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29/09/21, 22:05 UNINTER - REGÊNCIA DE BANDA, CORO E ORQUESTRA

REGÊNCIA DE BANDA, CORO E


ORQUESTRA
AULA 3

Prof. José Luis Manrique

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CONVERSA INICIAL

O fluxo do
capital artístico pressupõe uma vivência coletiva da música entre todos os

participantes, estes geralmente fazendo parte de uma mesma sociedade. Situações


atuais como a

globalização, as interações a distância via internet, as


migrações, os diferentes grupos étnicos
presentes nas grandes cidades e outros
fenômenos de interação intercultural alargam a ideia de

sociedade para uma


visão de comunidade global. Desde essa visão privilegiada que os tempos de

hoje
permitem, é importante que o regente saiba localizar-se levando em conta sua
própria cultura

ante um universo de possibilidades musicais e interpretativas,


que deslocam a atenção, por vezes

exclusivista, da tradição musical europeia e


seus preceitos para passar a valorizar os aspectos

musicais que outras


manifestações culturais têm a contribuir.

Para
aprofundar esses aspectos da regência contemporânea, nesta aula trataremos da
relação
entre interpretação musical e a etnomusicologia, as tradições musicais
europeia, africana e oriental-

árabe, e o marco latino-americano e brasileiro


frente aos desafios da etnomusicologia.

TEMA 1 – INTERPRETAÇÃO E ETNOMUSICOLOGIA

O
conhecimento da humanidade, especialmente o científico, mostra-se cada vez mais
articulado

entre suas diferentes áreas, promovendo estudos interdisciplinares e


fomentando para que cada área
possa contribuir com uma visão própria nas outras.
Essa articulação de conhecimentos também

acontece na música, na qual a


antropologia e a sociologia têm contribuído de maneira especial.

Neste contexto
é que aparece a etnomusicologia como parte integrante ao estudo da regência. A

etnomusicologia pode ser definida como “estudo da música no seu contexto


cultural e etnográfico”

(Priberam, [S.d.]b), em que etnografia significa “ciência que descreve os povos


no relativo aos seus

costumes, índole, raça, língua, religião etc.” (Priberam, [S.d.]a).

Do ponto de
vista da etnomusicologia, o estudo da música dos povos e de suas caraterísticas

implica uma análise liberta de qualquer visão eurocêntrica da humanidade, por


exemplo, a

diferenciação entre uma música chamada de erudita ou artística


e outra chamada de popular ou

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folclórica. John Blacking (1974, p.


x, tradução nossa) explica essa questão baseado em sua imersão em

música
africana com o povo Venda:

Os
Venda me ensinaram que a música nunca poderá ser uma coisa nela mesma, e que
todo tipo de
música é música folclórica, no sentido que a música não pode ser
transmitida ou ter significado
desprovida de associações entre pessoas.
Distinções entre a complexidade aparente de diferentes
estilos musicais e
técnicas não nos diz nada relevante sobre os propósitos expressivos e o poder
da
música, ou sobre a organização intelectual envolvida na sua criação.

O conceito de
capital artístico estudado anteriormente entra em ressonância com as palavras
de

Blacking (1974), que reforça o papel social da música e sua expressão


simbólica dentro de uma

sociedade. Nessa perspectiva, as obras musicais de


determinada cultura terão maior poder expressivo

dentro dela mesma e terão


menor poder expressivo quando apresentadas para uma outra cultura

diferente. Essas
limitações a respeito do fluxo do capital artístico no âmbito intercultural
começam já

desde a conceitualização da palavra música:

“música”,
termo que tantos utilizam até hoje como se universal fosse, seria tão somente
um termo
criado em determinado contexto ocidental, porém de aplicação muitas
vezes precária, impositiva e/
ou mesmo violenta a outras práticas e saberes, (Lühning;
Tugny, 2016, p. 8)

Aqui,
entende-se que música, compreendida e aplicada desde a perspectiva
europeia, não seja

talvez um termo que consiga expressar tudo o que envolve o


sonoro e o humano dentro de uma

cultura não europeia. Nesta visão etnomusicológica,


a práxis sonora é uma terminologia que atende

melhor ao estudo do fenômeno


humano-musical, a qual se define como:

a
articulação entre discursos, ações e políticas concernentes ao sonoro, como
esta se apresenta,

muitas vezes de modo sutil ou imperceptível, no cotidiano de


indivíduos (músicos amadores ou

profissionais, agentes culturais,


empreendedores, legisladores), grupos (coletivos, públicos, categorias

profissionais) e instituições (por exemplo, conselhos, grupos de idade,


empresas, sindicatos, agências

governamentais e não-governamentais e escolas).


(Araújo, citado por Lühning, 2016, p. 10)

Em termos
práticos, os autores apresentados estão fundamentando que a perspectiva
ocidental

do estudo da música leva a delimitá-la apenas em tópicos de interesse


segundo a mentalidade

europeia, como harmonia, contraponto, treino intervalar


apenas de escalas europeias e outras

implicações, deixando de lado


possibilidades diferenciadas presentes nas culturas locais dos povos.

Um claro
exemplo encontra-se nas aulas anteriores, quando foram abordadas as
responsabilidades

musicais e extramusicais do regente. Essa diferenciação


precisa ser colocada, pois o conceito musical

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utilizado maioritariamente no
Brasil é herdado da colonização europeia. Assim, confirmamos que o

regente não pode


se preocupar apenas em estudar música, no sentido tradicional-europeu da

palavra, mas deve se preocupar com todos os fatores que intervêm na práxis
sonora.

Em alguns
casos, pela falta de cuidado em reconhecer a diversidade de possibilidades que
a

práxis sonora possui em cada cultura, corre-se o risco de elaborar uma


apreciação musical baseada

na comparação de valor, inferior ou superior, entre


as expressões musicais das diferentes culturas,

considerando algumas como


desprovidas de valor estético, simbólico e social.

entre
os aspectos culturais sucumbidos por tais processos de inferiorização, práxis
musicais não
alinhadas às perspectivas da música erudita ocidental, referência
de arte e de ensino de música na
Europa colonizadora, foram excluídas de
contextos “civilizados” de produção musical e,
consequentemente, do processo de
institucionalização do ensino de música. (Queiroz, 2017, p. 137)

Como foi
possível apreciar, a etnomusicologia é uma ferramenta importantíssima para a

formação interpretativa do regente. A expressão musical de cada cultura


contribui com

particularidades específicas, elementos talvez menos acentuados


em outros contextos culturais ou

até inexistentes.

TEMA 2 – TRADIÇÃO EUROPEIA

O objetivo
desta seção não será especificar todas as caraterísticas da tradição europeia,
pois

parte delas já estão sendo abordadas com o estudo da regência propriamente.


O intuito aqui será

apontar para alguns fatos importantes na sua relação com


outras culturas e seus limites.

Pode-se dizer
que uma grande contribuição da música europeia foi o desenvolvimento da

regência. Este legado precisa ser valorizado em suas bases e fazê-la interagir
com outras práxis

sonoras diferentes da europeia, renovando-a e aproveitando o


que de melhor tem para oferecer às
outras culturas. Por outro lado, nem toda
cultura vai participar do fluxo de capital artístico nos

padrões de concerto que


a tradição europeia possui. Por exemplo, algumas culturas valorizam mais a

interação constante entre o público e o grupo musical, até porque em alguns


casos essa segregação

entre palco e plateia não existe. Já na tradição europeia,


é desejado que o público fique em completo

silêncio participando apenas de uma


escuta atenta, que permite outro tipo de experiência sonora.

Outro aspecto
marcante do percurso da música europeia é a sua notação musical. Os primórdios

dessa tradição escrita datam “aproximadamente do século III antes de nossa era
e provêm da Grécia”
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(Bosseur, 2014, p. 13). A escrita musical ocidental


iniciou-se essencialmente alfabética, passando

posteriormente à notação
pneumática de alturas aproximadas, que logo decantou em notação

quadrada com relações


intervalares definidas. Tal evolução continuou com a notação mesurada e na

segunda metade do século XV apareceriam as primeiras partituras impressas, o


que levou a uma

padronização da escrita que continuou evoluindo e capturando com


maior exatidão as ideias

musicais no papel.

A
alfabetização e a invenção da notação são claramente fatores importantes que permitiram
gerar
estruturas musicais maiores, mas estas expressam diferenças de graus, mas
não uma diferença no
sentido que está implícito na distinção entre música
“artística” e “folclórica”. (Blacking, 1974, p. xi,
tradução nossa)

 A presença
ou preponderância de notação musical numa determinada cultura não determinam

a
superioridade desta frente a outras que privilegiam a comunicação oral. A escrita
musical europeia

tem sido acolhida por diversas culturas no seu fazer musical,


mas isso posteriormente ao

desenvolvimento da identidade cultural de cada uma


delas, diferentemente da realidade europeia

como Bosseur (2014, p. 7) menciona:

a
criação e notação musical se influenciam mutuamente e as metamorfoses da
escrita dependem
fortemente de suas interações e de suas tensões. Conduzido
pela necessidade de uma estética em
constante evolução, o compositor é levado
sem cessar a transgredir as regras da notação existente.
As novas implicações
que ele contribui a expor em relação àquela o deixam consecutivamente
assumir
múltiplas extensões em sua reflexão criativa.

Assim como a
música europeia alcançou a sua identidade auxiliada pela evolução da notação

musical,
as outras culturas, que privilegiaram a oralidade musical, se desenvolveram em
outras

direções, chegando a outros resultados estéticos que a cultura europeia


não possui por ela mesma.

Por esse motivo, nos próximos dois temas analisaremos


algumas caraterísticas das tradições africana

e oriental-árabe.

TEMA 3 – TRADIÇÃO AFRICANA

A tradição
africana foi de alguma forma exportada ao mundo por meio da comercialização de

escravos provenientes dessas terras. Fundados numa história lamentável,


diferentes povos receberam

a herança musical africana que se deixou notar


principalmente pelos seus ritmos altamente

elaborados e seu canto espiritual.

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A tradição
musical africana e seus ritmos foram a alegria do século XX para as orquestras
de

tradição europeia, período no qual o naipe de percussão cresceu chegando ao


mesmo nível de

protagonismo que os outros naipes. Um dos recursos


composicionais africanos adotados foram as

polirritmias, com base em ritmos que


podem ser encontrados, por exemplo, em algumas tradições de

xilofone em
Moçambique (Kubik, 2010, p. 34). Na Figura 1, mostramos algumas dessas
polirritmias,

também chamadas de linha dupla de pulso elementar:

Figura 1 – Linha dupla de pulso elementar, tradição africana

Fonte: Kubik, 2010, p. 34.

Outro
elemento expressivo da cultura africana é o seu canto espiritual, que evoluiu
de diferentes

formas em distintas regiões do mundo, sendo os spirituals


estadunidenses a forma talvez mais
conhecida atualmente. O canto africano se
conecta com o sagrado e com o cotidiano baseado numa

realidade específica,
alcançando sonoridades muito particulares como emissão vocal e nuanças
dinâmicas. Um dos grupos mais representativos de canto africano é Soweto Gospel
Choir que além

de possuir as caraterísticas já mencionadas, demostram que a


dança está intrinsecamente ligada à
música africana.

Saiba mais

SOWETO Gospel Choir promo video 90 second. Soweto Gospel


Choir, 10 set. 2018.

Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=EbulUzkDJaE>.
Acesso em: 22 jul. 2021.

TEMA 4 – TRADIÇÃO ORIENTAL

A tradição da
música oriental é muito ampla, universo do qual tomaremos a música árabe como
exemplo para este estudo. A música árabe, assim como a africana, tem suas
próprias particularidades,

mas estas duas tradições se aproximam no que se


refere ao desenvolvimento rítmico. Os ritmos

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árabes e orientais são bastante


apreciados na atualidade por gêneros musicais como o rock

progressivo e
o jazz fusão, ao introduzir padrões rítmicos complexos, irregulares e
pouco frequentes
na tradição ocidental. Assim, “são reconhecidas dúzias de
diferentes iqa'at [que pode ser traduzido

como ciclos rítmicos],


cada um tendo uma estrutura exclusiva e um caráter singular”. Um destes iqa'at
aparece na Figura 2:

Figura 2 – Exemplo de ciclo rítmico


irregular árabe

Fonte: Dib, 2013, p. 161.

Esse ritmo, representado


na fórmula de compasso 10/8, poderia ser visto como um 5/4
subdividido desde o
olhar da tradição europeia. Um regente, pouco atento aos estudos da

etnomusicologia, talvez tentaria aplicar um gesto similar ao utilizado para a


obra Os Planetas, de
Holst, visto anteriormente. Esta decisão
atrapalharia totalmente a execução de uma obra em ritmo

sama’i thaqil,
pois vemos que a organização interna do compasso é totalmente irregular. Tal
erro fica
evidente, pois a figura nos mostra a irregularidade didaticamente com
linhas descontinuas, mas nas

partituras do repertório árabe essa informação não


aparece.

Parte da
riqueza dos ritmos irregulares da música árabe vem da música vocal. Com uma
devida
articulação prosódica sem rigorismos, poderíamos dizer que a tradição
europeia ficou mais

preocupada em encaixar as palavras nos tempos regulares,


enquanto a tradição árabe emprestou as
irregularidades rítmicas das palavras
para construir tempos irregulares.

Outro aspecto
proveniente do cotidiano da fala presente na estética musical são suas
inflexões

melódicas. No canto estas são enfatizadas e servem de padrão


interpretativo para a música
instrumental, já que “a linha melódica imita a voz
humana: não existem grandes saltos em altura, a

melodia acompanha as modulações


naturais da voz” (Dib, 2013, p. 70). Essas modulações na tradição
europeia
poderiam ser consideradas como desafinações, escorregadas a serem corrigidas,
mas são o

elemento interpretativo característico das melodias árabes. Mohamed


El Egimy, membro do
Departamento de Música Árabe da Faculdade de Educação
Musical da Universidade de Heluã, estuda

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a notação musical europeia utilizada


no repertório árabe e suas implicações interpretativas. Na Figura
3, mostra-se
uma captura das partituras animadas produzidas por Egimy:

Figura 3 – Captura de partitura animada da música “Alf Leila


We Leila”

Fonte: Moelegimy, 2021.

Saiba mais

ALF LEILA We Leila - Animated Arabic Music sheets. Moelegimy,


4 abr. 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3qWMbQjOM8s>. Acesso em: 22 jul. 2021.

A obra Alf Leila We Leila do


compositor Baligh Hamdy, popularizada na interpretação de Umm

Kulthum, faz
parte do repertório tradicional árabe. Na comparação entre o áudio e sua
partitura,
verifica-se que as ligaduras de frase são interpretadas como
glissandos, e a notação não inclui os

portamentos executados, elementos presentes


na expressividade oral do povo. Uma interpretação
orquestral desta obra que
pode servir de referência para este estudo é a da National Arab Orchestra,

com a regência de Michael Ibrahim, em que em várias partes vemos uma interação
descontraída
entre o grupo musical e o público, diferentemente do acostumado na
tradição europeia.

Na mesma obra,
podemos encontrar a utilização de quartos de tom, notas não disponíveis nas

escalas ocidentais: “A música árabe possui mais notas intermediárias,


reconhecendo três notas entre
os tons inteiros chamadas quartos de tom (1/4),
que nem sempre se localizam na metade dos meios-

tons” (Dib, 2013, p. 103). Um


exemplo é mostrado na Figura 3:

Figura 4 – Tetracorde árabe com quartos de tom

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Fonte: Dib, 2013, p. 105.

O tetracorde bayati
em ré apresenta a nota mi abaixada um quarto de tom, dividindo
simetricamente o
intervalo entre ré e fá. Esta particularidade de algumas escalas árabes tem
relação

direta com o sistema modal não temperado que é utilizado nesta cultura
e sua relação com a série
harmônica. Na Figura 5, podemos observar um quadro
comparativo entre o sistema modal mantido

pela tradição árabe e o sistema tonal


desenvolvido na tradição europeia:

Figura 5 – Comparação entre o sistema modal e o tonal

Fonte: Dib, 2013, p. 83.

Um regente
treinado apenas na tradição musical europeia terá diversos inconvenientes e
desafios ao momento de encarar uma interpretação de repertório árabe. Assim
como um regente

árabe terá igualmente inconvenientes e desafios ao interpretar


uma música da tradição europeia,
pois ele cresceu num entorno musical
diferente. Cientes das limitações musicais interculturais,

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releituras honestas
são possíveis de ambos os lados, alimentando-se da riqueza do outro e
ressignificando-a na própria cultura.

TEMA 5 – CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA E LATINO-


AMERICANA

 O panorama
cultural brasileiro é marcado pela pluralidade das suas expressões. Várias etnias
e

subculturas partilham o espaço público, enriquecendo as opções de experiência


musical ofertadas
nas cidades. Mas em alguns casos aparecem desejos de
hegemonia estética por parte de alguns

grupos que se consideram merecedores de


um espaço privilegiado. O maestro Figueiredo
(Lakschevitz, 2006, p. 48) comenta
essa situação referindo-se ao cenário coral:

é
preciso respeitar a diversidade de manifestações corais em nosso país, os
vários tipos de
repertório executados, as diferentes maneiras de se emitir o
som vocal e outros aspectos. A
proposta de um modelo coral para nosso país,
como já cheguei a ouvir, não deve ser, jamais, um
objetivo dos regentes, em
suas trocas de experiências. As diversas tribos devem se dar conta dessa
diversidade e conviver pacificamente.

A diversidade
criativa dos povos brasileiros pode contemplar várias raízes culturais e
gêneros

como por exemplo a música afro-brasileira, luso-brasileira, rock-pop


brasileiro, nordestina, gaúcha,
fandango, MPB, erudita contemporânea e outras
possibilidades. Uma que particularmente chama a

atenção pelo seu afastamento


dos pressupostos musicais ocidentais é a música ancestral brasileira,
indígena
ou também chamada dos povos originários. Numa análise musical de cinco
cantos guarani
Mbya, a etnomusicóloga Daisy Fragoso (2019, p. 45) aponta que o
sistema de notação musical

ocidental não atende às necessidades destes cantos


por contar com notas fora do sistema
temperado europeu. Uma proposta artística
que faz uma releitura da tradição musical ancestral

brasileira é o espetáculo “Raízes


Indígenas”, do Centro Cultural Cesgranrio.

Saiba mais

Raízes Indígenas – Musical. Centro Cultural Cesgranrio,


20 abr. 2020. Disponível em:
<http

s://www.youtube.com/watch?v=42OnlCuP4zw>.
Acesso em: 22 jul. 2021.

Nos anais do IX Encontro da Associação


Brasileira de Etnomusicologia e do XII Encontro de
Educação Musical da UNICAMP,
podemos encontrar pesquisas dedicadas a um amplo leque de
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expressões musicais
concretas, dentre elas: “A Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco:
sua

trajetória musical através do contexto institucional da


Funarte”, “Black gospel: um estudo
etnomusicológico com o grupo Family Soul
do Rio Grande do Sul”, “O músico de orquestra:
apontamentos sobre a atuação
profissional de instrumentistas eruditos – o caso da Orquestra de

Câmara Theatro
São Pedro, de Porto Alegre”, “Novas estratégias na manutenção das atividades da
banda: a Corporação Musical Lira de Serra Negra”, “Música ‘local’, políticas
culturais e gêneros

musicais: notas iniciais sobre forró como patrimônio


cultural imaterial”, entre outras (Unicamp, 2019).

Assim como
todas essas expressões artísticas convivem num território comum chamado Brasil,

este também faz parte de um outro território, maior, conhecido como América
Latina. Diversos
esforços políticos internacionais estão aproximando cada vez
mais os países do bloco, fomentando

diversas interações dentre elas a produção


artística-cultural.

Saiba mais

Dentre os esforços políticos internacionais podemos mencionar


Associação Latino-

Americana de Integração (Aladi) e Mercado Comum do Sul


(Mercosul).

Um produto de tal interação é a miniatura


para piano intitulada Um pouco latino, do compositor

peruano José Luis


Manrique, com a interpretação do pianista paranaense Klüber. A peça traz

elementos de música latino-americana, de origem cubana, apresentados de forma


didática dirigido
ao público brasileiro. Na Figura 6, mostra-se um trecho da
obra que apresenta uma breve polirritmia

de 3 contra 4 no compasso 32, similar


às linhas duplas de pulso elementar da África apresentadas

anteriormente.

Saiba mais

UM POUCO latino (2014) – miniatura para piano solo. José


Luis Manrique, 19 jan. 2021.
Disponível e3m:
<https://youtu.be/y7tKzwlhUGA>.
Acesso em: 22 jul. 2021.

Figura 6 – Partitura de Um pouco Latino (fragmento 1)

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Fonte: Manrique, 2021.

Na Figura 7,
mostra-se outra parte da obra que está composta a partir de um montuno sobre a
base de uma clave de sol 3 por 2, provavelmente um dos ritmos mais utilizados
no gênero musical

conhecido como salsa. O montuno é um estilo de toque, geralmente


de piano, que consiste na

repetição de um padrão sincopado formado por duas


linhas rítmicas que unidas formam uma única

frase musical.

Figura 7 – Partitura de Um pouco latino


(fragmento 2)

Fonte: Manrique, 2021.

Mesmo que se
trate de uma peça curta e didática, os trechos apontados representam um desafio

para os instrumentistas brasileiros, pois tais recursos não fazem parte do


cotidiano musical do
território. Assim como este exemplo, outras iniciativas de
interculturalidade estão surgindo a cada

momento entre os países


latino-americanos, propiciando novas experiências estéticas.

NA PRÁTICA

Como foi
mencionado nas aulas passadas, o processo evolutivo do regente contempla

necessariamente acertos e erros. Aqui será apresentada uma experiência de


interculturalidade que

não obteve os resultados esperados. A proposta foi


executar uma música afro-peruana misturada
com rock progressivo
intitulada El surco, da compositora Chabuca Granda, na versão do grupo Los

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Hijos del Sol[1], arranjada para uma Big Band estudantil brasileira. A obra
está escrita em 12/8,

contando com trechos polirrítmicos de pulsos 3 contra 4,


como aparece na Figura 8.

Figura 8 – Orquestração para Big Band de “El Surco” ver.1


(recorte)

Fonte: Manrique, 2021.

Para um
músico nascido no contexto cultural afro-peruano, esta opção de escrita é

compreensível e limpa visualmente, deixando clara a polirritmia 3:4


principalmente entre a linha do

shaker e o trompete 1. Mas para os


músicos brasileiros não foi tão evidente assim. Depois de uma
tentativa de
ensaio, sugeriu-se que os trompetes fossem reescritos na subdivisão quaternária
própria

do 12/8, como se mostra na Figura 9:

Figura 9 – Orquestração para Big Band de “El Surco” ver. 2


(Fragmento)

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Fonte: Manrique, 2021.

Esta opção de
escrita de fato ajudou aos instrumentistas brasileiros, mas não foi possível

conseguir a musicalidade desejada da frase nem a ginga própria do estilo, pois


a contagem métrica
da subdivisão do 12/8 com a melodia sincopada ocupava grande
parte da atenção dos

instrumentistas.

Podemos
apontar nesta experiência algumas críticas construtivas:

a. não se levou em conta o fator


etnomusicológico ao propor um tecido rítmico complexo

muito afastado da
realidade cultural dos instrumentistas;

b. a versão de referência contava com


elementos fusão que elevaram ainda mais o grau de

dificuldade;

c. não se teve um planejamento gradativo de repertório que


permitisse ao grupo constituir

uma vivência básica na prática desse gênero


musical.

FINALIZANDO

Uma educação
musical baseada exclusivamente na tradição europeia é limitante em relação às
riquezas estéticas presentes nas manifestações musicais das outras culturas. Na
atual conjuntura

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globalizada, é fácil encontrar expressões artísticas de


diferentes culturas na mesma cidade, mais

ainda falando das capitais do Brasil.

Sem uma
preparação adequada nas questões etnomusicológicas, torna-se difícil repetir o

famoso ditado que diz que “a música é a linguagem universal”. A música, como
toda linguagem,

apresenta particularidades que só serão acessadas por pessoas


da própria cultura. Regentes que, com
espírito aberto, optem por fazer o
esforço de conhecer ao outro que nos circunda, poderão contribuir

com a
interação social intercultural e a comunhão musical entre as pessoas.

REFERÊNCIAS

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of Washington Press, 1974.

BOSSEUR,
J.-Y. Do som ao sinal: história da notação musical. Curitiba: Ed. da
UFPR, 2014.

DIB,
M. Música árabe: expressividade e sutileza. São Paulo: Edição do Autor,
2013.

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C. A. Reflexões sobre a prática coral. In: LAKSCHEVITZ, E. (org.) Ensaios
– olhares

sobre a música coral brasileira. São Paulo: USP, 2003.

FRAGOSO,
D. Peteĩ po kyrĩgue mboraei: análise musical de cinco cantos guarani Mbya.
Opus, v.

25, n. 2, p. 38-69, maio/ago., 2019.

KUBIK, G. Theory of African Music. Chicago: The


University of Chicago Press, 2010. v. 2.

LOS HIJOS DEL SOL. To My Country. Álbum discográfico. Disponível em: <

https://open.spotify.com/album/5YJoBX0hpn9lHMRTdOC6tj>. Acesso
em: 24/01/2021.

LÜHNING,
A.; TUGNY, R. P. de. Etnomusicologia no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2016.

MANRIQUE,
J. L. El surco. Orquestração para Big Band. Curitiba, 2014. (Partitura não
publicada

utilizada em ensaio).

PRIBERAM.
Etnografia. Priberam, S.d.a Disponível em:

<https://dicionario.priberam.org/etnografia>.
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_____.
Etnomusicologia. Priberam, S.d.b. Disponível em:

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Acesso em: 22 jul. 2021.

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QUEIROZ,
L. R. Traços de colonialidade na educação superior em música do Brasil: análises
a
partir de uma trajetória de epistemicídios musicais e exclusões. Revista
da ABEM, Londrina, v. 25, n.

39, p.132-159, jul.-dez., 2017.

UNICAMP.
IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia. Anais.
Campinas:

UNICAMP, 2019.

[1]
A gravação desta
versão está disponível em:

https://open.spotify.com/album/5YJoBX0hpn9lHMRTdOC6tj

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 16/16

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