
acompanhamento musical em situação de segundo plano. A música deveria acentuar a
expressividade do texto, não tendo a mesma eficácia de forma isolada. Por conta disso, para os
renascentistas, a adequação entre letra e música tornou necessário haver uma harmonia
correspondente ao significado específico de cada palavra. Assim, em um momento voltado à
racionalidade, ao empirismo e à busca por significados e funções para tudo, a linguagem verbal
se converteu em um modelo para a música. Esse ideal foi fortemente perseguido pelos primeiros
compositores e libretistas de ópera.
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Foi, porém, com as reuniões da Camerata Bardi, na Florença do século XVI, que os
argumentos a favor do melodrama foram mais claramente estruturados. Tratava-se de um grupo
de intelectuais e músicos que se reunia na casa de um grande animador cultural da região – o
conde Bardi. Esse grupo pretendia revolucionar a música da época fazendo resgates à
Antiguidade. Para eles, a polifonia medieval apenas entorpecia os sentidos e confundia, sem ter
uma finalidade social muito clara. Vincenzo Galilei, pai do físico Galileu e participante da
Camerata Bardi, defendia que a música contrapontística atuava unicamente no âmbito dos
sentidos, sem contribuir para a melhora moral, visto que era incapaz de comunicar ideias de
maneira eficaz. Em síntese, muitas vozes simultâneas dificultariam a compreensão do texto,
assim, confundiam diversos afetos transpostos em música. Era apenas arquitetura gótica vertida
em música, dirigida somente ao prazer sensorial. Assim, os renascentistas, no início da Era
Moderna, desejavam um retorno ao equilíbrio e clareza clássicos, em que as letras das músicas
deviam reinar soberanas.

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