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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA865
Estética da Música 2023 II
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento 5

VITÓRIA CAROLINA CUNHA


Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Assuntos gerais deste fichamento/documentação: TOMÁS, 2005, p.67-78 – Barroco e


Classicismo (capítulo 4); tópicos trabalhados em sala a respeito das transformações musicais do
século XVIII e as diferentes linhas de pensamento presentes nesse momento histórico.

Os séculos XVII e XIII: profundas transformações no pensamento ocidental e na música


Por volta do ano de 1600, diversos eventos políticos, religiosos, sociais e artísticos foram
responsáveis por transformar profundamente o pensamento ocidental. Dessa forma, houve um
afastamento cada vez maior da visão de mundo medieval-renascentista que se tinha até então. As
inúmeras descobertas científicas e as questões filosóficas focadas na individualidade marcaram o
pensamento moderno, de forma que a razão, a natureza e o progresso foram os grandes temas dos
séculos XVII e XVIII. Quanto à música, houve o desenvolvimento de diversas teorias musicais,
sendo notável o interesse por princípios organizacionais e seu implemento em um sistema.
Assim, a teoria musical, de forma geral, assumiu funções de guia para as práticas musical e
composicional. No entanto, o grande acontecimento musical do século XVIII foi o
estabelecimento do Sistema Tonal. Fruto do pensamento cartesiano, racionalista, esse sistema
harmônico foi possível por consequência do temperamento igual e marcou uma nova e
importante estética musical a partir de então. A música, ao seguir esse sistema, foi capaz de
comunicar coisas valendo-se de si mesma. A partir de então, surgiram novas formas musicais,
como a fuga, a suíte, o concerto e a forma sonata, as quais se enquadravam na dualidade dos
modos jônico e eólio proposta pelo tonalismo.
Além disso, os pensadores afastavam, cada vez mais, suas análises das estruturas
internas da composição, retomando, em um diferente contexto, a ideia antiga de que a música era
capaz de imitar conceitos e afetos. Focavam sua atenção, portanto, nos efeitos dela no espírito
humano. Segundo Renée Descartes, por exemplo, a finalidade da música era “agradar e mover
em nós as variadas paixões”. No seu tratado As paixões da alma, ele apresentou, ainda,
explicações de natureza acústica e fisiológica de como a música agia em nossos sentidos e alma.
Outro acontecimento interessante foi a mudança de ordem epistemológica ocorrida entre os
séculos XVII e XVIII a respeito dos temos “imitação” e “natureza”. No século XVII, natureza era
sinônimo de razão e de verdade, enquanto a imitação indicava o procedimento que visava tornar a
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realidade racional mais agradável e amena. Já no século XVIII, natureza era símbolo de
sentimento e expressividade, enquanto a imitação indicava o vínculo que a arte deveria manter
com a realidade.

A ópera italiana vs a ópera francesa e o embate música-texto


A partir de 1600, o embate entre música e texto alcançou um lugar de destaque,
sobretudo com o nascimento do estilo que se tornou o grande palco dessa discussão: o
“melodrama”, posteriormente conhecido como “ópera”. Nesse ano, na cidade de Florença, foi
apresentado, pela primeira vez, o drama musical Eurídice, fundindo poesia, música e teatro. Esse
novo estilo também se instalou na França, sendo o cenário musical francês, até 1670, dominado
por músicos e compositores italianos. No entanto, o gosto musical dos franceses não era
compatível com este tipo de espetáculo, visto que a França carregava uma tradição musical e
literária diferente da italiana. Por conta disso, eles desenvolveram um tipo de produção operística
bem particular, fortemente associada ao reinado de Luis XIV e à presença do músico Jean-
Baptiste Lully. Assim, a ópera assumiu dois estilos diferentes, um na Itália e outro na França. Na
prática, dois fatores importantes diferem a ópera francesa da italiana: o fato de a ópera francesa
conceder um espaço também para a dança e a alternância entre o texto declamado e o texto
cantado. Diferentemente dos recitativos das óperas italianas, que cumpriam apenas a função de
passagem entre as árias cantadas, o recitativo francês era o ponto culminante da expressão, da
dramaticidade e da emoção. Além disso, a tradição racionalista da corte francesa conteve as
extravagâncias e espontaneidade italianas. Para eles, a música deveria se ater a normas, ser
simples e elegante, ou seja, de “bom gosto”. Lully foi o principal compositor da corte no século
XVII, responsável por introduzir tais inovações e produzir o primeiro espetáculo totalmente
cantado em língua francesa.
O debate entre a soberania da música ou do texto se instalou em solo francês
precisamente no ano de 1702, com uma publicação de François Raguenet. Em seu texto, ele
exaltou as características da ópera francesa trazidas por Lully, como a seriedade e a austeridade,
em contraste ao estilo italiano, mais popular, melodioso e mais voltado ao virtuosismo dos
intérpretes que para a coerência do enredo. No entanto, ao final, ele se rendeu à ópera italiana e
reconheceu nela um brilhantismo e uma expressividade jamais alcançados pelos franceses. O
autor Le Cerf, por outro lado, exaltou a naturalidade e a simplicidade das óperas francesas,
condenando os excessos e os elementos supérfluos presentes nas produções italianas. Além deles,
outros pensadores franceses da época lançaram-se na escrita de libretos operísticos ou incluíram a
temática musical em suas obras filosóficas, como Voltaire, Diderot e Rousseau. A maioria deles,
porém, concordava que a música não sobrevivia sem letra. Assim, com o cenário operístico no
centro das atenções, a interdependência música-letra levou à publicação de manuais de retórica
musical para a mais perfeita adequação entre figuras de linguagem e trechos musicais.
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A música instrumental e as discussões musicais no século XVIII


A música instrumental, apesar de existir desde a Idade Média, não havia, até então, sido
alvo de grandes discussões teóricas. No entanto, paralelo às discussões de adequação entre
música e texto, esse gênero tomou um impulso desenvolvimentista no fim do século XVII,
causando inúmeras polêmicas. Sua efetiva autonomia se deu, porém, apenas no fim do século
XVIII. Nas primeiras décadas do “século das luzes”, em meio ao Iluminismo, surgiram duas
linhas de pensamento nas discussões musicais. De um lado, estava Jean-Philippe Rameau, um
importante teórico e compositor francês, responsável pelo importante Tratado de harmonia, de
1722, o qual se tornou a base teórica do Sistema Tonal. Neo-pitagórico, racionalista, iluminista e
cartesiano, Rameau baseou sua ordem musical por meio de números e proporções matemáticas,
considerando que a própria natureza é mensurável em termos de números e proporções. Esse
caráter científico da sua abordagem coloca a harmonia como um princípio natural e originário,
portanto, racional e eterno. Assim, para ele, se a música imita a natureza, é porque ela expressa,
pela organização do sistema harmônico, uma ordem mensurável e universal. Por essa lógica, a
música bastaria a si própria, assim cumprindo sua função de integrar o todo e, ao mesmo tempo,
depurar e representar a natureza, independentemente de texto poético. Rameau, no entanto, teve
opositores quanto a esse pensamento: os filósofos responsáveis pela Encyclopédie – Voltaire,
Diderot, D’Alembert e, principalmente, Rousseau. Para eles, a música se pauta na imitação da
natureza, no bom gosto e na expressão dos afetos. É importante lembrar, porém, que o conceito
de natureza, nesse caso, ganhava um novo significado. Para Rousseau, o maior adversário das
ideias de Rameau, natureza torna-se algo equivalente a sentimento, espontaneidade e paixão, ou
seja, atributos subjetivos. As discordâncias entre os dois pensadores aconteceram, ainda, no
âmbito da música vocal, principalmente com relação às funções da harmonia e suas utilizações.

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