OS SABERES DA DOCÊNCIA
Objetivos
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Unidade
1 INTRODUÇÃO
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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Os saberes da docência
Várias vezes você já deve ter ouvido alguém dizer que professor
“fulano” sabe muito, mas não tem “didática”. Ou então, que outro
professor é uma pessoa tão boa, mas não tem domínio de classe e
seus alunos fazem dele “gato e sapato”. Também já deve ter ouvido
alguém reclamar que o professor “tal” fala, fala, mas não diz nada,
pois ele não tem conteúdo. Estas pessoas, sem o saber, estão dizendo
que os professores a quem elas se referem não possuem os saberes
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necessários ao desenvolvimento do trabalho docente e que, portanto,
mesmo sendo “sabichão, gente fina ou um bom comunicador”, lhes
Unidade
faltam as ferramentas básicas para atuarem como verdadeiros
professores. Quais são, portanto, os saberes necessários para que
nos tornemos professores (e bons professores)?
Para tentarmos responder esta pergunta, iremos recorrer aos
trabalhos de dois autores brasileiros sobre os saberes docentes. O
primeiro deles é o professor Paulo Freire que, em 1996, pouco antes
de sua morte, publicou o livro “Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa”. O outro autor é a professora Selma
Garrido Pimenta (1999) e os três tipos de saberes docentes por ela
classificados no livro “Saberes pedagógicos e atividade docente”.
Como dissemos antes, os estudos sobre os saberes docentes são
muitos, diversos e contraditórios entre si, daí a nossa opção pelos
dois autores brasileiros, pois, ao contrário dos autores internacionais
citados anteriormente, Freire e Pimenta não buscam criar uma
tipologia dos saberes docentes, mas, tomando como ponto de partida
a natureza do trabalho docente, estabelecem os saberes necessários
na perspectiva da reflexão e da formação docente para a autonomia.
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educando.
2º - “Ensinar não é transferir conhecimento” - o professor
Unidade
que pensa certo deixa transparecer aos educandos que a beleza de
se estar no mundo é a capacidade de perceber que, intervindo no
mundo, ele conhecerá e transformará o mesmo. Portanto, ensinar
exige bom senso, uma vez que se deve observar o quão coerente
e coeso os educadores estão sendo ao cobrar os conteúdos da sua
disciplina.
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, seu
gosto estético, sua linguagem, sua sintaxe e prosódia; o professor
que ironiza o aluno, que o minimiza entre outras ofensas em prol da
ordem em sala de aula, transgride os princípios fundamentais éticos
de nossa existência e esta transgressão jamais poderá ser vista ou
entendida como virtude, mas como ruptura com a decência.
Consequentemente, o educando deve ser educado de forma
a lutar pelos direitos dos professores, apoiando sua luta por salários
mais justos e respeito por sua profissão. Os órgãos da classe
deveriam priorizar o empenho da formação permanente dos quadros
do magistério como tarefa altamente política e repensar a prática
das greves, inventando uma nova maneira de lutar que seja mais
eficaz. A luta dos professores pela dignidade de sua função, não só
é democraticamente importante, bem como pode ser interpretada
como uma prática ética.
Quanto às comunidades carentes, a mudança é difícil, mas
é possível. Baseando-se neste saber fundamental, é que a ação
político-pedagógica será programada, com alegria e esperança,
respeito e conscientização. Não obviamente impondo à população
espoliada e sofrida que se rebele, que se mobilize ou se organize
para se defender; trata-se de desafiar os grupos populares para que
percebam a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua
situação. Desta forma, a educação se faz presente como forma de
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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Os saberes da docência
intervir no mundo.
PARA REFLETIR 3º - “Ensinar é uma especificidade humana” - sendo uma
Contam a estória de que especificidade humana, o ato de educar exige segurança, competência
um vendedor de carros,
profissional, comprometimento e generosidade. O professor que
muito ansioso para reali-
zar vendas, passava todo não leva a sério sua formação, que não estuda, nem se aprimora,
o dia de trabalho abor-
dando quem chegasse à não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe.
concessionária de carros,
Todavia, há professores cientificamente preparados, mas autoritários
mostrando os melhores
modelos e explicando e arrogantes, ou seja, a incompetência profissional desqualifica a
as melhores vantagens
para se adquirir aqueles autoridade do professor. A autoridade coerentemente democrática
veículos. Ao final do dia,
exausto, se vangloriava
quer de si mesma, quer do educando, para a construção de um clima
de ter vendido muitos de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Está convicta de que a
carros. Espantados, os
colegas, perguntavam disciplina verdadeira não existe na estagnação, mas no alvoroço dos
como era possível ele
ter vendido os carros se inquietos, na dúvida que os instiga e na esperança que os desperta.
estavam todos ali, sem
donos. Para surpresa de
todos, o vendedor expli-
cava:
• Vender eu vendi, eles 2.2 Selma Garrido Pimenta e os saberes da docência
não compraram porque
não quiseram.
Antes de qualquer coisa, a professora Selma Garrido Pimenta
Mas isso tem algum cabi-
mento? Pois é, mas ima- nos alerta que, dada a natureza do trabalho docente (o de ensinar como
gine você que, dia após
dia, muitos professores contribuição ao processo de humanização), espera-se do professor,
têm repetido para si mes-
que domine o conhecimento específico, e, também seja capaz de, no
mos:
• Ensinar eu ensino, os cotidiano escolar, mobilizar os conhecimentos da teoria da educação e
alunos não aprendem
porque não querem. da teoria pedagógica necessários à compreensão do ensino como uma
realidade social. E, igualmente, possua a capacidade de investigar a
sua própria atividade para, a partir dela, construir e transformar, em
um processo contínuo, o seu “saber-fazer docente”. Para a autora,
os saberes necessários à docência são, portanto, de três ordens: o
conhecimento, os saberes pedagógicos e a experiência. Estes saberes
e as formas como eles se articulam na prática de cada professor é o
resultado de um processo e do seu contexto histórico.
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da reflexão que possibilite a sabedoria necessária à construção do contexto, está sendo uti-
lizado como a capacidade
humano. Isto requer que o professor tenha uma preparação científica,
Unidade
de lidar inteligente e refle-
xivamente com o conheci-
técnica e social e não apenas “conteudista”. Condição muito complexa
mento.
no nosso tempo atual no qual convivem, contraditoriamente, um
elevado nível de progresso e um número majoritário de seres humanos
sem condições para usufruir dos resultados deste progresso. O que
também revela a necessidade de saber a condição dos conhecimentos
nos quais o professor é especialista.
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PARA CONHECER
tomar a prática dos educandos como ponto de partida e de
Em seu livro, “Ensino: as abor- chegada, reinventando os saberes pedagógicos a partir da
dagens do processo” (1986),
Maria da Graça Nicoletti Mi-
prática social da educação.
zukami apresenta uma análise Para tanto, segundo Pimenta (1999, p. 25), torna-
dos conceitos básicos sobre os
processos de ensino, buscando se importante a realização de um balanço crítico das novas
identificar o que fundamenta a
ação docente. Este livro, hoje
colaborações da psicologia e da sociologia educacionais,
um clássico, é leitura obrigató- como também das novas lógicas de organização escolar
ria para quem quer compreen-
der melhor a formação do ide- (funcionamento da escola, currículo, formação dos professores,
ário pedagógico.
gestão etc.).
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em termos de experiência de vida, em termos de
lastro de certezas (TARDIF, 2000, p. 235).
Unidade
Isto é, no exercício de sua atividade profissional, o professor,
ao tomar decisões, também o faz a partir de sua história de vida
(intelectual, emocional, afetiva, pessoal e interpessoal), história essa
portadora de sentido, de linguagens, de significados oriundos de
experiências formadoras que lhe proporciona um lastro de certezas.
Entretanto, temos de considerar que, apesar dessas
experiências serem pessoais, elas se dão em múltiplos espaços sociais
e, por isso, também são construções coletivas legitimadas por seus
grupos de referência. O uso dos saberes da experiência pelo professor
implica, então, numa relação social que o legitima ou invalida. Por
isso podemos afirmar que as experiências, ao mesmo tempo em que
são individuais, são também sociais.
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a) O que é educação?
b) Qual a relação entre a educação e a atividade docente?
c) Qual a relação entre educação e a pedagogia?
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dimensões da prática educativa (professor, aluno, conteúdos,
metodologia, avaliação, relação professor/aluno, concepção de
Unidade
educação e de escola)? Conhecer as respostas para essas perguntas
é muito importante. Isto porque, a prática pedagógica, entendida
aqui como um conjunto organizado de ações educativas direcionadas
à aquisição de diferentes aprendizagens, é saber fundamental para o
desenvolvimento da atividade docente.
Como conjunto organizado de ações educativas, a prática
pedagógica faz parte de um processo social e de uma prática social
maior. Ela envolve a dimensão educativa não apenas na esfera escolar,
mas na dinâmica das relações sociais que produzem aprendizagens.
Na nossa sociedade, é comum ao falarmos de prática que
as pessoas a entendam como oposição à teoria. Entretanto, a
prática pedagógica exige fundamentação teórica, pois uma prática
desprovida de consciência teórica é ação vazia. Da mesma forma, o
seu desenvolvimento exige intencionalidade, isto é, saber o porquê,
o para que e o como realizar a atividade educativa. Como afirma
Veiga (1992, p. 16) a prática pedagógica é “[...] uma prática social
orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no
contexto da prática social”.
Intrinsecamente atrelado ao “por que” está o conceito de
educação, de mundo e de sociedade que o professor defenderá
no exercício de sua função. Isto porque, compreender a prática
pedagógica requer considerarmos as características marcantes da
sociedade que influenciam a realidade educacional. Desta forma,
para definirmos o porquê da realização e da concretização de uma
prática pedagógica, é preciso ter como ponto de partida os aspectos
da formação socioeconômica, cultural e ideológica da sociedade.
Ao “para que”, está relacionado o conceito de homem educado
e de conhecimento.
Permeado por todos esses conceitos, são escolhidos e
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VOCÊ SABIA?
4.3 Sobre a Escola
Foi, em 1549, que surgiu
a primeira escola no Bra-
sil, em Salvador, fundada
A escola, desde as suas origens, foi organizada a partir de
por um grupo de jesuítas. sua possibilidade de garantir às novas gerações a apropriação de
Foi este mesmo grupo
que fundou também a se- conhecimentos e dos valores de cada época, tornando-se, portanto,
gunda escola brasileira,
em 1554, em São Paulo.
um espaço de formação de gerações.
A data marca também Na nossa época, na qual a luta pela universalização do
a fundação da cidade.
Na cartilha do professor ensino ganhou hegemonia e a escola deixou de ser encarada como
constava: ensinar a ler,
escrever, fazer cálculos um privilégio e passou a ser defendida como um direito de todos,
de matemática e apren-
os conhecimentos e os valores a serem apropriados pelas novas
der a doutrina católica.
gerações precisaram ser questionados e dimensionados a partir de
suas condições de classes sociais e de interesses de manutenção (ou
não) da ideologia de um tempo histórico.
2
Neste contexto de impregnação do conhecimento,
Unidade
cabe à escola: amar o conhecimento como espaço de
realização humana, de alegria e de contentamento
cultural; selecionar e rever criticamente a informação;
formular hipóteses; ser criativa e inventiva (inovar);
ser provocadora de mensagens e não pura receptora;
produzir, construir e reconstruir conhecimento
elaborado (GADOTTI, 2000, p. 8).
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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Os saberes da docência
RESUMINDO
comunitária.
Nesta unidade, você viu que o campo dos saberes da docência está
longe de ser algo fácil e foram criadas várias tipologias para tentar enquadrá-
los.
Viu, também, que dois autores brasileiros, sem desconsiderar o processo
histórico do qual a docência faz parte, elaboraram estudos sobre os quais seriam
os saberes necessários ao trabalho do professor. Paulo Freire, em seu livro
“Pedagogia da Autonomia” (1996) e Selma Garrido Pimenta com os três tipos de
saberes docentes: (1) os saberes específicos, (2) os saberes pedagógicos e (3)
os saberes da experiência.
Por fim, aprendeu que, no curso de Pedagogia, esses saberes precisam
ser construídos a partir do conhecimento de três dimensões: a educação, a
DESAFIOS
prática pedagógica e a escola.
Desafio 1 – Escolha um(a) professor(a) de sua cidade que tenha mais de 10 anos de
experiência e faça com ele/ela a seguinte entrevista:
(1) Como foi o seu início de carreira?
(2) Quais as principais dificuldades que enfrentou?
(3) Como recorda de ter superado estas dificuldades?
(4) Qual deve ser o papel da escola junto ao professor inexperiente?
(5) Como aprendeu a ser professor(a)?
Desafio 2 – Agora que já tem as respostas, compare-as com o que estudou nesta unidade
e relacione quais são os saberes necessários a todos os docentes, independentemente
de sua área de conhecimento ou nível de ensino em que atua.
Desafio 3 – Faça uma visita a uma escola dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
solicite o seu Projeto Pedagógico. Identifique no documento:
(1) Qual a concepção de educação defendida.
(2) Qual a concepção de aprendizagem e de aluno.
(3) Como está organizado o tempo (físico e pedagógico) da escola.
(4) Como são definidos os papéis de cada um na comunidade escolar.
Converse com o(a) coordenador(a) pedagógico(a) ou o(a) diretor(a) da escola a respeito
dos pontos que você destacou. Com a autorização dos mesmos, registre a conversa e
aproveite para tirar as suas dúvidas. Aproveite também para saber como foi elaborado
o referido documento.
REFERÊNCIAS
prática pedagógica. São Paulo: Autores Associados, 1996.
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atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999.
Unidade
SACRISTÁN, J. G. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
LEITURAS NECESSÁRIAS
BORGES, C. Saberes docentes: diferentes tipologias e classificações de um campo de
pesquisa. Educação & Sociedade. Dossiê: Os saberes dos docentes e sua formação.
Campinas: Cedes, n. 74, Ano XXII, p. 11-26, abr., 2001.
TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Esboço de uma problemática do saber docente.
Teoria & Educação. v. 1, n. 4, p. 215-253, 1991.
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Suas anotações
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