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Aná lise
Textual
Discursiva
2020, Editora Unijuí
Editor
Fernando Jaime Gonzá lez Rua do Comércio, 3000 Bairro
Universitá rio
Diretor Administra�vo
98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Anderson Konagevski
Capa
Elias Ricardo Schü ssler
Responsabilidade Editorial,
(55) 3332-0217
Grá fica e Administra�va
Editora Unijuí da Universidade
Regional
do Noroestedo Estado do Rio
editora@unijui.edu.br
Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
1ª edição: 2007
www.editoraunijui.com.br
2ª edição revisada: 2011
E-book: 2020
�.com/unijuieditora/
Catalogação na Publicação:
M827aMoraes, Roque
Análise textual discursiva / Roque Moraes, Maria do Carmo Galiazzi. 3. ed. rev. e
ampl. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2016. – 264 p. – (Co- leção educação em ciências).
E-book
ISBN 978-65-86074-19-2 (digital)
1. Análise textual discursiva 2. Processos de análise 3. Escrita 4. Análise do
discurso I. Galiazzi, Maria do Carmo II. Título
CDU :82.0
82.08
1
Roque Moraes faleceu em 24 de janeiro de 2011.
Assim é que para contar esta histó ria nada melhor do que ouvi--la a
partir do pró prio autor. Nesta leitura é possível perceber palavras que
constituem o modo de pensar do Roque e que seguem na continuidade dos
capítulos. A tese foi escrita em 1991, assim também é preciso considerar o que
se pesquisava naquele tempo e a linguagem acadêmica do contexto. O texto
está como na tese original.
Também foi ao reler o livro que me dei conta do movimento no
pensamento do Roque, e por isso à decisã o de colocar o capítulo da histó ria da
metodologia foi agregado outro capítulo em que ele analisa um conjunto de
dissertaçõ es e teses que haviam usado a Aná lise Textual Discursiva. Este
capítulo, como costumava fazer, enviou-me para a leitura e diá logo, como
sempre fazia, cedo de manhã quando acordava para o chimarrã o. Coloquei
este capítulo por ú ltimo. Foi escrito em 2010.
Assim, o livro conta uma histó ria de uma metodologia, um movimento,
sempre em movimento, como escreveu Oliver Sacks contando sua vida.
Quando se lê o livro integralmente, como o fiz agora, existem palavras
que se mostram ao longo de todo ele como aprofundamento, mergulho,
imersã o, unidade de significado. Também há livros que o acompanharam
neste movimento.
Na tese ele fala que Luijpen o acompanhou na cabeceira para entender
mais da Fenomenologia existencialista em que o autor integra visõ es, nã o
separa compreensõ es diferentes da Fenomenologia. Naquela época ele leu
também At Home in the Universe, de Stuart Kauffman, que está na metá fora
do ú ltimo texto e que me recomendou a leitura.
É no prefá cio dessa obra que encontro a afirmativa tã o presente sempre
no que Roque afirmava e traduzo a seguir:
PREFÁCIO
Os ú ltimos três séculos de ciência têm sido reducionistas, procurando
quebrar sistemas complexos em simples partes, e estas partes em partes ainda
mais simples. O programa reducionista tem sido espetacularmente exitoso, e
continuará a ser. Mas tem deixado um vá cuo: como nó s usamos esta
informaçã o sobre as partes para construir uma teoria do todo? A dificuldade
profunda aqui está no fato de que o todo pode exibir propriedades que nã o
estã o nas explicaçõ es da compreensã o das partes. O todo complexo, em um
modo nã o-místico, pode exibir propriedades coletivas, características
emergentes plenas de sentido em seu sentido pró prio e adequado (Kauffman,
1995).
Assim, esta ediçã o ampliada e revisada contém o que a anterior
apresentava, com um outro exercício meu de mexer em pequenas palavras,
retirar um que outro adjetivo, dando maior concretude, a meu ver, ao texto.
Nesta ediçã o revisada e ampliada ainda inclui-se um texto da tese de
Doutorado de Roque Moraes em que ele conta o seu encontro com a
Fenomenologia e com a Hermenêutica.
Seguimos no sempre movimento do aprender para compreender e
interpretar este mundo complexo que se nos apresenta.
1
1 Este capítulo foi retirado da tese de Doutorado de Roque Moraes
defendida em 2011
modo a substituir o esforço explicativo pelo compreensivo, trocar a meta da
previsã o pela da descriçã o, levando-me à busca de uma causalidade interna
nos fenô menos investigados.
Tentarei expor a seguir alguns dos fundamentos que foram se
desenvolvendo paralelamente ao estudo do fenô meno da educaçã o de
professores e cuja explicitaçã o considero essencial à compreensã o do
presente trabalho.
0 ponto de partida
Em termos filosó ficos e epistemoló gicos esta pesquisa constituiu-se
numa caminhada pessoal em que dois pontos extremos podem ser destacados,
ainda que nã o estritamente delimitados. No seu início manifestaram-se, ainda
com força, concepçõ es de uma visã o de mundo, de ciência e de pesquisa
baseadas em todo um histó rico anterior de vivência dentro da ciência natural,
dentro do positivismo. Seu final caracteriza-se por novos posicionamentos em
relaçã o à natureza da ciência, ao conhecimento produzido por meio dela, aos
seus métodos e à questã o do homem diante da produçã o do conhecimento. O
trabalho, como um todo, ao mesmo tempo que proporcionou um
aprofundamento no conhecimento em relaçã o ao fenô meno investigado,
também possibilitou um movimento no sentido de uma nova concepçã o de
ciência, um afastamento de uma visã o positivista e a aproximaçã o de uma
concepçã o fenomenoló gica, "uma ciência num sentido mais pleno", na visã o de
Husserl (Gilles, 1989, p. 70).
A visã o inicial, tendo se originado a partir de minha atuaçã o em
pesquisas e experimentos nas á reas de Química e em Ciências Naturais, já
havia começado a ser questionada desde o envolvimento gradativamente mais
intenso com a á rea da Educaçã o. Esses questionamentos começaram a ser
aprofundados ao longo deste trabalho e
mesmo que sombras ainda persistam e certamente a claridade nunca será
completa, resultaram na definiçã o de novas concepçõ es em que a
historicidade, o subjetivo, a força determinante do homem têm um papel
central.
Entre outros, esses questionamentos focalizaram a questã o da
objetividade. Supero ao longo do trabalho a concepçã o de que só o
conhecimento cientificamente comprovado, no sentido da ciência natural, é
que é verdadeiro e real. Supero a ideia de que é necessá rio o conhecimento ser
reproduzido em condiçõ es de laborató rio, condiçõ es isentas em que o
pesquisador estude o fenô meno isolando-se dele. Ultrapasso a crença
positivista de que só é vá lido o conhecimento produzido pelos métodos das
ciências físicas.
Essa crítica filosó fica de minhas concepçõ es de ciência também
envolveu a crença de que há um método ú nico capaz de conduzir ao
conhecimento verdadeiro: o método da ciência natural. Tornei-me cada vez
mais consciente de que há muitos métodos de acordo com as vá rias atitudes
de pesquisa e os diferentes objetos de estudo. 'Nenhuma ciência está
justificada a prescrever à outra seus próprios métodos" (Luijpen, 1973, p. 174).
O que pode caracterizar a cientificidade de uma ciência pode ser diferente
daquilo que a caracteriza em outra. Parece cada vez mais claro que as ciências
do homem necessitam construir seus pró prios métodos e abandonar
definitivamente a pretensã o positivista da unidade de métodos. Seu objeto de
estudo nã o pode ser abordado apenas por um método que empregue uma
percepçã o mecanicista, formalista ou analítica, mas exige a
utilizaçã o de métodos capazes de conjugar o subjetivo e o objetivo na
construçã o novo conceito de cientificidade e rigor.
Superar a visã o restrita e limitada de ciência derivada das ciências
físicas também implicou repensar o significado de precisã o e ênfase na
valorizaçã o de aspectos quantitativos em prejuízo de caracteres qualitativos.
A precisã o nã o avança necessariamente
pela ú ltima casa decimal que pode ser mensurada. À discussã o da questã o do
rigor e da precisã o é preciso associar o questionamento da relevâ ncia. Nesse
sentido minhas preocupaçõ es coincidem com as de Antoli quando este, ao
criticar pesquisas em educaçã o utilizando os câ nones positivistas, afirma:
O rigor se persegue à s custas da relevâ ncia. Fragmenta-se a realidade,
simplifica-se sua estrutura e ignoram-se os significados internos que
subjazem ao comportamento observá vel. Busca-se a generalizaçã o como fim
ú ltimo, à imagem e semelhança das ciências naturais (1988, p. 10).
Caracterizando a Fenomenologia
A importância do sujeito
A Fenomenologia posiciona-se contra o objetivismo da ciência natural e
coloca o homem como centro de sua pesquisa, valorizando um mundo vivido
por um sujeito, o homem. Enfatiza a subjetividade, começando sua
investigaçã o a partir do irrefletido, do mundo da experiência, do mundo da
vida. Concebe o homem, com sua intencionalidade e consciência, como aquele
que torna possível o ser-ser de tudo. 'Alguma coisa há porque existe o homem,
que como razã o metafísica, deixa acontecer o ser-ser de tudo o que é, e realiza
a verdade do ser como ser" (Luijpen, 1973, p. 181).
Com sua ênfase na subjetividade, com sua preocupaçã o em descrever
uma experiência mais original do que aquela proveniente de uma concepçã o
ingênua de mundo, experiência que é o sujeito-
-como-cogito, a Fenomenologia caracteriza-se por sua abertura a
numerosas atitudes e diferentes possibilidades de percepçã o de um mesmo
fenô meno.
Quem compreende que o mundo e a verdade sobre o mundo sã o radicalmente
humanos, está preparado para conceber que nã o existe um mundo-em-si, mas muitos
mundos humanos, de acordo com as atitudes ou pontos de vista do sujeito existente. O
homem é essencialmente existência e isto acarreta que a significaçã o do mundo se
diferencia conforme as vá rias atitudes ou pontos de vista do sujeito-no-mundo
(Luijpen, 1973, p. 76).
A importância da linguagem
Na medida em que a Fenomenologia valoriza como essencial a presença
do homem como experiência fundamental, considera o mundo vivido pelo
sujeito a origem de todo o conhecimento, e entende que as realidades se
constroem de acordo com os diferentes pontos de vista e interrogaçõ es dos
sujeitos. Ela também destaca a importâ ncia central da linguagem, nã o só como
forma de expressar essas diferentes percepçõ es dos fenô menos e de
explicitaçã o dos mundos construídos, como, e mais ainda, considera que a
linguagem está intrinsecamente ligada à construçã o da realidade do sujeito.
A Fenomenologia proclama o retorno à s coisas mesmas, salienta o
estudo dos fenô menos na forma como se manifestam ao sujeito, enfatizando a
experiência original, o mundo vivido. Por isso ela, necessariamente, precisa
valer-se da linguagem, posto que é por seu intermédio que o sentido surge e
se manifesta. Para a Fenomenologia, entretanto, como nos ensina Resweber
(1979), introduzindo-nos ao pensamento de Heidegger, a linguagem é mais do
que um instrumento de comunicaçã o, uma vez que a palavra está embebida da
luz do ser, tendo ela o poder de traduzir a essência do ser. Nã o há pensamento
sem palavras. A inferioridade do pensamento e a exterioridade da palavra
constituem uma unidade em que nã o é possível determinar um precedente.
Constituem um ú nico plano o percebido e o falado, dado que os objetos só
adquirem sua significaçã o pela linguagem.
O ser reside na linguagem. Esta é a sua casa. Investigar a linguagem é,
portanto, investigar o pró prio ser, tendo a fala o poder efetivo de traduzir a
essência do ser e dos fenô menos. Por essa razã o a pesquisa fenomenoló gica
vale-se essencialmente das manifestaçõ es orais e escritas dos sujeitos. É da
aná lise destas que a pesquisa fenomenoló gica extrai as essências dos
fenô menos investigados.
Duarte Jú nior expressa em outras palavras a estreita relaçã o entre o
mundo humano e a linguagem:
O ser humano move-se num mundo essencialmente simbó lico, sendo os
símbolos linguísticos os preponderantes e bá sicos na edificaçã o deste mundo,
na construçã o da realidade. Como afirmou o filó sofo Ludwig Wittgenstein, os
limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo. Ou seja, o
mundo para mim circunscreve-se à quilo que pode ser captado por minha
consciência e minha consciência apreende as coisas através da linguagem que
emprego e que ordena a minha realidade (1984, p. 27).
Investigação fenomenológica
A pesquisa fenomenoló gica visa à compreensã o. Esta só pode ser
atingida de forma gradual e nunca definitiva. A investigaçã o fenomenoló gica
consiste num retorno permanente aos mesmos fenô menos para um
aprofundamento cada vez maior.
O método na investigaçã o fenomenoló gica nã o pode ser entendido
como uma sequência de passos, como um procedimento canô nico. Há um
método em Fenomenologia, mas num outro sentido. Corresponde a um
caminho a ser trilhado. Nã o é, entretanto, um caminho suave, nem contínuo ou
linear. Tampouco esse método confere a certeza de conduzir a um objetivo
predeterminado. Fazer pesquisa numa abordagem fenomenoló gica consiste
em delinear o caminho durante a caminhada, em saber conviver com a
insegurança de uma pesquisa aberta para modificaçõ es no pró prio curso de
sua realizaçã o.
No seu esforço de chegar à s essências e conseguir explicitar cada vez
melhor as camadas de sentido mais originá rias, como expõ em Martins e
Bicudo (1983), a pesquisa fenomenoló gica enfrenta um paradoxo. Para atingir
novos níveis de compreensã o, é preciso ter compreensã o global inicial de
determinada camada. Assim, ao mesmo tempo que a Fenomenologia foge dos
pressupostos em sua investigaçã o dos fenô menos, necessita, entretanto, de
uma idéia geral em relaçã o ao que olhar e a como olhar o fenô meno. O círculo
hermenêutico propicia o desvelamento gradual e progressivo de novas
camadas veladas, conduzindo a uma compreensã o cada vez mais aprofundada
do fenô meno.
Em sua essência pode-se descrever três momentos da investigaçã o
fenomenoló gica. O primeiro consiste num olhar atento para o fenô meno,
procurando percebê-lo em sua totalidade. Nesse momento procura-se
vislumbrar alguma luz que o ser lança, a partir de sua presença, sobre o que
ainda se apresenta velado. O segundo momento resume-se a descrever o
fenô meno sob investigaçã o, sem, entretanto, deixar-se levar pelas crenças e
preconceitos. E descrevê-lo à luz da reduçã o fenomenoló gica. Por fim, o ú ltimo
momento consiste em um mergulho nos aspectos essenciais do fenô meno.
Tudo isso ocorre e se repete em ciclos ou círculos, que cada vez lançam mais
luz sobre o fenô meno, desvelando, gradualmente, o que se encontra velado e
ampliando o campo de atuaçã o do ser. O movimento da compreensã o é
circular.
A investigaçã o fenomenoló gica fundamenta-se em um método que se
utiliza essencialmente da intuição, da reflexão e da descrição. A intuiçã o é a
fase inicial da pesquisa, em que há uma imersã o no que é dado à consciência,
uma tentativa de perceber o fenô meno por meio da reduçã o fenomenoló gica.
É um esforço de captar o fenô meno puro, tal qual se manifesta ao sujeito sem a
interferência de pressupostos, teorias ou crenças. A reflexã o é o momento de
procura das essências. Opera à luz da reduçã o eidética em que, procurando-se
eliminar todos os aspectos nã o essenciais ao fenô meno investigado, procura-
se chegar à s essências. Com isso chega-se ao processo de descriçã o, quando, a
partir da intuiçã o e da reflexã o, faz-se a explicitaçã o do fenô meno tal como se
manifesta à consciência, enfatizando principalmente sua essência.
O aspecto mais radical do método fenomenoló gico se manifesta na vontade de
explicitar constantemente as camadas de sentido mais originá rias, as
essências mais escondidas; a fenomenologia torna-se assim hermenêutica,
ciência da interpretaçã o (Bruyne et al., 1977, p. 97).
2
A versã o anterior deste texto publicado em: Moraes, Roque. Uma
tempestade de luz: a compreensã o possibilitada pela aná lise textual
discursiva. Ciência e Educaçã o, Bauru, SR v. 9, n. 2, p. 191-210, 2003.
2 - Estabelecimento de relações: este processo denominado de
categorizaçã o envolve construir relaçõ es entre as unidades de base,
combinando-as e classificando-as, reunindo esses elementos unitá rios
na formaçã o de conjuntos que congregam elementos pró ximos,
resultando daí sistemas de categorias.
3 - Captação do novo emergente: a intensa impregnaçã o nos materiais da
aná lise desencadeada nos dois focos anteriores possibilita a emergência
de uma compreensã o renovada do todo. O investimento na comunicaçã o
dessa compreensã o, assim como de sua crítica e validaçã o, constituem o
ú ltimo elemento do ciclo de aná lise proposto. O metatexto resultante
desse processo representa um esforço de explicitar a compreensã o que
se apresenta como produto de uma combinaçã o dos elementos
construídos ao longo dos passos anteriores.
A exposiçã o segue com foco no ciclo como um todo, aproximando-o de
sistemas complexos e auto-organizados:
4 - Um processo auto-organizado: o ciclo de aná lise, ainda que composto de
elementos racionalizados e em certa medida planejados, em seu todo
pode ser compreendido como um processo auto-organizado do qual
emergem as compreensõ es. Os resultados finais, criativos e originais,
nã o podem ser previstos. Mesmo assim, é essencial o esforço de
preparaçã o e impregnaçã o para que a emergência possa concretizar-se.
Ao longo da apresentaçã o e discussã o desses elementos, pretende-se
defender o argumento de que a aná lise textual discursiva pode ser
compreendida como um processo auto-organizado de construçã o de
compreensã o em que os entendimentos emergem a partir de uma sequência
recursiva de três componentes: a desconstruçã o dos textos do "corpus", a
unitarizaçã o; o estabelecimento de relaçõ es entre os elementos unitá rios, a
categorizaçã o; o captar o emergente em que a nova compreensã o é
comunicada e validada. Esse processo em seu todo é comparado a uma
tempestade de luz. Consiste em criar as
condiçõ es de formaçã o dessa tempestade em que, emergindo do meio
caó tico e desordenado, formam-se flashes fugazes de raios de luz sobre os
fenô menos investigados, que, por meio de um esforço de comunicaçã o
intenso, possibilitam expressar as compreensõ es alcançadas ao longo da
aná lise. Nesse processo a escrita desempenha duas funçõ es complementares:
de participaçã o na produçã o das compreensõ es e de sua comunicaçã o cada
vez mais vá lida e consistente.
desconstrução e unitarização
3
Denominaçã o retirada de Bardin (1977).
Os textos que compõ em o corpus da aná lise podem tanto ser
produzidos especialmente para a pesquisa quanto podem ser documentos
existentes. No primeiro grupo integram-se transcriçõ es de entrevistas,
registros de observaçã o , depoimentos produzidos por escrito, assim como
anotaçõ es e diá rios diversos. O segundo grupo pode ser constituído de
relató rios, publicaçõ es de variada natureza, tais como editoriais de jornais e
revistas, resultados de avaliaçõ es, atas de diversos tipos, entre muitos outros
documentos.
Costuma-se denominar o corpus textual da aná lise de dados.
Assumindo, contudo, que todo dado se torna informaçã o a partir de uma
teoria, pode-se afirmar que "nada é realmente dado", mas tudo é construído.
Os textos nã o carregam um significado a ser apenas identificado; trazem
significados exigindo que o leitor ou pesquisador construa significados a
partir de suas teorias e pontos de vista. Isso requer que o pesquisador em seu
trabalho se assuma como autor das interpretaçõ es construídas a partir dos
textos analisados. Naturalmente, nesse exercício hermenêutico de
interpretaçã o é preciso ter sempre em mente o outro polo, o autor do texto
original.
Como se define e delimita o corpus? Geralmente uma pesquisa
utilizando Aná lise Textual Discursiva exige que se produza um conjunto
adequado de documentos a serem analisados. Quando os textos existem
previamente, seleciona-se um conjunto capaz de produzir resultados vá lidos e
representativos em relaçã o aos fenô menos investigados. Quando o s
documentos sã o produzidos no processo da pesquisa, os textos podem ser
selecionados de diversas formas, destacando-se a intencional, com definiçã o
da amplitude do "corpus" pelo critério de saturaçã o. Entende-se que a
saturaçã o é atingida quando a introduçã o de novas informaçõ es na aná lise nã o
produz modificaçõ es nos resultados. Isso, naturalmente, implica um processo
um militante de produçã o de informaçõ es e de aná lise.
Desse modo, dentro do processo de pesquisa, o investigador precisa
definir e delimitar seu corpus. A partir daí pode dar início ao ciclo de aná lise,
cujo primeiro passo é a desconstruçã o dos textos.
Desconstrução e unitarização
Uma vez de posse do conjunto de textos a serem analisados, ou de uma
parte deles, inicia-se o processo de aná lise propriamente dito. O primeiro
passo é a desconstruçã o dos textos e sua unitarizaçã o.
A desconstruçã o e a unitarizaçã o do corpus consistem num processo de
desmontagem ou desintegraçã o dos textos, destacando seus elementos
constituintes. Significa colocar o foco nos detalhes e nas partes componentes
dos textos, um processo de decomposiçã o requerido por qualquer aná lise.
Com essa fragmentaçã o ou desconstruçã o pretende-se conseguir perceber os
sentidos dos textos em diferentes limites de seus pormenores, ainda que se
saiba que um limite final e absoluto nunca é atingido. É o pró prio pesquisador
quem decide em que medida fragmentará seus textos, podendo daí resultarem
unidades de aná lise de maior ou menor amplitude.
Da desconstruçã o dos textos surgem as unidades de análise, aqui
também denominadas unidades de significado ou de sentido. É importante
que o pesquisador proceda as suas aná lises de modo que saiba em cada
momento quais as unidades de contexto, geralmente os documentos, que
deram origem a cada unidade de aná lise. Para isso utilizam-se có digos
indicadores da origem de cada unidade. Uma das formas de codificaçã o
corresponde a atribuir inicialmente um nú mero ou letra a cada documento do
corpus. Um segundo nú mero ou letra pode entã o ser atribuído a cada uma das
unidades de aná lise construída a partir de cada texto. Assim, o texto 1 dará
origem à s Unidades 1.1, 1.2, etc. O documento 2 originará as unidades 2.1, 2.2,
Utc., e assim sucessivamente.
As unidades de aná lise sã o sempre identificadas em funçã o de um
sentido pertinente aos propó sitos da pesquisa. Podem ser definidas em funçã o
de critérios pragmá ticos ou semâ nticos. Num outro sentido, sua
definiçã o pode partir tanto de categorias definidas " a priori", como de
categorias emergentes. Quando se conhecem de antemã o as grandes temas da
aná lise, as categorias a priori, basta separar as unidades de acordo com esses
temas ou categorias. Uma pesquisa, entretanto, também pode pretender
construir as categorias a partir da aná lise. Nesse caso as unidades de
aná lise sã o elaboradas com base nos conhecimentos tá citos do pesquisador,
sempre em consonâ ncia com os objetivos da pesquisa.
Em qualquer das formas o processo de construçã o de unidades é um
movimento gradativo de explicitaçã o e refinamento de unidades de base, em
que é essencial a capacidade de julgamento do pesquisador, sempre tendo em
vista o projeto de pesquisa em que as aná lises se inserem. Pode-se fazer uma
primeira tentativa de unitarizaçã o com parte do corpus apenas. A partir disso,
decidem-se os critérios para a desconstruçã o dos textos. Feito isso, se estende
o processo a todo o corpus.
A prá tica de unitarizaçã o tem demonstrado que esta pode ser
concretizada em três momentos distintos (Moraes, 1999):
1. fragmentaçã o dos textos e codificaçã o de cada unidade;
2. reescrita de cada unidade de modo que assuma um significado, o mais
completo possível em si mesma;
3. atribuiçã o de um nome ou título para cada unidade assim produzida.
A fragmentaçã o dos textos é concretizada por uma ou mais leituras,
identificando-se e codificando-se cada fragmento destacado, insultando daí as
unidades de aná lise. Cada unidade constitui uma unidade de conhecimento de
significado pertinente ao fenô meno em aná lise como na fragmentaçã o sempre
se tende a descontextualizada
é importante reescrever as unidades de modo que expressem com
clareza os sentidos construídos a partir do contexto de sua produçã o. Isso
implica incluir alguns elementos de unidades anteriores ou posteriores dentro
da sequência do texto original. Isso se faz necessá rio porque as unidades,
quando levadas à categorizaçã o, estarã o isoladas e é importante que seu
sentido seja claro e fiel aos textos dos sujeitos da pesquisa. Finalmente, para
facilitar outro elemento importante da aná lise - a categorizaçã o - é
interessante atribuir a cada unidade de aná lise um título, o qual deve
apresentar a ideia central da unidade.
É importante salientar que o processo de unitarizaçã o nã o necessita se
prender exclusivamente ao que está expresso nos textos num sentido mais
explícito. Podem ser construídas unidades que se afastam mais do
imediatamente expresso, correspondendo a interpretaçõ es do pesquisador
que atingem sentidos implícitos dos textos.
Assim o primeiro passo do ciclo de Aná lise Textual Discursiva revela-se
em um momento de intenso contato e impregnaçã o com o material da aná lise,
envolvimento que é condiçã o para a emergência de novas compreensõ es. O
processo necessita ser reinventado em cada pesquisa. Nesse sentido, mesmo
que os passos possam transformar-se, especialmente a partir de uma vivência
mais prolongada do pesquisador com a metodologia, é importante
compreender que no momento da aná lise é importante atingir um profundo
envolvimento com os materiais submetidos à aná lise.
Envolvimento e impregnação
A Aná lise Textual Discursiva, voltada à produçã o de compreensõ es
aprofundadas e criativas, requer um envolvimento intenso com as
informaçõ es do corpus. Exige uma impregnaçã o aprofundada com os
elementos do processo analítico. Somente essa impregnaçã o possibilita uma
leitura pertinente dos documentos analisados.
A impregnaçã o persistente nas informaçõ es dos documentos do corpus
passa por um processo de desorganizaçã o e desconstruçã o, antes que se possa
atingir novas compreensõ es. É preciso desorganizar a ordem estabelecida,
desorganizando o conhecimento existente. Tendo como referência as idéias
dos sistemas complexos, esse processo consiste em levar o sistema semâ ntico
ao limite do. A unitarizaçã o é um processo que produz desordem a partir de
um conjunto de textos ordenados. Torna caó tico o que era ordenado. Nesse
espaço uma nova ordem pode constituir-se à custa da desordem. o
estabelecimento de relaçõ es entre os elementos unitá rios de base possibilita a
construçã o de uma nova ordem, e novas compreensõ es em relaçã o aos
fenô menos investigados.
Fazer uma aná lise rigorosa constitui um exercício de ir além de uma
leitura superficial, possibilitando a construçã o de teorias a partir de um
conjunto de informaçõ es sobre determinados fenô menos.
Exercitar uma leitura aprofundada significa explorar uma diversidade
de significados que podem ser construídos a partir de um conjunto de
significantes. É ainda possível explorar significados em diferentes
perspectivas, a partir de diferentes focos de aná lise. Essa diversidade de
sentidos que podem ser construídos a partir de um conjunto de textos, está
estreitamente ligada à s teorias que os leitores empregam em suas
interpretaçõ es textuais. Por mais sentidos que se consiga mostrar, sempre
haverá outros.
É preciso salientar que este processo de aná lise, iniciado com a
utilizaçã o dos textos, é uma atividade exigente e trabalhosa.
Na aná lise exige-se uma leitura cuidadosa, aprofundada e
pormenorizada dos materiais do corpus, garantindo-se no mesmo movimento
a separaçã o e o isolamento de cada fraçã o significativa. Este trabalho pode ser
entendido como levar o sistema ao limite do caos. A partir disso criam-se as
condiçõ es para a emergência de interpretaçõ es criativas e originais,
produzidas a partir da capacidade do pesquisador
de estabelecer e identificar relaçõ es entre as partes e o todo, tendo
como base uma intensa impregnaçã o no material de aná lise. O raio de uma
tempestade só é possibilitado pela formaçã o de um sistema conturbado de
nuvens em permanente agitaçã o e movimento. A desordem é condiçã o para a
formaçã o de novas ordens. Novas compreensõ es dos fenô menos investigados
sã o possibilitadas por uma desorganizaçã o dos materiais de aná lise,
permitindo ao mesmo tempo uma impregnaçã o intensa com os fenô menos
investigados.
Estabelecimento de Relações:
o processo de categorização
Processo de categorização
A categorizaçã o é um processo de comparaçã o constante entre as
unidades definidas no momento inicial da aná lise, levando a agrupamentos de
elementos semelhantes. Conjuntos de elementos de significaçã o pró ximos
constituem as categorias.
A categorizaçã o, além de reunir elementos semelhantes, também
implica nomear e definir as categorias, cada vez com maior precisã o, na
medida em que vã o sendo construídas. Essa explicitaçã o
se dá por meio do retorno cíclico aos mesmos elementos, no sentido da
construçã o gradativa do significado de cada categoria. Nesse processo, as
categorias vã o sendo aperfeiçoadas e delimitadas.
No processo de categorizaçã o podem ser construídos diferentes níveis
de categorias. Em alguns casos, elas assumem as denominaçõ es de iniciais,
intermediá rias e finais, constituindo, cada um dos grupos, na ordem
apresentada, categorias mais abrangentes e em menor nú mero.
No seu conjunto, as categorias constituem os elementos de organizaçã o
do metatexto que se pretende escrever. É a partir delas que se produzirã o as
descriçõ es e interpretaçõ es que comporã o o exercício de expressar as novas
compreensõ es possibilitadas pela aná lise.
Como o pesquisador pode chegar à s categorias?
As categorias na Aná lise Textual Discursiva podem ser produzidas por
intermédio de diferentes métodos. Cada método apresenta produtos que se
caracterizam por diferentes propriedades. Por outro lado, também traz
implícitos os pressupostos que fundamentam a respectiva aná lise.
O método dedutivo, um movimento do geral para o particular, implica
construir categorias antes mesmo de examinar o "corpus". As categorias sã o
deduzidas das teorias que servem de fundamento para a pesquisa. Sã o
"caixas" (Bardin, 1977) nas quais as unidades de aná lise serã o colocadas ou
organizadas. Esses agrupamentos constituem as categorias a priori.
No método indutivo implica produzir as categorias a partir das
unidades de aná lise construídas desde o corpus. Por um processo de comparar
e contrastar constante entre as unidades de aná lise, o pesquisador organiza
conjuntos de elementos semelhantes, geralmente com base em seu
conhecimento tá cito, conforme descrevem Lincoln e Guba (1985). Este é um
processo indutivo, de caminhar do particular ao geral, resultando no que se
denomina de categorias emergentes.
Os dois métodos, dedutivo e indutivo, também podem ser combinados
num processo misto de aná lise pelo qual, partindo de categorias definidas "a
priori" com base em teorias escolhidas previamente, o pesquisador
encaminha transformaçõ es gradativas no conjunto inicial de categorias, a
partir do exame das informaçõ es do corpus de aná lise. Nesse processo,
segundo Laville e Dionne (1999), a induçã o auxilia a aperfeiçoar um conjunto
prévio de categorias produzidas por deduçã o.
É possível ainda descrever um terceiro método de produçã o de
categorias, denominado intuitivo. Chegar a um conjunto de categorias por
meio da intuiçã o exige integrar-se num processo de auto-organizaçã o em que,
a partir de um conjunto complexo de elementos de partida, emerge uma nova
ordem. O processo intuitivo pretende superar a racionalidade linear que está
implícita tanto no método dedutivo quanto no indutivo e defende que as
categorias tenham sentido a partir do fenô meno focalizado como um todo. As
categorias produzidas por intuiçã o originam-se de inspiraçõ es repentinas,
insights que se apresentam ao pesquisador a partir de uma intensa
impregnaçã o nos dados relacionados aos fenô menos. Representam
aprendizagens auto-organizadas que sã o possibilitadas ao pesquisador com
base em seu envolvimento intenso com o fenô meno investigado.
De algum modo, tanto o método dedutivo quanto o indutivo requerem
em algum grau a intuiçã o. Somente dessa forma as categorias construídas
terã o criatividade, possibilitando novas compreensõ es em relaçã o aos
fenô menos investigados. Quando produzidas nesse contexto, porém, as
intuiçõ es parecem ter um sentido mais limitado, ocorrendo no interior da
linearidade da induçã o ou deduçã o, despontando dentro da racionalidade que
orienta essas abordagens.
Ainda que essas relaçõ es seguidamente fiquem implícitas, a escolha de
métodos para a categorizaçã o sempre trará junto com ela um conjunto de
pressupostos teó ricos e paradigmá ticos. Enquanto,
por exemplo, a deduçã o implica, geralmente, a procura de objetividade,
verificabilidade e quantificaçã o, a opçã o pela induçã o e intuiçã o traz dentro de
si a subjetividade, o foco na qualidade, a ideia de construçã o, a abertura ao
novo. A primeira opçã o seguidamente carrega pressupostos do paradigma
dominante de ciência, enquanto a segunda pode ser relacionada com o
paradigma emergente (Souza Santos, 1996). Certamente nã o é possível fazer
aqui uma classificaçã o rígida em relaçã o ao emprego dos métodos descritos,
mas cabe um alerta para que o pesquisador esteja atento ao que implicam as
opçõ es que faz em cada caso.
A descriçã o anterior dos métodos de categorizaçã o mostra que a
aná lise textual qualitativa pode utilizar na sua construçã o de novas
compreensõ es dois tipos de categorias: categorias a priori e categorias
emergentes. As primeiras correspondem a construçõ es que o pesquisador
elabora antes de realizar a aná lise propriamente dita. Provêm das teorias em
que fundamenta o trabalho e sã o obtidas por métodos dedutivos. Já as
categorias emergentes sã o construçõ es teó ricas que o pesquisador elabora a
partir do corpus. Sua produçã o é associada aos métodos indutivos e intuitivos.
Conforme já proposto, uma terceira alternativa constitui um modelo misto de
categorias, no qual o pesquisador parte de um conjunto de categorias definido
a priori, complementando-as ou reorganizando-as a partir da aná lise.
Todos esses tipos de categorias podem ser vá lidos. O importante no
processo nã o é sua forma de produçã o, mas as possibilidades de o conjunto de
categorias construído propiciar uma compreensã o aprofundada dos textos-
base da aná lise e, em consequência, dos fenô menos investigados. Isso, pelo
menos em parte, é funçã o das propriedades das categorias construídas.
Propriedades das categorias
Categorização e teorias
Retoma-se aqui uma questã o fundamental na conduçã o de um processo
de Aná lise Textual Discursiva, já abordada anteriormente quando tratou-se
sobre a unitarizaçã o: É o papel da teoria no processo da categorizaçã o.
Toda categorizaçã o implica teoria. O conjunto de categorias é
construído a partir desse referencial de abstraçã o que o suporta. Esse olhar
teó rico pode estar explícito ou nã o, ainda que seja desejá vel sua explicitaçã o.
O modo de conceber as teorias em relaçã o à pesquisa e à categorizaçã o das
informaçõ es origina diferentes tipos de categorias.
Conforme já discutido, quando as teorias sã o definidas e assumidas a
priori, classificando-se os materiais textuais com base em teorias escolhidas
com antecedência, as categorias construídas sã o denominadas a priori. Sã o
"caixas" em que os dados serã o colocados.
Quando o pesquisador examina o corpus com base em seus
conhecimentos tá citos ou teorias implícitas, nã o assumindo conscientemente
nenhuma teoria específica a priori, as categorias resultantes da aná lise sã o
denominadas emergentes. Entende-se que, nesse caso, nã o é que nã o existam
teorias orientadoras, mas que estas nã o sã o conhecidas e assumidas pelo
pesquisador de forma consciente. Estã o de algum modo implicadas nas
informaçõ es analisadas e no pró prio conhecimento do pesquisador, e o papel
deste é explicitá -las, porém nã o devem ser entendidas como estando prontas.
Requerem um esforço construtivo do pesquisador, e desse processo podem
resultar diversas estruturas teó ricas, dependendo dos conhecimentos de
quem pesquisa.
Assim como na identificaçã o das unidades de aná lise os significados
nã o sã o dados a serem extraídos dos textos, também as categorias nã o sã o
encontradas prontas nos textos analisados. Categorias constituem conceitos
abrangentes que possibilitam compreender os fenô menos que precisam ser
construídos pelo pesquisador. Da mesma forma como há muitos sentidos em
um texto, sempre é possível construir vá rios conjuntos de categorias a partir
de um mesmo conjunto de informaçõ es. Cada conjunto terá a possibilidade de
mostrar alguns dos sentidos que o corpus permite construir. As categorias nã o
sã o dadas, mas requerem um esforço construtivo intenso e rigoroso de parte
do pesquisador até sua explicitaçã o clara e convincente. Esse esforço nã o
envolve apenas
caracterizar as categorias, mas também estabelecer relaçõ es entre os
elementos que as compõ em, talvez produzir subcategorias, assim como
construir relaçõ es entre as vá rias categorias emergentes da aná lise, esse é um
momento em que o pesquisador necessita assumir sua funçã o de autor de
seus pró prios argumentos.
Descrição e interpretação
Os exercícios de comunicaçã o carregam junto teorias e visõ es de
mundo. O ser humano se constitui na linguagem e nã o tem como sair dela para
observar um fenô meno. Enxerga as coisas, percebo os fenô menos, lê textos,
age sempre a partir de referenciais teó ricos
constitutivos de domínios linguísticos, os nossos discursos. Por isso sempre
está interpretando. Nã o tem como sair da "prisã o" da linguagem e dos
discursos sociais. Necessita manifestar-se de dentro deles.
Seria, entã o, possível falar em descriçã o? Mesmo conscientes das
dificuldades que isso representa, pretende-se dar aqui ao termo uma
conotaçã o específica. Entende-se a descriçã o como esforço de exposiçã o de
sentidos e significados em sua aproximaçã o mais direta com os textos
analisados. Descrever, nesse sentido, constitui-se num movimento de
produçã o textual mais pró ximo do empírico, sem envolvimento em um
exercício interpretativo mais aprofundado. Desse modo, a descriçã o significa
uma exposiçã o de ideias de uma perspectiva pró xima de uma leitura imediata,
mesmo que cuidadosa e detalhada. Na medida em que o pesquisador se afasta
dessa realidade mais imediata do texto, entretanto, está se envolvendo
gradativamente mais num exercício interpretativo.
A descriçã o na aná lise textual qualitativa concretiza-se a partir das
categorias construídas no decorrer da aná lise. Descrever é apresentar as
categorias e subcategorias, fundamentando e validando essas descriçõ es a
partir de interlocuçõ es empíricas ou ancoragem dos argumentos em
informaçõ es retiradas dos textos. Uma descriçã o densa, recheada de citaçõ es
dos textos analisados, sempre selecionadas com critério e perspicá cia, é capaz
de dar aos leitores uma imagem fiel dos fenô menos que descreve. Essa é uma
das formas de validaçã o.
O que seria entã o interpretaçã o na Aná lise Textual Discursiva?
Coerente com os posicionamentos anteriores, afirma-se que toda
leitura e toda Aná lise Textual Discursiva já é uma interpretaçã o. Pretende-se,
contudo, ampliar um pouco mais a discussã o sobre Interpretaçã o. No contexto
da Aná lise Textual Discursiva interpretar é construir novos sentidos e
compreensõ es, afastando-se do imediato e exercitando uma abstraçã o.
Interpretar é um exercício de construir
e de expressar uma compreensã o mais aprofundada, indo além da expressã o
de construçõ es obtidas a partir dos textos e de um exercício meramente
descritivo. Uma pesquisa de qualidade necessita atingir essa profundidade
maior de interpretaçã o.
Essa interpretaçã o nada mais é que um exercício de teorizaçã o e pode
se dar de diferentes formas. Um dos modos é a confrontaçã o com teorias já
existentes. O pesquisador, quando está interpretando os sentidos de um texto
com base em um fundamento teó rico escolhido a priori, ou mesmo
selecionado a partir das aná lises, exercita um conjunto de interlocuçõ es
teó ricas com os autores mais representativos de seu referencial. Procura com
isso ampliar a compreensã o dos fenô menos que investiga, estabelecendo
pontes entre os dados empíricos com que trabalha e suas teorias de base.
Nesse movimento está também ampliando o campo teó rico no qual se baseia.
Outra forma de interpretaçã o é aquela em que, nã o tendo o pesquisador
optado por um referencial teó rico explícito de antemã o, exercita uma
abstraçã o e teorizaçã o em relaçã o aos fenô menos que estuda a partir do
conjunto de categorias que construiu em sua aná lise e das relaçõ es entre elas.
A pró pria estrutura de categorias e subcategorias constitui-se no arcabouço
teó rico emergente a partir do qual o pesquisador pode exercitar reflexõ es e
interpretaçõ es cada vez mais afastadas do referencial empírico (Martínez,
1994).
Ainda que a segunda perspectiva de interpretaçã o seja mais
desafiadora, ambas as formas sã o vá lidas como modos de construçã o de novas
compreensõ es e de expressã o de sentidos intuídos nos fenô menos
investigados. Também ambas carregam possibilidades de o investigador
construir seus argumentos, suas teses. Isso será sua contribuiçã o teó rica
dentro da pesquisa, contribuiçã o sem a qual nenhum estudo tem sentido. Por
isso, no momento interpretativo, é importante que o pesquisador se assuma
como autor.
Produção textual, compreensão e teorização
Construção de validade
Os produtos de uma aná lise textual discursiva devem ser vá lidos e
confiá veis. Se submetidos a críticas dos autores dos textos originais do corpus,
estes precisam sentir-se contemplados nos resultados apresentados.
A validade e a confiabilidade dos resultados de uma aná lise sã o
construídas ao longo do processo. O rigor com que cada etapa da aná lise é
conduzida é uma garantia delas. Assim, uma unitarizaçã o e categorizaçã o
rigorosas encaminham metatextos vá lidos e representativos dos fenô menos
investigados.
A propó sito, também constró i-se validade a partir da ancoragem dos
argumentos na realidade empírica, o que é conseguido pelo uso de "citaçõ es"
de elementos extraídos dos textos do corpus. A inserçã o crítica de excertos
bem-selecionados dos textos originais constitui uma forma de validaçã o dos
resultados das aná lises.
A validade de um metatexto também se funda na construçã o de uma
qualidade formal num sentido mais amplo. O esforço em realizar aná lises cada
vez mais significativas requer que o pesquisador procure superar uma
descriçã o está tica para conseguir captar a realidade em movimento. O desafio
é ir de uma fotografia para um filme com seu movimento dinâ mico, mesmo
que este também se constitua em uma sequência de tomadas está ticas. Isso,
evidentemente, tem relaçã o com o
manente movimento de superaçã o. Captar essa dinâ mica da realidade é
conseguir compreender e descrever o movimento contraditó rio da realidade,
em que novas teses emergem continuamente a partir do questionamento e
superaçã o de antigas teorias.
Captar esse movimento e expressá -lo é um permanente desafio.
Diferentes modos de consegui-lo podem ser arquitetados, alguns mais
pró ximos a uma fotografia, outros mais pró ximos a uma dinâ mica de um filme
e outros ainda procurando expressar a complexidade de sistemas integrados
em mú ltiplas dimensõ es. Os objetivos do pesquisador em seu estudo é que
indicarã o o equilíbrio a ser atingido.
O objetivo da Aná lise Textual Discursiva é a produçã o de metatextos
baseados nos textos do corpus. Esses metatextos, descritivos e interpretativos,
mesmo sendo organizados a partir das unidades de significado e das
categorias, nã o se constituem em simples montagens. Resultam de processos
intuitivos e auto-organizados. A compreensã o emerge, tal como em sistemas
complexos, revelando-se muito mais do que uma soma de categorias. Dentro
dessa perspectiva, um metatexto, mais do que apresentar as categorias
construídas na aná lise, deve constituir-se a partir de algo importante que o
pesquisador tem a dizer sobre o fenô meno que investigou, um argumento
aglutinador construído a partir da impregnaçã o com o fenô meno e que
representa o elemento central da criaçã o do pesquisador. Todo texto necessita
ter algo importante a dizer e defender e deveria expressá -lo com o má ximo de
clareza e rigor.
Auto-organização:
A emergência do novo
Enquanto o primeiro movimento do ciclo de aná lise proposto é
racionalizado, exigindo um investimento e esforço consciente de explorar em
detalhes os sentidos dos textos do corpus, o segundo movimento nã o pode
ser organizado dessa forma. O movimento da desordem em direçã o a uma
nova ordem, a emergência do novo a partir do caos, é um processo auto-
organizado e intuitivo. Nã o pode ser previsto ainda que se possa contribuir
para desencadeá -lo. De certo modo pode ser entendido como um conjunto de
operaçõ es inconscientes que resultam em "insights" repentinos e
globalizados. Flashes compreensivos emergem repentinamente.
Possivelmente muitas intuiçõ es diferentes se formam, uma avalanche de
novas estruturas (Kaufman, 1995), muitos raios de luz na tempestade.
Algumas
Sã o percebidas ou captadas pelo pesquisador. A maioria se perde.
Preciso estar atento para captar o emergente e registrar as impressõ es que
carrega. Tal como um sonho, essas inspiraçõ es criativas tendem a ser
esquecidas se nã o forem registradas imediatamente.
Os insights focalizam o fenô meno de forma global e holística;
entretanto, ao mesmo tempo em que se constituem em uma visã o completa,
apresentam-se cheios de lacunas e elementos implícitos, os relâ mpagos
apenas dã o uma visã o rá pida da paisagem. Requer-se investimento intenso
para a explicitaçã o e expressã o dos fenô menos que iluminam, em forma de
uma produçã o escrita. Esse, entretanto, já constitui novamente um esforço
consciente e racionalizado. Parte desse trabalho talvez já tenha sido
concretizado antes da inspiraçã o criativa; Itarte se realizará depois. Entre
essas operaçõ es estã o a explicitaçã o das categorias e das relaçõ es entre elas.
Também nisso se incluem a construçã o de argumentos aglutinadores de cada
categoria, assim como do fenô meno como um todo. Isso, entretanto, já leva ao
terceiro está gio do ciclo da aná lise, a comunicaçã o das novas compreensõ es.
Considerações Finais
Explosão de Idéias I:
considerações linguísticas
A unitarizaçã o como parte do processo de aná lise textual discursiva
constitui-se na busca e reconstruçã o de uma multiplicidade de sentidos que
todo texto possibilita. Aprofundar a leitura é conseguir identificar e isolar
diferentes elementos unitá rios de sentido, sempre com foco no fenô meno
investigado. Constitui um exercício intimamente associado à linguística.
Ao avançar neste processo é preciso ter presente o cará ter vicá rio e
simbó lico da comunicaçã o. As mensagens linguísticas sã o simbó licas. Os
significantes têm a funçã o representativa de entes da realidade, tanto
materiais como virtuais, objetos das comunicaçõ es.
Estas questõ es tornam-se ainda mais complexas quando se percebe que
as informaçõ es de uma pesquisa se constituem a partir de representaçõ es
sociais influenciadas pela linguagem cultural e pelo contexto linguístico em
que se produzem. Nesse sentido, conforme já disposto, todo significado se
produz de modo contextualizado e sua reconstruçã o nã o pode prescindir dos
elementos contextuais em que o texto foi originalmente produzido. As
informaçõ es de uma pesquisa sã o de natureza linguística e discursiva, tendo
cará ter histó rico e contextualizado.
A unitarizaçã o é um processo de desconstruçã o dos textos do corpus no
sentido de diferenciaçã o e identificaçã o de elementos unitá rios constituintes.
É um exercício analítico de desmembramento de enunciados constitutivos de
uma comunicaçã o, procurando-se neste processo detectar elementos de
sentido, nã o necessariamente evidentes numa primeira leitura. Ao realizar
esse processo de divisã o é importante ter presente que as unidades
resultantes sã o componentes de discursos, em que os enunciados se integram
e inter-relacionam intimamente, tais como os nó s de uma rede. Por isso, o
processo de unitarizaçã o é mais bem-entendido como modo de destacar
partes da rede, e nã o como processo de desmontagem da mesma.
Mesmo tendo isto presente, o movimento de desconstruçã o dos textos
corresponde a rupturas de relaçõ es percebidas nos textos do corpus, levando a
destacar alguns significados em prejuízo de outros. Por isto, sempre tendo
como referência a natureza dos textos, é preciso fugir de um
desmembramento excessivo. Nesse sentido, é importante estar atento à s
relaçõ es e conexõ es entre os elementos da comunicaçã o, procurando-se nã o
perdê-las, ainda que destacando diferentes relaçõ es. As unidades obtidas
devem expressar relaçõ es significativas correspondentes aos fenô menos
investigados, percebidas e destacadas pelo pesquisador numa rede de
relaçõ es.
Assim, é importante diferenciar e valorizar as diferentes ideias lidas
nos textos, procurando atingir seus sentidos em profundidade. Essa
desconstruçã o, porém, nã o deve promover a perda das conexõ es que fazem as
ligaçõ es com o objeto da pesquisa. Encontrar o equilíbrio entre uma leitura do
detalhe e manter as unidades numa dimensã o tal que ainda sejam
significativas para os objetivos da pesquisa, é um desafio que se apresenta ao
pesquisador neste momento. O desafio é destacar elementos sem perder de
vista o todo, ainda que o todo nã o tanto os textos individuais de diferentes
sujeitos, mas o discurso.
O processo da unitarizaçã o, ainda que também de natureza psicoló gica,
vincula-se à Linguística, derivando-se de algum modo daí seus critérios de
recorte dos textos. Dela podemos extrair três domínios principais que podem
orientar a desconstruçã o dos textos: léxico, sintá tico e semâ ntico.
Adotar critérios léxicos na unitarizaçã o é operar no domínio dos
vocá bulos, é basear os recortes no domínio das palavras.
Utilizar critérios sintá ticos para o recorte do corpus é definir unidades
com base na ordem e disposiçã o das palavras nas frases, ou das frases no
discurso. É operar no domínio da construçã o gramatical, da relaçã o ló gica dos
elementos do discurso entre si. Tal como na opçã o anterior, é operar no
â mbito dos significantes.
Finalmente adotar critérios semâ nticos de recorte é fundamentar a
unitarizaçã o no significado, no estudo da significaçã o das palavras e das
frases. Uma aná lise semâ ntica se direciona aos temas e aos significados que os
textos possibilitam construir.
A Aná lise Textual Discursiva pode operar com combinaçõ es destes
critérios. Para fins desta discussã o, entretanto, mesmo que na aná lise se
integrem outros critérios, o foco será sempre semâ ntico ou temá tico. As
aná lises temá ticas propostas trabalham no domínio das conexõ es entre o nível
sintá tico e seus referentes semâ nticos. A aná -
lise temá tica opera em â mbito semâ ntico, trabalhando com unidades de
significaçã o. Escolhe os temas como unidades de comunicaçã o, explorando
seus sentidos e significados.
Na aná lise temá tica procura-se elaborar nú cleos de sentido,
proposiçõ es que conduzem a significados, tendo em vista a compreensã o de
determinados fenô menos. Assumindo que as palavras isoladamente têm
pouco sentido, a aná lise temá tica opera com recortes de idéias e enunciados,
atuando assim em plano semâ ntico.
Deste modo as unidades produzidas na aná lise representam aspectos
específicos e significativos percebidos nos textos. Constituem significados que
podem ser construídos a partir dos textos. Podem corresponder a unidades de
significaçã o mais ou menos complexas, cuja validade é de natureza psicoló gica
e derivada dos fenô menos que se pretende investigar.
Na aná lise temá tica o foco é o sentido, os significados atribuídos aos
significantes dentro do discurso. É a partir dela que a aná lise qualitativa se
aproxima de uma hermenêutica, valorizando tanto o psicoló gico quanto o
linguístico, conjugando o psicoló gico e o gramatical (Ruedel, 1999).
Na opçã o por unidades temá ticas o pesquisador ainda se depara com a
necessidade de decidir sobre a profundidade de suas leituras. Mesmo
aceitando que toda leitura já é uma interpretaçã o, num exercício de
aprofundamento o pesquisador depara-se com diferentes níveis de
interpretaçã o. Daí resultam em seus extremos dois tipos de leituras que têm
sido caracterizadas como leitura do manifesto e leitura do latente. A primeira
relaciona-se à leitura do que é diretamente posto, a leitura do sentido
manifesto num sentido imediato. Corresponde à s interpretaçõ es comuns que
as pessoas produzem, aproximando ao que Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1999) referem como interpretaçõ es de auditó rios universais. A outra
corresponde a um exercício de ir
além da mera transcriçã o, atingindo uma leitura de profundidade dos
sentidos latentes. Ainda que nã o haja um sentido literal de um texto ou
enunciado , algumas interpretaçõ es sã o mais imediatas e compartilhadas por
maior nú mero de pessoas.
Mesmo que algumas pesquisas ainda pretendam restringir-se a
objetividade de uma leitura do explícito, sem recorrer a inferências mais
aprofundadas, de um modo geral a pesquisa qualitativa movimenta-se
no sentido de leituras de maior profundidade, de interpretaçõ es mais
sutis, de desocultaçã o do oculto. Nisto se valoriza a subjetividade do
pesquisador, procurando-se explorar ao má ximo a fecundidade que isto pode
significar.
Pesquisas que valorizam o discursivo vã o do dito ao nã o dito, num
movimento permanente entre o manifesto e o oculto, num afastamento dos
sentidos imediatos para a identificaçã o de sentidos contextualizados, cuja
explicitaçã o requer inferências cada vez mais aprofundadas. Este esforço de
captar mensagens conscientes e inconscientes implica um movimento de
ultrapassagem de uma leitura de primeiro plano para outra de maior
profundidade.
O mesmo movimento de aprofundamento das leituras do manifesto ao
latente também requer um deslocamento de uma leitura representacional e
expressiva para uma leitura instrumental (Olabue- naga; Ispizua, 1989). De
um exercício de leitura para captar o que está expresso, o pesquisador amplia
seus esforços interpretativos de modo a atingir os sentidos pragmá ticos que
deram origem aos textos, suas finalidades instrumentais. A passagem do
representacional ao instrumental constitui um movimento que vai da procura
do "o quê?" para o "com que finalidade?". Movimentar-se do expressivo para o
instrumental corresponde ao movimento da aná lise de conteú do para outras
mais discursivas. A Aná lise Textual Discursiva constitui neste sentido uma
superaçã o da Aná lise de Conteú do, ainda que também possa trabalhar com o
expressivo.Os tipos de leitura propostos, manifesto e latente, expressiva ou
instrumental, refletem-se diretamente no processo de unitarizaçã o. Também
as opçõ es que o pesquisador faz em relaçã o a eles o apresentam quanto aos
pressupostos e paradigmas que assume em sua investigaçã o.
Procurou-se demonstrar nessa parte do texto a relaçã o entre a
unitarizaçã o e a linguagem. A unitarizaçã o como etapa da aná lise textual
corresponde ao recorte e decomposiçã o do corpus. Daí podem o riginar-se
unidades de aná lise co m características diversificadas. Os critérios
linguísticos para a construçã o das unidades podem ser vá rios, destacando-se
unidades temá ticas, definidas a partir de crité rios semâ nticos. Estas, por sua
vez, podem ser produzidas a partir de leituras do manifesto ou do latente.
Todas estas sã o opçõ es em relaçã o à s quais o pesquisador necessita definir-se
no processo de unitarizaçã o, determinando a riqueza e a profundidade de suas
interpretaçõ es. Nesse Processo também se incluem opçõ es metodoló gicas,
elementos a serem abordados na parte seguinte deste capítulo.
Explosão de Idéias 2:
considerações metodológicas
O processo ativo de reconstruçã o e de ampliaçã o dos sentidos de um
texto pretende destacar elementos de informaçã o, unidades de base para
ajudar a encaminhar o processo de síntese e categorizaçã o posterior.
O processo de unitarizaçã o é diretamente afetado pelos pressupostos
teó rico-metodoló gicos assumidos pelo pesquisador, ou seja, por suas teorias
analíticas, podendo conduzir à produçã o de diferentes tipos de unidades.
Ainda que na unitarizaçã o seja desejá vel obter unidades precisas,
concretas e claras, em pesquisas qualitativas a característica mais desejada é a
validade ou pertinência. Este atributo está associado como a relaçã o das
unidades com os objetivos da pesquisa, sua pertinência em funçã o do objeto
de estudo.
Ao avançar no processo de unitarizaçã o é importante lembrar a
necessidade de um movimento prospectivo. Mesmo que as categorias ainda
nã o tenham sido definidas, elas, de alguma forma, precisam ser vislumbradas
de modo que as unidades construídas apontem para elas. As unidades
somente serã o vá lidas se o forem em funçã o das categorias a serem
construídas. Por outro lado, também serã o elementos importantes no sentido
da construçã o destas mesmas categorias.
Da mesma forma pode ser importante um movimento retrospectivo.
Neste caso, o pesquisador, no momento da unitarizaçã o, terá que olhar para
trá s, para suas teorias. Estas lhe servirã o de apoio e suporte para a procura
das unidades de sentido que estará construindo a partir dos textos.
Além das opçõ es que faz em termos dos sentidos manifestos e latentes,
no processo da unitarizaçã o o pesquisador também precisa definir-se em
termos se suas opçõ es referentes a direcionar seu exame de elementos
quantitativos ou qualitativos.
A opçã o pelo quantitativo implica valorizaçã o da objetividade e
precisã o. Seguidamente nisso pressupõ e-se a opçã o pela neutralidade. Ao
decidir-se pelo quantitativo, o pesquisador orienta-se pelo rigor da medida,
pela objetividade dos nú meros. Ainda que uma aná lise de cará ter quantitativo
possa atingir novas explicaçõ es para os fenô menos examinados, é preciso
estar consciente de que a minú cia da aná lise de frequência e a formalidade dos
testes inferenciais daí derivados nã o garantem por si só s a validade dos
resultados.
Quando a opçã o do pesquisador for pela qualidade, estará valorizando a
subjetividade com toda sua fecundidade (Minayo, 1999) Nisto se inclui
valorizar nos textos a significâ ncia e a validade em funçã o dos objetivos
propostos. Esta aná lise será , em princípio, de maior complexidade, sempre na
procura da importâ ncia, novidade, interesse e valor dos temas tratados. No
seu afã de explorar as intuiçõ es criativas e originais, entretanto, o pesquisador
mais facilmente pode movimentar-se em direçõ es em que a cientificidade de
seus resultados possa ser questionada. Isto exige um permanente alerta no
sentido da construçã o da validade e confiabilidade das novas compreensõ es
atingidas. De qualquer modo, e quaisquer que sejam suas opçõ es
paradigmá ticas e teó ricas, a cientificidade sempre será funçã o do conceito de
ciência assumido. Nã o há uma definiçã o univoca de ciência, e, portanto, há
muitos modos de atingir resultados cientificamente vá lidos.
O processo de unitarizaçã o é diretamente afetado pelas opçõ es do
pesquisador em direçã o preferencial à quantidade ou à qualidade. Cada uma
delas carrega um conjunto diferente de pressupostos. Cada pesquisa requer
posicionar-se em algum ponto entre os extremos da objetividade e
subjetividade, da valorizaçã o dos nú meros e inferências estatísticas, em
contraposiçã o à exploraçã o de significados em profundidade e, da ênfase na
extensã o ou na intensidade e profundidade. O pesquisador precisa mostrar
onde se localiza a opçã o entre frequência e importâ ncia e saber conjugá -las de
modo inteligente. Em algumas pesquisas, quiçá a escolha por uma
complementaçã o entre qualidade e quantidade seja o melhor
encaminhamento.
O processo de unitarizaçã o, além de sua descriçã o em termos
quantitativos e qualitativos, pode ainda ser examinado à luz de dois modos de
pensamento: induçã o e deduçã o. Um processo de recorte seleciona,
preferencialmente, um destes dois processos, dependendo da interaçã o do
pesquisador com as informaçõ es trabalhadas e de suas opçõ es metodoló gicas
em termos da pesquisa que está realizando.
O processo dedutivo é aquele que vai das teorias à s informaçõ es
explora significados a partir de teorias anteriormente assumidas. O recorte,
dentro deste processo, se origina na aplicaçã o da teoria ao "corpus". De algum
modo sã o as teorias que ajudam a delimitar o significados e unidades. Neste
processo o movimento da unitarizaçã o vai da regra ao exemplo, num
movimento retrospectivo. O pesquisador volta à s teorias, anteriormente
explicitadas, com a finalidade de que estas o ajudem a apontar onde deve
realizar seus recortes dentro dos textos.
O processo indutivo encaminha-se no sentido oposto. Vai dos
exemplos à s regras. Pretende chegar à s teorias a partir de significados
contidos nos textos, sem adotar formalmente teorias a priori. Como no
processo indutivo o movimento se inicia com as informaçõ es, este requer a
utilizaçã o intensa do conhecimento tá cito do pesquisador na atribuiçã o de
significados. Nã o pode, entretanto, ser concebido como um movimento sem
orientaçã o. Exige um esforço prospectivo permanente. Requer saber fazer os
recortes tendo em vista categorias que ainda nã o foram explicitadas, mas que
gradativamente se mostram maior evidência. Neste caso é importante a
intuiçã o do pesquisador, saber libertar-se de construçõ es e teorias já
existentes, sempre no sentido de construir novas formas de estruturar os
elementos do fenô meno sob investigaçã o. É nisto que reside a capacidade
criativa do processo, essencialmente fundado na intuiçã o.
Pode-se questionar a possibilidade de realizar esse movimento
indutivo, dado que se precisa de teoria para ler e interpretar, entretanto
também é importante dar-se conta de que, se nã o se consegue ir além das
teorias já constituídas, nã o há possibilidade de avançar na compreensão.
O processo dedutivo representa maior segurança na definiçã o das
unidades de aná lise. O processo indutivo exige saber conviver com a
insegurança de uma construçã o em que o movimento é definido
dentro do pró prio processo. Em algumas pesquisas se combinam estes dois
processos. Será , entretanto, a natureza do fenô meno e dos materiais textuais
em aná lise que indicará qual o melhor caminho a ser seguido em cada aná lise.
Apó s examinar a construçã o de unidades em termos de opçõ es entre
quantitativo e qualitativo, deduçã o e induçã o, ainda pretende-se, no
aprofundamento das questõ es metodoló gicas, analisar a questã o da amplitude
das unidades.
As unidades de aná lise podem ter amplitudes variadas. Diferentes tipos
de unidades possibilitam atingir diferentes níveis de sentido. A amplitude das
unidades e sua diversidade estã o relacionadas com a procura de maior
profundidade e validade das leituras. Em cada pesquisa cabe a quem a realiza
decidir sobre a amplitude das unidades de base com as quais pretende
trabalhar, sempre tendo como foco a procura de uma compreensã o mais
aprofundada do fenô meno que investiga.
De algum modo o limite dos recortes é dado pela capacidade das
unidades ainda expressarem sentidos significativos para a pesquisa. Nã o cabe
proceder a recortes em que as unidades já nã o expressam relaçõ es
significativas. Num extremo, com unidades excessivamente pequenas, perde-
se a conexã o com o fenô meno. No outro, unidades excessivamente amplas
deixam de destacar elementos de significado particulares, ao mesmo tempo
em que o processo analítico é dificultado.
O pesquisador em sua atividade analítica precisa lidar com dois
movimentos complementares e ao mesmo tempo antagô nicos. Um deles o leva
a explorar camadas de sentido cada vez mais aprofundadas, focalizado mais
no todo, num exercício intensivo de construçã o de compreensã o que
poderíamos denominar de vertical. Este esforço tende a empregar unidades
maiores de aná lise. No sentido
oposto, está o movimento na direçã o de extensã o, um movimento
horizontal. Um investimento no sentido da exaustividade extensiva a produzir
mais recortes nos textos, trabalhando com unidades de amplitude cada vez
menor. É importante que o pesquisador decida sobre o tipo de movimento que
lhe possibilite atingir compreensõ es mais significativas em relaçã o aos
fenô menos que investiga e aos seus objetivos.
Desta forma a unitarizaçã o pode produzir unidades que vã o da
amplitude de um livro, artigo, entrevista ou depoimento tomados como um
todo ú nico, até unidades intermediá rias e de menor amplitude, como
pará grafos, frases e palavras. Unidades menores tendem a ser mais objetivas;
unidades mais amplas subentendem maior subjetividade do investigador.
Novamente a opçã o depende de outros pressupostos assumidos pelo
pesquisador em seu trabalho, das abordagens de pesquisa em que se insere,
das suas teorias analíticas.
Na definiçã o do nível de recorte o pesquisador pode basear-se em
diferentes critérios. Dentre estes destacam-se os tipos de materiais analisados,
os custos e o tempo a ser investido na aná lise, as opçõ es metodoló gicas e
teó ricas assumidas. O critério bá sico e de maior importâ ncia, contudo, será
sempre a pertinência e adequaçã o ao fenô meno sob investigaçã o. O processo
de unitarizaçã o mais efetivo será aquele que possibilitar atingir níveis de
compreensã o mais profundos e significativos, ainda que a clareza em torno
disto nã o exista, necessariamente, no início do processo . Especialmente em
abordagens qualitativas, se existe um método, este só poderá nascer durante a
pesquisa; talvez no final se consiga formulá -lo (Morin; Ciurana; Motta, 2003, p.
22).
A prá tica com a aná lise textual discursiva tem ainda apontado para
novas possibilidades na unitarizaçã o. Assim, por exemplo, o processo, em vez
de ser concretizado num ú nico movimento, pode ser
realizado em dois momentos distintos e complementares. No primeiro,
definem-se unidades mais amplas, dando origem a um conjunto de unidades
iniciais de amplitude relativamente grande e que podem apresentar
elementos de mais de uma categoria. Essas unidades, uma vez classificadas,
sã o entã o reinterpretadas visando à construçã o de unidades menores, as
subunidades, agora já produzidas com um foco específico na categoria a que
pertencem. Nesse processo cada unidade inicialmente produzida pode dar
origem a uma ou mais subunidades, escritas de modo a demonstrarem sua
relaçã o direta com as categorias nas quais se inserem. Ao fazer-se isto está -se,
ao mesmo tempo, encaminhando o futuro texto de cada categoria.
Propô s-se discutir nesta parte algumas implicaçõ es metodoló gicas do
processo de unitarizaçã o. Nele o pesquisador, no seu esforço de procura de
sentidos, pode produzir uma diversidade de unidades. Em suas leituras pode
pretender manter-se numa opçã o quantitativa, ou entã o decidir pela
valorizaçã o do qualitativo. Poderá ainda optar por criar as unidades por
deduçã o ou induçã o. Ao fazer tais tipos de opçõ es, o pesquisador estará ,
também, ao mesmo tempo, lidando com maior ou menor afastamento do
contexto ao qual os textos se referem. Em tudo isso é essencial que faça
opçõ es conscientes e assumidas, deixando claros os pressupostos em que
fundamenta suas aná lises.
No seu todo este processo de desconstruçã o constitui um exercício
preparató rio para intuiçõ es criativas em relaçã o aos fenô menos que se
investiga. É o que será focalizado no ú ltimo item do presente capítulo.
Promovendo a Desordem
para Encaminhar a Auto-organização
Uma aná lise qualitativa rigorosa exige um investimento e esforço
competente do pesquisador. A qualidade é obtida a partir de um estudo
minucioso dos textos em que o pesquisador, de forma reiterada, investe numa
produçã o de sentidos cada vez mais aprofundados.
A unitarizaçã o é parte do processo de superaçã o de uma leitura
imediata e superficial para atingir sentidos mais aprofundados a partir de um
afastamento cada vez maior dos textos em seu sentido imediato. Corresponde
a um aprofundamento da leitura, constituindo-se em exercício inicial de uma
construçã o criativa realizada a partir dos textos.
Os documentos do corpus, conjuntos de significantes que possibilitam
elaborar sentidos simbó licos, exigem interpretaçã o do pesquisador. Pela
desmontagem e desconstruçã o de um texto ele procura atingir
gradativamente novos níveis de compreensã o, novos sentidos para seu objeto
de pesquisa.
Esta procura de profundidade da compreensã o pressupõ e uma leitura
crítica, uma procura do oculto, do contraditó rio. Muitos sentidos nã o sã o
imediatamente evidentes, exigindo um retorno sistemá tico aos textos e à s
unidades deles derivadas.
Ainda que uma leitura total e completa nunca seja atingida, o
pesquisador na unitarizaçã o move-se na procura de novos sentidos. Procura
destacar elementos das mensagens, fazendo comparaçõ es e avaliaçõ es para
destacar o principal. A unitarizaçã o procura identificar e ressaltar aspectos
originais e criativos dos textos que se propõ e a analisar. Isto exige um
envolvimento intenso e perspicaz, capaz de preparar as intuiçõ es a emergirem
do processo. Constitui um movimento de uma ordem existente, para um
estado mais caó tico, visando à emergência de novas organizaçõ es.
O processo desconstrutivo da unitarizaçã o também pode ser concebido
como um movimento do consciente ao inconsciente. Os textos submetidos à
aná lise representam estados de consciência dos sujeitos que os produziram.
Sua desconstruçã o e a produçã o de elementos unitá rios destró i ordenaçõ es
anteriormente construídas. O caos dos elementos assim criado é espaço de
operaçã o do inconsciente, capaz de dar origem a novas ordenaçõ es. O
movimento em seu todo vai, assim, do consciente ao inconsciente, retornando
a novas ordenaçõ es por intuiçã o. Esse ú ltimo passo, contudo, já envolve a
categorizaçã o.
O envolvimento prolongado com os textos em aná lise, propiciado pela
unitarizaçã o, possibilita uma intensa impregnaçã o com o objeto da pesquisa. O
retomo reiterado à procura de sentidos mais aprofundados cria as condiçõ es
para a percepçã o do novo, nã o tanto por este já se encontrar no texto, mas
porque o pesquisador consegue estabelecer novas e originais conexõ es. A
criatividade e a intuiçã o se fundamentam na impregnaçã o. Intuiçõ es de
sentidos originais sã o resultados de uma auto-organizaçã o dos conhecimentos
do pesquisador, em integraçã o com elementos derivados dos textos
analisados, consistindo desta forma em novas aprendizagens de quem
investiga.
Para atingir esta impregnaçã o e assim tornar-se mais preparado para
as intuiçõ es criativas que daí possam auto-organizar-se, o pesquisador pode,
ainda, investir no sentido de explicitar sua compreensã o de cada unidade
identificada e destacada nos textos. Para isto, segundo sugestã o de Moraes
(1999), poderá reescrevê-las em linguagem pró pria, ainda que mantendo
pontes com os significados originais das mensagens. Dessa forma também
estará garantindo relaçõ es contextuais que ajudem a compreender cada
unidade a partir do contexto do qual elas se originam.
O exercício de reescrita das unidades inicialmente recortadas dos
textos constitui-se em um primeiro momento na açã o de o pesquisador
exercitar seu papel de autor das construçõ es que produz, autoria depois
intensificada na redaçã o dos metatextos a que toda aná lise textual
aspira. Essas reescritas podem, gradativamente, representar
afastamentos maiores dos textos em sua forma explícita, constituindo
interpretaçõ es do pesquisador cada vez mais marcadas por sua autoria.
A intensidade na leitura e a impregnaçã o nos temas nã o ocorrem de
modo simples e linear. A unitarizaçã o constitui um processo iterativo , de
progressã o por aproximaçõ es sucessivas. A pró pria definiçã o da unidade de
aná lise, sua amplitude e seus critérios de constituiçã o, sã o definidos
gradativamente. Os critérios de otimizaçã o se esclarecem ao longo do
processo, especialmente quando o pesquisador nã o adota um conjunto de
categorias a priori. As regras do jogo se produzem enquanto o jogo evolui.
Considerando que o processo da aná lise se dá num movimento de
constante aperfeiçoamento , exige-se do pesquisador, especialmente nas
etapas iniciais da aná lise, conviver com a insegurança e a ambiguidade de um
processo apenas parcialmente dominado. O domínio e a segurança sã o
construídos ao longo do processo. Exige muitas idas e vindas entre os textos e
as unidades de significado.
A Aná lise Textual Discursiva constitui-se em um processo em espiral.
Nisto se inclui a unitarizaçã o, também de cará ter cíclico, de retomada
perió dica dos mesmos elementos, em um contínuo refinamento. A reflexã o
constante sobre o processo e os resultados parciais atingidos possibilitam um
constante aperfeiçoamento e esclarecimento tanto do processo como dos
produtos. A Aná lise Textual Discursiva nã o é um movimento linear e
continuado; é antes um movimento em espiral em que, a cada avanço, se
exigem retornos reflexivos e de aperfeiçoamento do já feito, movimento
reiterativo capaz de possibilitar cada vez maior clareza e validade aos
produtos.
Em síntese, pode-se afirmar que a unitarizaçã o constitui um exercício
de leitura intensa e rigorosa, capaz de fazer emergir mú ltiplos significados a
partir de uma reuniã o de textos, um exercício de desordenaçã o na procura de
uma nova ordem. Para isso é necessá rio um investimento intenso, resultando
do processo, além das unidades construídas, também uma impregnaçã o
aprofundada nos fenô menos investigados.
É esta impregnaçã o intensa, movimento para o caos e o inconsciente
que possibilitará a intuiçã o de novas organizaçõ es e compreensõ es, um
processo cíclico e reiterativo. Numa espiral ascendente vã o emergindo níveis
de sentido cada vez mais profundos dos fenô menos investigados. No limite
entre a ordem e o caos criam-se as condiçõ es de emergência de novas ordens,
novas compreensõ es, novas aprendizagens.
Considerações Finais
Linguagem e Contexto
no Processo de Categorização
Em todo o processo de categorizaçã o na Aná lise Textual Discursiva
enfatiza-se a interpretaçã o, a subjetividade e intersubjetividade de valorizaçã o
dos contextos de produçã o e da natureza histó rica dos processos de
constituiçã o de significados. Ainda que o encaminhamento das aná lises possa
também pretender características mais objetivas e dedutivas, é na vertente
mais subjetiva e indutiva que se atingem resultados mais criativos e originais.
Linguagem
A categorizaçã o está estreitamente relacionada à linguagem e sua
constituiçã o. Num encaminhamento temá tico as interpretaçõ es e os sentidos
dos materiais textuais analisados aproximam-se da hermenêutica (Franco,
1986), nã o havendo sentidos objetivos. Os temas e seus significados sã o
permanentemente construídos e reconstruídos pelo pesquisador, tanto em
funçã o de suas pró prias teorias como dos contextos de produçã o em que se
originaram.
Em qualquer de seus níveis, na categorizaçã o está implicada uma
multiplicidade de vozes e sentidos presentes em toda a comunicaçã o, exigindo
em cada momento uma reconstruçã o. Nã o há sentidos
objetivos, mas estes necessitam ser reconstruídos numa interaçã o do
leitor com o autor ou autores dos textos. A aná lise precisa lidar tanto com a
polissemia dos textos como com a sua polifonia, ou seja, com os mú ltiplos
sentidos que possibilitam construir e com as vozes mú ltiplas que implicam
(Wertsch, 1994).
Por essa razã o, a aná lise textual discursiva, ao pretender superar
modelos de pesquisas positivistas, aproxima-se da hermenêutica. Assume
pressupostos da fenomenologia, de valorizaçã o da perspectiva do outro,
sempre no sentido da busca de mú ltiplas compreensõ es dos fenô menos. Essas
compreensõ es têm seu ponto de partida na linguagem e nos sentidos que por
ela podem ser instituídos, com a valorizaçã o dos contextos e movimentos
histó ricos em que os sentidos se constituem. Nisso estã o implicados mú ltiplos
sujeitos autores e diversificadas vozes a serem consideradas no momento da
leitura e interpretaçã o de um texto.
Essa discussã o leva a retomar a questã o entre objetividade e
subjetividade nesses processos de aná lise.
Categorização e teorização
A categorizaçã o é o momento de síntese e organizaçã o de um conjunto
de informaçõ es relativas aos fenô menos investigados. Essas sínteses sã o as
teorizaçõ es do pesquisador, produzidas a partir de perspectivas teó ricas
implícitas dos sujeitos da pesquisa e do pró prio pesquisador, sempre em
interlocuçã o com outros teó ricos. Requerem contínuo aperfeiçoamento,
adequaçã o e refinamento no decorrer do processo da aná lise e produçã o
escrita. O processo da categorizaçã o
constitui estratégia de movimento da pesquisa que vai do empírico abstrato,
dos dados coletados para as teorias construídas ou reconstruídas pelo
pesquisador.
A categorizaçã o é, assim, parte integrante do movimento de teorizaçã o
que toda pesquisa pretende. Dados e informaçõ es reunidos ao longo de
investigaçõ es sempre pressupõ em teorias, expressas pelos conhecimentos
tá citos dos sujeitos da pesquisa. As categorias, especialmente as emergentes,
constituem forma de explicitaçã o dessas teorias implícitas dos sujeitos,
concretizada a partir da perspectiva do pesquisador. Essa explicitaçã o
expressa pelas categorias, descriçõ es e interpretaçõ es, revela-se um processo
iterativo e recorrente, essencialmente hermenêutico, possibilitando maior
clareza e precisã o teó rica à medida que o processo se aproxima de seu
fechamento.
Considerações finais
Concluindo este capítulo, afirma-se que a categorizaçã o é parte do
movimento de síntese e reconstruçã o da pesquisa em que o pesquisador
constró i e estrutura novas formas de compreensã o dos fenô menos que
investiga, sistematizando estruturas discursivas que se mostram a partir de
sua impregnaçã o nos fenô menos investigados. Esse processo de ordenamento
e tomada de consciência exige desfazer-se de grande parte da informaçã o
anteriormente reunida e analisada (Demo, 2000b). A síntese final, a teoria
construída, evidencia a capacidade do pesquisador de abandonar os detalhes
do empírico para expressar o discurso investigado em seus aspectos inais
importantes.
Categorizar é, ao mesmo tempo, parte do processo de aprender sobre
os fenô menos investigados e da comunicaçã o das aprendizagens feitas.
Aprender e comunicar complementam-se no processo
de categorizaçã o. Categorizar é uma construçã o de quebra-cabeças,
uma criaçã o de mosaicos. Seus produtos sã o as teorias que ajudam a explicitar
as compreensõ es atingidas ao longo de pesquisas, expressas em forma de
metatextos. Ao envolver-se numa categorizaçã o o pesquisador nã o expressa
apenas uma realidade linguística já dada. O processo da aná lise e da
categorizaçã o é um modo de aprender sobre os fenô menos investigados e a
expressã o e comunicaçã o das novas compreensõ es necessitam ser
produzidas; ao mesmo tempo em que as aprendizagens se concretizam, as
duas faces de Jano a serem trabalhadas no pró ximo capítulo.
Capítulo 4
4
Versã o anterior deste texto publicado em: Moraes, Roque. Mergulhos
discursivos: aná lise textual qualitativa entendida como processo integrado de
aprender, comunicar e interferir em discursos. In: Galiazzi, M. C.; Freitas, J. V
Metodologias emergentes de pesquisa em educaçã o ambiental. 2. ed. Ijuí, RS:
Ed. Unijuí, 2007.
uma comunicaçã o do aprendido e desta forma assumindo-se o pesquisador
como sujeito histó rico, capaz de participar na interpretaçã o e na constituiçã o
de novos discursos.
Comunicação os Resultados
de uma Análise Textual Discursiva
Na segunda parte do presente capítulo apresenta-se como podem ser
comunicados os resultados de uma Aná lise Textual Discursiva. Defende-se a
ideia de que essa comunicaçã o é composta de descriçã o e interpretaçã o,
constituindo o processo em seu todo um movimento de teorizaçã o em relaçã o
aos fenô menos investigados.
Descrever e interpretar
como produtos da análise textual discursiva
A unitarizaçã o e a categorizaçã o encaminham a produçã o de um novo
texto que combina descriçã o e interpretaçã o. Esse texto tem uma estrutura
derivada do sistema de categorias construído na aná lise, modo de organizaçã o
que pode garantir a validade dos resultados do processo analítico.
A Aná lise Textual Discursiva encaminha produçõ es escritas, voltadas à
comunicaçã o de novas compreensõ es atingidas nas pesquisas. No
encaminhamento dessas produçõ es, a categorizaçã o das informaçõ es
submetidas à aná lise corresponde, ao mesmo tempo, à construçã o de uma
estrutura de categorias e subcategorias que auxilia a descriçã o, interpretaçã o
e compreensã o do objeto da pesquisa. Nesse sentido, pode-se entender como
uma das finalidades da construçã o de um sistema de categorias o
encaminhamento de um metatexto, expressando uma nova compreensã o do
fenô meno investigado. O mesmo processo permite ao pesquisador uma
intervençã o nos discursos a que sua produçã o se refere.
O que se defende, portanto, é que a estrutura do metatexto seja
organizada a partir das categorias e subcategorias construídas na aná lise. As
partes do texto resultante sã o definidas a partir das categorias mais amplas da
aná lise.
A estrutura de um metatexto também exige a produçã o de um conjunto
de argumentos aglutinadores, organizados em torno de uma tese ou
argumento geral. As categorias e subcategorias podem dar origem aos
argumentos intermediá rios. O argumento central emerge do todo. O conjunto
dos argumentos - trabalhados de forma integrada -, poderá entã o ser utilizado
para construir a consistência do metatexto resultante da aná lise. Procura-se
mostrar isso na Figura 2, representando a estrutura do metatexto em seu
todo.Figura 2 - Estruturaçã o de um texto em torno de argumentos aglutinadores
Tese geral
I
Argumento aglutinador da categoria 1
I
Argumento aglutinador da categoria 2
I
Argumento aglutinador da categoria n
I
Retorno à tese geral
5
Conhecimento da experiê ncia, nã o expresso em teorias formais. Termo empregado por
Lincoln e Guba (1985).
6
Estruturas ocultas de conhecimentos socialmente compartilhados, nã o diretamente
acessíveis a quem as possui, mas que sã o fundamentais na leitura de mundo e no intercâ mbio com
ele. Termo adotado por Rodrigo, Rodriguez e Marrero (1993).
teorizar sobre objeto de pesquisa. É tentar explicá -lo, “produzindo razõ es e
argumentos de maneira ordenada” (Jorba, 2000, p. 47). É mostrar novas
compreensõ es atingidas dentro da pesquisa.
Pretende-se aqui focalizar dois tipos de interpretaçã o. numa primeira
perspectiva, a interpretaçã o pode dar-se a partir de um conjunto de
pressupostos teó ricos assumidos de antemã o. Nessa visã o a interpretaçã o
implica construir pontes entre os resultados analíticos, expressos pela
descriçã o, com os referenciais teó ricos, ainda que esse processo também
possa significar aprofundamento e complementaçã o das teorias inicialmente
assumidas.
Numa segunda perspectiva a interpretaçã o dos resultados de uma
aná lise pode dar-se a partir das teorias emergentes dela pró pria,
representadas pela estrutura de categorias construída. Assim procedendo, o
pesquisador faz suas interpretaçõ es a partir das teorias que o pró prio
processo de aná lise lhe possibilita construir. Esse tipo de interpretaçã o
atingirá seu clímax numa etapa mais avançada da pesquisa.
O importante é que a teorizaçã o ajude a avançar na compreensã o já
existente dos fenô menos investigados. Isso significa que o processo de
interpretaçã o constitui, em si mesmo, uma forma de teorizaçã o, seja de
compreender melhor ou ampliar teorias já existentes, seja de construçã o de
novas visõ es teó ricas.
Ainda sobre a questã o da descriçã o e interpretaçã o é preciso destacar a
construçã o da validade dos produtos da aná lise. A validade de um metatexto
pode ser construída a partir da inserçã o nele de falas e citaçõ es de fragmentos
dos textos analisados, o que denominamos interlocuçõ es empíricas. Num texto
de resultados vá lido, os sujeitos autores dos textos analisados deverã o
perceber representadas no metatexto o que expressaram, mesmo sabendo
que há interpretaçã o do pesquisador. Por isso, a inserçã o de interlocuçõ es
empíricas nos textos
resultantes das aná lises é especialmente importante no momento
descritivo, ainda que nã o necessariamente ausente na interpretaçã o. Constitui
uma das formas de construçã o da validade das descriçõ es.
Já na parte interpretativa dos metatextos cabem mais as interlocuçõ es
teó ricas, ou seja, diá logos com teó ricos que tratam dos mesmos temas ou
fenô menos. É isso que se caracteriza como momento propriamente
interpretativo dos metatextos.
Tanto as interlocuçõ es empíricas quanto as teó ricas sã o formas de
validaçã o dos produtos das aná lises.
Sintetizando, pode-se afirmar que o sistema de categorias e
subcategorias que emerge de uma aná lise textual discursiva servirá como
macroestrutura para a construçã o de um metatexto descritivo e
interpretativo, voltado para expressar os principais elementos dos textos
submetidos à aná lise.
Análise Textual Discursiva como processo de teorização
Retoma-se agora a questã o da teorizaçã o associada à aná lise textual
discursiva e expressã o de seus resultados. Há uma estreita relaçã o entre a
categorizaçã o e a teorizaçã o de uma pesquisa, podendo as teorias, num
sentido amplo, apresentar-se em duas modalidades: a priori e emergentes. Em
qualquer das formas, o grau de teorizaçã o atingido nas aná lises é um
indicador da qualidade das pesquisas.
Dentro da ideia da relaçã o entre categorizaçã o e teorizaçã o pode-se
afirmar que a construçã o e reconstruçã o de um conjunto de categorias no
interior do processo da aná lise textual é um esforço nunca inteiramente
concluído de teorizaçã o e de reconstruçã o teó rica. Nesse sentido, o conjunto
de categorias resultante de uma aná lise textual discursiva pode ser
compreendido como o arcabouço teó rico
que ajuda a compreender o fenô meno investigado. Envolver-se num
processo de categorizaçã o, portanto, é encaminhar uma teorizaçã o sobre o
objeto de pesquisa.
Essa teorizaçã o pode ser conduzida a partir de dois processos
diferentes, ainda que eventualmente complementares. Um deles utiliza teorias
a priori; o outro trabalha com teorias emergentes. Esses processos têm relaçã o
estreita com o que anteriormente foi discutido em relaçã o à s categorias a
priori e à s categorias emergentes.
Expressada de outra forma, a aná lise textual discursiva pode localizar-
se em qualquer ponto de dois extremos: num deles se assume teorias a priori,
aquelas com as quais o pesquisador entra no processo de aná lise, que ajudam
a definir as categorias e encaminham a interpretaçã o; no outro constró i as
teorias no processo, emergindo as categorias e a teoria no decorrer da aná lise.
Quando se assume esta segunda perspectiva, o pesquisador nã o se impõ e um
olhar teó rico explícito antes de se envolver na aná lise. Nesse caso, as
categorias construídas dentro do processo de aná lise constituem a estrutura
das teorias emergentes do processo analítico.
Em relaçã o a essas duas perspectivas, e em especial no que se refere à
segunda, é importante salientar que todo trabalho de aná lise textual
discursiva sempre carrega teorias, sejam explicitamente assumidas, sejam as
teorias tá citas do pesquisador e dos sujeitos participantes da pesquisa. Nã o há
neutralidade teó rica. Até mesmo a emergência, termo empregado por
diferentes autores, nã o é um brotar de algo, mas uma reconstruçã o do
pesquisador a partir de compreensõ es teó ricas já existentes.
Finalmente, em relaçã o à questã o da teorizaçã o nas pesquisas, c mais
especificamente na Aná lise Textual Discursiva, é importante enfatizar que a
profundidade e a qualidade das descriçõ es, interpretaçõ es e principalmente
da teorizaçã o atingida no processo sã o indi
cadores da qualidade da pesquisa como um todo. O desafio é superar
meras descriçõ es para atingir níveis de teorizaçã o e reconstruçã o teó rica cada
vez mais avançados.
A Aná lise Textual Discursiva lida com teorias, e o processo de aná lise
visa a ampliar e a reconstruir teorias, sejam do pesquisador, sejam dos
sujeitos envolvidos na pesquisa.
Sintetizando, nesta parte do capítulo afirma-se que os processos de
unitarizaçã o e categorizaçã o encaminham a produçã o de textos descritivo-
interpretativos, correspondendo o processo em seu todo a uma teorizaçã o em
relaçã o aos fenô menos investigados.
Processo Emergente
de Reconstrução Discursiva
Na ú ltima parte do capítulo argumenta-se que uma boa aná lise textual
discursiva é um processo que associa a preocupaçã o com a qualidade formal a
um investimento na qualidade política da pesquisa. Ainda que se constitua em
um movimento auto-organizado e emergente, portanto que nã o pode ser
planejado de antemã o, a Aná lise Textual Discursiva pode revelar-se um modo
de intervençã o nos discursos culturais e sociais referentes aos fenô menos
investigados, representando isso a qualidade política do processo (Demo,
2000b).
Autoria auto-organizativa
O tipo de aná lise proposto exige do pesquisador uma impregnaçã o
aprofundada nos materiais da aná lise. Isso possibilita a emergência de novas
compreensõ es, processo que se concebe funcionar por auto- organizaçã o. Esse
tipo de encaminhamento requer que o escritor assuma seu papel de sujeito
histó rico, capaz de intervir nos discursos que investiga, ao mesmo tempo que
assume a autoria de suas produçõ es.
Espera-se ter deixado claro que uma Aná lise Textual Discursiva de
qualidade exige uma impregnaçã o aprofundada nos fenô menos e materiais
sob aná lise. A qualidade dos metatextos produzidos depende da intensidade
de envolvimento do pesquisador com os materiais de aná lise.
Entende-se que isso é assim porque aspectos verdadeiramente
criativos emergentes de uma Aná lise Textual Discursiva sã o resultados de um
processo auto-organizativo que só se efetiva a partir de um envolvimento
intenso do pesquisador com os fenô menos que estuda. A unitarizaçã o e a
categorizaçã o possibilitam essa impregnaçã o.
A auto-organizaçã o corresponde a reestruturaçõ es cognitivas e
discursivas que ocorrem ao pesquisador a partir de seus mergulhos nos
fenô menos investigados. Nisso estã o implicadas mú ltiplas vozes de atores que
estarã o presentes nos textos produzidos.
Auto-organizaçã o e emergência sã o processos intuitivos, inconscientes,
nã o diretamente comandados pelos sujeitos, e cujos resultados nã o sã o
previsíveis. Sã o eles, todavia, que possibilitam os resultados mais
significativos e criativos de uma Aná lise Textual Discursiva.
Tendo em vista esta imprevisibilidade, o pesquisador precisa estar
atento para perceber os produtos com que a auto-organizaçã o o brinda ao
longo do processo da aná lise, novas formas de compreender os fenô menos
investigados que emergem a partir de sua intensa impregnaçã o nos materiais
de aná lise.
Ainda que auto-organizado, o processo de produçã o textual implica no
pesquisador se assumir sujeito e autor de seus textos, em perceber-se autor
dos argumentos que defende. Assumir-se autor é ter coragem de expressar
argumentos pró prios dentro do trabalho, mesmo sabendo que a autoria
também é um conjunto de vozes.
Assim, uma boa aná lise conduz o pesquisador a expressar suas
construçõ es e convicçõ es sobre os fenô menos que investiga. Nã o tem sentido
pretender apresentar apenas as idéias de outros, sejam sujeitos empíricos ou
interlocutores teó ricos, mesmo que essas vozes devam ser valorizadas no
sentido da validaçã o das pró prias produçõ es. Um bom texto precisa expor as
convicçõ es e teses de seu autor. Mesmo que os argumentos propostos nã o
sejam inteiramente seus, o pesquisador, ao assumir-se autor do que produz, e
mostra-se capaz de expressar opiniã o pró pria e apto a intervir nos discursos
em que se envolve.
Para além da qualidade formal
O que acaba de ser ressaltado encaminha as discussõ es no sentido de
focalizar a relaçã o da aná lise textual discursiva com o assumir de
pressupostos filosó ficos pelo pesquisador. Orienta o debate sobre uma
qualidade política que necessariamente deve se associar ao foco numa
qualidade formal (Demo, 2000a). Em relaçã o a isso defende-se a ideia de que a
aná lise textual discursiva integra o comunicar com o aprender e o
transformar.
A opçã o por uma Aná lise Textual Discursiva requer que o pesquisador
se defina em relaçã o a conjuntos de pressupostos que fundamentam seu
trabalho. Dependendo dos pressupostos assumidos, a aná lise pode ter
diferentes encaminhamentos e resultados. Esses pressupostos podem ser de
natureza ontoló gica, epistemoló gica e axioló gica, correspondendo a modos de
entender a realidade, a produçã o de conhecimento e a valores.
Assume-se aqui uma aná lise que supere uma ciência que pretenda ser
neutra, preocupada tanto com a qualidade formal quanto com a qualidade
política.
Focaliza-se, agora, a questã o da qualidade política.
A Aná lise Textual Discursiva pode ser entendida como a explicitaçã o,
cada vez mais elaborada, de elementos de discursos dos contextos em que
uma pesquisa se concretiza. Ao mesmo tempo, contudo, em que ajuda a
explicitar elementos discursivos, possibilita reconstruir os discursos
examinados. Dessa forma, pode constituir um exercício de participaçã o na
reconstruçã o dos discursos com que lida.
Retomando e expressando de outro modo, esse tipo de aná lise pode ser
entendido como uma combinaçã o de comunicaçã o, aprendizagem e
intervençã o.
O processo da Aná lise Textual Discursiva é um exercício de
comunicaçã o na medida em que procura expressar novos modos de
compreender fenô menos ou discursos. O exercício comunicativo, entretanto,
nã o se dá a partir de algo já perfeitamente conhecido de antemã o. No pró prio
processo da aná lise e da escrita efetivam-se aprendizagens, constroem-se
compreensõ es que, à proporçã o que se produzem, podem ser comunicadas.
Nesse sentido, pesquisar e escrever se confundem (Richardson, 1994).
Nesse sentido, afirma-se que uma boa Aná lise Textual Discursiva é um
processo de aprendizagem sobre os fenô menos analisados. Só se escreve com
qualidade sobre temas que se compreende com clareza. Essa clareza,
geralmente, nã o está presente no início do trabalho, mas é construída no
pró prio processo da aná lise. Aprender e escrever sã o processos que ocorrem
simultaneamente.
Finalmente, a partir da convicçã o da importâ ncia de integrar qualidade
formal e política, emerge da aná lise a possibilidade de transformaçã o das
realidades investigadas. As aprendizagens concretizadas,
expressas nos metatextos, organizados em torno de teses e argumentos
do pesquisador, podem constituir-se em formas de intervençã o nos discursos
nos quais os textos submetidos à aná lise se inserem. Nisso situa-se a
qualidade política das aná lises e de seus produtos.
Assim, uma Aná lise Textual Discursiva rigorosa pode garantir a
qualidade formal dos resultados da pesquisa. A qualidade política, entretanto,
depende dos pressupostos assumidos pelo pesquisador em seu trabalho,
especialmente o se assumir como sujeito histó rico, capaz de intervir nos
discursos no sentido de sua reconstruçã o.
Entende-se que o processo da Aná lise Textual discursiva nã o está
inteiramente sob o controle do pesquisador. É auto-organizado. Mesmo sem
conhecer o ponto de chegada, entretanto, é um modo de intervir na realidade,
assumindo-se o pesquisador como sujeito histó rico, capaz de participar na
reconstruçã o de discursos existentes.
A metá fora dos mergulhos discursivos pretende mostrar que uma
Aná lise Textual Discursiva pode ser entendida como um processo simultâ neo
de aprendizagem e comunicaçã o, processo que implica um mergulho profundo
e impregnaçã o intensa em elementos linguísticos relativos aos fenô menos
investigados, envolvendo ao mesmo tempo uma reconstruçã o dos discursos
implicados nos textos analisados, usando um conjunto de ferramentas
culturais, com destaque para a escrita.
Capítulo 6
ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA:
Análise de conteúdo? Análise de discurso?
Descrição e Interpretação:
preocupação analítica ou interpretativa?
Escolhe-se estas características, ser descritiva ou interpretativa, como a
primeira forma de comparar e contrastar AC e AD. Certamente a aná lise
qualitativa, especialmente na pesquisa social, tem preocupaçõ es tanto com os
aspectos descritivos quanto com os interpretativos. Esta é uma dimensã o que
pode ser focalizada na tentativa de aprofundar a compreensã o do que
constitui a AC, a AD e a ATD, assim como outras metodologias afins.
Talvez fosse importante iniciar questionando sobre o descrever e o
interpretar. É possível a descriçã o? Tudo é interpretaçã o? Se se aceitar, com
Orlandi (1999, p. 60), que "... é preciso compreender que não há descrição sem
interpretação...", ainda tem sentido falar em descrever? Mesmo conscientes
destes questionamentos e dos mú ltiplos encaminhamentos de possíveis
respostas, entende-se que é um foco
em que se pode contrastar AC e AD. Afinal, o ser humano move-se e se
constitui num mundo de linguagem e dentro dele comunica-se, procurando
expressar sentidos e atribuindo significados à s interaçõ es com os outros.
Esta discussã o fundamenta-se basicamente em Navarro e Diaz (1994).
Estes autores nã o adotam propriamente o termo de descriçã o, mas
contrastam o que denominam o nível de trabalho propriamente analítico com
o nível interpretativo. Enquanto para estes autores a AC procura estabelecer
conexões entre o nível sintático do texto com os níveis semântico e pragmático
do mesmo, a AD nã o tem esta preocupaçã o analítica, tendendo a saltar
diretamente do nível de superfície textual ao nível interpretativo. Enquanto a AC
pretende responder questionamentos sobre "o que expressa um texto", a AD
busca explorar “como se produz" o discurso em que este texto se insere.
Examinada dessa perspectiva, a Aná lise Textual Discursiva aproxima-se mais
da Aná lise de Conteú do, valorizando tanto a descriçã o quanto a interpretaçã o.
A descriçã o nã o é excluída do processo.
Assume-se na discussã o o termo descritivo, com base no trabalho de
Martins e Dichtchekenian (1984), em que estes autores, discutindo pesquisas
fenomenoló gicas, enfatizam os níveis descritivo e interpretativo como formas
de se apresentar os resultados da aná lise, formas de explicitar uma nova
compreensã o de um fenô meno.
A AC investe tanto em descriçã o como em interpretaçã o. A descriçã o,
nesta perspectiva de aná lise, é uma etapa importante e necessá ria, mesmo que
nã o se possa permanecer nela. As categorias construídas no processo da
aná lise de algum modo envolvem tanto descriçã o como interpretaçã o. Bons
trabalhos necessitam chegar à interpretaçã o, especialmente interpretaçõ es
alternativas e originais. Certamente é isto que pode constituir uma
contribuiçã o teó rica de um estudo.
A AD tem como preocupaçã o primeira a interpretaçã o, especialmente
uma interpretaçã o crítica, fundamentada em alguma "teoria forte" (Navarro;
Diaz, 1994) e assumida a priori como referencial interpretativo e crítico. Por
isso, nesta abordagem de aná lise, a descriçã o é secundá ria e de certa forma
dispensá vel. O importante é interpretar e produzir a crítica, sem que se exija a
valorizaçã o de um momento descritivo. Este surgirá somente em funçã o da
definiçã o mais precisa dos focos para a crítica, como demonstra a metá fora da
águia, ave voraz que se joga sobre seu objeto de desejo. É preciso alertar que,
na verdade, este foco interpretativo nã o é uma característica tã o marcante em
todas as formas de AD. Algumas delas podem também assumir uma pretensã o
mais descritiva. Entende-se, entretanto, que, num sentido amplo, é vá lido
afirmar-se a ênfase interpretativa da AD.
Talvez seja importante também alertar que a interpretaçã o pode
assumir diferentes significados. Enquanto para a AC a interpretaçã o constitui-
se num afastar-se da descriçã o, num exercício de abstraçã o e teorizaçã o sobre
o analisado num determinado "corpus" textual, na AD esta interpretaçã o, nas
palavras de Orlandi (1999, p. 17), coloca a questã o "como este texto significa?",
focalizando deste modo nas condiçõ es de produçã o.
As ponderaçõ es neste item procuram expor a preocupaçã o das duas
metodologias de aná lise em discussã o com objetivos descritivos e
interpretativos. Ainda que a descriçã o seja uma preocupaçã o mais presente na
AC do que na AD, as duas focalizam a interpretaçã o como um momento
indispensá vel. A AD, entretanto, pelo menos na visã o de alguns autores, pode
ser organizada de modo a dispensar o momento descritivo, concentrando-se
unicamente no momento interpretativo.
As ênfases nos focos descritivo e interpretativo possibilitam
compreender algumas das diferenças entre AC e AD. A primeira, com sua
descriçã o seguida ou entremeada de interpretaçã o é um mover-se rio abaixo,
aproveitando o pró prio movimento da á gua e só
eventualmente se opondo a ele. Já a Aná lise de Discurso, com sua
interpretaçã o radical, com base teó rica forte, é um movimento contra a
corrente. Seria a segunda proposta mais desafiadora? Seriam ambas vá lidas e
capazes de contribuiçõ es científicas rigorosas?
No que se refere à aná lise textual discursiva, ainda que num sentido
amplo, na perspectiva aqui examinada, se aproxime mais da aná lise de
conteú do, sua interpretaçã o tende principalmente para a construçã o ou
reconstruçã o teó rica, numa visã o hermenêutica, de reconstruçã o de
significados a partir das perspectivas de uma diversidade de sujeitos
envolvidos nas pesquisas. Ainda que podendo assumir teorias a priori, visa
muito mais a produzir teorias no processo da pesquisa. Mais do que navegar a
favor ou contra a correnteza, visa explorar as profundidades do rio.
Compreensão e Crítica:
exercícios complementares?
O descrever e o interpretar quando concebidos em conjunto constituem
parte do esforço de expressar a compreensã o de um fenô meno. Nesse sentido,
estã o presentes em diferentes abordagens de aná lise qualitativa, tais como a
fenomenoló gica e a etnográ fica. Algumas dessas metodologias, de algum modo
derivadas ou relacionadas à AC, assim como outras abordagens
genericamente enquadradas na AC, têm no esforço compreensivo uma de suas
metas. Esta compreensã o geralmente é construída partindo-se de dentro do
fenô meno. A compreensã o emerge ou é construída a partir do exame empírico
do fenô meno.
Já a AD nã o tem na compreensã o seu foco principal. Concentra-se mais
especificamente na crítica. Esta, de acordo com Habermas (1987), exige um
olhar externo, ou seja, supõ e uma teoria previamente
escolhida, nã o construída a partir da pró pria pesquisa. Uma perspectiva crítica
de algum modo pressupõ e um referencial teó rico cuja origem é externa ao
fenô meno sob exame. É isto que já caracterizamos como uma teoria forte,
ambiciosa e abrangente, segundo terminologia de Navarro e Diaz (1994).
Ainda que aqui também se pudesse incluir uma perspectiva
quantitativa na AC, organiza-se esta discussã o mais no sentido da aná lise
textual qualitativa. Numa perspectiva quantitativa, também denominada
empírico-analítica, a AC teria uma preocupaçã o mais explicativa, de teste de
hipó teses, de verificaçã o de relaçõ es de variá veis. Nã o se pretende aprofundar
neste caminho, posto que na maioria das ACs ela é hoje pouco representativa,
especialmente em trabalhos na á rea social.
Desse modo os focos compreensivo e crítico, caracterizando mais
especificamente a AC e AD respectivamente, também podem constituir-se em
elementos de comparaçã o destas duas abordagens de aná lise. A primeira
concentra-se na procura da compreensã o; a segunda na crítica. Estas duas
abordagens complementam-se no entendimento do fenô meno e na
transformaçã o da realidade, segundo argumentos de Stein (1987),
fundamentados na polêmica entre Habermas e Gadamer sobre
dialética e hermenêutica, a primeira é crítica e transformadora, a segunda
compreensiva e interpretativa. A primeira se aproxima da dialética, a segunda
da hermenêutica.
É importante salientar que muitos trabalhos em AC também adotam
teorias externas ou escolhidas a priori para examinar os fenô menos que
estudam. Estas teorias, quando assim assumidas, podem tanto servir como
fundamentos para ampliar a compreensã o, como para concretizaçã o de crítica.
Isto representa uma incursã o da AC nos domínios da crítica, ainda que esta
nã o seja seu foco principal. O mesmo certamente poderia ser afirmado, no
sentido inverso, em relaçã o a algumas abordagens de AD.
O que tentamos argumentar em relaçã o à compreensã o e à crítica é que
a AC, no seu olhar compreensivo, navega a favor da correnteza do rio,
procurando penetrar no discurso para compreendê-lo. Já a AD, a partir de sua
perspectiva crítica, opõ e-se ao movimento do rio, "dirige-se contra seu tempo”
(Stein, 1987) para examinar os fenô menos a partir de um olhar teó rico
externo ao fenô meno. Neste sentido é mais caracteristicamente crítica.
Também nesse aspecto a Aná lise Textual Discursiva parece aproximar-
se mais da AC do que da AD. Sua pretensã o é num sentido radicalmente
hermenêutico, de construçã o e reconstruçã o de compreensõ es sociais e
culturais relativas aos fenô menos que investiga. Mesmo que também possa ser
crítica, seu olhar interpretativo tende a se produzir desde o interior do
fenô meno, assumindo assim muito mais uma perspectiva gadameriana do que
habermasiana, mais hermenêutica do que dialética.
Manifesto ou Latente:
tudo é interpretação?
Os pressupostos subjacentes à s aná lises propostas pela AC e AD podem
ser examinados a partir dos tipos de leituras que se entende possam ser
realizadas com determinado material, textos ou discursos. Uma destas
possibilidades de comparaçã o é a que se refere à leitura do explícito em
contraposiçã o à leitura do implícito. Enquanto em suas origens a leitura
proposta pela AC foi pretensamente objetiva, limitando-se ao manifesto,
gradativamente esta concepçã o se amplia de modo a incluir cada vez mais o
latente, o nã o dito, o subentendido. Por seu lado, a AD concentra
preferencialmente no implícito, fazendo dele o objeto de sua interpretaçã o e
crítica.
É preciso destacar, contudo, que hoje tanto a AC quanto a Al)
concentram-se na aná lise de conteú dos implícitos, tenham eles sido ocultados
propositadamente ou nã o. Segundo Olabuenaga e Ispizua (1989), referindo-se
à aná lise de conteú do, o analista pode assumir vá rios papéis em sua aná lise:
leitor, analista, juiz e crítico, quando a leitura pretende ser do explícito ou
manifesto; intérprete, explorador, espiã o ou contraespiã o, quando a leitura
pretende atingir o oculto ou implícito. Enquanto a AC de algum modo pode
assumir todos estes papéis, ora se concentrando no manifesto, ora no oculto, a
Af) tende a se concentrar naqueles que fazem uma interpretaçã o, um
exploraçã o e uma crítica das mensagens implícitas de um discurso e de suas
condiçõ es de produçã o. Sua preocupaçã o está no oculto, o que necessita ser
desvelado, o que exige uma crítica.
O que seria, todavia, manifesto? O que é explícito num discurso? E o que
é latente, implícito? Mesmo admitindo-se que todo texto admite e exige
mú ltiplas interpretaçõ es, também podemos afirmar que há "auditó rios
universais", segundo terminologia de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999),
que tendem a interpretar do mesmo modo algumas manifestaçõ es discursivas.
Conforme expressa Habermas (1987, p. 88),
um mundo da vida forma o horizonte de processos de entendimento,
com os quais os participantes concordam ou discordam sobre algo num
ú nico mundo objetivo, num mundo social comum a eles ou em um
mundo sempre subjetivo.
7 As passagens de texto apresentadas entre aspas correspondem a manifestaçõ es de mestres investigados a partir do uso
da Aná lise Textual Discursiva em suas disser taçõ es e nã o foram identificados os autores.
um movimento do investigador, ao seu objeto. “O pensamento nã o é
uma coisa, mas sim um movimento. A verdade nã o está parada,
esperando ser encontrada; toda verdade é verdade andando, e nos
cabe tã o-somente andar com ela" (Bernardo, 2000, p. 41).
A metodologia da Aná lise Textual Discursiva é um caminho do
pensamento do pesquisador. Como tal, "é um processo singular e dinâ mico
que cada pesquisador constró i, sem ponto determinado de partida ou de
chegada". Por ser singular e dinâ mico, o caminho do pensamento nã o pode ser
dirigido de fora, mas precisa ser construído no pró prio processo, pelo pró prio
sujeito. Ao mesmo tempo, esta metodologia confere ao pesquisador ampla
liberdade de criar e de se expressar.
Realizar uma Aná lise Textual Discursiva é pô r-se no movimento das
verdades, dos pensamentos. Sendo processo fundado na liberdade e na
criatividade, nã o possibilita que exista nada fixo e previamente definido. Exige
desfazer-se de â ncoras seguras para se libertar e navegar em paragens nunca
antes navegadas. É criar os caminhos e as rotas enquanto se prossegue, com
toda a insegurança e incerteza que isso acarreta. Ainda que o caminho
finalmente resultante seja linear, por força da linguagem em que precisa ser
expresso, em cada ponto há sempre infinitas possibilidades de percursos. Daí
mais uma razã o de insegurança e angú stia.
Envolver-se com a Aná lise Textual Discursiva requer do pesquisador
assumir uma viagem sem mapa, aceitar o desafio de acompanhar o
movimento de um pensamento livre e criativo, de romper com caminhos já
prontos para construir os pró prios, conforme expressa Maturana:
O que é uma resposta aceitá vel? Cada vez que se quer responder a uma
pergunta a dificuldade principal está em saber quando se tem a resposta.
Como reconhecer uma resposta adequada se nã o se conhece de antemã o qual
é? (1997b, p. 4).
A Aná lise Textual Discursiva, pretendendo uma superaçã o do
paradigma dominante, e se inserindo preferencialmente em pesquisas de
cunho aberto, em que as pró prias interrogaçõ es vã o se constituindo de forma
emergente, necessariamente representa um caminho inseguro. Quando os
pró prios questionamentos ainda nã o estã o inteiramente definidos, nã o há
como guiar-se por indicadores externos. Para quem opta por realizar uma
pesquisa de cunho qualitativo, "viver uma dissertaçã o é viver num turbilhã o
de emoçõ es e de angú stias". A aná lise textual pode trazer alguma segurança
nesse processo. Mesmo assim, o mestrando precisa saber conviver com a
insegurança de um caminho que ainda nã o está traçado, de lidar com um
objeto que somente se define ao longo do processo.
De acordo com as manifestaçõ es de mestres que passaram pelo
processo, nenhuma reflexã o posterior pode refletir toda a angú stia que é
procurar o caminho para a aná lise das informaçõ es. Esse caminho é descrito
como uma "jornada complexa em que certezas se transformam em dú vidas,
em que muitos caminhos se desviam e novos horizontes vã o se configurando e
se tornando realidade".
Uma aná lise textual criativa tem sido comparada ao voo de uma á guia.
Pelas dificuldades iniciais em alçar seus voos, uma mestranda refere: "Durante
nossos encontros e desencontros sempre falamos do voo da á guia. Eu, em
determinados momentos, considerava que a minha á guia estava com a asa
machucada". A Aná lise Textual Discursiva representa um caminho de passos
inseguros e imprecisos que somente se clarificam ao longo da jornada. A á guia
precisa exercitar o seu voo livre e criativo. Por isso o percurso da construçã o
de uma dissertaçã o é sinuoso e incerto, alcançando-se alguma segurança
somente no final do processo.
'Apesar de seguir todo o processo (conforme recomendado) devo dizer
que nem sempre as coisas correram de forma fluente". O processo da aná lise
se constitui de muitas idas e vindas. 'A maior
A dificuldade na minha dissertaçã o foi iniciar o processo de aná lise
textual. Depois de iniciado, com disciplina, organizaçã o, dedicaçã o e
disponibilidade para leitura crítica, reflexã o e reescritas sucessivas, a
produçã o escrita do relató rio de pesquisa torna-se uma atividade
gratificante”. Os mestrandos nã o economizam palavras na descriçã o do
processo exigente e envolvente que é a Aná lise Textual Discursiva, ainda que o
mais complexo pareça ser o passo inicial, entretanto o processo é tal que, cada
novo passo parece ser mais difícil que o anterior. 'Acabei a primeira aná lise de
todos os dados. Ufa! Mas agora vem o mais difícil". Isso parece ser uma
sensaçã o que necessariamente acompanha um processo em que o que já foi
superado é conhecido e o que está à frente ainda é incó gnito, incerto e
inseguro.
Nã o ter um caminho definido com precisã o desde o início exige que o
pesquisador faça a trajetó ria em pequenos passos, com tomadas de decisã o
graduais. Dois passos para a frente, um para trá s, constantes retomadas do
que já foi feito para fazê-lo melhor, este é o processo de construir o pró prio
caminho. Assim sendo, o mestrando nunca tem uma ideia clara do processo
todo, movimentando-se nele e avançando gradualmente, sem um ponto final
predefinido. A indefiniçã o do ponto de chegada causa muita apreensã o.
Se o passo inicial é difícil, cada um dos movimentos intermediá rios
também traz suas angú stias. É preciso percorrer todo o processo com muito
envolvimento. Nã o é possível acelerar e pular etapas. A conclusã o só pode
surgir no final, mas nem mesmo entã o as incertezas e dú vidas desaparecem.
"Ao entregar o texto final fiquei com inú meras interrogaçõ es. Um pensamento
que me ocorreu no final do trabalho é que se tivesse tempo há bil, escreveria e
organizaria de forma diferenciada".
O processo da Aná lise Textual Discursiva corresponde a um fluxo do
pensamento, incerto, inconstante e inseguro. Somente o que já foi
concretizado, com muita crítica e reconstruçã o, pode propiciar certo
sentimento de gratificaçã o e segurança, nunca, entretanto, definitivo e
completo.
Envolver-se numa Aná lise Textual Discursiva significa para a maioria
dos pesquisadores construir novos caminhos. As angú stias e dificuldades que
enfrentam no processo fazem com que os mestrandos cheguem a pensar em
nunca mais se envolverem nesse tipo de pesquisa. Concluído o processo e
passado algum tempo, contudo, o entusiasmo é retomado e conseguem
perceber o crescimento que tudo isto propiciou.
Em parte as dificuldades no envolvimento com este tipo de aná lise
devem-se à necessidade de superar um modelo racional de pensamento. Um
envolvimento efetivo na aná lise textual implica abandonar-se à emergência
dos fenô menos auto-organizados. Para um mestrando "foi um exercício de
superaçã o do pensamento linear". Os entendimentos de ciência, de pesquisa e
de método precisam passar por metamorfoses.
Nã o ter pontos de partida e chegada definidos desde o começo, nã o
dispor de um roteiro preestabelecido, nã o ter o caminho traçado de antemã o,
implicam insegurança e imprecisã o em cada passo a ser dado. A Aná lise
Textual Discursiva funciona em grande parte a partir de processos indutivos,
de emergência de categorias a partir de unidades isoladas. Esses processos
sã o necessariamente inseguros, nã o havendo previsã o de pontos de chegada
com precisã o.
O processo da Aná lise Textual Discursiva tem fundamentos na
fenomenologia e na hermenêutica. Valoriza os sujeitos em seus modos de
expressã o dos fenô menos. Centra sua procura em redes coletivas de
significados construídos subjetivamente, os quais o pesquisador se desafia a
compreender, descrever e interpretar. Sã o processos hermenêuticos.
A opçã o por novos percursos, o acompanhar o pensamento à procura
de novas verdades, que ao serem atingidas se manifestam sempre inseguras e
incertas, pode explicar a inquietaçã o constante e a sensaçã o de insatisfaçã o
que acompanha todo o caminho da
Aná lise Textual Discursiva. A dú vida e o medo estã o constantemente
presentes. A convicçã o de ter produzido algo vá lido e inédito somente pode
ser construída com muita crítica e reconstruçã o. Somente no final surge um
pouco de segurança sobre o que se pretendia ao iniciar.
Assim, o envolvimento com a Aná lise Textual Discursiva propicia aos
que nela se envolvem metamorfoses em relaçã o aos modos de lidar com os
objetos de pesquisa. Movimentar-se nesse tipo de aná lise requer reconstruir
entendimentos de verdades e de seus modos de instituí-las. Exige do
pesquisador assumir-se nos movimentos de seu pró prio pensamento, na
procura de novos sentidos que necessitam ser produzidos ao longo do
processo, sem ter ponto de chegada previsto. O pensamento linear e
racionalizado precisa dar lugar ao pensamento complexo, emergente. Nisso o
processo também solicita que o pesquisador se assuma como autor das
verdades que vai constituindo e expressando.
Metamorfoses Metodológicas
Ainda que incerta e imprecisa, a Aná lise Textual Discursiva
fundamenta-se numa metodologia, a qual é bastante exigente, especialmente
no sentido de uma impregnaçã o e envolvimento aprofundados, atingidos por
meio da unitarizaçã o e da categorizaçã o. Somente nessas condiçõ es é
possibilitada a emergência auto-organizada de novas compreensõ es, objetivo
bá sico da pesquisa qualitativa.
Um dos segredos cruciais de uma Aná lise Textual Discursiva bem-
sucedida é uma intensa impregnaçã o com os materiais da aná lise. É
importante que o pesquisador aproveite todas as oportunidade.', que se
oferecem para se envolver intensamente com seu "corpus", atingindo uma
efetiva impregnaçã o. Esta pode dar-se de muitos modos. Um deles é a
transcriçã o e preparaçã o dos materiais e entrevistas
pelo pró prio pesquisador. Também as leituras e releituras exaustivas
do material de aná lise na unitarizaçã o e categorizaçã o constituem formas de
impregnaçã o com os fenô menos sob investigaçã o, criando as condiçõ es para a
emergência do novo.
As exigências de uma impregnaçã o aprofundada no processo
frequentemente provocam reaçõ es negativas nos pesquisadores, que nã o
conseguem neste momento compreender seu verdadeiro significado. A fuga
de um envolvimento intenso na aná lise, entretanto, sempre se reflete
negativamente em termos da profundidade dos resultados que podem ser
atingidos. Processos auto-organizados e emergentes somente funcionam com
base em intensos envolvimentos com os fenô menos.
O processo de impregnaçã o se efetiva com a unitarizaçã o, consistindo
ela em aprofundar as leituras, selecionando aspectos importantes dos
fenô menos a serem trabalhados posteriormente no processo produtivo.
Unitarizar é delimitar e destacar unidades bá sicas de aná lise a partir dos
materiais pesquisados, envolvendo permanentes interpretaçõ es do
investigador.
O entendimento de que as leituras que realiza para unitarizar,
especialmente as mais aprofundadas, constituem necessariamente
interpretaçõ es do pesquisador, seguidamente é motivo de insegurança e
angú stia. A incerteza e imprecisã o que acompanham as leituras e
interpretaçõ es podem explicar em parte as dificuldades desse movimento
inicial das aná lises. É difícil, mas importante, saber movimentar-se nesse
espaço "entre" as vozes dos interlocutores empíricos e a voz do autor.
Escutar, olhar, ler equivale finalmente a construir-se. Na abertura ao esforço
de significaçã o que vem do outro, trabalhando, esburacando, amarrotando,
recortando o texto, incorporando-o em nó s, destruindo-o, constituímos para
erigir a paisagem de sentido que nos habita. O texto serve aqui de vetor, de
suporte ou de pretexto à atualizaçã o do nosso pró prio espaço mental (Levy,
2003, p. 37)
Referindo-se à unitarizaçã o, uma pesquisadora explicita: "Esse
momento de aná lise foi muito interessante, pois permitiu examinar as
informaçõ es que se apresentavam de forma complexa e podiam
comunicar vá rias idéias, a partir do meu olhar e da minha
subjetividade enquanto pesquisadora. Ficou muito claro para mim
isso: a cada leitura novas compreensõ es". Pela identificaçã o e
isolamento das unidades de aná lise criam-se as condiçõ es de
emergência de novas compreensõ es.
O processo de unitarizaçã o é inseguro num primeiro momen to.
"Inicialmente, durante o processo de unitarizaçã o, nã o consegui desmontar os
textos. Muitas vezes tinha diversos assuntos sendo abordados em um mesmo
material e nã o desmontava porque considerava tudo importante. Aos poucos
fui conseguindo desmontar e criar as unidades de significado".
A insegurança do processo desconstrutivo tem muitas origens. De um
lado o pró prio pesquisador nã o tem bem-definidos os limites para suas
desconstruçõ es, precisando estabelecê-los enquanto avança no processo. Por
outro lado, é mais fá cil manter-se em verdades já estabelecidas, sejam as
pró prias, sejam de outros sujeitos. Criar a desordem em algo já organizado é
necessariamente movimento de aumento de entropia e insegurança.
O processo de unitarizaçã o pode ser entendido como o movimento de
um sistema de idéias organizado para o caos, produzindo-se um conjunto
desordenado e caó tico de unidades relativas aos fenô menos investigados. Essa
desorganizaçã o visa a criar as condiçõ es para o surgimento de novas formas
de organizaçã o. A desorganizaçã o do material do corpus corresponde à
criaçã o de um espaço criativo, de auto-organizaçã o, capaz de dar origem a
combinaçõ es originais. O caos criado pela unitarizaçã o faz emergir as
condiçõ es para o funcionamento da auto-organizaçã o.
A emergência auto-organizada de novos entendimentos requer um
meio caó tico e desordenado. Conviver com esta aparente desorganizaçã o, na
expectativa da emergência do novo, representa a insegurança e a angú stia que
acompanham o processo da aná lise em seus momentos iniciais.
Para quem vive esses sentimentos pela primeira vez é difícil
compreender a importâ ncia do que está ocorrendo: "Muitas vezes sentia-me
inundada pelo material. Parecia nã o haver indicativo de que eu chegaria a
algum lugar, uma desordem total. Hoje vejo o quanto estava enganada e
principalmente percebo que o processo de construçã o e desconstruçã o é
fundamental em um processo de interpretaçã o".
O momento da unitarizaçã o é, ao mesmo tempo, desconstrutivo e
construtivo. "Leitura, codificaçã o de dados agregados em unidades,
delimitaçã o, definiçã o e classificaçã o levam à s inferências e à compreensã o do
sentido". Na unitarizaçã o parece que está tudo desorganizado, no entanto é o
caminho para a organizaçã o do novo.
É importante saber conviver com este momento de desorganizaçã o
para possibilitar a emergência do novo. As novas compreensõ es somente sã o
oferecidas para quem investe efetivamente no processo de aná lise,
especialmente na unitarizaçã o e categorizaçã o.
O momento inicial da aná lise é inseguro e incerto. "Considero relevante
salientar que durante o processo de desmontagem dos textos e unitarizaçã o
senti muito medo, porque, embora soubesse que as categorias iriam advir
desse processo, ficava achando que nunca as encontraria".
O processo de emergência de categorias nã o é inteiramente comandado
pelo pesquisador. Exige conviver com a espera pelo surgimento das
categorias, sempre com base num envolvimento intenso a partir da
desconstruçã o dos materiais do corpus.
"Dando passos adiante no processo da aná lise textual, identificar
claramente o momento em que consegui enxergar as categorias que
emergiram das falas e dos relatos escritos". O nascimento das categorias
corresponde ao surgimento de outro espaço, "o espaço do prazer, no qual a
escrita flui com rapidez".
Mesmo quando emergem, as categorias nã o nascem prontas, mas
exigem um retorno cíclico para sua gradativa explicitaçã o e qualificaçã o. É o
pró prio pesquisador que necessita avaliar suas categorias em termos de sua
validade e pertinência, processo que exige conviver constantemente com a
incerteza e imprecisã o, que somente aos poucos vã o se clarificando. Assim, o
processo de categorizaçã o nã o se conclui na emergência inicial das categorias,
mas precisa avançar até que se atinja um sistema de categorias vá lido e capaz
de expressar com clareza as novas compreensõ es alcançadas. Isso envolve o
entrecruzamento das categorias construídas, complementando-se e se
agrupando em grandes categorias.
O envolvimento com a unitarizaçã o e categorizaçã o mostra que os
processos auto-organizados a eles associados nã o podem ser planejados,
ainda que uma impregnaçã o intensa com os fenô menos possa criar espaços
para a emergência de novos insights. Especialmente a desconstruçã o dos
materiais do "corpus" revela-se um modo de alimentaçã o da auto-organizaçã o
capaz de fazer emergir novos entendimentos e organizaçõ es. Esses processos
exigem paciência de parte do pesquisador para que possam se completar. Nã o
há tempo certo para que se manifestem, no entanto é importante ficar atento
para captar o novo emergente tã o logo se apresente.
Essas manifestaçõ es parecem ocorrer nos momentos mais inesperados,
tal como descreve uma mestranda: "Tive uma noite muito turbulenta e cheia
de pesadelos e acordando a toda a hora. Mas surgiram muitas idéias para a
dissertaçã o, que está indo muito bem". Assim, processos auto-organizados nã o
podem ser previstos. O pesquisador precisa preparar-se para eles e quando
surgem devem saber aproveitá -los e captar o novo emergente.
Mesmo que nã o compreenda inteiramente o processo da auto-
organizaçã o, o pesquisador, quando nele se envolve com intensidade, tira dele
os resultados esperados, sempre com muito investimento e esforço.
A Aná lise Textual Discursiva pode ser comparada com a formaçã o de
uma tempestade. O trabalho do pesquisador é de criar pela unitarizaçã o as
condiçõ es de formaçã o da tempestade, e entã o, pela categorizaçã o, aproveitar
todos os resultados que vã o emergindo do caos criado. É de modo especial a
desconstruçã o e caotizaçã o propiciadas pela unitarizaçã o que criam as
condiçõ es para a emergência de categorias criativas e originais,
correspondendo a novos modos de entender os fenô menos investigados.
A impregnaçã o intensa com os materiais de aná lise possibilita no
decorrer do processo uma constante aprendizagem, ao mesmo tempo que
ajuda a encaminhar a comunicaçã o dessas mesmas aprendizagens e das novas
compreensõ es atingidas.
Ao longo desse processo, de vez em quando é preciso deixar os dados
descansarem um pouco, dar tempo para a auto-organizaçã o entrar em açã o,
"deixando que o trabalho inconsciente se realize, que o quebra-cabeças
encontre suas soluçõ es''. Seguidamente as soluçõ es se apresentam de forma
surpreendente. 'Acordei e tratei de jogar essas idéias no computador. Quanto
mais escrevia, mais coisas vinham a minha mente. Tudo que estava solto foi se
juntando e tomando for ma''. Quando o pesquisador consegue atingir esse
está gio produtivo, interpretar, associar informaçõ es ou inserir citaçõ es,
retificando o que já consumiu, o trabalho torna-se gratificante.
O caminho da Aná lise Textual Discursiva por sua característica auto-
organizada e emergente, nã o pode ser planejado inteiramente de antemã o.
Exige saber movimentar-se em processos inseguros e incertos. Aqueles que
souberem lidar com esta insegurança, deixando o processo fluir naturalmente,
conseguem obter excelentes resultados, gratificando-se, ao mesmo tempo,
com o trabalho e com os produtos atingidos. Isso, entretanto, seguidamente
exige que o pesquisador se transforme. Envolver-se efetivamente nesses
caminhos corresponde à superaçã o de entendimentos lineares de ciência e
dos modos como
esta propõ e a construçã o e reconstruçã o de conhecimentos e teorias. Assim,
no uso da Aná lise Textual Discursiva, ao mesmo tempo que atinge novas
compreensõ es em relaçã o aos fenô menos que investiga, o pesquisador sofre
metamorfoses em seus entendimentos de ciência, em seus paradigmas e em
suas convicçõ es metodoló gicas. Transforma-se no sentido de superaçã o de
entendimentos racionalizados de produçã o do conhecimento, para assumir a
complexidade e auto-organizaçã o como modo de propiciar novos
conhecimentos e compreensõ es.
O Escrever como Parte do Caminhar
Na metodologia da Aná lise Textual Discursiva assume papel central a
escrita. Aná lise e escrita se interconectam ao longo de todo o processo,
constituindo um processo produtivo exigente, solicitando constantes
retomadas e reescritas para alcançar resultados confiá veis e que satisfaçam ao
pesquisador e aos possíveis leitores. No exercício de expressar o novo ainda
nã o inteiramente compreendido, as metá foras desempenham papel
importante, auxiliando a comunicar com grande intensidade e prazer novos
entendimentos emergentes das aná lises. Na reconstruçã o do entendimento do
processo da escrita, assumido a partir do envolvimento na Aná lise Textual
Discursiva como sendo mais do que apenas comunicar, esta outra
metamorfose do pesquisador.
O caminho da aná lise, passando pela unitarizaçã o e categorizaçã o,
conduz diretamente para a escrita. Os novos entendimentos em construçã o
precisam ser comunicados, o que é feito a partir de produçõ es escritas.
A escrita geralmente se apresenta problemá tica para os mestrandos.
"Escrever o meu relató rio de pesquisa foi um grande desafio. Lá estava eu com
pá ginas e pá ginas de material coletado
em 11 entrevistas, sem ter a mínima ideia do que fazer para organizar
esse material". E entã o entra a Aná lise Textual Discursiva para ajudar.
Esta modalidade de aná lise, ao mesmo tempo que ajuda a organizar e
estruturar os dados das pesquisas, também é importante no encaminhamento
das produçõ es escritas. É insepará vel o movimento da aná lise do processo da
escrita. Construir as novas compreensõ es e expressá -las ocorrem num mesmo
movimento.
A partir de seus passos gradativos e sequenciais a Aná lise Textual
Discursiva possibilita vencer as barreiras e resistências à escrita. A aná lise
ajuda a organizar as idéias para uma escrita clara e organizada. Os mestrandos
declaram que o processo é cansativo, mas que a partir do momento em que
estiveram impregnados pelas falas e pelos dados categorizados, tiveram
condiçõ es de escrever com um volume de fluidez muito grande.
O processo como um todo é de "intensa impregnaçã o. Se assim nã o
fosse nã o seria possível tamanha produçã o". Assim, uma vez passada a
unitarizaçã o e a categorizaçã o, "o caminho da aná lise textual possibilita e
resulta numa escrita mais fá cil e contínua. Passado o momento da turbulência,
da confusã o generalizada, a escrita fluiu como se fosse uma invasã o de
palavras que jorravam rá pidas. Parecia que o escrever nã o dava conta pela
forma veloz como vinha o pensamento. Isso penso ser resultante da
impregnaçã o com o material coletado".
A partir desse momento vá rias versõ es do texto vã o se sucedendo,
sempre em resposta a críticas e contribuiçõ es de orientadores ou outros
interlocutores. O mestrando percebe sua produçã o como se configurando e
reconfigurando constantemente, produzindo-se versõ es que deixam o autor
cada vez mais gratificado e convicto de sua qualidade.
Um desafio que acompanha todo o processo da aná lise, e especialmente
da escrita, é o atendimento das exigências de qualidade de uma pesquisa
científica. A aná lise textual propõ e-se a fazer uma leitura rigorosa e
aprofundada dos materiais textuais investigados, constituindo exercício
rigoroso de procura de novos sentidos e compreensõ es. Em cada passo, no
entanto, permanece a dú vida se o rigor e qualidade pretendidos efetivamente
foram alcançados. O pesquisador nunca tem certeza de que atingiu uma
qualidade adequada e a resposta a esses questionamentos, eventualmente, só
é obtida na defesa final. Isso, contudo, também é parte inerente à escrita
criativa e original.
O desafio da aná lise e da escrita é atingir uma clareza cada vez maior
dos textos produzidos, o que demanda submeter as produ çõ es a sucessivas
leituras, críticas e reescritas. Em cada nova versã o dos textos se atinge uma
maior qualidade e clareza, conseguindo-
-se expressar os resultados da pesquisa de forma mais vá lida. Esse,
entretanto, é um processo permanentemente inacabado e incerto, conforme
apontam Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 39):
A tragédia de qualquer escrita (e também de qualquer leitura) reside na tensã o
entre seu inacabamento e a necessidade de se colocar um ponto final (a obra acabada e
a ú ltima interpretaçã o possível). Essa é também a tragédia do conhecimento e da
aprendizagem moderna.
A ATD, Aná lise Textual Discursiva,9 constitui uma metodologia de aná lise de
informaçõ es que tem sido cada vez mais utilizada em pesquisas sociais,
especialmente na Educaçã o. Consistindo de unitarização, categorização e
produção de metatextos, esta abordagem de aná lise tem sido especialmente
empregada por mestrandos e doutorandos em suas produçõ es acadêmicas. O
presente texto investiga vivências de pesquisadores apropriando-se desta
metodologia, visando à compreensã o desse envolvimento, com foco especial
nas transformaçõ es dos pesquisadores ao longo do processo, assim, algumas
frases entre aspas em que nã o consta o autor foram obtidas por entrevistas de
mestrandos e os nomes nã o foram identificados.
8 Metá fora derivada de Kauffman, Stuart. At home in Lhe universe: the search for the laws of self-organization and
9 Maiores informaçõ es sobre esta metodologia podem ser encontradas em artigo e livro: Moraes, R. Uma tempestade de luz:
a compreensã o possibilitada pela aná lise textual discursiva. Ciência e Educaçã o: Bauru, SP v. 9, n. 2, p. 191-210, 2003; Moraes, R.;
Galiazzi, M. C. Aná lise textual discursiva. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2007.
No texto argumenta-se que o envolvimento com a Aná lise Textual
Discursiva consiste nã o apenas em apropriar-se de uma metodologia de
aná lise para produzir resultados de pesquisas, mas implica simultaneamente
transformaçõ es do pesquisador, desafiando-o a assumir pressupostos de
natureza epistemoló gica, ontoló gica e metodoló gica, com superaçã o de
modelos de ciência deterministas e com valorizaçã o dos sujeitos
pesquisadores como autores das compreensõ es emergentes de suas
pesquisas. Mostra-se, ainda, que a ATD, numa abordagem radicalmente
qualitativa, evidencia aproximaçõ es com a hermenêutica, acionando processos
reconstrutivos concretizados na linguagem, importante ferramenta de
produçã o e expressã o das compreensõ es produzidas.
Na sustentaçã o destas idéias, o texto está organizado em quatro partes.
A primeira focaliza mudanças epistemoló gicas e paradigmá ticas implicadas no
trabalho com a ATD. Na sequência, destacam-se movimentos reconstrutivos
em que os pesquisadores se envolvem ao trabalharem com esta metodologia,
implicando desconstruçõ es e reconstruçõ es, sempre à procura de maior
compreensã o dos fenô menos investigados. Na terceira parte aprofundam-se
as questõ es de autoria e aproximaçã o sujeito-objeto, implicadas no uso da
ATD, com exigência de constantes interpretaçõ es do pesquisador em relaçã o
aos seus materiais de aná lise e necessidade de assumir seus pró prios pontos
de vista na organizaçã o dos resultados de suas pesquisas. Por ú ltimo, procura-
se mostrar o movimento do semâ ntico ao hermenêutico, deslocamento da
frase ao discurso no processo de aná lise, com inserçã o do pesquisador em
espirais reconstrutivas, em que a criaçã o e a imaginaçã o sã o partes
integrantes da produçã o e expressã o de novas compreensõ es.
Pelo envolvimento com a ATD, a ruptura de paradigmas
Ao envolverem-se com a ATD os pesquisadores se percebem em
deslocamentos do explicar causas para o compreender na complexidade,
assumindo cada vez mais a interpretaçã o em suas pesquisas, com
aproximaçõ es decisivas com a hermenêutica.
Pesquisadores em processo de apropriaçã o da ATD percebem-se
desafiados em seus fundamentos metodoló gicos e epistemoló gicos, surgindo
estranhamentos que precisam ser superados ao longo do processo. Trabalhar
com esta metodologia implica apropriar-se de um conjunto de pressupostos
que a sustentam.
Uma das dimensõ es em que os pesquisadores se veem desafiados é a
que se refere a seus entendimentos da realidade, exigindo-se que superem
concepçõ es de um realismo ingênuo para assumirem que realidades sã o
construçõ es humanas, com intensa participaçã o da linguagem. A direçã o desse
movimento parece coincidir com o que argumenta Santos (2002, p. 28):
Em vez da eternidade, a histó ria; em vez do determinismo, a
imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetraçã o, a
espontaneidade e a auto-organizaçã o; em vez da reversibilidade, a
irreversibilidade e a evoluçã o; em vez da ordem, a desordem; em vez da
necessidade, a criatividade e o acidente.
10 No texto sempre que aparecer uma referência entre aspas, sem autoria, trata-se de manifestaçã o de algum sujeito da
pesquisa.
As vivências de pesquisadores apropriando-se da ATD mostram ser um
grande desafio a ruptura de paradigmas, processo exigente de desconstruir o
já formatado e reconstruir em novas perspectivas, movimentos ao caos, para
em seguida reorganizar visando a atingir novas compreensõ es, "sinfonia de
textos e de vida em que o processo envolve intensamente os pesquisadores".
Esses movimentos podem ser descritos como deslocamentos do paradigma
dominante de ciência para paradigmas emergentes (Santos, 2002), com intensa
implicaçã o dos pesquisadores nos seus processos produtivos.
Nos seus estranhamentos epistemoló gicos os pesquisadores percebem
os limites da causalidade e se deslocam do descobrir ao compreender, de
explicar ao interpretar. No mesmo movimento vã o superando o determinismo
mecanicista e controlador, numa aproximaçã o decisiva entre objeto e sujeito
da pesquisa. As novas compreensõ es atingidas passam a ser percebidas como
criaçõ es com autoria, superando a ideia de uma realidade objetiva a ser
explorada e assumindo que a pesquisa social lida com discursos coletivos a
serem compreendidos em profundidade.
Na sua apropriaçã o da ATD o pesquisador envolve-se na exploraçã o de
relaçõ es complexas nos fenô menos sociais, sempre histó ricos e exigindo
interpretaçã o de sentidos, com superaçã o do positivismo, caracterizado pela
causalidade e legalidade, para aceitaçã o de modos de compreensã o da
realidade que valorizam a diversidade, a multiplicidade e a diferença, focando
na complexidade dos fenô menos sociais. Esse movimento implica
deslocamentos do nomotético e idiográ fico (Lincoln; Guba, 1985), com
superaçã o de grandes sistemas explicativos para assumir a compreensã o da
vida cotidiana, em sua diversidade e multiplicidade (Mafessoli, 2007).
No seu desafio de assumirem novos pressupostos ontoló gicos,
epistemoló gicos e metodoló gicos os pesquisadores em apropriaçã o da ATD
superam entendimentos de pesquisa como modos de testar
hipó teses de natureza causal para assumirem posturas que valorizam o
emergente, com hipó teses de trabalho constituindo-se nas aná lises e sendo
expressas em textos argumentados, com ancoragens empíricas nas
informaçõ es trabalhadas na pesquisa e constituindo abstraçõ es teó ricas
emergentes das aná lises.
O envolvimento na ATD é movimento em direçã o à hermenêutica, com
valorizaçã o de pré-compreensõ es como modos de chegar a entendimentos
mais complexos. Nisso o pesquisador vai além de aná lises de cará ter semió tico
e semâ ntico, para atingir interpretaçõ es de cará ter hermenêutico,
contextualizadas e histó ricas, com intenso envolvimento e autoria do
pesquisador.
A ATD em sua proposta de construçã o de novos conhecimentos a partir
da reconstruçã o de conhecimentos já anteriormente elaborados aproxima-se
do que é proposto por Santos (2002), admitindo a interpenetraçã o dos
conhecimentos, especialmente do científico com o senso comum, procurando
aproveitar o cará ter libertador e utó pico do conhecimento cotidiano nos
processos de produçã o científica.
A ATD constitui exercício de interpretaçã o hermenêutica, capaz de
atingir compreensõ es emergentes em discursos sociais analisados a partir de
textos produzidos por uma diversidade de sujeitos. Nos espaços de linguagem
em que se manifestam os sujeitos o pesquisador procura produzir novos
sentidos e compreensõ es sobre os fenô menos que investiga, sempre com a
marca de sua autoria.
A ATD manifesta-se assumindo pressupostos da hermenêutica,
valorizando preferencialmente teorizaçõ es emergentes da aná lise,
reconstruçõ es de pré-compreensõ es do pesquisador e dos sujeitos de sua
pesquisa. Na circularidade da produçã o dos resultados, sempre submetidos à
discussã o aberta e ao crivo da crítica para sua validaçã o e aceitaçã o coletiva,
concretiza-se a tessitura hermenêutica das compreensõ es sobre os fenô menos
investigados.
A complexidade do compreender pela reconstrução
As rupturas paradigmá ticas associadas à apropriaçã o da ATD dã o-se na
relaçã o com movimentos entre ordem e caos, com o entendimento dos
fenô menos em sua complexidade a partir de reconstruçõ es em caminhos
hermenêuticos, atingindo-se novos entendimentos a partir da exploraçã o de
diferenças percebidas pelos pesquisadores e integradas em suas pré-
compreensõ es.
Os mergulhos na intensidade dos fenô menos, característicos da ATD,
implicam o envolvimento em ciclos de caos e ordem, movimentos em espaços
nã o lineares com o questionamento de conhecimentos existentes,
desorganizaçã o e desconstruçã o seguidas de categorizaçã o e reorganizaçã o,
espaços para a criaçã o e produçã o de novas ordens e novas compreensõ es.
No seu envolvimento em ciclos de caos e ordem, os pesquisadores
compreendem que o medo, a angú stia e a incerteza sã o parte do processo,
aceitando o argumento de Demo (2001, p. 16), quando afirma que “a realidade
está mais próxima da metáfora do caldeirão, onde tudo ferve e se transforma, do
que do texto analítico sistemático que, por força do próprio destino, só retrata o
que é sistemático”.
Operar entre caos e ordem é mergulhar na intensidade dos fenô menos,
explorando sua profundidade pelo envolvimento e participaçã o intensa.
Implica atingir a nã o linearidade dos fenô menos, o caó tico criativo e a
dimensã o incontrolá vel da inovaçã o surpreendente. Atingir a profundidade e
a intensidade dos fenô menos exige participaçã o intensa do pesquisador em
sua subjetividade e individualidade, processo de criaçã o e imaginaçã o em que
a autoria nã o é uma opçã o, mas uma exigência.
No envolvimento com a ATD os pesquisadores declaram-se em
"turbilhõ es de idéias", em "tempestades com livres voos". No movimento
desconstrutivo de aproximaçã o ao caos, sempre num esforço
interpretativo rigoroso, estã o as possibilidades de emergência do novo,
compreensõ es explodindo de forma natural, avalanches de novidades
(Kauffman, 1995) sendo gestadas, sempre com a presença ativa e a autoria do
pesquisador.
Inserir-se em movimentos desconstrutivos e de aproximaçã o ao caos
ajuda a atingir as dimensõ es sistêmica e complexa dos fenô menos,
aproximando compreensã o e complexidade. A partir de movimentos
desconstrutivos da unitarizaçã o, a ATD movimenta-se pela categorizaçã o no
sentido de construir sistemas de categorias num padrã o em rede,
possibilitando compreender os fenô menos em sua complexidade.
Ao participarem desses processos os pesquisadores percebem-se
dentro de uma proposta de complexidade e de visã o sistêmica, associando
esta metodologia com entendimentos de que "na realidade nada é definitivo,
tudo é um devir eterno e imanente; transcender a linearidade e a visã o
cartesiana é um desafio diante da complexidade do mundo em que vivemos".
Perceber-se trabalhando com idéias sistêmicas e de complexidade é
desafiar-se a construir redes, redes de categorias e subcategorias em
diferentes níveis de interconexã o. Pela categorizaçã o constroem-se redes de
compreensã o na linguagem, estabelecendo pontes entre vivências concretas e
abstraçõ es elaboradas por meio de conceitos. Também pela categorizaçã o, na
ATD, reconstroem-se redes conceituais e teó ricas relacionadas ao mundo e à s
culturas.
No processo da ATD os pesquisadores sã o convidados a
desconstruírem e reconstruírem conceitos, com unitarizaçã o, categorizaçã o e
produçõ es escritas derivadas de suas aná lises e sínteses. Nesse desconstruir e
esforço reconstrutivo explodem novas compreensõ es, sempre com intensa
participaçã o e autoria, aplicando-se o que é proposto por Demo (2001, p. 56-
57):
...assumindo a posiçã o de intérprete autô nomo... de interpretar o fenô meno
pesquisado em tom desconstrutivo, para ir além do que se diz e das
aparências do que se diz; se antes estava em jogo o ponto de vista do outro,
agora salientamos o ponto de vista pró prio... a desconstruçã o é apenas uma
parte, que deverá ser completada com a reconstruçã o analítica do fenô meno.
11 Dito heraclítico esculpido no umbral de entrada da cabana de Heidegger, segundo Grondin, Jean. Introduçã o à
12 Mais informaçõ es em Ricoeur, Paul. A metá fora viva. Sã o Paulo: Ediçõ es Loyola, 2005.
A exploraçã o e uso das metá foras na apropriaçã o da ATD constituem
parte do processo de rupturas epistemoló gicas, ontoló gicas e metodoló gicas
pelas quais passam os pesquisadores envolvidos com esta forma de aná lise.
Sã o ainda modos de aproximaçã o entre sujeito e objeto de pesquisa, podendo
concretizar a proposta de ATD de, preferencialmente, construir novas
compreensõ es que se constituem em autoconhecimento de quem pesquisa. Na
medida em que as metá foras ajudam a trilhar o caminho hermenêutico da
ATD, possibilitam colocar em prá tica os pressupostos que sustentam esta
forma de aná lise.
Considerações finais
Pretendeu-se neste texto construir novas compreensõ es sobre a Aná lise
Textual Discursiva, destacando em seus movimentos de aná lise e síntese o
cará ter hermenêutico do processo. Ao tentar concretizar isto reuniu-se
argumentos visando a mostrar esse movimento como constituído de:
- exigência de rupturas com pressupostos epistemoló gicos, ontoló gicos e
metodoló gicos associados ao paradigma dominante de ciência, com
movimentos em direçã o a novos paradigmas;
- perceber o processo de aná lise como movimento permanente de
reconstruçã o de compreensõ es já anteriormente constituídas a partir
da interaçã o com outros pontos de vista;
- entender o processo de aná lise como exigindo a presença constante do
pesquisador em sua capacidade interpretativa e em suas autorias,
concebendo o conhecimento produzido como autoconhecimento do
pesquisador;
- os movimentos da ATD vã o da semâ ntica à hermenêutica, com intenso
envolvimento na linguagem numa perspectiva de discursos sociais,
exigindo ao pesquisador inserir-se em círculos hermenêuticos capazes
de lhe possibilitarem compreensõ es cada vez mais elaboradas e vá lidas,
seguidamente criando espaços para a metá fora como modo de sua
expressã o.
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Dissertaçã o (Mestrado em Educaçã o) - PUCRS, Porto Alegre, 2004.